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Avaliação Psicodinâmica

Manuella Melo Cezar e Rodrigo Weber da Fontoura

I-Dados de Identificação do paciente:


Breno, próximo aos quarenta anos, casado, atirador de elite da polícia.

II –Impressão geral transmitida:


Paciente possui muitos traços de personalidade narcisista no seu jeito de ser e comunicar.
Enfatiza características de superioridade idealizada em si e nos outros, buscando sempre
certa disputa e avaliação na narrativa de episódios da sua vida. Através da sua estética,
parece tentar impressionar os outros, desde as suas vestes, postura, tom de voz e
elaboração narrativa. Ademais, se expressa através de movimentos corporais agitados e
intensos, causando certa intimidação no ouvinte, concomitantes à picos de agressividade
verbal, com elevação de voz, momentos de explosividade e interrupções constantes. A fala
e raciocínio são rápidos, tendendo a estabelecer narrativas onde seja exaltado por suas
habilidades. O paciente personifica o estereótipo de um atirador de elite, mantendo um
enfrentamento tácito no olhar, sobretudo quando se sente desafiado. Preconiza a
racionalidade e o empirismo, apresentando certa aversão às questões afetivas.

III –Motivo da consulta:


Após sua participação em uma operação acabar culminando na morte de um famoso
traficante e também de uma criança que estava escondida embaixo da mesa durante tiroteio
em escola da periferia de São Paulo, Breno infarta um dia antes de prestar esclarecimentos
oficiais. Agora, quer participar de um evento social que ocorrerá no local da tragédia, por
curiosidade, diz ele. Ainda assim, quer a opinião do novo terapeuta sobre esse seu desejo.

lIV –Sintomas:
Os sintomas de Breno são egossintônicos. O paciente nega o impacto do evento traumático
para si, assim como tenta se afastar da hipótese de ter falhado enquanto profissional. Houve
um episódio sintomático muito importante em que praticou exercícios físicos exaustivamente
até o ponto de sofrer uma parada cardíaca a qual provocou uma “morte clínica” que durou
48h, um dia antes da data marcada para prestar esclarecimento sobre o episódio
catastrófico. Outro sintoma, talvez mais estrutural, diz respeito à tendência de Breno operar
sempre pela competitividade e disputa. Sente angústia para tomar decisões e acaba
delegando essas para terceiros, o que fica claro quando fala do seu trabalho. Mostra
comportamento evitativo diante da dimensão afetiva. Medo de errar.

V-Antecedentes:
Breno relata certo afastamento afetivo de seu pai, embora frequentemente traga referências
dessa figura em sua fala. Esse conflito parece ter relação com a mãe de Breno, que já é
falecida, o que, na época, pareceu ser um evento que gerou uma ruptura entre os dois. O
falecimento do avô de Breno também surge de forma relevante, tendo em vista que o
paciente relata ter lembrado dessa história no momento em que estava à beira da morte
durante o episódio da parada cardíaca. Segundo Breno, foi sua avó quem encontrou seu
avô morto no banheiro, “morto e com uma ereção”, fato que gerou medo no paciente, medo
de que lhe acontecesse o mesmo, quando lhe ocorreu a parada cardíaca. É inevitável
articular este aspecto ao simbolismo fálico próprio da fase edípica, juntamente com suas
questões na relação com pai e mãe. Pelos seus relatos, podemos supor que Breno tenha
sido muito disciplinado em toda sua vida, buscando sempre se destacar dos demais e se
tornar “o melhor”, o que lhe causa satisfação e orgulho. Esse desejo é vivenciado através do
seu posto como atirador de elite, que revela uma educação disciplinar e de uma moral
influenciada pelos ideais militares.

VI –Formulação do caso:
Breno é um homem que chegou num momento crítico de conflitos psíquicos após os
últimos episódios de sua vida. Pode-se dizer que apresenta um Superego muito rígido,
baseado em ideais irretocáveis de valoração. Nesse sentido, sua angústia trata da tentativa
de sempre alcançar esses ideais quase inalcançáveis. Para isso ele está sempre impondo
sobre si mesmo e aos demais, a competitividade. Seus medos dizem respeito aos seus
erros ou a possibilidade de não corresponder aos seus próprios níveis de ideação que
construiu por trás da figura de masculinidade intocável que ele transmite ao mundo.
A dinâmica da submissão versus controle também é um aspecto relevante em seu
funcionamento, posto que a tomada de decisão é algo problemático e gerador de sofrimento,
de modo que Breno busca delegar e terceirizar suas escolhas para outros que compreende
como superiores, comportamento que ele parece não tomar conhecimento, justificando
racionalmente tais ações. É interessante que Breno apresenta uma tendência de competir
com homens e valorizá-los mais em relação às mulheres. Conflitos edípicos emergem
sobretudo na rivalidade versus medo que está como pano de fundo recorrente de suas
questões existenciais e cotidianas. Podemos compreender as problemáticas de Breno como
de ordem neurótica, apresentando dilemas que abrangem a angústia em cometer erros,
aspectos da autoestima, a idealização superegóica e a busca por castração.
Quanto aos mecanismos de defesa observados, Breno utiliza da racionalização
sempre que começa a falar de situações com alta carga emocional, como a morte de
pessoas queridas, e a sua própria parada cardíaca que o deixou morto clinicamente por 48h.
Quando dessa parada cardíaca, por exemplo, parece que através do excesso de atividade
física Breno somatizou o sofrimento intolerável que estava reprimindo.
Vale ressaltar que tal episódio ocorreu um dia antes de Breno prestar explicações
aos seus superiores da polícia acerca da morte do menino, no episódio traumático que tem
mobilizado o paciente. Nesse sentido, é pertinente considerar que a figura da instituição
militar pode configurar uma representação simbólica de um pai castrador, tendo em vista
suas características disciplinares e hierárquicas, a constante competitividade, exaltação de
masculinidade, diluição de responsabilidade através da terceirização das decisões
individuais, e mesmo a própria representação fálica contida nas armas de fogo, sobretudo
nos rifles de grosso calibre escolhidos por Breno como instrumentos de profissão.
Depois do episódio traumático na operação policial, Breno não se conecta com
qualquer sensação de ter errado ou fracassado, chegando a referir-se ao sucesso que teria
sido tal missão, uma vez que ele tinha conseguido matar o seu alvo principal e isso o
tornava grandioso, utilizando-se mais uma vez da idealização. A dissociação encontra-se
nessa situação em que Breno desresponsabiliza-se e não atribui nenhum valor emocional à
morte da criança que diz sequer ter visto em sua mira, chegando a desvincular-se
parcialmente do evento.
Tudo isso parece estar articulado aos aspectos pregressos e desenvolvimentais de
Breno em seu plano familiar. O Complexo de Édipo se manifesta em tensões com a figura
paterna e de uma representação materna embotada. Tal dinâmica se repete na forma como
representa seu pai e sua mãe, com um pai que precisou dar conta da “bagunça” que a mãe
deixou após falecer, episódio onde o próprio Breno se afasta do pai; também em suas
figuras do avô e da avó, quando a figura materna precisa lidar com a ereção póstuma da
figura paterna; e consigo próprio em relação à sua parceira, que aparece como coadjuvante
em seu discurso, que parece preconizar seu “amigo homossexual”, citado repetidas vezes
no decorrer da consulta.

V -Plano de tratamento:
É recomendado que o paciente siga um tratamento de psicoterapia de cunho psicanalítico
individual para que seja possível:
- Explorar seus aspectos narcísicos e suas representações superegóicas, sobretudo através
da transferência-contratransferência;
- Fortalecer o vínculo terapêutico para a aderência no tratamento;
- Baixar as defesas e elaborar mecanismos maduros de enfrentamento da angústia;
- Trabalhar para o reconhecimento de uma autoimagem e imagem do Outro mais humana e
realista;
- Conexão com sentimentos de desamparo, medo e impotência;
-Explorar fixações, sobretudo no Complexo de Édipo, buscando fornecer maior autonomia
nas suas dinâmicas interpessoais;
-Analisar os mecanismos de defesa e representações simbólicas emergentes na situação
traumática e na história do paciente a fim de compreender os conflitos vivenciados e
problemáticas específicas de Breno.

Em relação ao prognóstico do caso, é plausível esperar resistências no âmbito da castração


e nas temáticas que circundam suas características narcísicas, sobretudo quando diante de
seus medos, falhas, limitações e impotências. Tendo em vista sua tendência pela
competitividade, é provável que surjam tensões quando seu ideal de ego for questionado.
Aparentemente, Breno possui boa capacidade intelectual e de elaboração de insights. No
entanto, como grande parte de seus sintomas são egossintônicos, o reconhecimento destes
sintomas enquanto problemáticas analisáveis poderá repercutir em comportamentos de
negação, raiva, e descrédito nas capacidades do terapeuta.
Como podemos ver nas características de Breno, a questão da afetividade será um ponto
problemático ao qual devemos ficar atentos, posto que o paciente faz este antagonismo
entre as questões racionais e afetivas, enaltecendo a primeira e rechaçando a segunda
modalidade relacional. Em determinado momento esta e outras dinâmicas internas poderão
surgir como modo de colocar à prova a relevância da terapia, podendo repercutir na
desistência pelo tratamento, principalmente conforme se for avançando na análise dos
conflitos centrais.

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