Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Para Sartre, a realidade humana pode ser compreendida como um constante fazer-se.
Não há nada que possa satisfazê-la inteiramente, pois a incompletude é sua própria
substância, de modo que a liberdade é sua essência, visto que o que define um indivíduo
são suas escolhas; desse ponto de vista, verificamos que, em Sartre, podemos descartar a
ideia de uma personalidade em si mesma, posto que o ser enquanto ser é um nada de
ser. A liberdade, para o pensador francês, não pode ser concebida da mesma forma que
as demais características do ser, mas sim como o fundamento de todas elas; portanto,
está contida no âmago do ser. Não há nada que justifique essa ou aquela ação, a não ser
a própria liberdade, o que confere ao homem a total responsabilidade diante de seus
atos.
“Para a realidade humana, ser é escolher-se: nada lhe vem de fora, nem tampouco de
dentro, que possa receber ou aceitar. Está inteiramente abandonada, sem auxílio de
nenhuma espécie, à insustentável necessidade de se fazer ser até ao mais ínfimo
pormenor. Assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, quer dizer, o seu nada de
ser. (…) O homem não pode ser ora livre, ora escravo; ele é inteiramente e sempre livre,
ou não é.” – [Sartre, J.-P., O Ser e o Nada].
“Assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, quer dizer, o seu nada de ser.” Ao
lermos esta frase, podemos lançar a seguinte pergunta: o que seria este nada de ser? Para
responder esta pergunta, é fundamental que apresentemos os conceitos de ser-Em-si e
ser-Para-si:
O Em-si é tudo aquilo que possui essência definida, ou seja, todo o tipo de
representação objetiva existente. Assim, podemos dizer que um homem é um ser-Em-
si para os outros, já que estes só têm acesso ao que é objetivado. Para o outro, não há
outro modo de captá-lo senão do mesmo modo que se capta a realidade de uma porta, de
uma cadeira ou de uma mesa; isto é, através do que é manifestado objetivamente.
Já o Para-si pode ser definido como a relação do ser consigo próprio, na medida em que
é consciência de ser. O ser enquanto ser resume-se a ser infinidade de possibilidades e
conflito de sentimentos; representa-se, para si próprio, como um vir-a-ser, que ainda
não é; ou seja, nada mais é que um nada de ser.
“A condição é uma representação para os outros e para mim, o que significa que só
posso sê-la em representação. Porém, precisamente, se represento, já não o sou: acho-
me separado da condição tal como o objeto do sujeito – separado por nada, mas um
nada que dela me isola, impede-me de sê-la, permite-me apenas julgar sê-la, ou seja,
imaginar que sou. Por isso, impregno de nada essa condição”. [Ibid.]
Para explicar as relações da consciência é preciso antes defini-la tal como Sartre o fez.
Partindo da análise da consciência do homem - um ser que está no mundo, ou seja,
vinculado ou indissociável enquanto corpo-mente-mundo - é possível determinar dois
seres: O Ser-em-si e o Ser-para-si. O primeiro diz respeito às coisas tal como se
apresentam para nós, sendo fenômeno (aparição) ou não, ou seja, existem aí no mundo
(Dasein), independente de qualquer coisa. O segundo, o para-si, é a consciência que ao
se defrontar com o mundo torna-se um processo dinâmico (contrastando com a inércia
do em-si) e faz com que o em-si se desvele.
Essa relação evidencia a natureza do Para-si: é o nada que vê nos objetos o seu não ser,
isto é, relacionado com o ser-em-si, ele (o para-si ou consciência) não se identifica com
nenhum dos seres (em-si), sendo, portanto, uma falta, uma carência que é na verdade o
movente para atingir aquele repouso do em-si. O para-si deseja ser.
Também o para-si é um ser contingente, mas que ao contrario do em-si quer ser causa
da sua própria existência e que questiona seu próprio ser. Nisso já está implícito um
conceito de liberdade que é característica do ser-para-si. Essa liberdade permite que
uma subjetividade seja objetiva e nesta ação está a responsabilidade que Sartre atribui a
cada homem.
Como a consciência não consegue se identificar com nenhum ser-em-si, ela disto se
aproxima quando em relação com outra consciência. Isto porque a ação ou escolha
enquanto consciência percebe a contingência e gratuidade de sua existência que geram a
angústia posterior a uma sensação de náusea. Angústia porque a responsabilidade é
totalmente do individuo ou de cada individuo enquanto forma de reagir ao mundo, às
coisas, etc., causados pela náusea de saber que não existe um Deus ou um fundamento
que determine a sua essência. Se, como diz Sartre, a existência precede a essência, o
homem enquanto jogado ao mundo é quem desenvolve seus projetos e único
responsável por suas ações. Estas ações podem implicar numa ética. A relação entre
consciência é o que permite que a escolha seja de fato universal. Se a consciência é livre
e pode escolher, quando isto se dá, quer dizer que é escolher a liberdade para todos os
homens, pois se escolhe o homem (a consciência).