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O problema do ser em Jean-Paul Sartre

Fortemente influenciado pelo pensamento de Heidegger e Husserl, Sartre, ao


desenvolver sua fenomenologia existencial, assume importante papel na compreensão
da consciência e do ser em sua totalidade, e para melhor compreendermos a sua
filosofia, é fundamental que entendamos, antes de qualquer coisa, alguns de seus
principais conceitos.

Para Sartre, a realidade humana pode ser compreendida como um constante fazer-se.
Não há nada que possa satisfazê-la inteiramente, pois a incompletude é sua própria
substância, de modo que a liberdade é sua essência, visto que o que define um indivíduo
são suas escolhas; desse ponto de vista, verificamos que, em Sartre, podemos descartar a
ideia de uma personalidade em si mesma, posto que o ser enquanto ser é um nada de
ser. A liberdade, para o pensador francês, não pode ser concebida da mesma forma que
as demais características do ser, mas sim como o fundamento de todas elas; portanto,
está contida no âmago do ser. Não há nada que justifique essa ou aquela ação, a não ser
a própria liberdade, o que confere ao homem a total responsabilidade diante de seus
atos.

“Para a realidade humana, ser é escolher-se: nada lhe vem de fora, nem tampouco de
dentro, que possa receber ou aceitar. Está inteiramente abandonada, sem auxílio de
nenhuma espécie, à insustentável necessidade de se fazer ser até ao mais ínfimo
pormenor. Assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, quer dizer, o seu nada de
ser. (…) O homem não pode ser ora livre, ora escravo; ele é inteiramente e sempre livre,
ou não é.” – [Sartre, J.-P., O Ser e o Nada].

Portanto, podemos concluir que Sartre contrapõe-se às noções deterministas tanto


internas, negando, desta forma, a teoria psicanalítica, no que diz respeito às
determinações inconscientes que norteariam a vida consciente de um indivíduo, como
externas, desconsiderando, além das influências metafísicas, as condições econômicas e
sociais que, embora possam exercer certa influência, não são determinantes na vida de
um indivíduo.

“Assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, quer dizer, o seu nada de ser.” Ao
lermos esta frase, podemos lançar a seguinte pergunta: o que seria este nada de ser? Para
responder esta pergunta, é fundamental que apresentemos os conceitos de ser-Em-si e
ser-Para-si:

O Em-si é tudo aquilo que possui essência definida, ou seja, todo o tipo de
representação objetiva existente. Assim, podemos dizer que um homem é um ser-Em-
si para os outros, já que estes só têm acesso ao que é objetivado. Para o outro, não há
outro modo de captá-lo senão do mesmo modo que se capta a realidade de uma porta, de
uma cadeira ou de uma mesa; isto é, através do que é manifestado objetivamente.

Já o Para-si pode ser definido como a relação do ser consigo próprio, na medida em que
é consciência de ser. O ser enquanto ser resume-se a ser infinidade de possibilidades e
conflito de sentimentos; representa-se, para si próprio, como um vir-a-ser, que ainda
não é; ou seja, nada mais é que um nada de ser.
“A condição é uma representação para os outros e para mim, o que significa que só
posso sê-la em representação. Porém, precisamente, se represento, já não o sou: acho-
me separado da condição tal como o objeto do sujeito – separado por nada, mas um
nada que dela me isola, impede-me de sê-la, permite-me apenas julgar sê-la, ou seja,
imaginar que sou. Por isso, impregno de nada essa condição”. [Ibid.]

Transpondo para um ponto de vista mais pragmático, podemos constatar as conclusões


sartrianas na frequente e perene insatisfação do homem que, na tentativa de atingir um
ser pleno e dotado de pura positividade – um Em-si -, age de forma incessantemente.
Como todas as suas tentativas fracassam, já que, como vimos, o Em-si só pode ser
apreendido pelo outro, ele tenta novamente e, de novo, fracassa; desta forma, a
plenitude nunca é alcançada e este ciclo de movimento nunca cessa.

“O ser da consciência não coincide consigo mesmo em uma adequação plena… A


característica da consciência é que ela é uma descompressão do ser. É impossível, com
efeito, defini-la como coincidência consigo própria. Desta mesa, posso dizer que ela é
pura e simplesmente esta mesa. Mas de minha crença (por exemplo), não me posso
limitar a dizer que é crença: minha crença é consciência de crença.”  [Ibid.]

Assim sendo, essa descompressão de ser é o fundamento do agir humano na medida em


que é o fundamento da própria consciência. Somente um ser desprovido de consciência
pode estar em coincidência consigo mesmo, pois ele apenas é, sem que, por outro lado,
se constitua como consciência de si. Essa não consciência de ser gera uma compressão
de ser infinita, dado que o fato de ser sem fundamentar-se condiciona a coincidência
consigo mesmo. Por outro lado, o ser que, além de ser, fundamenta-se, isto é, constitui-
se como consciência de si, torna-se incapaz de coincidir consigo próprio, pois a
estrutura de ser e a estrutura que o fundamenta se anulam, restando ao ser apenas o seu
próprio nada, ou seja, a sua descompressão de ser de forma manifesta.

Deste modo, com as estruturas ontológicas apresentadas aqui, captamos a própria


essência do agir humano, ao passo que o homem entende-se, mesmo que
subjetivamente, como sendo um nada de ser, e a partir desta compreensão, passa a
projetar-se nos outros, buscando coletar fragmentos para a formação de uma
representação própria; no entanto, como vimos anteriormente, “[…] se represento, já
não o sou: acho-me separado da condição tal como o objeto do sujeito […]”.

Consciência e suas relações com o outro e


o ser-em-si, segundo Sartre
Filosofia
Segundo Sartre, para explicar as relações da consciência é preciso determinar dois seres: o Ser-
em-si e o Ser-para-si.

Para explicar as relações da consciência é preciso antes defini-la tal como Sartre o fez.
Partindo da análise da consciência do homem - um ser que está no mundo, ou seja,
vinculado ou indissociável enquanto corpo-mente-mundo - é possível determinar dois
seres: O Ser-em-si e o Ser-para-si. O primeiro diz respeito às coisas tal como se
apresentam para nós, sendo fenômeno (aparição) ou não, ou seja, existem aí no mundo
(Dasein), independente de qualquer coisa. O segundo, o para-si, é a consciência que ao
se defrontar com o mundo torna-se um processo dinâmico (contrastando com a inércia
do em-si) e faz com que o em-si se desvele.

Essa relação evidencia a natureza do Para-si: é o nada que vê nos objetos o seu não ser,
isto é, relacionado com o ser-em-si, ele (o para-si ou consciência) não se identifica com
nenhum dos seres (em-si), sendo, portanto, uma falta, uma carência que é na verdade o
movente para atingir aquele repouso do em-si. O para-si deseja ser.

Também o para-si é um ser contingente, mas que ao contrario do em-si quer ser causa
da sua própria existência e que questiona seu próprio ser. Nisso já está implícito um
conceito de liberdade que é característica do ser-para-si. Essa liberdade permite que
uma subjetividade seja objetiva e nesta ação está a responsabilidade que Sartre atribui a
cada homem.

A consciência quando se depara com um ser (em-si ou para-si), seja na forma de


percepção, seja na de imaginação, tem uma intenção: a intencionalidade da
consciência diante dos fenômenos (existentes) é uma forma negadora de outros objetos
(externos) e de si mesma (interna) e por isso ela (a consciência) é o nada que vem ao
mundo pelo homem e faz a relação entre ser-em-si e ser-para-si ser um fluxo recíproco
entre eles.

Como a consciência não consegue se identificar com nenhum ser-em-si, ela disto se
aproxima quando em relação com outra consciência. Isto porque a ação ou escolha
enquanto consciência percebe a contingência e gratuidade de sua existência que geram a
angústia posterior a uma sensação de náusea. Angústia porque a responsabilidade é
totalmente do individuo ou de cada individuo enquanto forma de reagir ao mundo, às
coisas, etc., causados pela náusea de saber que não existe um Deus ou um fundamento
que determine a sua essência. Se, como diz Sartre, a existência precede a essência, o
homem enquanto jogado ao mundo é quem desenvolve seus projetos e único
responsável por suas ações. Estas ações podem implicar numa ética. A relação entre
consciência é o que permite que a escolha seja de fato universal. Se a consciência é livre
e pode escolher, quando isto se dá, quer dizer que é escolher a liberdade para todos os
homens, pois se escolhe o homem (a consciência).

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Dessa forma, outro é que é o espelho para um indivíduo (intersubjetividade) e


determina a escolha em agir ou não da mesma forma e pode, também, melhor emitir um
juízo sobre esse indivíduo. Assim, de sua frase “o inferno são os outros” é que temos a
concepção de que os julgamentos são sempre parciais. Não é a defesa de um tipo de
egocentrismo exacerbado, mas sim a verificação ontológica da possibilidade das
escolhas seja feita universalmente devido ao fato de que ao se escolher, escolhe-se a
liberdade. Há uma pretensa noção de que as escolhas conscientes se uniformizem, já
que o conflito é inevitável entre seres livres que pensam e escolhem diferente. Mas o
que pode ser considerado mais universal é que o homem é um ser para a morte.

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