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BREVE ENSAIO SOBRE EXISTENCIALISMO E O SENTIDO DA VIDA.

Universidade Federal do Delta do Parnaíba ,Andressa Pereira de Jesus

Ensaio para a disciplina de Psicologia Filosófica, 2022

Introdução.

No século passado, com o avanço das máquinas e da indústria, crescia nos


trabalhadores a angústia existencial do trabalho mecânico, que não incentivava a busca
por uma subjetividade, autoconhecimento, resolução de conflitos internos. O
interessante para a sociedade era trabalhadores que não pensassem por si, apenas
estivessem ali para obedecer a ordens, e, por vezes, isso nutria nesses profissionais
problemas físicos e psicológicos, como relata Charles Chaplin em sua obra “Tempos
Modernos”. Com a chegada do século XXI, a falta de sentido na vida tem sido uma
constante nos consultórios terapêuticos. As pessoas têm se questionado sobre seu valor
em uma sociedade maquinaria e capitalista, que se alimenta da alienação, e se tornou
mais visível com a ascensão da internet.

O presente artigo tem como objetivo apresentar uma síntese de algumas ideias
de filósofos existencialistas posteriormente estudados, e ligá-las a um questionamento
presente, tanto na filosofia, quando na psicologia, sendo esse a busca por sentido na
vida. Esse questionamento tem sido base de muitos estudos existenciais, pois engloba
outros paradigmas que acompanham o homem a séculos, como o suicídio, busca por
felicidade, angústia existencial, sofrimentos psíquicos de causas externas, entre outros.
Em um sistema capitalista que se alimenta da competição, que é comandado por homens
com capital que pré-determinam a trajetória dos demais, que toda hora se contradiz, e
que possui tantos problemas coletivos que perpassam o indivíduo, como ter um sentido
e ser feliz?

A seguir, serão apresentados conceitos que podem auxiliar na busca por uma
resposta mais clara, mesmo que ainda subjetiva e esparsa, nas visões dos filósofos
escolhidos para se pensar no tema proposto: Albert Camus e Heidegger.
Albert Camus: o Absurdo.

Albert Camus, filósofo franco-argelino do século XX, iniciou seus estudos sobre
o Absurdo nas obras O Mito de Sísifo, O Estrangeiro e Calígula. Camus viveu em um
século de muitas ideologias totalitárias, marcado pela individualidade e banalização da
vida. Ele não se considerava um existencialista, pois, para ele, o existencialismo
diviniza aquilo que o oprime, é pautado no niilismo e nutre uma esperança por aquilo
que falta, ao contrário de seu pensamento que ressalta a importância de não ter
esperança para que não se aprisione ao futuro.

Os conceitos do Camus tiveram, para seu tempo, o papel de orientar um mundo


adoecido. Em O Mito de Sísifo, Camus utiliza da mitologia grega para representar uma
imagem do que ele considera o Absurdo. Essa obra conta a história do jovem Sísifo, que
foi castigado pelos deuses a carregar uma pedra para o topo de uma montanha, porém,
ao chegar lá, a pedra descia, e Sísifo precisava fazer tudo de novo e para sempre.
Contudo, um dia Sísifo se revolta com sua condição sôfrega e infeliz, e decide contrariar
os deuses, tirando a própria vida. Ao relatar a tomada de consciência de Sísifo, Camus
introduz o Absurdo ao público. Porém, o primeiro contato dele com o Absurdo veio de
sua própria vida.

Antes de relatar a vida pessoal de Camus, é preciso pensar a razão humana. A


razão é algo inerente ao homem, entretanto, ela por si só não basta. Camus ressaltava a
importância da literatura e da arte, e como os sentimentos precedem a razão, pois o
pensamento racionalista não existe em sua plenitude, há sempre algo que o escapa,
necessitando, assim, das percepções sensoriais. Vai defender, ainda, que a razão já
falhou inúmeras vezes ao longo de sua história, na própria busca por explicações, para
ele, nem tudo é passível de explicar. E ele chega a essa conclusão através da doença que
carregava. Camus possuía tuberculose e era consciente de sua doença, porém ele
buscava aceitar e sentir, e não fugir de sua condição. Isso não significava para ele se
entregar a doença, mas permitir que aquele sentimento que o atravessava, o fizesse
compreender que nem tudo estava ao alcance da razão. Ele ressignificou sua condição
ao ponto de que a morte, assunto muito recorrente em suas obras, não estivesse ligada a
angustia, mas sim a finitude da vida e como amá-la. Sua proximidade com a morte, e o
exílio que a doença implicava, o fizeram procurar gosto pela vida na criação, leitura,
escrita e imaginação. E, a partir de sua experiência de não se entregar a morte,
pessimismo ou angustia, nasce seu contato com o Absurdo. Termo de difícil
conceituação, não é passível de ser aprendido em essência, apenas de identificar o
momento em que ocorre o despertar para ele. Despertar para o Absurdo é a tomada de
consciência da situação na qual a pessoa se insere. É o confronto do homem com o
mundo, onde esse confronto irá causar inquietação, aflição e angústia, porém esse é o
marco inicial que permite reconhecer o que está acontecendo, a revelação absurda da
vida. Esse ato de reconhecer é tomar posse da condição imposta, e se libertar do que
antes impedia o indivíduo de ser inteiro.

Para Camus, essa tomada de consciência é importante para conseguir viver e se


conduzir em um mundo caótico, é necessário entender a vida como absurda, tendo a
morte como a primeira evidência desse absurdismo, já que ela se opõe naturalmente ao
desejo de viver. Ele vai afirmar ainda que:

O absurdo depende tanto do homem quanto do mundo. Por ora, é o


único laço entre os dois. Ele os adere um ao outro como só o ódio pode
juntar os seres. É tudo o que posso divisar claramente neste universo
sem medida onde minha aventura se desenrola. Paremos por aqui. Se
considero verdadeiro esse absurdo que rege minhas relações com a vida,
se me deixo penetrar pelo sentimento que me invade diante do
espetáculo do mundo, pela clarividência que me impõe a busca de uma
ciência, devo sacrificar tudo a tais certezas e encará-las de frente para
poder mantê-las. Sobretudo, devo pautar nelas minha conduta e
persegui-las em todas as suas consequências. (CAMUS, 2010, p. 35)

Por fim, Sísifo, mesmo preso a uma condição que precedia ele mesmo, sua
liberdade estava em seu pensamento e consciência, e isso não poderia ser tomado pelos
deuses, que exerciam controle sobre seu corpo, mas não sobre sua consciência. Como
Camus, trago um exemplo em imagem, a obra A Vida É Bela, de 1997, que relata um
pai, que, mesmo estando preso em um campo de concentração, tenta transformar o
ambiente a sua volta em um jogo para que seu filho não sofra os horrores do nazismo.
Ele toma consciência de sua condição e abraça o Absurdo para salvar a vida do filho
com a imaginação.
Heidegger e a Autenticidade.

Um importante nome no existencialismo é o filósofo alemão Martin Heidegger.


No estudo da busca pelo sentido da vida, seus estudos sobre o Desein e a autenticidade
podem auxiliar no entendimento às angústias que o homem moderno sofre. O termo
Desein, em síntese, significa ser-aí, Heidegger usa do termo para descrever o homem
como presença no mundo, ou como ele próprio conceitua:

É na presença que o homem constrói o seu modo de ser, a sua


existência, a sua história, etc (HEIDEGGER, 2006, p. 561).

Nesse ínterim, na sua busca para alcançar o Desein, o homem precisa ser
autêntico. Contudo, com o avanço da internet, a autenticidade vem sendo substituída
pelo efeito rebanho, que categoriza todas as pessoas como algo sem identidade ou
opiniões próprias, o ambiente da internet se tornou muito propício para o apagamento
das subjetividades, a repetição de ideias iguais e as comparações a fim de igualar-se aos
demais, às tendências.

Outro conceito que Heidegger propõe é o de ser inautêntico, um ser


caracterizado por “estar no mundo”, superficial, controlado pelos demais e que busca se
comportar como os outros, sendo considerado uma massa de manobra da sociedade
(BARGLINI; SUDERLAN). Essa sociedade, todo os entes e possibilidades existentes
ao homem, Heidegger chama de Dasman.

Uma pessoa inautêntica vai ser monótona, rasa, sem ideias próprias e guiada
pelo senso comum. Para além disso, esse indivíduo vai estar sempre à procura de
novidades, buscando vivenciar muitas situações pelo simples prazer de vivê-las, mas
que no fim não irá ter vivido nada. Um ser que se baseia no outro para existir, no novo,
não possui raízes. E por não ter raízes, ele não sabe quem é, não possui identidade, não
conhece a si e suas potências. Passa a vida inteira em busca do novo e atual, que não
pode ser alcançado.

Na inautenticidade acontece o fenômeno da ambiguidade, pois o indivíduo não


vai se enxergar como inautêntico, com isso, vai se relacionar com o outro, e com si
mesmo, achando estar sendo autêntico, mas irá acabar se decepcionando sempre, pois é
uma realidade sem profundidade e conhecimento. Portanto, ele não apenas está
seguindo o Dasman, como também está presente no Dasman, vivendo uma vida
semelhante à dos demais.

Por outro lado, o ser autêntico responde por si, busca questionamentos, se
aprofunda na vida, se abre para o ambiente, faz escolhas, é livre diante das suas
possibilidades. Ele também vive a angustia sem fugir dela com distrações, Heidegger
vai trazer a questão da morte, o ser humano é inerente a morte, mas ele pode fugir desse
pensamento a vida toda e, assim, perder momentos importantes dela, ou vai aceitar o
que não depende dele e considerá-la uma possibilidade.

É importante, também, ressaltar o conceito de facticidade, onde compreende-se


que o homem, por vezes, é lançado em uma realidade que já foi pré-estabelecida. E,
mesmo em um ambiente pronto, Heidegger defende que esse ser ainda pode tomar
decisões por si, respeitando suas possibilidades. Cabe ao Dasein decidir como se dará
sua relação no mundo. Contudo, a relação com o outro, para ser autêntica, é preciso ser
pautada na valorização do outro como ser humano, e não objeto, com a consciência de
sua importância e valor para si mesmo.

Em suma, a autenticidade, para Heidegger, é importante no real sentido da vida,


pois permite que o ser humano disfrute de viver por inteiro. É preciso, mais uma vez,
tomar consciência de si, da sua realidade, cultivar relações profundas e estáveis, e
valorizar o hoje, diante das possibilidades de cada um.

O sentido da vida e a prática.

A busca por sentidos sempre foi preocupação de toda a filosofia, permeando as


mais diversas inquietações frente à necessidade de se explicar a existência (AZEVEDO,
2018, p. 29). Albert Camus, em sua releitura de Sísifo, traz para o indivíduo moderno o
pensamento de que, dia após dia, somos condicionados a fazer coisas sem questioná-las.
Ele considera o Absurdo a verdadeira felicidade, pois o homem está livre em tais
condições. Camus apresenta, para além da tomada de consciência, a arte como uma
opção para atingir o Absurdo. Para ele, se o mundo fosse claro, não existiria a arte. Ou
seja, a arte é confronto, revolta. Já em Heidegger, o pensamento crítico promove saúde
mental, é sobre pensar em um Desein que ligue o homem e o mundo como uma forma
de existir.

Em síntese, foram mostrados nesse ensaio pedaços do pensamento de dois


grandes nomes da filosofia agregada ao existencial. Para ligá-los ao vazio existencial
coletivo e a busca por um sentido na vida, é preciso pensar em uma prática que
questione a realidade do sujeito. Camus e Heidegger apontam fatores que são
determinantes na construção da subjetividade e que não são ensinados para o indivíduo,
como se conhecer, ter consciência do seu meio, lidar com a angustia e com assuntos que
levam para a angustia, como a morte, consequências dos próprios atos e expectativas.
Por outro lado, é ensinado a buscar a aprovação dos outros, e, consequentemente, se
frustrar sempre. Nesse momento, pode-se pensar como o Absurdo poderia ajudar a
encontrar o Desein, e, assim, fugir do Dasman, em busca de uma autenticidade que
auxilie na consciência do sofrimento psíquico de uma vida frustrada.

Referências:

CAMUS, A. O Mito de Sísifo, 1ª edição, Rio de Janeiro - RJ. Bestbolso, julho de 2010

HEIDEGGER, M. Ser e tempo. 2ª edição, Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2006.

AZEVEDO, P. I. S. de. Do Absurdo à revolta em Albert Camus. 2018. 114 f.


Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2018.

BONADIO, G. B. Imagem, Absurdo e Revolta em Albert Camus. Artefilosofia, São


Paulo, v. 13, n. 24, p. (82 – 94), julho de 2018. Acesso em: 09 de setembro de 2022.
Disponível em: https://periodicos.ufop.br/raf/article/view/898
BARGLINI, R. de S.; SUDERLAN, T. B. Ser Autêntico e Inautêntico em Martin
Heidegger: uma análise antropológica do “Dasein” na contemporaneidade,
Trabalho de Conclusão de Curso. Centro Universitário Salesiano, Campinas - SP, 2021.

GONÇALVES JR., A. F. A noção de inautenticidade em Heidegger e Sartre. Reflexão,


Campinas, v. 30, n. 87, p. (31 – 41), janeiro/junho de 2005. Acesso em: 09 de setembro
de 2022. Disponível em: https://periodicos.puc-
campinas.edu.br/reflexao/article/view/3185#:~:text=A%20inautencidade%20como%20
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