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Aula 1: ALBERT CAMUS, EXISTENCIALISMO E CRÍTICA DO TRABALHO

“[...] A mitologia grega conta que Sísifo foi rei e fundador de um território que hoje se chama
Corinto, localizado na região do Peloponeso. Seus pais eram Éolo e Enarete e sua esposa,
Mérope. Um dia, Sísifo viu a bela Egina ser sequestrada por uma águia a mando de Zeus.
Egina era filha de Asopo, deus dos rios, que estava muito abalado com o sumiço da fi lha.
Vendo o desespero de Asopo, Sísifo pensou que poderia tirar vantagem da informação que
tinha e contou-lhe que Zeus havia sequestrado a moça. Mas, em troca, pediu que Asopo
criasse uma nascente em seu reino, pedido que foi prontamente atendido. Zeus, ao saber que
Sísifo havia lhe denunciado, ficou furioso e enviou Tânatos, o deus da morte, para levá-lo
para o mundo subterrâneo. Mas, como Sísifo era muito esperto, conseguiu enganar Tânatos ao
dizer que gostaria de presenteá-lo com um colar. Na verdade, o colar era uma corrente que o
manteve preso e permitiu que Sísifo escapasse. Com o deus da morte aprisionado, houve um
tempo em que mais nenhum mortal morria. Assim, Ares, o deus da guerra, também se
enfureceu, pois, a guerra necessitava de mortos. Ele então vai até Corinto e liberta Tânatos
para que conclua sua missão e leve Sísifo para o submundo. Sísifo, desconfiando que isso
pudesse ocorrer, instrui sua esposa Mérope a não lhe prestar as homenagens fúnebres, caso ele
morra. Assim é feito. Ao chegar ao mundo subterrâneo, Sísifo se depara com Hades, o deus
dos mortos, e lhe conta que sua esposa não havia lhe enterrado da maneira adequada. Então
ele pede a Hades que volte ao mundo dos vivos apenas para repreender a esposa. Depois de
muito insistir, Hades permite essa visita rápida. Entretanto, ao chegar no mundo dos vivos,
Sísifo não retorna e, mais uma vez, engana os deuses. Sísifo fugiu com sua esposa e teve uma
vida longa, chegando à velhice. Mas, como era mortal, um dia foi preciso retornar ao mundo
dos mortos. Lá chegando, se deparou com os deuses que havia ludibriado e então recebeu uma
punição pior do que a própria morte. Ele foi condenado a realizar um trabalho exaustivo e sem
propósito. Teria que rolar uma enorme pedra montanha acima. Mas quando chegasse no topo,
devido ao cansaço, a pedra rolaria morro abaixo. Então Sísifo deveria novamente levá-la para
o alto. Esse trabalho teria que ser feito todos os dias, por toda a eternidade.”

Fonte:https://www.culturagenial.com/sisifo-resumo-esignifi cado-do-mito/. Acesso em: 09 maio 2022

O mito de Sísifo é uma história da mitologia grega que ganhou grande relevância
filosófica através da interpretação do filósofo existencialista Albert Camus. O mito é
originário da obra "A Mitologia", escrita pelo poeta e estudioso grego Homero. Nesta aula,
discutiremos as principais ideias filosóficas do existencialismo e sua relação com uma crítica
do trabalho a partir do Mito de Sísifo.
Albert Camus (1913-1960) foi um influente filósofo, escritor e ensaísta francês,
conhecido por sua exploração profunda das questões existenciais e humanas. Nascido na
Argélia, sua obra reflete tanto suas raízes mediterrâneas quanto sua formação filosófica.
Camus ganhou destaque por sua abordagem do absurdo da vida e da busca do significado em
um universo aparentemente indiferente. Sua obra mais conhecida, "O Estrangeiro", e seu
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ensaio "O Mito de Sísifo", ajudaram a cunhar o termo "absurdismo" e o estabeleceram como
uma figura proeminente no pensamento existencialista e literário do século XX.
O existencialismo foi um movimento filosófico e literário que surgiu na passagem do
século XIX para o século XX, na Europa, composto por autores preocupados com a seguinte
questão: Qual o sentido da vida? Pois, como propõe Camus,
“Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental
da filosofia. [...]
Se eu me pergunto por que julgo que tal questão é mais premente que tal outra,
respondo que é pelas ações a que ela se compromete. [...] Galileu, que sustentava
uma verdade científica importante, abjurou dela com a maior tranquilidade assim
que viu sua vida em perigo. Em certo sentido, fez bem. Essa verdade não valia o
risco da fogueira. [...] Mas vejo, em contrapartida, que muitas pessoas morrem
porque consideram que a vida não vale a pena ser vivida. Vejo outros que,
paradoxalmente, deixam-se matar pelas ideias ou ilusões que lhes dão uma razão de
viver [...]. Julgo, então, que o sentido da vida é a mais premente das perguntas.
Como responder a ela?”
CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. 11. ed. Rio de Janeiro: Record, 2014. p. 18.

Essa problemática tem fundamentos na obra do filósofo dinamarquês Sören


Kierkegaard (1813-1855), um crítico feroz dos sistemas metafísicos racionalistas. Sua
principal crítica voltava-se para a ausência do indivíduo nesses sistemas. Para ele, os
pensadores racionalistas que o antecederam teriam buscado explicar o mundo em sua
totalidade por meio de conceitos e generalizações que negligenciavam o indivíduo, sendo, por
isso, incapazes de entender a realidade humana efetiva. Para Kierkegaard, a racionalidade
baseada na lógica não pode tratar da realidade humana efetiva, uma vez que esta inclui a
contingência (o que é de uma maneira e pode ser de outra). Acreditar que a lógica explica a
realidade humana é, então, uma ilusão. O indivíduo não poderia ser explicado ou entendido
por meio de conceitos que simplesmente não considerassem a existência na sua concretude.
Em outras palavras, conceitos como humanidade ou Espírito Absoluto não dariam conta das
existências concretas de João, Maria e Clara, que seriam singulares e insubstituíveis. Olhando
para a vida do indivíduo, o filósofo encontraria a realidade do ser humano, seus desejos mais
íntimos e seu sofrimento.
Segundo Kierkegaard, a existência humana não seria determinada por uma
necessidade racional, na qual o destino estaria traçado de antemão. A existência real e
concreta de um indivíduo estaria marcada pelo imponderável, o que significa que as suas
ações e decisões pessoais o levariam para situações às vezes imprevisíveis. Em certa medida,
a existência seria, assim, um salto no escuro, pois sempre há a possibilidade de o indivíduo
ser surpreendido pela miséria e pelo engano. A maior desgraça, porém, não seria o resultado
de decisões infelizes, mas encarar sua inevitável possibilidade, a indeterminação permanente,
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o estado de equilíbrio instável da vida. A existência seria sempre um talvez, a iminência de


um fracasso ou de um nada. Essa situação inerente à existência humana provocaria angústia.
A angústia seria, então, um sentimento relacionado à possibilidade de escolha, pois,
embora o futuro dependa das decisões do indivíduo, não há como ter certeza de que elas lhe
assegurarão uma vida boa ou saber se o conduzirão à miséria.
O filósofo Martin Heidegger (1889-1976) retoma, no começo do século XX, a
problemática discutida por Kierkegaard, isto é, a investigação sobre a existência humana no
ensaio filosófico Ser e tempo (1927), por meio da qual Heidegger formulou suas principais
contribuições ao existencialismo, ainda que não se considerasse um existencialista. Na análise
existencial heideggeriana, cada pessoa/identidade (ser-aí) só pode ser compreendida em sua
relação com o mundo, pois é um ser-no-mundo. Não é uma consciência isolada, fechada, ou
um sujeito que, antes de tudo, conhece. O ente humano é um ser em abertura, em relação ativa
com as coisas e os outros seres. Assim, a constituição do ser-aí tem por base essa relação de
familiaridade com o mundo e não pode ser dissociada dele.
Apesar de o ser humano não ter criado o mundo, ele o transforma ao manipular os
entes naturais, ao criar cultura e, sobretudo, ao estabelecer sentidos. Sem o ser-aí não há
sentido no mundo; por outro lado, o ser humano forma-se em sua relação com o mundo. O ser
humano é, então, um projeto voltado para o mundo e para as coisas. É um vir a ser que se
projeta, transcendendo-se, indo além do que é. O ser-aí constitui-se nesse projetar-se,
transformando e utilizando as coisas ao seu redor.
Essa ideia é retomada pelo filósofo existencialista Jean Paul Sartre (1905-1980) que
argumenta que a consciência é um visar o mundo, uma atividade. A consciência é sempre
consciência de alguma coisa. Portanto, fora dessa atividade, fora da intencionalidade, não há
consciência, não há nada. Assim, a consciência e o sentido do mundo surgem ao mesmo
tempo. Isso significa que o indivíduo, cuja consciência não está estabelecida quando vem ao
mundo nem se estabelecerá como um órgão fixo e sólido, é um nada. Ele existe, a princípio,
apenas como projeto, quer dizer, um vir a ser. Esse indivíduo vai se tornar um sujeito, vai
vingar como projeto existencial, ao se projetar para o mundo, ao ir em direção ao mundo, ao
visá-lo. Para Sartre, então, a existência precede a essência; e o ser humano estabelece sua
identidade por meio de sua vida, das suas ações e ponderações.
Se a consciência ou o sujeito é um nada ou algo não estabelecido; se o existir
humano é, antes de tudo, um processo que não está antecipadamente fixado por nada exterior
ou interior ao ser humano, então cabe ao próprio homem fazer-se, pois o ser humano é aquilo
que ele faz de si.
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Nesse processo constante do sujeito em busca do ser, nesse fazer-se que é a


existência humana, não há uma natureza dada e imutável que defina o que o sujeito é ou o que
será, como a semente determina o futuro de uma planta. Também, para Sartre, não há um ser
supremo que decrete valores que orientem o comportamento do ser humano e de sua
consciência. O homem é livre para ser o que quiser.
Como escreve Juan Arias, em sua coluna no portal El País, o mito de Sísifo remete à
origem do trabalho conforme a mitologia grega; em que o personagem principal é condenado
a exercer pela eternidade um trabalho repetitivo e monótono. Podemos comparar o castigo de
Sísifo com a rotina de trabalho de um funcionário descontente com a sua profissão ou que não
tenha encontrado o significado para a sua existência em exercê-la. Segundo Albert Camus, em
sua obra “O mito de Sísifo”, os deuses condenaram Sísifo a esse castigo por pensarem que
“não existe castigo mais terrível que o do trabalho inútil e sem esperança” e, portanto, sem
sentido.
Arias acrescenta que, para muitos, o trabalho é motivado pela aquisição do salário,
seja para garantir a sua sobrevivência ou obtenção de dinheiro, seja para comprar bens. O
mercado fica cada vez mais competitivo, e as transformações exigem cada vez mais a
profissionalização do trabalho nas diversas áreas. O trabalhador deve se manter atualizado, ser
referência para permanecer no mercado. Fazendo um paralelo com o mito de Sísifo,
interpretações diversas podem ser feitas em relação aos tipos de pedras a serem carregadas no
cotidiano do trabalhador. Entre estas a necessidade de fazer proezas com um salário mínimo
de tal forma que garanta o sustento da família; suportar cargas tributárias elevadas com
impostos diretos e indiretos; pouca atuação do Estado em cumprir os direitos trabalhistas e
demais direitos garantidos pela Constituição Federal; processo repetitivo tanto ao exercer
alguma função como nas exigências para se manter no mercado de trabalho.

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