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linguagem, “ele é, antes de tudo, uma palavra que circunscreve e fixa um
acontecimento”. Maurice Leenhardt precisa ainda mais o conceito: “O mito é
sentido e vivido antes de ser inteligido e formulado. Mito é a palavra, a imagem, o
gesto, que circunscreve o acontecimento no coração do homem, emotivo como
uma criança, antes de fixar-se como narrativa”.
O mito expresso o mundo e a realidade humana, mas cuja essência é
efetivamente uma representação coletiva, que chegou até nós através de várias
gerações. (…). O como afirma Roland Barthes, o mito não pode,
conseqüentemente, “ser um objeto, um conceito ou uma idéia: ele é um modo de
significação, uma forma”. Assim, não se há de definir o mito “pelo objeto de sua
mensagem, mas pelo modo como a profere”. Junito Brandão Souza (1924-1995).
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hostil ou desejos contrários; (…). Seu fim último não é desejosa distorção do
mundo, mas visualização séria de suas verdades fundamentais; orientação moral,
não escape. Daí por que não esgota sua função inteira o contar, e por que os mitos
separados não podem permanecer inteiramente desvinculados uns dos outros. O
mito tende a tornar-se sistematizado, porque apresenta, não importa quão
metaforicamente, um quadro do mundo, uma introvisão da vida em geral, não uma
biografia imaginária pessoal. (…). Além disso, por não ser o sujeito de um
devaneio egocêntrico, mas um sujeito maior do que qualquer indivíduo, o herói
mítico é sempre tido como sobre-humano, ainda que não inteirmente divino.
Suzanne K. Langer (1895-1986).
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(…). Uma pedra que chama a atenção por seu tamanho ou sua
forma singular está repleta de mana e exercerá poderes mágicos.
A nada está preso em particular, o mana de um homem pode ser
roubado dele e transferido para um novo possuidor. Não
podemos distinguir nele nenhum aspecto individual, nenhuma
identidade pessoal. Uma das primeiras e mais importantes
funções de todas as religiões superiores foi a de descobrir e
revelar tais elementos pessoais no que era chamado de Santo, Sagrado, Divino.
Mas, para atingir essa meta, o pensamento religioso teve de percorrer um
longo caminho. O homem só pôde dar aos seus deuses uma forma individual
definida depois de encontrar um novo princípio individual definida depois de
encontrar um princípio de diferenciação em sua própria vida e em sua vida social.
Não o encontrou em seu pensamento abstrato, mas em seu trabalho. Na verdade,
foi a divisão social do trabalho que introduziu uma nova era de pensamento
religioso. Muito antes do surgimento dos deuses pessoais, vemos aqueles deuseds
que foram chamados de deuses funcionais. Não são ainda os deuses pessoais da
religião grega, os deuses olímpicos de homero. Por outro lado, não têm mais o
caráter vago das concepções míticas primitivas. São seres concretos, mas
concretos em suas ações, não em sua aparência ou existência pessoal. Logo, não
têm nomes próprios – como Zeus, Hera, Apolo – mas nomes adjetivais que
caracterizam sua função ou atividade especial. (…). Se quisermos entender o
verdadeiro caráter desses deuses funcionais e o papel que representam no
desenvolvimento do pensamento religioso, deverrmos olhar para a religião
romana. (…). Em todo trabalho agrícola, não havia um único ato que não
estivesse sob a orientação e a proteção das deidades funcionais, e cada classe tinha
seus próprios ritos e obsservâncias.
(…). Para um romano, a vida significa uma vida ativa. (…). A expressão
religiosa dessa tendência pode ser encontrada nos deuses funcionais romanos.
Estes têm de cumprir tarefas práticas definidas. Não são produto da imaginação ou
da inspiração religiosa, mas são concebidos como regentes de atividades
particulares. São, por assim dizer, deuses administrativos que dividiam entre si as
diferentes províncias da vida humana. Não têm uma personalidade definida;
contudo, são claramente diferenciados por seu ofício, e deste ofício depende a sua
dignididade religiosa. Ernst Cassirer (1875-1945).
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V - APÊNDICE
UM ENFOQUE SEMIÓTICO
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sacrifício.. ainda que por uma roupagem menos individualista se comparado à
magia. Nos ritos, as instituições religiosas guardam aquele sentimento de
pertença, de unidade do grupo, só que agora, para incrementar os movimentos e
processos ritualísticos, somam-se o caráter teórico, discursivo, explicativo que
falta tanto na magia como nos ritos.
Se na magia há o intento de controle, de poder e manifestação, nas
religiões há a observância de determinados códigos de conduta (para não tocarmos
no intento de castração e manipulação sistemática das consciências e condutas de
seus adeptos): não apenas no local “sacro”, mas na vida cotidiana que encerra o
desafio do adepto a praticar e aplicar os preceitos de tais normas sancionadas pela
instituição religiosa vigente. Se nos ritos há o envolvimento gregário através de
práticas conjuntas com o conseqüente sentimento de pertença, de subjetividade
acrescida dum estrato social maior do que nós e que nos engloga e nos
identificamos; agora, nas religiões, é o aspecto doutrinário, explicativo, tanto dos
códigos de conduta, como mais fortemente, do ideário do “outro mundo”, seus
aspectos, seus elementos, e suas “entidades” com seus respectivos interesses,
personas, poderes e posição na hierarquia “divina”.
O esquema mediante o grau e passagem, do mais simples para o mais
complexo é o seguinte: rituais, magia, instituições religiosas, filosofia e ciência.
Sabemos que o advento do filosofar configura-se com a superação do aspecto
dogmático, seja dos mitos, seja dos discursos oficiais da classe sacerdotal.
Ora, como os Mitos encerram uma explicação, superam em abstração as
meras fórmulas mágicas, bem como o movimento encenado no mito. Ainda que
guarde o caráter mágico da magia com o equivalente dos feitos fantásticos de
personalidades de deuses, deusas e heróis, bem como a natureza processual dos
ritos nas narrativas com início, desenvolvimento e desfecho, os Mitos
caracterizam-se pelo instinto gregário da encenação dos ritos com o deslocamento
do mesmo para um enfoque do cenário que será descrito ou pintado ou esculpido
da dimensão mítica de seus “seres”.
Outro teor guardado, é aquele da magia, em que nos Mitos deslocam-se
dos efeitos supostos das fórmulas, para os “seres” que povoam o cenário mítico.
Do poder individual da magia, para o coletivo da prece, há um intermediário: O
poder das divindades sobrenaturais que fazem parte da “nossa história”. Ou seja, o
senso identidário é retroalimentado também na narrativa mítica, pela oralidade de
sua transmissão, bem como o assumir de valores e atributos de deuses, deusas e
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heróis. Se nos ritos o sentimento de pertença é vaticinado pelas ações encenadas,
no fazer uma “história” pela qual participo ativamente; no mitos, por sua vez, o
modo de participar difere qualitativamente: do modo ativo, passamos para o
passivo, ou seja, não agimos, mas assimilamos as “histórias” míticas como nosso
passado remoto, e que explica verbalmente o estado atual da situação do grupo
social, de seus indivíduos, classes, e estado cultural adquirido até então.
A diferença entre Mito e Religião difere no grau e tipo de explicação: nos
mitos: narrações; nas instituições religiosas: narrações e dissertações.. ainda que
estas guardem o caráter mágico, o que lhes confere o estatuto ideológico no
discurso que se configura predominantemente dogmático. A distinção
fundamental entre Rito e Mito é o seguinte: o rito é a ação do grupo enquanto o
mito é memória do mesmo. O rito é a participação em práxis do que o mito é o
enredo, a estória pela qual o rito lhe é dependente. O mito sugere a participação
ideativo-imaginária de seus convivas. Nesse aspecto, o rito incorpora-se e é
influenciado pelo mito, se e na medida em que os rituais tomam por modelo os
agentes míticos como formas a serem introjetadas, tanto enquanto causa da
situação atual, como também do status que cada indivíduo guarda no seio da
organização social a que está inserido, sendo este aceito pelo grupo tanto quanto
identifica-se com o mesmo.
Proponho um novo esquema que se deduz das passagens acima:
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Assim como para uma dada ou sociedade ou comunidade, atingimos um
grau e qualidade de saber maior, quando comparamos a ‘nossa’ com a dos
‘outros’, pela simples comparação, alcançamos que muitos dos aspectos
considerados absolutos, são relativos. Muitos dos aspectos assim considerados
necessários são contingentes. Muitos dos aspectos culturais são questionáveis,
seja pela injustiça pelos quais os membros são tratados, seja pelo enviesamento de
interesses de classes que assolam as possibilidades de desenvolvimento dos
mesmos no seio da sociedade.
Ao estudarmos mitos, estaremos diante do questionamento análogo do que
ocorre com a organização social em que vivemos, a saber: o questionamento
dirigido ao ideário “religioso”, seus fundamentos, seus critérios, sua implicações,
seus resultados...
Se a comunicação desenvolve-se a ponto da narrativa mítica, esta deve ser
inquerida em sua validade: histórica, axiomática, social, psíquica, filosófica,
religiosa, política e artística. O temperamento, valores, categorias explicativas,
organização social, desenvolvimento comunicativo e lingüístico e econômico
podem ser inferidos dos mitos. O segredo está na questão Semântica do mito, ou
seja, no significado implícito e potencial, pelo qual colocaremos em ato um
explícito e relacional.
Se a filosofia e ciência utilizam-se do aspecto simbólico em seu modo
denotativo; os mitos e religiões utilizam-se, por sua vez do aspecto simbólico em
seu modo conotativo. Se a religião propõem explicações mais sutis e elaboradas
que as narrativas míticas, é porque elas fazem uso do caráter estilístico
dissertativo; enquanto, porém, nos mitos, há a preponderância do caráter estilístico
narrativo. Neste ínterim, faz-se mister predicarmos que os mitos geram processos,
sucessões de eventos, o que as religiões utilizam-se mais de conceitos e
categorias. Ora, A Filosofia e a Ciência são quase totalmente Simbólicas;
enquanto que os Mitos obtêm sua eficácia pela Iconicidade, ou seja, um “pensar
por imagens”, mais do que por conceitos. Ainda que as Religiões sejam um pouco
mais conceituais e dissertativas que os Mitos, ainda guardam o caráter icônico dos
contos fantásticos sobrenaturais.
Ora, já que a linguagem intervém aqui como um superar o estado anterior,
onde fica o estatuto da poesia?
A Poesia é o aspecto simbólico (porque veiculadas por palavras) que ainda
guardam o aspecto icônico em seus efeitos. Seus efeitos suscitam imagens, cenas,
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cenários, entes... Se as religiões têm uma comunicação que prevalece a forma
poética de manifestação – como vimos acima, o teor conotativo – os Mitos
também estão impregnados de conotação e poesia... cedendo paulatinamente para
uma maior sistematização, provocando em seu interior, manifestações de
denotação, e também dum pouco de história, ou seja, da mescla de fatos e
fantasia. Obs.: Uma dos mais curiosos fenômenos dos mitos reside no fato de que
neles, sempre que uma comunidade cresce para a vida urbana, para a chamada
civilização, há um distanciamento do enredo mítico: a estória das Deusas e
Deuses cede lugar para a história humana e natural.
A continuidade religiosa é garantida pela eficácia simbólica mais do que
da icônica. Se com a religiões há mais discurso, nos mitos há mais integração; se
na religião os códigos de conduta são em sua maioria heteronômicos – impostos
de fora – nos mitos são em sua maioria autonômicos – porque vivenciados de
dentro – .
Proponho um novo esquema:
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teóricos, os mitos sejam um limiar entre atividade inconsciente dum estrato mais
coletivo e menos idiossincrártico se comparados aos sonhos, como também uma
atividade consciente, como modo de organizar a experiência natural e cultural
através da narrativa mito-poética enquanto discurso, e icônico-fantasiosa,
enquanto imaginação ativa oriunda de conteúdos abstraídos, separados do estrato
social, para serem elaborados por esse agente impessoal formar, gerador de mitos,
agente esse que analisaremos perante o percurso dessa investigação.
Ofereci no início dessa introdução 3 aspectos de todo mito: formação
educativa, prescrição e narração. Ainda que eu careça demonstrá-los no decorrer
desse estudo – que visa trazer mais subsídios para meu Amigo e Mestre Marcos
de Oliveira, em seu futuro curso de Mitologia –, fornecer-vos-ei definições
básicas dos motivos que cada aspecto cumpre em todo aquele que vive o mito
como sendo seu patrimônio cultural, senão, subjetivo e objetivo: subjetivo pelos
valores, objetivo pelos papéis sociais.
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suma, o terceiro fator de pertença: Ser preparado subjetivamente e
objetivamente, formado culturalmente, pronto a assumir as implicações histórico-
axiomático-prático-oficiais.
Se Mitos reproduzem relações humanas na esfera sobrenatural, também as
relações sociais, práxis instituições nutrem-se dos Mitos como paradigma de dar
forma àquilo que ainda está desprovida de uma. Historicizar é sistematizar.
Identificar é reconhecer e introjetar. Desenvolvimento subjetivo e objetivo é
formação que completa o projeto mítico de suprir uma demanda sócio-psíquica de
relações humanas, ainda que por meio de fantasias mescladas com história.
Após esta breve Introdução à Mitologia, ou ciência interpretativa
multidisciplinar do significado, dos axiomas, das relações humanas e naturais que
se travam no interior dum grupo social num dado espaço geográfico, esboçarei
diversas definições sobre Mitos, para que iniciemos o trajeto munidos das
problemáticas, da natureza e das implicações que os Mitos estão para o sujeito, e
como este está para os Mitos.
Depois de lermos esta dissertação sintética que digitei nos estudos de
mitos de 2011 a 2012, veremos definições de mitos por diversos autores para que
sejamos iniciados ao estudo dos mitos a partir do que têm de essencial (ou seja,
dos aspectos – fatores – comuns, a todos eles):
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poderia criá-lo. (TELES, 1976: 15).
O mito é:
Explicativo: se não tiver por função explicar algum fenômeno, alguma coisa, não é mito.
(TELES, 1976: 15).
Mito e Mitologia
Assim como, por exemplo, o devir e o perecer no ciclo anual, no mito egípcio de Ísis
e seu irmão Osíris, que anualmente morrem e despertam novamente para a vida; ou a
narrativa bíblica do paraíso e do pecado original, o significado profundo da relação entre
consciência de si e culpa. (HELFERICH, 2006: 02).
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(...) Em todo caso é essencial que os deuses, os humanos e a natureza, por princípio,
nunca sejam separados. Como na experiência onírica, as passagens permanecem fluidas,
pois o cosmo (literalmente: ordem) é sempre compreendido como um todo, como uma
unidade de forças atuantes. (HELFERICH, 2006: 02 e 03).
Nada seria mais equivocado do que definir o mito como “irracional”413, já que o
pensamento mítico tem sua própria lógica. É uma força de percepção ou pensamento
integrada, em harmonia consigo mesma, com traços certamente marcantes e
característicos. Nós o chamamos simplesmente de “outro” pensamento, e dele hoje
parecemos separados como que por mundos diferentes. (HELFERICH, 2006: 03).
O que narrava o mito? A origem das coisas a partir da ação ordenadora de um deus
ou de um rei mago. A vitória do deus ou do rei mago sobre outras forças punha ordem no
real, separava os elementos, impunha a sucessão e a repetição temporal, o ciclo da
geração e da corrupção das coisas e seu retorno eterno. (CHAUÍ, 2002: 36).
Sua função é resolver, num plano imaginativo, tensões, conflitos e antagonismos sociais
que não têm como ser resolvidos no plano da realidade. A narrativa os soluciona
imaginariamente para que a sociedade possa continuar vivendo com eles, sem destruir a si
mesma. Graças ao encantamento do mundo – cheio de deuses e heróis, de objetos
mágicos e feitos extraordinários – o mito conserva a realidade social dando-lhe um
instrumento imaginário para conviver com suas contradições e dificuldades. (CHAUÍ,
2002: 36).
(...) para os Antigos, este termo tinha um significado objetivo, dinâmico, conceitual e em
relação direta com a realidade. Em sua origem, todas as mitologias – egípcia, cretense,
413Quando Antônio Xavier Teles afirma que a narrativa mítica é irracional ele não afirma que
os mitos são desprovidos de critérios! Afirma apenas que o critério que discrimina fantasia e
percepção sensorial são confundidos… é o Ato Constatativo de Jürgen Harbemas que é
desrespeitado… todo mito possue critérios associativos (uma outra ‘lógica’) para sua
produção, mas são incoerentes enquanto: averiguação externa, consenso entre versões de
outros povos e auto índice de contradição na própria narrativa. O pensamento mítico é uma
maneira de organizar sígnicos com a pretensão explicativa; porém, não explica aspectos
denotativos: apenas projeta aspectos conotativos (desejantes, autoconstrução) na vida
natural e social!
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grega, romana, indiana, meso-americana, nórdica etc. – tinham por objetivo fornecer uma
explicação plausível para os fenômenos naturais e cósmicos: ciclos das estações do ano,
do dia e da noite, da vegetação, da vida e da morte... e para os fenômenos históricos. Mas
essas mitologias também exerceram uma função moral, didática e iniciática durante
milhares de anos.
Através das narrativas mitológicas podem-se extrair a filosofia e as concepções
específicas de uma civilização, uma povo, ou uma época traduzidas em imagens, figuras,
situações, relatos, aventuras, lugares ou abstrações. (...) As narrativas mitológicas
descrevem comportamentos sobre os quais o tempo não exerceu um efeito e, relendo-as
séculos após sua concepção, percebemos que, afinal de contas, o ser humano nada mudou
e continua a ser animado pelas mesmas motivações: amor, amizade, ódio, vingança,
ambição, ciúme... (JULIEN, 2005: 05).
(...) mesmo aqui não tem conotação usual de fábula, lenda414, invenção, ficção, mas a
acepção que lhe atribuíam e ainda atribuem as sociedades arcaicas, as impropriamente
denominadas culturas primitivas, onde o mito é o relato de um acontecimento ocorrido
num tempo primordial, mediante a intervenção de entes sobrenaturais. (BRANDÃO,
2004: 35).
De outro lado, o mito é sempre uma representação coletiva, transmitida através de várias
gerações e que relata uma explicação do mundo. (...) Maurice Leenhardt precisa ainda
mais o conceito: “O mito é sentido e vivido antes de ser inteligido e formulado. Mito é a
palavra, a imagem, o gesto, que circunscreve o acontecimento no coração humano,
emotivo como uma criança, antes de fixar-se como narrativa”.
O mito expressa o mundo e a realidade humana, mas cuja essência é efetivamente uma
414 Mito se distingue de lenda, fábula, alegoria e parábola. Lenda é uma narrativa de cunho,
as mais das vezes, edificante, composta para ser lida (provém do latim legenda, o que deve
ser lido) ou narrada em público e que tem por alicerce o histórico, embora deformado.
Fábula é uma pequena narrativa de caráter puramente imaginário, que visa a transmitir um
ensinamento teórico ou moral. Parábola, na definição de Monique Augras, em A Dimensão
Simbólica, Petrópolis, Vozes, 1980, p. 15, “é um mito elaborado de maneira intencional”. Tem,
antes do mais, um caráter didático. (...) Alegoria, etimologicamente, dizer outra coisa, é uma
ficção que representa um objeto para dar idéia de outro ou, mais profundamente, “um
processo mental que consiste em simbolizar como ser divino, humano ou animal uma ação
ou qualidade”.
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representação coletiva, que chegou até nós através de várias gerações. (...) E, como afirma
Roland Barthes, o mito não pode, conseqüentemente “ser um objeto, um conceito, uma
idéia: ele é um modo de significação, uma forma”. Assim, não se há de definir o mito
“pelo objeto de sua mensagem, mas pelo modo como o prefere”. (BRANDÃO, 2004: 36).
(...) poucos se dão o trabalho de verificar a verdade que existe no mito, buscando apenas a
ilusão que o mesmo contém. Muitos vêem no mito tão-somente os significantes, isto é, a
parte concreta do signo. É mister ir além das aparências e buscar-lhe os significados, quer
dizer, a parte abstrata, o sentido profundo.
(...) um elo entre o consciente e o inconsciente coletivo, bem como as formas através das
quais o inconsciente se manifesta.
Compreende-se por inconsciente coletivo a herança das vivências das gerações
anteriores. Desse modo, o inconsciente coletivo expressaria a identidade de todos os
homens, seja qual for a época e o lugar que tenham vivido. (BRANDÃO, 2004: 37).
Retratando os desníveis interpretativos por diferentes graus de percepções por parte dos
indivíduos, salienta Joseph Campbell:A mitologia – e, portanto, a civilização – é uma
imagem poética supranormal, concebida, como toda a poesia, em profundidade, mas
suscetível de interpretação em vários níveis. As mentes mais superficiais vêem nela o
cenário local; as mais profundas, o primeiro plano da vacuidade, e entre esses extremos
estão todos os estágios do Caminho da idéia étnica para a elementar, do ser local para o
universal, que é o Todo-Humano, e tanto sabe quanto teme saber. (CAMPBELL, 1992:
380).
(...) Os mitos e lendas são uma invenção humana universal. Em diversas épocas e em
diversos lugares surgiram como explicações dos problemas críticos que os seres humanos
enfrentam sempre. Entre as suas preocupações mais importantes figura o propósito da
vida, o infortúnio, o êxito, a crueldade, o amor e a fertilidade, a morte, a vida futura, as
relações familiares, a traição, o velho contra o novo, o humano contra o divino, a magia, o
poder, o destino, a guerra, os acidentes, o azar, a loucura, a criação e a natureza do
universo. (COTTERELL, 1989: 7).
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