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FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

1. SCHOPENHAUER, KIERKEGAARD E NIETZSCHE

1. Schopenhauer
. Fundador do pessimismo e crítico dos sistemas filosóficos e das filosofias da história; influenciou Nietzsche, Wittgenstein, Horkheimer, Kafka e Thomas Mann;
. Critica os materialistas, os realistas e os idealistas (Hegel: sicário da verdade, acadêmico mercenário, sua obra é uma palhaçada filosófica) e parte de Kant, que dizia que o
fenômeno era a única realidade cognoscível;
. O mundo é uma representação minha e minhas representações acessam apenas os fenômenos. Ele é ordenado pelo espaço, tempo e causalidade. Ele reduz as 12 categorias de Kant a
causalidade; as 4 formas de causalidade que determinam as categorias dos objetos cognoscíveis são: 1. necessidade física: objetos materiais: tornar-se; 2. necessidade lógica:
conhecer; 3. necessidade matemática: ser; 4. Necessidade moral: agir; são essas as quatro formas do princípio de causalidade, quatro formas de necessidade que estruturam
rigidamente todo o mundo da representação. Para Kant, o fenômeno é a única realidade cognoscível, mas, para Schopenhauer, o fenômeno é a ilusão que envolve a realidade das
coisas em sua essência primigênia e autêntica;
. O mundo como vontade, i. é, como númeno. Para Schopenhauer, pode-se alcançar essa essência da realidade, o númeno que, para Kant, permanece incognoscível; o corpo é
dado ao sujeito que conhece de dois modos inteiramente diversos: de um lado, como representação, e como objeto entre objetos, submetido as suas leis; por outro lado, é dado
como algo de imediatamente conhecido de cada um e que é designado pelo nome de vontade.
. O corpo é, portanto, vontade tornada visível. Sem dúvida podemos olhar nosso corpo e falar dele como de qualquer outro objeto – e, nesse caso, ele é fenômeno. Mas é por
meio de nosso corpo que sentimos que vivemos, experimentamos prazer e dor e percebemos o anseio de viver e o impulso de conservação. E é por meio do próprio corpo que
cada um de nós sente que “a essência intima do próprio fenômeno não é mais que sua vontade, que constitui o objeto imediato de sua própria consciência”. E essa vontade não se
enquadra no modo de conhecimento em que sujeito e objeto se contrapõem um ao outro, “mas se nos apresenta por via imediata, na qual não se pode mais distinguir claramente
entre sujeito e objeto”. A essência do nosso ser é, portanto, vontade; a imersão no profundo de nós mesmos faz com que descubramos que somos vontade. Mas, ao mesmo
tempo, essa imersão rompe o “véu de Maya” e faz com que nos vejamos como partes daquela vontade única, daquele “cego e irresistível ímpeto” que permeia, se agita e se
esquadrinha por todo o universo. Em outras palavras, a consciência e o sentimento de nosso corpo como vontade levam-nos a reconhecer que toda a universalidade dos
fenômenos, embora tão diversos em suas manifestações, tem uma só e idêntica essência: a vontade. A vontade é um cego robusto que carrega um aleijado que enxerga.
. Os fenômenos, ligados ao princípio de identificação que é o espaço-tempo, são múltiplos, ao passo que a vontade é única. E é cega, livre, sem objetivo e irracional. É a
insaciabilidade e a eterna insatisfação que darão lugar a uma cadeia ascensional de seres nas forças da natureza, no reino vegetal, no reino animal e no reino humano, seres que,
premidos por impulso cego e irresistível, lutam um contra o outro para se imporem e dominarem o real. Essa dilaceração, essa luta sem trégua e sem fim, aguça-se na ação
consciente do homem, subjugando e explorando a natureza, por um lado, e no cruel conflito entre os diversos egoísmos indomáveis, por outro.
. A essência do mundo é vontade insaciável. A vontade é conflito e dilaceração e, portanto, dor. E “a medida que o conhecimento torna-se mais distinto, e que a consciência se
eleva, cresce também o tormento, que alcança no homem o grau mais alto, tanto mais elevado quanto mais inteligente é o homem; o homem de gênio é o que sofre mais”. A
essência da natureza inconsciente é aspiração constante, sem objetivo e sem repouso. E, ao mesmo tempo, a essência do animal e do homem é querer e aspirar: sede inextinguível.
E “o homem, sendo a objetivação mais perfeita da vontade de viver, é também o mais necessitado dos seres; nada mais é que vontade e necessidade, de modo que se poderia
defini-lo até como concretude de necessidades”.
. A vida é necessidade e dor. Se a necessidade é satisfeita, então mergulhamos na saciedade e no tédio. Segue-se daí que a vida humana oscila, como pêndulo, entre a dor e o tédio.
Dos sete dias da semana, seis são dor e necessidade, e o sétimo é tédio. Schopenhauer sustenta que, no fundo, o homem é um animal selvagem e feroz. Conhecemos o homem
somente naquele estado de mansidão e domesticidade chamado civilização, mas basta um pouco de anarquia para que nele se manifeste a verdadeira natureza humana: “o homem
é o único animal que faz os outros sofrerem pelo único objetivo de fazer sofrer”.
. Substancialmente, o que é positivo, ou seja, real, é a dor; ao passo que o que é negativo, ou seja, ilusório, é a felicidade. E a dor e a tragédia não são somente a essência da vida
dos indivíduos, mas também a essência da história de toda a humanidade. A vida é dor e a história é acaso cego. O progresso é uma ilusão. A história não é, como pretende Hegel,
racionalidade e progresso; todo finalismo e qualquer otimismo sio injustificáveis.
. O mundo como fenômeno é representação. Mas, em sua essência, é vontade cega e irrefreável, perenemente insatisfeita, dilacerando-se entre forças contrastantes. Todavia,
quando o homem, aprofundando-se em seu próprio íntimo, consegue compreender isso, ou seja, que a realidade é vontade e que ele próprio é vontade, então está pronto para sua
redenção, e esta só pode se dar “com o deixar de querer”. Em suma, na opinião de Schopenhauer, só podemos nos libertar da dor e do tédio e nos subtrair à cadeia infinita das
necessidades mediante a arte e a ascese.
. Libertação por meio da arte: a experiência estética, principalmente a música, torna objetiva a vontade e é anulação temporária. Na experiência estética não estamos mais
conscientes de nós mesmos, mas somente dos objetos intuídos. A experiência estética é a anulação temporária da vontade e, portanto, da dor. Na intuição estética, o intelecto
rompe sua servidão à vontade, deixando de ser o instrumento que procura os meios para satisfazê-la; torna-se puro olho que contempla. A arte – que, da arquitetura (que expressa
a ideia das forças naturais) a escultura, da pintura a poesia, chega à tragédia, a mais elevada forma de arte – objetiva a vontade.
. A redenção por meio da ascese: justiça (reconhecimento dos outros como iguais a nós), bondade (compaixão – fundamento da ética); ascese (erradicar a vontade de viver, que é
raiz do mal) e quando a voluntas torna-se noluntas o homem está redimido.
. Emil Cioran é conhecido pelo seu pessimismo (de Schopenhauer), ceticismo (de Montaigne), cinismo (de Diógenes), niilismo (de Nietzsche) e antinatalismo. Um jornal britânico
o chamou de “o rei dos pessimistas”, um francês de “arauto de miséria humana”, e “o niilista que o século XX profetizou”. Suicídio, morte, obsessão e vazio são seus temas de
interesse. Cioran se considerava um discípulo do argentino Jorge Luis Borges. “O que sei aos 60 sabia aos 20, 40 longos anos de um trabalho inútil de verificação.” “A arte de
amar? Saber unir um temperamento de vampiro a discrição de uma anêmona.” “Acredito na salvação da humanidade, o futuro do cianureto.” “Todos os seres são infelizes; mas
quantos o sabem?” “O limite de cada dor é uma dor maior.” “Começar uma família. Creio que me seria mais tranquilo começar um império.” “Ser é estar encurralado.” “Deus é
um desespero que começa onde todos os outros acabam.” “A obsessão pelo suicídio é própria de quem não pode viver, nem morrer, e cuja atenção nunca se afasta dessa dupla
impossibilidade.” “Há dois mil anos Jesus de Nazaré desconta em nós o fato de não ter morrido num sofá.” Em livros como “A Queda no Tempo” (1964), “O Demiurgo
Aziago” (1969) e “Desgarramento” (1979), o filósofo empenha-se em demonstrar que a criação é uma “sabotagem definitiva”. “As espécies animais teriam durado milhões de
anos se o homem não tivesse acabado com elas, mas a aventura humana não pode ser indefinida. O homem já deu o melhor de si. Todos sentimos que as grandes civilizações
ficaram para trás. O que não sabemos é como será o fim”, escreveu Cioran.

2. Kierkegaard
. A filosofia de Kierkegaard tem sido de maior importância no desenvolvimento da filosofia do século XX, especialmente no existencialismo e no pós-modernismo. Kierkegaard
foi um filósofo do século XIX que foi chamado de “pai do existencialismo”. A sua filosofia também influenciou o desenvolvimento da psicologia existencial. Kierkegaard criticou
aspectos dos sistemas filosóficos trazidos por filósofos como Hegel. Ele foi também indiretamente influenciado pela filosofia de Immanuel Kant. Afirmava o modelo da filosofia
encontrada em Sócrates, que focava a atenção não em sistemas explicativos, mas ao assunto de como cada ser humano existe. Um dos temas recorrentes em Kierkegaard é a
importância da subjetividade, que tem a ver com a maneira como as pessoas se relacionam com a verdade objetiva. Em Post Scriptum Final Não-Científico às Migalhas Filosóficas,
argumenta que “subjetividade é a verdade” e “a verdade é subjetividade”, significando que a verdade não é somente uma matéria que corresponde à descoberta da verdade.
. O existencialismo cristão baseia-se na compreensão de cristianismo de Kierkegaard. Ele argumentava que o universo é, fundamentalmente, paradoxal e que o seu maior
paradoxo é a união transcendente de Deus e do homem na pessoa de Jesus Cristo. Cada ser humano é confrontado pela primeira vez com a responsabilidade de saber de sua
própria vontade, e depois com o facto de que uma escolha, mesmo que errada, deve ser feita a fim de viver autenticamente.
. Kierkegaard também defendeu a ideia de que cada pessoa existe em uma das três esferas (ou planos) de existência:
. 1) O estádio estético, no qual o homem se abandona à imediatidade, não há uma aceitação consciente de um ideal. A busca pelo prazer imediato faz com que o esteta atribua
maior importância à possibilidade de realização do que à própria realização. São três os modos de ser do estádio estético: a sensualidade, representada por Don Juan; a dúvida, por
Fausto; o desespero, pelo judeu errante Ahasverus.
. 2) O estádio ético, no qual o homem submete-se à lei moral e opta por si mesmo. Ao falar do estádio ético, Kierkegaard fala do marido fiel: o modo de vida ético é o modo de
vida do indivíduo que é correto com a família e trabalhador. Trata-se não mais do indivíduo que busca o prazer, trata-se do indivíduo que ordena sua vida em relação ao
cumprimento do dever. Diz Kierkegaard: “a esfera ética é uma esfera de transição, que todavia não é atravessada de uma vez por todas”. Ela oferece uma forma de preparação
para o estádio religioso.
. 3) O estádio religioso: o último estádio proposto por Kierkegaard, é o que vai além do estádio ético e é o ponto mais alto a que se pode chegar; é, portanto, o estádio onde se
efetiva a realização do indivíduo. Se, no estádio ético, o homem pode transgredir uma lei feita por homens, no estádio religioso, o erro é contra leis estabelecidas por Deus;
portanto, significa pecado. O estádio religioso suspende o estádio ético quando o indivíduo estiver diante de uma escolha que implica em uma finalidade maior. O exemplo que
Kierkegaard oferece é o de Abraão que aceita sacrificar seu filho para que se cumpra a promessa da divindade na qual ele acredita.
. O salto entre um estádio e outro não é necessário e sim contingente: o salto é uma possibilidade, que se tornará real apenas se o indivíduo escolher.
. Além dos três estádios, Kierkegaard identifica duas zonas-limite: a ironia e o humor.
. Como toda a sua obra, a teoria dos estádios foi provavelmente escrita a partir da autobiografia do autor: atraído pelos prazeres da vida social, Kierkegaard abandona os estudos
na juventude para entregar-se aos prazeres. Pode-se dizer que ele estava vivendo esteticamente. Depois, o amor por Régine Olsen e a necessidade de romper o noivado porque
acreditava que isso iria contra sua atividade filosófica: podemos identificar aqui o confronto entre a existência ética e a existência religiosa.
3. Nietzsche

. O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música (1872). Contra a concepção dos séculos XVIII e XIX, que tomavam a cultura grega como resumo da simplicidade, da calma e da
serena racionalidade, Nietzsche, então influenciado pelo romantismo, interpreta a cultura clássica grega como um embate de impulsos contrários: o dionisíaco, ligado à
exacerbação dos sentidos, à embriaguez extática e mística e à supremacia amoral dos instintos, cuja figura é Dionísio, deus do vinho, da dança e da música, e o apolíneo, face
ligada à perfeição, à medida das formas e das ações, à palavra e ao pensamento humanos (logos), representada pelo deus Apolo. Segundo Nietzsche, a vitalidade da cultura e do
homem grego, atestadas pelo surgimento da tragédia, deveu-se ao desenvolvimento de ambas as forças, e o adoecimento da mesma sobreveio ao advento do homem racional, cuja
marca é a figura de Sócrates, que pôs fim à afirmação do homem trágico e desencaminhou a cultura ocidental, que acabou vítima do cristianismo durante séculos. As obras de
Ésquilo e Sófocles representam o ápice da criação artística, a verdadeira realização da tragédia; ele afirma que é com Eurípides que a tragédia começa sua queda.
. A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos (provavelmente os textos que o compõem remontam a 1873 - publicado postumamente). Trata-se de um livro deixado incompleto, mas que
se sabe ter sido intenção de Nietzsche publicar. Trata-se, no fundo, de um escrito ainda filológico, mas já de matriz filosófica disfarçada por uma pretensa intenção histórica; mas
o grande diferencial desta obra, sua inovação, consiste em sua interpretação psicológica dos pensadores originários. Considera os casos gregos de Tales, Anaximandro, Heráclito,
Parmênides e Anaxágoras sob uma perspectiva inovadora e interpretativa, relevadora da filosofia que é de Nietzsche.
. Sobre a Verdade e Mentiras em um Sentido Não-Moral (1873 - publicado postumamente). Ensaio no qual afirma que aquilo que consideramos verdade é mera “armadura de metáforas,
metonímias e antropomorfismos”: a verdade é resultado do trabalho do homem, que transforma metáforas intuitivas e imagens em esquemas e conceitos. Apesar de póstumo é
considerado por estudiosos como elemento-chave de seu pensamento.
. Considerações Extemporâneas ou Considerações Intempestivas (1873 a 1876). Série de quatro artigos (dos treze planejados) que criticam a cultura europeia e alemã da época de um ponto
de vista antimoderno, e anti-histórico, de crítica à modernidade: 1°. David Strauss, o Confessor e o Escritor (1873) no qual, ao atacar a ideia proposta por David Friedrich Strauss de
uma “nova fé” baseada no desvendamento científico do mundo, afirma que o princípio da vida é mais importante que o do conhecimento, que a busca de conhecimento
(posteriormente discutida no conceito de “vontade de verdade”) deve servir aos interesses da vida; 2°. Dos Usos e Desvantagens da História Para a Vida (1874): a necessária
subordinação da história à vida: o animal vive de maneira a-histórica; o ser humano, de maneira histórica, mas ele tem o poder de esquecer e isso é vital para libertá-lo do peso do
passado. É preciso converter o conhecimento histórico em benefício para a vida. Há 3 gêneros de história: 1°) monumental: o criador utiliza o passado como exemplo ou modelo;
2°) antiquária: o conservador enraíza sua vida e seus valores nos do passado; 3°) crítica: o reformador utiliza o passado para negá-lo e assim ultrapassá-lo. Elas podem ser tanto
úteis quanto nocivas à vida. 3°. Schopenhauer como Educador (1874): a crítica de Nietzsche à cultura de seu tempo elege Schopenhauer como um educador porque a cultura
toma demais o homem de si mesmo. Não há como ser grande dobrando-se à cultura, ela é um roubo de nossa constituição íntima; 4°. Richard Wagner em Bayreuth (1876):
Nietzsche chega a Bayreuth imaginando encontrar o público grego redivivo. No entanto, tudo aquilo que parecia ser criticado por Wagner desfilava nos dias festivos: vulgaridades
aristocráticas, exibicionismos e aquela sensação de que o público queria mesmo era distração ligeira e não distinguia a grande ópera dos dramas de Wagner.
. Humano, Demasiado Humano, um Livro para Espíritos Livres (1886). Primeiro de estilo aforismático do autor. É um livro para espíritos livres. Foi a primeira obra de Nietzsche após o
rompimento com o romantismo de Richard Wagner e o pessimismo de Arthur Schopenhauer. O autor mergulha na Filosofia e na Epistemologia implodindo as realidades eternas
e as verdades absolutas e nos alerta para a inocuidade da metafísica no futuro. Busca registrar o conceito de espírito livre, isto é, aquele que pensa de forma diferente do que se
espera dele: o homem do futuro. Nietzsche sacode a humanidade nesse livro-resumo da história da Filosofia e do nascimento da Ciência, que não cumpriram seus papéis de
criarem espíritos verdadeiramente livres, e que o homem precisa descobrir-se como Humano, Demasiado Humano.
. Aurora, Reflexões sobre Preconceitos Morais (1881). A compreensão hedonística das razões da ação humana e da moral são aqui substituídas, pela primeira vez, pela ideia de poder,
sensação de poder, início das reflexões sobre a vontade de poder, que só seriam explicitadas em Assim Falou Zaratustra. Trata da moral do sofrimento voluntário e das ressonâncias
do cristianismo na moral.
. A Gaia Ciência, traduzida também com Alegre Sabedoria, ou Ciência Gaiata (1882). No terceiro capítulo deste livro é lançada o famoso diagnóstico nietzschiano: “Deus está morto.
Deus continua morto. E fomos nós que o matamos”.
. Assim Falou Zaratustra, um Livro para Todos e para Ninguém (1883-85). A trama é centrada na figura do sábio solitário Zaratustra que, com 30 anos, deixou sua aldeia. Ele tinha
ficado lá por 10 anos gozando de seu espírito e solidão até que disse: “Estou farto de minha sabedoria. Quero doar e distribuir. Por isso, devo baixar às profundezas.” Na obra,
Nietzsche explica os passos através dos quais o homem pode se tornar um “além-homem”: 1. através da transvaloração de todos os valores do indivíduo; 2. através da sede de
poder (vontade de potência), manifestado criativamente em superar o niilismo e em reavaliar ideais velhos ou em criar novos; 3. e, de um processo contínuo de superação. O
além-homem, tem como qualidades principais a faculdade de esquecer, a afirmação da lei do eterno retorno e o amor fati (amor ao destino, ou seja, não deve haver
arrependimento do homem na vivência de seus valores). Na obra, aparece também a morte de Deus e o eterno retorno. Zaratustra não deve se tornar cão de um rebanho; ele não
desceu a montanha para criar um rebanho; ele quer aliados, não seguidores. Mas ele foi ingênuo. Deu pérolas aos porcos. O livro tem 4 partes e cada partes diversos capítulos.
Ex.: 1) Das três transformações: camelo (obediente), leão (combatente) e menino (criar, brincar e jogar).
. Além do Bem e do Mal, Prelúdio a uma Filosofia do Futuro (1886). Neste livro denso são expostos os conceitos de vontade de poder, a natureza da realidade considerada de dentro dela
mesma, sem apelar a ilusórias instâncias transcendentes, perspectivismo e outras noções importantes do pensador. Critica demolidoramente as filosofias metafísicas em todas as
suas formas, e fala da criação de valores como prerrogativa nobre que deve ser posta em prática por uma nova espécie de filósofos. Discute valores (verdade/falsidade, bem/mal)
sobre os quais a filosofia construiu seu discurso, para depois avaliá-los em termos de “afetos” e, portanto, “além do bem e do mal”. Aqui ele fala também em Vontade de
Poder/Potência. Há, na literatura, os conceitos “vontade de morrer”, de Philipp Mainländer e a “vontade de viver”, de Schopenhauer. O conceito de “Vontade de Potência” é
uma proposição ontológica que sustenta toda a sua teoria. A vida é Vontade de Potência, mas não se pode restringi-la apenas à vida orgânica; ela está presente em tudo, desde
reações químicas mais simples até à complexidade da psiquê humana. Tudo no mundo é Vontade de Potência porque todas as forças procuram a sua própria expansão. Neste
campo de instabilidade e luta, jogo constante de forças instáveis, a permanência é banida junto com a identidade: neste mundo reina a diferença. Força como superação, como
constante ir para além dos próprios limites. A vontade se mostra como sede de dominar, fazer-se mais forte, constranger outras forças mais fracas e assimilá-las. A vontade de
potência é a principal força motriz nos seres humanos, ou seja, é a realização, a ambição e o esforço para alcançar a posição mais alta possível na vida. Se, em física, potência é a
capacidade de realizar trabalho; na filosofia, Vontade de Potência é a capacidade que a Vontade tem de efetivar-se. Contra uma interpretação de Darwin, Nietzsche argumenta que
o homem não pode e não quer apenas conservar-se ou adaptar-se para sobreviver, só um homem doente desejaria isso; ele quer expandir-se, dominar, criar valores, dar sentidos
próprios. Isto significa ser ativo no mundo, criar suas próprias condições de potência. É um efetivar-se no encontro com outras forças.
. Genealogia da Moral, uma Polêmica (1887). A primeira parte, intitulada “Bom e mau – Bom e ruim”, consiste na psicologia do cristianismo. Nietzsche discute a origem dos
sentimentos morais a partir do antagonismo metafísico entre duas classes: a dos senhores e a dos escravos, na tentativa de explicação das condições de criação desses juízos e nas
consequências para o desenvolvimento da sociedade. A classe senhorial tem duas classes rivais: a guerreira e a sacerdotal; a primeira, dominante, cultua a virtude do corpo,
enquanto a outra inventa o espírito. Dessa rivalidade surgem as duas morais: moral dos senhores: os fortes, os nobres, os sadios utilizam o termo “bom” tendo como antônimo o
termo “ruim”. Essa é uma avaliação técnica. É afirmado e elaborado o conceito “bom” a partir de si mesmo – eu sou bom, eu sou belo, eu sou forte; em oposição cria-se o
conceito “ruim” para tudo aquilo que é baixo, vulgar, plebeu; moral dos escravos: os fracos, os doentes, os escravos usam o termo “bom” tendo como antônimo o termo “mau”.
Esses não julgam a técnica de luta, mas a crueldade. Dizem: nós somos bons e nossos adversários são maus, cruéis. Desta forma, surge uma avaliação moral. Esta é uma moral
que nasceu do ressentimento e é sempre uma reação ao que lhe vem de fora. A segunda parte, chamada de “A falta (culpa), a má consciência e o que se nos afigura”, encerra uma
psicologia da consciência moral. Na visão de Nietzsche, a antiga e remota história do homem nos ensina que observar alguém sofrer e ser castigado era uma alegria, pois a
crueldade fazia e faz parte da natureza humana, sendo um instinto fundamental. No tempo em que a humanidade não se envergonhava ainda de sua crueldade, a vida sobre a terra
era mais serena e feliz do que nesta época de pessimismo. Um doentio moralismo ensinou ao homem a envergonhar-se de todos os seus instintos. A interioridade é o resultado de
uma perversão dos instintos. Todos os instintos que não se chegam a exteriorizar, interiorizam-se. Na terceira parte, denominada “Qual é o fim de todo o ideal ascético?”, que trata
da psicologia do sacerdote, o filósofo interpreta a relação de várias figuras humanas, tais como a dos filósofos e dos sacerdotes com os ideais ascéticos, procurando apontar o que
significam esses ideais. Nietzsche salienta que os ideais ascéticos não significam a busca do vazio e do nada. Ao contrário, correspondem a uma característica fundamental da
vontade humana: seu horror ao vazio, e a necessidade de um objetivo.
. O Crepúsculo dos Ídolos, ou como Filosofar com o Martelo (1888). Obra onde dilacera as crenças, os ídolos (ideais ou autores do cânone filosófico) e analisa toda a gênese da culpa no ser
humano. O título é uma paródia do título de uma opera de Wagner, Crepúsculo dos deuses. No subtítulo, a palavra “martelo” deve ser entendida como marreta, para destroçar os
ídolos e também como diapasão, para, ao tocar as estátuas dos ídolos, comprovar que são ocos. Sócrates, por exemplo, coloca a racionalidade acima dos instintos.
. O Anticristo – Praga contra o Cristianismo (1888). Apesar de apontar Cristo, mesmo em sua concepção “própria”, como sintoma de uma decadência análoga a que possibilitou o
surgimento do Budismo, nesta obra Nietzsche dirige suas críticas mais agudas a Paulo de Tarso, o codificador do cristianismo e fundador da Igreja. Acusa-o de deturpar o
ensinamento de seu mestre — pregador da salvação no agora deste mundo, realizada nele mesmo e não em promessas de um Além — forjando o mundo de Deus como acima e
além deste mundo. “O único cristão morreu na cruz”, como diz no livro que seria o início de uma obra maior a que deu sucessivamente os títulos de Vontade de Poder e
Transmutação de Todos os Valores.
. Ecce Homo, de como a gente se torna o que a gente é (1888) — Uma autobi(bli)ografia, onde Nietzsche, ciente de sua importância e acometido por delírios de grandeza, acha necessário,
antes de expor ao mundo a sua obra definitiva (jamais concluída), dizer quem ele é, por que escreve o que escreve e por que “é um destino”. Comenta as suas obras então
publicadas. Oferece uma consideração sobre o significado de Zaratustra. E por fim, dizendo saber o que o espera, anuncia o apocalipse: “Conheço minha sina. Um dia, meu nome
será ligado à lembrança de algo tremendo — de uma crise como jamais houve sobre a Terra, da mais profunda colisão de consciências, de uma decisão conjurada contra tudo o
que até então foi acreditado, santificado, requerido”.
. Os dois instintos da vida são o apolíneo e o dionisíaco. A decadência da civilização ocidental culmina com a morte de Deus, com a eliminação de todos os valores que foram
fundamento da humanidade. Consequência necessário disso é o niilismo: resta apenas o nada, o eterno retorno. Zaratustra é o profeta do amor fati e da transvaloração dos valores
e anuncia o além-homem.
2. DO HEGELIANISMO À TEORIA CRÍTICA DA ESCOLA DE FRANKFURT

1. Herbart, Trendelenburg, direita e esquerda hegeliana


. Johann Friedrich Herbart (1776-1841). é um grande crítico de Hegel. Seu ponto de partida é uma espécie de axioma realista: a realidade existe independentemente do eu. A
ciência tem como tarefa a verificação dos dados de fatos; a filosofia, tem como tarefa a elaboração dos conceitos. Herbart também defende a imortalidade da alma e a existência
de Deus. E, por fim, ele diz que a estética é a ciência da avaliação dos produtos artísticos e também dos produtos morais.
. Friedrich Adolf Trendelenburg (1802-1872) desenvolveu uma crítica ao método dialético do filósofo Hegel e isso marcou todo o pensamento dialético posterior. Chamada por
Trendelenburg de “questão lógica”, ele apresenta uma nova perspectiva de análise do sistema de Hegel, demonstrando que seus maiores impasses estão na Lógica. Em razão do
prestígio do sistema de Hegel e da lealdade de seus discípulos, a discussão da questão lógica era superficial ou simplesmente deturpada graças a interpretações grosseiras do
assunto. A negação sobre a qual se fundamenta a dialética de Hegel implica uma confusão entre contradição lógica e contrariedade real. Hegel confunde as duas coisas e sobre
esse absurdo seu sistema é construído.
. Já sobre a distinção entre os hegelianos de direita (Göschel, Conradi, Gabler, Erdmann, Fischer e Rosenkranz) e os hegelianos de esquerda (Strauss, Bauer, Stirner,
Ruge, Feuerbach, Marx e Engels) refere-se à postura desses autores em relação ao Reino da Prússia e à Igreja Evangélica da Prússia. Direita: interpretou o pensamento de
Hegel como compatível com os dogmas do cristianismo. Esquerda: substituiu os dogmas pela filosofia (a religião não é razão, mas representação e, portanto, redutível a mito.
Direita: o estado prussiano deve ser visto como o ponto de chegada da dialética, como a realização máxima da racionalidade do espírito. Esquerda: invocava a teoria dialética para
sustentar que não era possível deter-se em configuração política e que a dialética histórica devia negá-la para superá-la e realizar uma racionalidade mais elevada.
. Ludwig Feuerbach escreveu um perfil psicológico de um crente chamado A essência da Cristandade. Ele argumentou que ao crente é apresentada uma doutrina que estimula a
projeção de fantasias para o mundo. Crentes são encorajados a acreditar em milagres, e a idealizar todas as fraquezas deles imaginando um Deus onipotente, onisciente, imortal
que representa a antítese de todas as falhas e deficiências humanas. Ele converte a teologia e a religião em uma antropologia. O papel da filosofia não é o de zombar ou desprezar
a religião ou a teologia, pois ambas são um grande e importante fenômeno humano, e como tal tem que ser respeitadas. Mas mais que respeitadas a religião e a teologia tem que
ser compreendidas. Teologia é antropologia e todos os discursos sobre os deuses são discursos sobre o ser humano, suas capacidades, frustrações e projeções.

2. Socialismo utópico, anarquismo, socialismo científico e marxismo depois de Marx


. Os socialistas utópicos acreditavam que a implantação do sistema socialista ocorreria de forma lenta e gradual, estruturada no pacifismo, inclusive na boa vontade da própria
burguesia. Um dos primeiros socialistas utópicos foi Conde de Saint-Simon, que teorizou a divisão da sociedade entre “produtores” e “ociosos”. Nesse aspecto, ele acreditava
que a sociedade deveria ser composta por uma maioria de produtores capazes de gerar riquezas. Segundo Saint-Simon, as empresas capitalistas poderiam existir desde que
assumissem várias responsabilidades sociais para com a classe trabalhadora. Um pouco mais tarde, o francês Charles Fourier apontou que as relações econômicas deveriam se
organizar em instituições fundadas por princípios de associação e cooperativismo. Dessa forma, idealizou a concepção de comunidades produtivas, compostas por
aproximadamente 1800 trabalhadores, chamadas de falanstérios. Ao longo de sua vida, Fourier nunca conseguira o apoio de empresários e investidores simpáticos ao seu modelo
econômico. Louis Blanc teve importante participação na Revolução de 1848, quando suas ideias foram colocadas em prática devido à associação entre liberais e socialistas, na
tentativa de derrubar a monarquia. Eis elas: seriam criadas associações profissionais de trabalhadores de um mesmo ramo de produção, as Oficinas Nacionais, financiadas pelo
Estado. O lucro seria dividido entre o Estado, os associados e para fins assistenciais. Robert Owen pode ser visto como um dos mais atuantes pensadores do socialismo utópico.
Na condição de administrador, teve a oportunidade de observar claramente as penosas condições às quais os trabalhadores eram submetidos. A partir dessa experiência, resolveu
dedicar-se à criação de cooperativas que negassem o individualismo e a lógica egoísta das empresas capitalistas.
. O anarquismo (Proudhon) é uma ideologia política que se opõe a todo tipo de hierarquia e dominação, seja ela política, econômica, social ou cultural, como o Estado, o
capitalismo, as instituições religiosas, o racismo e o patriarcado. Através de uma análise crítica da dominação, o anarquismo pretende superar a ordem social na qual esta se faz
presente através de um projeto construtivo baseado na defesa da autogestão, tendo em vista a constituição de uma sociedade libertária baseada na cooperação e na ajuda mútua
entre os indivíduos e onde estes possam associar-se livremente. Os meios para se alcançar tais objetivos são motivos de debates e divergências entre os anarquistas.
. O socialismo científico é um termo cunhado em 1840 por Pierre-Joseph Proudhon em What is Property? para se referir a uma sociedade governada por um governo científico,
ou seja, aquele cuja soberania repousa sobre a razão, ao invés de pura vontade. Mais tarde, em 1880, Friedrich Engels usou o termo para descrever a teoria sócio-político-
econômica de Karl Marx. Algumas das principais leituras e estudos feitos por Marx são: 1) a filosofia alemã de Kant, Hegel e dos neo-hegelianos (como Ludwig Feuerbach e
Moses Hess); 2) o socialismo utópico; e 3) a economia política clássica britânica (representada por Adam Smith, David Ricardo e outros). Friedrich Engels exerceu significativa
influência sobre as reflexões intelectuais de Marx. A teoria marxista é, substancialmente, uma crítica radical das sociedades capitalistas. Marx se posiciona contra qualquer
separação drástica entre teoria e prática, entre pensamento e realidade, porque essas dimensões são abstrações mentais (categorias analíticas) que, no plano concreto, real, integram
uma mesma totalidade complexa. O trabalho é a atividade fundante da humanidade. E o trabalho, sendo a centralidade da atividade humana, se desenvolve socialmente, sendo o
homem um ser social. Em oposição aos filósofos idealistas e aos economistas clássicos, Marx propunha a investigação do desenvolvimento histórico das formas de produção e
reprodução social, partindo do concreto para o abstrato e do abstrato para o concreto. O Estado aparece para representar os interesses da classe dominante e cria, para isso,
inúmeros aparatos para manter a estrutura da produção. Esses aparatos são nomeados por Marx de infraestrutura e condicionam o desenvolvimento de ideologias e normas
reguladoras, sejam elas políticas, religiosas, culturais ou econômicas, para assegurar os interesses dos proprietários dos meios de produção. Sobre a crítica da religião, para Marx,
essa crítica é o pressuposto de toda crítica social, pois crê que as concepções religiosas tendem a desresponsabilizar os homens pelas consequências de seus atos. É o ópio do
povo. Sobre a crítica ao anarquismo, Marx criticou o anarquismo por sua visão tida como ingênua do fim do Estado onde se objetiva acabar com o Estado “por decreto”, ao invés
de acabar com as condições sociais que fazem do Estado uma necessidade e realidade. As relações entre a realidade e as ideias se fundem na práxis, e a práxis é o grande
fundamento do pensamento de Marx. A mais-valia é o lucro no sistema capitalista. O Capital é uma extensa análise da sociedade capitalista. Materialismo histórico e dialético: a
infraestrutura constitui o conjunto onde está a base econômica da sociedade; a superestrutura é a projeção, a expressão cultural, das formas e relações de produção; ou seja, é a
expressão cultural da infraestrutura. É composta pela estrutura jurídico-política e a estrutura ideológica (Estado, Religião, Artes, meios de comunicação). Já Engels, em A origem da
família, da propriedade privada e do estado diz que a sociedade antiga, baseada nas uniões gentílicas, vai pelos ares, em consequência do choque das classes sociais recém-formadas, e dá
lugar a uma nova sociedade em Estado, cujas unidades inferiores já não são gentílicas, e sim territoriais – uma sociedade em que o regime familiar está completamente submetido
às relações de propriedade e na qual têm livre curso as contradições de classe e a luta de classe, que constituem o conteúdo de toda a história escrita até nossos dias.
. O marxismo depois de Marx. 1) Associação Internacional dos Trabalhadores – Primeira Internacional: 1864; Karl Marx era membro; 2) Internacional Operária e Socialista –
Segunda Internacional: 1889; 3) União Internacional de Partidos Socialistas – Segunda e Meia Internacional: 1921; essa união era dirigida por F. Adler, O. Bauer, L. Martov e
outros. O objetivo da segunda e meia Internacional era contrabalançar a influência cada vez maior da Internacional Comunista entre as massas operárias, que se haviam afastado
da desprestigiada II Internacional. Em 1923 a Internacional segunda e meia voltou a unir-se à II Internacional; 4) Comintern (Komintern) – Terceira Internacional: reunião
internacional dos Partidos Comunistas de diversos países, que funcionou de 1919 até 1943. A Internacional Comunista foi sucessora e continuadora da Primeira Internacional e
herdeira das melhores tradições da Segunda Internacional. Lênin foi o organizador e inspirador e ele defendeu o marxismo revolucionário frente às deformações oportunistas e
revisionistas de direita e de “esquerda”. A Internacional Comunista buscou a formação de quadros dirigentes dos Partidos Comunistas e a sua transformação em partidos
revolucionários de massa, partidos de novo tipo. A Internacional Comunista foi dissolvida em 1943 como um gesto de conciliação de Stalin para com a Forças Aliadas (Estados
Unidos, Inglaterra); 5) Quarta Internacional: fundada por Trotski, em 1938, nove anos após ter sido expulso da URSS. Em França os grupos que se reclamavam desta
Internacional participaram no movimento de Maio de 1968, onde ganharam alguma influência política. Com muita influência nos conflitos sociais das décadas de 1970 e de 1980.
. Os nomes mais importantes do marxismo depois de Marx são os seguintes: Bernstein, Kautsky, Rosa de Luxemburgo, Adler, Plekhanov, Lênin, Lukács, Korsch, Bloch,
Garaudy, Althusser, Labriola e Gramsci. (Gramsci é reconhecido pela sua teoria da hegemonia cultural que descreve como o Estado usa, nas sociedades ocidentais, as instituições
culturais para conservar o poder).

3. Teoria crítica da Escola de Frankfurt


. Theodor Adorno (1903-1969). Em sua Dialética Negativa, Adorno intenta mostrar o caminho de uma reforma da razão mesma, com o fim de libertá-la deste lastro de domínio
autoritário sobre as coisas e os homens, lastro que ela carrega desde a razão iluminista. Seu pensamento opõe-se à filosofia dialética inspirada em Hegel, que reduz a sistema todas
as coisas através do pensamento, superando suas contradições (crítica também do positivismo, que deseja assenhorar-se da natureza por intermédio do conhecimento científico).
A razão só deixa de ser dominadora se aceita a dualidade de sujeito e objeto, interrogando e interrogando-se sempre o sujeito diante do objeto, sem saber sequer se pode chegar a
compreendê-lo por inteiro. Da Crítica da Razão, Adorno chega também à crítica da linguagem. Para Adorno, toda linguagem conceitual realiza alguma forma de violência cognitiva,
pois nunca é possível conformar totalmente às palavras aos objetos e sentimentos tais como eles são (contradição do “não-idêntico”). Como alternativa e complemento à
linguagem conceitual, Adorno valoriza a linguagem artística, a qual consegue expressar as irracionalidades, contradições e estranhamentos dos sujeitos, sem violentá-las por meio
de conceitos. Ao erigir os seus próprios significados, cada obra de arte cria o seu mundo interno (ser-para-si), sem necessidade de se espelhar em objetos externos e incorrer em
violência cognitiva. Contudo, Adorno não desemboca numa visão inteiramente pessimista, e procura mostrar que é possível encontrar-se uma via de salvação. Esse tema aparece
desenvolvido em sua última obra, intitulada Teoria Estética. No livro Teoria Estética, Adorno oscila entre negar a possibilidade de produzir arte depois de Auschwitz e buscar nela
refúgio ante um mundo que o chocava, mas que ele não podia deixar de olhar e denominar.
. Horkheimer (1895-1973) estabelece uma comparação entre a teoria tradicional e a teoria crítica. A teoria tradicional parte dos princípios das ciências da natureza. Há princípios
abstratos, que definem leis hipotéticas para a explicação causal dos fenômenos naturais. O papel do cientista consiste meramente em observar. Essa noção tradicional remonta a
Descartes. As ciências humanas buscaram se afirmar seguindo o modelo das ciências naturais. Para tanto, foi preciso criar uma metodologia que pudesse superar uma diferença
importante. Nas ciências da natureza, o cientista é mero observador dos fatos naturais. Ele se aparta da natureza. Nas ciências humanas, o pesquisador pertence ao objeto a ser
estudado, tornando-se vulnerável aos valores da sociedade que faz parte, perdendo em objetividade. Por isso, foi preciso estabelecer um método de investigação que separasse o
ser e o dever ser (valores, interesses, princípios sociais, morais, éticos e políticos – extracientífico). Neste ponto, começam as críticas de Horkheimer a Teoria Tradicional. Tanto as
ciências da natureza quanto a humana partem do tecnicismo. O manejo dos processos naturais e sociais exigem a conformação do material segundo uma estrutura hipotética, o
que torna possível a aplicação técnica da ciência. Se esse processo significou, por um lado, um enorme progresso técnico na era burguesa, ele implicou também uma espécie de
autonomização da ciência em relação ao todo social, como se existisse fora da sociedade, como se tivesse uma fundamentação a-histórica. Neste sentido, a concepção tradicional
da ciência é, para Horkheimer, reificada e ideológica. Reificada porque parece ter características de uma coisa natural; ideológica porque oculta para si sua própria realidade e
também a realidade total. Ao contrário da ciência tradicional, que recusa qualquer interesse intrínseco no interior de sua atividade para tão-somente cumprir tarefas sociais
externas, a teoria crítica tem como princípio o interesse por um estado racional que faça justiça a todos. O cientista tradicional vê o interesse pela sociedade como algo exterior à
sua atividade e só como cidadão (como não-cientista) pode contribuir para uma sociedade melhor. Por sua vez, o interesse pela emancipação é intrínseco à teoria crítica. Os dois
princípios, o interesse pela emancipação e o comportamento crítico, exigem tudo aquilo que o cientista social tradicional excluiu por amor a objetividade. Destacam-se três
características da teoria crítica: em primeiro lugar, comportar-se criticamente significa considerar os fatos não como meros dados, mas como produtos históricos que podem ser
alterados. Em segundo lugar, o teórico crítico pretende suprimir a separação entre ser e dever ser, entre teoria e práxis. Em terceiro lugar, ao contrário da teoria tradicional, a
teoria crítica não pretende separar o sujeito e o objeto do conhecimento. O teórico pertence à sociedade que estuda e critica.
. Herbert Marcuse. É impossível uma civilização não-repressiva? Eros e civilização (1955) desenvolve um dos temas mais importantes do pensamento de Freud, ou seja, a teoria
freudiana de que a civilização se baseia na repressão permanente dos instintos humanos. Marcuse diz que Freud descreveu essa mudança como a transformação do princípio do
prazer em princípio de realidade, e as vicissitudes dos instintos são as vicissitudes da estrutura psíquica na civilização. E com a instituição do princípio de realidade, o ser humano
– que, sob o princípio do prazer, fora pouco mais do que mistura de tendências animais, tornou-se Eu organizado. Para Freud, a modificação repressiva dos instintos é
consequência da eterna luta primordial pela existência que continua até nossos dias. Sem a modificação, ou melhor, o desvio dos instintos, não se vence a luta pela existência e não
seria possível nenhuma sociedade humana duradoura. O progresso tecnológico gerou as premissas para a libertação da sociedade em relação à obrigação do trabalho, pela
ampliação do tempo livre, pela mudança da relação entre tempo livre e tempo absorvido pelo trabalho socialmente necessário. Em O homem de uma dimensão, de 1964. o homem de
uma dimensão é o homem que vive em uma sociedade de uma dimensão, sociedade justificada e coberta pela filosofia de uma dimensão. A sociedade de uma dimensão é
sociedade sem oposição, ou seja, sociedade que paralisou a crítica através da criação de um controle total. A filosofia de uma dimensão é a filosofia da racionalidade tecnológica e
da lógica do domínio; é a negação do pensamento crítico, da “lógica do protesto”; é a filosofia “positivista” que justifica “a racionalidade tecnológica”.
. Erich Fromm (1900-1980). A Arte de Amar (1956) e Ter ou Ser (1976). No desenvolvimento da humanidade não houve talvez nunca uma medida maior de liberdade que na
sociedade ocidental atual. As pessoas vivem em conforto material, têm muito tempo livre e têm à sua disposição um grande leque de escolhas profissionais e estilos de vida. Com
o aumento da prosperidade, porém, os problemas psicossociais aumentaram igualmente. O caráter social prescreve ao indivíduo certas estruturas de pensamento e de
comportamento. Estas são absorvidas pela maioria dos membros da sociedade como valores e normas e garantem, deste modo, a sobrevivência da cultura. Enquanto há um
século o ser econômico era direcionado a caracteres como explorar os outros pelo maior lucro possível e não temer qualquer concorrência, parecem ganhar hoje significado cada
vez mais importante características como a capacidade de trabalho em equipe e a conformidade.
. Walter Benjamin. O ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica analisa questões como a noção de autenticidade e o valor de culto das obras de arte. O ponto central
desse estudo encontra-se na análise das causas e consequências da destruição da “aura” que envolve as obras de arte, enquanto objetos individualizados e únicos. A “aura”
corresponde a absoluta singularidade de algo, relacionando-se a sua condição de exemplar único dentro de um contexto que lhe dá sentido e justificação. Em sua teoria da história
e da cultura descortina o passado e suas ruínas, sobre as quais construímos nosso presente, como um único e gigantesco arquivo. Quando se fala de arquivo, não se pode esquecer
que a toda inscrição deve-se associar um modo de leitura e de interpretação, de outro modo teríamos um arquivo literalmente morto. A história para Benjamin, como é conhecida,
é aproximada do modelo do colecionador e do catador de papéis. O historiador deve acumular os documentos que são como que apresentados diante do tribunal da história. Em
Benjamin, a cultura como arquivo e memória, devido ao viés crítico e revolucionário de seu modo de leitura, não deixa a sociedade e sua história se cristalizarem em museus e
parques temáticos. É o viés conservador da cultura como mercadoria que o faz, ao qual Benjamin opõe sua visada da cultura como documento e testemunho da barbárie. Seu
projeto de historiografia calcada no colecionismo (que tem por princípio o arrancar de seus objetos do falso contexto para inseri-los dentro de uma nova ordem comandada pelos
interesses de cada presente) e, por outro lado, inspirado no trabalho do catador (que se volta para o esquecido e considerado inútil). Em “Teses sobre o conceito da história”, de
1940, na tese 09, Benjamin diz: “Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus
olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de
acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os
fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o
futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso.”
. Jürgen Habermas (1929-). Dois grandes momentos podem ser vislumbrados no pensamento de Habermas. No primeiro deles, desde a sua formação até o final da década de
1960, embebeu-se do marxismo e do hegelianismo, hauridos do seu contato com os pensadores da Escola de Frankfurt, como Adorno e Horkheimer. Num segundo momento,
ao se aproximar das correntes de pensamento liberais e pragmáticas dos anglo saxões, dialoga com outros pensadores e promove uma espécie de virada linguística (linguistic turn)
em suas ideias. É a partir desse momento que seu pensamento se torna presente de modo avassalador no ambiente universitário e jurídico ocidental. A maturidade do pensamento
de Habermas vai se delineando na década de 1970, quando, ao abandonar as categorias do marxismo, lança mão de sua teoria do agir comunicativo. Trata-se de uma inovação que
pretende, no limite, não negar totalmente o marxismo, mas sim focalizar um horizonte próprio que se pode pensar seja preliminar e fundante das relações dos indivíduos em
sociedade. Abandonando alguns pressupostos do marxismo e se voltando à linguagem, diz-se que Habermas procedeu a uma virada linguística (linguist turn) em sua filosofia.
. Axel Honneth. Em Luta por reconhecimento ele mostrar como indivíduos e grupos sociais se inserem na sociedade atual. Isso ocorre por meio de uma luta por reconhecimento
intersubjetivo e não por autoconservação, como salientavam Maquiavel e Hobbes. As três formas de reconhecimento são as seguintes: o amor, o direito e a solidariedade. A luta
pelo reconhecimento sempre inicia pela experiência do desrespeito dessas formas de reconhecimento. A auto-realização do indivíduo somente é alcançada quando há na
experiência do amor a possibilidade da autoconfiança, na experiência do direito o auto-respeito e na experiência da solidariedade à auto-estima.

3. RESTAURAÇÃO, POSITIVISMO, NEOCRITICISMO, HISTORICISMO E NEOIDEALISMO

1. Restauração e Positivismo
. A filosofia na França e na Itália na era da Restauração. Marcado por revoltas, a Revolução Industrial e o crescimento da classe média, o período da Restauração europeia
(1814-1848) refere-se à luta por parte dos partidários da monarquia europeia pela legitimidade interna contra os carbonários e por vezes militares que seguiam os ideais jacobinos
da Revolução Francesa. 1) na França: os ideólogos (Destutt de Tracy e Pierre Cabanis); o espiritualismo (Maine de Biran); o espiritualismo eclético (Victor de Cousin); os
tradicionalistas (Louis de Bonald e Joseph de Maistre); 2) na Itália: na esteira do Iluminismo (Romagnosi, Cattaneo e Ferrari); hostis ao Iluminismo (Galluppi, Rosmini e
Gioberti).
. O Positivismo na Cultura Europeia. As características do positivismo são as seguintes: 1) conhecimento à parte da metafisica: “Em ciência não há profundidade”. “Os
modernos, rejeitando formas substanciais e qualidades ocultas, têm-se esforçado para sujeitar os fenômenos da natureza às leis da matemática. (NEWTON, Philosophie naturalis
principia mathematica). A ciência não vai atrás do que sobreexcede as efetivas possibilidades do conhecimento humano; detém-se no que lhe é acessível: atém-se ao dado, ao
fundado empiricamente; 2) conhecimento relativo: é relativo por que diz respeito, no plano do objeto, à relações; seu objeto é o objeto que o homem, sujeito da relação do
conhecimento, e estritamente nas condições dela, pode apreender; 3) conhecimento descritivo: as ciências dizem como é o mundo, como os fatos se relacionam entre si. A ciência
não visa conhecer as causas primeiras ou finais, e nem conhecer o todo, mas apenas descrever os fenômenos; 4) conhecimento hipotético: “Provar por experimentos” (Newton);
“demonstrar por experiências sensíveis” (Galileu); “demonstrar pelo uso combinado entre raciocínio e observação” (Comte). As hipóteses que os positivistas defendem são:
proposições (sempre são falsas ou verdadeiras); testáveis empiricamente; plausíveis, verossímeis, articuladas com o conjunto das hipóteses cientificamente aceitas até o momento
atual; 5) conhecimento metódico: O método (indutivismo) é o mesmo para todas as ciências empíricas e por esse método a ciência se define. Pensadores. Ei-los: 1) o criador do
positivismo: Comte (França); 2) os difusores do positivismo na França: Laffitte, Littré, Renan, Taine e Bernard; 3) o positivismo utilitarista inglês: Malthus, Smith, Ricardo,
Bentham e James Mill. O positivismo influenciou o utilitarismo de Stuart Mill; 4) o positivismo evolucionista: Spencer (Inglaterra); 5) o positivismo na Itália: Lombroso,
Gabelli, Angiulli, Villari, Tommasi, Murri e Ardigò; 6) o positivismo materialista na Alemanha: Vogt, Moleschott, Büchner e Haeckel.
- Comte foi um filósofo francês que formulou a doutrina do Positivismo. Ele é considerado como o primeiro filósofo da ciência no sentido moderno do termo. Comte também é
visto como o fundador da disciplina acadêmica de Sociologia. Para Comte (1798-1857), o ser humano passa por três estágios: todo homem é teólogo, na infância; é metafísico, em
sua juventude; e é físico em sua maturidade. Com a lei dos três estágios, Comte constrói uma grandiosa filosofia da história, que se apresenta como o esquema de toda a evolução
da humanidade. O estágio atual, para Comte, é o estágio positivo. Os métodos teológicos e metafísicos não são mais empregados por ninguém. Considerando a evolução da
sociedade, o progresso social também segue a dinâmica dessas três leis: ao estágio teológico, corresponde a supremacia do poder militar (feudalismo); ao estágio metafísico,
corresponde a revolução (que começa com a Reforma Protestante e termina com a Revolução Francesa); ao estágio positivo, corresponde a sociedade industrial. Dessa forma, o
verdadeiro homem, que superou as superstições, as crenças e as idealizações, acredita somente no poder da ciência que, aliada à tecnologia, conduzirão a humanidade, enfim, a um
reino de bem-estar. Esse bem-estar será marcado pelo fim dos problemas materiais fundamentais que afligem a humanidade. A ciência positivista abandona a causa primeira e
valoriza o estado atual dos fenômenos, ou seja, não interessa à ciência como foi e o porquê é, mas sim o como é. A evolução e progresso são inexoráveis e seguem uma linha
evolutiva. O método defendido é o indutivo: as leis gerais que regem os fenômenos de toda ordem são descobertas a partir da observação sistemática. A teoria é extraída do real –
indução - e não o contrário – dedução. A ciência é a autoridade legítima acima da política e religião e ela trata apenas do observável e do fato. Do positivismo surgiu o
cientificismo, que é uma crença infundada de que a ciência pode e deve conhecer tudo.
- Malthus foi um economista britânico. É considerado o pai da demografia por sua teoria para o controle do aumento populacional, conhecida como malthusianismo. Em sua
obra Ensaio sobre o Princípio da População, Malthus deixou evidente seu pessimismo quanto ao desenvolvimento humano. Ele acreditava que a pobreza fazia parte do destino da
humanidade, baseado na premissa de que a população possuía potencial de crescimento ilimitado, ao contrário da produção de alimentos. Malthus concluiu que, se o crescimento
populacional não fosse contido, a população cresceria segundo uma progressão geométrica (2,4,8,16,32), e a produção de alimentos cresceria segundo uma progressão aritmética
(2,4,6,8,10,12). Malthus considerava que a população dobraria a cada 25 anos.
- Smith foi um filósofo e economista britânico nascido na Escócia. Teve como cenário para a sua vida o atribulado Século das Luzes, o século XVIII. É o pai da economia
moderna e é considerado o mais importante teórico do liberalismo econômico. Autor de Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações , a sua obra mais conhecida, e
que continua sendo usada como referência para gerações de economistas, na qual procurou demonstrar que a riqueza das nações resultava da atuação de indivíduos que, movidos
inclusive (e não apenas exclusivamente) pelo seu próprio interesse (self-interest), promoviam o crescimento econômico e a inovação tecnológica.
- Ricardo foi um economista e político britânico. Ele e sua família tem origens sefarditas que remontam a Holanda e Portugal. Ricardo exerceu uma grande influência tanto sobre
os economistas neoclássicos, como sobre os economistas marxistas, o que revela sua importância para o desenvolvimento da ciência econômica. Os temas presentes em suas
obras incluem a teoria do valor-trabalho, a teoria da distribuição (as relações entre o lucro e os salários), o comércio internacional, temas monetários. A principal questão levantada
por Ricardo nessa obra trata da distribuição do produto gerado pelo trabalho na sociedade. Isto é, segundo Ricardo, a aplicação conjunta de trabalho, maquinaria e capital no
processo produtivo gera um produto, o qual se divide entre as três classes da sociedade: proprietários de terra (sob a forma de renda da terra), trabalhadores assalariados (sob a
forma de salários) e os arrendatários capitalistas (sob a forma de lucros do capital). O papel da ciência econômica seria, então, o de determinar as leis naturais que orientam essa
distribuição, como modo de análise das perspectivas atuais da situação econômica, sem perder a preocupação com o crescimento em longo prazo.
- Bentham foi filósofo, jurista e um dos últimos iluministas a propor a construção de um sistema de filosofia moral, não apenas formal e especulativa, mas com a preocupação
radical de alcançar uma solução a prática exercida pela sociedade de sua época. As propostas têm, portanto, caráter filosófico, reformador e sistemático.
- James Mill foi um historiador e filósofo escocês e o pai de John Stuart Mill. Foi um partidário do liberalismo e um famoso representante do radicalismo filosófico, uma escola
de pensamento também conhecida por utilitarianismo, a qual defende uma base científica para a filosofia.
- John Stuart Mill foi um filósofo e economista britânico. É considerado por muitos como o filósofo de língua inglesa mais influente do século XIX. É conhecido principalmente
pelos seus trabalhos nos campos da filosofia política, ética, economia política e lógica, além de influenciar inúmeros pensadores e áreas do conhecimento. Defendeu o utilitarismo,
a teoria ética proposta inicialmente por seu padrinho, Jeremy Bentham. Além disso, é um dos mais proeminentes e reconhecidos defensores do liberalismo político, sendo seus
livros fontes de discussão e inspiração sobre as liberdades individuais ainda nos tempos atuais. Mill chegou a ser membro do Parlamento Britânico, eleito em 1865, tendo
defendido principalmente o direito das mulheres, chegando a apresentar uma petição para estender o sufrágio às mulheres.
- Utilitarismo. Bentham e Stuart Mill são os dois grandes pensadores utilitaristas. O utilitarismo é a doutrina que visa promover a maior felicidade para as pessoas envolvidas na
ação. Podemos ver a definição do Utilitarismo em três afirmações, as quais estão necessariamente relacionadas: 1. “As ações são julgadas certas ou erradas em virtude de sua
consequência”, isto é, se considerarmos que o nosso agir tem um início (intenção) e um fim (consequência), o utilitarismo julga o agir como certo ou errado através da
consequência/fim que ele obteve (diferente de Kant que julga o agir por meio da intenção); 2. Ao avaliar a consequência, a única coisa que importa é a quantidade de felicidade ou
infelicidade produzida, ou seja, o Utilitarismo considera a ação certa se ela produziu como consequência a maior felicidade/deleite das pessoas que estão envolvidas na ação; 3. A
felicidade deve ser promovida de maneira imparcial, ou seja, ao agir preciso produzir uma consequência que gere a maior felicidade para as pessoas envolvidas de maneira
imparcial.
- Spencer. Spencer foi um filósofo, biólogo e antropólogo inglês, bem como um dos representantes do liberalismo clássico. Ele foi um profundo admirador da obra de Charles
Darwin. É dele a expressão “sobrevivência do mais apto”, e em sua obra procurou aplicar as leis da evolução a todos os níveis da atividade humana. Spencer teve suas ideias
enormemente distorcidas. Essas distorções lhe renderam a alcunha de “Pai do Darwinismo Social”. Todavia, Spencer jamais utilizou este termo ou defendeu a morte de
indivíduos “mais fracos” assim como foi um notável opositor de governos militares e autoritários, de qualquer forma de coletivismo, do colonialismo, do imperialismo e das
guerras. Ele estudou o comportamento humano como um órgão biológico. O filósofo aplicou à sociologia ideias que retirou das ciências naturais, criando um sistema de
pensamento muito influente a seu tempo. Suas conclusões o levaram a defender a primazia do indivíduo perante a sociedade e o Estado, e a natureza como fonte da verdade,
incluindo a verdade moral. No campo pedagógico, Spencer fez campanha pelo ensino da ciência, combateu a interferência do Estado na educação e afirmou que o principal
objetivo da escola era a construção do caráter.
- Lombroso. Criador da antropologia criminal e suas ideias inovadoras deram nascimento à Escola Positiva de Direito Penal, mais precisamente a que se refere ao positivismo
evolucionista, que baseava sua interpretação em fatos e investigações científicas. Desenvolveu a teoria de que o criminoso é vítima principalmente de influências atávicas, isso é,
uma regressão hereditária a estágios mais primitivos da evolução, justificando sua tese com base nos estudos científicos de Charles Darwin. Uma de suas conclusões é possibilitar a
equivalência do criminoso a um doente que não pode responder por seus atos por lhe faltarem forças para lutar contra os ímpetos naturais. De fato, para ele o crime é uma
circunstância natural por ser de caráter primariamente hereditário, porém inaceitável socialmente e acabou por se mostrar favorável à pena de morte e prisão perpétua como
verificado em “As mais recentes descobertas e aplicações da psiquiatria e antropologia criminal” de 1893.

2. O neocriticismo e o historicismo
. O neocriticismo ou neocriticismo é uma corrente filosófica desenvolvida principalmente na Alemanha, a partir de meados do século XIX até os anos 1920. Preconizou o
retorno aos princípios de Immanuel Kant, opondo-se ao idealismo objetivo de Hegel, então predominante, e a todo tipo de metafísica, mas também se colocava contra o
cientificismo positivista e sua visão absoluta da ciência. O neokantismo pretendia, portanto, recuperar a atividade filosófica como reflexão crítica acerca das condições que tornam
válida a atividade cognitiva – principalmente a Ciência, mas também os demais campos do conhecimento – da Moral à Estética. As principais vertentes do neocriticismo alemão
foram a Escola de Baden, que tendia a enfatizar a lógica e a ciência, e a Escola de Marburgo, que influenciaram boa parte da filosofia alemã posterior, particularmente o
Historicismo e a Fenomenologia). Há duas escolas: 1) a Escola de Marburgo: Cohen, Natorp e Cassirer; 2) Escola de Baden: Windelband e Rickert.
. O historicismo caracteriza-se por ser um retorno à tradição das ciências do espírito fundamentado em uma hermenêutica radical, que problematiza as concepções de ciência
histórica. A tendência historicista surgiu no final do século XIX e perdurou até a década de 1930 em diversos contextos nacionais, tais como na Alemanha, Itália, Grã-Bretanha,
Espanha, França e Estados Unidos. Questionamentos como a natureza e o método da história, e de sua historicidade, o caráter científico ou não do método histórico são centrais
no historicismo. Os historicistas criticam a falta de reconhecimento da Escola Histórica Alemã da diferenciação metodológica entre as ciências da natureza e as ciências do espírito
e enfatizam o primado da razão histórica em oposição à razão científica. Nomes: Windelband, Rickert, Dilthey, Simmel, Spengler, Troeltsch e Meinecke

3. O neoidealismo
. Neoidealismo ou neo-hegelianismo refere-se a uma vertente (ou vertentes) do pensamento inspirada pelos trabalhos do filósofo idealista alemão Hegel e na qual se incluem as
doutrinas de um grupo de filósofos influentes na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos entre 1870 e 1920, além dos pensadores italianos Benedetto Croce e Giovanni Gentile.
. Sobre o neoidealismo italiano. O interesse pela doutrina hegeliana na Itália difundiu-se no século XIX, sobretudo através das obras de Augusto Vera e Bertrando Spaventa,
que pode ser considerado como o precursor, na Itália, da interpretação do pensamento hegeliano que associa as ideias de Kant e Fichte a temas idealistas. Destacam-se também os
estudos de Francesco De Sanctis sobre a estética hegeliana e, posteriormente, os trabalhos de Benedetto Croce e Giovanni Gentile. A Spaventa ligam-se Donato Jaia, Sebastião
Maturi e Gentile. Croce inspirou-se em De Sanctis. Em 1913, Giovanni Gentile publica A reforma da dialética hegeliana. Em sua obra, Gentile vê na lógica hegeliana a categoria do
devir como coincidente com o ato puro do pensamento, ao qual se transmite toda a realidade da natureza, da história e do espírito. A essa visão subjetivista de Gentile, contrapõe-
se, a partir de 1913, Benedetto Croce (primo de Bertrando Spaventa), que, no seu Ensaio sobre Hegel, interpreta o pensamento hegeliano como historicismo imanentista.
Autointitulado “filósofo do fascismo”, ele foi influente em fornecer uma base intelectual para o fascismo italiano, e escreveu sob pseudônimo parte de A Doutrina do Fascismo
(1932) com Benito Mussolini. Esse é um ensaio atribuído a Benito Mussolini. Na verdade, a primeira parte do ensaio, intitulado “Ideias Fundamentais” foi escrito pelo filósofo
Gentile, enquanto apenas a segunda parte (“Doutrina política e social”) é a obra do próprio Mussolini. Gentile estava envolvido no ressurgimento do neoidealismo hegeliano na
filosofia italiana e também desenvolveu seu próprio sistema de pensamento, que ele chamou de “idealismo real” ou “atualismo”, e que tem sido descrito como “o extremo
subjetivo da tradição idealista”. Benedetto Croce foi um filósofo, historiador e político italiano que escreveu sobre diversos assuntos, incluindo filosofia, história, historiografia e
estética. Em muitos aspectos, Croce era liberal, embora se opusesse ao livre comércio do laissez-faire. Exerceu considerável influência sobre outros intelectuais italianos, incluindo o
marxista Antonio Gramsci e o fascista Giovanni Gentile. Croce foi presidente da PEN International, a associação mundial de escritores, entre 1949 a 1952. Foi indicado ao Nobel
de Literatura dezesseis vezes.
. Sobre o neoidealismo inglês. Carlyle é um dos predecessores do neoidealismo inglês. Em 1865, o filósofo escocês James Hutchinson Stirling (1820-1909), ao publicar a obra O
segredo de Hegel, teve o mérito de haver introduzido e difundido na Inglaterra o pensamento hegeliano, apresentado então como uma evolução da filosofia transcendental de Kant.
O neo-hegelianismo, em contraposição ao positivismo imperante, pretendia satisfazer a necessidade de uma ética baseada em valores ideais e religiosos, contrapondo-a à moral
utilitarista. Nessa direção, desenvolvia-se a filosofia da religião de Thomas Hill Green e Edward Caird, mediante a aplicação do sistema dialético hegeliano aos princípios
religiosos. Entre os neo-hegelianos ingleses destaca-se Francis Herbert Bradley, que, em sua obra Aparência e realidade (1893), afirmava o aspecto contraditório da experiência
sensível e a necessidade de ir além da contingência, atingindo o absoluto hegeliano como síntese de finito e infinito. Efetivamente, o absoluto apresentado por Bradley aparece
num registro quase neoplatônico já que o aspecto finito da realidade desaparecia diante da prevalência do infinito. A concepção de Bradley despertou acesas polêmicas em que se
reivindicava, com Bernard Bosanquet, a função essencial da contradição na dialética hegeliana e, com John Ellis McTaggart, os aspectos espirituais do pensamento hegeliano. A
crise do neoidealismo inglês ocorre com James Black Baillie, que, em Estudos sobre a natureza humana, diante do drama da Primeira Guerra Mundial, repudia o otimismo idealista do
historicismo hegeliano e retoma a tradição empirista da filosofia inglesa.
. Sobre o neoidealismo estadunidense. Emerson é um dos predecessores do neoidealismo na América. Em 1890, com alguns estudos críticos de William Torrey Harris sobre a
Ciência da Lógica, de Hegel, o interesse pelo pensamento hegeliano, considerado sobretudo em seus aspectos religiosos, difundiu-se também nos Estados Unidos. O maior
intérprete dessa corrente religiosa neo-hegeliana foi Josiah Royce, que defendeu uma fusão entre a tradição do subjetivismo de Berkeley e a problemática das filosofias do espírito
pós-kantianas.
. O neo-hegelianismo, depois de ter marcado fortemente a cultura filosófica italiana por mais de quarenta anos, entra em crise no segundo pós-guerra, sendo substituído pelo
existencialismo, pelo neopositivismo, pela fenomenologia e pelo marxismo.
4. FENOMENOLOGIA, EXISTENCIALISMO E HERMENÊUTICA

1. A fenomenologia e o existencialismo
A Fenomenologia
. O objetivo aqui é superar o realismo/empirismo, o idealismo/racionalismo e o kantismo. Os pontos de partida de Husserl são: Bolzano (antipsicologismo) e Brentano
(intencionalidade). A fenomenologia quer estudar o objeto como ele se manifesta na sua rigorosa realidade, absolutamente pura, livre de qualquer mistura. É voltar às coisas
mesmas; é o estudo dos fenômenos (aquilo que se apresenta), dos “modos típicos”, em que coisas e fatos se apresentam à consciência. E a consciência é sempre consciência de
alguma coisa. Fora desta relação, a consciência não é nada, pois ela não é algo, mas ela somente existe neste movimento do olhar intelectual para as coisas. Não é ciência dos fatos,
mas das essências (ciência eidética), como por ex.: fatos perceptivos (cores, sons); fenômenos como simpatia, pudor, ressentimento e amor; ontologias regionais (moralidade,
religião).
. Husserl é um platonista e rejeita tudo o que se aproxima do nominalismo, afirmando que há universais e não somente particulares. Não se interessa por esta ou aquela norma
moral, mas porque esta é uma norma moral e não jurídica. Vemos esta cor, que é um caso particular da essência cor. As essências são os modos típicos do aparecer dos
fenômenos à consciência. O método fenomenológico consta de duas fases: 1) negativa: Epoché ou Redução Fenomenológica: o objeto (fenômeno) é isolado de tudo o que não
lhe é próprio a fim de poder revelar-se em sua pureza. Para se conhecer a verdadeira natureza do fenômeno é necessário aproximar-se dele com a consciência pura, abstendo-se de
pensar dele qualquer coisa que possa ser dita pela história, pela ciência, pela filosofia, pela literatura, pela religião e pelo senso comum. Não se trata da dúvida cartesiana, mas um
não fazer uso dos conhecimentos anteriores, a fim de poder começar do princípio; é suspender tudo e buscar somente o incontestável, o apodítico; 2) positiva: é aquela na qual o
olhar da inteligência se dirige para a própria coisa, penetra-a e faz com que ela se manifeste em toda a sua realidade. O resíduo fenomenológico será encontrado na consciência: a
existência da consciência é evidente. Há duas razões para Husserl usar o método fenomenológico. Ei-las: 1) desejo de libertar a doutrina do conhecimento do psicologismo do
empirismo inglês e o empiriocriticismo alemão, os quais tinham a pretensão de determinar o valor do conhecimento das sensações/experiência sensível; 2) desejo de pesquisar um
novo fundamento para a ciência. Na fenomenologia se estabelece como fundamento de pesquisa a experiência como ela se manifesta. O conhecimento tem caráter intencional.
Há três elementos no conhecimento: 1) nóesis: forma – momento subjetivo do conhecimento; a luz intelectual que dá sentido ao objeto, que o determina no seu “ser assim”; 2)
hýle: matéria – corresponde aos dados sensíveis que não são significativos por si mesmos, mas só depois de revestidos da luz da nóesis; 3) nóema: conceito – é o polo objetivo do
conhecimento, o significado ideal da coisa; este significado ideal é distinto do objeto físico, porque este pode não existir (no caso das essências, dos enunciados judicativos...), e
pode haver diversas nóema (Napoleão: vencedor em Austerlitz; vencido em Waterloo). O objeto da filosofia é o estudo do ser que tem significado/sentido (nóema). A
fenomenologia husserliana do conhecimento se divide em dois momentos: 1) redução eidética: a epoché diz respeito à suspensão do juízo sobre a existência do objeto real, a fim
de examinar apenas as representações; a fenomenologia é aplicada à análise das representações vistas como puras representações, prescindindo-se da existência tanto do sujeito
cognoscente como do objeto conhecido. Estudam-se, por exemplo, as representações da mesa consideradas em si mesmas, abstraindo-se da presença real de uma mesa real e dos
processos psicológicos que produziram tais representações. Se põe entre parênteses tanto aspectos psicológicos quanto a matéria do conhecimento, para se analisar somente as
representações enquanto representações; 2) redução transcendental: a epoché concerne à suspensão do juízo sobre qualquer conteúdo do conhecimento, para concentrar toda a
atenção na consciência pura. A fenomenologia é aplicada ao estudo do conhecimento, esvaziando-se de qualquer conteúdo, de qualquer objeto conhecido ou desejado. Não se
trata mais do exame daquilo que sinto, conheço, vejo ou quero, mas do “eu” que conhece, sente, quer etc. Disso decorre que o “eu”, enquanto consciência pura, transcendental,
se manifesta em todos os seus atos (cognitivos, apetitivos, volitivos etc.), como intencionalidade, como tendência para um objeto. A intencionalidade é precisamente a propriedade
do conhecimento e de todas as suas manifestações de tender para um objeto. A consciência é sempre intencional (consciência de alguma coisa). Husserl tem uma direção idealista:
os significados ou essências dos objetos, das instituições e dos valores são constituídos e postos pela consciência.
. Já Max Scheler tem uma direção realista: o olhar técnico desinteressado os intui enquanto dados objetivos.
. Nicolai Hartmann foi um dos poucos pensadores do século XX que se preocupou com todas as disciplinas filosóficas, desenvolvendo não apenas um teoria do conhecimento
e uma ontologia, mas também uma estética, uma ética, uma filosofia do espírito e uma doutrina de categorias na qual se insere a maior parte de suas investigações. Conclui que em
toda teoria do conhecimento há elementos metafísicos e em toda metafísica há elementos gnosiológicos. No campo da ontologia, dedicou-se ao exame de diferentes tipos de
categorias, tanto as que estruturam o mundo real quanto as que estruturam o mundo do espírito.
. Rudolf Otto trata do conceito do numinoso, o qual exprime uma profunda experiência emocional que ele argumentou estar no coração das religiões do mundo e que é
fundamental no entendimento religioso e filosófico da atualidade. Em O Sagrado e outras obras, Otto estabeleceu um paradigma para o estudo da religião que enfocava a
necessidade de perceber o religioso como uma categoria original não redutível por si só.
. Edith Stein, canonizada como Santa Teresa Benedita da Cruz, coloca-se em confronto teórico com a tradição fenomenológica, na busca de descrever a essência dos atos de
empatia e afirma a importância desta vivência, como elemento constituidor da singularidade da pessoa humana.
. Merleau-Ponty. A existência é ser-no-mundo, isto é, “certa maneira de enfrentar o mundo”. Mas esse ser-no-mundo é anterior a contraposição entre alma e corpo, entre o
psíquico e o físico. A interpretação causal das relações entre alma e corpo é rejeitada por Merleau-Ponty. Ele vê nessa relação muito mais uma dualidade dialética de
comportamentos. Ou melhor: alma e corpo indicam níveis de comportamento do homem, dotados de significado diverso. Todas as ciências inserem-se em um mundo completo e
“real”, sem se dar conta de que a experiência perceptiva tem valor constitutivo em relação a este mundo. Assim, encontramo-nos diante de um campo de percepções vividas que
são anteriores ao número, à medida, ao espaço, à causalidade e que, porém, não se apresenta como visão prospectiva de objetos dotados de propriedades estáveis, de mundo e de
espaço objetivos. O problema da percepção consiste em ver como é que, através desse campo, chega-se ao mundo intersubjetivo, do qual, pouco a pouco, a ciência precisa as
determinações. Em tal programa de análises, torna-se central o conceito de corpo, já que “meu corpo (...) é meu ponto de vista sobre o mundo”, “o corpo é nosso meio geral de
ter um mundo”. A percepção é a inserção do corpo no mundo. E se, por um lado, a percepção tem o caráter da “totalidade”, por outro lado ela permanece sempre “aberta”,
remetendo sempre a um além de sua manifestação singular, prometendo-nos outros ângulos de visão e, com isso, “algo mais a ver”. Portanto, o significado das coisas no mundo e
do próprio mundo permanece aberto ou ambíguo. E essa ambiguidade ou abertura é constitutiva da existência. Se é errado conceber a relação entre a consciência e o corpo como
relação causal entre duas substâncias, também é errado, portanto, ter uma concepção análoga sobre as relações entre o sujeito e o mundo. Mas, para Merleau-Ponty, também é
errado conceber uma relação de causalidade entre o homem e a sociedade. Por isso, se Sartre está fora de rumo com sua ideia da liberdade absoluta, também é errada a teoria
marxista da primazia causal do fato econômico sobre a constituição do homem e da sociedade. Na opinião de Merleau-Ponty, o homem é livre e não existe estrutura, como a
econômica, que possa anular sua liberdade constitutiva. Mas a liberdade do homem é liberdade condicionada: condicionada pelo mundo em que vive e pelo passado que viveu.
Assim, “jamais existe determinismo e jamais existe escolha absoluta; eu jamais sou coisa e jamais sou consciência nua”. A realidade é que nós escolhemos nosso mundo e o
mundo nos escolhe.

O Existencialismo
. Sartre iniciou sua atividade de pensador com análises de psicologia fenomenológica relativas ao eu, a imaginação e as emoções. Retoma de Husserl a ideia de intencionalidade da
consciência, censurando-o, porém, por ter caído no idealismo e no solipsismo com o seu sujeito transcendental. Em A transcendência do Ego, Sartre afirma que “o eu não é um
habitante da consciência”, pois ele “não está na consciência, mas fora dela, no mundo: é um ente do mundo como o eu de outro”. O homem, diz Sartre, é o ser cujo aparecimento
faz com que exista um mundo. O mundo não é a consciência. A consciência é abertura para o mundo; a consciência está encarnada na densa realidade do universo; o mundo pode
ser visto como um conjunto de utensílios. Mas o mundo não é a existência. E quando o homem não tem mais objetivos, o mundo fica privado de sentido. Essa é a tese expressa
por Sartre em A náusea, na qual o autor opõe o absurdo aos valores positivos da filosofia clássica. Se a experiência da náusea revela a gratuidade das coisas e do homem reduzido a
coisa e submerso nas coisas, a analise desenvolvida em O ser e o nada revela que a consciência é sempre Onisciência de algo, de algo que não é consciência. O exame da experiência
mostra-nos que desde o início o ser-em-si, isto é, os objetos que transcendem a consciência, não são a consciência. Eu tenho consciência dos objetos do mundo, mas nenhum
desses objetos é minha consciência: a consciência “é um nada de ser e, ao mesmo tempo, um poder nulificante, o nada”. O mundo é o “em-si”, é o dado “misturado de si
mesmo”, “opaco a si mesmo porque cheio de si mesmo”, absolutamente contingente e gratuito. Diante do “em si” está a consciência, que Sartre denomina o “para-si”. A
consciência é liberdade. A liberdade é constitutiva da consciência. Procurar desculpas significa estar de má-fé: a má-fé apresenta o desejado como necessidade inevitável. O
homem, portanto, se escolhe; sua liberdade não é condicionada; e ele pode mudar seu projeto fundamental a qualquer momento. Em O existencialismo é um humanismo (1946), Sartre
também identifica o homem com sua liberdade; o homem não está de modo algum sujeito ao determinismo; sua vida não se assemelha à da planta, cujo futuro já está “escrito” na
semente; o homem é o demiurgo de seu futuro; o homem não é uma essência fixa: ele é muito mais o que projeta ser. Nele, a existência precede a essência. Em 1946, Sartre tem
atrás de si uma guerra terrível e a experiência da Resistência; mas, diante dele, está a grande questão da reconstrução. Não podemos supor que Sartre defende o individualismo. O
primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo o homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. Sartre afirma aderir sem reservas
à teoria do materialismo histórico; entretanto, ele rejeita o materialismo dialético.
. Simone de Beauvoir. O Segundo Sexo apresenta um existencialismo feminista que prescreve uma revolução moral. Como uma existencialista, de Beauvoir acreditava que a
existência precedia a essência e, portanto, não se nasce mulher, torna-se. Sua análise foca no conceito hegeliano do “Outro”. É a construção social da mulher como a
quintessência dos “Outros” que de Beauvoir identifica como fundamental para a opressão das mulheres. O “O” maiúsculo em “outros” indica “todos os outros”. De Beauvoir
afirmava que as mulheres são tão capazes de escolher quanto os homens e que, portanto, podem optar por elevar-se, movendo-se para além da “imanência”, a qual eram
anteriormente resignadas, para alcançarem a “transcendência”, uma posição em que um indivíduo assume a responsabilidade para si e para o mundo, onde se escolhe sua
liberdade.

2. Heidegger, Jaspers, Marcel e Camus


. Heidegger procurou reconstruir a metafísica em novas bases, mediante a aplicação do método fenomenológico ao estudo do ser. Sendo o homem a porta de acesso ao ser,
devemos aplicar a epoché a todas as informações e começar o estudo do homem desde o princípio. Na sua pesquisa antropológica, Heidegger descobre no homem alguns traços
fundamentais do seu ser (existenciais). Heidegger diz que a tradição filosófica dos gregos em diante sempre identificou o “ser” com a “presença no mundo”. Ao invés de estudar o
ser como tal, estudaram um modo particular de ser: Platão as ideias, Aristóteles a substancia. Assim, segundo tal tradição, “ser” era estar presente no mundo e “não-ser” era não
estar presente no mundo. Segundo Heidegger, isso é um erro, porque, se se entende por “presença” a possibilidade de ocupar lugar no espaço e no tempo, toma como resposta
geral sobre a questão do ser uma resposta que pode servir, quando muito, para o ser dos objetos materiais, para o ser, por exemplo, de mesas e cadeiras. Ora, tomar como
referencial do que é o “ser” a descrição do “ser” de objetos materiais é generalizar para todos os outros entes (“entes” são as coisas que são, que existem) o tipo de ser
característico de certos entes em particular. Heidegger acreditava que a resposta da questão do ser só pode ser obtida mediante o exame do ser dos entes, e, portanto, é preciso,
sim, começar por algum ente ou tipo de ente em especial. Mas não via razão para começar pelos objetos materiais como os entes que acima de tudo deveriam ser examinados.
Heidegger acreditava que, na tentativa de responder à questão do ser, se deveria examinar em primeiro lugar aquele ente que é o único que se pergunta sobre o ser, ou seja, o
homem. Heidegger não se refere explicitamente ao homem, e sim ao “Dasein” (ser-aí). Há uma interpretação que afirma que o ser-aí não é o homem individual (interpretação
existencialista), mas a coletividade, a tradição cultural. Em vez de partir das coisas para determinar o ser de todos os entes, inclusive o homem, Heidegger propunha partir do
homem para determinar o ser de todos os entes, inclusive as coisas. Segundo Heidegger, em Ser e Tempo, o ser do homem não consiste numa simples presença no mundo, e sim
em um Ser-aí (Dasein), o qual pode ser definido da seguinte forma: trata-se um projeto indefinido, autodirigido e perpetuamente inacabado: o homem, ao contrário de uma faca,
uma cadeira ou uma casa, não tem essência, no sentido de um conjunto pré-definido de propriedades e atributos que ele deve adquirir ou conservar para aí sim ser de fato um
homem. O homem tem existência, no sentido de que está constantemente definindo que tipo de coisa ele é. O que ele é ele mesmo é que define. E essa definição é sempre
projeção. Trata-se antes do que se quer ser e como chegar até lá. E não existe linha de chegada. Todo ponto final é ponto de partida de uma nova projeção. O homem está
condenado a ser esse “espaço vazio” que pode conter e buscar qualquer projeção, mas jamais pode se deixar definir ou aprisionar inteiramente por ela. Mas essa projeção está
sujeita a três condições (existenciais) (que são também limites), quais sejam: i) O Ser-aí é um ser-no-mundo: facticidade. Não há que falar em homem em abstrato, fora de uma
situação mundana específica. Ser homem é estar numa situação mundana em particular (nisso consiste sua “mundanidade”), situação a partir da qual certas projeções são possíveis
(mundanidade como condição), mas a partir da qual também certas projeções se tornam impossíveis (mundanidade como limite). Pense em como ser homem no Antigo Egito e
ser homem no mundo atual: um ativista político influente não seria possível no Antigo Egito, enquanto o projeto de ser Faraó não seria possível hoje; ii) O Ser-aí é um ser-com-
os-outros: mundo-da-vida, quer dizer, aquela rede de crenças, valores e afetos compartilhados pelos homens que vivem em certo meio social, rede que serve ao mesmo tempo de
matéria-prima das projeções e de limite para elas; iii) O Ser-aí é um ser-para-a-morte: temporalidade. A angústia reconecta o homem com seu ser-para-a-morte e faz com que se
relembre da sua incontornável condição de Ser-aí. Se, na tradição ocidental, sob impulso de Parmênides e a partir do cânone de Platão, o tempo, como promotor do devir havia
sido sempre pensado como aquilo que é contrário ao ser (pois o ser, inspirado no ser dos entes que são as coisas, é aquilo que não muda, sempre permanece igual e idêntico a si
próprio), agora, a partir da reflexão de Ser e Tempo, era possível visualizar o tempo como a condição sem a qual não existe o ser, desde que este seja entendido a partir do ser do
ente que se pergunta sobre o ser, isto é, a partir do ser do homem, o Ser-aí. Só no tempo é que o Ser-aí pode se projetar, só no tempo é que pode se enfrentar com o mundo em
busca de seu projeto projetado, só no tempo, e na consciência do tempo e certeza da morte, é que pode reencontrar o sentido de seu Ser-aí para além de toda ilusão ou
esquecimento. O tempo deixa de ser o temido inimigo do ser e passa a ser – de agora em diante – seu aliado necessário. Tem uma vida banal ou inautêntica quem se deixa
dominar pela situação, pelo ser-no-mundo, pelo cuidado com as coisas. Na existência inautêntica, o homem se serve das coisas (utilizabilidade). Nesta vida, quem dita a lei é a
massa (das Mas): o inautêntico sabe aquilo que a massa sabe, diverte-se como se diverte a massa, julga sobre literatura, arte, esporte etc. como julga a massa. Leva vida autêntica
quem a assume como própria, quem a forja e a constrói segundo um plano próprio, quem aceita a morte. A morte pertence à estrutura fundamental do homem, é um existencial.
E pela angústia, o homem adquire consciência da morte.
. Karl Jaspers. O problema central é como pensar a existência sem torná-la objeto. A existência humana é entendida como intimamente vinculada à historicidade e à noção de
situação: o existir é um transcender na liberdade, que abre o caminho em meio a um conjunto de situações históricas concretas. Jaspers preocupou-se em estabelecer as relações
entre existência e razão, o que o levou a investigar em profundidade o conceito de verdade. Para ele, a verdade não é entendida como característica de nenhum enunciado
particular: é antes uma espécie de ambiente que envolve todo o conhecimento.
. Gabriel Marcel se situa o seu pensamento como neo-socrático ou socrático-cristão. Rejeitava, o quanto possível, o termo existencialismo, tal como Jaspers e Heidegger.
Partindo de sua própria existência, acentua ter vivido problemas filosóficos que o oprimiram e afirma: “a filosofia concreta nasce somente de uma tensão criadora, continuamente
renovada, entre o eu e as profundezas do ser, da mais estrita e rigorosa reflexão, fundada na experiência vivida até o limite de sua intensidade”. Os motivos fundamentais do
pensamento filosófico são: 1) a defesa da singularidade irrepetível do existente e do mistério do ser, contra o racionalismo que pretende reduzir a existência à experiência
conhecida pelo método da verificação empírica; 2) reconhecimento da inobjetividade fundamental do sentido corpóreo. O homem é um ser encarnado. Analisa a proposição “eu
existo” e segundo ele, a reflexão metafísica revela que esta proposição significa “eu sou o meu corpo”. Corpo que não é só a matéria visível, mas também a intimidade –
concretização do eu, isto é, a individualização do existir. A pesquisa do homem encarnado de Marcel orienta-se para a descoberta de um sentido para a vida, o qual é sempre o
sentido da minha vida. Recusar-se a esclarecer o sentido da vida é renunciar a própria identidade profunda, é dissolver-se no Ter.
. Albert Camus. Em filosofia, “O Absurdo” se refere ao conflito entre a tendência humana de buscar significado inerente à vida e a inabilidade humana para encontrá-lo em um
universo sem propósito, sem significado ou caótico e irracional. Nesse contexto, “absurdo” não significa “logicamente impossível”, mas “humanamente impossível”. O Absurdo
não é um produto só do espírito humano, tampouco algo existente de maneira independente do homem. Ele é, ao contrário, resultado da contrariedade inerente ao convívio do
espírito com o mundo. Trata-se de uma filosofia que está relacionada ao existencialismo e ao niilismo, ainda que não deva ser confundida com estes.

3. A teoria da hermenêutica e os seus desenvolvimentos


. Hermenêutica é um ramo da filosofia que estuda a teoria da interpretação, que pode referir-se tanto à arte da interpretação, ou à prática e treino de interpretação. A hermenêutica
tradicional se refere ao estudo da interpretação de textos escritos, especialmente nas áreas de literatura, religião e direito. A hermenêutica moderna, ou contemporânea, engloba
não somente textos escritos, mas também tudo que há no processo interpretativo. Isso inclui formas verbais e não-verbais de comunicação, assim como aspectos que afetam a
comunicação, como proposições, pressupostos, o significado e a filosofia da linguagem e a semiótica. O termo “hermenêutica” provém do verbo grego hermēneuein e significa
“declarar”, “anunciar”, “interpretar”, “esclarecer e, por último, “traduzir”. Significa que alguma coisa é “tornada compreensível” ou “levada à compreensão”. O termo deriva do
nome do deus da mitologia grega Hermes (Mercúrio para os romanos), o mensageiro dos deuses, a quem os gregos atribuíam a origem da linguagem e da escrita e considerado o
patrono da comunicação e do entendimento humano. As estruturas básicas da compreensão são: 1) Estrutura de horizonte: o conteúdo singular é apreendido a partir da totalidade
de um contexto de sentido, que é pré-apreendido e co-apreendido; 2) Estrutura circular: a compreensão acontece a partir de um movimento de ir e vir entre pré-compreensão e
compreensão da coisa, como um acontecimento que progride em forma de espiral, na medida em que um elemento pressupõe outro e ao mesmo tempo faz com que se possa ir
adiante; 3) Estrutura de diálogo: a compreensão sempre é apreensão do estranho e está aberta à modificação das pressuposições iniciais diante da diferença produzida pelo outro
(o texto, o interlocutor); 4) Estrutura de mediação: a compreensão visa um dado que se dá por si mesmo, mas a sua apreensão faz-se pela mediação da tradição e da linguagem. Os
costumes, cultura e etnias são alguns dos aspectos fundamentais para se ter uma legítima interpretação do texto.
. Com Friedrich Schleiermacher (1768-1834), no início do século XIX, a hermenêutica recebe uma reformulação, pela qual ela definitivamente entra para o âmbito da filosofia.
Em seus projetos de hermenêutica, coloca-se uma exigência significativa: a exigência de se estabelecer uma hermenêutica geral. Ela deveria ser capaz de estabelecer os princípios
gerais de toda e qualquer compreensão e interpretação de manifestações linguísticas. Onde houvesse linguagem, ali aplicar-se-ia sempre a interpretação. E tudo o que é objeto da
compreensão é linguagem. As distinções básicas estabelecidas por Scheleiermacher são: 1) a distinção entre compreensão gramatical, a partir do conhecimento da totalidade da
língua do texto ou discurso, e a compreensão técnica ou psicológica, a partir do conhecimento da totalidade da intenção e dos objetivos do autor; 2) a distinção entre
compreensão divinatória e comparativa (compreensão divinatória: significa uma adivinhação imediata ou apreensão imediata do sentido de um texto; compreensão comparativa:
se apoia em uma multiplicidade de conhecimentos objetivos, gramaticais e históricos, deduzindo o sentido a partir do enunciado).
. Posteriormente, com os trabalhos de Dilthey, o procedimento hermenêutico tornou-se a metodologia das ciências humanas. Os eventos da natureza devem ser explicados, mas
os eventos históricos, os valores e a cultura devem ser compreendidos. Wilhelm Dilthey é primeiro a formular a dualidade de “ciências da natureza e ciências do espírito”, que se
distinguem por meio de um método analítico esclarecedor e um procedimento de compreensão descritiva. Compreensão é apreensão de um sentido, e sentido é o que se
apresenta à compreensão como conteúdo. Só podemos determinar a compreensão pelo sentido e o sentido apenas pela compreensão. Segundo Dilthey, estes dois métodos
estariam opostos entre si: explicação (próprio das ciências naturais) e compreensão (próprio das ciências do espírito ou ciências humanas).
. O grande nome da hermenêutica é Gadamer. Ele foi um filósofo alemão considerado como um dos maiores expoentes da hermenêutica (interpretação de textos escritos,
formas verbais e não verbais). Sua obra de maior impacto foi Verdade e Método, de 1960, onde elabora uma filosofia propriamente hermenêutica, que trata da natureza do
fenômeno da compreensão. Originalmente intitulado por Gadamer como Traços Fundamentais de uma Hermenêutica Filosófica, Verdade e Método é justamente isso. Seguindo a iniciativa
de Heidegger de aumentar o escopo da hermenêutica além dos textos, Gadamer endossa a percepção de que os seres humanos são fundamentalmente seres que são dados à
compreensão. Nossa tarefa, se quisermos realmente nos conhecer, é descobrir o que tal compreensão implica, levando em conta tanto suas possibilidades quanto suas limitações.
Gadamer, no entanto, vai além de Heidegger e pergunta se esse é o caso, o que isso significa especificamente para as humanidades? A resposta de Gadamer tem componentes
negativos e positivos. Negativamente, Verdade e Método critica não apenas o metodologismo e o cientificismo subjacentes à hermenêutica de Dilthey e à fenomenologia de Husserl,
mas também a propensão do século XX para o positivismo e/ou o naturalismo. No entanto, em seu movimento para colocar a ciência “em seu lugar”, por assim dizer, encontra-
se uma tentativa positiva de revigorar nossa apreciação da arte, mostrando não apenas como ela fala a verdade, mas também como ela serve como o paradigma da verdade. Ele
argumenta não apenas que o conhecimento significativo buscado pelas humanidades é irredutível ao das ciências naturais, mas que há uma verdade mais profunda e mais rica que
excede o método científico. Com o círculo hermenêutico (movimento de compreender) enfrentamos um texto com o conjunto de expectativas ou pré-conceitos que constituem
nossa pré-compreensão (nossa mente não é uma tábula rasa). E é em base a esta pré-compreensão nossa que damos uma primeira interpretação do texto, que não é mais do que
conjetura nossa sobre a mensagem ou conteúdo do texto. O intérprete põe esta sua interpretação (com base em sua memória cultural: linguagem, teorias, mitos, etc.) ao crivo
sobre o texto e sobre o contexto (qualquer informação importante, apta a confirmar ou a enfraquecer a interpretação proposta), e se esse controle mostra que há um choque entre
nossa interpretação e algum trecho do texto ou do contexto, então devemos propor um esboço posterior de sentido, outra interpretação a ser submetida, por sua vez, ao crivo do
texto e do contexto. E se também esta segunda resultar inadequada, experimentar-se-á uma terceira. E assim por diante, teoricamente ao infinito, ainda que nos detenhamos
naquela interpretação que nos aparecerá como satisfatória. Quem quiser compreender um texto deve estar pronto a deixar que o texto lhe diga alguma coisa (alteridade do texto).
Tal sensibilidade não pressupõe uma neutralidade objetiva nem um esquecimento de si mesmo, mas implica uma precisa tomada de consciência das próprias pressuposições e dos
próprios preconceitos. Segundo a história dos efeitos, o produto não é o produtor. E o autor de um texto é um elemento ocasional. Com efeito, depois de vindo ao mundo, um
texto vive uma vida autônoma: produz seus efeitos. Ex.: de uma teoria cientifica se verão consequências, erros, aplicações, desenvolvimentos, interpretações. É claro que a história
dos efeitos de um texto determina sempre mais plenamente seu significado. Disso resulta que quem interpreta um texto a distância temporal do nascimento do texto tem
possibilidades maiores de compreender mais plenamente seu sentido. Os preconceitos que formam a pré-compreensão do interprete são frutos de elaborações do passado. Ideias
e ideais nos são transmitidos pela tradição. Sobre a tradição, Gadamer 1) rejeita a atitude romântica feita de fé na autoridade; 2) sustenta que a proposta iluminista de querer crivar
todo e qualquer preconceito à luz da razão é uma pretensão justa; 3) afirma, porém, que dessa pretensão não brota necessariamente a rejeição indiscriminada de todo e qualquer
preconceito, da autoridade e da tradição; e isso pelo fato de que preconceitos notáveis e preconceitos tradicionais podem resultar adequados e produtivos para o conhecimento: da
verdade não se pergunta a data de nascimento; 4) por conseguinte, a rejeição iluminista da tradição torna-se um preconceito não adequado.
. Emilio Betti. O intérprete revê reconhecer uma mensagem presente no texto. O sentido não deve ser imposto ao objeto, mas extraído dele. As quatro regras (cânones) para
uma boa interpretação são: autonomia, totalidade, atualidade do compreender e adequação do compreender.
. Paul Ricoeur. Compreender um texto é encadear um novo discurso no discurso do texto. Isto supõe que o texto seja aberto. Ler é apropriar-se do sentido do texto. De um lado
não há reflexão sem meditação sobre os signos; do outro, não há explicação sem a compreensão do mundo e de si mesmo. O sentido do trabalho filosófico de Ricoeur deve ser
visto em uma teoria da pessoa humana; conceito – o de pessoa – reconquistado após uma peregrinação fatigante na floresta das produções simbólicas do homem, depois das
devastações produzidas na ideia de consciência pelos mestres da “escola da suspeita”. “Consciência? Como se poderia ainda crer na ilusão de transparência associada a este termo,
depois de Freud e da psicanálise? Sujeito? Como se poderia alimentar ainda a ilusão de uma fundação última em algum sujeito transcendental, depois da crítica das ideologias
efetuadas pela Escola de Frankfurt? O eu? Mas quem não sente com força a impotência do pensamento para sair do solipsismo teórico [...]? Eis a razão - conclui Ricoeur - pela
qual prefiro dizer pessoa em vez de consciência, sujeito, eu”. E a pessoa é atenazada na dialética entre liberdade e culpa, e se sente só diante de Deus, como o cavaleiro da fé de
que fala Kierkegaard, cavaleiro que, diante de Deus, não dispõe em todo caso a não ser de si próprio, em um isolamento infinito.
. Luigi Pareyson. A única forma de entrar em contacto com a verdade é através da interpretação. Mas esta sua hermenêutica não é concebida como método particular de leitura
de textos. Ela é, antes de mais, uma abordagem da pessoa à própria existência, o que implica uma alteração da experiência humana, levando-a aos domínios de uma experiência
religiosa. Só no interior da experiência religiosa, segundo Pareyson, é possível proceder a uma investigação acerca da incomensurabilidade da existência e, aí sim, também através
da interpretação do texto, especialmente do texto do mito. É assim que se chega àquilo que Pareyson chama de “ontologia do inexaurível”. Entendida desta forma, a hermenêutica
envolve a totalidade da pessoa no momento da interpretação. Pareyson chama “pensamento trágico” ao modo como o ser humano toma um contacto profundo com a sua
realidade existencial, ou seja, com a sua situação no mundo. O domínio cultural e textual no qual melhor se expressa a verdadeira natureza da existência e do homem é, segundo
ele, o cristianismo. Por esta razão é possível considerar Pareyson um filósofo cristão e principalmente porque o seu pensamento obriga a repensar o próprio cristianismo.
. Gianni Vattimo se ocupou da ontologia hermenêutica contemporânea, acentuando sua ligação com o niilismo – entendido como enfraquecimento das categorias ontológicas.
Assim, contrapõe o pensamento fraco, uma forma particular de niilismo, às diversas formas de pensamento forte, isto é, aquelas baseadas na revelação cristã, no marxismo e
outros sistemas ideológicos. Segundo Vattimo, a partir das filosofias de Nietzsche e principalmente de Heidegger, instaura-se uma crise irreversível nas bases cartesianas e
racionalistas do pensamento moderno. Propõe uma filosofia baseada no enfraquecimento do ser como chave de leitura da pós-modernidade, e numa “apologia do niilismo” de
cunho nietzschiano visando a uma progressiva redução da violência que se concretizaria nos ideais de pluralismo e tolerância, como impulso à emancipação humana e à superação
das diferenças sociais.

5. FILOSOFIA DA CIÊNCIA E DA LINGUAGEM

1. O desenvolvimento das ciências, o empiriocriticismo e o convencionalismo


. O estreito entrelaçamento que, por vezes, se constitui na história das ideias entre ideias filosóficas e teorias científicas nos impõe delinear os traços da evolução de teorias
científicas do séc. XIX e XX. Assim, por exemplo, é importante a compreensão do que ocorreu durante o séc. XIX, como o processo de rigorização da matemática, o surgimento
das geometrias não-euclidianas, o mecanicismo físico, a teoria da evolução biológica, a linguística histórica, a psicologia experimental e a sociologia sistemática.
. Há, no séc. XIX, o surgimento do empiriocriticismo e o do convencionalismo.
. O empiriocriticismo é um movimento filosófico que se baseia no positivismo do século XIX e nasceu de uma proposta de Avenarius, na Alemanha, nos últimos decênios desse
século. Não se deve confundir esta doutrina com o empirismo. O empiriocriticismo rejeita qualquer contributo exterior aos dados da experiência, como sejam a metafísica,
justificando desse modo a busca de rigor; pelo mesmo motivo, a linguagem da filosofia deveria procurar ser o mais exata possível. O sujeito e o objeto são vistos na sua unidade,
reconhecendo Avenarius que não há um sem o outro. Justifica esta posição a partir dos estudos da fisiologia, sobretudo na relação com o sistema nervoso central. Este fugaz
movimento filosófico influenciou e antecipou algumas das questões do Círculo de Viena. Do empiriocriticismo destacam-se Avenarius e Mach.
. Do convencionalismo destacam-se Poincaré e Duhem. Para Poincaré, a ciência não pode ser reduzida a uma simples regra; as teorias devem ser controladas; os axiomas da
geometria são convenções. Para Duhem, a experiencia é, para uma teoria física, o único critério de verdade; a verdade de uma teoria física não se decide por cara ou coroa.
. No séc. XX, há o desenvolvimento das várias ciências e isso influenciou o desenvolvimento de novas compreensões filosóficas sobre diversos assuntos. Algumas das áreas
científicas fundamentais para o surgimento de novas reflexões filosóficas são, por exemplo, a psicanálise, a gestalt, o behaviorismo, a epistemologia genética, a linguística, a lógica,
a matemática, a física e a biologia.

2. A epistemologia contemporânea em sua gênese e em seus desenvolvimentos


. O neopositivismo. A reflexão sobre o método cientifico conhece, nos anos que intercorrem entre as duas guerras, um impulso decisivo. O principal centro para a filosofia da
ciência foi nesse período, a Universidade de Viena, onde um grupo de intelectuais se reuniram, a partir de 1924, ao redor de Moritz Schlick, dando vida ao que se tornou o Círculo
de Viena, cuja atividade, que consistia de discussões, seminários, congressos, publicações, durou até pela metade da década de 1930. A tomada do poder por Hitler levou consigo
também o fim do Círculo de Viena (Rudolf Carnap, Herbert Feigl, Frriedrich Waismann, Otto Neurath, Hans Hahn, Félix Kaufmann e Moritz Schlick), enquanto significou a
diáspora de neopositivistas. Paralelamente ao Círculo de Viena, e em ligação estreita de intenções, desenvolveu-se o assim chamado Círculo de Berlim ou Sociedade para a
filosofia científica (Hans Reichenbach, Richard von Mises, Carl Gustav Hempel, Kurt Grellin e Olaf Helmer). É em 1929 que, com a assinatura de Neurath, Hahn e Carnap,
aparece o manifesto do Círculo de Viena, pequeno volume com o título A concepção científica do mundo, cujas linhas programáticas eram: 1) a formulação de uma ciência unificada,
compreendendo todos os conhecimentos provenientes da física, das ciências naturais etc.; 2) o meio para tal fim devia consistir no uso da logica matemática; 3) contribuir para o
esclarecimento dos conceitos e das teorias da ciência empírica e para o esclarecimento dos fundamentos da matemática. O princípio fundamental do neopositivismo – que é,
justamente, a filosofia do Círculo de Viena – é o princípio de verificação, segundo o qual têm sentido apenas as proposições que podem empiricamente ser verificadas, ou seja,
apenas as proposições que podem se reduzir ou traduzir na linguagem “coisificada” da física: ou seja, têm sentido unicamente as proposições da ciência empírica (física, química,
geografia, história, geologia etc.). Daí a antimetafísica dos neopositivistas vienenses.
. Bridgman. O operacionalismo sustenta que o significado dos conceitos científicos se reduz a uma operação empírica ou a um conjunto de operações. Por conceitos entende-se
mais que um grupo de operações, o conceito é sinônimo do grupo correspondente de operações.
. Bachelard. O conhecimento científico avança por meio de rupturas epistemológicas sucessivas. É desse modo que ele se aproxima da verdade: “não encontramos nenhuma
solução possível para o problema da verdade, senão a de ir descartando erros cada vez mais sutis”. Entretanto, o progresso da ciência, essa contínua retificação dos erros
anteriores, especialmente as retificações que constituem autênticas rupturas, não são passos que se efetuam com facilidade, em virtude do seu choque com o que Bachelard chama
de “obstáculos epistemológicos”. Podemos dizer que o obstáculo epistemológico é uma ideia que impede e bloqueia outras ideias: hábitos intelectuais cristalizados, a inércia que
faz estagnar as culturas, teorias científicas ensinadas como dogmas, os dogmas ideológicos que dominam as diversas ciências – eis alguns obstáculos epistemológicos.
. Popper. Segundo Popper, o valor da ciência não está na comprovação experimental das teorias científicas por meio do acúmulo de proposições de observação singulares que
confirmem a hipótese, mas na possibilidade de provas experimentais poderem falsear os seus enunciados científicos. Os fatos nunca podem provar positivamente que uma teoria
é verdadeira; podem, porém, falseá-la. O que caracteriza o conhecimento científico é essa possibilidade de se provar que uma teoria científica está errada e de se a corrigir ou
substituir por outra melhor. O método adotado consiste em identificar os problemas de investigação, que surgem através de dúvidas que não encontram respostas nas teorias
vigentes, propondo hipóteses ousadas (quanto mais falseável for uma teoria, mais científica será) e, através de testes experimentais que busquem a falseabilidade e a crítica
intersubjetiva (modus Tollens), localizar os possíveis erros dessas hipóteses e teorias. À medida que se vai provando que algumas ideias são falsas, cria-se a necessidade de
produzir outras melhores que não contenham as falhas das anteriores. É dessa forma que o conhecimento científico cresce, por um processo de substituição ou renovação de suas
teorias, e não pela acumulação de certezas.
. Kuhn. Para Kuhn, os cientistas, normalmente, procuram resolver os problemas e desenvolver o potencial de suas teorias e, assim, comprovar que estão corretas e conforme ao
paradigma vigente. Mesmo que encontrem alguns casos ou provas falseadoras, custam a abandonar suas teorias. Os fatos, provas e casos novos que conflitam com as teorias
vigentes do paradigma tendem a ser ignorados por eles, pois acreditam fortemente que o seu paradigma tem a resposta para os problemas levantados. Somente em casos críticos,
quando os problemas se acumulam e viram anomalias (momentos de crise/revolução), é que podem abandonar uma teoria (o paradigma) e a substituir por outra melhor. Os
cientistas mudam de paradigma, abandonando-o, apenas quando o novo que surgir for mais forte, não contendo as falhas do anterior e dando-lhes maiores possibilidades
explicativas. Em geral, quem funda um novo paradigma são pessoas de fora, isto é, pertencem a outra área de conhecimento. Os cientistas aderem por conversão ou persuasão ao
que consideram ser o melhor paradigma para continuar a fazer ciência. O quadro da progressão da ciência pode ser assim descrito: Pré-ciência – ciência normal (paradigma) –
crise-revolução – nova ciência normal (paradigma). A ciência não caminha numa via linear, contínua e progressiva, mas por saltos e revoluções.
. Lakatos. Um programa de pesquisa é um conjunto de teorias e técnicas utilizadas por uma comunidade científica. O termo foi introduzido na filosofia da ciência por Lakatos.
Ele defendia a necessidade de um pluralismo teórico, ou seja, a concorrência de programas de pesquisa, mesmo quando conflitantes, é o que move o progresso do conhecimento.
Defendia também que uma consequência falsa em alguma previsão de uma teoria não implica na refutação da teoria, mas aponta algum erro de alguma condição específica ou das
teorias auxiliares que estão envolvidas nos métodos observacionais. Considerando assim o fato “refutador” como uma anomalia que futuramente será resolvida. Sobre a heurística,
ele fala da negativa e da positiva: 1) Negativa (hard core ou núcleo firme): determina quais são as ideias perenes, que devem ser consideradas irrefutáveis dentro de um determinado
programa de pesquisa. Ex: A lei da gravitação de Newton no modelo de órbitas do sistema solar; 2) Positiva (cinturão protetor): orienta como lidar com as divergências
experimentais da teoria; são as hipóteses, aproximações e adições ao núcleo firme que respondem essas divergências, a fim de manter o núcleo firme como referência absoluta.
. Feyerabend. É preciso abandonar a quimera de que as normas “ingênuas e simplistas” propostas pelos epistemólogos podem explicar o “labirinto de interações” apresentado
pela história real. A história em geral e a história das revoluções em particular são sempre mais ricas em conteúdo, mais variadas, mais multilaterais, mais vivas e mais “astutas” do
que pode ser imaginado até pelo melhor historiador e pelo melhor metodólogo”. Consequentemente, o anarquismo epistemológico de Feyerabend consiste na tese de que a ideia
de um método que contenha princípios estáticos, imutáveis e absolutamente obrigatórios como guia para a atividade científica se defronta com dificuldades consideráveis quando
é posta diante dos resultados da pesquisa histórica.

3. Russell, Wittgenstein e a filosofia da linguagem


. Russell. Russell se libertou das cadeias do idealismo e voltou a trilha do tradicional empirismo da filosofia inglesa. E passaria a contribuir para essa concepção empírica e realista
da filosofia. A filosofia não pode ser fecunda se estiver afastada da ciência. Russell fixa em 1899-1900 a data fundamental de seu trabalho filosófico: foi nessa época que ele adotou
a filosofia do atomismo lógico e a técnica de Peano na lógica matemática. A reviravolta desses anos representou uma revolução, ao passo que as mudanças posteriores tiveram o
caráter de uma evolução. O atomismo lógico pretendia ser uma filosofia emergente da simbiose entre um empirismo radical e uma lógica perspicaz. A lógica oferece as formas-
padrão do raciocínio correto e o empirismo oferece premissas, que são proposições atômicas ou proposições complexas, construídas a partir das primeiras. A proposição atômica
descreve um fato, afirma que uma coisa tem certa qualidade ou que determinadas coisas em certas relações. Um fato atômico, por seu turno, é o que torna verdadeira ou falsa uma
proposição atômica. “Sócrates é ateniense” é uma proposição atômica, que expressa o fato de Sócrates ser cidadão ateniense. “Sócrates é marido de Xantipa” é outra proposição
atômica. “Sócrates é ateniense e marido de Xantipa” é proposição complexa ou molecular. Veremos essas ideias retornarem no Tractatus logico-philosophicus, de Wittgenstein. Em
1903, publicou Os princípios da matemática, onde se propõe “a mostrar, em primeiro lugar, que toda a matemática procede da lógica simbólica, depois de descobrir, tanto quanto
possível, quais são os princípios da própria lógica simbólica”. Russell, em sua reação ao idealismo, sustenta o realismo platônico para os objetos da matemática: os números, as
classes, as relações etc., tem existência independente do sujeito e da experiência. Uma relação como “Se A = B e B = C, então A = C” existe independentemente do sujeito que a
pensa: existe e é sempre verdadeira. Em sua Teoria das descrições (1905) ele distinguira entre sentido e significado ou, em termos clássicos, entre conotação e denotação ou intensão e
extensão. Expressões como “a estrela da manhã” e “a estrela vespertina”, embora indicando o mesmo planeta Vênus, dizem coisas diferentes, apresentando sentidos diferentes.
As duas expressões têm o mesmo significado ou a mesma denotação, ou seja, indicam o mesmo objeto, ao passo que o seu sentido ou conotação, isto é, o que dizem desse objeto,
é diferente. Podemos refletir também nesse sentido sobre esses problemas e sobre o status de certas frases como “a montanha de ouro não existe” ou “o círculo quadrado não
existe”. Trata-se de proposições verdadeiras que, em alguns casos, podem também ser úteis. Mas eis o problema: como pode uma proposição ser verdadeira e ter significado se ela
se refere ao nada? Pensou-se então que deveria haver algum sentido em que existam tanto as montanhas de ouro como os círculos quadrados, isto é, os objetos indicados pelas
expressões denotativas. Em suma, ainda que não existam realmente, as montanhas de ouro, as quimeras e os círculos quadrados devem de alguma forma ter algum tipo de
existência se as expressões que os denotam são parte de enunciados que tem significado e são verdadeiros, como é o caso da afirmação “o círculo quadrado não existe”. E, para
evitar os becos sem saída e os enigmas a que tais expressões denotativas levam, propôs uma análise que visava a fazer desaparecer tais expressões, de modo que, ao invés de dizer
“a montanha de ouro não existe”, se possa dizer que “não há nenhuma entidade que, ao mesmo tempo, seja de ouro e seja montanha”. Tal análise elimina a locução “uma
montanha de ouro” e consequentemente elimina também qualquer razão de crer que o objeto por ela indicado tenha algum tipo de existência. A frase “o círculo quadrado não
existe” torna-se “jamais é verdadeiro que x seja circular, y seja quadrado e não seja sempre falso que x e y se identifiquem”. Como se vê, nas reconstruções de Russell desaparecem
as expressões denotativas, e desaparecem as formas do verbo “existir” e do verbo “ser” em função não-copulativa. Exposta em 1905, essa teoria foi depois desenvolvida nos
Principia mathematica onde Russell distingue entre descrições indefinidas ou ambíguas e descrições definidas. Por esse caminho, Russell pensava eliminar os paradoxos metafísicos
da “existência” e os paradoxos dos não-existentes. Em suma, a teoria das descrições de Russell afirma essencialmente que as expressões denotativas são incompletas, ou seja, são
incapazes de ter significado por si sós e se distinguem claramente dos nomes próprios (que, tomados isoladamente, têm significado).
. Wittgenstein. As teses fundamentais do Tractatus são as seguintes: “O mundo é tudo o que acontece”; “O que acontece, o fato, é a existência dos fatos atômicos”; “A
representação lógica dos fatos é o pensamento”; “O pensamento é a proposição exata”; “A proposição é uma função de verdade das proposições elementares”; “A forma geral da
função de verdade é [r, x, N(x)]: essa é a fórmula geral da proposição”; “Aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”. Em uma primeira consideração, encontramos no Tractatus
uma ontologia: “O mundo divide-se em fatos”. Mas o próprio fato é divisível: “Aquilo que acontece, o fato, é a existência de fatos atômicos”. E os fatos atômicos, por seu turno,
são constituídos por objetos simples: estes são substância do mundo. “O fato atômico é uma combinação de objetos (entidades, coisas)”. “O objeto é simples”. “Os objetos
constituem a substância do mundo. Por isso não podem ser compostos”. “O fixo, o consistente e o objeto são uma só coisa”. “O objeto é o fixo, o consistente; a configuração é o
mutável, o instável". À teoria da realidade corresponde a teoria da linguagem. Segundo o Wittgenstein do Tractatus, a linguagem é uma representação projetiva da realidade. “Nós
fazemos representações dos fatos”. “A representação é um modelo da realidade”. E “o que a representação deve ter em comum com a realidade para poder representá-la – exata
ou falsamente –, segundo seu próprio modo, é a forma de representação”. Mas Wittgenstein se dá conta de que, embora a ciência represente projetivamente o mundo, entretanto,
além da ciência e do mundo, “há verdadeiramente o inexprimível. “O sentido do mundo deve se encontrar fora dele. No mundo, tudo é como é, e acontece como acontece: nele
não há nenhum valor – e, se houvesse, não teria nenhum valor” (eis a parte mística do Tractatus). Ele influenciou os neopositivistas, que, embora rejeitando a parte mística,
aceitaram sua antimetafísica, retomaram a teoria da tautologicidade das assertivas lógicas, interpretaram as proposições atômicas como protocolos das ciências empíricas e
assumiram sua ideia de que a filosofia é atividade clarificadora da linguagem cientifica e não doutrina. Já as Investigações filosóficas se iniciam com uma crítica cerrada ao esquema
tradicional de interpretação que vê a linguagem como um conjunto de nomes que denominam ou designam objetos, nomes de coisas e de pessoas, unidos pela aparelhagem
lógico-sintática constituída por termos como “e”, “o”, “se” ... “então” etc. Ele afastou-se de que a verdade da proposição deve ser verificada na experiência do mundo real e
passou a afirmar a impossibilidade de uma redução legítima entre um conceito lógico (da linguagem) e um conceito empírico (da realidade). A linguagem não é a captura
conceitual da realidade, isto é, não é a reprodução do objeto, mas sim uma atividade, um jogo. E os jogos de linguagem adquirem o seu significado no uso social, nos diferentes
modos de ser e de viver no qual a fala está inserida. A linguagem comum possui uma riqueza de espécie e tipos de frases que são usadas em situações específicas (mandar, pedir,
relatar, descrever, inventar, agradecer etc.) e, assim, formam-se os “jogos de linguagem” que se produzem socialmente e não individualmente. “A linguagem é como uma caixa de
ferramenta”. Não se trata mais de considerá-la falsa ou verdadeira, mas de saber usá-la. A tarefa da filosofia é usar adequadamente a linguagem, sabendo dos seus limites e
calando-se diante do que não pode ser falado. “Qual é o teu objetivo em filosofia? Indicar à mosca o caminho de saída de dentro da garrafa”.
. Filosofia analítica (ou da linguagem) em Cambridge e Oxford. A filosofia analítica inglesa (ou, como também se diz, filosofia da linguagem) desenvolveu-se em dois
centros, Cambridge e Oxford, tanto que se fala de Cambridge-Oxford Philosophy. E trata-se mais de movimento do que de escola. Entre os analistas (nem todos ingleses, mas, de
qualquer forma, de língua inglesa), com efeito, não há um corpus unitário de doutrinas e frequentemente não há concordância quanto aos resultados obtidos. O que existe de
comum e uma espécie de ofício, uma mentalidade, um tipo de trabalho, que se exerce sobre a “língua” para ver como funciona a “linguagem”, de modo que, entre outras coisas, o
mundo (que para ser lido usamos a linguagem) nos apareça mais claramente e sempre mais profundamente. Bertrand Russell foi estudante e professor em Cambridge. Além do
seu, os nomes mais prestigiosos de Cambridge são os de G. E. Moore (1873-1958) e de L. Wittgenstein. A filosofia de Moore centrou-se na rejeição ao idealismo (A rejeição ao
idealismo, 1903) e na defesa da veracidade do senso comum (Defesa do senso comum, 1925). Em filosofia da ética (Principia ethica, 1903), Moore combateu a “falácia naturalista”
(segundo a qual o “bem” é uma qualidade observável nas coisas), e defendeu a que depois seria uma das correntes mais influentes da metaética analítica, isto é, o intuicionismo, ou
seja, a ideia da indefinibilidade do “bem” (o “bem” é noção indefinível, como o “amarelo”). Moore foi substancialmente estranho ao mundo da ciência. Entretanto, era atraído
pelas monstruosas afirmações daqueles intérpretes solitários do universo que são os filósofos (“O tempo é irreal”, “não existe o mundo externo” etc.). E seu trabalho consistiu na
análise paciente dessas monstruosas afirmações. Assim, Moore foi “o filósofo dos filósofos” e ensinou a fazer filosofia analítica. Sucessor de Moore na cátedra de Cambridge, L.
Wittgenstein, cuja “segunda” filosofia (a primeira é a do Tractatus) está centrada no princípio de uso e na teoria dos jogos de língua. Wittgenstein costumava repetir: “Não
busqueis o significado, buscai o uso”. E também: “O significado de uma palavra é o seu uso na língua”. E a língua, no sentido já explicado acima, é um conjunto de “jogos de
língua” aparentados um ao outro de modos diferentes. A função da filosofia é a de descrever os usos que fazemos das palavras, e fazer emergir o conjunto das regras que regulam
os diversos jogos de linguagem, que operam sobre o fundo das necessidades humanas, na determinação de um ambiente humano. E isso com o objetivo de eliminar as “cãibras
mentais” originadas pelas confusões dos jogos de linguagem e pelo fato de se jogar um jogo com as regras de outro. Não se pode jogar xadrez com as regras do rúgbi. “O filósofo
trata uma questão como uma doença”. A filosofia é a batalha contra o enfeitiçamento linguístico do intelecto. Sucessor de Wittgenstein foi John Wisdom. Ele escreveu sobre
mentes alheias e revalorizou com agudez a aventura metafísica. Já os grandes nomes de Oxford são Ryle e Austin. Gilbert Ryle foi um filósofo britânico pertencente a uma
geração influenciada pelas teorias de Wittgenstein sobre a linguagem. Ryle é conhecido principalmente pela sua crítica ao dualismo cartesiano, para o qual ele cunhou a expressão
“o dogma do fantasma na máquina”. Algumas de suas ideias sobre filosofia da mente foram consideradas como "behavioristas". Em seu livro mais conhecido, The Concept of Mind
(1949), ele escreve que “a tendência geral deste livro será, indubitavelmente e sem conotação ofensiva, ser estigmatizado como behaviorista”. Para Ryle, a tarefa da filosofia seria
trazer a clarificação. Para o filósofo há mais de uma forma de descrever as coisas, e não se pode impor apenas uma descrição. Existem expressões sistemáticas ou enganadoras.
Quando a substituição de termos resulta em um absurdo óbvio percebe-se claramente que as categorias são diferentes nas proposições. Os enigmas filosóficos surgem quando
esta substituição não resulta em absurdo óbvio, necessitando de uma análise. Seus estudos vão chegar à análise dos conceitos mentais, combatendo o mito cartesiano do
“fantasma na máquina”, acabando com o problema da fusão corpo e alma. John Austin foi um filósofo da linguagem britânico que desenvolveu uma grande parte da atual teoria
dos atos de discurso. Filiado à vertente da Filosofia Analítica interessou-se pelo problema do sentido em filosofia. Alinhou-se com Ludwig Wittgenstein, preconizando o exame da
maneira como as palavras são usadas para elucidar seu significado. Entretanto, o próprio Austin considerava-se mais próximo da filosofia do senso comum de G.E. Moore.
Elaborou um estudo sobre conceitos de verdade e falsidade, qualificando os atos de fala como sendo verdadeiros ou falsos a depender da descrição que é feita. Iniciou as ideias
sobre o performativo, onde o falar implica num fazer, diferenciando estes atos de meras descrições, porque nada descreviam, nada relatavam, etc. As teorias de Austin foram
propagadas nos Estados Unidos por seu aluno John Searle. Também o filósofo francês Jacques Derrida desenvolve uma teoria da linguagem baseada no trabalho de Austin.
6. ARENDT, LIBERALISMO, COMUNITARISMO, JUSPOSITIVISMO E PÓS-POSITIVISMO

1. Hannah Arendt
. Arendt é marcada por três vertentes ou formas de pensar: a primeira, seria a utilização do mundo clássico como base para a verificação de proposições morais e políticas; a
segunda, seria a filosofia cristã baseada em Santo Agostinho, em especial a questão da responsabilidade pessoal, e a filosofia cosmopolita de Kant; a terceira, os filósofos da
tradição do existencialismo: Kierkegaard, Husserl e Heidegger. Em As Origens do Totalitarismo (1951), Arendt descreve o processo pelo qual, depois dos Tratados de Paz que
puseram fim à II Guerra mundial, os direitos do homem herdados da tradição das Revoluções, passaram por uma prova de fogo. Considerados inexistentes para uma categoria de
pessoas consideradas como “sem direitos” por serem apátridas, os direitos do homem demonstraram sua ineficácia quando desvinculados da cidadania. Em A Condição Humana
(1958), ela procura responder à pergunta: o que estamos fazendo? E a partir de três categorias de atividades da vida ativa – o labor, o trabalho e a ação – aponta para a destruição
das condições de existência do ser humano no mundo moderno, operada pela sociedade de massa. Nesta obra, sua proposta consiste em detectar o que é genérico e o que é
específico na condição humana, por meio do estudo dessas três atividades fundamentais, que integram o que ela denomina de vida ativa. Em 1961, foi enviada para Jerusalém para
assistir e cobrir, para a revista New Yorker, o julgamento do criminoso nazista Eichmann, que se transformaria posteriormente no livro, Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a
banalidade do mal. Segundo Arendt, Eichmann não era um monstro, mas era difícil não desconfiar que fosse um palhaço. Daí a expressão “banalidade do mal”.

2. O debate entre liberais e comunitaristas


. O ideal liberal. A liberdade individual é o valor supremo do liberalismo, que defende o direito dos indivíduos de agir e falar como bem entendem. O ideal liberal implica deixar o
indivíduo livre para perseguir sua ideia da vida boa, independente do que ela envolva, sem interferência do Estado. O libertarismo ou libertarianismo é uma filosofia política que
possui o Princípio da Não-Agressão como axioma fundamental e uma certa concepção de direitos de propriedade privada como seu núcleo. A direita libertária refere-se às
filosofias políticas libertárias que defendem a auto-propriedade, alegando que este conceito também preconiza o direito que o indivíduo possui de apropriar-se de quantidades
desiguais de partes do mundo exterior. Libertários da direita defendem vigorosamente a propriedade privada, o modo de produção capitalista e as políticas de livre mercado. Entre
as correntes mais proeminentes desta vertente libertária, encontram-se o anarcocapitalismo e o minarquismo. O anarcocapitalismo é uma filosofia política capitalista que promove
a anarquia entendida como a eliminação do Estado e a proteção à soberania do indivíduo através da propriedade privada e do mercado livre. Em uma sociedade anarcocapitalista,
a educação, a saúde, a polícia, os tribunais e todos os outros serviços de segurança pública seriam fornecidos por concorrentes privados, em vez de subsidiados por impostos. O
minarquismo é a teoria política que prega que a função do Estado é assegurar os direitos básicos da população, inferindo que as únicas funções do Estado seriam a promoção da
segurança pública, da justiça e do poder de polícia, além da criação de legislação necessária para assegurar o cumprimento destas funções. Diferencia-se do anarcocapitalismo por
este (anarco) não admitir nem mesmo um Estado mínimo. Suas maiores influências literárias incluem John Locke, Frédéric Bastiat, David Hume, Alexis de Tocqueville, Adam
Smith, David Ricardo, Rose Wilder Lane, Lysander Spooner, Milton Friedman, David Friedman, Ayn Rand, James McGill Buchanan Jr., Friedrich von Hayek, Ludwig von
Mises, Hans-Hermann Hoppe e Murray Rothbard. Existem, contudo, divergências significativas em termos de epistemologia, ontologia e metodologia na interpretação dos
fenômenos sociais e econômicos entre esses diversos autores. A esquerda libertária é uma denominação para variadas abordagens relacionadas (porém distintas), no âmbito da
teoria política e social, que enfatizam tanto a liberdade individual quanto a igualdade social. A esquerda libertária discorda de sua contraparte direitista em relação aos direitos de
propriedade, argumentando que os indivíduos não possuem direitos de propriedade inerentes aos recursos naturais - ou seja, que a gestão destes recursos deveria ser feita
igualitariamente através de um modelo de propriedade coletiva. O libertarianismo de esquerda não é uma posição política homogênea. Antes, designa diferentes abordagens de
questões políticas e sociais num contexto teórico nos quais diferentes teorias relacionam-se. Deste modo, falar em libertários de esquerda pode-se referir aos seguintes grupos
teóricos: (1) esquerda libertária: socialistas anti-estatistas, como os anarcocomunistas, anarcossocialistas e anarcossindicalistas tradicionais ou marxistas anti-leninistas, como Rosa
Luxemburgo ou Anton Pannekoek; (2) georgismo (geoísmo – que defendem a propriedade privada sobre os bens produzidos mas não sobre a terra, considerando assim que os
impostos só deveriam incidir sobre a propriedade da terra); (3) escola Steiner-Vallentyne – autores como Hillel Steiner e Peter Vallentyne, que não consideram que se possa
deduzir a propriedade de recursos naturais, e que os proprietários devem alguma compensação aos não proprietários (nesse aspecto assemelham-se aos georgistas); (4) agorismo:
teorizado por Samuel Edward Konkin, que rejeitava a ação política propondo antes que os libertários se dedicassem ao mercado negro (agora=mercado), a que chamava “contra-
economia”; (5) left-libertarianism (libertarianismo de esquerda de livre mercado) – a corrente que nos EUA usa a designação de left-libertarianism, representada por autores como
Kevin Carson, Roderick T. Long, Charles Johnson, Brad Spangler, Sheldon Richman, Chris Matthew Sciabarra e Gary Chartier, que se distingue da direita libertária por um
maior ênfase nas questões “sociais” (casamento homossexual, aborto, etc.) e por uma posição bastante crítica às grandes empresas, enfatizando as suas ligações com o Estado.
. John Rawls e a teoria da justiça. Objeto: estrutura básica da sociedade (principais instituições políticas, sociais e econômicas); método: posição original; conteúdo: concepção
política de justiça (não propõe um construtivismo moral (Kant), mas um construtivismo político). A partir disso, Rawls formula os princípios de justiça. Ei-los: 1) igual liberdade
para todos: cada pessoa deve ter direito ao sistema mais largo de liberdades e base iguais para todos, compatível com o sistema similar para todos os outros. Entre as pessoas deve
vigorar os direitos humanos fundamentais: direitos de participação política, de opinião, de reunião, de consciência, de religião etc. Este é de fato o imperativo categórico da
filosofia de Rawls e o fundamento do Estado de Direito e da Democracia Constitucional. Esse princípio é o mais importante, ou seja, considerações sobre o crescimento
econômico ou oportunidades não tem prioridades sobre a liberdade (ex.: nunca se pode vender o voto político por dinheiro); 2) As desigualdades sociais e econômicas devem ser
tais que... i) nos limites de um justo princípio de poupança, garantam a maior vantagem possível aos menos favorecidos (princípio da diferença: maximin (maximum minemorum:
máximo do mínimo)). Esse princípio refere-se à distribuição de bens materiais, à repartição equilibrada dos bens primários, dos encargos públicos, dos deveres e das vantagens
sociais. As desigualdades são aceitáveis desde que beneficiem em primeiro lugar os mais desfavoráveis na escala social; ii) sejam ligadas a cargos e posições acessíveis a todos em
função de uma justa igualdade de oportunidades. Esse princípio admite a desigualdade nos encargos públicos e nas vantagens, contanto que se respeite uma condição: que todos
os cidadãos tenham igual oportunidade de acesso a esses postos (do princípio da desigualdade, esse é o mais importante).
. Robert Nozick e o “estado mínimo”. Em Anarquia, Estado e utopia (1974), ele diz: “Os indivíduos têm direitos e existem coisas que nenhuma pessoa ou grupo possam fazer a
eles, sem violar estes direitos. O Estado mínimo limitado a reduzir as funções de proteção contra a força, roubo e fraude, execução de contratos e assim por diante, é o Estado
mais amplo que pode ser justificado”. É legitimo você possuir algo, se você o adquiriu de uma forma legítima, quando não tinha dono; ou se você adquiriu de uma forma legítima
de alguém que já o possuía. Se eu ganhar uma propriedade de você, porque você deu-a para mim, então ninguém pode legitimamente tirar a propriedade de mim. Ex.: Gostamos
de ver Neymar jogar bola. Para que ele se esforce nos treinos e nos proporcione belos espetáculos, muitos entre nós concordariam em pagar um real cada um. E isso o tornaria
muito rico. Isso é injusto? Por mais desigual que seja a distribuição de renda, ela será justa se foi feita por pessoas livres. Qual será a sociedade ideal para todos os indivíduos? A
ideia de sociedade perfeita não tem nenhum fundamento. O verdadeiramente necessário é um “palco para utopias”, um posto em que a pessoa é livre de associar-se
voluntariamente para perseguir e tentar realizar sua própria visão de uma vida boa em uma comunidade ideal, mas em que ninguém pode impor sua própria visão utópica. E esse
palco para utopias é exatamente o Estado mínimo: o único moralmente legítimo e tolerável, o que melhor do que todos realizam as aspirações utópicas de fileiras de sonhadores e
de visionários. O Estado mínimo nos trata como indivíduos inviolados, como pessoas que tem direitos individuais com toda a dignidade que daí provém.
. O ideal comunitarista. O liberalismo enfatiza a importância da escolha individual, vendo o Estado como uma instituição que deve salvaguardar o direito de escolha e manter-se
neutra com relação ao que constitui uma boa escolha. Essa visão é contestada pelos filósofos chamados comunitaristas. Para o comunitarista, a boa sociedade precisa mais que
direitos e liberdades individuais: a solidariedade diz respeito ao fortalecimento dos vínculos que unem concidadãos, grupos, comunidades. Um sindicato ou um Estado de bem-
estar social são expressões institucionais da solidariedade entre as pessoas. O primeiro promove a união entre os trabalhadores, permitindo-lhes melhorar sua condição de
emprego. O segundo simboliza a ideia de que os cidadãos são parte de uma só comunidade e responsáveis uns pelos outros. Os comunitaristas retomam a crítica que Hegel fez a
Kant. Enquanto Kant aludia a existência de certas obrigações universais que deviam prevalecer sobre aquelas mais contingentes derivadas de nosso pertencimento a uma
comunidade particular, Hegel invertia aquela formulação para outorgar prioridade aos laços comunitários. Na corrida da vida, os comunitaristas visam fornecer oportunidades e
não resultados iguais. A meta é eliminar a injustiça, não a desigualdade. Numa pista de corrida, os corredores nas raias mais externas se posicionam mais à frente, para que todos
tenham chances iguais – mas nem todos vencerão. O comunitarismo é uma corrente teórica que emerge durante a década de 1980 e tem por objetivo resgatar a importância da
ideia de comunidade (especialmente nas discussões acerca dos fundamentos filosóficos da política e da ética). Essa movimentação se dá sobretudo nos Estados Unidos e seus
principais teóricos são Michael Sandel, Robert Bellah, Michael Walzer, Alasdair MacIntyre e Charles Taylor. O comunitarismo está muito presente nas discussões sobre os
diferentes princípios que regem a justiça. Surgindo no contexto pós Guerra Fria, ele busca fazer um contraponto ao individualismo exacerbado presente no pensamento liberal.
Entretanto, de forma alguma o comunitarismo rompe com o liberalismo, sendo apenas uma tentativa crítica de restaurá-lo a partir da promoção de interesses comunitários. Para
os liberais, a figura do “eu autônomo” é central. Eles priorizam os direitos individuais. A justiça é decidida imparcialmente, ou seja, as pessoas são tomadas de forma
descontextualizadas. O justo (ou correto) tem prioridade sobre o bem e sobre o contexto. O sujeito descomprometido e atomizado é uma valorização do indivíduo em relação à
comunidade. Isso conduz a críticas ferozes por parte dos filósofos comunitaristas, nas quais se podem encontrar pelo menos três dimensões ou perspectivas de abordagem:
antropológica, em que se critica a concepção liberal de um sujeito descomprometido e atomizado; normativa, ao se questionar o princípio moral sobre o qual se rege a moral
política – valorização da liberdade individual; e sociológica, porque a sociedade induz os membros de sua comunidade a uma atitude individualista, egocêntrica que tem defeitos
desestruturantes sobre a identidade individual e do grupo. O fato de que as pessoas razoáveis têm concepções de bem e de vida boa divergentes faz com que os interesses, as
vontades e os valores entrem em conflito em esferas da vida em sociedade. Por isso, é necessário regras e princípios gerais para evitar choques inevitáveis de concepções
divergentes de bem. Como é possível uma sociedade justa e estável diante de tantas divergências, muitas delas irreconciliáveis? Rawls, ao apresentar sua concepção acerca da
“posição original”, tendo como base o contratualismo, foi prontamente criticado pelos comunitaristas como atomista, pois os princípios que surgem a partir do “véu de
ignorância” são individualistas e abstratos. Há duas grandes divergências apontadas pelo comunitarista Sandel em relação à teoria liberal de Rawls: 1) a concepção atomista de
pessoa moral (a crítica do “eu desvinculado”); 2) a prioridade da justiça (ou dos direitos) diante do bem comum. Sandel argumenta que a concepção de pessoa defendido por
Rawls é vazia, que ela fere nossa autopercepção, ignora nossa incorporação em práticas comunitárias, desconsidera nossa necessidade de recebermos o reconhecimento social de
nossas identidades individuais. Em contraposição a isso, afirma que a identidade de cada pessoa deveria ser entendida a partir da sua inclusão na práxis cultural de uma
comunidade, no horizonte significativo de valores, tradições e formas de vida culturais. Portanto, a identidade da pessoa não é anterior aos seus fins, como teria afirmado Ralws,
mas forma-se na socialização com os outros e no vínculo com uma concepção de vida boa. Nesse sentido, a normatividade das sociedades modernas não poderia partir de um
conceito inverossímil de pessoa desincorporada e neutra eticamente. Pelo contrário, teria de partir de pessoas que já estão situadas radicalmente. Isto é, de pessoas que se
autocompreendem como pessoas situadas no horizonte de configurações de valores específicos e que julgam e agem no interior dessas configurações. Dado que a configuração de
valores é somente adquirida intersubjetivamente nos processos de socialização cultural e integração social mediados comunicativamente, o pressuposto subjacente de sujeitos
independentes que estão isolados uns dos outros seria insustentável em termos teóricos. Por mais individualizada que seja uma pessoa, ela extrai sua autocompreensão de si
mesma a partir do contexto cultural de orientações valorativas compartilhadas intersubjetivamente. Seria impossível conceber o self como um ser solipsista, pré-social. Taylor
(assim como Alasdair MacIntyre, Michael Walzer e Michael Sandel) está associado a uma crítica comunitária ao entendimento liberal sobre o eu, ou o “self”. Os comunitaristas
enfatizam a importância das instituições sociais no desenvolvimento do significado individual e da identidade.

3. Juspositivismo e pós-positivismo
. A Filosofia do Direito começa na Grécia. Os sofistas distinguiram a physis (natureza) do nomos (lei), identificando o direito com a última. Platão e Aristóteles colocaram a
necessidade de que se conciliasse nomos e physis por meio da justiça: o direito justo seria o nomos que está de acordo com a physis. Os estoicos introduziram a ideia de que,
estando todos os homens sujeitos à mesma physis, estão todos também sujeitos ao mesmo nomos, independentemente de pertencerem ou não à mesma pólis. Disso nasce a ideia
de um direito natural, racional, justo e universal. Com o advento do Cristianismo, a oposição entre direito natural e direito positivo passa a ser concebida como oposição entre um
direito de origem divina (fundado na justiça e na autoridade de Deus) e um direito de origem humana (fundado na força e na autoridade do governante). Com o advento do
Estado Moderno e a separação entre Estado e Igreja, buscam-se fundamentos laicos para o Direito. O Estado e o Direito são produtos de um contrato social, de onde retiram sua
autoridade e ganham seus limites. Surgem concepções que atrelam o Direito à moral (Kant), à história (Hegel), à economia (Marx) etc.
. As três teses do jusnaturalista clássico (período antigo, medieval e moderno) são: 1) tese da filosofia moral: existem princípios morais e de justiça que são universalmente válidos
e acessíveis à razão humana (esta tese pode ser desdobrada em uma tese de caráter ontológico, acerca da existência dos princípios morais universalmente válidos, e uma tese de
caráter lógico ou epistemológico, sobre a possibilidade de conhecimento desses princípios); 2) tese sobre a definição de direito: um sistema normativo ou uma norma não podem
ser qualificados de jurídicos se contradizerem os princípios do direito natural; 3) obediência moral ao direito: sendo que os princípios morais e de justiça universalmente válidos
existem e podem ser conhecidos e o direito se identifica com esses princípios (versão forte da tese jusnaturalista), ou pelo menos não os contradiz (versão fraca da tese
jusnaturalista), então, os indivíduos têm a obrigação moral de obedecer ao direito. Para os jusnaturalistas, a expressão “direito justo” é um pleonasmo e a expressão “direito
injusto”, uma contradição.
. O juspositivismo do séc. XIX tem três grandes escolas: 1. Escola da Exegese (França): doutrina da codificação; 2. Escola da Jurisprudência Analítica (Inglaterra): common law
(doutrina da jurisprudência); Bentham e Austin, este último criador da Jurisprudência Analítica; 3. Escola Histórica do Direito (Alemanha): Pandectismo ou Jurisprudência dos
Conceitos; Gustavo Hugo, Savigny e Georges Puchta.
. A Filosofia do Direito atual pode ser concebida como um debate em torno do Juspositivismo. O seu momento clássico surge com a publicação da Teoria Pura do Direito, de Hans
Kelsen, e de O Conceito de Direito, de Herbert L. A. Hart, ambos concebendo o direito como um conjunto de normas emanadas do Estado e garantidas mediante coação, distintas
e independentes da moral e da política. O Realismo Jurídico chamará atenção para o subjetivismo das decisões e a necessidade de levar em conta suas repercussões sociais. O
neoconstitucionalismo introduzirá o conceito de princípios jurídicos e chamará atenção para a problemática da interpretação e da argumentação jurídica.
. As três teses do juspositivismo do séc. XX são: 1) tese dos fatos sociais: a existência do direito depende de uma construção humana (certas atitudes, convenções,
comportamentos...). Nega-se, assim, a ideia de um Direito Natural; 2) tese da separabilidade entre direito e moral: a validade do direito não depende necessariamente de seu mérito
moral, o que implica que direito injusto ainda é direito. Nega-se, assim, a fundamentação do direito na moral; 3) tese da discricionariedade: o material jurídico invariavelmente se
esgota (em função de lacunas normativas, contradições normativas ou indeterminações linguísticas) e certos casos ficam sem respostas à luz do direito, fazendo com que o
responsável pela decisão tenha que exercer o seu poder discricionário.
. Da crítica de Dworkin ao juspositivismo, surgem (segundo Waluchow) duas posições acerca do caráter analítico do direito: 1. positivismo inclusivo (Hart, Coleman, Waluchow):
separabilidade entre direito e moral; 2. positivismo exclusivo (Raz, Gardner, Marmor): separação forte entre direito e moral. O apelo do positivismo inclusivo salta aos olhos
quando observamos que praticamente todos os países possuem uma constituição ou carta de direitos fundamentais contendo princípios formulados em uma linguagem
moralmente carregada. Mesmo sabendo disso, os positivistas exclusivos dizem que a mera incorporação da linguagem moral não faz com que a moral passe a fazer parte do
direito.
. Sobre o jusnaturalismo contemporâneo, Crowe diz que os filósofos contemporâneos adeptos do jusnaturalismo não se identificam com as teses clássicas. Direito, para eles, é
necessariamente um padrão racional de conduta. Em outras palavras, uma norma, ou um sistema de normas, que não é capaz de estabelecer um padrão racional de conduta é
necessariamente inválida(o) ou defeituosa(o) enquanto direito, apresentando, assim, um defeito de racionalidade. Essa tese (direito enquanto padrão racional de conduta),
dependendo o pensador, pode ser metafísica ou conceitual. Michael Moore defende a tese metafísica: o direito é um tipo natural, algo cuja existência se dá de forma parecida com
a existência de rochas ou montanhas, que não dependem de convenções humanas para existir. Tipos naturais são categorias ontológicas que podem ser descritas por certas
propriedades essenciais que independem do que pensamos. A norma que não oferecem razões decisivas para a ação é inválida. Lon Fuller também defende a tese metafísica, pois
o direito, para ele, descreve a realidade social. John Finnis defende a tese conceitual: privilegia a forma de como se concebe o direito, podendo, por exemplo, ser o conceito mais
amplo, adotado por uma comunidade de pessoas, ou um conceito mais restrito, abraçado por certos oficiais do sistema. Ao invés de buscar condições necessárias e suficientes
que definam o fenômeno jurídico, deve-se apenas focar nos casos centrais e paradigmáticos do direito. A norma que não oferecem razões decisivas para a ação é dotada de um
defeito de racionalidade.
. Realismo jurídico. O direito deve ser concebido não como ciência normativa e formal, mas como ciência sociológica, que capte a experiência prática do direito. Esse é o núcleo
comum partilhado por realistas como Alf Ross, Karl Olivecrona e Oliver W. Holmes, que desenvolvem, no mais, concepções diferentes sobre o direito. Os realistas entendem que
o direito é fruto de decisões judiciais, e a ciência do direito deve se ocupar tanto em analisar decisões judiciais anteriores quanto em prever como certas questões serão decididas –
tanto quanto possível, já que para o realismo o direito é fruto exclusivo da mente de juízes, e por isso, é dotado de elevado grau de incerteza.
. Miguel Reale e a teoria tridimensional do direito. Segundo Reale, o fenômeno jurídico se manifesta por meio do fato, do valor e da norma. Essa teoria da tridimensionalidade
quer superar o reducionismo jurídico, que defende que o direito é somente norma ou fato ou valor. Com o culturalismo jurídico de Reale, o direito passou a ser visto como
resultado de processualidade histórica da cultura. Isso possibilita ter uma visão integral e não parcial do direito. O tridimensionalismo surge como uma das principais
contribuições do culturalismo, pois consiste, em termos generalíssimos, em encarar o fenômeno jurídico em seu tríplice aspecto: histórico-social, axiológico e normativo, por meio
do que o direito passa a ser pensado como a realização histórica de um valor bilateral, através de uma norma de conduta.
. O pós-positivismo é uma tendência geral do pensamento atual que visa resolver o incômodo deixado pelo positivismo: o poder discricionário. Para isso, eles adotam um
conceito procedimental de validade. A validade do direito não é material como no jusnaturalismo, nem formal como no juspositivismo, mas procedimental. As teorias
procedimentais, como as de Habermas, Dworkin, Alexy e de todos aqueles que tentam desenvolver um tipo de teoria da interpretação (hermenêutica) que procure resolver o
problema do poder discricionário, atribuem um papel importante aos princípios jurídicos, um papel que os princípios jurídicos não tinham na teoria positivista. Diz Dworkin: “é
minha visão, de fato, que o direito é em grande parte filosofia.”

7. DO ESPIRITUALISMO À FILOSOFIA PÓS-COLONIAL

1. Espiritualismo, evolucionismo espiritualista, novas teologias, neoescolástica, personalismo, pragmatismo e filosofia teórica americana
. Espiritualismo. O espiritualismo é um termo que designa um grupo de filósofos dos séculos XVIII, XIX e XX que, apesar de possuírem profundas diferenças em termos
doutrinários, exploram, em profundidade, a teoria da ação, sobretudo a noção de “consciência ativa” orientada para o futuro. Para essa escola francesa, o caráter de consciência
revela-se particularmente importante para compreender as atitudes humanas ao movimento da mente. Os principais representantes do espiritualismo francês foram, James Ward,
Clement C. J. Webb, Hermann Fichte, Eduard von Hartmann, Afrikan Spir, Rudolph Eucken, Rudolph Hermann Lotze, Pedro Martinetti, Jules Lequier, Félix Ravaisson,
Émile Boutroux e Maurice Blondel. Segundo os espiritualistas, a filosofia não pode ser absorvida pela ciência. Esta ideia de filosofia tem como pressuposto a constatação da
especificidade do homem em relação a toda natureza: o homem é interioridade e liberdade, consciência e reflexão.
. Evolucionismo espiritualista. A filosofia de Bergson é uma afirmação da liberdade humana frente as vertentes científicas e filosóficas que querem reduzir a dimensão espiritual
do homem a leis previsíveis e manipuláveis, análogas as leis naturais, biológicas e como Comte imaginou. Seu pensamento está fundamentado na afirmação da possibilidade do
real ser compreendido pelo homem por meio da intuição da duração. O tempo vivido (ou duração interna ou simplesmente consciência) é o passado vivo no presente e aberto ao
futuro no espírito que compreende o real de modo imediato. É um tempo completamente indivisível por ser qualitativo e não quantitativo como o fator t. A duração, não sendo
compreendida por meio da inteligência técnica, também não pode, por consequência, ser entendida como sucessão linear de intervalos, pois ela é justamente o oposto disso, haja
vista que não há como justapor ou analisar o tempo vivido qualitativo. A intuição é uma forma de conhecimento que penetra no interior do objeto de modo imediato, isto é, sem
o ato de analisar e traduzir. A análise é o recorte da realidade, mediação entre sujeito e objeto. A tradução é a composição de símbolos linguísticos ou numéricos que,
analogamente a primeira, também servem de mediadores. Ambas são meios falhos e artificiais de acesso a realidade. Somente a intuição pode garantir uma coincidência imediata
com o real sem o uso de símbolos nem das repartições analíticas. A intuição pode ser entendida, portanto, como uma experiência metafísica. Bergson foi o expoente da linha de
filosofia intuicionista, assim chamada porque afirma constituir o verdadeiro conhecimento não nos conceitos abstratos, do intelecto racionalmente, mas na apreensão imediata, na
intuição, como é evidenciado pela experiência interior.
. Novas teologias. Ocorre, no século XX, uma renovação do pensamento teológico. Há uma renovação da teologia protestante, com Karl Barth, Paul Tillich, Rudolf Bultmann
e Dietrich Bonhoeffer; uma renovação da teologia católica, com Karl Rahner e Hans Urs von Balthasar; há também o surgimento da “teologia da morte de Deus” e a sua
“superação”, com Paul M. von Buren; e, por fim, a teologia da esperança, com Jürgen Moltmann, Wolfhardt Pannenberg, Johannes B. Metz e Edward Schillebeeckx.
. Neoescolástica. Também conhecida como neotomismo, é um movimento filosófico-teológico de revitalização da escolástica medieval. Representa uma recuperação criativa da
metafísica e epistemologia de Tomás de Aquino. Impulsionado pela encíclica Aeterni Patris, do Papa Leão XIII, de 1879 e Pascendi, de Pio X, de 1907, e desenvolvido na primeira
metade do século XIX, o movimento alcançou sua mais ampla difusão entre as décadas de 1910 e 1960. No século XVI, teve lugar um importante movimento de reavivamento
tomístico – a escola de Salamanca –, que enriqueceu a literatura escolástica com muitas contribuições eminentes. Gabriel Vásquez (1551-1604), Francisco de Toledo Herrera
(1532-1596), Pedro da Fonseca (1528-1599), Francisco de Vitoria (1483-1546), Domingo de Soto (1494 -1560), Luis de Molina (1535-1600) e, especialmente, Francisco Suárez
(1548-1617) foram pensadores profundos, dignos dos grandes mestres cujos princípios haviam adotado. É comum aplicar-se o termo neoescolástica à escola de Salamanca. Na
primeira metade do século XX, surgiram importantes escolas neotomistas, principalmente na França e na Bélgica (Universidade Católica de Louvain), mas também na Itália
(Universidade Católica do Sagrado Coração, em Milão), no Canadá (Universidade de Ottawa e Universidade Laval) e nos Estados Unidos (Universidade Católica da América, em
Washington). Entre os representantes contemporâneos mais conhecidos do neotomismo estão Jacques Maritain, Étienne Gilson, André Marc, Erich Przywara, Johannes
Baptist Lotz, Walter Brugger, Karl Rahner, Bernard Lonergan e Emerich Coreth.
. Personalismo. Movimento associado ao humanismo e não ligado a partido político, idealizado por Emmanuel Mounier, após a de 1929 da Europa e divulgado por uma revista
chamada “Esprit”, com a intenção de identificar a verdade em toda a circunstância. Ele acreditava que o problema das estruturas sociais era econômico e moral, e a saída para isso
era a teorização e a construção de uma “comunidade de pessoas”. O personalismo foi posteriormente adaptado pela Democracia Cristã e pelo Papa João Paulo II e,
consequentemente, muitos católicos. A ideia central do pensamento personalista é a ideia de pessoa em suas inobjetibilidade (o homem não consiste num simples conjunto de
matéria), inviolabilidade, liberdade, criatividade e responsabilidade, de pessoa com alma encarnada em um corpo, situada na história, e constitutivamente comunitária. Simone
Weil viveu os dilaceramentos da Segunda Guerra Mundial. Ela encontrou na vulnerabilidade da carne humana um caminho para a união com Deus e para a redenção. “Quanto
mais contemplamos a miséria humana, tanto mais O contemplamos”. Pecar é, para Simone, desconhecer essa miséria humana, espelho da face de Deus. Esse conhecimento “é
difícil para o rico, para o poderoso, porque ele é quase invencivelmente levado a crer que é alguma coisa. É igualmente difícil para o miserável porque ele é quase invencivelmente
levado a crer que o rico, o poderoso, é alguma coisa”. Contemplando a cruz, de onde as Escrituras e a tradição afirmam que vieram para nós a salvação e a redenção, Simone
encontra a chave para o segredo do caminho do ser humano em direção ao Absoluto: a vulnerabilidade e a mortalidade humanas. Esta mortalidade, esta vulnerabilidade da carne
humana foi o caminho de Simone para a união com Deus e para a redenção. Ela caminhou por esta via, contemplando sua mortalidade no mesmo Cristo a ela revelado nos
outros, seus irmãos, sobretudo naqueles e naquelas em quem a desgraça deixou mais expostos e mais nus em sua condição mortal. Aqueles em quem a desgraça e a morte
realizam cada dia seu trabalho predatório.
. Pragmatismo. O pragmatismo nasceu nos Estados Unidos nas últimas décadas do século XIX e sua força de expressão, tanto na América quanto na Europa, chegou a seu ponto
máximo nos primeiros quinze anos do século XX. Do ponto de vista sociológico, o pragmatismo representa a filosofia de uma nação voltada com confiança para o futuro,
enquanto do ponto de vista da história das ideias ele se configura como a contribuição mais significativa dos Estados Unidos à filosofia ocidental. O pragmatismo é a forma que o
empirismo tradicional assumiu nos Estados Unidos. Com efeito, enquanto o empirismo tradicional, de Bacon a Locke, de Berkeley a Hume, considerava válido o conhecimento
baseado na experiência e a ela redutível – concebendo a experiência como a acumulação e organização progressiva de dados sensíveis passados ou presentes –, para o
pragmatismo a experiência é abertura para o futuro, é previsão, é norma de ação. Os representantes mais prestigiosos do movimento pragmatista nos Estados Unidos foram:
Charles Peirce, William James e John Dewey. O pragmatismo lógico de Peirce: o método correto para fixar as crenças é apenas o científico. A abdução é um raciocínio para
explicar os fatos. Enquanto o empirismo (lógica indutiva) toma a experiência enquanto experiência passada, ou seja, como um patrimônio limitado que pode ser inventariado e
sistematizado de forma absoluta, o pragmatismo (lógica abdutiva) entende a experiência como abertura para o futuro, ou seja, como possibilidade de fundamentar a previsão, não
em confronto com a experiência passada, mas em relação com o possível uso futuro dessa experiência passada. O empirismo radical de James: “O pragmatismo é apenas
método” que se configura, em primeiro lugar, como uma atitude de pesquisa, como “a disposição de afastar o olhar das coisas primeiras, dos princípios, das ‘categorias’, das
pretensas necessidades e, ao contrário, voltar os olhos para as coisas ultimas, os resultados, as consequências, os fatos”. O pragmatismo é método para alcançar a clareza das ideias
que temos dos objetos. E esse método nos impõe “considerar quais efeitos práticos concebíveis essa ideia pode implicar, quais sensações podemos esperar e quais reações
devemos preparar. Nossa concepção desses efeitos, tanto imediata como remota, é então toda a concepção que temos do objeto, enquanto ela tiver significado positivo”. Uma
ideia é verdadeira quando nos permite andar adiante e leva-nos de uma parte a outra de nossa experiência, ligando as coisas de modo satisfatório, operando com segurança,
simplificando, economizando esforços. O instrumentalismo de John Dewey: a sua filosofia foi definida como “naturalismo”. É uma filosofia que se move no leito do
pragmatismo e se situa no quadro da tradição empirista. Entretanto, Dewey optou por chamar sua filosofia de instrumentalismo, que, em primeiro lugar, se diferencia do
empirismo clássico quanto ao conceito fundamental de experiência. A experiência dos empiristas clássicos é simplificada, ordenada e purificada de todos os elementos de
desordem e erro, reduzida a estados de consciência claros e distintos. “A experiência não é consciência, e sim história”; ou seja, ela não se reduz a um estado de consciência claro e
distinto. A experiência não se reduz tampouco ao conhecimento, ainda que o próprio conhecimento seja parte da experiência, seja uma experiência. Ela, de fato, inclui os sonhos,
a loucura, a doença, a morte, a guerra, a confusão, a ambiguidade, a mentira e o horror; inclui os sistemas transcendentais, e também os sistemas empíricos; inclui tanto a magia e a
superstição como a ciência. Inclui tanto a inclinação que impede de aprender da experiência como a habilidade que tira partido de seus mais fracos acenos.
. Filosofia teórica americana. Holismo epistêmico em Quine: ele pertenceu à tradição da filosofia analítica ao mesmo tempo que foi um dos principais proponentes da visão que a
filosofia não é análise conceitual. Quine mostrou que a distinção entre juízos sintéticos e juízos analíticos não estava apoiada em nada firme, era um dogma que era aceito sem
nenhuma justificação, apenas pela necessidade dos empiristas de isolar a convenção dos juízos testáveis. Sem este dogma, este princípio do atomismo na verificação também não
se sustenta e, portanto, é aceito apenas como um outro artigo de fé, um segundo dogma. Quine então conclama os empiristas a se livrarem dos dois dogmas e, sem distinção entre
juízos sintéticos e juízos analíticos e aderindo a um holismo quanto à verificação, a endossarem um empirismo sem dogmas. Embora Quine concorde com as duas teses básicas
do empirismo, quais sejam: (a) de que toda a evidência de que a ciência dispõe seja evidência sensorial e (b) de que qualquer processo de inculcar significados a palavras terá de
repousar numa evidência sensorial, o autor critica o empirismo clássico por abrigar o mito de que para todo enunciado empírico exista “um domínio único de eventos sensoriais
possíveis, tais que a ocorrência de qualquer um deles contribuiria para a probabilidade da verdade do enunciado”. Em termos gerais, sua posição é a de que eventos empíricos
podem corroborar uma teoria, ou confirmar as suas previsões, porém não confirmam uma única frase, equação ou lei, em separado, a não ser no caso de frases observacionais. Os
simultâneos apoio e crítica de Quine ao empirismo desembocam, pois, em uma posição holista em relação ao significado de conjuntos de frases em teorias ou sistemas
linguísticos. Essa concepção sustenta que os enunciados da ciência não podem ser submetidos à avaliação empírica isoladamente, mas apenas em conjuntos “mais ou menos
amplos”. Entre leis gerais das ciências e frases de observação, usadas em testes e experimentos científicos, temos frases com graus variados de conteúdo empírico. As inter-
relações entre as frases determinam o significado do todo, que, por sua vez, ajusta-se às modificações dos valores-verdade – verdadeiro ou falso, das frases observacionais da
periferia da totalidade do universo linguístico. Neopragmatismo em Richard Rorty. Foi justamente a leitura do “segundo” Wittgenstein que persuadiu Rorty a tomar distância do
pensamento analítico dominante nos Estados Unidos. Este pensamento – dirá Rorty – profissionalizou a filosofia, reduziu-a a uma disciplina acadêmica que se resolve na pesquisa
obsessiva dos fundamentos do conhecimento objetivo, tirou da filosofia toda dimensão histórica, arrancou-a dos problemas da vida. Auxiliado também pelas críticas internas ao
movimento analítico, Rorty se convenceu do esgotamento intrínseco da filosofia analítica (ou pós-filosófica, no sentido de estar distante da filosofia tradicional) des-
disciplinarizada e de andamento discursivo, à qual não cabe mais o papel de mãe ou de rainha da ciência, sempre em busca de um vocabulário definitivo e imortal sobre a base do
qual sintetizar ou descartar os resultados de outras esferas de atividade. A filosofia pós-analítica, de preferência, se democratiza na forma de uma “crítica da cultura” que a vê
transformada em uma disciplina entre as outras, fundada sobre critérios histórica e socialmente contextuais, e preposta ao estudo comparado das vantagens e das desvantagens das
diversas visões do mundo. Problemas eternos resolvidos por teorias perenes: eis a pretensão de fundo da filosofia tradicional, a qual se configura como filosofia fundacional em
relação a toda a cultura. E esta sua pretensão se apoia sobre o fato de que ela compreenderia os fundamentos do conhecimento e encontraria tais fundamentos por meio do
estudo da mente, dos “processos mentais”. Eis, portanto, que a tarefa central da filosofia tradicional está na construção de uma teoria geral da representação acurada tanto do
mundo externo, como do modo com que a mente constrói essas representações. Tudo isso, afirma Rorty, nos mostra que existe “uma imagem que mantém prisioneira a filosofia
tradicional”: é a imagem da mente como um grande espelho, que contém representações diversas – algumas acuradas, outras não – e pode ser estudado por meio de métodos
puros, não empíricos”. Cérebro numa cuba em Hilary Putnam. É uma das figuras centrais da filosofia ocidental desde a década de 1960, especialmente em filosofia da mente,
filosofia da linguagem e filosofia da ciência. Ele é conhecido pela sua prontidão em aplicar igual grau de escrutínio tanto às próprias posições filosóficas quanto às posições de
outros filósofos, submetendo cada posição a uma análise rigorosa e expondo seus defeitos. Como resultado, Putnam adquiriu a reputação de filósofo que muda frequentemente
de posição. Na filosofia da mente, Putnam é conhecido pelos seus argumentos contra a identidade-tipo dos estados mentais e físicos, baseado nas suas hipóteses da realização
múltipla da mente, e pelo conceito de funcionalismo, uma teoria influente sobre o problema corpo-mente. Na filosofia da língua, com Saul Kripke e outros, ele desenvolveu a
teoria causal da referência, que aplicou principalmente aos termos de espécie natural como água, tigre, etc. Formulou uma teoria original do significado que tenta levar em
consideração a linguagem, o mundo e a sociedade, criando com isto uma noção de externalismo semântico, baseado num famoso pensamento experiente chamado “Terra
Gêmea” (ou Twin Earth). Entretanto, Putnam já não acreditava mais nos resultados deste experimento mental. Putnam é conhecido pela criação de muitos experimentos mentais
com objetivo de explorar as possíveis consequências do princípio em questão. Eis outros exemplos famosos: cérebro numa cuba; a formiga que desenha Churchill. William
Warren Bartley III foi um filósofo americano especializado em filosofia, linguagem e lógica do século XX e no Círculo de Viena. Bartley e Popper tinham uma grande admiração
um pelo outro, em parte por causa de sua posição comum contra o justificacionismo. No entanto, no Colóquio Internacional de Filosofia da Ciência, no Bedford College,
Universidade de Londres, de 11 a 17 de julho de 1965, eles entraram em conflito entre si. Bartley apresentou um artigo intitulado Teorias da demarcação entre ciência e metafísica, no qual
ele acusou Popper de mostrar uma atitude positivista em seus primeiros trabalhos e propôs que o critério de demarcação de Popper não fosse tão importante quanto Popper
pensava que fosse. Popper tomou isso como um ataque pessoal e Bartley considerou sua resposta como indicando que Popper estava ignorando suas críticas. A amizade não foi
restaurada até 1974, após a publicação de A filosofia de Karl Popper. Bartley mudou o tom de suas observações sobre o critério de demarcação de Popper, tornando-o menos
agressivo. No entanto, apesar da amizade restaurada, a opinião de Bartley nunca foi aceita por Popper, que a criticou mesmo após a morte de Bartley. Adolf Grünbaum é
frequentemente visto como parte da marca americana do empirismo lógico, associada especialmente a Hans Reichenbach. Grünbaum não adotou a filosofia popperiana
predominante da ciência, especialmente entre os cientistas físicos, levando a alguma notoriedade na década de 1960, depois de ter sido ridicularizado pelo físico Richard Feynman.
Uma troca muito citada seguiu a sugestão neo-leibniziana de Grünbaum de que o fluxo do tempo poderia ser uma ilusão apenas em entidades conscientes, nas quais Feynman
perguntou se os cães, depois as baratas, eram entidades suficientemente conscientes. Alegadamente como uma marca de mais desdém, Feynman se recusou a deixar seu nome ser
impresso, tornando-se o “Sr. X” facilmente reconhecível. Cerca de 40 anos depois, o escritor Jim Holt caracterizaria Grünbaum como, na década de 1950, “o principal pensador
das sutilezas do espaço e do tempo” e, como na década de 2000, “em dúvida o maior filósofo vivo da ciência”.

2. Estruturalismo, pós-estruturalismo e pós-modernidade


. Estruturalismo. O estruturalismo é uma corrente de pensamento nas ciências humanas (e fora das humanas também, como na matemática, por exemplo) que se inspirou no
modelo da linguística e que depreende a realidade social a partir de um conjunto considerado elementar (ou formal) de relações. Para a sociologia, antropologia e linguística, o
estruturalismo é a metodologia pela qual elementos da cultura humana devem ser entendidos em face a sua relação com um sistema ou estrutura maior, mais abrangente. O
estruturalismo opera no sentido de descobrir as estruturas que sustentam todas as coisas que os seres humanos fazem, pensam, percebem e sentem. É a crença de que os
fenômenos da vida humana não são inteligíveis exceto através de suas inter-relações. Estas relações constituem uma estrutura e, ainda por trás das variações locais dos fenômenos
superficiais, existem leis constantes do extrato cultural. O termo estruturalismo tem origem no livro Curso de linguística geral, de Ferdinand de Saussure (1916), que se propunha a
abordar qualquer língua como um sistema no qual cada um dos elementos só pode ser definido pelas relações de equivalência ou de oposição que mantém com os demais
elementos. Esse conjunto de relações forma a estrutura. O significante do signo linguístico é uma “imagem acústica” (cadeia de sons). Consiste no plano da forma. O significado é
o conceito, reside no plano do conteúdo. Já Lacan, antes de conhecer o pensamento de Levi-Strauss, estava muito próximo da fenomenologia e da teoria do reconhecimento
hegeliana. Mas ao encontrar o método estrutural, ele vai reescrever o inconsciente em estrutura de linguagem. Em 1966 em diante, o estruturalismo vai perceber que há coisas que
ficam de fora como, por exemplo, os afetos, um certo entendimento do relativismo cultural. O estruturalismo traz consigo muito fortemente o conceito de universal, ele separa
muito fortemente política e cultura e, portanto, isso vai denotar os limites do estruturalismo.
. Pós-estruturalismo: tendência à radicalização e à superação da perspectiva estruturalista. O pós-estruturalismo refere-se a uma tendência à radicalização e à superação da
perspectiva estruturalista nas mais diversas áreas do conhecimento. Sua emergência está relacionada, sobretudo, ao pós-guerra e aos eventos de maio de 1968 na França. O pós-
estruturalismo não pode ser simplesmente reduzido a um conjunto de pressupostos compartilhados, a um método, a uma teoria ou até mesmo a uma escola. É melhor referir-se a
ele como um movimento de pensamento – uma complexa rede de pensamento – que corporifica diferentes de prática crítica. Em contraste com o estruturalismo, que não afirma
a independência e superioridade do significante em relação ao significado (para eles os dois são inseparáveis), os pós-estruturalistas veem o significante e o significado como
separáveis. Não se trata exatamente de um movimento, e poucos desses pensadores aceitam o rótulo de “pós-estruturalista” – criado por outros para designar genericamente um
conjunto de diferentes reações ao estruturalismo. Consequentemente, nenhum dos ditos pós-estruturalistas se sentiu na obrigação de elaborar um “manifesto” do pós-
estruturalismo. Como corrente filosófica, embora não constituindo propriamente uma “escola”, o pós-estruturalismo caracteriza-se pela recusa em atribuir ao cogito cartesiano, ao
sujeito ou ao homem, qualquer privilégio gnosiológico ou axiológico, privilegiando, em vez disso, uma análise das formas simbólicas, da linguagem, mais como constituintes da
subjetividade do que como constituídas por esta. São típicas da abordagem pós-estruturalista a retomada dos temas nietzschianos, como a crítica da consciência e do negativo (por
Deleuze) ou o projeto genealógico (por Foucault), a radicalização e a superação da valorização ontológica da linguagem heideggeriana e uma perspectiva antidogmática e anti-
positivista. De modo geral, os pós-estruturalistas rejeitam definições que encerrem verdades absolutas sobre o mundo, pois a verdade dependeria do contexto histórico de cada
indivíduo. Os três rebeldes: Foucault questionou as instituições e defendeu a ideia de que o poder se manifesta em rede. Isto é, quem emite o poder é vítima dele também.
Comparou presídios e hospícios a escolas. Assim, ele colocou em marcha uma transgressão em relação às instituições (prisões, escolas...) por meio de sua microfísica do poder. A
definição do que é bom, do que é verdade, do que é sadio depende das instâncias nas quais o poder se concentra. São redes capilares de poder que permeiam as instituições que
dela fazem parte. Esse poder não é um poder de repressão ou de censura, mas sim um poder criador, que produz a realidade e seus conceitos. Deleuze opera uma transgressão ao
próprio fazer filosófico. A filosofia deve se abrir para fluxos de desejos e por essa via ele constrói a sua filosofia do desejo. Para falarmos do que Deleuze entende por desejo,
precisamos, antes de mais nada, inverter uma ideia que circula desde Platão: o desejo como falta. É com o pensamento de Nietzsche e Espinosa que Deleuze desenvolve uma
concepção do desejo completamente diferente do senso comum. O desejo não é falta, dirão Deleuze e Guattari, é produção! “Não é carência, mas excesso que ameaça
transbordar”. Derrida também opera uma transgressão, mas em relação ao texto, a escrita. Ele investiu na desconstrução dos textos, conferindo aos mesmos o poder de
apresentar leituras variadas e não um único sentido imposto pelo autor. Ao afirmar que “não existe o fora texto”, Derrida assume que a linguagem é o habitat natural de toda sua
atividade filosófica e literária. E não é para menos: a operação de desconstrução que o tornou célebre seria impensável sem os textos, os verdadeiros objetos da desconstrução. A
desconstrução não significa destruição completa, mas sim desmontagem, decomposição dos elementos da escrita. Outros nomes: Agamben, Baudrillard, Butler, Kristeva,
Kofman, Labarthe e Nancy.
. Pós-modernidade. O movimento pós-estruturalista está intimamente ligado ao pós-modernismo – embora os dois conceitos não sejam sinônimos. A pós-modernidade começa
no final da década de 1970, segundo alguns estudiosos. Com ela, saímos do paradigma da produção e entramos no paradigma da circulação e da comunicação, vigorando um
relativismo e uma dissolução da referência à razão como uma garantia de possibilidade de compreensão do mundo através de esquemas totalizantes. As quatro grandes críticas dos
pós-modernos são: autonomia da razão (razão iluminista); ideia de progresso linear; pela razão há a emancipação; pretensão de totalidade. No mundo pós-moderno, as fronteiras
são menos perceptíveis e as referências se diluem. As noções ligadas ao indivíduo e a identidade se fundem na diversidade e na noção de mercado. O sujeito aqui está
fragmentado. Ao sujeito, passaram a ser associadas múltiplas imagens sem referente. Segundo Jean-François Lyotard, a pós-modernidade é esse desencantamento em relação à
ideia de um futuro garantido, certo, promovido pelas leis da história, necessariamente melhor, redentor. Ela [a pós-modernidade] é a construção de um presente possível. Pós-
modernidade pode ser descrita como o momento em que (tomando Lyotard como influência) todas as grandes narrativas entram em crise.

3. Filosofia espanhola, filosofia hebraica, filosofia pós-colonial, filosofia latino-americana e filosofia brasileira
. Filosofia Espanhola. Miguel de Unamuno: contra o intelectualismo; a loucura heróica contra a miséria do bom senso; o Deus é o “Deus vivo” de Pascal e de Kierkegaard. José
Ortega y Gasset: O pensamento de Ortega é geralmente dividido em três etapas: 1. Estágio objetivista (1902-1914): influenciado pelo neo-kantismo alemão e pela fenomenologia
de Husserl, chega a afirmar a primazia das coisas (e ideias) sobre as pessoas; 2. Estágio Perspectivista (1914-1923): começa com Meditações de Quixote. Neste momento, Ortega
descreve a situação espanhola em Espanha invertebrada (1921); 3. Estágio Raciovitalista (1924-1955): considera-se que Ortega entra em seu estágio de maturidade, com obras
como O tema de nosso tempo, História como um sistema, Ideias e crenças e A Rebelião das Massas. “Eu sou eu e minha circunstância”, encerra uma concepção do homem como um “eu-
circunstância”, indissociável do seu meio. Dito de outro modo, o “eu” é distinto da realidade à sua volta, mas inseparável desta. Já a segunda parte da frase, “se não salvo a ela,
não me salvo a mim”, exprime a ideia de que o homem que “quiser salvar-se, deverá também salvar sua própria circunstância”, isso é, a realidade à sua volta. Implicitamente, ela
subordina a melhoria da condição do homem à sua ação, em contraposição à ideia de melhoria por meio da omissão.
. Filosofia hebraica. Martin Buber deu ênfase à sua ideia de que não há existência sem comunicação e diálogo, e que os objetos não existem sem que haja uma interação com eles.
As palavras-princípio, Eu-Tu (relação), Eu-Isso (experiência), demonstram as duas dimensões da filosofia do diálogo que, segundo Buber, dizem respeito à própria existência. O
homem nasce com a capacidade de inter-relacionamento com seu semelhante, ou seja, a intersubjetividade. Intersubjetividade é a relação entre sujeito e sujeito e/ou sujeito e
objeto. O relacionamento, segundo o filósofo Martin Buber, acontece entre o Eu e o Tu, e denomina-se relacionamento Eu-Tu. A interrelação segundo Martin Buber, envolve o
diálogo, o encontro e a responsabilidade, entre dois sujeitos e/ou a relação que existe entre o sujeito e o objeto. Intersubjetividade é umas das áreas que envolve a vida do homem
e, por isso, precisa ser refletida e analisada pela filosofia, em especial pela Antropologia Filosófica. Emmanuel Levinas foi um filósofo francês nascido em uma família judaica na
Lituânia. Bastante influenciado pela fenomenologia de Edmund Husserl, de quem foi tradutor, assim como pelas obras de Martin Heidegger, Franz Rosenzweig e Monsieur
Chouchani, o pensamento de Levinas parte da ideia de que a Ética, e não a Ontologia, é a Filosofia primeira. É no face-a-face humano que se irrompe todo sentido. Diante do
rosto do Outro, o sujeito se descobre responsável e lhe vem à ideia o Infinito. Proponho que se inicie esta reflexão com alguns questionamentos que você pode responder a si
mesmo. Para Levinas, tem importância decisiva a alteridade: a diferença radical que se manifesta a partir do outro, sobre a qual nada pode ser previamente atribuído. A ética
inaugura a humanidade do homem.
. Filosofia pós-colonial. O pós-colonialismo é uma teoria e prática que, desde seu surgimento nos anos 1960 com Said, Bhabha, Spivak, Fanon, Gilroy e Glissant tem sido
recortada por debates e controvérsia. Uma das maiores críticas se dá sobre a forma em que essa tendência gera categorias binárias (tradição/modernidade, Ocidente/Oriente,
racional/irracional, língua inglesa/língua vernacular etc.).
. Filosofia latino-americana. Nomes: Quijano, Mignolo, Dussel e Lander. Em sua filosofia da libertação, Dussel não apenas critica o eurocentrismo como fornece uma ampla
teoria que abrange a dominação nos campos do gênero/sexualidade, pedagogia, religião e economia. Ele delineia uma articulação de dois conceitos: a totalidade totalizante como a
assimilação violenta de tudo que é alheio. Dussel foca na conquista europeia das Américas como o momento definidor da modernidade, deixando claro que o colonialismo
ocidental é a ilustração paradigmática da lógica da totalidade. A externalidade é o segundo conceito, que trata do “o âmbito em que outras pessoas, livres e não condicionadas
pelos sistemas do observador, não participando de seu mundo, se revelam.”
. Ubuntu e a filosofia africana. Uma sociedade sustentada pelos pilares do respeito e da solidariedade faz parte da essência de ubuntu, filosofia africana que trata da importância
das alianças e do relacionamento das pessoas, umas com as outras. Na tentativa da tradução para o português, ubuntu seria “humanidade para com os outros”. Uma pessoa com
ubuntu tem consciência de que é afetada quando seus semelhantes são diminuídos, oprimidos. De ubuntu, as pessoas devem saber que o mundo não é uma ilha: “Eu sou porque
nós somos”.
. Necropolítica em Mbembe. Necropolítica ocorre quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e
definir a vida como a implantação e manifestação de poder. Ações ou omissões do Estado determinam qual parcela da sociedade pode viver e qual parcela deve morrer. Cito
Mbembe, em sua obra Necropolítica: “a soberania é a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é ‘descartável’ e quem não é.” Sua preocupação é “com
aquelas formas de soberania cujo projeto central não é a luta pela autonomia, mas a instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material de corpos
humanos e populações”. A necropolítica pode ser pensada como uma relação entre política e morte. Há aqui a discriminação das vidas que serão cuidadas e das vidas que serão
expostas à morte, seja por serem identificadas com o inimigo que ameaça a coesão da sociedade, seja por fazerem parte do grupo que é eliminado em uma guerra que escolhe seus
inimigos.
. Filosofia brasileira. A História da Filosofia no Brasil refere-se à tradição do pensamento filosófico realizada por brasileiros dentro ou fora do Brasil. As atividades de reflexão
filosófica foram trazidas pelos padres jesuítas na segunda metade do século XVI com as atividades do descobrimento das Américas, e se estende até os dias atuais com o processo
de profissionalização universitária. Um dos pioneiros em utilizar a expressão “filosofia no Brasil” foi Sílvio Romero, em sua obra historiográfica A filosofia no Brasil (1878). É
possível separar em três grandes momentos o desenvolvimento da história da filosofia no Brasil. A primeira metodologia de estudo de filosofia no Brasil foi marcada pela
utilização do método da Ratio Studiorum introduzido pelos jesuítas no século XVI. No século XIX, foi marcado pela predominância do método ensaístico, com uma filosofia sem
referência à tradição, pois era formada por eruditos provenientes de diversas áreas do conhecimento. Por fim, o último modo moderno de se estudar filosofia teve seu princípio
no século XX, marcado pela profissionalização e especialização dos estudos universitários. Em 1908 surge a primeira faculdade de filosofia do Brasil, a Faculdade de São Bento.
No entanto, seu marco foi na década de 1940 com a missão francesa na Universidade de São Paulo, introduzido por Martial Gueroult e Victor Goldschmidt. Contudo, o estudo
da história da filosofia baseado apenas em comentários ocasionou pouca produtividade filosófica no país, como é atestado por Roberto Gomes no livro A Crítica da Razão
Tupiniquim (1977).

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