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As constatações vindas das suas reflexões permitiram entender que aquilo que
se havia feito do homem e com o homem nos diversos momentos históricos,
havia subtraído do mesmo a sua condição de dignidade; era desumana a forma
como tratavam as pessoas. Esta forma de lidar com a figura pessoa, legitimada
pela sociedade, conduziu o mundo a catástrofes sociais nunca dantes
experienciadas. A perda das impressões próprias do ser favoreceu a morte de
milhões de pessoas pelo mundo, fundamentando um sistema que desprezava
o valor da pessoalidade.
Superando o individualismo
Se a pessoa não pode furtar-se de seguir alargando o seu ser como acima fora
dito, isso não significa que o mesmo deva diluir-se numa espécie de
coletivismo que fragmenta sua pessoalidade e o torna impessoal e
“impessoalizante”. A pessoa não pode perder-se em esquemas/armadilhas
montados para desumanizá-lo.
O sujeito humano não pode e nem deve ficar perdido em sua liberdade e muito
menos reduzido a um mero indivíduo coletivo. A pessoa humana possui em
sua essência, intrínseco a sua natureza, a vocação, a necessidade e o desejo
de conviver com outro ego, um outro “eu” numa espécie de amor-doação, que
não fica fechado em si mesmo, mas vai além, é capaz de se doar. O amor é
entendido como um exercício que possibilita o homem alcançar o
autoconhecimento e até mesmo a autorrealização, além do convívio com um
“eu” externo, que é o seu semelhante. A participação e a integração do homem
em uma comunidade onde exista comunhão entre as pessoas, o ajudam a
evitar a coisificação de si mesmo, faz o homem ver seu próximo como
realmente o é: pessoa humana. Com isso... no pensamento de Mounier ,
“entende-se que a pessoa não é objeto de conhecimento ela só se revela, no entanto, através
de uma experiência decisiva..., não a experiência imediata de uma substância, mas a
experiência progressiva de uma vida, uma vida pessoal” (MOUNIER apud SEVERINO, 1941, p.32).
Talvez por isso haja uma predileção em dispor sobre a condição humana em
detrimento de uma tal natureza humana. Quem sabe para que não suceda
nenhum mal entendido, para que não haja uma compreensão reduzida ou
limitada do ser, uma vez que, o termo condição humana possibilita uma maior
abordagem da pessoa em suas diversas dimensões, ou melhor, do absoluto
humano que é a totalidade da história do homem. É a partir dessa noção
intencional de condição humana que, o personalismo desenvolverá a defesa da
pessoa contra os totalitarismos, os individualismos e tudo aquilo que vai de
encontro à eminente dignidade da pessoa.
“A pessoa humana, em seu próprio ser e em sua própria identidade, reclama respeito
incondicional, independente de toda e qualquer avaliação e finalidade; absoluto, em uma
palavra” (Karl Rahner, escritos de teologia, II, Madri, 1962, p. 256).
Por isso que Emmanuel Mounier faz do personalismo uma filosofia completa,
cujo eixo é fixado no valor absoluto da pessoa. Ele define a pessoa como “o
que, em cada homem, não pode ser tratado como objeto”. Ele queria promover
uma “revolução personalista e comunitária” e propunha o individuo para a
sociedade e a sociedade para a pessoa. Ele enfatizava a diferença entre o
indivíduo e a pessoa, que sempre é inserido no mundo e na comunidade dos
homens. Contudo, convém frisar que sua pretensão nunca foi a de formar um
sistema filosófico, mas promover a pessoa humana em sua integridade. Diante
dessa intenção, a filosofia de Mounier encontrar-se-á entrelaçada com o
universo da pessoa humana, ou seja, a História da pessoa será paralela à
história do personalismo. Assim, o personalismo deve ser entendido como uma
filosofia a serviço da pessoa humana e nada mais.
Mounier sugeriu uma nova civilização para antes e para hoje da mesma
maneira. Todavia, esta nova civilização deveria desprender-se dos conceitos
individualistas que vigoram até o momento, bem como da arrogância burguesa
que insiste em diluir a pessoa no coletivismo, anulando a pessoalidade de cada
ser. Antes apregoa uma filosofia do engajamento, a qual atribui relevância
impar pelo fato de que o engajar-se “é uma exigência essencial da vida
pessoal”(Moix, 1968,p.176). Com isso, pode-se dizer que por meio da ação, a
pessoa humana transforma a natureza e a si mesmo, pois permite a
manifestação de si em sua totalidade de maneira criativa e livre.
“Se quisermos ter uma noção da humanidade, precisamos captar no seu vivo exercício e na
sua atividade global” (MOUNIER, 2004, p.31).
“Ora, nunca relações entre pessoas se podem estabelecer em um plano puramente técnico.
Desde que o homem é presente todos são por ele contaminados. Agem até pela qualidade da
sua presença. Os próprios meios materiais tornam-se meios humanos, vivem nos homens, por
eles modificados e modificando-os a eles, ao mesmo tempo que integram essa
interação num processo total” (MOUNIER, 2004, p.105).
“Já somos livres, mas ainda não. Parece um jogo de palavras, mas não é.
Trata-se de uma perspectiva muito interessante que pode ser explicada de
maneira simples a partir da frase: nem tudo que temos é nosso, porque carece
ser conhecido e conquistado... , liberdade é semelhante a um talento. É um
elemento constitutivo humano desencadeado à medida que o ser humano se
esmera no processo de torna-lo real. A conquista da liberdade se dá no mesmo
processo do tornar-se pessoa”. Melo, Fábio de. In Quem me roubou de mim. P.131.
O homem precisa saber que para ser livre é preciso navegar nas águas
profundas do próprio oceano existencial no qual habita, caso contrário morrerá
sufocado pelas superficialidades que se tornam grilhões vivenciais não vistos,
mas reais. Somente quando se deixar aflorar a sua subjetividade é que se
conseguirá, de fato, falar sobre a própria liberdade.