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O Professor

ARGUMENTO
Newton Benetti Silva

Este livro é fruto de um Delírio, realizado em um surto psicótico, escrito


como um grito, um desabafo. As ideias desconexas, revelam a vontade
de falar tudo, ao mesmo tempo. Professor, Produtor, DJ, Psicodélico e
Caótico. Entre História e Filosofia, Música e Poesia, o autor não se
encaixa. É um alienígena perdido em um mundo estranho. Tão
estranho quanto o autor.

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Sumário
Prefácio ................................................................... 3
Neoantropofagismo 2.0 ..........................................11
A prisão ..................................................................18
A nova Era das Trevas .............................................22
Epílogo poético .......................................................39
Argumento..........................................................40
Roda Mundo .......................................................44
A mentalidade colonizada ...................................52
A voz reprimida ...................................................56
Bozonazismo .......................................................60
E nisso explode a violência ..................................63
Força destrutiva ..................................................66
Alegria outra vez onde está?................................67

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Prefácio
Este livro foi escrito como um
complemento do álbum “O Professor –
Argumento” do DJ e Produtor Newton Benetti
(Newton B.). A criação desse álbum teve início
durante o Golpe de 2016 e se estendeu
durante os anos do governo Bolsonaro. As
poesias retratam a agonia de ver o futuro
desastroso que se anunciava em meio à
desumanidade genocida, à ignorância e às
trevas que se aproximavam.
Nos textos “Neoantropofagismo 2.0” e
“Nova era das Trevas”, encontramos um
mergulho profundo nas complexidades de
nossa sociedade contemporânea. São
reflexões que ecoam a preocupação de muitos
de nós com a direção que a civilização
moderna está tomando. Juntos, eles formam
um chamado à consciência, à resistência e à
busca pela verdadeira humanidade em um

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mundo que, em muitos aspectos, parece estar
se perdendo.
“Neoantropofagismo 2.0” nos convida
a digerir e, eventualmente, vomitar as
intervenções lixo/culturais que nos são
impostas. Ele clama por uma contramão em
relação aos valores estéticos impostos pela
cultura de massa, apontando para a
importância de sermos autênticos, inspirados
e, acima de tudo, humanos. A busca por uma
estética que traga incomodo e escape dos
padrões formatados de beleza ressoa como
um desafio à conformidade que muitas vezes
nos envolve.
Em “A Prisão” emerge a representação
metafórica de uma realidade que muitos
preferem ignorar, ou simplesmente aceitar
resignadamente. A prisão descrita não é
construída de tijolos e cimento, mas sim de
sistemas educacionais deteriorados,
ideologias distorcidas e um clamor por lucro
que relega a educação ao segundo plano. É

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uma prisão invisível que aprisiona não corpos,
mas mentes, restringindo o potencial humano,
sufocando a criatividade e substituindo o
ensino pelo adestramento.
Nesse cenário sombrio, as grades que
cercam as crianças são a falta de acesso a
uma educação genuinamente enriquecedora,
as lanças e cacos de vidro representam a
violência e a corrupção que permeiam as
estruturas educacionais. O foco nas
plataformas digitais e relações artificiais cria
uma geração desconectada do verdadeiro
aprendizado, enquanto a ganância e o
oportunismo corroem os fundamentos da
educação.
No meio desse caos, o papel do
professor é rebaixado, as avaliações são
automatizadas e o conhecimento se torna uma
mercadoria de pouco valor. O texto nos
confronta com uma dura realidade: o sistema
educacional está mais interessado em criar
obedientes do que pensadores críticos, e a

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verdadeira educação se perde na maré de
interesses mesquinhos.
À medida que lemos as palavras desse
texto, somos convidados a questionar a
direção que nossa sociedade está tomando, a
refletir sobre o que realmente valorizamos em
nossas crianças e em nós mesmos. A prisão
da educação, descrita de maneira tão vívida,
nos desafia a agir, a buscar uma libertação da
ignorância e do mal que ameaçam sufocar
nosso potencial humano. É um apelo para uma
transformação profunda, um clamor por uma
educação que liberte em vez de aprisionar.
“Nova era das trevas”, por sua vez,
mergulha nas sombras que encobrem o sol do
conhecimento. Ele descreve uma sociedade
atormentada pela ignorância, ódio e destruição
do conhecimento. Aqui, encontramos um alerta
severo sobre o colapso da civilização e a
ameaça da massificação e da imbecilização.
No entanto, também encontramos uma chama
de esperança, uma convocação à resistência,

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à luz e à busca pela verdade em um mundo
obscurecido pelas sombras.
Juntos, esses textos expressam uma
preocupação profunda com o destino da
humanidade, à medida que avançamos em
uma era de tecnologia e globalização. Eles nos
desafiam a questionar, a buscar a verdade, a
preservar o conhecimento e a abraçar nossa
humanidade em face de forças que buscam
nos zumbificar e conformar.
À medida que navegamos pelas
palavras e ideias contidas nestas páginas, que
possamos encontrar inspiração para nos
afastar das sombras da ignorância, resistir ao
ódio e à imbecilização e, em vez disso, abraçar
a luz do conhecimento, da empatia e da
verdade. Que possamos lembrar que a
verdadeira riqueza de uma sociedade reside na
profundidade de suas conexões humanas e na
capacidade de cada indivíduo de transcender
os padrões impostos, buscando um caminho
de consciência, autenticidade e humanidade.

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Nas poesias que se seguem,
encontramos uma profunda reflexão sobre a
exploração e as sombras que pairam sobre a
sociedade contemporânea. Esses poemas
abordam questões que variam desde a
alienação moderna e o declínio da humanidade
até a iminente extinção da civilização. Eles se
unem em uma sinfonia de vozes que clamam
por reflexão e resistência, destacando as
feridas abertas da nossa era e a necessidade
de curá-las.
"Argumento" é um grito de alerta contra
as tendências sombrias do nosso tempo. Ele
traça um quadro cruel da sociedade
contemporânea, onde a desinformação, a
intolerância e a ganância se espalham como
vírus, ameaçando a empatia e a conexão
humana. É um chamado à consciência, à luta
contra a ignorância, à busca da verdade e à
rejeição da conformidade.
"Roda Mundo" nos faz refletir sobre a
história cíclica da humanidade, onde

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problemas antigos parecem persistir. Neste
poema, a inércia e a corrupção que minam a
sociedade são expostas, destacando a
necessidade de despertar, aprender com o
passado e buscar um verdadeiro progresso.
"A voz reprimida" nos confronta com a
supressão das vozes e a falta de investimentos
na educação, que perpetuam a desigualdade e
a ignorância. Este poema nos lembra da
importância do papel dos educadores na luta
pela justiça social e pela liberdade de
pensamento.
"Bozonazismo" levanta a voz contra o
fanatismo, a desinformação e a divisão. Aborda
a ascensão de líderes neofascistas e como a
radicalização da direita ameaça a coesão
social e a democracia. É uma crítica
contundente à manipulação das massas e à
falta de pensamento crítico.
"Força destrutiva" ecoa as
preocupações ambientais, alertando sobre a
ameaça da degradação do planeta devido à

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ganância e ao consumismo desenfreado. Este
poema nos chama a repensar nossas escolhas
e agir em prol da sustentabilidade.
Finalmente, "Alegria outra vez onde
está?" é uma melodia melancólica, lembrando-
nos da importância da arte e da cultura na
construção da memória e da conexão humana.
Revela a luta e a resiliência daqueles que
enfrentam adversidades, mantendo a chama
da criatividade e da esperança acesa.
Esses poemas, embora variados em
suas abordagens, ecoam uma unidade
temática: a busca por respostas, a chamada à
resistência e à consciência, e o desafio de
nossos tempos sombrios. Eles são vozes
poéticas que nos convidam a refletir, agir e, em
última análise, a reafirmar nossa humanidade
diante dos desafios e dilemas de nosso tempo.

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Neoantropofagismo
2.0
Já que é impossível conter a
intervenção lixo/cultural na nossa cultura então
que ela seja digerida. Depois que seja
vomitada a nossa contracepção dos valores
estéticos /lixo/ culturais.
Que no nosso mal-estar seja a
contramão daquilo que nos é imposto. Que o
nosso começo de século seja marcado pela
nossa antropofagia. Que nossa estética seja o
vomito que traga o incomodo enjoo aos
padrões formatados de beleza.
Sejamos o contrassenso do senso
comum. A nossa salvação é análoga ao
paraíso digital. Do universo de zero e uns
sejamos o dois, três, quatro cinco... infinito.
Não deixemos que a limitação dos limitados
atrapalhe nossa criatividade. A sanidade

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padronizada é insana. Não precisamos de
limitação, mas sim de inspiração. Não
transformemos o mundo um lugar banal. O
banal é normal, então, que exalemos nossa
loucura!
Enquanto nos impõem tudo aquilo que
são meros produtos descartáveis, devemos
aprofundar as relações. Não somos máquinas,
não queremos relações superficiais e nem nos
dispomos a robotização auto programada. Não
cabemos em 250 caracteres, muito menos nos
propagamos em correntes. Não seguimos
trends e muito menos reproduzimos passinhos
pré-concebidos em danças estúpidas. Somos
os estranhos, que não se encaixam em redes
nem nos padrões de beleza.
A estupidez generalizada não nos
fascina, do comportamento de manada
fugimos para a natureza. Enquanto Storys
duram 24h, vivemos sem precisar transmitir
shows em redes sociais para parecer que
somos descolados. Não assistimos nossos

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artistas preferidos por meio de telas de
celulares enquanto estamos presentes em
suas apresentações. E enquanto os frutos da
normalidade genérica só escutam as
“topzeiras” procuramos os artistas
independentes que possuem poucos
seguidores.
Nossa loucura é viver a margem de um
mundo insano, desconectados dos padrões
normatizados e análogos a midiotice digital.
Seguimos o fluxo do Caos, Deus primordial que
tudo arrasta na correnteza do tempo. Criando
memórias e esquecimentos, fluxos e refluxos,
perdidos no espaço. Seguimos caminhando
passo após passo. Não sabemos quem somos,
e o que carregamos para o futuro é apenas um
pedaço desse grande absurdo.
A memória é apenas um fragmento: do
tempo ao esquecimento. Não somos nada,
nada nunca seremos, enquanto isso,
carregamos em nós todos os sonhos do

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mundo. Fragmentos desconexos que desejam
reconexão.
Religare a qualquer custo, custa a
alma daqueles que serão amaldiçoados pelo
ódio. Enquanto isso, cultos abarrotados de
estupidez espalham ódio e preconceito. Por
isso preferimos “Deus sive Natura” ao
evangelismo financeiro. Reconhecemos a
finitude de nossa consciência e o infinito do
Universo interconectado. Não estamos
separados do Todo, apenas não
reconhecemos o Universo por causa de nossa
ignorância.
Quanto maior a soberba, maior a
ignorância, quanto maior a ignorância, menos
espaço para se conhecer o novo. Aqueles que
acham que já sabem de tudo jamais se abrem
a novas ideias. Estão tão cheios de sí que
vomitam o ódio. Não aceitam mudar pois suas
convicções são tão sólidas quanto um castelo
de cartas. Recalques para esconder a própria
sexualidade reprimida, ataques àquilo que

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desejam. Compensações da masculinidade
frágil daqueles que defendem armas de fogo
para preservar a vida: quanto maiores as
armas, menores suas genitálias! Quanto
maiores os carros, menores as potencias
sexuais!
Se escondem atrás de grifes para não
demonstrar a própria mediocridade. A podridão
exala dos caros perfumes enojantes. Quanto
maior a ostentação, maior a pobreza. A
superficialidade das relações líquidas causa
tanta solidão que, mesmo interconectados, as
pessoas se desconhecem. Vivem de
aparências, maquiando suas realidades,
fugindo daquilo que são. Mas, adoecem ao se
refugiarem em realidades virtuais pois sabem
que não são aquilo que mostram.
A mediocridade limitante é o objetivo
daqueles que se adequam a esse sistema
doentio. Logo, midiotizados, não consomem
nada que não seja repetido diariamente nas
grandes campanhas publicitárias. De tão

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limitados não conseguem nem ao menos
perceber que seus desejos lhes são impostos.
Seus fetiches e recalques, seus gostos e
desgostos, tudo passa pela programação e
pela lógica do capital. Tudo é descartável em
uma sociedade movida pela virtualidade do
dinheiro. Valores virtuais passam a ser vistos
como mais preciosos que vidas reais e a
destruição do planeta tem menos valor que
zeros em uma conta bancária.
Por isso, doentio seria se adaptar a
essa sociedade doente. Insanidade seria viver
preso a esses desejos alienantes. Nossa
loucura é a contramão de uma vida limitada. Se
a normalidade é virtual, temos que ser
delirantemente reais. Se acreditam na morte
das Utopias, devemos lembrar que a Arte
liberta, que a poesia extravasa os limites do Eu,
que a música nos cura e que não somos Robôs
automatizados, por isso dançamos,
loucamente, sem se importar com aqueles que
não conseguem ouvir a música. Nossos

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desejos não são produtos, nossas relações
não são monetárias. Afetos nos unem, nossa
esperança não está no concreto, mas sim na
Terra, no Ar e na Água.
Gostos, cheiros, olhares e carinhos,
quanto mais conexões profundas menos nos
sentimos sozinhos. Não somos formigas,
esbarrando uns nos outros sem nos
preocuparmos com afetos e sentimentos. Não
podemos nos limitar à superfície de uma
modernidade líquida. Queremos conexões
profundas, mesmo que momentâneas! Nada é
eterno, nada é cristalizado, mesmo assim, num
breve suspiro de tempo, que afetos sejam
lembrados. Que a vida não seja apenas um
recorte para postar em redes sociais, retratos
de realidades artificiais.

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A prisão
Uma sala fechada, nas sufocantes
janelas estão as grades. Muros altos, com
cacos de vidro e lanças cercam o ambiente e
impedem não só a entrada, mas também a
saída. Em breve, detectores de metais nos
portões principais. Confinadas nessa prisão
estão infâncias. Impedidas de crescer
desenvolverão neuroses, psicoses que jamais
serão curadas. Suas cabeças se encherão de
pensamentos inúteis e suas criatividades serão
podadas. A alegria será roubada, pois
enquanto estiverem ali vão decorar conteúdos
que jamais serão usados em suas vidas reais.
Plataformas digitais, relações
artificiais, metas e coação. Em último plano fica
a educação. Conhecimento? Apenas um índice
a se perder no esquecimento. Tecnicismo,
obsolescência programada.

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Em um sistema em que prevalece a
ganância, educação é apenas mais um
instrumento a serviço da ignorância. Gestão
empresarial ao invés de Direção. Coachs e
Youtubers no lugar de professores. Pais que,
sem formação acadêmica, informados em
correntes de Whatsapp, coagem e ditam o que
não deve ser ensinado.
Professores torturados, transformados
em meros monitores de tele aulas, alunos
avaliados por inteligências artificiais.
Programadas em um código binário de um
universo artificial crianças se transformarão em
adultos autômatos, prontos a receberem
ordens. Serão enquadrados em um sistema
onde o sentir é dispensável e o “ter” se torna
sagrado. A dúvida não deve existir, e todos
devem sair dali cheios de exclamações.
Tecnicismo, Fordismo e Toyotismo
aplicados a educação, como se essa fosse a
solução. Produção em série de estudantes
automatizados. Presos à rotina, escravos do

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horário, itinerários. Devem produzir resultados,
alcançar metas inalcançáveis.
Falta de investimentos, políticos que
pensam que educação é um gasto,
sucateamento. Educação pensada pela
bancada da bala em uma sociedade marcada
pela banalidade do mal e necropolítica.
Currículos formatados pelo evangelismo
financeiro de pastores charlatanistas. Nunca
leram um livro, nem sequer suas próprias
Bíblias carregadas embaixo do sovaco.
Criacionistas terraplanistas, e revisionistas:
formação que cria Genocidas, falsos Messias,
anti-vacinas. Enquanto isso, louvor
armamentista.
Eles sabem que quanto mais ignorante
for o povo, mais votos em políticos do esgoto.
A ignorância é o que mantem o sistema de
exploração, ignorância disfarçada de sistema
de educação.
Destruição de conhecimento,
arquitetura copiada de uma prisão, rotinas e

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horários de uma grande enganação. A
crueldade de um sistema que deveria libertar é
justamente ter se tornado cada vez mais
parecido com um presídio.
As salas estão lotadas e, de tanta
repressão, se tornam panelas de pressão
sempre prontas a explodir. Instaura-se o
regime do terror, pois o medo é o sentimento
comum dessa relação forçada. Os massacres
se espalham, os tiros tomam o lugar do
giz...sangue de inocentes no chão!

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A nova Era das Trevas
A ignorância se alastra em uma
velocidade alucinante e as sombras que
começam a encobrir o sol não aparentam se
dissipar. Ao contrário, se acumulam cada vez
mais, mesmo em locais onde as luzes
emanavam como um farol. Junto com as
nuvens da ignorância, o ódio é semeado e os
campos são irrigados com o sangue dos
inocentes.
Tristes são os tempos que vivemos:
fogueiras ardem, prontas para transformar em
cinzas todo o conhecimento. Pouco a pouco,
livros são queimados, alimentando
continuamente a fogueira das vaidades. A
fumaça sufocante asfixia aqueles que ainda
têm breves suspiros de sanidade perante a
brutalidade.
Os campos da esperança estão
ressecados, as flores coloridas são recobertas

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com petróleo. As pétalas caem sobre o solo
como lagrimas que escorrem do rosto daqueles
que são injustiçados. Basta apenas uma faísca
para incendiar tudo aquilo que iria se tornar
belo. Enquanto isso, botas pisoteiam as flores
que heroicamente persistem em brotar. Sobre
a sola das botas estão corpos vazios, sem
cérebros, sem corações. Foram esvaziados
pela cruz, pela espada e pelo dinheiro.
Os homens que veneram a imagem de
um corpo torturado e crucificado são os que
mais desejam espalhar a violência. Devaneios
de sádicos que se deliciam ao ver a carne e
ossos triturados. Praguejam o tempo todo,
desejando dor e sofrimento aos outros. Em
seus desejos mais profundos está a total
destruição dos corpos, mentes e almas. São
Servos dos Cavaleiros das Trevas, galopam na
ignorância dos homens, espalham suas
sombras, vociferando palavras de ódio. Suas
bocas vazias só estão cheias de dentes.

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Dentes afiados que servem para devorar
cérebros.
Falsos Messias se erguem, aproveitam
do medo da morte para fisgar almas
fragilizadas pelo sofrimento. Lançam cordas
aos mares das lamentações e aqueles que se
agarram às cordas, tão desesperados por
salvação, não percebem que são agarrados
pelo pescoço. Levantados às forcas, sufocam
lentamente. Quanto mais forte o laço, mais
longe da salvação. Quanto mais forte o laço,
mais sufocante a ignorância.
Crenças que pareciam superadas
ressurgem como lanternas em meio às névoas.
As almas perdidas que as seguem não
enxergam o rosto de Caronte que as guia direto
para o inferno. Serão atormentados pelo resto
de suas vidas miseráveis. Acreditarão terem
escolhido o caminho da salvação, porém suas
almas serão nutridas pelo ódio e preconceito.
Assim, a cada passo estão mais próximas da
perdição, a cada passo mais acreditam que

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também podem se transformar em profetas.
Mas serão apenas zumbis, servos da
destruição!
Zumbificados, ignorantes queimam
livros na esperança de apagar as luzes. Ficam
fascinados com as chamas e hipnotizados
pelas labaredas, como mariposas atordoadas,
seguem em direção ao fogo e queimam suas
asas. Ao se afastarem, espalham incêndios.
Queimando o conhecimento sobram
somente os campos desertos. E nos campos
desertos surgem os homens de lata. Seus
corações foram arrancados e seus cérebros
funcionam apenas uma lógica binária. Seguem
ordens sem questionar, não sabem sorrir,
pensar e amar. Seus olhos estão vidrados em
telas artificiais e só enxergam as sombras de
suas próprias cavernas. Por onde passam
deixam seus rastros de destruição. Apagam as
cores, deixando tudo cinza: concreto que
encobre a terra. As torres de seus Castelos
envenenam o ar, seus resíduos intoxicam rios

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e mares. Só cultivam desertos verdes em
grandes plantações. Mesmo assim, a fome se
alastra. Nutrem desejos fúteis e consumo inútil
de coisas que em menos de dois anos se
transformam em lixo.
Buscam padrões estéticos impossíveis
e assim vivem deprimidos. Não criam laços
verdadeiros uns com os outros, pois a falta de
empatia os faz estabelecer apenas laços
monetários entre suas próprias famílias e
acreditam que podem comprar o amor com
presentes.
Escravos de suas próprias tecnologias
desaprenderam a viver. Assim, criam
realidades artificiais onde se refugiam,
construindo muros cada vez mais altos em
suas próprias prisões. Suas correntes viajam
em ondas eletromagnéticas e aprisionam a
imaginação em um mundo virtual. As grades
invisíveis são as mais difíceis de serem
rompidas, pois criam a ilusão de uma liberdade
que não existe. São prisioneiros que não

26
pretendem fugir, pois foram mentalmente
condicionados a confundir escravidão com
liberdade. Estão tão profundamente
aprisionados que lutam com todas as suas
forças para manter as suas realidades
artificiais. São escravos perfeitos, pois
protegem suas próprias correntes. Por isso,
temem a liberdade e se fossem livres não
saberiam o que fazer de suas vidas. Se sentem
confortáveis em suas celas, sem conseguir
enxergar suas grades.
Em tempos em que Guerra é Paz,
Liberdade é Escravidão e Ignorância é força,
Big Brother ri diante de sua televisão de última
geração. Os discursos revelam a Novi língua e
os “grandes feitos” são reproduzidos ao vivo e
de todos os ângulos, todos os dias.
Amansados em sua realidade artificial não
questionam sua própria miséria. Vivem com
medo, sem conseguir entender a real
procedência de suas angústias e toda noite,
zumbificados, assistem extasiados o “Big

27
Brother” transmitir um padrão de beleza que
todos devem buscar. Aceitam a idiotização,
pois não querem se sentir excluídos dela.
Odeiam aqueles que fogem dos padrões,
encaram nos como loucos e desejam colocar
nos hospícios, nas prisões e nas fogueiras
todos aqueles que fogem da normalidade
genérica. A crítica se torna inútil, pois os
termos rebeldia e revolução já não fazem mais
nenhum sentido e o que ocorre são apenas
gritos isolados. Gritos entre surdos que já não
querem mais escutar nada além de suas
próprias vozes.
São poucos os sentimentos que
sobrevivem dentro da realidade artificial e para
reprimirem a angústia, ansiedade e depressão,
utilizam drogas lícitas que inibem o
reconhecimento dos seus próprios problemas.
Assim, são criadas máscaras de uma
normalidade inexistente ao invés de
enfrentarem aquilo que os aflige. Desta

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maneira, não aprendem a lidar com as
verdadeiras causas de suas aflições.
A mudança forçada na frequência
cerebral cria uma normalidade insana. Seres
robotizados, produzidos em série, caminham
como zumbis. Aguardam ordens do que sentir,
do que gostar e principalmente do que
comprar. Não aprendem a pensar por si
próprios, pois não aprenderam a pensar em
seus próprios problemas. Possuem aparência
de adultos, porém não amadurecem ao encarar
seus próprios erros. Ao apagarem
quimicamente seus sentimentos se tornam
incapazes de se conectarem profundamente
uns com os outros: criam laços superficiais,
pois não possuem a empatia necessária para
compreender o sentimento do outro. Afinal, não
sabem o que eles próprios sentem. Vivem, mas
estão mortos por dentro. Estão vivos, mas são
como zumbis.
Zumbis representam, simbolicamente,
nossa sociedade: são seres que caminham,

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mas não possuem vida. Enquanto caminham,
desejam devorar os cérebros daqueles que
ainda pensam. O desejo dos zumbis
representa a idiotização de uma sociedade
composta por pessoas que não aprenderam a
pensar por si próprios. Vivem aguardando
aquilo que devem desejar e aquilo que devem
comprar. Ao mesmo tempo, aprenderam
apenas a odiar aqueles que são vistos como
diferentes: aqueles que têm senso crítico e não
seguem cegamente aquilo que a sociedade
lhes impõe.
O desejo por cérebros representa a
vontade de destruição do pensamento crítico
das pessoas que fugiram da zumbificação.
Essa transformação das pessoas em zumbis
também demonstra a idiotização da sociedade
e a massificação dos sentimentos e desejos de
consumo. A imposição de desejos atua como
uma coisificação de seres humanos que se
transformam em mortos vivos sem a
capacidade se pensar por conta própria.

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O Apocalipse já iniciou faz muito
tempo: cada dia novos objetos de desejo são
criados pela sociedade capitalista e os
zumbificados não se preocupam com a
destruição causada para criarem esses
objetos. Tudo o que importa é consumir
ferozmente, cada vez mais. Devoram os
recursos do planeta, utilizados para a produção
de produtos descartáveis que em pouco tempo
se transformam em lixo. E quando todos os
recursos forem esgotados? Começaremos a
devorar nós mesmos? Já começamos!
Esse processo de zumbificação é
irreversível e seremos jogados em uma era de
ignorância e obscurantismo sem precedentes.
O processo não é aleatório e desprovido de
sentido, é o resultado de uma campanha
intencional que busca desacreditar
professores, a ciência e as artes, bem como
visa destruir todo crédito do conhecimento
como motor do desenvolvimento humano.

31
Vivemos em uma nova Era das Trevas
(ou nunca saímos dela?), pois podemos
perceber um movimento reacionário que critica
e quer destruir o Humanismo. Desta maneira,
os ideais democráticos e direitos construídos
desde o Iluminismo estão ameaçados por uma
espécie de nova Inquisição. Porém é um
movimento muito mais perigoso, pois o
desenvolvimento tecnológico atual permite um
controle e vigilância de maneira muito mais
eficiente. Além disso, as novas tecnologias
bélicas causam, diariamente, novos
extermínios em massa.
Nossa tecnologia sempre esteve a
serviço da Guerra e os mais avançados
tecnologicamente usam o critério tecnológico
para hierarquizar seres humanos, porém
quanto maior o avanço tecnológico, mais
dependência da tecnologia temos. Quanto
mais dependentes da tecnologia, mais
estúpidos nos tornamos. Por isso não podemos
nos considerar racionais: sempre fomos

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movidos por guerras e pelo ódio. Nosso
conhecimento e sabedoria não impediram de
vivermos sempre em guerra, sendo assim
somos “Sapiens”?
Toda tecnologia desenvolvida poderia
nos servir para a construção de conhecimento
que nos proporcionariam um novo patamar de
humanidade. Mas, preferimos utilizar essas
tecnologias a serviço da imbecilização, da
futilidade e da banalização da violência. Desta
maneira, nos tornamos imbecis informatizados,
desumanizados e cheios de conhecimentos
inúteis. Aquilo que deveríamos realmente
aprender, aproveitando todo o potencial
tecnológico de nossa época é deixado de lado,
dando lugar a informações que de nada
adiantam para desenvolvermos nossa
humanidade.
Atrofiamos nossa racionalidade,
desenvolvemos a ignorância e a imbecilização
ocupa o lugar do conhecimento e da sabedoria.
Assim, caminhamos a passos largos para

33
nossa própria extinção, pois não aprendemos
com os erros do passado. Quando alguns
poucos conseguem enxergar a insanidade e
psicopatia de nossa civilização, esse
conhecimento fica restrito a pequenos círculos.
Aqueles que buscam quebrar o círculo e levar
o conhecimento à maior parte da humanidade
estão condenados pela maldição de
Cassandra. Serão considerados loucos e não
conseguirão alertar os zumbificados, pois eles
estão cegos pelas sombras alienantes.
Anestesiados por suas falsas realidades, estão
surdos de tanto ouvir as idiotices que são
disparadas para deixar as pessoas presas em
um mundo de imbecilidades.
Perseguidos, como se fossem os
vilões do colapso da civilização, artistas e
professores são injustiçados. Na verdade, são
vítimas de um processo que busca destruir o
conhecimento e a arte, justamente por esse ser
o meio de se interromper o processo de
imbecilização zumbificante. Como zumbis, os

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imbecilizados perseguem e buscam destruir
tudo aquilo que não compreendem e como
agentes da ignorância, vociferam contra a livre
manifestação artística e o conhecimento
histórico. São ignorantes e arrogantes,
desejam criar suas próprias versões históricas
com suas auto-verdades, sem nenhum
fundamento ou método. Destruindo a História
constroem suas versões do futuro, baseados
não em conhecimento, mas sim em seus
próprios preconceitos.
Enquanto isso, museus queimam, a
história se transforma em cinzas e os zumbis,
imbecilizados, comemoram a destruição de
tudo aquilo que não compreendem. Ao
destruírem o passado também estão
destruindo o futuro e os mesmos erros vão se
repetindo: cria se um círculo vicioso impossível
de se romper. O sucateamento das instituições
públicas de ensino faz parte do processo de
zumbificação. Assim como o ataque aos
professores e a destruição da carreira docente:

35
destruindo os locais de acesso ao
conhecimento e seus agentes a imbecilização
se alastra sem nenhum impedimento. Com
pouca resistência, museus são queimados,
bibliotecas são abandonadas e pesquisas são
interrompidas.
Triste é o destino de um povo que não
preserva sua memória. Triste é o futuro de um
povo que não conhece seu próprio passado.
Viver sem conhecer a história é viver no
escuro. Por isso a cegueira e a ignorância se
espalham como uma doença e as sombras
encobrem os locais onde as luzes brilhavam.
Centros de conhecimento são
atacados, pois os Cavaleiros das Trevas
sabem que são esses locais que podem
espalhar a Luz e quem deseja espalhar as
sombras não suporta o brilho do conhecimento.
Quanto maior a ignorância, mais próximos da
escuridão. Quanto mais próximos da escuridão
mais próximos do ódio, da violência e do
sadismo. Por isso os Cavaleiros das Trevas

36
planejam a total destruição dos centros de
conhecimento, das escolas, universidades,
museus e bibliotecas.
Assim, criam planos de carreira que
são uma verdadeira tortura de professores.
Bem como queimam livros e museus. A
destruição do conhecimento por meio do fogo
é mais do que uma violência simbólica. O fogo
produz o último brilho e o conhecimento é
reduzido a cinzas que se perdem com um
simples sopro. Um suspiro de tempo separa a
memória de um conhecimento destruído pelo
fogo do total esquecimento.
Em uma luta contra a escuridão a luz é
a arma mais poderosa. Por isso, quanto mais
os Cavaleiros das Trevas atacam os faróis,
mais forte suas luzes devem brilhar, pois
somente a luz mais potente pode afastar as
sombras que se aproximam. Se a escuridão
vencer, cegos e sem enxergar um palmo diante
do nariz, as pessoas trombam umas nas outras
e despencam em profundos abismos. O

37
abismo é o poço das almas obscurecidas pela
ignorância dos Cavaleiros das Trevas.
Enquanto despencam, vertiginosamente, as
almas perdidas acreditam que podem voar.
Porém, o peso da maldade é tão grande que a
velocidade da queda aumenta conforme o ódio
domina o coração e a mente das almas
perdidas. Serão despedaçados quando
chegarem ao chão!

38
Epílogo poético

39
Argumento

Dois mil e XX, segundo milênio.


Continuamos retrocedendo a Idade das
Trevas.
De primitivos informatizados passamos ao
Sádicos Conectados.
Coletâneas de idiotices midiotizadas.
Lobotomia em horário nobre.
Ódio destilado e depurado em grandes letras
da Caps Lock.
Evangelismo financeiro, intolerância,
ganância!
Jovens negros julgados pela multidão
São condenados,

40
Amarrados aos postes
E apedrejados até a morte.
Os fios no alto transmitem bilhões de bits de
desinformação.
Cães raivosos ladram pela pena de morte.
Zumbis acéfalos repetem um zumbido como
uma oração:
Prendam as crianças!
Do som em surround se espalham palavras
de ódio
Em todas as direções:
"seja a favor da vida, mate um ladrão"
Mas isso só vale se for preto e pobre.
Ignorância científica, conhecimento fútil,
Informação inútil.
Olhos vidrados em telas
janelas da mediocridade.
Superficialidade, relações comerciais
o amor não existe mais.
Tenha, compre, pague
Não sinta, não pare.

41
Falta de empatia causa solidão, falta de
conexão...
Sintomas de uma sociedade doente,
Sintomas de uma civilização decadente.
Moderno, antigo,
O fim está próximo de quem não lê sequer
UM livro
Narciso não é apenas um mito,
É self de pau pequeno de quem só pensa no
próprio umbigo
É machista defendendo a violência contra a
mulher
É ex-presidente falando que só não estupra
porque não quer
Involução, alienação,
Caminhamos a passos largos para a nossa
própria extinção.
Mas antes destruiremos todo o planeta
Força destrutiva mais poderosa que um
cometa
Em rota de colisão com o nosso futuro
E ao invés de abrir as escolas

42
Construímos novos muros
Fecham as escolas, constroem mais
presídios...
E a bancada da bala comemora a morte de
mais um índio...
Direitos humanos para humanos direitos?
Mas não se esqueça que nesse mundo,
Ninguém é perfeito
E no horário nobre da televisão
É tanto ódio disfarçado de informação
Que no futuro só vejo distopia...
Falta de empatia...
Sintomas claros de uma psicopatia...

43
Roda Mundo

E a História se repete
Sempre como farsa
Um país sem memória
Vive sempre na desgraça

Os problemas são iguais


E ninguém aguenta mais
A cada passo para frente
São dois para traz

Retrocesso sem progresso


Só há ordem dos espertos
E os chefes das quadrilhas
Instalados no Congresso

44
E o resto do povo
Se ferrando na pobreza
E a podre classe média
Aqui se acha realeza

O pensamento ainda é
Da era colonial
Enriquecer sem pensar
No que é fundamental

E quem vai punir o ladrão de merenda?


Quando ladrão é rico
Não há ninguém que o prenda

Mas se o suspeito for


Negro, pobre ou favelado
Mesmo inocente
ele já está condenado

E a justiça
Ao invés de imparcial

45
Sempre fica do lado
De quem tem mais capital

Agora inventaram
A escola sem partido
Jeito novo de dizer
Que o professor está fodido

A intenção é manter
O povo alienado
Um povo que aceite
A condição de escravo

Um povo feliz
Sem pão e sem circo
Um povo que pense
Que um Bosta é mito

E ao invés
De dar valor ao professor
Desvaloriza quem merece
E valoriza o opressor

46
E assim continua
Tudo igual
E pra acabar com a revolta
Futebol e carnaval

Mas olha só
Veja que legal
Continuamos esquecendo
Do que é essencial

A vida é uma roda


Em constante movimento
Muda e se transforma
A cada momento

Roda viva, roda mundo


O mundo girou
Girou tanto num instante
Onde é que eu estou?

Roda viva, roda mundo

47
O mundo girou
Se tudo muda o tempo inteiro
Só aqui
Que não mudou?

Roda viva, Roda mundo


O mundo girou
Se tudo sempre muda
Em que tempo eu estou?

Não,
O tempo não para
Deixa marcas na pele
Mais que o fio de uma navalha

E tudo que passa


Tudo que passou
Todo tempo tudo muda
Tudo o tempo mudou

Tudo roda, Tudo volta


Em nossa memória

48
Sinto pena de quem
Não conhece a História

E ela se repete
Como uma tragédia
Nosso povo, infelizmente
Sempre na miséria

A espera de um mito
Na beira d´um precipício
A um passo, se jogar
É apenas um início

Um vício
Um ciclo
Movimento
Infinito

Quem espera acontecer


Se perde no princípio

Nossa História nunca teve

49
Um verdadeiro rompimento
Por isso se repete
A cada momento...

E ela se repete
Como uma tragédia
Nosso povo, infelizmente
Sempre na miséria

Retrocesso,
Regresso
E o lema ainda é
Ordem e progresso.
Lembranças de um futuro já passado
Ultrapassado...
Desesperança,
Saber que de tudo,
Nada adianta
Ignorância
E o desejo de ser cego
Por pura ganância
Ser papagaio,

50
Repetir tudo o que te mandam
Ser manipulado
E quem não for...
Que aceite tudo,
Calado

51
A mentalidade colonizada

Não aguento mais


Tamanha ignorância
Nova era das trevas
E o domínio da arrogância

Uma nova cruzada


Contra a educação
Pra manter nosso povo
Sempre em escravidão

Um povo alienado
Não percebe suas correntes
E segue apanhando

52
Mas sempre contente

O escravo perfeito
Defende as suas correntes
Defende Sinhozinho
Com unhas e dentes

E o escravo perfeito
É formado há muito tempo
Sua mentalidade
Forjada no esquecimento

Na memória apagada
São forjadas as correntes
As piores prisões
Aprisionam a mente

E a mente aprisionada
Não questiona a escravidão
E a história vive um ciclo
Sempre em repetição

53
Viver e morrer
Como um operário
Viver e morrer
Como um escravo

Viver e morrer
Como um condenado
Viver e morrer
Preso a um horário

Viver e morrer
Como um escravo
Viver e morrer
Para sempre acorrentado

Toca o sinal
Todos entram na fileira
Seu lugar é definido
Queira ou não queira

Fique quieto
Se acomode, se comporte

54
Aprenda a obedecer
Mesmo que você não goste

Seu único prêmio


Será a sua morte...
Seu único prêmio
Será a sua morte...

Vida inteira
Sem aposentadoria
Pois a vida é apenas
Uma mercadoria

O valor da vida
É o valor que você dá
E o valor da sua vida
Quanto valerá?

55
A voz reprimida

A voz reprimida
Entalada na garganta
O grito contido
No fim da esperança

Como acabar
Com a nossa escravidão
Se o nosso próprio povo
Não percebe a servidão

Nossa riqueza
É entregue de graça
É inútil dormir

56
A dor não passa

E o passado é o que resta


Para o nosso futuro
Cair no abismo
Desgosto profundo

Seguindo pro fundo


Em tenebrosas transações
Só seremos livres
Com revoluções

Mas como acordar


Um povo anestesiado
Um povo que gosta
Da condição de escravizado?

Toda a revolta
Sempre foi massacrada
Capitão do mato
Que vive na Senzala

57
Se acha um herói
Se acha matador
É só uma ferramenta
Do estado opressor

E o professor
Seja como for
Verdadeiro herói
Lutando contra o horror

Apanha todo dia


Tem que aceitar calado
Um projeto pra manter
O povo sempre Alienado

Alienado
Não seja para sempre
Escravo

Alienado
Não seja para sempre
Robotizado

58
Liberte sua mente
Não se deixe
Escravizar

Liberte sua mente


Não se deixe
Robotizar

59
Bozonazismo

Sempre que se aliam


Estado e religião
Militarismo
E amor a uma nação

Racismo e preconceito
um ignorante como Mito
um bando de idiotas
a serviço do fascismo

Cheios de ódio
Adoram sangue de inocentes
Praguejam o tempo inteiro

60
Ainda dizem que são crentes

Gente incoerente
Gente indecente
Cheios de ódio
Ainda dizem que são crentes

Gente bem ruim


Ruim pra um caralho
Nunca leram um livro
além do Olavo de Carvalho

No país da ignorância
Cheios de ganância
São como uma doença
Retratos da arrogância

Acham que sabem tudo


Informados em correntes
Destilando ódio
Pensamento incoerente

61
Olho arregalado
Gozam morte e tortura
Babam por genocida
Tem tesão na ditadura

Falam em munição
Desfilam um carrão
O tamanho daquela arma
É pura compensação

Gente burra
Burra pra caralho
Nunca leram um livro
Fãs do Olavo de Carvalho

Gente burra
Gente tão estúpida
Olha só a merda
Que elegeram presidente da
república

62
E nisso explode a violência

Se você se pergunta
O porquê da violência
Talvez falte
Um pouco de consciência
Somos fruto de uma História
De verdadeiros genocídios
Negros, pobres, mulheres, índios
Os nativos daqui
Quase todos exterminados
Livros de História
Esquecidos, queimados
Nas prateleiras empoeirados
E a memória se perde
No tempo
E tudo que resta
É o esquecimento
Nosso solo é adubado
Com sangue de inocentes
Alicerce perfeito

63
Pra futuros decadentes
Armas que matam
Nossos professores
Cultuadas
Por ignorantes
Opressores
Querem manter
O povo na ignorância
Depois são devorados
Pela própria ganância
Quando matam um professor
Estão matando o futuro
Seremos jogados
Num buraco profundo
Obscuro
Esse é o resultado
De quem acha que educação é um gasto
Povo criado pra viver no pasto
Êee
Ôoo
Vida de gado
Povo marcado

64
Povo feliz
Arme o povo e vai haver uma guerra
E dessa vez
Não vai morrer só quem vive na favela
Se a caverna é escura
Como a ditadura
Se a ignorância é a doença
Leitura é a cura

65
Força destrutiva

A imbecilidade caminha
Numa progressão geométrica
Futuro obscuro
Previsão profética
Caminho pavimentado
Para autodestruição
Estrada expressa
Para nossa extinção
Celebramos a burrice
E a nossa arrogância
Brindamos com sangue
A nossa ganância
Em nome do dinheiro
Destruímos o planeta
Força destrutiva
Mais poderosa que um cometa

66
Alegria outra vez onde está?

Ainda me lembro da minha infância


Tempo sem maldade, cheio de esperança
Meu avô no bandolim, meu pai no violão
Sentados no quintal fazendo um som
Acordava todo dia ouvindo meu pai tocar
A lembrança bate forte e da vontade de chorar
Professor de música
sempre na correria
tocava a noite e trabalhava todo dia
O tempo que se passa
Se esvazia na memória
Só resta a lembrança
Fragmentos da minha História
Num bairro periférico

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Guarulhos
Zona norte
Sobreviver
Era um ato de pura sorte
Viver sempre em estado de despedida
Pois a qualquer momento
Podia ser o fim da vida
Quantas mortes já passei?
Só as minhas que sei
Ainda lembro bem, minha primeira noite como
DJ. Estava na cabine, não fazia meia hora
que havia começado a tocar. De repente, vejo
no meio da multidão meu amigo Binha,
correndo, desesperado em minha direção:
- Newton, seu pai foi baleado.
Estava no busão e o busão foi assaltado.
Larguei tudo, saí correndo, desesperado.
Cheguei no hospital. O Ônibus todo furado.
Minha mãe chorando me diz:
- Seu pai levou um tiro, vai ser operado
A bala não foi retirada
Isso gerou um coágulo

68
Anos depois um AVC
Seu lado esquerdo paralisado
Hoje o som do violão está silenciado
Mas não esqueço
Ahhh, alegria onde é que está?
O samba não pode parar
Mesmo se o violão quebrar

69
Assim como esse livro é o complemento de músicas
que jamais serão ouvidas, este é mais um livro que
jamais será lido...

70

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