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Cultura Afrobrasileira na Escola: o Congado na sala de aula

Jeremias Brasileiro*

*
Historiador e pesquisador da Cultura Afro-Brasileira, mestrando em História, pela Universidade Federal de
Uberlândia, na qual é graduado em (Bacharelado e Licenciatura). Milita na área de História e Cultura,
trabalhando com temas ligados à Cultura Afro-Brasileira, especialmente o Congado. Possui vários livros
publicados, entre os quais; Congadas de Minas Gerais (Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura, 2001)
e Cultura Afro-Brasileira na Escola: o Congado em Sala de Aula (São Paulo: Editora Ícone, 2010). É
Comandante Geral da Festa do Congado de Uberlândia e Comandante do Reinado do Rosário de Rio Paranaíba,
na região do Alto Paranaiba, em Minas Gerais.
Contato: jeremiasbrasileiro@hotmail.com

Introdução

Cultura Afro-Brasileira na Escola: o Congado em sala de aula visa oferecer referenciais


teóricos e metodológicos para embasar o educador de forma didática sobre o Congo, as
Congadas e o Congado. O mesmo tem o intuito de contribuir para o cumprimento da Lei
11.645/2008, que torna obrigatório no ensino fundamental e médio, nas escolas brasileiras
públicas e particulares, o estudo da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena. A nova
legislação (que veio a alterar a Lei 9.394/96 e a 10639/2003) estabelece que o conteúdo
programático incluirá diversos aspectos da história e da cultura que formaram a população
brasileira, levando em consideração os Índios e Africanos. Além de teoria, é um trabalho
prático possível de ser realizado por meio do Congado, não só nas disciplinas de Artes,
Literatura e História, mas nos conteúdos de Geografia, Português, Matemática, Ensino
Religioso e na Educação Física. O propósito é oferecer aos educadores um exemplo dessas
possibilidades. Também elencaremos nesse breve estudo, cinco temáticas para orientar os
educadores sobre como discutir o Congado na sala de Aula, desconstruindo preconceitos,
principalmente.

Festa do Congado e Reinado do Rosário

Devido à historicidade complexa que é o Congado no Brasil e da diversidade existente


nas Minas Gerais, duas observações são necessárias. Geralmente, quando falamos de Festa do
Congado, ela envolve além de Nossa Senhora do Rosário e diversos outros santos, a presença
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dos denominados Reis Festeiros, que são nomeados ou escolhidos a cada ano, podendo ser ou
não vinculados às Irmandades do Rosário e em outros lugares, às Associações dos Grupos de
Congados.
Já no Reinado do Rosário, existe um cortejo real que se presentifica por meio do Rei
Perpétuo e Rainha Perpétua, do Rei Congo e Rainha Conga, de príncipes, juízas, súditos e
festeiros, e ainda uma variedade de santos, dependendo da localidade. Nesse sentido, é
pertinente falar de Congados de Minas Gerais e de suas diversidades culturais e religiosas.
Dos marujos, marinheiros, catupés e moçambiques; das guardas de congo, de vilões, de
penachos e caboclinhos; dos congos reais, congos espertos e congos serenos. Dos batalhões,
cateretês e bombachinhos. Dos reinados e festas do Congado em homenagem à Senhora do
Rosário, São Benedito, Santo Antonio, São Elesbão, Nossa Senhora Aparecida, Santa
Ifigênia, Santa Clara, São Domingos, Santa Helena, Nossa Senhora das Mercês e tantos
outros.

Discutindo Preconceitos

Por se tratar de uma manifestação cultural tradicional que foi constituída no Brasil por
negros escravizados, a partir de memórias de seus lugares de origens, e fundamentadas nos
seus modos de ver o mundo, sentir a vida e cultuar antepassados, os congadeiros enfrentaram
e continuam enfrentando preconceitos e não há melhor espaço para desmitificar certas
pejoratividades negativas, do que no ambiente escolar.
Termos como macumba, mandinga, feitiço, são constantemente associados aos grupos
de congados quando esses são em maioria absoluta, constituído de negros enraizados nas
religiosidades de matriz africana. Por isso, são identificados como macumbeiros, feiticeiros e
chamadores de forças negativas através do retumbar de seus tambores. Essas denominações
racistas e preconceituosas são bastante veiculadas por determinadas seitas evangélicas que se
especializaram nos últimos anos, a atacar sistematicamente as práticas culturais dos negros,
usando principalmente, programas televisivos.
Algumas das manifestações práticas de intolerância religiosa, aconteceram no Pontal
do Triângulo no inicio da década de 2000, quando membros de uma comunidade evangélica,
jogaram sal grosso nas imagens de santos que passavam em procissão pelas ruas da cidade de
Capinópolis. Na Cidade de Rio Paranaiba, vândalos intolerantes, queimaram os mastros de
São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário e ainda durante a realização de novenas, alguém
colocou “estrume de vaca” numa sacola bem fechada, como prenda ofertada para leilões.
3

Como se isso não fosse o bastante, conflitos permanentes entre a Igreja Católica e os
congadeiros já chegaram a situações absurdas em várias regiões de Minas Gerais. No Alto
Paranaiba, na cidade de Ibiá, um padre que tem coragem de falar que “vai acabar com a festa”
e tantas outras tentativas criteriosamente construídas ao longo de décadas no sentido de
desestruturar o Congado na cidade.
Em Serra do Salitre, determinado padre simplesmente fechou a porta da igreja no
momento em que os grupos de congados se aproximavam e se preparavam para entrar.
Contudo, esses acontecimentos permeiam os congados de Minas Gerais. Daí, a importância de
se trabalhar com essa temática do preconceito, compreendendo que ela está disseminada na
sociedade de uma forma geral e mais acintosamente quando se trata de comunidades negras.
Quando as pessoas dizem que os congadeiros fazem macumba, elas necessitam saber
que macumba é um instrumento musical percutido por um macumbeiro. Quando denominam
o Congado de feitiço, não sabem que “feiticeira”, era um nome de instrumento idêntico a uma
pequena cabaça que possuía nozes de palmeira em seu interior e adornada de contas de
lágrimas. Exemplificamos na foto a seguir, o que vem a ser uma macumba e um macumbeiro.

MACUMBA MACUMBEIRO

Instrumento musical composto por um bastão de madeira, com dentes em toda a sua extensão, possui também
um pedaço de arame preso às extremidades, este arame contém tampas de garrafas, assim, no momento de ser
utilizado, é apoiado na barriga, e em uma caixa de madeira, sendo usadas duas varinhas de madeira em atrito
com os dentes do bastão.1

1
FOTO: In: LOPES, Kely Cristina. Omolokô: um estudo do território negro em Uberlândia. Monografia,
Ciências Sociais, UFU, 2004, p. 15.
4

Quando os macumbeiros iniciavam seus toques de macumba, era o momento que


muitos escravizados aproveitavam para fugir. Nesse aspecto, capitães de mato podiam dizer
que na noite em que houve toque e dança de macumba, vários negros fugiram. Assim, o termo
macumba foi ganhando uma denotação pejorativa, associada à coisa ruim, de maldade, uma
vez que realmente, para os donos dos engenhos, sempre que se tocava macumba, eles perdiam
as suas peças de ganho.2
A expressão mandinga é outra que no uso popular representa maldade. Mandinga era
um dialeto falado por um grupo de negros que detinham o conhecimento do Alcorão, a bíblia
islâmica. Sendo islâmicos e leitores, eles sabiam escrever e ocorria que eles escreviam
mensagens e deixavam nos patuás (bolsinhas de couro ou cabaças) e colocavam pendentes ao
pescoço.
Essas informações não se encontram nos livros de histórias. São memórias de fontes
orais de pais, de tios, de avós, bisavós, dos antepassados. Segundo Abel Jerônimo da Silva, o
mandinga era uma língua, uma cantoria de um povo que sabia escrever mensagens e colocar
nos patuás, “que era a proteção deles, que só elas sabiam escrever, cantar e falar o mandinga”.
Eram também capitães de mato no tempo da escravidão, que os senhores escolhiam
porque achavam que era gente mais inteligente, por isso, quando escravo fugia, eram eles que
iam atrás e aí, numa luta, se o escravo matava um mandinga, pegava o patuá (bolsinha de
couro presa ao pescoço) como troféu de vitória. Quando então vinha um mandinga de verdade
e encontrava com esse escravo, o mandinga ia falar na língua dele e o escravo não sabia
responder. Daí que vem até os dias de hoje aquela frase né! “quem não pode com mandinga,
não carrega patuá”.3
Todo congadeiro faz ritual de fechamento de corpo. Quer seja por meio de oração, de
música, de dança, de bebidas. Fechar o corpo significa estar preparado para um bom tempo de
festa, ter paciência nos momentos de adversidades, saber controlar-se emocionalmente se uma
pessoa irritada com os tambores agride verbalmente os dançadores. Se alguém embriagado
tenta entrar no meio dos foliões, há que se ter calma para retirá-lo sem necessidade de
agressão, fechar o corpo é estar em paz consigo mesmo.
Muitos aspectos do Congado ainda hoje vistos a partir de curiosidades, anedotas, mitos
e oralidades diversas, podem sim, ter os seus componentes de historicidades resultantes do
período escravista no Brasil. É preciso compreender que alguns dos povos africanos que nas

2
BRASILEIRO, Jeremias. Cultura Afro-Brasileira na Escola: o Congado em Sala de Aula. São Paulo: Ícone
Editora, 2010, p. 78.
3
Entrevista por meio de depoimento colhido em julho de 2004, na cidade de Rio Paranaíba- Alto Paranaiba –
MG. Abel Jerônimo da Silva, Comandante Espiritual do Reinado do Rosário de Rio Paranaiba – MG.
5

Américas chegaram, cultuavam deuses que se manifestavam, sobretudo, por meio da natureza,
prática essa totalmente estranha aos cristãos escravocratas. A idéia de praticar sua religião e
costumes culturais misturadas ao catolicismo, mais do que sincretismo, era uma forma de
fazer com que suas crenças e memórias permanecessem vivas.
Desse modo, a presença de curandeiros foi primordial. Eles conheciam as plantas
medicinais e alguns fenômenos da natureza, por isso, esses homens e mulheres eram temidos,
pois, se acreditava que eles comunicavam com o além. No Brasil colônia, entre os artifícios
usados para vingar a violência, figurava o uso das plantas para causar doenças e mesmo a
morte e daí, surge o estigma dos negros escravizados e também de congadeiros feiticeiros,
praticantes de magia negra.4 Era apenas uma prática religiosa diferente que em determinados
momentos, foi incorporada à luta contra a opressão da casa grande, dos senhores de engenhos,
dos escravocratas de maneira geral. Assim, esse temor foi utilizado como estratégia de luta e
combate à violência dos senhores de escravizados.
Dessa forma, capitães e lideres de congados, principalmente os mais idosos,
associados a “pretos velhos”, assustavam as pessoas que atravessavam no meio ou em frente
aos grupos em ritos processionais, o que era e é uma falta de respeito e a maneira que os
congadeiros encontravam, era de dizer que essas pessoas ficariam amarradas, com o corpo
pesado por ofender as bandeiras sagradas que iam á frente dos grupos de congados. No ritual
do congo, o préstito do reinado pelas ruas não deve ser atravessado, interrompido por
ninguém.

Memórias Que vem de Africanidades


Dialogar na sala de aula por meio da cultura afro-brasileira pode ser um exercício
prazeroso desde que o educador esteja motivado para enfrentar o desafio. Do ensino infantil
aos cursos superiores é possível desenvolver a temática do Congado. Em se tratando do
ensino infantil, um dos principais expoentes é Mameto – o menino príncipe, filho do Rei de
Congo.
É uma narração literária sobre a festa de Congo no Rio de Janeiro do século XVIII,
por volta do ano de 1749, com relatos de seu acontecimento até o ano de 1811. Luiz
Edmundo5 descreve a realização de um préstito de Congado por meio de um relato oral

4
Festa Cultural: o reinado em Aguanil, Campo Belo e Cristais. Uma publicação para a 2ª Jornada Mineira do
Patrimônio Cultural. Prefeituras dos municípios de Aguanil, Campo Belo e Cristais. Campo Belo: Crafisa, 2010,
p. 09.
5
EDMUNDO, Luis. O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis. Editora Conquista , 1956, p. 255.
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coreográfico que apresenta uma encenação teatral a respeito de um garoto que é assassinado e
depois retorna à vida. O seu nome era “Mameto”, o menino príncipe, filho do Rei do Congo.
Essa coreografia foi traduzida em imagem por um grupo de Uberlândia: o
Moçambique Estrela Guia. A imagem transformou-se em estandarte e referencial do
Moçambique em todos os lugares em que se apresenta. As crianças apresentaram uma
encenação teatral de “Mameto” e hoje, esse símbolo é a logomarca oficial do Moçambique
Estrela Guia, conforme fotografia abaixo.

Moçambique Estrela Guia na Praça do Rosário de Uberlândia em outubro de 2008 e a percepção de alegria que
se vê irradiar de seus componentes, tendo à frente a matriarca do grupo e ao fundo a figura de “Mameto” no
estandarte. Acervo do autor Jeremias Brasileiro. É possível a partir desse contexto, usar o filme “Reizinho de
Congo” um livro de Edimilson de Almeida Pereira, de Minas Gerais, que se transformou em desenho animado e
está disponível no projeto – A COR DA CULTURA -, por meio do Site: WWW.acordacultura.org.br. Outro
desenho animado é o “Mito fundante do Congado”, do filme Reis de Contas, produzido em 2004 por Waltuir
Alves. O desenho narra como os diversos grupos de Congados tentaram retirar Nossa Senhora do mar. É um
desenho animado com narração de Jeremias Brasileiro e está disponível no Site:
http://portaldoprofessor.mec.gov.br.
7

O Congado em Sala de Aula


Apresentamos de maneira sintética, várias possibilidades interdisciplinares possíveis
de ser trabalhadas em sala de aula.6
Língua Portuguesa: apresentação de pequenos textos sobre os Congados, para
serem lidos e discutidos com os alunos; exibição de vídeos para melhor contextualização do
tema; propor atividades de pesquisas para melhor entendimento sobre os “Congados”;
exercícios de fixação, oral e escrito, por meio de textos a serem trabalhados em sala de aula.
Geografia: apresentar para os alunos, materiais sobre os grupos de Congados, como
textos, fotos, gravuras, convites; questionar os alunos acerca dos grupos existentes na sua
cidade ou região; elaborar um trabalho especifico a respeito do Congado, focando a realidade
em seu município; de acordo com a série e nível de conhecimento dos alunos, levar para a
sala de aula mapa da cidade para que o aluno localize com mais facilidade onde estão
concentrados os grupos de Congados; pesquisar em sala de aula o número de alunos que
participa do Congado; levantar o número de alunos que fazem parte do Congado, entre
meninas/meninos. Expor esses números em gráficos.
História: pesquisar com os familiares ou pessoas que conhecem ou participam de
grupos de Congados sobre: a origem do Congado; como surgiu na sua cidade; a influência
dessa prática cultural no município e região; a importância dessa manifestação e o porquê
dessa tradição das danças, das cores, dos instrumentos e dos ritmos diversos; quem são os
congadeiros mais antigos de sua cidade e que memórias eles guardam dos tempos passados?
Matemática: nos grupos de Congado tudo gira em torno de números, de crianças,
de grupos, de instrumentos, de novenas, de idosos, adultos, de leilões, de capitães e vários
outros fatores. Temos aqui algumas propostas de situações problema, baseada em
praticidades: qual é o nome do grupo que você conhece; quantos instrumentos eles usam,

6
O conteúdo completo, com fundamentação teórico metodológica e prática, está no livro: Cultura Afro-
Brasileira na Escola: o Congado em Sala de Aula, Ícone Editora, São Paulo, 2010.
8

quantas sandálias as meninas e as mulheres, compram, qual o valor final do metro de tecido
utilizado, qual o valor unitário de cada instrumento e o valor final.
Ensino Religioso: o combate à intolerância religiosa; o respeito a todos os credos,
valorizar a cultura, independente de religião, respeitando assim o conhecimento que os alunos
trazem de seu cotidiano; usar textos para reflexão, exibir vídeos, propor pesquisa de campo
como forma de desconstruir preconceitos.
Artes: desenhos livres; recortes e colagens, painéis expositivos, exploração das cores.
Educação Física: a) A Trança de Fita no Mastro é uma possibilidade de se
trabalhar com a coordenação motora dos alunos. Nos movimentos circulares de até 360 graus,
há uma necessidade de dançar num movimento de pés que ora recuam, ora avançam.
Ninguém consegue executar a trança de fita sem ensaiar e há grupos tão metódicos que
conseguem construir uma teia qual formato de aranha, devido a uma continua preparação.
O professor de Educação Física precisa interagir-se com o professor de Artes, que
contribuirá na seleção das fitas multicoloridas, trabalhando a natureza simbólica dessas cores
não só no contexto do Congado, mas a partir de suas vidas e de suas famílias.
O material necessário para o desenvolvimento dessa atividade é simples: um cano de
PVC, fitas coloridas, principalmente se possível de tecidos ou similares, com várias
tonalidades de cor; um grupo de alunos com pelo menos 11 componentes.7
b) Bastão de Angola: os bastões utilizados nos grupos de Congados possuem vários
significados, simbologias, histórias e memórias. Não é um simples objeto para compor a
indumentária de quem é seu portador. Um mito narrado por Valter Manoel da Cruz,
Coordenador da Festa do Reinado do Rosário de Ibiá, Capitão de Moçambique e de Folias de
Reis, ajuda a perceber o quanto de historicidades é possível encontrar por meio de um objeto
ritualístico que se torna em relíquia nas mãos de um congadeiro. Essa memória é
compartilhada oralmente por muitos congadeiros que se encontram nessa tradição há décadas,
principalmente na região do Alto Paranaiba.
Segundo o mito, os escravos não entravam nas igrejas, por isso eles faziam suas preces
geralmente em locais ermos, sob árvores, rochas, em qualquer local que fosse possível. Por
meio de danças, entoavam os seus cantos em linguagens difíceis de ser compreendidas, pois
poderia haver uma mistura de dialetos devido às diversas nações existentes que para o Brasil
não só por possuírem músculos fortes, mas por dominarem várias técnicas de produção.

7
BRASILEIRO, Jeremias. Cultura Afro-Brasileira na Escola: o Congado em Sala de Aula. São Paulo: Ícone
Editora, 2010, p. 71-74.
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Assim, começaram a rezar e dançar em volta de um tronco seco, queimado, no qual


existia uma parasita e essa parasita um dia deu flor. O tronco então florido foi celebrado como
um milagre e por essa razão batizaram-no de “Toco de Angola”. Quem já praticava o congo,
levou um pedaçinho da casca do tronco, consigo como memória do acontecido. A partir de
então, começaram a aparecer diversos tipos de bastões com ramos e flores no ápice, durante
as festas de congados. Vários outros tipos, com inscrições que rememoravam antepassados,
deuses, pretos velhos, serpentes e todo tipo que a criatividade permitia forjar, surgiram em
outras regiões. O capitão Valter, cauteloso, simplesmente diz: “conto aquilo que me passaram,
se é verdadeiro ou não, foi mais ou menos assim que me passaram”.
Interessante notar que nessas práticas que são culturalmente similares nos Congados
de Minas Gerais, há capitães do Congado que usam a madeira chamada de maria-preta, cansa-
crioulo, pau-crioulo para produzirem seus bastões, que podem ser adornados com ramos,
flores, cabeça de preto-velho e outras simbologias.
c) Construindo um Bastão de Angola: para fazer um bastão de Angola em sala de aula,
é preciso partir um cabo de vassoura em dois, usar papel de ceda de várias cores e colar em
toda a extensão. Depois, produzir flores para colar no ápice do bastão, como é possível
visualizar na imagem a seguir.
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Capitão Valter Manoel da Cruz. Arq, JB/2008. Foto: Anderson Ferreira.

Considerações
Congado é modo de vida, de produções de valores, de vivências e de significados, de
conexões que envolvem economia, educação, sentidos, sentimentos, religiosidades, no qual, o
campo da política, não deve ser desconsiderado. O Congado é um movimento de sentido
cultural que se amplia para o fazer social. Por esse motivo é preciso pensar o Congado
enquanto diversidade das práticas culturais, permitindo entender essas tradições como
permanências temporais e não como prática cultural estática. Mesmo as rochas sofrem
modificações por questões climáticas como gotejamento d’água, poeira e ventanias e por
razões biológicas como a proliferação de fungos e o surgimento de arbustos entre as fendas.
Desse modo, é necessário perceber o Congado como um meio de reprodução de
práticas, porém dissociado de uma mera cópia do passado, ele é reprodução em um continuo
movimento que dá sentido à permanência cultural. Esse reproduzir revitalizador cotidiano, ao
permear as práticas culturais do Congado, insere-o num contexto social mais amplo,
disseminando-se e contribuindo para sua presença não somente em dias de festa e sim na
conjuntura social.

Depoimentos

Valter Manoel da Cruz, Coordenador da Festa do Reinado do Rosário de Ibiá. Capitão de


Moçambique e de Folias de Reis. Entrevista realizada em Ibiá - MG, no dia 16/06/2010.
Abel Jerônimo da Silva, Comandante Espiritual do Reinado do Rosário de Rio Paranaiba –
MG. Depoimento colhido em julho de 2004, na cidade de Rio Paranaiba – MG.

Referências Bibliográficas

BRASILEIRO, Jeremias. Cultura Afro-Brasileira na Escola: o Congado em Sala de Aula.


EDMUNDO, Luis. O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis. Editora Conquista, 1956.
LOPES, Kely Cristina. Omolokô: um estudo do território negro em Uberlândia. Monografia,
Ciências Sociais, UFU, 2004.
Festa Cultural: o reinado em Aguanil, Campo Belo e Cristais. Uma publicação para a 2ª
Jornada Mineira do Patrimônio Cultural. Prefeituras dos municípios de Aguanil, Campo Belo
e Cristais. Campo Belo: Crafisa, 2010, p. 09.

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