Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Jeremias Brasileiro*
*
Historiador e pesquisador da Cultura Afro-Brasileira, mestrando em História, pela Universidade Federal de
Uberlândia, na qual é graduado em (Bacharelado e Licenciatura). Milita na área de História e Cultura,
trabalhando com temas ligados à Cultura Afro-Brasileira, especialmente o Congado. Possui vários livros
publicados, entre os quais; Congadas de Minas Gerais (Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura, 2001)
e Cultura Afro-Brasileira na Escola: o Congado em Sala de Aula (São Paulo: Editora Ícone, 2010). É
Comandante Geral da Festa do Congado de Uberlândia e Comandante do Reinado do Rosário de Rio Paranaíba,
na região do Alto Paranaiba, em Minas Gerais.
Contato: jeremiasbrasileiro@hotmail.com
Introdução
dos denominados Reis Festeiros, que são nomeados ou escolhidos a cada ano, podendo ser ou
não vinculados às Irmandades do Rosário e em outros lugares, às Associações dos Grupos de
Congados.
Já no Reinado do Rosário, existe um cortejo real que se presentifica por meio do Rei
Perpétuo e Rainha Perpétua, do Rei Congo e Rainha Conga, de príncipes, juízas, súditos e
festeiros, e ainda uma variedade de santos, dependendo da localidade. Nesse sentido, é
pertinente falar de Congados de Minas Gerais e de suas diversidades culturais e religiosas.
Dos marujos, marinheiros, catupés e moçambiques; das guardas de congo, de vilões, de
penachos e caboclinhos; dos congos reais, congos espertos e congos serenos. Dos batalhões,
cateretês e bombachinhos. Dos reinados e festas do Congado em homenagem à Senhora do
Rosário, São Benedito, Santo Antonio, São Elesbão, Nossa Senhora Aparecida, Santa
Ifigênia, Santa Clara, São Domingos, Santa Helena, Nossa Senhora das Mercês e tantos
outros.
Discutindo Preconceitos
Por se tratar de uma manifestação cultural tradicional que foi constituída no Brasil por
negros escravizados, a partir de memórias de seus lugares de origens, e fundamentadas nos
seus modos de ver o mundo, sentir a vida e cultuar antepassados, os congadeiros enfrentaram
e continuam enfrentando preconceitos e não há melhor espaço para desmitificar certas
pejoratividades negativas, do que no ambiente escolar.
Termos como macumba, mandinga, feitiço, são constantemente associados aos grupos
de congados quando esses são em maioria absoluta, constituído de negros enraizados nas
religiosidades de matriz africana. Por isso, são identificados como macumbeiros, feiticeiros e
chamadores de forças negativas através do retumbar de seus tambores. Essas denominações
racistas e preconceituosas são bastante veiculadas por determinadas seitas evangélicas que se
especializaram nos últimos anos, a atacar sistematicamente as práticas culturais dos negros,
usando principalmente, programas televisivos.
Algumas das manifestações práticas de intolerância religiosa, aconteceram no Pontal
do Triângulo no inicio da década de 2000, quando membros de uma comunidade evangélica,
jogaram sal grosso nas imagens de santos que passavam em procissão pelas ruas da cidade de
Capinópolis. Na Cidade de Rio Paranaiba, vândalos intolerantes, queimaram os mastros de
São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário e ainda durante a realização de novenas, alguém
colocou “estrume de vaca” numa sacola bem fechada, como prenda ofertada para leilões.
3
Como se isso não fosse o bastante, conflitos permanentes entre a Igreja Católica e os
congadeiros já chegaram a situações absurdas em várias regiões de Minas Gerais. No Alto
Paranaiba, na cidade de Ibiá, um padre que tem coragem de falar que “vai acabar com a festa”
e tantas outras tentativas criteriosamente construídas ao longo de décadas no sentido de
desestruturar o Congado na cidade.
Em Serra do Salitre, determinado padre simplesmente fechou a porta da igreja no
momento em que os grupos de congados se aproximavam e se preparavam para entrar.
Contudo, esses acontecimentos permeiam os congados de Minas Gerais. Daí, a importância de
se trabalhar com essa temática do preconceito, compreendendo que ela está disseminada na
sociedade de uma forma geral e mais acintosamente quando se trata de comunidades negras.
Quando as pessoas dizem que os congadeiros fazem macumba, elas necessitam saber
que macumba é um instrumento musical percutido por um macumbeiro. Quando denominam
o Congado de feitiço, não sabem que “feiticeira”, era um nome de instrumento idêntico a uma
pequena cabaça que possuía nozes de palmeira em seu interior e adornada de contas de
lágrimas. Exemplificamos na foto a seguir, o que vem a ser uma macumba e um macumbeiro.
MACUMBA MACUMBEIRO
Instrumento musical composto por um bastão de madeira, com dentes em toda a sua extensão, possui também
um pedaço de arame preso às extremidades, este arame contém tampas de garrafas, assim, no momento de ser
utilizado, é apoiado na barriga, e em uma caixa de madeira, sendo usadas duas varinhas de madeira em atrito
com os dentes do bastão.1
1
FOTO: In: LOPES, Kely Cristina. Omolokô: um estudo do território negro em Uberlândia. Monografia,
Ciências Sociais, UFU, 2004, p. 15.
4
2
BRASILEIRO, Jeremias. Cultura Afro-Brasileira na Escola: o Congado em Sala de Aula. São Paulo: Ícone
Editora, 2010, p. 78.
3
Entrevista por meio de depoimento colhido em julho de 2004, na cidade de Rio Paranaíba- Alto Paranaiba –
MG. Abel Jerônimo da Silva, Comandante Espiritual do Reinado do Rosário de Rio Paranaiba – MG.
5
Américas chegaram, cultuavam deuses que se manifestavam, sobretudo, por meio da natureza,
prática essa totalmente estranha aos cristãos escravocratas. A idéia de praticar sua religião e
costumes culturais misturadas ao catolicismo, mais do que sincretismo, era uma forma de
fazer com que suas crenças e memórias permanecessem vivas.
Desse modo, a presença de curandeiros foi primordial. Eles conheciam as plantas
medicinais e alguns fenômenos da natureza, por isso, esses homens e mulheres eram temidos,
pois, se acreditava que eles comunicavam com o além. No Brasil colônia, entre os artifícios
usados para vingar a violência, figurava o uso das plantas para causar doenças e mesmo a
morte e daí, surge o estigma dos negros escravizados e também de congadeiros feiticeiros,
praticantes de magia negra.4 Era apenas uma prática religiosa diferente que em determinados
momentos, foi incorporada à luta contra a opressão da casa grande, dos senhores de engenhos,
dos escravocratas de maneira geral. Assim, esse temor foi utilizado como estratégia de luta e
combate à violência dos senhores de escravizados.
Dessa forma, capitães e lideres de congados, principalmente os mais idosos,
associados a “pretos velhos”, assustavam as pessoas que atravessavam no meio ou em frente
aos grupos em ritos processionais, o que era e é uma falta de respeito e a maneira que os
congadeiros encontravam, era de dizer que essas pessoas ficariam amarradas, com o corpo
pesado por ofender as bandeiras sagradas que iam á frente dos grupos de congados. No ritual
do congo, o préstito do reinado pelas ruas não deve ser atravessado, interrompido por
ninguém.
4
Festa Cultural: o reinado em Aguanil, Campo Belo e Cristais. Uma publicação para a 2ª Jornada Mineira do
Patrimônio Cultural. Prefeituras dos municípios de Aguanil, Campo Belo e Cristais. Campo Belo: Crafisa, 2010,
p. 09.
5
EDMUNDO, Luis. O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis. Editora Conquista , 1956, p. 255.
6
coreográfico que apresenta uma encenação teatral a respeito de um garoto que é assassinado e
depois retorna à vida. O seu nome era “Mameto”, o menino príncipe, filho do Rei do Congo.
Essa coreografia foi traduzida em imagem por um grupo de Uberlândia: o
Moçambique Estrela Guia. A imagem transformou-se em estandarte e referencial do
Moçambique em todos os lugares em que se apresenta. As crianças apresentaram uma
encenação teatral de “Mameto” e hoje, esse símbolo é a logomarca oficial do Moçambique
Estrela Guia, conforme fotografia abaixo.
Moçambique Estrela Guia na Praça do Rosário de Uberlândia em outubro de 2008 e a percepção de alegria que
se vê irradiar de seus componentes, tendo à frente a matriarca do grupo e ao fundo a figura de “Mameto” no
estandarte. Acervo do autor Jeremias Brasileiro. É possível a partir desse contexto, usar o filme “Reizinho de
Congo” um livro de Edimilson de Almeida Pereira, de Minas Gerais, que se transformou em desenho animado e
está disponível no projeto – A COR DA CULTURA -, por meio do Site: WWW.acordacultura.org.br. Outro
desenho animado é o “Mito fundante do Congado”, do filme Reis de Contas, produzido em 2004 por Waltuir
Alves. O desenho narra como os diversos grupos de Congados tentaram retirar Nossa Senhora do mar. É um
desenho animado com narração de Jeremias Brasileiro e está disponível no Site:
http://portaldoprofessor.mec.gov.br.
7
6
O conteúdo completo, com fundamentação teórico metodológica e prática, está no livro: Cultura Afro-
Brasileira na Escola: o Congado em Sala de Aula, Ícone Editora, São Paulo, 2010.
8
quantas sandálias as meninas e as mulheres, compram, qual o valor final do metro de tecido
utilizado, qual o valor unitário de cada instrumento e o valor final.
Ensino Religioso: o combate à intolerância religiosa; o respeito a todos os credos,
valorizar a cultura, independente de religião, respeitando assim o conhecimento que os alunos
trazem de seu cotidiano; usar textos para reflexão, exibir vídeos, propor pesquisa de campo
como forma de desconstruir preconceitos.
Artes: desenhos livres; recortes e colagens, painéis expositivos, exploração das cores.
Educação Física: a) A Trança de Fita no Mastro é uma possibilidade de se
trabalhar com a coordenação motora dos alunos. Nos movimentos circulares de até 360 graus,
há uma necessidade de dançar num movimento de pés que ora recuam, ora avançam.
Ninguém consegue executar a trança de fita sem ensaiar e há grupos tão metódicos que
conseguem construir uma teia qual formato de aranha, devido a uma continua preparação.
O professor de Educação Física precisa interagir-se com o professor de Artes, que
contribuirá na seleção das fitas multicoloridas, trabalhando a natureza simbólica dessas cores
não só no contexto do Congado, mas a partir de suas vidas e de suas famílias.
O material necessário para o desenvolvimento dessa atividade é simples: um cano de
PVC, fitas coloridas, principalmente se possível de tecidos ou similares, com várias
tonalidades de cor; um grupo de alunos com pelo menos 11 componentes.7
b) Bastão de Angola: os bastões utilizados nos grupos de Congados possuem vários
significados, simbologias, histórias e memórias. Não é um simples objeto para compor a
indumentária de quem é seu portador. Um mito narrado por Valter Manoel da Cruz,
Coordenador da Festa do Reinado do Rosário de Ibiá, Capitão de Moçambique e de Folias de
Reis, ajuda a perceber o quanto de historicidades é possível encontrar por meio de um objeto
ritualístico que se torna em relíquia nas mãos de um congadeiro. Essa memória é
compartilhada oralmente por muitos congadeiros que se encontram nessa tradição há décadas,
principalmente na região do Alto Paranaiba.
Segundo o mito, os escravos não entravam nas igrejas, por isso eles faziam suas preces
geralmente em locais ermos, sob árvores, rochas, em qualquer local que fosse possível. Por
meio de danças, entoavam os seus cantos em linguagens difíceis de ser compreendidas, pois
poderia haver uma mistura de dialetos devido às diversas nações existentes que para o Brasil
não só por possuírem músculos fortes, mas por dominarem várias técnicas de produção.
7
BRASILEIRO, Jeremias. Cultura Afro-Brasileira na Escola: o Congado em Sala de Aula. São Paulo: Ícone
Editora, 2010, p. 71-74.
9
Considerações
Congado é modo de vida, de produções de valores, de vivências e de significados, de
conexões que envolvem economia, educação, sentidos, sentimentos, religiosidades, no qual, o
campo da política, não deve ser desconsiderado. O Congado é um movimento de sentido
cultural que se amplia para o fazer social. Por esse motivo é preciso pensar o Congado
enquanto diversidade das práticas culturais, permitindo entender essas tradições como
permanências temporais e não como prática cultural estática. Mesmo as rochas sofrem
modificações por questões climáticas como gotejamento d’água, poeira e ventanias e por
razões biológicas como a proliferação de fungos e o surgimento de arbustos entre as fendas.
Desse modo, é necessário perceber o Congado como um meio de reprodução de
práticas, porém dissociado de uma mera cópia do passado, ele é reprodução em um continuo
movimento que dá sentido à permanência cultural. Esse reproduzir revitalizador cotidiano, ao
permear as práticas culturais do Congado, insere-o num contexto social mais amplo,
disseminando-se e contribuindo para sua presença não somente em dias de festa e sim na
conjuntura social.
Depoimentos
Referências Bibliográficas