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OBJETO:
reestruturação e turnê do reisado mirim de Lagoa de Melquíades por quilombos da Bahia.
APRESENTAÇÃO
Com 183 anos de história, o Município aglutina elementos de uma tradição cultural muito
forte, concentrando e polarizando uma região com população de 2 milhões de pessoas.
Diante disso, o Município é referência também nos campos da arte e cultura com destaque
para figuras expoentes, como a do escritor Camilo de Jesus Lima, o músico Elomar Figueira
Mello, o pianista Ricardo Castro e o cineasta Glauber Rocha. Para além desses nomes de
expressão nacional, Vitória da Conquista é um dos mais importantes centros produtores de
cultura do interior da Bahia, com representantes em quase todos os campos do fazer
artístico, com relativa ênfase nas manifestações populares e folclóricas.
Em Vitória da Conquista foi a cultura popular dos reisados, das chulas, dos cantos de
farinhada, das ladainhas e da cavalhada que deu o substrato para os fazeres artísticos que
ganharam notoriedade na arte do cineasta Glauber Rocha, dos músicos Elomar, Xangai, ou o
maestro João Omar de Carvalho. Mas, no meio desse percurso, quilos de sal e de matéria
bruta da palavra, dos sons e das cores foram gastos e lapidados em várias manifestações
culturais, que, infelizmente, deixaram seus sabores apenas no espaço regional. Só a partir de
1997, o Município instituiu políticas de valorização, resgate e fortalecimento dos costumes
locais, permitindo que algumas manifestações permanecessem e se reproduzissem.
Ainda não há uma história produzida acerca dos quilombos em Vitória da Conquista, embora
sua memória esteja viva nas pessoas mais velhas. Dona Venozina Morais de Brito, nascida
em 11 de janeiro de 1923, filha de Salustriano e Salustriana Morais de Brito, é neta de
Amâncio (um dos fundadores da comunidade) e Bernada. Num depoimento colhido em
2005, ela conta que o lugar era uma grande mata no tempo da escravidão, chamava-se
Lamarão e pertencia a uma certa dona Joana. Por conta de alguns bois que se soltaram, a
dona do lugar enviou dois jovens escravos, Amâncio e Melquíades, para buscar uns bois que
haviam se desgarrado. Na busca, eles descobriram a lagoa. Como encontraram os bois e
levaram de volta para a senhora, por este feito, ganharam dela aquelas terras próximas à
lagoa, para que cultivassem. Assim nasceu a Lagoa de Melquíades e Amâncio, na região do
Lamarão.
Dona Venozina lembra dos engenhos de cana e das casas de farinha à base da roda de mão
na época da sua infância, os utensílios de barro, as gamelas de umburana, as roupas rústicas,
“grosseiras, remendadas”. Plantava-se milho, maniva, feijão e cana. Para a iluminação das
casas eram utilizados candeeiros de barro, acesos pela puxada de cera do mel de abelha ou,
mais comumente, pelo azeite da mamona. “Plantava a mamona, depois tirava e botava para
secar; depois limpava botava para torrar e pisava no pilão, depois botava na panela para
cozinhar até a gordura subir...”. Os candeeiros iluminavam as festas onde os tocadores
usavam a sanfona, a viola, o “rialecho’’ (realejo), matavam-se bodes, leitões. Nas folias de
Santo Reis os homens usavam toalhas de renda branca no pescoço e chapéus enfeitados
com guirlandas coloridas em que predominavam o verde e o vermelho. A comunidade
comemorava também, desde o princípio, outras festas religiosas como o dia de Santo
Antônio, São João e, no dia seis de agosto, o dia de Bom Jesus”.
Prisilina Vieira da Silva, nascida na Lagoa em 1933, conta que quem comandava o reisado
era Gabriel, neto de Amâncio. Foi ele quem introduziu os instrumentos até hoje compõem o
reisado em Lagoa de Melquíades, a gaita, a caixa, o zabumba e o pandeiro de couro. Com
estes instrumentos, desde o princípio, faziam-se as festas religiosas no lugar. Como recordou
dona Dalvina Maria dos Santos em 2005, então com 84 anos, “as rezas eram as festas”.
Tocar, rezar, dançar, divertir-se. Foi desse costume introduzido pelo neto de Amâncio que
dona Iraci Oliveira Silva, uma catequista do lugar, resolveu criar em 2008 o reisado mirim de
Lagoa de Melquíades.
Formado por 11 crianças e quatro adultos (dois gaiteiros e dois pandeiros), o reisado mirim
de Lagoa de Melquíades tem se apresentado em festas da própria localidade e outras mais
próximas, no território de Veredinha. Sua organizadora, dona Iraci, afirma que, quando
reuniu as crianças pela primeira vez, teve a intenção de cuidar delas dando-lhes algo útil
para fazer, algo que fosse importante e representasse a alma e a tradição do lugar.
Desta iniciativa, nasce a ideia desta proposta, aqui apresentada, que é a de oferecer
capacitações e vivências aos componentes do reisado mirim de Lagoa de Melquíades, uma
turnê de apresentações dele por quilombos no estado da Bahia e produzir um documentário
sobre esta história e esta trajetória.
JUSTIFICATIVA
A Bahia possui um rico patrimônio cultural, singular pelas influências de vários povos. Esses
bens culturais de natureza imaterial permanecem vivos pela força e a resistência dos grupos
sociais que lutam para preservar a sua identidade cultural, através da prática de costumes e
cultos de suas crenças e valores. Essa resistência sobreviveu à evolução industrial e resiste à
globalização e ao poder massificante e alienante da indústria cultural da “grande mídia
dominante”.
Quando dona Iraci criou o reisado, sua maior preocupação era ocupar os jovens da sua
comunidade com algo que fosse construtivo e os mantivesse longe das tentações da
modernidade, ou seja, a cultura de massa que traz, no mesmo bojo, arte de qualidade
duvidosa, drogas e costumes alheios aos interesses e aos costumes quilombolas.
Uma vez proposto pela associação local, a comunidade demonstra autonomia e assume
legitimamente a sua emancipação, declarando a sua identidade e buscando de forma
consciente os seus direitos fundamentados na memória comum de aspectos que constituem
a sua identidade. Nesse contexto, este espaço de organização assume um papel
fundamental na articulação de políticas reparatórias, incluindo a cultural.
Dessa forma, este projeto torna-se uma iniciativa importante para preservação e difusão da
cultura quilombola conservada e recriada com árdua resistência. Há de considerar também
que as manifestações culturais tradicionais subsistem a uma forte desagregação dos agentes
que cultivam tais práticas, devido aos processos de aculturação causados pela influência de
meios de comunicação de massa. Muitos dos que se dedicavam a cantos e festejos
tradicionais foram induzidos a adotar outras práticas festivas, de cunho comercial e sem as
mesmas finalidades sociais que os de antes, ou por alguns outros motivos similares que
afetam o plano econômico do indivíduo e reflete em sua vida.
Sendo assim, esta proposta visa realizar oficinas de cultura e memória, percepção musical,
percussão corporal com os componentes do reisado mirim de Lagoa de Melquíades. Visa
também à aquisição de vestimentas tradicionais do reisado e novos instrumentos – esses,
fabricados pelos próprios quilombolas. Por fim, o reisado realizará viagem para seis
quilombos em municípios da Bahia, onde se apresentarão e trocarão vivências. Todo este
trabalho será registrado em um documentário.
Resumidamente, este projeto se justifica por estar atento aos fatores expostos ao longo
deste tópico, fundamenta-se na pesquisa e no registro do universo do reisado em Lagoa de
Melquíades, tendo em vista a promoção da cultura quilombola, evidenciando os aspectos
culturais tradicionais transmitidos pelos antepassados. Busca a auto-afirmação de
identidade, o compartilhamento de conhecimentos com outras comunidades com as quais
há identidade na formação. E busca a qualificação e o aperfeiçoamento, através de oficinas,
acerca do conhecimento sobre si própria. Finalmente, o mais importante do ponto de vista
prático, este projeto visa atender a crianças quilombolas que já têm conhecimento de
fazeres e saberes ancestrais, que estão interessadas na reprodução da sua cultura, na sua
valorização e no respeito pelo próprio passado.
METAS
1. AQUISIÇÃO DE MATERIAIS
2. REALIZAÇÃO DE OFICINAS
3. TURNÊ DE APRESENTAÇÕES
4. DOCUMENTÁRIO EM DVD
2 I REALIZAÇÃO DE CURSOS
OFICINAS
3 I TURNÊ DE VIAGENS
APRESENTAÇÕES
4 I DOCUMENTÁRIO EM FILME
DVD
ORÇAMENTO
Território de Inhobim: Furadinho (130 famílias), Velame (21 famílias), Baixa Seca (60 famílias), Lagoa
de Melquíades (340 famílias), Cachoeira do Rio Pardo (40 famílias), Corta Lote (88 famílias).
Lagoa de Melquíades está situada no Distrito de Inhobim, que dista aproximadamente 67 km ao sul
de Vitória da Conquista (acesso possível via BR-116), de latitude 14º52’00’’S e longitude 41º06’53”W.
Possui clima predominantemente semi-árido, com 100% de sua área inserida no polígono das secas.
Sua temperatura média anual é de 19,6ºC, com máxima em torno de 23,5ºC e mínima de 15,1ºC. O
período chuvoso ocorre entre os meses de novembro e janeiro, sendo a pluviosidade média anual de
717 mm, com máxima de 1.246 mm e mínima de 301 mm.
Possui 5.043 habitantes, divididos entre as seguintes fazendas e povoados: Fazenda Corredor do Rio
Pardo – 65 km (Quilombo Cachoeira do Rio Pardo); Fazenda Esmeralda – 52 km; Fazenda Lia – 61 km;
Fazenda Queimada – 68 km; Fazenda Roça Nova – 62 km; Fazenda Salinas – 65 km; Fazenda Sossego
– 50 km; Fazenda Abelhas – 55 km; Povoado Baixa da Porteira – 52 km; Quilombo Lagoa de
Melquíades – 53 km; Povoado de Matinha – 55 km; Vila Inhobim – 60 km; Povoado de Santa Maria –
55 km; Quilombo Baixa Seca – 55 km; Quilombo Velame – 45 km.
Há energia elétrica instalada em todas as casas através do Programa Luz no Campo. Já o saneamento
básico é um grande problema para a população, tendo em vista apenas água encanada através de
um poço tubular, instalado pela CERB, no povoado de Lagoa de Melquíades e outro no Povoado de
Baixa Seca. Não existe esgotamento sanitário e coleta de lixo. Existe antena para telefone público
com quatro orelhões. Existe uma casa de farinha mecanizada no povoado de Lagoa de Melquíades,
para cuja gestão foi feito um acordo entre representantes de Baixa Seca e Lagoa de Melquíades.
Os equipamentos sociais identificados na comunidade foram igrejas evangélicas, igrejas católicas,
vendas e mercados, bares, posto de saúde e escolas. Não existem equipamentos esportivos, praças
e/ou locais de lazer, salão comunitário, posto de correio.
Há uma escola municipal no Povoado de Lagoa de Melquíades que funciona com duas turmas da
alfabetização à 4ª série, com um total de 100 alunos e outra na Baixa Seca que funciona com uma
turma de 30 alunos. Existem 03 professores, porém apenas um é morador da comunidade, o que
segundo os moradores é um fator que dificulta o entendimento da realidade quilombola.
A partir da 5ª a 8ª série, os alunos estudam no povoado de Veredinha, e os do ensino médio vão para
o Distrito de Inhobim em ônibus disponibilizado pela Prefeitura e pelo Estado.
De acordo com as pessoas entrevistadas a oferta de material didático não é suficiente para atender a
todos os alunos. Na escola tem duas funcionárias responsáveis por fazer a merenda, que são
moradoras da comunidade. A merenda é fornecida duas vezes por turno e de acordo com relatos é
de boa qualidade.
De acordo com a população existe a defasagem série/idade, mas não em número considerável. E a
evasão escolar não existe, todas as crianças da comunidade estão estudando.
Lagoa de Melquíades é uma comunidade com características agrárias, porém a produção agrícola é
voltada apenas para o consumo das famílias. Possui uma horta comunitária orgânica.
As principais culturas são: café, mandioca, milho e feijão. A mandioca é beneficiada numa casa de
farinha mecanizada existente na comunidade e utilizada pelas famílias locais.
Existem equipamentos agrícolas com ferramentas para o trabalho da horta, pulverizador costa,
carroça e uma bomba. Muitas famílias quilombolas se deslocam para as fazendas no período da
colheita do café. Um trabalho temporário, ainda escravo, porque os catadores trabalham sem a
mínima condição digna.
ASPECTOS AMBIENTAIS
Atualmente, a comunidade passa por sérios problemas por causa do avanço da plantação de
eucalipto. O desmatamento constante deixa as famílias preocupadas porque os proprietários lançam
agrotóxicos diretamente nas plantas contaminando o lençol freático e conseqüentemente as lagoas
que fazem parte da história do Quilombo. O Quilombo é cercado por diversas lagoas e uma delas
deu nome à comunidade conforme visto acima.
A comunidade está localiza em uma região de transição (bioma de mata de cipó e mata atlântica),
produtora de café e mandioca. Na agricultura de subsistência cultiva-se basicamente a mandioca e o
café, este vendido para atravessadores.
DIMENSÕES DE GÊNERO
Existem grupos de jovens relacionados diretamente com a igreja católica local. As mulheres se
reúnem em grupo com o trabalho da igreja Católica e Protestante e também da Associação através
da Coordenação de Promoção da Igualdade e de Gênero.
CULTURA
Uma tradição da comunidade é reisado e samba de roda, além das comemorações com os dias das
mães, das crianças, sete de setembro, dia da consciência negra e outros. A comunidade tenta
transmitir a cultura através de meninos, meninas e de mulheres com o reisado.