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RELATÓRIO DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS E PROCESSOS PARA

CERTIFICAÇÃO E TITULAÇÃO

Afonso Silvestre
historiador, técnico de projetos da Coordenação de Promoção da Igualdade Racial
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social
Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista

1. INTRODUÇÃO: MEMÓRIA DAS CERTIFICAÇÕES QUILOMBOLAS NO


MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA

A Certificação Quilombola, embora esteja descrita na Constituição de 1988 como


necessidade fundamental para proporcionar visibilidade a essas povoações enquanto lugar
de memória, reconhecimento e reparação, veio a ser implementada no Brasil em 2003.
Trata-se de um processo que inicia-se com uma Declaração de Autorreconhecimento,
enviada à Fundação Cultural Palmares, juntamente com uma série de documentos e
comprovações como estudos e pesquisas, dados demográficos, fotografias e registros em
audiovisual.

Em Vitória da Conquista a experiência foi iniciada em 2004, primeiramente com trabalhos


de pesquisas e reconhecimento das características, entrevistas com moradores mais
velhos, atividades de especulação das memórias a partir das visões de diversas áreas do
conhecimento, entre elas a história, a psicologia, a linguística, a geografia, a arte, a
medicina e a enfermagem, a agronomia, a economia. Assim, no período de 2004 a 2006
foram feitas intervenções em 42 comunidades identificadas como remanescentes de
quilombos.

Uma 43ª comunidade foi identificada recentemente pelo Engenheiro Agronômico Marinaldo
Carvalho (quilombola do Velame), que trabalhou no processo de certificações em Conquista
entre 2004 e 2006. A comunidade está localizada na região de Campo Formoso (Distrito de
São João da Vitória), chamada Quilombo dos Crioulos. O técnico iniciou os trabalhos de
reconhecimento junto à comunidade e a documentação já foi enviada à Fundação
Palmares. Estão aguardando o retorno da Certificação da Carta e dos trabalhos realizados.

Naquele mesmo ano de 2006, iniciaram-se os recebimentos de certificações pela Fundação


Palmares. Daquele momento até o ano de 2012, após testada a metodologia, foram feitas
20 certificações dentro do Município de Vitória da Conquista, entre povoados certificados
individualmente ou territórios de identidade, com mais de uma localidade e com apenas
uma associação representando todas as integrantes, Sendo assim, embora haja 20
Certificações direcionadas a 20 associações que têm em sua abrangência 32 comunidades.
20 certificações; 20 associações; 31 comunidades em sua abrangência. Das 20
associações, 3 representam territórios:
O primeiro, LAGOA DE MELQUÍADES E AMÂNCIO, tem duas comunidades; o
território de LAGOA DE MARIA CLEMÊNCIA, com oito, e o território da
BATALHA, com três comunidades.
O primeiro originou-se de parte de uma fazenda doada no final do século XIX a
dois escravizados (que deram nome ao local) como prêmio por terem encontrado
uns animais perdidos. A segunda e a terceira, são comunidades de povos
originários que habitam o local há mais de 200 anos, ou seja, desde o século XVII.
Embora a Coordenação de Promoção da Igualdade Racial tenha sido instituída em 2013, e
houvesse ainda demandas para certificação, após esta data nenhum processo foi
encaminhado, e a coordenação passou a ter um caráter assistencial e reativo às demandas,
sem planejamento e sem atualização de bancos de dados ou interseccionalidade com
outras secretarias.

Em 2022 o Município retoma as certificações, primeiramente com um quilombo urbano, a


comunidade do Beco de Dôla, que está em processo de concepção da Carta de
Autorreconhecimento e produção de material para submissão à Fundação Palmares.
TABELA 1:
datas de certificação, comunidades e territórios certificados, caráter da certificação

DATA COMUNIDADES OBSERVAÇÕES

2005 1. BOQUEIRÃO CERTIFICAÇÕES INDIVIDUAIS PARA


2. VELAME DOIS DOS TRÊS NÚCLEOS ORIGINAIS
DE QUILOMBOS EM CONQUISTA. O
TERCEIRO É A COMUNIDADE DO
FURADINHO, CERTIFICADA EM 2006

2006 3. CORTA LOTE INDIVIDUAL


4. TERRITÓRIO LAGOA DE MELQUÍADES: TERRITÓRIO:
BAIXA SECA + LAGOA DE MELQUÍADES 2 COMUNIDADES DESCENDENTES DE
ESCRAVIZADOS
5. QUATIS DOS FERNANDES INDIVIDUAL
6. LAGOA DOS PATOS INDIVIDUAL
7. SÃO JOAQUIM DE PAULO INDIVIDUAL
8. FURADINHO INDIVIDUAL
9. ALTO DA CABECEIRA INDIVIDUAL
10.TERRITÓRIO MARIA CLEMÊNCIA: TERRITÓRIO DE LAGOA DE MARIA
LAGOA DE MARIA CLEMÊNCIA + POÇO DE ANINHA + CLEMÊNCIA. 8 COMUNIDADES COM
CALDEIRÃO +OITEIRO + MANUEL ANTÔNIO + BAIXÃO + CARACTERÍSTICAS DOS HABITANTES
TABOA + MURITIBA ORIGINAIS DA REGIÃO.

11.TERRITÓRIO BATALHA: TERRITÓRIO DA BATALHA:


BATALHA, LAGOA DO ARROZ, RIBEIRÃO DO PANELEIRO 3 COMUNIDADES TAMBÉM COM
CARACTERÍSTICAS DE HABITANTES
ORIGINAIS, ESTES COM TRADIÇÃO
BICENTENÁRIA DE FEITURAS DE
PANELAS DE BARRO.

12.LAGOA DE VITORINO CERTIFICAÇÃO INDIVIDUAL


13.CACHOEIRA DO RIO PARDO CERTIFICAÇÃO INDIVIDUAL

2007 14. SINZOCA CERTIFICAÇÃO INDIVIDUAL

2011 15.BARREIRO DO RIO PARDO CERTIFICAÇÃO INDIVIDUAL

2012 16. S. JOAQUIM DO SERTÃO CERTIFICAÇÕES INDIVIDUAIS


17. LAMARÃO
18. CACHOEIRA DOS PORCOS *A comunidade das Barrocas solicitou
19.CACHOEIRA DAS ARARAS certificação fora do prazo. Ela faria parte
20.BARROCAS de um território composto com São
Joaquim de Paulo, mas negou-se
inicialmente por razões de auto
preconceito e desconhecimento.
Postularam depois, quando foi organizado
um grupo e a certificação foi feita em um
ano (2011). Este foi o último pedido de
reconhecimento enviado para a Fundação,
consolidado no ano seguinte

* como havia inconsistência nas informações da FPalmares, foi realizado o cruzamento dos dados com os da
Fundação Pedro Calmon e Sepromi e a memória institucional local para os ajustes de datas e inclusão de
observações
TABELA 2:
comunidades que compõem os territórios, número de famílias e localização.

1. LAGOA DE MELQUÍADES E AMÂNCIO

LOCAL FAMÍLIAS DISTRITO

BAIXA SECA 47 VEREDINHA

LAGOA DE MELQUÍADES 225 VEREDINHA

2. LAGOA DE MARIA CLEMÊNCIA

LOCAL FAMÍLIAS DISTRITO

LAGOA DE MARIA CLEMÊNCIA 205 SEDE

POÇO DE ANINHA 34 SEDE

CALDEIRÃO 11 SEDE

OITEIRO 107 SEDE

MANUEL ANTÔNIO 34 SEDE

BAIXÃO 374 SEDE

TABOA 10 SEDE

MURITIBA 42 SEDE

3. BATALHA

LOCAL FAMÍLIAS DISTRITO

BATALHA 38 SEDE

LAGOA DO ARROZ 63 SEDE

RIBEIRÃO DO PANELEIRO 55 SEDE


TABELA 3:
comunidades com certificações individuais.

LOCAL FAMÍLIAS DISTRITO

BOQUEIRÃO 260 JOSÉ GONÇALVES

VELAME 47 INHOBIM

CORTA LOTE 186 INHOBIM

QUATIS DOS FERNANDES 36 PRADOSO

LAGOA DOS PATOS 89 JOSÉ GONÇALVES

SÃO JOAQUIM DE PAULO 235 SEDE

FURADINHO 142 IGUÁ

ALTO DA CABECEIRA 110 JOSÉ GONÇALVES

LAGOA DE VITORINO 84 SEDE

CACHOEIRA DO RIO PARDO 83 INHOBIM

SINZOCA 93 JOSÉ GONÇALVES

BARREIRO DO RIO PARDO 51 INHOBIM

S. JOAQUIM DO SERTÃO 205 PRADOSO

BARROCAS 271 SEDE

LAMARÃO 103 VEREDINHA

CACHOEIRA DOS PORCOS 151 IGUÁ

CACHOEIRA DAS ARARAS 223 PRADOSO

LARANJEIRA 161 PRADOSO

MALHADA 262 SEDE


PROCESSOS DE TITULAÇÃO PELO INCRA EM VITÓRIA DA CONQUISTA

ordem n° processo comunidades território início

12 54160.002985/2006-06 Velame 2006

46 54160.003214/2008-90 Paneleiros, Batalha e Lagoa do Arroz Batalha 2008

58 54160.005793/2008-13 São Joaquim de Paulo 2008

76 54160.003004/2010-16 Cachoeira do Rio Pardo 2010

77 54160.003584/2010-41 Lagoa de Melquíades e Baixa Seca L. Melquíades 2010

80 54160.003871/2010-51 Lagoa de Maria Clemência L. M. Clemência 2010

107 54160.000617/2012-03 Boqueirão 2012

157 54160.001342/2013-66 Laranjeiras 2013

158 54160.001343/2013-19 Barreiro do Rio Pardo 2013

212 54160.002816/2013-97 Alto da Cabeceira 2013

226 54160.001887/2014-53 Sinzoca 2014

231 54160.001892/2014-66 Furadinho 2014

243 54160.002585/2014-01 Lagoa de Vitorino 2014

244 54160.002586/2014-47 Quatis dos Fernandes 2014

245 54160.002587/2014-91 Lagoa dos Patos 2014

246 54160.002588/2014-36 Corta Lote 2014

TITULAÇÃO DE TERRAS/ INCRA

Das comunidades certificadas, a única que obteve o relatório técnico de identificação e


demarcação foi o Velame, no ano de 2008. O processo de titulação continua em curso,
neste momento em fase de desapropriações.

Devido à metodologia aplicada pelo INCRA, os prazos são longos porque o instituto
trabalha com diálogo para evitar conflitos. Até o ano de 2012 as atividades e processos
eram acompanhados pelo Município, período em que outras solicitações foram
encaminhadas. Porém, a partir daquela data, esses trâmites passam a ser feitos
diretamente entre as associações e o INCRA. A tabela acima foi feita com base nas
informações do INCRA.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORIGEM E MULTIPLICAÇÃO DOS QUILOMBOS

Quilombo é um termo ressignificado a partir dos antigos quilombos do período colonial e


imperial. Na contemporaneidade, o termo “quilombo” passa a significar local de resistência
onde se agrupam remanescentes da exclusão anterior à República, bem como aqueles
grupos de resistência e acolhimento que se formaram após a República.

Esses grupos podem ser de uma etnia apenas (negros, como no Boqueirão, Velame e
outros), indígenas (como nos territórios de Lagoa de Maria Clemência e Batalha) ou diversa,
como a grande maioria dos quilombos de Conquista.

Em geral, quilombos passam a ser aquelas comunidades onde grupos considerados


excluídos, expulsos de suas terras ou perseguidos, passam a conviver, compartilhar a terra
e os hábitos, passando esses costumes de geração a outra.

É muito comum encontrar, na mesma comunidade, descendentes de pessoas escravizadas,


de habitantes originais que encontravam acolhimento num momento da história em que
indígenas não domesticados eram exterminados, mas também o comerciante branco que
encontra nesses agrupamentos um local seguro para prosperar e criar sua família.

Os quilombos de Conquista originaram-se de três núcleos, basicamente formados por


escravizados fugidos ou alforriados: Furadinho, Velame e Boqueirão. À medida que esses
locais crescem em população, os recursos começam a ser insuficientes, e alguns
moradores migram e formam novos quilombos. Dessa forma, essas comunidades se
multiplicaram em proporção geométrica, chegando às 43 identificadas até então.

Mais ou menos no mesmo período, agruparam-se ao Norte, para além da Serra do Periperi,
alguns grupos dissidentes de Mongoiós que se assentaram formando o que hoje se
conhece pelos territórios de Lagoa de Maria Clemência e Batalha.

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