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TERMOS DE REFERÊNCIA PARA A CRIAÇÃO DO MEMORIAL

QUILOMBOLA DE MELQUÍADES E AMÂNCIO

1. OBJETO
Requalificação do Cemitério do Lamarão, cujas origens remontam o primeiro
quarto do século XX, com reforma, caiação e criação de placa com texto
memorial relativo ao Território Quilombola de Lagoa de Melquíades e Amâncio.

2. APRESENTAÇÃO:

Vitória da Conquista, com seus cerca de 180 anos, aglutina elementos de uma
tradição cultural muito forte, concentrando e polarizando uma região com população
de 2 milhões de pessoas. Diante disso, o Município é referência, para além dos
campos da arte e da cultura, destaca-se a diversidade de memórias e representações.
Muito desta diversidade se deve às comunidades tradicionais de descendência
quilombola, que são, por si, bastante diversas. Isto se dá, principalmente, por razões
geográficas, considerando a diversidade de biomas existentes dentro do Município.

Essas localidades rurais tradicionais carregam heranças de identidade bastante


representativas. Foi a cultura popular dos reisados, das chulas, dos cantos de
farinhada, das ladainhas e outras tradições existentes nessas comunidades que deu o
substrato para os fazeres artísticos que ganharam notoriedade, por exemplo, na arte
do cineasta Glauber Rocha, dos músicos Elomar, Xangai, ou o maestro João Omar de
Carvalho. Mas, no meio desse percurso, quilos de sal e de matéria bruta da palavra,
dos sons e das cores foram gastos e lapidados em várias manifestações culturais,
que, infelizmente, deixaram seus sabores apenas no espaço regional

No caso de Lagoa de Melquíades e Amâncio, são muito fortes os laços da população


com suas origens. O território de identidade quilombola é composto por Lagoa de
Melquíades e Amâncio e a comunidade de Baixa Seca, ambas com cerca de 300
famílias. Também faz parte do território de identidade, mas com certificação individual,
a comunidade de Lamarão, com pouco mais de 100 famílias. Essas comunidades,
situadas no distrito de Veredinha, descendem de quilombos compostos por
descendentes de pessoas escravizadas, mas também com a presença indígena local.
A invisibilidade dessas comunidades pelo Município, por um lado, gerou algumas
dificuldades, principalmente a mobilidade de produtores rurais familiares para
comercializarem seus produtos na cidade. No entanto, por outro lado, esse
distanciamento permitiu a transmissão dos costumes geração após geração,
mantendo assim, tradições que em muitos lugares já desapareceram, como os
reisados, por exemplo.

Sendo assim, com as comunidades compondo um lugar de memórias de um povo que


surgiu a partir de dois escravizados, propõe-se a construção de um marco, um
memorial, com referências históricas sobre as origens e a formação das comunidades.

3. A LAGOA DE MELQUÍADES E AMÂNCIO

Entre as comunidades consolidadas como quilombolas do ponto de vista cultural,


Lagoa de Melquíades está localizada no distrito de Veredinha. 87% das famílias vivem
da agricultura familiar. Como em todas as comunidades com suas características
históricas e sociais, persistem fortes ligações com as tradições ibéricas, bem como
com os costumes das pessoas escravizadas até o final do século XIX. Entre as
tradições trazidas da Europa a partir do século XVI, além de elementos da linguagem,
da culinária e outros costumes, os ternos de reis marcam forte presença.
Ainda não há uma história produzida acerca dos quilombos em Vitória da Conquista,
embora sua memória esteja viva nas pessoas mais velhas. Durante o processo de
certificação da comunidade, foram realizadas entrevistas com moradores mais velhos,
onde eles relataram suas memórias a respeito das origens do lugar. Dona Venozina
Morais de Brito, nascida em 11 de janeiro de 1923, filha de Salustriano e Salustriana
Morais de Brito, era neta de Amâncio (um dos fundadores da comunidade) e Bernarda.
Num depoimento colhido em 2005, ela contou que o lugar era uma grande mata no
tempo da escravidão, chamava-se Lamarão e pertencia a uma certa dona Joana. A
dona do lugar enviou dois jovens escravos, Amâncio e Melquíades, para buscar uns
bois que haviam se desgarrado. Na busca, eles descobriram a lagoa. Como
encontraram os bois e levaram de volta para a senhora, por este feito, ganharam dela
aquelas terras próximas à lagoa, para que cultivassem. Assim nasceu a Lagoa de
Melquíades e Amâncio, na região do Lamarão.

Os mais velhos citaram muito as lembranças dos engenhos de cana e das casas de
farinha à base da roda de mão entre os anos de 1920 e 1970, os utensílios de barro,
as gamelas de umburana, as roupas rústicas, “grosseiras, remendadas”, como contou
dona Venozina.
Plantava-se milho, maniva, feijão e cana. Para a iluminação das casas eram utilizados
candeeiros de barro, acesos pela puxada de cera do mel de abelha ou, mais
comumente, pelo azeite da mamona. “Plantava a mamona, depois tirava e botava para
secar; depois limpava, botava para torrar e pisava no pilão, depois botava na panela
para cozinhar até a gordura subir...”, contou dona Venozina, bisneta de Amâncio. Os
candeeiros iluminavam as festas onde tocadores usavam a sanfona, a viola, o
“rialecho’’ (realejo). Matavam-se bodes, leitões. Nas folias de Santo Reis os homens
usavam toalhas de renda branca no pescoço e chapéus enfeitados com guirlandas
coloridas em que predominavam o verde e o vermelho. A comunidade comemorava
também, desde o princípio, outras festas religiosas como o dia de Santo Antônio, São
João e, no dia seis de agosto, o dia de Bom Jesus”.
Prisilina Vieira da Silva, nascida na Lagoa em 1933, conta que quem comandava o
reisado era Gabriel, neto de Amâncio. Foi ele quem introduziu os instrumentos que até
hoje compõem o reisado no lugar, a gaita (flauta artesanal de madeira), a caixa, o
zabumba e o pandeiro de couro. Com estes instrumentos, desde o princípio, faziam-se
as festas religiosas no lugar. Como recordou dona Dalvina Maria dos Santos em 2005,
então com 84 anos, “as rezas eram as festas”.
Tocar, rezar, dançar, divertir-se. Foi desse costume introduzido pelo neto de Amâncio
que dona Iraci Oliveira Silva, uma catequista do lugar, resolveu criar em 2008 o
reisado mirim de Lagoa de Melquíades, um esforço louvável de preservação da
memória. Dona Iraci é uma das pessoas que se esforça para manter vivas as
tradições e a memória dos fundadores.
Trata-se de uma população que se reconhece como quilombola, tem orgulho e
satisfação em contar a própria história e luta para preservar os costumes. Certificada
no ano de 2006, desde então o território busca se fortalecer e difundir sua memória
entre seus habitantes, como forma de afirmação do pertencimento.

4. AÇÃO PROPOSTA

Requalificação do cemitério do Lamarão, com reforma, sinalização e caiação dos


túmulos, construção de caminhos pensados paisagística e arquitetonicamente de
acordo com as referências locais. Construção de uma pedra fundamental com texto
referente à história dos fundadores (Melquíades e Amâncio) e um pórtico. Na
inauguração, propõem-se dinâmicas e atividades sobre memória local com os
presentes. Registro audiovisual de todas as etapas e entrevistas com moradores e
autoridades.

5. JUSTIFICATIVA

Trata-se de uma afirmação do reconhecimento da importância da comunidade e da


sua memória ocupando lugar importante na história de Vitória da Conquista. Diz
respeito ainda a um esforço para manter o sentimento de pertença entre a
comunidade, para que os mais velhos tenham mais elementos que possam mostrar
aos mais novos a sua própria ancestralidade, referência e origem.
Em se tratando de uma comunidade certificada há quase 18 anos, e que traz em seus
habitantes este reconhecimento, esta iniciativa torna-se um elemento de consolidação
da memória do território de identidade quilombola da Lagoa de Melquíades e Amâncio.
Este esforço é necessário porque vai permitir aos mais jovens e às próximas gerações
se reconhecerem em seus ascendentes e se afirmarem como quilombolas. Este
movimento assegura o aumento da autoestima através do autorreconhecimento e
melhora potencialmente a capacidade de tomar decisões e fazer escolhas.
Este projeto, então, torna-se uma iniciativa importante para a preservação, visibilidade
e difusão da cultura do território conservada e recriada com árdua resistência por
todos aqueles que existiram nas comunidades e deram suas contribuições para que
elas sejam hoje o que são. Essas pessoas devem ser lembradas, elas estão
presentes, não apenas em restos mortais dentro de sepulturas, mas elas podem ser
também vistas e lembradas como pessoas que construíram as comunidades.

6. OBJETIVOS
GERAL:
Requalificar o Cemitério do Lamarão, tornando-o um memorial do território de
identidade quilombola composto com Lagoa de Melquíades e Amâncio, Lamarão e
Baixa Seca.

ESPECÍFICOS

● Promover a visibilidade da memória do território;

● Incentivar os mais jovens a buscarem conhecer sua própria história;

● Valorizar a memória quilombola, permitindo que a mesma seja reproduzida

para e por gerações mais jovens;


● Inserir elementos que promovam a autoestima das pessoas através do

autorreconhecimento.
7. METAS:
1. PLANO DE ARQUITETURA E PAISAGISMO;
2. CRIAÇÃO DO LAYOUT DO PÓRTICO, DA PEDRA FUNDAMENTAL E DO
TEXTO;
3. EXECUÇÃO; REGISTRO AUDIOVISUAL;
4. OFICINA DE MEMÓRIA E IDENTIDADE E INAUGURAÇÃO.

VITÓRIA DA CONQUISTA, 24 DE ABRIL DE 2023


COORDENAÇÃO DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
SEMDES - PMVC

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