Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
(1968-1974)
popular moderna brasileira – devido a sua peculiar narrativa que conjuga letra e música
– como um modo capaz de integrar públicos diversos, no caso, cidade e interior. Ao
narrarem as experiências guardadas na memória daqueles que habitam os grotões de
estados como Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso, onde sempre houve o
predomínio da palavra falada sobre a escrita, e expô-las ao conhecimento do país, o
compositor caipira, por meio de disco, rádio, televisão ou shows irá cortar campo e
cidade. Desse modo, a moderna canção caipira, como a urbana, “integra públicos
diversos, fornece os temas e o vocabulário em que o debate sobre a realidade brasileira
se torna possível, produz enfim referências comuns, em um mundo marcado por
particularismos” (CARVALHO, 2004).
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.
Nesse movimento, levado à frente ao longo dessas décadas, as canções desses
compositores e intérpretes ao mesmo tempo em que se configuravam como resultado
das transformações sofridas pela cultura caipira tradicional narravam o processo de
desarticulação da mesma frente a crescente urbanização e modernização do campo. E o
fizeram a partir de um conjunto de códigos e referencias comuns consolidados no
interior dessa cultura, dotando-os, para isso, de significado político. Ao identificarmos o
vocabulário político mobilizado nessas canções poderemos identificar as motivações de
indivíduos
submetidos à mesma conjuntura, vivendo numa sociedade com normas idênticas,
tendo conhecido as mesmas crises no decorrer das quais fizeram as mesmas
escolhas, grupos inteiros de uma geração partilham, em comum, a mesma cultura
política que vai depois determinar comportamentos solidários face aos novos
acontecimentos (BERNSTEIN, 1998. p. 361)
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.
é um corpo vivo que continua a evoluir, que se alimenta, se enriquece com
múltiplas contribuições, as das outras culturas políticas quando elas parecem trazer
boas respostas aos problemas do momento, os da evolução da conjuntura que
inflecte as idéias e os temas, não podendo nenhuma cultura política sobreviver a
prazo a uma contradição demasiado forte com as realidades (BERNSTEIN, 1998.
p. 357)
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.
pagava tanta coisa que no fim das contas, ainda ficava devendo ao patrão. E
assim por diante. Uma verdadeira calamidade. (PERES, 1960. p. 9-10)
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.
projetos progressistas levados à frente pelo estado. Desse modo, a dupla Tonico e
Tinoco, ainda em 1971, saúdam a construção da Transamazônica
O grande tapete verde, o teu mundo encoberto,
A estrada Transamazônica trouxe você bem mais perto.
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.
O ano de 1971 também foi marcado pela criação do FUNRURAL (Fundo de
Assistência Rural) responsável por incluir os trabalhadores rurais na Previdência. Eles
passaram, então, a ter direito a aposentadoria, pensão e assistência médica sem terem
sido onerados em nada com a medida, pois os recursos vinham de impostos sobre
produtos rurais repassados ao consumidor. Essas medidas acabaram favorecendo aos
militares que puderam contar com um forte eleitorado no meio rural. Essa
despolitização da questão agrária gerada pela preponderância dos direitos sociais sobre
os civis e políticos, no campo, será incorporada na narrativa musical de Tonico e
Tinoco. O Projeto Rondon, com seus “estudantes, esperanças de glória semeiam vitórias
e a civilização” enquanto “nossos exércitos ficaram na história nos dão segurança de
paz e união”. Nessa canção, da cultura caipira tradicional restaria apenas a figura do
“caboclo valente que pega na enxada”, se ao final da canção ele não passasse a “soldado
sem farda”.
Mas, se Tonico e Tinoco ainda vacilam entre a nostalgia por um mundo em vias
de desaparecer e a superação completa do mesmo via uma modernização conservadora,
Leo Canhoto e Robertinho, vão além. Talvez por suas composições se mostrarem ainda
mais distantes da cultura caipira tradicional a qual pretendem se referir, a adesão as
concepções desenvolvimentistas conservadoras tenham se dado ainda mais facilmente.
Em suas canções o caboclo, ou caipira é substituído pelo lavrador cuja figura extrapola
os limites geográficos nos quais prepondera a cultura caipira entre os homens do campo.
Antes mesmo de Tonico e Tinoco, em 1970, Léo Canhoto e Robertinho já se referiam
ao lavrador, como o soldado sem farda. Um soldado que juntamente as outras forças
militares, então no controle do Estado, comporiam um todo coeso. Na canção, esse
“lavrador que derrama o suor com suas próprias mãos” é saudado com o “aperto de mão
e o abraço apertado” do Exército Brasileiro, da Marinha de Guerra e das Forças Aéreas.
O lavrador seria mais um componente dessas mesmas Forças Armadas do Brasil,
diferindo-se dela, e ao mesmo tempo completando suas funções, por ter, como frente de
batalha, o campo onde desempenha sua luta diária “com frio ou calor, isso possa ou não
possa” na promoção da produção agrícola nacional. Não é, portanto, sem propósito que
esse lavrador feito soldado sem farda receba de Deus a benção, do então Presidente
General Médici, cujo mandato foi marcado pelo acirramento da repressão às lutas
reivindicatórias no campo e na cidade, a devida homenagem:
Soldado sem farda que Deus lhe abençoe
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.
Para continuar sempre assim sorridente
Aceite lavrador o abraço apertado
Do homem que agora é nosso presidente
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.
econômico e o social à liberdade política. Iniciada com uma marcha militar a canção
Minha Pátria Amada, gravada em 1971, acaba por sintetizar a proposta de pátria ideal:
Sou orgulhoso por ser filho de uma terra
Onde seu povo só pensa em trabalhar (...)
Aqui seu moço não existe a tal de guerra
Nosso caminho é enfeitado de flor
Nós trabalhamos semeando em nossa terra
Ordem e progresso, liberdade, paz e amor
Aqui, meu chapa, não se brinca em serviço
A minha raça é destemida e varonil
A minha terra por Deus foi abençoada
Eu te amo pátria amada
Eu te adoro meu Brasil.
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.
CANÇOES CITADAS
CANHOTO, Leo; Soldado sem farda, 1970.
CANHOTO, Leo; Minha pátria amada, 1971.
CANHOTO, Leo; O Presidente e o lavrador, 1975
PIRES, Cornélio; Jorginho do Sertão, 1929
TONICO. Carro de boi, 1960.
TONICO; ALVES, João. Tropeiro, 1971.
TONICO, FURTADO, TOLEDO; Pra frente sertão, 1971.
TONICO, ERBA, J.C. Transamazônica, 1971.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
BERNSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, SIRINELLI (org); Para uma
história cultural. Lisboa: Estampa, 1998.
CÂNDIDO, Antônio. Parceiros do rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a
transformação de seus meios de vida, São Paulo: Civilização Brasileira, 1982.
CARVALHO, José M. Cidadania no Brasil: o longo caminho, Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001.
CARVALHO, Maria Alice R. O samba, a opinião e outras bossas... na construção
republicana do Brasil. In: CAVALCANTE, Berenice; STARLING, Heloisa M. M;
EISENBERG, José (org) Decantando a república: inventário histórico e político da
canção popular moderna brasileira. v.1, 2004.
JANCSO, I., KANTOR, I. (Org.). Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa.
São Paulo: Imprensa Oficial, 2001. v.2.
LEITE. Chapéus de palha, panamás, plumas, cartolas: a caricatura na literatura paulista
(1900-1929). 1996.
PATO, Rodrigo; Do outro lado da cerca: os conservadores e a reforma agrária. In:
Sentimento de Reforma Agrária, Sentimento de República, Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2006.
PERES (TINOCO), João Salvador; História e sucessos de Tonico e Tinoco, São Paulo:
Ed. Prelúdio, 1960.
SKINNER, Quentim; Entrevista. In: PALLARES-BURKE,M. L G. As muitas faces da
história: nove entrevistas, SP: Unesp, 2000,
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.
SOUZA, Walter. Moda Inviolada: uma história da música caipira, São Paulo: Quiron
Livros, 2006.
TELLES, Vera; Direitos sociais afinal de que se trata? Belo Horizonte: Editora UFMG,
1999
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.