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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Tópicos Especiais em Antropologia VII – Feminismos Negros Semestre: 2022.1


Professora: Alexandra Eliza Vieira Alencar
Aluno: Angelo Augusto de Menezes Freire Matrícula: 1801306

Produção de Artivismos
O Jongo da Serrinha
 O Jongo – breve contexto histórico
No século XIX, o café começa a ser a
riqueza mais importante do Brasil e foi
nesse período nós mais recebemos
africanos escravizados,, com números
chegando a cerca de um milhão e milhão
e meio, somente para o Sudesteudeste do
Brasil, trazidos para trabalhar n na
cafeicultura. Esses africanos, por
questões conjunturais de tráfico, vinham
inham
O jongo é uma brincadeira de roda afro-brasileira
brasileira típica da região Sudeste do país -
da África Central, do chamado mundo Jongo Dito Ribeiro. Foto disponível em
bantu, que era composto pelos povos <https://images01.brasildefato.com.br/8ea640a4b7f0661b9f0981a84ceac7de.jpeg
s01.brasildefato.com.br/8ea640a4b7f0661b9f0981a84ceac7de.jpeg>

bantos e que são diferentes em suas línguas, em suas práticas, mas que têm muito em comum, comum visto
que compartilhavam uma série de valores e de práticas musicais a exemplo do o desafio do tambor.
O jongo é uma brincadeira de roda afro
afro-brasileira
brasileira típica da região Sudeste do país - Jongo Dito Ribeiro

Segundo Dilmar da Silva, músico integra


integrante do grupo Jongo da Serrinha, “o o jongo, ele vem um período
de uma nação africana
ana que eles cultivavam a terra
terra, a mãe terra, a terra que dá o fruto,
fruto a terra que dá
uma boa plantação então eles tinham essa relação com o ventre feminino – aí é onde vem a dança de
umbigada”. A relação do jongo com a parte espiritual, na visão de Dilmar, é a de uma fronteira
f muito
próxima, como ocorre com os bairros – difícil de ser definida, uma fronteira muito pequena entre a
religiosidade e os tambores:: tanto na umbanda como no candomblé
andomblé são três tambores – lembrando
que estes são instrumentos rituais e sagrados, existindo somente a difereniferença no respeito de cada
nação.
 Momento de consolidação da comunidade
Em todas as fazendas de café do sudeste
sudeste, o jongo, que no século 19 era chamado de “batuque”,
representa um momento musical, um momento de lazer, um momento daa comunidade.
comunidade Os africanos
escravizados lutaram para isso. Era um momento fundamental de consolidação dessa comunidade de
pessoas escravizadas:: graças a esse momento, elas podiam se encontrar, dançar,
dançar conversar – também
por meio da percussão das palmas,, dos tambores e dos versos e assim, a comunidade se consolidava.
consolidava
Além disso, era também um momento de conversa com os ancestrais
ancestrais, em que as lideranças religiosas
voltam a ocupar os seus espaços, s, estabelecendo os laços de solidariedade.
solidariedade Dessa forma, o jongo
ocupou os espaços de identidade
dentidade de fortalecimento desses povos africanos submetidos aos trabalho
escravo no Brasil-colônia
colônia e imperial extremamente importante.
O jongo
go não é só o canto e a dança
dança: os instrumentos que conduzem o ritmo da roda são considerados
sagrados. Diz a lenda que os antigos guerreiros faziam brotar bananeiras
ananeiras com som mágico dos
tambores.
 A linguagem do jongo
A linguagem dos pontos é cifrada e cheia de metáforas
metáforas, sendo preciso ter-se
se muita experiência para
compreender seus significados.. Essa linguagem criptográfica tem a ver com a circunstância em que o
jongo nasce: a dança dos escravos ainda antes da liberdade. Era uma linguagem indireta, por exemplo,
não se poderia dizer a alguém na roda algo como “você é muito novo, como é que você ousa entrar na
roda?”, e mas algo do tipo “Tio Chico não é ferreiro, como assenta a tenda aí?” Por isso, a experiência
era necessária para entender-se a linguagem metafórica e criptográfica do jongo. Como meio de
comunicação, era através dos pontos que os escravos combinavam as fugas e trocavam informações,
durante as festas religiosas dos senhores, momentos em que normalmente realizavam-se as rodas de
jongo.
Atualmente, os estudos sobre o jongo no século XIX têm crescido e demonstrado a sua importância
para o fortalecimento da luta dos africanos escravizados contra os senhores, pela valorização do seu
passado africano e pela própria luta da liberdade. Por exemplo, nos versos “Pisei na pedra, a pedra
balanceou, o mundo ‘tava torto, a rainha endireitou”, pode-se concluir que o “pisar na pedra” denota o
movimento por parte dos africanos em mudar a realidade em que viviam, “a pedra balanceou”, a
escravidão foi afetada com esse movimento – retrantando uma grande consciência histórica.
Cada etapa da roda é marcada por um ponto diferente: o de licença, para iniciar a roda, o de louvação,
o de visaria para alegrar a roda, e o de despedida. Os instrumentos principais do jogo são os tambores,
como mencionado anteriormente, tendo primeiramente o violão e posteriormente o cavaquinho sido
introduzidos por Mestre Darcy cujo principal desejo, assim como o da sua mãe, era que houvesse um
espaço em que o jongo pudesse ser ensinado às crianças e graças ao esforços deles, essa tradição tem
sido passada às novas gerações, perpetuando o jongo como expressão da cultura afrobrasileira.
 O Jongo da Serrinha
Situado Madureira no Rio de Janeiro, o Jongo da Serrinha é único
território jongueiro urbano do Brasil. O grupo do Jongo da Serrinha
faz apresentações públicas pelo Brasil e em vários países, além de
produzir livros discos e filmes para promover a tradição.
Maria de Lourdes Mendes, mais conhecida como Tia Maria
(30/12/1920–18/05/2019) foi uma importantíssima matriarca do
Jongo da
Serrinha. Antigamente, só os mais velhos
participavam do jongo. Os mais jovens tinham que
se dedicar muito para receber os segredos e
fundamentos dessa tradição. Foi Dona Maria
Joana, sua mãe, que pediu a Mestre Darcy
(12/31/1932–12/21/2001), seu filho, que incluísse as
crianças para dançar o jongo, pois a tradição estava
ameaçada de se extinguir, uma vez que os
jongueiros mais os velhos já tinha falecido quase
todos. A renovação do jongo acontece com a Tia Maria do Jongo, filha e neta de escravos que luta para manter viva a
tradição musical das senzalas — Foto: BBC
introdução do violão e do cavaquinho e com a participação de
pessoas de todas as idades na roda. Mestre Darcy criou o grupo de
jongo, mas não o limitou ao espaço do terreiro da casa da mãe de
Tia Maria, expandindo-o para colégios, faculdades, cujo era tornar
o jongo popular. O jongueiro tradicional não tem essa
característica expansiva, muito pelo contrário: geralmente ele fica
mais preso à sua comunidade, ao seu terreiro de jongo.
Assim, Mestre Darcy, filho de Tia Maria e por isso, um descendente
de tradicional família de jongueiros foi responsável pela
popularização do jongo, profissionalizando as rodas e criando
espetáculos para serem apresentados em casas de show e teatro.
A sua luta na década 1970 visava reunir aquele patrimônio familiar
comunitário, do qual era herdeiro e ele via essa luta como um
Mestre Darcy do Jongo caminho de luta política, de incorporação, de participação dos
Disponível em < https://i1.sndcdn.com/artworks-
000086328512-7wkt2q-t500x500.jpg > negros e da cultura negra na sociedade carioca e brasileira. Com
isso, ele consegue dar uma visibilidade o jongo da Serrinha que até então não existia. Essa uma
proposta de colocar o jongo em casas de espetáculo, como forma expressão cultural musical, acessível
a todos e não apenas ao âmbito familiar, conferindo-lhe uma maior visibilidade foi bastante críticada.
Durante a décade de 1960, com o falecimento de muitos dos jongueiros mais velhos, a tradição do
jongo quase desapareceu. Foi graças ao Mestre Darcy, que hoje o jongo é considerado patrimônio
cultural do país, tendo recebido o título de patrimônio cultural do Brasil em 2005. Isso é muito
importante por que dá proteção ao chamado patrimônio imaterial, neste caso reprentado pela a
cultura oral, a música e as formas de expressão características do jongo. Em função desse título, hoje os
grupos de jongueiros do sudeste estão organizados, reunindo-se periodicamente, recebendo algum
tipo de verba do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional para “criar em caminhos
de sustentabilidade”.
 A Escola do Jongo da Serrinha
Na Escola Jongo da Serrinha, que tem mais de 20 anos, a tradição é repassada para as novas gerações
através das aulas de música. A música e a dança são o eixo central dessa escola, tendo a oralidade um
papel de muita importância – pelo contar histórias e pelo canto, e também principalmente através da
convivência com os mestres jongueiros, em uma espécie de educação experimental , viva, a partir da
cultura popular.
Segundo o músico Fábio Pereira, do Jongo da Serrinha, [o jongo] “não é uma música só, uma dança, é
um comportamento também, aqui na verdade na escola é passado muito isso, até mais, até do que
realmente aprender a tocar o tambor, o sentido de porque ele está tocando tambor, o que ele vai
ganhar, né, e essa coisa do Jongo da Serrinha é muito, é muito forte assim”. Para o músico Hamilton
Barros “Fofão”, “o jongo é resistência, a gente não pode deixar acabar, de jeito nenhum – e além de ser
uma música maravilhosa, de ser um um ritmo muito gostoso, é uma dança muito bonita, mas é uma
coisa que vem lá de trás, da África, que não é à toa que está aqui, chegou aqui, é difícil de se ver, então,
pra mim o jongo é resistência.”
 O Jongo e o Samba
O jongo influenciou o nascimento do samba no Rio de Janeiro e até 1920 era o ritmo mais tocado no
alto das primeiras comunidades. Segundo a pesquisadora e jornalista, Rachel Valença, o que se conhece
como samba, surgido no início do século 20, é uma amálgama de vários ritmos e várias culturas de
matriz afrodescendente. Ela afirma ser o samba um produto da cultura negra no Brasil: não que ele veio
da África, mas ele se formou aqui, a partir de várias coisas, entre elas, o jongo, um de seus mais fortes
seus componentes.
Os sambistas fundadores das escolas de samba, a exemplo da Império Serrano, organizavam rodas de
jongo nos quintais das suas próprias casas. Por ter nascido a escola de samba na Serinha, mais
especificamente na casa de Tia Maria, todos os sambistas do império eram, antes de mais nada,
jongueiros. Esse fato influenciou o samba da Império, conferindo-lhe um ritmo mais cadenciado, mais
“calangueado”, também o jeito de compor, semelhante ao jeito de fazer o jongo – houve uma grande
influência na formação da escola, tanto que a Império Serrano é uma escola tem uma tem uma
“levada” diferente – por ser oriunda da Serrinha foi formada por praticamente famílias jongueiros.
Como acontece com jongueiros e sua poética do ponto, o versos do partido alto e do samba de terreiro
são inventados na hora pelo improvisador. Também a forma de se tocar o tambor no samba é bem
similar à “levada” do jongo. A instrumentação é que cria uma certa diferença entre esses ritmos, mas
certamente, o partido alto, o samba de terreiro e o jongo são da mesma “família”.
Também conhecido como caxambu, o ritmo contagiante do jogo tem atraído parcerias com músicos
famosos. Na década de 1980, a Serrinha ficou em muita evidência graças à cantora Clara Nunes, que
acabou por encantar-se com o quilombo, inclusive tornando-se filha de santo de Vovó Maria Joana –
que era parteira, jongueira e rezadeira, e que foi capa, junto com Mestre Darcy, do disco “Brasil
Mestiço” da cantora, em uma foto de uma roda de jongo da Serrinha. Assim, a Serrinha constituiu-se e
foi mantida pelas famílias e moradores dali como realmente um quilombo de cultura – como um grande
instrumento de desenvolvimento e potência do lugar.
 O Jongo, força feminina
A função de abrir uma roda de jongo, a cargo da
matriarca Vovó Maria Joana, em que todos
rezavam a Ave Maria de mãos dadas e pediam
licença para as almas e que para tudo saia
maravilhoso, foi passada à sua neta, Deli Monteiro.
No jongo da Serrinha, além dos passos, a
musicalidade das vozes femininas é destaque.
Segundo a professora de danças populares, Aline
Oliveira de Sousa, “o Jongo da Serrinha é um grupo
mas o jogo na Serrinha, ele tem, sempre teve,
muitas lideranças femininas ao longo da sua
existência, né? O bairro de Madureira, e a Serrinha
especificamente, nasceu exatamente com essas
famílias que foram povoando [...] e tanto a família Vovó Maria Joana Rezadeira fala sobre o jongo em entrevista para o
"Programa Arte de A a Z", da TV Educativa. Imagem da Fundação Centro
Oliveira como a Família Monteiro, que são Brasileiro de TV Educativa.
representações fortes no grupo jogo da Serrinha, elas tinham essas mulheres como força, né?”
Tia Maria era o pivô nessa liderança e as outras lideranças a chamavam para conversar, pedir conselho,
sempre dialogando com as memórias de Tia Maria. Nascida no Morro da Serrinha, no início do século
20, em uma época em que o jongo era feito de uma outra forma, ela viveu toda essa transformação e
aceitou estar no jongo de uma outra forma. A figura de Tia Maria fez a ponte entre a tradição e a
modernidade.
Seguindo a tradição, em datas comemorativas, o
jongo do terreiro começa à meia-noite. No caso dos
jongos-espetáculo, como são chamadas as
apresentações culturais, dentro da modernidade,
em que os passos e os pontos foram adaptados
para apresentações fora do terreiro, o horário varia
de acordo com o local e com público.
Lazir Sinval , cantora do Jongo da Serrinha, relata
que o grupo faz apresentações com eles
aprenderam com Mestre Dacy e Vovó Maria Joana,
em escolas, em terreiros, em palcos no Brasil e também no exterior – a exemplo do trabalho feito com
“O Trem do Samba”, na França, onde puderam ver o interesse das pessoas por esse ritmo. Apesar de se
achar que muita gente conhece o jongo, para muitos, ele é um mero desconhecido, já que por muitos
anos ele ficou restrito a comunidades descendentes de pessoas africanas escravizadas, como é o caso
da Serrinha, em Madureira. Esse é um trabalho incansável e o objetivo do grupo é de realmente “passar
o jongo adiante” e dessa forma, o Jongo da Serrinha mantém viva a tradição e a memória dos
antepassados sem perder a identidade.
 O Jongo como artivismo feminista negro
Em primeiro lugar, o jongo é resistência: nasceu
de uma comunidade quilombola, que continua
lutando para manter viva a sua tradição, a sua
cultura, a sua ancestralidade. EM segundo lugar,
trata-se de evidentemente de uma atividade de
expressão artística, que envolve a dança, a
música, o canto, os ritmos, além da religiosidade,
da oralidade, dos rituais de origem africana.
Também há o aspecto social e educacional, em
que, através da educação musical e dentro da
própria comunidade, não só mantém-se o jongo
vivo, como também ajuda-se a disseminá-lo na A inclusão de mulheres e crianças no jongo foi uma conquista, segundo Alessandra
Ribeiro, liderança do Jongo Dito Ribeiro / Jongo Dito Ribeiro. Foto disponível em
<https://images03.brasildefato.com.br/98e08090cea3a30503be18ac73ae7b34.jpe
g>
cultura brasileira, como patrimônio imaterial da nossa cultura como ele é. Vale também ressaltar a
relação com o cultivo da terra, a mãe terra, que, como o ventre feminino – representado pela dança da
umbigada ,dá o fruto.
Mais importante de tudo, trata-se de uma expressão da cultura afrobrasileira francamente dominada
pelo matriarcalismo e por figuras femininas, em que a força das mulheres foi e continua sendo essencial
para manter essa tradição viva. Os papéis femininos no jongo são imprescendíveis e talvez sem eles, ele
estivesse fadado a um ter um fim.

Nota: as imagens presentes neste trabalho, exceto quando indicado, foram obtidas do documentário “A
Tradição do Jongo da Serrinha”, da tvBrasil.
REFERÊNCIAS
DALE, A.; SERRADO, R.; SERFATY, F. A tradição do Jongo da Serrinha. IN: Expedições. Disponível em <
https://tvbrasil.ebc.com.br/expedicoes/conteudo/a-tradicao-do-jongo-da-serrinha>. Acesso em 1o jun.
2022.
DARCY DO JONGO. In: Dicionário Cravo Albim da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro, Instituto
Cultural Cravo Albin, 2021. Disponível em <https://dicionariompb.com.br/artista/darcy-do-jongo/>.
Acesso em 13 jun. 2022.
Jongo. In: Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Jongo> Acesso
em 1o jun. 2022.
MENDONÇA, A.V.; JÁCOMO, F. Tia Maria do Jongo da Serrinha morre no Rio, aos 98 anos. G1 Rio/TV
Globo. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em <https://g1.globo.com/rj/rio-de-
janeiro/noticia/2019/05/18/morre-no-rio-tia-maria-do-jongo-aos-98-anos.ghtml>. Acesso em 1o jun. 2022.
SETZ, Rachel. Mulheres preservam a ancestralidade do jongo em danças, percussões e brincadeiras.
Rádio Brasil de Fato. Porto Alegre, 2021. Disponível em
<https://www.brasildefato.com.br/2021/07/23/mulheres-preservam-a-ancestralidade-do-jongo-em-
dancas-percussoes-e-brincadeiras>. Acesso em 1o jun. 2022.

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