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Bem-vindos a Bloomusalém

Por Angelo Freire

Bem-vindos a Bloomusalém é uma adaptação dos episódios 15 e 18 da obra-prima do escritor


irlandês, o romance modernista Ulisses (Ulysses, no original), apresentada na Bloomsday’s Eve,
i.e., a véspera do Bloomsday (assim denominado em função do nome do protagonista do
romance, Leopold Bloom), uma comemoração que celebra a obra de Joyce e também a data do
seu primeiro encontro com a sua futura mulher,
Nora Barnacle. Essa comemoração em 2022 é
especial por tratar-se do centenário do romance.
O espetáculo inicia-se com uma leitura de um
texto que nos permite situarmos no contexto
histórico em que a obra foi escrita.
A criatividade da adaptação é impressionante, a
começar com o
cenário que
Foto do Convite da Peça nos remete a
ambiente meio que alienígena, uma superfície lunar, ou algo
idílico, como se fosse um sonho – o que tem muito a ver com
o episódio em questão, em que Mr. Bloom visita um bordel,
durante a sua “odisseia” pela cidade de Dublin, para passar
o tempo e evitar de dar um flagrante na sua mulher, Molly,
que supostamente deveria estar com o seu amante. A partir
daí, passa a ter delírios, dentre eles, o seu julgamento. Um imenso pano com buracos através
dos quais os atores e atrizes expõem as suas cabeças e falam as suas falas. O jogo de luz
completa esse ambiente meio que “de delírio”, dando espaço à imaginação da plateia.
A excelente interpretação do papel de Sr. Bloom,
com um certo toque de caricatura, arranca várias
risadas da plateia. É difícil não rir nesses
momentos. Os outros personagens são
igualmente interessantes e bem interpretados: o
padre, o juiz, os soldados Carr e Compton, Cissy
Caffrey, para citar alguns.
Um outro detalhe interessante, em relação à
sonoplastia, é a utilização de músicas quem nos
remetem à Irlanda. Isso dá uma perfeita
ambientação da peça, levando-nos a imaginar a
Irlanda e a cidade de Dublin, onde se passa o
romance. Também o uso de vozes em off é bastante interessante: causa uma espécie de efeito
surround na peça: de repente, ouve-se uma voz ao fundo, deixando o espectador a imaginar de
onde vem aquela voz, ou se seria uma espécie de uma voz vinda do subconsciente do Sr. Bloom,
já que este encontra-se em um certo estado delirante. Quebra-se a hegemonia do palco e a
atenção volta-se para outro lugar do teatro.
O espetáculo finaliza com o célebre monólogo de
Molly Bloom em sua cama, que corresponde ao
episódio 18 da obra de Joyce. Com o mesmo cenário,
mas agora deitada em superfície semelhante a uma
mesa, a reproduzir a sua cama, a personagem Molly
nos proporciona uma “viagem” aos seus
pensamentos, nesse parágrafo ininterrupto, sem
pontuação, em que a interpretação do ator é
fundamental para dar-lhe a fluidez e todo o sentido
de devaneio que faz jus ao teatro pós-dramático.
Até mesmo para quem não conhece a obra de James Joyce, o espetáculo é extremamente
interessante, capaz de despertar o interesso do público comum por essa obra prima da literatura
moderna, que é Ulisses, além do aspecto do entretenimento enquanto obra de arte cênica.

Onde: Caixa Preta do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC, Bloco D, Florianópolis


Quando: 16 de junho de 2022, às 20:00.

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