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A propósito da disciplina de Português, visualizámos o filme realizado

por João Botelho “Os Maias – Cenas da Vida Romântica”, baseado no romance
de Eça de Queirós. Algo que me deixou bastante intrigada foi a alteração do
subtítulo, sendo o vocábulo “episódios” substituído por “cenas”. A explicação
que me veio à mente reside no facto que este último vocábulo remete para o
texto dramático, que é dividido em atos e cenas. Nesta perspetiva, no meu
entender, esta opção pretende atribuir um teor teatral à peça cinematográfica.

O facto de ser muito extensa foi um condicionante crucial no domínio da


realização, já que constitui uma “missão impossível” retratar todas as cenas do
romance. Não obstante, Botelho faz uma seleção brilhante, abordando de
forma enriquecedora as passagens mais relevantes da obra, dando-lhe o seu
cunho especial sem nunca desrespeitar a visão do autor.

A título de exemplo, depois do casamento de Pedro com Maria Monforte,


Afonso mandou Vilaça tirar os talheres do filho da mesa, metáfora alusiva à
expulsão de Pedro da sua vida. O recurso a galicismos (femme de chambre)
anglicismos (shake hands…) e a referência a presságios de desgraça (Carlos
dizer a Craft que tudo o que nos acontece na vida é ordinariamente mau…) e
contribuem também para a fidedignidade do filme.

Apreciei particularmente o recurso ao preto e branco no início da obra,


uma vez que aponta para a analepse inicial, começando as cenas a cores a
partir do momento em que Afonso vai com o neto para a Quinta de Santa
Olávia.

Curiosamente, o ator que merece maior destaque é, indubitavelmente, o


ator Pedro Inês, pela sua fantástica interpretação de João da Ega, o melhor
amigo de Carlos que, a seu lado, perdeu brilho e encanto. A presença do
narrador desempenha igualmente um papel essencial, já que com um tom de
voz enérgico e expressivo vai elucidando os espetadores sobre a
sequencialidade das ações, parafraseando a linguagem majestosa de Eça.

O ponto negativo do filme, resultante da tal vertente teatral e,


provavelmente também financeira foi a pintura óleo dos cenários exteriores,
que retiraram grandiosidade à descrição dos espaços, dotando-os de uma
artificialidade algo ofensiva quando já lemos a obra, até porque as regiões do
Douro e de Lisboa são de uma beleza notável.

Um ator cuja exibição ficou muito aquém do esperado foi a de Hugo


Mestre Amaro, que deu vida a Dâmaso Salcede. É de destacar que enquanto
esta personagem foi caraterizado por Eça como um cabide de defeitos cómicos
e somente com uma preocupação na vida: o “chique a valer”, que não se
cansava de repetir, aqui parece assumir a postura de um ator dramático, não
suscitando qualquer comicidade, situação agravada pela sua expressão facial
séria e grave.

Feito o balanço global, o filme termina com chave de ouro, já que nos
sentimos imergidos no livro, a ler com satisfação o momento em que os dois
adeptos do fatalismo muçulmano que, após afirmarem convictamente que não
valia a pena apressar o passo para nada, ao se lembrarem do jantar que
tinham marcado, “romperam a correr” para apanhar o “Americano”.

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