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Mãe Stella de Oxóssi * Odé Kayodê *

 Dados biográficos
Maria Stella de Azevedo Santos nasceu a 2 de maio de 1925, em Salvador, Bahia, a quarta filha de Esmeraldo
Antigno dos Santos e Thomázia de Azevedo Santos. Sua bisavó , Maria Conibabê, era africana da etnia ebá, tendo
escravizada aos nove anos de idade, quando foi enganada ao mandaram que ela entregasse uma encomenda em um
navio e assim foi presa e enviada ao Brasil. Mãe Stella de Oxóssi foi a quinta Ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, terreiro
de candomblé em São Gonçalo do Retiro no bairro Cabula, em Salvador.
Mãe Stella estudou em um colégio católico da elite soterapolitana, o colégio Nossa Senhora Auxiliadora, sob a
direção da localmente conhecida a professora D. Anfrísia Santiago.
Formou-se em enfermeira pela Escola de
Foto do site do Axé Ilê Obá
Enfermagem e Saúde Pública,
exercendo a função de Visitadora
Sanitária por mais de trinta anos,
em um centro de saúde.
Por volta dos 13 anos, o seu
comportamento passou a exibir
algo de estranho. Foi levada
inicialmente à Mãe Menininha do
Gantois, que não pode atendê-la, e
então à Mãe Aninha, ialorixá do Ilê
Axé Opò Afonjá, que a deixou ao
cuidados de Mãe Senhora, a qual
realizou a sua iniciação, em 12 de
setembro de 1939, ao 14 anos de
idade, quando recebeu o nome de
Odé Kayodê. Em 19 de março de
1976, Mãe Stella foi escolhida,
A menina Stella (na segunda fila da esquerda para a direita)
através do jogo de búzios, como é a
estudou em uma das escolas de elite mais tradicionais da tradição do Ilê Axé Opô Afonjá, Foto de álbum de formatura na Escola de Enfermeiras da
Bahia, o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora. Era a única Bahia, em 1945. Maria Stella de Azevedo Santos chegou a
aluna negra da sua sala. para ser a sua ialorixá. exercer a porfissão em um centro de saúde de Salvador
Mãe Stella morreu em 27 de depois de já iniciada no candomblé.
dezembro de 2018, aos 93 anos, na cidade do Recôncavo Baiano de Santo Antônio de Jesus.
 Realizações
Mãe Stella de Oxóssi foi uma figura de extrema importância para harmonização da comunidade do Ilê Axé, que
passava por uma fase conturbada. Dessa forma, Mãe Stella
colocou “o rio de volta no seu curso”. O terreiro, para quem não
conhece, possui uma
imensa área verde, a
“roça”, onde são
colhidas as ervas
rituais e estão os Ilê
dos principais orixás:
Xangô, Iemanjá,
Ossain, Exú, Ogum,
Oxóssi, Iansã, Omolu,
Oxum, Nilê, Iroko,
além do barracão, a
Em Benin, Mãe Stella representava uma cultura e uma tradição
Escola Municipal
africana que mantêm os seus laços com o Brasil. A liderança Eugênia Ana dos
religiosa da ialorixá já era reconhecida internacionalmente (Foto
Arlete Soares) Santos – uma escola Em 1987, durante a comemoração da Semana Brasileira na República do
Benin, na África. Mãe Stella integrou a comitiva organizada por Pierre
pública de Salvador Verger. (Foto Arlete Soares)
(Bahia) cuja finalidade é a preservação da identidade do afro
descendente, o Barracão e Oficina de Pano da Costa, a Casa do Alaká, e um museu.
Em 1981, Mãe Stella viajou à Nigéria onde visitou templos e casas de orixás em Oxobô, confirmando simliaridade da
religião praticada na Nigéria e no Brasil, inclusive no aspecto linguístico – muitos dos cânticos eram os mesmos e
foram compreendidos pela população local quando entoados por Mãe Stella, que a acomparanharam nos cânticos.
Entre 17 a 23 de julho de 1983, durante a II Conferência Mundial de Tradição dos Orixá e Cultura, em Salvador, fez o
seu primeiro pronunciamento público, quando lançou ideias originais e revolucionárias sobre o sincretismo.
Em 1986, ela também participou da III Conferência Mundial de Tradição dos Orixás e Cultura em Nova Iorque,
Estados Unidos.
Em 1987, Mãe Stella fez parte da comitiva organizada por Pierre Verger durante a comemoração da Semana
Brasileira na República do Benin, na África, em que a sua presença foi destaque, tendo sido recebida com honras de
líder religiosa.
Um outro importante feito de Mãe Stella foi o tombamento do Ilê Axé Opô Afonjá pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1999, principalmente por que o terreiro estava sendo vítima de ataques
patrimoniais de religiosos evangélicos fundamentalistas – muitas partes do terreiro foram muradas para evitar a
invasão por parte dessas pessoas intolerantes com o Candomblé.
 Obras1
Mãe Stella escreveu vários livros, a saber:
• "E Dai Aconteceu o Encanto", Maria Stella de Azevedo Santos e Cleo
Agbeni Martins; Salvador, 1988.
• "Meu Tempo é Agora ", Maria Stella de Azevedo Santos. 1a Edição:
Editora Oduduwa, São Paulo, 1991. 2a Edição: Vol.1. Salvador, BA:
Assembleia Legislativa da Bahia, 2010.
• "Lineamentos da Religião dos Orixás - Memória de ternura"- Cléo
Agbeni Martins, 2004; participação especial de Mãe Stella - Alaiandê
Xirê- ISBN 8590467813.
• "Òsósi - O Caçador de Alegrias", Mãe Stella de Òsósi, Secretaria da
Cultura e Turismo, Salvador, 2006
• "Owé - Provérbios" - Salvador - 2007.
• "Epé Laiyé- terra viva", conta a história de uma árvore que ganha
pernas e vai lutar pela construção de um mundo que respeita o meio
ambiente. Em sua trajetória o personagem ganha ajuda do orixá
Oçânhim, divindade que domina o conhecimento sobre o mundo Odé Kaiodê - nome de iniciada de
vegetal. Salvador - 2009. Mãe Stella - na foto de sua posse
como ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá,
• "Opinião - Maria Stella de Azevedo Santos - ialorixá do Ilê Axé Opô
em 17 de junho de 1976. (Foto Bruno
Afonjá - Um presente de A TARDE para a história", reunião de textos Füher)
publicados no jornal A TARDE na coluna "Opinião".

 Premiações2
A ialorixá também recebeu várias premiações em reconhecimento da sua importância para a comunidade e cultura
negra na Bahia:
• Em 2001 ganhou o prêmio jornalístico Estadão na condição de fomentadora de cultura.
• Em 2009, ao completar setenta anos de iniciação no Candomblé, recebeu o título de Doutor Honoris Causa
da Universidade do Estado da Bahia. É detentora da comenda Maria Quitéria (Prefeitura do Salvador),
Ordem do Cavaleiro (Governo da Bahia) e da comenda do Ministério da Cultura.
• Em 2010, recebeu das mãos da vereadora Olívia Santana uma placa pelo centenário do terreiro Opó Afonjá
ao lado do ministro da Cultura, Juca Ferreira e do secretário estadual da Cultura, Márcio Meirelles, no
Plenário da Câmara de Salvador, Bahia. (fontes: Diário Oficial do Legislativo, 15 de julho de 2010.)
• Em 2013, foi eleita por unanimidade para ocupar a cadeira 33 da Academia de Letras da Bahia, cujo patrono
é o poeta Castro Alves. Tomou posse no dia 12 de setembro de 2013.

 O Sincretismo segundo Mãe Stella


Mãe Stella foi pioneira a combater o sincretismo religioso. Ao responder à pergunta – o que a senhora acha do
sincretismo? – em uma entrevista, ela afirma: “Não tem mais valor na atualidade. Uma vez que você tenha

1
Mãe Stella de Oxóssi. In: Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <
https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A3e_Stella_de_Ox%C3%B3ssi>. Acesso em: 15 mai. 2022.
2
Mãe Stella de Oxóssi. In: Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <
https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A3e_Stella_de_Ox%C3%B3ssi>. Acesso em: 15 mai. 2022.
consciência do que você pratica, consciência da força de cada orixá, logo, da força das obrigações que você faz, vê
que, para que sua religião tenha valor, não é necessário que se misture com a outra, e outra que a repele. Isso é
resquício da escravidão. Antigamente, quando a repressão policial era intensa, a maioria dos candomblés tinha missa
de São Jorge, etc.”3 Esse é um passo fundamental para o reconhecimento do Candomblé como religião de origem
africana, para o resgate da cultura africana ancestral, para a consciência negra e para o apagamento da repressão
por parte da Igreja Católica contra a religião e cultura africanas. Com a aproximação realizada por Mãe Stella com os
países africanos, em especial o Benin e a Nigéria, tornou-se ainda mais claro a não necessidade do sincretismo
religioso e a necessidade de retomarem-se as reais tradições africanas. Mãe Stella também opôs-se à “folclorização”
do Candomblé promovida pelo carnaval de Salvador. Afinal, é uma festa profana e o Candomblé uma religião séria e
ancestral, merecedora de respeito por todos, praticantes e não-praticantes.

 Triste fim de uma vida de lutas, conquistas, conhecimento e cultura africana


Em 11/12/2017, o portal de notícias G14 noticiou: “Mãe Stella de Oxóssi deixa terreiro com companheira e mudança
gera conflito com integrantes do templo na Bahia”, dando início ao triste fim de uma vida de lutas, conquistas,
conhecimento e cultura africana. Mãe Stella teve uma companheira por 12 anos, filha de santo, psicóloga e escritora
Graziela Dhomini. As relações entre a sua companheira e sociedade Axé Opô Afonjá – que aparentemente era
contra que as duas continuassem morando juntas, foram gradativamente se degradando, culminado na mudança de
residência da Ialorixá para a cidade de Nazaré das Farinhas, no Recôncavo Baiano, contrariando o desejo da
sociedade de que Iya Stella permanecesse morando no terreiro. “Com a idade avançada, estava com a saúde
debilitada há, pelo menos, dois anos. Sofreu um acidente vascular cerebral, perdeu parte visão e se locomovia com a
ajuda de uma cadeira de rodas. Desde 2016, não participava de cultos e festividades do terreiro”, noticiou o jornal
Bem Paraná, quando da morte da ialorixá, em 27/12/2018.
Atos de violência contra a ialorixá e sua companheira, como esta alega na entrevista ao portal G1, levou-a a registrar
ocorrência policial e culminou com a disputa judicial quando morte da líder religiosa sobre onde deveria ser o local
de seu sepultamento. O TJ-BA resolveu que o velório e sepultamento deveriam ser feitos no Ilê Axé Opô Afonjá,
dado o tempo que Mãe Stella dedicou à vida religiosa no terreiro e na sua comunidade. Não se pode dizer que esse
foi um final à altura de uma pessoa do nível de Mãe Stella de Oxóssi.

Para quem teve a oportunidade de conhecer essa sapientíssima mulher, como eu, sabe o quão importante ela foi
para a religião, para a sua comunidade e para a população negra de Salvador em geral. Em questionário elaborado
pela psicóloga e autora Vera Felicidade de Almeida Campos com 100 pessoas do Ilê Axé Opó Afonjá, à pergunta “que
mudança Mãe Stella propicia em você”, foi repetido muitas vezes: “a ialorixá ensina, muda, questiona e orienta.”; ou
com as palavras – crença, confiança, responsabilidade de me sentir como pessoa, autoconfiança que eu não tinha,
certeza, noção de disciplina, etc. Em relação a “que mudança ela promoveu nesta cidade?”, a resposta unânime foi
que ela transformou a ideia que se tinha sobre o candomblé e o negro” (CAMPOS, 2003, p. 84).

A memória de Mãe Stella e todos os seus feitos vai continuar viva nas mentes e
corações tanto de praticantes e não praticantes da religião do candomblé,
baianos e não baianos, negros, pardos e brancos, pela sua luta para o maior
reconhecimento da religião e cultura africanas no segundo país em população
negra no mundo, mas onde a qual ainda é tratada de forma indigna e desumana.

Nota: todas as fotos em preto e branco são provenientes do livro “Mãe Stella de Oxóssi: perfil de uma liderança religiosa”, de Vera Felicidade
de Almeida Campos, tendo sido mantidas as legendas originais e os créditos, quando existentes.

3
CAMPOS, Vera Felicidade de Almeida. Mãe Stella de Oxóssi: perfil de uma liderança religiosa. 1a edição. Vol. 1. 1 vols. Rio de
Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor Ltda, 2003, p.58.
4
Disponível em < https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/mae-stella-de-oxossi-deixa-terreiro-com-companheira-e-mudanca-
gera-conflito-com-integrantes-do-templo-na-bahia.ghtml>

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