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MOISÉS, Mastaud — A Literatura Portuguesa.

São Paulo,
a
Editora 3. edição, 1964, 410 pp.

Sai a público a terceira edição desta obra, dedicada aos estudiosos


da Literatura Portuguesa e aos interessados em iniciar-se nela.

O A. dividiu-a em dez capítulos, e que são os seguintes: Introdução,


Trovadorismo, Humanismo Classicismo, Barroco, Arcadismo, Romantismo,
Realismo Simbolismo e Modernismo.

Na Introdução, além de estabelecer o condicionalismo geográfico de


Portugal, apertado entre o mar e a terra, o A . assinala as tônicas impor-
tantes da atividade literária portuguesa, importantes como pré-requisitos
para a compreensão do espírito dos artistas e das obras: o sentido predo-
minantemente lírico das criações, desde suas origens, na Idade Média,
até a Atualidade; a quase inexistência do teatro como gênero desenvolvido;
a presença de certos artistas, em geral poetas, que, superando a limita,
ção da visão lírica da realidade e os empecilhos naturais impostos por
especial condição geográfica, atingiram inegável universalidade. Aponta
então quatro figuras: Camões, Bocage, Antero e Fernando Pessoa.

Passando ao estudo dos movimentos literários em si, embora no-


tando a limitação didática que, segundo o crítico, s-e opõe muitas vezes,
à verdade, assume um processo didático que em nada desfigura a reali-
dade. Estuda as preliminares dos movimentos literários, cercando-os "ie
visão histórica e cultural, levantando as influências exercidas por outras
culturas. Somente depois disto é que o A . passa a observar detalhada-
mente as características dos movimentos, dentro de um processo dinâmico,
crítico-interpretativo e valorativo. Acompanhando e desenvolvendo tal
processo lógico, para as figuras mais importantes da poetas e prosadore",
o A reserva textos antológicos, que, naturalmente, nos fornecem visão
parcial dos problemas, mas permitem apontar alguns aspectos mais ex-
pressivos .

Por outro lado, na análise do processo literário, observa-se a ten-


dência de caminhar para a valorização idas fôrmas literárias, a poesia, o
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romance, a novela, o conto, mostrándose que o teórico da literatura ca-


minha ao lado do crítico literário, e anda aqui, ocorre, pelo exposto, a
preocupação didática.

Aliás, a oposição entre a didática e a verdade é colocada por um


sentido de autodefesa, em favor da interpretação literária, e contra o
esquematismo e não constitui prevenção com relação à didática, já que
em certo aspecto esta é aceita. Basta que nos reportemos ao que afirma
M.M. a certa a'tura do prefácio:

"Decorre daí o caráter didático — enquanto espírito, não enquanto


programa — que o livro se esforça por adquirir. Mas há que entender tal
espírito didático como busca da clareza, da ordem do pensamento, sem
violentar demasiadamente a verdade (esta e a didática são inimigas por
natureza). Também não se deve entendê-lo como impessoalidade ou mesmo
despersonalidade. Ao contrário: desejei dar minha interpretação dos fa-
tos e das obras, sempre que possível e necessário. Por isso, havia que
adotar — e adoto — um critério de julgamento fundamentalmente estéti-
co, segundo o qual se entende por Literatura a expressão, pela palavra
escrita, dos conteúdos da ficção, da imaginação." (pp. 11-12).
Estas afirmações que julgamos importantes, não 6ó pelo fato de
serem incisivas, como especialmente peia definição de um método de es-
tudo do fenómeno literário, portanto de assentamento de uma opção no
focar os elementos, devem estar de: acordo com o que vai realizar o A .

Assim é que, dentro dos movimentos literários, M . M . apontará os


autores, as obras que expressam mais fielmente as doutrinas estéticas,
criando assim uma interpretação dinâmica e crítica, limitando ao essen-
cial, os dados históricos e biográficas, aproveitando-os na medida que
sirvam para explicar alguns problemas da Literatura.

E óbvio que o A . enfatize a problemática das origens, das caracte-


rísticas, que cada período fornece a outro, neste processo osmótico, que
mostra a evidente continuidade das correntes literárias. Ainda para
afirmar os dados críticos, M.M.. manteve bem escolhidos textos antológicos,
muito embora, dentro do Neo-Realismo e da Atualidade, autores da ex-
pressão de Vergílio Ferreira, José Rodrigues Miguéis, José Régio, Fer-
nando Namora e Agustina Bessa Luís, tenham ficado esquecidos neste
particular, lembrados que foram, em poucas palavras, quanto a aspectos
de sua obra. Aqui houve a necessária e cautelosa reserva por parte do
A., ditada pela exígua perspectiva histórica.
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Acreditamos que, conquanto não sacrificasse os dados históricos e


talvez por isso mesmo, o crítico e o teórico da literatura logrou obra
sobremaneira equilibrada, na análise dos movimentos e autores.
Não obstante a afirmação da interpretação pessoal da Literatura
Portuguesa, ao aprofundar as idéias, no respeitante às fôrmas literárias,
romance, novela, conto, poesia, M . M . atingiu uma visão impessoal, e
portanto de maior valor. Realizou assim aquilo que se propunha: abarcar
ensaisticamente, estabelecendo a discussão e evitando a polêmica. Outra
virtude Ido livro reside naquilo que é processo de localização das tônicas
em toda a extensão da Literatura Portuguesa e, quando fosse o caso o
destaque do que foi superação da mera captação individualista da realida-
de (caso do Romantismo), para se atingir à universalização. É o que
ocorre nas apreciações críticas propostas em torno de. poetas como Fer-
naldo Pessoa, Camões, Bocage e Antero, onde o A . , com rara lucidez,
destaca os aspectos universais destes artistas, que superam a tônica lírica,
dominante em toda a extensão da Literatura Portuguesa. Taisi poetas,
partindo de uma concepção filosófica da vida, e não deixando de ser pro-
fundamente portugueses, no seu assunto e estilo, superaram, através de
um gênio superior, a limitação sentimental e geográfica portuguesa.
Aliás, acerca do assunto, assim se pronuncia o A . :
"Diante da angústia geográfica, o escritor português opta pela
fuga ou pelo apego à terra, matriz de todas as inquietudes e confidente
de todas as dores, centro de inspiração e nutridora de sonhos e esperan-
ças. A fuga dá-se para o mar, o desconhecido, fonte de riqueza algumas
vezes, dfi males incríveis e de emoção quas? sempre; ou. transcendendo
a estreiteza do solo físico, emigra para o plano metafísico, à procura de
visualizar numa dimensão universal e perene a inquietação particular e
egocêntrica." (p. 13).
Do interesse em justificar os fatos da Literatura Portuguesa, apoian-
do-se em ciências como a história e a geografia, resulta numa atitude
cultural com relação ã literatura, concebida como ficção, embora eviden-
temente não ocorra a tendência eruditiva. Situou o A . sua interpretação
dos aspectos literários em Portugal portanto, em bases inegavelmente
sólidas.
Concluindo, a obra vale como uma interpretação dinâmica da Lite-
ratura Portuguesa, e apresenta um sentido ensaístico bastante profundo
confirmando os dotes de crítico literário e de teórico da literatura, que
possui o A .

JOÃO DÉCIO

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