ABEL: Ela vem, mas eu acho que é isso, você conseguir ter esse médio e longo prazo
e essa perenidade da continuidade das coisas...
ENTREVISTADO 2: Hoje até falo demais, né ABEL: Para a estrutura que a gente tem também, de repente numa outra estrutura, com outra grana, com outra coisa, a gente poderia até ter uma resposta mais rápida. Eu não, eu não acredito que não, porque eu acho que o fator tempo é muito importante para consolidar as coisas. Mas eu acho que tem muito disso, como a gente está produzindo cidade, quando a gente desconstrói essas semióticas. Aí voltando ao que o Jairo falou, que a gente está falando de serviço, por exemplo, aqui no Loucura, a gente tem duas coisas que são as, vamos dizer assim, resumindo, as frentes do Loucura, ele funciona ao longo do ano, de segunda a segunda, né. Então, quando vem aqui os agentes de saúde, o pessoal da enfermagem, o estagiário, os residentes, eu falo assim, "pô, cara, sabe o que a gente faz aqui nas oficinas?", porque as oficinas do Loucura foram sempre abertas para todo mundo, não tem delimitação com o público. Então, claro que é preponderante pela natureza que vem o pessoal da rede de saúde mental, mas vem crianças, vem idosos, vem vizinhos, vem funcionários, tudo. Mas vamos dizer que, tipo assim, essa coisa dessa semiótica que a gente tem sobre o quê que a gente pensa que é o louco, que é loucura, a imagem que as pessoas têm é a imagem de um momento de crise. Então, quando você pensa no louco, a imagem que vem na cabeça da pessoa, a primeira imagem é o momento de crise. Quando o cara vem na oficina aqui toda semana, todo mês, todo ano, vários anos, ele começa a ver, não é que a pessoa não tem momento de crise, mas que ela não se resume a um dia de crise. E ela começa a ver outras coisas, que várias coisas que levavam aquela pessoa, que por sorte não levaram você, mas você entende perfeitamente que você poderia estar em crise com aquilo ali. Porque você vai ver quem procura um serviço público de saúde mental, são pessoas onde os níveis de desigualdade ultrapassaram qualquer tolerância. As pessoas param aqui por racismo, por pobreza, por homofobia, por transfobia, por violência doméstica, por assédio, por morar na rua, por outra... e as vezes todas essas coisas combinadas numa pessoa só... ENTREVISTADO 2: Um desejo. ABEL: Perder alguém que ama, sabe? Então quando você começa a... desemprego... então o cara também nesse dia de oficina fala: cara, eu também não sei, cara, se eu tenho um filho, se eu tenho uma mulher, não consigo levar comida pra casa, por que eu não... ENTREVISTADO 2: Eu consegui ser agente de saúde aqui. ABEL: Po, que bom que eu tive estrutura quando aconteceu algo como esse, e eu consegui, de alguma forma, não parar aqui, mas eu não posso achar um absurdo a pessoa ruir por causa de desemprego, ruir por causa de fome. Aí você também aprende sobre isso, tanto a ter um olhar mais complexo sobre o quê que é essa crise, e também no dia que a pessoa não estiver num bom momento, você já viu outros trezentos, seiscentos, mil dias de momentos também únicos e diferentes. De uma pessoa que ri, que vibra com você, que te dá bom dia, que faz um suco, toma um café. E aí quando aquele momento chega, você também vai olhar: pô cara, o quê que a gente pode fazer? Não é mais porque você só está vendo aquilo, você está vendo uma pessoa que é muito mais complexa e muito mais diversa do que aquela única imagem que você tinha... ENTREVISTADO 2: E surpresa, e surpresa ENTREVISTADO 3: Nossa, isso que você falou que o pessoal rotula, né, a imagem da crise, aí eu lembrei lá de Petrópolis, quando nós fomos na faculdade fazer uma apresentação, aí a diretora lá chamou, pô a mulher chorando, a mulher falou: pô, me desculpe! eu tinha uma imagem... ela falou: achei que você ia vir aqui e ia fazer um monte de merda. Palavras dela... gente de saúde mental... ABEL: Achou que era tipo apresentação da escola... achou que era isso... ENTREVISTADO 3: Ela falou: pô, o ritmo é tão redondo que a gente... ABEL: E isso aí a gente já tava mais de dez anos fazendo o que faz... o pessoal não acredita ENTREVISTADO 3: Não, direto! Ela chorando... Ela pediu desculpa e falou: pô a gente... quer dizer, ela chamou, ela já tinha uma imagem. Quer dizer, chamei, mas vem aqui, toca pra um lado, toca pro outro... o troço tão... SANDRA: Porque essas imagens são fortes, não é? ABEL: É, é difícil. Aí você precisa de tempo ENTREVISTADO 3: pra exercitar, né SANDRA: Mas você pensa que, por mais que tenha o trabalho da Nise, todo mundo acha que, enfim, aquilo ali resolveu... não foi bem assim, né ABEL: foi a largada, né, foi a largada... ENTREVISTADO 2: Mas teve alguém que colaborou também, que faz o nome dessa sala. ENTREVISTADO 3: Ontem mesmo, no Benjamin Constant, com uns garotinhos lá, eu peguei... Eu ia falando né, sou o Feijão, ia refazendo na caixa. Quer dizer, reproduzindo o som... É tudo exercitável. Quer dizer, às vezes tem gente que, entre aspas né, “normais”, que não conseguem. Mas tudo é exercitável. ENTREVISTADO 2: Fomos ontem em uma... ENREVISTADO 3: É, no Benjamin Constant... ENTREVISTADO 2: Fomos ontem Numa exibição. Mas quem exibiu bem foi alguém que não tem ninguém, que eu falei de máscara né, mesmo que tirasse a mascará né, vê que ele tem dificuldade né. O quê que acontece, pegou a baqueta da mão do Fernando: (som de batida) eu pensei até que era convocação pra sair pro colégio lá, não foi? ABEL: E é muito isso, entendeu? A oficina, ela faz esse... É o cimento do negócio, que é esse dia a dia. É um dia a dia de, por vários anos, sustenta o negócio, a continuidade. E aí você tem o desfile. O nome desse desfile é “A Culminância”. E aí é isso, hoje em dia, no desfile do Loucura, hoje em dia não, mas há alguns anos, vem gente de toda a cidade, vem gente de outros estados, vem gente de outros países, e coisa e tal. Tem essa predominância das pessoas que estão nessa, nessa experiência de vida aí, no campo da saúde mental ENTREVISTADO 2: O que eu falei da questão das surpresas, acabou o Abel falando. É gente de todo lugar, não é? ABEL: Exato. E aí eu acho que o desfile, ele faz esse papel. Ele convida, numa forma mais potente, a sociedade civil como um todo, para isso que a gente falou lá no início: que saúde mental é uma questão de todos. E que a gente apresenta, via o carnaval, uma cidade possível. Não é para sair com as coisas resolvidas, mas sai com a dúvida. ENTREVISTADO 2: E a pior coisa que a gente detecta, que nos torna impotentes, às vezes com nós mesmos, é que nos consideram muito carentes e fracos. Não podemos nem ouvir falar que o Flamengo, vamos dizer assim, que perdeu, que a gente já era, achando que escondendo, é melhor. Entendeu? Lembra? ABLE: É. CAMILA: Geralmente, os desfiles ocorrem onde? ENTREVISTADO 2: Às vezes pode surpreender. ABEL: O desfile, ele é naquele portão principal. CAMILA: Sim. ABEL: A gente literalmente abre o portão e vai todo mundo pra rua. Hoje não dá mais para abrir o portão, porque já tem uma galera na rua também. Mas um monte de gente chega cedo pra abrir o portão e sair com a gente. CAMILA: Sim, aí vocês andam por aqui? ABEL: A gente desce aquela rua principal toda, vira, aí para na praça. Aí só pra vocês entenderem, todo ano tem um concurso de samba. A galera compõe, concorre e tal. Nesse momento, a gente desfila com o samba que ganhou. Aí para na praça, descansa um pouco. Normalmente tem uma bandinha, toca baixinho. E a gente volta. Quando volta, a gente canta os sambas dos carnavais antigos do Loucura. Então é legal que todo mundo sabe tudo quanto é samba do Loucura, de todos os anos, então o desfile do Loucura é um playlist do Loucura. A gente até riu pra caramba, né, que dia 18 de maio é o dia nacional da luta antimanicomial, e sempre tem um ato no centro da cidade, aí chamaram a gente pra fazer um desfile na Rio Branco. Aí a gente meio que tentou a sorte, né? fomos cantando os sambas do Loucura, quando viu a Rio Branco, toda cantando, aí eu falei: aí o Engenho de Dentro está no centro da cidade. ENTREVISTADO 2: Porque se for praeu contar com o meu interador de momento, aí está descarregado. Então eu tenho que ir mesmo no que dizem que eu tenho, né? Suspeito com isso, né, aí eu fico com ele descarregado, olha ABEL: Isso aí a gente resolve fácil ENTREVISTADO 2: Mas aí consegui. A gente sai no embalo, no "oba, oba"..."Oba, oba, oba", aí você ignora. Mas é que quando a gente fica criticado, porque condena os artifícios da modernidade, a gente tem medo de que sucumba com as suas antiguidades. Mas não, foi implicância minha. Eu fui querer usá-lo descarregado, entendeu, João? Então quer dizer que você tem uma ótima participação em todas as nossas histórias que possamos contar, que você possa contar uma melhor ainda editada. ABEL: É, é isso aí! ENTREVISTADO 2: O Fernando editou uma história que eu quero... muitos já vimos de outros momentos. Foi quem? Acho que é Paulo Borges, não? Acho que é Borges. Ele tentou fazer uma mesa em que colocava todo mundo falando. Comunidade, coisa e tal, nos anos 70, na colônia. Não é uma ideia nossa, que não quero dizer que vocês possam viver como avaliador próprio. Você pode até me pegar depois para falar, já vi, conversando com você. Mas naquela época já tinha alguém que já tinha. ABEL: É, ninguém tá inventando a roda, não, a gente só está fazendo girar. ENTREVISTADO 2: Viu? SANDRA: Eu ia perguntar era a coisa da tua trajetória... Você começa então como um voluntário? É isso, né? ABEL: É, na verdade, eu conheci aqui por causa desse lugar, porque vários dos meus amigos iam parar no cemasi, que era o cemasi Gonzaguinha. Aí dentro do cemasi tinha também a, que começou nessa época final de 90, era uma associação de familiares aqui do Pedro 2°... ENTREVISTADO 2: ÉPOCA. ABEL: ‘ÉPOCA’, que hoje é o CNPJ que a gente usa para concorrer aos editais. E aí, nisso, o negócio de tocar, coisa e tal. Depois, eu voltei a vir mais pro Loucura pontualmente mesmo era 2003 para 2004, que um amigo veio aqui e me chamou, aí um pouquinho depois, um amigo... Porque tinha isso, assim: como eu não morava aqui, e tinha essa coisa de pô a galera que não mora aqui, que mora no centro pra zona sul... ENTREVISTADO 2: Eu vou me arriscar. Eu vou me atrever a me arriscar... mas a Nádia não te ajudaria, não? ABEL: O quê? ENTREVISTADO 2: No começo, quando eu... por conta de botar o chute no palco em falso... A Nádia, que trabalha aqui no FIFES, né? Falando que eu... Tem muito tempo que eu não vim com a gente, mas ela teve muito tempo também com a época ABEL: Sim, sim. ENTREVISTADO 2: Não é isso? ABEL: É. Sim ENTREVISTADO 2: Que pode falar mais sobre ele, porque às vezes ele fica acanhado, né? ABEL: Não, porque... não, esse negócio da época até... nem é muito minha praia, não. Meu negócio é mais de cavaquinho, é... Não, porque o que acontece: quando vem esse... muita gente vinha para cá, e aí, ou pra cá, ou pra algum lugar mais para baixo, e ligava lá pra casa por dois motivos: ou um pra avisar que estava por aqui, porque o cara já quase não vinha. Aí ele fala: "Pô, eu vou lá pra perto da onde eu moro", "Pô, eu vou passar lá no Engenho de Dentro"... ou então era um monte de gente que não sabia andar. E aí ligavam. Aí minha mãe até vivia me gastando: "Ah esse povo não anda, não sabe onde é que é? Quem quer saber onde e como que chega em Ricardo de Albuquerque? Não sabe onde é que é Mariopoli? Não sabe onde é que é nada?! ficam ligando aqui para casa... Você é a página amarela dessas pessoas?!" [Risos] Eu falei: "Não, o povo vai aprender". Aí, nisso, um amigo veio aqui no Clarice. Aí ele ligou: "É, vai ter o aniversário do Capes, aí a gente vai fazer um chorinho lá, e eu lembrei que você mora no Engenho de Dentro. Você não gostaria de vir não, pra encontrar com a gente lá?" Aí, nisso, eu vim aí no Clarice, era 2007, 2006, 2005... sei que era nessa faixa aí. Aí, eu conversando com o pessoal, eu fui batendo papo: "Pô, eu moro aqui, coisa e tal, não venho aqui há um tempo já, mas cresci aqui, sempre vinha. Na época que eu vinha, ali ainda era o CAPES... ENTREVISTADO 2: Eu fui no seu casamento ali no bar do Rogério. ABEL: Foi! Eu lembro disso aí! No bar do Rogério, é... Aí o pessoal: "Pô, que legal isso aqui", aí, eu passei a vir. Tipo isso: já que o CAPES é território, vou vir visitar. Aí, nisso, eu comecei a vir. Aí, gente, primeiro, na época eu estava na Faculdade de Geografia, e aí uma coisa que me chamou muito a atenção é que a galera usava muito essas palavras: “território, não sei o quê...” aí um dia, eu perguntei, que eu falei assim: “o que vocês chamam de território?" porque tem umas palavras, vocês devem ver isso direto né, que todo mundo é uma unanimidade, elas existem, mas elas são uma entidade, é tipo: se defina Deus. Cada um vai falar uma coisa, o território vira e mexe, passa por isso aí. Nós todos aqui, cada um vai dizer que território é uma coisa, e pá... E aí, a gente fez um... que foi, que foi uma coisa que me ajudou muito, que foi uma coisa que me interessou na época, que eu comecei a ler as políticas públicas de saúde mental, essa galera que a gente estava falando, que era o Basagra, o Rotelli, aqui o Pedro Gabriel, que foi, inclusive, o irmão do Pedro Gabriel, o deputado federal que fez a Lei da... o Paulo Gabriel, foi ele que botou em votação a Lei da Reforma... E o Paulo Amarante, por exemplo, essa galera toda. Aí eu falei: "Pô, não! tem super a ver essas coisas!” A gente começou a, fez um grupo de estudos informal. Nisso, eu continuei frequentando aqui, e aí eu tinha, na época, uma teoria, voltando àquelas coisas da semiótica, que eu estudava muito a categoria "lugar". E aí eu pensava assim: "Pô, a gente não vai quebrar o muro e abrir o portal, né?! Então, como é que a gente quebra o muro por dentro?" E aí essa categoria "lugar" fala muito disso, que o lugar, mais do que um aparato físico, ele se define pelas relações que você constrói dentro dele. E aí foi a ideia que eu tive de fazer a oficina que tem até hoje, desde 2007, que é a Oficina --------. É que aí chegou o Fernando, que é, foi a primeira turma da Oficina. Alunos zero um, aluno zero um... SANDRA: Qual que é a oficina que vocês têm aqui? ABEL: Aqui tem a bateria, que é do Fernando, tem um ateliê, que é aqui embaixo. Aí tinha uma escola de informática, que tem adereço, tem moda e fantasia né? Que faz adereço de cabeça... ENTREVISTADO 2: Aqui não era muito o que eu, minha fase que aqui tinha, né, que eu gostava.. Aí chegou o Fernando... Aí chegamos, aí me viram também, um cara que veio, foi se apresentando, aí me viu saindo da, eu vinha da escola, mas não foi muito a minha, vocês vêem que eu não tenho nem no passado pra ele, um computador, pra ficar olhando pra mim, e eu pra ele, não. Gente vai ter cansado, vai ter empatia. É, porque eu fui um, porque eu fui um dos primeiros alunos, mas não foi esse laboratório ABEL:aí nesse laboratório, o quê que aconteceu: isso de democratização da internet. E aí quem dava aula no laboratório eram os usuários aqui. E aí só que aqui, cara, é a galera não... Ninguém tinha computador, não tinha nada, era um mundo novo que estava começando. Então a galera do bairro todo começou a vir aqui fazer aula com o olho doido, como usar Word, como usar Excel. E o troço bombou. ENTREVISTADO 2: Eu não passei do Paint. Eu não passei do Paint. ABEL: Por exemplo, para os que passaram do Paint, a gente abriu uma editora. Vou mostrar pra vocês aqui, vem aqui. Aí saíram... Aí é isso, galera. Vamos dizer que 95% do nosso... do nosso público não tem grana pra fazer vídeo. Aí a gente elabora estratégia. ENTREVISTADO 2: É algo que já deu um vencido na gente. Não precisa mais gastar dinheiro. ABEL: É, é... Aí gasta a gente. E, sei lá, a gente...por exemplo, esse livro aqui... não é esse, não. Teve uma senhora, a dona Giva, ela queria fazer uma biografia dela. Aí a gente já tinha feito um livro nesse formato, aí a gente falou assim: "Dona Giva, se você vender 70 livros desse aqui, a R$7,00, R$10,00, a gente consegue imprimir 30 livros pra senhora. Vai dar R$700.00. A gente imprime o seu livro e paga o ilustrador, paga o revisor, dá essa entrada e vai dar tudo certo, e ela: então tá". Aí ela vendeu tanto que ela falou: "Ah, eu não quero mais fazer o livro, não. Quero fazer mais um monte de cópia desse aqui". Tem isso, tem um outro que é o Domingos, ele fez vários livros aqui. Ele era de Igreja Batista. Antes de existir, ele já era o mestre da pré-venda. Ele já chegava aqui: "Olha, eu já vendi 50 livros. Pode mandar fazer. Já estou com o livro só pra se editar, achar a capa"... aí ia fazendo. Aí a gente ia bolando estratégia com o que era possível fazer, fazer rifa, pré-venda... ENTREVISTADO 2: Aí pegava essas nossas peças, que eram nossas pedras preciosas, pra realizar um chamativo, para que alguém pudesse comprar as nossas obras... ABEL: É isso. ENTREVISTADO 2: A gente fica assim, que é meio que pedra nos sapatos. Ninguém gosta de fazer alguma coisa que vá direto implicar a disposição pública. Mas, pelo que eu entendo, a gente extrapolava, né?! ABEL: É... Aí é meio que isso. Desse negócio de CDI, editora. E aí a gente, quando conseguiu aqui ter a sede, porque essas coisas estavam tipo assim: as fantasias, no ateliê, era um negócio, uma sala no sexto andar e um portão de garagem aqui embaixo. Os instrumentos eram em um outro lugar lá, ali na entrada, não sei se vocês viram, mas era um barracão grandão. Ali era a capela do Necrotério. A gente reformou, pintou tudo lá... ENTREVISTADO 2: Eu quebrei um pouco esse estilo, realizando a única cerimônia que teve aqui de casamento. ABEL: É ENTREVISTADO 2: O resto era tempo de relação de roupa ABEL: Quebrou o protocolo, quebrou o protocolo... E aí isso é outra coisa que também tem no desfile. Tem esse negócio da música e coisa e tal, que por exemplo, como morava muita gente aqui, a gente recebia doação, ninguém tinha fantasia. A gente começou a reformar essas fantasias e fechar lá. Porque as pessoas vinham e reservavam, aí montavam o chapéu que queria, com o casaco que queria... ENTREVISTADO 2: Vocês sabem o que convenceram? Um coelho tipo um... E eu com aquilo aquela fantasia. Quando eu andava ensandecido tentando tocar, eu com aquele pompom. Sabe essa daquele pompom? ENTREVISTADO 3: Porque tem isso também, o nome da bateria, Ensandecido. ABEL: É, Ensandecido é o nome da bateria. E aí, por exemplo, a parada tinha essa ideia de pessoas que reservavam. Só que a gente abriu no carnaval e aí passava um monte de gente na rua: "Pô, posso pegar também?" E aí virou uma coisa do desfile. A gente abre lá, duas horas, uma hora da tarde, passa um monte de gente... Vizinho entra na rua, desce do ônibus: "Ah, posso montar aí?” deixa o teu documento, telefone, aí geral devolve. Acaba o desfile, volta aqui e devolve. ENTREVISTADO 2: É questão minha, pessoal. É como se fosse alguma coisa que... É, trabalhar aqui. Uma coisa da... isso era de verdade ABEL: É meio que isso. O desfile é correria. Tem a editora, tem a de música. A minha é daqui, da Santa Clarice, que é hoje a tarde. É a oficina livre de música. Os ensaios da bateria são aqui. Embaixo aqui tem o ateliê. E lá na frente, o barracão. Que ele abre mais pra véspera de carnaval. E aí, ao longo do ano, tem umas atividades extras, que as vezes, por exemplo, a gente cede o espaço, como foi o próprio Viradão. Às vezes a gente reúne as oficinas. Agora, no 18 de maio, o Nise fez uma série de atividades que tem outros serviços hoje, como essas coisas cultural, a travessia, o próprio museu. Aí fez atividades, criou um calendário comum né, pra quem viesse visitar, frequentar tudo... A gente também faz muitas atividades na praça, rodas de samba. Na época dos editais, por exemplo, muitas vezes o ano do Loucura se sustentou com editais pra eventos de rua. A gente fazia o evento de rua. A gente também trazia a galera lá. Montou uma roda, aí trazia, por exemplo, Zeca Timba, Efson, Barberinho, os compositores aqui da área... e tal... ENTREVISTADO 3: E o Gabrielzinho? ABEL: O Gabrielzinho veio com o Cacique de Ramos... mas teve, por exemplo, um dia que a gente fez uma aula pública por cima na rua... então a gente fazia várias paradas na praça. Quando inaugurou o Bosque ali atrás, a gente fez um show que foi o Jongo da Serrinha, a Bateria e a Roda de Samba no Bosque também. A gente faz várias coisas ao longo do ano, mas as duas coisas grandes que tem, fora o desfile, é o desfile e o dezoito de maio, que é quase um carnaval fora de época. GABRIEL: E assim, além do trabalho que vocês fazem com o carnaval, com a música, vocês têm alguma mobilização mais política? Vocês têm algum intuito político de transformação social no sentido de despertar uma consciência em relação à saúde mental e tal? ABEL: Eu acho assim, tem uma coisa, a gente está falando das coisas semióticas, isso é uma pergunta muito semiótica. Se você olha pra tudo isso aqui e não consegue ver claramente que tem uma série de direcionamentos, a forma como o Jairo está na conversa, tudo como as pessoas, ninguém, todo mundo aqui se trata pelo nome... Se você não consegue olhar pra tudo isso, e não consegue ver uma clara manifestação do que como a gente entende o que é saúde mental, ou a gente tá fazendo muito mal o nosso trabalho, ou você que também tá muito confuso do que eu tô falando. Eu estou falando mal para caramba também. É isso. Eu até brinco, porque eu falo assim: olha, aqui o nosso barato é o seguinte, a gente festeja lutando, a gente luta festejando. Cada um com a sua abordagem. Não é uma coisa também pra cancelar isso não, eu acho que cada um compra o seu papel onde é melhor. A gente precisa de gente pra tencionar nas arenas do debate político, na Câmara, nos sindicatos profissionais. A gente tem também o que a gente chama de associação de usuários. Mas o nosso trampo, acho que é além da atitude de construir esse dia a dia... [ininteligível] ENTREVISTADO 2:...É como os simpósitos, né? ABEL: Aqui o seminário... ENTREVISTADO 2: que eu mesmo participei, né? ABEL: É, esse ano, por exemplo, uma das programações desse coisa que teve no mês, foi uma questão que a galera falou, toda vez que tem um seminário, tem não sei o quê, quando chama alguém que usa o serviço de saúde, é sempre uma coisa meio mediada. Ou o cara é o convidado da mesa... aí ele falou: a gente quer uma mesa em que todos sejam usuários. O mediador, o apresentador, o explanador. E aí nesse coisa que teve, o Jairo foi, a galera foi. Aí eu acho que é muito isso. Até eu brinco, quando o cara fala assim, "o que você acha que é o Loucura?" Eu falo: "cara, não posso dizer, porque na cabeça de cada um aqui vai virar igual o território, cada um é um negócio, mas eu posso te falar no meu lugar." ENTREVISTADO 2: Cada um quer que se veja... Você falou, você disse várias vertentes, foi uma boa coisa, se disser assim, de conveniência, uma coisa bem pública, traz a pergunta dele. É, dizer assim, um redimensionamento da face que você tem. Eu considero você uma face que já tem muito envolvimento em tudo. Você é muito capaz. Você é uma pedra fundamental na sua vida. O que está acontecendo aqui, eu diria, você sabe como é que qualquer que passar mais dentro, ou não sabe, que é a nossa ambição. Aqui dentro, também temos, não é um pecado, ambição, de querer ter um espaço sempre melhor que o outro, de que possamos vir a ter um acesso às coisas. Então, quando falam de usuário, aí a gente pensa, "a ele, os anos, o Jairo e o Abel e esquece, por exemplo, de grande verdade. Existem usuários de mais de 300 anos, ou seja, todos. Os frequentadores de usuário e antigos, que são frequentadores. Então, a gente tem uma cultura, focar mesmo, porque é difícil, uma ideia de estender o pessoal, quer dizer, guardar o pessoal e tentar vir com um foco do que traz tanto de coisas que voltaram ao inquérito da gente, ou porque os problemas que causam expurno, de dentro pra fora, é de forma muito complexa, de tanto como é mais fácil, de fora para dentro. Alguém falar da gente é muito melhor. Não é isso, o que eu estou falando? Não é isso, não? ABEL: É, mas é, a ideia é essa. Muita gente falou aqui porque não podia falar sobre o quê que era. Então, já que é pra fazer um negócio diferente, que as pessoas falem sobre o pessoal. Aí, voltando ao que você estava falando... por exemplo, muita gente pergunta aqui, coisa do tipo, principalmente que aqui vem muita gente da saúde, principalmente. Fala: “ah, mas isso aqui é terapêutico”, não sei o que... Aí eu sempre faço a mesma pergunta: “cara, vamos pensar em história da humanidade, há quanto tempo existe a música e há quanto tempo existe a terapia”... Aí: “ah, por que você tá perguntando isso?” Porque você está dizendo que uma coisa que chegou depois, está dizendo que ser musical é menos do que... Cara, aqui é um lugar, como eu falei, do meu ponto de vista, é um bloco de carnaval. Aqui a gente faz música, a gente faz bateria, a gente faz fantasia, a gente faz livro. Aqui no EAT, o Jairo pode até ser usuário, mas aqui ele é Jairo. Eu não estou lidando com o usuário, estou lidando com o Jairo. Aí é isso... é o Fernando, é a Juliana, é a Sandra, é o Abel... O papo aqui é esse. Esse é um ponto. O outro ponto é que eu falo assim: "Ah, mas não é pra não ser terapêutico?" Acho que aí entram duas coisas pra a gente pensar. Por conta dessa política de editais, até da forma como a gente precisa sobreviver pra acessar esses recursos, é como se você andou até um caminho e não andou depois dele, parou ali. A gente democratizou o recurso, naquele momento que você precisava desses encaixotamentos pra demarcar essas pessoas, os grupos, seja culturais, seja com interabilidade. Demarcar essas coisas pra o recurso chegar com um pouco mais de seguridade. Só que aí você não fez uma coisa que é o depois, que é do tipo assim, "Tudo isso aqui é uma cadeia, tá interligado". Então, eu entendo que eu precisei muito tempo dizer que música é legal porque é uma coisa boa pra desenvolver a mente do garoto, segundo o termo escolar, assim como eu penso que o esporte é legal porque desenvolve a capacidade cognitiva. A música, as atividades artísticas, via essa construção que a gente vai fazer sobre o edital, sobre como aplicar... ENTREVISTADO 2: O editoria foi uma coisa que se expressava a rude informações que tinha, que tentava serem respeitadas pelo fato de terem sido colocadas, expostas. E a gente, aqui quem fosse que vive, geração de recurso, que é a mão de um pobre usuário colocada ali expressada, vinha com ele. Essa ideia era propriamente assim. Por isso que eu falei pro exercício do-------, é colocar de forma pessoal o garoto, o galardão, o -----, que não pode vir lembrar que não possamos ter sucesso, nem conhecimento. Muitos aqui estão retraídos demais. E às vezes a gente impressiona-se muito quando um -------, que eu falo de conveniência, se colocar obscuramente naquelas formas subjetivas. Eu vou lá perguntar, eu não gosto de falar, mas ele já está falecido, acho que não vai reclamar muito, mas eu poderia dizer do Kleber, sim, o Kleber colocado tanto as divergências e diferenciado de jeito próprio contra as diversidades e dificuldades que ele encontrava de se conciliar com os outros no condomínio em que ele morava. Ele criou a... ABEL: O lagarto. ENTREVISTADO 2: É, o lagarto! Nós não falamos sobre o lagarto, né? ABEL: Não, é, pô.E daí ia virar videogame a parada. Ele era brabo. Então, exatamente isso que o Jairo tá falando. Quando a gente... quando você encaixota essas paradas, é um primeiro passo para você fazer a coisa fluir e chegar até as pessoas. Aí falta uma coisa que a gente não conseguiu avançar. Que, pra gente atender esses editais e conseguir um mínimo de recursos, a gente despersonalizou a finalidade do objeto artístico. É como se fazer arte não é o suficiente. Porque se ela não é uma coisa pro cara ter um segundo turno escolar, ela não é um desenvolvimento cognitivo, ela não é uma coisa pra te dar foco, se ela não for nada além de ser arte, ela não vai achar mais sentido pra a sociedade. Porque você compartimentou e finalizou tanta coisa e a gente teve que abraçar isso de tal jeito pra acionar o recurso. Não deixa de ser uma alienação. ENTREVISTADO 2: Vai voltar a ser uma alienação. ABEL: E é isso: você alienou o sentido da arte pro próprio produtor e fazendo---- sobreviver. ÍRIS: Qual que vocês acreditam que é o grande propósito do bloco? ABEL: Cara, o nosso grande lance aqui é ser bloco. E eu falo isso....