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ANTÔNIO ALVES FERNANDES

Contador de histórias
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

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Quem é Antônio?.....................................................................2
Entrevista...............................................................................3
INTRODUÇÃO

“QUEM É ANTÔNIO?”

Nascido no interior em Jucás e criado em Iguatu, Antônio Alves


Fernandes carrega um grande repertório de vivências e histórias
para contar. Viajado, cursou direito em Fortaleza e continuou o
curso no Rio de Janeiro, tendo duas filhas nascidas lá, e logo após
foi mandado para Brasília à trabalho, passando 22 anos na capital,
onde teve um filho. Ao se aposentar, voltou para as terras
nordestinas se fixando em Fortaleza novamente, como ele mesmo
diz, para “Aproveitar a boa vida.”

Com fala fluida e engajada, não houveram dificuldades para sua


habilidade de contar histórias e suas piadas, sempre com um
público a seu dispor, seja ele pequeno ou grande, amigos ou
familiares, e até mesmo desconhecidos não resistiram ao carisma
de Antônio. Desde pequeno sua extroversão foi forjada, tendo sido
escoteiro durante 5 anos, sua primeira platéia foi conquistada nas
rodas de fogueiras de acampamentos, onde os rapazes
compartilhavam do humor para matar o tempo e, mesmo sem
terem conhecimento disso, criar memórias que ao longo da vida
seriam resgatadas. Antônio faz parte de uma geração onde os
pequenos momentos de partilha, humor e cumplicidade eram muito
mais valorizados, e que infelizmente, parecem estar se perdendo na
era digital, deixando assim, uma herança pouco aproveitada, mas
com um valor imensurável.

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Antônio carrega em sua voz e trejeitos toda a sua vida, e isso é
percebido sem ao menos uma palavra sair de sua boca, sendo essa
uma das maiores qualidades de um bom contador de histórias:
Contá-las apenas com o olhar, antes mesmo de serem transmitidas.

Entrevista

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Entrevista com Antônio Alves Fernandes em 9 de março de 2023.

Beatriz – Você pode contar um pouco de como foi a sua vida pra gente?
Onde você nasceu, cresceu? Principalmente do lugar onde você morou?

Antônio – Eu me criei lá no Iguatu. Fiz até o ginásio lá. Aí minha família veio
para cá, meus pais, pra gente fazer o segundo grau, né? Estudei em escola
pública, estudei no Liceu e depois no Figueiras Limas. O Figueira Limas é
estadual, né? E fiz faculdade de Direito na Federal, mas naquela época, nem
tinha faculdade particular. Aí, quando eu passei pro Banco do Brasil, eles me
mandaram pro Rio de Janeiro. Aí, eu não consegui transferência para
Federal, porque o Banco do Brasil é sociedade de economia mista, não é
órgão público, então, não me dava direito, aí eu fui pra uma particular e
terminei numa particular quando eu conheci a minha mulher, e casamos, né?

Beatriz – E você pode dizer se você lê muito, um tipo de livro que você gosta
de ler?

Antônio – Ah, sim. Bom, eu sempre gostei de ler, quem faz direito,
normalmente, tem que ter... Normalmente, não é que tem que ter, mas
normalmente gosta é de escrever, né? E a leitura é que ajuda a gente. Eu
tinha um professor de português que ele... A gente chama ele de doutor de
redação. Ele fazia uma redação, era o Valdir Sombra. Uma redação em casa,
uma redação na sala. Todo dia. E aquilo me facilitou, tanto que o meu
trabalho, eu era chefe de gabinete em Brasília, eu escrevia muito pro
consultor. Muito trabalho pra ele. Então, eu gosto de... Eu não é livro de
autoajuda, mas de lições espirituais, lições de vida. Eu tô lendo até um muito
bom, que é “Virtude da Raiva” que é de um neto do Mahatma Ghandi. Morou
com ele como o Lucas (neto de Antônio) mora comigo, né? E ele tirou muitas
lições de vida. Porque ele disse que é bom você ter raiva, não pode
ultrapassar essa raiva, mas a raiva te ajuda também. E também eu gosto de
livros assim, de narrativas. Por exemplo, esse menino aqui (refere-se ao livro
“Um longe perto” de Marcelo Lins) é jornalista da Globo, Marcelo Lins, nesse
estúdio aí, ele aparece muito. Ele viajou o mundo todo. Aqui, ele esteve em
Amsterdã, ele esteve no Vietnã, ele esteve em Hong Kong, e... E parece que
você está viajando com ele, um pedacinho do mundo, lendo. Então, é um
livro ótimo. Então, eu chego a ler os dois livros ao mesmo tempo. Quando eu
estou aqui, que está me cansando, aí eu vou para outro. É totalmente
diferente, né? Eu sempre gostei de ler.

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Beatriz – Então, tem alguma pessoa pra quem você gosta mais de contar
suas histórias?

Antônio – Eu gosto de contar, eu gosto é de público. Tanto para os amigos,


tendo gente pra me ouvir, igual o palhaço, o artista, né? Então, eu sempre fui
piadista, sempre tive assim um... Uma veia humorística, como todo cearense
tem, sempre gostei de contar piada. E cada um tem seu jeito de contar, né? E
por onde eu passo, por onde eu passava, na verdade... Eu tô mais velho,
aposentei, no meu trabalho, meus amigos, hoje eu conto mais piada. Aí,
dependendo do público, você faz uma triagem, né? Então, o público aceita
uma piada mais forte, tem uns mais infantis. E, através das piadas, você
conta muitos causos, histórias que você ouve, que às vezes você aumenta
um pouco ou diminui, dependendo da circunstância, né?

Luís – É muito comum do pessoal do interior os causos.

Antônio – É, muito. Eu conheço vários. Eu tinha uns amigos que eu adorava


sentar com eles, pra tomar uma cervejinha, molhar as palavras, né? Como a
gente costuma dizer. E pra ouvir os causos deles. E assim eu saia contando
do meu jeito também. Muito, muito, muito bom.

Beatriz – Onde você cresceu, havia muitas histórias para serem contadas?
Muitas vivências?

Antônio – Sim, havia. Eu cresci... A adolescência... Não, foi a infância em


Iguatu e a adolescência foi em Fortaleza. Então em Iguatu tinham muitas
histórias, eu fui escoteiro lá durante cinco anos, então a gente tem uma
vivência muito boa com o povo, com a igreja, né? Tinha sim.

Beatriz – Certo. Na sua família, você lembra de algum contador de história,


assim, que falava as coisas pra você?

Antônio – Na minha família, não. Não, acho que foi... Foi nato mesmo, foi
comigo. Eu nasci gostando de conversar.

Beatriz – Pegou a parte extrovertida.

Antônio – É, exatamente.

Beatriz–Certo. E como foi que você descobriu que gostava de ser um

contador de história, que você gostava do público?

Antônio – Eu acho que foi ainda na adolescência, quando eu fui escoteiro


durante cinco anos, depois eu fui guia de escotismo. Naquela época eu me
reunia... Eram 32 escoteiros, um grupo, né? Um grupo escoteiro tem quatro

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semigrupos. Então, nessas reuniões, a gente fazia o “Fogo do conselho” à
noite, quando a gente acampava. No “Fogo do conselho” você reunia os
amigos, os escoteiros faziam um círculo numa fogueira, e a gente ia contar
histórias e fazer brincadeiras. E tem uma muito engraçada, naquela época já
era uma bobagem mas a gente achava o máximo, porque a gente chegava lá
e dizia assim... “Olha, meu Deus, que calor danado! Que calor danado! Como
é que a gente faz, né? Para melhorar isso aqui?” Aí eles... “Quem sabe?
Vamos pedir ajuda lá!” Aí dizia... “É, manda um camelo. Eu não consigo
sozinho. Ela não está me ouvindo. Quem quer me ajudar?” Aí vem mais um,
e mais um, aí dizia... “Eu pedi um camelo, me mandaram dois, quatro burros.”
Era uma bobagem, mas era muito bom. Naquela idade da gente, com 14
anos... A gente desenvolvia essas brincadeiras. (risos)

Luís – Então, de onde vieram as suas histórias?

Antônio – Sempre de rodas de amigos. E algumas de livros também. Tem


uns livros direcionados, que eu gostava de ler, ainda tem uns aí. Mas era de
amigos mesmo, no dia a dia, na rua. E eu tenho a capacidade muito boa de
gravar, isso ajuda muito. E tem uma coisa que o Chico Anysio, eu já fui umas
três vezes no show dele, uma vez ele falou uma coisa interessante no show
dele: Os contadores de piada, é fundamental que conte a piada e deixe as
pessoas aproveitarem, rirem. Porque você contou piada, e você já está
contando outra, está errado. Isso eu aprendi. Então deixe o pessoal rir,

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porque às vezes você atropela e você perde o pico da próxima piada. Ou da
própria história, né?

Luís – O senhor acha que um contador de história muda a vida de uma


pessoa? Tem muita influência? Pode ter muita influência sobre a vida de uma
pessoa?

Antônio – Ah, acho que sim. Eu acho que sim. Porque eu tomava como
experiência muitas dessas histórias de vida. Por exemplo, aqui (refere-se ao
livro “A Virtude da Raiva”). Aqui são histórias que esse menino conta. Que ele
adquiriu com a vida. Que ele adquiriu com... Eu com a minha idade, 76 anos
ainda estou adquirindo. E modificando alguma coisa que eu pensava que era
certa.

Luís– E na sua opinião, quais as principais características de um contador de


história?

Antônio – Ser extrovertido. É saber ter discernimento de quando está


contando o tipo de pessoas para quem você está contando para não
extrapolar. Porque você tem todo tipo de público. Tem público que gosta de
ouvir besteira, já tem um público mais jovem, que não se sente bem. Então,
eu sinto logo o clima. Porque tem gente que vai rasgando o verbo. Agora,
uma vez em São Paulo, eu fui no Natal de um amigo nosso. Ele é aqui do
Ceará. Casou-se com uma japonesa. Muito amigo, é vivo ainda, ele é igual a
mim, tem netos. E no jantar do trabalho dele, eu comecei a contar umas
histórias com os amigos, umas piadas. Porque piada é assim, você conta
uma, e vai contando mais. Aí, me botaram em cima do palco pra eu contar.
Tinha uma banda tocando, acabou de tocar, aí eu disse: Eu vou contar, mas
vocês vão...Vocês tem que ir falando, contando também, para poder...
Porque aquilo é uma gasolina, né..

Luís – Ainda nessa onda de contar a história. Tem alguma história que você
gosta de contar até hoje, que você conta há muito tempo?

Antônio – Ah, tem, tem uma que é assim... Bem de salão, mas eu acho
fantástico. Essa é verídica. Um amigo nosso, que foi meu dentista uma
temporada em Iguatu, doutor Zé Aurício, que já faleceu, ele contava para
mim que ele tinha uma empregada já de 4 ou 5 anos que trabalhava com ele,
a Maria. E ela se enamorou com o cara aqui, e resolveu ir embora para São
Paulo. Se casou com o cara e chegou para ele dizendo “Doutor Aurício, o
senhor poderia me prestar dois mil reais? Eu lhe garanto que eu vou ganhar
dinheiro em São Paulo e eu lhe devolvo. Eu não juntei dinheiro, mas estava
gastando e eu não tinha como gastar e nós vamos começar a nossa vida lá.”

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Aí ele pensou no sacrifício e foi no banco, tirou, deu o dinheiro a ela. Passou
um ano, dois anos, a Maria nunca deu notícia. Ele disse que às vezes ele
brincava com Lucimar, que é a esposa dele “Ei, Lucimar! E Maria? Podia
mandar esse dinheiro hoje, para fazer uma feira, hoje estava precisando.”
Mas disse que um dia o interfone tocou. Era sete da manhã, no sábado, ele
estava em casa. “Doutor Aurício, aqui é a mãe da Maria, dona Lúcia. Maria,
que é de São Paulo, trouxe comida para o senhor”, aí mandei subir. Aí ele
botou mais uma xícara na mesa, e falou para a Lucimar “Nosso dinheiro
chegou, graças a Deus, é hoje que vamos fazer uma feira boa. Maria
mandou, sabia que ela ia mandar.” Aí disse que a dona Lúcia subiu, botou
café e ele perguntou como estava Maria. “Tudo bem, ela não quis ter filho,
está muito difícil a vida. E eu fui agora lá, fiquei três meses com ela, doutor
Aurício. E aí ela mandou essa carta para o senhor. Eu não sei o que tem aí
dentro”, aí ele pensou que devia ser o dinheiro, abriu e era uma carta mesmo.
Aí a Maria dizia assim, olha só a espiritualidade dela: Doutor Aurício, você
sabe que a vida continua difícil, até hoje não consegui juntar o dinheiro para
lhe pagar, mas eu queria um favor do senhor, dá para o senhor me emprestar
quatro mil? Aí o senhor desconta os dois que eu estou lhe devendo e manda
os dois outros.

Beatriz – Ai meu Deus!

Antônio – É genial! Aí ele disse que ficou com tanta raiva, ficou com tanta
raiva e disse “Dona Lúcia, deixa eu pensar, sabe que eu ando tão duro, não
vou ficar devendo essa à Maria, eu não vou poder emprestar os quatro mil
que ela quer, ela vai continuar me devendo os dois.” Eu acho essa história
ótima! Ela é verdadeira, e é de uma pessoa simples, mas esperta!

Luís – Enfim, e para os futuros contadores de histórias, o que você teria para
dizer para eles?

Antônio – Olha, eu tenho a impressão que é nato isso. Uma pessoa já nasce
gostando. Por exemplo, eu sou muito atrapalhado. Em Brasília, eu fui ao
enterro errado, fui a casamento errado. Eu já fui assaltado no Rio de Janeiro
e fui preso como ladrão de banco. Então, as histórias que... Tanto que meus
amigos falam “Escreve um livro. Se você gosta de escrever, vamos publicar.
Porque o seu livro vai fazer sucesso. Porque além das histórias... É histórias
que você conta, né? Tem histórias da sua vida.” Muita coisa interessante.
Mas eu acho que é isso, viu? Eu acho que é muito da pessoa, normalmente,
as pessoas que são mais extrovertidas, né? Porque os amigos que eu... Em
Brasília, eu tinha um amigo, o Nelson Batata, nós dois, a gente fazia parceria.
Quando a gente sentava, contando piada, só faltava pra pessoa botar um

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chapéuzinho e pagar pra gente. Porque uma chama a outra, né? Então, é
muito o que... Agora... É, porque se a pessoa tiver tendência, aí... É
desenvolver, é ler um pouquinho, porque eu li muito sobre humor também.
Você aprende muita coisinha boa pra você acrescentar nas suas histórias.

Luís – E você acha que os contadores de história, como antigamente, são


valorizados hoje em dia? Tem a mesma importância?

Antônio– Não, eu acho que antigamente tinha mais. Hoje quem a gente vê
de contador de história, são essas meninas que sentam nos teatros e vão
contar histórias. Contador de histórias, que eles chamam. Mas não dessas
histórias do dia a dia, né? Mas essas histórias são mais profissionais. Acho
que elas ganham pra... Você já viu isso. Eu levei muito lucro. E também... Eu
conto histórias. Eu também sou bom contador para os meus netos. Aí eu me
sento com eles e... Invento, né? Aumento, um dragão vira dois...

Luís – E pra finalizar, se você pudesse dizer algo pra uma criança que sonha
em ser contador de história, o que você diria?

Antônio – Não, eu digo, olha... Para criança, desenvolva. Desenvolva seu


lado humorístico. Não tenha vergonha, vá contando, vá errando, vá
acertando, mas vá em frente, que um dia você vai se tornar um grande
contador de história... Esse pessoal que... Como é que a gente chama esses
livrinhos de pessoal que canta? Eles ficam um falando com o outro, um
dobrando com o outro, você compra os livrinhos de... Cordel! Entendeu?
Então, os cordelistas são contadores de histórias também, viu? Eles contam
histórias livres, histórias interessantes Então, é isso aí. Se o garoto tem essa
tendência, é que ele devolva, é que ele leia, que ele acompanhe, leia esses
livros de Cordel.

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