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Hamilton Toledo

IMAGEM CAPA

Hamiltão, o boêmio filósofo!

Organizado por Paulo Prol Medeiros


Hamilton Toledo

Hamiltão, o boêmio filósofo!

Organizado por Paulo Prol Medeiros

[2]
Às noites inesquecíveis de boêmia no Gonzaga em Santos
Índice
Introdução
1 .Dezembro/1986
2. Dezembro/1986
3 .Maio/1989
4 .Maio/1989
5 .Setembro/1989
6 .Setembro/1989
7 .Setembro/1989
8 .Novembro/1989
9. Novembro/1989
Conclusão

[4]
Introdução

Hamilton Toledo, foi um frequentador assíduo das noites de boemia no bairro do Gonzaga em
Santos entre os anos 60 e 80. Em uma de suas cartas contidas aqui ele diz ter frequentado ali por 30 anos.

Foi funcionário de corretora de café, posteriormente afastado por problemas de saúde, devido a
herança, tinha casa própria (a tabua para dormir, como ele dizia) e uma outra casa alugada que
proporcionava uma renda (a abobrinha para comer, como ele também dizia), o que lhe permitia ter como
rotina acordar tarde, ler muito e passar a noite nos bares discutindo filosofia, política, cinema, teatro etc.

Pelo que ele relata em suas cartas e em conversas que tivemos chegou a ter um bom padrão, pois
diz ter viajado o Brasil todo, esteve na Argentina, frequentou bons restaurantes e casas de São Paulo, tinha
carro inclusive.

Quis o destino que ele contraísse AIDS na década de 80, após uma relação sexual com um vizinho.
Apenas uma das cartas aqui transcritas são anteriores a AIDS, todas as outras já são deste período de
morte anunciada e as cartas vão revelando seus traumas, também seus preconceitos de alguém formado e
criado no século XX. Apenas este relato pessoal já vale a publicação e registro.

Relendo suas cartas percebi que muito me influenciaram nossas conversas e achei um desperdício
isso ficar em uma gaveta e um dia ir para o lixo quando eu morrer, então decidi dedicar um tempo a
digitalizá-las e deixar aí na Internet para que o anjo das bibliotecas (aquele que escolhe o melhor momento
para você ler exatamente aquele livro que você está precisando), agora um anjo digital, coloque estes textos
sob os olhos de alguém que os aprecie e faça algum proveito, como eu fiz tendo conhecido Hamilton na
minha juventude e revisitado agora já prestes a ser um sexagenário.

Pré Internet, celular etc

Há que se ter mente que os textos são de alguém que nem chegou a conhecer celular ou internet,
por isso trocávamos correspondência mesmo morando na mesma cidade. Some a isso o fato dele estar na
época com AIDS e eu ter duas filhas pequenas, além da desinformação e preconceito sobre a doença.
Ainda assim cheguei a visitá-lo algumas vezes, nas cartas ele menciona outros que iam até ele, como
Condesmar, Beth e um psicólogo chamado Paulo.

Bairros boêmios

Santos infelizmente não tem mais o que poderíamos chamar de um bairro boêmio. A segurança,
os shoppings e os hábitos mudaram. Existem baladas aqui e acolá, um bar ou outro que fica até mais tarde,
mas não um bairro que concentre tudo isso. As capitais costumam ter: Vila Madalena em São Paulo, Lapa
no Rio por exemplo. Na Europa e em Buenos Aires ainda existe e bem forte.

Cenário político cultural

O período que ele frequentou o Gonzaga é basicamente o período da ditadura militar. Apesar de
ser um período de repressão, havia uma efervescência política. O debata ficava restrito a classes medias
altas e o meio cultural como teatro, cinema etc mas havia e forte.

[5]
Ali conheci gente do MR8 como Cecilio e Betão que ainda vejo por aí, outros do PCB que na
época era partido clandestino, cheguei a ser convidado para uma reunião do PCB em São Vicente, mas
não fui. Lembro-me de um episódio que uma pessoa ficou sendo suspeita de ser um “araponga” (um
infiltrado a serviço da ditadura), pois havia sido visto entrando no 1º. Distrito da Av. São Francisco no
centro. Foi hostilizado por dias, porém depois descobrimos que a mãe dele trabalhava lá....

O apartamento do Hamilton, no Marapé, nunca foi um aparelho do partido, mas chegou a abrigar
por dias, gente procurada pela ditadura.

Rubens Ewald Filho, o famoso crítico de cinema era frequente por ali no Gonzaga, além de
Maurice o fundador da cinemateca da cidade que existe até hoje. Sobre o Maurice tem uma passagem
engraçada, estávamos na mesma mesa e ele paquerando minha namorada, hoje minha esposa, na cara dura.

Filosofia

No cenário filosófico, Hamilton gravitava de Kant até Sartre. Ele menciona que não via o
existencialismo com a estatura de uma filosofia, então pesa forte no pensamento dele Schopenhauer,
Nietzsche além de Freud e Marx.

Tenho que ser honesto e confessar que muito do que se discutia de filosofia nas mesas daquela
época eu não conseguia captar o entendimento. Eu era um jovem que estava ali para tomar cerveja e
encantado de estar com gente tão inteligente.

Na época, minha futura sogra, me emprestava uns livros do Harold Robbins, livros de ação e
aventura que eram “best sellers”. Um dia eu com um destes livros na bolsa, começo a escutar que o papo
começa a girar para a crítica contra este tipo de literatura. Harold Robbins é inclusive citado na mesa e eu
concordo com todos na crítica, espero a deixa e vou embora lendo no ônibus... Harold Robbins.

Mesmo os textos aqui apresentados têm trechos enigmáticos para a grande maioria das pessoas.
Parece-me que o existencialismo que Hamilton nem via com a estatura de uma filosofia, venceu, e hoje os
pensadores têm a missão de quebrar os paradigmas culturais contemporâneos e fazer a sociedade avançar
e então novos pensadores enxergarão novos paradigmas a ser quebrados. Assim vamos evoluindo
questionando: por que existem escravos? Por que as mulheres não votam? Por que os homossexuais não
podem se abraçar e beijar em público? Por que a dor dos animais não me comove? E assim vamos
evoluindo.

Mas apesar de complexos os temas, existem trechos do texto do Hamilton, e são muitos que dariam
deliciosas pílulas de conhecimento, bem comuns nestes tempos de Twitter e Memes:

“Minha opção pelo Bem, não me livra do mal”


“nossa desgraça é devido a civilização que nos escraviza ou à nossa imperfeição que nos condena
à essa escravidão?”
“O negócio é pau na maquina e pau na bunda dos prejudicados” ao que depois ele acrescentou:
“mesmo que o prejudicado seja eu”.

Antes de preparar este volume, cheguei a pensar em apenas ir postando nas redes estas pequenas
frases e dando o crédito a Hamiltão, o Bonitão.

Ele tinha mania de chamar todo mundo de Bonitão e acabou ficando conhecido por muitos como
o Bonitão.
Boa leitura.

[6]
Capítulo I
.

16/12/1986

Já estava com muita saudade de você. Foi muito bom te encontrar. Antes
de tudo um bom Natal para Claudia, a menina 1, e para você também. Aqui vou
na forma de costume. Acho mais só, mais maduro e mais triste. A gente lê para
curar os objetos da nossa consciência individual, e acaba adoecendo dos objetos
da história da consciência universal. Cada dia que passa fica mais difícil para
eu fazer a minha investidura humana no mundo. Preciso disso, mas não
sei o que fazer para conseguir. Estou bastante isolado do meu próprio
brotar. O que a gente precisa na vida é de uma ação que nos faça amado
de nós mesmos...tão simples e tão problemático ao mesmo tempo, não?
O que mais me mete medo na vida, é que o nosso compromisso com o
Bem, não livra a gente do Mal. Leio então aqueles iniciados que transcenderam
as imagens do Bem e as imagens do Mal, única forma de se obter uma iluminação
ou êxtase, mas não tenho folego para a coisa, falta-me um elo vivo de ligação
com a vida. Não tenho vínculo nem de ordem pública e nem de ordem passional.
A gente vai podando tudo e o que sobra é de boa qualidade, mas a gente não
pode abraçar, então a gente fica pronto pra entrar no caixão e arrear a tampa.
Que horror!...

Será que a vida tem algum sentido independente daquele que o homem dá
para a vida? Ou o homem é o único doador de sentido para a vida? Quais os
verdadeiros fins da vida? Quais os verdadeiros fins da morte? Será que o sentido
mesmo da vida está fora da significação do homem?

As vezes penso que a vida mesma é burra e asnática do ponto de vista do


homem. Mistério ou absurdo? Acho o homem uma unidade daquilo que é dado
com aquilo que é construído: vive em dois mundos. Vive no mundo de Deus e
vive no mundo do homem. A relação é mais de oposição do que de harmonia,
sim? A vida é um mistério que tem que ser vivido e e que não pode ser explicado.
Mas o homem quase que esgota a liberdade da razão tentando compreender e
explicar...quem consegue esgotar toda a liberdade a liberdade da razão e faz
disso um trampolim para o mistério pode dar um salto e faturar ainda que por
momento a eternidade ou infinito ou coisa que o valha, sim? Mas como conseguir?
O que os grandes doadores de sentido fizeram: Sócrates, Buda, Cristo foi
misturar sabedoria e vida e tornar a vida mais...digamos, domesticada, sim?

No fundo a vida ilustra a plena natureza do infinito e não mero ideal do


homem, sim? Andei lendo muito o existencialismo, é uma mera ideologia. Não
atinge a dignidade de uma filosofia, agora falta segundo Sartre uma ontologia
1
Ainda havia nascido apenas minha filha Poliana.

[7]
para o marxismo, que segundo ainda o Sartre é a única Filosofia que existe
atualmente. Ele tentou fundir tudo. É sabido como mostrou George Luckas que
as categorias ontológicas somente se resolvem através de categorias
sociológicas. Qual o verdadeiro fim da humanidade? Produzir um indivíduo
emancipado? O existencialismo traz (quando traz) a emancipação individual, mas
parece que só o marxismo traria eventualmente a possibilidade de uma
emancipação mais geral. A liberdade do homem é vazia e não se apoia em nada.
Ele recua diante dela. Tem medo, cai na história. Não pode transcender a história.
Realiza então valores e não se realiza realizando aqueles valores. A história é
uma porca velha que como seus leitões como disse Joyce. Não há uma realidade
histórica trans individual instaurada. Não existe ainda um sujeito trans individual
instaurado. O homem age na história, mas não faz a história do homem. Onde
se agarrar então? O homem é contingente finito perecível razão do homem é
frágil. O que existe de positivo nisto tudo é uma única coisa: a liberdade do
homem. Liberdade que está atolada mais ou menos em todos nós. Procuro me
expandir, interiormente tento ser senhor de mim. Que tarefa mais difícil...

Acho bom na vida evitar a dispersão e a dissipação e deixar que a visão


fique única, assim ela ficará plena de luz. Acho que o dom absoluto e o destino
absoluto eis aí o trágico realizado e suprimido ao mesmo tempo, sim? No fundo
como diz Kierkegaard a liberdade é um golpe de audácia que ele na incerteza
objetiva uma certeza mas com a paixão do infinito. Descobrir em nós e
reapoderarmo-nos de nós próprios e ir de encontro com essa paixão do infinito
que já se acha inscrita em nossa intimidade eia aí a grande questão, sim? Não
há sinal no mundo, O homem tem que improvisar, tem que fingir (no sentido de
criar) uma destinação para si mesmo.

Gosto quando vejo um corredor de automóvel correndo. Ele transcende as


vicissitudes das ideias e dos sistemas e dá de cara com as vicissitudes da vida
real. Na sua luta sem perspectiva contra a história ele deixa a história de lado e
ainda que dentro dela, corre. Equilíbrio perfeito entre vida e morte. Contemple a
eternidade sem perecer.

Mistério tremendo a morte, e, contudo, parece que a morte finita individual


não integra o mistério. Parece que a vastidão e totalidade da vida fica intocada
com apenas a morte dos indivíduos, sim?

Faz tempo Paulinho que a gente não se fala, não se escreve de forma a
encontrar aquele ponto onde as nossas experiências se tocam de maneira que
cada qual saiba ao certo do que o outro está falando, vai ser um pouco difícil. As
vezes posso até falar a propósito, mas do que no momento não te vem muito a
propósito, sim? Mas com transcorrer das cartas a gente vai corrigindo isso aí da
melhor maneira que pudermos, sim? Mas me escreve de vez quando. Parece que
ele está dando aulas, e vejo ele com uma moça no Gonzaga, namorada de uns 3
ou 4 anos já. Ele está razoavelmente bem.

[8]
Desta vez não te falei muito da minha história individual, mas a coisa é
simples: uma bruta incongruidade entre afeto e corpo. A gente olha para o mundo
e para nós e retorna ao objeto da nossa intrínseca desventura. Levei isso a sério
e antevejo para mim uma noite escura da alma. Se eu conseguir ultrapassar isso
pode ser que eu fique bem caso contrário todo o meu esforço foi completamente
inútil. Faz 30 anos que leio loucamente. Atualmente tomo meio comprimido de
Haldol, uma camisa de força química. Foi assim: eu bebia pra segurar os próprios
problemas, não comia direito, lia muito, não dormia direito, comecei a sentir uns
tremores involuntários dos nervos, alguns abalos físicos. Eu me desgastava muito
e não conseguia transformar a minha paixão (eu lia com paixão) em criatividade.
Tudo não passava de uma agitação vã, e eu emagrecia muito, então comecei a
tomar Haldol, mas ele interfere: hoje estou muito aquém do meu real pique de
leituras. Que fazer? Paciência. Queira fazer de mim um escritor, mas me faltou
folego para tal.

E assim a gente vive entre a esperança e o desalento. Sei que o sublime, o


maravilhoso, o absoluto, nasce mesmo do prosaico, para depois a ele retornar
novamente. Mas é preciso ter uma base sólida na vida banal, para se especular
sobre uma vida mais plena, e eu somente tenho um apoio na vida banal: minha
casa (comprei a parte que me faltava comprar) tenho uma grana no banco. Dá
para durar gastando uma salário-mínimo por mês uns 50 meses. Depois disso
pego uma aposentadoria de uma salário-mínimo também. Como na casa de uma
irmã. Mas mesmo assim a minha situação material é muito constrangida, que
fazer? Recomendações para a Claudia, beijos na menina, como ela se chama? E
para você um grande abraço.

[9]
CAPÍTULO II

Frater Paulinho

Um grande abraço,

Dos livros do Marcuse eu gostei do Eros e Civilização. Ele mostra que a


civilização se nutre de 90 por cento de Eros e poderia muito bem se nutrir de
apenas 10 por cento de Eros. Ele critica este excesso de repressão. Ele
reconhece com Freud que a historia do homen é a historia da sua repressão. Só
que ele acha desnecessaria essa altissima taxa de repressão ainda em vigor.
Ele acha acha que com o uso inteligente da tecnologia moderma a taxa de
repressão poderia ser quase, não totalmente, eliminada. Totalmente impossivel
porque a repressão é constituiva mesmo do Homem, sim? O desejo original foi
alienado pelas imagens do bem e do mal. Daí então o desejo se descobre como
que concitado a se criar renascer novamente, sim? Afinal o homem é isso: uma
unidade do que é dado (a graça animal) com aquilo que é construído a partir da
repressão do animal que existe em todos nós, sim?
Acho que o homem moderno pesa a interdição do sexo com o corpoe a
interdição econômica também. Acho que o homem está alienado dos gozos da
sua própria animalidade sensível. Dessa desvalorização humanao sistema retira
o seu poder. E o sistema, é triste dizer, somos todos nós, não? A gente não
existe num vácuo portanto, inevitavelmente, uns mais outros menos, temos
todos que lhe fazer concessões, sim? O importante é não se envolver demais
com ele, reservar um espaço intimo próprio, para buscar a alegria, pelo menos
da compreensão, sim?
Socrates dizia que casar é ruim e não casar ruim era. Concordo, afinal não
casei. Acho com você que com 38 anos era bom homem casar. Já atravessei
uma fronteira de uma vida e estou fazendo a corte para uma jovem (32 anos) e
nem sei ao certo como eu ando dotado ou privado do poder de oferta e da
graça do poder de presença e de encontro. Eu me sinto maios ou menos
extraviado de meios e de fins. Parece até que numa rua de mão única que leva
para o nada...
Quando estou com ela parece até que dominado por uma sensação de que
estou amando, contudo, quando sozinho, sinto ansiedade fadiga algo estropiado
e decadente.Não sei o que devo fazer: se aceitar serenamente a ideia de
desintegar no nada de uma vez ou se devo tentar uma forma de integração.A
coisa entre ela e eu flui assim eu ofereço minha interlocuçãopara ela e ela
oferece a interlocução para mim e desse jeito se recuperou mutia distância que
havia entre a gente. Agoa ainda um não deu um passeio visual táctil sensível
pela pele do outro. Agora sempre notei em im uma coisa gozada: as forças do
alento da vida a intuição os instintos o anímico parece que faz parte de um
mundo bloqueado não se entrelaça e nem se fortifica com as forças da razão da
lógica do papo concatenado. Então estou em vias de atingir a liberdade da
razão mas o anímico não acompanha, entende isso? Centralizar o intimo e
lançar esta força num espaço externo de força de maneira a manter um

[ 10 ]
relacionamento pleno e simultâneo com a gente mesmoe com ela era o que eu
queria. Seria atingir a verdade sensível da vida, não? Se agente denominar
sentido aquilo que é por si mesmo como quer a ioga chinesa então estou longe
da fazer sentido e isso traz uma compreensão da separação entre vida e
consciência em mim que machuca muito. Mas como superar isso tudo? Tenho
lido muito psicanalise ultimamente .

Paulinho, grato, um grande abraço, recomende-me a Claudia e escreva-


me rapidinho, sim?
Teu amigo
Hamiltom

Paulinho, um grande abraço,

Perdo-eme pelo atraso. Não queria te escrever de qualquer jeito, foi por
isso, sim? Tive umas 10 visitas de amigos, tinha cartas a responder também.
Uma de Pelotas, Outra de uma amiga de São Paulo (dou uma namorada nela).
Outra do Mendes: me escreve de Lisboa, Portugal. Tá lá o cara veja só. Aqui a
gente vai indo: Gonzaga, Gonzaga, Gonzaga e ainda Gonza. E que fazer?
Chorar ou dar graças a Deus? Estou fora da vida banal. Ela é perigosa mas
necessária para uma vida, senão mais plena, pelo menos mais estável. Não é
bom que o homem esteja só diz a Bibilia. Gozado não recusei a vida banal, fui
recusado por ela. Acho que não tive recurso de vivencia, fui preguiçoso,
negligente, iludido por uma ideia falsa de dignidade, sei lá. Sei que hoje
escorrego para a reta final do reino do obscuro tentando entender bem o que se
passa comigo. Sei que vivo numa situação limite, despojado mas subjulgado
pelo mundo da devoção convencional. Parece que nunca mantive uma relação
com o mundo: meu ego se relacionava com os produtos dele mesmo e se
punha em estado de oposição a ele mesmo. Minha consciência queria assimilar
o produto desta contradição da minha psique, depurar e inserir no mundo algo
já mais crescido. Noto que hesitava: não sabia bem se queria dominar a
dinâmica dos meus afetos ou se queria me confrontar com as grandes forças do
alento para transcender as suas vicissitudes em busca de um caminho
esteticista, verdade é que me descubro histérico e infecundo. Não criei nada,
nem me casei também. Perdi uma liberdade de medo de me utilizar dela. Daí
vivo meu recluso, ocluso, inconcluso irresoluto, um sobrexcitado rendido. Para o
Freud atras disso está a proibição fundamental representada pela mãe e pelo
pai. Para Marx o interdito econômico. Acho que os dois tem razão. Verdade que
na minha luta contra o mundo não sei apoiar o mundo, não posso, nem sei me
apoiar no mundo. E não sendo um homem posto no mundo o viver no mundo é
barra. A situação interior é boa mas a exterior é dura.Tudo fica muito rpecário
demais.Conto apenas com uma saída: a venda de uma casa no interior. Mais
nada. No nosso mundo o dinheiro foi posto no lugar de Deus, é grave,
mas o que torna isso desprezível é que o dinheiro existe em função de
poucos e em detrimento de todos. Acho que a diginidade é o sonho mais
querido de todos do homem, mas acho que não passa de um gracejo trágico.

[ 11 ]
Não podemos ser dignos sem o café da manhã, mas o café tem que ser obtido
ainda que custe a dignidade humana. Isso aprendi tarde demais. A fome é
rígida, mata! A dignidade é plástica, criadora, sim? Perde-se ela hoje e amanhã
se está de posse de uma mais bela , ainda. Saber lidar com a diginidade é
importante na vida. Essas noções a gente vai aprendendo aos trancos e
barrancos da vida. É assim que a gente tenta fazer de nós próprios um
mestre da nossa própria finitude. Sinto necessidade de manter um vinculo
um laço, uma relação de obrigação para com a reverência, mas isto é o que se
torna difícil nessa puta sociedade de consumo, não?
Paulinho, vou botando essa carta no correio ainda hoje para você para
não me atrasar mais. Trasmite minhas lembranças para a Claudia. Ela está
bem? Estive com o Horacio, me falou do casamento dele. Bebi uma pinga com
ele a saúde.Estive com a Inês, parece que ele entendeu que você viu ela e se
esquivou? Ela está magoada, procure se esclarecer com ela, sim? Acho que vai
ficar melhor pros dois, sim?
Um grande abraço,
Hamilton,

[ 12 ]
Capítulo III

Santos, 15 sexta-feira Maio de 1. 989. 17 horas,

Carissimo amigo Paulo,

Io te saluto,

foi delicioso receber a tua carta. o que a gente queria era responder ao mundo
de dentro e ao mundo de fora num ato só. Seria verbo feito carne, sim? Mas
como não consegui isso daí (em nós ou fora de nós a grandeza nunca é um
objeto) mas é um verbo valorizado por nós, sim? então eu amava o espaço verbal
em mim (com uma certa preguiça) não tinha mita intensidade, entende?

então eu tratava o mundo externo com tolerância para descansar a minha


sensação de que me faltava uma identidade, dessa forma se não chegava ao
amor eu evitava a hostilidade, sim? fui tão tolerante que meu espaço foi usurpado
minha liberdade transcendida e eu peguei uma aids, sim? mas vamos em frente,
sim?

parece que na tua idade o estudo de línguas é indicado. a pessoa tem aptidão
pique e se desenvolve bem na coisa. agora a filosofia parece não atrai ito o
homem nessa época de juventude. Parece que dos 40 anos em diante. isso seria
a regra mas há exceções brilhantes. Eu acho Paulinho que queria não ser um
traidor de mim mesmo. então já que não resolvi suportei a minha problemática.
foi triste que a minha vida foi concluída pelo outro, que foi absorvida pelo outro
já que eu não dei conta da minha vida. que fazer? agora tento me entender
melhor e ver a porta aberta para a efração do mundo exterior e tentar melhorar.
São brechchas que tem que ser compreendidas e
melhoradas, sim? acho que a pessoa tem que perceber os problemas dela e os
problemas da condição humana que habita nela. e resolver o que é possível. Tem
coisas que só se pode compreender e não resolver. mas compreender já alivia
muito. hoje eu compreendo que meu problema era esse : faltava-me
um sentido do EU, então a identidade precária descansava numa vinculação com
todos mas eu tinha autonomia sobre essa vinculação e de repente com 56 anos
perdi essa autonomia. como foi que perdi?
isso me deixa tonto, Paulinho. que fazer? Parece que vivia um terror falta de
sentido para tudo e a incapacidade para dar sentido para tudo, sim? então não
reagi achando tudo um absurdo e emergindo disso culpa e não prazer?

a tua letra é de forma isso tira acho alguma possibilidade inclusive para os
grafólogos. além disso eu não manjo nada disso também. Poderei tentar te
contar a minha maneira de sentir a tua maneira de ser, sim?

acho que você não tem tendência retentiva aquisitiva pequeno burguesa de
dinheiro. acho que você não tem necessidade subjetiva psicológica de dinheiro.

[ 13 ]
Acho que você tem necessidade objetiva sociológica de dinheiro. quero dizer você
estima o dinheiro, pelo que é e vale, nem mais e nem menos, sim? É a inteligência
humana, apreciável, isso já mostra um traço da tua personalidade que denota
liberdade interior, sensibilidade humana apreciável. Naquele tempo de Gonzaga
você gastava muito agora quer ser mais ponderado, sim?

O pai de um amigo meu (Moreirinha) teve enfarte, morreu. O homem orientou


sua vida botando o dinheiro como único bem devocional. tinha 2 casas 3
apartamentos. 2 fazendas um sitio. dinheiro em dólares. o medo de perder grana
o trabalho que a grana dá. e compra mais e compra mais e o homeaím morreu e
deixou aí.
é uma loucura, moço ainda, eles querem se afirmar perante dinheiro – o dinheiro
é bom para preservar a vida mas não afirma ninguém.

o que o homem quer é uma experiência unificadora comum, ganhar

dinheiro não e uma resposta significativa para a vida, um ou outro

sabe ganhar o dinheiro e sabe gastar viajando comendo passeando.

mas é muito raro. quando a pessoa atravessa uma época mais despreocupada
ela tem sono o que é reparador. quando ela se interroga sobre a situação que ela
está vivendo ela sonha. É diálogo da alma com a alma para encontrar respostas
para as questões vigentes, sim? Nunca o homem fica tão perto do humano que
também habita nele do que quando sonha. minha amiga Cassia me escreve de
Paris dizendo que conheceu esses jovems em Nova York. jovem
profissional urbano. disso que o sistema penetrou no espaço intimo dessa
moçada deixando-os desarvorados. alguns trabalham a semana inteira, fim de
semana põe uma peruca põe um bigode unhas postiças jaqueta de couro óculos
pretos e anda de bar em bar a noite inteira: cheira, tem pico, tem drogas etc.
Deladier veio aqui à semana passada me falou que em São Francisco está a
mesma coifa. disse que a polícia americana recolheu 100 notas 10 dólares da
circulação e em cada nota examinada foi encontrado resíduo de cocaína. são
Francisco é atualmente a cidade mais louca do mundo. Não perde nem para
Amsterdam. Em NY diz-se que cada100 notas uma tem resíduos de
drogas...estranhos.
Os valores do EU são um e os valores do-mundo sãos outros e o homem não
goza mais da sensação de estar integrado dentro de uma autêntica comunidade
humana. O homem é um solitário encrustado na multidão anônima amorfa
incolor. O homen moderno é um pó desorganizado de indivíduo. Perdeu-se o
sentido do EU. Eles, os seus não entram mais em estado comungante como na
arte antiga danças festas etc. aquela sensação de participação mística unindo as
pessoas entre sí. Hoje a autoridade não é manifesta é anônima. O homem
desapareceu como realidade essencial, a realidade de objetos tem autonomia
sobre ele.
Ele fica sem ter como se situar. Daí acho que as pessoas fogem para a ilusão da
individualidado unica. Você fala no “cavalheiro” os comunistas tentaram com a

[ 14 ]
palavra “camarada” dar a ideia de uma irmanação fraternal de homens entre
homens, mas não pegou muito, não? Lamentei que os hippies foram derrotados.
Herbet Marcuse fala que no começo jogaram polícia e cães de caça contra eles.
hoje fui no supermercado: tudo membros de uma multidão solitária. não existe
mais intercambio humano genuíno. a insatisfação a apatia a contrariedade a
carência de alegria e felicidade a sensação de futilidade e uma impressão de que,
a vida seja inútil, um certo amargor é o que invade a atmosfera lá dentro do
supermercado. as pessoas sentem tudo isso e abafa. tem medo da ser
considerada frustrada e ser hospitalizada. choque eletrico coma de insulina. daí
as fugas psicológicas. ansia pelo dinheiro. pelo futebol alcool televisão. O peso
dessas vidas vazias de tudo fica motivando um mal-estar social que se expressa
de mil maneiras: solidão agressão hostilidade

muita apreensão no ar. Falta de perspectivas. o salsão de 1,80 foi para 3,60. A
cebola hoje 900 poderá passar amanhã para 1,40 ou voltar para 700
ou voltar para 700, tudo muito vago. Ninguém pode planejar direito nada. dizem
que a pessoa consequente conquista uma etapa se cristaliza nela depois outra e
se cristaliza nela e assim sucessivamente, sim? Digo sem avanços e retrocessos
bruscos. Você pela sua assinatura está cristalizado nesta etapa firmemente sem
perigo de estacionar com possibilidades de avançar sem se expor a riscos grandes
e sem perigos. seria uma coisa suave silenciosa e orgânica. nada de revoluções
externas fortes. Pode pintar revoluções interiores buscando compreender-se
melhor ainda, sim?

você tem curiosidades que não são frívolas, Paulinho, acho que deve cultiva-las
mais, sim? Eu acho, Paulo, que o que interessa na vida é o amor e amizade.
então o moço se apaixona e casa. Mas o amor é praticado no social. o casal na
relação com o social é mediatizado pelo dinheiro. E isso obstacula ao invés de
favorecer o amor.
e quando se é jovem se sofre sem se ter muito claro a compreensão disso. então
eu de fora especulo os problemas de um jovem casal na nossa sociedade, sim?
eles se gostando casaram. Depois vai pintando as questões de ordem pratica de
vida e daí pinta o retorno a volta dialética da palavra sobre o próprio ser é para
eles entenderem as coisas direitos e se entenderem melhor, sim?
É uma fase que pode ser bem transada. é fascinante.
Primeiro até que ponto homem e mulher são diferentes um do outro? a diferença
é cultural ou natural?
A Simone de Beauvoir diz que ninguém nasce homem e nem mulher que a cultura
faz de nós um homem ou mulher.

Nietzehe diz que ..” até que ponto homem e mulher são estruturalmente
diferente, estranho um do outro? Assunto apaixonante e controvertido, não? eu
não tenho um pensamento firmado firme sobre essa importante questão humana.
o pessoal tem opinião (não intercessa) não um pensamento sólido a respeito,
sim? Que é necessário, sim? Lacan acha que não ha relação sexual porque as
estruturas são diferentes. digo a cultura é unilateral não bi-

[ 15 ]
lateral, é machista, então vivendo dentro dessa cultura a relação entre o homem
e a mulher só tem um lado - o lado do homem e fica
unilateral e a mulher fica ... ausente, sim? então existem canais de fuga para o
pobre: a pinga e o futebol. para o rico viagens restaurantes etc. um procura o
outro nas nem ela e nem ele se procura. É o medo de amar, sim? quero dizer
que no fundamental eles são iguais - o homem é uma febre dele mesmo e a
mulher é uma febre dela mesma, sim? mas nem ele e nem ela transa essa febre
e essa febre fica congelada dentro deles e isso traz uma sensação de irrealização
humana para os dois, sim? Compreender isso é muito importante. É uma forma
de dar um passo em direção ao amor transcendente os entraves que a sociedade
põe no caminho. quando um ama o outro uma taboa para dormir e uma abobrinha
para comer já está bom, e isso é justamente o que não convém para a sociedade
de consumo, sim? então a mulher ficando como apêndice do homem como
inessencial ela não coloca a sua febre a sua estrutura na relação. ela é
conquistada, mas não conquista. é usada.
fica chato para o homem. ele se relaciona com ele mesmo, fica assim, não
explicita, mas implicitamente decretada a ausência da mulher. fica chato para a
mulher ela não conquista o homem. É conquistada. não há doação e apropriação,
deslocamento a recomposição entre eles, não ha tensão criadora constante. ha
tensão petrificada entre eles, sim? o homem sente o amor em estado de luta e
não de êxtase e ele tem que compreender tudo para lutar removendo as
incompreensões, sim? em nós ou fora de nos a grandeza amada nunca é jamais
um objeto. Mas sim um verto valorizado por nos, sim?
eu ultrapassei a minha natureza bruta, sim? embarguei na cultura, sim? então
não tenho mais acesso direto ao meu sexo e nem ao sexo da mulher a não ser
mediatizado pela cultura, sim? então eu apoiado no meu sensorio-motriz (até os
7 anos ) ingresso na uniformidade social. mas isso só não é suficiente. porque a
vida é fluição e eu preciso de símbolos para me valorizar e valorizar o
objeto do meu amor. então homem e mulher se amam bem quando o
homem vive na mulher e com a mulher aquilo que ele valorizou nele e nela
também, sim? É com aquilo que ele valoriza a mulher e a recíproca é verdadeira,
sim? a carne não é jamais amada por ela mesma e sim por aquilo que nos pomos
de nós mesmos nela, sim? o que a mulher moderna põe dela mesma numa foda?
a mulher não se libertou, falta confiabilidade metafisica entre homem e mulher,
sim? o negócio é melhorar o espaço de intimidade de alma entre homem e mulher
isso aproxima muito mesmo. Acho que você está encontrando teu espaço na
escalada da criação.

É claro quo na vida humana tem altos e baixos que você pode superar. faz tempo
que a gente não leva papo. encontrar aquele ponto que tua experiência se toca
com a minha não é fácil mas com paciência a coisa vai. Devido ao caráter
multivale da palavra a palavra carrega consigo quando diz significações varias
além daquela única que se quer configurar. Isso pode trazer conflitos semânticos
que pode ser engano vivido como conflito moral, portanto se a gente se afasta
da linguagem a gente se afasta dos outros e de nos mesmos, sim? Me escreva
assim que puder ou pinta aqui, sim? Acho que o problema maior do homem é a

[ 16 ]
identidade. Ele tem que se amar e por amor de si amar o próximo e a Deus, sim?
E isso é duro.
uma pedra é uma pedra. não precisa se fazer pra ser. O homem não é nada. A
identidade dele é um centro dinâmico flamejante vivo, jamais igual a si mesmo.
Ele tem que inventar a sua vida de minuto em minuto. rola um acontecimento e
um conteúdo de psique pinta na cabeça no homem. identificar-se ou
desidentificar-se?
não há sinal no mundo a liberfdade é vazia oca não se apoia sobre nada, dificil,
não? o homem(eu) de medo recuava. e a minha liberdade ficava culpada, sim?
mas então eu descansava minha falta de autonomia minha falta de identidade na
vinculação com todos. e nisso, somente nisso, eu tinha soberania. mas de
supetão, coercitivamente embaraçado, ou ... perdi essa autonomia. Que fazer?
antes eu transava um repouso intermediario entre o ser e o não ser ... como os
grandes valores do ser e do não ser são dificieis de situar. o silencio, onde está
a sua raiz, é uma gloria do não ser ou uma dominação do ser? o silencio é
profundo.
o silencio eterno paira acima do próprio verbo. em que medida a existência
humana difere do nada total ?mas onde está a raiz da profundeza do silencio? no
universo onde se reza as preces onde
suas fontes vão nascer ou no coração de um homem que sofreu?
em que altura do ser devem-se aguçar os ouvidos que escutam, pergunta
Bachellard? parece que estamos num mundo onde não há danação e nem
salvação. então só há a piedade, a caridade de Cristo ou a compaixão do budista,
sim? O que existe é um pequeno sentimento no tempo e um grande vazio na
eternidade. Esses valores planificaram a vida de Lao-Tse de Heraclito de Cristo
de Buda, sim?

Cristo humanizou o insondável o divino para humanizar o humano


(Heguel) sim? queremos fixar o ser(veja a liturgia a missa da igreja) e ao fixa-
lo, queremos transcender todas as situações para lhe dar uma situação de todas
as situações, sim? Queremos abocanhar não uma fatia da vida mas toda à vida
inteira, sim
É assim que o homem transa a dialética do interior e do exterior, do aquém e do
além, do aqui e do já, sim? confronta-se então o ser do homem com o ser do
mundo, sim? então fazemos passar para o absoluto a dialética do aqui e do agora.
por isso o homem é um eterno ausente é aquele que nunca esta presente, sim?
O homem entra numa de consertar a vida e acaba não podendo viver a vida, sim?
A natureza doa e nega o estado pristino humano, sim? Então o homem se nega
para negar a natureza para depois se reconciliar com a natureza, sim?
isso é histórico. a humanidade inteira habita dentro de todos nós, sim? entender
isso é apaixonante. o homem não vitima do pensamento e da situação, sim?
o homem fechado no ser será sempre necessário sair dele, que é para ele poder
entrar em sí. mal saído do ser é necessário voltar de novo ao ser, sim? fazer um
balanço e se reorganizar de novo, sim? Assim no ser tudo é um circuito infinito,
tudo é romaria, tudo é rodeio (dar voltas) tudo é discurso, tudo é refrão de
estrofes, sim? Os poetas conhcem esse estado de vacilação indeterminação
oscilação entre o ser e o mundoe entre ele e ele mesmo diz Jean Tardieu : “ para

[ 17 ]
avançar eu me volto para mim mesmo ciclone pelo imóvel habitado” noutro
poema diz: “ mais no interior de nos mesmos, mais fronteiras”
E se é o ser do homem que se quer determinar, nunca se tem muita certeza de
se estar muito perto de si mesmo, recolhendo-se a si mesmo, indo até o centro
da espiral, frequentemente é no coração do ser mesmo que o Ser é errante, as
vezes estando fora de si que o se é consistente. as vezes o ser esta preso de
exterior. E dá um destino de exterior para o seu interior. (sociedade de Consumo)
mas a pessoa pode compreender e transar isso e ficar dentro da sociedade sem
estar presa à ela, sim? uma amiga pintou aqui.sabado 17:30 horas. vou agora
encher o saco dela. Paulinho me escreva, um forte abraço. Lembranças para a
Claudia, beijo crianças. me escreva. Pinta aqui.
Hamiltom.

[ 18 ]
Capítulo IV

Paulinho, o correio também está em greve. Então vamos prosseguir no


papo, sim? o que à gente sente é bloqueio muscular isso devido acho à vergonha
que à gente sente do que se passa no Brasil. Bom seria estar na posse do poder
da presença e do encontro da graça e da oferta e não extraviado de meios de
fins como estou.

Enfim... nossa desgraça é devido a civilização que nos escraviza ou à nossa


imperfeição que nos condena à essa escravidão? São duas coisas solidarias e
inseparáveis. A civilização apodera-se de nós sem o nosso
consentimento, e a nossa imperfeição nos condena e nos obriga a consentir.
Porque não podemos dispensar-nos uns aos outros e daí o escravizarmo-nos
mutuamente.

Essa fatalidade não pode ser evitada, mas pode ser tornada insensível e
parecer felicidade, é o que denominamos encontrar a nossa rota, abrir nosso
caminho etc. a civilização faz sentir mais vivamente a
nossa imperfeição porque procura classificar as aptidões pessoais, canalizar as
vocações, então acaba acusando assim a cada um o que lhe e exclusivo e lhe
assinala o que falta a cada um. O que oprime muito.

3 horas da manhã vou dormir boa noite, Paulinho

teu amigo
Hamilton

[ 19 ]
Capítulo V

Santos, setembro 1.989.

Caríssimo amigo Paulo,

“Io te saluto”,

Com a velha amizade como abertura de papo o melhor dos meus abraços
conjuntamente com o meu muito obrigado pela gentileza da tua carta e teu
precioso e gentil oferecimento de ajuda.
Fiquei com a tua carta muito sensibilizado e comovido, senti um pouco de
melancolia diante
de uma realidade perdida. agora que estou exilado no mundo do imperfeito,
afinal o que fazer?
me veio na memória a época em que a gente tomava brama nos botequins
da vida e levava um papo muito gostoso. senti saudades daquele tempo. Enfim
aquilo não volta nunca mais. É a impermanência de todas as formas nessa vida,
não? tudo fugaz e efêmero, sim? afinal o negócio é pau na máquina e pau na
bunda do prejudicado ainda que o prejudicado seja eu próprio, tá? vou
lá no céu -— bater um papo com Deus e mandar ele fazer os homens do
futuro sem bunda, toda a desgraça do homem segundo a psicanálise está na
Bunda .... (masculina, sim?) porra é muito foda.,
Paulo, o Salvador Dali fala que a merda lembra o ouro e por isso as grandes
catedrais do mundo resplandece de ouro. Van Gogh (o amarelo dele) lembra à
merda, não? esse assunto é fascinante e não tem mais fim. (fica para
pessoalmente, tá?). só quero lembrar que em países onde a paixão humana está
morrendo ou mudando de rumo (América do Norte) eles dão bola para o dólar.
Na Rússia eles ainda hoje dão bola para o outro, parece que na América do Norte
a cultura ultrapassa muitas vezes sem resolver e nem incorporar a natureza bruta
do homem enquanto na Rússia ainda se dá importância e se procura integrar a
natureza bruta com a cultura, está claro isso ?

Eu nunca transei drogas nem maconha nem pico nem cocaína nem LSD,
dos 45 aos 52 bebia pinga e cerveja. mas não perdia a razão, mas faz mal para
o equilíbrio de motricidade. daí parei.
Quando tinha 7 anos na escola vi uma molecada com 11 ou 12 metida num
rito masturbatório da infância e naqueles pecados universais da juventude.
Devido a minha pouca idade não participei. mas fiquei com a impressão em
confronto ao nível de genitalidade com eles que eu não tinha pau. Daí resolvi o
conflito rejeitando o meu corpo, equacionado com o problema do pau e me
identifiquei com a minha mente, fiquei então congestionado sexualmente. como
entender esses enigmas ontológicos da mobilidade do acontecer? qual o sentido
de tudo isso? por que? se eu tinha 11 ou 12 anos eu dava a bunda comia a bunda
deles e através dessa experiencia dentro da minha própria polaridade sexual eu
ia amadurecendo para alcançar a polaridade sexual oposta - a mulher, os amigos

[ 20 ]
daquela época carregam a sua cruz enquanto que eu fiquei crucificado lá,
entende ? mocinho com 17 ou 18 ou 20 anos eu atraia a mulher para o meu lado
mas eu defendia a mulher contra mim. a libido ficou reclusa, oclusa, inconclusa.
a Simone do Sartre fala que o homem identificado com o seu próprio pau ele joga
a sua subjetividade no próprio pau e assumi o pau e a subjetividade e manda
brasa nesse mundo, dessa forma ele supera toda a alienação existencial. meu
pai e minha mãe viveram 70 anos casados morreram no mesmo dia e levaram
uma vida bonita, acho que atravessei bem o complexo de Édipo. acho que caí do
cavalo nessa jogada da escola. não conseguindo transpor às fronteiras da
neurose clínica e do medo de ficar um neurótico muito manque eu comecei a
pensar assim : existe a determinação do corpo e existe a liberdade do Espirito
então eu não recusei o mundo da uniformidade social apenas não conseguia ne
ingressar nele, abandonei, se posso dizer assim, o desejo de felicidade em estado
puro, por assim dizer, e comecei a olhar criticamente para a vida. critica analítica.
não ataque, daí fui achando que o que resolvia era o dom absoluto e o
compromisso absoluto daí estava o trágico o destino realizado e suprimido ao
mesmo tempo. mas isso estava fora das minhas possibilidades. o cara tem que
ser forte e claro como o sol do meio-dia para encarar um lance desses, daí fui
ficando recolhido na intimidade de meu sofrimento numa espécie de ascese
interior. vim a perceber em mim uma inclinação homossexual com uns 13 anos
mas estava tão chocado nessa esfera da vida humana (sexualidade) que nem dei
bola e a coisa passou. depois disso nunca mais senti nada.
Na relação com as mulheres pintava um certo medo de não pagar direito
meus tributos de volúpia
carnal para elas. então a coisa entre ela e eu ficava inconclusa devido a minha
insegurança ontológica básica. digamos uma incongruidade entre afeto e corpo.
O corpo é importante como instrumento de comunicação, de intercomunicação.
agora eu acho que a verdade do homem está no símbolo e não no corpo ainda
que a verdade do homem acabe reverberando no próprio corpo, sim ? se a gente
não está identificado com o destino social fica-se na obrigação de debaixo da
nossa própria autoridade estabelecer para nós próprios um novo destino e uma
nova salvação para nós próprios, sim ? digo quando o homem vai dando conta
de si mesmo o negócio fica problemático : ele pode se por no mundo a partir de
si ou pode ser engolfado pelo: mundo. quando era moço andei namorando a
política, mas eu não tinha embasamento teórico suficiente para participar das
coisas. há um desejo de solidão e um desejo de participação de um conflito básico
da alma humana que se tem que resolver, em mim pintava a intenção: o projeto
e a fuga simultaneamente e eu não me decidia. o homem não tem identidade.
ou melhor a identidade dele é um centro dinâmico jamais igual a si mesmo. então
pinta um conteúdo de psique na cabeça ou eu me identifico com ele ou me
desidentifico com ele, quero dizer o homem têm que se escolher durante as 24
horas do dia, não há psicofisiologia que aguenta essa paulada. então a vida rola
e o homem fica fora da vida, letargia do tedio ou angústia da inquietação? Agora
tenho lutado mais do que Ulisses no seu regresso a Ítaca. estou ... nem sei em
que ponto estou do meu calvário. Estou provado nos sofrimentos. é um gólgota
dos diabos. empoleirado nos escombros da minha vida coberto de piolho e
percevejo sem amada sem amores e ... quase sem amigos, o que fazer ? e para

[ 21 ]
mim o amor e a amizade são as coisas supremas. e que fazer? fico contente ainda
de ter a coragem para olhar para o pior de mim e com o melhor de mim tentar
rebatizar o pior e ver se encontro nisso forças para subir novamente. acho que
os amigos tem medo das exalações morbígeras que o moribundo defeca antes de
bater as botas, isso é um direito deles. Verdade é que estou isolado, quase.,
minha irmã me dá uma força incrível, recebi 13 salários atrasados do INPS e
recebo 170 mil por mês de auxílio-doença, tenho na poupança uma penca de
salários mas não tiro os juros quo é para não comprometer demais a integridade
aquisitiva do dinheiro, mesmo assim a inflação é assustadora, devora tudo. não
se preserva grande coisa. enfim, mas resumindo tenho o necessário para comer,
não está faltando nada. Mas Paulo devido tudo o que te contei eu fiz a minha
cabeça de uma forma diferente. Marx falava que o burguês é o homem que se
prefere contra o outro homem e não com o outro homem. Sabe o mundo em que
se pensa é um e o que mundo em que se vive é outro muito diferente. não se
pode confundir se não fica perigoso. e eu acho que andei confundindo um pouco
as coisas. isso me dificultou para mim resolver o meu problema de sobrevivência.
Ha 4 anos conheci uma medica, ela ainda hoje vem muito em casa, a gente se
gostou. Mas eu não tinha utilidade como marido na vida dela. ou não podia
encarar um relacionamento no plano do dever. então a gente se relacionava no
plano do ser mas sem trepada, entende ? no fundo o que nos faltou foi um pouco
de soberania intima, eu tinha muita autonomia para segurar a minha falta de
soberania. cu não transformava a insuficiência em suficiência ou dominava a
própria insuficiência, não ia além disso. a aids... o que é a aids ? e tão
controvertida o pensamento sobre ela. acho que ha doentes. não há doenças.
depende do como o cara assume à doença, sim ? tem-se que comer coisas que
deixa resíduo de sangue alcalino no Sangue, algas marinhas, ameixas salgadas
japonesas. queijo de soja tofu. bardana. chá de raiz de lotus. chá de chamu. etc,
se o sangue ácido engolfa o sangue alcalino é a morte do indivíduo. a alimentação
é de fibra. a fibra cria placas no organismo coando o sangue de toxinas, de
químicas, de impurezas. É simples depende também da cabeça do doente. do
estado geral dos órgãos. o sofrimento é moral até agora. se atras da aids está a
emergência de um prazer acho era mais fácil de se consolar. Mas estes
constrangimentos, sofrimentos, conflitos quer dizer fui transcendido na minha
liberdade pela 1iberdade do outro. para escapar com classe não vi jeito nenhum,
então me repudiei para não repudiar o outro. no fundo a estrutura se realiza na
função. O substrato da minha estrutura era opaco fisguento gosmento pastoso
grudento etc. como atravessar esse abismo de inominalidade que existe dentro
da gente assim como uma ave muda de pena de acordo com a mudança da cor
da floresta que ela habita para não se destacar do meio ambiente e não ser
incomodada pelas agruras da existência eu também criei um abrigo para proteger
o meu interno do mundo externo: me diluir me anular para não chamar a atenção
não ser hostilizado, ficava sem amor mas não chegava as violências, vivia pacato.
muito passivo demais até. em linhas gerais isso é o quadro precedente da aids.
Mas foi assim há uns 4 anos mais ou menos batem na porta de casa era 8 horas
da noite. era o meu vizinho, isso há 35 anos. cle era homossexual, 58 anos.
Pintava copiando Da Vince, Michelangelo. era aposentado de uma firma do café,
português. a gente não espera que a cabeça de um cara muda em relação a gente

[ 22 ]
mas muda. o cara era uma ação posta em atos, estava deliberado a-priori. tudo
foi visuo-motor (tem mais chance de liderar uma. ocorrência) não era visuo-
verbal, me pede um livro. vou no quarto pegar estou numa estante ele se agacha
pega meu pau e beija socialmente. tentei recuar. ele vira o rabo se esfrega, 2
minutos e estava a merda feita. fiquei atônito e confuso. senti que alguma coisa
que estava empinada dentro de mim desabou. desvencilhei-me do cara ato-
continuo e 15 minutos depois estava no Gonzaga. Quem era meu vizinho ? era
um tipo muito chorão demais, ele achava que tudo era ruim Só ele que prestava.
um tapado intelectualmente. sensível. fisicamente, gostava de gato, cachorro
passarinhos, um infeliz. mas a presença dele sempre me foi mais imposta do que
desejada. eu engolia o sapo para não criar áreas de atrito. os acontecimentos
futuros projetam a sua sombra na frente, rememorando tudo compreendo melhor
as coisas agora. uma vez no Gonzaga ele me falou na mesa com bastante gente :
Hamilton se eu tenho os cabelos da Gina Lolobrigida e com as mãos faz um gostos
nos cabelos dele daí tu ia gostar de mim, os aquilo tão remoto, tão fora de tom
que nem liguei.
Às vezes eu escrevia uma carta e ele vinha na janela querendo conversar
comigo. Era muito solitário demais. socialmente sem amizades. Ele vivia olhando
para a minha casa, controlava tudo, como vinha muita gente em casa ele queria
saber quem trepava com quem uma avidez sexual algo doentia. uma vez vi ele
numa praia em S. Vicente. estava com uma tanga 10 vezes menor que a do
Gabeira. era bem exibicionista mesmo, mas sabe Paulo o homem e um eterno
ausente, não está presente alerta atento vigilante. eu percebia aquilo tudo de
forma vaga nebulosa. embora me fosse uma presença mais para desagradável
do que para agradável eu escapava do cara quando podia mas sem tomar em
relação a ele uma atitude de auto-proteção e auto-defesa. Não é que um cara
desses com desplante entra dentro de minha casa usurpa engolfa e faz a minha
liberdade ser engolfada pela liberdade dele? ele tinha curiosidade imensa pela
minha vida. mas doentia. não amiga pela minha vida. isso só vejo agora. no
fundo é um mundo de gente entre gente e um transcende a liberdade do outro e
isso é uma bosta. no fundo encontro no rabo do outro um passaporte para a
minha morte. não deu forma na minha morte. entro na morte pela mão do outro.
um apêndice na ce da vida do outro. não conclui nada na vida por mim mesmo.
no fundo a gente fica como uma testemunha solitária e irrecusável da gente
mesmo. e quem sou eu, afinal? chega uma certa hora acho a gente caí num
drama da sociopatia da vida cotidiana, sabe, ne ? eu devia me preferir, não contra
o outro, mas sem o outro. mas não sabendo ou não podendo fazer isso, preferi
o outro senão contra mim, pelo menos sem mim, entendi ? o cara apesar de dar
o rabo se põe como sujeito, e eu, apesar de comer o rabo fui posto como objeto
e nem me pus como sujeito nem para fugir nem para comer, comi como fui posto,
como objeto. essa paralisia essa passividade o que está atrás disso tudo ? o
medo. mas veja eu não estava me relacionando diretamente com ele eu estava
meu relacionando com os meus símbolos entende ? isso ? Paulo ? a relação
( houve relação ?) foi mediatisada pelos meus símbolos comigo mesmo.
entende ? não é uma relação direta e de esguelha, sabe, né ? eu andei namorando
a ideia de homossexualismo oculto recalcado o retorno do reprimido. mas parece
que não é por aí não que começa a coisa. dependência é um mecanismo básico

[ 23 ]
da sobrevivência humana : quando a gente abre não da possibilidade de enfrentar
a vida não é capaz de brigar de combater fica reduzido a depressão. isso paralelo
ao desamparo da infância torna imperioso um apelo a dependência para
solucionar o problema da sobrevivência. depende de estar em paz com todos.
O próprio fato da pessoa despir-se das suas defesas torna-se uma espécie
de manobras defensivas entende? essa modalidade de manobra defensiva fez o
outro absorver a minha vida não vivida “por mim mesmo, entendo ? fui
escravizado naquele relacionamento. oscilei entre autonomia e escravidão quiz
escapar e não pude., você arma uma ratoeira 30 anos depois desarma a energia
se conservou sem mudar. no homem é diferente: a energia muda se transforma,
cm mim se transformou assim como te conto, sim ? eu não consigo pensar o que
pensei quando comi a bunda do cara mas é por ai que começa o negócio, eu
estava num lance do esoterismo-- o segundo nascimento. estava extraviado de
meios e de fins tanto interna quanto externamente; mas propendia sem muita
clareza para esse lance. tentando ir alem do mundo da carne ( fazia 30 anos que
eu não me detinha na carne) e tentando compor no lado do mundo do espirito.
mas ... que fazer ? e qual a do cara em relação a mim ? sabia ele que tinha aids ?
tinha raiva de mim ? gostava de mim ? me admirava ? eu não entendo. eu evitava
ele não por ser homossexual mas por não encontrar aquele ponto onde nossas
experiencias se tocava de maneira a que cada um sabia do que o outro estava
falando. me falavam que ele era visto na praça dos andradas de noite caçando
homens pra dar à bunda. aquilo eu achava vazio fútil besta de tudo. parece que
a natureza é a grande doadora e ao mesmo tempo a grande negadora do estado
pristino - humano,., então o homem é mais ou menos forçado a deixar de viver
para poder conservar a vida. a história do homem e a história da sua repressão
Freud. eu tenho dificuldade para ceder emocionalmente a um poder
transcendental fora de mim. se eu aceito amar deus em cristo ficava sem culpa
e era emocionalmente melhor para mim. se cedo emocionalmente quando comi
a bunda do cara era legal mas não fui seduzido nessa perspectiva, entende? o
cara me corrompe numa outra, O centro atuante dentro de mim mesmo fraquejou
demais. é duro para um homem se governar, estou ampliando meu ego muito
além dos domínios do corpo e isso me faz muito bem. Marx falava eu nada sou e
deveria ser tudo. e eu me quebrando ao res do chão ? feliz daquele que entrega
o significado da vida ao seu criador. a fé é uma questão de graça. tem gente que
é bem aquinhoada pela vida. tem fé. são felizes e torna os outros felizes também,
no fundo que cada um esteja em paz com as suas ilusões, verdade e ilusão tudo
é a mesma coisa, esse divórcio entre mente e corpo o fato de eu não ficar
enraizado, ancorado no próprio corpo foi jogo duro. impasse corporal me jogou
para um mundo simbólico muito amplo demais mas as tensões ficam abstratas
não reais. Acho que o homem é 90 por cento artificial e 10 por cento vital, sim ?
a natureza bruta foi ultrapassada pela cultura. a gente só é acessível a gente e
ao outro pela cultura. é isso que resolve a comunicação: falar. se conhecer para
conhecer o outro, as vezes a gente não quer a submersão da personalidade no
corpo, não quer que o espirito capitule diante do carnal sem ele próprio se fazer
introduzir como ponte ligando o erotismo com o espirito, sim? A gente mergulha
no fracasso da coragem, heroísmo frustrado. mártir de nim mesmo. que loucura.
É bonito quando a pessoa é “consumida para fazer o que deve para manifestar o

[ 24 ]
seu dom. no fundo há uma tensão entre solidão e a responsabilidade humana.
atravessar isso é difícil. a gente acaba caindo num masoquismo para se
desvencilhar da carga - único esforço possível - pesada que é a liberdade
humana. não digo liberdade consentida. digo a liberdade a ser conquistada, acho
que o medo da morte é a angústia básica. sexo está no corpo. O corpo é destinado
a morte. dai a repressão sexual em decorrência disso, conservar a vida, sim?
Otto Rank acha isso contra Freud que postula sexo como repressão primeira,
como angustia básica. Paulo gosto da nossa relação não é irreal, vazia, absurda.
é generosa fraca, aberta. Acho que modalidnde de ser é modalidade de
movimento transposição de potencialidade para a sua realização. hoje me vejo
como me via ha 5 anos. a estrutura é a mesma. mas me conhecendo como me
conhecia posso me melhorar. Ironia da vida ? o meu intimo está mais forte e
inalterado. a consciência do -UM se não é absoluta está já menos condicionada,
muitos problemas foram superados, me sinto menos absorto menos alheio. mais
energizado mais concentrado. mas atento ao instante. estou conseguindo fazer
as coisas mudas que há em mim, falar, o que existe de pré-verbal o que existe
antes da fala está sendo reexaminado, isso dilata o mundo da auto-compreensão.
li psicanálise. acho que falta nela uma nota mais elevada do que eu mesmo, e eu
preciso de um mais além de mim para viver. a psicanalise não dá isso para
ninguém, 1i então história das religiões. história da arte. história da filosofia.
história da pintura. vida do artistas. Parar um pouco com essa relação muito
particular.

De um sujeito sobre o seu saber sobre si mesmo, Lacam diz que não há
relação sexual. relação de harmonia de complementaridade entre os sexos. A
separação estrutural entre homem e mulher é colocada em evidencia pela
sexualidade, isso é que homem e mulher tem que entender, existe, diz o Freud,
alguma coisa na própria pulsão sexual que impede cessa comunicação essa
relação, essa complementaridade, essa harmonia. Freud evoca casos de homens
que não desejam a mulher que ele ama. ama a mulher que ele não deseja. duas
correntes: ligadas a sensualidade e a afetividade. quando essas séries se
combinam tem-se um relativo equilíbrio entre os casais, mas a coincidência da
sensualidade e afetividade parece não é mito fácil. fundir direitinho as duas
correntes é difícil e todos - homens e mulheres - ficam assombrados diante dessa
dificuldade sem compreender o porquê delas. a coisa é obscura. é preciso mita
paciência e ler muito sobre o assunto. o homem não tem mais um acesso não
mediatizado (pelos símbolos) ao sexual. isso envolve a fala e a cultura. a
atividade sexual fica marcada por uma obscuridade que em si e por si parece que
não se resolve sem o uso da mediação simbólica. digamos assim: o corpo
nosso é contemporâneo do mamute (500 bilhões de anos) é a asseidade
da matéria. Não muda! Mas a cultura, os símbolos mudam e se inscreve,
se reverbera no corpo, sim? então para se juntar coração e espírito num
só ato (trepada) coincidir-se com o ato, reconhecer-se nele fica
problemático. mas é fascinante resolver esses problemas. 10 horas de
papo no sofá todo o dia marido e mulher e duas horas de cama todo o
dia. há distância entre a gente e a gente mesmo e há distância entre a gente e
o outro. recuperar tudo isso é maravilhoso. um pouco de fracasso ê inevitável

[ 25 ]
que é para continuar sempre existindo as consciências comunicantes. se não há
nem um pouquinho de fracasso elas desaparecem, sim? pode até ser uma
experiencia de retorno aquele nada flamejante, aquele mundo do amorfo mundo
sem forma d´onde a gente proveio, sim? Pode ser uma iluminação até.
Vejo que você cresceu bastante. está maduro. eu te achei excelente,
desculpe se te escrevo até demais. A Inês veio aqui duas vezes. adorei. pinta
aqui. escreve. telefona 370557 (minha imã-Cida).- estou aqui todo o dia menos
das 12 as 14 que vou almoçar na casa dela. O homem é vicissitude das ideias e
dos sistemas. a mulher vicissitude da vida real. o homem é um artificio vital. a
mulher mais próxima da verdade natural. daí as diferenças estruturais: um jogo
de espelhos, reflexos que se remetem mutuamente mas nunca à fronteira fica
transparente. portanto nunca nada pode corresponder a um objeto concreto real.
a verdade é que o desejo permanece ainda impensado no amago do
coração humano.
Agora diz Rolland Barthes o homem acorda para isso. no homem há um
limite que faz consistência. não há limite que faz consistência na mulher. a mulher
não existe diz Lacan. à mulher é infinita, é o não-todo, pois a verdade também é
o não-todo, entende? o homem organiza exército igreja
poderes e tudo funciona. Com a mulher não há princípio organizador. ela
gravita então em torno
de um eixo - o homem. isso parece que é histórico. pode mudar. na mulher
existe a mulher mais
mulher e mais mulher sem fechar a lista. parece que como não há tradição de
mulheres livres (muito poucas) a mulher ficou sem ter com quem se identificar
então o tornar-se mulher ficou difícil para elas. daí resulta suponha as aflições
das mulheres modernas. tudo isso está esboçado., a gente leva papo depois, tá?
Recomende, por favor a Claudia, beijos nas crianças. Grato, muito grato
por tudo, fica do amigo que te quer muito bem um abraço grande.

[ 26 ]
Ia no correio. mas acho que já fechou. então vou amanhã e continuo
escrevendo, aproveitar o selo e desopilar o fígado nas custas do amigo
Paulinho, tá? eu amo as palavras. só que sou desajeitado: elas na minha
mão ficam um paquiderme muito pesadão demais. mesmo assim
tentando dar uma tradução verbalizada da minha vivência sensível
encontro apaziguamento para minha alma. Escrever, falar, liberta : no
homem a carne quer se transformar em verbo e o Verbo, quer se
transformar em carne. E até que ponto o silencio eterno paira acima do próprio
verbo ? mas como encontrar aquele ponto nos domínios do amorfo para além de
todos as formas e de onde as formas emergem do mundo do em forma ? no
fundo em que medida a existência humana difere do nada total ? tudo convenção
nada real ? diz Jacques Monod "* O Acaso e a Necessidade " que a vifta ja pintou
na terra sucumbiu reapareceu etc etc. o real o universo é mais velho do que a
vida ainda.
é um mergulho é uma queda livre num vácuo a história humana(?) e a morte
posto que só atinge o indivíduo e não a espécie, parece, segundo Schopenhauer
que ela nem integra o mistério. Então nem morto nem vivo vai dar para se
compreender a imensidão que englobaliza as coisas posto que nosso espirito não
é tão grande como a verdade e nem conforme com a total extensão das coisas.
Isso diz Jonh Lockce. Nietzsche diz que o grau e a sexualidade de um
indivíduo penetra até o mais alto o seu próprio espirito. Gozado, eu que sempre
sonhei com uma relação com uma mulher onde houvesse, interpenetração de
almas interfecundação de psiquismo que sempre queria que ela e eu se
dispusesse juntos a partir para a criação de um novo mundo ... um seria como
uma via um transporte para a transcendência para o outro ... acabo desse jeito.
acho que as vezes diante de nós mesmos nos fazemos menos agudo do que
realmente somos... assim repousamos e pensamos deixar mais barato possível
o cansaço que nos causa o outro .... e numa dessa eu pego uma AIDS. incrível,
é duro fazer a nossa investidura humana no mundo, os valores da sociedade
de consumo são um e os valores do indivíduo são outros. há a moralidade
da família de um lado e a imoralidade pública do outro. o mundo do
trabalho (e o homem se produz, pelo trabalho) está separado do mundo
da cultura, se os dois se unem era um mundo de beleza e utilidade para
todos. tudo morreu para nós e nos próprio num certo sentido morremos estamos
mortos para a natureza. Habitamos sozinhos com nos próprios e com a sombra
negra que nos envolve (aumento da alienação gerada pela inflação) qual é afinal
a medida de nossa existência? o que então o homem moderno pode fazer de sua
angustia fundadora? A burguesia brasileira me parece tonta de tudo. Parece que
somos o sétimo país do mundo a consumir automóveis, não ? a turma troca 2
carros por ano. topo da pirâmide. O resto é uma desgraça é uma miséria que não
tem mais fim, transporte liberdade de ir e vir, fundamental, está impossível hoje
em dia. parece que é para
quebrar relacionamentos, isolar os homens. dividindo-os o sistema manda mais
ainda. mas a culpa
é o chamado do ser ao silencio, acho que a liberdade é um jogo duro. no fundo,
se ela fica oca vazia ela fica culpada; mas só o laço é que liberta. o compromisso.
tentei me comprometer politicamente, mas eu não vivia a transa. não sei me

[ 27 ]
expandir para fora. parece que me expando melhor para dentro. não me objetivei
no mundo, uma economia de atos. o ato de uma certa forma é o término de uma
possibilidade. e esclerosa a liberdade. mas o homem tem que ter a coragem de
reconhecer que ele só vive fora dele mesmo, sim? eu nunca fui capaz de lidar
com a minha liberdade ela não tinha ponto de apoio eu recuava
diante dela, mas minha carta esta pesada eu acho Paulo mas eu acho que o
homem não é vitima do pensamento eu acho que ele é vítima de uma situação.
eu continuo lendo todos os malditos da literatura
A Náusea do Sartre, O Estrangeiro do Camus, . O Processo do Kafka. Ulisses do
Joyce. Flores do mal do Baudelaire. Iluminação e uma Estação no inferno do
Rymbaud. Tratado do desespero humano do Kirkegaard . a vida oscila entre a
diferença e a indiferença. tomando como parâmetro como referencial o sistema
eu era diferente então agarrei. a ninha diferença e fiquei com ela nas meu erro
foi não apostar nela. a vida é uma aposta. sabe aquele projeto de ser a sua causa-
sui, digo de não ser causado mas ser a sua própria causa, o seu próprio
causador ?
Eu namorei isso daí, mas devia tentar fazer exames mergulhar nas grandes
estruturas de poder
onde ninguém é apoiado por ninguém mas todos se apoiam mutuamente
num vácuo invisível e vão (alguns) defendendo o pão e transando livros numa
boa. Eu também nem tentei isso. nem tentei ganhar dinheiro. esse mundo do
compra e vende me chateia, enfim vivi a deriva a margem da vida. Brechas na
personalidade que favorecem e frações vindas do mundo exterior. eu tentava
melhorar a insuficiência da minha consciência ontológica me expandindo e
desenvolvendo a minha consciência verbal achava que uma grande perspectiva
cura muitos males embora acentue a tragedia da nossa pequeneza humana. e a
coisa in bem dentro de mim, mas nunca contei que o negócio poderia pintar de
fora e em confronto com o de fora eu ... dançar. enfim., que fazer ? pior é um
moço engenheiro casado dois filhos pegou aids. eu aguento e a coisa não atinge
não castiga muito, diretamente os outros. E eu sozinho e pronto fica mais fácil
para mim. Sempre evitei qualquer coisa que aumentasse a minha liberdade
responsável porque escolhendo para mim eu escolheria para os outros e no fundo
estava inconsciente da minha essência mais intima ou pelo menos eu não tinha
certeza confiança nela. não era um cara tranquilo diante dos gozos da própria
animalidade sensível do homem. migra muita coisa da gente para o outro, o outro
(meu vizinho) não encontrando nada que o arrebatasse nessa vida entrou numa
de não mais se respeitar e nem também me respeitou antes. talvez até
escarnecesse da minha atitude um pouco evasiva e esquiva em relação a ele (?)
se vingando e me pegando de supetão na curva ? olha não entendo nada. na vida
é preciso cuidado com o demônio próprio e também preciso ter 10 vezes mais
cuidado com o demônio alheio,. puta merda, Paulo, é muito foda. é um absurdo.
Você tem que ter um bom faro, Paulo, a vida apodrece, a olhos vistos, Paulos e
a podridão se alastra. Diz Hemingway que só deus mata. o homem que mata
quer se identificar com deus. será que ele sabia que tinha aids e quiz me levar
para a merda com ele ? estou vivendo essa vida que se sabe portadora da morte
da melhor forma que posso. a macrobiótica desintoxica. e nem tomo
tranquilizante. nenhum remédio. e seguro à barra sem me descabelar, é duro

[ 28 ]
agente se colocar acima da própria piedade, enfim ... maravilha, maravilha. à
vida pensando bem é quase bela, sim? Abraços, teu amigo, Hamiltom

[ 29 ]
Paulinho, madrugada, acordei. comi um refogado de cebola alho,
alho-poro salsinha cebolinha Salsão, virado com farinha de milho feito, de
rabanete nabo cenoura e uma pasta de soja (misso) uma delicia. Agora um
cigarrinho ( o negocio é curar a aids à moderna) e vamos no papo. Sonhei.

Quando a gente tem sono e não sonha está tranquilo, tendo sonho
quer dizer que a alma se debate para se explicar com o próprio sofrimento.
eu sonhei som o meu vizinho(hoje, morto) devido ao caráter multivele do
ato(no sonho) ele carrega significações várias além daquela única que
suponho ele queria configurar. dai à ambivalência do simbolismo, mas
resumindo parece que vejo as coisas com mais clareza e me dá ocasião de
ir me depurando ir incorporando ir rejeitando muitas coisas que existe em
mim mesmo. e vou ficando mais uníssono comigo mesmo o negócio é falar
com Nietzsche luz mais luz o que não me mata torna-me mais forte, sim ?
estou numa jogada que estou topando qualquer destino. antes eu era por
fora um humanista-pequeno-burguês. por dentro ardia para ir em frente e
alcançar um humanismo mais integral (talvez escrevendo um livro) mas
nunca fui capaz de me levar a sério. falta de estímulos. e também
preocupado com a grana para sobreviver, e não fazia nada. não saia do
lugar. que merda. A alma que não põe um objetivo para si se perde, tem-
se que ter um objetivo para concentrar as forças para não haver vazamento
de energias. e se cristalizar num degrau. depois subir outro e se cristalizar
naquela atmosfera e de assim por diante, sim ? mas voltando ao sonho : o
cara me pega nesse lusco-fusco t era a desordem sagrada do meu próprio
espirito, eu ia até para a cova gloriosamente intacto, mas ... eu acho que
por um lado eu me irritei com o cara de me nivelar com ele ne tratando
como um reles homossexual - nessa idade é uma delinquência - mas por
outro cu não assumi a minha irritação : antes dei a bandeira de que o cara
não tinha estrutura para me irritar, entende isso? e papei a bunda do cara..
quer dizer menti para min e menti para o cara. eu poderia falar é verdade:
Você tem razão não alcançei a hetérossexualidade plena mas não estou a
fim de transar homossexualismo na minha idade e nem com você. eu era
honesto comigo e com ele, entende? aeho que foi aí que eu errei, acho que
fiquei culpado com vergonha sem graça do atrevimento do cara mas não
quis dar a bandeira de que ele tinha gabarito para me irritar, entende?
apesar da transa me deixar quebrado eu pensava que escorando na transa
estava tudo acabado e pronto, mas... veio a AIDS, gozado: foi um negócio
mais rápido do que um raio. não tive tempo de nada, agora sei que antes
de agir a gente dá um passo atras e se apoia num mito num álibi numa
defesa numa justificativa que justifique o nosso ato, sim? e eu tergiversei
comigo mesmo... tudo isso Paulo te conto : te quero bem, olhe para você
para os outros e vai receando o mecanismo que eventualmente você
perceber em você ou nos outros fica alerta e vai corrigindo, sim? sei que a
tua dinâmica afetiva é boa mas o importante é sinceridade para com a
gente mesmo é para com o outro, sim? agora começo a entender melhor
papo como este = a verdade vos libertara, entende isso, Paulo ? a gente

[ 30 ]
não abre espaço para as informações novas, a gente está muito
sedimentado, entende? graças à tua carta desencadeou-se um processo
que me ajudou a me entender melhor. se a carta minha também de alguma
forma contribuir para você remanejar os teus valores e te proporcionar uma
visão de vida mais ampla do que Mario Covas eu acho que já esta muito
bom. sei que interfiro na tua vida pessoal. mas sinto que você tem muita
inteligencia e muito potencial tem-se que bagunçar o coreto as roseiras
para você usar tudo isso. aproveitar enquanto você é moço. você vai colher
depois o que plantar agora. não pense em votar num cara para te governar.
pense antes em se colocar numa posição de ser votado para você governar.
os defeitos de um homem ele deve a sua época, as qualidades a ele mesmo,
pensa na dignidade mas só no seu movimento próprio. uma ação ruim como
trampolim para uma ação muito boa que suplante de longe a ação ruim
deve ser excutada. Você é filho do um lar generoso, eu também, mas a
dignidade, a noção de dignidade que me deram foi extática : era um gracejo
trágico. o cara não podia ser digno se não tinha o café da manhã para beber
e no processo de obte-lo perdia-se a dignidade. e eu não resolvia isso na
minha cabeça. estando no sindicato voce pode meter as caras na política
local. vereador.Eu sei que é grave coisa ser sempre dois, está demonstrado
estatisticamente que os homens casados durammais. vivem melhor. c
escapar do um destino estupido. O solteiro ou é alcoólatra, ou marginal, ou
estuprador sexual, ou ladrão. um ou outro vira um escritor ou poeta ou
santo ou gênio ou coisa que o valha.

A mulher transa melhor a vida e morte ela está próxima da vida nua e Crua
conhece as tempestades nuas da existência sabe lidar melhor com o sofrimento
e o homem gravita em torno dela nossa área. ela pacífica, acalma, serena. tem
fases da vida difícil mas dá para contornar e ultrapassar. procure bater muito
papo com a Claudia. o analista só bate papo com o paciente e sem a colaboração
genital ele põe o paciente (quando é bom) em paz. o marido (Você pode fazer o
mesmo muito bem). A verdade do ser humano está no símbolo e não no corpo,
o resultado da transa simbólica (por papos) entre o homem e a mulher reverbera
no corpo. O corpo é apenas o caudatário de tudo, Paulo. o diabo é que a gente
não se conhece e nem conhece ninguém. essa é a verdade.

Conhecer-se é muito importante demais. hoje eu vislumbro a possibilidade


de me conhecer, procure se conhecer bem Paulo isso te dá uma chance louca no
sindicato na política na família com os amigos etc. se eu me conheço bem aquele
cara não me pegava não. mas eu estava identificado com a consciência perpetua
da humanidade. deixava uma situação concreta da vida por viver e transformava
aquilo num jogo teórico e especulava abstratamente sobre aquelas
possibilidades. é infinita a possibilidade de determinação do ser no mundo e eu
examinava tudo. mas a vida me escapava. você diz que mais erra do que acerta.
mas olha teus erros, examina. você melhora isso. a vida é assim vai-se da
alienação a desalienação até o infinito, mas tem que estar atento alerta vigilante
prestar atenção em você mesmo. de minuto a minuto perguntar o que estou
fazendo de mim agora. uma pedra e uma pedra. o homem não é nada. precisa

[ 31 ]
se fazer para ser, sim? a liberdade é a fonte da grandeza e da maldição do próprio
homem diz o Sartre. é um peso. mas não ser livre é pior. ter saudades do tempo
que se era pedra não adianta nada, andei lendo o catecismo holandês. É um papo
legal. Li Cristo O Libertador, dentro da perspectiva teologia acho que não 1i nada
melhor na américa latina. é excelente. porcebe-se porque o papa crastou ele.
minhas leituras andam desordenadas.

Bom bye-bye, Paulo.

HAMILTON

[ 32 ]
Capítulo VI

Paulinho, é isso aí: por um lado fiquei irritado com meu vizinho mas por outro
lado não quis honra-lo com a minha irritação: me coloquei acima do louvor e da
censura dele, entende? Daí se percebe que a estrutura da gente se realiza na
função e como é uma estrutura muito fragmentada só sai coisa ruim. Se não é
a AIDS eu segurava ainda que no intimo humilhado a transação o negócio é que
o pensamento é simultâneo e a linguagem falada (os atos) é simultâneo mas a
linguagem verbal (escrita) é sequencial. A própria linguagem não dá para ser o
retratonem se cavar um retrato muito bom de nós para nós nem dar um retrato
nosso para o outro: o homem é estranho é o susto a perplexidade . Fui tomar
água num botequim mandaram eu beber numa pia. Eu trato o outro por que o
outro me tratou bem? Fazer reinvindicações invocar direitos isso acho tão chato
entende? No fundo até eu estou espantado comigo mesmo. Eu vinha de
madrugada até minha casa a pé do Gonzaga todo dia de madrugada. Tinha
medo de uma encrenca de rua com um assaltante etc. mas era um risco que eu
corria livremente. Tinha enfim uma vida desregrada. As vezes achava não ia ter
o destino comum a todos – tinha medo de uma fatalidade qualquer.
Aconteceu ... incrível dentro de casa. Na vida tem-se que dar uma boa
gargalhada, não dá pra entender nada.
Paulinho um forte abraço
Hamilton

[ 33 ]
Capítulo VII

Setembro 1.989

Paulinho, aquele abraço.

Platão falava que " Deus não podendo fazer o mundo eterno deu-lhe o tempo -
imagem modelo da eternidade. O negocio é aprender a preencher o próprio
tempo criativamente, a pessoa come caga mija trepa dorme trepa mora fica
livre da necessidade e ... escorrega para o tempo do tedio, não tenta criar. não
tenta aprender a criar isso é ruim. não usa não apreende a lidar com a própria
1iberdade. diz o teólogo judeu-cristão Martin Bubber diz "que embora Deus nos
habite jamais O possuímos inteiramente e inteiramente e somente podemos
falar com Deus na exata medida que mais nada falar em nó" uma meditação
conduzida estruturalmente visando atingir esse resultado acorda a pessoa para
a ligação dela com todas as forças vivas do universo inteiro. Daí entrasse num
estado comungante com tudo. o que é com o que foi e que com o que será,
entende? ela transcende o mundo das formas entra em relação com o que já foi
dado na eternidade de uma vez por todas. escapa, por um momento, do mundo
das aparências, e, contempla, a eternidade de mundos, sem perecer. Um
excelente exercício espiritual de libertação. mas vamos por etapas, sim?
primeiro a pessoa tem que apartar as carências, as necessidades c os
sofrimentos dela oriundos da história individual dela mesma, sim? um pouco de
autoanalise de introspecção, de auto percepção é muito bom, sim? separando
os males dela dos males da nação que ela vive -da sua moral e da sua
sociologia da sua psicologia e da sua economia, da sua política é muito
necessário, sim?
depois tem que perceber os males inerentes à própria condição humana
compreender, portanto, a relação dela. o entrelaçamento dela, com o atual
estágio de desenvolvimento histórico e biológico da nossa triste condição
humana. percebe então que só há uma resposta válida para o problema da
existência: seria o amor mas o amor é (seria) a imagem fulgurante da nossa
triste condição sem futuro...
mas por que ele é tão difícil e inalcançável ? é o que atesta a literatura a poesia
a filosofia a música a pintura as artes e a vida de quase a totalidade dos seres
humanos. primeiro porque ele é praticado no social - mercado de compra e
vendas, sim? - depois por fatores múltiplos que vamos examinar, sim ? diz
Immanuel Kant que a pessoa nasce com juízos sintéticos a-priori cujo
predicado antecede, não está contido na compreensão do sujeito na experiencia
do sujeito. a união dos dois termos (o pré-verbal e o pós verbal) faz-se por uma
síntese mental; que são universais e necessários (tentar um procedimento

[ 34 ]
consentâneo com a grandeza da razão) não daminha razão mas da razão
universal que me transcende e me englobaliza, sim? portanto o que provem da
experiencia singular e contingente com o juízo sintético a-priori tem que ser
fundido na pessoa pela própria pessoa, sim? Daí a pessoas atrela a natureza
animal dela com os símbolos culturais ligados a cultura da nação dela, do
mundo em geral, sim?
a gente só tem acesso ao nosso corpo ao corpo da outra pessoa só quando
mediatizados pela relação, simbólica, sim? acesso direto do sexo do homem c
da mulher não tem mais .transar isso é importante demais isso cria a
confiabilidade metafisica entre o homem e a mulher, sim? Daí, e só daí, nasce
o atrevimento da pessoa se atrever a sentir e ase entregar e a se integrar-se ao
seu próprio sentimento, sim? esse acesso ao próprio sentimento fica
obscurecido pela ignorância, sim?

Jenn Piaget, Freud, Schopenhauer acha que até aos 7 anos está mais ou menos
definida a história de uma vida. Dizem que há uma unidade numa vida e tudo
gira em torno daquele eixo. aquele, eixo seja qual for aponta para um
potencial: que se amplifica mas numa direção já dada de antemão. dentro
dessa limitação pinta-se a possibilidade de escolhas e liberdade. Assim Al
Capone foi girando em círculos mas sempre em torno da mesma direção
esgotando as suas possibilidades é se tornou o mais famoso bandido do
planeta, sim ? Sartre cstudoú a vida do Flaubert : dentro daquele pique dele ele
até poderia suplantar Momero, Sófocles, Lao-Tse, Socrates mas nunca poderia
dar uma guinada e se transformar num Janio Quadros, jamais. Até os sete anos
a criança é a sedimentação da sua raça, sua nação, seu povo, sua | herança
biológica e cultural é mais ainda à experiência contingente do seu sensório
motriz.

é à boca é os olhos o ouvido é o nariz é tato é o cagar, o mijar, o vomitar, o


comer, terra, bosta inclusive (se, se deixar) o inconsciente não conhece
diferença anatômica entro os sexos e nem a morte, sim? essa fase da vida é
que dá mais ou menos à quididade a plataforma onde se apoia a vida futura do
ser humano. É muito importante demais. eu ando as voltas comigo mesmo
procurando, a curvatura primordial de minha própria alma? terei uma alma?

tem sábios do oriente (esseristas) que diz que O homem não tem alma. uma
pedra é. não precisa se fazer para ser. O homem não é nada. tem que fazer
para ser. Eu nem sabia o que mais ne enchia o saco ; o desgosto secreto (que
você conhece ) ou a miséria publica dentro da qual se é obrigado a viver, sim?

então fiquei tonto : uma aporia louca dizendo melhor uma ausência de
caminho. nem legislava em causa própria e nem em causa alheia. omisso
humanamente. umas trez vezes me meti livre e espontaneamente em briga de
rua. era quando um cara descendo de elevador com mulher c dois filhos levou
uns supapos de 5 caras muito mais forte do que ele. achei tão repugnante que
entrei na festa . eu não bato em ninguém. apenas me interpus entre os
malfeitores e a mulher que levava safanões e socos dos delinquentes.

[ 35 ]
Mas tudo é uma miseria tão grande que o delinquente, frequentemente, não
está nem a altura do seu delito. ele o empequenece e o envilece e o calunia. a
polícia pintou no local. dois merdas escaparam o
Outro foi pego e negou que bateu na mulher consciente ou inconscientemente
cada homem carrega nas costas toda a história da humanidade. tem coisas
sublimes de par com muita merda junto. Acho que predomina a bosta. para
cada Bethovhem existe um milhão de Jânio Quadros. É guerra é peste é fome
(veja o Brasil hoje) é uma tristeza. Érick Fromm se espantava até: achava
pouco os crimes as brigas passionais no mundo achava que levando em conta
os crimes oficiais o mundo deveria estar infinitamente mais fedido e fodido. Os
crimes legais e inacreditável, cortaram no Brasil subsidio para a importação de
uma droga para os diabéticos. resultado o negócio ficou tão caro que os
diabéticos reduziram o contingente da droga no sangue o que se decreta a
morte deles antes do tempo. Paulinho você precisa gastar o seu dinheiro com
muito critério. Rousseau falava que o dinheiro que ele tinha, o libertava da
escravidão de ter que ganhar outro, por isso ele gastava com muito cuidado
demais. Quando moço não muito dinheiro, mas se tinha a experiencia da vida
que tenho hoje e se tivesse guardado eu teria uns 3 apartamentos alugados o
que me daria uma certa sensação de aprumo íntimo, de tino na vida e talvez eu
até eu tirasse de letra o meu... generoso(?) - afinal me deu rabo - impostor,
sim? minha vida então não se me afiguraria tão absurda nem diante de mim e
nem diante dele, sim? a maneira como
somos interiorizados pelo outro tem importância na nossa vida, sabe, né? e
nessa merda de mundo o dinheiro. tem um papel fudifio, sabe ne? para dissipar
irritação e tedio e ansiedade eu rodei uns 80 por cento do território brasileiro.
conheci bem mesmo o Rio, São Paulo, Bucnos Aires, Bariloche. tinha carro. era
botequim todo o dia, muitas vezes ia jantar com amigos em restaurantes caros.
não havia trepação. havia aquele jogo de imagens. de vez em quando
(raramente) trepava mas a mulher nem ficava contente e eu nem queria me
sentir responsável pelo fracasso da união. então até isso fui deixando de lado.
Mas cuidado, muito cuidado com a grana.

Paulinho, ela é muito importante demais, infelizmente. o mundo seria bom se o


mundo espalhasse o dinheiro como bosta para todos.a inflação é como a
neurose humana (há uma, neurose da saúde?)
convive-se com ela. não se cura. O Juscelino sabia disso. todo mundo sofria e
mais ou menos gozava à inflação. o dinheiro circulava. agora há grandes,
concentrações de capital nas mãos de poucos. a feira perto de casa tem um
déficit de 16 barracas. O pessoal não vem mais aqui faz 6 meses. Eles alegam
que o bairro é pobre e não adianta vir aqui. : não se vende quase nada. o
salário-mínimo “(a imensa maioria) é de 170, duas cabeças de alho, duas de
cebola e eis que já foi a verba do dia do infeliz.
É uma situação surda muda desesperadora. o aluguel das casas está
insustentável. o centro de tudo, o governo, uma bagunça: nada de ordem. só
anarquia se espalha por todo o lado. esse governo escarnece do povo. a ordem
com conotação disciplinativa é necessária. aqui só a ordem com conotação
repressiva. Aumenta-se, (Quercia) a polícia. chega uma certa hora o

[ 36 ]
sentimento de não se estar sentindo o que se sente é que toma conta das
pessoas mais sensíveis. eu escorreguei para uma super-voluntariosa
valorização do próprio eu tentando me refugiar do mundo humano dessa forma.
ignorei a realidade. mas ela não me ignorou e me cobrou, entende?

Balzac falava que há um anjo caído dentro do homem. é verdade. sinto isso,
Rolland Barthes fala que há no homem histórico e particular, um homem eterno
e universal. o eterno tem que trepar no ombro do histórico. mas o histórico
nem sempre pode carregar aquela eterno e universal. então a fusão não se
realizando vive-se mutiladamente faltando um pedaço, sim? quero dizer o
homem é uma
lacuna radical. o homem é a indigência a carência radical é a falta mesmo, sim?
a busca dessa complementação impele ele ao seu dia-dia. Sim? Por isso o
estado mais autêntico do homem é a sua
solidão radical, só através da criação do diálogo ele se liga e só o laço é que
liberta, sim? o homem é então um artificio vital, sim? o vital nos foi dado o
artifício temos que criar por nós mesmos, sim? Paulinho a gente precisa do
outro para admissão de nos perante nos mesmos. O caminho da nossa
interioridade é o outro. Sêneca falou: me meti no mundo do homem e saí de lá
menos homem ainda do que quando entrei lá. Rousseau falou que o hálito do
homem é mortal ao próprio homem. acontece para todos aquilo que ninguém
quis: o descontentamento. mas é a luta a busca a procura, sim? seria a poesia
uma busca degradada? seria o dia-a-dia uma busca inútil? eu sou um ardoroso
defensor da compreensão, acho que compreender tranquiliza, é uma alegria
triste. mas o cara encontra repouso na dor para ir dilatando os horizontes e ir
dilatando os domínios do entendimento, sim? isso é muito importante.

4 amigos que não tem filhos me abriram a casa deles, eu agarro livros
para ler. Condesmar tem sido mito legal para mim (o da macrobiótica, sabe,
né?) a Beth me ajudou demais no começo. Condesmar me apresentou o Paulo,
um psicólogo, ele pinta aqui sábado sim, sábado não. as vezes todos os
sábados;
excelente criatura. Paulinho faz tempo que a gente não levava papo então a
gente não sabe mais ao certo encontrar aquele ponto certo onde nossas
experiencias se tocam de forma a que um pode entender o outro.
perfeitamente, da minha parte é um estímulo escrever para você. eu descubro
força em mim ganho força para destruir com a mesma força, a força que me
destrói. é a dialética da vida, sim? eu me reapodero melhor de mim mesmo,
sim? O negócio é arrancar luz das trevas, sim? Agora da tua parte
quero que você fique bem a vontade. Se a carta reverberar legal na tua cabeça,
então pinta aqui, telefona e me escreva. Se você ficar quieto eu respeitarei o
teu silêncio, sim? sabe meu medo é falar muito a propósito mas de coisas que
no momento não te vem a proposito, não te ajuda na tua vocação. no fundo
acho muito legal quando um ser humano serve de alaudeiro para a alma do
outro ser humano, sim?

[ 37 ]
meu cunhado morreu faz uns dois meses. O advogado que faz o
inventario para a minha irmã pediu o endereço dos irmãos e sobrinhos do meu
cunhado. ela é herdeira direta do apartamento (Você já foi lá, lembra?) Minha
irmã ficou nervosa. A advogada está enrolando ela. Hoje me disse a minha
sobrinha que a minha irmã tomou um tranquilizante para ir conversar com a
advogada sobre isso. Veja em que ponto nós chegamos: um ser humano
precisa tomar tranquilizante, porque tem nojo, raiva, medo de outro ser
humano.Que absurdo meus Deus do céu! Essa bosta toda está no ar e vai
envenenando tudo. Tem gente que é mais sensível pega uma neurose brava
mesmo. O sistema também é filho da puta, não é a toa que os hippies
tomavam um gole de pinga forte para poder encarar um ser humano depois dos
30 anos. tudo mais para podre já. que fazer ? pena que os hippies não tinham a
tecnologia na mão se não eles limpavam a terra. isso faz tempo é um
manicômio. E o sistema fala muito em sexo. uma coisa sublime eles
emporcalham tudo, é a serpente venenosa da nossa própria cultura. São as
falácias fálicas da nossa cultura. não falam com decência. querem ganhar
dinheiro em cima de sexo. propaganda ete. reduzem a vida ao sexto. não é
isso! sexo é um aspecto da vida. no fundo a tragedia da vida é colossal, vai
além da exigência de uma cama ainda que não exclua a própria cama, Sim?
que trepada uma pessoa pode dar nesse mundo se uma pessoa precisa tomar
tranquilizante para aguentar e falar com a outra? bem Paulinho. o negócio é
muito foda. vive-se matando uns aos outros cm lugar de se amando uns nos
outros. O pior nosso compromisso do bem não é uma garantia, não livra a
gente do mal. Então o cara fica espumante de impotência diante disso tudo.

antes o homem tinha uma psique. buscava corrigir aqui e ali. tinha uma
possibilidade de buscar a sua soberania relativa. hoje o homem desaparece.
como realidade essencial é já substituído por essa sórdida realidade de
objetos(tudo putaria)que já tem autonomia sobre ele, (veja a minha irmã com
a advogada)sim? Quero dizer as categorias psicológicas do ser humano já se
transformaram
em categorias sociológicas. tudo virou uma putaria sem vergonha. hoje minha
irmã falou com a advógada. ela pediu desculpas para a minha irmã. disse que
se enganou, é da boca para fora? vai tentar
continuar sacaneando(?) por de traz do pano? esse estado de expectação,
ansiosa fica no ar, sim? já levou 50 e depois mais 50 cruzados novos da minha
irmã. falei para a minha irmã tirar dela o inventário. não sei o que a minha irmã
vai fazer.

tudo isso que as pessoas vivem migra no ar na atmosfera e o amor é praticado


no social e não dá para ele ser defendido, disso então pinta esses períodos
difíceis na vida do casal que com compreensão carinho e paciência é superado
tanto quanto pode-se coexistir com esse mundo. um casal que quer uma vida
simples um amor simples mas feliz. paro evitar impacto você suaviza um
pouco mas tenta ir mostrando para a Claudia as molas propulsoras da nossa
sociedade, como ela é por dentro. Está tudo podre, sim? acho que você e ela,
um tem que se agarrar no outro e lutar contra tudo que está aí, sim? sapo?

[ 38 ]
todo o mundo tem que aguentar. tanto aquele que tem 300 mil apartamentos
alugados como aquele que só tem abobrinha para comer. estamos ainda na
pré-história do homem. a história do homem ainda nem começou segundo
Marx. é uma alienação total. não há um sujeito transindividual da história. não
há uma realidade histórica instaurada, transindividualmente falando. não há
uma comunidade autenticamente humana.

no fundão o outro nos desloca e a gente se recompõe depois a gente se desloca


o outro e o outro se recompões e desse jeito a gente viaja pelo pensamento
embarca nele e se reapodera mais de nós mesmos e vai cavando aquele mais
além de nós que precisamos para viver, sim?

mas a gente não deve avançar para o outro com as categorias do nosso
pensamento nem à gente deve remodelar o outro e nem o outro deve
remodelar a gente. o pensamento deve ficar cativo da ação
que o próprio papo vai iluminando, sim? afinal não compreendemos as coisas se
com elas não nos colocarmos em cstado de prece, sim?
temos que nos misturar com elas para elas se revelarem para nós, sim?
na doação e na apropriação do amor está implícito a ideia de um combate
representado de se conquistar o outro que amamos. Isso é delicado. a Simone
do Sartre quando mocinha pôs a mão na cabeça
olhava para o espelho e falava "Sartre me larga. sai da minha cabeça". é que o
homem é um sendo que nunca é totalmente enquanto a mulher é " então ele
manejava a dialética e ela não. ela não sentia que conquistava o Sartre, sabe a
felicidade não se encerra em si mesma, mas da maneira como o ser humano a
atinge, entende?
e a Simone era amada mas não por ela conquistar aquele amor, mas enquanto
ela era simplesmente o que ela era, entende? enquanto que o Sartre
conquistava, ela não era capaz de conquistar, ela
não devia a ela a graça e elegância, ela devia à natureza, entende? então nesse
combate ela perdia e ficava furiosa. A Simone não tinha o gostinho de o
seduzir, de conquistar, entende? depois de muita luta ela foi crescendo mais e
se transformou numa grande escritora. Tenta examinar o teu relacionamento
com a Claudia intimamente nesta perspectiva, sim? Custou para os dois lados
do conflito, Sartre e Simone, ficar melhor equilibrado, antes era uma relação
unilateral e não bilateral, entende?

Mamlet falava que o homem é um andrógeno em busca de si mesmo.


Quer dizer, a cultura é unilateral e não bilateral, é machista. Então a mulher
não se põe direito. Ela se sente como objeto e não como sujeito. Mero apêndice
na vida do homem. A mulher é um brinquedo que a cultura masculina criou
para ele brincar com ela. Então por tabela ele só se relaciona com ele mesmo,
pensanso que está se relacionando com a mulher, entende?
Você tem uma experiência vivida e eu uma experiência meramente livresca,
vamos misturar as duas e ver no que vai dar, sim? Pense nisso, tá?
por isso parece todos os amantes do todos os lugares e de todos os tempos tem
que dizer seu amor contrariamente aquilo que realmente sentem, sim? E

[ 39 ]
quando as pessoas percebem tudo isso então o amor entre elas se transforma
naquilo que Bretche falou “...o amor é uma função da tristeza do
homem ...“ acho fascinante perceber erros e acertos e ir compreendendo e
melhorando tudo.

A mulher é um ser incorporado, encarnado, sobrevive nas gerações


através dos filhos. É geratriz, é matriz, é nutriz da vida. O sangue marca a vida
da mulher, e sangue é vida afinal. É menstruação quando mocinha, o sangue
quando ama fisicamente pela primeira vez, é no nascimento dos filhos: sangue.
A angustia dela diante da eternidade da verdade é menor , ela é a eternidade e
a verdade. O homem quer vencer a morte pelas obras: o poder, a arte, a
ciência, a religião, a igreja, o exército etc

A mulher disputa o homem, o homem se entrega ao poder e a mulher. Ela


se aborrece, mas se eles se entregam, como empreender a luta para a garantia
da sobrevivência biológica da espécie? Além disso através da obra o homem
sobrevive a sua morte pessoal finita, sim? Veja Sófocles tem 5 mil anos, não?
Então pinta necessidade de se compreender isso bem. Parece que é
paradigmático da realidade a diferença anatômica entre os sexos. Um foi feito o
destinado para o outro-procriação. O homossexualismo? parece, uma aberração,
cono foi isso? Isso é tão velho cono o honem. Na China antiga, Grecia, Japão,
India etc. já havia entre as classes cultas, É que entre homem e mulher um
incorpora valores um do outro, e como a morte afligia mais o homem do que a
mulher para ele responder com obras - poder - ao problema da morte pessoal
ele dispensava a mulher e ficava dentro da mesma polaridade sexual.
assim um incrementava o outro a desenvolver a arte a ciência o exercito a
igreja etc. escolha consciente. Opção pessoal. Visava fins mais espirituais do
que sensuais propriamente dito. Otto Rank chega a esta conclusão estudando
a vida do Michel Angelo.
v
dessa maneira há muitos e muitos anos o honem vai pulando fora do devir
interior das coisas e tentando comandar esse devir : “ser o senhor do seu
destino, escapar da fatalidade cega da natureza” de forma que a
consagração do homem a mulher não é total, é parcial, e a mulher sofre por
não conseguir conquistar o homem totalmente. isso ela entende o porque
histórico da coisa ajuda ela na relação dela com ela e dela com o homem,
sim?
hoje acho o homossexualismo não está com nada. É algo degradado, é um
sub-produto da sociedade de consumo, o homem e a mulher ficam tontos então
como a nossa alma é uma teia de aranha que tece os destinos do nosso corpo
as pessoas buscam o mais fácil para -supõe elas3 - expressar a sua revolta,
ingenuidade. eu acho. até os 11 ou 12 eu aceito, depois é ... estupidez. é
conflito.

[ 40 ]
Paulinho. 10:00 horas, vou comer umas algas refogadas e depois
vou ler. um forte abraço. lembranças para a Claudia. Beijos nas
crianças, teu amigo Hamiltom.

Paulinho esta ameaçando chuva. não posso sair. então vamos prosseguir no
papo, sim? aproveito para clarificar algumas ideias, melhorar a exposição. de
outras apenas esboçadas, e tentar botar uma ordenação maior no papo mais
unidade tematica e formal, sim ? primeiro que tudo a gente tem que perceber
muito bem as coisas, digo, como n nosso mundo é realmente. só depois que a
gente conhecer bem as coisas então a gente vai querer transformar o mundo
do jeito que ele e realmente paro o jeito que a gente quer que ele seja
realmente. dai o encontro entre as duas ordens de coisas homem e mundo se
realiza projetando o que pode ser modificado e se adaptando aquilo que não
pode ser mudado. então tem-se que engolir sapo. um patrão meu antigo
exportava café para os Estados Unidos. De vez em quando eles alegavam que o
café não batia com a amostra e cobrava uma refração (diferença em dinheiro
do prejuízo) digamos : Zero Zero vírgula meio por cento, sobre o valor bruto da
fatura. As vezcs eram 30, 40 mil sacas de café. um puta dinheirão, meu patrão
pagava o sapo. Era, dizia meu patrão, o único escritório de corretagem na
américa que segundo meu patrão, colocava bem o café dele no mercado dos
estados unidos, então ainda hoje nos nossos dias a vida é basicamente,
conciliação, com 17 anos pedi para esse mesmo patrão um aumento de
salários. para eu fazer frente ao aumento do custo de vida : fazia escola técnica
do comercio e ela tinha aumentado os preços. o patrão me falou : tenho dó de
você. por isso você está aqui. não quer ficar a porta está aberta, eu engoli o
sapo. Mas a coisa me humilhou fundo. o meu antigo patrão morreu, 61anos,
arqui-trilhonário de grana. era nos estados unidos na Sue aqui no Brasil, tudo
cheio de grana dele. Morreu de um forte ataque do coração, e eu estou fudido
aqui. É a alienação humana total. O mercado de trabalho é uma desgraça.

a coisa é histórica. se a bomba atômica não acabar com tudo antes a coisa
poderá quem sabe melhorar, a miseria dizia Van Gogh na hora da morte não
tem fim. na Russia os burocratas, os tecnocratas não produzem mais nada.A
Russia cesta comendo aquilo que ela já têm. Descapitaliza-sé a olhos vistos. a
nova classe, Milovam Djilas já denunciou isso é, parasitária, inútil, perigosa
e ...não quer nem fodendo perder as regalias – o poder enfim - chega uma
certa hora o cara fico tonto nesse mundo e acaba como um nada em projeto,
uma fissura no ser. Engolfado pela própria liberdade. A liberdade do ponto de
vista da vicissitude da vida real não vale mais nem uma bosta, o que vale o que
conta é liberdade do ponto de vista das vicissitudes das ideias do sistema, sim ?
O cara somente faz uma ponte entre Santos é
Bertioga se ele for engenheiro se não o que adianta a liberdade dele? a
liberdade sem conhecimento não vale mais nada. E eu não conheço porra
nenhuma. tem uma pequena burguesia brasileira, mas eles são covardes. nem
querem o mercado brasileiro para eles.o povo então que se foda. e eles

[ 41 ]
também se fodem. só que cles estão na exercitação do poder. usam o poder
para se aliar aos estrangeiros. são uns merdas.

mas na carta mudando de assunto, eu falo de homossexualidade. a coisa não


ficou muito clara. quero esclarecer certos pontos de vista.

Vou aplicar as palavras aos fatos para ficar fácil o que quero te dizer. O
inconsciente humano não conhece a morte a moral o bem e o mal (a criança e
um polimórfico Sexual) Freud. Não
Conhece a diferença anatômica dos sexos. na infância existe o primado a
supremacia da fálico como símbolo então a menina e o menino são
anatomicamente diferentes então concretamente
a menina percebe as diferenças físicas mas simbolicamente ela gravita em
torno do fálico a não em torno do sexo dela, entende? isso é resultado da ação
da cultura sobre a menina, e traz complicações futuras para a mulher que tem
que ser transadas, esclarecidas, sim? ela tem um sexo vivo em torno dele mas
simbolicamente gravita em torno do outro, sim? isso divide a mulher em dois,
sim? não favorece à unicidade de uma coisa um vida com ela mesma, sim?
Atras disso está o Freud o Piaget o
Schopenhauer etc. além disso tem outros problemas - a burguesia dividiu
também a mulher em duas - de um lado a virgem e santa e do outro lado a
puta. isso é uma mentira fedorenta. Gilberto Freire - - Casa Grande e Senzala
conta que no Brasil ciclo de cana de açúcar – olha não faz muito tempo não –
fazia-se um buraco no lençol e botava por cima mulher pelada e o ara botava o
pau dele por ali para trepar. cssa era a santa - menina de engenho. o homem é
um louco um cativo de aspirações impossíveis, o que afinal a burguesia aspira
com essa hipocrisia toda? Tudo isso sedimenta a cabeça das mulheres através
das gerações...e a coisa vai explodindo mas compreendendo se supera bem.

isso torna a relação homem e mulher delicada. requer paciência que é gentio. É
uma verdadeira obra de arte a relação que se quer perfeita e luta para tal. valer
por isso diz Emmanuel Mounier aquando amamos a gente se descobre em
estado de luta e não em estado do êxtase entende, não?

mas eu tinha um amigo da Unicampo outro do Ita. eles pintavam em casa


sempre. a gente levava papos gostosos. um deles hoje (evasão de talentos)
está trabalhando na Ale0manha, (engenheiro), outro casou-se e segundo
parece está nos Estados Unidos, um dava a bunda para o outro e um comia a
bunda ão outro. e gostavam muito de mulher também. aliás uma vez uma
amiga deles (hoje minha amiga) veio procurar eles em minha case. recebi à
moça. eles chegaram. a gente foz comida. Comeu. a moça fazia medicina. ela
trepou com os dois aqui em casa. então era uma turma fudida mesmo, idade
media 20 anos. no fundo há, existe uma came na história. É doação original das
coisas mesmas. É a asseidade da matéria. há a pregnancia da carne no mundo,
portanto, pode pintar, e eu acho até legitimo, uma ... ontologia da encarnação,
sim ? eu ficava na minha sacando toda aquela liturgia da encarnação vivida

[ 42 ]
na minha casa na minha presença nos bares com os meus amigos. não percebia
neles nem raiva nem revolta nem desorientação interior e nem exterior. a coisa
se aproximava bastante da pureza, sabe? eu não me sentia puro inocente o
bastante para se me fosse possível participar daquelas orgias celestiais,
entende?

com 13 anos eu trabalhava num bar do interior, tinha frequência variada: no


balcão de café a pinga todo o mundo desfilava por ali, nos reservados era
prefeito vereadores médicos, professores advogados engenheiros fazendeiros
sitiantes industriais . eu ia levar comida e cerveja e cigarros nas putarias da
cidade, o universo inteiro estava contido naquelas minhas experiencias. com
aquelas pessoas conheci tudo. depois tive 37 anos de Gonzaga diariamente
lidando com vários tipos de pessoas. estudantes, principalmente. uma gente
inteligente aberta esperançosa, acho então que há dois bandos humanos: um
heterossexual que é apreciado pelo sistema e o homossoxual que é perseguido
velada ou ostensivamente pelo sistema. mas na sua grande maioria acho todo o
mundo representa um papel. conheci uma porrada enorme do homossexuais.
tentava discutir a rigidez cadavérica e assustadora deles com eles; mas eles
nem alcançavam o que eu queria colocar e perguntar.
Alcebíades na Grécia quando moço roubou todas as mulheres de todos os
maridos, quando velho roubou todos os maridos das suas mulheres. Ora se um
homossexual entra numa de suportar
a agressão do sistema não devia se petrificar deveria ser plástico flexível como
o Alcebíades, sim? por isso sempre — levando em conta minhas dificuldades
internas e os problemas externos que o “que mais me convinha era ultrapassar
o mundo da carne.

fiquei 30 anos sem me deter na carne. da vontade Paulo de dar uma


gargalhada. A gente não entende a fatalidade os ocultistas dizem que a nossa
alma é uma teia de aranha que tece o destino do nosso corpo-nossa vida (o
corpo está destinado a morte, sim?)

acho que teci mais ou menos o destino da minha vida depois perdi para a
efração vinda do exterior - a fatalidade. esclareço isso:
"o que é a realidade ? a realidade é um ponto de vista. sim?
tudo depende do parâmetro que a gente elege para nos situar, sim?
então a liberdade é um golpe de audácia que elege na incerteza
objetiva uma certeza mas com a paixão do infinito, sim? e isso
essa convicção profunda nascida do sangue do sujeito é a coisa
mais difícil de ser atingida, falar, viver, escrever com o
sangue. sangue e vida, sangue e espirito, sim? então não há o homossexual o
heterossexual o que existe é o ser humano, sim? isso aconteceu em Roma
antiga Grécia antiga. Foi valido para aquela sociedade aquele mundo de valores
estabelecidos, mas com a indústria dissensibilisa-se deserotisa-se o corpo
humano para o trabalho. e se cria a heterossexualidade finalidade meramente

[ 43 ]
reprodutória. mais mão de obra para a guerra e para a indústria, sim? então
estou em Santos hoje 1.989. então os
valores são diferentes, sim? se eu não sofro aquele acidente na escola que te
falei eu ingresso na uniformidade social e tudo bem, mas ingressei direito.
conflitos trabalhistas etc então a alma do cara se revolta e agride a sociedade:
homossexualismo. eu achava, para mim, essa revolta essa resposta, fraca,
inoperante, vazia, sem sentido. ele não goza nada. Está com raiva e não amor.
por outro lado, ele reforça os valores da sociedade que ele quer contestar. a
sociedade absorve os protestos deles, sim? eles os homossexuais não faziam
nenhum esforço de perfeição sobre eles mesmos.

encontrei na vida 6 duzias de homossexuais - entre homens e e mulheres. –


puros uns 4 ou 5 muito inteligentes. o resto era àquilo que o Young falava para
o Freud e o Freud aprovou imediatamente - não são flores de se cheirar. Estou
Paulinho examinando o assunto com à neutralidade de um coveiro. minha
vontade pessoal fica sujeitada à busca do conhecimento, sim? não é nada feito
com mesquinharia, busco a verdade, a sociedade e que produz essas
desgraças. O heterossexual, sem dúvida, é infinitamente mais feliz, o
homossexual é uma coisa infinitamente desgraçada, no Pirandelo, no Redondo,
no Eick-Bar em São Paulo houve épocas que conhecia uma por uma um por um
dos homossexuais como eles tem dinheiro eles se cultivam e não se transforma
em um inconveniente social, digo não apronta para cima de ninguém. os mais
sem dinheiro me pareceu os mais perigosos, Segundo leio um psiquiatra diz
que aumentam em 10 por cento o homossexualismo em São Paulo de 10 anos
para cá. o homem não consegue mais ter utilidade na vida de uma mulher. o
aluguel de casa está insuportável a comida cara o transporte a liberdade de ir e
vir esta caro o homem vai para o brejo,

Bom Paulinho parou de chover, parando a chuva acabou meu restringimento,


estou liberado,
é uma alegria, vou almoçar e no correio,

um forte abraço,

transmita m/ recomendações para a Claudia. bejos nas filhas,

teu amigo,

Hamilton

Paulinho,
o homem vive entre dois mundos: o mundo dos fatos e o mundo dos símbolos,
Você vive bem no mundo dos fatos. isso é importante: é a pré-condição
necessária para suportar teus ulteriores estudos e mergulhar mais num
embasamento teórico da realidade, quer dizer amplificar o mundo dos símbolos-

[ 44 ]
eu amo muito o mundo dos símbolos, mas fico aflito com meu jeito diante do
mundo dos fatos - não sou um cara com a postura do mundo - de forma que
não é legal a minha situação. Você está mais equilibrado. acertou mais do que
errou nessa vida... : “

Abraços Hamilton
11/09/1989

[ 45 ]
Capítulo VIII

Caro amigo Paulinho,


Io Te Saluto,

Obrigado.Muito Obrigado pela tua carta, Estava com saudades de você. O


percurso para a morte é assustador. Mas tento fazer de min um rei da minha
própria infelicidade, Estou fazendo metafisica da vida e vivendo e revivendo a
metafisica na própria vida. , Tudo trabalho de confecção - artificialidade - tudo
Orgia do Falso Eu....
Cristo disse que a verdade liberta: mas como tenho mais medo da verdade que
da morte eu ...eu... eu... vivo da mentira, sim?
Digamos que eu não consigo exteriorizar a verdade interior, sim? o que dá
gente sai para fora é predicado mas jamais os atributos, sim? Os atributos de
um homem são impenetráveis pelo próprio homem. É que parte dele está no
homem e parte dele está acima do homem. “O mais sublime seria apreender as
coisas de forma que os fatos ja fossem teorias “- Geeted. Mas
infelizmente não é assim, o homem produz fatos e somente depois vai teorizar,
O Homem existe por sua adesão aos acontecimentos, por sua maneira de
realizar, através daquela adesão os acontecimentos que ele teria sido. E a
gente não é livre para fazer o que quer, mas é responsável pelo o que faz. Eu
diante do jogo dos meus possíveis preferi conservar a minha liberdade em lugar
de me socorrer dela, achava que o compromisso que eu podia ter ia me
perturbar em vez de me gratificar, é que eu me apreendo mais como objeto do
que propriamente como sujeito. Mais o efeito de causas ignoradas, sim? do que
como o resultado de minha escolha, Interdito econômico do Marx e proibição
fundamental do Freud ( sexo, repressão ). Aquilo que a gente domina dentro da
gente a gente também domina fora da gente. quando coagido o homem pode
perder a vitória que vinha mantendo sobre as coisas internas que o escraviza, e
pinta então a queda do homem. A minha área de vulnerabilidade e a sexual,
isso me impedia de me reconciliar comigo mesmo e com os outros homens e
com o mundo, então eu atacava de auto-mono-sexualista, não tinha elo com a
mulher nem com e amor nem com beleza e nem com o poder, eu era um poço
de raiva : surda muda, raiva sem objeto. a gente se identifica com o nosso
opressor : e o mais poderoso opressor é o Nada. Parece que eu expiava uma
culpa mas cuja falta não era minha. A coisa me parecia absurda gratuita,
daí então eu interrogava os enigmas ontológicos da mobilidade de acontecer
que me pareciam injustificados, incompreensíveis. Eu tinha 7 anos, a meninada
12 anos, era algazarra alegre. era rito masturbatório da infância, era " pecado "
universal da juventude, parecia até que eu nem tinha pau, então recalquei o
susto sexual a congestão sexual, se eu tenho a mesma idade eu passeava pela
homossexualidade e poderia alcançar a heterossexualidade. Ou podia prolongar
a pratica homossexual, mas fiquei crucificado lá.
O homem joga toda a sua alienação existencial no próprio pau e aí assume a
sua subjetividade e se coloca no mundo : homem entre os homens, e participa

[ 46 ]
da luta dos homens. afinal vivemos no mundo da falocracia. Eu rejeitei meu
corpo equacionado com o problema do pau, depois quis integrar a todo de mim
essa metade recusada e mantida a distancia, mas não consegui. então
sofria o apagamento do meu EU no SER do símbolo fálico.A gente não acede no
rnundo simbólico instituído pela cultura, a neuro-patologia fala em
assimbologia. verdade é que o cara tem medo de não jogar o jogo de riso e o
jogo da cama vitoriosamente com uma mulher, uma relação
libertadora de coração e inteligência com a mulher é difícil, acho que algumas
mulheres que conheci tinha medo de ser remodelada pelo universo do Outro e
pintar o naufrágio do Ser delas.e era as mulheres que não viviam em harmonia
com elas mesmas. mulheres que superem a identidade para não pensar a
contradição dos coisas. Eu queria articular bem a energia tangencial mecânica
com a energia radial da psique. mas essa interpenetração de almas essa
interfecundação de psiquismo é difícil. Era preciso a ambiguidade de contato e
de distancias, preponderâncias alternadas há dar forma na relação deixar a
relação criar a sua própria forma livremente. O que eu queria era o ser de
Amor e o dever de Ser. O amor não tem objetivo, ou por outra, vem como
unico objetivo ser o seu proprio Objetivo. O amor exclui a responsabilidade
porque é mais do que a própria responsabilidade. Mas a pessoa quer o amor
mas tem medo de amar. daí pinta a angustia de não poder ser.
No emprego , no café, me pego como um rapazito indefeso implorativo
Reinvindicando aumento de salário, procurava paternalismo no patronato, Mas
a vida humilha a gente, engoli sapo do patrão. a necessidade, a utilidade
comanda a gente. A gente é meio e não FIM. Abaixei as orelhas, culpado. usei o
bom senso e ataquei de impudicícia: continuei no serviço para pegar uma
tuberculose alguns anos depois. daí eu me afastei do sistema, mas vivia
adiando para depois uma solução para o problema da taboa para dormir e dois
pedaço de pão para comer, e entrei no mundo das leituras, queria evoluir
organicamente através das ideias, mas eu era chupado pelo desgosto interior,
não ultrapassava o pessoal em direção ao universal, contudo eu era senhor do
meu fracasso. malogro desgraçado. Mas mesmo assim eu fazia amizade com a
minha ignorância, eu estava voltado para isso, trabalhava duro sobre o
negativo, tinha rigor no desespero, era toda idoneidade moral a minha dor,
tudo desmoronou. Entro na morte pela mão do outro e não por mim mesmo. É
trágica a unidade biológica vida-morte.
Esse jogo do vai e do vem da vida morte que existe na vicissitude da vida real
não existe na vicissitude das ideias e dos sistemas, então a palavra petrifica:
foge da morte mas mata a fluição da vida. Artaud fala que no Mexico tem
cultura que vive melhor essa situação essa condição humana, aqui o homem
preserva mas não afirma a vida, e o homem perece mais ou menos
bestamente.

O homem sozinho não tem chance. Tem que se apoiar em instituições


corrompidas. É a desgraça maior. - Artaud

[ 47 ]
Nós ainda não nascemos. Ainda não estamos no mundo. Ainda não existe
mundo. As coisas ainda não se fizeram, a razão de Ser ainda não foi achada.- a
caridade se perdeu e não se encontrou um orgulho benevolente. - Rymbaud
O passarinho se basta a si mesmo, é uma forma sublime de vida. O homem é
temporão precocial suporta mal a sua insuficiência ontológica básica. Vive de
relação e na relação, não tem identidade fundamental, e sim identidade
relacional. Raro alguém como Robespierre - O incorruptível - que vira o circo
mas com os homens e não contra os homens, dar forma na nossa liberdade é
uma tarefa terrível, é preciso a coragem da convicção.
A liberdade tem um encontro com o coração da fatalidade.A humanidade não
costuma legitimar nem Cristo nem Robespierre. nem foram tratados com
lealdade, É dificil para um homem se qualificar para a liberdade. Se ele capitula
diante do sexo, o sexo captura ele. Tem que ser intransigente para a tarefa das
grandes obras. O homem dança : alarido dos grandes e ferroada dos pequenos,
muito barulho para nada diz Shakespeare. O que mais enche o saco do homem
é a morte.
ele corre atras das imagens das imagens, da imagem primordial, e tenta
identificar a sua morte com aquela figura de humanidade que não morre nunca.
A busca da comunicação direta com as forças que regem o universo é
difícil. Tentar compreender isso é bom. Aquilo que mais importa na vida
não se deixa transparecer. A gente não encontra um lugar estável de
onde a gente pode se pronunciar. Daí uma certa castidade de
pensamento.

É o labirinto da linguagem : resultante da impossível vez e impraticável Ser.


Há vários modos do dizer e ser , e o Ser não se diz.
A liberdade se revela absurda porque é escolha do seu Ser, sem Ser o seu
fundamento. Ela não tem razão de Ser , já que inaugura toda a razão de Ser e
todo o fundamento - Sartre.

A liberdade é vazia, oca e não se apoia sobre nada, daí faz medo, a gente foge
dela e se ...culpa, sim?
A culpa enseja a possibilidade de um recomeço – Kafka, daí a culpa existencial,
daí a ontologia da ausência – Mallarme, Heidegaard. A palavra mata, mas o
espirito vivifica – São Paulo
O espirito cria quando alheio a dogmática rasteira, e isso é difícil.
Na relação com o mundo eu aprendi a desconfiar de mim e do mundo.
Homem e mundo - realidades arquifundante, onde começa uma e termina a
outra? o silencio eterno paira acima do próprio verbo.
Nunca gostei de depender do extemo, o /efeito da linguagem é o patema – a
paixão do corpo – Lacan
O Significado é falho. o ato significante fala – o produz e o contem, ele fixa
petrifica.
o inconsciente rompe com o corpo e se marca na fala. Fiquei entravado no
imaginário da imagem do corpo. e assim prossigo fazendo e vivendo o êxtase
da defenestração.

[ 48 ]
A consciência em sí é pura, livre e iluminada, mas ela se faz intenção. Se faz
para os objetos e se perde neles, assim é visto o contacto primordial da mente
com a realidade. Então o Ser se degrada e se faz o devir. O problema mais
difícil é a falha obscura entre a Consciencia e o Ser. O espirito se encontra
arrastado eternamente nesse relação ilusória com a vida psico-mental. ou seja
com a matéria. existem atividades inconscientes? ou é a batalha pela vida
material?
parece que as categorias psicológicas já se transformaram em categorias
sociológicas. O sistema invadiu penetrou o espaço íntimo do indivíduo
coisificando-o. A psicanálise não consegue mais ajuda-lo a descobrir o seu
interior. É a dissolvência do homem. O enraizamento do real dentro do
indivíduo forma e seu núcleo pessoal, seu referencial interno e as relações
objetivas da infância se prolongam a vida inteira. Como o individuo processa
isso? eventos da vida.-

ha uma unidade numa vida que gira em torno disso. circular. A coisa não é
linear, assim aquele que dá facada nos outros na rua, se derem um curso de
medicina para ele, seria um cirurgião, sim? Mas jamais seria um escritor. Mas o
pensamento moderno contesta essa escravidão à infância: afirma que o homem
é uma série de aparições que o manifesta. É livre portanto. Agora a
circunstância é no homem e nem sempre o homem pode ser na circunstancia
de forma construtiva.
O Brasil está afundando as pessoas, parece que nada se dá no inconsciente sem
ter se dado primeiro na consciência, o que se dá no inconsciente é uma função
mas não o Ser do inconsciente. O Ser do inconsciente não existe. O
inconsciente é uma sucata da consciência. Identificar o inconsciente
com o recalque é um erro, A consciência é o fenômeno mais brilhante da vida e
ao mesmo tempo nosso órgão mais fraco e mais coxo. A fé na unificação de
todo o conhecimento é difícil, sou cético.
estamos condenados a viver e a pensar simultaneamente em vários niveis,
e esses niveis são incomensuráveis, ha queimas de etapa Histórica ha saltos
existenciais para se passar de um nível ao outro. O último nível e um ceticismo
integral. agir sem esperança e no fracasso fazer a nossa prova de ser, ou o
homem abandona a realidade objetiva. A gente modera esse ceticismo ou onde
ele está esquecido a gente vive, A gente tem que fazer que o mundo tenha uma
realidade, tem que fazer que somos capazes de compreende-la, Isso torna o
tedio mais suportável, vivo em vários níveis: da alma humana leio Platão, nível
da alma anímal bato uma punheta.
Paulinho eu te gosto muito, escreva-me. Lembranças Claudia, abraços e beijos
nas filhas, teu amigo Hamilton
Nota:
sobre a personalidade humana pode-se dizer que : o homem é irredutível a
uma fórmula, a ciência não prova que a consciência se reduz a matéria, mas
como pensar o elemento especifico a alma, a especificidade do ser humano? O
que nós chamamos de sujeito é apenas um objeto considerado como o lugar de
reações particulares.

[ 49 ]
Naville.— mas por mais que se reduza o sujeito a um objeto, o sujeito continua
irredutível, ele se sabe objeto e há nisso uma barreira intransponível, e mesmo
no caso de se abater esta barreira é o respeito a ela que permite perscrutar o
humano.

[ 50 ]
CAPÍTULO IX

Caro Paulinho,
Hipocrates disse que o esperma interage com a mulher podendo torna-la
pacificada ou inquieta. Pode também transformar um homossexual em louco ou
em um criminoso. É um agente físico que tem grande força transformadora.
Parece que existem exames prevendo ajustamento para casais.

Freud em Totem e Tabu apoiado em dados etnográficos “O Livro de Deus”


de Frazer afirma que o pai antigo queria todas as mulheres para ele somente,
daí os filhos se revoltavam e queriam amorte do pai. Pinta a culpa. Se o homem
deflora a mulher o sangue remete para a culpa recalcada. Então o padre,
pessoa santa credenciada pela comunidade, portanto – com a própria mão ou
com instrumental cirúrgico deflora numa cerimônia a noiva. Além disso a
destruição do hímen fere um órgão da anatomia feminina e que pode deixar a
mulher magoada, coisa temida pelo homem. As vezes a mulher trepa melhor
com o homem que não a deflorou.

Eu te escrevi misturando alma animal com alma humana, queria um


retrato completo. O conteúdo da nossa consciência particular é invariável mãos
o nosso EU não é encontrável, a gente é transcendido pela totalidade que nos
habita e que nos escapa.

A gente hospeda o acaso e absurdo ou o mistério?

A gente é uma estrutura em processo. A gente breca o processo, encalha,


acho que por medo da mudança. No instante da metamorfose o EU recua
assustado. Eu me vejo como vitima de uma autoridade sem sentido. Uma ânsia
niilista parece que era a figura dominante dentro de mim. Evite a autoridade
cambaia, mas não encontrei a autoridade em verdade. Parece que tenho espaço
intimo, parece que descobri o caminho da interioridade, mas não fui capaz de
plantar o resultado no mundo e garantir o pedaço de pão e uma tabua para
dormir, livre da ameaça de fome. Isso ajuda, quando atacado a perder o
governo sobre a gente mesmo. Agora tenho que viver até o fim.

Você tem a pratica da vida que eu não tenho, mas tem uam teoria que
contem mais ou menos toda marcha, agora, cuidado com as drogas.

Um forte abraço,

Lembrança para a Claudia e filhas.


Hamilton

[ 51 ]
Conclusão

Algumas passagens que vale mencionar. A casa que o Hamilton tinha, que
lhe proporcionava renda de aluguel, precisou ser vendida. A casa ficava em São
Carlos no interior. O Hamilton não levava o mínimo jeito para discutir estas
transações comerciais. Iria começar a filosofar com o comprador e com a
pessoa do cartório e o negócio nunca sairia. O escalado para acompanha-lo foi
meu pai. Foram um dia até lá fizeram a transação e depois voltaram.

Hamilton era uma pessoa da noite, sempre de calça comprida social. Um


dia eu e dois amigos cismamos de levá-lo na praia, e ele topou. Fomos buscá-lo
na sua casa no Marapé e ele sai de calça social... “Hamilton, você vai assim na
praia?” ele ria e informou estar com um short por baixo e lá fomos nós. Ele
curtiu, entrou na água inclusive.

Um dia eu tinha fumado maconha e estava muito louco e fui para o Clube
de Xadrez no Embaré, onde encontrei o Hamilton. Saímos juntos e naquele dia,
não sei se chovia ou por que motivo, cismamos de pegar um ônibus, o normal
era sempre andar a pé. Dentro do ônibus me dou conta de que não tinha
dinheiro, olho para o Hamilton, que também não tinha...fomos convidados a
descer do ônibus, mas já estávamos no Gonzaga a esta altura .

Ele menciona nas cartas que estive no apartamento de sua irmã, Cida, e
de fato me lembro de ter estado e salvo engano era em frente a praia no José
Menino, mas perdi total contato.

Hamilton era enxadrista, frequentava o clube, na verdade foi lá que o


conheci, pois, minha família toda acabou jogando xadrez, alguns jogam até hoje
como meu irmão Horácio e meu sobrinho Flavio.

[ 52 ]
Sobre o autor

Paulo Prol Medeiros, 59 anos, aposentado da área de Comercio Exterior e


graduado em Filosofia, atualmente atuando como consultor ainda na área de
portos.

Cursou gestão Empresarial em 2002/2003, fui filiado ao PSDB 89-93, PT


95-98 e 2001-2015, Rede Sustentabilidade 2015 – 2021.

Sindicalista no SETTAPORT, Santos-SP, durante a década de 90.

Entre 2010-2020, já como gestor em empresas multinacionais, atuou como


diretor e ou representante da empresa em entidades empresariais. FENAMAR –
Federação Nacional das Agências Marítimas e CENTRONAVE, Centro Nacional de
Navegação Transatlântica.

Publicouainda, também como e-book , os livros: “Assim Falava Jesus


Cristo”, “Cristianismo como Filosofia”, “Em busca da Terceira Via” e “Catequese
de Adultos IVC”.

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