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APEGO E SIGNIFICADO DO LUGAR: UM ESTUDO DE CAMPO

Naelly Feitosa Soares1


Wendy dos Anjos Dantas2

RESUMO
Este estudo de campo tem como objetivo explorar o fenômeno do apego ao lugar em duas zonas rurais,
por meio de entrevistas com dois casais de 60 anos. Apesar de terem plena consciência das possíveis
dificuldades de locomoção na zona rural, esses casais optaram por permanecer no local devido ao
vínculo afetivo que estabeleceram com o lugar.

1. INTRODUÇÃO

Para Tuan, (1983, p. 198): “o lugar é um mundo de significados organizado”,


isto é, um centro de produção de significados baseado na experiência subjetiva, nas
relações sociais, nas emoções e pensamentos (admin,+24+-
+EM+BUSCA+DO+SENTIDO+DO+LUGAR.pdf). Este ponto de vista enfatiza a
importância do contexto e das relações interpessoais no desenvolvimento de
significados associados a um local. Como cada pessoa carrega seu próprio conjunto
de experiências, valores e conexões sociais, elas podem perceber e interpretar
individualmente um local de maneira diferente.
A ideia de um local servindo como um objeto para a criação de significado
também enfatiza como os lugares são dinâmicos e em constante mudança. Os
significados de um lugar podem variar ao longo do tempo como resultado de
desenvolvimentos sociais, culturais e individuais. Um local pode estar repleto de
lembranças sentimentais, anedotas populares e imagens simbólicas que ajudam a
moldar sua identidade. Pesquisadores interessados ​nos vínculos emocionais e
simbólicos que as pessoas formam com seu ambiente imediato – seu ambiente físico
– estudam a ideia de apego ao lugar. Encontros pessoais, memórias e laços sociais
com o bairro contribuem para o desenvolvimento desse vínculo. Seguindo a linha de
raciocínio de Tuan (1982, p. 32), é a subjetividade (emoções, sentimentos), conectada
ao meio, que aponta a possibilidade de definição de dois termos: topofilia que remete
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à familiaridade e ao apego ao lugar. (ELISANGELA-CAMPOS-DAMASCENO-


SARMENTO.pdf (uneb.br)
O apego ao lugar é um conceito estudado por pesquisadores interessados nas
relações emocionais e simbólicas que os indivíduos desenvolvem com o ambiente
físico onde vivem. Esse vínculo é formado por meio de experiências pessoais,
memórias e conexões sociais com a comunidade local. E o enraizamento, por sua
vez, é um conceito relacionado, que se refere ao processo de estabelecer uma
identidade e pertencimento a um determinado lugar. Isso indica a necessidade
correspondente de ocupar-se conscientemente de sua identidade, necessidade que
surge quando a identidade é posta sob questão (Tuan, 2013, p. 238).
O incentivo para a realização desse estudo de campo está atrelado a
proximidade e familiaridade dos autores deste estudo de campo, pois estes estão
inseridos em ambientes que serão expostos posteriormente, e também possuem um
apego a esses locais.

2. DESENVOLVIMENTO
Foi realizada uma entrevista com dois casais: Terezinha (67 anos) e Wilson(63
anos 1; Zulmira (69 anos) e Sulamar (74 anos)2. Ambos aposentados que exercem
trabalho rural, como: plantio, pecuária e extração de madeira. O local, em que o casal
1 vive, sítio Umburana de Iguatu, possui elementos como: posto de saúde, comercio
local, escola de ensino fundamental, assim como o casal 2 – residente do sítio Riacho
Verde de Acopiara -, com exceção somente de posto de saúde. Ambos os casais
moram um pouco distantes de seus vizinhos. O objetivo dessa entrevista foi analisar
falas que se alinhassem com teóricos que estudam o apego ao lugar e enraizamento
e se a fala dos entrevistados se alinham ou não às teorias vistas.

ENTREVISTA CASAL 1:
Entrevistador: Moram aqui quanto tempo?
Terezinha- Bem, desde sempre, nasci aqui e cresci também
Wilson- Vim morar aqui após o casamento ,faz cerca de 40 anos
Entrevistador: O que acham de morar aqui?
Terezinha- É bom, mesmo maioria das coisas sendo difíceis a gente sempre
da um jeito de viver.
Wilson - É um lugar estranho de se morar se não tiver sustento, a gente se
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vira com o que pode.


Entrevistador: Como vocês definiriam os pontos negativos de onde vocês
moram?
Terezinha - As estradas que são horríveis, se acontecer algo de emergência ,
se você não tiver um carro não consegue ir pra lugar algum.
Wilson - Não tem as mesma facilidade que tem em são Paulo por exemplo.lá se
você quisesse alguma coisa no mercado tinha uma a cada esquina, já aqui, além das
coisas serem mais caras , a variedade é muito pouca.
Entrevistador: Então oque faz vocês continuarem aqui?
Terezinha - A gente tem nossas coisinhas aqui, mesmo sendo pouco, é nosso,
tem as pessoas também que a gente gosta, é oque faz a gente continuar aqui.
Wilson - A gente já morou por um tempo em são Paulo, mas mesmo com as
facilidades lá, a vida aqui é mais difícil, porém é mais prazeroso.
Entrevistador: Vocês consideram esse lugar como uma parte de vocês?
Terezinha - Sim, a gente viveu tanto tempo aqui que acho que deixamos algo
para ficar de recordação, criamos nossos filhos, conhecemos amigos e fizemos oque
poderia ser feito para ter uma condição na velhice.
Wilson - Mesmo sendo um lugar difícil de se morar, esse sitio tem grande
significado para mim, algo que não sei dizer, so acho que se esse lugar fosse mais
acessível , a gente viveria o resto da vida aqui.

Após o término da entrevista foi feita a análise do que foi dito e algumas falas
que condizem com teóricos, como Zygmunt Bauman, que formulou o conceito de
"enraizamento líquido" que pode ser observado na fala dos entrevistados quando
mencionam que moram no local desde sempre ou há muitos anos. Eles se identificam
com o lugar e sentem que faz parte de sua identidade, mesmo reconhecendo as
dificuldades.Outro ponto importante é a tese de
Marc Augé um antropólogo que desenvolveu a ideia de "não lugares" e
"lugares antropológicos". O local descrito na entrevista, com elementos como posto
de saúde, comércio local e escola, pode ser considerado um "lugar antropológico",
onde ocorrem interações sociais e o desenvolvimento de relações pessoais. Por fim
O geógrafo John Agnew que propõe o conceito de "territorialidade" para entender os
laços emocionais e práticos que as pessoas estabelecem com um lugar específico.
Os entrevistados demonstram uma forte territorialidade ao mencionar que o local é
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deles, mesmo com suas dificuldades.

ENTREVISTA CASAL 2:
Entrevistador: Ha quanto tempo moram aqui?
Zulmira – A gente veio pra cá em 77, então faz uns... 45,46 anos.
Sulamar – Eu vim em 1977, pra poder cuidar do terreno.
Entrevistador: O que acham de morar aqui?
Zulmira – Assim, no começo eu não gostava muito do lugar, porque só tinha
vindo aqui no sítio uma vez, bem antes de o avô dele perder a esposa e disse pra
Sulamar vir cuidar daqui. E eu também não conhecia muito o lugar. Aí depois que eu
casei com Sulamar e a avó dele morrer, ele veio pra cuidar do terreno e a gente veio
morar aqui e cuidar daqui. Mas aí com um bocado de tempo, porque eu demorei a me
acostumar com o lugar, acabei gostando daqui, né. Aí comecei a trabalhar como
professora aqui, costureira e cuidava da casa. Então era muito bom, porque eu
trabalhava praticamente em casa, que a escola era aqui do lado.
Sulamar – Eu gosto demais. Eu já tinha passado 15 anos aqui, saí e depois
voltei de novo.já fazia uma ruma de coisa. Aí quando meu avô perdeu minha avó ele
ficou desgostoso e mandou eu vir ser o vaqueiro do terreno, né, aí como eu já era
acostumado vir pra cá foi tudo muito tranquilo, já trabalhava com a agricultura e a
pecuária lá no Bandeira, aí quando vim pra cá o trabalho foi o mesmo.
Entrevistador:Como vocês definiriam os pontos negativos de onde vocês
moram?
Zulmira – O mais difícil aqui e manter as coisas arrumadas, né, por causa da
poeira e a terra. Que o meu trabalho é cuidar da casa e fazer comida. Aí também tem
essa questão de ter que ir na cidade resolver alguma coisa, que é uma peleja pra ir,
mas é só as vezes que a gente vai lá.
Sulamar – As dificuldades que eu tenho é só pra cuidar dos bichos, o tempo de
seca, né. Agora ta bom, que ta chovendo de vez em quando. E a pecuária eu deixe
mais de mão, por causa da doença que eu tive, aí hoje em dia eu só mexo com animal
mesmo que é o que da pra fazer.
Entrevistador: O que faz vocês continuarem aqui?
Zulmira – Foi criado um carinho, né, pelo lugar. Apesar de no começo não
gostar muito, com o tempo a gente foi conquistando nossas coisinhas, né. A gente so
tem que manter as coisas mesmo, né. É mais como uma sobrevivência mesmo.
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Sulamar – Como eu morei boa parte da minha vida aqui, tô acostumado. E


também, eu quando vim pra cá comprei uns terrenos, uns bichos, aí tô mantendo o
que já tenho..
Entrevistador: Voces consideram esse lugar como uma parte de vocês?
Zulmira – Sim. A gente construiu nossa família aqui, né. Viemos pra cá quando
dois filhos, um com 5 anos e a outra com uns 7 meses. Aí teve mais quatro que
nasceram e se criaram aqui. Além do espaço que a gente tem aqui, os amigos que
fizemos aqui. É muito bom.
Sulamar – Sim, como eu já disse vivi muito tempo aqui, né. E eu e Zulmira
tivemos seis filhos criados aqui, e também os bens que a gente construiu aqui, então
eu acho aqui muito bom. Num pretendo sair daqui não.”

A partir da teoria de Giuliani (2004), é possível relacionar que esse casal possui
um grande apego funcional, pois eles se manteram naquele local devido a uma rotina
e trabalhos que já estavam acostumados, desse modo, ao exercerem papéis que já
lhes eram comuns, atribuíram recompensas que reforçaram o permanecimento deles.
É perceptível que o apego simbólico está mais relacionado ao senhor Sulamar, pois a
senhora Zulmira só criou raízes com a região depois que foi morar lá, já ele comenta
que quando pequeno já morou lá e sempre que possível vistava o local, então a partir
disso é notório que este senhor tinha um forte laço afetivo que remetia ao local e sua
família. Já em relação ao apego temporal, ambos possuem um vínculo afetivo com o
ambiente, pois além de terem construído sua família no local, o senhor tinha contato
direto com a terra por realizar trabalhos como pecuária e plantil, e a senhora por
realizar trabalhos para a comunidade local como professora, que pode ser atribuído
como um apego temporal social, devido o seu empenho na realização desse trabalho.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo de campo com os dois casais de 60 anos evidenciou o fenômeno do apego
ao lugar e o enraizamento. Mesmo cientes das limitações de mobilidade, eles optaram
por permanecer devido ao vínculo afetivo e emocional estabelecido com o ambiente
rural. Esses achados estão alinhados com teorias de estudiosos do apego ao lugar,
como Yi-Fu Tuan, Giuliani e Edward Relph, que enfatizam a importância dos
sentimentos de segurança, familiaridade, pertencimento e memória na
formação desse apego e
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4. REFERÊNCIAS
ALVES, R. B.; KUHNEN, A.; BATTISTON, M. “Lar Doce Lar”: Apego ao Lugar em
Área de Risco diante de Desastres Naturais. Psico, [S. l.], v. 46, n. 2, p. 155–164,
2015. DOI: 10.15448/1980-8623.2015.2.17484. Disponível em:
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/17484.
Acesso em: 29 maio. 2023.

https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/27365/Tese_DINTER_
EAESP_Lelis%20Maia%20Brito.pdf?sequence=1&isAllowed=y

file:///C:/Users/naell/Downloads/admin,+24+-
+EM+BUSCA+DO+SENTIDO+DO+LUGAR.pdf

https://ppgecoh.uneb.br/wp-content/uploads/2023/03/ELISANGELA-CAMPOS-
DAMASCENO-SARMENTO.pdf#page=45
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https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/77985

Massola, Gustavo & Svartman, Bernardo. (2018). Enraizamento, tempo e


participação na Psicologia Ambiental. Estudos de Psicologia. 23. 293-305.
10.22491/1678-4669.20180028.

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