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Por
Ângela Maringoli Kitzinger
Orientador: Prof. Dr. Milton Schwantes
____________________________
Prof. Dr. Milton Schwantes
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
___________________________
Prof. Dr. Jung Mo Sung
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Dedico esta pesquisa a José Benedito Maringoli, meu pai: boiadeiro incansável,
homem de um caráter resistente às intempéries da vida. (In memoriam)
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, Meu Senhor, Rei e Pai, que generosamente me agraciou com esse tempo
de estudo e conclusão do livro.
A Milton Schwantes, meu professor e orientador.
A Neila Cristina, escudeira fiel e amiga em todo o tempo.
A Aline Couto que, por tantas vezes, me ouviu e me ajudou na montagem do trabalho.
Ao Rafael Vazquez, meu recente amigo, que chegou aos 33 minutos do segundo tempo e,
com muita inspiração, preparou a bola para que eu conseguisse acertar o gol.
A vocês queridos, Tálita, Sidney, Thiago, Thafnes e Osmêndia, muito obrigada pela imensa
paciência e amor que demonstraram por mim.
A minha irmã Deuseli, de quem eu sou fã incondicional.
E, aos queridos Pastor Geraldo Ribeiro Filho e Apóstolo Valdomiro Souto Ferreira, meus
incentivadores e amigos.
À Profa Neusa Munhoz, pelas horas dedicadas na leitura e correção gramatical.
Deus abençoe a todos...
Foi um tempo enriquecedor conviver com o livro de Rute nesse último ano de
2010. Quando iniciei a pesquisa, pensava estar em uma estrada conhecida e
tranquila, cheia de bosques e pastos verdejantes. Mas não foi o que aconteceu. Por
várias vezes saí da estrada, e sem que percebesse peguei atalhos com uma ou
outra bifurcação. Às vezes, havia buracos na estrada que me segurou horas dentro
deles. Então, pensava em minha cabeça: E agora? Como vou sair deste parágrafo?
Por onde eu sigo?
E, assim, foram se passando os dias... a cada dia, durante o ritual de leitura
das pesquisas dos livros ou a elaboração da exegese, apareciam informações
novas. E elas eram tantas, como enxurradas das chuvas do mês de março.
Muitas dessas informações perderam-se. Tenho consciência de que muitas
delas não foram processadas. Meu cérebro muitas vezes ficou sem saber qual
comando emitir, pois tudo foi muito rápido, mas... o sabor de cada descoberta foi
muito bom!
E agora, que concluí a pesquisa, eu sinto o sabor de “querer mais”. Um sabor
de continuar na estrada...
TOCANDO EM FRENTE
Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte mais feliz, quem sabe
Eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei
E nada sei
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso chuva para florir
Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada, eu sou
Estrada eu vou
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso chuva para florir
Todo mundo ama um dia, todo mundo chora
Um dia a gente chega no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história
E cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso chuva para florir
Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua história e
Cada ser em si carrega um dom de ser capaz
E ser feliz1
Almir Sater
1
Almir Sater, compositor, poeta, músico e cantador.
KITZINGER, Ângela Maringoli, Messianismo - de Rute ao Brasil Contemporâneo:
Sofrimento e Esperança, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São
Paulo, 2011.
SINOPSE
ABSTRACT
This study analyzes the existing relationship between the subjects dialogued by the
writer of the book of Rute (4,1-12) and the books that are part of the composition of
the Deuteronomistic History.There were three proposals, each one with its own way
to see the situation, the mission and the organization of the people.The first one
belongs to Joshua and Zerubbabel (Ezra 3,1-13).The second of Ezra (Ed 9,1-10,44)
(Ne 8,1-18) and the third of Nehemiah (5,1-19). It was really a challenge punctuating
this pericope in this context. Firstly it was placed at the moment of the History of
Israel, living deeply the after-exile, with the return of the deportees from Babilônia
during the national restructuration of Judá. Afterwards, the personages were placed
in their due social papers. The people of the land stayed in Judah and the
surrounding areas. The social injustices were many: the peasants were being
dispossessed of its own lands, by the Jewish brothers who had arrived from
Babilônia (Ne, 51-5).These same Jewish brothers were those that had loaned
money to the people of the land and had charged the payment with usury. The
scene was a discouraging one. The problems were endless and of all the types.
Poverty and hunger were increasing (Ag 1,6) the poor, the foreigners and the
widows survived because of spills (Ruth 2.2)
INTRODUÇÃO .........................................................................................................12
CAPÍTULO 1
ANÁLISE LITERÁRIA DE RUTE (4,1-12) ...............................................................16
1.1 COMO SITUAR A PERÍCOPE.....................................................................17
1.1.1 Relações da Perícope com o Livro de Juízes..............................................16
1.1.2 A Relação da Pericope com os Livros do Pós-Exílio, Esdras-Neemias.......17
1.2 TÍTULO ........................................................................................................17
1.3 AUTOR ........................................................................................................17
1.4 DELIMITAÇÕES DO TEXTO DE RUTE 4,1-12 ...........................................18
1.5 TRADUÇÃO LITERAL DE RUTE 4,1-12 .....................................................19
1.6 ESTILO E FORMA LITERÁRIA ...................................................................22
1.7 LUGAR ........................................................................................................37
1.8 DATA ...........................................................................................................38
1.9 GÊNERO LITERÁRIO .................................................................................41
1.10 GÊNERO DO AUTOR .................................................................................42
1.11 CONSIDERAÇÕES .....................................................................................45
CAPÍTULO 2
A ANTIGA ISRAEL, SUA FORMAÇÃO E INSTALAÇÃO DA MONARQUIA .........48
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO ............................................................................49
2.2 GRUPOS FORMADORES DE ISRAEL .......................................................50
2.3 CONTEXTO ECONÔMICO .........................................................................53
2.4 INSTITUIÇÃO DA MONARQUIA .................................................................54
2.5 SURGIMENTO DA NAÇÃO MONOTEÍSTA ................................................55
2.6 INSTITUIÇÕES E SISTEMAS SOCIAIS EM ISRAEL..................................56
2.6.1 Sistemas Sociais do Israel Antigo em Rute .................................................58
2.6.2 Organização da Tribo ..................................................................................58
2.6.3 Como Eram Constituídos os Sistemas Sociais ............................................60
2.6.3.1 Religião ........................................................................................................59
2.6.3.2 Economia .....................................................................................................60
2.6.3.3 Política..........................................................................................................61
2.7 DIREITOS DE PROPRIEDADE APLICADOS EM RT 4,1-12.............................62
2.8 A FAMÍLIA ..........................................................................................................63
2.8.1 O Cotidiano da Mulher no Antigo Israel...........................................................64
2.8.2 Abusos Sexuais...............................................................................................66
2.8.3 Casamento ......................................................................................................67
2.8.4 A Viúva ............................................................................................................68
2.8.5 Escravidão.......................................................................................................69
2.9 O POVO DA TERRA E OS ESTRANGEIROS RESIDENTES ..........................69
2.10 A IMIGRAÇÃO ................................................................................................71
2.11 PROSELITISMO .............................................................................................73
2.12 CONTEXTOS HISTÓRICOS DAS RELAÇÕES DE ISRAEL COM OS
ESTRANGEIROS............................................................................................73
2.13 RELAÇÕES ENTRE ISRAEL E MOABE.........................................................78
CAPÍTULO 3
MESSIANISMO E A MONARQUIA .........................................................................82
3.1 O MESSIAS E DAVI ....................................................................................85
3.2 QUANDO O POVO PRECISA TER ESPERANÇA ....................................87
3.3 DIFERENÇAS ENTRE MESSIANISMO E MOVIMENTO MESSIÂNICO.....90
3.4 ASPECTOS MESSIÂNICOS NO BRASIL E SUAS INFLUÊNCIAS NO
RELIGIOSO BRASILEIRO...........................................................................91
3.5 NORDESTE BRASILEIRO E A INFLUÊNCIA DE ANTONIO CONSELHEIRO
NA GUERRA DE CANUDOS.......................................................................93
3.6 RELAÇÃO ENTRE A COMUNIDADE BRASILEIRA E O MOVIMENTO
MESSIÂNICO ..............................................................................................94
3.7 CARACTERÍSTICAS DO MESSIANISMO NO BRASIL...............................95
3.8 IMPORTANTES MOVIMENTOS MESSIÂNICOS NO BRASIL....................96
3.9 COMO SE COMPORTA A RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA ......99
3.10 CARACTERÍSTICAS DE UM LÍDER MESSIÂNICO NO BRASIL .............102
3.11 O MESSIAS QUE VIRÁ DE BELÉM..........................................................102
CONCLUSÃO ........................................................................................................104
BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................108
12
INTRODUÇÃO
1
Carlos Mesters. Rute, p. 72.
2
Morris Leon, Rute: Introdução e Comentário, p. 304
3
Mieke Bal, Heroísmo e nomes próprios ou frutos da analogia, In: Athalia Brenner, Rute, p. 77.
13
Moabe, com sua mulher e seus dois filhos” (Rt 1,1, ARA, p. 381)4
Estes foram tempos onde a instabilidade política, o colapso moral e a
infidelidade espiritual marcaram, de forma decisiva, em Israel5, o período6 fortemente
influenciado pelos julgamentos dos Juízes7. O povo buscava por aquilo que podia
receber de Deus. Esse período dos Juízes foi marcado pela virada de Israel para a
apostasia total, pela qual o território foi entregue, repetidas vezes, nas mãos de
nações opressoras.
A volta a Deus e aos seus preceitos eram superficiais. Na realidade, o povo
só queria se livrar de suas angústias e problemas. Como as narrativas do texto base
(Rt 4,1-12) se situam durante o tempo da história em que os Juízes governavam
Israel, é importante estudar e entender os conflitos existentes entre os povos
vizinhos e a influência que esses povos exerciam durante a entrada e sedimentação
de Israel em Canaã. Este tema, portanto, será abordado de maneira sucinta, no
segundo capítulo.
Além disso, a fonte de pesquisa para estes estudos, devido à similaridade em
alguns temas, serão os próprios textos bíblicos, dos livros de Juízes, Esdras e
Neemias.
A vida do povo das tribos estava centrada nela mesma e não em Deus. Os
propósitos de buscá-lO eram sempre altruístas e egoístas. O povo de Israel vivia em
meio à influência da cultura dos povos cananeus, alternando a fé e a rebeldia. O
culto a Ele era mais uma entre tantas religiões, naquela época. Uma breve revisão
da história mostra um Israel original, como um aglomerado de povos, sem uma
religiosidade única, sem categorias como templo, pureza e etnia, para servir como
diferencial8.
Rute, é marcada por uma narrativa bem contada, com estilo poético e fatos
surpreendentes, do inicio ao fim. Segundo Mesters9, a narrativa parece uma história
4
ARA, Almeida, Ed. Rev. e Atual. reimp. p. 381
5
Israel Finkelstein, Neil Asher Silbergman. A Bíblia não tinha razão, p.37.
6
A época do bronze posterior (1500-1150 a.C.)
7
Arthur E. Cundall, Juízes e Rute: Introdução e Comentário, p. 216.
8
O período que se postula para o surgimento de Israel, como nação, está situado entre os anos de
1300 e 1050 a.C., portanto, o que mais diz respeito a este estudo são os governos dos faraós
Amenófis IV, Haremhab, Ramsés I, Sethos I, Ramsés II até Ramsés XI (de 1364 a 1070 a.C.). A
atuação desses governantes exerceu grande influência no processo de surgimento da nação
Israelita. Houve uma sucessão de curtos governos, que foram gradativamente pondo a perder o
poderio do Egito, fazendo com que este ficasse basicamente reduzido à terra do Nilo.
9
Carlos Mesters, Rute, p.13.
14
inocente, uma novela inventada para distrair o povo. Parece, mas não é. É uma
historia inteligente, contada por alguém que sabia dar o seu recado. Nela, nada é
supérfluo. As informações são passadas nas entrelinhas para o próprio povo.
O conteúdo desse livro do Antigo Testamento é simples e conta o relato do
dia-a-dia de uma família. Nele não há a presença de sinais portentosos, “sinais e
prodígios ou anjos que apareçam, nem mesmo um pé de uma sarça ardente
chamando a atenção, ou um mar que divida ou montes que tremam nas guerras
santas”, comenta Hubbard10. A preocupação do autor parece ser a preservação da
sociedade local, por meio da esperança, e isto é evidenciado em cada versículo
aplicado no drama familiar da novela.
O leitor é colocado face a face com os mais variados tipos de situação: crise
financeira, o problema da imigração, o problema da doença, o da morte, o da viuvez,
o da pobreza, o da amargura contra Deus. Mas a esperança em um “salvador”, que
irá surgir a qualquer momento, faz com que a história vá caminhando para o final.
Ao cuidar do propósito e da dimensão teológica deste texto, me deparei com
temas centrados na misericórdia, na bênção e na teologia da providência divina
messiânica.
Atikinson11 menciona três fatores que têm desafiado a fé na providência
divina, nos dias atuais, assim como nos tempos de Rute e Boaz que são: outros
deuses, uma cultura dividida e o problema do mal. Dados exegéticos serão
buscados nas entrelinhas do texto, para o entendimento dessa situação, com a
ajuda de pesquisa bibliográfica e da exegese propriamente dita, sobre as funções
sociais semelhantes às dos personagens principais e seus relacionamentos.
No primeiro capítulo, o objetivo central do estudo, que é a exegese do texto
bíblico de Rt 4,1-12 foi apresentado, procurando destacar o contexto literário, o estilo
do texto, e o lugar social dos diversos grupos que fizeram parte desta perícope.
No segundo capitulo, foi feita uma abordagem da história do Antigo Israel,
com o objetivo principal de contextualizar o livro de Rute e o texto base, entre os
outros livros da Bíblia Hebraica. E, também, para compreender-se a visão do
mundo que nele é retratada, além da concepção teológica do redator e de sua
maneira de escrever.
No terceiro capitulo, foi feita uma leitura teológica da perícope, retratada por
10
Robert Hubbard. The book of Ruth. The new commentary on the old testament. p. 317.
11
David Atikinson. A Mensagem de Rute, p.115.
15
CAPÍTULO 1
12
Juizes, a raiz spt (*tpt) aparece também no A.T., em acádio e ugarítico. O Verbo inclui muitos
aspectos de governo-executivo, militar, legislativo, judicial. No aramaico biblico (Ed 7,25) o
vocábulo é chamamento com conotação judicial porque a situação política assim o determina,
Dicionário Antigo Testamento p.1744.
13
Ludovico Garmus. Na crise do exílio se renova a esperança, p. 45.
17
1.2 TÍTULO
O título que identifica esse pequeno livro da Biblia deve seu nome a um das
personagens femininos da história que ele narra: Rute, a nora moabita de Noemi.
Esse nome, na versão siríaca, é traduzido como a “companheira”. Atualmente,
descarta-se essa etimologia em favor da derivação da raiz hebraica rvh, que
significa “beber até saciar-se, refrescar, aliviar” Entende-se que o significado do
nome refira-se às características do próprio personagem e da teologia explicitada no
texto.
1.3 AUTOR
nosso texto. Entretanto, é a dificuldade em situar a data dos escritos que faz com
que não se tenha muito a dizer sobre quem seja o possível autor. Há, como será
explicado no assunto de canonicidade, uma tradição judaica que atribui o livro de
Rute a Samuel, mas os estudiosos, citados na Introdução14, permanecem
silenciosos a esse respeito. A maioria deles concorda que o redator é um
deuteronomista.
O estudo dessa perícope será feito com sua ligação com os blocos literários
anterior (3,1-18) e posterior (4,13-22), que a conclui.
Na história dessa perícope está colocada a questão sobre o resgate, que se
iniciou no capítulo 3,1-18, especificamente no v.12. No capitulo anterior ao da
perícope, Noemi reuniu, planejou e executou um plano para que a lei do resgate
fosse observada. A descoberta de que Boaz era o parente e go’el, fez com que
Noemi mudasse sua preocupação, que antes era com a falta de pão, para a situação
da família (3,2-4).
A ideia de Noemi é levar Boaz a cumprir a lei do Resgate, segundo Mester15.
Noemi se inspirou na história de Tamar, a esposa do filho mais velho de Judá (Gn
38,1-26) que, ao ficar viúva, se disfarça de prostituta para obrigar seu sogro a
cumprir a lei do levirato. Noemi instrui Rute a convencer Boaz a cumprir a lei do
resgate.
Rute, assim como Tamar, se prepara, enfeita-se, vai ao terreiro e espera
Boaz dormir, para a execução do plano. Aqui existe certa confusão: Rute quer que
Boaz cumpra o Levirato ou a lei do resgate? Segundo Mesters, esses dois assuntos
estão misturados no livro de Rute e a resposta só irá aparecer durante o estudo
desta perícope.
Como Boaz exercerá o direito de resgate? A lei do resgate não obriga
14
Ver Introdução, Carlos Mesters, Leon Morris e Mieke Bal. op.Cit.
15
Carlos Mesters Rute p.49.
19
16
ARA, Naquela mesma época (pós-exílio) o governador Neemias, usando o poder da sua
autoridade, tinha convocado os ricos judeus e exigia deles o cumprimento da lei do resgate, para os
pobres que haviam sido privados de suas terras (Ne 5, 8-11), p. 688.
20
17
O texto original entende como Antigo Testamento. O cânon palestinense, o qual foi modelando-se
em suas distintas partes, a partir do 4º século a.C. e fixou, ao mesmo tempo, o texto original, cf.
Martin Noth, El Mundo Del Antiguo Testamento p. 359.
18
Boaz-‘alâ , conj. subs nominal, Qal perfeito 3ª p, masc. sing.WTW morfology, BDB Lexion, p. 625.
19
Sha’ar , o portão, artigo def. com o sub masc. sing., WTB morfology e BDB Lexion, p.748.
20
yashab , vav consecutivo qal imperfeito, 3ª pessoa, masculino singular.
21
sham, aqui, lá ali, (também ASV e RSV). È um advérbio comum, e tem um sentido locativo, como
em (Am 7,12). TWOT Lexion 2404.0.
22
hinneh , e eis é uma interjeição, para chamar a atenção sobre o que irá acontecer.
23
go’el , particípio, derivado de ga’al, redentor, remidor, TWOT Lexion, traz como: comprar de volta.
p. 2300.
24
±aba, particípio, o resgatador ia passando, tem o sentido de passar por cima, por acaso, era um
costume seu fazer isso, passar sem ver.
25
Cf. Rt 3,12: “de quem falou Boaz”, TWOT Lexion, p. 302.
26
sur, raiz zar, qal verbo imperativo, desviar-se da direção empreendida, deixe de fazer o que estava
fazendo (atravessando) ou seja, e venha aqui, sur não tem sempre um sentido teologicamente
marcado Claus Westermann, p. 200.
27
Peloni significa: um-certo, são dois adj. masc. sing: absoluto e constructo. Essas duas palavras,
segundo o dicionário Gesenius, Hebrew Grammar, sempre se apresentam juntas. Essa palavra
aparece sete vezes nos textos bíblicos de acordo com o BDB, p. 811.
28
sûr ,qal vav, consec. imp. 3ª p. masc. sing., tornou a voltar, verbo de locomoção, de movimento.O
sentido primário da raiz é "desviar". Parece ser uma palavra distintiva semítico do noroeste, sendo
atestado particularmente em hebraico e fenício. Intransitivo na haste de base, é frequentemente
encontrado em conformidade com muitas preposições, produzindo ideias como "desviar-se de
para",e"retirar", TWOT, Lexion 1480a
29
yashab qal, verbo, vav, perf.. 3a pessoa sing. masc., Significa sentar em algo, sobre algo, tipo em
uma pedra, por exemplo.
21
4,2
E tomou dez homens dentre os anciãos da cidade30 e disse31: sentai-vos
aqui. E se sentaram.
4,3
E disse para o resgatador: a parte do despojo32 do campo que era de
nosso irmão, de Elimeleque, vendeu Noemi33, a que está voltando34 dos campos de
Moabe35
4,4
E eu mesmo disse36 que eu contarei para ti, dizendo: adquire37, na
presença dos que estão sentados, e na presença dos anciãos do meu povo38. Se
resgatarás, resgate. E se não resgatarás, anuncie39para mim e eu saberei.
40
Eis! Não há, com exceção de ti, (alguém) para resgatar. E eu mesmo sou
depois de ti.
E ele disse: Eu mesmo resgatarei.
4,5
E disse Boaz: No dia em que adquirires41 o campo da mão de Noemi e de
Rute a moabita42, mulher do morto, tu adquirirás43para levantar o nome do morto
sobre a sua propriedade44.
4,6
E disse o resgatador: não posso resgatar para mim, para que eu não
30
zeqûnîm derivado de zaqan ,subs. masc, BDB (Full), Lexion.
31
‘amar, qal verbo, vav perf, 3ª sing. dizer para outro Cf. Harrison dicionário. Niphal pode ser
traduzida como "diz-se" e "ser chamado". O Hiphil significa induzir a dizer. O Hifal transmite a
força de "ato de orgulho." O verbo aparece no Antigo Testamento quase cinco mil vezes. Esse
verbo comum, com seus paralelos em outras línguas, tem uma grande variedade de significados.
32
sadeh Dicionário TWOT, Lexion 2236b.
33
ARA e demais traduções, inclusive na Stuttigartensia, consta o nome de Noemi. O tradutor
Bibleworks ignora o fato. O nome de Noemi não está escrito. No hebraico do Bibleworks, a frase
correta é: “a sogra de Rute”. ARA p.385.
34
A voltante, como art.def.
35
prep. , subs. masc. sing e pr.no Campo de Moabe, terra de Moabe, BDB, p. 555.
36
‘amar, Vim dizer, no sentido fazer declarar , contar, revelar algo.Cf. Dicionário biblico hebraico –
português, São Paulo, Sinodal 21ª edição, 2008, p.13.
37
Raiz qnh adquirir, não é o sentido geral na linguagem comum, mas sim o significado de comprar.
Cf. Dicionário Claus Westermann, p. 819.
38
Nabucodonosor deixa em Jerusalém os mais pobres da terra (2Rs 24,14) e estes passam a ser o
povo da terra. Essa expressão é distinguida em três períodos na história de Israel: antes do exílio
babilônico, durante ele e à volta do mesmo (2Reis, Jeremias e Ezequiel.) O povo da terra também
representa o conjunto de cidadãos que, em Judá, é usada como povo de Judá.
39
na¹gad O ketib traz o verbo na primeira pessoa, enquanto o qere, 2ª. pessoa. A tradução foi feita a
partir do sentido do texto, confirmando a opção trazida por Q. Claus Westermann p. 155.
40
shem; m¹wet qal, part. masc. sing. , nome do morto. Dicionário TWOT Lexion p. 986.
41
yôm, qnh :prep., o subs. masc. sing e o verbo 2ª pess. masc. sing. “o dia em que pensar em
adquirir”, aquisição, bens, posses, Dicionário biblico hebraico – Português, São Paulo, Sinodal 21ª
ed. 2008, p. 215.
42
Note-se que o autor não perde de vista a origem da heroína. Encontarmos essa designação, a
moabita, cinco vezes durante as doze referências que ele faz do nome de Rute (1,22; 2,2; 2,21 e
4,5). A nacionalidade Moabita da heroína desempenha um papel importante em sua história.
43
O ketib, traz o verbo na 1ª pessoa, enquanto o qere, 2ª. pess. masc. sing. Dicionário biblico
hebraico–português, São Paulo, Sinodal , 2008, p. 36.
44
Cf.Comenta The Bible Doctrine of Salvation: “A gente gostaria que houvesse um verbo em inglês,
que significasse”, resgatar por casamento Epworth, 1946, p. 331.
22
arruine a minha propriedade. Resgate para ti, tu mesmo, o meu resgate45, pois46
não posso resgatar.
4,7
E esse, antigamente, em Israel, sobre o resgate e sobre o substituto para
cumprir toda palavra que tirou47 um homem sua sandália e deu para o seu
companheiro e este era o testemunho em Israel.
4,8
E disse o resgatador, para Boaz: Adquire para ti. E ele tirou a sua sandália.
4,9
E disse Boaz para os anciãos e (para) todo o povo: testemunhas sois vós,
neste dia, que adquiri tudo que era de Elimeleque e tudo que era de Quiliom e
Maalon, da mão de Noemi.
4,10
E também Rute, a moabita, mulher de Maalon, eu adquiri para mim por
mulher48, para levantar o nome do morto sobre sua propriedade e não será cortado o
49
nome do morto de entre os seus irmãos e do portão do seu lugar . Testemunhas
sois vós, neste dia.
4,11
E disseram todo o povo que estava ao portão e os anciãos: (Somos)
testemunhas. Faça Yahweh à mulher que entra para tua casa conforme a Raquel e
conforme a Lia que construíram, as duas, a casa de Israel. E torna-te forte50 em
Efrata e invoque51um nome em Belém52.
4,12
E seja a tua casa como a casa de Perez, a qual gerou53 Tamar a Judá,
desde a semente que deu Yahweh para ti desde esta jovem.
A frase do v.1 se inicia com a conjunção “e” vav. Esta é uma maneira muito
45
ge u’llâ , redenção, subs. fem. sing. abs. O sentido é dever e direito de resgate Cf. Dicionário
biblico hebraico–português, São Paulo, Sinodal, 2008, p. 215.
46
ki part. dem. conj. (porque, pois que, quando, se caso). Dicionário Hebraico–Português, São Paulo
Sinodal ., 2008, p. 100.
47
slq O verbo perfeito, qal 3 pess. sing. masc. Significa “tirar o calçado fora” ( “lançar fora” Dicionário
Internacional de Teologia do Antigo Testamento, Harris p.1025.
48
ishshâ, mulher, esposa. Mulher investida de sabedoria (ASV e RSV similar.) Dicionário
International de Teologia do Antigo Testamento, HARRIS, p. 235.
49
Ou seu povoado.
50
‘sh qal imp. Masc. sing. Há-te valorosamente, é na ARA, Dicionário Lexion TWOT, p.135.
51
qara-sem Qal, imp. Masc. verbo chamar, proclamar (invoque um nome especifico, ex. do filho mais
velho de Noé.) Dicionário TWOT Lexion p. 263.0.
52
Efrata.
53
Qal, perfeito, 3ps. f., referindo-se a Tamar e não a Perez,( subs. comum).
23
corriqueira para o hebraico iniciar uma sentença. A primeira frase, iniciando com o
“e”, normalmente faria entender que existe uma ligação com o assunto anterior.
Mas, aqui, ocorre outra interpretação: o “e” significa apenas que Boaz subiu,
isto é, um exemplo de paragrafagem para chamar a atenção para o personagem
Boaz. O redator mostra que a primeira providência de Boaz foi subir ao portão e
sentar-se ali.
Ele evita o vav consecutivo, portanto, este “e” não deve ser tomado como
indicativo de sequência. Provavelmente o uso da construção com vav dominava a
linguagem de tal forma que, ao falar e ao escrever, as pessoas o usassem
instintivamente, sem perguntar se estavam no inicio de uma narrativa ou não.
O verbo “subir” dá a ideia de ir recorrer à instituição legal dos anciãos. É que
o subir pode ser usado também no sentido figurado de “ir a algum lugar” para
recorrer a uma importante personalidade54 ou mesmo recorrer a Deus em petições.
Quanto ao verbo subir, cf 3,3, significa o contraste, em que o verbo descer é usado
para uma caminhada na direção oposta, como no caso da eira. Aparentemente a
eira ficava em nível mais abaixo do da cidade.
No mesmo v1, na frase seguinte, outra palavra importante é o substantivo
o portão ...sha “ar 55. Nas cidades palestinas, o lugar de encontro era o portão (Dt
21, 19; 22, 13-15). Esse substantivo possui cognatos em ugarítico, árabe e fenício. A
ideia básica da raiz é a de “escancarar” (como acontece com o verbo em etípo). E
“irromper” (como acontece com o verbo em árabe).
“Petah” e “delet” são traduzidas também como porta, “petah” significando
entrada, sendo derivada de um verbo que tem o sentido de abrir. A
segunda, “delet”, se refere às folhas da porta, que constituem parte da porta em
si, “sha’ar” significa o conjunto todo e a área adjacente de circulação dos dois lados.
O “sha’ar” (porta) era naturalmente o meio de acesso controlado a uma
cidade murada. Dependendo de sua dimensão, uma cidade possuía um número
variado de portas, mas sempre uma porta principal que, frequentemente consistia de
uma porta externa e uma interna (2Sm 1,24), às vezes de três ou quatro portas, tais
como as entradas que Salomão mandou construir em Hazor, Gezer e Megido.
Geralmente, as portas eram de madeira e, com frequência, revestidas de
metal (Sl 107,16, Is 45,2) O rei Zedequias, de modo semelhante, se sentou “à porta
54
Claus Westermann p. 355.
55
Cf ., Robert L Harris, Theological Wordbook of Old Testament. p 1598.
24
56
Milton Schwantes, Apostila. São Bernardo do Campo, 2008, p. 24.
25
57
Robert L Harris., Theological Wordbook of Old Testament, p.1598.
58
Veja Ernest Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon, p. 624.
26
mostrar que, quem chama, tem em mente uma pessoa definida, de quem está
falando, sem, contudo, mostrar o nome.
59
Segundo essa explicação, a versão Inglesa (RSV) traduz como “amigo”,
mas, para Knox e Moffatt60, Boaz o chamou pelo nome e o cronista não se
incomodou em fornecê-lo ou talvez não o soubesse. Segundo esses
mesmos estudiosos, no Hebraico a depreciação do nome implica em que a
designação do homem fazia parte específica do processo jurídico. Em 1Sm 21,2 e
2Rs 6,8, existe um paralelo onde o nome de personagem é escondido, mas com um
propósito para isso, diferente do caso atual.
O resgatador estava passando; a ideia principal é que esse verbo é de
movimento, assim, como regra, é o movimento de uma coisa em relação a algum
outro objeto que está parado, em movimento, ou de motivação. Alguns disseram que
a tradução mais simples de ± bar é "passar", mas isso realmente não abrange as
diversas nuances que ± abar pode realizar com ele. Ele é usado mais de 550 vezes.
As frases do v.2 são ligadas pela conjunção e são frases que geram ação.
Boaz providenciou, em seguida, o que se poderia chamar de um júri. Tomou dez
anciãos da cidade que Moffat traduz como sheikhs e os fez se sentarem.
“Sentai-vos aqui” é oração imperativa, que expressa uma ordem, um
conselho.
Nos textos de Deuteronômio (Dt 21,19; 22,15) os assuntos municipais estão
nas mãos dos z eqenîm, “anciãos da cidade,” Souza61 sugere que este vocábulo
também identifique homens possuidores de terras (nahalah), pois, homens livres e
plenos é que podem participar do portão, e esses homens têm acesso e
possibilidade a uma série de direitos, tais como:
1-participar do exército;
2-participar do culto e da refeição sagrada;
3-“ter privilégios de resgatador (go’el)”;
4- participar da comunidade jurídica no portão, como juiz acusador e
testemunha, homens adultos que usam barba (zaqan).
Esse adjetivo cabe também para os termos “ancião”, “velho”. São os chefes
59
RSV, American Revised Standart Version, 1952.
60
R. Knox. The Holy Bible, A translation from Latin, Vulgate in the Light of Hebrew and Greek
Originals,. J Moffatt. A New translation of the Old Testament, 1942 p.
61
Carlos B. N. Cesar Souza, Justiça no Portão! Considerações Exegéticas a Respeito das Exigências
Éticas de Êxodo 23,1-9, p.107.
27
de família que formam, em cada cidade, uma espécie de conselho (1Sm 30,6-31).
Em muitos outros textos, tem-se a palavra sinônima ´sarîm, que também designa
chefes de família (Jz 8, 6,16), (Nm 2,7-14), ou oficiais, civis ou militares, funcionários
de rei, em reinos estrangeiros ou em se tratando do reino de Israel (1Sm 8,12).
Depois do exílio, aparece a palavra negîdim, para designar o mesmo grupo e, nos
textos pré-exílio, eram também conhecidos como nagîd.
Nos textos de Rute 2; 1Sm 9,1, o termo gibbôrim, ou gibbôre hail, significa
uma classe de grandes proprietários de terra, uma espécie de nobreza rural, onde
se encaixa Boaz. A raiz shofer e as palavras derivadas dela possuem dois sentidos
básicos:
1-Juízes maiores: militares que eram carismáticos recebiam o ruah, Espírito
de Yahweh, e eles salvavam o povo dos inimigos externos.
2-Juízes menores: não tinham as funções claras ou definidas e não há
informações exatas sobre eles. Provavelmente tenham tido o papel de
julgar. Soggin questiona essa afirmação, por não ter dados suficientes para
afirmar que eles eram juízes no sentido jurídico, isto é, com uma função
judiciária, dentro do sistema tribal.
O que se pode dizer é que esses juízes menores representavam tradições
independentes e que os redatores reuniram e elaboraram sem quaisquer
modificações. Assim, foi inserido o conceito dentro das tradições.
Soggin continua dizendo que essas estórias épicas, do período da conquista,
foram preservadas oralmente; algumas tradições eram do Norte e outras do Sul e,
às vezes, as interpretações eram diferentes entre o Norte e o Sul. A ação judicial v.2
se inicia com Boaz a caminho do remidor: ”Ele lhe diz que Noemi, com respeito
àquela terra... e tem para venda”. Alguns estudiosos opinam que a viúva não podia
herdar (Nm 27,8-11). Fica claro que Noemi podia, pelo menos, vender a terra, agir
como remidor, enquanto o Prosksch62 diz que se trata de um “conceito da lei de
família”.
A terra era considerada um presente Divino a Israel e o cumprimento das
promessas que haviam sido feitas aos antepassados. Para exprimir “terra de
Moabe”, o hebraico emprega uma expressão que parece significar literalmente “os
campos do filho de Ló”; traduz-se melhor, colocando-se: os “campos de Moabe”.
62
The Bible Doctrine of Salvation comenta: A gente gostaria que houvesse um verbo em Inglês, que
significasse:”resgatar por casamento”, Epworth, 1946, p. 331.
28
Isso poderia ser nada mais que uma forma muito natural do hebraico, para
descrever um país predominantemente rural. Segundo Morris, “Juízes e Rute,
introdução e comentário”, p. 231, tal expressão não é incomum. Por exemplo: “na
terra dos filisteus” (1Sm 6,1) ou “Campos de Efraim” e os “Campos de Samaria”
(Ob.19). O incomum aqui é a forma plural. Ocorre apenas nesse livro, e sempre a
expressão “terra de Moabe” (1,1,6,22; 2,6, 4,3). Em cada uma das passagens, onde
ela é encontrada, existe um apoio textual para a forma singular, a mais usual, tanto
para os manuscritos hebraicos, como nas versões tais como: LXX, Siríaca e Vulgata
A maioria dos estudiosos (F. I. Andersen e Myers Rudolf) concorda que a forma
plural é correta; seu significado, porém, não fica claro. Myers, p. 9, toma a expressão
como sendo uma construção singular. Segundo Myers, essa é uma forma poética
arcaica ‘säday; ele salienta que um campo, ou terra individual é helgat-hassadeh. A
hipótese de que se trata de uma forma arcaica de singular é bem aceita, então, o
melhor significado seria, “território de Moabe”, “terra de Moabe”.
Interessante é notar que enquanto Moabe é chamado de “campos de Moabe”,
Judá é denominada de “terra de Judá” (1,1-18).
É possível que Noemi tenha vendido a propriedade anteriormente a esse
momento, para pode subsistir.
Afinal, Boaz vai cumprir a lei do resgate (terra) ou a lei do levirato (família)?
As cinco orações que se seguem (v4) são explicativas. E a última é uma
oração conclusiva. Ela conclui o assunto definindo-o: “e eu mesmo que contarei para
ti dizendo” (v4) ou “vim dizer”, no sentido de “fazer declarar”, de revelar algo, de
informar “eu descobrirei a tua orelha” essas expressões originalmente significam
falar confidencialmente, denotando o levantamento do cabelo ou de uma touca,
quem sabe.
Mas, na verdade, o que Boaz faz é informá-lo para que a adquira (compre-a
na frente) na presença desses anciãos (pessoas investidas de poder) que estão
sentados em frente na presença e na de meu povo se pode resgatar, resgata. Se
não pode resgatar, fale para mim (me diga) para eu saber, pois não há outro
resgatador senão tu, e eu depois de ti. Interessante observar que Boaz não usa a
palavra “casar-se”. Ele prefere usar a palavra “resgatar”.
Durante a monarquia, essa nominação, “meu povo”, permanece a mesma. O
povo já era chamado dessa maneira. É no período de Esdras e Neemias, no pós-
exílio, que o termo deixa de ter o mesmo significado, passando a representar os
29
63
Ver explicação no capitulo 2 desta pesquisa.
64
Hebrew-English Lexion of the Old Testament, F. Brown, Oxford University Press, 1907.
65
The Bible Doctrine of Salvation, Epworth comenta: A gente gostaria que houvesse um verbo em
inglês, que significasse:”resgatar por casamento”. The Bible Doctrine of Salvation, Epworth, 1946,
p. 331.
66
Almeida, edição Revista e Atualizada p. 385.
67
F Fenton. The Holy Bible in Modern English, Partridge, 1922.
30
campo; visto que ela é a viúva de um homem que não teve filhos, e, portanto, o caso
envolve casamento com ela, a fim de suscitar filhos.
O miolo dessa perícope se encontra na afirmação de que somente adquire o
direito de resgatar a terra de Noemi, aquele que aceitar se casar com Rute (4,5-8),
como já citado, pois era importante suscitar o nome do esposo falecido, sobre a
herança dele. E, assim o fazendo com o nome de Maalon, o de Elimeleque também
o seria.
As frases no v6 são optativas, já que o emissor expressa um desejo. Nas
orações que compõem o versículo, a palavra “pois” (4,6) Kiî dá a entender que
essa conjunção é uma explicação e, ao mesmo tempo, uma conclusão. Isto é, uma
decisão vinda da parte do fulano. Aqui, entende-se melhor a razão de o resgatador
fulano aparecer sem nome no v1, porque, para o redator, ele também não é
importante na história, aparecendo apenas para renunciar seu direito a Rute e
desaparece.
Assim, seu nome não importa. É interessante observar que aquele que estava
ansioso em preservar e adquirir a herança, agora nem seu nome é conhecido.
O remidor mudou completamente o esquema, quando soube que a redenção
do campo e o casamento com Rute viriam juntos. Ele disse: “para mim não a poderei
resgatar”. O que é bem diferente de dizer: “não posso resgatá-la”. A razão que ele
dá é: “para que não prejudique a minha”, isto é, a herança do resgatador.
Não é muito claro o significado disso, mas, possivelmente, o resgatador era
pobre. Ele pode remir o campo, mas agora ele vê que não há aumento de
propriedade. Haverá, sim, uma diminuição de seu patrimônio, visto que ele terá que
pagar pela terra que não passará a pertencer à sua família, mas ao filho de Rute.
Normalmente, numa transação dessas, o campo pertenceria à viúva, não à
sogra da viúva. Além do que, lhe restaria também a obrigação de sustentar Rute e
as despesas seriam bem elevadas. O remidor estava disposto a comprar o campo,
sem se casar com Rute. Cassel68 acha que a desmotivação do homem para casar
com Rute era o fato de ela ser uma moabita (o que é várias vezes mencionado no
texto), e não a alegação de que não se casou porque o filho de Rute herdaria as
terras.
Entende-se que ele deveria pensar: toda a família havia se extinguido e, ao
68
P. Cassel. Joshua, Judges and Ruth, Vol IV de A Comentary on the Holy Scriptures.
31
unir-se a uma moabita, ele não queria ser o próximo. Entretanto, nada existe no
texto para explicar o pensamento do remidor. São apenas especulações dos
estudiosos. É mais plausível pensar que ele não poderia suportar o fardo financeiro,
duplamente pesado: comprar o campo e sustentar a viúva. Isso, segundo o v3,
prejudicaria a herança dele. Diante disso, ele tirou sua reivindicação de resgatar e
convidou Boaz a assumir as responsabilidades. “Redime tu” é uma expressão
enfática.
“O que me cumpria” no hebraico, é uma expressão cognata de “redimir”69 e de
“parente go’el”. O remidor repete sua declaração de que não poderá resgatar.
Parece que ele não quer deixar qualquer dúvida a respeito disso.
O narrador, em seguida, explica um costume que se havia tornado obsoleto.
Nessas duas orações explicativas, tem-se a fala do redator, explicando sobre o que
se passava na época e os costumes sociais da época são respeitados aqui nesta
perícope. Centraliza-se em resolver questões legais, “Corpus Legal”, “Lei do
Levirato”: tirar a sandália e realizar o contrato no portão da cidade, diante de
testemunha.
A LXX se baseou em manuscritos diferentes, ao traduzir o início desse
versículo e usou mis’pat como “costume”, “então este era o costume” poderia ser o
texto original. O fato é que se o escritor achou necessário explicar o costume, indica
que ele escreveu algum tempo após o acontecimento que narra.
O redator interfere na cena, para ensinar o significado de uma antiga tradição
que é citada no v7 e que já estava ultrapassada e obsoleta quando o capítulo foi
70
escrito, sendo isso uma indicação de uma datação posterior, conclui Cundall . Tal
costume diz respeito à remissão e mudanças, isto é, “resgates” e “permutas”
(remissão e contrato, na ARC). Segundo Morris71, não se tem condição de saber o
que esse termo significa realmente, mas ele cita Lv 27, que trata da possibilidade de
trocar ou resgatar animais oferecidos em sacrifício. Para ele, o v 10,33 usa
exatamente a palavra em questão, para denotar um animal que se pretende trocar
por outro, que deveria ser sacrificado. A palavra na perícope parece confinada a
situações de que um remidor sucede o outro.
69
ARC (Almeida Revista e Corrigida) traduz como: remissão, p. 386.
70
. Arthur Morris Leon Cundall E, Juízes e Rute Introdução Comentário, p. 219.
71
Leon Morris, Juízes e Rute, Introdução e comentário, p. 289.
32
dos primogênitos dos animais imundos (Lv 27,11), a transação de forma alguma
poderia ser desonesta e, consequentemente, o preço da redenção um pouco mais
alto, “compra-a tu” (a respeito de comprar , ver Rt 4, 4).
O que o resgatador diz é: “toma-a para ti mesmo e então tirou o calçado”,
algumas versões dizem e “entregou-lhe” (LXX e Áquila), deixando claro que foi o
resgatador quem tirou o sapato.
Um conjunto de frases declarativas existe no v9. Após a constatação de um
fato, o emissor faz uma declaração. Boaz inicia sua última fala. E dirige a atenção
das gentes presentes para os pontos que ele quer salientar. Primeiro ele se dirige
aos “anciãos”, mas se junta a “todo o povo”. Há apenas uma preposição unindo os
dois grupos, embora os grupos que estejam ligados a eles não sejam idênticos.
Os dois testemunhos, dos anciãos e do povo, são importantes. As pessoas
não são espectadoras ou assistentes. Os anciãos foram escolhidos (4,2). O povo
também é testemunha mencionada em 4,1. Boaz toma essa atitude para que sua
transação seja segura, testada por todos eles, afinal, naqueles dias, existia muito
pouco documento escrito e o texto não diz que algo foi posto por escrito, durante a
transação. Então, era importante uma multidão de testemunhos confiáveis. Portanto,
o “comprei deveria ter o sentido do tempo presente adquiro” (4,4).
Até agora tinha-se lido no texto “aquela parte que foi de Elimeleque”(4,3).
Porém, agora Boaz comprou, “é tudo o que pertencia a Elimeleque, a Quiliom e a
Malom”. É a posse de tudo que era da família. Não é muito claro o porquê de
Quiliom entrar na transação, afinal Boaz não estava se casando com Orfa.
Provavelmente, na ausência de um herdeiro, seu “nome” desapareceria e a parte da
propriedade passaria para o herdeiro de Malom, e também existe o propósito de
evita-se o acumulo de terras nas mãos de um só latifundiário.
No v10 as frases são justificativas. Elas justificam o porquê da atitude de
Boaz e as orações são aditivas, o que é confirmado pelo uso da conjunção e,
conclusivas e com justificativas. Boaz chega ao cerne da questão; ao adquirir o
campo, ele adquiriu também Rute como esposa. “Rute, a moabita que foi esposa de
Malom”, aparece com ênfase na frase (4,4). No hebraico, esse não é um verbo
comum, pois qny74é uma raiz que serve para designar aquisição, mas é
compreensível, dado à circunstância. Aqui, o pensamento de que a terra é algo dado
74
qny adquirir cf. Dicionário Hebraico-Português (ver Nm 32,42) “Noba foi e tomou Quenate com
suas aldeias” ARA p. 242.
34
78
Jose Ademar Kaefer, Dimensões Sociais da fé do Antigo Israel. p. 61.
79
P. Cassel, Joshua, Judges and Ruth, vol.IV de A. Commetary on the Holy Scriptures, Ed.por J.P.
Lange, T&T. Clark, sem data.
80
D.J. Wisemann, afirma que as palavras “aramaicas” são agora conhecidas do período Médio
Babilônico e Médio Assírio, desde 1400. a.C. ele enfatiza que há abundância de aramaismos. Cf. o
artigo Studies in Aramic Lexicografy”, Journal of the American Oriental Society, 82, p. 290-299.
36
os anciãos, por meio do redator, fazem declaração pública81 de que eles, Boaz e
Rute, estão dando origem a uma nação.
Segundo Westermann, a bênção impetrada por homens no culto público e
privado não depende propriamente das faculdades espirituais do homem e nem da
receptividade de quem a recebe, nem da força das palavras. Os interlocutores são
usados como mediadores, mas é Yahweh que, por meio deles, bendiz. É a bênção
patriarcal na noiva.
Boaz estava realizando um ato que teria conseqüências históricas para a
nação e, para tanto, usaram um paralelismo de ideias, colocando Rute no mesmo
patamar de Raquel e Lia.
Assim, os dois últimos versículos trazem consigo uma esperança embutida,
que mostra a expectativa das gentes “de que o melhor de Deus ainda está por vir”. É
a bênção de Yahweh sobre Boaz e sua futura descendência.
O tema bênção brk é relevante neste texto e o substantivo bênção é um tema
chave neste relato. Segundo Westermann,82 é em Gn 27 que se encontra o estágio
mais antigo da bênção, representando símbolo de fé, onde o patriarca Isaac decidiu
abençoar seu filho primogênito e transferir-lhe, de maneira simbólica, a chefia da
família.
Narrativas antigas, como essas que abordam temas do cotidiano entre as
gentes, trabalham bastante essa ideia de bênçãos passadas às gerações: a
impetração da bênção. Tais narrativas ajudam a entender qual era a maneira da
bênção ser estendida ou passada de pai para filho.
Originalmente, a bênção era entendida como uma força vital, que era
passada do pai para o filho, mas a ideia clara é que no Deus de Israel estava
centrada a bênção. Yahweh é a única e verdadeira fonte de toda bênção. Na
verdade, segundo a maneira de ver do redator, o centro do interesse da promessa
da bênção residia no tema da descendência (Javismo) e, segundo Schwantes83, “as
últimas palavras sobre as teorias das fontes ainda não foram ditas”, mas a ênfase da
terra em suas promessas, que está diretamente associada ao quesito bênção é um
tema próprio da literatura, com linguagem deuteronomista do Século VII.
81
Diccionario Teologico Manual Del Antiguo Testamento, Claus Westermann p 535 a ideia que a
impetração de bênção é uma função apenas dos sacerdotes só é achado nos escritos tardios.
(Dt10,8; 21,5).
82
Claus Westermann, Genesis a commentary, p. 513, 535.
83
Milton Schwantes, E Sara riu, p. 23.
37
1.7 LUGAR
1.8 DATA
84
ALBERTO Soggin, Judges, p. 208.
39
85
Idem.
86
K Gottwald. Norman Introdução SocioLiterária da Bíblia Hebraica, p. 244.
87
Vale à pena citar que Gottwald estabelece em Rute sua redação no Século XI, entre a transição do
período tribal de Israel, para o sistema monárquico, que fez surgir uma literatura da corte, ao lado
das antigas formas orais de vida tribal. p.248
40
88
Hobbes Thomas, O Leviatã, Desenvolvimento da Teoria 1691. Esta conclusão o levou a negar a
origem mosaica do Pentateuco afirmando que o Pentateuco havia sido editado por Esdras e que a
partir de fontes antigas os escritos de Rute teriam sido desenvolvidos neste mesmo clima. O
pensamento de Hobbes contribuiu com área cientifica da critica bíblica. www.http://publicacoes-
online.blogspot.com/2009/10/leviata-o-hobbes-thomas.
41
por um único autor. Isso significa que um único autor citou, por meio de outras
fontes, e pode estar declarado no texto ou ter sido deduzido das provas internas.
Por vezes, uma obra escrita basicamente como uma unidade, pode ter tido
uma pré-história oral; o livro de Rute teve forma anterior, possivelmente de saga
oral, diz Gottwald, já os demais livros bíblicos, em sua maioria, possuem indícios de
serem provenientes de autoria compósita.
A influência da tradição oral, direta ou indiretamente, contribuiu na formação
das estruturas literárias; essas formas orais possuíam estruturas características e
formas verbais, tratavam uma série habitual de tópicos e eram declamadas em
situações específicas da vida. Houve uma repentina explosão de atividades
literárias à medida que as antigas formas orais foram reassumidas na escrita.
Gottwald92 comenta que a relação da tradição oral e suas formas, com a composição
literária da Bíblia Hebraica, é ainda um assunto complicado, e que ainda está para
ser explorado pelos críticos bíblicos e literários.
Para Gottwald, o livro é uma boa trama novelesca, ou melhor, uma historieta
(pequena novela), sendo este, a historieta, um gênero literário que aparece durante
os períodos problemáticos na Bíblia Hebraica, com seus múltiplos episódios da
história israelita (Rute, na época de Juízes, Jonas, na época dos assírios e Ester, na
época dos persas).
Como se pode observar, o gênero literário em Rute é ainda uma questão
aberta entre os estudiosos. Particularmente, os escritos de Rute são narrativos com
forma de novela, já que dentro do texto têm-se alguns cortes específicos, que focam
com maior intensidade um determinado assunto, em relação a outro, parecendo que
o tempo pára nessa questão. Exemplificando, pode-se citar a questão do resgate da
terra, como assunto primordial nesta perícope.
92
K. Norman Gottwald, Introdução Socioliterária da Bíblia Hebraica, p.104.
93
J. Exum Cheryl, Fragmented Women: Feminist (Sub) Versions of Biblical Narratives.
43
94
Joan, Scott, Revista Estudos Feministas. vol. 9, no.1. Disponível em: www.scielo.br/scielo.
44
95
A. Bird Phyllis, “Images of Women in the Old Testament”, in Atalaya Brenner.
96
E.F. Campbell Ruth, A New Translation witch introduction, Notes and Commentary, p.47.
97
S.D Goitein. Flyumin-migra. Studies in the Bible, p. 49. Este texto foi traduzido para o Português e
faz parte dos vários artigos que compõem o Livro de Atalaya Brenner.
45
1.11 CONSIDERAÇÕES
Será feita uma breve recapitulação do que já foi exposto. É o retorno dos
irmãos judeus (Ne 5) que estavam na Babilônia98.
O redator do livro de Rute é do pós-exílio. Então, está-se vivendo e
presenciando o momento sociopolítico e econômico narrado no contexto histórico
dos livros de Esdras e Neemias, momento da reestruturação da nação de Israel.
Os dois livros históricos, Esdras e Neemias, trabalham assuntos e temas
bastante polêmicos, que falam da volta do povo do exílio, e do relacionamento social
com o povo da terra, que havia ficado: os remanescentes. Os problemas sociais
causados pelas diferenças econômicas e culturais entre os judeus campesinos,
que haviam ficado em Jerusalém, e nas cidades das adjacências e se encontravam
agora mais pobres e mais miseráveis.
Os Judeus que voltavam da Babilônia traziam objetos valiosos e ouro (Ne 5).
As diferenças entre as classes sociais na comunidade ultrapassavam as questões
sociais e eram imensas, variando desde a fome, casamentos mistos, falta do culto a
Yahweh, a falta do templo, a usura, e a venda dos próprios filhos, a desestruturação
de famílias etc.
Assuntos semelhantes aos desta perícope, estão narrados na composição
dos escritos de Esdras (Ed 5) e Neemias. E essas riquezas de informações,
semelhantes aos do tema de estudo é que serão compartilhados.
Em ambos os acontecimentos, no retorno pós-exílio e em Rute, tem-se um
povo economicamente angustiado e, ao mesmo tempo, ameaçado pela fome. Havia
um grande risco para ambas as comunidades. Nas duas situações, as mulheres de
Esdras Neemias-Rute exerceram papéis de destaque e iniciativas próprias, com
presença relevante nas histórias descritas por esses livros.
Esta estrutura sobre a restauração da comunidade pós–exílica se encontra
intimamente ligada ao livro de Esdras, onde o povo desesperançado lutava para
deitar novamente os alicerces da fé em Deus, mas, o desânimo tomava conta de
tudo e o projeto de restauração do templo ficou paralisado por quatorze anos (Ed
98
Com a permissão do rei da Persia Ciro, e sob a liderança de Zorobabel, que era um representante
da casa real davídica na Babilônia, e do sumo sacerdote Josué, uma pequena porção da nação
exilada volta para Jerusalém (Ed 5).
46
99
R. Turnnermann, As Reformas de Neemias p.52.
100
,W.C. Kaiser Jr. Teologia do Antigo Testamento, p. 259.
101
Dicionário Hebraico-Português traduz por: seca desolação, estiagem, deserto, p. 76.
102
Biblia De Jerusalém, comentário nota de roda pé, “Sem dúvida, a montanha de Judá”,
103
Na descrição da Estela do Rei Mesha Sec. IX, tempos do Rei Onri (1Rs 16, 21,27), os Moabitas
(Atual Jordânia) são descritos como oprimidos, mas triunfam sobre Israel. A vitória é oferecida ao
deus Chemosh, contra os adoradores do Deus Yahweh: Mesha constrói a cidade de Queria, e a
muralha do bosque e da colina, e suas portas, e suas torres e o palácio real e faz reservatórios de
água para o centro da cidade, assim disse a todo o povo: “Que todos construam uma cisterna em
sua casa.” E farei o aqueduto de Queria com a ajuda dos prisioneiros de Israel. p. 1802.
47
Seu nome anterior era Efrata (Gn 35,19), Belém Efrata ou Belém de Judá,
para distinguí-la da outra cidade com o mesmo nome, que ficava em território
zebulonita. Os principais produtos da região eram cereais, trigo, cevada, azeitonas e
uvas. Belém ficava localizada oito quilômetros ao Sul de Jerusalém, bem próximos.
Certamente, foram alcançados pela profecia de Ageu (1,11). No local foram
encontradas cerâmicas das Idades de Bronze e do Ferro, mas, as escavações
arqueológicas têm sido limitadas, em função de a cidade ter sido continuamente
ocupada em todos estes anos, até a era atual.
48
CAPÍTULO 2
104
, Milton Schwantes, História de Israel v1: local e origem, aponta o surgimento de Israel a partir de
1200 a.C., coincidindo com o início da invasão de Canaã, pelos povos do mar, no final da 19ª
dinastia do Egito e PIXLEY, Jorge. História de Israel a partir dos pobres, p. 13, por sua vez, declara
que “a data que colocamos para o começo da história de Israel foi o ano de 1220 a.C., a data
estimada do êxodo”.Isto deixa o ano zero fora do período de Ramsés II (1290-1224 a.C.) e o coloca
dentro do período de Mernepta (1224-1204 a.C.). É sabido que a primeira vez em que Israel é
mencionado como grandeza política ou nacional é na estela de Mernepta, no seu 5º ano de reinado
(por volta justamente do ano 1220 a.C.) p.31.
105 P. P. A. Funari, (1999) “Lingüística e arqueologia”, Revista e Estudos de Lingüística Teórica e
aplicada, n15, v.1, p.161-76.
49
106
Herbert Donner op. cit v1, p. 197.
107
Geoffrey Parker, Atlas da história do mundo, p. 12.
50
113
Milton Schwantes, História de Israel vol.1: Local e origens, p. 67, 68 e 85.
114
Herbert Donner, História de Israel... p. 59; Milton Schwantes, Op. Cit., p. 67, 68 e 85.
115
Paul Johnson, História dos Judaítas, p. 25 - 26.
116
Schwantes e Johnson, concordam em identificar Abraão não como parte dos arameus, mas como
hapiru. Abraão seria um "[...] líder de um desses grupos hapiru imigrantes, um chefe substancial,
com 318 servos treinados, nascidos em sua casa [...]” 15 (Gn 12,4 e 14,10-17). Quando esses
hapirus cresciam e prosperavam, havia conflitos (Gn 13,6-11 e 21,22-31), causavam um
desconforto diante dos reis locais, que não desejavam que os hapirus ficassem mais poderosos
que eles próprios.p.25 85.
52
117
Herbert Donner, Op. Cit., p. 59.
118
Savina Teubal, Matriarcas e visionárias, p. 259 – 275. Sobre a liderança religiosa feminina de
períodos posteriores em Israel, podem-se encontrar dois capítulos em, Athalya Brenner. A mulher
israelita, p. 79 -112.
53
povos não eram povos sedentários. Segundo a história narrada nos textos da
biblioteca de Mari, eram povos seminômades, possivelmente com os mesmos
problemas de sedentarizarão de Israel.
Uma das suposições dos especialistas é que essas questões e debates sobre
os modelos da ascensão de Israel ao poder, em Canaã, não vieram totalmente à
tona nos estudos bíblicos, pela relutância da erudição bíblica em adotar a
aproximação sociológica ao primitivo Israel e aos demais povos.
Existe sim, uma aparente concordância entre os estudiosos, com relação aos
livros de Josué e Juízes, de que os mesmos constituem parte de uma imensa
composição, que começa em Deuteronômio e se estende por Samuel e Reis. Essa
obra é conhecida como “História Deuteronomistica” (HD) 119.
Outro exemplo interessante, para ser acrescentado à história de Israel, é o dos
Filisteus. Segundo o estudioso Houtart120, os Filisteus eram os povos da costa
marítima e se organizavam em uma confederação que, juntamente com os amonitas
(que viviam na atual Jordânia oriental), passaram a constituir uma ameaça aos
hebreus e às outras tribos (amonitas, moabitas e edomitas).
A economia mercante estava em grande expansão. Israel estava entre a rota
mercante, entre os pólos do norte da Índia e nas regiões mediterrâneas. As rotas
comerciais ajudam a perceber o comércio que era praticado na região.
Na península do Sinai pelo mar, na saída de Ezion-Geber, levava-se trigo e
azeite e se retornava com ouro, prata, marfim, madeiras nobres e animais exóticos,
conforme (1Rs 10 e 11,22). As estradas de maior importância comercial eram o
Caminho do Mar ou a Estrada da Costa, que saia do Egito chegando até a região de
Sidom. Parte dela tinha grande uso militar, sendo conhecida também como “Caminho
dos Filisteus” (Ex 13,17).
A segunda rota mais importante era conhecida como Caminho dos Reis. Por
ali circulavam os exércitos que viviam em combate pela região. Também por ali
119
S. Willian Lasor, Hubbard A. David, Introdução ao Antigo Testamento, p. 171.
120
François Houtart, Religião e modos de produção pré–capitalistas, p. 123.
54
circulava o despojo dessas batalhas. Além do comércio praticado por meio dessas
rotas, a região também se destacava pela pesca, pela produção de tecidos e de
grãos como trigo, cevada e de frutas como tâmaras, figos e azeitonas. Cavalos e
camelos precisavam vir da região da Arábia e ovelhas vinham da própria região.
Outro dado importante sobre o avanço tecnológico na região foi à descoberta
da cal nesse período. Isso começou a possibilitar a construção de cisternas nos altos
dos montes, para armazenar águas das chuvas. Com isso as populações passaram a
habitar nas montanhas com maior conforto e possibilidades de subsistência.
Houtart continua sua explicação dizendo que cada uma das doze províncias,
durante um mês no ano, encarregava-se da manutenção da corte e da manutenção
do Estado por meio dos dízimos e pagamentos dos tributos. Tudo muito
desmembrado.
121
, Milton Schwantes, As Monarquias no Antigo Israel, p.15.
122
Neste período intermonárquico está o tempo do juiz Jefté (Jz 10,1-5)
55
tornaria rei, sendo substituído por Davi (1006 a.C.) Foi ele, Davi, quem derrotou os
filisteus e tomou Jerusalém.
O estado de Israel se organizou de modo a ter uma arrecadação tributária. No
entanto, a morte de Salomão marcou o fim do reino unitário. Houve a divisão das
tribos e do Reino de Israel. O Sul constituiu o Reino de Judá com somente duas
tribos e o Norte de Israel com as dez tribos restantes.
O Norte de Israel sobreviveu por dois séculos, sobre o reinado de Jereboão
tendo a primeira capital em Siquem e depois em Samaria (926-722 a.C.) Também foi
marcado por uma sucessão de acontecimentos políticos e religiosos, que foram
desde a introdução de crenças religiosas e dos cultos fenícios até a luta do profeta
Elias contra a rainha Jezabel, que teve sua representatividade no poder político e no
culto a Baal123, durante a conquista de Israel pelos assírios. Muitos israelitas foram
deportados para a Média124 e para a Mesopotâmia.
123
François Houtart, Religião e modos de produção pré – capitalistas p.124.
124
Heródoto aponta como causa política a unificação dos Medos. “Combatendo pela liberdade dos
assírios, os Medos tornaram-se aguerridos e chegaram a sacudir o julgo, fazendo-se
independentes”. A causa religiosa fará os Medos irmãos dos Persas de raça e de fé. Cf G.M.
Curtis, História da Antiguidade Oriental, p. 274.
56
morava na Pérsia em 585-550 a.C. e se tornou rei dos Medos-Persas em 559 a.C.)
enviando os exilados de Judá de volta a suas terras, mas, foi uma pequena minoria
que voltou para a reconstrução do templo; a maioria, os da diáspora, permaneceram
na Babilônia 125, por opção e conforto próprio.
No ano de 538 a.C., quando Ciro autorizou a volta dos exilados judeus e a
reconstrução do Templo de Jerusalém126 (Ed 6, 3-5), ele deu uma ordem que é foi a
de devolver todos os objetos em ouro e prata (Esd 1, 9-11) que Nabucodonosor
havia saqueado do templo de Jerusalém. A devolução foi feita por meio de
Sasabasar, príncipe de Judá, (Ed 1, 8; 6, 5), conhecido como Senasser (1 Cr 3, 18)
e considerado descendente davídico (1 Cr 3, 17-18). Logo após, Sasabasar recebeu
a ordem de empreender a reconstrução do Templo (Ed 5,15). Ele ficou pouco tempo
e voltou para Pasárgada.127
Embora o território de Israel fizesse parte do grande império Persa (539 a.C.),
os antigos exilados se agruparam sob a autoridade de um escriba chamado Esdras,
que procurou estabelecer uma nova ordem política e religiosa. Esdras a baseava em
um chamado à santidade para as famílias e uma renovação da aliança que para
Israel implicava em obedecer a Torá.
Assim, as vidas passaram a ser organizadas pela Lei. Tornou-se então
necessário ensiná-la e estudá-la. Logo, Saabat e as sinagogas foram providenciadas
e as liturgias reformadas e aplicadas.
125
Heródoto, História, I, 178. Com a conquista da Babilônia, toda a região de Síria e Palestina passou
a ser domínio Persa. No ano 538 a.C Cf. N. Tunnermann, As reformas de Neemias, p. 13.
126
, N. Tunnermann As reformas de Neemias, p.12, H. Cazelles, História política de Israel, p. 212.
127
H. Cazelles, História política de Israel, p. 212-3. Nessa cidade encontra-se o edito de Ciro,
cf Ed 6, 2.
57
Mesters diz que, apesar do texto de Rute não fazer referência direta e
explícita sobre como eram as instituições e o sistema sócio–politico-religioso, nas
suas entrelinhas é mostrada a situação em que o povo vivia e a maneira como os
conflitos da sociedade entre as pessoas eram resolvidos por meio dessas
“instituições” pré-estabelecidas.
1. Em uma primeira leitura, a sociedade na qual Rute e Boaz viviam era uma
sociedade agrária (Rt 1,2; 2,23). A terra (posse, herança) era um objeto de
negócios e podia ser comprada ou vendida (4, 3), o que não estava de
acordo com a lei (Lv 25, 23).
2. Rute envolve questões sociais, econômicas e jurídicas: fome (1,1),
amizade, o compromisso com a pessoa de Noemi, com o povo, a questão
do parentesco. O Deus de Noemi supera as divisões e as limitações da
raça (1,16), migração (1,17), pobreza (que obriga a catar as sobras da
colheita (2,2); impossibilidade de uma viúva pobre e sem filhos, manter a
propriedade da sua terra (4,3); recusa de um parente mais rico em ajudar
um parente mais pobre do mesmo clã (4,6); velhice e impossibilidade de
ter um filho para garantir a continuidade da família (1,11-12); morte e falta
de futuro (1,3-5); sentimento de culpa diante de Deus (1,13; 2,1).
Se se olhasse todas essas questões com a visão de mundo atual, estariam
inclinadas a identificar primeiro as causas humanas e naturais, para depois
mencionar-se que certamente “Deus estava por trás de tudo”, mas na cultura dessa
época, era o contrário. Deus era identificado como a causa. Ele era o causador por
trás da fome, da guerra e as causas naturais ou humanas eram consideradas
secundárias.
seu antepassado, precedido ou não de “filhos de” 128. Assim, o que une cada tribo
é o relacionamento baseado no sangue verdadeiro ou suposto, sendo que todos se
consideram irmãos em um sentido amplo.
O que une os membros de uma mesma tribo é o vinculo de sangue. Cada
tribo possui suas tradições próprias sobre o antepassado do qual descende, então,
nas relações entre as tribos havia certa ligação de parentesco. Entende-se que,
apesar da organização, a vida tribal em geral tinha pontos em comum, também cada
tribo tinha sua vida mais ou menos especifica e sua identidade particular (em Rute
pode-se verificar a organização tribal de grupos de famílias autônomas).
2.6.3.1 Religião
Uma sociedade era conhecida pela maneira como servia o seu Deus, por
meio de seus cultos, da guarda dos dias, das luas e das festas. Havia uma Ideologia
entre os povos. No Antigo Oriente, as causas naturais, tinham o mesmo valor que
atualmente se confere às causas sobrenaturais.
A causa natural da seca, nas narrativas de Rute, contou com a intervenção
salvífica do Senhor. Foi esta que trouxe fim àquela fome. Não se pretende
apresentar aqui um conjunto elaborado do sistema religioso judaico, que explique
como atuam as intervenções do Senhor.
Este estudo irá limitar-se às concepções históricas e, eventualmente, à
evolução e às crenças que fortaleceram os sistemas sociais e suas instituições; elas
foram instaladas entre tribos que, antes, eram sem classe e descentralizadas,
passando a praticar o apoio mútuo, nos planos: econômico, político e social.
128
R. de Vaux, Instituições de Israel, p. 23.
60
2.6.3.2 Economia
2.6.3.3 Política
A Política no Antigo Oriente diz respeito à ação coletiva das gentes que se
organiza pelo poder da elite. A unidade básica dessa sociedade era a das linhagens
dos clãs e das famílias. A família de Elimeleque pertencia ao clã dos Efrateus, de
Belém de Judá (Rt 1,2) essa família, em especifico, estava se extinguindo. Dentro de
um mesmo clã havia parentes ricos e homens importantes (2,1), com grandes
propriedades e que podiam adquirir mais algumas (4,9). Em consequência, os
pequenos tinham que vender as suas, em função da pobreza da época (4,3), (cf.Lv
25, 25).
Havia ainda os empregados (2,9-15) e as empregadas (2,8), controlados por
129
Milton Schwantes, As monarquias, p.38-40.
62
um feitor (2,6), que trabalhavam na terra sem possuí-la. Também havia os escravos
(2,13) – alguns autores, particularmente os eruditos judeus, negam que houve
verdadeira escravidão em Israel ou pelo menos escravos israelitas; o termo ébed
significa propriamente escravo, mas nunca atingiu os níveis da palavra escravo
como o paralelo aplicado por Roma instrumenti genus vocale.
130
Jack Sasson concorda com M.Z. Segal e Robert Godis, ver Atalaya Brenner, Rute a partir de uma
leitura de gênero, p. 223.
63
[...] o texto em Rute 4,7 não está claro se é Boaz quem dá a sandália ao
parente ou se é o parente quem dá a Boaz; a questão permanece em
aberto, mas a entrega da sandália nada tem a ver com o há lisa, ritual de
arrancar a sandália em um casamento de levirato, descrito em
Deuteronômio.
2.8 A FAMÍLIA
134
Para estes estudiosos, o que está escrito em Rute não tem nada a ver com o levirato, Segal
sugere que o livro de Rute suponha a pratica legal das leis da herança geûlâh (leis do resgate
codificado em Lv. 25) que não foram incluídas o Pentateuco, o parente deve resgatar a terras de
Noemi. O Talmut e o Midrash nunca trataram Rute como uma mulher que precise conseguir o
levirato.
64
24).
O matriarcado, outro tipo de família, é o mais comum nas sociedades
primitivas. Sua característica não é que a mãe exerça a autoridade, o que é um caso
raro, mas, ela vai determinar o parentesco do filho, se é judeu ou não. A criança
pertence à família e ao grupo social da mãe e não aos parentes do pai; e o direito da
herança se fixa na descendência materna. Segundo Robertson Smith132, o regime
matriarcal foi a primeira forma de família, entre os semitas, e na escola etnográfica
de Graebner e de Schimidt133 o matriarcado é uma forma de família.
Dentro desses conceitos definidos e por exemplos nos textos bíblicos, como o
caso de Sara na condição de prima de Abrão, o de Tamar e o de Sansão e Dalila,
infere-se que, independentemente de como tenha sido a sua pré-história, a família
Israelita é patriarcal. Isso é o que mostram os documentos mais antigos, nos quais
as genealogias são fornecidas por meio da casa paterna bêt’ab.
Na “casa paterna”, as genealogias são dadas seguindo a linha paterna e as
mulheres são apenas mencionadas excepcionalmente, como se fossem um parente
mais próximo; por linha colateral, por exemplo, um tio paterno. No tipo normal de
casamento, o marido é o “senhor” ba’al de sua esposa. Em exemplos que os filhos
casados vivessem com o pai, o mesmo era autoridade sobre ele e sua mulher, uma
autoridade total que lhe dava o direito de decidir a vida ou a morte, como no caso de
Tamar e Judá (Gn 38, 24).
132
William Robertson Smith foi um orientalista escocês estudioso do Antigo Testamento e professor
de Teologia ministro da Igreja Livre da Escócia Foi um dos editores da Enciclopédia Britânica
Também é conhecido pelo seu livro Religião dos semitas, o que é considerado um texto
fundamental no estudo comparativo da religião.Teologo escoces. 8 de novembro de 1846/31 de
março de 1894.
133
Escola de Viena William Schmidt e Fritz Graebner, os quais em 1904 lançaram sua visão cultural
policéntrica, já que aceitavam que uma mesma inovação pudesse ter sido inventada ou descoberta
em vários.
134
Norman K Gottwald., Introdução Sócio-literária à Bíblia Hebraica, p. 220.
65
135
, M, Ana Tepedino, As discípulas de Jesus. Editoras Vozes, Petrópolis,1990, p.67.
136
Reimer Ivoni Richter, Tema: Jesus e a tradição das transgressoras, II Congresso Internacional de
Estudos Bíblicos, PUC, São Paulo, 2008.
66
137
O conceito de estupro, como um ato animal, refere-se à situação em que uma mulher,
independentemente de ter sua escolha de ter um ato sexual ou uma relação intima com um homem
em especifico, é violentada.
67
forma e contra a vontade da mulher. Era considerado como abuso sexual, qualquer
ato com conotação sexual ou resultado sexual, feito com a intenção de objetivar,
dominar, machucar ou humilhar uma pessoa138.
Sob o ponto de vista social jurídico e político, a mulher em Israel possuía
menos privilégios que as mulheres dos grandes países vizinhos. São poucas as
mulheres que se destacaram e adquiriam uma identidade individual: Miriam, as
parteiras do Êxodo, Débora, Rute e a Sulamita são alguns dos poucos exemplos,
onde o ponto de referência era, em sua maioria, dos homens. No Egito, a mulher
comumente aparece com os direitos de um chefe de família. Na Babilônia, ela podia
adquirir posses, agir judicialmente e ter partes na herança de seu marido. Na colônia
de Elefantina, sob a influência estrangeira, a mulher judia adquiriu direitos.
2.8.3 Casamento
138
F Rachel Magdalene, Ancient Ner Easten Treaty Curses and the Ultimate Text of Terr, A Feminist
Companion to the Letter Prophets, p. 326-352.
68
2.8.4 A viúva
2.8.5 Escravidão
139
Tércio Machado Siqueira. Um pouco da história da pesquisa do povo da terra, Segundo ele, “[...] a
expressão povo da terra não possui significado fixo ou rígido, mas é usada no Antigo Testamento,
de modo puramente geral e fluido, variando no significado de contexto para contexto [...]”. Na época
de Davi, representava o povo judaíta, forte do campo, que fomentava as trocas de reis no trono; na
época de Jeremias o conceito passou por uma transição e povo da terra foi assemelhado aos
pobres da terra. Durante a deportação, sabe-se que não eram apenas pobres os que compunham
esse grupo, mas, no pós-exílio, o conceito passou a ter conotações cada vez mais pejorativas até
que, na época dos hasmoneus, eram igualados aos ignorantes e negligentes com a lei, gente que
não queria se moldar ao sistema monoteísta p. 9 -16.
140
R Alter., A arte da narrativa bíblica, p 48.
71
paralelismo bíblico entre Abraão e Rute: Ambos são estrangeiros despatriados, que
abandonam sua parentela para viver em terras estranhas.
Boaz, inclusive, usa uma frase que reforça esse pensamento de Alter, sobre
cena padrão: “me contaram que você deixou seu pai e sua mãe” (Rt 2, 11). Há ainda
uma citação do autor do livro aos Hebreus no NT que se encaixa nos relatos de Rute
(Hb 7,3). Igual a Abraão, que caminhou junto a Ló por muito tempo, Rute e Noemi
caminharam juntas até Belém. E ambos, Rute e Abrão vêm pro Jordão.
2.10 A IMIGRAÇÃO
141
Op.cit., p 52.
72
Ele só traz consigo um sentimento, uma esperança de que tudo irá dar certo.
Não foi diferente nos dias de Rute. Elimeleque tinha esperanças de que tudo
iria dar certo, quando decidiu ir para Moabe142. Assim como Rute, ao retornar
juntamente com Noemi para Belém, com certeza também nutria essa mesma
esperança. Algo bom esperava por Rute, em Belém. Essa bondade era o Hesed de
Deus para com Rute e Noemi, para estrangeiro e materializado na pessoa de Boaz.
Boaz protegeu Rute, a estrangeira, de ser molestada pelos abusos legais e
econômicos. “Não a molesteis, disse Boaz aos seus trabalhadores” (Ex 22,20; Rt
2,15). Assim como Boaz, também se tem conhecimento por meio da mídia, que
existem abusos trabalhistas em vários setores das indústrias. É o “escravagismo”
exercido por muitos empresários inescrupulosos.
Como exemplo, é citado o que ocorre no setor da indústria de vestuários. A
produção e a comercialização estão em mãos de administradores estrangeiros que,
em sua maior parte, trabalham de maneira clandestina em um submundo onde os
funcionários são imigrantes de nacionalidades iguais às do patrão e são trazidos dos
seus países de origem com falsas promessas e ilusões.
Homens e mulheres vêm dentro de contêineres de navios, diretamente para a
mão de obra setorizada. É o mercado de Taiwan, acontecendo no Brasil. Mão-de-
obra com baixo custo. Consequentemente, o produto final chega ao mercado por um
preço bastante competitivo e atraente (o governo ou tão pouco a igreja querem
enxergar essas atrocidades).
Entende-se que o compromisso e a atitude de Boaz devam iluminar a práxis e
estimular a rever as posturas. Ensinar-se a verdade fará diferença; basta pequenos
gestos de solidariedade e irmandade, como os de Boaz.
Boaz via a necessidade da imigrante, quando disse: “Deixe que ela vá
respingar” (Dt 24,19; Rt 2,15). Ele integrou a estrangeira no círculo de funcionários,
amigos e na comunidade: “Vem e assenta-te conosco e come”. É um gesto de
reconhecimento do outro. 143
142
Não é diferente nos dias de hoje. É o migrante retirante, seringueiro que chegou em São Paulo
atrás da respinga e terá que apreender a assentar tijolos nas construções. Ou, o boliviano
imigrante, que hoje, para sobreviver, trabalha em oficinas de costura por 12 a 16 horas por dia,
dormindo embaixo de suas próprias máquinas de costura, para remir o tempo de produção.
143
A atitude e o posicionamento de Boaz devem servir de exemplo para iluminar a práxis como Igreja
Cristã, e ensinar a fazer diferença na implantação do Reino. Serão apenas uns pequenos gestos de
solidariedade e irmandade que deverão ser colocadas em prática.
73
2.11 PROSELITISMO
As narrativas bíblicas estão repletas de relatos que falam dos povos que
viviam nas cercanias de Israel e que sempre estiveram em conflito. As relações dos
judaítas com amonitas, moabitas, edomitas e egípcios pré-exilio, no exílio e pós-
exílio, sempre foram tumultuadas. O povo moabita é um desses exemplos de vínculo
histórico. São os filhos de Ló (Gn 19,1-38), sobrinho de Abrão. Moabe fazia parte,
assim como tantos outros povos, dos herdeiros de Abraão, afinal são em Abraão
que serão benditas todas as nações da terra (Gn 12).
Para complementar, ressaltam-se aspectos novos para tentar descobrir a
lógica por trás das atitudes das lideranças pós-exílicas apenas com um destes
grupos, os Moabitas, e não com todos os estrangeiros vizinhos de Israel. O que os
separava eram as diferenças morais acima de tudo.
Um eixo importante é a primícia implícita do autor (a) de assumir, sem muitas
explicações, que Moabe era um destino possível e normal para uma família Judia,
que buscava ajuda em caso de necessidade. E o casamento de Maalon e de Quilon
é comentado sem nenhum constrangimento ou exortação.
Diplomaticamente, Moabe é uma nação neutra. Existe o texto de Isaías que
fala a respeito de Moabe como local de refúgio, nos momentos de tribulações, Em Is
74
e, “sendo tomado pelo espírito de Javé”, guerreou contra os moabitas (1Sm 14,47).
Davi se alojou no país de Moabe, enquanto viveu como fugitivo (1Sm 22,3).
Posteriormente, Davi subjugou Moabe e separou muitos moabitas, para matá-los.
Os moabitas só conseguiram se libertar no reinado de Salomão, sendo depois
subjugados novamente por Onri, rei de Israel (Pedra Moabita). Perto do final do
reino de Acabe, eles começaram a se libertar novamente.
E, a história continua. Josafá, rei de Judá, foi procurado por Jotão, rei de
Israel, para prestar ajuda a Edom, rei de Moabe, para recuperá-la (2Rs 1, 1;3,4-27).
Mais tarde, as terras de Josafá foram invadidas por moabitas, amonitas e edomitas,
mas Josafá foi livrado desse ataque, já que os exércitos confederados dos inimigos
divergiam entre, si provocando uma guerra interna, se atacando mutuamente (2Cr
20,1-30), em uma confusão entre os aliados. Os relatos bíblicos são recheados de
invasões moabitas a Israel.
Moabe também foi subjugada pela Assíria e foi obrigada a pagar tributos.
Esse acontecimento foi no final do Séc. VIII a.C. (Is 15,16). Depois da queda dos
assírios, Moabe ficou livre. Moabe invadiu Judá nos dias de Jeoaquim (2Rs 24,2).
Por ocasião da queda de Jerusalém, em 587 a.C., alguns judeus encontraram
refugio em Moabe, mas, quando retornaram, Gedaias foi nomeado governador.
Moabe então foi subjugado por Nabucodonosor (Josefo, Antiguidade x 9.7) e caiu
sucessivamente, sob o domínio dos persas e dos vários grupos árabes.
Os moabitas então deixaram de ter existência como nação independente,
mas a raça moabita, mesmo no pós-exilio, ainda existia (Ed 1, Ne 13,1-23).
Alexandre Janeu os subjugou no Séc. II a.C. (Josefo antiguidade x III, 13.5). Nos
livros proféticos, os moabitas foram frequentemente mencionados havendo um
julgamento divino contra eles (Is 15, 16; Jr 9,16; Am 2,1-3 e outros).
Segundo Vinicius Galleazzo¹, as referências bíblicas pertinentes a Moabe
constatam que esse povo representava uma problemática para diversos autores
bíblicos, e, provalvemente, para Israel e para Judá. As menções nos relatos bíblicos
a respeito de Moabe sugerem sempre uma visão negativa sobre aquele povo.
Um exemplo disso é o texto contido em Nm 25,1-5, que cita a transgressão
religiosa entre homens israelitas e mulheres moabitas. A literatura profética também
contribui para fortes condenações a Moabe (Am 2,1-3, Sf 2,8-11, Ez 25,8-1,Is 15,1-
16, Jr 48,1-47). Até os Salmos citam Moabe, considerando-a a “bacia de lavar” de
Yahweh, (Sl 60,10 e 108,10).
78
destruição e juízo contra Moabe (Ez 25,9-11). Mas o castigo de Moabe foi por não
ter respeitado que Israel era povo diferente das demais nações (Ez 25,8). Que teor
profético mais interessante dirigido a um grupo que realmente fomenta essa
concepção de superioridade.
As referências a Moabe aparecem quarenta e oito vezes na Torá. De todas
essas ocorrências, apenas treze citações estão no Deuteronômio, três menções em
Gn, contando apenas a origem dos moabitas pelas filhas de Ló, uma em Ex, no
cântico de Moisés e, todas as demais (trinta!), no livro de Nm, um documento que,
segundo o consenso de muitos estudiosos, é de formulação inteiramente sacerdotal,
originário da Babilônia.
Das referências a Moabe, no livro de Deuteronômio, a única que está contida
no Código Deuteronômio é a da perícope desta exegese. Todas as demais
pertencem às outras camadas do livro. O teor delas é majoritariamente
mencionando Moabe como um lugar no qual os escravos vindos do Egito ficaram
acampados e Moisés passou a ensinar.
As montanhas de Moabe deveriam ter um significado solene, pois sua
participação no conteúdo do livro de Deuteronômio é grande. A lei veio do Sinai,
mas os discursos de Moisés vieram das montanhas de Moabe. Já se sabe da
história redacional, mas o sentido teológico de Moabe no Deuteronômio é o de um
lugar solene, onde a lei foi proferida, a caminhada no deserto foi rememorada e
Moisés, o grande legislador de Israel, se despediu do povo.
Ali ele morreu e foi sepultado (Dt 29,1; 32,49; 34,1-5-6-8), outras citações
sobre Moabe são positivas : a lei é que determina que o moabita não fosse
molestado “Não ataqueis Moabe, não entreis em combate contra ele; não te darei
posse nenhuma em sua terra, pois foi aos filhos de Ló que eu dei a posse de Ar” (Dt
2,9).
O que a arqueologia tem descoberto sobre Moabe é que esse território
começou a ser habitado com mais profusão somente durante a Idade do Ferro. Os
sítios arqueológicos de períodos anteriores, em Moabe, são escassos, provando que
não havia uma Moabe urbanizada, na época do êxodo e tribalismo. Essa
estruturação aconteceu realmente no período das monarquias em Israel. Como no
reinado de Salomão, esse território estava anexado em relação de vassalagem com
Israel, na época da divisão dos reinos houve a separação do território.
Provavelmente apenas nessa época é que Moabe pôde ser considerado um
80
país significativo e autônomo, algo que durou apenas até a expansão assíria,
aproximadamente duzentos anos (entre 926 e 722 a.C.).
Do período josiânico é a formulação de Deuteronômio 2,9, o que pode
significar que, até os dias de Josias, Moabe não era um grande problema para
Israel, mas sim um povo com direitos de posse em Canaã, cedidos por Yahweh, por
critérios semelhantes aos de Israel. Mas, na lei de Deuteronômio 23,3, Moabe se
tornou um problema que merece ser excluído. Que tanto problema Moabe passou a
representar para Israel e a partir de que textos?
Primeiramente os moabitas atacaram os israelitas por meio de Siom, rei de
Hesbom, cidade moabita (Nm, 21-30). Depois disso, Balaque, o rei da própria
Moabe contratou Balaão para profetizar contra os israelitas (Nm 22-24). Libertos da
maldição convertida em bênção por Yahweh, por fim, os israelitas se misturaram em
prostituição cultual com as mulheres moabitas e o povo foi atingido por uma grande
praga, que matou cerca de vinte e quatro mil pessoas (Nm 25).
O que não fica muito claro nesse texto é se o motivo da praga foi a
contaminação com as moabitas ou com as midianitas, mas no documento sacerdotal
estão contidas três menções ruins sobre Moabe. O restante das citações pertence
aos roteiros de viagem.
Será que a queixa de Israel contra Moabe realmente reside nesses episódios
ou o fundamento tem conotações mais políticas? Os livros proféticos apresentam
quase o triplo de citações sobre Moabe das apresentadas na Torá. Nos profetas
encontram-se noventa e sete referências a Moabe e moabitas, apenas duas citações
em Amós, referindo-se às ações de Moabe contra Edom, uma em Miquéias, fazendo
referência aos mesmos episódios de Balaão, duas em Sofonias e apenas quatro em
Ezequiel.
Todas as demais se encontram em Isaías e a quantidade de menções sobre
Moabe em Jeremias é assustadoramente grande. Isso já deixa o olhar mais atento
para o período em que Moabe se transformou num problema para Israel. Melhor
dizendo, se transformou num problema para Judá, porque as menções sobre Moabe
na profecia do Norte são escassas, para não dizer, quase nulas.
Portanto, os escritos falam pouco de Moabe. Só não falam menos porque um
dos livros conta a história de uma moabita, como será visto no capítulo quatro. Rute
possui treze das trinta e duas referências a Moabe, nos ketuvim. As demais
referências estão em Esdras e Neemias; em Esdras, referindo-se à denúncia de
81
alguns judaítas de que o povo não estava cumprindo a lei que ordenava separação
com os costumes da terra.
Em Ne 13, já consta que o povo tomou conhecimento da lei nos dias em que
Neemias esteve ausente e eles mesmos separaram os filhos moabitas e amonitas
do meio deles. Ou seja, a formulação de Deuteronômio 23,4 já deveria estar pronta
em Ne 13,1-23. O restante de menções dos Escritos sobre Moabe está no livro das
Crônicas. Esse sim é o documento que conta sobre muitos problemas entre
moabitas e judaítas. Moabe é basicamente um problema dos dias do exílio. Não é
de se admirar que a lei de exclusão de moabitas entre no Deuteronômio, nessa
mesma época.
82
CAPITULO 3
144
Cf. O Novo Dicionário da Biblia, V.1 D Douglas e outros. p.1031.
83
Quando o “Messias” não era da linhagem de Davi, mas de outra tribo celestial ou
angelical, o projeto Messiânico judaico ainda permanecia monárquico. Mesmo quando
somente Deus era considerado o rei desejado, a visão monárquica do bom Governo
continuava sendo uma visão hierárquica, absolutista, baseada na intervenção de
mediadores entre Deus e seu povo.
É importante não perder de vista que nenhum dos vários Messianismos do Judaísmo
antigo propôs uma alternativa político-religiosa que não fosse um reinado. Um reinado
melhor, talvez renovado, purificado, um tipo de reinado sublime, porém sempre um reinado.
Não é sugerido que todos os Messianismos do Judaísmo antigo tenham sido iguais.
Porém, se distinguem por haver abandonado a antiga fascinação do sonho político,
que consertaria todas as coisas do passado, por meio da irresistível força e virtude de um
“homem-poderoso”, seja qual fosse o nível ontológico que ele acaba mostrando ter.
O fato de que esse Messias seria um homem bom, um Filho da Humanidade
celestial, o melhor dentre os anjos, o filho de Deus, ou o próprio Deus, dificilmente isso
impede de se ter um cenário monárquico.145
Em Deuteronômio 18, 15 e segs. tem-se uma passagem com caráter
Messiânico. Deuteronômio não só se preocupou em estabelecer critérios da lei: um
lugar cúltico, um só Deus, um só povo, mas fala de mediações que deveriam ser
realizadas pelos sacerdotes a quem se atribui o papel central do templo e aos reis
que, segundo Schwantes146, são tentados à idolatria (Dt 12, 13) e, a grande
esperança da nação que iria se formar, passa a ser o profeta Moises (Dt 12, 13).
Se aceitar-se que o livro de Deuteronômio é uma redação deuteronomista,
escrita sob o forte impacto da profecia, então, segundo Schwantes147 seus
escritores, são os profetas Natã, Elias, Eliseu, Isaias do exílio e sobre esse quesito
profético, ainda não apareceu ninguém igual a Moisés ou que tenha cumprido a
predição de Deuteronômio 18, 15.
Em Deuteronômio 34, 10 confirma-se essa palavra: ainda não surgiu um
profeta específico que, em sua forma e em sua pessoa, fosse igual e não
semelhante a Moisés em Horebe (v16).
Tem-se boas razões, pelo que já foi apresentado nos capítulos anteriores,
que essa esperança, desde cedo, é o alicerce da historia do povo escolhido, surgida
a partir do “protoevangelho” de Gn 3,15.
Do ponto de vista teológico de Israel, o conceito sobre a vida neste mundo
145
Leif E. Vaage. Jesus e os messianismos do seu tempo desde a perspectiva da “Fonte Q”*, p 16
146
Milton, Schwantes, Sofrimento e Esperança no Exílio, p.30.
84
148
Por uma questão de praticidade, durante o desenvolvimento desta pesquisa, a palavra
messiânica/o, será associada a todas as profecias que situam uma pessoa em foco de atenção
como sendo uma personagem da salvação.
149
É um produto do Judaísmo posterior. Seu uso é válido no Novo Testamento, e estas mesmas
características se aplicam preeminentemente ao Senhor Jesus. Este termo é encontrado por duas
vezes no Antigo Testamento (Dn 9, 25,26).op.Cit.., p. 1031.
150
Ver,S Mowinckel. He That Cometh,1956 Op. Cit.., p.1030.
151
Segundo O Dicionário da Biblia, nem todos os escritores concordam que a escatologia é pré-
exílica (cf., por exemplo, Vriezen) e que talvez Mowinckel tenha definido o conceito de forma rígida
demais. Essa definição contraria muitas passagens bíblicas, já que a definição de Mowinckel deixa
entender que não há escatologia em passagens que se refiram a sobrevivência e a vida, de um
remanescente depois de uma intervenção divina. (Hb.1: 2;1JO 2: 18) Op. Cit, p. 1030 e 1031.
152
Existe a possibilidade de que redações posteriores tenham adaptado o conceito Messiânico, e
escritores posteriores o tenham tirado. Op. Cit., 1995, p.1030.
153
Ver Mowinckel, op. Cit, p.1031.
154
Maria Isaura Pereira de Queiroz, O Messianismo no Brasil e no Mundo, p. 26 e 27 ,
155
Op. Cit.. p.27
85
Houve um tempo próximo aos dias monárquicos de Davi, quando ele ainda
não era o rei, mas havia sido ungido por Samuel para suceder ao trono (ISm 16, 15)
que ele teve que se refugiar na caverna de Adulão (ISm 22) para fugir do Rei Saul
e se juntaram a ele todos os homens que se achavam em aperto, todo homem
endividado e todos os amargurados de espírito. Assim, ele se fez chefe deles (22,
2).
Depois de montar seu exército, Davi passou por Mispa de Moabe e deixou ali
seu pai e mãe sob a proteção do rei daquele lugar. “Dali passou Davi a Mispa de
Moabe e disse ao rei: deixa estar meu pai e minha mãe convosco, até que eu saiba
o que Deus há de fazer de mim” (22,3). É incrível a ousadia dessas palavras. Davi
diz ao rei Moabita, rei do povo que adora o deus Camos, que estava esperando o
que Yahweh iria fazer por ele. Que tempos seriam esses? Qual o cenário político
desses dias no qual o rei vizinho faz parceria com o ungido? Que expectativa havia
no ar moabita que geraram esse acordo? Será que Rute, a moabita, tem algo a ver
nessa história?
Existem especulações de que ela foi filha de um rei de Moabe, mas essas são
perguntas para as quais não se tem respostas concretas e tampouco é essencial
para o tema central da investigação. De qualquer maneira, o que é compreensível é
que os escritores da HD deixam claro que havia um ir e vir entre Moabe e Judá,
além de um contexto Messiânico, em relação à vida do ungido Davi – muito forte, o
Messias seria um guerreiro, um libertador.
Também mais tarde, nos tempos do exílio da Babilônia, em que Moabe e
Judá156 se relacionavam de forma pacífica, talvez essa tenha sido uma estratégia da
época, semelhante às do tempo de Davi, entre os pequenos, os campesinos e os
povos das tribos, para superarem a opressão e sobreviverem diante do império.
Nesse meio angustiante, abarrotado de expectativas e esperando “em Deus” os
cumprimentos das promessas, surge para Israel uma resposta por meio de um
156
Final do Séc. VIII a.C. (Is 15,16). Depois da queda dos assírios Moabe ficou livre. Moabe invade
Judá nos dias de Jeoaquim (2Rs 24,2). Por ocasião da queda de Jerusalém em 587 a.C. alguns
judeus encontraram refugio em Moabe, mas quando retornaram Gedalias foi nomeado governador.
Moabe então foi subjugado por Nabucodonosor (Josefo, Antiguidade x 9,7).
86
Messias, de um Salvador: “Um ramo sairá de suas raízes. Sobre ele repousará o
espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de discernimento, espírito de conselho e
de valentia” (Is 11,1-2,).
Tem-se descrito neste texto um conteúdo do rebento que se restringe às
qualidades políticas que caracterizam aquele que irá exercer o poder político na
nação. Todas essas qualidades estão a serviço da instauração de uma nova ordem
social, fundamentada na justiça. No texto de Isaias citado, não se menciona Davi,
nem a Casa de Davi mas essa citação pertence ao 1° Isaías.
Nesse profeta, o rebento alude simplesmente a um chefe político,
descendente de Jessé.157 A tradição profética do rebento admite uma diferenciação,
segundo se assuma referências de interpretação do proto Isaias ou do primeiro e
segundo Isaías, ou mesmo de Jeremias ou Zacarias, como no exemplo citado logo
mais. No entanto, existem elementos unificadores entre eles. Um deles é a
expectativa pelo estabelecimento de um novo estado. Uma nova concepção do
exercício político.
Segundo José Adriano,
157
, José L Sicre. op. cit. p. 507- 508.
158José Adriano Filho, Expectativas Messiânicas Sacerdotais No Judaísmo e as Origens da
Cristologia, [Oracula, São Bernardo do Campo, v. 1, n. 1, 2005] ISSN 1807-8222,
87
Deus, valores do que contestavam o tributarismo, por tantas vezes impostos pelas
várias monarquias.
No vapor da produção literária, estava o profético e estes enxergavam que os
sacerdotes e reis não iriam assumir as necessidades das pequenas vilas. Assim,
nesse momento, a narrativa de Rute a calhar, entra em cena, quebrando vários
paradigmas pois ela bate de frente com o muro de Jerusalém que Neemias estava
tentando erguer e a moça moabita bate com força nesse muro, onde muitas regras
haviam sido impostas pelos deportados recém-chegados da Babilônia e acatadas
pelo então governador.
Mas, Rute tem a ajuda do grito das mulheres que clamam um basta por seus
filhos e filhas escravos e pelo dinheiro emprestado com usura. O barulho das
mulheres começa a se fazer presente, o que faz com que Neemias pare e ouça (Ne
51, 11).
O Livro é a contramão da proposta e dos planos de restauração dos
deportados. É um gênero “Mensagem a Garcia” 159.
Os deportados, durante o tempo que permaneceram no exílio, conseguiram
estabelecer um controle étnico, criando uma geração de descendentes puros. Para
isso, algumas estratégias foram usadas, tais como: a circuncisão e o registro das
extensas genealogias, que passaram a vigorar nessa época.
Com esses métodos instituídos, os deportados mantiveram em seus registros
suas descendências genealógicas. Para os que voltavam da Babilônia, os
deportados, havia uma situação econômica privilegiada no retorno para Judá. Mas,
esse não era o caso de Noemi. Fazendo um paralelo, Noemi voltava das terras de
Moabe e trazia consigo a nora, uma estrangeira e moabita.
Resumidamente, a situação encontrada no pós–exílio era a de uma grande
injustiça social, (Ne 5, 1-5) na qual os deportados queriam eliminar as
estrangeiras160. Por outro lado tinham-se os autóctones, em um total antagonismo,
que demonstravam temer e adorar mais a Yahweh do que aos próprios judeus. Judá
precisava de um “salvador” que o ajudasse a existir como nação.
159
Elbert, Hubbard Mensagem a Gracia, “Mensagem a Garcia”, no ambiente corporativo é uma
expressão corrente, para designar uma tarefa muito difícil e espinhosa, mas que é absolutamente
necessária, e precisa ser realizada de qualquer maneira, sob-risco de grandes perdas.
160
Lília Dias Marianno. Los/as extranjeros/as dicen: “Yahweh no nos excluirá de su pueblo!’
Manifiestos contra el imperialismo en la teología de exclusion.. .
89
161
, Lilia Dias Marianno. A Ameaça que Vem de Dentro-Um estudo sobre as relações entre judaítas e
estrangeiros no pós-exílio em perspectiva de gênero, p.153.
90
funcionam hoje em dia. Pixley162 afirma que “[...] as genealogias eram armas que os
exilados esgrimavam contra os remanescentes do país”.
Porém, se os próprios líderes religiosos israelitas não fizessem questão de
guardar a pureza étnica, toda aquela luta perderia o sentido. Jovahir Lage163 reforça
a ideia de Belém como um lugar pobre e marginalizado dizendo que essa expressão
enfatiza que o libertador seria alguém que conhecesse o sofrimento do povo e,
portanto, agisse a favor dele. É o Messias sofredor.
É justamente esse tema da necessidade nacional e espiritual de Israel que
passa a ocupar o profeta (48, 22). Prediz-se que Ciro será o libertador da nação e
que Yahweh perdoará os pecados de Israel, mas no mesmo capitulo vê-se Israel
deixando a Babilônia sem conhecer a “Paz com Deus”. Israel passa a ser o servo,
representada por um único homem (49, 7-13). A nação desesperada (49, 14-26) não
reconhece o Senhor, mas o servo é cheio de esperança e obediente até o ponto de
sofrimento 50, 1-3. E ele é recomendado à nação para que o imitem 50, 10-11, A
obra do servo fica demonstrada pela característica da doutrina do Messias Servo por
uma introdução nova: “Eis ai o meu servo” (Is 55, 2-13).
É o conceito Messiânico de salvação por meio do sofrimento, demonstrando
que ele era um homem de dores e de morte vicária (Is 53). Logo a nação de Israel é
chamada para uma nova aliança com Yahweh (54), que perdoa Israel e a todos os
necessitados e os convida a participar da salvação. O conceito de salvação é em
favor dos judeus e de todos os povos igualmente. Messias gera tempo de paz e
salvação.
162
Jorge Pixley. A história de Israel a partir dos pobres, p. 93; Neftali Vélez Chaverra. Reconstrução e
identidade: a alternativa de Esdras, p. 29.
163
Jovahir Lage Revista Teoria & Pratica Ano II Jul/Ago 2008 Livro de Miquéias.
164
L, Carriker, As Contribuições do Messianismo para uma Hermenêutica Missiológica, Boletim
Teológico São Paulo, Fraternidade Teológica Latino Americana, dez/1992, Ano 6, nº 19, p. 25 a 26.
91
essas crenças se caracterizam por uma preocupação com o fim dos tempos,
catastrófico ou utópico, mas que gera um mundo novo. É um pensamento
metafórico, numerológico e escatológico sem abandonar questões do mundo
presente. Combina concepções históricas e míticas do tempo, é otimista e orientado
para o sobrenatural. Pereira de Queiroz165 encontra a concepção popular de
Messias a partir do profetismo da Bíblia, que em si propõe um tempo novo de paz e
prosperidade, lembrando que foi na luta do povo israelita contra os impérios
vizinhos, que se formou esse primeiro significado de Messias. Depois, o conceito
ingressou nos estudos históricos e sociológicos de modo mais amplo. Crenças
messiânicas e movimentos Messiânicos não é exclusividade de Israel. Eles existem
desde o “sempre” inclusive no Brasil.
166
Silas Luis de Souza, prof. mestre em Ciências da Religião tema: Protestantismo e
Pentecostalismo..
167
José Manoel da Conceição nasceu em março de 1822 na cidade de São Paulo, foi criado e
educado em Sorocaba pelo padrinho, o tio de sua mãe, Padre José Francisco de Mendonça. Desde
bem cedo foi tido como estudante talentoso, chegando a Seminário já bem adiantado em diversas
disciplinas. Porém, antes de ser ordenado teve contato com protestantes ingleses e alemães na
região de Sorocaba, onde havia uma incipiente usina siderúrgica, Ipanema, dirigida por
estrangeiros. Seu contato com a Bíblia foi anterior ainda ao curso teológico, quando bem jovem
tornou-se leitor assíduo de tal forma que questionava eventualmente doutrinas da Igreja Católica.
Isto lhe rendeu o apelido de padre protestante por influencia de amigos e estudiosos. Acabou se
tornando presbiteriano, sendo ordenado pastor em 1865.
93
168
A Guerra de Canudos foi o confronto entre o o Exercito Brasileiro e integrantes de um
movimento popular de fundo sócio-religioso liderado por Antonio Conselheiro, na então comunidade
de Canudos no interior do estado daBahia e nordeste do Brasil.
169
Toda essa situação, em conjunto com o fanatismo religioso, desencadeou um grave problema
social. Em novembro de 1896, no sertão da Bahia, foi iniciado este conflito civil. Este durou quase
um ano, até 5 de outubro de 1897, e, devido à dimensão adquirida, o governo da Bahia pediu o
apoio da República para conter este movimento formado por fanáticos, jagunços e sertanejos sem
emprego.
94
A luta era pela libertação dos pobres que viviam na zona rural. O livro de
Euclides da Cunha, “Os Sertões” traz esse grande memorial em suas págínas.
A revolta mostra o descaso dos governantes em relação aos problemas
sociais do Brasil. Ela buscava uma melhor condição de vida, empregos e justiça.
Mas a violência gerada pelos oficiais e o massacre – o conflito de Canudos
mobilizou aproximadamente 12 mil soldados oriundos de dezessete Estados
brasileiros, distribuídos em quatro expedições militares para acabar com o
movimento.
Em 1887 , os militares incendiaram o arraial, mataram grande parte da
população e degolaram centenas de prisioneiros. Estima-se que morreram, ao todo,
por volta de 25 mil pessoas, culminando com a destruição total da povoação.
170
BARSA. Encyclopédia Britânica, Editores Ltda., São Paulo 1969.
171
BLOCH EDITORES, História do Brasil, p. 596 a 598 e 612 a 614.
95
172
Silas Luis de Souza, Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Aspectos Messiânicos
em José Manoel da Conceição, Grupo de Pesquisa: Protestantismos e Pentecostalismos. p.11.
173
Idem, p.6
174
Idem,p.6
175
Idem p.6
96
185
Idem p. 4.
186
Comunidade igualitária, de vida regrada, austera, centrada nas celebrações religiosas, onde o
trabalho era meio de salvação. Após a morte de Lourenço, José Senhorinho, impressionado com os
ensinos do Caldeirão, e Quinzeiro, remanescente do grupo, reuniram adeptos para voltar ao
Caldeirão. Senhorinho separou uma área chamada “Circo”, onde rezas, cantorias e prédicas
preparavam a comunidade para a partida..
187
Op. Cit. p.5.
99
188
Idem, p.5.
189
A profetiza Luciene, uma adolescente, ensinou o despojamento total, o que os levou a
despojarem-se de roupas suntuosas e enfeites, e se vestirem com roupas azuis e um manto
branco, daí o nome―Borboletas Azuis. O grupo se preparou para o dilúvio que não ocorreu.
Frustrados, muitos ocupantes da Casa Jesus no Horto abandonaram o local. Remanescentes ainda
voltaram a se reunir para rezas, penitências e jejuns.
190
BITTENCOURT FILHO, In: Tempo e Presença, número 264, p.49.
100
191
Leonardo Boff, In: Tempo e Presença, número 275, p. 12 a 14.
192
Karl Marx chamou plus-valia, significando mais-valor que o devido por justiça, pela combinação
dos termos latinos plus ("mais") + valia ("Valor).
193
Riolando, Azzi In: Tempo e Presença, número 281, p. 29 a 31.
101
194
, Alexandre, Otten. “Só Deus é grande”: a mensagem religiosa de Antonio Conselheiro, p. 95 a 137.
102
mas, na concepção do povo, essa cidade fazia referência à Casa de Davi, que
simbolizava o ungido de Deus.
A Palavra Belém quer dizer “Casa do Pão” e essa ideia salienta o anseio do
povo de que o libertador traria a solução para a sua fome e sede de paz e justiça.
Efrata fazia referência a um lugar pequeno e desprezado.
É o nome de uma localidade que provém da palavra “efer”, que significava pó,
cinza, (torrões) de terra de cinza, reforçando a ideia de um lugar pobre e
marginalizado; essa expressão enfatiza que o libertador seria alguém que
conhecesse o sofrimento do povo e, portanto agiria a favor dele.
Em Miquéias vê-se que os profetas vendidos são os principais corruptos195. A
cidade submetia os camponeses explorando os seus produtos. Eles tinham controle
de suas terras e trabalho, mas o problema advindo com a perda da herança
(nahalah)196faz com que a terra passe a ser algo que foi gerado dentro do próprio
tribalismo, e uma antiga Lei os protege. (Lv 25, 8-17).
195
Jovanir Lage, Livro de Miquéias, Revista Teoria & Pratica Ano II Jul./Ago. 2008 Livro de Miquéias.
196
Carlos Dreher afirma que a origem de grupos mercenários esta na escravidão por dividas e sito é
furto do empobrecimento dos camponeses. História de Israel v.1
104
CONCLUSÃO
dos dias de Neemias (Ne 13) ou dos filhos Eli (1Sm 6) , ou de muitos outros
semelhantes a esses.
São “Cenas Padrão”197, como essas, que percorrem toda a Biblia, e os dias
atuais. Como nos dias em que os Juízes julgavam Israel são os dias de hoje. Está-
se atrás de um Messias, de um “Salvador da Pátria” para se deixar de viver no
exílio.
Entretanto, a angústia do ser humano ainda é a mesma. Pode soar irônico da
parte do redator de Rute, mas ele sabia muito bem o recado que queria entregar: ...
Havia fome na terra e um homem de Belém... Traduzindo, em Belém que significa a
“Casa do Pão” também havia fome. O vocábulo fome tem, na Língua Portuguesa,
diversos significados. Denomina-se fome “a sensação fisiológica que o corpo passa
a ter quando necessita de alimentos para manter suas atividades vitais”.
Parece, para a autora deste estudo, que a fome citada pelo redator ultrapassa
a questão de natureza física; é uma fome de “falta de fé”. Essa incredulidade levou
um individuo como Elimeleque, que tem como significado de seu nome, “Meu Deus
é Rei”, a ir para uma região onde o deus não era Yahweh. Se não fosse assim,a
fome do Meu Deus é Rei, a imigração teria sido um escoamento em massa,
possivelmente a população de Belém não caberia em Moabe. Não teria sido uma
família, e sim, muitas famílias a mais.
Hoje, nos canais de televisão e na telecomunicação da mídia brasileira,
entendendo essa necessidade do povo brasileiro de “alguém que o salve, que o
resgate”, trabalha cada dia mais, com temas e filmes novelescos, satirizando essa
questão de Messianismo; a exemplo temos a novela “O Bem Amado”, que acaba de
virar filme, em lançamento nacional, ou uma anterior com o nome “O Salvador da
Pátria”. Gerenciados por marqueteiros sagazes, a máquina mortífera da mídia
avança a cada dia, produzindo informações que afastam as gentes da “real
Verdade” e de Deus.
Falta para os dias contemporâneos, surgir a “Voz do Profeta”. A voz
profética! Para acordar os verdadeiros homens, e os sacerdotes de Deus? Onde
estão os remanescentes da tribo de Judá! Onde estão os Boazes, os Pela Força?
A Palavra, no Novo Testamento (Mt 11,12) diz que “o Reino de Deus é
adquirido à força”!
197
Robert Alter. A Arte da narrativa Bíblica, 2007, p. 79.
106
[... Saga, estória, ficção, romance ou fato histórico o que importa é que o
livro pequeno e de tão poucos capítulos abrange o panorama completo do
mundo tenebroso sobre o qual viviam os israelenses durante os tempos pré
monárquicos de juízes, morte, invasões, guerras entre nações e tribos,
além do panorama o livro analisa o caráter psicológico dos personagens, o
brio, a masculinidade o honor, o livro mostra a aplicabilidade Na dinâmica
do livro pudemos resgatar a figuras de homens que nos mostram a
possibilidade de viver uma masculinidade mas humanizada e mais humana
como também nos permiti trabalhar com os antítipos que expressam um a
198
vivência hemogênica de sua masculinidade ...]
Quero, para concluir, explorar uma das frases desse parágrafo: [...abrange o
panorama completo do mundo tenebroso sobre o qual viviam os israelenses durante
os tempos...]
Entendo que esse panorama ainda não mudou. O mundo ainda é tenebroso
para Israel, que anda às cegas e de maneira preconceituosa, como nos tempos da
volta do exílio. Casamentos mistos ainda nos dias de hoje é tido como afronta ao
monoteísmo judaico. A religiosidade é cumprida sob o jugo da lei. Quem levará o
verdadeiro Messias a Israel? Hoje já não existem vozes proféticas que se levantem
em Sião e conclamem a nação ao Jejum e Choro. A Israel de hoje vive como os
tempos de Juízes, em que cada um fazia o que queria, não existindo uma harmonia
entre Israel e Deus. A Israel contemporânea precisa ser cuidada e resgatada. Quem
levará o verdadeiro Messias a Israel?
Malaquias, profeta do pós-exílio, escrito no IV sec. a.C. e último profeta do
Antigo Testamento, deixa uma palavra de consolo e ânimo: “Eis que vos enviarei o
profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor”. (Ml 4,5). O que
precisamos para dias atuais, nos quais o clamor pela justiça grita, é de homens e
198
Lilia Dias Marianno, A Ameaça vem...., p. 152.
107
mulheres com o “espírito valente” do profeta Elias (1 Rs 17). Homens como Boaz e
mulheres como Rute.
Boaz (pela Força), que tomou para si a alcunha de resgatador, e re-
integralizou pelo resgate de vidas, uma família na história. Por meio de um
casamento misto, Boaz constituiu uma família, que gerou um monarca para a
História de Israel e desse, uma enorme genealogia de Judá, que perdurou até os
dias atuais. Boaz venceu as barreiras do preconceito, usou novas estratégias e a
força da perseverança. Graças a ele, ainda hoje, existem “os da Tribo de Judá” e
esses são muitos.
E Rute (“Saciada”) não se importando em sacrificar seus desejos e sonhos,
afinal ela era plena, toma para si a viúva Noemi amarga e rancorosa com o seu
passado. Rute ao dizer: “Teu Deus é meu Deus,...” (Rt. 1, 16) assumiu o que a
antiga e a velha tradição de Noemi não poderia mais executar. Rute, a nova
tradição, se tornou a “Noiva de Boaz” e gerou filhos, para e por Noemi, filhos para
Israel. O Messias esperado chegou para Rute É a nova aliança que chegou a Israel
por meio de Rute. A estrangeira prosélita vem carregando, desde Moabe, a
bagagem cheia, pesada e abarrotada com as experiências do antigo, representadas
em Noemi (“Graça”).
Nessa bagagem tem ensinos que Noemi transmitiu para Rute e para todas as
gerações vindouras. E o maior dos ensinos é que pela obediência aos princípios
deuteronomisticos houve a restauração e a bênção do profético. “De ti, farei uma
grande nação, e te abençoarei e te engrandecerei, sê tu uma bênção (Gn 12) Essa
bênção Abrâmica, “...Serão benditas todas as nações”, “alcançou Rute, e nos
alcançará”!
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