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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

ÂNGELA MARINGOLI KITZINGER

MESSIANISMO - DE RUTE AO BRASIL CONTEMPORÂNEO: SOFRIMENTO E


ESPERANÇA

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2011
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MESSIANISMO - DE RUTE AO BRASIL CONTEMPORÂNEO: SOFRIMENTO E


ESPERANÇA

Por
Ângela Maringoli Kitzinger
Orientador: Prof. Dr. Milton Schwantes

Dissertação apresentada em cumprimento às


exigências do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião para obtenção do grau de Mestre.

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2011
A dissertação de mestrado sob o título Messianismo - de Rute ao Brasil
Contemporâneo: Sofrimento e Esperança –Rute 4,1-12. Elaborada por Ângela
Maringoli Kitzinger, será apresentada perante banca elaborada composta por Prof.
Dr. Milton Schwantes (Titular/UMESP)

____________________________
Prof. Dr. Milton Schwantes
Orientador e Presidente da Banca Examinadora

___________________________
Prof. Dr. Jung Mo Sung
Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião


Área de Concentração: Literatura e Religião no Mundo Bíblico
Linha de Pesquisa: Estudos Históricos Literários do Mundo Bíblico
BANCA EXAMINADORA

Presidente: Prof. Dr. Milton Schwantes - UMESP

Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira - UMESP

Prof. Dr. Renatus Porath - EDT

KITZINGER, Ângela Maringoli, Messianismo - de Rute ao Brasil Contemporâneo:


Sofrimento e Esperança , São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São
Paulo, 2011.
DEDICATÓRIA

Dedico esta pesquisa a José Benedito Maringoli, meu pai: boiadeiro incansável,
homem de um caráter resistente às intempéries da vida. (In memoriam)
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, Meu Senhor, Rei e Pai, que generosamente me agraciou com esse tempo
de estudo e conclusão do livro.
A Milton Schwantes, meu professor e orientador.
A Neila Cristina, escudeira fiel e amiga em todo o tempo.
A Aline Couto que, por tantas vezes, me ouviu e me ajudou na montagem do trabalho.
Ao Rafael Vazquez, meu recente amigo, que chegou aos 33 minutos do segundo tempo e,
com muita inspiração, preparou a bola para que eu conseguisse acertar o gol.
A vocês queridos, Tálita, Sidney, Thiago, Thafnes e Osmêndia, muito obrigada pela imensa
paciência e amor que demonstraram por mim.
A minha irmã Deuseli, de quem eu sou fã incondicional.
E, aos queridos Pastor Geraldo Ribeiro Filho e Apóstolo Valdomiro Souto Ferreira, meus
incentivadores e amigos.
À Profa Neusa Munhoz, pelas horas dedicadas na leitura e correção gramatical.
Deus abençoe a todos...
Foi um tempo enriquecedor conviver com o livro de Rute nesse último ano de
2010. Quando iniciei a pesquisa, pensava estar em uma estrada conhecida e
tranquila, cheia de bosques e pastos verdejantes. Mas não foi o que aconteceu. Por
várias vezes saí da estrada, e sem que percebesse peguei atalhos com uma ou
outra bifurcação. Às vezes, havia buracos na estrada que me segurou horas dentro
deles. Então, pensava em minha cabeça: E agora? Como vou sair deste parágrafo?
Por onde eu sigo?
E, assim, foram se passando os dias... a cada dia, durante o ritual de leitura
das pesquisas dos livros ou a elaboração da exegese, apareciam informações
novas. E elas eram tantas, como enxurradas das chuvas do mês de março.
Muitas dessas informações perderam-se. Tenho consciência de que muitas
delas não foram processadas. Meu cérebro muitas vezes ficou sem saber qual
comando emitir, pois tudo foi muito rápido, mas... o sabor de cada descoberta foi
muito bom!
E agora, que concluí a pesquisa, eu sinto o sabor de “querer mais”. Um sabor
de continuar na estrada...
TOCANDO EM FRENTE
Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte mais feliz, quem sabe
Eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei
E nada sei
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso chuva para florir
Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada, eu sou
Estrada eu vou
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso chuva para florir
Todo mundo ama um dia, todo mundo chora
Um dia a gente chega no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história
E cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso chuva para florir
Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua história e
Cada ser em si carrega um dom de ser capaz
E ser feliz1
Almir Sater

1
Almir Sater, compositor, poeta, músico e cantador.
KITZINGER, Ângela Maringoli, Messianismo - de Rute ao Brasil Contemporâneo:
Sofrimento e Esperança, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São
Paulo, 2011.

SINOPSE

Esta dissertação analisa a relação existente entre os temas dialogados


pelo redator do livro de Rute (4,1-12) e os livros que fazem parte da
composição da História Deuteronomística. Havia três propostas, cada uma
com a sua própria maneira de ver a situação, a missão e a organização do
povo. A primeira é a de Zorobabel e Josué (Ed 3,1-13). A segunda de
Esdras (Ed 9,1-10,44) (Ne 8,1-18) e a terceira de Neemias (5,1-19). Como
abordar a pericope neste contexto foi realmente um desafio. Em um
primeiro momento, ela foi situada no momento da História de Israel,
vivenciando o pós–exílio, com a volta dos deportados da Babilônia, época
de reestruturação nacional de Judá. Em seguida, os personagens foram
colocados em seus devidos papéis sociais. O povo da terra ficou em Judá
e nos arredores. As injustiças sociais eram muitas: os campesinos estavam
sendo desapropriados de suas próprias terras, pelos irmãos judeus que
chegaram da Babilônia (Ne 51-5). Esses mesmos irmãos judeus são os
que emprestaram dinheiro ao povo da terra e cobraram o pagamento com
usura. O cenário era desanimador; os problemas intermináveis e de todos
os tipos. A pobreza e a fome eram cada vez maiores (Ag 1,6), os pobres,
estrangeiros e viúvas sobreviviam da respinga (Rt 2,2)

Palavras-Chave: Boaz, Rute, Resgate, Benção, Genealogia, Messianismo.


KITZINGER, Ângela Maringoli, Messianismo - do Livro de Rute ao Brasil
Contemporâneo: Sofrimento e Esperança, São Bernardo do Campo, Universidade
Metodista de São Paulo, 2011.

ABSTRACT

This study analyzes the existing relationship between the subjects dialogued by the
writer of the book of Rute (4,1-12) and the books that are part of the composition of
the Deuteronomistic History.There were three proposals, each one with its own way
to see the situation, the mission and the organization of the people.The first one
belongs to Joshua and Zerubbabel (Ezra 3,1-13).The second of Ezra (Ed 9,1-10,44)
(Ne 8,1-18) and the third of Nehemiah (5,1-19). It was really a challenge punctuating
this pericope in this context. Firstly it was placed at the moment of the History of
Israel, living deeply the after-exile, with the return of the deportees from Babilônia
during the national restructuration of Judá. Afterwards, the personages were placed
in their due social papers. The people of the land stayed in Judah and the
surrounding areas. The social injustices were many: the peasants were being
dispossessed of its own lands, by the Jewish brothers who had arrived from
Babilônia (Ne, 51-5).These same Jewish brothers were those that had loaned
money to the people of the land and had charged the payment with usury. The
scene was a discouraging one. The problems were endless and of all the types.
Poverty and hunger were increasing (Ag 1,6) the poor, the foreigners and the
widows survived because of spills (Ruth 2.2)

Keywords : Boaz, Ruth, Rescue, Blessing. Genealogy, Mechanism.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .........................................................................................................12

CAPÍTULO 1
ANÁLISE LITERÁRIA DE RUTE (4,1-12) ...............................................................16
1.1 COMO SITUAR A PERÍCOPE.....................................................................17
1.1.1 Relações da Perícope com o Livro de Juízes..............................................16
1.1.2 A Relação da Pericope com os Livros do Pós-Exílio, Esdras-Neemias.......17
1.2 TÍTULO ........................................................................................................17
1.3 AUTOR ........................................................................................................17
1.4 DELIMITAÇÕES DO TEXTO DE RUTE 4,1-12 ...........................................18
1.5 TRADUÇÃO LITERAL DE RUTE 4,1-12 .....................................................19
1.6 ESTILO E FORMA LITERÁRIA ...................................................................22
1.7 LUGAR ........................................................................................................37
1.8 DATA ...........................................................................................................38
1.9 GÊNERO LITERÁRIO .................................................................................41
1.10 GÊNERO DO AUTOR .................................................................................42
1.11 CONSIDERAÇÕES .....................................................................................45

CAPÍTULO 2
A ANTIGA ISRAEL, SUA FORMAÇÃO E INSTALAÇÃO DA MONARQUIA .........48
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO ............................................................................49
2.2 GRUPOS FORMADORES DE ISRAEL .......................................................50
2.3 CONTEXTO ECONÔMICO .........................................................................53
2.4 INSTITUIÇÃO DA MONARQUIA .................................................................54
2.5 SURGIMENTO DA NAÇÃO MONOTEÍSTA ................................................55
2.6 INSTITUIÇÕES E SISTEMAS SOCIAIS EM ISRAEL..................................56
2.6.1 Sistemas Sociais do Israel Antigo em Rute .................................................58
2.6.2 Organização da Tribo ..................................................................................58
2.6.3 Como Eram Constituídos os Sistemas Sociais ............................................60
2.6.3.1 Religião ........................................................................................................59
2.6.3.2 Economia .....................................................................................................60
2.6.3.3 Política..........................................................................................................61
2.7 DIREITOS DE PROPRIEDADE APLICADOS EM RT 4,1-12.............................62
2.8 A FAMÍLIA ..........................................................................................................63
2.8.1 O Cotidiano da Mulher no Antigo Israel...........................................................64
2.8.2 Abusos Sexuais...............................................................................................66
2.8.3 Casamento ......................................................................................................67
2.8.4 A Viúva ............................................................................................................68
2.8.5 Escravidão.......................................................................................................69
2.9 O POVO DA TERRA E OS ESTRANGEIROS RESIDENTES ..........................69
2.10 A IMIGRAÇÃO ................................................................................................71
2.11 PROSELITISMO .............................................................................................73
2.12 CONTEXTOS HISTÓRICOS DAS RELAÇÕES DE ISRAEL COM OS
ESTRANGEIROS............................................................................................73
2.13 RELAÇÕES ENTRE ISRAEL E MOABE.........................................................78

CAPÍTULO 3
MESSIANISMO E A MONARQUIA .........................................................................82
3.1 O MESSIAS E DAVI ....................................................................................85
3.2 QUANDO O POVO PRECISA TER ESPERANÇA ....................................87
3.3 DIFERENÇAS ENTRE MESSIANISMO E MOVIMENTO MESSIÂNICO.....90
3.4 ASPECTOS MESSIÂNICOS NO BRASIL E SUAS INFLUÊNCIAS NO
RELIGIOSO BRASILEIRO...........................................................................91
3.5 NORDESTE BRASILEIRO E A INFLUÊNCIA DE ANTONIO CONSELHEIRO
NA GUERRA DE CANUDOS.......................................................................93
3.6 RELAÇÃO ENTRE A COMUNIDADE BRASILEIRA E O MOVIMENTO
MESSIÂNICO ..............................................................................................94
3.7 CARACTERÍSTICAS DO MESSIANISMO NO BRASIL...............................95
3.8 IMPORTANTES MOVIMENTOS MESSIÂNICOS NO BRASIL....................96
3.9 COMO SE COMPORTA A RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA ......99
3.10 CARACTERÍSTICAS DE UM LÍDER MESSIÂNICO NO BRASIL .............102
3.11 O MESSIAS QUE VIRÁ DE BELÉM..........................................................102

CONCLUSÃO ........................................................................................................104

BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................108
12

INTRODUÇÃO

Esta proposta de trabalho tem como objetivo fazer uma aproximação do


Messianismo, existente na perícope Rt 4,1-12, trazendo o seu resignificado para os
dias contemporâneos.
Em termos metodológicos, esta pesquisa investigou o tema proposto, dentro
da literatura bíblico-histórica, social e teológica. Para tal investigação, teve-se
contato com outras pesquisas cientificas histórico-sociais e exegéticas, realizadas
sobre o mesmo tema, fazendo-se uso das Ciências da Linguagem, e dos recursos
da Semiótica, Semântica, Crítica Literária, Análise do Discurso e Hermenêutica dos
símbolos e narrativas. A exegese literária e histórica foi realizada, neste trabalho,
com riqueza de detalhes, com foco no texto bíblico em questão e seu conteúdo.
“Rute” é uma novela de quatro capítulos, que já foi pesquisada em muitos
artigos científicos e publicada em várias partes do mundo, em diferentes idiomas e
sob diferentes abordagens, desde análises históricas, antropológicas e sociológicas,
com pontos de vista mais humanitários, culturais, religiosos e espirituais, sendo
inúmeras as obras e comentários de autores.
Entre os vários estudiosos, que já abordaram o assunto academicamente,
Carlos Mesters1 Leon Morris2 e Mieke Bal3 foram os escolhidos para orientar esta
investigação.
“Rute” verbaliza a resistência do povo, frente à decisão tomada pela
autoridade sacerdotal e doutrinária de Jerusalém. O escriba-sacerdote Esdras
achava que o casamento com mulheres estrangeiras era a causa da infidelidade do
povo à Lei de Deus e, por isso, decretou a expulsão delas.
A novela se apresenta como uma história ocorrida no tempo dos juízes, mas,
na realidade, é um espelho no qual o povo da época de Esdras via refletida a
contradição que marcava a decisão das autoridades religiosas. “Rute” convida o
leitor a uma análise mais crítica da situação.
Assim se inicia a narrativa em destaque: “Nos dia em que julgavam os Juízes,
houve fome na terra; e um homem de Belém de Judá saiu a habitar na terra de

1
Carlos Mesters. Rute, p. 72.
2
Morris Leon, Rute: Introdução e Comentário, p. 304
3
Mieke Bal, Heroísmo e nomes próprios ou frutos da analogia, In: Athalia Brenner, Rute, p. 77.
13

Moabe, com sua mulher e seus dois filhos” (Rt 1,1, ARA, p. 381)4
Estes foram tempos onde a instabilidade política, o colapso moral e a
infidelidade espiritual marcaram, de forma decisiva, em Israel5, o período6 fortemente
influenciado pelos julgamentos dos Juízes7. O povo buscava por aquilo que podia
receber de Deus. Esse período dos Juízes foi marcado pela virada de Israel para a
apostasia total, pela qual o território foi entregue, repetidas vezes, nas mãos de
nações opressoras.
A volta a Deus e aos seus preceitos eram superficiais. Na realidade, o povo
só queria se livrar de suas angústias e problemas. Como as narrativas do texto base
(Rt 4,1-12) se situam durante o tempo da história em que os Juízes governavam
Israel, é importante estudar e entender os conflitos existentes entre os povos
vizinhos e a influência que esses povos exerciam durante a entrada e sedimentação
de Israel em Canaã. Este tema, portanto, será abordado de maneira sucinta, no
segundo capítulo.
Além disso, a fonte de pesquisa para estes estudos, devido à similaridade em
alguns temas, serão os próprios textos bíblicos, dos livros de Juízes, Esdras e
Neemias.
A vida do povo das tribos estava centrada nela mesma e não em Deus. Os
propósitos de buscá-lO eram sempre altruístas e egoístas. O povo de Israel vivia em
meio à influência da cultura dos povos cananeus, alternando a fé e a rebeldia. O
culto a Ele era mais uma entre tantas religiões, naquela época. Uma breve revisão
da história mostra um Israel original, como um aglomerado de povos, sem uma
religiosidade única, sem categorias como templo, pureza e etnia, para servir como
diferencial8.
Rute, é marcada por uma narrativa bem contada, com estilo poético e fatos
surpreendentes, do inicio ao fim. Segundo Mesters9, a narrativa parece uma história

4
ARA, Almeida, Ed. Rev. e Atual. reimp. p. 381
5
Israel Finkelstein, Neil Asher Silbergman. A Bíblia não tinha razão, p.37.
6
A época do bronze posterior (1500-1150 a.C.)
7
Arthur E. Cundall, Juízes e Rute: Introdução e Comentário, p. 216.
8
O período que se postula para o surgimento de Israel, como nação, está situado entre os anos de
1300 e 1050 a.C., portanto, o que mais diz respeito a este estudo são os governos dos faraós
Amenófis IV, Haremhab, Ramsés I, Sethos I, Ramsés II até Ramsés XI (de 1364 a 1070 a.C.). A
atuação desses governantes exerceu grande influência no processo de surgimento da nação
Israelita. Houve uma sucessão de curtos governos, que foram gradativamente pondo a perder o
poderio do Egito, fazendo com que este ficasse basicamente reduzido à terra do Nilo.
9
Carlos Mesters, Rute, p.13.
14

inocente, uma novela inventada para distrair o povo. Parece, mas não é. É uma
historia inteligente, contada por alguém que sabia dar o seu recado. Nela, nada é
supérfluo. As informações são passadas nas entrelinhas para o próprio povo.
O conteúdo desse livro do Antigo Testamento é simples e conta o relato do
dia-a-dia de uma família. Nele não há a presença de sinais portentosos, “sinais e
prodígios ou anjos que apareçam, nem mesmo um pé de uma sarça ardente
chamando a atenção, ou um mar que divida ou montes que tremam nas guerras
santas”, comenta Hubbard10. A preocupação do autor parece ser a preservação da
sociedade local, por meio da esperança, e isto é evidenciado em cada versículo
aplicado no drama familiar da novela.
O leitor é colocado face a face com os mais variados tipos de situação: crise
financeira, o problema da imigração, o problema da doença, o da morte, o da viuvez,
o da pobreza, o da amargura contra Deus. Mas a esperança em um “salvador”, que
irá surgir a qualquer momento, faz com que a história vá caminhando para o final.
Ao cuidar do propósito e da dimensão teológica deste texto, me deparei com
temas centrados na misericórdia, na bênção e na teologia da providência divina
messiânica.
Atikinson11 menciona três fatores que têm desafiado a fé na providência
divina, nos dias atuais, assim como nos tempos de Rute e Boaz que são: outros
deuses, uma cultura dividida e o problema do mal. Dados exegéticos serão
buscados nas entrelinhas do texto, para o entendimento dessa situação, com a
ajuda de pesquisa bibliográfica e da exegese propriamente dita, sobre as funções
sociais semelhantes às dos personagens principais e seus relacionamentos.
No primeiro capítulo, o objetivo central do estudo, que é a exegese do texto
bíblico de Rt 4,1-12 foi apresentado, procurando destacar o contexto literário, o estilo
do texto, e o lugar social dos diversos grupos que fizeram parte desta perícope.
No segundo capitulo, foi feita uma abordagem da história do Antigo Israel,
com o objetivo principal de contextualizar o livro de Rute e o texto base, entre os
outros livros da Bíblia Hebraica. E, também, para compreender-se a visão do
mundo que nele é retratada, além da concepção teológica do redator e de sua
maneira de escrever.
No terceiro capitulo, foi feita uma leitura teológica da perícope, retratada por

10
Robert Hubbard. The book of Ruth. The new commentary on the old testament. p. 317.
11
David Atikinson. A Mensagem de Rute, p.115.
15

meio das vidas de Rute e Noemi. Os fatores que incentivaram o crescimento do


conceito Messiânico foram analisados, tais como: a fome, a mulher sozinha e a
inclusão social, iguais aos fatores que favorecem o Messianismo de hoje.
Num segundo momento desse capítulo, Noemi e Rute, aparecem com o
pedido de um resgatador. É um movimento Messiânico, sendo gerado na estória.
Elas, e a comunidade, uma luta pessoal, conquistaram maior dignidade humana, e
conseguiram participar efetivamente na reestruturação da nação de Israel.
O trabalho foi concluído, tecendo-se um paralelo entre os problemas sociais
desta perícope com os dias contemporâneos.
Ressalta-se que esta pesquisa não tem a pretensão de ser uma crítica ao
modelo nacionalista exclusivista embutido na religião judaica do pós-exílio –
somente o trabalho está centrado nesse período. O fenômeno religioso, no entanto,
é analisado com critérios históricos. Portanto, questões como a dogmática e a ética
foram tratadas à luz da lei e da história da sociedade israelita.
O período histórico será analisado apenas sobre fatores que exerceram
influência no trato de Israel com a presença de estrangeiros, além dos discursos
proféticos e as leis que trataram do assunto.
A bibliografia foi agrupada em seções: Bíblias, Dicionários, Livros, Artigos,
Dissertações e Teses, Congresso e Sites Acessados.
Entende-se que a relevância desta pesquisa está no diálogo com a sociologia
e a antropologia da religião, principalmente no que se aplica à influência no
estabelecimento de relações familiares e suas repercussões diante da sociedade.
São questionamentos que partem de experiências cotidianas de pessoas que
pertencem a uma classe social pouco amparada, marginalizada, necessitada e
empobrecida, na qual a tomada de consciência se faça útil.
Finalmente, a autora desta dissertação, espera sinceramente poder contribuir
com algumas informações que acrescentem e incentivem novos pesquisadores a
trabalharem temas semelhantes. Preconceito racial, imigração, desemprego,
casamento misto, diferenças entre as classes sociais, contexto familiar, partilhas e
heranças são assuntos bem contemporâneos.
Mas, o fato é que, ao ler-se o a estória de vida dessas mulheres, as narrativas
levam-nos a uma viagem ao passado. O leitor é transportado a Belém em uma
viagem sociologicamente inclusiva.
16

CAPÍTULO 1

ANÁLISE LITERÁRIA DE RUTE (4,1-12)

A tradução literal da perícope será feita da versão da Biblia Hebraica


Stuttgartensia e a versão em Português, trabalhada com a Almeida, Revista e
Atualizada. Serão citadas as notas de rodapé necessárias, nas opções feitas
durante a tradução. A análise será concluída após o estudo do gênero literário, sua
estrutura e estilo, data e o lugar geográfico, assim como a vida das pessoas
envolvidas.

1.1 COMO SITUAR A PERÍCOPE

1.1.1 Relações da Perícope com o Livro de Juízes

As narrativas da perícope estão situadas na época em que os juízes


governavam Israel. Porém, seus escritos são antagônicos aos de Juízes.
O livro de Juízes trata de guerras e contendas, onde a chave da conotação
do termo em hebraico12 poderá ser encontrada em Jz 2,16 “Suscitou o Senhor
Juízes, que os livraram da mão dos que os pilharam”. Então, entende-se que os
Juízes eram primordialmente “libertadores ou salvadores”.
Esses homens, levantados para serem libertadores de seu povo, se
caracterizavam por qualidades peculiares que eram, conforme se acreditava, a
13
manifestação de uma dotação especial do Senhor . Contrastando com esse
cenário, a perícope trata de uma história aparentemente tranquila, de pessoas

12
Juizes, a raiz spt (*tpt) aparece também no A.T., em acádio e ugarítico. O Verbo inclui muitos
aspectos de governo-executivo, militar, legislativo, judicial. No aramaico biblico (Ed 7,25) o
vocábulo é chamamento com conotação judicial porque a situação política assim o determina,
Dicionário Antigo Testamento p.1744.
13
Ludovico Garmus. Na crise do exílio se renova a esperança, p. 45.
17

comuns cuidando de suas vidas. A história é contada de um modo simples e direto


que, de certa forma, narra a vida de duas mulheres.

1.1.2 A Relação da Pericope com os Livros do Pós-Exílio, Esdras-Neemias

A volta do pós-exílio envolve direta ou indiretamente a participação de


Neemias-Esdras e a influência dos profetas Ageu e Zacarias. A teologia do pós–
exílio foi fruto não apenas das circunstâncias pelas quais os deportados e os
autóctones passaram, mas principalmente da mensagem profética que circulava
naqueles tempos.
A nação precisava ser reconstruída e isto só se daria com a restauração do
templo e do trono de Judá, por um descendente de Davi, que seria o apaziguador
entre deportados e o povo da terra e da centralidade da lei e, assim, a adoração a
Yahweh seria legitimada.

1.2 TÍTULO

O título que identifica esse pequeno livro da Biblia deve seu nome a um das
personagens femininos da história que ele narra: Rute, a nora moabita de Noemi.
Esse nome, na versão siríaca, é traduzido como a “companheira”. Atualmente,
descarta-se essa etimologia em favor da derivação da raiz hebraica rvh, que
significa “beber até saciar-se, refrescar, aliviar” Entende-se que o significado do
nome refira-se às características do próprio personagem e da teologia explicitada no
texto.

1.3 AUTOR

O autor do livro é desconhecido e, consequentemente, também o autor do


18

nosso texto. Entretanto, é a dificuldade em situar a data dos escritos que faz com
que não se tenha muito a dizer sobre quem seja o possível autor. Há, como será
explicado no assunto de canonicidade, uma tradição judaica que atribui o livro de
Rute a Samuel, mas os estudiosos, citados na Introdução14, permanecem
silenciosos a esse respeito. A maioria deles concorda que o redator é um
deuteronomista.

1.4 DELIMITAÇÕES DO TEXTO DE RUTE 4,1-12

O estudo dessa perícope será feito com sua ligação com os blocos literários
anterior (3,1-18) e posterior (4,13-22), que a conclui.
Na história dessa perícope está colocada a questão sobre o resgate, que se
iniciou no capítulo 3,1-18, especificamente no v.12. No capitulo anterior ao da
perícope, Noemi reuniu, planejou e executou um plano para que a lei do resgate
fosse observada. A descoberta de que Boaz era o parente e go’el, fez com que
Noemi mudasse sua preocupação, que antes era com a falta de pão, para a situação
da família (3,2-4).
A ideia de Noemi é levar Boaz a cumprir a lei do Resgate, segundo Mester15.
Noemi se inspirou na história de Tamar, a esposa do filho mais velho de Judá (Gn
38,1-26) que, ao ficar viúva, se disfarça de prostituta para obrigar seu sogro a
cumprir a lei do levirato. Noemi instrui Rute a convencer Boaz a cumprir a lei do
resgate.
Rute, assim como Tamar, se prepara, enfeita-se, vai ao terreiro e espera
Boaz dormir, para a execução do plano. Aqui existe certa confusão: Rute quer que
Boaz cumpra o Levirato ou a lei do resgate? Segundo Mesters, esses dois assuntos
estão misturados no livro de Rute e a resposta só irá aparecer durante o estudo
desta perícope.
Como Boaz exercerá o direito de resgate? A lei do resgate não obriga

14
Ver Introdução, Carlos Mesters, Leon Morris e Mieke Bal. op.Cit.
15
Carlos Mesters Rute p.49.
19

ninguém a se casar16. Boaz cumprirá a lei do levirato (família) ou a lei do resgate


(terra)? Essas perguntas todas possuem suas respostas no bloco anterior à
perícope.
E no miolo da perícope está a afirmação de que só adquire o direito de
resgatar a terra de Noemi, aquele que aceitar casar-se com Rute (4,5-8). Esse
assunto sobre o resgate é recorrente – já que foi mencionado anteriormente no livro,
no final do segundo capítulo (2,15-23), como assunto central e também no terceiro
capítulo, durante a conversa entre Boaz e Rute, a palavra resgatar é a
predominante (3,8-13).
As palavras que predominam na narrativa são “resgatar e nome”.
“Resgatar” aparece 14 vezes na perícope e mais 7 vezes no terceiro capítulo.
“Nome” começa a ser citada nesse quarto capítulo e continua até o quadro final
(4,13-17) – ao todo, sete vezes. Essa ocorrência de palavras demonstra onde
está centralizado o interesse da perícope. No estudo do conteúdo haverá um maior
aprofundamento a respeito da interpretação e do significado das mesmas e nas
questões legais que elas representam.
O entendimento que se precisa para compreender o que leva Boaz a subir até
o portão, e deixar a eira logo pela manhã, e o restante do desenrolar da historia
deste tema (4,1-12); quando Boaz dirige-se ao portão, está automaticamente
amarrada ao versículo Rt 3,12.
Já o desfecho da história está no bloco menor, o qual finaliza a perícope
(4,13-22). Este texto é trabalhado na mesma linha de raciocínio que os três
capítulos anteriores.

1.5 TRADUÇÃO LITERAL DE RUTE 4,1–12

O objetivo na crítica textual é averiguar as alterações que possam ter ocorrido

16
ARA, Naquela mesma época (pós-exílio) o governador Neemias, usando o poder da sua
autoridade, tinha convocado os ricos judeus e exigia deles o cumprimento da lei do resgate, para os
pobres que haviam sido privados de suas terras (Ne 5, 8-11), p. 688.
20

no texto e conseguir a maior aproximação possível do original17. Uma tradução


bastante literal é apresentada.
Neste momento, no quadro inicial (4,1-12), o redator mostra uma mudança de
cenário. Começo de um novo dia? É um conjunto de acontecimentos que se
sucedem, aparentemente de maneira casual, como em um paralelismo sintático,
mas, que se prepara para um desfecho, um gran finale, com muita ação (intriga).
Na perícope, a habilidade do escritor em entrelaçar frases e assuntos, até
concluir a ideia, é bastante clara. Ademais, olhando as frases uma a uma, durante
cada cena podem ser percebidas as divisões e costuras do texto. Normalmente, o
assunto abordado no início da história é retomado no final dela. É assim que esta
perícope será analisada. Frase por frase, logo após a tradução feita pela autora
deste trabalho.
E Boaz subiu18 [para] o portão19 e sentou-se20 ali21.
E eis!22 O resgatador23 estava passando,24 falou Boaz25 e disse
Desvie26sente-se aqui, fulano de tal27E ele virou28 e sentou-se29.

17
O texto original entende como Antigo Testamento. O cânon palestinense, o qual foi modelando-se
em suas distintas partes, a partir do 4º século a.C. e fixou, ao mesmo tempo, o texto original, cf.
Martin Noth, El Mundo Del Antiguo Testamento p. 359.
18
Boaz-‘alâ , conj. subs nominal, Qal perfeito 3ª p, masc. sing.WTW morfology, BDB Lexion, p. 625.
19
Sha’ar , o portão, artigo def. com o sub masc. sing., WTB morfology e BDB Lexion, p.748.
20
yashab , vav consecutivo qal imperfeito, 3ª pessoa, masculino singular.
21
sham, aqui, lá ali, (também ASV e RSV). È um advérbio comum, e tem um sentido locativo, como
em (Am 7,12). TWOT Lexion 2404.0.
22
hinneh , e eis é uma interjeição, para chamar a atenção sobre o que irá acontecer.
23
go’el , particípio, derivado de ga’al, redentor, remidor, TWOT Lexion, traz como: comprar de volta.
p. 2300.
24
±aba, particípio, o resgatador ia passando, tem o sentido de passar por cima, por acaso, era um
costume seu fazer isso, passar sem ver.
25
Cf. Rt 3,12: “de quem falou Boaz”, TWOT Lexion, p. 302.
26
sur, raiz zar, qal verbo imperativo, desviar-se da direção empreendida, deixe de fazer o que estava
fazendo (atravessando) ou seja, e venha aqui, sur não tem sempre um sentido teologicamente
marcado Claus Westermann, p. 200.
27
Peloni significa: um-certo, são dois adj. masc. sing: absoluto e constructo. Essas duas palavras,
segundo o dicionário Gesenius, Hebrew Grammar, sempre se apresentam juntas. Essa palavra
aparece sete vezes nos textos bíblicos de acordo com o BDB, p. 811.
28
sûr ,qal vav, consec. imp. 3ª p. masc. sing., tornou a voltar, verbo de locomoção, de movimento.O
sentido primário da raiz é "desviar". Parece ser uma palavra distintiva semítico do noroeste, sendo
atestado particularmente em hebraico e fenício. Intransitivo na haste de base, é frequentemente
encontrado em conformidade com muitas preposições, produzindo ideias como "desviar-se de
para",e"retirar", TWOT, Lexion 1480a
29
yashab qal, verbo, vav, perf.. 3a pessoa sing. masc., Significa sentar em algo, sobre algo, tipo em
uma pedra, por exemplo.
21

4,2
E tomou dez homens dentre os anciãos da cidade30 e disse31: sentai-vos
aqui. E se sentaram.
4,3
E disse para o resgatador: a parte do despojo32 do campo que era de
nosso irmão, de Elimeleque, vendeu Noemi33, a que está voltando34 dos campos de
Moabe35
4,4
E eu mesmo disse36 que eu contarei para ti, dizendo: adquire37, na
presença dos que estão sentados, e na presença dos anciãos do meu povo38. Se
resgatarás, resgate. E se não resgatarás, anuncie39para mim e eu saberei.
40
Eis! Não há, com exceção de ti, (alguém) para resgatar. E eu mesmo sou
depois de ti.
E ele disse: Eu mesmo resgatarei.
4,5
E disse Boaz: No dia em que adquirires41 o campo da mão de Noemi e de
Rute a moabita42, mulher do morto, tu adquirirás43para levantar o nome do morto
sobre a sua propriedade44.
4,6
E disse o resgatador: não posso resgatar para mim, para que eu não

30
zeqûnîm derivado de zaqan ,subs. masc, BDB (Full), Lexion.
31
‘amar, qal verbo, vav perf, 3ª sing. dizer para outro Cf. Harrison dicionário. Niphal pode ser
traduzida como "diz-se" e "ser chamado". O Hiphil significa induzir a dizer. O Hifal transmite a
força de "ato de orgulho." O verbo aparece no Antigo Testamento quase cinco mil vezes. Esse
verbo comum, com seus paralelos em outras línguas, tem uma grande variedade de significados.
32
sadeh Dicionário TWOT, Lexion 2236b.
33
ARA e demais traduções, inclusive na Stuttigartensia, consta o nome de Noemi. O tradutor
Bibleworks ignora o fato. O nome de Noemi não está escrito. No hebraico do Bibleworks, a frase
correta é: “a sogra de Rute”. ARA p.385.
34
A voltante, como art.def.
35
prep. , subs. masc. sing e pr.no Campo de Moabe, terra de Moabe, BDB, p. 555.
36
‘amar, Vim dizer, no sentido fazer declarar , contar, revelar algo.Cf. Dicionário biblico hebraico –
português, São Paulo, Sinodal 21ª edição, 2008, p.13.
37
Raiz qnh adquirir, não é o sentido geral na linguagem comum, mas sim o significado de comprar.
Cf. Dicionário Claus Westermann, p. 819.
38
Nabucodonosor deixa em Jerusalém os mais pobres da terra (2Rs 24,14) e estes passam a ser o
povo da terra. Essa expressão é distinguida em três períodos na história de Israel: antes do exílio
babilônico, durante ele e à volta do mesmo (2Reis, Jeremias e Ezequiel.) O povo da terra também
representa o conjunto de cidadãos que, em Judá, é usada como povo de Judá.
39
na¹gad O ketib traz o verbo na primeira pessoa, enquanto o qere, 2ª. pessoa. A tradução foi feita a
partir do sentido do texto, confirmando a opção trazida por Q. Claus Westermann p. 155.
40
shem; m¹wet qal, part. masc. sing. , nome do morto. Dicionário TWOT Lexion p. 986.
41
yôm, qnh :prep., o subs. masc. sing e o verbo 2ª pess. masc. sing. “o dia em que pensar em
adquirir”, aquisição, bens, posses, Dicionário biblico hebraico – Português, São Paulo, Sinodal 21ª
ed. 2008, p. 215.
42
Note-se que o autor não perde de vista a origem da heroína. Encontarmos essa designação, a
moabita, cinco vezes durante as doze referências que ele faz do nome de Rute (1,22; 2,2; 2,21 e
4,5). A nacionalidade Moabita da heroína desempenha um papel importante em sua história.
43
O ketib, traz o verbo na 1ª pessoa, enquanto o qere, 2ª. pess. masc. sing. Dicionário biblico
hebraico–português, São Paulo, Sinodal , 2008, p. 36.
44
Cf.Comenta The Bible Doctrine of Salvation: “A gente gostaria que houvesse um verbo em inglês,
que significasse”, resgatar por casamento Epworth, 1946, p. 331.
22

arruine a minha propriedade. Resgate para ti, tu mesmo, o meu resgate45, pois46
não posso resgatar.
4,7
E esse, antigamente, em Israel, sobre o resgate e sobre o substituto para
cumprir toda palavra que tirou47 um homem sua sandália e deu para o seu
companheiro e este era o testemunho em Israel.
4,8
E disse o resgatador, para Boaz: Adquire para ti. E ele tirou a sua sandália.
4,9
E disse Boaz para os anciãos e (para) todo o povo: testemunhas sois vós,
neste dia, que adquiri tudo que era de Elimeleque e tudo que era de Quiliom e
Maalon, da mão de Noemi.
4,10
E também Rute, a moabita, mulher de Maalon, eu adquiri para mim por
mulher48, para levantar o nome do morto sobre sua propriedade e não será cortado o
49
nome do morto de entre os seus irmãos e do portão do seu lugar . Testemunhas
sois vós, neste dia.
4,11
E disseram todo o povo que estava ao portão e os anciãos: (Somos)
testemunhas. Faça Yahweh à mulher que entra para tua casa conforme a Raquel e
conforme a Lia que construíram, as duas, a casa de Israel. E torna-te forte50 em
Efrata e invoque51um nome em Belém52.
4,12
E seja a tua casa como a casa de Perez, a qual gerou53 Tamar a Judá,
desde a semente que deu Yahweh para ti desde esta jovem.

1.6 ESTILO E FORMA LITERÁRIA

A frase do v.1 se inicia com a conjunção “e” vav. Esta é uma maneira muito

45
ge u’llâ , redenção, subs. fem. sing. abs. O sentido é dever e direito de resgate Cf. Dicionário
biblico hebraico–português, São Paulo, Sinodal, 2008, p. 215.
46
ki part. dem. conj. (porque, pois que, quando, se caso). Dicionário Hebraico–Português, São Paulo
Sinodal ., 2008, p. 100.
47
slq O verbo perfeito, qal 3 pess. sing. masc. Significa “tirar o calçado fora” ( “lançar fora” Dicionário
Internacional de Teologia do Antigo Testamento, Harris p.1025.
48
ishshâ, mulher, esposa. Mulher investida de sabedoria (ASV e RSV similar.) Dicionário
International de Teologia do Antigo Testamento, HARRIS, p. 235.
49
Ou seu povoado.
50
‘sh qal imp. Masc. sing. Há-te valorosamente, é na ARA, Dicionário Lexion TWOT, p.135.
51
qara-sem Qal, imp. Masc. verbo chamar, proclamar (invoque um nome especifico, ex. do filho mais
velho de Noé.) Dicionário TWOT Lexion p. 263.0.
52
Efrata.
53
Qal, perfeito, 3ps. f., referindo-se a Tamar e não a Perez,( subs. comum).
23

corriqueira para o hebraico iniciar uma sentença. A primeira frase, iniciando com o
“e”, normalmente faria entender que existe uma ligação com o assunto anterior.
Mas, aqui, ocorre outra interpretação: o “e” significa apenas que Boaz subiu,
isto é, um exemplo de paragrafagem para chamar a atenção para o personagem
Boaz. O redator mostra que a primeira providência de Boaz foi subir ao portão e
sentar-se ali.
Ele evita o vav consecutivo, portanto, este “e” não deve ser tomado como
indicativo de sequência. Provavelmente o uso da construção com vav dominava a
linguagem de tal forma que, ao falar e ao escrever, as pessoas o usassem
instintivamente, sem perguntar se estavam no inicio de uma narrativa ou não.
O verbo “subir” dá a ideia de ir recorrer à instituição legal dos anciãos. É que
o subir pode ser usado também no sentido figurado de “ir a algum lugar” para
recorrer a uma importante personalidade54 ou mesmo recorrer a Deus em petições.
Quanto ao verbo subir, cf 3,3, significa o contraste, em que o verbo descer é usado
para uma caminhada na direção oposta, como no caso da eira. Aparentemente a
eira ficava em nível mais abaixo do da cidade.
No mesmo v1, na frase seguinte, outra palavra importante é o substantivo
o portão ...sha “ar 55. Nas cidades palestinas, o lugar de encontro era o portão (Dt
21, 19; 22, 13-15). Esse substantivo possui cognatos em ugarítico, árabe e fenício. A
ideia básica da raiz é a de “escancarar” (como acontece com o verbo em etípo). E
“irromper” (como acontece com o verbo em árabe).
“Petah” e “delet” são traduzidas também como porta, “petah” significando
entrada, sendo derivada de um verbo que tem o sentido de abrir. A
segunda, “delet”, se refere às folhas da porta, que constituem parte da porta em
si, “sha’ar” significa o conjunto todo e a área adjacente de circulação dos dois lados.
O “sha’ar” (porta) era naturalmente o meio de acesso controlado a uma
cidade murada. Dependendo de sua dimensão, uma cidade possuía um número
variado de portas, mas sempre uma porta principal que, frequentemente consistia de
uma porta externa e uma interna (2Sm 1,24), às vezes de três ou quatro portas, tais
como as entradas que Salomão mandou construir em Hazor, Gezer e Megido.
Geralmente, as portas eram de madeira e, com frequência, revestidas de
metal (Sl 107,16, Is 45,2) O rei Zedequias, de modo semelhante, se sentou “à porta

54
Claus Westermann p. 355.
55
Cf ., Robert L Harris, Theological Wordbook of Old Testament. p 1598.
24

de Benjamim” (Jr 38,37).


Eram mantidas trancadas com grandes barras que, muitas vezes, eram de
ferro (Sl 107,16.). O conjunto da porta, frequentemente, possuía quartos laterais,
para os guardas (1 Sm 18,24). Também se construía torres para fortalecer a defesa
da porta (2Cr 26,9), que era fechada à noite (Js 2,5; Ne 7,3). Em algumas
passagens, a palavra designa a porta do templo (2Rs 15,35; Jr 36,10 e Ez 9,2).
A porta era extremamente importante na vida do povo; era ali que as pessoas
se relacionavam para discutir o que dizia respeito a questões sociais, administrativas
e comerciais. Era o lugar de qualquer assembléia importante. A tragédia de uma
cidade era quando os anciãos já não se assentavam à porta (Lm 5,14).
Nesse aspecto, a literatura ugarítica apresenta um paralelo interessante,
narrado no livro de Daniel: Ele, Daniel, assenta-se em frente à porta, ao lado das
autoridades que estão na eira (2 Aght 5,6-7). Também o portão é mencionado como
local para execuções: as pessoas eram condenadas diante dos anciãos da cidade à
porta (Dt 22,15-24).
O rei de Israel e Josafá, rei de Judá, estavam assentados, cada um no seu
trono, ao ar livre, numa eira à entrada da porta de Samaria. (1Rs 22,10). Tanto reis
quanto anciãos da cidade se assentavam para ministrar a justiça (Dt 21,19;Js 20,4).
Quando Absalão lançou as bases para sua insurreição, foi junto à porta, local onde
ele interceptava as pessoas que vinham até o rei. (2Sm 15,2). Considerava-se uma
honra sentar-se entre os anciãos, junto à porta (Pv 31,23).
A praça (com frequência, era uma eira) em frente à porta, era o local mais
natural para reunir o povo, e ali os profetas, muitas vezes, falavam à população (2Rs
7,1; Jr 17,19-20) e aos reis. Foi assim que Esdras leu e explicou a lei aos judeus (Ne
8,1; 31). Transações legais também ocorriam ali (Rt 4,1) e o local também servia de
mercado ou feira livre.
Frequentemente se menciona o processo de ministração da justiça, mediante
a expressão “à porta”. É assim que Provérbios 22, 22 diz “não oprimas ao aflito na
porta”. “Aborreceis na porta ao que vos repreende”, referindo-se aos juízes injustos
que “tomais suborno e rejeitais os necessitados à porta” (Am 5, 5-10).
As vilas e vilarejos nas montanhas não possuíam portão, mas, segundo
Schwantes56, elas eram cercadas estrategicamente, por casas unidas ou por cercas,

56
Milton Schwantes, Apostila. São Bernardo do Campo, 2008, p. 24.
25

havendo um lugar por onde entrar e sair.


É de interesse, no presente caso, lembrar que se um homem morresse sem
deixar filhos, e seu irmão se recusasse a casar com a viúva, esta deveria proceder
conforme Deuteronômio 25,7: ”subirá esta à porta, aos anciãos”, a fim de iniciar um
processo de humilhação pública ao ofensor. De modo específico, o portão era usado
para assuntos públicos, como o que agora é estudado. Clama por justiça “na porta
e, no caso de Rute, a moabita, sua situação é definida “na porta” (Rt 4,1) 57.
A frase seguinte, ainda no v1, que inicia com E eis! É uma frase exclamativa,
com o intuito de chamar a atenção para um fato de que algo irá acontecer.
Finalmente, o “resgatador”, de que falara Boaz a Rute,“ia passando” (qal, particípio
ativo). Não há indicação de que ele soubesse do que se passava. Boaz sabia que
ele haveria de passar por ali. E, por isso, o esperou naquele local.
A forma principal do verbo qal tornou-se praticamente um substantivo, com
todos os seus atributos. O termo traz a ideia de “ga’al” (salvador), onde o go’el é um
termo derivado.
O sentido original da raiz do verbo é cumprir o papel de resgatador,
redimindo, portanto, o parente, da dificuldade ou sinal de perigo: um homem bom
que o ajudaria a resgatar um campo que fora vendido, em um momento de
dificuldade, é usado pela legislação do Pentateuco (Lv 25, 25).
A forma participial do qal, tem sido traduzida como “parente-remidor”, ou
“resgatador” como faz a ARA.
O resgatador é o personagem que efetua o resgate. Segundo o hebraico,
“resgatar58” significa voltar para a terra que pertenceu uma vez à família. O termo
que traz a ideia de “salvador”.
As orações estão ligadas pela conjunção “e”, que adiciona uma oração à
outra por três vezes, agora, recordando-se da situação na noite anterior, quando
Boaz e Rute estavam na eira. Rute lembra Boaz de suas obrigações como go’el ou
redentor para com Noemi e Boaz argúi que existe outro fulano que exerce o direito
de resgate antes dele, “aquele de quem falou Boaz” (3,8-12). Quando ele, o fulano
apareceu, Boaz o chamou e o convidou a se sentar.
“O resgatador estava passando”. O hebraico usa duas palavras de tratamento
para o termo “fulano” semelhante ao significado em Português. É uma maneira de

57
Robert L Harris., Theological Wordbook of Old Testament, p.1598.
58
Veja Ernest Jenni; Claus Westermann, Theological Lexicon, p. 624.
26

mostrar que, quem chama, tem em mente uma pessoa definida, de quem está
falando, sem, contudo, mostrar o nome.
59
Segundo essa explicação, a versão Inglesa (RSV) traduz como “amigo”,
mas, para Knox e Moffatt60, Boaz o chamou pelo nome e o cronista não se
incomodou em fornecê-lo ou talvez não o soubesse. Segundo esses
mesmos estudiosos, no Hebraico a depreciação do nome implica em que a
designação do homem fazia parte específica do processo jurídico. Em 1Sm 21,2 e
2Rs 6,8, existe um paralelo onde o nome de personagem é escondido, mas com um
propósito para isso, diferente do caso atual.
O resgatador estava passando; a ideia principal é que esse verbo é de
movimento, assim, como regra, é o movimento de uma coisa em relação a algum
outro objeto que está parado, em movimento, ou de motivação. Alguns disseram que
a tradução mais simples de ± bar é "passar", mas isso realmente não abrange as
diversas nuances que ± abar pode realizar com ele. Ele é usado mais de 550 vezes.
As frases do v.2 são ligadas pela conjunção e são frases que geram ação.
Boaz providenciou, em seguida, o que se poderia chamar de um júri. Tomou dez
anciãos da cidade que Moffat traduz como sheikhs e os fez se sentarem.
“Sentai-vos aqui” é oração imperativa, que expressa uma ordem, um
conselho.
Nos textos de Deuteronômio (Dt 21,19; 22,15) os assuntos municipais estão
nas mãos dos z eqenîm, “anciãos da cidade,” Souza61 sugere que este vocábulo
também identifique homens possuidores de terras (nahalah), pois, homens livres e
plenos é que podem participar do portão, e esses homens têm acesso e
possibilidade a uma série de direitos, tais como:
1-participar do exército;
2-participar do culto e da refeição sagrada;
3-“ter privilégios de resgatador (go’el)”;
4- participar da comunidade jurídica no portão, como juiz acusador e
testemunha, homens adultos que usam barba (zaqan).
Esse adjetivo cabe também para os termos “ancião”, “velho”. São os chefes

59
RSV, American Revised Standart Version, 1952.
60
R. Knox. The Holy Bible, A translation from Latin, Vulgate in the Light of Hebrew and Greek
Originals,. J Moffatt. A New translation of the Old Testament, 1942 p.
61
Carlos B. N. Cesar Souza, Justiça no Portão! Considerações Exegéticas a Respeito das Exigências
Éticas de Êxodo 23,1-9, p.107.
27

de família que formam, em cada cidade, uma espécie de conselho (1Sm 30,6-31).
Em muitos outros textos, tem-se a palavra sinônima ´sarîm, que também designa
chefes de família (Jz 8, 6,16), (Nm 2,7-14), ou oficiais, civis ou militares, funcionários
de rei, em reinos estrangeiros ou em se tratando do reino de Israel (1Sm 8,12).
Depois do exílio, aparece a palavra negîdim, para designar o mesmo grupo e, nos
textos pré-exílio, eram também conhecidos como nagîd.
Nos textos de Rute 2; 1Sm 9,1, o termo gibbôrim, ou gibbôre hail, significa
uma classe de grandes proprietários de terra, uma espécie de nobreza rural, onde
se encaixa Boaz. A raiz shofer e as palavras derivadas dela possuem dois sentidos
básicos:
1-Juízes maiores: militares que eram carismáticos recebiam o ruah, Espírito
de Yahweh, e eles salvavam o povo dos inimigos externos.
2-Juízes menores: não tinham as funções claras ou definidas e não há
informações exatas sobre eles. Provavelmente tenham tido o papel de
julgar. Soggin questiona essa afirmação, por não ter dados suficientes para
afirmar que eles eram juízes no sentido jurídico, isto é, com uma função
judiciária, dentro do sistema tribal.
O que se pode dizer é que esses juízes menores representavam tradições
independentes e que os redatores reuniram e elaboraram sem quaisquer
modificações. Assim, foi inserido o conceito dentro das tradições.
Soggin continua dizendo que essas estórias épicas, do período da conquista,
foram preservadas oralmente; algumas tradições eram do Norte e outras do Sul e,
às vezes, as interpretações eram diferentes entre o Norte e o Sul. A ação judicial v.2
se inicia com Boaz a caminho do remidor: ”Ele lhe diz que Noemi, com respeito
àquela terra... e tem para venda”. Alguns estudiosos opinam que a viúva não podia
herdar (Nm 27,8-11). Fica claro que Noemi podia, pelo menos, vender a terra, agir
como remidor, enquanto o Prosksch62 diz que se trata de um “conceito da lei de
família”.
A terra era considerada um presente Divino a Israel e o cumprimento das
promessas que haviam sido feitas aos antepassados. Para exprimir “terra de
Moabe”, o hebraico emprega uma expressão que parece significar literalmente “os
campos do filho de Ló”; traduz-se melhor, colocando-se: os “campos de Moabe”.

62
The Bible Doctrine of Salvation comenta: A gente gostaria que houvesse um verbo em Inglês, que
significasse:”resgatar por casamento”, Epworth, 1946, p. 331.
28

Isso poderia ser nada mais que uma forma muito natural do hebraico, para
descrever um país predominantemente rural. Segundo Morris, “Juízes e Rute,
introdução e comentário”, p. 231, tal expressão não é incomum. Por exemplo: “na
terra dos filisteus” (1Sm 6,1) ou “Campos de Efraim” e os “Campos de Samaria”
(Ob.19). O incomum aqui é a forma plural. Ocorre apenas nesse livro, e sempre a
expressão “terra de Moabe” (1,1,6,22; 2,6, 4,3). Em cada uma das passagens, onde
ela é encontrada, existe um apoio textual para a forma singular, a mais usual, tanto
para os manuscritos hebraicos, como nas versões tais como: LXX, Siríaca e Vulgata
A maioria dos estudiosos (F. I. Andersen e Myers Rudolf) concorda que a forma
plural é correta; seu significado, porém, não fica claro. Myers, p. 9, toma a expressão
como sendo uma construção singular. Segundo Myers, essa é uma forma poética
arcaica ‘säday; ele salienta que um campo, ou terra individual é helgat-hassadeh. A
hipótese de que se trata de uma forma arcaica de singular é bem aceita, então, o
melhor significado seria, “território de Moabe”, “terra de Moabe”.
Interessante é notar que enquanto Moabe é chamado de “campos de Moabe”,
Judá é denominada de “terra de Judá” (1,1-18).
É possível que Noemi tenha vendido a propriedade anteriormente a esse
momento, para pode subsistir.
Afinal, Boaz vai cumprir a lei do resgate (terra) ou a lei do levirato (família)?
As cinco orações que se seguem (v4) são explicativas. E a última é uma
oração conclusiva. Ela conclui o assunto definindo-o: “e eu mesmo que contarei para
ti dizendo” (v4) ou “vim dizer”, no sentido de “fazer declarar”, de revelar algo, de
informar “eu descobrirei a tua orelha” essas expressões originalmente significam
falar confidencialmente, denotando o levantamento do cabelo ou de uma touca,
quem sabe.
Mas, na verdade, o que Boaz faz é informá-lo para que a adquira (compre-a
na frente) na presença desses anciãos (pessoas investidas de poder) que estão
sentados em frente na presença e na de meu povo se pode resgatar, resgata. Se
não pode resgatar, fale para mim (me diga) para eu saber, pois não há outro
resgatador senão tu, e eu depois de ti. Interessante observar que Boaz não usa a
palavra “casar-se”. Ele prefere usar a palavra “resgatar”.
Durante a monarquia, essa nominação, “meu povo”, permanece a mesma. O
povo já era chamado dessa maneira. É no período de Esdras e Neemias, no pós-
exílio, que o termo deixa de ter o mesmo significado, passando a representar os
29

habitantes da Palestina, que não são judeus e que colocam obstáculo na


observância da guarda do sábado e das festas.
Entende-se que houve um grande esforço dos autores que trabalharam
arduamente com o conceito, –am-ha-aretz63 –, em esclarecer o seu significado e
acredita-se que o termo se refira a todos os judaítas assentados em Judá, durante o
exílio, como “Povo da Terra”, o que se torna uma generalização anacrônica e pouco
pertinente, para a complexidade do conceito e significado.
Agora (4,5-8), Boaz apresenta seu verdadeiro interesse nesse caso. Rute
(tanto como Noemi) está preocupada com a propriedade. O miolo dessa perícope se
encontra na afirmação de que só adquire o direito de resgatar a terra de Noemi,
aquele que aceitar casa-se com Rute (4,5-8), como já citado.
Outra questão é o costume do go’el, que se refere ao direito e à obrigação
que, em Israel, eram de salvaguardar a propriedade familiar (Lv 25,25; 27,9-33; Nm
27,1-11). A responsabilidade da preservação da família é enfatizada. A BDB64 dá ao
verbo o significado de “redimir, agir como remidor”, enquanto o Prosksch65 diz que
se trata de um “conceito da lei de família”. A terra era considerada um presente
Divino a Israel e o cumprimento das promessas que haviam sido feitas aos
antepassados. É possível que Noemi tenha vendido a propriedade anteriormente
para subsistir.
Quatro orações formam o v5, Boaz está advertindo o fulano de que a
aquisição da terra terá um senão: o casamento, por levirato. Aqui tem-se diferenças
entre as traduções, a ARA66 que traz assim; “também tomarás da mão de Rute, a
moabita” (com apoio da F.F.67). Outra tradução possível é: “estarás também
comprando Rute, a moabita” Aqui se tem o apoio de Moffatt, Knox e outros.
A primeira opção de tradução reflete o texto hebraico. Contudo,
especificamente a Vulgata e a Siríaca dão a segunda opção. O verbo para a melhor
tradução é adquirir, como colocado nesta tradução, pois ele dá melhor sentido junto
aos v4 e v10. Essa harmonização talvez tenha sido feita pelo próprio escriba.
Talvez Boaz estivesse dizendo, que Rute tem algo a ver com respeito ao

63
Ver explicação no capitulo 2 desta pesquisa.
64
Hebrew-English Lexion of the Old Testament, F. Brown, Oxford University Press, 1907.
65
The Bible Doctrine of Salvation, Epworth comenta: A gente gostaria que houvesse um verbo em
inglês, que significasse:”resgatar por casamento”. The Bible Doctrine of Salvation, Epworth, 1946,
p. 331.
66
Almeida, edição Revista e Atualizada p. 385.
67
F Fenton. The Holy Bible in Modern English, Partridge, 1922.
30

campo; visto que ela é a viúva de um homem que não teve filhos, e, portanto, o caso
envolve casamento com ela, a fim de suscitar filhos.
O miolo dessa perícope se encontra na afirmação de que somente adquire o
direito de resgatar a terra de Noemi, aquele que aceitar se casar com Rute (4,5-8),
como já citado, pois era importante suscitar o nome do esposo falecido, sobre a
herança dele. E, assim o fazendo com o nome de Maalon, o de Elimeleque também
o seria.
As frases no v6 são optativas, já que o emissor expressa um desejo. Nas
orações que compõem o versículo, a palavra “pois” (4,6) Kiî dá a entender que
essa conjunção é uma explicação e, ao mesmo tempo, uma conclusão. Isto é, uma
decisão vinda da parte do fulano. Aqui, entende-se melhor a razão de o resgatador
fulano aparecer sem nome no v1, porque, para o redator, ele também não é
importante na história, aparecendo apenas para renunciar seu direito a Rute e
desaparece.
Assim, seu nome não importa. É interessante observar que aquele que estava
ansioso em preservar e adquirir a herança, agora nem seu nome é conhecido.
O remidor mudou completamente o esquema, quando soube que a redenção
do campo e o casamento com Rute viriam juntos. Ele disse: “para mim não a poderei
resgatar”. O que é bem diferente de dizer: “não posso resgatá-la”. A razão que ele
dá é: “para que não prejudique a minha”, isto é, a herança do resgatador.
Não é muito claro o significado disso, mas, possivelmente, o resgatador era
pobre. Ele pode remir o campo, mas agora ele vê que não há aumento de
propriedade. Haverá, sim, uma diminuição de seu patrimônio, visto que ele terá que
pagar pela terra que não passará a pertencer à sua família, mas ao filho de Rute.
Normalmente, numa transação dessas, o campo pertenceria à viúva, não à
sogra da viúva. Além do que, lhe restaria também a obrigação de sustentar Rute e
as despesas seriam bem elevadas. O remidor estava disposto a comprar o campo,
sem se casar com Rute. Cassel68 acha que a desmotivação do homem para casar
com Rute era o fato de ela ser uma moabita (o que é várias vezes mencionado no
texto), e não a alegação de que não se casou porque o filho de Rute herdaria as
terras.
Entende-se que ele deveria pensar: toda a família havia se extinguido e, ao

68
P. Cassel. Joshua, Judges and Ruth, Vol IV de A Comentary on the Holy Scriptures.
31

unir-se a uma moabita, ele não queria ser o próximo. Entretanto, nada existe no
texto para explicar o pensamento do remidor. São apenas especulações dos
estudiosos. É mais plausível pensar que ele não poderia suportar o fardo financeiro,
duplamente pesado: comprar o campo e sustentar a viúva. Isso, segundo o v3,
prejudicaria a herança dele. Diante disso, ele tirou sua reivindicação de resgatar e
convidou Boaz a assumir as responsabilidades. “Redime tu” é uma expressão
enfática.
“O que me cumpria” no hebraico, é uma expressão cognata de “redimir”69 e de
“parente go’el”. O remidor repete sua declaração de que não poderá resgatar.
Parece que ele não quer deixar qualquer dúvida a respeito disso.
O narrador, em seguida, explica um costume que se havia tornado obsoleto.
Nessas duas orações explicativas, tem-se a fala do redator, explicando sobre o que
se passava na época e os costumes sociais da época são respeitados aqui nesta
perícope. Centraliza-se em resolver questões legais, “Corpus Legal”, “Lei do
Levirato”: tirar a sandália e realizar o contrato no portão da cidade, diante de
testemunha.
A LXX se baseou em manuscritos diferentes, ao traduzir o início desse
versículo e usou mis’pat como “costume”, “então este era o costume” poderia ser o
texto original. O fato é que se o escritor achou necessário explicar o costume, indica
que ele escreveu algum tempo após o acontecimento que narra.
O redator interfere na cena, para ensinar o significado de uma antiga tradição
que é citada no v7 e que já estava ultrapassada e obsoleta quando o capítulo foi
70
escrito, sendo isso uma indicação de uma datação posterior, conclui Cundall . Tal
costume diz respeito à remissão e mudanças, isto é, “resgates” e “permutas”
(remissão e contrato, na ARC). Segundo Morris71, não se tem condição de saber o
que esse termo significa realmente, mas ele cita Lv 27, que trata da possibilidade de
trocar ou resgatar animais oferecidos em sacrifício. Para ele, o v 10,33 usa
exatamente a palavra em questão, para denotar um animal que se pretende trocar
por outro, que deveria ser sacrificado. A palavra na perícope parece confinada a
situações de que um remidor sucede o outro.

69
ARC (Almeida Revista e Corrigida) traduz como: remissão, p. 386.
70
. Arthur Morris Leon Cundall E, Juízes e Rute Introdução Comentário, p. 219.
71
Leon Morris, Juízes e Rute, Introdução e comentário, p. 289.
32

O costume não fica bem explicado, segundo Cooke72, quando a “propriedade


era transferida”. Como no caso presente, a ação de tirar o sapato e entregá-lo à
pessoa cuja transferência foi feita, representava um atestado simbólico desse ato,
investindo-o de validade legal. Tratava-se de transferência de direitos e não de
propriedade, o que se tem em vista. O tempo verbal é o perfeito, pois a ação foi feita
uma única vez. Era assim que os israelitas registravam seus documentos e as
pessoas ficavam sabendo a respeito do acordo feito.
Alguns estudiosos têm objetado sobre essa interpretação do costume,
dizendo que o relato mostra ignorância em relação à Dt. 25,5-20, no qual é relatado
o que verdadeiramente acontecia. Segundo eles, o relato demonstra que o autor de
Rute vivia numa época em que o costume caíra em desuso e no esquecimento, e,
por isso, interpretou mal.
Em Deuteronômio 25, 7 têm-se: “o cunhado que se recusa a ajudar a viúva de
seu irmão, e não quer exercer a obrigação de cunhado”. Não há um parente
alternativo. E os motivos do homem são egoístas. Então, a viúva deve cuspir nele e
seu sapato deve ser arrancado à força. O versículo de Dt 25,7 não se enquadra
nessa situação, pois o remidor não é parente próximo e nem irmão do falecido; e
talvez nem conhecesse Rute. Assim, parece não haver razão para que o mesmo
fosse humilhado.
O v7 mostra como se fazia quando um homem simplesmente passava seus
direitos a outro. O sapato era nessa e em outras situações, um simbolismo: “sobre
Edom atirarei minha sandália” (Sl. 60,8 - ideia de soberania e posse). A entrega do
sapato simbolizava a entrega daquilo que iria junto. E. A. Speiser73 cita exemplos,
tirados dos documentos de Nuzi, de cerimônias de transferência de sapatos, como
meio de validade para as transações.
Só vai resgatar a terra quem casar-se com Rute, conforme v8: o “outro” vai
recusar. Deve-se entender o diálogo que se trava entre a recusa do resgatador e o
risco à sua propriedade. Essa aquisição e restituição era tarefa do parente mais
próximo e também esta associada ao fato de que havia também o uso da lei na
questão da redenção dos animais não sacrificáveis, ofertados ao Senhor, ou ainda
72
G. A Cooke. , The Book of the Ruth, Cambrigde University Press, 1913.
73
Bulletin of American Schools of Research, 77 Fevereiro, 1940, p. 15-18. E.R. Lnacheman também
faz uso dos textos de Nuzi citando passagens que indicam o intercâmbio, permuta de propriedades
etc, como: “Meu pé, de meus campos, e casa levantei e o pé de Urhi-Sharri coloquei”. A relação do
sapato ele a vê como desenvolvimento posterior e adicional, da mesma ideia. (Journal of Biblical
Literature, LVI, 1937, p. 53-56.
33

dos primogênitos dos animais imundos (Lv 27,11), a transação de forma alguma
poderia ser desonesta e, consequentemente, o preço da redenção um pouco mais
alto, “compra-a tu” (a respeito de comprar , ver Rt 4, 4).
O que o resgatador diz é: “toma-a para ti mesmo e então tirou o calçado”,
algumas versões dizem e “entregou-lhe” (LXX e Áquila), deixando claro que foi o
resgatador quem tirou o sapato.
Um conjunto de frases declarativas existe no v9. Após a constatação de um
fato, o emissor faz uma declaração. Boaz inicia sua última fala. E dirige a atenção
das gentes presentes para os pontos que ele quer salientar. Primeiro ele se dirige
aos “anciãos”, mas se junta a “todo o povo”. Há apenas uma preposição unindo os
dois grupos, embora os grupos que estejam ligados a eles não sejam idênticos.
Os dois testemunhos, dos anciãos e do povo, são importantes. As pessoas
não são espectadoras ou assistentes. Os anciãos foram escolhidos (4,2). O povo
também é testemunha mencionada em 4,1. Boaz toma essa atitude para que sua
transação seja segura, testada por todos eles, afinal, naqueles dias, existia muito
pouco documento escrito e o texto não diz que algo foi posto por escrito, durante a
transação. Então, era importante uma multidão de testemunhos confiáveis. Portanto,
o “comprei deveria ter o sentido do tempo presente adquiro” (4,4).
Até agora tinha-se lido no texto “aquela parte que foi de Elimeleque”(4,3).
Porém, agora Boaz comprou, “é tudo o que pertencia a Elimeleque, a Quiliom e a
Malom”. É a posse de tudo que era da família. Não é muito claro o porquê de
Quiliom entrar na transação, afinal Boaz não estava se casando com Orfa.
Provavelmente, na ausência de um herdeiro, seu “nome” desapareceria e a parte da
propriedade passaria para o herdeiro de Malom, e também existe o propósito de
evita-se o acumulo de terras nas mãos de um só latifundiário.
No v10 as frases são justificativas. Elas justificam o porquê da atitude de
Boaz e as orações são aditivas, o que é confirmado pelo uso da conjunção e,
conclusivas e com justificativas. Boaz chega ao cerne da questão; ao adquirir o
campo, ele adquiriu também Rute como esposa. “Rute, a moabita que foi esposa de
Malom”, aparece com ênfase na frase (4,4). No hebraico, esse não é um verbo
comum, pois qny74é uma raiz que serve para designar aquisição, mas é
compreensível, dado à circunstância. Aqui, o pensamento de que a terra é algo dado

74
qny adquirir cf. Dicionário Hebraico-Português (ver Nm 32,42) “Noba foi e tomou Quenate com
suas aldeias” ARA p. 242.
34

por Yahweh como herança e direito está intrinsecamente embutido.


No v.11 as frases são declarativas. A reunião do juri terminou após a
constatação de um fato. O povo faz uma declaração. Dessa vez o povo vem em
primeiro lugar, “todo o povo que estava na porta e os anciãos” responderam à
declaração de Boaz, dizendo que eram testemunhas. A frase parece ser longa
demais, para ter sido pronunciada por “todo o povo”.
A LXX insere ”e os anciãos disseram”. E logo após “testemunhas”. E, não
satisfeitos em desempenhar suas estritas funções de juri, eles ,os anciãos, insitiram
em pronunciar uma bênção sobre Boaz e sua noiva75. Eles começaram com Rute,
usando o verbo “entra”76, o ato foi iminente e tomado como já feito.
No fim dos v11 e v12 o tribunal ratificou e aclamou a decisão de Boaz. A
reunião do júri terminou com uma declaração das testemunhas. Primeiro todo o
“povo” “que estava na porta”, e os “anciãos” responderam à última declaração de
Boaz, afirmando que de fato eram testemunhas. Entende-se, que a aprovação
destes estava ligada de forma sutil à palavra que os descreveu como testemunhas.
A frase que veio em seguida foi bastante extensa, para ter sido pronunciada
“por todo o povo”; possivelmente a mesma tenha sido dita pelos anciãos. A LXX diz
“e os anciãos disseram” logo após, “testemunha e os anciãos continuam
pronunciando as bênçãos”. Observe que eles, os anciãos, não se contentaram em
desempenhar unicamente as suas estritas funções legais. Insistiram em pronunciar
uma bênção sobre Boaz e sua noiva77. Usaram o verbo “entra”, onde o ato é
iminente, é tomado como já feito.
Oraram para que Deus fizesse a Rute “como a Raquel e Lia”, embora o povo,
os anciãos e Boaz fossem belamitas e, assim, descendentes de Judá, filho de Lia.
Raquel foi colocada no primeiro lugar na hora da bênção, talvez porque Raquel
fosse a amada de Jacó, havia falecido e sido enterrada nas vizinhanças da cidade
de Belém.
A oração da bênção se dirigiu, portanto, para que os noivos, ou melhor, Rute,
alcançasse descendência numerosa e distinta. Apesar de ser uma estrangeira, Rute
75
E. Neufeld acha que isto fazia parte de uma cerimônia de casamento e cita Gn 24,26 e Tobias
10,11, Ancient Hebrew Marriage Laws, Logmans, 1944.
Cf. observação de Morris é difícil enxergar uma cerimônia de casamento em qualquer um dos três
exemplos e na verdade temos pouca informação a respeito de como se realizava uma cerimônia
matrimonial em Israel, Op. Cit, p. 289.
76
bô’ qal part. fem.abs.sing, entrar, coabitar Cf. Dicionário Hebraico- Português, Sinodal 2002, p. 23.
77
E Neufeld. Acha que isto fazia parte da cerimônia matrimonial, e cita Gn. 24,60 e Tobias. 10,11s,
como exemplos adicionais do mesmo fato. Ancient Hebrew Marriage Laws p.150.
35

foi aceita na comunidade e a aclamação do povo é uma prova de que o amor de


Boaz e Rute suscitou a esperança de que fossem reconstruídas as doze tribos.
“Há-te valorosamente” exprime uma esperança pela prosperidade de Boaz,
que se traduziu por muitos bens (2,1) de valor (dando ênfase inclusive até em
façanhas militares, o que não é o caso). Na frase “e invoque um nome em Belém”,
quer dizer: um nome especifico, a própria palavra, “sem”, no hebraico, pode
significar o substantivo nome, e a maneira como é chamado o filho de Noé (Gn
9,18).
Igualmente, no v11, a atenção será focada na ação comparativa dos anciãos
que, ao abençoarem, desejam a Boaz a mesma bênção da fertilidade a Rute que as
das matriarcas fazem parte da saga de Israel, como mães ou futuras mães das
tribos e de herdeiros famosos, henn “agraciar” verbo e do substantivo hen “graça”.
Deus, por meio dos anciãos, abençoa Boaz com a bênção de muitos filhos gerados
por Rute.
O v12 reporta ao conjunto cúltico-litúrgico, onde se tem presente as relações
de solidariedade em compartilhar liberdade e alimentos com os empobrecidos e
necessitados, com o imigrante e peregrino, com os escravos e escravas, com o
órfão e a viúva, as bênçãos do Deuteronômio. (14,29; 15,10.18;16,15),”Yahweh te
abençoará”, que contêm em si a ideia casuística78 que afirma que as bênçãos de
Yahweh são para os que cumprem a lei em relação aos mais fracos, pensamento
que segue linha de Miquéias e Isaías (Is.1,10-8; Mi 3,40). É a preservação do
trabalho liberdade e dignidade do camponês.
Segundo Cassel79, há um argumento baseado na linguagem do texto, no qual
o livro contém aramaísmos e palavras características do hebraíco de época
posterior. Cita-se os exemplos que fazem parte do interesse por hora, que
são: “marge lot” (3, 7,8,14) ted in (3, 18), “p”lonî” ‘ “almonî”(4, 1), “qayyem” (4, 7),
“salap na” lô (4, 7).
Wisemann80 comenta que é importante destacar que Boaz segue um
mandamento ao assumir a viúva e dar continuidade à memória do falecido. O povo e

78
Jose Ademar Kaefer, Dimensões Sociais da fé do Antigo Israel. p. 61.
79
P. Cassel, Joshua, Judges and Ruth, vol.IV de A. Commetary on the Holy Scriptures, Ed.por J.P.
Lange, T&T. Clark, sem data.
80
D.J. Wisemann, afirma que as palavras “aramaicas” são agora conhecidas do período Médio
Babilônico e Médio Assírio, desde 1400. a.C. ele enfatiza que há abundância de aramaismos. Cf. o
artigo Studies in Aramic Lexicografy”, Journal of the American Oriental Society, 82, p. 290-299.
36

os anciãos, por meio do redator, fazem declaração pública81 de que eles, Boaz e
Rute, estão dando origem a uma nação.
Segundo Westermann, a bênção impetrada por homens no culto público e
privado não depende propriamente das faculdades espirituais do homem e nem da
receptividade de quem a recebe, nem da força das palavras. Os interlocutores são
usados como mediadores, mas é Yahweh que, por meio deles, bendiz. É a bênção
patriarcal na noiva.
Boaz estava realizando um ato que teria conseqüências históricas para a
nação e, para tanto, usaram um paralelismo de ideias, colocando Rute no mesmo
patamar de Raquel e Lia.
Assim, os dois últimos versículos trazem consigo uma esperança embutida,
que mostra a expectativa das gentes “de que o melhor de Deus ainda está por vir”. É
a bênção de Yahweh sobre Boaz e sua futura descendência.
O tema bênção brk é relevante neste texto e o substantivo bênção é um tema
chave neste relato. Segundo Westermann,82 é em Gn 27 que se encontra o estágio
mais antigo da bênção, representando símbolo de fé, onde o patriarca Isaac decidiu
abençoar seu filho primogênito e transferir-lhe, de maneira simbólica, a chefia da
família.
Narrativas antigas, como essas que abordam temas do cotidiano entre as
gentes, trabalham bastante essa ideia de bênçãos passadas às gerações: a
impetração da bênção. Tais narrativas ajudam a entender qual era a maneira da
bênção ser estendida ou passada de pai para filho.
Originalmente, a bênção era entendida como uma força vital, que era
passada do pai para o filho, mas a ideia clara é que no Deus de Israel estava
centrada a bênção. Yahweh é a única e verdadeira fonte de toda bênção. Na
verdade, segundo a maneira de ver do redator, o centro do interesse da promessa
da bênção residia no tema da descendência (Javismo) e, segundo Schwantes83, “as
últimas palavras sobre as teorias das fontes ainda não foram ditas”, mas a ênfase da
terra em suas promessas, que está diretamente associada ao quesito bênção é um
tema próprio da literatura, com linguagem deuteronomista do Século VII.

81
Diccionario Teologico Manual Del Antiguo Testamento, Claus Westermann p 535 a ideia que a
impetração de bênção é uma função apenas dos sacerdotes só é achado nos escritos tardios.
(Dt10,8; 21,5).
82
Claus Westermann, Genesis a commentary, p. 513, 535.
83
Milton Schwantes, E Sara riu, p. 23.
37

Outros exemplos se seguem nos escritos dos Salmos, onde encontram-se


elementos de “louvor” (bênção) e palavras de “censura” (maldição), existindo ainda
uma forte conexão nos ditos, quando os profetas pronunciam bênçãos e maldições
para “os homens de Deus”, antes das batalhas (Nm 22): antes que a batalha se
inicie, um vidente, com poder, amaldiçoa os inimigos. Isto traz uma ideia de
“santificar” a guerra.
Zombaria e maldição são meios da mesma espécie de gênero e no livro de
Juízes (Jz 12, 34) tem-se esse exemplo, onde os valentões saem se gabando, e as
mulheres se dirigem cantando e dançando, ou, no caso de Deuteronômio 33, nas
cantigas de Balaão, onde as bênçãos são postas numa situação, quando os homens
saem para ir à guerra (Nm 2,3-9).
Podem-se combinar as bênçãos de maneira a associá-las às festas rituais tão
comuns à organização tribal. Essas, bênçãos e maldições (Dt 33) são, na realidade,
formas de oráculos cúlticos. Elas são o meio, uma forma de purificação, que têm por
finalidade executar o julgamento de Yahweh.
É importante observar que, nesse texto (Dt 33), a organização dos grupos e
famílias era tribal e autônoma. Esses grupos acreditavam ser descendentes de
antepassados comuns. Assim, o que unia cada tribo era o seu relacionamento,
baseado no sangue verdadeiro ou suposto de parentesco, fazendo com que todos
se considerassem irmãos, em um sentido mais amplo. Acrescenta-se, também, a
bênção que Jacó, antes de morrer, impetrou como uma profecia a seu filho Judá (Gn
49,9-10). Quando se lê Ez 21, 27, parece que surge uma interpretação mais clara
sobre a profecia de Jacó ao seu filho Judá. Esta bênção continua com a de Moisés
em Dt 33,8-11, formando um par com a bênção de Judá: E sobre Judá disse: Que o
Senhor te dê força e poder para pisar todos os que te odeiam. Serás príncipe – tu e
um de teus filhos – sobre os filhos de Jacó. Que teu nome e o nome de teu filho
sejam famosos em todos os países e nações. Os gentios temer-te-ão; todas as
nações tremerão; e todos os povos estarão com medo (31,18).

1.7 LUGAR

Na narração do texto existe uma geografia exposta e bem demarcada. Ao


38

observar os quatros capítulos, vê-se que os personagens sempre voltam ao seu


ponto de partida, ao seu lugar de origem, como se as cenas se desenrolassem em
círculos, de forma a situar o leitor onde está o centro do assunto. No texto em
estudo, as coisas acontecem em lugares certos e marcados, com suas delimitações,
tendo-se a eira, a casa da sogra e o portão.

1.8 DATA

No texto bíblico, a narrativa do Livro de Rute teve inicio no período em que os


juízes governavam Israel, um dos períodos mais turbulentos da história, logo após a
morte de Josué. Para o redator, Boaz era filho de Raabe, aquela que protegera os
espiões enviados por Josué (2,1). Não existe um senso comum sobre a data ou qual
juiz governava Israel.
Sobre o Livro de Juízes, as datas são mais precisas. Será analisado o que os
estudiosos dizem a respeito do livro de Juízes, para achar alguma pista que ajude
na datação do livro de Rute.
No seu livro Judges: A Comentary, Soggin84 faz um estudo profundo sobre o
livro de Juízes, e ele coloca a hipótese de que o livro seja uma redação
deuteronomística de estórias épicas, que tratam de figuras que são chamadas
juízes, as quais não exercem as funções comumente atribuídas a um juiz e os
acontecimentos em Rute estão aparentemente entrelaçados ao livro de Juízes (Rt
1,1).
Depois da queda do reino do Norte, foram juntadas todas as histórias de
Israel, em suas diferentes fases (722 a.C), perfazendo a primeira edição de Juízes,
sendo a obra conhecida como História Deuteronomística (HD).
Soggin comenta que os Juízes fazem parte da obra deuteronomista, mas que
ainda existe muito a pesquisar sobre Juízes que indicará possíveis linhas de reflexão
sobre o assunto.
Para ele, o livro de Juízes possivelmente tenha sido escrito pelo último
redator de Josué, já que seguiu a lógica e a estória contada. Mas, admite que, com

84
ALBERTO Soggin, Judges, p. 208.
39

essa hipótese, são oferecidas várias maneiras de se aprofundar no estudo sobre a


cronologia, data da redação, as tensões e contradições dos textos. A falta desse
elemento o distingue dos outros textos semelhantes (6, 33; 3,7-11, 12-30), onde,
normalmente, quando o povo era oprimido, clamava a Deus, e Deus erguia um juiz
para salvá-lo. O Juiz é o Messias, o resgatador do povo.
Soggin85observa que, no texto de Jz 10,17-11,1, Deus não ergueu e nem
chamou um juiz para o povo. A falta desse elemento o distingue dos outros textos
semelhantes (6,33; 3,7-11,12,30), onde normalmente quando o povo era oprimido
clamava a Deus, e Deus erguia um juiz para salvá-lo.
Nesta perícope (Rt 4,1-12), não há um juiz, mas sim um grupo de anciãos que
julgam as causas. Tradicionalmente, os lideres israelitas descritos no livro foram
denominados juízes. Infelizmente o termo dá uma impressão errônea da
terminologia hebraica e essa terminologia é utilizada também como um sentido de
falsa certeza, no que se refere a quais eram as funções desses lideres. Essa
questão sobre as funções dos anciãos-juizes foi abordada de maneira mais profunda
durante a exegese do texto.
Gottwald86 faz um comentário sobre a Juíza Débora, e do seu relato poético
da batalha (Jz 4), dizendo que é uma obra literária cuidadosamente elaborada, para
comunicar uma surpreendente mensagem “feminista”, que tem por objetivo
dramatizar a maneira pela qual o Senhor deu a Israel poder sobre os guerreiros
cananeus, por meio das mulheres, em vez de os homens87.
Por analogia, alguns historiadores dizem que foi no tempo em que Débora
julgava Israel, então, na primeira secção do livro de Juízes, que se encaixaria Rute.
Como já visto, determinar a datação de Rute é uma das questões mais
difíceis para os estudiosos dessa obra, já que as propostas de datação estendem-se
desde a época de Samuel até o Século III a.C., em função de que os historiadores
têm em mente três posições:
1a-Rute trata de uma época pré-exílica entre os Séculos X e VIII e essa
posição se baseia nas características lingüísticas, na sua prosa clássica e
no contexto teológico do livro. Mas, antes do exílio, os escritos falam dos

85
Idem.
86
K Gottwald. Norman Introdução SocioLiterária da Bíblia Hebraica, p. 244.
87
Vale à pena citar que Gottwald estabelece em Rute sua redação no Século XI, entre a transição do
período tribal de Israel, para o sistema monárquico, que fez surgir uma literatura da corte, ao lado
das antigas formas orais de vida tribal. p.248
40

pobres e, não citam órfãos e viúvas. Segundo o Comentário Bíblico Atos,


p. 285 é mais provável que os eventos aqui tenham acontecido na
segunda metade do Século XII, na época de Jefté e Sansão, que
compõem a segunda parte do livro de Juízes, descrevendo um quadro de
inquietação civil, desintegração social, violência, imoralidade sexual,
agressões e guerras “Naqueles dias não havia reis em Israel” (Jz 21,25).
2a-A narrativa foi escrita no tempo do exílio; esta hipótese se apóia na
abundância dos restos do aramaico e no arcaísmo de fatos históricos (Rt
4,7), nas discrepâncias com as leis deuteronomistas e em sua abertura
universalista.
3a-A composição data do pós-exílio. As pesquisas recentes e opiniões dos
exegetas pautam por datar o livro entre os Séculos V e VI. Partindo do
pressuposto de que se está no pós-exílio, tem-se um povo voltando,
inicialmente como narrado nos livros históricos de Esdras e Neemias e em
Zacarias, apoiados nas propostas dos restauradores Zorobabel, Esdras e
Neemias, propostas estas que não despertaram plenamente no povo, o
compromisso de cumprir a sua responsabilidade de restaurar o país com
uma visão de unidade nacionalista.
Na análise exegética, optei por trabalhar a datação no pós-exílio, Rute como
um dos escritos tardios do Século VI, um tempo de reestruturação social, onde a
prática do exercício da lei se desenvolveu por meio dos anciãos no portão, a lei era
regulada pelas relações humanas e atingia o social da comunidade, passando a ser
de âmbito sócio-antropológico, nada se falando de templo, sacerdote ou de rituais
festivos de oferendas, pois não se está no contexto do sagrado mas no espírito
“Esperança em Israel” .
Com relação a essa questão de data, cito Thomas Hobbes88, que diz: “o
tempo de origem dos livros deveria ser determinado por meio dos próprios livros,
independentemente da tradição que eles vivenciem”.

88
Hobbes Thomas, O Leviatã, Desenvolvimento da Teoria 1691. Esta conclusão o levou a negar a
origem mosaica do Pentateuco afirmando que o Pentateuco havia sido editado por Esdras e que a
partir de fontes antigas os escritos de Rute teriam sido desenvolvidos neste mesmo clima. O
pensamento de Hobbes contribuiu com área cientifica da critica bíblica. www.http://publicacoes-
online.blogspot.com/2009/10/leviata-o-hobbes-thomas.
41

1.9 GÊNERO LITERÁRIO

Os exegetas não vêem Rute como um livro histórico e que pertença ao


mesmo gênero literário dos livros de Crônicas, Samuel e Reis. Essa narrativa,
segundo Morris, é um dos poucos documentos do mundo antigo descrevendo um
processo legal.
89
O livro está relacionado aos mesmos gêneros literários , quanto à estrutura,
ao conteúdo e à extensão das obras narrativas dos contos folclóricos, sagas,
comédia, idílio ou novela curta; os estudiosos não possuem um comum acordo em
relação ao assunto.
Por definição, todo texto que traga em si um foco narrativo com
enredo, envolvendo uma ou mais personagens, situado em tempo e lugar e tenha
um conflito interno e um desfecho final é classificado como narrativo, podendo
ser não-ficcional (pois se baseia na realidade), ou ficcional (aquele que inventa um
mundo onde os acontecimentos ocorrem de uma forma coerente em toda a
história), e o livro de Rute possui essas definições.
Quanto à temática, às narrativas desse texto, podem ser histórias de
suspense, de amor, de ficção. A narrativa literária como esta, costuma se apresentar
em forma de prosa; na verdade, o texto narrativo, de uma forma sucinta, é um
processo de exteriorização de um acontecimento conhecido de narrativa histórica
popular, onde ninguém sabe o fim da lenda e o começo da história; é uma historia
primitiva, baseada em estórias que corriam na boca do povo, um misto de elementos
verídicos e legendários.
Normam K.Gottwald90, ao se referir sobre o processo da composição literária
dos livros da Bíblia Hebraica, diz que existem de 59 a 200 gêneros literários, e cita
Livro de Rute definindo-o como novela91. Para Gottwald, os capítulos do livro de
Rute foram elaborados por meio de uma cuidadosa ligação entre si e que possuem
uma enorme complexidade. Gottwald diz que a novela do livro de Rute é um dos
poucos livros na Bíblia Hebraica que possui uma unidade simples, e foi composto
89
Gêneros literários são geralmente divididos em tês grupos: narrativo épico, lírico e dramático, esta
divisão partiu dos filósofos da Grécia antiga. Essas três classificações básicas englobam outras
categorias menores comumente denominadas subgêneros. http://pt.wikipedia.org/wiki/ 2009.
90
Norman, K Gottwald. Introdução Socioliterária A da Bíblia Hebraica, p.102.
91
Novela é um texto caracterizado por ser intermediário entre a longevidade do romance e a
brevialidade do conto.
42

por um único autor. Isso significa que um único autor citou, por meio de outras
fontes, e pode estar declarado no texto ou ter sido deduzido das provas internas.
Por vezes, uma obra escrita basicamente como uma unidade, pode ter tido
uma pré-história oral; o livro de Rute teve forma anterior, possivelmente de saga
oral, diz Gottwald, já os demais livros bíblicos, em sua maioria, possuem indícios de
serem provenientes de autoria compósita.
A influência da tradição oral, direta ou indiretamente, contribuiu na formação
das estruturas literárias; essas formas orais possuíam estruturas características e
formas verbais, tratavam uma série habitual de tópicos e eram declamadas em
situações específicas da vida. Houve uma repentina explosão de atividades
literárias à medida que as antigas formas orais foram reassumidas na escrita.
Gottwald92 comenta que a relação da tradição oral e suas formas, com a composição
literária da Bíblia Hebraica, é ainda um assunto complicado, e que ainda está para
ser explorado pelos críticos bíblicos e literários.
Para Gottwald, o livro é uma boa trama novelesca, ou melhor, uma historieta
(pequena novela), sendo este, a historieta, um gênero literário que aparece durante
os períodos problemáticos na Bíblia Hebraica, com seus múltiplos episódios da
história israelita (Rute, na época de Juízes, Jonas, na época dos assírios e Ester, na
época dos persas).
Como se pode observar, o gênero literário em Rute é ainda uma questão
aberta entre os estudiosos. Particularmente, os escritos de Rute são narrativos com
forma de novela, já que dentro do texto têm-se alguns cortes específicos, que focam
com maior intensidade um determinado assunto, em relação a outro, parecendo que
o tempo pára nessa questão. Exemplificando, pode-se citar a questão do resgate da
terra, como assunto primordial nesta perícope.

1.10 GÊNERO DO AUTOR

A interpretação da palavra Gênero que será usada, é a definida por J. Cheryl


Exum:93

92
K. Norman Gottwald, Introdução Socioliterária da Bíblia Hebraica, p.104.
93
J. Exum Cheryl, Fragmented Women: Feminist (Sub) Versions of Biblical Narratives.
43

[...] por gênero refiro-me à definição cultural de comportamento


considerado apropriado aos sexos numa dada sociedade num momento
determinado. Em contraste ao sexo, que é biológico, gênero é
culturalmente criado. O termo patriarcal refere-se tanto a uma ideologia
como a um sistema social no qual mulheres são subordinadas aos homens,
e homens jovens a homens mais velhos.

A palavra gênero indica uma rejeição ao determinismo biológico implícito no


uso de termos como “sexo” ou “diferença sexual”. O “gênero” sublinha também o
aspecto relacional das definições normativas de feminilidade. As que estão mais
preocupadas com o fato de que a produção dos estudos femininos centra-se sobre
as mulheres de forma muito estreita e isolada, utilizaram o termo “gênero” para
introduzir uma noção relacional no vocabulário analítico.
Segundo essa opinião, as mulheres e os homens eram definidos em termos
recíprocos e nenhuma compreensão de qualquer um poderia existir por meio de
estudo inteiramente separado. Talvez o importante seja que o “gênero” era um termo
proposto por aquelas que defendiam que a pesquisa sobre mulheres transformaria
fundamentalmente os paradigmas no seio de cada disciplina.
As historiadoras feministas94 assinalaram muito cedo que o estudo das
mulheres acrescentaria não só novo tema, como também iria impor uma reavaliação
crítica das premissas e critérios do trabalho científico existente:

Aprendemos que inscrever as mulheres na história implica


necessariamente na redefinição e no alargamento das noções tradicionais
do que é historicamente importante, para incluir tanto a experiência pessoal
e subjetiva, quanto as atividades públicas e políticas.

Esse uso do “gênero” é um aspecto que poderia ser chamado de procura de


uma legitimidade acadêmica, pelos estudos feministas nos anos ’80. O gênero se
torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais”: a criação inteiramente
social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma
maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas
dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo essa definição, uma categoria
social imposta sobre um corpo sexuado.
A questão do estudo Gênero se justifica nos textos e narrativas da Bíblia
Hebraica, onde exista um espaço aberto para as mulheres instigadoras como Raabe
(Js 6,22) Débora (Jz 5), Jael (Js 4,17) e muitas outras, que possuem uma

94
Joan, Scott, Revista Estudos Feministas. vol. 9, no.1. Disponível em: www.scielo.br/scielo.
44

participação coadjuvante, desde o período pré-monárquico.


Phylllis Bird95comenta que o status e a função das mulheres no Israel Antigo,
em geral subordinado aos homens, variavam consideravelmente nos diversos
períodos da historia. Não é este o caso do livro de Rute, que age de maneira
diferençada das mulheres (Pr 11,16; Rt 3,11) que são referendadas nas outras
narrativas; Rute é apresentada na mais alta graciosidade e dignidade.
A maioria dos comentaristas não concorda com essa hipótese de ser uma
mulher o escritor. Apóiam a autoria masculina, embora, atualmente, segundo
Campbell96, esteja sendo questionada essa hipótese em relação a ser uma mulher,
em função do predomínio de muitas protagonistas mulheres no livro, além do ponto
de vista histórico, que acabam contribuindo para que seja uma mulher a compositora
do livro.
Na opinião de Goitein97, Rute foi escrito por uma mulher idosa e bastante
sábia, pois o livro dá mais ênfase a Noemi e seus próprios interesses e termina com
as bênçãos sobre Noemi e não sobre Rute e, geralmente, o desfecho das histórias
bíblicas é determinante para o propósito de todo o relato.
Neste estudo partir-se-á do pressuposto de que o autor e redator do texto
bíblico é homem. Concorda-se que há uma pluralidade de interpretações dos textos
bíblicos, por vários historiadores, como referendado ao fazer-se uma leitura
feminista.
Então, tem-se a visão de mundo em Rute, expressada pelo olhar masculino;
um olhar epistemológico como na maioria dos escritos, quando a perspectiva de um
olhar com uma leitura feminina é silenciada, até mesmo excluída.
Uma vez mais se é surpreendido pela redação do texto deste pequeno livreto
de Rute, em que as ações do personagem Boaz são a de um verdadeiro cavalheiro;
a cortesia masculina é exercida por Boaz, durante todas as suas falas.

95
A. Bird Phyllis, “Images of Women in the Old Testament”, in Atalaya Brenner.
96
E.F. Campbell Ruth, A New Translation witch introduction, Notes and Commentary, p.47.
97
S.D Goitein. Flyumin-migra. Studies in the Bible, p. 49. Este texto foi traduzido para o Português e
faz parte dos vários artigos que compõem o Livro de Atalaya Brenner.
45

1.11 CONSIDERAÇÕES

Será feita uma breve recapitulação do que já foi exposto. É o retorno dos
irmãos judeus (Ne 5) que estavam na Babilônia98.
O redator do livro de Rute é do pós-exílio. Então, está-se vivendo e
presenciando o momento sociopolítico e econômico narrado no contexto histórico
dos livros de Esdras e Neemias, momento da reestruturação da nação de Israel.
Os dois livros históricos, Esdras e Neemias, trabalham assuntos e temas
bastante polêmicos, que falam da volta do povo do exílio, e do relacionamento social
com o povo da terra, que havia ficado: os remanescentes. Os problemas sociais
causados pelas diferenças econômicas e culturais entre os judeus campesinos,
que haviam ficado em Jerusalém, e nas cidades das adjacências e se encontravam
agora mais pobres e mais miseráveis.
Os Judeus que voltavam da Babilônia traziam objetos valiosos e ouro (Ne 5).
As diferenças entre as classes sociais na comunidade ultrapassavam as questões
sociais e eram imensas, variando desde a fome, casamentos mistos, falta do culto a
Yahweh, a falta do templo, a usura, e a venda dos próprios filhos, a desestruturação
de famílias etc.
Assuntos semelhantes aos desta perícope, estão narrados na composição
dos escritos de Esdras (Ed 5) e Neemias. E essas riquezas de informações,
semelhantes aos do tema de estudo é que serão compartilhados.
Em ambos os acontecimentos, no retorno pós-exílio e em Rute, tem-se um
povo economicamente angustiado e, ao mesmo tempo, ameaçado pela fome. Havia
um grande risco para ambas as comunidades. Nas duas situações, as mulheres de
Esdras Neemias-Rute exerceram papéis de destaque e iniciativas próprias, com
presença relevante nas histórias descritas por esses livros.
Esta estrutura sobre a restauração da comunidade pós–exílica se encontra
intimamente ligada ao livro de Esdras, onde o povo desesperançado lutava para
deitar novamente os alicerces da fé em Deus, mas, o desânimo tomava conta de
tudo e o projeto de restauração do templo ficou paralisado por quatorze anos (Ed

98
Com a permissão do rei da Persia Ciro, e sob a liderança de Zorobabel, que era um representante
da casa real davídica na Babilônia, e do sumo sacerdote Josué, uma pequena porção da nação
exilada volta para Jerusalém (Ed 5).
46

4,24) e assim teria permanecido, se a Graça, a Hesed, de Deus não os tivesse


alcançado por meio das palavras ditas pelo profeta Ageu (520 a.C.) Era a
esperança sendo gerada por meio da palavra profética.
Turnnermann99 diz que o editor do livro de Esdras organizou o material de
uma forma padrão, de modo que obteve uma coerência teológica única. Resumindo,
Turnnermann conclui que as atividades de Deus operante e a sua presença não
eram achadas pelo povo, pois ela não estava no que se via, no que existia, que era
o estado político, que era governo, nem tão pouco no templo, que se encontrava
destruído.
Segundo Kaiser100 as circunstâncias da vida forçaram os homens a alargarem
seu modo de pensar com relação à promessa interna de Deus. E, com certeza, se
recordaram das promessas messiânicas.
Kaiser ainda comenta que o fato de o templo permanecer em “ruínas” (hareb,
Ag 1,4), tornou-se isso, um desgosto para Yahweh, que Ele convocou uma “seca”
(“horeb”101 Ag 1, 11) sobre a ceifa, a colheita do povo da terra. “Convoquei uma seca
sobe a terra e sobre os montes102, sobre o trigo, sobre o mosto, sobre o vosso óleo
novo, sobre tudo o que o solo produz, sobre os homens sobre o gado, sobre todo o
trabalho de suas mãos”. (Ag 1, 11). As profecias do oráculo Ageu dão informações
que ajudam a entender o porquê, que talvez a cidade de Belém estivesse em estado
de calamidade e de fome, nos tempos da viagem, fuga de Elimeleque e sua
família. Talvez essa descrição do profeta Ageu, conduza ao panorama que as
cidades próximas a Jerusalém viviam.
Geograficamente, Belém está situada, em uma região suscetível ao clima, à
escassez de fontes de águas, e isso faz com que o povo dependa das chuvas e
dos poços, então, a população dependia de cisternas103 para o seu
abastecimento. Parece que a prática de construção de cisternas fazia parte da
cultura local e também da dos vizinhos do outro lado do Rio Jordão (Moabe).

99
R. Turnnermann, As Reformas de Neemias p.52.
100
,W.C. Kaiser Jr. Teologia do Antigo Testamento, p. 259.
101
Dicionário Hebraico-Português traduz por: seca desolação, estiagem, deserto, p. 76.
102
Biblia De Jerusalém, comentário nota de roda pé, “Sem dúvida, a montanha de Judá”,
103
Na descrição da Estela do Rei Mesha Sec. IX, tempos do Rei Onri (1Rs 16, 21,27), os Moabitas
(Atual Jordânia) são descritos como oprimidos, mas triunfam sobre Israel. A vitória é oferecida ao
deus Chemosh, contra os adoradores do Deus Yahweh: Mesha constrói a cidade de Queria, e a
muralha do bosque e da colina, e suas portas, e suas torres e o palácio real e faz reservatórios de
água para o centro da cidade, assim disse a todo o povo: “Que todos construam uma cisterna em
sua casa.” E farei o aqueduto de Queria com a ajuda dos prisioneiros de Israel. p. 1802.
47

Seu nome anterior era Efrata (Gn 35,19), Belém Efrata ou Belém de Judá,
para distinguí-la da outra cidade com o mesmo nome, que ficava em território
zebulonita. Os principais produtos da região eram cereais, trigo, cevada, azeitonas e
uvas. Belém ficava localizada oito quilômetros ao Sul de Jerusalém, bem próximos.
Certamente, foram alcançados pela profecia de Ageu (1,11). No local foram
encontradas cerâmicas das Idades de Bronze e do Ferro, mas, as escavações
arqueológicas têm sido limitadas, em função de a cidade ter sido continuamente
ocupada em todos estes anos, até a era atual.
48

CAPÍTULO 2

A ANTIGA ISRAEL, SUA FORMAÇÃO E INSTALAÇÃO DA


MONARQUIA

A história de Israel chegou até os dias atuais a partir de fontes encontradas


no acervo da produção literária das narrativas bíblicas, incluindo os variados estilos
e formas, e nas fontes arqueológicas que irão falar sobre a formação de Israel e de
sua nação.
Porém, entre estudiosos104, há divergências a respeito dessas produções
literárias e das datas em que as redações foram compostas. Estudos sócio-
históricos, arqueológicos e antropológicos sobre o Oriente Antigo demonstram que a
instalação de Israel em Canaã ocorreu de forma diferente da que está narrada nos
livros de Josué e Juízes.
Graças às escavações de numerosos sítios arqueológicos, a idade patriarcal
foi se iluminando, na medida em que fragmentos de material das inscrições
apareciam e eram analisados. O testemunho da arqueologia, apesar de indireto, tem
dado ao quadro das origens de Israel um colorido, fornecendo um pano de fundo,
embora não dê veracidade histórica aos pormenores das narrativas bíblicas.
Pedro Funari105 fala a respeito desse assunto tão controverso, que é o das
autorias, as datações e as composições dos textos. Para Funari, os textos e
documentos foram escritos por letrados, normalmente do sexo masculino,
demonstrando o resultado de uma instrução formal do escritor. Em contrapartida, os
restos arqueológicos refletem tanto a riqueza como a pobreza da comunidade
pesquisada, consistindo muitas vezes no único acesso que podem ter os povos

104
, Milton Schwantes, História de Israel v1: local e origem, aponta o surgimento de Israel a partir de
1200 a.C., coincidindo com o início da invasão de Canaã, pelos povos do mar, no final da 19ª
dinastia do Egito e PIXLEY, Jorge. História de Israel a partir dos pobres, p. 13, por sua vez, declara
que “a data que colocamos para o começo da história de Israel foi o ano de 1220 a.C., a data
estimada do êxodo”.Isto deixa o ano zero fora do período de Ramsés II (1290-1224 a.C.) e o coloca
dentro do período de Mernepta (1224-1204 a.C.). É sabido que a primeira vez em que Israel é
mencionado como grandeza política ou nacional é na estela de Mernepta, no seu 5º ano de reinado
(por volta justamente do ano 1220 a.C.) p.31.
105 P. P. A. Funari, (1999) “Lingüística e arqueologia”, Revista e Estudos de Lingüística Teórica e
aplicada, n15, v.1, p.161-76.
49

iletrados, as mulheres, os escravos etc. Isto é relevante no estudo da perícope em


Rute, onde os problemas sociais como imigração, fome, moradia, família e herança,
que envolvem litígios e partilhas dos bens, estão contextualizados no enredo desta
pesquisa.
Ele traça um paralelo entre a arqueologia e a exegese, e diz que, à primeira
vista, a exegese bíblica e o estudo da hermenêutica em nada se assemelham com a
arqueologia, pois o exegeta estuda em profundidade os textos e línguas antigas
para, assim, explorar as particularidades de vocabulário, como a semântica dos
textos bíblicos, fundamentando-se na filologia, com total dependência dos
conhecimentos dos textos antigos.
Já a arqueologia, explica Funari, consiste na cultura material dos sítios
arqueológicos e adverte que outro aspecto metodológico importante: as fontes
escritas que, por vezes, parte de um ponto de vista que reflete os interesses de
classes, grupos e ideologias, usando construções altamente subjetivas e
enviesadas, deve ser lembrado.

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO

A formação dos reinos nacionais israelitas em solo palestinense, segundo


Donner106teve que esperar um longo tempo.
Pode-se dizer que existe consenso na pesquisa sobre a data do surgimento
de Israel, como grandeza política: a segunda metade do segundo milênio a.C., ou
seja, entre 1500 e 1000 a.C.. Em relação a períodos arqueológicos, a referência é a
Idade do Bronze Posterior (1500-1150 a.C.) e princípio da Idade do Ferro I (1150-
900 a.C.).107
Os principais acontecimentos no Oriente Antigo e África do Norte, nesse
período, foram: a expulsão dos Hicsos do Egito, a formação do Novo Império
Egípcio (até 1090 a.C.) e a queda do Império Hitita (em 1200 a.C.)

106
Herbert Donner op. cit v1, p. 197.
107
Geoffrey Parker, Atlas da história do mundo, p. 12.
50

2.2 GRUPOS FORMADORES DE ISRAEL

Alguns grupos humanos estão presentes de forma muito contundente na


formação da nação Israelita. Isto é o que será visto por meio das análises
historiográficas, sociopolíticas, econômicas e religiosas do período.
Os estudos das narrativas patriarcais em sua historicidade e tradição falam
que antepassados de Israel vieram originalmente da Alta Mesopotâmia. A cidade de
Haram foi o ponto de partida de Abraão (Gn 11,32; 12,5). Nos textos bíblicos (Jz
3,1), esta tradição é confirmada. Haram é o centro das passagens das caravanas
araméias à Mesopotâmia, conhecido como a rota das caravanas (Akk. Paddânu) de
Aram108; Aram (Acádio harrânu).
A história dos judeus se confunde com a migração de uma tribo suméria que,
por volta do século XVIII a. C., abandonou a Caldéia para se estabelecer no país de
Canaã. Há três designações diferentes para este mesmo agrupamento humano.
Eles são identificados como: arameus, grupos abraâmicos ou patriarcas.
Alguns estudiosos109 preferem identificar os grupos abraâmicos em outro
segmento social, os hapirus110, Donner e outros, preferem identificá-los como
arameus. Apenas três características uniam estes grupos entre si: a) não eram
grupos muito antigos; b) viviam disseminados por toda a região de Canaã; c)
possuíam um estilo de vida nômade ou seminômade.
Muitos pesquisadores dizem que esses grupos chegaram do deserto sírio-
arábico pela transumância111 continuada. Já outros acreditam que eles surgiram a
partir da própria região de Canaã. Alguns mais enfáticos afirmam que Canaã foi
invadida por uma onda de arameus migrantes, mas essa possibilidade é remota.
Segundo Donner, “[...] o surgimento dos arameus está relacionado
primordialmente com as reestruturações de camadas populacionais e mudanças nos
papéis sociais dentro das terras e da cultura [...]” .112
A atividade econômica desses grupos era o pastoreio de gado miúdo e, por
109
R.T.O. Callangham. Aram Naharim, p.96
110
Israel Finkelstein; Neil Asher Silbermann. A Bíblia não tinha razão. p. 37.
111
A transumância consistia na mudança de “acampamentos” de uma região para outra devido às
alterações climáticas de estações, o que criava a constante necessidade de se buscar novos
pastos para os rebanhos. Já a transmigração era a mudança de um grupo para outra região devido
a outros fatores como, por exemplo, fome, mudanças políticas e etc. Um mesmo grupo transumante
poderia ser também transmigrante de acordo com a situação.
112
Herbert, Donner, História de Israel e dos povos vizinhos. Vol. 1, p. 49 e 65.
51

isso, viviam nas estepes e não se permitiam sedentarizar113. Entretanto, a


diversidade dos grupos seminômades e nômades era muito abrangente e nem se
restringe à pré-história israelita, pois esses grupos continuam existindo até os dias
de hoje 114.
Provavelmente os arameus também escolhiam as estepes para fugir do
tributarismo cananeu, que era uma imposição das cidades, sobre os habitantes do
campo.
As narrativas bíblicas demonstram que esses grupos não viam as cidades
com bons olhos, pois elas eram os lugares onde as mulheres corriam perigo (Gn
34,1-4). A lei da hospitalidade, que regia a vida dos habitantes do deserto, não era
respeitada, os viajantes eram mal-recebidos (Gn 19,6-8), os moradores não eram
confiáveis, havia guerras e sequestros (Gn 14) e as pessoas importantes da cidade
tomavam para si os poços cavados pelos beduínos (Gn 26,25).
Por essa razão, muitos pesquisadores consideram os patriarcas de Israel
como arameus, e essa memória também se tornou normativa com o fechamento da
Torá, pois o credo, recitado no momento de entrega das ofertas de primícias, diz:
“[...] meu pai era um arameu errante que desceu ao Egito com um punhado de gente
e ali morou como estrangeiro [...]” (Dt 26,5).
Pode-se inferir, portanto, que os grupos arameus115 estiveram presentes em
toda a região de Canaã durante o período em que Israel se estabeleceu como
nação. Independentemente de isto significar ou não se esse era o grupo humano
mais representativo na formação da nação, é inegável sua relevância para a
compreensão da história e da sociologia da nação Israelita116.
Entre os grupos abraâmicos, a condição de vida, tanto das mulheres quanto
das crianças, era melhor quando comparadas à vida delas nas cidades, onde as
crianças poderiam até mesmo ser sacrificadas à divindade. Nesses grupos
seminômades, a criança era encarada como uma dádiva da divindade, um sinal de

113
Milton Schwantes, História de Israel vol.1: Local e origens, p. 67, 68 e 85.
114
Herbert Donner, História de Israel... p. 59; Milton Schwantes, Op. Cit., p. 67, 68 e 85.
115
Paul Johnson, História dos Judaítas, p. 25 - 26.
116
Schwantes e Johnson, concordam em identificar Abraão não como parte dos arameus, mas como
hapiru. Abraão seria um "[...] líder de um desses grupos hapiru imigrantes, um chefe substancial,
com 318 servos treinados, nascidos em sua casa [...]” 15 (Gn 12,4 e 14,10-17). Quando esses
hapirus cresciam e prosperavam, havia conflitos (Gn 13,6-11 e 21,22-31), causavam um
desconforto diante dos reis locais, que não desejavam que os hapirus ficassem mais poderosos
que eles próprios.p.25 85.
52

bênção sobre a posteridade 117.


A vida das mulheres também era de fundamental importância nos grupos
arameus. Eram notáveis seus papéis na sociedade, tanto afetivos quanto
determinadores de um novo rumo para a história. Há que se considerar também que
a mulher exercia importante papel na atividade religiosa do clã.
O interessante estudo de Teubal118 enfatiza importantes elementos culturais
sobre a atuação religiosa, tanto de Sara, Rebeca e Raquel, quanto da própria Agar,
no contexto do Israel patriarcal. A Torá apresenta essas matriarcas como visionárias,
ou seja, como mulheres que também recebiam a revelação de Deus.
Tradicionalmente eles acreditavam em um único Deus, aquele que havia se
revelado aos seus antepassados. A religião dos hebreus tinha em si a característica
salvífica. O sistema de crença circulava em torno da ideia da aliança entre Deus e o
patriarca Abraão e suas promessas de que seus descendentes seriam numerosos e
herdariam a terra.
O monoteísmo não era específico dos hebreus: com Aton, o Egito já tinha
passado pela tentativa do monoteísmo. Os babilônicos também tinham um deus
único, que era a Lua, entretanto, a concepção do Deus dos hebreus se distinguiu na
medida em que Este interagia precisamente na história para libertar o oprimido e
para exaltar os justos.
Embora os antepassados de Israel tenham origem em muitos lugares
diferentes, existe uma exortação constante da parte de Deus para que eles não se
contaminem com os deuses dos demais povos: “Porque tu és povo santo ao Senhor
teu Deus; o Senhor, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosse o seu povo próprio,
de todos os povos que há sobre a terra” (Dt 7,6 (ARA). A exortação era para que
não se contaminassem e tampouco se deixassem influenciar pelos falsos deuses.
Aliás, Deuteronômio 1; 2; 3, insiste nessa questão da repetição das exortações à
obediência.
No primeiro discurso de Moisés, na planície do Jordão, ele fala acerca dos
outros povos como, por exemplo, os edomitas, moabitas e amonitas, e fala também
dos heteus, dos girgaseus, dos amorreus, dos cananeus, dos fereseus e heveus –
as outras sete nações mais numerosas e mais poderosas que eles (Dt 7,1). Esses

117
Herbert Donner, Op. Cit., p. 59.
118
Savina Teubal, Matriarcas e visionárias, p. 259 – 275. Sobre a liderança religiosa feminina de
períodos posteriores em Israel, podem-se encontrar dois capítulos em, Athalya Brenner. A mulher
israelita, p. 79 -112.
53

povos não eram povos sedentários. Segundo a história narrada nos textos da
biblioteca de Mari, eram povos seminômades, possivelmente com os mesmos
problemas de sedentarizarão de Israel.

2.3 CONTEXTO ECONÔMICO

Uma das suposições dos especialistas é que essas questões e debates sobre
os modelos da ascensão de Israel ao poder, em Canaã, não vieram totalmente à
tona nos estudos bíblicos, pela relutância da erudição bíblica em adotar a
aproximação sociológica ao primitivo Israel e aos demais povos.
Existe sim, uma aparente concordância entre os estudiosos, com relação aos
livros de Josué e Juízes, de que os mesmos constituem parte de uma imensa
composição, que começa em Deuteronômio e se estende por Samuel e Reis. Essa
obra é conhecida como “História Deuteronomistica” (HD) 119.
Outro exemplo interessante, para ser acrescentado à história de Israel, é o dos
Filisteus. Segundo o estudioso Houtart120, os Filisteus eram os povos da costa
marítima e se organizavam em uma confederação que, juntamente com os amonitas
(que viviam na atual Jordânia oriental), passaram a constituir uma ameaça aos
hebreus e às outras tribos (amonitas, moabitas e edomitas).
A economia mercante estava em grande expansão. Israel estava entre a rota
mercante, entre os pólos do norte da Índia e nas regiões mediterrâneas. As rotas
comerciais ajudam a perceber o comércio que era praticado na região.
Na península do Sinai pelo mar, na saída de Ezion-Geber, levava-se trigo e
azeite e se retornava com ouro, prata, marfim, madeiras nobres e animais exóticos,
conforme (1Rs 10 e 11,22). As estradas de maior importância comercial eram o
Caminho do Mar ou a Estrada da Costa, que saia do Egito chegando até a região de
Sidom. Parte dela tinha grande uso militar, sendo conhecida também como “Caminho
dos Filisteus” (Ex 13,17).
A segunda rota mais importante era conhecida como Caminho dos Reis. Por
ali circulavam os exércitos que viviam em combate pela região. Também por ali

119
S. Willian Lasor, Hubbard A. David, Introdução ao Antigo Testamento, p. 171.
120
François Houtart, Religião e modos de produção pré–capitalistas, p. 123.
54

circulava o despojo dessas batalhas. Além do comércio praticado por meio dessas
rotas, a região também se destacava pela pesca, pela produção de tecidos e de
grãos como trigo, cevada e de frutas como tâmaras, figos e azeitonas. Cavalos e
camelos precisavam vir da região da Arábia e ovelhas vinham da própria região.
Outro dado importante sobre o avanço tecnológico na região foi à descoberta
da cal nesse período. Isso começou a possibilitar a construção de cisternas nos altos
dos montes, para armazenar águas das chuvas. Com isso as populações passaram a
habitar nas montanhas com maior conforto e possibilidades de subsistência.
Houtart continua sua explicação dizendo que cada uma das doze províncias,
durante um mês no ano, encarregava-se da manutenção da corte e da manutenção
do Estado por meio dos dízimos e pagamentos dos tributos. Tudo muito
desmembrado.

2.4 INSTITUIÇÃO DA MONARQUIA

Essa ameaça deu inicio à primeira monarquia, Abimeleque, antes de Saul,


tentou instituir a monarquia a partir de Siquém (Jz 9), rompendo-se aqui o tribalismo,
Abimeleque, o manassita elimina o restante de sua família porque é dela que surge
a resistência e contestação em relação à monarquia121.
Se a monarquia ocorreu depois, ou simultaneamente ou antes da formação
das monarquias entre os povos da periferia Transjordânia, Amom, Moabe e Edom,
não se pode afirmar com certeza, mas com toda probabilidde, o motivo decisivo da
rejeição da monarquia era a reivindicação do poder teocrático de Javé, já que existia
um Israel pré-estatal uma constituição teocrática, então, Israel não precisava de um
rei, pois já tinha o rei , Javé (Jz 8, 22-2),”então os israelitas falaram a Gideão:
Governa sobre nós, tu, teu filho e teu neto, pois nos salvastes das mãos dos
midianitas! Gideão respondeu: não governarei sobre vós nem meu filho governará
sobre vós; Javé governará sobre vós!”, semelhante a da época pós–exílica.
Nesse principio teocrático se evidencia o comprometimento de Israel com a
vontade e reivindicação do poder de Deus, Mais tarde122. O certo é que Saul se

121
, Milton Schwantes, As Monarquias no Antigo Israel, p.15.
122
Neste período intermonárquico está o tempo do juiz Jefté (Jz 10,1-5)
55

tornaria rei, sendo substituído por Davi (1006 a.C.) Foi ele, Davi, quem derrotou os
filisteus e tomou Jerusalém.
O estado de Israel se organizou de modo a ter uma arrecadação tributária. No
entanto, a morte de Salomão marcou o fim do reino unitário. Houve a divisão das
tribos e do Reino de Israel. O Sul constituiu o Reino de Judá com somente duas
tribos e o Norte de Israel com as dez tribos restantes.
O Norte de Israel sobreviveu por dois séculos, sobre o reinado de Jereboão
tendo a primeira capital em Siquem e depois em Samaria (926-722 a.C.) Também foi
marcado por uma sucessão de acontecimentos políticos e religiosos, que foram
desde a introdução de crenças religiosas e dos cultos fenícios até a luta do profeta
Elias contra a rainha Jezabel, que teve sua representatividade no poder político e no
culto a Baal123, durante a conquista de Israel pelos assírios. Muitos israelitas foram
deportados para a Média124 e para a Mesopotâmia.

2.5 SURGIMENTO DA NAÇÃO MONOTEÍSTA

Quase duzentos anos depois desses fatos, ocorreu a conquista do reino do


Sul. Agora era a vez de Judá ser levado e deportado por Nabucodonosor para a
Babilônia. O dono da casa, o povo de Deus, cego por causa da idolatria e desatento
de tudo, não se dava conta do que estava acontecendo. Assim, no mês de agosto
de 587 a.C, Nabucodonosor, rei da Babilônia, invadiu a Palestina e destruiu a
Cidade de Jerusalém (2Rs 25,8-12; Jr 52,12-16).
Perderam tudo que, até aquele momento, tinha sido a expressão visível da
presença de Deus: O Templo, morada perpétua de Deus (1Rs 9,3), foi incendiado
(2Rs 25,9). A Monarquia, fundada para durar para sempre (2Sm 7,16), já não existia
(2Rs 25,7). Terra, cuja posse tinha sido garantida para sempre (Gn 13,15), passou a
ser a propriedade dos inimigos (2Rs 25,12; Jr 39,10; 52,16) É o cativeiro babilônico.
Setenta anos depois, a Babilônia foi conquistada por Ciro, o Persa (que

123
François Houtart, Religião e modos de produção pré – capitalistas p.124.
124
Heródoto aponta como causa política a unificação dos Medos. “Combatendo pela liberdade dos
assírios, os Medos tornaram-se aguerridos e chegaram a sacudir o julgo, fazendo-se
independentes”. A causa religiosa fará os Medos irmãos dos Persas de raça e de fé. Cf G.M.
Curtis, História da Antiguidade Oriental, p. 274.
56

morava na Pérsia em 585-550 a.C. e se tornou rei dos Medos-Persas em 559 a.C.)
enviando os exilados de Judá de volta a suas terras, mas, foi uma pequena minoria
que voltou para a reconstrução do templo; a maioria, os da diáspora, permaneceram
na Babilônia 125, por opção e conforto próprio.
No ano de 538 a.C., quando Ciro autorizou a volta dos exilados judeus e a
reconstrução do Templo de Jerusalém126 (Ed 6, 3-5), ele deu uma ordem que é foi a
de devolver todos os objetos em ouro e prata (Esd 1, 9-11) que Nabucodonosor
havia saqueado do templo de Jerusalém. A devolução foi feita por meio de
Sasabasar, príncipe de Judá, (Ed 1, 8; 6, 5), conhecido como Senasser (1 Cr 3, 18)
e considerado descendente davídico (1 Cr 3, 17-18). Logo após, Sasabasar recebeu
a ordem de empreender a reconstrução do Templo (Ed 5,15). Ele ficou pouco tempo
e voltou para Pasárgada.127
Embora o território de Israel fizesse parte do grande império Persa (539 a.C.),
os antigos exilados se agruparam sob a autoridade de um escriba chamado Esdras,
que procurou estabelecer uma nova ordem política e religiosa. Esdras a baseava em
um chamado à santidade para as famílias e uma renovação da aliança que para
Israel implicava em obedecer a Torá.
Assim, as vidas passaram a ser organizadas pela Lei. Tornou-se então
necessário ensiná-la e estudá-la. Logo, Saabat e as sinagogas foram providenciadas
e as liturgias reformadas e aplicadas.

2.6 INSTITUIÇÕES E SISTEMAS SOCIAIS EM ISRAEL

É importante entender como essas instituições se formavam e quais eram as


funções exercidas pelas mesmas no sistema social de Israel. O povo é quem
escolhia livremente as instituições ou as recebia de uma autoridade. Essas
instituições começaram a existir em função da sociedade local.
Os indivíduos se submetiam às instituições porque elas estavam ligadas ao

125
Heródoto, História, I, 178. Com a conquista da Babilônia, toda a região de Síria e Palestina passou
a ser domínio Persa. No ano 538 a.C Cf. N. Tunnermann, As reformas de Neemias, p. 13.
126
, N. Tunnermann As reformas de Neemias, p.12, H. Cazelles, História política de Israel, p. 212.
127
H. Cazelles, História política de Israel, p. 212-3. Nessa cidade encontra-se o edito de Ciro,
cf Ed 6, 2.
57

seu habitat (geografia, clima). As instituições sociais que compunham essa


sociedade passaram a ser a forma fixa da vida social do grupo, com os cuidados
embasados no compromisso de lealdade e solidariedade, normalmente gerado pelo
parentesco entre as pessoas.
Todos os povos e nações possuem sistemas sociais próprios e suas próprias
instituições. As instituições de Israel serão melhores compreendidas quando
comparadas com as instituições dos povos vizinhos, como a Mesopotâmia, o Egito e
a Ásia Menor, já que estes vizinhos possuem documentação histórica abundante.
Sobre Israel e outros Estados da região, como o Estado Sírio há escassez de
documentação. A arqueologia, com seu estudo nos acervos do passado é que tem
assessorado e corroborado na reconstrução de como eram essas instituições. Esses
acervos mostram que, no início da sedentarização, todos os israelitas possuíam a
mesma condição social, e as riquezas provinham das terras que foram repartidas
entre as tribos, as quais defendiam zelosamente o patrimônio. Grupos de
camponeses, trabalhadores, soldados mercenários e outras pessoas marginalizadas
se afastaram das condições opressoras de centralização política e fizeram sua
estratificação social nas cidades-estado de Canaã.
Essas igualdades de condições de vida puderam ser comprovadas por meio
das escavações que foram feitas em cidades daquela época. Estudos recentes
sobre o Antigo Testamento dizem que os primitivos israelitas eram um povo que
optou deliberada e conscientemente por formas de organização comunitária e que
isso garantiu a igualdade social.
Em Tirsá, a atual Tell El-Fâr,ah, as casas do século X a.C. possuem todas os
mesmos formatos e dimensões. Era este o habitat similar de muitas famílias que
possuíam o mesmo modo de vida. As descobertas arqueológicas, a partir do século
VIII, mostram que, no mesmo sítio arqueológico, havia quarteirões de casas ricas
maiores, construídas pomposamente. Separadas, em outro quarteirão, aglomeradas
em suas áreas construídas, as casas pobres tinham outro perfil de construção.
Essas diferenças sociais foram provocadas principalmente pelo período
monárquico. A monarquia fez surgir uma classe de funcionários e administradores,
que recebiam favores do rei e viviam de levar vantagens. Outra classe era a de
negociantes, que obtinham lucros com o comércio de suas terras. Deuteronômio
15,1-11 fala sobre a situação social desse período, em que juízes corruptos e
credores impiedosos geraram essas riquezas mal adquiridas.
58

2.6.1 Sistemas Sociais do Israel Antigo em Rute

Mesters diz que, apesar do texto de Rute não fazer referência direta e
explícita sobre como eram as instituições e o sistema sócio–politico-religioso, nas
suas entrelinhas é mostrada a situação em que o povo vivia e a maneira como os
conflitos da sociedade entre as pessoas eram resolvidos por meio dessas
“instituições” pré-estabelecidas.
1. Em uma primeira leitura, a sociedade na qual Rute e Boaz viviam era uma
sociedade agrária (Rt 1,2; 2,23). A terra (posse, herança) era um objeto de
negócios e podia ser comprada ou vendida (4, 3), o que não estava de
acordo com a lei (Lv 25, 23).
2. Rute envolve questões sociais, econômicas e jurídicas: fome (1,1),
amizade, o compromisso com a pessoa de Noemi, com o povo, a questão
do parentesco. O Deus de Noemi supera as divisões e as limitações da
raça (1,16), migração (1,17), pobreza (que obriga a catar as sobras da
colheita (2,2); impossibilidade de uma viúva pobre e sem filhos, manter a
propriedade da sua terra (4,3); recusa de um parente mais rico em ajudar
um parente mais pobre do mesmo clã (4,6); velhice e impossibilidade de
ter um filho para garantir a continuidade da família (1,11-12); morte e falta
de futuro (1,3-5); sentimento de culpa diante de Deus (1,13; 2,1).
Se se olhasse todas essas questões com a visão de mundo atual, estariam
inclinadas a identificar primeiro as causas humanas e naturais, para depois
mencionar-se que certamente “Deus estava por trás de tudo”, mas na cultura dessa
época, era o contrário. Deus era identificado como a causa. Ele era o causador por
trás da fome, da guerra e as causas naturais ou humanas eram consideradas
secundárias.

2.6.2 Organização da Tribo

A tribo é um grupo autônomo de famílias que se consideram descendentes de


um mesmo antepassado. Ela é denominada segundo o nome ou o sobrenome de
59

seu antepassado, precedido ou não de “filhos de” 128. Assim, o que une cada tribo
é o relacionamento baseado no sangue verdadeiro ou suposto, sendo que todos se
consideram irmãos em um sentido amplo.
O que une os membros de uma mesma tribo é o vinculo de sangue. Cada
tribo possui suas tradições próprias sobre o antepassado do qual descende, então,
nas relações entre as tribos havia certa ligação de parentesco. Entende-se que,
apesar da organização, a vida tribal em geral tinha pontos em comum, também cada
tribo tinha sua vida mais ou menos especifica e sua identidade particular (em Rute
pode-se verificar a organização tribal de grupos de famílias autônomas).

2.6.3 Como eram Constituídos os Sistemas Sociais

2.6.3.1 Religião

Uma sociedade era conhecida pela maneira como servia o seu Deus, por
meio de seus cultos, da guarda dos dias, das luas e das festas. Havia uma Ideologia
entre os povos. No Antigo Oriente, as causas naturais, tinham o mesmo valor que
atualmente se confere às causas sobrenaturais.
A causa natural da seca, nas narrativas de Rute, contou com a intervenção
salvífica do Senhor. Foi esta que trouxe fim àquela fome. Não se pretende
apresentar aqui um conjunto elaborado do sistema religioso judaico, que explique
como atuam as intervenções do Senhor.
Este estudo irá limitar-se às concepções históricas e, eventualmente, à
evolução e às crenças que fortaleceram os sistemas sociais e suas instituições; elas
foram instaladas entre tribos que, antes, eram sem classe e descentralizadas,
passando a praticar o apoio mútuo, nos planos: econômico, político e social.

128
R. de Vaux, Instituições de Israel, p. 23.
60

2.6.3.2 Economia

Em qualquer sociedade, a economia é a geradora de recursos. A elite tinha


propriedade no campo e também a casa na cidade. Eram nas cidades e em seus
centros comerciais que ficavam os centros administrativos. A fonte de produtos
pertencia à roça.
A elite eram os agricultores, donos das roças, que moravam nas cidades.
Fora do espaço urbano, o povo rural vivia com seus recursos coletivos, numa
sociedade de subsistência. As estradas eram caminhos locais que levavam em
direção ao lugar central. A economia era gerada por um grupo de pessoas que fazia
troca de bens e serviços e formava uma sociedade adaptativa.
Nessa sociedade ruralizada, como o que está descrito nas narrativas do livro
de Rute, a força de trabalho era a agricultura. Os agricultores, como Boaz e
Elimeleque, são os homens que constituíam a elite em evidência (e
simultaneamente em decadência) da época.
São exemplos como os desses pequenos latifundiários que controlavam as
instituições e os sistemas sociais. A terra era trabalhada por empregados (2,3-9).
Nesses modelos de sistemas sociais eram os proprietários que controlavam a
economia gerada pela agricultura; o dono da terra era um homem importante (Rt
2,1) que aparecia no campo para fiscalizar e dar ordens aos seus empregados e
ceifadores (2,4; 2,15-16); eles determinavam a colheita e o cultivo, a produção era
cevada (1,22) e trigo (2,23). A economia gerada pela produção era mantida por esse
pequeno clã.
Analisando o contexto econômico da região, no momento em que surgiu
Israel, vários aspectos devem ser observados, principalmente o geográfico. Nas
partes mais altas da região, havia o cultivo de uvas e azeitonas.
Os rebanhos de ovelhas e cabras também eram criados nas regiões mais
altas, nas encostas ou nos campos, pois ovelhas e plantações são duas grandezas
fisicamente incompatíveis. Plantações precisam de cultivo e ovelhas normalmente o
destrói
Entretanto, as ovelhas sempre tiveram importante peso na economia da
Palestina, pois a lã abastecia a produção de tecidos Segundo Milton Schwantes a
sociedade tribal israelita não foi uma instituição atrasada, havia uma espécie de
61

ponte entre a comunidade e o estado129.


O tribalismo israelita foi um dos mais adiantados em sua época. Produzia-se
em comunidade o que era um avanço em relação às planícies de Israel.
A partir de 2500 a.C., uma nova liga metálica foi descoberta. Misturando-se o
cobre ao estanho formava-se o bronze. O próximo passo na metalurgia foi descobrir
a liga para o ferro, mais leve e resistente do que o bronze. Isso aconteceu a partir de
2.000 a.C., trazendo grande desenvolvimento à fabricação de armamentos. numa
região em constante conflito político.
As rotas comerciais ajudam a perceber que tipo de comércio era praticado na
região. Como já mencionado, na península do Sinai, pelo mar de Ezion-Geber se
levava trigo e azeite e se retornava com ouro, prata, marfim, madeiras nobres e
animais exóticos.
Conforme 2Rs 10;11,2, as estradas de maior importância comercial eram o
Caminho do Mar ou Estrada da Costa, que saia do Egito, chegando até a região de
Sidom. Parte dela tinha grande uso militar, conhecida também como “Caminho dos
Filisteus” (Ex 13,17). A segunda rota mais importante era conhecida como “Caminho
dos Reis”. Por ali circulavam os exércitos que viviam em combate pela região e
também os despojos dessas batalhas.

2.6.3.3 Política

A Política no Antigo Oriente diz respeito à ação coletiva das gentes que se
organiza pelo poder da elite. A unidade básica dessa sociedade era a das linhagens
dos clãs e das famílias. A família de Elimeleque pertencia ao clã dos Efrateus, de
Belém de Judá (Rt 1,2) essa família, em especifico, estava se extinguindo. Dentro de
um mesmo clã havia parentes ricos e homens importantes (2,1), com grandes
propriedades e que podiam adquirir mais algumas (4,9). Em consequência, os
pequenos tinham que vender as suas, em função da pobreza da época (4,3), (cf.Lv
25, 25).
Havia ainda os empregados (2,9-15) e as empregadas (2,8), controlados por

129
Milton Schwantes, As monarquias, p.38-40.
62

um feitor (2,6), que trabalhavam na terra sem possuí-la. Também havia os escravos
(2,13) – alguns autores, particularmente os eruditos judeus, negam que houve
verdadeira escravidão em Israel ou pelo menos escravos israelitas; o termo ébed
significa propriamente escravo, mas nunca atingiu os níveis da palavra escravo
como o paralelo aplicado por Roma instrumenti genus vocale.

2.7 DIREITOS DE PROPRIEDADE APLICADOS EM RT 4,1-12

Os judeus mantinham seus registros genealógicos com muito cuidado.


Faziam isso principalmente porque os direitos de propriedade em Israel estavam
ligados à herança de família.
Quando os judeus se instalaram em Israel, as tribos receberam partes da
terra como sua herança (Js 14,19). As famílias, dentro de cada tribo, receberam
partes dessa terra, que poderia ser cultivada, desenvolvida ou vendida. Edward F.
Campbell sustenta que o livro de Rute testemunha uma forma pré-deuteronômica de
casamento de levirato, enquanto para outros estudiosos130, o que está escrito em
Rute não tem nada a ver com o levirato.
Por exemplo: Segal afirma que o livro de Rute propõe a prática legal das leis
da herança geûlâh (leis do resgate codificado em Lv 25, que não foram incluídas no
Pentateuco. Na opinião do autor, o parente deve resgatar as terras, no caso, as de
Noemi.
Segal continua, dizendo que o Talmut e o Midrash nunca trataram Rute como
uma mulher que precise conseguir o yibbûm (realização dos deveres do levir para
com ela). A questão em si descreve um casamento de levirato, mas isso parece algo
acidental. O foco principal é o resgate da terra, ou seja, o dever do go’el (vingador)
raiz à qual pertence o verbo ga”al, (fazer um objeto voltar à sua condição primitiva).
Noemi diz claramente que as noras devem voltar para a casa de suas mães, pois
ela, Noemi, não tem mais filhos para dar como maridos (Rt 1,1-13) e não há irmãos
vivos para cumprir o levirato.
Segundo Baba Mesi,

130
Jack Sasson concorda com M.Z. Segal e Robert Godis, ver Atalaya Brenner, Rute a partir de uma
leitura de gênero, p. 223.
63

[...] o texto em Rute 4,7 não está claro se é Boaz quem dá a sandália ao
parente ou se é o parente quem dá a Boaz; a questão permanece em
aberto, mas a entrega da sandália nada tem a ver com o há lisa, ritual de
arrancar a sandália em um casamento de levirato, descrito em
Deuteronômio.

Ao entregar a sandália (Rt 4,7), o resgatador formaliza a troca de propriedade


131
. A cada 50 anos uma família sem posses poderia requisitar de volta a parte da
terra que seus ancestrais tinham recebido na distribuição original (Lv 25,10).
Pessoas que não pudessem descrever sua linhagem familiar não possuíam herança
na nação de Israel, sendo tratados como estrangeiros, sem posses.
Esse fator contribuía fortemente para a preocupação dos judeus com
genealogias. Além disso, alguém que possuísse uma propriedade teria para onde
retornar, como é o caso de Noemi e Rute. Já que na teoria era impossível a
dissolução dos casamentos mistos, pois seria a destruição da família e mais órfãos
espalhados – como fora ordenado por Esdras (Ed 9; 10) – para que os direitos dos
pobres fossem restituídos, e as famílias tivessem continuidade e garantia de futuro,
era necessária a aplicação das duas leis contidas no livro de Rute: a lei do levirato e
a lei do resgate.

2.8 A FAMÍLIA

O tipo da família israelita pertence a um dos diferentes tipos distinguidos


pelos etnógrafos: o tipo fratriarcado, no qual a autoridade exercida pelo irmão mais
velho é transmitida do mesmo modo que um patrimônio, de irmão para irmão.
Esse tipo de família era comum entre os hititas e hurritas, no Elam e na
Assíria. Algum vestígio desse tipo de família também é encontrado no Antigo
Testamento, na instituição do levirato e em outros episódios bíblicos, como a
iniciativa dos filhos de Jacó, para vingarem o ultraje sofrido por Diná (Gn 34) e o
papel desempenhado por Labão, no acordo do casamento de sua irmã Rebeca, (Gn

134
Para estes estudiosos, o que está escrito em Rute não tem nada a ver com o levirato, Segal
sugere que o livro de Rute suponha a pratica legal das leis da herança geûlâh (leis do resgate
codificado em Lv. 25) que não foram incluídas o Pentateuco, o parente deve resgatar a terras de
Noemi. O Talmut e o Midrash nunca trataram Rute como uma mulher que precise conseguir o
levirato.
64

24).
O matriarcado, outro tipo de família, é o mais comum nas sociedades
primitivas. Sua característica não é que a mãe exerça a autoridade, o que é um caso
raro, mas, ela vai determinar o parentesco do filho, se é judeu ou não. A criança
pertence à família e ao grupo social da mãe e não aos parentes do pai; e o direito da
herança se fixa na descendência materna. Segundo Robertson Smith132, o regime
matriarcal foi a primeira forma de família, entre os semitas, e na escola etnográfica
de Graebner e de Schimidt133 o matriarcado é uma forma de família.
Dentro desses conceitos definidos e por exemplos nos textos bíblicos, como o
caso de Sara na condição de prima de Abrão, o de Tamar e o de Sansão e Dalila,
infere-se que, independentemente de como tenha sido a sua pré-história, a família
Israelita é patriarcal. Isso é o que mostram os documentos mais antigos, nos quais
as genealogias são fornecidas por meio da casa paterna bêt’ab.
Na “casa paterna”, as genealogias são dadas seguindo a linha paterna e as
mulheres são apenas mencionadas excepcionalmente, como se fossem um parente
mais próximo; por linha colateral, por exemplo, um tio paterno. No tipo normal de
casamento, o marido é o “senhor” ba’al de sua esposa. Em exemplos que os filhos
casados vivessem com o pai, o mesmo era autoridade sobre ele e sua mulher, uma
autoridade total que lhe dava o direito de decidir a vida ou a morte, como no caso de
Tamar e Judá (Gn 38, 24).

2.8.1 O Cotidiano da Mulherno Antigo Israel

Como nas tradições dos antepassados134 e nas de Moisés, as mulheres


ocupavam postos fundamentais, como facilitadoras e celebrantes da libertação de
Israel, das opressões do Egito (Ex 15, 22).

132
William Robertson Smith foi um orientalista escocês estudioso do Antigo Testamento e professor
de Teologia ministro da Igreja Livre da Escócia Foi um dos editores da Enciclopédia Britânica
Também é conhecido pelo seu livro Religião dos semitas, o que é considerado um texto
fundamental no estudo comparativo da religião.Teologo escoces. 8 de novembro de 1846/31 de
março de 1894.
133
Escola de Viena William Schmidt e Fritz Graebner, os quais em 1904 lançaram sua visão cultural
policéntrica, já que aceitavam que uma mesma inovação pudesse ter sido inventada ou descoberta
em vários.
134
Norman K Gottwald., Introdução Sócio-literária à Bíblia Hebraica, p. 220.
65

Ao mesmo tempo, essas mesmas mulheres constituíam, por vezes, uma


ameaça, quer em uma apostasia externa, quer na liderança interna, como é o
exemplo da mulher cuxita esposa de Moisés que suscita a ira dos irmãos de Moisés,
Mirian e Arão. Estes consideravam o casamento de Moisés com uma cuxita uma
ligação sexual fora da vontade de Deus (Nm 12,1-5). Um israelita ligado a uma
estrangeira era severamente condenado e estava relacionado com pragas e
doenças. Entretanto, Mirian, quando contestou a liderança e autoridade de Moisés,
foi desvestida das suas funções de liderança e punida com uma doença.
Nesse incidente, entende-se que havia uma coesão da comunidade, em
relação aos assuntos de ordem da saúde pública. O significado da doença, nesse
caso a lepra, demonstrava que uma autoridade foi suprimida de Mirian: “Assim
Mirian foi detida fora do arraial” (Nm 12,15). Gottwald ainda questiona se a mulher
cuxita poderia ser a mesma mulher, Séfora, que fora exaltada ao circuncidar o filho,
afastando a ira de Iahweh contra Moisés, atitude pouco habitual para uma mulher
exercer, na sociedade da época.
Segundo Ana M. Tepedino135, as mulheres fazem com que as histórias
aconteçam tanto no presente quanto no passado, em qualquer lugar que estejam.
No Oriente, em geral, segundo a autora, havia uma mentalidade bastante
preconceituosa em relação à mulher, e em muitos textos bíblicos, muitas vezes, nem
o nome do personagem feminino é citado.
Em outras situações, o nome da pessoa não é mencionado explicitamente,
por se encontrar inserido no coletivo, iguais aos das citações: “povo”, “multidão”,
“discípulos” etc. Ivoni Richter Reimer 136, em sua palestra na PUC, cita:

[...] há muitos jeitos de encobrir ou fazer calar a história de pessoas,


um dos jeitos é mencionar alguém rapidamente e se centrar então
em pessoas e acontecimentos aparentemente mais importantes.
Outro jeito mais sutil e muito mais desenvolvido de encobrir a
história pode acontecer justamente através da interpretação da
história fixada. Isto é, a história interpretativa de um texto pode
silenciar ou deixar de perguntar por algum elemento pertencente a
ela.

135
, M, Ana Tepedino, As discípulas de Jesus. Editoras Vozes, Petrópolis,1990, p.67.
136
Reimer Ivoni Richter, Tema: Jesus e a tradição das transgressoras, II Congresso Internacional de
Estudos Bíblicos, PUC, São Paulo, 2008.
66

Antes da monarquia, as mulheres compartilhavam as mesmas tradições, a


mesma língua, os mesmos valores dos homens. Elas eram consideradas ‘am-povo
(Rt 4,11), mas politicamente não era um “povo” igual “aos homens”, não podiam
representar o seu bet ‘ab na assembléia, no portão.

2.8.2 Abusos Sexuais

Sexualidade é um assunto bastante amplo e polêmico, porém sempre


presente nas narrativas bíblicas, em muitos livros. É interessante observar-se que a
Bíblia não se isenta de apresentá-los, em todas as suas variações. No caso de Ló e
suas filhas, existe a presença do incesto (Gn 19,31) ou no caso de Tamar (Gn 38,8),
um método preservativo foi usado para que a mulher não gerasse filhos. Ademais,
como gerar filhos é um dos mandamentos de Deus, então evitá-lo é um abuso
sexual.
O deuteronomista reconheceu a necessidade de falar sobre esse problema
social e pontuou juridicamente a infração do ato, instituindo sanções e punições
sobre o infrator: “se alguém seduzir qualquer virgem que não estava desposada e se
deitar com ela, pagarão seu dote e a tornará por mulher”. (Ex 22,16) É a tentativa de
salvaguardar a mulher honesta e casta, contra os abusos masculinos.
Nas narrativas bíblicas (Jz 19) os abusos sexuais contra as mulheres foram
relatados com certa frequência, já que aconteciam constantemente. Não se pode
esquecer dos episódios do pós-guerra, nos quais as mulheres, em geral, vinham
junto com os despojos e eram maltratadas por meio da mutilação dos corpos, do
rapto ou mesmo quando uma prisioneira de guerra que houvesse sido cativa, se
tornava a esposa (Dt 21,14).
O estupro137 ou as relações sexuais ilícitas que, por vezes, aparecem nas
narrativas bíblicas, tenta fazer entender que havia o propósito de reprodução e ou
sobrevivência de uma tribo (Gn 19,31). O estupro aparecia com certa frequência e
parecia ser uma ocorrência, no Israel Antigo. O homem decidia proceder de tal

137
O conceito de estupro, como um ato animal, refere-se à situação em que uma mulher,
independentemente de ter sua escolha de ter um ato sexual ou uma relação intima com um homem
em especifico, é violentada.
67

forma e contra a vontade da mulher. Era considerado como abuso sexual, qualquer
ato com conotação sexual ou resultado sexual, feito com a intenção de objetivar,
dominar, machucar ou humilhar uma pessoa138.
Sob o ponto de vista social jurídico e político, a mulher em Israel possuía
menos privilégios que as mulheres dos grandes países vizinhos. São poucas as
mulheres que se destacaram e adquiriam uma identidade individual: Miriam, as
parteiras do Êxodo, Débora, Rute e a Sulamita são alguns dos poucos exemplos,
onde o ponto de referência era, em sua maioria, dos homens. No Egito, a mulher
comumente aparece com os direitos de um chefe de família. Na Babilônia, ela podia
adquirir posses, agir judicialmente e ter partes na herança de seu marido. Na colônia
de Elefantina, sob a influência estrangeira, a mulher judia adquiriu direitos.

2.8.3 Casamento

Na época patriarcal, o costume era o de que o homem possuísse somente


uma mulher, como foi no início, no relato da criação, onde os casamentos eram
monogâmicos (Gn 2,21-24). Abraão possuía apenas uma mulher. Nos escritos
históricos, encontram-se as mulheres, principalmente no papel de mãe, que ensina e
nutre ou a esposa, ajudante de seu marido.
Os patriarcas seguiam os costumes do oriente e dos seus ambientes. Era a
Palestina da Idade Média do Bronze, e não a Palestina do Império Egípcio.
Segundo o código de Hamurabi (1700 a.C.), marido não poderia tomar uma
segunda mulher a não ser em caso de esterilidade da primeira. A mulher estéril era
quem arrumava uma concubina escrava para o seu marido. A esposa titular era
única e só ela possuía o direito de esposa.
A situação dos direitos legais da mulher Israelita era então diferente da de
uma mulher escrava. Um homem poderia vender sua escrava ou até sua filha
legitima (Ex 21,7), mas não poderia vender a sua esposa, ou nem mesmo aquela
esposa que houvesse sido cativa de guerra (Dt 21,14). O marido podia repudiar sua
esposa, mas o documento e repúdio a protegiam e lhe restituíam a liberdade. O

138
F Rachel Magdalene, Ancient Ner Easten Treaty Curses and the Ultimate Text of Terr, A Feminist
Companion to the Letter Prophets, p. 326-352.
68

provável é que depois do repúdio, a mulher recebesse apenas o usufruto do marido,


mas também uma parte do mohar que veio com ela, por meio de seus pais (Jz
15,19; Jz 1,15).
A estima pela mulher sempre era maior quando a mesma gerava filhos para a
posteridade (Gn 16,4;29,31;30,24); principalmente se fosse menino, o respeito de
seu marido aumentava, em função do direito de herdar a herança da terra e de
preservar a família pela progenitora. A lei condenava tanto o homem como a mulher,
pela falta de filhos (Ex 21,17; Lv 20,9; Dt 21, 18-21) e o decálogo insiste no respeito
aos pais (Ex 20,12), essa orientação é repassada nos escritos dos livros sapienciais,
como os de Provérbio.
No Egito, por exemplo, a mulher comumente aparecia com os direitos de um
chefe de família. Na Babilônia ela podia adquirir posses, agir judicialmente e ter
partes na herança de seu marido. Na colônia de Elefantina, sob a influência
estrangeira, a mulher judia adquiriu direitos de representar o seu bet ‘ab na
assembléia.

2.8.4 A viúva

Havia os pobres, as viúvas e os estrangeiros que, para sobreviver, recorriam


ao direito da respinga na terra de outros (Rt 2,2). A viúva no Antigo Oriente Próximo
perdia a posição social garantida pelo marido e, geralmente, perdia também a
posição político-econômica. Em geral, as leis do Antigo Testamento mostram
mulheres legal e essencialmente dependentes dos homens, conforme algumas leis.
Ela possuía certos direitos e responsabilidades, sua situação nos dias de hoje seria
comparativamente à mesma dos sem-tetos, que perambulam pelas ruas do país.
Como não tinham a dependência de um homem, economicamente, dependiam da
sociedade em geral.
Em algumas dessas leis, as mulheres viúvas possuíam certos direitos e
responsabilidades, mas que já haviam caído em desuso. É interessante salientar-se,
também, que as mulheres nunca recebiam heranças. Elas e as crianças eram
vendidas como escravas.
É, no pós-exílio, durante a reestruturação da nação, que surge a esperança
69

da vida e a valorização da mulher por meio de uma releitura das leis


deuteronomistas. Lê-se nos livros de Rute, Judite, Cântico e Cantares, que foi nessa
sociedade degenerada, que a mulher passou a ser valorizada.
Belém (a cidade do pão) foi onde surgiu o resignificado da legitimidade do
lugar pela mulher; a socialização intencional da viúva, e do encaixe da
sobrevivência pelo pão diário, a partir do entendimento da consciência de gênero.

2.8.5 Escravidão

A condição do escravo na vida diária dependia em grande parte do caráter de


seu dono, mas geralmente era suportável e o escravo tinha a segurança de que não
lhe faltaria o necessário. Os trabalhos domésticos exigiam muito: criar os filhos,
cozinhar, fazer pão, cuidar do rebanho, trabalhar no campo, tecer etc. Essa labuta
diária a integralizava ao social.
As mulheres escravas tinham uma situação particular. Estavam a serviço
exclusivo da dona de casa.
Também havia os escravos (as) israelitas, na casa de Israel. Não apenas os
adquiridos nos pós-guerras, mas aqueles que ficavam nessas condições pela
miséria ou pelas dívidas. Além disso, devem-se acrescentar também os ladrões que
não podiam restituir e eram vendidos para recuperar o valor do furto. Segundo o
código de Hamurabi, alguns escravos por dívida não podiam ser retidos por mais de
três anos, mas essa lei nem sempre era observada, como mostra Jr 34,
provavelmente pela inobservância. Em Lv 2 prevê-se um prazo de 50 anos, mas
obriga o dono a tratar seu escravo como um assalariado ou como um hóspede.

2.9 O POVO DA TERRA E OS ESTRANGEIROS RESIDENTES

Este termo recebeu várias explicações. A mais aceita é que a expressão


70

“povo da terra–am-ha-aretz”– signifique classe social inferior139, comum ao povo


camponês, em oposição ao habitante da cidade. Era comum encontrar-se, junto ao
“povo da terra” e aos israelitas, o estrangeiro que contava com os costumes da
hospitalidade.
Os estrangeiros eram divididos em duas categorias: os de passagem, que
usufruem da hospitalidade, mas não da proteção da lei; e os que compunham o
grupo de estrangeiros residentes, os gerî. Estes sim contavam com a proteção da
lei. Era o povo que morava em Canaã e foi absorvido na sociedade israelita, mas
não podia ser proprietário de terras, somente arrendá-las; a propriedade imobiliária
ficava em poder do israelita (Dt 24,14). Geralmente eram pobres e, comparados aos
órfãos e às viúvas, todos economicamente fracos, aos quais lhe eram dados os
direitos de recolher os frutos caídos, as azeitonas esquecidas nas árvores, rebuscar
a vinha e respingar após a colheita (Lv 19,10; 23,22;Dt 24,19-21).
Os israelitas deviam assisti-los e lembrar que foi estrangeiro na terra do Egito,
inclusive amá-los como a si mesmos. Eram submetidos às mesmas penas da Lei e
da justiça que os israelitas.
O gerí era o estrangeiro que vivia de forma estável em meio à comunidade e
usufruia de certos direitos. Ele era menos associado social e religiosamente. Abraão
foi um ger em Hebron (Gn 23,4), Moisés em Mídiã, (Ex 22) e Elimeleque era um
homem de Belém, que foi com sua família se estabelecer como ger em Moabe (Rt
1,1). Moabe (Rt 1, 1), o autor nesse versículo, tenta fazer uma conexão entre
Abraão, como caldeu (que se converte e passa a ser o pai de muitas nações, em
especial a dos hebreus) e Rute, que pertence à linhagem de Ló, e que também,
apesar de idolatrar, renega o deus Milcon (de Camos), o deus dos moabitas, e se
converte a Javé.
Abraão e Ló são uma história de desencontros, mas em Rute e Noemi há
encontros. Repetições de cenas padrão140 ocorrem por várias vezes nesse

139
Tércio Machado Siqueira. Um pouco da história da pesquisa do povo da terra, Segundo ele, “[...] a
expressão povo da terra não possui significado fixo ou rígido, mas é usada no Antigo Testamento,
de modo puramente geral e fluido, variando no significado de contexto para contexto [...]”. Na época
de Davi, representava o povo judaíta, forte do campo, que fomentava as trocas de reis no trono; na
época de Jeremias o conceito passou por uma transição e povo da terra foi assemelhado aos
pobres da terra. Durante a deportação, sabe-se que não eram apenas pobres os que compunham
esse grupo, mas, no pós-exílio, o conceito passou a ter conotações cada vez mais pejorativas até
que, na época dos hasmoneus, eram igualados aos ignorantes e negligentes com a lei, gente que
não queria se moldar ao sistema monoteísta p. 9 -16.
140
R Alter., A arte da narrativa bíblica, p 48.
71

paralelismo bíblico entre Abraão e Rute: Ambos são estrangeiros despatriados, que
abandonam sua parentela para viver em terras estranhas.
Boaz, inclusive, usa uma frase que reforça esse pensamento de Alter, sobre
cena padrão: “me contaram que você deixou seu pai e sua mãe” (Rt 2, 11). Há ainda
uma citação do autor do livro aos Hebreus no NT que se encaixa nos relatos de Rute
(Hb 7,3). Igual a Abraão, que caminhou junto a Ló por muito tempo, Rute e Noemi
caminharam juntas até Belém. E ambos, Rute e Abrão vêm pro Jordão.

2.10 A IMIGRAÇÃO

Imigração é um conceito sociológico amplo e com implicações que


ultrapassam o interesse da pesquisa, então, a análise sobre essa questão social
será breve.
As imigrações ou migrações não ocorrem por uma causa turística ou
aleatória, o texto diz “Teve fome no seu país e um homem de Belém...” (Rt 1, 1) O
migrante ou imigrante tem dignidade, e sai à busca de um emprego. Nos textos
bíblicos, esse tema sobre imigrar por causa da fome é retomado por muitas vezes.
141
Alter designaria essa ocorrência de “cena padrão” . A fome normalmente é a
causa da migração ou imigração. É a necessidade básica do homem, que faz com
que o mesmo seja um imigrante ou um migrante (Gn 12,10).
A América Latina, como qualquer outro lugar do mundo, hoje é um continente
de migrantes e de imigrantes. Nas capitais dos países latinos e, principalmente no
Brasil, vivem milhares de pessoas refugiadas, asiladas e desprezadas, fora de suas
fronteiras. Pessoas carentes, enfrentando a separação de seus vínculos familiares e
de seus laços culturais, indo ao encontro de culturas e costumes distintos dos seus,
os quais estavam socializados. Agora tudo é novo, variando desde a comunicação e
idioma, até a dificuldade de concorrer a vagas para empregos.
O imigrante peruano, boliviano, coreano (não importa a sua nacionalidade),
ou migrante nordestino, chega sem recursos a uma cidade brasileira grande, e não
ostenta consigo nada de valor pessoal; ele não carrega o seu laptop, ou seu Ipod.

141
Op.cit., p 52.
72

Ele só traz consigo um sentimento, uma esperança de que tudo irá dar certo.
Não foi diferente nos dias de Rute. Elimeleque tinha esperanças de que tudo
iria dar certo, quando decidiu ir para Moabe142. Assim como Rute, ao retornar
juntamente com Noemi para Belém, com certeza também nutria essa mesma
esperança. Algo bom esperava por Rute, em Belém. Essa bondade era o Hesed de
Deus para com Rute e Noemi, para estrangeiro e materializado na pessoa de Boaz.
Boaz protegeu Rute, a estrangeira, de ser molestada pelos abusos legais e
econômicos. “Não a molesteis, disse Boaz aos seus trabalhadores” (Ex 22,20; Rt
2,15). Assim como Boaz, também se tem conhecimento por meio da mídia, que
existem abusos trabalhistas em vários setores das indústrias. É o “escravagismo”
exercido por muitos empresários inescrupulosos.
Como exemplo, é citado o que ocorre no setor da indústria de vestuários. A
produção e a comercialização estão em mãos de administradores estrangeiros que,
em sua maior parte, trabalham de maneira clandestina em um submundo onde os
funcionários são imigrantes de nacionalidades iguais às do patrão e são trazidos dos
seus países de origem com falsas promessas e ilusões.
Homens e mulheres vêm dentro de contêineres de navios, diretamente para a
mão de obra setorizada. É o mercado de Taiwan, acontecendo no Brasil. Mão-de-
obra com baixo custo. Consequentemente, o produto final chega ao mercado por um
preço bastante competitivo e atraente (o governo ou tão pouco a igreja querem
enxergar essas atrocidades).
Entende-se que o compromisso e a atitude de Boaz devam iluminar a práxis e
estimular a rever as posturas. Ensinar-se a verdade fará diferença; basta pequenos
gestos de solidariedade e irmandade, como os de Boaz.
Boaz via a necessidade da imigrante, quando disse: “Deixe que ela vá
respingar” (Dt 24,19; Rt 2,15). Ele integrou a estrangeira no círculo de funcionários,
amigos e na comunidade: “Vem e assenta-te conosco e come”. É um gesto de
reconhecimento do outro. 143

142
Não é diferente nos dias de hoje. É o migrante retirante, seringueiro que chegou em São Paulo
atrás da respinga e terá que apreender a assentar tijolos nas construções. Ou, o boliviano
imigrante, que hoje, para sobreviver, trabalha em oficinas de costura por 12 a 16 horas por dia,
dormindo embaixo de suas próprias máquinas de costura, para remir o tempo de produção.
143
A atitude e o posicionamento de Boaz devem servir de exemplo para iluminar a práxis como Igreja
Cristã, e ensinar a fazer diferença na implantação do Reino. Serão apenas uns pequenos gestos de
solidariedade e irmandade que deverão ser colocadas em prática.
73

2.11 PROSELITISMO

O tema da conversão de mulheres ao judaísmo tem sido intensamente


estudado pela escola moderna. Na literatura disponível a respeito, o assunto não
está claro, nem as circunstâncias que o geraram. Sabe-se que, pelo casamento, isso
ocorria, mas as mulheres não eram totalmente aceitas na comunidade judaita como
convertidas de fato, tendo que passar por um longo processo, até serem
consideradas membros. Algumas literaturas rabínicas citam nomes de mulheres
prosélitas de vários períodos, a começar no período greco-helenístico do segundo-
templo.

2.12 CONTEXTOS HISTÓRICOS DAS RELAÇÕES DE ISRAEL COM OS


ESTRANGEIROS

As narrativas bíblicas estão repletas de relatos que falam dos povos que
viviam nas cercanias de Israel e que sempre estiveram em conflito. As relações dos
judaítas com amonitas, moabitas, edomitas e egípcios pré-exilio, no exílio e pós-
exílio, sempre foram tumultuadas. O povo moabita é um desses exemplos de vínculo
histórico. São os filhos de Ló (Gn 19,1-38), sobrinho de Abrão. Moabe fazia parte,
assim como tantos outros povos, dos herdeiros de Abraão, afinal são em Abraão
que serão benditas todas as nações da terra (Gn 12).
Para complementar, ressaltam-se aspectos novos para tentar descobrir a
lógica por trás das atitudes das lideranças pós-exílicas apenas com um destes
grupos, os Moabitas, e não com todos os estrangeiros vizinhos de Israel. O que os
separava eram as diferenças morais acima de tudo.
Um eixo importante é a primícia implícita do autor (a) de assumir, sem muitas
explicações, que Moabe era um destino possível e normal para uma família Judia,
que buscava ajuda em caso de necessidade. E o casamento de Maalon e de Quilon
é comentado sem nenhum constrangimento ou exortação.
Diplomaticamente, Moabe é uma nação neutra. Existe o texto de Isaías que
fala a respeito de Moabe como local de refúgio, nos momentos de tribulações, Em Is
74

48,1 existe um grito de juízo contra os moabitas, “Também executarei juízos em


Moabe, e os moabitas saberão que eu sou o SENHOR”. A referência direta a
Moabe, moabita(s) aparece em cento e setenta e sete versículos do texto hebraico.
Moabe era um povo descendente de Ló, o sobrinho de Abraão que vivia num
rico planalto, a leste do Mar Morto e que, durante muito tempo, conviveu
pacificamente com Israel, mas, que, após a destruição de sua cidade, sendo eles os
únicos sobreviventes, se refugiaram em cavernas, passando a morar como
nômades. As filhas de Ló, pensando serem as únicas sobreviventes se sentiram na
obrigação de povoar a terra. Então, embriagaram o pai e dormiram com ele. O
incesto foi praticado e cada uma concebeu um filho, que são identificados pelos
nomes de Ben-Ami, considerado o ancestral dos amonitas, filho da mais nova, e
Moabe, o filho da mais velha, que é o pai dos moabitas (Gn 19,30-38).
A HD produzida em seu primeiro momento dá trinta e nove referências sobre
Moabe, sendo que a maior parte dessas referências está nos dias de Josias, com
base na primeira e na segunda redação do Deuteronômio. Ela traz muitas menções
sobre Moabe. Basicamente, ela cita Moabe como parte do percurso antes da
chegada em Canaã (Js 13, 32; 11,18), repete os episódios com Balaão (Js 24,9; Jz
11,25) e mostra que Moabe subjugou os israelitas, mas foi livrada por Jefté (Js 10,6;
Jz 3,12).
Moabe esteve presente nos episódios envolvendo Débora (Jz 4 e 5), foi alvo
de investidas militares de Saul (1 Sm 12,9-47), escondeu Davi e seus pais enquanto
foragido de Saul (1 Sm 22, 3-4) e emprestou mercenários aos exércitos de Davi (2
Sm 8,12; 23,20). Até aqui se percebe uma Moabe fraterna com Israel.
Mais tarde, Moabe foi subjugada por Davi, com tributos pesados, perdurando
um clima hostil entre eles. Antes, até Davi tivera bom relacionamento com os
moabitas. Davi também derrotou os moabitas, e os mediu com cordel, fazendo-os
deitar por terra; “e os mediu com dois cordéis para matá-los, e com um cordel inteiro
para deixá-los com vida. Ficaram assim os moabitas por servos de Davi, pagando-
lhe tributo” (1Sm 8,23).
Moabe voltou a ser independente durante o domínio assírio, mas em 581 a.C.
cumpriu-se a profecia de Jeremias, com a invasão de Nabucodonosor àquela região.
Na Bíblia hebraica existem inúmeras referências a Moabe, mas a primeira é
após a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra. As narrativas bíblicas falam
de Ló (sobrinho do patriarca Abraão) e suas filhas, gentes que viviam num rico
75

planalto a leste do Mar. A região de Moabe, a leste do Mar Salgado, estendia-se


desde as planícies ao norte do rio Arnom, até o rio Zered, ao Sul.
A região media cerca de 100 quilômetros de Norte a Sul e cinquenta
quilômetros desde o mar salgado até o deserto ao leste. As “Terras de Moabe” ao
Norte do rio Arnom e o vale de Arnom (Nm 21,14) era uma região que pertencera a
Seom (Nm 21) e tinha sido distribuída à tribo de Rubens. Moabe (mô’abh) era o filho
de Ló, o sobrinho do patriarca Abrão, que foi gerado de maneira incestuosa, entre Ló
e sua filha mais velha, após eles terem saído de Sodoma (Gn 19,37), mas, ainda
assim, um parente genealogicamente próximo dos Israelitas. Tanto os seus
descendentes como a terra que ocupavam eram conhecidos como Moabe.
Pouco se sabe a respeito de Moabe durante esse período, embora as
pesquisas arqueológicas tenham identificado dezenas de ocupações que remontam
a essa época. Nos tempos anteriores ao êxodo, Moabe era ocupada e tinha vilas
estabelecidas até aproximadamente 1850 a.C. Possivelmente, os descendentes de
Ló, mais tarde, tenham se misturado com essa população, por meio de casamentos,
e emergiram como grupo, a população dominante que acabou dando o seu nome à
tribo.
Terra prospera era Moabe. O que se entende é que dessa relação surgiram
os dois povos que habitaram a Transjordânia.¹
Indo para Moabe, há uma série de vaus que cortam a região das planícies de
Moabe, que combinados com os bons índices de chuva e um solo poroso tornavam
a região propícia para a agricultura. A altura média dos planaltos é de 1000 m,
cortados por essas profundas gargantas que se estendem por mais de 21
quilômetros, distanciando-se em direção ao leste do mar salgado.
Na Bíblia, tem-se preservado o nome de muitas cidades moabitas (Nm 21,15-
20; 32,3; Js 13,17-20; Is 15; 16 e 48,20). Moabe, como os outros, era um reino
altamente organizado, com boas atividades pastoris e agrícolas, edifícios bem
planejados, cerâmicas próprias e distintas, e poderosas fortificações, na forma de
pequenas fortalezas, colocadas ao redor de suas fronteiras.
Algumas inscrições assírias também confirmam a importância estratégica de
Moabe no Crescente Fértil, sobretudo por causa da “Estrada do Rei”, que ligava o
golfo de Ácaba ao Norte da Síria, facilitando as comunicações e o transporte,
inclusive de mercadorias de luxo, entre o Egito e a Mesopotâmia.
Os quatros reis do Oriente invadiram Moabe e derrubaram o povo de Savé-
76

Quiriataim (Gn 14,5). A Transjordânia então entrou em um período de ocupação não


sedentária, até em torno de 1350 a.C., quando diversos reinos da Idade do Ferro
apareceram simultaneamente. Em consequência, os moabitas se espalharam para
além do seu planalto e ocuparam o Norte do rio Arnon, destruindo seus antigos
habitantes.
Pouco antes do êxodo, essas terras de Moabe, ao Norte do wadi Arnon,
foram arrebatadas por Seom, o rei dos amorreus. Quando Israel procurou
permissão para viajar pela “estrada real”, que atravessava o planalto, Moabe
recusou (Jz 11,17), mas é possível que tenham tido contatos comerciais (Dt 2,28-
29).
No entanto, Moisés foi proibido de atacar Moabe, a despeito de sua atitude
adversa (Dt 2,28-29) e, dali por diante, Moabe passou a ser excluída de Israel (Dt
23,3-6). E a relação entre Moabe e Israel passou a ser tumultuada.
A Bíblia relata muitas histórias desses conflitos e, ao mesmo tempo, inter-
relacionamentos de mútua ajuda, entre ambos. Serão citadas algumas situações de
conflito e de convívio entre essas gentes. Os moabitas eram adoradores de Camos,
deus a quem faziam sacrifícios humanos (2Rs 3,26).
Quando Israel se preparava para atravessar o rio Jordão, acamparam nas
“planícies de Moabe” (Nm 22,1; Js 3,1) e foram seduzidos pelas mulheres moabitas
e midianitas, a participarem de suas práticas idólatras (Nm 25 e Os 9,10). Israel se
estabeleceu do outro lado do Arnom (Nm 22,24; Js 24,9) e Balaque, rei de Moabe,
perturbado pelo sucesso dos israelitas, mandou que o profeta Balaão amaldiçoasse
Israel.
Nos dias dos juízes foi um dos tempos nos quais Israel esteve em contato
com Moabe. Quando, Eglom, rei de Moabe, conquistou parte de Israel, invadiu terras
israelitas e estabeleceu seu trono em Jericó, e oprimiram e escravizaram Israel por
dezoito anos.
Eúde, o Benjamita, o matou (Jz 3,13-30) e fugiu para a região montanhosa de
Efraim, dali reunindo um exército pra vencer qualquer moabita que tentasse escapar
pelo rio Jordão. “E disse-lhes: Segui-me, porque o Senhor vos tem dado a vossos
inimigos, os moabitas, nas vossas mãos.” Elimeleque de Belém migrou para Moabe
e seus filhos se casaram com mulheres moabitas, Órfã e Rute. Mais tarde, Rute
enviuvou, casou-se com Boaz e tornou-se ancestral de Davi (Rt 4,18–22; Mt 1,5-16).
Saul, o primeiro rei de Israel, até surgiu como um juiz salvador (1 Sm 11,5-6)
77

e, “sendo tomado pelo espírito de Javé”, guerreou contra os moabitas (1Sm 14,47).
Davi se alojou no país de Moabe, enquanto viveu como fugitivo (1Sm 22,3).
Posteriormente, Davi subjugou Moabe e separou muitos moabitas, para matá-los.
Os moabitas só conseguiram se libertar no reinado de Salomão, sendo depois
subjugados novamente por Onri, rei de Israel (Pedra Moabita). Perto do final do
reino de Acabe, eles começaram a se libertar novamente.
E, a história continua. Josafá, rei de Judá, foi procurado por Jotão, rei de
Israel, para prestar ajuda a Edom, rei de Moabe, para recuperá-la (2Rs 1, 1;3,4-27).
Mais tarde, as terras de Josafá foram invadidas por moabitas, amonitas e edomitas,
mas Josafá foi livrado desse ataque, já que os exércitos confederados dos inimigos
divergiam entre, si provocando uma guerra interna, se atacando mutuamente (2Cr
20,1-30), em uma confusão entre os aliados. Os relatos bíblicos são recheados de
invasões moabitas a Israel.
Moabe também foi subjugada pela Assíria e foi obrigada a pagar tributos.
Esse acontecimento foi no final do Séc. VIII a.C. (Is 15,16). Depois da queda dos
assírios, Moabe ficou livre. Moabe invadiu Judá nos dias de Jeoaquim (2Rs 24,2).
Por ocasião da queda de Jerusalém, em 587 a.C., alguns judeus encontraram
refugio em Moabe, mas, quando retornaram, Gedaias foi nomeado governador.
Moabe então foi subjugado por Nabucodonosor (Josefo, Antiguidade x 9.7) e caiu
sucessivamente, sob o domínio dos persas e dos vários grupos árabes.
Os moabitas então deixaram de ter existência como nação independente,
mas a raça moabita, mesmo no pós-exilio, ainda existia (Ed 1, Ne 13,1-23).
Alexandre Janeu os subjugou no Séc. II a.C. (Josefo antiguidade x III, 13.5). Nos
livros proféticos, os moabitas foram frequentemente mencionados havendo um
julgamento divino contra eles (Is 15, 16; Jr 9,16; Am 2,1-3 e outros).
Segundo Vinicius Galleazzo¹, as referências bíblicas pertinentes a Moabe
constatam que esse povo representava uma problemática para diversos autores
bíblicos, e, provalvemente, para Israel e para Judá. As menções nos relatos bíblicos
a respeito de Moabe sugerem sempre uma visão negativa sobre aquele povo.
Um exemplo disso é o texto contido em Nm 25,1-5, que cita a transgressão
religiosa entre homens israelitas e mulheres moabitas. A literatura profética também
contribui para fortes condenações a Moabe (Am 2,1-3, Sf 2,8-11, Ez 25,8-1,Is 15,1-
16, Jr 48,1-47). Até os Salmos citam Moabe, considerando-a a “bacia de lavar” de
Yahweh, (Sl 60,10 e 108,10).
78

2.13 RELAÇÕES ENTRE ISRAEL E MOABE

Aparentemente, nos dias de Salomão, os deuses de Moabe começaram a


participar da vida religiosa de Israel, por meio das esposas estrangeiras com quem
Salomão se casou, fazendo alianças políticas com os povos vizinhos (1Rs 11,1;
7,33). Moabe teve, com Israel, relações de vassalagem.
Durante os dias de Acabe, Mesha, rei de Moabe, pagou tributo ao rei de
Israel, até que se rebelou. Embora a Estela de Mesha fale de uma grande vitória
moabita, o relato bíblico atribui derrota aos moabitas, (2Rs 3,5-27). Após a morte de
Eliseu (2Rs 13,20), os moabitas se comportavam como os mercenários, para se
livrar do domínio do Norte. Com a destruição do Norte, o “problema moabita” passou
para o Sul, pois Josias destruiu altares às divindades moabitas, em sua reforma
(2Rs 23,13). Por fim, já em período babilônico, nos dias de Jeoaquim, quando este
se rebelou contra Nabucodonosor, bandos de moabitas ajudaram a devastar Judá.
Essa é a síntese histórico-teológica das relações entre Israel e Moabe, segundo o
texto da historiografia deuteronomista.
A tensão entre Moabe e Judá, que os profetas anteriores não deixam
transparecer muito bem, se torna mais acentuada nos posteriores 1 Isaías e
Jeremias. Sabe-se da enorme relevância da profecia desses dois profetas, para o
período exílico e pós-exílico. Então a concentração será nesses ditos.
No 1º livro de Isaías, constam os ditos contra Moabe que predizem, de forma
muito homogênea, uma assolação do país e de suas cidades (Is 11,14; 15,1-2-4-5-8-
9; 16,2-4-6-7-11; 15-10). A profecia de Jeremias é que nos dá um quadro mais claro
da relação com Moabe nos dias de deportação. O país recebeu anúncio de cativeiro
da parte de Jeremias (Jr 27,3). Moabe, junto com outras nações e Israel, são
incircuncisas de coração (Jr 9,26). Recebeu juízo em Jerusalém (Jr 25,21), mas
abrigou vários judaítas foragidos, quando o segundo grupo foi deportado (Jr 40,11).
Todo o restante dos profetas posteriores e o castigo sobre a nação pela
soberba dela, pela forma como se considerou superior a Judá, é pesado e
avassalador (Jr 48,1-2-4-9-15-17-20-24-26-31-33-35-36-38-47). Porém Moabe não
teve seu povo deportado (48,11). Ela experimentou a mesma sensação de batalha
entre os deuses (só que perdida para Camos) que Israel vivenciou (48,13).
Contemporâneo de Jeremias, Ezequiel apenas corroborou o anúncio de
79

destruição e juízo contra Moabe (Ez 25,9-11). Mas o castigo de Moabe foi por não
ter respeitado que Israel era povo diferente das demais nações (Ez 25,8). Que teor
profético mais interessante dirigido a um grupo que realmente fomenta essa
concepção de superioridade.
As referências a Moabe aparecem quarenta e oito vezes na Torá. De todas
essas ocorrências, apenas treze citações estão no Deuteronômio, três menções em
Gn, contando apenas a origem dos moabitas pelas filhas de Ló, uma em Ex, no
cântico de Moisés e, todas as demais (trinta!), no livro de Nm, um documento que,
segundo o consenso de muitos estudiosos, é de formulação inteiramente sacerdotal,
originário da Babilônia.
Das referências a Moabe, no livro de Deuteronômio, a única que está contida
no Código Deuteronômio é a da perícope desta exegese. Todas as demais
pertencem às outras camadas do livro. O teor delas é majoritariamente
mencionando Moabe como um lugar no qual os escravos vindos do Egito ficaram
acampados e Moisés passou a ensinar.
As montanhas de Moabe deveriam ter um significado solene, pois sua
participação no conteúdo do livro de Deuteronômio é grande. A lei veio do Sinai,
mas os discursos de Moisés vieram das montanhas de Moabe. Já se sabe da
história redacional, mas o sentido teológico de Moabe no Deuteronômio é o de um
lugar solene, onde a lei foi proferida, a caminhada no deserto foi rememorada e
Moisés, o grande legislador de Israel, se despediu do povo.
Ali ele morreu e foi sepultado (Dt 29,1; 32,49; 34,1-5-6-8), outras citações
sobre Moabe são positivas : a lei é que determina que o moabita não fosse
molestado “Não ataqueis Moabe, não entreis em combate contra ele; não te darei
posse nenhuma em sua terra, pois foi aos filhos de Ló que eu dei a posse de Ar” (Dt
2,9).
O que a arqueologia tem descoberto sobre Moabe é que esse território
começou a ser habitado com mais profusão somente durante a Idade do Ferro. Os
sítios arqueológicos de períodos anteriores, em Moabe, são escassos, provando que
não havia uma Moabe urbanizada, na época do êxodo e tribalismo. Essa
estruturação aconteceu realmente no período das monarquias em Israel. Como no
reinado de Salomão, esse território estava anexado em relação de vassalagem com
Israel, na época da divisão dos reinos houve a separação do território.
Provavelmente apenas nessa época é que Moabe pôde ser considerado um
80

país significativo e autônomo, algo que durou apenas até a expansão assíria,
aproximadamente duzentos anos (entre 926 e 722 a.C.).
Do período josiânico é a formulação de Deuteronômio 2,9, o que pode
significar que, até os dias de Josias, Moabe não era um grande problema para
Israel, mas sim um povo com direitos de posse em Canaã, cedidos por Yahweh, por
critérios semelhantes aos de Israel. Mas, na lei de Deuteronômio 23,3, Moabe se
tornou um problema que merece ser excluído. Que tanto problema Moabe passou a
representar para Israel e a partir de que textos?
Primeiramente os moabitas atacaram os israelitas por meio de Siom, rei de
Hesbom, cidade moabita (Nm, 21-30). Depois disso, Balaque, o rei da própria
Moabe contratou Balaão para profetizar contra os israelitas (Nm 22-24). Libertos da
maldição convertida em bênção por Yahweh, por fim, os israelitas se misturaram em
prostituição cultual com as mulheres moabitas e o povo foi atingido por uma grande
praga, que matou cerca de vinte e quatro mil pessoas (Nm 25).
O que não fica muito claro nesse texto é se o motivo da praga foi a
contaminação com as moabitas ou com as midianitas, mas no documento sacerdotal
estão contidas três menções ruins sobre Moabe. O restante das citações pertence
aos roteiros de viagem.
Será que a queixa de Israel contra Moabe realmente reside nesses episódios
ou o fundamento tem conotações mais políticas? Os livros proféticos apresentam
quase o triplo de citações sobre Moabe das apresentadas na Torá. Nos profetas
encontram-se noventa e sete referências a Moabe e moabitas, apenas duas citações
em Amós, referindo-se às ações de Moabe contra Edom, uma em Miquéias, fazendo
referência aos mesmos episódios de Balaão, duas em Sofonias e apenas quatro em
Ezequiel.
Todas as demais se encontram em Isaías e a quantidade de menções sobre
Moabe em Jeremias é assustadoramente grande. Isso já deixa o olhar mais atento
para o período em que Moabe se transformou num problema para Israel. Melhor
dizendo, se transformou num problema para Judá, porque as menções sobre Moabe
na profecia do Norte são escassas, para não dizer, quase nulas.
Portanto, os escritos falam pouco de Moabe. Só não falam menos porque um
dos livros conta a história de uma moabita, como será visto no capítulo quatro. Rute
possui treze das trinta e duas referências a Moabe, nos ketuvim. As demais
referências estão em Esdras e Neemias; em Esdras, referindo-se à denúncia de
81

alguns judaítas de que o povo não estava cumprindo a lei que ordenava separação
com os costumes da terra.
Em Ne 13, já consta que o povo tomou conhecimento da lei nos dias em que
Neemias esteve ausente e eles mesmos separaram os filhos moabitas e amonitas
do meio deles. Ou seja, a formulação de Deuteronômio 23,4 já deveria estar pronta
em Ne 13,1-23. O restante de menções dos Escritos sobre Moabe está no livro das
Crônicas. Esse sim é o documento que conta sobre muitos problemas entre
moabitas e judaítas. Moabe é basicamente um problema dos dias do exílio. Não é
de se admirar que a lei de exclusão de moabitas entre no Deuteronômio, nessa
mesma época.
82

CAPITULO 3

MESSIANISMO NO JUDAISMO ANTIGO E A MONARQUIA

O Messianismo é um fenômeno sociológico complexo que ocorre em


diferentes partes do mundo, com muitos outros nomes e em muitas direções, mas
sempre dentro de um mesmo “espírito” e sistema. Israel tinha uma apreensão sem
paralelo, de achar propósito na vida.O Messianismo judaico originário foi
principalmente político, no sentido de o Messias restabeleceria o reino de Israel. O
conceito de um messias sacerdotal tem origens no Antigo Testamento (Lv 4,3,5,16;
6,15). Messias, como personagem excepcional, que teria a missão de restabelecer o
estado social e religioso de outrora. Enquanto esse restabelecimento não se
efetivava, um leque de reinterpretações foi se criando, desde as formas
simplesmente políticas, até as espirituais, como a dos essênios e a dos cristãos.
Para a missão restauradora, o chefe excepcional seria ungido o que, para a
mentalidade teocrática antiga, significava uma unção de Deus.
A própria história mostra que a monarquia em Israel, após Davi, quando
exercida pela “linhagem de Davi”, foi um fracasso. Isso demonstra que a expectativa
e o anseio pelo Messias real não precisa ser mais recente do que no tempo de
Salomão. A ligação dessa esperança a uma personagem real do futuro de maneira
alguma dependeria da queda histórica da monarquia, mas ela sempre esteve
presente na historia de Israel. E, foi desde o começo da sua história, que Israel teve
consciência disso (cf Gn 12, 1-3). E essa consciência é que os tornaram uns dos
poucos historiadores144 do mundo antigo.
No caso do Judaísmo antigo, parece que o “Messianismo” somente existiu vinculado,
primeiro com a cidade de Jerusalém, com as duas instituições do palácio real e do templo
ou seja, com os papéis relacionados de rei e de sacerdote; e depois, quando sua existência
era apenas uma remota memória e/ou uma possibilidade futura, então se vinculou com as
escrituras sagradas que foram redigidas. Dessa perspectiva, não houve Messianismo
judaico que não fosse um prolongamento,de uma maneira ou de outra, do projeto
monárquico judaico anterior.

144
Cf. O Novo Dicionário da Biblia, V.1 D Douglas e outros. p.1031.
83

Quando o “Messias” não era da linhagem de Davi, mas de outra tribo celestial ou
angelical, o projeto Messiânico judaico ainda permanecia monárquico. Mesmo quando
somente Deus era considerado o rei desejado, a visão monárquica do bom Governo
continuava sendo uma visão hierárquica, absolutista, baseada na intervenção de
mediadores entre Deus e seu povo.
É importante não perder de vista que nenhum dos vários Messianismos do Judaísmo
antigo propôs uma alternativa político-religiosa que não fosse um reinado. Um reinado
melhor, talvez renovado, purificado, um tipo de reinado sublime, porém sempre um reinado.
Não é sugerido que todos os Messianismos do Judaísmo antigo tenham sido iguais.
Porém, se distinguem por haver abandonado a antiga fascinação do sonho político,
que consertaria todas as coisas do passado, por meio da irresistível força e virtude de um
“homem-poderoso”, seja qual fosse o nível ontológico que ele acaba mostrando ter.
O fato de que esse Messias seria um homem bom, um Filho da Humanidade
celestial, o melhor dentre os anjos, o filho de Deus, ou o próprio Deus, dificilmente isso
impede de se ter um cenário monárquico.145
Em Deuteronômio 18, 15 e segs. tem-se uma passagem com caráter
Messiânico. Deuteronômio não só se preocupou em estabelecer critérios da lei: um
lugar cúltico, um só Deus, um só povo, mas fala de mediações que deveriam ser
realizadas pelos sacerdotes a quem se atribui o papel central do templo e aos reis
que, segundo Schwantes146, são tentados à idolatria (Dt 12, 13) e, a grande
esperança da nação que iria se formar, passa a ser o profeta Moises (Dt 12, 13).
Se aceitar-se que o livro de Deuteronômio é uma redação deuteronomista,
escrita sob o forte impacto da profecia, então, segundo Schwantes147 seus
escritores, são os profetas Natã, Elias, Eliseu, Isaias do exílio e sobre esse quesito
profético, ainda não apareceu ninguém igual a Moisés ou que tenha cumprido a
predição de Deuteronômio 18, 15.
Em Deuteronômio 34, 10 confirma-se essa palavra: ainda não surgiu um
profeta específico que, em sua forma e em sua pessoa, fosse igual e não
semelhante a Moisés em Horebe (v16).
Tem-se boas razões, pelo que já foi apresentado nos capítulos anteriores,
que essa esperança, desde cedo, é o alicerce da historia do povo escolhido, surgida
a partir do “protoevangelho” de Gn 3,15.
Do ponto de vista teológico de Israel, o conceito sobre a vida neste mundo

145
Leif E. Vaage. Jesus e os messianismos do seu tempo desde a perspectiva da “Fonte Q”*, p 16
146
Milton, Schwantes, Sofrimento e Esperança no Exílio, p.30.
84

estava enraizado no conhecimento de um único Deus, que Se revelou pessoalmente


a eles. Três indivíduos do passado ficaram envolvidos no padrão de Messiânico148:
Adão, Moisés e Davi.
O Messias, enfatizando o conceito, é o título oficial da figura central da
esperança judaica149, é um personagem escatológico150, dos últimos dias e não
somente do futuro, visto que a grande maioria das passagens escalotógicas151
apropriadamente definidas, relembram a queda da monarquia davídica, como sendo
um fato da história passada, mas apontam para o futuro. Passagens
aparentemente152 messiânicas eram dirigidas normalmente, diretamente ao rei então
reinante, sem um significado escatológico ou Messiânico153.
Segundo Mowinckel, o Messias deve pertencer ao pós-exílico, pois nada é
visto a respeito dEle no pré-exílio. Esse parece ser um consenso entre os estudiosos
da História Deuteronomista. Pereira de Queiroz154 encontra a concepção popular de
Messias a partir do profetismo da Bíblia; dessa mesma opinião comunga Schwantes,
que em si propõe um tempo novo de paz e prosperidade, lembrando que foi na luta
do povo israelita contra os impérios vizinhos, que se formou esse primeiro
significado de Messias. Depois, o conceito ingressou nos estudos históricos e
sociológicos de modo mais amplo.
Crenças messiânicas e movimentos Messiânicos não são exclusividade de
Israel. Segundo Queiroz, eles existem desde sempre. O livro de Pereira de
Queiroz155 faz um recenseamento dos movimentos Messiânicos durante o decorrer
da história, nas várias regiões do globo, desde tribos do Oeste norte-americano até
a Melanésia, além do ocidente medieval.

148
Por uma questão de praticidade, durante o desenvolvimento desta pesquisa, a palavra
messiânica/o, será associada a todas as profecias que situam uma pessoa em foco de atenção
como sendo uma personagem da salvação.
149
É um produto do Judaísmo posterior. Seu uso é válido no Novo Testamento, e estas mesmas
características se aplicam preeminentemente ao Senhor Jesus. Este termo é encontrado por duas
vezes no Antigo Testamento (Dn 9, 25,26).op.Cit.., p. 1031.
150
Ver,S Mowinckel. He That Cometh,1956 Op. Cit.., p.1030.
151
Segundo O Dicionário da Biblia, nem todos os escritores concordam que a escatologia é pré-
exílica (cf., por exemplo, Vriezen) e que talvez Mowinckel tenha definido o conceito de forma rígida
demais. Essa definição contraria muitas passagens bíblicas, já que a definição de Mowinckel deixa
entender que não há escatologia em passagens que se refiram a sobrevivência e a vida, de um
remanescente depois de uma intervenção divina. (Hb.1: 2;1JO 2: 18) Op. Cit, p. 1030 e 1031.
152
Existe a possibilidade de que redações posteriores tenham adaptado o conceito Messiânico, e
escritores posteriores o tenham tirado. Op. Cit., 1995, p.1030.
153
Ver Mowinckel, op. Cit, p.1031.
154
Maria Isaura Pereira de Queiroz, O Messianismo no Brasil e no Mundo, p. 26 e 27 ,
155
Op. Cit.. p.27
85

3.1 O MESSIAS E DAVI

Houve um tempo próximo aos dias monárquicos de Davi, quando ele ainda
não era o rei, mas havia sido ungido por Samuel para suceder ao trono (ISm 16, 15)
que ele teve que se refugiar na caverna de Adulão (ISm 22) para fugir do Rei Saul
e se juntaram a ele todos os homens que se achavam em aperto, todo homem
endividado e todos os amargurados de espírito. Assim, ele se fez chefe deles (22,
2).
Depois de montar seu exército, Davi passou por Mispa de Moabe e deixou ali
seu pai e mãe sob a proteção do rei daquele lugar. “Dali passou Davi a Mispa de
Moabe e disse ao rei: deixa estar meu pai e minha mãe convosco, até que eu saiba
o que Deus há de fazer de mim” (22,3). É incrível a ousadia dessas palavras. Davi
diz ao rei Moabita, rei do povo que adora o deus Camos, que estava esperando o
que Yahweh iria fazer por ele. Que tempos seriam esses? Qual o cenário político
desses dias no qual o rei vizinho faz parceria com o ungido? Que expectativa havia
no ar moabita que geraram esse acordo? Será que Rute, a moabita, tem algo a ver
nessa história?
Existem especulações de que ela foi filha de um rei de Moabe, mas essas são
perguntas para as quais não se tem respostas concretas e tampouco é essencial
para o tema central da investigação. De qualquer maneira, o que é compreensível é
que os escritores da HD deixam claro que havia um ir e vir entre Moabe e Judá,
além de um contexto Messiânico, em relação à vida do ungido Davi – muito forte, o
Messias seria um guerreiro, um libertador.
Também mais tarde, nos tempos do exílio da Babilônia, em que Moabe e
Judá156 se relacionavam de forma pacífica, talvez essa tenha sido uma estratégia da
época, semelhante às do tempo de Davi, entre os pequenos, os campesinos e os
povos das tribos, para superarem a opressão e sobreviverem diante do império.
Nesse meio angustiante, abarrotado de expectativas e esperando “em Deus” os
cumprimentos das promessas, surge para Israel uma resposta por meio de um

156
Final do Séc. VIII a.C. (Is 15,16). Depois da queda dos assírios Moabe ficou livre. Moabe invade
Judá nos dias de Jeoaquim (2Rs 24,2). Por ocasião da queda de Jerusalém em 587 a.C. alguns
judeus encontraram refugio em Moabe, mas quando retornaram Gedalias foi nomeado governador.
Moabe então foi subjugado por Nabucodonosor (Josefo, Antiguidade x 9,7).
86

Messias, de um Salvador: “Um ramo sairá de suas raízes. Sobre ele repousará o
espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de discernimento, espírito de conselho e
de valentia” (Is 11,1-2,).
Tem-se descrito neste texto um conteúdo do rebento que se restringe às
qualidades políticas que caracterizam aquele que irá exercer o poder político na
nação. Todas essas qualidades estão a serviço da instauração de uma nova ordem
social, fundamentada na justiça. No texto de Isaias citado, não se menciona Davi,
nem a Casa de Davi mas essa citação pertence ao 1° Isaías.
Nesse profeta, o rebento alude simplesmente a um chefe político,
descendente de Jessé.157 A tradição profética do rebento admite uma diferenciação,
segundo se assuma referências de interpretação do proto Isaias ou do primeiro e
segundo Isaías, ou mesmo de Jeremias ou Zacarias, como no exemplo citado logo
mais. No entanto, existem elementos unificadores entre eles. Um deles é a
expectativa pelo estabelecimento de um novo estado. Uma nova concepção do
exercício político.
Segundo José Adriano,

[...] o profeta Jeremias promete que os levitas servirão para sempre


juntamente com os descendentes de Davi (33,14-18) e suas profecias têm
eco na descrição de Zacarias do sumo sacerdote Josué. Na visão de Zc 3
e seu desenvolvimento em 6, 9-14, a era messiânica futura é claramente
dominada pela figura do sumo sacerdote Josué, enquanto outro
personagem aparece de passagem e num papel subordinado. Nenhum
destes dois personagens é chamado explicitamente de Messias, mas esta
interpretação será desenvolvida em Qumran, quando se fala do “Messias
de Aarão e Israel” (1QS IX,11). No Sirácida 45,6-22 Aarão ocupa um lugar
exaltado e Simão, o Justo, é elogiado (50,1). No Documento de Damasco,
a espera do Messias que redimirá o povo da iniqüidade é uma indicação de
que o templo atual não é eficaz e há necessidade de um sacerdote
158
messiânico para restaurá-lo .

Em Zacarias, o profeta, o rebento assume uma posição como se significasse


uma pessoa concreta, mas se encontra em outra época mais a frente de Isaias:
“Aquele que construirá o templo do Senhor (Zc 6,12). Possivelmente se referia a

157
, José L Sicre. op. cit. p. 507- 508.
158José Adriano Filho, Expectativas Messiânicas Sacerdotais No Judaísmo e as Origens da
Cristologia, [Oracula, São Bernardo do Campo, v. 1, n. 1, 2005] ISSN 1807-8222,
87

Zorobabel e sua missão especifica. Na verdade a maior necessidade em Zorobabel,


o rebento de Zacarias, era o de restaurar a monarquia em Judá, e a função
monárquica régia foi progressivamente assimilada talvez o início da tendência
histórica da centralização dos poderes religiosos no sumo sacerdote.
Em Israel havia duas expectativas de tradições messiânicas. A primeira era
que uma parte do povo esperava por um “Messias Guerreiro”. Já outra parte do povo
acreditava que o ungido de Deus possuía características de apaziguador, um
temperamento de pastor. Nesse meio angustiante, abarrotado de expectativas e
esperando “em Deus”, surgiu uma resposta, por meio de um Messias, de um
Salvador. Não é a intenção deste estudo identificar quem é o rebento ou o Messias
ao qual os profetas se referem. Esta proposta é identificar o “espírito Messiânico”.

3.2 QUANDO O POVO PRECISA TER ESPERANÇA

São várias as situações que propiciam o surgimento da esperança. Por


exemplo:
• As Agressões sofridas que provocam aflição e angústia;
• O sentimento de incapacidade para superar as agressões e calamidades;
• A fé em Deus, pois é Ele que ouve o clamor dos que sofrem;
• A “Esperança da terra ameaçada que é salva pela fé Messiânica”.
“Aconteceu no tempo em que os Juízes governavam” (1, 1); Rute apresenta
sua história na continuação imediata ao livro de Juízes, como um apêndice, e assim
suscita nos leitores a esperança e expectativa de que apareça um novo juiz. “Um
Justo Juiz” que libertaria o povo do cativeiro e da opressão em que viviam. Um Juiz
igual a Moisés, Jefté, a Gideão, a Débora, a Samuel, entre outros, que no passado
realizaram esses feitos (Jz 2, 16), e que conhecesse a necessidade dessa gente
campesina.
Rute, a história novelesca, faz parte desse contexto de muita produção
literária. Historiograficamente, ela foi composta no Séc. VI a.C., tempo em que os
redatores deuteonomistas escreviam ”a todo o vapor” reafirmando valores
deuteronomisticos, abandonados pelos deportados e sacerdotes, que incluíam a
proteção à viúva, ao estrangeiro e ao órfão, além de reafirmar Yahweh como único
88

Deus, valores do que contestavam o tributarismo, por tantas vezes impostos pelas
várias monarquias.
No vapor da produção literária, estava o profético e estes enxergavam que os
sacerdotes e reis não iriam assumir as necessidades das pequenas vilas. Assim,
nesse momento, a narrativa de Rute a calhar, entra em cena, quebrando vários
paradigmas pois ela bate de frente com o muro de Jerusalém que Neemias estava
tentando erguer e a moça moabita bate com força nesse muro, onde muitas regras
haviam sido impostas pelos deportados recém-chegados da Babilônia e acatadas
pelo então governador.
Mas, Rute tem a ajuda do grito das mulheres que clamam um basta por seus
filhos e filhas escravos e pelo dinheiro emprestado com usura. O barulho das
mulheres começa a se fazer presente, o que faz com que Neemias pare e ouça (Ne
51, 11).
O Livro é a contramão da proposta e dos planos de restauração dos
deportados. É um gênero “Mensagem a Garcia” 159.
Os deportados, durante o tempo que permaneceram no exílio, conseguiram
estabelecer um controle étnico, criando uma geração de descendentes puros. Para
isso, algumas estratégias foram usadas, tais como: a circuncisão e o registro das
extensas genealogias, que passaram a vigorar nessa época.
Com esses métodos instituídos, os deportados mantiveram em seus registros
suas descendências genealógicas. Para os que voltavam da Babilônia, os
deportados, havia uma situação econômica privilegiada no retorno para Judá. Mas,
esse não era o caso de Noemi. Fazendo um paralelo, Noemi voltava das terras de
Moabe e trazia consigo a nora, uma estrangeira e moabita.
Resumidamente, a situação encontrada no pós–exílio era a de uma grande
injustiça social, (Ne 5, 1-5) na qual os deportados queriam eliminar as
estrangeiras160. Por outro lado tinham-se os autóctones, em um total antagonismo,
que demonstravam temer e adorar mais a Yahweh do que aos próprios judeus. Judá
precisava de um “salvador” que o ajudasse a existir como nação.

159
Elbert, Hubbard Mensagem a Gracia, “Mensagem a Garcia”, no ambiente corporativo é uma
expressão corrente, para designar uma tarefa muito difícil e espinhosa, mas que é absolutamente
necessária, e precisa ser realizada de qualquer maneira, sob-risco de grandes perdas.
160
Lília Dias Marianno. Los/as extranjeros/as dicen: “Yahweh no nos excluirá de su pueblo!’
Manifiestos contra el imperialismo en la teología de exclusion.. .
89

Lilia Dias Marianno161, cita o projeto de reconstrução nacional de Esdras e o


trabalho de recuperação da identidade do povo, para fazer com que o mesmo
voltasse às suas raízes históricas e religiosas. Tudo isso está baseado nos três
pilares: templo, lei e etnia. Por meio de Esdras e do grupo que com ele veio é que o
idealismo da pureza étnica foi levado às últimas consequências pelos deportados
regressos da Babilônia.
Lilia comenta que, enquanto os autóctones visavam reconstruir a nação por
meio do templo e do Messianismo davídico, os deportados queriam estabelecer o
conceito político-religioso da nação. A autora entende que um povo que passa por
um processo de extradição tende a perder sua nacionalidade.
Por isso, os deportados estavam muito interessados em fazer com que a
integridade étnica da nação prevalecesse e a maneira mais eficaz foi acabar com a
mistura étnica existente entre os casamentos mistos. Para o judeu deportado que
retornava a prática de culto no templo e a obediência à lei eram processos mais
fáceis de serem controlados, mas, se havia algo que realmente comprometia a
identidade conquistada à duras penas, durante a deportação, era a mistura étnica.
Para tanto, Esdras e Neemias foram decisivos.
Toda esta análise sugere uma rivalidade entre deportados recém-chegados e
os autóctones. Os exilados que voltavam pareciam estar em situação econômica
muito mais favorável do que os que estavam na terra e se aproveitavam dessa
vantagem para explorar seus irmãos. Pode-se até suspeitar o quanto dessa
superioridade econômica influenciou os acontecimentos que vieram depois desses
fatos. É o que conclui Lila Dias.
Dias comenta que os deportados chegaram à Palestina com listas familiares
tentando reaver os territórios e propriedades de seus antepassados extraditados e
possivelmente tenha sido com a ajuda dessa genealogia. Na verdade, as
genealogias não funcionavam apenas como registro familiar, mas eram fortemente
usadas para controle de propriedade.
Numa comparação anacrônica, mas apenas para dar uma noção do valor
desses documentos, elas deveriam funcionar como as escrituras de imóveis

161
, Lilia Dias Marianno. A Ameaça que Vem de Dentro-Um estudo sobre as relações entre judaítas e
estrangeiros no pós-exílio em perspectiva de gênero, p.153.
90

funcionam hoje em dia. Pixley162 afirma que “[...] as genealogias eram armas que os
exilados esgrimavam contra os remanescentes do país”.
Porém, se os próprios líderes religiosos israelitas não fizessem questão de
guardar a pureza étnica, toda aquela luta perderia o sentido. Jovahir Lage163 reforça
a ideia de Belém como um lugar pobre e marginalizado dizendo que essa expressão
enfatiza que o libertador seria alguém que conhecesse o sofrimento do povo e,
portanto, agisse a favor dele. É o Messias sofredor.
É justamente esse tema da necessidade nacional e espiritual de Israel que
passa a ocupar o profeta (48, 22). Prediz-se que Ciro será o libertador da nação e
que Yahweh perdoará os pecados de Israel, mas no mesmo capitulo vê-se Israel
deixando a Babilônia sem conhecer a “Paz com Deus”. Israel passa a ser o servo,
representada por um único homem (49, 7-13). A nação desesperada (49, 14-26) não
reconhece o Senhor, mas o servo é cheio de esperança e obediente até o ponto de
sofrimento 50, 1-3. E ele é recomendado à nação para que o imitem 50, 10-11, A
obra do servo fica demonstrada pela característica da doutrina do Messias Servo por
uma introdução nova: “Eis ai o meu servo” (Is 55, 2-13).
É o conceito Messiânico de salvação por meio do sofrimento, demonstrando
que ele era um homem de dores e de morte vicária (Is 53). Logo a nação de Israel é
chamada para uma nova aliança com Yahweh (54), que perdoa Israel e a todos os
necessitados e os convida a participar da salvação. O conceito de salvação é em
favor dos judeus e de todos os povos igualmente. Messias gera tempo de paz e
salvação.

3.3 DIFERENÇAS ENTRE MESSIANISMO E MOVIMENTO MESSIÂNICO

É importante entender-se as diferenças existentes entre o Messianismo (que


se refere ao conjunto de crenças encontradas em muitas culturas distintas) e o que
vem a ser um Movimento Messiânico. Segundo Timóteo Carriker164, no Messianismo

162
Jorge Pixley. A história de Israel a partir dos pobres, p. 93; Neftali Vélez Chaverra. Reconstrução e
identidade: a alternativa de Esdras, p. 29.
163
Jovahir Lage Revista Teoria & Pratica Ano II Jul/Ago 2008 Livro de Miquéias.
164
L, Carriker, As Contribuições do Messianismo para uma Hermenêutica Missiológica, Boletim
Teológico São Paulo, Fraternidade Teológica Latino Americana, dez/1992, Ano 6, nº 19, p. 25 a 26.
91

essas crenças se caracterizam por uma preocupação com o fim dos tempos,
catastrófico ou utópico, mas que gera um mundo novo. É um pensamento
metafórico, numerológico e escatológico sem abandonar questões do mundo
presente. Combina concepções históricas e míticas do tempo, é otimista e orientado
para o sobrenatural. Pereira de Queiroz165 encontra a concepção popular de
Messias a partir do profetismo da Bíblia, que em si propõe um tempo novo de paz e
prosperidade, lembrando que foi na luta do povo israelita contra os impérios
vizinhos, que se formou esse primeiro significado de Messias. Depois, o conceito
ingressou nos estudos históricos e sociológicos de modo mais amplo. Crenças
messiânicas e movimentos Messiânicos não é exclusividade de Israel. Eles existem
desde o “sempre” inclusive no Brasil.

3.4 ASPECTOS MESSIÂNICOS NO BRASIL E SUAS INFLUÊNCIAS NO


RELIGIOSO BRASILEIRO

No Brasil, de um modo bastante intenso, os movimentos Messiânicos sempre


estiveram presentes na história religiosa. A religião sempre ocupou uma posição
fundamental em toda a história humana do Brasil.
A religiosidade popular brasileira buscou caminhos alternativos para se
encontrar com Deus e com uma vida mais digna – coisas simples como essas que
constantemente lhes eram negadas pela religião oficial dominante e pela sociedade
opressora e excludente. Assim é que surge o Messianismo brasileiro. Dentro dessa
lógica, serão citados alguns dos muitos movimentos Messiânicos da história
brasileira com o propósito de contextualizar e criar um paralelo entre o Messianismo
como descrito acima a narrativa da história de Israel e a realidade contemporânea
do Brasil.
Não se tem a pretensão de desenvolver um tratado a respeito do
Messianismo brasileiro ou de todas as suas manifestações. O necessário para
formar o paralelo será abordado. Entende-se que não se pode desconsiderar e
deixar de pontuar as questões sociais existentes neste texto, já que elas são as
mesmas que geraram no Brasil um movimento similar, como a inclusão social da
165
Maria Isaura Pereira de Queiroz, O Messianismo no Brasil e no Mundo, p. 26 e 27.
92

viúva e da imigrante, a questão dos sem-terra, remanescentes da época, o


preconceito racial, o interesse egoístico do fulano. Enfim, sobre os fatores fizeram
surgir situações que geram a necessidade de um “salvador”.
A intenção é trazer este texto para o contemporâneo. É fácil notar que,
quando um grupo social se encontra em dificuldades, admite facilmente uma
liderança. Isto é um fato. Se este grupo social for dominantemente constituído de
indivíduos simples, como o que aconteceu (e ainda hoje acontece) nos movimentos
Messiânicos que ocorreram no Brasil, a liderança carismática se torna muito
eficiente. Há indivíduos especialmente talhados para a liderança carismática.
No Brasil, recentemente, houve a demonstração de uma liderança política
altamente carismática, que liderou a nação por oito anos, o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Ao tratar-se o cristianismo, religião dominante no Brasil, como um
fenômeno dentro de um Messianismo, também ele poderá se tornar compreensível
como um fenômeno sociológico.
Os estudos que Queiroz chama de movimentos Messiânicos rústicos são os
que nos interessam. Estes abordam o Messianismo no Brasil. Também será usada,
nesta analise, mais uma fonte de pesquisa, além de Queiroz: o trabalho do Grupo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie166. Esse estudo vem de encontro com uma
das linhas de raciocínio desenvolvidas na presente dissertação. O Grupo do
Mackenzie se propôs a estudar as migrações e imigrações das religiões. Por isso,
estão sendo reproduzidos alguns pensamentos dessa pesquisa.
O personagem de José Manoel da Conceição167 foi um dos nomes que
mereceu destaque, como um exemplo de Messias de sua época, no Brasil. Houve
muitos outros e, infelizmente, não se tem como abordar todos esses movimentos e
seus personagens, com toda a riqueza de detalhes que o assunto certamente
merece, então, a atenção deste estudo será dada e voltada para a figura e a obra de
Antonio Conselheiro, a partir da sua espiritualidade e influência política.

166
Silas Luis de Souza, prof. mestre em Ciências da Religião tema: Protestantismo e
Pentecostalismo..
167
José Manoel da Conceição nasceu em março de 1822 na cidade de São Paulo, foi criado e
educado em Sorocaba pelo padrinho, o tio de sua mãe, Padre José Francisco de Mendonça. Desde
bem cedo foi tido como estudante talentoso, chegando a Seminário já bem adiantado em diversas
disciplinas. Porém, antes de ser ordenado teve contato com protestantes ingleses e alemães na
região de Sorocaba, onde havia uma incipiente usina siderúrgica, Ipanema, dirigida por
estrangeiros. Seu contato com a Bíblia foi anterior ainda ao curso teológico, quando bem jovem
tornou-se leitor assíduo de tal forma que questionava eventualmente doutrinas da Igreja Católica.
Isto lhe rendeu o apelido de padre protestante por influencia de amigos e estudiosos. Acabou se
tornando presbiteriano, sendo ordenado pastor em 1865.
93

3.5 NORDESTE BRASILEIRO E A INFLUÊNCIA DE ANTONIO CONSELHEIRO, NA


GUERRA DE CANUDOS168

A situação do nordeste brasileiro, no final do Século XIX169, era muito


precária. Fome, seca, miséria, violência e abandono político afetavam os
nordestinos, principalmente a população mais carente. O beato Conselheiro, nome
pelo qual passou a ser conhecido logo depois da Republica, era quem liderava esse
movimento que criou a ideia da salvação por meio de um Messias. Ele acreditava
que havia sido enviado por Deus para acabar com as diferenças sociais e também
com os pecados republicanos. Entre estes, estavam o casamento civil e a cobrança
de impostos.
Com essas ideias em mente, ele conseguiu reunir um grande número de
adeptos, que acreditavam que seu líder realmente poderia libertá-los da situação de
extrema pobreza na qual se encontravam.
Com o passar do tempo, as ideias iniciais difundiram-se de tal forma que
jagunços passaram a utilizar as mesmas para justificar seus roubos e suas atitudes,
que em nada condiziam com nenhum tipo de ensinamento religioso. Este fato tirou
por completo a tranquilidade com a qual os sertanejos daquela região estavam
acostumados a viver.
Devido à enorme proporção que esse movimento adquiriu, o Governo da
Bahia não conseguiu, por si só, segurar a grande revolta que acontecia em seu
Estado e, por essa razão, pediu a interferência da República. Esta, por sua vez,
também encontrou muitas dificuldades para conter os fanáticos.
Somente no quarto combate, quando as forças da República já estavam mais
bem equipadas e organizadas, os incansáveis guerreiros foram vencidos pelo cerco
que os impediam de sair do local no qual se encontravam, para buscar qualquer tipo
de alimento e muitos morreram de fome. O massacre foi tamanho, que não
escaparam idosos, mulheres e crianças.

168
A Guerra de Canudos foi o confronto entre o o Exercito Brasileiro e integrantes de um
movimento popular de fundo sócio-religioso liderado por Antonio Conselheiro, na então comunidade
de Canudos no interior do estado daBahia e nordeste do Brasil.
169
Toda essa situação, em conjunto com o fanatismo religioso, desencadeou um grave problema
social. Em novembro de 1896, no sertão da Bahia, foi iniciado este conflito civil. Este durou quase
um ano, até 5 de outubro de 1897, e, devido à dimensão adquirida, o governo da Bahia pediu o
apoio da República para conter este movimento formado por fanáticos, jagunços e sertanejos sem
emprego.
94

A luta era pela libertação dos pobres que viviam na zona rural. O livro de
Euclides da Cunha, “Os Sertões” traz esse grande memorial em suas págínas.
A revolta mostra o descaso dos governantes em relação aos problemas
sociais do Brasil. Ela buscava uma melhor condição de vida, empregos e justiça.
Mas a violência gerada pelos oficiais e o massacre – o conflito de Canudos
mobilizou aproximadamente 12 mil soldados oriundos de dezessete Estados
brasileiros, distribuídos em quatro expedições militares para acabar com o
movimento.
Em 1887 , os militares incendiaram o arraial, mataram grande parte da
população e degolaram centenas de prisioneiros. Estima-se que morreram, ao todo,
por volta de 25 mil pessoas, culminando com a destruição total da povoação.

3.6 RELAÇÃO ENTRE A COMUNIDADE BRASILEIRA E O MOVIMENTO


MESSIÂNICO

É comum encontrar-se, nos livros, referências aos aspectos positivos, no que


diz respeito à luta do povo pobre e sofrido, contra a situação política e econômica,
sua força e desejo de mudanças. Por outro lado, menos raro é encontrar-se textos
com referências pejorativas. Por exemplo, expressões como “fanáticos”170 e “corja
de jagunços”, quando se refere a Canudos, “fanáticos e marginais”, falando do
Contestado e tratar o monge José Maria como um ex-soldado desertor. É claro que
o partidarismo político da indústria da mídia possui grande influência nessa literatura
dirigida a um publico desconhecedor dos fatos reais da historia do Brasil.
A obra171 História do Brasil, da Bloch Editores (mesmo grupo da extinta TV
Manchete), publicada em homenagem ao Sesquicentenário da Independência do
Brasil, refere-se a Antonio Conselheiro como místico com ilusões messiânicas, com
mania de restaurar igrejas e cemitérios, suposto guia espiritual dos camponeses. De
Canudos e do Contestado, diz que contavam com foragidos da lei, jagunços.
Sempre o pejorativo presente. Literaturas bastante tendenciosas.

170
BARSA. Encyclopédia Britânica, Editores Ltda., São Paulo 1969.
171
BLOCH EDITORES, História do Brasil, p. 596 a 598 e 612 a 614.
95

3.7 CARACTERÍSTICAS DO MESSIANISMO NO BRASIL

A obra “Protestantismo e Pentecostalismo”, elaborada por um grupo de


estudos da Universidade Mackenzie, sob a orientação do mestre em Ciências da
Religião Silas Luis de Souza, enumera as principais características dos movimentos
Messiânicos brasileiros:
1- O Forte senso comunitário é uma grande característica. Reunido em torno de
um líder, o grupo se tornava uma irmandade entre iguais, mesmo que,
reconhecidamente, houvesse aqueles que ocupassem postos mais elevados
na organização interna, dentro de uma hierarquia místico-messiânica que
todos sabiam ser provisória172.
2- Todos estavam aguardando o desfecho e a chegada do reino. E essa é outra
característica do Messianismo, a espera milenarista, o aguardar da “nova era
dourada” implantada após os eventos profetizados173.
3- No entanto, aguardar o “reino futuro” não significa ficar paralisado e apático
neste mundo. A ação em busca de uma sociedade diferenciada, com leis
próprias, normalmente rígidas, que, num certo sentido, antecipavam a
presença do reino foi outra marca174.
4- Isolamento da comunidade. Mesmo em locais como Juazeiro e Santa Brígida,
os devotos se isolavam da comunidade, vivendo em grupos separados. Esse
grupo possuía característica própria (lembram os discípulos e apóstolos da
igreja primitiva, do Livro de Atos dos Apóstolos, no NT).
5- Um profundo senso de espiritualidade fazia parte da experiência do grupo. Um
sentimento de viver vidas dignas da fé estava bem presente. A vida toda
girava em torno da religião e dessa espiritualidade, organizando e moralizando
a comunidade 175.
6- Uma intensa relação com o sagrado fazia com que tivessem um sentimento de
poder sobre o mal, os inimigos visíveis e invisíveis e, por isso, a certeza de

172
Silas Luis de Souza, Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Aspectos Messiânicos
em José Manoel da Conceição, Grupo de Pesquisa: Protestantismos e Pentecostalismos. p.11.
173
Idem, p.6
174
Idem,p.6
175
Idem p.6
96

que a vitória viria se a obediência e a fidelidade não desaparecessem 176.


Algumas vezes essas interpretações são apresentadas em detrimento de uma
explicação mais adequada ao aspecto religioso. Alguns autores têm buscado
entender e explicitar melhor essa questão, abordando o fator religioso e sua
importância para o crescimento desses movimentos. Autores como Douglas Teixeira
Monteiro, Pedro de Assis Ribeiro de Oliveira e Alexandre Otten177, sobretudo este
último, dizem que precisava ocorrer uma mudança no pensar, instaurada pela
derrocada de diversos mitos, para que se abrisse um caminho para interpretações
que valorizassem o papel da religião na vida e, mais especificamente, nos
movimentos reivindicatórios do povo178.

3.8 IMPORTANTES MOVIMENTOS MESSIÂNICOS NO BRASIL

1. “A Cidade do Paraíso Terrestre” - Ocorreu entre 1817 e 1820. Liderado por


Silvestre José dos Santos, ex-soldado e peregrino, instalado no monte
Rodeador, em Pernambuco. A fama de milagres levou muita gente ao lugar,
onde viveram comunitariamente, se distanciando da religião oficial. O
Governo, imaginando uma conspiração, reprimiu e massacrou os membros.
2. “O Reino Encantado ou Pedra Bonita” - Inicialmente liderado por João Antônio
dos Santos que proclamava, em 1836, na comarca de Flores, Pernambuco, a
vinda de D. Sebastião, trazendo riquezas aos fiéis. Depois foi substituído pelo
cunhado, que retomou a pregação, indicando o lugar da porta do “Reino
Encantado” por onde D. Sebastião surgiria. Enquanto aguardavam, havia
pregação diária, cerimônias religiosas e um forte proselitismo, que chegava
até a usar de violência. Usavam bebidas cerimoniais com dança, rezas e
grande excitação. 179
3. “Canudos” - Liderado por Antonio Vicente Mendes Maciel, o Antonio
176
Raimundo Nina Rodrigues, (médico, antropólogo dedicado aos estudos sobre o comportamento da
raça negra 1888) e Euclides da Cunha procuraram uma interpretação científica para o acontecimento
de Canudos e apresentavam explicações a partir da formação de uma raça mestiça, por isso inferior,
determinado por um ambiente que propiciava a formação de antropológicas e sociológicas enfatizam
a realidade econômica como determinante.
177
A, Otten. Só Deus é Grande: A Mensagem Religiosa de Antonio Conselheiro, p. 90 a 91.
178
Op. Cit. p.6.
179
Op.Cit. p.7
97

Conselheiro, é o mais conhecido no país, até porque houve um Euclides da


Cunha que relatou os acontecimentos na obra “Os Sertões”. Desde 1874, há
notícias das andanças de Conselheiro180 pelo sertão. 181
4. “Mucker” (palavra que significa santarrão). Ocorrido entre os colonos alemães
entre os anos 1872 a 1874, à margem do Rio dos Sinos, há aproximadamente
60 km de Porto Alegre. João Jorge Maurer se tornou curandeiro e sua
esposa, Jacobina Mentz, pregava e aconselhava. Com celebrações repletas
de cerimonialismo e êxtase por parte de Jacobina, os fiéis se mostravam
devotos, sem questionar novos padrões impostos pela líder, pelos quais
regulamentava a vida civil e religiosa dos adeptos.
Quando Jacobina resolveu trocar de marido e determinar que casais se
separassem para constituírem novos casais, a recusa de alguns gerou
violência entre os membros do grupo e uma onda de pavor em toda a colônia.
A força policial destruiu o grupo, Jacobina morreu e alguns sobreviventes
foram aprisionados. Julgados na capital, descendentes e sobreviventes
continuavam as práticas antigas, provocando crimes e assassinatos contra
eles182.
5. “Cidade Santa”. O Padre Cícero183 chegou a Juazeiro, Ceará, em 1872,
quando o arraial era ainda bem pequeno com pouquíssimas casas e
choupanas. Exerceu seu ministério, pregando de sítio em sítio, organizando
terços, novenas e procissões, sem receber pagamento pelas cerimônias,
vivendo vida simples e dedicada, conquistando o coração do sertanejo184.
6. “Guerra do Contestado” - Ocorreu em uma região disputada pelos Estados do
Paraná e Santa Catarina, por onde andou certo Monge João Maria, andarilho
rústico, curandeiro e pregador. Há notícias de que poderia haver mais de um
180
Conselheiro se fez um Peregrino Penitente, pregando e executando obras de misericórdia entre os
mais necessitados. Era uma missão itinerante, carregada de emocionalismo, centrada na pregação
da penitência e com forte alusão à dicotomia céu e inferno. As prédicas de Antonio Conselheiro
davam ênfase especial à necessidade da conversão, do abandono da riqueza e toda vaidade, da
prática de jejuns e esmolas, essenciais para se alcançar a salvação.
181
A. Otten Só Deus é Grande: A Mensagem Religiosa de Antonio Conselheiro, p. 7
182
Op. Cit. p.7 .
183
A partir de 1889 surgiram histórias de milagres realizados por Padre Cícero. Pessoas e donativos
não param de chegar a Juazeiro, que cresce até se tornar uma cidade grande no interior do Estado.
O Padre se tornou potência política no Estado e foi fazendo de Juazeiro o uma capital política, com
os fiéis do Padrinho decidindo disputas eleitorais. Criou uma atmosfera religiosa na cidade com
diversos grupos que se formavam para rezar ou estar ao pé do Padrinho. O Padre Cícero exigia
comportamento moral, não admitia a prostituição, embora com o crescimento de Juazeiro, foi
ficando difícil exercer o controle pessoalmente como ele fazia no início.
184
Op.Cit. p.3
98

monge com a mesma designação.


No início do século XX apareceu outro monge, José Maria, apresentando-se
como sucessor de João Maria. Para alguns, irmão, para outros, reencarnação
ou o próprio João Maria que não teria morrido, mas descido ao “Monte
Encantado”.
Um grupo foi instalado em Taquaruçu, perto de Curitibanos. Ali, cerimônias
religiosas constantes preparavam o povo para o retorno da monarquia. O
número aumentou com as pessoas que ficaram sem terra devido à
construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande do Sul e ao
desmatamento promovido por madeireiras do mesmo grupo multinacional que
construíra a estrada de ferro. Depois de uma guerra ferrenha, onde o exército
brasileiro usou até a aviação militar, o movimento foi desbaratado em 1916.
A vida nos redutos era centrada na religiosidade. Todos os dias se reunia nas
horas do terço e para “o beijar das imagens”. Após a morte do Monge, virgens
recebiam visões e líderes anunciavam a palavra verdadeira de José Maria.
Festas, procissões pomposas, casamentos constantes e oportunidades para
entrelaçamentos fraternos entre os irmãos davam um ar de perene alegria
aos redutos185.
7. “O Beato do Caldeirão e o Circo dos Santos” - Ocorreu entre 1920 e 1940,
liderado por José Lourenço, devoto do Padre Cícero, conhecido como
caridoso e especialmente distinguido pelo Padrinho. O Padre Cícero enviou
José Lourenço para a fazenda Caldeirão186, que se tornou um centro de
peregrinação, após a morte do Padre, de quem José Lourenço era muito
próximo187.
8. “O Povo do Velho Pedro”- Em 1942, Pedro Batista da Silva, ex-soldado que
tinha visões, peregrinava por Alagoas, Sergipe e Pernambuco, até deter-se
em Santa Brígida, na Bahia, lugar pequeno e isolado. Houve romarias de tal
modo que o pequeno lugar acabou crescendo e Pedro Batista se tornou um
líder respeitado, tendo inclusive grande influência nas decisões políticas de

185
Idem p. 4.
186
Comunidade igualitária, de vida regrada, austera, centrada nas celebrações religiosas, onde o
trabalho era meio de salvação. Após a morte de Lourenço, José Senhorinho, impressionado com os
ensinos do Caldeirão, e Quinzeiro, remanescente do grupo, reuniram adeptos para voltar ao
Caldeirão. Senhorinho separou uma área chamada “Circo”, onde rezas, cantorias e prédicas
preparavam a comunidade para a partida..
187
Op. Cit. p.5.
99

seus seguidores, apesar de antes ter sido acusado de curandeiro e charlatão


188
.
9. “Cidade Fraternidade Universal” - Surgiu na Guanabara, em 1946, como
“Fraternidade Eclética Espiritualista Universal”, liderada por Yokaanam, um
ex-piloto de avião que, querendo propagar o ideal de união juntou aspectos
do cristianismo, kardecismo, umbanda e candomblé, num único corpo
doutrinário. Em 1956, a “Fraternidade” se mudou para o planalto goiano,
região próxima de onde seria construída Brasília, com o objetivo de construir
a cidade santa, para viver enquanto se espera a implantação de um reino
Messiânico.
189
10. “Os Borboletas Azuis” . Roldão, com experiências mediúnicas fundou um
centro espírita em 1961, que em 1970 passou a se chamar “Casa de
Caridade Jesus no Horto”, especificando esposar a doutrina católica. Em
1978, a Casa anunciou um dilúvio para maio de 1980, informando que só
ficariam na terra algumas igrejas, conventos, animais, árvores e o povo que
queria pertencer realmente a Jesus.

3.9 COMO SE COMPORTA A RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA

Algumas ideias serão apresentadas por meio de citações textuais de alguns


estudiosos especialistas neste tema, que analisaram o campo sociológico e religioso
brasileiro sob o aspecto Messiânico. Para José Bittencourt Filho190, existe uma
matriz religiosa brasileira oriunda da presença de um substrato religioso-cultural (...)
uma complexa interação de conceitos e ideias religiosas, que se amalgamaram em
um processo multissecular e, em decorrência, de onde nasce a mentalidade
religiosa da média dos brasileiros. O catolicismo ibérico, a magia européia, as
religiões indígenas, as religiões africanas, o espiritismo europeu e o catolicismo

188
Idem, p.5.
189
A profetiza Luciene, uma adolescente, ensinou o despojamento total, o que os levou a
despojarem-se de roupas suntuosas e enfeites, e se vestirem com roupas azuis e um manto
branco, daí o nome―Borboletas Azuis. O grupo se preparou para o dilúvio que não ocorreu.
Frustrados, muitos ocupantes da Casa Jesus no Horto abandonaram o local. Remanescentes ainda
voltaram a se reunir para rezas, penitências e jejuns.
190
BITTENCOURT FILHO, In: Tempo e Presença, número 264, p.49.
100

romanizado constituem essa matriz.


191
Leonardo Boff diz que, entre as fontes que sustentam o povo, estão a
religião e a mística. O povo brasileiro é religioso e místico. Para ele, se há uma
evidência esta é: “Deus existe”, pode-se chegar a Ele, em tudo existe sempre o
outro lado (...) as forças celestes com as quais estão permanentemente em contato.
Elas são apenas invisíveis, mas não ausentes. (...) Ao dizer, abusivamente, que
“Deus é brasileiro”, a intenção é afirmar a plusvalia192 de sentido acima dos
absurdos sociais e existenciais.
Deus não vai abandonar totalmente os seus. Eles podem ser desprezados
socialmente, serem considerados párias sociais e econômicos, não serem
escutados por ninguém, mas com “o seu Deus” sabem que são ouvidos, podem se
relacionar diretamente com Ele e com seus santos, podem, como nas religiões afro-
brasileiras, emprestar o seu corpo para serem “cavalos da divindade” para que elas
baixem e marquem presença entre os humanos, auxiliando-os, dando-lhes
conselhos, fortificando-os na luta pela vida. Essa religião confere dignidade ao ser
humano reduzido a “não-pessoa” e ao excluído da presente ordem. Faz com que ele
sempre tenha uma perspectiva de esperança que é uma verdadeira virtude teologal,
porque tem Deus como objeto e referência.
Riolando Azzi193 chamou o movimento não de Messianismo, mas de
catolicismo luso-brasileiro e definiu suas características com uma “nova roupagem”,
da seguinte forma:
Primeiro, era muito mais polarizado na família do que na organização
eclesiástica; os pais ensinavam as orações e práticas religiosas nos oratórios
particulares ou nas cruzes nos morros e estradas.
Em segundo lugar, era um catolicismo comunitário, pois tinha forte expressão
social, sendo uma das principais manifestações públicas da sociedade colonial.
A terceira é a importância do papel dos leigos, não apenas assistentes dos
cultos, mas promotores da fé, decidindo sobre construir ermidas, capelas e igrejas,
formando confrarias e dirigindo centros de devoção e romarias.
A última característica é o espírito medieval com sua ênfase no aspecto
devocional e o predomínio da concepção mítica, destacando os milagres e

191
Leonardo Boff, In: Tempo e Presença, número 275, p. 12 a 14.
192
Karl Marx chamou plus-valia, significando mais-valor que o devido por justiça, pela combinação
dos termos latinos plus ("mais") + valia ("Valor).
193
Riolando, Azzi In: Tempo e Presença, número 281, p. 29 a 31.
101

prodígios, as promessas e os votos.


Otten194 analisa o contexto religioso do movimento de Canudos e diz que
houve uma desapropriação de Deus promovida pela religião institucional em relação
ao povo.
1- O catolicismo popular, rústico, herdou do Portugal medieval o culto dos
santos, seres celestes presentes na terra que fazem milagres em uma
relação de troca com o fiel devoto; estão presentes em todos os
momentos e situações da vida, diferente do Deus longínquo do céu.
2- O Deus distante é dominador, exige penitências constantes e é
implacável, pois permite seca ou enchente, fazendo o povo sofrer; é
patriarcal, pois, em seu nome, o senhor, exerce o poder.
3- Em terceiro lugar, há um Jesus Cristo ambíguo, ao mesmo tempo é
“Nosso Senhor”, identificado com “Deus Pai”, e é também o “Bom Jesus”
com imagens humanizadas como o “Menino Deus da Festa de Natal” e os
sofredores da “Semana Santa”, com quem se tem certa familiaridade.
4- Por fim, há o Deus irado dos missionários, freis e padres que tentavam
melhorar a vida religiosa do povo; sua pregação era emocional e
proclamava a necessidade da penitência para se livrar dos castigos,
escapar do inferno e assegurar um bom caminho para o céu.
No entanto, a religiosidade popular processa uma recuperação de Deus que
Otten vê da seguinte maneira: há uma ânsia pela salvação, fuga do mundo e muitos
se dedicam a um rigorismo penitencial extremo e obras de misericórdia; nessa
caminhada há uma identificação com o Bom Jesus e sua cruz, pois todo sofrimento
em sua companhia leva ao céu.
Em segundo lugar, o povo entendeu a gratuidade da salvação e a vida no
mundo, pois apesar das dificuldades vividas e da luta pela salvação há otimismo; se
o mundo é perigoso, Deus é misericordioso e é alcançado por meio dos santos, dos
benzedores, das rezas, ritos e plantas;
Por último, a espera messiânica de um povo pobre que sabe serem todos
iguais e filhos de Deus, por isso não pode haver espaço para injustiça; um dia tudo
vai mudar com a vitória do Messias e um mundo novo passará a existir.

194
, Alexandre, Otten. “Só Deus é grande”: a mensagem religiosa de Antonio Conselheiro, p. 95 a 137.
102

3.10 CARACTERÍSTICAS DE UM LÍDER MESSIÂNICO NO BRASIL

Os líderes Messiânicos eram sempre pregadores. Gastava tempo


proclamando uma nova era que corresponderia aos anseios da religião oficial, o
catolicismo. Eles não faziam oposição teológica à igreja instituída, mas entendiam
sua mensagem como uma verdade vinda do próprio Deus. Faziam usos de textos
bíblicos, litúrgicos e religiosos em geral.
Outra característica comum no Messianismo é a itinerância. Embora os
movimentos tenham se estabelecido num local, o líder Messiânico realizava suas
prédicas e atividades andando de região em região. Era um evangelista itinerante.
(...) Abordava os transeuntes e envolvia as pessoas na sua própria moradia.
Júlio Ribeiro, citando o Coronel Fausto de Souza, primeiro biógrafo de
Conceição, diz que ele não tinha plano fixo de viagem, deixando-se guiar por
qualquer circunstância que era acompanhada por outra característica: a pobreza.
O historiador francês Emile Guillaume Léonard, via em Conceição a
humildade que o levava a viver essa vida pobre que se aproxima de São Francisco
de Assis e da qual o protestantismo brasileiro guardou memória.
Mais uma característica dos líderes Messiânicos foi a taumaturgia e, segundo
o historiador Leonard, Conceição era considerado um grande taumaturgo.
Ribeiro comenta que o pastor se retirava às escondidas para fugir do assédio
e que há o registro de um abaixo-assinado pelo seu retorno a determinado lugar,
pois entre o povo começava a correr de boca em boca a narrativa de milagres feitos
por ele; já adquirira fama de santo e milagreiro.

3.11 O MESSIAS QUE VIRÁ DE BELÉM

Época de desencontro, então é importante destacar a Esperança. E que tipo


de sentimento desperta o pensamento esperançoso?
E Tu Belém Efrata (Beit lehem Efratah). Essas palavras têm um sentido muito
especial para a intenção do Profeta Miquéias (5, 2); o novo libertador viria de um
lugar marginal na sociedade. Belém era um a pequena vila de poucos recursos,
103

mas, na concepção do povo, essa cidade fazia referência à Casa de Davi, que
simbolizava o ungido de Deus.
A Palavra Belém quer dizer “Casa do Pão” e essa ideia salienta o anseio do
povo de que o libertador traria a solução para a sua fome e sede de paz e justiça.
Efrata fazia referência a um lugar pequeno e desprezado.
É o nome de uma localidade que provém da palavra “efer”, que significava pó,
cinza, (torrões) de terra de cinza, reforçando a ideia de um lugar pobre e
marginalizado; essa expressão enfatiza que o libertador seria alguém que
conhecesse o sofrimento do povo e, portanto agiria a favor dele.
Em Miquéias vê-se que os profetas vendidos são os principais corruptos195. A
cidade submetia os camponeses explorando os seus produtos. Eles tinham controle
de suas terras e trabalho, mas o problema advindo com a perda da herança
(nahalah)196faz com que a terra passe a ser algo que foi gerado dentro do próprio
tribalismo, e uma antiga Lei os protege. (Lv 25, 8-17).

195
Jovanir Lage, Livro de Miquéias, Revista Teoria & Pratica Ano II Jul./Ago. 2008 Livro de Miquéias.
196
Carlos Dreher afirma que a origem de grupos mercenários esta na escravidão por dividas e sito é
furto do empobrecimento dos camponeses. História de Israel v.1
104

CONCLUSÃO

Não é possível dissociar os movimentos Messiânicos e a importância da


religiosidade que os impulsionou e os impulsiona: atitudes cúlticas que não se
parecem com os cultos formais, interpretações que não combinam com a teologia
oficial da igreja, prática social que fere a sociedade tradicional.
No entanto, nenhumas destas imposições puderam impedir de reconhecer
que o culto, a teologia, a sociedade e outros aspectos desses movimentos estavam
plenamente dentro dos padrões e das expectativas do povo e de suas práxis, que
viam na busca das coisas sagradas uma maneira de encontrar e, assim por dizer,
renovar o humano, religando o homem a Deus.
Entre os dias atuais de Brasil, e os dias de muita agressividade e corrupção
gerada pela maldade de homens inescrupulosos do tempo de Juízes, narrados em
Rute, nada há de diferente. O que muda é só a geografia e a terminologia dos
nomes, ora a história acontece em tempos da monarquia ora em tempos de
democracia; ora em Israel Antigo, ora no Brasil contemporâneo.
Portanto, são somente maneiras diferentes de dar nomes aos mesmos erros.
Depois de estudarem-se todas as colocações dos estudiosos sobre o fenômeno
Messiânico chega-se à conclusão de que se se fizer uma retrospectiva por todos
esses séculos em que a humanidade tem se desenvolvido, sempre se encontrará
esse paralelo entre o sistema político social e religioso: um esperando do outro a
solução para o desespero e a angústia do ser humano.
O poder continua nas mãos de Juízes, religiosos e autoridades monárquicas
ou democráticas corruptas, que usam o sistema jurídico e o sistema religioso, para
explorar o trabalhador, tomando–lhe a terra e usurpando os seus direitos roubando-
lhe a dignidade.
O dinheiro continua sendo emprestado com usura pelas mãos poderosas do
sistema e não só pelos bancos privados ou estatais, mas as próprias gentes entre si
se exploram. São os funcionários públicos que vão enriquecendo, com a cobrança
pesada de tributos e empréstimos ao pequeno latifundiário que, não podendo pagar
pelos empréstimos, literalmente perde seu chão.
E, a religião que continua nas mãos de sacerdotes inescrupulosos, iguais aos
105

dos dias de Neemias (Ne 13) ou dos filhos Eli (1Sm 6) , ou de muitos outros
semelhantes a esses.
São “Cenas Padrão”197, como essas, que percorrem toda a Biblia, e os dias
atuais. Como nos dias em que os Juízes julgavam Israel são os dias de hoje. Está-
se atrás de um Messias, de um “Salvador da Pátria” para se deixar de viver no
exílio.
Entretanto, a angústia do ser humano ainda é a mesma. Pode soar irônico da
parte do redator de Rute, mas ele sabia muito bem o recado que queria entregar: ...
Havia fome na terra e um homem de Belém... Traduzindo, em Belém que significa a
“Casa do Pão” também havia fome. O vocábulo fome tem, na Língua Portuguesa,
diversos significados. Denomina-se fome “a sensação fisiológica que o corpo passa
a ter quando necessita de alimentos para manter suas atividades vitais”.
Parece, para a autora deste estudo, que a fome citada pelo redator ultrapassa
a questão de natureza física; é uma fome de “falta de fé”. Essa incredulidade levou
um individuo como Elimeleque, que tem como significado de seu nome, “Meu Deus
é Rei”, a ir para uma região onde o deus não era Yahweh. Se não fosse assim,a
fome do Meu Deus é Rei, a imigração teria sido um escoamento em massa,
possivelmente a população de Belém não caberia em Moabe. Não teria sido uma
família, e sim, muitas famílias a mais.
Hoje, nos canais de televisão e na telecomunicação da mídia brasileira,
entendendo essa necessidade do povo brasileiro de “alguém que o salve, que o
resgate”, trabalha cada dia mais, com temas e filmes novelescos, satirizando essa
questão de Messianismo; a exemplo temos a novela “O Bem Amado”, que acaba de
virar filme, em lançamento nacional, ou uma anterior com o nome “O Salvador da
Pátria”. Gerenciados por marqueteiros sagazes, a máquina mortífera da mídia
avança a cada dia, produzindo informações que afastam as gentes da “real
Verdade” e de Deus.
Falta para os dias contemporâneos, surgir a “Voz do Profeta”. A voz
profética! Para acordar os verdadeiros homens, e os sacerdotes de Deus? Onde
estão os remanescentes da tribo de Judá! Onde estão os Boazes, os Pela Força?
A Palavra, no Novo Testamento (Mt 11,12) diz que “o Reino de Deus é
adquirido à força”!

197
Robert Alter. A Arte da narrativa Bíblica, 2007, p. 79.
106

O profeta Joel deixou uma palavra profética de arrependimento conclamando


Sião, que nos dias atuais “o povo de Deus”, deve se converter de todo o coração a
Deus com jejum e choro, e com pranto. O profeta continua aconselhando a
santificação e que se juntem: o povo, os anciãos e os ministros para uma
assembléia solene. “Chorem os sacerdotes, Ministros do Senhor, entre o pórtico e o
altar, e orem: Poupa o teu povo, ó Senhor e não entrega a tua herança, para que as
nações façam escárnio dele” (Jl 2, 12-17).

[... Saga, estória, ficção, romance ou fato histórico o que importa é que o
livro pequeno e de tão poucos capítulos abrange o panorama completo do
mundo tenebroso sobre o qual viviam os israelenses durante os tempos pré
monárquicos de juízes, morte, invasões, guerras entre nações e tribos,
além do panorama o livro analisa o caráter psicológico dos personagens, o
brio, a masculinidade o honor, o livro mostra a aplicabilidade Na dinâmica
do livro pudemos resgatar a figuras de homens que nos mostram a
possibilidade de viver uma masculinidade mas humanizada e mais humana
como também nos permiti trabalhar com os antítipos que expressam um a
198
vivência hemogênica de sua masculinidade ...]

Quero, para concluir, explorar uma das frases desse parágrafo: [...abrange o
panorama completo do mundo tenebroso sobre o qual viviam os israelenses durante
os tempos...]
Entendo que esse panorama ainda não mudou. O mundo ainda é tenebroso
para Israel, que anda às cegas e de maneira preconceituosa, como nos tempos da
volta do exílio. Casamentos mistos ainda nos dias de hoje é tido como afronta ao
monoteísmo judaico. A religiosidade é cumprida sob o jugo da lei. Quem levará o
verdadeiro Messias a Israel? Hoje já não existem vozes proféticas que se levantem
em Sião e conclamem a nação ao Jejum e Choro. A Israel de hoje vive como os
tempos de Juízes, em que cada um fazia o que queria, não existindo uma harmonia
entre Israel e Deus. A Israel contemporânea precisa ser cuidada e resgatada. Quem
levará o verdadeiro Messias a Israel?
Malaquias, profeta do pós-exílio, escrito no IV sec. a.C. e último profeta do
Antigo Testamento, deixa uma palavra de consolo e ânimo: “Eis que vos enviarei o
profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor”. (Ml 4,5). O que
precisamos para dias atuais, nos quais o clamor pela justiça grita, é de homens e

198
Lilia Dias Marianno, A Ameaça vem...., p. 152.
107

mulheres com o “espírito valente” do profeta Elias (1 Rs 17). Homens como Boaz e
mulheres como Rute.
Boaz (pela Força), que tomou para si a alcunha de resgatador, e re-
integralizou pelo resgate de vidas, uma família na história. Por meio de um
casamento misto, Boaz constituiu uma família, que gerou um monarca para a
História de Israel e desse, uma enorme genealogia de Judá, que perdurou até os
dias atuais. Boaz venceu as barreiras do preconceito, usou novas estratégias e a
força da perseverança. Graças a ele, ainda hoje, existem “os da Tribo de Judá” e
esses são muitos.
E Rute (“Saciada”) não se importando em sacrificar seus desejos e sonhos,
afinal ela era plena, toma para si a viúva Noemi amarga e rancorosa com o seu
passado. Rute ao dizer: “Teu Deus é meu Deus,...” (Rt. 1, 16) assumiu o que a
antiga e a velha tradição de Noemi não poderia mais executar. Rute, a nova
tradição, se tornou a “Noiva de Boaz” e gerou filhos, para e por Noemi, filhos para
Israel. O Messias esperado chegou para Rute É a nova aliança que chegou a Israel
por meio de Rute. A estrangeira prosélita vem carregando, desde Moabe, a
bagagem cheia, pesada e abarrotada com as experiências do antigo, representadas
em Noemi (“Graça”).
Nessa bagagem tem ensinos que Noemi transmitiu para Rute e para todas as
gerações vindouras. E o maior dos ensinos é que pela obediência aos princípios
deuteronomisticos houve a restauração e a bênção do profético. “De ti, farei uma
grande nação, e te abençoarei e te engrandecerei, sê tu uma bênção (Gn 12) Essa
bênção Abrâmica, “...Serão benditas todas as nações”, “alcançou Rute, e nos
alcançará”!
108

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