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Ótimo! Você fez uma ótima leitura e uma excelente reconstrução.

Recomendo publicar.

Sarah Lídice Alfenas Moreira (Jornalismo Matutino)


História do Pensamento Político, 2º semestre

Retrato em Branco e Negro recupera a história de representações silenciosamente


compartilhadas

Originalmente publicado em 1987, ​Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e


cidadãos em São Paulo no final do século XIX ​é um livro resultante da tese de mestrado da "dissertação"
antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz. A pesquisa debruça-se nas representações
da condição negra veiculadas por uma elite branca nos principais jornais da cidade, em fins
do século XIX (especificamente entre os anos de 1870 e 1900).
A investigação, e por consequência as análises e descrições que dela afloram, partem
de abordagens históricas e antropológicas justificadas pela formação da autora: Lilia
graduou-se em História pela Universidade de São Paulo e concluiu seu mestrado e doutorado,
ambos em Antropologia Social, na Universidade Estadual de Campinas. Sendo que ​Retrato
É recomendável em Branco… ​faz parte de uma série de pesquisas realizadas nos anos 1980 que trouxeram
evitar esse tipo
de estratégia. rumos novos para os estudos sobre a população negra no Brasil.
Você pode escrever Nesse livro, Schwarcz visou recuperar a maneira pela qual os brancos falavam sobre
apenas Retrato
em Branco e os negros e os representavam nos artigos da imprensa paulista. Ou seja, ela se propõe a
Negro, sem o entender a diversidade discursiva (p. 37) das imagens veiculadas sobre situação negra em
subtítulo.
momento e local específicos. A escolha por analisar esse material, segundo a autora, parte da
importância daqueles jornais como ​fórum ​de debates centrais da época.
Polêmicas na historiografia sobre o escravagismo estavam presentes no contexto em
que o livro fora escrito. Havia embates entre o caráter passivo ou romântico da atitude do Não ficou
claro quais
cativo frente à condição escrava; ou também o debate sobre a importância da participação eram os
escrava no interior do processo de abolição. Lilia acaba por demarcar o papel do livro não polos do
embate, ou
como um partidário de algum desses embates que estão “longe de encontrarem-se resolvidos” dos embates.
(p. 24), e oferece, antes, uma nova abordagem.
(I) Um universo silenciosamente compartilhado (p. 13-20). A autora faz uma
introdução ao tema de sua pesquisa e começa a moldar teses que serão desenvolvidas ao
longo de todo o livro. Aqui ela expõe a ideia de “representação” a partir de expressões como
“sentido familiar” e “consenso social anterior e já compartilhado” (p. 15). Ela desenvolve
também um primeiro apontamento, costurado ao longo do texto e de antemão relacionado às
representações, sobre a não nomeação do elemento de cor em sua singularidade e sim uma
descrição a partir de suas atribuições (p. 16). Tece ainda breve comentário sobre a
Em textos para
publicação, não dificuldade, em sendo um leitor distante, de penetrar por valores por vezes “silenciosamente
usar grifo, mas compartilhados” em notícias ​pretensamente irrelevantes, mas que ganham outro “colorido”
itálico.
quando inseridos num contexto histórico, político e ideológico — deixando, assim, visível
sua proposta. Situa também a importância simbólica do material de análise em um ​período
relevante para o “recente” jornalismo brasileiro — quando vigora um “novo tipo de
jornalismo” (p. 60) e as experiências isoladas de jornais transformam-se em grandes e
estáveis empresas, mantidas através da verba de grupos envolvidos nos debates da época e na
produção de representações. Fato este que já sinaliza o contexto de criação e de atuação da
imprensa descrito por ela em outros momentos. Nessa introdução, também, a autora já
estabelece um distanciamento a pesquisas que trazem “uma concepção única, onde se
operaria uma síntese empobrecida das diferentes visões” (p. 19), o que posteriormente
fundamentará críticas a determinadas correntes acadêmicas.
(II) O estado da questão (p. 21-34). No segundo capítulo, Lilia expõe a situação do Schwarcz
debate acadêmico e dos discursos predominantes sobre escravagismo no Brasil. Ideias estas
centrais para o entendimento do pensamento político da época e que aparecem, como ela
Embora no Brasil sejamos mais flexíveis, de modo que
caiba o nome, e em alguns casos se tenha até mesmo
convencionado o nome, não o sobrenome - como "Florestan" -,
a rigor é o sobrenome. Não caberia, por exemplo, "Michel",
mas apenas "Foucault".
procura demonstrar posteriormente, nas páginas dos jornais. Ela destaca certas correntes de
vírgula, ou
pensamento, como a de uma tradição não-violenta na história do Brasil que prega um quadro "e que"
idílico e paternalista da escravidão, introduzindo aqui o antropólogo Gilberto Freyre, cujas
ideias estão destacadas ao longo do livro. Mas a principal ideia política compartilhada ali é a
da prepotente ciência do período: a ciência evolutiva e as teorias raciais vigentes e sua
influência nos estudos sociais. Era o contexto acadêmico europeu inserindo-se vivamente no
contexto histórico brasileiro, a exemplo de Nina Rodrigues e sua antropologia criminal
ancorada na ideia da “sociedade como um corpo que poderia ser conhecido”. A partir do
darwinismo social e do determinismo científico de autores europeus (p. 26) como Buckle,
Kidd, Le Bon, Gobineau, Lapouge, ela discorre sobre estudos da época que consideravam o
Brasil como um “estado negro” fadado à barbárie. A autora vai, assim, expondo visões
acadêmicas relacionadas à constituição de uma nação e de uma identidade racial brasileira,
marcando o estado de pessimismo em relação ao Brasil e uma certa patologização dos negros,
fundamentais para dar corpo à sua análise. Nesta seção, é postulado algo que será concluído
somente no último capítulo, a saber, as ideias relacionadas à realidade social do momento em
Bom!
que foi escrito o livro. Elas não estão diretamente presentes no texto, mas têm sua
importância porque as “imagens e teorias” recuperadas pela autora não estão totalmente
“absorvidas ou eliminadas"; se não mais predominantes na academia, “de alguma forma
ainda fazem parte do senso comum” — ou, cabe dizer, do “universo silenciosamente
compartilhado”.
(III) O contexto histórico (p. 37-46). A autora propõe aqui uma descrição do interior
do contexto brasileiro da época para que a “diversidade discursiva” não seja entendida de
forma “isolada” (p. 37). Desenvolve, então, os principais problemas nos fins do século XIX
na sociedade brasileira: a abolição da escravidão e a formação da jovem república, fortemente
marcada pela “busca de um modelo civilizatório" relacionado àquelas ideias políticas
importadas. Nesta seção, é exposto a característica básica do pensamento abolicionista no "exposta"
Brasil: seu caráter moderado” (p. 41). Ressaltando, neste ponto, como a abolição era uma
“questão de brancos”, tendo, inclusive, “propaganda abolicionista que não se dirigia aos
escravos”, o que ela buscaria demonstrar pelas análises dos jornais. Essa característica
moderada, de “reforçar [as ideias liberais] conservando” (p. 43), é destacada justamente
porque se fará presente nas atitudes dos jornais e Schwarcz traça ali uma ambientação de
quem estava por trás dos interesses nesses periódicos. Aparece também, aqui, uma das
principais questões do livro: o surgimento do racismo no Brasil a partir do florescimento das
teorias raciais e como o problema da raça foi silenciado ​depois do contexto de formação da
nação e da abolição, o que também dá indícios para se pensar a situação contemporânea (que
não é explicitamente dita, mas parece estar sempre posta).
(IV) A “racionalidade urbana” de São Paulo (46-62). Nesta parte, a autora faz uma
caracterização de São Paulo, dos processos de gentrificação da cidade e das origens daquilo
que viria a ser a necessidade do avanço civilizatório. A cidade floresce, tal qual os jornais,
como “palco de novas e polêmicas ideias”: o positivismo de Augusto Comte, o
evolucionismo social de Spencer, com a imutabilidade das leis da natureza, e o
abolicionismo. São recuperados ali também a história de alguns dos proprietários dos jornais
estreitamente ligados com a emergente economia da cidade, o que marcaria uma tese
importante sobre a imprensa paulista: não só um reflexo de valores e posturas, mas também
produtora efetiva desses elementos. Marca-se o início do argumento sobre a ​criação de
significados pela branquitude e não somente uma mera "manipulação" de pressupostos já
estabelecidos.
(V) Imprensa paulista (p. 62-111). Neste livro, a autora deteve-se a analisar três
periódicos: ​Província de São Paulo​, ​Correio Paulistano ​e ​A Redempção. ​Demarca, então, a
dinâmica política dos jornais a serem analisados e o leitor vê como eram veiculadas as teorias
positivistas nos jornais aspirantes a um “mundo civilizado”. Ancoravam-se, portanto, na
objetividade da ciência e na veiculação da “ciência imparcial e eugênica” que contrasta-se "que se
contrasta"
com a verdadeira intencionalidade do jornal. A caracterização da postura de cada um dos
periódicos vai ser importante para o entendimento de suas escolhas e das ideias ali
compartilhadas: o histórico de instabilidade e de bom camaleão do ​Correio, ​com certo tom
paternalista; a aparência neutra e de contemporização com as “novas ideias” (p. 211)
evolutivas em ​A Província a partir de suposta “objetividade” científica; e a “postura política
mais avançada para a época” oferecida pelo ​A Redempção ​(p. 115), mas que, ainda sim, não
tocava no problema das raças e que tratava da abolição como a sempre ressaltada “questão de
brancos”. pode ser "da" (= abordava a, mencionava a, incluia a), mas cabe melhor "a" (= dar um tratamento para a).
(VI) O negro nas diferentes seções dos jornais: uma visão sincrônica (p. 115-191).
Schwarcz, nesta parte, mostra a importância das teorias científicas que "excediam claramente
os limites da biologia” nos ​jornais, “adaptadas perfeitamente às conjunturas política e
ideológica daquele momento" e usadas “oportunamente” para dar subsídios a um “grupo
dirigente” que definia, naquele momento, “seus conceitos de nação e cidadania”. Isso parece
sinalizar e fazer pensar sobre a gênese do preconceito e como essas noções foram criadas por
eles e consensualmente veiculadas nos “jornais de penetração na população alfabetizada de
São Paulo” (p. 138), majoritariamente branca. Aqui, Lilia defende como essas representações
“globalizantes e limitadoras” criaram realidades a partir da “transformação de imagens
diversas em consensos sociais” (p. 157), desde situações particulares que viraram dramas
públicos larga e rapidamente publicados (p. 155) a “exceções que confirmam a regra”. Ou
seja, refletindo representações do momento e produzindo, ao mesmo tempo, novos papéis
(p.188), como num anúncio de venda no qual “o senhor ‘expunha’ também a si próprio e sua
visão sobre o cativo”. Retoma aqui, também, o “problema das diferenças raciais” (p. 129),
que surge nos jornais ora explícitamente ora desfocadamente. Ancorada em Roland Barthes,
ela evidencia a natureza de sua pesquisa antropológica: “É a insistência em um
comportamento que revela sua intenção” (p. 139), e disso demonstra como, por exemplo, “a
violência [negra] deixava de ser encarada como um fenômeno isolado e passava a ser
entendida como atributo próprio aos homens de cor” (p. 143) nas notícia. Sua proposta é a de
que cada seção cumpre uma função específica e às vezes complementar na dinâmica interna
(e política) do periódico. Ela inclusive dedica-se, incorporando Saussure e Lévi-Strauss, a
marcar as representações como “categorias delimitadas pela diferença”. E critica “grande
parte da historiografia brasileira” que “caracteriza o período escravocrata com um modelo de
sociedade totalmente dicotômica, com oposições rígidas e básicas” (p. 189). É disso que ela
procura se distanciar, pois as “imagens não se afirmaram de maneira unívoca nos jornais”,
mas sim assumiram “trajetórias heterogêneas de transformação ou adição de atributos
caracteristicos dos negros”.
(VII) Imagens de “negros” em diferentes momentos: uma análise diacrônica (p.
192-291). Nessa última análise, a autora observa uma “mudança no nível da linguagem” (p.
230) em períodos históricos específicos nos jornais, quando as posições e a opinião pública se
modificavam em relação à escravidão. Ela defende, então, o papel im​portante da língua,
“lugar da intersubjetividade onde indivíduos se confrontam ou onde encontram outrem​”.
Novos significados começam a surgir, como o “fenômeno do negro quilombola e
insubmisso” (p. 245) ou a “distição clara e consensualmente aceita entre ​preto e negro ​”, e
junto deles a transformação de termos e “qualificações criadas e exaltadas pela sociedade
branca” (p. 261) em consensos e ​pressupostos. O que, como argumenta Schwarcz, constitui
verdadeiros “jogos de fala, de alusões, de ditos e não ditos" que “acabam por alimentar todo
um universo de representações bastante consensual" (p. 198). Destaca aqui, com maior
volume, o que ela vem pincelando ao longo do texto sobre a população negra ser sempre um
instrumento de exemplificação de situações, apesar de ser objeto direto da seção. Retoma,
também, o problema racial que “parecia inexistir" (p. 217) pois, à época, a escravidão era vírgulas
vista como “um mal em si” (p. 256), o “cancro” da nação” que se resolveria com a abolição.
Mas a autora procura mostrar como esse problema persistia ainda com a libertação, pelo
compartilhamento de visões sobre a “incapacidade [dos libertos] de conviver com os
‘avanços’ que o novo momento político trazia consigo” (p. 281).
(VIII) Considerações finais (p. 292-302). Por fim, ela conclui o que buscou "com o que"
demonstrar ao longo de todo livro: como se desdobram, configuram e se constituem
postulados sociais assumidos coletivamente nos jornais que “trabalham com [conceitos] e vírgula
criam conceitos”, capazes de transformar “personagens em “pressupostos”. Ela busca
justificar o conceito de representação utilizado no trabalho e, ainda, sugere que “a própria
noção de representação social deve ser vista com uma abrangência maior”. Isso porque,
defende, ela não seria “um único conjunto que resiste às mudanças no tempo”, mas antes
“imagens em movimento”. Reforça, ainda, a tese principal do livro de que as identidades são
construídas ao se assumirem as diferenças. Ela buscou evidenciar o “arsenal cultural comum”
encontrado nas representações que “determinados segmentos utilizavam para também
justificar-se”, produzidas por “senhores brancos ​emaranhados ​no próprio discurso que
constituem” situados em um complexo social particular de construção de novos agentes da "e"
nação. Finalmente, ela marca o período em que o “problema racial deixa de constituir uma
questão pública e de ser veiculado explicitamente”, parecendo traçar paralelos com a época
em que seu livro foi publicado. Ao longo da obra, Shwarczs descreve como esse problema
era associado exclusivamente à escravidão, “transformando-se numa série de imagens
dispersas”, interiores e por isso mesmo ainda, e até hoje, muitas vezes consensualmente
aceitas: “Preconceitos implícitos e arraigados permanecem então intocados”.
maiúsculas
Parece muito acertada essa análise que alia a antropologia, a história e também a
linguística discursiva dos jornais. Afinal, estes eram espaços privilegiados para a criação de
certos consensos bem representativos da época: o poder dos cafeicultores e das ideias
políticas que vigoravam naquele momento que, de certa forma, ditou os rumos da história e
da formação do Brasil.
Retrato em Branco e Negro ​começa e termina falando de silêncios e vale
especialmente destacar a epígrafe: “Esses gritos medonhos ao nosso redor são o que vocês
chamam de silêncio”. Embora a autora não trate especificamente ​da palavra “preconceito”,
parece que todo o livro procura mostrar a gênese desta questão que foi esquecida nas páginas
dos jornais, deixando de constituir uma questão pública. Mas cujos ecos (e “gritos”),
descritos pelas representações catalogadas por Lilia, como a “negro violento”, “submisso”,
“rebelde”, “feiticeiro”, estão até hoje presentes.
O momento histórico escolhido pela autora para essa investigação, nesse sentido, é
marcante. Se no “estado da questão” ela fala sobre o surgimento do racismo no Brasil — uma
das poucas vezes em que esta palavra é mencionada — o livro não deixa de tocar vírgula
minuciosamente nesta questão. Fala de uma nação que nasceu, em sua essência, a partir de
uma inclusão que exclui, sem se dar conta dos seus problemas. Portanto, talvez a maior
contribuição desta pesquisa tenha sido marcar a gênese de tantas questões, a partir da visão de
uma elite branca que moldou ideias longe de dar-se por vencidas.

BIBLIOGRAFIA
título de livro: em itálico

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadãos em São
Paulo no final do século XIX. 2ª Edição, 2017. São Paulo: Companhia das Letras.

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