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Autora Danielle Viegas Martins
Copyright © 2022 DANIELLE VIEGA MARTINS
Capa: Lucas Bernaliel
Revisão: Mariana Rocha
Diagramação: Bianka Jannuzzi
 
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios (tangível ou
intangível) sem o consentimento escrito da autora. A violação dos
direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal.2018.
autoradanitess91@gmail.com
 

 
 
Sinopse
Epigrafe
Prólogo
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Epílogo
Outros livros
Biografia
 
Malcom Campanelli é o chefe que ninguém quer ter.
De que adianta um salário obscenamente alto se, para recebê-
lo, é preciso passar 24 horas do dia à disposição do homem mais
insuportável e grosso do mundo?
SAVANNAH ARMSTRONG precisava muito daquele emprego.
Precisava muito mesmo, já que estava prestes a ser despejada por
estar devendo quatro meses de aluguel. Daquela entrevista, viria a
resposta se ela teria ou não um teto sob sua cabeça quando
voltasse pra casa naquele dia.
Mas nada a preparou para o lindo, másculo e perfeccionista
CEO MALCOM CAMPANELLI no auge de seus 36 anos, nem
mesmo o treinamento que recebeu secretamente da assistente
idosa dele, que está louca para se aposentar, mas precisa de uma
substituta que aceite ter o diabo em pessoa como chefe. Tudo que
Savannah faz parece estar errado. O chefe a ignora ou a crítica,
quando não faz questão de dizer que ela não está fazendo direito o
trabalho para o qual está sendo paga, gentil como um cavalo, dando
coices. E todos que trabalham na Diamantes Campanelli parecem
ter medo do bilionário.
Para piorar, a mente de Savannah parece ter vontade própria
agora e vive bombardeando a moça de vinte e quatro anos, nos
momentos mais inapropriados, com cenas muito eróticas dela e do
chefe, e Savannah nunca se sentiu assim por nenhum homem
antes.
INSUPORTÁVEL.
TIRANO.
INTIMIDADOR.
O PRÓPRIO DIABO ENCARNADO.
É isso que quem conhece Malcom Campanelli pensa a seu
respeito. Ele intimida seus funcionários, que evitam, a todo custo,
cruzar o caminho do CEO mais temido e respeitado de Nova Iorque.
Malcom foi criado para comandar um império, e é o que ele faz
de melhor. Ter o total controle de tudo sobre sua empresa e sua vida
é o que ele mais preza. Um chefe que não admite falhas. Ele nunca
agradece. Nunca pede desculpas. Nunca diz por favor. Mas, para
infelicidade de Malcom, sua assistente pessoal, a insubstituível
senhora Marshall, está decidida, dessa vez, a não adiar mais sua
aposentadoria e o obriga a entrevistar e escolher uma substituta. É
assim que Savannah Armstrong entra em sua vida. E ele torna a
vida da moça com sotaque sulista um verdadeiro inferno, mas se
surpreende com a forma que ela diferente de todos nunca de
intimida perto dele.
O que Savannah não entende foi como aceitou a proposta de
fingir ser namorada de Malcom Campanelli para a mãe, que ele
reencontrou muito doente e que não via desde menino. Mas fingir
estar perdidamente apaixonada por seu chefe insuportável depois
de conviver com o verdadeiro Malcom Campanelli, que mais
ninguém conhecia, acaba deixando de ser fingimento depois da
primeira noite de amor dos dois. É quando Malcom percebe que não
está mais no controle de seu coração.
 
 
 
 
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Antes de dar muito certo,
vai dar muito errado,
então tenha fé.
 
Autor desconhecido 
 
 
 
 
 

 
Se você deixar que as pessoas percebam qualquer sinal de
fraqueza, elas vão explorar essa fraqueza de uma forma que vai te
destruir. Esta é a principal lição de vida que meu pai me ensinou,
era uma lição sobre como gerir os negócios, mas transformei em
mais que isso. Gravei isso no meu peito e aprendi desde muito cedo
a controlar os meus sentimentos, as minhas emoções.
Controlar as coisas ao meu redor é algo natural para mim. E
eu sei como isso soa. Sei que você deve estar pensando que
ninguém pode controlar tudo, só que eu estou rigidamente no
controle da minha vida, da minha empresa, das minhas relações, da
forma como me sinto e do que deixo que os outros vejam e saibam
sobre mim.
Não importa qual seja a situação em que eu esteja, o quão
estressante pode ser um problema profissional ou simplesmente se
estou tendo que passar um tempo com pessoas desagradáveis, a
minha postura e a imparcialidade nunca se perdem. Não estar no
controle não parece opcional para mim.
Algumas coisas me escapam, claro. Um exemplo: por mais
que eu tente, até hoje não aprendi a não ficar de mau humor quando
o despertador toca. Não me entenda mal, não é por preguiça ou
coisa similar, mas, desde criança, eu detesto ser acordado. Não me
importo de acordar às cinco da manhã e ter um dos dias mais
agitados que você possa imaginar,desde que isso aconteça de
forma natural. Hoje, especialmente, o que me deixa irritado não é só
o fato de que meu sono fora interrompido. Além disso, ao ser
acordado pelo barulho ensurdecedor do despertador, sou também
lembrado de que preciso realizar uma tarefa que é, para o dizer o
mínimo, insuportável: preciso escolher uma pessoa para ocupar um
espaço vital na minha vida.
Hoje é o último dia para resolver isso. A partir de amanhã,ela
está me deixando. Ainda não consigo acreditar que isso está
realmente acontecendo. Onde eu vou encontrar alguém como ela?
A resposta que não sai da minha mente é bem simples: eu não
encontrarei. Ninguém fará o que ela faz, e muito menos com a
maestria que ela tem. Estou perdido sem ela, esta é a verdade.
E,por mais que seja contra minha natureza admitir esse tipo de
coisa, preciso ser honesto: é muito egoísmo da minha parte pensar
desse jeito, afinal,passamos muito tempo juntos e, como tudo na
vida, essa história também precisa ter um começo, um meio e um
fim. Ainda assim, dizer adeus à senhora Marshal está sendo mais
difícil do que eu poderia imaginar.
A senhora Marshal é minha secretária. Não. Ela é mais que
isso. É minha assistente pessoal, meu braço direito na Diamantes
Campanelli há quase quinze anos e,muitas vezes, minha voz da
razão. Ela tem sempre um sábio argumento que me faz reconsiderar
uma decisão. Não lhe dou ouvidos apenas pela admiração e
relacionamento pessoal fluído que construímos ao longo desses
anos todos, mas,principalmente, por sua eficiência.
Meu nome é Malcolm Willian Campanelli, sou herdeiro e
presidente da Diamantes Campanelli, também conhecida como o
império de diamantes, uma das maiores e mais valiosas empresas
no mercado de ações da Bolsa de Valores dos Estados Unidos da
América. E ser responsável por todo esse império é uma tarefa nada
fácil. Acostumei-me desde cedo a me dedicar totalmente ao trabalho
e aos negócios. E das poucas pessoas com quem trabalho que
estendi meu relacionamento para além do profissional, a
senhoraMarshall foi uma das que mais me afeiçoei, mas pensar
nisso não importa mais, preciso me concentrar em encontrar alguém
tão eficiente quanto ela foi.
Decidi manter minha rotina como ela sempre foi, talvez assim o
dia nãofosse tão ruim quanto eu penso que será. Levantei e fui
tomar uma ducha rápida, apenas para despertar o corpo. Lá fora,o
tempo estava horrível, para combinar com o meu humor, pensei
comigo. O típico tempo ensolarado do começo de maio ainda não
estava dando as carase,para uma quarta-feira relativamente
comum, eu não podia esperar nada diferente. Subi até a academia
que fica no terceiro andar da minha casa e decidi que ali eu iria me
desligar do que estava por vir.
Fiz minha musculação com um pouco mais de concentração
do que eu geralmente faço, mas, para todos os efeitos, foi bom.
Tomei novamente outro banho, dessa vez demorado, queria
aproveitar a sensação de relaxamento que se tem depois de fazer
uma hora e meia de exercícios. Coloquei um dos meus clássicos
ternos grafite e uma gravata preta, e aparei a barba. Odeio a
sensação de desleixo que uma barba malfeita pode passar. Quando
estava finalmente pronto,me olhei no espelho. Tudo perfeitamente
alinhado, exceto pela minha notória cara de desânimo, respirei
fundo e conferi as horas: sete e quinze.
Na cozinha,o meu café já me esperava, forte e sem açúcar,
acompanhado de ovos mexidos e frutas em cubos. Peguei o jornal
matinal e fui ler um pouco as notícias do dia, e não me surpreendeu
ver mais uma vez meu rosto em uma coluna social:
 
“O CEO mais cobiçado de Nova Iorque foi
flagrado com mais uma possível pretende, uma
bela ruiva de olhos claros foi a sortuda da noite”.
 
Eu não gosto de holofotes. Nunca gostei. A questão é que o
mundo mudou drasticamente nos últimos anos, antes você era
alguém com base na sua linhagem, depois interessavam os que
tinham dinheiro, hoje a fama parece ser o motor do mundo. E
embora, objetivamente, entenda as razões pelas quais a relevância
social significa tanto hoje em dia no sistema capitalista, não consigo
entender a fascinação que as pessoas têm com as vidas uma das
outras. E, definitivamente, não entendo por que há uma fascinação
pela minha vida. Eu definitivamente não me considero uma pessoa
interessante fora do mundo dos negócios.
Ignoro a matéria e mudo para outra seção do jornal. Algo
substancial. Toda essa atenção que minha vida pessoal tem me
incomoda, mas prefiro não dar importância pra isso. Finalizo meu
café da manhã, escovo os meus dentes e então vou até a garagem.
Normalmente eu costumo apenas encontrar o motorista no portão
principal, mas uma vez por semana gosto de descer e mudar de
carro, não deveria por questões de segurança, deveria sempre usar
um veículo padrão igual aos da escolta, mas acho que esta é a
minha dose de rebeldia, embora muito bem cerceada por mim
mesmo.
Na garagem, há exatamente vinte e dois carros
cuidadosamente organizados e lustrados. A coleção é minha há um
bom tempo, mas pertenceu ao meu pai. Fiz algumas adições com o
passar dos anos, como o arremate de um McLaren F1 produzido em
1994. Ampliar e cuidar da coleção dele é uma forma de me manter
ligado ao meu pai de alguma forma, de qualquer modo, carros
clássicos sempre foram uma das minhas paixões pessoais. Decido
usar a Ferrari 250 GTO.
É o meu carro favorito, é impressionante que, mesmo depois
de todo esse tempo, sua pintura em preto brilhante parece ter sido
feita há pouco tempo. Digo ao motorista que carro usar e, então, a
escolta segue primeiro, um carro com seguranças, depois o meu
carro pessoal, por fim, mais um carro com segurança, essa é a
rotina diária.
Mal presto atenção ao trajeto e, quando percebo, já estamos
parando na frente da empresa. Isso não é incomum, às vezes eu
faço as coisas no automático, penso no automático, sinto no
automático. A necessidade de estar em controle é tão grande que
acabo criando protocolos e rotinas para tudo.
Dou uma olhada em mim mesmo pelo espelho, meio que me
incentivando a manter a postura e a desligar os meus sentimentos.
Entro na empresa e vou direto para o elevador executivo. Por sorte,
não há ninguém, não é um bom dia para ter conversas fúteis com
pessoas que trabalham para mim. Caminho direto para minha sala,
sem ao menos desejar bom-dia a todas as pessoas que vi. Fecho a
porta, mas levo alguns segundos encarando a vista. Nova Iorque
parece pequena daqui, e é definitivamente menos barulhenta. A
chuva continua caindo de forma impiedosa, mas não me importo,
não estou ansioso pelos dias de sol que maio trazem. Eu gosto do
inverno, gosto da neve. No verão,os dias são mais longos, as ruas
mais lotadas.
Ajusto minha gravata e me sento na grande cadeirade couro
pretoatrás da minha mesa. Conferi novamente o relógio: oito em
ponto.
Apesar de tudo, minha rotina matinal sagrada havia sido
concluída com sucesso, o que quase melhorou meu humor, mas
essa possibilidade logo se foi quando alguém bateu na porta. Fiz
silêncio, com sorte, a pessoa desistiria.
— Eu sei que você está aí — a voz no outro lado disse. E,
contra a minha vontade, respondi:
— Pode entrar.
E assim, todo animado em seu terno azul-marinho, Arthur
entrou na sala todo animado, eu já sabia o motivo de toda aquela
alegria. Meu primo é como um adolescente quando o assuntoé as
mulheres.
— Agora não é hora — já fui logo dizendo.
— Toda hora é hora, ainda mais para falar disso — ele
respondeu, sem tirar o sorriso do rosto.
— Já disse que agora não — insisti.
— Ah, qual é? Jura que não tem nada para me contar sobre a
“bela ruiva de olhos azuis” de ontem à noite? — Arthur disse,
fazendo aspas com as mãos. A beleza ruiva de olhos azuis era
mesmo bela, mas só isso. Por alguma razão, eu não consigo ir além
do sexo, não consigo me conectar. Não quero falar sobre ela. Não
gosto de falar sobre tempo perdido. Ainda assim, sempre acabo
cedendo e conversando com Arthur sobre as mulheres com quem
saio.
Pelo meu olhar, eu consegui deixar bem claro que eu não tinha
nada para contar e, dessaforma, pude ver o sorriso de Arthur sumir
aos poucos e ele indo em direção à porta. Respirei fundo, não era
justo eu ser tão rude com ele. Eu disse que sempre cedia, não
disse?
— Mas talvez no almoço eu me lembre de alguma coisa —
respondi, sorrindo pela primeira vez no dia.
— Espero que não se esqueça de nada — contrapôs o
sacana, e foi embora.
Arthur é meu único primo e, desde os tempos de colégio e
faculdade, o meu melhor amigo, e eu o tinha como um irmão, mas
nunca serei capaz de perdoar suas terríveis manias, entre elas,
incluindo o péssimo hábito de nunca fechar a porta. Levantei-me,
tentando disfarçar minha raivae, com muito esforço, eu não bati a
porta,assim que a fechei, alguém bateu pela segunda vez.
— Já disse que,na hora do almoço, eu... Ah, senhoraMarshall.
Desculpe o tom, pensei ser outra pessoa — me retratei. No fim das
contas, Arthur é a única família que me resta, pelo menos,a única
família que eu assim considero.
A senhora de quase setenta anos, com cabelos prateados
presos em um coque, sem nem um fio fora do lugar, como sempre,
está me encarando com a expressão impassível e comedida que os
anos e a sabedoria da vida lhe deram. Ela arrumou os óculos que
desceram para a ponta de seu nariz e me respondeu:
— Não se preocupe. Vi seu primo saindo. Aliás, bom dia para
o senhor também. — Seu comentário sarcástico me fez sorrir.
Apreciava tanto seu humor ácido, quanto sua eficiência. Eu não sei
se toleraria esse tom vindo de outra pessoa, mas,de alguma forma,
ela passou pelas minhas barreiras e não há nada nela que me
incomode, nunca. — Eu só vim informar ao senhor que as
entrevistas vão começar agora.
Isso me deixa de mau humor novamente. Não posso aceitar
facilmente o fato de que isso é mesmo real. Não acredito que vou
perdê-la. Eu adiei esse momento ao máximo, mas agora está aqui,
é concreto, inevitável. Dei a ela a minha palavra no ano passado
que, antes do Natal seguinte, ela já estaria aposentada. E, apesar
de me sentir um crápula por manter Glória Marshal trabalhando para
mim quando já deveria estar fora deste arranha-céu há muito tempo,
a questão é que sei o que estou perdendo, sei que não vai ser fácil
encontrar em outro profissional a sinergia que temos. Às vezes,
acho que a senhora Marshall pode ler minha mente, antecipar as
minhas necessidades.
Eu sou um homem muito dinâmico, metódico, criterioso e
extremamente exigente em todos os campos da minha vida, no
trabalho, não é diferente. Eu sempre exijo o melhor resultado de
mim mesmo. Por que seria diferente com quem trabalha para mim?
Eu sou comprometido com tudo que me disponho a fazer e quem
trabalha ao meu lado deve saber bem que eu posso precisar de
seus serviços em um feriado, como Natal, Dia de Ação de Graças,
ou mesmo, como já aconteceu com a senhora Marshall, no meio do
aniversário de uma de suas netas.
Eu nunca tiro férias. Nunca fico doente. Por isso, a pessoa que
ocupar a vaga da senhora Marshall não deve contar com tais datas
no calendário ou quaisquer empecilhos como mais importantes do
que o que precisa ser feito para que a minha empresa continue
como líder no mercado de diamantes na América do Norte.
O trabalho vem em primeiro lugar para mim. Meu pai dizia que
uma pessoa de negócios é como um relógio suíço: ajustado,
pontual, e sempre trabalhando. Demando da minha equipe o mesmo
ritmo e a recompenso muito bem por isso.
E tem sido assim com a competente senhora Marshal nesses
últimos quinze anos juntos. Sua mente sagaz continua afiada e
muito lúcida e ela nunca faltou um único dia de trabalho. Nunca. Ela
é uma funcionária insubstituível, na minha opinião. Além de ter toda
a minha confiança, eu a respeito e admiro muito seu senso prático
Agora é hora de conhecer a pessoa que iria ocupar o lugar
daquela que é a melhor assistente executiva que um CEO poderia
ter. Tento não demonstrar minha insatisfação mais uma veze, contra
minha vontade, aceno concordando com o que a senhora Marshal
me disse. Por alguma razão, sinto que a saída dela vai mudar tudo
na minha rotina, que está bem definida e totalmente sob controle.
— Se não há outro jeito...
— Não. Não há. Ainda este mês me afastarei para desfrutar da
minha merecida aposentadoria, senhor Campanelli.Eu prometi que
ficarei até conseguir uma substituta adequada, mas, por favor, tente
ser mais...
— Mais o quê? Flexível nos meus padrões? — questiono,
querendo entender se ela está me preparando para um rodízio de
moças desqualificadas e que vão desperdiçar meu tempo e minha
paciência. Duas coisas que eu nunca tenho muito.
— Tente ser mais tolerante. Era o que eu ia dizer antes de ser
interrompida. Eu tenho certeza de que encontraremos sua nova
assistente e que ela atenderá às suas expectativas sendo ela
mesma, mas não espere uma cópia minha. Não estabeleça
comparações.
— Sei que nunca encontrarei uma assistente à sua altura,
senhora Marshal, mas vamos começar então...Tentarei ser tolerante
como me pede, mas não queira que eu seja complacente com
profissionais inaptas. Cinco minutos para cada uma dessas moças é
mais que suficiente para saber se poderei entregar minha rotina nas
mãos de qualquer uma delas ou não.Mais que isso,será um
completo desperdício do meu tempo.— Saio com ela logo ao meu
lado e nunca atrás de mim, silenciosa e com aquele olhar astuto de
que sabe de algo que eu não sei e que me intriga sempre que vejo
em seu rosto. — Vamos entrevistar as candidatas ao seu cargo.
Cinco minutos—repito, e ela assente com a cabeça.
 

 
O tempo está começando a esfriar de verdade agora e o
aquecedor não colabora. Na verdade, nada nesse apartamento
parece colaborar. É como estar presa em um globo de neve. O
apartamento é ridiculamente pequeno, tanto que eu preciso rolar por
cima da minha cama para ter acesso ao banheiro. E, ainda assim, é
ridiculamente caro. Como tudo em Nova Iorque.
Mesmo assim, eu amo Nova Iorque, amo tudo sobre essa
cidade, a forma como as pessoas são malucas e brigam por táxis no
meio das avenidas, a mistura de cheiros e sabores, as pessoas, a
diversidade dessas pessoas. Eu amo Nova Iorque e tudo que eu
não quero é ter que voltar para a minha cidade natal, que é repleta
de pessoas racistas e de mentalidade pequena. Uma cidade onde a
ideia de diversão é se enfiar um bar com música caipira, jogar bilhar
e começar uma briga depois de algumas doses de vodca barata ou
atirar em garrafas de cerveja vazias.
Sei que isso pode soar esnobe, muitas pessoas me diziam isso
por lá, que eu tinha o nariz empinado e não sabia o meu lugar, que
me achava melhor do que os outros. Não é verdade. Eu só aprendi
a não deixar que ninguém faça com que eu me sinta inferior.
Deixar o Texas me salvou de uma vida de tédio. Aqui eu tenho
amigos que se parecem comigo em muitos aspectos, pessoas que
têm a mente aberta. Nova Iorque é meu colete salva-vidas, não,
melhor, é a porta que o Jack segurou para que eu não morresse
congelada, ou talvez essa cidade em si seja Jack. Seja como for a
versão certa dessa analogia maluca sobre Titanic, o fato é que não
posso voltar. Eu cresci numa cidadezinha do Texas e nunca me
senti parte daquele lugar. Eu era a única garota negra na escola, na
igreja, na maioria dos lugares, foi assim por muito tempo. Além do
meu pai, as duas únicas pessoas negras eram um funcionário do
serviço postal e uma senhora que vendia flores. Se não fosse pelos
meus pais, acho que eu teria fugido de lá com oito anos.
E talvez isso tudo soe muito dramático, mas a questão é que
uma criança precisa de exemplos, de representatividade, caso
contrário, pode crescer achando que pessoas que se parecem com
ela não existem ou que só podem ocupar espaços muito
específicos.
Meu pai me ensinou a levantar a cabeça, a não me sentir
menor, a olhar para os outros como igual, porque é isso que eu sou.
E, mesmo que eu tenha aprendido todas as lições que tanto ele
quanto minha mãe ensinaram, eu não posso voltar. Me mudei para
Nova Iorque aos dezoito anos, quando entrei para a universidade
para estudar matemática, e só aqui eu me senti bem de verdade,
me senti parte de uma comunidade, fiz amigos. No primeiro
momento em que coloquei meus pés em Nova Iorque, eu soube que
não iria querer voltar para o Texas, não para morar. E até hoje meus
pais são minha única motivação para colocar meus pés naquele
estado, naquela cidade. Meu pai me ensinou a ter orgulho de quem
eu sou, me ensinou sobre as nossas origens, nossa história, e eu
carrego isso comigo onde quer que esteja. Minha mãe me ensinou a
força de uma garota do sul, com todos os clichês que isso traz, e
principalmente com a ideia de que não há nada que eu possa
suportar. Acho que é dela que tiro meu otimismo.
Nova Iorque, no entanto, não é fácil. Sendo honesta, nenhum
lugar é fácil na atual conjuntura econômica. No ano passado, eu
estava empregada em uma empresa que adorava, fazendo o que
mais gosto: cálculos. Eu adorava aquele emprego, era responsável
pelo desenvolvimento de processos de coleta e tratamento de dados
estatísticos. E eu sei que isso soa como algo entediante, mas há
algo de muito divertido no estabelecimento de previsões
probabilísticas. Na tentativa de entender quais as chances de algo
acontecer. A estatística é também uma forma de entender o mundo
por uma ótica mais geral, uma ótica que quase sempre favorece
traçar um diagnóstico preciso do que queremos descobrir.
O trabalho que eu amava foi arrancado de mim quando a
empresa abriu falência e, então, foi reincorporada por um grande
grupo e realocada para Palo Alto. Eu poderia ter ido junto, mas a
ideia de trocar Nova Iorque pela Califórnia parecia absurda naquele
momento. Eu tinha minhas economias e podia me dar ao luxo de
esperar. Terminei o meu mestrado e, depois disso, foquei em
encontrar um novo emprego. Isso foi meses atrás. Até agora nada
apareceu.
O mercado em si está passando por uma série de recessões,
processos que se automatizam, prostituição de algumas profissões.
Chegou ao ponto de que eu comecei a reconsiderar Palo Alto, mas
a vaga já havia sido ocupada. Comecei a fazer alguns bicos: fiz as
declarações de imposto de renda de vizinhos e do dono do
apartamento em que moro; na noite passada, trabalhei até tarde
como garçonete em um restaurante aqui da vizinhança. Ainda
assim, nada disso,de fato, consegue me manter aqui. Morar em
Nova Iorque é caro, mesmo nos bairros mais afastados, mesmo em
Nova Jersey, onde vivo atualmente. Alimentação, aquecimento,
energia, débitos estudantis, saúde. Tudo isso custa muito mais do
que alguns freelas podem pagar. Cheguei no limite e,se não
conseguir um emprego em breve, vou precisar voltar para o Texas
até me reestruturar.
É por isso que estou indo para essa entrevista de emprego. É
uma função de assistente de pesquisa, e eu sou provavelmente
qualificada demais, mas não me importo. Só quero fazer algo,
qualquer coisa que pague as minhas contas e me mantenha aqui.
Uma colega me falou da vaga. Ela contou que a empresa está
precisando de uma nova pesquisadora.
Calço botas e coloco um sapato na bolsa. Vou precisar trocar
quando chegar ao empresarial em que será a entrevista, mas é
melhor assim, é melhor que seja assim que acabar chegando no
local com os pés encharcados. Seria uma péssima primeira
impressão. São galochas para ser honesta, galochas plásticas na
cor cinza. Não são exatamente feias, mas não estão no código de
etiqueta de uma entrevista de emprego. Separo tudo que preciso e
desço para pegar o ônibus, tudo que coloco no meu estômago é um
café para me manter acordada. Preciso, depois de passar doze
horas servindo mesas.
Quando abro a porta,encontro um envelope com uma enorme
tag vermelha: aviso de despejo. Estou devendo quatro meses de
aluguel, eram seis, mas tudo que consegui nos últimos meses foi
gasto com aluguel ou usado para comprar comida.
O ônibus demora, e eu fico impaciente, não posso perder essa
entrevista. Quando ele finalmente chega, está absurdamente lotado
e, depois disso, há o metrô, também cheio de pessoas. Entro na
Newark Penn Station e desço na New York Penn Station. Assim que
coloco os meus pés para fora do vagão, noto um senhor com uma
toca rasgada, luvas no mesmo estado, segurando um cartaz que diz
que o fim está próximo, estou focada nele quando alguém passa
correndo e leva minha bolsa. Tento correr atrás do homem
amarelado, vestido com roupas puídas e que se move rapidamente
pela multidão, mas olho o relógio e estou no limite do tempo, tenho
dez minutos para chegar ao prédio da entrevista. Preciso me
apressar.
Tento não surtar. Ele levou meus documentos, minha carteira,
mas eu ainda tenho meu celular. “Você pode fazer isso, Savannah”,
digo a mim mesma. Eu sou otimista, às vezes mais otimista do que
deveria, sei disso, mas não quero perder isso, não quero me tornar
uma pessoa cínica que espera o pior, gosto de achar que as coisas
podem e vão melhorar. Caso contrário, eu teria desistido dos meus
sonhos há muito tempo.
“Foque na entrevista. Apenas foque na entrevista” repito
enquanto ando apressada, subindo as escadas que dão acesso à
Fifth Avenue. Ao menos o endereço é fácil de achar, de frente para
o Central Park, no coração da cidade, um gigante arranha-céu se
impõe, vidros azulados refletindo o pouco de luz que passa pelas
nuvens cinzentas.
Respiro fundo e passo pela porta, me identifico, informando
que tenho uma entrevista e em que andar, um segurança gentil me
libera com um sorriso,e eu entro no elevador enquanto me esforço
para não roer as unhas. Não deveria estar nervosa, sou qualificada
demais para o trabalho e posso fazê-lo muito bem, mas acho que
não é a entrevista que me assusta, mas,sim, a possibilidade de não
conseguir esse emprego e suas inevitáveis consequências.
Pressiono o número do andar e o elevador lotado começa a se
mover. Repasso mentalmente o que tenho a dizer, minha
experiência, minha formação, minha vontade de crescercom a
empresa e todos os comuns clichês relacionados a situações como
essa. Eu sempre acho entrevistas de emprego um tanto estranhas:
“Qual o seu maior defeito?”,costumam perguntar, quem em sã
consciência vai apontar para um defeito real? As pessoas vão
sempre dizer que seus defeitos são coisas como excesso de
perfeição ou apego ao trabalho. Estatisticamente essas são as
respostas mais comuns.
O elevador para em cada um dos andares, e eu tento me
manter positiva.
— Acho que ele está fazendo entrevistas hoje— um homem
diz ao meu lado—, soube que ele nem queria que a coitada se
aposentasse.
— Você também não iria querer perder uma funcionária como
ela.
— Claro, a senhora Marshall é ótima, mas a mulher precisa se
aposentar. Ela tem uns oitenta anos.
— Tenho certeza de que você está exagerando na idade, mas
é verdade que ela quer se aposentar e passar mais tempo com os
netos. Parece que, no aniversário de quinze anos da neta dela, ele
ligou com uma urgência absurda.
— E ela foi?
— Isso é pergunta?!— o homem responde com um leve
gargalhar.
Estou prestando atenção na conversa dos dois homens
engravatados, porque é um hábito que eu tenho o tempo todo
mesmo, no andar em que eu deveria descer, ele simplesmente não
para e eu começo a apertar o botão novamente.
— Eu tinha que descer aqui— digo. Não sei muito bem com
quem estou falando, talvez comigo mesma. Uma mulher perto de
mim me encara com um ar superior, acenando negativamente, e
então me diz que o elevador costuma fazer isso mesmo. As portas
abrem no andar seguinte e então eu desembarcoe procuro o acesso
das escadas para descer dois lances.
Quando finalmente chego à sala da empresa,há uma
secretária que me olha dos pés à cabeça. Estou ensopada, com
galochas e pareço uma bagunça, sei disso, mas ainda acho que,se
eles me derem a chance de conversar, se virem o meu currículo,
ainda acho que tenho uma chance. Eu sou mesmo exageradamente
otimista.
— Bom dia, meu nome é Savannah, eu tenho uma entrevista
para a vaga de pesquisadora.
— Bom dia, Savannah. Você não recebeu nossa ligação? Essa
vaga foi preenchida ontem— ela me conta.
— Ontem? Não pode ser. Eu...eu não recebi ligação alguma.
— Sinto muito.
Eu fico parada, olhando para ela. Não posso acreditar que isso
esteja acontecendo. Eu preciso desse emprego, eu preciso de um
emprego. Preciso ter como me manter na cidade. Tudo bem, eu
posso lidar com isso. Eu posso conseguir mais turnos no
restaurante por algum tempo. É péssimo ouvir piadas de fregueses
que estão acompanhados com suas esposas e acham que podem
fazer comentários sobre o meu corpo e sobre o que gostaria de
fazer comigo, claro, mas eu posso me cuidar, sei como lidar com
isso, ou pelo menos acho que sei.
Percebo que ainda estou parada na frente da recepcionista, e
ela está me encarando com um olhar de pena que me deixa um
pouco envergonhada. Eu dediquei a minha vida inteira a estudar, fiz
tudo certo e agora estou aqui.
— Eu sinto muito, de verdade.
— Não é culpa sua, não precisa de desculpar. Talvez eu tenha
perdido a ligação ou...é só que esse emprego era importante para
mim.
— Olha, talvez você não tenha interesse, mas a empresa que
ocupa a cobertura está procurando uma assistente pessoal e, já tem
algumas semanas, talvez você pudesse tentar. Vá na recepção e
encontre uma mulher de black power chamada Nadine, diga que
Alice a indicou, e ela vai te deixar ser entrevistada— a mulher diz
sorrindo—, ela me deve um favorzinho.
É por isso que eu sou otimista, porque coisas boas podem
acontecer mesmo depois de uma sequência de coisas ruins.
— Obrigada! De verdade— começo a dizer, me afastando.
— Savannah, garota! Leve isso— ela me diz oferecendo o
blazer que está na sua cadeira.— Você está encharcada, vai
precisar parecer um pouco mais apresentável para a cobertura— ela
me diz,sorrindo.
— Obrigada! Sério. Acho que você pode ter sido enviada pelo
meu anjo da guarda. Prometo que devolvo assim que sair da
entrevista
— Boa sorte!
Nadine me recebe sorridente quando cito o nome de Alice e
me diz para esperar um pouco, que ela precisa apenas fazer uma
ligação antes de me enviar para a salaem que as candidatas ao
cargo estão esperando para serem entrevistadas. Depois de alguns
minutos, ela me guia para uma sala, enquanto faço o máximo de
perguntas que posso sobre o emprego.
— O senhor Campanelli é exigente, mas o salário é ótimo— é
basicamente tudo que ela me diz, apesar das minhas perguntas.
Entro em uma nova sala de espera, na qual cinco pessoas estão
sentadas com expressões tensas. Agradeço a Nadine, que me
oferece um sorriso e me deseja boa sorte e então dá as costas. Eu
poderia jurar que o tom dela dizia “boa sorte, você vai precisar”.
— Bom dia— digo ao me sentar ao lado de um dos candidatos.
O único homem da sala. Ele tem cabelos avermelhados, olhos
claros, usa um terno bem alinhado e me oferece um sorriso tímido
antes de voltar sua atenção para uma revista que está lendo. Noto a
matéria, já que a revista está jogada em seu colo enquanto ele lê.
 
“Diamantes Campanelli cresce mesmo na crise e abre
ainda mais espaço na liderança”.
 
A porta se abre de forma abrupta e uma mulher grisalha indica
o caminho de saída para uma jovem que parece vermelha.
— Tome um copo de água— a mulher mais velha diz,
parecendo preocupada. A outra acena positivamente, parecendo
incapaz de encontrar palavras, mas caminha, se afastando, e então
a mulher de cabelos prateados encara o restante do grupo com uma
expressão de cansaço. — Próximo!
As entrevistas são rápidas, ninguém leva mais de cinco
minutos. Então, em muito pouco tempo, estou sozinha na sala,
esperando o último candidato chamado, o homem que estava ao
meu lado, finalizar. Quando ele sai, a senhora grisalha sai junto. Ela
fecha a porta nas suas costas e caminha até mim.
— Você é a candidata que a Nadine mandou, certo?
— Sim. Sim, senhora. Savannah Armstrong.
— Prazer, sou Glória Marshall.— Marshall. Espere um minuto!
Já não ouvi esse nome hoje? Ouvi sim! No elevador. Os dois
homens falando sobre um chefe que não queria deixar alguém ir
embora. — Savannah, você tem um currículo?
— Tinha, mas eu perdi minha bolsa no caminho — consigo
dizer enquanto tento processar a situação. É claro que esse homem
não quer contratar ninguém, ele não quer perder a antiga
funcionária, então, tudo isso é uma perda de tempo gigante, mais
uma.
A mulher me olha, avaliando a situação, e eu tento não
transparecer minha frustração. Além disso, ainda há, mesmo depois
de tudo que aconteceu, uma centelha de esperança dentro de mim.
— Ok, me fale um pouco sobre a sua— ela me pede. Então
explico tudo rapidamente, e a mulher parece satisfeita.— Certo,
vamos lá, vamos entrar.
Me levanto, e ela sorri ao notar minha galocha e então diz que
a neta tem galochas como aquela.
— Savannah, antes de entrarmos você deveria saber que
entrevistamos trinta pessoas hoje, que algumas delas duraram
menos de dois minutos e que o senhor Campanelli não está nos
melhores dos humores, então, não leve para o lado pessoal a cara
fechada ou o tom ríspido, tudo bem?
— Claro, a senhora não precisa se preocupar com isso—
afirmo.— Senhora Marshall, essas entrevistas são para substituí-la?
— Sim, mas, no ritmo que vamos, eu morrerei aqui nessa
empresa— ela diz, se divertindo com a frase.
— Algum conselho?
— Ele vai saber se você se sentir intimidada, então, mesmo
que fique, não deixe que perceba. Além disso, ele vai decidir algo
sobre você nos primeiros trinta segundos de conversa e muito
dificilmente vai mudar de opinião. Então decida bem o que vai dizer.
Aceno,concordando, e então entro na sala e encontro um
homem de cabelos dourados, que está de pé, falando no telefone.
Olho ao redor, a sala dele é organizada, decoração minimalista, a
única distorção disso é uma série de prêmios brilhantes em uma
estante lateral. Foco, Savannah!
— Ligue para o designer e peça para que mude a linha. Isso
não parece digno da marca — ele diz com uma voz imponente. Só
posso vê-lo de costas, mas, mesmoassim, ele parece intimidador.
Quando o homem se vira, eu e sua funcionária estamos de pé,
encarando-o. Ele mal me olha, sua atenção vai para a mulher, mas
meu foco está nele. Cabelos dourados, pele clara, um maxilar bem
definido e uma expressão de tensão.
— Essa é nossa última candidata, senhor Campanelli.
— OK, vamos lá então, senhora Marshall — ele diz em um tom
de desafio. O homem se senta e aponta para as cadeiras, fazemos
o mesmo.
— Essa é Savannah Armstrong. Excelente formação, boa
experiência profissional.— Ele move seus olhos enquanto a senhora
Marshall está falando, e repousa-os sobre mim. Ele tem olhos
verdes e penetrantes, parece que ele poderia ler a minha mente
com eles, ou usar algum tipo de visão de raio-x, sei lá. Eles são
lindos, profundos e um tanto assustadores.
— Excelente formação não significa muita coisa, qualquer
pessoa pode ter um diploma— ele diz.— O que ela estudou?— ele
questiona. Não pergunta para mim, e, sim, para a senhora Marshall.
A mulher continua falando sobre a minha formação e o homem
passa a mão na barba dourada enquanto continua me olhando. Ele
me bombardeia com uma série de perguntas sobre a minha
experiência profissional e formação. Parece que ele quer testar ao
máximo para ver se eu saio correndo. Respondo pronta e
calmamente a todos os questionamentos que ele faz. Não é
simples, às vezes ele faz uma pergunta e nem parece se importar
com a resposta, é como se já soubesse o que eu vou dizer, além
disso, nada do que eu digo parece impressioná-lo. Honestamente,
me sinto um tanto idiota falando com alguém que claramente não
está querendo ouvir o que tenho a dizer.
— Qual a sua prioridade no momento?— ele questiona. Qual a
minha prioridade? Que tipo de baboseira ele quer ouvir: “crescer
com a empresa”? “Dar o melhor de mim na realização das minhas
funções”?
— Conseguir este emprego — respondo. Eu sou boa em
análises, mas não há nada que eu possa analisar no rosto dele,
além de impassividade. Quero olhar para a senhora Marshall, quero
fugir do olhar dele, mas lembro do que ela me disse: ele vai saber
se você se sentir intimidada, então, mesmo que fique, não deixe que
perceba.
— E se você conseguir? Qual seria sua prioridade?
— Mantê-lo— respondo. Controlo a vontade de balançar as
pernas, mesmo que ele não possa vê-las, não quero parecer
nervosa.
— Como é mesmo o seu nome?
— Savannah, Savannah Armstrong.
— Savannah, você parece uma pessoa franca, então vou ser
franco com você. A senhora Marshall é a melhor funcionária desta
empresa e isso inclui todas as pessoas em qualquer nível
hierárquico. Ninguém queentrou aqui hoje, incluindo você, é
adequado para a vaga. Ainda assim, de alguma forma, você parece
menos inadequada do que o resto.
— Eu posso ficar por mais alguns dias e treiná-la— a senhora
Marshall diz, soando esperançosa.
— Ainda não me decidi, senhora Marshall— ele explica,
movendo seus olhos entre mim e ela novamente.— Trabalhar para
mim, nesse cargo, significa que você vai ser bem recompensada
financeiramente, mas que vai precisar estar disponível o tempo
todo. Você entende isso?
Você entende isso? Ok, ele é um babaca. Eu odeio quando
alguém questiona se estou entendendo algo que é absurdamente
simples. O fato é que eu preciso de um emprego urgentemente. A
etiqueta vermelha do meu aviso de despejo aparece na minha
mente, me lembrando de que eu realmente preciso de um emprego.
— Entendo, senhor Campanelli.
— Você é casada? Tem filhos?— a senhora Marshall
questiona. Olho para ela e mais uma vez me esforço para não
transparecer nada. A mulher tem uma expressão de quem gostaria
de estar se desculpando comigo. Então entendo o que ela está
fazendo, está tentando me ajudar, tentando destacar os pontos que
podem convencê-lo. Ela quer se aposentar, afinal de contas e, pela
conversa do elevador, isso já faz muito tempo. Olhando para o
senhor Campanelli, ele não parece o tipo de pessoa que impediria
uma avó de comemorar o aniversário de quinze anos da neta, mas
eu não o conheço o suficiente para ter certeza.
— Não. Nem tenho planos de tê-lo em breve — respondo. A
senhora Marshall sorri satisfeita, já o chefe dela continua parecendo
um boneco de cera, se ele não movesse a boca, acharia que
poderia mesmo ser um.
— Por que não começamos um período de teste, senhor?— a
mulher de cabelos grisalhos propõe esperançosa.
— Tudo bem. Se você ficar pelo tempo que for necessário para
treinar uma substituta.
— Duas semanas— a mulher propõe.
— Um mês.
— Um mês — concorda, parecendo cansada, mas feliz.
— Bem, Savannah. Acho que você é minha nova assistente
pessoal — ele afirma. O maxilar tenso. Ele mesmo não parece
convencido das próprias palavras.— A senhora Marshall vai lhe
explicar como proceder.
O senhor Campanelli fica de pé novamente, agora, mais perto,
ele parece ainda mais imponente. Ele me oferece a mão para um
aperto. Ao menos, ele parece ser educado com base neste gesto.
Estico minha mão e estou tanto nervosa, e talvez um pouco
eufórica.
— Obrigada, de verdade. Não vai se arrepender.
— Espero que não.
Ele solta a minha mão de uma forma meio inesperada e nos
dispensa. Estou saindo da sala com a senhora Marshall quando sua
voz me faz congelar.
— Savannah, você tem sapatos que não sejam galochas,
certo? E um blazer que, de fato, caiba em você?
Ele está mesmo julgando as minhas roupas. Tudo bem que o
blazer é uns dois números maior e a galocha não é o sapato mais
adequado para o ambiente de trabalho. Espere um minuto, por que
eu estou surpresa? É claro que ele julgaria isso. O homem tem uma
fortuna em diamantes, é claro que ele se importa com aparência.
Diamantes não são nada mais que um supérfluo transformado em
luxo.
— Tenho...bem, acho que tenho.
— Tem ou acha que tem?— ele faz a pergunta, mas não me
oferece a chance de responder. — A senhora Marshall vai lhe
passar um cartão corporativo — ele diz com um tom de decisão.
— Venha, querida. Há muito que precisamos conversar.
Saímos da sala e eu estou um tanto chocada. Eu deveria estar
alegre, mas estou começando a me perguntar em que tipo de
enrascada acabo de me enfiar. Eu quero tanto assim ficar em Nova
Iorque? Ok, essa é uma pergunta ridícula, claro que quero. A
pergunta certa é: eu posso lidar com esse emprego e com esse
homem?
Caminho até a sala da senhora Marshal, ela fica ao lado da
sala do chefe. É um escritório amplo, maior do que a sala em que eu
trabalhava no meu último emprego, e lá eu tinha um cargo na minha
área de formação, que as pessoas consideram como algo que tem
mais prestígio do que uma assistente pessoal.
— Então, o que achou dele? Pode ser franca.
— Bem, eu estou grata por suas dicas e por basicamente tê-lo
convencido a me dar uma chance. E eu realmente preciso de um
emprego.
— Querida, você caiu do céu. Com todas as outras pessoas,
ele encontrou meio milhão de problemas. Algumas pessoas saíram
daqui chorando.
— A senhora quer me assustar?— questiono, sorrindo.
— Não acho que você se assusta com facilidade. Lidou bem
com ele. A maioria das pessoas começa a gaguejar pela forma que
ele as intimida.
— Ele é sempre tão... bem...
— Complicado? Insuportável?
— Insuportável parece mais adequado.
— Ele é um homem rígido. E que gosta de estar no controle
dos mínimos detalhes da sua vida, mas a verdade é que ele não
consegue fazer isso sem uma boa assistente social.
— É verdade que a senhora não pôde ficar no aniversário de
quinze anos da sua neta?
Ela sorri e balança a cabeça negativamente.
— Não exatamente. As pessoas exageram. E não era uma
festa de quinze anos. A quinceañera da minha neta vai ser no ano
que vem. A reunião que ele tinha estava marcada há meses e a
festa da minha neta mudou de data de última hora. Ele fez de tudo
para não me ligar, mas, como disse, ele é dependente— ela conta,
sorrindo.— Eu não sei o que você ouviu, Savannah, mas Malcom
Campanelli é um homem justo. É verdade que eu não pude ficar na
festa da minha neta por todo o tempo que gostaria, e que o senhor
Campanelli é um tanto insensível nesses aspectos e ríspido na sua
forma de falar, mas ele é um bom homem no que realmente importa.
— Me desculpe, eu não queria dizer que ele não era uma boa
pessoa.
— Eu sei que você não disse. E não julgo você por ter uma má
impressão. Qualquer pessoa teria. Vai haver muitos momentos em
que você vai querer esganá-lo vivo se ficar nesse emprego, mas
você deveria conhecer os benefícios antes de desistir. Além disso,
não desista agora, eu realmente preciso me aposentar.
— Não vou! Pode deixar— digo, sorrindo de volta para ela. O
que eu quero dizer de verdade é que não posso, não estou na
posição de me dar ao luxo de dispensar esse emprego, se eu não
pagar meu aluguel em breve, vou disputar espaço com o senhor que
escreve cartazes apocalípticos dentro do metrô. Então é isso, de
agora em diante, Malcom Campanelli, uma pessoa que parece
absurdamente insuportável, é meu novo chefe.
 
 

 
Arthur toma seu copo de uísque de uma só vez, como se fosse
água. E, então, olha para mim com sua cara de doberman alemão
querendo comida, no entanto, o alimento dele é informação. Ele
quer que eu conte sobre a mulher com quem saí duas noites atrás,
estou tentando evitar essa conversa, mas hoje ele conseguiu me
encurralar. Ele queria vir até um bar e tomar alguma coisa, e usou o
único argumento que sabe funcionar, a frase “Somos a única família
um do outro, você não vai me deixar sozinho, vai?”. Somos mesmo,
somos a única família um do outro no que realmente conta.
O pai de Arthur era irmão do meu pai, ele morreu quando meu
primo era pequeno, junto da esposa, em um acidente de avião.
Arthur tinha nove anos e ficou sob a tutela do meu pai. É claro que a
ideia de cuidar do meu pai significa mandar para um colégio longe,
como ele fez comigo. Ainda assim, crescemos juntos.
— Vamos lá, a ruiva misteriosa, quem é?
— Uma modelo de Dublin que está nos Estados Unidos por
mais algumas semanas.
— Nome?— ele indaga cruzando as mãos, cotovelos na mesa,
ele está extremamente investido em saber sobre isso.
— Vanessa.
— Boa de cama?
— Muito boa de cama, Arthur. Já que você insiste em saber.
Você está satisfeito?— Ele sabe que eu não gosto desse tipo de
conversa, mas sempre insiste.
— Não muito, não fui eu quem passou a noite com ela. Eu
posso te perguntar isso, não o contrário. Então: você está satisfeito?
Vai sair com ela novamente?
— Se você não fosse um galinha, eu te diria para tentar
arrumar uma garota e cuidar da própria vida sexual, mas como esse
não é o caso...
— Ah, vamos lá. Apenas responda à pergunta.
— Já saí com ela antes e, sim, talvez aconteça novamente,
ela...— Me interrompo. Vanessa é livre na cama, extremamente
disposta a entrar no meu jogo, talvez por isso já tenhamos transado
mais de uma vez. O problema disso é que sexo nunca termina
sendo apenas sexo se começa a se repetir, mas parece que o
universo vive nos juntando causalmente, mesmo morando em outro
continente, estamos sendo nos esbarrando em festas e nos lugares
mais inusitados.— Não sei se é o tipo de mulher com a qual me vejo
a longo prazo. — Se é que me vejo com alguém a longo prazo.
— Gostosa? Confere! Bonita? Confere! Boa de cama?
Confere. Essa é a Santíssima Trindade. O que mais você está
querendo para que alguém seja seu tipo? A mulher precisa ter uma
péssima audição e perda de memória recente para lidar com as
suas grosserias?
— Bem, primeiro: você se acha engraçado, mas não é.
— Você diz isso da boca para fora – ele argumenta, sorrindo.
— Depois, devo observar que essa sua Santíssima Trindade é
bem superficial. E eu não estou procurando por alguém no
momento, então, te digo depois sobre as qualidades da mulher
perfeita para mim – respondo. Vanessa me ligou, claro, hoje cedo,
com a desculpa esfarrapada de que tinha esquecido um brinco no
meu carro. E não é que eu não me interesse por ela, a noite foi boa,
o sexo foi bom, mas sabe o que eu disse antes sobre controle? O
amor é a forma mais simples e rápida de perdê-lo.
— Você precisa parar de ser medroso— Arthur diz, me
encarando seriamente
— Eu não sou medroso.
— Claro que é. E você sabe muito bem do que estou falando.
Você pode ser corajoso e cheio de moral na maioria dos lugares e
aspectos, mas, quando o assunto é se envolver, você acha que
qualquer pessoa vai fazer o que a sua mãe...
— Pode parar!— digo, irritado. Arthur não se impressiona com
a minha irritação, como a maioria das pessoas, e eu o respeito por
isso, mas, em momentos assim, gostaria que não fosse o caso. Não
quero falar da minha mãe, não mesmo.
— Eu paro se você ligar para a tal Vanessa agora mesmo e
convidá-la para sair novamente.
— Não temos mais dezesseis anos, você não pode ficar
lançando desafios — observo, ainda com meu tom irritado. Eu sei
que deveria tentar ser menos ríspido, mas não consigo.
— Claro que posso. Resta saber se você vai ser covarde.
— Isso é infantil.
— Talvez meus métodos sejam infantis, mas as finalidades
não. Você precisa se abrir mais, Malcom, pelo amor de Deus!
Não. Não preciso me abrir. Acho que, se eu abrir uma brecha,
por menor que seja, posso acabar me perdendo. O que eu preciso é
manter a guarda.
Agora, você deve estar pensando “o que aconteceu com esse
cara?” A história é simples: um cara de família rica conhece uma
garota também de família rica, todos querem que eles se casem,
eles acabam fazendo isso. O cara se apaixona pela garota, eles têm
um filho, um belo dia a garota vai embora com o melhor amigo dele,
muda de país, deixa o filho para trás e começa uma nova família.
Viu? Simples? Bom, seria, se meu pai não tivesse passado o resto
da vida amargurado por ter perdido a mulher que amava.
A forma como meu pai lidou com a fuga da esposa me marcou
profundamente. Eu jurei que nunca seria o tipo de cara que fica de
quatro pneus arriados por alguém. É o único traço do meu pai que
eu nunca quis para mim. Como eu disse, amar é a forma mais
rápida e simples de perder o controle da sua vida. Não entendo por
que alguém se colocaria, voluntariamente, sob a aflição de entregar
as rédeas de sua vida a outra pessoa, mesmo sabendo que existe a
chance de que essa pessoa simplesmente pode soltá-las.
— Me deixe ver se entendi você direito, quer que eu saia daqui
e vá transar, é isso?
— Sim, quer dizer, não exatamente.
— Bom, você já disse que— respondo. Arthur sorri. Ele ainda
tem a mesma risada travessa de quando éramos garotos.
— Só quero que você tente se abrir um pouco. Dê uma chance
a uma dessas garotas com quem sai, talvez você se impressione.
— Eu não sei quem disse que você deveria sair por aí dando
conselhos amorosos, Arthur, mas essa pessoa está totalmente
equivocada. — Arthur não é exatamente uma pessoa equilibrada o
suficiente para oferecer conselhos. Além disso, ele não entende que
nem Vanessa, nem ninguém poderia ter em mim o efeito que ele
espera. Eu não vou me envolver com ela da forma como ele
imagina. Posso transar com aquela mulher até a exaustão e, ainda
assim, não sentiria nada além de tesão. Nunca me apaixonei antes,
desconfio, de verdade, que seja incapaz disso.— Me conte sobre os
negócios, como foi a viagem para o Congo?
— Você não me paga o suficiente para fazer horas extras—
meu primo diz.
— Eu não te pago, Arthur. Você é acionista da empresa.
— Minoritário
— E o diretor da divisão internacional de exploração será que
pode simplesmente falar sobre o Congo?
A República Democrática do Congo é o terceiro país com
maior volume de mineração de diamantes. Produzimos cerca de
nove milhões de quilates no ano passado, um total avaliado em
quase 136 milhões de dólares. O grande problema hoje é que o
Congo é cercado de conflitos políticos e manter relações de
extração com o governo congolês significa fechar os olhos para
muita coisa.
— Digamos só que eu não pretendo ir nem tão cedo para lá
novamente. O país está um caos total.
— Você estava seguro o tempo todo?
— Claro que estava. Não se preocupe.
— E a extração?
— Ininterrupta, apesar de tudo, mas você sabe que podemos
simplesmente explorar mais certo? Vai custar bastante, as mãos
certas precisam ser molhadas e tudo mais, mas...
— Não. Temos a Austrália e a Rússia. Não quero enrolar meu
pescoço.
— Não com uma corda que você não possa controlar, certo?—
meu primo questiona, me provocando. Meus problemas de controle
são a piada predileta dele. E isso significa muito, porque Arthur é um
cara que adora piadas. Se eu levo o mundo muito a sério, ele é o
contrário absoluto disso. Meu pai costumava dizer que era por isso
que precisávamos um do outro,equilíbrio. Arthur consegue,
eventualmente, passar pelas minhas defesas, eu, na contramão,
consigo manter os pés dele no chão, pelo menos uma vez ou outra.
— Me conte: como tem sido com a secretária nova?
— Assistente pessoal.
— Ok, como tem sido com a nova assistente pessoal?
— Irritante. Não gosto da ideia de ficar sem a senhora Marshall
e não acredito que essa nova funcionária possa se adequar ao meu
jeito.
— Mande-a para mim se desistir. Dei uma boa olhada para ela,
é bem bonita.
— Você vai assediar as funcionárias agora?
— Como se eu precisasse disso. Meu charme é natural.
— É bom que seja.
Penso na funcionária, nem consigo lembrar seu nome. Tudo
que sei é que ela parece um animalzinho que se perdeu do restante
da ninhada. Ela parece um cervo, olhos grandes, confiáveis demais,
o tipo de pessoa que o mundo engoliria com facilidade. Ela não é
nada como Glória Marshall.
Meu telefone toca, e eu o retiro do bolso para ver novamente o
nome de Vanessa na tela. A noite que passamos juntos foi boa. Ela
é o que eu gosto de uma mulher na cama, faz exatamente o que eu
quero, do jeito que eu quero, responde a cada coisa que eu faço da
maneira que eu espero. Ignoro a ligação, e ela me manda uma
mensagem “estou indo para Dublin amanhã, queria vê-lo antes”.
Arthur tem razão com uma coisa: eu sou cuidadoso com quem
me envolvo por uma razão muito simples. Se eu deixar alguém que
possa me deixar vulnerável entrar na minha vida, vou acabar
abrindo mão do controle. E isso não pode acontecer.
— Tenho que ir— afirmo, me levantando da mesa.
— Aonde você vai?
— Não é problema seu, Arthur — respondo. Ele sorri e ingere
mais um pouco da bebida alcoólica em seu copo.— Nos vemos no
trabalho.
— Ok, nos vemos no trabalho.
Chamo o motorista e meu time de segurança me acompanha
até o Ritz. Eles se organizam no perímetro do hotel, enquanto
caminho, me afastando em direção ao elevador. O quarto que deixei
para Vanessa dois dias atrás fica na cobertura e é para lá que estou
indo.
Quando chego na cobertura, Vanessa abre a porta do hotel
enrolada em um roupão e, imediatamente, sou invadido por um
desejo. Talvez sexo seja minha única excentricidade. Eu não sou o
tipo de cara que olha para uma mulher na rua e solta piadas. No
trabalho, por exemplo, sou tão focado que mal noto as
características físicas das mulheres ao meu redor. Por isso, não faz
muito sentido o que Arthur disse sobre a possível substituta da
senhora Marshall. Lembro-me do rosto dela, mas apenas isso, nem
o nome parece ter permanecido. De qualquer modo, o que estou
tentando dizer é que eu não penso em sexo o tempo todo, como
costumam dizer sobre os homens, na verdade, penso muito pouco
sobre sexo. No entanto, quando penso sobre sexo, isso sempre
acontece de forma intensa, e eu não penso em mais nada além
disso. Quando sei que o sexo é uma opção, quando eu quero e sei
que a mulher também quer, bem, é nesse momento que as coisas
pegam fogo.
— Oi!— A voz dela é baixinha e sexy e as mãos me recebem,
puxando meu corpo na sua direção. Passo minha não pela sua
cintura e retribuo o beijo com o mesmo fervor
— Vamos entrar— demando. Ela dá alguns passos para trás, e
eu fecho a porta enquanto começo a andar em sua direção.
— Eu achei que não te veria, fiquei o tempo todo pensando em
como você, sabe? Bem, eu fiquei pensando na noite anterior, acho
que eu nunca gozei tanto.
— Você quer que eu repita a dose?
— Quero. Claro que quero— ela diz, acenando a cabeça em
concordância.
— Você se lembra das regras?
— Você manda, eu obedeço, a minha recompensa é...—
Ponho minha mão entre suas pernas, por cima do roupão mesmo,
mas de forma certeira, e isso a faz gemer.
— Ótimo. Não fale nada.— Beijo-a novamente, então estamos
encostados na mesa do quarto do hotel. Jogo o corpo dela para
cima, sentando-a na mesa. E tudo que se pode ouvir são os
gemidos que a minha boca vai arrancando da dela. Toco em seus
seios, que estão rígidos de tesão, eles são lindos. Ela é linda.
Parece que foi desenhada. Cada detalhe dela foi pensado com o
máximo de cuidado. Me afasto, e Vanessa reclama.
— Sem reclamar. Você só faz o que eu quero e quando eu
quero. Entendeu?
— Entendi.
— Ótimo. Agora eu quero que você suba o roupão devagar e
se masturbe para mim — peço, sentando-me na cama. Ela morde o
lábio pensativa, mas faz o que eu digo e começa a se tocar
lindamente. Primeiro de forma mais gentil, lenta, mas, depois de um
tempo, ela se empolga e está gemendo no móvel. Ela joga a cabeça
para trás, e eu reclamo, quero que olhe para mim.
— Olhe para mim!— demando. Ela abre os olhos claros e me
encara, a respiração apertada, o corpo se tensionando. As margens
do prazer. Fico de pé e volto até ela, digo para que pare, e ela faz
isso, mesmo estando contrariada. Sei que é maldade, mas eu gosto
disso, gosto de saber que o prazer dela está nas minhas mãos e
que posso controlar isso da forma como bem entender.
Eu pego Vanessa pelo quadril e carrego-a, ela não pesa
absolutamente nada. Noto suas pernas marcadas, esverdeadas em
vários pontos.
— O que foi isso?
— Você— ela responde, sorrindo satisfeita.
— E você gostou?
— Muito. Mais do que já gostei de qualquer outra coisa na
cama— ela responde. Ok, meus alarmes se levantam aqui. Vanessa
está dizendo isso porque sabe quem eu sou e a vantagem disso ou
porque realmente gostou? Eu nem sabia que tinha pegado tão
pesado.— Você parece preocupado, não fique, eu realmente gostei.
Eu teria dito se estivesse ruim ou...
— Teria?
— Claro que teria. Podemos apenas...volte para o
personagem. Eu gosto disso.
Não é um personagem, mas não digo isso a ela. Em vez disso,
apenas carrego-a para cama e passo a beijá-la, primeiro nos lábios,
depois vou explorando todo o seu corpo, fazendo-a pedir por mais.
Abocanho-a de forma intensa, sugo-a com força, as coxas, a
boceta. Prendo seus quadris, mantendo-a na cama, imóvel,
enquanto passo a lambê-la com força. Gosto da forma como meu
nome sai numa mistura de gemidos e súplicas de sua boca, dos
barulhos que ela produz, gosto do fato de que cada movimento meu
tem o efeito esperado. Em pouco tempo, ela está tendo um
orgasmo, suas pernas ficam tensas, seu corpo se curva, ela não
grita, sei que quer, mas não faz isso. Sei por que, quando olho para
Vanessa, ela está prendendo os lábios com força, as mãos fincadas
no lençol, a respiração ofegante.
Não deixo que se recupere, coloco uma camisinha e viro-a de
costas bruscamente, fazendo com que solte um novo gemido. Tudo
nela é tesão, os pelos eriçados, a boceta que ainda está se
contraindo dos efeitos da minha língua. Ela tenta se mover, mas não
permito.
— Se fizer isso, não vai conseguir o que quer, entendeu?— Ela
acena concordando.— Boa garota! Você é obediente, não é?
— Sou, Malcom. E você pode fazer o que quiser comigo. O
que quiser.
— Ótimo.— Bato na bunda dela com força e, então, ela solta
um grito surpresocom um “me fode”. Eu deveria esperar mais para
ela aprender a não falar sem receber uma pergunta, mas quero
entrar nela e é isso que eu faço. Penetro-a lentamente, por trás, vou
sentindo o corpo dela abrir espaço para o meu, enquanto dou mais
alguns tapas e fodo-a no ritmo que gosto, e ela me recebe
deliciosamente bem.
A noite se arrasta lenta enquanto continuamos juntos, na
cama, com ela fazendo tudo que quero fazer. O sol está nascendo
quando levanto da cama e tomo uma ducha quente. Observo
Vanessa na cama, nua, descoberta. Talvez Artur tenha razão: eu me
envolvo com quem sei que não vai passar da cama. Vanessa é isso.
Apenas sexo. Se eu pudesse me apaixonar, não seria por alguém
como ela. Vanessa é muito bonita, sabe se comportar em público,
fica bem ao meu lado, mas é enfadonha.
— Você já vai?— ela questiona quando estou terminando de
me vestir.
— Tenho que trabalhar.
— Podemos nos ver quando eu estiver de volta?
— Me avise, se eu tiver tempo— exponho. Não acho que
vamos nos ver novamente, não costumo sair com a mesma mulher
várias vezes, e isso pode ficar perigosamente familiar, deve ser a
terceira ou quarta vez, talvez mais.
Ela se levanta da cama, os lençóis enrolados no corpo, os
olhos parecem um pouco tristes, mas a atitude é contrária. Ela
enrola os dedos na minha gravata e então faz o nó de forma muito
eficiente. Vanessa beija meus lábios rapidamente, e eu me afasto
indo embora.
Enquanto volto para casa, penso em como não preciso de
amor, não preciso da aflição “da dor que arde sem doer, ou
contentamento descontente”, não preciso dessa versão romantizada
do sexo, dá relação a dois. O que eu preciso, ou eventualmente vou
precisar, é de um herdeiro para continuar o nome Campanelli e o
meu legado, talvez Vanessa não seja a pior candidata nesse
sentido, mas seja como for, o fato é que eu não preciso decidir isso
agora.
 

 
— Você deveria ter me contado que precisava de dinheiro. Eu
poderia ter te ajudado — uma das minhas melhores amigas diz com
sua expressão preocupada. Lucy e eu nos conhecemos na
universidade e ela é a primeira amiga de verdade que eu fiz em toda
a minha vida. Ela é generosa, gentil, um pouco ingênua às vezes,
eu sou otimista, mas Lucy só vê o melhor nas pessoas, em qualquer
pessoa. Acho isso assustador, mas também admirável.
— Querida, não me entenda mal, mas de onde você ia arrumar
dinheiro para me emprestar, Lucy?— pergunto. Minha amiga prende
os cabelos loiros e me olha pensativa enquanto move os lábios
marcados por um batom avermelhado, as bochechas também estão
em um tom similar, devido ao frio.
— Bom, eu não tenho dinheiro, e eu devo meu salário inteiro
de contas de cartão de crédito, mas eu te conto esse tipo de coisa,
então você também deveria me contar. Eu sabia que as coisas não
iam bem, mas não a ponto de você estar prestes a ser despejada e
pensando em voltar para o Texas.
— É. Se você estava cogitando o Texas, então as coisas
realmente não iam bem. Quando você ia nos contar? No aeroporto?
— A autora da pergunta é Alexa, outra grande amiga. Se Lucy é
otimista e calorosa como um raio de sol numa manhã de verão,
Alexa é como uma chuva gelada numa noite fria. Nunca vi pessoas
com personalidades tão distintas manterem uma amizade tão forte
por tanto tempo. Elas são diferentes em tudo. Conheci a Alexa
porque ela e Lucy são melhores amigas desde a infância. O tipo de
amizade que começou antes mesmo de elas nascerem, suas mães
eram amigas. Alexa e Lucy estudaram nas mesmas escolas por
muitos anos, isso até Alexa ir para um internato na Suíça. Depois
disso, Alexa voltou para os Estados Unidos e entrou na mesma
universidade que Lucy. Ela nem se importava com o curso, só
queria ficar perto da melhor amiga.
Alexa, nocomeço, tinha um pouco de ciúmes da minha
amizade com Lucy. Ela é o tipo de pessoa que defende os amigos
com unhas e dentes, e eu a amo por isso. Alexa é também a pessoa
que mais me ajudou a me conectar com uma cultura negra em Nova
Iorque. Ela é bastante apegada à família materna em que nasceu e
foi criada no Harlem, um dos principais bairros negros da cidade.
— Na rodoviária. Eu definitivamente não teria dinheiro para
uma passagem de avião — comento, fazendo a Lucy sorrir. Alexa
apenas me olha, acenando com uma expressão fatal
enquantobalança a cabeça negativamente.— Eu sei que eu deveria
ter contado, mas é que isso tudo é vergonhoso e vocês não
deveriam ter que se preocupar comigo.
— Vergonhoso? Eu já te vi vomitar em um banco do parque
depois de insistir em ir no carrossel bêbada, Savannah. Como uma
situação dessa seria vergonhosa?
— Alexa, você não está ajudando — Lucy a recrimina, mas eu
estou gargalhando. Não acredito que não contei nada do que estava
passando para elas. Alexa tem razão, ambas têm razão. Eu deveria
ter simplesmente passado pela vergonha e assumido isso. Eu não
queria que elas se preocupassem, mas, se fosse o contrário, estaria
furiosa.
— Eu me senti mal, não por vergonha de vocês, mas de mim
mesma, de ter me esforçado tanto, de ter pegado empréstimos
estudantis e depois nem conseguir pagar um teto.
— Você poderia vir morar comigo!— Lucy diz.
— Naquele apartamento que você divide com mais duas
pessoas e só tem um banheiro? Sem contar que só você conviveria
com o Brad. Acho que ficar debaixo da ponte é mais adequado—
Alexa afirma.
— Você precisa parar de implicar com o Brad. Ele é ótimo.
— Esse é o problema dele. Alguém que parece tão bom deve
ter algum problema.
— Ou talvez você só seja desconfiada demais, Alexa, o Brad é
um fofo — Lucy afirma. Eu, particularmente, concordo com ela, mas
nunca argumento contra os instintos da Alexa. Ela é incrivelmente
afiada em ler as pessoas.
— Épor isso que você seria a primeira a morrer em um filme de
terror — Alexa responde.— Deixando o Brad de lado, você poderia
ter ficado comigo por um tempo.
— Alexa, você odeia dividir o apartamento — respondo. Alexa
odeia mesmo. Na faculdade, ela tinha um apartamento perto do
campus porque dividir um quarto era um problema para ela.
— Odeio, mas eu poderia suportar um tempo, por você.
— E eu sei que você não gosta que te peçam nada, sei as
implicações de algo assim para você.
Alexa é rica, na verdade, me deixe corrigir: Alexandra von
Ziegesar é filha de um dos caras mais ricos de Nova Iorque: Charles
von Ziegesar. O dono do maior conglomerado de produtos
eletrônicos do país. A questão é que Alexa simplesmente não fala
sobre isso. Ela saiu de casa do pai quando tinha dezessete anos e,
antes disso, já passava mais tempo na casa dos pais de Lucy ou
dos avós maternos de qualquer forma. Isso antes do internato, claro.
— É diferente, é você...— ela começa a dizer e está
claramente desconfortável.
— E eu te amo por isso, amo vocês duas, mas está resolvido.
Eu tenho um emprego e um salário que, sinceramente, é obsceno
de tão bom em comparação ao meu último emprego.
— Quão bom?— Lucy questiona, arqueando a sobrancelha.
— Plano de saúde, cartão corporativo para gastos com
alimentação e digamos que, se antes eu não sabia como pagar o
aluguel, em alguns meses, eu poderia voltar para a cidade. Eu gosto
de Nova Jersey, mas morar na cidade era muito melhor.
— Se mude para a cidade!— Lucy pede, animada.
— Pelo amor de Deus, mude de volta para a cidade. Jersey é
onde as coisas vão para morrer — Alexa adiciona com seu tom que
temcerto desprezo por Jersey.— Você quer que eu implore?
— Jersey é muito melhor do que voltar para o Texas.
— Bom, nisso você tem razão.
— A questão é que eu não posso confiar em um emprego em
período de experiência. Quem sabe mais para frente. Eu sinto falta
da cidade, vocês sabem disso, mas não sei se vou durar nesse
emprego.
— Por quê?
— Bem, meu chefe é...— Malcolm Campanelli está longe de
ser o chefe dos sonhos. Eu o vi pouco nesses dois primeiros dias,
mas, em todas as vezes que nos vimos, senti um arrepio na
espinha. A voz dele é como um trovão assustador cortando uma
noite silenciosa, e ele tem uma rispidez que se materializa no olhar.
Ontem, no meu segundo dia de trabalho, ele entrou na sala da
senhora Marshall enquanto eu estava lendo um material que ela
tinha me passado sobre a empresa. Ele perguntou pela senhora
Marshall, que havia ido ao banheiro e, quando questionei se podia
ajudá-lo, ele disse“duvido que possa”, fez uma expressão de
desaprovação e então foi embora.— Ele não quer que a assistente
anterior se aposente, então acho que não está em negação. Talvez
ele ache que, se eu desistir, a senhora Marshall passe mais tempo
com ele.
— Como um homem de negócios, adulto, não sabe lidar com a
perda de um funcionário?— Lucy questiona.
— Não sei, mas ele depende dela para tudo, juro. Quando ele
tem que dar um presente, é ela quem escolhe, ela que escreve os
cartões e que organiza a vida dele inteira. Aparentemente, ele não
dá um passo sem que ela tenha se certificado que tudo está certo
antes que o pé dele toque o chão.
— Isso é mais comum do que você imagina — Alexa observa
enquanto mexe em sua bebida.— Quando era criança, costumava
pensar que meu pai se divorciaria da minha mãe muito mais
facilmente do que trocaria de secretária.
— Em que empresa é mesmo?— Lucy pergunta.
— Bom, é uma vaga de assistente pessoal para um
empresário que tem uma empresa de diamantes. Malcolm
Campanelli
— Da Diamantes Campanelli. Sério? Eles foram acusados de
exploração suja— Alexa questiona. Outra coisa sobreAlexa: ela é
uma ativista ferrenha. Não o tipo de pessoa que muda a foto da rede
social em data comemorativa, mas o tipo de que vai para as ruas,
organiza protestos, defende suas ideias indo atrás de políticos ou
falando em plenárias. Alexa é advogada. Sempre digo que acho
estranho que ela defenda o mundo com tanta garra quando
despreza a maioria das coisas e das pessoas.
— Como assim exploração suja? O que isso quer dizer?
Corrupção?— Lucy questiona.
— Você já viu diamante de sangue?— Alexa pergunta.
— Não. Acho que não.
— Claro que viu, é com o Leo— digo. Lucy e eu temos uma
coisa pelo Leonardo di Caprio. Uma vez o vimos no meio da rua e
basicamente tivemos um ataque do nível garota de doze anos
vendo o Justin Bieber na época que ele lançou “Baby”. Alexa diz
que deixamos Leonardo di Caprio traumatizado.
— Ah, então é claro que eu vi— ela afirma, sorrindo. — Ok,
Diamante de Sangue, criminalidade na exploração de diamantes.
Então odiamos o novo chefe da Savannah?— ela questiona,
arqueando a sobrancelha.
— A empresa apresentou evidências de que a acusação não
tinha fundamento, mas o advogado deles é terrível, então realmente
não sei se acredito nessas evidências.
— Meu Deus! Quem se importa com como ele consegue
diamantes? Ele é um gato!— Lucy diz, soltando um risinho enquanto
encara a tela do telefone. Ela mostra uma foto de Malcom usando
um terno bem-arrumado, ele está sentado ao lado de uma mulher
ruiva, inclinado na direção dela. Como é possível que, mesmo numa
situação social, ele pareça tão tenso? Há algo de seriamente errado
com esse homem.
— Lindo? Um tanto exagerado. Ele é... adequado aos padrões
normativos de estética. Além disso, ele parece com alguém que
poderia estar numa página policial como uma espécie de maníaco.
— Eu não sei por que eu me impressiono com as maluquices
que você fala, mas eu sigo me impressionando.— Lucy comenta,
olhando para Alexa.
Talvez ele seja mesmo um tanto maníaco, mas não da forma
como ela está sugerindo. O fator maníaco de Malcom Campanelli
parece ser de outra ordem.
— Olha, ele é um herdeiro cujo único mérito foi triplicar um
patrimônio que era obscenamente grande. Acho que o pai dele já
nasceu rico, devem ser ricos desde que os Estados Unidos era uma
colônia inglesa.
— Você o conhece!— afirmo. Alexa me olha arqueando a
sobrancelha com um tom de obviedade e cansaço.
— Claro que conheço, infelizmente. Nossas famílias eram
amigas, mas isso quando eu era muito pequena, então, não lembro
direito. Depois estudamos no mesmo internato. Ou seja: não o
conheço intimamente, não éramos amigos nem nada do tipo. Ele
era mais velho, não se misturava com os mais novos. Então não
posso te dar detalhes, além de reproduzir fofocas, mas sei quem
pode.
— Rachel!— eu e Lucy falamos ao mesmo tempo e então
caímos no riso. Rachel é uma cabeça de vento que vive de herança
e que fez faculdade numa Ivy League, o que basicamente significa
que os pais e avós dela gastaram muito dinheiro com a universidade
no passado e isso deu a ela uma cadeira cativa. A personalidade
inteira de Rachel se resume a um traço: sua popularidade. Tudo que
ela faz é baseado no desejo de se manter popular. Inclusive, as
infames festas que ela organiza quinzenalmente no Upper East
Side. Fomos convidadas a algumas na época da faculdade, nunca vi
tanto sexo, droga e bebida em um lugar só fora de uma tela de
cinema.
E só fomos convidadas porque a Alexa a conhece, claro, ela
me disse uma vez que famílias ricas são como “seitas com seus
jantares beneficentes para causas vazias e que servem como
desculpa para todo o tipo de extravagância”, tenho quase certa de
que essas foram suas palavras exatas.
— Ligue para ela!— Lucy pede.— Ela vai nos contar algo
sobre o chefe da Savannah.
— Não, não ligue. Vamos mudar de assunto, por favor. Não
quero passar o resto da noite pensando no meu chefe. Quero
aproveitar o tempo com vocês e ainda tenho que voltar para Jersey
— Ou pode dormir na minha casa— Lucy diz.
— Não. Eu preciso vestir algo decente— afirmo, mordendo o
lábio, esperando pela indignação da parte da minha amiga.
— Me desculpe se as minhas roupas ficam curtas nas suas
pernas quilométricas, sua gigante!
— Você que é minúscula — comento, encarando-a. Minha
amiga sorri e abre bem seus olhos azuis, a pele branquinha, ela
parece uma boneca de porcelana que alguém poderia colocar numa
prateleira. Apesar de parecer frágil, Lucy é muito forte, talvez a mais
forte de todos nós, ela precisou aprender a ser.
— Sabe o que eu acho?— Lucy pergunta, sorrindo com uma
expressão que conheço muito bem, ela está tramando alguma coisa
que vai terminar com todas nós bêbadas em algum lugar duvidoso.
— Precisamos de tequilas.
— Eu vou para Jersey. Na barca.
— Deus, você não vai pilotar a barca, Savannah— Alexa
comenta, fazendo Lucy gargalhar.
— Ok, três doses!
— Eu não disse que queria— Alexa afirma, sendo
propositalmente contraditória.
— E desde quando você rejeita tequila?— questiono.
Eu me levanto assim que meu despertador toca e saio
correndo para o banho. Enquanto a água fria bate no meu corpo, eu
digo a mim mesma que não vou mais deixar Lucy me convencer de
suas ideias celebrativas envolvendo tequila. Nova Iorque pode ser a
cidade que nunca dorme, mas eu, definitivamente, preciso dormir se
quero manter meu emprego trabalhando na Park Avenue enquanto
moro em Jersey.
Preciso voltar para a cidade e vou fazer isso assim que for
possível, mas a verdade é que eu tenho muitas contas atrasadas
para pagar, cartões de crédito, aluguéis. Não estava mentindo
quando disse às minhas amigas que o salário é bom, mas não quis
falar para elas sobre todas as minhas dívidas e a situação que
estava passando, não por falta de confiança, mas porque isso faria
com que elas se sentissem mal. E elas já têm os próprios
problemas. Gosto de ser a amiga divertida e positiva com quem elas
podem tomar tequila numa quinta-feira à noite.
Visto uma blusa branca, uma saia preta e pego um blazer
vermelho. Calço sapatos de salto alto e ajusto meus cabelos,
tentando parecer o mais profissional possível nos padrões de
Malcom Campanelli. Não acho que profissionalismo seja sobre a
roupa que se usa, mas, aparentemente, é nisso que meu novo chefe
acredita.
— Que bom que você chegou!— Nadine diz, me olhando
assim que passo pela porta do escritório.— O senhor Campanelli
chegou mais cedo e a Glória ainda não está aqui.
Não conheço Nadine o suficiente, mas ela é gentil e bastante
tranquila. Seu tom de voz é sereno e ela tem sempre um sorriso no
rosto. A pessoa parada na minha frente só parece fisicamente com
a versão que conheci até aqui. A mesma pele negra, os mesmos
olhos castanhos, o mesmo black power, mas essa voz apressada e
o pavor nos olhos, isso é novo. Ok, Malcom Campanelli não é a
pessoa mais gentil do planeta, e ele tem um olhar que revira as
entranhas, mas ele não pode ser tão ruim, pode?
— Você ouviu o que eu disse?— Nadine questiona.
— Sim, ouvi. Você já tentou ligar para a senhora Marshall?
— Claro que tentei. Só dá caixa postal. Você deveria...bem,
deveria entrar.
— Ok— digo, tentando não entrar na pilha de Nadine, mas, na
medida em que segui pelo caminho de acesso até a sala do
presidente do grupo Campanelli, eu me senti como um sentenciado
no corredor da morte, cada segundo mais próximo do fim. Se bem
que, no corredor da morte,há, ao menos, o direito a uma refeição, e
eu não coloquei nada no meu estômago. Penso nisso para me
distrair: qual seria minha última refeição ideal? Meu pai faz um típico
churrasco texano que é a melhor coisa do mundo. Acho que eu
gostaria disso.
Abro a sala da senhora Marshall, minha sala em breve, devo
me acostumar com isso, e coloco minhas coisas. Como algumas
bolachas de água e sal que ficam ao lado da máquina de café
expresso e então escolho uma cápsula de café preto e outra de
cappuccino, faço a minha primeiro, tomo rapidamente e então
coloco a outra numa pequena bandeja e vou até a sala do meu
chefe, talvez café seja uma boa forma de começar o dia.
Entro na sala, e ele ergue a cabeça para me encarar.
— Bom dia, senhor Cam...
— Você não bateu— ele me interrompe.— Não entre na minha
sala sem bater.
— A senhora Marshall me disse para não bater, pois
interrompia...
— Ela não precisa bater, você precisa— ele responde. O
homem de cabelos loiros me encara, depois move seus olhos para a
bandeja.— O que é isso?
— Bem, é um café. Achei que pudesse querer.
— Estou vendo que é café e achei que você tivesse preparo o
suficiente para evitar observações idiotas — ele responde com um
tom muito irritado.— O quero saber por que está me trazendo café?
Você não é uma copeira. É uma assistente pessoal. Não é seu
papel trazer meu café. Seu trabalho é executivo, não operacional.
Sabe a diferença disso, certo?
Filho da mãe! É nisso que penso. Em como gostaria de
chamá-lo de filho da mãe. Não sei o que dizer. Nunca fui tratada
dessa forma em um ambiente de trabalho. Sabe a diferença disso,
certo? O tom dele me irrita tanto. É como se ele estivesse sempre
querendo ser didático, subestimando a inteligência alheia.
— Me desculpe – é o que eu digo em vez de falar as coisas
que gostaria de falar. Minha mãe me criou para ser gentil, educada e
otimista, meu pai me ensinou a não levar desaforo para casa, a
junção disse me tornou uma pessoa capaz de lidar com
adversidades com certa elegância. Acho que vou precisar disso
mais do que nunca agora.— Trouxe o café como um gesto de
gentileza. Não de serventia.
Ele me olha friamente, parecendo impressionado com o fato de
que tenho algo a dizer. Ou talvez ele esteja impressionado com o
fato de que estou sendo gentil, mesmo frente à sua grosseria.
— Leve de volta— ele afirma com o maxilar tenso.— E ache a
senhora Marshall. Pelo menos isso você deve ser capaz de fazer,
não é?
— Vou tentar ligar novamente, senhor— é tudo que consigo
dizer. Forço um sorriso e saio da sala, fechando a porta. Me encosto
nela enquanto respiro fundo por alguns segundos, e então volto
para a sala da senhora Marshall e tento encontrá-la.
Tento o celular dela, o telefone de casa, nada funciona. Então,
pego uma agenda e começo a procurar pelo nome da filha dela, ela
comentou o nome, Catarine, acho que era isso, ela me contou
quando estava falando sobre os três netos e como quer levá-los
para a Flórida em alguns meses para conhecer a cidade em que ela
cresceu antes de vir para Nova Iorque. Vasculho diversas agendas e
cadernos até que encontro um cartão de um “Jacob Marshall”,
empreiteiro. Disco o número e, depois de alguns toques, uma voz
masculina me atende.
— Jacob, oi, me desculpe ligar assim, meu nome é Savannah
Armstrong e eu trabalho com Glória Marshall, gostaria de saber
se...se você sabe como posso entrar em contato com ela. Eu achei
o seu cartão na...
— Minha mãe está doente, no hospital, fale para o maluco do
Malcom que ela não vai trabalhar hoje — o homem diz e então
desliga na minha cara sem me dar a chance de dizer qualquer outra
coisa. Ok, isso é ruim. Claro que é ruim, pelo fato de que eu não sei
o que há de errado com a senhora Marshall e estou preocupada
com ela, no entanto, além disso, também ruim, porque eu não sei
como vou explicar isso a Malcolm Campanelli sem que ele acabe
soltando os cachorros para cima de mim.
Não tenho a chance de me preparar porque meu chefe
aparece na porta com seu terno sem nenhum vinco fora do lugar,
abotoaduras douradas, colônia amadeirada, barba bem-feita e voz
ríspida.
— Você a encontrou?
— Ela...a senhora Marshall não vai poder vir hoje...
— Você vem comigo, então. E tente se portar como um
assistente pessoal.
Agora ele merecia que eu respondesse de forma grosseira,
mas, em vez disso, eu apenas pego o caderno em que todos os
compromissos e notas sobre o trabalho de Malcom são
armazenados e sigo-o, porque ele terminou de falar e saiu andando
como se não precisasse dizer mais nada.
— Essa é a sala de reuniões— ele me diz depois decerto
tempo de caminhada. Ele nem mesmo me olhou, mas sabe que
estou aqui, andando atrás dele.
— É a sua reunião com o marketing, avaliação de campanha
— afirmo. Ele não diz nada. Na sala, há um pequeno grupo de
homens engravatados, eles estão conversando e param no
momento em que Malcom entra. Eles desejam um bom dia, Malcolm
mal responde e então se senta na cadeira, na ponta da mesa. Fico
na dúvida do que fazer, se fico de pé, se sento, onde me sento. Um
homem de cabelos castanhos e um sorriso bonito se aproxima de
mim e toca no meu ombro.
— Sente-se ao lado dele. Lado esquerdo. Não fale nada sem
que ele pergunte— ele me diz. Agradeço com o olhar e poderia
pular no pescoço daquele estranho em agradecimento.
— Então, Arthur. O que temos?— Malcolm questiona. O
homem que me ajudou está sentado no lado direito de Malcom
agora, de frente para mim.
— A agência apresentou alguns conceitos e esse é o que me
parece mais adequado, de todo modo, vamos deixar que eles nos
contem— o homem chamado Arthur responde.
Há uma apresentação na tela que fica na parede de frente
para o campo de visão de Malcolm e um homem branco, franzino,
cabelos pretos, começa a falar.
— Nossa ideia é valorizar o processo de extração e a
unicidade do diamante, algo único e que faz com que você se sinta
extremamente bem— o homem afirma.
Malcolm move a mão em um gesto impaciente, e todos param
o que estão fazendo para encará-lo. Imagino qual deve ser a
sensação de ser capaz disso, de fazer com que todos parem para te
ouvir sem fazer nenhum esforço. No meu campo de trabalho,
mesmo depois de formada, eu sempre tive que me esforçar para ser
ouvida.
— Até então parece que você está falando de cocaína, não de
diamantes.
O pessoal da agência se entreolha, obviamente preocupado.
Arthur pede para que continuem.
— Nossa pesquisa foi extensa e entendemos que o mercado
mudou, as pessoas não compram mais diamantes apenas para
casamentos. Pensando nisso, apresentamos esta proposta.
Na tela, há uma série de cartazes com fotos de belíssimas
peças de diamante e o texto: “Diamantes surgem nos lugares mais
profundos da terra, mas fazem com que você se sinta no topo do
mundo”.Eu tenho vontade de rir da frase. Lucy é publicitária e vai
adorar ouvir isso, ela vai rir por uns dez minutos falando de como as
pessoas são cara de pau.
— Conseguiu ficar pior do que eu imaginava— Malcom diz.—
Diamantes não são sobre autoimagem do ponto de vista do
“presenteie você mesmo”. Diamantes são raros, eternos, levam
bilhões de anos para se formarem, são gestos de amor. Diamantes
são a manifestação final de um compromisso eterno. Quando você
escolhe um diamante, você está dizendo que o que sente vai durar
eternamente.
Eu escuto aquelas palavras e não consigo acreditar que o
homem que, há pouco tempo, estava rejeitando o meu café, está
dizendo-as.
— Podemos...— um dos homens da agência começa a falar.
— Vocês estão demitidos. Vamos escolher outra agência
— Senhor Campanelli, nós podemos...
— Não. Gastaram três semanas com isso e trouxeram algo
terrível, não é o padrão com o qual quero começar uma campanha.
Não tenho tempo para amadorismo. Por favor, se retirem.
O grupo de homens sai e apenas Arthur, Malcom e eu
permanecemos na sala. Pela cara de Malcolm, eu gostaria de ter
idocom o grupo. Meu chefe olha para Arthur e essa irritação parece
potencializada.
— Você sabe que eu tenho outras dez reuniões, certo? Porque
infernos me trouxe para ver algo que eu iria odiar, e você sabe
disso, sabe que eu detestaria. Não tem...
— Alinhamento com a nossa identidade, que não tem
capacidade de convencimento, você tem razão, eu sabia que você
não ia gostar, mas precisava que visse isso e os demitisse no ato.
— Eu não posso fazer seu trabalho sujo por você, Arthur. Você
é um Campanelli, aprenda a agir de acordo e não falo de agir
apenas conforme seu sobrenome, mas de acordo com o cargo que
ocupa.
— Pareceu o tio Peter falando. Seu pai gostava de repetir isso
— Arthur devolve. Eu fico imóvel no canto da sala, como se fosse
um vaso de flores com olhos e orelhas. Ok, Arthur, o diretor da
divisão de marketing, é um Campanelli. Eles são primos pelo que
entendi.— Estamos assustando a sua assistente pessoal.
— Qual a sua ideia?— Malcom questiona, ignorando a minha
menção.— O que você quer enquanto conceito?
— Honestamente, eu não sabia até seu discurso, mas agora
acho que deveríamos trabalhar com “O real é raro”. O que você
acha?— Arthur se vira e faz a pergunta para mim.— Como é mesmo
seu nome?
— Savannah, senhor.
— Não me chame de senhor, por favor. Apenas Arthur — ele
pede, sorrindo— Então, Savannah, o que acha de “o real é raro”.
— Que é verdadeiro. O que é real realmente pode ser
raroe,também, é persistente. O amor de verdade sempre perdura.
Malcolm parece incomodado. Ele me olha com frieza, ou talvez
ele sempre olhe assim para tudo, não tenho certeza.
— Viu só? Parece extremamente comercial — Arthur afirma.
— Providencie as peças. E ache uma agência que não seja tão
patética— Malcom fala com um tom de decisão.— Você... — Ele me
olha.— Vamos, temos outra reunião. E só para lembrar, é você
quem deveria estar controlando o meu tempo, e não o contrário.
 
 

 
Tive três reuniões antes do horário de almoço e, em cada uma
delas, eu sinto falta da senhora Marshall, ela teria sussurrado os
nomes daquelas pessoas por cima do meu ombro, não teria
misturado as pastas como a nova assistente pessoal fez e, claro, ela
saberia não opinar na conversa com Arthur, ela não concordaria
com ele, pelo menos não na frente dele. Ter contratado essa nova
assistente parece ter sido um erro. E eu sabia que seria, mas
também sei que a Glória está cansada e que eu tinha potencializado
isso, descartando todos aqueles candidatos e candidatas ao cargo.
Não me espanta que, poucos dias depois, ela tenha decidido não
aparecer, talvez ela tenha finalmente se exaurido de mim.
Algumaspessoas que entrevistei não eram tão ruins, elas
poderiam ser moldadas, suponho que essa garota também possa,
ainda assim, não quero aceitar o fato de que meu braço direito por
mais de uma década está me deixando.
— Vamos almoçar.
— O senhor que eu almoce? Quer dizer, junto com o senhor?
— Isso é algo incomum para você? Almoçar?— Meu telefone
pessoal toca e eu atendo a ligação. Poucas pessoas têm meu
número pessoal, então sempre que esse aparelho está recebendo
uma chamada imagino que seja algo importante.— Alô?— digo. Há
um ruído do outro lado da linha, um barulho estranhamente familiar,
mas nada além disso. Insisto no “Alô?” mas ninguém diz nada.
Desligo e bloqueio o número. Então saímos do prédio e o time de
seguranças me escolta até o carro, ou pelo menos é nisso que
acredito, mas, quando um dos homens abre a porta e eu me afasto
para que a assistente pessoal passe e entre primeiro, noto que lá
está lá atrás, barrada pelos seguranças.
Aceno a cabeça sem paciência. E faço sinal para que a
liberem.
— Me desculpe, senhorita Savannah— um dos seguranças diz
enquanto ela passa por mim e entra no veículo. Vamos para um
restaurante discreto, e minha nova assistente parece totalmente
perdida, não com a etiqueta, nisso, devo dizer que ela parece bem-
preparada, sua confusão parece ser comigo, em como se portar em
um almoço com o chefe.
— Apenas escolha alguma coisa, qualquer coisa. É um almoço
de trabalho. Faz parte das suas funções— respondo, sem paciência.
Ela pede a comida, um prato de macarrão ao molho com camarão e
rúcula. Opto por um salmão, o prato que a senhora Marshall
normalmente pediria, e então fico pensando em Glória e no que
pode ter acontecido com ela, algo que evitei fazer pelas últimas
horas.
— Gostaria,então, de ouvir os indicadores das suas vendas
enquanto esperamos pela comida? — ela diz, puxando um tablet da
bolsa. — Eu notei que...
— Indicadores de vendas?
— É, o valor atual das ações, os volumes de vendas, os dados
operacionais básicos.
— Sei o que eles significam, minha pergunta é: por que você
está olhando isso?
— Achei que gostaria de receber essas informações — ela me
diz de um modo gentil enquanto me encara com sua cabeça
erguida. Os olhos dela parecem um tanto desafiadores agora. A
senhora Marshall não me passava tais indicadores, uma das razões:
eu tenho um time de analistas de mercado financeiro que faz isso
diariamente. Ou seja: não era parte do trabalho e nem eu esperaria
que fosse considerada sua formação.
— Me deixe ver isso.— Pego o tablet, esperando encontrar
algo malfeito ou pouco informativo, mas o conteúdo me surpreende.
Fico em silêncio, analisando os gráficos, e noto que a mulher à
minha frente está um tanto tensa, na expectativa de que eu diga
algo. Ergo a cabeça depois de um tempo e foco nela, que está,
aparentemente, de modo inconsciente, mordendo levemente seu
lábio inferior.
O garçom chega com nossos pratos antes que eu possa dizer
alguma coisa. Ele coloca o conteúdo na mesa e agradeço. A
assistente parece menos tensa agora, ela rapidamente pega os
talheres e começa a comer. Eu fico quieto, olhando para os dados.
— O senhor não vai comer?— ela questiona enquanto enrola
mais um pouco do macarrão em seu garfo.— Pode olhar os dados
depois, deveria comer...
Pela primeira vez, presto atenção nela, tem olhos castanhos, a
pele negra, lábios bem preenchidos, os cabelos estão trançados em
uma espécie de arco na cabeça. Essas últimas horas me mostraram
que ela é um tanto irritante. E eu sei que não sou uma pessoa fácil e
tranquila, mas sempre que alguém acaba me enervando, sou
extremamente chato em retorno. Estou, ao menos, consciente disso.
Começo a comer e peço uma garrafa de vinho branco para
acompanhar o salmão, ela não aceita a bebida, não insisto.
— Teve notícias da senhora Marshall?— questiono a nova
assistente depois de um tempo. Ela fica em silêncio e então olho-a,
está mordendo tensamente o lábio enquanto me encara. Fica óbvio,
pela sua expressão, que está em conflito sobre dizer algo. Uma
sensação fria corre pelo meu corpo, um pensamento ruim, não
gosto disso, não gosto nada disso.— Ela está morta?
— Oh, não! Deus, Não! Ela está doente, mas não está morta
nem morrendo, quer dizer, eu não sei os detalhes, mas não acho
que esteja morrendo.
— Eu não gosto da palavra “acho”— respondo, irritado.— Ou
você sabe, ou não sabe, o que você acha não interessa.
Seus olhos se estreitam e há certa indignação na forma como
me olha, mas ela não é a primeira pessoa a me olhar dessa forma, e
eu tenho certeza de que não será a última. Ela nem é a primeira
pessoa a me olhar assim no dia de hoje, muitos daqueles
funcionários da agência que fora contratada por Arthur tinham esse
mesmo olhar.
O fato é que a senhora Marshall está doente. Ela me conhece
desde que nasci e até onde consigo recordar, não acho que ela já
tenha ficado doente. Quando a filha dela estava grávida, ela pediu
licença para acompanhar o parto e ajudar com a neta, isso foi há
mais de quinze anos, meu pai ainda estava vivo. E eu ainda não era
o CEO do grupo, mas, depois disso, ela nunca se ausentou para
além dos períodos em que eu mesmo tirei alguns dias para mim.
Levanto da mesa e faço uma ligação. Jacob Marshall, filho de
Glória, me atende com muito má vontade. Ele nunca gostou de mim,
desde pequeno nunca nos damos muito bem. Ele sempre me
considerou um riquinho acostumado a ter tudo que quero, suponho
que ele tenha razão, sou mesmo rico e realmente tenho tudo que
quero, ou pelo menos tudo que o dinheiro pode comprar. Ainda
assim, quando era mais novo, eu abriria mão de toda a minha
herança por algo que ele tinha. Acho que ele nunca entendeu isso.
De qualquer forma, eu cresci e amadureci o suficiente para não
precisar de nada que não estivesse sob meu controle.
— Onde vocês estão?— questiono.
— St. Clare.
— Ela está bem?
— Ela machucou o quadril. Vai fazer uma cirurgia.
— Eu estou indo para aí— aviso, desligando. Retorno para
mesa, e a garota está me olhando, esperando que diga algo.—
Estamos indo embora— informo.
Leva mais tempo do que o esperado para que nos
desloquemos do restaurante até o hospital, mesmo que a distância
seja relativamente pequena. O problema, nesse caso, é o trânsito.
Eu odeio o trânsito de Nova Iorque e tento evitá-lo o máximo
possível, mas não fica bem ser o CEO de uma empresa que está
tentando melhorar a imagem política do seu negócio e
simplesmente fazer viagens de helicóptero pela cidade, viagens que
poderiam ser realizadas de carro sem muitos transtornos. Os
ambientalistas são um pesadelo com os quais não quero lidar.
Entro no hospital e sou levado até a área de espera, onde
Amber, filha de Glória, me encontra. A mulher de cabelos pretos me
dá um abraço. Ela é uma das poucas pessoas que faz isso sem-
cerimônia. Amber e eu também crescemos juntos, diferente de
Jacob, ela não guarda nenhuma animosidade ao meu respeito.
Sempre tivemos uma boa relação. É interessante considerar que
não estamos na vida um do outro com frequência, nem trocamos
segredos, ou seja lá o que pessoas próximas fazem, mas sempre
que nos encontramos não sinto aquela estranheza do passar do
tempo, da falta de assunto.
— Antes que você reclame, ela não queria que ninguém te
contasse, pelo menos não dentro do horário de trabalho. Foi isso
que ela me disse, e você não precisa se preocupar, ela está bem,
está dando ordens aos enfermeiros, acho que passou muito tempo
com os Campanelli.
— Se fosse assim, esse aí teria aprendido algo sobre ser um
Marshall— uma voz masculina comenta. Olho para trás e vejo Jacob
de braços cruzados. Ele gosta de me provocar e, quando era garoto,
eu costumava ser sentimental demais, me deixava afetar. Hoje em
dia Jacob é um ponto pouco significante, alguém que não receberia
mais de um segundo do meu tempo se não fosse filho de quem é.
Por consideração da Glória Marshall, eu ainda gasto alguns minutos
com ele, mas não muito além disso.
— Posso vê-la?— peço, ignorando Jacob sem nenhuma
preocupação.
— Claro que pode. — Amber move a cabeça e então encara
minha nova assistente:
— E você é?— O tom dela é simpático, animado.
— Você trouxe uma das suas modelos de uma noite só para o
hospital?— Jacob questiona.
Uma risada inesperada ecoa pelo corredor. Olho para a minha
assistente e percebo que o som divertido saiu dela. Alguém
sussurra um “silêncio” repreendedor e eu vejo uma enfermeira no
outro lado do corredor. Minha assistente está com a mão na boca,
evitando emitir mais sons, suponho, mas os olhos ainda estão
sorrindo.
— Me desculpe, é que...bem, a ideia de que eu sou um modelo
e de que estou dormindo com... — Ela ri novamente, mas, dessa
vez, de forma mais discreta.— Me desculpem, de verdade.
— Essa é minha nova assistente pessoal — respondo. Amber
bate no ombro do irmão e diz para que ele não seja indelicado. Acho
que é tarde demais para isso.
— Então você é a substituta da minha mãe?— Jacob
questiona enquanto dou as costas e abro a porta do quarto em que
Glória se encontra, antes de fechá-la atrás de mim ainda escuto
Jacob dizendo “Boa sorte, você vai precisar”.
Dentro do quarto de hospital, Glória Marshal está deitada em
uma cama de olhos fechados. Eu me aproximo devagar e olho para
ela. Olho de verdade, pela primeira vez em alguns anos. Ela parece
pequena, frágil. Diferente da mulher durona com quem trabalhei nos
últimos anos. Será que ela está assim há muito tempo e eu não
notei? Penso em todas as vezes que ela me disse que estava
cansada e precisava deixar o trabalho, e eu continuei insistindo.
— Eu posso ouvir sua cabeça maquinando daqui— ela diz,
ainda de olhos fechados. Então abre-os e me oferece um olhar
avaliativocom um sorriso doce.
— Você não precisava vir, Malcolm.— Fora do ambiente de
trabalho, Glória me trata sem formalidades. E eu gosto disso.— Eu
estou bem.
— Não parece bem.— Não parece mesmo.
— Você sempre sabe como dizer as coisas certas a uma dama
— ela devolve, sorrindo. — Foi só um pequeno escorregão.
— Vou assumir que pessoas que levam pequenos escorregões
raramente precisam de cirurgia.
— Meus ossos são velhos— ela argumenta, tentando se
mover.— Como está com a Savannah?
— Quem?
— Sua nova assistente, Malcolm.
— Ah...claro.— Savannah. Eu tinha esquecido totalmente o
nome da mulher.— Não se preocupe, ainda não a demiti.
— E ela ainda não pediu demissão, então acho que as coisas
vão bem.
— Não fique tão segura disso— argumento.
— Ela é boa. E você ainda vai assumir isso.
— Você trabalhou com ela por dois dias. Como pode saber se
ela é boa?
— E você por três. Como pode saber se ela é ruim.
— Não. Mas três dias já foram suficientes para saber que ela
não tem sua competência.
— Malcom, você gosta de achar que eu estou fazendo algo
especial naquela empresa, que sou insubstituível, mas isso não é
verdade. Qualquer pessoa pode fazer esse trabalho, e a Savannah
é altamente qualificada.
— Não é verdade. Você é realmente insubstituível.— Ela se
move na cama e reclama de dor. Me aproximo e toco em seu ombro
meio sem jeito. Então a ajudo a levantar um pouco o corpo, e ela
agradece.
Eu sei que isso soa egoísta, mas só consigo pensar que o
estado dela significa que irá me deixar mais cedo do que o
esperado. Eu vou sentir falta dela e gostaria de conseguir dizer, mas
esse não é o tipo de coisa que vem facilmente para mim.
Demonstrar emoções é algo que passei a entender como uma forma
de vulnerabilidade há muito tempo.
— Você sabe que...— tento dizer, mas as palavras não saem.
Glória toca a minha mão carinhosamente.
— Não precisa se esforçar para dizer. Eu sei. Você vai sentir
minha falta. E quero que saiba que, parao todo o resto, eu ainda
estou aqui. Eu sei que você está crescido e que não precisa mais de
mim, mas, se precisar...eu estou aqui.
Me sinto às margens de perder um pouco de controle e não
tenho intenção alguma de permitir que isso aconteça. Então me
afasto da senhora Marshall e digo que preciso fazer uma ligação.
Não há ligação nenhuma, claro. E suponho que ela me conheça o
suficiente para saber disso.
Abro a porta e, no corredor, escuto as risadas do meu primo.
Arthur está com Amber, Jacob e Savannah conversando
animadamente. O pequeno grupo sorri, eu caminho na direção
contrária. Não estou com paciência para as pessoas no momento.
— Ei, onde você vai?— a voz de Arthur pergunta. A mão dele
me alcança, meu primo toca no meu ombro e então repete a
pergunta.— Onde você vai, Malcolm?
— O que você está fazendo aqui?
— Disseram que você veio para o hospital. Achei que pudesse
ter acontecido alguma coisa e...
— Você é tão dramático, Arthur. Você não pensou em me ligar
antes?
— Claro que pensei, mas você se autonegligencia nessas
coisas e me diria que está tudo bem, mesmo que tivesse uma faca
cravada no peito.
Aceno negativamente, descartando sua preocupação. Quanto
exagero. Ele não deveria estar aqui e começo a me perguntar se eu
deveria ter vindo. Não sou parente da senhora Marshall, esse
momento deveria ser da família.
— Você parece chateado.
— Impressão sua. Eu tenho que ir.
— Você tem que ir ou você quer ir?
— Eu tenho que ir— afirmo. E então caminho, me afastando.
Estou chegando no carro quando percebo duas coisas. A primeira
delas é que seria rude ir embora sem me despedir propriamente da
senhora Marshall e de Amber. A segunda questão é que esqueci de
chamar minha assistente pessoal, e ela, aparentemente, esqueceu
que está aqui a trabalho. Volto para o corredor e noto a porta do
quarto da senhora Marshall entreaberta. Lá dentro, estão Arthur e a
assistente, cercando a cama de Glória.
— Eu sabia que a senhora queria se livrar dele, mas isso foi
demais! Se jogar da escada?!— Arthur afirma, fazendo a senhora
Marshall gargalhar.
— Não liguei para ele, Savannah. Arthur sempre foi um
palhaço. Ele é incapaz de levar qualquer coisa a sério.
— Isso não é verdade. Eu levo a senhora muito a sério. O
Malcolm também. Por isso é difícil para ele, sabe? Deixar você ir.
— Eu sei, mas ele ainda tem décadas de carreira pela frente,
precisa de um assistente pessoal mais enérgica e que acompanhe a
mudança dos tempos. Eu só quero cuidar do meu jardim e dos
meus netos. Além disso, vocês dois sempre podem me procurar
quando precisarem.
— A senhora não deveria me dizer isso. Malcolm nunca vai
pedir ajuda, mas a senhora sabe que eu vou. Na verdade, eu vou
aparecer mesmo quando não precisar de ajuda. Vou aparecer nos
domingos para comer aquela torta de framboesa.
— E você, Savannah querida, como estão as coisas com o
Malcolm? Ele não está tornando as coisas muito difíceis para você,
está?
— Honestamente, eu não sei como responder a essa
pergunta. O homem é um labirinto espinhoso, difícil de entender. E,
se eu for seguir os meus instintos, diria que acho que ele me odeia.
— Um labirintoespinhoso, essa é boa— Arthur comenta,
sorrindo.— Eu consigo imaginar a cara dele vendo isso.
— Sinto muito, Savannah, mas eu prometo que as coisas vão
melhorar. Malcolm é um bom homem e um bom patrão, você vai ver,
querida — Glória afirma com sua voz acolhedora.
— É, além disso, essa história de que ele te odeia não é
verdade. Malcolm, provavelmente, não se importa com você o
suficiente para isso— Arthur diz, gargalhando — E acredite, é
melhor assim. Você não vai querer que ele te odeie. As pessoas que
ele odeia, Deus, eu tenho pena delas. De verdade.
Sei bem de quem ele está falando, ou melhor, do que está
falando. E talvez essa mulher tenha razão, talvez eu seja mesmo
com um labirinto espinhoso. E está tudo bem para mim, espinhos
são proteções. É melhor ser um labirinto espinhoso e bem
conservado do que uma grama seca e pisada pelos passos alheios.
Eles mudam de assunto, eu bato na porta e deixo eles
saberem que estou entrando antes de fazê-lo. Não quero que
saibam que ouvi. Glória sorri para mim e acena para que me
aproxime, ela faz um comentário sobre a minha ligação, e eu
apenas aceno e digo qualquer coisa genérica sobre o assunto.
— Temos que ir, senhorita Savannah — digo, olhando para
minha assistente. Ela me encara e estreita os olhos, parece
extremamente surpresa por eu ter a chamado pelo nome.
— Claro, senhor Campanelli. Espero que a senhora tenha uma
boa cirurgia e boa recuperação— ela afirma para Glória e então
acena.
— Obrigada, querida. E você também, Malcolm, obrigada por
vir.
— Não precisa agradecer, não por isso.
Me despeço de Arthur, que decide que vai ficar até que Amber
ou Jacob retornem. E então retornamos para o escritório para mais
uma reunião, dessa vez com a equipe de engenheiros que está
dando feedback sobre a extração. As coisas estão caminhando
lentamente no Congo e há questões políticas criando entraves na
Rússia também.
— Qual a sugestão aqui? Expandir na Austrália?
— As reservas são menores— uma engenheira comenta.
— Mais investimento bruto — observo.— Eu preciso pensar.
Continue com o que temos e vou dizer algo em alguns dias, preciso
estudar isso antes de tomar uma decisão.
— Claro, senhor!— a equipe diz em coro. E então, um a um,
se retiram da sala. A engenheira é a última a sair. Ela fica parada de
frente para mim. A mulher parece muito mais nova do que
provavelmente é, óculos de grau, cabelos pretos e curtinhos.
— Quer me dizer alguma coisa?
— Bem, senhor Campanelli, acho que o senhor deveria
considerar Botswana.
— Vou pensar sobre isso— afirmo. Me levanto da mesa e vou
até o bar, pego um uísque e dois copos, ofereço a minha assistente,
que me olha surpresa.
— Não, obrigada — ela me diz. Me sirvo e então tomo um
grande gole.
— Fale com a equipe de aviação, vamos para Botswana em
dois dias.
— Vamos?
— É. No plural. Eu e você, nós. Tem um passaporte?
— Tenho, claro, é só que... eu...
— Eu não preciso saber da sua vida pessoal. Em dois dias, às
nove da manhã, estamos indo para Botswana.
— Ok— ela me diz e então se levanta.
— Savannah...— chamo-a quando ela está com a mão na
maçaneta da porta.— O relatório dos indicadores, aquilo foi bom. —
Elasorri, e eu aceno negativamente.— Não fique animada. Você, até
então, tem sido uma péssima assistente pessoal, não há a menor
chance de ser promovida para qualquer outra coisa.
 

 
— Savannah! Eu não consigo te ver... Não consigo vê-la— a
voz do meu pai diz, primeiro está falando comigo, depois com a
minha mãe. Seu tom é apressado. Entendo. É um tom de saudade.
Também estou morrendo de saudade deles. Faz mais de um ano
que fui à casa dos meus pais, não tinha dinheiro para deixar Nova
Iorque no último final de ano e tínhamos nos visto na Páscoa. Então
faz mais ou menos um ano e seis meses desde que nos vimos
pessoalmente. Desde então, as ligações, as chamadas de vídeos e
coisas do tipo são o que nos mantêm conectados.
— Aqui, querido. Olha ela aí! A nossa garota perfeita. Linda
como uma pera.
Garota perfeita. Minha mãe me chama de perfeita desde que
consigo me lembrar. Ela sempre quis mais filhos, mas teve um
aborto quando eu tinha uns dois anos e nunca mais pôde
engravidar, então ela disse que Deus sabia que ela já tinha uma
menina perfeita e que só era disso que ela precisava. Essa é minha
mãe, sempre vendo o melhor de tudo. Eu herdei isso dela, o
otimismo, e tenho orgulho, mas confesso que não sou exatamente
tão otimista quanto ela consegue ser. Não acho que eu teria
enfrentado tudo que ela já enfrentou com a cabeça erguida, um
sorriso no rosto e com tanta resiliência.
— Oi, princesa!— meu pai diz.
— Oi, pai! Oi, mãe! Pai, o senhor precisa se afastar um pouco
da câmera ou não posso ver vocês— explico. Eles se ajustam.
Mamãe, na verdade, resolve o problema. Meu pai pode desmontar
qualquer carro e montá-lo de volta, é incrível com mecânica, mas
celulares e computadores não são a praia dele.
— Você está linda!— minha mãe diz, sorrindo.
— A senhora que está belíssima, não está, pai?
— A mulher mais bonita de todo o estado — ele responde,
pegando na mão da minha mãe. Eles se amam hoje com a mesma
intensidade ou até mesmo mais do que quando se casaram, e eu
sou apaixonada pelo amor deles. Por tudo que eles enfrentaram
para ficar juntos. A forma como o meu pai olha para minha mãe, eu
não sou loucamente romântica como Lucy, que sonha com viver um
amor transcendente, épico, mas, se um dia eu me casar, quero que
seja com alguém que me olhe da forma que meu pai olha para
minha mãe. Quero alguém que me olhe como se eu fosse a pessoa
mais especial da face da terra.
— Como você está querida? Está comendo direito?
— Sim, mãe! Claro que estou.
— E o trabalho?
Bem. Aqui há uma questão importante. Eu não costumo mentir,
exceto quando a mentira tem boas razões. Nessa lógica, nunca
contei aos meus pais que fui demitida. Eles teriam se preocupado
demais. Meu pai queria achar uma forma de me mandar dinheiro e
não é como se eles tivessem dinheiro sobrando. Ele ia
provavelmente vender algum equipamento ou animal da fazenda e
acabaria se prejudicando mais na frente. Meus pais já se
esforçaram demais, abriram mão de muita coisa para garantir que
eu tivesse uma boa educação, eles pagaram por quatro anos de
faculdade, cobrindo o que a bolsa não cobria, viagens de ida e volta
entre Nova Iorque e Texas. Eu que deveria estar cuidando deles
agora, não o contrário. Então é, eu menti, mas eu faria novamente
para não ver a ruga de preocupação em suas testas.
O que eu disse aos meus pais, alguns meses atrás, foi que a
empresa estava passando por alguns problemas e que por isso eu
não pude ir vê-los.
— Tem esse investidor novo no trabalho, ele salvou a
empresa, mas é insuportável— digo me referindo a Malcolm. —
Acho que ele não gosta muito de mim.
— Não gosta de você? Como alguém poderia não gostar de
você?— mamãe questiona, me fazendo sorrir.— Você só tem que
mostrar a ele do que você é capaz e não se esqueça que você é
uma garota do sul, não há nada com que uma garota do sul não
possa lidar.
Ela sempre me faz rir quando diz isso. Minha mãe é uma
sulista orgulhosa. Logo quando eu cheguei em Nova Iorque, eu era
considerada a caipira por ser de uma cidade minúscula no sul do
Texas. Eu falava coisas como "até as vacas voltarem para casa"
quando queria dizer "o dia todo", ou usava o "linda como uma pera"
quando queria elogiar alguém, como minha mãe fez minutos antes.
Muita coisa disso foi se perdendo porque essa cidade é um lugar em
que ninguém tem tempo de sutilezas, as pessoas precisam sempre
ir direito ao ponto, estão sempre com pressa. Não é à toa que dizem
que um segundo nova-iorquino é muito mais rápido do que um
segundo em qualquer outro lugar do mundo, o tempo aqui está
sempre correndo.
— Não é que eu não possa lidar com ele, é só que... não sei,
talvez eu não passe mais muito tempo nesse trabalho. Talvez a
minha paciência acabe.
— Você herdou isso do seu pai, essa impaciência.
— Eu só a ensinei a não levar desaforo para casa— papai
argumenta.
— E o que eu digo sempre? Você pega mais abelhas com mel
do que com vinagre, querida.
O nome da minha mãe é Annette, o que significa “graça”. E ela
é a graça em pessoa, leve, delicada. Minha mãe sempre cheira a
limões frescos, ela tem sempre um vestido bonito em seu corpo, a
mesa da casa está sempre enfeitada, há flores nos vasos e uma
comida cheirosa no forno.
— Ok, ok! Não vamos falar do meu trabalho. Como estão as
coisas com vocês?
— Seu pai não quer ir ao médico, acha que ir na consulta com
doutor Geller é procurar por problema e ele precisa checar os níveis
de açúcar, toda a família dele teve diabetes e...
— Se eu tivesse doente, saberíamos — meu pai diz com sua
voz de teimosia.
— Você quer que eu fique viúva?! Acha que eu não vou me
casar novamente? Talvez com John Kinsella.
— Você não se casaria com John Kinsella, ele é um idiota—
meu pai diz, fazendo mamãe sorrir.
— Pai, isso é sério. Você tem que ir ao médico.
— Era isso que a sua mãe queria, me colocar contra a parede
com vocês duas.
— O senhor é sortudo por ter duas garotas sulistas se
importando tanto. E sabe que não há nada com que uma garota do
sul não possa resolver — afirmo, fazendo com que os dois sorriam.
— Tudo bem, tudo bem, eu vou na maldita consulta.
— Droga!— digo quando noto meu telefone tocando e o nome
de Malcolm na tela.— Eu tenho que ir, meu chefe está ligando. Eu
amo vocês. Se cuidem, nós falamos semana que vem.
— Tudo bem, querida. Nós amamos você— minha mãe afirma.
Atendo a ligação e a voz de Malcolm é sempre tensa. “Onde
estão os dados sobre o Congo?” é a pergunta que ele faz, ele não
deseja uma boa tarde ou qualquer coisa do tipo, só tem uma
pergunta e se interessa apenas pela resposta, é assim que tem sido
nas últimas semanas. Um mês trabalhando para ele, e não faço a
menor ideia de como ele se sente a respeito do meu trabalho, não
sei se ele me odeia, se está satisfeito, o homem é simplesmente
complicado demais para se ler.
— Os dados estão na nuvem, senhor Campanelli. Eu o
informei sobre a mudança. — Glória Marshall é um anjo na terra,
mas o sistema de organização de dados da mulher é um caderno
cheio de rabiscos, ninguém, além dela, consegue entender aquilo, e
estamos falando de uma empresa bilionária e que não pode se dar
ao luxo de perder informações. Então eu simplesmente digitalizei
tudo que ela tinha, classifiquei com base no tipo de conteúdo,
relevância informacional e estou montando uma análise estatística
dos indicadores envolvidos no trabalho.— Posso mandar no seu e-
mail agora.
— Não. Preciso de você em um evento no Upper East Side,
em quarenta minutos.
— Não sei se consigo, eu estou...
— Peça um carro por conta da empresa— ele responde. Não
sei se ele não me escuta ou se simplesmente não se importa em
escutar, mas ele faz isso o tempo todo. É absurdamente irritante.
Eu tinha planos para essa noite de sábado, eu pretendia
arrumar o meu apartamento e fazer compras, eu ia cozinhar uma
comida caseira, uma das receitas da minha mãe, e aproveitar a
minha própria companhia. Colocar música, dançar pela casa e
escrever alguma coisa de um projeto que quero submeter em
Stanford, uma forma de voltar para o meu campo de estudo. Esse
emprego pode me pagar muito bem, mas não é isso que me
satisfaz, não foi para isso que me dediquei por tantos anos. Em vez
disso, eu estou em um vestido justo que faz meus seios quererem
saltar e que é a única coisa que encontrei no guarda-roupa para o
evento.
O evento, em si, é uma festa de investidores. Assim que
chego, sou direcionada para a mesa da empresa e outra assistente
pessoal está lá, Wanda, a assistente de Arthur.
— Eu achei que você não vinha— ela me diz, sorrindo.
— É, eu não sabia que isso existia. A senhora Marshall fazia
essas coisas?
— Não, mas o senhor Campanelli não aparece em eventos
assim há alguns anos. As notícias sobre o Congo devem estar se
espalhando, por isso ele está querendo fazer um pouco mais de
relações-públicas, manter as aparências.
A empresa está muito bem financeiramente e a decisão de não
explorar no Congo é puramente política, mas o que ela está dizendo
faz muito sentido. O mercado pode entender que é um recuo de
crescimento e há muito em jogo nessa mudança. Nas últimas
semanas, o senhor Campanelli esteve em dezenas de reuniões com
o governo da Botswana, tentando chegar a um acordo, ele até
chegou a cogitar viajar até lá duas ou três vezes, mas sempre
acabou sendo adiado.
— E o que você normalmente faz em eventos assim?
— Digo ao Arthur com quem falar, lembro nomes, passo
informações, esse tipo de coisa. Além disso, não é ruim, não é como
se eu normalmente fosse convidada para uma festa como essa.
— Eu preferia estar em casa ou em um barzinho com as
minhas amigas, e não aqui sussurrando nomes no ouvido de
homens crescidos que deveriam lembrar das coisas.
— Em casa, eu tenho um filho de quatro anos que chora por
tudo e um marido que machucou as costas e não consegue
emprego, eu prefiro essa festa. Eu preciso dessa festa, caso
contrário, vou ficar maluca— ela conta.
— Me desculpe, eu não sabia, eu...
— Não precisa se desculpar, de verdade. Esse é um bom
emprego, Savannah. Há pessoas que fariam muito para ser a voz
sussurrando nomes.
Ótimo! Agora a assistente de Arthur me considera uma mal-
agradecida, e eu devo ter soado assim mesmo, mas não tive
intenção de menosprezar o emprego.
— Eu preciso desse emprego, eu estava prestes a ser
despejada antes dele, então, eu realmente o aprecio, não quis soar
ingrata.
— Você é uma mulher formada, inteligente, é normal que sinta
que pode fazer mais— ela afirma, tocando na minha mão.— De
verdade, não estou chateada, só quis te lembrar que nem todo
mundo vem do mesmo lugar ou tem as mesmas oportunidades.
— Eu sei, eu realmente sei disso— afirmo.
— E há algo muito importante de tudo isso que você disse: não
deixe ocuparem seu tempo sem lhe recompensarem da forma certa.
O senhor Arthur é generoso e sabe reconhecer o meu valor.
— Aí está você!— Malcolm Campanelli diz, seaproximando.—
Sei que isso é uma festa, mas estamos aqui a trabalho. Venha!
Preciso que você me atualize sobre algumas coisas.
Malcolm me olha dos pés à cabeça quando fico de pé.
— Tem muito decote na sua roupa— ele me diz.
Mordo o interior da minha bochecha para evitar dizer a ele que
eu poderia ter pensado em algo mais adequado para vestir se ele
não fosse um maluco que dá quarenta minutos para alguém chegar
em um compromisso de trabalho e não passa muitas informações
sobre como se vestir. Ele está perfeito, claro, sempre está. Esse
homem não tem nem mesmo um fio fora do lugar, nunca. Ele está
usando uma gravata com leves tons de degradê rosa e vermelho na
ponta, o resto dela é branca, uma camisa branca justa, paletó e
calça em um tom grafite. Abotoaduras com dois pequenos
diamantes, muito discretos, de tons rosados, combinando com a
gravata. Ele tem um senso de moda impecável, mas Lucy costuma
dizer que quem nasce na nata de Manhattan consegue dizer
Givenchy antes de aprender a chamar papai ou mamãe, então é
fácil entender isso. É fácil estar na moda quando se tem dinheiro.
Puxo um pouco o decote para cima, mas não adianta muito. O
próprio Malcolm volta a me olhar acenando negativamente.
— Não temos tempo para isso. Há duas pessoas aqui que
podem fazer a diferença no acordo com a Botswana. Preciso que as
encontre para mim, descubra algo sobre elas, qualquer coisa.
— Como assim? Algum podre sobre elas?
— Isso não é um show de televisão sobre fofoca adolescente,
descubra algo que possa usar para conseguir conversar com essas
pessoas. Eu preciso de uma abertura, não de um argumento para
chantagem.
Ok, eu meio que pedi por isso, certo? Mas o que ele supôs que
eu ia entender quando falou com esse tom extremamente urgente e
secreto?
— Quem são eles?
— Se eu tivesse essa informação, não precisaria de você,
precisaria? Apenas se misture e converse.
— O que o senhor acha que eu posso ter de assunto com
essas pessoas?
— Não sei, Savannah. Não estou aqui para fazer seu trabalho
para você ou para segurar sua mão no processo, você trabalha para
mim, não o contrário. Converse sobre qualquer coisa, talvez o
vestido ajude.— Ele dá as costas, e eu quero apunhalá-lo com um
garfo. Pego meu telefone e ligo paraAlexa.
— Você conhece alguém da Botswana que possa estar em
Manhattan agora? Alguém relacionado ao mercado de diamantes ou
ao governo? — questiono enquanto me movo pelas pessoas que
comem seus aperitivos e tomam champanhe na festa.
— Você sabe que eu não sou a porra da Alexa do Jeff Bezos,
certo?— ela me responde. — Minha firma tem um negócio com a
Global Diamond em andamento, posso perguntar ao advogado que
está lidando com o caso. Te mando uma mensagem.
— Obrigada! Você é a melhor.
— Espere um minuto. Onde você está? Que barulho é esse?
— Estou numa festa no Metropolitan.
— O leilão beneficente do hospital? Deus, deve ser horrível.
— E é. Não tem música e só consigo ouvir risadas, cochichos
e taças batendo umas nas outras. Você quer encher a cara quando
eu sair daqui?
— Não posso. Tenho meses de papelada para revisar. E ainda
preciso vender minha alma para conseguir descobrir o que você
quer que eu descubra.
— Richard?— questiono. Richard é o antigo namorado de
Alexa. Ela partiu o coração dele quando não aceitou o pedido de
casamento extremamente público que ele fez. Isso foi há dois anos.
Alexa se considerava jovem demais para casar-se, mas a verdade é
que ela se considera simplesmente inadequada ao casamento, ao
amor. Enquanto eu e Lucy suspiramos com comédias românticas,
Alexa prefere o ceticismo duro da realidade.— Não precisa fazer
isso, eu consigo me virar.
— Ele gosta que eu fale com ele e acho que eu gosto da
penitência, eu me sinto menos ruim depois de tudo que aconteceu
entre a gente.
— Tem certeza?
— Te mando algo em vinte minutos. E tenha cuidado com
essas pessoas, Savannah. Nenhum deles é o que parece, são
sorrisos gentis e tapinhas nas costas, mas não são confiáveis. Não
fale do seu trabalho além do necessário.
— Obrigada, amiga.
Círculo um pouco e então paro perto do bar. Um homem loiro e
sorridente se aproxima e me pergunta se pode pagar uma bebida
para mim.
— É uma festa beneficente, as bebidas são incluídas.
— É, mas o que mais eu poderia dizer para uma mulher bonita
feito você?
— Talvez seu nome— digo sorrindo.
— Alberto. Alberto Miller.
— Miller como o Instituto Miller?
— É— ele responde, sem jeito.
— Eu sou uma grande fã do trabalho de vocês. A metodologia
de pesquisa para determinação de dados estatísticos é...me
desculpe, eu estou soando como a maior nerd de todos os tempos.
— Não se desculpe, eu gosto de nerds, eu sou um nerd.
— Você não é um nerd, ou talvez seja, mas é uma espécie de
lenda do rock nerd— afirmo. Ele começa a sorrir. Alberto Miller é o
mais jovem estatístico a ganhar um prêmio de reconhecimento
mundial. Ele estudou na mesma universidade que eu alguns anos
antes, e eu sempre quis seguir seus passos. A única coisa que eu
não sabia era que ele tinha esse rosto tão bonito ou que era de fato
tão jovem.— Você é meu herói pessoal.
— Dizem que não é bom conhecer seus heróis. Além disso, eu
não ia querer ser um herói. Parece trabalho demais pelo que
Hollywood tem produzido nos últimos anos— ele comenta, me
fazendo sorrir.— Me desculpe, você não me disse seu nome.
— Savannah, Savannah Armstrong.
— É um prazer, Savannah.
— O prazer é meu, de verdade. Eu estudei o seu trabalho
sobre variação estatística em dados secundários na faculdade.
— Você é estatística?
— Bem, eu me formei na área de matemática com ênfase em
estatística e depois fiz análise de dados com big data como
especialização, os números são a minha grande paixão.
— Finalmente alguém estimulante nessa festa. Isso deve ser
um sinal de que eu preciso sair mais. Savannah, você gostaria de se
sentar? Está acompanhada?
— Sim — a voz de Malcolm diz atrás de mim. Meu corpo
inteiro gela.
— Malcolm, não sabia que você viria.
— Eu digo o mesmo. Não é do seu feitio estar em eventos
sociais.
— Nem do seu. Estamos ambos fora dos nossos elementos—
Albert diz.— Me desculpe, eu não sabia que a Savannah é sua
namorada, devo dizer que, dessa vez, você me deixou com inveja.
— Nós não...
— Ela é minha funcionária— Malcolm responde.
— Se esse é o caso, então posso tentar roubá-la de você.
— Você conseguiu o que eu pedi?— meu chefe me pergunta,
ignorando o comentário de Albert.
— Estou trabalhando nisso.
— Ótimo. Talvez possa cuidar disso circulando pela festa. O
senhor Miller não é a pessoa com quem deveria estar falando.
— Claro — respondo, engolindo seco— Albert, quer dizer,
senhor Miller...
— Só Albert, por favor o homem me diz, oferecendo um sorriso
encantador. Tudo nele é encantador.
— Ok, Albert. Foi um prazer, de verdade. E novamente,
parabéns pelo seu trabalho — afirmo. Albert estende a mão, e eu
encontro-a com a minha. Ele me cumprimenta enquanto me olha
com os olhos castanhos cheiosde animação.
— Não é uma despedida. Eu adoraria continuar a nossa
conversa.
— Adoraria, mas eu estou trabalhando, sinto muito, eu tenho
que ir.
Me afasto deles, que permanecem no mesmo lugar, olho na
direção deles alguns minutos depois e ainda estão conversando,
mas, então, a mensagem de Alexa chega com um nome e uma foto.
“Jackson Lawrence, ele é afilhado do presidente da Botswana, é
tudo que consegui”. Encontro Jackson cercado de outros homens
em um canto do salão principal. Em vez de ir até ele, simplesmente
observo-o. Noto algumas primeiras coisas: ele gosta de ser o centro
das atenções, as pessoas ao redor estão rindo das piadas dele, ele
tem um relógio com diamantes cravados nele, nem mesmo Malcolm
usa algo assim, suas abotoaduras de diamantes são tão discretas
que mal se espera que sejam verdadeiros. Jackson, no entanto,
parece gostar de esbanjar. Ele bebe bastante e fala alto, tudo na
linguagem dele indica seu espírito expansivo.
Espero que ele se afaste do grupo e então ando na sua
direção, fingindo estar distraída, nos esbarramos no meio do salão,
e ele me segura pelos cotovelos.
— Meu Deus, me desculpe— digo, fingindo sentir muito pelo
encontro.
— Não se preocupe, não é todo dia que eu sou atropelado por
um anjo— ele responde. Minha barriga se revira um pouco. Quem
diz esse tipo de coisa?— Você está bem?
— Estou, sim, estou ótima. O senhor que foi acertado pela
minha falta de atenção.
— Foi um prazer— ele afirma, me olhando de forma
obviamente desejável.— Posso perguntar seu nome?
— Claro. É Savannah.
— Savannah. A minha vegetação predileta.— Quero dizer a
ele que a savana não é uma vegetação, mas um tipo de região, mas
não acho que ele vai apreciar minha nerdice como Albert Miller fez.
Na verdade, este não parece o tipo de homem que gosta de ser
corrigido ou contrariado.
— Suponho que também seja a dos meus pais— respondo,
forçando um sorriso.
— Posso te oferecer uma bebida?
— Claro. Eu só não posso demorar, estou a trabalho.
— Eles contratam mulheres bonitas para passear na festa?
— Não. Não. — Finjo estar sem graça pelo elogio. — Meu
chefe é um benfeitor da festa. Estou acompanhando-a.
— O que você faz?
— Trabalho na Diamantes Campanelli.
— Sério? Que coincidência! Eu também estou no ramo dos
diamantes, estou fazendo uma avaliação para uma concorrente de
vocês e, em algumas semanas, devo fazer o mesmo com a
Diamantes Campanelli.
— Nossa! Isso é mesmo muita coincidência— digo.
— Uma das boas. Isso significa que ainda vou ver muito de
você.
— Acho que sim— respondo.
— Acha que eu posso ver mais de você ainda hoje?
— Bem...eu adoraria, mas estou a trabalho. Meu chefe não vai
me deixar ter paz enquanto esse novo acordo não for... não deveria
falar disso com você.
— Minha boca é um túmulo, acredite— ele diz, piscando.—
Mas, se quer saber, você tem muito mais chances, se já não
tivessem antes, teriam agora — ele responde.
Ele pede pelo meu telefone, eu não vejo outra saída além de
concordar e gravar meu número no telefone dele. O homem me dá
um beijo no rosto e diz que vai adorar me ver novamente em breve.
Me afasto, me sentindo meio suja, e então começo a caminhar para
a área que dá acesso ao banheiro, antes que eu possa deixar o
salão Malcolm me intercepta.
— Uma das pessoas não está aqui— ele explica.
— A outra está— respondo.— Acabei de falar com ele.
— Por que você falou com ele? Pedi para que identificasse e
nada mais.— Ele baixa o tom e noto que há pessoas dançando ao
nosso redor.
— Ele falou comigo, senhor Campanelli — respondo.
— Coloque a mão no meu ombro— Malcolm pede
— O quê? — Mal tenho tempo de pensar, porque ele faz isso
por mim.
— Espionar o governo é crime, qualquer governo, assim como
tráfico de influência— ele sussurra enquanto começa a se mover,
sua mão para em minha cintura, e eu fico sem reação. Por sorte,
meus pés se movem no ritmo, apesar da falta de comando aparente
do restante do meu corpo. Demora um pouco para que eu entenda
que estamos dançando. Deus, estamos dançando!— Como é o
nome dele?
— Jackson.
— O que exatamente vocês falaram?
— Não muita coisa. Ele disse que está aqui para acompanhar
um acordo, provavelmente a aquisição dos direitos de exploração
com a...
— Como você sabe disso?— ele pergunta e está falando perto
demais do meu ouvido. Afasto um pouco meu rosto para olhá-lo,
quero confirmar se, pela primeira vez, consegui espantar um pouco
da expressão presunçosa do seu rosto.
— Eu faço meu dever de casa— afirmo. Malcom move sua
mão pela minha cintura, gentilmente, e então se aproxima
novamente.— Ele falou em que área trabalhava, eu disse que era
uma grande coincidência
— E o que ele disse?— Deus! A voz desse homem no meu
ouvido é desconcertante.
— Ele me convidou para sair, mas eu que tenho um chefe que
não me deixa fazer nada antes que isso acabe. Posso saber mais
se o senhor quiser, ou tentar.
— Não. Todo o acordo pode perder o valor por algo assim. Eu
vou conseguir mais informações sobre ele de outra forma.
— O senhor tem certeza?
— Tenho. Você já fez muito mais do que precisava fazer.
— Isso é um elogio?
— Não, mas ao menos não é uma reprimenda— ele responde.
Malcolm me gira duas vezes, exibindo um pouco de suas
habilidades como dançarino. Não sei por que estou em choque,
esse homem deve ter tido aulas de dança quando tinha três anos,
de tão bom que ele é. A música para e Malcolm também, fico
olhando para ele sem saber o que fazer ou dizer.— Fique à vontade,
aproveite o restante da festa — ele diz, se afastando. Claro, como
se fosse possível eu ficar à vontade depois disso.
 

 
Eu nunca gostei de ser uma garota caseira. Sempre prefiro
estar no mundo, fazendo coisas, ocupando lugares, conhecendo
pessoas, mas, nesses últimos meses, passei a apreciar mais a
minha casa e o tempo que passo comigo mesma. Talvez isso seja
um efeito de quase ter ficado sem teto, ou talvez seja um efeito da
exposição ostensiva à vida de Malcolm. Em um dia de trabalho, é
difícil ter um segundo em que a voz dele não esteja ecoando na
minha cabeça, então eu gosto de chegar em casa e deixá-lo da
porta para fora.
É sábado e eu acordo cedo, rego minhas recém-compradas
plantas, como um cereal e decido preparar meu almoço. Eu não
cozinho tão bem quanto minha mãe, mas ela bem que tentou me
ensinar, então sei fazer algumas coisas. Escolho um prato simples e
começo a organizar a bancada da cozinha quando meu telefone
toca, olho para a tela um tanto cautelosa, torcendo para que não
seja do trabalho, não é. O nome “Lucy” aparece na tela junto de
uma foto da minha melhor amiga e atendo-a.
— Amiga, desculpa, finalmente consegui te ligar. Vi suas
mensagens sobre o tal Adam Miller.
— Alberto Miller— corrijo-a, sorrindo.
— Ok, vamos lá. Qual é mesmo a questão?— A voz dela soa
ofegante.
— É bom que você esteja correndo, e não transando— brinco.
— Estou na esteira.— Claro que está. São nove da manhã em
um sábado, Lucy está na academia, religiosamente.
— Lembra na faculdade quando fizemos aquele trabalho sobre
Albert Miller?
— Vagamente.
— Ok, isso é suficiente, então, quando você escuta Albert
Miller, o que você pensa?
— Que eu deveria ter prestado mais atenção nas aulas? É
sério, eu não faço a menor ideia de quem seja, amiga — Lucy
responde.
— O cara que desenvolveu a variação estatística, você deve
se lembrar dele, fizemos aquele trabalho quando cursamos análise
de dados juntas.
— Novamente: eu deveria ter prestado mais atenção nas
aulas. Lembro que você adorava o trabalho dele, mas isso é tudo.
— Ok, se você tivesse que imaginar esse homem, como seria?
— Branco, óculos redondos e sem graça, uma gravata azul-
marinho certinha. Meia-idade, talvez um pouco mais.
— Isso! É isso que eu imaginava também, quer dizer, algo
perto disso — afirmo enquanto procuro uma faca na gaveta para
cortar legumes que me aguardam na bancada da cozinha.— E se
eu te disser que ele é jovem, ou ao menos consideravelmente
jovem, e que eu o conheci alguns dias atrás?
— Por que você só está me contando isso hoje?!
— Lucy, minha vida não existe para além de fazer as vontades
de Malcolm Campanelli no momento, com essa questão das minas
da empresa, o homem parece estar trabalhando vinte e quatro horas
por dia, eu não lembro quando consegui chegar em casa cedo. Hoje
é o primeiro sábado que tenho para mim em semanas, e isso é
porque ele tem algum compromisso secreto sobre o qual
absolutamente ninguém sabe.
— Compromisso secreto? Gosto disso...
— Ninguém sabe o que é, aparentemente ele faz isso,
desaparece por um dia inteiro uma vez por mês. É o melhor dia do
mês— conto, sorrindo.
— Ok, mas e como você conheceu esse tal estatístico não sei
das quantas?
— Na festa no Metropolitan— explico enquanto começo a
picotar os legumes.
— Ainda não acredito que você foi mesmo nessa festa, eu
adoraria ter ido.
— Foi um tédio. Lucy. Juro. A parte mais emocionante foi
conhecer Albert Miller, e eu mal consegui conversar com ele porque
o insuportável do meu chefe nos interrompeu, e não é como se eu
fosse ter mais muitas oportunidades de encontrá-lo.
Encontrar Albert me deixou um pouco pensativa. O emprego
que nunca cheguei a fazer entrevista, no dia que fui contratada para
a Campanelli Diamantes, era na empresa dele. Fiquei pensando se
aquela não foi a oportunidade que o universo me deu de alinhar as
coisas, de voltar para o meu campo e deixar para trás toda essa
maluquice que é trabalhar com Malcolm Campanelli, mas, no fim
das contas, eu mal consegui falar com o homem.
— Savannah Armstrong. Você adora se vender mais barato
que o seu valor, amiga. Se você quiser mesmo encontrar com esse
homem outra vez, pode fazer isso. Assim como pode lidar com seu
chefe atual. Já vi as pessoas mais irritantes da face da terra serem
dobradas pela sua gentileza, você os mata com ternura.
— Obrigada por me ouvir, amiga, mas e você? Como estão as
coisas?
— Trabalho, mais trabalho, um terceiro encontro com aquele
odontologista.
— Parece promissor.
— É, minha mãe sempre sonhou que eu me casasse com um
médico, posso oferecer um odontologista— ela brinca, gargalhando.
— E você sabe que eu sou a garota do terceiro encontro, né? É
nesse que a gente sabe se vai para frente ou não.
— Se Alexa estivesse ouvindo essa conversa, ela estaria
revirando os olhos— comento. Lucy segue a regra de apenas dormir
com o cara no terceiro encontro, Alexa acredita que isso é uma
idiotice sem tamanho. Concordo com ela de que não existe um
número de encontros que determine quando o sexo deveria
acontecer, é o clima e o desejo que determinam essas coisas.
— A Alex revira os olhos para tudo— Lucy diz.— Ainda
estamos de pé para o lançamento do livro?
— Claro, amanhã, depois do brunch. Vou ligar para Alexa e
confirmar, te mando mensagem.
Dez minutos depois, meu telefone toca outra vez, e eu não
tenho tanta sorte quanto na ligação anterior.
"Peça um táxi e me encontre no aeroporto, vamos para
Botswana agora”, é tudo que meu chefe diz antes de desligar.
Ok, algumas coisas básicas sobre essa infernal viagem para
Botswana: ela deveria ter acontecido na semana passada, mas mil
outras coisas entraram na frente, Malcolm Campanelli é um maluco
de carteirinha que sempre precisa que tudo seja exatamente da
forma como ele idealizou que fosse e, por último, mas não menos
importante: eu morro de medo de aviões. O problema de tudo isso?
Bem, digamos que a coisa mais gentil que Malcolm Campanelli já
me disse foi um “obrigado” depois que entreguei a ele um relatório e
aquilo decididamente me chocou.
Usualmente, quando eu apareço na sala, ele nunca tira os
olhos do que está fazendo e diz “pode deixar aí”, às vezes ele até
acena com a mão, fazendo sinal para que eu saia.
É nesses momentos que eu repito o mantra que Lucy criou
para mim semanas atrás: Deus, me dê serenidade, porque eu
preciso continuar vivendo em Nova Iorque e preciso pagar meu
aluguel para isso. Às vezes nem esse mantra é poderoso o
suficiente, porque Malcolm está com um humor infernal. É o que
acontece quando alguém liga para o telefone dele e aparentemente
não diz nada. Isso aconteceu a semana inteira e, ontem, ele me fez
ligar para comprar uma nova linha telefônica.
De qualquer forma, voltando para a questão do avião: a única
forma de voar que eu conheço envolve um ansiolítico e uma taça de
vinho, e eu sei que isso não é saudável, mas é o que funciona para
mim. E estamos falando de voos de poucas horas, como do Texas
para Nova Iorque. Daqui para Botswana são mais de quatorze horas
de voo, e esse nem é o menor dos problemas, o maior problema é
que eu vou estar perto do meu chefe insuportável.
— Alexa...— digo quando minha amiga atende o telefone,
estou arrastando minha mala pelas escadas do prédio enquanto falo
com ela. — Preciso de ajuda. Estou prestes a embarcar no voo para
Botswana com o meu chefe.
— Você está ferrada— ela me diz. Ok, talvez eu devesse ter
ligado para Lucy e não para a minha amiga mais sincera e objetiva,
mas a melhor parte sobre Alexa é que você não precisa oferecer
contexto, ela imediatamente entende que eu não vou ficar bem
porque odeio aviões.— Savannah, presta atenção, você vai fingir
que está tudo bem, colocar um sorriso no rosto e tomar um sonífero
meia hora antes do voo.
— E se ele quiser conversar?
— Você não disse que ele mal fala duas palavras seguidas
com você? Por que ele mudaria justo hoje? Savannah, eu tenho que
ir...
— Não, Alexa, por favor...
— Só porque meu nome é Alexa você não pode ficar falando
comigo o tempo todo e esperando que eu responda, querida, eu
estou atolada até os cotovelos em documentos antigos, procurando
um argumento para o meu caso. A defesa da empresa está
tentando me enterrar em documentos inúteis e evitar que eu
encontre o que precise e, honestamente, meu assistente mal sabe
pedir um café.
Alexa está trabalhando há meses em um grande caso contra
uma farmacêutica que causou danos a clientes com o uso de
equipamento cirúrgico inadequado. As pessoas foram envenenadas
pelo material químico das peças, algumas precisaram de
quimioterapia e transplantes.
— Eu te mando o melhor café da cidade, consigo fazer com
que chegue aí em dez minutos— barganho. O local em que Malcolm
gosta que peça seu chá tem um café excelente e, nas últimas
semanas e como meu chefe é conhecido por ser exageradamente
irritado, as entregas sempre são feitas o mais rápido possível
quando uso o nome dele.
— Barganha. Gosto disso. Dois duplos. Você pode usar os
contatos do Malcolm e conseguir uma entrega do chefe Giovanni?
— Você já está abusando— digo, sorrindo. Chefe Giovanni é a
melhor comida italiana da área e conseguir uma mesa no
restaurante dele é um absurdo de tão difícil, exceto quando se é
Malcolm Campanelli, almocei lá duas semanas atrás e, desde então,
Alexa não para de falar disso.— Tudo bem, mas você vai ter que
quebrar um galho gigante.
— Quando eu não faço isso?
— Eis o problema: onde eu vou comprar um remédio para
dormir sem receita?
— Eu vou mandar alguém te levar alguma coisa, deixe comigo.
JFK?
— Isso, JFK — digo, confirmando o aeroporto.
— Certo. Boa viagem, me ligue quando pousar.
Entro no táxi, que demora mais de uma hora para chegar até o
aeroporto, e isso porque o trânsito não está ruim. Se a empresa não
estivesse pagando, eu teria que pedir um empréstimo para quitar
essa corrida. Assim que ponho os meus pés no aeroporto, recebo
uma mensagem de um número desconhecido “Pizza Palace, em
cinco minutos”. Quando chego lá, encontro uma garota de cabelos
violeta com um vestido floral, que fica me olhando.
— Savannah, certo?
— É.
— Alexa pediu pra dizer que você é uma vadia e que deve a
ela— a mulher diz, me fazendo sorrir. Então ela me entrega uma
sacola de papel e vai embora. Lá dentro, está um pequeno frasco
com medicação para dormir. Às vezes, eu tenho medo de perguntar
o que Alexa não conseguiria providenciar. Jogo o frasco fora e fico
apenas com o saquinho de medicação que coloco dentro da minha
nécessaire.
Caminho apressada para o portão que a companhia de
aviação me passou e percebo que é uma área restrita. Uma
segurança se aproxima e me revista de uma forma bastante
enérgica, o que me deixa nervosa. E se ela abrir minha bolsa e
notar a medicação sem prescrição, o que acontece?
— Acho que você já olhou tudo, não?— questiono.
— Você não vai querer que eu olhe novamente, vai? Melhore
sua atitude— ela responde.
— Algum problema aqui?— A voz de Malcolm ecoa atrás de
mim. Isso é bom, eu achei que ele já estava na aeronave e que eu
estava atrasada, fazendo-o esperar. Eu conheço pouco sobre esse
homem, mas sei que ele odeia esperar. E eu estou seriamente
tentando seguir o conselho de Arthur e não entrar para a lista de
pessoas que Malcolm Campanelli odeia.— Será que eu e minha
funcionária podemos passar e ter acesso ao meu jato?
— Me desculpe, senhor— um homem engravatado diz, se
aproximando. Ele pede desculpas novamente, mais umas duas ou
três vezes enquanto nos deixam passar. A segurança não parece
muito satisfeita, mas Malcolm não se importa. Ele realmente tem um
olhar de quem está acima do mundo, dos meros mortais e, em
momentos como esse, não é uma coisa ruim, pelo menos não para
mim.
— Bom dia, senhor Campanelli— desejo enquanto ele passa
por mim.
— Onde está sua agenda? Agenda da senhora Marshall? A
senhorita não trouxe?
— Bom, não..., mas...
— Então qual o seu propósito?
Ok, respire fundo, Savannah. Pense em coisas boas, pense no
Leonardo di Caprio naquela cena em que ele dança no navio em
Titanic, pense em Barack Obama sendo reeleito, pense no cheiro da
torta regionalmente premiada que a sua mãe faz, digo a mim
mesma. Pense que precisa continuar vivendo em Nova Iorque e
que, para isso, é necessário pagar aluguel.
— Todos os dados estão aqui— digo, apontando para o IPad
na minha mão— e na nuvem. Uma agenda não parecia muito...
— Ok, então— ele diz, me cortando.— Vamos embarcar.
Malcom anda por um corredor que parece infinito e então
estamos numa escada de acesso à aeronave. Ele faz sinal de forma
cortês para que eu entre primeiro e então aponta para um par de
poltronas que ficam uma de frente para a outra, separadas por uma
mesa. Ok, esse não é um avião comum, definitivamente não é a
classe econômica em que voava para casa nas férias de fim de ano
na época da universidade.
— Você pretende se sentar ou...
Deus! Como ele é irritante. Faço mentalmente uma lista das
coisas que tornam Malcolm insuportáveis: 1) Ele subestima a
inteligência das pessoas ao redor dele o tempo todo, já vi ele fazer
isso diversas vezes, é como se ele sempre esperasse por burrice. 2)
Ele é absurdamente arrogante e precisa ter a palavra final sempre.
3) Ele é confuso. O homem é educado com coisas como abrir portas
de carros e restaurantes para que eu passe, mas não me responde
um bom-dia. 4) Ele adora interromper os outros como se o que a
pessoa tem a dizer fosse totalmente desprovido de qualquer valor
ou ele fosse importante demais para ouvir aquilo.
É, eu poderia continuar, mas o capitão anunciou a checagem
dos motores ou coisa do tipo e hora de tomar um remédio. Estou
engolindo o comprimido quando Malcolm pede para ver as
anotações sobre Botswana que estavam no caderno da senhora
Marshall. Ok, eu lembro disso, só preciso achar em que pasta do
drive da empresa coloquei esse arquivo em específico. O avião
decola, e eu me seguro na poltrona com força. A última coisa que
quero é que Malcolm note que eu estou assustada.
— O que a senhorita sabe sobre Botswana?— ele questiona.
Gostaria que parasse de me chamar de senhorita, é estranho.
— Bom, sei que foi uma colônia britânica entre o século
dezenove e meados do século vinte, sei que já foi um dos países
mais pobres do mundo, principalmente pelo descaso da família real
inglesa. — Eu sempre faço um som de desprezo quando digo real, e
ele parece notar, porque me olha com curiosidade. Ok, Savannah.
Foque nisso, não no fato de que esse entulhado de metal está
subindo em alta velocidade.
— Problemas com a família real?
— Me serviram um chá que não era tão bom— respondo. Ok,
talvez o remédio esteja fazendo efeito, porque normalmente eu daria
exatamente esse tipo de resposta, mas não ao meu chefe, o que só
pode significar que estou perdendo um pouco das minhas
capacidades aqui. — O que mudou a realidade de Botswana foram
os diamantes. Um ano depois da independência, descobriram um
tubo de diamantes.
— Kimberlito. Um tubo de kimberlito.
— A rocha que pode ou não conter diamantes.
— É...— ele confirma.
— E porque a Diamantes Campanelli não está lá?
— Questões pessoais.
— E agora isso mudou?
— A senhorita faz muitas perguntas. Achou o documento?
— Sim. Aqui — digo entregando o tablet para ele. O avião fica
alinhado e a sensação ruim no meu estômago vai se acalmando.
Ainda é horrível, mas, em breve, a medicação vai fazer efeito e eu
vou poder dormir.
— Venha para cá— ele pede, me chamando para me sentar ao
seu lado na dupla de poltronas. Merda!— Quero que examine o
documento comigo. Nele há tudo que sabemos sobre o que fora
extraído antes. Você já leu quando estava digitalizando?
— Não tudo — confesso. Me levanto meio trêmula e me sento
ao lado dele. Vou lendo em voz alta, faço isso por um bom tempo. A
Diamantes Campanelli tinha uma iniciativa 50-50% com o governo
local e o controle de duas das quatro grandes minas do país. Na
década de 70, quase 25% de todo o diamante do mundo foi
encontrado lá.
Continuo lendo, e Malcolm faz algumas anotações, depois de
um tempo, ele começa a ler no meu lugar. Vou me sentindo cada
vez mais sonolenta enquanto ele lê. Fecho meus olhos algumas
vezes, mas me forço a abri-los. Então eu acordo e estou dormindo
no ombro de Malcolm, nem sei há quanto tempo, me ajusto
assustada e olho para ele, que está concentrado, olhando para o
material no tablet.
— Meu Deus! Sinto muito, me desculpe, eu...
— Você babou no meu terno.
— Eu não sei onde enfiar a minha cara. Onde é a porta, acho
que preciso pular do avião.
Malcolm sorri. Na verdade, ele gargalha. Olho para ele um
pouco incrédula.
— Não é pra tanto— ele diz. Eu me levanto para mudar de
lado da poltrona e então há uma pequena movimentação na
aeronave, o suficiente para me lembrar que estamos dentro de uma
porcaria de pássaro de metal voando a mais de mil quilômetros por
hora. Eu me desequilibro um pouco e meu chefe me segura pelo
braço, me mantendo no lugar. O toque da sua pele na minha é
quente e, por alguns segundos, o resto desaparece e há apenas
essa sensação.
— É melhor se sentar antes que se machuque
— Me desculpe, de verdade— digo, me sentando do outro lado
da poltrona.
— Sem problemas. Agora, se você me permitir, eu gostaria de
continuar a minha leitura. De preferência, sem ninguém babando no
meu terno.
Eu durmo por quase toda a viagem. Quer dizer, honestamente,
no começo, eu finjo dormir, porque não quero ter que lidar com
Malcolm, mas, no final, acabo pegando no sono. Talvez eu esteja
tão embaraçada que tenha finalmente superado meu medo de
aviões. O constrangimento de ter dormido no ombro dele venceu
esse medo.
— Savannah...— uma voz me chama. É uma mulher tocando
em meu ombro, e eu abro os olhos lentamente para ver a
comissária de bordo.
— Ela acordou— a voz de Malcolm diz.— Tomei a liberdade de
pedir o jantar por você.
Eu agradeço meio sem graça enquanto a mulher me serve,
mas preciso me levantar e ir ao banheiro antes de comer qualquer
coisa. Preciso conferir minha cara e liberar um xixi que estou
segurando desde o outro continente. Ando me segurando pelas
poltronas com medo de uma turbulência e então noto que estou
tentando parecer apresentável.
— Merda!— digo a mim mesma. Mando uma mensagem para
Lucy dizendo “Adivinha quem é idiota e dormiu no ombro do chefe
durante a viagem” E então minha amiga responde dizendo: “Eu
adoraria dormir no ombro desse homem, amiga. Ele pode ser
insuportável como você diz, mas que insuportável gostoso”.
Fico rindo e me sinto menos idiota por estar preocupada com a
minha aparência. É uma reação normal perto de alguém tão bonito
quanto Malcolm, deve ser. Não é nada pessoal.
Seja profissional, digo a mim mesma enquanto caminho de
volta. Como meu jantar de frente para Malcolm, que também está
fazendo sua refeição.
— Sabe, senhor Campanelli, pelo que li, bem, isso antes de
dormir, claro, me parece que o trabalho que o seu pai fez aqui era
muito bom. A empresa gerava empregos, sem contar com o fato de
que parte do rendimento voltava para os cofres públicos e ajudou a
construir escolas, estradas, levar água para as moradias,
principalmente na zona rural— afirmo sonolenta.— Não era isso que
deveriam estar fazendo no Congo?
— O que sabe sobre nosso trabalho no Congo?
— Que tem entraves políticos e esbarra na corrupção local. Eu
li sobre as acusações.
— É, estamos tentando resolver isso — é o que ele me diz.
— Eu sempre fui apaixonada por números, mas o que essa
empresa fez pelo Congo é mais que lucro, é um tipo de receita que
permitiu o crescimento do país. Anos e anos de domínio da coroa
inglesa, e eles tinham o pior desempenho econômico. Há uma lição
importante aqui.
— E qual seria?
— Que os números são importantes, mas que o que se faz
com eles é ainda mais importante. O Congo poderia ter outra
realidade.
— Não é tão simples de resolver, aqui...
— A fome se juntou com a vontade de comer. Enquanto, no
Congo, o governo é amigável como uma formiga-de-fogo.
— O quê?
— É um ditado da minha cidade natal.
— É um ditado bem estranho. Formigas-de-fogo?
— O pior tipo de formigas. Nova-iorquinos não sabem o que é
isso— digo.
— Terminou com as analogias estranhas?— ele questiona,
olhando para o relógio.— É bom terminar de comer, vamos começar
a pousar em vinte minutos.
 

 
Em um minuto, estou falando sobre números e projeções e, no
outro, a cabeça da minha assistente pessoal está encostada no meu
ombro. Meu primeiro instinto é acordá-la, mas notei que ela estava
nervosa desde que entrou no avião e talvez estivesse fazendo o
máximo para que eu não percebesse. Então, deixo que durma.
Apenas afasto gentilmente sua cabeça do meu ombro, as poltronas
do jato são grandes o suficiente para que não seja desconfortável
dormir, então suponho que ela estivesse bem.
A assistente pessoal não acorda nem mesmo com o barulho
deliberado feito pela comissária ao me servir ou quando meu
telefone vibra perto do corpo dela.
Retiro o aparelho do bolso interno do meu smoking
cuidadosamente e troco algumas mensagens com o geólogo local
que irá nos acompanhar durante uma das visitas técnicas à mina,
ele é funcionário do governo da Botswana e seu parecer é
importante para reabertura da mina, caso esta seja minha decisão.
Mas, no fim do dia, eu sei que é muito mais uma formalidade do que
qualquer outra coisa. Leio por horas enquanto Savannah segue
dormindo, vira e mexe ela volta para o meu ombro, afasto-a
novamente, até que desisto de tentar e deixo que ela fique no meu
ombro, não é como se ela estivesse, de fato, me incomodando.
Encosto a cabeça e fecho os olhos. Não consigo dormir. Às
vezes, eu simplesmente não consigo dormir. Principalmente quando
alguma coisa muda na minha vida, por menor que seja. A mudança
atual não é tão pequena, claro, foi a primeira semana sem a
senhora Marshall diariamente em minha vida. Ela está bem, saiu do
hospital, está se recuperando bem, até fui visitá-la em sua casa,
mas não demorei muito. Havia, sempre há, muito o que se fazer no
trabalho, e eu precisava me acostumar com a ausência dela. Parte
da minha insônia é também referente a um sonho recorrente, um
sonho que me faz não querer dormir. Cada cena do sonho parece
real demais, mesmo com as mudanças absurdas que são comuns
ao sonhar, às vezes sou um garotinho, às vezes um adolescente, às
vezes sou exatamente quem sou. Seja como for, seja qual a versão
de mim está protagonizando o sonho, em um dado momento, há
uma recorrência: é sempre o dia em que minha mãe foi embora.
Volto a ler na tentativa de me cansar, talvez a exaustão me
garanta um cochilo sem sonho. Uma comissária de voo se aproxima
após meu sinal e então peço uma dose de uísque, ela comenta
sobre o sono de Savannah, apenas ofereço uma tentativa de
sorriso, mas, honestamente, não estou com paciência para
conversar com ninguém. Só quero terminar minha leitura e talvez
dormir um pouco. Leva mais um tempo até que o meu corpo se
renda ao sono, mas, quando isso finalmente acontece, quando
começo a me sentir sonolento, estou feliz por poder fechar meus
olhos um pouco.
Durmo por algumas horas e então acordo e encaro as luzes
amareladas acima da minha cabeça, olho para o lado e vejo que
Savannah continua em cima do meu ombro, agora quase que
aninhada, ela fala dormindo, não sei bem o que fiz, mas fala. Noto
seu rosto relaxado enquanto ela dorme, Arthur tem razão, ela é
bonita. A pele negra, os lábios pequenos, um nariz pontiagudo,
cílios longos, os cabelos estão espalhados por todos os lados.
— Gostaria de jantar agora, senhor Campanelli?— a mulher
com vestes da companhia de aviação pergunta.
— Quero. Você pode me trazer um vinho tinto e tonarelli à
carbonara— afirmo.
— E a sua acompanhante? Acha que ela vai comer alguma
coisa?
— Bem, você pode pedir a mesma coisa — respondo.—
Comece trazendo o vinho.
A mulher desaparece para atender ao pedido e então tento
chamar Savannah algumas vezes, mas evito tocá-la. Até que ponho
minha mão em seu ombro gentilmente e tento fazer com que ela
acorde. Não há resposta.
— Precisa de ajuda?— a comissária questiona, eu mal tinha
notado que ela estava de volta.— Qual o nome da sua namorada?
— Ela...— A quem isso interessa de fato? Não a corrijo.—
Savannah, o nome dela é Savannah.
— Ok!— Ela toca no braço de Savannah e balança-a de forma
nada gentil. A mulher abre os olhos castanhos e me encara. Os
lábios ficam brancos quando ela parece me notar.
— Ela acordou— afirmo para que a mulher pare de sacudir
minha assistente pessoal.— Vamos, acorde.— Movo os meus olhos
de Savannah para a outra mulher parada perto de mim e dispenso-
a, ela vai embora, mas posso sentir que ainda está nos olhando.
Savannah me pede desculpas algumas vezes depois disso e
parece extremamente constrangida com o acontecido. Em resposta,
apenas falo sobre como meu terno está sujo pelo fato de que ela
dormiu tanto que chegou a babar, digo que não é necessário se
desculpar, não é mesmo. Em vez disso, conto que escolhi o jantar
por ela.
O restante do voo, que não leva muito tempo, é extremamente
silencioso. Savannah volta para o seu lugar do outro lado da mesa e
parece tensa enquanto o avião pousa, mas, assim que isso,
acontece parece retornar a sua versão animada e sorridente.
Entendo sua animação quando ela comenta que é a primeira vez
que saí dos Estados Unidos. Botswana é um bom lugar para
começar a explorar o mundo, penso ao ouvi-la falar, mas não digo
isso a ela.
Botswana é um lugar incrível. Estive aqui pela primeira vez há
mais de quinze anos, com meu pai. Um pouco antes de ele me pedir
para assumir os negócios. Naquela época, havia um medo gigante
de contaminação com AIDS, porque o país tinha um índice de
contaminação altíssimo. Isso não mudou de fato, mas o medo
ganhou outras proporções, a doença não é mais vista como uma
sentença de morte e as pessoas são menos histéricas. De qualquer
forma, eu gosto do lugar, gosto do clima semiárido, do fato de que
mais de oitenta por cento do território ser ocupado pelo deserto, da
diversidade de vida selvagem.
Somos recepcionados por uma equipe de segurança em jipes.
Há toda uma equipe nos esperando, engenheiros da Diamantes
Campanelli, técnicos de segurança do trabalho, e Jackson, o cara
com quem Savannah conversou na festa semanas atrás. Descobri
que ele é o geólogo responsável pela análise técnica para o governo
da Botswana. O homem é um grito de mal gosto, excesso de joias,
de gestos, de tudo. Ele cumprimenta Savannah imediatamente após
apertar minha mão, beijando-a no rosto duas vezes, as mãos nas
costas dela guiando pelo caminho até os carros.
Nossa primeira parada no roteiro é justamente essa, avaliar as
minas. As malas seguem para o hotel, mas a minha equipe, com o
geólogo, segue para avaliar as minas.
— O senhor deveria usar um chapéu, senhor Campanelli—
Jackson me diz.— E talvez sair desse terno antes de entrar na
savana.
Savannah gargalha, e o homem entende a razão e faz o
mesmo. "Entrar na savana". Claro, estou preso com dois
adolescentes. Eu deveria reclamar, lembrá-los de serem
profissionais, mas está quente demais e eu nem mesmo estou com
disposição para isso.
— Estou bem assim— digo.— Podemos ir, motorista.
— Já conhecia o país, Savannah?— Jackson questiona.
— Não. Eu nunca saí dos Estados Unidos.
— Não acredito, uma pessoa como você deveria ter mais
oportunidades de ver o mundo.
“Uma pessoa como você”. Esse é o tipo de homem que eu me
orgulho de não ser. Como exatamente ele entende isso como
elogio? Ela é bonita demais e deveria ter visto o mundo como
recompensa? Que lógica perturbada é essa? Homens são idiotas,
no geral, eu sei que tenho meus defeitos em diversos aspectos, mas
ao menos não nesse.
Vamos nos afastando da cidade e entrando na savana, a vista
é ainda mais bonita do que eu conseguia lembrar.
— As árvores, a relva, tudo parece ser pintado à mão—
Savannah diz.
— Está mais bonita hoje, talvez esteja tentando competir com
você— ele afirma.
Ignoro os cochichos e risos entre os dois e foco na passagem.
Ela tem razão, tudo parece pintado à mão, nos mínimos detalhes. O
laranja do chão, os tons do céu. Quando eu estava no internato em
Berna, na capital da Suíça, eu ficava impressionado com um rio que
cerca algumas das ruas principais, uma água de um tom tão verde
que me deixava fascinado. Em alguma medida, isso aqui tem a
mesma imensidão e causa o mesmo tipo de fascínio. São paisagens
opostas, mas incrivelmente impressionantes.
— Quando foi a última vez que o senhor veio na mina?— a
engenheira questiona. Tiro meus olhos da vista pela janela e encaro
a mulher sentada ao meu lado, penso na última vez em que estive
nessa mina, foi quando meu pai decidiu fechá-la. Ele já apresentava
os primeiros sinais da doença, ele já sabia que estava doente e
simplesmente estava lidando com tudo sem me contar. Ele me criou
para ser forte onde ele não pode ser, da forma que não pode ser,
mas sempre considerei que o fato de não ter me contado sobre sua
doença indicava que não acreditava que tinha tido sucesso na forma
de me criar. Ele estava enganado.
— Alguns anos atrás, quando a empresa decidiu que fechar a
mina era o melhor.
— Deve ter significado uma grande redução de produção— ela
observa.
— Uns vinte ou vinte e cinco por cento.
— E o senhor Campanelli recuperou isso no primeiro ano que
assumiu a empresa— outro funcionário comenta. É verdade, eu
realmente fiz isso.— E quebra recordes todos os anos.
— Chegamos!— o geógrafo grita animado, fico contente de
saber isso, não quero ouvir meus funcionários me elogiando, é o
tipo de elogio que você nunca sabe se é verdadeiro ou não. E
mesmo que fosse verdadeiro, como um ego gigante me adiantaria
de alguma coisa enquanto empresário?
A entrada da mina é uma fortaleza, desde que deixamos de
explorar, aumentamos a segurança em quase o triplo. A razão é
muito simples, o roubo de diamantes em minas é um problema
antigo e crescente. Temos analistas de inteligência eoficiais de
segurança em campo o tempo todo para garantir a preservação dos
recursos. É difícil saber o quanto há de dinheiro em uma mina como
essa, mas o investimento em segurança vale a pena.
Nos equipamos em preparação para entrar na mina. Savannah
pergunta se pode ir junto, o que parece surpreender todo mundo na
equipe. Algumas pessoas têm ressalvas, mas aceno, concordando.
Ela já está aqui, afinal de contas, e temos toda uma equipe de
segurança do trabalho que esteve aqui antes e garantiu que a mina
era segurança para uma visita.
— Não se preocupe, é só ficar perto de mim— Jackson diz
— Não estou preocupada— Savannah responde. Ela se afasta
um pouco dele e pergunta para mim sobre de que forma pode ser
útil.
— Vou dizer se precisar que registre algo— respondo. Ela
parece incomodada com algo, mas honestamente não me importo o
suficiente para gastar meu tempo. Apenas volto minha atenção para
o que estou fazendo e começo a entrar na mina sendo guiado pela
equipe técnica.
A mina parece estar em perfeitas condições, toda a iluminação
funciona bem, os trilhos, o equipamento de segurança, é isso que
um dos técnicos vai informando.
— Tudo parece perfeito, senhor Campanelli, o maior desafio é
conseguir pessoal considerando que a concorrência tem a maior
parte da força de trabalho— a engenheira informa.
— Podemos oferecer melhores condições— afirmo.
— É, mas o senhor deveria saber que as pessoas aqui prezam
por estabilidade. Elas podem viver por anos em um emprego ruim,
pois isso significa ter comida na mesa todos os dias. Um emprego
bom e temporário não significa muita coisa.
Entendo o que ele está dizendo, quando você trabalha em
países pobres, principalmente no continente africano, é fácil ser
seduzido pela ideia de burlar as leis, ou, às vezes, a falta de leis
permite que o empresário trabalhe de forma desumana. Meu pai
tinha um concorrente que enfrentou sérios problemas judiciais por
maus-tratos a funcionários em suas minas na Tanzânia. A questão é
que esse homem tem uma função específica aqui, construir um
parecer sobre as condições de mineração e repassar aos chefes
deles, não avaliar a situação da contratação de pessoal na minha
empresa.
— Não é temporário— afirmo— E essa conversa
definitivamente não é pra você.
O homem resmunga alguma coisa se inclinando em direção a
Savannah, e então eu digo que é hora de encerrar. Peço para que
um dos carros o leve embora e então sigo com a minha equipe para
a cidade. Os engenheiros vão ficar aqui se o acordo com o governo
amanhã der certo, eles vão ficar lotados no país por algum tempo
até que seja definida uma equipe de exploração fixa.
Quando estamos entrando nos veículos para retornar, Jackson
se aproxima de mim.
— Vamos esperar que corra tudo bem para que possamos
seguir com assuntos mais prazerosos— ele me diz e então olha
para Savannah. O homem estende a mão para que eu aperte,
apenas acena e digo que nos vemos em breve, então passo por ele
e entro no carro.
— Se me permite dizer, não deveria ter sido grosseiro com
aquele homem— Savannah me diz quando ficamos sozinhos,
estamos entrando na casa que ficaremos hospedados. Olho para
ela e estou um tanto sem paciência, eu deveria ter sido mais rígido
com ela também, por todos os cochichos.
— Atrapalhei a sua diversão?
— A minha diversão?— ela questiona sem entender, mas
rapidamente muda de expressão— Ah, o senhor deve estar se
referindo ao fato de que não cortei as investidas dele?
— O que você faz da sua vida pessoal não é problema meu,
contanto que não interfira no seu trabalho. Te disse isso antes.
— Eu não estava me divertindo. Uma mulher com bom senso
não se diverte ouvindo um homem elogiá-la o tempo todo por
atributos que não requerem nenhum mérito. O senhor não sabe
nada sobre mim, então vou lhe oferecer uma informação: eu prefiro
quando as pessoas elogiam o que realmente importa para mim,
minhas decisões, meu cérebro. Eu deixei que ele achasse o
contrário? Talvez. Aquele homem é afilhado do presidente, ele tem
poder para buzinar no ouvido do líder do país e decidir alguma coisa
que pode prejudicar a operação da Diamantes Campanelli, eu não
queria ser a razão pela qual algo deu errado.
— Sabe o que buzina nos ouvidos das pessoas, Savannah?
Dinheiro!— respondo.— Nada soa tão alto quanto.
— Não é verdade. Dinheiro não é tudo, não resolve tudo e
algumas pessoas têm mais orgulho do que ganância, acho que o
senhor deveria saber disso melhor do que a maioria.
— O que você quer dizer com isso?
— Não quero dizer nada— ela afirma.— Eu não deveria ter
dito nada, e se o senhor me der licença, eu gostaria de tomar um
banho.
— Você pode ficar na ala leste da casa, vai ser melhor para o
seu emprego se eu não puser meus olhos em você nas próximas
horas. Eu sabia que te contratar tinha sido um erro— digo, me
afastando. Não acredito que ela me chamou de orgulhoso. Essa
mulher trabalha comigo há algumas semanas e, por alguma razão,
acha que pode me dizer isso? Eu deveria demiti-la, na verdade, não
estou convencido de que não vou fazer isso.
Tomo um banho e então atendo uma ligação de Arthur por
vídeo, meu primo deveria estar nessa viagem, deveria estar
pensando em como vamos lidar com as relações-públicas
envolvendo a decisão de fechar a mina no Congo e abrir essa de
volta, mas, como ele tinha outras questões mais importantes em
Nova Iorque, estamos tentando viabilizar essas questões de forma
remota.
— Que horas são aí?— Artur questiona quando terminamos a
reunião.
— Oito da noite.
— Vá jantar, saia dessa casa, tome alguma coisa, dance.
— Às vezes eu acho que você não me conhece, Arthur.
— Eu já te vi dançar antes, claro que você estava bêbado, mas
você é um bom dançarino. Você sabe que esse acordo não é tão
complicado, é só uma questão de estabelecer a barganha certa,
então saia da casa, aproveite um pouco.
— Não há a menor chance de que isso aconteça. Além disso,
não sei se o acordo está tão seguro assim. Eu posso ter sido pouco
cordial com o afilhado do presidente hoje cedo.
— Você? Duvido! Você é sempre tão gentil e acolhedor— meu
primo diz, gargalhando.— Você é o melhor presidente que essa
empresa já teve, Malcolm, sério. As pessoas que conseguem te
dizer não no mundo dos negócios podem ser contadas nos dedos
de uma só mão.
— Não sei...
— Você sabe, claro que sabe. E agora que eu já massageie
seu ego, por favor, vá ao menos jantar e saia da frente do
computador. Onde está sua assistente pessoal? Peça para que ela
agende alguma coisa boa.
Uma voz feminina soa perto de Artur e ele me diz que o dever
o chama. É típico dele estar em casa com uma mulher enquanto
deveria estar trabalhando, mas a questão sobre Arthur é que ele
sempre entrega o que precisa entregar, mesmo que não seja uma
pessoa que realmente ama o que faz.
Levanto-me do quarto e aciono um dos empregados da casa.
Essa propriedade é da minha família há mais de meio século e
ainda assim eu mal a conheço. Pergunto pelo jantar e uma mulher
me oferece algumas opções para escolher.
— Você viu a minha assistente?
— A moça foi para a cidade, um homem veio buscá-la, ela
perguntou sobre o que tem para fazer e foi...— Deixo a mulher
falando sozinha e aciono meu chefe de segurança querendo saber
que Savannah foi acompanhada por algum dos seguranças. Um
homem veio buscá-la. Jackson não é de confiança, definitivamente
não é.
— Não, senhor Campanelli— o homem me responde—,
oferecemos uma escolta, mas ela disse que não precisava e como o
senhor não tinha repassado nenhuma ordem específica antes...
— Chame um carro. A última coisa que eu preciso é que
aconteça alguma coisa com uma funcionária minha aqui, seria um
escândalo.
— O senhor vai junto?
— Sim.
Tento o telefone de Savannah, que simplesmente não
funciona, então vamos para o centro e exploramos alguns lugares
mais comuns nos quais ela poderia estar, mas é como procurar uma
agulha em um palheiro. Depois de algum tempo, um dos
seguranças aparece com uma informação e então vamos até uma
praça que tem um monumento dos três chefes. O monumento é
composto por três estátuas históricas que foram esculpidas por
artesãos norte-coreanos e representam Chefe Khama III de
Bangwato, o Chefe SebeleI de Bakwena e o Chefe Bathoen I de
Bangwaketse, autoridades de grande importância no processo de
independência e desenvolvimento da Botswana, quando vim aqui
com meu pai, essa foi a única coisa que vimos que não dizia
respeito ao trabalho.
Uma mulher diz que alguém com a descrição de Savannah
estava por lá há apenas alguns minutos, então olho para o outro
lado da rua e vejo minha assistente pessoal com uma taça de vinho
na mão sorrindo enquanto assiste a uma apresentação musical. O
vento está balançando seus cabelos e ela sorri, movendo a saia do
vestido, tentando acompanhar o ritmo da dança. Ela parece
relaxada, feliz, e eu deveria estar menos irritado ao ver que nada
aconteceu com ela, mas só consigo pensar em como ela é pouco
profissional.
Agradeço à mulher e vou até Savannah.
— O que você está fazendo?— questiono. Ela desvia o olhar
do grupo se apresentando no meio da rua e então me encara.
— Assistindo a uma apresentação de dança— ela me
responde e então solta uma risada.— É sobre Lowe, o Deus criador.
Diz que os primeiros seres humanos foram retirados por ele de um
buraco de três a quatro metros de profundidade, perto do leito de
um rio. E que até hoje, na rocha que circunda o buraco, podem se
ver as marcas, gravuras de pegadas tanto dos homens quanto dos
animais que saíram dali, vestígios de que eles estiveram ali, de que
a vida nasceu naquele lugar. E sabe o que aconteceu com Lowe?
— Não, mas tenho certeza de que você vai me contar—
afirmo, um tanto sem paciência.
— Ele ficou tão desapontado com as criaturas que criou,
principalmente com os humanos, que entrou no buraco e nunca
mais voltou.
— É uma ótima história, mas o que eu preciso saber é se você
está bêbada.
— Não de propósito, acho que fui enganada pelos nomes dos
drinks.
— Ok, você vem comigo. É perigoso ficar aqui...
— Na verdade, estatisticamente falando, essa é uma das
cidades mais seguras de todo o continente africano — ela observa.
— Não sei se é verdade, então vou ter que acreditar que a
senhorita tem razão, ainda assim, ficaria mais tranquilo se viesse
embora comigo.
— Isso o deixaria tranquilo? Não acho...quer dizer, acho não,
tinha esquecido que o senhor não gosta dessa palavra, não acredito
que seja verdade. O senhor não saberia como ficar tranquilo. Talvez
seja impossibilitado da capacidade de relaxar.
— É— concordo, porque ela não vai lembrar de nada disso
amanhã ou pelo menos não vai querer lembrar o que, para mim,
honestamente, dá no mesmo.— Você tem razão, eu não sei como
relaxar, agora vamos embora antes que perca o resto da minha
paciência e te demita.
— Sabe qual foi o problema do tal Lowe? É que ele exigiu
demais das pessoas— Savannah me diz.— Ele me faz pensar em
você.
— Onde você quer chegar com isso? Vai me dizer que vou
ficar sozinho em um buraco?
Savannah me encara e toma o resto do conteúdo do seu copo,
o que é definitivamente a pior ideia de todas, considerando que ela
já está bêbada. Ela bebe de uma vez como se fosse coragem
líquida, e então me responde:
— Talvez o senhor já esteja.
Um garçom passa com uma bandeja, e Savannah se move e
pega um novo drink. Chamo-a novamente para ir embora, mas ela
se nega a vir comigo, então eu me aproximo um pouco. Não tenho
paciência para isso, nem mesmo quando estava na faculdade, tinha
saco para lidar com pessoas embriagadas. Quantas vezes tive que
fazer isso por Arthur? Perdi as contas das vezes que o levei para
casa quando ele passava dos limites. É por isso que eu não bebo
além de algumas doses de uísque, beber é outra forma garantida de
perder o controle.
— Eu não posso em sã consciência te deixar aqui, então
preciso que colabore ou vou pedir pra que um dos seguranças te
carregue.— Meu celular começa a tocar, e eu pego-o do bolso sem
paciência, é mais uma vez uma daquelas chamadas em que
ninguém diz nada do outro lado da linha, isso, somado ao fato de
que Savannah deve estar querendo testar a minha paciência, me
deixa decididamente irritado.
Pego Savannah pelo braço e então começo a andar, trazendo-
a comigo. Ela cede inicialmente, mas, quando estamos chegando no
carro, simplesmente para de andar. Ela se vira de uma vez e a
bebida em seu copo cai toda por cima da minha camisa.
— Sinto muito!— ela diz, levando a mão livre até a boca.
Savannah contém uma risada e eu pego o copo vazio de sua mão.
— Apenas entre no carro— digo, irritado. Ela faz o que eu
peço e então entro também. Estou sentado de frente para ela na
limusine e começo a desabotoar minha camisa, o que, por alguma
razão, ela acha engraçado.— Isso é extremamente malcheiroso.
— Malcheiroso — ela repete, estalando a língua.— Você não
pode falar fedorento?
Não digo nada, a última coisa que preciso é dar um sermão em
uma pessoa fora de si, isso não vai funcionar. Savannah se move do
banco dela para o meu e segura minha gravata, então começa a
soltá-la.
— Eu tenho uma teoria...
— Claro que tem. Você sempre parece ter muitas.
— Minha teoria é...pessoas muito bonitas podem ser
insuportáveis porque, quando a outra pessoa olha para ela, não
consegue ver a segunda parte, só enxerga a beleza. Acho que é
isso que acontece com você, as pessoas só pensam “Deus, como
ele é bonito” e esquecem que você é na verdade...
— Insuportável— adiciono.
— Isso!— Ela toca o meu peito, a mão na parte molhada da
minha camisa, e então gargalha.
— Meu Deus, como você é duro, é como uma pedra de
mármore— ela bate a ponta dos dedos no meu peito outra vez—,
talvez você seja feito de metal, tipo Tony Stark com aquele...como é
mesmo o nome? Separador de partículas no peito. Ou o homem de
lata do mágico de oz.
— Ok, isso é ótimo. Excelentes teorias, todas elas. Sabe o que
também é uma boa teoria e com provas práticas? Cintos de
segurança. Que tal você colocar o seu?
— E então você é confuso. Você me odeia, odeia o meu
trabalho e acha que tudo que eu faço está errado, deixando claro
que queria a senhora Marshall de volta, mas faz coisas como
preocupar com o cinto de segurança...
— Só não quero que você morra sob minha responsabilidade
— digo.
O carro chega na casa, e eu ajudo Savannah a desembarcar,
um dos seguranças a carrega para dentro, e eu termino de
desabotoar a camisa molhada enquanto acompanho o homem até o
quarto onde ele deixa Savannah,então peço para que volte para o
seu posto. Ela se senta na cama depois de dar algumas voltas
cambaleantes pelo local, seja o que ela tomou, era extremamente
forte.
Aciono uma das empregadas da casa para ajudar Savannah,
observo enquanto ela passa a mão nos cabelos e então me encara,
mordendo o lábio, os olhos se estreitam,e ela fica subitamente muito
séria.
— Garanta que ela não vomite em si mesma nem em nada do
tipo— peço. Caminho de volta para o escritório da casa e tento me
concentrar na reunião que tenho no dia seguinte, isso é importante
para empresa e deveria ser a única coisa na minha cabeça no
momento, mesmo assim, de alguma forma, vira e mexe, me pego
pensando nas palavras Savannah sobre ficar sozinho.
 

 
Eu acordo com a cabeça doendo e com um gosto amargo na
boca. Na noite passada, eu tive um pesadelo terrível, sonhei que
estava bêbada e que tinha me comportado de uma forma que, em
sã consciência, nunca faria em frente ao meu empregador. Olho
para o teto branco e noto que não o conheço, esse não é o meu
teto. Me sento na cama agitada e percebo onde estou: a casa da
família Campanelli na capital da Botswana.
Imediatamente sou percorrida por uma sensação estranha e
percebo que existe a chance de que tudo aquilo não tenha sido um
sonho. Fecho meus olhos e tento me concentrar na noite passada,
não lembro bem das coisas. Eu estava chateada com meu chefe,
muito chateada pela forma absurda como ele me trata. Pelo fato de
que ele faz com que eu me sinta ruim no meu trabalho, inadequada.
Lembro de Jackson acariciando minhas costas durante todo o
trabalho na mina, dele tentando sempre me tocar enquanto
estávamos sentados lado a lado no carro e do fato de que ele veio
até a casa me buscar para jantar. Eu não teria saído com ele se não
estivesse tão frustrada com Malcolm e precisasse de um pouco de
ar, eu disse a ele que precisava me distrair um pouco.
Aparentemente, ele entendeu errado.
No restaurante, ele escolheu uma bebida para mim e depois
ficou insistindo em fazer o mesmo com a comida.
Lembro-me de pensar: “Por que eu estou sendo paciente com
esse homem quando o próprio Malcolm não se importa em agradá-
lo para conseguir essa liberação?”
— Você é tão linda — Jackson me disse. Ele não pretendia
perder tempo, eu, por outro lado, só estava tentando ter companhia
para jantar e talvez explorar um pouco a cidade. — O que você acha
de comermos sobremesa em outro lugar? Só eu e você?
— Prefiro ficar por aqui, ver mais da cidade.
Eu poderia dizer sim para Jackson, talvez sexo fosse o
necessário para sanar minhas frustrações com relação a esse
emprego, com relação a Malcolm. Eu poderia dizer sim, sair de lá e
transar com ele, não precisava do romance, da corte, não que ele
pareça o tipo de homem que faça nada disso. Jackson parece
autocentrado demais para pensar em algo que não seja a própria
satisfação. Ainda assim, disse não. Ele ficou chateado, claro, me
chamou de provocadora, mesmo com um sorriso no rosto e uma
falsa ideia de que estava apenas brincando.
— Esse contrato é importante para o meu chefe, e eu não
quero atrapalhar, misturando as coisas — expliquei.
— Você é secretária dele, não advogada. Não se dê tanta
importância — ele me responde, perdendo de vez a falsa educação.
— Você é bonita, mas esse joguinho de charme não funciona
comigo.
— Não estou fazendo joguinho. O fato de que eu ri das suas
piadas ou não te interrompi nas vezes que tocou meu braço não
significa que você tem um passe livre comigo. Estar aqui jantando
com você não significa que vamos transar. Estamos jantando, é só
isso. Na verdade, estávamos jantando. Obrigada pelo jantar,
Jackson — falei, irritada, eu já tinha engolido sapos demais para o
dia, não precisava de mais aquilo. — Eu tenho que ir porque, bem...
eu não quero mais ficar aqui e não sou obrigada a ficar.
Saí do restaurante, atravessei a rua e fui para um parque. Seja
lá o que tinha na minha bebida era extremamente forte. Não
costumo ser fraca para bebida, mas aquilo era de outro nível, doce,
muito saboroso e forte, muito forte. Passei um pouco e então fui
para um barzinho com música ao vivo, pedi uma mesa e uma nova
bebida, depois mais outra. Lembro-me de assistir à apresentação de
dança que contava uma história de um Deus que tinha criado as
pessoas e os animais e se decepcionado com elas, lembro-me de
pensar sobre como o mundo é rico em teorias sobre a criação e
como todas elas são poéticas. E isso é tudo que me lembro de
forma coerente, o resto é flashes.
Levanto-me da cama e estou usando apenas uma camiseta e
calcinha, não sei como entrei nessa roupa, não sei quem me
colocou na cama. Eu achei que dormir no ombro dele tinha sido meu
fundo do poço, mas é claro que eu tinha que fazer algo pior, eu tinha
que fazer algo totalmente fora de quem sou, totalmente destoando
com a minha personalidade.
Tudo que eu queria era pegar minhas coisas e ir embora para
casa, mas nem isso eu posso fazer, porque estou em outro país, em
outro continente. Quero ligar para Lucy ou para Alexa, quero ligar
para a minha mãe. Droga! Eu vou ser demitida, na verdade, eu vou
precisar pedir demissão e mudar de país depois disso, porque voltar
para o Texas não seria longe o suficiente.
Tenho essa vaga lembrança de ter dito alguma coisa ao meu
chefe, algo extremamente inapropriado. Tomo um banho, me visto e
tento não parecer com alguém que está sendo atravessada por uma
ressaca moral. Malcolm está tomando café da manhã numa mesa
que parece quilométrica, eu caminho devagar, me sentindo como
um rato que sabe que está caminhando até uma ratoeira. Ele está
bem-vestido, como sempre, a barba arrumada, um jornal na mão e
uma torrada na outra. Olho para a camisa dele e sou acertada por
uma nova lembrança, eu estava tocando no peito dele? Deus!
Talvez eu possa dizer que algum tipo de espírito estava me
possuindo naquele momento.
— Bom dia! — afirmo timidamente. Malcolm levanta os olhos
do jornal e me encara. Ele está com o rosto bastante avermelhado
do sol, o que me faz pensar em Jackson.
— Bom dia! Saímos em quinze minutos.
— O senhor quer que eu vá junto?
— Ainda é minha assistente pessoal, não é? Preciso que me
acompanhe.
— Ok, claro, sim, senhor... — respondo. Me sinto meio idiota
pela forma como respondi, mas não sei como agir com ele no
momento, se é que eu já soube.
O telefone toca, e Malcolm atende. Escuto quando ele insiste
em dizer “Alô!” e aparentemente ninguém responde.
— Seja você quem for, isso está começando a ficar patético —
ele responde e então desliga. — Me arrume um telefone novo.
— Sim, senhor.
— E pare de me responder dessa forma, parece que alguém
fez lavagem cerebral em você.
— Sim... ok! Claro — respondo.
— Catorze minutos — ele diz, se levantando da mesa e
olhando para o relógio. — Vou subir e me trocar.
Eu questionaria o fato de que ele já está perfeitamente vestido,
mas eu mal consigo encarar o meu chefe direito no momento. Ele
não parece bravo, exceto pelo momento na ligação, mas não
consigo dizer se isso é um bom ou um mau sinal. Ok, vamos lá, seja
objetiva, Savannah, você vai comer, vai participar dessa reunião e
depois vai tentar conversar com ele, digo a mim mesma. Ainda
assim, não consigo comer, parece que há algo preso na minha
garganta.
Exatamente catorze minutos depois, estamos no carro, indo
para a reunião. Malcolm é pontual e se orgulha disso. De todos os
traços malucos deles, esse, realmente, admiro. Quase dois meses
de trabalho e nunca o vi atrasado para nada. Ele é como uma
máquina. Talvez você seja feito de metal, tipo Tony Stark... Deus!
Como ele ainda não me demitiu? Isso não faz o menor sentido.
— Pare com isso — ele me pede, então aponta para as
minhas pernas, estou sacolejando-as nervosamente durante a
viagem, e nem mesmo notei.
— Me desculpe. Me desculpe, por isso, por ontem, o meu
comportamento foi inadmissível, e eu não tenho desculpas o
suficiente para...
— Não é o momento — ele me diz severamente. — Você tem
os números do Congo?
— Claro — digo. — Há uma queda enorme de 33.4 milhões de
2007 para 12.7 em 2021, com picos de crescimento em 2012 e
2017, mas, fora disso, há uma média de 14 milhões nos últimos oito
anos.
— Tem certeza? — ele questiona, me olhando.
— Posso abrir o relatório, mas tenho. — Pego o IPad na bolsa
e ligo-o rapidamente para apresentar o relatório. Não confiro os
números, eles nunca me traíram antes, palavras, pessoas, atitudes,
elas me traem, os números não. Quero dizer a ele que não deveria
abrir mão da produção no Congo, abandonar aquela área é um erro
tanto do ponto de vista financeiro, quanto social, quantos empregos
ele vai deixar de gerar lá? Os engenheiros e toda a equipe da
cúpula serão realocados, mas e os mineiros? E as pessoas que
vivem dessa extração? Mordo meu lábio, não estou no lugar de falar
nada, não hoje.
— Concorrentes na Botswana?
— No gráfico seguinte, o montante tem caído também, a
rentabilidade aqui é menor devido à regulamentação, ainda assim,
há uma margem de sessenta e três por cento.
— Você entra comigo — ele diz. Aceno concordando. — E não
faça isso lá — ele diz, indicando minhas pernas inquietas outra vez.
O carro para, e eu já conheço o protocolo. A equipe de
segurança confere o perímetro, e então Malcolm desce do carro. Há
um reforço no time nessa viagem e imagino que se deva ao fato de
que muitos donos de empresas de extração no país não estão
contentes com a possibilidade de retorno da Diamantes Campanelli.
A equipe de segurança nos acompanha de perto, muito de perto.
— Existe algum risco de...
— Sempre existe — ele resmunga. — Não se preocupe
demais. A saída é a pior parte.
Não sei se ele está tentando fazer uma piada ou falando
extremamente sério. Malcolm é indecifrável. Entramos no prédio e
passamos pela segurança da equipe do presidente. Somos
recebidos pelo ministro de economia e de relações exteriores do
país, eles nos cumprimentam. Na verdade, cumprimentam
especialmente Malcolm.
— Podemos? — uma voz diz. Olho para o lado e vejo Jackson.
Ele me ignora totalmente, o que é bom. Não tenho tempo para a
fragilidade do ego dele no momento. Só quero passar por essa
reunião. — Eu falei para passar mais protetor — ele diz a Malcolm.
Malcolm acena para ele e não diz nada. Fica óbvio que ele não
gosta do cara. Entramos na sala do presidente, que é um homem
baixinho e usa óculos. De pé, em frente para Malcolm, ele parece
ainda menor.
— É muito bom recebê-lo, senhor Campanelli.
— É um prazer estar aqui, presidente.
— Espero que tenha feito boa viagem
— Sim, sim. Uma ótima viagem. Obrigado.
— E nosso país está tratando-o bem? Conheceu alguma das
nossas atrações? Os restaurantes...
— Alguns anos atrás, senhor presidente. Não é a minha
primeira vez aqui. Quando a mina estava operando, eu costumava
vir acompanhando meu pai.
— Conheci seu pai anos atrás, eu tinha um cargo na
empregabilidade aqui no governo e sempre estávamos conversando
sobre o assunto. Era um homem extraordinário que se foi muito
cedo.
— Sim — é tudo que Malcom diz. Ele não gosta de assuntos
pessoais, é formal demais.
— Aceita tomar alguma coisa? Um uísque, talvez?
— Não, senhor presidente. Estou bem.
— Vamos falar de negócios, então. Estou curioso para ouvir o
que, depois de todos esses anos com a mina inativa, fez vocês
mudarem de ideia?
— Queremos investir em um país limpo, com processos mais
transparentes.
— Somos o lugar certo, mas devo avisar que a concorrência
não vai ficar muito satisfeita. Vão fazer barulho, reclamar.
— E que tipo de acordo pode fazer com que o barulho deles
seja imperceptível?
— Taxas devolutivas maiores.
É um pedido absurdo, considerando os números da
concorrência e o potencial de extração não explorado da Diamantes
Campanelli.
— Mais impostos? — Malcolm questiona com um tom de
descrença.
— Mais educação, mais saúde — o presidente responde.
— Longe de mim ser contra mais educação e mais saúde,
presidente, mas há uma questão importante observada pelo
Jackson enquanto estávamos na visita técnica. Não temos mão de
obra, o que significa que não posso assumir esse compromisso
quando não sei se nossa extração terá operacionalidade — o CEO
da Diamantes Campanelli afirma.
Malcom é bom. Eu já o tinha visto em reuniões na empresa ou
com investidores, mas esse nível de acordo que está sendo
estabelecido aqui é muito mais delicado e requer uma sensibilidade
de que eu não achei que ele tivesse. A melhor parte é que ele acaba
de colocar Jackson numa saia justa e ele merece depois de ontem.
Estou basicamente sorrindo de orelha a orelha.
— Além disso, minha assistente pode lhe mostrar os números
da concorrência, e eles vão indicar que nossas reservas são
maiores justamente pelos anos de não exploração, podemos,
sozinhos, duplicar o volume de extração do país.
— Todos precisam atender às sanções, senhor Campanelli —
um dos ministros diz. — O senhor disse que queria um país mais
limpo para investir. Essas verbas garantem nossa lisura, nos dá
condições de reforçar nosso Estado.
— E eu posso pagar o mesmo que todas as outras, isso
também garante algo importante para a lisura: garante isonomia nos
processos.
— Tudo isso ainda é teórico, pois depende do nosso laudo
técnico — Jackson afirma.
— Temos dois engenheiros de minas que certificam que o
laudo é positivo, você me disse isso verbalmente ontem também.
Então, suponho que o laudo é uma formalidade técnica.
— Isso — o ministro da economia diz —, estou interessado em
ouvir seus números.
— Savannah, por favor... — Malcolm me diz. Eu mostro o
tablet.
— O que estou vendo? — o presidente pergunta. Malcolm
acena para mim, e eu começo a falar. Explico sobre as taxas de
exploração, o potencial de crescimento e ainda apresento dados
sobre a geração de empregos e o quanto ela pode ir crescendo nos
próximos três, seis e nove meses.
— Há uma projeção de até dois anos na próxima página —
afirmo.
— E como compromisso, posso fazer um investimento sólido
em vez de pagar taxas mais altas. Sei que seu hospital da criança
em Selebi-Pikwe ainda precisa de alguns milhões. A Diamantes
Campanelli adoraria custear a finalização da obra.
OK, ele não é bom. Ele é excelente. Investimento em obras
públicas significa deduções, o que o levaria a operar com taxas
ainda menores. Talvez eu esteja tendo um orgasmo pela inteligência
desse homem.
— Podemos chamar nossos advogados? — Malcolm
questiona, sorrindo. O ministro de economia diz algo ao presidente,
o outro acena concordando e então está tudo resolvido. Eles
apertam as mãos, assinam algum documento e então estão
fumando charutos e bebendo. Malcom não fuma, só aceita um
pouco da bebida, assim como me oferece, mas recuso. Ele, por sua
vez, dá apenas um gole na bebida e então diz que precisa voltar
para o Estados Unidos, mas que estará no país novamente muito
em breve.
Ele me pede para fazer algumas ligações enquanto voltamos
para a casa e ele mesmo também está no telefone.
— Claro, você pode me enviar a documentação, vou pedir para
o time jurídico analisar — afirmo ao finalizar a ligação. Noto que
Malcolm está me olhando. Ele ajusta a gravata, soltando-a um
pouco.
— Você foi bem hoje. Apesar de tudo que aconteceu ontem.
— Obrigada — digo, me sentindo ainda mais desconfortável do
que antes. Não estou acostumada com elogios da parte dele. — Eu
gostaria de me desculpar por ontem, eu não sei muito bem o que
disse, mas não tenho desculpas para o meu comportamento para
além do fato de que não estou acostumada a ser considerada pouco
competente.
— Você não é pouco competente. Eu só perco a minha
paciência com facilidade e espero que as pessoas estejam sempre
atendendo aos meus critérios. Isso não significa que o seu trabalho
está aquém. Quando eu voltar para os Estados Unidos, vou
contratar uma assistente pessoal.
— Isso significa que estou sendo demitida? — Eu preciso
desse emprego, mas entendo que o que fiz ontem foi inadmissível e
nem me sinto no direito de argumentar a favor de mim mesma.
— Meu impulso inicial foi de te demitir, e eu quase sempre sigo
o meu impulso inicial, mas eu não poderia te demitir por ficar
bêbada fora do seu horário de trabalho, não quando eu disse para
você ficar longe.
Ok, talvez eu não tenha acordado. Devo estar dormindo de
ressaca, por isso nada do que está acontecendo faz sentido. Talvez
seja um multiverso em que Malcolm é, na verdade, uma pessoa
compreensiva.
— Então o senhor não está me demitindo?
— Hoje não, você pode até não ser a melhor das assistentes
pessoais, mas eu também não tenho sido o melhor dos chefes.
Acho que é justo que eu te diga que não vou ser menos
insuportável, como você mesma me descreveu, devido à percepção
desse fato. No entanto, posso, ao menos, assumir que a minha
resistência inicial ao seu trabalho nunca foi sobre você, e, sim, pela
saída da senhora Marshall.
Fico esperando a câmera escondida que vai aparecer do nada
e informar que é tudo algum tipo de pegadinha televisionada. Em
vez disso, o carro chega até a casa e Malcolm me diz para fazer
minha mala, pois vamos pegar um voo em uma hora.
Quando estamos embarcando-o, me diz que vamos para
Alemanha primeiro, ele vai ficar por lá e o jato vai me levar de volta
para Nova Iorque. Não o vejo por dois dias depois disso, ele apenas
envia mensagens objetivas com coisas que precisa que eu faça. E
apesar de estar mortificada demais para olhar para cara dele,
percebo que gosto mais do trabalho quando ele está por perto.
 

 
ME APAIXONANDO PELO MEU CHEFE INSUPORTÁVEL
 
— Se eu me casar um dia, não deixe que Alexa planeje minha
festa — Lucy diz enquanto entramos em um bar subterrâneo para
uma despedida de solteira. Descemos três lances de escadas e eu
já estou honestamente ficando tonta. Estamos na despedida de
solteira de Mônica, a única amiga de internato de Alexa com a qual
a advogada fala.
Na verdade, Alexa e Mônica são bastante próximas e por isso
eu e Lucy acabamos conhecendo um pouco de Mônica. Ela é uma
mulher baixinha, de longos cabelos ruivos e tem um ótimo senso de
humor. Sempre digo que sair com ela é conseguir uma dor no
maxilar de tanto gargalhar. Pra que você tenha noção do quanto
Mônica e Alexa são próximas: Mônica é designer de moda e
consegue convencer Alexa, vez ou outra, a desfilar para ela.
— Só Alexa para marcar a festa de despedida de uma das
herdeiras mais ricas de Nova Iorque em um barzinho subterrâneo no
Brooklyn — comento.
— Eu acho que ela faz isso de propósito. Ela sabe que meia
Manhattan vai estar aqui e então escolhe o lugar mais inadequado
para a realeza nova-iorquina — Lucy diz.
— Bom, ela sempre gostou de pequenas vinganças. — E não
estou sendo irônica, Alexa é exatamente esse tipo de pessoa. Eu a
amo e quero morrer sua amiga por isso.
— E das grandes também — Lucy diz, sorrindo. — Ok, eu vou
morder minha língua, isso é incrível — afirmo, olhando para o local.
Há um espaço gigante com uma energia de um bunker, mas a
decoração é incrível. Há toda uma estrutura de playground
eletrônico, máquinas de dança, jogos de bancada e uma série de
outras atividades. A melhor parte é que, quando perguntei a Alexa
como seria a festa, ela me disse “algo simples, vá como quiser”.
Então agora estamos, tanto eu quanto Lucy, em vestidos minúsculos
e saltos em um parque de diversões.
— Eu não acredito que coloquei um vestido novo quando
poderia estar usando um tênis e uma calça de moletom — afirmo.
Lucy sorri e toca no meu ombro e então diz que, ao menos,
podemos ser o centro das atenções, mas a verdade é que as
pessoas que vão chegando também não estão preparadas para o
lugar. Entende o que eu disse sobre pequenas vinganças?
Encontramos Alexa correndo de um lado para o outro e dando
ordens às pessoas sobre a organização da festa. É um milagre que
ela tenha conseguido tempo para organizar tudo isso em meio ao
caso que está representando.
— Isso não é champanhe, isso é espumante, e eu
especificamente pedi e paguei por champanhe — Alexa afirma. O
garçom parece um pouco amedrontado quando ela fala, não o
culpo, medo é a reação adequada ao tom de ordem de Alexa.
— Acho que ele foi chorar — Lucy comenta quando o homem
vai embora.
— Ele deveria chorar — Alexa responde.
— O que é isso que você está usando? — pergunto,
apontando para a camisa em que tem escrito “madrinha da noiva”.
Alexa acena negativamente.
— Ideia do idiota que vai ser padrinho de Harry e Mônica. Você
deve conhecê-lo, ele é... — Uma pessoa se aproxima e interrompe
Alexa dizendo que a noiva precisa dela. — Deve ser alguma crise,
talvez ela desista de se casar — Alexa diz, sorrindo, e então se
desculpa e vai embora.
— Você pode tirar a garota da riqueza, mas não pode tirar a
riqueza da garota — Lucy afirma, se referindo a Alexa.
— Não a deixa ouvir algo assim. — Lucy faz o sinal da cruz ao
ouvir isso e então sorri. Ela tem razão em sua observação, Alexa
gosta de se sentir extremamente diferente dessas pessoas, mas
algumas coisas que aprendemos no contexto em que nascemos nos
perseguem para sempre, apesar do esforço que fazemos. Eu vou
ser sempre uma garota sulista, não há nada que eu possa fazer
sobre isso, e honestamente não quero. Eu gosto de puxar mais
meus “erres” e de ter um pouco de sotaque. Alexa, no entanto,
odeia qualquer menção dessas raízes com a alta sociedade.
— Bebidas? — Lucy questiona enquanto olhamos ao redor e
observamos os riquinhos engomados da cidade conversando em
pequenos grupos.
— Bebidas! — confirmo. O garçom com o qual Alexa estava
falando passa por mim e eu o paro. — Moço, sabe aquele
espumante que não é champanhe? Pode trazer para a gente? Eu
prometo que não sei qual é a diferença e que vou ficar feliz do
mesmo jeito — comento. Ele sorri e diz que volta logo.
É uma festa conjunta, tanto para o noivo quanto para a noiva,
e eu estou na minha terceira taça de “não champanhe”, tentando
acertar uma bola de basquete em uma cesta quando os noivos
finalmente aparecem. Eles estão com camisas que indicam “noivo” e
“noiva”, de mãos dadas, e sorrisos enormes em seus rostos. A
música para e Mônica pega o microfone, as pessoas ao redor
simplesmente batem palma em celebração à chegada deles.
— Uau! Boa noite. Vocês sabem que Harry normalmente é o
que mais fala nessa relação — ela começa dizendo, alguns risos se
espalham pelo lugar, não conheço Harry o suficiente para entender
a piada. — Muitos de vocês podem estar achando essa festa pouco
usual, mas, dez anos atrás, em algo muito parecido com isso aqui,
com a diferença de ser em uma das melhores cidades da Europa...
— mais risadas se espalham —, eu e Harry nos apaixonamos.
— Eu já era apaixonado por você — Harry afirma,
aproximando-se do microfone.
— É, verdade. Ele era obcecado por mim, colocava fotos
minhas no diário e me escrevia poemas horríveis. De todo modo, foi
naquele lugar, em um parque parecido com isso aqui, que nos
beijamos pela primeira vez e eu pensei “por que eu demorei tanto
para beijar esse garoto?” E agora estamos aqui, prestes a nos
casar, e eu só posso agradecer a minha amiga, Alexa que me
arrastou até aquele parque e me disse “Você só vai saber se beijar o
idiota”.
— Uhuuu! — alguém grita no meio dos convidados.
— Nós temos muita sorte de ter amigos incríveis, dois deles
são nossos padrinhos, e eu vou pedir uma salva de palmas para
eles, para Alexa e para Arthur, aparentemente Alexa fez tudo da
organização, enquanto Arthur escolheu a música, claro, porque isso
é a cara dele. Eu amo vocês, nós amamos vocês e estamos muito
felizes por serem nossos padrinhos. E, claro, também amamos
vocês, nossos amigos, que desceram todas essas escadas para
chegar nessa festa.
Há gritos, palmas e então eu estou processando o fato de que
Arthur Campanelli está abraçando o noivo, enquanto Alexa está ao
lado de Mônica.
— Aquele é o primo do meu chefe — comento com Lucy.
— Qual deles?
— O padrinho. O que está abraçando a Mônica agora.
— Ele é ajeitadinho, mas seu chefe é muito mais gato —
minha amiga grita.
— É, mas não é tão simpático — uma voz masculina responde
atrás de mim. Me viro e Malcolm está parado em seu terno cinza
com a barba perfeitamente aparada e uma expressão séria.
— O que... o que o senhor...
— Harry foi meu colega de classe — ele responde, decifrando
a minha tentativa de pergunta. Então meu chefe estende a mão para
Lucy e se apresenta. Minha amiga está vermelha como um
pimentão e passa a mão livre no cabelo enquanto o cumprimenta.
— Como vocês conhecem os noivos?
— A madrinha é nossa amiga — respondo. Lucy ainda está
segurando a mão de Malcolm, que tenta se soltar, e eu intervenho
ajudando-o, minha mão toca na dele apenas rapidamente e
novamente sinto aquela eletricidade do avião, de quando ele me
segurou para não cair.
— Se as senhoritas me derem licença, eu vou cumprimentar
algumas pessoas antes de ir embora.
— A festa mal começou — Lucy diz. Quero pisar no pé dela
por isso. Preciso que Malcolm vá embora, faz duas semanas desde
Botswana e honestamente ainda não consegui me livrar da
vergonha pelo meu comportamento.
— Não é exatamente meu tipo de festa — ele responde. — Até
amanhã, senhorita Armstrong.
— Até amanhã, senhor Campanelli — respondo. Ele se afasta,
e eu bebo o conteúdo da minha taça de uma só vez.
— Meu Deus, como ele é lindo, Savannah! Sério. Parece que
ele foi esculpido ou coisa do tipo. Olha a altura daquele homem, e
aquele maxilar? E a bunda? Deveria haver leis contra isso, ele tinha
que ser multado por excesso de beleza.
— Ok, eu sei que você está impressionada, mas aquele é o
meu chefe e eu já tenho problemas demais para conseguir olhar
para cada dele no momento, não preciso ficar pensando no maxilar
perfeito ou na bunda dele. Sério!
— Amiga, você cometeu um erro, mas precisa superar isso. E,
honestamente, ele é o culpado por te tratar tão mal e fazer você se
sentir inadequada. Se você quiser citar, posso coisas ruins, por
exemplo, o que foi aquele “É, mas não é tão simpático”, aquilo foi
uma tentativa de piada? Porque o homem é um tanto sem tom, e eu
não sei se estava falando sério ou não, ou seja, zero espectro
emocional, ele tem.
Começo a rir e abraço minha amiga. Lucy tem razão, está na
hora de tentar seguir sem me sentir tão constrangida ao redor dele.
Na semana passada, eu passei metade do meu tempo evitando ir
até a sala dele por causa disso. Eu também liguei para a senhora
Marshall, que, por sinal, já está totalmente recuperada. Na ligação,
eu contei a ela do acontecido, e ela me disse “Você acha que, em
mais de quarenta anos nessa empresa, eu nunca fiz nada
inapropriado, querida? Acredite, fiz coisas muito piores do que ficar
bêbada. Isso não afeta o seu trabalho e, se Malcolm não tivesse, em
alguma medida, gostando do que você vem fazendo, ele já teria te
demitido”.
— É, você tem razão. Sabe do que mais, Lucy? Vamos dançar.
Vamos mostrar aos riquinhos como se dança — afirmo, sorrindo.
Bebemos mais um pouco, dançamos, jogamos também. Alexa vem
se juntar a nós depois de um tempo, ela se encosta perto de mim
enquanto estou jogando air rocket com Lucy.
— Eu juro por Deus que, se eu tiver que ouvir Arthur
Campanelli por mais dez minutos, eu vou matá-lo. Posso enterrá-lo
em uma das paredes desse prédio, já estamos bem mais de sete
palmos abaixo da terra de qualquer forma.
— Eu não acredito que você estava organizando isso com o
primo do meu chefe e não comentou.
— Amiga, eu só penso em documentos de descoberta e
cláusulas de excludência no momento. Além disso, Malcolm e Arthur
são idiotas, mas possuem tipos bem distintos de idiotices, eu
costumo esquecer que eles são parentes. Arthur é... bem, ele é o
pior dos dois, honestamente.
Acho Arthur simpático, cheio de vida, engraçado. Talvez seja
justamente por isso que Alexa não goste dele, minha amiga tem
dificuldade de lidar com pessoas que são simpáticas e enérgicas.
Lucy é a única exceção.
— Como está indo com o caso? — questiono.
— Tão ruim quanto organizar esse pesadelo de festa, foi até
uma boa distração — Alexa afirma.
— Não. Não quero falar de trabalho. Não quero falar de
homens idiotas, só quero garantir que tudo saia bem nessa festa.
Isso é importante para Mônica e, mesmo que eu ache que
casamentos são instituições falidas, eu sei o quanto ela está feliz
com esse momento.
— Você é a melhor organizadora de festa de todos os tempos,
um pouco assustadora, quer dizer, muito assustadora, mas a melhor
de todas — digo, sorrindo. — Ela tem sorte de ter você como
madrinha.
— Claro que tem e ela ainda não viu nada, nem vocês —
Alexa afirma, sorrindo. Um homem loiro se aproxima de Alexa e
cochicha algo em seu ouvido, então ela sorri e me olha. —
Savannah, esse é Dan Collins. Dan acha que você é a mulher mais
bonita que ele já viu — ela conta, fazendo o homem ficar com o
rosto vermelho. Eu tento conter meu riso com a cena. — E tenho
que voltar para os meus deveres, mas vocês deveriam conversar.
Dizem que Dan é notoriamente bom de cama. E você... — ela diz a
Lucy, sorrindo enquanto estica a mão para alcançar nossa amiga. —
Vem comigo, você vai amar isso.
— Eu a odeio — Dan afirma ainda mais vermelho. — É sério,
eu não sei onde estava com a cabeça quando pensei em pedir a ela
para que nos apresentasse.
— Bom, você tem que admitir que ela te vendeu muito bem —
observo. — É um prazer Dan.
— O prazer é todo meu, de verdade. Você estudou na
Harleys?
— Não. Eu conheço a Alexa da faculdade.
— Ah, claro. Stanford.
— Isso. — Conversamos sobre a minha formação, sobre a
dele. Dan me convida para dançar quando uma música mais lenta
surge. Ele é tímido, mas tem um bom papo e fica vermelho com
muita facilidade, o que é, de certa forma, adorável.
Enquanto estamos dançando, eu penso no fato de que a última
vez que dancei assim, com outra pessoa, foi no evento com meu
chefe. No meio da música, ele pergunta se pode me beijar. Noto que
nenhum cara nunca me perguntou se poderia me beijar, apenas
beijou, e isso mostra algo sobre Dan que os outros homens nunca
mostraram. Então eu concordo e nos beijamos.
É um beijo bom, daqueles que dão vontade de continuar, mas
preciso ir ao banheiro e digo isso a Dan. Deixo-o com um “volto
logo” e um rápido selinho em seus lábios, então vou para o
banheiro. O banheiro feminino tem uma fila gigante, então sigo em
frente e vou para o masculino. Assim que entro, noto que o excesso
de espumante já me pegou um pouco, me inclino na pia e me olho
no espelho. Meu cabelo está por toda parte, o vestido decotado está
com os laços soltando de toda a esfregação na dança com Dan.
Dentro do local há três cabines, duas desocupadas e, assim
que entro, escuto um barulho de gemidos. Ótimo, tem gente
transando no banheiro. Entro em uma das cabines e então ouço o
nome “Malcolm”, uma voz feminina está gemendo o nome do meu
chefe. Faço xixi porque realmente preciso, mas minha vontade é de
sair correndo. Na pressa para me vestir e ir embora, de alguma
forma, acabo derrubando meu celular, ele bate na ponta da
porcelana do vaso sanitário e então escorrega para o outro lado,
não sei se fico feliz ou se acho pior quando noto que ele foi parar na
outra cabine, e não dentro da privada.
— Merda! — digo. — Merda! Merda!
— Savannah? — a voz de Malcolm questiona. Eu não acredito
que ele está falando comigo enquanto provavelmente está dentro de
outra pessoa no banheiro ao lado do meu. Escuto os barulhos dos
movimentos no outro lado da cabine e a porta rangendo para abrir.
Escuto cochichos e mais novos barulhos de uma porta sendo aberta
e fechada — Savannah... eu sei que é você, posso ver seus
sapatos, você pode sair, por favor?
— Claro — respondo. Respiro fundo e abro a porta.
Encostado na pia do banheiro, meu chefe está fechando os
botões da camisa. Resisto à tentação de descer meu olhar para sua
calça, mas isso deve ficar extremamente óbvio porque estou de fato
erguendo a minha cabeça. Mal vejo a mulher se esgueirando e
saindo rapidamente após trocar um breve olhar sedutor com meu
chefe, enquanto ele lava as mãos e eu o imito fazendo o mesmo.
— Meu celular caiu, eu só estava usando esse banheiro,
porque o feminino tem muita fila e... eu sinto muito, eu não queria...
— Você não precisa se desculpar. Eu que deveria.
— Achei que não era o seu tipo de festa.
— Não é — ele diz, obviamente desconfortável. Malcolm está
com meu telefone na mão e então estica-o na minha direção. —
Tem uma foto sua na proteção de tela, você deveria saber que eu ia
notar que era seu mesmo que não reconhecesse a voz.
— Eu só estava tentando não tornar isso mais constrangedor
do que já é.
— Não precisa ser. Eu já estava mesmo indo embora. —
Malcolm liga a torneira e lava as mãos, faço a mesma coisa. Meu
chefe me olha de lado. — Semana que vem é o retiro da
companhia.
Ele está mesmo puxando assunto no banheiro masculino de
uma festa subterrânea depois de estar transando com uma mulher?
O homem deve estar mais desconfortável do que eu nesse
momento para fazer isso.
— Um retiro? Não sabia que tínhamos um.
— Você realmente deveria começar a olhar a agenda com
mais alguns dias de antecedência — ele afirma. Penso no que Lucy
disse sobre não entender o humor dele, já senti isso antes, mas
agora parece que o conheço um pouco. Sei que isso foi uma
tentativa de piada. — É uma tradição.
Nesse momento, Dan entra no banheiro e parece um tanto
surpreso por me encontrar nele.
— A fila estava muito grande no feminino — afirmo.
— Malcolm! — Dan diz sorridente. — Cara, quanto tempo.
Acho que não nos vemos desde...
— Bahamas. Casamento da Lori e do Tony.
— Exatamente. Vai para as Filipinas?
— Harry mandou um convite, mas eu tenho reunião. E sei que
ele quer algo íntimo.
— Somos da mesma turma, somos todos íntimos — Dan diz —
Sabe do que mais? Você precisa aparecer no jockey. Semana que
vem?
— Eu vou indo... — começo a dizer.
Ambos respondem ao mesmo tempo, Dan diz “já estou indo” e
meu chefe apenas um “certo”, a questão é que as respostas fazem
com que eles olhem um para o outro.
— Vocês se conhecem? — Dan pergunta.
— Savannah trabalha comigo — Malcolm diz. — E vocês?
— Nós nos conhecemos hoje — respondo. — Até mais.
Eu saio do banheiro e volto para a festa que parece minúscula
agora. Por que eu constantemente me pego em situações
constrangedoras envolvendo esse homem? E como uma cidade
como Nova Iorque, uma cidade com mais de oito milhões de
pessoas, consegue ficar tão pequena?
Noto que Alexa está no palco falando alguma coisa e tento
prestar atenção, ela está anunciando algum tipo de atração.
— Posso falar com você um minuto? — A voz de Malcolm está
no meu ouvido. Quero me virar e perguntar se ele pode parar de se
comportar como aquele personagem do desenho Caverna do
Dragão, Mestre dos magos, se materializando e desaparecendo
quando bem entender.
— Para cantar a música predileta do casal: Alec! — Alexa diz.
As pessoas gritam. Lucy deve estar surtando. Alec é um rockstar em
ascensão.
— Só pode ser brincadeira — Malcom diz. Olho para ele e seu
rosto inteiro está tenso.
— Boa noite, Brooklyn! Normalmente não faço festas pessoais,
mas Alexa me contou que a música predileta dos noivos, Mônica e
Harry, é uma música minha, e eu sou um romântico, além disso, ela
é uma advogada assustadora e me convenceu. — As pessoas
sorriem ao ouvir isso, quem conhece Alexa sabe bem que ela
convenceria alguém a comprar areia no meio do deserto. — Para
começar, eu vou fazer algo que também não costumo fazer, um
cover da música que estava tocando quando os pombinhos se
conheceram.
Alec começa a cantar Somebody to love, do Queens. A voz de
Alec é incrível ao vivo, e eu adoraria aproveitar a oportunidade de
ver um dos artistas mais badalados no momento, mas volto a olhar
para Malcom, que continua parado, o rosto um pouco sem cor.
— Está tudo bem? — questiono, tocando em seu ombro. Ele
solta a gravata um pouco, enquanto Alec está cantando “each
morning I get up I die a little, Can barely stand on my feet”.
— Eu preciso sair daqui — Malcolm diz. Ele toca na minha
mão e está gelado, branco como papel e, por alguma razão, eu
seguro a mão dele. Não quero deixá-lo ir embora assim sem ter
certeza de que está bem. Sigo-o enquanto ele se movimenta pela
multidão. A minha mão segurando a dele, mantendo-o comigo. Ele
nem parece notar que estou seguindo-o, só caminha pelo mar de
pessoas focadas na música, cantando junto “have spent all my
years in believing you but I just can't get no relief, Lord”.
Ele sobe os lances de escada rapidamente, e eu o sigo.
Quando empurra a porta de acesso para rua, Malcolm se encosta
numa parede. Há algumas pessoas passando, mas é Nova Iorque,
ninguém está prestando atenção em ninguém além de si mesmo.
Ele respira fundo e puxa a gravata. Ajudo-o com isso, nossas mãos
se separam, e eu foco em tirar a gravata dele.
— Malcolm, você está bem? — pergunto. Ele para o que está
fazendo e me olha, os lábios meio esbranquiçados, a mão ainda
está gelada. — Preciso que me diga alguma coisa. Eu chamo uma
ambulância, um táxi? Ligo para o seu chefe de segurança?
— Eu tenho que sair daqui... — ele diz. — Ninguém pode me
ver assim.
— Tudo bem. Eu vou ligar para o time de segurança. — Pego
meu telefone e faço a ligação. Malcolm caminha, se afastando da
frente do clube e indo para um lugar mais escuro. Vou atrás dele, o
homem está acostumado a ter pelo menos quatro seguranças, deve
achar que pode se enfiar em qualquer lugar e ainda manter no pulso
um relógio que vale mais que um ano de trabalho da maioria das
pessoas.
— Malcolm! — a voz de Arthur chama. O primo de Malcolm
está ofegante, claramente correu até aqui. — Sinto muito, eu não
sabia que ele ia estar aqui, juro. Foi a maluca da Alexa.
Malcolm não responde, só me olham esperando algo. Um
carro chega em poucos minutos e ele vai embora. Eu fico com
Arthur, parada na calçada.
— O que foi isso? — questiono.
— Não conte a ninguém, quase ninguém sabe disso, mas
aquele cara lá cantando é irmão do Malcolm, meio-irmão.
— Irmão! Alec, o cantor de pop rock que ganhou três Grammys
na mesma noite no ano passado é irmão do meu chefe? —
questiono, surpresa.
— É, e como deu para perceber, Malcolm não lida bem com
isso. Alec e Margareth, a mãe deles, são assuntos que o tiram do
eixo. Então...
— Não vou contar a ninguém, prometo.
— Agradeço. E, Savannah, não toque no assunto ou Malcolm
vai ficar furioso com você. Eu e a senhora Marshall, por muitos
anos, fomos as únicas pessoas que, de fato, estiveram
constantemente na vida dele. E, cá entre nós, a senhora Marshall
era um pouco indulgente com o comportamento do meu primo. Você
é boa para ele, não escuta tudo calada, o empurra de volta quando
ele tenta te colocar na parede, isso o fez te respeitar, mas essa
história da mãe dele pode ruir isso.
— Obrigada pelo conselho, depois das últimas semanas, a
última coisa que quero é criar problemas.
— Não se preocupe com o que aconteceu na Botswana. Acho
que, no fundo, ele considerou engraçado.
— Ele te contou?
— Ah, claro que contou. Um dos meus muitos talentos é fazer
aquele homem falar.
— Deus, que vergonha. E o pior é que você sabe mais do que
aconteceu do que eu que esqueci de algumas horas da noite toda.
— Não se preocupe, você só foi honesta sobre o seu trabalho
e em relação a ele como chefe. Malcolm aprecia isso. E, cá entre
nós, ele até riu, o que é raro – Arthur me diz.
— As pessoas na festa. Vocês todos estudaram juntos, como
ninguém sabe que eles são irmãos?
— Quando a Margareth foi embora, ela simplesmente morreu
para a sociedade de Manhattan. Eu era pequeno, não lembro direito
das coisas, mas o que eu sei é que não importava se ela tinha suas
razões ou não, o que importava era que meu tio era uma das
pessoas mais influentes dessa cidade, assim como Malcolm pode
ser hoje, a diferença entre eles é que Malcolm só se importa com o
trabalho e ignora os jogos políticos. O que se sabe sobre a
Margareth é que ela se mudou para o Brasil, isso é tudo. Algumas
pessoas simplesmente acham que ela morreu.
— O senhor Campanelli nunca a procurou?
— Malcolm?! Deus, Malcolm é a pessoa mais orgulhosa da
face da terra. E falando em gente orgulhosa, então quer dizer que
você é amiga da Alexa?
— Sou. Ela é uma das minhas melhores amigas.
— Ninguém é perfeito — ele diz, tocando meu ombro enquanto
gargalha. — Venha, vamos voltar para a festa.
 

 
— Malcom... Malcom...onde você está querido?— A voz
distante e gentil ecoa nos meus ouvidos e eu me encolho ainda
mais.— Malcolm...
— O senhor Peter vai me matar se não encontrar esse garoto.
— Não se preocupe com ele. Sou eu quem vai matar você
antes se o Malcolm acabar se machucando nesse prédio porque
você não pode ficar sentada meia hora com ele. — Escuto a
senhora Marshall dizer.
— Eu não sou uma babá, Glória!
— Não. Não é. É uma assistente pessoal. E, nesse momento,
a assistência que o senhor Campanelli precisa que alguém olhe seu
filho. E ele pediu pra que você fizesse isso. Da próxima vez, diga a
ele que não é uma babá, tenho certeza de que ele vai adorar ouvir
isso.
Eu me movo embaixo da mesa e saio do local. Meus pais
brigavam o tempo todo por minha causa, não quero que outras
pessoas façam isso também.
— Aí está você!— Glória Marshall diz, sorrindo. Ela se abaixa
e fica na altura dos meus olhos.— Você não pode sumir desse jeito,
Malcolm. Você não conhece o local, as ruas são perigosas e...você
não pode sair de perto da Minerva.
— Eu quero ir pra casa, eu quero a minha mãe.
— Sinto muito, querido. Sua mãe não está em casa, você sabe
disso.
— Estávamos brincando de esconde-esconde, ela está lá.
— Você é o garotinho mais inteligente que eu conheço, então
sabe que a sua mãe não está em casa.
— Ela pode voltar para me buscar. Ela vai voltar.
— O seu pai vai ficar triste se ouvir isso, Malcolm.
— Não vai fazer diferença. Meu pai sempre está triste ou
chateado.
— E sabe porquê? Porque ele também sente falta da sua
mamãe, assim como você, sabe o que ele faz para não ficar triste?
— Aceno negativamente.— Ele encontra formas de manter a
cabeça ocupada. Porque eu e você não fazemos o mesmo?Vamos
tomar um sorvete enquanto a Minerva fica aqui e cuida de tudo? E,
quando voltarmos, você pode me ajudar no trabalho, o que acha?
— Eu? Ajudar aqui? Posso mesmo?
— É! Você vai ser dono de tudo isso aqui um dia. Então pode
assinar documentos importantes e carimbar coisas. O que acha?
— Parece legal, senhora Marshall.
— Me chame de Glória, querido. Apenas Glória.
— Meu pai diz que é desrespeitoso falar com adultos pelo
primeiro nome.
— Não se a pessoa permitir— ela me diz, piscando para mim e
me fazendo sorrir. Aquele momento foi a primeira vez que não me
senti sozinho desde o dia em que a minha mãe foi embora.
Abro meus olhos e me lembro de que não sou mais o menino
que se escondia embaixo da mesa de trabalho de Glória Marshall,
não sou mais o garoto que voltava para casa e ficava esperando
pelo retorno de uma mãe, que claramente não pretendia voltar.
Detesto sonhar com o passado. Detesto a sensação de me sentir
pequeno, abandonado, impotente.
O despertador toca, são seis da manhã, então salto da cama.
Há uma mulher dormindo ao meu lado e então noto que não estou
em casa, e, sim, em um quarto de hotel. Em vez de acordá-la, pego
um bloquinho do hotel e deixo um bilhete. “A noite foi ótima,
aproveite o dia no quarto” e então vou embora.
Quando chego ao trabalho, Savannah me cumprimenta
sorrindo e deseja um bom-dia, aceno com a cabeça e passo direto
por ela, assim como faço com todos.
Ver Alec na noite passada fez com que eu me sentisse
novamente como uma criança abandonada. Minha mãe
simplesmente foi embora e começou uma nova família, com um
marido novo, um filho novo e nunca mais voltou, nunca se importou
comigo. Eu odeio o fato de que todo meu autocontrole falha quando
o assunto é esse, eu detesto não ser capaz de desligar tudo isso.
Antes era mais simples. Alec era só essa figura distante que
eu nunca precisava ver ou ouvir falar. Agora ele está por toda parte,
tocando nas rádios, nos telefones das pessoas, em festas,
aparecendo na televisão, em festivais, na porra da festa de um casal
de amigos. Sei que, objetivamente, ele não tem culpa de nada do
que aconteceu, mas isso não significa que eu o quero na minha
vida. Pensar nele é pensar nela, na minha mãe, e não posso pensar
nela, esses sentimentos estão guardados em uma caixa enterrada
no fundo do meu emocional, não quero e nem posso lidar com isso.
— Senhor Campanelli— Savannah diz, entrando na sala
depois de bater—, me desculpe, eu só queria saber se está se
sentindo melhor.
— Estou ótimo. Gostaria que você não tivesse presenciado
nada daquilo, no banheiro e depois dele. Sinto muito por tê-la
colocado nessa situação.
— Meu vexame na Botswana foi bem maior, então...— ela
comenta, sorrindo. É gentil da parte dela dizer isso, mas o fato é que
eu não sei como trabalhar com ela depois do que aconteceu. Não
pela parte do estar recebendo um oral no banheiro de uma festa. A
mulher que estava comigo, a mesma que deixei na cama no quarto
de hotel momentos atrás, não poderia consistir numa vergonha, sou
privado quanto à minha vida sexual, mas apenas por autoproteção,
porque sei quem sou e como as pessoas se importam com isso,
justamente por ser quem sou. Eu nunca me importei com isso por
constrangimento. É a outra parte que me deixa vulnerável: o fato de
que ela me viu daquela forma.
— Não é a mesma coisa— explico.— Você pode, por favor,
pegar todos os currículos que a Glória separou meses atrás?
Escolha cinco candidatos para entrevistar e explique o seu trabalho.
Deveríamos ter feito isso depois da Botswana.
— Contratar um novo assistente, certo?
— Sim, mas não só isso. Além dessa contratação, acho que o
mais prudente é que você trabalhe com outra pessoa. Avise a
assistente de Arthur que ela trabalhará para mim até segunda
ordem, começando imediatamente. Você assume o posto dela até
que as coisas se resolvam.
Ela morde o lábio enquanto me encara. Parece querer
argumentar, mas não o faz.
— Tudo bem, senhor Campanelli, se prefere assim— ela
responde e então deixa a sala. Uma hora depois, e honestamente
leva mais tempo do que eu tinha esperado, Arthur aparece na minha
sala enquanto estou no telefone.
— Sério?
— Eu estou ocupado— argumento.— Claro, Isabela, obrigada.
Eu só queria consultar você sobre isso.
— Por que você está falando com a firma que lida com nossos
assuntos pessoais? O que você fez?
— Nada, Arthur. Eu só queria um conselho legal— respondo—
Vamos lá, comece, sobre o que você gostaria de reclamar?
— Você realmente trocou nossas assistentes sem nem me
avisar? A Wanda toma conta da minha vida...
— E depois eu sou dependente das assistentes pessoais—
respondo, interrompendo-o.— Arthur, eu preciso que você não torne
isso um problema, tudo bem? Quando tiver alguém mais preparado,
vamos resolver isso.
— E, enquanto isso, a Savannah fica comigo? Achei que você
estivesse gostando do trabalho dela.
— Talvez com você ela aprenda a ser uma assistente pessoal
— respondo. Quem estou enganando? O trabalho com Arthur vai
ser terrível para ela. Meu primo, de fato, pede que as assistentes
lidem até com a ida das roupas dele para lavanderia e peguem
cafés. O que Savannah vinha fazendo comigo tinha outro escopo,
na verdade, o trabalho dela com os dados da empresa era muito
mais relevante que o material que compramos do Instituto Miller e
que o tratamento que o meu setor de análise vem fazendo
atualmente. No entanto, Roger, o chefe do setor, sempre teve
autonomia em suas contratações, então prefiro não intervir nisso no
momento.
Claro que eles possuem ferramentas de parametrização e todo
o dispor tecnológico, mas Savannah tem um olhar apurado para
essas coisas, enquanto nos relatórios deles os números são mortos,
o dela tem aplicação, vida, projeções que não são puramente
quantitativas.
— Isso é por causa de ontem?
— Isso é porque eu sou o dono dessa empresa e posso
realocar os meus funcionários como bem entender— respondo.—
Agora, Arthur, por favor, me deixe trabalhar.
— Você deveria simplesmente falar com o cara. Conhecê-lo.
Das pessoas envolvidas nisso, ele éo menos culpado possível. Além
disso, você é o irmão mais velho, deveria dar o exemplo ou coisa
assim.
— Ele não é meu irmão. Nós temos a mesma mãe
biologicamente falando, mas isso é tudo.
— As pessoas te acusam de ser chato, e eu tento te defender,
mas você não ajuda— meu primo afirma.— Eu daria tudo por mais
um dia com a minha mãe, você ainda pode ter centenas de dias
com a sua, pode conhecer seu irmão, apenas deixe de ser cabeça
dura.
Ele vai embora, balançando a cabeça, em vez de trabalhar,
abro uma guia nova no navegador e digito o nome do filho de
Margareth. Alec, só Alec. Esse é o nome artístico dele. Sei que o
segundo nome do meu meio-irmão é Gustavo, mas ninguém se
refere a ele assim.
Minha mãe cantava e tocava tudo que era instrumento. Ela foi
educada em conservatórios e fez anos de ballet. Ela andava como
um passarinho e cantava como um. Eu também fiz aula de canto
quando era pequeno, ela contratou professores e me chamava de
pardalzinho, porque eu misturava as letras. Ela me disse uma vez
que os pardais são os melhores cantores porque, em vez de cantar
uma só música, eles têm todo um repertório para cortejar as fêmeas
e alternam a ordem dos seus cantos porque as fêmeas da espécie
são muito exigentes.
“Os pardais são passarinhos muito persistentes e inventivos,
como você”, ela costumava dizer. Ela era a melhor mãe do mundo,
até simplesmente me deixar sem mãe nenhuma. Com o passar dos
anos, eu parei de ter memórias dela, o rosto foi esmaecendo na
minha cabeça, mas a sua voz é a única coisa que permanece. A
memória mais viva de todas é quando ela me colocava para dormir
todas as noites e eu pedia que ela cantasse a mesma música
“You’re my sunshine” de Johnny Cash.
Os dias passam rápido e não escuto mais falar de Alec nem do
passado. Estou totalmente voltado para o fechamento da mina do
Congo e para a abertura das minas na Botswana, manutenção das
linhas de produção, aprovação dos trabalhos dos designers de joias
e campanhas publicitárias. Wanda, minha assistente temporária, é
eficaz em fazer o que eu espero de uma assistente, não é uma
Glória Marshall, mas é boa e entendo porque Arthur gosta tanto do
trabalho dela. Ela é minuciosa com a agenda, está sempre
antevendo questões e percebo que ela vê esse arranjo como uma
oportunidade de se provar para mim, o dono da empresa, o que
mostra que ela tem ambição.
— A senhora Marshall está aqui para vê-lo, posso autorizar a
entrada?— ela questiona pelo telefone. Autorizo e me levanto para
abrir a porta para Glória.
— Sabia que você ia voltar— digo quando ela entra. Glória
sorri e me dá um tapinha no ombro, seguido de um abraço, então
peço para que se sente e volto para o meu lugar.
— Eu vim assinar uma documentação no RH e resolvi passar
para ver como estão as coisas.
— Estamos sobrevivendo— respondo.
— Sempre político, nessas horas, você me lembra tanto o seu
pai — ela comenta— Quando ele recebia um funcionário aqui na
sala, ele costumava se levantar da cadeira dele e pedir que o
funcionário se sentasse nela. E então perguntava: se você fosse eu,
o que faria para melhorar a Diamantes Campanelli. Sempre acreditei
que ele nunca se importou com a resposta, ele gostava que as
pessoas pensassem que ele se importava.
— Parece típico dele — comento. Glória Marshall me olha com
uma expressão analítica.— Como está a vida de aposentada?
— Meu jardim está florindo, levo meus netos na missa, as
coisas estão indo bem.
— Nenhuma saudade do trabalho?
— Querido, eu trabalhei aqui por mais de quatro décadas, é
claro que eu sinto falta, mas essa empresa não podia ser toda a
minha vida. Não sei se pode ser a sua, e você é o dono.
— Claro que pode— argumento.— Então, não tem
documentação nenhuma no RH, tem? Arthur ligou não foi? Para
falar sobre o filho dela.
— Primeiro, não seja tão egocêntrico, há de fato uma
documentação, mas, sim, ele me ligou. Principalmente, indignado
por você ter roubado a assistente pessoal dele, mas ele também
citou a questão.
— Ele acha que eu deveria ir atrás dela, que deveria ter me
procurado, anos atrás.
— Eu entrei aqui quando tinha vinte anos, seu pai era solteiro
e era o homem mais desejado da cidade. Uma vez uma garota
desmaiou esperando por ele na frente do prédio. A questão é que
ele viu sua mãe um dia, tocando piano em um evento beneficente, e
se apaixonou por ela. Aquele homem correu atrás daquela mulher
de forma incansável, flores, diamantes, presentes e mais presentes,
até ela finalmente aceitar sair com ele. Ela ficou grávida...
— Ela ficou grávida antes de se casar?
— Ficou. Isso era pouco comum na época, hoje em dia uma
coisa não tem nem relação com a outra. Bebês são até feitos em
placas em consultórios, mas enfim...eles se casaram, ela perdeu o
bebê, anos depois você nasceu e não havia um homem mais
orgulhoso da esposa e do filho do que ele. A sua mãe, no entanto,
ela era triste, ela te amava, você era a luz da vida dela, mas só de
olhar para ela era possível perceber que não estava feliz. Estou te
dizendo tudo isso porque as pessoas são complexas, Malcolm. Você
mesmo é uma pessoa extremamente complexa e tem muito mais
camadas do que deixa que a maioria das pessoas veja.
— Pra mim, é simples, ela me abandonou, e eu não tenho
nenhum interesse em mudar nada hoje. E, por mais que eu te
respeite imensamente, não quero mais ouvir sobre o assunto.
— Tudo bem. É um direito seu— ela responde.— Agora vamos
falar sobre Savannah. Porque ela está com Arthur? Wanda não é o
tipo de assistente que você precisa.
— Na verdade, ela é exatamente a assistente que eu preciso.
Tudo está correndo aqui perfeitamente. Ela é organizada, pontual,
tem toda a documentação de cada reunião devidamente preparada
com antecedência. Ela é ótima.
— Ela fez algo que te deixou irritado? Você já foi grosseiro com
ela?
— Eu estava fora na maior parte da semana, então...
— E não a levou junto?
— Não. Só em uma reunião com um investidor.
— Sabe porque não a recomendei para o meu cargo? No
primeiro momento que você não for gentil, isso vai ser um problema.
Ela trabalha há mais de cinco anos com Arthur, a pessoa mais
simpática e pouco exigente de toda essa empresa. Sair dele para
você, por mais competente que ela seja, vai ser um choque. Não vai
durar. E como agora é a parte em que você me diz que não se
importa com a minha opinião nesse assunto, me deixe mudar de
temática: como vão os preparativos para o retiro?
Glória Marshall me conhece como a palma da própria mão. Às
vezes, como agora, isso pode ser irritante. É! Eu pretendia mesmo
dizer que ela não tinha que se preocupar com isso, que é um
problema meu.
— Semana que vem.
— Sabe, quando você assumiu, eu pensei que acabaria com
os retiros.
— As pessoas gostam.
— É, mas você não liga para o que as pessoas gostam,
Malcolm— ela afirma.
Como previsto, ou talvez praguejado por Glória, alguns dias
depois, Wanda tem uma crise emocional na minha sala quando
reclamo por não ter recebido os dados da Miller em tempo hábil.
Nem sei se é culpa dela que não juntou os dados diários da última
semana, como Glória fazia, ou se a questão foi o envio dos dados
por parte da empresa. De qualquer forma, estou numa reunião de
investidores sem os números recentes para apresentar.
— Chame a senhorita Savannah— afirmo, irritado, no meio do
corredor. Savannah aparece alguns minutos depois com um IPad na
mão. Ela está usando um vestido florido, esse é o tipo de palhaçada
que Arthur permite. Quando passa por mim, ela deixa um cheiro de
doce no ar.
— Bom dia, senhor Campanelli— ela me diz.— Como posso
ajudá-lo?
— Quais são os dados mais recentes que você tem? Da
semana antes de ir trabalhar com Arthur?
— De todo o trimestre até ontem— ela me responde.— Com
projeções gerais e específicas e alguns dados do início da avaliação
na Botswana. Está tudo aqui.— Ela me entrega o IPad com uma
apresentação na tela.
— Participe da reunião comigo.
— Eu tenho que acompanhar o senhor Arthur em um briefing
— ela me diz, colocando uma mecha dos cabelos atrás da orelha.
— Eu não estou perguntando se você pode, estou dizendo que
quero que faça isso— afirmo. Ela respira fundo e acena
concordando e então entra na sala comigo.
O meu atual problema de ótica da empresa é: fechar as minas
no Congo e deixar de fazer uma exploração com um país marcado
por uma forte corrupção, mas também significa deixar milhares sem
emprego. Para os investidores, as questões políticas parecem
importar muito pouco, eles só querem permanecer no Congo,
porque isso significa mais margem de lucro.
— E se fizemos uma concessão dos direitos de exploração
para outra empresa?— uma das acionistas perguntam.
— Não é uma boa ideia— respondo.
— Com base nos números, isso significa abrir o risco de
perder um valor bruto anual de 12.6 bilhões em extração e isso pode
valer ainda mais em algum tempo — Savannah diz.
— Ou seja, as minas paradas estariam melhor que
funcionando nas mãos alheias— complemento.
— E, quando, na linha do tempo, vamos conseguir manter o
padrão de mineração e extração se seu plano é fechar o Congo em
algumas semanas?— outra pessoa pergunta.— Como isso garante
a cadeia final? Vamos lá, porque as cadeias de joias vão continuar
comprando com a Campanelli sem ter certeza de que podemos
manter as taxas de entrega?
— Como será a prioridade? Produção própria ou clientes
externos?
São muitas perguntas, e eu não costumo estar despreparado,
mas essa última semana me tirou do meu elemento. Respiro fundo,
posso fazer isso, fui treinando para fazer isso desde os meus oito
anos. Posso fazer isso dormindo.
— Vamos lá, primeiro, há uma previsão de manutenção do
montante em até quatro meses do início na Botswana. Além disso,
temos a Austrália como carta coringa. As cadeias vão continuar
comprando, porque os nossos diamantes são os melhores, o nosso
nome significa um valor agregado muito importante.
— Mas isso é volátil.
— Não tem sido, nossa variação máxima no mercado de ações
tem sido de 0,59% nas últimas 80 semanas— Savannah afirma.
— E você é?— um dos investidores pergunta.
— Uma funcionária— afirmo. Me levanto da cadeira, como
meu pai costumava fazer quando queria intimidar.— Vamos ao que
interessa, Nilton. Fechamos o Congo, evitamos um escândalo que
está prestes a acontecer, não vamos querer repetir o erro da
Laurence Diamantes, na Tanzânia, não é?— digo, tocando no
ombro dele.— Operamos com uma pequena baixa por, no máximo,
quatro meses e então voltamos em força total com uma campanha
verde um programa social para o Congo. Arthur até já me
apresentou as ideias iniciais da campanha. E a nossa prioridade? A
produção própria pode ser levemente reduzida para evitar que
clientes do bruto migrem, mais alguma dúvida?
— Parece que você pensou em tudo— Nilton diz.— E, nos
últimos cinco anos, você só acertou.
A reunião rapidamente acaba depois disso. Cumprimento
todos na medida em que vão indo embora e então fico na sala,
sozinho com Savannah.
— Não existe uma campanha com Arthur— ela diz.
— Não. Não existe, mas vai existir.
— Sair do Congo é um erro.
— Vou te dar dois minutos para explicar— aviso.
— Você não dá banho na criança e depois joga a água suja, o
bebê e a bacia fora. Só a água que não serve mais. O resto é
importante.Um programa, sozinho, vai ser suficiente?
— Eu não tenho uma empresa de caridade, Savannah.
— Não é só isso. Eles têm razão sobre a linha do tempo. Não
sabe de verdade se a extração pode manter o ritmo das vendas,
senhor Campanelli. Mesmo com todo o investimento, ainda há que
se prever problemas no processo.
— E qual seria o plano aqui, Savannah?
— Eu teria que olhar os números, então, ainda não sei, mas
não pode simplesmente desistir, pode? O senhor está na capa da
Times como “o incansável”. O homem que fez um império crescer
mais em dois anos do que em toda a última década— ela
argumenta.— Deixei os nomes que pediu com a sua assistente
pessoal. Tenha um bom dia, senhor Campanelli.
— Aonde você vai?
— Se me permite, vou voltar para a minha sala e para o meu
chefe.
— Eu sou seu chefe— digo, irritado. Savannah para com a
porta entreaberta e me olha de modo desafiador, eu me levanto e
me aproximo dela.— Não esqueça disso.
 

 
Estou parada na porta, olhando para Malcolm quando ele se
aproxima com sua altura imponente e rosto perfeito. “Eu sou seu
chefe”, as palavras estão buzinando no meu ouvido enquanto ele
chega cada vez mais perto.
— Não se esqueça disso.
— Não acho que eu possa esquecer— devolvo. Então Malcolm
põe a mão na minha cintura outra vez, a mão enorme e dominadora
dele toma conta do meu corpo, deixa nossas bocas extremamente
próximas, até que ele me beija. É como se o fogo encontrasse o
gelo e estou praticamente derretendo contra o corpo dele na medida
em que os nossos lábios se movimentam. Ele segura meu rosto,
intensificando ainda mais o beijo e tenho quase certeza de que
posso sentir o corpo dele estremecer contra o meu.
Minhas mãos vão para a bainha de sua camisa, tentando soltá-
lo, quero tocar nele, quero sentir minha pele na dele. Fecho meus
olhos e inclino minha cabeça para trás, enquanto Malcolm está
mordendo e beijando meu pescoço,
Me afasto um pouco e solto os botões da sua camisa. Malcom
se move comigo até a mesa e me deixa sentada no móvel enquanto
se posiciona entre minhas pernas, subo a saia do meu vestido,
quero isso, quero ele mais do que já quis outro homem. Malcolm
coloca sua boca em mim novamente, dessa vez descendo-a pelo
meu pescoço até os seios.
— Eu quero você— ele me diz. Abro mais minhas pernas e
prendo-as ao redor do corpo de Malcolm. E, então, ele está dentro
de mim, me fodendo por cima da mesa da sala de reuniões.
— Savannah...Savannah... — uma voz distante chama. Abro
os olhos e não há Malcolm, sala de reunião ou sexo. Estou no
ônibus, com Nadine sentada ao meu lado.— Chegamos em
Vermont!
Estou um tanto desajustada no momento, seja pelo sono, seja
pelo sonho, mas, honestamente, deve ser a combinação de ambos.
O retiro da Diamantes Campanelli acontece em uma pousada
enorme em uma área rural em Vermont. Em Vermont! Vim para
Vermont numas férias de primavera da universidade, eu e Lucy
estávamos namorando irmãos que tinham um chalé na cidade e eu
estava apaixonada pela ideia de ter dias românticos em Vermont.
Em vez disso, Lucy brigou com o namorado e decidiu que queria
voltar para Nova Iorque, então eu passei mais tempo dentro do
ônibus do que, de fato, na cidade.
— O retiro acontece aqui todos os anos?— pergunto a Nadine,
que está parada ao meu lado enquanto esperamos que nossas
malas sejam retiradas.
— Tem sido aqui nos últimos três anos, já tinha sido antes,
mas o senhor Campanelli gosta de mudar. Essa versão aqui é só
para os cargos do escritório de Nova Iorque, mas teve um ano que
ele juntou alguns escritórios e fez tudo em Cancún. Era como um
daqueles reality shows de pegação, juro. Então ele percebeu que
mesmo os mais sérios funcionários não têm maturidade para se
comportar direito quando parece que estão de férias.
Acho graça da ideia de Malcolm tendo que lidar com a
situação.
— Sabe qual foi a melhor parte desse ano?— uma assistente
administrativa, Erika, pergunta.— O senhor Campanelli tendo que
abrir a camisa porque não suportava o calor do México. Confesso
que fiquei mais feliz com isso do que com meu bônus de Natal.
Nadine sorri, eu também. Malcolm não veio conosco, os meros
mortais. Eu teria vindo com ele se ainda fosse sua assistente
pessoal. Deus, eu estou chateada por isso, não estou? Como é
possível? Eu deveria estar feliz. Trabalhar com Arthur é muito mais
leve, ele não é ríspido, não é impaciente. Arthur é o chefe dos
sonhos.
— Garota, o que você fez para ser trocada pela Wanda?—
Erika questiona. O que eu fiz? Não posso dizer o que acredito que
aconteceu, que Malcolm ficou constrangido comigo e decidiu que
não queria mais ter que gastar muito tempo olhando na minha cara.
Isso faz parecer que eu o constrangi propositalmente, quando não é
verdade.
— Savannah Armstrong— o homem que está descarregando
as malas grita. Sou salva pelo gongo, ou melhor, pelo grito. Então
me afasto para pegar minha mala e digo que já vou para a
recepção.
Assim que coloco meus pés na recepção, vejo o senhor
Malcolm chegando com Wanda. Penso no sonho, ele tem se
tornado recorrente, são sonhos em que ele me fode contra mesas,
armários.
— Boa tarde, senhor Campanelli. Boa tarde, Wanda— digo,
tentando retirar a visão de todo o sexo fictício que venho tendo com
meu chefe.
— Boa tarde, senhorita Savannah. Fez boa viagem?
— Eu dormi bastante, então sim— respondo. Merda! Por que
eu sempre falo demais perto dele? Eu poderia só dizer: “sim,
obrigada”.
— Ótimo! É bom subir e se organizar, as atividades começam
depois do almoço.
Ele não me chamou de volta desde o que aconteceu alguns
dias atrás. Talvez seja melhor assim. Não posso fazer muito sobre
os sonhos eróticos com meu chefe, mas aceitei sair com Dan Collins
novamente, jantamos em um restaurante havaiano ontem à noite.
Dan é adorável, ele é advogado e trabalhou com Alexa um tempo.
Claro que ele ainda é uma pessoa extremamente rica que pede
pratos com cogumelos e escolhe vinhos pelo nome na vinícola.
Na noite passada, eu não fui a melhor das companhias, estava
ansiosa com a viagem para Vermont. Ainda assim, Dan se ofereceu
para me levar para casa, pedi para que me deixasse na casa de
Alexa, minha amiga me ofereceu as chaves, já que ia sair muito
mais cedo que o usual. Ele desceu do carro esportivo de luxo e
abriu a porta para mim, e então nos beijamos. “Te vejo quando você
voltar, linda, boa viagem”, foi o que ele me disse antes de ir embora.
Subo e deixo minhas coisas no quarto. Cada funcionário tem
um quarto para utilizar sozinho, o que é muito bom. São mais de
cem funcionários aqui e isso deve significar um custo enorme, mas
não é nada que de fato chegue perto de impactar uma empresa que
vende anéis de 50 mil dólares.
Ligo o aquecedor e me deito um pouco, está frio lá fora e eu
realmente não quero me sentar em um salão de convenções e ouvir
palestras motivacionais. Faço uma foto minha deitada na cama e
mando para o grupo que tenho com minhas amigas. Lucy responde,
dizendo:“que chique! Manda foto da vista da sua janela e do gostoso
do seu chefe”, já Alexa manda uma foto da mesa dela no escritório,
cheia de pastas.
Almoço com um pessoal da empresa e então vamos para o
centro de convenções. O lugar foi rearranjado, há cerca de duzentas
cadeiras em um grande semicírculo e as pessoas estão ocupando
seus lugares. Malcom está em uma das pontas, sentado ao lado dos
diretores da Diamantes Campanelli, ele está de pernas cruzadas,
celular na mão, parece sério demais enquanto todos conversam e
sorriem.
— Só quero que todos tenham em mente que a palavra
‘empresa’ não significa apenas negócios. Isso também significa
amizades— diz o profissional que foi contratado para essa palestra
motivacional, um homem com poucos cabelos e que não me
inspiraria a nada além de abrir uma garrafa de vinho e não o ouvir.
Ainda assim, as pessoas estão aplaudindo. Um homem no
canto do corredor dá um grito alto que eu não sei se é sarcástico ou
não. Seja como for, ele está vestindo uma camisa havaiana e agindo
como se fosse um adolescente nas férias de primavera. Existe uma
cultura de animosidade numa companhia como essa, a maioria das
pessoas é mais velha e está na Diamantes Campanelli desde que o
pai de Malcolm era o CEO. Então o cara tem razão quando fala
sobre amizade, as assistentes pessoais, por exemplo, são bastante
unidas e sempre ajudam umas às outras.
— Vamos para o nosso primeiro exercício, quero que você
pegue uma das folhas na sua cadeira e tente encontrar uma pessoa
da equipe que se enquadre com cada uma das categorias escritas.
Vamos lá, eu tenho aqui “líder”, então vou destacar essa categoria e
entregar ao senhor Campanelli.
Claro, penso sorrindo. Sentada ao meu lado, Wanda me olha.
— O que você disse?— ela questiona. Merda! Eu falei isso
alto? As pessoas começam a se levantar e a entregar papéis.
— Não, nada. Só estou pensando alto sobre essas categorias.
No papel que estou segurando, tenho “motivador”, “engenhoso” e
“criativo”. Argumentaria que engenhoso e criativo são basicamente
sinônimos. Olho para Nadine e entrego “engenhoso” para ela, que
sorri e me entrega “persistente”. Nadine é uma pessoa maravilhosa,
saímos para almoçar juntas agora que estou trabalhando para
Arthur e meu tempo é mais livre, ela é divertida e adora fazer fofoca
sobre a empresa, o que mantém atualizada sobre quem está saindo
com quem e coisa do tipo.
O papel com o nome “criativo”, eu entrego a uma das
designers que mal conheço, mas é a primeira pessoa em quem
penso, por fim, fico com “motivador” na mão. E olho ao redor,
notando que as pessoas já se sentaram e sou a única de pé.
— Como é seu nome?— o palestrante me pergunta. Quero me
jogar no chão como uma criança birrenta de seis anos na fila do
sorvete ao descobrir que seu sabor favorito acabou.
— Savannah, Savannah Armstrong.
— Ok, Savannah. Você tem um belo sorriso— ele me diz.—
Vejo que está pensativa sobre a última característica, quer
compartilhar com o pessoal qual a palavra?
— Motivador— digo.
— Ótimo. Uma característica incrível e uma bem fácil.
— Estou na empresa há pouco tempo...— começo a dizer, mas
o homem não parece satisfeito.
— É simples. Vamos lá...— Olho para Malcolm, que está nos
assistindo atentamente, então volto a olhar para o homem.
— Na verdade, não é tão simples. O papel que recebi tinha
três características e, honestamente, duas delas eram sinônimos,
isso sem falar no fato de que todas as formas estão no masculino, e
essa empresa, pelo menos no corporativo, é feita por mais 70% de
uma força de trabalho feminina.
— Ótimas observações, mas vamos lá, pense em alguém que
oferece isso a você na Diamantes Campanelli. Alguém que te
desafia a ser melhor ou que escuta suas ideias.
— Já chega!— Malcolm diz.— Passe para o próximo exercício.
— Não. Se ele insiste— digo, irritada. Respiro fundo e caminho
até Malcolm e então estico o papel para ele. Há um silêncio enorme,
e eu quero morrer por ter feito isso, mas essa é a verdade. Ele foi
meu chefe pela maior parte do tempo e, mesmo que não seja o
melhor dos chefes, me impulsionou a ser melhor, mesmo que tenha
usado argumentos terríveis e uma didática contrária. Malcolm pega
o pedaço de papel e me encara com seus olhos cinzentos.
— Obrigado— é tudo que ele me diz, e então eu volto a me
sentar.
— Você sabe que todo mundo vai falar disso pelo resto do ano,
certo?— Nadine questiona.
— Não sei bem o que estava fazendo— é tudo que eu digo.
— Você mostrou a ele, garota! Adorei o comentário sobre
gênero— uma mulher do setor de finanças me diz. Sorrio por
educação.
— Nossa próxima atividade é um pouco mais imersiva, olhem
para os crachás de vocês— o palestrante diz.— Vão ver que neles,
além do nome de vocês, há um espaço para escrever três coisas
importantes sobre vocês mesmos, mas vocês não podem escolher
todas elas. A primeira característica deve ser algo que você recebeu
de um colega no exercício anterior. No caso do senhor Campanelli,
temos aqui “líder”, isso é algo profissional, agora vamos para algo
pessoal, que vocês podem escolher. Qual seria essa informação,
senhor Campanelli? Pode ser se é solteiro ou casado...
— Isso serve. Líder, solteiro e...como seria a terceira?—
Malcolm pergunta, ele fica de pé e ajusta o blazer, então pega uma
caneta e escreve no crachá.
Bilionário, herdeiro, mal-educado, implicante. Há muito que ele
poderia escolher.
— A terceira tem que ser uma curiosidade. No meu, por
exemplo, diz que eu toco bateria no meu tempo livre.
— Eu coleciono carros esportivos— Malcolm responde.
— Excelente. Agora é a vez de vocês, vamos lá?
Isso leva uns cinco minutos até que todos conseguem finalizar,
e então o palestrante volta a falar anunciando uma nova atividade. A
queda da confiança. Eu já fiz isso em outra empresa, é horrível.
— Vou usar o senhor Campanelli novamente de exemplo
e,Savannah, pode vir até aqui?
Merda! Porque eu tinha que ficar de pé? Porque eu tinha que
falar mal da atividade dele? Eu poderia apenas ter me encolhido na
minha cadeira e passado por essa tarde de tortura com danos
mínimos. Levanto-me e vou até eles.
— Não precisa fazer isso se não quiser— Malcolm me diz.
— Está tudo bem, seria pior não fazer— explico.
— Está pronta para cair nos braços do senhor Campanelli,
Savannah?— o homem questiona. Que pergunta infeliz! E não, claro
que não estou.
— Claro.— Eu fico de frente para Malcolm rapidamente e olho
em seus olhos lindos e intimidadores, ele parece menos confortável
do que eu com a coisa toda.— Apenas não me deixe cair, tudo
bem? Eu honestamente me recuso a morrer em um retiro da
empresa.
— Não se preocupe— ele afirma.
— Você pode se soltar, Savannah— o homem me diz. Faço
isso. Fecho meus olhos e simplesmente faço. Por alguma razão, eu
estava esperando mãos espalmadas em minhas costas e, em vez
disso, as mãos de Malcolm se enrolam em minha cintura. Através
do material fino do meu vestido, elas parecem quentes e firmes. Ele
está me segurando, e eu sei que não vou cair. Por alguma razão, eu
simplesmente confio nele.
— Tudo bem?— ele me pergunta. Ele fala baixinho e sua voz e
está bem perto do meu ouvido. Apenas aceno concordando, não sei
como minha voz vai soar se tentar falar, já que o meu coração, por
alguma razão, está batendo forte demais. Malcolm me coloca de
volta em pé, as mãos deixam meu corpo e percebo que sinto falta
delas. Pense em outra coisa, qualquer outra coisa, Sabrina. Pense
em Dan, no beijo dele, pense em como Malcolm Campanelli é
insuportável. Quero pensar em qualquer coisa que não seja o fato
de que as mãos dele em mim parecem certas.
— Fica claro que não podemos fazer o exercício de volta,
porque o senhor Campanelli é muito alto, mas vocês entenderam a
lógica, certo? Vamos lá, formem pares.
Claro que entendemos. Não é como se fosse ciência especial.
Quatro incansáveis horas nesse salão e então estamos liberados
para jantar e fazer o que bem entendermos com nosso tempo livre.
— Agora a festa começa de verdade— Nadine diz, sorrindo.
Subo e tomo um banho e vamos para uma área da pousada que
tem uma piscina aquecida, champanhe e estamos todos nós, todos
os assistentes pessoais, celebrando. Somos um grupo
consideravelmente pequeno, cada gestor da empresa tem um ou
dois assistentes, são, ao todo, oito gestores ou chefes de
departamento, então há um grupo de dez assistentes, dos quais
apenas um não é mulher. Clóvis sempre diz que é bendito entre as
mulheres.
— Você foi demais hoje!— Catarina, uma das minhas colegas,
diz.— Adorei você falando sobre as palavras não terem neutralidade
de gênero. E você já percebeu que só temos uma gestora, certo?
No RH, o restoé dinossauroda época do pai do senhor Campanelli.
— Você está esquecendo do Arthur— Wanda diz.
— Ah, é..., mas é que o Arthur é tão casual que eu mal lembro
que ele é quem é. Sério. Sentindo falta de trabalhar com ele,
Wanda?— A assistente me olha antes de responder.
— Olha, eu gosto do Arthur, e o Malcolm é complicado, muito
complicado, como todos sabem, mas trabalhar com ele é mais
importante, sabe? Parece uma promoção. Sinto muito, Savannah.
— Sabe o que eu não entendi, por que ele trocou de assistente
com o Arthur? Como foi isso? Houve algum problema com você?—
Clóvis pergunta.
— Não— respondo— Ele só não me achava experiente o
suficiente.
— Mas ele não pediu especificamente por você esses dias?—
Helena pergunta.
— Sim, mas...só porque eu tinha alguns dados que ele
precisava— respondo. Prendo meu cabelo e mergulho,
atravessando a piscina de um lado para o outro, indo na direção da
minha, até então esquecida, taça de champanhe. Nadine se
aproxima de mim e sorri de forma solidária.
Um telefone começa a tocar, e Wanda se move rapidamente
para atender.
— Sim, senhor Campanelli, claro, já estou indo... — ela diz e
então encerra a ligação— Tenho que ir, o chefe precisa de mim.
Assistimos enquanto ela veste o robe e saí correndo. Nadine
ergue as sobrancelhas e sorri, me olhando.
— Você se livrou disso.
— Com certeza. Isso até merece um brinde— digo, enchendo
novamente minha taça.
— Deus, por favor, mais champanhe, eu preciso beber para
esquecer aquele palestrante— Clóvis diz.— Se aquele homem me
disser que a calma é o caminho para resolução de conflitos mais
uma vez eu juro que vou perder minha calma com ele.
— Amigo, nem começou a ficar ruim. Hoje foi só aquecimento,
amanhã é nome da palestra é “saindo da zona de conforto”, não
acho que nada bom pode vir disso— afirmo, fazendo-o gargalhar.
Mais de uma hora depois estou só de biquíni cantando “Good
as Hell” com Nadine enquanto todos aplaudem. Eu saio da piscina e
faço um coro solo, o que significa que já estou ficando bêbada, mas
todos nós estamos.
— Garota, você sabe cantar!— Nadine diz.
— E dançar. Eu sou uma garota sulista, querida, temos sempre
muitos talentos.
— Ok, sabe o que eu sempre quis aprender?— Clóvis
pergunta, saindo da água também.— Aqueles passos de country
que vocês dançam em bares que todo mundo bate a bota no chão,
se vira de uma vez e tudo mais, parece sempre tão ensaiado.
— Não é. E não é difícil— digo. Ponho a mão no quadril dele e
explico que só precisa se mover corretamente e prestar atenção no
tempo da música. A pessoa controlando o som escolhe uma música
country e todos estão tentando seguir meus passos quando Wanda
retorna.
— Já acabou?— Helena questiona.
— Não. Na verdade, vim buscar a Savannah, o senhor
Campanelli pediu para chamar você— ela diz.— Eu tentei te ligar,
mas...
— Eu deixei meu celular no quarto— explico. Nadine pega um
roupão para mim, e eu me enrolo, minha roupa está molhada em
algum canto e eu preciso ir até o quarto, mas, quando digo isso a
Wanda, ela me diz que é melhor ir assim mesmo, pois o senhor
Campanelli parece irritado.
Sigo com ela no elevador, meus cabelos pingando. Tento ao
máximo me secar, mas não faço um bom trabalho, já que o robe tem
suas limitações. Entramos numa sala de conferências e então
Malcolm está sentado com o telefone no ouvido.
— Claro que é isso que eu quero, porqueestaria te ligando?
Apenas pare com tudo até que eu decida o que fazer— ele
praticamente grita e então desliga o telefone.
— Aqui está ela, senhor Campanelli— Wanda diz.
— Você está...pingando.
— Me disseram que era urgente.
— Apenas se sente. Recebi uma notificação de um processo
contra a empresa, o governo do Congo está nos processando por
deixar o país e criar um déficit econômico.
— Ok, como eu posso ajudá-lo com isso?— questiono.
— Preciso que me diga o que pensou sobre a situação do
Congo, como resolver.
— Senhor Campanelli, eu estou... eu preciso de um café.
— Wanda, providencie um café— ele demanda. Wanda me
olha parecendo surpresa e então diz um “é pra já” e vai embora para
conseguir o tal café.
— Achei que assistentes pessoais não pegassem café—
implico.
— Assistentes pessoais fazem o que seus chefes mandam—
ele responde.Eume tremo um pouco e Malcolm nota.— Você está
ensopada— ele me diz. Deus, porque essa palavra saindo da boca
dele parece algo sensual? Eu preciso de uma intervenção.
Malcolm tira a jaqueta e me entrega dizendo: “Vista isso”. Eu
abro o roupão e estou apenas de biquíni, inicialmente ele não se
move, parece pego de surpresa pela minha atitude. Passo os braços
pela roupa dele e então fecho os botões, fica um vestido, um vestido
bastante longo, a roupa está quente e cheira como ele.
— Eu consegui um café...— Wanda começa a dizer. Ela nota
que estamos parados um na frente do outro e o que estou vestindo,
e então seu rosto branco fica vermelho.
— Obrigada, Wanda!— digo, me aproximando dela e pegando
o copo de café. Tomo um grande gole e então me sento em uma
poltrona confortável.
— Wanda, ligue para o Arthur novamente, se não funcionar,
tente encontrá-lo de outra forma. Ele já deveria estar aqui e preciso
que se adiante e resolva com a imprensa.
— Claro, senhor Campanelli— ela responde.
— Você pode usar a sala ao lado— Malcolm diz. Não entendo
por que está pedindo que ela saia, mas, então, ele se senta na
poltrona de frente para a minha e solta o colarinho da camisa.—
Você me disse que teria que avaliar os números para pensar na
situação do Congo...
— O senhor tem uma empresa inteira, a melhor do país,
compilando dados e avaliações de mercado financeiro, porque
precisa de mim?
— O que você quer para fazer isso?
— Não é sobre o que eu quero. Só estou tentando entender
porquê.
— Porque você é melhor que eles. Faça isso e pode voltar a
ser minha assistente.
— Não quero ser sua assistente
— Bom, então é ótimo que isso aqui não é sobre o que você
quer— ele responde, usando minhas palavras contra mim. Filho da
mãe.— Tomemais café, ainda está tremendo.
Nem sei se ainda é frio ou se é o cheiro dele nessa camisa que
está me deixando assim, seja como for, eu preciso manter a minha
cabeça no lugar. Eu, de fato, olhei os números depois da nossa
conversa sobre o Congo. Quinze mil empregos, quinze mil famílias
que dependem de nove minas de diamante espalhadas pelo
território congolês.
— Eu olhei os números e acontece que não existe mesmo uma
saída fácil, mas talvez exista uma saída criativa— afirmo.
— Estou ouvindo.
— Ok, as minas mais afastadas da capital têm maior
autonomia, menores taxas de corrupção, mas são mais suscetíveis
a brechas de segurança. Se fechar as minas da capital, três delas,
pode realocar parte da força de trabalho nas outras, expandir a
produção, mas ainda resta o problema de cerca de dois mil
funcionários que não teriam emprego.
— Menos de 25% do total, não é tão ruim— ele diz— Podemos
trabalhar com isso.
— É aí que entraria a solução criativa. Não há um escritório de
designer em todo o continente africano, ou seja, o grupo extraí no
continente, mas não gera nada além do produto bruto.
— Seria uma forma de gerar mais empregos e expandir linhas
— ele diz, sorrindo. Nunca vi Malcolm sorrir antes, não dessa forma.
Ele fica de pé e caminha até mim, colocando a mão no meu rosto.—
Você é um gênio!
Sinto minhas pernas trêmulas, estou excitada, e não é só pela
ideia, é por ele. Pelas suas mãos em mim. Batidas na porta fazem
com que ele se afaste, Wanda entra com o telefone na mão.
— O senhor Arthur atendeu, ele está pegando o helicóptero
agora mesmo— Wanda afirma.
— Obrigado, Wanda. Vou esperar por ele, quero resolver isso
antes de dormir Malcom Campanelli faz um breve aceno com a
cabeça a dispensando.
Wanda vai embora. O olhar dela para mim é novamente
carregado de uma confusão e curiosidade. O que será que ela está
pensando? Bem, vamos ao que ela tem como fato. Eu estou usando
o paletó do meu chefe, apenas de biquíni por baixo e estamos
sentados muito perto um do outro.
— É melhor você ir para o quarto ou voltar para a sua
diversão, não sei— ele diz. É melhor...é nisso que eu foco. É melhor
porquê? Quero perguntar. Ele sente essa mesma faísca que eu
sinto quando fico assim perto dele ou é tudo coisa da minha
cabeça? Mordo meu lábio e respiro fundo.
— Tem certeza? Eu posso ficar e ajudar...
— Tenho— ele diz, me olhando.— Eu posso lidar com isso
com Arthur, mas você já ajudou muito, Savannah. Obrigado.
— Obrigado? Malcolm Campanelli está pedindo obrigado?
Talvez eu esteja alucinando.— Ele balança a cabeça negativamente
e me oferece um pequeno sorriso, é discreto, quase imperceptível,
mas muito charmoso.
— Te vejo amanhã— ele diz enquanto se aproxima da porta e
abre-a para mim. Volto para o quarto e retiro o blazer dele. Estou
com as pernas bambas e, honestamente, com mais tesão do que já
estive em toda a minha vida. Só consigo pensar em como quero
voltar lá e me jogar nos braços dele, pedir para que ele me foda em
uma daquelas janelas com vista para a neve e para a floresta da
sala de convenções.
Como não tenho coragem de fazer isso, eu apenas me deito
na cama, coloco a mão no meu clitóris e me dedilho enquanto
imagino a boca dele passeando pelo meu corpo. É isso, eu
definitivamente perdi a cabeça porque estou sussurrando o nome
dele enquanto me dou prazer.
 

 
O restante do final de semana no retiro é bem estranho depois
da noite anterior. Logo pela manhã, quando entro no café da manhã,
noto olhares na minha direção. Primeiro eu tento me convencer de
que estou sendo paranoica. Sabe quando você entra em um lugar e
acha que todos estão prestando atenção em você, mas, na verdade,
as pessoas só estão cuidando das próprias vidas? Bem, é disso que
tento me convencer.
Apesar do meu esforço, percebo que não é o caso. Nadine
caminha na minha direção antes que eu chegue até a mesa e faz
sinal para que eu a acompanhe. Ela passa pelas portas de vidro e
somos recebidas pela neve que cai lentamente. Fecho meu casaco,
estou com frio, com fome e honestamente só quero voltar para Nova
Iorque.
— Tem algo rolando entre você o chefe? Nada contra se for o
caso, eu mesma adoraria montar naquele homem, mas as pessoas
não param de falar disso.
— Ótimo!— digo, cansada. Olho para dentro do restaurante
pelas portas de vidro e vejo que, na mesa em que eu pretendia me
sentar, na mesa onde estão os assistentes pessoais com quem
trabalho todos os dias pelos últimos quase três meses, todos estão
olhando para mim e Nadine. Eles tentam disfarçar, mas não são
bons nisso.— Eu não...não tenho nada com ele. Ele é meu chefe, só
isso.
— Ok, se você está dizendo, eu acredito. Só precisava saber o
que dizer para poder te defender.
— Não me leve a mal, Nadine, mas não preciso que me
defenda. Não sei o que a Wanda, ou seja lá mais quem que está
espalhando isso acha que viu, mas não tem nada acontecendo—
afirmo. Eu soo tão ultrajada que estou começando a achar que
poderia ter feito Drama na Carnegie Mellon.
— Sinto muito, não está mais aqui quem perguntou— ela diz,
erguendo as mãos.— Vamos tomar café.
— Honestamente? Acho que perdi meu apetite depois disso,
você pode ir— afirmo. Caminho pela lateral externa do restaurante
até a frente da pousada e me sento em um grande balanço de
madeira e então ligo para casa. Minha mãe atende com sua voz
angelical e é como se eu pudesse me sentir aquecida se ouvir a voz
dela.
— Oi, querida. Como você está?
— Bem, mãe. Eu só queria ouvir sua voz— afirmo.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não. Não. Eu só estou com saudade. Como estão as
coisas?
— Seu pai foi até a fazenda dos Clarks ajudar com um trator
velho que parou de funcionar e a Tropical está doente.
Tropical é a nossa cachorra, ela tem quase vinte anos, é uma
rough collie que tem doze anos. Quando eu tinha catorze anos, tudo
que eu queria era um cachorro, tínhamos todo tipo de animal na
fazenda, patos, porcos, galinhas, ovelhas, mas minha mãe não
gostava de cachorros, até que eu a convenci a adotar Tropical, ela
foi meu presente de quinze anos. Convivi com ela muito pouco, já
que, com dezoito, eu entrei na faculdade e me mudei para o outro
lado do país. No fim das contas, Tropical é muito mais da minha
mãe do que minha. Gosto de implicar lembrando que mamãe não
queria cachorros e agora trata a cadela como se fosse uma filha.
— O que o veterinário disse?
— Ele disse que ela está velha e é um milagre que já não
tenha morrido. E que ele acha que deveríamos sacrificá-la, mas não
tenho coragem, ela fica me encarando com aqueles olhinhos dela.
Tropical tem mesmo olhinhos lindos.
— Vai ficar tudo bem, mãe. Eu vou tentar ir para casa em
breve e vou matar a saudade de vocês, de todos vocês, inclusive da
Tropical. Essa velha rabugenta ainda vai viver muitos anos.— Ergo
a cabeça e vejo Malcolm parado há alguns metros, ele está de
casaco preto e colocando um par de luvas da mesma cor. Ele me
nota e acena me chamando.— Mãe, eu tenho que desligar, mas
mande um beijo para o papai, tudo bem?
— Claro, querida— ela responde. Levanto-me e vou até
Malcolm.— Bom dia, senhor Campanelli.
— Bom dia— ele me responde e pigarreia, fico esperando que
diga mais alguma coisa.— Pedi para Wanda marcar uma reunião
urgente para apresentar o plano de contingência sobre o Congo. Só
precisamos fechar esse plano, então eu, você e Arthur vamos voltar
e trabalhar nisso.
— Eu... eu não, não acho que...— Como eu digo para ele que
sairmos daqui juntos não é uma boa ideia?
— Isso é sobre os comentários de que estamos dormindo
juntos?— ele questiona.
Sou pega de surpresa. Como essa conversa chegou aos
ouvidos dele? Sei que ninguém aqui teria coragem além de...
— Como estão os pombinhos?— Arthur diz. Claro, a única
pessoa que falaria algo assim com Malcolm é o primo dele.
— É um retiro, mas ainda é um local de trabalho, Arthur— ele
diz com um tom repreensivo.
— Não está mais aqui quem falou— ele responde, mas, então,
Arthur me olha e pisca— Você é muito areia para ele de qualquer
forma.
Duvido que seja verdade. Uma rápida pesquisa no nome de
Malcolm mostra ele sendo fotografado com mulheres que são
simplesmente deslumbrantes, são tantos nomes de modelos que é
literalmente um desfile. Arthur se afasta depois de um olhar de
Malcolm, eles se entendem bem, apesar das diferenças
— Tem alguém incomodando você com isso?— Malcolm
questiona.
— Ninguém em específico— respondo.
— Me avise se eu tiver que intervir.
— Não se preocupe, eu posso me cuidar.
— Não duvido que possa, só não precisa nesse caso, não é
um assunto pessoal — ele responde.— Você vem?
— O senhor está me dando uma opção?
— Você sempre teve opção, a de manter o seu emprego ou
não— ele responde. Às vezes acho que ele é irritante comigo de
forma proposital, que ele gosta de apertar os meus parafusos para
ver quando vou ceder. Que gosta de simplesmente ir testando os
meus limites, a minha paciência. Ofereço um sorriso evidentemente
falso e confirmo minha ida.
— Qualquer coisa é melhor que esse retiro— informo.
— Malcolm?— a voz de Arthur o chama.— Vamos de
helicóptero?
Só a ideia de entrar em um helicóptero me faz gelar. Se aviões
já me dão medo, helicópteros seriam a fonte de um pânico
gigantesco.
— Não se preocupe. Vamos no jato — ele me diz. E então vai
até Arthur e fica conversando com o primo.
Wanda vai junto. Ela mal fala comigo durante o voo, mesmo
considerando que passamos quase todo o tempo trabalhando, os
quatro.
— O senhor consultou o time jurídico?— pergunto a Malcolm
sem tirar os olhos do computador, estou fazendo as projeções que
ele pediu.
— Sim. Eles me indicaram um acordo compensatório e uma
cláusula de confidencialidade que impediria o governo de voltar a
falar sobre danos.
— Ou seja, o padrão— Arthur diz. Exatamente o que eu
pensei.
— Eles acham que a ideia de redirecionar os recursos pode
abrir vulnerabilidades.
— Sabe o que precisamos?— Arthur questiona, sorrindo.
— Não diga bebida— Malcolm diz. Arthur gargalha ao ouvir
isso, e então toca o ombro do primo, que está sentado ao seu lado.
— Precisamos de um advogado que trabalhe com causas
sociais.
— Você tem alguém em mente?— Malcolm pergunta. Por
favor, não diga Alexa, por favor, não diga Alexa.
— Alexandra von Ziegesar
— Eu soube que ela é boa, mas Alexa não trabalharia pra
você. Nem pra mim.
— Mas ela aceitaria se a Savannah pedisse— Arthur diz com
um olhar travesso.
— Vocês se conhecem?
— Ela é uma das minhas melhores amigas, mas não sei
se...não acho que ela aceitaria.
— Não custa nada pedir— Wanda diz. Olho para ela de lado e
tento não evidenciar minha irritação.
— Não precisa fazer isso. Temos um time de excelentes
advogados.
— Mas nenhum deles é a Alexa— Arthur diz.
— Achei que você não a suportasse— comento, olhando para
Arthur. Ele me disse que ninguém é perfeito quando confirmei ser
amiga de Alexa e sei que o casamento dos amigos deles é nas
próximas semanas, em alguma ilha paradisíaca no continente, e que
Alexa fica irritada só de mencionar o nome de Arthur Campanelli.
Não há disputa maior desde Capuletos e Montéquios.
— Não a suporto, mas isso não me impede de reconhecer que
ela é talentosa. Apenas pergunte a ela, isso não pode fazer mal,
pode?— Se ele conhecesse a Alexa de verdade, saberia que pode.
— Posso pedir, mas não garanto que ela vá...
— E nem precisa garantir— Malcolm intervém. Ele se inclina
um pouco, a mão está por cima da mesa e, por um segundo, acho
que ele vai me alcançar com seus dedos enormes, mas ele apenas
cruza as mãos. Até a mão dele é sexy, lorde!— Fale com ela sobre
como a ideia pode beneficiar o país. Você tinha bons argumentos
com relação ao Congo, e eu poderia ter evitado isso antes se
tivesse te dado ouvidos.
— Acho que esse avião vai cair— Arthur diz, sério.
— O quê?!— pergunto, assustada. Imediatamente meu
coração começa a pular desgovernado.— Porquê? O que houve?
Eu solto meu cinto e tento me levantar, mas Malcolm já está do
meu lado, a mão no meu ombro, me mantendo no lugar.
— O jato não está caindo, Savannah. Está tudo bem. Aqui,
tome um pouco de água— ele diz, me entregando uma garrafa.—
Respire fundo. Foi só uma péssima escolha de palavras para uma
piada.
A mão dele se move pelo meu ombro e ele me encara, se
certificando de que estou bem.
— Você é um idiota!— Malcolm diz a Arthur e então se afasta
de mim, se afasta de todos na verdade, e fica sentado alguns
assentos mais na frente.
— Você tem medo de avião? Deus, Savannah, eu não sabia,
me desculpe.
— Tudo bem— digo, respirando fundo. Ele sabia, ele sabia o
tempo todo que eu tinha medo de avião. Talvez seja hora de dar o
braço a torcer e admitir que Malcolm pode até ser insuportável, mas
é um tipo muito particular de insuportável. Um tipo que é
estranhamente bom. Fico pensando se era isso que Glória estava
me dizendo quando falou sobre ele ter um bom coração. Quero
entender se ele é atencioso com todo mundo ou se está me tratando
diferente. Não deveria querer saber, mas quero, não, preciso.
Malcolm passa o restante do voo, assim como as horas de
trabalho que o seguem, extremamente quieto, ele só responde
quando algum de nós tem uma dúvida, e muito mal.
— Vamos lá, você não pode ficar chateado comigo o dia
inteiro.
— Não estouchateado com você, Arthur. Somos adultos e
estamos trabalhando, não há espaço para ficar chateado.
Wanda é liberada primeiro, depois o próprio Malcolm tem que
ir para atender outra questão, então é fim de tarde e estou sozinha
com Arthur na sala de reuniões da empresa.
— Ele gosta de você— Arthur diz.
— Não diga isso. As pessoas já estão falando besteira.
— Não sei se é besteira, considerando o que vi mais cedo.
Malcolm costuma ser atento às pessoas ao redor e aos sentimentos
dela, mas isso é muito mais parte da necessidade dele de controle
do que qualquer outra coisa. O que eu vi aqui hoje, a forma como
ele saltou daquela poltrona para se certificar que você estava bem,
isso não é comum.
Meu coração bate forte outra vez e abro a boca e fecho-a
algumas vezes, sem saber o que dizer.
— Ele nunca me olhou dessa forma, ele sempre me tratou com
respeito e...
— Bom, isso, ele realmente nunca faria. Olhar para uma
mulher para deixá-la constrangida, nem no trabalho, nem em lugar
algum. Na verdade, na maior parte do tempo, as mulheres chegam
nele, não o contrário.
Claro que as mulheres chegam nele. Malcolm não é só lindo,
mas tem essa energia misteriosa e estoica que faz com que as
pessoas queiram saber mais, queiram se envolver.
— Não estou dizendo que ele está apaixonado por você,
nunca o vi apaixonado. Nem mesmo quando era adolescente. E eu
deveria te dizer que meu primo não é o tipo de cara que cede ao
que sente, ou seja, mesmo que ele goste de você, duvido que faça
qualquer coisa a respeito. Ele prefere ser infeliz e em controle.
Ok, esse era o balde de água fria que eu precisava. Malcolm
Campanelli não é pra mim. Eu não posso ficar tendo sonhos
eróticos com ele ou suspirando sempre que ele diz ou faz algo
gentil.
Respondo a mensagem que Dan me mandou hoje cedo, me
convidando para sair na segunda, digo a ele que já estou na cidade
e pergunto se não quer jantar. Ele concorda imediatamente. Vou
para casa de Alexa, tomo um banho e, quando estou terminando de
me vestir, minha amiga entra no quarto de hóspedes.
— Ora, ora, ora! Se não é a abelhinha trabalhadora da
Diamantes Campanelli. Como foi o retiro?
— Horrível e traumatizante— respondo, sorrindo.
— Aonde você vai?
— Jantar com o Dan.
— Eu aprovo. Já disse isso, certo?
— Umas dez vezes, o que é assustador, porque você nunca
aprova nada.
— Dan é um santo. Na verdade, ele vai te tratar como uma
santa, te adorar, e você merece isso.— Coloco um batom vermelho
e então me olho no espelho, estou bem, os seios saltando no decote
do vestido preto.
— Eu queria conversar com você um pouco sobre uma coisa.
É um assunto confidencial de trabalho— afirmo enquanto ela ainda
está exaltando as qualidades de Dan.
— Como sua advogada, posso ouvir e garantir isso— ela
brinca.
— Ok, a Diamantes Campanelli está encerrando as
explorações no Congo e isso significa milhares de pessoas
desempregadas e um déficit para o recolhimento de impostos e
empregabilidade.
— Produto interno bruto e juros em toda a economia do país—
ela diz, irritada.
— Exatamente, mas o argumento para saída você conhece. A
exploração no Congo é corrupta e envolve uma série de violação de
direitos. A questão é que, no fim do dia, as pessoas não se
importam com isso se tiveram comida na mesa, como você mesma
diz. Então há um plano B, manter parte da exploração em áreas
menos corruptas, afastadas do centro, o que garante autonomia
financeira para essas áreas, além disso, há o projeto de criar uma
linha de produção no país.
— Isso é um bom plano. Sei que Malcolm é um tubarão, mas
não achei que fosse um tubarão com sensibilidade.— Eu mordo
meu lábio, e ela me olha sorrindo. — Foi ideia sua, não foi?
— Um pouco— digo.— Agora é a parte em que eu preciso te
pedir uma coisa, e você vai me detestar por isso.
— Não peça e eu não vou precisar te detestar— ela me diz.
— Eu sei, mas eu realmente acho que isso é bom e que só
você poderia lidar com esse caso.
— Malcolm me quer no caso?
— Foi ideia do Arthur.
— Então, não, deve ser algum tipo de pegadinha. Aquele
homem não tem maturidade para falar sério.
— Alexa, por favor.
— Você é ardilosa, sabia? Você, primeiro, me deixa animada
com uma ideia incrível, depois me bajula e, então, enfia uma faca no
meu peito.
— Ao menos não foi nas suas costas?— questiono, tentando
não rir do drama dela.
— Ligue para o Arthur, se ele desistir de tocar gaita no
casamento, eu pego o caso.
— Sério? Isso é tudo que você quer?
— Você não sabe o quanto isso vai me deixar satisfeita. Agora
pare de pensar em trabalho e vá para o seu encontro.
— Você é a melhor pessoa da face da terra!— Abraço-a em
agradecimento enquanto pulo comemorando.
— Ok, ok, não vamos exagerar.— Estou saindo do quarto
quando ela me chama de volta:— Você parece muito feliz com esse
emprego para alguém que não queria ser uma assistente pessoal.
— Eu sou boa atriz— digo, sorrindo.— Você pode dormir
despreocupada.
— Terceiro encontro?
— É.
— Pare de seguir as maluquices da Lucy e apenas foda com o
cara, sério.
Pretendo fazer exatamente isso. Saímos para jantar em um
local maravilhoso e depois disso, Dan me leva para conhecer o seu
apartamento. Ele mora em um loft enorme, que deve custar mais do
que seis meses do meu salário. O local é lindo e ele explica que tem
uma arquitetura aberta, mas que ele gostaria de uma vista melhor.
— Acho a vista boa— digo. Estou olhando para ele com uma
expressão sacana.— Acho a vista gostosa.
— É, daqui também— ele responde. Então me aproximo
lentamente, e ele me encontra na metade do caminho. Dan me
segura pela cintura, e eu ponho as mãos em seus ombros, então
estamos nos beijando. É gostoso, muito gostoso. Ele é gentil, mas
tem uma boa pegada, e então nos movemos para o sofá, e ele está
subindo o meu vestido, as mãos passeando pelas minhas coxas. Eu
fecho meus olhos e deixo que o toque dele me envolva, mas, então,
percebo que estou pensando em Malcolm e espanto a imagem dele
da minha cabeça.
Dan coloca suas mãos entre as minhas pernas e move minha
calcinha, ele passa a me estimular enquanto seguimos nos beijamos
e me pego rebolando contra seus dedos, começo a me sentir
entregueé nesse momento que Malcolm retorna, quero gemer o
nome dele, imaginar que é ele me tocando dessa forma.
Meu celular começa a tocar, e eu não sei se fico irritada ou
grata por isso. Estou tentando decidir se devo transar com Dan
mesmo pensando em outro homem ou se simplesmente deveria ir
embora.
— Você precisa atender?— Dan questiona com seu rosto um
pouco vermelho. Ele é adorável demais. Sério! O homem para de
me estimular para saber se quero atender o telefone. A pior parte é
que eu quero olhar quem está me ligando, o que não é um bom
indicativo.
— É, acho que sim...— afirmo, me levantando e puxando meu
vestido para baixo. Vou até a bolsa e pego o aparelho. É Malcolm,
claro. O homem deve ter algum tipo de sensor, como se soubesse
quando estou pensando nele e aí aparece para piorar tudo.
— Preciso de você.
— Agora?
— É. Agora. Onde você está? Vou pedir para um carro te
buscar.
— Não precisa...
— Apenas me passe o endereço, Savannah.
— Estou no Soho. Posso pegar um carro, é rápido.
— Ok. Estou no Boucherie West Village.
Estou pensando em como meu vestido preto de encontros não
é exatamente adequado para usar em um dos restaurantes mais
chiques de Nova Iorque.E, então, Dan está falando comigo e noto
que eu não só esqueci onde estava, mas com quem estava.
— Me desculpe, o que você disse?
— Perguntei se você precisa ir.
— Sim. Sinto muito, meu chefe precisa de mim.
— Quer uma carona?— Eu estava pensando em outro
enquanto o beijava, estou ansiosa para ver Malcolm, claro que não
posso aceitar a carona desse homem aparentemente perfeito e
completamente adorável porque não existe a menor chance de
futuro aqui. Não quando eu não consigo parar de pensar no meu
chefe.
— Não precisa, é aqui pertinho, você tiraria o carro da
garagem por nada. Eu vou chamar um carro.
— Tem certeza? Não é um incômodo. — Ele me olha com
seus olhos gentis, e eu me sinto mal. Porque eu não posso me
apaixonar por ele? Ele não é complicado, não é ríspido, nunca foi
nada além de carinhoso comigo. Quando eu me tornei esse clichê?
— Tenho, claro, você realmente não precisa se preocupar—
afirmo. Há um momento de estranheza quando ele se aproxima, e
eu fico obviamente sem jeito. Ele tenta me beijar, mas acaba
encostando os lábios no meu rosto e eu dou alguns tapinhas em
suas costas, então desapareço pela porta o mais rápido possível.
Quando chego no restaurante, uma hostess me recebe com
sua boina vermelha e o melhor do visual parisiense. Digo que vim
encontrar o senhor Campanelli, e ela me encara como alguém que
imagina que eu não deveria estar aqui. Eu mesma me sinto
inapropriada, então nem argumento nada com ela. Puxo meu
vestido para baixo um pouco enquanto ela me guia para dentro do
restaurante e diz que vai me levar até a mesa.
O Boucherie West Village é um restaurante francês de cinco
estrelas, Lucy é louca para vir aqui, mas eu e a Alexa não gostamos
muito da ideia de gastar mais dinheiro que o necessário por um
prato de comida. Bom, eu, no caso, não tenho mesmo esse
dinheiro, Alexa é outra história, sem contar que conseguir uma
reserva demanda muita influência e Alexa nunca usa o sobrenome
dela para nada.
Mando uma mensagem para Lucy, dizendo: “Você não vai
acreditar onde estou” e então envio uma foto.
— Não pode tirar fotos aqui dentro— a mulher me diz.
— Sinto muito, eu não sabia.
— Por aqui— ela diz, indicando as escadas.— É a única mesa
da área reservada.
Agradeço-a e subo as escadas. Preciso segurar meu vestido
no processo, porque a escada inteira é feita de vidro e me sinto
exposta caminhando acima das cabeças alheias. Na área
reservada, há algumas mesas, mas só uma delas está, de fato,
ocupada. Malcolm está sentado nela, acompanhado por mais três
pessoas. Uma delas é Albert Miller, a outra é Roger, um dos
gerentes de setor da Diamantes Campanelli, o terceiro
homemparece bastante com Albert. De qualquer forma, se Malcolm
sozinho já me deixa nervosa, ultimamente essa combinação é ainda
mais confusa.
— Aí está você— ele me diz. Malcolm olha para a minha
roupa, e eu sei o que ele está pensando. Ele fica de pé e todos os
olhos estão em mim. Malcolm puxa uma cadeira para que eu me
sente, e então agradeço.
— Eu conheço você!— Miller diz, sorrindo.— A garota da festa,
a única pessoa estimulante na festa do Metropolitan alguns meses
atrás
— É, você já a viu antes.— Malcolm soa irritado.— Podemos
falar de trabalho?
— É um prazer— digo apertando a mão de Albert e depois de
Augusto. August é o irmão mais novo de Albert, sei disso porque,
bem, eu já comentei que tinha uma leve obsessão pelo trabalho
dele, certo? August sempre foi a cara da empresa, relações-
públicas, então eu já o tinha visto antes. Por sinal, ele recebeu o
Nobel em nome do irmão, que se negou a aparecer na cerimônia.
Malcom me pergunta se quero beber ou pedir algo, apenas
nego com a cabeça. Nem mesmo sei o que estou fazendo aqui.
— E ela é a pessoa que está te fazendo questionar a
qualidade dos nossos serviços? — August questiona. Ele não
parece satisfeito, Roger também parece um tanto desconfortável.
— Sim — Malcolm diz com um tom de obviedade.— E se
vocês não me servirem de nada, porque eu deveria permitir que
continuem me atendendo?
— Malcolm, o que aconteceu naquela reunião não vai se
repetir, as pessoas responsáveis já foram devidamente cobradas e
eu garanto que...— August continua falando, e eu paro de ouvir
porque estou tentando fazer sentido do que está acontecendo aqui.
— Como?— Albert questiona.— Como exatamente você trata
os dados?
Diferente do irmão, ele está falando direto comigo, não apenas
com Malcolm. Ele tem olhos gentis. Desvio meu olhar dele para
Malcom, que também parece estar esperando por uma resposta
minha.
Eu tento explicar que não há nada demais no que faço, que
basicamente eu sigo os padrões que os números estabelecem e
projeto cenários. Augusto parece pouco impressionado, já Alberttem
mais perguntas. Malcolm põe a mão no meu pulso, apenas
rapidamente, não é um gesto, por si, gentil, já que o intuito dele é
que eu pare de falar, mas a forma como ele me toca é.
— Você não vai simplesmente tentar espiar na cabeça da
minha funcionária, vai?— Malcolm questiona. Ele retira a mão de
mim com a mesma naturalidade com a qual me tocou, como se
fosse a coisa mais usual da face da terra, mas eu ainda estou
sentindo a minha pele queimar, pedindo por mais contato com a
dele. Quero sair correndo.
— Você parece pálida— Albert diz.— Tem certeza de que não
quer tomar alguma coisa?
— Eu só...— Malcom está me olhando, posso sentir o calor do
olhar dele.— Eu não entendi muito bem o que está acontecendo
aqui.
— Bem, seu chefe não quer renovar o contrato com a nossa
empresa porque acha que você entrega dados melhores do que
toda uma equipe e ferramentas automatizadas de big data entregam
— Augusto responde rispidamente.— Na verdade, ele também acha
que o próprio setor não é muito competente, enquanto você é.
— Modere seu tom— Malcom afirma e então toma um gole da
bebida em seu copo. É um líquido transparente com algum gás, gin
e tônica, talvez? Nunca o vi bebendo além de uma vez em seu
escritório.— E o que eu disse é que a minha funcionária trata os
dados muito melhor que toda a equipe extremamente qualificada
que vocês dizem ter.
— Temos algoritmos que fazem isso, podemos aplicá-los para
você — Augusto diz, voltando a falar com Malcolm.— Ou o que você
quer é um desconto, considerando os rumores sobre o fechamento
de minas...
— O que eu quero é excelência. Vocês prometeram, não estão
cumprindo. E, para uma empresa que existe em um prédio que me
pertence, você tem muita audácia de citar boatos num jantar de
negócios, August. Acho que é hora de vocês irem embora, e
agradeça que, no momento, só estou encerrando esse jantar, não o
contrato de vocês.
August se levanta irritado, ele ainda tenta argumentar, mas o
irmão pede que ele espere no carro. Então Alberto me olha outra
vez e estende a mão para mim.
— Foi um prazer revê-la, eu sabia que havia algo especial em
você, só não sabia que ia me surpreender tanto. Se cansar de
trabalhar para ele, pode vir trabalhar comigo— ele afirma, sorrindo.
— Malcolm, eu sei que você não vai trocar a nossa empresa pela
concorrência, você pode estar insatisfeito, mas eles são muito
piores. Então vamos ao que interessa, tudo isso é sobre o prédio,
certo? Você quer que a gente saia?
— Logo se vê que você não ganhou aquele prêmio à toa.
— Nos dê seis meses.
— Três.
— É sempre traumático fazer negócios com você— Abert diz
com um pequeno sorriso.— Senhorita Armstrong, foi um prazer
revê-la, espero que não seja a última vez.
— Igualmente— afirmo. Albert vai embora, eu fico olhando
para o meu chefe. Não sei o que ele pretendia me trazendo até aqui,
mas ele parece bastante satisfeito.
— O senhor sabe que ela não pode sozinha substituir uma
empresa, não sabe?— Roger pergunta.
— Claro que sei, ele também sabe. E você pode ir— ele diz a
Roger, que se levanta a contragosto e me deseja uma boa noite
antes de ir embora.
— Isso não é sobre mim, já entendi, mas porque não os
manter no prédio? Não é melhor?
— Não quando os dados são ruins. Além disso, eu tenho
planos para os andares que eles ocupam.
— E o senhor precisa de mim aqui para que exatamente?—
questiono.
— Blefe.
— Então não acha que os meus dados...
— Sei que eles são excelentes. É a única razão pela qual você
não foi demitida, Savannah.
“A única razão”. Enquanto eu fico fantasiando sobre esse
homem e tentando ver coisa onde não tem, ele trata como um ativo,
só sou útil enquanto ativo. Não deveria estar surpresa, Malcolm é
exatamente isso, o resto é as lentes romantizadas que eu passei a
usar para olhar para ele e suas ações.
— Eu estava ocupada essa noite. É um sábado e...
— Eu te disse no dia da entrevista que esse cargo não tem
horas fixas e que é por isso que você é bem recompensada.
— Posso ir embora?— questiono.
— Claro— ele responde, parecendo um tanto irritado. Levanto-
me da mesa e baixo meu vestido outra vez. Estou chateada com
ele, estou chateada comigo mesma por estar pensando nele
enquanto estava beijando alguém potencialmente maravilhoso.
Malcolm é meu chefe, ele não me vê de outra forma, e está tudo
bem. Eu só preciso controlar todos esses hormônios malucos que
começam a agir quando eu chego perto dele.
 

 
Arthur é a pessoa mais relaxada da face da terra. Tentar tirá-lo
do sério é como tentar pegar fumaça com as mãos. Ainda assim, há
uma pessoa no planeta capaz de mudar isso em segundos:
Alexandra von Ziegesar. Os von Ziegesar e os Campanelli sempre
foram próximos. Desde que consigo me lembrar, tínhamos almoços
nas propriedades de uma das famílias, e Alexandra estava correndo
de um lado para o outro com suas tranças carameladas. Desde
pequena, ela tem um fogo no olhar, é como se ela pudesse colocar
fogo no mundo, soubesse disso e estivesse totalmente disposta a
fazê-lo.
Arthur e eu temos basicamente a mesma idade, com apenas
meses de diferença, mas Alexa é dois anos mais nova e, quando
estávamos brincando de alguma coisa, seja lá o que fosse, ela
sempre queria participar. Sempre nos entregava ou acabava com a
brincadeira de alguma forma. Eu nunca me importei, não de
verdade, mas o comportamento dela tirava Arthur do sério.
Nos afastamos um pouco quando minha mãe foi embora,
nessa época, meu pai se afastou de toda a sociedade. Deve ter
durado um ou dois anos, mas pareceu uma eternidade. Acho que,
em todo o tempo que os conheço, o único momento de trégua que vi
entre eles foi quando os pais de Arthur morreram. Alexa estava com
um lírio na mão, a mãe de Arthur adorava lírios e adorava Alexa
também, ela dizia que Alexa era como um pequeno foguete, sempre
em alta velocidade. Alexa segurou a mão de Arthur durante o
velório, acho que nenhum deles se lembra disso, mas eu nunca
esqueci. Pouco tempo depois, fomos enviados, eu e Arthur, para
estudar em Londres e então passamos a ver Alexa muito pouco,
apenas quando voltamos de férias.
— A campanha é ruim, tem brechas jurídicas e abre espaço
para vulnerabilidades e, honestamente, qualquer idiota, como você,
poderia ver isso— Alexa afirma. Estamos em uma sala de reuniões
na sede da empresa, Alexa e Arthur estão discutindo sem parar há
uns vinte minutos, enquanto estou assistindo-o, a minha assistente
pessoal e a de Arthur estão acompanhando a reunião.
— Claro, ninguém é bom o suficiente para uma von Ziegesar.
Nem nada é. Você acha que engana quem com seus calçados de
couro vegetal que custam mais do que uma família no Congo tem
por mês.
— Você está mesmo tentando usar esse argumento comigo?
Quando você trabalhou por qualquer coisa? Ao menos, eu tenho
algum senso de vergonha— ela grita, irritada.— Não posso trabalhar
com ele!
— E eu não posso trabalhar com ela!— meu primo diz.—
Vamos lá embora, Wanda!
Os três saem da sala de reuniões, e eu fico sentado de frente
para Savannah.
— Não deveríamos ir atrás deles?
— Não. Deixe que percebam sozinhos que estão sendo
infantis, não tenho tempo ou interesse em lidar com isso. Além
disso, essa discussão dos dois é como voltar no tempo.
— Como assim?
— No tempo da escola, toda semana os dois tinham uma nova
briga gigante.
— E pelo que eles brigavam?
— Honestamente, era difícil de acompanhar as razões, tinha
sempre algo novo.
Quando era adolescente, todo herdeiro de Manhattan era
enviado para a mesma escola interna. Meu pai mandou e eu Arthur
quando fizemos catorze anos, ficamos lá por todo o ensino médio,
as únicas voltas para casa aconteciam no Natal. No nosso primeiro
ano de internos, recebemos a notícia de que a mãe de Alexa tinha
morrido. Lembro-me de Arthur dizendo: “Imagino que o mundo dela
tenha caído”. Não imaginávamos o quanto.
Ficávamos sabendo das notícias, claro. Alexa tinha sido presa
aos catorze anos, comprando bebidas com um documento falso, e é
claro que o pai dela poderia ter feito tudo desaparecer, legalmente
até fez, mas Alexa fazia questão de falar sobre isso. Quando o pai
dela recebeu um prêmio de homem do ano da Forbes, ela subiu no
palco e fez um discurso dizendo que ele era a pessoa mais hipócrita
da face da terra e que tudo que ela queria era ficar com a família da
mãe. Soube que as coisas pioraram justamente quando o pai dela
decidiu se casar novamente.
No nosso segundo ano lá, uma nova leva de adolescentes
chegou e, entre eles, estava a garota que tinha a fama de ser a
herdeira mais problemática do Upper East Side: Alexa.
Não era mais a mesma menininha de tranças. Tinha um cabelo
black power com mechas coloridas, um piercing no nariz, uma
daquelas pequenas argolas e fazia questão de causar problemas.
Alexa, de fato, tinha se tornado um foguete, ou talvez um furacão, e
eu já tinha me tornado essa pessoa que não lida bem com
desordem, então me mantive afastado. Apesar disso, esse
distanciamento não me impediu de pensar em como tanto ela
quanto Athur tinham enfrentado um tipo de luto e dor similar, sempre
considerei que eles poderiam ter se ajudado nesse processo.
— Em vez disso, eles se tornaram arqui-inimigos por uma
bobagem.
— Que bobagem?— Savannah questiona, sorrindo. Ela coloca
uma mecha dos cabelos atrás da orelha e me encara curiosa.
— Não sei se eu deveria estar te contando isso.
— Por favor, senhor Campanelli. Alexa nunca fala sobre o
passado.
— Mais uma razão para não contar— respondo, mas há algo
no pedido dela, no tom da voz, não sei, só quero continuar falando.
— Talvez possamos ajudá-los a fazerem as pazes.
— Bem, você não acredita mesmo nisso, está só sendo
curiosa, e eu não costumo me meter nas questões alheias.
— Eu vou precisar implorar?
— Ok, ok! É uma história idiota de qualquer forma. Havia um
clube na escola, esse clube não permitia que calores participassem
do processo de seleção. Alexa, quando chegou,ficou irritada ao
descobrir isso. Ela tentou fazer a seleção, mas claro que foi negada.
Então, depois disso, ela simplesmente se vingou.
— Como ela se vingou?
— Não sei os detalhes, mas ela estava saindo com um cara
local que vendia drogas, o pessoal do clube costumava comprar
álcool e comprimidos com ele, às vezes drogas mais pesadas. Alexa
fez o cara entregar tudo falso, e então chamou a polícia. Ninguém
foi preso porque as balas eram de açúcar, mas o escândalo foi tão
grande que a escola decidiu acabar com o clube. Arthur e ela
passaram a viver em pé de guerra depois disso.
— O senhor era parte desse clube?
— Não. Não gosto de clubes, de atividades coletivas. Gosto
de...— Droga! Tem algo nessa mulher que faz com que eu
simplesmente saia falando sobre mim mesmo, nunca faço isso com
ninguém.
— De?— ela pergunta com um olhar curioso.
— De poder ouvir meus próprios pensamentos— confesso.
Alexa entra na sala com Arthur e Wanda. Os arqui-
inimigosparecem levemente menos irritados um com o outro. Dois
dias atrás, eu liguei para Alexa e pedi para que ela nos orientasse
nessa negociação com o governo do Congo, aparentemente ela
tinha apenas uma condição para dizer sim, que dependia de Arthur.
Algo sobre o casamento de Lory e Tony. Arthur é o padrinho do
noivo, Alexa, a dama de honra, não vejo como isso pode ter sido
uma boa ideia, imagino que eles vão discutir enquanto a pessoa
celebrando a cerimônia pede para que os votos sejam declarados.
Talvez um deles não volte da tal ilha em que vai ser o casamento, se
eu tivesse que apostar na sobrevivência de alguém, seria na de
Alexa.
— Seu time jurídico ainda vai ter que lidar com o grosso da
papelada, mas isso aqui vai adiantar bastante as coisas— –Alexa
conta,entregando alguns documentos a Wanda.
— Na verdade, isso fica comigo— Savannah diz, pegando a
pasta.— Vou pedir para que seja enviado para a Parkinsons e
associados agora mesmo.— Ela se levanta e deixa a sala, então
Arthur e Wanda se despedem e fazem o mesmo.
— Eu tenho que ir— Alexa diz.— Foi...bem, eu não diria um
prazer.
— Vamos falar sobre o seu pagamento?
— Eu mando a conta— ela me diz.— Todo o dinheiro vai para
os meus casos pro bono.
— Achei que você só fizesse pro bono?
— Não. Eu ainda tenho que pagar contas— ela responde,
forçando um sorriso. Ela levanta e começa a se aproximar da porta,
mas, então, Alexa para e gira em seus calcanhares, está me
encarando seriamente. Ela sempre teve uma fúria sem igual, uma
valentia de causar inveja, imagino que seus adversários tenham
medo dela em um tribunal.— Malcolm... isso que você está fazendo,
esse joguinho que está jogando com a minha amiga, é bom parar.
— Não sei do que está falando— digo.
— Não? Eu te disse que ela estava em um encontro em meia
hora depois você liga e interrompe?
— Está falando da Savannah? Eu precisava dela na reunião e
nem lembrava dessa história— afirmo. É mentira. Eu sabia, eu sabia
e a primeira coisa que apareceu na minha cabeça quando ela disse
que Savannah estava em um encontro com Dan foi pensar que ele é
um idiota, mesmo que Dan seja uma das pessoas mais gente boa
que já conheci.A verdade é que eu não sei porque fiz aquilo, não sei
porque a ideia de Savannah com Dan me incomodou. Assim como a
forma como Alberto olhou para ela naquela reunião me deixou
irritado.
— Eu não se você está se enganando ou querendo me
enganar, seja como for, se brincar com ela, eu juro que vou socar
sua cara.
— Eu não duvido que...— Alexa me acerta um soco no ombro
totalmente inesperado.— Você é maluca?
— O próximo vai ser nesse seu rostinho perfeito— – ela me
diz.— Depois não diga que eu não avisei. E não se preocupe, eu
não contei a ela sobre você saber do encontro, não quero que ela
tenha ideias erradas sobre o seu comportamento. Eu sei o que você
fez com a Bárbara, e a forma como se relaciona hoje em dia.
Savannah é melhor que isso. Muito melhor. Ela merece alguém
como Dan, não um maluco feito você.
— Bárbara? Sério? Isso foi no ensino médio.
— É, mas ela ainda cospe no chão quando escuta seu nome.
O que você fez com ela foi...
— Nada que você já não tenha feito. Na verdade, acho que
você fez coisa pior, certo? Como vai o Richard?— pergunto.—
Alexa, não estou interessado em brigar com você, acho que você se
diverte fazendo isso com Arthur, mas eu não tenho a mesma
disposição.
— Savannah é boa, otimista, a porra do sol nasce todo santo
dia e ela ainda consegue olhar para cima e ficar feliz por ele ter
nascido, então não brinque com ela, não faça com que ela perca
isso ou eu não vou só socar sua cara, eu vou achar uma forma de
realmente te machucar. E você deveria saber que eu não faço
ameaças vazias.
— Por mais nobre que a intenção da sua ameaça pareça,
Alexa,não há nada entre mim e Savannah, ela é minha assistente
pessoal. Na verdade, agora ela é assistente do Artur, apenas isso.
— Mantenha isso desse jeito— ela me diz.— Eu sei da sua
fama...
— E tudo que dizem sobre você é verdadeiro?— questiono.
Alexa me olha irritada. Muito foi dito sobre ela nos últimos anos,
assim como sobre mim. Nascer em uma família abastada é algo
regado de privilégios, as vantagens, as portas que já encontramos
abertas são inumeráveis, mas isso também significa que a sua vida
vai estar sempre exposta, sempre suscetível, e algumas pessoas
vão se sentir no direito de analisar cada um dos seus atos de forma
microscópica. O que mais me incomoda disso tudo é que nunca
assinei nenhum tipo de acordo com a vida pública, não é como se
eu fosse um ator de cinema ou coisa do tipo, eu nunca quis ou me
dispus a esse tipo de invasão.
— Infelizmente, sim, porque, no fim do dia, aconteça o que
acontecer, eu ainda sou filha do meu pai e você ainda é um
Campanelli. Eu sei quais são as razões pelas quais você é assim,
eu tenho as minhas, mas isso não nos dá o direito de foder com a
vida dos outros, acredite em mim, você vai se sentir um lixo se fizer
isso. E a Savannah não entende esse mundo em que crescemos,
não entende o quanto somos nocivos uns com os outros, não quero
que ela seja contaminada com isso.
Alexa vai embora, e eu fico sentado no mesmo lugar por muito
tempo. Encosto a cabeça na poltrona e penso em Bárbara. Uma
garota da turma de Alexandra que era apaixonada por mim, ela
tinha quinze anos, eu, dezesseis, foi a primeira garota com quem
transei. Eu parti o coração dela, fui infantil, insensível, e não me
impressiona que ela sinta mágoa de mim até hoje. Bárbara queria
romance, ela esperava que o sexo levasse a algo mais, eu só
esperava que levasse a mais sexo. Eu estava descobrindo do que
gostava, de como gostava, e ela queria me satisfazer porque
achava que se pudesse me oferecer tudo que eudesejava, ficaria
com ela, me apaixonaria. Nunca aconteceu.
— O que você ainda está fazendo aqui?— Arthur pergunta.
Não sei há quanto tempo ele abriu a porta e está me olhando, só sei
que estava perdido nos meus pensamentos.
— Estou pensando— respondo.
— Vamos jantar? Eu preciso me livrar da tensão que é a
existência da Alexa.
— Claro que precisa— digo, acenando negativamente.—
Tenho outros planos.
— Posso saber o que te deixou chateado?
— Alexa— afirmo.
— Ah, então você finalmente entende o que eu passo...
— Não. Ela me disse que...não importa.
— Claro que importa. O que aquela terrorista te disse?
— Ela acha que há algo entre mim e Savannah.
— E há? Claro que não, se houvesse, as coisas estariam
estranhas— ele afirma.
— Não, Arthur. Não há nada entre mim e a minha assistente
pessoal.
— Agora você vai ficar ofendido comigo por ter perguntado?
Vocês parecem entrosados, tanto que as pessoas estavam
comentando no retiro.
— A sua assistente pessoal é provavelmente a responsável
por esses boatos e só não está no olho da rua porque você fez
questão de mantê-la— afirmo. Tivemos uma séria conversa sobre
as minhas suspeitas, mas Arthur defendeu a assistente
veementemente.
— Você não sabe disso. A questão é que ninguém está
acostumado a te ver fazendo uma... amizade? Talvez?
— Não somos amigos.— Somos? Eu converso com Savannah
e conto coisas que normalmente não contaria a ninguém. Isso
caracteriza uma amizade?
— É, mas você é sempre distante, e Savannah, de alguma
forma, conseguiu se aproximar de você. Não estou dizendo que isso
é ruim, na verdade, é uma coisa boa. Você precisa ter mais de um
contato social além de mim— ele diz, sorrindo.— Principalmente
sem a senhora Marshall.
— Talvez, mas olha o que estão falando. Ninguém dizia isso da
senhora Marshall. As pessoas são tão cansativas.
— Seria mais maluco ainda se dissessem, a senhora Marshall
não é uma gostosa de parar o trânsito, Malcom. Ela tem idade para
ser sua mãe.
— Você pode, por favor, parar de se referir a minha assistente
dessa forma?
— Ok, ok! Não precisa se alterar...— Ele sabe que eu odeio
isso, essa acusação vazia de mudança no meu comportamento.—
Assim vou acabar achando que Alexa tem razão.
— Até parece. O inferno vai congelar antes de você e Alexa
concordarem com algo sem uma boa briga antes.
Mando uma mensagem para uma modelo que vem entrando
em contato comigo há alguns dias e então peço para que a equipe
de segurança se prepare, pois estou descendo. Nem mesmo passo
de volta na minha sala, apenas vou embora do prédio. Desligo o
telefone e entro no carro, não quero ser incomodado. Minha
esperança é que sexo espaireça minha mente.
Entro no quarto do hotel e a mulher está me esperando. Ela
tem cabelos pretos, a pele morena, e eu não consigo deixar de
pensar em Savannah enquanto ela se aproxima. Isso nunca
aconteceu antes, nunca estive com uma mulher pensando em outra.
Nunca fiquei pensando sobre uma mulher. Não posso deixar que as
palavras de Alexa entrem na minha cabeça, penso. Em vez disso,
beijo a morena, depois desço a boca pelos seus seios enquanto vou
tirando sua roupa. Não tenho a paciência usual, nem a mesma
capacidade de concentração, imagens ficam se misturando na
minha cabeça. O decote de Savannah, as pernas dela naquele
vestido ridiculamente curto que ela usou no restaurante.
Quem Alexa pensa que é para tentar encher a minha cabeça
com besteiras? Isso tudo é culpa dela. Eu nunca pensei em
Savannah dessa forma antes, e isso acaba aqui e agora. Termino de
me despir, e a mulher deitada na cama à minha frente sorri, cheia de
desejo olhando para a minha ereção. É nisso que eu quero me
concentrar, é isso que importa no momento.
— Você precisa ir?— April, esse é o nome da modelo, me
pergunta quando me sento na cama e começo a me vestir.— Achei
que passaria a noite aqui...
São quase uma da manhã, estamos neste quarto há uma hora,
transando sem parar. Ela me abraça por trás e beija meu pescoço.
Penso em Bárbara outra vez e nas palavras de Alexa.
— Tenho que ir. Eu não faço isso... dormir na mesma cama—
afirmo. Não é de fato verdade, mas talvez deva ser a regra a partir
de agora.— Fique à vontade, aproveite o hotel, a sauna é muito boa.
Levanto-me da cama, termino de me vestir e simplesmente
vou embora. Ainda estou me sentindo vazio quando entro no carro.
Sinto que esse é daqueles momentos em que só preciso
desaparecer. Sei qual a receita certa para isso. Passo as
orientações para o motorista, que me leva para a antiga casa do
meu pai, o lugar em que cresci, dispenso a equipe e fico sozinho. Eu
venho para essa casa quando preciso ficar sozinho. Eu ainda
consigo fechar os olhos e lembrar de como tudo era antes, a cor das
paredes, as fotos pela casa, os quadros, cada detalhe que foi
escolhido pela minha mãe foi retirado daqui, tudo, menos um objeto:
um piano de cauda que fica numa sala de música que vivia fechada
enquanto eu estava crescendo. Sempre que meu pai me encontrava
no piano, ele tinha um acesso de raiva.
Abro a porta e vou até o piano. Levanto a tampa e passo os
dedos pelas teclas. Faz tempo que não toco, alguns meses, e nunca
me considerei bom, não de verdade. Ainda assim, toco. Toco como
se a minha vida dependesse disso, como se cada nota fosse, de
alguma forma, um modo de exorcizar os meus demônios. Funciona
melhor do que o sexo.
 

 
— Quando você volta para cidade, Savannah?— Brad, um dos
colegas de apartamento de Lucy, pergunta. Ele é alto,
diabolicamente bonito. Lucy o adora. Ele está tomando um daqueles
sucos verdes que pessoas ligadas à academia e mais preocupadas
com o corpo costumam tomar. Eu sou o tipo de garota que não troca
um bom hambúrguer com refrigerante por nada, e Brad sempre
tenta me convencer a experimentar o tal suco.
— Talvez em mais uns dois meses— respondo.—
Honestamente, eu gosto de Jersey. Sei que vocês vão me julgar por
isso, mas, de certa forma, me lembra de casa.
— A cidade da qual você mal podia esperar para sair?— Lucy
questiona.
— É, eu sei, mas tem o melhor dos dois mundos.
— Não. Você deve ter batido a cabeça.
— Ou talvez eles façam lavagem cerebral em Jersey— Brad
brinca.
— Hahahaha! Vocês são hilários. As pessoas em Jersey são
mais gentis, a vida urbana não é tão caótica.
— Mentira! Nova Iorque inteira, a porra do estado é feito de
gente grosseira— Lucy afirma. — E você ama o caos. Você chorou
copiosamente quando teve que entregar seu apartamento.
— Claro. Ninguém abre mão de um aluguel controlado naquela
região sem chorar algumas lágrimas— afirmo.— Eu tenho que ir ou
vou me atrasar e o meu chefe detesta atrasos.
— Ok, até amanhã!
— Até amanhã! Mal posso esperar para o nosso terminossário
— Terminossário?— Brad questiona.
— É, é uma coisa boba do tempo da faculdade— Lucy diz.
Terminossário é um aniversário de términos. Durante a faculdade,
era difícil que estivéssemos as três solteiras ao mesmo tempo, mas
houve essa época em que os astros da má sorte amorosa se
alinharam e então isso aconteceu: estávamos as três solteiras e de
coração partido, bem, Alexa não estava de coração partido de
verdade, mas gostamos de fingir que foi o caso. Alexa sugeriu que
parássemos de remoer nossos sentimentos e comemorássemos o
fato de que estávamos livres e éramos jovens, então fomos para a
casa de Alexa nos Hamptons. Desde então, virou uma tradição,
todos os anos, em outubro, vamos para os Hamptons e fazemos
uma pequena comemoração no final de semana. A comemoração
envolve ficarmos bêbadas, falarmos sobre nossos planos para o
futuro e depois tentar entrar de penetra na festa que Rachel, uma
colega de faculdade maluca, faz todos os anos nesta mesma época
na praia.
Abraço Lucy, que retribuiu e faz uma piada sobre eu ter sonhos
eróticos com Malcolm. Eu não deveria ter contado a ela sobre isso.
Lucy vai fazer piada sobre isso pelo resto da minha vida. Para além
das piadas, minha amiga disse que, por passar tanto tempo com
meu chefe, é normal que isso aconteça, já Alexa acha que eu
preciso transar mais, preferencialmente com Dan, e parar de
fantasiar com meu chefe. Não decidi qual das duas tem razão, ou
talvez ambas estejam certas. Seja como for, tenho visto pouco de
Malcolm nas últimas semanas, e ele parece ainda mais fechado e
irritado. Parece que com ele nunca há progresso, sempre que se dá
um passo para frente, imediatamente dois passos para trás são
dados.
Apesar de estar na cidade, eu acabo chegando exatamente
em cima da hora no trabalho. Passo pela segurança correndo e
estou terminando de ajustar meu terninho quando Sabine me encara
balançando a cabeça negativamente.
— Não se preocupe, ele ainda não chegou— ela me conta,
sorrindo. Fico aliviada e paro em frente à mesa da minha colega de
trabalho.
— Ele ainda não chegou? Não tem nenhuma reunião externa
ou...— falo enquanto vou pegando o tablet para conferir a agenda
de Malcolm. Realmente não há nada. Ele já deveria estar aqui. Ele é
sempre pontual, irritantemente pontual para ser honesta.
— É! Estranho, né?
— Bom, melhor para mim. Assim, eu consigo tomar um café
antes que ele comece com o mau humor.
Nadine comenta sobre a potencialização do mau humor de
Malcolm e começa a propor teorias. Coisas desde ele ter terminado
um relacionamento até questões da empresa. Não faço a menor
ideia do porquê meu chefe está tão irritado, mas sei que, no fim das
contas, não é tão ruim, quanto mais ele se comporta de forma
arrogante e insuportável, mas digo a mim mesma que não posso
sentir nada por ele. Minha mãe me ensinou a correr de caras assim,
meu pai me ensinou a colocá-los para correr.
Tomo meu café, arrumo a mesa de Malcolm e deixo toda a
documentação do dia separada, e nada de ele aparecer. Eu quase
nunca tenho a oportunidade de estar na sala dele quando ele não
está, já que o acompanhona maioria de suas reuniões, então
aproveito sua ausência para bisbilhotar. Não há muitos objetos
pessoais na sala, há uma foto de Malcolm com o pai em uma mina,
ambos de ternos bem alinhados, capacetes e expressões de
seriedade em seus rostos. Ele parece com o pai, e não parece nada
com o meio-irmão, então suponho que também não se pareça com
a mãe. Uma bola de beisebol assinada por Babe Ruth e outra por
Hank Aaron, dois dos maiores atletas no esporte de todos os
tempos. Lembro-me do meu pai falando das jogadas de Hank
Aaron, de como ele ultrapassou a marca de homeruns de Babe
Ruth.
Para além disso, há apenas um grande quadro de pintura
abstrata. Nas gavetas, há documentos, documentos e, na última,
algo me surpreende, além de camisinhas, o que não é a parte que
me deixa surpresa, há um pacote de gomas mastigáveis coloridas.
Não consigo imaginar Malcolm, com seu mais de um metro e
oitenta, expressão sisuda e terno caríssimo, comendo algo
apropriado ao paladar de crianças de onze anos.
O telefone começa a tocar, e eu me ocupo. As pessoas
querem saber de Malcolm, mas não há o que dizer. Alguns minutos
de atraso se tornam meia hora, depois uma, duas e eu tento ligar
para o celular dele, que chama incansavelmente e ainda assim não
é atendido.
— Ok, isso é estranho— afirmo, me aproximado da mesa de
Nadine. Não quero parecer preocupada, mas a verdade é que
estou. Alguma coisa pode ter acontecido. Se Malcolm Campanelli
não aparece e nem avisa, algo aconteceu. Meu peito aperta um
pouco ao pensar nisso.
— Você precisa ir até lá.
— E por “lá” você quer dizer onde?
— Na casa dele.
— Porque eu preciso ir até lá?— questiono.
— Bem, o senhor Arthur não está aqui, e você é a assistente
pessoal do senhor Malcolm, além disso, eu não iria nunca, aquele
homem me dá arrepios— Nadine diz, sorrindo.
— Vou tentar ligar para o chefe da segurança— afirmo. A
verdade é que eu quero, sim,ir na casa de Malcolm, eu tenho uma
chave, a senhora Marshall deixou comigo um cartão de acesso e
senha para caso de urgências, e eu até já fui até o prédio uma vez
deixar alguns documentos com o porteiro, então sei o caminho.
Ligo para Tadeu, o chefe de segurança, que atende e,
também, não sabe de Malcolm. Pergunto se ele existe algum
protocolo, orientação para isso, algo passado pelo próprio Malcolm,
mas ele me diz que Malcolm não permite que a equipe de
segurança entre na casa.
Ok, então é isso, eu tenho que ir até lá. Peço um carro e vinte
minutos depois estou entrando na casa e usando o cartão de
acesso para liberar o portão. Estou honestamente um pouco
apreensiva não só porque imagino que ele não vá ficar contente ao
me ver entrando em sua casa se tudo estiver bem, mas também
porque estou preocupada de que haja algo errado. Isso é o quanto
estou envolvida com esse homem. Eu preciso que ele esteja bem.
Minhas mãos estão suando um pouco quando o elevador finalmente
para no andar dele.
 
Malcolm mora em Manhattan. As casas são absurdamente
caras nessa área e é simples entender o porquê. O local é enorme e
parece uma mansão, talvez, tecnicamente, seja mesmo. Na
antessala, a decoração é totalmente branca, ele tem duas poltronas,
uma mesa de centro e nada mais. Há uma porta de madeira com
fechadura digital e então coloco a senha e ela desliza facilmente
depois que o click de liberação soa. Entro na sala principal e me
sinto perdida pelo tamanho, há um corredor gigante com muitas
portas e começo a abri-las sem-cerimônia, é na terceira que
encontro o quarto de Malcom.
O cômodo sozinho é maior que meu apartamento. Malcolm
está na cama, deitado de bruços, totalmente vestido para o trabalho,
até os sapatos ele calçou. Avanço até ele rapidamente, quero me
certificar de que está respirando, quando noto que está, sinto meu
coração retornar a um ritmo regular. Então me sento ao lado dele e
toco em seu braço.
— Malcom. Malcom... — chamo gentilmente enquanto o
balanço. Ele se move resmungando, seu corpo está quente, muito
quente. Ponho a mão na testa dele e confirmo que está com febre.
— Malcolm, sou eu, a Savannah, você precisa acordar.
— O que você está fazendo aqui outra vez?
— Você não foi trabalhar...— Peraí, ele disse outra vez?
— É. Eu tenho que me levantar e ir trabalhar — ele diz,
sentando-se na cama. Eu coloco a mão no pescoço dele dessa vez
e percebo que está fervendo, a febre está alta demais e isso não
pode ser bom.
— Não. Você está doente, precisa de um médico e cuidados.—
Ele coloca a mão no meu rosto, o polegar roçando meu lábio.
— Eu não gosto disso— ele diz. E então aproxima seu lábio do
meu e simplesmente me beija. Sou pega de surpresa e não sei o
que fazer, tento empurrá-lo, mas não aplico força o suficiente, tenho
medo de que ele bata a cabeça ou algo do tipo.— Você é linda e
está sempre cheirando bem.— As mãos dele descem pelo meu
corpo e ele me puxa para cima dele, apertando minha bunda? Como
ele consegue ter tanta força mesmo nesse estado?
Separo minha boca da dele e tento trazê-lo à consciência,
chamando seu nome, mas ele volta a acariciar o meu rosto, depois
sua mão desce bruscamente pelo meu pescoço e seios, e eu tento
me mover novamente, com mais empenho.
E então, do nada, Malcolm se deita novamente e
simplesmente apaga. Fico sentada ao lado dele, o coração saindo
pela boca, o gosto dele na minha boca. O rosto pinicando pelo
contato com a barba, o corpo ardendo.
Ligo para Arthur, que não atende, então decido cuidar disso
por conta própria, não é como se eu nunca tivesse lidado com
ninguém doente antes. Sei que Malcolm precisa sair dessas roupas,
então começo a desfazer o nó da gravata dele, percebo que estou
tremendo do beijo. Retiro a gravata, abro a camisa, é o máximo que
consigo fazer sem virá-lo.
Então abro as janelas do quarto para tornar o local mais
arejado, uma luz brilhante quebra a penumbra do quarto, e eu volto
para perto de Malcolm para conferi-lo. Tento chamá-lo novamente,
mas ele não responde.
Coloco uma toalha umedecida sobre a testa e pulsos. No
banheiro de Malcolm, eu encontro lenços e, também, um kit de
primeiros socorros. A coisa parece nunca ter sido usada. Abro a
maletinha e, dentro dela, há um termômetro, então esqueço das
toalhas e corro para conferir a temperatura dele. Em pouco tempo, o
equipamento apita exibindo 39.1 graus.
Espero que as toalhas façam efeito, e ele acorda novamente
um tempo depois, mas ainda está um tanto grogue, não fala coisa
com coisa. Chamo Malcolm novamente até que ele finalmente
acorda de verdade.
— O que você está fazendo aqui?— Malcolm repete a
pergunta que fez assim que cheguei. Ele não lembra de nada? Ele
não lembra de nada! Provavelmente é melhor assim.
— Eu vim ver como o senhor está já que não apareceu no
trabalho a manhã inteira e não avisou nada.
— Eu preciso ir trabalhar.
— Já passamos por isso. Vamos lá, o senhor está doente. Está
queimando de febre.
— Eu não fico doente.
— Obviamente isso não é verdade. Preciso que me ajude, que
se levante para que possamos ir ao médico.
— Eu não posso ficar doente, tenho muito o que fazer hoje.
— O senhor sempre tem muito o que fazer, não acho que a
doença se importe com isso. Vamos, se levante, eu vou pedir um
carro para irmos ao hospital.
— Não. Não quero que ninguém saiba que estou doente.
— Como assim você não quer que ninguém saiba que está
doente? É só uma gripe, Malcolm— afirmo, perdendo um pouco da
cerimônia com ele no momento. Esqueço que ele é meu chefe e a
tratá-lo como um aluno no jardim de infância.
— Isso pode passar uma impressão ruim, de que sou fraco.—
Tenho vontade de gargalhar do absurdo da situação, mas
simplesmente me seguro. — Se você mostrar fraqueza...— Ele para
de falar, e eu ponho a mão em sua testa novamente, está realmente
queimando de febre. Levanto-me da cama e pego as toalhas com
água para colocar em sua testa e nos pulsos. Quando retorno,
Malcolm está tentando ficar de pé, o que é um erro, ele tomba um
pouco e tento segurá-lo, mas tenho certeza de que vamos cair se
ele tentar dar mais um passo.
— O senhor sabe que não é exatamente um vampiro certo? É
só um ser humano e seres humanos ficam doentes, não como se o
senhor tivesse inimigos que estão esperando que fique vulnerável
para virem até aqui e tentar enfiar uma estaca no seu peito.
— De onde você tira esse tipo de coisa?— ele pergunta
enquanto me encara.
— De boa parte dos seriados adolescentes da última década—
digo, guiando-o de volta para cama.
— Não faço a menor ideia do que está falando. Pegue meu
telefone, ligue para Alessandra Gois, ela é médica. Ela vai me
atender.
Faço o que ele diz, coloco a senha que ele me passa para
desbloquear o telefone, há uma série de chamadas não atendidas,
notificações diversas. Enquanto estou procurando o número da tal
Alessandra, mais mensagens chegam, uma delas diz “Estou na
cidade” e o contato está marcado como “Modelo Dior”. Nada grita
“alerta de homem escroto” quanto não salvar os contatos das
mulheres com quem sai com seus nomes. E, sim, eu sei que ele sai
com ela, eu vi as fotos algumas semanas atrás.
Faço a ligação e a mulher atende com um tom de surpresa,
dizendo: “Malcolm?”. Digo meu nome e explico o que está
acontecendo. Ela diz que pode chegar na casa dele em vinte
minutos e é isso que ela faz.
A médica examina Malcolm, que parece uma criança
rabugenta, ele reclama de tudo, do fato de que há luz demais no
quarto, da temperatura do estetoscópio, de como ela continua
fazendo perguntas que ele não parece muito disposto a responder.
Eu tento me controlar para não rir e permaneço no quarto
observando-os.
— A febre está um pouco mais baixa do que você indicou na
ligação, Savannah— Alessandra diz.— O que você fez aqui ajudou
um pouco. Malcolm não tem nenhum sinal de infecção viral, mas a
febre está alta e, como ele viaja muito, e para países com incidência
de zika e os sintomas são consistentes com um quadro da doença,
vou pedir um teste rápido, você pode encomendar na farmácia e
eles trazem aqui. Além disso, vou passar uma medicação para dor e
febre, e ele precisa ficar em repouso absoluto.
— Sem chances...— ele diz, começando a se levantar outra
vez, mas está tão fraco que pende para trás, e eu e a médica o
amparamos.— Eu tenho que ir trabalhar.
— Da última vez que eu abri um caderno de economia, você
ainda era o dono de uma das empresas mais bem-sucedidas do
país, não acho que você corre o risco de ser demitido, Malcolm.
— Você sempre foi muito sabichona— ele resmunga, se
enrolando no edredom.— Exceto ao meu respeito, mas foi melhor,
você está bem melhor com ela, mais feliz.
— Falando de assuntos constrangedores, você está mesmo
doente, talvez até delirando um pouco.
— Ele está, quando cheguei, não estava falando coisa com
coisa. Acho que ainda está assim.
— É, a febre precisa ceder um pouco para que ele pense
direito. Vamos, me ajude a fazê-lo sair dessas roupas, eu vou
aplicar uma injeção nele, algo que ajude o corpo a combater melhor
a febre.— Sentamos Malcolm e então eu puxo a camisa dele pelos
braços musculosos que ele tem, sua pele é extremamente branca e
ele cheira tão bem.— Vamos precisar tirar a calça também.
Coloco a mão no botão da calça de Malcolm, e ele põe a mão
por cima da minha e sorri. Não sei porque está sorrindo, ele mesmo
não deve saber. A mão livre de Malcolm se enrosca nos meus
cabelos e um arrepio percorre a minha espinha. Por um momento,
esqueço que não estamos sozinhos.
— Shi...— ele diz,pedindo silêncio, e então sorri. Ele parece
bêbado. Ele aproxima a boca da minha novamente, e eu estou
ofegante, preciso cortar isso.
— Preciso que me deixe tirar sua calça, Malcolm. Pode me
ajudar?— peço. Ele abre os olhos e fecha-os novamente e então
retira a mão dos meus cabelos.Puxar a calça do corpo dele é
trabalhoso, mesmo com a ajuda de Alessandra. Malcom está com
uma cueca preta, e eu me forço para não notar o volume, mas não é
como se fosse possível.
— Vamos, vire-se um pouco— Alessandra pede— e fique
quieto.
Ela aplica a medicação e então me diz para monitorar a febre
de Malcolm e ligar se voltar a passar dos trinta e nove graus. A
mulher prescreve um remédio e me entrega o papel, então volta a
olhar para Malcolm, que está enrolado no edredom novamente.
— Malcolm, eu estou indo, você está em boas mãos, sua
namorada é muito atenciosa.
Por que todo mundo acha que tem alguma coisa acontecendo
entre a gente? A única coisa que realmente existe sou eu sonhando
com esse homem e suspirando por ele, porque, até mesmo quando
o acho insuportável, eu ainda estou pensando em como ele é lindo e
faz minhas pernas bambearem. Eu não faço sexo há alguns meses
e isso também deve contar contra a minha sanidade mental no
momento, então é isso, o que eu sinto por Malcolm é uma mistura
de tesão acumulado com o fato de que esse filho da mãe é
realmente muito sexy.
— E é muito bonita também— ele afirma.
— É, e muito bonita também— a médica concorda, sorrindo.
Acompanho-a até a porta, e ela me diz que é comum alguma
desorientação com a febre e o efeito dos medicamentos. Quando
retorno para o quarto, Malcolm dormindo, e eu me sento na poltrona
em seu quarto enquanto respondo as mensagens de Nadine.
Estou desmarcando alguns compromissos que ele tinha tanto
hoje quanto amanhã quando ele se remexe na cama. Me aproximo,
tentando entender se está tudo bem, toco em seu ombro e então ele
abre os olhos e me puxa pela mão, fazendo com que eu me sente
na ponta de sua cama.
— Como está se sentindo?— questiono. Ele não responde.
Malcolm ergue o corpo e coloca a mão na minha cintura, me
apertando. Mal tenho tempo de reagir, e ele está com o corpo
colado no meu.
— Você está gelada...eu gosto disso, está muito quente aqui.
— Não sei se ele está consciente ou não. Está de olhos abertos,
mas meio sonolento.— Venha se deitar.
— Senhor Campanelli...— Ele coloca o dedo nos meus lábios
outra vez.
— Você fala muito, sabia? Deite-se aqui comigo.— Então ele
se deita novamente e me leva junto, como se eu fosse uma boneca
de pano. Ficamos de conchinha na cama por um bom tempo e a
sensação quente do corpo dele me envolve faz com que eu
acabepegando no sono também.
Acordo horas depois, Malcolm ainda está me abraçando, e eu
escapo, com certa dificuldade, do seu braço e fico sentada ao lado
da cama dele enquanto leio um livro que estava na sua mesa de
cabeceira. É um livro da Margareth Atwood, intitulado O assassino
cego, há alguns trechos destacados, entres eles, a frase "eu não sei
o que é pior: sentir demais ou não sentirnada". A frase parece
adequada a ele, desde que soube sobre o sumiço da mãe de
Malcolm e o fato de que ele tem um meio-irmão com o qual não fala,
eu não consigo parar de pensar nisso. Não que eu consiga parar de
pensar no meu chefe de qualquer forma.
Fico tentando imaginar Malcolm sentado lendo, imagino a
forma como ele gasta seu tempo sozinho, quando não está saindo
com modelos internacionais, claro.
Começo a ler o livro e estou imersa nele, na história de duas
irmãs e em seu passado terrível, nas mortes ao redor dele, a história
é conduzida de uma forma maravilhosa, mas as palavras de
Margareth Atwood são cortantes. O final do primeiro capítulo diz que
algumas pessoas não conseguem dizer onde está doendo, pois não
conseguem se acalmar. É extremamente verdadeiro
Malcolm acorda e agora parece bem melhor.
— Você ainda está aqui— ele me diz. Seu tom parece mais
sério, mais próximo do regular. Ele não parece se lembrar de nada,
e eu fico grata novamente.
— Sim. Vamos colocar o termômetro novamente— digo,
pegando o instrumento—, levante o braço.
Malcolm faz o que eu digo e então me olha, noto seus olhos
cinzentos vagando, primeiro eles estão no meu rosto, depois no livro
em minha mão.
— É um bom livro— digo—, espero que não se incomode.
— Ela é uma excelente autora.
— Verdade, não achei que o senhor lesse esse tipo de coisa.
— E o que achou que eu lesse?
— O caderno de economia do New York Times e os relatórios
da Bolsa— conto, sorrindo. O termômetro apita e eu o retiro para
conferir a temperatura.— 37.8 — conto—, ainda está com febre,
mas melhorou bastante.
— Eu estou bem. Você não precisa fazer tudo isso.
— Na verdade, o senhor está péssimo, e não é “tudo isso”, é
só um termômetro e remédios, não é como se eu estivesse
oferecendo um órgão, senhor Campanelli.
— Malcolm...— ele repete enquanto se move e faz cara feia,
reclamando da dor.— Não estamos trabalhando. Você não é minha
empregada quando não estamos trabalhando
— Bem, tecnicamente eu estou no meu horário de trabalho.
— Tecnicamente você está na minha cama— ele responde, a
voz está mais rouca que o normal e tem um efeito que me
surpreende, eu me sinto próxima dele de alguma forma, como se
estar aqui não fosse estranho.
— Já que você não está morto, e não quer ajuda, eu vou
embora.
— Não— ele diz, tocando meu braço, seu tom é rígido, mas o
toque é gentil e ainda assim eletrificante.— Savannah, você pode
ficar? Por favor?
— Por favor, você está mesmo delirando de febre pra usar as
palavras “por favor”.
— Eu sou educado.
— Não, você não é. Você é muitas coisas, cavalheiro talvez,
mas educado não é uma delas.
— Muitas coisas? Como o quê?
— Cavalheiro, bem...essa é a única coisa positiva que consigo
pensar,
— Não é verdade, você tem sempre alguma coisa pra dizer,
está sempre pensando em mil coisas.
Estou um tanto chocada com a observação, não achei que
Malcolm prestasse atenção em mim o suficiente para dizer algo
assim, para perceber isso.
— Honestamente você não vai querer que eu te diga mais
nada.
— É tão ruim assim?
Não. Não é. E esse é o problema. Ele é encantador em alguma
medida e parece que há um campo magnético me puxando para
ele. Lindo, absurdamente lindo. E muito leal aos próprios princípios.
Ele também é um bom empresário e há um fogo na forma como ele
trabalha, uma paixão pelo que ele faz. Ele dá duzentos, trezentos
por cento de si mesmo nisso e talvez por isso seja tão exigente com
todo mundo ao redor. Mas o fato é que eu não posso fazer nada
disso sem parecer uma maluca que passa tempo demais
observando.
— É terrível— afirmo, me afastando um pouco. Sinto que estou
perto demais e que meu corpo quer que eu me aproxime mais
ainda.— Eu vou preparar alguma coisa para que você coma. Uma
sopa, talvez? E, depois disso, podemos fazer seu teste rápido.
— Não gosto de sopas.
— Um caldo verde?
— Parece pior ainda.
— Você vai me agradecer quando estiver melhor— digo, me
levantando e indo para a cozinha. Preparo um caldo simples, mas
que fica muito delicioso, é uma receita da minha mãe, algo que ela
fazia quando eu ficava doente. Fico surpresa com o fato de que a
geladeira dele tem frutas e legumes frescos. Então levo para
Malcolm. — Pode se sentar?
— Preciso de uma roupa, quem tirou a minha roupa?
— E eu e a sua médica— digo.— Você não lembra?
— Lembro que a Alessandra estava aqui. Como a encontrou?
— O senhor... você me disse para ligar.
— Claro que disse— ele afirma. Malcolm descobre parte do
corpo. Eu já disse que o peito dele é a coisa mais linda que eu já vi?
Deus, o homem parece ter sido moldado à perfeição.— Acho que
não consigo me levantar— ele admite.
— Do que precisa?
— De uma camisa e uma calça de moletom, qualquer coisa
que faça com que isso aqui não pareça constrangedor. Já estou
vendo o processo quando você pedir demissão.
— E porque eu pediria demissão?
— Porque é boa demais para ser minha assistente.— Fico sem
palavras. Ele está mesmo me dizendo isso?— Você parece
chocada.
— Não estou acostumada com você me elogiando— confesso.
— Onde encontro essas roupas?
— A camisa está na segunda gaveta na esquerda do closet,
você vai ver uma caixa de vidro, as gavetas abaixo dela. Já a calça
vai estar no lado oposto, terceira prateleira, pode pegar qualquer
uma das de moletom. O closet fica naquela porta ali...— ele diz,
indicando a direção.
— Já volto.
O closet de Malcolm é maior que o meu quarto em Jersey.
Talvez todo o meu antigo apartamento no Brooklyn não tivesse nem
mesmo o dobro das dimensões do closet. A caixa de vidro que ele
citou tem uns trinta relógios cuidadosamente arrumados, abro a
gaveta e as camisas estão também arrumadas em nível de
perfeição impressionante. Pego tudo que ele pede, mais um par de
meias e então volto para o quarto e entrego as peças a Malcolm.
Ele veste a camisa e deixa a calça de lado inicialmente, então
coloco a bandeja com a sopa em seu colo e pega a colher.
— Vai mesmo ficar me assistindo?
— Vou— afirmo com um tom de implicância que o faz acenar
negativamente, os lábios dele se curvam um pouco em um meio-
sorriso e então ele coloca a primeira colherada de sopa na boca.—
Isso é muito bom.
— Não soe tão surpreso— digo, sorrindo.— E não sei se
"muito bom" é adequado, é a receita da minha mãe, mas faltou o
ingrediente especial.
— E qual seria?
— Se eu te contar, ela me mata.
— Seus pais estão no Texas?
— Sim, numa cidade do interior do estado.
— E você não sente falta?
— Deles, com certeza, da cidade, nem tanto. Eu não sei como
as pessoas não morrem de tédio por lá.
— Tédio é mal apreciado. Tédio é bom, é rotina, significa que
não haverá surpresas. Não é uma coisa ruim.
— E qual a graça de uma vida sem surpresas?
— Acho que vamos ter que concordar em discordar— ele me
diz. Malcolm termina de comer e então faço com ele o teste rápido
que a médica nos indicou.
— Posso fazer uma pergunta?
— Outra?— ele questiona com um ar de riso.
— É, outra— concordo, sorrindo.
— Você e a Alessandra... vocês eram...
— Não exatamente. Fomos amigos por um bom tempo e então
acabamos nos envolvendo brevemente. Ela era da equipe médica
do meu pai e estava lá no dia em que ele faleceu.
— Sinto muito.
— Já faz muito tempo— ele afirma.— Acho que é hora de
fazer o tal teste.
Malcolm obviamente quer fugir da conversa, mas entendo-o.
Imagino que nada disso tenha sido fácil. Sempre me senti a garota
mais feliz e sortuda do mundo por ter crescido com pais presentes,
atenciosos e que encheram de amor. O teste dá positivo, e eu aviso
à médica, que orienta que Malcolm se hidrate bastante, repouse e
que continue a medicação para dor e febre.
— Quanto tempo eu tenho de vida?— ele brinca, me olhando
quando desligo o telefone.
— Não se preocupe, vai continuar sendo um chefe malvado
por muito tempo— digo, sorrindo.
 

 
— Ele te beijou?!— Lucy questiona,sorrindo, enquanto me
ajuda a amarrar meu biquíni.
— Fale baixo, você quer que a Alexa escute?
— Você não vai contar isso a ela?
— Não. De jeito nenhum. Ela faria um escândalo, diria algo
sobre Malcolm e eu não quero confusão. Além disso, ele estava
delirando de febre e nem se lembra de ter me beijado.
Os dias que Malcolm passou doentes foram surreais. Nos dois
primeiros dias, ele teve picos de febre alta, e eu fiquei com ele na
maior parte do tempo, até que Arthur voltou de viagem e assumiu o
posto de enfermeiro. Arthur me disse para ficar em casa e
descansar um pouco nos dias seguintes, mas fui para o trabalho e
tentei ao máximo organizar as coisas pendentes. Separei os
documentos que precisavam ser assinados por Malcolm, remarquei
as reuniões mais importantes para semana que vem e solicitei
dados de extração, vendas e projeções de mercado aos setores
responsáveis em nome dele, pois sei que essas são as primeiras
que ele vai querer ver quando estiver melhor. Na sexta, eu saí do
trabalho e entrei no carro com Alexa e Lucy para nosso final de
semana de aniversário de términos.
— E como foi o beijo?
— É estranho avaliar um beijo que ele me deu quando estava
delirando, parece que eu me aproveitei dele— digo.
— Ele te beijou, amiga. Você não vai se cancelar por causa
disso, né? Pelo amor de Deus! E se você não quer dizer, é porque
ou foi muito ruim ou...
— Minhas pernas tremeram, Lucy.— E não foi só isso. Meu
coração acelerou e a sensação da barba dele na minha pele me
levou às nuvens.
— Uma pena ele não lembrar...ou será que ele está fingindo
que não lembra?
— Quem está fingindo que não lembra o quê? — Alexa
questiona. Ela está parada na porta usando um biquíni verde-oliva
com seu corpo maravilhoso em exposição.
— Meu Deus! Eu mataria alguém por esses peitos— Lucy diz.
— Você sempre fala isso e, como sua advogada, eu devo te
aconselhar a não verbalizar esse tipo de intenção— ela responde,
sorrindo.
— Ao menos eu iria para prisão com peitos incríveis e então
poderia ser a namorada da chefe de alguma gangue e ter
privilégios.
— Você assiste a seriado demais— Alexa afirma. Ela parece
ter esquecido a pergunta sobre de quem estávamos falando, e eu
fico grata por isso. Lucy é maravilhosa em mudar de assunto. Eu
confio em Alexa com a minha vida e a amo profundamente, mas sei
que ela não gosta de Malcolm, nem de Arthur, ela tem o pé atrás
com todo mundo que vem de onde ela veio. E diz isso claramente.
Ela sempre repete frases como: “você não sabe do que esse tipo de
gente é capaz”.
— Tem um show de Alec hoje!— Lucy diz.
— E tem a festa da Rachel depois— Alexa adiciona.
— Eu só quero me deitar na areia e tomar sol— digo, me
olhando no espelho, mas sei que vou ser arrastada para o show de
Alec, porque Lucy é louca por ele, e sei que vamos para a festa da
Rachel, Alexa foi convidada, e ela gosta de implicar com Rachel,
então, com certeza, vai na festa.
O clima não é dos melhores, o tempo está um pouco fechado e
está ventando bastante, mas, ainda assim, há alguns raios de sol.
Eu forro uma canga na areia e me deito, minhas amigas fazem o
mesmo, ficamos deitadas de bundas para cima, jogando conversa
fora. Alexa se lembra do nosso primeiro terminovessário, eu estava
namorado um cara chamado Todd há alguns meses, Alexa sempre
implicava com o nome dele, dizia que alguém chamado Todd não
poderia ser legal, mas ele até era bastante gente boa até o dia em
que quis me dar um ménage à trois de presente.
— Ele simplesmente chegou com a garota e disse “pra gente
se divertir”— Lucy comenta, gargalhando.— Eu achei de uma
coragem muito estúpida.
— Eu fiquei arrasada, gostava bastante dele.
— O que ele faz hoje em dia?
— Se mudou para a Califórnia, ele se formou em ciência
computacional e trabalha em uma dessas empresas de tecnologia.
A última vez que vi algo soube que ele estava noivo.
— Acha que a noiva dele faz ménages?— Lucy questiona,
gargalhando.
— Espero que sim.
— Você é boazinha demais— Alexa afirma. Nesse momento,
meu telefone toca e eu retiro-o da ecobag que está jogada ao meu
lado na areia. O nome de Malcolm está na tela, quer dizer, não é o
nome dele, e, sim, “insuportável”, o que sempre me faz sorrir.
— Quem está te ligando no meio do nosso feriado?
— Meu chefe— conto.
— Não atenda!— Alexa diz.
— É o meu chefe— repito.
— Por isso mesmo. É sábado, você está fora da cidade.
— Ele pode estar precisando de alguma coisa...— Levanto-me
da cadeira e me afasto um pouco.
— Savannah, onde estão os contratos da prestadora de
serviços que vai assumir na Botswana?
— Estão na sua mesa. Os contratos estão na pasta prateada,
as autorizações, na azul, e há uma série de liberações, além disso,
pedi para que o time jurídico fizesse uma análise de tudo enquanto
o senhor estava doente.
— Ok, obrigado...vou mandar o motorista buscar os
documentos, preciso que vá até lá e separe tudo.
— Não estou na cidade— conto.
— Certo.— A voz dele parece indicar um pouco de irritação.
— Está se sentindo melhor?— pergunto. Não sei porque sinto
minhas mãos gelarem ao questionar isso. É uma pergunta simples,
e ele não deveria ter tanto efeito assim em mim. Honestamente, isso
está começando a se tornar um problema.
— Bem melhor, obrigado— ele diz rispidamente.— Até
mais,Savannah ele se despede, encerrando a ligação.
Volto para a minha canga e me deito novamente.
— O que ele queria?
— Saber de alguns documentos— conto
— Achei que você ia voltar correndo para Nova Iorque —
Alexa comenta.— Como eu ia dizendo, você é boazinha demais,
Savannah.
— Podemos não começar?— Lucy propõe.— Estamos aqui,
juntas, aproveitando... deveríamos estar pensando no que vamos
usar mais tarde, escolhendo fantasias para a festa de Lucy,falando
sobre nossos ex-namorados e como estamos muito melhor sem
eles.
— Ou de como você ficou bêbada e queria colocar fogo no
carro do Lucas quando pegou ele com outra?— questiono, mudando
o assunto, não quero falar de Malcolm.
— É...— ela concorda, sorrindo enquanto ajusta os óculos
escuros. — Aquele não foi meu melhor momento, mas uma
pequena parte de mim queria ter tocado fogo naquele carro.
Ficamos juntos por quase dois anos e tudo que ele me disse quando
o peguei beijando a outra garota foi: "não era pra você ter vistoisso",
que idiota!
Alexa não fala sobre Richard. A razão é óbvia. Ela partiu o
coração dele, não o contrário, e acredito seriamente que ela se
culpa por isso até hoje. Alexa sempre gostou de namorar caras que
tinham zero potencial de futuro, o garoto mais galinha da
universidade, o estudante de intercâmbio que iria embora em pouco
tempo, ela gostava de começar coisas que sabiam que iam terminar,
ainda gosta. Richard foi uma exceção muito estranha, eles ficaram
juntos por muito tempo e ele comprou um anel caro e a pediu para
ser sua noiva. Alexa o deixou plantado no meio do restaurante e
simplesmente foi embora. Tudo que ela disse a mim e a Lucy a
respeito foi: "Se ele me conhecesse de verdade, saberia que não
deveria ter feito aquilo".
Richard reprovou o semestre, mudou de universidade, e eles
passaram anos sem se falar. Hoje em dia a relação deles é
estritamente profissional. Alexa nunca mais teve um relacionamento
que durou mais de dois meses e ela nunca, nunca mesmo, teve
alguém partindo seu coração e chutando sua bunda. Lucy diz que o
único homem que partiu o coração de Alexa foi o senhor Zon... o pai
de Alexa. Ela deve ter razão.
— Marquei massagens para gente hoje à tarde— Lucy conta,
sorridente.— Um cliente tem um SPA aqui e me ofereceu algumas
sessões de massagem.
— Deus, eu te amo!— digo, abraçando-a. Lucy está com o
rosto cheio de protetor solar e, mesmo que o tempo ainda não tenha
melhorado muito, ela já está ficando vermelha.
Voltamos para casa e cozinhamos juntas, e, por cozinhamos,
quero dizer que eu e Lucy fazemos isso, enquanto Alexa tenta
ajudar. Alexa até adora aprender algo sobre como fazer comida, sei
que algumas de suas memórias prediletas da infância envolvem as
vezes que foi para a casa da avó materna e ficou na cozinha
enquanto a mulher cozinhava, mas ela cresceu em berço de ouroe
tudo que aprendeu de fato a fazer foi purê de batatas e fritar ovos,
coisas que, honestamente, mal contam como cozinhar.
— Como estão as coisas no trabalho, Lucy?— questiono.
— A agência está passando por alguns problemas, outra vez.
Ontem, duas pessoas do atendimento foram demitidas.
— Eles não vão te demitir, você é brilhante.
— Não sei se eles se importam com brilhantismo, os clientes
ligam menos para o texto e mais para o visual, eu seria dispensada
antes dos designers.
— Seria idiotice deles— Alexa diz. — Veja a campanha que a
Diamantes Campanelli está lançando para fazer relações-públicas
com a questão do Congo, por exemplo, as fotos são lindas, porque,
bem, são diamantes, não há como errar no visual, mas o texto é
terrível, falta paixão, falta cuidado. Você teria feito algo muito
melhor. Pensei nisso a reunião inteira.
— Eu também pensei, mas não quis indicar alguém, você sabe
que eu...
— Claro que sei— Lucy afirma.— Você não gosta da ideia de
ser ou parecer inconveniente. Além disso, eu só aceito se for paga
em diamantes— Lucy diz, sorrindo enquanto coloca uma travessa
no forno.
O resto da nossa tarde é perfeito. Massagens, uma corrida
leve na praia e então estamos nos arrumando para o show de Alec.
Eu adoro esse momento. Adoro dividir o quarto com as minhas
amigas enquanto nos maquiamos, ajudamos umas às outras com as
roupas e simplesmente rimos. Isso era nossa rotina na faculdade,
estávamos sempre juntas, sempre saindo para festas, agora nos
vemos uma ou duas vezes na semana em um barzinho e
reclamamos dos nossos problemas. É claro que isso também é
bom, e é um sinal do nosso amadurecimento e de que continuamos
juntas, apesar do tempo, dos trabalhos, dos compromissos. Manter
uma amizade por tanto tempo é muito mais difícil do que manter um
namoro. Requer um afeto e uma disposição de entendimento para
com o outro sem igual. Temos sorte de ter isso umas nas outras.
— Ele é muito gato!— Lucy diz, sorrindo. Na festa de
despedida de solteiro dos amigos de Alexa, minha amiga foi
conhecer o cantor nos bastidores e não parou de falar disso por
semanas. Alexa sabia que Lucy ficaria maluca se encontrasse com
Alec. Lucy é meio que viciada em famosos e fofocas sobre famosos.
O show é muito bom, surpreendentemente muito bom. Às
vezes, um artista é excelente em estúdio, mas não performa bem no
palco. Não é o caso de Alec. Ele tem uma voz bonita e é sempre
muito interativo com o público. O show está totalmente lotado. Não
conheço a maioria das letras, mas Lucy, assim como a multidão de
fãs que está gritando o nome de Alec, sabe cantar tudo.
Há uma música em particular que eu conheço. Lucy a canta
com frequência.
Esse que você está partindo é o meu coração, você deveria
saber antes de exibi-lo dessa forma. Antes de servi-lo em uma
bandeja de prata, você deveria lembrar que esse coração foi
concedido a você, mas ainda é meu.
— Alexa, você conhece o Alec, mande uma mensagem,
chame para a festa da Rachel.
— Amiga, eu mal o conheço, não de verdade, eu o contratei e
fui muito insistente, e por mais que ele tenha sido um lorde de tão
educado, ele acharia estranho se eu convidasse, tenho certeza.
Caminhamos pela rua lotada enquanto escutamos algumas
gracinhas de universitários bêbados. Um pequeno grupo nos aborda
e insiste em pegar nossos telefones, dizendo que teria uma festa da
irmandade da fraternidade deles.
— Você é muito gostosa— um dos caras diz para Alexa. Minha
amiga balança a cabeça, acenando negativamente e tem uma
expressão em seu rosto que eu conheço muito bem, é a mesma que
ela faz quando está falando com ou sobre Arthur Campanelli, ou
seja, quando está indignadamente irritada.
— Você me acha gostosa? E acha que saber disso me
interessa? Acha que, agora que você me disse isso, eu vou me
sentir elogiada e me jogar nos seus braços? Cara, sério, você acha
que a sua opinião sobre o corpo dos outros interessa a alguém?
Deve ter alguma garota idiota por aí que considere que ser chamada
de gostosa por um estranho no meio da rua é legal, mas, na
verdade, é assédio e, se você não sumir da minha frente, vai se
arrepender amargamente.
— Calma, foi só um elogio!
— Elogio? Elogio seria se você me achasse inteligente ou se
me dissesse que meus olhos têm um brilho ou sei lá que porcaria.
Gostosa não é um elogio.
— Vamos embora, não perde tempo com esse idiota— Lucy
diz, puxando Alexa.
— Você está se achando muito— um dos caras fala para Alexa
—, nem é tudo isso...vadia...
Ele para de falar, e eu estou com meu joelho batendo em sua
virilha. O homem vai no chão, reclamando de dor.
— Mais alguém?— digo, irritada, meu pé está no joelho do
cara, que continua no chão, a mão segurando o saco.
— Você ficou maluca? Poderia ter machucado ele de verdade
— um dos amigos diz.
— Se ele não se reproduzir, vai ser um favor para humanidade
— afirmo.— Sério! Mais um de vocês quer fazer companhia pra ele
no chão?
Me afasto e deixo que um deles ajude o abusado a se levantar.
Um dos homens pede desculpa pelos outros e os chama para ir
embora.
— Não acredito que você fez isso!— Lucy diz, pulando e
sorrindo da situação.
— Não é meu primeiro rodeio. Vamos, vamos embora daqui—
digo, olhando para me certificar de que os caras foram embora. Eu
fui criada numa fazenda, lidando com bois e dirigindo tratores,
quando saía de casa com as poucas pessoas que minimamente
suportava, a noite sempre acabava em algum tipo de briga idiota.
Os garotos da minha idade não se interessavam muito por mim,
mas havia sempre algum idiota bêbado metido a caubói que achava
que poderia se engraçar. Então eu sei como colocar um cara de
volta em seu lugar quando necessário.
— E você disse que ela é boazinha demais— Lucy diz para
Alexa enquanto continua sorrindo.
— Acho que é hora de encerrar a noite— afirmo. Só quero
voltar para a casa em que estamos, abrir uma garrafa de vinho e me
jogar na grama.
— Não, não mesmo! Não vamos deixar que um bando de
idiotas acabe com a nossa noite, vamos? Além disso, chutar as
bolas de um idiota é algo que deveria passar a fazer parte da
tradição dos nossos terminossários.
Olho para Alexa, que também não parece animada com a
festa, mas Lucy insiste, então acabamos cedendo. Nos arrumamos
novamente, o show foi no começo da tarde, mas a festa de Rachel
começa depois da meia-noite, é uma festa de Halloween e as
fantasias são obrigatórias. Como não tive tempo de comprar nada,
estou usando a mesma fantasia que usei alguns Halloweens atrás
numa festa da faculdade. É uma roupa de Eva, um vestido, a maior
parte do tecido tem um tule de uma cor muito próxima ao marrom da
minha pele, a saia é ridiculamente pequena, verde, composta por
folhinhas, e há uma proteção nos meus seios, mas que deixa um
decote gigante. Alexa está vestida de diabo, e Lucy é um anjo.
O carro que Alexa tem na casa é um veículo manual e minha
amiga só sabe dirigir carros automáticos, então eu dirijo até a festa,
porque a última coisa que precisamos é caminhar pelos Hamptons
nessas roupas.
Rachel, a anfitriã da festa, é um dos seres humanos mais
caricatos que eu conheço. Pegue todos os estereótipos imagináveis
sobre uma socialite e ela vai conseguir marcar todos numa lista,
mesmo os mais contraditórios. Ela está vestida como Cleópatra e a
fantasia parece uma roupa de grife de tão bonita.
— Alexa, querida, você está absolutamente linda! E esse
cabelo? Cada vez que eu te vejo eu simplesmente quero sugar sua
beleza. O que você tem usado? E essa pele? Eu absolutamente
preciso do nome da sua dermatologista!— ela fala. E como ela fala,
o tom, a quantidade de palavras disparadas por segundo.
— Você também está ótima, querida— Alexa diz, imitando o
tom de voz de Rachel. Ela sempre faz isso, e eu acho graça.
— Vi que trouxe companhias, sua amiga de infância e...
— Savannah, você a conhece. Ela costumava fazer seus
trabalhos na faculdade— Alexa afirma.
— Oh, claro. Deus, eu conheço tantas pessoas. Fiquem à
vontade.
— Ela não faz a menor ideia de que eu sou, faz?
— Não!— Alexa comenta.— Ela simplesmente e
absolutamente não lembra.
Minha amiga enfatiza os termos "simplesmente” e "
absolutamente", que devem ser as palavras prediletas de Rachel.
— Vamos encontrar o bar— Lucy diz—, eu não vim aqui pela
Rachel, eu quero a tequila cara que ela compra e dançar com um
homem divino.
— Você é tão piranha— Alexa afirma, sorrindo.
— Eu sei, obrigada!— Lucy diz enquanto puxa Alexa pela mão,
Alexa, por sua vez, segura na minha mão e seguimos explorando o
local.
A festa está lotada e muitas pessoas já estão bêbadas, mesmo
ainda sendo apenas uma hora da manhã. Eu tomo algumas doses
de tequilas com minhas amigas, jogo beer pong com um pessoal e
depois me afasto do grupo, procurando pelo banheiro. Estou abrindo
uma das muitas portas do corredor quando escuto uma voz familiar.
— Savannah!!— Olho para o lado e vejo Arthur Campanelli
vestido como um super-herói. Ele parece bêbado. Arthur me dá um
abraço e então sorri, me olhando.— Você está linda.
— Arthur, é hora de...— Malcolm para na minha frente e
nossos olhos se encontram.— O que você está fazendo aqui?
— É uma festa, Malcolm. O que você acha que as pessoas
fazem em festas?— Arthur questiona.— Ele não quis usar uma
fantasia, você acredita?
— Acredito, claro que acredito— respondo sem tirar meus
olhos de Malcolm. Ele está lindo, está usando uma camisa de
mangas curtas e uma bermuda, ainda é bastante social, mas é o
mais descontraído que já o vi, exceto pelo dia em que estava
doente.
— O que você está usando? Quem deveria ser?
— Eva... sabe, a esposa do Adão. A primeira pecadora do
mundo.
— Você está linda. O Malcolm não vai dizer, porque ele é muito
profissional, mesmo fora do trabalho, mas você está muito bonita,
Savannah.
— Obrigada, eu acho...
— Você está bêbado— Malcolm diz, segurando Arthur pelo
ombro.— Vamos, vou te levar para casa.
— Sem chances. Sabe quem está aqui? Elaine. Eu não posso
perder essa chance.— Arthur se afasta de Malcolm e então sai
vagando pelo corredor.
— Eu deveria ir atrás dele.
— E eu deveria achar um banheiro, mas essa casa é grande
demais.
— Por aqui...— ele me diz e então começa a caminhar,
passamos por um grupo de pessoas e, nesse momento, eu preciso
me espremer um pouco para não perder Malcolm de vista, mas,
então, estamos só nós dois. Ele para no acesso das escadas e
então me deixa passar. Subo os degraus e sei que ele está atrás de
mim. Imagino que a minha bunda esteja bastante de fora no
momento, mas tento não pensar nisso.
— Por onde agora?— questiono. Malcolm não responde, ele
caminha e abre a segunda porta da direita. É um quarto e então ele
aponta para uma porta dentro do quarto.
— Ali. Os banheiros lá de baixo são imundos durante essas
festas.
— Você costuma vir?
— Não. Essa casa costumava ser minha— ele conta.— E eu
conheço a Rachel o suficiente para saber o tipo de festa que ela dá.
— Essa casa era sua, e você vendeu esse lugar? É uma casa
incrível.
— É, é uma boa casa, mas a que eu mantive é melhor. Eu vou
deixar você em paz— ele diz, fazendo menção de retornar para o
corredor.
— Se incomoda de me esperar? Eu não sei se conheço o
caminho de volta.
— Tudo bem.
Faço xixi e só consigo pensar em como ele está do outro lado
da porta. Me seco, lavo as mãos e então me olho no espelho, meus
cabelos estão soltos e encaracolados, passei horas para deixá-los
assim, ajusto o decote e baixo meu vestido, me certificando de que
está o mais longo possível, só então saio do banheiro. Malcolm está
parado no mesmo lugar, com as mãos no bolso.
— Do que você está fantasiado?
— De pessoa desinteressada nesta festa— ele responde.
— Faz sentido— é tudo que consigo dizer em termos de
provocação.— Não consigo mesmo imaginar o senhor em uma
fantasia de Halloween.
— É, eu não uso uma desde que tinha uns oito anos. Vamos
descer, eu preciso encontrar o Arthur antes que ele faça algo
terrivelmente idiota.
— Posso perguntar quem é Elaine?
— É uma mulher que, por alguma razão, ele acha que é o
amor da vida dele, mas, na verdade, Arthur gosta do que não pode
ter, ela o dispensou uma vez, e ele precisa tentar novamente.
Ele abre a porta e me deixa passar e então damos de cara
com Rachel no corredor.
 

 
Não me lembro de ter ficado doente ao ponto de faltar
compromissos desde que precisei tirar minhas amígdalas e, nessa
época, o compromisso que eu tinha era a escola elementar. E a
recuperação envolveu tomar sorvete.Zika é muito pior. Meu corpo
todo parecia estar sendo passado em um moedor de grãos, minha
cabeça estava doendo infernalmente e, além disso, eu não sabia
distinguir meus sonhos da realidade.
— Você parece horrível— Arthur me diz quando abro os olhos.
Estou me sentindo muito melhor, mas meu corpo ainda dói.
— Você também não está doente— retruco, me sentando na
cama.— Que horas são? Eu preciso ir trabalhar.
— Não precisa. Está tudo sob controle— meu primo diz,
sorrindo.
Sob controle. Se as coisas não estão sob o meu controle,
então elas estão fora do controle. Simples assim.
— Eu comprei sopa para você. Savannah disse que é isso que
pessoas doentes deveriam comer.
Meu primo se levanta e então desaparece pela porta do meu
quarto. Ele volta alguns minutos depois com uma embalagem de
comida e me entrega. Tomo uma colher de sopa e reclamo do sabor.
— A outra era melhor— digo.
— A da Savannah? É, aposto que era, mas ela não está aqui,
então você vai ter que se contentar com essa.
— Onde ela está?
— Eu disse a ela que tirasse uns dias para descansar. Não é
como se você fosse voltar ao trabalho até segunda.
— Você não pode dispensar minha assistente pessoal sem me
consultar, Arthur. Eu posso precisar dela por perto— digo. Sei que
estou soando como alguém muito irritado e gostaria de não o fazer,
mas a decisão de Arthur me incomoda mais do que deveria.
— Precisar ou querer ela por perto?
— Não comece. Não tenho tempo para suas gracinhas.
— Claro que não tem. Olha, eu vou para os Hamptons no final
de semana, o que acha de irmos logo hoje? Você pega tudo que
precisa do trabalho, trabalha na praia, vai ser bom pra você.
— Acho que já posso voltar ao trabalho.
— Não, não pode. Você mal consegue andar direito. Não seja
cabeça dura. Mais três ou quatro dias longe do trabalho não vão
fazer com que a Diamantes Campanelli declare falência. Além disso,
não é você que diz que sabe delegar e contratar gestores capazes?
Eles precisam dar conta de tudo agora.
— Tudo bem. Apenas pare de falar. Vamos para os Hamptons.
Os dois primeiros dias nos Hamptons são tranquilos. Eu passo
a maior parte do tempo entre mais calafrios de febre e remédios,
mas, ainda assim, isso é melhor do que o final de semana em si. No
sábado de manhã, eu me sinto melhor e peço para que um
mensageiro me envie toda documentação que está na sede da
empresa. Eu consigo trabalhar por algumas horas até que Arthur me
arrasta para uma festa.
— Você vai assim? É uma festa à fantasia!
— Eu não tenho seis anos — argumento.— Não há a menor
chance de eu me fantasiar de qualquer coisa.
— É Halloween, Malcolm.
— Estou consciente de qual dia é do mês, Arthur. Você pode
ter a minha companhia ou não a ter, mas não vai conseguir fazer
com que eu vista uma fantasia e deveria saber muito bem disso.
— Não custa nada tentar— meu primo fala. A festa é de
Rachel Jones. Rachel e Arthur são amigos de longa data, mas eu
nunca me aproximei muito. As festas dela são famosas, algumas
são famosas pelo sexo e drogas, outras pelas atrações musicais e
listas de celebridades, mas todas ganham destaque por duas
coisas: são exclusivas e custam muito dinheiro.
Essa festa, em especial, é em um lugar que conheço muito
bem. A mansão em que Rachel está dando a festa é da minha
família. Quase todos os nossos imóveis, com exceção de alguns
que uso com mais frequência, estão na mão de corretoras. Meu pai
detestava a ideia de um bem que não gerasse dinheiro, então esse
é o caso deste imóvel também.
Não gosto de Rachel por algumas razões muito específicas: 1)
ela é barulhenta demais, ela ri alto demais, fala alto demais; 2) Tudo
nela é um ato: a risada forçada, os elogios sem sentido, e 3) Ela
está sempre fazendo algum tipo de avanço que deixa claro o fato de
que gostaria de transar comigo.
É exatamente assim que ela se comporta quando nos
encontramos na festa. Ela abraça Arthur e grita por ele, mesmo
considerando o fato de que ele está parado na sua frente. Depois,
ela o elogia e diz que ele está “absolutamente lindo”, e então passa
a mão pelo meu braço e diz: “não desapareça, talvez seja sua noite
de sorte”. Desaparecer é exatamente o que eu quero fazer nesse
momento, mas Arthur já está abraçado com uma garrafa de uísque
e começa a falar com Deus e o mundo. Ele conhece todo mundo, se
dá bem com todo mundo e, às vezes, eu tenho inveja da forma
como ele consegue ser sociável e acolhedor. Não é como
Rachel,que é forçada, Arthur é um ímã natural de pessoas, elas
gostam de estar perto dele, de ouvir suas piadas, de contar suas
vidas. Ele é um excelente ouvinte, o tipo de amigo que pularia uma
fogueira por você. Ele é o tipo de pessoal que, se você disser algo
como: “estou com um problema no ouvido”, na semana seguinte, se
ele te encontrar,procura saber se você está melhor.
O único problema: Arthur sempre fica bêbado em festas. Uma
hora depois, ele já está dando os primeiros sinais, já me abraçou
três vezes, já disse que eu sou como um irmão para ele e já tentou
me incentivar a dançar com metade das mulheres da festa. Penso
que devo estar pagando algum tipo de carma de outra vida para ter
que lidar com Arthur bêbado na casa dos trinta anos. Achei que isso
tivesse acabado na década passada, mas parece que meu primo
não adquiriu nenhum senso de maturidade com relação à bebida.
Estamos em um corredor conversando com uma roda de
pessoas, e eu sou atraído por um cheiro, um aroma de flores-do-
campo. Eu não sei dizer de onde conheço esse cheiro, apenas que
conheço e que ele me causa alguma coisa que nunca senti antes.
Uma espécie de desejo. Olho ao redor, procurando a fonte do
cheiro, mas há gente demais circulando pelo corredor.
— A banda vai começar!— alguém diz. E então Arthur se
empolga e diz que temos que ir para área externa. Vou com ele.
Meu primo me apresenta a diversas mulheres, todas são bonitas,
mas eu não estou no clima para isso hoje. Na verdade, eu ainda não
sei porque aceitei vir até essa festa. Não há argumentos, além das
chantagens emocionais de Arthur.
Há uma banda tocando na área externa da casa e, ao menos,
a música é boa. Eu fico de braços cruzados, e Arthur implica,
dizendo que eu pareço com um dos meus seguranças dessa forma.
— Ainda assim, eu amo você— ele diz.— Esse cara é como
um irmão para mim— ele grita para uma mulher que está ao seu
lado.— Você é como um irmão para mim.
— Você também é como um irmão para mim, Arthur. Agora
vamos embora.
— Não, a festa mal começou— ele me diz enquanto acena
para alguém que se aproxima. Arthur começa a conversar, e eu
decido me afastar um pouco, caminho pela casa. Eu adoro essa
casa, passava alguns dias de verão aqui na infância, só eu e minha
mãe, meu pai quase nunca aparecia. Arthur vem atrás de mim com
uma garota loira e fica me irritando para que eu converse com ela,
mas digo que não estou interessado. A garota parece entender,
Arthur, não muito. E então ele grita, eu olho para frente e vejo-o
abraçando alguém. Começo a falar, mas me interrompo quando
noto quem é a pessoa que ele está abraçando.
Imediatamente pergunto o que ela está fazendo aqui. Minha
voz soa rude, mas não é isso, estou surpreso, muito surpreso. E um
pouco... feliz? Não sei bem. Só sei que gosto de vê-la. Arthur
começa a falar sobre o fato de que é uma festa e que eu deveria
estar usando uma fantasia, mas não consigo prestar atenção nele.
Estou focado em Savannah, e ela, em mim. Nossos olhos estão
fixos uns nos outros.
— O que você está usando? Quem deveria ser?— questiono.
— Eva... sabe, a esposa do Adão. A primeira pecadora do
mundo.— Ela ri quando responde, tem um tom de malícia em sua
voz, ou talvez eu esteja começando a imaginar coisas. A roupa que
Savannah está usando é justa e marca cada curva do seu corpo.
Ela tem um corpo bonito, mas devo admitir que ela é bonita em
todos os aspectos.
Arthur começa a elogiar Savannah e a dizer bobagens ao meu
respeito. Digo a ele que precisamos ir para casa, mas Arthur tem
outros planos. Há essa mulher chamada Elane, que é filha de uma
socialite do Soho e com quem Arthur está tentando sair a semanas.
Sei que ele não vai para lugar nenhum e que tenho duas opções:
deixá-lo por conta própria ou ficar por perto e tentar minimizar suas
loucuras. Ainda não me decidi entre as opções. Arthur vai embora, e
eu digo que tenho que ir, mas a verdade é que eu não quero. Em
vez disso, ajudo Savannah a encontrar um banheiro.
Indico o banheiro de uma das suítes e, quando ela está saindo
e joga os cabelos, sinto o aroma que senti mais cedo. O cheiro que
me encheu de desejo vem dela. É de Savannah que o conheço. Só
pode ser. Savannah me pergunta do que estou fantasiado, e eu não
consigo parar de focar no rosto dela, nos cílios longos, no cabelo
que está solto e ondulado nas pontas, no formato da sua boca.
— Não consigo mesmo imaginar o senhor em uma fantasia de
Halloween.
— É, eu não uso uma desde que tinha uns oito anos.— Lá vou
eu novamente, sempre falando mais do que deveria com ela. Qual o
segredo? O que há de diferente com ela? Seja o que for, preciso
manter o máximo de distância. Não só porque ela é minha
funcionária, mas, principalmente, porque não gosto de
vulnerabilidade.— Vamos descer, eu preciso encontrar o Arthur
antes que ele faça algo terrivelmente idiota.
Ela sorri quando digo isso. Um sorriso lindo. Abro a porta e
deixo que ela passe primeiro, mas, então, Savannah para na minha
frente e bate as costas no meu peito. Rachel está parada no
corredor, olhando para Savannah, nos olhando.
— Se divertindo, Malcolm?
— Sim— é tudo que eu digo.
— E você seria?— ela questiona, olhando para Savannah.—
Não me lembro de você na minha lista de convidados.
— Ela está comigo— digo, tocando o ombro de Savannah. O
corpo dela ainda está levemente encostado no meu. Nossa
diferença de altura se mostra claramente agora, a cabeça dela fica
embaixo do meu queixo. Por que eu continuo reparando nesses
detalhes?
— Aproveitem a festa— ela afirma e então entra no quarto em
que estávamos segundos atrás.
— Ela vai achar que...— Savannah começa a dizer.
— E quem se importa com o que ela acha? A Rachel é...
— Eu sei. E a pior parte é que ela pode até não lembrar meu
nome, mas ela me conhece. Estudamos quatro anos na mesma
universidade e ela me pagava para fazer os seus trabalhos.
— Você cobrava para fazer trabalhos?— Olho para ela com
curiosidade. Não consigo imaginar Savannah fazendo isso.
— Uma garota precisa ter como pagar as contas. Eu não vou
me envergonhar disso.
— Não acho que deveria se envergonhar. Só estou surpreso.
Você sempre parece boazinha demais.
— Porque todo mundo vive me dizendo isso?— ela questiona,
sorrindo.— Talvez eu precise começar a ser mais como o senhor, ou
como a Alexa.
— Não faça isso— digo.— Ser bondosa é algo raro,
principalmente em Nova Iorque, não perca esse traço.
Penso no que Alexa me disse, na sua ameaça óbvia e no fato
de que Savannah é boa demais para se envolver com alguém como
eu. Ela tem razão, eu provavelmente partiria o coração de Savannah
e perderia uma boa funcionária por um capricho. Porque é isso que
isso tudo é. Um capricho. Eu quero o que não posso ter, como todo
idiota, mesmo que me acha acima disso.
— Preciso encontrar o Arthur.
— Quer ajuda?
Diga que não, diga que não e apenas a deixe ir embora. É isso
que a minha consciência grita, mas gosto de tê-la por perto. Então
eu aceito ajuda, e Savannah segue ao meu lado, procurando pelo
meu primo. Depois de algum tempo, vejo Arthur de longe
conversando com alguém de forma agitada e então noto que
conheço bem a figura de cabelos negros e braços tatuados ao lado
dele. É meu meio-irmão. Alec.
Arthur me nota, e Alec também. Fico parado, encarando-os, e
então Alec vem na minha direção, o cabelo espalhado para todos os
lados, a roupa sem mangas, o brilho de suor no rosto.
— Preciso falar com você— ele me diz.
— Não temos nada pra conversar.
— Eu não estou aqui por mim, não quero criar um problema,
mas preciso que me escute, vai ser rápido, a minha...a nossa mãe
tem um recado para você. Será que pode pedir aos cães de guarda
que deem uma distância— ele se refere a Arthur e Savannah. Meu
primo parece ofendido e prestes a dizer algo, mas eu aceno
negativamente, impedindo-o de prosseguir.
— Eu não tenho interesse algum em nada que venha dela.
Agora, se me der licença, gostaria de garantir que nada disso se
torne um espetáculo público— afirmo, olhando ao redor. As pessoas
estão olhando, mas não sabem o que está acontecendo.
— É só isso que interessa pra você, não é? Como era para o
seu pai. A aparência...— Eu me aproximo de Alec a ponto de que
meu rosto está bem perto do dele, meu meio-irmão é alguns
centímetros menor e mais magro.
— Não cite o meu pai— digo em um tom muito baixo—, não o
envolva nisso.
— Ou o quê? Você vai me bater? Aposto que a mídia adoraria
isso.
— Por aqui...— digo, puxando-o. Arrasto meu irmão pelo
braço, abro a porta de um escritório e entro no local.— Alec, eu não
sei o que você acha que vai conseguir aqui ou qual é a ideia da sua
mãe, mas ela escolheu sair da minha vida, e eu tenho o mesmo
direito de não a deixar entrar de volta.
— Você é um idiota! Você a odeia e nem sabe porquê. Não
deveria ao menos tentar ouvi-la?
— Eu não a odeio. Odiá-la implicaria pensar nela, e eu não
faço isso.— É uma meia-verdade, mas quem se importa? Eu não
devo a verdade a ele.
Arthur abre a porta da sala, e Savannah está atrás dele,
ambos parecem tensos, como se esperassem encontrar um
derramamento de sangue, mas estou apenas encostado numa
mesa com as mãos nos bolsos enquanto tento explicar a esse cara
que não tenho o menor interesse em saber da minha mãe, da mãe
dele.
— Entrem e fechem a porta— digo. Meus olhos fogem dos de
Savannah, a forma como ela está me olhando me incomoda. Parece
pena. Eu odeio a ideia de que as pessoas sintam pena de mim. É
um sentimento patético.
— Você deveria ao menos ouvi-lo, não há porque...— Arthur
começa a dizer, mas eu olho para o meu primo com uma fúria. Ele
sabe como toda essa história se desenrolou na minha vida, sabe o
quanto meu pai sofreu e o quanto eu sofri junto mesmo -
principalmente - sendo apenas um garoto.
— Você é infantil e mimado, mas alguma parte de você foi
criada por ela, algum pedaço deve ter herdado algo dela, essa
parte, se puder aparecer, teria um pouco de compaixão — Alec diz.
As palavras dele não me afetam, não essas. O comportamento de
Arthur, sim, me tirou um pouco do eixo, mas o que ele está dizendo
está dentro do esperado.— Porque você não pergunta para a
secretária do seu pai sobre o que realmente aconteceu? Sobre o
inferno pelo qual a minha mãe passou e como ela brigou por você.
— Isso não é verdade...— Eu me aproximo dele devagar,
estou tão irritado agora que tenho medo de me mover mais rápido
que issoe destruir as coisas ao meu redor, mas, então, eu sinto uma
mão no meu braço me segurando gentilmente.
— Sua mãe já te abandonou?— Savannah questiona, irritada.
— Não, mas...— Alec responde.
— Talvez você esteja sendo infantil não se colocando no lugar
dele— ela responde, me puxando para perto, a mão desce para a
minha não, entrelaçando osnossos dedos. Ela se move, e eu vou
junto, eu simplesmente deixo que a mão dela me guie. Ela abre a
porta, saímos e então ela vai caminhando e as pessoas estão nos
olhando, posso sentir, mas só consigo manter meus olhos nela, na
sua mão segurando a minha.
Nos afastamos pelo jardim até um lugar tranquilo, ainda é
possível ouvir o som da festa, mas estamos longe dos olhares.
— Você está bem?
— Sim— é tudo que consigo dizer. Levanto a minha mão,
trazendo a dela comigo, e olho para elas juntas, que ficam bem
assim, o toque macio da pele dela na minha deve ser a única coisa
me mantendo são agora, porque tudo que eu consigo pensar é na
acusação que Alec fez ao meu pai. — Obrigado, Savannah.
— Está me agradecendo? Achei que ficaria chateado comigo
por me meter— ela afirma.
— Não. Eu não...— Eu solto a mão dela, ou vou acabar
fazendo algo que não deveria fazer, porque tudo que eu quero é
esquecer essa história toda, e sexo seria a forma de fazer isso. Eu
sinto o cheiro de Savannah e só consigo pensar em como gostaria
de levá-la daqui e passar horas fodendo-a.
— Não é sua culpa ela ter ido embora. E você não precisa se
sentir mal por não querer nada com ela. É um direito seu...
— E se ele tiver razão? E se eu não souber da história toda? E
se eu passei mais de duas décadas a detestando por ter ido embora
sem nunca tentar entender o porquê? E se o que ele disse for
verdade?
— Ainda não seria culpa sua.
Savannah toca no meu braço, e eu dou um passo para trás. Eu
quero que ela continue me tocando e é exatamente por isso que
preciso me afastar. Ela percebe meu movimento e me pede
desculpas pelo avanço. Ela é mesmo gentil demais para o próprio
bem.
— Não precisa se desculpar. Eu tenho que ir, Savannah.— Vou
voltar para Nova Iorque agora mesmo, preciso encontrar a senhora
Marshall, preciso que ela me explique do que Alec estava falando.
— Você vai até a senhora Marshall?— ela questiona.—
Malcolm, se me permite dizer, a senhora Marshall te adora, e eu não
acredito que ela mentiria para você. Ela tem filhos, ela pensaria
sobre como seria ficar longe deles.
— Sabe as pessoas que vivem dizendo que você é boa
demais? Elas têm razão— afirmo, me afastando.
Eu espero que Savannah esteja certa, mas sei dos boatos, sei
que as pessoas diziam que meu pai e a senhora Marshall tinha um
caso, e eu escolhi nunca acreditar nisso porque nunca tive motivos,
porque ela estava lá por mim quando precisei, ela segurou a minha
mão quando eu fiquei doente, ela me contou histórias e até assistiu
às apresentações de trabalhos na minha escola quando meu pai
simplesmente não tinha tempo de aparecer. Ela me deixou ser parte
da família dela e me ofereceu algo que eu realmente precisava,
mesmo que por pouco tempo. Não quero acreditar em Alec, mas, ao
mesmo tempo, quero encontrar uma justificativa para o
comportamento da minha mãe, para o fato de que ela nunca tentou
conversar comigo, me conhecer. A ironia é que, para ganhar uma
coisa, preciso perder a outra.
E, como se o meu final de semana já não estivesse uma
merda gigante, horas depois, a assessoria de comunicação me
manda fotos minhas e de Savannah que vão ser publicadas no dia
seguinte em tabloides sensacionalistas. Há fotos tiradas dentro meu
jato quando fomos para Botswana, ela dormindo no meu ombro e
fotos em que estamos abraçados no gramado da casa de Rachel,
horas atrás. A gerente do setor de comunicação me pergunta o que
quer que eu faça, mas “nada” é tudo que eu respondo, não tenho
tempo para lidar com isso agora.
 

 
São seis da manhã e eu acordo, todos os dias é assim, mesmo
agora, mesmo depois de meses de aposentadoria, eu ainda não
consigo dormir para além do meu horário regular. Do meu primeiro
dia de trabalho ao último, a rotina era sempre a mesma, foram
cinquenta anos trabalhando na mesma empresa, vendo pessoas
que chegaram, pessoas que partiram. Quase quatro décadas
trabalhando com Peter Campanelli, depois mais uma década
trabalhando com o filho dele, Malcolm.
O salário era atrativo e tudo que eu queria na época em que fui
fazer a entrevista era um emprego que me permitisse viver o tipo de
vida que eu sonhava: viajar, conhecer pessoas novas. Na entrevista,
aquele homem de um metro e oitenta, olhos claros e sorriso
charmoso me contratou sem pestanejar. Eu tinha dezoito anos, ele
tinha pouco mais que isso, vinte um ou vinte e dois. O pai dele, o
Campanelli sênior, tinha falecido há pouco tempo, e ele estava
assumindo os negócios. Estávamos no começo dos anos 1970.
Eu me levanto da cama e me olho no espelho. Eu não sou
mais a garota de cabelos ondulados, bustos fartos e sardas no
rosto. A imagem que eu vejo é de uma pessoa quemuitas vezes eu
desconheço, pois, por dentro, ainda me sinto a mesma garota que
arrastava olhares por onde passava. Envelhecer pode ser uma jaula
às vezes, principalmente quando a mente está mais disposta que o
corpo.
Desço as escadas e encontro minha filha na bancada da
cozinha em seu computador.
— A senhora viu isso? Tem fotos do Malcom com aquela
assistente pessoal nova por toda parte, fotos bem íntimas— ela me
conta.
Olho para a tela do computador da minha filha e vejo as
imagens. Eles parecem mesmo íntimos e a cena me faz pensar no
que eu e Peter tínhamos.
Faço um chá de hortelã, depois pego meu equipamento de
jardinagem e vou cuidar das minhas flores. Desço cautelosamente
as escadas que dão acesso ao jardim no fundo da casa, é o fim do
verão, em breve, novembro vai trazer a neve e toda a agitação
regular do final de ano em Nova Iorque. Eu amo a minha casa,
comprei antes de me casar. Uma casa de dois andares no
Greenwich Village, hoje em dia, custa milhões, mas, na época, eu
paguei, consideravelmente, pouco.
Fecho meus olhos e penso na primeira vez que entrei aqui.
Peter Campanelli estava dirigindo seu Dodge, e eu estava sentada
no banco do carona, a mão dele na minha coxa enquanto eu
apreciava a vista.
— Aonde você está me levando?— eu devo ter feito essa
pergunta umas três vezes no percurso; em todas elas, ele sorria e
me dizia para ter paciência, porque eu não ia me arrepender. Então
ele parou na frente da casa e apontou para ela.— O que tem nessa
casa?
— Nada.
— E o que estamos fazendo aqui, Peter?
— Essa casa é sua, se você quiser.
— Minha? Você perdeu a cabeça? Não pode me dar uma
casa.
— Eu até posso, mas sei que você não aceitaria, então não
estou te dando. Estamos fazendo um acordo. Eu paguei pela casa,
coloco-a no seu nome se você quiser e você vai me pagando em
suaves prestações.
— Tem certeza?
— Você é quem precisa ter, vai ficar me devendo por muito
tempo— ele diz, sorrindo.
— E você vai aceitar o dinheiro?
— Infelizmente, já que, se eu quiser cobrar em beijos, vou te
ofender, mas eu adoraria dá-la de presente a você.
— Vai me ofender, com certeza — digo, aproximando meu
rosto do dele. Peter me beija, e eu retribuo imediatamente.
Eu estava completamente apaixonada por ele, mas eu sabia
até onde essa relação iria, sabia que Luigi Campanelli não veio da
Itália e construiu um império de diamantes nos Estados Unidos para
que seu neto, Peter, se casasse com uma secretária que não tinha
onde cair morta. Sabia que o próprio Peter não estava só comigo,
mesmo que me tratasse como se eu fosse especial e única, eu
sabia que não era a verdade.
— Vamos entrar?
— Vamos!— digo, animada. Peter aperta meu corpo enquanto
me beija novamente e então desce do carro e abre a porta para
mim.
A casa é linda, tem três quartos, um pequeno jardim nos
fundos. Uma boa sala de estar, espaços para armários, uma
excelente cozinha, ampla.
— É perfeita.
— Vai ficar quando tiver uma cama— ele diz, me pegando pela
cintura.
— Não vou dormir com você nessa casa— afirmo, meu corpo
está colado no dele e eu sei o que ele quer, sei o que eu também
quero.
Apesar da pílula ter sido legalizada dois anos atrás, ainda há
muita gente que critica sexo fora do casamento, mas eu queria
Peter de uma forma que nunca quis homem nenhum e eu nunca fui
o tipo de garota que deixou de ter o que queria por medo do que os
outros iriam pensar.
— Por que não?
— Eu quero viver nessa casa, ter uma família, você não faz
parte disso.
— Não posso fazer?
— Pode?— questionei, tocando em seus cabelos.— Vamos
ser honestos, não somos isso, ou pelo menos eu não sou pra você.
Nossa história só tem começo e fim, e eu não me importo com isso,
Peter. Eu prefiro ter vivido alguma coisa com você a me arrepender
de não ter sentido o que eu queria sentir.
— Você é perfeita.
— Não sou. E você só está dizendo isso porque gosta de
dormir comigo.
— Adoro dormir com você— ele diz, beijando meu ombro—,
mas eu também adoro você para além disso.
— Eu sei. Eu sou sua melhor funcionária.
— Não é só isso, você também é minha amiga. Eu não seria
quem sou sem você, quando assumi aquela empresa, eu estava
perdido até você aparecer.
— Isso quer dizer que vai me dar uma promoção?
— Você tem o segundo cargo mais poderoso da empresa.
— Tenho?
— Ahãm... — ele diz, me virando de costas e me abraçando.—
Você fala no ouvido do chefe, e ele te escuta mais do que dá
atenção a qualquer um daqueles gestores medievais.
— Você é um bobão, sabia?
— Sei. E você é malvada.
Alguém bate na porta freneticamente e me arranca dos meus
pensamentos. Minha filha, que passou a noite na minha casa, grita,
dizendo que vai atender, e eu volto minha atenção para as
orquídeas, plantinhas melindrosas e que demandam cuidado
demais, ainda assim, são lindas. Foram as flores que comprei para
Peter levar para Margareth no primeiro encontro deles, naquele dia,
eu soube que ele estava apaixonado e que estávamos chegando ao
fim. Não foi preciso conversar, ele simplesmente só tinha olhos para
ela. Ele tinha trinta anos quando a conheceu, era um verão em
oitenta e dois, estávamos em Paris. Eu tinha ido com ele, eu sempre
ia nas viagens e adorava, jantamos juntos e passamos cinco lindos
dias entre reuniões, passeios e sexo. Paris era a melhor cidade do
mundo para mim, o fato de que as mulheres fumavam nas ruas,
falavam de sexo, beijavam homens sem preocupação, às vezes,
beijavam mulheres, tudo aquilo era incrível. A liberdade daquele
lugar me encantava. Passávamos horas na cama, conversando
bobagens e rindo.
— Acho que vou pedir demissão e ficar aqui— disse a Peter,
que está jogado na cama, e eu estou olhando pela janela, usando
apenas o que chamávamos de combinação.
— Você não faria isso. Eu não posso deixar que me abandone
— ele respondeu. Peter fica de pé e se aproxima de mim, e eu deixo
meu corpo repousar no seu peito.
— Eu acho que estou grávida...
— E é meu?— ele questionou. Ele me segura pela cintura,
impedindo que eu me afaste, sabe que estou ultrajada pela
pergunta.
— Eu deveria te bater— afirmo, mas, em vez disso, eu me viro
e encosto minha cabeça no peito dele, que acaricia meus cabelos.
Eu pensei muito em como contar ou não as minhas suspeitas, duas
semanas de atraso não são usuais, e eu estou assustada.
— Me desculpe, eu só... nós somos... somos cuidadosos.
— Nem sempre— disse sem olhar para ele, mas Peter coloca
a mão no meu queixo e ergue minha cabeça. Ele tinha olhos
cinzentos, os mesmos olhos que Malcolm herdou, mas apenas isso,
e a cor do cabelo, em todo resto, ele é parecido com a família da
mãe, um rosto mais sisudo, a pele mais clara.
— E não é só por isso, eu não sei onde você está com aquele
cara. — "Aquele cara", era sempre assim que Peter se referia ao
homem com quem eu estava saindo há algumas semanas.— Eu sei
que não deveria ser assim, mas, quando o assunto era sexo, há
apenas você, Peter, ninguém mais. Eu saio para jantar com outros
homens, que até querem mais, que querem ser meus namorados,
que querem planejar um futuro, mas eu não consigo gostar de
nenhum deles.
— Eu não quero que você goste deles.
— Eu sei, mas isso é injusto.
— É... é injusto. Vai ficar tudo bem, Glória. Se você estiver
grávida, essa criança vai ser um Campanelli, e eu e você...
— Não. Não diga nada até que seja verdade, eu não quero
que você me faça promessas abstratas por um medo abstrato de
ser pai de uma criança que você nunca quis.
— Eu nunca disse que não quero um filho.
— Eu sei, mas você não quer um filho comigo.
— Também nunca disse isso.— Peter me beijou
vagarosamente, a mão no meu queixo.— Você merece alguém
melhor do que eu, mas talvez não tenha esse direito de escolha e
esteja presa comigo agora.
— Não quero que você se sinta preso comigo. Não quero que
fique comigo por isso.— Nem sei se quero que fique comigo, teria
dito isso a ele se não estivesse tão assustada naquele momento.
Meus pais já me julgavam por ter me mudado para cidade e ter
arrumado um emprego, em vez de me casar com um garoto de
família rica com quem namorei durante o colegial. Se eu estivesse
grávida de Peter, eles nunca mais olhariam na minha cara.
— Vamos! Vamos fazer um teste— ele diz, me pegando pela
mão.
— Agora?
— É. Eu vou comprar um, volto logo.
— Peter...
— Não. Você disse que não quer ouvir nada antes de saber,
então vamos saber e decidir o que fazer.
Ele desaparece pela porta do quarto do hotel e volta vinte
minutos depois com uma sacola de papel marrom e coloca o teste
na cama.
— Sabe como fazer?
— Não, mas não deve ser difícil de entender— eu disse.
Quando lemos as instruções, descobrimos que não era tão simples
assim. Na década de 80, um kit de teste de gravidez doméstico era
essencialmente um miniconjunto de experimentos químicos que
exigia que se misturasse urina com soluções em tubos de ensaio e
esperássemos por mais de uma hora pelo resultado. Foi a hora mais
longa da minha vida
— Você sabe que,independentemente do que disser nesse
teste, eu ainda adoro você, não sabe? Você vai ser sempre a minha
melhor amiga, não importa o que aconteça.
— Eu sei que você acha que isso é gentil, Peter, mas não
quero ouvir nada agora. Podemos apenas ficar quietos e esperar?
— Claro— ele responde, segurando a minha mão.
— Podemos fazer algo divertido enquanto isso?
— Como o quê? E não diga sexo!
— Você é pervertida. Eu pensei em xadrez.
Ele abriu um tabuleiro. Peter era viciado em xadrez, ele que
me ensinou a jogar para ter companhia durante os longos voos para
Europa e África, os dois continentes que eram seus principais
destinos de trabalho. Assim que deu o horário do teste ficar pronto,
eu me levantei para conferir o resultado.
— Espere um minuto— ele me pede. Paro no meio do quarto e
olho para Peter sentado no tapete no chão com o tabuleiro de
xadrez ao seu lado, a peças pretas, as dele, dominando as brancas
com facilidade.— Case-se comigo.
— E vamos ser felizes para sempre?
— Não. Vamos ser miseráveis juntos. Qualquer mulher que se
casar comigo vai acabar me odiando, por isso eu não queria que
fosse você, não posso perder você, mas eu prometo que vou me
esforçar para que isso não aconteça.
— E se o teste der negativo?
— Eu estou te pedindo agora, não estou?
— Não. Mesmo se der positivo. Eu amo você, Peter, mas você
não me ama, e eu quero amor, eu não quero ser miserável em
conjunto, eu prefiro ser feliz sozinha se for o caso.
— Não?
— É.
— E você vai se casar com outro cara e criar meu filho?
— Se eu estiver grávida, você vai ser o pai do seu filho, mas
não pode ser meu marido. Eu amo você e eu aceito esse acordo de
dormir com você e te dividir com outras mulheres, porque eu sei que
é provisório, porque eu sei que um dia eu vou partir para outra
coisa, mas não posso, conscientemente, dizer sim para isso pelo
resto da minha vida, eu estou apaixonada, mas não sou uma idiota
completa.
O resultado deu negativo, e eu fui embora, peguei um voo e
voltei para Nova Iorque no dia seguinte, mesmo a contragosto de
Peter. Quando ele chegou nos Estados Unidos, três dias depois,
havia conhecido Margareth em um evento para o qual eu deveria ter
ido com ele. Ele estava apaixonado por ela, e eu disse sim ao
homem com quem estava saindo, o homem com quem casei meses
depois, antes mesmo de Peter e Margarethse casarem, só ficamos
juntos uma vez depois de Paris, quando nos despedimos de vez. Eu
fiquei grávida e me casei com Jay, o pai dos meus filhos.
Malcolm nasceu no final dos nos 80. Quando meu filho mais
velho já tinha quase sete anos. Ele nasceu no mesmo ano que a
minha caçula. Malcolm era uma criança adorável, linda, sorridente,
ele parecia muito com a mãe, claro, mas tinha o olhar do pai e,
sempre que eu olhava para ele, eu ficava pensando em como seria
a minha vida se aquele exame tivesse sido positivo.
Eu assisti a Malcolm se transformar de um garotinho feliz e
sorridente em um menino amedrontado quando a mãe partiu e, em
pouco tempo, o vi se tornar um adolescente sério e um adulto mais
sério ainda, competente, com altos padrões e movido pelo trabalho.
Nada o tira o foco, nada o faz sair do controle. Peter era diferente,
Peter era charmoso, ele fazia todo mundo sorrir e as pessoas
amavam trabalhar com ele. Isso até Margareth, a esposa dele,
partir. Quando aquela mulher foi embora, alguma coisa se quebrou
dentro dele, às vezes eu acho que ele a amava profundamente e o
que se partiu foi seu coração, às vezes acho que foi seu ego,
porque ele nunca achou que poderia ser deixado. Seja como for, ele
sofreu por ela pelo resto da vida.
— Mãe, Malcom está aqui— minha filha diz. Olho para ele, que
parece impaciente. E fico pensando se é coincidência o fato de que
estou passeando pelas vielas da memória justamente hoje,
justamente quando ele aparece.
— Querido, que bom vê-lo. Como estão as coisas com a
empresa? Não veio reclamar da Savannah veio?
— Não...Savannah é...ela é ótima.
— Ótima? Acho que você me deve alguma coisa por isso. Eu
falei que iria mudar de ideia a respeito dela.
— É, mas não vim aqui para falar dela. Quero falar sobre você
e o meu pai.— E então ele me diz o que aconteceu sem muita
cerimônia, fala de Alec, do fato de que a mãe deseja vê-lo, e eu sei
que ele está perdido e confuso. — Preciso que me explique isso. O
que havia entre você e o meu pai? O que Alec quis dizer quando
disse que eu deveria falar com você?
— Sente-se, querido— digo, guardando a pazinha que estava
usando para trocar a terra das orquídeas.
Eu sabia que um dia Malcolm iria querer fazer as perguntas
que ele está me fazendo agora. Na verdade, levou tempo demais
para que ele chegasse aqui, para que fizesse tais perguntas.
Malcolm aceita o meu convite e puxa uma das cadeiras de madeira
do jardim e senta-se nela.
— O senhor Campanelli era o homem mais charmoso de toda
a Manhattan e trabalhar para ele era algo disputado— começo a
contar.— Ele tinha critérios específicos para contratar suas
secretárias, era assim que éramos chamadas naquela época, não
assistentes pessoais, como se costuma preferir hoje em dia. Para
trabalhar na Diamantes Campanelli, era preciso ser apresentável e
afiada. Era uma época em que escrever esse tipo de coisa em um
anúncio de emprego era aceitável, e o que elas de fato queriam
dizer era: bonita, mas não burra como uma porta. O trabalho era
frenético e ele tinha mais duas secretárias. Todas suspiravam por
ele. Meia Manhattan suspirava por ele. Ele tinha algo que era uma
dose perfeita entre o senso de humor e charme de Arthur, e a sua
capacidade de decisão, sua firmeza.
— Isso é ótimo, mas o que eu quero saber é se você teve um
caso com ele ou não?— Malcolm pergunta, impaciente. A memória
é uma coisa curiosa, pensar naquele tempo, nos meus primeiros
anos de convívio com Peter Campanelli me traz um sabor agridoce.
— Mamãe, a senhora não precisa...— minha filha começa a
dizer, mas a interrompo e peço para que entre e faça algo para o
almoço das crianças, meus netos e o marido dela vem almoçar
comigo hoje. É domingo. É um belo dia para passar com quem se
ama.
— Me deixe conversar a sós com Malcolm, querida. Ele tem
direito de saber o que deseja saber.
Fecho meus olhos novamente e penso em Peter com seu
sorriso charmoso, os cabelos bagunçados. Ele era o oposto do filho,
o oposto do pai, um rebelde. Ele gostava de ouvir jazz na sala
enquanto trabalhava e, às vezes, eu dançava com ele em sua sala
enquanto conversávamos sobre trabalho. Ele tinha um desejo pela
vida invejável e, quando estávamos viajando, ele era luz, saímos
para conhecer lugares, bebíamos juntos. Tudo era perfeito.
— Você quer saber se eu tive um caso? Ou seja: se estive com
o seu pai enquanto ele estava casado com a sua mãe? A resposta é
não. Eu era apaixonada por ele, eu e ele tivemos uma história antes
e poderíamos ter tido depois que ela foi embora, mas, então, eu já
estava casada e, mesmo que ele tivesse sido meu primeiro amor,
não poderia ser o tipo de pessoa que rompe um voto sagrado como
o do casamento.
— Então do que Alec estava falando?
— Sua mãe nunca acreditou que não tivéssemos um caso, ela
sabia que ele estava traindo, tinha certeza disso, mas não era
comigo.
— Você me disse que ele a amava, que adorava o chão que
ela pisava.
— E é verdade, mas seu pai era um homem de outra época,
amar a esposa e trair não pareciam ser coisas conflitantes na moral
dos anos setenta ou oitenta, querido.
— Foi por isso que ela foi embora?
— Não sei. Você teria que falar com ela sobre isso. Eu posso
te dizer no que acredito, acredito que ela foi embora porque,
provavelmente, nunca o amou, porque se sentia vazia numa vida
que escolheram por ela.
— Ela disse que tentou se aproximar, você sabe de algo? Ela
me procurou.
— Uma vez ela foi até a empresa, você tinha uns dez anos, já
estava em Londres. Ela queria saber onde você estava, e eu deveria
ter dito, mas minha lealdade sempre esteve com seu pai. Sinto
muito.
— E isso é tudo?
— Não. Ela falou com outra pessoa naquele dia. Com a outra
secretária do seu pai. Eu nunca comentei nada com o Peter, porque
eu sabia que ele a demitiria imediatamente, mas sempre desconfiei
que ela tivesse combinado algo com sua mãe.
— Algo como?
— Uma forma de contato. Não sei.
— O fato é que sua mãe nunca mais apareceu depois disso.
— E o meu pai nunca falou nada sobre ela? Quer dizer, vocês
eram amigos ou sei lá o que...
— Amigos. Depois que eu me casei, sempre fomos, na medida
do possível, amigos. Ele até tentou algo depois, como eu já disse,
mas a questão é que havia uma chama, uma luz no seu pai e isso
se apagou no dia em que a sua mãe foi embora. E eu sei que ele
tinha defeitos, mas acho que eu nunca a perdoei por isso, nunca a
perdoei por ter partido o coração dele.
— Essa outra mulher, a outra secretária... onde posso
encontrá-la?
— Ela morreu, Malcolm. Sinto muito. A única pessoa que, de
fato, pode te oferecer respostas é justamente a pessoa com quem
você não quer ter nenhum contato.
Ele me olha e parece brevemente o mesmo garotinho
assustado de anos atrás, mas eu conheço o homem que ele se
tornou, um homem que, quando coloca algo na cabeça, precisa ir
até o fim e é por isso que eu sei que ele vai procurá-la, ele já está
decidido, só está agora juntando coragem.
— Eu sinto muito se te decepcionei.
— Não. Eu quero peço desculpas por aparecer aqui assim e
fazer essas perguntas. Eu não tinha o direito de colocá-la contra a
parede.
— É a sua história.
— Não. Não é. É a sua história. Tudo que você fez foi se
apaixonar por um cara que não sabia o que queria.
— Ele a queria, queria sua mãe...
— Ele queria ter tudo, provou do próprio veneno e ficou sem
nada. Ele era um cara patético que nem tinha controle da própria
vida.
— Ele não era...
— É bonito que você seja leal a ele até hoje, mas isso não vai
mudar o que eu sinto sobre ele no momento.
Malcolm vai embora, e eu volto para dentro da casa. Deixo as
flores de lado por um tempo e pego o telefone. Ligo para a filha da
minha antiga colega de trabalho e pergunto o que ela fez com as
coisas antigas da mãe. Talvez eu ainda possa tentar ajudar de
alguma forma.
 

 
As fotos são tiradas do contexto. Aquela atendente de voo
deve ter feito-as dentro do avião, só não entendo porque esperou
tanto tempo para vazá-las, e elas saíram junto das fotos tiradas na
casa de Rachel no último sábado. Isso vai transformar meu trabalho
em um novo tipo de inferno, claro. Lucy me ligou assim que viu as
fotos, já Alexa riu e disse que o sensacionalismo das pessoas não
tem limite e que “é claro que não há nada entre mim e Malcolm,
porque eu sou mais esperta que isso”.
O que ela não sabe é que eu não sou, quando o assunto é
Malcom, parece que a minha inteligência abre espaço para uma
vontade primitiva de cuidar dele, de ser cuidada, de ficar o mais
perto possível pelo máximo de tempo.
Vou trabalhar e a manhã é um caos. Pessoas que me olham
feio, pessoas que me elogiam, pessoas que querem detalhes sobre
dormir com Malcolm.
— Dizem que ele gosta de umas coisas estranhas na cama, é
verdade?— Flávia, uma assistente, questiona.
— De onde você tirou isso?— Nadine pergunta.
— Sabe aquela modelo da Louis Vuitton que saiu com ele e
depois postou stories do pulso marcado e com uma pulseira de
diamantes Campanelli nele? Pessoas próximas dizem que as
marcas são pós-sexo com o senhor Campanelli.
— “Pessoas próximas”— resmungo.— Olha, eu não quero
falar sobre isso, se eu disser que não tenho nada com ele, vocês
não vão acreditar, vão?
— Vocês estavam abraçadinhos numa festa— Flávia me diz,
sorrindo.— Ele é cheiroso? Eu imagino que seja.
— Ele tem um pênis de duas cabeças, uma tatuagem de
dragão na virilha e só faz anal— afirmo, cansada.— Eu vou para
minha sala.
Depois de alguns dias de entrevistas, encontrei alguém para
assumir comigo parte das tarefas referentes ao trabalho com
Malcolm. O nome da mulher é Marina, ela é uma mulher de meia-
idade muito experiente, provavelmente mais qualificada para o
cargo do que eu sou, mas há uma coisa muito importante sobre ser
assistente pessoal de Malcolm Campanelli que eu só agora entendi:
a senhora Marshall não estava aqui porque é a melhor assistente da
face da terra, mas porque conseguia lidar com o temperamento de
Malcolm. Não se abalar com o fato de que, às vezes, ele
simplesmente não troca uma palavra com ninguém porque está o
tempo todo dentro da própria cabeça, lidando com o trabalho, não
ficar mal quando ele não reconhece esforços, e não se deixar
intimidar.
— Tem algo mais— Nadine me disse dias atrás enquanto
estávamos conversando sobre o assunto.— Algo que você faz e que
a senhora Marshall nunca fez, algo que te torna melhor do que ela,
na minha humilde opinião.
— E o que seria?— questionei com um tom de descrença.
Malcolm, provavelmente, não concordaria com a ideia de que sou
melhor que sua amada e perfeita senhora Marshall, eu mesma não
aposto nisso.
— Ser gentil. Parece que sempre que o senhor Campanelli é
irritante com você, o quão mais insuportável ele é, mais gentil você
é com ele. Acho que isso o desarma. Ele não parece saber o que
fazer com você— ela conta, sorrindo. — E, também, acho que não é
algo que pode ser ensinado, é da sua natureza ser gentil e parece
que com ele você é ainda mais.
Ligo para Marina para avisar que ela pode começar na semana
seguinte. Decido isso sem Malcolm, porque ele me deu carta-
branca, sua única questão é que não tenha que lidar diretamente
com a nova funcionária até que ela esteja perfeitamente ambientada
com o trabalho.
Malcolm chega dez minutos depois e me chama, ele parece
bem. Quero perguntar sobre o final de semana, sobre ontem, quero
saber o que aconteceu, se ele está bem, mas sei que não gosta de
se sentir vulnerável e o sábado já deve ter sido um tanto demais no
sentido de compartilhamento para ele. Então, falo sobre negócios,
acredito que é isso que ele prefere no momento.
— Aparentemente, eu e você estamos juntos secretamente há
meses— ele me diz. Malcolm está sentado em sua cadeira com um
jornal na mão, ele deve ser a única pessoa da idade que ainda
prefere ler o jornal impresso todos os dias, só nunca o tinha visto
folheando a coluna social.— “Pela primeira vez em muito tempo, um
dos solteiros mais cobiçados de Nova Iorque está com alguém por
mais de uma semana. Malcom Campanelli, CEO da Diamante
Campanelli foi visto com morena misteriosa em diferentes ocasiões,
fontes revelam que o empresário e a moça estão juntos há pelo
menos três meses. Embora não se saiba muito sobre a morena
misteriosa, dona de um par de pernas de causar inveja, ela parece
estar associada ao trabalho do CEO. Será que, desta vez, Malcolm
Campanelli sai do mercado?"
— Acho que as pessoas têm problemas de memória na
imprensa, você não foi visto com uma loira há dois meses, depois
da viagem...
— Isso não é imprensa, é fofoca. E fofoca não se preocupa em
ser factual.
— E esse tom? Parece Gossip Girl.
— Eu não sei o que é isso, mas nada disso me importa,
Savannah. O que interessa aqui é saber o que você quer que eu
faça. Que eu desminta? Que processe a equipe do voo...
— Nada, senhor Campanelli. Eu não me importo com um
pouco de fofoca. As pessoas aqui já estão falando de qualquer
forma e não é como se tivéssemos alguma coisa para esconder, não
há nada acontecendo aqui. — Eu devo ter feito um treinamento para
ser cara de pau, mas não me formei com honras, porque, enquanto
falo isso, meu peito está palpitando.
— A equipe está te incomodando?
— Estão mais curiosas sobre o senhor.
— Curiosas como?
— Sobre, sabe...
— Savannah Armstrong perdendo as palavras? Isso deve ser
bom.— Ele sorri. E, quando ele faz isso, metade da minha
preocupação vai embora.
— É constrangedor. Tenha piedade.
— Não. Você precisa me contar.
— Ok, elas querem saber sobre o sexo, sobre sabe...medidas,
vigor e esse tipo de coisa.
— Medidas, vigor e esse tipo de coisa?— ele repete,
arqueando a sobrancelha.— Peça para que me perguntem, diga que
eu vou adorar responder.
— Elas desmaiaram— comento, sorrindo.— Me desculpe se
eu estiver cruzando alguma linha, mas você...o senhor, me parece
bem, achei que depois da conversa com senhora Marshall, fosse
estar...
— Foi uma conversa educacional— ele afirma.— Ela me
contou que foi apaixonada pelo meu pai e que eles até passaram
muito tempo juntos, mas que nunca foi uma traição à minha mãe.
— Como assim?
— Eles acabaram quando ela decidiu se casar e, depois disso,
não tiveram mais nada, meu pai só se casou com a minha mãe
quase um ano depois. Ela me disse que ele teve amantes, a
questão é que ela nunca foi uma delas.
— Então Alec estava blefando?
— Não necessariamente. A Glória me disse que a outra
secretaria poderia ter feito algum acordo com a minha mãe, algo ao
meu respeito, sobre ajudá-la a entrar em contato comigo, mas seja o
que for, não foi para frente.
— E você vai vê-la? Vai falar com a sua mãe.
— Você é próxima dos seus pais?
— Muito. Não os vejo há mais de um ano, mas somos
próximos, nos falamos quase todos os dias.
— Você acha que se o seu pai e a sua mãe, se separassem,
um deles te deixaria de lado? Que simplesmente iria embora sem
lutar?— ele questiona, seu olhar é triste, e eu posso entender sua
dor, posso de verdade.
— Não. Qualquer um deles moveria a terra por mim, mas
talvez a situação seja diferente.
— Não é— ele afirma.— Eu não quero mais falar sobre esse
assunto, Savannah. Só quero focar no trabalho. Podemos fingir que
nada disso aconteceu? Que você não me viu naquele estado e
que...
— Eu não sei em que estado você acha que estava, Malcolm,
mas tudo que eu vi foi uma pessoa extremamente forte passando
por uma situação terrível e lidando melhor do que a média com tudo
aquilo.
— Isso é gentil, você é gentil, mas eu ainda quero deixar isso
no passado.
— Como o senhor quiser— digo, sorrindo.— Agora, acho que
eu deveria ir, antes que as pessoas achem que estamos fazendo
outra coisa aqui dentro.
— Relatórios, pautas, agenda...
— Tudo na sua frente— digo.— Eu não sou só um par de
pernas bonitas.
— Acho que a versão certa é “de causar inveja”— ele diz,
sorrindo outra vez.— Obrigado, você pode voltar para a sua sala.
A manhã segue tranquila, Malcolm sai para almoçar no horário
regular, ele sai com Arthur eRoger, o gestor do setor de dados. O
homem me olha estranho enquanto espera por Malcolm na porta da
sala, tento não me deixar abalar.
— Você ficou muito bem naquelas fotos— Arthur diz, sorrindo.
— Não faça piadas. Não é nada engraçado.
— É um pouco engraçado. Malcolm namorando. É uma
aberração da natureza, eu venho tentando convencê-lo a ter um
relacionamento sério nos últimos anos, acho que a imprensa
também queria isso.
— Tanto que inventou um.
— Não sei se é tão inventando assim, ele te deixou entrar na
vida dele com muita facilidade. Algumas pessoas levam anos para
se tornarem minimamente confiáveis.
— Isso não quer dizer nada, Arthur. As pessoas podem ser
amigas. Homens e mulheres, por mais surpreendente que pareça,
podem ser amigos.
— E é isso que você quer? Porque eu vejo a forma como você
olha para ele e o cuidado que tem com ele, e eu vejo como meu
primo olha para você, e isso poderia ser uma bela história de amor
se Malcolm não fosse quem é. Ele nunca vai admitir gostar de
ninguém porque ele tem medo de se tornar uma paródia de si
mesmo, se tornar o que ele sempre achou que o pai dele era. E
você sairia machucada disso.
— Eu agradeço a sua preocupação, Arthur. De verdade, mas
você está vendo coisa onde não tem.
Eles vão embora para o almoço, e eu fico pensando em como
Arthur e Alexa se odeiam, mas concordam com o mesmo ponto.
Alexa também fica dizendo que Malcolm me faria sofrer, ela nunca
foi tão explícita, como Arthur foi comigo, mas eu sei que ela tem
medo de que eu quebre a minha cara.
Decido que essa história de pensar no Malcolm dessa forma
está encerrada. Vou voltar a sair com alguém, liberar endorfinas.
Afinal de contas, isso tudo é hormonal, essa vontade, essa agonia é
meu corpo tentando me controlar. Eu paguei uma aula sobre micro-
organismo e corpo humano na faculdade por pura vontade, não
estava na minha grade básica, mas me lembro do professor
explicando que o amor nasce no estômago, que apenas um por
cento dos genes do nosso corpo é animal, o restante é formado por
bactérias, vírus, fungos, parasitas e protozoários que regulam coisas
como quanto pesamos, o cheiro que emitimos, nosso humor e, a
melhor parte de tudo, por quem vamos nos apaixonar.
Ele explicou que a forma como nos apaixonamos é
determinada por bactérias que decidem se estão atraídas ou não
pelas bactérias no estômago da outra pessoa. Talvez seja apenas
isso, talvez as minhas bactérias estomacais sejam compatíveis com
as de Malcolm, e eu precise sair e encontrar outras bactérias
compatíveis com as minhas. Bactérias hospedadas em corpos
menos complexos.
Ele volta do almoço, e eu estou trabalhando. Estou fazendo a
parte que menos gosto do meu trabalho, organizar a agenda de
Malcolm dos dias seguintes. Roger está com ele, o acompanha até
a sala, mas Arthur não está. Eu tento focar na tela à minha frente,
no cronograma semanal, e não no fato de que Malcom está sem o
casaco do terno, a camisa lilás marcando os músculos dos braços
quando ele se move para apertar a mão de Roger. Malcom entra na
sala, e Roger me olha com certo desprezo. Claro, ele é mais um que
acha que eu estou transando com Malcolm, talvez eu devesse
entrar na sala dele, levantar minha saia e perguntar se ele gostaria
de me foder, ao menos eu estaria ganhando alguma coisa além da
fama.
Eu saio da minha sala e vou para a copa pegar mais cápsulas
para a cafeteira, estou evitando a copa, é o centro das fofocas, junto
com a mesa de Nadine, mas a minha necessidade por café é maior
que o meu desejo de evitar olhares. Então decido que vale a pena
enfrentá-los para pegar as cápsulas. Estou jogando conversa fora
com um ajudante da copa, enquanto ele sobe na escada para pegar
uma caixa nova de cápsulas quando Nadine me liga. Atendo
imediatamente e ela me diz “Você precisa voltar, Alec, aquele
cantor, está aqui querendo ver o senhor Campanelli”.
— Não o deixe entrar!
— Tarde demais. Ele está batendo na porta— me desculpo
com Caio, o ajudante, e saio correndo como uma maluca pelo
corredor, mas, quando chego na frente da sala de Malcolm, não há
o que fazer. Alec já está lá dentro. A mesa de Nadine fica longe da
sala de Malcolm, mas, ainda assim, tenho uma visão privilegiada da
porta dele, estou tão ansiosa que não consigo voltar para minha
sala, então apenas fico lá com a minha amiga.
— Porque você parece tão afobada?— ela me diz.
— Nada. É só que ele não gosta que ninguém entre assim, vai
ficar furioso comigo.
Depois de um tempo, algumas pessoas aparecem com a
notícia da presença de Alec no prédio.
— O que alguém como Alec pode querer com o senhor
Campanelli?— uma pessoa questiona, mas eu não me importo com
a pergunta, mando uma mensagem para Arthur e aviso que Alec
está aqui, ele não me responde. Estou tentando entender como Alec
passou pela segurança sem hora marcada. Claro que ele poderia ter
se apresentado para os primeiros andares e então burlado o
elevador, mas ainda é preciso um cartão para escolher o andar em
que estamos.
— Sobre o que acha que estão falando?
— Você quer mesmo saber? Eu não iria querer nem por todo o
dinheiro do mundo. Você viu a cara do senhor Malcom? Ele parecia
prestes a socar o outro. E não que ele seja um marshmallow, mas
nunca o vi perder o controle dessa forma.
Controle. Controle é a moeda de Malcolm. Ele abriria mão de
milhões de diamantes antes de abrir mão de um centímetro de
controle em sua vida. Se ele está chateado ao ponto de perder o
controle, então as coisas não estão nada bem. Estou curiosa sobre
o que aconteceu na casa da senhora Marshall, no que ela disse,
quero saber o que trouxe Alec aqui hoje, mas, principalmente, quero
saber se Malcom está bem. É um desejo idiota por duas razões: 1) é
óbvio que ele não está bem; 2) eu não deveria estar preocupada
com ele dessa forma,
— Você não sabe mesmo o que Alec está fazendo aqui,
Savannah? O que ele pode querer com o senhor Campanelli? Acha
que é uma questão comercial? Mas, se fosse, ele teria que lidar com
o senhor Arthur.
— É verdade que Alec está aqui? Alec o cantor?— Catarina
pergunta, eufórica. Ela também tem a febre do Alec. Eu entendo o
apelo, ele é bonito, jovem, adora paquerar com as fãs, sempre
chama uma no palco e canta para ela, a música não é ruim, quer
dizer, algumas letras são muito boas, mas muito do material é
exclusivamente chiclete.
— É— Nadine responde.— Na sala do senhor Campanelli,
trancados.
Ele é irmão dele. Eles são irmãos. Estes são os fatos. Só que,
mesmo que eu confie em Nadine, não posso dizer isso a ela. Não
quero contar algo tão íntimo sobre Malcom. Acho que ele deveria ter
direito a sigilo. Vi a forma como Alec faz com que ele fique, sei que
ele não gosta de falar da mãe e que isso o abala profundamente.
Em resumo: Seja lá o que for que os dois estão falando, não é
boa coisa.
Mais gente aparece, porque, claro, a notícia da presença do
grande artista pop do momento se espalha pela empresa. As
pessoas estão cochichando e criando teorias ruins até que eu perco
a minha paciência e peço para que se retirem e voltem a seus
trabalhos. Faço isso delicadamente, mas é claro que algumas
pessoas se incomodam.
— Acho que ela pensa que dormir com o chefe a torna chefe—
uma das assistentes diz, isso me deixa ainda mais irritada.
— Você deveria ir embora e considerar que a Savannah está
fazendo um favor— Nadine diz.— Se o senhor Campanelli abre a
porta e der de cara com vocês aqui, não sobra um de vocês com
emprego amanhã cedo.
— Eu disse fora daqui!— um grito forte e poderoso chega até o
corredor de forma intensa. Todo mundo desaparece rapidamente, e
eu caminho até a sala de Malcom. Cruzo com Alec que me olha, ele
está pálido.
— Eu não entraria aí se fosse você, ele e maluco— ele me diz
antes de ir embora.
Abro a porta de Malcolm e então fecho-a assim que entro,
espero que ele grite para que eu vá embora, mas ele não diz nada.
Nossos olhos se encontram, e eu vejo algo que não tinha visto
antes: medo.
Me aproximo devagar e peço para que ele se sente. Ele não
me escuta, parece que está em uma espécie de transe. Puxo-o um
pouco, e ele se encosta na mesa, ficando um pouco mais baixo, o
que permite que eu coloque minhas mãos em seu rosto e tente fazer
com que ele empreste atenção em mim.
— Malcolm...por favor. Preste atenção em mim. Você está me
ouvindo?
Ele não responde. Apenas acena positivamente e parece um
garoto assustado, ele sobe a mão, que bate na minha, e entendo
que está tentando soltar a gravata. Faço isso para ele que me
encara atentamente. Os olhos cinzentos, que normalmente são tão
cortantes, parecem perdidos. Já o vi perder um pouco de controle
antes, mas apenas um pouco, isso aqui é algo de outra intensidade.
— Está tudo bem. Apenas respire fundo. Eu vou buscar um
pouco de água.
— Não!— ele pede.— Fique aqui. Por favor. Apenas...
— Tudo bem. Tudo bem. Estou aqui. Não vou a lugar nenhum.
Ele fica em silêncio por um longo período, sua respiração vai
se normalizando. Ele toca no meu braço. Sua mão fica parada, o
polegar perto do meu ombro, eu respiro fundo, tentando manter
minha sanidade, porque o toque dele parece capaz de levá-la
embora com facilidade e, nesse momento, ele precisa de mim.
— O que ele queria?— questiono.
— Repetir os insultos do sábado, me acusar de ser imaturo e
idiota. Pedir para que eu vá vê-la.
Eu detesto vê-lo dessa forma, só quero colocar sua cabeça em
meu peito, quero acariciar seus cabelos, dizer que vai ficar tudo
bem.
— Sinto muito por não ter conseguido segurar o Alec, eu tentei
impedi-lo, mas...era tarde demais.
— Não é culpa sua — Malcolm sobe a sua mão e toca no meu
rosto de uma forma carinhosa que me deixa desconcertada. Deus!
Eu tenho quase certeza de que já tive um sonho em que ele me
tocava dessa forma. Ele passa seu polegar pelo meu rosto enquanto
me segura, e eu fico pensando se vai me beijar. Não sei o que
pensar, se quero ou não o beijo.— Não é culpa sua, você é perfeita.
Quem eu estou enganando? Claro que eu adoraria beijá-lo,
novamente, um beijo de verdade, o que eu não queria era ter que
lidar com as consequências disso.
Alguém bate na porta, e eu me afasto bruscamente. Malcom
se recompõe. A porta é aberta, e Arthur entra parecendo uma bala.
— Me disseram que você...que merda é isso?— Ele olha para
a janela apontando e só então percebo que o vidro principal está
estilhaçado, nada caiu, claro, a película de proteção está mantendo-
o no lugar, mas está rachado no chão até o teto e há uma cadeira
no chão.— Puta merda! Você está bem?
— Eu pareço bem?— Malcolm questiona, irritado. Não. Ele
não parece nada bem. Mas o tom de voz já voltou ao normal, a
respiração também, e os olhos, bem, já estão gelados e penetrantes
novamente.
— O que ele disse que te fez fazer isso?
— Eu vou deixar vocês conversarem— afirmo.— Vou cancelar
a reunião por vídeo com os fornecedores chineses
— Não! Vamos para a reunião— ele nega. Malcolm ajusta a
gravata e olha para Arthur.
— Você vai fingir que nada aconteceu? Simples assim?
— Não insista, Arthur. Agora não. Eu preciso trabalhar. Eu
preciso trabalhar ou vou perder totalmente a razão.
— É, porque isso é saudável! Você vai ficar maluco, sabia? Eu
vou ter que te interditar e depois te visitar em clínicas de saúde
mental e fingir que você está tirando férias no Havaí ou coisa assim.
— Que bom que você já tem um plano— Malcolm diz,
passando pelo primo. Eu pego o que preciso para reunião e vou
atrás dele. Assim que entramos na sala de reuniões, os cochichos
cessam.— Seja lá o que ouviram ou que acham que sabem,
esqueçam. Isso aqui ainda é um ambiente de trabalho.
Alguém resmunga alguma coisa, mas não é algo inteligível, e
Malcolm não nota, graças a Deus. Eu me sento na ponta da mesa e
ocupo o lugar à sua direita, então fazemos a ligação. Do outro lado
da tela, uma mesa similar conta com cinco homens asiáticos
engravatados, a reunião é sobre a compra de tecnologia para a
Diamantes Campanelli e leva horas. Malcolm não parece o mesmo
homem que estava tão abalado algum tempo atrás. E isso é algo
que eu não sei se admiro ou temo. Quanto tempo alguém suporta
abafar o que sente dessa forma? O que acontece quando a tampa
da panela de pressão emocional explode?
Assim que a reunião termina, Malcom vai embora da sala, e eu
fico terminando minhas anotações.
— Que infernos há de errado com ele?— um dos gestores que
participou da reunião me pergunta, olho para cima e noto que
estamos apenas eu e ele na sala, todo o restante do pessoal foi
embora.
— Eu não saberia dizer, agora se me der licença...
— Não saberia? Desde que você apareceu e começou a ter
um caso com ele, é assim que vocês chamam isso? Desde que
você apareceu, ele tem saído dos trilhos. Brigar com uma
celebridade dentro do escritório é um ultraje, se ele não fosse um
acionista majoritário...
— Só que ele é. O capital aberto dessa empresa é de quê?
20%? Não sei o que espera que eu diga em autodefesa ou em
defesa do senhor Campanelli contra suas acusações, exceto que
elas, sim, são ultrajantes. O que eu posso dizer é que talvez o
senhor devesse cuidar mais da própria vida, Roger. Seus números
trimestrais caíram, e nem é a primeira vez, talvez devesse cuidar
mais do seu emprego.
— Quem você acha que é pra...— o homem diz tocando no
meu braço.
Eu movo a cabeça e observo o lugar em que seus dedos estão
me segurando.
— É melhor tirar as mãos dela— uma voz calma diz. Olho para
frente e vejo o chefe de segurança de Malcolm. Roger solta meu
braço imediatamente, deixando apenas o ardor do local de seu
toque nada gentil. — Precisa de ajuda aqui, senhorita Armstrong?
— Obrigada, Andrew, mas o Roger já estava de saída, não
estava?
— Claro— ele diz, mudando totalmente de postura.
O homem vai embora, e eu agradeço a Andrew novamente. E
então ele me diz que Malcolm está no carro e que está indo embora,
que só subiu para pegar uma pasta que meu chefe deixou na sala e
que precisa da minha ajuda para isso. Acompanho Andrew e pego a
tal pasta.
— São duas horas da tarde, Malcom Campanelli deixando o
escritório antes das 19h é um acontecimento raro. Livros de ciência
deveriam escrever sobre isso— digo. Andrew sorri e então me
agradece pela ajuda.
— Andrew, você pode não contar ao senhor Campanelli sobre
a sala de reuniões?
— Como você desejar, mas a senhorita tem certeza?
— Tenho. Não quero causar problemas na empresa.
Fico sentada na sala de Malcom, na cadeira dele. Tudo aqui
cheira a couro e ao perfume dele. Organizo a mesa e encaro o vidro
totalmente estilhaçado, mas ainda no lugar. Ligo para o setor de
manutenção e peço uma troca urgente, sei que Malcolm não vai
querer ser lembrado do seu momento de descontrole.
— Conseguimos fazer isso ainda hoje?— pergunto ao chefe da
manutenção.
— Podemos tentar. Vou mandar a equipe agora retirar o vidro
e solicitar a nova peça com um fornecedor que costuma ter pronta-
entrega. Podemos fazer isso nem que trabalhemos a madrugada
toda.
— O senhor é um santo.
— Você que é sempre uma querida— ele me diz. Seu
comentário me faz sorrir. Eu gosto de ser uma boa pessoa, de ser
amada e detesto ter que agir como agi com Roger naquela sala de
reuniões, mesmo estando certa, aquilo faz com que eu me sinta
mal.
Vou embora no meu horário regular, seis da noite, e o vidro
antigo já se foi e o novo está previsto para chegar a qualquer
momento. Eu passo em um barzinho e encontro com Lucy, que está
com alguns amigos do trabalho. Ela me apresenta aos que não
conheço, cumprimento todos eles e me sento ao lado da minha
amiga.
— Você é a estatística, certo?— um rapaz loiro de boné me
pergunta. Ele me lembra os garotos da minha cidade natal, mas a
sua forma de falar é muito diferente. Está usando uma camisa dos
Yankees.
— Sou. Quer dizer, pelo menos é nisso que me formei.
— Bacana, deve ser um trabalho interessante.
— Não, não é. É um trabalho tedioso, Ian. Porque você não
fala logo que gostou da Savannah e quer o número dela?— Lucy
pergunta com seu sorrisinho malvado. Às vezes eu simplesmente
odeio as minhas amigas. Converso com Ian por um tempo, ele me
conta que é designer gráfico, que também é do Sul, Alabama, mas
que mora em Nova Iorque desde os nove anos, quando os pais se
divorciaram e a mãe mudou de estado, trazendo-o junto. A conversa
é agradável e eu tento me envolver, mas só consigo pensar em
Malcom, em como ele está, onde está, o que está fazendo?
Meu telefone toca e eu vejo o nome da senhora Marshall na
tela, então peço licença e digo que preciso atender.
— Onde você está querida?
— Na cidade, no Soho, em um bar.
— Ótimo é perto da minha casa, me passe o endereço, preciso
entregar algo a você.— Ela soa como Malcolm, dando ordens sem
explicações, mas seu tom é tão aflito que eu não me importo.
Apenas concordo e digo o endereço. A senhora Marshall aparece
em um carro dez minutos depois. Nova Iorque é o caos do
estacionamento, então entro no carro e ela pede para que o taxista
continue rodando enquanto conversamos.
— Está tudo bem?
— Malcolm conversou com você? Sobre o que ele veio fazer
na minha casa?
— Porque a senhora acha que ele falaria comigo?
— Porque ele confia em você, posso sentir quando ele fala seu
nome. E não se preocupe, eu não acreditei nos boatos sobre vocês
dois.
— A senhora também viu a matéria?
— Sim, mas, antes disso, ouvi os rumores. Eu saí da empresa,
mas tenho muitos amigos por lá— ela confessa. Claro que ela não
acreditou, quem em sã consciência acharia que eu e Malcom...a
imagem de ele perto de mim hoje, a centímetros de me beijar,
invade a minha cabeça, talvez eu esteja errada, talvez ele queira
isso, não tanto quanto eu quero, mas simplesmente queira.— Não é
sobre isso que quero falar com você, não agora. Estou tentando
entrar em contato com Malcom, mas não consegui, quero entregar
algo a ele, mas já que não o achei, quero que você faça isso.
Ela me dá uma caixa de papelão, tamanho médio, vermelha, é
uma caixa antiga de chocolates.
— Chocolates? Acho que esses passaram da validade.
— São cartas. Cartas da mãe dele. Deixadas com outra
secretária, liguei para a filha dela mais cedo e perguntei se ela
nunca viu nada nas coisas da mãe, então ela disse que sim e me
entregou essa caixa agora no final da tarde.
— Ela escondeu as cartas? Por quê?
— Eu não contei isso a Malcom, mas ela e Peter tinham um
caso durante o casamento dele. Margareth confiou na pessoa
errada, e eu sinto que é culpa minha, eu deveria ter tentado ajudá-
la, mas eu não queria trair o Peter.
— Eu preciso encontrá-lo— digo, respirando fundo.— Ele não
disse nada, mas acho que foi atrás da mãe, mas não sei como...
Alexa!
— O quê?
— Minha melhor amiga tem o telefone do irmão do Malcolm, se
eu conseguir falar com ele, consigo encontrar o Malcolm, tenho
certeza disso. Eu tenho que ir, senhora Marshall.
— Obrigada, querida.
— Pelo quê?
— Por se importar com ele dessa forma. Ele teria sorte se os
boatos forem verdadeiros.
— Ele é só o meu chefe...
— É, eu costumava ter esse mesmo brilho quando falava do
Peter. Acredite em mim, eu sei o que você sente.
Não tenho tempo para processar o que ela está me dizendo,
tenho algo mais importante a fazer. Não demora para que Alexa
consiga falar com Alec e então me passa um endereço, é um
hospital. Um hospital privado. Peço um carro, que me deixa lá em
trinta minutos. Eu me apresento na recepção e peço informações
sobre a paciente, percebo que nem mesmo sei o sobrenome dela,
será que ela ainda usa Campanelli?
— Margareth Campanelli?— arrisco quando ela me pede o
sobrenome.
— Estamos encerrando as visitas em vinte minutos— ela
conta.
— Vai ser rápido, prometo. Meu namorado está visitando a tia
e deixou um presente comigo, pode confirmar se ele está aqui?
Malcolm, Malcolm Campanelli.
— Malcolm...— ela me olha rapidamente tentando processar a
informação—, ele entrou algumas horas atrás, está na sala de
espera leste na ala de oncologia.
Oncologia. Câncer. É por isso que ela está querendo vê-lo, por
isso que Alec parece tão desesperado para convencer Malcolm. Vou
até a ala leste e encontro os dois sentados em lados opostos da
sala. Malcolm está com as pernas abertas e a cabeça encostada na
poltrona, olhos fechados. Sento-me ao lado dele e toco em seu
braço. Ele abre os olhos devagar e vira a cabeça na minha direção.
Espero que ele pergunte o que estou fazendo aqui, mas ele
não faz isso. Malcom apenas coloca a mão na minha, a mão que
está acima de sua perna, entrelaçando nossos dedos, e então volta
para sua posição inicial. Olhos fechados, cabeça recostada. Posso
notar Alec nos olhando, Malcom não parece se importar. Ficamos
assim por muito tempo, até que ele abre os olhos novamente
— Você quer um chá?— questiono.— Ou talvez queira sair
daqui e tomar um pouco de ar?
— Um pouco de ar— ele confirma. Me levanto, e ele faz o
mesmo, então solta a minha mão. Caminhamos pelos corredores do
hospital e encontramos um pequeno jardim suspenso pelo qual
entra luz solar.
— Ela está doente?
— Ela está morrendo— ele conta.— Eu não achei que me
importaria, achei que ela não importava, mas agora não há nada
que possa ser feito. Não há tempo para consertar nada, para
entender o que aconteceu.
— É terminal? Você tem certeza? Me desculpe, não sei porque
estou perguntando isso...
— Sim. É terminal.
— Onde ela está agora?
— Em cirurgia. Ela está fazendo um procedimento que pode
garantir mais dois ou três meses de vida, porque não queria morrer
sem falar comigo, sem se desculpar.
— Vocês conversaram?
— Um pouco. Eu vim para cá quando saí do trabalho e fiquei
com ela. Ela me pediu desculpas e disse que deveria ter feito mais,
mas não me disse porque foi embora. Não deu tempo. Talvez ela
não saia disso e isso seja tudo.
— Ela vai sair. Você vai ver.
— Eu não sou esperançoso feito você.
— Não tem problema, eu posso ser por nós dois aqui. É meu
superpoder— respondo. Seu lábio se curva um pouco, e eu fico feliz
de oferecer um breve alívio.
— Tem algo que você deveria saber. A Margareth acha que
você é minha namorada.
— Porque ela acha isso?
— Porque viu as matérias, me perguntou, e não desmenti.
— Porquê?
— Ela me disse que me acompanhou todos esses anos e que
achava, que por causa dela, por ela ter ido embora, eu não aprendi
a confiar nos outros e a construir relacionamentos amorosos
saudáveis e que ela não podia se perdoar por isso, mas que ficou
feliz quando soube ao seu respeito. O que você esperava que eu
fizesse? Contasse que não há nada de saudável na forma como me
relaciono?
— Malcolm, isso não é verdade.
— É, você só é gentil demais e não me conhece o suficiente.
Eu sei que não estou pedindo algo simples, mas você pode fingir
que é verdade? Só para ela.
— Fingir o quê?
— Que estamos juntos.
— Você está em choque, por isso está me pedindo isso, não
faz o menor...— Ele toca no meu braço e então eu paro de falar.
— Por favor.
Eu tenho meio milhão de perguntas, mas entendo que ele não
está bem nesse momento e então simplesmente aceno,
concordando.
Eu não deveria dizer sim, minha cabeça sabe disso, mas cada
fibra do meu corpo quer o contrário. Devem ser as tais bactérias,
certo? As minhas são masoquistas.
— Obrigado— Malcolm diz, tocando a minha mão novamente.
— Eu vou encontrar uma forma de te recompensar por isso.
Sua mão está segurando a minha e estamos perto demais um
do outro, para um relacionamento falso, isso parece próximo
demais, verdadeiro demais.
— Malcolm, a médica está vindo. Achei que você iria querer
ouvir— Alec diz, se aproximando.
Ele aperta minha mão, e então caminho ao seu lado sem nos
separamos. A médica é uma mulher de meia-idade, pele negra,
cabelos curtíssimos. Ela olha para Alec para falar.
— Foi um pouco mais complicado que o esperado, mas
conseguimos conter parte do espalhamento e remover suas grandes
obstruções.
— Então deu certo?— Alec questiona, sorridente.
— Sim, deu certo! Ela vai ter alguns dias complicados, mas vai
conseguir ter mais tempo com um pouco mais de qualidade de vida.
— Quanto tempo?— Malcolm questiona.
— Alguns meses, é difícil saber ao certo.
— Isso não importa. O que importa é que ela está bem— Alec
diz.
— É fácil pra você dizer isso...
— Sério? Até algumas horas atrás você nem queria estar aqui,
Malcolm. E agora acha que tem algum direito de...
— Isso aqui é um hospital— a médica diz em tom de
recriminação.— Eu sei que os senhores estão sofrendo, mas isso
não dá o direito de transformar um lugar de recuperação em um
lugar de caos.
— Sinto muito— Alec diz. Eu pego Malcolm pela mão e trago-o
para mais perto. A mão dele está gelada. — Quando posso vê-la?
— Ela está acordada. Sendo transferida para o quarto, você
pode ir para lá e esperar por ela.
Alec desaparece, e eu fico com Malcolm, a médica também vai
embora.
— Eu não deveria estar aqui— ele me diz.
— Você quer estar aqui?
— Quero.
— Então você deveria estar. Venha, vamos nos sentar. Há algo
que eu preciso conversar com você.
Sento-me em um pequeno sofá, e Malcolm senta-se ao meu
lado, giro um pouco meu corpo e fico de frente para ele.
— A senhora Marshall me ligou. Ela encontrou algo que você
deveria ter recebido há muitos anos. — Retiro a caixa de dentro da
minha bolsa e entrego-a para ele.
— Sua mãe escreveu essas cartas e deixou com alguém
chamado Minerva.
— A antiga assistente do meu pai, ela trabalhou com a
senhora Marshall.
Malcolm abre a caixa e pega as cartas, são dezenas de cartas,
algumas abertas, outras lacradas.
— Você quer fazer isso sozinho?— questiono, parece algo
íntimo demais, certo?
— Não. Eu não me importo que você fique— ele me diz
enquanto olha para os envelopes, ele os passa rapidamente, mas
não abre nenhum deles, apenas observa para quem estão
endereçados, de onde foram enviados.— Tantos lugares diferentes
e algumas não são para mim, são para o meu pai— ele diz.
Ele abre algumas, as cartas endereçadas a Malcolm são em
sua maioria curtas. "Eu soube que você está indo bem na escola,
estou orgulhosa, sempre estou, espero que esteja lembrando de se
divertir também. Assim que possível, eu vou te ver, pardalzinho,
prometo. A mamãe te ama até a lua e de volta", diz uma das
primeiras que lemos.
"Você se lembra daquela música que cantávamos para você
dormir? Ontem eu vi um garotinho tocando-a no piano. A mamãe
sente falta de te ver tocando. Espero que você venha passar alguns
dias comigo nas férias, e então vou te levar para conhecer
instrumentos novos, aqui, no Brasil, tem muitos instrumentos
diferentes, você vai adorar. Eu te amo mais do que tudo, pardal".
— Ela quer ver você— Alec aparece dizendo.— Vocês dois.
— Eu?
— É, eu disse que você estava aqui. O que vocês estão lendo?
— Nada— Malcolm responde.— Você pode guardar?— ele me
pede, colocando seus olhos nos meus. Se antes o fato de que ele
não me olhava era incômodo, agora o seu olhar é. Toda vez que ele
me olha, eu me sinto como a pessoa mais importante do mundo,
como se nada mais existisse além da gente.
— Claro.— Coloco a caixa de volta na bolsa e então Malcolm
pega na minha mão novamente. Ele faz isso como se fosse o gesto
mais natural, mas não é. Claro que não é, não posso ficar
confortável e achar que pode ser. Caminhamos um pouco, o
suficiente para sairmos do campo de visão de Alec, e então eu paro
de andar.— Como isso vai funcionar? O quanto temos que fingir e
na frente de quem? E quem pode saber?
— Ninguém pode saber. Quer dizer, você pode contar a Alexa
se quiser, acho quevai evitar que ela tente me matar.
— Você vai contar ao Arthur?
— Não sei. No momento, ele não merece muito da minha
confiança?
— O que ele fez?
— Ele deixou Alec entrar no prédio hoje.
— Ele deve ter feito isso porque queria que você soubesse de
tudo.
— Eu consigo entender, mas ele poderia ter sido mais honesto
e menos ardiloso, ele poderia simplesmente ter me contado o que
estava acontecendo em vez de deixar que Alec contasse. Seria
mais fácil de ouvir— ele responde— E sobre o quanto temos que
fingir, acho que o necessário.
— Você pretende me beijar?
— Isso é um problema?
— Não— respondo. Sou tão rápida na resposta que me
envergonho um pouco por isso— Não é um problema.
— Tudo bem, então eu pretendo te beijar na frente da
Margareth se for necessário, mas eu vou ser um cavalheiro, não se
preocupe. Podemos ir?
— Claro.
A mãe de Malcom está deitada na cama, um lenço na cabeça,
com uma coloração meio esverdeada. Nunca perguntei que tipo de
câncer ela tem, mas talvez seja indelicado demais questionar.
— Oi— Malcolm diz meio sem jeito—, como a senhora está?
— Melhor agora, querido. Sempre fico melhor quando te vejo.
— Ela estica a mão para ele, então Malcolm se aproxima, me
levando junto, ele usa a mão livre para tocar na mão dela e então eu
o solto.— Essa é ela? Sua namorada? Meu Deus, você é ainda
mais bonita pessoalmente.
— Oi, senhora Campanelli.
— Margareth, querida. Ninguém me chama de Campanelli há
décadas. É uma formalidade apenas.— Ela tosse um pouco, e
Malcom se preocupa.— Está tudo bem, isso é normal. É o efeito do
anestésico passando.
— A senhora deveria descansar.
— Vou ter tempo para isso, eu quero saber mais de você, de
vocês.
— Como se conheceram?
— Trabalhamos juntos— conto.
— E o que você faz, Savannah?— Ela sabe meu nome, e eu
só consigo pensar nisso e no fato de que vou para o inferno por
estar enganando uma senhora moribunda.
— Savannah é estatística— ele responde por mim.— Uma das
melhores. Talvez a melhor.
— E Malcolm é exagerado, não é, querido?
— Não. Na verdade, não.
— Nem mesmo quando criança— a mãe dele diz.
— É mesmo? E como ele era quando criança?
— Lindo— ela responde. Tenho vontade de dizer que isso ele
é até hoje, mas me contenho—, carinhoso, um pouco tímido, e um
tanto responsável demais para a idade. Ele e o primo andavam para
cima e para baixo juntos, e ele sempre impedia que o Arthur fizesse
alguma bobagem. Ele até salvou uma amiguinha na piscina uma
vez.
— Foi a Alexa— Malcolm diz, olhando para mim.— A
Savannah é amiga da Alexandra, Margareth.
— Que coincidência fantástica, eu adorava a Alexandra e
passei muito tempo pensando nela quando recebi a notícia da morte
da Hayley, ela era a única pessoa decente dos nossos círculos de
amizade.
Alguém bate na porta e, em seguida, abre-a, vemos Alec, que
parece um pouco em conflito. Fico pensando como isso tudo deve
ser para ele. A mãe está morrendo e, ao mesmo tempo, está
reencontrando o filho que passou décadas sem ver. Alec está
ganhando um irmão que não parece muito interessado em construir
uma relação com ele. Isso sem falar no fato de que eles são
extremamente diferentes.
— Eu não quero atrapalhar, mas preciso me despedir. Tenho
show, mas posso cancelar se a senhora precisar de mim.
— Não, querido, você ama sua carreira, não pode pará-la por
minha causa— ela diz, chamando-o para mais perto. Alec se
aproxima e então Margareth está segurando um filho em cada mão.
— Eu sempre quis fazer isso, ter vocês dois comigo assim, pertinho.
— Eu posso ficar com ela e você vai tranquilo e eu te aviso
se... eu ligo pra você.
— Tem certeza?— Alec questiona, olhando para o irmão mais
velho.
— Tenho— Malcolm confirma.
Alec beija a mãe na testa e então vai embora.
— Eu também tenho que ir— digo. Já são quase dez horas e
eu preciso ir para casa. — Estou cansada e o dia foi longo o
suficiente com emoções demais.
— O motorista vai te levar— Malcolm diz.
— Não precisa.
— Claro que precisa— ele insiste. Malcolm segura a minha
mão novamente e então me beija sem-cerimônia nenhuma, é um
beijo rápido, nossos lábios mal se tocam, e eu fico querendo mais e
um tanto desconcertada. Seu olhar tem um pedido óbvio de
desculpas, temo o que os meus exibem porque, se forem honestos,
o que ele vê neles é desejo.— Eu te vejo amanhã.
— Até amanhã, baby— digo, sorrindo. Eu preciso ter alguma
satisfação nisso tudo e chamá-lo de baby e ver a forma como ele
me olhou é a melhor forma que pude imaginar até o momento.
O motorista de Malcolm me deixa em casa. Eu tomo um banho
quente, preparo algo para comer e então mesento na frente da TV
com minha camisola de seda e pantufas enquanto assisto a um
seriado. Eu deveria dormir, estou cansada, mas simplesmente não
consigo. Horas e mais horas passam e eu me remexo no sofá
enquanto o serviço de streaming continua perguntando se ainda
estou assistindo. Então são mais de duas da manhã e a minha
campainha toca. Levanto-me para atender, e Malcolm está parado
na minha porta.
— Você mora em Jersey!— é a primeira coisa que ele me diz
quando abro a porta.
— É...eu...O que está fazendo aqui?— Encaro-o.
— Eu tinha...eu precisava ver você. Falar sobre hoje...sobre...
— Ele toca o meu rosto novamente, dessa vez seu toque é mais
urgente, menos gentil do que aquele que me deu em sua sala mais
cedo. Malcom aproxima os lábios dos meus lentamente, e então
estou ansiosa para que ele me beije, até que lembro que não sou
uma garotinha colegial, é simplesmente encosto meus lábios nos
dele, acabando com o suspense.
O beijo começa lento, mas, mesmo nesse ritmo, Malcom tem
uma pegada impressionante. Ele me carrega como se eu fosse feita
de papel e passo minhas pernas pelo seu corpo, me prendendo
enquanto continuamos nos beijando.
— Tudo bem se fizermos isso?
— Sim, apenas me leve para dentro...— peço.
Não estou raciocinando direito sobre as consequências,
acredito que ele também não, não com tudo que vem passando,
mas quem se importa? O que importa é o agora. Tudo que eu quero
é continuar beijando-o, continuar tocando no corpo dele.
 

 
A minha porta é bruscamente aberta e eu vejo Alec me
encarando. Me levanto de supetão, que merda ele está fazendo no
meu escritório? Como passou pela segurança?
— Onde você pensa que está para ir entrando assim? Isso
aqui não é um dos seus shows— afirmo.
— Olha, Malcolm. Eu tentei conversar com você de outras
formas, mas eu não tenho mais tempo ou paciência para isso. A
minha mãe, a nossa mãe, precisa ver você, então será que você
pode apenas vir comigo? Você pode odiá-la pelo resto da sua vida
depois disso, mas apenas, por favor, venha comigo. Ela precisa ver
você.
— Qual a parte de "eu não quero vê-la" que você não
entendeu? Será que eu preciso chamar a polícia? Registrar algum
tipo de assédio ou perseguição para que você pare?
— Deve ser bom ter crescido assim, não é? Você estala os
dedos e as pessoas removem os problemas da sua frente— ele diz,
passando a mão nervosamente pelos cabelos.— Eu pretendia me
desculpar por ter te chamado de mimado, mas não faz o menor
sentido, porque é exatamente isso que você é, um mimado que
precisa ter tudo do seu jeito.
— Mimado? E quem você acha que me mimou? O meu pai
ausente, que ficou em cacos depois que a esposa foi embora
quando eu nem tinha completado oito anos, ou os professores dos
colégios internos? Você não sabe de droga nenhuma da minha vida
— grito, irritado. Mal noto que estou fazendo força na cadeira que
estou segurando até que escuto a madeira estalar.— É melhor você
ir embora daqui antes que eu perca a minha cabeça com você.
Controle é uma coisa engraçada. Se você retém algo por muito
tempo, se todos os dias você guarda um pouco, um pouco mais da
sua raiva, da sua irritação, da sua frustração, eventualmente, tudo
implode.
— Eu não vou embora. Eu não sou seu funcionário, eu não
tenho medo das suas ameaças. Ela queria te contar pessoalmente,
mas aqui estão os fatos: ela está morrendo! Satisfeito? Ela precisa
falar com você, porque está morrendo e talvez isso aconteça hoje.
E, em vez de estar do lado da minha mãe, eu estou aqui tentando
convencer um adulto que se comporta como criança a ir vê-la.— As
palavras me atingem como lâminas, ela está morrendo.
Ela está morrendo. Minha mãe está morrendo. Eu passei todo
esse tempo sem vê-la, e agora não há mais o que fazer. Toda raiva,
todo medo, tudo que senti antes parece estar correndo de uma vez
só dentro de mim. Mal me dou conta do que está acontecendo até
que Savannah está parada na minha frente, chamando o meu
nome, me pedindo para prestar atenção nela.
Meus olhos encontram os dela, castanhos, cheios de bondade,
e eu quero isso para mim no momento, quero essa sensação de
calmaria que o toque dela causa. Quero que ela fique comigo. Eu
mal consigo ouvir o que ele está falando, apenas toco em seu rosto
e me aproximo.
O movimento da porta faz com que eu me afaste e então
Arthur entra e começa a fazer perguntas que eu não tenho a menor
intenção de responder. É só nesse momento que me lembro de ter
arremessado a cadeira contra o vidro, os pedaços da madeira
maciça estão espalhados, e me lembro de gritar com Alec para que
ele fosse embora, da expressão de terror no rosto dele.
Não quero falar sobre o que está acontecendo com ninguém.
Não quero os olhares de pena ou mesmo os de “eu te avisei”. Arthur
sempre me disse que um dia poderia ser tarde demais, que eu
deveria engolir o meu orgulho e procurar pela minha mãe. E agora
estou sendo sacaneado duas vezes: estou perdendo a minha mãe
novamente, sem ter a chance de decidir se quero ou não saber. Vou
ter que lidar com o fato de que meu primo tem razão.
Foco no trabalho. É assim que eu lido com as coisas. É isso ou
sair daqui, deixar tudo e encontrar alguém para transar por horas e
não pensar em mais nada.
Depois de horas de trabalho, eu tomo uma decisão, vou
embora,me encontrar com Alec no hospital. Eu não gosto da atitude
do meu meio-irmão, ele é cheio de si e acredita ter razão em tudo,
sua língua é afiada e cheia de ironias.
— Não a force demais, ela vai fazer uma cirurgia em breve.
— Cirurgia?
— É! O câncer se espalhou muito pelo estômago e tem
causado obstruções, a médica vai tentar conter isso para eliminar
algumas dores e garantir que ela tenha mais algum tempo. Eles já
deveriam ter começado, mas minha mãe pediu por mais tempo,
porque precisava achar uma forma de falar com você. Ela disse que
não pode morrer sem isso.
— E ela pode morrer nessa cirurgia?
— Sim, o corpo dela está muito debilitado.
Margareth é uma sombra da mulher que foi, a mulher cujas
fotos eu vi em colunas sociais, aquela que mora nas minhas
memórias era tão vibrante. A mulher que me pegava no colo e me
sentava no piano agora é um fantasma assombrando os corredores.
— Você veio!— ela diz. Seu rosto está vermelho e ela começa
a chorar, quero pedir que ela pare, oferecer algum conforto, mas
não sei como fazer isso, no fim das contas, ela é uma estranha.—
Meu Deus! Como você cresceu.
— É. Eu cresci— isso é tudo que eu consigo dizer enquanto
me aproximo.
— Meu primogênito, meu menino lindo é um homem...— Ela
começa a chorar,Alec a alcança e oferece um lenço.
— A senhora precisa manter a pressão normal, mãe. Pense na
cirurgia.
— Me dê um minuto a sós com Malcom, Alec.
Alec sai mesmo contrariado, e eu fico sozinho e desconfortável
com Margareth, no quarto de hospital.
— Eu sei que você deve me odiar, que acha que eu sumi e não
liguei para você, mas você é o amor da minha vida, Malcolm. Por
anos, a única coisa que importava para mim era você, eu estava
infeliz em um casamento ruim, mas eu tinha você e isso bastava.
— Até que deixou de bastar...
— Nunca deixou. Eu teria levado você ou teria ficado,
mas...não quero falar disso agora. Se eu sair dessa cirurgia, vamos
conversar, mas agora eu só quero saber de você, me conte da sua
vida.
— Não há muito o que dizer. Eu assumi a empresa
— E fez isso melhor do que seu pai pelo que soube— ela
afirma, sorrindo.— Seu avô estaria orgulhoso.
— É o que dizem.— Por que tudo que sai da minha boca soa
tão hostil? Eu sou assim o tempo todo?
— E você está feliz? Você é feliz? Meu maior medo era que a
minha ausência tivesse marcado você para sempre. Que você
tivesse deixado de confiar nos outros, no amor. Coisas assim podem
ter consequências terríveis...as pessoas, às vezes, não sabem ter
relações saudáveis, e eu via você nos tabloides com modelos e
mais modelos, isso mudou nos últimos meses, e ontem vi que você
tem uma namorada... então...
Eu sou feliz? Não sei. O que é felicidade de qualquer forma?
Eu estou em controle das minhas emoções na maior parte do
tempo, isso me deixa satisfeito, o trabalho está afinado, alinhado,
isso também me deixa satisfeito. Felicidade? Eu fico feliz quando
fecho um bom negócio, mas isso é passageiro. Felicidade? Não.
Acho que felicidade é um pico emocional, não uma situação
constante. Não dá para ninguém ser de fato feliz, dá? E ela tem
medo de que eu seja bloqueado emocionalmente. Bingo! Claro que
sou.
— Savannah— digo. Que merda estou falando?— O nome
dela é Savannah. E eu não sou a pessoa mais alegre da face da
terra, não é parte da minha personalidade, mas estou feliz.
— Me fale sobre ela. Como ela é?
— Ela é...inteligente, bondosa, tem um coração enorme e está
sempre tentando entender os outros, está sempre tentando me
entender, talvez mais do que eu mereça ser entendido, e ela é linda.
— Isso é ótimo, querido. Quero conhecê-la. Se você permitir,
claro.
— Claro.
— Malcolm, se eu não sair dessa cirurgia, quero que me
prometa que vai tentar se aproximar do seu irmão, pedi a mesma
coisa a ele. O meu maior sonho sempre foi ver vocês dois juntos.
Concordo, sem ter muita crença no que estou dizendo, eu e
Alec mal conseguimos manter uma conversa sem hostilidade. Além
disso, que direito ela tem de me pedir qualquer coisa? Ainda assim,
digo que sim, porque como eu poderia dizer “não” nessa situação?
A equipe médica vem buscá-la, e Alec se despede chorando.
— Eu te vejo em breve, canarinho— ela diz ao filho. Observo o
carinho deles, não acho que teríamos isso nem com todo o tempo
do mundo, e me sinto mal por essa constatação.— Você também,
pardal.
Pardal. Eu aceno para ela, confirmando que nós vemos em
breve, mas não consigo dizer nada. Alec me chama para a sala de
espera e nos sentamos distantes um do outro, ele tenta conversar,
mas eu não gosto de jogar conversa fora.
— Obrigado por ter vindo— ele me diz. Eu só aceno,
concordando mais uma vez, mantendo-me incapaz de falar. Eu
estou descansando meus olhos quando Savannah chega e se senta
ao meu lado, reconheço o perfume dela antes de abrir os olhos. Ela
toca na minha perna, e ponho minha mão por cima da dela. Gosto
de tê-la por perto. Gosto do seu toque, de como ela faz com que eu
me sinta.
Depois da cirurgia, tanto Alec quanto Savannah vão embora, e
eu fico sozinho com minha mãe.
— Eu sei que você quer respostas, mas podemos deixá-las
para amanhã? Quando eu estiver me sentindo melhor?
— Claro— digo.— A senhora Marshall encontrou algumas
cartas que você enviou.
— Posso vê-las?
— Estão com a Savannah. Eu não tive tempo de avançar
nelas.
— Eu gosto dela, da Savannah, sei que a minha aprovação
não deve significar muito, mas, desde que você chegou aqui mais
cedo, parecia desconfortável, exceto com ela ao seu lado.
Uma enfermeira chega com a medicação no final da noite, e eu
ajudo Margareth a sentar-se na cama. Ela parece tão frágil que eu
tenho medo de quebrá-la.
Alec retorna pouco depois da uma da manhã e parece
extremamente cansado, mas faz questão de dormir com a mãe no
quarto, eu deixo que eles fiquem a sós, me sinto um intruso entre
eles e, além disso, preciso ir embora de qualquer forma, tenho uma
importante reunião em algumas horas. Eu entro no carro e o
motorista me pergunta para onde estamos indo, eu deveria dizer
"para casa", mas, em vez disso, peço para que me leve para a casa
de Savannah.
É na metade do caminho que me dou conta de que estamos
indo para Jersey. Pergunto se o motorista errou o caminho, e ele diz
que não, "a senhorita Savannah mora em Nova Jersey", ele me
conta. O carro para na frente de um prédio esverdeado,eu desço e
vou até a campainha, mas não sem antes mandar o motorista
embora. Não sei muito bem o que estou fazendo, estou dizendo a
mim mesmo que estou aqui pelas cartas, mas essa não é toda a
verdade.
O nome dela está na caixinha, indicando o número do
apartamento, e então toco a campainha, e ela vem abrir a porta.
Está usando uma roupa de seda, uma blusa fina que deixa os bicos
dos seios à mostra e um short ridiculamente pequeno.
— Você mora em Jersey!
— É...eu...O que está fazendo aqui?— Ela cruza os braços,
protegendo o corpo, parece surpresa.
— Eu tinha...eu precisava ver você. Falar sobre hoje...sobre...
— Paro de falar e coloco minha mão em seu rosto. É por isso que
estou aqui. Porque, desde que meus lábios tocaram os dela mais
cedo, fico pensando que esta é a coisa mais familiar do mundo, é
como se já tivéssemos nos beijado centenas de vezes.
Estou com a boca a poucos centímetros da dela, posso sentir
sua respiração gelada, posso ver a forma como os pequenos pelos
do seu corpo estão eriçados pela proximidade. É Savannah que me
beija, o que me surpreende positivamente.Entramos no corredor que
dá acesso ao apartamento enquanto nos beijamos. Ela me pede
que a leve para dentro, levanto o corpo dela, e Savannah prende as
pernas em mim. O cheiro dela é maravilhoso, a sensação da sua
pele, seu beijo, tudo.
Coloco-a na cama e retiro a jaqueta sem tirar os olhos do
corpo dela.
— Tire a roupa— demando. Savannah acena negativamente e
então fica de joelhos na cama e segura a minha gravata.
— Você não é meu chefe aqui— ela diz, sorrindo.— E se quer
que eu fique nua, vai ter que fazer isso primeiro.
— Tudo bem, então...— digo, tirando a minha camisa. Ela me
ajuda com parte dos botões enquanto as unhas passeiam pela
minha pele. Os dedos dela encontram o botão da minha calça e o
solta. Eu me afasto um pouco, retiro as mãos dela do meu corpo,
mas percebo que não é um jogo que quero jogar, não quero ficar
longe de Savannah no momento. Retiro a calça e jogo-a em um
canto qualquer, então estou apenas usando uma boxer que prende
minha ereção enquanto ela me olha.
— Uau!— ela diz, sorrindo. Savannah morde o lábio de um
jeito que me deixa ainda mais cheio de tesão.
— Você já me viu assim antes.
— Não. Assim não— ela menciona a ereção com um sorriso
no canto do rosto.— Assim é definitivamente muito melhor. Minha
vez— ela afirma.
Savannah retira a blusa, e eu me aproximo outra vez, toco em
um dos seus seios, seguro-o com firmeza e então passo o polegar
pelo mamilo, e ela abre a boca, soltando um gemido delicioso. Seus
olhos castanhos estão em mim enquanto toco em seu corpo. Ela é
perfeita. Beijo-a novamente e a deito na cama, minha boca desce
pelo pescoço dela, deixando beijos e mordidas pelo caminho, e
encontra os seios e trabalha neles até que ela esteja me segurando
pelos cabelos e ofegando.
— Malcolm... — ela geme. Subo minha boca e a beijo
novamente. Sei o que ela quer, mas isso aqui mal começou.
— Ainda não, você vai precisar ser um pouco mais paciente, e
eu prometo que vai valer a pena cada segundo— afirmo. Desço
minha boca pela sua pele vagarosamente, pescoço, seio, estômago,
a língua circulando o umbigo, o corpo, ela responde a cada contato.
Savannah abre as pernas instintivamente enquanto eu sigo
meu caminho. Paro perto do elástico do short e então puxo-o pelos
dois lados de uma só vez, trazendo a calcinha junto, e estou
olhando para a vagina dela, suculenta, úmida e pronta para mim.
Minha língua começa a explorá-la lentamente, passando pelas
dobras, encontrando cada ponto sensível e fazendo Savannah
gemer e pedir por mais. As mãos dela estão nas minhas costas, a
cintura se move lentamente, usualmente a seguraria firme e a
manteria parada à minha mercê, mas, em vez disso, ela dita o ritmo,
mesmo que eu esteja tentando, ao máximo, lutar por algum controle,
sigo perdendo.
— Malcolm...meu Deus!— ela grita enquanto minha língua
avança dentro dela. A voz de Savannah soa deliciosa, assim como
seu gosto em minha boca. Eu aperto suas coxas com as minhas
mãos. Sugo-a, mordo-a, chupo sem parar até que ela chega ao
orgasmo.— Venha aqui...— ela pede.
Subo e nossas bocas se encontram enquanto as mãos dela
vão para as minhas costas e deslizam por elas, movo meu corpo,
roçando minha ereção nela, o que faz com que Savannah me olhe,
a boca entreaberta, os cabelos bagunçados e espalhados pela
cama.
— Você quer isso? Quer meu pau em você?— pergunto. Ela
acena, concordando. As suas mãos descem mais, puxando a minha
cueca. E então ela move o corpo e olha para baixo, pincelo minha
ereção na entrada dela algumas vezes, lentamente, fazendo-a
gemer.— Camisinha?
— Segunda gaveta da mesa de cabeceira— ela diz, mordendo
o lábio. Me afasto um pouco, fico com a mão na cintura dela,
enquanto a outra abre a gaveta e pega o que eu preciso, e então
Savannah se move para me olhar e estica a mão, pedindo o
preservativo.— Eu faço isso— ela diz.
Gosto disso, gosto da iniciativa dela e da forma gulosa como
olha para o meu pau ereto.
— Eu não acredito que vou dizer isso, mas acho que seu pau
poderia estar em um museu de tão bonito que é.
— Mas aí ele não teria muita serventia, teria?— questiono.
Savannah coloca o preservativo enquanto sorri, concordando
comigo, e então eu puxo suas pernas e coloco a cabeça do meu
pau na entrada dela novamente. Começo a pressionar devagar,
fazendo meu caminho, enquanto ela me encara com uma expressão
que entrega toda sua expectativa e talvez um pouco de tensão. —
Tudo bem?
— Tudo ótimo— ela responde, mordendo o lábio enquanto
prossigo. Me movo com um pouco mais de força e entro nela mais
um pouco, o suficiente para que ela balance os quadris, procurando
por fricção. Decido terminar de uma vez só, e ela solta um grito pelo
movimento inesperado, tão gostoso que quero ouvir novamente,
então saio de dentro dela rapidamente e volto a penetrá-la com a
mesma intensidade do último movimento, o que faz todo o corpo
dela se sacudir.
Continuo me movimentando dentro dela, indo mais fundo, mas
me forçando para garantir que meu peso não seja totalmente posto
nela. A sua boca está na minha orelha, mordendo-a quando
consegue, já que cada novo movimento traz um novo gemido e
novos gritos de prazer.
Inverto nossas posições, ela fica por cima. Toco em seus seios
enquanto ela se movimenta, rebolando por cima de mim, as mãos
espalmadas no meu tórax, as unhas marcando a minha pele.
Mantenho meus olhos nela enquanto ela fecha os olhos, joga a
cabeça para trás e seu corpo se aperta ao redor do meu pau. Ela
está pronta para chegar ao orgasmo, e a eu assisto enquanto a
onda de prazer a domina. Ergo meu corpo e fico sentado com ela
em meu colo, o pau ainda duro dentro dela, o desejo ainda latejando
no meu corpo.
— Acho que meu corpo todo está derretendo— ela diz.
— Não me diga que você cansou.
— Não, claro que não— ela responde e então morde meu
lábio. Savannah move o quadril, e eu lanço meu corpo para cima,
voltando a me mover dentro dela. A sensibilidade dela é incrível.
Beijo-a novamente enquanto aumento a intensidade e depois é
possível que nossas bocas se encontrem pela rapidez com a qual
estou me lançando para dentro dela, fazendo-a quicar em meu colo.
Ela chega a mais um orgasmo enquanto falo no seu ouvido
sobre o quanto a acho gostosa. E então eu também atinjo o ápice.
Não estou nem perto de ficar satisfeito, quero-a novamente, de
outras formas, mas Savannah deita a cabeça no meu peito e
entrelaça nossas pernas, e eu sei que esse é o fim do primeiro
round.
 

 
Acordo, e Malcom já está de pé, parcialmente vestido, usando
calça, mas não com camisa. As costas largas em exibição. Ele está
mexendo na prateleira de nichos que fica no meu quarto, o móvel
está cheio de discos. Observo quando ele retira um dos discos da
prateleira. Seu bíceps se move, e eu penso na noite passada, nesta
madrugada, na forma como ele me fodeu pela segunda vez, na
forma como puxou meu cabelo e nas coisas que me disse. Eu não
esperava que Malcolm Campanelli, controlador e certinho, fosse
tão... violento? Não, esse não é o termo certo, porque, mesmo que
ele seja bruto na cama, ele ainda é, de alguma forma, bastante
cuidadoso. Não sei explicar. Só sei que as minhas pernas estão em
frangalhos e parece que ele ainda está dentro de mim pela forma
como meu corpo está ardendo de prazer.
— Você já acordou...que horas são?
— Sete e meia— ele responde. Malcolm se vira e aponta para
outra prateleira cheia de souvenirs— Porque você tem tanta...eu
não sei o que são essas coisas.
— São memórias.— A prateleira tem copos de shot de
diferentes cidades nos Estados Unidos, itens de cerâmica, canecas
de calouradas na época da universidade, troféus das competições
de líder de torcida.
— Você foi líder de torcida?
— Sim. Por dois anos. Ajudou a pagar a faculdade, líder de
torcidas tinham bolsas parciais— digo, melevantando da cama,
estou sem roupa, mas não me importo, apenas caminho até ele, que
me olha e parece sério demais agora. A forma como ele me olha me
deixa constrangida.— Ainda tenho a roupa em algum lugar se quiser
ver.
— Eu tenho que ir. Tenho uma...
— Reunião. É, seu sei... eu faço a sua agenda.— Pego uma
camisa que está jogada na cadeira da minha escrivania e então me
visto, me sinto menos exposta, menos vulnerável, mas não menos
idiota.— Está tudo bem?
— Savannah, isso aqui...isso foi... eu não deveria ter feito isso.
— Feito isso? Você não fez "isso" sozinho, Malcolm. Eu queria,
você queria e...
— As coisas vão ficar estranhas, e eu precisava que você
continuasse fingindo que... sinto muito, eu não sei no que estava
pensando.
— Malcolm...— digo, tocando seu ombro. Ele me olha.— Está
tudo bem! Eu não estava esperando um pedido de casamento. Foi
só sexo. Apenas isso. Nada precisa mudar.
— Não é tão simples assim, é?
— Claro que é. O que você acha? Que eu vou me apaixonar
por você só porque transamos?— questiono. Espero ter razão,
espero que o sexo tenha simplesmente satisfeito essa vontade
maluca que eu estava de tê-lo e que a partir de agora ele
desapareça da minha cabeça dessa forma e volte a ser apenas meu
chefe insuportável.
— Então você ainda vai me ajudar?
— Claro. Eu não sei por que você acha que isso vai funcionar,
mas claro.
— Como assim?
— Ninguém em sã consciência vai acreditar que estamos
juntos.
— As pessoas já acreditam.
— Não. Elas acham que estamos transando, não que somos
namorados ou coisa do tipo.
— E por que não acreditariam?
— Porque você é você e eu sou eu...
— E o que isso quer dizer?
— Você é esperto, sabe o que isso quer dizer. Não precisa que
eu explique.— Ele veste a camisa e noto seu olhar sondando o
espaço, procurando pela gravata.— Por que você mora em Jersey?
— Porque é mais barato. Eu me mudei para cá no passado
quando fiquei sem emprego— explico. Cruzo o quarto e pego a
gravata dele que está pendurada em um cabideiro.— Aqui.
— Obrigado— ele responde e então passa a gravata pelo
pescoço e faz um nó com uma rapidez impressionante.— Eu preciso
ir. Eu vejo você no trabalho. Você não precisa chegar cedo, na
verdade...
— Por quê? Por que transamos e agora eu posso chegar
atrasada?
— Não. Porque você não é mais minha assistente.
— Como assim?
— Quero que trabalhe com o Roger na análise de dados, como
analista, não como assistente pessoal. A outra assistente pode dar
conta das coisas e depois pensamos no cargo que você vai ocupar.
— Você não pode me promover só porque...
— Não é pelo sexo. Você é competente e provavelmente
melhor que o Roger no trabalho dele, se demiti-lo fosse simples, eu
já teria te colocado no lugar dele pelo simples fato de que é o
melhor para a empresa.
— Todo mundo vai achar que você está me promovendo por
isso.
— Você sabe por que está sendo promovida, isso não
importa?
— Importa, claro, mas...
— Então estamos conversados. Tire o dia de folga, amanhã
você começa, me dê tempo para conversar com o Roger.— Ele abre
a porta do quarto e o acompanho. Ele mal me olha enquanto está
falando.
— Ok, tudo bem — concordo.
— Eu vejo você amanhã.
— Até amanhã, Malcolm— digo, abrindo a porta do
apartamento.
Ele vai embora, e eu me sinto uma idiota. Fico sentada no sofá
enquanto escuto a tranca batendo. Uma parte de mim está triste,
outra está seriamente indignada com Malcom. Eu já fiz sexo casual
antes, já acordei do lado de pessoas das quais quis me afastar o
mais rápido possível, mas nenhuma delas era meu chefe. O que
isso significa?
Merda! Por que eu tinha que dormir com ele? Eu podia tê-lo
afastado e dito que não queria aquilo, mesmo que fosse mentira.
Porque seria uma mentira gigante. Ainda estou inebriada do sexo,
mas, ao mesmo tempo, estou pensando nas consequências. Ficou
claro que, para ele, é só isso, e normalmente seria para mim
também, mas parece que eu não sei lidar com Malcolm da forma
como normalmente lido com outros homens.
Eu passo o dia tentando não pensar em Malcolm. Dou
andamento ao meu projeto de pesquisa, embora não consiga de
fato avançar tanto. Reorganizo a mobília na sala, coloco uma
música, decido que preciso escolher uma cor nova para as paredes,
mas, então, penso em procurar apartamentos em Nova Iorque.
Nada parece bom,considerando os valores, mas, ainda assim,
separo alguns anúncios para olhar novamente com mais calma em
outro momento.
Leio um livro e pesquiso sobre Roger Sand, meu novo chefe.
Ele está na empresa desde que o pai de Malcolm ainda era o CEO.
Deve ser por isso que não é simples se livrar dele, como Malcolm
comentou. Não disse a Malcolm o que Roger acha de mim, seus
comentários ao meu respeito, mas talvez seja melhor assim.
Ligo para Lucy e pergunto se ela quer sair comigo. Ela aceita
e, assim que chego na cidade, vou para o nosso barzinho predileto.
Minha amiga chega vinte minutos atrasada e falando ao telefone,
mas, depois de mais cinco minutos, ela desliga a tela e me encara.
— Como foi?
— O quê?
— O sexo, Savannah. Você só me chamou, não chamou a
Alexa, o que significa que quer falar sobre algo que ela recriminaria,
então, só posso supor que aconteceu alguma coisa com você e o
Malcolm Campanelli, não aconteceu?
— Alguma coisa é um eufemismo. Aconteceram umas mil
coisas diferentes.
— Bartender!— Lucy acena erguendo a mão.— Duas cervejas,
na verdade, esqueça isso, duas doses de tequila.
O homem serve as duas doses e então Lucy pega um dos
copos, e eu o outro, brindamos rapidamente e colocamos o
conteúdo todo para dentro de nossas gargantas.
— Ok, agora estou pronta, pode começar a falar, e não
esqueça dos detalhes.
Conto tudo minuciosamente, sobre a mãe de Malcolm e o fato
de que ele me pediu para fingir que estamos juntos, sobre como ele
chegou na minha casa horas depois e transamos. Lucy não diz uma
palavra até que eu termine e, quando finalmente paro de falar, ela
olha para o bartender e acena novamente.
— Vamos precisar daquelas cervejas agora— ela afirma.— Ok,
eu realmente não sei o que te dizer. Alexa deve ter razão, ele é
maluco de pedra, certo? Primeiro ele inventa essa história e te faz
embarcar... por que você topou mesmo?
— Não sei. Eu acho que fiquei me sentindo mal com toda a
situação. Ele passou a vida toda pensando que a mãe o tinha
abandonado sem se importar, e ela aparece agora dizendo que não
é verdade e está doente. Se fosse a minha mãe, eu estaria um caco
emocional.
— E ele estava?
— Por dentro, com certeza, mas, por fora, não é tão simples
de notar. Houve um momento na sala dele, quando quase me
beijou, acho que ali ele deixou toda a armadura cair e ficou
vulnerável o suficiente para que eu o entendesse melhor, mas você
precisa ver o quão rápido ele se arma novamente, Lucy. É como um
daqueles presídios de segurança máxima totalmente automatizado.
— E falando em "arma"— ela fala, arqueando a sobrancelha
de uma forma safada— Como ele é na cama? Porque, se você me
disser que aquele homem não é uma máquina, eu vou ficar
extremamente decepcionada.
— Ele é. No começo, ele foi mais tímido, mas depois...
digamos só que eu não sei como estou sentada.
— Estou com inveja só de ouvir. Eu preciso de uma foda
decente, boa de verdade, sabe?
— De deixar as pernas tremendo e que te faça ficar excitada
só de lembrar?
— Ok, você não precisa ficar esfregando na minha cara— ela
diz, sorrindo.— Você vai contar a Alexa?
— Vou. Só não sei como, nem quando.
— De uma vez só e o mais rápido possível. Apenas diga, estou
transando com Malcom e fingindo ser namorada dele.
— Não estou transando com ele. Transamos, no passado. Não
vai acontecer novamente.
— Por que ele acha que isso complica as coisas? Savannah,
você é linda, solteira, gostosa, ele também, você acha mesmo que
não vão acabar na cama novamente? Pelo amor de Deus...
— Ele não repete mulheres. — Sei que isso não é verdade, ele
saiu mais de uma vez com uma modelo ruiva meses atrás, mas é
isso que falam dele pelos corredores do trabalho, que ele fode
modelos e que não as repete.
— Ok, então você precisa se proteger.
— Como assim?
— Ele tem armaduras, certo? Tenha as suas. Saia com outro
cara. Transe com outro cara. Não se deixe engolir pela sensação de
estar com ele, principalmente nessa coisa do relacionamento falso.
Coloque uma gaiola ao redor do seu coração, não deixe que ele
entre.
É um ótimo conselho, mas não sei como fazer isso.
— E o que você acha sobre a minha promoção?
— Aceite e ponto-final. É até uma forma de você se proteger,
você vai passar menos tempo perto dele, isso deve ser bom.
— É...— afirmo, incerta. Não acho que seja, mas tento me
convencer do contrário. Se meses atrás a ideia de chegar no
trabalho e ter que falar com Malcolm era algo que eu queria evitar,
hoje o contrário parece impensável. Além disso, não sei Marina
sozinha consegue dar conta do trabalho, ela ainda tem medo de
falar com Malcolm na maior parte do tempo.
— Sabe, ainda estou tentando processar o fato de que ele é
irmão do Alec, sério! Eles são tão diferentes.
— Em tudo — afirmo, tomando um gole da minha cerveja.—
Quer dizer, exceto na teimosia, nisso, eles são muito parecidos.
— Você precisa melhorar sua cara de blefe perto dele, amiga.
De verdade. Porque só de falar no homem você está fazendo uma
carinha de vadia apaixonada.
“Vadia apaixonada” é o termo que Alexa usa sempre que
estamos começando a ficar “caídas” por alguém.

É estranho chegar ao trabalho e não saber muito bem para


onde ir. Nadine me mandou mensagem ontem à tarde quando
soube da minha promoção, não conversei com ela direito, só disse
que foi decisão do chefe e ponto-final. Assim que coloquei meus pés
no andar em que trabalho, senti as cabeças virando na minha
direção. É claro que todo mundo já sabe que não sou mais
assistente pessoal de Malcolm, mas, no momento, não posso lidar
com as impressões alheias sobre a minha vida, pois estou muito
mais focada no fato de que não sei como deveria agir ao encontrar
com Malcolm.
A noite que tivemos ainda está em mim, nas marcas da boca
dele pelo meu corpo, na forma que a minha cama, mesmo depois da
troca dos lençóis, ainda parece ter o cheiro dele. Ou quando, do
nada, eu fecho os olhos e posso sentir como se ele ainda estivesse
me tocando. Não é simples definir se estou sentindo o que sinto
porque é com ele ou se essa sensação poderia ser causada por
qualquer outro homem na construção e acumulação de meses de
tensão sexual.
— Seu novo chefe pediu para que você fosse vê-lo assim que
chegasse.
— Ele já está aqui?
— Amiga, deixe eu te contar um segredo sobre Roger Kinsella,
ele é ruim em todos os aspectos do trabalho dele, mas sempre está
aqui antes da hora. Então, é sempre o primeiro a agir quando há
uma crise. É a forma que ele parece ter encontrado para mascarar a
própria incompetência.
— Como você...
— Eu fui assistente dele nos meus primeiros meses de
trabalho aqui. Se você acha que o senhor Campanelli é
insuportável, ao menos ele não leva nada para o nível pessoal.
Roger leva.
Eu perguntaria como é possível que esse homem continue
aqui, trabalhando nessa empresa há tantos anos, mas sei bem
como as coisas funcionam. Um homem branco e privilegiado em um
cargo de gerência pode fazer mil coisas erradas e, ainda assim, ser
considerado competente, uma mulher não tem as mesmas chances,
principalmente quando é preta.
— Tenha cuidado com ele. Ele acha que há algo entre você e
Malcolm e que essa promoção é puramente reflexo disso.
— Ele disse alguma coisa?
— Disse: “ao menos Peter tinha a decência de não promover
as amantes”, eu lembrei a ele que o senhor Campanelli não é
casado.
— Você disse isso?
— Eu me fiz de desentendida e perguntei: “o senhor
Campanelli se casou? Eu devo estar desatualizada”.
— Quando crescer, eu quero ser você.
— Você? Savannah, você é basicamente Madre Tereza de tão
boa com as pessoas. Não vai querer ser como eu.
Digo que talvez eu precise e então sigo para a sala do meu
novo chefe, que fica na direção contrária à de Malcom, do outro lado
do andar. O setor de dados conta com quatro funcionários, já os
conheço. Todos parecem sinóticos, ou pelo menos pareceram até
hoje. Cumprimento-os e peço para que a assistente de Roger avise
que cheguei e estou à disposição dele. Demora um pouco, mais de
meia hora, e então ele pede para que entre em sua sala. Ele tem
uma sala pequena, com uma vista para a cidade, enquanto a janela
de Malcolm exibe o parque. Há fotos de uma família extremamente
branca com chapéus de sol em um barco, imagino Roger em seu
barco com os filhos, ensinando-os a velejar, nada é mais classe alta
nova-iorquina que isso.
— Sente-se— ele me pede. O homem começa a falar sobre o
setor, a forma como funciona, o fato de que o trabalho é um dos
mais importantes, e eu sei disso tudo, claro, dados são a minha
praia, pesquisas, projeções e levantamentos são o meu dia a dia,
sempre foram.— Temos um jeito de fazer as coisas aqui e eu espero
que você não pense que os seus privilégios fora do setor podem ser
usados aqui dentro.
Privilégios fora do setor. Ele está falando de Malcom?
— Me desculpe, mas o senhor está se referindo ao que
exatamente?
— A sua historinha com Malcolm— ele responde, girando
levemente a cadeira.— Você sabe há quantos anos estou aqui?
Mais de trinta anos. Eu ajudei a construir essa empresa e é bom que
você saiba que, nesse departamento, dança-se conforme a minha
música, não conforme os caprichos de uma... — Ele se interrompe e
me olha. Minha mente tem umas vinte diferentes opções de
xingamentos possíveis, claro, mas ele para de falar, e eu decido
que, seja lá o que ele pretendia dizer, não importa, não de verdade,
o que importa é como eu reajo a isso.
O homem já me detesta porque Malcolm elogiou o meu
trabalho e criticou o setor dele. Agora eu estou sendo agregada ao
setor que ele gerencia e sou, aparentemente, um casinho.
— O senhor tem mais alguma coisa a me dizer? Porque, se
isso for tudo, eu gostaria de começar a trabalhar. É para isso que
estou aqui, afinal de contas.
— Você pode ir. A equipe vai te orientar.
— Claro que vai— respondo, levantando e dando as costas.
Eu me sento na mesa que me foi designada e trabalho. Faço
isso por horas, apesar da óbvia hostilidade de parte da equipe, dos
cochichos e da vontade que eu estou de sair correndo, mas a minha
infância me ensinou a não baixar a minha cabeça, e eu não
pretendo adotar outra atitude agora. Posso passar por isso com
força, como meu pai faria, sem baixar a cabeça, posso fazer isso
com graça, como minha mãe me ensinou.
Estou pronta para sair para almoçar quando a porta do setor é
aberta e Malcolm entra. Todo mundo se move apressadamente,
procurando algo para fazer, como sempre, ele mal olha para as
pessoas ao seu redor. Está olhando para mim, no entanto. Camisa
azul, terno preto, o maxilar rígido.
— Vamos almoçar— ele me diz ao parar do meu lado. Não
digo nada, até abro a boca, mas percebo que o que quero dizer é
muito mais uma tentativa de entender o que está acontecendo, mas
não é complicado, é? Malcolm quer que eu me levante e almoce
com ele, essa parte é simples. O que não é simples é entender
quais as razões. Uma parte de mim, uma parte irracional, acha que
ele está aqui por mim, pela noite passada, mas o resto sabe que
não pode ser isso.
— Claro— é tudo que consigo dizer enquanto me levanto e
pego a minha bolsa. Roger aparece sorridente e aperta a mão de
Malcolm, mas o CEO do grupo Campanelli não está muito
interessado em jogar conversa fora no momento.
— Vamos lá?— ele diz, me olhando, e então abre espaço para
que eu passe primeiro e me segue. Meu rosto está queimando
enquanto caminho é só consigo falar ou respirar direito quando
estamos sozinhos no elevador.
— O que foi isso?
— O quê?
— Ir até a sala e...
— Precisamos conversar. E eu preciso almoçar.
— Simples assim?
— E por que não seria?
— Você...
— Você não queria almoçar?
— Isso importa? Você alguma vez perguntou alguma coisa?
Você só decide e...— Mordo a minha bochecha internamente e paro
de falar. Estou irritada, mas não quero parecer irritada. Não quero
que ele pense que estou assim por causa do sexo, embora talvez
seja exatamente por isso.
— Você mudou de ideia?
— Sobre o quê? — Me pergunto por um segundo se ele está
falando sobre o que aconteceu entre a gente.
— Sobre me ajudar, Savannah.
— Não. Ainda vou ajudá-lo.
O telefone de Malcom toca e ele atende enquanto saímos do
elevador. Um segurança abre a porta principal para mim e então a
porta do carro; em todo esse percurso, Malcom está falando em
francês com alguém. Ele já é ridiculamente sexy, mas assim só
piora. Fica irresistível demais e complica muito a minha libido.
— Como está sendo seu primeiro dia?— ele pergunta para
mim assim que desliga o telefone.— Roger está te tratando bem?
— Já tive chefes piores— respondo, forçando um sorriso.
Malcolm coloca o celular por cima da coxa, observo as pernas
grossas separadas, ele costuma parecer desconfortável, mas hoje
parece bem menos, parece quase relaxado.
— E esse chefe pior seria eu?
— Com certeza o pior de todos. Como foi o seu primeiro dia
sem mim? Apenas com a Marina...
— Já tive assistentes piores— ele devolve, sorrindo. Ele fala
um tempo sobre o trabalho de Marina, destaca alguns pontos. Sinto
que ele está enrolando, que ele quer falar sobre qualquer coisa para
evitar o assunto sobre o qual realmente deveríamos estar falando:
que diabos eu estou fazendo aqui? Porque ele apareceu na minha
mesa me convidando para almoçar como se fosse a coisa mais
natural do mundo. O carro para na frente de um restaurante e a
porta é aberta, Malcolm desce primeiro, depois me ajuda a descer
com seu usual cavalheirismo.
Entramos no local, um restaurante italiano discreto.
— A comida aqui é muito boa— Malcolm diz enquanto
caminhamos. Olho ao redor, não há quase ninguém no restaurante.
Apenas mais duas mesas com casais. Eu me lembro de um
episódio de Sex and The City em que Mr. Big leva Carrie para um
restaurante onde as pessoas levam os pares com os quais não
querem ser vistos. Imagino se é isso que está acontecendo aqui.
Um homem nos guia até a mesa e mal sentamos e já há
alguém nos atendendo.
A garçonete é uma jovem corpulenta de cabelos negros, pele
branca e olhos expressivos. Ela tem um corte de cabelo bem curto e
um sorriso tímido. Malcolm pede um vinho e olha para mim
enquanto pergunta: "duas taças?", eu concordo, talvez um pouco de
bebida seja exatamente o que essa situação estranha demande.
— Você pode trazer o vinho e vamos pedir quando o Giulio vier
— ele informa. Não sei quem é Giulio.
— Claro, o senhor Giulio está vindo— a mulher informa.
Malcolm sorri e diz que o tal Giulio não precisa se apressar, ele
parece à vontade no lugar, o que é surpreendente e fascinante,
nunca o vi completamente à vontade antes. Ele está encostado na
cadeira, a mão por cima do estofado e, mesmo que nenhum fio do
cabelo esteja fora do lugar e o terno tem vincos impecáveis, ainda
assim, ele parece descontraído.
— Por que você está me olhando assim?— ele questiona.
— Assim como?
— Com desconfiança— ele responde.
— Por que estamos aqui?
— Porque eu gosto desse restaurante, é o meu predileto na
cidade.
— Não tem quase ninguém aqui.
— As pessoas não sabem dar valor a nada que não seja...
como é a palavra, instagramável?
— É.— A forma como ele fala me faz querer rir.
— Seu sorriso é muito bonito— ele me diz. Onde está o vinho?
Eu quero gritar agora.
— Malcolm...
— É só a constatação de um fato. Eu gosto desse restaurante
porque minha família tem história aqui. É o lugar em que meu avô,
quando chegou em Nova Iorque, fez sua primeira refeição. Ele não
tinha dinheiro, tinha as terras, mas nenhum dinheiro para explorá-
las. E ele se sentou nesse restaurante com a esposa que estava
grávida e eles planejaram o que iriam fazer. Ele gostava daqui, dizia
que dava sorte. Ele trouxe meu pai diversas vezes, e meu pai me
trouxe. E um dia eu quero trazer o meu filho.
Filho. A ideia embaralha o meu estômago.
— E por que você me trouxe aqui?
— Eu não sei o que você espera que eu responda. Eu te
trouxe porque preciso almoçar e preciso conversar com você
sobre...
— Malcolm Campanelli!— um homem com um sotaque forte
fala, e Malcolm se levanta para abraçá-lo. Nunca o vi abraçar
ninguém. Eles conversam em italiano por alguns minutos e então
estão olhando para mim.
— Belissima!— o homem diz. Ele me dá um beijo no rosto e
segura minha mão carinhosamente enquanto me diz para ficar à
vontade em seu restaurante.
— O que você tem para a gente hoje?— Malcolm questiona.
— Um prato de Amatrice, Bucatini all’amatriciana, massa
fresquinha, tomates, guanciale.
— Parece perfeito— Malcolm afirma. O homem sorri, diz que
vai preparar a comida agora mesmo e então vai embora.— Você
come carne suína?
— Como— é tudo que eu digo.
— Não escolhemos o que comer aqui, Giulio decide. E é
sempre uma delícia. É por isso que vem pouca gente, as pessoas
acham que sabem o que querem e não gostam de...
— De perder o controle— alfineto.
— É.
— Então, como você suporta?
— É uma perda de controle em doses controladas.
Quero dizer que ele parece mais feliz quando perde o controle,
mas o vinho chega e somos servidos, e então eu bebo um grande
gole sem me importar com o protocolo do pequeno gole, cheirar e
tudo mais. Malcolm sempre faz isso quando pede um vinho, ele
nunca bebe muito e parece ter uma boa tolerância ao álcool.
— Marina é adequada— ele me diz. O retorno ao assunto me
pega desprevenida.— A questão é que eu devo estar acostumado
com você.
— Acostumado comigo? Alguns meses atrás, eu era
incompetente.
— Eu nunca disse isso.
— Nunca precisou dizer— argumento.
— Você é uma criatura curiosa.
— Por quê?
— É doce, gentil na maior parte do tempo, mas, quando quer,
tem uma língua muito afiada.
— Eu fiz um curso intensivo com Alexa— brinco.
— Não. Você não parece em nada com a Alexandra.— Ele
toma um novo gole do vinho.— Roger está mesmo te tratando bem?
Eu disse que você era uma adição valiosa ao time.
— Não deveria ter dito, senhor Campanelli. Nem deveria ter
ido até lá.
— É a minha empresa, Savannah. Eu vou aonde bem
entender e digo o que quiser. — Ele soa grosseiro ao dizer isso, e
eu sei que é porque não está acostumado com ninguém
discordando de suas ações.
— As pessoas acham que estamos... dormindo juntos e você
aparecendo lá não ajuda a pôr fim nisso. Uma coisa é mentir para
sua mãe, fingir isso por ela, mas fingir...
— Eu posso te recompensar por isso. Me diga o que você
quer?
— O que eu quero?— questiono, um pouco indignada.
— É. É uma transação de negócios. Me diga o que eu posso
oferecer pelo seu serviço, por fingir ser minha namorada.
— Todo mundo que você ajuda ou que te ajuda é sempre um
processo de negócios?
— Eu não... as pessoas não costumam me ajudar— ele
confessa.— Eu ajudo as pessoas, não o contrário.
— E o que você espera delas quando faz isso? O que você
esperou da senhora Marshall quando pagou a conta do hospital?
— Nada.
— Então você entende o meu ponto, certo? Não é porque você
tem dinheiro e eu não tenho que você precisa me pagar por tudo. Eu
não quero nada. Estou fazendo isso porque você precisa, não quero
dinheiro, não queria esse cargo novo, não...— Estou fazendo isso
porque quero que você fique bem, é isso que tenho vontade de
gritar para ele, porque me importo com você, seu idiota insuportável!
— Eu sinto muito— ele diz, me encarando.— Não queria te
ofender. Eu só queria explicar que as pessoas vão saber que
estamos juntos porque esse fingimento vai precisar sair um pouco
do confinamento do repouso da minha mãe.
— Como assim?
— Ela deve ter mais dois meses de vida, talvez três. E decidiu
que quer aproveitar o máximo desses dias comigo e com Alec, e
com você também...
— Comigo?
— É. Ela quer conhecer melhor a mulher pela qual acredita
que eu estou apaixonado. Se você não puder, se não quiser, eu
posso achar uma forma de explicar ou...
— Tudo bem.— Ok, talvez eu devesse marcar um psicólogo
para mim. Por que estou concordando com tudo isso? Lucy deve ter
razão, eu não sei nem disfarçar o que sinto, sei? Preciso, ao menos,
não mentir para mim mesmo.— Me deixe ver só se entendi: todo
mundo vai achar que estamos juntos?
— Isso. Você, para todos os efeitos, para qualquer pessoa que
interessa saber, é minha namorada. E não diga que as pessoas não
vão acreditar, Giulio disse que você é bonita demais para mim— ele
conta.
— É, eu sou mesmo— digo, tentando não parecer tão chocada
com tudo que acabamos de conversar. E é assim que eu aceito me
jogar de um penhasco e cair em queda livre sem nenhum
equipamento de segurança ou rede de proteção. E, a pior parte,
com um sorriso no rosto.
 

 
— Cuidado!— Alec diz enquanto um dos enfermeiros ajuda
Margareth a sair da cadeira de rodas. Ele é escandaloso, para dizer
o mínimo, mas a mulher parece tão frágil que eu entendo sua
preocupação.
— Está tudo bem, Alec. Eu não vou quebrar, querido—
Margareth afirma.— Obrigada— ela diz ao enfermeiro, o homem se
desculpa comigo e com meu meio-irmão antes de deixar a sala,
embora não haja nada para se desculpar de fato.
— Ele é incompetente— Alec começa a falar, sua voz tem um
tom afobado.— Deveríamos ter procurado alguém com mais
experiência.
— Ele foi referenciado pela enfermeira cirúrgica— afirmo.
Margareth está em casa há exatamente dois dias e conta com
um time de três enfermeiros que se revezam no cuidado com ela.
Na teoria, ela ainda deveria estar no hospital, mas Margareth disse
que, se tem pouco tempo de vida, não pretende passá-lo confinada
naquele lugar.
— Ele é ótimo, Alec. Apenas relaxe, querido. Não é ele que vai
me matar.
— Isso não é engraçado— Alec reclama. Nesses dias de
convívio, a primeira coisa que pude perceber sobre Alec é que ele
tem um jeito descontraído que me lembra muito Arthur, mas que
nada disso vale quando o assunto é a mãe. Ele parece aterrorizado
pela ideia de perdê-la, parece que ele quer se agarrar na barra da
saia dela, como se isso pudesse impedir o inevitável.
— É um pouco, você tem que admitir — Margareth afirma,
sorridente. Ela tem uma risada gostosa, eu tinha esquecido o som
da risada dela, ainda é o mesmo, apesar do tempo, do estado
debilitado em que ela se encontra, é a mesma risada, o mesmo
ritmo, a mesma duração.
— Ele é tenso demais. Eu não sei por que ficou dessa forma.
Foi criado com toda a liberdade do mundo e ainda é extremamente
tenso.
— Talvez seja um traço genético— observo.
— Não. Eu nunca fui assim e, se formos analisar apenas o seu
caso, devo dizer que você não poderia ter herdado isso do seu pai.
Peter era o mais boêmio dos seres humanos.
— Até você ir embora...— digo.— Sinto muito, eu não deveria
falar assim.
— Deveria. É verdade, não é? A minha partida quebrou o
coração e o espírito dele, e ele pegou todo o amor que dizia sentir
por mim, transformou em ressentimento e me manteve longe de
você por duas décadas.
— Como?
— Dinheiro, influência...
— Dinheiro? Você também nasceu numa família rica.
— Que me renegou depois que eu fui embora. Sua avó morreu
meses depois, e meu irmão disse que foi de desgosto pela minha
partida. A minha parte da herança foi colocada em disputa judicial,
porque o meu irmão bloqueou parte dos meus bens, dizendo que eu
não tinha sanidade por ter abandonado a família, depois disso, ele
foi embora dos Estados Unidos, porque disse que a vergonha era
grande demais.
— Eu não fazia a menor ideia, sinto muito. Meu pai nunca
disse essas coisas, ninguém disse. Eu sei que meu tio mora na
Grécia, devo tê-lo visto duas ou três vezes em toda minha vida
adulta, mas ele nunca toca no seu nome.
— Meu irmão me enterrou em vida. Seu pai também, mas não
o culpo, ele estava magoado. Peter nunca me entendeu, se ele
tivesse me entendido de verdade, saberia que dinheiro não importa,
nunca importou. Se ele tivesse tentado me ouvir, em vez de trazer
diamantes sempre que brigávamos, talvez nossa história fosse
diferente.
— Exceto pelo fato de que você não o amava.
— Isso não é verdade, eu amei seu pai. Eu só não conseguia
ser feliz com ele. Às vezes, o amor machuca, Malcolm. E, quando
isso acontece, há duas coisas que precisam ser feitas, ou você
transforma esse amor em um tipo saudável de sentimento, o que é
muito difícil, ou se afasta dele.
— Então você se afastou?
— Eu pedi o divórcio ao seu pai e solicitei sua guarda, então
ele garantiu legalmente que eu não pudesse ter acesso a você.
Eram outros tempos, final dos anos 90, ele tinha toda a
procuradoria, promotoria e até amigos no supremo. Seu pai podia
parecer de bem com a vida, pouco preocupado com os negócios,
mas ele tinha um talento nato para as relações pessoais. Ele sabia
fazer amizade com as pessoas certas da forma certa e sempre
colecionava favores, metade dessa cidade devia alguma coisa a ele,
e ele sempre cobrava quando necessário. E eu, ao contrário dele,
sempre fui mais reclusa, eu era a ovelha negra e pouco equilibrada
da minha família, foi fácil para ele e meu irmão me pintarem como
instável, e seu pai realmente parecia acreditar que fosse o caso.
— Como assim?
— Ele não entendia que eu estava infeliz. Ele achava que uma
mulher que tinha um marido como ele, a riqueza, as festas, as
viagens... que essa mulher tinha tudo e que não precisava de nada
mais. O que mais eu poderia querer além disso? Ele me perguntava
isso o tempo todo. Todas as nossas brigas eram uma repetição
cansativa do fato de que eu não tinha razões para estar infeliz. Se
não fosse por você, eu teria ido embora anos antes e, se eu
soubesse que não poderia mais te ver, eu não sei se teria partido.
— Eu sinto muito— é tudo que consigo dizer. Ela me chama
para perto, e eu me sento ao seu lado. Margareth passa a mão no
meu rosto. É estranho esse contato, mas não reclamo.
— Eu preciso me desculpar, todos os dias, pelo resto dos dias
que me faltam. Eu sinto muito, querido. Sinto muito por não estar
presente, por não ter consigo chegar até você. Eu te ligava...
— Era você?
— Sim.
— Na época da faculdade em Londres e... agora
recentemente?
— Sim. Eu ligava e ouvia sua voz. Eu não tinha coragem de
falar.
— Eu nunca cogitei essa possibilidade. Eu tinha tanto rancor
que nunca... sabe, chega disso, não vamos mais pedir desculpas
um ao outro.
— Você não precisa me perdoar, Malcolm, não se não quiser.
— Eu quero. — E é verdade, quero mesmo. Ela está
morrendo, eu posso lidar com o resto depois, só quero conhecer um
pouco da Margareth, criar alguma memória boa, além dos meus
primeiros anos de vida.— Não vamos mais falar disso.
— Acho que ainda temos que falar disso, querido, mas
podemos deixar para depois— ela diz, tocando a minha mão
novamente.— Você vem jantar?
— Venho. Tenho que ir, tenho uma reunião, mas venho para o
jantar como combinado.
— E a Savannah?— ela questiona, a menção do nome de
Savannah me leva para um lugar que não posso permanecer, então
simplesmente retorno, estou no controle, sempre estive.
— O que tem ela?
— Não vai convidá-la?
— Ah... claro. Posso convidá-la, ela acabou de assumir
funções novas no trabalho, não sei se vai poder vir— digo, tentando
desconversar.
Conversei com Savannah sobre isso, sobre nosso fingimento,
ainda assim, estou evitando colocá-lo em prática por razões óbvias.
Me parece estranha a ideia de que ela não quer nada em troca, e eu
sinto que, se isso não for transacional, pode ser um problema.
Preciso encontrar uma forma de recompensá-la por isso, uma forma
que não a faça sentir que estou fazendo isso por culpa de ter
transado com ela. Estou evitando, conscientemente, pensar sobre o
sexo em si. O que eu sei é que, no momento em que acordei ao
lado de Savannah, sabia que cometi um erro. Eu podia ouvir a voz
de Alexa me dizendo para não a machucar, podia ouvir minha
própria consciência me recriminando por não pensar com a cabeça
certa naquele momento. Isso não é o comum, não é assim que eu
faço as coisas, e eu só posso culpar a descarga emocional do
reaparecimento e todas as notícias relacionadas a Margareth. Seja
como for, naquele momento, eu soube que precisaria agir como se
nada tivesse acontecido, caso contrário, a situação sairia do meu
controle.
Qualquer outra mulher teria ficado ofendida, mas Savannah
parece boa demais para o próprio bem. Ela continua me tratando
bem, sendo gentil, continua aceitando me ajudar, embora a ideia em
si seja absurda. Fingir que somos namorados para não desapontar
uma mulher que foi embora décadas atrás. O que eu preciso provar
a Margareth? É claro que a opção de dizer a verdade também não
parecia boa no momento. O que eu poderia dizer? "É, você tem
razão, eu não me relaciono a longo prazo com ninguém e, sim,
talvez seja parcialmente culpa sua?"
— Traga-a, diga que eu insisto se for preciso. Você se
incomodaria de ligar para ela agora e me deixar fazer o convite?—
ela pede.
— Não, claro que não.— São nove da manhã, o que significa
que Savannah já está no trabalho. Na sua nova sala, do outro lado
do prédio, distante da minha. Eu tenho passado menos tempo na
empresa do que o usual, ainda assim, a ausência de Savannah
como minha assistente não passou despercebida. Ela não era a
melhor das assistentes, a verdade tem que ser dita, mas eu
confesso que aprendi a gostar da forma gentil que ela tem de ser
insistente, do fato que ela continuava me desejando um "ótimo dia",
mesmo quando eu não respondia nada.
A ligação chama duas vezes e então é encerrada. Ela desligou
na minha cara? Estou prestes a ligar novamente quando ela me
manda uma mensagem: “Você está me ligando como meu chefe ou
como meu falso namorado? Se for o segundo caso, estou em
reunião com Roger, sinto muito”.
Ligo novamente, não gosto de mensagens. E então, dessa
vez, ela atende dizendo "Olá, senhor Campanelli".
— Oi...— Linda? Querida? Amor? Qual o termo de carinho que
eu deveria usar? Tudo soa estranho. Quando ela me chamou de
baby, foi por pura provação, sei disso, também não gosto de “baby”.
— Margareth quer falar com você...
— Sua mãe?
— É. Vou passar o telefone para ela, tudo bem?
— Eu..., claro, tudo bem.
As duas falam no telefone brevemente, seja lá o que Savannah
disse após o convite, isso fez Margareth sorrir. "Obrigada, querida,
eu te vejo mais tarde", ela disse antes de me devolver o celular. Me
despeço de Margareth e estou indo para o trabalho quando vejo
Alec no jardim da casa fumando.
— Não sabia que fumava— digo.
— Não fumo. Quer dizer, é um hábito recente. Quando fico
nervoso.— Ele bate a carteira do cigarro no joelho e me olha, a
embalagem parece praticamente vazia.— O problema é que eu
tenho estado frequentemente nervoso nos últimos tempos.
— Ela sabe?— questiono, mencionando Margareth.
— Não. Claro que não— ele dá uma risada sem graça—, ela
me bateria. Ela acha que eu sou criança.
— Não deve ser fácil esconder isso sendo famoso.
— Eu só fumo em casa. Então digo que alguma outra pessoa
fez isso, o jardineiro, um entregador... No Brasil, ela encontrou uma
ponta de cigarro, e eu disse que o vizinho tinha jogado por cima do
muro. — Ele ri novamente, mas o sorriso morre rapidamente.
— Deve ser difícil enfrentar tudo isso — digo enquanto ele dá
outro trago no cigarro.
— É difícil para ela. Não sou eu quem estou morrendo.
— Não. Pelo menos não literalmente. É uma pergunta
potencialmente idiota, mas vocês já procuraram outros
especialistas? Tratamentos experimentais?
— É tarde demais— ele diz.— Ela demorou a descobrir o
câncer, e ele já tinha se espalhado. Acho que ela estava triste
demais com a morte do meu pai para perceber os sinais. É irônico,
não é? A perda de um pode ter levado a perda do outro.
Meu pai morreu do dia para a noite, sem aviso, e eu sempre
senti que ele sabia e me escondeu, que ele sabia que estava doente
e não me disse por que achava que eu não poderia lidar. Então
consigo entender a sensação de impotência dele, embora Alec
esteja passando por algo muito mais duro. Nunca vou saber o que
significa ver a pessoa que eu mais amo no mundo desaparecendo
dia após dia, mesmo que eu viva tudo isso com Margareth daqui
para frente, não é a mesma coisa. Ainda não consigo vê-la como
minha mãe, não de verdade. Não consigo sentir tudo que
supostamente deveria. Não sei o que dizer a Alec, a conversa
tomou um rumo tenso e desconfortável. Alec apaga o cigarro e me
encara.
— Essa coisa de não ser fácil esconder nada é algo que
preciso falar com você, as pessoas estão comentando sobre você e
eu andando juntos, então em breve vai sair alguma coisa sobre
termos um caso, e não seria a primeira vez que questionam a minha
orientação sexual, ou vão inventar qualquer outra mentira.
— Seria a primeira vez para mim, mas você não faz meu tipo.
— É, você prefere morenas com sorrisos gentis.
— É. Prefiro.
— Minha assessoria já recebeu algumas perguntas sobre o
assunto, você foi visto saindo do hospital, eu fui visto deixando a
sua empresa, e... eles também querem notícias sobre o que há de
errado com a minha mãe, estão tentando descobrir isso há meses.
— Diga que você tem uma linha de joias masculinas em
diamantes.
— Parece absurdo.
— As pessoas acreditam em coisas absurdas.
— Então você não quer que saibam que somos... que você é
filho da minha mãe?
— Você quer que as pessoas saibam?
— Não sei. É estranho.
— Peça para a sua assessoria de imprensa entrar em contato
com a minha, vamos decidir algo formal. Eu tenho que ir, Alec.
Preciso voltar para o trabalho.
O resto do meu dia envolve contratos para assinar, reuniões
internas e, como se isso não fosse o suficiente, há Arthur. Meu
primo entra na minha sala no final da tarde, mesmo depois da
tentativa da assistente pessoal de impedi-lo, nenhuma assistente
pessoal parece capaz de pará-lo, nem mesmo a senhora Marshall
conseguia quando ele estava realmente disposto a me perturbar.
— Você vai mesmo continuar chateado comigo? Eu fiz o que
considerei necessário fazer e veja os efeitos, você e sua mãe estão
conversando, se aproximando.
— Não é sobre isso— digo, impaciente. Eu olho para a janela
antes quebrada.— Eu explodi a porcaria de uma janela com uma
cadeira, Arthur. Você deveria ter me contado, ter tentado me
convencer a falar com ele e não simplesmente armar para que ele
entrasse aqui.
— E você teria me ouvido? Vamos mesmo fingir que isso é
verdade? Você não escuta ninguém além de si mesmo, Malcolm.
Você precisa estar sempre no controle de tudo.
— Se eu disser que te desculpo, você vai embora e me deixa
em paz?
— Isso é um ótimo exemplo, eu vou voltar para o trabalho, falo
com você quando estiver menos disposto a ser idiota— meu primo
diz, afastando-se.
— Arthur...— chamo-o de volta.— Sinto muito, eu sei que você
tinha boas intenções.
— Tinha, eu sempre quero o melhor pra você, Malcolm. Você é
a minha família.
— Eu sei, sei que você quer o melhor pra mim e eu também
quero o mesmo pra você— admito.— Vamos apenas esquecer isso,
tudo bem?
Meu primo sorri e então senta-se na cadeira de frente para a
minha mesa.
— Então, você e a Savannah...
— Não é de verdade, estamos... ela está me ajudando com a
minha mãe.
— Claro, vocês vão acabar na cama— ele diz.
Se ele soubesse que isso já aconteceu, eu não teria mais paz.
Não conto nada, não quero que ele comece com suas projeções
mirabolantes. Arthur é louco para ter sua própria família, ele é o cara
da cerca branca com crianças correndo e o resto.
— Você quer vir jantar com o Alec e a Margareth hoje?
— Adoraria, mas eu marquei de sair com o Dan, mas me
convide novamente, eu vou gostar de rever a sua mã... a Margareth.
— Claro— afirmo.
Vou para a casa de uma amiga de Savannah buscá-la para
jantar. Lucy, uma loira que já me lembro de ter visto antes, embora
não saiba muito bem onde, mora em um pequeno apartamento em
Parkchester, no centro do Bronx. Encontro duas pessoas no local
além de Savannah, a própria Lucy e um homem loiro que está de
regata no meio da casa, ajudando Savannah com alguma coisa em
seu vestido. É exatamente essa cena que me recebe quando Lucy
abre a porta.
— Conseguiu?
— Acho que consegui— ele diz, sorrindo.— Você está...
— Está pronta?— questiono. Savannah me olha e sorri
acenando, e o sorriso sozinho é como entrar no mar e ser acertado
por uma onda.
— Obrigada, Brad. Você é um anjo — ela diz, beijando e
tocando no ombro dele.
O homem me olha e então desvia o olhar. Estendo minha mão
para Savannah, que está usando um vestido azul-celeste, ela fica
ainda mais bonita usando essa cor, é a minha cor predileta.
— Você está bonita— digo quando nos movemos em direção
ao carro.— Diferente.
— Esse é o único vestido não colado no corpo que eu tenho.
Não quero que a sua mãe pense que eu sou vulgar — ela me diz.—
E você não está nada mal.
Ela caminha, e eu observo suas pernas no vestido. Estou
pensando nela nua, no monumento que essa mulher é. Quando
descemos do carro na frente da casa de Alec e Margareth, eu estico
minha mão para receber a dela.
— Pronta para isso?
— Não sei se há como ficar pronta para algo assim— ela
responde, cautelosa, enquanto pega a minha mão.
— Apenas seja você mesma, você tem uma boa
personalidade, as pessoas parecem gostar de você imediatamente.
— Isso não é realmente verdade.
— A maioria das pessoas então, você deveria me retirar da
norma, Savannah, eu não sou uma boa pessoa.
— Não vou nem discutir isso com você— ela afirma,
parecendo não concordar com o que estou dizendo.
Entramos na casa e então a porta é aberta, somos recebidos
por Margareth em uma cadeira de rodas, com um vestido amarelo,
lenço na cabeça e um sorriso nos lábios esbranquiçados.
— Você está linda!— ela diz a Savannah enquanto minha
“namorada” se abaixa para cumprimentá-la. Alec aperta minha mão
e, em seguida, estou falando com Margareth enquanto ele abraça
Savannah. Noto-o olhando para as pernas dela quando Savannah
passa seguindo a anfitriã, bato em seu ombro.
— Eu agradeço se você parar de olhar dessa forma para a
minha namorada— implico. Ele fica meio sem jeito, mas
rapidamente se recupera.
— Estou só pensando como um cara feito você conseguiu uma
mulher assim.
O jantar segue tranquilo, Savannah é doce, gentil, divertida.
Ela responde às perguntas de Margareth sobre sua vida antes de
me conhecer. As duas sorriem, fazem piadas.
— E ele é sempre sério assim?— Alec questiona enquanto
falam sobre mim. Savannah me olha de lado, um sorriso no canto
dos lábios.
— Ah, ele é. Ele é sempre muito sério. Até com quarenta graus
de febre e delirando ele consegue ser sério— ela conta. Aquele
momento é uma confusão na minha cabeça, eu não consigo
discernir a realidade dos sonhos que estava tendo.
— Quando era um garotinho, ele ficava manhoso quando
estava doente, mas era o único momento, de resto, sempre foi
independente.
— Ele ainda fica manhoso quando está doente, isso e, claro,
um pouco ousado— ela comenta, sorrindo.
— Ele é bom com você?
— Ele é muito bom comigo— Savannah responde e coloca a
mão sob a minha—, Malcolm pode até não parecer um doce, mas
definitivamente é.
Alec, que está tomando um gole do seu vinho, quase se
engasga, eu também tenho minhas descrenças quanto ao que está
sendo dito.
Margareth pede para que Alec toque algo no piano quando
terminamos de jantar, e ele toca lindamente.
— Quer experimentar, querido?— a mulher loira questiona, me
olhando com expectativa.
— Você toca piano?— Savannah questiona, me olhando.
— Não, não mais. – Não é verdade, mas eu não quero tocar
aqui, e estranhamente não quero que Margareth saiba que ainda
toco, tocar era a única coisa que me conectava a ela, a única coisa
que mantive.
— É uma pena, porque ele tocava bem— Margareth afirma.
— Não tocava, eu mal conseguia acertar as músicas simples.
— Você toca alguma coisa, Savannah?— Alec questiona.
— Novilho, isso serve?— Ela sorri.
— Você toca o quê? — Alec questiona, sem entender.
— Gado, sei tocar o gado de um lugar para outro e nada mais.
Não consigo imaginar a cena dessa criatura fazendo isso,
tocando gado. Savannah parece delicada demais para tal tarefa,
mas a verdade é que eu não a conheço direito.
— Eu cresci numa fazenda, cercada por mais fazendas.
— Deve ter sido uma infância divertida— Alec diz.
— E foi— ela responde, sorrindo.
Savannah pergunta se pode ir ao banheiro antes de sairmos, e
Alec mostra o caminho. Margareth e eu ficamos em silêncio, é um
tanto constrangedor, há muitos silêncios entre a gente, mesmo que
ela tenha bastante a dizer, mesmo que ela tenha iniciado conversas
difíceis e importantes, há ainda muito silêncio.
— Você não precisa se preocupar, Malcolm— Margareth diz
— Com o quê? — pergunto sem entender.
— Com ela, com a Savannah. Com a nossa proximidade. Eu
sei como é a sensação de querer proteger alguém que você ama de
uma parte do mundo que pode ser danosa, meus pais foram assim
com relação ao pai de Alec, mas eu prometo que Savannah nunca
vai receber de mim nada, além de afeto.
É a primeira vez que me sinto mal pela mentira, por estar
enganando com esse relacionamento que não existe, mas também
sei que me sentiria pior se dissesse a verdade.
Savannah retorna e se despede de Margareth e Alec, e então
eu faço o mesmo. Entramos no carro, e ela está calada,
normalmente eu gosto do silêncio, mas Savannah não é uma
pessoa calada e, por alguma razão, seu silêncio me incomoda.
— Está tudo bem?
— Isso...esse fingimento, você acha que Deus condena isso
ou acha uma coisa boa?
— Eu não sou uma pessoa religiosa, Savannah— conto.
Nunca tive essa vivência, meu pai veio de uma família católica, mas
ele mesmo nunca se importou com religião, na verdade, pelo que
sei de sua vida, talvez ele não coubesse nos dogmas de uma
religião, nunca ouvi falar da igreja do viciado em trabalho e mulheres
do sétimo dia.— O que eu sei é que as pessoas somatizam
sentimentos, culpa, desapontamento quando estão doentes, e eu
não quero que aquela mulher piore por achar que eu...
— Eu sei. Sei o que você acha de si mesmo— ela me diz,
parecendo chateada comigo.
— E não concorda.
— É. Não concordo. Claro que não concordo.
— Se isso for demais pra você, eu posso...
— Não. Está tudo bem. Eu só...ela é tão adorável e, bem,
nenhuma outra mãe de um namorado, falso ou não, foi tão
acolhedora comigo.
— Você já teve outros falsos namorados?— questiono,
implicando com ela. Ela acena a cabeça e franze o nariz, noto que
fica adorável assim. "Você entendeu o que eu quis dizer”, ela diz.
O carro para na frente da casa da amiga de Savannah e então
a porta está sendo aberta por um dos seguranças.
— Savannah... quando eu estava doente, aquilo sobre eu ser
“ousado”, eu beijei você? Porque, às vezes, eu tenho impressão de
que isso aconteceu, mas eu estava delirando e...
— Beijou, mas...
— Sinto muito. Deus, eu sinto muito. Você deveria ter me dito
e...
— Malcolm...— ela diz, tocando a minha mão.— Está tudo
bem. Não precisa se desculpar, você estava doente e delirando.
Ela se afasta e sai do carro, e então ela se abaixa um pouco e
me olha.
— Além disso, você beija bem, mesmo quando está delirando
— ela me diz, sorrindo, e então vai embora.
Vou para casa pensando nela, no sorriso atrevido que ela me
deu antes de ir embora, na sua boca. Depois de um banho, me deito
na cama e fico pensando no jantar. Uma família feliz e sorridente,
compartilhando histórias, nunca pensei que teria isso, e então me
dou conta de que estava certo, tudo isso é temporário e/ou falso.
Savannah não é minha namorada, Alec e eu não somos próximos, e
estamos longe disso, Margareth está morrendo. Eu quero me
agarrar na fantasia e na duração desse momento, mas preciso
manter meus pés no chão e ser objetivo, tenho que estar no controle
e não esquecer que tudo isso vai, inevitavelmente, acabar.
 

 
— Você bateu sua cabeça ou coisa assim? Isso não vai
terminar bem— Alexa diz enquanto caminha pela sala de seu
apartamento. Ela está usando um dos terninhos de trabalho, os
cabelos estão trançados e ela tem essa postura de ataque que
poderia ser apenas seu modo advogada acionado, mas é mesmo
parte de sua personalidade.
Alexa, quando está nervosa, come, então assisto-a atacando
uma das fatias de pizza na mesa de centro. Lucy achou que marcar
uma noite das garotas era a melhor forma de contar para Alexa
sobre o meu falso namoro com Malcom e, claro, sobre a parte nada
falsa do sexo que fizemos. Chegamos mais cedo que Alexa no
apartamento, eu bebi um pouco para aliviar o meu nervosismo e a
tensão dos últimos dias, Alexa entrou em casa há uns vinte minutos
e a primeira coisa que eu disse quando ela passou da porta foi: "Eu
dormi com o Malcolm". Dá para perceber pelo fato de ela estar me
recriminando não recebeu a ideia muito bem, certo?
— Não tem a menor chance de que você não se apaixone por
ele— Alexa argumenta depois de engolir um pedaço da pizza.
— Você não pode afirmar isso.
— Posso, e digo mais...Eu acho que você gosta de causas
perdidas. Sério!
— Ele não...— quero dizer que ele não é uma causa perdida,
mas o problema aqui é maior—, eu não gosto de causas perdidas,
Alexa.
— Não? Evidência A: Harry, no segundo ano de faculdade,
com todos os problemas dele com os pais. Evidência B: Júlio, o bad
boy em processo de regeneração que levou minha jaqueta de...
— Cinco mil dólares...— Lucy interfere, e então começa a
gargalhar.— Você precisa superar o roubo dessa jaqueta e, no
processo, seria bom se pudesse aprender a deixar que a gente
cometa nossos erros, Alexa.
— Uma coisa é errar, outra é repetir um comportamento pouco
saudável. Malcolm, por sinal, é o pior de todos. Você sabe as coisas
que falam dele?
— Como assim?— Lucy questiona.
— Ele é violento, as pessoas falam disso.
— Ele não é violento— digo, irritada.— Você pode dizer que
ele é chato, que parece estar sempre certo e que não gosta de ser
contrariado, tudo isso é verdade, mas ele não é uma pessoa
violenta. Eu o conheço.
— Nesses longos o quê? Quatro...cinco meses? Você não
conhece o cara só porque dormiu com ele. Você não sabe no que
está se metendo com esse fingimento, você vai se apaixonar, e o
Malcom, bem, eu diria que ele o coração dele é gelado, mas, para
isso, eu teria que acreditar na ideia de que ele tem um coração. Ele
já era estranho e retraído antes da mãe ir embora, depois disso, se
tornou maluco e controlador. As pessoas acham graça porque ele é
rico, branco e bonito, então ele é excêntrico.
— Eu amo você, Alexa, mas você precisa parar de pensar que
ter dinheiro significa ser horrível— Lucy diz.
— Bom, sabe do que mais? Vai lá, Savannah, continua com
esse circo, quando ele partir o seu coração, porque é isso que vai
acontecer, não vem chorar comigo, pois eu vou fazer questão de
falar que avisei.
— Alexa...— Lucy começa a dizer, mas eu a interrompo. Eu
poderia dizer a Alexa que é melhor ter meu coração partido do que
viver com medo o tempo todo, do que me fechar para o mundo e
acabar na ponta contrária, como a pessoa que machuca os outros,
porque é exatamente isso que ela faz. Não é só ela que poderia
coletar e citar evidências de um comportamento que não é
saudável, mas o que ela está me dizendo não me afeta da mesma
forma como tais coisas a afetariam, e então eu apenas decido que é
hora de ir.
— Está tudo bem, Lucy. Alexa já deixou claro o que acha e é
um direito de ela ter esses sentimentos, não acredito que ela
devesse me dizer isso dessa forma, de qualquer forma, na mesma
lógica, é um direito meu decidir que não quero mais ouvir isso—
digo, me levantando do sofá e pegando minha bolsa.
— Savannah...— Lucy tenta argumentar, mas não quero ouvir
mais nada. Abro a porta, saio e tudo que escuto é Lucy
questionando: "Viu o que você fez?".
Eu nunca briguei com Alexa antes, nunca mesmo. Nem
quando nos conhecíamos havia pouco tempo e eu ainda estava me
acostumando com seu comportamento e atitude fatalista. Eu pego a
barca e volto para casa chateada. Ignoro uma ligação de Malcolm,
não posso lidar com ele no momento, só quero ficar sozinha um
pouco, pensar.
Quando chego no trabalho no dia seguinte, a assistente
pessoal de Malcolm me enche de perguntas. Ela precisa saber
sobre documentos para reuniões e mais uma série de coisas, paro o
que estou fazendo, deixo meu trabalho de lado e vou ajudá-la, afinal
de contas, ela não teve muito tempo para lidar com a minha
transferência.
— Ele está aqui?— questiono enquanto mostro a ela quais as
pastas com cada tipo de arquivo e como estão organizados.
— Está.— Ela parece receosa ao me responder.
— O que você não está me dizendo?— questiono. Para os
olhos dessas pessoas, desde os últimos dias com a série de fotos
minhas e de Malcolm saindo em sites de fofoca, todos acham que
estamos mesmo juntos. Nadine está furiosa comigo por não ter
contado nada e, ao mesmo tempo, animada por ser, como ela disse,
"amiga do babado do chefe". Não sei qual parte disso tudo é pior. As
pessoas me olham estranho na empresa, ou Malcolm achando que
tudo isso é "normal".
— O que ele está fazendo?— Abro a agenda, e não há nada
marcado.
— Ele pediu para não ser incomodado.
— Apenas me diga quem está lá.
— Eu não quero me meter em problemas.
— Marina...
— Ok, ok... ele está na sala com aquela modelo que estava na
capa de uma revista de fofoca com ele alguns meses atrás.
Estou numa sinuca de bico. Não posso ficar indignada porque,
se ficar, significa que estou cobrando algo que não tenho direito de
cobrar, mas, aos olhos de Marina, eu tenho, sim, esse direito, ou
algum direito, já que estou dormindo com ele.
— Faz muito tempo que estão lá?
— Uns vinte minutos, talvez mais.
Malcolm não transaria com alguém no escritório dele,
transaria? Não seria nada profissional, e ele é sempre tão sério no
trabalho. Se bem que aqui é o lugar perfeito nas circunstâncias
atuais, ele pode fazer isso sem paparazzis fazendo fotos. Alguns
dias atrás, fomos fotografados deixando a casa de Alec, e isso
obviamente se tornou fonte de muitas especulações.
— Diga a ele que eu estive aqui assim que ela sair— peço e
então pergunto se posso ajudá-la com algo mais.
— Não, obrigada, Savannah. Você não vai dizer que eu contei
que...
— Não. Não se preocupe.
Vou trabalhar e tento manter meu foco nisso. O departamento
de Roger é mesmo uma bagunça, e não é culpa da empresa de
Albert que as coisas não funcionem bem por aqui, os dados
chegam, as pessoas é que parecem pouco interessadas em fazer o
que precisa ser feito.
— Essa é a projeção mais longa?— questiono durante uma
reunião do departamento. O grupo me olha como se eu tivesse feito
uma pergunta absurda.
— Trabalhamos com metas bianuais— o coordenador do setor
explica. A minha expressão de estranheza deve ficar muito clara,
porque, em seguida, ele pergunta se eu tenho um problema com
isso.
— Eu não quero interferir na forma como as coisas são feitas,
mas uma empresa sem big data hoje é uma empresa tateando no
escuro. As projeções deveriam ter, pelo menos, uma visão de cinco
anos. Isso permite reajustar os investimentos e entender os
processos.
— Fazemos isso— uma das analistas diz, temos o mesmo
cargo, a equipe é enxuta, são três analistas, uma coordenadora e
Roger, como diretor do setor. Não gosto de falar mal do trabalho
alheio, mas Roger parece alguém que não entende muito do próprio
setor. Ele pode até ser habilidoso do ponto de vista geracional da
coisa, mas não com a especificidade do campo.
— Me desculpe, mas não é isso que esses relatórios mostram.
Além disso, falta análise de indicadores-chaves de desempenho, os
KPIs, dados inventariais, mensuração dos resultados de marketing.
O conteúdo que chega aqui é composto por dados grossos não
tratados e...
— Deixe-me te interromper aqui— Roger me diz com um tom
bastante imponente.— Vamos conversar na minha sala.— E se
levanta, e eu faço o mesmo, sigo-o até sua sala e ele me encara. O
homem não se senta, apenas se aproxima da janela e põe as mãos
nos bolsos da calça.— Há quantos dias você está aqui?
— Alguns meses...
— No meu setor. Há quantos dias?
— Uma semana.
— Então por que você acha que pode chegar aqui e tentar
mudar tudo?
— Me desculpe, eu não pretendia soar arrogante ou coisa do
tipo, então, se estiver passando essa impressão, gostaria de me
desculpar. A questão é que o setor performa abaixo do...
— Você está fazendo novamente. É como se você pisasse no
meu pé e continuasse pisando enquanto pede desculpas. Eu decido
como as coisas são feitas aqui, e você pode achar que, por estar
dormindo com o Malcolm, tem...
Esse é um péssimo dia para me cutucar. Minha vida já está um
caos, minha melhor amiga está brava comigo, o homem pelo qual
estou possivelmente me apaixonando, apesar do meu melhor
julgamento, está recebendo mulheres em sua sala, e agora eu nem
mesmo posso fazer meu trabalho sem que minha vida pessoal – ou
que as pessoas supõem dela – se torne um problema.
— O que o senhor acha de mim como pessoa não pode
infectar o meu lado profissional, o que eu tenho com Malcolm é
minha vida pessoal, e isso só diz respeito a nós dois, a ninguém
mais. E talvez você acredite que eu vou me intimidar e não
comentar nada, porque, sei lá, acha que somos apenas um casinho
sem consequência, mas, seja como for, se ficarmos juntos por
apenas dez dias ou por dez anos, você ainda precisa me respeitar
enquanto profissional. Caso contrário, ele vai ficar sabendo disso, e
não me refiro a Malcolm como o cara com quem eu durmo, para
usar o seu vocabulário, mas ao CEO desta empresa, pelo simples
fato de que esse comportamento é abusivo e absurdo.
Roger me olha com uma expressão muito pouco preocupada
pelo que estou dizendo.
— Você vai dizer o quê? Que eu não quis ouvir suas ideias?
Você é minha funcionária, eu escolho quais das suas ideias são
válidas. Vai dizer que eu não te dei atenção especial? Porque
parece que é isso que você espera justamente pela sua relação com
o CEO da empresa. Faça isso, e eu espero que a sua relação com
Malcolm dure o resto da vida, embora duvide, considerando a visita
que ele recebeu hoje, de qualquer forma, é bom que saiba que eu
conheço cada empresa nesse ramo e posso te queimar em cada
uma delas, vai ser minha missão pessoal.
— Ao menos o senhor encontraria um propósito na vida,
porque ele não está atrelado à análise de dados.
Levanto-me da sala e simplesmente volto para a minha mesa,
mas, enquanto faço isso, Roger está irritado atrás de mim, falando
sobre a minha insolência e, parado no meio do conjunto de estações
de trabalho, está Malcolm.
— O que está acontecendo aqui?— ele pergunta.— Posso
saber por que você está gritando com ela?
— Campanelli...
— Senhor Campanelli— Malcolm corrige.— Você era amigo do
meu pai, não é meu amigo. Não misture as coisas ou esqueça sua
posição aqui.
— Senhor Campanelli...— As palavras parecem cortar a
garganta dele.— Essa mulher não está se adequando ao trabalho
no meu setor.
— A senhorita Armstrong, não "essa mulher"— ele corrige. A
maioria das pessoas fica com o estômago gelado de confrontar
alguém, como eu fiquei agora pouco ao dizer aquelas coisas para
Roger, mas Malcolm, se sente isso, esconde muito bem porque o
rosto dele é impassível.
— O senhor pode confirmar com qualquer pessoa do restante
da equipe sobre o comportamento pouco colaborativo da senhorita
Armstrong. — Ok, agora meu estômago deu uma volta e cubos de
gelo se reviraram dentro dele. É claro que qualquer um dos
funcionários de Roger vai concordar com ele.
— Ela quer mudar a forma como fazemos as coisas como se...
— a coordenadora começa a dizer, mas o olhar frio de Malcolm a
interrompe.
— Você é um diretor, não é?— ele questiona a Roger.— Então
por que eu preciso conversar com os seus colaboradores, como se
isso aqui fosse um pátio de escola? Eu converso com você depois.
— Malcolm me olha sério e então diz: — Venha até a minha sala.—
E eu me levanto e sigo-o.
Todos nos olham por onde passamos, Malcolm fica do meu
lado, meu ombro bate em algum ponto do braço dele em algum
momento e eu não sei o que fazer com as minhas mãos, então, ele
pega-a e entrelaça os nossos dedos.
— Vamos deixar que falem com algum fundamento ao menos
— ele me diz. Aceno concordando, mas mal consigo olhar
lateralmente e ver as expressões das pessoas. Malcolm abre a
porta da sala para mim, e eu passo, depois ele entra e tranca a
porta.— O que ele te disse? E eu quero que você conte do começo,
não só a parte de hoje.
— Ele não me disse nada, Malcolm.
— Eu sei que você não gosta de criar problemas para os
outros, mas você precisa me contar o que está acontecendo ou não
posso proteger você.
— Não quero que me proteja— respondo.— Não quero que o
meu trabalho desapareça e as pessoas só vejam o fato de que...
que só vejam você.
— Então vamos tentar outra coisa. Se você fosse uma
consultora externa falando do setor para mim, o dono da empresa
que te pagou para avaliar tudo, o que você diria?
— Que você precisa de mais pessoal, de equipe especializada
em cada área de análise de dados por tipo de uso e que não há
nada de errado com os dados da Miller.
— Então o problema é o Roger?
— Não é isso que estou dizendo— afirmo. Eu sei o que você
deve estar pensando: "porque essa idiota não conta logo tudo para
ele?", ok, veja bem, se eu contar, Malcolm Campanelli vai: 1) demitir
aquele homem e terá sido por minha causa, é isso que as pessoas
vão acreditar e é isso que Roger vai espalhar e isso o coloca como
um CEO que age por emoções, e ele odiaria ser visto assim, além
disso, eu não quero essa responsabilidade na minha cabeça; 2)
dizer que precisamos de uma forma de dialogar e que Roger é um
ativo importante para a empresa, e isso me deixaria irritada com
Malcolm, me faria vê-lo de outra forma, e não quero que isso
aconteça, gosto dessas lentes que vão em um espectro de bêbada
de tesão a, possivelmente, completamente apaixonada com as
quais vejo-o. Não quero mais falar desse assunto.— O que você
estava fazendo trancado com uma modelo na sua sala?
— Você vai falar sobre qualquer coisa para mudar de assunto,
não é?
— Não é só isso. As pessoas estão comentando sobre a sua
visita matinal. Não é fácil ser a funcionária que dorme com o chefe e
mais complicado ainda é ser a funcionária que dorme com o chefe e
escuta que está sendo traída.
— Eu não estava...estávamos tratando de um trabalho.
— Por que você foi atrás de mim? O que estava fazendo lá na
sala?
— Quero te avisar que temos um compromisso.
— Um compromisso?
— É, um evento para o qual tenho que ir, seria estranho se
você não fosse, considerando que as fotos vão sair nas colunas
sociais e minha...e a Margareth...
— Ok.
— Então você vai?
— Pelo que entendi, você não me convidou, você apenas me
avisou, certo?— Ele me olha com uma expressão curiosa, como se
estivesse avaliando a minha complexidade, tentando ler alguma
coisa além do meu tom, e isso faz meu estômago se mover
novamente, mas dessa vez é uma sensação boa, uma sensação
que eu conheço bem: desejo.
— A festa é amanhã e um estilista vai te vestir para ocasião.
— Eu posso escolher minhas roupas— digo, cruzando os
braços. Malcolm se aproxima de mim como uma raposa sorrateira
em um galinheiro. Nesse momento, as palavras de Alexa fazem
algum sentido, eu sou uma presa fácil para ele, ou pelo menos devo
parecer. Ele sabe como me olhar, como me tocar, o que me dizer
para que eu perca a estrutura.
— Sabe, Savannah, por mais que eu ache... interessante— a
pausa diz muito, seus olhos também— a sua escolha de roupas, a
festa de amanhã é um tipo de festa muito particular e você vai
precisar de um vestido adequado. E você pode, sim, escolher, não
quero que fique desconfortável, mas precisa fazer isso no lugar
certo. Ele vai te receber hoje às 16h, não se atrase.
— Devo voltar ao meu trabalho?— digo, engolindo seco, estou
me esforçando ao máximo para não colocar minhas mãos no
casaco do terno dele e simplesmente beijá-lo, porque é isso que eu
quero.
— Não. Eu e o Roger temos muito o que conversar, você pode
ajudar a Marina até a hora de ir? Ela parece um pouco perdida sem
você. Existem algumas coisas que eu passei a gostar da forma
como você fazia. Quero que a atualize nisso.
— Ou talvez você só goste de contrariar suas assistentes,
atormentá-las— implico. Malcolm sorri e acena a cabeça
negativamente. Quando estou saindo, ele me chama de volta e
então se aproxima e tira algo do bolso, um pequeno envelope de
papel rígido.
— É um acesso ao meu quarto no Ritz, você pode dormir lá
hoje e amanhã depois da festa.
— Eu posso ficar na casa da minha amiga— digo. Não vou
para a casa de Alexa, e a casa de Lucy é cheia demais, mas posso
conseguir me arrumar por lá.
— Eu insisto...— ele me diz. Malcolm abre a minha mão e põe
o envelope nela.— Sei que isso tudo é maluquice, como você gosta
de dizer, e, também, sei que é difícil para você, mas quero que saiba
que eu sou muito grato por tudo.
Toda a chateação que estava sentindo vai embora e se
esvazia com esse gesto. Eu aceito o envelope com o cartão do
quarto de hotel e então vou ajudar Marina.
— Rob Law é a melhor coisa que a moda contemporânea
gerou— Lucy diz, sorrindo enquanto estamos sentadas em um sofá
mais confortável do que a minha cama no ateliê do tal estilista que
Malcolm arranjou.— E sabe o melhor? Ele veste estrelas de cinema
e diversas celebridades. Não acredito que você está tendo um
momento de transformação. Não que você precise disso, mas eu
estou adorando.
— É, dá pra notar— digo, gargalhando.
Rob Law aparece e estou surpresa com o fato de que é um
homem negro com longos cabelos lisos e um amplo sorriso no rosto.
Ele me pede para ficar de pé, e eu me sinto como aquela
protagonista de O diário de uma princesa, sendo avaliada, mas, ao
invés de dizer como eu estou inapropriada, ele apenas me diz que
vai ser fácil trabalhar comigo.
— Você é linda, tem uma ótima altura e um corpo fantástico.
— Eu digo isso a ela todos os dias— Lucy afirma, sorrindo
enquanto aceita uma taça de champanhe.
— Eu estou um tanto nervosa— confesso.— Não quero me
perder nisso tudo, não quero terminar vestida em algo que nunca
usaria ou que não se pareça com o meu estilo.
— Querida, quero que confie em mim. Então digo confiar
cegamente, mas confie para saber que eu quero que você se sinta
você mesma e que fique confortável, me fale um pouco do seu
estilo, coisas que você gosta, o que não usaria nunca...
Falo com ele sobre o que gosto de usar, nada com muito
brilho, cores mais sóbrias, eu cresci usando muito rosa, muito
amarelo, minha mãe é uma mulher branca de uma cidade do
interior, ela gosta de tons claros, babados, eu gosto de preto, verde-
militar, marrom, tons frios.
O homem escolhe alguns modelos de vestidos e vai me
mostrando. Experimento alguns deles, nunca tive problemas de ficar
com pouca roupa na frente de ninguém. Alexa diz que é porque eu
cresci numa fazenda, Lucy diz que é porque eu tenho um corpo
muito bonito e não fico consciente demais sobre isso. Ela se acha
magra demais, Alexa acha que as coxas são muito grossas. Eu
cresci ouvindo que sou perfeita exatamente como eu sou, talvez a
afirmação constante da minha mãe tenha esse feito.
— O que acha desse?— Rob questiona, mostrando uma peça
amarela com algumas pedrinhas na saia. É bonito, mas parece
infantil demais, solto demais.
— Eu prefiro vestidos que se moldem ao meu corpo— afirmo.
Alguns dos vestidos são lindos, mas não parecem combinar
comigo, outros são coisas com as quais me sinto ridícula, e então
ele me mostra um vestido verde-oliva, uma só alça, trançada. O
tecido é fresco e confortável.
— Ok, acho que temos um vencedor!— Rob afirma, me
olhando com uma expressão avaliativa.
— Ela ainda nem vestiu!— Lucy fala.
— É, mas note a forma como ela olhou para ele, uma mulher
deve olhar para um vestido da mesma forma que a pessoa que a
ama vai olhar para ela quando vê-la usando tal vestido.
— Ah...seu che...Malcom vai adorar— Lucy diz, sorrindo
maliciosamente.
— Não acho que ele se importe tanto assim com isso.
— Se importa— uma das assistentes de Rob diz.— As
modelos que ele envia aqui...aí!— Noto que Rob deu um cutucão na
garota, que entendeu seu deslize.
— Por que você não vai separar alguns pares de sapato?—
ele pede à garota, que desaparece pelo corredor.
— Não precisa se incomodar, eu estou a par do passado do
Malcolm.
— Posso confessar uma coisa? Ele nunca ligou antes. Ele
nunca me ligou pessoalmente para pedir que ajudasse uma
acompanhante a se vestir. Você deve ser especial— ele diz
enquanto me ajuda a entrar no vestido.
— Claro que é! Ela é namorada dele— minha amiga afirma
como se me defender fosse necessário.
O vestido tem um corpete e, acima dele, há um caimento do
decote, as alças são finas e cruzam nas costas, deixando muita pele
exposta, mas, ainda assim, eu me sinto bem. A saia é a parte que
eu mais gosto, ela preserva muito de como eu gosto de me vestir.
Além do vestido, há uma bolsa, um par de saltos finíssimos, e ele
me mostra ainda algumas opções de cabelo e maquiagem.
— Eu posso fazer isso sozinha, sabe?— digo, encarando-o. Eu
sempre fiz meu cabelo sozinha, seja deixá-lo liso, trançar, usar com
cachos soltos, eu aprendi muito pequena, porque a minha mãe tem
milhões de qualidades, mas ela não é uma mulher negra, nem tinha
nenhuma que pudesse orientá-la em como cuidar dos meus
cabelos, foi meu pai quem me disse o que fazer, do jeito meio
desajeitado dele, se lembrando das coisas que aprendeu vendo as
irmãs cuidarem dos próprios cabelos.
— Não duvido que possa, mas um look como esse precisa do
cabelo certo e da maquiagem certa.
— E joias? O que você tem em mente?— Lucy questiona, nem
me dando chance de dizer mais nada sobre o assunto.
— Não vai ser necessário— é tudo que Rob diz.
— Aquela bolsa custa mais de vinte mil dólares— Lucy diz
enquanto estamos comendo pretzels e caminhando pelas calçadas
Avenida Lexigton.— E eu nem consegui encontrar o valor do vestido
no catálogo on-line da Valentino.
— Não me diga o preço, vai me deixar mais nervosa, nem dos
sapatos ou, quando os calçar, vou ouvir o valor a cada novo passo.
— Lucy está rindo com a boca cheia de comida enquanto escuta
isso.
— Você deveria aproveitar esse momento com mais vontade,
sabia? Você vai para uma festa incrivelmente exclusiva.
— É um evento beneficente, Lucy.
— Vai usar um vestido incrível e vai estar acompanhada de um
homem gato.
— Que não é meu namorado de verdade.
— Essa atitude negativa é muito alexiana, você a deixou te
afetar demais. Sabe que ela só quer seu bem, não sabe? O resto é
besteira. Ela vai perceber que agiu como idiota e se desculpar, você
vai ver.
— E se eu for a idiota?
— Bem, você tem direito de ser idiota sobre a sua vida, ela não
tem de te julgar. Você sabe que eu amo a Alexa como se fosse uma
irmã, mas é justamente por isso que estou te dizendo que ela
exagerou e vai voltar ao bom senso em algum ponto, pode confiar.
— Você é otimista demais, Lucy— digo, sorrindo enquanto
abraço-a.— Quer passar a noite comigo no Ritz?— digo, mostrando
o cartão.
— Sério que ele te colocou em um hotel?
— Isso é muito Uma linda mulher com Um príncipe em minha
vida.
— Como você é boba!— digo em meio às nossas risadas.
Terminamos a noite tomando vinho, comendo pipoca e vendo
filmes. Estou ansiosa para a noite seguinte, além das festas nas
quais já fui a trabalho, nunca estive em algo tão sofisticado, e nunca
estive como acompanhante de alguém como namorada. Estou
imaginando a forma como vão me olhar, sinto isso no trabalho,
olhares de pena e olhares de inveja, são sempre esses dois
sentimentos que capto. Pena por estar sendo, provavelmente,
usada por um homem que não vai levar isso para frente; inveja do
fato de que estamos juntos, mas, acima de tudo, estou ansiosa para
simplesmente estar perto de Malcolm.
 

 
— O que Vanessa Beaton estava fazendo aqui?— Arthur
questiona depois de entrar na minha sala sem aviso, como costuma
fazer. Marina está logo atrás, se desculpando e tentando deixar
claro que avisou que ele não deveria entrar sem ser anunciado,
apenas acenando concordando e então peço que ela volte para sua
sala.
— Às vezes eu sinto que estou preso em um loop temporal,
você entra aqui sem ser anunciado, uma assistente entra e se
desculpa, você finge que não vai mais fazer isso e então tudo se
repete.
— É uma coisa boa, considerando que você gosta de
previsibilidade— meu primo diz, sentando-se na cadeira em frente à
minha mesa. Ele cruza a perna por cima do joelho e então me
encara com uma expressão analítica.— Não tente desviar o
assunto: as pessoas só falam de você e Savannah nessa empresa
nos últimos dias e agora estão falando de como você está
recebendo uma mulher com a qual já se relacionou publicamente.
— Então eu devo satisfações aos meus funcionários sobre as
pessoas que recebo na minha sala? Minha vida privada não está
aberta para debate, e eu gostaria que isso fosse respeitado e não só
por estranhos, mas pelo meu primo também.
— Mas você deve satisfações a uma pessoa em particular, ao
menos, a Savannah esteve aqui agora pouco, enquanto você estava
de papo com a modelo.
Savannah não ficaria chateada com isso, ficaria? Ela sabe que
não temos nada de verdade e... quer merda estou pensando? Claro
que não ficaria.
— Você se lembra da parte em que esse relacionamento é
falso, certo? Eu não devo explicações a Savannah ou a ninguém.
— Não deve? Tem certeza de que isso tudo ainda é
fingimento?
— Eu saberia se não fosse.
— Duvido que seja verdade— ele responde—, de qualquer
forma, você saindo da casa dela de manhã na semana passada foi
o quê? — ele questiona, sorrindo maliciosamente. Arthur se inclina e
coloca o celular na minha mesa, na foto, estou nas escadas do
prédio de Savannah, a única vez que fui até lá foi na noite que
dormimos juntos, aquela foto foi tirada na manhã seguinte. Eu sei
que as pessoas tiram fotos quando me reconhecem em algum lugar,
meu nome sempre esteve nas colunas sociais, mas isso é um pouco
demais.— O gato comeu sua língua?— ele provoca, sorrindo.
— Ok, dormimos juntos uma vez, não foi...— Não foi nada
demais? Foi. O sexo foi, com certeza, algo demais, eu não me sinto
confortável pensando no que aconteceu, nem compartilhando isso.
Não sou o tipo de homem que gosta de compartilhar detalhes
íntimos, nem mesmo na adolescência achava que isso parecia
certo. Aqueles garotos cheios de hormônios comentando os corpos
das garotas com as quais saiam, como elas beijavam, o que
estavam dispostos a fazer. Imagino se homens adultos ainda fazem
isso, ainda seguem comentando tais coisas, mas não tenho amigos
além de Arthur, não me sento em mesas de bares para falar de
mulheres ou de qualquer coisa que não sejam negócios e política.
— Não foi o quê? — ele questiona.
— Não é da sua conta. Você pode, por favor, deixar isso para
lá? Eu sou adulto, e sei o que estou fazendo.
— Sabe mesmo?
— Sei. Claro que sei.
— Tudo bem, então não está mais aqui quem falou— ele
começa a dizer, levantando-se da cadeira—, quer dizer, tem só mais
uma coisa...
— Claro que tem, com você nunca é uma coisa só, é?—
questiono, movendo os meus olhos do rosto dele para a tela do meu
computador rapidamente, há dezenas de relatórios que preciso
olhar, tenho que lidar com diversas outras questões.
— Você sabe que tem um evento amanhã, não sabe? Vai ser
homenageado na fundação de Artes de Nova Iorque pelo seu
fomento.
— Eu odeio essas coisas— afirmo.
— Eu sei que odeia, por isso só estou avisando hoje, te dá
menos tempo de fugir do país e fingir um compromisso inadiável.
Deveria ir e exibir sua namorada ou talvez a modelo que saiu daqui
mais cedo.
— Ok, já que você não vai deixar o assunto em paz, a Vanessa
queria falar comigo sobre trabalho. Ela precisava de um favor, e eu
concordei em ajudá-la. Somos amigos, suponho— digo, um tanto
incerto. Não sei se somos mesmo amigos, mas talvez possamos ser
a partir de agora. Não o tipo de amizade como a que Savannah tem
como Alexa, ou a que tenho com Arthur, mas, ao menos, a
camaradagem de algo que acabou bem, como o que tenho com
Elizabeth. Não nos vemos com frequência, mas, quando nos vemos,
é sempre bom, sem estranhamentos. Talvez esse seja o tipo de
amizade que funciona para mim.
Meu primo vai embora, eu faço algumas ligações e então eu
vou ao encontro de Savannah, poderia chamá-la na minha sala,
mas, se ela esteve aqui antes, suponho que não queria retornar,
considerando todos os olhares. Passo pela mesa da recepção do
andar e vejo duas funcionárias conversando em tom de segredo, me
aproximo da mesa e bato levemente a minha mão no granito do
tampo.
— Incomodo vocês?— questiono. As duas mulheres se
entreolham, uma delas é negra, corpulenta, cabelos curtos e
crespos, a outra tem traços asiáticos, é baixinha e tem o nariz bem
pontiagudo. Já as vi centenas de vezes, mas nunca consigo gravar
nomes, então recorro aos seus crachás de identificação: Nadine e
Anne Li.
— Não, senhor Campanelli— Nadine diz, soando nervosa.—
Só estávamos...
— Falando da minha vida pessoal como a maioria aqui tem
feito nas últimas semanas?
— Não, senhor— Anne Li afirma.
— Deixe que seja conhecido que as próximas pessoas que eu
encontrar cochichando pelos corredores vão ser demitidas a critério
de exemplo e agradeçam por não ter sido vocês.
— Sim, senhor— elas respondem.
O que encontro na sala do departamento de dados é
Savannah em pé, no meio da sala, enquanto Roger está aos berros.
Meu primeiro impulso é me aproximar de Savannah, mas resisto-o e
então pergunto o que está acontecendo. Coloco Roger em seu
devido lugar, lembrando qual sua tarefa como gestor e o fato de que
não pode falar com Savannah daquela forma. Parece pouco, algo
dentro de mim ainda está irritado com ele. Volto com Savannah para
minha sala, não era o plano inicial, mas agora parece o adequado,
ela não parece muito bem, está irritada talvez comigo, isso não fica
tão claro para mim.
Ela se nega a me falar sobre Roger e seu comportamento,
mas eu sei que há algo de errado. Imagino que ele esteja sendo
desagradável, para usar um grande eufemismo, com ela por minha
causa. Não insisto, se ela não quer falar, não posso forçar isso,
além disso, há outras formas de saber. Conto a Savannah do
evento, e ela me diz que eu nunca peço nada, mas que sempre
comunico. Deve ser verdade, estou acostumado a apenas dar
ordens e quanto às mulheres, bem, qualquer outra teria apenas
ficado feliz com o convite.
Assim que Savannah sai, eu peço para que Roger venha até
minha sala. O homem aparece cinco minutos depois da convocação
com uma expressão irritada.
— Sente-se, precisamos conversar.
— Quero ela fora da minha equipe— é a primeira coisa que ele
diz, ainda está no processo de sentar-se enquanto as palavras
estão saindo de sua boca.
— Me diga o porquê— questiono calmamente.— Se tiver um
bom argumento, pode demiti-la.
— Ela não tem respeito pelo meu trabalho.
— E qual o indicativo disso?
— Ela chegou no setor há uma semana e acha que pode
avaliar as coisas e indicar problemas.
— Deixe ver se entendi o seu argumento: eu a enviei para
melhorar o setor, e ela está fazendo exatamente isso, ou, ao menos,
tentando, e então a senhorita Armstrong sugeriu algumas
mudanças, e você não lidou bem com isso. Entendi tudo?
Roger é branco, muito branco, até seus cabelos estão
esbranquiçados, mesmo que ele ainda tenha um ar jovial, mas,
nesse momento, seu rosto está totalmente vermelho.
— A senhorita Armstrong não vai a lugar algum. Encontre uma
forma de aproveitar a inteligência dela, e talvez seu setor deixe de
ser o único performando abaixo da média.
— Senhor Campanelli...
— Foi uma boa conversa, Roger. Agora eu gostaria que você
retornasse ao trabalho. Pedi para que a senhorita Armstrong tirasse
o resto da tarde para refletir, e vou pedir que você faça o mesmo.
— Eu deveria pedir demissão...
— Está pedindo?— questiono.— Use esse tempo para decidir.
Indico a porta, e ele caminha até ela. Quando está com a mão
na maçaneta, chamo seu nome, e ele olha para trás.
— Ah, quase esqueci: não sei o que disse a ela, mas o meu
relacionamento pessoal com a Savannah não é o que determina sua
permanência na empresa, e, sim, sua competência. Se souber que
usou isso contra ela, não vai precisar pensar sobre a sua demissão,
eu mesmo vou lidar com isso.
Eu já saí com algumas das mulheres mais bonitas do mundo,
mas a visão de Savannah em um vestido verde de alças finas e com
uma abertura de um lado das pernas me deixou boquiaberto. Estou
parado na porta da suíte do quarto do hotel, olhando para ela, e não
sei o que dizer.
— O que há de errado?— ela questiona, me olhando.— Fiz
alguma coisa... Rob queria ficar aqui até você chegar e garantir que
tudo estaria no lugar, mas eu queria ficar sozinha um pouco.
— Não, não há nada de errado. Você está perfeita — digo,
tentando ter um pensamento coerente enquanto olho para ela. Entro
no quarto e então fecho a porta atrás de mim, Savannah respira
fundo e seus seios sobem no decote do vestido, não é uma peça
decotada, mas é tão justa que eles parecem... ok, eu preciso parar
com isso agora mesmo, isso não é comum.
— O que é isso na sua mão?— Savannah pergunta. Estou
segurando uma caixa preta, revestida de camurça externa e
internamente, é uma versão antiga dos cases em que vendíamos
nossas peças duas décadas atrás. A versão atual é muito mais
bonita, com a logo da empresa e um design digno das peças que
carrega. Entrego-a para Savannah, que abre a caixa enquanto me
olha de lado, eu gosto da sua expressão de desconfiança, mesmo
que ela tenha certa ingenuidade. Dentro do case, há um colar de
diamantes com esmeraldas.
— Você quer que eu use isso?— ela questiona, espantada.
— Não me diga que não gosta de diamantes
— Não é isso, mas eu não posso usar algo assim.
— Por que não?
— Eu vou perder, quebrar ou sei lá o que...
— Savannah, você está indo nessa festa como a namorada do
dono de uma das maiores companhias de diamantes do mundo, não
pode estar numa festa dessas sem um diamante.
— Você não tem noção do que está me pedindo, tem? Isso
custa mais do que...— Ponho minha mão em seu ombro, e
Savannah para de falar e então me encara.
— Se a sua única objeção for danificar a joia, gostaria que
usasse. Savannah, eu não me importo com quanto custa, nem se
você perder, quebrar ou qualquer outra coisa. Então, por favor,
apenas levante o cabelo e me deixe colocá-lo em você.— Caminho
para perto de um grande espelho, e então ela se aproxima
lentamente e levanta o cabelo com cuidado para que eu coloque o
colar em seu pescoço.
Fico atrás dela, perto demais, a pele da nuca exposta, me
tentando. Passo as minhas mãos pela cabeça dela e então
posiciono o colar um pouco acima do decote.
— Gosta assim?— questiono. Meu olhar encontra o de
Savannah no espelho e então ela acena positivamente, e eu
trabalho no pequeno fecho da peça. Meus dedos tocam seu
pescoço e há um movimento de relaxamento do corpo dela que não
me passa despercebido.— E então?
— É lindo. Sério. É o colar mais lindo que eu já vi. – Os dedos
dela tocam nos diamantes na estrutura do colar, cuidadosamente
cravejados. Savannah se vira e ergue um pouco a cabeça para me
olhar.
— Você é linda, o colar é só um complemento— digo.
— Malcolm...— Ela engole em seco depois de dizer meu
nome, como se estivesse tentando decidir se fala ou não alguma
coisa.— Você...— Ela para de falar e se inclina, seus lábios
encontram os meus, mas não me movo, quero fazer isso, mas não
posso, não posso me envolver dessa forma.
— Não vamos misturar as coisas— digo.
— Eu achei que...
— Vamos para a festa— afirmo. Savannah coloca a mão nos
lábios e os olhos se esquivam dos meus, ela me pede desculpas, e
isso faz com que eu me sinta terrível.— Não é você, sou eu... eu
não posso fazer isso.
Savannah se afasta, e eu faço o mesmo, então ela vai ao
banheiro e leva exatamente quatro minutos e vinte e sete segundos
para retornar, sei por que conto cada segundo, impaciente e me
maldizendo pelas minhas ações.
— Eu estou pronta para ir— é tudo que ela diz quando retorna,
descemos no elevador, entramos no carro, chegamos na festa, e
Savannah não fala nada. Antes de descer do carro, eu toco em seu
braço.
— Eu sinto muito, eu não queria te ofender ou... você não
precisa entrar se não quiser, eu posso inventar uma desculpa para a
Margareth.
— Não. Eu me deixei levar pelo momento, não deveria ter te
beijado, Malcolm. Me desculpe. Além disso, eu disse que faria isso,
que manteria essa farsa pelo tempo necessário, e eu não vou voltar
atrás nisso.
— Obrigado, Savannah— é tudo que consigo responder.
A festa é exatamente o que se esperaria de algo do tipo. A
curadora do centro de artes, Cindy, é uma mulher loira que deve ter
a mesma idade que Margareth, ela era amiga do meu pai. Peter
Campanelli adorava o título de patrono das artes em Nova Iorque.
Claro que isso também significa menos impostos, mas acho que,
para ele, havia um prazer da ordem do orgulho mesmo. Meu pai era
um homem orgulhoso, ele tinha orgulho da empresa, da esposa, do
filho. Era esse homem meio super-herói, divertido – todo mundo
perto dele estava sempre feliz, todo mundo, exceto Margareth.
Agora eu percebo a complexidade da coisa toda. Margareth estava
infeliz por razões que iam além da minha compreensão infantil.
Cindy acena para um dos fotógrafos que se aproxima e faz
dois registros, um meu com Savannah e outro em que estamos com
Cindy.
— É um prazer recebê-lo, querido. Vi que está lindamente
acompanhado— Cindy afirma. — Se incomoda se eu fizer uma foto
só com ele?— questiona a Savannah.
— Não, claro que não— ela diz, se afastando um pouco.
Depois da foto, noto Cindy olhando para Savannah da cabeça aos
pés, mas seus olhos focam no diamante.— Linda peça, acho que foi
um presente para a sua falecida mãe, não foi?
— Ela não está morta— respondo. Não é a primeira vez que
alguém supõe que Margareth faleceu, mas eu nunca corrigi ninguém
antes.
— Nossa, me desculpe, Malcolm. Eu não... eu realmente achei
que...
— Não se desculpe, por favor. Você não tinha como saber,
Cindy— digo, forçando um sorriso. Não sei se acredito nela, mas
que diferença isso faz?— Me deixe apresentá-las, Savannah, essa é
Cindy, curadora do centro de artes e uma amiga da família; Cindy,
essa é Savannah, minha namorada.
— É um prazer— Savannah diz, estendendo a mão. Cindy é
menos formal e recebe-a com um abraço.
— O prazer é todo meu, querida. É um feito e tanto ter
conquistado o coração desse homem, sabia? Metade da festa está
olhando para você por isso— ela conta, sorrindo.
— Não a assuste, Cindy— digo, tocando na cintura de
Savannah. Ela coloca a mão por cima da minha, cruzando-a no
estômago, e as pontas dos nossos dedos se tocam. Penso no beijo
que não tivemos mais cedo. Por que essa mulher continua cavando
espaço dentro da minha cabeça dessa forma? Porque o meu corpo
responde tão rápido ao dela, mesmo contra o meu bom senso? Foi
um milagre que eu não tenha a beijado, que não tenha subido minha
mão por esse vestido, tocado na sua pele macia. Droga!
— Eu vejo você em breve. A homenagem vai ser simples,
como você prefere. Arthur foi bem claro quanto a isso— Cindy
afirma, me trazendo de volta à realidade.
Cumprimentamos mais algumas dezenas de pessoas,
apresento Savannah a todas elas, algumas são mais simpáticas do
que as outras e sei bem quais dessas pessoas estão fingindo.
Arthur aparece depois de um tempo e se junta a nós.
— Você está deslumbrante— ele diz a Savannah, que sorri e
agradece. Os dois conversam enquanto eu estou falando com uma
senadora cuja campanha ajudei a financiar. Martha é uma força da
natureza, tem projetos importantes e, se eu aprendi alguma coisa
com meu pai, é que ter amigos nos lugares certos é a melhor coisa
possível.
— Soube da situação do Congo— ela me diz.— Como as
coisas foram resolvidas?
— Estamos mudando um pouco a produção por lá. Já
desativamos uma parte da principal mina, e estamos realocando os
trabalhadores em minas em outras partes do país. Além disso,
vamos inaugurar uma oficina de designer e uma loja por lá, os
profissionais estão sendo capacitados.
— Uma saída tão elegante quanto a sua marca— a senadora
me diz.— Tem alguém que gostaria que conhecesse, tem alguns
minutos?
— Claro— respondo. Olho para Savannah e Arthur, que estão
rindo de alguma coisa, ela parece bem com ele, talvez melhor do
que comigo. Imagino que olhar para mim no momento não seja algo
que a deixe confortável, não depois do hotel. Sei que, a longo prazo,
eu fiz a coisa certa, mas, a curto prazo, essa situação inteira é uma
droga, principalmente quando estou começando a achar que estou
me enganando.
A senadora me apresenta a um candidato a deputado,
democrata, jovem, negro, o homem é descrito por ela como o futuro
do partido.
— Queremos renovar os assentos— ela me diz sorrindo.
Renovar. Arthur estava certo, eu gosto de previsibilidade, não de
renovação, mas, se eu posso me juntar a ele agora, financiar a
campanha, entender onde ele se posiciona com relação às questões
que me interessam, bem, isso é renovação dentro de uma ordem do
previsível. Gosto da ideia. Ele está falando com uma paixão sobre
política e, quando escuta sobre o Congo, tece elogios, esses elogios
deveriam ser para Savannah, não para mim. Procuro por ela,
olhando para o lugar em que a deixei com Arthur, e nenhum dos
dois está lá.
— Uma funcionária extremamente valiosa me convenceu a
olhar novamente para a questão, se não fosse por ela, acho que
teríamos optado pela saída mais simples, mas isso deixaria muita
gente desamparada— afirmo.
— Preciso de gente assim na minha campanha— ele diz,
sorrindo.
— É, não duvido que precise, e talvez ela possa ajudar no
tempo livre— digo, deixando claro que ele não deveria nem sonhar
em tentar roubar minha funcionária.— Ela é, por sinal, minha
acompanhante e eu já a negligenciei demais, então, se me derem
licença...
— Claro, foi um prazer, senhor Campanelli.
— O prazer é todo meu. Pegue o contato da minha assessoria
com a senadora, vamos conversar— afirmo.
Não encontro Savannah, mas encontro Arthur. Meu primo está
com uma taça de champanhe na mão, conversando com duas
mulheres e fazendo-as sorri. Quando eu olho para ele, eu imagino
que estou sendo sugado no tempo para uma época que nem
mesmo vivi: imagino meu pai, o mesmo senso de estilo, o mesmo
senso de humor, a maleabilidade com as pessoas.
— Boa noite— digo, interrompendo-os—, onde está a
Savannah?
— Ela disse que precisa de um pouco de ar, então a deixei
numa das varandas, acho que a primeira da esquerda.
— Ela estava bem? Estava chateada ou coisa do tipo?
— Ela parecia bem, mas ela gosta de mim, eu sou agradável,
então... — Eu olho para ele sem paciência e meu primo se
interrompe e então se afasta das moças.— O que você fez?
— Nada. Eu não fiz nada.
— Ali está ela...— ele diz. Me viro, e Savannah está no meio
do salão conversando com Albert Miller, que está olhando para ela
como se fosse uma sobremesa.— Sabia que Miller me mandou
mensagem depois daquele jantar em que falamos sobre o contrato
da empresa dele? Ele queria o telefone da Savannah.
— E você deu?— Minha voz sai um pouco rosnada, estou
ultrajado com a informação. Quem ele pensa que é?
— Não. Claro que não.
— Ele provavelmente queria me irritar.
— Ou sair com uma mulher linda— Arthur diz.— Você é um
tanto egocêntrico, sabia? Acho que não tinha notado isso antes.
Você acha mesmo que ele iria querer sair com ela para te atingir?
— Não sei. Claro que ela é linda, mas há dezenas de mulheres
lindas por aí. Eu vou até lá...— Começo a andar, e Arthur me para.
— Espere um minuto: você está com ciúmes de verdade ou
fingindo ter ciúmes?
— Ela é minha namorada— afirmo, olhando para Savannah,
que conversa com Albert enquanto ele toca em seu braço.
— Ela é sua falsa namorada, Malcolm.
— Ele não sabe dessa parte, Arthur. É uma provocação.
— E desde quando você cai em provocações?
— Malcolm? Malcolm Campanelli?— uma voz que passei a
conhecer bem questiona. Alec bate no meu ombro e me
cumprimenta com um tom de fingimento extremamente evidente.—
O quê? Achou que eu perderia isso? Nossa mãe me pediu para vir
ver o filhinho dela sendo homenageado — ele diz essa segunda
parte em um tom baixo.
— Ela está aqui?— pergunto
— Não. Ela não estava se sentindo muito bem mais cedo e
agora está descansando.
— Ninguém me disse nada...
— Foi um enjoo. Acredite. Eu tentei levá-la correndo para o
hospital e quis te ligar, mas ela me disse que eu estava sendo
exagerado. A médica passou lá e disse que está tudo bem, que
esses enjoos são comuns com toda a medicação. Então, por que
você está sendo homenageado mesmo? Patrono das artes? Parece
um título inventado.
— Eu doei algumas peças raras do meu pai ao Centro de Artes
e fiz alguns investimentos para a reforma do lugar— respondo sem
dar muita atenção, normalmente Alec me irrita com seu tom de
deboche. Volto a olhar para Savannah e Albert, agora ele está mais
perto dela. Um nó se aperta do meu peito.
— O que estamos olhando?— Alec diz.— Aquela não é a
Savannah? Você costuma deixar a sua namorada desacompanhada
em festas?
Não o respondo porque estou caminhando em direção ao par.
A pergunta de Arthur ecoa na minha cabeça: desde quando eu caio
em provocações? Não sei. Apenas Alec parece capaz de me irritar,
mas ele é meu...meu irmão. Ele é meu irmão. Caçulas,
supostamente, fazem isso, certo? Irritam os irmãos mais velhos.
Albert é outra história.
— Você deveria experimentar. São seis meses e é incrível—
Albert está dizendo quando me aproximo.
— Talvez eu faça isso— ela diz com sua voz doce.
— O que você pretende fazer?— questiono, tocando a cintura
dela, mantenho minha mão ao redor do corpo de Savannah,
frouxamente, mas estou estabelecendo um limite.
— Um curso sobre dados com uns pesquisadores japoneses—
ela me responde.
— Acho que seis meses de Japão enriqueceriam o currículo e
seriam incríveis para ela, o curso é muito bom e a cultura...muitos
funcionários meus fazem.
— Savannah já é ótima— digo.— Talvez ela devesse ensinar
alguma coisa aos seus funcionários.
— São só seis meses, Malcolm. Acha que ela vai arrumar algo
melhor nesse tempo?
— Aquele é o Alec?— Savannah questiona, colocando a mão
sobre o meu peito. O toque dela tem uma óbvia tentativa de me
acalmar e parece funcionar.— Me desculpe, Albert, eu gostaria de
cumprimentar o Alec, mas foi bom te ver e obrigada pelas dicas.
— Ao seu dispor, sempre que precisar— ele diz de forma
galanteadora.
— Ele estava dando em cima de você— afirmo quando
começamos a nos afastar.
— É. Estava.
— E você diz isso com essa naturalidade?
— De que outra forma você espera que eu diga isso?— ela
questiona, parando no meio do salão. Savannah pega a minha mão
e sai caminhando, vou com ela até que estamos em um corredor, há
alguns garçons passando eventualmente, mas, fora isso, estamos a
sós.— Não pode fazer isso. Não pode recusar o meu beijo e depois
agir como se estivesse com ciúmes de mim.
— Eu não estou...— Passo a mão pela barba. “Não estou com
ciúmes”, era isso que eu pretendia dizer, mas não é verdade.— Ele
está interessado em você, você sabe disso, a questão é: você está
interessada nele?
— Não. Não estou. Eu adoraria estar, mas não estou— ela me
diz, se afastando.
— Por quê?
— Você sabe por que, Malcolm— Savannah responde,
cruzando os braços. Eu me aproximo devagar e então ela fica entre
o meu corpo e a parede. Toco em seu queixo e faço com que olhe
para mim, seus olhos castanho-escuros estão me encarando. Eu
não deveria querer ela dessa forma, mas não acho que exista outra
opção. Ela solta os braços e então a minha mão livre encontra a
dela, os dedos roçam nos dela, sobem lentamente pelo antebraço,
eu não resisto e encosto minha boca na dela em um rápido beijo. Há
esse momento em que ela não se move e no qual espero que me
afaste, como fiz mais cedo com ela, mas Savannah apenas encosta
a cabeça na parede e me olha, os dentes por cima do lábio inferior,
o rosto em conflito, a respiração fora de ritmo. Há uma porta ao lado
dela, abro-a e então pego Savannah pela mão e entramos no que
deve ser uma sala de aula.
Ela caminha pela sala, observando os desenhos nas telas, e
então eu me aproximo e fico por trás dela, coloco os cabelos dela
para um só lado e beijo o seu pescoço. Savannah encosta o corpo
no meu, posso ver o quando sua pele está arrepiada. Ela se vira e
fica de frente para mim, nossos narizes se tocam.
— Você...
— Quero— respondo. É claro que eu quero. E então estamos
nos beijando.
Eu seguro o corpo de Savannah contra o meu e puxo-a para
cima, então estou de pé, segurando-a, as pernas envoltas no meu
corpo, enquanto nossas bocas procuram uma pela outra, se
exploram, as línguas envolvidas de uma forma deliciosa. Há esses
pequenos intervalos em que paramos de nos beijar e eu acaricio
seus cabelos enquanto ela me encara. Eu me atenho a cada
pequeno detalhe do seu rosto, mas principalmente aos olhos,
ninguém nunca me olhou assim antes, como se quisesse tocar a
minha alma.
Savannah joga a cabeça para trás, e eu ponho minha boca em
seu pescoço, é nesse momento em que as coisas vão ficando mais
intensas, uma de minhas mãos está em sua nuca, a outra está
segurando firme sua bunda, mantendo-a suspensa, colada ao meu
corpo.
— O colar... – — ela diz entre gemidos. E eu a levo até uma
das carteiras da sala, e ela fica sentada na pequena mesa enquanto
meu corpo está entre suas coxas, mantendo-as separadas, minha
mão sobe pela perna dela. Ignoro o comentário sobre o colar, e
ponho minhas mãos nas alças do vestido, descendo-as, os seios de
Savannah ficam de fora e minha atenção vai para eles. Começo
passando a língua por um deles, da base até o topo, fazendo-a
arquear o corpo em minha direção, pedindo por mais. Depois vou
para a auréola, mantenho movimentos circulares, lentos, alterno
com o restante do seio, e então retomo ao centro. Savannah está
com as mãos para trás, escorando o corpo em uma das
extremidades da mesa, uso minha mão para apoiar suas costas
enquanto sigo explorando seu corpo com minha boca. Sugo o
mamilo dela, e Savannah solta um novo gemido, ainda mais gostoso
que os anteriores, intensifico a sucção, mordo-a gentilmente, e
então repito tudo isso no outro seio até que ela está gemendo de
forma incessante.
— Eu acho que vou... Malcolm...— ela começa a dizer.
Estimulo-a mais, mantenho o ritmo, e então Savannah está gozando
sem que eu nem mesmo tenha tocado em seu clitóris. É a coisa
mais sexy que eu já vi, e já vi muita coisa no sexo. Ela coloca suas
mãos no meu pescoço e está respirando fundo, tentando encontrar
o ritmo de volta à normalidade enquanto encosto minha testa na
dela.— Eu não sabia que... não sabia que isso era possível.
— É pouco comum— digo, sorrindo.— Mas você é pouco
comum, não é?
— Não sei se sou— ela diz, também está sorrindo. — Eu
adoro a sua risada. Você ri pouco, mas, quando faz isso... é lindo.
Fica ainda mais lindo.
Fico sem graça, não sei o que dizer a ela depois disso.
Savannah aperta o corpo contra o meu.
— Não faça isso. Não se feche— ela me pede com seu tom
leve e gentil. E, nesse momento, eu quero fazer qualquer coisa que
ela me pedir, sem exceção, e é por isso que todos os meus alarmes
soam perto de Savannah. Ela vai me fazer perder o controle.—
Acho que temos que voltar para a festa de qualquer forma, mas
não... não finja que isso não aconteceu, tudo bem? Não finja que
você não me quer.
— Eu não vou— digo. Mal reconheço a minha voz, sei que é
minha, mas não sei como estou falando, porque os meus instintos
querem calar, querem fazer o contrário do que estou dizendo que
vou fazer. Savannah puxa o vestido de volta, os bicos dos seios
estão nos entregando.— Vamos embora daqui – digo.
— E a festa? Você é o homenageado, Malcolm.
— Arthur pode fazer as honras, eu preciso... eu não posso
voltar para a festa neste estado— digo. Savannah olha para minha
calça, a ereção extremamente dura marcando o tecido.
— É, não é algo simples de disfarçar— ela diz, sorrindo.
— E você acha isso engraçado?
— Não. Acho isso sério, muito sério. E adoraria resolver — ela
responde. E eu a beijo novamente, e é isso, é assim que eu perco a
cabeça.
 

 
O tempo dentro do carro de Malcolm, o caminho entre o Centro
de Artes até o quarto de hotel, é um jogo. Ficamos sentados um de
frente para o outro, sem nos tocar, apenas nos encarando. Malcolm
está com as pernas abertas, a ereção inconfundivelmente marcando
o tecido da calça, as mãos grandes nas pernas, elas se movem
lentamente pela perna, em padrões repetidos, e eu o observo. No
começo, ele não fala nada, mas, então, ele se inclina um pouco e
me diz para pensar em tudo que quero que ele faça comigo.
— Tudo?
— Tudo. Detalhe por detalhe. Por onde quer que eu comece,
com que ritmo, do que gosta.
“De você”, é isso que eu quero gritar, mas Malcolm é como um
animal selvagem sempre alerta ao perigo e sei que, se eu disser
que gosto dele de qualquer forma, ele não vai reagir bem a isso.
Malcolm tem medo de compromisso, tem medo de depender de
alguém que não seja ele mesmo, e eu posso entender isso, mas
não significa que não vou brigar por ele. Porque é isso que eu faço.
Eu luto pelo que quero.
— Eu quero que você comece me mostrando essa ereção e
entrando em mim o mais forte possível, o resto pode esperar. Eu já
estou pronta para isso, pra ter você dentro de mim.
Ele aperta a mão na coxa, e eu sei que está explodindo de
tesão, também estou. Não é que eu não goste de preliminares, na
verdade, adoro-as, quem não gosta? E Malcolm é incrivelmente
bom nisso, na primeira vez que transamos, mesmo com toda o
anseio e urgência do momento, ele ainda levou seu tempo
explorando o meu corpo, me fazendo entrar em erupção a ponto de
que não havia mais nada que eu conseguisse pensar além dele, do
seu toque. A questão é que ele já fez isso, a forma como me fez
gozar apenas sugando e estimulando meus seios foi uma das
coisas mais intensas que já fiz quando o assunto é sexo. Tudo que
eu quero agora é sentir ele dentro de mim, o calor do corpo dele
contra o meu, sentir que essa palpitação do meu corpo foi atendida,
satisfeita.
O carro para e entramos no hotel. A cobertura tem um
elevador exclusivo, o que é uma boa coisa, porque, no momento em
que entramos no elevador, Malcolm está novamente com as mãos
em mim. Desde que estivemos juntos, eu passei muito tempo
pensando em como seria ele me tocando outra vez, minha
conclusão sobre isso é que a imaginação é poderosa, mas não dá
conta da realidade.
Puxo a gravata de Malcolm e começo a desfazer o nó
enquanto ele coloca a mão no meu pescoço e sobe-a lentamente, o
polegar acaricia meu queixo nesse movimento, depois encontra o
meu lábio, a forma como a pele dele encontra com a minha, a
aspereza da sua mão contra a maciez da minha pele, a intensidade
com a qual ele me olha, tudo isso me deixa em chamas.
O elevador para no andar e então Malcolm abre a porta da
suíte. Ele tinha uma chave para o quarto o tempo todo e, ainda
assim, não a usou mais cedo. Ele me encosta na parede e nos
beijamos novamente. Eu poderia viver apenas disso, de ele me
beijando.
Malcom me vira bruscamente e desce todo o zíper enquanto
deixa beijos pelas minhas costas.
— Você realmente não gosta desse vestido, gosta?—
questiono enquanto ele puxa a roupa sem nenhum cuidado.
— Ele é lindo, e você estava linda com ele, mas prefiro sem—
ele argumenta, beijando meu pescoço. Malcolm segura minha
cintura e um novo giro me coloca de volta na posição inicial.— Tem
algo que eu preciso te dizer sobre...sobre o que eu gosto na cama.
— Tudo bem, você pode me dizer qualquer coisa, Malcolm.
— Eu gosto de...eu gosto de sexo um pouco mais pesado do
que daquela primeira vez.
— Então você não gostou?
— Não. Não é isso que estou dizendo. Aquele dia foi...uma
exceção à regra, você é uma exceção à regra, mas acho que
existem algumas coisas que podem aparecer, agora, eu realmente
queria apenas rasgar esse vestido, mas acho que não sei se você...
— Você quer que eu te amarre, te sufoque ou alguma coisa
desse tipo?— questiono. Malcolm ri com uma força que preenche o
quarto inteiro, ele se afasta e se senta na cama, a tensão de
segundos antes parece dissipada.— Do que você está rindo?
— Você não existe, não é?
— Existo, claro que existo. Estou bem aqui— digo, me
aproximando. Coloco minhas mãos em seu ombro.— Seja lá o que
for...
— Eu não gosto de ser dominado, se é o que você está
tentando perguntar, não que eu acredite que tenha problema nisso,
só não é o que eu faço. Na verdade, é o oposto disso, eu gosto de
estar no controle e, às vezes, eu posso ser um pouco...bem,
vigoroso demais.— Ele me encara, parece que está procurando
qualquer sinal de recriminação, surpresa, medo, qualquer
sentimento negativo, mas tudo que eu sinto quando olho para ele
nesse momento é desejo. Alexa já tinha comentado sobre os
rumores com relação a Malcolm e sobre fotos de uma modelo que
saiu com ele e aparentemente falou disso em uma rede social.
— Malcolm...— digo, apertando minhas mãos em seus ombros
largos—, eu nunca fiz isso antes, sexo dessa forma, mas isso não
significa que eu não vá gostar, então vamos apenas...vamos
experimentando, tudo bem? Você não precisa se conter comigo, e
eu vou te dizer se gosto ou não.
— Tem certeza?
— Tenho. Agora, você pode, por favor, continuar e me fazer
gozar outra vez? Porque acho que vou enlouquecer se não tiver
você novamente.
— Venha aqui!— ele diz, colocando as mãos na minha cintura
e me fazendo sentar em seu colo. Gosto da firmeza de suas mãos,
do tom exigente da voz dele. Não considero que o fato de que ele
gosta de controle vá ser um problema, estou acostumada com sua
necessidade de controle e, toda vez que ele fala comigo dessa
forma, minhas pernas ficam bambas. Malcolm me beija outra vez e
não há uma só fibra do meu corpo que não esteja totalmente imersa
nesse beijo, eu perco no gosto de sua boca, no toque de suas mãos
que avançam pelo meu corpo me despindo e no fato de que eu
passaria o resto da minha vida aqui, nesse momento.
Malcolm se levanta da cama, me leva junto e então sinto meu
corpo ser jogado no colchão de plumas do quarto do hotel. Estou
com os seios de fora, uma calcinha minúscula e o colar. Ponho
minha mão no colar para retirar, mas Malcolm me para.
— Fique com ele, mantenha o colar— ele diz enquanto pega
no meu tornozelo e me ajuda a sair dos saltos, um de cada vez,
cuidadosamente, me olhando. Suas mãos se movem pelas minhas
pernas até encontrar o elástico da calcinha e a peça é destruída
sem piedade. Malcolm me encara, ele parece estar querendo se
certificar de que estou bem com isso, estou, claro que estou. Ele
lambe um dedo e então coloca-o dentro de mim. Quero mover meu
corpo imediatamente, mas Malcolm sabe disso e se antecipa, seu
dedo está mergulhado em mim, na umidade entre minhas pernas, e
ele começa a deslizar para frente para trás, circulando a pele ao
redor do meu clitóris, mas sem tocá-lo de fato, ele é bom nisso, em
provocar, em me levar até a margem do abismo para que eu implore
por liberação.
Tento me mover contra a mão dele, mas Malcolm me olha e
acena negativamente. Cada vez que ele adia o meu prazer, isso me
deixa ainda mais excitada. Malcolm me beija rapidamente e então
desce a boca pelo meu corpo sem parar de mover seu dedo,
atingindo agora meu clitóris, e a espera vale a pena, porque esse
momento é glorioso, e então ele coloca mais um dedo dentro de
mim.
Malcom retira os dedos, me deixando vazia, totalmente
excitada e querendo puxá-lo pelos cabelos e implorar para que me
foda. É isso que ele queria o tempo todo. Sua boca está no meu
umbigo, ele vai descendo-a lentamente, a barba roçando contra o
interior das minhas coxas enquanto ele sopra o ar quente de sua
boca no meu clitóris sensível. Meu chefe lambe a extensão da
minha boceta e usa a mão livre para abrir mais minhas pernas. Todo
meu corpo está pulsando, pedindo por ele.
— Malcolm...— gemo, minha voz sai com um tom choroso que
eu mal reconheço, nunca quis tanto alguém quanto o quero.
Malcolm sabe exatamente o que quero, ele passa a língua
lentamente pelos lábios da minha vagina e então chega ao clitóris,
no momento em que ele o alcança o meu quadril sobe em sua
direção, quero me mover, quero que ele me devore. Ele começa
devagar, acelera, depois desacelera novamente. E então ele está
me penetrando com um dedo enquanto me suga incrivelmente com
sua boca deliciosa.
— Goze pra mim— ele demanda, me fazendo gemer, Malcolm
sabe que estou pronta, todo o meu corpo quer isso. Ele belisca meu
clitóris e então vai um pouco mais fundo enquanto estou me
desfazendo sob seu toque.
Mal tenho tempo de me recuperar do orgasmo e Malcolm está
de pé, se despindo enquanto me olha.
— Você é deliciosa— ele diz enquanto os seus lábios passam
um pelo outro, explorando a textura. E então ele aproxima nossas
bocas, e eu provo o meu sabor em sua boca. Malcolm coloca uma
camisinha em sua ereção majestosa, o pau dele é grosso, longo,
suculento, e eu fico pensando em como gostaria de colocá-lo na
minha boca. Malcolm guia-o para a minha entrada. Há um primeiro
momento em que ele me penetra lentamente, me dando a chance
de me ajustar para recebê-lo.— Tudo bem?
— Apenas...se mova, por favor— peço. Eu sou uma bagunça
de membros sem força e desejo.
Ele entra em mim com mais força, e isso faz com que a
pesada cama de madeira se movimente um pouco. Malcolm deixa a
gentileza de lado, é diferente da primeira vez que estivemos juntos,
porque agora ele não se contém. Malcolm entra e sai do meu corpo
com força, suas mãos me seguram firme, enquanto eu sinto que ele
está tentando partir meu corpo ao meio, mas de uma forma muito
deliciosa.
Eu definitivamente vou estar machucada amanhã, mas o
pensamento de estar marcada por ele faz com que as minhas
paredes se apertem ao redor do pau de Malcolm. Ele enrola meus
cabelos ao redor de suas mãos e levanta o corpo, me puxando para
cima enquanto a minha cabeça vai na direção contrária.
— Isso... Malcolm, isso. Eu estou tão perto— digo entre
gemidos. Malcolm para se mover e me encara.— Não...porque
você...
— Você quer isso, não quer?
— Quero, claro que quero.
— Diga o quanto você quer.
— Muito, eu quero muito, por favor.
— Diga o que exatamente você quer, Savannah.
— Eu quero...eu quero que você me foda, Malcom.
— Isso, boa garota. É isso que eu gosto de ouvir. Agora, toda
vez que você estiver sentindo que está chegando mais perto, quero
que diga o meu nome, entendeu? Apenas o meu nome. Malcolm,
nada além disso.
Eu aceno, concordando, é tudo que consigo fazer, acho que
ele está fodendo a minha cabeça também, porque ela parece
incapaz de pensar qualquer.
Malcolm volta a estocar dentro de mim com força. E, dessa
vez, eu passo a me mover também, encontrando as estocadas dele.
Estou tão perto de um novo orgasmo que não consigo pensar em
nada além da espessura dele entrando e saindo de mim.
— Ah, Malcom— não falo nada além disso—, Malcom!— grito.
O calor começa a crescer no meu clitóris e a se espalhar por
todos os membros do meu corpo. Tudo está formigando, se
contorcendo. Malcolm coloca a boca em um dos meus seios,
sugando com força, mordiscando.
— Malcolm! Malcolm!
Minhas pernas estão tremendo violentamente, depois meu
estômago, até que todo o meu corpo é tomado pelo prazer e está
sendo chacoalhado. Eu aperto as paredes da minha boceta com
força, o que faz com que ambos sintamos tudo com mais
intensidade, sei disso porque Malcom aumenta seu aperto contra o
meu corpo e me invade, indo ainda mais fundo.
Eu mergulho no prazer enquanto ele goza, o homem parece
incapaz de ficar flácido, mesmo depois de gozar, porque, quando ele
tira a camisinha, eu noto que ainda está meio duro e eu me moveria
para chupá-lo se tivesse forças, mas, em vez disso, Malcom me
puxa para os seus braços e, diferente da última vez, eu fico com a
cabeça em seu peito enquanto ele acaricia meus cabelos com uma
das mãos e a outra passeia pelo meu corpo, fazendo com que cada
pelo do meu corpo fique arrepiado com seu toque.
Eu acabo pegando no sono, me levanto da cama um tempo
depois e noto que Malcolm também se levantou. Ele está na
varanda do quarto do hotel, está usando sua calça, e eu me
pergunto se ele vai embora outra vez. Quero entender o que ele
está pensando, se já percebeu que isso aqui é bom demais para ser
uma vez só, ou duas, se sente a mesma coisa que eu sinto. Eu visto
uma camisa – é a camisa dele, o cheiro é delicioso – e então vou ao
seu encontro.
— Ei...está tudo bem?
— Sim, só estou...— ele se vira para me encarar—, eu gosto
de você com essa camisa.
— Eu gosto de você sem ela— respondo, sorrindo. Me
aproximo de Malcolm e coloco minha mão nos pelos do seu peito.
Ele fica tenso de repente, e eu quase posso ouvir sua cabeça
complexa maquinando.
— Você não ficou mesmo assustada com nada do que eu
disse?
— Não. Nem com nada do que fez. Na verdade, eu adorei
tudo.— Meus dedos se movem pelo tórax dele.
— Sinto muito por ter te tirado da festa. Você estava linda, e eu
queria que tivesse se divertido, mas...
— Eu me diverti, Malcolm.— Não evidencio a ele o fato de que
seu comportamento comigo mudou por ciúmes, ele estava me
evitando até Albert. Ele me afastou quando tentei beijá-lo mais cedo,
apesar de ter me passado uns trinta sinais de que era isso que
queria. Uma parte de mim queria ter ido embora quando ele fez
aquilo, mas o problema é que eu gosto de Malcolm e talvez Alexa
tenha razão: eu gosto de problema.
— Não acredito que não dancei com você— ele diz enquanto
sua boca está na minha orelha.
— Podemos corrigir isso— afirmo, me afastando, pego meu
celular que deixei no hotel e então coloco uma música, primeiro fico
em dúvida sobre o que agradaria Malcolm em termos musicais, mas
decido por algo que eu gosto. Eu quero que ele me conheça tanto
quero conhecê-lo.
— Johnny Cash?— ele questiona.
— É, Johnny Cash. Eu sei que não é o que dançaríamos
naquela festa, mas eu cresci ouvindo Cash, Dolly Parton, são os
artistas... — Malcolm se aproxima quando a letra começa e coloca a
mão na minha cintura, juntando os nossos corpos, e eu
simplesmente perco a linha do meu raciocínio, meu corpo, no
entanto, sempre sabe o que fazer primeiro do que minha cabeça
nessas situações.
— Do que mais você gosta?— ele questiona enquanto nos
movemos no ritmo da música. Eu já sabia que Malcolm era um bom
dançarino, mas isso é diferente da primeira vez, porque antes ele
era apenas meu chefe insuportável e agora ele é, além disso, a
pessoa por quem estou, sem dúvidas, apaixonada. Eu deveria ser
mais como ele, deveria guardar o meu coração como Lucy falou,
mas a verdade é que eu não quero guardar o meu coração, quero o
contrário disso, quero expô-lo numa bandeja e dizer “olha aqui, tá
vendo, tem você por toda parte”.
— Labyrinth, Lil nas Xis, Nina Simone...
— Não acho que conheço nenhum nome além de Nina
Simone, ela tocava piano lindamente.
— É, tocava mesmo— concordo.— E você? O que gosta de
ouvir?
— Sua voz— ele me diz, sorrindo.
— Acho que você pode ter batido a cabeça. Primeiro você me
sequestra no meio de um evento, e agora está dizendo que gosta do
som da minha voz? Será que você está delirando outra vez?—
questiono, o fazendo sorrir ainda mais.
— Eu adoro o seu sorriso, sabia? Você é lindo de qualquer
forma, mas seu sorriso é precioso.
— Então está dizendo que eu deveria sorrir mais? Até onde
sei, as mulheres não gostam quando homens fazem isso.
— Você é insuportável— digo, parando de dançar e
aproximando os meus lábios dos dele. Beijo Malcolm e então,
quando ele está querendo tornar a coisa toda mais intensa, eu
mordo seu lábio inferior, devagar, e separo nossas bocas.— Não,
você não deveria sorrir mais, eu gosto do fato de que sou uma das
poucas pessoas que vê você sorrindo dessa forma.
Ele se afasta um pouco e esse é o momento em que sei
exatamente o que vai acontecer, ele vai dizer que precisa ir embora,
vai se afastar e vai começar tudo outra vez, vai dizer a si mesmo
que isso aqui é só sexo, me ignorar por um tempo e então vamos
acabar na cama novamente, quero dizer isso a ele e perguntar
porque não paramos logo com a enrolação, mas Malcolm e sua
mania por controle não reagiriam bem a essa observação, à minha
insinuação de que ele não consegue, apesar de todos os esforços,
se manter longe.
Há algo aqui, algo entre a gente. Não ouso dizer que ele sinta
por mim o mesmo que sinta por ele, mas sei que o intrigo, sei que
ele adora transar comigo e que a forma como mexo com ele faz com
que jogue de lado seu bom senso.
— Eu...
— Você tem que ir— adianto.
— É, eu tenho que viajar em algumas horas. Congo, eu volto
em dois dias.
— Não sabia que ia viajar— resmungo, mas também espero
uma resposta grosseira, algo como: “por que deveria?” ou “você não
é minha assistente pessoa”, ele não fala nada disso.
— É, está marcado há alguns dias.
— Tudo bem. Eu vejo você quando voltar— digo, tentando
esconder a minha irritação.
— Se o Roger criar problemas, fale com o Arthur— ele diz,
desabotoando sua camisa que está em meu corpo.— E se lembre
que você é minha namorada, tudo bem?
— O que você quer dizer com isso?
— Não...seja vista com outros homens ou fazendo qualquer
coisa que possa...— ele para a mão no meu queixo e então me beija
rapidamente—, apenas se lembre que as pessoas vão te observar.
Além disso, você pode ficar aqui, em vez de voltar para Jersey.
— Eu gosto da minha casa— digo. Retiro a camisa e entrego
para ele, que a veste rapidamente. Malcolm me olha, estou
totalmente nua, e ele passa a mão pelo meu rosto.
— Você não está facilitando as coisas para mim.
— Não é meu trabalho facilitar as coisas para você, Malcolm—
respondo. Ele me beija novamente, e eu posso sentir seu pau
acordando dentro da calça, mas Malcolm separa nossas bocas,
respira fundo e então se despede com um beijo na minha testa.
Alguém bate na porta alguns minutos depois, e eu me enrolo
no lençol para abrir, pode ser Malcolm, já que seu cartão de acesso
está na mesa de cabeceira, mas, quando abro a porta, quem
encontro parada é Alexa.
Ela está com uma sacola na mão e uma expressão de
cachorro arrependido no rosto.
— Sinto muito— ela me diz.
— Está tudo bem, Alexa.
— Não, não está. Eu fui horrível e é claro que eu ainda acho
que isso pode acabar mal, mas não tinha o direito de falar daquela
forma, e é claro que eu vou estar aqui para você aconteça o que
acontecer. Seja escolher seu vestido de noiva ou te ajudar a sumir
com o corpo dele, se for o caso. Você pode me desculpar? Trouxe
uma oferta de paz, tiramissu do Veniero's.
— Claro!— digo, sorrindo.— Mas apenas por causa do
tiramissu.
Peço para que ela entre, e Alexa olha ao redor.
— Eu...você estava certa sobre algumas coisas.
— É, eu passei pelo Malcolm no hall de entrada. Eu sei que ele
estava aqui.
— E ainda assim você quis se desculpar?
— Claro, o fato de que vocês não conseguiram manter as
mãos longe um do outro não significa que estou certa e, como disse,
mesmo se eu estiver, eu sou sua amiga, deveria te oferecer apoio, e
eu prometo que, daqui para frente, vou tentar ser menos crítica.
— Você não vai— digo, sorrindo.— E eu não quero que seja
menos crítica. Só quero que me abrace e diga que vai ficar tudo
bem antes de lembrar que me avisou— explico, sorrindo.
— Vai ficar tudo bem. De verdade. Se o Malcolm for idiota o
bastante para te perder, o azar é dele. É ele quem vai passar o resto
da vida arrependido— ela diz, me abraçando.— Agora vá tomar um
banho, você está cheirando a sexo, esse quarto inteiro está.
— Obrigada por vir, Savannah— Margareth diz enquanto Alec
me serve uma taça de vinho. A mãe de Malcolm tem uma voz doce
e que parece música aos ouvidos, Alec deve ter herdado isso dela.
— Não há de que, Margareth. É um prazer estar aqui.
— É uma pena que Malcolm esteja viajando.
— É, uma grande pena— Alec diz com um tom de falsa
tristeza que faz a mãe sorrir— Por que você não foi com ele? Se eu
tivesse uma mulher feito você, não a deixaria sozinha.
— Alec!— a mãe o repreende. Olho a mãe de Malcom, que
parece séria.— Não diga essas coisas, vai parecer que eu não te
ensinei a respeitar as mulheres, além disso, Savannah é namorada
do seu irmão.
— Um ato de loucura completa na minha humilde opinião— ele
diz, olhando para mim enquanto se aproxima da mãe.— Sério, o
que você vê nele? Tudo bem, o cara é bonito, mas fora isso, não há
muito, a personalidade dele inteira basicamente se resume a ser
irritante.
— Não é verdade. Malcolm é... ele é carinhoso, protetor, ele é
um bom amigo— digo, pensando em como ele se importa com
Arthur.— Você apenas não o conhece.
Alec me olha com descrença e então senta-se ao lado da mãe
e tenta ajudá-la a pôr o prato, mas a mulher o dispensa gentilmente
e diz que pode fazer isso sozinha. Imagino como deve ser saber
quanto tempo você tem de vida, ter essa ampulheta cuja areia está
escorrendo, rapidamente, enquanto você pode apenas assistir. Não
há nada que possa ser feito.
— Savannah, Malcolm já conhece seus pais?
— Não— respondo. Meus pais. Falei com eles diversas vezes
nos últimos dias, e minha mãe até comentou algo sobre eu estar
parecendo mais feliz, mas não consegui coragem para dizer nada
sobre Malcolm pelo simples fato de que não posso mentir para eles.
Omitir tudo bem, mas, se eu abrir a boca para mentir, minha mãe vai
saber, acho que ela tem superpoderes quanto a isso.— Ainda não.
É tudo novo.
— Tempo é um péssimo indicativo, querida— Margareth diz.—
Eu olhei para o pai do Alec uma vez, em um salão lotado, e ele, por
sorte, me olhou de volta. Eu juro que, naquele momento, algo me
disse que aquele homem era o amor da minha vida, e essa voz que
falou comigo, bem, ela não estava enganada.
É uma história bonita quando contada assim, se você não
considerar o fato de que ela era casada e que o cara em questão
era amigo do marido dela.
— Intensidade vale mais do que o tempo— Alec diz, sorrindo.
— Exatamente. E eu posso ver na forma como você fala do
meu filho o quanto gosta dele, na forma que olha para ele. Malcolm
tem sorte de ter você ao lado dele, e eu vou ficar despreocupada
porque sei que ele é uma rocha, mas, se desmoronar, terá você.
— Agora é a parte em que ela diz que se preocupa comigo
porque não tenho uma namorada— Alec brinca, sorrindo. Margareth
bate levemente na mão dele.
— Não. Eu não me preocupo com você porque vai ter o seu
irmão e vice-versa. É por isso que eu queria que vocês se
encontrassem, que tentassem encontrar um ponto em comum,
descobrir quem são e como podem conviver.
— Malcolm, provavelmente, me detesta, mãe. Eu sou o
lembrete de tudo que ele não teve.
— Se for o caso, é justamente por isso que você precisa se
esforçar um pouco mais.
Alec parece discordar, mas notei que ele tem um excelente
comportamento com a mãe. Ele nunca discute com ela.
— Malcolm não te detesta, Alec. Você saberia se fosse o caso
— digo,me lembrando do que Arthur me disse há alguns meses.—
Vocês só precisam se conhecer mais, e ele não é a pessoa mais
receptiva do mundo, sei disso, mas, se tem uma coisa da qual tenho
certeza sobre Malcolm é que ele passa mais tempo tentando se
proteger do que de fato atacando as pessoas.
— Sabe se ele vai fazer algo para o aniversário?— Margareth
questiona, me olhando. O aniversário de Malcolm está chegando, eu
tinha me esquecido disso. Olhei a data de nascimento dele, alguns
meses atrás, quando queria saber seu signo. Malcolm é do final de
novembro, sagitariano, mas ele não condiz em nada com o que o
horóscopo diz sobre sagitarianos.— É no Dia de Ação de Graças
esse ano, deveríamos organizar um pequeno jantar, acha que ele
aceitaria?
É uma pergunta difícil. Malcolm diria sim se Margareth pedisse,
embora ele não a chame de mãe, é notável que gosta de passar
tempo com ela e que faz coisas que usualmente não faria por ela.
Ainda assim, em circunstâncias normais, aposto que o certo aqui
seria dizer não. Malcolm me parece o tipo de pessoa que gosta de
passar o aniversário da forma mais discreta possível.
— Acho que é uma excelente ideia— digo finalmente. Não
quero desapontar Margareth, não quero estourar essa bolha de
felicidade em que ela está pela proximidade com o filho. Malcolm vai
precisar lidar com isso, ponto-final. Já estou mentindo por ele, ele
vai ter que viver com algumas coisas desagradáveis também.
Terminamos de jantar e conversamos mais um pouco sobre o
jantar de Malcolm, e então Margareth está obviamente cansada, e
eu ajudo Alec e o enfermeiro a colocá-la na cama, os dois lidam
com a parte pesada, e eu pego água para que Margareth tome seus
comprimidos. Antes que eu vá, ela segura minha mão e me
agradece novamente por ter vindo.
— Nos vemos em breve, querida.
— Claro, nos vemos em breve— respondo.
— Ele deve ser bom de cama, só pode ser isso, porque nada
do que você falou pode ser verdade— Alec diz quando está me
acompanhando até a frente da casa enquanto estou no aplicativo
procurando por um Uber. Malcolm insistiu para que o motorista
ficasse à minha disposição, mas parecia extravagante demais e, na
ausência de Malcolm, principalmente no trabalho, estou tentando
sero mais discreta possível, chegar lá com um dos motoristas de
Malcolm não é ser discreta.
— Ele é bom de cama— respondo, analisando o rosto do
irmão de Malcolm.— Por que você está tão disposto a crucificá-lo?
Ele era uma criança quando ela foi embora, não pode culpá-lo por
acreditar na única versão dos fatos que conheceu.
— Eu sei disso— ele confessa.— Eu só...eu estou perdendo a
minha mãe e o tempo todo eu preciso me aproximar do Malcolm
porque, aparentemente, ele é tudo que vai me restar, mas, quando
eu olho para ele, não há conexão alguma, o que significa que tudo
que vai me restar é nada.
— Eu sinto muito, Alec. Eu não posso nem mesmo tentar
dimensionar a dor pela qual você está passando e...
— Saia comigo.
— Como é?— questiono, me afastando. Achei que ele
estivesse brincando nas vezes que fez comentários sobre mim,
espero, de todo meu coração, que ele esteja brincando.
— Não dessa forma, não como...estou falando em sair comigo
como amiga. Você quer fazer algo como tomar uma cerveja ou, sei
lá, apenas se divertir? Desde que eu fiquei famoso, parece que não
tenho mais nenhuma normalidade, sabe? Eu não posso me sentar
em um barzinho, todos os meus amigos estão em outro continente e
não há ninguém aqui que não esteja numa folha de pagamento, mas
ninguém em quem posso contar, são agentes, pessoas que cuidam
da minha imagem, que escrevem meus tweets, roteirizam vídeos no
TikTok e coisa do tipo.
E com tudo que vem acontecendo em sua vida pessoal,
imagino que essa ausência dos amigos se torne ainda pior.
— Eu sei o que fazer— digo, sorrindo — Venha comigo. Você
vai precisar de menos gel no cabelo e de uma camisa de flanela.
Há um barzinho em Jersey que eu gosto. A vida noturna pode
não chegar aos pés da que se tem em Nova Iorque, mas há esse
lugar country que me lembra de casa. Alec é um ótimo cantor, mas,
para essas pessoas, se você não canta country, você não existe. O
bar é charmoso, paredes de tijolos, mesas rústicas, fotos dos
grandes nomes da música country pela parede. Lucy acena para
mim de uma mesa quando entro no local e então ela olha para Alec,
que está ao meu lado.
— O que aconteceu com você? Parece que passou por uma
transformação às avessas. É tipo Queer Eye, só que a equipe que
escolhe as suas roupas é um grupo de homens héteros de
cinquenta anos.
Alec sorri, e eu agradeço a Lucy por estar sendo normal ao
redor dele dessa vez, sem tietismo, quando mandei mensagem para
minha amiga que Alec precisava de um pouco de normalidade.
— Garçom!— Lucy acena gentilmente. O homem não olha.—
Amiga, ele nunca me escuta.
Coloco as mãos nos lábios e assovio, o homem me olha, e eu
mostro três dedos, ele entende o que queremos, e então noto que
Alec está me olhando como se eu fosse de outro problema.
— Impressionado? Você tinha que ver ela batendo em um cara
que tentou dar uma de engraçadinho alguns meses atrás, ou
quando colocaram um touro mecânico aqui para uma festa.
— Ela disse que era do Sul, mas não imaginei que fosse tão
do Sul assim. Agora, Lucy, me conte em detalhes sobre essa vez
que ela bateu em um cara. Isso parece o tipo de informação que eu
deveria ter sobre minha cunhadinha.
A noite corre e é divertida. Lucy é extremamente maluca, como
sempre, e Alec parece muito feliz. É uma versão diferente dele que
vejo, uma versão sem um peso constante nas costas, uma versão
que não está regulando a mãe para saber se ela tomou os
medicamentos ou preocupado com o quanto de comida a mulher
colocou no prato. Também é uma versão um pouco bêbada. Os dois
tentam dançar em linha quando o Round Up começa. Lucy é
terrível, embora já tenha tentado algumas vezes antes, Alec tem um
pouco mais de molejo, embora se perda frequentemente.
Fazemos uma foto quando estamos dentro do táxi no caminho
para minha casa e eu mando para Alexa. São quase duas da
manhã, sei que ela não vai ver a mensagem já que está no Harlem,
com a avó materna, por isso não a chamei para vir. Segundos
depois, meu celular está tocando e o nome de Malcolm está na tela.
Não atendo, estou bêbada e não confio em mim mesma no
momento, vou acabar dizendo algo do qual vou me arrepender,
dizer o quanto estou chateada por ele não ter me enviado uma só
mensagem ou que estou com saudades dele. Quando o táxi para na
frente da minha casa, Alec desembarca para me ajudar a sair do
veículo.
— Uma coisa em comum entre você e o Malcolm— digo
sorrindo—, os dois são perfeitos cavalheiros.
Alec me abraça e agradece a noite que tivemos e então a voz
de Malcolm está perguntando: “Posso saber o que está
acontecendo aqui?”, e meu coração pula uma batida quando ponho
meus olhos nele.
 

 
A viagem para o Congo é marcada por uma série de reuniões
extremamente maçantes, por pessoas que estão o tempo todo
querendo me mostrar que estão trabalhando arduamente para fazer
com que as coisas aconteçam e pelo buraco gigante que a ausência
de Savannah deixa.
Eu trouxe Marina comigo, e, sim, ela é uma boa assistente
pessoal, mas eu sinto falta da perspicácia de Savannah. Da forma
como ela olha para uma situação e consegue prever cenários e
entregar diagnósticos afiados. Além disso, para além da parte
profissional, eu simplesmente sinto falta dela. Desde que
começamos com a farsa, desde que ela aceitou mentir para
Margareth, foram poucos os dias em que não nos vimos, mesmo
que às vezes tenhamos apenas interagindo profissionalmente. E
isso se intensificou agora que estamos bem, mas não sei o que
somos. Uma parte de mim está gritando para que eu me afaste. Eu
sabia que não podia beijá-la, por mais que quisesse, por isso a
afastei na noite da festa, ainda no hotel, mas, quando vi Albert perto
dela, eu fiquei tão irritado, eu só queria ir até eles e deixar claro que
ele não pode tê-la, que só eu posso.
O potencial canalhismo do meu comportamento não me passa
despercebido, eu quero que ninguém mais a tenha, e a impressão
que devo passar para ela é que também não quero ficar com ela. O
problema é que eu não sei como fazer isso, não sei como namorar,
como acomodar outra pessoa na minha vida, estou acostumado a
depender apenas de mim mesmo, a contar apenas comigo mesmo.
Abrir caminho para outra pessoa é complicado, e eu nunca quis me
dar ao trabalho, pelo menos não até agora. E, ainda assim, é só
uma parte de mim que está inclinada nessa direção, porque há outra
que quer acabar com tudo.
Eis um grande exemplo de como não sei abrir espaço: sei que
Savannah está chateada porque não avisei sobre a viagem com
antecedência, mas a primeira coisa que a minha mente pensa é que
ela não faz mais minha agenda, portanto, não precisa saber onde
estou indo. A viagem de dois dias para o Congo acabou se
transformado em algo com o dobro de duração devido a alguns
atrasos nas obras e reuniões, e eu escrevi e apaguei umas dez
mensagens diferentes para Savannah, nunca enviei nada. Não
entendo a dimensão do que sinto por Savannah, porque nunca senti
isso antes, nunca senti por ninguém algo assim e não sei o quanto
vou ser capaz de manter minha sanidade se deixar que essas
sensações tomem conta de mim. Não quero me tornar meu pai.
Durante a viagem de volta, Marina atualiza minha agenda e
confirma alguns compromissos para as próximas duas próximas
semanas.
— Deixei o dia vinte e quatro de novembro livre, o presidente
do grupo de Tóquio queria uma reunião pela manhã, mas agendei
para a semana seguinte— ela me diz.
— Pode marcar no dia vinte e quatro.
— Senhor, é Ação de Graças e, também, o seu aniversário.
— Eu sei disso.
— Achei que o senhor pudesse querer fazer algo com a Sav...
achei que pudesse querer fazer algo.
— Você não é paga para supor nada, Marina— digo, irritado.
Inclino a cabeça para trás e fecho os olhos. Não deveria ser rude, se
fosse Savannah aqui, ela teria uma resposta que soaria como
gentileza, mas, ainda assim, seria extremamente afiada. Merda, eu
sinto falta dela. Eu preciso vê-la o mais rápido possível.
Assim que chego em Nova Iorque, vou para Jersey. Peço que
o motorista pare um pouco antes da casa de Savannah e fico
parado, tentando decidir se vou até lá ou não. Leva uns dez minutos
até que eu me irrito com minha própria indecisão e ligo para ela.
Savannah não atende, mas, então, vejo um táxi parar na frente do
prédio dela e um homem alto está descendo e ajudando uma mulher
a desembarcar, aquela é Savannah, mesmo no escuro, eu
reconheço o par de pernas. Abro a porta do carro e um dos
seguranças faz menção de vir junto, digo para que pare e então
caminho até eles. Os dois estão se abraçando, e estou cheio de
raiva.
— Posso saber o que está acontecendo aqui?— questiono.
Noto que o homem que acompanha Savannah é Alec, meu irmão
parece diferente, mas não o suficiente para que eu não o
reconheça. Que merda eles estão fazendo juntos?
— Malcolm!— Savannah diz, sorrindo, ela se afasta de Alec e
então se aproxima de mim e coloca as mãos nos meus braços.—
Você voltou!
— É, voltei— resmungo.
— Você é tão lindo. Ele não é lindo?
— Ah,é lindo!— Alec diz, sorrindo. Noto que ambos estão
bêbados.
— Muito lindo— uma terceira pessoa diz. Olho para dentro do
táxi e a amiga loira de Savannah, de quem preciso aprender o
nome, está com a cabeça para fora da janela, me olhando.
— É, muito lindo— a taxista diz com um tom apressado.—
Vocês vão para Nova Iorque ou não?
Alec começa a gargalhar, Savannah também. E Lucy os
segue. Os três estão embriagados. Savannah me solta, se aproxima
da amiga e beija o rosto dela pela janela do táxi, então ela abre a
porta e Alec entra.
— Você está bem?— pergunto a Alec. Ele me olha com
desconfiança.— Posso acertar a corrida e pedir que o motorista
deixe vocês em casa, é mais seguro.
— Meu irmão mais velho está preocupado comigo. Adorável,
não?— ele pergunta, sorrindo.— Viu, Savannah? Talvez você tenha
razão sobre ele. Não se preocupe, eu não estou tão bêbado a ponto
de não acertar o caminho de casa.
Os dois desaparecem pela rua junto da taxista, e eu olho para
Savannah.
— Eu não disse nada demais sobre você, só que Malcolm
Campanelli é como um ursinho de pelúcia por dentro.
— Quanto você bebeu?
— Não foi a quantidade, foi a mistura— ela me diz enquanto
passa a mão no meu rosto.— Eu deveria estar brava com você.
Muito brava. Você não me mandou nem uma mensagem, nem um
"bom dia, Savannah" para que eu soubesse que estava pensando
em mim ou pelo menos um "estou vivo" para que eu não me
preocupasse.
— Como você pode ver...— digo, retirando sua mão do meu
rosto—, estou vivo
e bem aqui.
— Você está chateado?
— O que você estava fazendo com o Alec?
— Sexo. O que você acha que eu estava fazendo com ele,
Malcolm?— Ela abre a bolsa e começa a procurar a chave do portão
principal do prédio.
— Não sei. Quatro dias atrás, vocês mal se falavam, agora
parecem melhores amigos?
— Você já fez amizade antes?— ela questiona. Savannah
derruba as chaves da bolsa, e eu me agacho para pegar o molho.
— Qual é a chave?
— A com a caixinha amarela— ela responde.
— Venha, eu abro a porta— digo, segurando-a pela cintura.
Abro o portão e deixo que ela passe primeiro, depois faço a mesma
coisa.
— Onde você pensa que vai?
— Subir com você.
— Não mesmo— ela me diz, colocando a mão espalmada no
meu peito.— Você não fala comigo por dias, me acusa de sei lá o
que com seu irmão e agora acha que vai subir?
— Eu vou subir— digo.— Não vou deixar você sozinha nesse
estado.
— Um banho quente e um café, e eu estou ótima— ela
argumenta enquanto revira a bolsa novamente.— O que você está
procurando?
— Minhas chaves...
— Essas que estão na minha mão?
— É, me entregue e vá embora.
— Savannah... me deixe subir. Você nem sabe onde estão
suas chaves, como acha que vai subir as escadas ou abrir a porta
do apartamento?
— Me diga por que você quer subir, de verdade.
— Porque...— Ok, eu quero subir porque quero cuidar dela,
mas, antes disso, eu já estava aqui, já queria estar com ela, então
essa fácil, eu sei a resposta, só preciso de um pouco de coragem
para dizer as palavras:— Porque eu senti sua falta e estou com
saudade de você.
— Merda!— ela diz, se esticando e passando os braços ao
redor do meu pescoço. Savannah me beija, e eu retribuo, ela tem
gosto de licor.
— O que você estava bebendo?— questiono.
— Amarula, um conhaque de alguma coisa, cerveja, tequila.
Inventamos um jogo muito estranho com diferentes tipos de
bebidas. Seu irmão é um tanto maluco.
— Não gosto do jeito que ele olha pra você.
— Você já viu como as mulheres te olham, Malcolm? Se eu
não gostar, o que acontece?— Eu não sei como responder.
Savannah se afasta novamente.— Viu só? Você é quente uma hora,
frio dez segundos depois. Me deixe perguntar uma coisa: Se você
subir comigo, como vai ser amanhã de manhã, depois do sexo?
Você vai desaparecer outra vez? Sabe, Malcolm, você pode ficar se
enganando, mas, se você dorme com uma pessoa uma vez, dá para
chamar de erro, se dorme duas, bem, pode ser apenas tesão, mas,
quando vem atrás de mim pela terceira vez, não pode ficar fingindo
que não há nada acontecendo aqui.
— Você vai acordar os vizinhos— digo. Estamos discutindo na
porta de um dos apartamentos do prédio dela.
— Vá embora!— ela me diz, dando as costas. Pego pelo seu
braço e mantenho-a no lugar, então me aproximo devagar e a
abraço.
— Eu não vou pra lugar nenhum, nem agora, nem amanhã
cedo. Você está certa. Tem alguma coisa aqui, e eu quero ver o que
é. Eu... eu gosto de estar com você e eu não gosto de passar muito
tempo com ninguém.
Savannah abre um sorriso lindo ao ouvir isso e então encosta
a cabeça no meu peito.
— Eu também senti sua falta, seu insuportável. E eu adoro
estar com você.
Subir as escadas até o andar dela se prova um sacrifício
porque estamos o tempo todo parando e nos beijando pelo caminho.
Assim que abro a porta do apartamento de Savannah, ela retira o
sapato de salto e deixa-o no meio da sala, também tiro meus
sapatos, e é nesse momento que noto que ela está parada no meio
da sala, sorrindo inocente enquanto me encara.
— O que você quer fazer comigo?— ela pergunta.
— Quero que você tome banho e tome um café. É disso que
precisa para ficar sóbria, certo?
— Só se você tomar banho comigo.
— Eu não vou transar com você bêbada.
— Não estou bêbada, estou levemente embriagada. Há uma
grande diferença.
— Todo bêbado fala algo assim.
— Você quer que eu prove que não estou bêbada?
— Como vai fazer isso?
— Vou te falar todos os indicativos de crescimento da
Diamantes Campanelli nos dois últimos dias— ela afirma enquanto
se aproxima e coloca as mãos no meu peito, os dedos vão para os
botões da minha camisa.— 421 milhões de capital de mercado,
preço do share está em 208 dólares e de 38 centavos — ela passa
chega no último botão e então encosta os lábios no meu corpo e me
morde levemente—, O CAPS está em 94%...
— Ok, eu acredito em você— digo enquanto o prazer toma
conta do meu corpo. Essa mulher vai me enlouquecer. Tenho
certeza disso a cada novo segundo que passo perto dela.
— Isso quer dizer que você vem para o banho comigo?— ela
questiona, aceno concordando enquanto ela me pega pela mão e
caminhamos para o chuveiro, comela se encostando em mim e
esfregando o corpo contra o meu.
— Sua bunda nesse vestido...— Quero dizer que ela não
deveria sair assim sem mim, mas isso parece maluquice. Eu nunca
senti ciúmes antes, nunca me importei com a vestimenta das
mulheres com quem transo, com quem saem, se dormem com
outros homens.
— Gostou?— ela pergunta e então se vira, e posso ver seus
olhos castanhos me encarando.
— Melhor que isso só você sem nada— respondo. Entramos
no banheiro e eu olho ao redor, já usei o banheiro dela antes, mas
nunca tinha notado o quanto a área de banho é pequena. — Esse
banheiro é muito pequeno para nós dois.
— Acho que vamos ter que ficar bem colados, então...— ela
me diz sorrindo enquanto começa a tirar a roupa.
— Você fica muito saidinha quando bebe— afirmo, puxando-a
para mais perto, as mãos de Savannah vão para a minha calça e
soltam o botão, e então ela passa os dedos por cima do volume e
acaricia meu pau, que já está duro desde que ela me beijou no
corredor do prédio. Savannah desce minha roupa, e eu nunca deixei
uma mulher me despir antes, sempre pareceu algo íntimo demais e,
mesmo no sexo, eu gosto de manter distância emocional. Ainda
assim, com ela, não parece um problema. Ela começa a descer
minha calça, depois a cueca e minha ereção pula em seu rosto
enquanto ela sorri.
— Não fico saidinha pela bebida, você que me deixa assim—
Savannah afirma, olhando para cima, e então ela passa a ponta da
língua no meu pau, e eu deixo escapar um rosnado de tesão.
Savannah explora a extensão da minha ereção com a língua e
então me coloca em sua boca o máximo que pode, a sensação é
divina e, se possível, me deixa ainda mais duro. Coloco minha mão
em seus cabelos, prendendo-os entre meus dedos enquanto ela se
movimenta. Ela continua, a boca subindo e descendo enquanto
segura a base do meu pau.
— Savannah... isso, sim...— Ofego enquanto ela segue
lambendo meu pau e me olhando com seus grandes olhos
castanhos. Ela me olha com uma expressão que consegue ser, ao
mesmo tempo, inocente e safada, olhar para ela assim me deixa
louco. Peço para que ela continue, e então Savannah volta a
envolver os lábios ao redor da cabeça do meu pau, chupando-a
como se fosse a coisa mais deliciosa da terra.
Apoio a mão na parede na minha frente e enrosco mais a outra
mão em seus cabelos. Não quero forçá-la, não quero mover minha
mão, mas a verdade é que estou louco para simplesmente foder a
sua boca e gozar em seu rosto. É isso que eu usualmente faria.
Savannah relaxa mais a mandíbula, e eu encontro espaço para
estocar, timidamente, incitando-a a receber um pouco mais do meu
cumprimento em sua boca.
— Savannah... eu vou... estou perto— aviso para que ela pare,
mas Savannah continua.— Linda, precisa parar ou eu vou gozar em
você.
Ela simplesmente continua me sugando, eu não resisto e estou
gozando na sua boca. Savannah engole tudo, e eu retiro meu pau
de sua boca, ainda duro enquanto ela me encara sorrindo,
Savannah passa o dedo no meu pau e então leva um pouco mais do
meu gozo até sua boca.
— Você quer mais?— questiono. Ela acena concordando,
seguro meu pau e movimento-o algumas vezes, saindo mais porra
dele, dessa vez se espalhando pelo rosto de Savanah, e então ela
se levanta e pressiona um beijo no canto da minha boca.
— Sempre quis experimentar isso— ela me diz.
— O quê?
— Alguém gozando assim em mim— ela diz, entrando
embaixo do chuveiro, assisto-a enquanto ela retira o restante da
roupa e deixa a água correr pelo seu corpo.— Você vem?
— Claro.— Nesse momento, só consigo pensar que iria para
qualquer lugar com ela me chamando.
Eu fico atrás dela e beijo sua nuca enquanto minhas mãos
percorrer seu corpo. Passo meus dedos pelos seus seios, fazendo-a
gemer levemente. Passo minhas mãos por eles em pequenos
círculos que fazem com que Savannah emita pequenos suspiros de
fazer e contentamento. Ela arqueia ligeiramente as costas, o que
permite que eu tenha mais acesso, massageio seus seios, belisco
seus mamilos e sinto a forma como eles endurecem sob meu toque.
Ela responde tão bem a cada toque. Savannah rebola contra a
minha ereção e, por mais delicioso que isso seja, quero olhar para
ela.
Viro-a para mim e então estamos nos beijando novamente,
empurro-a contra a parede e uma de minhas mãos desliza
lentamente pelo corpo de Savannah até encontrar a boceta quente e
apertada. Ela estremece e abre as pernas, enquanto esfrego meus
dedos nela, alternando entre sua vulva e vagina, provocando-a.
Deslizo o meu dedo médio para dentro dela enquanto seguimos nos
beijando, ela está mordendo meu lábio quando a surpreendo,
colocando com outro dedo dentro dela.
Savannah solta um gemido engasgado, e eu afasto os nossos
rostos, gosto de ver a expressão de desejo no rosto dela, a
satisfação de ter esse desejo atendido. Suas mãos vêm para o meu
cabelo e empurram minha cabeça para baixo. Isso me faz sorrir e
então minha boca está em seus seios, eles estão rígidos e
precisando da minha atenção. Começo beijando o espaço entre
eles, escolho um lado e circulo o mamilo de Savannah com minha
língua, chupando forte, e ela solta novos gemidos.
— Malcolm... droga, isso!— São as três palavras que ela
repete, em diferentes ordens, tons e intensidades. Faço com que
Savannah se contorça um pouco mais enquanto estou fodendo-a
com meus dedos e lambendo seu mamilo. E só então abandono
seus seios e desço minha boca, me ajoelhando para chegar até o
meio de suas pernas. Savannah se abre para mim enquanto
pressiono a minha língua contra seu clitóris. Retiro os dedos da
boceta dela e deixo que a minha língua a invada, o resultado se
traduz em Savannah puxando os meus cabelos.
Continuo lambendo-a, alternando entre o clitóris e a entrada da
vagina, até que foco no primeiro e volto a penetrá-la com meus
dedos, curvando-os para cima, o que faz com que Savannah perca
o controle de vez. Ela solta um grito e puxa meus cabelos, as coxas
tentam se fechar, mas a seguro firme enquanto continuo fodendo-a
com minha boca e dedos de uma só vez. Ela chega ao orgasmo e
então está tremendo enquanto a seguro com força e faço o efeito
durar ao máximo.
— Malcolm...— ela me diz quando me levanto para beijá-la
novamente.
— O que, linda? O que você quer?
— Quero você dentro de mim— ela pede. A água quente está
escorrendo pelos nossos corpos, e eu seguro meu pau e o esfrego
contra a entrada de Savannah e então empurro para dentro, ela
suspira de prazer enquanto a preencho com minha ereção. Começo
a acelerar, Savannah envolve suas pernas e braços ao meu redor,
me fazendo ir mais fundo. Pressiono suas costas contra a parede
enquanto a fodo com mais força, ela solta gemidos e suspiros, e
então perco controle do meu corpo, as estocadas ficam cada vez
mais erráticas e explodo dentro dela.
— Me conte uma coisa sobre você, uma coisa que ninguém
mais saiba— ela pede enquanto estamos jogados em sua cama. A
cama é desconfortável, mas isso parece pequeno perto do fato de
que Savannah está em meus braços.
— Você já sabe mais sobre mim do que a maioria das
pessoas, Savannah.
— Eu suponho que seja verdade, mas as coisas às quais você
se refere vão se tornar conhecimento comum em breve. E eu quero
uma coisa que seja só minha.
— Uma coisa que seja só sua? Tudo bem, me deixe pensar—
digo, sorrindo. — Eu tenho medo de aranhas.— Assim que termino
de falar isso, ela começa a sorrir.— Você está rindo do meu medo?
— Me desculpe, eu não deveria estar rindo— ela diz,
passando a mão pelo meu rosto.— É só que eu não consigo
imaginar um homem desse tamanho com medo de um animalzinho
tão minúsculo.
— Você sabe que elas não são minúsculas, certo? Existem
versões gigantescas, além disso, a maioria é venenosa.
— Malcolm, tenho quase certeza que é o contrário. A maioria
das aranhas não faz mal nenhum a ninguém.
— Talvez você tenha razão, mas eu simplesmente não gosto
delas. Agora você me deve um segredo.
— Não, claro que não. Alguém no mundo deve saber que você
tem medo de aranhas Artur deve saber que você tem medo de
aranhas, sua mãe deve saber. Eu quero que seja só meu de
verdade. E aí, sim, eu vou te dever um segredo.
— Você é uma mulher extremamente complexa, sabia?— Ela
acena, concordando e sorri, e então me diz que está esperando.—
Você sabe quando a minha mãe perguntou se eu ainda estou
tocava? — Ela acena concordando, eu pego uma mecha do seu
cabelo e coloco-a atrás da orelha, então aproximo meu nariz do
nariz dela, roçando-os lentamente.— Eludisse a vocês que não
tocava mais, só que isso não é verdade. Não é uma coisa que
ninguém sabe. Ninguém, além de você agora. Primeiro eu continuei
tocando porque eu achava que era uma forma de manter perto dela
mesmo depois de ter ido embora, depois eu tive essa fase da
adolescência quando eu precisava de algo que me acalmasse e o
piano era a única coisa que realmente funcionava, era o único
momento em que eu não pensava em nada, em que todas minhas
preocupações simplesmente desapareciam.
— E você ainda toca hoje em dia?
— Sim, quando estou irritado, quando sinto que estou
perdendo o controle.
— Então tocar está sempre associado a algo negativo na sua
vida?
— Não. Não ultimamente. E eu não acredito que vou dizer
isso, mas, depois que transamos, eu também sinto vontade de tocar
não para recuperar controle, mas porque estou contente.
— Obrigado me contar, na verdade, eu estou extremamente
feliz por você ter me contado isso— ela, afirma sorrindo. — Não há
nada em você que eu não goste, Malcolm. Nada.
 

 
Ela está dormindo lindamente. Metade do corpo coberto, os
seios de fora, os cabelos crespos espalhados pela cama. Estou
sentado ao lado dela, assistindo-a e me perguntando o que vou
fazer com essa mulher, ou melhor, o que ela vai fazer comigo.
Estamos juntos, é isso. Estamos, em alguma medida, juntos,
embora eu não entenda a dimensão do que "juntos" significa. O que
eu sei é: 1) Que a ideia de outro homem tocando nela me deixa
maluco; 2) Nem Vanessa, nem qualquer outra mulher que falou
comigo nos últimos dias obteve sucesso em me fazer sequer
considerar a possibilidade de transar com elas, e 3) Quando não
estou com Savannah, estou pensando nela.
Passo a mão pelos seus cabelos e Savannah se move um
pouco. São seis e meia da manhã, preciso chamar um carro, voltar
para a cidade, é sexta-feira, temos trabalho, e eu quero passar na
casa de Margareth, talvez almoçar com ela. Checar se Alec chegou
bem.
— Ei...— digo gentilmente enquanto toco no rosto de
Savannah.
— Oi...— ela diz, se espreguiçando como uma gata cheia de
manha.— Que forma boa de acordar. — Ela estica a mão e toca
minha barba, os dedos tocam meus lábios.
— Temos que ir— digo.
— Temos?
— É, você vem comigo. Vamos comer alguma coisa antes do
trabalho, já foi ao Peacock Alley?
— Nem sei do que se trata— ela responde, esfregando os
olhos.
— É um restaurante que serve café da manhã.
Venha,selevante da cama. Pegue roupas para alguns dias.
— Pra onde vamos?
— Pra minha casa— respondo, e ela me encara curiosa.—
Quero que volte comigo para minha casa depois do trabalho. Sua
cama é muito desconfortável, e eu gosto de dormir com você. Se
você quiser, claro.
Savannah sorri satisfeita e então se move, sua expressão
muda para um pouco de dor, e eu me preocupo.
— Está tudo bem?
— Sim. Sim. É só um pouco de dor muscular. Eu vou
sobreviver— ela me diz.— Malcolm, desmanche essa cara. Você
não me machucou de verdade, isso é normal depois um sexo
vigoroso e se o parceiro é muito... bem, grande.
Eu sei disso, e não é a primeira vez que uma mulher com
quem durmo experiencia alguma dor ou acorda com marcas pelo
corpo, mas normalmente isso me deixa satisfeito comigo mesmo,
com Savannah, o orgulho existe, mas está bem no fundo da fila,
estou preocupado com ela porque, quando eu olho para essa
mulher, além do desejo, acima dele, sendo bem honesto, há essa
vontade de mantê-la segura.
Savannah se move na cama e se senta no meu colo, ela
morde o lábio, não sei se está tentando esconder a dor, mas parece
ser isso.
— Descobri que eu gosto de um pouquinho de dor— ela me
diz e então beija meu rosto uma vez—,principalmente porque ela
enche minha cabeça com as memórias de você dentro de mim—
outro beijo, dessa vez mais perto da minha boca, e ela move um
pouco o quadril por cima do meu pau, que não precisa de muito
incentivo para ficar duro—, de você me enchendo com sua... droga!
— ela diz, me olhando.
— O quê?
— Camisinha. Esquecemos a camisinha— ela me diz com um
tom de urgência. Savannah se levanta da cama e procura alguma
coisa nas gavetas.— Eu tinha uma pílula aqui em algum lugar, sei
que tinha.
— Savannah...
— O quê?
— Está tudo bem.
— Como assim?
— Eu fiz vasectomia— conto. Espero que ela diga alguma
coisa, mas Savannah fica calada, me olhando, encostada na
cômoda.— Fiz quando tinha vinte e um anos, depois que uma
garota apareceu dizendo que estava grávida e que o filho meu.
— Ela estava?
— Claro que não— respondo.— Eu achei importante me
proteger.
— Faz sentido que você trate seus espermatozoides como
ativos, ter acesso a eles é ter acesso a sua fortuna.
— É, mas não é só isso. Ser pai é algo que eu quero, mas com
a mulher que eu escolher, não quero que meu filho tenha qualquer
mãe, nem quero ser pai no momento errado, não gostaria de ser um
pai ruim.
— Então você apenas...reverteria o procedimento?
— Isso.
— Então você poderia ter simplesmente gozado em mim o
tempo todo?
— Sério que essa é a parte disso que te incomoda? Você não
acha ruim que...
— Malcolm, se a nossa relação for para frente, se você sentir
por mim o que eu sei que sinto por você e quisermos dar esse
passo, então teríamos que nos preocupar com isso. Eu não quero
que você pense que eu saio por aí querendo que os homens gozem
dentro de mim, mas é você, e eu adorei.
— Você deveria saber que pode confiar em mim, não é porque
eu fiz uma vasectomia que não me protejo. Eu não costumo colocá-
la à prova transando sem camisinha, afinal de contas, não é só
sobre engravidar alguém. Eu me importo com a minha saúde e não
gostaria de ser responsável por passar qualquer coisa para alguém.
— É, nem eu. Nunca fiz, na verdade— ela parece
envergonhada dizendo isso—, não até ontem, mas devo confessar
que é bom, que gostei de sentir o calor do seu corpo se derramando
contra o meu.
— Eu também. — A forma como ela está me olhando faz com
que a queira perto novamente, quero tocar nela.— Volte aqui!—
peço. Savannah volta para a cama, e eu a puxo de volta para o meu
colo.— Você quer ter filhos?
— Quero, eventualmente— ela responde, mordendo o lábio
outra vez. Porque estou pensando em como seria ter um filho com
Savannah? Por que estou perguntando isso a ela? Sempre tive um
plano específico: um filho com alguém por quem não sinta nada,
assim, meu filho nunca teria que passar pelos problemas que viriam
da relação conflituosa dos pais. Não seria o caso com ela, seria?
Eu, obviamente, sinto algo por ela. Algo que nunca senti antes, meu
peito aperta um pouco enquanto estou pensando nisso.— Mas
agora o que eu realmente quero é aquele café da manhã que você
prometeu.
Gosto de como ela sempre sabe a coisa certa a dizer para
tornar o ar mais tranquilo, como se soubesse o que estou pensando,
e não só isso, mas como se soubesse o que preciso melhor do que
eu mesmo.
— Vou tomar banho e, dessa vez, você não vem comigo ou
nunca vamos chegar nesse restaurante, e eu estou morrendo de
fome.
— É, você deveria comer bem, vai precisar de energia para
tudo que vou fazer com você mais tarde.
Pego meu telefone enquanto ela está no banheiro e então
descubro que há muito acontecendo, diversas chamadas e
mensagens da minha assessoria de imprensa, clico em um dos links
que me foi enviado e há três fotos montadas lado a lado. Primeiro,
uma foto de Alec, depois uma de Margareth e, por fim, uma foto
minha. A matéria nos relaciona corretamente, ela fala sobre a
doença da mãe do cantor Alec e relembra seu passado como uma
herdeira de Manhattan, bem como seu primeiro casamento com
Peter Campanelli, "união que gerou o único herdeiro e atual CEO da
Diamantes Campanelli, Malcolm Campanelli".
A matéria ainda fala que não se sabe detalhes sobre a doença
e que a assessoria do cantor informou que não pretende dar
detalhes e que ele está parando a carreira por alguns meses a partir
da primeira quinzena de dezembro, "já a assessoria do empresário
Malcolm Campanelli não respondeu aos nossos contatos”. Leio a
mensagem:"O que o senhor quer que seja respondido?", e então há
algumas versões de textos para aprovação, leio as atentamente e
depois de certo tempo escolho uma. Não gosto de nenhuma delas,
não de verdade, mas escolho a mais simples "É um momento
sensível e íntimo e queremos nos reservar o direito de lidar com ele
sem especulações".
— Está tudo bem?— Savannah questiona, saindo do banho.
Ela está enrolada numa toalha, os cabelos estão soltos e parecem
bem mais longos do que na maior parte do tempo. Conto a ela o que
aconteceu, e Savannah senta-se ao meu lado, colocando sua mão
em meu ombro.— Como você está se sentindo com isso tudo?
— Eu sabia que ia acontecer, mas não sei direito o que pensar.
Não gosto da ideia de que vão ficar falando sobre isso, trazendo de
volta às questões do passado. Por que ela foi embora? Por que
nunca tivemos nenhum contato? Essas perguntas vão ser feitas, e
eu gostaria que as pessoas simplesmente cuidassem das próprias
vidas. Eu só quero ficar por perto nesses últimos meses dela, só
isso. Seria pedir demais ter isso sem precisar me preocupar com
todas essas questões?
— Você não precisa se preocupar com essas questões. E daí
que algumas pessoas vão ficar curiosas? Não é seu papel fornecer
respostas para ninguém, você só precisa ser fiel ao que você sente.
Pela primeira vez em muito tempo, talvez desde que era
criança, eu me sinto extremamente confortável com a ideia de estar
sendo vulnerável com alguém. Isso não me passa despercebido.
Puxo Savannah para o meu colo novamente, mas dessa vez solto a
toalha, e ela está totalmente nua. Beijo sua boca enquanto me
movimento, criando atrito entre nossos corpos. Os quadris dela se
movem e as mãos soltam minha calça e movem-se rapidamente,
liberando minha ereção. Ela se ajusta e desce pelo meu pau
lentamente enquanto estamos nos olhando sem nem mesmo piscar.
Estar dentro dela é tão bom, tão reconfortante, sexo nunca foi
sobre conforto antes, mas agora é. Realmente é. Savannah respira
fundo quando estou totalmente dentro dela e então coloco minha
mão em seu quadril para criar impacto, mas ela acena
negativamente e retira minha mão.
— Apenas relaxe, tudo bem?— ela me diz, colocando a mão
no meu peito e me empurrando para o colchão. Fico deitado
enquanto ela faz todo o movimento, Savannah se inclina e rebola
por cima de mim, os seios balançando na minha frente, o cabelo
pinga um pouco, ela faz círculos perfeitos com seu corpo contra o
meu pau enquanto aperto suas coxas, tentando saborear a
intensidade das sensações que estar dentro dela me causa.
Isso é novo para mim, ter outra pessoa no controle, mas
Savannah não só consegue arrancar de mim o que estou sentindo,
consegue passar pelas minhas barreiras com minha total confiança.
Fecho os olhos e, enquanto ela segue rebolando, fazendo meu
corpo chegar cada vez mais perto do ápice, até que ela aperta suas
paredes ao redor do meu pau e eu perco de vez o controle, sendo
invadido pelo prazer.
Chegamos no restaurante uma hora depois, de mãos dadas, e
já havia algumas pessoas no local, justamente o que eu queria
evitar, mas não me incomodo. Puxo uma cadeira para que
Savannah se sente e então me junto a ela, ficando ao seu lado.
Do outro lado, a vista é melhor, posso ficar encarando o rosto
perfeito que ela tem e a expressão de prazer que faz enquanto
come, mas aqui eu posso me inclinar e beijá-la, posso sentir seu
cheiro, passar minhas mãos por suas coxas. Metade das pessoas
que estão no local é conhecida. Esse é tipo de lugar que só quem
nasceu com dinheiro frequenta. Savannah não parece nem um tipo
afetado pelo fato de que algumas pessoas estão olhando e
cochichando.
— Você realmente não se incomoda com o que os outros
pensam, não é?
— Me incomodo se a pessoa em questão for importante para
mim. Mas porque eu deveria ter qualquer reação sobre o que
alguém que não me conhece acha de mim?
— Faz sentido. Eu só... bem, eu não tenho essa sua confiança.
— Você? O homem que fala e todo mundo escuta? Malcolm,
você sabe o quanto eu tenho que me esforçar para ser ouvida?
Você exala confiança.
— No trabalho, mas, na minha vida pessoal, não é a mesma
coisa.
— E do que você tem medo? O que acha que eles estão
dizendo?
— Não sei.
— Apostaria que as mulheres estão falando que você é bom
demais para mim, fora da minha liga e que eu não sou adequada. Já
os homens estão pensando que eu sou gostosa, mas
provavelmente também acham que sou inadequada. Ou seja, não
estão falando de você. Estão falando de mim.
— Você não é inadequada.
— Ah, mas eu sou... eu sei onde estou sentada, Malcolm.
Alexa cresceu aqui. Eu sei que essas pessoas se acham melhor
porque as famílias são ricas desde que o país foi colonizado pelos
britânicos. A grande questão é que eu não me incomodo. Eu cresci
com pessoas que me diziam que eu era estranha, diferente, por algo
fora do meu controle: minha pele.
— Eu sinto muito, linda— digo. Eu gostaria de voltar no tempo
e protegê-la disso, de tudo.
— Gosto de você me chamando assim.
— Você é mesmo linda— comento. Ela me dá um rápido beijo
nos lábios e então me encara.
— Então, como eu ia dizendo, esses mimadinhos de
Manhattan podem até ser mais ardilosos que os caipiras que me
irritavam na infância, devem até ser mais criativos, mas os primeiros
me preparam para o resto. Não é fácil quebrar o meu espírito.
— Acho que nunca te achei tão sexy quanto agora— digo. É
verdade, mas também é verdade o fato de que a quero mais a cada
minuto, independentemente de qualquer coisa que ela faça ou diga,
apenas a quero. Passo a mão pela perna dela e subo a saia que
está abaixo do joelho, ainda bem que as mesas possuem toalhas
longas.
— Semana que vem, é seu aniversário— ela me diz enquanto
movo minha mão por sua perna.— Malcom... se você fizer isso, eu
não sei se posso ficar quieta.
— Claro que pode...— digo, subindo mais minha mão.— Você
é uma mulher capaz de controle.
— Não. Não posso. Não com você me tocando assim. —
Savannah encosta a cabeça no meu ombro e me dá uma leve
mordida, eu paro a minha mão e apenas acaricio sua coxa.
— É, semana que vem é meu aniversário.
— Trinta e seis?
— Ahãm...— digo, tomando um gole do suco de laranja parado
na minha frente.
— Sua mãe quer organizar alguma coisa.
— Eu não gosto de festas. Gosto de passar meu aniversário
sozinho, normalmente viajo. Quer vir comigo?
— Não. Quero que você fique aqui— ela me diz, passando os
dedos pelo meu braço.— Você não quer passar esse aniversário
com ela?
— Vivi sem isso nos últimos vinte e poucos anos.
— Mais um indicativo de que deveria. Ela não vai estar aqui
no...
— Eu sei— digo, sendo ríspido. Ela não vai estar aqui no
próximo. E eu entendo isso. Entendo muito bem.— Nada grande,
um jantar apenas, sem presentes. Não gosto de presentes.
— Quem não gosta de presentes?
— Eu. Presentes são só coisas que você não precisa e, ainda
assim, não pode jogar fora.
— É um modo duro de olhar para a coisa toda. Em referências
futuras: eu adoro presentes— ela me diz, sorrindo.
— Certo.
— E se eu quiser te dar um presente que não é material?—
Sua insinuação é sexy demais.
— Eu já sei o que quero que você me dê de presente nesse
caso.
— E o que seria?— ela questiona, mordendo o lábio. Ah, as
coisas que eu quero fazer com essa mulher, mas eu confesso que
ainda não sei se posso fazê-las, não sem assustar Savannah.
— Eu deixo você saber no dia— afirmo, sorrindo. Olho para o
relógio, são quase nove horas.— Temos que ir.
— Droga! Roger vai adorar o meu atraso.
— Não se preocupe, você pode se resolver com o chefe dele—
afirmo.

— O que é isso na sua cara?— meu primo pergunta com uma


expressão séria. Me pergunto se tem algo de errado no meu rosto,
então olho para uma das portas de vidro da sala de reuniões e vejo
pelo reflexo que tudo parece normal, ou pelo menos não há nada
que eu esteja percebendo. Então me viro para o meu primo e o
questiono.
— O que há de errado com o meu rosto?
— Você estava sorrindo e fez isso diversas vezes— ele diz
pausadamente enquanto sorri como um idiota—, Malcolm
Campanelli sorrindo pela manhã como uma pessoa satisfeita, eu
diria até feliz. Tem algo de errado com você não tem?
Estamos no fim de uma reunião do setor de marketing e
esperando pela assessora de imprensa para conversar sobre a
situação envolvendo meu nome e os de Alec e Margareth. Quando
cheguei na empresa mais cedo, havia fotógrafos na porta. Desci
com Savannah, segurando a mão dela na minha e, assim que
entramos, a beijei antes de nos separamos, seguindo para lados
opostos do andar.
— Por que teria algo de errado?
— Não te vejo sorrir sem motivos desde que éramos crianças.
Não, minto, nem quando éramos crianças você ficava sorrindo sem
motivos.
— E quem disse que eu não tenho motivo pra sorrir?— Antes
de Arthur falar, eu estava pensando em Savannah, na noite que
tivemos. Aquela mulher é incrivelmente sexy, mas não é só o corpo
dela que me atrai, gosto das nossas conversas, de ouvir ela falar
sobre os cantores que gosta, os filmes, todo o tipo de coisa que
normalmente não me interessaria. A questão é que tudo me
interessa quando vem dela.
— Então você simplesmente fugiu da festa? Uma festa na qual
você era o homenageado?
— Não é uma homenagem, é um “obrigado por todo seu
dinheiro”, e eu tinha coisas melhores para fazer.
— Se eu não te conhecesse bem, diria que está apaixonado—
ele comenta.
Batidas na porta são seguidas pela minha assistente pessoal
avisando que a equipe de assessoria está pronta para entrar na
sala. Digo para que deixe que entrem e então começamos a discutir
a situação envolvendo Alec e Margareth.
Depois de apresentar um breve apanhado de tudo que tem
sido dito e especulado sobre a situação, a gerente de gestão de
risco da empresa diz que é importante que não se tenha a
impressão de conflitos não resolvidos.
— Somos uma empresa que opera tanto no valor de
construção de marca adquirido nas últimas três décadas, quanto na
confiabilidade do CEO. Se a impressão for de que o senhor está
passando por problemas pessoais no meio de um momento em que
estamos reestruturando e investindo pesado nas novas instalações,
fechando minas, abrindo outras, isso pode significar uma baixa do
valor.
— E qual a sugestão?
— Ficar perto da família. E publicizar isso em pequenas
dosagens. De preferência em redes sociais, como o senhor não faz
uso delas...
— Savannah usa— Arthur comenta.— Sua namorada pode
postar, Alec pode.
— É um plano. Preciso ver isso com eles— respondo.
Quando chego na casa de Margareth, encontro-a sentada
perto do piano enquanto Alec toca. Savannah me olha e sorri de
canto, como alguém que sabe algo que ninguém mais sabe, eu
gosto dessa sensação, desse outro nível e intimidade. Não sabia
que isso, sozinho, poderia ser algo satisfatório. Cumprimento
Margareth com um leve e breve beijo em seu rosto, ela sorri, parece
mais corada hoje, um pouco mais ativa.
— Soube que se divertiram na noite passada— Margareth diz
a Savannah quando as duas se abraçam.
— Ah, sim... nos divertimos bastante— Savannah fala olhando
para Alec.— Seu filho teria futuro na música country, estava
querendo cantar no bar e tudo mais.
— Isso não é verdade, é?— Alec questiona, soltando uma
risada.— Eu fiz mesmo isso? Alguns detalhes estão confusos
depois da quinta dose de conhaque.
— Sim. Você disse que poderia ser um cantor de country tão
bom quanto os que estavam lá. E eles eram uma banda cover de
qualidade duvidosa.
— Deus, eu nunca mais vou beber com você, mulher— ele
responde. Alec e Savannah parecem se entender bem, e eu ainda
não gosto da forma como ele olha para ela, mas sei que deveria
ficar satisfeito com o fato de que eles se dão bem.
— É, Lucy disse a mesma coisa. Ela acordou com uma
ressaca gigante,me mandou mensagens e umas fotos da noite
passada.
— Fotos? Nem sei se quero vê-las. Eu também acordei de
ressaca e tive que ir para o estúdio gravar, o que foi terrível, para
dizer o mínimo. Já você parece muito bem— Alec diz.
— Seu irmão se certificou de que eu ficasse sóbria— ela
conta, olha para mim e estica sua mão, que toca meu joelho por
cima da calça, acariciando-o.
— Como foi sua viagem, Malcolm?— Margareth questiona.
— Honestamente, enfadonha e mais demorada do que o
esperado. Estou contente de estar de volta.
— É bom tê-lo de volta, querido. Espero que não se incomode
que eu tenha convidado a Savannah para jantar conosco.
— Não, claro que não.
— Eu suponho que você tenha visto as notícias— Alec diz,
olhando para mim.
— Sim. Você vai mesmo parar os shows.
— Sim. Não só os shows. Tudo. Gravações, compromissos
sociais. A última coisa é a premiação de melhores do ano no Brasil,
depois do Réveillon e então...
— Ainda acho um erro— Margareth diz.— Música é a sua vida,
não deveria parar porque...
— Isso não está aberto para discussão, mãe. Eu não vou
continuar viajando e correr o risco de não estar aqui e... eu não vou.
— A dor nas palavras dele é quase palpável. Noto quando Alec bate
os dedos na perna de forma impaciente. Ele não está bem. Eu
conheço os sinais de alguém tentando se controlar, sou mestre
nisso.
— Alec, você se importa de acompanhar lá fora? Eu preciso
fumar— digo. Alec me olha e acena concordando, Savannah é que
está sem entender nada. Ponho a mão em seu ombro quando me
levanto e então digo: “Já volto, linda”. E então desapareço pela
porta com Alec ao meu lado.
Assim que acessa ao jardim, ele retira a carteira de cigarro do
bolso e acende um, sua mão está tremendo. Ele dá uma tragada e
me oferece, nego, ele encosta a cabeça em uma pilastra de madeira
e dá uma nova tragada no cigarro.
— Eu precisava disso— ele afirma.
— Dava pra notar.
— Essa merda vai foder a minha voz, e é a única coisa que me
acalma, não é irônico?— ele questiona, sorrindo, mas é uma risada
triste.— Eu sei que você não gostou de me ver com a Savannah e
que eu implico, mas eu nunca faltaria com respeito a ela, primeiro
porque não é quem eu sou, depois porque ela é louca por você e
provavelmente me bateria, segundos relatos— ele ri e então não sei
do que está rindo, mas ignoro—, além disso, por mais que a gente
não se conheça bem, você é meu irmão, e eu não iria querer fazer
algo que te fizesse me odiar.
Sinto uma pontada de inveja do fato de que ele é tão bom
nisso, em dizer como se sente.
— Imagino que deva parecer que eu não me importo, mas eu
apenas não sou bom nisso. O que não significa que não podemos
tentar ser...
— Você está querendo me convidar para sair?— Alec implica,
sorrindo.— Me desculpe, é que é fácil demais te provocar. Podemos
tentar apenas passar mais tempo juntos, o que me lembra que eu
tenho um presente de aniversário para você, ingressos na área VIP
dos Knicks para o jogo no dia do seu aniversário, antes do jantar de
Ação de Graças. Savannah me disse que você gosta de baseball.
Eu costumava ir aos jogos com meu pai e Arthur quando era
adolescente, depois disso, eu e meu primo mantivemos a tradição
por bastante tempo até que o trabalho nos consumiu, hoje vou a, no
máximo, dois jogos por temporada.
— Obrigado.
— Não agradeça ainda, eu sou a pior companhia, não sei nada
sobre baseball, você provavelmente vai ficar irritado comigo.
— Vou me esforçar para não te jogar da arquibancada —
respondo, sorrindo.
— Ah, e embora meu presente contribua para o que vou dizer
em breve, ele foi pensado antes disso, mas minha assessoria acha
que deveríamos aparecer publicamente juntos, de forma controlada,
mostrar que não há nenhum problema entre a gente, que somos
uma família feliz.
— É, a minha também— conto. Alec gargalha, dá outra
tragada no cigarro, então ele apaga-o e esconde os restos do
cigarro em um dos jarros de plantas.
— Margareth vai achar que eu sou um fumante mal-educado.
— Ela não reclamaria com você— ele, diz abrindo a porta—
Malcolm, obrigado por isso. Pelo cigarro, pela conversa.
— Sem problemas— é tudo que respondo.
Na volta para minha casa, Savannah está me olhando com um
sorriso no canto do rosto enquanto estou no telefone, assim que
desligo,me inclino um pouco e ponho as mãos nas pernas dela.
— Posso saber o porquê desse sorriso?
— Você é muito fofo.
— Não. Não sou.
— Claro que é. Eu vi o que você fez pelo seu irmão, aquilo foi
adorável. Então, sim, você é muito fofo.
Eu passo a mão pelo cinto de Savannah e solto-o, então a
puxo para o meu colo.
— Malcolm!— ela diz com um tom de surpresa enquanto a
seguro firme contra o meu corpo.
— Eu não sou nem um pouco fofo, entendeu?— pergunto,
provocando-a enquanto movo meu corpo contra o dela, que também
procura fricção. Savannah tenta me beijar, mas me afasto e seguro
seu seio com força, o que a faz morder o lábio e soltar um gemido.
— Entendi, claro que entendi— ela responde, sorrindo.—
Agora me beije!
Então faço o que ela pede e estou no paraíso outra vez.
 

 
Tem algo extremamente sexy em ver o homem que você ama
sorrindo. Sim, eu disse "ama". Não consigo mais esconder, pelo
menos não de mim mesma. Malcolm está sentado em uma cadeira,
usando uma camisa azul dos Knicks enquanto conversa
animadamente com Arthur. Na verdade, me deixe ser correta nesta
descrição: eles estão discutindo animadamente. Aparentemente
sobre quem é o melhor jogador da temporada, considerando quem
tem mais acertos, mais home runs e mais vitórias. Alec está sentado
com eles, observando a discussão e se divertindo com ela. O trio
acaba de chegar do jogo de baseball e agora está instalado em uma
área gourmet semiaberta da Margareth, enquanto estou tomando
uma taça de vinho com Lucy. Nosso jantar de Ação de Graças vai
ser aqui. Arthur veio por ser convidado de Malcolm, Lucy está aqui
porque os pais estão em uma viagem pela Europa para a qual
juntaram dinheiro por anos e ela não suporta a ideia de passar o
feriado na casa do irmão com meia dúzia de crianças correndo de
um lado para o outro.
— Vitórias consolidadas importam mais, Malcolm— Arthur
afirma.
— Homens, tão previsíveis, mas tão bons de olhar— Lucy diz,
sorrindo.
— Malcolm não é previsível— resmungo.— Adoraria que
fosse, seria mais fácil. — Malcolm me olha como se soubesse que
estou falando dele, mas é impossível que esteja nos ouvindo,
considerando nosso tom e o quanto ele está envolvido na discussão
com o primo. Arqueio as sobrancelhas para ele, que me oferece um
tímido sorriso no canto da boca. — Sabem que estão ambos
enganados, certo?— questiono, aumentando minha voz. Os três
homens me olham.— As estatísticas avançadas são determinantes
para entender o valor de um jogador hoje em dia, você tem corridas
ponderadas na base, criação, OPS, capacidade de piching
independente de campo, não importa quem ganha mais no final do
jogo, mas quem performa melhor. É assim que eles definem se um
jogar é bom ou não, se vale a pena ser comprado, mesmo que seu
time performe abaixo da média.
Malcolm sorri enquanto nossos olhos se fixam um no outro.
— Ninguém gosta de uma sabe tudo— Arthur diz com um tom
brincalhão.
— Tem quem goste— Malcolm retruca. E isso causa um calor
que atravessa minha espinha e me embala.
— Ok, procurem um quarto, mas, por favor, não o meu— Alec
diz, levantando-se do sofá.— Vou checar a minha mãe.
— Vem aqui— Malcolm pede. Eu me sento ao lado dele no
sofá e então meu namorado... é isso que somos, certo? Pelo menos
publicamente, bem, seja como for, Malcolm me beija.
— Vocês se divertiram?— questiono.
— Foi ótimo.
— Ele se comportou com um bom irmão mais velho. — Arthur
tem um sorriso no rosto ao dizer isso.— Alexa não vem?
— Não me diga que está com saudade dela?— pergunto.
Arthur acena negativamente, parecendo ultrajado pelo
questionamento.
— Eu sei que a Margareth a convidou, aparentemente ela está
tentando ver a Alexandra há mais de um mês e nada. Ela deve se
achar importante demais— Arthur diz com um certo desdém.
— Alexa estava com a avó, que levou uma queda e precisou
de cuidados— Lucy afirma,defendendo nossa amiga.
— Eu quero ir embora— Malcolm sussurra no meu ouvido, e
eu deixo de prestar atenção na conversa de Lucy e Arthur e foco
nele.— Eu quero ficar sozinho com você.
— Vamos jantar primeiro. A Margareth... bem, ela contratou um
ótimo buffet— digo, sorrindo, não posso dizer que a mãe dele se
esforçou com o jantar, porque não é verdade, em seu estado, ela
não cozinharia mesmo se soubesse, mas ela se esforçou para que
isso aqui acontecesse. Para que estivéssemos todos aqui. No que
diz respeito à comida, para além da equipe contratada, eu fiz
algumas coisas, o purê tradicional da minha mãe e uma torta, o que
me lembra que preciso ligar para os meus pais.
— É meu aniversário e eu quero você de presente—ele afirma,
me beijando.
— Ahãm... — Arthur começa a pigarrear—, vocês querem que
a gente saia da sala e deixe os dois mais à vontade?
— Seria bom— Malcom responde, olhando para o primo. Ele
volta e me encarar então me aproximo e sussurro em seu ouvido:
"Mais tarde, na sua casa. Por enquanto, o que eu posso fazer pra te
deixar feliz?"
— Estava dizendo que a Mônica está grávida— Arthur conta.
Sim. Mônica e Harry estão esperando um bebê, aparentemente
Arthur vai ser o padrinho do bebê do melhor amigo dele.— Eles mal
casaram e ela está grávida.
— Quem está grávida?— Margareth questiona, entrando na
sala. Ela olha para mim com uma expressão esperançosa, está
sendo apoiada por Alec, que a ajuda a se sentar. Ela tem dias bons
e dias muito ruins. A doença avança, apesar de todos os paliativos
e, em alguns momentos, ela não consegue ficar acordada devido à
medicação de controle da dor.
— Não. Não sou eu...— respondo. Tento sair do colo de
Malcom para me sentar na poltrona livre, mas ele não me permite.—
O que a sua mãe vai pensar?
— Não se incomode, querida. Já fui jovem e apaixonada, sei
como é— ela diz com um sorriso no rosto. Malcolm coloca a mão na
lateral do corpo de Savannah e ela permanece onde está.— Um
neto... acho que é a única coisa que não vou conseguir.
Olho para Alec, que move as pernas impaciente. A
naturalidade com que Margareth fala da morte sempre o incomoda.
Eu a entendo. Se é inevitável, é melhor estar ambientado ao fato.
— E você é o padrinho, não é?— questiono, tentando dissipar
o clima.— Quem é a madrinha? Alexa?
A resposta de Arthur é um pesado “infelizmente” que faz com
que Lucy solte uma gargalhada.
— Isso é perfeito!— afirmo, sorrindo. Já posso imaginar o
quanto eles vão implicar um com o outro.
— Vocês não se dão bem?— Margareth questiona.
— Eles se detestam— comento.
— Eram tão unidos quando crianças— ela argumenta.
— É, mas, então, ela cresceu e se tornou uma pessoa irritante
— Arthur diz.
— Sempre achei que ela tinha uma pequena paixonite por
você quando eram crianças— Margareth comenta. Arthur parece
achar a ideia totalmente absurda.
A pessoa responsável pelo buffet aparece perguntando se
pode montar a mesa. Margareth afirma que sim e então diz que a
mulher pode ir embora assim que fizer isso, para aproveitar o
restinho do feriado, que vamos nos servir sozinhos.
Depois de um tempo, todos se levantam e começam a se
mover em direção à mesa do outro lado da área gourmet.
— Vou ligar para os meus pais— aviso e então me afasto da
mesa e procuro um lugar tranquilo. Minha mãe atende com um
sorriso no rosto e grita pelo meu pai para que ele "venha depressa".
Os dois parecem bem, felizes.
— Você está linda!— minha mãe diz.— Onde está?
— Na casa de um amigo. Na verdade, na casa da mãe do meu
chefe.
— A mãe do seu chefe? E as garotas? Achei que ia passar
Ação de Graças com a família de Lucy.
— Os pais da Lucy estão viajando, mas Lucy está aqui comigo,
e Alexa está com a avó. Como vocês estão?
— Ótimos. Suas tias fizeram comida demais, e seu pai não
quis ficar para jantar, viu o jogo na TV e agora estamos aqui nos
organizando para jantar e jogar cartas.— meu pai e a família da
minha mãe são como água e óleo, eles são gentis uns com o outro,
mas nunca parecem totalmente confortáveis. Nos primeiros anos da
relação dos meus pais, eles simplesmente não aceitavam que
minha mãe tivesse escolhido “aquele homem”, levou tempo para
que a poeira baixasse, mas meu pai nunca quis muito papo, porque
ele sabia bem quais eram as razões para aquela resistência inicial.
— E você queria ter ficado, meu amor?— meu pai questiona,
olhando para minha mãe.
— Não, querido. Eu prefiro jantar apenas por você, é por você
que sou grata— ela diz. Meus pais são açucarados nível telenovela
mexicana um com o outro e eu os amo por isso.
— E eu amo e sou grata por vocês.
— Nós te amamos e somos gratos por você, querida— meu
pai afirma, acenando.
— Não consegue mesmo vir para o Natal?— minha mãe
pergunta.
— Eu prometo que nunca mais passo um Natal longe de vocês
depois desse Natal, mãe, de verdade.— Não posso ir, não com toda
essa história com Malcom, não quero apresentá-lo aos meus pais
sem entender o que somos, nem sei se isso vai acontecer um dia.
— Vou cobrar essa promessa, querida.
— Eu sei que vai. E não pretendo quebrá-la. Eu tenho que ir,
bom jantar.
— Bom jantar, querida.
Assim que desligo, sinto as mãos na minha cintura e então
Malcolm põe a cabeça no meu ombro, e eu me encosto um pouco,
deixando que ele me envolva.
— Tudo bem com os seus pais?
— Tudo ótimo— respondo.
— Acho que te devo uma resposta da pergunta que fez mais
cedo.
— Que pergunta?
— Você me perguntou como pode me deixar feliz por
enquanto. Ainda quer saber?
— Quero— respondo, me deixando embriagar pelo seu cheiro.
— Ótimo, quero que você tire a calcinha, coloque no meu
bolso.
— Malcolm...
— O quê? Vocêdisse que queria me deixar feliz.
— Você tem sorte que é seu aniversário, mas se a sua mãe
nos pegar, eu vou ter que mudar de cidade e de nome.
— Eu gosto do seu nome e gosto de você bem aqui— ele diz,
roçando os lábios pelo meu rosto.— Vamos lá, calcinha, agora.
— Eu odeio você, sabia?— questiono, olhando para os lados,
não há ninguém perto e eu estou ficando molhada só com a ideia do
que ele está me pedindo, levanto um pouco meu vestido e puxo o
tecido da calcinha rendada e minúscula, eu a escolhi
cuidadosamente, pensando na noite que vamos ter depois desse
jantar.
Meu coração está batendo forte enquanto desço-a de uma vez
e passo-a pela perna, libertando o tecido, coloco-a no rosto de
Malcom provocativamente e então desço-a e ponho no bolso da
calça dele. Ele está duro, e eu fico feliz porque a ereção dele não é
fácil de disfarçar e isso significa que não sou a única em agonia
aqui. Ele coloca a mão em mim, por cima do vestido, e aperta
levemente a minha boceta.
— Malcolm...
— Você precisa se esforçar ou vai ficar com a roupa toda
molhada— ele diz com um tom safado que não me ajuda na
tentativa de manter o controle.— E eu sou o único que pode te ver
assim, entendeu?
— Entendi— concordo enquanto tento assimilar o que ele está
dizendo. Só ele pode me ver assim.— Vamos voltar.
Estou usando um vestido florido e soltinho, ao menos ele tem
algum comprimento, mas o fato de que estamos numa área externa
me deixa ainda mais cautelosa com o fato de que estou sem
calcinha.
Assim que voltamos, todos já estão na mesa, Margareth está
sentada em uma ponta, Alec na outra. Lucy e Arthur estão do lado
esquerdo de Margareth e há dois lugares de frente para eles. Me
sento mais perto de Margareth, e Malcolm fica mais próximo de
Alec.
— Já íamos mandar um grupo de regaste procurar por vocês—
Arthur diz, sorrindo.
— Tenho certeza de que estavam ajudando um a lavar a mão
do outro— Alec comenta. Eu mostro minha língua para ele, que
devolve, e então estamos sorrindo um para o outro. Antes de
começarmos a comer, Margareth pede para que cada um diga pelo
que é grato.
— Eu começo...— ela diz, sorrindo—, sou grata por estar aqui
hoje, por cada novo dia e tempo com meus filhos e pessoas tão
queridas. Trinta e seis anos atrás, eu estava segurando, mais ou
menos nesse horário, o meu primeiro bebê nos braços, que agora
ele está aqui, um homem feito. Sou grata pela chance de recuperar
um pouco do tempo perdido.
— Eu sou grata pela minha família, pelo meu emprego e por
estar aqui com vocês hoje— Lucy afirma.
— Eu sou grato por esse jantar, não temos algo familiar assim
desde que éramos crianças— Arthur afirma.
— Eu...— Alec engole seco. Ele parece irritado. — Eu...
— Posso?— Malcom pergunta. Alec acena concordando.
Admiro o fato de que ele está fazendo algo que o deixa
desconfortável para retirar a tensão do irmão. — Sou grato por estar
aqui e hoje poder compartilhar esse momento e essa refeição com
vocês, pegando suas palavras emprestadas, Margareth, sou grato
pela chance de recuperar um pouco de tempo.— Coloco minha mão
por cima da dele e quero beijá-lo por ser tão maravilhoso, então ele
olha para mim:— Sou grato pela senhora Marshall...— ele diz me
olhando—, por ela ter insistido que eu contratasse você.
— Sou grata pelos meus pais, pelas minhas amizades, por
você— digo para Malcolm. — Sou muito grata pela senhora ter feito
um filho tão lindo— digo a Margareth, fazendo todos sorriem, até
Alec parece menos tenso agora.
Nós nos servimos e vamos conversando enquanto comemos.
— Se divertiram no jogo?— Margareth questiona.
— Sim. Os Knicks venceram— é o que Malcolm diz em
retorno.
— Malcolm não se diverte em jogos, ele passa metade do
tempo xingando o técnico por não aproveitar os talentos do time de
forma adequada e a outra metade reclamando da arbitragem—
Arthur conta.
— Então precisam ir junto ao estádio— Lucy diz, apontando
tanto para mim quanto para Malcolm—, quando os Longhorns
jogaram aqui, essa mulher quase nos fez ser expulsas do estádio.
— Eu não sabia que você gosta de baseball— Malcolm diz,
tocando a minha perna.
— Tem muita coisa sobre mim que você não sabe, querido—
respondo. Ele move a mão e sinto a tensão sexual aumentando no
meu corpo.
— Espere, você disse expulsas?— Malcolm questiona.
— É. Tinha esse cara que ficava falando "senta aí, boneca" e a
Savannah perdeu a paciência com ele...
— Lucy...— reclamo, não acredito que ela vai contar essa
história aqui, não quero que Margareth pense que sou uma maluca
de pedra.— Você não precisa ficar contando isso.
— Agora eu PRECISO saber— Arthur afirma.
— Ele ficava falando que ela ficava mais bonita sentadinha,
vendo o jogo e que ela podia se sentar nele, e então a Savannah se
aproximou dele e derramou toda a cerveja no colo do cara e o
chamou de babaca. Só não fomos expulsas porque Alexa começou
a citar legislações.
— Longhrons, hãm? Knicks são tão melhores— Malcolm
argumenta.
— Sério que foi isso que te chamou atenção na história?
— Não, mas eu gosto do fato de que você pode lidar bem com
idiotas...
— Até porque ela precisa disso pra lidar com você— Arthur
adiciona. Malcolm olha para ele, oferecendo uma expressão mortal
e então, quando retorna a me olhar, isso já mudou.— Acho que
vamos ter nossa primeira briga, você precisa gostar dos Knicks.
— Você quer que o meu pai deixe de falar comigo?—
questiono.
Terminamos de jantar e estamos todos sentados, satisfeitos, a
mão de Malcolm está na minha coxa, mas ele ainda não fez nada de
ousado, o que eu agradeço.
— A comida estava deliciosa, Margareth— Arthur diz.—
Principalmente o purê.
— Foi a Savannah que fez o purê— Lucy conta.
— Bonita, bem-humorada, inteligente e ainda cozinha. — O
comentário de Arthur faz Malcolm apertar um pouco a mão na minha
coxa.
— Se incomoda de tocar um pouco, querido?— Margareth
pede a Alec.
— Por favor!— Lucy endossa o pedido enfaticamente.
— Claro, claro. Vou pegar o violão e um casaco para a
senhora, está frio aqui.
— Não preciso de um casaco, Alec— ela resmunga— Tão
controlador.
— Ao menos fica claro que ele e Malcolm são irmãos— Arthur
diz, se achando muito engraçado.
— Na verdade...— Malcolm começa a dizer—, está mesmo
frio, porque não entramos e ligamos a lareira, é melhor.
Noto o olhar agradecido que Alec lança para ele e fico feliz
com o fato de que estão, aos poucos, se acertando. Na sala de
estar, há uma série de cobertas, e Malcolm cuida da lareira,
enquanto Alec pega um violão. Eu me sento em uma poltrona
grande com uma coberta no colo e então Malcolm vem e se senta
ao meu lado, me colocando em seu colo.
Alec começa a tocar e todos estão cantando enquanto sinto a
mão de Malcom se mover pelas minhas pernas, procurando espaço.
— Você quer me matar, não é?— questiono.
— Se você não se controlar, terá, quando se levantar, uma
poça nesse vestido.
— Malcolm...
— Não vou fazer nada demais, só estou acariciando você, não
vamos passar disso— ele afirma, e então sua boca está na minha. A
grande questão é que ele não precisa colocar seus dedos em mim
para que eu fique excitada, a mão na minha coxa, a forma como ele
me beija e, às vezes, oseu olhar já são suficientes para isso. Me
encosto em seu peito e tento relaxar. Presto atenção em Alec, na
música, tento focar em qualquer outra coisa que não seja o quanto
quero Malcom, mas é uma tarefa que se mostra difícil demais.
— Domingo é meu último show em Nova Iorque, vocês querem
vir?— Alec questiona. Lucy mal o deixa terminar a pergunta para
dizer que sim:
— Vamos, claro que vamos— respondo por mim e Malcolm.
Ele não parece se incomodar por isso.
— Posso ir, tenho um encontro com Elaine...— ele comenta,
sorridente. Arthur está correndo atrás dessa mulher há meses pelo
que consigo lembrar.
— Finalmente!— afirmo.
— É, vamos jantar, então acho que um show depois pode ser
boa coisa.
— Espere um minuto, Elaine, a enteada do pai da Alexa?—
Lucy questiona. Eu sabia que conhecia aquele nome de algum
lugar, mas não tinha juntado as pontas. Nunca vi Elaine, assim
como nunca vi o pai de Alexa, Lucy, que a conhece desde pequena,
sabe muito melhor dessas questões.
— Sim.— Eu me movome levantando cuidadosamente da
poltrona e então vou até a cozinha e volto com o bolo de aniversário
de Malcolm. Estou cantando parabéns e Alec se junta com o violão.
Margareth também canta, a voz dela é linda, apesar do cansaço
evidente depois de algumas estrofes.
Malcolm parece um tanto constrangido com tudo e então eu
paro na frente dele, sendo cuidadosa para não me abaixar demais,
e peço para que ele faça um pedido.

Quando finalmente voltamos para a casa de Malcolm, estou


pronta para atacá-lo, considerando o tanto que ele me fez sofrer
durante as últimas horas. Meu...namorado? É, meu namorado! Meu
namorado segura a porta aberta para mim e, assim que entramos,
ele me olha de forma firme e então começa a tirar o casaco, a peça
de roupa é deixada no hall de entrada da casa, Malcolm pega a
minha mão e caminhamos para a sala de estar, quero tocar nele,
mas sei que ele tem planos específicos e mal posso esperar por
eles.
Malcolm desabotoa sua camisa no meio da sala, e eu estudo
essa imagem enquanto os músculos preenchem bem o tecido
escuro, abraçando seu corpo em todos os lugares certos. Ele me dá
um sorriso cheio de malícia, covinhas aparecem em seu rosto
quando ele faz isso. Mantendo certa e excruciante distância, ele
ordena:
— Tire o vestido, Savannah.
Sua voz é áspera, mas tem, além disso, um tom de
divertimento. Ele gosta de me ver em agonia, querendo-o mais a
cada segundo. Me pego sorrindo enquanto tento alcançar o
pequeno zíper nas costas do vestido, a saia da peça é bem solta,
mas a parte superior está bem colada no meu corpo. É o tipo de
peça que é mais fácil vestir do que retirar, principalmente sob o olhar
atento de Malcolm Campanelli.
E então eu consigo finalmente alcançar o maldito zíper e, com
um bom puxão, faço com que a peça se abra, passo-a pelos meus
ombros e quadris, e então o tecido rosado e florido está nos meus
pais.
— Feliz aniversário!— digo sorrindo. Saio do vestido e
caminho na direção de Malcolm, estou praticamente nua, o sutiã é
tudo que resta e então eu coloco minha mão no fecho frontal para
soltar a peça, mas Malcolm me interrompe enquanto olha para mim
de uma forma severa:
— Não disse que podia tirar o sutiã.
Filho da mãe! Minhas pernas ficam fracas, e ele está
segurando os meus pulsos com uma de suas mãos, enquanto a
outra me explora. Os dedos percorrem as bordas do meu sutiã,
fazendo a minha pele esquentar a cada novo toque. Quando parece
satisfeito, ele muda de estratégia, mergulha um dos dedos dentro do
tecido e passa-o pelo meu mamilo. Estou trêmula de prazer
enquanto ele puxa o material, expondo um seio e depois o outro. Ele
sorri.
— Você está achando graça do meu sofrimento?
— Um pouco. Agora fique quieta— ele demanda. Malcolm
apalpa meu seio e o aperta firmemente e, enquanto abaixa a cabeça
e passa a língua em círculos pelo meu mamilo, os dentes me
mordem de uma forma leve e deliciosa. Solto um gemido e estou
ficando mole, à beira de um colapso de prazer do tanto que estou
acumulando desde o jantar.
Malcolm libera os meus braços e então suas mãos se movem
para a minha bunda, apertando as minhas nádegas enquanto ele
beija meu pescoço carinhosamente e nos move pela sala. Minhas
pernas encontram o grande sofá no meio da sala dele e o meu
corpo é jogado contra as almofadas confortáveis da peça de
mobília. Esse movimento sozinho me lança ainda mais prazer.
Malcolm se ajoelha, então puxa meus calcanhares e abre minhas
pernas. Todo meu corpo está formigando, mas luto comigo mesma e
encontro forças para levantar a cabeça e olhar para o rosto lindo
dela, para a expressão de prazer que ele tem ao me encontrar
assim, pronta para ele, totalmente excitada.
— Você está tão molhada— ele diz, sorrindo.
— Culpa sua — digo enquanto luto contra a água em minha
boca. Quero pedir para que ele me foda, mas isso só o faria levar
mais tempo por pura provocação. Malcolm gosta de levar as
parceiras ao máximo, isso o deixa ainda mais excitado e é, suspeito,
o que faz com que essas mulheres continuem querendo-o, é como
se ele fosse tirando uma pequena camada por segundo até que
você esteja tão sensível que qualquer lugar em que ele toque seja
puro prazer.— Só você me deixa assim.
— Ótimo, porque tudo isso...— ele faz uma pausa e então
morde o interior da minha coxa—, tudo isso é meu, só meu.
Malcolm mergulha entre as minhas pernas e me beija, estou
tão sensível que, quando tento falar, há apenas minha respiração
ofegante.
— Quero que solte o sutiã e se deite— ele me diz. Quero vê-lo
fazendo isso, quero vê-lo lambendo, sugando, mas não
desobedeço, além disso, não sei quanto mais de força ainda me
resta. Ele joga minhas pernas sobre seus ombros e acomoda as
mãos em meus quadris. A boca dele volta para o meio das minhas
pernas, primeiro soprando rapidamente. Ele para e não, não posso
mais suportar isso.
— Malcolm...por favor— digo, levantando um pouco meu
corpo. Ele sorri satisfeito. Seu corpo se move, a boca se aproxima
da minha e me beija com vontade, fazendo com que eu passe
minhas mãos pelo pescoço dele, movo minha mão pela calça dele,
quero ele dentro de mim agora mesmo e estou crente de que é isso
que virá em seguida, mas, então, Malcolm se afasta.
— O que foi? O que há de errado?— pergunto, ofegante. Ele
sorri.
— Você me desobedeceu, e eu vou ter que te punir por isso—
ele responde. Uma coisa gelada passa pelo meu estômago ao ouvir
isso.
— Me punir como?— questiono. Nunca discutimos sobre tapas
ou...bem, já transei com um cara que curtia alguns tapinhas leves,
não era ruim, mas o sexo com ele não era bom a ponto de aquilo
realmente fazer sentido como parte do processo. Malcolm me beija
novamente, ele age agora como se não quisesse me punir, como se
fosse necessário.
— Eu vou chupar você, e você não pode gozar, entendeu? Se
fizer isso, se chegar lá, eu não vou entrar em você. Isso vai te
ensinar a não burlar as regras.
Ele não esperou que eu confirmasse, que dissesse que
entendi, em vez disso, apenas abaixou sua cabeça e então sua
língua mergulhou para um golpe de precisão através de suas
dobras. Quase o desobedeci nesse exato momento. A língua larga e
extremamente habilidosa de Malcolm se moveu até meu clitóris
fazendo minhas pernas tremerem.
— Diga que me entendeu— ele demanda, parando. Pego em
seus cabelos e puxo-os com força, claro que entendi, mas sei o que
vai sair da minha boca se abri-la, provavelmente e vai ser uma
súplica para que ele simplesmente me foda.— Savannah...diga que
me entendeu.
— Entendi. Entendi...— afirmo, choramingando por mais.
— Excelente.— Ele então volta a beijar minha coxa antes de
retomar a tortura de me lamber, enquanto me esforço para não
chegar ao orgasmo, sua língua se moveu de forma lenta e metódica,
subindo e descendo, fazendo círculos e depois se afundando em
mim novamente. Ele sabe como me levar ao êxtase de uma forma
que ninguém mais foi capaz.
Meu corpo começa a se contrair, e eu tento me segurar mais
um pouco, o problema é que o desejo é mais forte do que eu, estou
gemendo, choramingando, me esforçando ao máximo.
— Não...Malcolm, não posso segurar.— Um pequeno toque,
uma pequena mudança na posição da sua língua e vou me
desmanchar dentro dele. Ele então para e se levanta. Está me
olhando com um sorriso satisfeito, minha expressão, em
contrapartida, deve ser de pura súplica. Ele retira os sapatos,
enquanto o assisto cheia de desejo, louca por ele, para tê-lo em
mim. Malcolm livra-se da camisa que até estava apenas aberta e,
por fim, retira a calça, levando junto a cueca.
A ereção Malcolm saltou livre de seu confinamento e isso me
fez respirar fundo ao vê-lo assim, tão duro, sem nem precisar que
eu o toque para isso. Apenas me levar ao máximo faz isso com ele.
Ele sorriu e acenou com a cabeça, e eu entendo o que deseja, está
me dizendo para subir mais na cama. Faço isso e então ele se move
para a cama devagar, como se fosse um animal no meio da caça, e
eu fosse a presa, encurralada, a grande questão é que eu quero
mais do que tudo ser devorada.
Malcolm esfregou seu comprimento ao longo do meu clitóris e
então me beijou bem no meio de um dos meus gemidos,
mergulhando sua língua em minha boca. Nossos dedos se
entrelaçam enquanto ele segue se esfregando em mim.
— Está pronta para mim?— ele pergunta.
— Estou— confirmo, acenando positivamente, e então ele
solta uma das minhas mãos e segura sua ereção, circulando-a ao
redor da minha entrada. Ele entra em mim com um só impulso, e
isso me faz gritar de prazer. Era isso que eu queria, era por isso que
ansiava, pela sensação de plenitude de ter o meu homem em mim
dessa forma. Malcolm espera um pouco antes de se mover, ele
sabe o quanto eu preciso disso, e então os movimentos são
bruscos, ele me fode com gosto, como se estivesse – e está – me
recompensando pelo meu bom comportamento, por ter suportado e
chegado até aqui.
— Feliz aniversário, lindo— digo depois de um tempo, quando
o orgasmo finalmente me domina. Ele sorri, agradece e me beija, e
então volta a entrar e sair do meu corpo, me levando novamente à
loucura.
 
 

 
— Então, Malcolm, Congo? Qual a história? Por que vocês
estão mudando as coisas nos últimos meses?— O homem parado
na minha frente é uma figura peculiar e uma das poucas pessoas no
mundo dos negócios que me chama pelo primeiro nome.
Jackson Kempson é dono de um dos maiores grupos de
minérios do país. Ele era amigo do meu pai e nossas famílias eram
próximas. Quando disse que tinha uma reunião com ele, Margareth
fez uma expressão de desagrado ao ouvir o nome e me disse que
Jackson é a pessoa mais inescrupulosa que ela já conheceu. Claro
que ela não precisava dizer isso, conheço muito bem a figura.
— Processos mais transparentes, menos desonestos— afirmo,
tomando um gole do uísque que ele insistiu em pedir. Nossa reunião
deveria ser na sala da empresa dele aqui em Seattle, onde estou
desde ontem para uma série de compromissos, mas Jackson
sempre gosta de transformar as coisas no mais informal possível,
meu pai também era assim.
— Ah, não me venha com essa bobagem sustentável e
humanitária. Se você estender demais a mão, se investir demais
nessas pessoas, elas cortam a sua cabeça e te destroem na
primeira oportunidade.
— Vou manter isso em mente quando estiver atendendo mais
países na Europa por atender aos critérios que estão sendo
adotados.
— Oferta e demanda, Malcom. Oferta e demanda são só isso
que importa. Quanto essa aventura de bom moço está custando?
Bastante, claro, mesmo assim, estamos faturando com uma
ampla margem de lucro.
— É um investimento no futuro, não um custo — respondo. Ele
balança a cabeça, descrente na minha afirmação.
— Sabia que a filha do Charles está me processando em uma
causa coletiva por danos à saúde de meia dúzia de funcionários?—
Sim! Claro que sei sobre isso, é uma das razões pelas quais estou
aqui. Alexa indo atrás desse cara significa que, em breve, ele pode
estar enfrentando um momento complicado no mercado.— Eu avisei
ao Charles que não se casasse com aquela garota pobre, depois
disse que desse um jeito na menina, mas ele nunca me deu
ouvidos. Estava apaixonado, o idiota.
— Sabe, Jackson, essa coisa toda com o processo não
aconteceria se você vestisse a máscara de bom moço vez ou outra,
mas não foi para isso que vim até aqui.
— Soube que sua mãe está de volta. Seu pai ficaria chateado
por saber que você está andando com ela.
— Meu pai está morto. Pessoas mortas não costumam opinar
nas coisas— afirmo rispidamente.— Você viu a proposta?
— Vi e achei absurda a adição da cláusula de não
exclusividade em nosso novo contrato, trabalhamos juntos há anos.
Onde você acha que vai conseguir a prata que precisa?
— Não disse que vou, só estamos mudando alguns protocolos,
não é nada pessoal.
— Parece pessoal, parece que você acha que aquela
garotinha pode ser mesmo uma boa advogada e que vai conseguir
arrastar meu nome para a lama.
Jackson é o tipo de pessoa que subestima a inteligência
alheia, ele faz isso comigo, então claro que sente no direito de fazer
pior com Alexandra. A amiga de Savannah é um nome em ascensão
em direito humanitário e ambiental, eu vi de perto o que ela é capaz
de fazer quando nos prestou consultoria na situação do Congo.
Sinto vontade de dizer a Jackson que o primeiro erro dele é achar
que isso não vai ter consequência, mas porque eu deveria dar um
conselho a alguém como ele?
— Me disseram que sua namorada é amiga dela. É por isso?
— ele questiona. Jackson é sorrateiro, ele estava guardando a
informação para jogá-la na minha cara no momento certo, mas eu já
esperava por isso.
— Não. Você deveria saber que eu não misturo negócios com
prazer.
— Achei que você não misturasse prazer com nada— uma voz
sedosa diz. Ergo a cabeça e vejo uma mulher loira me encarando. É
Karoline, filha de Jackson.— Na verdade, quando me disseram que
você estava namorando, eu disse que apostava todas as minhas
joias no fato de que não podia ser verdade.
— Espero que ninguém tenha aceitado a aposta— afirmo,
encarando-a enquanto Karoline senta-se à mesa e cumprimenta o
pai com um beijo em seu rosto.
— Malcom Campanelli e Jackson Kempson juntos, grandes
coisas devem estar sendo tramadas. — Uma segunda voz
conhecida chega aos meus ouvidos e dessa vez é August Miller que
está parado perto da nossa mesa. Ele está chegando no
restaurante, noto isso porque, logo atrás, com sua cara de pessoa
perdida no tempo e no espaço, está o irmão: Albert Miller.
Toda vez que olho para o cara penso na mão dele tocando o
braço de Savannah, em Arthur me dizendo que ele queria o telefone
dela.
— Olá, August— respondo. Jackson se levanta e bate no
ombro de August enquanto o cumprimenta e o convida para sentar-
se, algo que ele prontamente aceita. Albert se aproxima e parece
confuso com a cena, ele obviamente não esperava encontrar
nenhum de nós aqui. Ainda assim, ele deseja boa-tarde e se junta à
mesa.
— O que estão fazendo na minha cidade?— Jackson
pergunta.— Eu deixei Nova Iorque para evitar de encontrar com
vocês e agora estão todos aqui de uma só vez?
August sorri e então começa a explicar alguma coisa sobre
uma empresa para a qual prestam serviços, não consigo me
concentrar nisso, estou encarando Albert, que me olha de volta.
— Então, Malcolm. Pretende fazer algo hoje à noite?—
Karoline questiona.
— Tenho um compromisso em Nova Iorque.
— Uma pena— ela me diz, sorrindo maliciosamente enquanto
segura o telefone. Alguns segundos depois, ela me manda uma
mensagem: “Gostaria de saber se os boatos são verdadeiros sobre
você na cama”. Não respondo. Não o faria antes, quando não havia
Savannah em minha vida, e agora isso faz ainda menos sentido.
— Malcolm, é bom encontrar vocês aqui, precisamos
conversar sobre...— August começa a dizer, mas estou irritado
demais para ouvir qualquer coisa.
— Marque uma reunião. Eu já estou de saída— afirmo, me
levantando da mesa.— Espero pelo contrato, Jackson, e foi bom vê-
los. — Forço as palavras da minha boca e tento soar civilizado.
— Campanelli...— Albert diz. Ele fica de pé e caminha um
pouco, eu faço o mesmo. Estamos longe da mesa.— Eu tive uma
reunião hoje com um cliente que precisa de uma consultoria e isso
me fez pensar na Savannah, não tenho o telefone dela, então pode
falar com ela sobre...
— Você está brincando, não é?— questiono.
— Por quê? Ela é excelente profissional, você mesmo disse,
com as poucas conversas que tivemos, sei que...
— Eu agradeceria se parasse de pensar, de falar... na minha
namorada.
— Então vocês estão juntos mesmo?— ele questiona, me
olhando.
— Sim. Claro que estamos.
— Ok, ainda acho que você deveria transmitir meu recado.
— Não vou passar recado algum porque o que você quer com
a Savannah não é alavancar a carreira dela ou aproveitar o
potencial que ela tem.
— Já estamos falando às claras aqui, Malcolm. Eu tenho, sim,
interesse nela como profissional. Não é sempre que alguém me
surpreende no meu campo, e a Savannah fez isso. Então, esta é,
sim, uma oferta genuína de trabalho, e não se preocupe, posso
encontrar outros meios de chegar até ela.
— Não chegue perto dela.
— Vou te dar só um conselho...— ele começa a dizer, mas o
interrompo.
— Não preciso dos seus conselhos sobre como tratar as
mulheres com quem saio. Nunca precisei, não vai ser agora.
— Não me importo com o resto das mulheres com quem você
costumava sair, ou com quem ainda saí se for um idiota. O que me
importa é a Savannah. Cuide dela, porque, se você a perder, bem,
eu vou atrás dela em um piscar de olhos. E você deveria saber que
eu não costumo desperdiçar as minhas oportunidades. Esteja
avisado.
— Não chegue perto dela ou vou destruir você.
Cerro meus punhos com tanta força enquanto ele está falando
que mal posso sentir minhas mãos quando saio do restaurante. Eu
volto para Nova Iorque com as palavras de Albert engasgadas.
Aquilo simplesmente não me desce. Como ele ousa falar de
Savannah para mim? Dizer que iria atrás dela se eu a perdesse.
Vou para casa e me arrumo para a festa. Não gosto do fato de
que Savannah não está na minha casa. Ela me avisou que ficaria na
casa de Alexa porque acha minha casa “grande e silenciosa
demais”, ainda assim, preferia que ela estivesse aqui. Termino de
me arrumar e então o motorista me leva até o local onde vou pegar
Arthur.
— Te vejo em breve— Arthur diz à mulher parada na calçada.
Ela tem longos cabelos cacheados em um tom castanho-claro e um
belo sorriso. Já a vi antes, mas nunca trocamos sequer uma
palavra. Não parece que é hoje que isso vai mudar. Eu já tinha mais
de quinze quando o pai de Alexa voltou a se casar. Tudo que sei da
história é que ele era devotado à esposa e ficou muito mal com a
morte dela, tanto que foi uma surpresa para muita gente quando,
cerca de um ano depois, ele anunciou que iria se casar. Eu estava
na escola durante o casamento, na Europa, semanas depois, Alexa
foi enviada para lá. E se eu não tive contato com a enteada de
Charles nessa época, depois é que não aconteceria. Assim que
assumi a empresa, minha vida social passou a ser voltada para uma
agenda social obrigatória do trabalho em que, ocasionalmente, saia
com mulheres que queria levar para cama posteriormente.
Arthur se senta ao meu lado dentro do carro e parece muito
satisfeito consigo mesmo.
— Não vai me perguntar como foi?
— Se você insiste— respondo.— Então, Arthur, como foi?
— Acho que encontrei a mulher da minha vida.
— Onde já ouvi isso antes? Ah, claro, da sua boca...há uns
seis ou sete meses, quando começou a sair com aquela garota
filipina.
— Dessa vez é diferente.
— E não é sempre?
— Nem todo mundo consegue encontrar o amor feito você,
sem nem mesmo procurar por ele.
Amor. Amor? Ele está falando de Savannah. Não sei se o que
sinto é amor. Como posso reconhecer algo que nunca senti antes?
Savannah me faz bem, acho que essa é toda definição que preciso.
Eu penso nela, eu quero estar com ela, eu a desejo. Por que ficar
tentando encontrar outro significado além disso?
— Você não vai pilhar com isso vai?
— Com o quê?
— Com o fato de que falei de amor. Pelo amor de Deus, se
você fizer algo idiota porque ficou assustado e sair correndo da
Savannah, eu vou ter que te perder minha paciência e te bater.
— Você vai me bater? Eu gostaria de ver você tentar— afirmo.
— Você parece estranhamente despreocupado.
— Porque estou. Você não vai me perturbar com nada do que
disse, porque não há razão para isso. Agora, por favor, não fale
dessas coisas na frente da Savannah.— O veículo para e então
estamos na frente do prédio em que Alexa vive.
— Nada como estragar uma noite tendo que conviver com
Alexa— meu primo reclama.
— Ela é amiga da Savannah, e as amigas são importantes
para ela, então se comporte.
Arthur ergue as mãos, diz “tudo bem” e então parece estar se
divertindo com a situação, não estou muito disposto a entender a
razão de seu divertimento. Só consigo pensar que não vejo
Savannah há dois dias. Esse tempo em Seattle foi a primeira vez
em semanas que não dormimos juntos.
O porteiro do prédio de Alexa nos libera e então subo para o
andar indicado por ele.
— Claro que não tem campainha— Arthur argumenta. Ignoro-o
e bato na porta. Alexa aparece com os cabelos trançados, uma
calça jeans e uma blusa dessas que deixa boa parte da barriga de
fora.
— Oi, Malcolm.
— Oi, boa noite, Alexa.— Sei que ela não vai com a minha
cara, mas ao menos estabelecemos certa cordialidade nos últimos
meses.
— Savannah está no banho. Vocês querem entrar?
— Adoraria, mas não trouxe toalha— Arthur responde,
sorrindo. Noto que Lucy está sentada na sala de estar de Alexa
quando a loira começa a gargalhar enquanto a advogada segue
com sua expressão sisuda.
— Você tinha que trazer esse idiota?
— Não necessariamente, mas ele insistiu— respondo.
— Ei...como assim você apenas diz isso e não me defende?
— Você pode se defender sozinho— respondo. Aceito o
convite para entrar e me sento no sofá em que Lucy está, na outra
ponta do móvel.
Savannah sai do banheiro e passa para o quarto usando
apenas uma toalha bege em volta do corpo. Meus olhos descem por
ela.
— Você já chegou... eu me troco em cinco minutos— ela diz,
parando no meio da sala.
— Você pode ir assim— Arthur diz com seu tom galanteador, e
eu fico incomodado com o comentário. Me levanto, vou na direção
dela e então beijo seu rosto.
— Meu cabelo está úmido, vai molhar sua roupa.
— Eu não me importo— digo, segurando a mão dela.— Em
que quarto você está?
Ela sorri, caminha comigo e então abre uma porta no meio do
corredor. Ela me beija e meu corpo todo está tenso, a ponto de que
ela pode perceber isso, pois para o beijo e fica me encarando.
— Tem alguma coisa errada...— Ela me examina rapidamente
enquanto segura a toalha contra o corpo.— O que há de errado?
Malcom...— O que há de errado? O que há de errado comigo? Por
que a ideia dela de toalha me incomoda dessa forma?
— Não gosto de você de toalha na frente de outros homens.
— É o Arthur...
— É, e ainda assim eu não gosto.— Ela toca meu braço
carinhosamente, e eu estou pensando na ousadia de Albert me
falando sobre Savannah e isso me deixa ainda mais tenso.
— Malcolm...
— É sério.— Eu devo soar como um imbecil, sei disso, mas
essa sensação ruim de que ela pode ser tirada de mim me assusta.
— Ok, tudo bem. Parece justo. Não vou ficar de toalha na
frente de nenhum homem que não seja você— ela diz isso em um
tom de brincadeira que honestamente não me tranquiliza.— Agora
posso me vestir? Vamos nos atrasar e Lucy quer ver abertura do
show, segundo ela, é a melhor parte. Se bem que ela acha todas as
partes incríveis...— Savannah vai falando enquanto se afasta. Ela
solta a toalha e então está nua, linda, eu gosto de cada curva, do
comprimento das suas longas pernas, dessas covinhas que ela tem
acima das nádegas, da bunda redonda e firme.
Ela veste a calcinha e então se vira para mim com os seios de
fora. Dou um passo para trás e ela me olha enquanto veste o sutiã.
Savannah coloca um vestido lilás com gola alta, sem mangas e um
cumprimento ridículo de tão curto.
— Você vai ficar me assistindo?
— Vou. É melhor do que qualquer coisa acontecendo lá fora,
do que Arthur e Alexa discutindo. Além disso...— Porque eu não
consigo simplesmente dizer a ela o que sinto, que senti falta dela?
— Além disso...?
— Bem, eu senti...senti sua falta.
— Eu também senti sua falta, lindo— ela me diz com um
sorriso que aquece meu corpo.— E eu sei que você sentiu minha
falta, adorei as flores, como sabia que eu gosto de margaridas?
— Eu não...
Flores? Não mandei flores para Savannah, mas sei quem fez
isso. “Tenho outras formas de chegar até ela”.
— Você pediu para a Marina escolher, não foi?— Ela está tão
feliz que eu quero mentir, quero dizer “sim” e mudar de assunto,
deixá-la acreditando que fui eu quem mandou as flores, e não o
idiota do Albert, mas não consigo fazer isso, não posso mentir para
ela. Eu posso ter uma série de defeitos, mas não sou desonesto e
não quero ser desonesto com ela.
— Eu não mandei as flores.
— Quem mandou então? Não tinha cartão, então achei que
fosse você.
— Adoraria que tivesse sido, mas aparentemente eu sou um
idiota que não sabe qual sua flor preferida ou o que te faz feliz.
— Você me faz feliz, Malcolm. E só pra constar, eu gosto de
qualquer flor-do-campo, mas prefiro azaleias.
Savannah se veste, e eu remexo meu bolso impaciente,
enquanto penso em formas diferentes como gostaria de matar Albert
Miller.
— Você pode esquecer essa história, por favor? Podemos
apenas curtir o show do seu irmão?
— Claro— respondo, tentando convencer a mim mesmo de
que posso fazer isso.
Eu não consigo lembrar a última vez que estive em um show
de grande porte e, mesmo no camarote, a multidão lá embaixo me
deixa desconfortável. As pessoas gritam o nome de Alec e estão
com faixas, cartazes, gritando o nome dele enquanto tentam chamar
sua atenção.
Estou sentado ao lado de Margareth enquanto Savannah está
de pé, pulando e dançando com as amigas e Arthur. Eu tento
prestar atenção no show, mas meu foco está nela. Estou pensando
no que Arthur disse mais cedo sobre estar apaixonado e sobre a
ameaça de Albert, minha cabeça está uma confusão, e eu não gosto
dessa sensação.
— Você deveria ir dançar, querido. Não precisa ficar me
fazendo companhia o tempo todo. Eu gosto de ver Alec no palco.
— Ele é muito bom.
— É. O pai dele achava que ele devia ter se dedicado à
música clássica, mas Alec gosta disso, das multidões, das pessoas
cantando com ele.
— A senhora tocava música clássica, nunca pensou o mesmo?
— Não. Eu cresci com pais que tentaram controlar cada
aspecto da minha vida, quem eram os meus amigos, o que eu
comia, com quem saia, o homem com o qual casaria. Prometi que
não seria assim com os meus filhos. Quando você era pequeno, eu
te deixava decidir até o par de meia que usaria— ela conta,
sorrindo.— Seu pai ficava furioso porque você saia com meias
diferentes ou peças de roupas inadequadas para os locais em que
íamos.
Posso imaginar. Meu pai me ensinou a me vestir bem. Os
ternos italianos, os sapatos de couro, as boas marcas de cinto, toda
essa minha insistência com visual vem dos ensinamentos dele.
“Metade do respeito que as pessoas te oferecem vem com base em
como você se apresenta”, ele costumava dizer.
— Sempre fui assim com Alec. Sempre o deixei decidir
sozinho, tudo, cometer os próprios erros. Meu papel sempre foi
estar aqui com meu ombro para recebê-lo se precisasse de mim.
Mesmo as coisas que não gosto, como a escolha dele de
empresário ou o fato de que ele fuma escondido desde que recebi
meu diagnóstico terminal...
— A senhora sabe sobre isso?
— Ele mente muito mal e não achou mesmo que eu ia
acreditar que o vizinho de noventa anos joga bitucas de cigarro por
cima de um muro de mais de dois metros — ela diz sorrindo e me
fazendo rir junto.
— Eu queria... — eu travo, e ela me olha, respiro fundo, são só
palavras, não vão me destruir, posso dizer isso—, eu queria mais
tempo com você, ele também queria. — Aponto com a cabeça na
direção de Alec.
— E eu queria poder ficar com vocês para sempre, mas isso
está fora do meu controle, querido.
— Eu sei...eu só...precisava dizer.
Margareth coloca a mão sobre a minha, se inclina e me
abraça.
— Vocês são dois homens fortes, você tem o Arthur e a
Savannah. E o Alec agora tem você e vice-versa. Isso era tudo que
eu queria. Vocês vão ficar bem. Agora vá dançar com aquela sua
namorada linda, aproveite a vida, querido.
Beijo a testa de Margareth, me levanto e vou até Savannah.
Coloco a mão em sua cintura e ela se vira para me olhar.
— Oi, lindo!— ela me diz. Viro-a para mim e então beijo sua
boca.
— Agora estamos chegando na fase romântica do show e eu
quero dedicar essa música a todos os apaixonados, e à pessoa que
mais me ensinou sobre amor nesse mundo: minha mãe!
Há uma onda de gritos e aplausos, e eu olho para Margareth,
que está sentada acenando para Alec enquanto as pessoas batem
palmas.
Alec começa a cantar sem nenhum instrumento acompanhado,
a banda vai sendo incluída aos poucos e é muito bonito ouvir a voz
dele assim.
Nós passamos muito tempo juntos,
sonhando pelo mundo, criando expectativas.
Nós passamos muito tempo juntos,
imaginando a vida que compartilhamos.
E agora, com você me olhando assim,
com um pé a caminho da porta, pronta para ir...
mesmo agora, eu sei que não há nada que eu faria diferente.
Não há nada como eu e você,
vamos ser sempre eu e você.
— Estou toda arrepiada— Savannah me diz. Aperto mais meu
corpo contra o dela e nos movemos ao som da música. Com ela
assim, em meus braços, tudo sempre parece em paz. E eu poderia
ficar nesse momento pelo resto da minha vida.
 

 
Malcolm está dormindo ao meu lado, sem roupa, o peito
subindo e descendo lentamente junto de sua respiração, os lábios
entreabertos e o rosto totalmente relaxado. É raro vê-lo assim,
quando o homem está acordado, ele normalmente tem uma
expressão controlada, os músculos da face parecem estar sempre
trabalhando arduamente para garantir que ele permaneça
impassível, para manter a máscara que ele gosta que as pessoas
vejam. Assim, dormindo, ele parece tão genuíno, tão vulnerável.
A barba está um pouco crescida, mas ele vai retirá-la, como
faz religiosamente toda manhã. Tenho vontade de passar minha
mão por ela, acariciar o rosto desse homem lindo. Do meu homem.
A questão é que Malcolm tem um sono tão leve e não quero que ele
acorde. Gosto de ficar assim, olhando para ele, pensando em como
estou feliz, em como ele me faz feliz.
Dezembro está quase no final, está nevando severamente lá
fora. É quase véspera de Natal e eu tenho que comprar presentes,
fazer uma prova de um vestido para a festa de Natal da empresa e,
claro, organizar os últimos detalhes do jantar de Natal na casa de
Margareth, pois, me comprometi de que a ajudaria a decidir tudo
com a equipe contratada. Dessa forma, ela não se cansaria tanto.
— Você está me assistindo dormir, senhorita Armstrong? – a
voz de Malcolm diz. Sua voz matinal é sempre um pouco mais
rouca, mais baixa, mas não menos sexy. Ele esfrega os olhos e
então me encara, há um pequeno sorriso em seus lábios.
— Apenas por alguns segundos— admito.— Você parecia tão
em paz, devia estar tendo um sonho bom.
— Não lembro— ele me vasculha com seus olhos—, mas seja
lá o que tenha sido, não pode ser melhor que isso, acordar e ver seu
rosto.
Os braços dele se movem e me puxam para perto, meu corpo
pousa em cima do dele, nossas cabeças se encontram, e ele cheira
meus cabelos, o que me faz sorrir. Levanto a cabeça para encarar o
olhar que esse homem tem para mim. E então me inclino e lhe dou
um rápido beijo, só que, no momento em que vou me afastar, ele,
avidamente, me puxa de volta. Sinto algo duro embaixo de mim,
seja uma ereção matinal, seja uma resposta à proximidade com o
meu corpo, isso não importa. Só sei que quero isso agora, que só
consigo pensar nisso no momento.
— Eu quero você— digo, rebolando meu corpo contra sua
ereção.— Sem jogos, bem devagarzinho, olhando no meu olho,
entendeu?
Ele acena concordando com um sorriso no rosto e então me
beija. Na noite passada, ele me fez sofrer por horas, se recusando a
entrar em mim, e isso é extremamente prazeroso e me leva aos
melhores orgasmos que já tive, mas agora eu só o quero dentro de
mim.
Ele afasta uma das mãos do meu corpo e sigo-a com o olhar,
para ver ele pegando no pau, extremamente duro, e só de vê-lo eu
já sinto meu corpo inteiro formigando. Noto a forma como sua mão
bombeia o pau algumas vezes e então volto a olhar para seu peito
rígido e musculoso e subo meus olhos para o rosto dele, para os
olhos cheios de cuidado me olhando. Malcolm inverte nossas
posições, ele fica por cima, eu por baixo.
Sinto a ponta do pau dele deslizando ao longo do meu corpo
enquanto ele esfrega parte da ereção contra o meu clitóris. Isso me
faz soltar um leve gemido e meus quadris se balançam em resposta.
Malcolm sorri, porque ele sabe que estou pronta.
Sinto-o começar a me penetrar lentamente, enquanto estou
gemendo. Malcolm aproxima do rosto do meu e me beija enquanto
segue entrando em mim. Os lábios deles se movem pelo meu
pescoço e gemidos suaves escapam de sua boca no exato
momento em que ele se afunda dentro do meu corpo, que se
acomoda para recebê-lo o máximo que pode. Voltamos a nos beijar
e esse beijo me deixa, se possível, ainda mais excitada. Todo meu
corpo está em chamas com a necessidade desse contato. Às vezes,
eu me pergunto se isso é normal, se é comum que eu o queira
tanto.
Malcolm começa a se mover lentamente para dentro e para
fora de mim, sua mão se aperta contra a minha coxa enquanto ele
segue se movendo, cada novo e lento impulso dispara prazer por
todo o meu corpo. Não há nada que se compare a isso, não há nada
tão bom quanto estar com ele, seja dessa ou de qualquer outra
forma.
— Savannah...— ele geme meu nome, e eu adoro isso.— Era
isso que você queria? Era assim?
— Ah... é... isso, assim mesmo— respondo, gemendo de volta,
encorajando-o a seguir nesse ritmo lento e constante. Ele volta a
mover os lábios pelo meu pescoço, chupando a minha pele
levemente em alguns pontos, deixando marcas pelo meu corpo.
Ele se move, e ergo minhas pernas, prendo-as contra seu
corpo, os impulsos lentos e extremamente sensuais do corpo dele
contra o meu ganham uma leve pitada de intensidade, apenas o
suficiente para que essa sensação deliciosa de satisfação vá sendo
tensionado até nos levar às margens do prazer. Malcolm toca em
um dos meios seios, apertando-o, esfregando a pele contra a parte
mais sensível e me deixando louca.
— Não sei quanto mais posso suportar...— ele me diz. Eu
entendo, sinto a mesma coisa, estou quase lá.
— Só mais um pouquinho...— peço.— Estou quase lá.
Ele obedece e é paciente, ele se certifica de que estou pronta,
meu corpo está se contorcendo e minhas mãos presas nele quando
ele finalmente goza dentro de mim e eu também chego ao orgasmo.
— Essa é a melhor forma de acordar— ele sussurra contra o
meu ouvido depois de jogar seu corpo ao lado do meu na cama. Se
depender de mim, quero acordar assim pelo resto da minha vida.
— Eu detesto estragar o momento, mas tenho um
compromisso com o seu irmão— lembro a Malcolm. Eu vou ajudar
Alec a fazer as compras de Natal necessárias para a festa.
— Obrigado por estar fazendo tudo isso— Malcolm me diz—,
sei como é próxima dos seus pais e como queria ir passar o fim do
ano com eles. Você ainda pode ir se desejar, posso providenciar as
suas passagens e...
— Eu quero vê-los, mas tem a festa da empresa e esse jantar
com a sua mãe. — E a Margareth não está bem, penso enquanto
acaricio seu peito.— Eu prefiro ficar perto de você.
Malcom beija minha testa, desce os lábios pelo meu nariz e
então encontra minha boca. Temo que ele precise de mim, que algo
aconteça e Malcolm não saiba como lidar porque ele está o tempo
todo reprimindo o que sente.
— Ótimo. Eu também prefiro você perto de mim— ele
responde e então sua boca encontra meu ombro, distribuindo beijos,
a barba roçando pela minha pele.
— Precisamos levantar dessa cama ou minhas pernas vão
ficar em frangalhos e eu não vou ter condições de fazer mais nada
do que preciso fazer hoje.
— Eu vou deixar você levantar porque tenho uma reunião, mas
só por isso — Malcolm me diz.
Escovamos os dentes juntos, tomamos café da manhã
enquanto provoco-o, passando as minhas pernas pelas dele, então
Malcolm me diz para chamar outro motorista para me levar aos
meus compromissos.
— Eu posso pegar um táxi, lindo. Vou encontrar o Alec na Fifth
Avenue e depois volto para a empresa. — Roger não está
trabalhando, está de férias por quinze dias, o que tem transformado
o trabalho em um excelente lugar. A equipe já fechou o relatório de
balanço anual, que vai ser brevemente apresentado hoje na festa da
empresa, e estamos tão adiantados em tudo que montamos um
esquema de revezamento para que todos pudéssemos aproveitar
um pouco de tempo livre.
— Não com todas essas pessoas querendo tirar fotos do Alec,
tem sempre um maluco, então espere o motorista. Não quero que
nada aconteça com você.
— Ei...não vai acontecer nada comigo, amor.
— Vou ficar mais tranquilo se você for com seguranças e o
motorista.
— Alec tem uma equipe de segurança.
— Que é paga para cuidar dele. Encare isso como o meu
presente de Natal, tudo bem? O que eu quero de presente é que me
deixe cuidar de você.
— Você joga sujo, sabia?
— Já me disseram isso antes.— Ele sorri.
— Por que você não vem com a gente?— peço.
— Eu não gosto de fazer compras e definitivamente não gosto
delas no final do ano.
— Pode ser o começo de uma tradição familiar. Eu e o Alec
fazemos compras, você resmungando — digo, segurando sua
camisa.— Vamos, por favor, isso é o que eu quero de presente de
Natal.
— Depois eu que jogo sujo— ele resmunga.
— Malcolm...— peço, subindo minhas mãos para o pescoço
dele e ficando bem pertinho do seu rosto.
— Tudo bem. Eu vou pedir para a Marina cancelar a minha
reunião, mas apenas duas horas e eu tenho que voltar para o
trabalho. Já tem a festa hoje e há muita coisa para ser resolvida.
Comemoro, e ele troca de camisa, trocando a versão de
botões por uma camiseta de mangas longas e com gola alta e um
casaco de inverno. Ele está lindo, ele sempre está lindo, mas essa
roupa o deixa ainda mais bonito.
Chegamos ao nosso destino e andamos de mãos dadas por
algumas lojas. Malcolm reclama da quantidade de pessoas, mas,
então, entramos numa loja de enfeites natalinos artesanais e meu
namorado parece um pouco menos desinteressado quando começa
a ver os enfeites.
— Sabe o que é uma grande pena?— questiono, abraçada a
Malcolm.
— Não, não sei— ele resmunga, soando rabugento.
— O fato de que você não tem uma árvore. Eu e meus pais
escolhíamos um enfeite que representava cada um de nós e eles
eram os mais especiais da árvore. Fazíamos isso todos os anos.
— Me deixe ver...— Ele fala, olhando para as prateleiras.
Malcolm pega um cervo de madeira e balança-o na minha frente—
Acho que esse aqui representa você.
— Por quê?
— Grandes olhos castanhos e uma personalidade adorável—
ele me diz. Coloco minha mão na lateral do seu corpo e estou
sorrindo enquanto o abraço.
— Ok, e você seria esse. — Aponto para uma bengala de
doce, também em madeira e cuidadosamente pintada de branco e
vermelho com um pouco de glitter.— Duro ao toque, mas derrete na
boca e é delicioso.
— Vocês dois são extremamente bregas e melosos— Alec
afirma. Olho para o lado e vejo-o parado nos encarando.
— Como nos achou?— Malcolm questiona antes de qualquer
coisa.
— Pelos seguranças mal-encarados na frente da loja. Ou era
você, ou a Zendaya está por aqui— ele diz, sorrindo. Alec me
cumprimenta com um abraço e depois ele e Malcolm apertam as
mãos. Eles estão mais próximos agora, ainda implicam um com o
outro, mas, na maior parte do tempo, é mais por puro
entretenimento do que qualquer outra coisa. Margareth está tão feliz
pela proximidade deles, eu também.
— Ok, pombinhos. Vamos às compras, há muito o que fazer e
pouco tempo.
Depois de algumas lojas, de muitos resmungos e reclamações
descontentes da parte de Malcolm, compramos tudo que faltava. Ele
tinha razão quanto aos seguranças e, honestamente, sobre sair
para fazer compras com Alec. Garotas histéricas ficavam andando
de loja em loja, tentando tirar fotos de Alec. Em diversos momentos,
os seguranças tiveram que nos escoltar.
Além dos fãs, os paparazzis nos incomodam, esses não
querem só fotos de Alec, mas minhas e de Malcolm juntos para
alimentar essa fofoca que já dura meses sobre a nossa relação, as
especulações sobre se ainda estamos juntos toda vez que Malcolm
aparece sozinho em algum lugar, como se tivéssemos nascido
grudados e não pudéssemos ter um pouco de espaço pessoal sem
isso significar uma crise.
O telefone de Malcolm toca quando estamos entrando em um
restaurante para beliscar alguma coisa. Alec está tocando meu
ombro enquanto fala de uma torta maravilhosa que há no local e
então Malcolm nos diz que precisa ir embora.
— Um pequeno problema na empresa— ele diz, beijando o
meu rosto.— Vejo você em casa.
— Ok, tchau, lindo— afirmo.
— Tchau, lindo— Alec repete, debochando. Malcolm vai
embora depois de se despedir do irmão. E então noto que, apesar
de sua tentativa de sempre demonstrar bom humor, Alec não parece
muito bem.
— Como você está?
— Cansado de responder essa pergunta, se for honesto— ele
me diz, puxando uma cadeira para que eu me sente e, em seguida,
juntando-se a mim na mesa.— Sinto muito, não quis ser grosseiro.
— Está tudo bem, Alec.
— Meu agente disse que todas as minhas músicas novas são
deprimentes e que preciso comprar letras de outras pessoas ou vou
acabar sem um novo álbum, e então ele me mandou uma série de
letras e quer que eu olhe isso até o começo do ano, como se eu
tivesse cabeça.
— Apenas não olhe.
— Simples assim? Eu tenho compromissos contratuais e...
— Você quer fazer isso? Quer escolher músicas novas?
— Não.
— Então pronto, Alec. Apenas não faça.
— Eu preciso de uma letra nova para o prêmio. Mesmo que eu
não ganhe, é costume apresentar algo novo.
— Cante o que você já tem, uma das músicas que ele disse
que é muito triste. É a sua arte, não a dele. E só porque ele não
gostou não quer dizer que os seus fãs vão rechaçar a música, você
está compartilhando algo íntimo com eles, tenho certeza de que vão
apreciar.
— É por isso que Malcolm parece tão diferente da versão que
conheci meses atrás, viver com você é como ter uma líder de torcida
particular — ele brinca, sorrindo. Fico feliz de tê-lo feito sorrir, Alec
precisa disso.

A festa de Natal da empresa é menos enfadonha do que o


esperado. O time de dados, do qual faço parte, apresenta o relatório
de balanço da empresa, que é um sucesso, Malcolm anuncia que os
bônus de Natal estão nas contas, e isso deixa as pessoas
animadas, então garrafas e mais garrafas de champanhe vão sendo
tomadas.
— Você transformou o Grinch em uma versão do Papai Noel—
Nadine me diz, ela está levemente embriagada e me abraça
enquanto fala.— Deveria ser santificada.
É um exagero. Malcolm não mudou tanto assim. Na verdade,
não acho que ele tenha mudado para além da forma como me trata.
Eu fui, sim, aos poucos, me infiltrando na vida dele, abrindo espaço
em seu coração. E eu sei que hoje em dia ele faz coisas por mim
que não faria por outra pessoa: fazer compras às vésperas do Natal,
passar o aniversário em família, faltar ao trabalho, mesmo que por
poucas horas.
No geral, ele ainda é o mesmo, e eu não iria querer que fosse
diferente. Não iria querer que ele deixasse de ser quem é por minha
causa, porque eu amo até os defeitos que Malcolm tem. E, talvez,
eu seja indulgente com eles.
— Feliz Natal, Nadine— digo, abraçando-a. O clima na
empresa melhorou bastante quanto a mim, com exceção de Roger e
um ou outro que ainda me olha feio, a maioria das pessoas me
respeita pelo meu trabalho ou ao menos entende que não deveria
soltar nenhuma gracinha. Estou satisfeita com meu cargo, não é
meu emprego dos sonhos, mas eu faço aquilo que estudei para
fazer, tenho um bom salário – que efetivamente mal uso, já que
pago meu aluguel e apenas isso, pois, na maior parte do tempo,
estou na cidade com Malcolm, na casa dele.
— Posso roubar minha acompanhante de volta?— Malcolm
questiona a Nadine. Ela acena positivamente e sorri meio sem
graça, ela ainda não superou seus medos com relação a Malcolm.
Pego na mão dele e nossos dedos se entrelaçam.— Pronta para ir
embora?
— Já?
— Sim. Como acha que os funcionários vão se divertir se eu
continuar aqui?— ele questiona com um tom sério.
— E se eu quiser ficar e me divertir com eles?
— Você é a mulher do chefe, eles não vão ficar à vontade.
— Eu sou sua mulher?
— É, claro que é— ele responde, me puxando para perto do
seu corpo. A mão acaricia meu rosto, o polegar passa pela minha
orelha e estou sorrindo pelo contato.
— Vamos, vamos embora— digo, sorrindo enquanto aproximo
minha boca da dele para um beijo.
Malcolm fala alguma coisa com o motorista e então entramos
no carro, estou tão imersa nos beijos que trocamos dentro do carro
que mal percebo que não pegamos o caminho usual, só noto isso
quando o veículo para em um local totalmente diferente.
— Onde estamos?
— Na minha antiga casa. A casa em que cresci.
— E o que vamos fazer aqui?
— Eu quero te dar o seu presente de Natal adiantado.
— Meu presente de Natal? É assim que estamos chamando
seu pau agora?— questiono. Malcolm solta uma risada e então
pega na minha mão.
— Venha, sua boba.
A casa, quer dizer, a mansão é extremamente bonita por fora.
Apesar da meia-luz, posso notar a arquitetura majestosa, as largas
janelas, fachada que carrega consigo anos de história. Há um
enorme jardim na frente e Malcolm procura a chave em seu bolso e
abre a porta.
— Não tem ninguém aqui?
— Uma equipe limpa semanalmente, mas agora não há
ninguém.
— E porque você...por que não mora nessa casa?
— Não gosto das lembranças— ele afirma. Malcolm abre
caminho para que eu passe e então as luzes da casa acendem com
nosso movimento. — Por aqui...— ele diz, caminhando e segurando
novamente a minha mão.
Passamos por algumas salas, algumas têm parte da mobília
coberta, as luzes vão acendendo na medida em que caminhamos.
Eu paro, e Malcolm olha para trás para saber a razão, estou
encarando um quadro de Margareth com um homem.
— Esse é o seu pai, não é? Não tinha visto nenhuma foto dele
mais novo.
— É.
— Todo mundo diz que você parece com a sua mãe, mas,
nessa imagem, há muito de você. E a Margareth... ela parece...
— Triste?— ele questiona.— Desde que ela me contou tudo,
eu olho para essa pintura e só penso que ela estava presa aqui por
minha causa.
— Malcolm...— digo, segurando firme em seu braço e fazendo
com que ele me olhe.— Você é a última pessoa que pode ser
culpada nessa história, entendeu? Me diga que você sabe disso e
que vai encontrar uma forma de parar de pensar assim.
Ele coloca a mão no meu queixo e ergue minha cabeça e
então seus lábios encontram os meus.
— Você tem razão, você sempre tem razão— ele me diz,
sussurrando. Eu noto que há uma série de fotos em outro móvel e
caminho até ele, Malcom vem junto, sua mão parando na minha
cintura. Pego um dos porta-retratos e vejo a figura do quadro
novamente, o homem de cabelos negros apertando a mão de um
antigo presidente dos EUA, fotos com uma série de pessoas
famosas.
— Seu pai conhecia todo mundo.
— Conhecia. Ele era a alegria das festas. Quando era
pequeno, antes da minha mãe ir embora, as festas que ele
organizava aqui eram fascinantes, eu nunca podia ficar muito, claro,
mas me lembro de pensar que ele era a pessoa mais querida do
planeta.
— Quem é essa?— questiono, segurando uma foto do pai de
Malcolm com uma mulher jovem e muito bonita, eles parecem
íntimos. Ela estava sentada no braço da cadeira em que ele está, a
mão dele na cintura dela.
— Você a conhece— ele me diz, sorrindo.
— Essa é a senhora Marshall?
— É.
— Meu Deus! Eles parecem tão...
— Íntimos?
— É, mas eles também parecem felizes.
— Você acha que o seu pai foi o grande amor da vida dela?
— É o que parece pelo que ela me falou. Triste, não é? Ela
amava meu pai, que amava a minha mãe, que amava outro cara.
Venha, não foi para isso que eu te trouxe aqui.
Andamos mais um pouco e entramos numa sala em que há um
grande piano branco. Malcolm sorri e abre a tampa do instrumento.
— Você vai tocar para mim?
— Vou— ele diz, parecendo apreensivo. Malcolm retira uma
caixa do bolso e abre-a, e eu quase caio para trás pensando se
pode ser um anel, mas é uma pulseira, o que me deixa aliviada. Eu
me casaria com ele, claro, amo Malcolm como nunca amei ninguém,
mas a ideia de fazer isso com alguém que meus pais não conhecem
sempre me atravessa quando penso no nosso futuro.
— É lindo — afirmo, examinando a peça.
— É ouro branco e esses são os primeiros diamantes da nossa
nova produção nas minas do Congo depois das mudanças. Quero
que sejam seus, como um lembrete de que nada disso teria
acontecido sem você.
— Eu amei. — Amei de verdade, principalmente considerando
o significado. Malcolm se senta no banco do piano e então me olha.
— Eu pensei em tocar amanhã para a Margareth, mas queria
fazer isso apenas para você antes — ele afirma. Malcom começa a
tocar, e eu não consigo tirar os meus olhos dele, da forma como seu
corpo se move, da leveza do seu toque nas teclas, o som que se
espalha pelo local é lindo. Não conheço música clássica, mas o
toque começa lento e vai ficando mais rápido, e então há uma
queda novamente, é lindo. Malcolm toca compenetrado nas teclas,
mas seu rosto parece tão relaxado. Quando ele termina, eu estou
boquiaberta, sem saber o que dizer.— Então?
— Eu amo você— digo.
— Savannah...
— Você não precisa me dizer de volta, Malcolm. Eu sei como
você se sente— afirmo, me sentando ao seu lado no piano.— Eu
sei. E eu sei como funciona essa sua cabeça, então...
— Savannah...— ele diz, colocando um dedo nos meus lábios
em um gesto cheio de carinho, seu olhar transmite a mesma coisa
—, eu sou ridiculamente apaixonado por você.
 

 
Mônica está sentada acariciando o estômago, quatro meses de
gestação e ela já se comporta como se tivesse um barrigão. Ela
reclama de dor nos pés e do fato de que se sente pesada. Estamos
tomando café da manhã juntos em um restaurante, Harry e Mônica
me convidaram para a festa de Natal que estão organizando, mas
vou passar o Natal na casa da mãe de Malcolm com meu primo.
Nunca passamos um Natal longe um do outro desde que meus pais
morreram, então quero estar lá por ele agora, não sabemos quanto
tempo a Margareth tem.
— A mãe dele simplesmente reapareceu— Mônica comenta.—
Sempre achei que estivesse morta.
— É, a família dela gostava de fingir que sim, acho que o tio
Peter também.
— Se você me deixar, eu também vou fingir que você morreu
— Mônica diz, olhando para Harry—, é menos humilhante.
— Por que eu deixaria você? Ah, claro, porque você fica me
chutando da cama toda noite, dizendo “estou grávida e a culpa é
sua, então precisa pegar sorvete para mim”— Harry conta, sorrindo.
— Vocês dois são adoráveis— afirmo.
— Falando em adorável, como está a Elaine?— Harry
questiona. Mônica faz um som de desagrado um “hum...” com
conotação negativa e eu sei bem a razão disso. Ela e Alexa são
grandes amigas, é claro que ela não gosta da irmã postiça de Alexa.
— Estamos indo com calma. Eu sinto que estou pronto para
levar as coisas a sério. Se até mesmo Malcolm está em
relacionamento sério, deve ser um sinal para que eu faça o mesmo.
— E tinha que ser com a Elaine? Eu acho que você gosta de
implicar com a Alexa— Mônica argumenta.
— Qual é, Mônica? Eu nem lembrava que elas são... o que
elas são? Irmãs?
— Irmãs postiças— Harry destaca.— E a Alexa odeia todo
mundo, se o Arthur só for namorar alguém que ela goste, vai ficar
sem opções.
— Vocês são muito injustos com ela. Alexa é incrível. A melhor
amiga que alguém poderia querer.
— Você e a Savannah ficam falando coisas desse tipo, mas eu
realmente não entendo o apelo— argumento.
— Falando em Savannah, Malcolm está mesmo com os quatro
pneus arriados, não é? Nunca vi o cara passar mais de um mês com
ninguém— Harry diz.
— É, isso porque você não vê os dois juntos no dia a dia, a
mulher consegue convencer o Malcolm a fazer basicamente
qualquer coisa.
— Acha que vai durar? Eu apostaria mais dois meses no
máximo.
Espero que ele esteja enganado. Malcolm nunca esteve tão
feliz quanto é com Savannah, e eu mesmo estou impressionado que
esteja durando tanto tempo, principalmente considerando que tudo
isso começou com uma farsa, mas que diferença isso faz? Meu
primo está feliz, ouapaixonado, mesmo que ele mesmo talvez não
saiba disso.
— Honestamente estou impressionado que esteja durando
tanto, mas...
— Que ótimo. Apostando na infelicidade dos outros— a voz de
Alexa afirma atrás de mim. Essa mulher tem a habilidade de se
materializar nos momentos mais inapropriados.— Esse idiota aqui...
— ela diz, olhando para mim—, eu até entendo, mas você, Harry,
sério?
— O que eu disse?— questiono.
— “A mulher consegue convencer o Malcolm a fazer
basicamente qualquer coisa “Diga isso a ele, vai ser ótimo quando
ele voltar a ser um idiota que tem medo de se comprometer e fizer
minha amiga sofrer.
— Vocês podem, por favor, não brigar?— Mônica pede,
levantando-se da mesa para abraçar Alexa.— É véspera de Natal, e
eu só queria apreciar um café da manhã com os meus amigos
queridos que vão ser, por sinal, padrinhos do meu filhote.
— Sinto muito— digo.
— É, eu também. Posso ser civilizada se ele também for—
Alexa diz, sentando-se ao lado de Mônica.
— Sua vó está melhor?— Harry questiona
— Ótima. Já está fazendo o jantar de Natal e dizendo que
ninguém sabe fazer nada na cozinha além dela.
— Pode dizer a ela que estou com desejo de um pouco
daquele pudim delicioso que só ela faz?— Mônica pede, sorrindo,
enquanto abraça Alexa.
— Claro. Levo para você amanhã.
— Isso quer dizer que não vamos ter o prazer da sua
companhia na casa da Margareth?
— Não. Eu vou passar lá logo cedo e vê-la— Alexa comenta,
fazendo uma expressão de desdém bastante infantil. Alexa é uma
das poucas pessoas que consegue me irritar de verdade.
Quando éramos crianças, ela era uma garotinha adorável, mas
se tornou uma adolescente irritante e uma adulta ainda pior. Nossa
rivalidade desde os tempos do internato pode parecer fundada em
uma bobagem, mas Alexa está sempre se esforçando para dizer ou
fazer algo irritante ao meu respeito, e eu não me orgulho disso, mas
estou sempre devolvendo na mesma moeda.
— Claro, você deve ter presentes para destruir, lareiras para
apagar, esse tipo de coisa— provoco.
— É, porque eu sou o Grinch. Melhor do que ser a rena de
nariz vermelho— ela retruca.
— Não sei se vocês perceberam...— Mônica começa a dizer
—, mas já estão brigando novamente.
— Você deveria ter escolhido uma madrinha mais agradável
para o seu filho— comento, irritado.
Elaine é o oposto de Alexa, então é claro que elas não são
relacionadas por sangue. Até onde sei, elas mal conviveram, e eu
fico feliz por isso. Começo a achar que a ideia de mulher perfeita é
qualquer uma que seja o oposto de Alexa.
— Ou um padrinho menos idiota.
— Gente!— Harry diz.— Que tal se a gente pedir? Vou chamar
o garçom— ele sugere, tentando acalmar os ânimos. Eu e Alexa
concordamos ao menos nisso e por mais uma hora trocamos leves
alfinetadas enquanto compartilhamos esse momento com nossos
amigos.
Horas depois, no começo da noite, quando chego na casa de
Margareth, Malcolm e Savannah estão abraçados na frente da
árvore de Natal enquanto penduram alguns enfeites. Eles parecem
felizes, extremamente felizes, e eu penso no que Alexa disse,
espero que Malcolm não faça nada idiota e estrague isso, porque
não acho que ele vá ter outra chance de ser feliz dessa forma. Um
amor assim é o tipo de coisa que só aparece uma vez na vida. O
tipo de oportunidade que não se deve desperdiçar.
Alexa, de fato, aparece um pouco antes da ceia começar e traz
um presente para Margareth, ela abre e é uma espécie de amuleto.
Estou sozinho com as duas na sala quando ela faz isso.
— É lindo, querida. E você está tão linda, é a imagem perfeita
da sua mãe— Margareth afirma, tocando o rosto de Alexa. A
advogada sorri de uma forma genuína, e eu nunca a vi sorrindo
assim. Margareth tem razão quanto ao fato de Alexa ser bonita, isso
é inegável, mas o que ela tem de bonita se acumula em mesma
quantidade, ou talvez mais, em seus modos desagradáveis.
— É um amuleto de Kwazulu-Natal, na costa da África do Sul.
Minha vó diz que eles servem para guiar os vivos e ajudá-los a
entrar em contato com o outro lado.— Noto que Alexa tem um
amuleto desses em seu braço, perto do relógio.— Eu mantenho
sempre um comigo como forma de estar com a minha mãe, de
permitir que ela me proteja. Não queria dar ele a você na frente dos
seus filhos, porque eu sei que...
— Sim. Alec não está pronto para isso. Agradeço o seu
cuidado, querida. Você é mesmo filha da sua mãe, não só na
aparência.
Alexa sendo cuidadosa? Claro! É preciso que a pessoa esteja
morrendo para que isso aconteça. Malcolm e Alec chegam na sala
quando Margareth está colocando o amuleto com ajuda de Alexa.
Ambos cumprimentam a advogada e então Savannah aparece
com um vestido espetacular e decotado que faz com que Alexa a
elogie.
— Uau!— Alexa diz, sorrindo e pegando o celular, ela tira uma
foto da amiga.— Estou enviando para a Lucy, ela precisa ver isso.
Ela se despede depois de um tempo e então ficamos apenas
nos cinco: Alec, Margareth, Savannah, Malcolm e eu. Depois do
jantar, Malcolm diz que tem um presente para Margareth e então ele
nos leva para a sala e senta-se ao piano. A última vez que vi
Malcolm tocar foi em uma apresentação escolar quando éramos
crianças. Pouco depois da mãe dele ir embora, ele tocou bem no
começo, mas, então, parou e saiu correndo do palco no meio da
música, depois disso, nunca mais o ouvi tocar.
— Não sou bom como o Alec, mas queria que soubesse que
eu ainda toco e que sempre senti que isso me aproximava de você
— meu primo diz. Ele começa a tocar Clair de Lune de Debussy. Eu
fiz aulas de música quando era criança, claro, era isso que todo
herdeiro fazia, aulas de música, aulas de equitação, idiomas. Então
conheço a música, nunca aprendi piano, mas conheço a história, os
movimentos, os principais artistas. Debussy não é simples, então o
que Malcolm está fazendo aqui é um trabalho de alguém que pratica
há anos, não de quem simplesmente parou de tocar quando era
criança.
Quando ele termina, Margareth está chorando.
— Não queria que a senhora chorasse, mãe— ele diz,
levantando-se do banco do piano e indo até ela. Ele nem se dá
conta do que acabou de dizer, está ajoelhado perto da mulher,
tentando consolá-la.
— Não estou chorando de tristeza, querido. É só que... vocês
dois...— ela diz, esticando a mão livre para Alec, que se aproxima.
— Vocês são o que eu fiz de bom nesse mundo. Dois homens
lindos, talentosos, com bons corações. Vocês são o meu legado. Eu
amo vocês, amo tanto vocês que meu coração parece que vai
explodir— ela afirma.— Mas só parece, Alec. Não estou falando
literalmente— ela comenta, fazendo risadas se espalharem pela
sala.
Eu penso na minha mãe, em como não consigo lembrar qual a
última coisa que ela me disse, o que estava vestindo quando saiu de
casa naquela noite. Não me lembro de nada. Só me lembro de ir
dormir e o mundo estar bem e então acordar e descobrir que tudo
estava de pernas para o ar. Não sei se ela e meu pai estavam
felizes, se estavam tristes, não sei de nada. Eu lembro do som da
risada deles, de como gostavam de dançar, lembro que eles,
sempre que podiam, me colocavam na cama, juntos, mesmo
quando eu já me sentia grande demais para isso. Sinto falta deles.
— Que tal um dueto?— Alec pergunta a Malcolm.
— Eu não sou tão bom quanto você, Alec. Não sei se posso
acompanhar.
— Você acaba de tocar Clair de Lune perfeitamente, claro que
pode me acompanhar— Alec insiste. Os dois tocam, e eu,
Margareth e Savannah somos a plateia. Estou feliz por Malcolm, por
ele ter se permitido viver tudo isso com a mãe, com o irmão, por ele
ter aberto espaço no seu peito para tudo isso, e sei que Savannah é
a grande responsável por essa abertura. E a adoro por tal feito.
Meu celular vibra no bolso e há uma mensagem de Elaine
“Feliz Natal, lindo”, ela me manda junto com uma foto sua ao lado
de uma grande árvore de Natal. Ela está usando um vestido
vermelho e sorri com um batom rosado perfeitamente espalhado por
sua boca. A parte de mim que quer levar as coisas devagar me diz
para não digitar nada além de “Feliz Natal”, mas não é fácil mudar
na água para o vinho, e eu escrevo: “Tecnicamente, só é Natal
amanhã de manhã, que tal esperar amanhecer comigo?”
 

 
— O que você está fazendo?— questiono, entrando na
cozinha.
— Guardando um pouco dessa bagunça— Savannah
responde enquanto se move pelo cômodo, colocando algumas
bandejas no balcão de mármore.
— Temos pessoas que são pagas para isso, Savannah.
— Eu sei que VOCÊ tem pessoas que são pagas para isso,
EU não cresci com ninguém fazendo tudo para mim e,
honestamente, acho muito constrangedor.
Já passava das três horas da manhã, e eu não podia esperar
nem mais um minuto para que todos fossem embora. Foi ideia de
Savannah, claro, dar uma festa de Ano-Novo na minha casa. Minha
mãe veio, Alec também, ele até trouxe o agente dele e uma garota
que, aparentemente, trabalha na equipe do cara, não gostei dele,
mas era uma festa, então, não era o momento para as minhas
impressões.
As amigas de Savannah também vieram, Lucy, Alexa, e ela
também chamou Nadine, que trabalha na empresa, e uma tal de
Alice, todas trouxeram acompanhantes. Lucy estava com o tal do
Brad; Alexa, com um homem chamado Drew, e Nadine e Alice com
seus respectivos namorados, suponho. Eu passei a maior parte do
meu tempo focado em Savannah e seu vestido preto de costas
nuas.
— Sabe o que é constrangedor?— pergunto, abraçando-a por
trás, minhas mãos se movem pelo corpo dela.— A ereção que eu
fiquei quando vi você nesse vestido no meio da sala.
— Mentiroso, você não tem o menor constrangimento com
esse tipo de coisa— ela responde, sorrindo.
— Claro que tenho. Arthur até implicou comigo, dizendo que
eu não conseguia fechar a boca.
Nosso último convidado: Arthur, acabou de sair acompanhado
por Elaine. Arthur e Alexa passaram a festa toda trocando farpas, e
eu realmente não sei como seus respectivos acompanhantes
suportaram aquilo. Se Savannah desse a outro cara dez por centro
da atenção que Alexa deu a Arthur, eu ficaria irritado.
— Pelo menos, ele deu um descanso a Alexa, implicando um
pouco com você. Achei que os dois iam se matar.
— Eu odiaria a mancha de sangue no tapete— digo, fazendo-a
sorrir. Savannah se vira para mim e coloca a mão na minha barba
carinhosamente.— Agora, podemos não falar deles? Eu tenho
certeza de que podemos achar um assunto mais interessante.
— E o que teríamos de mais interessante para conversar,
senhor Campanelli?— ela questiona com uma expressão cheia de
insinuações, as mãos de Savannah descem para minha calça, e ela
enfia os dedos dentro da minha roupa íntima, procurando e tocando
meu pau, que rapidamente se apresenta para ação.
Savannah desce o zíper da minha calça e minha ereção salta
e ela a balança algumas vezes, fazendo meu pau ficar duro
enquanto olha nos meus olhos com uma expressão gulosa. E,
então, quando ela está prestes a se abaixar para colocar minha
ereção em sua boca, o telefone toca. Olho para o aparelho no
balcão enquanto ela move sua mão na direção do aparelho.
— Não ouse...
— Tenho que atender, é minha mãe.
— Você vai pagar caro por isso— reclamo. Savannah ri e
então toma impulso e se senta no balcão da cozinha.
— Oi, mãe— ela disse, atendendo o telefone.— É, eu sei, eu
tentei ligar mais cedo, mas simplesmente não dava sinal. E depois
eu fiquei um pouco distraída com as coisas aqui...— ela diz isso, me
olhando. Estou sorrindo e então estico minha mão e solto o vestido
dela enquanto ela segue no telefone.
O tecido cai até a cintura, deixando os seios de fora. Toco em
um deles, e Savannah me olha com recriminação, ela parece estar
dizendo “não ouse!”, mas ela deveria saber que eu não pretendo dar
ouvidos.
— Feliz Ano-Novo, mãe. Sim... foi tudo tranquilo por aqui.
Alexa estava comigo até agora e a Lucy estava na casa do irmão.
Como foram as coisas por...— Tiro minha roupa, e Savannah perde
a fala, isso me faz sorrir.— Como foram as coisas por aí, mãe?
Ela usa a mão livre para beliscar meu braço, tentando me
conter, mas eu não me importo.
— Mãe, eu te ligo amanhã cedo... Sim, claro, claro que quero
falar com o papai — ela diz. Savannah me belisca outra vez e eu
abro suas pernas, me posicionando entre elas, e então coloco
minha boca em um dos seus seios e começo a estimulá-lo com a
ponta da minha língua.— Claro, p... pai. Eu... é, eu também. Não...
está tudo bem, só está frio aqui, preciso fechar a janela. — Ela
aperta as pernas contra o meu corpo, e eu estou sorrindo.
Savannah arranha a lateral do meu corpo com suas unhas.— É,
claro. Podemos fazer isso na Páscoa.
Ela aperta o botão mudo do telefone e me olha.
— Eu vou matar você!
— Não vai nada— digo, colocando as mãos dentro de suas
coxas e puxando a calcinha— Quanto mais rápido você terminar,
menos constrangedor isso vai ficar.
Ela ativa o som do telefone outra vez e então volta a falar com
o pai.
— Pai, eu preciso desligar... droga!— ela diz quando coloco
minha boca no meio das pernas dela.— Não. Eu só derrubei uma
coisa aqui. É, eu tenho que ir. Eu amo você, pai.
Ela desliga o telefone e bate no meu ombro com força, eu
levanto a cabeça sorrindo.
— Você é um idiota!— ela diz com um tom repreensivo, mas
sei que ela não pode ficar com raiva de mim por muito tempo porque
rapidamente a sensação da minha boca em sua boceta está
fazendo-a choramingar de prazer. Minha língua explora cada
pedacinho dela e Savannah vai abrindo mais as pernas enquanto
ataca meus cabelos, minhas costas. Sinto suas pernas tremendo
enquanto minha língua se enfia para dentro dela, estou levando-a às
margens do clímax e ela está gemendo o meu nome do jeito que eu
gosto, prestes a chegar lá, tão perto... e então eu simplesmente
paro.
Me levanto sorrindo e balançando a cabeça negativamente.
— Você só pode estar brincando!— ela reclama, me olhando.
Savannah desce da bancada em um pulo e avança na minha
direção.— Malcolm, se você não voltar e me fizer gozar eu, juro que
nunca mais transo com você.
A ameaça vazia dela me faz rir, e Savannah parece ainda mais
irritada.
— Eu não estou brincando com você, Malcolm. Se...— Corto-a
com meus lábios nos dela, e então, sem esforço, coloco-a de volta
na bancada da cozinha. Termino de retirar o vestido dela e então
volto a abrir suas pernas, mas, em vez de usar a boca, eu posiciono
meu pau em sua entrada, mas não me movo.
— Acho que você esqueceu que sou eu quem estou no
controle aqui— lembro-a, pressionando a ponta do meu pau contra
seu clitóris.— Agora vamos tentar novamente, me diga o que você
quer.
— Eu quero matar você— ela responde, apertando as unhas
contra o meu ombro. Savannah mexe os quadris, tentando um
pouco de fricção, mas continuo imóvel.
— Não vai conseguir o que quer desse jeito.
— Tudo bem, eu vou ser boazinha, por favor.
— Por favor, o quê? — questiono em um tom baixo, me
inclinando em seu ouvido.
— Você sabe o que eu quero— ela diz, tremendo, seu tom de
frustração me diverte.— Você é uma pessoa insuportável, sabia?
— Sabia. Agora me diga o que você quer, preciso ouvir você
dizer— demando. Ela não quer dizer, mas o corpo está traindo-a,
porque as palavras parecem sair antes que ela possa as controlar.
— Eu quero você dentro de mim— sua voz é cheia de tesão,
de necessidade—, quero cada centímetro de você dentro de mim,
Malcolm, por favor.
Gosto disso, do poder que tenho sobre ela enquanto estamos
transando. Parece que é o único lugar em que posso lidar com o
que sinto por Savannah, porque, fora do sexo, é o contrário, é ela
que me controla, cada vez menos me sinto como eu mesmo. Eu
penso nela o tempo todo.
— Você vai me obedecer de agora em diante? Não vai mais
atender ao telefone enquanto estiver me chupando...
— Não, não vou. Nunca mais.
— E vai fazer tudo que eu mandar?
— Tudo. Sem exceção— ela me diz.— Eu só preciso que você
me foda.
Ela mal termina a frase e estou entrando nela com um só
impulso. Um grito de dor deixa os lábios de Savannah, e eu encaro
seu rosto, ela está sorrindo, parecendo aliviada por conseguir o que
queria.
— Isso, amor— ela diz enquanto saio e volto a entrar nela.
Fodo-a sem piedade, seus seios estão saltando no ritmo dos meus
movimentos e a boca se abre em um grito silencioso de prazer.
— Você é minha. — Minha voz soa como grunhido enquanto
escuto nossas carnes batendo juntas, o som ecoando pela cozinha.
— Sua. Só sua— ela repete enquanto geme, olhando nos
meus olhos
Continuo penetrando-a profundamente a ponto de parecer que
não somos mais duas pessoas, apenas uma, e a onda de prazer
que nos envolve é quase potente demais. Controle o ritmo dos meus
movimentos, entro nela rapidamente, depois mais devagar, de forma
mais profunda enquanto sua boceta quente me engole e me aperta,
fazendo com que meu corpo queira explodir no dela.
— Mais rápido— ela pede quando está chegando às margens
do orgasmo. Acelero o ritmo novamente e bato contra o corpo dela
repetidamente, indo cada vez mais fundo, agarrando-a com força
até que ela explode e fica sem fôlego enquanto seu corpo
estremece de forma descontrolada contra o meu. Gozo também e a
seguro, mantendo-a no meu ombro.— Você é um homem muito
malvado— ela diz enquanto carrego-a para o quarto.
— Você começou quando parou de me chupar para atender
uma ligação— resmungo— Sinto muito, não queria ser cruel.
— Queria, claro que queria. Você se diverte com o meu
sofrimento, com o fato de que eu faria qualquer coisa pra ter você,
diria qualquer coisa— ela afirma. Coloco Savannah na cama e
passo minhas mãos por seus cabelos.
— Eu fiquei contando os minutos para que todo mundo fosse
embora e eu pudesse ter você só pra mim.
— Eu sou só sua, Malcolm. Sempre. Não importa quem mais
estiver ao nosso redor, eu só vejo você.
Merda! Essa é a porra da resposta perfeita. A resposta que faz
com que meu pau pulse e que me tira totalmente do controle da
situação. Respiro fundo e tento me acalmar.
Savannah me beija, e então eu estou pronto para ela
novamente, assim como ela parece pronta para mim.
— Faça amor comigo— ela pede. Eu passo minha mão pelo
seu rosto e então beijo-a novamente. Coloco-a de lado e entro nela
devagar, do jeito que sei que ela precisa que seja agora. Beijo seu
pescoço, passeio os meus dedos pelos seus seios, cada novo
impulso é lento enquanto minha mão desce pelo seu umbigo e
encontra o clitóris dela, estimulando-a enquanto ela rebola na minha
ereção. É assim que, depois do orgasmo, pegamos no sono, comigo
no lugar melhor do mundo: dentro dela.
Na manhã seguinte, eu acordo e vou me exercitar. Deixo um
bilhete para Savannah ao lado da cama e corro por meia hora. O
pensamento que tive na noite passada está martelando na minha
cabeça, estou deixando isso que sinto por Savannah tomar conta de
mim em uma proporção que sempre evitei, e a pior parte é que eu
pareço estar fazendo isso com um sorriso no rosto.
Convenço a mim mesmo de que posso ter mais controle, de
que isso, esse sentimento, não precisa me dominar dessa forma,
mas, então, eu volto para casa e encontro Savannah no meu quarto,
arrumando a mochila para ir embora, e eu percebo que não quero
que ela vá.
— Oi... bom dia, lindo — ela me diz, sorrindo, enquanto tiro a
camisa, seguro a peça em uma das mãos e então Savannah se
aproxima de mim. Quando eu olho para ela assim, fico pensando
em como uma mentira me trouxe aquilo que há de mais verdadeiro
na minha vida.
— Estou todo suado.
— Melhor ainda— ela diz, sorrindo, enquanto me abraça— Eu
amo o seu cheiro.
— Aonde você vai? Comprei croissants.
— Você comprou?— ela questiona, pouco crédula, enquanto
suas mãos tocam as laterais do meu corpo, as unhas levemente
raspando minha pele.
— Eu pedi para o Andrew comprar, é a mesma coisa— afirmo,
fazendo-a sorrir.
— Ok, posso comer rapidinho, mas preciso ir em Jersey pegar
algumas coisas para a viagem.
Vamos para o Brasil hoje, a premiação de Alec é em dois dias
e combinamos de ir antes, Margareth sente falta da casa dela e quer
que eu e Savannah conheçamos o local. Além disso, é começo de
ano e eu sempre costumo tirar alguns dias para mim, a diferença é
que dessa vez vou viajar acompanhado.
— Tudo bem, vou só tomar um banho e então vamos comer
antes de você sair— digo, me movendo para tomar uma ducha,
estou entrando no banheiro quando olho para ela e penso em como
gosto dela aqui, não quero que vá embora.— Savannah, e, se
depois da viagem, você trouxer todas as suas coisas?
— Você quer dizer...morar aqui? Com você?
— É! Exceto se você quiser que eu saia para morar sozinha –
digo, sentindo um sorriso se formar no meu rosto, me aproximo de
Savannah novamente e seguro-a pela cintura.
— Não é cedo demais?
— Depende do horário que você se mude
— Então você agora faz piadas? Não gosto disso — ela
reclama, sorrindo. A prendo em seus braços.
— E como você gosta de mim? Sério?
— Sério, mandão...insuportável
— Estou falando sério: venha morar comigo.
— Você tem certeza? Eu não quero dar um passo maior do
que as minhas pernas, você pode se arrepender e...
— Eu tenho certeza— interrompo-a. Aproximo minha boca do
rosto dela.— Eu gosto da ideia de saber que você vai estar sempre
aqui, bagunçando minhas coisas, deixando cabelo por todas as
partes.
— Tudo bem— ela responde, mordendo a ponta dos dedos.—
Mas você precisa ir conhecer meus pais, tenho que contar a eles
sobre a gente.
— Depois da viagem ao Brasil— afirmo.— Depois da
premiação, voamos direto para o Texas.
— Ótimo!
Eu não conheço o Brasil. Conheço o continente europeu
amplamente, e mais ainda o continente africano. Já estive em todos
os estados do meu país, assim como conheço toda a América do
Norte e América Central, Oceania, mas nunca coloquei meus pés na
América do Sul. Eu sabia que a minha mãe estava lá, no Brasil,
então todo o continente meio que se tornou esse lugar inominável.
Meu pai não podia suportar nada que lembrasse minha mãe, o
Brasil ou qualquer menção estava incluído, assim como o som de
um piano, hortênsias. A única lembrança da minha mãe,
ironicamente, era o quadro no meio da nossa sala.
Uma vez Arthur perguntou: “Tio Peter, porque o quadro com a
tia Margareth continua aqui?” Éramos crianças quando ele fez essa
pergunta e eu lembro que meu pai disse: “Porque essa é a
Margareth de quem gosto de me lembrar”. A Margareth que estava
com ele.
Eu achava meu pai patético por isso. Por essa melancolia
relacionada a uma mulher que estava pouco se lixando para ele,
para o filho, para a pretensa história de amor que tiveram. A
realidade se provou bem mais complexa do que as minhas
impressões infantis, claro. De qualquer forma, a ideia de ir ao Brasil
sempre foi algo que causava desconforto, para dizer o mínimo,
mesmo que as chances de esbarrar com ela fosse ridiculamente
pequenas.
A grande ironia: agora estamos dentro do mesmo avião, indo
para o lugar que eu sempre evitei. A vida dá umas voltas muito
surpreendentes. Margareth está em uma poltrona com Alec ao seu
lado, ela tem um soro na veia por orientação médica, mas está bem
hoje, sorridente. Ela está feliz.
— Quando eu te escrevia, a coisa que eu mais queria era que
você viesse passar férias comigo no Brasil— ela me diz. Estou
sentado de frente para ela e seu comentário faz surgir um pequeno
sorriso no canto da minha boca.
— Ela não vai mesmo acordar?— Alec questiona olhando para
Savannah. Minha namorada está dormindo ao meu lado, a cabeça
no meu ombro, uma máscara de repouso nos olhos, fones nos
ouvidos.
— Ela detesta voar— conto, sorrindo. Savannah sempre tenta
dormir quando viaja de avião. Ela tem um medo que é claramente
perceptível na postura que assume. Conto sobre quando fomos para
a Botswana e dela babando no meu terno, parece que foi há tanto
tempo. Não tem nem um ano que isso aconteceu e parece que nos
conhecemos a vida toda.
Passo a minha mão pelos cabelos de Savannah, que se
remexe um pouco, afundando o rosto no meu corpo. Ela é linda, e
eu poderia ficar aqui olhando para ela e não me importar com mais
nada.
— Eu adoro voar— Margareth comenta, olhando pela janela.—
Seu pai também adorava.
Primeiro acho que ela está falando do pai de Alec, mas, então,
seu rosto se volta para mim.
— Ele nunca quis se casar novamente? Nunca falou sobre o
assunto? Nunca amou mais ninguém?— A pergunta me pega de
surpresa. Meu pai amava a senhora Marshall, disso eu tenho
certeza hoje em dia, ele não era apaixonado por ela como era pela
minha mãe, e sempre houve rumores sobre eles, antes da minha
mãe partir e depois disso. Talvez eles tivessem voltado a ter algo,
não sei, mas não, ele nunca quis me casar novamente.
— Ele nunca me apresentou mulher alguma.
— Mãe, por que você está pensando nisso agora?— Alec
questiona.— Isso não deve ser um assunto agradável para o
Malcolm.
— Porque, quando a gente chega aonde eu estou, querido, a
gente pensa nos “e se...”, e eu estava aqui pensando: e se o Peter
tivesse encontrado outra pessoa, casado novamente, se tivesse
outros filhos, será que tudo teria sido diferente? Será que ele teria
me deixado chegar perto do Malcolm? E eu sei que vocês não
querem falar disso, da minha morte ou do passado, mas eu só tenho
o presente e às vezes ele é muito curto, então fico presa no
passado.
Alec solta o cinto e se levanta da cadeira.
— Aonde você vai?— Margareth questiona.
— Pular do avião— ele diz, olhando para a nossa mãe.— Eu
só preciso me mexer um pouco, mãe. Só isso. Vou até a cabine.
Alec se afasta, e Margareth me olha com arrependimento no
olhar.
— Não se sinta culpada— peço.— O assunto não me
incomoda.
— Eu ficava pensando que o maior problema era que eu não
teria tempo para me despedir de você, para te conhecer um pouco,
saber se você ainda era o mesmo garoto, se tinha os mesmos
valores e...
— Devo ter surpreendido— argumento.
— Para o bem. Você é muito mais do que aparenta, querido.
Você se preocupa de verdade com quem gosta, eu vejo isso com
seu irmão, com a sua namorada, com o Arthur e até comigo. Você
tem um senso de moral e justiça bem balanceado e, embora seja
um tubarão nos negócios, está dando o máximo para adequar a
empresa.
— Não sei se é o máximo e muitas dessas decisões foram por
razões financeiras...
— E você não sabe receber um elogio, o que mostra
sensibilidade e um pouco de insegurança por baixo de toda essa
marra que você apresenta para quem não te conhece. Você é um
bom homem, e eu tenho orgulho de ser sua mãe. — Acho que ela
está me romantizando demais. Não sei se sou essa pessoa que ela
está descrevendo.— A maior prova disso tudo que estou dizendo é
essa mulher incrível ao seu lado. Savannah não estaria com você se
não fosse um bom homem, não seria capaz de fazê-la feliz se não
fosse essa pessoa incrível que é.— Ela estica a mão, e eu me movo
um pouco, com medo de acordar Savannah, toco na mão da minha
mãe e encaro seus olhos verdes.
Pela primeira vez, sinto o que Alec deve sentir, uma gastura e
uma sensação de descontentamento com o mundo. Queria que ela
ficasse aqui, que tivesse mais tempo, que me desse a chance de
ser essa pessoa que ela enxerga quando me olha.
— Pode me fazer um favor?
— Claro.
— Cuide do seu irmão por mim. Quando eu me for, ele não vai
ficar bem, eu tentei ao máximo prepará-lo para isso, mas...
— Não há como preparar alguém para isso, Margareth.
Ninguém está pronto para perder a pessoa que mais ama no
mundo. E eu não sei como posso ajudar.
— Você já passou por isso. Já ficou sozinho, e ficou de pé.
Pode ajudá-lo. Ele precisa de alguém como você, alguém que não
vá ser indulgente, que não vai deixar que ele fique triste por mais
tempo do que o necessário. Sei que não posso te pedir nada, mas...
— Pode, claro que pode.
— Então, por favor, cuide dele— ela me diz baixinho. Aceno
concordando e seguro Savannah, apoiando-a em meu braço
enquanto me inclino e beijo a mão de Margareth.
Chegamos ao Rio de Janeiro no meio da noite, e Savannah
tem um susto quando vê o tamanho da pista de pouso e o fato de
que ela se encontra com o mar. O caminho para a casa de
Margareth é marcado pela minha namorada reclamando do fato de
que eu e meu irmão estamos fazendo piada sobre o assunto.
— Vocês não têm nenhum respeito pelo medo alheio—
Savannah reclama.
São duas da manhã quando entramos no quarto que Alec nos
indica e Savannah abre as janelas. Estamos em uma elevação com
uma vista para o mar. Está escuro, mas não o suficiente para que a
paisagem não possa ser distinta da escuridão.
— Eu não vou conseguir dormir— ela me diz.
O som do mar entra pela janela enquanto estou olhando para
ela sob a luz fluorescente da rua que invade o espaço. Não seria
capaz de fazê-la feliz se não fosse essa pessoa incrível que é. Eu
sou mesmo capaz de fazê-la feliz? Por quanto tempo? Chego perto
de Savannah e a abraço, ela ergue a cabeça para me encarar.
— Por que você está me olhando desse jeito, Malcolm?
— Estou pensando no que podemos fazer para te cansar o
suficiente para que você consiga dormir novamente— afirmo,
tentando não deixar essa insegurança me invadir. Savannah sorri
enquanto balança a cabeça positivamente e então puxo-a para um
beijo.
 

 
O som é, para mim, a coisa mais fascinante do mundo. As
sensações que o som causa. O tilintar de taças, o barulho de uma
boa risada, o pranto de uma pessoa com dor, a voz da pessoa que
você ama, a conversa indistinta de um grupo de amigos na mesa de
um bar, e até mesmo uma buzinada um carro apressado em uma
avenida. Cada uma dessas manifestações sonoras é fascinante de
formas específicas. Então, a coisa que mais senti falta da minha
casa, da casa em que cresci – embora minha família sempre tenha
viajado muito – foi dos sons.
Moramos na Urca, numa parte mais afastada. Com uma vista
espetacular do mar, com o som das ondas quebrando, pássaros
cantando. A vida vibrante do Rio lá embaixo. Eu fui tão feliz nessa
casa. Eu cresci cercado de som, música, pessoas vibrantes. E,
mesmo quando éramos apenas nós três, eu, meu pai e minha mãe,
a casa ainda era cheia de vida. Minha mãe estava sempre
cantarolando, meu pai passava horas tocando violino ou explorando
um novo instrumento. E eles estavam sempre comigo. E eu me
sentia como o garoto mais sortudo do mundo, na verdade, eu era
mesmo o garoto mais sortudo do mundo.
Às vezes, minha mãe chorava. Ela ficava quieta, olhando para
o mar pela janela e chorava. Ela chorava sem fazer som nenhum,
mas eu via as lágrimas que ela tentava esconder. Eu só entendi a
razão pela qual ela chorava quando fiquei um pouco maior e soube
que Malcolm existia. Eu tinha um irmão. Eu sempre quis um irmão.
Contei na escola que tinha um irmão que vivia nos Estados
Unidos e que era mais velho, e eu estudava com gêmeas, não
consigo lembrar o nome delas, mas elas tinham cabelos castanhos
encaracolados e se vestiam iguais na maior parte do tempo.
Quando terminei de falar sobre o meu irmão, uma delas me
perguntou:
— E como ele é? Ele parece com você? Também gosta de
violão? Ele joga futebol?
Eu não fazia a menor ideia. Não sabia como meu irmão era,
exceto pela foto que minha mãe tinha de quando ele era pequeno.
Minha mãe falava dele, mas ela não nunca me deu esse tipo de
detalhes, talvez ela mesmo não os soubesse depois de tanto tempo.
Eu pesquisei sobre meu irmão na internet, mas não havia fotos
dele. Só do homem que era o pai dele. E só naquele momento eu
percebi que havia outro homem, outra família. Que minha mãe tinha
todaoutra vida que eu não conhecia.
Quando cresci um pouco, eles me contaram tudo. Contaram
sobre como se apaixonaram, sobre como a família da minha mãe
reagiu, sobre o fato de que eles passaram anos separados até se
reencontrarem novamente pela ironia do destino de terem sido
colocados no mesmo lugar justamente pelo homem que era marido
da minha mãe.
Ela sempre se sentiu culpada por ter deixado Malcolm e
começado uma nova família. E, em alguns momentos, eu a julguei
por isso. Eu ficava chateado quando ela chorava, porque queria
gritar: “Então por que você está aqui? Por que não ficou com ele?”
Uma vez eu cheguei a dizer algo malcriado a minha mãe e
lembro que meu pai me sentou numa cadeira, ficou de frente para
mim e disse:
— Sempre deixamos que você fizesse o que queria fazer,
sempre o incentivamos a dizer o que pensa, mas não vou deixar
você falta com respeito à sua mãe, porque deixar o seu irmão foi a
coisa mais difícil que ela já fez e foi por pura sobrevivência, ela
estava definhando ao lado de um homem que não amava, e você
nunca amou o suficiente para entender qual é a coisa que realmente
importa na vida.
— E o que seria?— questionei. Estava envergonhado do meu
comportamento, mas ainda queria preservar um senso de rebeldia
adolescente.
— Acordar todo dia do lado da pessoa que você ama.
— Os pais não deveriam amar mais os filhos do que a esposa
ou marido?
— Não é sobre a intensidade do amor, Alec. Sua mãe não me
ama mais do que ama o Malcolm, tanto que ela viveu anos com
Peter por causa dele, mas os filhos não são companheiros. Eu amo
você e daria minha vida pela sua, mas, sem a sua mãe, eu não seria
capaz de enfrentar nada. Porque você é meu filho e eu preciso te
proteger, é o meu papel, e esse papel é bem definido, você entende
isso?
— Não sei se entendo exatamente— resmungo.
— O espaço que a sua mãe ocupa na minha vida é
multifacetado, ela é minha mulher, minha melhor amiga, a pessoa
que escuta os meus problemas, os meus medos, é com quem eu
posso ser vulnerável e dizer tudo que passa na minha cabeça sem
medo de julgamento. Um dia, se você tiver sorte, vai encontrar
alguém que seja o amor da sua vida e isso vai fazer sentido. Agora,
vá para o seu quarto e, se você levantar a voz para sua mãe
novamente, vai passar um mês inteiro de castigo.
— Posso me desculpar com ela antes?— foi o que pedi. Meu
pai beijou o topo da minha cabeça e concordou.
— O que está passando nessa cabecinha?— a voz da minha
mãe me despertou do meu passeio pela memória.
— Estava pensando no papai.
— Eu também— ela diz sorrindo.— Eu sinto falta dessa casa
porque aqui estou mais perto dele. Da nossa vida.
— Ele está literalmente aqui, mãe. As cinzas estão no meio da
sala— digo, fazendo-a soltar uma risada. O plano sempre foi que as
cinzas do meu pai fossem espalhadas no nosso jardim, mas minha
mãe sempre adiou o ato.
— Quanto a isso, querido. Quero que me faça um favor...— Sei
que ela vai falar sobre sua morte e isso é como levar um soco no
estômago.
— Não... não vai falar como se já estivesse se despedindo.
— Alec, você precisa encarar a realidade e permitir que eu me
despeça. Eu preciso que, quando estiver pronto, espalhe as minhas
cinzas junto das do seu pai aqui. Quero que as espalhe no nosso
jardim.
— Aí está você!— Robert me diz, sorrindo, com seu português
com um forte sotaque americano.
Robert é meu agente. Ele está comigo desde que minha
carreira começou, foi ele quem insistiu que eu cantasse em inglês,
falando que me ajudaria a atingir um público mais amplo. Ele estava
certo. Ele sempre está certo. O cara estava do meu lado quando
isso tudo começou e sempre fez de tudo pela minha carreira, não
seria quem sou sem ele.
— Temos que ir para o estúdio, checar o som, conferir os
detalhes.
— Agora? Achei que ainda teria mais algum tempo. O prêmio
só vai ser gravado em dois dias.
— Você é a grande atração, Alec. Um brasileiro com carreira
internacional. – Ele então olha para minha mãe e a cumprimenta
meio sem jeito.— Me desculpe, Margareth. Eu acabei chegando e
sendo mal-educado. Posso roubá-lo?
— Claro. Música deveria ser a única preocupação dele—
minha mãe responde, sorrindo para mim. Toda vez que ela sorri
assim, eu me pergunto se vai ser a última vez.
— Vamos lá deixar sua mãe orgulhosa de você.
— Sempre estou orgulhosa dele. Antes, agora, sempre— ela
diz. Me aproximo da minha mãe e beijo seu rosto.
— Amo você, te vejo mais tarde?
— Claro, querido. Vejo você em breve.
Estou saindo com Robert quando penso no que ela me pediu,
então me viro de volta.
— Mãe, eu prometo. O que você me pediu. Vou fazer isso.
— Eu sei que vai, meu amor.
Robert me pergunta sobre o que estamos falando, mas não
quero discutir a saúde da minha mãe nem com ele, nem com
ninguém. Então mudo de assunto, falo sobre como meu irmão e sua
namorada estão aproveitando a cidade. É jogar conversa fora, sei
disso, mas é melhor do que entrar em um assunto que me deixa tão
mal.
— Trouxe algumas músicas que compramos os direitos para
que você escolha. Ainda acho que deveria mudar de música, Alec.
— Robert, com todo respeito, não vou fazer isso. Eu sempre
faço tudo que me diz para fazer porque confio em você e sei que
toma cada decisão com o melhor interesse da minha carreira em
mente, mas preciso disso.
— Cante Fantasmas do Passado então. É a menos... bem, é
um evento que deveria ser animado, Alec.
— Tudo bem, posso fazer isso.
— Ótimo, mas você vai adorar essas letras. Deveria vê-las
depois mesmo assim.
— Vou, claro. Pode deixar— confirmo. Chego ao local onde
será a cerimônia do prêmio e encontro minha equipe me esperando.
Minha banda é composta exclusivamente por mulheres: uma
baterista, uma guitarrista e uma baixista, enquanto, além do vocal,
faço piano, quando sinto que a música precisa.
— Você parece péssimo— minha guitarrista, Kat, diz enquanto
me aproximo para o ensaio geral. Forço um sorriso, e ela também ri.
Kat tem cabelos pretos, curtos, pele morena e um pequeno
piercing no nariz. Ela é uma das poucas pessoas que está comigo
desde o começo, a considerava uma amiga, mas, no momento, ela
e muitos da banda e equipe estão chateados com a minha decisão
de me afastar dos palcos por um tempo. Eu me certifiquei de que
eles vão receber um valor compensatório por esses meses, algo
similar ao que recebem quando estamos na estrada, também deixei
claro que poderiam seguir outros caminhos se assim desejassem e
que ainda assim teriam alguns meses desse dinheiro como rede de
segurança, mas nem todos estão satisfeitos.
— Vamos começar?— peço. Todos assumem seus lugares, e
eu começo a tocar sozinho no violão. A música que escolhi para a
performance foi escrita no dia em que minha mãe me disse que
precisava rever Malcolm. O nome da música é Fantasmas do
Passado.
Começo a cantar as primeiras linhas e não consigo seguir em
frente. Me sinto novamente naquele dia. Eu tenho estado tão bravo
com o mundo, mas, ao mesmo tempo, passo a maior parte do
tempo tentando não ficar chateado, porque não quero que minha
mãe perceba nada disso. Quero ser forte por ela, como Malcolm
consegue ser, mas sinto que estou falhando miseravelmente.
— Quer que comece novamente?— uma assistente de
produção questiona. A banda toda para, e eu fico olhando para elas,
para Robert.
— Não posso fazer isso— digo. Então deixo o palco e caminho
apressado pelos bastidores enquanto escuto a voz de Robert me
chamando. Entro no primeiro corredor, tentando fazer com que ele
me perca de vista, e então esbarro com uma garota de tranças que
me olha confusa. — Me desculpe, eu...
— Você está bem?
— Não. Preciso de... preciso de um lugar...
— Por aqui— ela me diz, puxando meu braço. Cruzamos a
sala, passamos por baixo de uma escada, e então estamos em um
beco cinzento. Ela segue andando e estou seguindo-a.— Cuidado
onde pisa— ela me diz. E há uma série de fios por todos os lados, e
eu caminho, tentando repetir os passos dela.
O corredor vai ficando claro e então noto que estamos
chegando na área externa do local. Há um mirante com grades de
ferro e uma vista privilegiada do Rio de Janeiro.
— Pronto, acho que você vai ficar bem aqui. Só me prometa
que não vai pular nem nada do tipo.
— Parece que eu vou pular?— questiono, chocado.
— Não sei, não o conheço o suficiente— responde.— Mas não
parece bem, então...
— Eu só preciso fumar— digo, tirando uma caixinha do bolso,
dentro dela há dois ou três cigarros e um isqueiro.
— Não deveria fumar— a mulher afirma, me olhando.— Você
tem uma voz linda, que é um presente, as pessoas se matariam
para cantar assim e está estrag...— Noto que parei o que estava
fazendo, estou com o cigarro ainda apagado na boca enquanto
seguro o isqueiro, estava tentando impedir o vento de apagar a
chama, mas agora estou encarando essa mulher que nem me
conhece e está me dando um sermão.
— Como você disse antes, não me conhece o suficiente. Então
não deveria...— Me interrompo, não sou uma pessoa grosseira,
tenho estado com muita raiva, mas não quero que isso se torne
quem eu sou, que vire parte da minha personalidade.
— Tem razão, me desculpe.
Estou com os olhos fixos nela, a mulher tem a pele negra, é
baixinha e está falando em inglês comigo o tempo todo. Só então
noto que ela está usando uma camisa com meu nome. Uma camisa
da equipe de trabalho.
— Você é da equipe?— pergunto. Ela acena a cabeça,
concordando, os olhos são castanhos e ela tem pequenas sardas no
rosto. Ela é bonita.
Muita gente trabalha comigo. Além da banda, há toda uma
equipe voltada para a execução dos shows, meu agente, que
também é meu produtor, assistentes e auxiliares de produção,
pessoas que trabalham com a logística dos shows, que cuidam os
efeitos, dos equipamentos de som. O pessoal envolvido com a
divulgação dos shows, álbuns, que cuida da minha imagem. É uma
equipe grande e passamos muito tempo juntos, eu costumava sentir
como se fossem minha família no começo disso tudo, mas o tempo
passa, as pessoas são demitidas, novas pessoas são contratadas,
até mesmo na banda. Robert é um dos poucos que está comigo
desde o começo.
— O que você faz?
— Eu ajudava com instrumentos, mas recentemente passei a
ser auxiliar de produção com o Robert— ela responde.— É por isso
que eu sei que você deveria estar ensaiando agora.
— E, por tabela, também deve imaginar porque estou assim,
certo?— É conhecimento comum o fato de que minha mãe está
morrendo, os portais de fofoca fizeram questão de tornar isso
público. Assim como o fato de que Malcolm é meu irmão. Todas as
matérias falando sobre minha mãe ter traído o pai dele, especulando
sobre a fuga com meu pai. É um circo, e eu nem posso me dar ao
luxo de dizer “foda-se”, porque sou o palhaço que faz parte desse
espetáculo.
— Eu nunca conheci meus pais, então não posso falar de
perder algo que nunca tive, mas o que eu posso te dizer é que ela
ainda está aqui, sua mãe ainda está aqui. Então não aja como se
não estivesse. Você pode ficar aqui sentindo pena de você mesmo e
estragando sua voz com essa porcaria— ela aponta para o cigarro
—, ou pode voltar para o ensaio, cantar sua música e passar o
tempo que você ainda tem com a sua mãe ao lado dela,
aproveitando cada segundo.
— Não sei se estou pronto para cantar aquela música.
— Fantasmas do passado, certo?
— É.
— É linda.
— Obrigado, quer dizer, Robert me ajudou a terminar alguns
versos, ele é um excelente compositor.
— E o que você queria cantar?
— I’m not ready.É a música que melhor funciona para mim
agora. É como me sinto... não estou pronto— Desvio o meu olhar
dela, me aproximo das grades no mirante e olho para frente, para
linha de encontro entre o céu e o mar no horizonte.— Como é
mesmo seu nome?
— Vai me demitir?— ela questiona, mas não parece muito
preocupada com isso.
— Não. Eu só quero saber seu nome, nada além disso.
— Eu sou ninguém e você não deveria gastar tempo comigo.
Você pode sair pela direita, em vez de voltar por esse caminho. Ah...
e deveria cantar I’m not ready, é de longe a melhor coisa no álbum.
Fico no local mais um tempo, enquanto ela vai embora. Decido
não fumar, embora a vontade ainda esteja queimando dentro de
mim, em vez disso, eu respiro fundo e penso no que fazer. Vinte
minutos depois, volto para o palco e a minha banda está discutindo,
provavelmente pelo clima que eu criei ao sair.
— Você está bem?— a baixista questiona. Ela é gentil, sempre
gostei dela.
— Estou, obrigado. Vamos trocar de música— afirmo, me
aproximando. Eu posso fazer o que aquela garota sem nome disse,
posso aproveitar o tempo em que minha mãe ainda está aqui, posso
me manter firme e de pé por mais um tempo. Posso ser o filho que
meus pais criaram, e não essa versão assustada que tomou conta
de mim nos últimos meses. Eu posso e preciso ser feliz por mais um
tempo.
— Robert não vai gostar— a guitarrista diz.
— Não é o nome dele no show, é?— a baixista questiona,
sorrindo para mim.
— Não. Não é. Vamos lá?!
 

 
Malcolm está deitado ao meu lado, em uma toalha de praia, no
convés de uma lancha parada perto de uma praia. Ele está de
óculos escuros e o maxilar parece tão relaxado. Me levanto um
pouco, pego o protetor solar, coloco um pouco no creme na ponta
do dedo e passo na ponta do nariz de Malcolm, que se vira para me
olhar.
— Você está ficando vermelho novamente. Deveríamos sair do
sol.
— Não. Eu gosto do sol— ele me diz, aproximando o rosto do
meu. Passo a ponta do dedo na sua bochecha e então coloco mais
protetor solar.
— Você vai descascar inteiro.
— Amor, eu passo férias em Ibiza, Capri, não deixe a
coloração te enganar, meu corpo está acostumado— ele diz,
sorrindo. Malcolm pega gentilmente o protetor solar da minha mão e
então coloca loção em sua mão.— Agora você...— ele passa o
creme entre os meus seios e vai subindo—, você não está
acostumada, pode ter insolação, ficar enjoada, é horrível.
Normalmente minha acompanhante em...
— Vamos lá— digo, sorrindo, enquanto cruzo os braços—,
continue me contando sobre as suas acompanhantes de férias em
praias paradisíacas.
— Ia dizer que eram enfadonhas, que eram nada perto de
você...
— Você é um péssimo mentiroso, Malcolm. E pode me contar,
eu não sou ciumenta. Nenhuma delas foi competente o suficiente
para conquistar você— brinco.
— Competente?
— Ok, insistente— afirmo, sorrindo enquanto me inclino e
passo a ponta do meu nariz no nariz dele. Ele cheira a mar, protetor
solar e tem gosto de suco de laranja. Encosto minha cabeça em seu
ombro e então olho para a praia enquanto aprecio o contato da mão
de Malcolm com meus cabelos. Ele é tão carinhoso que às vezes
me surpreende, eu não esperava que aquele homem insuportável
fosse se tornar tão gentil.— Podemos conhecer essa praia? Acho
que tem uma cidade.
— Podemos fazer o que você quiser, linda— ele responde.
Desvio meu olhar da praia e volto para os olhos dele. Malcolm me
beija novamente, então se levanta, está usando uma camisa sem
mangas e um calção de listras azuis que compramos ontem, depois
de um dia inteiro de passeio pelo Rio de Janeiro com Margareth.
Descobri que Malcolm não viaja com malas, exceto em viagens de
negócios, ele simplesmente chega no lugar e compra tudo que
precisa novo. É um estrago, mas não reclamei, a última coisa que
eu quero é estragar essa viagem com qualquer tipo de problema, da
minha parte ou da dele.— Vou avisar ao capitão que vamos atracar
e explorar a cidade, tudo bem?
Aceno, concordando, e ele se levanta. Pouco tempo depois,
estamos descendo em um deque que leva a uma casa e somos só
nós dois, sem seguranças, pilotos, sem ninguém além de nós
mesmos. Gosto disso, de como aqui Malcolm não é o CEO da
Diamantes Campanelli, mas apenas esse cara curtindo alguns dias
de lazer com a namorada. E eu me sinto muito sortuda de ser essa
namorada.
— Você alugou essa casa?
— Pedi para que fosse arranjado— ele explica, me puxando
para perto— Agora, senhorita Armstrong, o que quer fazer?—
Engulo seco enquanto ele me segura firme e meu corpo está contra
o volume em sua calça, quase, quase mesmo, quero cair nessa e
ficar aqui na cama, mas nosso tempo é curto, temos que voltar para
a cidade ainda hoje, a premiação de Alec é no começo da noite e,
no dia seguinte, voltamos para Nova Iorque.
— Explorar a cidade— afirmo.— E não me olhe assim, se eu
continuar transando da forma que estamos, vou sair voando como
uma sacola de plástico. Eu estou mais magra e...
— Você está deliciosa, como sempre esteve. Vamos explorar a
cidade antes que eu esqueça que sou um cavalheiro e faça você
implorar para que eu te foda aqui mesmo, nesse gramado.— Ele
aperta minha bunda sob o vestido, e eu mordo meu lábio.
— Só que você não vai fazer isso— afirmo.— Porque podemos
fazer o que eu quiser, não é?
— Isso. O que você quiser— ele concorda, sorrindo, e eu sei
bem a razão desse sorriso safado em seu rosto. É que, em algum
momento, mais tarde, vai ser o que ele quiser, e eu sempre entro no
jogo com um sorriso no rosto, da mesma forma como ele faz o que
eu quero fora da cama.
É assim que passamos o resto da manhã passeando por uma
cidadezinha praiana. Eu gosto do visual da cidade, do chão de
pedras, das casas coloridas, da cordialidade das pessoas, das
feirinhas de artesanato.
— Há quanto tempo estão casados?— uma mulher pergunta
quando paramos em um barzinho que vende cachaça.
— Nós...
— Estamos na nossa lua de mel— Malcolm conta, beijando
meu rosto.
— Parabéns.— Ela nos oferece doses complementares pela
nossa lua de mel, mas Malcolm faz questão de pagar. A cachaça é
doce, tem um gosto de cereja e mel, e Malcolm passa o polegar no
meu lábio quando termino de beber.
— O que foi?— questiono.
— Nada, só estou muito feliz que você é minha mulher— ele
responde, sorrindo. Bato em seu ombro e então agradecemos a
mulher e seguimos nosso passeio.
Depois de mais um tempo, paramos em uma barraquinha de
colares e pulseiras feitos de miçangas coloridas delicadamente
esculpidas em madeira. Escolho pequenas bolinhas amarelas e
brancas com miçangas florais e peço para que ela monte para mim.
— Como é seu nome?— a jovem questiona.— As iniciais, para
colocar na pulseira.
— Savannah... Savannah Campanelli— Malcolm responde.
Ouvir meu nome assim, junto do sobrenome dele, me dá uma
sensação gostosa. Nunca pensei em mudar de nome quando um
dia me casasse, sempre achei algo desnecessário, mas quero fazer
isso, quero o nome dele, quero me casar com ele. Mesmo que tudo
isso agora seja apenas Malcolm sendo Malcolm, percebo que
gostaria que fosse verdade.
Ele me ajuda a colocar a pulseira, e eu adoro. Honestamente
gosto mais disso do que de qualquer coisa que ele já me deu em
diamantes.
Caminhamos de volta para a praia até que estamos sozinhos,
e eu começo a achar que estamos perdidos, mas ele garante que
estamos perto da casa.
— Vamos parar um pouco, quero entrar no mar— Malcolm me
diz. Eu me sento na canga enrolada no meu corpo e então o assisto
enquanto ele retira a camisa e depois a bermuda, ficando apenas
em um calção de banho, o tecido firme marcando o tamanho do pau
dele.— Se ficar olhando para ele assim, vai acabar acordando o
coitado.
— Vá pra água!— digo, revirando os meus olhos e fingindo um
cansaço. Assisto Malcom se afastar com suas panturrilhas perfeitas,
coxas grossas, e eu sempre fui positiva, animada, sempre me senti
grata pelas coisas que a vida me entregou, mas esse momento aqui
é mais que isso. Esse nível de gratidão, de felicidade, de paz, isso é
algo novo. Eu poderia ficar sentada aqui nessa praia, os pés
tocando a areia morna, o sol na minha pele, os olhos no amor da
minha vida. Poderia viver neste momento.
Entro na água depois de um tempo, e Malcom vem me
encontrar. Ele me segura firme nos braços enquanto beija meu rosto
e então desce sua boca pelo meu pescoço, seios.
— Quer entrar mais?
— Eu não nado tão bem.
— Eu seguro você.
— Por mais que eu confie em você, e eu confio muito— digo
—, prefiro ficar aqui quietinha, onde a água é mais quente.
— Ok, eu vou mergulhar um pouco, já volto— ele me diz, se
afastando. Deixo meu corpo flutuar e fico observando o céu azul, o
olho apenas meio aberto pela luz, até que desisto e fecho-os. Estou
leve, feliz e então algo bate em mim, me puxando para baixo, eu
prendo minha respiração e volto para superfície, procurando o que
há de errado, e então Malcolm está me olhando.
— Sinto muito— ele diz, sorrindo.— Eu não pude evitar, você
parecia tão adorável e...
— Você me assustou!— reclamo.— Achei que podia ser um
tubarão ou...
Cruzo meus braços e me afasto enquanto ele tenta se
aproximar.
— Savannah... ei, eu não queria te assustar, sinto muito.—
Começo a sair da água, e então ele corre e me alcança, passando
os braços ao meu redor, ficando por trás. — Você está segura
comigo, nada vai acontecer com você enquanto estiver comigo,
prometo. A única coisa que eu quero é cuidar de você.
Me viro e os braços dele ainda estão em volta do meu corpo,
seus lindos olhos estão me olhando suavemente, os lábios a poucos
centímetros dos meus.
Malcolm me olhou nos olhos como se soubesse exatamente o
que estou pensando.
Ele começou a se inclinar, seus lábios macios roçando os
meus. Separo meus lábios e deixo que a língua dele deslize pela
minha boca e avidamente o beijo de volta enquanto minhas mãos o
puxam para mais perto. Os dedos dele se emaranham pelos meus
cabelos molhados, enquanto a boca continua explorando a minha, e
então ele desce para as minhas costas e solta a parte de cima do
meu biquíni.
— Pode aparecer alguém, Malcolm.
— Não estou vendo ninguém, não encontramos ninguém por
quilômetros— ele diz, me olhando, Malcom me puxa para cima e
então estou em seu quadril, as ondas são fracas e não se tornam
um empecilho, mas ainda não sei o que pensar sobre a logística
disso tudo.— Só estamos nós dois aqui, mas se você não quiser...
— Eu quero— interrompo-o.— Claro que quero.
Então ele me carrega de volta para a praia com as mãos nas
minhas coxas, me mantendo presa ao seu corpo. Estava tão perdida
nos olhos de Malcolm que só noto que tínhamos chegado ao nosso
destino quando minhas costas encontram a canga enquanto ele
está pairando acima de mim e terminando de tirar a parte de cima
da minha roupa de praia.
A língua dele se movimenta ao redor do meu mamilo enquanto
a mão massageia meu seio. Solto meu corpo e tento esquecer onde
estou, não é uma tarefa difícil quando a boca de Malcolm está me
sugando dessa forma. É fácil achar que somos as únicas duas
pessoas no mundo.
Estou gemendo e puxando seus cabelos quando ele para e
senta-se na areia, me olhando.
— O que foi, amor?— questiono, erguendo a cabeça para
encará-lo.
— Tire a roupa e sente no meu colo— ele me diz. Olho ao
redor, não há ninguém mesmo. Então faço o que ele diz. No
momento em que me sento no colo de Malcolm, ele puxa a canga,
nos envolvendo, e sou invadida por uma alegria boba por notar que,
mesmo no meio de uma praia deserta, ele está tentando me manter
o menos exposta possível. Seus dedos se movem para dentro de
mim, eles me provocam, fazendo pequenos círculos ao redor do
meu clitóris, o que faz gemer e arquear minhas costas.
— Precisa de algo mais?— Malcolm sussurrou. Seus dedos
mergulharam na minha boceta e ele os inclinou dentro de mim, me
fazendo gemer ainda mais.
— Preciso, preciso de você— afirmo. Coloco o meu queixo em
seu pescoço e posso ver o mar se movimentando há alguns metros,
é lindo, mas porque eu iria querer olhar para o mar quando Malcolm
é muito mais bonito? Eu gosto de olhar no olho dele, de saber que
está aqui comigo, me amando. Que aconteça o que acontece, eu
sou dele e ele é meu.
Malcolm retira os dedos de dentro de mim e então é a cabeça
do seu pau que está procurando espaço, me levanto um pouco,
facilitando as coisas, e então ele está me penetrando.
— Você fica ainda mais bonita assim, com essa boca
entreaberta, os olhos cheios de desejo...— ele me diz e então para
de falar e me beija.
Movo meus quadris por cima dele, rebolo. Meus seios estão
saltando enquanto me movo. Cada novo movimento o faz ir mais
fundo dentro de mim e eu assisto à expressão de desejo e êxtase
que vai tomando conta do rosto de Malcolm. Estamos nos olhando o
tempo todo, do jeito que eu gosto, ele está comigo aqui, inteiro. De
corpo e alma. Nossos corpos se movimentam, completando um ao
outro, e então eu chego ao orgasmo, e ele assume totalmente o
controle, me deitando na areia e me fodendo sem perder o ritmo.
Gosto dos sons que ele faz quando está perto de gozar. Isso
me deixa ainda mais excitada. Malcolm goza dentro de mim, eu
posso sentir o jato quente se espalhando e a sensação é
absolutamente deliciosa. Eu sempre imaginei como seria, mas
nunca achei que seria algo que me faria feliz. Me deixa orgulhosa
saber que sou em quem o leva a esse ponto. Eu não sou ciumenta
como sei que Malcolm pode ser, ele já deu sinais disso, mas gosto
dessa sensação de posse e controle durante o orgasmo dele.
Malcolm fica parado dentro de mim um pouco, me olhando, a
mão acariciando meu cabelo.
— Vamos embora— ele diz finalmente enquanto me ajuda com
a roupa.— Vamos antes que eu queira você novamente. Isso foi
maluquice demais.
— A senhora está linda, mãe.— Escuto Malcolm dizer a
Margareth enquanto desço as escadas. Eles estão cada vez mais
próximos e ele a chama de mãe vez ou outra, principalmente
quando estamos apenas em família. Margareth parece feliz, em paz,
mesmo com o avanço da doença e as limitações físicas que vêm
aparecendo, ela está satisfeita. Ela me disse no dia em que
chegamos ao Rio, quando estávamos indo conhecer alguns dos
lugares prediletos dela na cidade, que assim que se mudou, quando
conheceu aqueles locais, sempre imaginou que estava andando ali
segurando a mão do filho, a mão de Malcolm.
— Isso porque você ainda não viu essa deusa— Margareth
diz, me olhando. Malcolm se vira para me encarar e abre um sorriso.
— Se queria me deixar sem fôlego, parabéns— ele me diz.
Malcolm me oferece a mão e me ajuda a descer os últimos degraus
da escada.
— Você também não está nada mal— digo, beijando
rapidamente seus lábios.
— Eu só ganho isso? Um beijinho?
— Maquiagem—afirmo, sorrindo. Ele aproxima a boca do meu
ouvido e diz que eu vou me arrepender por isso com um tom de voz
sexy que eu preciso me controlar para não morder o lábio e acabar
cheia de batom nos dentes.
Meu vestido é lindo. É amarelo, sem alças, extremamente justo
ao meu corpo e longo, com uma abertura na perna, do jeito que eu
gosto.
— Tem uma coisa faltando— Malcolm diz, sorrindo. Ele me
entrega uma caixinha com um par de brincos de diamante e eu os
coloco enquanto ele sorri.— Perfeita!
Malcolm toca no bolso interno da roupa e então diz que
esqueceu o telefone no quarto e sobe as escadas dizendo: “Volto
em um minuto”. Estou prestes a dizer que é bom que ele não esteja
trabalhando escondido quando noto que Margareth está me
olhando.
— Você está feliz com ele não está? Com o Malcolm?
— Estou, claro— afirmo, sem entender muito bem a pergunta.
— Eu sempre sonhei em encontrar a pessoa certa e a realidade tem
se mostrado bem melhor do que eu pude imaginar.
— Me desculpe por perguntar isso assim, mas é que eu vi os
brincos e olhei para você nesse vestido e me senti... senti como se
estivesse no passado, olhando para mim mesma.
Malcolm não é nada como o pai dele, e eu não sou ela. Nossa
história é outra. Não vamos repetir os erros deles.
— Não somos vocês.
— Eu sei, querida. Eu só... não se perda nele, tudo bem? Você
tem que ter a sua vida, as suas pessoas. Eu estou extremamente
feliz por Malcolm ter você, por vê-los tão felizes. Cuide dele por
mim, tudo bem? No entanto, nesse processo, não deixe de cuidar
de si mesma.
Entendo que ela está sendo gentil comigo. Me vendo como
alguém que ela gosta, independente da relação que tenho com seu
filho, então por que ainda assim as palavras me incomodam?
— Eu vou chamar o motorista— digo, me afastando.
A festa é luxuosa. O conteúdo é apresentado em português e
traduzido ao vivo para inglês e espanhol, e é assim que
conseguimos acompanhar tudo. Os apresentadores são dois
humoristas nacionais e não é fácil traduzir piadas para outro idioma,
mas Margareth parece estar achando graça.
— São quantas nomeações mesmo?— Malcolm questiona. Ele
está sentado entre mim e Margareth.
— Quatro. Música do ano, álbum do ano, artista do ano e
melhor clip— Margareth responde orgulhosa, ela também explica
que a premiação nacional é decidida por votação popular e que não
tem tanto valor no mercado do ponto de vista crítico, mas tem no
que tange ao aspecto financeiro. É audiência que se busca no
showbusiness, no fim das contas.
Primeiro são anunciados os menores prêmios, intercalados
com apresentações de alguns dos nomeados. Alec é o quinto a se
apresentar e apenas um dos prêmios ao qual ele estava
concorrendo já tinha sido anunciado: melhor clipe. O prêmio foi para
uma cantora de funk, que honestamente realmente mereceu com
base no clipe apresentado.
Alec sobe ao palco totalmente de preto, os cabelos estão
diferentes do que ele normalmente usa nos shows, mais parecido
com seu dia a dia. A banda também está de preto. Ele não fala
nada. Há uma introdução de piano com batidas leves na bateria,
uma combinação interessante. Todo o teatro está em silêncio para
ouvir. O piano vai ganhando força enquanto a bateria fica em
segundo plano. E, então, ele começa a cantar.
Tem sido um longo ano, e eu supostamente deveria ser mais
esperto
Tem sido um longo ano, e todos esperam que eu aprenda
alguma coisa
Esperam que eu seja mais maduro
Que eu aprenda...
Eles querem que eu aprenda a não respirar
E eu não posso me acostumar com isso
Não posso me acostumar com isso.
(...)
Estou vidrada nele enquanto canta. Em cada nova palavra. Na
dor que eu sei que está sentindo. Quero olhar para Margareth, mas
não consigo. “Eu não estou pronto para viver sem você, sem a
doçura do seu olhar, não estou pronto e não confio em mim mesmo
para ser quem você espera que eu seja. Não posso me acostumar
com isso”.
Quando ele termina de cantar, a multidão presente está
aplaudindo. A cortina se fecha e então os apresentadores entram
novamente, os dois também parecem chocados com a música, com
a força e beleza da voz de Alec.
— Eu acho que tinha uma linha para ler aqui, mas não faz
sentido agora — a mulher que está apresentando diz antes de
chamar uma cantora que entrega o prêmio de melhor banda para
um grupo que sobe para receber e faz seu discurso.
Alec recebe o primeiro prêmio de música do ano por uma
música chamada Stay, uma canção que mescla português e inglês e
é extremamente chiclete. Lucy a cantou o ano inteiro. Depois que os
aplausos cessam, ele se aproxima do microfone e agradece,
segurando o prêmio.
— Meus pais são músicos, meu pai era, minha mãe é. E,
quando eu era pequeno, eles sentavam comigo quando eu não
conseguia entender um acorde e diziam que eu poderia sentir o
acorde na ponta dos meus dedos que o som ecoava pelo corpo até
chegar ao coração. Eu não estaria aqui se eles não tivessem me
ensinado a amar a música, se não tivessem me permitido o direito
de errar, acertar, se não tivesse me dito que acreditavam em mim.
Mãe, isso é pra você, todos sempre foram, todos sempre vão ser.
A noite segue e ele ganha os outros dois prêmios e, em vez da
festa do prêmio, ele dá uma curta entrevista e então seguimos para
a casa de Margareth. Malcolm, Margareth e Alec parecem felizes,
extremamente felizes, e eu também estou.
— Nunca pensei que uma música pudesse me fazer chorar
dessa forma. Alec é um artista incrível e essa música é a prova
disso. – O agente de Alec fala.
— O que é isso?
— Um tweet. A música está nos trend topics do Twitter.
— É um dos assuntos mais comentados no Instagram e no
TikTok— Uma das integrantes da banda de Alex diz.— Dona
Margareth, a senhora deveria tocar para gente!
As pessoas insistem, e Margareth concorda. Estamos na área
externa da casa, e então um teclado menor é colocado na frente da
mãe de Alec e Malcolm em pouco tempo.
— Faz tempo que não toco e não posso cantar, então vocês
vão precisar fazer isso por mim, tudo bem?
— Claro. – Ela começa a tocar uma música de Nina Simone e
Alec e uma de suas colegas de banda cantam. Encosto minha
cabeça no ombro de Malcolm, que me abraça. É uma noite
divertida, cheia de gente animada, boa música e que dura até os
primeiros raios de sol. As pessoas estão indo embora quando
Robert se aproxima.
— Dois programas já ligaram querendo receber você e, se
possível, a Margareth.
— Não— Alec diz.— Isso não é plataforma para espetáculo.
Seis meses. É o tempo que eu quero, Robert. Já conversamos
sobre isso.
— Alec...— Margareth diz, tocando sua mão
— Não, mãe. Eu sempre obedeço, digo sim e faço o que
querem que eu faça. E, pela primeira vez em muito tempo, eu fiz o
que considero como certo, sem me preocupar com os outros e é
isso...— Não sei do que ele está falando, mas sei que ele não está
bem e que está se esforçando demais para esconder isso.
— Eu vou deixar você aproveitar esse momento em família—
Robert diz, levantando-se da cadeira.— Me desculpe, Alec.
— Eu não estou chateado com você, você sempre quer o
melhor para mim, eu sei disso, só preciso disso.
— Eu entendi, garoto. E você pode ter quanto tempo quiser—
o homem afirma.
— Quão bem você conhece esse seu agente?— Malcolm
questiona.
— Ele era amigo do meu pai— Alec responde.
— E isso é suficiente enquanto referência?
— Claro que é.
— Bom, seu pai era amigo do meu e fugiu com a mulher dele.
— Malcolm...— eu e Margareth o recriminamos ao mesmo
tempo.
— Vocês tinham as razões de vocês, e meu pai era um marido
ruim, não é isso que estou apontando aqui, mas, sim, o fato de que
amizade não significa uma boa relação de negócios.
— Você não conhece o Robert, ele é mais meu parente do que
você é.
— Acredito que ele seja mais seu familiar do que eu tenho
sido. É fácil ser isso no fim das contas. Nos conhecemos há menos
de seis meses. Não estou te dando um conselho como seu irmão, e,
sim, como um homem de negócios.
— Que tal então se você cuidar dos seus negócios?— Alec
questiona, enfatizando a palavra “seus”.
Coloco minha mão na coxa de Malcolm, e ele me olha,
entendendo que esse não é o momento para essa conversa.
— Parece um ótimo plano, Alec. Eu não deveria ter dito nada,
sinto muito — Malcolm afirma. Ele é tão no controle nesse tipo de
situações, nunca ergue a voz e, ainda assim, diz tudo com firmeza.
— Não quero que briguem, nem por isso nem por nada. Me
prometam— Margareth pede. Os dois concordam, e Margareth sorri.
— Agora será que eu posso ficar aqui e ver esse pôr do sol lindo
com os meus dois filhos ao meu lado?— ela pede. Eles se sentam
no banco acolchoado em que Margareth está e cada um deles está
um pouco apoiado no ombro dela enquanto ela acaricia seus
cabelos. Eu pego meu celular e tiro uma foto do momento, porque é
absolutamente lindo, e então me despeço dos três e vou para cama.
 

 
A cidade em que Savannah cresceu fica perto da fronteira com
Louisiana. É uma cidade bem pequena. Vou direto para a fazenda
dos pais dela. Não é difícil de encontrar os Armstrong. Quando
desço do carro, noto que estou com o coração palpitando. Eu nunca
fico nervoso com nada, falando em público, entrando numa reunião
importante, mas isso me deixa com as mãos suando frio.
— Você está nervoso...— Savannah diz, sorrindo para mim
enquanto segura minha mão. Ela fica de frente para mim e suas
mãos sobem pelos meus braços— Não há com o que se preocupar,
Malcolm. Eles vão adorar você.
— Por quê? Eu não sou divertido, nem simpático ou...
— Porque você me faz feliz. E é só com isso que meus pais se
preocupam— ela responde, sorrindo.— Eu amo você, você me ama.
Tudo que um pai quer é ver o filho feliz, meu amor. Você vai ver.
Ela me dá um rápido beijos nos lábios e se afasta, mas puxo-a
de volta, preciso de mais do que apenas isso para seguir em frente
com alguma confiança.
Vejo a porta abrir na casa. É uma casa totalmente de madeira,
muito bonita, a casa que tenho nos Hamptons tem um visual similar,
campestre. Um casal que reconheço como os pais de Savannah
pela nossa conversa por vídeo na semana passada aparece. Jamal
é um homem negro, muito mais alto do que eu esperava. Ele está
usando um chapéu e parece mais novo do que de fato é. Lemon, a
mãe de Savannah, é uma mulher loira, de pele muito branca, batom
vermelho nos lábios e um enorme sorriso.
Savannah solta minha mão e corre até eles. Assisto enquanto
os três se abraçam, me aproximando cautelosamente.
— Como eu senti falta de vocês!— Savannah diz, pulando no
pescoço do pai. Ela beija o rosto do homem diversas vezes, e ele
sorri, segurando-a.
— E você deve ser o Malcolm, ainda mais bonito
pessoalmente— Lemon diz, sorrindo, estico minha mão para apertar
a dela, mas a mulher me abraça sem muita cerimônia.— Venham,
entrem! Fique à vontade, Malcolm, querido.
O pai de Savannah me olha da cabeça aos pés enquanto
passo pela porta. Eu aperto a mão dele e agradeço por me receber
em sua casa.
A sala é grande, tem móveis rústicos e muita cor. Há flores
naturais em vasos. Hortênsias, as flores prediletas de Savannah.
— Ele está aterrorizado— Savannah diz, sorrindo.— Pai, por
favor, não piore as coisas.
— O quê? Você quer que eu simplesmente diga que ele está
aprovado sem nem o conhecer? Vocês estão juntos há meses e eu
nem sabia da existência desse homem.
— Eu sabia.
— Como assim você sabia?— Savannah questiona.
— Querida, você acha que não temos internet, redes sociais e
perfis de fofocas? A sua prima Lilibeth viu as notícias e fotos com
você e o Malcolm...
— E a senhora não me disse nada?
— Mocinha, você é quem deveria estar se explicando aqui— a
mãe de Savannah diz.
— Deus, por favor, não me chame de “mocinha”— ela pede,
sorrindo.
Savannah conta a história, do começo. Conversamos sobre
isso, sobre dizer a verdade aos pais dela, sobre dizer a verdade
para minha mãe. Margareth já sabia de tudo. Acho que mães devem
ter algum tipo de sexto sentido único. A minha mãe sabia sobre Alec
fumando e sobre a minha mentira com Savannah.
Passamos a tarde conversando e então o pai de Savannah me
chama para conhecer a fazenda. Savannah insiste em ir junto, mas
o pai diz que precisa ter uma conversa de homem para homem
comigo.
Ele realmente me mostra a fazenda. O lugar é enorme, ele tem
plantações.
— Produzimos milho, soja e batata. Nada em grande escala,
mas o suficiente para suprir as necessidades da casa e vender a
parte sobressalente na associação de produtores rurais.
— Savannah me contou que o senhor também tem gado,
certo?
— Novilho— ele explica.— Malcolm, eu sou um homem
simples— ele começa a me dizer—, eu gosto de cuidar da minha
vida, da minha esposa, de saber que minha filha está bem. Você
vem de outro mundo, e as pessoas que eu conheço que tem uma
realidade parecida com a sua acham que podem ter tudo que
querem, pegar o que quiser e agir como bem entender. Se você
tratar a minha filha mal...
— Eu não vou, o senhor não precisa se preocupar. Eu sempre
me orgulhei de achar que não precisava de ninguém, mas a
Savannah me mostrou o quanto eu estava errado.
— Eu e a Lemon criamos a Savannah para que ela fosse
exatamente quem ela quisesse ser, que tivesse independência e
oportunidades.
— E ela é perfeita— afirmo.
— Ela é mesmo. É bom que você saiba disso. Que valorize
isso todos os dias.
— É exatamente isso que eu pretendo fazer. E é por isso que
estamos aqui, porque, além de conhecê-los, eu gostaria de pedir a
sua permissão para casar-se com a Savannah.
Ele me olha parecendo surpreso. O homem está emocionado,
pigarreia um pouco e então ele me leva até sua oficina e abre uma
caixa.
— Eu sei que você trabalha com diamantes e tudo isso, mas
avô da Savannah, minha mãe, veio da África com uma joia que
empenhamos alguns anos atrás para cuidar da fazenda e
recentemente pude recuperar— ele me diz, entregando uma caixa.
— Eu não...eu não posso aceitar.
— Se vai pedir a Savannah em casamento, deveria ser com
algo que tem significado para a nossa família. Acredite, Savannah
vai gostar muito mais do que qualquer coisa valiosa que você possa
retirar das suas minas.
— Obrigado, senhor— digo, abrindo a caixa e vendo o anel. É
realmente muito bonito, e ele tem razão. De todas as joias que já dei
a Savannah, a única que ela nunca tira é justamente a que menos
vale: a pulseira que uma garota fez para ela numa praia no Rio de
Janeiro.
— Jamal— ele diz.— Se ela disser sim, pode me chamar
apenas de Jamal.
A mãe de Savannah é a gentileza em pessoa. Ela está sempre
oferecendo alguma coisa para comer com um sorriso no rosto e tem
sempre uma pergunta. Ela quer saber sobre minha mãe, sobre meu
irmão, faz perguntas sobre o meu pai, questiona se conheço Lucy e
Alexa, como me dou com elas.
— Mãe, você vai sufocá-lo— Savannah diz, sentando-se ao
meu lado.— Eu preciso do Malcolm vivo para passar o resto da
minha vida com ele.
— Você é dramática como seu pai— ela diz, beijando o topo
da cabeça de Savannah. Jamal nos dá quartos separados, e
Savannah diz que isso não faz o menor sentido, mas eu concordo
com ele. No meio da noite, Savannah aparece no quarto onde
estou.
— O que está fazendo?
— Lendo um dos livros do seu pai. Não conhecia essa autora
— Eu esqueci que você é um nerd por ficção científica— ela
diz, sorrindo.— Esse é um dos livros prediletos do meu pai. Se
disser que gostou, ele vai te amar.
Ela se senta no meu colo e beija meu pescoço.
— Ele vai me odiar se te encontrar aqui.
— Malcom, somos adultos, namorados, você não está mesmo
com medo do meu pai.
— Não é medo. É respeito. Não quero que ele pense que eu
sou um depravado que mal consegue...— Ela pega minha mão e
coloca em seu seio rígido, eles parecem maiores ou estou ficando
maluco?— Savannah...
— Malcolm!— ela implica.
— Seu pai tem uma arma no meio da sala, e eu não quero que
ele atire em mim, ou pior, que me deteste.
— Você precisa decidir qual a prioridade aqui, amor— ela
responde, gargalhando.— Não acredito que Malcolm Campanelli, o
CEO mais destemido de Nova Iorque, está com medo do meu pai.
Além disso, aquela arma é da minha mãe. É com ela que você
deveria se preocupar. Meu pai parece durão, mas aposto que
amanhã ele vai te convidar para pescar com ele e, em pouco tempo,
vai te tratar como se fosse filho dele. Ele sempre quis um filho.
— Eu adoraria aprender a pescar— afirmo.— E um dia os
nossos filhos também vão aprender com ele.
— E se eu te disser que isso está mais próximo do que você
imagina?
— Como assim?
— Primeiro eu achei que estava ficando maluca, porque você
fez a vasectomia, mas a Alexa ficou implicando comigo sobre como
eu estava com sintomas e, mais cedo, a minha mãe falou a mesma
coisa, então, enquanto você estava com o meu pai, eu fui até a
cidade e comprei um teste. Eu queria ter contado antes de fazer,
mas estava nervosa e meio milhão de coisas ficou passando na
minha cabeça e...
— Você está grávida?— questiono como se estivesse
resolvendo um grande mistério. Grávida! Caramba! Eu vou ser pai!
Estou em choque. Ela diz que sim e então está me olhando
esperando que eu diga algo, mas não sei se posso falar. Estou
absolutamente em choque.
— Eu sei que não estávamos esperando e, honestamente,
estou tão surpresa quanto você e ainda bem que você não saiu
colocando essa vasectomia à prova antes, porque ela obviamente
não deu certo. Malcolm, por favor, diga alguma coisa.
Não digo. Em vez disso, eu me levanto da cama e reviro o
bolso da calça que tirei recentemente. Pegou o anel que Jamal me
deu e caminho de volta até Savannah. Ela está sentada na cama,
me olhando, e eu me ajoelho.
— Savannah...
— Malcolm, você não...
— Me deixe falar, tudo bem?— peço. Ela balança a cabeça,
concordando.— Há semanas, estou pensando em como fazer isso,
em qual seria o momento certo, mas decidi que precisava chegar
aqui antes e conversar com seus pais, deixar que eles soubessem
sobre a gente, porque eu sei quanto a opinião deles importa para
você, e tudo que importa para você, importa para mim. Eu te amo do
jeito que nunca pensei que poderia ser capaz de amar, todo dia eu
vou dormir ao seu lado e penso: “Deus, eu não poderia amar mais
essa mulher do que amo nesse momento” e então, no dia seguinte
acordo e descubro que estava errado, porque olho pra você e sei
que te amo ainda mais. É isso que estou sentindo agora, com essa
notícia, que eu te amo ainda mais do que dois minutos atrás. E eu
prometo que esse amor não vai deixar de aumentar nunca, que eu
vou me esforçar todos os dias para ser o melhor marido, o melhor
pai. Você quer se casar comigo?
— Quero, claro que quero— ela responde, se jogando nos
meus braços. Abro a caixa do anel, e Savannah fica emocionada.
— É o anel da minha bisavó.
— É. Seu pai me deu.
— É perfeito.
— Não. Você é perfeita.— Beijo Savannah cheio de paixão,
movido pela alegria de saber que a nossa felicidade está apenas
começando, pela certeza de que aconteça o que acontecer vamos
estar sempre juntos, apoiando um ao outro, apoiando nosso filho.
 

 
— E esse é o vídeo de ele tomando banho, não é lindo?—
Alexa diz, mostrando o afilhado, o bebê de Harry e Mônica, em seu
telefone. Arthur está segurando o bebê todo desajeitado, enquanto
Mônica o ensina a segurar o garoto, ao fundo a voz de Alexa fica
falando sobre como Arthur vai derrubar o menino.
— Ele é lindo. Ele é absolutamente lindo— afirmo. Eu me
ajusto na cadeira, tentando encontrar uma posição que não seja
desconfortável, mas isso parece impossível. — Ai...
— O que foi? O que você está sentindo?— Alexa questiona.—
Não me diga que está em trabalho de parto.
— Não deve ser nada. Provavelmente Braxton Hicks.— É isso
que eu espero que seja, porque Malcolm está viajando. Ele nem
queria ir com medo que a nossa filha decidisse se adiantar em
alguns dias, mas eu insisti, garantido que tudo ia ficar bem.
— Claro que é Braxton Hicks. Ela é uma Campanelli, gosta de
fingir alguma coisa— minha amiga brinca, tento sorrir, mas sou
apunhalada por um novo desconforto.
— Você e Arthur juntos como padrinhos não é abuso contra a
mente dessa criança?
— Esse é seu jeito de me contar que realmente escolheu a
Lucy como madrinha?
— Você já tem um afilhado. Além disso, Malcolm queria que
fosse o Arthur, e vocês dois juntos? Não mesmo, só Harry e Mônica
são malucos ao ponto.
— Em minha defesa, quero dizer que eu sou maravilhosa
enquanto madrinha.
— Não duvido que seja. Não há ninguém que eu iria querer ao
meu lado em uma briga além de você, Alexa.— Passo a mão no
estômago novamente, a sensação desconfortável persiste.— Com o
que você está brava, hein?— pergunto, olhando para minha barriga.
— Deve ser com o fato de que não vou ser madrinha, mas o
Arthur vai ser padrinho.
— Não vai. O Malcolm mudou de ideia. Alec é o padrinho.
Malcolm acha que vai ser bom para ele, que pode ajudá-lo a lidar
melhor com tudo.— O bebê é um dos poucos assuntos que parece
interessam a Alec ultimamente.
A única vez que o vi sorrir nos últimos meses foi quando o
bebê estava chutando e ele perguntou se poderia colocar a mão na
minha barriga para sentir. Ele está sempre cabisbaixo ou meio
aéreo, como se não estivesse de fato ouvindo o que estamos
falando com ele.
— Como ele está?
— Péssimo. Ele não faz a barba há um tempo, parece um
homem das cavernas, não sai de casa, às vezes briga com o
Malcolm sem razão alguma.
Margareth faleceu alguns meses atrás. Ela morreu dormindo,
com os filhos sentados ao lado dela. Tivemos a oportunidade de tê-
la em nosso casamento, ela acompanhou as primeiras ultrassons do
bebê com a gente, conheceu meus pais. Não a ter mais aqui,
conosco, é estranho. Porque, mesmo sabendo que ia acontecer,
que ela já tinha vivido muito mais que o esperado pelos médicos,
perder alguém é sempre doloroso.
As pessoas ficam surpresas com a paciência e o carinho que o
Malcolm tem com o Alec, mas eu o conheço o suficiente para saber
que isso é exatamente quem o meu marido é. Ele pode ser
intransigente no trabalho e ter essa necessidade por controle, mas
Malcolm é protetor, carinhoso e ele demonstra o amor que sente
com ações, muito mais do que com palavras. E eu o amo por isso.
Ele também ficou mal com a morte da mãe, claro, mas uma
coisa que ele me explicou foi que já tinha passado por um processo
de luto pela mãe antes e que o tempo que teve com ela nos últimos
meses foi um presente.
— Acho que ele está bravo com o mundo— comento.
— É, quando a minha mãe morreu, eu também estava brava
com o mundo, ele só precisa de tempo para achar uma forma de
transformar isso em energia positiva, focar na música, ou seja lá em
que o faça bem.
— E quanto tempo levou para você?
— Alguns anos— ela conta—, mas eu era uma adolescente
Coloco meu peso no braço da cadeira e tento me levantar, e
então há essa quantidade ridícula de água saindo das minhas
pernas. Minha bolsa estourou.
— Savannah...
— É— afirmo calmamente. Alexa se levanta e me apoia.
— O que você precisa que eu faça?
— Pegue meu celular. Está na mesa.
Alexa me entrega o smartphone e ligo para Malcolm, que me
atende no primeiro toque.
— Oi, amor. Como estão as minhas garotas?
— Malcolm...— Estou me fazendo de forte na frente de Alexa,
estou tentando não me preocupar com o fato de que Malcolm está
viajando, mas, quando eu abro a boca para falar com Malcolm, a
minha voz me trai.
— Sua bolsa estourou?— ele pergunta com um tom alarmado.
— Sim. Sinto muito.
— Você está sozinha?
— Alexa está comigo— respondo. Posso ouvir enquanto ele
fala com alguém dizendo para ligar para o piloto.
— Coloque no viva-voz— ele pede, faço isso e então eu e
minha amiga podemos ouvir a voz do meu marido.— Alexa, está me
ouvindo?
— Sim— ela responde, segurando minha mão.
— Ótimo. No telefone da Savannah, tem um contato chamado
Andrew, ele é meu chefe de segurança. Vocês vão ligar para o
Andrew, ele sabe todo o plano logístico, há uma rota para o hospital,
uma equipe de apoio. Eu vou ligar para a médica e pedir para que
ela prepare tudo.
— Há uma bolsa ou coisa do tipo para levar?
— Sim. Já está no carro.
— Malcolm?— Estou com medo. Tínhamos um plano. Nossa
filha ia nascer na semana que vem, Malcolm estaria aqui, minha
mãe também. Ela chega amanhã justamente para isso.
— Oi, meu amor.
— Eu não quero fazer isso sem você. Não sei se posso fazer
isso sem você.
— Amor, eu prometo que vou fazer de tudo para chegar o mais
rápido possível— ele responde.
— E se você não chegar em tempo?
— Não tem nada no mundo que vai me impedir de estar com
vocês, tudo bem? Eu prometo.
Eu quero acreditar nele, porque Malcolm nunca quebra uma
promessa, mas, na realidade, estou assustada e, no caminho inteiro
para o hospital, só consigo pensar se ele vai mesmo conseguir
chegar a tempo. São mais de duas horas de voo de onde ele está
até aqui, então decido que posso esperar, nosso bebê pode esperar.
A viagem para o hospital é curta e, assim que chego ao local,
Arthur está esperando no corredor do quarto que reservamos. Eu
cresci vendo animais nascendo no chão coberto de feno, e devo ter
visto pelo menos uma ou duas crianças que nasceram na carroceria
de uma picape, porque simplesmente não dava tempo de chegar ao
hospital. Então toda a pompa e circunstância da qual Malcolm fez
questão parecia um pouco exagerada a princípio, agora estou grata
por toda essa estrutura, e, ainda assim, assustada.
Arthur se aproxima e pergunta como estou enquanto toca o
meu ombro. Como estou? As duas primeiras contrações foram
horríveis e a tendência é que piore, certo? Não posso fazer isso,
não era pra acontecer assim.
— Não— digo.— Eu mudei de ideia, não vou mais ter um
bebê. Vamos pra casa.
— Savannah, eu sinto informar, mas você já está tendo um
bebê, não dá pra voltar atrás agora— ele diz, sorrindo. Bato no
ombro dele, e Arthur solta um “ai” dramático que é típico dele.
— Não chega nem perto de uma contração— afirmo. Uma
enfermeira aparece e pede para que eu me deite para que ela possa
me examinar, ela pergunta quando as contrações começaram
— Cerca de vinte minutos— Alexa comenta enquanto ela e
Arthur me ajudam a subir na cama.
— E quão regulares elas são?
— Uma a cada oito minutos e duram cerca de um minuto—
minha amiga responde.
— Você é tão nerd— Arthur comenta. Alexa o ignora
totalmente.
— E essa é a primeira gravidez?
— Onde está a minha enfermeira?— questiono. Os três olham
para mim.— A enfermeira que vai dar assistência no meu parto sabe
de tudo isso.
— Infelizmente a sua médica está fora da cidade e então o
doutor...
— Não. Precisa ser uma médica.
— Savannah, tenho certeza de que o hospital vai oferecer o
melhor...— Arthur começa a dizer, mas é interrompido por Alexa.
— Você vai examinar a minha amiga, conferir o que precisa
conferir e então vai encontrar a melhor médica disponível,
entendeu?
A mulher acena, concordando, e então pega um par de luvas
de borracha enquanto Arthur está segurando a minha mão. A
mulher fica entre as minhas pernas e diz que tenho dois centímetros
de dilatação. Isso deveria me apavorar, mas quanto mais demorar,
mais chances de que Malcolm chegue a tempo. Ainda assim, estou
pensando também o quanto tudo isso vai ser doloroso, se essa é a
dilatação até agora, eu vou penar de dor até que as coisas
melhorem.
Uma nova onda de dor me atinge e eu aperto a mão de Arthur,
que reclama.
— Deus, como você é molenga!— Alexa afirma.
— Porque você não tenta receber um aperto dela, princesa?
— Amiga, está tudo bem, apenas, inspire e expire e...
— Isso não ajuda— reclamo.
— Eu sei, só estou tentando te distrair da dor.
— Não vai funcionar, eu quero o Malcolm e a minha mãe.
Deus, Alexa, ligue para os meus pais e para a Lucy.
— Já avisei a Lucy e pedi para que ela ligasse para os seus
pais. Vai ficar tudo bem, querida. Não se preocupe com nada além
desse bebê, tudo bem?
Três horas depois, ainda não há Malcolm, embora tenhamos
falado uma hora atrás no telefone, eu tenho duas médicas que não
conheço, mas, ao menos, a enfermeira que me acompanhou esse
tempo todo está aqui. Rosália me ajudou a ficar calma em diferentes
momentos durante a minha gestação e a presença dela aqui é
importante para mim, eu confio nela para ser honesta comigo sobre
o parto e para manter os meus desejos sobre como quero ter minha
filha.
— Vamos dar uma nova conferida?— Rosália questiona. Eu
aceno, estou suando frio, o cabelo grudando na testa. As mãos
apertando as barras da cama. Ela não diz nada por algum tempo e
então sinto quando baixa minha roupa e me olha com uma
expressão que mostra uma pitada de preocupação, que faz meu
peito bater mais forte. Ela chama as duas médicas e elas
conversam rapidamente e então a enfermeira se aproxima de mim
outra vez. — A senhora lembra do que conversamos sobre mudar
de plano?— ela questiona. Eu aceno positivamente.— Talvez seja
necessário. Vamos fazer um ultrassom e checar os sinais do bebê
antes de decidir.
Eu peço para que Arthur ligue para Malcolm novamente, mas o
telefone do meu marido está na caixa postal. Eu passo pelo
ultrassom enquanto penso na primeira vez em que vimos nosso
bebê, ouvimos o coração, vimos as pequenas mãozinhas. Malcolm
estava tão emocionado, durante todos esses meses de gravidez, ele
sempre me surpreendeu ao ir se abrindo e mostrando mais desse
lado afetuoso que só eu vejo. Eu vi o amor dele por mim crescer
ainda mais, o vi abrir espaço no coração e na vida dele para essa
criança de uma forma incrível.
Ele esteve comigo em tudo. Da primeira consulta até a última,
na escolha das roupinhas, cor do quarto. Ele segurou minha mão
quando tive medo, quando tive dor, ele me abraçou e me disse que
eu sou a mulher mais linda do mundo quando me senti feia e fiquei
preocupada com a ideia de que ele não fosse mais me querer por
cortesia dos hormônios correndo loucamente pelo meu corpo.
Nessas últimas semanas, eu estou particularmente irritada com
tudo, e ele ouviu meus gritos e lidou com as minhas explosões, me
acolhendo sem nunca reclamar. Tudo isso só me deixou mais
apaixonada pelo meu marido.
— Precisamos de uma cesária— uma das médicas explica.—
É a melhor opção, menos sofrimento para ambos.
— Não. Eu quero um parto normal, foi isso que decidi com o
Malcolm, e não vou mudar de ideia sem ele aqui.
— Savannah, querida, eu amo você e eu não sei o que você
está passando, não vou fingir que entendo, mas você está sendo
um pouquinho irracional. Por que iria querer mais dor em vez de
menos?
— Não. Eu não vou pra lugar nenhum. Eu posso fazer isso,
posso ter esse filho assim, as mulheres na minha família têm filhos
normais.
— Você está se ouvindo?— Alexa questiona.
— Tudo bem. Vamos fazer do seu jeito— Arthur diz. A médica
diz que, se em mais uma hora não houver avanço, não vai haver
outra opção e então a equipe sai do quarto e fico apenas com meus
amigos e uma das enfermeiras.
Alexa e Arthur tentam me convencer, mas, mesmo quando
estão querendo a mesma coisa, os dois acabam se engalfinhando.
— Então você achou que era uma boa ideia tentar chantageá-
la?— Alexa questiona, referindo-se ao fato de que Arthur me disse a
seguinte frase: “Se alguma coisa acontecer com você ou com esse
bebê, o Malcolm vai me matar, escute os médicos, por favor”.
— Já que você é tão boa jurista, por que não a convence?
— Vocês podem, por favor, para de brigar enquanto a minha
mulher está tentando trazer nosso filho ao mundo?— A voz dele me
aquece, mas é só quando nossos olhos se encontram que eu sinto
que posso respirar aliviada.
— Malcolm...— O nome dele escapa dos meus lábios com
uma gratidão e certa manha, só quero que ele se aproxime, e meu
marido entende isso, ele se aproxima de mim e passa a mão pelo
meu rosto.
— Oi, amor. Estou aqui. Vai ficar tudo bem.
— Graças a Deus! Achei que você não ia conseguir.
— Nada nem ninguém ia me impedir de estar com você, meu
amor.— Ele coloca os lábios na minha testa, e eu tento puxá-lo para
perto, para sentir mais dele e ter certeza de que está mesmo aqui.
— Eu estava com tanto medo de fazer isso sem você. A nossa
médica não está aqui, aquela idiota está na Europa e...— estou me
acabando em lágrimas enquanto falo— e a equipe médica acha que
eu não posso ter esse bebê em parto normal porque eu não tenho
dilatação e vai levar mais... ai...— A dor de uma nova contração me
acerta, e Malcolm me olha preocupado.
— Meu amor, você não precisa seguir o plano se não quiser,
eu vou ficar do seu lado e defender o que você escolher enquanto
for seguro para você, mas não precisa escolher o caminho mais
complicado, entendeu?
Eu aceno, concordando, enquanto aperto a mão de Malcolm
durante a contração. Passo minha mão livre pela sua barba, o
polegar nos lábios dele.
— Mais meia hora— afirmo. Ele concorda e fica em pé ao meu
lado, segurando a minha mão.

 
Savannah está meio sem cor, os lábios esbranquiçados
enquanto grita de dor, e cada novo grito é como se alguém
estivesse com a mão enfiada no meu peito, tentando arrancar o meu
coração. Há dois monitores conectados a ela e à barriga dela,
coletando os sinais vitais da minha esposa e da minha filha.
Ela teve uma gestação tão tranquila, viajamos, aproveitamos
nossa lua de mel, fomos ao Congo ver as novas lojas.
Estar grávida a deixou mais protetiva, até um pouco ciumenta
em algumas ocasiões, o que é foi engraçado, porque eu sou o
ciumento, e ela é sempre a pessoa que não tem nada demais
acontecendo. Uma das vezes estávamos em um restaurante e
encontramos com uma mulher com quem já fiz negócios e que me
chamou para “comer alguma coisa qualquer dia”, e a resposta de
Savannah foi “ele já está bem alimentado”. Deu para perceber o
olhar de vergonha na cara dela depois do caso passado, ela
escondendo seu rosto no meu peito, me pedindo desculpas por
estar agindo, segundo ela, “como uma maluca”, mas esses
pequenos detalhes ficam em mim. Esse é, por sinal, meu hobby,
gravar pequenos detalhes sobre ela, cada tipo de sorriso, a forma
como move as sobrancelhas. Sempre que falamos sobre como
achamos que o bebê vai ser, sempre digo que quero que tenha o
sorriso dela, o cabelo dela, seus olhos.
— Senhor Campanelli, podemos conversar um momento?—
uma das médicas que está acompanhando Savannah diz.
— O que tiver para dizer, vai dizer aqui— Savannah
argumenta.
— Tudo bem, então— a mulher diz. Ela parece um tanto
intimidada por Savannah. Quando você olha para Savannah pela
primeira vez, com seu sorriso gentil no rosto, é difícil imaginar que
ela possa ser tão durona quando sente que precisa ser, mas, se ela
te der uma amostra disso, você não vai esquecer.— Precisamos ir
para o parto via cesariana.
— Você pode me dar um minuto com a minha esposa? Todos
vocês, na verdade.— digo.
Arthur e Alexa se despedem de Savannah e informaram que
vão para a sala de espera, Lucy está lá e os pais de Savannah
devem chegar em algumas horas. Fico sozinho com a minha mulher
e me sento na ponta da cama do hospital em que ela está sentada
também.
— Eu odeio te ver em dor e não poder fazer nada. Você é a
mulher mais linda e mais forte que eu conheço, e eu não iria querer
nada disso com nenhuma outra pessoa, então preciso que você
fique bem. Eu não vou te achar menos forte, menos incrível, e nada
nesse mundo pode fazer com que eu te ame menos do que amo.
— Esse não era o plano.
— Sabe qual também não era o plano? Eu me apaixonar por
você. O plano era você fingir ser minha namorada, mas você foi se
infiltrando na minha pele, nos meus pulmões a ponto de eu sentir
você comigo cada vez que eu puxo e solto o ar, e eu não posso
fazer isso sem você, Savannah. Eu enlouqueceria se algo te
acontecesse. Então, por favor...
— Tudo bem— ela responde, segurando a minha mão— Eu
não aguento mais, apenas...
— Tudo bem, vai ficar tudo bem, amor.— Beijo a testa dela—
Vou avisar a equipe médica, tudo bem?
Ela concorda, e eu abro a porta, Rosália está do lado de fora,
esperando, e eu digo que podemos seguir com a cirurgia, e então
volto para Savannah. Durante todo o preparo, estamos conversando
sobre o bebê, lembrando momentos da gravidez, como quando
descobrimos o gênero e minha mãe estava lá, na sala, sorrindo com
a notícia. Comentamos sobre o pai de Savannah, dizendo que
gostaria de ter muitos netos em uma das vindas deles para Nova
Iorque.
Eu fico ao lado de Savannah a cirurgia toda. Olhando para o
rosto dela. Me certifico de que ela está bem, de que está aqui
comigo e só me afasto dela para cortar o cordão umbilical. Nossa
filha parece minúscula nas mãos da médica, está com a boca aberta
em um choro fraquinho e então a outra médica se aproxima e diz
que precisa checá-la rapidamente.
Eu olho para Savannah novamente, os olhos dela estão em
mim, cheios de lágrimas, os meus também estão. Ela tem um
sorriso lindo no rosto, nunca a vi sorrir dessa forma antes, é um
sorriso cheio de amor, alívio, felicidade, tudo isso junto e em
grandes proporções.
— A nossa filha está aqui, Grace está aqui— eu sussurro,
estendendo a mão e acariciando uma lágrima que está caindo do
seu rosto.
— Aqui está ela, linda e saudável— a médica informa,
entregando a menina que está enrolada em um cobertor, ela está
chorando ainda, mas para quando se deita no peito da mãe.
Eu não conseguia tirar meus olhos do pequeno ser humano
deitado na minha esposa. Ela esteve dentro de Savannah por tanto
tempo, todos esses meses, nós conversamos com ela,
conversamos sobre ela, falamos das nossas expectativas, sonhos e
de como a amaríamos independente de qualquer coisa.
Ponho minha mão por cima da de Savannah, a mão dela, por
sua vez, está acariciando as costas da nossa filha. Me inclino e colo
minha testa na dela. O mundo desaparece ao nosso redor. Somos
nós três, e isso torna o mundo completo.
— Você me fez o homem mais feliz da face da terra— afirmo.
— E você me tornou a mulher mais feliz do mundo— ela
responde.
Depois que Savannah volta para o quarto, depois que Alexa,
Arthur, Lucy e Alec, que chegou pouco tempo antes da cirurgia,
veem nossa bebê, eu fico sozinho com as minhas duas garotas. Me
sento ao lado de Savannah com cuidado, ela encosta a cabeça em
meu ombro e então fico olhando para ela, que está com nossa filha
no braço.
— Eu sei que todo mundo provavelmente diz isso sobre seus
filhos, mas este é, seriamente, o bebê mais lindo de todos— meu
comentário faz Savannah sorrir.
— É, todo mundo deve mesmo dizer isso, a diferença é que
nós estamos certos— ela concorda, sorrindo ainda mais.
Horas depois, seguro minha esposa nos braços enquanto ela
dorme e silenciosamente agradeço ao universo por Savannah ter
perdido aquele emprego e indo parar na Diamantes Campanelli, por
ter se infiltrado na minha vida, me mostrado gentileza e sido
extremamente honesta, por ter feito com que eu me abrisse,
centímetro por centímetro, até estar totalmente vulnerável e
apaixonado por essa mulher. Tudo isso, cada passo que demos, nos
deixou mais perto e tornaram possível o fato de sermos pais dessa
bebê maravilhosa que é nossa filha.
Eu me sinto o homem mais feliz do planeta porque eu tenho as
minhas garotas aqui comigo. E eu sou grato a Deus por ter me dado
essa família que eu nem sinto que mereço, mas que eu prometo que
vou proteger e amar por toda a minha vida.
 
 
 

 
 

 
@tess91hauser
 
 

 
A ESPOSA TEIMOSA DO CEO CONTROLADOR
 
 
 
CEO DILACERADO
 
 
UM AMOR INESPERADO PARA O DOUTOR

 
GRÁVIDA DO CEO PROTETOR
 
 
O QUE EU NÃO POSSO TER
 
DOMANDO O CEO LIBERTINO
 

 
 
Danielle Viegas Martins nasceu em São Luís - MA, mas
mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro em 2001. Tem formação
em Letras, Português - Inglês e Mestrado em Educação. Desde
2010, Danielle é funcionária pública da UFRRJ.
A autora começou a escrever, publicando capítulos semanais
do livro “Estarei ao seu lado” na plataforma Wattpad em 2017, onde
escrevia sob o pseudônimo Tess91 para se preservar caso os
leitores não se interessassem por seus livros. Contudo, suas
histórias já ultrapassaram cento e cinquenta milhões de leituras
online.
A autora sempre foi apaixonada por livros e entre os escritores
favoritos estão Aluísio de Azevedo, Ganymédes José e Charlotte
Brontë. Todos os livros da autora possuem um personagem Gustavo
em homenagem ao seu filho.
 
 

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