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CONTRATO DE PERDIÇÃO
1ª Edição
Milena Garcia não é santa, mas é virgem e está numa pindaíba sem
fim.
Com apenas dezenove anos, uma mãe doente, um adolescente
rebelde
como irmão e dois empregos em seu currículo, não lhe sobra tempo
para muita coisa.
Quando o cliente da padaria onde trabalha, por quem ela não tem
uma queda, mas um abismo inteiro, lhe faz uma proposta absurda
de namoro de mentira, ela não precisa nem pensar para lhe dar uma
resposta: “Sim, por favor! Mas sem sexo!”
— Bom dia pra quem, Mile? Você é o único ser humano capaz de
estar de bom humor às seis e quarenta e cinco da manhã. E logo
você! De todas as pessoas que eu conheço, você é a maior
detentora do direito de ser mal-humorada pela manhã! — Ela me
encara com as sobrancelhas arqueadas como se o que tivesse dito
fosse óbvio. — A qualquer hora do dia, na verdade — murmura as
últimas palavras e eu não sei se deveria ter ouvido, mas o
comentário me faz bufar.
Não que eu discorde dela, mas quem é que tem tempo para
perder com mau humor quando se têm dois empregos, um irmão
adolescente rebelde e uma mãe precisando de tratamentos médicos
que custam os olhos dos quais preciso para enxergar? Por favor!
Algum idiota, novo na escola, achou que seria uma boa ideia
mexer com Pedro por ele ser o típico garoto nerd de corpo franzino,
sempre carregando livros, usando óculos retangulares e com os
cabelos bagunçados. Nós mostramos ao imbecil e aos seus amigos
que, não. Não era.
— Vocês não têm mais o que fazer, não? Da última vez que eu
chequei, vocês eram empresários renomados, não desocupados que
podem ficar me ligando de hora em hora pra me infernizar.
— Ah, nós somos! — Ele ri, uma gargalhada leve que me faz
aumentar o aperto da mão ao redor do aparelho celular. — E é por
isso que cada um de nós pediu às secretárias que acrescentasse à
agenda um compromisso cíclico. O código é beber água. Acredita?
Dos dois, João Pedro sempre foi aquele que considerei o pior. O
imbecil sempre levou as competições ao extremo e dividir o mesmo
ambiente com ele se tornava uma prova de paciência. Porque ao
mesmo tempo em que eu queria ligar o foda-se e apenas ignorá-lo,
não ceder às suas provocações e não entrar no jogo de “quem é o
melhor” foi ao algo que me descobri incapaz de fazer.
Aquele bastardo nunca ficou com uma mulher por mais de uma
semana. A notícia de que ele estava prestes a se casar não soou
nada menos do que absurda. Ainda mais do que a do casamento de
João Pedro, algum tempo antes. Por isso, apostar que o filho dos
amigos dos meus pais trairia sua esposa na primeira oportunidade,
quiçá, antes mesmo que subissem ao altar, não era nada demais.
Deveria ter sido uma aposta ganha, como todas as outras.
— Boa noite.
— Boa noite!
Gabriel tem quinze anos e eu juro por Deus que todos os dias ele
encontra uma forma diferente de me irritar. Girando o pulso,
constato que são uma e dois da manhã. Ele deveria acordar às seis
para ir à escola. Uma escola muito, muito cara. A razão de eu
precisar de um segundo emprego, na verdade. Se tem algo que ele
não deveria estar fazendo, é jogando o maldito videogame!
No segundo que leva até que a sala seja tomada pela escuridão,
vejo seus cílios longos piscarem e sua boca se abrir em confusão. O
corpo magro e sem camisa, curvado sobre si mesmo, tem os
ombros largos encolhidos devido à posição.
— Desde que você depende de mim pra comer, pra vestir e pra
estudar na droga da escola que custa uma fortuna, mas pode te
garantir um futuro melhor que o meu!
***
— Vai se foder. — Meu amigo ri, atraindo meu olhar. Seus olhos
azuis reluzem com diversão indisfarçada e eu bufo. — Essa é a única
competição que eu vou ficar feliz em perder pra esses dois, Heitor.
Posso passar três horas, três meses ou três décadas com a mesma
mulher e, ainda assim, aquilo ali? — Inclino a cabeça para onde eu
olhava antes e estalo a língua. — Não mesmo.
— Achei que você estivesse aqui pra fazer um discurso, não pra
encher a porra do meu saco com algo que eu estou cansado de saber.
— Ele sorri de canto.
— Por que você não escolhe alguém aqui? Eu com certeza vou. —
Heitor varre o salão como uma águia em busca de sua próxima presa
e eu passo a língua sobre os lábios, pensando. Não seria uma ideia
ruim e um ménage o manteria distraído o suficiente da missão de
infernizar a porra do meu juízo pelo resto da noite.
Levo o copo à boca, ganhando tempo. Sabendo muito bem que ele
está prestes a descobrir o motivo, reflito sobre como levar seus
pensamentos para outro lugar antes que seja tarde demais.
Eles têm que estar de brincadeira. Penso assim que coloco os pés
dentro meu apartamento e encontro três vagabundos espalhados
pelas minhas salas como se estivessem em casa, o que me dá a
certeza de que o quarto está em algum lugar por aqui também.
Conrado está sentado no meu sofá, com o tronco nu e a parte inferior
do corpo enrolada em nada além de uma toalha. Na porra de uma
toalha!
Eu não consegui.
Meu nome já estava sujo e, assim como hoje, nenhum banco quis
me dar mais crédito. Ninguém que conhecemos tinha dinheiro para
emprestar. Eu precisava acompanhar minha mãe no hospital e garantir
que Gabriel estivesse, pelo menos, minimamente assistido, afinal, ele
é menor de idade, por isso me encher de trabalho não era uma
opção.
— Eu sinto muito.
— O que a senhora disse? — pergunto, pela segunda vez, em
menos de duas horas, sentindo o chão sumir sob os meus pés.
***
Pensar nisso faz com que a nuvem que eu sempre em esforço para
deixar do lado de fora do trabalho ameace se esgueirar pelos cantos
da minha mente para me dominar e eu sacudo a cabeça, espantando-
a. Mas Clarissa parece estar tentando atrai-la.
— Quê? Claro que não! Nós não atendemos mesas aqui. — Minha
voz sai quase como um guincho apenas pela expectativa de me
aproximar e abordar, por livre e espontânea escolha, o cliente das sete
e quinze.
Contudo, eu não sabia que tinha funcionado tão bem a ponto de ela
me dizer as palavras que disse. Então, ou eu fiquei muito desatento
nos últimos meses, ou foi uma resposta impensada. Pela cor do seu
pescoço, bochechas e orelhas ao notar que conquistou minha atenção
demorada, certamente, se trata da segunda opção.
Meu tipo de mulher é o que sequer pensa no que seria bom manter,
porque não tem qualquer intenção de fazê-lo. Esse é o homem que eu
sou e os iguais se reconhecem. Por isso, ignoro meu primeiro instinto
e mantenho meus olhos nas esferas azuis que me encaram
praticamente sem piscar.
— Você não faria isso! — A intenção era o que o tom soasse como
desafio, mas Milena não consegue soar como nada além de
desesperada.
— E por que ele faria uma piada como essas? Isso não faz o menor
sentido!
Suas curvas suaves não são a única razão disso, porque não são
tudo o que vejo. Vejo ombros caídos que gritam exaustão, mãos e pés
inquietos e pernas que alternam o peso do próprio corpo
constantemente. Vejo olhos avermelhados e umedecimento constante
dos lábios. Vejo uma ruga no centro da testa que não se desfez nos
últimos dois minutos e isso é indicador mais do que suficiente de que
ela tem feito dali seu lar.
— Não! Pelo amor de Deus, não. Seu José não tem nada a ver
com isso. Quer dizer, ele me conseguiu esse trabalho, mas foi só
porque eu pedi e ele não é o dono daqui. É um amigo dele e, e, e...
Por que ele está aqui, sentado diante de mim, pela segunda vez
no dia quando nos últimos dois anos eu nunca o tinha tido a
disposição dos meus olhos por mais do que os quinze minutos que
ele costumava levar para buscar seu mocha e seus pães de queijo?
***
Desço do ônibus e olho para o relógio no meu pulso pela
milésima vez para conferir o horário. Deus abençoe a todos os
envolvidos no milagre que é eu chegar em casa antes de uma hora
da manhã, hoje.
— É, mas, nesse caso, era de bom tom que você tivesse feito
uma visita de cortesia. — Faz uma pausa, como se estivesse
procurando pelas palavras certas, mesmo que eu tenha certeza de
que não há nele qualquer dúvida sobre o que dizer. As visitas de
cobrança do agiota são famosas. — Pra me avisar, sabe? —
Aproxima-se de mim, permitindo que eu veja sua bermuda marrom e
sua camiseta azul.
O Patrão, como todos por aqui o chamam, está na casa dos
quarenta anos, é gordo, barrigudo, careca e usa um bigode ridículo,
mas nada disso o torna menos intimidador quando se sabe o tipo de
coisas que ele já fez com pessoas que ficaram lhe devendo. Os dois
homens que guardam suas costas também contribuem para isso.
Diferente do agiota, eles não são gordos. São altos, fortes e muito,
muito assustadores.
— Sim... Então, eu pensei: bom, por que não esperar pela Milena
na Borges? Todo mundo adora essa rua, não é? Deserta, escura...
Perfeita pra uma conversa particular. Ninguém conseguiria ouvir
nada do que acontecesse aqui. Você acredita nisso? — ameaça nas
entrelinhas. O homem parece estar se divertindo, alimentando-se do
meu desespero. O sorriso horrendo em seu rosto poderia ser usado
em mil e uma outras situações. Situações que nada tem a ver com
intimidação.
— Tudo bem. Você já pode ir. Foi ótimo conversar com você! —
Não preciso ouvir duas vezes. As palavras mal acabaram de sair da
sua boca e eu já estou praticamente correndo para longe do homem
e seus abutres. No entanto, alguns passos dados e ele me chama:
— Milena?
— Bruno — cumprimenta.
— Dezenove.
— Puta que pariu! Porra! Você não vai dizer que fica pior, vai?
— A dívida dela com o agiota vence semana que vem e ela não
tem qualquer perspectiva de como vai pagar.
— Quanto?
— Então o quê?
— Eu vou contratá-la.
— Como você está se sentindo hoje?
O rosto exausto denuncia que essa foi mais uma das noites em que
ela lutou contra o sono. A doença lhe deixa exausta, mas como uma
criança birrenta, quando está com algo lhe preocupando, minha mãe
se recusa a ser levada pelo cansaço. O resultado? Olheiras que
rapidamente se tornam profundas, enfraquecimento, tontura e uma
série de outros sintomas agravados. Tudo de que ela não precisa
agora.
Para meu azar, naquela noite, não foi Gabriel quem encontrei na
sala, acordado, mas minha mãe, aflita, esperando-me. Mais tarde,
quando eu já não tremia ou chorava mais, descobri que ela não
conseguiu dormir, preocupada, sentindo um aperto no peito. O maldito
sexto sentido maternal havia entrado em ação e tornado tudo ainda
pior. Não sei se teria escondido a situação dela caso não a tivesse
encontrado acordada, contudo, ela com certeza não precisava ter
testemunhado o meu estado.
Minha mãe sempre foi minha amiga. Não sei se pela idade em que
me teve, se na tentativa de suprir a ausência do meu pai ela sentiu a
necessidade de se aproximar mais, ou se por qualquer outra coisa,
mas o fato é que eu sempre pude contar tudo para ela e odiaria
começar a esconder agora. Entretanto, dadas as circunstâncias, tudo
o que eu não quero é que ela se sinta culpada por tudo, que é
exatamente como seu rosto, gestos e olhos me dizem que ela está
sentindo agora.
Doze mil é quanto vale a minha vida, ou pelo menos, o meu eu que
conheço agora, porque se eu sobrevier a não pagar o que devo, tenho
certeza de que não vai ser inteira, se não for o meu corpo a ser
quebrado, será meu espírito. Isso são seis meses de trabalho nos
meus dois empregos sem gastar uma moeda sequer nem mesmo com
uma bala. Isso é o impossível.
— Você nunca mentiu pra mim antes, Mile. Não começa agora. —
Viro as costas com a desculpa de buscar o café, mas minha única
intenção é fugir do seu olhar que me conhece tão bem.
— Não tem pelo quê. Minha mãe me ensinou que quem fala a
verdade não merece castigo.
— Olá, Milena.
— O quê?
Desço os olhos pela figura alta. Sua pele bronzeada parece reluzir,
assim como seus cachos curtos e seus olhos azuis. Deveria ser
proibido um homem parecer tão gostoso desse jeito. Sério, Milena? É
nisso que você está pensando agora? Acorda e para de ser louca! Ele
te convidou pra jantar! Pra um maldito jantar! Por quê? Por que ele me
convidaria pra jantar?
— Claro.
— Bebem algo?
— Água, por favor — peço, certa de que mais tarde, se eu não cair
da cama e acordar, se isso realmente for realidade e não um sonho
muito criativo da minha cabeça atribulada, vou me arrepender de não
ter olhado o menu com mais atenção e escolhido alguma mistura
exótica de frutas que eu nunca mais vou ter a chance de experimentar.
Meu plano era simples. Pedir a ela cinco minutos hoje pela
manhã, quando passei na Garden para buscar o café de sempre,
fazer minha proposta, deixar que ela pensasse, receber sua
resposta positiva amanhã pela manhã. Rápido, fácil e eficiente, só
que ela não estava lá.
Desde que me lembro, foi a primeira vez que ela não estava lá
pela segunda vez na mesma semana. Quando perguntei à sua
colega sobre, descobri que Milena estava, sim, na padaria, mas não
se sentia bem e por isso estava trabalhando internamente.
Estranhei, afinal, se ela não se sentia bem, a opção óbvia não seria
o hospital ao invés de trabalhos internos? Mas não estiquei o
assunto, afinal, não era problema meu. Eu poderia falar com Milena
amanhã, eu ainda tinha tempo.
— E por que você simplesmente não diz que não vai cumprir?
— Eu?
— O que foi que eu fiz pra você achar que eu aceitaria dinheiro
pra dormir com você por três meses? — a pergunta é feita com
interesse genuíno. Ela está ofendida com a conclusão equivocada,
mas não está indignada ou histérica sobre ela, o que é no mínimo
intrigante.
— Você teria que sair dos seus empregos, mas eu pretendo fazer
isso ser muito vantajoso pra você. Eu pago sua dívida e...
— Eu perguntei.
— O q-quê?
— Eu vou te pagar cem mil reais por mês por um trimestre pra
que você finja ser minha namorada. E se você for até o final, ganha
um bônus de duzentos mil reais. Totalizando meio milhão de reais já
descontados dos impostos.
— Por quê?
— Por que você faria isso? Por que você gastaria uma fortuna?
São quinhentos mil reais! — pausa, mas parece precisar de um
pouco mais para expressar a própria incredulidade. — Quinhentos
mil reais só pra ter uma namorada de mentira quando uma de
verdade sairia de graça? — Começa firme, mas sua voz falha
quando chega à última pergunta. A maneira como ela diz cada uma
das frases desenha o abismo social entre nós como nem mesmo
uma pesquisa do IBGE seria capaz.
Milena acha que meio milhão de reais é uma fortuna. E para ela,
é. Eu sabia disso quando estipulei o valor, mas a verdade é que
para mim, essa é uma quantia irrelevante. Completamente
irrelevante. Principalmente se esse é o preço da minha paz de
espírito. Eu seria capaz de pagar infinitamente mais por ela.
— Isso.
— Eu aceito.
— Milena, vo — começo minha contestação, mas me interrompo
quando percebo tardiamente que ela não é necessária. Franzo o
cenho, abro a boca, mas acabo fechando e mordendo o lábio
enquanto penso no que dizer para não estragar aquilo que
surpreendentemente, funcionou. — O que você disse? — pergunto,
precisando de uma confirmação. Eu tinha certeza de que ela diria
não. Um sim imediato não é apenas inesperado, é inacreditável.
— Qual?
— Dinheiro?
— Um adiantamento.
— Quem é você? O que você faz? — Ele sorri, mas dessa vez é
diferente. Bruno sorri de um jeito menino, apesar de tudo nele gritar
homem. — Quantos anos você tem? — Meu pai. Eu só posso estar
ficando louca. Eu não sei nada sobre esse homem e, mesmo assim,
só faltei lhe gritar um sim, mas não é como se eu tivesse qualquer
grande alternativa.
Bilionário.
Bilionário.
— Por que você faria algo assim? Por que pagar alguém? Por que
eu?
— Você já quis muito alguma coisa? Algo pelo que você seria
capaz de dar qualquer tudo de si e o que mais custasse? — pergunta
e eu não preciso pensar. A saúde da minha mãe é a resposta óbvia.
Eu daria qualquer coisa em troca disso. Qualquer coisa mesmo.
Assinto. — Eu quero ser o melhor. As pessoas acham que o fato de eu
ter herdado minha empresa torna as coisas fáceis pra mim e, até certo
ponto, tornou mesmo. Mas eu não quero que ela seja mais uma. Eu
quero que a Magalhães seja a maior e a melhor. Eu quero ser o maior
e o melhor. Eu quero que quando meu pai ouvir o nome da empresa
que foi do meu avô e do meu bisavô, ele se orgulhe pelo que todos
eles construíram, mas se orgulhe ainda mais do que eu estou
construindo.
A paixão com que ele fala quase me causa inveja. Eu nunca olhei
para nada além do essencial dessa forma. Nunca tive o privilégio de
desejar nada que não fosse a sobrevivência, minha ou de quem me é
querido, com tanta força. A sombra do garoto que vi há poucos
minutos se foi. Diante de mim, há apenas o homem. Um que é pura
determinação. Outra vez, aceno em concordância.
— Então eu não tenho tempo pra qualquer outra coisa. — Ele faz
uma pausa, apoia o dedo indicador nos lábios, depois, apoia os
braços sobre a mesa e balança a cabeça, negando. — Não. Isso é
mentira. Eu não quero ter tempo pra qualquer outra coisa. Eu sei,
desde muito cedo o que eu quero fazer com a minha vida. Eu quero
investir e quero ser o melhor no que eu fizer. Eu quero que grandes
personalidades como Elon Musk, Thiago Nigro, eu quero que a porra
da lista da Forbes inteira saiba meu nome, e eu não quero que nada
fique entre esse objetivo e eu.
Não sei quanto tempo passo dentro da cabine, mas só saio dela
quando minha alma está tão lavada quanto meu rosto e ao me olhar
no espelho e me deparar com bagunça de nariz vermelho, olhos
inchados e bochechas, colo e orelhas quentes, eu simplesmente não
me importo.
— Desembucha.
— Ah, que você não vai? — o interrompo e como tenho feito todas
as vezes em que surge, aproveito a oportunidade para lhe alfinetar
sobre suas faltas.
— Quanto custa?
O que ela dirá sobre tudo isso? Esconder a situação nunca foi uma
opção, não posso, nem quero fazer isso. Até porque, se eu não puder
contar para ela, para quem eu vou? E, como dona Daise me disse
ainda hoje pela manhã, nunca escondi nada dela, não vou começar
agora.
— Eu nunca julgaria você por fazer o que quer que você decida
fazer, minha filha. E, se um homem me oferecesse meio milhão de
reais só pra ir em uns encontros com ele, mesmo na minha idade, eu
gritaria sim.
— Mãe...
— O Rafa trouxe uma boa ideia hoje. Pode gerar trezentos milhões
de lucro.
— Negócios?
— Roupas?
Ele é inédito para mim e sou obrigado a reconhecer que bom pra
caralho. É inevitável me perguntar qual será a sensação de senti-lo
com o nariz grudado aos fios ou em sua pele. A garganta de Milena se
movimenta lentamente quando ela engole, afetada pelo silêncio
repentino e pelo meu foco inesperado nas partes dela que estão na
altura dos meus olhos, e outra vez, sua reação, ao invés de me
afastar, como teria feito em qualquer outro momento, faz com que eu
queira me aproximar ainda mais.
Será que agora era um bom momento para eu dizer que sou
virgem? Não. Ele não tem nada a ver com isso. Pelo amor de Deus,
Milena! Ele não tem como saber se você é virgem só por estar
perto! Você está parecendo sua antiga vizinha maluca, a dona
Mercedes, que não sentava no metrô para não correr o risco de
engravidar.
— Pela sua cara, não entendeu não — afirma. — Olha pra mim,
Milena — pede, quando eu viro o rosto e ao voltar a encará-lo,
encontro seus olhos estreitados, mas não com aspereza. Bruno
parece quase estar se divertindo. — Eu posso não ter uma penca de
repórteres atrás de mim, mas eu ainda sou uma figura de interesse
e no momento em que você começar a aparecer, repetidamente, ao
meu lado, também vai se tornar — explica devagar, como se
estivesse falando com uma criança e eu me ofenderia, se ele não
estivesse com razão.
Pisco, tentando entender até onde tudo isso vai se estender, mas
quando minhas sinapses nervosas parecem estar todas prestes a
entrar em curto circuito, eu desisto e apenas pergunto.
— Eu... Eu...
Sua presença sempre foi intoxicante para mim e ele está certo
quando diz que preciso aprender a lidar com ela. Só que é muito
mais fácil falar do que fazer. Meu corpo parece ser atingido por um
milhão de pequenos raios quando exposto à sua proximidade e
minha mente se embaralha inteira.
Minha primeira reação foi deixar meu queixo cair no chão com o
tamanho e beleza de seu apartamento, a segunda, foi recolhê-lo. O
lugar tem paredes e chão claros em sua grande área aberta. Assim
que entrei, fui recebida por um espaço imenso dividido em nada
menos do que quatro salas. À minha direita, uma sala de TV com
um sofá enorme e toda a parede revestida por uma madeira clara e
bonita.
— Comer?
— Não.
— Gostou de lá?
— E qual é o problema?
— Não vai dar tempo! Quer dizer, há tantas coisas pra encaixotar
e...
— Dúvidas?
— Aqui diz que você vai custear roupas e qualquer outra coisa
necessária pros encontros, mas você já está me pagando uma fortuna
— fala atropeladamente, com pressa de mudar de assunto. Qual é o
problema dela em falar de sexo, afinal?
— Eu não a...
— Mentir?
— Uhum.
— É um jeito de se pensar.
— Você discorda?
— Não tenho uma opinião sobre isso. Até agora, eu nunca tinha
olhado para mentiras como algo além de uma forma de machucar
pessoas que gostamos e esse não é um risco que eu esteja disposta a
correr, nunca. — Sua explicação me revela mais um pedaço da sua
personalidade intrigante e eu não faço nada além de absorvê-lo. —
Me pergunte de novo em algumas semanas — pede e eu rio baixo
antes de concordar com a cabeça.
— São melhores?
Sua língua sai para lamber os lábios enquanto ela pondera o que
fazer a seguir e eu espero pacientemente. A sensação estranha, essa
atração carregada de algo mais nos envolve com uma velocidade
admirável e, outra vez, sinto meu pau dar sinal de vida dentro dos
shorts que estou vestindo.
— Eu preciso ir. Já está tarde. Vou aproveitar que você vai abrir a
porta.
— Claro. Davi vai levar você — avisa e meu rosto deve deixar clara
a minha confusão, porque logo em seguida ele explica: — Meu
motorista. Ele está te esperando.
— Antes de quê?
Meu pai! Tenha dó! Se eu nunca fui iludida antes, não vai ser agora
que vou começar. Aviso a mim mesma. Nem que eu precise espalhar
lembretes e post-its por cada superfície ao meu redor, eu me recuso a
esquecer do meu papel nesse teatro.
Como ficou muito claro essa noite, a tranquilidade que virá com o
dinheiro de Bruno não será de graça. Ela vai me custar muito e eu não
me importo com o preço. A única coisa que eu definitivamente não
estou disposta a entregar como pagamento é um coração partido.
Bruno não se envolve, ele quer coisas que julga mais importantes.
E, agora que eu finalmente ganhei o direito de me perguntar o que eu
quero, eu posso ainda não ter descoberto a resposta, mas eu sei
algumas das coisas que eu não quero. Magoar-me com uma situação
sobre a qual eu fui avisada é uma delas.
Olho para o homem com o qual estarei ligada pelos próximos três
meses, o responsável pela mudança de 180° que minha vida está
prestes a sofrer e, dando a ele o mesmo sorriso que dei à estranha em
sua porta, eu me despeço.
Para além das fanfics que passei dois anos criando em minha
cabeça, Bruno nunca vai me enxergar como protagonista de nada.
Nem mesmo em nosso acordo. Tudo isso é apenas um jogo entre ele
e os amigos. Eu sou uma peça e essa é toda a informação de que
preciso para mantê-lo exatamente na mesma posição em minha vida.
Posso ser muitas coisas, inexperiente inclusive, afinal, eu nunca me
apaixonei.
Isso porquê, por trás das portas, há muito mais do que música.
Meus amigos e eu abrimos o Carmesim porque não encontrávamos
em São Paulo um lugar onde pudéssemos ter tudo o queríamos e
tínhamos certeza de que não éramos os únicos. Há dez anos, o
conceito de balada liberal ainda era novo no Brasil e depois de
frequentarmos algumas no exterior, ter uma em casa pareceu uma
excelente ideia.
Eu tenho um problema.
Mas a forma como estou olhando para ela? Como estou reagindo
à sua presença, mesmo sem jamais tê-la tocado além de um aperto
de mãos? Pode colocar na conta da obsessão, com certeza. Engulo
em seco, e na tentativa de fazer minha mente conturbada clarear,
aperto os olhos rapidamente.
Seus olhos estão presos aos meus e seu rosto se aproxima. Ela
está, outra vez, inclinando-se na minha direção de maneira
inconsciente. Subo uma das mãos e toco seu rosto. Pressiono
minha palma contra sua bochecha e espalho os dedos em seu
maxilar e na lateral do seu pescoço. A pele macia se arrepia sob o
meu toque e o desejo ruge em minhas veias, exigindo mais, dizendo
que as migalhas oferecidas não o satisfarão.
— Quer água? Você não pode beber muita, mas já faz mais de
trinta minutos desde a última vez — é uma das milhares perguntas
que minha mãe faz num intervalo de trinta minutos.
Chegamos em casa, eu fui devidamente instalada em meu quarto
— em minha cama — Gabriel foi repreendido ao tentar me abraçar, eu
olhei para dona Daise de cara feia, ela ignorou minha indignação e,
desde então, estão todos atentos a mim como se qualquer momento
de distração pudesse ocasionar minha morte.
— Acho que estou cansada — decido. Eu não estou. Na verdade,
considerando que eu não posso sequer me mexer sozinha, é
impossível que eu esteja cansada, mas como imaginei, isso surte o
efeito desejado. Deixa minha mãe feliz e me dá a chance de
finalmente respirar sozinha.
Verdade seja dita, eu até estou cansada, mas de me sentir
sufocada, mas eu entendo a super-reação e, por isso, não vou
reclamar dela. Enquanto minha mãe se movimenta para deixar o
quarto e obriga Gabriel a fazer o mesmo, Bruno me observa com
olhos estreitados.
— Vou ficar, caso você precise de alguma coisa — fala baixo e é
óbvio que minha progenitora não se opõe. Coço a sobrancelha. Lá se
vai meu momento de paz.
Minha mãe se aproxima, deixando um beijo em minha bochecha,
alertando de que, caso eu precise de alguma coisa, é só chamá-la e
que em breve voltará para me checar. Gabriel também se despede e
quando a porta finalmente se fecha, eu encosto a cabeça na cabeceira
e fecho os olhos.
— Você é uma péssima paciente. — A voz é baixa e o tom passa
longe da diversão. Ele está falando sério. Pelo amor de Deus! Abaixo
a cabeça e abro os olhos.
— Vocês estão exagerando! — digo para ele o que não direi à
minha mãe.
— Você ficou em coma, Milena. — Ele apoia as mãos na cintura,
parecendo irritado e eu nem sei por quê. Recuo a cabeça, não
entendendo o comportamento. Se alguém deveria estar irritada sou
eu, e eu não estou. Cansada? Me sentindo sufocada? Sim, mas
irritada? Não. — Por dois malditos dias! Nós não sabíamos se você ia
acordar! Por dois dias fodidos — faz uma pausa e suas narinas se
alargam quando uma expiração forte passa por elas — nós não
tínhamos qualquer ideia! — A força das suas palavras me faz piscar
ao ser, inesperadamente, atingida por ela.
Não sei o que dizer. Lambo os lábios antes de morder o inferior e
Bruno me dá as costas por alguns segundos. Quando se vira em
minha direção novamente, o que vi antes em seu rosto, já não está
mais lá.
— O que você quer fazer? Porque eu tenho certeza de que não
está cansada de verdade. — Seus gestos e rosto sugerem uma piada,
mas percebo que em algum momento, passei a conhecer seu sorriso
bem demais para acreditar na mentira. — O que você acha de assistir
a um filme? — Aceito a sugestão com um aceno. Ele pega o controle
da televisão sobre o móvel embaixo dela e me entrega para que eu
escolha.
— Você pode procurar meu celular, por favor? — peço, pensando
que, provavelmente, está descarregado. Não tinha me lembrado dele
até agora.
Ao invés disso, Bruno caminha, mais uma vez, até o móvel sob a
TV e pega uma sacola de papel que eu não tinha reparado estar ali.
Ele e a entrega para mim em silêncio e eu franzo as sobrancelhas ao
retirar lá de dentro uma caixinha envolta em um laço de fita.
— Presente de boas-vindas?
— Seu celular quebrou durante o acidente. Ele estava no seu bolso
e sofreu o impacto junto com você. Felizmente, seu corpo era mais
resistente. — Suas últimas palavras atraem minha atenção por
completo e isso, à sua proximidade.
Bruno se senta na beirada da cama, mantendo alguns centímetros
de distância entre seus quadris e minha cintura. Sua mão alcança
minha bochecha, seu toque é suave e eu inclino o rosto, roçando-o em
sua palma, querendo mais da carícia.
Por minutos, nada é dito e mais um daqueles momentos em que eu
tenho a impressão de estar enxergando nos olhos de Bruno um milhão
de coisas, que vou negar depois, acontece. Em minha imaginação,
seus olhos me dizem que, tanto quanto à minha mãe, ele sentiu medo.
Medo pelo que poderia ter me acontecido.
Em minha imaginação, seus olhos me contam que sua presença
aqui não é por amizade ou por qualquer outra coisa que não o fato de
ele não se sentir capaz de ir a lugar algum a mais de dois passos da
certeza de que eu estou bem.
Em minha imaginação, ele me promete que não vai a lugar algum,
mesmo depois que eu já estiver completamente recuperada. E quando
seus lábios tocam os meus, me permito esquecer de que quando eu
parar para refletir sobre esse momento no futuro, direi para mim
mesma que tudo não passou de mera invencionice da minha cabeça.
Pelos instantes em que sua boca me beija com cuidado e um
sentimento inominável, eu me permito acreditar.
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ANEXO 1 DO CONTRATO DE PERDIÇÃO.
Relacionamento
substantivo masculino
1. ato ou efeito de relacionar(-se).
2. capacidade de manter relacionamentos, de conviver bem com
seus
semelhantes.
3. interações sociais e sexuais de caráter monogâmico. (significado
ao qual
o contrato em questão se refere)
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ANEXO 2 DO CONTRATO DE PERDIÇÃO
Lista da Perdição:
1) Transar esta noite.
2)
3)
4)
5)
6)
7)
8)
9)
10)
11)
12)
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A lista em branco, para que possamos preenchê-la juntos,
intensifica o frio em minha barriga e me lembra de que precisaremos
de canetas. Droga, Milena! Passo os olhos ao meu redor, procurando
um porta lápis ou algo assim, mas não encontro nada. Enquanto em
minha casa, em todos os cômodos há lápis e canetas espalhados
por todo o lugar, aqui não há nada.
Penso, tentando me lembrar onde posso já ter visto material de
papelaria pela cobertura e só depois de quase cinco minutos, me
lembro da escrivaninha no quarto. Há também o escritório, mas não
me sinto confortável de entrar lá sozinha. O quarto é mais meu
ambiente, literalmente.
Com as folhas nas mãos, para o caso de Bruno chegar enquanto
estou lá em cima, subo as escadas e faço meu caminho até o quarto.
Ainda na porta, bufo, ao não ver qualquer sinal de um lápis ou uma
caneta. Maldito homem organizado.
Deixo os papeis sobre a escrivaninha e abro a primeira gaveta de
baixo para cima. Não encontro nada além de algumas pastas e um
grampeador. A segunda está vazia, a terceira também e, na quarta e
última, encontro uma infinidade papeis, mas o barulho que ouço
quando a gaveta corre, me dá esperanças de que eu possa
encontrar o que preciso sob eles.
Tiro as folhas, as coloco sobre a escrivaninha, ao lado do meu
contrato, e sorrio imenso quando encontro três canetas soltas lá
dentro. Retiro o que preciso, e ao pegar as folhas para devolver ao
seu devido lugar, o maldito bloco escorrega da minha mão e todas
elas se espalham pelo chão.
— Merda, Milena! Merda! — passo alguns segundos, atordoada,
querendo descobrir como vou colocar tudo isso no lugar na mesma
ordem que encontrei. Obviamente, eu não vou. O jeito vai ser, mais
tarde, contar a Bruno o que aconteceu e esperar em Deus que ele
seja capaz de reorganizar tudo isso da maneira que precisa.
Com um suspiro, me ajoelho para recolher folha a folha e
realmente são muitas. Vou juntando a pilha e alinhando, juntando e
alinhando, juntando e alinhando, até que ao alinhar uma leva, a
primeira folha chama a minha atenção. Meu nome está escrito nela.
Pisco e inclino a cabeça. Eu não deveria bisbilhotar, certo? Não,
não deveria. Mas tem meu nome... Se tem meu nome, deve ser do
meu interesse. Justifico para ninguém além de mim mesma enquanto
encaro a folha. Só uma espiadinha não vai machucar ninguém.
Subo os olhos pelas letras acima do meu nome e encontro as
palavras Assinatura da parte 1. Isso me faz erguer a sobrancelha.
Um contrato? Quer dizer, seria essa uma cópia do nosso contrato?
Folheio a pilha já organizada, querendo descobrir se a folha atrás
dessa é sua continuação, não é, então folheio a próxima e a próxima
e a próxima, e quando vejo, já não se trata mais de uma espiadinha,
mas quase de uma pesquisa profunda e é tarde demais para desistir.
O bicho da curiosidade já me mordeu e já está me mastigando por
dentro.
Apesar de tentar manter os ouvidos atentos, sei que é inútil, seria
impossível ouvir a porta do primeiro andar ser aberta de onde estou,
o que significa que não tenho muito tempo. Já estou quase
desistindo quando percebo que o tempo todo as folhas estavam
identificadas como Adendo 1 e numeração, então tudo o que eu tinha
que fazer era procurar por outras com as mesmas identificações
laterais.
Folheando o bloco de uma vez, rapidamente encontro três folhas,
mas quando as coloco em ordem e leio, eu descubro que estava
enganada.
Uma espiadinha pode, sim, machucar. E muito.
— Meu bem? — chamo sorrindo ao passar pela porta e sentir o cheiro
incrível, mas não recebo qualquer resposta. — Milena? — tento outra
vez enquanto atravesso o Hall de entrada, mas como antes, nada além
de silêncio.
Assim que de fato entro em casa, constato que ela realmente está
aqui, afinal, a mesa de jantar está posta. Deixo as chaves e o celular
sobre o aparador e começo a desfazer a gravata enquanto subo as
escadas até o segundo andar. Não ouço nada até estar próximo à
porta do meu quarto e quando ouço, não entendo. Isso é farfalhar de
papel?
Minha incompreensão voa pelos ares quando ao alcançar meu
quarto, encontro Milena de joelhos, no chão, rodeada por uma
infinidade de folhas espalhadas, além de uma pilha sobre a qual sua
mão está pousada, além da gaveta da minha escrivaninha estar aberta.
Gelo percorre minhas veias quando uma possibilidade atravessa
meus pensamentos. Ela ergue a cabeça quando me ouve e eu procuro
em seus olhos quaisquer sinais, mas ela não me entrega nada.
— Milena? — O arquear de sobrancelha, seguido dos olhos
desviando para as folhas de papel em suas mãos são a resposta que
procurei antes e não encontrei.
— Não é o que você está pensando. — Me defendo e ela inclina a
cabeça com uma expressão de incredulidade no rosto. Caralho!
Justamente hoje ela tinha que mexer na porra da gaveta?
— Ah, não? — questiona e eu me apresso em afirmar.
— Não! Não é!
— Tem certeza?
— Absoluta! — Ela se levanta, trazendo consigo três folhas de papel
nas mãos. Três malditas folhas. Como, naquela infinidade ao seu redor,
Milena foi achar justamente essas três?
— Interessante... — comenta, olhando para os objetos nas próprias
mãos. — Porque eu tinha quase certeza de que esse adendo de
contrato, foi algum tipo de idiotice sua, achando que poderia me
comprar, baseado em nada além de vozes da sua cabeça, antes de ser
capaz de entender e admitir seus sentimentos. Mas não é nada disso,
certo? Então, você pode, por favor, me explicar o que é? — Eu pisco
com a boca escancarada e, ao invés de lhe dizer qualquer palavra,
enfio as mãos por seus cabelos e beijo sua boca.
Deixo que minha língua a invada e faça tudo o que tem vontade,
lambendo, chupando e massageando até que nós dois estejamos sem
ar.
— Você. — Lhe dou um selinho — É! — Outro selinho — A! — Outro
selinho. — Porra! — Mais um — Da! — Outro — Mulher! — Outro beijo
rápido. — Perfeita!
Milena gargalha e envolve os braços no meu pescoço antes de me
dar, ela mesma, um selinho atrás do outro.
— Jura que você achou que eu ia entender errado?
— Sinceramente? Achei sim. — Encosto minha testa na sua. — Mas
porra, Milena. Nessa infinidade de papéis. — digo, inclinando a cabeça
na direção da bagunça. — Você tinha que achar justo esses?
— Se você não os estivesse guardando, eu não teria o que achar e,
pra falar a verdade, foram eles que me acharam. Tinha meu nome, eu
quis saber o que eram. Agora, você! É sério que em algum momento
você pensou em me apresentar isso? — pergunta, sacudindo as folhas.
— Sim e não. Eu as redigi na noite depois do camarote quando
percebi que três meses não seriam o suficiente, mas eu ainda não
entendia que não era só sexo, o seu corpo é uma delícia, fiquei
confuso. — justifico e ela ri. — Mas mesmo naquela época, eu sentia
que uma proposta como essa—
— Me oferecer mais dinheiro, como se eu fosse uma prostituta... —
me interrompe.
— Eu não penso desse jeito. Dinheiro trás comodidade, foi assim
que nós começamos e você disse que não se arrepende.
— Não me arrependo, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é
outra coisa.
— Pra mim é tudo a mesma coisa
— Então por que você nunca me mostrou ? — pergunta
desconfiada.
— Porque eu tinha a impressão de que você não veria as coisas da
mesma maneira que eu.
— impressão certa! Eu teria ficado muito, muito brava. — Sorrio
fraco e concordo. Não tenho quaisquer dúvidas sobre isso.
Cheiro seus cabelos, matando a saudade da porra que estou
sentindo depois de apenas um dia longe. As semanas em seu
apartamento me deixaram mal acostumado e desde então, tenho tido
que lidar com isso.
— O que você estava procurando?
— Canetas. — responde sorridente e eu estreito os olhos.
— Pra quê?
— Vamos precisar assinar alguns papéis. — pausa dramaticamente.
— Eu quero te contratar. — primeiro, eu acho que ela está brincando,
mas quando Milena se desvencilha de mim, vai até a escrivaninha e
pega três folhas que eu nunca vi antes, não me resta outra opção além
de gargalhar.
Não consigo decidir para onde olhar. Não consigo nem mesmo
desviar minha atenção por tempo o suficiente para dizer a Bruno que
ele estava coberto de razão. Esse é o meu andar.
O segundo pavimento subterrâneo da Carmesim é um salão
imenso, imenso de verdade, e, espalhados por ele, há uma infinidade
de quartos, trinta, pelo menos, caixas de vidro de tamanhos e mobília
variados.
Alguns estão vazios, muitos outros estão ocupados, exibindo
interações de todos os tipos. Casais heterossexuais, casais
homossexuais femininos e masculinos, trios, quartetos e grupos com
tanta gente, que tenho dificuldade de contar. Meus olhos não
conseguem escolher uma única caixa para se fixar.
Corpos nus estão por todos os lados, há até mesmo algumas
caixas em que mulheres e homens estão sendo açoitados ou tendo
cera derretida derramada em suas peles. Aqui, eu me sinto mais do
que excitada, me sinto desesperada com tantos estímulos e com a
segurança de que ninguém que eu não quero vai me tocar.
Não que no andar de cima houvesse essa possibilidade. Não havia.
Bruno me garantiu que o sistema de pulseiras é seguro, no entanto,
com as interações acontecendo sem barreira alguma em todos os
lugares, eu não consegui relaxar completamente. Mas aqui, tudo o
que consigo fazer é me conter para não gemer sem sequer estar
sendo tocada, ou fazer como muitos dos observadores, que se
masturbam enquanto acompanham aquilo que acontece dentro das
caixa.
— Escolha um dos que estão com a luz verde acesa, meu bem. —
Bruno sussurra em minha orelha antes de lamber o ponto que sabe
que me enlouquece. — Escolhe um, porque eu preciso te foder e
preciso agora. — avisa e eu engulo em seco. A perspectiva de ser
fodida aqui, diante dos olhos de todas essas pessoas despeja
combustível sobre a minha pele.
— Qualquer um?
— Qualquer um. Os verdes estão limpos e disponíveis. Os
vermelhos, ocupados ou já foram usados esta noite.
— Aquele. — aponto para um de mobília simples à nossa direita.
Não há nada além de uma cama de ferro retorcido, uma cômoda, uma
poltrona e uma mesa de centro dentro do quarto.
— Vamos.
OBJETIVO:
Ocupar o cargo de assistente pessoal assistindo a
todos os desejos pessoais de meu empregador.
FORMAÇÃO ACADÊMICA:
2015 — Curso de informática básica
2016 — Ensino médio — Escola estadual Mariângela
Belize
2014 até a presente data — Extensa formação na
arte do prazer adquirida em romances de banca e em
literatura consumida gratuitamente na internet.
EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS:
Nenhuma na área mencionada, mas estou mais do
que disposta a aprender a satisfazer todos os desejos
do meu empregador exatamente como ele me ensinar.
Sou muito rápida em aprender coisas novas e ser
testada sobre elas é algo que me deixa muito excitada.
PRÊMIOS E RECONHECIMENTOS:
— Cabelos longos, excelente para serem puxados;
— Pele clara, excelente para receber marcas de
leves palmadas;
— Melhor beijo da cidade;
— Melhor boquete do estado
— Pepeca virgem, pronta para uma mudança de
status.
[1]
A expressão significa “perdedor” em inglês.
[2]
O Bilhete Único é um sistema de bilhetagem eletrônica que unifica em apenas
um sistema, toda a bilhetagem dos meios de transportes [1], gerando assim
benefícios aos seus usuários, tais como as tarifas integradas, ou seja, o Bilhete
Único oferece desconto ou isenção da tarifa ao se utilizar meios de transporte
dentro de um determinado período de tempo.
[3]
Objeto do universo Harry Potter em que é possível expor e guardar
pensamentos de maneira externa à própria consciência.
[4]
O Viaduto do Chá foi o primeiro viaduto a ser construído na cidade de São
Paulo, localizado no Vale do Anhangabaú, no centro da cidade. Foi idealizado
pelo francês Jules Martin em 1877, mas inaugurado apenas em 6 de novembro de
1892.
[5]
Quarto vermelho da dor é como a personagem Anastasia Steele se refere ao
quarto de jogos BDSM de Christian Grey no livro Cinquenta tons de cinza.
[6]
Silvio Santos OMC, nome artístico de Senor Abravanel, é um apresentador de
televisão e empresário brasileiro. Possui mais de sessenta anos de carreira.
Nasceu no bairro da Lapa, na região central da cidade do Rio de Janeiro, então
capital do Brasil e sede do então Distrito Federal.
[7]
Reality show brasileiro que acompanhava o cotidiano de mulheres ricas e
poderosas e mostrava em detalhes o que o dinheiro pode fazer.
[8]
O Projeto TAMAR é um projeto conservacionista brasileiro que atua na
preservação das tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção. É uma entidade de
direito privado, sem fins lucrativos e fica sediado em Praia do Forte, na Bahia.
[9]
Receita italiana de massa coberta por um molho de quatro queijos.
[10]
Que possui tamanho reduzido e simultaneamente refinado, elegante, delicado.
[11]
Instituto Nacional do Seguro Social[1] (INSS) é uma autarquia do Governo do
Brasil vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Provisória[2] que recebe
as contribuições para a manutenção do Regime Geral da Previdência Social,
responsável pelo pagamento de aposentadorias, salário-maternidade, pensão por
morte, auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-reclusão e outros benefícios
[12]
Um NFT (non-fungible token/token não fungível) é uma tecnologia que permite
a criação de uma assinatura única, um certificado digital que assegura a
autenticidade de algo. Isso pode ser um arquivo de imagem, uma música, um
tweet, um texto publicado num site, itens físicos e diversos outros formatos
digitais.
[13]
A liga dos campeões da UEFA (em inglês: UEFA Champions League) é uma
competição anual de clubes de futebol a nível continental, organizada pela união
das associações Europeias de Futebol (UEFA) e disputada por clubes europeus.
[14]
A Maserati é uma tradicional fabricante de automóveis italiana fundada em
Bolonha.
[15]
Sirius Black é um personagem da série Harry Potter de J. K.
Rowling.
[16]
"Baby Looney Tunes" foi uma série de televisão animada co-produzida entre
os Estados Unidos e o Canadá que descreve as versões infantil e pré-escolar dos
personagens de Looney Tunes. Foi produzido pela Warner Bros. Animation. [1][2]
O programa estreou como uma série completa em 3 de junho de 2001 e retornou
às estações WB geralmente antes ou depois do bloco WB para crianças de 2001
a 2003 e continuou a ser exibido na Cartoon Network de 2004 a 2006
[17]
O tiramissu é uma sobremesa tipicamente italiana, possivelmente originária da
cidade de Treviso, na região do Vêneto, e que consiste em camadas de biscoitos
de champagne, também chamados de biscoitos.
[18]
Plano Perfeito - canção de Lourena e MC Don Juan
[19]
Quando o mar está com ondas muito largas, que são difíceis de pegar quando
se está próximo a elas.