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CONTRATO DE PERDIÇÃO
1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser


reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânico sem consentimento e autorização por escrito do
autor/editor.

Revisão: Lidiane Mastello (@lidiane_amorporlivros)


Betas: Jenniffer Fógos e Ka Morais
Capista: Jsummerdesign
Diagramação: Fox Assessoria Literária

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob
quaisquer meios existentes – tangíveis ou intangíveis – sem prévia
autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código
penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA


PORTUGUESA.
SINOPSE
DEDICATÓRIA:
PLAYLIST:
1.
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EPÍLOGO 1
EPÍLOGO 2
AMOSTRA DO PRIMEIRO LIVRO DA TRILOGIA
AGRADECIMENTOS
O que um bilionário cafajeste pode querer com uma garçonete
virgem?
Bruno Magalhães precisa de uma namorada.
Conhecido por sua obsessão por vitórias, pela primeira vez,
o CEO da Magalhães Capital perdeu uma aposta e, agora, tem
uma tarefa a cumprir: passar três meses com a mesma mulher, e só
com ela.
Exceto se ele puder evitar.
Como? Contratando a garçonete da padaria onde sempre toma
café da manhã para fingir ser sua namorada por esse período.

Milena Garcia não é santa, mas é virgem e está numa pindaíba sem
fim.
Com apenas dezenove anos, uma mãe doente, um adolescente
rebelde
como irmão e dois empregos em seu currículo, não lhe sobra tempo
para muita coisa.
Quando o cliente da padaria onde trabalha, por quem ela não tem
uma queda, mas um abismo inteiro, lhe faz uma proposta absurda
de namoro de mentira, ela não precisa nem pensar para lhe dar uma
resposta: “Sim, por favor! Mas sem sexo!”

Afinal, virgindade não é sinônimo de burrice e Milena sabe muito


bem que um homem capaz de propor uma coisa dessas pode ser
ótimo para olhar, mas nada bom de se manter.
Não importa o quanto seu corpo pareça determinado a ir contra a
decisão de sua mente.
Ela se recusa a ser mais uma em sua cama.
Ele está se tornando obcecado pela única mulher que não pode ter.
O desejo de que a mentira se torne verdade ameaça colocar tudo a
perder.
Um namoro de mentira que vai conquistar você!
Para Eliza Porto,
Você sempre existiu, mas me
emprestou sua história para eu contar.
Já eu, antes de você, desconhecia a minha
própria existência. Obrigada por me inventar.
CLIQUE AQUI
01. Morena – Luan Santana
02. Perdão – Maria
03. Deixa tudo como tá – Thiaguinho
04. Mulher Feita – Projota
05. Modo Turbo – Luísa Sonza, Pablo Vittar e Anitta
06. Plano Perfeito – Lourena, Haga, , MC Don Juan
07. Coringa – Jão
08. Geleira do Tempo – AnaVitoria, Jorge & Mateus
09. Ela tem o dom – Tritom
10. Sosseguei – Jorge & Mateus
11. Happy – Pharell Williams
12. Sugar – Maroon 5
13. Sem Filtro – Iza
14. Transforma(dor) – Marina Nolasco
15. Fallin’ All In You – Shawn Mendes
16. Adore You – Harry Styles
17. If I Could Fly – One Direction
18. Porque Eu Te Amo – Elenco Original do Filme Ana e Vitoria
— Aqui! E eu coloquei uma surpresa dentro! — Estendo a sacola
de papel para a mãe, mas olho para a filha quando praticamente
sussurro as últimas palavras e dou uma piscadinha. A menininha de
cabelos escuros e traços orientais, assim como sua mãe, sorri para
mim e embora eu saiba que a surpresa em questão é só um origami
feito com guardanapo vagabundo, eu me sinto uma super-heroína
por colocar aquele sorriso em seu rosto.

— Obrigada, Mile! Você sempre salva a minha vida! — Bárbara


diz com a mão no peito, sobre a gola do terninho cinza que veste,
em seu agradecimento diário antes de deixar sua, também diária,
contribuição no pote de gorjetas ao lado do caixa.

Ergo meus olhos e dispenso suas palavras com um aceno


rápido. Eu jamais me recusaria a fazer qualquer coisa que pudesse
para ajudar uma mãe solo. Não quando eu tenho uma em casa que
sempre fez das tripas ao coração por meu irmão e eu. Sei bem que
qualquer ajuda, mesmo que seja apenas conseguir comprar o
lanche favorito da filha cinco minutos antes do horário oficial de
abertura da padaria, faz toda a diferença.
— Imagina, Bárbara. Você sabe que pode contar comigo. — Ela
se despede com mais um sorriso agradecido antes de passar pela
porta em que a placa pendurada ainda tem a palavra “Aberto” virada
para o interior do estabelecimento.

Solto um suspiro longo e deslizo os olhos lentamente pelo lugar


onde tenho passado muito mais do meu tempo do que em casa nos
últimos dois anos. A Garden Gourmet nada mais é do que uma
padaria para lá de gourmetizada, exatamente como todos os
estabelecimentos dos bairros Jardins, em São Paulo.

Situada no térreo de um condomínio residencial de luxo, ela é


parada obrigatória tanto para os moradores do tal condomínio
quanto para quem trabalha ao redor e tem um vale refeição gordo o
suficiente para pagar dez reais em um brigadeiro.

Da primeira vez que passei pela Garden, mesmo que só em sua


calçada, eu tive certeza de que jamais poderia pagar pelo que quer
que vendesse ali, eu sequer tive coragem de entrar. Meses depois,
quando comecei a trabalhar aqui como jovem aprendiz, eu pude
confirmar minhas suspeitas que, na verdade, sempre haviam sido
certezas.

A fachada azul Tiffany e branca só não é mais atrativa do que


seu interior, todo planejado para se parecer com um desenho de
duas dimensões. Do chão às luminárias, em uma foto, tudo parece
exatamente como rabiscos monocromáticos sobre uma folha de
ofício branca.

Segundo seu José, o português mão de vaca dono da padaria, a


arquitetura da Garden foi inspirada em um café sul coreano e, de
acordo com o pai dos burros do século XXI e daqueles que não são
ricos o suficiente para conhecer presencialmente cafeterias que
ficam do outro lado do mundo, ele está certo, e dando a César o que
lhe pertence, a padaria paulistana é tão bonita quanto o café na
Coréia do Sul.

Olho para o relógio que mais parece um desenho infantil


rabiscado sobre a porta. Seis e quarenta e cinco. Ainda faltam
quinze minutos para abrirmos.

— Irritantemente eficiente, como sempre... — A voz arrastada e


mal-humorada me faz virar o pescoço. Encontro Clarissa passando
pelas portas vai e vem enquanto amarra o avental meio amarrotado
na cintura.

— Bom dia pra você também, flor do dia.

— Bom dia pra quem, Mile? Você é o único ser humano capaz de
estar de bom humor às seis e quarenta e cinco da manhã. E logo
você! De todas as pessoas que eu conheço, você é a maior
detentora do direito de ser mal-humorada pela manhã! — Ela me
encara com as sobrancelhas arqueadas como se o que tivesse dito
fosse óbvio. — A qualquer hora do dia, na verdade — murmura as
últimas palavras e eu não sei se deveria ter ouvido, mas o
comentário me faz bufar.

Não que eu discorde dela, mas quem é que tem tempo para
perder com mau humor quando se têm dois empregos, um irmão
adolescente rebelde e uma mãe precisando de tratamentos médicos
que custam os olhos dos quais preciso para enxergar? Por favor!

— Eu não tenho tempo pra ser mal-humorada, Clarissa.


— E quando eu crescer, eu vou ser igual a você! — diz, antes de
seus olhos negros mudarem drasticamente, passando, com uma
velocidade inacreditável, a se parecer exatamente como os do gato
de botas e eu já sei exatamente o que ela está prestes a me pedir.
— Posso ficar no caixa hoje? Por favorzinho?

Um som incrédulo se expulsa da minha garganta. A cara de pau


dessa mulher!

— A sua cara de pau não tem limites, Clarissa! — acuso e ela


nem mesmo se dá ao trabalho de negar.

— É um dom — confirma, parecendo muito mais orgulhosa do


que deveria. — Posso? — pede, outra vez, e eu reviro os olhos. —
E assim você vai poder trocar uma piadinha com o cliente gostoso
das sete e quinze. Eu sei que seu dia fica um pouco mais cinza
quando você não consegue fazer isso — ela comenta
despretensiosamente e algo como um guincho deixa minha boca
quando eu me apresso em negar. Mas nem eu acredito na minha
tentativa ridícula.

O cliente das sete e quinze. Apenas pensar sobre ele faz um


arrepio nervoso atravessar minha espinha de ponta a ponta e uma
sensação gelada tomar conta da minha barriga. Eu não sei seu
nome, não sei o que ele faz para viver, não sei nada sobre ele, além
de que é um feliz morador de algum dos apartamentos luxuosos
sobre as nossas cabeças e que todas as manhãs ele pede um
mocha e dois pães de queijo.

Parece pouco para um café da manhã, mas qualquer um que


veja aquele corpo esculpido por deuses e sempre exposto em
ternos, sem dúvida alguma feitos sob medida, entenderia. O homem
tem a pele morena num bronzeado eterno como se vivesse de sol e
mar, mas isso não é tudo. Está muito longe de ser tudo. Seus
cabelos têm cachos caindo pela nuca e cobrindo as orelhas em um
comprimento que não é longo nem curto e seus olhos são de um
tom obsceno de azul.

Só não mais obsceno do que o conjunto de sua imagem e todas


as manhãs, quando ele passa pela porta, fazendo a sineta sobre ela
soar, eu preciso reunir toda a capacidade de concentração existente
em meu corpo para não fazer papel de tola, e, ainda assim, há dias
em que eu simplesmente não consigo. Mesmo nesses,
principalmente nesses, como se soubesse que preciso de algo para
não babar em cima dele, o cliente das sete e quinze sempre tem
uma piadinha ou trocadilho engraçado para trocarmos durante os
trinta segundos em que lhe entrego seu Mocha.

Na verdade, pensar ou usar meu grande amigo google para


pesquisar essas piadas se tornou uma tarefa obrigatória no meu dia.
E eu sei que eu poderia aproveitar muito melhor o tempo que perco
fazendo isso, sendo mal-humorada, por exemplo. Mas prioridades,
não é mesmo?

Nos últimos dois anos, o dono dos meus mochas melhores


preparados, só deixou de vir tomar café cinco vezes e só entrou
aqui em qualquer outro horário que não fosse às sete e quinze da
manhã três vezes. Nas três, ele comprou um brigadeiro depois do
almoço e eu tenho certeza de que aquelas foram fugas não
planejadas.
— Tudo bem — balbucio quando me dou conta de que fiquei
tempo demais em silêncio, divagando sobre o cliente, para ser
possível argumentar contra as certezas de Clarissa e o sorrisinho
em seu rosto não deixa qualquer dúvida sobre isso.
— Ei, looser[1]! — No instante em que aceito a chamada e coloco
o celular no ouvido, arrependo-me. Eu sabia o que estava por vir e
nem isso me impede de ter vontade de arremessar o aparelho pela
janela do carro.

— Sério? — é o melhor que consigo dizer em resposta e é claro


que isso não é o suficiente para evitar as palavras que eu sempre
soube que ouviria.

— Ah, pode ter certeza de que é muito sério! — O sorriso na voz


de Arthur tem cheiro, cor e gosto. Eu os sinto, mesmo à distância. —
Você é o desgraçado mais competitivo que eu já conheci e é a
primeira vez em vinte e dois anos que eu tenho o prazer de dizer
essas palavras. — Ele faz uma pausa, saboreando a própria vitória e
eu aperto os dentes, engolindo todo o veneno que gostaria de
destilar. — Acredite! Eu vou aproveitar! — declara, satisfeito consigo
mesmo e é mais forte do que eu. Um bufar sonoro escapa por entre
os meus lábios. Isso o estimula. Meu amigo de infância gargalha,
ouvindo através do meu silêncio e sabendo exatamente o quanto ele
está me custando. — Todos nós vamos! Na verdade, estamos
fazendo uma escala pra te ligar de uma em uma hora todos os dias
pela próxima semana só pra dizer isso, então esteja pronto.
É claro que estão. Passo a mão livre pelos cabelos, desejando
poder puxá-los até o ponto da dor. Estaciono o carro diante da
escadaria de mármore branco de acesso à casa dos meus pais. No
meu atual humor, tudo o que eu não preciso é a porra de um almoço
de família, mas aqui estou eu.

Saio do carro e arremesso as chaves para Carlos. O funcionário


as pega no ar e me dá um sorriso gentil. Eu sorrio de volta, sem
vontade alguma, mas o pobre homem não tem culpa dos meus
amigos serem uns filhos da puta. Quatro barbados que, quando
deixados sozinhos, ainda agem como os moleques que se
conheceram no internato há mais de duas décadas.

Mesmo que dadas às circunstâncias, sorrir não esteja entre as


minhas prioridades no momento, a imagem que pisca em minha
mente faz com que isso seja impossível de evitar. Nós cinco com
olhos roxos, sentados em fila na antessala do diretor do Colégio
Saint Ives quando tínhamos dezesseis anos, esperando pela
repreensão após termos nos envolvido em uma briga.

Algum idiota, novo na escola, achou que seria uma boa ideia
mexer com Pedro por ele ser o típico garoto nerd de corpo franzino,
sempre carregando livros, usando óculos retangulares e com os
cabelos bagunçados. Nós mostramos ao imbecil e aos seus amigos
que, não. Não era.

A verdade é que Arthur, Heitor, Conrado e eu também éramos o


que se chamava de nerds naquela época, mas diferente de Pedro,
sempre nos importamos em pegar mulher tanto quanto nos
importávamos com números. Então, àquela altura, nós quatro
passávamos pelo menos um par de horas na academia do internato
todos os dias. Pedro fazia o mesmo, mas ao invés de aproveitar o
tempo que estava lá usando barras e supinos, ele estava jogando
LOL.

— Eu sempre posso não atender vocês... — digo o óbvio.

— E ser um perdedor duas vezes? Um que perde e que não


aceita isso? Ah, não. — Ele estala a língua, adorando cada segundo
disso. — Isso não combina com você, Bruninho. — Fodidos. Bando
de fodidos que sabem apertar todos os meus malditos botões. Todos
eles, ainda que agora eu esteja aturando apenas um. Eu
simplesmente não conseguiria ignorar suas chamadas e dizer, ainda
que silenciosamente, que eles ganharam de novo.

Não. Eu vou aceitar em silêncio até que os cretinos se cansem.


Fingir que não me importo até ser verdade ou, pelo menos, até que
eles acreditem que sim. Apesar de duvidar muito que isso vá
acontecer. Eles me conhecem há tempo demais.

— Vocês não têm mais o que fazer, não? Da última vez que eu
chequei, vocês eram empresários renomados, não desocupados que
podem ficar me ligando de hora em hora pra me infernizar.

— Ah, nós somos! — Ele ri, uma gargalhada leve que me faz
aumentar o aperto da mão ao redor do aparelho celular. — E é por
isso que cada um de nós pediu às secretárias que acrescentasse à
agenda um compromisso cíclico. O código é beber água. Acredita?

— Vai se foder, Arthur. Essa ligação tem algum propósito?

— Me vangloriar? — O tom é calculadamente debochado e vai


subindo nas escalas de volume e ironia a cada palavra dita. —
Tripudiar em cima de você? Te dizer que você fracassou? Te lembrar
que você perdeu? Te chamar de perdedor de tantas maneiras quanto
for possível sem repetir o adjetivo?

— Uhum. Boa tarde, Arthur. — Sem qualquer remorso, desligo o


telefone na cara do meu amigo. Segundos depois, o telefone vibra
em minha mão. Não é outra chamada, mas uma notificação de nova
mensagem.

— Filho da puta! — reclamo em voz alta, mesmo sabendo que se


os papéis fossem invertidos, eu seria ainda mais insuportável.

A verdade é que se estou me descobrindo um mau perdedor, não


é novidade para ninguém que eu sou um ganhador ainda pior. E
essa é única coisa na qual eu me admito ser ruim, porque,
convenhamos, é bom para caralho, como Arthur está adorando
esfregar na minha cara.

Passando pela porta de entrada e atravessando os corredores de


piso e paredes brancas na direção da sala de estar, onde tenho
certeza de que minha família já está reunida, eu balanço a cabeça
em negativa. Perder definitivamente não é algo com o qual eu esteja
acostumado, falhar não é, na verdade.
Apostar? Sim. O tempo todo. Perder? Jamais. Exceto por essa
vez. Essa maldita vez em que, nem em um milhão de anos, eu teria
previsto que minha aposta estaria completamente equivocada.

— Meu filho! — minha mãe saúda assim que me vê.

A mulher elegante, vestida em seu conjunto de saia e blazer


brancos combina com o ambiente de decoração clássica, cercado
por imensas paredes de vidro que deixam a luz natural inundar o
cômodo de piso marmorizado.

Do imenso sofá cinza, Bárbara Magalhães se ergue em toda sua


habitual elegância. Seus cabelos estão presos em um coque no alto
da cabeça e seus olhos azuis, como os meus, sorriem, evidenciando
as pequenas rugas ao redor deles, segundos antes de eu envolve-la
em meus braços.

— Oi, mãe. — Beijo sua testa quando ela se afasta ligeiramente.


— Como estava Paris? — pergunto.

Eu tenho bons pais. Não são os mais presentes do mundo, nunca


foram e, na verdade, ir para um colégio interno foi uma escolha
minha. Filho único, eu passava tempo demais sozinho enquanto
meus pais estavam constantemente viajando.

Uma escola que eu pudesse chamar de casa e que estaria


sempre cheia, diferente da minha casa de verdade constantemente
vazia, simplesmente pareceu uma boa opção, mesmo que eu só
tivesse nove anos na época.

— Divina, como sempre — responde sorridente. — Nós sempre


teremos Paris... — cantarola a frase famosa, arrancando-me uma
risada. Ela me solta e eu puxo meu pai, já parado ao nosso lado,
para um abraço.

— E aí, velho? — O homem de barbas e cabelos grisalhos, tem a


pele, naturalmente morena e seus olhos escuros estão fixos em mim.
Diferente da minha mãe, que está sobre saltos, mesmo dentro de
casa, meu pai está confortavelmente vestido em bermudas e uma
camiseta polo.

— E aí, jovem? — O abraço dura pouco. Demonstrações


exageradas de afeto também nunca fizeram parte da nossa dinâmica
familiar. Eles retomam os lugares que ocupavam antes e eu me
sento no sofá, ao lado de minha mãe.

— Como estão os negócios? — É a primeira pergunta que meu


pai faz e eu bufo dramaticamente. Ele entende perfeitamente meu
protesto ainda que eu não tenha exatamente dito alguma coisa. — O
quê? Eu adoraria perguntar sobre sua namorada, noiva ou esposa se
você tivesse uma. Eu adoraria perguntar sobre os meus netos.

— Devagar aí, velho! Eu tenho trinta e três, não cinquenta e dois


— argumento e é a sua vez de bufar.

— Maurício e Joaquim já tem noras — resmunga baixinho e um


som de escárnio deixa minha garganta. Ótimo! Tudo o que eu
precisava era ser comparado com os malditos João Pedro Gouvêa e
Marcos Valente.

Os filhos dos melhores amigos do meu pai sempre foram uma


pedra no meu sapato. Arrogantes, egocêntricos e presunçosos,
nossa relação esteve fadada ao fracasso desde que ainda usávamos
fraldas. Apesar de termos a mesma idade, percebi muito cedo que
reproduzir a amizade dos nossos pais nunca esteve nos planos de
qualquer um deles.

Aquela era uma relação a dois e eu estaria pouco me fodendo


para o casal se eles não fizessem questão de se exibir como se
fossem sempre melhores do que eu. Minha competitividade
exagerada nunca foi injustificada. Primeiro, eram os brinquedos,
depois, as conquistas acadêmicas, e, por último, as mulheres.

Dos dois, João Pedro sempre foi aquele que considerei o pior. O
imbecil sempre levou as competições ao extremo e dividir o mesmo
ambiente com ele se tornava uma prova de paciência. Porque ao
mesmo tempo em que eu queria ligar o foda-se e apenas ignorá-lo,
não ceder às suas provocações e não entrar no jogo de “quem é o
melhor” foi ao algo que me descobri incapaz de fazer.

Com Marcos as coisas eram diferentes. Nós nunca seríamos


amigos, mas quando ele estava sozinho, até podíamos manter uma
conversa de um minuto. Ele eu podia tolerar. Ou, pelo menos,
costumava poder. O filho da puta tinha que ser embocetado e me
fazer perder, pela primeira vez na vida, uma aposta?

Porra! Eu nunca teria imaginado! Nunca! Nem em um milhão de


anos, ou jamais teria sugerido a competição em primeiro lugar.
Quando anunciaram que o herdeiro da Valente & Camil advogados
estava prestes a se casar, foi impossível fugir do assunto e em uma
das vezes em que ele surgiu entre meus amigos e eu, fui taxativo em
dizer que apostaria minha nova Lamborghini que o casamento não
duraria nem seis meses, antes que ele traísse a tal Antonella.

Aquele bastardo nunca ficou com uma mulher por mais de uma
semana. A notícia de que ele estava prestes a se casar não soou
nada menos do que absurda. Ainda mais do que a do casamento de
João Pedro, algum tempo antes. Por isso, apostar que o filho dos
amigos dos meus pais trairia sua esposa na primeira oportunidade,
quiçá, antes mesmo que subissem ao altar, não era nada demais.
Deveria ter sido uma aposta ganha, como todas as outras.

Arthur, Pedro, Heitor, Conrado e eu sempre apostamos tudo. No


início, eram as coisas mais banais, como figurinhas, quando éramos
moleques. Mas à medida que crescemos as apostas também se
tornaram maiores e em algum momento, apostar dinheiro perdeu a
graça, afinal, isso nunca nos faltou nem faltará. Não era realmente
algo que temêssemos perder. Herdeiros das maiores fortunas do
Brasil, ainda que não tivéssemos nos empenhado em criar nossas
próprias riquezas, pobres, definitivamente, não seríamos.

Então, começamos a subir os riscos: itens colecionáveis, carros


raros e, por último, tarefas impossíveis, ou tão difíceis quanto éramos
capazes de pensar acabaram por se mostrar o mais divertido. E
quando todos gostaram da ideia de apostar sobre o casamento de
Marcos a seu favor e contra mim, eu deveria ter desconfiado de algo.
Principalmente quando Arthur propôs o que eu deveria fazer, caso
perdesse.

É provável que os infelizes que chamo de amigos soubessem de


alguma coisa. Porque, se para mim, que conhecia o homem, era
inimaginável que, agora, seis meses depois do dito casamento, ele
andaria por aí parecendo não apenas feliz, mas orgulhoso de ter sido
encoleirado, para meus amigos, cujo contato com o herdeiro Valente
nunca tinha passado de cumprimentos em eventos, deveria ter sido
algo para além de impossível.
Deveria, mas não foi. E foi assim que me fodi. Porque, agora,
além de ter, pela primeira vez, perdido uma aposta, eu tenho em
mãos uma tarefa ingrata. Passar três meses com a mesma mulher,
puta que pariu. Apenas repetir as palavras em minha própria cabeça
já faz com que eu a sinta latejar.

Eu não tenho nenhum tipo de desequilíbrio emocional que me


impeça de desenvolver relacionamentos, nem qualquer trauma num
passado sombrio. Não. Mas outra coisa que eu não tenho?
Paciência. E disso, relacionamentos exigem muito. Se há algo no
qual eu não tenho disposição para empenhar esforço é em me
relacionar com uma mulher. Não quando tudo o que sempre precisei
fazer para conseguir companhia foi sorrir.

E quando nem a isso eu estava disposto, eu sempre pude apenas


pagar. O que me leva à segunda razão que deveria ter me feito
desconfiar das intenções daqueles quatro filhos da puta. A regra da
aposta, caso eu a perdesse. Três meses com a mesma mulher,
qualquer mulher, desde que não fosse uma prostituta. Tratantes do
caralho!

— Deixe o menino em paz, Bernardo! As coisas vão acontecer


quando tiverem que acontecer — minha mãe silencia meu pai e eu
quase estalo um beijo em sua bochecha por isso. O velho bufa, mas
não insiste. — Como estão os meninos? — pergunta e minha
gratidão recém-adquirida é imediatamente exterminada.
A alça da mochila pesa em meu ombro enquanto passo pela
porta de serviço do restaurante mexicano onde trabalho à noite. O
corpo cansado depois de dezoito horas em pé, indo e voltando,
atendendo, sorrindo e segurando uma e outra bandeja implora por
descanso, mas ainda tem um longo caminho a percorrer antes de
chegar à merecida cama.

— Boa noite, Mile.

— Boa noite.

— Boa noite!

— Boa noite, gente. Até amanhã — meus colegas de trabalho


desejam e eu retribuo quando nos despedimos na porta fechada do
restaurante.

Sentindo a familiar queimação nas solas dos pés, caminho na


direção do ponto de ônibus. As ruas bem iluminadas do bairro
Jardins são a única coisa que me impedem de dormir em pé e em
movimento quando os sons ao meu redor vão morrendo até se
tornar completo e absoluto silêncio. Alcanço a pequena estrutura de
aço e plástico reservada àqueles que esperam pelo transporte
público, solto um longo suspiro e olho para o relógio no meu pulso.
Meia-noite e vinte.

Se o ônibus não atrasar e se nada acontecer no caminho,


consigo chegar em casa uma da manhã. Até deixar tudo preparado
para amanhã, uma e meia. Se tudo der certo, hoje eu consigo
dormir quatro horas. Quatro preciosas horas.

Passo a língua sobre os lábios e enfio as mãos nos bolsos


traseiros da calça jeans surrada sem jamais desviar os olhos da
pista, onde em breve eu espero avistar meu tapete mágico. O
cansaço é tamanho que eu sequer tenho forças para rir da minha
própria piada.

A essa hora, pelo menos o ônibus estará vazio o suficiente para


que eu vá sentada até em casa. As pontas dos meus dedos tateiam
as moedas separadas para o pagamento da passagem. Moedas
contadas, já que eu precisei usar meu bilhete único[2] em algumas
das muitas idas da minha mãe ao médico esse mês e o saldo
acabou antes do que deveria. Como sempre, sobrou mês e faltou
dinheiro. Felizmente, amanhã é o dia da recarga.

Apoio a testa contra o aço frio, sentindo um arrepio quando o


gelado entra em contato com a pele quente. Meus olhos pesam,
implorando para se fecharem, mas eu resisto e me mantenho atenta
aos letreiros luminosos que aparecem pequenos e vão crescendo
conforme os ônibus se aproximam. Dez minutos de silêncio e
solidão bem-vindos, depois de um dia inteiro cercada de gente e
barulho, estendo o braço, fazendo sinal para o ônibus 722 com
destino ao Itaim paulista.
Ele vai reduzindo a velocidade até parar diante de mim e eu
desço do meio fio, já esperando sua parada de pé, na rua. Puxo de
dentro do bolso da calça as moedas destinadas ao pagamento da
passagem e a primeira sensação errada é a de uma delas
deslizando pelas costas do meu polegar quando todas deveriam
estar apertadas na palma da minha mão. Logo em seguida, ouço o
tilintar do metal assim que a moeda quica no asfalto e me viro
imediatamente com os olhos já vasculhando o chão à sua procura.

Quando a encontro, girando feito um peão, no limite da grade do


bueiro cuja existência eu sequer havia notado até então, o aperto
que domina meu estômago não pode ser descrito como nada além
de desespero. “Não, por favor, não! Deus, por favor, não deixe cair!”
É tudo o que tenho tempo de pensar antes de a moeda se lançar
buraco adentro e eu fechar meus olhos ardidos, agora, não apenas
por cansaço físico, mas com verdadeira exaustão mental.

— Entra, minha filha. — A voz alta me assusta e só então me


dou conta de que o meu ônibus está parado, esperando por mim e
que seu motorista acaba de testemunhar os últimos segundos
miseráveis do meu dia. Olho para o homem calvo de pele escura,
cabelos e bigodes brancos, depois, para o bueiro e por último para
as moedas que sobraram na minha mão. Minha aflição deve estar
estampada no meu rosto, porque o motorista me dá um sorriso
gentil, de boca fechada, antes de acenar positivamente, dizendo-me
que está tudo bem.

Uma lágrima silenciosa rola sem a minha permissão quando eu


lhe agradeço tão silenciosamente quanto ele me presenteou e subo
no ônibus. Mais um pouco e esse dia acaba. Só mais um pouco,
Milena, e esse dia acaba.

Acordo na parada anterior à minha, como sempre. Movimento o


pescoço levemente, alongando-o antes de me levantar e jogar a
mochila sobre o ombro menos dolorido. Puxo a cigarra e as luzes de
próxima parada acendem. Seguro firmemente na barra de apoio até
que o ônibus comece a reduzir a velocidade e eu possa diminuir o
aperto e caminhar até a porta de desembarque.

As portas se abrem. Antes de descer, olho na direção da frente


do ônibus e mesmo sem conseguir enxergar o motorista, grito.

— Muito obrigada e boa noite! O senhor salvou a minha noite.

— Fica com Deus, minha filha. — Eu sorrio com a resposta e,


silenciosamente, desejo-lhe o mesmo.

Os cinco minutos de caminhada entre o ponto de ônibus e minha


casa são feitos no modo automático. Perto de casa, diferente dos
Jardins, as ruas estão mal iluminadas, porém movimentadas. Assim
como eu, dezenas de outras pessoas estão descendo de ônibus e
encerrando suas jornadas depois de um longo dia apenas para
recomeçá-la em algumas horas.

Cumprimento alguns vizinhos, outros conhecidos e até mesmo


pessoas que nunca vi antes, mas que me dão boa noite ao passar
por mim.
O portão de ferro cinza e enferrujado desponta em minha visão e,
como uma maratonista na última volta, minhas forças parecem
subitamente renovadas pela perspectiva de que em trinta minutos,
ou menos, se eu conseguir ser rápida, estarei deitada na minha
cama. No entanto, ao alcançar o muro baixo e que já viu dias
melhores da minha casa, estranho a claridade que enxergo através
das cortinas fechadas.

O piscar característico de uma televisão ligada me faz abrir e


fechar o portão de casa com o cenho franzido. Passo a mão pelos
cabelos, empurrando para trás os fios que se soltaram do rabo de
cavalo. Encaixo a chave na fechadura e preciso respirar fundo,
invocando paciência do mais íntimo do meu ser para lidar com o que
encontro. Ele é só um adolescente, Milena. Só um adolescente. Ser
estúpido faz parte da sua natureza. Repito silenciosamente meu
mantra quando o assunto é meu irmão sendo idiota.

Gabriel tem quinze anos e eu juro por Deus que todos os dias ele
encontra uma forma diferente de me irritar. Girando o pulso,
constato que são uma e dois da manhã. Ele deveria acordar às seis
para ir à escola. Uma escola muito, muito cara. A razão de eu
precisar de um segundo emprego, na verdade. Se tem algo que ele
não deveria estar fazendo, é jogando o maldito videogame!

Distraído como está, meu irmão nem mesmo reconheceu minha


presença. Fecho os olhos, decidindo internamente o que fazer.
Comprar essa briga significa dar adeus a pelo menos quinze
minutos das minhas preciosas três horas e cinquenta e oito minutos
de sono. Levo a mão à testa, apoio os dedos polegar, indicador e
médio na têmpora e um riso triste deixa meus lábios. Não é como se
eu tivesse qualquer opção, é?

Deixo a mochila pendurada no gancho ao lado da porta, conto de


um a dez e inflo o peito, prendendo o ar ali por cinco segundos
antes de soltá-lo e caminhar decidida até o móvel em que a
televisão antiga e ainda de tubo está. Com as luzes apagadas e os
olhos completamente focados no cenário pós-apocalíptico do jogo
de tiros, Gabriel não me percebe até que seja tarde demais e eu já
tenha puxado o cabo de força da televisão para fora da tomada.

No segundo que leva até que a sala seja tomada pela escuridão,
vejo seus cílios longos piscarem e sua boca se abrir em confusão. O
corpo magro e sem camisa, curvado sobre si mesmo, tem os
ombros largos encolhidos devido à posição.

— Você deveria estar dormindo — digo calma. Embora não


consiga ver seu rosto, tenho certeza de que ele foi tomado por uma
expressão raivosa. Lá vamos nós.

— E você deveria estar cuidando da sua vida — responde, sem


empenhar qualquer esforço e ouço o barulho do seu movimento,
provavelmente se recostando ao velho sofá marrom de couro
rachado.

Ele é só um adolescente, Milena. Só um adolescente. Ser


estúpido faz parte da sua natureza. Respiro fundo e aperto os
dentes.

— Eu estou cuidando da minha vida, Gabriel. Porque, caso você


não tenha notado, você é minha responsabilidade.
— Desde quando? — O tom é debochado, risonho. Cansada. Eu
estou tão cansada. Meus olhos ardem pela milésima vez nas últimas
duas horas.

— Desde que você depende de mim pra comer, pra vestir e pra
estudar na droga da escola que custa uma fortuna, mas pode te
garantir um futuro melhor que o meu!

— E quem foi que te pediu pra fazer isso, Milena? Vê se me erra!

— Gabriel... — Tento, mais uma vez, ser racional. — Eu tô


cansada. Por favor... — peço, apelando. Para quê? Nem mesmo eu
sei.

— Então vai dormir, porra! — Ele ergue a voz e eu fecho os olhos


deixando a primeira lágrima rolar. Não é tristeza, só exaustão. É
meu corpo e minha mente alertando-me de que estão chegando ao
limite e poucas coisas são mais dolorosas do que ignorar seus
apelos.

— Fala baixo! — Meu sussurro não combina em nada com a


intensidade das minhas palavras e eu olho para o final do corredor
escuro, do outro lado da sala, conferindo se o faniquito do meu
irmão não acordou minha mãe.

Ele vira o pescoço na mesma direção. Agora, com meus olhos já


acostumados ao breu, vejo a sombra de preocupação em seu rosto,
mas ela dura apenas o tempo necessário antes que ele volte a olhar
para mim.

— Você não é minha mãe, Milena!


— E você acha que eu quero ser? — Algo que não se decide
entre um riso seco, choro contido ou som de escárnio deixa minha
garganta e eu levo as mãos ao rosto, esfregando-o. — Pelo amor de
Deus, Gabriel! Se não tem respeito, tenha pelo menos dó de mim.
— E lá se vai a abordagem calma e compreensiva. Esgotada. Eu
estou esgotada. — Eu tenho dezenove anos, Gabriel! Dezenove! —
Balanço os braços no ar e deixo minha cabeça cair para trás na
tentativa de conter as lágrimas. — Isso são quatro anos a mais que
você. — Volto a olhar para o meu irmão sem me importar se ele
pode ou não ver meu rosto. — Quatro anos, nada além disso. Tudo
o que eu queria era que alguém se preocupasse comigo como eu
me preocupo com você. Era ter alguém que pagasse a minha
faculdade, como eu pago o seu colégio. Era que alguém me
dissesse que eu tenho uma misera chance de ter uma vida melhor
do que quatro horas de sono por noite — faço uma pausa —, mas
você não se importa, não é? — Ergo as mãos em sinal de rendição,
balanço a cabeça de um lado para o outro e, sem esperar por
resposta, pego a mochila pendurada e saio da sala.

***

Fecho o cesto de roupas sujas e olho para o relógio. Duas e


cinco. Tudo bem. Se eu tomar banho em cinco minutos, ainda terei
três horas e vinte de sono. Não é o ideal, mas posso trabalhar com
isso. A discussão com Gabriel me roubou mais do que quinze
minutos, porém, teve algum efeito. Depois que o deixei na sala ele
não voltou a ligar a televisão.

Quando achou que já tinha se passado tempo o suficiente para


que sua saída não parecesse um acato ao meu pedido, mas fruto de
sua própria vontade, ele se levantou e foi dormir no quarto que
dividimos. É sempre a mesma coisa. Ele é só um adolescente,
Milena. Só um adolescente. Ser estúpido faz parte da sua natureza.

Empurro o ar pela boca, movimento os ombros e o pescoço e me


viro, pronta para entrar no banheiro. No entanto, assim que saio da
área de serviço minúscula e chego à cozinha não muito maior,
encontro minha mãe parada na porta.

Os cabelos escuros como os meus batem na altura dos ombros e


estão bagunçados como deveriam para alguém que acabou de
acordar. A pele branca tem as rugas características de alguém que
já viveu quarenta e dois anos, os últimos dezenove em uma corrida
constante para dar aos filhos algo melhor do que o que recebeu da
vida.

— Sede? — pergunto oferecendo a ela um sorriso, apesar do


cansaço. Ela não me responde e coloca o corpo vestido por uma
camisola florida em movimento, mas diferente do que imaginei, ao
invés de ir até a geladeira, ela vai até a cafeteira e começa a colocar
a pequena máquina para trabalhar.

Meu estômago gela com o pressentimento do que está por vir e


quando minha mãe se vira para mim, o olhar em seu rosto me diz
que eu não estou prestes a tomar banho, muito menos a dormir
como gostaria.
— Vislumbrando seu futuro? — Heitor para ao meu lado,
oferecendo-me um copo de uísque. Aceito ainda sem conseguir
desviar os olhos do grupo alguns metros à frente.

João Pedro Govêa e Marcos Valente estão parados, pendurados


em suas esposas que provavelmente seguram coleiras invisíveis para
os cachorrinhos que eles se tornaram. Se eu não visse com meus
próprios olhos e repetidas vezes, eu não acreditaria.

— Vai se foder. — Meu amigo ri, atraindo meu olhar. Seus olhos
azuis reluzem com diversão indisfarçada e eu bufo. — Essa é a única
competição que eu vou ficar feliz em perder pra esses dois, Heitor.
Posso passar três horas, três meses ou três décadas com a mesma
mulher e, ainda assim, aquilo ali? — Inclino a cabeça para onde eu
olhava antes e estalo a língua. — Não mesmo.

— É o que veremos... — Dispensa minhas afirmações com o


comentário genérico e seus olhos castanhos faíscam com uma
diversão inconveniente. — Seu tempo está acabando — avisa, como
se eu tivesse tido a chance de esquecer e isso me faz rir.

— Achei que você estivesse aqui pra fazer um discurso, não pra
encher a porra do meu saco com algo que eu estou cansado de saber.
— Ele sorri de canto.

— Eu sou multitarefas. Posso perfeitamente fazer as duas coisas.


— Pisca para mim e eu reviro os olhos. Levo meu copo à boca,
tomando um gole da bebida âmbar e deixo que meus olhos deslizem
pelo salão finamente decorado.

Eu gosto de festas, mas, sem dúvida alguma, odeio eventos,


mesmo aqueles que são uma constante em minha vida, como o
aniversário da Magalhães Capital. Eu odiava estar aqui quando era
uma criança, odiava quando era meu pai a presidir a empresa e
continuo odiando agora que sou eu à frente dos negócios.

— Por que você não escolhe alguém aqui? Eu com certeza vou. —
Heitor varre o salão como uma águia em busca de sua próxima presa
e eu passo a língua sobre os lábios, pensando. Não seria uma ideia
ruim e um ménage o manteria distraído o suficiente da missão de
infernizar a porra do meu juízo pelo resto da noite.

— Por que nós não escolhemos juntos? — sugiro, como se a ideia


tivesse acabado de me ocorrer.

— Eu estava falando sobre os próximos três meses.

— Nós não estamos em um mercado, Heitor. Eu não posso


simplesmente escolher uma mulher, passar no caixa e levar pra casa,
pelo amor de Deus! — resmungo, fingindo ultraje com sua sugestão e
isso faz com que ele finalmente interrompa sua busca pela foda da
noite e olhe para mim. A expressão em seu rosto é puro deboche.

— Ah, claro! — Ele ensaia um arrependimento muito mal atuado. —


Me desculpe, mas você já não fodeu metade da população feminina
nessa festa? — Desvio os olhos, recusando-me a responder. — Me
poupe, Bruno. Boa parte da outra metade pularia alegremente na
chance de agarrar Bruno Magalhães pelos próximos três meses só pra
poder dizer que conseguiu. Eu não sei por que caralhos você tá
demorando tanto, aliás. — Ele estreita os olhos e eu expulso o ar dos
pulmões com força.

Levo o copo à boca, ganhando tempo. Sabendo muito bem que ele
está prestes a descobrir o motivo, reflito sobre como levar seus
pensamentos para outro lugar antes que seja tarde demais.

— Acho que— começo a desconversar, mas ele me corta.

— Por acaso você não está tentando descobrir uma forma de se


livrar disso? Está? — Eu estava. Não de me livrar, mas de ganhar
mesmo na derrota, porque esse é o cretino calculista que eu sou.

— Não — minto depois de alguns instantes em silêncio e um


movimento facial calculado para não parecer nem ansioso nem
displicente demais. — Eu só não encontrei a pessoa certa ainda... —
A resposta tem o efeito que eu gostaria, o distrai. Mesmo que não de
uma maneira que eu aprecie. Heitor gargalha alto e
escandalosamente.

Sopro o ar por entre os dentes, negando com a cabeça e revirando


os olhos, recusando-me a testemunhar seu escândalo. Meu olhar se
move por vários lugares, mas não se prende em nada antes de voltar
a se fixar no meu amigo. Ele limpa algumas lágrimas nos cantos dos
olhos.

— Cuidado, Bruno... Você tá começando a soar com um excelente


candidato a cachorrinho.
— Vai se foder, Heitor. Última chance. Juntos ou separados? —
intimo e ele balança a cabeça, negando. Divertimento ainda está em
todo o seu rosto quando ele ergue o copo que segura em um brinde
que é uma concordância silenciosa. — Ok. Negra, loira, morena, ruiva
ou oriental?

Eles têm que estar de brincadeira. Penso assim que coloco os pés
dentro meu apartamento e encontro três vagabundos espalhados
pelas minhas salas como se estivessem em casa, o que me dá a
certeza de que o quarto está em algum lugar por aqui também.
Conrado está sentado no meu sofá, com o tronco nu e a parte inferior
do corpo enrolada em nada além de uma toalha. Na porra de uma
toalha!

E como se isso não fosse folga bastante, Buzz, meu buldogue


inglês preguiçoso, está deitado com a cabeça sobre suas pernas e
sequer faz menção de sair de seu lugar de conforto para me saudar.
Traidor.

— Vocês entendem o conceito de emergência, certo? Ou preciso


explicar que a chave de emergências só deve ser usada caso uma
aconteça e não quando vocês bem entenderem? — pergunto a todos
eles e a nenhum em particular, ainda parado na porta da minha
própria casa como se fosse eu o intruso.

— Mas isso é uma emergência — Pedro diz, vindo da cozinha com


um bowl de doritos em uma mão e um pack de long necks na outra.
Eu sabia que o miserável estaria por aí. — Nós estamos fazendo uma
intervenção. — A última frase me descongela e eu finalmente entro e
fecho a porta.

Isso desperta o buldogue gordo o suficiente para que ele levante a


cabeça e mexa o rabo curto, mas não para fazer com que Buzz saia
do lugar. Deixo as chaves sobre o aparador e levo a mão à nuca,
coçando ali e pedindo a Deus que me dê paciência. Alcanço a lateral,
depois a frente do pescoço, subo os dedos pela barba curta, esfrego
os fios e apoio a mão livre à cintura.

— E eu posso saber por que caralhos eu precisaria de uma


intervenção? — indago, olhando para o imenso sofá cinza onde eles
claramente planejaram me emboscar na minha própria casa, já que
essa é a única razão para que os quatro estejam sentados de costas
para a televisão e me encarando.

— Você está enrolando — Arthur responde.

— Enrolando pra caralho! — Heitor confirma e eu estreito meus


olhos em sua direção. — O quê? Achou que um ménage ia me
transformar num idiota? Idiota eu seria se dissesse não só porque
sabia que você tava tentando me distrair. E isso já tem quase uma
semana, pelo amor de Deus!

Libero uma expiração profunda e pisco, mantendo os olhos


fechados por algum tempo. Abaixo a cabeça, pressiono um lábio
contra o outro e levo a mão que estava no rosto também à cintura
antes de voltar a encarar meus amigos. Eles me observam com
diversão ansiosa nos rostos.

Empurro a língua contra a bochecha, faço um bico, mas não


importa quanto tempo eu ganhe, não encontrarei uma resposta
cabível, porque a situação é descabida como um todo. Caminho até a
mesinha de centro diante deles.

— Eu posso beber da minha própria cerveja? — Aceno para as


duas garrafas que sobraram em cima da mesa.

— Claro que pode! Nós somos generosos — Conrado debocha e


eu bufo antes de pegar a garrafa, abri-la, deixar a tampa sobre a mesa
e me jogar na poltrona em frente ao sofá. Isso faz o cachorro se
mover. Ele desce do sofá e deita aos meus pés. Mesmo contrariado
por sua traição, vejo-me abaixando para coçar sua orelha.

— Oi, amigão! — Buzz levanta a cabeça imensa e seu rosto veste


a expressão que eu gosto de pensar ser um sorriso. Suas dobras
estão concentradas em sua tez e a língua gigante está pendurada na
lateral da boca. — O que vocês querem? — pergunto, ainda olhando
para o meu cachorro.

— Garantias. — Bufo e desvio os olhos para as janelas que formam


a parede lateral do apartamento e deixam ver a imensidão que é São
Paulo.

— Minha palavra é a porra da garantia! — Volto a focar nos


palermas.

— Nhe... — Arthur desdenha. — Achamos que não. Queremos algo


mais substancial... Mais... Tátil! — Franzo as sobrancelhas enquanto
meu cérebro corre uma maratona tentando desvendar onde eles
querem chegar.

— Não vai acontecer — decreto, desistindo rápido de desvendar as


intenções mascaradas dos meus amigos, porque elas não importam.
— Não acho que seja você quem tenha que decidir isso. — Pedro
dá o palpite enquanto dobra uma perna e a apoia sobre a coxa da
outra. Ele toma um gole da cerveja e afasta os fios escuros de seu
cabelo que caiam em sua testa deixando a cicatriz em formato de raio,
exatamente igual a do Harry Potter, à mostra.

— Nós não te lembramos o suficiente que você perdeu a aposta?


— O sorrisinho barbado de Arthur me dá vontade socar sua cara.

— Ah, vocês lembraram. Lembraram sim. — Curvo o corpo e apoio


os cotovelos sobre os joelhos. — Agora é a minha vez de refrescar a
memória de vocês, filhos da puta. — Buzz entende a nova posição
como um convite e começa a lamber minha perna por cima do terno
que sequer tive o oportunidade de tirar. Pelo amor de Deus! É quinta-
feira à noite! — Não se muda as regras do jogo depois que a bola já
começou a rolar e vocês estão cansados de saber dessa merda. —
Largo o corpo na poltrona, de saco cheio de pensar e falar sobre a
maldita aposta. — Vocês escolheram a tarefa e o prazo que eu tenho
até começar. Pelo que me consta, ainda tenho dez dias e se eu quiser
esperar até as 23:59h da porra do último dia, eu vou, senhores. E
vocês precisam lidar com isso.

Os quatro resmungam impropérios, sabendo que estou certo, mas


incapaz de se dar por vencido, Arthur sente a necessidade de avisar.

— É bom que você saiba que nós já entramos em contato com


todas as agências de acompanhantes do Rio e de São Paulo.
Qualquer contato seu e nós seremos avisados. — Eu me levanto,
revirando os olhos.

— Agradeço pela informação, agora vão se foder! Eu vou tomar um


banho. — Saio da sala com Buzz no meu encalço e com a certeza de
que quando eu voltar, para minha frustração, eles ainda estarão aqui.

— O que você acha dessa aqui, amigão? — Depois de finalmente


conseguir me livrar dos babacas que chamo de amigos, jogado sobre
a minha cama, vestindo nada além de shorts de dormir, coloco a tela
do celular na frente do rosto de Buzz enquanto um filme qualquer
passa na televisão. O buldogue bufa em resposta. Acho que isso é um
não. Deslizo a tela para a esquerda.

— E essa aqui? Ela é gostosa... — Mostro a foto de uma morena


curvilínea de peitos grandes e quadris largos no tinder e Buzz vira o
rosto, recusando-se a opinar sobre. — Tudo bem, tudo bem! Você é
um público difícil, hein, amigo? — Deslizo a tela para esquerda mais
algumas vezes e nenhuma das opções chega perto de parecer certa,
porque eu simplesmente não quero fazer essa escolha. — É. Eu te
entendo, Buzz! Dar mach não vai resolver nossos problemas. Eu sei...
— continuo minha conversa com Buzz e ele rola com a cabeça em
meu colo, ficando com a barriga e com as patas viradas para cima. —
Como isso é problema seu? — Rio e olho para ele que me encara
com essa pergunta silenciosa estampada em todas as dobrinhas do
seu rosto. — Bom, serão três longos meses, Buzz. Três meses longos
pra caralho. — Coço sua orelha. — Ela vai vir aqui, sabia? Ela vai
precisar tratar você bem ou eu vou perder essa merda em cinco
segundos. — Passo a mão na barriga do cachorro gordo, ele ressona
pelo focinho curto e depois fecha os olhos. — Vamos lá, Buzz! Eu
estou ficando sem tempo. Você não tem nenhuma ideia nessa sua
cabeça grande que possa me ajudar?
O buldogue ronca e eu, mais uma vez, me impressiono com a
velocidade com que ele é capaz de dormir. Eu sempre me pergunto se
ele está fingindo. Se estiver, Buzz é um excelente ator.

Olho para o celular na palma da minha mão, fecho o aplicativo e


bloqueio a tela. Eu gosto do Tinder. Ele é um excelente aplicativo. O
problema não é ele, é a porra do propósito da minha procura. É isso o
que está errado. Solto uma longa expiração e balanço a cabeça. Nem
pensar. Nem fodendo.

Eu vou dar um jeito. Ainda não sei qual, mas vou.


— Infelizmente nós não podemos ajudar — o gerente do banco diz
e eu fecho os olhos lentamente, deixando que as palavras tomem seu
lugar em meu desespero. Eu já esperava por elas, mas isso não as
torna menos dolorosas. Não quando só eu sei o que elas realmente
significam.

— Senhor Marcelo, por favor. E-eu — gaguejo, sem saber a que


apelar. Respiro fundo e fixo o olhar no homem calvo diante de mim. O
rosto oval sustenta armações retangulares de óculos de grau e um
bigode ridículo, cuja beleza eu seria capaz de atestar eternamente se
isso me garantisse o empréstimo que seu dono acabou de me negar.
— Eu preciso desse dinheiro, seu Marcelo. Eu sei que eu não tenho
garantias, mas eu vou pagar. Eu juro que eu vou — tento, mais uma
vez, mesmo sabendo que em vão.

— Milena, não depende de mim. — Ele suspira e a pena em seu


rosto nem mesmo me dói. Neste momento, eu simplesmente sei que
sou digna de pena. — Seu nome está negativado e seu score está
baixíssimo. O banco não liberou nenhuma alternativa de crédito para
você. Podemos tentar uma renegociação da dívida que você tem
conosco. Você paga as primeiras duas ou três parcelas e então, daqui
a dois ou três meses, nós fazemos a análise de crédito novamente —
sugere e eu quero rir de amargura. Se eu tivesse o dinheiro ou o
tempo necessários para fazer o que ele disse, eu não teria perdido
minha única folga da semana, sentada em uma sala de espera de
banco, mesmo sabendo a resposta que dariam para o pedido que eu
tinha.

As últimas quarenta e oito horas da minha vida foram vividas no


automático. Levantar, trabalhar, pensar, deitar. Levantar, trabalhar,
pensar, deitar. Comer e dormir não fizeram parte delas nem qualquer
outra coisa que consumisse o tempo ou a energia que eu poderia usar
para tentar descobrir o que fazer com a notícia que minha mãe jogou
no meu colo quando cheguei em casa na segunda-feira.

Eu sabia que nunca deveria ter recorrido a um agiota, mas o


desespero nos leva a decisões estúpidas e nenhuma palavra descreve
melhor o meu estado, três meses atrás, do que desespero. A doença
de Lúpus estava vencendo a batalha que vínhamos travando há dois
anos, desde que minha mãe descobriu ser portadora dela.

Quando o médico disse que se não a internássemos dentro de


vinte e quatro horas, inevitavelmente, seus rins chegariam a um
estado irrecuperável e ela morreria, mas que não podia fazer nada,
porque não havia leitos disponíveis naquele hospital, nem em nenhum
outro hospital público de São Paulo para que ela pudesse ser
transferida, eu morri um pouco.

E esse pouco foi o suficiente para eu ter certeza de que não


poderia perder minha mãe. Não ainda. Ela era minha melhor amiga e
era cedo demais. Cedo demais se eu pudesse evitar. Ela era forte e
resistiria. Eu resistiria.
Não era a primeira e, sendo pobres, certamente não seria a última
vez que os recursos públicos deixariam a mim, à minha mãe ou ao
meu irmão na mão. Daise Garcia criou dois filhos sozinha. Depois de
ser abandonada com duas crianças por um marido que disse estar
indo comprar cigarros e nunca mais voltou, ela se reinventou, dia após
dia, e venceu na maioria deles.

Eu tinha quatro anos e meu irmão era um recém-nascido. Se minha


mãe não havia se deixado abalar depois de passar por isso,
definitivamente, eu não me deixaria abalar por um não. Saímos
daquele hospital em uma ambulância rumo a um hospital particular.
Nós não tínhamos plano de saúde nem dinheiro para pagar pela
internação, mas eu conseguiria. Eu poderia conseguir. Depois de
garantir que minha mãe estava recebendo o tratamento adequado, eu
poderia qualquer coisa.

Eu não consegui.

Meu nome já estava sujo e, assim como hoje, nenhum banco quis
me dar mais crédito. Ninguém que conhecemos tinha dinheiro para
emprestar. Eu precisava acompanhar minha mãe no hospital e garantir
que Gabriel estivesse, pelo menos, minimamente assistido, afinal, ele
é menor de idade, por isso me encher de trabalho não era uma
opção.

O alívio de ter minha mãe recebendo o que precisava foi


rapidamente substituído pela agonia cruel de perceber que eu não
teria como pagar por isso. Foi nesse momento que uma vizinha disse
que conhecia uma opção. Eu sabia que a resposta certa era: “Não,
obrigada. Eu vou dar um jeito.”
Mas a verdade é que ser pobre significa não ter escolhas e eu não
tinha. Ou eu pegava dinheiro emprestado a juros absurdos, ou minha
mãe precisaria sair do único lugar capaz de lhe dar o tratamento que
ela precisava para se manter viva. E naquela época eu nem imaginava
que os juros absurdos seriam os menores dos meus problemas.

— Seu Marcelo, minha mãe está doente. Muito doente. Eu não


posso esperar três meses. — Minha voz é uma mistura trêmula, baixa
e desesperada. O gelo em meu estômago parece estar tentando se
alastrar por todos os outros órgãos.

— Ela não pode sacar o FGTS antecipadamente? Em casos de


doenças graves, há essa opção.

— Não. — Balanço a cabeça, sentindo-me mal apenas por ter que


lembrar que a solução para os nossos problemas é apenas mais uma
das vezes em que os equipamentos públicos estão falhando conosco.
— Minha mãe é autônoma há alguns anos, e mesmo que não fosse, a
doença dela não está incluída nessa lei. É preciso um processo,
processos levam tempo e isso é tudo o que não temos, seu Marcelo.
— O olhar do homem se torna ainda mais penoso e eu sei que minhas
próximas palavras serão tão inúteis quantos os apelos anteriores, mas
eu tento, ainda assim. Uma semana é tudo o que me separa do dia
em que Patrão, o agiota, exige ser pago. — Por favor — sussurro e o
gerente engole em seco antes de me responder.

— Eu sinto muito.
— O que a senhora disse? — pergunto, pela segunda vez, em
menos de duas horas, sentindo o chão sumir sob os meus pés.

— Você está bem? — A mulher de quarenta e tantos anos, cabelos


presos em um coque firme e com o corpo vestido por um terninho
elegante pergunta. Eu pisco e demoro um pouco para processar que
ela respondeu à minha pergunta com outra.

— Desculpe. A senhora pode repetir? O que a senhora disse sobre


o Gabriel? — repito a pergunta para a diretora do colégio em que meu
irmão estuda. Essa foi a segunda notícia que minha mãe me deu na
segunda-feira enquanto estávamos sentadas na cozinha de casa às
duas da manhã.

E, porque todo castigo é pouco, mas principalmente, porque eu não


tinha outra opção, pedi para que ela marcasse a reunião solicitada
pela escola para o mesmo dia em que eu sabia que precisaria ir ao
banco, minha folga. Eu só não esperava que a derrota na segunda
parada parecesse ainda maior do que a na primeira.

Esfrego as mãos no rosto, tentando limpar a confusão e afastar o


cansaço e falho miseravelmente em ambas as tentativas. Quando
volto a olhar para a mulher de olhos verde escuros, sentada à minha
frente, encontro, repetindo a cena que vivi mais cedo, ainda no banco,
seus olhos repletos de pena.

— Eu disse que já faz duas semanas que seu irmão não


comparece às aulas e desse jeito vai ser impossível manter a bolsa de
cinquenta porcento de desconto. — Eu quero abrir a boca e dizer
alguma coisa. Juro que quero, mas sinto-me completamente incapaz.
O que eu diria se não faço a mínima ideia do que é que Gabriel pensa
que está fazendo? — Considerando o cenário geral do Gabriel na
escola nos últimos dois anos, o protocolo seria a retirada imediata da
bolsa, mas sabendo do que a família de vocês vem enfrentando, eu
achei que deveríamos conversar antes que uma decisão desse porte
fosse tomada. — Ainda em silêncio, engulo em seco e assinto. —
Como está sua mãe?

— Estável — é a única coisa que sou capaz de dizer. E o que mais


eu poderia? Que o dinheiro que eu peguei emprestado com um agiota
que agora está ameaçando minha vida pagou pelos remédios da
minha mãe pelos próximos dois meses? Acho que não.

— Bom. Muito bom. — Ela suspira e fecha os olhos, quando os


abre, os desvia, parecendo não conseguir mantê-los em mim por mais
tempo do que o necessário. — Eu odeio precisar colocar mais essa
responsabilidade nos seus ombros, Milena. Eu realmente sinto muito,
estou fazendo o meu melhor para manter a bolsa do seu irmão, mas
ele precisa me ajudar. Primeiro a atitude agressiva com os professores
e colegas, depois, o péssimo desempenho acadêmico e agora faltas?
Em sequência e sem uma justificativa plausível? — Meus olhos ardem
e eu sinto as lágrimas ansiosas para se acumularem e serem
derramadas, mas resisto e aceno com a cabeça. — Ele precisa mudar,
Milena. Ou mesmo o meu melhor não vai ser o suficiente.

— Ele vai — respondo com a garganta seca a promessa que não


tenho ideia se poderei cumprir. Afinal, não depende de mim.
Parecendo entender a situação deplorável em que me encontro, Zoé
balança a cabeça em concordância.

— É sempre um prazer rever você, Milena, mesmo nessas


circunstâncias. — Agradeço pela liberação e com uma despedida
silenciosa, eu saio da sala e da escola muito mal enxergando dois
passos à minha frente.
Tudo o que consigo pensar é que esse dia não tem como ficar pior
e eu não tenho como me sentir mais exausta. Assim que me sento no
metrô, de volta para casa, a represa dentro de mim tem suas
barragens explodidas e a primeira lágrima que desliza pela minha
bochecha deixa claro que eu não tenho a menor condição de ir para
casa agora. Tudo o que a minha mãe não precisa é me ver nesse
estado.

Fico sentada, sozinha, encolhida em um canto do último vagão do


metrô e choro tão silenciosamente como posso, porque, pelo menos
isso, ainda me é irrestritamente permitido. O trem vai de uma ponta à
outra de sua linha várias vezes e em algum momento eu começo a me
perguntar se a vida é tão difícil para todo mundo ou só para mim.

Pergunto-me, enquanto passo pela minha estação de destino pela


oitava vez antes de realmente me sentir pronta para descer, se todo
mundo já teve vontade de simplesmente não reagir e o que essas
pessoas fizeram quando se deram conta de que essa não era uma
opção.

***

— Você vai queimar a pele dele se continuar encarando assim —


Clarissa debocha e eu reviro os olhos, desviando-os da nuca do
cliente das sete e quinze.

— Será que aconteceu alguma coisa? — pergunto baixo. — Ele


nunca só entra e senta. Nunca!

— Ah, não. — Ela dispensa minha preocupação com um aceno


displicente. — Provavelmente ele só tá usando o Wi-Fi de graça.
— Pelo amor de Deus, Clarissa! Esse homem tem cara de quem
precisa de alguma coisa de graça na vida? — Olho para o corpo alto e
musculoso, vestido por um terno perfeito, de costas para mim, outra
vez. Definitivamente, não. Provavelmente, só aquele terno já
resolveria todos os meus problemas.

Pensar nisso faz com que a nuvem que eu sempre em esforço para
deixar do lado de fora do trabalho ameace se esgueirar pelos cantos
da minha mente para me dominar e eu sacudo a cabeça, espantando-
a. Mas Clarissa parece estar tentando atrai-la.

— E você ainda não me disse como foi sua folga. Conseguiu


alguma coisa no banco? — inquire e o gelado toma conta do meu
estômago. Não consegui e agora só faltam cinco dias para o meu
prazo acabar.

— Não. — Engulo em seco.

— Mile. — A voz de Clarissa abaixa muitos tons e se torna


preocupada. — Essas pessoas, elas... Elas são perigosas. — Suas
intenções são boas, mas é impossível sentir qualquer coisa além de
desgosto por suas palavras. Eu sei que elas são perigosas. Eu
realmente sei.

— Eu sei disso, Clarissa. Eu sei e realmente não quero falar sobre


agora. Não aqui. — Minha amiga pisca e, logo depois, entendendo ou
apenas aceitando a minha necessidade, eu não sei, assente.

— Tudo bem. — Une as palmas das mãos em um gesto


estranhamente animado e eu estreito os olhos, desconfiada. — Eu sei
o que pode te animar! — Um sorrisinho nada confiável surge no canto
da sua boca e eu balanço a cabeça, negando qualquer que seja ideia
que está passando pela sua cabecinha. Imediatamente, ela faz o
gesto contrário. Balança a cabeça para cima e para baixo, dizendo
que eu vou sim fazer o que ela diz.

Clarissa pega de cima do caixa um bloquinho qualquer e o estende


para mim junto com uma caneta.

— Pra que isso?

— Vai perguntar se ele precisa de alguma coisa!

— Quê? Claro que não! Nós não atendemos mesas aqui. — Minha
voz sai quase como um guincho apenas pela expectativa de me
aproximar e abordar, por livre e espontânea escolha, o cliente das sete
e quinze.

— Hoje você atende! E só uma, a dele. Vai!

— Não! — Balanço a cabeça, usando o movimento para colocar na


negativa toda a ênfase que meu tom sussurrado e minha voz semi-
histérica não permitem.

— Eu não vou te dar sossego se você não for — ameaça e eu abro


a boca, mas a fecho sem dizer nada.

— Clarissa! Para de ser louca — ordeno em vão.

— Nunca! Sua vida seria um porre se seu fosse tão sã quanto


você. Eu sou a dose de loucura necessária nos seus dias. Agora vai!
— Ela abre meus dedos e encaixa o bloco e a caneta entre eles.
Mordo o lábio sabendo exatamente o que eu quero fazer e sabendo
também que não quero.

O frio se espalha pela minha barriga quando me dou conta de


Clarissa não está mentindo. Ela não vai me dar paz enquanto eu não
fizer o que disse. Fecho os dedos ao redor do bloco de papel, expiro
curta e profundamente, viro e me segurando para não tremer dos pés
à cabeça, dou meia volta, passo pelo balcão e caminho na direção da
mesa em que o cliente das sete e quinze está sentado.
— Olá, bom dia! Posso te ajudar em alguma coisa? — Levanto os
olhos do celular em minhas mãos quando a atendente da padaria
onde tomo café todos os dias para ao meu lado e pergunta.

Hoje a minha inaptidão para resolver meu problema me roubou a


porra da fome, então simplesmente me sentei aqui e fiquei, incapaz de
sair antes do horário de sempre por pura força do hábito. E é também
por força dele que digo minhas próximas palavras. Afinal, trocar uma
piadinha com a atendente que, segundo a plaquinha presa à blusa
azul de gola arredondada branca, se chama Milena, é mais um dos
meus rituais diários.

— A menos que você conheça alguma mulher desesperada por


dinheiro o suficiente pra aceitar fingir ser minha namorada por três
meses, não. — Seus olhos se arregalam por um segundo antes de ela
soltar uma risadinha baixa, tomando o que eu disse como uma piada.
Bom, deve ser, afinal, eu estou sorrindo para ela. Milena nem faz
ideia.

— Bem, você acabou de me descrever. — Surpreende-me com a


resposta, usando o mesmo tom que eu, antes de rir baixinho outra
vez. Estreito os olhos, intrigado. — Sem café pra você hoje? — pede
pela confirmação e perdido na surpresa da sua resposta, demoro para
confirmar. As sobrancelhas da mulher de olhos azuis e cabelos
escuros, presos em um rabo de cavalo alto, se franzem e ela inclina a
cabeça para o lado.

— O que você disse? — pergunto e suas bochechas ganham um


tom intenso de vermelho. Isso, diferente da sua resposta, não me
surpreende.

Sei reconhecer uma mulher que não é indiferente a mim e Milena,


definitivamente, não é. Desde que me lembro, ela se atrapalha quando
me vê, seu rosto esquenta e sua voz costumava sumir ou ficar aguda
demais. Foi por isso que comecei a fazer piadas bobas, para tentar
deixá-la mais confortável ao me atender. Funcionou.

Contudo, eu não sabia que tinha funcionado tão bem a ponto de ela
me dizer as palavras que disse. Então, ou eu fiquei muito desatento
nos últimos meses, ou foi uma resposta impensada. Pela cor do seu
pescoço, bochechas e orelhas ao notar que conquistou minha atenção
demorada, certamente, se trata da segunda opção.

Minha vontade imediata é de descer os olhos pelo seu corpo e dar


uma conferida. Mas assim como sei que a atendente se sente afetada
por mim, também sei que isso é tudo. Ela nunca me deu qualquer
sinal de que gostaria de ir além das nossas conversa curtas e
engraçadinhas e esse é exatamente o tipo de mulher do qual eu quero
distância. Aquele que sabe o que é bom para olhar e o que é bom
para manter.

Meu tipo de mulher é o que sequer pensa no que seria bom manter,
porque não tem qualquer intenção de fazê-lo. Esse é o homem que eu
sou e os iguais se reconhecem. Por isso, ignoro meu primeiro instinto
e mantenho meus olhos nas esferas azuis que me encaram
praticamente sem piscar.

— É... — começa, mas pausa e engole em seco. — É... e-eu...


Eu... — gagueja e eu não consigo evitar o sorriso. Apoio um dos
cotovelos sobre a mesa e espalmo a mão em meu rosto. — Perguntei
se você não vai querer seu mocha hoje. — Sai pela tangente, mesmo
sabendo perfeitamente que não era essa a minha pergunta.

Ergo uma sobrancelha, dizendo-lhe exatamente isso, e a mulher


desvia os olhos. Milena umedece os lábios e por alguma razão eu
gosto de vê-la desconsertada. Estranho, mas interessante.

— Sem café pra mim hoje. Obrigado. — E, como se minhas


palavras fossem o combustível das suas pernas, incrivelmente longas,
aliás, eu mal acabo de falar e a garçonete já está voando para longe
de mim com se fosse um foguete.

Viro o rosto para disfarçar minha risada, no entanto, com a padaria


vazia, é impossível desviar meu foco de Milena, ainda que eu não
esteja mais olhando para ela.

— O que houve? Você tá branca! — a outra atendente murmura


para a fugitiva no momento em que imagino que ela tenha cruzado o
balcão.

— Nada — responde rápido demais. Milena é uma amadora e sua


colega percebe sua mentira imediatamente.

— Uhum! Tá! E eu, na verdade, sou a herdeira de uma família


riquíssima que trabalha aqui só por rebeldia! Desembucha, Milena —
sussurra.

— Ele... Ele... Quer dizer... E-eu... Eu...


— Ele o quê? Você o quê? — Faz as duas perguntas em
sequência, esquecendo-se de sussurrar e logo em seguida ouço um
chiado de Milena, pedindo à amiga por discrição. — Pelo amor de
Deus! Ele te chamou pra sair? Finalmente? — Dessa vez, a mulher
fala baixo, mas é tão efusiva que teria dado no mesmo se tivesse
gritado.

— Claro que não! Enlouqueceu, Clarissa? Eu só me envergonhei


falando besteira. Ele disse uma coisa e eu respondi sem pensar.

— Ele te destratou? — O tom da mulher muda, passando de muito


empolgado para extremamente contrariado.

— Não, Clarissa! Meu pai! Não! Podemos mudar de assunto? Você


já assou os rolinhos de canela?

— Sério? Rolinhos de canela, Milena? Você quer falar sobre


rolinhos de canela?

— Quero. Quero sim!

— Então talvez eu deva ir até a mesa do gostoso das sete e quinze


e perguntar a ele o que foi que aconteceu... — Gostoso das sete e
quinze, é? Dobro os lábios para dentro, engolindo a gargalhada.

— Você não faria isso! — A intenção era o que o tom soasse como
desafio, mas Milena não consegue soar como nada além de
desesperada.

— Você quer me testar? — A mulher cujo rosto eu sequer consigo


me lembrar pergunta e eu decido que gosto dela, porque estou
realmente curioso sobre como ela vai descrever o que aconteceu para
amiga, já que quando eu perguntei, ela fugiu. Milena suspira em
derrota e alguns segundos de silêncio se passam antes que ela ceda.
— Ele falou sobre eu conhecer alguém desesperada o suficiente
por dinheiro pra aceitar fingir ser namorada dele por três meses e eu
disse que ele tinha acabado de me descrever — fala rápido demais,
atropelando as palavras, parecendo ansiosa para se livrar do assunto.

— O quê? — Se antes, a colega de Milena se esqueceu de


sussurrar, agora, ela manda a discrição pelos ares, porque
praticamente grita.

— Fala baixo! Pelo amor de Deus! — Milena implora e eu quase


posso sentir seus olhos queimando minha nuca. — Foi uma piada,
Clarissa! Uma piada! Pelo amor de Deus!

— Ou esse foi o jeito dele de quebrar o gelo e quem sabe sua


história de cinderela não estava prestes a acontecer? Porque,
curiosamente, você realmente tá desesperada por dinheiro nesse
nível. — Espera, o quê? Franzo as sobrancelhas, confuso com a
direção para onde a conversa das duas está indo.

— E você acha o quê? Que um cara como aquele ali realmente


precisa que alguém finja ser namorada dele? Me poupe, se poupe,
nos poupe, Clarissa! — Pisco os olhos algumas vezes e passo a
língua sobre os lábios, sentindo meus neurônios começarem uma
corrida imparável dentro da minha cabeça.

— Ele disse que precisava — Clarissa argumenta.

— Era uma piada, Clarissa! Uma piada!

— E por que ele faria uma piada como essas? Isso não faz o menor
sentido!

— Eu não sei, Clarissa. Eu não faço a menor ideia. Mas se tem


uma coisa que faz menos sentido do que qualquer outra é o que você
tá dizendo. Tenha dó. Esse tipo de coisa não acontece na vida real.
Para de ser louca! — Milena finalmente para de falar e respira antes
de dar o assunto por encerrado. — Chega! Eu vou assar os rolinhos.
Se você consegue me enlouquecer e viajar ao mesmo tempo,
consegue atender o balcão e o caixa caso alguém chegue. — Logo
depois, o som de portas se movimentando soa, mas eu praticamente
sinto as engrenagens do meu cérebro se movendo.

Porque de repente, eu começo a achar que todo esse tempo eu


estive olhando para o meu problema sob o prisma errado. E se Milena
estiver enganada? Definitivamente, homens como eu só se apaixonam
inesperadamente na ficção, mas talvez eles possam fingir estar
namorando uma garçonete na vida real.

O suor escorrendo pelo meu corpo é bem-vindo e cada soco dado


no saco de areia parece descarregar uma tonelada inteira do peso que
tenho carregado nos ombros.

— O que foi que ele te fez? — Alex, meu treinador, se apoia na


lateral do ringue à minha frente e cruza os braços na frente do peito,
observando-me. Eu rio, mas não interrompo meus movimentos.

— Me deu algum tempo de silêncio na minha própria cabeça. —


respondo, alternando uma sequência de socos com uma de chutes na
lateral do saco. Meu treinador balança a cabeça, sabendo exatamente
qual é a sensação de que estou falando.

O cheiro de suor domina o ambiente ao meu redor, dando a ele a


atmosfera perfeita para que se esqueça de tudo o que não é a
atividade física em que se está envolvido.

— É por isso que você já passou duas horas do tempo de treino


padrão?

— E mesmo assim você só apareceu agora... — Ele dispensa meu


comentário com um aceno.

— Você não queria treinar, queria descarregar. E pra isso não


precisa de mim, o saco de pancadas dá conta — afirma e eu meneio a
cabeça, obrigado a concordar com ele. — O que tá enchendo sua
cabeça? Negócios ou mulher? — questiona bem-humorado e, embora
eu saiba que sem dúvida alguma a resposta certa para essa pergunta
seria “negócios”, é o rosto de Milena que toma conta dos meus
pensamentos de maneira tão vívida, que eu pisco algumas vezes para
ter certeza de que, de repente, ela não se materializou diante de mim.

Desde que saí da padaria esta manhã, fui incapaz de afastar a


ideia que se formou lá. Pelo menos, até algumas horas atrás, quando
cheguei à academia e deixei que meu corpo exorcizasse todo o
estresse com socos e chutes bem dados. Porém, lembrar da mulher
faz com que meus músculos recém-aliviados comecem a se retesar
de novo, o que é no mínimo curioso, uma vez que até esta manhã, eu
nunca lhe tinha dado um segundo olhar. Agora, ela é tudo em que
consigo pensar.

Não exatamente nela, mas na primeira ideia aproveitável que tenho


em dias, mesmo que soe absurda até para os meus próprios
pensamentos. A questão é que a minha ideia tem um rosto e é o rosto
da garçonete.

Abaixo as mãos e ergo o corpo, mantendo as pernas levemente


afastadas. Puxo uma quantidade generosa de ar para os pulmões
algumas vezes antes de olhar para Alex.

— Negócios. Sempre os negócios. — Ele faz um bico com a boca e


estreita os olhos, como se soubesse que eu estou mentindo, mas não
me contraria. Depois de um aceno, começa a se afastar, deixando-me
sozinho outra vez.

A caminho do vestiário, começo a desenrolar as faixas, ensopadas


de suor, das minhas mãos. Eu gostaria de poder fazer o mesmo com
os pensamentos no meu cérebro. Algo como uma penseira[3] seria
realmente muito útil agora quando os “E se’s” se atropelam na minha
cabeça.

Quer dizer, e se funcionasse? Depois de semanas tentando


encontrar uma maneira de ganhar a maldita aposta mesmo na derrota,
finalmente ter uma solução seria bom pra caralho. As quatro marias
fofoqueiras que eu chamo de amigos foram claras sobre não poder
contratar uma prostituta, mas nada nunca foi mencionado sobre
contratar uma mulher comum.

É claro que não. Quem, em sã consciência, acreditaria que eu


pensaria nunca coisa dessas? Ou, quem em sã consciência, aceitaria
uma proposta como essas? Alguém desesperado o suficiente por
dinheiro. No entanto, onde encontrar alguém nessas condições e que,
ainda assim, seria confiável o bastante para eu me arriscar e crível o
suficiente para que os quatro babacas não percebessem o que eu
estou fazendo? Aparentemente, na Garden Gourmet.

Tiro as roupas, tomo banho e saio da academia de Muay Thay do


mesmo jeito que fiz todas as outras coisas ao longo do dia, sem
prestar atenção em nada além do verdadeiro espetáculo que se
desenrola por trás dos meus olhos. Caminho pela noite paulistana
distraído, fazendo o caminho do centro de treinamento até meu prédio
no automático. Andar, parar, conferir o semáforo, atravessar e
continuar andando.

Milena. Qual é o sobrenome dela? Talvez eu devesse investigá-la.


Ou segui-la. Porra! Eu estou soando como um stalker de merda, e, ao
olhar para o lado, constato que estou até vendo a mulher em todos os
lugares. Rio de mim mesmo. Essa aposta vai me enlouquecer.

Desacelero os passos e olho uma segunda e última vez para a


garçonete, a julgar pelo uniforme, de costas para mim, dentro do
restaurante mexicano pelo qual estou passando. No entanto, a mulher
se vira e eu paro de andar. Eu não estou vendo coisas, aquela é, sim,
a Milena.

Franzo as sobrancelhas e olho para o relógio. Onze e vinte da


noite. Mas que caralho? Sem pensar duas vezes, entro no restaurante
e me sento em uma mesa próxima à que está sendo atendida por ela.
Os cabelos escuros ainda estão presos exatamente como essa
manhã. Ela termina de anotar os pedidos no aparelho eletrônico que
tem nas mãos, sorri para o casal que atendia e, sem prestar atenção,
vira-se na direção da minha mesa. Provavelmente, percebeu minha
chegada com a visão periférica.

— Olá, boa noite. Posso te ajudar em alguma coisa? — pergunta,


ainda distraída pela tela do aparelho.

— A menos que você conheça uma mulher desesperada o


suficiente por dinheiro pra fingir ser minha namorada por três meses,
não — brinco, repetindo a resposta dada mais cedo, já que ela me fez,
pela segunda vez no dia, ainda que inconscientemente, a mesma
pergunta. No momento em que a primeira palavra deixa minha boca,
seus olhos arregalados se erguem e focam em mim. — Olá, Milena —
saúdo e ela parece chocada demais para me responder, o que me faz
sorrir. Sua língua lambe o lábio superior lentamente e, depois, o
inferior.

Agora, depois de ter passado o dia inteiro com seu rosto na


cabeça, não me nego o impulso de descer os olhos pelo seu corpo.
Do rosto até as coxas, eu a analiso e porra! Quero me dar um tapinha
mental por nunca ter feito isso antes. Caso contrário, com certeza
Milena já teria passado algum tempo em meus pensamentos muito
antes que qualquer ideia sobre um namoro de mentira com ela tivesse
sido plantada neles.

Suas curvas suaves não são a única razão disso, porque não são
tudo o que vejo. Vejo ombros caídos que gritam exaustão, mãos e pés
inquietos e pernas que alternam o peso do próprio corpo
constantemente. Vejo olhos avermelhados e umedecimento constante
dos lábios. Vejo uma ruga no centro da testa que não se desfez nos
últimos dois minutos e isso é indicador mais do que suficiente de que
ela tem feito dali seu lar.

— O-oi — gagueja a resposta curta.

— Eu devo denunciar o seu José? — Suas sobrancelhas se


franzem em confusão quando ela ouve minha pergunta, então explico:
— A legislação trabalhista brasileira só permite oito horas de trabalho
por dia e no máximo duas horas extras. Pelas minhas contas, mesmo
que você tivesse começado a trabalhar na hora em que me atendeu,
na padaria, essa manhã, ainda assim, você estaria trabalhando há
dezesseis horas. Por um acaso aquele português sovina está te
forçando a trabalhar mais do que deve pra economizar com impostos
trabalhistas?
Apesar de perguntar com um sorriso no canto da boca, quero dizer
exatamente o que disse e Milena pisca lentamente enquanto processa
minhas palavras. Seu rosto passa rapidamente da confusão à
compreensão e estaciona no que eu consigo ler com facilidade como
medo.

— Não! Pelo amor de Deus, não. Seu José não tem nada a ver
com isso. Quer dizer, ele me conseguiu esse trabalho, mas foi só
porque eu pedi e ele não é o dono daqui. É um amigo dele e, e, e...

— Respira — peço quando ela gagueja nas palavras depois de


atirar tantas delas de uma vez como se fosse uma metralhadora.
Milena engole em seco e morde o lábio inferior, atraindo meu olhar
para ele e me fazendo desejar soltá-lo de entre seus dentes.
Ele está olhando para a minha boca. Por que ele está olhando
para a minha boca? Pisco os olhos quando eles começam a arder
por estarem abertos há muito tempo. Minha língua parece uma
esponja completamente seca e meu coração bate acelerado no
peito, exatamente como todas as vezes em que sou obrigada a falar
com o homem cujo nome eu só sei, porque li em seu cartão do
banco.

Por que ele está aqui, sentado diante de mim, pela segunda vez
no dia quando nos últimos dois anos eu nunca o tinha tido a
disposição dos meus olhos por mais do que os quinze minutos que
ele costumava levar para buscar seu mocha e seus pães de queijo?

Puxo pelo menos cinco inspirações profundas e solto antes de


poder voltar a falar.

— Eu tenho dois empregos e o seu José não tem nenhuma


responsabilidade nisso. — Ótimo. Fui perfeitamente clara, parabéns
por ser capaz de se comunicar, Milena! Quer uma estrela? Meu pai!
Eu quero me socar!

— E por que você tem dois empregos? — pergunta como se a


resposta não fosse óbvia, mas talvez para ele não seja mesmo. E
por que ele se importa, afinal? Fingindo uma calma que eu não
sinto, mesmo que, a essa altura, ela provavelmente não vá
convencer ninguém, apenas sorrio, recusando-me a lhe dar mais do
que isso como resposta.

— Você conhece nosso cardápio? Já sabe o que vai pedir ou


precisa de mais tempo? — Seus olhos se estreitam quando me
recuso a lhe dizer as palavras que ele espera ouvir. Tenho a
impressão de que Bruno não é um homem que está acostumado a
ter suas vontades negadas. Bom, sinto muito por isso. Inveja,
inclusive.

— A que horas você sai?

— Desculpe? — A palavra pula da minha boca imediatamente ao


ouvir sua pergunta e eu me lembro do que Clarissa disse mais cedo.
O tremor em meu peito não é expectativa, é autor recriminação, eu
juro.

— A que horas você começou a trabalhar hoje? — faz outra


pergunta sem se importar em esclarecer a primeira.

A sineta irritante é massacrada pelos dedos gordos de


Alexandre, o ajudante de cozinha, o que só piora tudo. Meu pai,
como eu odeio o som dessa coisa e tudo de que eu não precisava
era dele ecoando estridente no meu cérebro enquanto fico parada
aqui, olhando para o homem por quem eu sou obrigada a admitir,
pelo menos para mim mesma, que não tenho uma queda, mas um
penhasco inteiro, ao mesmo tempo em que tento não hiperventilar
durante minha fuga das suas perguntas invasivas.
— O que você acha de tortilhas? — sugiro, tentando tirar seu
foco da minha vida e ele sorri.

— Eu não sou um homem fácil de distrair, Milena.

— Então não me faça precisar te distrair — peço, sentindo-me


mal por isso e não entendendo o porquê. Ele me olha sem piscar
por alguns segundos antes de acenar em concordância.

— Você não vai poder me dizer que eu não te perguntei primeiro


— diz como um... Aviso? E se levanta. Só então eu reparo em suas
roupas e percebo que é a primeira vez que não o vejo dentro de um
dos seus ternos chiques. Desvio os olhos, engolindo o riso. O
homem é lindo mesmo em shorts e camiseta de treino. Quando
acho que posso olhar para ele sem devorá-lo indiscretamente,
pergunto:

— O que você quer dizer?

— Apenas lembre. Obrigado, Milena.

— Você não vai pedir nada?

— Não. Eu já tenho o que vim procurar. — E, com um aceno, ele


se vira e sai, deixando-me plantada no chão enquanto observo,
hipnotizada, o movimento de sua bunda bonita e de suas coxas
musculosas, até ser despertada pelo toque ininterrupto da maldita
sineta.

Acorda, Milena! Histórias de cinderela não acontecem na vida


real! Acorda!

***
Desço do ônibus e olho para o relógio no meu pulso pela
milésima vez para conferir o horário. Deus abençoe a todos os
envolvidos no milagre que é eu chegar em casa antes de uma hora
da manhã, hoje.

Ao meu gerente, que estava se sentindo bondoso e me liberou


antes do fechamento do restaurante; ao fiscal rodoviário, que
autorizou a partida do ônibus do ponto final mais cedo do que o
normal e ao motorista, sim. Definitivamente, ao motorista, que voou
pelas ruas semidesertas da noite paulistana como se quisesse me
matar ou me dar algumas horas a mais de sono. Felizmente,
conquistamos a segunda opção.

A brisa quente do verão atinge meu rosto e eu nem me importo


com o fato de estar com a pele colando de suor. Mais meia hora e
estarei de banho tomado, na minha cama. Seis horas de sono! Meu
pai! Nem me lembro quando foi a última vez que tive esse luxo sem
estar de folga no dia seguinte. Sorrio quando chego ao semáforo e
ele está aberto para os pedestres.

Hoje é um ótimo dia para se estar viva. Suspiro e atravesso a


rua, negligenciando a pequena parte da minha mente sugerindo que
todas as boas coincidências que me garantirão duas horas de sono
a mais que o normal são algumas da motivações do meu bom
humor, mas não todas elas.

Bruno. A conversa estranha esta manhã, o segundo encontro do


dia e até mesmo suas perguntas descabidas. Por que, para que ele
queria saber que horas eu começo ou paro de trabalhar?
— Boa noite... — A voz me pega de surpresa e eu grito antes
mesmo de reconhecer de onde ela vem. Uma risada curta e seca se
sobrepõe ao som que deixou minha garganta e eu me obrigo a
ignorar as batidas descontroladas do meu coração para entender o
que está acontecendo ao meu redor. — Calma, princesa. Nós só
queremos conversar.

— Patrão — sussurro, reconhecendo a voz, finalmente. Um


tremor atravessa meu corpo inteiro, olho para os lados e tudo o que
há é uma rua vazia e escura. Engulo em seco.

— Então a princesinha ainda lembra meu nome? Achei que


tivesse esquecido. — O som arrastado e rouco denuncia que o
cigarro nas mãos do homem alto e calvo é um hábito de muitos
anos. — Eu estou esperando uma visita sua há um mês.

— E-eu... E-eu — O medo me faz gaguejar e eu puxo uma


inspiração profunda antes de continuar, agora, mantendo o pavor
longe pelo menos da minha voz, já que não posso fazer o mesmo
pelo meu coração. — Eu ainda não consegui o dinheiro, Patrão. Por
isso eu não fui. E você disse que eu tinha até o meio de abril. Ainda
faltam alguns dias — justifico. Tão apavorada que todo o meu corpo
parece prestes a convulsionar e se partir em um milhão de pedaços.

— É, mas, nesse caso, era de bom tom que você tivesse feito
uma visita de cortesia. — Faz uma pausa, como se estivesse
procurando pelas palavras certas, mesmo que eu tenha certeza de
que não há nele qualquer dúvida sobre o que dizer. As visitas de
cobrança do agiota são famosas. — Pra me avisar, sabe? —
Aproxima-se de mim, permitindo que eu veja sua bermuda marrom e
sua camiseta azul.
O Patrão, como todos por aqui o chamam, está na casa dos
quarenta anos, é gordo, barrigudo, careca e usa um bigode ridículo,
mas nada disso o torna menos intimidador quando se sabe o tipo de
coisas que ele já fez com pessoas que ficaram lhe devendo. Os dois
homens que guardam suas costas também contribuem para isso.
Diferente do agiota, eles não são gordos. São altos, fortes e muito,
muito assustadores.

— Me desculpe — peço, falhando na missão de manter o medo


longe da superfície quando minha voz soa trêmula e baixa. Encolho
os ombros em um gesto involuntário.

— Bom... — Ele parece satisfeito. Se pelas minhas palavras ou


pelo pavor exalando dos meus poros, eu não sei. — Tudo bem. Eu
já visitei sua mãe há alguns dias. — Concordo silenciosamente.
Tudo em mim quer acabar com isso o mais rápido possível. Da
minha pele arrepiada ao meu estômago revirado e prestes a
expulsar toda a comida que ingeri hoje. — Mas eu queria garantir
que o recado tinha chegado até você. Afinal, foi com você que eu fiz
um acordo, não foi?

— S-sim — murmuro e minha boca só não está mais seca do que


meus olhos. Eu simplesmente não consigo piscar.

— Sim... Então, eu pensei: bom, por que não esperar pela Milena
na Borges? Todo mundo adora essa rua, não é? Deserta, escura...
Perfeita pra uma conversa particular. Ninguém conseguiria ouvir
nada do que acontecesse aqui. Você acredita nisso? — ameaça nas
entrelinhas. O homem parece estar se divertindo, alimentando-se do
meu desespero. O sorriso horrendo em seu rosto poderia ser usado
em mil e uma outras situações. Situações que nada tem a ver com
intimidação.

—A-acredito. — Abaixo a cabeça, derrotada. Ele faz uma pausa


longa e me olha de cima a baixo. A sensação não é nada como a
que senti algumas horas atrás quando Bruno fez a mesmíssima
coisa. Naquele momento, me senti envergonhada, mas também
senti calor. Agora, não há nada sob a minha pele que não seja
repulsa.

— Tudo bem. Você já pode ir. Foi ótimo conversar com você! —
Não preciso ouvir duas vezes. As palavras mal acabaram de sair da
sua boca e eu já estou praticamente correndo para longe do homem
e seus abutres. No entanto, alguns passos dados e ele me chama:

— Milena?

— Sim — respondo, sem olhar para trás, porque não quero


arriscar que ele veja as lágrimas escorrendo pela minha bochecha,
mesmo que esteja escuro.

— Se não conseguir o dinheiro, eu não me importaria se você


quisesse me pagar de outra maneira. — A ânsia de vômito depois
dessa sugestão é real. Apenas balanço a cabeça para cima e para
baixo, dizendo que entendi, porque tenho medo de, se eu abrir a
boca, vomitar. — Pense nisso — declara e eu volto a caminhar.

Quando estou longe o suficiente dos seus olhos, eu corro e


choro. Eu não sei por que ainda acredito. Dias bons e coincidências
boas parecem não ser permitidos para mim há muito tempo.
— É uma oportunidade imperdível! Precisamos comprar na baixa
— Camilo defende.

— Precisamos vender antes da queda — é a vez de Marcia.

— Bruno, preciso que você autorize a negociação das ações da


Sayo antes que o mercado japonês abra — Jonas diz por último.

Os pedidos começaram a ser arremessados na minha direção no


instante em que pisei no corredor além da minha sala e a cada
passo que dou, um novo par de pernas se junta à nuvem de
pessoas ao meu redor e uma nova tela é colocada diante dos meus
olhos.

O mercado de ações não é para amadores e se você não é


capaz de executar várias tarefas ao mesmo tempo, de falar sobre
vários assuntos ao mesmo tempo, nunca poderá ser um corretor,
quem dirá o CIO da maior empresa de investimentos da América
Latina. Felizmente, eu posso fazer tudo isso e muito mais.

— Quero ver a pesquisa sobre a oportunidade imperdível — digo


para o homem à minha direta, liberando-o. — Venda e acompanhe a
baixa, quero um relatório do quanto ganhamos com a venda
antecipada até o final do dia. — Dispenso a mulher à minha
esquerda. — E peça os documentos da Sayo à Neli. Eu os assinei
hoje pela manhã — respondo à última solicitação que me foi feita e
me viro para os remanescentes assim que paro diante da parede de
vidro que separa o corredor do interior do meu escritório. — Agora,
senhores, eu tenho uma reunião. Procurem o seu gerente se
precisarem.

Todos concordam e se dispersam, sabendo que o momento de


expor ideias acabou. Quem não conseguiu vai precisar esperar pela
próxima oportunidade. Ansioso para finalmente descobrir aquilo pelo
que estou na expectativa desde a noite passada, entro em minha
sala e fecho a porta. Graças ao vidro transparente por todos os
lados, isso não oferece qualquer isolamento visual, mas proporciona
o acústico, mais do que o suficiente.

Sentado diante da minha mesa, há um homem com os olhos


fixos no aparelho em suas mãos. Ele tem a pele negra, é alto,
musculoso, careca e está perfeitamente vestido por um terno
impecável. Assim que me aproximo, ele levanta e se vira em minha
direção. Hudson, minha versão particular do Jason Statan, estende
a mão e eu a aperto antes de me sentar atrás da minha mesa.

— Bruno — cumprimenta.

— Eu já estava começando a achar que você estava ficando


mole. — Pressiono a coluna contra o encosto da cadeira, fazendo
com que ela recline e movo os pés no chão, girando-a sobre as
rodas em uma demonstração clara da minha ansiedade. Hudson ri
da minha provocação sem se importar com ela.
— Faz menos de doze horas que você me ligou — responde,
voltando a se sentar, agora, em uma postura relaxada.

— E tudo o que você precisava era de um celular, o que eu tenho


certeza de que você tinha, já que foi através de um que eu consegui
falar com você. Então eu realmente não entendo a razão da
demora.

— Fácil. Não era prioridade — explica com simplicidade sem nem


mesmo piscar e eu reviro os olhos.

— O que você descobriu? — Desisto da conversa fiada e apoio


os antebraços sobre o tampo da minha mesa.

— Que a garota tem uma vida fodida. Aliás, quem é ela?

— Não te interessa. O que exatamente fodida significa?

— Contas zeradas, dívidas em vários bancos, nome negativado


em todos os serviços de proteção ao crédito e no cadastro de
emitentes de cheque sem fundos e...

— Quantos anos ela tem? — interrompo, franzindo as


sobrancelhas. Ela não estava brincando sobre estar desesperada
por dinheiro, afinal.

— Dezenove.

— Porra! — Passo a mão pelos cabelos, jogando os fios médios


para trás e solto um assobio. Isso é inesperado. Sem muito esforço,
observo em meus pensamentos o rosto que se fixou neles como um
cartaz colado nas paredes do viaduto do chá[4].
Um nariz pequeno e arrebitado, olhos azuis grandes, um queixo
bem desenhado, maçãs do rosto altas, sobrancelhas escuras e
arqueadas e uma boca volumosa e rosada se desenham sobre a
pele clara e levemente sardenta. Pela primeira vez, me permito
admitir que Milena é linda. Uma menina, é verdade, mas linda pra
caralho.

Dezenove anos. Não é difícil de acreditar conhecendo seu rosto,


mesmo que como parte da beleza indiscutível haja algumas marcas
que não deveriam estar lá, como olheiras mal cobertas por
maquiagem, o cansaço evidente por horas demais trabalhando e
uma ruga de preocupação na qual eu só reparei na noite passada,
mas que as últimas informações me deram toda a certeza
necessária de que é uma constante.

Pressiono os lábios e movimento a cabeça para cima e para


baixo, devagar.

— Exatamente, e como eu ia dizendo — Hudson inclina a cabeça


para baixo fingindo incômodo por ter sido interrompido —, essa nem
é a pior parte. — Abro a boca para perguntar, mas a expressão do
homem deixa claro que eu não devo. — De acordo com suas
conversas no WhatsApp, ela está devendo a um agiota do bairro em
que mora. Patrão é como o sujeito é conhecido.

— Puta que pariu — solto, indeciso sobre qual das informações é


mais inacreditável.

— E as finanças dela não são a única coisa em um estado


crítico. — Essas palavras me fazem franzir o cenho e eu me inclino
sobre a mesa imediatamente.
— Ela está doente?

— Ela não, a mãe. Lupus.

— Puta que pariu! Porra! Você não vai dizer que fica pior, vai?

— A dívida dela com o agiota vence semana que vem e ela não
tem qualquer perspectiva de como vai pagar.

— Quanto?

— Doze mil. Pegou pra conseguir bancar a internação da mãe


três meses atrás. — Coço a sobrancelha com a cabeça trabalhando
em velocidade máxima. — Ela é uma boa garota, Bruno. Nunca se
meteu em confusão, trabalha em dois empregos desde que a mãe
foi diagnosticada, o que aconteceu quando ela tinha dezessete
anos. — Hudson faz uma pausa e suspira, o que por si só já diz
muita coisa.

O homem é um hacker especializado em investigações


particulares. Isso significa que ele está acostumado a descobrir todo
tipo de coisa, desde os gatilhos da última guerra no leste europeu
que desencadearão a queda no valor das ações de multinacionais,
até casos extraconjugais de figuras públicas. Se de todas as
pessoas, ele se sente comovido pela situação de Milena, é porque,
definitivamente, ela merece atenção.

— O que mais? — pergunto, sentindo verdadeira necessidade


por mais informações.

— A menina paga a escola particular do irmão mais novo que,


aliás, é um problema em treinamento. Fiquei com pena. Quase fiz
uma doação anônima, mas como não sabia o que você queria,
achei melhor esperar. — Balanço a cabeça, concordando. — E
então?

— Então o quê?

— Quais são seus planos? — Ergo as sobrancelhas, mas a


verdade é que em algum momento minha decisão foi tomada sem
que eu precisasse me esforçar para isso.

— Eu vou contratá-la.
— Como você está se sentindo hoje?

— Bem, mãe. — Ando até ela, parada na entrada da cozinha e


beijo sua testa. Estou prestes a me virar para continuar a me servir de
uma caneca de café antes de sair para trabalhar, mas ela me segura.

O rosto exausto denuncia que essa foi mais uma das noites em que
ela lutou contra o sono. A doença lhe deixa exausta, mas como uma
criança birrenta, quando está com algo lhe preocupando, minha mãe
se recusa a ser levada pelo cansaço. O resultado? Olheiras que
rapidamente se tornam profundas, enfraquecimento, tontura e uma
série de outros sintomas agravados. Tudo de que ela não precisa
agora.

Esfrego as mãos no rosto, querendo repreendê-la, mas isso nos


levaria ao assunto que estou tentando evitar a todo custo, porque se
sem falar sobre ele, dona Daise já está se recusando a dormir, se o
discutirmos, eu não faço ideia de quais serão as consequências.

Três noites atrás, depois de ser surpreendida por Patrão, foi


simplesmente impossível esconder sua armadilha de minha mãe. Em
meu desespero para chegar ao único lugar do mundo em que me
sentiria segura naquele momento, eu simplesmente ignorei quais
seriam as consequências de chegar em casa nas condições em que
estava e apenas corri.

Para meu azar, naquela noite, não foi Gabriel quem encontrei na
sala, acordado, mas minha mãe, aflita, esperando-me. Mais tarde,
quando eu já não tremia ou chorava mais, descobri que ela não
conseguiu dormir, preocupada, sentindo um aperto no peito. O maldito
sexto sentido maternal havia entrado em ação e tornado tudo ainda
pior. Não sei se teria escondido a situação dela caso não a tivesse
encontrado acordada, contudo, ela com certeza não precisava ter
testemunhado o meu estado.

Minha mãe sempre foi minha amiga. Não sei se pela idade em que
me teve, se na tentativa de suprir a ausência do meu pai ela sentiu a
necessidade de se aproximar mais, ou se por qualquer outra coisa,
mas o fato é que eu sempre pude contar tudo para ela e odiaria
começar a esconder agora. Entretanto, dadas as circunstâncias, tudo
o que eu não quero é que ela se sinta culpada por tudo, que é
exatamente como seu rosto, gestos e olhos me dizem que ela está
sentindo agora.

— Fala comigo. — É um pedido, uma súplica e eu solto um suspiro


e fecho os olhos, porque não sei o que dizer.

— Eu estou bem, mãe — minto, colocando nas palavras toda a


força que não sinto, implorando a Deus que seja o suficiente para que
ela acredite, mesmo que eu não consiga me lembrar de quando foi
que eu contei uma mentira tão grande para alguém.

Eu não estou bem.

Eu estou com medo, aterrorizada, na verdade. Porque sei


exatamente o que pode acontecer em menos de uma semana se eu
não conseguir o dinheiro que eu tenho certeza quase absoluta de que
não conseguirei. Doze mil reais.

Doze mil é quanto vale a minha vida, ou pelo menos, o meu eu que
conheço agora, porque se eu sobrevier a não pagar o que devo, tenho
certeza de que não vai ser inteira, se não for o meu corpo a ser
quebrado, será meu espírito. Isso são seis meses de trabalho nos
meus dois empregos sem gastar uma moeda sequer nem mesmo com
uma bala. Isso é o impossível.

— Você nunca mentiu pra mim antes, Mile. Não começa agora. —
Viro as costas com a desculpa de buscar o café, mas minha única
intenção é fugir do seu olhar que me conhece tão bem.

— Eu não tô mentindo, mãe. Eu tô bem. Foi só um susto — pauso,


controlando meu hábito de falar feito uma metralhadora quando estou
nervosa — e, além disso, eu já até sei como vou conseguir o dinheiro
— minto mais. — Tenho uma entrevista de emprego hoje, depois que
eu sair da padaria e...

— E que horas você vai trabalhar? Mile, pelo amor de Deus! — O


tom de choro em sua voz ameaça arruinar a frágil cola que une as mil
partes do meu coração já quebrado e eu abaixo a cabeça, apertando
os olhos, engolindo em seco, lutando contra as lágrimas que viajam
numa velocidade inacreditável pelos meus canais lacrimais, ansiosas
por se derramarem pelos meus olhos. — Você já tem dois empregos,
arruma bico nas folgas, não dorme, mal come, eu nem te vejo se não
colocar o relógio pra despertar, porque essa doença maldita me deixa
exausta. — E agora ela está chorando e eu estou caindo e caindo e a
sensação é mesma de sempre. É a que me faz implorar pelo chão,
pelo choque, apenas para sentir qualquer coisa além de desespero e
descontrole.
Perco a batalha injusta. Meus ombros sacudindo são o primeiro
sinal do meu choro, mas logo um soluço indisciplinado se recusa a ser
contido e escapa por entre meus dentes e lábios apertados. O som
arrastado emitido pela garganta o segue e então as lágrimas. Muitas.
Tantas. Eu estou tão cansada. Tão cansada de me sentir perdida e
assustada. Eu só quero que acabe. Eu só quero que isso acabe.

Braços me envolvem e eu deixo que o peso do meu corpo, pelo


menos pelos próximos segundos, seja apoiado por alguém além de
mim mesma. Só por agora. Só por uns segundos. Só por um instante.
No entanto, quando o soluçar da minha mãe se une ao meu em uma
sinfonia de desesperadas, qualquer controle que eu pudesse ainda
manter se rompe, transformando-me em uma completa e absoluta
bagunça. Deus, como dói. Como dói.

Todo e qualquer pensamento dói. O de não ser capaz. O de não


ser o suficiente. O de que a qualquer momento minha mãe pode
simplesmente partir. Partir e me deixar sozinha. Só Gabriel e eu, e eu
vou fazer o quê? Sem ela, quem serei eu? Deus. Por quê? Por que,
de tantas pessoas no mundo, tinha que ser justamente eu a passar
por isso? Por quê? Por que eu?

O que é que eu tenho? Eu só queria ser a garota que pula o muro


da escola pra fugir da aula, a garota que vai a festas com amigos, a
garota que pode passar uma tarde batendo pernas no shopping sem
precisar se preocupar com o estado de saúde da mãe. Sem precisar
se preocupar se vai sobrar mês no fim do dinheiro. Sem precisar se
preocupar com nada além dela mesma. Eu só queria ter o direito de
ser egoísta sem que isso tivesse consequências para alguém além de
mim.
— Minha filha, minha filha... — ela diz entre soluços e eu sequer
sou capaz de responder. Não agora. Não quando a dor e o medo se
transformaram em uma massa viva que rodopia no meu peito,
consumindo cada grama de mim mesma. Dói. Dói muito e eu só quero
que acabe.

— Por que você tá triste? — A pergunta feita pela voz infantil me


surpreende e eu pisco algumas vezes antes de responder.

— Eu não estou triste — respondo à menininha com um sorriso no


rosto que definitivamente não pode ser descrito como feliz e torço para
não estar parecendo assustador. Diana me encara semicerrando os
olhinhos já pequenos e puxadinhos, fazendo com que eles pareçam
estar fechados.

— Diana! — sua mãe a repreende e a criança olha para cima,


procurando descobrir o motivo de estar sendo censurada.

— Desculpa, Mile... — Bárbara pede, claramente constrangida e eu


dispenso o pedido. A criança está certa, eu estou triste e ela
realmente não deveria ser castigada por dizer a verdade. Eu é que
preciso me esforçar mais para disfarçar a realidade.

— Não tem pelo quê. Minha mãe me ensinou que quem fala a
verdade não merece castigo.

— Então você tá triste! — Diana imediatamente acusa, ressentida


por eu ter mentido antes.
— Diana, pelo amor de Deus! — Bárbara exclama, ficando
vermelha e a situação incomum me tira um sorriso verdadeiro. A mãe
se apressa em pegar a sacola com o lanche de todos os dias e já
tendo pagado por ele, deixa a gorjeta no pote antes de sair
rapidamente do café com uma despedida rápida. Eu vejo a porta se
fechar, ouço o sino bater, sinto o silêncio ao meu redor e continuo
parada, exatamente no mesmo lugar, perguntando-me se eu vou
conseguir fazer melhor. Fingir melhor, porque o dia está só
começando.

— Olá, Milena.

— Meu pai! — grito, assustada ao ser surpreendida, pela segunda


vez em três dias, em uma rua escura. Mas hoje, ao me virar, o que
encontro não é nada assustador.

Bruno está parado, na saída de serviço da Garden Gourmet,


vestido por um dos seus muitos ternos. É a primeira vez que o vejo
hoje. Com os meus atuais estados de humor e atenção, passei tanto
tempo escondida na cozinha da padaria quanto foi possível.
Especialmente entre as sete e oito da manhã.

Desde que vi o homem pela primeira vez há quase dois anos,


nunca antes eu havia evitado propositalmente nossos “encontros
casuais”. Pelo contrário, de alguma forma, ansiar por ele se tornou
algo natural nos meus dias, tanto quanto fingir que estava tudo bem.
Mas assim como o segundo foi impossível hoje, o primeiro pareceu
necessário.
Não havia espaço para nada em minha mente que não fosse
buscar soluções para o meu problema. Nem para sorrisos falsos, nem
para o torpor que me assalta de mim mesma toda vez que me deparo
com Bruno. Acho que nem quando adolescente me senti tão afetada
por alguém do sexo oposto quanto me sinto por esse homem e hoje
eu simplesmente não tinha tempo para isso.

Não depois da maneira como dia o começou. Doeu me sentir


sobrecarregada, mas doeu ainda mais a sensação de ter falhado com
a minha mãe quando ela nunca falhou comigo. Eu vou dar um jeito,
preciso dar. Se não por mim, por ela.

Tive algumas ideias. Gabriel não vai gostar de nenhuma, porque


todas incluem vender coisas, como por exemplo, seu videogame, a
televisão, nossas camas e tudo o mais que não for de extrema
necessidade e para o qual eu seja capaz de encontrar um comprador.
Isso não vai chegar nem perto do suficiente para pagar a dívida, mas
é um começo com o qual eu espero conseguir mais prazo.

— O que você está fazendo aqui? — pergunto, sem medir as


palavras, levando a mão ao peito na tentativa inútil de acalmar meu
pobre coração que corre no peito como se fosse um maratonista em
treinamento. Fecho os olhos e me esforço para controlar minha
respiração. Meu pai! Quando os abro novamente, encontro o homem à
minha frente com um sorriso no rosto que não faz qualquer sentido.

— Eu vim te fazer um convite. — Sem qualquer esforço, minhas


sobrancelhas se franzem.

— O quê?

— Eu vim te convidar pra jantar e fazer isso lá dentro não pareceu


uma boa ideia. — Indica o interior da padaria com o polegar.
— E me emboscar na saída do meu trabalho sim? — Solto um
longo suspiro, ainda sem filtro pelo susto.

O frenesi dentro de mim vai diminuindo e começa a dar lugar à


outra sensação. Aquela já tão caraterística dos meus encontros com
esse homem. O nervosismo que gela o estômago, faz minhas mãos
perderem a firmeza, minha boca secar e eu me tornar inteira muito
mais atrapalhada do que jamais fui.

É só quando meu corpo já está totalmente aliviado do medo que


sentiu graças à repetição de um dos momentos mais assustadores da
minha vida, e completamente dominado pela compreensão de que o
homem diante de mim é o cliente das sete quinze, que me dou conta
do que as palavras que deixaram sua boca realmente significam.

— Espera, o quê? O que você disse? — pergunto antes de ter a


chance de evitar parecer tão atordoada.

— Eu disse que quero te convidar pra jantar. — Confusão, aflição e


estranheza rodopiam dentro de mim e com a sorte que tenho, não
demoram muito a tomar conta do meu rosto. Bruno ri da minha
expressão e enfia as mãos nos bolsos.

Desço os olhos pela figura alta. Sua pele bronzeada parece reluzir,
assim como seus cachos curtos e seus olhos azuis. Deveria ser
proibido um homem parecer tão gostoso desse jeito. Sério, Milena? É
nisso que você está pensando agora? Acorda e para de ser louca! Ele
te convidou pra jantar! Pra um maldito jantar! Por quê? Por que ele me
convidaria pra jantar?

Em minha observação indiscreta e silenciosa, noto o inclinar se sua


cabeça e o erguer de uma sobrancelha. Percebo então que eu fiz a
pergunta em voz alta. Ótimo. Nada é tão ruim que não possa piorar,
certo? Ou, como eu gosto de dizer, não tem vergonha grande o
suficiente que não possa aumentar.

— Eu tenho uma proposta que pode te interessar.

— Trabalho? — É ridículo que eu não consiga evitar a decepção


nas minhas palavras e pior, no meu coração. Mas o que é que eu
esperava?

Eu me pergunto quantas vezes terei que lidar com essa sensação


antes de internalizar que contos de fadas não existem na vida real.
Homens como esse não olham para garçonetes cujos cabelos são
menos sedosos que os seus.

— Você tem uma proposta de trabalho? Você é dono de um


restaurante ou algo assim?

— Sim e não. — É a minha vez de inclinar a cabeça. — Janta


comigo e eu te explico tudo. — Há algo de magnético na sua voz,
quase hipnótico, avesso a contrariá-lo.

Pondero rapidamente que mais um emprego realmente não seria


uma má ideia. Transformar a mentira que contei para minha mãe em
verdade seria uma grata surpresa. Mais trabalho significa mais
dinheiro e isso, definitivamente, é algo que eu posso usar.

E a que horas, Milena? Bem, eu ainda tenho as quatro ou cinco


horas em que eu durmo... Mordo o lábio sem saber se essa é uma boa
ideia e os olhos de Bruno se desviam para a minha boca. Prendo a
respiração apenas até que eu me lembre que é trabalho. É sobre
trabalho que ele quer falar e eu não estou em posição de recusar.

— Eu estou de folga do restaurante hoje. Então eu posso. — Ele


sorri. Não um sorriso qualquer, mas um que sugere que ele já sabia
disso. Eu balanço a cabeça, colocando o pensamento de lado. Eu só
posso estar louca, seria impossível que ele soubesse.

— Ótimo. Você primeiro. — Acena para que eu passe e só então


presto atenção no carro alto parado no meio fio.

Continuo parada no mesmo lugar, alternando meu olhar entre o


homem e o carro uma e outra vez, tentando descobrir o que fazer.
Quer dizer, ele é gato, gostosíssimo, eu já fantasiei estar sozinha com
ele em vários lugares, milhares de vezes, mas eu ainda não o
conheço e não posso simplesmente entrar dentro de um carro com
ele. Sou iludida, não burra.

Quando contrariando seu pedido, eu não me movo, Bruno estreita


as sobrancelhas segundos antes de ser atingido pela compreensão do
que está acontecendo e começar a gargalhar. É a primeira vez que
ouço sua risada. O som é rouco, vibrante e contagioso. Acabo
sorrindo também.

— Eu não vou sequestrar você, Milena.

— Isso é algo que um sequestrador diria — contesto e outra vez


sua risada alta ocupa o espaço entre nós. Ele balança a cabeça,
negando, e ergue as mãos, dizendo se render.

— Tudo bem. Eu conheço um restaurante discreto aqui perto,


podemos ir a pé — concede e eu concordo.

Olho ao meu redor, esforçando-me para fingir costume em meio ao


luxo que o ambiente ostenta e falhando miseravelmente. O que se
torna ainda mais óbvio quando as primeiras palavras que deixam a
boca de Bruno depois que nos sentamos é uma pergunta.

— Gostou? — Passo a língua sobre os lábios, mas nem mesmo


tento dar uma resposta.

O restaurante onde estamos tem dois andares, nossa mesa fica no


segundo, um mezanino que ocupa as laterais em formato de U e deixa
ver o centro do salão abaixo de nós. As mesas são postas com
guardanapo de tecido e taças brilhantes. Os móveis parecem que
deveriam estar na sala de estar de alguém com muito dinheiro ao
invés de em um restaurante e até mesmo os garçons parecem
vestidos para reuniões de negócios, não para carregar bandejas.

É impossível não me perguntar se eu seria capaz de trabalhar num


lugar desses, com toda essa formalidade de gestos e roupas. E é
claro que é esse o motivo de estarmos aqui, que eu veja como o lugar
funciona antes que ele ofereça o trabalho. É um método estranho,
Bruno poderia simplesmente ter me mostrado o lugar pela cozinha,
mas não serei eu a reclamar de um jantar grátis, mesmo que a
ostentação do lugar faça eu me sentir deslocada. A comida boa deve
valer o desconforto.

Percebo que mais tempo do que o esperado se passou desde que


ouvi a voz do homem diante de mim e eu ainda não lhe respondi,
então balanço assinto e limpo a garganta.

— Então. Um emprego? Você é dono daqui? — questiono,


sentindo-me mais confusa e inapropriada a cada segundo que passo
sentada na cadeira tão confortável quanto a melhor poltrona em que
eu nunca coloquei minha bunda.
Se ele é o dono de um restaurante e precisa de uma garçonete,
porque não fez como todos os outros donos de restaurantes e colocou
o anúncio na internet, ou pediu para um dos outros funcionários
indicar alguém? Bruno sorri e balança a cabeça.

— Não, Milena. O trabalho que quero te oferecer não tem nada a


ver com servir mesas. — Inclino levemente o pescoço enquanto as
engrenagens do meu cérebro giram, buscando respostas para as
perguntas que eu não fiz, mas das quais minha cabeça está lotada.
Ergo as sobrancelhas e aceno, pedindo silenciosamente que ele
continue.

Bruno prende o lábio inferior entre os dentes e quando está prestes


a falar, o garçom se aproxima, oferecendo-nos menus envoltos em
uma capa de couro bordô. Até mesmo a sensação do tecido sob meus
dedos é estranha, como tudo mais nessa situação.

— Eu vou querer o de sempre, Bruno — diz e eu olho para a


plaquinha de metal, presa ao paletó do garçom, descobrindo que ele
tem o mesmo nome do cliente das sete e quinze. Olho outra vez para
o menu em minhas mãos, sentindo-me ansiosa, porque, agora, ele só
está à minha espera. — Posso escolher pra você? — pede e
escondida pelo cardápio aberto, fecho os olhos em um agradecimento
silencioso.

— Claro.

— Ela vai querer o mesmo que eu. — Fecho o cardápio e o entrego


ao garçom.

— Bebem algo?
— Água, por favor — peço, certa de que mais tarde, se eu não cair
da cama e acordar, se isso realmente for realidade e não um sonho
muito criativo da minha cabeça atribulada, vou me arrepender de não
ter olhado o menu com mais atenção e escolhido alguma mistura
exótica de frutas que eu nunca mais vou ter a chance de experimentar.

— O mesmo pra mim, por favor — Bruno pede e o garçom se


afasta, deixando-nos sozinhos. Aperto as mãos em punho sobre o
meu colo para esconder o tremor ansioso dos meus dedos.

Minha companhia desvia os olhos brevemente antes de finalmente


começar a falar, mas sua primeira a frase não chega nem perto de ser
o que eu espero. Mesmo que eu não faça ideia do que estou
esperando.
— Eu perdi uma aposta. — Milena franze as sobrancelhas,
obviamente sem entender o que isso tem a ver com ela.

O nervosismo está claro em cada um dos seus gestos, desde o


olhar inquieto ao tremor sutil em suas mãos, agora escondidas sob
a mesa e a preocupação é uma sensação nova para mim. Eu não
sou um homem que mede palavras para que elas soem agradáveis
aos ouvidos de quem quer que seja, ainda assim, estou há mais de
meia hora tentando descobrir como dizer aquilo que vim dizer.

Meu plano era simples. Pedir a ela cinco minutos hoje pela
manhã, quando passei na Garden para buscar o café de sempre,
fazer minha proposta, deixar que ela pensasse, receber sua
resposta positiva amanhã pela manhã. Rápido, fácil e eficiente, só
que ela não estava lá.

Desde que me lembro, foi a primeira vez que ela não estava lá
pela segunda vez na mesma semana. Quando perguntei à sua
colega sobre, descobri que Milena estava, sim, na padaria, mas não
se sentia bem e por isso estava trabalhando internamente.
Estranhei, afinal, se ela não se sentia bem, a opção óbvia não seria
o hospital ao invés de trabalhos internos? Mas não estiquei o
assunto, afinal, não era problema meu. Eu poderia falar com Milena
amanhã, eu ainda tinha tempo.

Exceto que tanto quanto antes de decidir o que faria, durante


todo o caralho do dia, o rosto de Milena me atormentou e mais do
que isso, a dúvida sobre como ela estava se sentindo. Decidi não
esperar mais e graças a Hudson, sabendo o horário do fim do seu
expediente na padaria e que hoje ela estava de folga do restaurante,
recalculei minha rota, saindo cedo do escritório para encontrá-la na
saída do seu trabalho.

Mas assim que a vi passar pela porta de serviço da Garden, tão


abatida, foi impossível não traçar, outra vez, um novo caminho para
o mesmo destino. Os cabelos que sempre vi presos, hoje estão
soltos e essa é também a primeira vez que a vejo sem estar vestida
por algum tipo de uniforme. Não me orgulho disso, mas foi
impossível não olhar para o corpo pequeno, coberto por jeans
surrados e uma camiseta.

Milena não é uma mulher de muitas curvas, mas as que tem


estão nos lugares certos. Seus seios são pequenos, seus quadris
arredondados e sua cintura é estreita. Ela tem uma beleza comum,
mas que ainda assim, guarda algo de extraordinário. E, agora,
quando ela me olha com seus olhos imensos e cansados, sinto-me
nada além de incapaz de não me preocupar com a forma que ela
receberá o que tenho a dizer.

— Tudo bem... — diz, sentindo que precisa e eu rio.

— Não foi uma aposta convencional, Milena. — Recosto-me na


cadeira e apoio o um antebraço sobre a mesa enquanto enfio a
outra mão no bolso da calça.

— Você apostou que precisaria contratar uma nova funcionária?


— Sua ansiedade em desvendar do que se trata é quase divertida.

— Não. — Seu rosto é pura confusão e impaciência.

— Então como isso tem relação com um trabalho pra mim? —


Levo a mão até a sobrancelha e coço. Vamos lá, Bruno! São só
palavras, porra! O garçom se aproxima, trazendo nossas bebidas e
imediatamente Milena leva seu copo de água à boca.

— Como consequência, eu preciso passa três meses com a


mesma mulher. — Ela cospe a água com um barulho indiscreto,
molhando todo o meu rosto e parte da toalha sobre a mesa, talheres
e outras coisas, antes de se engasgar.

Fecho os olhos e sinto as gostas escorrendo pela minha pele.


Tudo bem, eu mereci essa. Deveria ter previsto essa reação e
esperado que ela terminasse de beber a água.

Pego o guardanapo aberto sobre o colo para me secar e me


levanto para tentar ajudá-la quando seu corpo é tomado por um
acesso de tosse. Milena aperta os olhos e seu tórax sobe e desce
rapidamente à medida que ela é sacudida uma vez atrás da outra
pelo esforço. Agacho ao seu lado, apoio a mão em suas costas,
deslizando-a lentamente ali.

— Respira, Milena — peço, dando pequenas batidinhas em suas


costas.

— Descul — ela começa, mas é interrompida por um novo


acesso de tosse.
— Está tudo bem. Se concentra em respirar, só respira. — Ela
obedece, fechando os olhos novamente, abaixando a cabeça e
espalmando as mãos nas coxas. Aos poucos, seu corpo vai se
acalmando e sua respiração encontra um ritmo regular. — Melhor?
— pergunto e ela acena em concordância. — Ótimo. — Levanto-me
e levo a mão até sua bochecha.

Não é um gesto planejado. Simplesmente acontece e quando as


íris azuis imensas se focam totalmente em mim, interromper o toque
parece errado. Eu me vejo preso no seu olhar, em seu rosto, na
verdade. Nas bochechas avermelhadas, nos lábios rosados e
entreabertos, nos cílios longos e úmidos, nela.

— Os senhores gostariam de trocar de mesa? — Bruno surge,


oferecendo e interrompendo o momento que eu sequer sei como
nomear. Milena vira o rosto, constrangida e eu nego
silenciosamente. O garçom se afasta e eu volto a me sentar.

— Me desculpe, eu... eu...

— Está tudo bem, Milena. Eu devia ter previsto o risco. — Rio e


isso parece aliviar um pouco da sua vergonha.

— Eu acho que não entendi o que você quis dizer. — Suspiro,


com os olhos fixos nos seus. Aproximo-me da mesa, apoio os
cotovelos sobre ela e entrelaço meus dedos.

— Você entendeu certo. — Abaixo a cabeça e afundo os dentes


no lábio inferior. Quando volto a encará-la, a mulher está com os
olhos levemente arregalados, em expectativa. — Eu não sou um
homem inclinado a relacionamentos, na verdade, eu nunca tive um.
Por isso meus amigos acharam que me forçar a isso era uma boa
consequência pra uma aposta perdida.

— E por que você simplesmente não diz que não vai cumprir?

— Porque isso me faria perder duas vezes e uma é o suficiente


pro resto da minha vida. Eu nunca daria a eles esse gostinho. —
Apesar de ter entendido o que eu disse, Milena não parece
compreender e isso não me espanta. — Mas eles estão errados se
acham que vão me forçar a fazer algo que eu não quero. É aí que
você entra.

— Eu?

— As regras da aposta estabelecem que eu sou obrigado a


passar três meses com a mesma mulher, mas nunca foi dito que eu
não poderia pagá-la pra isso. — Finalmente a compreensão lhe
atinge e os cílios longos balançam para cima e para baixo várias
vezes. — E eu quero contratar você. — Agora, não é mais
compreensão em seu rosto. É horror e ofensa.

— Eu não sou — exclama com tanta ênfase que começa quase


como um grito, mas ela olha para os lados, preocupada que outras
pessoas ouçam suas próximas palavras — uma prostituta! —
termina de falar aos sussurros e eu não consigo evitar o sorriso, no
entanto, sua linguagem corporal grita o que está prestes a acontecer
antes que realmente aconteça, então eu me apresso em explicar.

— Eu sei! E esse é o ponto. Eu não posso contratar uma


prostituta, isso faz parte das regras da aposta. — Milena franze o
cenho, voltando ao seu estado inicial de confusão.

— Eu não estou entendendo.


— Veja bem, Milena, eu não posso contratar uma acompanhante,
mas nada nunca foi dito sobre uma mulher comum e desde que até
o final da aposta eles não descubram, eu venço, mesmo na derrota.

— E você quer me contratar? Eu sou a mulher comum?

— Exatamente. — Milena abre a boca, mas a fecha pelo menos


três vezes antes de virar o rosto para a janela. Seu olhar se perde
na rua abaixo de nós por minutos a fio, mas eu lhe dou todo o tempo
que ela precisa.

Seu rosto procura o meu e ela me observa com atenção e em


silêncio, lambe os lábios e franze a testa como se estivesse se
esforçando para entender algo.

— O que foi que eu fiz pra você achar que eu aceitaria dinheiro
pra dormir com você por três meses? — a pergunta é feita com
interesse genuíno. Ela está ofendida com a conclusão equivocada,
mas não está indignada ou histérica sobre ela, o que é no mínimo
intrigante.

— Nada — nego também com a cabeça antes de apoiá-la entre


os dedos polegar e indicador. — Você nunca fez nada que me desse
essa impressão e eu, sinceramente, não espero que você faça isso.
— Minha resposta tem o efeito inverso do esperado e Milena
consegue parecer ainda mais confusa do que antes. Eu solto um
suspiro e arrasto a mão pelos cabelos antes de erguer a coluna.
Porra, isso deveria ser fácil. — Eu quero pagar pela sua companhia,
Milena. Nada além. Nós teríamos encontros públicos pra convencer
a algumas pessoas de que eu estou fazendo o que elas querem, só
isso. — A ruga entre suas sobrancelhas se desfaz e ela balança a
cabeça, afirmativamente, mas não acho que ela se dê conta do que
está fazendo. — Se em algum momento transarmos, isso não vai ter
nada a ver com o acordo que estou te oferecendo, nem com o
dinheiro que estou disposto a pagar pelo seu tempo.

O rosto da mulher assume um tom intenso de vermelho que me


deixa curioso. Foi ela quem trouxe o assunto sexo para a mesa,
mas quando eu falo ela se constrange? Meus dentes se afundam
mais uma vez no meu lábio inferior em um reflexo involuntário de
curiosidade. Eu estreito os olhos, porém não acho essa seja uma
pergunta inteligente para se fazer agora.

— Encontros públicos? — questiona antes de sua língua


umedecer os lábios.

— Festas, jantares, talvez uma viagem ou duas.

— Eu não posso, eu trabalho. Eu tenho dois empregos, eu pego


outros trabalhos, eu não posso. — A resposta soa muito mais como
uma pensamento em voz alta do que como qualquer outra coisa.

— Você teria que sair dos seus empregos, mas eu pretendo fazer
isso ser muito vantajoso pra você. Eu pago sua dívida e...

— Como você sabe da minha dívida? — Agora, ela parece ainda


mais horrorizada do que quando achou que eu estava sugerindo
que ela era uma prostituta. Seus olhos estão imensos e chega a ser
impressionante o fato de que com a mesma velocidade com que
tingiu seu rosto, a cor some dele.

— Eu fiz o meu dever de casa — justifico, recriminando-me


internamente por ter soltado essa informação sem que ela fosse
realmente necessária.
— E isso quer dizer me espionar? — Ela estufa o peito e ergue a
coluna, assumindo uma postura de combate. Levo algum tempo
antes de encontrar as palavras certas. Palavras que eu espero que
a desarmem.

— Isso quer dizer que eu descobri como tornar essa proposta


irrecusável pra você antes de te abordar. — Sua resposta não é
imediata. Milena me observa com os lábios entreabertos,
ponderando minhas palavras.

— E co-como você descobriu isso? Quem, quem contou isso pra


você?

— Eu perguntei.

— Você perguntou a quem?

— Cem mil reais por mês, Milena — digo, sabendo exatamente o


efeito que o número terá em nossa conversa e o resultado é muito
além do esperado. Primeiro, o queixo de Milena quase vai ao chão,
depois, ela abre a boca, mas nenhum som sai dela por segundos e
a mulher une os lábios, os aperta, engole em seco e, só então,
gagueja.

— O q-quê?

— Eu vou te pagar cem mil reais por mês por um trimestre pra
que você finja ser minha namorada. E se você for até o final, ganha
um bônus de duzentos mil reais. Totalizando meio milhão de reais já
descontados dos impostos.

— Isso não tem graça. — A princípio, eu acho sua conclusão


engraçada, mas quando seus olhos se enchem de água, eu percebo
que ela está falando sério. Milena acha que estou brincando com
ela, zombando da situação catastrófica em que sua vida financeira
se encontra e eu me pergunto se minha proposta é tão absurda
assim.

Não é convencional, eu sei. Eu mesmo levei semanas até que


ela passasse pela minha cabeça e, mesmo assim, só aconteceu
porque ouvi uma conversa sussurrada para a qual eu não havia sido
convidado. E é certo que Milena não me conhece, nem sabe nada a
meu respeito. Pelo amor de Deus, a mulher se recusou a entrar
dentro de um carro comigo. Porra, sim. É óbvio que minha proposta
soaria como uma piada.

— Eu não estou brincando, Milena — aviso assim que percebo


que suas conclusões não são infundadas. — Eu estou falando sério.
Muito sério.

— Por quê?

— Por que o quê?

— Por que você faria isso? Por que você gastaria uma fortuna?
São quinhentos mil reais! — pausa, mas parece precisar de um
pouco mais para expressar a própria incredulidade. — Quinhentos
mil reais só pra ter uma namorada de mentira quando uma de
verdade sairia de graça? — Começa firme, mas sua voz falha
quando chega à última pergunta. A maneira como ela diz cada uma
das frases desenha o abismo social entre nós como nem mesmo
uma pesquisa do IBGE seria capaz.

Milena acha que meio milhão de reais é uma fortuna. E para ela,
é. Eu sabia disso quando estipulei o valor, mas a verdade é que
para mim, essa é uma quantia irrelevante. Completamente
irrelevante. Principalmente se esse é o preço da minha paz de
espírito. Eu seria capaz de pagar infinitamente mais por ela.

— Não é tanto assim e acredite, uma namorada de verdade me


custaria muito mais que dinheiro. Me custaria algo que eu não estou
disposto a pagar. Dinheiro é só papel.

— Esse é o tipo de coisa que só quem tem sobrando diz. — Solta


uma risada tão amarga que eu posso sentir o sabor em minha
própria língua e não gosto nem um pouco dele. Balanço a cabeça
em concordância.

— Você poderia ser uma dessas pessoas, tudo o que eu peço


são três meses da sua companhia em momentos específicos.

— Festas, jantares e talvez algumas viagens?

— Isso.

— Então deixa eu ver se entendi. — Inclina-se um pouco para


frente, aproximando-se da mesa. — Você quer me pagar quinhentos
mil reais pra eu fingir ser sua namorada por três meses, em dias e
horários específicos. No resto do tempo, eu posso fazer o que
quiser e sexo não está incluído no que você espera de mim, é isso?
— Outra vez, a pergunta sobre sexo deixa sua pele quente.

— Exatamente. — Um som arranha sua garganta e ela balança a


cabeça, negando, gritando com sua expressão facial e gestos que
tudo isso é um grande absurdo.

— Eu aceito.
— Milena, vo — começo minha contestação, mas me interrompo
quando percebo tardiamente que ela não é necessária. Franzo o
cenho, abro a boca, mas acabo fechando e mordendo o lábio
enquanto penso no que dizer para não estragar aquilo que
surpreendentemente, funcionou. — O que você disse? — pergunto,
precisando de uma confirmação. Eu tinha certeza de que ela diria
não. Um sim imediato não é apenas inesperado, é inacreditável.

— Eu disse que aceito. — Lambe os lábios e coça a bochecha.


— Eu acho que isso não faz o menor sentido, mas eu também acho
que o que faz sentido pra mim, não deve fazer pra você. Afinal, você
é rico e eu sou pobre. — Ela solta um longo suspiro, fecha os olhos
e abaixa a cabeça. Milena toma alguns segundos reunindo forças ou
decidindo o que dirá, não sei. Mas quando ela volta a olhar para
mim, suas íris azuis não demonstram nada além de determinação e,
mesmo que eu saiba que não deveria estar pensando nisso, não
consigo evitar. Linda. A menina é linda para caralho. — Eu não sou
idiota — faz outra pausa, parecendo fazer questão de esclarecer
esse ponto —, e tô desesperada de verdade, essa sua proposta...
Essa sua proposta pode mudar tudo. — Por um segundo, seus
olhos vão para longe da mesa de restaurante onde estamos
sentados. Concordo, apesar de a notícia não ser novidade para
mim. — Então, mesmo que você possa ser um psicopata e que
esses encontros pontuais possam resultar na minha morte em
algum quarto vermelho da dor[5] ou em um lugar pior, eu realmente
estou sem opções. Se você me der garantias, só precisa dizer onde
e quando começar. — Encerra o discurso com os ombros eretos e o
rosto sério.
E embora eu saiba que sua preocupação com meu equilíbrio
psicológico deveria ter soado engraçada, não soou nada além de
uma merda. Eu não sou um psicopata e sei disso. Mas ela não. E,
ainda assim, está disposta a se arriscar, porque não tem outras
opções. Mas que caralho! Aperto os dentes, subitamente irritado por
ela estar fazendo exatamente aquilo que eu desejo, o que não tem
qualquer sentido.

— Eu só tenho uma condição! — exclama, de repente,


arrancando-me da minha confusão interna para me arremessar em
outra quando seu rosto transparece, ao mesmo tempo,
determinação e preocupação. Milena é transparente demais. Se por
sua idade ou natureza, não sei, mas me vejo querendo descobrir.

— Qual?

— Eu não vou transar com você! — Minhas sobrancelhas se


erguem imediatamente. A rejeição declarada e incisiva é,
definitivamente, uma novidade, e, ainda assim, vinda dela, que eu
mal conheço, não me surpreende. Será que ela tem um namorado?
Se tiver, foda-se. Isso realmente não me importa agora, quer dizer,
que namoro vale o dinheiro que vai mudar a sua vida?

— Eu te disse. Sexo não faz parte do nosso acordo. Se...

— Não tem “se” — me interrompe e eu estaria mentindo se


dissesse que meu ego não foi atingido depois disso. — Eu não vou
transar com você em hipótese alguma. Eu posso fingir ser sua
namorada. Mas eu não vou transar com você. — Apoio os
antebraços sobre a mesa e inclino a cabeça, investigando-a,
tentando desvendar seus motivos, mas além da ansiedade para
descobrir se vou aceitar ou não sua condição, não há nada em seus
olhos. Balanço a cabeça, positivamente, e Milena solta um suspiro
aliviado que me deixa ainda mais incomodado.

Quer dizer, alívio? Mulheres sentem muitas coisas ao saber que


não me terão em um sua cama ou que não estarão na minha:
decepção, frustração e até raiva, mas alívio? Porra.

— Mas eu vou precisar tocar em você — o aviso soa muito mais


rabugento do que deveria. Não entendo por que me sinto tão
afetado pela falta de interesse de Milena. Ele nunca esteve nos
meus planos, para começo de conversa, então por que caralhos?

— Me tocar? — Pisca e, pelo que deve ser milésima vez desde


que nos sentamos, lambe os lábios.

— Se nós vamos fingir um namoro, pras pessoas acreditarem,


vamos precisar nos tocar publicamente.

— Aah...— Empurra a bochecha com a língua antes de deslizar a


mão pelos cabelos, desviar os olhos para um lado e para o outro e
finalmente criar coragem para perguntar. — Que toques?

— Eu não sei, Milena. — Solto o corpo no encosto da cadeira. —


Toques íntimos, carícias, mãos dadas, beijos.

— Beijos? — Ela estremece visivelmente, contudo não um


estremecimento coerente com suas recusas. Não. Um
estremecimento coerente com a maneira como ela me olha todas as
manhãs desde que eu me lembro. Um estremecimento coerente
com a garota que fica atrapalhada quando se aproxima de mim e
que até mesmo se esquecia de falar.
Me beijar a deixa interessada, mas sexo não? Involuntariamente,
ergo uma sobrancelha, fazendo a pergunta que ela nunca responde.
Depois de engolir em seco, Milena concorda com a cabeça.

— Tudo bem — aceita, como se eu tivesse acabado de lhe


oferecer veneno e não beijos, mesmo que todo o seu corpo tenha
respondido de maneira muito diferente à ideia.

Porra! A garota é um livro aberto quando se trata de qualquer


coisa, mas quando o assunto é sexo, seu rosto diz uma coisa, seu
corpo outra e sua boca outra. O garçom se aproxima com os pratos
e só então me lembro deles. A chegada do jantar me diz que
embora eu sinta que se passaram cinco anos, não se passaram
mais de vinte minutos.

Bom. Esse foi um começo interessante.


Olho para o meu prato enquanto calculo cada um dos meus
próximos movimentos para não parecer tão esfomeada quanto me
sinto.

— Você não gostou?

— Gostei — me apresso em explicar. A massa coberta por molho


branco tem um cheiro delicioso e a porção de carne está dourada
exatamente como nas fotos que vemos na internet. Eu nunca vi um
prato de comida tão bonito quanto esse ao vivo e a cores. — Eu só
estava admirando. — Sorrio, envergonhada, e os lábios do homem
não demoram a refletir os meus.

Ele indica os talheres, estimulando-me a comer e eu não preciso de


um segundo convite. A primeira garfada me faz gemer. Sim,
embaraçosamente, gemer. Mas o gosto é tão bom que eu sequer me
preocupo realmente com isso. Com os olhos fechados, aproveito o
sabor se espalhando pela minha boca.

A comida da minha mãe é gostosa, e que ela não me ouça, mas


isso aqui é de outro mundo. Todas as vezes em que passei pela porta
de um restaurante italiano chique como esse, perguntei-me por que
alguém pagaria caro para comer macarrão. Bom, eu tenho minha
resposta agora. Meu pai! Que coisa gostosa.

Abro os olhos, mas não os desvio do prato antes de dar a segunda,


a terceira e a quarta garfadas, que é quando me lembro dos meus
movimentos friamente calculados para não parecer esfomeada.
Merda. Por um segundo, eu congelo. Depois, devagar, apoio os
talheres sobre a porcelana exatamente como as pessoas ricas das
novelas costumam fazer e, só então, crio coragem o suficiente para
encarar Bruno.

Como eu esperava, seus olhos estão em mim, mas, diferente do


que eu imaginei que encontraria, não há julgamento ou
arrependimento neles. Ele só está... Me olhando. É quase como se
estivesse me enxergando e isso mais do que qualquer outra coisa, me
assusta. Eu não quero ser enxergada. Há coisas que são mais
seguras quando enterradas no mais profundo do nosso ser.

Toda essa noite ainda parece uma grande pegadinha do Silvio


Santos[6]. Ainda estou na expectativa de que a qualquer momento,
Bruno vai apontar para uma câmera escondida atrás de mim e me
dizer que tudo isso não passou de uma grande brincadeira, mesmo
que ele já tenha me garantido que não é.

Coisas boas simplesmente não acontecem comigo. Coisas


incríveis, como ganhar meio milhão de reais apenas para ser a
namorada de mentirinha de um ricaço? Bem, esse é o tipo de coisa
que não apenas não acontece comigo, como atravessa a rua quando
me vê.

Pessoas cheias de grana têm hábitos estranhos, sei que sim. Eu


costumava assistir Mulheres Ricas[7] quando tinha tempo e é muito
improvável que a loucura daqueles gestos absurdamente caros e
desnecessários se restrinja à parcela feminina dos privilegiados com
dinheiro de sobra. Na verdade, uma aposta dessas parece
exatamente o tipo de coisa que homens com a mesma mentalidade
das mulheres que participavam do programa fariam.

Não que eu consiga entender. Eu não entendia na época em que


via, pela televisão, aos absurdos que o dinheiro pode bancar e não
entendo hoje, quando um deles está, literalmente, desenrolando-se ao
vivo diante dos meus olhos e me convidando a participar como um
acessório. Mas eu não preciso. Não se independente da minha
compreensão essa aposta mudar a minha vida.

Quinhentos mil reais.

Sem contar com férias e décimo terceiro, quarenta e um anos e


meio de trabalho. Se eu considerar que continuaria a ter dois
empregos pelos próximos anos, vinte e um. Quarenta e um anos em
três meses.

Eu seria louca se simplesmente acreditasse. Quando a esmola é


muita, o santo desconfia. Ele precisa desconfiar. Hoje cedo eu
pensava que minha vida valia doze mil reais e, de repente, todos os
meus problemas não apenas estão prestes a sumir, como eu ganhei
respostas para perguntas que nunca sequer ousei fazer.

E, de todas as coisas que eu imaginei que sentiria todas as vezes


em que sonhei acordada com o impossível, sobrecarga,
definitivamente, não era uma delas. No entanto, sentada aqui, com um
milhão de pensamentos povoando meu cérebro que nunca teve muito
mais para se preocupar além de problemas financeiros,
sobrecarregada é tudo o que me sinto.
Dentro de mim há desconfiança, insegurança, medo, expectativa.
Há ilusão, realização e, em algum cantinho escuro e úmido, felicidade.
Ela está encolhida, esperando que todos os outros sentimentos se
dissolvam ou, pelo menos se assentem, antes de poder encontrar seu
próprio espaço na minha consciência.

E há esse olhar. Esse olhar que parece querer me enxergar quando


tudo o que eu quero é permanecer invisível. Esse olhar que procura e
quer revelar coisas que eu preciso que permaneçam escondidas.

— Você tem um pix?

— Desculpe. O quê? — pergunto, porque realmente não ouvi o que


ele disse. Vi sua boca se mover, mas presa nos meus próprios
pensamentos, não o ouvi.

— Um pix. Você tem? — repete a pergunta, enfia a mão no bolso e


tira o celular de lá.

— Tenho. É meu número de telefone — respondo, franzindo as


sobrancelhas.

— Diz ele pra mim? — Bruno dá alguns toques na tela do seu


celular que obviamente faz o meu parecer um pedaço de plástico
velho.

— 986458888 — recito os números numa velocidade que os deixa


incompreensíveis. — Pra quê? — Seus olhos encontram os meus
antes de ele me responder.

— Você ainda não acredita em mim. — Inclina levemente a cabeça


para frente. — Eu quero te dar uma prova de boa fé.

— Dinheiro?
— Um adiantamento.

— Quem é você? O que você faz? — Ele sorri, mas dessa vez é
diferente. Bruno sorri de um jeito menino, apesar de tudo nele gritar
homem. — Quantos anos você tem? — Meu pai. Eu só posso estar
ficando louca. Eu não sei nada sobre esse homem e, mesmo assim,
só faltei lhe gritar um sim, mas não é como se eu tivesse qualquer
grande alternativa.

E, como se quisesse me lembrar disso, as palavras de Patrão


nadam até a superfície dos meus pensamentos e eu quase posso
ouvir sua voz grossa e rouca em alto e bom som, fazendo o pouco que
comi se revirar dentro do meu estômago: “Se não conseguir o
dinheiro, eu não me importaria se você quisesse me pagar de outra
maneira.”

— Eu tenho trinta e três. — É impossível não fazer uma nova


análise da figura sentada diante de mim agora que sei sua idade. Uau.
Catorze anos mais velho. Uau. — E por que nós não fazemos o
seguinte? Você me diz seu pix, eu te dou uma prova de que estou
falando sério, nós jantamos antes que a comida esfrie e, depois,
continuamos nossa conversa e eu respondo todas as perguntas que
você tiver? — Olho para o seu prato de comida e o descubro intocado.

Bruno ainda não deu uma garfada sequer e eu me pergunto o que


ele ficou fazendo enquanto eu comia as minhas. Ou será que as
engoli tão rápido que uma pessoa educada não poderia usar esse
tempo nem mesmo para dar uma, quem dirá quatro?

— E quem me garante que você não é um criminoso? Que está


querendo colocar dinheiro na minha conta pra me incriminar de
alguma forma? — Suas sobrancelhas se erguem, demonstrando
surpresa com o que ouviu, antes de um sorriso imenso tomar conta do
seu rosto. Ele acha minha preocupação engraçada. Eu bufo.

— Pega o seu celular. — Não é um pedido e eu me vejo


obedecendo. Enfio a mão no bolso traseiro da calça e tiro o aparelho
velho, porém bem cuidado de dentro dela. Olho para Bruno,
perguntando silenciosamente o que fazer. — Me procure no google.
Bruno Magalhães. — Passo a língua sobre os lábios, mas esse não é
um pedido ao qual eu queira resistir. Se eu soubesse que encontraria
alguma coisa, teria feito isso antes.

Desbloqueio o celular e digito o nome na barra de pesquisas. Minha


internet pré-paga faz seu trabalho lentamente e quando a página
finalmente carrega, meus olhos quase saltam das órbitas com os mais
de seis milhões de resultados.

No topo da tela, há fotos de Bruno, resultado da busca automática


por imagens. Deslizo para o lado e uma infinidade de outras aparece.
Em muitas ele está de terno ou vestido em roupa de festa. Em todas
essas, está acompanhado por mulheres lindas e diferentes. Há fotos
dele na praia, surfando, e há também fotos posadas que parecem
feitas para capas de revistas. Mas é o texto logo abaixo que me choca
mais do que qualquer imagem.

“Bruno Magalhães é um empreendedor e filantropo brasileiro. CEO


e diretor de investimentos da Magalhães Capital, a maior empresa de
investimentos da América Latina e também herdeiro dela, o jovem
bilionário tem participação em várias empresas além daquela que
comanda. Seja como investidor maior, menor ou silencioso. Bruno
Magalhães também é conhecido por sua grife de roupas de surfe, a
Naonda.”
Bilionário.

Bilionário.

Não rico. Não milionário.

Bilionário.

Passo algum tempo dividindo-me entre olhar abismada para a tela


do celular e para o homem diante de mim. Rolo a tela para baixo,
visualizando todos os links atrelados ao seu nome. Entrevistas,
fofocas, notícias sobre ele e sua empresa, sobre premiações, fotos de
Bruno ao lado de figuras importantes. Meu pai! Tem uma ao lado do
Presidente! Ao lado da porra do Presidente!

Uma vez, assistindo a vídeos aleatórios no YouTube, fui parar em


um canal sobre finanças. O apresentador explicava a diferença entre
uma pessoa milionária e uma bilionária de forma lúdica. A conta era
muito simples, na verdade. Ele dizia que para contar de zero a um
milhão ininterruptamente, seriam necessários aproximadamente 14
dias. Já se fôssemos contar, unidade a unidade, um bilhão, seriam
necessários, aproximadamente, 38 anos.

E agora, há uma pessoa com todo esse dinheiro sentada diante de


mim, conversando comigo, esperando por uma reação minha. Eu acho
que vou desmaiar.

— Acredita em mim agora? — pergunta e minha boca, já aberta


pelo choque, não é capaz de emitir um som coerente. Eu a fecho,
engulo a saliva acumulada, abaixo a cabeça, olho a tela do meu
próprio celular mais uma vez.

— Aqui diz que você é bilionário. — Socorro, Deus! Com tanta


coisa pra falar, eu começo logo por essa? Eu estou ficando tonta.
Bruno balança a cabeça, concordando. — E como isso é possível? E-
eu te conheço há dois anos — gaguejo na pressa de falar tudo de uma
vez, mas não demoro a voltar a atropelar as palavras. — Você toma
café na padaria. Nunca tem repórteres atrás de vocês, as pessoas não
pedem pra tirar foto com você e nem cochicham a seu respeito —
enumero, uma a uma, as evidências de que ele não pode ser o que o
google está dizendo que é. — Você é uma pessoa comum! — Ele
estava apenas me olhando com diversão, mas quando passo da lista
de evidências para a acusação, Bruno solta uma risada alta que me
irrita, porque não há nada de engraçado em tudo isso.

— Graças a Deus por isso! — confirma e eu franzo o cenho. —


Milena, eu não sou uma celebridade. Não sou um artista ou um
influenciador digital, por exemplo, eu gosto demais da minha
privacidade pra isso. Sou conhecido onde importa que eu seja. Se
você quiser provas, pesquise meu nome no YouTube. Você vai
encontrar uma quantidade sem fim de vídeos que falam sobre mim ou
comigo em canais com milhões de inscritos, vai encontrar entrevistas
minhas em programas de televisão, horas e horas e material pra
confirmar.

— Nem tudo que está na internet é verdade — digo só porque


preciso dizer alguma coisa.

— Então você acha que eu plantei milhões de Fake News só pra


enganar você? — Ele tem uma sobrancelha arqueada e uma pálpebra
caída em uma expressão que não precisa de tradução. Ela quer dizer:
“sério?!”.

— Não, mas bilionário? — pergunto outra vez e ele dá de ombros,


como se isso não fosse grande coisa. Suspiro e desvio os olhos. Meus
pés batem incessantemente contra o piso de madeira em um reflexo
nervoso. — Não. Eu... Eu só não entendo. — As palavras saem
mesmo que eu não tenha lhes dado permissão para isso. Eu não
deveria estar fazendo perguntas. Quer dizer, até deveria, mas apenas
uma e ela deveria ser “onde eu assino?”, no entanto, por mais que eu
queira, não acho que sou capaz de simplesmente passar por cima
dessa dúvida, mais do que a qualquer outra.

Não depois de confirmar, vendo em todas essas fotos o que eu já


sabia. Bruno poderia ter qualquer mulher de graça. Ele inclina a
cabeça, dizendo-me para continuar.

— Por que você faria algo assim? Por que pagar alguém? Por que
eu?

— Eu já disse — responde e é a minha vez de lhe dar um olhar


irônico como resposta. Ele sorri, estranhamente satisfeito com a minha
recusa em ser enrolada.

— Muito bem, é justo. Mas façamos um acordo — propõe e eu


reviro os olhos ao me dar conta de que esse homem gosta de ter o
controle sobre as coisas e está acostumado a torcer tudo até que os
acontecimentos se desenrolem exatamente da maneira que quer. —
Eu te respondo isso, você aceita meu sinal de boa fé, nós terminamos
de jantar e depois conversamos.

— Feito — concordo, balançando a cabeça muitas vezes e rápido.

— Você já quis muito alguma coisa? Algo pelo que você seria
capaz de dar qualquer tudo de si e o que mais custasse? — pergunta
e eu não preciso pensar. A saúde da minha mãe é a resposta óbvia.
Eu daria qualquer coisa em troca disso. Qualquer coisa mesmo.
Assinto. — Eu quero ser o melhor. As pessoas acham que o fato de eu
ter herdado minha empresa torna as coisas fáceis pra mim e, até certo
ponto, tornou mesmo. Mas eu não quero que ela seja mais uma. Eu
quero que a Magalhães seja a maior e a melhor. Eu quero ser o maior
e o melhor. Eu quero que quando meu pai ouvir o nome da empresa
que foi do meu avô e do meu bisavô, ele se orgulhe pelo que todos
eles construíram, mas se orgulhe ainda mais do que eu estou
construindo.

A paixão com que ele fala quase me causa inveja. Eu nunca olhei
para nada além do essencial dessa forma. Nunca tive o privilégio de
desejar nada que não fosse a sobrevivência, minha ou de quem me é
querido, com tanta força. A sombra do garoto que vi há poucos
minutos se foi. Diante de mim, há apenas o homem. Um que é pura
determinação. Outra vez, aceno em concordância.

— Então eu não tenho tempo pra qualquer outra coisa. — Ele faz
uma pausa, apoia o dedo indicador nos lábios, depois, apoia os
braços sobre a mesa e balança a cabeça, negando. — Não. Isso é
mentira. Eu não quero ter tempo pra qualquer outra coisa. Eu sei,
desde muito cedo o que eu quero fazer com a minha vida. Eu quero
investir e quero ser o melhor no que eu fizer. Eu quero que grandes
personalidades como Elon Musk, Thiago Nigro, eu quero que a porra
da lista da Forbes inteira saiba meu nome, e eu não quero que nada
fique entre esse objetivo e eu.

— Você nunca tentou — sussurro, impressionada e Bruno


concorda.

— Eu não vou colocar o que eu quero em risco apenas para tentar


ter algo que não me faz falta e essa não é uma opinião sínica. —
Nega com a cabeça. — Sinceramente, não é. Eu pensei muito sobre
isso, pesei, calculei, ponderei. E, não importa quantas vezes eu os
fizesse, ou quanto tempo dedicasse a esses questionamentos, a
resposta era sempre a mesma.

— Não era o suficiente.

— Nem perto... Meus pais tem um casamento sólido, eu fui criado


em uma boa família, sempre tive tudo o que precisava e queria. Se me
perguntarem, eu vou dizer que sim, eu acredito no amor, e que, talvez,
ele até seja uma coisa boa, mas não é o melhor. Não pra mim. — Ele
sorri pequeno. — Isso é honestidade o suficiente pra você?

Não me resta opção além de concordar. Eu posso estar sendo


ingênua em acreditar que esses são seus motivos verdadeiros, mas
eu acredito.

— Você não respondeu à segunda pergunta. Por que eu? — Ele


empurra a bochecha com a ponta da língua, como se estivesse
pensando e, se eu tiver que tentar adivinhar sobre o quê, sua dúvida
sobre responder à essa pergunta com tanta honestidade quanto
respondeu à primeira.

— Eu não conheço muitas mulheres comuns — diz, por fim.

— Que sorte a minha, então.

— Agora, coma. — Penso em contestar, eu ainda tenho muitas


perguntas, mas o combinado não sai caro. Deixo meu celular sobre a
mesa, virado com a tela para baixo. Pego meu garfo e faço o delicioso
sacrifício de me dedicar a limpar meu prato. Bruno sorri, satisfeito.
Depois de mexer no próprio telefone mais algumas vezes, ele também
o coloca de lado e finalmente começa a comer.
— Ok. Terminamos — digo assim que o garçom se afasta com
nossos pratos vazios.

— Cheque seu telefone. — Ergo uma sobrancelha. Ele me mandou


uma mensagem ou algo assim? Como? Eu falei meu número rápido
demais justamente pra que ele não tivesse tempo de entender. Pego o
telefone sobre a mesa e no instante em que a tela se acende, exibindo
uma notificação do aplicativo do banco, eu quase tenho um ataque
cardíaco.

— Que porra é essa? — grito, sem controle algum do meu próprio


tom de voz e me arrependo logo depois. Felizmente, a única mesa
próxima que estava ocupada, agora, já está vazia.

— Um prova de boa fé. Um adiantamento. — Sorri como se não


tivesse feito nada demais.

— C-como? — gaguejo uma única palavra, porque não sou capaz


de dizer mais nada. Não ainda.

— Você me disse seu pix.

— Eu falei rápido. — Forço a voz, mas ela falha na última palavra.

— Eu sou muito bom com números. — Nós nos encaramos. Quer


dizer, ele me encara. Tudo o que eu faço é piscar sem parar até me
sentir segura de que vou conseguir dizer mais do que uma única frase.

— Você me transferiu cem mil reais! Cem mil reais, Bruno! —


Dessa vez, consigo moderar o tom, mas a força das palavras quase
arrebenta minhas cordas vocais. Olho, novamente, para a tela.
Precisando ter certeza de que aquilo não é algum tipo de ilusão de
ótica, desbloqueio o celular e abro o aplicativo do banco.

O saldo da minha conta é R$98.943,00, afinal, eu estava no


negativo. Encaro a tela acesa, o número descrito nela e o mundo
desabando das minhas costas é um sensação física. A ausência do
peso é tão real que eu me sinto mole, desconhecedora da minha
própria densidade corporal. Quem quer que tenha dito que dinheiro
não compra felicidade, não faz ideia do quão miserável é a sensação
de não ter escolhas imposta pela falta de dinheiro.

— Com licença, eu preciso ir ao banheiro — peço quando sinto a


primeira lágrima rolar e me levanto antes que ele tenha a chance de
responder.

Meus passos são apressados. Assim que entro no banheiro, me


enfio numa cabine e sem me preocupar com o barulho, com o estado
em que meu rosto vai ficar ou com qualquer outra coisa, eu choro. Um
choro doído, um choro grato a quem, lá em cima, decidiu olhar para
mim. Choro de alívio, choro de desespero. Choro até os soluços
irromperem pela minha garganta, até meus ombros sacudirem, até a
cabeça doer e o nariz corizar.

Não sei quanto tempo passo dentro da cabine, mas só saio dela
quando minha alma está tão lavada quanto meu rosto e ao me olhar
no espelho e me deparar com bagunça de nariz vermelho, olhos
inchados e bochechas, colo e orelhas quentes, eu simplesmente não
me importo.

Ao contrário da minha saída, meu caminho de volta até a mesa é


feito com calma renovada e antes mesmo de alcançá-la eu vejo
Bruno, de pé, andando de um lado para o outro.
— Eu estava prestes a invadir o banheiro. — Com apenas dois
passos seus, tudo o que nos separa é uma distância mínima de não
mais do que trinta centímetros. — Me desculpe, eu não tive a intenção
de te ofender. — Ele faz uma pausa, vira o rosto de lado, deixando-me
de frente para o seu perfil.

Não consigo deixar de admirar o maxilar forte, o nariz perfeito, os


cachos sobre a orelha. Abro e fecho os dedos. Nunca antes estivemos
tão próximos quanto agora. É claro que não. Eu sempre fui apenas
barista que lhe atendia todas as manhãs.

Quando ele volta a me encarar, não há bom senso no mundo que


me obrigue a interromper minha observação que, agora, com a
mudança de posição, está totalmente concentrada em seus lábios.
Eles são cheios, perfeitamente desenhados. Eu me pergunto qual
seria a sensação de beijá-los e ao me lembrar de que em breve
descobrirei, um arrepio atravessa minha espinha de ponta a ponta,
mas eu me ressinto dele e isso é o suficiente para me acordar.

— Você não me ofendeu — digo, dando um passo para trás. — O


que te fez pensar isso?

— Quando uma mulher sai correndo e chorando, é difícil chegar à


outra conclusão — reponde, parecendo contrariado e muito inclinado a
não acreditar em mim.

— Não eram lágrimas de tristeza, Bruno. Eu só precisava de um


tempo sozinha. Esse jantar, a proposta, o dinheiro... Foi muita coisa
pra digerir e quando eu me sinto sobrecarregada, eu choro. — Seus
olhos analíticos buscam em cada um dos meus gestos qualquer sinal
de que eu esteja mentindo e quando não encontram, Bruno solta um
suspiro, parecendo aliviado. — Por que não sentamos? Eu ainda
tenho algumas perguntas — peço e ele acena com o braço, dizendo
para eu vá na frente.

— Oi — Gabriel diz assim que passo pela porta. Semicerro os


olhos ao encontrá-lo sentado diante da pequena mesa da sala,
rodeado de livros, cadernos e outros materiais escolares.

— Oi — respondo desconfiada. — Mamãe está no quarto?

— Uhum — confirma, levantando-se. — Você tá com fome? Quer


que eu faça alguma coisa pra você comer? — Ok. Tem alguma coisa
muito errada aqui.

Primeiro, ele é educado e agora está sendo solícito? Se eu não


tivesse certeza de que sou a única com acesso, diria que ele, de
alguma maneira, já tem conhecimento do saldo da minha conta
bancária, mas isso é impossível. Solto um suspiro cansado antes de
largar a mochila no gancho ao lado da porta, caminhar até a mesa no
centro da sala e parar de frente para o meu irmão.

— Desembucha.

— O quê? — Ele tem a cara de pau de se fazer de sonso.

— Eu estou em casa há menos de dois minutos e você já foi mais


gentil comigo do que nos últimos seis meses. Só tem duas
explicações pra isso, Gabriel. Ou você não é meu irmão, mas um Alien
infiltrado, ou você quer alguma coisa. Eu não acredito em vida
extraterrestre. Desembucha!
— Eu não posso ter acordado hoje e percebido que vinha agindo
como um babaca?

— Você percebeu? — Ergo uma sobrancelha, impaciente.

— Não tanto assim.

— Foi o que eu imaginei. O que você quer? — Ele ergue o braço


acima da cabeça, o dobra e coça o pescoço.

— Vai ter um passeio na escola...

— Ah, que você não vai? — o interrompo e como tenho feito todas
as vezes em que surge, aproveito a oportunidade para lhe alfinetar
sobre suas faltas.

Depois da reunião com sua diretora, eu dei uma dura em Gabriel e,


como sempre que é pego em mentiras escabrosas, nos dias que se
seguiram ele apresentou uma mudança razoável de comportamento.
O problema é que ela nunca dura, então, dessa vez, estou tentando
prolongar sua miséria tanto tempo quanto for possível na esperança
de prolongar também o período de remorso.

— Eu não tô mais faltando, Mile. E os professores me passaram


trabalhos pra substituir as notas que eu perdi. Tô fazendo todos. Quer
ver? — oferece fácil demais.

— É me fala isso daqui a seis meses. Cinco dias depois é muito


fácil.

— O passeio é importante, Mile. É uma visita à unidade projeto


Tamar[8] aqui de São Paulo. — Merda. Ele diz isso com olhos de
cachorrinho que caiu do caminhão de mudanças e mesmo que não
tivesse se esforçado na cara de coitado, eu não teria coragem de lhe
negar isso, não antes e, definitivamente, não agora.

Meu irmão é completamente apaixonado por animais. Não o vejo


seguindo uma profissão que não tenha relação com eles. O cretino é
inteligente e se tomar rumo e largar essa fase rebelde, não vai
demorar a entender aquilo que minha mãe e eu já sabemos há
tempos. Se a noite de hoje não tivesse terminado como terminou, eu
ainda daria meu jeito de conseguir pagar pelo passeio que, não tenho
dúvidas, vai me custar um rim ou pelo menos parte dele.

— Quanto custa?

— Duzentos e trinta — diz baixinho, mantendo o personagem de


pobre coitado e eu expulso o ar por entre os dentes.

— Vou à escola amanhã e pago.

— Vai?! — exclama, surpreso com a facilidade. Dou uma piscada


longa e expiro profundamente. Caminho até meu irmão e encaixo
minha mão em sua bochecha, deixando que a ponta dos meus dedos
toque sua nuca.

— Não há nada que eu não faria por você, Gabriel. Nada. Eu só


queria que você valorizasse isso. — Colo minha testa na sua.
Querendo que sim, mas sabendo que o comportamento de Gabriel é
um problema que dinheiro no mundo nenhum vai ajudar a resolver.
Decido que dez gigantes por dia são o suficiente, hoje eu estou
prestes a bater minha meta e não me sinto nada disposta a superá-la.

— Desculpe, Mile. — Abro os olhos que havia fechado, surpresa


com o pedido. — Eu só... Às vezes é difícil lidar comigo mesmo e eu
acabo descontando em você. Desculpe. Eu te amo. Eu te amo
mesmo! Muito! — Aperto sua nuca já sentindo as lágrimas
acumuladas. Eu me tornei o que eu mais temia, uma manteiga
derretida.

— Quando ficar difícil, conversa comigo, Gabriel. Eu sempre vou te


ouvir e tentar te ajudar, mas se você me afastar, não há nada que eu
possa fazer. Nós só temos a nós e a mamãe, um por...

— Todos e todos por um — fala junto comigo e eu confirmo com um


aceno. — Eu vou. Prometo. — Beijo sua bochecha e me afasto. Faço
uma carícia suave em seus cabelos antes de me erguer e deixá-lo
sozinho com suas tarefas.

É hora de enfrentar o último gigante do dia. A conversa com minha


mãe.

— E ele te transferiu cem mil reais? Na hora? — Olhos escuros


me encaram sob sobrancelhas erguidas. Minha mãe pisca algumas
vezes em expectativa pela resposta e a ansiedade devora meu peito.

O que ela dirá sobre tudo isso? Esconder a situação nunca foi uma
opção, não posso, nem quero fazer isso. Até porque, se eu não puder
contar para ela, para quem eu vou? E, como dona Daise me disse
ainda hoje pela manhã, nunca escondi nada dela, não vou começar
agora.

— Isso. E amanhã eu vou até o apartamento dele assinar o


contrato e acertar os detalhes. A história, sabe? Como nos
conhecemos, todas essas coisas. Ele disse que a nossa primeira
saída deve acontecer na sexta. — Levo a mão até a boca e mordisco
a pele ao redor da unha do dedo médio.

Minha mãe balança a cabeça para cima e para baixo, concordando


devagar e deixa que os segundos corram até se transformarem em
minutos sem que nada além do som do ventilador de teto possa ser
ouvido no quarto. Abandono as cutículas e passo a roer as unhas. Se
ela não me disser algo substancial nos próximos dez segundos, acho
que vou enlouquecer.

— Será que ele tem um pai na mesma situação? — São as


palavras que deixam sua boca e elas são tudo o que eu não esperava.

— Mãe! — exclamo, mas, logo depois, gargalho alto, sentindo o


último peso no meu peito ser abandonado e meu coração bate leve
como há muito, muito tempo, não batia.

Dona Daise acaricia suavemente minha bochecha e com um olhar


repleto de amor.

— Eu nunca julgaria você por fazer o que quer que você decida
fazer, minha filha. E, se um homem me oferecesse meio milhão de
reais só pra ir em uns encontros com ele, mesmo na minha idade, eu
gritaria sim.

— Isso vai resolver tudo — sussurro, já sentindo novas lágrimas de


alívio se formando. — Nós poderemos pagar um plano de saúde e...
— Ela estala a língua, interrompendo-me, e dispensa meus planos
com um aceno desdenhoso.

— Isso vai resolver tudo o que importa, mas um plano de saúde


com certeza não é o item número um da lista, minha filha.
— E o que é mais importante que a sua saúde, mãe? — questiono,
vasculhando minha mente atrás de um problema que possa ser
considerado maior do que àquele que temos administrado nos últimos
anos. — Ela sorri com ternura.

— A sua saúde. — Ela se inclina levemente para frente. — A sua


juventude, a sua vida. — É a minha vez de estalar a língua. Torço os
lábios para o lado, deixando clara a minha frustração com essa
resposta.

— Minha vida vai bem, obrigada — resmungo.

— Não ia não. Há dois anos você sobrevive, Milena. Eu te amo e


não poderia ter pedido a Deus uma filha melhor do que você. Hum? —
Ergue as sobrancelhas e toca a testa na minha. — É por isso que
mais do que qualquer coisa, eu quero te ver feliz e, se esse homem é
a porta que a vida abriu pra você, passe por ela e não olhe pra trás.

— Mãe...

— Não olhe pra trás! — reforça, falando muito seriamente.

— Eu não vou precisar, porque tudo o que me importa vai estar ao


meu lado — respondo com a mesma seriedade. — Sempre!

— Sempre — concorda, sorrindo, antes de me envolver em um


abraço e colo que só ela tem.
Que porra de noite.

Quando fui ao encontro de Milena no início dela, achei que a essa


hora eu estaria comemorando minha vitória, não amargando um
trilhão de pensamentos controversos ou vendo um número cada vez
maior de perguntas sem resposta surgirem dentro da minha própria
cabeça.

Jogo-me na cama vestindo nada além da cueca boxer e Buzz me


segue imediatamente. Ele senta ao meu lado, espera que eu puxe o
cobertor sobre as pernas e, depois, desaba sobre elas, deixando a
cabeça apoiada em meu colo.

Suas patas gordas arranham a lateral da minha coxa. Eu bufo, mas


faço exatamente o que ele quer, começo a coçar sua orelha e a
acariciar a pelagem branca e marrom. Sua respiração esforçada soa
alta quando o buldogue ressona, satisfeito. Cachorro mimado. Estalo a
língua e balanço a cabeça, mas acabo rindo, o que não dura muito.

Minha mente ansiosa corre para repassar os últimos


acontecimentos, mas não consegue se decidir em que se focar. Se
neles, ou nas sensações desconhecidas que me assaltaram desde o
momento em que surpreendi Milena do lado de fora da Garden.
As engrenagens do meu cérebro trabalham a todo vapor tentando
entender como é possível que por tanto tempo eu não tenha dado um
segundo pensamento à existência da mulher e, agora, poucos dias
depois de ter realmente olhado para ela, eu me veja incapaz de
permanecer indiferente aos sentimentos que ela tão naturalmente
expõe.

Quase como a lei da ação e reação, para cada emoção que


atravessava o rosto ou os gestos de Milena esta noite, um desejo
percorria o mesmo caminho na minha consciência.

Quando a encontrei abatida, eu quis saber o porquê, quis fazer


com que se sentisse melhor. Quando ela se assustou, quis que ela se
sentisse segura. Quando ela teve dúvidas, eu quis ser capaz de lhe
dar certezas. E até mesmo quando ela chorou, desejei fazer algo para
mudar isso e não apenas para me afastar do inconveniente, mas
porque vê-la se sentindo daquela forma pareceu errado.

E se todos esses desejos não fossem estranhos por si só, eles


seriam por me pertencer. Eu não sou um homem com uma grande
variedade de vontades. Principalmente quando se trata de uma
pessoa específica.

Até hoje, precisamente, minhas vontades tinham sido sempre as


mesmas: vencer, o que quer eu estivesse disputando; foder sempre
que meu corpo desse sinais de precisar, o que, aliás, acontece com
muita frequência; e aproveitar cada momento com a intensidade
máxima.

Mas cuidar de alguém? Atender às suas necessidades sem


qualquer interesse além da minha satisfação pessoal? Essa,
definitivamente, é uma novidade. E não a única. Porque eu me peguei,
mais de uma vez, gostando de simplesmente olhar para ela.

Intrigante. Concluo, depois de vasculhar todo o meu vocabulário


interno atrás de uma palavra apropriada. Não consigo encontrar um
adjetivo melhor para a mulher que cativou minha atenção como jamais
antes, mesmo que seja, essencialmente, o oposto de tudo aquilo que
eu sempre procuro.

A fragilidade impregnada em cada um dos seus gestos,


geralmente, me faria andar na direção contrária à sua em qualquer
horário do dia. No entanto, foi impossível dispensar a curiosidade
quando a mesma mulher que saiu correndo e chorando, voltou
ostentando os sinais evidentes do choro como se fossem marcas de
guerra, algo do que ela se orgulhava. Uma mistura inexplicável e
contraditória de força e vulnerabilidade.

A respiração pesada de Buzz começa a se transformar em roncos e


eu abaixo os olhos para encará-lo, mas por ainda estar com a cabeça
no jantar, tudo em que consigo pensar é em como Milena reagirá a
ele.

— É Buzz... Você tem razão. É melhor a gente ir dormir.

— Um aviso, pessoal, não é assim que vocês vão continuar ricos!


Nós precisamos de ideias melhores se quisermos continuar invictos na
contagem de trimestres positivos! — A sala de reuniões, lotada pelos
meus principais agentes e analistas, ouve com atenção e eu gosto da
tensão nervosa que começa a se espalhar por ela. — Se na próxima
reunião vocês não tirarem os rabos de vocês das poças de merda em
que eles estão descansando, acreditem. Seus bônus anuais também
não vão superar os do ano passado. Se eu não ganho, vocês não
ganham! Se os clientes não ganham, vocês não ganham. Agora, vão
fazer algum dinheiro! — E, com a última dispensa, todos se levantam.
Apenas Robson, meu gerente, permanece na sala. O sorriso em seu
rosto me arranca uma risada.

— Nada melhor do que um discurso motivacional...

— E é bom que funcione, porque nós estamos na porra da margem


de segurança e todo mundo sabe que quando se trata de mercado
financeiro, só existe uma verdade:

— Não existe margem de segurança! — falamos juntos. Rob se


levanta, abotoa o paletó e me segue quando eu passo pela porta de
vidro que conecta meu escritório com a sala de reuniões onde
estávamos.

— O Rafa trouxe uma boa ideia hoje. Pode gerar trezentos milhões
de lucro.

— O Rafa, é? — Dobro o lábio inferior para fora, surpreso. —


Bom...

— Porra nenhuma! Já tinha passado da hora! — ele expressa em


voz alta os meus pensamentos e eu confirmo enquanto fecho tudo o
que estava aberto em meu computador e o desligo. — Saindo mais
cedo? — questiona.

Olho para o relógio apenas para constatar o que eu já sei e, como


uma confirmação do universo, recebo uma mensagem de Dara, minha
governanta.
Claro que está. Nem por um segundo imaginei que ela seria
qualquer coisa além de pontual. Não depois do nosso jantar de ontem
cujos acontecimentos, mesmo após uma noite e um dia inteiros, ainda
estou tentando entender.

Investiguei suas necessidades assim como faço com qualquer


parceiro de negócios em potencial somente para ter certeza de que
ela não estaria em posição de me dizer não. No entanto, tudo o que
descobri não significou nada quando a menina me desmontou com a
porra de um gemido de satisfação.

Quero rir de mim mesmo. Uma garfada de talharim a


quatro formaggio[9] foi todo o necessário para que eu fosse hipnotizado
pelo rosto da garota catorze anos mais nova do que eu e por essa eu
não esperava. Assim como também não estava preparado para que
essa fosse a primeira das muitas surpresas da noite.
Milena ter aceitado minha proposta sem cu doce demonstrou uma
sagacidade inusitada. Embora soubesse que ela não tinha opção além
de aceitar o que eu propunha, imaginei que teria algum trabalho até
fazê-la perceber isso. Entretanto, a mulher sequer pestanejou quando
a oportunidade foi colocada à sua frente.

Mais inesperado que isso, apenas sua desconfiança sobre eu ser


um criminoso. O que, por sua vez, só foi superado pela sua defesa
apaixonada de que eu não poderia ser um bilionário porque não havia
repórteres em meu encalço ou pessoas me reconhecendo na rua.

Sorrio, lembrando-me da sua expressão convicta e de todas as


outras que me mantiveram mais presente em um jantar do que eu
jamais estive, fosse uma reunião de negócios ou um encontro.

— Posso rir também? — meu gerente pergunta, trazendo-me de


volta ao presente.

— Não. E, na verdade, Rob, eu tô atrasado.

— Negócios?

— E quando não são? Até amanhã. — Despeço-me, passando


pela porta e caminhando para fora do edifício de três andares, a sede
da Magalhães Capital.

O motorista já está parado, com a porta aberta, quando chego à


calçada. Entro no carro, sentindo-me ansioso para assinar os papéis
que me esperam em casa, mais do que isso, para começar a controlar
o jogo no qual meus amigos acreditam que eu fui derrotado. Aqueles
filhos da puta não perdem por esperar.
Encontro Milena observando São Paulo através das imensas
janelas do chão ao teto da minha sala de estar, apreciando, quase de
maneira reverente, a vista privilegiada da cobertura. Vestindo o que
acredito ser a mesma calça jeans surrada de ontem e uma camiseta
vermelha de mangas curtas, ela tem os cabelos soltos e os pés
descalços, sobre os quais Buzz dorme calmamente, como se a porta
de sua casa não tivesse acabado de ser aberta, ou, mais importante,
seu dono não tivesse acabado de chegar.

Cachorro folgado. A visão me faz sorrir. Se eu tinha alguma dúvida


sobre eles se darem bem, acho que essa imagem a responde.
Balanço a cabeça, negando e não consigo evitar. Aproveito a
distração de Milena para observá-la.

O corpo mignon[10] tem uma postura engessada, os braços estão


cruzados à sua frente, na defensiva, e ela enrola uma mecha de
cabelo entre os dedos. Milena está nervosa e eu posso entender isso.

Talvez até ontem à noite eu não entendesse realmente a dimensão


da mudança que tudo isso vai causar na sua vida, mas agora eu
entendo e o mesmo desejo que me pegou completamente
desprevenido na noite passada, quando Milena fugiu para chorar
sozinha, me assalta agora: que ela se sinta segura comigo. Sacudo a
cabeça, expulsando a sensação e o pensamento.

— Oi — digo, tendo urgência em interromper o caminho que


minhas divagações estavam tomando, mas ela estremece. Merda. Eu
a assustei.
Seus ombros se movem, denunciando sua inspiração profunda
antes que ela se vire para mim com um sorriso tímido.

— Oi. Desculpe, eu não te ouvi chegar — pede e eu inclino a


cabeça e coço uma das sobrancelhas.

— Eu te assustei, Milena. Se alguém tem que se desculpar, sou eu.

— Você está na sua casa — argumenta e eu estreito os olhos


enquanto um pensamento me ocorre.

— Você é teimosa — constato em voz alta e ela solta uma risada


baixa.

— É um dos meus defeitos. — E em mais um dos seus momentos


de pura contradição, não há qualquer sinal de constrangimento com a
admissão.

— Eu chamaria de virtude. — Sua resposta é um dar de ombros. —


Tudo bem. — Deixo as chaves e o celular ao lado do aparador e entro
na sala. Atravesso o espaço entre nós até estar a poucos passos de
distância. — Dara te ofereceu alguma coisa? Você quer beber alguma
coisa? — pergunto desabotoando e tirando o paletó. Seus olhos
acompanham o gesto, mas só até ela se lembrar de que está
encarando, desviar o olhar e balançar a cabeça em negativa. Eu
assinto. — Vamos nos sentar? — Com o braço, indico a mesa de
jantar atrás de nós.

Milena lidera o caminho e eu dobro as mangas da camisa,


deixando-as na altura dos cotovelos. Afrouxo a gravata e a retiro do
pescoço. Sobre a mesa, há o envelope que pedi que fosse entregue
aqui esta tarde. Milena escolhe uma cadeira e eu me sento ao seu
lado em uma decisão friamente calculada.
A verdade é que se vamos fingir ser um casal, preciso que ela se
acostume a ter seu espaço pessoal sendo invadido por mim. E
honestamente, gosto da maneira como ela se arrepia se eu chego
perto demais. Ego do caralho, eu sei.

— Você vai precisar de roupas novas — comento, ganhando sua


atenção. Tão perto, consigo ver minúsculas linhas amarelas dentro de
suas íris, assim como o círculo cinza ao redor delas. Seus lábios se
entreabrem e ela sopra suavemente por entre eles antes de trazer o
olhar até o meu.

— Roupas?

— Sim. Pros nossos encontros e pro dia a dia. — Seus lábios


assumem o formato de um O e eu inclino o pescoço, curioso. Comprar
roupas é sempre uma coisa boa, não é? Bem, eu gosto.

— Claro. — pausa e engole. — Eu vou... Vou cuidar disso. O que


eu devo comprar pra sexta? — Umedeço os lábios e, mais uma vez,
Milena acompanha o movimento. Minha mão formiga, pronta para
tocar sua bochecha sem que eu nem mesmo tenha pensado sobre
isso, mas me impeço a tempo.

— Deixa comigo. Eu providencio o que for necessário pra sexta. Se


preocupe com o resto. — Sua cabeça confirma e eu espelho o gesto.
— E talvez você queria já comprar algumas coisas pra deixar aqui.

— Aqui? — Arregala os olhos em surpresa.

— Não agora, mas eventualmente você vai precisar passar a noite


aqui, Milena, é mais fácil já nos prepararmos pra isso.

— Dormir? Aqui? Com você? — A maneira como as perguntas são


feitas pontualmente me faz sorrir. Bom, primeiro você vai precisar se
acostumar a ficar perto de mim sem parecer estar prestes a ter uma
convulsão. Penso, mas não digo.

— Eu tenho um quarto de hóspedes — aviso e ela respira aliviada.


De novo a porra do alívio contraditório. Concentro-me no que é
importante, deixando essa questão de lado, pelo menos, por
enquanto. — Meus amigos e eu, Milena, nós levamos apostas muito a
sério. Eles não vão facilitar minha vida e não serão facilmente
convencidos de que eu estou fazendo o que eu disser que estou. Eles
nunca vão conseguir adivinhar isso — faço um sinal entre nós dois —,
mas eles vão procurar qualquer coisa que pareça fora do lugar e se
acharem uma letra sequer, acredite em mim, eles vão descobrir o
alfabeto inteiro. Você vai entender depois que conhecê-los. — Ela
abre a boca, pronta para fazer uma pergunta, porém desiste e fecha.
Inclino o pescoço e ergo uma sobrancelha. Ela estreita os olhos e
bufa, reconhecendo meu desafio silencioso.

— Você explicou porque não fazer isso de verdade. — Milena ajeita


uma mecha de cabelo atrás da orelha e deixa que os dentes deslizem
sobre o lábio inferior. — Mas eu ainda não entendo por que
simplesmente não dizer que não vai fazer o que eles querem? Quer
dizer, você não é obrigado, é?

— Tecnicamente? Não. — Enfatizo a negativa com um balançar de


cabeça.

— Então, por quê?

— Porque eu não perco.

— Mas você já perdeu — diz baixinho, inclina a cabeça e uma ruga


surge em sua testa quando a confusão estampa seu rosto. Acho graça
da expressão em seu rosto, mas também acho incrivelmente
cativante.

— E é por isso que eu não posso me recusar a pagar o que devo.


Seria uma segunda derrota.

— Isso não faz qualquer sentido — fala para si mesma, olhando


para baixo.

— Eu acho que você vai entender depois que conhecê-los.

— Eu te conto. — A resposta atrevida é bem-vinda e eu concordo,


o sorriso em meu rosto se torna ainda maior. Milena se mexe,
claramente desconfortável com a nossa proximidade, mas isso só nos
aproxima mais e o cheiro suave de seus cabelos se infiltra pelo meu
nariz.

Ele é inédito para mim e sou obrigado a reconhecer que bom pra
caralho. É inevitável me perguntar qual será a sensação de senti-lo
com o nariz grudado aos fios ou em sua pele. A garganta de Milena se
movimenta lentamente quando ela engole, afetada pelo silêncio
repentino e pelo meu foco inesperado nas partes dela que estão na
altura dos meus olhos, e outra vez, sua reação, ao invés de me
afastar, como teria feito em qualquer outro momento, faz com que eu
queira me aproximar ainda mais.

— Então — digo, deslizando o envelope pelo tampo de madeira da


mesa redonda até que ele esteja diante de nós e o abrindo, não
querendo dar atenção à maneira como as reações de Milena me
afetam. — Esse é um contrato padrão de serviço. Na teoria, você vai
ser minha funcionária, é assim que nós vamos justificar seu
pagamento. As páginas com post-its são as que precisam da sua
assinatura. Vou te explicar todas as partes dele, mas antes de assinar,
leia tudo. É importante. — Empurro as folhas na sua direção, deixo
uma caneta ao lado e me inclino para frente para mostrar do que
estou falando. Imediatamente, ela pega a caneta e leva aos lábios,
deslizando a tampa por eles antes de simplesmente chupá-la.
Perto demais. Ele está perto demais e eu não acredito que há um
contrato de meio milhão de reais diante de mim e tudo em que
consigo pensar é no fato de que Bruno está perto demais. Ele não
podia ter sentado de frente para mim? Como ontem? A uma
distância segura?

— Você tá tremendo. — O tom duro é de repreensão e também


de alguma outra coisa que eu não consigo identificar.

— O q-quê? — Meu pai! Eu preciso parar de gaguejar. Fecho os


olhos e puxo uma inspiração profunda tão silenciosamente quanto
sou capaz e começo a soltá-la devagar. Não tiro os olhos do
contrato à minha frente, mesmo que, nesse momento, minha
capacidade de concentração seja menor do que a de um peixe.
Talvez menos.

Prendo os lábios ao redor da caneta entre eles sem me importar


com o fato de que a estou babando, mesmo que seu dono esteja
bem ao meu lado, muito mais perto do que gostaria e,
provavelmente, insatisfeito por eu estar fazendo isso.

— Tremendo, Milena. Você está tremendo. — Ele solta um


suspiro resignado. — Tenho quase certeza de que o motivo é eu
estar tão perto e isso já está assim há pelo menos dez minutos. —
O vermelho tinge minha pele de maneira imediata. Urgh! Eu só
queria ter sido abençoada com um pouquinho mais de melanina.

Era pedir muito, @Deus? Só um pouquinho mais? Mas não! Eu


tinha que ser branca feito um papel e ter todos os meus
sentimentos, literalmente, pintados na cor da minha pele. Recuso-
me a olhar para ele e finjo estar realmente empenhada em
desvendar o mistério por trás do branco da folha de rosto do
contrato, mas Bruno não está disposto a facilitar minha vida.

— Pra isso dar certo, eu vou precisar me aproximar de você —


diz e, querendo provar o ponto, aproxima-se mais.

O calor do seu corpo parece envolver o meu, quase como se


quisesse atraí-lo e eu me vejo desejando responder ao chamado
que só existe na minha imaginação. Sua expiração quente bate
atrás da minha orelha, eu me arrepio inteira e fecho os olhos,
buscando um controle que nunca antes precisei exercitar e falhando
miseravelmente quando um leve tremor atravessa meu corpo.

Será que agora era um bom momento para eu dizer que sou
virgem? Não. Ele não tem nada a ver com isso. Pelo amor de Deus,
Milena! Ele não tem como saber se você é virgem só por estar
perto! Você está parecendo sua antiga vizinha maluca, a dona
Mercedes, que não sentava no metrô para não correr o risco de
engravidar.

— E-eu... eu só não estou acostumada. — Ele ri baixo e o som


reverbera por todo meu corpo. Como é possível que eu o sinta de
maneira tão intensa sem que ele sequer tenha encostado um dedo
em mim?

A risada rouca sugere que ele está se divertindo com a minha


situação, mas não ouso virar o rosto para descobrir. Perto demais.
Ele está perto demais e, de repente, se afasta. Minha mente sente
alívio, meu corpo sente falta. Aperto os lábios e sugo as bochechas,
deixando-as fundas.

— Nós vamos precisar trabalhar isso. Talvez tenhamos que nos


encontrar antes de sexta. Você vai precisar se acostumar comigo. —
Assinto, incapaz de dizer qualquer coisa.

Com ele a uma distância relativamente segura, finalmente sinto


que estou respirando outra vez, mesmo sabendo que em nenhum
momento o ar deixou de entrar e sair dos meus pulmões.

— Então. O Contrato foi dividido em cinco partes. A primeira


delas é moradia, a...

— Espera. — Franzo as sobrancelhas. — Moradia? — Girar o


pescoço em sua direção é um ato involuntário e seu olhar cai direto
para meus lábios ao redor da caneta. Oh, merda. Tiro-a da boca e a
largo em cima da mesa. Bruno solta uma respiração ruidosa e
sacode a cabeça rapidamente antes de falar.

— Eu escolhi algumas opções. Não posso te colocar em nenhum


dos meus apartamentos, porque isso seria suspeito. Encontrei bons
lugares perto daqui, mas acho que você vai querer ficar perto da
escola do seu irmão, certo?

— Do que você está falando? — pergunto, totalmente perdida e é


a vez de Bruno franzir as sobrancelhas e inclinar o pescoço. Ele
dobra o braço atrás da cabeça e coça a nuca antes de suas
sobrancelhas serem erguidas e ele morder o lábio inferior.

— Você não pensou sobre isso, pensou? — questiona e eu


continuo tão sem entender do que estamos falando quanto estava
há dois minutos. — Milena, você não pode fingir ser minha
namorada e continuar morando onde mora. — Abro a boca para
contestar, mas o gosto amargo em minha língua me faz fechá-la.
Quer dizer, o que há de errado com a minha casa? Ele não precisa
ir até lá. Eu tenho certeza de que ele nunca colocou os pés no bairro
da Sé. É claro que não, mas eu não vou me envergonhar por ter
nascido pobre.

Me ressentir? Todo santo dia! Mas me envergonhar? Nunca!


Nossa casa foi paga com muito suor da minha mãe.

— Você não precisa ir até lá se não quiser, Bruno. Eu posso te


encontrar onde quer que precisemos estar. Pode ficar tranquilo. —
Seu rosto recua levemente quando ele entende o que está por trás
da minha declaração.

— Você acha que é disso que se trata? Eu não querer ir até o


bairro da Sé?

— E não é? — Sou rápida em rebater, chateada. Mas meu tom


desgostoso passa muito longe de seu objetivo, porque a reação de
Bruno é rir antes de ele balançar a cabeça, negando.

— Eu estaria mentindo que não preferiria você perto o tempo


todo, afinal, tudo isso é sobre praticidade, o propósito da encenação
é que seja conveniente.
— Entendi — balbucio, engolindo meu orgulho, porque ele está
certo. É para isso que estou sendo paga, para ser conveniente. Ele
treme os lábios e revira os olhos.

— Pela sua cara, não entendeu não — afirma. — Olha pra mim,
Milena — pede, quando eu viro o rosto e ao voltar a encará-lo,
encontro seus olhos estreitados, mas não com aspereza. Bruno
parece quase estar se divertindo. — Eu posso não ter uma penca de
repórteres atrás de mim, mas eu ainda sou uma figura de interesse
e no momento em que você começar a aparecer, repetidamente, ao
meu lado, também vai se tornar — explica devagar, como se
estivesse falando com uma criança e eu me ofenderia, se ele não
estivesse com razão.

Eu realmente não pensei sobre isso. Estupidamente, eu não


considerei que namorar um bilionário, de verdade ou de mentira, iria
requerer adaptações em todas as áreas da minha vida.

— A mudança é pra sua segurança, não por um capricho meu. —


O silêncio se instala entre nós quando ele termina de falar, porque
eu ainda estou processando as informações e não respondo nada.

Pisco, tentando entender até onde tudo isso vai se estender, mas
quando minhas sinapses nervosas parecem estar todas prestes a
entrar em curto circuito, eu desisto e apenas pergunto.

— O que mais vai precisar mudar?

— Tudo... — Bruno demonstra um cuidado inesperado ao pausar,


dando-me tempo para lidar com a informação. — Se eu tiver que dar
um palpite, eu arrisco que a imprensa vai apelar pra boa e velha
história da cinderela. A garota pobre que fisgou o cara rico.
Publicarão todo tipo de matéria: românticas, engraçadas, críticas e,
é claro, as maldosas. Seus amigos vão saber, seus atuais vizinhos
vão saber, os colegas de classe do seu irmão vão saber e todos
eles vão, em algum momento, julgar você. — Cada nova informação
me acerta como uma amêndoa, despencando da amendoeira e
caindo bem em cima de mim, atingindo diferentes partes do meu
corpo em sequência.

Não é doloroso, é só uma sucessão de impactos para os quais


eu não estava preparada.

— Eu... Eu...

— Não tinha pensado em nada disso — ele me interrompe e


suspira. Nego, silenciosamente, concordando com sua afirmação.

— Não tinha. — Abaixo a cabeça e empurro os fios de cabelo


que caem em uma cortina na frente do meu rosto para trás. Mais
silêncio se afunda entre nós até que Bruno o quebre.

— Você quer desistir? — oferece e seu tom de voz me faz erguer


os olhos em busca dos seus. Suas palavras não soam raivosas nem
preocupadas. Talvez decepcionadas, mas também não acho que
essa palavra faça justiça e eu busco no seu olhar o significado que
eu nem sei se existe. — Você ainda não assinou nada, e mesmo
que tivesse, eu nunca te obrigaria a fazer algo que não quer por
causa de um pedaço de papel, Milena. Eu... — É a vez dele de
arrastar as mãos pelos cabelos. — Me precipitei. Eu deveria ter te
dado tempo para pensar.

— Achei que você não perdesse — recito suas palavras, porque


me liberar enquanto nosso acordo já estivesse em vigor significaria
isso, que ele perderia. Bruno sorri de canto, atraindo-me com aquele
magnetismo tão natural e eu me vejo me inclinando em sua direção.
Ele puxa uma inspiração profunda, como se estivesse se
aproveitando do meu gesto para ter um pouco mais do meu cheiro,
mas eu tenho certeza de que isso é só fruto da minha imaginação.
— Você já me pagou — lembro.

— Isso pode ser revertido. — Dá de ombros, como se não tivesse


qualquer importância e eu rio da sua inocência de achar que o
dinheiro permanece intocado na minha conta quando mesmo que eu
não tivesse pagado todas as minhas dívidas hoje, o que eu fiz, isso
seria impossível. O banco comeu uma parte dele no instante em que
foi transferido para mim.

— Eu já gastei parte do dinheiro, Bruno. E, de qualquer forma,


está tudo bem. Minha resposta ainda é sim, eu só preciso de uns
minutos pra processar as informações. — Ele assente e eu viro o
rosto, deixando que meu olhar se perca no nada.

— Vou fazer o seguinte, enquanto você absorve tudo isso, eu vou


tomar um banho — avisa, já arrastando a cadeira para trás e eu
seria capaz de ajoelhar e agradecer.

Sua presença sempre foi intoxicante para mim e ele está certo
quando diz que preciso aprender a lidar com ela. Só que é muito
mais fácil falar do que fazer. Meu corpo parece ser atingido por um
milhão de pequenos raios quando exposto à sua proximidade e
minha mente se embaralha inteira.

É bom que ele esteja longe enquanto compreendo a importância


do que estou prestes a assinar. O ranger do piso é bem-vindo no
silêncio desconfortável ecoando dentro da minha própria cabeça.

Observo Bruno se afastar, pegar o celular sobre o aparador e,


depois, subir as escadas em sua confiança absoluta de sempre,
aquela que eu tantas vezes admirei de longe, por trás do balcão da
Garden Gourmet. O homem praticamente exala poder e segurança
e é impossível impedir minha mente de voltar aos pensamentos que
tive enquanto o esperava chegar.

Minha primeira reação foi deixar meu queixo cair no chão com o
tamanho e beleza de seu apartamento, a segunda, foi recolhê-lo. O
lugar tem paredes e chão claros em sua grande área aberta. Assim
que entrei, fui recebida por um espaço imenso dividido em nada
menos do que quatro salas. À minha direita, uma sala de TV com
um sofá enorme e toda a parede revestida por uma madeira clara e
bonita.

À minha esquerda, uma sala de estar com outro sofá e algumas


poltronas. Mas foi o que encontrei à minha frente que me atraiu
exatamente como a Mariposa é atraída pela luz. Para além de
outras duas salas de convivência com pequenas mesas e cadeiras,
há imensas janelas do chão ao teto que permitem que quem olha
através delas, mergulhe em uma São Paulo acesa sem precisar se
mover.

E, embora eu quisesse absorver cada detalhe do lugar mais


bonito em que já estive na vida, desde os móveis aos tapetes, sem
pedir permissão, meus pés me levaram até as janelas e muito mais
cedo do que eu planejava, eu me vi parada diante delas,
observando a beleza cinza paulistana e toda a vida que circula e
pulsa muitos andares abaixo de onde eu estava agora.
Eu olhava pela janela e pensava no quanto tudo e todos
pareciam insignificantes daqui de cima. Tudo é tão pequeno,
distante: as pessoas, as luzes, os prédios, as casas. Eu me
perguntava como será viver a vida inteira enxergando de cima,
literal e metaforicamente. Talvez torne mais fácil simplesmente não
se importar.

Hoje foi um dia estranho. Depois de todas as emoções da noite


passada, achei que eu não conseguiria dormir, que passaria a noite
em claro, remoendo todos os acontecimentos. Não foi o que
aconteceu. Assim que minha mãe adormeceu, comecei a
reorganizar minha vida, como ela seria a partir daquela noite, ainda
que àquela altura, eu só tivesse consciência de parte da realidade.

As primeiras medidas foram ligações. Três telefonemas: um para


seu José, outro para o gerente do restaurante e outro para Clarissa.
Em todos, o objetivo era basicamente o mesmo: informar minha
demissão. Clarissa não é exatamente uma amiga, mas foi uma boa
colega ao longo dos últimos anos e achei que lhe devia isso.

Não contei a verdade. Essa, como prometi a Bruno, eu não


revelei a ninguém além da minha mãe. Para aquela que dividiu o
balcão da Garden Gourmet comigo pelos últimos dois anos, eu
disse apenas que o auxílio doença da minha mãe finalmente havia
sido liberado pelo INSS[11].

Depois de tomar banho, deitei na minha cama pequena, de


colchão velho. No quarto que divido com Gabriel, fechei os olhos e
só me lembro de acordar hoje, às onze da manhã.
Eu dormi. De verdade. Profundamente. Sem sonhos, sem
medos, sem preocupações e não me lembro de ter feito isso antes,
porque da última vez em que tive esse privilégio, eu ainda não
entendia que era isso o que era, um privilégio. Solto um longo
suspiro ao perceber que o lugar para onde olho já está vazio.

Bruno já sumiu no segundo andar. Sacudo a cabeça, agora não é


hora para esse tipo de reflexão. Agora é hora de usar minha
concentração e capacidade de respirar recém-recuperadas no
contrato à minha frente.
Sob os jatos potentes do chuveiro, olho para baixo sem conseguir
acreditar. De pau duro. As reações de Milena me deixaram com a
porra do pau duro e se eu não estivesse olhando para ele agora, eu
não acreditaria. Mas que caralho?!

A água gelada esfria a pele quente, mas não expulsa as imagens


que minha imaginação já criou de Milena sob mim. A menina é uma
verdadeira caixinha de surpresas e eu me pergunto quando é que isso
vai parar. Eu já havia conferido seu corpo, admitido sua beleza, mas
reagir fisicamente é uma coisa muito diferente.

Principalmente quando ela não fez nada para isso além de se


mostrar afetada pela minha presença, pela minha proximidade. A
maldita fragilidade me envolvendo, outra vez. Fecho o chuveiro, me
seco e saio do box com a toalha enrolada na cintura e a cabeça a mil
mesmo que a solução para isso seja óbvia.

Passo pelo closet em direção ao quarto. Alcanço o celular que


havia abandonado em cima da cama e envio algumas mensagens. A
primeira resposta é quase imediata e, um diálogo de três frases
depois, eu o abandono novamente sobre a cama e me visto antes de
descer para reencontrar Milena.
Dessa vez, meus passos na decida da escada avisam minha
aproximação e, ainda assim, Milena não se vira.

— O que você quer comer? — pergunto ao me sentar ao seu lado


novamente, mas mantenho uma distância adequada.

— Comer?

— Sim, você jantou antes de vir pra cá? — Abro o aplicativo de


entregas e rolo a tela para baixo, considerando as opções.

— Não.

— E não está com fome? — Levanto os olhos para encará-la. Ela


meneia a cabeça e, por fim, assente. — E então? Lanche? Comida?
Massa? Japonês?

— Aquele restaurante de ontem, eles entregam? — indaga,


acanhada, surpreendendo-me com o pedido.

— Gostou de lá?

— Muito. — Sua resposta me dá uma satisfação estranha.

— Eu vou pedir lá, então. Quer ver o menu?

— Não, eu fico feliz com o mesmo prato da noite passada.

— Certo. — Escolho o restaurante e faço o pedido, hoje, escolho


um vinho também e, quando recebo a confirmação. Bloqueio a tela do
celular e o deixo sobre a mesa.
— Quando eu tenho que me mudar? — Milena inclina a cabeça ao
fazer a pergunta. Cruzo os braços na frente do peito e apoio a lateral
do corpo no encosto da cadeira.

— Até quinta seria o ideal.

— Mas hoje é terça! — exclama, fazendo parecer que isso é um


empecilho.

— E qual é o problema?

— Não vai dar tempo! Quer dizer, há tantas coisas pra encaixotar
e...

— Todos os apartamentos que estou sugerindo já estão mobiliados,


Milena. Você só precisa escolher para qual quer ir e sua família só
precisará levar roupas e objetos de valor sentimental. E mesmo pra
isso nós podemos contratar uma empresa se você achar necessário.
Mas se vamos aparecer juntos em público na sexta-feira, você precisa
estar em um lugar com portaria e segurança adequados. — Sua
resposta não passa de um balançar de cabeça e eu reparo que ela já
começou a ler o contrato, as folhas estão mexidas.

— Dúvidas?

— Na verdade, sim — diz, finalmente virando o rosto na minha


direção. Aceno para que continue e Milena esfrega as palmas das
mãos nas coxas antes de entrelaçar os dedos, engolir duramente e,
por fim, falar. — A cláusula quinta?

— Discrição — me lembro. — Qual é a sua dúvida? — As


bochechas vermelhas me respondem e eu a poupo do trabalho. —
Você pode ter ou manter quaisquer relacionamentos que quiser
Milena, desde que seja discreta sobre eles.
— Mas você disse que não tinha...

— Relacionamentos — completo sua frase. — E não tenho mesmo,


mas eu fodo, Milena, no entanto, te prometo a mesma discrição que
estou te pedindo.

— Aqui diz que você vai custear roupas e qualquer outra coisa
necessária pros encontros, mas você já está me pagando uma fortuna
— fala atropeladamente, com pressa de mudar de assunto. Qual é o
problema dela em falar de sexo, afinal?

— O que eu estou te pagando é seu. Roupas e o que quer que seja


necessário são responsabilidade minha. Pense nelas como um
uniforme ou EPI.

— Eu não a...

— Você não vai me convencer do contrário, Milena. Poupe o fôlego


— aviso e ela demonstra surpresa por não mais do que dois segundos
antes de estalar a língua. Apoio o cotovelo sobre o tampo da mesa e
prendo o queixo entre os dedos indicador e médio. — Algo a dizer?

— Não — responde claramente contrariada.

— Ok. Nós precisamos acertar nossa história. Nos conhecemos na


padaria, nos falamos todos os dias nos últimos dois anos até que
algumas semanas atrás, uma conversa de verdade aconteceu quando
você me atendeu na minha mesa, ao invés de no balcão.

— Mas isso é quase verdade. — Franze as sobrancelhas e eu


sorrio.

— Essa é a maneira mais eficiente de se contar uma mentira.


Quanto menos detalhes você precisar inventar, porque já os conhece,
menor a possibilidade de se esquecer ou se enrolar com alguma
coisa. — Seu rosto ganha uma expressão investigativa.

— Desse jeito, parece que você faz muito isso.

— Mentir?

— Uhum.

— E eu faço mesmo, mas só nas situações adequadas.

— O que seria uma situação adequada para mentir?

— Um jogo de cartas, uma situação que requeira um blefe, uma


provocação a alguém... A mentira não precisa ser um defeito, Milena.
Ela pode ser um recurso.

— É um jeito de se pensar.

— Você discorda?

— Não tenho uma opinião sobre isso. Até agora, eu nunca tinha
olhado para mentiras como algo além de uma forma de machucar
pessoas que gostamos e esse não é um risco que eu esteja disposta a
correr, nunca. — Sua explicação me revela mais um pedaço da sua
personalidade intrigante e eu não faço nada além de absorvê-lo. —
Me pergunte de novo em algumas semanas — pede e eu rio baixo
antes de concordar com a cabeça.

— Tudo bem. Então, já sabemos como nos conhecemos, não


precisamos ir muito além disso. Estamos começando a nos conhecer.
Mas precisamos saber por que você deixou de trabalhar na padaria.

— Juntei o dinheiro que precisava para conseguir estudar? —


sugere e eu assinto. Parece que ela aprendeu bem rápido a usar a
mentira como um recurso, mas não falo nada a respeito. — E tem algo
que você odeie e eu deva saber? Pra não dar bandeira? — Outra vez,
me pego rindo.

— Muitas coisas, mas duvido que você vá dar bandeira sobre


qualquer uma delas. E você? Alguma coisa?

— Cigarros. — É taxativa e eu franzo as sobrancelhas. Eu não


fumo e todo mundo sabe que cigarros não são a melhor estratégia
para se manter saudável, pelo amor de Deus, há imagens de pulmões
podres na embalagem da coisa. Mas odiar? Há uma história aí e se a
resposta por si só não fosse o suficiente, a centelha de dor que
atravessa seus olhos seria. No entanto, eu não a pressiono. Aperto os
lábios e aceno.

— Ok! Você já conheceu o Buzz. — Aponto com o polegar para o


cão estirado no sofá, dormindo e roncando. Milena olha na direção e
um sorriso bonito pra caralho se espalha pelo seu rosto.

— Ele é uma graça. Muito carinhoso!

— E folgado! Se um ladrão entra aqui, rouba casa e o leva como


mascote! — Meu comentário a faz gargalhar e se eu a achei bonita
antes, agora ela é a personificação de um espetáculo com sua risada
contagiante e gestos espalhados. Distraída com seu humor, ela
sequer nota a intensidade do meu olhar, mas eu sim e, se em algum
momento suspeitei de que a decisão tomada em meu quarto, há
alguns minutos, era exagero, agora ela parece perfeitamente
acertada.

— Me fala dos seus amigos, os que eu vou conhecer — pede,


ainda entre risos. E eu concordo. Essa é uma excelente pedida.

— São quatro filhos da puta. Arthur, Heitor, Pedro e Conrado.


— Onde vocês se conheceram?

— No internato, quando éramos crianças. — Sua boca ganha o


formato de O que faz seus lábios cheios judiarem da minha
imaginação, principalmente depois tê-la visto sugando a porra da
tampa da caneta, e eu desvio os olhos. — Não é tão ruim quanto
parece. Os internatos de verdade não são como os dos filmes e
novelas.

— São melhores?

— Bem melhores. E dão a quem está lá um senso de família que


muitas vezes não temos em casa. Meus amigos e eu, todos nós
tivemos essa oportunidade. De pertencer a alguma coisa, sabe? E, até
hoje, carregamos isso.

— Parece uma amizade bonita — comenta e eu dou de ombros,


mesmo que saiba que sim, é isso e muito mais. Uma irmandade.

— Na sexta-feira, eles vão observar nossas interações, tentar se


certificar de que eu não estou furando a aposta.

— E como você faria isso?

— Contratando uma prostituta. — É imediato. O rubor toma conta


das suas bochechas, pescoço e colo. Eu quase lhe pergunto sobre a
razão de o assunto sexo lhe constranger tanto, quase. Contudo, não o
faço. — Mas isso nos leva a outro ponto. Você precisa relaxar quando
eu estiver por perto. Eu não vou fazer nada que você não me autorize,
Milena. Não há com o quê se preocupar. — Ela engole em seco e
balança a cabeça para cima e para baixo. — O que acha de nos
encontrarmos antes de sexta?
— Não precisa — responde rápido. — Eu vou me acostumar,
prometo. E se eu preciso me mudar até quinta, as coisas vão ficar
complicadas.

— Podemos contratar uma empresa. Tenho certeza de que minha


secretária é capaz de encontrar uma.

— Não precisa. Eu vou conseguir — afirma e eu balanço a cabeça.

— Você se adiantou às minhas explicações. — Aponto para as


folhas do contrato sobre a mesa. — Tem certeza de que entendeu
tudo?

— Eu sei ler e interpretar, Bruno — responde, malcriada e eu sorrio.


Contradições, contradições, contradições...

Puxo os papéis para mim e, depois de conferir suas assinaturas e


rubricas, faço o mesmo.

— Ótimo. Agora, nós estamos oficialmente num relacionamento. —


Sorrindo mais largamente, estendo a mão para um aperto e Milena a
olha como se me tocar fosse o equivalente a colocar os dedos nus
sobre um fio desencapado. Percebo então que ela nunca fez isso. Não
quando o toque era a única intenção.

Sua língua sai para lamber os lábios enquanto ela pondera o que
fazer a seguir e eu espero pacientemente. A sensação estranha, essa
atração carregada de algo mais nos envolve com uma velocidade
admirável e, outra vez, sinto meu pau dar sinal de vida dentro dos
shorts que estou vestindo.

Os olhos azuis de Milena piscam uma vez atrás da outra e quando


ela estende a mão para mim, suas pupilas se dilatam de maneira sutil
e seu corpo se inclina levemente para frente. Não sei se o meu repete
a sua aproximação ou se vem da parte dela a repetição, mas, o que
deveria ser um simples selo de acordo se torna um momento estranho
e para o qual eu não tenho explicação.

— A que horas vamos nos encontrar? — Quebra o silêncio,


livrando-nos do momento e eu franzo a sobrancelha ao me dar conta
de que não queria que tivesse acabado.

Pelos próximos minutos, continuamos combinando diferentes


partes da história que contaremos, Milena escolhe o apartamento
onde quer morar pelos próximos três meses, eu falo um pouco sobre
cada um dos meus amigos e o que ela pode esperar de cada um
deles. Mostro algumas fotos também. Quando o porteiro avisa que a
comida chegou, vou até a porta receber e, depois, nós nos sentamos
para comer.

A tensão de Milena por me ter por perto é minimamente aliviada e a


conversa entre nós flui de maneira natural. Em algum momento,
abandonamos os combinados e passamos a falar do dia a dia.

Milena ouve com atenção e interesse quando falo do meu trabalho


e eu lhe retribuo quando ela me fala dos planos que tem de começar a
estudar, embora ainda não saiba o quê. E, um bom tempo depois de
termos terminado o jantar, ainda estamos sentados à mesa, sem nos
importar com o fato.

A campainha toca, interrompendo nossa conversa e me fazendo


perceber que eu perdi completamente a noção do tempo. E, pela
primeira vez em muito tempo, me arrependo de uma decisão que
tomei de forma completamente consciente.
Bruno me explicava o que diabos é uma NFT[12] quando a
campainha toca e seu humor muda drasticamente. É uma
transformação estranha. Ele vai da descontração à seriedade em uma
fração de segundo, como se tivesse se lembrado, subitamente, de
algo que não poderia ter esquecido.

Eu o observo com atenção, ainda parado, com a boca aberta, no


meio de uma palavra, mas agora, em silêncio. É inevitável não sentir
meu próprio humor mudando. Nas últimas horas a pressão da sua
companhia foi aliviada. É verdade que eu ainda preciso ficar alerta na
batalha imparável de manter meu corpo preso no lugar quando ele
parece ser constantemente puxado na direção de Bruno. Absurdo, eu
sei, mas é o que acontece.

Uma pequena distração, e, como se fôssemos ímãs de polos


opostos, vejo-me aproximando-me. Entretanto, finalmente parei de
tremer e até de gaguejar. Graças a Deus, o homem é humano, não
uma divindade digna dos meus tremeliques. Contudo, observar a ruga
de seriedade que se forma em sua testa faz um peso desconhecido
afundar no meu estômago. Olho para baixo e só então reparo na tela
do meu celular. Deus do céu! Foram muitas horas!
— Eu preciso ir! — exclamo ao me dar conta de há quanto tempo
estou aqui. — Vou aproveitar que você vai abrir a porta — brinco, mas
o rosto de Bruno não demonstra qualquer sinal de diversão.
Muitíssimo pelo contrário. O olhar que ele dá à porta do próprio
apartamento é carregado e estranho. Tudo bem. Talvez ele queira que
eu vá embora e só não tem coragem de me dizer.

Hora de ir, Milena. Já passou da hora, na verdade.

Levanto-me da cadeira, mas o homem não me acompanha. Ele


permanece estático, sentado, com os olhos fixos à imensa estrutura
de madeira que sela a entrada de sua casa e é somente quando a
campainha toca uma segunda vez que ele parece ser despertado do
torpor em que o primeiro toque o colocou.

Seu pescoço se inclina levemente, como se Bruno estivesse me


analisando e eu acho melhor repetir o que disse, por via das dúvidas.

— Eu preciso ir. Já está tarde. Vou aproveitar que você vai abrir a
porta.

— Claro. Davi vai levar você — avisa e meu rosto deve deixar clara
a minha confusão, porque logo em seguida ele explica: — Meu
motorista. Ele está te esperando.

— Oh! Não! Não há necessidade. Eu posso ir sozinha


perfeitamente.

— É quase meia-noite, Milena. Não tem a menor condição de você


andar por aí sozinha. — A certeza em seu tom é tão fofa que me faz
rir.

— Bruno, eu passei os últimos anos transitando por essa cidade


enquanto era tarde ou cedo demais pra estar claro, acredite. A noite
paulistana não me assusta. — Suas sobrancelhas se erguem.

— Pois devia. De qualquer maneira, isso foi antes.

— Antes de quê?

— De mim. De nós — responde com simplicidade e o salto que


meu coração dá em reação às palavras não pode ser considerado
uma coisa normal. Entretanto, com a mesma velocidade com que sou
impactada pela declaração, me apresso em lembrar a mim mesma de
que ele está falando do nosso acordo, do nosso contrato.

Meu pai! Tenha dó! Se eu nunca fui iludida antes, não vai ser agora
que vou começar. Aviso a mim mesma. Nem que eu precise espalhar
lembretes e post-its por cada superfície ao meu redor, eu me recuso a
esquecer do meu papel nesse teatro.

Como ficou muito claro essa noite, a tranquilidade que virá com o
dinheiro de Bruno não será de graça. Ela vai me custar muito e eu não
me importo com o preço. A única coisa que eu definitivamente não
estou disposta a entregar como pagamento é um coração partido.

Bruno não se envolve, ele quer coisas que julga mais importantes.
E, agora que eu finalmente ganhei o direito de me perguntar o que eu
quero, eu posso ainda não ter descoberto a resposta, mas eu sei
algumas das coisas que eu não quero. Magoar-me com uma situação
sobre a qual eu fui avisada é uma delas.

E, como se o universo quisesse me ajudar a me agarrar a essa


resolução, quando Bruno abre a porta de seu apartamento para que
eu saia, do outro lado, com a mão prestes a tocar a campainha pela
terceira vez, está uma mulher que não pode ser descrita como nada
além de estonteante.
Os cabelos escuros são volumosos e longos, formando uma nuvem
de cachos apertados que emoldura seu rosto com perfeição. A pele
negra tem um tom de chocolate e é lisa como eu acho que nunca vi,
os lábios grossos estão pintados de rosa choque e ela veste, no calor
de quase trinta e seis graus do verão paulista, um sobretudo, deixando
muito claro para uma profunda conhecedora de filmes de romance
como eu, o que há por baixo, ou melhor, o que não há: roupas.

Bruno fode. O lado sábio da minha mente me alerta e eu recebo o


lembrete de bom grado. Essa é a minha chance de mudar de vida, a
chance da minha família, e eu não vou arruiná-la com imaturidade
emocional. De qualquer tipo, aliás.

No instante em que a vejo, eu estaco, surpresa, mas me recupero


rapidamente e depois da minha admiração desvelada e
inconsequente, sorrio para ela, que parece tão pega de surpresa pela
minha presença quanto eu fui pela sua. Eu a cumprimento com um
boa noite, a mulher olha para Bruno com olhos questionadores, mas
eu não planejo ficar para descobrir as respostas que ela está
procurando. Eu não tenho o direito de fazer perguntas e esse é um
excelente exercício.

Olho para o homem com o qual estarei ligada pelos próximos três
meses, o responsável pela mudança de 180° que minha vida está
prestes a sofrer e, dando a ele o mesmo sorriso que dei à estranha em
sua porta, eu me despeço.

— Boa noite, Bruno.

— Boa noite — diz e eu me viro, passando pela sua convidada e


caminhando em direção ao elevador.
Não espero para ver o que vai acontecer, não olho para trás.
Coloco um pé na frente do outro, ignorando as manobras em meu
peito, porque não tenho tempo para descobrir se elas estão de acordo
ou não com todos os pensamentos e resoluções girando em minha
cabeça. Pelo menos, é isso o que o eu digo para mim mesma.

— Pegou tudo, Gabriel? — pergunto, arrastando a última mala para


a pequena varanda de casa.

— Peguei. — Meu irmão surge no fim do corredor com sua mochila


pendurada sobre os ombros.

O sorriso em seu rosto é luminoso. Minha mãe entendeu a


mudança, mas Gabriel está eufórico com ela, mais uma vez me
lembrando de que é jovem demais. Bastou saber que no condomínio
para onde estamos nos mudando há piscina, quadras de futebol, vôlei
e outras conveniências, para que ele deixasse de lado qualquer coisa
que tivesse contra a mudança, até mesmo seus preciosos amigos.

Honestamente, não posso dizer que estou triste por afastá-lo de


certas companhias, mesmo que temporariamente. Espero que os
próximos meses ensinem a Gabriel o que é amizade verdadeira e o
que são oportunismo e coleguismo. Espero também que ele encontre
amigos de verdade em nossa casa temporária.

Espero. Espero tantas coisas. Os últimos dias foram um verdadeiro


festival de expectativa com relação a tudo e só de pensar na maior
delas, amanhã à noite, uma revoada de borboletas bate asas em meu
estômago. Uma balada. Eu nunca estive em uma balada. Será que eu
vou gostar? Será que eu vou odiar? Será que é como eu sempre
imaginei? Será que o banheiro vai ser fedido?

Há tantas dúvidas na minha cabeça que quando penso na noite de


sexta-feira, Bruno, que deveria protagonizar minhas preocupações,
não passa de um coadjuvante. E também não posso dizer que estou
triste sobre isso. Não depois do que vi ao sair de sua casa na terça-
feira. A linda mulher que ele convidou para sua casa foi uma verdade
esfregada em meu rosto.

Para além das fanfics que passei dois anos criando em minha
cabeça, Bruno nunca vai me enxergar como protagonista de nada.
Nem mesmo em nosso acordo. Tudo isso é apenas um jogo entre ele
e os amigos. Eu sou uma peça e essa é toda a informação de que
preciso para mantê-lo exatamente na mesma posição em minha vida.
Posso ser muitas coisas, inexperiente inclusive, afinal, eu nunca me
apaixonei.

Aceito até mesmo que me acusem de sonhadora, ainda assim, me


recuso a ser reduzida a nada além de uma opção. Eu quero um amor
que me tire o fôlego e roube o chão. Que acenda minha mente tanto
quanto ao meu corpo, que valorize meu espírito e me veja inteira e em
detalhes. Eu quero alguém que me escolha, entendendo o que isso
significa.

Talvez, daqui a alguns anos eu entenda que isso é muito para


querer. Talvez, eu nunca encontre, talvez, eu encontre amanhã de
manhã, enquanto atravesso a rua. Talvez eu durma esta noite e
acorde algumas horas depois certa do exato oposto daquilo em que
acredito agora. Talvez. Mas, independente de qual dessas variantes
se concretizará, a constante é uma só: a vida é minha pra acreditar ou
esquecer.
Olho para a casa em moro desde que nasci e solto um longo
suspiro. Tantas coisas foram vividas aqui, mas em meu coração não
há desejo algum de que outras venham a ser. Não desejo voltar para
cá daqui a três meses. Ainda não sei para onde quero ir, mas outra
certeza? Eu vou descobrir.
— Cadê ela? — Arthur pergunta, parecendo mais ansioso pela
chegada de Milena do que costuma estar com a final da Champions
league[13]. Ele não é o único.

Heitor, Pedro e Conrado também transpiram expectativa em


torno da minha escolhida, como se tudo isso fosse sobre algum tipo
de sacrifício sombrio e não de eu ser capaz de passar três meses
com a mesma mulher de maneira consistente. Eu bufo, fingindo uma
indignação que é tudo que eu não sinto, mas que é o que eles
esperam que sim.

Honestamente, também estou ansioso por sua chegada, para


saber como ela vai se comportar e não apenas com relação ao
quarteto fantástico de idiotas que eu chamo de amigos. Mais do que
isso, para saber como ela se comportará com relação a mim. Não
nos vimos desde terça-feira, quando Milena saiu da minha casa
sorrindo, mesmo depois de encontrar Beatriz na porta.

Não que eu quisesse algum tipo de reação da parte dela. Porra!


Não, eu não queria, mas talvez esperasse. E também não sei o que
esperava, no entanto, sua indiferença atingiu exatamente o mesmo
lugar onde seu alívio, por não ter que transar comigo, já havia
atingido repetidas vezes desde a noite de segunda-feira. Quase
deixei Beatriz em meu apartamento por um minuto e fui atrás de
Milena no elevador. Quase. Mas por quê? Por que eu faria isso?
Perguntei-me e não consegui encontrar uma resposta.

E se não havia resposta, não havia motivo. Fiquei e aproveitei a


noite exatamente como havia planejado fazer, ainda que a sensação
não tenha sido a que imaginei, a que sempre havia sido até então.
Pela primeira vez, minha cabeça não estava na mulher
deslumbrante que abriu seu sobretudo preto para revelar um corpo
absolutamente delicioso e nu diante dos meus olhos, mas na
menina de cabelos maltratados, vestida por jeans surrados e
camiseta desbotada, com o rosto limpo de maquiagem na
companhia de quem eu havia passado as últimas duas noites.

E eu me perguntei se poderia ter interpretado os sinais do meu


próprio corpo tão equivocadamente. Em um intervalo de poucas
horas, Milena havia me dado duas ereções. O motivo parecia óbvio,
eu precisava transar. Só que o sexo não trouxe a satisfação
esperada, porque ele não foi tudo no que consegui me concentrar.
Por que caralhos? Mais uma pergunta sem resposta.

— Ela está a caminho e vai chegar quando tiver que chegar —


resmungo, dessa vez, não precisando fingir o mau humor. Ele foi
facilmente conquistado no que deve ter sido a milésima tentativa
que faço de entender os efeitos da menina em mim. Solto o corpo
na poltrona acolchoada de maneira relaxada.

Do pequeno mezanino, reservado apenas para nós e os clientes


mais exclusivos, monitoro a entrada da boate, procurando,
esperando pela sua entrada. Davi chegou ao seu novo apartamento
há vinte minutos. Eles não devem demorar a estar aqui.

O Clube Carmesim é a boate mais exclusiva de São Paulo.


Permitindo a entrada apenas de membros associados e seus
convidados, somente a elite brasileira ou estrangeira a frequenta e
um convite, dependendo da noite em questão, pode ser tão valioso
quanto uma Masserati[14].

Isso porquê, por trás das portas, há muito mais do que música.
Meus amigos e eu abrimos o Carmesim porque não encontrávamos
em São Paulo um lugar onde pudéssemos ter tudo o queríamos e
tínhamos certeza de que não éramos os únicos. Há dez anos, o
conceito de balada liberal ainda era novo no Brasil e depois de
frequentarmos algumas no exterior, ter uma em casa pareceu uma
excelente ideia.

Estávamos todos entre os vinte e um e os vinte e cinco anos.


Para mim, aos vinte e três, que já havia ganhado muito mais
dinheiro do que seria capaz de gastar em sete vidas inteiras, o
Carmesim pareceu o melhor investimento possível. Nós podíamos
ser moleques na época, mas havia três coisas que já havíamos
compreendido há algum tempo: o valor do dinheiro, como ganhá-lo
e que há poucas coisas pelas quais as pessoas estão tão dispostas
a pagar quanto pelo próprio prazer.

Seja na forma de uma boa refeição ou de uma boa foda,


experiências prazerosas acessam uma zona nebulosa e egoísta do
cérebro humano que, quanto mais espaço conquista, mais quer
conquistar, a zona do “eu mereço”. Com isso em mente,
trabalhamos para que cada par de bolsos com grana o suficiente e
um sobrenome que fosse interessante para nós quisesse colocar os
pés na Carmesim.

Sendo frequentada pelas pessoas certas e oferecendo discrição


e qualidade, mais rápido do que imaginávamos, o clube se tornou
uma referência internacional, atraindo um público tão exclusivo, que
muitas vezes a Carmesim se transforma no palco onde grandes
negócios são realizados.

O clube de cinco andares tem apenas o primeiro no nível da rua


e os demais são subterrâneos. O acesso além da superfície requer
uma autorização diferenciada para cada um dos andares inferiores.
O primeiro, por onde se dá a entrada de qualquer convidado, é o
único de acesso livre a todos os membros e visitantes, uma boate
normal, luxuosa, é claro, mas com limites rígidos e bem
estabelecidos com relação ao que é permitido ou não, onde
estamos agora.

O amplo salão é dividido em seções planejadas para acomodar


um número maior ou menor de pessoas. No centro de tudo, está o
bar de mais de doze metros de comprimento, impondo-se entre a
área de mesas e sofás e a pista de dança, diante do palco com o
que há de mais moderno em termos de mídias e onde está montada
a mesa do DJ.

Luzes coloridas banham as paredes em tons de azul escuro e


verde, refletindo nas cortinas de cristal penduradas no teto e criando
um efeito incomparável. Cada detalhe da casa foi pensado e
planejado para que ela fosse, antes de qualquer coisa, um objeto de
desejo. Mais do que um carro potente ou um diamante de 20
quilates.
Pedro e eu somos os menos envolvidos com a administração da
casa, agimos muito mais como sócios silenciosos e frequentadores
assíduos. Arthur, Heitor e Conrado são os verdadeiros responsáveis
pelo show, dividindo a administração e o gerenciamento, fazendo
um verdadeiro malabarismo para equilibrar seus trabalhos diurnos
com o noturno.

— Então, relembrando — jogado relaxadamente sobre o sofá à


minha frente, Pedro começa. — Você conheceu a garota na Garden
há dois anos. Ela trabalhava lá e vocês nunca tinham trocado mais
que meia dúzia de palavras, até que semana passada você achou
que ela era digna da sua atenção e agora vocês estão saindo?

— Vai se foder, Pedro. — dispenso sua ironia, mas os outros três


estão atentos à conversa iniciada. Com os vidros à prova de som
fechados, o camarote é o lugar ideal para se ter uma conversa que
não precise ser gritada.

— Milena não é o tipo de garota com quem eu normalmente saio,


só isso. Pelo menos, não saía.

— Uhum... — Conrado murmura. Eles estão desconfiados e eu


tremo os lábios, fingindo a indignação esperada.

— Eu não entendo vocês, semana passada estavam fazendo


intervenção, alegando enrolação da minha parte, agora, isso? Porra!
Vocês tão mais inconstantes que pau velho sem Viagra! Decidam,
caralho! — Meu teatro não comove a nenhum deles.

— Se você estivesse no nosso lugar, acreditaria na sua própria


boa vontade em cumprir essa aposta? — Heitor questiona e eu
reviro os olhos, porque a resposta é óbvia: nem fodendo. — Você tá
tramando alguma coisa, Bruno, porra! Você tá! Nenhuma tentativa
de sair pela tangente? Nenhuma enrolação malsucedida? Isso tá
fácil demais. —Suas conclusões colocam um sorriso em meu rosto.

— E com dezenove anos? Desde quando você cria pra comer,


Bruno? Isso tem muito mais a cara Conrado — Pedro analisa
seriamente como se não tivesse acabado de fazer a porra de um
trocadilho imundo.

— Talvez eu seja um novo homem — sugiro.

— Talvez, de ontem pra hoje, o mundo tenha descoberto que a


intolerância é o recurso dos ignorantes e nunca mais vai praticá-la
— rebate.

— E talvez eu vá dar uma volta lá embaixo enquanto vocês


decidem o que é mais improvável — Arthur diz, levantando-se e
enfiando as mãos nos bolsos da calça. Ele caminha até o vidro de
proteção com atenção focada, fazendo com que todos nós
saibamos exatamente o porquê. Sem dúvida alguma, é mulher.

E, curiosos, todos seguimos seu olhar. Mas enquanto meus


amigos analisam cada centímetro da morena de vestido vermelho
na entrada do salão, eu me esqueço de como respirar quando sou
atingido de súbito por uma certeza que quase me derruba sentado,
outra vez, no sofá.

Eu tenho um problema.

Os ombros, colo, braços e pernas expostos deixam uma pele


clara e imaculada à mostra, sobre a qual uma cortina de ondas
escuras se derrama em cascata e contrasta com o cetim brilhante e
vermelho do vestido. O rosto não está limpo de maquiagem, há algo
suave nele e um batom vermelho na boca carnuda capaz de
enlouquecer qualquer homem com um pouco de imaginação e eu
realmente posso ser muito inventivo.

A reação do meu corpo à sua presença é imediata e violenta,


apesar da distância. Meu pau engrossa, tornando minhas calças
subitamente apertadas, minha boca seca e a vontade de me colocar
em movimento para alcançá-la é quase insuportável. Mas que
caralho? Se eu me senti fora de controle algumas noites atrás,
quando suas reações me deixaram de pau duro, eu realmente não
sei que nome dar à maneira como estou me sentindo agora.

Afundo os dentes no lábio inferior sem conseguir desviar os


olhos, completamente incapaz de ignorar o desejo que, de repente,
se instalou em minhas veias, requisitando espaço como se fosse o
próprio sangue. Não sou o tipo de homem que se torna obcecado
por uma mulher, boceta é boceta, e mesmo que as donas de
algumas saibam usá-las melhor do que outras, não há nada nesse
mundo que não possa ser aprendido.

Mas a forma como estou olhando para ela? Como estou reagindo
à sua presença, mesmo sem jamais tê-la tocado além de um aperto
de mãos? Pode colocar na conta da obsessão, com certeza. Engulo
em seco, e na tentativa de fazer minha mente conturbada clarear,
aperto os olhos rapidamente.

No entanto, mesmo por trás das pálpebras cerradas posso ver


cada curva do corpo pequeno, os cabelos espalhados pelos ombros,
os lábios pintados, os olhos azuis procurando por alguém, por mim,
ainda que seus motivos não tenham nada a ver com os meus nesse
momento.
Milena não está super produzida. Não, o que chama atenção é
justamente o oposto. A beleza natural que mexeu com meu corpo e
mente, a ponto de sequestrar meu desejo, está apenas ressaltada
pela roupa adequada, pelo cuidado que essa menina deveria ter
recebido desde sempre e há uma satisfação inédita em saber que
indiretamente, fui eu o responsável por ela finalmente ter o que
merece.

Escolher seu vestido não foi um gesto de bondade. Eu queria


escolher algo que a valorizasse o suficiente para que cada par de
olhos na boate a devorasse sabendo que esse era o mais perto que
chegariam dela. Porém, quando recebi as opções, foram
necessárias mais três levas até que eu fosse eu escolhesse, porque
fui incapaz de trair o pouco de sua personalidade que eu já
conhecia.

As peças curtas ou reveladoras demais foram rapidamente


descartadas, assim como as recatadas demais, as discretas demais
e as com personalidade de menos. Se posso dizer algo sobre
Milena é que a menina não é de extremos. Ela é contradição e o
vestido escolhido, embora brilhante e tomara que caia, tem
comprimento até os joelhos unindo provocação e elegância de
forma que pareceu perfeita para ela. E mesmo que o objetivo
primário da minha escolha tenha sido rapidamente colocado de
lado, enquanto eu a olho embasbacado, vejo-o se cumprir.

Cada maldito par de olhos se vira para Milena e eu descubro que


não gosto nenhum pouco disso. Carla, a hostess responsável por
trazê-la até o camarote no momento em que ela chegasse, surge ao
seu lado, indicando as escadas e os quatro patetas à minha frente,
que babavam na menina através do vidro, como se estivessem
diante de uma vitrine de doces, se viram para mim, percebendo em
meu olhar indisfarçado de quem se trata.

— Porra! — Arthur é o primeiro a reagir e eu ergo uma


sobrancelha para ele em uma advertência silenciosa.

Palavras não são necessárias entre nós, mas ele entende


exatamente o que quero dizer. E, porra! Eu quero! Quero dizer cada
maldita palavra que atravessa meu olhar. No seu, um brilho
surpreso de divertimento acompanha o erguer de suas mãos com as
palmas para cima, em um gesto de rendição.

— Eu retiro o que eu disse! — Heitor dobra o lábio inferior para


fora e balança a cabeça para cima e para baixo. — Eu me renderia
facinho! Na verdade, se ela quiser te trocar por mim, eu não
reclamaria.

Eu bufo e me viro para Pedro e Conrado, esperando os


comentários dos dois imbecis que faltam. Eles apenas riem e eu
caminho a passos apressados até a porta do camarote.

— Se comportem, caralho! — alerto e abro a porta. A música


pulsante imediatamente toma conta do espaço, atingindo meus
ouvidos em cheio e com o timing perfeito, Milena surge no fim do
corredor, caminhando em minha direção. A maneira como isso
parece incrivelmente certo deveria me alertar para a dimensão do
meu problema, mas eu não me importo.

Não quando ao erguer os olhos e me encontrar, seu rosto


transparece um alívio e uma confiança que eu não fiz nada para
merecer, mas adoro constatar. Sorrio para ela e sua retribuição é
tímida, mas como das poucas vezes que vi, seu sorriso transforma
sua beleza em algo indescritível.

— Oi, linda — digo, enlaçando sua cintura em um dos meus


braços no instante em que ela está ao meu alcance e porra, fingir
não tem nenhuma responsabilidade no meu gesto.

Eu simplesmente precisava tocá-la. Milena estremece, deixando-


me impossivelmente mais duro ao reagir de maneira tão sensível. O
corpo quente e pequeno se encaixa no meu perfeitamente. Ela puxa
uma inspiração profunda e seus lábios tremem de maneira suave.

— Oi — responde baixinho, pega de surpresa pelo meu toque.


Ela provavelmente não esperava que ele viesse tão rápido, eu não
planejava que viesse, mas controle não faz parte da minha lista de
virtudes nesse momento.

Seus olhos estão presos aos meus e seu rosto se aproxima. Ela
está, outra vez, inclinando-se na minha direção de maneira
inconsciente. Subo uma das mãos e toco seu rosto. Pressiono
minha palma contra sua bochecha e espalho os dedos em seu
maxilar e na lateral do seu pescoço. A pele macia se arrepia sob o
meu toque e o desejo ruge em minhas veias, exigindo mais, dizendo
que as migalhas oferecidas não o satisfarão.

Encaixo o rosto na curva entre seu pescoço e ombro e puxo uma


inspiração profunda, bebendo seu cheiro, mas ainda não é o
suficiente. Arrasto a ponta do nariz por sua pele sensível que reage
ao toque com pelos eriçados e ainda não é o suficiente. A carícia
deixa nossos lábios perto, muito perto e muito antes do que eu
planejava que acontecesse esta noite. Foda-se, eu não sou tão forte
assim.

— Eu vou beijar você agora — murmuro, avisando-a um segundo


antes de tomar sua boca com uma fome inexplicável e descobrir,
imediatamente, que eu estou fodido pra caralho, porque enquanto
minha língua varre sua boca tímida em um beijo que pode ser
descrito como qualquer coisa, menos cenográfico, tudo em mim
grita que ainda não é o suficiente.
Mesmo que minha mente ainda esteja anestesiada pela surpresa,
meu corpo reage instintivamente ao toque íntimo, correspondendo ao
beijo e inundando meu cérebro de endorfina. Entrelaço minhas mãos
em seu pescoço quando lábios e língua me assaltam, invadindo minha
boca sem delicadeza, com uma urgência extraordinária e totalmente
enlouquecedora. O beijo desse homem é como tudo o mais nele:
imponente, seguro, delicioso.
Sua língua tem um objetivo, dissolver-me até que eu seja uma poça
no chão e o trabalho já começou a dar resultados em minha calcinha,
subitamente encharcada. Seu toque firme em minha nuca empurra
minha boca contra a sua, mas não é ela quem me mantém presa ali. É
seu cheiro, sua língua, seu queixo raspando minha pele em cada
movimento, sua mão em minha cintura, um desejo irrepreensível de
que esse momento dure para sempre.
Tudo em mim se entrega a Bruno sem qualquer resistência e, de
repente, não há mais música alta, não há pessoas ao nosso redor, não
há luxo opressivo ou nervosismo tátil. Há apenas essa boca
consumindo-me, sua presença me intoxicando, a necessidade latente
em meu baixo ventre e todas as coisas que minha imaginação fértil
deseja que esse homem faça comigo.
Meus pulmões imploram por ar, mas eu me recuso a parar, não
importa o quanto eles gritem necessidade e Bruno parece tão
indiferente quanto eu à falta de oxigênio. Impulsiono meu corpo contra
o seu, precisando de mais contato e sentir sua ereção firme,
pressionando minha barriga, me faz gemer baixinho, completamente
descontrolada.
Eu não sabia que era possível querer tanto alguma coisa quanto
quero seu toque, quanto quero descobrir se a realidade pode superar
as fantasias inundando minha consciência nesse instante assim como
o toque da sua boca superou.
Em algum momento, o beijo ganha outro ritmo, um menos frenético,
mas ainda muito intenso. Enfio as unhas em sua nuca e arrasto-as
para baixo, arranhando a pele quente e recebendo um som rouco
como reação. Assobios altos furam a bolha que havia nos cercado e
são seguidos pela música alta, voltando a atacar meus sentidos. O
toque mais firme de Bruno me revela que ele também sentiu a
mudança de clima, mas, ainda assim, o beijo não é bruscamente
interrompido.
Suavemente, sua língua abandona minha boca e apenas seus
lábios beijam os meus uma, duas, três vezes, antes de ele colar a
testa na minha. Não ouso abrir os olhos. Respiro ofegante,
empurrando meu peito contra o seu a cada inspiração e expiração
descompassadas. Minha mente é uma bagunça de excitação,
pensamentos incoerentes, desejos não satisfeitos e poucas certezas,
como, por exemplo, que isso foi só encenação.
Não importa se tudo em mim acendeu ou se eu poderia continuar a
beijar sua boca pelas próximas vinte e quatro horas. Não importa se a
atuação despertou um desejo real de que ele vá muito além de me
beijar, um desejo que eu nunca havia sentido antes e que, ainda
assim, parece incrivelmente certo. Nada disso importa e, em meio ao
meu caos interior, é a essa certeza que eu me apego.
Com a calcinha molhada, o coração acelerado, as pernas bambas
e um magnetismo que beira o insuportável me atraindo na direção de
Bruno para que eu volte a beijá-lo até que fiquemos sem ar outra vez,
digo para mim mesma que isso é só trabalho e que eu devo aproveitar
o que está ao meu alcance esta noite.
Ele me avisou que teria que me tocar e eu disse que lidaria com
isso. Bem! A hora é agora! Só para garantir, repito três vezes, em
silêncio, que Bruno não faz parte das coisas que estão ao meu
alcance, não importa o quanto seus olhares e gestos digam o
contrário. É mentira.
— Eu avisei que eles são idiotas — o alvo das minhas divagações
silenciosas sussurra com boca e testa ainda coladas às minhas. Sorrio
e concordo. — Pronta? — Minha resposta é uma risada baixa.
Se eu estive pronta para esse beijo, estarei pronta para qualquer
outra coisa. Isso sem mencionar o impacto que foi vê-lo assim que
cheguei. Sim, seus ternos sempre deram muito material para a minha
imaginação. Sim, em sua casa, pude ver uma versão mais
descontraída sua, em shorts e camiseta que só não me causaram um
piripaque, porque eu estava concentrada demais em não sucumbir ao
meu despreparo para a sua proximidade.
Ainda assim, nenhuma dessas imagens me preparou ou pode ser
comparada a sua aparência calculadamente sensual de hoje,
misturando o melhor dos dois mundos que eu conhecia. O homem usa
uma camiseta de mangas compridas e gola v azul marinho, jeans
escuros apertados e sapatos casuais. Todos os músculos do seu
corpo esculpido parecem ressaltados pelos tecidos agarrados a eles e
tê-lo com os olhos fixos em mim, acompanhando cada um dos meus
passos enquanto eu caminhava na sua direção, tornou impossível que
eu resistisse à sua boca.
Eu ainda não o havia alcançado e minhas pernas já estavam
moles, meu coração já estava acelerado e aquela sensação inebriante
que marca sua proximidade já havia me envolvido. Antes que sua
língua me convencesse, seu olhar parecendo me devorar já havia me
persuadido. Bruno é um excelente ator e eu espero conseguir
acompanhá-lo esta noite. Vou me esforçar, com certeza.
Ele parece entender o que minha risada não diz e dá um passo
para trás, mas não afasta o toque da minha pele.
— Você está linda — elogia.
Mordo o lábio, não conseguindo lhe dar mais do que um aceno
tímido como agradecimento, o que não faz qualquer sentido.
Pelo amor de Deus, Milena! O homem acabou de sugar sua boca
como se fosse um desentupidor e é um elogio que te deixa
envergonhada? Só que o beijo foi para a plateia, esse elogio foi só
para mim e bem, não é o tipo de coisa que espero ouvir de Bruno.
Então me deixem, neurônios inteligentes! Meu namorado de mentira
abaixa lentamente a cabeça, como um aviso, antes de se afastar um
passo para o lado, dando-me a visão do interior do camarote.
Minha virgem Santíssima! Eu pisco várias vezes, atordoada e se
havia alguma parte do meu corpo que não havia ficado quente pelo
beijo e pelos toques de Bruno, fica agora quando finalmente me dou
conta da plateia que nos assistiu. Quer dizer, eu sabia que eles
estavam aqui, que esse beijo era para eles, a parte racional de mim,
pelo menos, sabia.
No entanto, a irracional agarrou Bruno, derreteu-se em seus braços
e até mesmo gemeu sem se importar com nada disso. Contudo, sendo
muito honesta, não é isso que faz todo o meu corpo ferver. Não. O que
me leva ao ponto de ebulição é a visão dos quatro homens que me
investigam sem qualquer discrição. Puta merda! Onde essas pessoas
vivem? Porque, definitivamente, não é ao meu redor. Eles parecem
saídos de um catálogo de modelos masculinos.
Dois estão sentados em imensos sofás escuros, um de frente para
o outro, e os outros dois estão de pé, atrás dos braços desses sofás,
formando um semicírculo cuja atenção é toda minha. Será que eu
estou atirando neles? Que meus mamilos estão dolorosamente duros
eu já sei, mas será que o vestido deixa isso à mostra? Deus queira
que não! Milena, foco! Foco!
À minha esquerda, sentado, está um homem de cabelos loiros
escuros vestido por um conjunto de calça, colete e camisa com as
mangas dobradas até a altura dos cotovelos.. Seu rosto é triangular e
liso, ele tem o maxilar forte, olhos verdes e lábios finos.
Meu coração corre em voltas no peito, mas eu o obrigo a parar. É
hora de trabalhar coração, deixe para surtar quando estivermos
sozinhos, deitados na nossa nova cama macia, no quarto que não
precisamos mais dividir com ninguém. Ok? Ok! Se o pobre órgão
tivesse formas humanoides, ele daria pulinhos em preparação,
estalaria o pescoço e ensaiaria um gancho de direita e um de
esquerda antes de acenar positivamente para mim.
Ele não é doido! Sabe que o conforto recém-adquirido não é algo
que queremos perder. Visto um sorriso, ignorando o nervosismo que
me faz tamborilar os dedos dos pés dentro das sandálias de saltos
altíssimos e, agora, indiscriminadamente, giro o pescoço, olhando
para cada um dos rostos que me encara de volta.
— Deixa eu adivinhar — proponho e algumas sobrancelhas se
erguem em surpresa. — Pedro! — Aponto para o homem de colete. —
Heitor — me dirijo ao moreno de queixo quadrado, barba cerrada,
olhos castanhos e cabelos bagunçados, vestido por uma calça jeans
escura, camiseta e jaqueta de couro preta, parado de pé ao seu lado.
— Arthur. — Avanço para o outro de pé, mais um loiro, esse com porte
de surfista e tão musculoso quanto Bruno. Seus olhos verdes são
divertidos. — E você só pode ser o Conrado — termino, apontando
para o segundo homem sentado. Seus cabelos e barba são muito
escuros, seus olhos são de um azul cinzento, ele tem uma forma
investigativa de olhar e é o único usando terno e gravata.
— Uau! Impressionante! Ele nos descreveu em detalhes, é? — o
que tem diversão no olhar, Arthur, pergunta e sua voz é leve. Se Bruno
não for o palhaço do grupo, provavelmente, Arthur é.
— Ele fez melhor — finjo confidenciar e todos eles erguem as
sobrancelhas, curiosos. Seguro a informação por alguns segundos,
alimentando sua expectativa. — Ele me mostrou fotos! — Risadas
soam altas e baixas. Viro o rosto na direção de Bruno que também
sorri daquele jeito menino que faz a porcaria do meu peito se derreter.
Ele puxa meu corpo em sua direção e planta um beijo em meu
pescoço. Que Deus me ajude a chegar ao fim dessa noite inteira,
porque esse homem, com certeza, não vai ajudar.
— Quer beber alguma coisa? — Bruno pergunta.
— Tem Coca-Cola? — Ele me olha com uma expressão engraçada,
como se não pudesse acreditar que eu estou pedindo coca cola.
— Sério? — questiona, confirmando minhas suspeitas.
— Você pode pedir qualquer coisa. Tem certeza de que quer Coca-
Cola?
— Eu não bebo — explico. — Nada alcoólico, pelo menos — digo
baixinho e ele balança a cabeça em concordância, ainda que seu
rosto deixe clara a sua incompreensão.
Ele chama a mulher uniformizada atrás do bar e pede minha Coca-
Cola e um drink chamado Pink elefant e eu acho graça em saber que
um homem do tamanho dele vai beber algo chamado elefante rosa.

Os rapazes, como os apelidei mentalmente, se mantém atentos a


cada um dos nossos gestos, investigando, como meu suposto
namorado avisou que fariam. Nós nos sentamos, a funcionária nos
serviu e eu descobri que o drink, na verdade, era para mim.
Bruno me perguntou se eu já tinha experimentado e quando
respondi que não, ele pareceu estranhamente satisfeito em descobrir.
O homem deixou claro que eu não era obrigada a beber, mas, caso
quisesse experimentar, estaria ali.
Por alguma razão, ele achava que eu ia gostar da mistura de
espumante, vodca, hortelã, limão e morangos e confesso que quanto
mais olho para a taça, maior é a vontade de dar pelo menos um gole
para descobrir o sabor.
— Vocês vão assustá-la, porra! — Bruno reclama quando cinco
minutos depois de nos sentarmos, ninguém faz nada além de olhar
para nós dois como se fôssemos um animal extinto.
Nos primeiros trinta segundos, achei que estavam tentando me
deixar confortável. Nos próximos, comecei a me sentir exatamente o
oposto disso e deixei que meus olhos vagassem pelo ambiente.
Nenhuma das poucas imagens que encontrei no google foi capaz
de pintar a imagem completa deste lugar, principalmente do camarote.
Não havia nenhuma disponível on-line.
O Clube Carmesim poderia se chamar Clube do Luxo e eu tenho
certeza de que ninguém se atreveria a contestar. Dos móveis
refinados à imensa quantidade de tecnologia espalhada em todos os
cantos, não há como duvidar do quão exclusivo o ambiente é e eu
tenho quase certeza de ter visto um deputado famosinho no andar de
baixo, quando cheguei.
— Desculpe. Nós só estamos tentando entender — Pedro diz para
mim, ignorando a expressão contrariada de seu amigo sentado ao
meu lado, com o braço em meus ombros e uma mão sobre a minha
coxa. Eu não estou tremendo e isso deve valer de alguma coisa,
certo?
— Entender o quê? — pergunto, mesmo que seu olhar me diga que
essa era uma pergunta armadilha.
— Porque você está saindo com esse cara! Sério! Olha pra você!
Eu tenho certeza de que você tem opções muito melhores. —
Gesticula com as mãos, querendo demonstrar que está dizendo algo
óbvio. Eu sorrio, achando graça de verdade, porque os outros três
estão balançando as cabeças em concordância e Bruno está bufando,
insatisfeito. — Aqui mesmo, nessa sala, tem quatro. — Acena,
indicando a si e aos outros, agora, todos sentados lado a lado no sofá
à minha frente. — Sério! Por quê? — Franze as sobrancelhas e nega
em silêncio.
Viro o rosto e olho para um Bruno mal-humorado sem conseguir
apagar meu próprio sorriso.
— Bem, deixa eu ver... — Inclino a cabeça, fingindo estar pensativa
e Bruno ergue uma sobrancelha. — Ele beija muito bem, sabe? —
respondo aos rapazes, mas não desvio os olhos dos seus. Sinto
minhas bochechas esquentarem imediatamente quando sua testa se
franze em surpresa, segundos antes de um sorriso safado se espalhar
em seus lábios. — E ele tem acesso a lugares muito legais, como
esse. — Fujo da intensidade do seu olhar, virando-me para os seus
amigos.
— De novo... — Conrado começa e faz uma pausa, fingindo
incompreensão e eu acho graça de vê-lo fazer a brincadeira, apesar
de aparentar ser o mais sério dos cinco. — Quatro opções bem
melhores nessa sala e com os mesmos benefícios! — Espalma as
mãos para cima e, de novo, os outros três concordam. Tomo alguns
goles da minha Coca-Cola, escondendo meu sorriso atrás do copo.
— Vamos lá, linda! — Arthur sugere e mesmo que eu tenha
acabado de conhecê-lo, o sorrisinho pendurado no canto da sua boca
é indicativo suficiente de que ele está prestes a falar uma grande
besteira. — Você pelo menos precisa experimentar todos nós antes de
tomar uma decisão — diz, como se estivesse propondo que eu
experimentasse copos de bebidas, não homens, e eu me engasgo
com meu refrigerante.
O acesso de tosse é inevitável. Puta merda! Puta merda! Viro-me,
escondendo meu rosto sem ar no peito de Bruno e luto para recuperar
o controle da minha respiração, mas é muito difícil, porque eu quero
parar de tossir e rir, tudo ao mesmo tempo. Meu pai! Que absurdo!
Que absurdo!
Bruno espalma as mãos em minhas bochechas e me obriga a
manter os olhos nos seus.
— Respira devagar, meu bem — orienta e eu me esforço para
conseguir. Muitas tosses depois, o ar finalmente recomeça a circular
corretamente pelos meus pulmões e eu paro de achar que vou morrer.
— Ótimo. Quer água? — Nego com a cabeça e como se soubesse
que eu não serei capaz de olhar para os seus amigos agora, pelo
menos, não imediatamente, anuncia: — Ok! Isso é o suficiente! —
Vira-se para os rapazes e seu tom é de aviso. Logo depois, volta a
olhar para mim. — O que você acha de conhecer o clube? — oferece
e eu lambo os lábios antes de concordar.
Pensar em passar a noite inteira dentro desse camarote na minha
primeira vez em uma boate estava mesmo me deixando um pouco
frustrada e, depois da sugestão de Arthur, que embora engraçada
também foi muito constrangedora, principalmente pela minha reação,
sair daqui é, literalmente, juntar o útil ao agradável.
— Mas ela acabou de chegar! — é justamente ele quem protesta
como uma criança que teve seu brinquedo guardado porque é hora do
jantar.
— E vocês não souberam se comportar — é tudo o que Bruno diz
antes de se levantar, estimulando-me a fazer o mesmo. — E se
quando voltarmos vocês ainda não tiverem descoberto como se faz
isso, eu juro por Deus que nós vamos embora.
Minha vontade é colocar Milena no elevador, descer até o segundo
andar do clube, me enfiar com ela em um dos quartos privativos e
terminar o que começamos na porta do camarote, mas essa sequer é
uma opção.
Sentar ao seu lado, com seu corpo tão perto, sabendo que aquelas
migalhas seriam tudo o que eu teria, começou a parecer tortura depois
do primeiro minuto e então aqueles filhos da puta a estavam comendo
com os olhos sem qualquer pudor, de novo.
Eu não queria ter parado de beijá-la. Eu não queria ter que dividir
sua atenção com aqueles quatro babacas, depois de finalmente
entender do que preciso para acabar com esse tesão que não é
apenas por sexo, mas por sexo com ela. Eu soube no instante em que
minha boca tocou a sua, apenas para ser lembrado no instante
seguinte, de sua resolução de que nosso acordo não incluiria sexo.
E, se isso não fosse o suficiente, houve o comentário de Arthur, ou,
mais precisamente, minha reação a ele. Para quem não nos conhece,
as palavras do cretino até poderiam soar como piada, mas eu sei bem
o quão a sério elas poderiam ser levadas, como tantas vezes já foram.
O problema é que a perspectiva que geralmente me excitaria, deixou-
me à beira do descontrole, não por ciúmes, mas por puro egoísmo.
E embora nunca houvesse faltado defeitos dos quais eu pudesse
ser acusado, descontrole nunca foi um deles. Mesmo os meus
movimentos mais irresponsáveis, sempre foram calculados. Porém, no
segundo em que coloquei meus olhos em Milena esta noite, meu
domínio sobre mim mesmo parece ter evaporado.
Bastou ouvir a sugestão besta para que eu me visse prestes a
perder a cabeça caso não tirasse Milena daquele camarote
imediatamente. O mesmo lado que não queria parar de beijá-la,
recusava-se a dividi-la, mesmo que só em pensamentos, antes que,
primeiro, eu tivesse a chance de prová-la sozinho.
Mas eu não provaria, repreendo-me, forçando-me a sair dos meus
próprios pensamentos, passando a enxergar o que está à minha frente
ao invés de apenas ver e me mover no automático, e o que vejo não
me ajuda muito.
Segurando minha mão, Milena caminha à frente, abrindo espaço
entre as pessoas no primeiro andar do clube. Meus olhos escorregam
por seus ombros, costas, quadris, pela bunda redonda e pelas pernas
delineadas na saia justa do vestido.
Sua cabeça se move, deslumbrada, olhando para todos os lugares
alcançados por seus olhos até se fixarem nos espelhos que rodeiam o
mezanino. Ela gira em torno de si mesma, bebendo da visão
proporcionada pelos reflexos até estar diante de mim.
— Aqueles espelhos? — pergunta e graças à curta distância entre
nós, ao mar de pessoas ao nosso redor e à música explodindo o
vazio, eu não a ouço.
Consigo ler seus lábios e isso deveria ser o suficiente. No entanto,
como mais uma prova do meu descontrole, envolvo meus braços em
sua cintura e a puxo em minha direção. Sua boca bate em minha
orelha com o timing perfeito para que eu a ouça ofegar.
Meu pau reage imediatamente, desejando que fosse para ele. Eu
só posso estar ficando louco. E enquanto não consigo pensar em
qualquer outra coisa desde que nos devoramos, desde que saímos do
camarote, Milena parece muito mais interessada nas luzes, no bar,
lotado de bebidas que ela não bebe, no palco e até mesmo nas
pessoas ao nosso redor do que na minha companhia.
Ela correspondeu ao beijo e correspondeu pra caralho, então por
que raios, agora que voltamos a ficar sozinhos, ela está interessada
no palco, no DJ, na porra dos espelhos e em qualquer outra coisa que
não seja a minha boca, se tudo o que eu quero é a sua?
— São os vidros dos camarotes. Quem está dentro pode ver tudo,
quem está fora não vê nada — sussurro em seu ouvido e sinto seu
corpo se derreter em meus braços. Sua reação é tão gostosa quanto
sua boca e eu me imagino fodendo Milena contra esses espelhos.
Será que ela gostaria da falsa sensação de estar sendo observada por
todas as pessoas que estão aqui embaixo? Ela desencaixa o rosto do
meu pescoço e encontra meu olhar.
— Como nas salas de interrogatório da polícia? — A comparação
inocente me diverte. Porra, como nossos pensamentos são diferentes!
— Salas de interrogatório? — pergunto com a boca muito perto da
sua.
— Eu gosto de séries de TV. — Sorri pequeno e dá de ombros,
aproveitando para se afastar.
Toco sua bochecha e deslizo o polegar ali algumas vezes. Milena
fecha os olhos brevemente, aproveitando a carícia, mas assim que os
abre, está determinada a fugir de mim. Isso fica óbvio quando ela
inclina a cabeça para trás e olha para cima, parecendo procurar
alguma coisa.
— Aquele é o nosso? — indaga, apontando para um dos
camarotes depois de estudar vários deles. Ela erra por dois.
— Aquele lá. — Aponto para o segundo à direita do que ela havia
indicado e sua cabeça balança, concordando. Volta a olhar para mim e
antes que ela abra a boca ou consiga desviá-los, me descontrolo outra
vez. — Você dança, Milena? — Minha proposta não tem nada a ver
com o fato de eu ter certeza de que há quatro imbecis nos
acompanhando pelo vidro, lá em cima, e tudo a ver com o fato de que
eu quero sua atenção e participar de sua exploração pelo clube
parece a única forma de conquistá-la. Milena inclina a cabeça,
começando a sorrir.
— Em público?
— Acho que sim — ironizo com os olhos estreitados, já que
estamos no meio da pista de dança. Ela me dá um tapa leve,
reclamando.
— Nunca tentei — confessa antes de morder o lábio. Porra, eu
quero mordê-lo também.
— E o que você acha de uma primeira vez?
— Com você? — Parece surpresa e eu a puxo ainda mais,
encaixando seu corpo ao meu e começando a me movimentar,
fazendo com que ela se mova junto comigo. Sua gargalhada se
sobrepõe ao som da música, tão gostosa quanto sua dona e não leva
nem dois minutos para que Milena se solte.
Ela move os quadris com desenvoltura e eu me vejo libertando-a
dos meus braços. A menina sabe exatamente o que fazer com a
liberdade de movimentos, dizendo-me sem usar uma palavra sequer
que sim, quando está sozinha, ela dança, e adora.
Meu olhar não é o único a ser atraído pelo seu corpo em
movimento, cada porra de par de bolas ao nosso redor parece lhe
dedicar a mesma atenção que eu, entretanto, os únicos olhos nos
quais o seu par de pedras azuis está concentrado são os meus. É nos
meus braços que ela gira e para eles que ela volta a cada movimento
mais ousado fazendo muito mais do que dançar comigo, como propus,
mas dançando para mim e essa certeza é boa pra caralho.
A sequência de músicas explosivas é substituída por uma batida
um pouco mais lenta, porém intensa e os movimentos da mulher
diante de mim acompanham a mudança, ganhando uma sensualidade
natural e completamente hipnotizante.
Milena ergue os braços acima da cabeça e solta o corpo em
rebolados ritmados. Seus cabelos se movem em uma nuvem castanha
escura, grudando na testa que já ganhou uma fina camada de suor
depois de algumas danças, assim como seus braços, colo e pescoço.
Mas o que torna a sua dança o movimento mais sexy que já vi na vida,
é o sorriso em seu rosto.
Há uma beleza diferente na descoberta de Milena. A felicidade em
seu rosto é leve, livre e linda. De novo, esgueirando-se pelos cantos
da minha consciência, aquela satisfação estranha por ter sido eu o
responsável pelo seu sorriso se instala em meu peito.

— É gostoso, mas eu ainda prefiro Coca-Cola — Milena afirma


depois de dar um gole no segundo pink elefant que pedi para ela,
movido por aquele desejo estranho de querer que ela experimente
tudo, de ser eu a providenciar que isso aconteça, já que ela nem tocou
no primeiro.
Eu rio do seu comentário, mas concordo, estendendo para ela o
copo de Coca com gelo e limão. Sentada na banqueta do bar, suada,
com o rosto, colo, pescoço e braços quentes, ela leva o copo à boca,
bebendo mais da metade de uma vez, parecendo mais do que nunca
a menina que é.
Milena não está preocupada em parecer sensual, ela foi ao
banheiro e sequer aproveitou para retocar a maquiagem ou alinhar os
cabelos. Voltou de lá com as ondas tão volumosas quanto foram e
ainda sem o batom vermelho que se perdeu de seus lábios em algum
momento da noite.
— Você quer subir? — ofereço e ela morde os lábios, pensativa.
— Podemos ficar aqui embaixo mais um pouco?
— Você quer dançar mais ou está fugindo do que sabe que vai
encontrar no camarote? — Ela ri e dispensa minha pergunta com um
aceno.
— Ah, não. Os rapazes parecem legais. Um pouco bobos, sem
filtro, com certeza. Mas legais.
— Os rapazes?
— Repetir Arthur, Heitor, Pedro e Conrado demora demais.
— Então você é uma preguiçosa? — Não evito o sorriso ao
perguntar.
— Só quando me convém — concorda antes de gargalhar.
— E além de dizer nomes em sequência, em que outras ocasiões
te convém?
— Exercícios físicos! Diferente de você, eu odeio fazer exercícios
físicos.
— E como é que você sabe que eu gosto? — Seus olhos deixam
meu rosto e deslizam para baixo lentamente. Ela varre meu pescoço,
ombros, peito e coxas em uma resposta silenciosa antes de desviar os
olhos. Ah, Milena. Mas nem fodendo você vai escapar dessa. Desço
do meu banco e com apenas um passo, me encaixo entre as suas
pernas, mesmo que o vestido justo não permita que eu me aproxime
tanto quanto eu gostaria. — Como, Milena? — Sua língua lambe os
lábios devagar e ela deixa o copo sobre o balcão do bar.
Surpreendendo-me, seus braços envolvem meu pescoço e suas
coxas apertam as minhas. Meu pau, que não me deu descanso a noite
inteira, mas que já tinha se conformado em não chegar nem perto de
onde gostaria de estar, reage à proximidade voluntária de Milena,
abandonando a postura meia bomba e endurecendo completamente.
Suas mãos deslizam pelos meus ombros, apalpando os músculos
com delicadeza antes de os dedos finos subirem pela minha nunca,
arrepiando-me inteiro, e se entrelaçarem nos cachos curtos dali.
— Eu acho que eles falam por si mesmos. — Sorri, aproximando o
rosto do meu. Franzo a sobrancelha, surpreso, mas satisfeito pra
caralho e subo minha mão até enfiar os dedos pelas raízes dos
cabelos acima de seu pescoço. Estou prestes a acabar com a
aproximação lenta e enfiar a língua em sua boca, quando sinto uma
mão que não é a de Milena em meu ombro.
Expiro com força, querendo mandar o fodido inconveniente para a
puta que pariu, mas antes que eu possa me virar para descobrir de
quem se trata, a voz familiar anuncia:
— Olá, casal.
— Arthur — resmungo, puto.
Não sei se mais pela interrupção ou se pela percepção de que toda
a aproximação súbita de Milena não passou de teatro, e não de ela
finalmente admitindo o próprio interesse, como acreditei inicialmente.
Ela apoia a cabeça em meu ombro quando me viro na direção do
meu amigo e seu olhar assiste atentamente à minha reação, que é
envolver meu braço na cintura estreita de Milena e trazê-la ainda mais
para perto. O aceno que ele dá é quase imperceptível, mas eu o
identifico, assim como brilho de curiosidade em seus olhos.
Eles acreditaram.
Mas, porra, seria impossível não acreditar, já que, contra as minhas
próprias expectativas e planos, cada uma das minhas reações foi
verdadeira. É certo que nada disso vai durar três meses, porém hoje,
mais do que eu já quis qualquer outra mulher, eu quero Milena e, pelo
menos para alguma coisa além de frustrar meu pau esse desejo
serviu.
— Eu sou o mensageiro — Arthur avisa, erguendo as mãos e
indicando nosso camarote com a cabeça. — Vim avisar que nós
estamos indo — diz como um código para “Estamos descendo para
onde a verdadeira festa vai começar”.
Eu espero pela inveja ou, pelo menos, pelo desgosto por não fazer
o mesmo, afinal, acho que a última vez que um de nós cinco esteve no
primeiro andar da Carmesim por tanto tempo, foi no dia da sua
inauguração. Nossas visitas sempre começam, no mínimo, pelo
segundo andar da casa, onde as coisas começam a ficar
interessantes. Estranhamente, não sinto nada além de satisfação por
estar exatamente onde estou.
— Tão cedo? — Milena pergunta inocentemente e Arthur dá de
ombros, evitando mentir.
— Foi um prazer conhecer você, Milena — fala, aproximando-se
para deixar um beijo em sua bochecha e eu bufo. Cretino. Milena
levanta a cabeça, deixando meu ombro vazio e aceita o cumprimento.
— Espero te ver no domingo.
— O que tem no domingo? — pergunta para ele, mas olha para
mim que logo depois, olho para ele, filho de uma puta.
— Nada — respondo entredentes.
— Ah, não seja ranzinza, Bruno! — ele diz para mim antes de focar
em Milena. — Uma festa, no meu barco, eu espero te ver lá.
— Nem fodendo, vocês não são confiáveis pra isso! — declaro,
sabendo bem o tipo de coisa que acontece nas festas de qualquer um
de nós. Não nas minhas, pelos próximos três meses, e ele bufa.
— Hipócrita! — acusa. — E Milena é bem grandinha pra decidir
onde quer ir. Pare de tratá-la como uma virgem imaculada! Se você
quiser ir e esse babaca se recusar a te levar, liga pra mim. Ele tem
meu número. E você, pare de agir como um babaca e a leve! Sem ela,
você está desconvidado! — exclama, cutucando meu peito com as
sobrancelhas erguidas, deixando claro que está falando sério. Ir
sozinho não é opção. Filho de uma puta.
“Claro, porque eu vou me recusar a levá-la, mas vou dar seu
número pra ela. Com certeza, imbecil.” É o que eu gostaria de dizer,
no entanto, apenas reviro os olhos, recusando-me a lhe dar confiança.
Ao invés disso, observo o rosto de Milena se tornar vermelho
rapidamente com o comentário invasivo, como sempre. Arthur se vai,
deixando um clima bem diferente do que encontrou quando chegou.
Os olhos azuis à minha frente vagam sem objetivo por alguns
segundos, os dentes afundam no lábio inferior e quando Milena volta a
me encarar, sei que ela está prestes a me fazer uma pergunta antes
mesmo que ela abra a boca.
— Por que você não quer me levar? Achei que provar aos rapazes
que estamos juntos era o objetivo. — Sua cabeça inclinada e o bico
em seus lábios deixam claro que sua pergunta não tem nada a ver
com confusão e tudo a ver com curiosidade.
— As festas do Arthur não são ambiente pra você, Milena. — Seus
olhos arregalam, suas sobrancelhas franzem e sua boca abandona o
bico para se abrir em uma surpresa indignada, no entanto, ela não diz
nada e eu percebo que vou precisar ser mais claro. Suspiro e levo
uma das mãos à sobrancelha, coçando ali sem me desfazer do toque
em sua cintura com a outra mão. — Pense um pouco, Milena. Arthur,
o solteiro convicto que te disse que você devia dormir com ele e outros
três antes de decidir ficar comigo dá uma festa num barco. Você sabe
o que acontece...
— Eu nunca fui numa festa no barco.
— O lugar realmente não é importante, Milena. O que acontece lá é
o mesmo que acontece em qualquer outra festa. Homens solteiros,
algumas mulheres na mesma condição, a bebida entra, as roupas
saem e o que acontece depois disso, você sabe, certo? — explico
sorrindo, mas se antes seu rosto ficou vermelho, agora ele parece
prestes a explodir.
Ela engole rápido, desvia os olhos e, em seguida, pega o copo de
Coca-Cola que tinha deixado sobre o balcão como se ele fosse uma
boia salva-vidas e se esconde atrás dele, bebendo o que sobrou do
refrigerante com uma lentidão injustificada.
Primeiro, me divirto com a reação, achando que seria só mais um
caso de constrangimento ao mínimo sinal de que o assunto sexo será
abordado. No entanto, quando resta apenas gelo em seu copo e ela
continua com o canudo na boca, recusando-se a admitir que a bebida
acabou, apenas para não precisar me dar uma resposta, minha mente
é incapaz de se manter indiferente ao convite e começa a trabalhar
nas possíveis razões para isso.
Milena desvia os olhos, foge do meu olhar, parecendo quase
receosa de que se abrir a boca ou mantiver minha atenção por mais
de três segundos ininterruptos, eu descobrirei um grande segredo seu.
De pé, entre as suas pernas, investigo seu perfil tentando
compreender o que pode estar passando por sua cabeça castanha
escura. Pisco os olhos e recuo o rosto quando uma ideia atravessa
meus pensamentos, mas, não, porra. Nem fodendo.
Como se soubesse exatamente o que está se passando pela minha
cabeça, ela se vira para mim, mas, rápido demais, desvia o olhar,
fugindo outra vez e dando força à alternativa em que não quero
acreditar. Prendo seu queixo entre meu polegar e indicador e, com
delicadeza, trago seu rosto para mim.
O fenômeno do início da noite se repete e tudo o mais que não seja
ela some da minha visão. Somos apenas nós dois e antes que eu faça
a pergunta, seu rosto, tão fácil de ler, me responde. Pisco, algumas
vezes, atordoado pela compreensão.
Caralho! Eu sou um idiota! Um idiota fodido da porra! Como eu não
pensei? Como eu não entendi isso antes? Sua afetação apenas pela
minha proximidade, seus olhares furtivos, sua sensibilidade a toques
mínimos, sua reação toda vez que alguma referência a sexo é feita e,
é claro, sua recusa categórica, antes mesmo que houvesse uma
proposta, a transar comigo.
Atribui tudo isso à inexperiência e puta que me pariu! Era mesmo!
Era pra caralho! A certeza chega sorrateira, mas se assenta soberana,
ligando cada ponto perdido, recuperando cada palavra dada e indício
desperdiçado.
Em segundos, o mapa está completo em minha própria cabeça,
eliminando qualquer dúvida, ou esperança, que eu pudesse manter
sobre estar enganado e, pela terceira vez esta noite, me percebo mais
fodido do que acreditei estar apenas um minuto antes.
Primeiro, quando me dei conta de que estava ansioso pela
chegada de Milena.
Depois, quando me vi ansioso para provar sua boca sem qualquer
outro objetivo que não fosse sentir seu gosto.
E, agora, quando percebo aquilo que sempre esteve diante dos
meus olhos e que, mesmo assim, recusei-me a ver até que fosse tarde
demais.
A menina por quem eu passei a noite inteira babando é a porra de
uma virgem, e essa sequer é a pior parte. Eu estou tão
irremediavelmente ferrado, que mesmo depois de saber disso, meu
pau continua tão duro por ela e para ela quanto no momento em que
suas coxas me apertaram e eu achei que ela estava prestes a admitir
que está tão atraída por mim quanto eu por ela.
Grudo o corpo à porta do meu quarto, finalmente soltando a
respiração. A sensação que tive durante o trajeto da boate até em
casa, era que se qualquer oxigênio saísse pela minha boca ou nariz,
eu entraria em combustão. Fingi dormir no carro para não precisar
lidar com a presença intoxicante de Bruno por mais tempo ou com o
fato de que agora ele sabe.
Nenhuma palavra foi dita sobre o assunto, mas eu tenho certeza de
que minha reação estúpida às suas palavras sobre o que costuma
acontecer nas festas de Arthur me entregou. Sua descoberta estava
escrita no seu rosto, espalhada por todo ele, como provavelmente,
minha verdade esteve no meu.
Não que fosse segredo, não era. Tampouco é motivo para me
envergonhar. É só que a última forma que eu esperava que a noite de
hoje acabasse, era com Bruno descobrindo sobre minha virgindade.
Nada esta noite saiu como eu esperava, do momento em que
coloquei meus pés na Carmesim e descobri aquele mundo de luxo,
até o instante em que o olhar de Bruno encontrou o meu após sua
descoberta e ainda estava cheio do que quer que seja essa coisa
entre nós dois.
Essa coisa que me acende como uma árvore de natal e me faz
refém do desejo de que a promessa em seu olhar, que ele seria capaz
de me devorar apenas com um toque, seja cumprida. Como eu
deveria ser capaz de suportar isso pelos próximos três meses?
Lembranças da noite me assaltam. Os olhares, o beijo, os toques, a
maneira como Bruno parecia realmente interessado em cada um dos
meus gestos, como sorria quando eu sorri, como puxava inspirações
profundas em meu pescoço ou cabelo, como eu quis
desesperadamente um segundo, um terceiro, um quarto e um
milionésimo beijo seu e até mesmo o fato de ele ter respeitado minha
recusa em falar sobre o assunto, mesmo quando ficou evidente que
ele entendeu o que tentei esconder com silêncio. Seria tão fácil
acreditar. Tão fácil.
Quando paro de tremer, largo a pequena bolsa em minha mão
sobre o chão e um pé depois do outro, tiro as sandálias. Meus pés
afundam no tapete felpudo do quarto todo em tons de cinza, rosa e
branco, ligo o ar-condicionado e vou direto para o banheiro,
desesperada por água gelada.
Não adianta.
Depois de quase meia hora embaixo dele, o chuveiro potente ainda
não faz nada para acalmar minha pele, meus músculos parecem ter
se transformado em brasas e eu tenho quase certeza de tê-los ouvido
chiar quando o primeiro jato atingiu a pele que os cobre. Frustrada,
saio do box ainda molhada e deixo o banheiro sem nem mesmo vestir
os pijamas pendurados. É capaz de eles pegarem fogo se me
tocarem.
O contato do ar gelado com o corpo molhado é gostoso, mas ainda
não é o suficiente. Deito na cama com a cabeça e peito cheios,
insuportavelmente cheios. O roçar da roupa de cama parece acentuar
a necessidade vibrando dentro de mim. Tenho a impressão de que eu
poderia gozar apenas com um olhar de Bruno para o meu corpo nu
nesse momento, e basta pensar para que a imagem ganhe corpo por
trás dos meus olhos fechados.
Eu o ouço antes de vê-lo. A porta do meu quarto faz um barulho
suave, são seus passos pesados que me alertam da sua chegada.
Lambo os lábios em expectativa, mas ele não se aproxima. Ouço o
“click” da porta fechando, o “track” da chave girando e, depois, o som
abafado das suas costas tocando a madeira. Minha respiração está
ruidosa e mesmo com os olhos fechados, sei exatamente qual é a sua
posição. Ele está encostado à porta com um joelho dobrado e o outro
esticado, os braços cruzados na frente do peito e os olhos deslizando
pela minha pele, descobrindo cada cantinho exposto única e
exclusivamente para ele.
— Abre as pernas pra mim, meu bem. — Usa o apelido carinhoso
que fez meu coração se rebelar hoje mais cedo e eu me abro. —
Linda pra caralho, Mile. — A voz é um esgar rouco, infiltrando-se pelos
meus ouvidos e acariciando-me como um sussurro. — Eu quero ver
você se tocar. Se toca pra mim, Milena. — Não preciso ouvir duas
vezes para, novamente, obedecer.
Começo pelo pescoço, minhas mãos deslizam por ele e meus
músculos imediatamente se lembram da sensação de ter Bruno
segurando ali, aplicando a pressão perfeita enquanto sua boca
dominava a minha. Eu gemo, sentindo a palpitação entre as minhas
pernas escancaradas aumentar. Meu clitóris pulsa, dolorido, e minha
excitação, pela primeira vez na vida, escorre.
Meu namorado de mentira emite um som rouco, vindo direto de sua
garganta, e eu tenho certeza de que ele está vendo o que estou
sentindo. Estou gotejando por ele, para ele. Desço as palmas das
mãos até meus seios. Os mamilos, duros como pedras, protestam
quando são apertados entre meus polegares e indicadores e eu me
remexo na cama, fecho as pernas, pressionando uma coxa contra a
outra.
— Pernas abertas, Milena. Mantenha essa boceta arreganhada pra
mim! — diz duramente, e como não há qualquer espaço do meu corpo
ainda não afetado pelo desejo, sua ordem parece acrescentar uma
nova camada de desespero à minha necessidade latente. — Isso,
continua. Eu quero ver esses dedos chegando ao grelinho inchado —
incentiva quando minhas mãos abandonam os seios, descendo pela
barriga.
Finco as unhas nas laterais do corpo e desço arranhando,
imaginando que se fossem suas mãos no lugar das minhas, seu toque
não seria leve ou delicado, mas bruto e possessivo.
Uma risada baixa atinge meus ouvidos e eu sei que acertei.
Espalmo as mãos nas laterais das coxas e as aperto. O tremor em
meu abdômen é real, expectativa por estar tão perto do lugar onde eu
seria capaz de implorar para ser tocada nesse momento.
Minhas mãos alcançam a parte interna das coxas, eu sinto
gotículas de suor se acumulando no espaço entre meu nariz e boca,
os lençóis pinicam minhas costas e bunda. Eu me esfrego contra eles
com força.
— Tsc, tsc, tsc. — Bruno estala a língua em negativa. — Nada de
foder a cama, gostosa. Eu quero ver você fodendo seus dedos. —
Solto uma expiração alta, transbordando excitação quando finalmente
meus dedos alcançam meu púbis e eu os tamborilo suavemente sobre
o monte coberto por pelos curtos, descendo pelos lábios até o final e
subindo outra vez. Mais um gemido baixo deixa minha boca. —
Arreganha essa boceta, linda — ordena e com uma mão, abro os
grandes lábios. O vento frio chicoteia meu clitóris agora exposto e é
impossível me manter calada.
— Bruno — choramingo seu nome baixinho.
— Você tá dolorida de tesão?
— Eu tô, Bruno! Por favor, por favor — peço, imploro, mesmo que
eu não saiba pelo que. É do meu corpo que estamos falando, mas
quando a autorização vem, eu tenho certeza de que não poderia ter
feito nada antes de recebê-la.
— Esfrega esse grelo, Milena. Esfrega até gozar. — E eu esfrego.
Começo com movimentos de sobe e desce, mas conforme vou
perdendo o controle, passo a tocá-lo em movimentos circulares,
descendo até alcançar a vulva, ansiosa pela sensação que ainda me é
desconhecida, mas pela qual todo o meu corpo pulsa.
No entanto, antes que eu possa brincar com a minha entrada, ouço
o grunhido de negação.
— Nem pense nisso. Só eu meto em você, meu bem. Mantenha
esses dedos gulosos do lado de fora — avisa e eu não tenho tempo
para contestar.
Não quando estou tão perto da borda. Volto a esfregar meu clitóris
como se minha vida dependesse disso, e depende. Se eu não gozar
nos próximos trinta segundos, vou enlouquecer e viver louca não é
vida.
O calor que envolve meu corpo está em todos os lugares enquanto
eu estou gemendo despudoradamente, minha boca aberta está seca e
meu maxilar está dolorido pela força com que o mantenho aberto, mas
eu não me importo, tudo o que quero é chegar lá.
Mais prazer, eu preciso de mais. Acelero os movimentos dos meus
dedos, ouvindo o zíper de Bruno ser aberto e o imagino abaixando a
cueca, segurando seu membro duro, grosso. Eu o imagino se
masturbando para mim enquanto me vê me masturbar para ele e
explodo.
O gozo é arrebatador e excruciante. Mordo meu antebraço para
abafar o grito do seu nome que deixa meus lábios e seria capaz de
acordar a casa toda, talvez até mesmo alguns vizinhos se não fosse
silenciado.
Meu corpo inteiro convulsiona, arrebatado pelo orgasmo mais
intenso que já tive na vida e quando eu abro os olhos, preciso de
alguns segundos antes que alguns pontinhos pretos parem de dançar
diante deles.
Sozinha, suada, melada de gozo e com os dedos pressionando
meu clitóris, uma certeza me atinge com tanta força quanto o orgasmo
que acabei de ter: eu estava completamente louca quando achei que
conseguiria passar psicológica e fisicamente ilesa por esse trimestre.
Eu já me sinto enlouquecendo e hoje é só o primeiro dia.

“Você tem medo de altura?” Dizia a mensagem que recebi de Bruno


ontem e me fez franzir as sobrancelhas. Que tipo de pergunta era
essa? Depois da noite de sexta, eu esperava muitas perguntas, essa,
definitivamente, não era uma delas.
Respondi que não e logo em seguida, recebi outra pergunta: “Você
ainda quer ir à festa dor Arthur?” Essa não respondi tão
imediatamente. Levei cinco minutos tentando entender o que deveria
estar passando na cabeça do homem por trás daquela pergunta.
Ele não precisava me perguntar e, ainda assim, estava fazendo
isso. Ele também não precisava me poupar e, ainda assim, essa foi a
decisão que tomou sozinho e agora, me dava a chance de mudá-la.
Por quê? Não tinha essa resposta, mas ao final das minhas
divagações, eu tinha a da pergunta dele.
“Quero.” Digitei e enviei. Eu queria ir desde o momento em que o
amigo de Bruno falou sobre a festa, estava curiosa. E, se o alerta de
Bruno sobre o que acontece em eventos como esse serviu para
alguma coisa, foi para aumentar a minha curiosidade.
Eu queria ver com os meus próprios olhos e, só então, decidir se
como ele havia dito, aquele era ou não ambiente para mim. A verdade
é que não fazia ideia e, junto a um pequeno exército de outros
sentimentos, a ansiedade marchava dentro de mim, pisoteando meu
estômago com passos firmes e cada vez mais intensos.
Tão rápido quanto possível, recebi a última mensagem enviada por
ele: “Tudo bem. Davi vai buscar você às 08h. Separe algumas trocas
de roupa. Até amanhã.”
Não disse nada, além disso. Não mencionou sua descoberta da
minha virgindade, não sugeriu o que eu deveria vestir, nem a que
horas voltaríamos. Agora, aqui estou.
Batidas suaves são dadas à porta e minha mãe coloca a cabeça
para dentro.
— O carro chegou — avisa antes de sorrir e olhar meu corpo com
atenção. — Você está linda.
Olho para o reflexo no espelho conferindo pelo que deve ser a
milésima vez o biquíni azul marinho de tecido liso e decote profundo.
A parte de cima tem as alças largas, imitando uma camiseta e
marcando muito bem o vale dos seios. Nas costas, as alças se
transformam em linhas, presas a uma tira alguns dedos acima da
cintura. A calcinha não é pequena, mas é cavada, delineando as
curvas dos quadris e empinando o bumbum.
Não estou indecente, mas não me lembro da última vez em que
estive tão exposta. Minha mente, brincalhona, exibe como se fosse a
lembrança de um filme, a imagem de mim mesma, deitada em minha
cama duas noites atrás, completamente nua, esfregando-me nos
lençóis enquanto me masturbava fantasiando que Bruno estava me
observando.
O vermelho toma conta da minha pele imediatamente. Inferno.
Abaixo os olhos, encaixo polegar, indicador e dedo médio na têmpora
e inspiro profundamente. Me envergonho, sim? Me arrependo? Nem
um pouco! Eu não sou de ferro, oras!
E se ele me olhar hoje como me olhou em nosso último encontro,
não tenho dúvidas de que esta madrugada será um replay da de
sexta, porque não há a menor condição de eu viver como um vulcão,
prestes a entrar em erupção.
O que eu queria? Sentar naquele homem! Repetidas vezes! Mas
como essa não é uma possibilidade, meus dedos e o vibrador que
comprei ontem, junto com alguns biquínis, terão que servir. Talvez esta
noite seja a grande estreia do brinquedo, afinal.
Não sei o que fez com que ele mudasse de ideia sobre irmos a tal
festa, ele não disse e eu não perguntei.
— O que foi? — minha mãe pergunta e eu saio do limbo que são
meus próprios pensamentos.
— Eu só... — Olho para ela, dividida, entre dizer a verdade ou
engoli-la. Passo a língua sobre os lábios e arrumo uma mecha de
cabelo atrás da orelha. Os olhos azuis de minha mãe aguardam
pacientemente até que eu me sinta pronta. Com um suspiro longo, me
dou por vencida. — Ele me faz sentir coisas... — É o melhor que
consigo fazer. Minha mãe ergue uma sobrancelha e então gargalha.
— Mãe! — reclamo de sua total insensibilidade ao meu problema.
— Ele te faz sentir coisas? Quantos anos você tem, Milena? Doze?
— Quando eu tinha doze anos, o máximo que eu sentia era
vontade de socar o filho do seu Malaquias. Lembra dele? — Jogo-me
na cama, deitando com a barriga para cima e deixando as pernas
penduradas na borda.
Minha mãe entra no quarto e senta ao meu lado, na cama. É
impressionante como em menos de uma semana sua aparência já
mudou. Sem precisar se preocupar comigo, com meus horários de
trabalho loucos, ou com os sacrifícios que ela achava que eu estava
fazendo, seu rosto está mais descansado, há mais cor em suas
bochechas e o que eram olheiras profundas, agora são apenas
sombras.
Isso porque os novos remédios e vitaminas, receitados pelo médico
particular com quem nos consultamos, ainda nem tiveram tempo de
fazer efeito. A perspectiva de como ela estará daqui a um mês ou dois
alivia até mesmo o peso que Bruno significa no meu peito.
Se a chave para ver minha mãe bem é morrer de vontade daquilo
que eu não posso ter, tudo bem! Eu aguento.
— Era Carlinhos o nome dele, não era? O que arrancava as
cabeças das suas bonecas e saía correndo?
— Esse mesmo. — Suspiro, lembrando-me de uma época não tão
distante, mas que ainda assim eu sinto ter sido há uma vida inteira.
Era tudo tão mais simples. Para começar, não havia boletos. Também
não havia problemas de saúde ou homens irritantemente lindos,
deixando-me praticamente de joelhos com apenas um toque.
— Então. — Pausa até que minha atenção esteja totalmente
concentrada em seu rosto. — Você tem cinco minutos, porque o pobre
motorista não merece esperar mais do que isso. Desembucha — avisa
e eu fecho os olhos, apertando-os.
— Esse... Fingimento... Pode estar me afetando mais do que eu
acharia. Eu fui estúpida. Só essa palavra justifica eu ter achado que
conseguiria lidar com Bruno me tocando ou me beijando quando eu
mal conseguia respirar só de olhar pra ele todas as vezes que o
atendia na padaria. — Como sempre que estou nervosa ou ansiosa,
desembesto a falar com uma verdadeira metralhadora de palavras.
Contudo, minha mãe, sendo minha mãe, me entende com
perfeição. Afinal, há dezoito anos lida com isso. Segundo ela, essa é
uma mania que eu tenho desde que aprendi minha segunda palavra.
— Bom assim? — pergunta com uma sobrancelha arqueada e
embora nunca tenhamos tido esse tipo de conversa, não me sinto
desconfortável. Um pouco envergonhada, com certeza, mas
definitivamente, confortável.
— Bom assim. — Enfio os dedos pelas raízes dos cabelos em
minha testa e os deixo ali enquanto olho para o teto. — Acho que eu
não esperava que meu corpo reagisse, ainda mais de forma tão
intensa, sabe? Achei que era algo platônico. Que a convivência
apagaria. Que minha atração por ele seria como a que temos por
atores ou cantores. É fogo de palha, é uma atração pelo inalcançável.
— Fale por você, minha atração pelo Lian Neeson não é nada
platônica. Em qualquer dia, em qualquer horário, se aquele homem
me perguntar, eu digo sim, por favor, duas vezes, se possível. Três, se
ele tiver disposição!
— Mãe! — grito, tapando os ouvidos. — Pelo amor de Deus!
Palavras geram imagens. Mãe! Eu não preciso dessas imagens!
— Ah, então eu posso ter minha cabeça povoada por imagens da
minha menininha transando, mas você não pode ter imagens minhas?
Muito justa, dona Milena! Muito justa!
— Eu nunca disse que queria transar — argumento, mas é perda
de tempo.
— Ele me faz sentir coisas — repete minhas palavras com uma voz
ensaiadamente aguda e fazendo o sinal de aspas com os dedos. Eu
bufo, frustrada. — E qual é o problema em sentir?
— Eu posso ser inexperiente, mas não sou estúpida, mãe. Mesmo
que ele não tivesse me falado com todas as letras, eu saberia que
homens como Bruno não estão interessados no que eu tenho a
oferecer.
— E o que seria isso? Não me diga que você está escrevendo seus
nomes com canetas coloridas em folhas de caderno, porque se sim,
essa, definitivamente, é uma coisa que você deveria ter parado de
fazer aos doze anos.
— Não, mãe! Mas... mas...
— Mas o quê, Milena? — Resmungo quando não encontro a
justificativa pela qual estava procurando. — Vamos fazer melhor. Que
tal parar de se perguntar o que o Bruno quer ou deixa de querer e
focar em você? O que você quer, filha? — A pergunta faz uma
risadinha idiota escapar, porque a resposta para ela não precisa
sequer de um segundo para ser encontrada.
— Sentar nele até desmaiar — digo e logo depois gargalho. As
sobrancelhas da minha mãe se erguem, ela apruma os ombros e
entrelaça os dedos sobre o colo.
— Então você tem sua resposta. Só se vive uma vez, Mile. Faz o
que você quer fazer, certas oportunidades não se repetem.
— Eu não quero ser só mais uma... — confidencio meu medo mais
íntimo.
— E o que há de tão errado assim em ser só mais uma? Contanto
que ele também seja só mais um... — Deixa o restante da frase
subentendido e eu arranho a garganta, desgostosa.
— Ele seria o primeiro. — Minha mãe já sabe disso, entretanto,
parece ter se esquecido.
— Porque alguém tem que ser — diz, mas logo em seguida faz
uma pausa e me encara como se quisesse descobrir algo apenas com
o olhar. Não duvido de sua capacidade. — Eu não sabia que você
estava se guardando pra alguém especial. — Seu tom é de surpresa
contida quando ela inclina a cabeça, investigando-me.
— Eu não estou — pondero com um suspiro. — Isso não é sobre a
virgindade. Eu não quero isso na vida, sabe? Ser só mais uma em
qualquer que seja a circunstância, na primeira ou na vigésima vez. Eu
acho que se importar é importante.
— E o que faz você ter tanta certeza de que ele não se importa?
— Ele me disse que esse não é o tipo de coisa que ele faz.
— Disse? — pergunta com aquele ar de sabedoria irritante,
dizendo-me que seus poderes psíquicos já me vasculharam de cabo a
rabo e descobriram que eu posso estar presumindo algumas coisas.
— Só se vive uma vez, Mile — repete a frase já dita antes. — O medo
nunca ensinou ninguém a voar. — Mordo o lábio com os olhos fixos
nos seus, querendo lhe dizer que meu mal não é medo, mas não sei
se posso. — Seus cinco minutos acabaram. É hora de ir. — Não me
dá a chance de responder.
Minha mãe se levanta, deixa um beijo em minha testa e sai do
quarto, deixando-me sozinha para entender o que exatamente está
me segurando.
— Eu juro por Deus que se vocês não mantiverem suas fodas
dentro das cabines...
— Você anda jurando muito por ele ultimamente, Bruno — Arthur
debocha. — Vai fazer o quê? Gostar de assistir? Se juntar a nós? Tá
com medo de não resistir e acabar pedindo pra participar? — Seu tom
irônico não disfarça a provocação séria.
É esse o meu medo? Franzo as sobrancelhas ao ecoar a pergunta
silenciosamente. Entretanto, a resposta vem tão fácil, que concluo
nunca realmente ter estado em dúvida sobre isso. Não, não é. Eu só
não quero expor Milena a isso.
Ir à festa foi uma decisão dela, porque percebi que não deveria ser
minha. Principalmente depois de descobrir o quão longe ia sua
inexperiência. Por algum motivo, meus primeiros instintos quando se
trata da garota são sempre proteger e satisfazer. Nesse caso,
especificamente, embora a princípio eu estivesse convencido a
colocar o primeiro em ação, depois das últimas revelações, percebi
que, talvez, fosse o caso de usar o segundo.
E quando questionada sobre, ela concordou, mais rápido do que eu
poderia imaginar, inclusive. Milena é curiosa. Isso já havia ficado claro
há muito tempo, mesmo antes, quando nossas conversas eram
restritas a pedidos de café e a um trocadilho ou outro.
— Não, babaca! Mas eu já falei trinta vezes e vocês insistem em
fingir não escutar. Milena não é esse tipo de garota, porra! Você
aceitou minha condição pra levá-la, então cumpra com a merda da
palavra. — Um bufar soa alto, depois um estalar de língua.
— Eu vou. Nós vamos. Mas não posso prometer pelas garotas.
Nem elas podem?
— Eu não vou te dar uma resposta, Arthur. Milena chegou, tchau.
— Desligo o telefone antes que ele se despeça e enfio o aparelho no
bolso.
Observo Davi se aproximando, reduzindo a velocidade até parar. O
SUV estaciona no meio fio e Milena não espera que o motorista saia
do carro para abrir sua porta, é claro que não. Sorrio, achando graça
quando no instante em que o carro está completamente parado, ela
mesma abre a porta e salta para a calçada.
O biquíni azul marinho chama atenção pelo contraste intenso com a
cor de sua pele clara, por ressaltar seus olhos azuis, mas
principalmente por não estar coberto por uma blusa. Os seios
pequenos estão perfeitamente acomodados dentro do tecido escuro,
mas seu colo e mais de metade da barriga estão completamente
expostos.
Meu pau se sente convidado pela visão e imediatamente dá sinal
de vida. Porra, é irônico como a garota que sempre deixou claro como
não queria nada comigo, é capaz de me fazer duro apenas com a
visão de um pedaço da sua pele exposta.
Pelo menos suas pernas estão cobertas até abaixo dos joelhos por
uma saia de cintura alta. Podia ser pior, Bruno. Podia ser pior. Passo
as mãos pelos cabelos enquanto aproveito os óculos escuros para
apreciar cada uma das suas curvas sem qualquer descrição. Ela
caminha até mim a passos lentos, carregando uma pequena bolsa de
tecido em que acredito trazer as trocas de roupa que pedi.
— Oi — cumprimenta com um sorriso nervoso. Provavelmente, se
perguntando se ou quando vou abordar o assunto virgindade. Não
vou.
— Oi. Você está bem? — Pego sua bolsa, juntando-a à minha em
uma das mãos. Milena acena, concordando, antes de morder o lábio e
eu espelho seu movimento de cabeça. A vontade de me aproximar e
tocá-la é imensa, no entanto, resisto. Sem plateia, sem toques. Tê-la
ao meu lado durante o dia e a noite inteiros sabendo que será só isso
já é tortura o suficiente. — Vamos? — Aceno para o interior do prédio
diante do qual estamos. As sobrancelhas de Milena se erguem.
— Achei que iríamos ao litoral — pondera e eu acho graça de sua
confusão.
— Nós vamos — respondo, voltando a indicar com o braço que ela
passe a minha frente e entre no prédio comercial espelhado no meio
da avenida paulista. Seus ombros sobem e descem em um sinal de
resignação antes que ela comece a caminhar.
O elevador já está no térreo. Indico para que entre e a sigo. Aperto
o botão de fechar portas.
— Você sabia que esse botão não funciona? — Milena quebra o
silencio com a pergunta aleatória. Olho para o botão recém-
pressionado investigando sua luz acesa. — Não literalmente —
explica ao perceber o que estou fazendo. — Ele funciona, mas não
tem utilidade. — Minha dúvida deve ficar estampada em minhas
sobrancelhas arqueadas, porque ela continua: — Eles só são
acionados em casos de emergência, no restante do tempo, só servem
pra dar a sensação de controle aos passageiros. Apertando ou não, a
porta leva o mesmo tempo pra fechar.
Inclino a cabeça, observando-a, mas não consigo evitar a risada.
Quer dizer, um minuto atrás ela estava retraída e quase amedrontada.
Agora, está soltando informações aleatórias sobre botões de
elevadores. Minha reação a deixa um pouco vermelha, então me
apresso em responder.
— Eu não fazia ideia, mas obrigada por me contar. Onde você
descobriu isso?
— Em uma revista de divulgação de uma empresa de instalação de
elevadores.
— E por que você estava lendo uma dessas?
— Estava na sala de espera de um consultório.
— Ufa — solto, mesmo sabendo que ela não vai entender a piada
imediatamente.
— O quê? — soa preocupada.
— Eu estava começando a ficar preocupado que você pudesse ser
algum tipo de aficionada por elevadores e roldanas. — Seus olhos se
estreitam e ela me observa em silêncio por alguns segundos.
— Você está debochando de mim?
— Pode ter certeza! — respondo no exato instante em que as
portas se abrem e Milena passa por elas sem olhar para trás, bufando.
Meu sorriso discreto se transforma numa risada alta e permanece em
meu rosto quando a vejo estacar no lugar, finalmente se dando conta
de como chegaremos ao litoral de São Paulo.
Na cobertura do prédio a brisa suave que encontramos lá embaixo
se torna um pouco mais intensa, balançando os cabelos de Milena e
quando estou apenas um passo atrás dela, o cheiro dos seus cabelos
me atinge em cheio. Não é um cheiro de fruta como alguém que a vê
de longe poderia esperar. É um cheiro de ervas, forte, marcando mais
uma das muitas contradições que essa mulher é.
Não resisto, envolvo o corpo pequeno em meu braço, mandando
para a puta que pariu a resolução de que sem plateia, sem toques.
Quer dizer, o piloto do helicóptero pode ser considerado plateia, não
pode? Deve poder. Na minha cabeça estúpida e sem argumentos,
com certeza, pode. Milena é surpreendida pelo meu meio abraço e
estremece, quase fazendo eu me arrepender da aproximação.
Quase, porque quando seus olhos azuis se viram para mim,
brilhantes pra caralho, claramente excitados com a perspectiva da
experiência diante dela, eu me sinto a porra do super-homem, porque
fui eu quem colocou aquele brilho ali.
— Nós vamos de helicóptero? — pergunta sem conseguir conter o
sorriso que toma conta da sua boca gostosa. Caralho, eu queria beijá-
la. Como eu queria.
— Você disse que não tem medo de altura. — Não consigo evitar
sorrir também e levar mão livre até sua bochecha. Meu polegar
acaricia ali com movimentos suaves de sobe e desce. Por que isso
parece tão absurdamente natural?
— Eu não tenho! — exclama e sua voz sai aguda de tanta
animação, porra! Quando resistir a beijar sua boca começa a se tornar
insuportável, Milena joga os braços ao meu redor e cola o rosto ao
meu peito em um abraço apertado e totalmente surpreendente,
mudando, em apenas um segundo, toda a conotação do momento. —
Obrigada, obrigada, obrigada! Muito obrigada — murmura com o rosto
colado em meu corpo e eu acabo envolvendo-a também meu outro
braço ao seu redor. No momento em que ela inclina a cabeça para
trás, olhando para mim com os olhos marejados, puta que pariu!
— É só um helicóptero — sussurro baixinho, hipnotizado por cada
pedaço do seu rosto. O sol quente faz com que seus olhos úmidos
pareçam ainda mais azuis, as bochechas vermelhas, o sorriso bobo, o
nariz pequeno se mexendo.
— Mesmo assim, obrigada — repete e eu aceno com a cabeça
antes de concordar silenciosamente e deixar um beijo em sua testa.
UM. BEIJO. NA. PORRA. DA. TESTA. Eu devo estar ficando louco,
mas poucas coisas já pareceram tão certas quando isso.
Abraçados, caminhamos até o helicóptero onde eu prendo uma
Milena extremamente animada ao banco com um cinto X. Ela sorri o
tempo todo e, quando a aeronave ganha o ar, até mesmo balança as
pernas, eufórica.
Milena passa os próximos quarenta e cinco minutos encantada com
tudo e qualquer coisa ao nosso redor, desde os pássaros distantes no
céu até as pessoas, prédios e carros se tornando minúsculos tantos
metros abaixo de nós. Sei disso porque enquanto seus olhos estavam
completamente absortos no passeio, os meus estavam totalmente
hipnotizados por ela, resistindo até mesmo à necessidade de piscar,
com medo de perder qualquer gesto seu.
— Estamos descendo? — pergunta assustada ao perceber a
mudança de altitude. Balanço a cabeça como resposta. — Mas aqui
só tem água! — avisa como fosse sua missão mostrar a mim e ao
piloto algo que parecemos não estar vendo quando a situação é
justamente o oposto. Ela é a única a não enxergar algo.
— Lá — digo e aponto. Milena engole um arfar de espanto ao
enxergar o Iate prateado e preto de Arthur, nada discreto, que ela só
não tinha percebido ainda por estar muito distraída com a própria
experiência de voo.
— Puta merda! Aquilo é...? — Não conclui a pergunta porque sua
boca se abre em choque.
— O barco, ué. — O fato de tudo a surpreender é, ao mesmo
tempo, gostoso, divertido e fofo para caralho.
— Eu achei que era uma lancha ou algo assim...
— Ele tem uma lancha, também... — esclareço e ela apenas
balança a cabeça, concordando em silêncio.
— Nós vamos pousar lá mesmo? Isso é seguro?
— É. Tá vendo as linhas pintadas de branco? Aponto para o último
andar da embarcação.
— Uhum.
— Aquilo é um heliponto.
— Meu Pai! Vocês são muito ricos, não são? — comenta para si
mesma, tão envolvida com os próprios pensamentos que sequer
percebe ter dito em voz alta.
Rio e deixo que ela aproveite o fim do passeio com tanto ou mais
assombro do que aproveitou seu início. Faço o mesmo, voltando a me
concentrar em cada uma das suas expressões e gestos, bebendo
deles e me perguntando, uma e outra vez, por que caralhos eu não
consigo parar com isso?
— Você sabe como fazer uma grande chegada, não é filho da
puta? — Heitor pergunta assim que Milena e eu alcançamos o andar
abaixo do heliponto. — E funcionou? Se exibir desse jeito? — indaga
para mim antes de se virar para Milena. — Oi, linda! — Reviro os
olhos com o cumprimento e o babaca se aproxima dela para beijar
suas bochechas. Milena retribui, mas em momento algum solta minha
mão.
— Oi — ela responde, ainda com os olhos brilhantes e as
bochechas rosadas. Seus cabelos estão uma bagunça, resultado da
ventania provocada pelas hélices, mas ela não dá quaisquer sinais de
se importar com isso.
— Não sei — digo, e olho para ela. — Funcionou? — Dou uma
piscadinha e ela gargalha.
— Definitivamente! — exclama animada e eu puxo seu corpo
contra o meu ao mesmo tempo em que choco minha boca contra sua
têmpora em mais um beijo que não tem nada de sexual, mas me
enche de satisfação. Não perco o olhar estreitado de Heitor para a
cena, contudo afasto o pensamento.
— Onde estão os outros? — questiono quando começamos a
caminhar na direção do terceiro andar, onde a festa realmente está
acontecendo.

— É sério isso? Vocês vão ficar me encarando em silêncio como se


eu fosse a porra de um quadro em exposição? — Perco a paciência
depois de quase cinco minutos sob a observação silenciosa do
quarteto de idiotas. Por que mesmo eu insisto em ser amigo desses
caras?
Horas depois de ter chegado, é a primeira vez em que ficamos
sozinhos, Milena foi ao banheiro e, desde que ela saiu, os babacas
simplesmente interromperam a conversa que estávamos tendo e
decidiram me observar.
Eu sabia que algo viria, afinal, eles ainda não haviam tido a chance
de me espezinhar depois de sexta-feira. Falei muito mal com Arthur
por telefone e seu silêncio sobre o assunto gritava que o grupo tinha
muito a dizer a respeito.
— Nós estamos procurando possíveis falhas — Arthur, o palhaço
do grupo, avisa.
— Mas que po...
— Qualquer coisa fora do lugar — Pedro me interrompe.
— Ele tinha esse sinal embaixo do nariz? — Heitor pergunta e eu
recuo a cabeça, sem ter ideia de sobre o que os filhos da puta estão
falando.
— Nós podemos só perguntar — Conrado sugere.
— Ele não diria. Diria? — Arthur questiona com uma sobrancelha
levantada.
— Diria o quê? — inquiro entredentes, perdendo a paciência.
— Você é um alienígena que está substituindo nosso amigo? — é
Pedro quem pergunta e eu paro com a garrafa de cerveja que levava à
boca no meio do caminho.
— O quê? — Me arrependo instantaneamente e mesmo depois de
falar, meu rosto continua congelado em uma careta de incredulidade.
— Quando a esmola é muita, o santo desconfia. — Arthur parece
acreditar estar explicando alguma coisa e eu fecho olhos antes de
expulsar todo o ar dos meus pulmões em uma única expiração e
esperar. — Tudo isso está muito fácil. — Cruzo os braços na frente do
peito. — Primeiro, nós achamos que mulher nenhuma ia aparecer na
sexta, que você ia enrolar, dizer que ela furou só pra ganhar tempo de
tentar alguma outra desculpa ou golpe.
— Sério? — indago, mas ele continua seu teatro de absurdos como
se eu não tivesse dito nada.
— Mas aí a mulher não só apareceu como parecia exatamente o
objeto raro que você disse que ela era. Olhos tímidos, postura
confiante, divertida, gostosa e nem piscou pra nenhum de nós. Não
era uma prostituta, isso também ficou óbvio quando observamos a
interação entre vocês.
— Cogitamos que fosse uma atriz — Pedro avisa.
— Vocês têm que estar de brincadeira! — resmungo.
— Procuramos por ela em alguns sites. Passamos a manhã de
ontem inteira investigando isso, mas como não sabíamos qual seria o
seu nome verdadeiro, caso realmente fosse uma profissional, tivemos
que procurar só pelo rosto.
— Pelo ros...
— Tiramos algumas fotos na sexta — me interrompe antes que eu
possa perguntar. — Você estava tão distraído babando em cima dela
que nem percebeu.
— Vocês são doentes — declaro, completamente certo disso. Nego
com a cabeça e levo a garrafa à boca. A cerveja desce gelada e porra!
Eu quero rir desses idiotas. Uma atriz? Quão estúpido eles acham que
eu sou?
— Então nós concluímos que você não faria algo tão idiota, seria
como pedir pra ser pego... — Arthur fala, parecendo ter ouvido meus
pensamentos. Ergo as sobrancelhas e torço os lábios em desdém,
mas me torno mais atento ao jogral ensaiado. — Se você estivesse
tramando alguma coisa, seria algo bem mais difícil de descobrir. —
Tremo os lábios, fingindo não ter ideia do que eles estão falando.
— Depois de não achar nada sobre a garota, percebemos que,
talvez, estivéssemos enxergando tudo pelo ângulo errado... — Heitor
sugere e eu coço a sobrancelha, tentando parecer displicente, mas
começando a me preocupar que a conversa que começou sem pé
nem cabeça, realmente chegue a algum lugar.
— Tudo isso é o ângulo errado — desconverso, fazendo um sinal,
apontando para nosso círculo. — Vocês estão loucos. Todos vocês.
— Interessante ele falar em loucura, não é gente? — Conrado
questiona aos outros com os olhos estreitados em minha direção. —
Porque, pra qualquer um que te conhece, você está agindo como um
louco.
— Espera, o quê? — Qualquer desconfiança que eu pudesse ter
sobre eles estarem chegando perto da verdade esvai como água
descendo pelo ralo. Esses cretinos não fazem ideia do que estão
falando. — Como assim eu estou agindo como um louco?
— Tudo bem, tudo bem... Talvez louco seja uma palavra forte, mas,
definitivamente, você está agindo de um jeito estranho. — Coço a
cabeça e viro o rosto na direção para onde Milena foi. Será que ela
ainda demora muito?
— Olha aí, olha aí! — Arthur alerta imediatamente e eu recuo o
rosto e balanço a cabeça devagar em uma pergunta silenciosa. —
Você está procurando por ela! — acusa.
— E isso prova o quê exatamente? Além, é claro, do fato de ela
estar comigo exatamente como vocês, imbecis, exigiram? — digo
devagar, como se o ritmo lento das palavras pudesse colocar algum
sentido nelas.
— Que você não está sendo você! Não importa se nós exigimos, na
verdade, justamente por ser uma exigência, essa maneira de lidar com
a garota é a última coisa que você faria! — Sopro o ar por entre os
dentes e reviro os olhos.
— Então eu devia tratá-la mal só pra afetar vocês? Ou vocês não
me conhecem, ou não sou eu quem está enlouquecendo.
— Não é tratar mal, mas se inclinar, toda vez que ela se aproxima?
— Heitor questiona.
— Ficar atento a cada gesto e sorrir só porque ela sorriu? — agora,
é Conrado quem fala.
— Me obrigar a manter as fodas da festa dentro das cabines para
não ferir os olhos sensíveis dela? — essa primeira parte é dita como
um resmungo. Ele ainda está inconformado com isso. — Ou, então,
abastecer o barco com refrigerante pra que ela tenha tudo o que
possa desejar?
— Esse não é você, cara — Pedro conclui, fazendo-me inclinar a
cabeça, pensativo. Não, não sou, e saber que eu não fui o único a
perceber todas essas coisas é, no mínimo, perturbador. No entanto, as
últimas pessoas no mundo que eu permitiria que percebessem meu
abalo, são os quatro à minha frente, então mantenho a postura de
indiferença e enfio uma das mãos no bolso. — Isso sem falar na noite
de sexta.
— Primeiro, você sentiu ciúmes, ficou putinho coma brincadeira do
Arthur — Heitor recomeça o jogral.
— Eu não senti ciúmes — argumento, porque é verdade. Eu estava
sendo egoísta, talvez ainda esteja. Talvez tudo isso seja sobre minha
meu corpo, mesmo contrariando minha mente, estar cortejando Milena
na tentativa de levá-la para cama.
— Uhum, e eu não tenho pau — Pedro, o babaca, continua. —
Depois, sumiu com a garota do camarote e, primeiro, achamos que
você só queria uma desculpa pra se enfiar com ela em um quarto e
foder, isso é o que você normalmente faria. Mas, ao invés disso, você
desceu pra pista e fez absolutamente tudo o que ela queria. Esse é o
tipo de coisa que o Bruno faz, gente? — pergunta ao grupo como se
estivéssemos em algum tipo fodido de terapia grupal e eu jogo a
cabeça para trás e fecho os olhos, implorando, mentalmente para
quando voltar a abri-los, Milena já ter retornado e essa conversa
acabar.
— Não. Definitivamente, não é — Arthur responde e faz uma pausa
dramática em que mesmo com os olhos fechados, sou capaz de ouvir
seus suspiros combinados. De novo, por que caralhos eu insisto
nessa amizade? — E aí eu a convidei pra hoje e você reagiu como o
king kong em defesa da pequena e frágil loira! Essa, com certeza,
tinha sido a cereja do bolo até você chegar aqui de helicóptero. Você
não usa o helicóptero pra impressionar uma garota.
— A menos que queira muito uma foda — Conrado completa.
— Mas claramente Milena é uma foda que você já conseguiu —
Pedro diz e eu quase rio de desespero. Esse filho da puta nem faz
ideia. — Então, meu amigo, ou nós estamos perdendo alguma coisa
aqui ou o verdadeiro Bruno foi abduzido e você é uma cópia.
— Sério. — Dobro o lábio inferior para fora em uma falsa e mal
atuada demonstração de espanto. — Estou impressionado, caras! —
Balanço a cabeça, concordando. — Geniais! Vocês são geniais!
Realmente são detetives incríveis. — Deixo a garrafa que bebia no
balcão à nossa frente e ergo as mãos com as palmas viradas para
eles. — Todo esse raciocínio e análise incríveis pra chegar a essa
conclusão formidável? — Faço um bico de admiração e bato palmas.
— Me descobriram! Eu sou um Alien — reconheço, fingindo tristeza
por ter sido pego. — Agora que nós já resolvemos isso, podemos
mudar de assunto?
— Primeira vez? — uma mulher morena de cabelos cacheados me
pergunta quando estou usando um dos banheiros comuns.
Apenas pensar sobre a existência de banheiros comuns e
banheiros privados me faz ter vontade de gargalhar. Meu pai! Bruno e
seus amigos não são somente ricos, eles são ofensivamente ricos!
Eu sabia, mas há uma enorme diferença entre saber e ver,
principalmente quando ver significa um barco maior do que dois
prédios, um ao lado do outro, ostentando mais luxo do que um hotel
cinco estrelas. O lugar é tão grande que mesmo com toda a
disposição de Bruno para me dar um tour, eu sequer quis conhecê-lo
inteiro.
Quanto mais andávamos, mais coisas parecia ter para conhecer e
por maior que fosse a minha curiosidade, o que eu realmente queria
desde o instante em que pus meus pés a bordo do Sirius Black[15], era
aproveitar a tal festa.
Como Bruno havia avisado, há mulheres, muitas delas, cinco para
cada homem, eu tentei contar porque estou muito curiosa sobre essa
proporção. Há um DJ famoso de quem eu obviamente nunca havia
ouvido falar a bordo e a música nunca para, mas há tanta coisa para
se ver que desde que cheguei, não fiz nada além de observar.
Os muitos bares espalhados pelo barco, as pessoas que são tão
bonitas que parecem estar aqui para algum tipo de ensaio fotográfico,
as bebidas coloridas, a alegria contagiante, as interações
extremamente sensuais, a energia sexual que parece vibrar entre as
paredes do Iate... Eu tenho quase certeza de ter visto um casal
transando, quase, contudo, precisei desviar os olhos antes que
alguém percebesse minha atenção, então nunca saberei.
E há Bruno, atento a mim o tempo todo. Como é fácil esquecer que
é tudo mentira quando ele me olha como se quisesse realizar cada um
dos meus desejos. Como eu deveria manter minha mente sã quando o
homem manda abastecer o barco que não é seu, de uma festa que
não é sua, com refrigerantes, apenas porque é a única coisa que eu
bebo além de água?
Balanço a cabeça, fugindo das minhas perguntas infundadas,
porque eu não deveria estar me questionando essas coisas. Minha
relação com Bruno é o que é e acabou! Repito para mim mesma pela
milésima vez.
— Tão óbvio assim? — Sorrio um pouco constrangida para a
mulher. Ela me dá um sorriso imenso antes de pegar um brilho labial
na bolsa e começar a deslizar pelos lábios na frente do espelho.
Seus olhos são escuros e ela veste um biquíni laranja com top
cortininha e parte de baixo de amarrar. Um clássico e em seu corpo
curvilíneo, o conjunto fica espetacular. Depois que termina de usar o
produto, me oferece.
— Protetor labial?
— Não, obrigada — agradeço e ela dá de ombros.
— Você parece deslumbrada, exatamente como eu parecia na
minha primeira vez — explica o porquê de sua primeira pergunta e eu
mordo o lábio antes de concordar. Pego um dos protetores solares
dispostos em um armário cheio deles no banheiro e deposito um
pouco em alguns pontos do meu rosto.
— É só... Muita coisa.
— Eu sei! — Ela dá um tapinha em sua coxa nua antes de jogar a
cabeça para trás e soltar uma risada. — E os homens? — Emite um
som de assombro e vira-se para mim com uma expressão tão
deslumbrada quanto ela diz que eu pareço.
— Você vem sempre? Quer dizer, essa festa acontece sempre? —
pergunto e agora seu olhar para mim é de curiosidade.
— Uma vez a cada dois meses. É a minha terceira, as duas últimas
me renderam quase um mês de agenda cheia. Já escolheu? Eu sou
Giulia, aliás. — Franzo as sobrancelhas para a pergunta direta
— Escolhi o quê? E eu sou a Milena. — Começo a espalhar o
produto nas bochechas em movimentos circulares.
— Seu alvo, ué! É bom escolher cedo, antes de ficarmos bêbados,
depois disso, tudo vira uma grande confusão e você corre um sério
risco de acordar pelada com um cara pra quem você nem sequer tinha
olhado antes de se embebedar. E se o cara for um ninguém, você
perde a oportunidade de fazer seu mês — explica com seriedade,
como se estivesse me dando um tutorial e eu pisco os olhos, confusa.
— O cara com quem dormi na última festa reservou três semanas de
exclusividade, e, depois, quando viajou pra fora do país, deixou meu
contato com um amigo que também curtiu um longo prazo. — Abro a
boca para dizer que não tenho certeza se estou entendendo o que ela
quer dizer, mas a mulher não me dá a chance. — Hoje meu alvo é o
dono do barco, posso estar sendo ambiciosa, mas... — Seu olhar se
volta para o próprio reflexo no espelho e se estreita, assumindo um ar
determinado.
— Arthur? — questiono, surpresa, embora não saiba exatamente o
porquê. Todos os rapazes são incrivelmente lindos e nenhum deles
está acompanhado.
E, considerando o que essa mulher acabou de dizer, começo a
entender o motivo. Também começo a entender a razão de Bruno não
estar interessado em vir para começo de conversa. Não comigo a tira
colo. Giulia foca seus olhos escuros em mim com atenção, como se
investigasse as intenções por trás da minha pergunta e eu levo alguns
segundos para perceber o porquê.
— Oh, não! — exclamo, ansiosa para desfazer qualquer mal-
entendido. — Eu o conheço, na verdade, estou com o amigo dele! —
Seu rosto se ilumina e um sorriso ainda maior do que o primeiro que
ela me ofereceu surge em seus lábios.
— Então você pode me apresentar! — Bate palminhas, animada. —
Ainda não consegui conhecê-lo e todo mundo diz que ele não se
aproxima de novatas. Nenhum dos poderosos se aproxima, na
verdade. — Ela suspira quase frustrada, apenas por um momento,
mas logo depois, parece se lembrar de que eu posso ser a solução
para os seus problemas.
É exatamente isso que seus olhos me dizem que eu sou. Recuo a
cabeça sem conseguir evitar o pensamento de que essa conversa
está cada vez mais parecendo papo de bêbados e eu nem bebi.
— Os poderosos?
— Os amigos. Arthur, Heitor, Pedro, Conrado e Bruno. Inclusive, é
sua primeira vez e você já conseguiu um deles? — Seu rosto não é de
surpresa, mas algo como admiração? — Arrasou, garota! — Pisco.
Primeiro, chocada com a conclusão a que ela chegou, mesmo que eu
ainda não tenha certeza se estamos falando da mesma coisa. Se
estivermos, ela acha que eu sou uma acompanhante, algo que ela
também seria.
Coço a orelha, perguntando-me se vale a pena tentar desfazer a
confusão e depois de quase um minuto inteiro de reflexão, decido que
não e me seguro para não rir disso.
— Então, você me apresenta? — pede e eu abro a boca, mas não
digo nada e acabo fechando-a. Giulia inclina a cabeça e a decepção
começa a dar lugar à animação em seu rosto quando eu não
respondo. Ah, que se dane! A festa é dele, afinal.
— Claro! — E, fácil assim, seu rosto volta a brilhar tanto quanto um
diamante.

— Você demorou. Está tudo bem? — Bruno pergunta, já


envolvendo minha cintura em um dos seus braços no instante em que
me aproximo dele e dos rapazes, todos de pé, próximo a um dos
bares, conversando entre si. De novo, esquecer seria tão simples.
Tão, tão simples.
Seus olhos caem para a minha boca e antes que eu possa pensar
muito sobre isso, faço o que estou morrendo de vontade de fazer
desde que o vi através da janela do carro esta manhã, em seus shorts
e camiseta, tão informais quanto na noite em que discutimos o
contrato em sua casa. Colo minha boca na sua e o contato é tão
delicioso quanto eu me lembrava.
Era para ser um beijo rápido, suave, impulsivo. No entanto, ele
prende meus lábios entre os seus e passa a língua sobre meu lábio
inferior antes de chupá-lo suavemente, como se não pudesse perder a
oportunidade, arrepiando-me inteira.
Quando libera minha boca, eu estou vermelha e sentindo um leve
palpitar entre as pernas. Meu pai! Como eu sou fácil para esse
homem! Ele me olha e eu pisco lá embaixo. Ele me toca e eu me
arrepio inteira. Ele me beija e eu me derreto. Um arranhar suave de
garganta me lembra do meu propósito e me liberta do olhar de Bruno,
no qual fui aprisionada assim que abri os olhos.
— Estou. — Sorrio. — Eu fiz uma amiga. — Volto-me para os
rapazes apenas para perceber que estão todos olhando para nós com
expressões curiosas. Até olho para baixo, pensando que posso ter me
sujado sem perceber no trajeto entre o banheiro e a proa, mas não há
nada fora do lugar, então deixo a dúvida de lado.
— Essa é a Giulia — apresento a morena que rapidamente se torna
o alvo da atenção, não apenas de Arthur, mas de todos os homens da
roda. Mesmo Bruno a olha por um segundo antes de voltar a
concentrar toda a sua atenção em mim enquanto os outros
esquadrinham a mulher ao meu lado como se ela fosse um mapa para
a invasão de terras inimigas que precisasse ser estudado centímetro a
centímetro.
Tento dizer a mim mesma que a pouca atenção dispensada por
Bruno à Giulia tem a ver com o fato de todos os seus amigos estarem
presentes e ele não poder dar bandeira. No entanto, minha mente
iludida e traiçoeira se apressa em lembrar que, desde que chegamos,
mesmo quando os rapazes estiveram distantes, em momento algum
ele olhou para qualquer outra mulher que não fosse eu por mais de
dois segundos.
— O que você acha de irmos até a hidromassagem? — Bruno
sussurra no meu ouvido e eu inclino a cabeça, mas basta um segundo
olhar para a interação começando a se desenrolar ao nosso lado para
eu perceber que realmente não vou querer ficar para descobrir o que
vai acontecer. Talvez eu até quisesse, porém esse não é o tipo de
coisa que se diz em voz alta.

— Ela é uma acompanhante? — Deslizo a saia pelas pernas antes


de entrar na hidromassagem do convés. A única vazia.
Aparentemente, ela não é aberta aos convidados e quando perguntei
se deveríamos usar, Bruno apenas riu, tirou a bermuda e se enfiou
dentro dela.
— Você a apresentou — argumenta e eu lambo os lábios ao
perceber seus olhos fixos em meu corpo, mesmo que ele esteja
usando óculos escuros. Prendo os cabelos em um coque no alto da
cabeça, não querendo molhá-los.
— Eu a conheci no banheiro e ainda não sei se estávamos falando
da mesma coisa — explico. — Tudo bem, vou reformular. — Entro na
Jacuzzi de oito lugares. — Há acompanhantes aqui? — De pé, dentro
da água, não sei exatamente onde devo me sentar, e é difícil
raciocinar quando Bruno está tão perto e seminu.
Pelo amor de Deus! Seu peito parece ter sido salpicado de óleo
bronzeador, e suas coxas? Ainda bem que elas estão submersas. As
veias de seu pescoço, os ombros largos, os braços maiores que as
minhas próprias coxas, o tórax definido e a barriga cheia de gominhos
já são mais do que o suficiente para minha visão lidar. Eu realmente
não preciso das suas coxas disputando a atenção dos meus olhos. Ele
acena para o lugar ao seu lado e assim que me sento, a pressão
calculada começa uma massagem em minhas costas que me arranca
um gemido inesperado.
— Bom, né? — pergunta rindo. Gemo uma resposta e apoio a
cabeça na borda acolchoada da hidro. — Sim, há acompanhantes.
Ponha suas pernas em cima das minhas, vai deixar seu corpo mais
solto — diz, já levantando minhas coxas e apoiando-as na sua,
varrendo com o contato todo e qualquer pensamento racional e
pergunta que eu ainda pretendesse fazer da minha cabeça.
Mordo o lábio, tentando manter o som que seu toque me arranca
dentro da minha própria boca, principalmente quando sua mão
começa a fazer movimentos de cima para baixo em minhas pernas.
Meu pai, isso não deveria ser tão bom, ele mal está me tocando e eu
estou me dissolvendo.
O sol quente, a água gostosa, o cheiro de água salgada se
misturando ao perfume marcante de Bruno e a brisa fria tornam o
momento ainda mais delicioso. Fecho os olhos, perdendo-me nas
sensações que açoitam meu corpo e mente.
— Como você está se sentindo?
— Como se meu corpo estivesse sendo desmontado, mas de um
jeito bom. — Forço as palavras para fora da minha boca. O toque das
mãos de Bruno se torna mais constante, as palmas das suas mãos
deslizam com mais firmeza pelas minhas panturrilhas e pelos meus
joelhos.
— Vem aqui — pede e eu me obrigo a abrir os olhos para encontrar
sua mão estendida em um convite para que eu me sente em seu colo.
Eu o encaro aflita, porque não confio em mim mesma para isso, mas
seus olhos pedem que eu confie nele e mesmo sem saber o porquê,
eu confio.
Com um movimento simples, Bruno está encaixado entre as
minhas coxas e meu coração está batendo na garganta, no pulso e no
meu baixo ventre.
Seus olhos investigam todo o meu rosto antes de seu nariz deslizar
por ele em carícias suaves. Dessa vez, não consigo conter o gemido
ansioso por mais. O toque suave, vez ou outra, provoca também meus
lábios com os seus até que sua boca esteja em minha orelha. Sinto
seu hálito antes mesmo de ouvir sua voz e fecho os olhos, ansiosa
pelo que ele está prestes a dizer.
— Pedro está escondido no andar de cima, nos espionando —
sussurra como se estivesse me contando um segredo íntimo. — O
que você acha de darmos um show a ele?
— Um show? — A pergunta de apenas duas palavras sai num fiapo
de voz e a resposta que recebo é uma leve sucção no lóbulo da minha
orelha.
— Uma cena — explica. — Vou tocar você da cintura pra cima,
você pode fazer o mesmo. Na distância em que ele está, vai ser o
suficiente. — Ele vai me tocar da cintura para cima.
Eu riria de desespero se meu cérebro se lembrasse de que é capaz
de fazer outras coisas além de surtar, neste momento. Se Bruno acha
que me faz algum favor me tocando apenas da cintura para cima é
porque não sabe que seu toque tem o poder de me transformar em
uma construção prestes a implodir. Tocar apenas a parte superior do
meu corpo não muda isso. Não muda nada.
— Tudo bem pra você? — pede minha autorização, mantendo as
mãos paradas em minha cintura.
— Tudo bem — digo, mas provavelmente não confiando no meu
tom de voz afetado, traz o rosto para o meu. Sua expiração quente
bate em meus lábios e eu os entreabro imediatamente em um reflexo,
querendo sentir, nem que seja só um pouquinho do seu gosto.
O toque de bruno abandona minha pele apenas por tempo o
suficiente para que ele tire os óculos escuros. Seus olhos azuis me
puxam. O desejo que vejo neles ameaça me engolir, porque eu quero
acreditar que ele é real. Tão real quanto o meu.
É uma loucura que em menos de uma semana esse homem tenha
passado do crush por quem eu tinha um abismo onde deveria haver
uma queda para o cara no colo de quem eu estou sentada, me
perguntando quão louca eu seria considerada se simplesmente
atacasse sua boca neste momento.
Se antes sentir suas mãos estava me afetando, agora, sentada
nessa posição, tudo em mim protesta em necessidade. Eu nunca
achei que desejo pudesse realmente doer, não até agora.
— Tem certeza? Nós não precisamos fazer isso se você não quiser
— oferece a saída, sem entender que o caso é justamente o contrário.
Receber seus toques e tocá-lo é tudo o que eu quero fazer e a
expectativa e o medo, que acompanham essas vontades são a razão
da minha insegurança.
— Tenho. — Guardo para mim todas as outras palavras. Ele acena
em concordância e mesmo assim, não consigo desviar meus olhos
dos seus lábios grossos e rosados.
Ele toca sua testa na minha e volta a acariciar meu rosto com o
seu. A ponta do nariz brinca com minha bochecha enquanto as mãos
deslizam lentamente pelo meu corpo molhado. Um dos seus braços
circula completamente minha cintura enquanto o outro sobe e seus
dedos longos tomam conta da minha nuca.
As pontas massageiam ali, arrancando-me um gemido de
satisfação e fazendo com que eu me remexa. Minhas pernas abertas
se pressionam contra Bruno, revelando-me uma ereção perfeitamente
encaixada em mim. Oh, céus!
Abro os olhos que nem mesmo percebi ter fechado para encontrar
os seus fixos em mim. Seu cheiro, o gosto do seu hálito que, hoje, só
provei através das suas expirações que engoli, o sol sobre nós, o fato
de estarmos completamente expostos a qualquer par de olhos e
certamente ao de Pedro, tudo isso começa a parecer muito mais
excitante do que acho que sou capaz de suportar.
Seu rosto abaixa quando sua boca delineia a curva do meu queixo,
do meu pescoço, fingindo tocá-los mesmo que esteja mantendo uma
distância desesperadora da minha pele. O ar que deixa seus pulmões
é o único que ousa se aproximar através de sopros mornos expulsos
por sua boca ou nariz.
— Bruno — chamo seu nome depois de longos segundos dessa
tortura chamada sua presença, querendo, desejando alertar que não
sei se posso fazer isso, mas tudo o que consigo é soar como se
estivesse implorando por mais, o que meu corpo definitivamente está.
Desde a noite de sexta, me sinto na borda quando o são seus
toques e ter sua ereção tão próxima do lugar onde tenho fantasiado
com ela, é o empurrão definitivo para aquele ponto a partir do qual eu
simplesmente não sou mais capaz de voltar atrás. Quando ele colocar
a boca na frente da minha novamente, não há dúvidas sobre qual é a
coisa certa a fazer.
Encaixo meus lábios nos seus devagar, querendo sentir cada
pedaço seu e ele parece entender minha necessidade, porque suas
mãos empenham mais força em seus agarres ao ponto da dor
enquanto sua boca deixa que eu a explore, primeiro com os lábios,
depois, com a língua.
Deslizo sobre o lábio inferior, experimentando, testando, depois,
sobre o superior, por último, sua língua me dá olá e deixa que eu a
chupe devagar, finalmente tendo minha boca inundada pelo seu gosto
e não apenas pelo fantasma dele. Nada nunca foi tão gostoso.
Remexo-me outra vez, agora, indo além de roçar sem querer minha
boceta em sua ereção, mas esfregando-me nela de propósito.
Isso acaba com sua disposição para me deixar explorar. Com um
grunhido rouco, Bruno assume o controle do beijo. Sua língua se enfia
em minha boca lambendo, chupando e massageando. Seus dedos em
minha nuca sobem alguns centímetros, enfiando-se em meus cabelos
e empurrando minha boca para a sua.
Seu peito nu, quente, se pressiona e esfrega contra minha pele.
Meus mamilos endurecem, meus peitos pesam e o mínimo toque me
faz gemer. Se Bruno quisesse tirar a parte de cima do meu biquíni
agora, juro por Deus que não protestaria. Sua língua é incansável em
minha boca, entrando e saindo, povoando minha cabeça com imagens
de outra parte do seu corpo entrando e saindo do meu.
Meus quadris se movem de maneira autônoma, rebolando em seu
colo e em algum momento, a calcinha do biquíni sai do lugar,
afundando-se entre os grandes lábios da minha boceta e separando-
os. Um gemido alto deixa minha boca e é engolido pela de Bruno. O
desejo por mais parece fogo líquido correndo por minhas veias e
alimentando o desespero dos meus pulmões. Bruno desce a boca
pelo meu queixo, arranha minha pele excitada com os dentes até
alcançar o vale dos meus seios e deixar beijos ali.
Sua boca percorre o volume não coberto pelo biquíni, deixando-me
desesperada para que a barreira entre meu corpo e sua boca seja
eliminada, mas ele não se demora ali, como se estivesse brincando
comigo, provocando-me, querendo apenas me dar uma amostra do
que é capaz de fazer comigo antes de me abandonar.
Seus lábios voltam a tomar os meus em um beijo ainda mais
intenso e dominador e embora nenhuma de suas mãos tenha chegado
nem perto da minha intimidade, eu estou completamente rendida e
disposta a deixar que ele faça comigo o que quiser.
A sensação é a de estar apostando uma corrida. O prazer tem
pressa em me subjugar e mais rápido do que nunca, a vibração em
meu baixo-ventre começa a se transformar em um terremoto. Bruno
parece sentir isso, porque são suas próximas palavras que me
empurram do precipício.
— Goza, Mile — sussurra em minha boca quando os movimentos
dos meus quadris se tornam mais intensos e descontrolados,
perseguindo loucamente o ápice do prazer e como se tudo o que
faltava fosse sua autorização, o orgasmo explode um milhão de
estrelas por trás dos meus olhos fechados com um grito abafado pela
língua de Bruno enroscada à minha.
Tremores intensos dominam meu corpo e mesmo que a luz do sol
se infiltre sob e através das minhas pálpebras, a escuridão permanece
comigo por alguns segundos bem-vindos em que tento controlar
minha respiração. Quando abro os olhos, pisco algumas vezes até ser
capaz de enxergar com clareza.
O que vejo sopra as brasas do meu desejo, transformando-as,
outra vez, em uma fogueira pronta para me consumir. Fome. Os olhos
de Bruno me devoram com uma intensidade tamanha, que seria
impossível permanecer indiferente à sua voracidade mesmo que eu
quisesse. A mão que estava embrenhada em meus cabelos alcança
minha bochecha e ele aperta os dentes enquanto acaricia meu rosto.
— Linda pra caralho, Milena...
— Bruno, eu... — começo, um pouco ofegante, mesmo sem fazer
ideia de como terminar. O que eu deveria dizer? Me desculpe por usar
seu corpo para gozar? Me deixe te ajudar a chegar lá também? A
névoa da excitação ainda embaralha meus pensamentos e eu não
consigo raciocinar direito quando todo o meu corpo parece estar
vibrando em uma frequência irracional.
— Está tudo bem, Milena — diz, ainda com a mão traçando
movimentos suaves em minha bochecha. Ele relaxa a mandíbula e
deixa a expressão dura que estava em seu rosto de lado. — Nós
perdemos o controle, acontece. É um risco quando fazemos o que
estamos fazendo. Você é uma mulher linda, gostosa pra caralho... —
murmura a segunda parte da frase e meu coração estúpido e
inconsequente salta no peito ao ouvir aquela que parece ter sido uma
confissão. Bruno expira com força antes de com delicadeza me tirar
do seu colo e me pôr sentada onde eu estive antes, sem terminar de
dizer o que começou. — Eu volto já — avisa e não me dá chance de
responder, sai da Jacuzzi a passos largos, como se estivesse fugindo
de algo, de mim, de si, eu não sei. Abalada pelo orgasmo, mas, ainda
assim, cheia de desejo, não faço nada além de observar ele se
afastando.
Respira, Bruno. Respira, porra! Com os braços esticados à frente
do corpo, as mãos espalmadas na parede e a cabeça baixa em um
corredor qualquer, mantenho os olhos fechados, lutando mais do que
jamais precisei antes para me controlar. Puxo inspirações profundas
pelo nariz e as solto pela boca.
Meu peito é esmurrado como o caralho de um bumbo pelo meu
coração que reage como se eu tivesse acabado de sair de uma
intensa sessão de aeróbicos, e não de uns amassos na
hidromassagem. Eu sequer toquei sua boceta e, ainda assim, seu
cheiro parece impregnado nas paredes internas do meu nariz,
deixando-me louco, completamente fora de mim.
O latejar em minha sunga de banho molhada beira o insuportável
quase como um protesto do meu pau ansioso pelo orgasmo que lhe
foi negado. Eu poderia ter gozado. Deus sabe que eu realmente
poderia. Os rebolados de Milena me levaram ao limite e me segurar foi
a maior prova de autocontrole que já fui capaz na vida, mas mesmo
perdido na sensação foda de tê-la nas mãos, gostosa e entregue, eu
precisava ser aquele a racionalizar, já que Milena com certeza não
seria.
E ver seu olhar perdido quando ainda nem tinha se recuperado da
euforia pós-orgástica, deixou mais do que claro que eu estava certo
em fazer isso. Milena perdeu o controle, eu não poderia fazer isso
também, mas aproveitaria cada segundo fodido de sua perda, e foi
isso que fiz.
A lembrança da sua boca aberta, do seu olhar perdido de prazer,
da sensação de seus dedos afundando em meus ombros, do som que
deixou sua garganta quando ela gozou acaba com os resultados
medíocres que minha tentativa de acalmar minha ereção tinha
alcançado. Linda pra porra! Puta que pariu! Eu vou enlouquecer!
— Oi, Bruno! Ainda não tinha te visto por aqui! — A voz melodiosa
me faz abrir os olhos, erguer a cabeça e olhar em sua direção. Ingrid
sorri para mim e se aproxima, envolvendo os braços ao redor do meu
pescoço em um abraço não solicitado, não se importando nem um
pouco em me tirar da posição em que eu estava.
A mulher que é linda, é também o extremo oposto daquela que me
deu a ereção dolorida rapidamente sentida por Ingrid ao se aproximar
demais. Onde Milena é clara, Ingrid é escura, onde Milena é lisa,
Ingrid é cacheada, onde Milena é pequena e suave, Ingrid é alta e
voluptuosa. Onde há inocência em Milena, em Ingrid há experiência
abundante.
Os olhos escuros baixam para minha sunga e um sorriso safado
toma conta de seu rosto. Ingrid não é uma estranha, na verdade, por
mais de uma vez ela já esteve em minha cama e meus olhos fazem
uma análise rápida do nosso entorno em busca de testemunhas do
que pode vir a acontecer.
— Ui! — exclama animada. — Te deixaram na mão, é lindo? — Faz
um bico com os lábios e o move de um lado para o outro. — Me deixa
resolver isso pra você. — Se voluntaria, já levando a mão para baixo,
pronta para agarrar meu pau por cima da cueca, mas em um
movimento inesperado até para mim mesmo, eu a seguro antes que
ela consiga me tocar.
Primeiro, suas sobrancelhas se franzem, estranhando a negativa.
Não acho que esteja acostumada a elas, de mim ou de que qualquer
outro homem. Porra, a mulher é gostosa e está disposta.
— Ah! — Revira os olhos e volta a sorrir. — Você quer ir pra um
lugar mais reservado? Ou talvez um mais exposto? — oferece e eu
inclino a cabeça, sabendo a resposta para essa pergunta, mas tendo
dificuldades para acreditar nela.
— Não, Ingrid. Hoje não. — Dou um passo para trás, afastando-me
de seu toque e ela pisca algumas vezes, como se a palavra não
estivesse fazendo sentido para seus ouvidos. Acredite. Eu sei
exatamente como você se sente. Tenho vontade de dizer, mas, ao
invés disso, cruzo os braços na frente do peito e aguardo que ela se
reestabeleça.
— Não? — pede pela confirmação com as sobrancelhas
arqueadas.
— Não — enfatizo com um balançar de cabeça e seu rosto ganha
uma expressão que mistura curiosidade e divertimento. Com um
aceno, ela se despede sem dramas, e eu volto a olhar para um lado e
para o outro. Pelo menos esse encontro serviu para me tirar no poço
de autocomiseração em que eu estava afundando.
Meus olhos encontram um banheiro e eu os aperto, sem poder
acreditar que, depois de quase ter gozado, sarrando uma boceta meio
coberta e meio exposta, como a porra de um adolescente, eu vou
ainda mais baixo, gozando na minha própria mão em uma festa em
que bocetas não me faltam apenas porque, aparentemente, eu estou
me tornando obcecado pela porra da única que eu não posso ter e
simplesmente não sei como lidar com isso.

— Você quer entrar? — pergunto quando Milena boceja pela


terceira vez num intervalo de dez minutos.
Já faz horas que o céu escureceu, mas aqueles que não estão
trancados em cabines fodendo, continuam na festa nas áreas comuns
do barco como se o dia não tivesse se transformado em noite e como
se o amanhã não fosse chegar nunca.
Depois que gozei, fui capaz de voltar à hidromassagem e encontrá-
la. Milena tentou falar outra vez sobre o assunto, mas repeti o que
havia dito antes: perdemos o controle, está tudo bem, acontece. Ela
não insistiu, mas tanto quanto eu, parecia incapaz de permanecer na
Jacuzzi e saímos de lá, voltando para a proa.
Milena não demorou a relaxar. Aparentemente, isso é algo natural
dela, não se apegar às chateações, algo do qual estou descobrindo
gostar muito, como outros tantos aspectos de sua personalidade. Ela
aproveitou o dia. Dançou, se entupiu de refrigerante, pulou no mar,
tirou fotos, me pediu para fotografá-la e até mesmo admirou o pôr do
sol em silêncio. E a cada minuto ao seu lado, eu me peguei querendo
o próximo e me importando cada vez menos com os motivos para não
os aproveitar.
— Entrar?
— Sim, pra dormir? Você parece cansada. — Seus olhos piscam
algumas vezes antes de compreensão inundar seu rosto bonito.
— Nós vamos dormir aqui?
— Vamos. — Sua boca se abre, mas logo em seguida, fecha. Ela
morde o lábio, engole em seco e concorda lentamente. — Achei que
você gostaria da experiência, marquei o helicóptero pra amanhã de
manhã. — Seus olhos se fixam nos meus e quase lhe digo que essa
decisão foi tomada antes do nosso tempo na Jacuzzi. Dormir no
mesmo quarto talvez não seja a melhor das ideias agora, porra.
— Acho que ainda não quero ir dormir. — Decide adiar o momento.
— Quando quiser, é só me avisar. — Assente em silêncio e cinco
segundos depois, boceja outra vez. — Tem certeza disso? — pergunto
com as sobrancelhas arqueadas e, outra vez, Milena afunda os dentes
no lábio inferior.
— Tudo bem.
— Tudo bem?
— Vamos entrar.
Encosto-me à porta da cabine depois de fechá-la e cruzo os braços
na frente do peito, mais uma vez, sem conseguir me impedir de
observar o deslumbramento de Milena. Ela está parada alguns passos
à minha frente, tudo o que vejo são suas costas, mas seus pequenos
gestos me contam tudo o que preciso saber.
Seus ombros se alinhando, suas mãos abrindo e fechando antes
de irem para a frente da barriga, a leve inclinação de sua cabeça
quando ele tenta descobrir tudo ao seu redor ao mesmo tempo e até
mesmo o suspiro baixo que solta.
— Gostou? — Ela se vira para mim e dedica ao meu corpo a
mesma atenção que tinha no ambiente apenas alguns segundos atrás.
Olhos azuis me olham de cima a baixo antes de se desviarem para a
luminária na mesa de cabeceira ao lado da cama.
— É imenso. — Uma risada incrédula escapa por entre os lábios
desenhados e ela gira ao redor de si mesma, olhando mais uma vez o
quarto. — Não sei se algum dia vou me acostumar em ter estado em
um lugar como esses.
Pressiono meu corpo contra a porta, agarrando-me a ela,
precisando me segurar para não avançar a distância entre Milena e eu
e envolver seu corpo em meus braços, afundar o nariz em seu
pescoço.
— Sua bolsa está no banheiro — aviso, mas minha voz sai rouca e
como se reagisse a isso, suas próximas palavras são ditas de maneira
trêmula.
— Eu não trouxe roupas de dormir, quer dizer, eu não tinha
entendido que seriam necessárias. — Ela me olha como se pedisse
desculpas e eu inclino a cabeça levemente.
— O que você trouxe?
— Biquínis e saídas de praia. Um short jeans, mas nenhuma
camiseta. — Quase respiro aliviado à menção de um short. Graças a
Deus.
— Você pode usar uma camiseta minha. Tem algumas no armário.
— Indico o móvel com um aceno.
— Esse quarto é seu?
— É. — Penso em lhe dizer que meus amigos e eu passamos os
fins de semana no mar com frequência, mas mudo de ideia. Ela
apenas acena e caminha em direção ao armário sem dizer mais nada.
Milena desliza a porta de correr para o lado e ao se deparar com
várias camisetas penduradas, pega uma sem escolher e vai para o
banheiro.
Solto o corpo no sofá, onde percebo, dormirei, dando-me conta de
que esta será uma longa, longa, muito longa noite.
Outro banho frio que não faz nada para acalmar o incêndio no meu
baixo-ventre. Enquanto seco os cabelos, enrolada na toalha, lamento
pelo alívio proporcionado que o orgasmo de hoje a tarde já tenha sido
substituído pela necessidade sufocante por mais e não haja nada que
eu possa fazer quanto a isso. Levo as mãos ao rosto, esfregando
suavemente a pela avermelhada depois de um dia inteiro de sol e
quando meus olhos caem em meus lábios, um formigamento fantasma
toma conta deles, saudosos da boca de Bruno na minha.
Olho para sua camiseta pendurada no gancho atrás da porta e me
pergunto como eu deveria ser capaz de dormir no mesmo quarto que
aquele homem depois de ter me esfregado em sua ereção esta tarde?
Não estou com vergonha, não. Definitivamente, não. O que estou é
louca para fazer de novo, de preferência, nua, exatamente como vim
ao mundo.
Sacudo a cabeça, expulsando os desejos inconvenientes e me
resignando a me vestir. Coloco a única calcinha limpa que tinha na
bolsa, visto os shorts e, quando toco o algodão macio da camiseta
emprestada, não resisto. Eu a levo ao nariz, aspirando o cheiro do
perfume gostoso de Bruno. Não sei se ele realmente está na camiseta
ou apenas na minha imaginação, mas ele é delicioso de qualquer
forma.
Passo o tecido pela cabeça, enfio os braços nas mangas e quando
solto o tecido no corpo, ele desce como um vestido, cobrindo até o
meio das minhas pernas. Pelo menos isso disfarça minha ausência de
sutiã. Olho-me no espelho e não gosto da aparência. Pareço uma
criança vestida pela blusa do pai. Que horror!
Junto as pontas da bainha em uma das mãos e dou um nós na
barra da blusa, depois, dobro as mangas das camisetas até que elas
não passem dos meus ombros. Menos pior, constato ao dar um
segunda olhada no meu próprio reflexo.
Tudo bem, hora de ir.

Bruno está de banho tomado, deitado no sofá, que fica na lateral do


cômodo, onde as roupas de cama arrumadas me dizem que ele
pretende dormir. Graças a Deus. Se descobrir que dormiríamos no
mesmo quarto fez meu estômago gelar, eu não quero saber o que a
descoberta de que dividiríamos a mesma cama faria com meu pobre
órgão.
Tentando não o encarar e falhando, arrasto-me para debaixo das
cobertas. Meu corpo parece uma vara de tão tenso, não há a menor
possibilidade de eu realmente conseguir dormir esta noite. Bruno está
mexendo em seu celular, deslizando a tela para cima em alguma rede
social.
Como se não bastasse eu ter seu cheiro atordoante em meu
próprio corpo, na camisa que visto, ele parece estar impregnado em
todo o quarto em tons de branco, azul e amadeirado. Olho, outra vez,
ao meu redor, encantada com a beleza do ambiente. Eu nunca
imaginaria um quarto desse tamanho dentro de um barco.
— Todos os quartos são desse tamanho? — a curiosidade me
vence e eu me vejo perguntando em voz alta. Bruno abaixa o aparelho
celular e vira o rosto para mim.
Deitada de lado, com as mãos embaixo do rosto, devo estar
parecendo ridícula, mas a forma como ele me encara por longos
segundos antes de finalmente me responder me dá a sensação de
estar parecendo mais do que isso, pelo menos, aos seus olhos.
— Não. Só os cinco principais.
— Principais? Quantos quartos têm aqui? — É impossível esconder
meu espanto.
— Vinte e oito. -responde e eu pisco, antes de simplesmente repetir
as palavras dando a elas uma entonação diferente.
— Vinte e oito?
— Vinte e oito.
— Vinte e oito? — pergunto mais uma vez, reproduzindo o meme
dos três reais.
— Vinte e oito — Bruno confirma aos risos e eu me viro na cama,
ficando com a barriga para cima.
— Você também tem um barco? — Não consigo conter a próxima
pergunta.
— Não. Isso é mais a cara do Arthur mesmo.
— E o que é a sua cara? — Realmente me vejo querendo saber.
— Casas ao redor do mundo. Eu as coleciono.
— Você coleciona casas? — indago incrédula e sua risada gostosa
me atrai. Bruno se apoia nos cotovelos para me ver melhor e, de novo,
seu olhar é de apreciação e desejo, fazendo minha respiração recém-
controlada voltar a falhar.
— Coleciono. — Solta o corpo em cima do sofá e passa a olhar
para o teto, me sinto grata e já carente dos seus olhos, ao mesmo
tempo. — Do ponto de vista financeiro, é um péssimo investimento.
Quer dizer, não o setor imobiliário, ele é um bom investimento, mas
comprar casas não. O custo delas é infinitamente maior do que sua
renda, principalmente no caso das minhas, que não rendem
absolutamente nada.
— Você poderia alugá-las — sugiro, mas logo depois me sinto
estúpida por isso. É claro que ele poderia alugá-las e é claro que ele
sabe disso. Mais uma risada sua me confirma isso.
— Eu poderia... Mas não quero. São, literalmente, objetos de
coleção, gosto de tê-las só para mim o tempo todo, independente do
quanto me custe mantê-las.
— Você pelo menos às visita?
— Uma vez por ano a cada uma, pelo menos. Isso me mantém
viajando o ano todo, quanto maior o número de casas, maior o de
viagens, e quando eu enjoo de algum destino em particular, eu vendo
e substituo por outro.
— Parece um bom jeito de se viver — sussurro, pensando sobre.
Seu pescoço se inclina, fazendo barulho ao roçar no travesseiro.
— O que você gostaria de colecionar?
— Ingressos de shows — respondo rapidamente —, mas eu
precisaria ir a esses shows! — explico em seguida e ele dobra o lábio
inferior para fora antes de balançar a cabeça, concordando.
— Quantos você já tem?
— Nenhum.
— Nenhum? — Eu rio, porque, dessa vez, foi ele quem começou a
reprodução do meme dos três reais.
— Nenhum. Eu nunca fui a um show. Quer dizer, eu fui num do
Baby Looney Tunes[16] quando eu era criança, mas não acho que isso
conte como show.
— Definitivamente, não conta.
— Então, não, nunca fui. — As expressões em seu rosto parecem
dispostas a brincar de me acender e apagar.
— Podemos apagar as luzes? — peço.
— Podemos. Alexa, apagar as luzes do quarto — comanda e
imediatamente, o quarto cai na escuridão e eu me sinto um pouco
mais confortável, longe dos seus olhos.
— Quantas casas você tem?
— Hoje? Entre casas e apartamentos, trinta e uma.
— Uau! E qual é a sua preferida?
— Atualmente, a da Califórnia. Tem uma praia particular e as ondas
são perfeitas. Passo a maior parte do tempo em que estou lá
surfando.
— Você tem cara de surfista. — Eu mesma rio do meu comentário.
— E o que é cara de surfista? — Há um sorriso em sua voz.
— Não é só a cara, na verdade. É o porte, a cor da pele, da boca,
as pontas mais claras nos cabelos e até um pouco do cheiro. Como se
a água salgada fizesse parte dele, mas só um pouquinho. —
Inconscientemente, puxo uma inspiração profunda no tecido de sua
camiseta e é só quando o silêncio se estende entre nós que me dou
conta do que acabei de dizer. Graças a Deus pelas luzes estarem
apagadas, porque eu tenho certeza de que os olhos de Bruno estão
cravados em mim nesse momento. — De onde veio o seu gosto por
colecionar casas? — pergunto, desesperada para fugir da sua
atenção, mesmo que eu não possa vê-la.
— Meus pais sempre viajaram muito e quando eu era garoto, por
um tempo, eles costumavam me levar junto. Antes do internato. Eles
sempre adoraram hotéis, mas eu só queria estar em casa. Foi assim
que a coleção começou, quando eu tinha destinos fixos para viagens
de negócios, comprava um casa pra não precisar passar longos
períodos em hotéis, com o tempo, virou outra coisa.
— Você gosta de pertencer... — murmuro para mim mesma, sendo
surpreendida pela compreensão. Não é o que eu esperaria de Bruno
considerando o pouco que sei a seu respeito e me dou conta disso
também. Eu sei muitíssimo pouco a seu respeito.
— É uma forma de ver as coisas. — Como se percebesse ter me
entregado com a última revelação mais do que gostaria de
compartilhar, Bruno abraça o silêncio de deixa que ele tome conta do
quarto. Fecho os olhos, não querendo forçá-lo a nada e já tendo mais
do que eu imaginaria para lidar quando o assunto é esse homem.
Mas o problema é que basta que o assunto esteja oficialmente
morto para que a sensação anterior retorne com tudo. A tensão
nervosa me envolve e aperta como se essa fosse a missão da sua
vida e meu corpo volta a endurecer por completo na cama enorme e
que parece vazia demais apenas comigo. Devagar, expiro longa e o
mais silenciosamente possível, determinada a ignorar meus pelos
arrepiados, o coração novamente acelerado e a palpitação sutil entre
minhas pernas apenas por saber que Bruno está deitado aqui ao lado,
no escuro. Eu só preciso vencer essa noite. Só essa.

O relógio digital na bancada de frente para a cama marca duas


horas da manhã e eu ainda estou tão longe de conseguir dormir
quanto estava há três horas. Bruno também está acordado, mas não
tentou reiniciar nossa conversa, por isso continuei quieta, deitada,
mantendo os olhos fechados por tanto tempo quanto é possível sem
enlouquecer.
Eu gostaria de rolar para um lado e para o outro, mas isso
denunciaria minha ansiedade, ou que ainda estou acordada, se ele já
não souber. Ele se movimenta mais intensamente do que vinha
fazendo antes e eu aperto os olhos, preocupada que descubra minha
investigação.
De repente, ouço seus passos. Devagar, ele se afasta até abrir a
porta e fechá-la novamente, deixando-me sozinha, mas se a sua
presença era sufocante, sua ausência deixa uma sensação até então
desconhecida, mas nada melhor do que a anterior. Sento-me na
cama, olho para um lado e para o outro.
— Alexa, acender as luzes. — A claridade súbita fere meus olhos,
obrigando-me a apertá-los. Pisco até me acostumar e estico a mão
para alcançar meu celular na mesa de cabeceira.
A resposta de minha mãe ao meu aviso de que dormiria fora foi
uma carinha sugestiva e a repetição da frase que me disse pela
manhã, antes que eu saísse de casa: “O medo nunca ensinou
ninguém a voar.” Bem, eu acho que me atracar com Bruno na Jacuzzi
definitivamente pode ser descrito como coragem.
Tremo os lábios, irritada com minha falta de controle do meu
próprio corpo. Abro o aplicativo Kindle em meu celular e procuro um
dos muitos e-books baixados gratuitamente nos últimos meses, que
esperavam que eu tivesse tempo para ler. Agora eu finalmente tenho.
Rolo a biblioteca, procurando por um texto curto, algo que eu possa
começar e terminar agora.
No entanto, após dez minutos tentando ler o mesmo parágrafo,
desisto da leitura, bloqueio o celular e o largo sobre a cama. Não há
nem sinal de Bruno, mas o ar dentro do quarto parece anda mais
pesado em sua ausência. Tudo bem, eu preciso respirar. Talvez achar
um canto isolado lá fora onde eu possa passar o restante da noite em
claro sem hiperventilar. É isso! Decido.
Afasto as cobertas e procuro pelos chinelos. Não me preocupo com
o que estou vestindo, afinal, são duas da manhã, as pessoas normais
devem estar dormindo, certo?

O corredor dos quartos principais está vazio e eu agradeço por não


encontrar Bruno em meu caminho. Não quero que ele pense que o
estou seguindo, eu realmente só preciso respirar.
Desço as escadas até o andar inferior e caminho pelo longo
corredor de cabines, contando as portas. Exatamente vinte e oito. Aqui
também está silencioso e quando chego ao final, desço mais um lance
de escadas. No último degrau, ao invés de virar para a direita, na
direção da proa, viro para esquerda, seguindo para o convés.
Não porque eu precise olhar para a hidromassagem a fim de
reviver as memórias desta tarde. Elas estão vivíssimas. Mas me
lembro de ter visto um conjunto de sofás lá, talvez eu deite em um
deles e olhe para o mar até amanhecer. O nascer do sol deve ser
bonito no meio do oceano.
O que parece ter sido quase um quilômetro de caminhada depois,
as portas automáticas de vidro que isolam a área externa da interna
se abrem para que eu passe. Fecho os olhos sentindo o vento gelado
na pele e o cheiro da maresia invadir meu nariz. Puxo algumas
inspirações profundas, deixando que o ar frio me inunde e finalmente
esfrie meu corpo.
Inclino a cabeça para trás e me abraço. Abro os olhos, encarando
outra vez o céu cheio de estrelas. Mais cedo, quando as vi pela
primeira vez, não consegui evitar uma lágrima silenciosa. O céu da
cidade de São Paulo é vazio e como eu nunca havia saído de lá,
nunca tinha visto um céu estrelado de verdade.
Por alguns minutos, permaneço parada, aproveitando o som
calmante das ondas se chocando contra o casco do barco. Um sorriso
se abre em meu rosto quando eu penso na quantidade de
experiências que acumulei este fim de semana. Três dias que me
renderam mais do que os últimos dois anos.
De repente, um som se sobressai ao das ondas, arrancando-me do
meu momento de relaxamento. Franzo o cenho, acreditando estar
ouvindo coisas. Olho para um lado e para o outro, confirmando que
estou sozinha, mas outro som, dessa vez mais alto, atravessa o vazio
ao meu redor, atingindo em cheio os meus ouvidos.
O gemido feminino é longo e arrastado e imediatamente coloca
todo o meu corpo em alerta. Eu deveria dar meia volta e entrar, mas a
curiosidade matou o gato e eu sempre soube que um dia me mataria
também. Eu só espero que esse dia não seja hoje. Com passos
calculadamente lentos, sigo o som, esgueirando-me pela parede
lateral, mantendo-me protegida por ela da visão de quem está na
direção do lugar para onde caminho.
Novos sons me alcançam, mais altos e parecendo mais intensos.
Agora, ouço um homem também, mas os sons emitidos por ele são
muito baixos. Vejo a Jacuzzi vazia e sorrateiramente, vou para trás da
estrutura alta que a abriga. Escondida, procuro a origem dos barulhos
que perturbam as estrelas e quando meus olhos encontram os sofás
onde eu pretendia me deitar para ter um restante de madrugada
sossegado, minha boca se abre em choque com a visão que encontro.
Há uma mulher nua deitada com a barriga para cima e as pernas
abertas. Uma de suas mãos está aninhada entre elas, acariciando a
própria boceta enquanto em seu rosto, uma outra mulher está
sentada. É ela a dona dos gemidos altos, interrompidos apenas
quando ela engole o pau do homem nu, sentado à sua frente, a quem
ela se empenha em chupar.
Pisco os olhos com a boca subitamente seca ao reconhecer o
homem com os olhos penetrantes grudados no rosto da mulher e os
dedos embrenhados nos cabelos dela. Arthur tem o olhar verde atento
a cada movimento da boca da morena que eu descubro ser Giulia
quando ela desliza todo o membro do homem para fora da boca, vira o
rosto com um sorriso lascivo de perfil, antes de soltar mais um dos
seus gemidos altos e se dedicar a lamber as bolas dele enquanto
rebola os quadris na boca da outra mulher.
Agora, eu definitivamente deveria dar meia volta e ir embora.
Contudo, meus pés parecem ter sido plantados no lugar, minhas
pernas se recusam a se mover e essa não é a mais estranha das
reações do meu corpo. Meus mamilos estão duros e doloridos e a
palpitação do meu clitóris é tão intensa agora quanto horas atrás,
nesse mesmo lugar, enquanto eu tinha o corpo musculoso de Bruno
entre minhas pernas.
Ofego baixinho quando Giulia ergue a cabeça para gemer alto no
exato instante em que todo o seu corpo se entrega a espasmos,
gozando. Arthur se desencosta da parede e puxa a cabeça dela na
direção da sua, tomando sua boca num beijo que não poderia ser
descrito como nada além de pornográfico. Eu me arrepio inteira.
A mulher que chupava Giulia se levanta e, de joelhos, arrasta-se
até estar parada ao lado dos dois e transformar a bagunça de línguas
e bocas em uma coisa tripla.
As mãos de Arthur se espalham, tocando os peitos, as bundas e as
bocetas das duas sem qualquer cuidado. Seus toques são intensos,
brutos e as duas gemem ao mesmo tempo quando cada uma das
mãos dele se enfia entre suas pernas antes de ele dar uma ordem que
eu não consigo ouvir, mas a que todo o meu corpo sente e reage
apenas pela expressão dura e dominante em seu rosto.
Elas se deslizam para baixo, dando-me a visão completa do corpo
musculoso e dourado de Arthur, coberto por uma camada de suor,
apesar do vento constante aqui fora, mas não é difícil entender o
porquê quando eu, uma mera expectadora, sinto como se,
repentinamente, todos os meus órgãos internos tivessem sido
substituídos por labaredas.
Mordo o lábio, engolindo um gemido, sentindo o latejar entre
minhas pernas se tornar insuportável, minha vulva dói, a sensação é
de que eu vou gozar a qualquer momento sem que qualquer ponto do
meu corpo sequer tenha sido tocado. Giulia e a mulher ruiva lambem,
ao mesmo tempo, o pau duro de Arthur.
Seu membro é largo e grande. Cada uma delas se ocupa de uma
metade dele por um longo tempo, espalhando saliva e hora ou outra
misturando as próprias línguas na coreografia mais erótica que eu
jamais seria capaz de imaginar, não importa o quanto minha mente
seja criativa.
E quando eu acho que nada poderia ser mais excitante, a ruiva se
deita de barriga para cima e abre as pernas, Giulia se encaixa entre
elas, de quatro, deixando os quadris para o alto, na frente de Arthur.
Ele desenrola uma um preservativo em sua extensão e, sem aviso, se
enfia inteiro na boceta da mulher e minha vontade é de gemer junto
com ela.
Não desvio os olhos, não pisco enquanto ele a fode sem parar e
ela chupa a outra mulher que agora também enche a noite com os
próprios gemidos. Aperto a estrutura plástica onde minhas mãos estão
apoiadas com força ao ouvir um gemido rouco de Arthur e sinto meu
próprio corpo estremecer, como se fosse ele a ser sacudido pelas
investidas cada vez mais aceleradas contra os quadris da morena.
Com a boca aberta, mesmo que muda, vejo o trio trocar de lugar e
posição uma e outra vez, vejo as mulheres gozarem no pau de Arthur
e nas bocas uma da outra, vejo até mesmo quando ele goza,
afundado no cu da ruiva e sua libertação é também a minha, porque
somente quando ele goza, consigo desviar o olhar.
Apoio o corpo na hidromassagem e fecho os olhos com a cabeça
inclinada para trás sem poder acreditar na necessidade latente
borbulhando em meu baixo-ventre. O tesão infinito rouba meu ar
enquanto tento, inutilmente, organizar meus pensamentos. Ofegante,
abro os olhos, determinada a buscar refúgio nas estrelas, a acalmar
meu corpo e mente na visão pacífica, mesmo que o meu desejo seja
correr para o primeiro banheiro e apenas tocar meu clitóris.
Um toque e tenho certeza de que todo o meu corpo vai explodir. No
entanto, assim que minha visão estabiliza, o que encontro não são
pontos brilhantes no céu, mas pedras azuis, sustentadas por um corpo
alto e musculoso, debruçado sobre o guarda corpo do andar de cima.
As pedras estão fixas em mim, prontas para me consumir.
A surpresa e o constrangimento em seu olhar não apagam
nenhum dos sentimentos que transbordavam dele antes. A
curiosidade, o tesão, o prazer que observar a cena descuidada de
Arthur lhe deu. E não só o sexo. Seus olhos passearam pelos
corpos, pelos toques, seu corpo reagiu aos sons e eu tenho certeza
de que em algum momento, Milena até mesmo se imaginou lá,
participando do que via, foi provavelmente nesse instante que seu
corpo se perdeu.
A pele avermelhada, os lábios entreabertos, o peito arfante e a
névoa de desejo a deixam ainda mais linda e, pela segunda vez
hoje, meu pau vibra em desespero para se afundar nessa mulher.
No andar de baixo, escondida da visão do trio que observava, com o
corpo carregado de sinais da sua embriaguez que nada tem a ver
com álcool, Milena é a porra da perfeição.
Eu a assisto fugir de mim, praticamente correr para dentro do
barco, mas não me movo. Permaneço debruçado sobre o guarda-
corpo do segundo andar, para onde fui atraído pelos sons da foda
de Arthur e de onde estava prestes a sair quando avistei Milena,
esgueirando-se pelas paredes do andar inferior até encontrar um
ménage se desenrolando bem diante dos seus olhos, procurando
por ele, na verdade.
Assistir às suas reações foi muito mais excitante do que qualquer
coisa já foi. Desejei estar lá, ao seu lado, conduzindo-a pelo
momento. Guiando-a pela percepção que ela provavelmente ainda
não teve. Uma percepção que embora impensável para ela nesse
momento, tenha ficado clara como água para mim. Milena é uma
voyeur.
Minha vontade era de despi-la para que ela pudesse ser
observada pelas mesmas pessoas que estava observando.
Enquanto via seus olhos se embebedarem de tesão, quis
arreganhar suas pernas, escancarar sua boceta para que Arthur
pudesse devorá-la com a mesma intensidade que os olhos de
Milena devoraram seu pau.
Porra, eu quis fodê-la ali, marcá-la como minha para que ele, a
ruiva e morena que fodiam com ele soubessem que poderiam olhá-
la o quanto quisessem, mas só a tocariam com a minha permissão.
Imaginá-la nesse momento, andando apressada pelos
corredores, pressionando uma coxa contra a outra, ter a certeza de
que ela irá se masturbar no instante em que trancar a porta do
quarto, mesmo sabendo da possibilidade de eu entrar no cômodo
em seu encalço, apenas porque está desesperada pelo gozo, faz
meu pau babar dentro da cueca, mas é também a única coisa que
me mantém parado no lugar, dando-lhe tempo para conseguir o que
precisa sem interrupções, porque essa, sem dúvida alguma, é a
última vez.
Eu fui decente, respeitei os pedidos da sua boca, mesmo quando
seu corpo me implorou por coisas completamente diferentes.
Porém, há um limite para o que eu posso suportar e seu olhar me
implorando para acabar com o latejar da sua boceta excitada, com
certeza o atingiu.
Parada diante da porta fechada, riso e lamento duelam em minha
cabeça quando penso no quanto sobre abrir, fechar ou me esconder
atrás delas minha vida se tornou nos últimos dias. A semana passou
como um borrão de noites ansiosas, dias dorminhocos e pensamentos
sendo enviados para longe da superfície, trancafiados nas
profundezas do meu subconsciente apenas para alguns momentos
depois serem descobertos livres, leves e soltos, rodopiando com
nenhum outro objetivo além de me importunar.
Tentei assistir filmes, ler, pesquisar sobre o que farei da minha vida
em três meses, tentei passear no shopping, na 25 de março e no
Ibirapuera, mas nada foi capaz de manter minha atenção por mais do
que alguns minutos. E, em cada intervalo ou momento ocioso que tive,
minha mente escorregou do presente para a madrugada de domingo,
mais especificamente, para o momento em que descobri os olhos de
Bruno me espionando enquanto eu espionava Arthur, Giulia e a
mulher ruiva. Solto um suspiro e mordo o lábio.
As imagens que me tornaram prisioneira não podem ser desvistas
e continuam me atormentando mesmo quando estou de olhos abertos.
Ainda não entendo como pude ficar ali, olhando, desejando observar,
em determinado momento, desejando até mesmo participar. Tudo
sobre isso é tão confuso. Eu me excitei assistindo duas mulheres se
tocando, se beijando, se... Chupando. Será que isso quer dizer que eu
sou bissexual?
Se eu fechar os olhos, posso sentir o calor que percorreu meu
corpo enquanto assistia à cena todo de novo, e até mais do que isso,
a verdadeira explosão causada pelo olhar do meu observador. Gozar
já era uma necessidade antes mesmo que os nossos olhares tivessem
se cruzado, depois, passou a ser uma exigência e, mesmo sabendo
que Bruno poderia entrar no quarto a qualquer momento, assim que
cheguei à cabine que ocupávamos, tranquei-me no banheiro e me
masturbei.
Mal precisei me tocar. Meu corpo estava tão pronto que em menos
de um minuto eu tremia, descontrolada, apertando olhos e lábios para
conter qualquer som teimoso que insistisse em sair.
Passei o resto da noite em claro e na expectativa, mas meu
namorado de mentira não voltou ao quarto até que o sol já tivesse
nascido. E, mesmo assim, não tocou no assunto. Nada. Nenhuma
palavra. Agiu como se aquela madrugada nunca tivesse acontecido. E
se não fosse pelas sensações ainda mais intensas que sua presença
passou a despertar em mim, sua suposta indiferença até poderia me
fazer acreditar que eu havia sonhado tudo aquilo.
Se antes sua companhia me deixava alerta, seu toque me acendia
e meu corpo parecia ser constantemente atraído na direção do seu,
durante as horas que passamos juntos na manhã de segunda-feira ao
retornarmos para São Paulo, tudo isso pareceu ser elevado à décima
potência. Seu cheiro passou a me dominar, a atração sutil se
transformou em uma força motriz, puxando-me o tempo todo, dizendo-
me que o lugar do meu corpo era colado ao dele e embora eu não
tenha sentido sua pele na minha, seus olhos gritavam que meu tempo
estava acabando. Eu estava, definitivamente, perdendo a cabeça.
Olhos não gritam, afinal.
Seu silêncio seletivo se manteve ao longo de todos os dias
seguintes, na verdade, acho que o nome certo seria sua conversa
seletiva. Bruno não fez nada além de me mandar mensagens diárias
perguntando como eu estava me sentindo as quais nunca desenrolava
em outros assuntos. Não. A pergunta era direta, minha resposta era
igualmente direta e educada quando eu retribuía a preocupação e fim
de papo.
E, mesmo que eu sentisse sua ausência, não era algo como
abandono, não. Embora eu não saiba explicar o porquê, a sensação
de que Bruno estava me dando espaço era persistente. Quase como
se ele estivesse me preparando para alguma coisa e isso apenas
intensificou a ansiedade pelas suas mensagens seguintes.
A cada dia, eu esperava que algo como “Você será oferecida em
sacrifício a um deus pagão” me seria informado em seu próximo
contato. E essa expectativa era, ao mesmo tempo, eletrizante e
exaustiva, principalmente quando dia após dia ela se mostrava
injustificada. Até ontem à noite.
Como perder um homem em dez dias passava na imensa televisão
da sala pela terceira vez essa semana e meu celular vibrou ao meu
lado, no sofá. Eu sabia que era ele antes mesmo de ver seu nome na
barra de notificações. Simplesmente sabia, mesmo que já tivesse
recebido minha cota diária de contato horas mais cedo.
Quando desbloqueei a tela e li a mensagem no aplicativo, pensei
que, talvez, um sacrifício a um deus pagão fosse menos esmagador
do que o que Bruno dizia estar prestes a acontecer.
Seu cheiro é a primeira coisa a me atingir quando abro a porta.
Pelos últimos dez minutos, observei Milena através das câmeras
desde sua entrada no elevador. Não havia nenhum motivo especial, a
urgência em vê-la era apenas muito grande para que eu esperasse
sua chegada até minha porta.
Manter-me longe nos últimos dias foi necessário. Eu precisava ter
certeza de que meu julgamento não estava sendo afetado por essa
coisa inadministrável que a mulher desperta em mim.
Precisava analisar todos os sinais minuciosamente, garantir que
minhas interpretações estavam corretas, limpas, e não havia a menor
possibilidade de eu fazer isso com ela por perto, mesmo que, mais de
uma vez, eu tenha me pegado querendo mandar toda a porra da
interpretação para a puta que pariu e simplesmente tomar aquilo que,
cada vez mais, eu sentia como se já fosse meu.
A distância também seria útil para que ela percebesse isso e cada
um dos gestos que observei nas filmagens pelos últimos minutos, me
diz que foi uma boa decisão. Mesmo que essa seja mais uma das
coisas que Milena ainda não entenda.
Sua aflição é denunciada pelas mordidas constantes no lábio
inferior, pelas mãos inquietas, pelos pés batendo incessantemente
contra o chão, pelo girar incessante do anel em seu dedo indicador,
pelas expirações curtas, e, principalmente, pelo fato de ela ter ficado
parada por dez minutos, diante da minha porta, sem ter a coragem de
bater. Como se temesse o que vai acontecer depois de passar pela
soleira e talvez realmente devesse.
— Olá — cumprimento e ela lambe os lábios antes de sorrir
nervosamente.
— Olá. — Outra lambida de lábios e eu não me impeço de sorrir.
Minha vontade é de pressioná-la contra a parede, lamber a boca
gostosa, chupar a língua provocadora e seu olhar pedinte a alimenta.
Ficou claro para mim, no momento em que descobri Milena
espionando o sexo alheio, e sentindo prazer com isso, que haveria
uma mudança na dinâmica da nossa relação. Se foi a minha certeza
que causou a mudança ou a mudança quem gerou minha certeza, nós
nunca saberemos, mas ela aconteceu e é impossível de se ignorar.
O ar ao nosso redor estala e a energia sexual antes duramente
reprimida, agora corre solta, girando, serpenteando e nos envolvendo
como se fosse um organismo vivo. Milena arfa baixinho e eu não
resisto. Levo a mão até seu lábio, soltando-o de entre os seus dentes
sem jamais desviar os olhos dos seus.
Até o final da noite, darei a ela todas as coisas pelas quais seus
olhos me imploram, mas por ora, aceno para que ela passe pela porta.
Seus movimentos são cuidadosos, dão a impressão de que ela teme
esbarrar em alguma coisa se não tiver cuidado ao se mover. Ela
descalça os pés e deixa os sapatos ao lado da porta.
— Precisamos apresentar o segundo andar da casa pra você. —
Buzz levanta a cabeça de sua caminha, no canto da sala, parecendo
concordar com a ideia. O barulho do corpo gordo e cheio de dobras do
buldogue se arrastando para fora da superfície macia atrai a atenção
de Milena e ela se vira na direção do cachorro.
A imagem ridícula de Buzz movendo as patas dianteiras enquanto
arrasta as traseiras e os quadris pelo chão por pura preguiça faz com
que Milena esqueça momentaneamente da tensão que pesava sobre
seus ombros e ela solta uma risada gostosa que me faz sorrir
também.
— Você é um cãozinho preguiçoso, não é? — pergunta,
agachando-se no lugar para aguardar a boa vontade do cachorro de
alcançá-la.
— Cãozinho? — debocho e seu olhar para mim é divertido, mesmo
que não tão leve quanto foi para Buzz. Ele finalmente a alcança e ela
coça sua orelha. Ele ressona e, cinco segundos depois, está jogado
aos seus pés, com os olhos fechados, pronto para voltar a dormir.
Reviro os olhos e balanço a cabeça, negando. Milena continua a
mimar o cachorro sem se dar conta de que peguei a bolsa que ela
deixou no chão e já estou caminhando em direção às escadas.
Quando chego ao primeiro degrau, me viro para ela, estendendo a
mão.
— Você vem?

— E esse é o meu quarto. — Milena me olha parecendo


extremamente preocupada quando abro a última porta do corredor
para ela e eu riria, se não estivesse me sentindo tão pressionado
quanto ela por tê-la tão perto da minha cama. — Quer saber? Talvez a
gente deva deixar isso pra outra hora — sugiro e o alívio em seu rosto
é tão evidente quanto a pontada de decepção que o atravessa. — Eu
acho que você vai gostar da varanda.
— Lá em cima?
— Não, lá embaixo. — Suas sobrancelhas se franzem.
— Onde?
— Os vidros na sala são portas.
— Eu — começa, mas se interrompe e sacode a cabeça, negando.
— Não importa. Vamos então.
Descemos as escadas, atravessamos as salas e assim que passa
pelas portas de vidro, Milena assume o ar deslumbrado que já vi em
seu rosto algumas vezes.
Os lábios entreabertos, as sobrancelhas erguidas, os olhos
inquietos, sem saber no que se fixar primeiro. Seu primeiro destino é o
guarda-corpo. Ela vai até a borda do prédio e se apoia, olhando a
cidade inteira de cima. Por alguns minutos, fica em silêncio, apenas
observando e eu faço o mesmo que ela.
Os jeans claros de cintura alta deixam sua bunda ainda mais
empinada e delineiam as curvas sutis dos seus quadris. Os ombros
estão expostos por uma camiseta preta de mangas ¾ e seus cabelos
soltos balançam com a brisa suave do ar livre.
Ela me olha sobre o ombro por um instante e sorri timidamente
antes de se virar, passando a apoiar as costas na mureta de concreto
e madeira.
— Não vi esse lugar da última vez que estive aqui — comenta,
fazendo-me pensar sobre isso. No dia em que assinamos o contrato
eu a encontrei olhando através das janelas, mas não desse lado da
sala.
— De onde você estava não dava pra ver.
— É incrível. — Passeia os olhos ao redor até que eles encontrem
à Jacuzzi sobre elevada sobre uma estrutura à sua direita, ao lado da
piscina. Reconhecimento brilha em suas íris azuis e eu sei exatamente
para onde seus pensamentos vão. Ela suspira e eu faço uma nota
mental para a posterioridade. Afasto-me da porta de acesso e
caminho em sua direção.
Milena endurece a postura imediatamente e vê-la tão alerta é
quase divertido. Para ao seu lado, com os quadris apoiados no
mesmo lugar que ela, centímetros separando nossos corpos. O calor
do dela é quase um choque físico.
— Precisamos preparar você. — Seu olhar curioso procura o meu e
eu viro o rosto, deixando-o de frente para o dela. Porra de boca
gostosa. Seus olhos não demoram a retribuir meu olhar, caindo para
os meus lábios.
— Me preparar pra quê? — pergunta baixinho.
— Pro quarteto de idiotas — respondo no mesmo tom.
— Mas eu já os conheci. — Não tenho ideia do porquê estamos
sussurrando, mas tenho certeza de que estamos mais perto agora do
que estávamos há um segundo.
— É... — Pauso, concentrado em sua língua que saiu para
umedecer os lábios. — Você foi apresentada a eles, mas conhecê-
los? Talvez você comece hoje. — Nenhum de nós dois está realmente
atento às palavras que estão sendo ditas e eu preciso desviar olhar
antes que eu faça uma besteira.
Se eu começar, não vou conseguir parar. Porra! Solto um longo
suspiro dando as costas ao meu apartamento e me debruçando sobre
o guarda-corpo.
— O que é a noite de jogos, afinal? — pergunta algum tempo
depois, desconfiada. — Vocês vão jogar videogame?
— Uma vez por mês, nos reunimos pra jogar. O jogo de hoje é
Monopoly. — Seu rosto procura o meu, mas continuo focado na
cidade diante de mim.
— Monopoly? Vocês vão jogar monopoly? — A incredulidade em
seu tom seria o suficiente para deixar seu deboche evidente, mas pela
visão periférica, vejo Milena apoiar um dos braços na cintura, inclinar o
pescoço e um sorrisinho se pendurar no canto dos seus lábios.
— O que há de errado em jogar Monopoly? — pergunto, erguendo
o corpo e cruzando os braços na frente do corpo, estreitando meus
olhos para sua mudança súbita de atitude, mesmo que eu ainda não
esteja olhando para ela. Porra, eu adoro sua volatilidade. Seu olhar
me investiga de ponta a ponta.
— Vocês não estão meio velhos pra isso? — Sua resposta me
arranca uma gargalhada e eu finalmente volto a focar minha atenção
completamente em sua figura e começo a caminhar de volta para o
interior do apartamento. Ela me segue.
— Não se valer dinheiro de verdade. Ao invés de distribuirmos
$1.500 de dinheiro de brinquedo, jogamos com o equivalente em
ações das empresas que mais estão rendendo na nossa carteira de
rendimentos naquela semana. — Suas sobrancelhas se franzem e
seus olhos se movem sem destino pelos segundos em que ela pensa
sobre isso.
— Mas isso seriam...
— Centenas de milhares de reais em dinheiro de verdade? — a
interrompo e dou de ombros. — Eu disse que era divertido. E você
também vai jogar — aviso, mas sua reação é rir alto, fazendo-me
parar de frente para um dos sofás e encará-la.
Buzz reclama do barulho atrapalhando seu sono de beleza e eu
levo a mão ao queixo, observando todo o seu corpo se sacodir com a
risada. É impossível evitar o pensamento do quanto a menina é linda,
assim como aquela sensação gostosa por mais uma vez, ter sido eu o
responsável pelo sorriso em seu rosto, mesmo que, aparentemente,
ela esteja rindo de mim.
— O que é tão engraçado?
— Pra começar, eu não tenho ações. Mas o engraçado mesmo é
você achar que se eu tivesse, as colocaria numa loucura dessas.
— Você é minha garota, Milena. É claro que tem. — Não calculo o
impacto das minhas palavras até que elas já tenham ganhado o
mundo e ele fique claro na mudança de expressão de Milena ou na
porra da sensação que se espalha no meu peito como fogo em rastro
de pólvora.
Certas pra caralho, é como as palavras soam. Milena pisca,
fingindo não ter sido abalada pelo que eu disse, mas escolhe se
sentar na poltrona de frente para mim ao invés de ao meu lado no
sofá, como se isso fosse fazer alguma diferença nessa coisa ao nosso
redor. Só há uma solução para isso e ela é o extremo oposto de se
afastar.
— Eu não vou apostar seu dinheiro — avisa, resoluta, fazendo-me
sorrir. — Vou apostar o meu. Aceito um empréstimo, mas você
desconta do meu pagamento depois.
— Eu não vou deixar você perder seu dinheiro, Milena.
— E quem foi que disse que eu vou perder? — É a minha vez de
erguer as sobrancelhas em surpresa.
— Se você ganhar, eu aceito — condiciono.
— Eu não sabia que nós estávamos negociando. — Sorrio com sua
inocência.
— Isso é porque você tem muito a aprender sobre mim, Milena. Eu
estou sempre negociando. — Seus olhos se estreitam e o ar de
desafio neles me faz morder meu próprio lábio.
— Eles vão tentar roubar você.
— Como?
— Eles podem ser muito criativos, mas principalmente, tentando
nunca falir. Nós usamos papéis marcados, mas, ainda assim, aqueles
filhos da puta sempre dão um jeito. — Milena abre a boca e balança a
cabeça de um lado para o outro, negando.
— Por que eles fariam isso?
— Porque nenhum de nós gosta de perder.
— Então você também rouba? — deduz o que eu não digo e dou
de ombros, desconversando, logo depois de dar uma piscadinha para
ela.
— Eles vão tentar te convencer a apostar coisas. — Mudo de
assunto.
— Que tipo de coisas?
— Coisas que você não vai querer perder, coisas quem vão me
irritar... Qualquer coisa.
— Vocês são viciados ou algo assim?
— Está mais pra maníacos.
— Eu não vejo como isso poderia soar melhor.
— Nós podemos parar a qualquer momento.
— Isso é o que todo viciado diz.

— Eu quero a Mile — Arthur diz assim que nos sentamos diante do


tabuleiro apenas para me fazer revirar os olhos.
Eles chegaram há algumas horas e embora Milena tenha ficado um
pouco constrangida na presença de Arthur a princípio, isso não durou
muito. Imagino que o fato de ele não ter ideia do papel desempenhado
por ela na sua foda a tenha confortado de alguma maneira.
— Não é um jogo de duplas, imbecil.
— Eu ainda quero a Milena — diz e eu tremo os lábios, ignorando-
o.
— Desculpe, não estou disponível — ela mesma diz, fazendo uma
careta, como se fosse uma vendedora cuja mercadoria acabou um
segundo antes de o último cliente entrar na loja.
— Eu não sou ciumento, linda — ele insiste e eu corto o assunto.
— Você conhece as regras, certo? — pergunto a ela que confirma
com um menear de cabeça no qual eu não confio. Algo me diz que
Milena está escondendo o jogo. — Ok! Notas na mesa — aviso e
todos tiram os maços dos bolsos, mas Milena que já tinha o seu nas
mãos, me olha com a sobrancelha erguida.
— Alguém parece estar ciumento — Arthur cochicha para Heitor,
sentado ao seu lado na mesa redonda e eu solto um assobio ao
expirar.
— Você é o banqueiro? Nós não vamos sortear ou algo assim? —
Milena questiona.
— Se você quiser se arriscar com um desses caras... — sugiro e
pelo menos, eles têm a decência de não negar. Os sorrisinhos
estúpidos em suas caras parece ser resposta o suficiente para ela.
— Tudo bem — aceita e escolhe seu totem. — Que comecem os
jogos — murmura para si mesma.

Ela está me roubando.


A filha da mãe está me roubando. Milena deveria ter falido há pelo
menos três rodadas, mas seu dinheiro não acaba. Eu não sei como
ela está fazendo, mas está e não posso acusá-la, porque eu deveria
ter falido há seis rodadas.
Bufo quando ela rola os dados pela segunda vez tirando dois seis e
avança doze casas novamente. Na terceira vez consecutiva em que
rola os dados, como em todas as vezes anteriores, seus dados dão
números diferentes, evitando sua ida para a cadeia. Ela me lança um
olhar provocador. Cretina competitiva.
Puta que pariu! Eu não acredito que estou excitado jogando a porra
de Monopoly. Como se o ar pesado ao nosso redor já não fosse o
suficiente, a cada vez que ela me olha como se estivesse chutando a
minha bunda, eu quero mostrar a ela o que realmente estou disposto a
fazer com a sua.
Todos os outros já saíram do jogo, foram falidos por mim ou por ela
e agora só restamos nós dois jogando, embora ela tenha toda a
torcida. Até mesmo Buzz está acordadíssimo, sentado ao seu lado,
como estivesse lhe dando força. Traidor.
Jogo os dados. Tiro um seis e um quatro. Conto as casas. Ah,
caralho! Os lábios de Milena se esticam em um sorriso imenso quando
ela chega à mesma conclusão que eu. Cadeia. Fui parar na porra da
cadeia.
— Paga? — pergunta, sabendo muito bem que não tenho dinheiro
o suficiente para pagar a fiança, não sem falir. Eu poderia dar um jeito,
mas com cinco pares de olhos grudados a cada um dos meus
movimentos, seis, se eu contar o do Buldogue, seria impossível não
ser pego.
— Dados — resmungo, inconformado por lhe dar essa satisfação.
No entanto, Milena não é a única que sabe como manipulá-los para
que caiam com os mesmos números virados para cima. Os dois caem
com o número dois para cima e é a minha vez de sorrir
brilhantemente.
Empurro a ponta língua contra o interior de uma das bochechas,
satisfeito, e jogo os dados outra vez. O primeiro me dá o número um,
o outro rodopia, rodopia, rodopia, até parar com o dois virado para
cima.
Todos olhamos ao mesmo tempo para o tabuleiro e eu fecho os
olhos ao descobrir o que está a apenas três casas da cadeia. Milena
tem a porra de um hotel e com a cabeça baixa, analiso minhas opções
apenas para descobrir que não tenho nenhuma. Ela estende a palma
da mão para mim, sabendo exatamente o que o movimento exigido
pelos dados vai me custar.
Os quatro babacas que chamo de amigos estão gritando, urrando
em comemoração, bando de filhos da puta. Contudo, é em seus olhos
que me concentro, em sua respiração curta, na língua umedecendo os
lábios devagar, na pele arrepiando. Ela está excitada porque me
venceu. Ah Milena... Estreito os olhos e balanço a cabeça, assumindo
a derrota.
Entrego para ela o pequeno bolo de papéis em minhas mãos,
sabendo que ele não será o suficiente para pagar o que a jogada
exige e que isso significa que ela é a vencedora da partida. Arthur,
Heitor, Conrado e Pedro se levantam e cantam qualquer besteira alto,
como uma torcida organizada, mas eu não me importo. Não. A única
coisa que me interessa é que meu olhar deixe claro para a mulher
ansiosa diante de mim que o jogo entre nós está longe, muito longe de
acabar. Foda-se a calma.
Assim que a porta se fecha, deixando-nos sozinhos, todo o
controle que eu vinha exercendo sobre meu próprio corpo parece se
quebrar. As contenções que eu tão firmemente segurava para que
mantivessem camufladas minhas reações ao toque íntimo e quente
de Bruno se rompem, todas ao mesmo tempo, em uma bagunça de
fios finos e rápidos que parecem loucos e ansiosos para atingirem
alguma coisa. No momento em que suas pontas descontroladas me
encontram, me chicoteiam de expectativa sem qualquer remorso.
Minha pele arrepia, minha respiração descompassa, minhas
pernas bambeiam e quando seu nariz afunda na curva do meu
pescoço, eu sei que ele não vai me dar trégua. Parado atrás de
mim, com os braços envolvendo-me, o homem puxa uma inspiração
profunda antes de roçar a ponta do nariz por minha pele arrepiada
até que sua boca esteja atrás da minha orelha e ele sopre ali,
suavemente.
Nem tento disfarçar, deixo que meu corpo se renda, mesmo que
minha mente ainda não esteja disposta a fazê-lo, porque eu não sou
capaz de lutar em duas frentes ao mesmo tempo.
— Gostou de me vencer, Milena? — Ah, o tom. Sua voz escorre
ironia e eu inclino o rosto, inconscientemente lhe dando mais acesso
ao meu pescoço.
— Eles foram embora, não há mais plateia, Bruno. — Minha voz
sai rouca, deixando do lado de dentro da minha cabeça toda a
credibilidade que eu pretendia imprimir no lembrete. Nem eu
acredito na minha própria resolução, mas seu toque está tão
gostoso.
Suas mãos me empurram para trás, na direção do peito duro,
quente, e sua ereção cava minha bunda. Eu quero me esfregar nela,
eu deveria me esfregar nela? Definitivamente, eu quero.
— Eu sei... — sussurra em minha orelha antes de lambê-la e eu
gemo, adorando a sensação da sua língua molhada provocando-me
e incrivelmente, sentindo-a em vários outros lugares. Isso não
deveria ser possível. — Me diz pra parar, Milena — pede em outro
sussurro e eu deveria.
Pai amado, eu deveria. Juro que sim, mas se eu parar agora, vou
secar e explodir e eu não posso secar e explodir, ainda tenho muitas
coisas para fazer, para viver. Pelo amor de Deus! Eu posso me
sacrificar, é em nome de um bem maior, certo?
Ter suas mãos em meu corpo é uma necessidade. Depois de
passar a noite inteira lutando contra a natureza de cada um dos
meus movimentos, o tempo todo me puxando na direção de Bruno,
não tenho mais forças para resistir. Sim, definitivamente, em nome
de um bem maior!
Com um movimento rápido, sou virada e prensada contra a
parede ao nosso lado, no hall de entrada do apartamento. Os olhos
de Bruno são puro fogo, lambendo minha pele de ponta a ponta, e,
ao mesmo tempo, derramando óleo sobre ela, lembrando-me da
promessa que me fizeram há quase uma semana, me consumir.
Eles vão me consumir.
— Me diz pra parar. — Labaredas azuis estão fixas em mim,
ansiosas pela minha resposta. Sua boca está a milímetros da minha
e quando ele expira por ela, o hálito quente e mentolado invade meu
nariz. É assim que ele domina quase todos os meus sentidos.
O calor do seu corpo irradia sob minhas mãos, sua expressão de
desejo pinta imagens pornográficas e deliciosas em minha mente,
sua voz rouca e sussurrada, sexy feito o inferno, enlouquece minha
audição e seu cheiro impregna meu nariz como se fosse o meu
próprio. Minha língua sente inveja dos companheiros e não posso
culpá-la ou tentar impedir quando ela decide conquistar sua própria
parcela de afetação.
Sem a minha permissão, ela lambe meu lábio inferior até o limite,
depois, sobe, alcançando o superior tão devagar quanto fez com o
primeiro antes de finalmente buscar o que realmente quer e tocar,
suavemente, o lábio inferior de Bruno, sentindo seu gosto.
Autonomamente, repete os movimentos feitos em meus lábios, mas
não é o suficiente. No entanto, antes que a língua atrevida possa ir
além, ele sorri.
— Provocadora — Bruno acusa e reivindica minha boca inteira,
enfiando sua língua daquele seu jeito tão particular e que eu adoro.
A verdade é que eu estou arruinada para qualquer boca que não
seja a sua e não há nada que eu possa fazer quanto a isso a não
ser aproveitar o tempo que tenho com ela.
A sensação é de imergir depois de um longo tempo submersa,
mesmo que ar seja o último pensamento dos meus pulmões agora.
A boca de Bruno desce, lambendo meu queixo, mordiscando,
rolando a língua pelo meu maxilar, pela minha garganta, ao mesmo
tempo em que suas mãos estão se espalhando por todo o meu
corpo, agarrando minha bunda, puxando meus cabelos e
massacrando cada superfície minha que tocam.
Ele me manipula como se eu fosse uma boneca de pano, ao seu
bel prazer. Quando me dou conta, minhas pernas estão no ar,
envolvendo-se em torno de sua cintura e minhas costas estão sendo
pressionadas contra a parede pela potência da investida da sua
pélvis contra a minha.
Já perdi o controle sobre os sons que deixam minha boca.
Gemidos arrastados, grunhidos e ofegos me resumem enquanto
tento dar conta de tudo que esse homem é.
Deslizo as mãos pelos músculos dos seus braços, afundo os
dedos em seus ombros, arranho sua nuca, cheiro seu pescoço e
lambo sua garganta de baixo para cima. O som que ele emite, tão
perto da minha orelha, reverbera em todo o meu corpo, mas sua
mão em minha nuca afasta minha boca da sua pele ao exigir que
minha cabeça fique parada, encostada à parede.
— Gostou de me vencer, porra? — rosna com os lábios
praticamente colados aos meus a repetição da pergunta que já tinha
feito. — Responde! — exige e, ofegante, eu pisco antes de ser
capaz de raciocinar a resposta de apenas uma palavra.
— Adorei! — admito. — Adorei! — grito quando ele esfrega a
ereção poderosa em minha boceta, causando-me um frisson mesmo
por cima da calça jeans. — Bruno — choramingo.
— Ah, menina! — Sua voz é meio risada, meio determinação e
sua boca volta a consumir a minha, dominando tudo, não me dando
chance de nada além da perdição.
Não há calma em nossos gestos. Somos uma explosão
descontrolada, eufórica e deliciosa que não se importa se é a
primeira ou a milésima vez que não há barreiras emocionais entre
nós. Quanto mais tenho, mais quero dele. Meus dedos alcançam a
barra de sua camiseta e a puxam para cima, deixando seu tronco nu
e logo é a vez da minha.
Assim que seus olhos me descobrem completamente nua da
cintura para cima, sem sutiã, Bruno para a sinfonia de toques
desesperados e me observa quase com reverência. Cada segundo
dos seus olhos em meus peitos parece arrastar consigo garras,
arranhando-os, maltratando meus mamilos insuportavelmente
duros, mesmo que o único toque que essa parte do meu corpo
esteja recebendo seja o do seu olhar.
No primeiro sinal de suavidade desde que me imprensou contra a
parede, meu namorado de mentira resvala as pontas dos dedos em
minha pele acesa, aproxima as palmas dos meus seios pequenos,
testa o encaixe, mas não me toca, não como eu estou desesperada
para ser tocada.
— Sem sutiã, Milena? — A pergunta é retórica e se não fosse, eu
pouco poderia fazer. Transformei-me em uma massa irracional de
expectativa cuja única palavra capaz de movimentar entre mente e
lábios são duas:
— Por favor — peço, sem qualquer quer pudor. — Por favor.
— Por favor, o quê, Milena?
— Me toca. Por favor, me toca. — Esperei tempo demais por
isso. Desejei, fantasiei por tempo demais para suportar um segundo
a mais que seja de expectativa. Tudo no homem diante de mim me
diz que ele também, porque no instante seguinte, meus peitos estão
sendo massacrados pelas palmas de suas mãos grandes.
Bato a cabeça na parede quando a jogo para trás, mas não me
importo, porque o prazer está percorrendo todo o meu corpo em
uma intensidade ímpar. O toque bruto, o deslizar, o apalpar, os
apertões e beliscões, todos os seus movimentos são sentidos em
cada parte minúscula de mim. Bruno lambe minha boca aberta sem
parar o trabalho com as mãos.
— Vou te fazer gozar assim, bem aqui — avisa.
— Por favor, por favor — peço, outra vez, desesperada por isso e
ele passa a movimentar os quadris em um rebolado coordenado
com as palmas das mãos, feito para me enlouquecer.
As sensações me açoitam, desfazem, percorrem e espalham um
milhão de micro-choques sob meus músculos tensos. Nenhum
orgasmo chegou nem remotamente perto do que é senti-lo tão
livremente e eu ainda estou vestindo minhas calças.
— Bruno — grito quando ele para o rebolado com os quadris
perfeitamente encaixados em meu centro. Pressionando, ao mesmo
tempo em que seus dedos espremem meus mamilos. — Bruno! — o
último grito é o gozo me varrendo absoluto e sua língua invadindo
minha boca quando eu espasmo entre a parede e seu pau. Sua
risada rouca se infiltra na névoa da satisfação que me confunde.
— Agora nós vamos jogar.
De olhos fechados e segura em seus braços, sinto meu corpo ser
descolado da parede. Sinto seus passos nos movendo e a subida
dos degraus, mas só desperto ao ser arremessada sobre a cama,
afundando no colchão e edredons macios antes de ser impulsionada
para cima outra vez.
Abro os olhos, deparando-me com o ambiente que não passa de
um borrão rodeado pelas luzes da cidade. Janelas do chão ao teto
permitem que a noite engula o quarto, mas nada disso importa
agora. Não. O homem diante de mim está enfiando a mão no bolso
da bermuda. Ele tira de lá um preservativo e joga sobre a cama
antes de abaixar a peça de roupa. Bebo seus gestos, ainda
ofegante, arrepiada e necessitada.
Bruno não está preocupado em ser delicado. Quando reconhece
minha atenção, seu olhar se fixa no meu e seus dedos engancham
as laterais da cueca. Ele sorri, satisfeito com o estado de admiração
em que me colocou e como se estivesse dizendo xeque-mate, se
livra da roupa.
O pau duro, grosso e enorme é uma visão melhor do que
qualquer filme pornô que eu já tenha assistido. Gemer é inevitável,
mesmo que o membro que provoca o meu corpo ainda esteja tão
distante de mim. Mesmo que eu não consiga entender como posso
querer tanto algo que nunca realmente tive.
O latejar entre minhas pernas, mesmo imediatamente após um
orgasmo, deixa claro que eu não preciso entender, só resolver.
Porque a cada pulsar em meu clitóris, eu me torno mais
desesperada pela sensação prometida.
— Agora vamos deixar você nua — diz e eu quase respondo:
“Sim, por favor!”, mas permaneço em silêncio, aproveitando a
imagem que alimentou tantas das minhas fantasias. Bruno se
aproxima, seus dedos deslizam em meu ventre, fazendo-me
estremecer e ele ri. Não me importo, não agora.
O botão da minha calça é aberto e enquanto seu corpo se
movimenta sobre o meu, o pau dura resvala em minha pele hora ou
outra. Desejo em todas elas que eu já estivesse despida, desejo que
já não houvesse nada entre nós.
Meu zíper é aberto, dedos são enganchados nas laterais da
minha calça e assim como fez com a própria bermuda e cueca,
Bruno a desliza pelas minhas pernas. Levanto os quadris,
permitindo que o tecido passe sem barreiras pelos meus quadris,
coxas, panturrilhas e pés, até finalmente ser arremessado no chão,
deixando-me só de calcinha.
A renda azul se torna o alvo do seu olhar minucioso e ele estala
a língua ao descobrir o tecido que cobre os lábios da minha boceta
completamente encharcado.
— A calcinha está arruinada, Mile. Você não vai precisar dela. —
Sem outro aviso, a rasga e por fim, levanta-se para contemplar sua
obra.
Sua observação faz eu me sentir preciosa. Ele não me toca, mas,
ainda assim, me acaricia com a satisfação que vejo em seu olhar e
eu gosto. Gosto muito dos seus olhos no meu corpo. Não sinto
vergonha. Eu poderia deitar aqui e deixá-lo me observar por horas.
Eu me apoio sobre os cotovelos e percebo meus peitos se
empinando por causa da posição. Os olhos de Bruno também
acompanham a mudança. Ele se inclina e coloca a boca sobre a
minha barriga, começando a lamber do meu umbigo até alcançar
meu pescoço e eu luto para não desmontar.
Sua língua em minha pele é ainda mais intensa do que eu me
lembrava. No entanto, Bruno não acha que essa tortura é o
suficiente. Sua mão sobe e desce por minha coxa, desliza de fora
para dentro, ameaça, mas nunca chega onde realmente preciso.
Dói. O desejo pelo seu toque é uma pontada constante de
necessidade dolorida. Rebolo contra os lençóis e gemo, outra vez.
— Eu vou te comer, Milena. Vou te comer pra caralho! Hoje,
amanhã, depois. Eu vou arregaçar essa tua boceta até que ela
esteja marcada com a forma do meu pau. Mas, essa noite, nós só
temos um tiro e eu não vou dispará-lo até você estar exausta de
tanto gozar.
O efeito da minha promessa em seu corpo é imediato. Ele
amolece ainda mais diante dos meus olhos que, outra vez, se
deliciam com a visão de Milena completamente nua, deitada em
minha cama, pronta para ser fodida. Puta que pariu! Minhas bolas
pesam e meu pau aponta para cima, duro e latejante, babando pela
garota sem nem mesmo ter sido tocado.
Eu me ajoelho. Encostado ao limite da cama, agarro suas coxas
e a puxo, de pernas abertas, na minha direção. Esfrego o nariz nos
ossos proeminentes de seus quadris, na púbis, na virilha, traço um
caminho lento até a parte interna de suas coxas com ele e, depois,
com a língua.
Um arrepio atravessa minha espinha de ponta a ponta ao
experimentar a sensação da pele macia, cheirosa, salgada e
extremamente sensível. Lambo, beijo, escorrego as mãos por seu
corpo. O gemido que sai da sua boca torna o pulsar do meu pau
ainda mais insano e molhado.
Minha língua faz e refaz o mesmo caminho várias vezes,
alternando com os lábios. Seus quadris ansiosos se contorcem na
cama e eu aumento o agarre em suas coxas. Um gemido mais alto
que os outros é sua reação à minha brutalidade e isso, mais do que
qualquer outra coisa, me empurra para a beirada.
— Bruno — chama meu nome num tom rouco, embriagado de
tesão. Afundo os dentes em sua carne macia, tão excitado quanto
ela. Se meu pau já não estivesse livre, ele teria furado sua
libertação para fora da cueca, com certeza.
Seus olhos se fecham em um movimento instintivo e as mãos de
Milena procuram pelos meus cabelos. Os dedos pequenos se
infiltram pelos fios e assim que minha boca chega mais perto da
boceta lisa, sua carícia bagunçada se transforma em puxões.
— Porra, Milena! Se você continuar assim, vai me enlouquecer,
caralho!
Eu gostaria de torturá-la mais, deixá-la completamente louca pela
minha língua, mas a cada minuto que a mantenho longe da carne
rosada, molhada e quente de Milena, o feitiço se vira contra o
feiticeiro e eu pareço um passo mais perto da loucura, desesperado
para sentir o gosto da garota.
Mergulho primeiro os lábios, sentindo a textura, o cheiro de
mulher no corpo da menina. Sua umidade se espalha em meus
lábios, nos fios curtos da minha barba e eu puxo uma inspiração
profunda, completamente alucinado por finalmente tocá-la ali.
Milena grita, gozando apenas com esse toque e minha risada vibra
sobre seu clitóris.
Deslizo a ponta do nariz pelos lábios melados até esfregá-la no
líquido que escorre da vulva, lambuzando-me mais antes de rodear
sua entrada com a ponta da língua, transformando o que eram os
espasmos finais do seu orgasmo rápido em tremores violentos e
gritos pelo meu nome, implorando-me para acabar com sua agonia.
Nem fodendo! Eu não a mandei gozar. Estalo a língua sobre seu
clitóris, maltratando os nervos sensíveis como castigo.
— Quem disse que você podia gozar? — Sua respiração ruidosa
se mistura aos gemidos e múrmuros aflitos, mas nenhuma palavra
compreensível deixa sua boca.
Suas pernas tentam se fechar, prendendo-me entre elas e eu
deslizo as mãos até seus tornozelos, mantendo-a arreganhada para
mim com agarres firmes. Ergo meu olhar por um segundo e
encontro o seu fechado. Sopro suas dobras, aumentando sua
aflição. O peito indo e vindo convida meus dedos.
— Aberta pra mim, porra! — exijo ao soltar suas pernas para
acariciar seus mamilos duros e volto a afundar minha língua em sua
boceta.
O que começa como o circular lento da minha língua se
transforma em lambidas longas que varrem o sexo pequeno de
ponta a ponta e transformam os gemidos e gritos de Milena na porra
do meu oásis particular.
Massacro seus peitos, espremendo-os em minhas palmas
enquanto devoro sua boceta não apenas pelo seu prazer, pelos
sons que saem da sua boca, ou pela excitação gostosa que escorre
entre suas pernas, molhando meus lençóis e deixando o cheiro dela
impregnado na minha cama. Não.
Minha euforia é por mim, pelo prazer atravessando meu corpo
inteiro, reverberando no meu pau, nas minhas bolas, levando-me à
beira do gozo apenas por ter suas dobras em minha língua, sua pele
nua em minhas mãos e seus fluidos espalhados em minha cara.
Caralho! Mulher gostosa da porra!
Uma gota de suor escorre pela minha lombar quando me coloco
de pé. Observo os peitos pequenos, perfeitos para as minhas mãos,
subirem e descerem no corpo ofegante. Sento-me na cama e puxo
Milena, posicionando-a sobre minhas coxas. Ela se deixa manipular
como se fosse uma boneca, acabada. Mas, porra! Estou muito longe
de terminar com ela.
— Sabe quantas vezes eu tive que me masturbar pensando
nessa sua boceta gostosa, Milena? — Nega com a cabeça. Seu
rosto se ergue e ela tenta focar os olhos aéreos em mim.
Enfio os dedos por seus cabelos bagunçados, obrigando sua
cabeça a permanecer firme, encarando-me. A pele avermelhada, os
lábios entreabertos e o suor em seu corpo me deixam perdido na
imagem por alguns segundos, antes de como um viciado, eu
procurar pelo seu cheiro, afundando o nariz no seu pescoço,
arrastando pela bochecha, escorregando até sua orelha.
Os sons fracos e roucos que saem da sua boca depois de tantos
gritos, mal podem ser chamados de gemidos, mesmo assim, são a
porra da coisa mais gostosa que eu já ouvi. Beijo sua boca,
roubando-os, engolindo cada um e sentindo suas mãos sem força
procurarem meu corpo, o tocarem com leveza, aumentarem meu
nível de prazer e tesão em sua presença, em tê-la nua e
completamente rendida, participativa e ansiosa.
Sua língua não é tímida. Envolve, circula, chupa, lambe e baba a
minha antes de sua boca abandonar meus lábios para morder meu
queixo. Quando Milena puxa uma inspiração profunda nos fios
curtos da minha barba, sentindo o próprio cheiro e buscando por
mais, é impossível conter meu grunhido.
Sua sensualidade natural é acentuada pela sua entrega total.
Agora, seus olhos estão tão embriagados quanto estiveram na noite
em que eu decidi que não a tomar para mim não era uma opção.
Com seu corpo recuperado dos tremores, enfio uma mão entre suas
pernas, meus dedos por suas dobras, até encontrar o grelo sensível
e massageá-lo levemente.
— Bruno, por favor. —A súplica é baixa, gostosa. — Eu não
aguento mais — diz, mas logo depois geme.
— Aguenta, Mile. Aguenta sim. Você vai gozar nos meus dedos,
porque eu não sei se vai gozar no meu pau quando eu enfiar ele até
o talo nessa sua boceta apertada pra caralho.
— Bruno... — choraminga arrastado e eu puxo seu corpo ainda
mais na direção do meu, esfregando sua barriga em meu pau
dolorido e gemendo junto com ela.
Milena gosta da sensação de poder e passa a se mover,
sarrando o corpo em mim até o momento em que eu enfio um dedo
em sua boceta e ela joga a cabeça para trás, perdendo o controle
sobre os próprios gestos. Seus olhos se fecham enquanto ela se
perde nas sensações.
— Foi isso que você imaginou, Milena? — sussurro, mordendo
seu queixo, lambendo sua garganta. — Enquanto via o Arthur foder
aquelas duas mulheres, você me imaginou te fodendo enquanto os
assistia? — Beijo seu pescoço e a imagem erótica pintada pelas
palavras leva sua entrega a outro nível. — Imaginou meus dedos
arregaçando esse grelo? Meu pau fodendo essa boceta sem dó
enquanto eles me viam te comer? — Outro gemido alto. — Ou era
Arthur que você imaginava? Se imaginou no lugar de uma delas,
Milena? — Meto outro dedo, alargando seu canal, afundando
gostoso, sentindo suas paredes estrangulando meus dedos.
Nossos corpos suados deslizam um no outro e os mamilos duros
de Milena se esfregam em mim com loucura. O quarto cheira a sexo
e os sons dos meus dedos deslizando na boceta encharcada
completam o quadro do caralho.
— Responde, porra! — exijo, enfiando mais um dedo na boceta,
metendo-os até o limite, ainda não ultrapassado, antes de voltar,
girando os três lá dentro. Suas pernas abertas esfregam o clitóris no
meu pau, ela treme e sua no meu colo com os olhos fechados e a
boca aberta. — Se imaginou no lugar de uma das mulheres, se
imaginou chupando a boceta de algumas delas enquanto ele te
comia? Enquanto fodia tua boceta e enfiava o dedo no seu cu?
— Não! — grita, perdida em prazer, suor e gozo — Foi você! Eu
imaginei você enquanto eu chupava a boceta delas! — E isso me
destrói. Puta que pariu!
Acelero as metidas ao mesmo tempo em que movo seu corpo,
esfregando seu clitóris em mim, precisando apertar os dentes para
conter meu orgasmo iminente, mas a levando ao limite. Milena
explode gritando e se sacudindo num gozo que dura segundos a fio.
Lambo sua garganta exposta e estico a mão, tateando a cama
em busca do preservativo. Quando o encontro, rasgo a embalagem
com os dentes. O barulho da embalagem plástica se rompendo faz
seus olhos se abrirem, ela apoia as mãos nos meus ombros, dando-
me liberdade para vestir o preservativo.
Roço meus lábios nos seus, sentindo seu corpo abandonar a
postura relaxada que tinha segundos antes apenas pela perspectiva
do que está por vir.
— Relaxa, Milena. — Deslizo o polegar pela sua bochecha e ela
confirma com a cabeça.
Espalmo uma das mãos em sua bunda, incentivando-a a se
levantar e ela apoia os joelhos no colchão, impulsionando-se para
cima. Sem desviar os olhos dos seus, posiciono-me em sua entrada,
roçando a cabeça dolorida do meu pau ali. Circulando, testando.
Encaixado nela, abraço sua cintura.
— Cruza as pernas, Mile. Mas sem me apertar — peço e ela
obedece. — Eu vou descer você devagar e, depois, rápido. Tudo
bem? — Milena balança a cabeça em concordância e eu a deslizo
alguns centímetros para baixo. O aperto em meu pau me faz ranger
os dentes, controlando a vontade de fazer sua boceta me engolir de
uma vez.
Seu rosto suado tem fios de cabelo grudados em todos os
lugares e os olhos azuis focados nos meus. Deixo que ela se
acostume com meu corpo antes de deslizar um pouco mais para
dentro e o grunhido que escapa da minha garganta é tão dolorido
quanto o pulsar das minhas bolas.
Milena desliza devagar. Mesmo preparada, ela ainda é muito
apertada e a cada milímetro avançado pela minha ereção, seus
músculos parecem ainda mais determinados a expulsá-la, mesmo
com sua lubrificação pingando.
Quando seu corpo desce até o limite, ainda tenho mais de
metade do meu pau fora dela e, apesar das sensações que beiram
o insuportável, beijo sua boca. Não é devagar. O beijo é intenso,
molhado e longo. Milena inclina o pescoço para trás, pedindo-me
em silêncio que eu beije ali e eu obedeço.
Suas mãos deslizam pelo meu suor, eu a seguro com firmeza,
mantendo-a parada no lugar e quando minha boca volta à sua, ela
parece à vontade. Eu a puxo para baixo ao mesmo tempo em que
impulsiono meus quadris para cima em um empurrão forte,
finalmente, rompendo a barreira física entre nós.
Seu grito rasga o silêncio, antes perturbado apenas por nossas
respirações descompassadas e gemidos baixos. Fico parado para
que seu corpo reconheça que o pior já passou, mas sua boceta que
antes me expulsava, passa a me estrangular em suas contrações
naturais, me mamando, determinada a extrair cada gota de porra
existente em meu corpo.
Puta que me pariu!
Prendo a respiração enquanto mantenho meus olhos atentos a
ela. As lágrimas acumuladas nos cantos dos seus olhos se
derramam quando ela os abre e cola a testa na minha antes de me
dar um aceno positivo. Segurando seus quadris, eu a levanto
devagar e a deslizo para baixo sem nunca tirar mais da metade do
meu pau de dentro dela.
O calor do seu canal é inacreditável e preciso lutar para manter
os olhos abertos e focados às suas expressões. Seu rosto me conta
toda a história.
No começo, há desconforto. Depois, ela se acostuma, mas
conforme sente minhas reações à delícia que é estar em sua
boceta, Milena se permite aproveitar também. Seu silêncio se
transforma em arfar. O arfar dá lugar a gemidos baixos. Até que
depois do que parece uma eternidade, seus quadris começam a se
rebelar, tentando escapar do meu controle. Eu riria, se não estivesse
tão fodido.
Ela beija a minha boca, enfiando a língua, girando, lambendo e
chupando enquanto seus dedos arranham minha nuca, meus
ombros e costas. Eu a como devagar num vai e vem gostoso, sendo
sugado por ela. O êxtase circula meu corpo e se apossa da minha
mente. Caralho! Nunca foi tão bom! E essa é só a porra da primeira
vez!
Gememos juntos quando a deslizo por toda a minha extensão
pela primeira vez, até que sua bunda bata contra minhas coxas,
deixando-me ser completamente engolido por ela. O ar some dos
meus pulmões com a sensação.
— Que boceta gostosa da porra, Milena. Puta que pariu! —
confesso com a boca colada à sua. Adorando quando ela revira os
olhos e pronuncia palavras impossíveis de compreender em uma
urgência deliciosa.
Rebolo os quadris, empurrando suas paredes, sentindo-as me
abraçarem e me prenderem dentro de si em um vácuo que me
rouba o ar e torna seu canal cada vez mais molhado e apertado.
Milena levanta a bunda e passa a movimentar apenas ela, quase
me fazendo perder o controle ao me foder com movimentos curtos.
— Caralho, Mile! — grunho, mordendo seu lábio inferior com
força antes de chupá-lo e derrubar o corpo sobre o colchão,
trazendo-a junto comigo. Inverto nossas posições, deixando-a com
as costas na cama comigo entre as suas pernas.
Movimento seus membros como quero, deixando uma de suas
pernas esticada ao lado da minha e a outra flexionada. Milena
ofega, sentindo o novo ângulo do meu pau em sua boceta e
arqueando as costas, mantendo os ombros plantados no colchão.
Agarro a coxa da perna flexionada e seu pescoço.
Com o corpo todo beirando o desespero, aproximo meu rosto do
seu até que estejamos, outra vez, respirando o mesmo ar e só então
volto a fodê-la. Com cuidado, em estocadas curtas e rápidas.
Como sua boceta sem sair dela e as contrações de seus
músculos me alucinam duplamente. Por fazê-la gozar no meu pau
na sua primeira vez e porque quando ela explode com um grito
mudo, me arrasta junto.
Meu gozo é tão violento quanto a foda foi e enche a camisinha
em jatos grossos. Gozo pra caralho, grunhindo, com sua língua em
minha boca, saboreando o som da minha libertação.
Encontro Bruno na cozinha, de costas para mim e penso no que eu
deveria falar. Inclino a cabeça com os olhos fixos em suas costas
musculosas e lambo os lábios ao perceber que não coloquei minha
língua ali. Droga, Milena! Droga!
— Café?
— Merda! — grito quando sua pergunta me assusta e ele se vira
imediatamente. Por alguns segundos seu olhar é de alerta, mas isso
não dura muito. Os olhos se estreitam antes de seu rosto ganhar um ar
divertido e eu mordo o lábio quando eles descem pelo meu corpo,
analisando o que visto e a bolsa em minha mão.
Será que ainda é considerada a caminhada da vergonha se não
estamos usando a mesma roupa da noite anterior? Espero que não,
porque olhando para o homem diante de mim, se eu tenho uma
certeza, é de que não me envergonho ou me arrependo do que
fizemos.
— Você me assustou — explico com a mão no peito num gesto
instintivo que até agora sequer tinha percebido. Empurrando a mecha
de cabelo que cai sobre os olhos para trás.
— Vai a algum lugar? — pergunta antes de dar um gole em sua
caneca. O cheiro gostoso da bebida quente está por todo o lugar e eu
sorrio ao me dar conta da inversão de papéis que nunca imaginei que
aconteceria.
— Mocha? — Mordo o lábio e o sorrisinho que surge neles. A risada
de Bruno tem um tom um pouco diferente do de sempre, não sei se por
ser de manhã, já que não tenho ideia de há quanto tempo ele está
acordado. Acordar com a cama vazia e os lençóis ao meu lado frios
não me incomodou.
— Não tão bom quanto o seu, mas podemos providenciar. — É a
minha vez de rir. Meu Mochaccino é mesmo muito bom.
— Eu te contaria o segredo... Mas... — ele aguarda —, isso tiraria
toda a graça da coisa. — Treme os lábios, dispensando minha
afirmação, fazendo-me rir de novo e a leveza do momento é uma pílula
calmante para o meu coração ansioso.
Eu não estava nervosa, mas não fazia ideia de como as coisas se
desenrolariam. Quer dizer, qual é o protocolo depois de ter uma noite
de sexo selvagem com o seu namorado de mentirinha que na verdade
é meio seu chefe e meio seu ex-cliente, não é seu amigo, mas na
maioria do tempo, age de maneira amigável? Meio que não há um
tutorial para esse tipo de situação no YouTube. Afinal, o que seria de
bom tom?
Depois de passar dez minutos na cama pensando, pronta para fingir
estar dormindo a qualquer mínimo sinal de Bruno, decidi que eu estava
surtando à toa e que só havia realmente uma coisa a ser feita: ir
embora. Se eu encontrasse Bruno pelo caminho, sorriria, diria que a
noite foi ótima e que nos falaríamos.
Se não encontrasse, melhor ainda. Poderia mandar uma mensagem
que justificasse minha saída. Ou não. Talvez ele nem sentisse minha
falta quando voltasse para casa de onde quer que tivesse ido.
Talvez, ele tivesse saído e esperasse que ao retornar à própria casa,
eu não estaria mais lá. Talvez essa tivesse sido a intenção de sua
saída. Como naquele filme Qual é o seu número em que o personagem
do Chris Evans se esconde no apartamento da vizinha até que sua
transa da noite anterior tenha ido embora.
Meu pai! Eu sou uma transa da noite anterior! Dancei deitada na
cama ao constatar isso. A virgindade estava fora, muito fora! Apenas a
sombra das lembranças já era capaz de provocar um leve tremor em
meu baixo-ventre. Eu nunca achei que gozar tanto fosse algo que se
fizesse na vida real.
Quer dizer, eu tinha certeza de que Bruno era mais do que capaz de
me dar um orgasmo, já que eu mesma me presenteei com um apenas
me esfregando em seu corpo, no entanto, o que aconteceu ontem à
noite foi como viver os minutos iniciais da noite de Ano Novo em um
looping infinito. Fogos de artifício e fogos de artifício e fogos de artifício.
Bruno parecia ter a capacidade de ler meus pensamentos, ou, pelo
menos, cada sinal que meu corpo dava. Quando pensava na minha
primeira vez, minhas fantasias nunca tinham nada a ver com
romantismo, lentidão e cuidado. Tinham a ver com explorar limites e
entender até onde meu corpo poderia me levar. Eu queria entender o
que, de tão especial, havia no sexo que fazia as pessoas ficarem tão
enlouquecidas sobre ele e nunca tive qualquer ilusão de que
romantismo tivesse alguma a coisa a ver com isso.
Bem, agora, definitivamente, eu sei. Mesmo que eu também tenha
certeza de que não é sempre assim. É impossível que todas as
transas, para todas as pessoas, sejam como a da noite passada, ou o
mundo seria um lugar muito mais feliz.
Sacudo a cabeça, afastando-me dos meus próprios pensamentos e
encontro o olhar de Bruno fixo em mim, apesar do silêncio de seus
lábios. Como se ele soubesse que eu precisava de um tempo. Suas
sobrancelhas se erguem em uma pergunta silenciosa e eu dou de
ombros antes de me colocar em movimento, na direção da ilha de sua
cozinha.
— Café puro — aceito a oferta que começou nossa conversa, ele
acena e se vira para me servir uma caneca.
— Como você está se sentindo? — pergunta quando me entrega a
bebida.
— Muito bem-humorada. — Levo a caneca à boca. O café de Bruno
é forte e definitivamente amargo demais. — Açúcar? — peço e ele
coloca o açucareiro sobre o balcão.
— Eu quis dizer o seu corpo. Dolorida? — Ergo os olhos da minha
bebida e o encaro por uns segundos.
— Não precisamos ter essa conversa. — Ele ri.
— Você não tem vergonha de foder, não tem vergonha de dizer que
está de bom humor depois de ter fodido, mas se constrange em me
dizer que está dolorida? — Minha resposta é um dar de ombros e ele
bufa. — Como você está se sentindo, Milena? — Seu tom muda.
— Esse tom deveria me intimidar?
— Não. Ele deveria deixar claro que eu quero uma resposta e você
vai me dar uma.
— Eu estou bem — respondo, insatisfeita, sem saber porquê. Não
era isso o que eu queria? Não ser tratada como “mais uma”? Então por
que essa preocupação me incomoda? Suas sobrancelhas se erguem
me dizendo que eu vou precisar fazer melhor do que isso. Fecho os
olhos e solto uma expiração profunda. — Dolorida, alguns roxos pelo
corpo, mas nada demais.
— Bom — murmura.
— Eu não fiquei constrangida — explico e ele inclina a cabeça. —
Com a pergunta, eu quero dizer. Só não acho que seja o tipo de coisa
com que você precisa se preocupar. — Seus olhos se movem pelo meu
rosto, pela parte que alcançam do meu corpo, atrás da bancada entre
nós, até desviarem para um ponto além de mim. Viro e percebo que
foram até a bolsa que deixei sobre a mesa.
— O que você acha que aconteceu noite passada? — Ok. Eu não
estava preparada para uma pergunta tão direta.
— Hum... — Bruno aguarda pacientemente pela minha resposta e
continua tomando seu café. Quanto mais segundos do que deveriam se
passam entre o “Hum” e qualquer outra palavra que deveria vir depois
dele, um sorrisinho se pendura no canto dos seus lábios.
— Sem constrangimento, hein? — ironiza e são meus olhos que se
estreitam, irritando-se com sua condescendência.
— Nós transamos, Bruno. Foi ótimo e é isso.
— Ótimo — repete a palavra e eu não entendo porque ele parece
sentir como se ela tivesse um gosto amargo antes de rir sem humor. —
Quando você diz assim não parece realmente ótimo... — Eu o observo
deixar sua caneca vazia sobre a pia, contornar a ilha e parar diante de
mim. Seu olhar é quase divertido. Seu nariz abaixa até meus cabelos e
inspiram.
A reação do meu corpo à sua proximidade é imediata e me pega de
surpresa. Depois da noite passada, eu esperava que ela fosse aliviada,
não que se tornasse mais intensa a ponto de apenas olhar Bruno
caminhando em minha direção me atingir com a força de uma ventania.
— Eu acho que nós precisamos esclarecer algumas coisas. — Ele ri
da expressão de assombro que toma conta do meu rosto e toca minha
bochecha com o polegar.
Seu dedo sobe e desce ali em uma carícia lenta. A luta para manter
os olhos abertos e focados nos seus, ao invés de nos seus lábios que
parecem perto demais agora, é real. O que está acontecendo?
Aproveitando o silêncio que se instala entre nós, Bruno desliza o
dedo para baixo com uma lentidão perturbadora, passando pelo meu
maxilar, pescoço, colo e me arrepiando inteira quando continua
descendo até alcançar meu mamilo por cima do vestido.
— Eu estou com essa impressão... — começa e faz uma pausa,
estreitando os olhos e contraindo os lábios como se se esforçasse para
entender alguma coisa. Afundo os dentes em meu lábio inferior,
engolindo um gemido e seu sorriso se torna predador. “Não há a menor
possibilidade de você guardá-los para si quando eles são tudo o que eu
quero” seus lábios esticados dizem.
— Que impressão? — pergunto num fio de voz.
— Que você acha que nós acabamos... — Faz outra pausa longa e
pinça meu mamilo entre os dedos polegar e indicador. Dessa vez, o
som que sai da minha garganta escapa mesmo por entre meus lábios e
dentes. — Eu saí da minha cama horas antes do que gostaria, porque
assim que acordei e te vi lá, eu quis me enterrar dentro de você, de
novo, Milena. — Nós sentimos quando nossas pupilas se dilatam?
Porque eu tenho quase certeza de que acabei de sentir as minhas
fazerem isso. Bruno estala a língua e balança a cabeça, negando. —
Vim beber café, Milena, quando o seu cheiro nos meus lençóis me
deixou louco pra beber seus gemidos. — Belisca meu mamilo, sendo
recompensado exatamente com o que queria, um gemido alto saindo
da minha boca aberta.
— Bruno... — murmuro quando ele enfia o nariz na curva entre meu
ombro e pescoço e, depois, lambe, beija e morde o ponto sensível.
Principalmente porque seu dedo continua o trabalho incansável de me
enlouquecer.
— Eu não estou te perguntando como você está se sentindo pela
bondade do meu coração, Milena. — A vibração da sua voz em minha
pele, o hálito quente no exato lugar onde seus dentes e língua
judiaram, é impossível me conter. Arqueio as costas contra a bancada,
empinando meus peitos na sua direção e ele entende o convite que é
quase uma exigência.
Sua boca desce, abocanhando o bico até então intocado, por cima
do tecido fino. Sem sutiã, a umidade de sua língua e o calor dela logo
alcançam minha pele e combinados com a aspereza do tecido, me
fazem revirar os olhos.
E quando acho que estou sobrecarregada pelo seu toque, seus
dedos se infiltram sob a saia do meu vestido e logo depois pela renda
da minha calcinha e roçam meu clitóris com uma delicadeza alucinante.
Nada abafa meu grito. Durante todo o tempo em que suas boca e mãos
cumprem a missão de me desintegrar, ele me olha nos olhos.
As carícias de Bruno são um vai e vem lento e constante que não só
provoca o formigamento em meu baixo-ventre, como continua
estimulando minha boceta por minutos a fio até que ele se torne
insuportável. O orgasmo não é gentil com meu corpo supersensível.
Ele me arrebata em espasmos descontrolados que parecem me
despedaçar em um milhão de partes e deixar todas elas espalhadas
pelo chão.
Seus dedos não me deixam até que o pulsar do meu clitóris cesse e
eu abra os olhos para encontrar aquelas chamas azuis que anunciam
minha total e absoluta rendição diante de mim.
Com uma lentidão excruciante, sua mão é erguida até a altura do
nariz e ele aspira meu cheiro, fecha os olhos brevemente e enfia os
dedos melados com meu gozo na boca. Meu corpo amolecido, apoiado
à bancada, estremece com a visão antes de ser envolvido por um dos
braços de Bruno.
— Desde que você desceu as escadas, eu só consigo pensar em te
deixar nua e te foder em cima desse balcão, mas embora eu esteja
parecendo um, não sou a porra de um Neandertal — praticamente
rosna, com a boca muito perto da minha. Seu peito sobe e desce em
uma respiração levemente acelerada e meu arfar é a única resposta
que sou capaz de lhe dar antes de sua boca descer sobre a minha.
Os gostos de café e da minha boceta se misturam em nossas
línguas elevando o erotismo do momento a níveis estratosféricos. Sua
mão livre agarra meus cabelos, ele morde, chupa e lambe minha boca
em um beijo faminto, terminando com ele provando seu ponto: sou uma
boneca com a qual ele vai fazer o que quiser e vou adorar cada uma
dessas coisas.
Em um minuto eu estava pensando que meu café precisava de mais
açúcar, no outro, eu não sou capaz de pensar em mais nada além da
vontade de que Bruno faça exatamente o que disse que está louco
para fazer, me foda sobre a mesa. Sua boca se separa da minha
quando estou completamente sem ar, obrigando-me a puxar uma
inspiração desesperada.
— Então, isso definitivamente não acabou.

Depois de passar os últimos trinta minutos me perguntando se


deveria rir do pacote que recebi ou me sentir incomodada, decidi por
uma terceira opção: confrontar seu remetente e tentar entender o que
diabos estava passando pela sua cabeça ao me enviar uma coisa
dessas.
Ontem, depois de exterminar meus planos de fuga e de tratar nossa
transa apenas como algo a ser tirado do caminho, Bruno me trouxe em
casa com a promessa de que entraria em contato. Eu esperava uma
mensagem, no máximo, uma ligação. Definitivamente, não um
motoboy, na portaria, com um pacote que deveria ser entregue em
mãos.
Não resisto à provocação, não depois de ele ter dito com todas as
letras que pretendia fazer de dolorida o meu estado permanente assim
que eu me recuperasse.
Foco na parte da mensagem que não me provoca arrepios e Bruno
obviamente percebe.
“Nós transamos, Bruno. Foi ótimo e é isso.” Ela disse e lembrar de
suas palavras me arrancam uma risada solitária. “Foi ótimo e é isso.”
Ou ela é muito inocente, ou não tem o menor pudor em debochar de
mim.
Olho para o telefone celular em minha mesa, releio as mensagens
trocadas com Milena, tentando entender a inevitabilidade dessa coisa,
repassando a noite de sábado, desde a tensão palpável que esteve
por quase sete dias à espera do nosso próximo encontro até a forma,
como desde que a vi pelas câmeras, o ponteiro do relógio não fez
nada além de marcar a contagem regressiva para o momento em que
simplesmente cederíamos.
E cedemos. Derrubo o corpo contra o encosto da cadeira
presidente e ela se movimenta em um giro suave. A caixa de vidro que
é o meu escritório na Magalhães Capital parece um pouco
inconveniente quando eu me sinto tão estranhamente exposto, como
eu nunca me senti antes. Mas qual é a novidade nisso? Inclino a
cabeça e foco meus olhos no teto. Provocar esse tipo de sensação
parece ser algum tipo de habilidade especial de Milena sobre mim.
Eu poderia catalogar todas as malditas primeiras vezes que tive
desde que coloquei meus olhos nela e a enxerguei, ao invés de
apenas vê-la, como fiz por tanto tempo. A primeira vez que me
importei, a primeira vez que desejei ser algo além de uma noite
gostosa, a primeira vez que desejei algo que não poderia ter, alguém
que estava fora do meu alcance.
A primeira vez que senti satisfação em apenas satisfazer, a
primeira vez que coloquei meus próprios desejos de lado em
detrimento aos de outra pessoa, a primeira vez que eu fiquei feliz por
isso, a primeira vez que tirei uma virgindade e, agora, a primeira vez
que eu não tenho ideia do que fazer com a maneira como me sinto.
Eu sabia que não a queria em minha cama apenas por uma noite.
Tinha certeza de que precisaria de bem mais do que isso para
alimentar o desejo que parece me consumir mesmo que tenha sido
despertado há uma quantidade tão ridiculamente pequena de tempo.
Há apenas duas semanas nós estávamos sentados no Capparellos,
discutindo a possibilidade de Milena trabalhar comigo para vencer
uma aposta.
Como é possível que, apenas catorze dias depois, a última coisa
em minha cabeça seja a porra da aposta? Eu deveria estar me
sentindo vitorioso. Desde a boate, até a noite de jogos, tudo saiu
exatamente como o planejado. Milena foi perfeita em cada gesto,
basta piscar para que a lembrança de como ela recebeu meu primeiro
beijo inunde minhas veias de outro sentimento desconhecido. Seria
impossível não acreditar.
— Pensando na morte da bezerra? — Pisco e franzo as
sobrancelhas, perguntando-me como é possível que eu não tenha
visto Arthur se aproximar, entrar na minha sala, sendo ela o caralho de
uma caixa de vidro? Eu o ignoro e viro o rosto na direção da mesa da
minha secretária.
Ela está concentrada em algo em seu computador e eu tenciono a
testa, reconhecendo que não é sua culpa. Nenhum dos quatro cretinos
precisa de permissão ou anúncio para entrar em minha sala, a menos
que eu esteja em reunião. Raquel não fez nada de diferente, mas ter
Arthur tão perto hoje, especificamente, não é uma boa ideia e depois
de reconhecer que não há culpados, minha mente passa a procurar
por saídas.
— O que você está fazendo aqui?
— Uau! Eu costumava ser melhor recebido! — reclama, jogando-se
na cadeira diante da minha mesa e entrelaçando os dedos sobre a
barriga. — Estava por perto e decidi fazer uma visita. — Seu sorriso é
interesseiro.
— O que você quer?
— Eu já disse, e...
— Me poupa, Arthur! O que você quer? — Concluo que a
abordagem direta é a maneira mais rápida de lidar com isso. Ele
desvia os olhos, virando-se para a parede por alguns instantes antes
de voltar a olhar para mim. — O que está acontecendo?
— Estou tentando encontrar um jeito de dizer o que preciso sem
que você se arme.
— Tenta só dizer — sugiro, cruzando os braços na frente do corpo.
Arthur revira os olhos, sinalizando minha postura defensiva e eu bufo
ao deixar os braços caírem ao lado do corpo.
— Nós somos filhos da puta competitivos — começa e eu arqueio
uma sobrancelha e coço a outra. — Mas nós somos amigos, antes de
qualquer coisa. E eu só queria que você tivesse a certeza de que pode
contar comigo. — Meu cenho se franze e eu passo a língua sobre os
lábios.
— Acordou emotivo hoje, filho da puta? — Sua boca se abre, mas
ele a fecha antes de dizer qualquer coisa, tornando o momento ainda
mais estranho. Arthur suspira longamente, fecha os olhos, abaixa a
cabeça e quando a levanta, o reconhecimento me atinge em cheio. A
fagulha de arrependimento nas pedras verdes é impossível de não
reconhecer e só há uma coisa da qual meu amigo se arrepende. Tão
rápido quanto vem, ela vai embora, como se Arthur tivesse permitido
que ela viesse à superfície para que eu soubesse que ele está falando
sério. — Arthur, eu...
— Algumas... — faz uma pausa, procurando pela palavra certa —
oportunidades — a encontra. — Não se repetem — conclui.
— Isso é sobre...
— Sim, não, talvez. Não importa — diz, levantando-se e abotoando
o paletó. — Não seja um imbecil. — Pisca para mim com um humor
que não combina com a situação, com suas palavras, com o clima que
elas estabeleceram. — E eu estou aqui. Independente de qualquer
coisa.
— É diferente. — Sinto a necessidade de dizer quando ele está
prestes a alcançar a porta e seu olhar esverdeado me encontra. —
Só... — começo, mas agora sou eu quem tem dificuldades de
encontrar palavras.
— Não seja um imbecil — repete e, sem dizer nenhuma outra
palavra, me deixa sozinho com os pensamentos que já me
sobrecarregavam e com os milhares de novos que suas poucas
palavras plantaram.
Puta que pariu.

— Impressionante. — Analiso com os olhos focados na tela diante


de mim. — As linhas circulares, os traços intensos, as cores fortes,
quase agressivas... — Aperto os lábios e assinto. — A forma
espelhada. Tão reflexivo... Provocante! — Milena não diz nada,
apenas continua olhando para o quadro em uma observação
silenciosa. — É como se nos dissesse que as coisas doloridas podem
nos fazer sofrer ou nos ensinar. — Isso conquista sua atenção.
Estreitados, seus olhos me procuram e me analisam por alguns
segundos. Faço um bico com os lábios, escondendo o sorriso.
Mais uma vez, meus olhar percorre seu corpo inteiro. Apesar do
protesto, ela realmente vestiu algo fácil de tirar. O vestido preto é
ajustado ao corpo, mas não é justo, tem comprimento até o meio das
panturrilhas e há duas aberturas laterais que deixam suas costelas e
uma insinuação da curva de seus seios à mostra, evidenciando que
Milena não usa sutiã.
Seus cabelos estão soltos, repartidos ao meio, com mechas presas
atrás das orelhas em um penteado simples e ela usa saltos altos sem
os quais a diferença entre nossas alturas ficaria muito evidente e eu
simplesmente não conseguiria roçar meus lábios nos seus, como faço
agora.
Não consigo parar de beijá-la. Desde que Davi estacionou o carro
na porta do seu prédio, já perdi as contas de quantas vezes fiz isso.
Primeiro, um beijo longo, quente. Cheguei muito perto de mudar nosso
destino, ao invés da galeria de arte, transformá-lo em meu
apartamento. Antes que eu fodesse Milena ali mesmo, no banco do
carro, e o espaço restrito ainda seria complicado para ela.
Seria sua segunda vez transando e eu estava prestes a agir como
um bicho. Não que eu tenha me comportado muito melhor na primeira,
mas pelo menos houve uma cama, caralho. Afastei-me a muito custo,
deixando seus lábios inchados, seu peito ofegante, sua pele exposta
avermelhada e suas pupilas dilatas.
Meu apartamento seria nosso destino final esta noite, não o único,
disse para mim mesmo e me apeguei à determinação de que eu era o
senhor das minhas vontades, não o contrário. Ainda que eu me
sentisse ridiculamente disposto a me tornar escravo dos desejos de
Milena quando ela me olhava do jeito que estava fazendo quando
nossas bocas de separaram.
Mas enquanto meu tronco vem, aos trancos e barrancos, vencendo
a batalha de se manter longe do dela, minhas mãos e boca não
podem dizer o mesmo. Elas vêm sendo duramente derrotadas. A cada
oportunidade que têm, minhas mãos procuram sua pele, seu rosto,
seus cabelos, seu pescoço, qualquer pedaço dela que possam
alcançar.
O mesmo acontece com meus lábios. Eu simplesmente não
consigo evitar essa necessidade inexplicável de mantê-los
constantemente tocando os seus. Quando alguns dias atrás, precisei
me expulsar da minha própria cama após acordar com Milena ao meu
lado, quando a necessidade de deixar claro para ela de que
estávamos muito longe de acabar o que começamos me fez tocar sua
boceta, mesmo sabendo que ela deveria estar ultrassensível após a
noite que tivemos, justifiquei dizendo para mim mesmo que era essa a
questão.
A noite em que finalmente tive o que queria estava nublando meu
juízo e ainda moldando-o em uma massa de descontrole e
necessidade. Contudo, agora, quase quatro dias depois, ao invés de
me sentir mais dominador de mim mesmo, a sensação é o extremo
oposto.
Milena balança a cabeça, negando, o riso que se apossa de sua
boca é refletido em seus olhos quando pergunta.
— Você realmente acabou de parafrasear o Rei Leão?
— Não? — nego e pergunto ao mesmo tempo, mas a expressão
em seu rosto deixa claro que fui pego no flagra.
— “O passado pode machucar, mas do jeito que vejo, você pode
fugir dele ou aprender.” — recita a frase original. — Você não faz ideia
de sobre o que é esse quadro, não é?
— Culpado. — Sua gargalhada é escandalosa e ilumina seu rosto
exposto. — Eu sou de exatas — me defendo.
— Uhum... Tá! — dispensa, ainda entre risos, e nos movemos para
a próxima pintura. — E esse? O que significa? O que nos diz? —
questiona sobre o desenho abstrato que mistura tons de vermelho e
amarelo.
— Desonra! Desonra pra tu! Desonra pra tua casa! Desonra pra tua
vaca! — recito mais uma clássica frase de filmes da Disney,
novamente fazendo com que ela gargalhe alto.
Dessa vez, Milena tenta abafar o som colocando a mão na boca.
Alguns olhares reprovadores se viram em nossa direção, mas eu não
me importo e Milena sequer parece perceber.
— Ok! É melhor a gente parar com isso, ou seremos expulsos.
— Eu não fiz nada.
— Tá bom, senhor exatas. — Ela se move para a próxima sala da
exposição. Nessa, diferente das outras, não há quadros pendurados.
Aqui as paredes são pretas e a arte está projetada em todas elas,
de maneira que nós, os expectadores, acabamos, literalmente, dentro
da obra.
— Quer saber o que essa significa? — sussurro em seu ouvido,
envolvendo meu braço em sua cintura.
Nós estamos sozinhos na sala e considerando que só é permitida a
entrada de duas pessoas por vez, isso não vai mudar por algum
tempo. Puxo seu corpo contra o meu, trazendo-o ao meu encontro
sem nenhuma dificuldade.
Sua respiração rapidamente descompassa, passando a bater
rapidamente em meu queixo. Os olhos azuis, ao mesmo tempo, me
descobrem e se revelam, contraditórios, como tantas outras coisas na
mulher que é especialista em acabar com o meu juízo.
— É sempre assim? — pergunta, roçando o rosto no meu,
provocando minha pele com essa porra de entrega deliciosa a qual
nem em um milhão de anos eu vou me tornar capaz de resistir.
— Não, Milena. Nunca é assim — externo a certeza que tem
assombrado meus dias desde o momento em que qualquer barreira
deixou de existir entre nós dois e essa atração violenta e consumidora
antes de me deixar ser completamente dominado por ela e, mais uma
vez, assaltar a boca da mulher em meus braços.

— Sorria! — murmuro no ouvido de Milena apontando


discretamente para o fotógrafo, do outro lado do camarote, que tem
sua câmera fixada em nós dois.
— Jesus! Eles não cansam? — resmunga, tocando a testa na
lateral do meu corpo e eu envolvo meus braços ao seu redor antes de
deixar um beijo em seus cabelos, achando graça.
Desde a nossa primeira aparição pública, no vernissage, dias atrás,
os sites de fofoca e até mesmo alguns jornais respeitáveis começaram
a destrinchar nossa relação e Milena se tornou alvo da imprensa.
Ontem ela ficou indignada quando teve uma foto sua, no mercado,
divulgada em um blog sob o título “Acompanhante misteriosa de Bruno
Magalhães prefere pimentões vermelhos aos verdes.”
— Eu me lembro de você reclamando sobre não haver jornalistas
atrás de mim o tempo todo. — Ela levanta a cabeça com os lábios em
um bico e as sobrancelhas estreitadas em sua expressão nada
convincente de braveza.
— Eu não reclamei. Eu só constatei e eles não ficavam mesmo.
Eles estão me perseguindo! — reclama e minha boca é puxada pela
sua como o caralho de um ímã.
— Em breve nós seremos notícia velha.
— Você está dando mais material pra eles. — Sua reclamação é
tão convincente quanto a expressão de brava que não durou dez
segundos em seu rosto.
— Eu estou beijando minha namorada — brinco, mas as palavras
têm um efeito estranho. Milena também o sente, embora nenhum de
nós dois diga nada. Após alguns instantes, ela volta a se virar para a
pista de corrida abaixo de nós.
A fórmula 1 não é meu esporte preferido, mas quando se é o
patrocinador de uma equipe, aparecer em uma corrida ou outra é uma
política necessária. Minhas visitas ao autódromo de Interlagos nunca
puderam ser descritas como chatas, no entanto, estar aqui com Milena
colore a experiência com aquela satisfação doce de estar
proporcionando a ela mais uma primeira vez.
— O que você está achando até agora? — pergunto.
— Apavorante, porém empolgante — responde e eu ergo as
sobrancelhas para que continue. — Olha aquele “S” — aponta para a
pista —, imagina fazer essas curvas em alta velocidade? Deve ser
muito, muito assustador.
— Não é tanto assim, o carro meio que te dá a sensação de
segurança necessária.
— Você diz isso porque patrocina o carro.
— Não, eu digo isso porque já dirigi um. — Ela arregala os olhos.
— Dirigiu tipo um teste drive ou tipo uma corrida? — Minha
resposta é um torcer de lábios e ela revira os olhos. — Arrogante! —
acusa, mas, logo depois, sorri.
— E você gosta.
— O que você está fazendo? — minha mãe pergunta ao colocar a
cabeça para dentro do meu quarto.
— Uma lista — respondo com os olhos ainda focados no papel
praticamente vazio em cima da escrivaninha diante da qual estou
sentada.
Dona Daise entra em meu quarto e para às minhas costas,
espiando por sobre o meu ombro.
— Não se parece muito com uma lista pra mim. — Seu comentário
arranca um som arranhado da minha garganta. Eu sei bem que não se
parece com uma lista, ainda. Porém vou chegar lá. Torço os lábios, eu
espero chegar lá.
— Eu estou só começando. — Inclino a cabeça para trás,
apoiando-a em seu abdômen enquanto procuro seu olhar.
— Você está presa nesse quarto desde que chegou. Ou seja, pelo
menos duas horas! “Coisas que preciso fazer”? — lê o título da minha
lista em voz alta. — O que é isso? Uma lista de tarefas pro fim de
semana? Não vai sair com o cliente gostoso?
— Mãe! Em primeiro lugar, você realmente precisa parar de chamá-
lo assim! Já reparou que parece estar falando de uma coisa
completamente diferente?
— Que coisa? — me interrompe e eu estreito os olhos antes de
ignorar sua pergunta.
— E em segundo lugar, não! Não é uma lista sobre o que fazer no
fim de semana. Tá mais pra uma lista do que fazer com a minha vida...
— É inevitável não soltar um som de frustração quando olho para o
papel com apenas dois itens preenchidos. Um saco!
Minha mãe ergue as sobrancelhas, mas rapidamente as abaixa. Ela
inclina o pescoço, empurra a bochecha com a língua e, por último, dá
os passos necessários até a minha cama e se senta próxima à
cabeceira. Sua mão dá batidinhas ao seu lado, em um convite.
Olho para a lista uma vez mais e não achando que vou fazer
qualquer progresso no que diz respeito a ela nos próximos cinco
minutos, levanto e vou até minha mãe. Mas ao invés de me sentar ao
seu lado, deito na cama e deixo a cabeça em seu colo. Suas mãos
infiltram os dedos pelos meus cabelos, começando uma carícia lenta e
deliciosa.
— Por que você acha que precisa de uma lista de coisas que
precisa fazer? — pergunta, enfatizando a palavra precisa nas duas
vezes em que a usa.
— Porque eu preciso?
— Isso foi uma pergunta ou uma resposta?
— Uma resposta pergunta?
— E isso? — Nós duas rimos do jogo sem sentido que se
estabeleceu. — É sério, por que você acha que precisa? — Suspiro,
tentando organizar a bagunça que tem ocupado minha cabeça nos
dois últimos dias.
— Eu queria tantas coisas, mãe. Mas não tinha tempo e nem
dinheiro, não é de se esperar que agora que eu tenho os dois eu faça
aquilo que eu queria antes?
— De se esperar? Quem espera isso?
— Não sei! A sociedade? A senhora?
— Jura, Milena? A sociedade? Mande a sociedade pro inferno!
Você não deve nada a ela. Se alguém está em dívida nessa relação,
com certeza não é você.
— Você entendeu o que eu quis dizer, mãe. — Rio, achando graça
de sua reação.
— Não entendi, não. Na verdade, pra mim o que você disse não faz
o menor sentido. E vamos aproveitar pra deixar algumas coisas bem
claras, minha filha. Eu não espero nada de você além de que você
seja feliz! — É ela quem suspira. — Milena, você já fez mais por mim
e pelo seu irmão nos últimos anos do que qualquer mãe seria capaz
de pedir...
— Mãe... — a interrompo, mas o olhar que ela me dá seria capaz
de calar um general.
— Não me interrompa — alerta e, mesmo deitada, ergo as mãos,
rendendo-me. — Você só tem dezenove anos, Milena. Ninguém
espera que alguém da sua idade tenha os próximos dez, os próximos
vinte anos planejados. E os afortunados que tem esse privilégio,
provavelmente não passaram os dois anos anteriores afundados em
trabalho, sem ter tempo pra pensar em qualquer coisa que não fosse o
dia seguinte. É quase certo que eles estivessem experimentando
coisas novas, fazendo besteiras, errando! Então pra que a sua pressa
em acertar?
— Não quero me sentir uma inútil — sussurro, mas sua resposta é
uma gargalhada.
— Ah, minha filha! Você às vezes é tão engraçada. Liberdade não
é inutilidade. Você ganhou a sua e tem o direito de fazer o que quiser
com ela, inclusive, não fazer nada. Pelo amor de Deus, Milena! Não
faz nem dez dias que você está em casa.
— Eu só não quero perder tempo.
— Então comece a aproveitá-lo! — exclama, sem jamais parar a
carícia em meus cabelos. — Rasgue a lista, coloque-a na bolsa e
carregue pra todo e qualquer lugar, prenda na parede ou na porta da
geladeira, faça dela um objetivo, se quiser, só não a deixe te controlar,
minha filha. Durma um, dois ou dez dias inteiros, vire noites assistindo
televisão, lendo, ou fazendo o que quer que os jovens fazem hoje em
dia. — Pausa, olhando em meus olhos e me deixando absorver suas
palavras. — Vá a festas, leia, separe um tempo para essa pobre
família que muito te ama... — Rio do seu tom dramático ao fazer essa
última sugestão. — Mas viva... Sua vida não cabe em doze itens.
Cometa erros, corrija os erros e, então, erre de novo. Pare de se
preocupar em perder tempo e comece a se preocupar em aproveitá-lo,
amor.
— Eu te amo. — São as únicas palavras possíveis, porque me sinto
inundada de amor neste momento. Minha mãe sorri e franze o nariz
antes de deixar um beijo em minha testa.
— E eu a você!

Dessa vez, a porta da cobertura de Bruno não me intimida. Se


porque a última vez em que estive diante dela não foi há uma semana,
mas ontem, quando entrei no apartamento aos beijos com seu dono,
ou porque não há incerteza corroendo meu estômago sobre o que vai
acontecer assim que eu cruzar a soleira, não sei.
Toco a campainha assim que saio do elevador e atravesso o hall de
entrada, mesmo que meu coração não esteja batendo exatamente em
seu ritmo normal. No entanto, isso não tem nada a ver com a porta, e
sim com o homem atrás dela.
— Oi, linda. — Um sorriso gostoso me recebe quando a porta é
aberta quase imediatamente. A quem eu estou querendo enganar? O
homem é todo gostoso e eu mal sei onde fixar meus olhos. Se no
peito nu, no rosto lindo, na boca irresistível ou nos olhos famintos,
sempre famintos.
— Oi — foco em seu rosto e respondo, sendo puxada para dentro,
imprensada contra a porta e beijada até que meus pulmões estejam
prestes a declarar falência. A euforia por ter sua boca na minha é
completamente injustificada, ontem essa mesma boca passou horas
beijando e lambendo cada centímetro do meu corpo.
A última semana foi... Fácil. Tão fácil quanto assustadora.
A companhia constante de Bruno, a naturalidade da nossa relação,
a maneira como as palavras simplesmente são ditas, os gestos
apenas acontecem, os corpos se conhecem e os pensamentos
parecem ser facilmente interpretados no silêncio me dão medo. Eu
não sei como um namoro de mentira deveria funcionar, mas cada vez
mais eu tenho a sensação de que nem mesmo os de verdade
funcionam como Bruno e eu andamos funcionando.
Eu continuo repassando suas palavras, ditas no Vernissage, na
sala escura, cujas paredes eram pontilhadas por projeções de
estrelas: Nunca é assim.
Acreditei nele.
Acreditei e, por um momento, aquele durante o qual sua boca se
aproximou da minha, eu fiquei apavorada, porque não acho que eu
queira me conformar com menos do que isso quando em apenas
alguns dias, tudo parece tão certo, tão em seu devido lugar, mesmo
que seja de mentira.
Naquele instante, a perspectiva de que quando o momento de viver
algo de verdade chegar, ele pode ser menos satisfatório do que a
farsa haverá sido, me apavorou.
Mas assim que nossos lábios se tocaram, como sempre, os
pensamentos sumiram. Pelo menos, até que eu estivesse longe o
suficiente da boca, do cheiro, do gosto e do toque de Bruno para me
tornar uma pessoa completamente racional outra vez.
Ele inspira profundamente, absorvendo o ar que expirei antes de
soltá-lo com força.
— Tudo bem? — Assinto em resposta.
— Quais são os planos de hoje? — pergunto com a boca colada à
sua, roçando a ponta do nariz em sua pele. — Achei que a noite de
jogos fosse só uma vez por mês — pauso para beijar o lugar onde
acariciava —, e tenho quase certeza de ter ouvido o Conrado dizer
que a próxima seria na casa ele — explico minha dúvida.
Ontem, quando me deixou em casa, Bruno disse que não sabia se
faríamos algo hoje, aparentemente, sua presença não estava sendo
requisitada em nenhum evento.
Foi somente esta tarde que ele me perguntou se eu já tinha feito
planos para a noite e isso, o pequeno fato de ele ter perguntado,
mesmo que realmente não fosse necessário, foi mais uma das coisas
que gerou um sentimento assustador no meu peito. Bruno não
precisava me perguntar nada. Ele está pagando, e muito, pelo meu
tempo.
No entanto, quanto mais eu analiso as últimas semanas, mais isso
parece ter sido esquecido na mesa daquele restaurante Italiano.
Talvez eu estivesse enganada e seja tão boa em mentir quanto Bruno,
ou, talvez, eu precise começar a cuidar do meu coração.
— Você. — Deixa um beijo suave em minha boca e suas mãos
passeiam pelas minhas curvas. — Eu. — Outro beijo e ele agarra
minha bunda sobre a calça jeans. — E um filme. — Empurra-me
contra sua ereção já pronunciada, fazendo-me gemer.
Uma semana desde que o tive dentro de mim pela primeira vez e, a
cada transa, minha vontade é ignorar os limites do meu corpo para ter
mais e mais.
— Sério? — A pergunta não se decide entre ronronar e gemido.
— Uhum... — Morde meu queixo.
— Eu poderia dispensar o filme — sugiro, muito ansiosa para ficar
pelada e sentir o toque no qual estou me viciando.
O tom enrouquecido da risada denuncia que meu corpo não é o
único ansioso para pular algumas etapas, ou, pelo menos, adiantá-las.
— Eu acho que você vai gostar do filme que eu escolhi.
— Eu acho que vou gostar mais de ter você dentro de mim. —
Minha declaração despudorada é um sussurro completamente afetado
por sua língua lambendo minha garganta.
Ela anuncia o característico abandono total da minha vergonha na
cara quando o tesão assume o controle sobre o meu corpo, como
estou aprendendo que sempre acontece quando Bruno começa a me
tocar.
— Confia em mim. Isso não vai demorar — promete antes de me
beijar.

Confiança deveria ser o sobrenome de Bruno, mas há algo sobre


seu jeito de andar, sobre a forma como ele está me olhando e até
mesmo sobre a promessa recém-feita que deixa no ar a impressão de
que ele não está me contando tudo sobre sua proposta de assistirmos
a um filme. Ele senta no sofá enorme da sala de televisão e me puxa
para que eu me sente entre suas pernas.
Minhas costas ficam felizes em se aninhar em seu peito duro e
quente. Inclino mais o pescoço para o lado quando ele começa a
beijar ali, devagar, apenas com os lábios, depois, deslizando a língua.
Suas mãos seguram firmemente minha cintura e eu me remexo, já
molhada pela sua recepção e querendo que elas se movam alguns
centímetros para cima, apenas o suficiente para alcançarem meus
seios.
Fecho os olhos, aproveitando as carícias até o som da televisão me
fazer abri-los. Bruno deu play no filme e eu pisco algumas vezes antes
de me sentir capaz de me concentrar na tela. Sua boca me dá trégua
e seus dedos fazem movimentos sutis em minha cintura, por cima da
camiseta.
A cena de abertura é um casal chegando em casa. O homem tem
cabelos e barbas escuros e está vestindo jeans claros e uma camiseta
azul marinho, a mulher tem os cabelos loiros na altura dos ombros,
sua pele é clara como a minha e ela usa um vestido vermelho, justo
no corpo, de comprimento até o meio das coxas.
Parados no hall de entrada, onde há uma escada de madeira, o
homem tranca a porta da casa e joga as chaves sobre o aparador,
parecendo irritado. A mulher, de costas para ele, alguns passos à sua
frente, abaixa a cabeça e leva os dedos à ponte do nariz.
Ele fecha os olhos, como se buscasse controle, mas um segundo
depois, desiste e avança contra o corpo curvilíneo à sua frente.
Impulsiono-me para trás, espremendo-me contra Bruno, acreditando
que o personagem está prestes a agredir a mulher. No entanto, seus
dedos se enfiam nos cabelos dela e ele a puxa por ali, colando-a ao
seu peito e a reação da mulher não tem nada a ver com dor.
Ela geme com a boca aberta e já empinando a bunda, esfregando-
se no homem e meus olhos se arregalam. Pornô. Isso é um filme
pornô, percebo, mas não consigo desviar os olhos. O diálogo entre
eles é curto e sussurrado, mas eu não estou realmente prestando
atenção em qualquer palavra que troquem.
Não quando o homem alcança a barra do vestido vermelho e o
ergue revelando o corpo nu da loira. Os peitos são redondos e os
bicos estão eriçados. As mãos grandes e cheias de veias os alcançam
e os apertam. A reação da mulher é tão gostosa que me faz morder o
lábio e sentir meus próprios mamilos doerem. A palpitação entre as
minhas pernas passa de suave a constante em um piscar de olhos.
Bruno está em silêncio, o único som que ouço vindo dele é o de
sua respiração quente, batendo sobre o meu ombro. A imagem na
televisão imensa foca na boceta completamente sem pelos da mulher
e nos dedos do homem que agora esfregam entre os lábios. O gemido
alto dela enche a sala, assim como os sons dos dois batendo contra
móveis e paredes enquanto se empurram, atropeladamente, até um
sofá.
Ele se senta e ela se encaixa em seu colo, deixando-o entre suas
coxas e arrancando a camiseta dele antes de beijar sua boca. O
tronco do homem é musculoso e as mãos dos dois estão por todos os
lugares. Ela o apalpa por cima da calça e ele grunhe com a boca
colada a dela.
Não demora para que a câmera mude outra vez, passando a focar
na mão dele, afundando os dedos nas dobras da mulher que grita e
rebola ao erguer os quadris e ondulá-los, arrepiando-me inteira. Mordo
o lábio e prendo a respiração.
O formigamento em meu baixo-ventre começa a se espalhar pelas
palmas das minhas mãos e pela sola dos meus pés. De repente,
labaredas estão lambendo minha pele e eu estou desesperada para
que consumam minhas roupas e me deixem nua de uma vez.
O homem deita o corpo da mulher no sofá e se inclina sobre ele.
Sem delicadeza, raspa dois de seus dedos por toda a pele já
avermelhada dela até que eles sumam dentro da boceta e sejam
socados nela uma e outra vez antes de voltarem para fora,
completamente melados, e ele fazer com que ela os chupe.
Um gemido alto ecoa antes de um baixinho soar e só depois de
alguns segundos, percebo que fui eu quem gemeu baixo. Remexo-me
no sofá, sentindo minha própria excitação se transformar em
necessidade e não conseguindo desviar os olhos da boca do homem,
chupando os peitos redondos na tela ou de sua língua, rodeando os
bicos rosados, ou da expressão de prazer no rosto da mulher.
O calor do corpo de Bruno cercando o meu não faz nada para
ajudar. Pelo contrário, aumenta a expectativa de quando é que ele vai
acabar com essa tortura.
— Bruno... — choramingo baixinho e ele finalmente se aproxima.
Sua boca vai para trás da minha orelha.
— Oi, meu bem. — Somente ouvir sua voz termina de me arruinar.
— O que você quer? — pergunta num tom sussurrado e rouco. Eu
empino a bunda, esfregando-me em suas pernas abertas sem parar
de olhar para a televisão, onde agora o homem está chupando a
boceta da loira.
As mãos de Bruno se infiltram por baixo da minha blusa e alcançam
meus seios, felizmente nus sob ela. Seus dedos massacram meus
mamilos e quando eu fecho os olhos e derrubo a cabeça para trás, em
seu ombro, é impossível não imaginar que é na minha boceta que a
língua do moreno da televisão está, ou que é a minha boca chupando
a mulher arreganhada.
— Gozar, Bruno! Eu quero gozar! Me masturba, me chupa e me
fode! Me faz gozar! — peço, desesperada e já com os olhos abertos,
outra vez. Não conseguindo mantê-los afastados por muito tempo das
imagens que inundam a cobertura com sons mais do que eróticos,
enlouquecedores.
— Tudo o que você quiser, meu bem — responde, antes de afundar
os dentes no meu pescoço e abrir o botão da minha calça.
— Você se sente atraído por homens? — Milena pergunta ainda
nua enquanto estamos deitados no sofá, depois de algum tempo de
silêncio.
Seu tronco está grudado ao meu, suas pernas entrelaçadas às
minhas e seus dedos sobem e descem em um vai e vem
despretensioso pelo meu braço.
Ela reagiu exatamente como achei que reagiria ao filme,
acendeu-se no instante em que percebeu do que se tratava e, porra!
Foi uma delícia beber as reações do seu corpo. A pele arrepiando, a
respiração descompassando, os murmúrios baixos que deixaram
seus lábios, a excitação que a dominou apenas com a observação
nos primeiros minutos, antes mesmo que eu a tocasse.
Desde o momento em que a flagrei no barco, eu vinha me
perguntando como apresentar Milena ao próprio fetiche. Por mais
que eu esteja louco para vê-la se desvendar por completo, eu
também sei que certas descobertas, se não forem conduzidas
adequadamente, podem fazer mais mal do que bem.
Precisei quebrar a porra da cabeça para saber qual seria meu
primeiro passo. Caralho, eu não sou um cara que ensina. Nunca tive
paciência ou vontade para isso, no entanto, quando se trata da
mulher em meus braços, não há qualquer outra opção. Quero todas
as suas descobertas. Todas as que importam, mesmo que eu não
entenda o porquê.
— Não — respondo à sua pergunta que não me surpreende nem
um pouco.
— Quando você vê um filme... — começa, mas pausa, ficando
constrangida.
— Você não precisa ficar com vergonha, Milena. — Ela suspira.
— Isso não é estranho? — questiona. — Falar de ver outras
pessoas transarem quando nós dois acabamos de transar? Quer
dizer, não é estranho que a gente tenha transado assistindo outras
pessoas transarem?
— Pareceu estranho meia hora atrás? — pergunto atento aos
seus olhos e ela nega com um aceno. — Pareceu estranho quando
você viu o Arthur? — Ao me ouvir falar sobre isso longe de qualquer
neblina sexual, as bochechas de Milena ficam extremamente
vermelhas, mas ela balança a cabeça, negando outra vez. —
Pareceu estranho no barco, quando você se masturbou, se
imaginando na cena?
— Co-como vo — começa a perguntar, mas meu inclinar de
cabeça é resposta mais do que suficiente e ela afunda o rosto em
meu peito, escondendo-se de mim. Engulo a risada baixa e levo a
mão até o seu rosto. Prendo seu queixo entre meus dedos polegar e
indicador, forçando-a a olhar para mim.
— Foi gostoso? Você gozou? — Meu tom é baixo e meu pau já
ensaia ficar duro outra vez. Ela me responde com outro aceno, mas
dessa vez, quero ouvir sua voz. — Foi gostoso? Você gozou? —
repito a pergunta, deixando claro com o tom o que espero. Seus
cílios tremem e ela expira pelo nariz pouco antes de soprar pela
boca.
— Foi muito gostoso e sim, eu gozei.
— Então por que seria estranho, meu bem? Se é gostoso, se te
dá prazer, se é consensual e não é criminoso, então você não tem
porquê se envergonhar.
— Não foi exatamente consensual... Eles não sabiam que eu
estava vendo... — externa sua preocupação inocente.
— Meu bem, eles estavam transando ao ar livre na porra de uma
festa, eles sabiam que alguém os veria, os escutaria, simplesmente
não se importaram. — Ela morde o lábio, pensativa. A dilatação das
suas pupilas deixa clara a excitação que as imagens povoando seus
pensamentos causa. — Isso te excita? A ideia de se exibir? — Sua
respiração falha e eu deslizo o polegar devagar pela bochecha
avermelhada.
— Talvez.
— E mulheres? A ideia de tocar e ser tocada por elas. Te excita?
— As palavras são mais uma vez colocadas de lado e ela apenas
acena, concordando.
— Isso quer dizer que eu sou bissexual?
— Não necessariamente. Pode ser que o que te excita seja a
situação como um todo.
— Mas eu... — Pausa e desvia os olhos momentaneamente.
Chupo seu lábio, chamando sua atenção para que termine a
pergunta. A satisfação de tê-la buscando respostas em mim é tão
gostosa quanto a de me afundar em sua boceta apertada e, ainda
assim, completamente diferente. — Eu me imaginei. — Morde o
lábio sem terminar a frase.
— Se imaginou...? — Afunda o rosto em meu peito outra vez,
deixa um beijo nele, mas antes que eu precise recuperar seu olhar,
ela o traz para mim voluntariamente.
— Eu me imaginei chupando-as... E sendo chupada.
— Na cena ou fora dela?
— Na cena.
— E quando você vê uma mulher que acha bonita, no dia a dia,
tem pensamentos sexuais sobre ela?
— Não. Nunca.
— E homens? — Sua voz falta e eu acho graça. — Responde,
Milena.
— Às vezes... — Assinto.
— Bom, eu não tenho propriedade pra te responder sobre os
seus próprios desejos, mas acho que o que você sente está muito
mais ligado às situações do que às pessoas. Nós podemos testar,
se você quiser.
— Testar? Você quer dizer...
— Eu. — Beijo sua boca. — Você. — Chupo seu lábio inferior. —
E uma outra mulher... — Chupo o lábio inferior.
— Um ménage?
— Só se você quiser... — ressalto.
— Eu não sei...
— Ninguém tá com pressa, meu bem. Você tem a vida toda. —
Seus olhos azuis estão totalmente concentrados nos meus quando
ela assente para as palavras que, de alguma maneira, tem gosto de
promessa.
Apoio a bochecha na palma da mão e pisco os olhos, precisando
lembrar a mim mesma de prestar atenção no indivíduo barrigudo sobre
o tablado, vestido de jeans e camisa polo pelo que deve ser a quinta
vez nos últimos três minutos. A sala de aulas é pequena, as cadeiras
universitárias reluzem, parecendo terem acabado de sair da loja e no
quadro branco não há nada escrito além da data de hoje e um nome.
Olho para o lado e a mulher sentada a duas carteiras de distância
está com fones de ouvido, assistindo a um vídeo no celular apoiado
sobre a mesa, não dando qualquer importância para o que está sendo
dito pelo instrutor da autoescola. Não a julgo, estou a um passo de fazer
o mesmo. Meu pai! Que coisa chata e inútil.
O homem está há vinte minutos contando causos da própria vida,
como se o motivo de as quinze pessoas presentes na sala estarem aqui
fosse esse, e não aprender a teoria de direção defensiva. Eu sabia que
as aulas teóricas seriam chatas, mas não imaginei que também seria
uma grande perda de tempo. No entanto, essa é só a primeira e eu já
estou sofrendo.
A vibração do celular no bolso dos shorts é bem-vinda. Qualquer
distração me seria útil neste momento, até mesmo uma mensagem da
operadora de telefonia. Enfio a mão o bolso, embora satisfeita com
qualquer que seja o motivo da vibração, ansiosa para uma específica e
quando a tela se acende, exibindo as notificações, eu não me
decepciono. Bruno.
Meu corpo reage tanto quanto a minha mente. Se a segunda se
torna quase eufórica, o primeiro vibra em expectativa pelo que a
mensagem dirá. Assistir a um filme foi o primeiro programa que fizemos
sem nenhuma razão além da companhia um do outro, mas não último.
Na verdade, desde aquela noite em seu apartamento, quatro dias atrás,
só não nos vimos foi ontem, porque Bruno tinha uma reunião fora da
cidade.
Digito uma mensagem dizendo que quero vê-lo, mas apago. Não
pela primeira vez, desejando isso, mas não sabendo se tenho esse
direito. Na verdade, sabendo que não tenho.
Quanto mais próximos Bruno e eu nos tornamos, maior o medo de
estar interpretando tudo errado se torna. É um saco não saber se estou
sendo estúpida, inexperiente, ou uma estúpida inexperiente. Será que
todas as relações casuais de Bruno são assim? Porque eu não me sinto
como achei que me sentiria sendo só mais uma das suas relações.
Ou será que ele decidiu aproveitar nosso status incomum e está
agindo diferente da maneira como costuma conduzir seus
relacionamentos porque temos um prazo de validade e regras bem
estabelecidas?
Ou, será... Uma vozinha intrometida na minha cabeça começa a
sussurrar uma terceira opção, mas eu a calo. Não. Não mesmo. Forço-
me a lembrar das palavras tão categóricas de Bruno, um mês atrás:
esse não é o tipo de coisa que ele faz e eu não posso me esquecer
disso.
As pessoas começam a se movimentar ao meu redor e só então me
dou conta de que o tablado agora está vazio. A aula acabou enquanto
minha mente divagava. Passei mais de uma hora em meio a debates
internos. Balanço a cabeça, negando. Eu realmente preciso parar com
isso.
Pego a bolsa pendurada no encosto da carteira à minha frente,
guardo o pequeno livro encadernado com o conteúdo das aulas e saio
da sala determinada a passar as próximas horas pensando em qualquer
coisa que não seja Bruno. Qualquer coisa mesmo.
No entanto, minha determinação é nocauteada quando ao colocar os
pés para fora da autoescola, encontro o corpo musculoso, de pele
bronzeada, vestido por um dos ternos que tantas vezes me fez precisar
limpar a baba, encostado ao carro, com os braços cruzados, esperando
por mim. E o mais indecente de toda a imagem é o seu sorriso.
— O que você está fazendo aqui?
— Achei que era minha responsabilidade moral te ajudar a se
recuperar da tortura, já que você se recusa a abrir mão dela.
— Responsabilidade moral, é? — pergunto quando seus braços se
esticam, puxando meu corpo na direção do seu.
— E talvez eu estivesse com saudade dessa sua boca gostosa. — A
declaração faz meu peito vibrar e as dúvidas, tão cuidadosamente
contidas nele, se agitarem com o tremor.
— Isso soa mais como você — acuso antes de beijar sua boca,
satisfazendo meu mais novo vício: seu gosto.
— Almoça comigo? — pede, roçando o nariz em minha pele,
aspirando meu cheiro, deixando-me louca com sua presença, com suas
carícias, com sua existência.
— Onde?
— Onde você quiser.

— Sua obsessão é por comida italiana ou por esse restaurante, em


particular? — Bruno pergunta quando nos sentamos à mesa do
Capparellos.
— Eu não sou obcecada!
— Senhorita Milena! Que bom recebê-la novamente. — Marco, o
gerente do restaurante, para ao lado da nossa mesa, arruinando minha
negativa. Bruno se recosta em sua cadeira e cruza os braços na frente
do corpo, sorrindo como um gato que acabou de capturar um
passarinho.
— Oi, Marco! Tudo bem?
— Tudo ótimo! E sua mãe? Como vai? Seu irmão? — Conforme o
homem vai fazendo perguntas, a sobrancelha arqueada de Bruno vai
alcançando patamares mais altos em sua testa e eu me pergunto se,
caso continuemos assim, ela alcançará as raízes de seus cabelos.
— Todos bem, Marco. Obrigada por perguntar.
— Ótimo! Um garçom já virá atendê-los. — Se despede de Bruno
com um aceno e de mim com um sorriso.
— O que você ia dizendo? — indaga debochado e eu bufo.
— Você que me apresentou ao restaurante. E você disse que
poderíamos ir aonde eu quisesse.
— E isso te exime da obsessão por quê...
— Eu não tô obcecada! Pode ser que eu tenha trazido minha mãe e
meu irmão aqui três ou quatro vezes nas últimas semanas, ou que eu
tenha vindo aqui algumas outras só pra comprar tiramissu[17]... Mas é
que é tão bom... — Fecho os olhos e gemo ao lembrar o sabor da
sobremesa.
— Três ou quatro? — desconfia.
— Tudo bem, cinco — admito, mas seus olhos continuam do mesmo
jeito. — Cinco! — exclamo e ele sorri imenso.
— Só checando... — Ergue as mãos em um sinal de rendição e dá
uma piscadinha. — Deixa eu adivinhar? Você vai pedir o mesmo prato?
— Você também pede sempre o mesmo prato! — acuso.
— Isso não vem ao caso. — Dispensa meu argumento com um
aceno e eu reviro os olhos antes de rir da nossa bobeira.
Meus olhos o espiam enquanto ele analisa a carta de vinhos. O frio
na barriga, cada vez mais recorrente na sua companhia, marca uma
presença quase sólida esta tarde. Eu queria vê-lo e ele veio, porque
queria tanto quanto eu, mesmo que nenhum de nós dois tenha dito algo
a respeito. Eu estou procurando pelo em ovo? Talvez. Porém esta tarde,
decido afastar as dúvidas e apenas aproveitar.
A mesa em que estamos sentados fica ao lado da janela e lá fora,
um carro passa tocando a música “Plano perfeito”[18] num volume
altíssimo. É impossível não acompanhar a batida gostosa. Só percebo
que fui além e cantarolei quando Bruno apoia o cotovelo sobre a mesa
e o queixo na palma da mão para me observar com mais atenção.
— Desculpa. Eu não sou uma boa cantora — peço, constrangida.
— Combina com você.
— O quê? Não ser uma boa cantora?
— A letra da música. “Quanto mais eu te quero, mais trabalho cê me
dá.” — repete um trecho e nos encaramos em silêncio por alguns
segundos, cada um lidando com os efeitos que sua afirmação causou
em si mesmo.
— Tá reclamando que eu to te dando muito trabalho? — provoco. —
Será que a idade tá cobrando o preço.
— É... — Franze o nariz antes de dar um aceno curto com a cabeça.
— Continua me provocando e nós vamos ver a idade de quem vai ser
um problema quando eu decidir que vou te foder na porra do banheiro.
— A sugestão faz meus olhos brilharem com as imagens criadas e eu
lambo os lábios. — Talvez eu foda mesmo, afinal — diz, entendendo
completamente certo a minha reação e muda de assunto. — Eu achei
que você era da MPB.
— Você sabe que eu gosto de dançar. — Solto os cabelos, presos
em um rabo de cavalo, apenas para prendê-los outra vez. Os olhos de
Bruno acompanham cada segundo do movimento.
— Eu sei.
— Eu tenho um gosto... — Paro pensando um pouco a respeito da
palavra e rio, antes mesmo de dizer, porque ela me parece um pouco
ridícula. — Eclético! Sou louca pra ir ao Rock in Rio. Qualquer dia pra
mim servia, fosse dia de Ivete Sangalo ou de Metálica!
— Metálica? Você gosta de Metálica?
— Não como uma fã, mas é o Rock in Rio! — Minha afirmação
empolgada arranca uma gargalhada de Bruno.
— Certo — diz e o garçom chega à mesa e leva nossos pedidos.
— Vou fazer uma viagem rápida amanhã — avisa e eu tento impedir
que a decepção se espalhe por todo o meu rosto. É uma sensação sem
sentido, mas, ainda assim, não consigo evitá-la. — Volto no domingo à
tarde. — Assinto e ele continua: — À noite tem um evento na
Carmesim, um DJ e uma banda internacionais estarão lá. O que a
senhorita eclética que gosta de dançar acha? Quer ir? — Fácil demais.
Ele me faz sorrir fácil demais.
— A senhorita eclética que gosta de dançar quer muito ir!

— Eu vou pensar no que quero em troca e te aviso — Bruno fala no


momento em que passamos pela porta do restaurante, chegando à
calçada.
Inclino a cabeça e franzo o cenho. Olho para os lados e para trás,
conferindo se ele não poderia estar falando com outra pessoa, mas seu
olhar nunca desviou do meu.
— O quê?
— Por te apresentar à sua nova sobremesa favorita — diz,
apontando para a sacola de papel em minha mão em que está um
pequeno estoque de Tiramissu. — Talvez eu também queira uma
recompensa por ter te apresentado seu restaurante favorito. — A
audácia do homem me faz gargalhar.
— Primeiro: você não me apresentou ao tiramissu, eu já conhecia a
sobremesa, só nunca tinha comido um tão gostoso e não comi no dia
em que vim com você, comi depois. Além disso, teria sido uma honra!
Você não pode me cobrar por isso! — Aquele sorriso indecente toma
conta da sua boca antes de ele a aproximar da minha orelha.
— Tudo pode ser cobrado em favores sexuais, Milena — sussurra
antes de plantar um beijo perturbador atrás dela. Estou pensando em
como lhe responder, quando meu celular vibra em meu bolso.
Acenando negativamente com a cabeça, eu o alcanço. A palavra
mãe e a foto de dona Daise estão acesas na tela e eu atendo à
chamada antes de levar o aparelho até a orelha não provocada por
Bruno.
— Oi, mãe — digo, parando no meio fio, de frente para a SUV de
Bruno que já espera por nós. Quando percebe que não vou entrar, ele
também não o faz. Encosta o ombro no vidro do carro e enfia as mãos
nos bolsos da calça. — Não recebeu minha mensagem? Fiz um desvio,
não vo...
— Milena, você precisa vir pra casa. Aconteceu...
— O que aconteceu? — Toda a leveza que eu sentia se esvai em um
segundo e meu sangue gela nas veias. A postura relaxada de Bruno
também é substituída por coluna reta e braços cruzados na frente do
peito. Seus olhos se focam em mim imediatamente. — A senhora está
bem? Está passando mal? Já chamou a ambulância? — disparo uma
pergunta depois da outra, mal respirando entre as palavras.
— Eu estou bem! Não me aconteceu nada. — Apressa-se em
explicar e meus ombros caem quando o alívio me inunda.
— Poxa, mãe. Não faz isso não — peço, contrariada.
— Minha filha, você não me deixou falar. Eu nunca disse que o
problema era eu. Aconteceu alguma coisa, mas foi com seu irmão.
— O que o Gabriel aprontou, mãe? A escola ligou?
— Você quer fazer o favor de se acalmar e me escutar? Mas que
coisa! — briga comigo, falando alto. Eu afasto o celular da orelha e
Bruno morde o sorriso que brota no canto da sua boca. Estreito os olhos
para ele. — Seu irmão não fez nada. Ele foi abordado por um repórter
na rua, queria saber de você. É melhor você vir pra casa conversar com
ele — diz ainda no tom de voz alterado e mudança na expressão facial
de Bruno me diz que ele também ouviu.
— O quê? — pergunto, não conseguindo acreditar no que acabei de
ouvir.
— Milena, vem pra casa. Conversamos quando você chegar —
afirma e eu concordo antes de me despedir e desligar o telefone.
— Você pode me deixar em casa? — peço a Bruno que tem o cenho
franzido. Ele treme os lábios e ergue uma sobrancelha, dispensando
meu pedido.
— Pelo amor de Deus, Milena. Eu não vou só te deixar em casa, eu
vou até lá com você!

— Como foi que você conseguiu pensar em resistir a esse homem?


— minha mãe cochicha na minha orelha quando passa por mim, no
corredor de acesso aos quartos. Abro a boca para dizer algo, mas, no
fim, me recuso. Apenas estreito os olhos em uma careta de reprovação.
Bruno está na minha casa, no meu sofá, conversando com o meu
irmão. É bem verdade que o fato de ter sido ele a escolher esse
apartamento torna as coisas menos esquisitas, ou mais, dependendo
do ponto de vista. Não vou pensar nisso agora. O fato é que não houve
santo que o convencesse de que não havia necessidade de vir até aqui.
O homem colocou na cabeça que conversaria com Gabriel e aqui
estamos.
Assim que chegamos, mesmo sem entender o que estava
acontecendo, meu irmão contou que foi abordado por um paparazzo
quando voltava da escola. O homem lhe ofereceu dinheiro em troca de
algumas informações a meu respeito e chegou a dizer que se Gabriel
lhe dissesse por onde eu costumava andar em que dias e horários,
poderia pagar mais.
Por sorte, meu irmão é irritante, mas não é idiota. Mesmo sem
entender os motivos por trás daquilo, já que seu mundinho adolescente
não tinha ideia dos últimos acontecimentos da minha vida, ele mandou
o jornalista “se foder”, em suas palavras, e correu para casa.
A cara do meu irmão ao ver Bruno, entrando no apartamento com
seu ar de dono do mundo embrulhado num terno sob medida foi
impagável. Só não melhor do que a da minha mãe, que não para de
olhar para o homem com aquele olhar de mãe. Meu pai, que situação!
Meu namorado de mentira se apresentou exatamente assim para
Gabriel, exceto pelas últimas duas palavras. Meu irmão procurou meu
olhar, buscando uma confirmação que eu dei na forma de um aceno
positivo. A maneira como ele me olhou depois disso me disse que
precisaríamos conversar sobre o assunto em algum momento próximo.
Bruno lhe perguntou sobre a aparência do homem, quis saber cada
palavra trocada, o lugar e horário da abordagem e se em algum
momento o homem se identificou como algo além de jornalista, se havia
dito, por exemplo, para que jornal ou revista trabalharia. Infelizmente,
Gabriel não tinha a maioria das respostas. Ele simplesmente não fazia
ideia de que deveria ter se atentado àquelas perguntas enquanto a
situação se desenrolava, e quem poderia culpá-lo? Eu, certamente,
não.
E, agora, depois de tomar café, comer bolo, biscoitos, conversar com
minha mãe, ver fotos da minha infância e até fazer umas queixas sem
pé nem cabeça a meu respeito para ela, Bruno está sentado ao lado de
Gabriel, conversando com ele sobre o que quer que eles tenham em
comum.
Honestamente, eu não sei como me sinto. Isso parece tão absurdo
que é quase irreal. Bruno, o cliente das sete e quinze, com quem eu
passei praticamente o último mês inteiro transando, está na minha casa.
Tenho quase certeza de que minha mãe acabou de dizer que ele é um
puta gostoso, e não importa quantas vezes eu pisque ou aperte os
olhos, a imagem continua firme ao invés de se desfazer feito fumaça,
como era de se esperar.
O que é completamente inesperada é a gargalhada escandalosa que
irrompe pela minha garganta, interrompendo a conversa que Gabriel e
Bruno tinham quando ambos se viram em minha direção, e fazendo
com que minha mãe coloque a cabeça para fora do quarto. Uso uma
das mãos para cobrir a boca, escondendo-a e abafando a risada que se
recusa a acabar.
— Desculpe! — peço de maneira quase incompreensível e ando de
costas, quase corro, na verdade, até a porta do meu quarto, enfiando-
me nele. Fecho a porta e abro a boca. A risada corre solta, alta,
imparável. Estou ficando louca, só pode.
Jogo o corpo na cama e deixo que a risada se liberte, rolando no
colchão, sentindo as lágrimas escorrerem pelos cantos dos olhos, a
barriga começar a doer e até mesmo babo. A porta do quarto é aberta e
eu ainda não consigo parar.
Vejo Bruno entrar, fechar a porta atrás de si e se recostar nela com
um sorriso no rosto e mesmo isso não é o suficiente para pôr fim à
minha crise de risos. São necessários vários minutos e várias tentativas
falhas de recuperar o controle sobre mim mesma até que eu finalmente
possa respirar direito e sem interrupções.
— Passou? — pergunta e eu me sento na cama, limpando mais
algumas lágrimas teimosas.
— Isso é tão absurdo — explico e minha voz sai estranha.
— O que exatamente? — Ainda não se aproxima e eu ergo o braço
em sua direção.
— Você, aqui. Acho que se estivéssemos na minha casa de verdade
eu ainda estaria rindo.
— Sua casa de verdade?
— Na sé. — Uma ruga surge entre suas sobrancelhas antes que ele
concorde e erga os olhos, passando a observar meu ambiente com
atenção.
Não há muito o que ver, considerando que estou aqui há algumas
semanas e o quarto já estava mobiliado. Comprei alguns objetos
decorativos, roupa de cama que me agradasse, mas nada que
realmente fale sobre mim. E mesmo que houvesse, Bruno acabou de
ver minhas fotos de quando eu era um bebê. O que eu teria de mais
constrangedor no meu quarto do que uma foto minha com as pernas
abertas, exibindo minhas calças completamente encharcadas de xixi e
com uma mancha marrom de cocô?
Eu realmente não sei o que há de errado com a minha mãe. Quem
exibe uma coisa dessas por aí? A um desconhecido? Um que ela sabe
que está transando com a filha? Qual é o objetivo? O riso ameaça voltar
à minha boca e eu balanço a cabeça, negando e impedindo o som e o
descontrole, mas não o torcer dos meus lábios.
— Se nós estivéssemos no seu “quarto de verdade”. — Faz sinal de
aspas com os dedos ao dizer as três últimas palavras. — O que eu
veria? — Bruno me alcança na cama em três passadas largas e se
senta ao meu lado. Eu sorrio ao pensar no quarto onde vivi os últimos
dezenove anos da minha vida.
— Uma beliche de madeira clara arranhada e cheia de marcas... —
Pauso, observando dentro da minha própria cabeça a imagem, mas ele
interrompe antes que eu continue.
— Que tipo de marcas?
— Todo tipo de marcas. — Rio, pensando no estado deplorável do
móvel, que apesar disso, se mantinha firme. — De tempo, de
brinquedos para os quais a madeira serviu de autopista, de coisas que
foram arremessadas contra ela ou caíram em cima dela, iniciais de
paixonites adolescentes dentro de corações...
— Iniciais de paixonites adolescentes? — me interrompe — Minhas
iniciais estão lá? — Se diverte com a perspectiva.
— Eu disse adolescente! — Viro o rosto em sua direção,
protestando.
— Não faz tanto tempo assim, faz? — Ele tem uma expressão
vitoriosa no rosto, satisfeito pela oportunidade de retribuir minhas
piadinhas sobre sua idade na mesma moeda.
— Certo — digo baixo e balanço a cabeça. — Você está certo... Eu
acabei de sair da adolescência... Não devia estar transando com
homens velhos o suficiente pra dizer algo assim com ironia, né? — Ele
bufa e desvia os olhos. Eu gargalho.
— E o que mais?
— Uma cômoda com uma gaveta faltando — continuo, ainda entre
risos. — Um teto com muitas manchas de infiltrações.
— Você não está me contando as coisas boas. O que mais? Eu
quero as vergonhas. O que eu veria nas suas paredes?
— O que faz você pensar que teria coisas vergonhosas para serem
vistas? — Sua resposta é uma cara debochada e eu estalo a língua. —
Talvez houvesse alguns pôsteres nas paredes...
— Talvez?
— Tudo bem... Definitivamente, há alguns pôsteres nas paredes!
— De quem? — Aquele sorrisinho maldito está me provocando.
Lambo os lábios e desvio os olhos.
— Donedirection — falo baixo e rápido e o som que arranha a
garganta de Bruno deixa muito claro que ele não entendeu, mas, ainda
assim, ele pergunta.
— De quem?
— Do One Direction! — Dessa vez, falo em alto e bom som.
— Boyband! É claro!
— O que você quer dizer com “Boyband, é claro!”? — pergunto
imitando sua voz ao repetir suas palavras e ele joga a cabeça para trás
em uma gargalhada irritantemente gostosa. — O quê? — reforço a
pergunta quando não recebo uma resposta.
— Nada, meu bem. — Inclina o pescoço, focando os olhos
sorridentes em mim, traz a mão até minha bochecha e acaricia. — Eu
só... Eu tinha essa impressão.
— Que impressão? — inquiro desconfiada.
— Não importa — diz já levantando.
— Bruno, que impressão? — Levanto-me também e ele enlaça
minha cintura, puxando meu corpo na direção do seu.
— Não importa. — O maldito me beija sem se importar que, do outro
lado da porta, estejam minha mãe e irmão. Toda a merda é que quando
sua língua invade minha boca, eu também não me importo. Nem com
isso, nem com a maldita impressão de que ele disse ter. Aliás, de que
impressão eu estou falando?
Rio de mim mesmo quando meu primeiro pensamento ao olhar
para a cor do mar são os olhos de Milena e o segundo, que preciso
tirar uma foto desse lugar e enviar para ela. Mais do que isso, me vejo
desejando que ela estivesse aqui para que eu pudesse ver a
expressão de deslumbramento em seu rosto, aquela assumida por ele
todas as vezes que Milena descobre uma coisa nova. Estou me
descobrindo viciado nela.
Com a prancha sob o braço, faço meu caminho do estacionamento
até a faixa de areia da Praia da Joaquina. Sempre que venho a
Florianópolis, passo por aqui.
— Grande Bruno! — Viro-me, surpreso por ser encontrado por um
conhecido mesmo estando tão longe de casa. A surpresa se torna
ainda maior quando descubro de quem se trata.
— Mário Alberto? — O nome sai com entonação de pergunta,
mesmo que eu não tenha dúvidas de que se trata do homem. Inclino o
pescoço, rapidamente fazendo um apanhado geral de sua imagem
que parece exatamente a mesma desde a última vez que o vi. Quanto
tempo faz? Dois anos? Três?
— Em carne, osso, bronzeado e água salgada. — Finco a prancha
na areia e abraço o velho conhecido. O homem de cabelos, barbas e
olhos escuros costumava ser um bom adversário dentro do mar. —
Trabalho ou lazer? — pergunta quando nos afastamos.
— Trabalho e um pouquinho de lazer — respondo e ele balança a
cabeça com um sorrisinho que diz muito em seu rosto, principalmente
quando suas próximas palavras são tão específicas.
— Fica até quando?
— Amanhã à tarde. E você? Trabalho ou lazer? — Cruzo os braços
e apoio as palmas das mãos nos cotovelos.
— Na verdade, me mudei pra Floripa há seis meses.
— Porra, jura? — A notícia realmente me pega de surpresa,
ninguém comentou e as pessoas sempre comentam.
— É... As coisas estavam complicadas em São Paulo. — Ergo uma
sobrancelha, começando a entender onde ele quer chegar e por que
ninguém comentou.
— Negócios ou prazer? — repito a pergunta já feita anteriormente,
agora com um contexto completamente diferente.
— Digamos que eu tenha misturado os dois.
— Não costuma mesmo ser uma boa ideia.
— Não foi. — Apesar da seriedade do assunto, seu tom é
brincalhão e ele tem um sorriso ao dizer isso. Mario passa as mãos
pelos cabelos e ri.
Por dois segundos, considero pedir detalhes, no entanto, decido
que se ele estivesse disposto a dar, eu não precisaria pedir.
— Surfando? — Não vejo sua prancha em qualquer lugar. Ele
aponta para alguns metros à nossa frente, fincada na areia, a
preciosidade que eu já conheço. A prancha preta, fabricada em
Carbono enche os olhos de qualquer surfista que se preze.
— Como está o mar hoje?
— Gordo[19].
— Do jeito que gostamos, então.
— Isso aí! — Assente e começamos a caminhar na direção da
água. — Planos pra hoje à noite? Um amigo meu vai dar uma festa —
sugere, fazendo-me pensar sobre o convite.
Os pensamentos provocados não são sobre a possibilidade de ir ou
não, mas sobre o fato de que desde que ele insinuou algo assim
quando me perguntou sobre quanto tempo duraria minha estadia, eu
já tinha certeza da resposta que daria a essa pergunta.
— Hoje não vai rolar. Já marquei um compromisso. — Pisco para
ele e dou de ombros. O compromisso? FaceTime com Milena até que
ela adormeça diante dos meus olhos. Eu deveria me preocupar que
essa tenha sido uma escolha tão fácil, que o convite de Mario sequer
tenha se mostrado uma opção mais interessante que ver Milena
através de uma tela, na verdade.
Eu deveria, mas, ao invés disso, corro para o único lugar que
sempre foi capaz de me fazer esquecer o caos que habita minha
cabeça matemática, o mar. Ou, pelo menos, costumava ser o único,
até pouco mais de um mês atrás.

— É curioso que eu consiga encontrar com vocês com muito mais


frequência quando estou viajando do que quando estou em casa —
comento, mas nem minha mãe nem meu pai dão muita importância às
minhas palavras.
Sentados à mesa no restaurante do hotel onde estão hospedados,
ambos me olham assustadoramente focados. Recuo as costas
levemente, recostando-me, e inclino a cabeça quando começo a
desconfiar dos motivos desse hiperfoco.
— O que está acontecendo?
— Nós queremos conhecê-la. — surpreendentemente, mas não
tanto assim, a frase sai da boca do meu pai e eu termino de me largar
sobre a cadeira quando bufo. É claro que eles querem, até demorou.
Porra! Como é que eu não vi isso chegando?
— Nós esperamos, achamos que era algum caso passageiro, mas
já faz quase um mês agora! E vocês aparecem juntos o tempo todo.
Meu alerta do google pro seu nome mostra fotos novas, em lugares
diferentes, todos os dias, Bruno! Não pode ser só mais um caso,
certo? — A maneira como minha mãe argumenta e faz a pergunta soa
quase esperançosa e eu esfrego as mãos no rosto.
Mesmo sem querer, a imagem de Milena tendo uma conversa
cotidiana com meus pais surge em minha mente. Eles a mimariam pra
caralho. Meus pais sempre quiseram uma filha menina, mas também
sempre quiseram ter apenas um filho. Quando fui eu a nascer, eles
tiveram que fazer uma escolha. Uma que resultou na expectativa de
que, no futuro, eu satisfaria suas vontades. Pergunto-me o que fariam
com elas se eu fosse gay. Ou se você não tivesse a intenção de se
estabelecer num relacionamento a longo prazo, o que ainda é o caso,
certo, Bruno?
A pergunta é um sussurro interior inesperado. Porra. É óbvio que
ainda é o caso! Milena é... Milena é... Como a porra de uma
inspiração profunda depois de muito tempo sem respirar. Ela é alívio
e, ao mesmo tempo, frenesi. Ela é a novidade bonita daquilo que é
comum, ela é... Boba, ri de tudo, ela...
Rio sozinho quando todas as palavras que encontro para a
descrever são mais do que isso. São seus gestos, seus hábitos. São
as coisas pequenas que já me peguei observando-a fazer um milhão
de vezes, como lavar os talheres descartáveis antes de usá-los,
devorar sobremesas em tempo recorde ou soprar a mecha de cabelo
que sempre cai na frente dos seus olhos, ao invés de tirá-la com uma
das mãos.
— Ela é uma amiga, mãe.
— Amiga? — A decepção na voz do meu pai é quase palpável e eu
ergo as sobrancelhas antes de soltar um suspiro.
— Vocês não parecem amigos nas fotos que andei vendo — minha
mãe insiste, olhando-me acusadoramente, dizendo, em silêncio, que
sabe que estou mentindo.
— Se você precisa de uma descrição mais abrangente, tudo bem.
Somos amigos com benefícios, mãe. Nada além disso. — Seus
ombros caem com a minha explicação e ela troca um olhar
significativo com meu pai. Balanço a cabeça em uma negativa curta
para mim mesmo. — E então? Qual será o próximo destino de vocês?

Davi estaciona o carro em frente ao condomínio de Milena e eu não


consigo me manter dentro dele. Salto para fora, decidido a esperá-la
na calçada, mas no momento em que a mulher pequena cruza a
portaria, meu corpo é empurrado contra a lataria do carro. Mordo o
lábio antes de abrir a boca sem ter a intenção de dizer nada para
ninguém além de mim mesmo.
Se eu tinha alguma esperança de que a palavra obsessão fosse
um exagero para se referir à forma como me sinto sobre Milena, sobre
sua companhia, ela vai para o ralo no instante em que apenas a vê,
depois de poucos dias distante, parece roubar meu ar.
— Oi — é a única coisa que diz antes de assaltar minha boca sem
me dar tempo de respondê-la. A língua de Milena procura a minha
com uma fome que eu entendo muito bem, porque é a mesma que
estou sentindo. Puta que pariu!
Foi preciso uma dose cavalar de autocontrole para que vê-la não
fosse a primeira coisa que fiz assim que o avião pousou. Repetindo
para mim mesmo que essa era uma atitude irracional, uma vez que eu
a veria esta noite, busquei Buzz em seu tutor, levei-o para casa,
trabalhei por algumas horas, a maior parte delas, alternada entre
realmente fazer algo produtivo e me perguntar por que caralhos eu
estava me segurando.
— Sentiu minha falta, linda? — pergunto com a boca ainda colada
à sua, sentindo seu cheiro gostoso pra porra, acariciando seus
cabelos, bebendo sua companhia.
Uma resposta divertida cruza seu olhar, mas Milena morde o lábio e
assente uma confirmação.
— Muita. — Uma palavra tão pequena não deveria me atingir com
tanta força. Os cílios longos e escuros tremem quando ela abaixa os
olhos. Apoio os dedos indicador e médio sob seu queixo, trazendo seu
olhar para o meu.
— Eu estava louco pra tocar você. — Beijo cada uma das suas
pálpebras fechadas e o sorriso que se espalha em seus lábios é mais
uma martelada no peito. — Da próxima vez, eu vou sequestrar você.
— Talvez eu vá de bom grado. — Enlaça meu pescoço com os
braços, arrancando-me um sorriso imenso também.
Passo alguns segundos apenas olhando para o rosto pouco
maquiado de sobrancelhas grossas e lábios desenhados. Roço o nariz
em sua bochecha, sem conseguir controlar e puxo seu corpo contra o
meu, querendo a sensação de senti-la em meus braços. Antes que eu
possa me impedir, estou a beijando, outra vez. Devagar, gostoso, sem
pressa até que nós dois comecemos a perder o controle bem no meio
da porra da calçada.
— Nós devíamos entrar no carro antes que eu perca o controle e
decida te comer bem aqui, Milena. — O brilho em seus olhos, como
todas as vezes que sugiro algo exibicionista, não é uma recusa, pelo
contrário. É curiosidade. Eu rio antes de lamber os meus lábios e os
dela e me afastar. Talvez um dia, mas hoje não.

Escapar das investidas de Milena dentro do carro foi a porra de


uma tortura e eu realmente deveria ser considerado alguma coisa por
ter resistido tão bravamente. Tenho planos para esta noite e não quero
furar sua expectativa por uma rapidinha, mesmo que ela não tenha
feito qualquer questão de esconder sua frustração por não receber o
que queria. Ela terá sua primeira foda sobre quatro rodas, só não será
hoje.
— Você fica fofa quando está chateada por não ter sido bem
comida — sussurro em sua orelha assim que entramos na Carmesim
e ela dispara à minha frente, misturando-se à multidão e me deixando
para trás.
Acho graça, apesar da dor nas bolas. Contudo, sei que assim como
o mau humor de Milena, ela será deixada de lado muito em breve. É
impossível não prender os olhos à bunda pequena e redonda dela,
balançando a cada passo e eu não sou o único a apreciar a vista. No
entanto, quando ela interrompe os próprios passos e se vira, é para
mim que olha, irritada ou não.
Meus olhos beijam sua pele, aproveitando cada centímetro
delicioso, sem pressa. O vestido de seda é verde escuro e curto,
cobrindo somente metade das suas coxas. O decote em V
transpassado é perfeito para o que eu tenho em mente, seus saltos
altos a deixam na altura perfeita para ser fodida de pé e pela forma
como as alças finíssimas do vestido se cruzam em suas costas nuas,
tenho certeza de que Milena está sem sutiã, de novo.
Coloco todo o peso do corpo sobre uma perna, enfio as mãos nos
bolsos e permaneço parado no mesmo lugar por uns segundos,
apenas olhando para ela, devorando-a e deixando que ela saiba disso.
Seu colo esquenta, seus lábios entreabrem e seus cílios tremem,
arruinando a expressão malcriada que ela sustentava. Só então,
aproximo-me.
Meus passos são lentos, predadores. Quando a alcanço, ela
imediatamente rodeia meu pescoço com os braços e eu à sua cintura.
Enfio a mão sob a saia solta de seu vestido e ignorando todas as
pessoas ao nosso redor, acaricio sua bunda antes de apertá-la.
— Paciência, meu bem. — Roço os lábios pela sua orelha. —
Prometo que vai valer a pena. — Deixo um beijo ali, sabendo que isso
vai arrepiá-la.
As caixas de som martelam as paredes com uma música sensual e,
movendo apenas a mão que não está agarrada à bunda gostosa de
Milena em um gesto que além de bom pra caralho, deixa evidente
para todos ao nosso redor que eles podem cobiçar a vontade,
contanto que não toquem sem pedir permissão, agarro seus quadris e
começo a nos mover em um rebolado lento.
Milena revira os olhos, mas rapidamente se entrega à dança e,
minutos depois, esquece que estava chateada e me beija,
completamente perdida em mim, exatamente como eu estou nela.
O suor está escorrendo pelas minhas costas quando Bruno e eu
entramos no camarote. A gargalhada que eu dava é substituída por
um som de surpresa quando o encontro vazio.
— Onde estão os rapazes?
— Hoje somos só nós dois. — A maneira como diz as palavras
me faz lamber os lábios.
Ele caminha até o bar e assim que recebe as bebidas escolhidas
diz algo para a atendente em um tom baixo demais para que eu
possa escutar, mesmo que eu esteja prestando atenção.
A mulher sorri, educada, antes de organizar sua bancada e
enquanto Bruno corta o pouco espaço entre nós com passadas
largas, meus olhos estão fixos na atendente nos deixando sozinhos.
Ele me oferece o copo de refrigerante que eu aceito e termino
com três ou quatro goles. Depois de tanto tempo dançando, em
meio ao mar de pessoas lá embaixo, minha pele já parecia em
chamas. Agora, com o olhar de Bruno me dizendo que aquilo pelo
que ele vem me fazendo esperar desde que me buscou, está
prestes a acontecer, o calor parece estar muito além de me
esquentar, ele parece prestes a me consumir.
Viro as costas, sentindo a energia que sempre está ao nosso
redor ganhar novas proporções até parece prestes a nos engolir.
Fecho os olhos, expiro longamente e quando volto a abri-los, minha
visão fica presa na movimentação do andar inferior.
A música pulsa através de cada corpo em movimento, das luzes
coloridas e do cheiro que, embora esteja distante agora, ainda
posso sentir em meu nariz: uma mistura de suor, álcool e perfumes
diversos.
A ponta do nariz e os lábios de Bruno começam a percorrer um
caminho no meu pescoço e eu o inclino, dando mais acesso. Ele me
puxa na direção do seu peito e sou surpreendida ao sentir sua pele
contra a minha, livre de barreiras.
Bruno tirou a camisa e eu arfo quando me dou conta do que isso
significa. Meus olhos abaixam outra vez, agora, olhando para as
pessoas lá embaixo de uma maneira completamente diferente, eles
não são mais apenas corpos dançantes, são expectadores.
Minha boceta lateja apenas com a ideia de ser observada por
todos eles, mais do que isso de ter cada par de olhos ali observando
enquanto sou tocada. Enquanto Bruno me consome, sem parar,
com força, exatamente como adora fazer, como eu adoro que ele
faça.
— No que você está pensando? — A voz é aquele sussurro
rouco que tanto me enlouquece e do qual eu tanto senti falta. Não
respondo. Arquejo quando suas mãos também se comprometem
com a tarefa de me acariciar e começam a subir pelas minhas
pernas com uma lentidão agoniante.
Ele morde minha orelha, chupa atrás dela, encaixa o nariz na
curva entre meu ombro e pescoço, aspira meu cheiro e lambe meu
suor.
— Gostosa, deliciosa — murmura. — Suada... Talvez a gente
possa fazer algo quanto a isso... — sugere, subindo as mãos até
que elas tenham alcançado o laço que mantém o transpassado do
vestido no lugar. Meu coração corre no peito com a perspectiva e
quando levanto a cabeça, encontro o olhar de Bruno pelo reflexo no
vidro diante de nós dois.
Sem desviar os olhos de mim e com a boca plantada em minha
pele, seus dedos puxam a alça fina em minha cintura, desfazendo a
amarração. Bruno a solta, e o tecido se abre em duas partes que
ficam penduradas nas laterais do meu corpo, revelando meus seios,
barriga e pernas nuas.
Labaredas azuis lambem minha pele por tempo o suficiente para
incendiá-la antes que ele volte a afogar meus olhos em chamas com
elas.
— Não precisamos disso. — Puxa o vestido aberto pelos meus
ombros. O tecido cai em uma poça no chão e ele volta a colar o
peito às minhas costas. A sensação quente me faz fechar os olhos,
mas ele repreende. — Olhos abertos, Milena. Eu quero que você
veja tudo. — Obedeço, lutando contra meu instinto, porque, ao
mesmo tempo em que estou pronta para me deixar ser dominada
pelas sensações prometidas sem qualquer desvio de atenção,
quero, sim, ver tudo.
Mãos deslizam em minhas coxas de baixo para cima, roçando o
tecido da calcinha, passando pelos meus quadris, espalhando os
dedos pelo meu abdômen até alcançarem meus seios. O toque das
suas palmas roçando meus mamilos é rude e me faz gemer e arfar.
— Olha pra baixo — ordena e eu olho. — Me diz o que você vê.
— Trêmulo. Todo o meu corpo está trêmulo, expectante.
— Pessoas, bebidas, luzes.
— E você quer alguma coisa dessas pessoas, Milena?
— Quero.
— O quê?
— Que elas vejam você me foder. — Pelo reflexo, vejo a
satisfação quase palpável que minhas palavras colocam em seu
rosto e ele me vira em um movimento rápido, prensando-me contra
o vidro.
— Perfeita pra caralho! — rosna, antes de beijar minha boca.
Meus peitos roçam seu tórax e eu ondulo os quadris querendo mais
contato. Como sempre, as coisas com Bruno simplesmente se
recusam a acontecer de maneira suave. Somos línguas, mãos,
dentes e saliva em todos os lugares, sem parar, banqueteando-se
um do outro, até Bruno girar nossos corpos, deixando-nos com as
laterais de frente para o vidro e enfiar as mãos pelos meus cabelos.
— Vamos deixar que eles me vejam comer essa boceta gostosa
que você tem, Mile. Mas, primeiro, eles vão ver você me mamar. —
Arqueio o corpo apenas com o impacto de suas palavras. Elas
parecem chicotear meu clitóris e espremer meus mamilos. Eu latejo,
desesperada.
— De joelhos, linda. — Lambo os lábios, mas não consigo
disfarçar minha pressa em obedecer. Já perdi a conta de quantas
vezes Bruno esteve com a língua afundada entre minhas pernas,
mas é a primeira vez que vou sentir seu gosto.
Ele desfaz o próprio cinto, eu abro seu botão, desço o zíper da
sua calça e suas mãos se espalham em minha nuca e pescoço.
Devagar, toco sua ereção por cima da cueca, sentindo a grossura
que me alucina, as veias cujas formas parecem gravadas em minha
mente, ansiosa para gravá-las também em minha língua.
Abaixo a malha preta. Seu membro salta duro, para cima, com a
ponta brilhante e eu aproximo o rosto. Cheiro seu pau e fecho os
olhos quando sou dominada pelo almiscarado da sua pele. A
mistura de suor com sua excitação parece tornar tudo ainda mais
erótico.
— Porra, Milena! Puta que pariu! — brada, fazendo-me erguer os
olhos na direção dos seus. Sua mão desliza até que seu polegar
roce meu lábio inferior. — Você vai me enlouquecer desse jeito,
Milena. Vai me fazer gozar só pela cara que fez quando sentiu meu
cheiro.
Lambo os lábios, como sempre, adorando saber que posso afetá-
lo com tanta facilidade quanto ele a mim.
— Bom, então é melhor eu sentir logo o seu gosto. — Sem
esperar por resposta, abocanho a glande, sentindo a língua ser
inundada pelo sabor amargo do seu pré-gozo. Chupo levemente
antes de usar a língua para acariciar o a abertura na parte de baixo
dela.
— Puta que pariu! — O xingamento sai num grito que faz eu me
sentir a mulher mais poderosa do mundo e eu deslizo para frente,
engolindo o pau de Bruno até o limite permitido pela minha
garganta, antes de recuar, com as bochechas fundas e fazer tudo
outra vez.
Seu membro é grosso e a cada vez que o tenho dentro da minha
boca, circulo toda a extensão com a língua, sentindo as veias
pulsando sob ela. Lambo e chupo enquanto mantenho as mãos
segurando firmes em suas coxas.
— As bolas, meu bem. Lambe minhas bolas — pede sussurrado,
ofegante, antes de gemer. Desço os lábios, roço o nariz em suas
bolas, aspirando mais do cheiro gostoso e beijando primeiro com os
lábios, só então, com a língua.
Faço uma verdadeira bagunça melada de saliva, subindo e
descendo. Os grunhidos de Bruno se tornam uma constante e
quando seu agarre em meus cabelos se torna ainda mais forte,
deixo a língua dura e percorro todo o caminho de volta até a glande
com ela.
— Chega, porra! — Seus braços me puxam para cima e sua
boca se choca contra a minha imediatamente.
O beijo tem o gosto do seu pau misturado às nossas salivas e
sou eu quem geme. Bruno rasga a minha calcinha sem cuidado
algum.
— Eu vou te comer aqui, depois nós vamos voltar lá pra baixo e
você vai dançar, vai rebolar a bunda com essa bocetinha
completamente nua pra quem quiser ver. — Gosta da ideia, Milena?
— Um gemido é tudo que consigo dar como resposta ao sentir um
de seus dedos roçando minha boceta antes de se enfiar com força
em meu canal. — Gosta? — repete, juntando um segundo dedo no
trabalho de me enlouquecer. — Gosta da ideia de cada homem lá
embaixo sentir meu cheiro em você? — Dentro de mim, seus dedos
se movem em gancho, alcançando um ponto que me alucina. —
Sentir o cheiro da tua excitação escorrendo pelas pernas, Milena?
Gosta? — Bruno soca em mim sem parar, fazendo-me derrubar a
cabeça para trás, sentir o prazer atravessar meu corpo, procurando
saídas e cada um dos meus poros ainda não são o suficiente.
— Gosto! — grito quando seus dedos incansáveis me fazem
gozar, tremendo e suando, com o corpo colado ao seu,
pressionando seu pau duro entre nós.
— Ótimo! Então é assim que vai ser — determina e morde meu
lábio antes de me virar de costas e apoiar minhas mãos no vidro. —
Agora abre bem essas pernas e empina pra mim. — Ofegante e
letárgica, luto para obedecer enquanto o ouço se despir do resto de
suas roupas e vestir o preservativo. Suas coxas nuas tocam as
minhas quando ele se encaixa em minha entrada e eu adoro cada
ponto de contato entre nós quando curva o corpo sobre o meu. — E
não esquece de olhar pra baixo, meu bem. — São suas últimas
palavras antes de meter de uma vez em minha boceta, rasgando
minha carne com a sua e me arrancando um grito que eu não sei se
o isolamento acústico do camarote foi capaz de conter.
Seus quadris batem contra os meus num vai e vem perfeito,
ritmado. Meus olhos nunca se fecham e na minha imaginação, cada
um dos olhos lá embaixo, agora, está voltado para cima, encarando
Bruno me comer gostoso, com força. Os homens estão ficando
duros, as mulheres estão ficando molhadas, todos afetados pelo
sexo que só o meu corpo é capaz de sentir. Todos desejando me ter
ou ser eu.
Meu segundo orgasmo me sacode e eu perco a força nas
pernas. O braço de Bruno circula minha cintura, sustentando-me de
pé e suas investidas nunca param. O cheiro de sexo já dominou o
ambiente, assim como os sons, e o suor. A cada metida, meus
gemidos se tornam menos espaçados, mais deliciosos. Meu canal
pinga, lateja, aperta, pede por mais.
Bruno mete profundamente e para, enterrado fundo dentro de
mim, fazendo um grito mudo morrer em minha garganta ao rebolar,
alargando minhas paredes, provocando minhas terminações
nervosas ao limite, ao ponto de lágrimas se acumularem nos cantos
dos meus olhos.
— Goza, gostosa! Deixa essa bocetinha melar meu pau todo, vai.
— Seu pedido soa literalmente como uma ordem para o meu corpo
sobrecarregado e eu explodo pela terceira vez.
— Bruno! — choramingo, peço, imploro, mesmo que o restante
das palavras nunca deixe minha boca. Ele planta a língua bem no
meio da minha espinha e lambe para cima até que seu rosto se
encaixe em meu pescoço.
— Tá gostoso, meu bem? — Rebola os quadris em movimentos
lentos, provocando meu êxtase para chegar a um ponto que eu não
sou capaz de alcançar.
— Muito... Muito gostoso. — Confirmando minhas palavras, um
gemido longo arranha minha garganta quando ele rebola.
— Olha pra baixo, Mile. — Abro os olhos, fechados desde a
última convulsão e olho. — Cada homem lá embaixo queria estar
exatamente onde estou agora — sussurra, deixando que seu hálito
quente judie da pele sensível atrás da minha orelha. Eu imagino os
homens mais perto. Ao invés de lá embaixo, aqui, ao nosso redor,
vendo-me completamente entregue e minha respiração
descontrolada até falha. — Enterrado no fundo da sua boceta,
grudado no teu corpo suado, gozado, exausto. Marcado com o teu
gozo e te marcando com o meu, meu bem.
— Bruno... — murmuro baixinho. Perdida nas imagens que suas
palavras projetaram em minha mente como um filme hollywoodiano.
Ele deixa outro beijo em minha orelha e minha visão, pontilhada de
pequenas sombras pretas, se torna um pouco mais clara. O suor
dança pela minha pele, as gotas se movimentam junto com os
quadris de Bruno e as minhas palmas suadas estão constantemente
deslizando no vidro.
— Você quer, Mile? Quer outro pau se enterrando nessa boceta?
— pergunta, investindo contra mim e me sacudindo no lugar. —
Quer outras mãos no seu corpo, outra voz no seu ouvido? — Agora,
ele passa a estocar rápido e com força, cada metida me
arremessando mais alto no ar.
— Não — grito quando isso é tudo o que sou capaz de fazer. —
Eu quero você! Só você! — Dessa vez, o orgasmo não arrebata só a
mim, mas a Bruno também em uma sinfonia de sons
descoordenados.
Quadris batendo, meu grito soando, seu rosnado arranhando e
as palmas das minhas mãos deslizando pelo vidro. Seus lábios
desgrudam das minhas costas suadas enquanto tentamos
redescobrir como respirar e minha mente enevoada pelo prazer,
pelas palavras, por absolutamente tudo, só consegue manter um
pensamento claramente.
A paciência realmente valeu a pena.
Esfrego a toalha sobre os cabelos, secando-os, mas assim que
saio do closet e entro em meu próprio quarto, ainda sem me vestir,
depois do banho, interrompo meus passos apenas para observá-la.
Milena está deitada em minha cama, ocupando um espaço mínimo.
Ela não se move muito ou se espalha ao dormir. Na maior parte das
noites, percebi, acorda na mesma posição em que vai dormir e isso
costuma ser em meus braços, tornando difícil que eu realmente
levante no meu horário de costume para malhar.
Quase sempre que ela passa a noite comigo, na manhã seguinte,
os dez primeiros minutos após o toque do despertador são gastos
comigo tentando me convencer a levantar para ir à academia. Algo
que sempre fiz de maneira tão natural, de repente, é colocado na
balança, porque me obriga a abrir mão de uma outra coisa que se
tornou extremamente natural, sua companhia. Seu corpo nu colado ao
meu, seu cheiro, a sensação que se apodera de mim a cada vez que a
tenho completamente entregue.
Nunca tive problemas em dormir com uma mulher. Sempre achei
que era só isso, dormir. Uma necessidade fisiológica. Nunca vi mérito
em dar importância para algo tão banal. Porém, olhando Milena
deitada em minha cama e desejando que ela não saísse nunca, porra!
Isso tem importância. Tem importância pra caralho.
E, contra todas as minhas expectativas, pego-me fazendo algo que
parei de fazer voluntariamente há muitos anos: pensar em João Pedro
Govêa. Faz muito tempo que não lhe dou um segundo pensamento,
exceto em situações específicas, ou quando sou obrigado a interagir
com ele.
Contudo, ultimamente, todas as vezes que tento entender o motivo
de não me sentir sequer minimamente assustado pelas sensações
que Milena desperta em mim, minha mente viaja para a noite, meses
atrás, em que João Pedro e eu, pela primeira vez na vida, chegamos
às vias de fato. E tudo por causa de uma mulher. A mulher dele. Eu
faria o mesmo se Milena fosse colocada na situação em que eu
coloquei Eliza?
Todos os segundos, de cada hora, de cada dia, de cada semana,
de cada mês, de cada ano, eu sei que seria capaz de matar o filho da
puta que ousasse magoá-la de qualquer forma que fosse. Como isso
aconteceu?
Eu não sou um homem que espera. Nunca fui. No entanto, aqui
estou, incapaz de tomar uma decisão prática. Se há dois meses me
perguntassem o que fazer nessa situação, minha resposta seria óbvia:
correr. Meus objetivos sempre foram muito claros e uma mulher, a
mesma mulher, dormindo em minha cama, todas as noites, nunca fez
parte deles.
Mas, agora que ela está ali, como eu deveria simplesmente abrir
mão disso. Porra, eu não posso. Desvio os olhos da mulher deitada na
minha cama para os papéis espalhados sobre a escrivaninha,
redigidos e impressos hoje antes mesmo que eu fosse à academia e,
por algum tempo, continuo alternando os olhos entre os dois pontos.
Não deveria haver dúvidas sobre o que fazer. Eu a quero, o
conteúdo daqueles papéis é a solução para mantê-la. Então por que
caralhos a sensação de que não devo fazer isso luta tão bravamente
contra a certeza de que preciso fazer alguma coisa? Porra...
Passo as mãos pelos cabelos molhados e em alguns passos
alcanço os papéis. Passos os olhos sobre as palavras que escrevi
tendo a certeza de que soaria certo caso se tratasse de qualquer outra
pessoa, mas que se tratando dela... Olho outra vez para o corpo
pequeno, encolhido entre meus lençóis e decidido guardá-los até ter
certeza do que fazer.
— Vejam só! A bela adormecida acordou! — digo ao ver Milena
descer as escadas quando já passam das dez da manhã. A noite
passada realmente a exauriu.
Sentado à mesa da cozinha, eu observo seu corpo gostoso vestido
por um jeans e camiseta se aproximar até que ela esteja perto o
suficiente para que eu a puxe para se sentar em meu colo.
— Bom dia!
— Bom dia. Como você está se sentindo? — pergunto, tentado a
não esperar por uma resposta e apenas beijar sua boca. Milena revira
os olhos, atrevida.
— Você quer dizer como minha boceta está se sentindo, certo? —
Ergo as sobrancelhas, segurando a vontade de rir da malcriação
injustificada.
— Achei que ela fizesse parte do seu corpo...
— Graças a Deus por isso! Seria muito injusto que ela se divertisse
sozinha!
— Estou criando um monstro — sussurra em seu ouvido antes de
gargalhar e ela torce os lábios, fingindo desgosto.
— Temos planos pra essa semana? — Ignora meu comentário,
mudando de assunto e a resposta que lhe dou não precisa de
qualquer esforço para ser encontrada.
— Você na minha cama todas as noites. — O sorriso em seus
lábios me diz que ela gosta tanto da ideia quanto eu, mas é claro que
ela não vai se dobrar tão facilmente.
— Eu tenho uma vida, sabe? Uma família? Não posso
simplesmente me tornar sua escrava sexual! — contesta e eu estreito
os olhos.
— Isso é uma negociação?
— Talvez seja uma negociação.
— Tudo bem, como eu te transformo em minha escrava? — A
pergunta faz meu pau se agitar dentro dos shorts. Porra! Esse não é
meu tipo de fetiche, mas preciso admitir que a imagem mental
formada pelas palavras, de Milena de joelhos, nua, esperando pelas
minhas ordens realmente tem seu apelo.
— Eu quero aprender a surfar! Quero que você me ensine — diz,
como se fosse absurdo e se ela acha que esse é o tipo de coisa para
o qual eu diria não, está redondamente enganada. Porque mais uma
imagem mental me assalta, a de Milena, em pé sobre uma prancha
enquanto desliza por uma onda e é sexy pra caralho! Até mais do que
a anterior, eu diria.
— Feito!
— O quê? Não!
— Como não? Achei que era eu quem decidia. — Rio do seu
nervosismo aparente.
— Eu estava brincando! Você é um atleta, Bruno, me ensinar
deveria te causar repulsa.
— Você não pensou direito sobre isso, meu bem, porque se tem
uma coisa que te ver vestida em elastano e deitada com a bunda
empinada pra mim não me causa, é repulsa. Sinto muito! Tarde
demais! — Ela abre a boca, mas fecha.
— Eu posso desistir?
— Pode! Mas eu vou te atormentar pela sua covardia pra sempre!
— declaro e seus olhos se prendem aos meus em silêncio por alguns
segundos, sei exatamente por quê.
Lá estão aquelas duas palavras de novo: Para sempre. Não é a
primeira vez que as digo, assim como não é a primeira vez que Milena
reage dessa forma, como se me perguntasse, silenciosamente, se eu
as estou dizendo levianamente.
— Uma noite. — Quebra o silêncio, o contato visual e a minha linha
de raciocínio.
— O quê?
— Você vai ter uma noite. E eu quero uma palavra de segurança.
— Uma palavra de segurança? — pergunto sorrindo.
— Isso!
— E qual seria? — Ela olha ao nosso redor e, ao se deparar com a
xícara sobre a mesa, decide.
— Mocha! — Gargalho, porque esse seria uma excelente palavra
de segurança se nós realmente precisássemos de uma.
— Onde você aprendeu que precisaria de uma palavra de
segurança? — indago entre risos.
— Talvez eu tenha sido uma adolescente curiosa depois de ler
cinquenta tons de cinza.
— É claro que você leu cinquenta tons de cinza! — Gargalho com
mais uma imagem mental inesperada. Se Milena soubesse do quão
diferentes as coisas são do que aquele livro conta... Talvez um dia eu
deixe que ela descubra.
— Então? Quando vou pagar minha dívida? — questiona com os
olhos estreitos e o sorriso que toma conta da minha boca é imenso.
— Eu te aviso.
— O que você vai fazer? — A desconfiança é clara em seus olhos,
assim como a expectativa.
— Você vai ter que esperar pra descobrir, mas vai valer a pena —
repito as palavras ditas na noite passada e ela morde o lábio,
deixando sua mente viajar para lá. — Passa o dia comigo? — peço,
de repente, não querendo que esse momento acabe.
— Você não precisa trabalhar? — É uma pergunta muito justa, eu
preciso. Mas se analisar friamente, decidi não ir ao escritório esta
manhã, porque queria estar aqui quando Milena acordasse e não
queria interromper seu sono por precisar sair. Então também é uma
pergunta com uma resposta muito complexa.
— Tenho, mas não quero. — Suas sobrancelhas se erguem antes
de se franzirem, como se essa resposta significasse mais do que
apenas quatro palavras ditas em sequência.
— Tudo bem, eu fico.
Eu me esforço para não chorar, mas é impossível não sentir os
olhos arderem. No auditório escolar do tamanho de um campo de
futebol, as cadeiras foram substituídas por barracas, como as de feira,
mas muito mais sofisticadas e um palco foi montado no centro.
O lugar, apesar do tamanho, está um caos de movimento formado
por alunos e seus familiares, além de professores e funcionários da
escola. No palco, há uma apresentação de dança acontecendo e,
numa cena que eu não achei que veria, Gabriel está lá, dançando uma
coreografia em grupo, vestindo um uniforme de jogador de basquete,
e parecendo muito, muito satisfeito com isso.
A gincana escolar é um projeto anual de sua escola e desde que
ele chegou às séries que de fato participam dela, há dois anos, eu
nunca consegui vir, afinal, precisava trabalhar. E durante esse tempo,
em sua atitude rebelde, meu irmão nunca fez mais do que o
estritamente necessário para alcançar a nota mínima exigida pelo
bimestre, o que não incluía a gincana, apenas a feira de ciências que
acontece no mesmo dia.
Este ano, no entanto, algo mudou. Desde que fui convocada para ir
à escola pouco mais de um mês atrás, fico cada vez mais convencida
de o que quer que eu tenha dito a ele na ocasião, gerou mais do que
remorso, gerou arrependimento e uma mudança genuína de atitude.
Ele ainda é um adolescente, mas parece que a pior fase já passou.
Solto um suspiro ao pensar que essa foi só uma das coisas boas
que aconteceram todas ao mesmo tempo nos últimos meses. Por
mais que eu me sinta grata por cada uma delas, aquela sensação de
que nada tão bom dura por muito tempo é impossível de se ignorar.
Ao meu lado, minha mãe vibra, gritando e assobiando para Gabriel
e sua turma. O tema da gincana é diferenças sociais e a performance
do grupo no palco mistura encenações com dança, tudo ao longo de
um mix de músicas que dura 12 minutos. Eles devem fazer duas
apresentações diferentes: uma no estilo de líderes de torcida e outra
em grupo, a que está acontecendo agora, e ambas devem, de alguma
maneira, propor reflexões a respeito do tema debatido pelo evento.
Era por esse tipo de coisa, por saber que era essa a educação que
meu eu irmão estava recebendo, que cada maldito minuto em pé,
carregando uma bandeja, valia a pena. Pensar nisso me faz perder a
batalha contra a vontade de chorar e uma lágrima silenciosa desliza
pela minha bochecha. Minha mãe se vira no momento exato e eu
sorrio e dou de ombros. Seus olhos que já estavam vermelhos não
demoram a ficar molhados.
— Você fez isso! Você! — declara e mesmo que o barulho ao nosso
redor torne ouvir sua voz uma coisa impossível de se fazer, consigo ler
seus lábios e balanço a cabeça, negando.
— Não, mãe. Você fez!
— Nós fizemos. — Encerra a discussão arrancando-me um sorriso
molhado e eu deixo um beijo em sua têmpora, sabendo que insistir em
seu mérito será perda de tempo. Ela se recusa a aceitar que o que
quer que eu tenha sido capaz de fazer, foi porque ela me criou assim.
A apresentação de dança continua e é realmente encantador ver a
maneira como os meninos e meninas se expressam, se movimentam.
É evidente todo o trabalho que empenharam para chegar àquele
resultado.
— Parece que dançar é uma coisa de família! — a voz conhecida
sussurra em meu ouvido e eu me viro com os olhos arregalados para
encontrar Bruno, em carne, osso, um terno caro e um sorriso
indecentemente lindo, parado atrás de mim.
Seu primeiro movimento quando nossos olhares se encontram, é
erguer mão e secar o resquício das lágrimas que estava em meu
rosto. Silenciosamente, me pergunta se está tudo bem, e, da mesma
forma, eu lhe digo que sim, antes de usar as palavras para tentar
entender o que está acontecendo.
— O que você está fazendo aqui?
— Eu fui convidado — responde presunçoso e eu olho para minha
mãe que sequer tenta fingir inocência.
— Oi, Bruno! Que bom que conseguiu vir! Gabriel está muito
empolgado pra te apresentar o trabalho!
— Trabalho? Por que ele está empolgado para apresentar o
trabalho ao Bruno? — pergunto, mas nenhum dos dois se incomoda
em interromper a própria conversa para me responder.
— E eu animado pra ver! Eu espero perder a aposta.
— Aposta? Que aposta? — inquiro apenas para ser ignorada mais
uma vez.
— Ele não fala de outra coisa. — A frase de minha mãe me faz
bufar, porque, definitivamente, ele fala, sim, de outras coisas! Ou eu
saberia de que raio de aposta os dois estão falando. — Ele está muito
animado com o estágio. — Eu arranho a garganta, desistindo de fazer
perguntas que serão ignoradas e Bruno me olha de rabo de olho antes
de voltar a se dirigir à minha mãe.
— Você acha que devemos parar de ignorá-la?
— Acho que sim. Olha como ela está vermelha. Parece prestes a
explodir! — Ele vira o rosto na minha direção como se quisesse me
analisar e eu estreito meus olhos para ele.
— Você tem razão! Parece mesmo. — Abro a boca, pronta para
mandá-lo passear num lugar bem-feito, apesar da presença da minha
mãe, mas engulo a malcriação quando ele começa a explicar. — No
dia em que fui até sua casa, Gabriel me contou que estava fazendo
um trabalho sobre criptomoedas. Deixei meu número com ele e temos
estado em contato desde então, eu o ajudei com algumas informações
e materiais e nós apostamos que se ele tirasse dez, eu daria a ele um
estágio na Magalhães Capital.
Pisco os olhos atordoada com a quantidade de informações que
recebo. Isso foi há semanas! Bruno tem mantido contato com a minha
família desde então?
— E ninguém pensou em me falar?
— Não era da sua conta — responde com um sorriso e eu abro a
boca, ultrajada.
— Gabriel pediu pra ele não te contar. Não queria que você
achasse que ele estava se aproveitando do seu namorado. — Minha
mãe dá uma explicação de verdade.
— E por que eu pensaria uma coisa dessas? Se ele precisava de
ajuda.— Interrompo-me, porque eu realmente não sei o que eu teria
feito. Deus, a última coisa que eu esperava era que Bruno
estabelecesse qualquer tipo de relação com a minha família. Eu não
precisava que a minha ilusão ocupasse mais esse espaço da minha
vida. Desvio os olhos quando encontro nesse pensamento a resposta
que eu não procurava. Eu teria, sim, implicado com um acordo entre
Bruno e Gabriel.
— Ainda assim, você deveria ter me contado! — Eu me viro para o
homem que parece completamente inadequado para uma feira de
ciências e ele dá de ombros.
— Estou contando agora. — Beija minha têmpora e cheira meu
cabelo, encerrando a discussão e minha mãe sorri em aprovação. É
claro que ela aprova. Esse é exatamente o tipo de coisa que ela faz.
Eu reviro os olhos e grunho. Irritantes!
— E como você me encontrou? Esse lugar tá lotado. — Mudo de
assunto, conformada. Mas o sorriso que chega antes da resposta
anuncia, aos quatro ventos, o poder de destruição que ela terá.
— Eu sempre vou te encontrar.
— Ao jovem aprendiz da Magalhães Capital! — Bruno ergue o
brinde e todos acompanhamos, juntando nossos copos de refrigerante
à sua taça de vinho.
Meu irmão tirou dez. É claro que tirou. Gabriel é inteligente e
quando se esforça, não há nada no mundo que não seja capaz de
alcançar, para bem ou para mal, isso era o que mais me preocupada
durante seus meses de rebeldia.
Para comemorar, Bruno insistiu que viéssemos todos almoçar
juntos e quando perguntou a Gabriel onde ele gostaria de ir, a
resposta do meu irmão me rendeu uma sobrancelha arqueada de
Bruno cuja mensagem, ainda que silenciosa, me soou alta e clara
“Sua obsessão está fazendo discípulos!” ela dizia e eu gargalhei.
Agora, sentados no Caparellos, enquanto esperamos nossos pratos
e conversamos sobre todo tipo de coisa, o sentimento em meu peito é
completamente desconhecido. A companhia de Bruno sempre
despertou em mim coisas novas, mas tê-lo aqui, sentado junto com as
duas pessoas que eu mais amo no mundo, agindo como se essa
fosse uma cena cotidiana, provoca um frenesi no meu peito que eu
tenho até medo de descobrir como se chama.
Recostado à cadeira do meu escritório, observo pelas paredes de
vidro, Milena atravessar os corredores da Magalhães Capital, sendo
conduzida pela minha secretária até mim e tê-la ocupando mais
esse espaço da minha vida parece encaixar mais uma peça de um
quebra-cabeça que eu sequer sabia estar sendo montado.
Como se tornou parte da nossa rotina, vamos almoçar juntos. No
entanto, ela não precisava vir aqui. Eu poderia buscá-la no curso de
inglês onde Milena começou a ter aulas semana passada, mas eu a
queria aqui, mesmo que até esse momento não entendesse o
porquê.
Coço a nuca, sentindo a ansiedade corroer meu estômago como
tem feito a manhã inteira e digo para mim mesmo que isso não tem
nada a ver com o pequeno envelope sobre a mesa, mas sei que é
mentira. Eu estou ansioso como a porra de um adolescente prestes
a convidar à garota que gosta para ir ao baile.
Os cabelos escuros estão presos em um rabo de cavalo que
deixa o rosto de queixo pontudo completamente livre para ser
admirado. Aquele deslumbramento gostoso está lá, assim como sua
curiosidade tão característica. Mas é o sorriso que ela abre quando
me avista que realmente me deixa perdido, mas não de uma
maneira que algum dia eu tenha acreditado ser possível me sentir.
Sempre achei que não saber onde estava ou o que estava
fazendo seriam coisas ruins, no entanto, quanto mais desconhecido
é o terreno em que piso com Milena, mais intensas as coisas ficam
e mais descobertas eu quero fazer junto com ela.
— Oi — diz, mordendo o lábio, assim que passa pela porta
aberta para ela por Raquel. Minha secretária acena para mim antes
de nos deixar sozinhos.
Levanto-me, dou a volta em minha mesa e com apenas alguns
passos, elimino a distância entre nós. O movimento do meu corpo,
procurando pelo seu é autônomo. Eu sequer penso antes que meus
braços envolvam sua cintura, que meus lábios rocem os seus, que
minha língua esteja dentro da sua boca.
— Oi — murmuro depois de aplacar minimamente a necessidade
do seu gosto, já que acabar com ela, não importa o quanto eu tente,
parece impossível.
— Oi — repete, brincando o nariz na minha pele em uma carícia
que eu adoro pra caralho.
— O que você achou do futuro local de trabalho do seu irmão?
— Ele vai enlouquecer com tantos computadores à disposição —
comenta e eu sorrio.
Gabriel é um nerd, isso ficou claro desde a primeira conversa que
tive com ele. A princípio, ele estava claramente desconfiado dos
meus motivos para estar ali, interrogando-o sobre o que exatamente
havia acontecido em seu encontro com o fotógrafo que o abordara.
Contudo, depois de alguns minutos de conversa, ele foi relaxando e
quando eu tinha todas as respostas que conseguiria, ele finalmente
me perguntou o que queria saber.
“Você é namorado da minha irmã?” Precisei conter o sorriso ao
ouvir sua pergunta e, depois, a gargalhada, quando ao receber uma
resposta positiva, ele me perguntou se eu não era velho demais
para ela.
Isso me levou a dizer que eu não era velho, mas que o terno
realmente não ajudava com essa perspectiva, embora fosse
necessário para o trabalho. E o trabalho foi a porta de entrada para
sua simpatia. Assim que entramos no assunto criptomoedas,
descobri que Gabriel era um entusiasta e a partir disso, muitas
outras coisas a seu respeito.
E ali, me vi, de novo, desfrutando de uma primeira vez
intermediada por Milena. A primeira vez que eu realmente me
interessei em conversar com um adolescente e, mesmo que tenha
gostado disso e de toda a relação que se desenvolveu depois, a
verdade é que eu nunca teria começado essa conversa se não
fosse por ela.
Eu não teria tido qualquer interesse sobre o maldito repórter, que,
aliás, mesmo com as poucas informações fornecidas por Gabriel, fui
capaz de encontrar e ensinar uma lição sobre não chegar perto de
quem não deve. O idiota agora trabalha numa gráfica e até que eu
decida o contrário, é o mais perto que ele vai chegar do mercado
editorial.
Se não fosse para fazer Milena se sentir bem e confortável com a
minha presença em sua casa, eu jamais teria estendido minha
conversa com seu irmão para além do necessário, jamais teria
descoberto que ele é um garoto cheio de potencial, eu jamais
poderia ou desejaria descobrir que tinha o poder de fazer alguma
diferença em sua vida profissional, e isso, por si só, seria
imperdoável. O que acrescenta mais uma a minha pilha de dívidas
impagáveis com Milena. O que é no mínimo irônico, uma vez que
tudo isso começou com ela sendo a devedora. A vida é mesmo uma
vadia caprichosa.
— Eu quero negociar — digo e ela inclina a cabeça para o lado,
pensativa.
— Outra? — Sorrio ao pensar no que tenho em mente para a
negociação que fizemos há alguns dias.
— Sim, outra.
— Estou ouvindo.
— Eu tenho um presente.
— Se você quer algo em troca, então não é um presente! É
escambo!
— Escambo? — Gargalho com a palavra usada por ela. Milena
mantém as sobrancelhas erguidas em uma postura de confronto e
eu não resisto, beijo sua boca gostosa outra vez. — O que eu quero,
vale muito menos do que o presente, então não pode ser
considerado escambo. E eu vou te dar o que tenho de qualquer
forma. — Seus olhos se estreitam, desconfiados.
— O que você quer?
— Almoçar em um restaurante que não seja o Capparellos, pelo
amor de Deus! — Faço minha demanda e agora é ela quem
gargalha.
— Quem te ouve falar, acha que eu nunca vou a qualquer outro
lugar. — A diversão em meu rosto é substituída por desafio e a
pergunta fica estampada nele “Sério?!” porque ela nunca vai. — Eu
vou a outros restaurantes! — protesta e eu mantenho a mesmíssima
expressão.
— Quando? — Sua boca se abre e passa pelo menos cinco
segundos aberta antes de ser fechada sem que eu tenha recebido
uma resposta.
— Eu vou! — responde por fim e faz um bico que me desafia a
contrariá-la mais uma vez. Rindo como um idiota, acaricio sua
bochecha antes de roçar o nariz em sua pele e concordar, mesmo
que não seja verdade.
— Vai sim. — A satisfação em seu rosto não esconde que ela
sabe que estou mentindo, mas ficou feliz do mesmo jeito.
— Hoje, por exemplo — afirma e é impossível não rir alto.
Cretina! — Agora, me dê meu presente! — Ergue as palmas das
mãos entre nós. Olhos brilhantes e cheios de expectativas estão
fixos em mim quando balança a cabeça para um lado e para o outro.
Estendo a mão até minha mesa e arrasto um pequeno envelope
branco pela superfície até entregá-lo para ela. Milena franze as
sobrancelhas.
— Papel? Meu presente é de papel? — pensa em voz alta.
Reviro os olhos e dou um passo para trás, cruzando os braços.
— Abre, Milena. — Ela dá de ombros e levanta a aba. Olha
dentro do envelope, mas não acha nada interessante, então tira os
dois pequenos tickets de lá.
Ver a transformação em seu rosto é muito melhor do que eu
imaginei que seria. Ela vai do estranhamento à euforia em questão
de segundos. A testa franzida se estica antes de seus olhos
piscarem várias vezes até pararem, completamente arregalados e
sua boca se abrir. Milena aproxima os dois papéis pequenos dos
olhos, como se precisasse ver melhor, antes de erguê-los,
marejados, para mim e abaixá-los outra vez para o papel.
— I-i — começa, olhando-me outra vez, mas gagueja e abaixa os
olhos para as mãos, para os objetos nelas. Sua garganta engole
duramente e Milena sopra uma expiração. Não consigo parar de
sorrir. — São de verdade? — A pergunta sai num fio de voz e suas
mãos seguram os ingressos com tanta força, que me preocupo que
ela os rasgue sem querer.
Não que isso me importe, eu compraria todos os ingressos do
show, eu compraria a porra do Harry Styles se isso tornasse o tipo
de felicidade que está estampado em seu rosto, algo permanente.
De repente, Milena é só a garota frágil, sempre muito disposta,
sempre muito necessária para fazer as vontades dos outros, mas
que nunca teve alguém que pudesse fazer as suas. Essa
compreensão me atinge num ponto muito específico, promovendo a
constante vontade de cuidar de Milena em necessidade e isso
sequer me espanta.
— Isso é impossível! Eles estão esgotados há meses! Eu... Eu...
— tenta argumentar, mas, outra vez, as palavras faltam.
— É claro que eles são de verdade — digo devagar, entendo que
sua pergunta não é desconfiança. — Nada é realmente impossível
quando se está motivado. — Desfaço a curta distância que coloquei
entre nós ao lhe dar espaço para abrir o envelope e toco sua
bochecha. A pele é quente sob meus dedos e quero colocar minha
boca ali, mas me concentro em seus olhos.
— Motivado? — Milena parece ainda não ter entendido.
— Você disse que gostava da banda, ela acabou, mas um dos
integrantes está prestes a fazer um show aqui em São Paulo... —
Pauso quando ela pisca, as lágrimas não derramadas se
acumulando. — Sua coleção precisava começar. — As últimas
palavras são ditas num sussurro. Não quero violar este momento.
Há algo na maneira como Milena está me olhando que eu não
posso perder, não posso sequer correr o risco de mudar. Pelo
contrário, preciso cultivar. Não importa o que seja necessário.
— Tem dois ingressos — diz, por fim, e agora eu roço meus
lábios nos seus.
— É — faço uma pausa sem conseguir impedir um sorrisinho —,
preciso descobrir o que faz você manter aqueles pôsteres na
parede... — sussurro e Milena sorri fraco, ainda emocionada. Ela
morde o lábio antes de umedecê-lo.
— Obrigada, Bruno. Eu... — Suspira e abaixa a cabeça, tentando
assumir o controle das próprias emoções e acho que consegue,
porque quando seu rosto se ergue, ele ostenta um sorriso capaz de
competir com a produção de energia de uma usina hidrelétrica
inteira. — Obrigada! — repete, agora, com a voz um pouco mais
forte e eu não me contenho. Ensaio uma reverência antes de lhe
responder.
— Disponha. — Ela ri frouxo, apesar de menos emocionada,
ainda parecendo incrédula e suas próximas palavras confirmam
minhas suspeitas.
— Eu vou ao show do Harry Styles! — exclama em voz alta para
si mesma. — Eu vou ao show do Harry Styles! — repete e, dessa
vez, a voz sai um pouco mais aguda. — EU VOU AO SHOW DO
HARRY STYLES! — Agora, Milena grita e começa a dar pulinhos,
finalmente, esbanjando a euforia que havia sido soterrada pela
emoção.
Enquanto a vejo pular e fazer dancinhas toscas e extremamente
constrangedoras, me pergunto se hoje à noite é cedo demais para
lhe dar outro par de ingressos.
Eu vou ao show do Harry Styles!
Eu vou ao show do Harry Styles!
Eu vou ao show do Harry Styles!
Atravessando à rua, a caminho da autoescola, dois dias depois
de ter recebido os ingressos como presente, continuo repetindo as
palavras na tentativa de torná-las mais críveis. Ao mesmo tempo,
me esforço para manter afastada a sensação morna que parece
determinada a se apossar do meu coração a cada vez que penso no
evento. É uma tarefa extremamente ingrata e contraditória.
Bruno não deveria fazer esse tipo de coisa, é muito para lidar
sem que a minha cabeça exploda em um milhão de perguntas. Há
tempos já admiti para mim mesma que esperar que sua companhia
não passasse disso foi tolice. Ignorar a atração que sempre senti
era impossível, principalmente ao descobrir que ela era retribuída,
mas com isso foi fácil de me conformar.
No entanto, há uma linha que eu não deveria cruzar e, a cada
vez que Bruno age como se não se importasse com sua existência,
é impossível não me perguntar por que eu deveria. E, em todas
elas, preciso me convencer com a mesma resposta.
Sair de um acordo para uma relação de sexo casual é aceitável,
mas deixar que meu coração estúpido promova o desejo, a paixão é
estupidez, pura e simples. Mesmo que Bruno pareça
particularmente empenhado a provar o contrário, é só isso! Ilusão!
Não importa se ele foi à minha casa e sentou com a minha
família e aquele, de alguma maneira pareceu ser o seu lugar. Não
importa se ele ajudou meu irmão em um projeto escolar no qual ele
não tinha nenhum tipo de responsabilidade. Não importa se cada
vez que sua boca toca a minha, me afastar parece um suplício.
Não importa se todas as vezes que estamos na cama, na parede,
no chão, no chuveiro ou em qualquer outro lugar, não sejamos
capazes de resistir um ao outro e isso, mais do que qualquer outra
coisa, não apenas pareça certo, mas seja certo de todas as formas
que há para ser. Não importa. Preciso me apegar às suas palavras,
não àquilo que eu acho que seus gestos possam significar.
Mesmo que o gesto em questão seja a porra do show do Harry
Styles! Pelo amor de Deus!
A Milena adolescente dentro de mim está em surto. Quantas
vezes imaginei o Liam cantando enquanto olhava no fundo dos
meus olhos? Ou, que eu seria uma expectadora sortuda num show
dos meninos e eles me chamariam ao palco enquanto cantavam ao
meu redor?
Quantas vezes, mesmo depois de adulta, desejei ir a uma
apresentação do Harry? Mas isso nunca chegou a ser nem mesmo
uma possibilidade remota! O ingresso era caro demais, conseguir
comprar demandava tempo demais, tudo era demais e por muito
tempo eu não tive sequer o suficiente.
Não acho que Bruno faça alguma ideia do significado que seu
gesto teve para mim, do impacto do seu olhar, de como ele parecia
me dizer que entendia que as minhas lágrimas eram mais do que
alegria ou gratidão. Eram desejo de que se minhas fantasias com o
One Direction de alguma forma se tornaram realidade, outras
também pudessem.
Apego-me a essa certeza, que seu cuidado constante, seus
olhares e cada uma das vezes que ele mencionou um futuro de
maneira despretensiosa ao usar as palavras “sempre”, “para
sempre”, ou fazendo qualquer referência ao tempo além dos três
meses que temos, não quis dizer nada.
E mesmo que em todas elas eu tenha tido vontade de perguntar
se ele estava falando sério ou o alertar sobre não fazer promessas
que não tem a intenção de cumprir, eu não fiz. Não queria ouvir um
não. Ainda temos um mês e meio pela frente, eu não posso estragar
tudo agora. Há coisas demais em jogo e meu coração é a menos
importante delas.
As imagens são tão claras em minha mente que poderiam ser
fotografias ao invés de meros desejos: minha mãe saudável,
vivendo novas experiências, voltando a trabalhar, talvez, até
mesmo, se apaixonando de novo. Gabriel se formando na escola,
depois, na faculdade e então conquistando tudo o que desejar. Eu
quero tudo pra eles e é nisso que preciso me focar.
Paro na faixa de pedestres, conferindo os dois sentidos da
avenida larga antes de atravessar até a autoescola, do outro lado da
rua, e me espanto ao me dar conta de que caminhei cinco
quarteirões sem perceber, enquanto viajava em meus próprios
pensamentos. Misericórdia, Milena. Balanço a cabeça de um lado
para o outro, espantando-os.
No entanto, a alternativa não é muito melhor. Apenas olhar para
as imensas janelas de vidro sob o letreiro azul e vermelho do centro
de instrução para motoristas faz meus ombros caírem com a
perspectiva do que tenho pela frente: duas horas e vinte daquele
bendito instrutor falando sem parar da própria vida e nunca do que
realmente me interessa.
Exceto que não, porque um segundo depois desse pensamento,
eu ouço o barulho alto, depois, sinto a dor se espalhando por cada
centímetro de mim e abro a boca para gritar, mas antes que eu
possa entender o motivo, o mundo apaga.
Reuniões de conselhos são sempre exaustivas, mas também são
um mal necessário quando se tem uma quantidade razoável de ações
em diferentes empresas de diferentes tamanhos. O Grupo editorial
Govêa não seria uma escolha minha. O mercado editorial é volátil em
muito sentidos e, embora seja lucrativo, há negócios que são mais.
No entanto, a amizade do meu pai com Mauricio Govêa me
precede, assim como a parceria de negócios dos dois. Portanto,
mesmo com o afastamento do meu pai, quando o assunto é essa
empresa em particular, a mim, cabe apenas manter as coisas
exatamente como sempre foram, com exceção da conta de
investimentos que o grupo mantém à cargo da Magalhães Capital. A
essa, meu trabalho é fazer crescer.
— O crescimento do fundo de previdência privado foi além da
margem esperada. — João Pedro, atual CEO da empresa, filho de
Maurício Govêa, e meu desafeto particular, reconhece com seu ar
arrogante de sempre. Eu ainda não suporto esse cara, mas
ultimamente a sensação de que lhe devo um pedido de desculpas, à
sua esposa principalmente, tem se intensificado. — Perspectivas
futuras? — questiona.
— Um crescimento de trinta porcento no próximo trimestre, cento e
cinquenta nos próximos doze meses — respondo e suas sobrancelhas
se erguem, surpresas. É babaca! Eu sou muito bom no meu trabalho.
É o que minha expressão lhe diz, mesmo que minha boca permaneça
fechada. Sua garganta arranha em desdém, antes que ele passe para
o próximo tópico, já que não pode me contrariar.
— Com licença, senhores. — A esposa de João Pedro, que
curiosamente também é sua secretária, interrompe a reunião e ele
ergue o olhar para ela. Seus cabelos escuros estão presos em um
coque que deixa seus olhos muito azuis e muito claros quase gritando.
A impressão de que devo desculpas aos dois se transforma em
certeza quando vejo a preocupação no olhar que trocam por apenas
dois segundos. Porra! Passo as mãos pelos cabelos, perguntando-me
quando foi que eu comecei a me importar com esse tipo de coisa.
— Senhor Magalhães? — Sou surpreendido pela voz da mulher
que não deveria querer olhar na minha cara, chamando-me. Fui um
filho da puta com ela, eu sei disso e seu marido merecia, ela não. — O
senhor tem uma ligação. — Franzo o cenho. Por que caralhos alguém
me ligaria aqui? — É urgente — completa. Levanto-me da mesa e
assim que passo pela porta, ela me segue.
— Onde posso atender?
— O telefone da sala ao lado está pronto para você. — Seu tom e
postura são profissionais e eu apenas balanço a cabeça, mas assim
que me viro, percebo que isso não é algo que eu possa esperar mais
para fazer.
— Eliza — chamo e ela para de andar, alguns passos à minha
frente. Ao se virar, seu corpo está rígido e eu acho que poucas coisas
já me fizeram sentir tão mal quanto a percepção do tamanho do
desconforto que minha presença causa à mulher.
— Sim? Você precisa de alguma coisa? — Inclino a cabeça,
impressionado com o fato de ela ainda estar aqui e decido que não
preciso obrigá-la a passar por isso por mais tempo do que o
necessário.
— Eu sinto muito. Eu te devo um pedido de desculpas. — Suas
sobrancelhas se franzem, demonstrando surpresa. — O que eu fiz foi
injustificável e eu não espero que você de fato me desculpe, mas eu
gostaria que você soubesse que eu sinto muito. De verdade. — Os
olhos azuis piscam várias vezes e é a vez dela de inclinar a cabeça,
estudando-me.
— Algum problema aqui? — A voz de João Pedro logo depois do
som da porta da sala de reuniões sendo aberta me faz abaixar a
cabeça e sorrir, não porque eu acho graça, mas porque agora, eu
simplesmente entendo. Ergo o olhar logo em seguida, aguardando à
resposta de Eliza, porque sei que independente do que eu diga, serão
as palavras dela a terem importância.
— Não. Está tudo bem — diz, por fim, mas os olhos do marido se
mantêm fixos nos dela e, outra vez, eu entendo sua busca por
qualquer sinal de que ela esteja mentindo e eu não tenho a menor
dúvida de que se ele encontrasse, pouco se importaria por estarmos
em um dos corredores da sua própria empresa, ou por ter
interrompido uma reunião para isso, João Pedro começaria uma briga
aqui mesmo.
Ele assente antes de me dirigir um olhar significativo e dessa vez,
não reajo da maneira de costume. Aceito o recado silencioso que é
dado e o homem retorna à sua reunião.
— Obrigado por isso — digo à Eliza.
— Por dizer a verdade? — Sua testa se franze.
— Sim. — Ela recua a cabeça, como se não entendesse porque eu
me preocuparia com o contrário e eu tenho vontade de rir ao pensar
em Milena.
Eu tenho certeza de que ela numa situação parecida, ela não
apenas entenderia o porquê mentir faria sentido, como, apesar de sua
relutância constante em fazer isso, num caso específico como esse,
ela cogitaria. Por fim, Eliza balança à cabeça, desistindo de me
entender.
— Considere-se desculpado — diz, inclina a cabeça para baixo
suavemente e me dá as costas. É mais do que eu poderia desejar.

— O mercado financeiro entrou em colapso nos últimos quarenta


minutos, Raquel? — brinco com minha secretária sobre o motivo de
ela ter me tirado da reunião.
— Não, Bruno. Você recebeu uma ligação urgente, não dava pra
esperar.
— O que houve?
— A dona Daise, mãe do Gabriel, o estagiário novo, ligou — avisa
e eu franzo o cenho. — Ela disse que tentou falar com você no seu
celular, eu expliquei que ele deveria estar desligado por você estar em
uma reunião e...
— Ela está bem? — interrompo, começando a ficar preocupado.
— Está... — Raquel faz uma pausa e agora eu estou realmente
preocupado. — Parece que a filha dela sofreu um...
— O quê? — As palavras estão no mundo sem a necessidade de
um empurrão.
— Ela estava indo para o hospital, mas não queria contar pro
Gabriel ainda, eu...
— Qual hospital, Raquel?
— Mário terceiro, no Itaim.
— Quando você falou com ela?
— Há cinco minutos. Ela estava muito nervosa, Bruno. O hospital
entrou em contato e ela estava sozinha em casa, disse que ia pegar
um táxi. Eu nem sei o que exatamente aconteceu.
— Porra! Porra! Porra! — Os xingamentos saem em gritos e eu
passo as mãos pelos cabelos tentando me lembrar de como
raciocinar. — Raquel, eu preciso saber o que aconteceu! Eu —
expulso o ar dos pulmões, organizando as palavras em minha cabeça
—, vai pra lá agora, eu tô longe e nem fodendo vou conseguir
atravessar a cidade na velocidade necessária. Você vai chegar antes
de mim. Vai e me avisa!

Não consigo manter os pés parados enquanto o elevador faz seu


caminho até o andar de traumas do hospital em uma velocidade que
não pode ser considerada nada além de fodida, de tão lenta. Solto o
ar pelo nariz com força e aguardo alguns segundos antes de
reabastecer meus pulmões com ar.
Atropelada. Milena foi atropelada enquanto atravessava a rua na
faixa de pedestres e todo o meu corpo parece dormente desde que fui
informado do que realmente aconteceu. Derrubo a cabeça para trás,
focando na luz amarela do elevador enquanto tento encontrar algum
controle dentro de mim mesmo e agradeço silenciosamente por estar
sozinho.
Ainda não há notícias sobre seu estado de saúde. Tudo o que se
sabe é que ela chegou desacordada, que está sendo examinada e
que o filho da puta do motorista prestou socorro. Estou tentando
concentrar toda a minha energia nesse infeliz em particular, porque
todas as vezes que me permiti me perguntar “E se?” a sensação foi a
de que era eu quem estava sendo atropelado, repetidamente, e por
um caminhão.
Milena é jovem, saudável, forte. Vai ficar bem. Ela vai. Repito as
palavras em silêncio mais uma vez, como um mantra. Seu sorriso
toma minha mente de assalto e eu fecho os olhos não sabendo como
lidar com o tumulto em meu peito. Ela... Ela... Sopro o ar pela boca
novamente e volto a me concentrar no motorista, enumerando,
mentalmente, as providências que tomei.
1) Já mandei um advogado até a delegacia onde o atropelamento
foi registrado.
2) Já mandei um investigador ao local do acidente para procurar
testemunhas.
3) Já mandei que os comércios locais fossem vasculhados atrás
de filmagens de segurança.
Se depender de mim, ele vai apodrecer na cadeia.
A cabeça loira de Raquel é a primeira coisa que vejo no instante
em que as portas do elevador se abrem e, atenta ao seu redor, os
olhos de minha secretária se viram para mim quase imediatamente. O
cheiro antisséptico do hospital perturba meu nariz conforme caminho
em sua direção.
Ao lado de Raquel, dona Daise tem os olhos inchados e o rosto
vermelho. Assim que me vê, levanta-se da poltrona em que estava
sentada. Ela se contém, aproximando-se de mim controlada, no
entanto, basta que eu a abrace para que ela desmonte. Daise chora
copiosamente e eu a ouço. Não faço ideia de qual é a sensação para
uma mãe de receber a notícia de que seu filho sofreu um acidente, de
precisar esperar por notícias, de permanecer na incerteza.
Contudo, sei qual é a sensação do medo de que algo grave ou
irreversível tenha acontecido com Milena, mesmo que eu sinta como
se não estivesse lidando com ela. A única coisa que reconheço é um
medo tão visceral, tão potente, que não me deixa pensar em mais
nada, desejar mais nada, além de ouvir três palavras dentro dos
próximos trinta segundos: “Ela está bem.”
Mas isso não acontece.
Pelas próximas duas horas, nós aguardamos em um silêncio,
ocasionalmente quebrado pelo choro de dona Daise recomeçando e,
todas as vezes em que isso acontece, eu me levanto e a abraço, mas
não tenho a capacidade de lhe dizer que vai ficar tudo bem. A verdade
é que há em mim um pavor indescritível de dizer, de acreditar nas
palavras, apenas para descobri-las falsas quando o médico finalmente
passar pela porta da sala de espera sóbria com suas paredes e piso
cinzas.
Um ambiente projetado para evocar calma e, ainda assim, aqui
estou eu, com a barriga gelada, as palmas das mãos suadas e
empenhando todo o esforço que há em mim em não movimentar meus
pés, sentindo como se um botão de abafar o som tivesse sido
acionado em algum lugar do meu cérebro.
Raquel foi embora com a missão de manter Gabriel na Magalhães
por tanto tempo quanto for possível. Dona Daise tem a esperança de
que quando o momento inevitável chegar, teremos mais a dizer a ele
do que “Sua irmã sobre um acidente e não sabemos como ela está.”
— Milena Garcia — uma enfermeira entra na sala e chama,
colocando meu corpo de pé sem que eu precise comandá-lo. Sua voz
o fez. Dona Daise volta a chorar imediatamente e sou eu quem se
dirige à enfermeira para nos identificar.
— Nós. — Ela me dá um sorriso profissional antes de acenar para
a porta.
— O médico vai conversar com vocês lá fora.
Fora da sala, um homem alto, de pele castanha, olhos, cabelos e
barba escuros nos aguarda segurando um tablet. Ele estende a mão
assim que nos avista.
— Boa tarde, eu sou Júlio. Fui eu quem recebeu a Milena quando a
ambulância chegou. A senhora é mãe, certo? — pergunta à dona
Daise, depois de cumprimentar a nós dois e ela assente.
— Vamos ao que interessa, certo? Milena está estável. — Preciso
forçar minha atenção a se manter focada nas palavras que estão
sendo ditas. Porque primeiro instinto do meu corpo é se escorar contra
alguma superfície e simplesmente desmontar de alívio. — O
atropelamento foi de baixa velocidade, mas de alto impacto. Milena
sofreu uma hemorragia interna causada pelo rompimento do baço e
um traumatismo craniano leve. — O choro de dona Daise se torna um
pouco menos controlado a cada palavra e eu passo meu braço por
seus ombros, tentando oferecer algum conforto. — Ela está recebendo
uma transfusão de sangue agora. Nós vamos precisar mantê-la em
coma induzido pelas próximas quarenta e oito horas para acompanhar
se haverá inchaço no cérebro e mesmo depois de acordar, ela vai
precisar ser mantida aqui por algum tempo antes de poder ser
mandada para casa.
— Mas ela vai pra casa, certo? Minha filha vai voltar pra casa,
doutor? — A voz de Daise é um mistura de dor e alívio palpáveis.
— Se o quadro se mantiver estável, em breve. — Não é uma
promessa, mas é uma esperança, uma boa, que percebo ser tudo do
que a mãe de Milena estava em busca.
— Como ela está? — Arthur me abraça e, pelo tempo que o abraço
dura, o peso em meus ombros parece estar sendo dividido com mais
alguém.
Não me lembro de em algum outro momento da minha vida ter me
sentido tão impotente. Comer, dormir e até mesmo raciocinar se
tornaram coisas senão impossíveis, secundárias, à minha espera para
que ela abra os olhos.
Arthur, Heitor, Conrado e Pedro estiveram aqui apenas algumas
horas depois do parecer médico de Milena e têm se revezado para me
fazer companhia desde então. Eles assumiram todas as
responsabilidades. Resolveram minha agenda com Raquel, me trazem
roupas e, quando acham que estou passando dos limites, até me
obrigam a engolir alguma coisa além de café.
— Estável — respondo ao me sentar em uma das cadeiras na
cafeteria e meu amigo espelha meu gesto.
— E como você está?
— Eu não sei — respondo a essa pergunta com mais do que um
balançar de cabeça pela primeira vez desde que tudo aconteceu. —
Eu esperava me sentir triste, preocupado, mas eu não esperava o
pavor que eu senti enquanto o médico não disse que ela estava bem.
Eu... Parecia que... — Ergo as sobrancelhas, estranhando a sensação
de estar perdido dessa maneira. Eu simplesmente não sei.
Arthur assente e cruza os braços na frente do corpo. Meus olhos
vão e voltam, subindo e descendo pelas paredes, pessoas, cadeiras e
portas, mas não se fixam em lugar algum.
— Que você não conseguia respirar... Como se todo o seu corpo
estivesse em espera pra decidir o que faria quando recebesse a
notícia que mudaria tudo. — É a minha vez de assentir.
— Quão fodido eu estou? — As palavras não precisavam ter sido
ditas em voz alta, porque era uma pergunta retórica. Ainda assim,
recebo uma resposta.
— Fodido pra caralho... — diz antes de arranhar a garganta. — Já
tiraram os sedativos?
— Já. — Enfatizo com um aceno de cabeça. — Ela deve acordar
nas próximas horas. — Porra, ela precisa! Realmente precisa. — Quer
dizer, ela po...
— Ela vai! — Não me deixa terminar o pensamento e eu finalmente
me obrigo a focar em alguma coisa, no rosto do meu amigo.
— Ela vai!

Como tantas vezes nas últimas semanas e, ainda assim,


extremamente diferente, observo o corpo pequeno de Milena deitado
na cama. Seu peito sobe e desce em movimentos lentos e ritmados
confirmados pelo monitor cardíaco ao seu lado em um bip-bip
incessante.
Estamos sozinhos.
Daise foi convencida a muito custo de que, pelo menos durante as
madrugadas, precisava ir para casa descansar. O único argumento
que realmente funcionou foi dizer que se Milena acordasse e ela
estivesse hospitalizada, o que era um risco real caso ela levasse o
próprio corpo ao limite, dada a sua condição médica, isso não faria
bem a nenhuma das duas.
Assim, entramos num acordo. Às 23h ela vai para casa e às 7h
retorna, trazida por Davi. Eu nunca vou. Não consigo. Tentaram fazer
um acordo comigo também, mas ninguém tem qualquer coisa que
valha a pena negociar.
Levanto-me da poltrona em que estou sentado, caminho até a
lateral da sua cama e pego sua mão pequena. Acaricio levemente sua
bochecha machucada. Há dois hematomas em seu rosto, um do lado
esquerdo, na maçã e o outro na testa. Além disso, ela tem alguns
arranhões e outras marcas roxas pelo corpo, mas nada realmente
preocupante, que pudesse infeccionar, por exemplo.
Felizmente, como o médico disse, o maldito carro estava em baixa
velocidade. Os maiores problemas foram o impacto com seu
abdômen, que ocasionou a ruptura do baço o desmaio provocado por
ela, acabou fazendo com que Milena batesse a cabeça, provocando o
traumatismo.
Felizmente, não houve inchaço no cérebro e, assim que ela
acordar, teremos certeza de que não há nenhuma sequela. Seus
exames estão limpos. Toco minha testa na sua de leve, sentindo o
coração bater acelerado apenas com a proximidade do seu cheiro
que, mesmo as roupas de cama e o ambiente hospitalares não foram
capazes de apagar.
— Acorda, Milena. Volta pra mim, meu bem — peço, pela primeira
vez, dando voz aos meus pensamentos, mas ela não volta.
É mais uma longa, muito longa, noite.
Alguém está puxando minha pálpebra para cima.
Nossa! Que dor de cabeça!
Nossa! Que dor na barriga!
Nossa! Que dor no corpo inteiro! Parece que eu fui atropelada!
Por que raios, Gabriel está puxando minhas pálpebras pra cima?
Será que eu caí da cama e ele acha que eu estou morta?
Percebo que fiz todas essas perguntas enquanto me arrastava para
fora da inconsciência quando finalmente desperto. Não recomendo.
A dor que achei estar sentindo antes de finalmente acordar não é
páreo para a que eu estou sentindo de verdade. Mal consigo me
concentrar nas vozes ao meu redor. Gemo, sem conseguir me conter,
ao tentar me mexer e ser atingida por um número infinito de agulhas,
todas espetando meu corpo ao mesmo tempo. Puta merda!
Concentrada na dor, não percebo que as vozes se calaram até que
eu tenha me convencido a ficar quieta o suficiente para as agulhas
pararem de me incomodar. Tenho medo até mesmo de respirar com
muita força, mas a sensação de estar sendo observada me obriga a
abrir os olhos e, quando o faço, franzo as sobrancelhas.
Este não é o meu quarto e eu, definitivamente, não estou no chão.
O que está acontecendo aqui?

— Essa cadeira de rodas é totalmente desnecessária! —


resmungo, três dias depois de ter acordado, quando recebo alta.
Graças a Deus!
Foram apenas cinco dias de internação, dois deles, passei
desacordada, e, ainda assim, Bruno e minha mãe estão me tratando
como uma pessoa doente. Imagina o que fariam se isso tivesse
durado mais tempo?
Aparentemente, o acidente os levou a formar uma aliança que não
é inesperada, dada a relação que conseguiram desenvolver em um
curto período de tempo que, na verdade, envolveu apenas um
encontro. Dois se contarmos com a apresentação escolar de Gabriel.
E eu entendo a preocupação e superproteção da minha mãe. Deus
e eu sabemos o quão desesperador foi quando a situação era a
inversa. Quando foi ela a precisar de cuidados médicos, houve
momentos em que achei que enlouqueceria de tanto pavor, mas havia
motivos para isso. Seu médico usou a palavra que começa com M,
enquanto, que eu saiba, o meu nunca definiu meu estado de saúde
como nada menos do que estável.
Ou seja, não há justificativa para que a cada vez que eu me mexia
na cama, ela ou Bruno corressem para me ajudar a me mexer. Quem
no mundo precisa de ajuda para se mexer? Doía? Feito o inferno!
Ainda dói, na verdade e, de acordo com o médico, vai continuar
doendo por um bom tempo. Mas não vejo como a ajuda deles poderia
mudar isso.
— Unhum... — é a única resposta que recebo de Bruno,
empurrando a cadeira em questão e minha mãe sequer se dá ao
trabalho de me responder. Graças a Deus eu só vou precisar aturar
um deles enquanto estiver me recuperando em casa.
Estou tentando controlar minhas caras e bocas e não reclamar da
preocupação excessiva, porque eu entendo. Eu realmente entendo,
mas não está nada fácil. O médico disse que eu estou bem. Não
houve necessidade de cirurgia e, se eu me comportar, fizer o repouso
absoluto e seguir a dieta recomendada, em duas semanas, estarei
nova em folha.
Ainda não acredito que fui atropelada. Apesar das dores que
insistem em marcar o evento como verdadeiro, a situação ainda é toda
muito surreal. Lembro-me de estar distraída, mas eu olhei para os
dois lados antes de atravessar.
É claro que isso não faria qualquer diferença. Eu poderia ter
olhado, poderia não ter olhado, poderia atravessar a rua dando
estrelinhas ou com os olhos vendados. Nada teria mudado o fato de
que o motorista que me atropelou dormiu ao volante.
Camilo Rodrigues, um vigilante que tinha acabado de sair de um
longo turno noturno e, sem se dar conta, fechou os olhos e dormiu
enquanto dirigia. Foi o choque do meu corpo contra a lataria do seu
carro que o despertou.
— Devagar. — Bruno me oferece a mão para me ajudar a me
levantar da cadeira assim que alcançamos o estacionamento. É
preciso um esforço genuíno para evitar o revirar dos meus olhos
quando percebo sua expressão de preocupação exagerada, como se
o fato de eu me levantar oferecesse um risco real à minha vida.
É estranho tê-lo agindo dessa forma. Não estranho de um jeito
ruim, mas de um jeito extremamente surpreendente. Ainda estou
tentando descobrir como encaixar seu comportamento na lista mental
que eu fazia segundos antes de o acidente acontecer.
Bruno não deixou o hospital por nenhum dia desde que acordei e,
pelo que eu soube, nenhum dia antes disso também. O homem
enorme dormiu em uma poltrona nas últimas cinco noites, guardando
meu sono e, durante todo o tempo em que estive acordada, ele
também estava lá, certificando-se de que nada me faltasse.
E sua atenção não foi a única inesperada. Hoje pela manhã meu
quarto já estava parecendo uma floricultura, tantos foram os buquês
enviados pelos rapazes. Todos eles vieram me visitar no dia seguinte
ao que acordei e embora ainda estivesse com a mente um pouco
confusa por causa dos remédios e tenha dormido no meio da visita, foi
divertido, como sempre é, testemunhar a relação deles com Bruno.
Na primeira oportunidade que teve de ficar sozinha comigo, minha
mãe me perguntou se eu tinha certeza sobre nenhum deles ter um pai
solteiro e eu dei minha primeira gargalhada depois de acordar, mesmo
que isso não fosse recomendado.
Assim que me levanto, os olhos azuis de Bruno vasculham meu
rosto antes de se fecharem brevemente e ele puxar uma inspiração
profunda com o nariz perto dos meus cabelos. Ele tem feito isso com
frequência nos últimos dias e cada vez que chega tão perto, a
saudade da sua boca ergue um cartaz, ricamente decorado com glitter
e fitas coloridas onde se lê “Me beija, Bruno!”, em meus pensamentos.
Enquanto estou distraída com seu olhar, minha mãe pega minha
outra mão, arrancando-me das minhas divagações. Juntos, os dois me
ajudam a entrar no SUV.
— Aonde a senhora vai? — questiono quando minha mãe está
prestes a fechar a porta.
— Eu vou na frente com o Bruno. — Olho para os bancos
dianteiros do carro, só então me dando conta de que Davi não está lá.
Bruno vai dirigir? — Você precisa de espaço para ir confortável.
— Mãe — chamo com toda paciência do mundo, mas é impossível
conter a risadinha que me escapa. — Cabem cinco pessoas
confortavelmente aqui. — Aponto o óbvio e ela pondera, analisando
cuidadosamente o espaço ao meu redor para se certificar de que eu
estou certa. Na tentativa de conter a gargalhada que está prestes a
explodir, levo as mãos ao rosto e o esfrego, esquecendo que ainda há
alguns pontos doloridos nele e me arrependendo disso imediatamente
quando a pontada aguda me atinge. — Merda!
— Milena! — Meu nome é dito, ao mesmo tempo, por duas vozes
completamente diferentes, uma de cada lado da minha cabeça. Ao
abrir os olhos que a dor súbita me levou a fechar, encontro dona Daise
e Bruno, um em cada porta traseira do carro, observando-me como se
eu fosse um filhote que esteve prestes a rolar escada abaixo.

— Quer água? Você não pode beber muita, mas já faz mais de
trinta minutos desde a última vez — é uma das milhares perguntas
que minha mãe faz num intervalo de trinta minutos.
Chegamos em casa, eu fui devidamente instalada em meu quarto
— em minha cama — Gabriel foi repreendido ao tentar me abraçar, eu
olhei para dona Daise de cara feia, ela ignorou minha indignação e,
desde então, estão todos atentos a mim como se qualquer momento
de distração pudesse ocasionar minha morte.
— Acho que estou cansada — decido. Eu não estou. Na verdade,
considerando que eu não posso sequer me mexer sozinha, é
impossível que eu esteja cansada, mas como imaginei, isso surte o
efeito desejado. Deixa minha mãe feliz e me dá a chance de
finalmente respirar sozinha.
Verdade seja dita, eu até estou cansada, mas de me sentir
sufocada, mas eu entendo a super-reação e, por isso, não vou
reclamar dela. Enquanto minha mãe se movimenta para deixar o
quarto e obriga Gabriel a fazer o mesmo, Bruno me observa com
olhos estreitados.
— Vou ficar, caso você precise de alguma coisa — fala baixo e é
óbvio que minha progenitora não se opõe. Coço a sobrancelha. Lá se
vai meu momento de paz.
Minha mãe se aproxima, deixando um beijo em minha bochecha,
alertando de que, caso eu precise de alguma coisa, é só chamá-la e
que em breve voltará para me checar. Gabriel também se despede e
quando a porta finalmente se fecha, eu encosto a cabeça na cabeceira
e fecho os olhos.
— Você é uma péssima paciente. — A voz é baixa e o tom passa
longe da diversão. Ele está falando sério. Pelo amor de Deus! Abaixo
a cabeça e abro os olhos.
— Vocês estão exagerando! — digo para ele o que não direi à
minha mãe.
— Você ficou em coma, Milena. — Ele apoia as mãos na cintura,
parecendo irritado e eu nem sei por quê. Recuo a cabeça, não
entendendo o comportamento. Se alguém deveria estar irritada sou
eu, e eu não estou. Cansada? Me sentindo sufocada? Sim, mas
irritada? Não. — Por dois malditos dias! Nós não sabíamos se você ia
acordar! Por dois dias fodidos — faz uma pausa e suas narinas se
alargam quando uma expiração forte passa por elas — nós não
tínhamos qualquer ideia! — A força das suas palavras me faz piscar
ao ser, inesperadamente, atingida por ela.
Não sei o que dizer. Lambo os lábios antes de morder o inferior e
Bruno me dá as costas por alguns segundos. Quando se vira em
minha direção novamente, o que vi antes em seu rosto, já não está
mais lá.
— O que você quer fazer? Porque eu tenho certeza de que não
está cansada de verdade. — Seus gestos e rosto sugerem uma piada,
mas percebo que em algum momento, passei a conhecer seu sorriso
bem demais para acreditar na mentira. — O que você acha de assistir
a um filme? — Aceito a sugestão com um aceno. Ele pega o controle
da televisão sobre o móvel embaixo dela e me entrega para que eu
escolha.
— Você pode procurar meu celular, por favor? — peço, pensando
que, provavelmente, está descarregado. Não tinha me lembrado dele
até agora.
Ao invés disso, Bruno caminha, mais uma vez, até o móvel sob a
TV e pega uma sacola de papel que eu não tinha reparado estar ali.
Ele e a entrega para mim em silêncio e eu franzo as sobrancelhas ao
retirar lá de dentro uma caixinha envolta em um laço de fita.
— Presente de boas-vindas?
— Seu celular quebrou durante o acidente. Ele estava no seu bolso
e sofreu o impacto junto com você. Felizmente, seu corpo era mais
resistente. — Suas últimas palavras atraem minha atenção por
completo e isso, à sua proximidade.
Bruno se senta na beirada da cama, mantendo alguns centímetros
de distância entre seus quadris e minha cintura. Sua mão alcança
minha bochecha, seu toque é suave e eu inclino o rosto, roçando-o em
sua palma, querendo mais da carícia.
Por minutos, nada é dito e mais um daqueles momentos em que eu
tenho a impressão de estar enxergando nos olhos de Bruno um milhão
de coisas, que vou negar depois, acontece. Em minha imaginação,
seus olhos me dizem que, tanto quanto à minha mãe, ele sentiu medo.
Medo pelo que poderia ter me acontecido.
Em minha imaginação, seus olhos me contam que sua presença
aqui não é por amizade ou por qualquer outra coisa que não o fato de
ele não se sentir capaz de ir a lugar algum a mais de dois passos da
certeza de que eu estou bem.
Em minha imaginação, ele me promete que não vai a lugar algum,
mesmo depois que eu já estiver completamente recuperada. E quando
seus lábios tocam os meus, me permito esquecer de que quando eu
parar para refletir sobre esse momento no futuro, direi para mim
mesma que tudo não passou de mera invencionice da minha cabeça.
Pelos instantes em que sua boca me beija com cuidado e um
sentimento inominável, eu me permito acreditar.

— Você precisa dormir — digo, bocejando, quando desperto de


mais um cochilo rápido.
Um filme se transformou em cinco e, por mais, que minha mente
esteja tão bem quanto sempre esteve, meu corpo se sente cansado
muito facilmente. Isso significa que dos cinco, o único filme que assisti
inteiro, foi o primeiro. Os outros foram vistos entre sonecas.
Bruno está encolhido no pequeno sofá em meu quarto e apenas
olhar para sua posição faz minha coluna ter vontade de chorar.
— Você tem razão. — Levanta-se e alonga os braços, esticando-os
acima da cabeça antes de dobrá-los atrás das costas e, por fim, soltá-
los ao lado do corpo.
— O que você está fazendo? — pergunto quando ele tira as
poucas almofadas do sofá e começar a esticar um lençol, que não sei
de onde tirou, sobre o móvel.
— Me preparando pra dormir? — responde sem se virar para mim.
— Espera! O quê? — Não recebo qualquer resposta enquanto ele
continua o trabalho de esticar a roupa de cama. — Bruno! —o chamo
pelo nome e finalmente ganho sua atenção.
Na penumbra do quarto semiapagado, só agora reparo que ele não
está com a mesma roupa de antes. Em algum momento entre meus
cochilos, Bruno tomou banho e se trocou. A lembrança de um dos
banhos que tomamos juntos surge em minha cabeça, fazendo-me
morder o lábio e ficar em silêncio quando deveria estar dizendo as
palavras que me fizeram praticamente gritar seu nome.
— Sim? — estimula e eu pisco, forçando-me de volta ao presente.
— Você não pode dormir aqui! Você precisa ir pra casa!
— Está me expulsando? — A pergunta me pega desprevenida ao
me fazer enxergar que sim, estou, mas meus motivos são nobres.
— Bruno, esse sofá tem metade do seu tamanho!
— Você tem razão — concorda e eu assinto, sem entender como
ele pode não ter percebido isso, afinal, estava encolhido na porcaria
do sofá. Era óbvio que ele não cabia ali.
O homem me dá as costas, puxa o lençol de cima do sofá e estou
prestes a lhe dizer que não precisa se preocupar com isso, quando ele
o sacode para esticar no chão.
— Bruno! — exclamo e a maneira como ele me olha é de um
cinismo tamanho que qualquer pessoa acreditaria que a louca sou eu.
— O que você está fazendo?
— Você tem razão! O sofá é muito pequeno, o chão vai ser mais
confortável.
— Por que você não vai pra casa? Eu estou bem, você não precisa
ficar aqui. — Nenhuma palavra deixa sua boca, mas dessa vez eu não
tenho qualquer dúvida daquelas que interpreto em seu olhar quando
um sorriso pequeno domina o canto dos seus lábios: “Eu não vou a
lugar algum!”.
Por quê? Eu também gostaria de saber por que a ideia de me
afastar de Milena soa tão absurda. Ela já está em recuperação, está
em casa, confortável, sob os cuidados de sua família.
Eu deveria ir para casa, depois de cinco dias dormindo sentado em
uma poltrona, minha cama deveria parecer mais confortável do que
sempre foi, a ideia de dormir nela deveria parecer a porra do Santo
Graal, mas qualquer lugar mais distante do que alguns metros da
menina que me encara com os olhos cheios de perguntas, neste
momento, parece longe demais.
Solto um longo suspiro antes de deixar o lençol que tinha nas mãos
em um amontoado sobre o sofá e cobrir os poucos passos entre a
cama e eu. Sento-me na borda, tomando cuidado de manter alguma
distância de Milena para evitar acidentes.
— Eu não vou deixar você — declaro, porque não tenho como
responder à pergunta que ela fez. Acaricio sua bochecha, o hematoma
ali já está bem mais claro e, como todas as vezes, ela inclina a cabeça
na direção do carinho. — A condição da sua mãe é complicada,
Milena. Não é justo esperar que Gabriel seja responsável por vocês
duas. — Dou a explicação racional que eu sei que é parte da verdade,
mas não toda ela.
Se esse de fato fosse todo o motivo para a minha recusa em ir
embora, ele poderia ser facilmente resolvido pela contratação de uma
enfermeira, por exemplo. Seria a decisão mais inteligente, na verdade.
Isso, é claro, se o que estivesse me mantendo aqui fossem as
necessidades de Milena, mas não são.
Minhas razões são egoístas. É a minha necessidade de me
assegurar do seu bem-estar, de que ela está recebendo todos os
cuidados que precisa e merece, que me impede de passar pela porta.
— Você não dorme direito há dias, Bruno.
— Acredite em mim quando eu digo que não vou dormir melhor
longe daqui. — Ela morde o lábio, provavelmente, engolindo a mesma
pergunta que ignorei segundos atrás: “por quê?” e boceja. — Você
precisa dormir.
— Se você vai ficar, então deita na cama, não faz o menor sentido
dormir no chão.
— Não posso. Você gosta de dormir abraçada, em algum momento
da noite, iria se aninhar e poderia se machucar. Então ou eu não
conseguiria dormir, preocupado com isso, ou dormiria feito uma pedra,
porque realmente estou cansado, e não poderia fazer nada pra
impedir. — Ela vira o rosto suavemente e deixa um beijo na palma da
minha mão.
— Então dorme no sofá da sala, ele é maior — sugere e eu sorrio.
— Eu não vou deixar você.
— Você está sendo teimoso — acusa, bocejando outra vez.
— É um dom. — Ela revira os olhos e eu sorrio. — Dorme, meu
bem. Seu corpo precisa descansar.
— O seu também.
— E vai. Logo depois do seu. — Milena gostaria de protestar, mas
depois de bocejar pela terceira vez, é vencida pelo cansaço e desliza
na cama, para se deitar. Eu a ajudo, tentando minimizar seus esforços
e depois volto a me sentar ao seu lado. Ela adormece segurando a
minha mão e aquele quebra-cabeça, descoberto pouco tempo atrás,
parece quase completo agora.
Estou num mercado.
Olho ao meu redor, reparando nas gôndolas cheias e me pergunto
quando foi a última vez que estive em um mercado? Talvez, nunca?
Porra! Eu realmente não me lembro. Em minha mão há uma pequena
lista de três itens que dona Daise insistiu em me dar, mesmo depois
de eu ter dito que sabia o que precisava comprar: cenoura, abóbora e
bertalha. Três ingredientes importantes para o jantar de Milena cuja
falta só foi dada na hora do preparo.
E quando eu disse que pediria num delivery, a mãe de Milena
argumentou que era bobagem, “o mercado era pertinho e eu faria a
compra muito mais rápido do que uma encomenda”.
Coço a nuca, procurando com os olhos a seção de legumes e
verduras. Existe essa seção, certo? Deve existir. No fim do corredor à
minha esquerda, vejo uma enorme placa anunciando o hortifrúti e
sorrio. É claro que existe a seção.
No caminho até ela, passo por um corredor cheio de biscoitos que
me lembra do paladar infantil de Milena, mas ela não pode comer
açúcar, então passo direto, mesmo que hoje mais cedo a mulher
estivesse resmungando sobre ser adulta e dever poder comer o
quisesse. Grande adulta ela é.
A cenoura e a abóbora são fáceis de identificar e rapidamente
escolho as que parecem mais bonitas, mas quando chego às
verduras, elas simplesmente parecem todas iguais e eu passo cinco
minutos comparando uma imagem que achei no google com cada
uma das que encontro na prateleira antes de desistir e fazer uma
chamada de vídeo para dona Daise.
Enquanto ela me auxilia, ouço a risada de Milena no fundo e faço
uma anotação mental de fazê-la pagar por isso em um momento
apropriado.
— Você mandou flores anteontem — reclamo ao abrir a porta do
apartamento de Milena para Arthur e encontrá-lo segurando um
imenso ramalhete de flores amarelas em uma das mãos e uma sacola
de papel na outra.
— Aquelas eram violetas para desejar melhoras, essas são
girassóis, pra trazer alegria.
— E você sabe disso por que...
— Porque eu sou um excelente ouvinte — justifica antes de dar um
tapinha em meu ombro e forçar a passagem para dentro do
apartamento sem que eu tivesse saído totalmente do caminho.
— Oi, dona Daise! Que bom ver a senhora! Já pensou na minha
proposta? — pergunta, oferecendo a ela as flores que tinha nas mãos.
Expulso o ar pelos dentes com um chiado quando a mãe de Milena o
abraça sorridente. Manipulador.
— Tudo bem, meu filho? — ela me pergunta, interpretando errado
meu desdém.
— É só inveja, dona Daise! Não liga pra ele, pensou na minha
proposta? — repete à pergunta, fazendo referência aos galanteios que
começaram no hospital. O cretino sabe como encantar uma mãe, isso
é um fato.
— Não seja bobo, Arthur! Já te disse que você é jovem demais pra
mim, mas se você tiver um pai disponível... — Deixa o restante no ar e
se desvencilha do abraço. — E Bruno não tem do que ter inveja, quem
beija meus filhos, minha boca adoça, e até onde eu sei, ele está
fazendo isso com ambos, felizmente, só com um deles a coisa é literal
— comenta, levando Arthur a gargalhar e eu também rio. Mas assim
que ela nos dá as costas, movimento os lábios, sem produzir som
algum, mas tendo a certeza de que Arthur entendeu às palavras. “Se
fodeu, otário!” — Agora vão ver a Milena, ela está começando a se
sentir entediada.
— Controle as piadinhas! — aviso quando estamos no corredor. —
Ela não pode fazer movimentos bruscos, isso inclui gargalhadas.
— Você é fiscal de sorriso agora?
— Estou falando sério! — enfatizo antes de abrir a porta e meu
amigo revira os olhos ao passar por ela.
— Arthur! — Milena desvia o olhar da televisão no instante em que
percebe a porta ser aberta. — Você veio me salvar do tédio? Por
favor! Me diz que você veio me salvar do tédio — choraminga e o
babaca faz uma reverência ensaiada antes de mostrar a ela a sacola
de papel que tem nas mãos e que, agora, me arrependo de não ter
dado importância.
— Eu trouxe o banco imobiliário — anuncia e Milena sorri de orelha
a orelha. Perco-me no sorriso por alguns instantes antes de cortar
suas asas.
— Nem fodendo ela vai jogar banco imobiliário! — aviso.
— O quê? Por quê? — Ao mesmo tempo, ela murcha e se indigna.
— Sem movimentos bruscos — lembro.
— Mas eu estou sentada. Não preciso sair daqui.
— Além de fiscal de sorrisos você também virou fiscal de
felicidade? — Arthur implica e eu lhe dou um olhar de canto de olho.
— A única coisa que ele não anda fiscalizando esses dias é a
minha paciência — Milena reclama. — Se ele estivesse, saberia que
ela está muito perto do fim.
— Lamento que você sinta assim, mas é pro seu bem. Quando o
médico te liberar, saltamos de paraquedas, se você quiser — digo e
suas sobrancelhas se erguem. Seus olhos se arregalam antes de ela
inclinar a cabeça, estudando-me.
— Você está me enrolando? — pergunta. — Arthur, ele está me
enrolando ou me comprando?
— Eu acho que ele está te comprando enquanto te enrola. — O
filho da puta dá de ombros depois de responder.
— Tudo bem! Eu aceito o salto de paraquedas! Mas por que, em
nome de Deus, eu não posso jogar banco imobiliário? Eu fico imóvel,
nem preciso jogar os dados, deixo que você jogue pra mim.
— Isso seria perfeitamente aceitável, se você não fosse tão
competitiva.
— Eu não sou competitiva! — protesta e eu sequer me dou ao
trabalho de responder. Arthur assiste ao nosso embate, movendo a
cabeça de um lado para o outro, o que me lembra de outra coisa.
— Como você fez? — pergunto a ela que imediatamente desvia os
olhos, sabendo exatamente do que eu estou falando.
— O quê? — Ela se faz de desentendida.
— Você me roubou no banco imobiliário, eu quero saber como você
fez.
— Eu não faço a menor ideia do que você está falando.
— Sério? Você vai negar descaradamente? Na minha cara?
— Arthur, você faz alguma ideia de sobre o que ele está falando?
— Meu amigo, que está se esforçando bastante para ser destituído
deste posto, nega com a cabeça antes de fazê-lo com as palavras.
— Não... Nenhuma! — O sorrisinho preso ao canto dos seus lábios
me diz que ele não só sabe, como a ajudou. Filho de uma puta! É
claro que ele ajudou.
— Uhum... Eu vou fingir que acredito, já que vocês estão tão
empenhados em fingir que me enganam. — Ambos dão de ombros.
— Se nós não podemos jogar banco imobiliário e eu não posso
contar piadas, nós podemos conversar, pelo menos? — É a minha vez
de dar de ombros. — Ótimo! Milena, eu tenho algumas histórias
realmente constrangedoras pra te contar!
— Arthur!
— Me sinto pronta! — Ela e eu dizemos ao mesmo tempo e o
sorriso estampado na cara de Arthur não deixa dúvidas sobre a qual
de nós dois ele pretende dar ouvidos.
— Bom dia, dorminhoca — Bruno saúda assim que eu abro os
olhos.
— Pra quem? — resmungo, querendo fechá-los outra vez.
— Você costumava acordar com um humor melhor...
— Ah! Quando eu não dormia congelada em uma única posição,
não passava o dia fazendo turismo da cama pro sofá e do sofá pra
cama, não precisava acordar duas vezes a cada noite pra tomar
remédios, podia comer quantos tiramissus eu quisesse e, claro, não
precisava de ajuda pra fazer xixi? Ah, sim! Nessa época? É claro! Eu
realmente acordava.
— Como eu disse... Costumava acordar com um humor bem
melhor... — murmura e eu estreito os olhos para ele. — Banheiro?
— Sim, por favor. — A contragosto, aceito sua ajuda para me
levantar da cama e sou amparada até minha suíte. É tão embaraçoso
saber que ele está me ouvindo fazer xixi.
Quando termino, faço minha higiene e me sentindo confiante,
preparo-me para tomar meu primeiro banho sozinha em uma semana.
No entanto, meus planos são frustrados quando Bruno entra no
banheiro sem ter sido chamado.
— O que você pensa que está fazendo? — pergunta, ao se deparar
comigo nua e eu bufo. E ele não sabe o motivo do meu mau humor?
Eu acordava de excelente humor quando sua primeira reação ao me
encontrar nua era me comer com os olhos, não me recriminar.
Saudades de ser comida, inclusive. E não apenas com os olhos.
— Tomando banho?
— E por que você não esperou sua mãe? Por que não me pediu
ajuda?
— Porque eu não sou uma boneca de porcelana e eu não planejo
desfilar no carnaval, só tomar um banho sentada. Já se passaram sete
dias, Bruno! Eu sou capaz de me lavar! — Meu tom deve denunciar
que me contrariar agora não é uma boa ideia. Deus, ele tem razão! Eu
acordei com um humor do cão e não o vejo melhorando nem tão cedo.
— Tudo bem. Mas eu vou ficar aqui.
— Eu vou estar sentada — argumento.
— Não importa. Esse é o máximo que vou ceder. É pegar ou largar.
Mentira, e pegar ou pegar. Você decide. — Eu grunho, irritada, mas
sem opções, entro no box e sob sua observação atenta, tomo meu
maldito banho e, em algum momento, o ouço resmungar baixinho
sobre o quão péssima paciente eu sou. Que se dane!

— Posso entrar? — Já é o final do dia quando Bruno pergunta ao


bater na porta do meu quarto e eu ergo os olhos do livro que tenho em
mãos.
— Você está, literalmente, morando aqui. É claro que você pode
entrar — respondo, tentando não soar tão mal-humorada quanto me
sinto e falhando miseravelmente. Aquele sorriso de menino toma
conta do seu rosto, ele entra com as mãos escondidas atrás das
costas e senta ao meu lado do jeito cuidadoso de sempre.
— Eu sei que essa situação não é confortável — começa e eu torço
os lábios, esse é o eufemismo do século. Ele ri baixo antes de
continuar. — É uma situação de merda.
— Definitivamente.
— E eu também sei que é ainda pior porque você está acostumada
a fazer tudo sozinha, Milena. Eu posso imaginar o quão fodido é estar
precisando depender de outras pessoas, mesmo que sejam pessoas
que te adoram e só querem o melhor pra você, meu bem. — Mordo o
lábio ao ouvir a declaração indireta e ele se aproxima, colando a testa
à minha e espalmando a mão gelada em minha bochecha.
— Que me adoram, é? — Não resisto e pergunto. Bruno sorri um
sorriso imenso.
— Eu te adoro pra caralho e tô louco pra te ver completamente bem
de novo, só isso. — Seu tom é baixo, sua boca está tão perto da
minha.
— Meu mau humor conseguiu te espantar? Você tá louco pra se
livrar de mim, é?
— Bem... — começa e eu abro a boca e arregalo os olhos,
incrédula que ele realmente vá concordar com isso. — Não posso
dizer que não estou ansioso pra ter suas manhãs bem-humoradas de
volta, mas há outras coisas que eu quero tanto ou mais que elas.
— Jura? E o que seriam? — questiono, estreitando os olhos em
espera, embora eu já imagine a resposta ao pensar nas noites
deliciosas que precedem as manhãs.
— Eu estou louco pra ter você só pra mim, sua companhia. —
Surpreende-me e estica os dedos, alcançando atrás da minha orelha,
a lateral do meu pescoço. — Louco pra te ver dançar, pra ouvir sua
gargalhada sem precisar me preocupar com isso te fazendo mal —
sussurra e seu hálito quente é uma provocação muito maior do que eu
consigo lidar. Inclino a cabeça para frente e capturo seus lábios.
Começo passando a língua sobre eles, devagar, saboreando,
sentindo a textura macia, testando a receptividade de Bruno já que ele
não se voluntariou a me dar mais do que selinhos nos últimos dias.
Ele entreabre os lábios para mim, dando-me passagem e eu a aceito,
com uma saudade imensa da sua boca, do seu gosto.
Eu o beijo intensamente, mesmo que aquele desespero habitual
não esteja presente. Eu gostaria, mas tenho medo de Bruno
interromper, dizendo que é esforço demais. Então aproveito a
oportunidade sem correr o risco de perdê-la e é uma delícia.
— Estou louco pra te beijar até não conseguir mais respirar, porra!
— diz, quando interrompe o beijo antes que eu possa realmente sentir
falta de ar, mas mantém a boca colada à minha. — Louco pra te ter na
minha casa, na minha cama de novo, de novo e de novo. Louco pra
viajar com você e fazer todas as coisas que ainda não fizemos juntos,
mas vamos. — A promessa contida me leva a mergulhar nos seus
olhos e eu percebo que nunca quis tanto algo na vida, quanto desejo
que elas sejam verdadeiras. A carícia de seu polegar em minha
bochecha e das pontas dos seus outros dedos em minha nuca não
para, dificultando que eu me concentre em qualquer coisa que não
seja o homem à minha frente, seu cheiro, sua boca, tudo nele. — Eu
preciso que você melhore, meu bem. Preciso.
Permanecemos trocando toques e beijos suaves por muito tempo
até que Bruno se lembre do que o fez bater na porta, em primeiro
lugar.
— Tenho uma coisa pra você — diz e estica a mão até a mesa de
cabeceira, pegando dali um saco de papel envolvendo um formato que
eu conheço muito bem.
— Não! — Arregalo os olhos, eufórica. — Isso é?
— Sim! Isso é tiramissu do Caparellos — confirma minhas
suspeitas e minha boca se enche d’água. — Mas calma, ou eu não
vou te dar. — Estreito os olhos em uma ameaça silenciosa, mas puxo
uma inspiração profunda antes de soltá-la devagar.
— Como isso chegou aqui?
— Eu trouxe quando entrei. Você estava distraída e não me viu
colocar bem ao seu lado — responde com um sorrisinho safado no
canto da boca. — Quer?
— Claro que eu quero! — Abro as mãos, prontíssima para receber.
— Você trouxe uma colher?
— Trouxe. Está aí dentro — diz, entregando-me o saco que eu
aceito, quase desesperada, e não demoro a rasgar para encontrar o
copo plástico em formato de taça. — E você não pode comer tudo.
Seu médico disse que um terço dessa porção é o limite.
— E eu vou poder comer os outros dois terços em outros dias? —
Faço um bico, esperançosa.
— Vai, só não serão dias seguidos.
— Tudo bem — respondo com pressa e depois de pegar uma
porção bem pequena, porque quero comer devagar, já que não posso
comer muito, levo o doce à boca e é impossível conter o gemido.
Bruno ri sem se importar em fazer isso escondido. — O que te
convenceu a me dar doce? — pergunto, curiosa e sua expressão me
diz que ele pensa que a resposta é óbvia.
— Queria melhorar seu humor — pausa para o meu coração
acelerar —, te deixar um pouco mais feliz. — Agora, o pobre órgão
erra umas duas batidas.
— Funcionou — admito. — Obrigada.
— De nada. — Beija minha testa e se afasta para me deixar comer
meu doce e quando eu estou com a colher na boca, ele murmura: —
Graças a Deus!
— Só vou te perdoar porque você me deu tiramissu.
— E beijos — negocia.
— Um beijo! — protesto.
— Oi, garoto! — Abaixo-me para coçar a orelha do cachorro que
em uma rara ocasião, hoje decidiu que eu sou digno da sua atenção
e assim que me vê, coloca a preguiça de lado e vem me saudar,
balançando o rabo curto, correndo e pulando com a língua imensa
para fora.
Desde o acidente de Milena, ele tem ficado com um tutor. É a
opção que uso quando viajo e foi a que recorri desta vez, quando
apesar de estar na cidade, só tenho ido à cobertura a cada dois ou
três dias para buscar trocas de roupas e com a mesma frequência,
venho até o tutor visitar o buldogue gordo.
— É garoto, eu sei. Eu sei. Também estava com saudades. —
Buzz esfrega seu nariz achatado em mim, farejando o cheiro
diferente, que não é o da nossa casa, como em minhas últimas
visitas e, depois de um tempo, senta, levanta a cabeçorra e a
inclina, deixando os dentes tortos presos do lado de fora da boca
fechada. Eu rio, porque essa é uma de suas expressões mais
engraçadas.
— O que foi, Buzz? — pergunto, ao me agachar e ele continua
na mesma posição antes de esfregar o focinho em minha calça. —
Está com saudades dela? Ou quer saber onde ela está? —
questiono ao me dar conta de que ele também deve estar sentindo
falta de Milena.
Buzz é um cachorro extremamente carinhoso e nas últimas
semanas, Milena se tornou sua grande amiga, parte da nossa rotina.
Ele passava todo o tempo possível andando atrás dela, esfregando-
se em suas pernas ou dormindo sobre seus pés enquanto ela
estivesse pela cobertura.
— A nossa garota está se recuperando, amigão. Falta pouco
agora — digo e, no momento em que as palavras ganham o mundo,
percebo que é a primeira vez que as digo em voz alta, ainda que,
silenciosamente, eu já tenha dito essas e uma série de outras com o
mesmo significado, um milhão de vezes, na última semana e meia.
Durante aquele período filho da puta no hospital, eu soube que
estava fodido. Rio de mim mesmo e solto o corpo no chão, sentando
no piso frio da varanda coberta onde estamos. Buzz não se faz de
rogado e imitando meu gesto, larga o corpanzil no chão, apoiando a
cabeça em minhas pernas cruzadas.
Porra nenhuma! Eu soube antes, dias antes, quando observei
Milena dormindo em minha cama, depois da nossa noite privada no
camarote da Carmesim, e desejei tê-la ali por muito mais do que
apenas três meses. Naquela manhã, sem perceber, pela primeira
vez, eu coloquei algo na frente daquilo que eu sempre achei ser
meu maior objetivo, o trabalho.
Pedir à Milena que passasse o dia comigo não foi nada
planejado. Até alguns dias atrás, eu sequer tinha me dado conta da
importância daquela atitude. Foi só quando estive a beira de dizer à
mulher pequena de olhos azuis, que estava louco por ela, mesmo
que ela estivesse com um humor ruim pra caralho, que percebi que
minhas atitudes já a haviam escolhido antes mesmo do meu cérebro
admitir.
Jogo a cabeça para trás em uma gargalhada solta. Marcos
Valente filho de uma puta! Se fodeu e, sem ter a menor ideia,
arrastou-me junto. Porra, os caras vão me infernizar com essa
merda. Porém, primeiro eu preciso descobrir uma forma de contar
para ela.
Não me faltaram oportunidades, o dia do seu mau humor
colossal foi apenas a mais recente delas, no entanto,
aparentemente, eu sou um romântico, ou, pelo menos, Milena me
faz desejar ser. Eu quero que esse seja um momento perfeito para
ela e não acho que dizer isso enquanto ela resmungava sobre não
poder fazer xixi sozinha possa ser descrito dessa maneira.
Alguém precisa pará-lo. Há limites para o que o coração de uma
mulher pode suportar sem se apaixonar e desde que acordei no
hospital, há dez dias, Bruno não fez nada além de continuar cruzando-
os, uma vez depois da outra, sem se importar com as consequências.
Primeiro, ele praticamente se mudou para a minha casa, e,
definitivamente, mudou-se para o meu quarto. Sob a alegação de uma
licença no trabalho, Bruno mal deixou o apartamento em que moro,
exceto para buscar roupas, visitar Buzz ou em situações em que a
empresa realmente exigia sua presença.
Todas as vezes que isso aconteceu, ele saiu daqui extremamente
irritado, resmungando sobre pagar salários altos demais e, ainda
assim, as pessoas serem incapazes de resolver problemas sem a
presença dele. Mesmo nessas ocasiões, ele nunca demorou mais do
que duas ou três horas.
Depois, há sua relação com minha mãe. Apesar da minha situação
atual, a condição médica da minha mãe é o que é, uma condição, e
ela não daria trégua só porque fui atropelada. Seus remédios
continuaram precisando ser tomados nos mesmos horários e suas
consultas de acompanhamento continuaram precisando ser
frequentadas. Desde que fui obrigada a fazer repouso absoluto,
tivemos duas e Bruno a acompanhou em ambas.
Sua relação com Gabriel dispensa comentários. Meu irmão está
cada dia mais radiante com seu estágio e eu, mais iludida ao ver
Bruno ser para Gabriel o que ele nunca teve, uma figura masculina,
mesmo que, às vezes, como por exemplo, quando eles jogam
videogame, eu me pergunte qual dos dois é o mais imaturo.
Além disso, as palavras “Eu preciso que você melhore, meu bem.
Preciso.” Foram só o começo de uma onda de declarações desleais
com o meu coração.
E é claro, há o agravante de seu corpo não ter se tornado um
pouco menos gostoso a cada dia que se passou. Ele foi além e teve a
audácia de se tornar mais gostoso a cada minuto que esteve longe do
meu alcance. Seus lábios parecem mais cheios, seus olhos mais
azuis, seu maxilar mais forte e seu cheiro mais intenso a cada dia que
Bruno não me toca. E ele não toca.
Essa é mais uma das coisas que alguém precisa lhe dizer. Alguém
precisa explicar a ele que eu não quero beijinhos castos, quero sua
língua roçando a minha, massageando, como no dia em que me
trouxe tiramissu para melhorar meu humor. Quero seus lábios
chupando minha língua e seus dentes mordendo meus lábios. Deus,
eu pareço estar desesperada por isso. A cada segundo longe da
intimidade na qual eu me viciei, um nervo meu morre para que um
mais atormentado nasça em seu lugar.
Até este momento da minha vida, eu não sabia que era possível ter
abstinência de alguém e Bruno não parece ter qualquer intenção de
colocar os dedos em mim nem tão cedo. Eu estou enlouquecendo.
Não há outra explicação. Porque, enquanto emocionalmente eu
preciso que ele pare, fisicamente, preciso que ele comece. E a pior
parte é que eu tenho certeza de que mesmo que ele fizesse as duas
coisas, ao mesmo tempo, ainda assim, não seria o suficiente.

Sentada na cama, com as costas apoiadas a uma pilha de


travesseiros e as pernas esticadas sobre o colchão, na posição da
qual acho que posso ter dificuldades de me descongelar quando não
for mais necessária, olho de rabo de olho para Bruno, ao meu lado.
Ele está concentrado em seu computador, trabalhando em alguma
coisa. Depois de treze dias, somente ontem consegui convencê-lo a
dividir a cama comigo e dormir agarrado ao seu peito, com o seu
cheiro me inundando a cada inspiração, transformou o que era
desespero em necessidade. É um absurdo, eu sei que é, mas não
consigo evitar a sensação.
— Para de me olhar assim — pede, mas eu me faço de
desentendida.
— Assim, como?
— Como se fosse pular em cima de mim a qualquer momento.
— Talvez eu pule — sugiro, agora o olhando de frente. Bruno tira os
olhos da tela do notebook em seu colo e os coloca em mim.
— Não pula não — diz sério e eu reviro os olhos.
— Já faz catorze dias desde o acidente, Bruno! Amanhã eu vou
receber alta! Uma mulher tem necessidades! — reclamo e ele ri,
virando o rosto na direção da parede por alguns segundos antes de
fechar o notebook, o colocar sobre a mesinha de cabeceira e girar,
deixando o tronco de frente para mim.
Nós nos encaramos por algum tempo sem que nenhum de nós faça
qualquer movimento. É ele quem cede, ou pelo menos, é isso que eu
acho que está acontecendo quando seus dedos vão para minha nuca
e movendo apenas a cabeça, ele aproxima o rosto do meu.
Nossas respirações se misturam e o calor que vejo em seus olhos
rapidamente se espalha por cada centímetro meu. Deus, que
saudade!
— Tá com saudade, meu bem? — Parecendo ouvir meus
pensamentos, pergunta em uma voz sussurrada que faz um arrepio
gostoso subir pela minha coluna.
— Muita — meio sussurro, meio gemo a palavra solitária. Bruno
roça o nariz pelo meu rosto, acariciando, provocando, mas com o
agarre firme em minha nuca, me mantém presa no lugar.
— Eu também, meu bem. Eu também. — Fecho os olhos quando
seus lábios alcançam minha orelha e seus dentes mordem o lóbulo. —
E é por isso que eu não vou te foder antes de você receber a maldita
alta, nem na casa da sua mãe, Milena. — Seu tom é definitivo e eu
choramingo, frustrada por não receber o que eu tanto quero e aquilo
que acreditei que receberia. — Porra, meu bem — faz uma pausa e
lambe atrás da minha orelha —, eu quero ouvir você gritar e ela e seu
irmão realmente não precisam fazer parte disso. — Ele me solta e se
levanta da cama de maneira abrupta e, depois de me lançar um olhar
que diz muito, agarra um travesseiro e começa a caminhar na direção
da porta.
— Onde você sai? — Minha voz sai rouca, excitada.
— Dormir na sala, Milena.
— Bruno! — me lamurio, roçando os quadris contra o colchão.
— Sem Bruno, Milena. Você não vai me convencer! — determina e
expira com força. Ele dá meia volta e se inclina na minha direção.
Beija minha testa, depois minha boca com suavidade. Deus! Eu não
quero suavidade. — E não se atreva a gozar! — Seu tom é imperativo
e por um segundo, quero desafiá-lo, mas a quem eu estou querendo
enganar? Me masturbar não me daria o que eu quero. Eu gozaria,
gozaria! Talvez até me sentisse aliviada, mas é pelo toque dele que
me sinto desesperada, não pelo alívio.
Portanto, eu apenas bufo, malcriada, e o cretino tem a audácia de
soltar uma risadinha antes de beijar minha boca sumir porta a fora.
— Inferno! — resmungo.
De pé, no canto do consultório, observo cheio de expectativas,
enquanto o médico examina Milena. Acho que nunca esperei tanto por
uma notícia quanto estou esperando pela sua alta médica. Porra! Nem
a notícia de que tinha conquistado meu primeiro bilhão foi tão
aguardada. Meu coração retumba no peito, ansioso por três malditas
palavras: “Ela está bem!”
Milena procura meu olhar, sentindo-se tão ansiosa, provavelmente
até mais do que eu. Ela não aguenta mais o repouso e, se a noite
passada deixou algo claro, é que também não aguenta mais a
abstinência sexual. “Uma mulher tem necessidades!” disse.
Se não fosse trágico, seria cômico. Sua determinação, como
sempre me deixou imediatamente duro e eu precisei dormir na sala,
porque não confiava em mim, mas confiava ainda menos nela. A
cretina poderia tentar me seduzir de madrugada, e porra! Achei melhor
não arriscar.
— Parece que está tudo como deveria estar, Milena. Você está
oficialmente de alta! — Milena pula da maca em que estava sentada e
abraça a mãe que já está chorando. — Mas vamos manter um ritmo
reduzido pelas próximas semanas, tudo bem? — As duas se
desvencilham do abraço e se viram para o médico, mantendo somente
os dedos entrelaçados. — O repouso absoluto está suspenso, mas
você ainda não pode praticar atividades físicas de impacto, nem
quaisquer atividades que demandem muito esforço físico.
A recomendação faz com que Milena olhe para mim e eu assinto.
Já esperava por isso, passei as últimas semanas conversando
diretamente com seu médico sobre seu progresso e sobre os
prognósticos.
— Que tipo de atividade, além de exercícios físicos, deve ser
evitada? — Milena pergunta.
— Caminhadas longas, escadas com uma grande quantidade de
degraus, danças intensas ou que exijam muito do seu corpo. Apesar
de estar sendo liberada do repouso, Milena, é importante que você
entenda que seu corpo ainda está em recuperação. O baço é um
órgão sensível e importante do seu corpo que sofreu uma lesão.
Felizmente, não foi necessária uma cirurgia, mas seu corpo vai
precisar de tempo. — Ela morde o lábio inferior e balança a cabeça
em concordância. Outra vez, seus olhos me procuram, mas logo
depois, param na mãe, ao seu lado e, então, voltam para o médico.
Franzo a sobrancelha, estranhando quando ela repete o tour visual
e solta uma expiração profunda, como se estivesse tomando coragem
para fazer uma per...
— E sexo? — Minha boca se abre, refletindo meu choque por
apenas um segundo antes de eu controlar minha expressão fácil. Puta
que pariu! É claro que ela fez isso. Dona Daise, ao invés de
demonstrar algum tipo de constrangimento, joga a cabeça para trás e
gargalha alto enquanto eu coço a cabeça. Apesar da coragem para
perguntar, o constrangimento pinta o rosto de Milena de vermelho.
— Não será um problema, desde que não envolva situações de alto
estresse físico. — Dona Daise se esforça para conter uma segunda
gargalhada, mas não consegue e seu riso enche o consultório.
— Eu posso ir a um show? — expressa aquela que eu achei ser
sua maior preocupação, mas claramente estava enganado. Pelo
menos eu sou mais importante do que o Harry Styles. Que bom, não
é?
— Desde que siga as orientações sobre esforço físico, sim.
— E a alimentação? Posso voltar a comer doces? — Milena
pergunta, esforçando-se para deixar sua curiosidade já satisfeita para
trás, mesmo que sua mãe não pareça estar com a mesma disposição.
— Vamos manter sua dieta por um tempo, mas podemos aumentar
a quantidade de porções de doce para mais uma vez na semana.
Ela assente, satisfeita, e pelos próximos trinta minutos, todas as
suas dúvidas são sanadas e novos exames e consultas marcados.
Quando saímos do consultório, a sensação é de que um caminhão
cegonha foi retirado das minhas costas.
Deixo o hospital com o braço enrolado na cintura de Milena e a
certeza de que, agora, é hora de colocar meu plano em prática. O
primeiro passo envolve quatro idiotas e uma aposta, mas antes, eu
preciso cuidar das necessidades da minha mulher.

O bater incessante do pé de Milena contra o chão me deixa dividido


entre rir da ansiedade exposta em seu rosto, gestos e respiração
irregular, ou em aproveitá-la. O ar ao nosso redor estala com uma
energia pesada, alimentando a expectativa do que nós dois sabemos
que está prestes a acontecer.
Deixamos dona Daise em casa, passamos algum tempo lá, com
sua família, e mesmo que Milena estivesse aproveitando a reunião
sem o peso do repouso absoluto, seus olhares de esguelha para mim
deixavam bem claro que ela estava ansiosa para o momento em que
nos despediríamos de sua mãe e irmão e finalmente ficaríamos
verdadeiramente sozinhos em semanas.
Eu gostaria de ter brincado com sua expectativa, de ter fingido
estar sem quaisquer intenções para esta noite, seria fácil argumentar
que a ida ao médico já havia sido esforço o suficiente para o dia de
hoje, mas eu não enganaria ninguém. Tanto quanto ela, estou louco
de saudade, de vontade e necessidade dela. Da conexão que só
descobri no seu corpo e da conversa deliciosa que aprendi existir
entre os nossos gemidos.
As portas do elevador se abrem com um apito e os olhos azuis e
expectantes procuram os meus. Ela suspira, pisca algumas vezes e
morde o lábio, linda para caralho no vestidinho solto que eu tenho
certeza de que foi escolhido porque é fácil de tirar. Essa é só uma das
muitas contradições que eu adoro nela. Sua capacidade de unir
inexperiência e ousadia em doses de igual medida quando o assunto
é sexo.
Milena sai do elevador em passos moderados e eu vou logo depois.
Abro a porta da cobertura e deixo que ela seja a primeira a entrar,
seguindo-a, antes de fechar e me recostar à porta. Ela já se distanciou
alguns passos quando percebe que fiquei para trás e se vira para
mim.
— O que foi? — questiona e eu balanço a cabeça de um lado para
o outro.
— Nada... Eu só estou olhando pra você. — não tenho qualquer
ilusão de não soar como idiota apaixonado.
— Olhando pra mim? — Move os lábios cheios e rosados na
sugestão de um sorriso.
— Olhando pra você. — repito.
— Você já não fez isso o bastante nas últimas semanas? —
pergunta, voltando os passos que nos afastaram e tocando meu rosto
com as mãos pequenas.
Em silêncio, nos encaramos até que a realidade da força do que
Milena me faz sentir me obriga a fechar os olhos. Porra, um idiota,
completamente apaixonado, é o que eu sou.
Com as mãos espalmadas nas bochechas de Bruno, enquanto encaro
seu rosto perfeito e seus olhos fechados, sentindo todo o meu corpo
reagir à sua presença, à sua proximidade, à mera certeza de que ele
está aqui, ao alcance das minhas mãos, quero rir de mim mesma.
Minha boca pode negar o quanto quiser e minha mente pode tentar
fugir o quanto se achar capaz, mas a verdade é que não estou prestes
a me apaixonar por este homem. Eu já me apaixonei, perdida e
irremediavelmente.
Depois de tanto tempo negando, é engraçada a maneira calma como
essa constatação me atinge. Talvez seja porque depois das últimas
semanas, quero acreditar que não sou a única, não posso acreditar que
eu seja. O medo, a dúvida, eles ainda estão aqui, em algum cantinho
meu que presa pela autopreservação, mas, nesse momento, eu acho
esse cantinho particularmente tolo.
Mais do que um dia achei que eu seria, caso permitisse que meu
coração se apaixonasse pelo homem devastadoramente lindo que,
todos os dias, às sete e quinze da manhã, passava pelas portas do meu
local de trabalho e fazia minhas pernas bambearem apenas por sorrir
para mim e me desejar bom dia antes de pedir seu café.
— Você está se sentindo bem? — pergunta ao abrir os olhos.
— Na verdade, não. — Seu cenho se franze e a preocupação veste
seu rosto imediatamente.
— O que você está sentindo? — Espalma ambas as mãos em meu
rosto e foca nele toda a sua atenção, procurando quaisquer sinais do
que pode estar errado.
— Tem um frio na barriga. — digo e suas mãos deslizam em minha
cintura até alcançar o abdômen, que ele apalpa com cuidado.
— E dói?
— Não... Mas tem essa sensação...
— Que sensação? — A pergunta é ansiosa, aflita, não espera que eu
conclua o pensamento.
— Meu coração... Ele... Tá acelerado sabe? Descompassado! —
Seus olhos se arregalam, e, agora, ele parece quase desesperado. — E
o ar, eu—
— Você está com falta de ar? Porra, Milena— Me interrompe com os
olhos se movendo rapidamente de um lado para o outro na cobertura.
Quase posso ver as engrenagens do seu cérebro trabalhando, tentando
descobrir qual é a melhor forma de agir.
— Eu acho que não vou mais conseguir respirar se você não me
beijar agora. — sussurro e leva alguns segundos até que minhas
palavras façam sentido para ele.
Vejo a transformação em seu rosto uma vez atrás da outra. Ele vai
do semidesespero, à compreensão, depois, muito brevemente, ao alívio
e, por fim, a algo parecido com braveza, me fazendo sorrir.
— Não tem graça. — reclama.
— A saudade que eu tô da sua boca também não tem. — Alcanço
sua mão e trago até meus lábios, deixando seu polegar sobre eles e
beijando suavemente. — Nem um pouco.
— Você me assustou pra caralho, Milena. — Solta um suspiro longo
e fecha os olhos, tão sério, que até me sinto culpada.
— Foram só alguns segundos, Bruno. — murmuro. Ele ri sem humor
e roça sua palma em minha bochecha na carícia que eu adoro.
— Não foi só a brincadeira, meu bem.
Pela primeira vez, em todos os dias que se passaram desde que
acordei no hospital, vejo Bruno demonstrar qualquer coisa que não seja
força e segurança. Ele foi o apoio que minha família precisou durante
todo esse tempo, o apoio que eu precisei. Sua expiração cessa,
denunciando que ele está prendendo a respiração.
— Foi tudo, porra! — solta a respiração. — Tudo! — exclama, com
os olhos presos aos meus, deixando claro que quer dizer cada palavra.
— As duas horas em que eu não sabia o que estava acontecendo com
você foram as mais assustadoras da minha vida. — Meu coração, que
eu já sentia bater acelerado no peito, com a declaração, passa a pulsar
na minha garganta. — Eu só... Eu quero te mostrar tantas coisas. —
Inclina o pescoço, me observando com aquelas pedras azuis capazes
de despertar tantas sensações tanto no meu corpo quanto na minha
mente. — Eu quero ver tanta coisa com você e, até perceber que eu
estava apavorado com a possibilidade de não ter tempo pra isso, eu
nem tinha notado quantos planos eu já tinha feito pra nós dois, menina.
Sorrio, de novo, pensando na calma estranhamente natural que
acompanha o momento. Bruno é tão intenso, tão seguro, tão
intempestivo, mas a verdade é que nós nunca fomos só explosão.
Na cama, sim, uma atrás da outra, uma sempre parecendo maior do
que a outra. Mas nossas vidas foram entrelaçadas lenta e sutilmente,
apesar da forma inesperada como tudo começou. Primeiro havia essa
atração insuportável, que se recusa a aceitar não como resposta.
Depois, a descoberta da delícia que é ceder a ela e, então, tudo o que
se perder para ela proporcionou.
O prazer, o companheirismo, a cumplicidade, o conforto e tantas
outras coisas, que é difícil enumerar. E pensar que há, não muito
tempo, acreditei que estaria perdida caso ultrapassasse a zona segura
para o meu coração.
O pensamento é até divertido agora, porque contra todas as
expectativas, com Bruno ao meu lado, cada passo dado me mostrou
que, às vezes, é justamente em se perder que está a felicidade.
Nossos olhos conversam em silêncio por longos minutos e mesmo
sabendo que ainda há palavras que precisam ser ditas, minha boca
procura a sua, declarando que sentir o gosto das suas emoções é muito
mais urgente do que ouvir a maneira como elas soam.
O beijo tem gosto de certeza e de felicidade. Os lábios de Bruno se
movimentam nos meus com a intensidade de sempre, mas com uma
lentidão nunca antes experimentada por nós dois. Sua língua conquista
a minha, dança com ela. Sua boca saboreia e entrega na mesma
medida, até que apenas essa troca deixa de ser o suficiente e nossas
mãos começam a passear sobre as peles um do outro.
Entre suspiros e gemidos, meu vestido solto é arremessado para
longe, assim como a camiseta que Bruno vestia. O contato dos corpos
seminus estende uma rede elétrica sobre meus músculos,
intensificando cada uma das sensações. Bruno me pega no colo,
exatamente como na nossa primeira vez e eu penso que essa, não
deixa de ser mais uma.
Seus passos firmes me levam escada acima e seus lábios espalham
beijinhos pelo meu rosto, pescoço e nariz me arrancando sorrisos e
declarações mudas. Abro a porta do quarto, facilitando nossas vidas, e
ele se senta na cama comigo, encaixa os dedos em minha nuca, infiltra-
os pelos fios dos meus cabelos enquanto me olha com adoração e me
faz sentir cada um dos seus toques com muito mais intensidade.
Minha boca volta aos lábios de Milena, desce pelo seu queixo, lambe
sua garganta e morde seu pescoço, querendo tudo dela e querendo
agora. Ela desliza as mãos pelas minhas costas, acariciando,
provocando e me enlouquecendo.
Me mexo devagar, aproveitando a sensação do roçar dos nosso
corpos, me sentindo completo de um jeito inexplicável, sabendo que
não há outro lugar no mundo para ela do que aqui, em meus braços.
Seu cheiro me domina, seu gosto me descontrola e sua entrega como
sempre, me escraviza.
As contrações em minhas bolas se tornam cada vez mais intensas
como um protesto do meu pau, dizendo que está há tempo demais
longe da boceta dela. Com os dedos de uma mão enfiados em seus
cabelos e a outra segurando firmemente sua cintura, inverto nossas
posições em um movimento cuidadoso, deixando Milena sentada na
cama, antes de me levantar. Sorrio ao olhar para o seu corpo, já pintado
de diferentes tons de vermelho com o peito subindo e descendo
ofegantes.
Tiro a carteira do bolso, alcançando um preservativo e o deixando ao
lado dela na cama, antes de me despir completamente. Nu, me curvo
sobre ela e bebo seu olhar de expectativa, a expressão de prazer em
seu rosto de olhos brilhantes e lábios entreabertos. Beijo seu colo uma
e outra vez, espalhando meus lábios por todo ele, antes de lamber a
pele macia até alcançar um dos biquinhos rosados e chupar. Ela se
contorce sobre os lençóis, esfregando-se na cama em busca de alívio.
Mas não demoro ali, terei tempo para isso depois. Ajoelho aos seus
pés, alisando suas coxas, incentivando-a a ficar de pé enquanto
espalho beijos pelas suas pernas. Milena se ergue e eu inclino a cabeça
para trás, focando meus olhos nos seus ao deslizar sua calcinha para
baixo, deixando-a completamente nua.
Minha própria respiração está descompassada, completamente
entregue ao momento. Assim que me livro do pequeno pedaço de
tecido, o cheiro da sua excitação me atrai como um imã. Afundo o nariz
entre os grandes lábios da sua boceta, deixando-o completamente
lambuzado e aspirando como tanto senti saudades nas últimas
semanas.
— Eu adoro teu cheiro, meu bem. — Ela solta um gemido baixo
quando as palavras vibram em suas dobras sensíveis antes de a ponta
do meu nariz roçá-las. Inclino mais a cabeça, levando meus lábios até a
boceta gostosa e beijando ali sem jamais desviar os olhos dos seus.
Seu olhar sensual acompanha um gemido mais alto e sua atenção
ainda está em mim quando abro a boca e enfio a língua em seu calor.
Seu gosto é uma delícia e me alucina. Lambo até que ela esteja com a
cabeça inclinada para trás, revirando os olhos e precisando apoiar o
peso do próprio corpo em meus ombros.
— Sentiu saudades disso, Milena? — murmuro sem tirar a boca de
sua boceta, antes de chupar o grelo duro.
— Muita, Bruno! Muita! — fala alto e impulsiona os quadris para
frente.
— Senta, meu bem. Me deixa devorar você. — Sua resposta é me
obedecer. Milena volta a se sentar na cama e arreganha as pernas,
expondo completamente a bocetinha melada e já vermelha para os
meus olhos. Meu pau lateja e baba, ansioso pela sua vez.
Precisando sentir a textura da sua pele em minhas mãos, posiciono o
polegar sobre o clitóris e massageio em movimentos circulares. Ela
recomeça a gemer e eu não sei do que gosto mais, se do som dos seus
gemidos, do seu gosto em minha língua ou de vê-la se perdendo em
mim.
Volto a lambê-la, mas não paro o trabalho do meu dedo até que ela
esteja gritando, com a mão agarrada aos meus cabelos, empurrando
minha cabeça contra a boceta, tão alucinada quanto eu, e seu corpo
convulsione, sentado, com a cabeça jogada para trás e a boca aberta.
Linda. Linda para caralho.
— Eu adoro ver você gozar — sussurro em seu ouvido, depois de ter
me levantado e antes de beijar sua boca devagar para que ela possa
sentir o próprio gosto delicioso em minha língua. Subo na cama de
joelhos e deito de lado, levando o preservativo comigo.
— Vem cá, linda. — chamo, depois de rasgar a embalagem e vestir
meu pau. Ainda letárgica pelo orgasmo, ela reclama.
— Eu também quero chupar você.
— E você vai, mais tarde. Agora eu tô desesperado pra estar dentro
de você. — confesso e isso a trás imediatamente para a posição que eu
queria. Acariciando seu corpo, a viro, deixando suas costas coladas ao
meu peito e meu braço sob a sua cabeça. — Vou te comer assim, meu
bem: de ladinho e bem gostoso. — Minhas palavras a fazem gemer.
Movo sua perna, deixando-a sobre a minha e me encaixo em sua
entrada. Deslizo para dentro devagar, a boceta apertada me suga,
arrancando suspiros de nós dois.
— Gostosa. — sussurro em sua orelha antes de lamber atrás dela.
— Gostosa pra caralho, meu bem. Porra! Puta que pariu! — Os
xingamentos deixam minha boca sem que eu tenha controle,
completamente alucinado pelo seu calor, ficar parado para que ela se
acostume ao meu tamanho está exigindo toda a minha sanidade.
— Bruno. — choraminga baixinho, depois do que pareceu uma vida
inteira, e move os quadris, pedindo que eu faça o mesmo. Obedeço
imediatamente, desesperado por isso.
Apesar da urgência em senti-la, meus movimentos são lentos em
uma tentativa de fazer esse momento durar tanto quanto for possível.
Beijo seu pescoço, massageio seus peitos, brincando com os bicos
duros entre os meus dedos.
Rebolo os quadris e ela grita a cada movimento, empenhada em
frustrar meus planos de levar muito tempo me deliciando em seu corpo.
Seus gemidos e a maneira como move os quadris me arrastam para a
borda com uma velocidade inexplicável.
Deliro de prazer quando sua boceta estrangula meu pau, anunciando
que Milena está prestes a gozar de novo. Trago sua boca para mim,
virando seu rosto, e enfio a língua nela, engolindo seus gemidos e
desistindo de lutar.
Me perco junto com Milena em um orgasmo intenso e impossível de
segurar. Sua boceta apertada ordenha meu pau com fome de porra até
a última gota, me dizendo que, tanto quanto eu, ela está longe de se
sentir satisfeita, mas não é só isso.
Há algo mais, e, com o peito ofegante, continuo olhando para ela,
tentando descobrir o que é. Seu rosto suado e vermelho está uma
bagunça, com fios de cabelo grudados na testa, nas bochechas e no
pescoço, seus olhos azuis estão brilhantes, seus lábios cheios estão
vermelhos e eu realmente preciso dizer que a amo.
Que me apaixonei pela mulher com alma e jeito de menina, que não
há nenhum lugar no mundo onde eu planeje estar sem ela ao meu lado
e para o caralho com um grande momento, esse é o momento, percebo,
porque basta estar com ela para que qualquer momento seja grande.
Rio do meu próprio pensamento, atraindo um olhar com cenho
enrugado de Milena.
— Eu tinha um plano, sabia? — pergunto, virando seu corpo e
deixando-o com a barriga para cima. Seu rosto está me encarando,
concentrado, e sua testa continua franzida por ela não ter ideia do que
caralhos eu estou falando. — Meu plano envolvia flores, o Caparellos,
quatro idiotas que eu chamo de amigos, uma nova aposta, o Buzz e,
talvez, um balão.
— Um balão? — Toca a ponta da língua sobre o lábio inferior e solta
uma risada baixa. — Tipo balão de festa?
— Não. Balões tipo os da Turquia, que você entra e ele te leva ao
céu. — Agora, seu risinho se transforma em uma gargalhada.
— E que tipo de plano era esse? Pra quê você, talvez, precisasse de
um balão?
— Pra dizer que te amo. — Solto as palavras sem cerimônia alguma
e o sorriso em seu rosto é substituído por lábios entreabertos quando
ela arfa com os olhos azuis piscando sem parar. — Pra dizer que eu, na
verdade, tinha um milhão de outros planos... — pauso e assinto,
dizendo as palavras não só para ela, mas para mim também. — Planos
pelos quais eu vinha trabalhando há muito tempo e que eu poderia
continuar perseguindo, mas eu não quero. — Me inclino sobre o seu
corpo, aproximando meu rosto ainda mais do seu, vendo seus olhos se
tornarem vermelhos e o brilho de lágrimas não derramadas tomar conta
deles. — Pra dizer — Toco minha testa na sua. —Que eu poderia fingir
que nós dois nunca passamos de uma aposta, de um contrato idiota, eu
poderia tentar me convencer de que é cedo demais, que dois meses
não são o suficiente pra que eu tenha tanta certeza, mas eu não quero.
— Capturo a primeira lágrima que escorre em sua pele e deixo um beijo
no exato lugar onde a sequei. — Eu poderia dizer que não passou de
acaso, de uma coincidência, mas seria mentira. — Minha própria voz
embarga e Milena traz a mão até o meu rosto, como se estivesse se
preparando para fazer por mim o mesmo que fiz por ela. — Porque eu
te amo e quero acordar com você na minha cama todos os dias, quero
seu vício por massa e tiramissu, quero descobrir de quantos filmes da
Disney você tem as falas decoradas e te levar pra conhecer o mundo,
mas eu quero mais, Milena. Eu quero muito mais. Eu quero te
apresentar aos meus pais e deixá-los completamente loucos por você,
assim como eu sou. — Brinco com nossos narizes. — Eu quero ver
suas primeiras rugas, vai demorar, é verdade. — Ela ri. — Você com
certeza verá as minhas primeiro, mesmo que eu tenha certeza de que
serei um velho muito gostoso. — Agora, nós dois rimos da bobeira. —
Eu quero ver seus primeiros fios de cabelo branco, Milena. Eu quero
estar aqui pra ver você descobrir que pode ser o que quiser...Eu quero
você, porque eu te amo. — Seu rosto ainda mais vermelho, agora, pela
emoção e molhado por alguns rastros de lágrimas, é a coisa mais linda
que eu já vi na vida e ela morde o lábio, deixando meu coração beirar
um AVC antes de dizer alguma coisa.
— Você parafraseou a música da Anavitória? — E quando fala, é
claro que suas palavras não são nada do que eu esperava. Gargalho
alto antes de colar minha boca na sua. É um toque de lábios, nada
além. — E eu também te amo... — sussurra com os lábios colados aos
meus, me levando a descobrir que, se a primeira melhor coisa que ouvi
na vida foi que Milena estava bem, a segunda, certamente, é que ela
me ama. — Eu não tenho uma letra de música pra recitar — alfineta —,
Mas eu te amo Bruno, e não me importa que tenha dois meses,
poderiam ser dois dias, não mudaria nada. — Novas lágrimas escorrem
pelos cantos dos seus olhos. — Não me importa que tenha começado
porque você queria ganhar uma aposta que, aliás, já tinha perdido. —
dá uma risadinha e seu polegar desliza pelos fios curtos da minha
barba. — Eu ainda não mudaria nada. Nenhuma linha. — Roça o nariz
no meu.
— Nem a parte em que eu parafraseio frases de filmes ou letras de
músicas? — provoco e ela franze o nariz e estreita os olhos.
— Talvez eu mudasse essa parte. — responde depois de alguns
segundos pensando e eu sorrio imenso.
— Você é a razão da minha felicidade... — Começo, mas antes que
eu possa chegar ao segundo verso da música da banda Melin, ela já
está gargalhando alto.
— Ok! Você pode fazer isso! — digo para mim mesma com o coração
batendo na garganta.
Passo os olhos pela mesa posta na cozinha de Bruno. Os pratos e
guardanapos de tecido estão colocados no lugar, assim como as taças
e a comida que obviamente pedi no Capparellos. Há até um vinho
escolhido por Marco.
Não há velas, pétalas de flores, nem balões ou qualquer outra coisa
caracterizada como romântica em filmes e novelas. Ao invés disso, ao
lado dos pratos e talheres, está um contrato. Meu próprio contrato. Eu
não deveria estar tão nervosa, mas não consigo evitar.
Mordo o lábio, olhando para a porta, depois para o relógio, sabendo
que Bruno vai chegar à qualquer momento. Pedi à chave do seu
apartamento à Arthur. E, depois de um pequeno interrogatório, segundo
ele, para garantir que eu não estava planejando envenenar os
suplementos de seu amigo, ou substituir seus xampus por cola, ele me
emprestou sua cópia.
Nunca me imaginei fazendo esse tipo de coisa, mas desde que
Bruno me disse que tinha planos e que nossa urgência os arruinou, eu
quis dar isso a ele. E não haveria um dia melhor para isso do que, hoje,
o dia em que o nosso contrato inicial, já descartado há algumas
semanas, terminaria oficialmente se tivesse sido levado até o fim.
Pego as duas folhas sobre a mesa e releio as palavras ali escritas,
grosseiramente, por mim mesma.
CONTRATO DE PERDIÇÃO
O presente instrumento pretende firmar um acordo de
relacionamento entre as duas partes envolvidas a serem denominadas
i)namorado e ii) namorada.
Tendo como objetivo garantir o comprometimento do namorado e da
namorada no cumprimento das tarefas pertinentes ao que se define
como relacionamento no ANEXO 1 deste documento, fica estabelecido
que todo e qualquer acordo anteriormente assinado pelas duas partes
será considerado anulado e que ambos o fazem de bom grado.
Além disso, fica também registrado o conhecimento do namorado e
da namorada de que é de suma importância, para que esse documento
permaneça sendo considerado válido, que a lista da perdição (ANEXO
2) seja cumprida no prazo de 12 meses e então, renovada com novos
itens, podendo, se for do interesse de ambas as partes, repetir-se
tarefas já anteriormente executadas.
Desta forma, namorado e namorada se comprometem a se
empenharem em cumprir todas as tarefas por este contrato
estabelecidas e quaisquer outras que uma das partes considerarem
interessantes, desde que sejam consensuais, lícitas e motivadoras de
felicidade e/ou prazer.
São Paulo, _____,__________ de 2022.
____________________________________________
Bruno Magalhães
___________________________________________
Milena Garcia

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ANEXO 1 DO CONTRATO DE PERDIÇÃO.
Relacionamento
substantivo masculino
1. ato ou efeito de relacionar(-se).
2. capacidade de manter relacionamentos, de conviver bem com
seus
semelhantes.
3. interações sociais e sexuais de caráter monogâmico. (significado
ao qual
o contrato em questão se refere)
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ANEXO 2 DO CONTRATO DE PERDIÇÃO
Lista da Perdição:
1) Transar esta noite.
2)
3)
4)
5)
6)
7)
8)
9)
10)
11)
12)
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A lista em branco, para que possamos preenchê-la juntos,
intensifica o frio em minha barriga e me lembra de que precisaremos
de canetas. Droga, Milena! Passo os olhos ao meu redor, procurando
um porta lápis ou algo assim, mas não encontro nada. Enquanto em
minha casa, em todos os cômodos há lápis e canetas espalhados
por todo o lugar, aqui não há nada.
Penso, tentando me lembrar onde posso já ter visto material de
papelaria pela cobertura e só depois de quase cinco minutos, me
lembro da escrivaninha no quarto. Há também o escritório, mas não
me sinto confortável de entrar lá sozinha. O quarto é mais meu
ambiente, literalmente.
Com as folhas nas mãos, para o caso de Bruno chegar enquanto
estou lá em cima, subo as escadas e faço meu caminho até o quarto.
Ainda na porta, bufo, ao não ver qualquer sinal de um lápis ou uma
caneta. Maldito homem organizado.
Deixo os papeis sobre a escrivaninha e abro a primeira gaveta de
baixo para cima. Não encontro nada além de algumas pastas e um
grampeador. A segunda está vazia, a terceira também e, na quarta e
última, encontro uma infinidade papeis, mas o barulho que ouço
quando a gaveta corre, me dá esperanças de que eu possa
encontrar o que preciso sob eles.
Tiro as folhas, as coloco sobre a escrivaninha, ao lado do meu
contrato, e sorrio imenso quando encontro três canetas soltas lá
dentro. Retiro o que preciso, e ao pegar as folhas para devolver ao
seu devido lugar, o maldito bloco escorrega da minha mão e todas
elas se espalham pelo chão.
— Merda, Milena! Merda! — passo alguns segundos, atordoada,
querendo descobrir como vou colocar tudo isso no lugar na mesma
ordem que encontrei. Obviamente, eu não vou. O jeito vai ser, mais
tarde, contar a Bruno o que aconteceu e esperar em Deus que ele
seja capaz de reorganizar tudo isso da maneira que precisa.
Com um suspiro, me ajoelho para recolher folha a folha e
realmente são muitas. Vou juntando a pilha e alinhando, juntando e
alinhando, juntando e alinhando, até que ao alinhar uma leva, a
primeira folha chama a minha atenção. Meu nome está escrito nela.
Pisco e inclino a cabeça. Eu não deveria bisbilhotar, certo? Não,
não deveria. Mas tem meu nome... Se tem meu nome, deve ser do
meu interesse. Justifico para ninguém além de mim mesma enquanto
encaro a folha. Só uma espiadinha não vai machucar ninguém.
Subo os olhos pelas letras acima do meu nome e encontro as
palavras Assinatura da parte 1. Isso me faz erguer a sobrancelha.
Um contrato? Quer dizer, seria essa uma cópia do nosso contrato?
Folheio a pilha já organizada, querendo descobrir se a folha atrás
dessa é sua continuação, não é, então folheio a próxima e a próxima
e a próxima, e quando vejo, já não se trata mais de uma espiadinha,
mas quase de uma pesquisa profunda e é tarde demais para desistir.
O bicho da curiosidade já me mordeu e já está me mastigando por
dentro.
Apesar de tentar manter os ouvidos atentos, sei que é inútil, seria
impossível ouvir a porta do primeiro andar ser aberta de onde estou,
o que significa que não tenho muito tempo. Já estou quase
desistindo quando percebo que o tempo todo as folhas estavam
identificadas como Adendo 1 e numeração, então tudo o que eu tinha
que fazer era procurar por outras com as mesmas identificações
laterais.
Folheando o bloco de uma vez, rapidamente encontro três folhas,
mas quando as coloco em ordem e leio, eu descubro que estava
enganada.
Uma espiadinha pode, sim, machucar. E muito.
— Meu bem? — chamo sorrindo ao passar pela porta e sentir o cheiro
incrível, mas não recebo qualquer resposta. — Milena? — tento outra
vez enquanto atravesso o Hall de entrada, mas como antes, nada além
de silêncio.
Assim que de fato entro em casa, constato que ela realmente está
aqui, afinal, a mesa de jantar está posta. Deixo as chaves e o celular
sobre o aparador e começo a desfazer a gravata enquanto subo as
escadas até o segundo andar. Não ouço nada até estar próximo à
porta do meu quarto e quando ouço, não entendo. Isso é farfalhar de
papel?
Minha incompreensão voa pelos ares quando ao alcançar meu
quarto, encontro Milena de joelhos, no chão, rodeada por uma
infinidade de folhas espalhadas, além de uma pilha sobre a qual sua
mão está pousada, além da gaveta da minha escrivaninha estar aberta.
Gelo percorre minhas veias quando uma possibilidade atravessa
meus pensamentos. Ela ergue a cabeça quando me ouve e eu procuro
em seus olhos quaisquer sinais, mas ela não me entrega nada.
— Milena? — O arquear de sobrancelha, seguido dos olhos
desviando para as folhas de papel em suas mãos são a resposta que
procurei antes e não encontrei.
— Não é o que você está pensando. — Me defendo e ela inclina a
cabeça com uma expressão de incredulidade no rosto. Caralho!
Justamente hoje ela tinha que mexer na porra da gaveta?
— Ah, não? — questiona e eu me apresso em afirmar.
— Não! Não é!
— Tem certeza?
— Absoluta! — Ela se levanta, trazendo consigo três folhas de papel
nas mãos. Três malditas folhas. Como, naquela infinidade ao seu redor,
Milena foi achar justamente essas três?
— Interessante... — comenta, olhando para os objetos nas próprias
mãos. — Porque eu tinha quase certeza de que esse adendo de
contrato, foi algum tipo de idiotice sua, achando que poderia me
comprar, baseado em nada além de vozes da sua cabeça, antes de ser
capaz de entender e admitir seus sentimentos. Mas não é nada disso,
certo? Então, você pode, por favor, me explicar o que é? — Eu pisco
com a boca escancarada e, ao invés de lhe dizer qualquer palavra,
enfio as mãos por seus cabelos e beijo sua boca.
Deixo que minha língua a invada e faça tudo o que tem vontade,
lambendo, chupando e massageando até que nós dois estejamos sem
ar.
— Você. — Lhe dou um selinho — É! — Outro selinho — A! — Outro
selinho. — Porra! — Mais um — Da! — Outro — Mulher! — Outro beijo
rápido. — Perfeita!
Milena gargalha e envolve os braços no meu pescoço antes de me
dar, ela mesma, um selinho atrás do outro.
— Jura que você achou que eu ia entender errado?
— Sinceramente? Achei sim. — Encosto minha testa na sua. — Mas
porra, Milena. Nessa infinidade de papéis. — digo, inclinando a cabeça
na direção da bagunça. — Você tinha que achar justo esses?
— Se você não os estivesse guardando, eu não teria o que achar e,
pra falar a verdade, foram eles que me acharam. Tinha meu nome, eu
quis saber o que eram. Agora, você! É sério que em algum momento
você pensou em me apresentar isso? — pergunta, sacudindo as folhas.
— Sim e não. Eu as redigi na noite depois do camarote quando
percebi que três meses não seriam o suficiente, mas eu ainda não
entendia que não era só sexo, o seu corpo é uma delícia, fiquei
confuso. — justifico e ela ri. — Mas mesmo naquela época, eu sentia
que uma proposta como essa—
— Me oferecer mais dinheiro, como se eu fosse uma prostituta... —
me interrompe.
— Eu não penso desse jeito. Dinheiro trás comodidade, foi assim
que nós começamos e você disse que não se arrepende.
— Não me arrependo, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é
outra coisa.
— Pra mim é tudo a mesma coisa
— Então por que você nunca me mostrou ? — pergunta
desconfiada.
— Porque eu tinha a impressão de que você não veria as coisas da
mesma maneira que eu.
— impressão certa! Eu teria ficado muito, muito brava. — Sorrio
fraco e concordo. Não tenho quaisquer dúvidas sobre isso.
Cheiro seus cabelos, matando a saudade da porra que estou
sentindo depois de apenas um dia longe. As semanas em seu
apartamento me deixaram mal acostumado e desde então, tenho tido
que lidar com isso.
— O que você estava procurando?
— Canetas. — responde sorridente e eu estreito os olhos.
— Pra quê?
— Vamos precisar assinar alguns papéis. — pausa dramaticamente.
— Eu quero te contratar. — primeiro, eu acho que ela está brincando,
mas quando Milena se desvencilha de mim, vai até a escrivaninha e
pega três folhas que eu nunca vi antes, não me resta outra opção além
de gargalhar.

— Então agora eu sou oficialmente seu namorado? — Estamos


sentados à mesa e ambos já assinamos seu contrato.
— Ainda não. Precisamos preencher a lista em anexo. — Estende
uma segunda folha para mim.
— Eu gosto muito do item número um. Podemos repeti-lo por mais
onze vezes?
— De maneiras criativas? Com certeza! — Olho para a mulher
diante de mim, incapaz de não babar. Porra! Eu não quero nada além
de dividir o resto da minha vida com ela.
— E tudo o que escrevermos precisará ser feito nos próximos doze
meses?
— Sim, senhor. — Assinto, sabendo que o que estou prestes a fazer
é loucura, mas não me importando nem um pouco.
Nossa relação nunca pode ser enquadrada nos moldes de
normalidade de qualquer maneira. Com a caneta em minha mão,
escrevo apenas duas palavras antes de entregar a lista à Milena.
Ela pega o papel sorrindo, acreditando que escrevi, em suas
próprias palavras, uma “maneira criativa” de transarmos, e aproveito o
momento em que ela é distraída pelo choque de ver palavras
completamente inesperadas escritas no papel para me ajoelhar.
— Você enlouqueceu? — pergunta ao erguer os olhos arregalados
da lista procurando por mim onde eu estava sentado e não
encontrando. Seus olhos se desviam para o chão e quando ela me
encontra, de joelhos, joga a cabeça para trás, gargalhando. — Bruno,
para de brincadeira, vai! Levanta daí!
— Essa, com certeza, é a recepção mais inesperada que um pedido
de casamento já recebeu.
— Você está gastando palavras! Quando realmente precisar usá-las,
não vai ter.
— E por que eu não posso usá-las agora?
— Porque é muito cedo.
— Achei que tivéssemos concordado que isso não importa. —
Franzo as sobrancelhas e as suas se erguem quando ela se dá conta.
— Você está falando sério. — diz em voz alta.
— Estou.
— Bruno. — começa, solta a lista sobre a mesa e passa a mão pelos
cabelos. — Eu... — fecha a boca, procurando o que dizer. Milena
levanta e vem para o chão, ajoelhando-se diante de mim. — Amor, não
é cedo demais pra nós, é cedo demais pra mim. Eu só tenho dezenove
anos. — Usa as palavras ditas devagar como se elas fossem
argumentos.
— E que diferença isso faz?
— Eu não quero me casar com dezenove anos. — Ergue a mão em
uma aceno, deixando claro acreditar que essa seja uma informação
óbvia. — Eu quero... Eu nem sei o que eu quero, pra falar a verdade. E
eu gostaria de descobrir antes de ser a esposa de alguém.
— De alguém?
— A sua esposa, Bruno. Antes de ser a sua esposa. — Se corrige,
revirando os olhos.
— E por que você não pode descobrir as outras coisas que quer ser
depois que já for minha esposa? — Um sorriso lindo toma conta do seu
rosto e ela arrasta os joelhos até que suas coxas encostem-se às
minhas. Logo depois, envolve os braços ao redor do meu pescoço.
— Por que eu não preciso. Você não vai a lugar algum. — Usa
minhas próprias palavras, ditas em um contexto completamente
diferente, contra mim.
— Eu não vou. — Bufo, mas admito. — Ainda assim, eu quero me
casar com você.
— E a gente vai. Só não nos próximos doze meses.
— Nos próximos vinte e quatro?
— Não, Bruno! Também não.
— Sabe? Eu ganhei uma aposta hoje que deixou quatro babacas
muito frustrados. — Ela ri.
— Na verdade, você conseguiu cumprir a tarefa que só teve que
cumprir porque tinha perdido uma aposta. Você contou pra eles sobre o
contrato?
— Claro que não. Não era da conta deles, assim como não importa
que eu tenho perdido uma batalha se eu ganhei a guerra. — dispenso
sua colocação. — O que importa é que eles estavam errados, eu
estava certo e o mundo está girando outra vez.
— Uhum...
— Mas eu fiz uma nova aposta.
— É claro que você fez. — comenta, aos risos. — E o que foi dessa
vez?
— Que eu vou passar o resto da minha vida com você. — Minha
declaração a faz vacilar e morder o lábio inferior. — E você sabe... Eu
não perco. Nunca.
— Então esse pedido é sobre isso? Sobre outra aposta? É por isso
que você quer se casar comigo?
— Não, meu bem. Eu fiz a aposta porque eu sei que vou me casar
com você. — Beijo seus lábios com suavidade e Milena se derrete em
meus braços.
— Eu te amo. — sussurra em minha boca.
— Perdidamente. — respondo e, quando nossos lábios se tocam
outra vez, há apenas uma verdade inegável: às vezes é preciso perder
para que possamos nos encontrar.
Mas só às vezes, em todas as outras ocasiões, ganhar é sempre o
melhor.
DOIS MESES DEPOIS.
— Todo esse suspense pra vir à Carmesim? — pergunto,
levemente frustrada. Quer dizer, eu adoro dançar e realmente poderia
repetir o que fizemos no camarote pouco antes do acidente acontecer,
mas desde que o médico disse que as relações sexuais estavam
permitidas, se não significassem nada radical, todas as vezes que eu
quis ultrapassar os limites só um pouquinho, Bruno me pediu para ter
paciência sob a promessa de que, quando eu finalmente estivesse
liberada para voltar a ter uma vida completamente normal, ele a
compensaria.
Este dia chegou e eu estava muito ansiosa, esperando algo
completamente novo. Aparentemente, eu estava enganada.
— Mulher ansiosa! Calma! Alguma vez eu já te decepcionei? — diz
rindo e eu estreito os olhos, fingindo pensar, antes de sorrir e negar.
— Nunca!
— Prometo que não vou começar hoje. — Deixa um selinho em
meus lábios e nós entramos na boate que é a minha preferida, embora
também seja a única que eu conheço.
Bruno me conduz através da pista de dança, da área dos sofás e
da escada para os camarotes, me fazendo franzir as sobrancelhas,
sem entender para onde estamos indo.
Sabendo que ele não vai me ouvir se eu simplesmente perguntar,
dou um leve puxão em seu braço. Seu olhar encontra o meu e o
sorriso em seu rosto denuncia que ele está aprontando alguma coisa.
Deus, eu o amo tanto.
Os últimos dois meses foram perfeitos em tantos sentidos. Tanto
quanto quis beijá-lo, eu quis matá-lo, mas ainda assim, exatamente
como disse na noite em que admitimos nossos sentimentos, eu não
mudaria nada. Nem uma vírgula ou ponto da história que estamos
construindo.
Eu me lembro de uma vez pensar que queria um amor que me
tirasse o fôlego e roubasse o chão. Que acendesse minha mente tanto
quanto ao meu corpo, que valorizasse meu espírito e me visse inteira
e em detalhes. Alguém que me escolhesse entendendo o que isso
significaria. Bruno é exatamente essa pessoa, a minha pessoa, e
todos os dias eu descubro uma coisa nova que eu não sabia que
queria nela, mas Bruno tem.
— Onde estamos indo?
— Confia em mim. — pede e eu assinto.
Voltamos a caminhar até entrarmos em um corredor lateral
escondido. Em poucos passos, chegamos a um elevador e eu fico
cada vem mais confusa, porque não fazia ideia de que essas partes
da Carmesim existiam. Assim que Bruno pressiona o botão, as portas
do elevador se abrem, revelando um homem uniformizado. Um
assessorista?
O homem negro é lindo, alto e atlético. Sua pele parece reluzir sob
a luz amarela da caixa metálica, ele tem os cabelos cortados rentes ao
couro cabeludo, olhos amendoados e castanhos de um tom brilhante
que parece chocolate derretido e seu sorriso é uau! Desvio o olhar,
temendo estar encarando.
— Boa noite, Bruno. Qual andar? — pergunta e eu mordo o lábio
para engolir a pergunta.
— O primeiro. — Meu namorado responde e o homem assente,
aperta o botão e, logo depois, posiciona o dedo sobre um... Aquilo é
um leitor de digitais?
O elevador se move, mas não leva sequer dez segundos antes de
parar novamente. As portas se abrem em um novo corredor vazio e
com os dedos entrelaçados, saímos.
Nos deparamos imediatamente com uma espécie de recepção, eu
acho, atrás da qual uma mulher bonita está, também uniformizada,
mas enquanto no andar da entrada os uniformes são práticos, a
mulher de longos cabelos loiros diante de mim usa um vestido preto,
colado ao corpo, de comprimento até a altura dos joelhos. O decote é
farto e apesar de não ser vulgar, deixa uma quantidade considerável
de pele à mostra.
— Olá, Bruno. — Sorri para ele de maneira amigável e, logo em
seguida, para mim da mesma forma. — Qual é a cor? — pergunta a
nós dois e eu procuro Bruno com os olhos, já que não tenho ideia do
que ela está falando.
— Vermelho, por enquanto. — responde e ela estende para ele
duas pulseiras. — Obrigada, Vanessa. — Pega as finas tiras de cor
berrante e se vira para mim.
Seus olhos vão para o meu pulso e só então me dou conta da coisa
óbvia. Estendo o braço e Bruno envolve a pulseira nele antes de
prender a outra ao seu. Ele dá uma piscadinha, se vira e começa a
caminhar.
Andamos até o final do corredor curto e chegamos a uma espécie
de lounge. Das paredes à mobília, tudo é preto e azul escuro, mas não
é isso o que chama a minha atenção.
Apesar de não ver nada de diferente num primeiro momento, eu
sinto o cheiro e esse é inconfundível: sexo. Pisco os olhos e Bruno
interrompe nossos passos. Ele se vira para mim e espalma ambas as
mãos em meu rosto.
— Nós podemos ir embora a qualquer momento, basta você dizer
se quiser ir. — De repente, meu coração acelera com a expectativa do
que estou prestes a descobrir.
Eu deveria ter desconfiado. Deveria ter, pelo menos, me inclinado a
acreditar que cinco homens como Bruno e seus amigos não abririam
uma boate como outra qualquer em São Paulo, é claro que não. E,
agora, mesmo ainda não sabendo do que se trata, tenho certeza de
que estará tão distante do comum quanto for possível.
— Tudo bem. — concordo em voz alta quando me dou conta de
que é isso o que ele está esperando.
Seu braço envolve minha cintura e nós entramos no lounge que, na
verdade, é o centro de dois espaços diferentes. Bruno aproxima a
boca da minha orelha, disparando um arrepio que percorre todo o meu
corpo já ansioso.
— À esquerda, temos a área de solteiros. À direita, a de casais.
Vamos dar uma volta. — avisa e eu assinto, nervosa.
Entramos no corredor à direita. A primeira coisa que noto é uma
grande quantidade de cabines com sofás e as observo com
curiosidade conforme passamos por elas. Algumas estão abertas e
vazias, outras têm as cortinas fechadas, mas é possível sentir e ouvir
o movimento dentro delas.
Continuamos seguindo em frente, devagar. Bruno me dá tempo
para observar tudo o que me interessa.
Primeiro, eu ouço e, só então, vejo. Há uma cabine aberta a alguns
passos de nós, mas essa, diferente das outras que eu havia visto na
mesma condição até agora, não está vazia. Passo a língua sobre os
lábios, sentindo a respiração mudar de ritmo, ansiosa, e quando nos
aproximamos, Bruno volta a colar a boca em meu ouvido.
— Quer assistir? — pergunta e antes que eu perceba, estou
assentindo em resposta.
Nós paramos bem de frente para o casal. A mulher está usando
apenas um sutiã, mas ele está preso abaixo dos seus seios. O homem
está nu e tem o pau deslizando na boca da mulher. Seu corpo
musculoso se ergue muito mais alto que o dela, de joelhos, e suas
mãos estão enterradas nos cabelos dela, ditando o ritmo com o qual
ela o chupa.
Minha boceta contrai com a imagem quando meus olhos
descobrem o quadro completo, desde o piercing no mamilo rosado
direito da mulher até os pelos ruivos em sua púbis, assim como seus
cabelos.
Ela está muito molhada. Noto a excitação escorrendo entre suas
pernas e a mulher geme alto enquanto engole, cada vez mais fundo, o
pau sendo enterrado em sua boca. Meus mamilos já estão rígidos e
doloridos.
A risada rouca de Bruno em minha orelha me diz que ele já
percebeu isso e eu engulo, sem conseguir parar de olhar até o homem
se derramar e seu gozo escorrer pelos cantos da boca da ruiva. Estou
dolorosamente excitada e procuro o olhar de Bruno, levemente
atordoada.
Ele sorri para mim e beija a minha boca com suavidade antes de
inclinar a cabeça, me dizendo que vamos continuar nosso passeio.
Nada do que vejo a partir dali faz qualquer coisa para aliviar a
necessidade crescente em meu baixo ventre. Mais cabines, algumas
completamente escuras, diante das quais me sinto compelida a parar
e observo o movimento de muitas pessoas sobre sofás imensos.
Há também os tatames, espalhados em áreas comuns onde
pessoas se beijam e tocam diante dos olhos de todos e qualquer
pessoa é bem-vinda à participar, Bruno me explica.
E, o mais curioso de todos os cenários que me são apresentados,
certamente são os Glory Holes. Cabines por trás das quais as
pessoas ficam e não podem ter nenhuma parte do corpo vistas, além
daquelas que disponibilizam através dos buracos que essas cabines
têm. Há buracos na altura do púbis, obviamente. Na altura dos peitos
e dos braços.
Conforme caminhamos e Bruno vai me explicando as dinâmicas,
entendo também a razão das pulseiras. O andar subterrâneo da
Carmesim é uma casa de Swing e as cores das pulseiras marcam a
disponibilidade do visitante. Verde para totalmente disponível, amarelo
para quem é preciso pedir o consentimento verbal e vermelho para
quem só veio observar, como nós.
— Como você está se sentindo? — Parado atrás de mim, meu
namorado esfrega sua ereção em minha bunda enquanto assistimos a
uma cena performada por quatro mulheres em um dos tatames.
Elas se beijam, se chupam e se tocam, uma a outra, formando uma
imagem que termina de arruinar o que havia sobrado da minha
calcinha.
— Muito excitada. — respondo, sem me importar em desviar os
olhos para responder. Eu acho que sequer sou capaz de piscar.
— Mas não quer participar de nada que viu, quer? — Não é uma
pergunta. É uma afirmação e isso sim me faz desviar os olhos para
ele. Sorrio ao acenar negativamente, devagar. — Imaginei que esse
não seria o seu andar.
— Tem mais? — pergunto, surpresa. Quer dizer, é claro que eu
reparei que o elevador tinha mais botões, mas imaginei que todos os
outros andares seriam como esse.
— Mais três. — Minha boca se abre choque e ele aproveita para
passar a língua nela. Nosso beijo é deliciosamente obsceno, mas não
chega nem perto de tudo o que está acontecendo ao nosso redor. —
O que você quer fazer? Continuar explorando ou deixar eu te foder do
jeito que nós dois estamos ansiosos há malditos dois meses?
— Que você me foda, por favor! Definitivamente, que você me foda!
— respondo rápido demais, mas no meu atual estado, ninguém pode
me julgar.
— Então vamos.

Não consigo decidir para onde olhar. Não consigo nem mesmo
desviar minha atenção por tempo o suficiente para dizer a Bruno que
ele estava coberto de razão. Esse é o meu andar.
O segundo pavimento subterrâneo da Carmesim é um salão
imenso, imenso de verdade, e, espalhados por ele, há uma infinidade
de quartos, trinta, pelo menos, caixas de vidro de tamanhos e mobília
variados.
Alguns estão vazios, muitos outros estão ocupados, exibindo
interações de todos os tipos. Casais heterossexuais, casais
homossexuais femininos e masculinos, trios, quartetos e grupos com
tanta gente, que tenho dificuldade de contar. Meus olhos não
conseguem escolher uma única caixa para se fixar.
Corpos nus estão por todos os lados, há até mesmo algumas
caixas em que mulheres e homens estão sendo açoitados ou tendo
cera derretida derramada em suas peles. Aqui, eu me sinto mais do
que excitada, me sinto desesperada com tantos estímulos e com a
segurança de que ninguém que eu não quero vai me tocar.
Não que no andar de cima houvesse essa possibilidade. Não havia.
Bruno me garantiu que o sistema de pulseiras é seguro, no entanto,
com as interações acontecendo sem barreira alguma em todos os
lugares, eu não consegui relaxar completamente. Mas aqui, tudo o
que consigo fazer é me conter para não gemer sem sequer estar
sendo tocada, ou fazer como muitos dos observadores, que se
masturbam enquanto acompanham aquilo que acontece dentro das
caixa.
— Escolha um dos que estão com a luz verde acesa, meu bem. —
Bruno sussurra em minha orelha antes de lamber o ponto que sabe
que me enlouquece. — Escolhe um, porque eu preciso te foder e
preciso agora. — avisa e eu engulo em seco. A perspectiva de ser
fodida aqui, diante dos olhos de todas essas pessoas despeja
combustível sobre a minha pele.
— Qualquer um?
— Qualquer um. Os verdes estão limpos e disponíveis. Os
vermelhos, ocupados ou já foram usados esta noite.
— Aquele. — aponto para um de mobília simples à nossa direita.
Não há nada além de uma cama de ferro retorcido, uma cômoda, uma
poltrona e uma mesa de centro dentro do quarto.
— Vamos.

O quarto é cheiroso, limpo, os móveis são luxuosos e, diferente da


área de observação em que o chão é de piso frio, aqui, há um carpete
fofo e que parece quente. Meu corpo inteiro zumbe em expectativa
quando Bruno fecha a porta atrás de mim. Ele me abraça por trás e
afunda o nariz na curva entre meu ombro e pescoço. Eu me arrepio
inteira.
Sua ereção cava minha bunda por cima do vestido e, sem poder
me controlar, eu me esfrego nela. Não fecho os olhos. Deixo que eles
corram pelas cenas ao meu redor e pelos expectadores também.
Saber que eles estão ali, que estão nos observando, me deixa num
estado de excitação inexplicável. Uma das mãos de Bruno sobe,
infiltrando-se pelos meus cabelos e obrigando minha cabeça a se
manter inclinada com um agarre firme.
Eu gemo com seus lábios em meu pescoço e depois, mais alto,
quando ele afunda os dentes no mesmo lugar. Seu toque, apesar de
intenso, é lento. Ele está me provocando, eu sei que está e, por isso,
deixo que faça. Pressiono-me contra seus quadris, gemo, aproveito as
migalhas quando aquilo pelo que estou desesperada é o banquete.
— Casa comigo? — pede sussurrado, pela terceira vez, me
arrancando uma risada em meio aos gemidos baixos.
— Não. — protesto quando sinto o abandono do seu toque.
Ele dá a volta em meu corpo e para de frente para mim já com os
dedos desfazendo os botões da camisa preta que tem as mangas
compridas dobradas até a altura dos cotovelos. Lambo os lábios
quando o primeiro pedaço da sua pele exposta aparece e aprecio os
movimentos da sua mão até que a camisa seja arrancada do seu
corpo e descartada sobre o encosto da Poltrona.
Acho que ele vai continuar o que começou, mas ele não o faz.
Bruno senta relaxadamente na mesmíssima poltrona sobre o encosto
da qual apoiou sua camisa e leva os dedos indicador e polegar até o
queixo.
— Tira a roupa pra mim. — pede com a voz rouca, excitado. Solto o
lábio que tinha preso entre os dentes e começo a me movimentar para
tirar os saltos. Ele estala a língua em negativa. — Os sapatos ficam.
Minhas mãos procuram o zíper na lateral do vestido e o descem
devagar. Chego ao final e a peça tomara que caia já está exibindo
meu colo e parte dos seios. Os olhos do meu namorado acompanham
cada um dos meus movimentos e quando foco os meus em sua
ereção, minha boca se enche d’água, me fazendo engolir duro.
Ele ri, acompanhando meu olhar e sabendo exatamente o que se
passou pela minha cabeça. Saio completamente de dentro do vestido
e, agora, estou praticamente nua. O único tecido em meu corpo é a
calcinha, que já não tem qualquer serventia. Bruno olha para ela em
um pedido claro.
Eu a deslizo pelas pernas e reparo na presença de algumas
pessoas diante da nossa caixa. Minha respiração fica difícil e minha
pele ainda mais sensível. Bruno acompanha meu olhar, fixo nos três
homens e nas duas mulheres que nos observam de tão perto.
— Se exiba pra eles, meu bem. — sugere e a contração em minha
boceta é violenta. Eu quero. Quero muito.
Com passos inseguros e sentindo o coração na garganta, caminho
até estar há menos de um metro do vidro. Os cinco pares de olhos
deslizam pelo meu corpo, me deixando ainda mais excitada e eu
gemo, sem ter ideia de como controlar minhas reações.
A presença de Bruno em minhas costas é um alívio. Ele se
aproxima, beija minha bochecha e desliza a mão pela lateral do meu
corpo como se direcionasse o olhar dos nossos observadores para
essa parte específica. Seu dedo indicador avança mais para o centro,
na altura dos seios, alcançando um mamilo.
— Quer gozar pra eles, meu bem? — pergunta, colando a boca ao
meu ouvido. — Quer arreganhar essa boceta gostosa e deixar eles
verem como eu te masturbo bem gostoso?
— Quero. — respondo num fio de voz, completamente perdida no
desejo. Ele volta a se posicionar atrás de mim e, agora, sua pele
quente contra a minha é apenas mais um estímulo.
Bruno espalma as mãos em minha cintura e as desliza até alcançar
meus seios. Com o rosto virado de lado, procuro sua boca,
desesperada pelo seu beijo enquanto suas mãos judiam dos meus
mamilos. Ele me lambe antes de me beijar, mas não dura muito.
— Olhe pra eles, Milena. Olhe o quanto eles adoram te ver gemer,
como somente te ver nua deixa os homens duros e os mamilos das
mulheres eriçados. — Eu olho e a névoa de desespero ao meu redor
se torna mais densa conforme as mãos de Bruno vão descendo. —
Abre as pernas, linda. — sussurra e eu abro.
Seus dedos arreganham os grandes lábios da minha boceta
imediatamente e os olhos dos três homens caem para ela enquanto os
das mulheres continuam fixos na forma como bruno beija e lambe
minha pele, como ele me provoca com a ponta do nariz, como sua
conversa suja nunca cessa.
A sensação é de que eu me tornei observadora da minha própria
interação. Bruno desliza os dedos pelos pequenos lábios, me
arrancando gemidos longos antes de tocar meu clitóris inchado e se
dedicar a fazer movimentos circulares ali.
Começa devagar, mas vai aumentando gradualmente a velocidade,
a pressão, me fazendo gritar, me levando a loucura sem que eu jamais
feche os olhos.
Não quero perder um segundo que seja do desejo que vejo
estampado em nossos expectadores. Quando acho que não posso
sentir mais, um dos homens liberta o próprio pau, veste um
preservativo e começa a se masturbar com os olhos fixos nos
movimentos dos dedos de Bruno em minha boceta.
Estou beirando o orgasmo, ele afunda os dedos em meu canal e
suas investidas rápidas, alternadas com movimentos de gancho
dentro de mim, tocando aquele ponto que me faz delirar, terminam o
trabalho. Gozo com um grito potente e o corpo inteiro entregue a
espasmos.
Bruno enlaça minha cintura, me mantendo no lugar, e eu fecho os
olhos, me entregando completamente aos efeitos de seu toque em
meu corpo. Ele me vira, eu envolvo os braços em seu pescoço e sua
boca assalta a minha ao mesmo tempo em que suas mãos desfazem
seu cinto, o botão da sua calça e, por último, o zíper.
Nosso contato se desfaz apenas para que ele possa se livrar dos
sapatos e das roupas e, assim que está livre e completamente nu,
Bruno volta a me beijar. Sua língua domina minha boca, ocupando
cada pequeno espaço que encontra, lambendo, chupando,
massageando e eu adoro cada uma das sensações causadas por ela
e pelas mãos de Bruno, me apertando e tocando, mas eu quero mais.
Me desvencilho da sua boca e me ajoelho a sua frente. Um sorriso
safado surge em seus lábios quando enfia os dedos pelos meus
cabelos com os olhos presos ao meu rosto. Ele se movimenta um
passo para o lado, deixando a visão do que estamos fazendo
completamente desimpedida para quem estiver nos observando pelo
vidro, mesmo que, no momento, não haja ninguém lá.
Começo rodeando a glande com a língua, depois a deslizo por toda
a extensão antes de abocanhar o pau de Bruno com vontade. Deixo
que minha boca engula tudo o que consigo, espalhando saliva e
chupando até que minhas bochechas estejam fundas. Seus gemidos
alimentam meu desejo, me deixam molhada outra vez. O levo até o
limite da minha garganta e engulo.
O movimento o faz gemer alto e eu repito uma vez atrás da outra
até que ele me erga pelos braços e choque a boca contra a minha, me
conduzindo até a parede diante da qual estivemos antes.
— Empina esse rabo gostoso, meu bem. — pede ao interromper o
beijo e eu obedeço, louca, completamente ansiosa por esse momento.
Me viro, espalmo as mãos sobre o vidro e empino a bunda. Bruno
se posiciona atrás de mim e roça o pau em minha entrada várias
vezes, me provocando. Há um mês deixamos de usar preservativos e
o contato pele na pele não pode ser explicado como nada além do que
algo de outro mundo.
— Bruno! — Meio resmungo, meio choramingo e ele finalmente se
encaixa em mim no exato instante em que uma figura alta e
musculosa desponta, caminhando na nossa direção, com os olhos
esverdeados fixos em nós.
Abro a boca, sentindo-me impossivelmente mais nua e mais
excitada a cada passo que Arthur dá em nossa direção. As
lembranças da cena que flagrei no barco, meses atrás, retornam
violentas e a visão de Arthur nu enche meus olhos ainda que, agora,
ele esteja vestido.
Bruno mete sem qualquer delicadeza, me arrancando um grito, mas
mantenho os olhos abertos acompanhando cada passo dado por
nosso amigo até que ele esteja a apenas uma parede de vidro de
distância. Seu olhar beija meu corpo, deslizando pelos meus cabelos,
reunidos em um agarre forte na mão de Bruno, descendo pelo meu
pescoço, seios empinados e mamilos duros, passando pela minha
barriga e alcançando minha boceta.
É impossível não olhar para o seu pau. Encontrá-lo duro me faz
lamber os lábios e como se entendesse isso como um convite, ele
começa a abrir sua calça. As investidas de Bruno me alargam,
roçando minhas paredes e me afogando em prazer enquanto Arthur, a
minha frente, tirando o pau grosso e cheio de veias da cueca,
exibindo-o para mim, me faz imaginá-lo em minha boca.
De repente, me vejo desejando ser preenchida pelos dois homens
que me cercam, ao mesmo tempo. Gemo e rebolo proporcionalmente,
como se isso não estivesse acontecendo apenas na minha cabeça.
Arthur veste uma camisinha e se masturba para os meus olhos,
exibindo-se e deixando que eu beba da sua visão tanto quanto ele
está bebendo da nossa.
— Você quer o pau dele na sua boca, Milena? Quer ter dois
buracos fodidos ao mesmo tempo? — Bruno pergunta, conhecendo
meu corpo e reações com perícia e metendo com ainda mais potência.
As palmas suadas das minhas mãos escorregam no vidro e meu
corpo é sacudido com a potência das suas investidas. — Quer? —
reforça a pergunta ao meter tudo e rebolar deliciosamente, me
fazendo rolar os olhos para trás. — Responde, caralho!
— Não, amor! Eu quero você! Só você! — Minha resposta é
acompanhada de mais um orgasmo e esse não apenas me faz ver
estrelas. Ele me parte ao meio e não faz qualquer esforço para me
colar de volta no lugar.
Sinto Bruno continuar a investir, sei que Arthur está vidrado em
nossa foda, mas por longos segundos, eu não consigo raciocinar e
entender o que qualquer coisa além da sensação adormecendo meu
corpo significa.
Quando volto a sentir o suor escorrendo pela minha pele e o ar
entrando e saindo dos meus pulmões, é o no momento exato em que
Bruno e Arthur alcançam suas libertações.
Através do vidro, vejo Arthur jogar a cabeça para trás e esporrar a
camisinha com jatos grossos e potentes e, refletido na parede
transparente, vejo Bruno se entregando ao gozo com os olhos fixos no
meu reflexo absolutamente exausto e deliciado.
E, mais uma vez, ele tinha razão. Bruno nunca me decepciona.
7 ANOS DEPOIS
— Eu acho que essa é a minha nova casa favorita. — Milena
afirma, olhando através das janelas. Bufo e reviro olhos.
— Você diz isso sobre todas as casas que compramos ou
construímos.
— Não é minha culpa se você continua comprando casas
incríveis! Quer dizer, olha esse lugar! — Gira ao redor de si mesma,
demonstrando a casa realmente linda em Bariloche, que só não é
mais bonita do que a mulher sorridente à minha frente.
Sete anos. Eu mal posso acreditar que já se passaram sete anos
desde que uma aposta mudou a minha vida, porra! Eu tenho
quarenta anos! Um quarentão gostoso, é verdade, mas ainda assim.
Quarenta anos e ela ainda não aceitou fazer de mim um homem
respeitável.
Aos vinte e seis anos, Milena foi capaz de, com a minha ajuda, é
claro, administrar e multiplicar consideravelmente o dinheiro que
recebeu dos nossos primeiros meses de contrato, o que tornou
muitas coisas possíveis. Ela não precisava, eu teria lhe dado tudo o
que quisesse, mas a mulher tem uma determinação que me deixa
louco, em todos os sentidos.
Ela se formou em arquitetura, projetou algumas das nossas
casas pelo mundo e viajou boa parte dele ao meu lado, visitando a
cada uma delas. Milena pulou de bung jump, saltou de paraquedas,
nadou com golfinhos e tubarões, apertou a mão dos presidentes de
algumas repúblicas, fez um safari, apoiou causas sociais
importantíssimas, construiu a própria empresa, foi à formatura do
irmão, ao casamento da mãe e, mesmo depois de tudo isso, ainda
não me disse sim.
Ela me dá as costas para olhar, outra vez, pela janela, e eu acho
que essa é uma excelente oportunidade. Repetindo o gesto que já
fiz oitenta e quatro vezes nos últimos sete anos, me ajoelho e puxo
do bolso a caixinha que está sempre comigo.
Sou capaz de sair de casa sem a carteira, sem o celular, mas
nunca sem o anel. Nunca se sabe quando vai surgir uma
oportunidade. E hoje é nosso aniversário, talvez isso me dê sorte.
Coço a garganta para chamar sua atenção e ela sequer tem a
decência de parecer surpresa ao me encontrar de joelhos, lhe
oferecendo um anel.
— Quantas vezes já são agora? — pergunta, com um sorrisinho
debochado pendurado no canto dos lábios. — Oitenta e duas? —
Faz um biquinho pensativo.
— Essa é a octagésima quinta. — respondo, orgulhoso.
Nenhuma das suas negativas jamais me abalou. Eu não preciso de
um papel para saber que essa mulher é minha, mas eu gostaria de
ter um. Por isso, não me abalo, mas também não desisto.
— Eu aceito.
— Tudo bem, eu tento de no— Estou quase colocando a caixinha
no bolso outra vez quando entendo que ela disse que aceita e,
repetindo a cena de sete anos atrás, quando eu lhe propus um
namoro de mentirinha por três meses e ela aceitou sem pestanejar,
pergunto — O que você disse?
— Eu disse que aceito. — pisco, me sentindo tonto, porra! Eu
acho que meu coração está falhando! — Só tenho uma condição.
— Não me diz que é sem sexo, meu bem. Eu sou viciado em
você há sete anos, não tem a menor condição de você querer me
reabilitar agora! — digo e ela joga a cabeça para trás em uma
gargalhada escandalosa.
— Não! Não é essa a minha condição!
— Então tudo o que você quiser! O que é? Uma casa nova em
cada país do mundo? Projetada por você? Você quer morar em um
país diferente a cada três meses? A gente vai!
— Não. — Estende a mão para mim, para que eu me levante e
eu aceito, imediatamente enlaçando sua cintura. Beijo a ponta do
seu nariz, depois, seus lábios. — Nós só precisamos nos casar
dentro dos próximos sete meses. — Inclino a cabeça e franzo o
cenho.
— Meu amor, eu casaria com você hoje, agora. A gente pega o
avião e vai pra Vegas se você me disser que topa.
— Não, Bruno... — Morde o lábio, me encarando com um sorriso
pequeno, contido, misterioso. — Nós precisamos nos casar em sete
meses, porque já se passaram dois.
— Dois? Dois de— Então eu entendo. Ou eu acho que entendo.
Recuo a cabeça e meus braços caem ao lado do meu corpo.
— Vo— Não consigo sequer dizer uma palavra inteira, porque, de
repente, falar se tornou difícil. Aperto os lábios, a porra da ardência
nos olhos é impossível de conter. — Você?
— Eu preciso tornar o pai do meu filho um homem respeitável
antes que ele nasça, vai saber quais são as consequências se eu
não fizer? — responde como se estivesse me dizendo que foi à feira
e comprou bananas.
— Eu vou ser pai? Eu vou ser a porra de um pai? De um filho
seu? Você vai ser a mãe do meu filho? — pergunto atropeladamente
como os anos de convivência com Milena acabaram me ensinando
a fazer. Minha voz já está para lá de embargada, e eu já desisti
completamente de conter a emoção.
— Ou filha. — diz e imaginar uma garotinha com os olhos de
Milena é o tiro de misericórdia. Eu choro. Não uma lágrima discreta.
Várias, deslizando pelo meu rosto e fazendo uma bagunça. Abraço
o corpo da minha mulher e colo minha boca na sua.
— Nós vamos ser pais? — repito a pergunta, ainda sem poder
acreditar e ela balança a cabeça, concordando. Toco minha testa na
sua, fecho os olhos, deixando que o choro flua livre e quando volto a
abri-los, impossivelmente, da mesma maneira que acontece todos
os dias, eu amo mais a essa mulher e, finalmente posso dizer que
venci a aposta mais importante da minha vida. — Eu te disse. —
aviso e ela joga a cabeça para trás, gargalhando, antes de me
responder.
— Você nunca perde uma aposta. — declara e eu concordo.
— Nunca. Mesmo quando eu perco, eu ganho. Eu te amo.
— Perdidamente! Parabéns, papai!
Eliza Porto está falida.
Na verdade, ela nasceu falida. Mas, agora, aos 22
anos, chegou a um ponto crítico. Desempregada há
nove meses, seu aluguel está atrasado, sua geladeira
está vazia, e se ela não conseguir uma forma de ganhar
dinheiro logo, provavelmente, vai parar debaixo de uma
ponte. Tudo o que Eliza quer é um emprego, e ela daria
qualquer coisa por um, por isso, todos os dias, envia
dezenas de currículos por e-mail.
Um dia, sua amiga faz piada dizendo que ela deveria
se tornar uma sugar baby. Mas aos vinte e dois anos,
Eliza acha que está velha demais para competir com
meninas de dezoito, então para rir da sua própria
desgraça, decide enviar um e-mail para sua amiga com
um currículo sexual e um contrato de prazer.
Era para ser uma piada, mas por um erro de
digitação, seu e-mail vai parar na caixa de entrada de
João Pedro Govêa, um CEO paulistano, sobrecarregado
de trabalho e necessitado de novos desafios.
João Pedro está acostumado a ter tudo o que quer, e
o que começa como curiosidade para saber de onde
veio o e-mail absurdo que recebeu, se transforma em
determinação quando coloca seus olhos pela primeira
vez na mulher pequena e com os olhos mais
transparentes que ele já viu na vida.
João Pedro decide que a quer, e se ele quer, ele tem.
Na cabeça dela, era uma piada.
Nas mãos dele, se tornou uma proposta indecente.
Um contrato de prazer que vai enlouquecer você.
Pernas doendo de tanto andar, pés latejando dentro
dos tênis velhos e duros, cabeça explodindo de tanto
tomar sol quente, boca seca de sede e corpo mole de
exaustão, esse é o resumo do meu dia. Com os olhos
pesados e a pele colando de suor seco, giro a chave
na fechadura. Finalmente, cheguei. Finalmente, em
casa. Mas o que vejo é tão desanimador, ou mais, do
que a imagem que, contra a minha vontade, sou
obrigada a encarar no espelho pendurado de frente
para a porta. Uma imagem que rouba a minha atenção
por parecer terrível, eu mesma.
A pele pálida poderia assustar até mesmo
alienígenas moradores de planetas sem Sol. Quando
foi a última vez que eu fui à praia? Meus cabelos
longos e castanho-escuros parecem palha, já que há
semanas eu não sei o que é um condicionador e tenho
usado detergente de cozinha para lavá-los. Os círculos
quase pretos ao redor dos meus olhos, que foram
muito mal disfarçados por um corretivo barato ainda
pela manhã, voltam a dar sinal de vida, depois de
horas suando e andando a pé, derretendo minha pele,
minha maquiagem e minha força de espírito.
Com os pés descalçados, tiro a bolsa desgastada
do ombro e a deixo sobre a cadeira ao lado da porta.
Balanço a cabeça negativamente e tento afastar meu
desgosto comigo mesma. Não é culpa sua, Eliza! Não
é culpa sua! Amanhã vai ser melhor do que hoje e
depois vai ser melhor do que amanhã! Você só precisa
de fé!
Meu estômago ronca e eu torço os lábios em
desgosto, já antecipando o que encontrarei na cozinha.
Cinco passos são suficientes para atravessar a
distância ínfima entre a porta da casa e a geladeira.
Todo o meu glorioso espaço tem apenas um cômodo
que, no fim das contas, abriga todos: quarto, sala,
cozinha, banheiro e área de serviço. É quase como
voltar à infância, quando eu imaginava que uma caixa
de papelão era o castelo da Barbie, só que agora eu
brinco de imaginar que esse cubículo é o lar dos meus
sonhos.
Porque da maneira como as coisas andam, por
mais esperançosa que eu seja capaz de me manter,
ainda assim, a improbabilidade de que um dia eu
possa ter esse lar continua a mesma, altíssima. Morar
em São Paulo custa uma pequena fortuna, uma que eu
não posso pagar. O segredo mais mal guardado da
história da humanidade? Eu estou falida! Absoluta e
completamente. Nem um real no bolso, nada na conta,
debaixo do colchão ou no fundo do guarda-roupa.
Na verdade, nem um desses eu tenho mais, vendi
há dois meses e ando guardando meus poucos panos
de bunda em caixas de papelão. Mas dívidas? Ah,
essas eu tenho! Muitas, muitas dívidas! No cheque
especial, em sei lá quantos cartões de crédito, na
padaria da esquina e na mercearia do bairro. Ah! E não
podemos esquecer do boteco do seu Luiz, o último
recurso dos desesperados.
A cama, feita de dois paletes e alguns colchonetes,
me chama. É quase como o canto de uma sereia, mas
eu não posso apenas ouvi-lo e me jogar nela, a menos
que queira me quebrar inteira, ou quebrar a cama.
Deitar nela requer paciência, tenho que deitar devagar
para ter certeza de que vai ficar tudo bem, porque nem
dez reais para comprar dois paletes, e substituir esses,
eu tenho.
Suspiro derrotada e abro a geladeira. Uma dúzia de
ovos, meia caixa de leite, três garrafas de água e duas
bananas. É tudo o que há. Curvo a cabeça para o lado,
perguntando-me o que fazer, mas não é como se eu
tivesse muitas opções. Vitamina de banana, então,
tomo todos os dias nos últimos quase dois meses. Às
vezes consigo comprar outras frutas, mas, no geral, a
banana é a mais barata. E, apesar de parecer pouca
coisa, a diferença entre a banana e o mamão, que é a
segunda fruta mais barata, muitas vezes, é preço da
batata.
Enquanto preparo minha última/única refeição do
dia, a cama segue com sua cantiga encantada. Mas
um banho, eu preciso de um banho para esquecer
esse dia de derrota. Oito horas andando a pé,
entregando currículos. Gastei meus últimos centavos
para imprimi-los e andei até onde meu corpo aguentou,
entregando-os em todos os lugares que vi: lojas,
restaurantes, lanchonetes, bares, todo e qualquer lugar
que pudesse ter uma vaga, e em nenhum, nem mesmo
em um único deles, qualquer pessoa me deu
esperanças de conseguir alguma coisa.
Despejo a vitamina no copo e assim que o levo à
boca, o sabor adocicado da vitamina me faz fechar os
olhos. Enjoado, é isso o que é, pelo menos quando se
está há mais de um mês tomando a mesma coisa
todos os dias. Enquanto engulo o líquido cremoso,
penso em uma lasanha, sim! Definitivamente, uma
lasanha, quase posso sentir o cheiro da massa em
camadas com uma carne moída bem temperada, tudo
isso coberto por queijo derretido. Salivo, prolongando
na língua o sabor da banana e do leite e, sem que eu
me dê conta disso, a primeira lágrima rola.
Nove meses. Nove meses desde o último “Você
está demitida”. Três meses. Três meses desde a última
parcela de seguro desemprego. E a dez reais. Eu
estou a exatos dez reais de passar fome. Jogo a
cabeça para traz, encostando-a na geladeira atrás de
mim e deixando que mais lágrimas escorram pelo meu
rosto.
Quando saí de São Roque, minha cidade, no interior
do estado, foi porque a vida que eu via as pessoas
levando lá não era a que eu queria para mim. Homens
que trabalhavam fora, enquanto as mulheres ficavam
em casa, cuidando do lar e fazendo comida. Quatro
das minhas colegas de turma se formaram no ensino
médio em dezembro e se casaram em janeiro. Advinha
só? Em Abril elas já estavam grávidas…
Mas eu não, eu não seria mais uma. A verdade é
que eu não fazia ideia do que eu queria ser, mas eu
tinha absoluta certeza daquilo que eu não queria. E foi
assim que eu fiz dezoito anos num dia e, no outro,
estava dentro de um ônibus, com uma mochila nas
costas, carregando nela não só roupas, mas mil e um
planos de futuro e todo o dinheiro que eu economizei
desde o meu aniversário de quinze anos, fosse
vendendo doces na escola, cuidando de crianças aos
sábados e domingos, ou fazendo toda e qualquer
atividade que pudesse me render alguns trocados.
Passei os primeiros dias na casa de uma prima
distante que eu nunca tinha visto antes, mas eu logo
percebi que o marido dela não estava muito feliz pela
minha estadia. Duas semanas depois da minha
chegada, ele disse que eu precisava mostrar gratidão
pelo que estava fazendo por mim, e aquilo não me
soou bem.
No dia seguinte, comecei a procurar um lugar para
morar, o que rapidamente me fez descobrir que o
dinheiro que eu tinha, que não era muito, mas para
mim, era tudo, porque era mais do que minha mãe
ganhava com quatro meses de trabalho, na verdade,
não era nada. O dinheiro durou dois meses, a maior
parte dele foi gasta com o depósito de aluguel. Quando
pisei na minha casa de vila pela primeira vez, eu sorria
de orelha a orelha, o primeiro dos meus sonhos tinha
se realizado, agora só restavam mil. Hoje, quatro anos
depois, ainda resta exatamente o mesmo número, isso
se eu não contar os que acrescentei desde então, e
isso dói, dói demais. Às vezes, mais do que eu acho
que posso suportar.
Com uma última expiração profunda, me
desencosto da geladeira e, deixando o copo sujo
dentro da pia, vou em direção ao banheiro. A miniatura
de 1x1m tem um vaso sanitário encardido, uma pia
suspensa e uma área para o chuveiro, separada do
restante do espaço por uma cortina plástica com
desenhos de peixinhos. As paredes cobertas por um
azulejo marrom escuro deixam tudo ainda mais feio, e
o chão frio belisca meus pés, mas meus últimos
tapetinhos se rasgaram há alguns meses e eu não tive
dinheiro para comprar novos.
A primeira peça de roupa a sair é a camiseta preta
desbotada que eu vestia. Depois, a calça jeans,
deixando-me só de sutiã e calcinha, sendo obrigada a
lidar com a imagem que, mais uma vez, encara-me do
espelho. Magra, pálida e cansada. Eu costumava me
sentir bonita e, por isso, eu costumava ser bonita.
Agora… agora há momentos em que eu nem mesmo
sei se me sinto algo além de sozinha.
Eu poderia voltar para casa. Mas voltaria para o
quê? Para ser empregada doméstica em uma casa de
interior? Não que isso seja um problema, só não é o
que eu quero, nunca foi. Os filhos não deveriam
caminhar mais léguas do que os pais caminharam ao
longo de suas vidas? Repetir os passos de minha mãe
sempre foi exatamente do que eu fugi. Por mais que eu
a ame, não quero a vida dela para mim. Ou, talvez, eu
pudesse voltar para casa para um casamento, não
seria exatamente igual à minha mãe, mas também não
seria exatamente diferente, não é mesmo?! Dormir, eu
só preciso dormir e amanhã vai ser um dia bem melhor
do que hoje.
Passo as mãos sobre os ossos pontudos da minha
clavícula, notando que eles estão cada vez mais
aparentes, provas incontestáveis de que estou cada
vez mais magra. Mas, também, o que eu queria? Mal
tenho dinheiro para comer, engordar é que eu não iria.
Aperto os olhos com força, desfazendo-me também do
sutiã velho e da calcinha de algodão cinza.
O registro do chuveiro é duro e eu faço força para
abri-lo, quando a água gelada finalmente cai sobre o
meu corpo, tenho o primeiro prazer do dia inteiro, o
toque dela em minha pele. Enfio a cabeça embaixo
d’água e ela molha meus cabelos, grudando-os em
minha testa, ombros e costas, passo as mãos pelos
fios, fazendo o melhor que posso para penteá-los com
os dedos.
O banho limpa meu corpo e alivia a exaustão dos
meus músculos, mas não faz nada pelo meu espírito
desanimado ou pela minha alma dolorida. Fico ali,
sentindo o jato de água acertar meu corpo como um
chicote gelado por muito mais tempo do que deveria, e
muito menos do que gostaria. Mas, sabendo que não
posso abusar da água, ou o dono da casa vai reclamar
da conta, e que eu não posso dar motivos para isso,
afinal, já tenho dois meses de aluguel atrasado, fecho
o chuveiro e saio do pequeno espaço, enrolando-me
na toalha, depois de secar o cabelo minimamente com
ela.
Olho para as caixas de papelão cheias de roupas,
mas a vontade de procurar qualquer coisa que seja
nelas sai correndo no mesmo instante em que cogito a
ideia. Ansiosa pelo fim do dia, eu me jogo na cama
ainda enrolada na toalha e com os cabelos úmidos,
mesmo sabendo que, quando eu acordar, terei um
verdadeiro ninho de passarinhos na cabeça.
Fecho os olhos e me estico, enquanto tomo
respirações profundas, esperando pela dormência do
sono, mas antes que ela possa me alcançar, meu
celular toca. Gemo, frustrada, porque ele está na bolsa
que deixei sobre a cadeira ao lado da porta.
Contrariada, levanto-me e vou arrastando os pés até
lá.
O nome no visor multiplica meu desânimo por mil.
Mãe. Eu adoraria falar com ela, Deus sabe o quanto eu
preciso de colo, mas não estou com disposição para
fingir hoje. Hoje não. O toque do celular, uma música
que eu adoro, mas que diz muito pouco a meu próprio
respeito estes dias, “Dona de mim” da Iza, vai
morrendo à medida que a chamada vai sendo
encerrada e direcionada para a caixa postal, mas logo
em seguida recomeça, fazendo o aparelho voltar a
vibrar na minha mão. Deixo que toque até que, mais
uma vez, o som diminui e para, só para recomeçar
uma terceira vez.
Dividida entre a exaustão e a preocupação, encaro
o aparelho em minhas mãos e decido que se ela ligar
uma quarta vez, eu atenderei. A música toca, repete e,
por fim, morre. Aguardo ansiosa os segundos
seguintes e, para meu desespero, o celular volta a
tocar. Respiro fundo e troco o peso dos pés de um para
o outro. Com os olhos fechados, toco no ícone verde
na tela e levo o aparelho ao ouvido.
— Oi, mãezinha! Tudo bem? — falo alto e com
força, fingindo uma animação que estou longe de ter.
— Ô, minha filha! Que susto! Por que demorou tanto
pra atender?
— Eu estava no banho, mãe — minto.
— Ah, sim! Como estão as coisas por aí? Você não
me ligou nem sábado nem ontem. Passou o fim de
semana estudando?
Aperto os olhos ainda fechados e levo a mão à
ponte do meu nariz, fazendo pressão ali também.
Suspiro, tentando não fazer barulho e buscando
coragem para não desmoronar, sentindo-me muito
perto disso.
— Me desculpe, mamãe. É que eu estou em
semana de provas na faculdade e acabei me
desligando do mundo enquanto estudava no fim de
semana. Quando me dava conta, já era de madrugada,
aí não dava pra te ligar. Mas eu devia ter mandado
uma mensagem pelo menos, me desculpa mesmo. —
Acrescento mais alguns pontos à minha rede de
mentiras, semanalmente tecida para minha mãe
durante nossas conversas por telefone, aos sábados
de manhã.
Mas a última semana foi tão terrível que foi
simplesmente impossível ligar e fingir que estava tudo
bem. Fingir que eu tenho uma casa que não é uma
espelunca. Fingir que eu tenho um emprego com
ótimos colegas de trabalho e um chefe muito chato em
uma loja de roupas. Fingir que estou no terceiro
período da faculdade de nutrição. No sábado pela
manhã, eu me senti tão sobrecarregada pela minha
realidade, que preferi abrir mão do único momento na
semana em que não me sinto só ultimamente — o
telefonema para minha mãe — a precisar fingir
qualquer coisa.
Parada, enrolada na toalha, com os cabelos úmidos
caídos sobre os ombros, os pés descalços, a mente
exausta e o corpo esgotado, fazendo um imenso
esforço para me manter de pé, de frente para a porta
marrom e descascada da minha casa, eu me pergunto
pela milésima vez se não seria melhor contar a
verdade para ela. Mas a simples ideia de decepcioná-
la, de tirar da voz dela o sorriso que ela tem toda vez
que conversa comigo sobre a minha vida incrível na
cidade, faz-me escolher o meu próprio sofrimento ao
dela. Mil vezes o meu ao dela, mil vezes.
Escuto tudo o que ela fala, mas não ouço
absolutamente nada. Concordo quando percebo que o
silêncio se estendeu por tempo demais e, vez ou outra,
digo qualquer bobagem para mantê-la satisfeita.
Depois de mais ou menos vinte minutos, ela diz que
precisa desligar, pois está me ligando da casa dos
patrões. Nós nos despedimos e, quando ela diz que
me ama, coloco meu punho na boca, mordendo-o, para
impedir que o soluço irrompa por ela, mas quando a
chamada finalmente é desligada, eu me arrasto até a
cama e lá eu choro, sozinha, completa e totalmente
sozinha.
Do alto do mezanino, observo a festa se desenrolando
no andar inferior. O hotel fazenda Belanucci foi uma boa
escolha, apesar de afastado do centro da cidade, é
espaçoso e conseguiu entregar exatamente o que
planejamos para o lançamento da ArquiCasa, a mais
nova revista de arquitetura e design de interiores do
grupo editorial Govêa.
Os vários estilos de móveis espalhados pelo salão
cumprem seu papel, dando à festa a identidade perfeita
para a ocasião. Debruçado sobre o guarda-corpo, levo
meu copo à boca, apreciando o sabor do Macallan 18.
Porra, eu não poderia ser pobre! Tem gente que não
vive sem café, eu não vivo sem um Uísque que tenha
idade para pedir seu próprio uísque.
Apesar disso, esta noite, nem mesmo a minha bebida
preferida espanta o tédio. A festa está perfeita,
exatamente o que deveria ser, chata.
Incontestavelmente chata. Enquanto observo tudo se
desenrolar no andar abaixo, sinto o telefone vibrar no
bolso do terno. Ao pegá-lo, um sorriso cresce em meu
rosto automaticamente, já não era sem tempo.
— Espero que você tenha trazido um pouco de
diversão com você! Porque essa porra tá um saco. — O
filho da puta do outro lado da linha gargalha.
— Claro que está! Você sabe que eu sou a alma da
festa, sem mim, qualquer uma fica morta. Mas pode
relaxar, eu cheguei! — É a resposta que ouço e o
sorriso na voz do meu amigo é tão claro quanto as
vogais e consoantes que ele pronuncia.
— Se você conseguir animar essa festa, Marcos!
Você é muito mais que a alma dela, você pode ser
declarado, oficialmente, a porra de um santo! — Uma
gargalhada efusiva alcança meus ouvidos e eu preciso
afastar o telefone para não ficar surdo.
— Você sabe que foi você quem organizou essa
festa, né?
— Porra nenhuma! Foi o setor de eventos e eles
fizeram um excelente trabalho para o público da revista.
Mas, definitivamente, eu não faço parte desse grupo.
— Nem eu! Cheguei há cinco minutos e essa música
já tá me dando nos nervos!
— Eu estou aqui há horas, meu amigo! Horas!
— Onde você está?
— No mezanino.
— Beleza! Chego aí em vinte minutos.
— E vai fazer o que durante esse tempo, Marcos?
— Cumprimentar as pessoas, porra! Minha mãe me
deu educação.
— Vai pra porra, filho da puta! — Digo por último e
desligo o telefone.
Com o celular em mãos e sem nada melhor para
fazer, aproveito para conferir minhas mensagens: mãe,
trabalho, trabalho, trabalho, mulher, trabalho, trabalho,
trabalho, mulher, trabalho, mulher, mulher, mulher,
trabalho… nada importante. Deixo para responder
minha mãe quando entrar no avião mais tarde. O
próximo aplicativo a ser conferido é o de e-mails, o de
trabalho está, como sempre, superlotado, e o pessoal,
vazio.
Ninguém me manda um e-mail pessoal. Para o
endereço eletrônico meu CPF não existe. Dos e-mails,
passo para o Instagram, passeio por alguns perfis de
arquitetos e empresas do ramo que estão presentes na
festa, acompanhando por ali a cobertura que estão
fazendo do evento em suas páginas. Leio comentários,
vejo a repercussão e o número de pessoas
acompanhando a transmissão ao vivo do evento,
perdendo-me em trabalho, como sempre.
— Quem é vivo sempre aparece! — A voz de Marcos
soa alta em meio à música ambiente, chata para um
caralho, tocando ao meu redor.
Eu me viro, encarando meu amigo, o filho da puta é
uma vadia! Vestindo um terno azul marinho e camisa
branca, o barbado loiro anda na minha direção já com
os braços abertos para um abraço que eu recebo e
retribuo de bom grado.
— Você sabe que foi você quem acabou de chegar,
certo? — pergunto, com as sobrancelhas arqueadas.
— E eu só vim porque, ultimamente, a única maneira
de te ver é no seu trabalho. Pelo menos hoje ele é uma
festa, ainda que chata para um caralho… — Marcos
responde, arrastando a frase no final.
Com o abraço desfeito, encaro meu amigo dando-lhe
a única resposta possível:
— Tá foda! Desde a aposentadoria do velho, tá foda
pra caralho!
— Você sabia que não ia ser fácil… — diz,
caminhando na direção de um conjunto de sofás
próximo ao guarda-corpo do mezanino em que antes eu
estava apoiado, vendo a festa lá embaixo acontecer.
Abrindo o botão do terno, sento-me e apoio meu copo
sobre a mesa, enquanto Marcos senta-se no sofá de
frente para mim.
— Eu não queria que fosse fácil, puto! Mas um pouco
mais de tempo não me faria mal. Tem meses que eu
não consigo uma porra de uma noite de folga! Fora que
tudo parece tão igual esses dias, o trabalho é exaustivo,
mas constante… Constante demais pro meu gosto.
— Tá precisando transar, é? — Ele debocha com
uma sobrancelha arqueada, cruzando uma perna sobre
a outra, enquanto se recosta no sofá.
— Marcos, eu estou sempre precisando transar, mas
ultimamente eu estou começando a me perguntar se
não devia foder minha secretária, afinal, ela passa mais
tempo comigo do que com qualquer outra pessoa.
— Mas a sua secretária não é uma senhora de
idade?
— Eis o problema, meu amigo! Eis o problema! —
Deslizo a palma das mãos pela lateral do cabelo e
Marcos ri alto do meu comentário, chamando a atenção
de algumas pessoas ao nosso redor. Estreito meus
olhos para ele, apenas para ser completamente
ignorado.
— Sabe, Marcos, vai chegar o dia em que vai ser
você assumindo a presidência do seu escritório e
quando esse momento chegar, você pode ter certeza,
eu vou rir do quão fodido você vai ficar!
— Ah, mas ainda falta muito pra isso acontecer. Ao
contrário do seu pai, o meu não quer largar o osso! E eu
não vejo nenhum problema nisso! Porque, enquanto ele
estiver lá, eu sou livre pra…
— Vadiar! — Corto sua fala e é a minha vez de
gargalhar, mas ele não discorda.
— Pode rir, eu sei que é inveja! Você só tá com
saudade da vida que levava e que eu continuo
levando…
— Saudade? Talvez! Inveja, com certeza não. Você
sabe que eu me preparei a vida toda pra estar onde
estou agora. O cargo de CEO do grupo Govêa sempre
foi meu objetivo. Mas eu realmente estou sentindo falta
de ter uma companhia além do trabalho constante…
Recosto minha coluna e estalo o pescoço. Não vou
contar para ele ou ele vai ficar ainda mais fodidamente
convencido, mas até de conversas simples como essa,
cara a cara, sem que o propósito seja trabalho, eu estou
sentindo falta.
— Se o problema é companhia, a solução tem quase
o mesmo nome. Acompanhante…
Encaro Marcos com as sobrancelhas arqueadas em
um questionamento mudo e ele meio se defende, meio
responde à pergunta que eu não fiz:
— O quê? Você precisa de alguém que esteja
disponível pra você 24/7, porque vossa excelência está
com uma agenda infernal. A única outra solução que eu
consigo imaginar pra isso se chama relacionamento, e
eu não acho que você esteja interessado…
Olho para ele incrédulo, antes soltar um riso
desgostoso:
— Mas é claro que eu não quero a porra de um
relacionamento, Marcos! Se eu tô te dizendo que estou
sem tempo pra arrumar uma foda, mesmo que eu
quisesse um, o que, definitivamente, não é o caso,
como é que você acha que eu conseguiria administrar
um relacionamento? Nem minhas noites são minhas…
tô aqui nesse evento chato e em quatro horas vou estar
em um avião rumo à Nova Iorque!
— Então a solução continua válida…
acompanhante… posso te indicar uma agência muito
boa.
— Tá usando os serviços, Marcos? — questiono,
curvando o canto dos lábios e alisando os cabelos para
trás.
— Às vezes sim! E a Blaséè oferece um serviço
como nenhuma outra agência oferece. Te juro, aquelas
mulheres parecem ser treinadas pra isso…
— Blaséè? Não sei, Marcos, porque uma coisa é
fazer disso algo esporádico. Mas a ideia de tornar um
hábito, o que acabaria se tornando… Não gosto muito
da ideia…
— Então, talvez, você devesse mesmo comer sua
secretária! — diz, enquanto eu levo um novo copo de
uísque à boca, e preciso fazer um enorme esforço para
engolir a bebida sem engasgar depois dessa afirmação.
Tossindo, coloco o copo sobre a mesa entre nós e puxo
o ar com fora para os meus pulmões, enquanto o
desgraçado ri frouxamente.
— Mas que porra, Marcos! Dona Norma tem
sessenta anos, caralho!
— Você poderia ter desenvolvido um desejo proibido
por milfs… — Ele começa e eu dirijo a ele um olhar
muito mais significativo do que qualquer palavra que eu
pudesse dizer. Marcos levanta as mãos e, ainda com
um sorriso no rosto, continua a falar:
— Eu quis dizer que você deveria contratar uma
secretária com esse único propósito…
— E depois ser processado por assédio?
Enlouqueceu, Marcos?!
— Deixa claro no processo seletivo o que você quer,
ué!
— Ah, claro! Eu já posso imaginar o anúncio de vaga
que vou mandar para as agências de emprego que
usamos no Govêa: Procura-se secretária para serviço
de foda 24/7. Salário, PPR e outros benefícios.
Marcos ri com deboche e balança a cabeça
negativamente.
— Tudo bem, se você não quer, não quer! Mas é
uma boa ideia! Jeito de fazer dar certo, tem! Enfim…
Você disse que seu voo sai em quatro horas?
Levo meus olhos até meu pulso esquerdo, conferindo
o horário.
— Aproximadamente…
— Ótimo! Isso quer dizer que você tem três horas pra
melhorar esse humor.
— Marcos, sem chance de ir à caça em uma festa
oferecida pela minha própria empresa. Tudo o que eu
não preciso é acabar na cama com alguma funcionária
que eu não conheça…
— Então que bom que você encontrou seu grande
amigo Marcos, não é? — Eu o encaro com um sorriso
de canto de boca e franzo o cenho, curioso. Ele se
levanta dos sofás e caminha na direção do guarda-
corpo do mezanino. Sem opção, eu o sigo. — Bom, não!
Melhor amigo Marcos! — afirma, com uma entonação
debochada.
— O que? Vai querer que a gente penteie os cabelos
um do outro e pinte as unhas, agora?
Ele me olha com um sorriso enorme.
— Se você não tivesse um voo pra pegar, nós
poderíamos fazer algo muito melhor juntos, algo que
não inclui você tocando em nenhuma parte de mim, ou
eu sua, mas nós dois tocando muitas partes de uma
terceira e quarta pessoas… Mas como você está com
pressa… Eu vou aproveitar meu tempo muito melhor
sem você… Ali, à sua direita, ao lado do bar.
Marcos me diz, apontando com a cabeça e, ao levar
meu olhar para a direção apontada, encontro duas
mulheres paradas de frente para uma mesa de coquetel.
A primeira é loira e alta, tem os cabelos curtos na altura
do queixo e usa um vestido vermelho que se agarra às
suas curvas, deixando seus quadris evidentes e os
seios pequenos à mostra em um decote generoso.
Bonita, mas eu não sou muito de loiras.
É a segunda quem chama a minha atenção. Uma
morena um pouco mais baixa e curvilínea. Seu corpo
não é magro, tem as curvas nos lugares certos, e seu
vestido azul escuro, ajustado até a cintura, contorna os
seios, deixando claro o quão volumosos são. A imagem
deles nus na minha boca faz meu pau dar sinal de vida.
O vestido até seria comportado, se não fosse por uma
fenda um pouco abaixo dos quadris pela qual, na
posição em que a mulher está agora, eu consigo ver
perfeitamente sua coxa deliciosamente torneada. E
aquilo ali, aquilo ali é uma cinta liga? Porra…
Subo meu olhar pelo corpo da morena que não me
vê. Além de estarmos distantes, ela está distraída em
uma conversa com a amiga. Inclino a cabeça levemente
para o lado, fazendo cálculos mentais de quanto tempo
eu ainda tenho, mas quando a mulher morde o lábio, eu
mando os cálculos para a casa do caralho.
— Eu realmente não tenho muito tempo… — divago
em voz alta.
— Então que bom que elas já estão esperando por
nós! — Marcos me diz e, ao virar meu rosto para ele,
deparo-me com um sorriso de gato da Alice
escancarado em sua boca.
— O quê? Como?
— Eu te disse que ia cumprimentar as pessoas
quando eu cheguei… — responde, simplesmente, e eu
estreito meus olhos para ele, mas não consigo me
impedir de sorrir antes de balbuciar:
— Filho da puta…
— Não, não! Melhor amigo do mundo! Vamos! Agora
você só tem duas horas e cinquenta e cinco minutos…
— Marcos, me diz que você tem a porra de…
— Um quarto aqui no hotel? — Ele me corta, tirando
do bolso do paletó escuro um cartão magnético.
— Porra, Marcos! Eu te daria um beijo na boca
agora, mas não! — respondo, pegando a chave da mão
dele e deslizando para o bolso da calça, enquanto
fazemos nosso caminho até o primeiro andar da festa.
A tela acesa à minha frente parece debochar de mim,
assim como os milhares de boletos espalhados sobre a
mesa, enfiados nas gavetas, nas bolsas e na minha
caixa de e-mail. Todos vencidos, todos implorando para
serem pagos e eu aqui, ainda sem um real furado no
bolso. Como dizia minha avó, mais dura que pau de
tarado. O notebook emprestado é lento, mas serve ao
seu propósito.
Depois de dormir mais de doze horas seguidas, na
terça-feira acordei com a cara inchada de tanto chorar e
dormir, mas me sentindo muito melhor do que na
segunda. Alguns dias são realmente piores do que
outros. Mas é como dizem, depois da chuva, sempre
vem o Sol. É com isso que eu conto. Embora, torcendo
para que sua chegada não saia queimando tudo e
transformando em deserto, porque na minha vida já está
chovendo há tanto tempo que, se o Sol quiser equilibrar
as coisas, o resultado provavelmente será trágico.
O que me acordou do meu sono de ignorância na
terça-feira foi um telefonema. Daquela vez, não era
minha mãe, mas Sheilla, uma colega que trabalhou
comigo no meu último emprego e com quem eu às
vezes converso pelo Facebook. Da última vez em que
nos falamos, eu disse que as coisas estavam
complicadas e que eu estava procurando qualquer
trabalho, desde que fosse digno.
O celular tocou debaixo do meu travesseiro e eu
atendi ainda de olhos fechados, recebi um boa-tarde
animado de volta, de uma Sheila me dizendo que tinha
conseguido uma faxina para eu fazer. Naquele
momento, eu quase ajoelhei para agradecer. Uma faxina
poderia até não pagar as contas, ou comprar minha tão
sonhada lasanha, mas me impediria de passar fome. E
ainda que eu queira, desesperadamente, um emprego
fixo e que ser empregada doméstica não seja meu
grande objetivo de vida, eu não tenho medo de trabalho
honesto, principalmente de um que vai colocar comida
na minha geladeira.
Desde que cheguei à São Paulo, já fiz quase tudo
que se possa imaginar. Já fui manicure, mas minhas
clientes não concordaram com a frase que dizia que a
prática leva à perfeição, já que não importava quantas
unhas eu fizesse, continuava tirando bifes, até que eu
não tinha mais nenhuma cliente. Já fui atendente de
telemarketing, mas, aparentemente, eu sou péssima em
cobrar dinheiro das pessoas, mesmo tendo um roteiro
para seguir, ficava com pena e nunca conseguia bater a
meta. Resultado? Demitida de quatro empresas
diferentes, depois mais ninguém da área quis me
contratar.
Eu também já trabalhei como atendente de fast food,
só que por mais que eu precise muito do emprego e do
mísero salário mínimo, você sabe o que é carma? É
aquilo que não importa o quanto você fuja, sempre vem
atrás de você! O meu se chama chefes prepotentes e
arrogantes, e quem é que consegue tolerar um gerente
de fast food que se acha o poderoso CEO?! Deus, eu
não! E aí está, cinco demissões em cinco redes
diferentes, e bum! Marcada como uma má profissional,
como se fosse eu a problemática.
Com os olhos cansados e o corpo travado por estar
na mesma posição pelos últimos vinte minutos, encaro o
milésimo e-mail que estou enviando esta semana. O
título? Vaga para vendedora. Nisso eu ainda não tenho
demissões suficientes para ser descartada, também não
tenho nenhuma experiência para ser considerada uma
boa candidata, mas a verdade é que estou atirando para
todos os lados.
Não é como se eu pudesse escolher o emprego que
quero. Vejo a vaga e verifico os requisitos, se eu me
encaixar, envio o currículo. Senão, passo para a
próxima. Com um olhar já treinado de tanto fazer a
mesma coisa, confiro na tela do computador o endereço
de destino e o arquivo anexado, meu extenso currículo
de apenas uma página, a mensagem curta de
apresentação no corpo do texto, e então, clico em
enviar. A página atualiza, mas depois de tantas
tentativas e nenhum retorno, custo a acreditar que
algum desses e-mails vá dar em alguma coisa, envio só
porque não tenho nada melhor para fazer, afinal, meu
checklist da falência está para lá de completo:
Dispensa e geladeira quase vazias? Checado!
Casa suja e sem material de limpeza para resolver?
Checado também!
Nenhum lugar melhor para ir ou estar? Checado!
Celular sem créditos para internet e ligações? Desde
que acordei na terça-feira!
Consegui enviar os e-mails porque neste horário eu
roubo o wi-fi lento do vizinho, enquanto ele vai buscar o
filho na escola. Mas a coisa é tão lenta, que se eu
roubar enquanto ele está em casa e nós dois usarmos
ao mesmo tempo, o sinal cai e ambos ficamos sem
nada. Então, só tenho mais dez minutos de sinal, já que
ele leva trinta para buscar o moleque, e já fazem vinte
que ele saiu.
Remexendo-me no chão duro, enquanto as
pequenas farpas dos paletes que formam minha cama
maltratam minhas costas apoiadas neles, suspiro
derrotada, torço os lábios e inclino a cabeça para o lado.
O que fazer, o que fazer?
A página de e-mail me devolve o olhar, mas, ao
contrário de mim, ela não tem boletos, então
simplesmente não se importa. Oh, céus! Estou
enlouquecendo! Divagando sobre uma tela que se
importa ou não comigo, fala sério! E o maior problema
nem mesmo é o fato de que estou imaginando os
pensamentos de um objeto inanimado que, obviamente,
não tem pensamentos, mas, sim, que quase ninguém se
importa comigo! E, definitivamente, a tela do
computador não pode ser incluída neste grupo mínimo.
É isso! E quando se trata de possíveis empregadores?
Aí ninguém se importa mesmo! Nenhuma das pessoas
para quem eu venho enviando e-mails há meses, pelo
menos.
Nunca recebi nenhum tipo de retorno. Nenhum
telefonema, nem para dizer: não, obrigado, não estamos
interessados. Nenhuma resposta de e-mail, sequer algo
absurdo ou ofensivo, como: recebemos seu e-mail, mas
seu currículo é péssimo! Não queremos você!
Estreito os olhos para a tela à minha frente, tendo
meus pensamentos como combustível para uma raiva
da qual absolutamente ninguém é culpada, só a vida.
Mas quando minha barriga ronca e me lembro de que
tudo o que tenho para comer é um miojo que precisará
ser feito no micro-ondas, porque o gás acabou semana
passada, e porque estou racionando os 120 reais que
recebi da faxina que fiz na quarta-feira, a raiva cresce,
ainda que eu não possa acusar ninguém como culpado
dela. Felizmente, o sentimento dura pouco, porque,
desde a noite passada, a constatação da minha falta de
opções acabou se tornando agridoce. Ao mesmo tempo
que me deixa triste, agora também me faz sorrir ao me
lembrar da outra pessoa nesse mundo inteiro, além da
minha mãe, é claro, que se importa comigo. Alguém que
faz isso há muito tempo, minha melhor amiga, Joana
Pietra Goulart.
Ontem à noite nos falávamos no telefone e eu
contava vantagem sobre a competição idiota que faço
comigo mesma todos os dias, sempre tentando enviar
mais e-mails do que enviei no dia anterior, apenas
porque não tenho nada realmente empolgante para
fazer, e agradecia a ela, porque, sem o seu notebook,
eu jamais poderia bater meus próprios recordes, ou
enviar currículos e ter chances reais de sair da pindaíba
em que me encontro, mas, naquele momento, superar
meus próprios recordes realmente parecia mais
importante.
Enfim, durante a ligação, ela me disse para comer o
miojo e imaginar que era um espaguete com molho de
quatro queijos. Respondi que tentaria, porque se eu
consigo imaginar lasanha enquanto tomo vitamina de
banana, com certeza posso imaginar espaguete
enquanto como miojo. A verdade é que se não fosse por
ela, talvez meus dias mais difíceis já tivessem se
tornado impossíveis. São suas mensagens e ligações
que, mesmo de longe, permitem que a sensação de
solidão seja absoluta em alguns dias, não todos eles.
A linda mulher loira de olhos azuis e corpo esguio já
foi uma menina, e foi nessa fase das nossas vidas que
nos conhecemos, na escola, mas seu pai foi transferido
para São Paulo capital quando estávamos no segundo
ano do ensino médio, por isso nos separamos. Aqui na
cidade o pai dela melhorou de vida e agora a Jô faz
faculdade particular, enquanto ainda mora com os pais,
que podem sustentá-la. Assim que me mudei para cá,
nós nos reencontramos, porque apesar da distância,
nunca perdemos o contato.
Na infância brincamos de boneca. Na adolescência
falamos de meninos. Na época do ensino médio,
fizemos planos para o futuro. Desde então a gente se
apoia na busca por eles. Os da Jô estão muito melhor
encaminhados que os meus, mas, ainda assim, ela
sempre consegue tempo para estar comigo. É para ela
que eu choro minhas dores, conto minhas verdades, e é
só com ela também que nos últimos tempos tenho tido
motivos para sorrir.
Ontem, quando me ligou, a Jô fez piada sobre eu me
inscrever num site para ser sugar baby. Falei para ela
que eu já estava velha demais para ser baby de alguém.
Não que eu me ache velha aos vinte e dois anos, mas
para “competir” com garotas de dezoito… Depois disso
ela me perguntou se era essa, realmente, a única razão
para eu não fazer uma coisa dessas e, então, nós duas
explodimos em gargalhadas. Depois começamos a falar
sobre possibilidades reais de trabalho.
Conseguimos pensar em várias coisas, como, por
exemplo, vender brigadeiros na rua. O problema é que,
para todas elas, eu preciso investir algum dinheiro,
mesmo que seja pouco. Por isso, decidi racionar o
dinheiro da faxina e Joana ficou de ver com tias e
amigas da mãe dela se conseguia mais algumas para
mim. A conversa colocou alguns tijolinhos a mais na
reconstrução do meu estado de espírito. É sempre
assim. Conversar com ela sempre torna meus dias
melhores.
Mas a vida adulta é muito diferente da infância e da
adolescência, distanciar-se dos amigos é inevitável,
simplesmente não existe tempo o suficiente para viver a
própria vida e manter a mesma frequência de encontros
com os amigos. Joana faz o que pode, liga-me pelo
menos duas vezes na semana, sempre, não importa o
momento, atende minhas ligações, e sempre que pode
vem me visitar ou me convida para visitá-la. Seus pais
sempre me trataram muito bem, mas nos últimos
tempos evitei ir até a casa deles. O olhar de pena em
seus olhos não ajudava em nada a encontrar a melhora
no meu estado de espírito que costumo buscar em
Joana.
A alegria que pensar na minha amiga me traz quase
me faz esquecer o famigerado miojo, só a lembrança da
sugestão de arrumar um Sugar Dady me faz gargalhar.
Decido melhorar a piada, já que estou velha para isso.
Com a cabeça cheia de ideias malucas implorando para
serem exibidas para algum par de olhos, clico em enviar
um novo e-mail e escrevo o título: Vaga para assistente
pessoal.

Dessa vez não anexo meu currículo, mas, determinada


a pagar minha amiga nem que seja com alguns sorrisos,
escrevo todas as minhas informações e as coisas mais
absurdas que consigo pensar no corpo do e-mail:
Eliza Salvador Porto
Brasileira — solteira — 22 anos
Rua Juvêncio Mariápolis, número 87, fundos,
Paraisópolis, São Paulo – SP
22 987655666 / elizasalporto@gipsymail.com

OBJETIVO:
Ocupar o cargo de assistente pessoal assistindo a
todos os desejos pessoais de meu empregador.
FORMAÇÃO ACADÊMICA:
2015 — Curso de informática básica
2016 — Ensino médio — Escola estadual Mariângela
Belize
2014 até a presente data — Extensa formação na
arte do prazer adquirida em romances de banca e em
literatura consumida gratuitamente na internet.
EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS:
Nenhuma na área mencionada, mas estou mais do
que disposta a aprender a satisfazer todos os desejos
do meu empregador exatamente como ele me ensinar.
Sou muito rápida em aprender coisas novas e ser
testada sobre elas é algo que me deixa muito excitada.
PRÊMIOS E RECONHECIMENTOS:
— Cabelos longos, excelente para serem puxados;
— Pele clara, excelente para receber marcas de
leves palmadas;
— Melhor beijo da cidade;
— Melhor boquete do estado
— Pepeca virgem, pronta para uma mudança de
status.

A última frase me choca e me faz gargalhar ao


mesmo tempo. Olho para as pontas dos meus dedos,
mal acreditando que realmente tenha sido eu a escrever
aquilo. Pepeca?
A tela do computador me recriminaria se pudesse e,
enquanto gargalho, uma outra ideia toma forma em
minha mente. Bem, se é para ser absurda, vamos ser
direito, certo? Aos risos, no espaço abaixo do meu
currículo, transfiro para o computador as palavras que
surgem na minha cabeça:
CONTRATO DE PRAZER
O presente instrumento pretende firmar um acordo
empregatício entre as partes contratada e contratante.
Tendo como seu único objetivo garantir o
comprometimento da contratada com sua tarefa. Para
que, como consequência, seja garantida também a
satisfação do contratante.
Desta forma, a Contratada se compromete a se
empenhar em cumprir todas as tarefas que lhe forem
solicitadas e em aprender e praticar tudo o que lhe for
ensinado.
São Paulo, _____,__________ de 2021.
__________________________________________
__
Assinatura da contratada
__________________________________________
___
Assinatura do contratante

O riso volta a tomar conta de mim com tudo e eu só


volto a mim quando ouço passos no corredor, meu
vizinho está chegando. Rapidamente, digito o
destinatário do email:
jpgov.pessoal@gipsymail.com
Passo os olhos sobre o endereço, confirmando que é
mesmo aquilo que eu já sei de cor e clico em enviar,
lamentando apenas o fato de que ficarei sem internet e,
caso Joana me envie uma mensagem, não poderemos
rir juntas da minha idiotice.
O ponteiro do relógio me afronta, enquanto continua a
girar como se não importasse o fato de ser sexta-feira à
noite e eu ainda estar no escritório, diante de uma mesa
cheia de papéis, com a caixa de e-mails lotada e sem a
menor perspectiva de que horas sairei daqui. Do lado de
fora São Paulo se acende e a famosa selva de pedra se
torna um grande show de luzes e movimento.
Giro a cadeira, deslizando minhas pernas para fora
da mesa, e não sei se sou eu quem aprecia a vista da
cidade, quarenta e dois andares abaixo de mim através
das janelas do chão ao teto, ou se é ela que me engole,
enquanto me desfaço em pensamentos e exaustão. Há
seis meses, a uma hora dessas, eu estaria a caminho
de casa, para me preparar para uma noitada de
respeito, ou já estaria em uma. É engraçado como uma
decisão muda tudo. Porra, eu costumava ser o cara
engraçado da roda! Eu! Agora, sou só o rabugento, o
que está sempre trabalhando ou falando de trabalho.
Com um suspiro, meus olhos se desviam das janelas
e olho com atenção o espaço em que estou. O escritório
amplo, de chão e paredes revestidos por mármore
escuro, é cercado por vidro, com exceção da parede
diante de mim, aquela que me separa do restante da
firma, assim ninguém vê o que acontece aqui dentro.
Obras de arte, móveis assinados por grandes nomes,
um bar com as bebidas mais caras que o dinheiro pode
comprar e, é claro, a cereja do bolo, uma peça de
design expondo todos os produtos atuais do grupo
editorial Govêa: revistas, jornais, folhetins, tudo o que
trabalhamos aqui para produzir e distribuir lá fora. Por
tanto tempo estar nessa sala foi meu objetivo e agora
aqui estou eu, olhando para ela, questionando-me.
Não tenho dúvidas de que vale a pena, mas,
definitivamente, eu esperava que fosse diferente. Quer
dizer, eu tive um pai presente, então porque caralhos eu
não tenho conseguido me fazer presente na minha
própria vida? Eram outros tempos… O tempo valia e
durava mais do que hoje em dia… Ainda assim, essa
constatação apenas traz de volta à minha mente a
pergunta que eu venho repetindo com frequência há
pelo menos dois meses: o que eu estou fazendo de
errado? Porque alguma coisa, com certeza, não está
certa…
Resignado, sacudo a cabeça, afastando de mim os
pensamentos e decidindo voltar a trabalhar. Quando
abaixo meus olhos para as planilhas na tela do
computador, um pequeno tremor atinge a mesa e o
zumbido de vibração soa no escritório. Ao olhar para a
tela do celular, vejo uma notificação de novo e-mail e
ignoro. Norma fará a triagem, e depois que eu
responder todos os que já estavam na caixa de entrada,
em algum momento, chegarei a ele.
É o toque sutil do telefone de mesa e a luz vermelha
piscando, indicativa de que é uma chamada da minha
secretária, que me arranca dos meus pensamentos.
— O senhor ainda vai precisar de alguma coisa hoje,
Sr. Govêa?
— Não, Norma! Está tudo bem por hoje! Tenha um
bom fim de semana.
— Tudo bem, meu filho! Eu pedi para o Fazzano’s
entregar o seu jantar às 21h. —Tudo na frase me faz
sorrir. Do vocativo informal, agora que o seu horário de
expediente foi oficialmente encerrado, ao cuidado em
pedir meu jantar antes de ir embora, mesmo que eu não
tenha pedido que fizesse isso, ela nunca me deixa antes
de ter certeza de que irei me alimentar corretamente,
como se eu ainda tivesse dez anos de idade e não fosse
capaz de cuidar de mim mesmo.
Norma faz parte da família Govêa há quase quarenta
anos, chegou aqui aos vinte, como datilógrafa, quando
essa profissão ainda existia. Depois foi secretária do
meu pai por todo o tempo em que ele comandou o
grupo, agora é a minha. Ela conhece o funcionamento
da empresa melhor do que muitos novos profissionais
que chegam aqui com seus diplomas e Mba’s ainda
reluzindo, de tão novos. Nenhuma faculdade ensina o
que ela sabe, nenhum curso de graduação, pós-
graduação ou especialização ensina o que ela já viu.
A pequena mulher de cabelos curtos e corpo
arredondado me viu crescer, literal e figurativamente.
Viu-me na barriga da minha mãe, depois moleque,
andando deslumbrado por esses corredores. Viu
também bem de perto a fase em que me achei o dono
do mundo e andava por aqui com o nariz empinado e o
peito estufado, achando-me melhor do que os
funcionários, porque sabia que um dia eu seria o que
sou hoje, aquele quem controla tudo isso.
Tratei-a mal uma única vez. Moleque, eu a diminuí.
Disse que deveria fazer o que eu mandasse, porque eu
era o dono de tudo isso. Meu pai descobriu, um outro
funcionário viu e contou. Ele me chamou para conversar
e, mesmo que não tenha feito diferença na minha forma
rebelde de pensar da época, ele me fez pedir desculpas
à Norma. Foi a primeira lição de negócios que me
ensinou explicitamente: “Nenhum funcionário respeita
um patrão que não os respeita”, disse e, mesmo
pedindo desculpas, só fui entender o que aquilo
realmente significava anos depois.
Que foi também quando perguntei à própria Norma:
por que ela não contou ao meu pai o que eu fiz? Por
que foi preciso que uma terceira pessoa contasse? Eu
estava começando a faculdade na época e ela me disse
que não importa o que vistam, como cheirem ou o que
comam, crianças são apenas crianças.
— Você não precisava ter se preocupado em me
alimentar, Norma! Eu não sou mais criança. —
resmungo em tom de brincadeira.
— Não importa o que vistam, como cheirem, ou o
que comam, crianças são apenas crianças, e sempre
serão crianças, minha criança — recita a frase dita anos
atrás e repetida muitas outras vezes depois, fazendo-me
sorrir e concordar com a cabeça.
— Obrigado, Norma! Até segunda.
— Até! Os e-mails recebidos até às 18:30h foram
separados e organizados nas pastas por ordem de
prioridade, já suspendi o recebimento de notificações
até segunda-feira. E sua agenda de segunda também
foi atualizada e já está disponível para você — diz,
enquanto anda até o aparador de frente para a mesa
redonda de oito lugares que ocupa parte do lado
esquerdo da sala e retira de lá um prato e talheres,
para, logo depois, deixar tudo sobre a mesa.
— Eficiente até o último fio de cabelo branco —
brinco, já que ela é uma senhora de pele morena e
absolutamente todos os fios de seus cabelos são
brancos.
— É a única maneira de fazer as coisas. — Sorri
para mim, dá uma piscadela e se vira, saindo da sala.
Quando ouço o apito do elevador avisando que
Norma já não está no andar, o sorriso plantado por ela
ainda está no meu rosto. A vida pode não estar
exatamente como eu gostaria, mas não está ruim e em
algum momento vai chegar aonde deve. Com isso em
mente, abandono as reflexões, tiro o relógio do pulso,
deixando-o com o visor voltado para baixo, e mergulho
no trabalho. Comparo planilhas, aprovo comunicados e
relatórios, peço o agendamento de reuniões, confiro
balancetes e planos de negócios.
— Sr. Govêa? — Surpreendido pelo som súbito
depois de tanto tempo em silêncio, levanto a cabeça e
me deparo com Jhonatan, um dos seguranças do andar,
parado na porta da minha sala, com uma sacola de
papelão erguida nas mãos em uma declaração
silenciosa. Eu me dou conta de que, provavelmente, já
passa das 21h e levo as mãos ao rosto, esfregando-o
nas palmas, tentando espantar o cansaço.
— Desculpe, senhor. Eu bati, mas acho que o senhor
não ouviu.
— Está tudo bem, Jhonatan. Não tem problema
nenhum. Você pode deixar em cima da mesa, por favor?
Isso é coisa da Norma. — Respondo, cansado, ansioso
por uma chuveirada e pela minha cama.
— É a única maneira de fazer as coisas? — Ele entra
na sala, deixando a sacola de papel sobre a mesa,
enquanto faz a pergunta e eu sorrio.
— Exatamente, meu caro.
—Boa noite, Sr. Govêa.
— Boa noite, Jhonatan. Obrigado. — Eu o observo
fechar a porta e logo depois recosto na cadeira,
fechando os olhos e, mesmo com eles fechados, vejo
números e mais números.
— Porraaa… — Em um único impulso levanto,
dirigindo-me até o bar. Sirvo uma dose dupla de
Macallan e giro-o no copo algumas vezes antes de levar
o primeiro gole à boca. O cheiro forte afeta meus
sentidos antes do sabor, relaxando-me. O gosto
amargo, seco e frutado se desdobra em minha língua e
eu aproveito cada gota que desliza garganta abaixo.
Lá fora, a noite alta de São Paulo se desenrola, com
as ruas comerciais ao redor da sede da Gôvea desertas
e silenciosas. Alguns carros passam hora ou outra, mas
o vazio predomina. Enquanto observo o nada pela
janela, vejo as primeiras gotas de chuva caírem,
primeiro elas vêm finas e espaçadas, mas em questão
de minutos tornam-se grossas e rápidas, uma chuva
cada vez mais volumosa. Mas como chuva de verão,
antes que eu esvazie meu copo, já passou.
O carro desliza pelas avenidas de São Paulo, saindo
da avenida paulista e indo na direção dos bairros
Jardins, deixo minha cabeça pender para trás e
mantenho meus olhos fechados. Com as mangas da
camisa dobradas, os primeiros botões abertos e o paletó
e a gravata jogados ao meu lado no banco do carro,
respiro fundo, ansiando pela minha cama.
O celular vibra no meu bolso, despertando-me, penso
em ignorá-lo, mas me lembro de que minha mãe me
enviou uma mensagem hoje de manhã e eu ainda não
respondi. Assim que desbloqueio a tela, a notificação de
um novo e-mail chama minha atenção, afinal, Norma
disse que havia bloqueado novas notificações de e-mail.
Franzo as sobrancelhas, confuso. Isso não faz sentido,
se ela tivesse esquecido, com certeza eu teria muito
mais do que uma única notificação. Ao abrir o aplicativo
já logado na conta comercial, eu me surpreendo ao me
deparar com a caixa principal vazia.
Será possível? Mas ninguém nunca envia e-mails
para o meu pessoal… Basta deslizar o dedo pela barra
de notificações para constatar que eu estava errado,
aparentemente, alguém me enviou, sim, um e-mail para
a conta particular, mas isso nem é o mais
surpreendente. O que me faz arquear uma sobrancelha
e me sentir ainda mais confuso sobre a situação
inusitada é o título da mensagem eletrônica: Vaga para
assistente pessoal. Mas que porra…
Curioso com a primeira situação inocentemente
inesperada em meses, abro o e-mail. Porque,
ultimamente, todas as surpresas que tenho recebido são
problemáticas. Falha de fornecedores, contratos
vencidos, contas inconsistentes… Merda atrás de
merda. Meus olhos acompanham as palavras e minhas
sobrancelhas se franzem, é realmente um currículo.
Leio a primeira parte, com os dados pessoais da
remetente. Que perigo! Isso poderia ter ido parar na
mão de um psicopata, ao invés de nas minhas… A
mulher mora em Paraisópolis? Que merda…
Vinte e dois anos… Eliza Porto… objetivo… espera,
o quê? Leio o texto pelo menos três vezes para ter
certeza de que não estou vendo coisas ou imaginando
ambiguidades e estou quase me convencendo disso,
quando chego ao último item descrito na sessão de
Formação do documento e eu rio. Que porra é essa?
Se o primeiro parágrafo deixou dúvidas sobre a
existência de um duplo sentido, o terceiro não deixa
nenhuma! Está, literalmente, dizendo que a mulher faria
qualquer coisa que lhe fosse ensinada. Uma risada
baixa me escapa e minhas sobrancelhas, que já haviam
relaxado, voltam a se franzir levemente enquanto eu
balanço a cabeça em negação. De onde isso veio?!
Finalmente, chego à última sessão do currículo, o
primeiro item me faz arregalar os olhos, o último me faz
perder completamente o controle e eu gargalho. O riso
brota no fundo da garganta e sai descontrolado, fazendo
com que eu me contorça e com que meus olhos
lacrimejem. Rio como há muito tempo eu não ria. Rio
até perder o ar, começar a soluçar e precisar me obrigar
a me acalmar.
— Marcos, seu filho da puta! — Preciso dizer em voz
alta, mesmo que só para eu mesmo escutar. Eu sabia
que ele era uma vadia, mas, porra! Olho para o celular
nas minhas mãos, acendo a tela e releio a última frase
“Pepeca virgem pronta para uma mudança de status”. E
quando leio as últimas linhas, um “contrato de prazer”
ridiculamente escrito, perco a batalha interna que vinha
travando, o riso volta a irromper da minha boca, até que
minha barriga esteja doendo novamente, e eu levo
alguns minutos para perceber que o carro está parado e
que minha porta está aberta, enquanto Luiz, meu
motorista, me encara com uma expressão divertida no
rosto.
Respiro fundo várias vezes, esforçando-me para
recuperar o controle pela segunda vez, nem me
preocupo em reunir minhas coisas espalhadas pelo
carro, apenas me viro, passando pela porta e fazendo
um aceno para Luiz, porque se eu precisar explicar o
que está acontecendo, provavelmente terei outra crise
de risos. Faço o caminho até a entrada de casa,
balançando a cabeça para os lados, incrédulo. O infeliz
fez um e-mail falso só para me sacanear. Deve
realmente estar com tempo sobrando… Mesmo
sabendo que a vadia do Marcos com certeza está na
noite a essa hora e não vai me responder, mando uma
mensagem para ele: “Assistente pessoal? Você é um
filho da puta! Kkkkkk”
Diante de uma mesa diferente da que eu estava na
noite anterior, mas igualmente cheia de papéis
espalhados, passo a tarde de sábado trancado no
escritório de casa, resolvendo pendências atrás de
pendências.
É só à noite, quando estou prestes a sair de casa
para um jantar de negócios com um cliente que só
estará em São Paulo este fim de semana, que recebo
um sinal de vida de Marcos. Um que me faz estreitar
meus olhos para o telefone ao ler sua mensagem:
“Não sei do que você está falando, mas fico feliz de
servir de palhaço para você a qualquer hora. E quanto à
idade, a mesma que você, babaca. Só que sou mais
bonito e inteligente!”
Interrompo meus passos quando vejo a mensagem
recebida, arqueando uma sobrancelha para o aparelho
celular na minha mão. Filho da puta, miserável! Vai
mesmo negar? Ah, mas não vai! Faço, então, a única
coisa possível, reabrindo o e-mail, tiro um print da tela e
envio para ele, só então volto a caminhar.
Entro no carro e me acomodo, o telefone em minha
mão vibra e toca, enquanto a foto de um Marcos
sorridente, sem camisa, com o mar ao fundo, acende na
tela. Inclino a cabeça para o lado, provavelmente ele
quer se gabar da sacanagem que fez. Bufo, meio
indignado, meio divertido, e toco o ícone verde,
atendendo ao telefone. As gargalhadas escandalosas
inundam o carro de tão altas, ainda que o celular não
esteja no viva-voz.
— Tudo bem, eu tenho que admitir! Essa sua ideia
adolescente me fez quase rolar no chão de rir. —
reconheço a contragosto. Ele demora vários segundos
para parar de rir e responder e eu mesmo me pego
sorrindo, quando me lembro de todos os absurdos
escritos naquele e-mail. Ouço Marcos respirar fundo
várias vezes, o som baixo de um assobio de quem tenta
se controlar e até mesmo alguns ai, ai antes que eu
finalmente ouça sua voz em uma frase completa.
— Porra, João! Isso é sério? Alguém realmente te
mandou esse e-mail? — pergunta com o tom de voz
abafado pela tentativa de controlar a respiração, mas
ele falha e volta a explodir em risos. Eu afasto o telefone
da orelha, rindo também.
— Marcos, deixa de ser vadia! Eu sei que você que
me enviou essa porra…
— Eu adoraria levar o crédito, porque, sério! A ideia é
genial! Eu te disse que você deveria contratar uma
secretária pra foder, e olha só! Esse currículo seria
perfeito! Pele clara pra marcas de leves palmadas? Puta
que pariu, João! Se isso fosse verdade e você não
contratasse, eu contrataria! — diz depois de várias
respirações profundas, mas sua última frase faz com
que nós dois gargalhemos.
— Não fode, Marcos! Você parece um adolescente,
tá te sobrando tempo pra ficar fazendo contas aleatórias
de e-mail só pra me sacanear. Quer que eu processe
alguém pra você ter trabalho? — pergunto, irônico, e em
instantes, aparentemente recuperado da crise de risos,
ele me responde.
— João, eu realmente não acho que essa
genialidade possa ser chamada de desperdício de
tempo, mas eu não tive nada a ver com isso. — Seu tom
é leve e divertido, mas eu franzo as sobrancelhas.
— Não? — pergunto, sério.
— Não, meu amigo! Infelizmente, alguém foi mais
rápido que eu dessa vez.
— Mas que porra! — As palavras saem sem que eu
perceba que estou falando em voz alta.
— Que foi?
— Que foi? Como o que foi, Marcos? Se não foi
você, então quem?
— Algum amigo?
— Por que algum amigo, além de você que é babaca
por natureza, me enviaria algo assim?
— Pela piada, porra!
— Marcos, essa piada só tem graça com contexto.
Sem contexto, não faz o menor sentido…
— Acho que você tá pensando demais sobre isso, foi
só uma brincadeira de algum idiota…
— Talvez…
— Com certeza! Escuta, tô indo pra Biach, o que
acha? Vamos?
— Não, tô a caminho de uma reunião, não sei que
horas vou sair de lá e ainda tenho uma porrada de
coisa pra fazer no escritório quando voltar…
— Trabalhando no fim de semana, João?! Porra!
— Pesada é a cabeça que usa a coroa, meu amigo!
E um dia será a sua! — Respondo, sorrindo com a
perspectiva.
— Vai agourar o cu, filho da puta! — É a resposta
infantil que recebo e que me faz gargalhar. — Deixa de
ser frouxo, porra! Desde quando virar a noite é
problema? —questiona minha negativa.
— E quem foi que disse que eu não vou passar a
noite acordado? Só não vai ser vadiando, caralho!
— Bom, peso demais pode causar decapitação.
Cuidado com essa coroa, meu bom! —Seu tom é
debochado e eu apenas repito para ele o discurso que
sempre funciona com as suas provocações.
— Um dia vai ser a sua…
— Vai-pra-porra!
— Tchau, Marquinhos! Boa noite! — Eu me despeço,
mas ele não tem a mesma cortesia e simplesmente
desliga o telefone. Quando olho para o aparelho com a
intenção de confirmar o fim da chamada, a tela se
acende e a imagem do print do e-mail faz com que
todos os meus pensamentos se voltem para uma
pergunta: de onde isso veio?
Durante o restante da noite e todo o domingo, esse
questionamento me atormenta. Eu poderia responder
perguntando quem é, mas realmente não acho que
tenha sido a brincadeira de um conhecido, e caso seja
um desconhecido que sabe quem eu sou, um jornalista,
por exemplo, uma resposta só vai criar confusão.
O problema é que não importa quantas vezes eu
desvie meus pensamentos, eles sempre voltam para o
mesmo lugar. De onde veio essa porra de e-mail? Quem
enviou? Como tinham meu endereço pessoal? Depois
que a manhã de segunda-feira passa sem que eu tenha
produzido nem mesmo metade do que deveria, tomo
uma decisão. Abrindo mais uma vez o e-mail, que já li
pelo menos cinquenta vezes desde que recebi, anoto
em um pedaço de papel o nome e o telefone
registrados, depois faço uma ligação para minha
secretária.
— Norma, você pode vir até aqui, por favor?
— Pois não, Sr. Govêa? — pergunta ao entrar na
sala.
— Norma, eu preciso que você tente marcar uma
entrevista de emprego com essa pessoa pra mim. —
Digo, estendendo para ela o papel com os dados e
Norma franze as sobrancelhas.
— Desculpe, senhor. Nós estamos contratando? E
não é o setor de recursos humanos quem conduz os
processos seletivos? — questiona, como sempre muito
atenta a tudo o que acontece na empresa.
— Não é para a empresa, Norma. É pra um cargo
pessoal. Você pode fazer isso, por favor? Tente contato
e se conseguir agende para amanhã aqui no escritório
às… — pauso um instante, pensando qual seria o
melhor horário para receber essa pessoa que pode ser
um amigo idiota, um jornalista armando para mim ou
uma prostituta testando novos métodos de captação de
clientes. Depois do expediente, então. Definitivamente,
depois do expediente. — Às dezenove e trinta. Me avise
assim que tiver uma resposta.
— Tudo bem, e qual é o cargo? — Ela questiona e eu
arqueio as sobrancelhas em uma pergunta silenciosa.
Ela se explica: — Senhor, eu devo dizer que é uma
entrevista para quê?
— A candidata está a par, só faça o mais rápido
possível e me informe assim que tiver um retorno.
— Tudo bem. — Balança a cabeça e logo depois se
retira.
Fico encarando a porta por vários minutos, pensando
nas possibilidades de ser um jornalista, um engano, ou
de o telefone nem mesmo existir. Passo um bom tempo
olhando para a tela do computador à minha frente sem
que minha mente realmente processe as informações ali
escritas. Mas no momento em que a luz vermelha do
telefone de mesa acende pela primeira vez, antes
mesmo que ele possa tocar, eu já atendi a ligação de
Norma.
— Sim! — digo rápido, sem me lembrar de esconder
a ansiedade.
— Está marcado, senhor. Amanhã às dezenove e
trinta. Precisa que eu providencie alguma coisa? — Só
presto atenção na primeira parte. Como assim está
marcado? Puta que pariu! Era uma prostituta! Mas como
caralhos uma prostituta conseguiu meu e-mail pessoal?
Ou não, afinal, ainda pode ser um jornalista esperando
que eu caia nessa…
— Senhor? — Norma me chama e eu desperto dos
meus próprios pensamentos.
— Sim, Norma! Me desculpe, o que você disse?
— Perguntei se o senhor precisa que eu prepare algo
para a entrevista.
— Não, só vou precisar que você fique até o horário
de início para receber a candidata. Ok?
— Perfeito. Algo mais, senhor?
— Por enquanto, não, Norma, obrigado. — Desligo a
chamada atônito. Achei que a ligação seria a prova dos
nove e me devolveria a paz que perdi desde que Marcos
me disse que não foi ele quem enviou o e-mail, mas
parece que o universo tinha outros planos.
— Que porra!
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Em todos os livros, apesar de ser a última, essa é sempre a
página em branco mais fácil de preencher. Mas não nesse.
Não, porque agradecer por esse livro, especificamente, é mais do
que agradecer pelas páginas que você, querida leitora, acabou de
ler. É agradecer por você e por cada engrenagem no universo que,
no dia 7 de maio de 2021, dia em que o primeiro livro dessa trilogia
foi lançado, girou e cooperou para que a minha vida fosse
completamente transformada através dos livros.
Então, antes de qualquer coisa, obrigada àquele que gira as
engrenagens do universo. Obrigada, @Deus! O Senhor é top!
Obrigada ao meu parceiro de vida, que acredita nos meus
sonhos e os incentiva todos os dias, Daniel, isso é por nós.
Obrigada à minha parceira de crime, que leu um absurdo no
WhatsApp e ao invés de me mandar parar de ser louca, disse: Bora!
Obrigada à minha família, pelo apoio de sempre. Vocês
seguraram a minha mão quando eu não sabia para onde ir e
disseram que estava tudo bem, eu tinha todo tempo do mundo.
Obrigada a cada um que entrou na minha vida através dos livros
e fez dessa mudança algo magnifico, amigas, leitoras e autoras.
E, àquela, onde tudo começou. Obrigada, Eliza. Esse ponto final
é para você.
Obrigada, querida leitora! A Lola só existe por que você permite!
Ah, me segue no insta! @lola.belluci.autora

[1]
A expressão significa “perdedor” em inglês.
[2]
O Bilhete Único é um sistema de bilhetagem eletrônica que unifica em apenas
um sistema, toda a bilhetagem dos meios de transportes [1], gerando assim
benefícios aos seus usuários, tais como as tarifas integradas, ou seja, o Bilhete
Único oferece desconto ou isenção da tarifa ao se utilizar meios de transporte
dentro de um determinado período de tempo.
[3]
Objeto do universo Harry Potter em que é possível expor e guardar
pensamentos de maneira externa à própria consciência.
[4]
O Viaduto do Chá foi o primeiro viaduto a ser construído na cidade de São
Paulo, localizado no Vale do Anhangabaú, no centro da cidade. Foi idealizado
pelo francês Jules Martin em 1877, mas inaugurado apenas em 6 de novembro de
1892.
[5]
Quarto vermelho da dor é como a personagem Anastasia Steele se refere ao
quarto de jogos BDSM de Christian Grey no livro Cinquenta tons de cinza.
[6]
Silvio Santos OMC, nome artístico de Senor Abravanel, é um apresentador de
televisão e empresário brasileiro. Possui mais de sessenta anos de carreira.
Nasceu no bairro da Lapa, na região central da cidade do Rio de Janeiro, então
capital do Brasil e sede do então Distrito Federal.
[7]
Reality show brasileiro que acompanhava o cotidiano de mulheres ricas e
poderosas e mostrava em detalhes o que o dinheiro pode fazer.
[8]
O Projeto TAMAR é um projeto conservacionista brasileiro que atua na
preservação das tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção. É uma entidade de
direito privado, sem fins lucrativos e fica sediado em Praia do Forte, na Bahia.
[9]
Receita italiana de massa coberta por um molho de quatro queijos.
[10]
Que possui tamanho reduzido e simultaneamente refinado, elegante, delicado.
[11]
Instituto Nacional do Seguro Social[1] (INSS) é uma autarquia do Governo do
Brasil vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Provisória[2] que recebe
as contribuições para a manutenção do Regime Geral da Previdência Social,
responsável pelo pagamento de aposentadorias, salário-maternidade, pensão por
morte, auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-reclusão e outros benefícios
[12]
Um NFT (non-fungible token/token não fungível) é uma tecnologia que permite
a criação de uma assinatura única, um certificado digital que assegura a
autenticidade de algo. Isso pode ser um arquivo de imagem, uma música, um
tweet, um texto publicado num site, itens físicos e diversos outros formatos
digitais.
[13]
A liga dos campeões da UEFA (em inglês: UEFA Champions League) é uma
competição anual de clubes de futebol a nível continental, organizada pela união
das associações Europeias de Futebol (UEFA) e disputada por clubes europeus.
[14]
A Maserati é uma tradicional fabricante de automóveis italiana fundada em
Bolonha.
[15]
Sirius Black é um personagem da série Harry Potter de J. K.
Rowling.
[16]
"Baby Looney Tunes" foi uma série de televisão animada co-produzida entre
os Estados Unidos e o Canadá que descreve as versões infantil e pré-escolar dos
personagens de Looney Tunes. Foi produzido pela Warner Bros. Animation. [1][2]
O programa estreou como uma série completa em 3 de junho de 2001 e retornou
às estações WB geralmente antes ou depois do bloco WB para crianças de 2001
a 2003 e continuou a ser exibido na Cartoon Network de 2004 a 2006

[17]
O tiramissu é uma sobremesa tipicamente italiana, possivelmente originária da
cidade de Treviso, na região do Vêneto, e que consiste em camadas de biscoitos
de champagne, também chamados de biscoitos.
[18]
Plano Perfeito - canção de Lourena e MC Don Juan

[19]
Quando o mar está com ondas muito largas, que são difíceis de pegar quando
se está próximo a elas.

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