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Copyright © 2020 Valentina K.

Michael

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança
com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Revisão: Cristiano Teixeira


Capa: E. Scofield Designe

Todos os direitos reservados.


São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610./98
e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Edição Digital | Criado no Brasil.


Quando tudo nos parece dar errado, acontecem coisas
boas que não teriam acontecido se tudo tivesse dado certo
Renato Russo
Sumário
Um
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
NOVE
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
QUATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
VINTE E DOIS
VINTE E TRÊS
VINTE E QUATRO
VINTE E CINCO
VINTE E SEIS
VINTE E SETE
VINTE E OITO
VINTE E NOVE
TRINTA
TRINTA E UM
TRINTA E DOIS
TRINTA E TRÊS
TRINTA E QUATRO
TRINTA E CINCO
TRINTA E SEIS
EPÍLOGO
SUBLIME AMOR
Um
GEMA

— Nos veremos amanhã, meus queridos. — Minha mãe acenou para os


convidados que deixavam nossa mansão de veraneio após o jantar. Os
padrinhos entraram em seus próprios carros e foram embora. À nossa volta,
no jardim, caixas de ornamentos e cadeiras empilhadas para amanhã, o
grande dia.

— Vou depois. Antes, irei caminhar sob as estrelas com meu amor —
Luan falou, apertando minha mão, se despedindo dos pais.

— Tudo bem, filho. Não demore. Amanhã tem que estar sem olheiras
para o seu grande dia. — A mãe dele aproximou-se e beijou seu rosto.

— Sim, mamãe.

Ela me abraçou e cochichou em meu ouvido: “Fique atenta.”

Não compreendi o que ela quis dizer, e não dei importância. Conselhos
de mãe, decerto.

Ficamos observando eles entrarem no carro e partirem. Em seguida,


acenei para meus pais e, ao lado do meu noivo, caminhei devagar, mancando,
apoiada ao braço dele.

Luan Fernão me encontrou, por acaso, em uma festa de réveillon três


meses atrás. Eu quase nunca saía ou ia para esses lugares, todavia, tinha
desejo de ver a queima de fogos na praia. E, naquela noite, eu encontrei a
minha felicidade.

Ele era um homem bonito. Alto e magro, de olhos verdes que


combinavam perfeitamente com seus cabelos pretos, cortados baixo. Às
vezes eu parava e admirava sua beleza e reconsiderava meu grau de sorte.
Aos trinta e três anos, eu já tinha perdido as esperanças de amar e ser amada,
até aquela noite, quando ele me viu.

— Já está caminhando melhor — ele comentou. — Fico tão feliz com


seu progresso, amor.

— E eu mais ainda. Quero que esse problema seja apenas um detalhe


amanhã, na passarela.
— E será. — Ele parou de caminhar e afagou meu rosto com carinho. —
Todos irão reparar apenas na mulher mais linda do mundo.

— Não diga isso... — Desviei o olhar. — Sabe que sou imperfeita...


Tenho esse problema.

— Eu te amo nos seus defeitos. É um defeitinho na perna, sim, mas é


coisa pequena.

Assenti sorrindo, meio sem graça. Eu morria de vergonha da minha


deficiência, resultante de uma poliomielite quando era criança. Sentia
vergonha, mas jamais deixei que isso fosse um entrave em minha vida.
Mesmo com dificuldade, fazendo dolorosas fisioterapias, eu não desisti.
Entrei na faculdade, me formei e, no baile da formatura, aposentei de vez as
muletas. Foi a noite mais emocionante, quando entrei sozinha, andando com
meus próprios pés, mancando muito, mas sem ajuda das muletas.

Amanhã será, além de tudo, a primeira vez que usarei saltos, sem as
muletas. Nunca pude usar por causa do problema, afinal o calçado só piorava
meu equilíbrio. Não tinha um closet abarrotado de calçados como minhas
irmãs. Sapatilhas e tênis eram minhas opções. Saltos, apenas uma ou duas
vezes na vida, para tirar fotos. E, para falar a verdade, nunca senti falta.

No momento, apenas meu futuro maravilhoso à frente me importava.


Amanhã passarei por cima de comentários maldosos sobre minhas limitações
e subirei mais um degrau na minha vida: o casamento. Luan era um príncipe
que veio no momento exato, quando mais precisei.

— Obrigada, meu amor — sussurrei para ele.

— Por quê? — Me olhou.


— Por me escolher, me aturar, me querer como sua mulher.

— Por nada — ele disse apenas. Beijou meu rosto, e, antes de se afastar,
jurei ter visto um rápido revirar de olhos, mas considerei aquilo como uma
bobagem da minha cabeça. Juntos, paramos no imenso jardim da mansão dos
meus pais e olhamos para as estrelas.

***

Acordei às cinco da manhã com um sorriso enorme, indicando minha


ansiedade e felicidade. Não existia possibilidade de eu ficar na cama, quando
estava nascendo o dia mais importante da minha vida. E quando eu digo
importante, é porque sim, não houve outro de grande importância. Nem
mesmo quando me formei em publicidade, que, segundo minhas irmãs, não
me serviria para nada.

Abri as cortinas do quarto, adorando ver o céu começando a clarear,


demostrando que o dia seria lindo e ensolarado. Virei-me e abracei meu
corpo, admirando, de longe, o vestido de noiva em um manequim. A ficha
ainda não tinha caído. Caminhei até ele e toquei os cristais meticulosamente
bordados. Saia de organza, estilo princesa, como eu sempre sonhei.

Durante todos os anos que aprendi a viver à sombra de minhas irmãs,


jamais acreditei que esse dia pudesse chegar. Não só foi o dia em que eu fui
notada, mas o dia em que a amargurada Germânia teria, finalmente, uma
oportunidade.

Graziela e Gabriela, minhas irmãs gêmeas, eram lindas e carismáticas.


Tinham muitos seguidores nas redes sociais, namoravam rapazes bonitos e
influentes, eram convidadas para festas de celebridades e estavam criando a
própria marca de roupa. Eu nunca as invejei, nem mesmo em silêncio, porque
eu não queria a vida de ninguém, eu queria minha vida, a minha felicidade.

Tampei a boca com as mãos, abafando a risada eufórica que vinha da


minha alma torta e encolhida, que nunca teve oportunidade de desabrochar.
Como se a felicidade fosse uma bala de caramelo que demorava uma
eternidade para acabar. Eu poderia saborear essa sensação pelo resto da vida.

Andei mancando até o banheiro e, após retirar o pijama, entrei debaixo


do chuveiro, e só conseguia pensar em uma coisa: a explosão quente de
paixão que Luan me prometia na nossa noite de núpcias. Eu já tinha dormido
com ele, mas estávamos mantendo distância essa última semana, para
aproveitar no grande dia.

— Bom dia, pessoal. — Na cozinha, tentei contagiar a todos com minha


alegria momentânea. Não, não pensem que eu era essa pessoa radiante,
carismática. A maioria das vezes eu estava recolhida em meu mundinho
particular. Cuidando do jardim, ajudando na cozinha ou lendo. Havia um
motivo para eu ser chamada de nomes como Germargurada ou Mulinha. E
esse segundo apelido maldoso se devia pela minha deficiência e pela minha
capacidade de dar “coices”, como respostas atravessadas, direcionadas às
minhas irmãs.

Todavia, eu tinha uma ótima relação com os empregados,


principalmente com Arlete, a cozinheira. Minhas irmãs, que não tinham a
mesma cumplicidade com eles, reclamavam que todos me mimavam.

Arlete pareceu esquecer o motivo de eu estar de pé tão cedo e radiante.


Rapidamente, demostrou recapitular o que estava acontecendo e sorriu
afetuosa.

— Bom dia, Gema. Café?

— Ah, claro. — Manquei até o balcão e me sentei. — Como estão os


preparativos? — Eu queria estar por dentro de tudo: ajudei a colocar os
bombons nas bandejas - mesmo tendo serviço pago para isso – e estava
esperando o bolo e iria fiscalizar a decoração. As flores chegariam às oito.

— Como pode ver, todos ainda estão dormindo. — Ela trouxe um bule
de porcelana e serviu-me café. Olhei na mesa e escolhi uma mini pamonha. A
desembrulhei com cuidado no prato e imediatamente uma das ajudantes me
entregou garfo e faca.

— Obrigada. Viu se o meu noivo chegou?

— Não vi jeito de ninguém chegando.

— Tudo bem. Ele disse que chegaria cedo, mas ainda é muito cedo. —
Comi um pedaço da pamonha e confidenciei: — Estou tão animada e ansiosa,
Alerte. Meu coração mal cabe no peito.

— Gema, entendo perfeitamente o que está sentido. E confesso que não


estou diferente. Minha companheira de cozinha está partindo, meu coração
está minúsculo.

— Não fica assim. Paravelmente morarei aqui com Luan, mas irei,
sempre que puder, visitá-la na casa da mamãe.

— Aquela casa ficará enorme e solitária. Deixe-me remoer minha


tristeza.

Gargalhei. Hoje eu só tinha motivos para rir.


Desde muito cedo, eu lutei para não ser um estorvo na vida de ninguém,
e achava melhor me recolher na solidão, do que dar trabalho para as pessoas.
Eu não era amargurada e muito menos rancorosa. Eu apenas preferia a minha
própria companhia, dos meus pensamentos barulhentos e minhas fantasias
raquíticas.

Ao terminar o café, pedi licença e me retirei.

***

O casamento seria às onze da manhã. Às oito, eu já estava desesperada,


com cachos nos cabelos e tentando falar com Luan que ainda não tinha
aparecido. Joguei o celular na penteadeira e olhei preocupada para minha
mãe.

Ela viu em meus olhos o medo e adiantou-se em me tranquilizar.

— Ele virá. Fique tranquila. Não acha bom já fazer a maquiagem?

— Não. Do jeito que estou, posso estragar. — Olhei meu rosto pálido no
espelho. O loiro escuro dos cabelos piorava as coisas. — Vou deixar mais
para frente.

— É claro que ele vem. — Graziela falou, me fazendo lembrar a


presença das minhas irmãs. — Luan teve muito tempo para desistir, ele não
faria isso no dia do casamento.

Engoli a alfinetada dela e fingi tirar uma linha do vestido, ainda no


manequim. Gabriela levantou-se da cama e deu a volta no manequim, me
rodeando feito uma águia. Me olhou com seu sorriso malicioso, e eu soube
que lá vinha mais indiretas.

— Às vezes ainda me pergunto o que, de fato, está por trás do pedido de


Luan. — As duas trocaram um sorriso malvado. — Gema é linda, mas ele é
muita areia para o carrinho de mão dela.

— Carrinho de mão capenga, não devemos esquecer. — Ambas


gargalharam e, no mesmo instante, nossa mãe direcionou a mim um olhar de
cautela, para eu não cair na pilha delas.

— Meninas, por favor, hoje não — nossa mãe ralhou.

— Maninha, não se assuste, caso tudo não passar de apenas uma aposta
dele com alguns amigos.

— Ou penitência — Graziela alfinetou, e as duas gargalharam.

— Afinal você puxa da perna.

— Pode até dar um coice no coitado.

Se fosse outro dia, eu colocaria um fone de ouvido ou apenas as


esnobaria. Elas sempre fizeram isso. Mas hoje não. Hoje era o meu dia, e eu
não poderia me abalar. Elas estavam quase conseguindo. Quase.

Caminhei até a porta e a segurei.

— Fora.

— O quê?

— As duas, para fora do quarto. Hoje é meu dia e não sou obrigada a
aguentar surto de inveja.
— Inveja? — Riram.

— Sim. Inveja por não conseguirem um desse. — Levantei minha mão,


exibindo o anel de noivado. — E agradeçam por eu não proibir que os
cabelereiros que contratei façam o cabelo de vocês.

Imediatamente elas olharam para nossa mãe, buscando algum tipo de


respaldo. Dona Cora geralmente tentava apaziguar as duas, mas quando elas
passavam dos limites, não tinha como defendê-las.

— Esperem o cabelereiro no quarto de vocês, meninas.

— Sempre do lado da filhinha. — Uma delas resmungou ao sair. Bati a


porta com toda a força e me flagrei trêmula. Sentei-me na minha cama,
reestabelecendo a respiração.

— Filha... — Minha mãe sentou-se ao meu lado.

— Sabe qual o meu medo, mamãe? E se elas tiverem razão?

— Não, Gema. Não quero você pensando isso.

Fiquei de pé e, mordendo o lábio, caminhei pelo quarto, me remoendo.

— Elas são lindas, estão sempre em festas, são populares. Ele poderia
ter escolhido uma delas.

— Germânia — Minha mãe sacudiu meus ombros, visivelmente irritada


com minha insegurança. —, você, mais que ninguém, devia saber que amor
não tem nada a ver com aparência. Meu Deus, será que não consegue ter um
pouco de fé em si mesma?

— Eu mal posso andar sobre saltos... — berrei. — Até seis meses atrás
usava muletas. — Desanimada, sentei-me na pontinha da poltrona. — Luan é
um homem lindo...

— E ele escolheu você. É sua nova vida, filha. Você merece e precisa
aproveitar cada segundo do dia de hoje. — Recebi o abraço de conforto de
minha mãe, todavia, não consegui expulsar da mente todas essas conjecturas
que me assombravam. No fundo, eu sempre pensava que tinha um motivo
para ele ter me escolhido deliberadamente.

Por que eu não conseguia acreditar que um homem pudesse me amar de


forma espontânea?

Ativei o piloto automático, porque não era momento de encher minha


cabeça com caraminholas. O fotógrafo chegou às nove, e eu já estava pronta.
Percorremos a casa toda, fazendo inúmeras fotos. Eu sozinha, na maioria das
vezes, ou acompanhada de minhas madrinhas, em algumas fotos.

Eu sabia que Luan já tinha chegado e estava se vestindo. E isso me


aliviou tanto, que até criei ânimo para circular por entre a arrumação da festa,
conferindo tudo, se estava como havíamos planejado.

Tudo muito lindo. Do jeito que eu sonhei. As flores brancas naturais, o


arco floral, as cadeiras onde os convidados se sentariam, o bolo incrível,
branco, de pasta americana. Era um verdadeiro conto de fadas, daqueles que
conseguiam ser lindos e bregas ao mesmo tempo, com o branco
predominando, o qual combinava perfeitamente com um casamento pela
manhã.

Mais tarde, olhando pela janela do quarto, vi, com satisfação, toda a
movimentação lá embaixo, ao ar livre. As convidadas esbanjavam beleza,
com direito a chapéus, e os homens, exuberantes, vestindo esporte fino e
óculos escuros. Faltava pouco para começar. Acho que ninguém acreditava
que em três meses de namoro, eu já ia tornar-me esposa de alguém. E não de
qualquer um. Um homem lindo, trabalhador e rico. A família dele morava em
Portugal e estavam aqui só para assistir o nosso casamento.

Saí do quarto, onde as madrinhas estavam reunidas, e caminhei pelo


corredor, em direção ao quarto dos meus pais.

Segurando o vestido de noiva, e caminhando bem devagar, com medo de


cair, me aproximei da porta do quarto de meus pais, mas detive-me, ao
escutar uma voz.

— De joelhos. Agora. — Ouvi e fiquei congelada por segundos. Não era


qualquer voz, mas a de Luan, meu noivo. — Que merda, senhor Jaime, tinha
que descobrir meus planos logo agora? Faltando pouco para eu conseguir?

Aproximei-me devagar e empurrei a porta do quarto, vagarosamente.

Contive um grito de pavor.

Luan e mais alguns homens estavam mantendo meu pai ajoelhado, com
uma arma apontada para a sua cabeça.

— Mas irei te dar uma chance, meritíssimo. — Foi uma forma irônica de
se referir a meu pai, por ele ser juiz. Desembargador do TRF.

Não pude deixar de reparar como Luan ficava bonito com seu traje de
noivo. Eu estava em frangalhos.

— Imagine só: me casarei com Gema hoje, a levarei para longe e a


destruirei aos poucos, até o senhor ceder. Porque, quando precisou de mim,
eu estava pronto a ajudá-lo.
Tampei a boca com as duas mãos.

— Ela não tem nada a ver com isso. — Meu pai não chorou, tinha ódio
na voz. — Pode me levar... Me leva no lugar dela.

— Você está louco? — Luan gargalhou. — Ela, eu poderei foder o


quanto quiser, já você, não. Apesar de que, já a experimentei e ela é tão fria
como uma geladeira. Vou deixar meus rapazes desfrutarem dela. — Os
homens que estavam com ele gargalharam, e meu pai chorou, enfim.

Quem eram esses homens? Quem, na verdade, era Luan? O que ele
queria comigo?

Em um impulso de raiva e sangue quente, desejei entrar e gritar com


eles, voar em cima estapeando os desgraçados, principalmente ele, que me
iludiu. Eu me entreguei a um... bandido. Estava destruída. Minhas irmãs
sempre tiveram razão.

De repente, um lampejo. Lembrei de algo da noite passada. Afastei-me


devagar e voltei para o quarto, onde as madrinhas se reuniam. A mãe de Luan
estava lá, e a puxei pelo braço, sem dar nenhuma explicação, fazendo-a me
acompanhar até o banheiro.

— Diga. — Precisei me recostar na pia, estava ofegante.

— O que houve, Gema?

— Me fale agora. — Minha voz falhava, e me flagrei tão trêmula que


mal controlava minhas pernas. — Eu ouvi uma conversa do Luan... O que
vocês estão tramando? Quem são vocês? Por que ontem à noite me mandou
ficar atenta?
Ela de um sopro como se deixasse um peso enorme sair dos ombros.

— Querida, não sou mãe dele. Fomos contratados para atuar. Eu sinto
muito. Eu não sei de muita coisa, só sei que você está se metendo em uma
farsa. Meu conselho? Fuja. Corra o quanto conseguir, saia daqui agora e não
olhe para trás. Esse homem é perigoso e quer algo contra você.

Senti o poder de suas palavras causar um impacto aterrador em meu


coração.

— O quê? O que ele quer de mim?

— Eu não sei. Ouvi, por acaso, ele falando ao telefone que acha suas
irmãs muito gostosas. Ele poderia ter escolhido uma delas, mas o alvo é você.
Então, fuja.

— A polícia... Eu preciso ligar... — Cambaleei até a porta.

— Não aconselho. Você os chama sem prova nenhuma... E se Luan


conseguir desmentir tudo, e você sair como louca?

Tonta, com as vistas instantaneamente turvas, saí do banheiro. Todas as


madrinhas me olharam com curiosidade, todavia, eu não focava em nenhum
rosto. Minha mãe não estava no quarto, e isso era bom.

Manquei até meu closet, pronta para trocar de roupa, tremendo e


batendo o queixo, a mente um turbilhão de ideias, sem nenhuma lógica, então
ouvi:

— Gema! — Era Luan. Saí correndo do closet e espiei, ele vinha pelo
corredor. Não tinha tempo de me trocar, virei-me e procurei a mãe falsa dele.
Agarrei suas mãos com ânsia, como se a bile tivesse enchido minha boca. —
Me dê cobertura — implorei.

— Sim, querida. Corra! — ela incentivou e saiu rápido do quarto.

— Correr para onde? — uma das minhas irmãs berrou. — Gema, o que
está acontecendo?

— Grazi... chame a mamãe. Agora. — Me debulhando em lágrimas,


corri para fora do quarto, logo depois que a mãe falsa de Luan passou. Ela foi
ao encontro dele para detê-lo.

— Filho, estava te procurando.

Eu levantei a saia do vestido e desatei a correr, e eu era péssima em


nisso. Parecia mais um bezerrinho aprendendo a andar. Sem saber como e
para onde, eu fugiria. Corri pelo jardim, entre os convidados, deixando todos
perplexos e saí além da propriedade.

Merda! O que eu estava fazendo? Isso era burrice... Deveria ter uma
saída... Mas... o único homem que eu conhecia e confiava era meu pai, e ele
estava sob a mira de uma arma.

— Gema! — Ouvi e quando virei-me, Luan estava desorientado, em


meio aos convidados, me procurando. Não tinha o que pensar. Qualquer quer
que fosse o plano dele contra mim, eu não ficaria aqui para descobrir.

Bem à minha frente, havia uma vasta mata que subia rumo a uma colina.
Eu poderia ter pegado um carro dos convidados, mas só conseguia dirigir o
meu carro, adaptado para deficientes.

Como era a casa de veraneio, tinha apenas uma estrada principal, e eu


poderia correr por ela e ser pega, ou adentrar na mata à minha frente, onde
eles não achariam que eu pudesse ter a coragem de entrar. Eu sabia que tinha
um atalho em algum lugar. Me lembrei de ter vindo pescar algumas vezes
com meu pai.

Sem olhar para trás, manquei o mais depressa possível e adentrei a mata,
correndo entre as árvores, na esperança de sair do outro lado, onde pudesse
ter casas ou uma estrada.
DOIS
THADEO

— Oi...er... Thadeo?

Ouvi a voz baixa e receosa chamar o meu nome. Não estava dormindo,
eu quase não dormia muito, todavia, estava exausto, e o conforto da cama era
tentador. Por isso, senti quando ela tocou novamente nas minhas costas.

— Eu preciso ir... — sussurrou.


— Está liberada — resmunguei, sem me virar para olhá-la. Senti ela se
levantar da cama e entrar no banheiro, demorou poucos minutos e saiu.

— Minha carteira está aí. Pegue o que tiver.

— Ok — ela obedeceu. O quarto ficou em silêncio enquanto ela


procurava a carteira e, em seguida, um suspiro de surpresa.

— Tem muito aqui. São só duzentos por hora.

Enfim, me virei e me sentei na cama. Enfiei as mãos nos cabelos e os


joguei para trás. A garota me dissecou com o olhar.

— Nossa. — Riu, maliciosamente. — Eu sempre irei me surpreender


por você ser tão gostoso.

Dei de ombros, flexionei os braços de um lado para o outro, me


alongando, e saí da cama. Ainda pelado, caminhei até ela, tomei minha
carteira de sua mão e lhe dei o dinheiro.

— Leva. Você mereceu. Fez um trabalho excelente em esvaziar minhas


bolas.

Ela pegou as notas, enfiou na bolsa e me deu um rápido beijo nos lábios.

— Uau. Será que sua governanta tem Dorflex? Nossa folia da


madrugada me deu uma boa dor nas costas.

— E isso é ruim?

— O sorriso em meu rosto é uma resposta. — Tentou me beijar de novo,


mas me afastei. — Não precise se preocupar, já chamei um Uber.

Claro que eu não irei me preocupar.


Caminhei para o banheiro e a ouvi:

— Quando precisar, não chame outra. Ligue para mim.

— Foder com uma única garota de programa seria o mesmo que


namorar. Nesse lar não entra essa palavra. — Bati a porta do banheiro. Talvez
eu voltasse, sim, a ligar para ela. Essa foi um achado, e aguentou bravamente
meu pique durante toda a noite.

Contratar uma profissional do sexo sempre foi minha melhor opção. As


vantagens valiam cada centavo. Veja bem, dispensava o tedioso processo do
flerte e sedução — não que eu não fosse bom nisso. —, geralmente as
mulheres se interessavam por mim. Mas com as garotas de programa, não
existiriam laços depois. Era foder, mandar embora e fim; vida tranquila.

Além, é claro, eu poderia escolher as que aceitavam anal, que era uma
das minhas modalidades preferidas. Comer um cu revigora o dia de qualquer
um.

Após o banho e me vestir, segui o cheiro de café vindo da cozinha e


encontrei Gioconda terminando de coá-lo.

Ela era a única mulher que morava aqui há anos. Depois que cheguei à
conclusão que era um desastre eu morar sozinho, a contratei, juntamente com
o marido, que é um dos meus viticultores. Ambos moram numa casa nos
fundos.

— Dia, Gioca. O cheiro está divino.

— Bom dia. Pode se servir.

Peguei uma caneca, coloquei um pouco de café e recostei o quadril na


bancada. Ela arrumava a mesa meticulosamente, mesmo sabendo que só teria
eu aqui para o desjejum.

— Depois dê uma olhada no portão. Sua convidada saiu, e eu expliquei


a ela como abrir por dentro e o fechar quando sair, mas nunca se sabe o que
tem na cabeça dessas suas mulheres. — Torceu o bico, como sempre fazia,
insatisfeita com minha vida noturna agitada.

O portão estava com defeito, e fui obrigado a desativar o motor. Por


isso, esses dias estava abrindo manualmente. E às vezes o segurança não
estava na guarita para fiscalizá-lo.

— Pode deixar, vou conferir ou pedir o segurança para dar uma olhada.
Venho mais tarde para comer. Vou dar uma volta pelas videiras.

— Algo especial para o almoço?

— O que você quiser preparar.

Saí pela porta da cozinha e me vi no meu vasto quintal. A área da


piscina que, por sinal, eu construí sozinho, o galpão de musculação e, adiante,
terras a perder de vista. Tudo meu.

Terras que um dia minha mãe sonhou em tornar prósperas e fazer daqui
o nosso lar. Abanei a cabeça, injuriado com esses pensamentos a essa hora da
manhã. Desci em direção ao estábulo, peguei um cavalo e aproveitei o sol
nascendo tão belo por trás das montanhas e fui galopar pela propriedade.

Toda a vinícola ficava em um terreno alto, me dando uma vista


extraordinária de São Luís, repousando ao longe, como um gingante
adormecido. A noite era ainda mais bonito, vendo todas as luzes da cidade. E
o melhor era estar protegido do barulho e sufoco da cidade grande. Além de
tudo, a vinícola me dava uma vantagem: eu estava em um lugar alto, no meio
da vegetação, que não se igualava ao mesmo calor da cidade. Aqui era um
local próspero que meu avô, pai da minha mãe, escolhera para plantar as
uvas.

Passei pelo riacho que, por sorte, ficava dentro das minhas terras, me
fornecendo água de sobra para irrigar a plantação. Deixei o cavalo beber um
pouco e seguimos viagem. Encontrei pelo caminho os seguranças que, em
breve, trocariam de turno. E ao me passarem o relatório da noite, declararam
que foi, mais uma vez, uma noite tranquila.

Quando o sol despontou por trás das montanhas, banhou de luz dourada
a imensa plantação. Era uma vista que eu nunca cansava de observar. A única
espécie feminina que eu amava atualmente: as videiras. Mantive a estrutura
que meu avô criara, com parreiras enfileiradas para as uvas que precisavam
se proteger do sol. Mas também tinha as que ficavam na estufa e outras em
plantações abertas. Isso dependia de cada tipo de uva cultivada.

Este lugar me dava um misto de paz interior e tristeza, por não conseguir
reerguer a paixão que era da minha mãe... Por não conseguir cumprir a
promessa. Todos os meus irmãos desistiram disso aqui e hoje me chamam de
louco. Mas como eu poderia virar as costas e fingir que nada aconteceu,
quando cada segundo da minha vida era preenchido pela presença latente
dela?

Cavalguei para o vinhedo, e ainda não havia ninguém por ali. Os


viticultores, ou responsáveis pela colheita, chegariam daqui a pouco para a
colheita das oito.

Era um trabalho quase cirúrgico, colher os cachos de uvas com luva de


lã e tesoura afiada, fazendo o máximo para não agredir a fruta.
Desci do cavalo e andei por debaixo das parreiras. As uvas pendiam
cheias e exuberantes acima da minha cabeça. Alcancei uma merlot e joguei
na boca. Perfeita. Uma uva que geralmente era cultivada na França, mas eu
conseguia produzi-la aqui. Daria uma safra perfeita, eu até podia sentir, com
antecipação, o líquido encorpado, o cheiro frutado e de paladar sedoso; vinho
de alto patamar.

De repente o rancor me invadiu, causando uma sensação de impotência.


Eu tinha ótimas uvas e não conseguia emplacar uma safra. Parecia preso a um
ciclo interminável de frustração; a porra de um limbo onde nada dava certo.
Como se existisse alguém por trás, sempre disposto a me ferrar.

— Dia, Thadeo. — Virei-me e vi Durval, marido de Gioconda. — Viu


que belezuras? Apontou as uvas.

— Dia. Estão bonitas mesmo. Vão dar um produto de primeira.

— Nessa região não tem uva melhor. O povo tem que dar valor nisso.

— Às vezes até dá, Durval. — Coloquei o chapéu na cabeça. — Mas


querem comprar as uvas e não meu vinho. — E isso me irritava demais.
Sempre saíam corridos daqui, porque essas uvas eram exclusividade minha.
A concorrência não as teria. — Venho mais tarde para fiscalizar a colheita.

— Certo. — Bateu a mão e foi fazer o serviço.

Mais tarde, depois da colheita, fui almoçar. À tarde, eu estaria livre e iria
fazer alguns consertos que estavam precisando de minha atenção.

— Verificou o portão? — Gioconda perguntou, servindo a mesa.


— Droga. Acabei esquecendo. Irei pedir ao Renan para fazer isso. Hum.
Que cheiro bom. — Destampei a panela de barro que ela acabara de colocar
na mesa. Rabada. Salivei.

Abri um vinho para combinar com o prato. Um tinto cabernet.. E como


eu previa, comi como um touro. Lá se foi uma panela de rabada e quase uma
garrafa toda de vinho. Caí satisfeito no sofá, para um cochilo, e acabei
dormindo demais.

Quando acordei, já passava das três. Merda! Eu tinha uma lista de coisas
para fazer. Calcei as botas, peguei o cavalo e fui arrumar uma cerca que
delimitava dois tipos de uva.

***

GEMA

Correr. Apenas ir em frente. Não fraquejar.

Apoiei-me em uma árvore e inclinei-me, tentando puxar mais ar, com os


pulmões acelerados. Eu já tinha vindo até aqui, deveria continuar... Podia
ouvir barulho de água. O riacho estaria perto?

Recostei-me na árvore e limpei o rosto. Devia estar uma bagunça, a


maquiagem borrada de suor e lágrimas que já tinham secado. Minha perna
doía muito. Nunca tinha feito um esforço dessa magnitude. Olhei para cima,
por entre a copa da árvore. Pela altura do sol, eu já estava fugido há horas.
Por que ele fez isso comigo? Por que me enganou dessa forma? Tudo
que vivemos... Nossa noite juntos... Nossas promessas de amor. Eu estava
enraizada na fantasia perfeita que ele havia criado. Maldito!

Olhei em volta, estava tudo calmo. Decidi sentar-me um pouco. A fome


e a sede intensificavam o pânico. E se eu morresse aqui? E se ele me
encontrasse e me matasse? Afastei a saia do vestido e olhei minha perna. Por
sorte, ainda calçava sapatilhas. Se fosse salto, eu não conseguiria correr um
metro, e se os tirasse, meus pés estariam feridos.

Massageei um pouco a perna dolorida, tirei a sapatilha e massageei o pé.


Não podia ficar aqui sentada. Eu tinha que encontrar ajuda. Se eu conseguia
ouvir o som do riacho, podia dar a sorte de encontrar uma casa por perto.
Levantei-me com dificuldade, calcei a sapatilha voltei a andar, mancando
mais que o normal e me apoiando nas árvores.

Não pare Gema. Continue...

Minhas vistas estavam turvas e a boca tão seca que mal conseguia
engolir.

Não pare...

O sol parecia descer, mostrando que a tarde chegava ao fim. Se a noite


caísse e eu ainda estivesse aqui na mata, o perigo seria pior. Limpei mais uma
vez o rosto e prossegui. O vestido quente me fazia transpirar mais,
provocando desidratação. Mais um pouco, e eu poderia desmaiar.

E como em uma miragem, vi, ao longe, uma cerca de ferro altíssima.


Meu coração disparou e quase comemorei. Sem nem saber do que se tratava.
Corri até lá e quase gritei de felicidade. Por dentro da cerca havia uma
propriedade. Era uma fazenda, talvez. A mansão ao longe repousada sob uma
colina, linda e imponente no fim da tarde.

Usando a cerca de ferro como apoio, andei paralelamente, gritando por


ajuda. Ninguém me ouvia. Será que morava alguém ali? Será que tinham
telefone? Será que poderiam me ajudar? Ou até me hospedar por uns dias...

— Olá! — gritei com a pouca força que ainda restava. — Oi, alguém?
— continuei paralelamente à cerca, até que, enfim, vi o gigantesco portão.

Graças a Deus.

— Oi? — Deveria ter algum porteiro ou segurança. Segurei com força


nas grades, controlei a respiração e tornei a gritar: — Oláaaa! — Nada. Vi um
interfone no alto, toquei, mas não houve resposta. A noite cairia em breve e
esse era o único lugar que eu poderia me refugiar.

Pronta para sacudir ou pular o portão, empurrei-o e, como um milagre,


ele se abriu. Espiei. Nada. Silêncio absoluto.

Era questão de necessidade. Eu jamais invadiria uma propriedade se não


estivesse precisando. Entrei, fechei o portão atrás de mim e usei bons
segundos para mapear o lugar. Parecia uma fazenda mesmo. Era muito
grande, verde e arborizada. Até o clima aqui era melhor.

Meus pulmões agradeceram o ar puro e natural.

Segurei o vestido de noiva, que estava com a barra horrorosa de tão suja,
e andei rumo ao jardim frontal da casa. Tudo estava limpo e em ordem,
mostrando que alguém era pago para limpar.

Continuei andando mancando, desesperada por descanso, e estava quase


chegando à pequena cerca que delimitava a casa do resto da propriedade. Era
graciosa e bem-feita, uma cerca pequena com um portãozinho fofo. Quando,
de repente, ouvi um trotar violento de cascos de cavalo. Assustei-me e, com
uma mão fazendo sombra acima dos olhos, vi se aproximar um homem
gigantesco sobre o cavalo e, conforme se aproximava, ele ficava maior e
amedrontador.

Engoli em seco e dei um passo para trás. Um capanga da fazenda. Eu


seria tão azarada se fugisse de um filho da puta e caísse no colo de capangas
malvados.

O cavalo parou ali perto, e botas negras bateram no chão quando o


homem saltou. As passadas do cavaleiro pareciam brutas. Isso me afligiu
instantaneamente. Com a mão no peito, me deparei com uma personificação
das fantasias femininas. Engoli em seco.

Era um homem de aparência rude. Parecia um caubói, mas eu diria que


aquela sua aparência não era proposital. Era como se ele se vestisse assim,
sem nenhuma intenção de parecer qualquer coisa que atraísse a atenção das
mulheres.

— Quem é você? — Com seu bração musculoso, apontou para o portão.


— Não leu a placa que é proibido entrar? — rugiu feito uma fera selvagem.
Eu estava mais ocupada em continuar a minha nada-discreta análise. Ele tinha
coxas fortes, forradas por um jeans surrado. As botas de montaria o deixavam
ainda mais apto ao fetiche feminino.

Usava uma camisa de botão sem mangas e aberta no peito, exibindo um


bem trabalhado e forte abdômen. O peitoral dele, além de largo, era
bronzeado como todo o resto, e provavelmente rígido. Acompanhei,
embasbacada, gotas de suor que desciam do seu pescoço grosso e deslizavam
para os músculos abaixo.
Aquilo por baixo do chapéu era um cabelão?

— Ei! Está surda?

— Oi? Ah... Não... Eu... preciso de ajuda. Por favor... Posso falar com
seu patrão?

— Sem visitas, dona. Dá o fora.

— Ei. Como pode ser tão rude com uma dama? Você poderia me levar
ao seu patrão ou apenas sair da minha frente?

Ele deu uma boa olhada em meu corpo, revestido por um vestido de
noiva caríssimo que, a essa altura, já estava imundo, e negou com um gesto
de cabeça e um sorriso de deboche, como se dissesse: quem é você, para me
ameaçar?

— Fora! — Caminhou de volta para o cavalo. — Não estou a fim de


acertar minha bota em traseiros de jornalistas enxeridos.

— Eu não sou jornalista! — Caminhei logo atrás dele, e quando o


brutamontes suado se virou, eu parei, dando um passo para trás.

— Então é o quê? Uma mulher fantasiada de noiva? Isso não é comum.


Se for jornalista, perdeu a viagem.

— Não sou, seu bronco. Só preciso de ajuda.

— Além do mais, não lembro de ter chamado uma garota de programa.


São os únicos tipos de rabo-de-saia que entram aqui e, como pode presumir,
apenas garotas de programas não são expulsas.

— Seu... casca grossa. — Cambaleei. Eu estava há muito tempo no sol e


sem beber água. Senti meu corpo fraquejar. — Por favor... preciso... de ajuda
— murmurei e comecei a ver tudo girar em minha frente. Caí no chão feito
uma jaca madura.

— Ei, dona noiva, você está bem? — Ouvi a voz do brutamontes, como
se estivesse bem longe. Ele se abaixou diante de mim, e eu não vi mais nada.
TRÊS
THADEO

Não tinha outra alternativa a não ser levar a mulher para dentro de casa.
Assim que passei pela porta com ela nos braços, gritei por Gioconda. Ela
apareceu no fim do corredor, vindo da cozinha, e teve um sobressalto ao me
ver com uma noiva desacordada nos braços.

— Nossa Senhora! Onde achou essa noiva?

— Me ajuda aqui, caramba. Abra o quarto de hospedes.


— Esse quarto não abre desde a Segunda Guerra Mundial — ironizou e
passou por mim, correndo. — Deve ter quilos de poeira. Coloque no seu,
enquanto eu o arrumo. — Ela subiu com rapidez as escadas, à minha frente,
indo em direção ao meu quarto.

— Oxe, está doida? Não limpa o quarto de hospede?

— Limparia, se você fosse uma pessoa amável que recebesse visitas. —


Gioconda nem esperou minha decisão e abriu a porta do meu quarto. Me
calei diante da crítica e a segui. Gioconda ajeitou os travesseiros, e eu
coloquei a desconhecida, com cuidado, desacordada sobre a cama.

Era estranho demais uma noiva ali na minha cama. Ela parecia pura, e
inadequada no lugar, onde eu costumava realizar as maiores perversões
sexuais que se podia imaginar.

Ficamos de pé diante dela, mudos, observando-a.

— Quem é ela?

Eu também queria saber.

— Não sei. Apareceu desorientada aí na porta. Invadiu a propriedade.

— Uma noiva invadindo a propriedade? — Gioconda colocou um dedo


no queixo e semicerrou os olhos, pensativa. — Estranho... Quem era mesmo
que batia no peito falando que só pensaria em namoro sério quando uma
noiva viesse parar na porta?

Maldição. Esse fato foi a primeira coisa que veio à minha mente, quando
deparei com a noiva lá fora. Eu juro que achava impossível que uma mulher
vestida nesses trajes chegasse à minha porta espontaneamente, por isso, esta
era minha frase de defesa. O destino faria tão absurda acrobacia só para zoar
de minha cara?

Minutos mais cedo, fiquei paralisado sobre o cavalo, observando-a


percorrer, mancando, a estrada do portão até a casa. E eu cheguei a achar que
era uma miragem. Uma noiva? Bem ali? Mas que caralhos...

— Deixa de jogar indiretas, mulher — ralhei com Gioconda. — Se um


dia eu falei isso, não tinha lucidez.

E agora, olhando para a desconhecida, senti um baque do cacete bem no


peito. Aquela sensação de quando a gente encontra alguém que gosta e o
coração falha uma batida. Engoli em seco e me vi inquieto, jogando os
cabelos para trás.

— Hum... Pensando bem, acho que não é sua noiva que o destino
mandou. — Gioconda decidiu continuar me perturbando. Estava inclinada
sobre a mulher estudando o rosto dela. — É bonita. Pele muito macia,
cabelos sedosos e bem cuidados. E essas unhas? Uma perfeição. Já você... —
Aprumou o corpo e olhou para mim... — Você é um bronco que arrancou as
mangas da camisa e usa essa coisa feia, rasgada.

Olhei para minha roupa.

— É para trabalhar nos consertos. Meus braços ficavam tinindo nas


mangas.

— Aham. — Me deixou de lado e foi examinar a mulher.

— Preciso chamar um médico?

— Eu não entendo dessas coisas, mas ela pode estar levemente


desidratada. Diminua o ar. Vou preparar um suco para ela. — Gioconda saiu
do quarto, eu mexi no ar condicionado e fiquei de pé, ali encarando a noiva.

Era mesmo bonita. Agora, dentro do quarto, os cabelos não pareciam tão
dourados como lá fora à luz do sol. Tinha uma tonalidade mais escura. O
rosto estava manchado da maquiagem que borrou, mas ainda assim tinha uma
delicadeza hipnotizante.

Desci os olhos analisando seu pescoço fino, o decote do vestido que


deixava aparecer a insinuação dos seios firmes, a cintura fina e não consegui
me conter: peguei em sua mão. Era muito delicada e macia. As unhas bem-
feitas, como Gioconda constatara, e no dedo anelar, um enorme anel de
diamante. Soltei a mão no mesmo instante. A estranha nem se mexeu.
Continuava desacordada.

Olhei para meu próprio corpo. Eu estava um lixo. Por isso ela achou que
eu fosse um peão da fazenda. Abanei a cabeça e fui para o banheiro tomar um
banho rápido e mudar de roupa, para estar mais apresentável quando ela
acordasse e, consequentemente, respeitável, quando fosse inquiri-la para
saber quem era e de onde vinha.

Depois do banho, diante do espelho, encarei meu rosto. Eu, Thadeo


Capello, um homem que nunca teve medo de nada, estava assombrado com
essa situação. Parecia um sinal, um mau agouro que ia mudar minha vida e,
sinceramente, eu não queria mudanças.

Sequei os cabelos, passei o pente, jogando tudo para trás, e saí do


banheiro com a toalha em volta da cintura. A noiva estava sentando-se,
aparentemente tonta e, quando me viu, tornou-se estática, olhos saltados e
boca aberta.
Os segundos correram sem que nenhum de nós dois tomássemos uma
atitude. Eu também estava paralisado, com os olhos cravados nela.

— O...onde eu... estou? — gaguejou. — Quem é você e o que fez


comigo?

— Não daria para eu fazer muita coisa, com esse tanto de pano
interferindo. — Apontei com o queixo para o vestido, fazendo-a olhar a
própria vestimenta.

— Ah, ela já acordou, e você a está constrangendo. — Gioconda entrou


no quarto. Entrei por uma porta, onde muitos chamariam de closet, e eu não
chamo de nada. Era só um pequeno espaço que eu mesmo construí com
prateleiras de madeira para guardar as roupas. Gioconda o arrumava, fazendo
parecer um armário decente.

Quando eu saí de lá, a mulher estava terminando de tomar o suco e, em


seguida, engoliu um comprimido que Gioconda trouxe. Bebeu um copo
inteiro de água. Limpou os lábios com delicadeza e levantou os olhos para
mim.

Eu tinha colocado um jeans escuro, dos mais novos que tinha, e uma
camiseta gola polo; tinha tentando uma camisa de botão, mas ficou tinindo
nos meus braços. Eu as odiava.

Cruzei os braços e elaborei uma expressão dura, provocando


desconforto na estranha. Ela enrugou a testa, me encarando, e depois virou-se
para Gioconda.

— Então ele é o patrão?

— Sim, eu sou — respondi, antes de Gioconda abrir a boca. — O que


está fazendo na minha propriedade? Devo chamar a polícia?

— Oh, não. — Agora havia pânico cru em seus olhos verdes. — Por
favor, não...

Então puxei uma cadeira e sentei-me bem perto dela. — Me conte


tudinho, quem é você e o que está fazendo aqui, vestida assim.

— Eu... gostaria de um banho antes e, se puder, arranje uma roupa para


mim. Posso pagar depois.

— Não, senhora. Nada de banho ou regalia aqui até me dizer quem é


você. — Bati palmas para ela. — Anda, agiliza que eu não tenho muita
paciência, não.

— Ei, não bata palmas para mim. Você muda de roupa, toma um banho,
mas continua o mesmo chucro.

— Eu que mando aqui, então posso falar do jeito que quero. Se você não
começar a falar, é pé na bunda agora.

Ela soltou o ar todo pela boca, mexeu no anel e pensou um pouco,


mordendo o lábio rosado. Esse gesto me deixou inesperadamente
incomodado. Porque ela tinha uma boca bonita e certamente gostosa de
beijar.

— Meu nome é Germânia, mas me chamam de Gema. Eu fugi do meu


casamento...

— Fugiu? — Gioconda repetiu, perplexa.

— Sim, porque... eu não queria me casar. — A todo momento, ela ficava


de olhar baixo, dando a impressão de que estava constrangida — Era um
casamento arranjado, meu pai estava me obrigando e eu não queria. Quero
viajar, conhecer o mundo... estava sendo forçada. Por isso não quero que
chame a polícia, pois eles podem me levar de volta.

— Bom, casamento forçado não é uma novidade. Ano passado meu


irmão mais velho foi obrigado a se casar por contrato — relatei.

— E o que aconteceu com ele?

— Separou da encapetada e casou-se com quem ele queria, ué. Hoje em


dia ninguém manda mais em ninguém, não.

— Mas ele me ameaçou... eu fiquei tão amedrontada... Por favor, me


deixe ficar uns dias aqui? Só até encontrar um lugar para ir...

— De jeito nenhum. — Levantei da cadeira. — Tire a bunda dessa


cama, e rua. — Fui saindo do quarto. Eu tinha que ser radical. Não via com
bons olhos essa mulher na mesma casa que eu.

— Meu Deus! Mas como a senhora pode morar debaixo do mesmo teto
que um cavalo chucro desse? — criticou para Gioconda. Eu voltei e a
encarei.

— Aqui não é hotel e só fica comigo os empregados. Como eu já te


disse, existe apenas uma regra para que uma mulher fique: e você não parece
ser garota de programa.

Ela levantou-se da cama e, segurando o vestido, mancou, quase caindo,


os olhos brilhando de bravura. Parou bem à minha frente. Tirou o anel do
dedo e me entregou.

— É a única coisa que tenho. Fica com você como penhora, só para
pagar minha estadia. Por favor.

Gargalhei na cara dela.

— Isso para mim não é nada. Dinheiro já tenho de sobra. Minha resposta
é a mesma.

— Tudo bem. — Levantou o queixo. — Eu não vou ficar aqui


implorando e me humilhando. — Quase caiu quando deu um passo, e eu a
segurei.

— Por que está mancando? Se machucou?

Ela olhou para Gioconda e para mim e apertou o vestido contra as


pernas.

— Er... sim. Me machuquei. Torci o tornozelo.

— Precisa de um médico?

— Por que finge que se importa? Não disse para eu sair de sua casa? —
Foi andando para a porta arrastando o maldito vestido. Gioconda me
encarava com uma puta cara de ódio.

— Tá. Fique essa noite. Gioconda, prepare um banho para ela e o quarto
de hospede. Vou ajeitar uma papelada no escritório. Nos veremos no jantar.
— Virei-me para sair, e Gema me chamou.

— Ei, não disse seu nome.

— Thadeo — respondi, sem olhar para ela.


Eu precisava de uma boa dose de álcool. Um bom vinho. Como caralhos
eu poderia deixar ela aqui por mais de um dia? Eu tinha a libido
descontrolada, e meu pau já tinha se pronunciado que tinha desejo por aquela
noiva. Peguei a garrafa de vinho do almoço e nem escolhi uma taça, virei na
boca.

— Oi, tem alguém em casa?

Reconheci a voz. Era Carmem, advogada que cuidava dos interesses da


vinícola.

— Estou aqui, Carmem. — Os saltos dela fizeram barulho, e logo


apareceu na cozinha. Morena, bonita, curvilínea. Eu sempre a quis comer, e
ela sempre me deu o bolo.

— Parece agitado. — Recostou-se na mesa, me olhando. Eu, apoiado na


geladeira.

— E estou. Vinho?

— Ela pegou a garrafa da minha mão e tomou no gargalo. Lambeu os


lábios volumosos e sorriu como uma gata selvagem. — Seus vinhos são os
melhores. Quer me contar o motivo de seu desconforto?

Pensei sobre o que Gema tinha me contado e como ela estava fugindo de
uma obrigação ridícula, eu deveria preservar seu segredo.

— Não é nada. Trouxe novidades para mim?

— Sim. Há um comprador interessado. Vamos conversar? — Envolveu


meu braço, e seguimos para o escritório.
QUATRO
GEMA

Eu deveria levantar a cabeça, recusar a oferta de Thadeo, que foi sob


pressão, e ir embora. Mas daí, pensei melhor: para onde eu iria a essa hora,
anoitecendo? Sem falar que eu estava cansada, ainda com sintomas de
desidratação e morrendo por uma cama tão macia como a dele.

Era abaixar a cabeça, aceitar o desaforo e ficar. Gioconda estava sendo


uma boa pessoa. Ela me deu uma camisola e robe dela, e eu fiquei
agradecida, por ser um robe longo que esconderia minha perna defeituosa.
Nunca usei nada curto, eram sempre saias longas, em uma tentativa de
esconder minha imperfeição. Meu pé esquerdo era torto, não completamente,
por causa das fisioterapias e da bota ortopédica imobilizadora que usei por
longos anos.

Eu não ia de modo nenhum contar minha vida para esse homem. Por
isso, menti e não me arrependi. Menti sobre a fuga e sobre minha perna.

Entrei no banheiro de Thadeo, levando toalha limpa e sabonete. Não era


um desastre, como imaginei, e cheirava a algo masculino; xampu talvez.
Gioconda pediu para eu usar esse, enquanto ela limpava o do outro quarto,
uma vez que o social era lá embaixo.

Olhei para as roupas que ele usara, bem ali, descartadas no chão. Na
bancada da pia bem organizada, pouca coisa. Um desodorante e uma colônia,
da mesma marca, pente e um barbeador elétrico. A escova de dentes solitária
no suporte. Ele não tinha ninguém na vida?

Tirei o vestido, injuriada com ele. Hoje às cinco da manhã, eu mal podia
esperar para vesti-lo, e era a coisa mais linda do mundo. Agora eu queria
tacar fogo nele. A raiva por Luan subiu pelo meu peito e se transformou em
lágrimas. Rangi os dentes e arranquei a lingerie nova que comprei para usar
na noite de núpcias. Com ódio, enfiei a calcinha e o sutiã na lixeira.

Verifiquei o vaso sanitário. Não estava nojento. Dei descarga, limpei a


tampa, e nem precisou, pois fiz xixi apenas abaixada, sem sentar totalmente.

Tomei um banho rápido, sem molhar os cabelos, ainda presos no


penteado. Só depois que me sequei e vesti a camisola e o robe foi que fiquei
diante do espelho, retirando grampo por grampo, até meus cachos caírem
pelos ombros. Fiz um rabo de cavalo prendendo com grampos e saí do
banheiro.

Gioconda me levou para o quarto de hospedes, e fiquei abismada com a


simplicidade e beleza do lugar. A cama era aconchegante e estava uma graça,
com uma colcha de retalhos.

— Eu mesma que fiz — ela declarou.

— É linda. — Acariciei a colcha.

— Fique à vontade, tem uma televisão ali, se você quiser. Também tem
um lençol aí, caso queira se cobrir. Aqui geralmente não faz frio. Em breve
trago o jantar.

— Obrigada. Ah... Gioconda. Ele mora aqui sozinho? Quer dizer... sem
mãe, pai... esposa?

— Sim, ele tem um pai e irmãos, mas prefere a quietude desse lugar.
Não leve a mal o que ele fala. É apenas uma fera ferida.

Assenti.

Uma fera ferida e mal-educada.

Ela saiu, e eu me sentei na cama, pensando em como tive um golpe de


sorte em achar um esconderijo. Eles poderiam me encontrar, mas não por
agora. Eu precisava pedir ao chucro para não dizer que eu estava aqui, caso
viessem me procurar.

Deitei-me na confortável cama, e uma lágrima abandonou meu olho. E


minha família? Meus pais e irmãs? O que teria acontecido com eles? E se
Luan os matou? Essa suposição me aterrorizava, a ponto de me fazer sentir
enjoo.

De olhos fechados, chorei baixinho. Temendo o pior e amaldiçoando o


dia em que encontrei com aquele babaca desgraçado.

Acordei com alguém me sacudindo. Sentei-me apavorada e, para meu


alívio, era Gioconda. Arfei com a mão no peito. Tive a impressão de que
Luan me observava, enquanto eu dormia.

— Fiz uma sopa para você. — Indicou uma tigela fumegante, posta ao
lado da cama. — Coma um pouco. Quer que eu dê uma olhada em seu pé?

— Não! — dei um grito esganiçado e cobri o pé com o lençol. —


Obrigada. — Sorri, tentando parecer convincente.

— Tudo bem. Aceita vinho? Não sei se percebeu, mas aqui é uma
vinícola.

Levei a mão até a boca, pasma com a informação.

— Sério? Isso é muito legal. Meu pai ama vinhos... Temos uma adega.
Que marca de vinho vocês produzem?

Gioconda pareceu constrangida e abaixou o olhar.

— Não é conhecida. Não está no mercado.

— Por que não?

— Inúmeros motivos. Quer experimentar?


— Claro. — Ela sorriu com minha resposta. — O que combina com
sopa?

— Vou perguntar ao vinicultor.

— Ele? O cavalo chucro... ele faz os vinhos?

— A única coisa que recebe carinho dele. — Gioconda saiu, e eu fiquei


ali, embasbacada, olhando para a porta. Aquele troglodita fazia vinhos?
Precisava mesmo provar. Comecei a tomar a sopa que era, sem dúvida, uma
das melhores que eu já havia provado, e eu nem gostava de sopa.

Gioconda voltou minutos mais tarde, com uma taça de vinho tinto.

— Não sei falar esses nomes. Ele escreveu. — Me entregou a taça e um


bilhete. Deixei a taça de lado e li o papelzinho. As letras eram fortes e
masculinas.

Merlot

Sopas e caldos pedem um leve vinho tinto.

O merlot tem um paladar rico e macio, com intenso aroma frutado.

Li e reli. Eu não estava acreditando. Como alguém tão bruto poderia


criar algo tão delicado? Peguei a taça, cheirei o líquido, e minha boca salivou.
O aroma era incrível. Provei e olhei rapidamente para Gioconda.

— Tem certeza de que ele mesmo que fez?


— Absoluta. — Sorriu.

Provei um pouco de sopa e, em seguida, um golinho de vinho. Incrédula,


virei-me para ela.

— Por que está fora do mercado?

— Isso só o Thadeo pode explicar. Tenha um bom jantar.

— Obrigada. — Ela me deixou sozinha, e comi, com satisfação, pela


fome e pela surpresa boa de encontrar alimentos tão deliciosos na primeira
noite de minha fuga. Aproveitei cada colherada e cada gole de vinho. Será
que ele fazia os vinhos apenas por passatempo, uma vez que uma bebida tão
bem-feita, deveria ser renomada nesse estado, ou no país?

Por que ele não vendia os próprios vinhos? Era algo que eu jamais iria
saber, já que não tínhamos um clima simpático para esse tipo de conversa.

Terminei o jantar, peguei o controle remoto e liguei a televisão. Será que


teria alguma notícia sobre mim?

Escolhi um canal e esperei, e foi dito e certo. O noticiário começou e lá


estava uma notícia sobre mim, mas, por sorte, apenas o jornalista falando.
Não havia nenhuma imagem, foto ou vídeo sobre mim.

“A filha do procurador Jaime Ávila estava desaparecida até essa tarde.”

Estava?

“Ela fugiu do próprio casamento nessa manhã, deixando todos


estarrecidos. Mas, segundo a família, a filha mais velha que iria se casar, já
foi localizada na casa de um parente e dispensaram as buscas policiais. A
família prefere não comentar sobre o incidente.”
Ah, meu Deus! Despenquei sentada na poltrona. Era ele. Luan estava
ameaçando minha família, obrigando-os a mentir. Era mesmo esperto em tirar
a imprensa e a polícia do caso. Mas por quê? O que ele queria de mim? Eu
não tinha nada.

Ao menos uma coisa me causou alívio. Eles estavam bem.

***

Eu mal consegui dormir. Como poderia? Em um lugar estranho, com um


dono que não ia com minha cara e uma ameaça lá fora, pairando sobre mim.
Lá pelas quatro da manhã, consegui pegar no sono e acordei violentamente,
assustada com a porta do quarto se abrindo. Já era dia.

Era Thadeo. Meu pai amado! Cobri-me com o lençol e me sentei,


horrorizada. Já estava claro. Que horas seriam?

Os cabelos dele estavam secos, diferente de ontem depois do banho. E


agora, eu tinha uma real noção do seu tamanho. Estavam na altura dos
ombros e eram bem cheios.

— Oi, bela adormecida — ironizou. — Espero que tenha gostado da


hospedagem.

— S...sim. Eu agradeço.

— Então, levante-se, lave e rosto e vaza. — Tinha um ar de


superioridade.
— O quê?

— Linha na pipa, fora, rua.

— Meu Deus! Você não consegue ter um pingo de empatia?

— Hoje o dia está lindo para você continuar sua fuga.

— Eu trabalho. Me deixe ficar ao menos um mês e eu trabalho para


você. Ofereci, sem ao menos cogitar no que estava fazendo. Todavia, era
qualquer cartada, para não ser encontrada por Luan e sua gangue. Até
encontrar uma saída.

— Trabalhar... — Thadeo coçou a barba. — Você não tem cara de quem


trabalha.

— Eu sou formada, meu caro. Mas ontem você disse que só ficam aqui
os empregados. Gioconda me contou que aqui é uma vinícola. Eu já li sobre a
colheita... Posso aprender. Por favor. Um mês apenas. Eu trabalho pelo
quarto e pela comida.

— Esse casamento deve ser mesmo um porre. Está querendo trabalhar


de graça só para ter onde ficar escondida.

— Você não faz ideia. Por favor.

Ele pensou um pouco, me analisando de cenho franzido, depois meneou


o pescoço e assentiu.

— Ok. Está contratada. Pode pular da cama, funcionário tem que


levantar cedo. Vou te mostrar a vinícola.
CINCO
THADEO

— Ela não pode ir trabalhar agora, ficou louco? — Gioconda estava


parada com o pote de açúcar nas mãos, me encarando incrédula, após ouvir
meu comentário de que a nossa hóspede ia começar a trabalhar na vinícola.
— A mulher está com o pé machucado e sem roupa, e você quer que ela vá
trabalhar?

Encarei-a de cima. Ela não se intimidava com minha altura. Era baixinha
e rechonchuda e me tratava como se eu fosse seu filho.

— O que deu em você, que virou fã de uma desconhecida de uma hora


para outra? — questionei.

— Claro que eu vou ficar do lado de uma mulher. Qualquer que seja. —
Foi para a beira do fogão preparar o café e alfinetou: — Sei muito bem seu
modo de agir, senhor Thadeo.

Gioconda estava me pintando como um carrasco. E mesmo com as


acusações dela, eu entendia que não devia dar trela para a mulher.

Sabe por quê?

Coração de homem é muito permeável, e basta um pouco de carinho


para o sujeito cair de quatro. E isso era a última coisa que eu queria e
precisava. Eu sempre as tratava com distância, nada de intimidade. Se
puderem me oferecer sexo, ótimo, tem minha atenção por algumas horas. Se
não, então o contato é estritamente profissional. E sei que é por causa dessa
minha postura que Carmem, minha advogada, nunca aceitou me dar bola.
Porque ela queria algo muito mais do que eu poderia dar.

— Ela quem propôs trabalhar. Ou pega na labuta, ou rua. — Gioconda


abriu a boca para retrucar, e eu a interrompi: — Não sabemos quem ela é.
Hoje em dia, temos que tomar cuidado. Por mim, ela ia embora agora.

Eu estava assustado. Mal dormi sabendo que tinha uma desconhecida na


minha casa.

— Você tem o coração de pedra. — Fez cara feia, enquanto passava o


café. — Uma mulher que não vai compartilhar sua cama só serve para
trabalhar para você?
— Exatamente.

Terminou, serviu o café em uma caneca e me entregou.

— Desde que vim para cá você tem essa mesma posição sobre parceiras.
Nunca te vi namorar e...

— Porque nunca namorei. — Dei de ombros.

— Nunca?

— Na adolescência, talvez. Mas aprendi a ir direto ao ponto e me aliviar


sem precisar me relacionar. — Olhei o líquido fumegante na caneca e
suspirei. Havia sim um motivo. Havia grandes motivos para eu ter decidido
me desviar de contratempos sentimentais. Amor... Paixão... Isso tira o homem
de seu caminho predestinado. Ainda mais quando esse homem tem uma
promessa a cumprir.

— Preciso focar em algo maior que relacionamento, Gioca, e você sabe


disso. — Ela estava pronta para criar um palanque com discurso pronto, mas
seus olhos saltaram de leve, vendo algo atrás de mim, e quando olhei, Gema
estava lá, espiando, atarantada.

— Ah... Desculpa intrometer. — Sorriu sem graça para mim, e eu nem


dei ousadia. Enfiei meu rosto na caneca. — Eu só preciso de um analgésico.
Minha perna está me matando.

Dei uma boa olhada na intrometida. Vestia um robe enorme, roxo, que ia
até os pés, e bem amarrado na cintura, horrível que doía. Coisa de Gioconda,
eu poderia apostar. O rosto estava limpo e os cabelos presos em um rabo-de-
cavalo.
— Claro, Gema. Sente-se aí. Acabei de passar o café.

— O cheiro está muito bom, dona Gioconda.

— Sem dona, por favor. — Interessado, assisti a rapidez com que


Gioconda dava o remédio para ela e lhe servia café logo em seguida. —
Como passou a noite?

Antes de responder, ela olhou para mim e inventou uma expressão


embaraçada como se não tivesse me enfrentado na cara dura na noite passada.
Gioconda colocou um pão caseiro na mesa, diante de Gema.

— Muito bem, mais do que eu precisava. Estou muito grata a vocês por
me deixarem ficar.

— Eu deixei ficar. — Adiantei-me, transbordando de infantilidade. — E


haverá um pagamento, e você sabe — resmunguei. Por que diabos essa
mulher me dava nos nervos?

Ela deu um golinho no café e sorriu para mim.

— Claro. Conforme negociamos, trabalharei por comida e teto. Só


preciso de roupas adequadas. Mas talvez me prefira colhendo uvas vestida de
robe ou de vestido de noiva... — ironizou, e Gioconda escondeu a risadinha.

— Ok. Gioconda vai providenciar roupas. Como seu pé está machucado,


vai ficar dois dias por aqui, ajudando na casa.

— Oh, que benigno. Obrigada.

Fiz um gesto dispensando o agradecimento irônico dela. Eu tinha que ir


trabalhar, mas queria ficar aqui na cozinha, provocando-a. Eu parecia ter doze
anos novamente. Gema pegou a faca e cortou uma fatia do pão caseiro.
— Espera, Gema — Gioconda interrompeu. — Vou pegar a manteiga.
— Ela trouxe um pote de vidro e colocou sobre a mesa. Em seguida,
confidenciou, como se eu não pudesse ouvir: — É caseira, o dito cujo que
faz.

— Como é? — Abriu o pote e cheirou. — Você faz manteiga também?


— Olhou para mim. Recostado na pia, tomando café, eu a observava, e meus
lábios subiram, indicando um sorriso malicioso. Ela não fazia ideia de como
a manteiga me servia.

— Você não imagina quantas utilidades tem a manteiga.

Ela não entendeu minha indireta, deu de ombros e passou um pouco no


pão e mordeu.

— Boa a minha manteiga? — Eu ainda sorria jocoso.

— Sim, muito boa. Você é bom nisso. — Gema concordou e, por


incrível que parecesse, isso afagou o meu ego. Todo mundo gostava da minha
manteiga, por que a opinião dela foi boa de ouvir? Enquanto ela comia
tranquilamente, Gioconda aproximou-se de mim e cochichou:

— Estou entendendo.

— O quê?

— Um bronco que se viu atraído por uma mulher elegante e está usando
as provocações para tentar esconder esse fato.

— Não seja besta, Gioconda.

— Como meninos do colegial que querem inimizade das meninas, por


não entender a atração que sentem.
— Larga mão de conversa fiada a vai fazer teu serviço. — Peguei o
chapéu e enfiei na cabeça. — Agora eu vi merda.

Ela riu, me deixando mais furioso. Gema olhou para a gente sem
entender. Os lábios rosados lambuzados de manteiga. Engoli em seco. Meu
coração acelerou espantosamente. Mas que caralhos...

Parei diante da mesa, ela me olhou intrigada. Estendi a mão para ela.

— O anel. Vai precisar me dar alguma garantia para comprar roupas


para você.

Gema assustou-se com o pedido. Eu não precisava de dinheiro e muito


menos do anel dela. Mas queria importuná-la. Ela olhou o anel em seu dedo,
suspirou, arrancou e me entregou. Enfiei-o no bolso e saí rápido da cozinha.

Cavalguei em disparada rumo à vinícola, eu precisava de uma distração


urgente. Assim que cheguei, já dei de cara com um dos funcionários,
Rodrigo, o chefe dos viticultores, vindo em minha direção. A euforia
estampada em um sorriso aberto.

— Ei, Thadeo. Temos boas novas.

Desci do cavalo e caminhei até ele. Meu dia não estava nada bom, e eu
torcia para que fosse uma boa notícia mesmo.

— O que houve?

— A cabernet sauvignon. Porra, conseguimos. Olha isso. — Entregou


para mim uma cestinha. Havia um cacho de uvas repousado como um troféu.
Meu coração bateu no pescoço. Era lindo. Era como eu sonhara. Tinha
tempos que tentávamos reproduzir esse tipo de uva, que era a rainha dos
tintos. O peguei com cuidado, como se pega um recém-nascido.

Essa uva era originaria de um cruzamento entre dois outros tipos, e eu


tentei, por muito tempo, o cruzamento para ter a própria cabernet sauvignon
brasileira.

— Está vendo? É legítima. Prove — Rodrigo me incentivou.

Tirei uma uva e a degustei vagarosamente. Os sabores invadindo meu


paladar, como se eu estivesse em uma planície francesa. O cheiro encorpado,
a cor puríssima.

— Ah, porra! — Ergui o punho. Conseguimos, cacete! — Puxei


Rodrigo, dei um rápido abraço nele. — Preciso contar para a Carmem agora.

— Ela já está no ponto para a colheita. Ou prefere que espere mais um


pouco?

— Calma. Vou conferir as parreiras. Preciso ver isso pessoalmente. —


Seguimos para a plantação, sem conseguir parar de sorrir, andando pelas
veredas entre uma fileira e outra de parreiras. Chegamos à área do plantio
dessa espécie, e eu fiquei paralisado, olhando de longe.

Fazia um tempo que eu não vinha aqui, porque eu não queria me


decepcionar, vendo uvas feias. A plaquinha estava lá, no início da seção:
Cabernet Sauvignon. Um dia minha mãe disse que produziríamos essa uva, e
eu cheguei a duvidar dela.

Nesse instante, a lembrança da imagem de minha mãe dominou minha


mente. Quando ela se separou do pai e nos trouxe para cá, foi isso que
encontrei. Uvas, uvas a se perderem de vista e meu avô no meio, as tratando
com carinho. Depois ele se foi, e minha mãe assumiu o seu lugar. Consigo
vê-la feliz, cantarolando algo do José Angusto, com um lenço na cabeça,
enquanto colhia as uvas.

Este era o império dela. E eu precisava mantê-lo vivo.

Acariciei um cacho de uva, depois outro e mais outro. Me virei e fitei lá


embaixo a vasta plantação de vários outros tipos de videiras. Qual o detalhe
ainda faltava, para que todos conhecessem o meu vinho?

Eu ia descobrir o que faltava e cumprir a promessa que fiz à minha mãe,


em seu leito de morte.

***

Liguei para Carmem, e ela prontificou-se a vir até a fazenda. Fui direto
para casa esperá-la. Aproveitei para tomar um banho e mudar de roupa, ela ia
trazer alguém interessado em fazer negócio. E agora, com a novidade da
sauvignon, eu tinha certeza de que esse poderia ser o início de uma boa
parceria. O que eu precisava? De pessoas influentes dispostas a investir no
vinho e espalhá-lo pelo país. Eu não queria usar o nome “Capello” para fazer
isso.

Espiei na porta da cozinha. Gema e Gioconda riam, conversando. Ela


estava lá, ainda de robe, descascando batatas. Passei tempo demais espiando
suas curvas e como a bochecha dela levantava e criava um furinho ao sorrir.

— Ainda não providenciou as roupas? — indaguei. Elas me olharam.

— Liguei para Darlene. Ela vai comprar tudo que precisar e trazer —
Gioconda comentou despreocupada. Darlene era a filha dela que morava na
cidade.
— Ok. Vou receber visitas agora. Prepare as taças. É gente importante.

Não esperei para ouvir uma confirmação. Saí rápido para me preparar.

Depois de um banho e vestir algo adequado, desci ao ver o carro parar


na porta, lá embaixo. Eu mesmo abri e Carmem sorriu para mim, linda e
elegante como sempre.

— Thadeo — Beijou meu rosto e afastou-se para mostrar o homem que


a acompanhava. Grisalho, meio gordo, de terno, cara de gente importante. —,
este é Lázaro Pinheiro. Já deve ter ouvido falar da cerveja Pinheiro.

— Já sim. Tudo bem, senhor? — Apertei a mão dele. — Entre, por


favor. Por aqui, vamos ao meu escritório.

— É uma bela casa — Lázaro elogiou, olhando em volta, com atenção.


— Precisa de umas reformas, mas é bem bonita.

— Era do meu avô. Ainda não tive tempo de reformá-la por completo.
Estou focado nos vinhos.

— Faz bem. — Eles se sentaram, dei a volta na mesa e sentei-me em


frente. O escritório era prático e bem arejado. As grandes janelas coloniais
abriam-se para o jardim. O cheiro de grama molhada invadia o ambiente.

— Aceitam um vinho?

— Dos que você produz? — Lázaro indagou, curioso.

— Claro. Precisa experimentar. — A merda do interfone para falar na


cozinha estava quebrado, tive que ir à porta e gritar: — Gioconda! — Ela
apareceu no corredor, e eu pedi para trazer o vinho. Voltei para me sentar
novamente. Eu estava afoito, muito agitado, nervoso com uma possível
negociação depois de anos. Carmem disse ao telefone que era coisa boa.

— Então, senhor Lázaro, me fale mais sobre o seu negócio. — Ele não
se sentiu intimidado e danou-se a falar pelos cotovelos. Falou, falou, até a
porta abrir, e Gioconda entrar. E Gema à sua cola, ainda de robe. Soprei e
ajeitei meus cabelos, temeroso com algo que essa estranha pudesse fazer. Até
fiz uma prece para ela não ser desastrada.

Imediatamente os olhos de Carmem pousaram na hospede indesejada.


Gema parecia saber lidar com utensílios finos. Colocou as taças na mesa,
com muito cuidado, e Gioconda serviu o vinho. Pediram licença e saíram.

— Quem é a jovem? — Carmem perguntou.

— Funcionária. — Fui evasivo

— Vestindo um robe? — Carmem pressionou, e eu não dei atenção a


ela. Estava interessado em Lázaro. Ele cheirava o vinho. Em seguida, sorveu
um gole, bochechou e assentiu, não demonstrando o interesse que eu
esperava.

— Muito bom seu vinho. Posso dizer que, com alguns


aperfeiçoamentos, pode ficar melhor. O que precisa aqui são bons
mecanismos e a maneira da produção. A uva não pode ser agredida.

— Claro que não. Jamais.

— Não foi o que notei no paladar — criticou, e eu fiquei inquieto.


Como assim? Esse era um dos melhores. — Mas não é sobre o seu vinho que
quero falar.

— Não?
— Não. É justamente sobre as uvas.

— Continue.

— Meu filho está voltando da França e está deslumbrado com a


vinicultura. — Lázaro encheu o peito para falar. — E eu decidi fazer uma
surpresa para ele. Estou montando nas minhas terras uma vinícola para ele. Já
olhei torto para Carmem, e ela arregalou os olhos, incrédula com o que ouvia.

— Lázaro, eu receio que o Thadeo não queira... — Carmem começou,


na tentativa de passar pano. Levantei a mão para ela.

— O que, na verdade, o senhor deseja?

— Fazer negócios, meu caro. — Ele sorriu, como se trouxesse a


salvação para meus problemas — A Carmem comentou que você não
consegue emplacar seus vinhos. As adegas lotadas, sem ninguém para
comprar. Você pode até parar de produzir vinhos, você plantará para meu
filho. Fornecerá as uvas para ele fazer o vinho dele. Convenhamos que sua
uva é uma das melhores, já escutei elogios diversos.

— Fico lisonjeado. — Fiquei de pé.

— Thadeo, escute... — Carmem segurou meu braço, mas eu o puxei e


fui em direção a um armário na parede oposta. Eu já estava muito puto.

— Então o senhor quer as minhas uvas para o rola mole do seu filho vir
da França fazer o vinho — eu falava, enquanto abria o armário.

— Olha como fala, rapaz. Tem que entender que eu já tenho nome no
ramo das bebidas. Ele será um sucesso fazendo vinho e você poderá ter o
privilégio de ver que foram feitos com sua uva.
Quando virei para ele, tinha uma espingarda na mão. Ele pulou da
cadeira. Carmem estava desorientada.

— Eu vou te dar cinco segundos para você tirar essa bunda ensebada da
minha frente e vazar da minha propriedade. Um...

O velho estava espumando de raiva, ao invés de correr, decidiu me


confrontar.

— Sabe quando você vai...

— Dois...

— Ter um vinho reconhecido...

— Três...

— Nunca!

— Thadeo, pelo amor de Deus, abaixe essa arma — Carmem gritava,


paralisada, recostada na parede.

— Quatro...

Lázaro virou-se rapidamente, abriu a porta e saiu correndo. Fui atrás


dele.

— Cinco. — O tiro acertou a parede. Só para assustá-lo. Depois eu


metia um reboco ali.

Saí atrás dele, dei outro tiro para o alto. Ele já entrava no carro,
atrapalhado para ligá-lo. Aproximei-me e curvei-me para olhá-lo.

— Sabe quando o teu filho vai ter um vinho com uma uva de tão boa
qualidade? Nunca!

O velho saiu arrancando pneu, e eu voltei para dentro, com a espingarda


no ombro. Carmem me olhava com espanto, horrorizada com minha atitude.
Gema, ainda mais horrorizada, na sala, fitando o buraco na parede e
Gioconda, com olhar calmo.

— Outra proposta incabível? — Gioconda perguntou, calmamente.

— Quase acertei aquela bunda flácida.

— Você atirou de verdade? — Gema estava chocada, a mão na boca. —


Meu Deus, além de chucro é louco? E se acerta uma pessoa?

— Então você teria que ajudar a cavar a cova. É isso que funcionários
fazem por aqui. Ainda deseja ficar? — Ergui a sobrancelha para ela,
deixando-a enrubescida.

— Venha, Gema. — Gioconda a puxou — Ele sempre atirou a torto e a


direito. Não acerta de propósito. É só para assustar.

Elas duas saíram da sala, e eu fui guardar a arma. Ouvi os saltos de


Carmem atrás de mim.

— Quem é essa mulher, para falar assim com você?

— Uma funcionária, já falei.

— Uma funcionária que anda por aí de robe?

— Isso.

— Outra funcionária tão petulante como Gioconda? Onde arruma essas


pessoas?
Virei-me para ela após fechar o armário.

— Escuta bem, você vai pensar cem vezes, antes de trazer para mim
esses filhos da puta que só querem fazer hora com minha cara. Eu não
produzo uva, e sim vinhos. Toda essa plantação é produto exclusivo para o
meu vinho. Estamos entendidos?

— Claro... Eu achei que ele queria o vinho também.

— Ótimo. Vai ficar para o almoço?

— Talvez. Thadeo. — Ela segurou meu braço, antes de eu sair do


escritório. — Você... está dormindo com essa... funcionária?

— Sabe que não divido minha casa ou cama com uma mulher fixa. Quer
ir à plantação ver a Sauvignon?

— Claro. — Sorriu, parecendo aliviada. Abraçou meu braço, e saímos


juntos para ir à plantação.
SEIS
GEMA

Meu primeiro dia na casa de Thadeo tinha sido uma experiência de


várias emoções. Desde o susto do tiro pela manhã, até a desconfiança na hora
do almoço, quando uma morena extremamente bonita, com saltos altíssimos,
entrou na cozinha.

— Ah, só preciso lavar as mãos. — Eu estremeci com medo. Medo de


que pudesse me reconhecer e estragar meu plano de me esconder aqui. Fiquei
de cabeça baixa, fingindo que ajeitava guardanapos no suporte, mas ela fez
questão de vir até mim e espiar meu rosto.

— Oi. Você é a novata?

Levantei os olhos e a fitei. Ainda bem que não a conhecia. Gioconda


dissera que era advogada, e eu fiquei com medo, pois meus pais eram do
meio jurídico.

— Sou sim.

— Seu nome é...

— Pode me chamar de Gema.

Ela sorriu e observou meu corpo, provavelmente pensando por que eu


ainda vestia robe em pleno meio-dia. Thadeo a gritou lá da sala, e ela acenou
e saiu.

Meu coração estava acelerado. Fechei os olhos, respirei bem fundo e


voltei ajudar Gioconda na preparação do almoço.

Eu não vi Thadeo pelo resto do dia, todavia, sabia que a tal advogada
tinha ido embora. E, para meu alívio, minhas roupas chegaram. Tudo que eu
pedi: saias longas, blusas confortáveis, de algodão, uma fofa de renda e um
vestido. Havia também um par de botas, tênis e sandálias de tiras para
prender no meu pé e, claro, lingerie, pois desde ontem eu estava sem sutiã e
calcinha.

Naquele momento, pensei na advogada e em minhas irmãs que eram


elegantes e usavam saltos. Diante do espelho, olhei meu corpo bem vestido
com as roupas novas. Que coisa! Eu estava linda do meu jeito, de saia longa,
estilo cigana, e com botinhas pretas. Não precisava de um salto para mostrar
minha feminilidade.

Arrumei as roupas no armário e saí do quarto. Estava atravessando a sala


quando quase trombei com Thadeo. Ainda toquei no seu peito, para não cair,
e notei como ele estava quente e molhado. Molhado de suor. Engoli em seco,
me afastei, mirando seus olhos, esperando um esporro. Ele estudou minha
roupa nova, e eu não fiz diferente: o olhei sem dó.

Vestia apenas um short fino de academia e tênis.

Minha Nossa Senhora! O pau marcado no short.

Voltei imediatamente para seu rosto. Os cabelos presos, em um pequeno


coque mal feito. Engoli o ar, perdendo a voz inesperadamente.

— Você, na verdade, é uma cigana?

— Ah... — Olhei a saia. — Não.

— Por que está com essa saia enorme uma hora dessa, nesse calor?

— Porque eu... quero, ué... eu acho confortável. — Eu não ia revelar


meu problema físico a ele. Era alguém que estava de passagem em minha
vida e não precisava saber. Eu não queria pena de ninguém.

Ondulações se formaram na testa dele. Cruzou os braços, mostrando-se


intrigado. Meu Deus, ele estava mesmo todo suado. Os músculos saltados do
esforço físico. Minha mente quase me levava a uma imagem depravada, que
envolvia ele nessa situação, na cama... ofegante...

— Quem, na verdade, é você? — ele interrogou.


— Eu já te contei. — Cruzei meus braços também. Não ia parecer uma
coitada medrosa. Eu tinha trinta e três anos e não era possível que não
soubesse mascarar um desconforto gerado por uma atração indevida.

— E por que eu não consigo acreditar? — Thadeo pressionou.

— Porque é um desconfiado? Você trata todo mundo com distância,


como se pudessem te apunhalar a qualquer momento.

— Está aqui na minha casa apontando minhas falhas? — Um passo na


minha direção. Dei um passo para trás.

— É o que parece, não é? — provoquei, sem pensar. Ele deu mais um


passo à frente, me encurralando. Seus olhos negros eram como uma noite
feiticeira que seduzia para o abismo.

— Você é bem petulante, hein? Não pode simplesmente abaixar a


cabeça e concordar?

Bati a perna no sofá. Não tinha mais como me afastar. Levantei o rosto
para ele. Thadeo ficou tão perto que eu podia sentir seu calor. O corpo
enorme diante de mim.

— Não te disseram que às vezes você recebe o que precisa e não o que
quer?

Me surpreendendo, ele gargalhou.

— Aqui as coisas são como eu quero. Eu vou descobrir quem é você e


porque invadiu minha propriedade e não quer ir embora — Era uma ameaça
pura, jogada sem cautela, bem na minha cara.

Engoli em seco. Ele poderia ficar muito puto se soubesse que menti e
que, na verdade, estava fugindo de um bandido. E o pior: que sou um perigo
para ele e a casa dele, caso Luan me encontrasse aqui.

Thadeo virou-se e foi em direção à escada e, para não observar suas


costas largas e fortes, andei depressa para a cozinha.

Mais tarde, ele entrou na cozinha e, para meu alívio, estava vestido.
Apesar de que qualquer roupa nele o fazia parecer um gogo-boy, prestes a se
despir.

— Gema, venha comigo. — Intimou, sem maiores explicações. Não


contestei, caminhei atrás dele, comparando seu andado forte e determinado
com o meu temeroso e torto. Thadeo subiu as escadas e eu me apoiei no
corrimão, indo um pouco mais devagar, subindo um degrau por vez.

— O que houve? — Parou e me olhou.

— Meu pé...

Ele não ofereceu ajuda e muito menos esperou. Voltou até mim e
resmungou: “Me dê licença”. E antes de eu poder responder, me pegou nos
braços, subindo as escadas.

— O que está fazendo? Me põe no chão.

Nem titubeou. Só me colocou no chão quando chegamos lá em cima.


Ajeitei minha saia e me limitei a olhá-lo com reprovação. Ele nem ligou,
andou pelo corredor. Coube a mim segui-lo.

Ele abriu uma porta de duas bandas e foi direto para as janelas, abrir as
cortinas. O ambiente ficou claro e me vi em uma ampla biblioteca, que não
era usada há muito tempo e nem se davam ao trabalho de limpar. Passei a
mão na mesa de mogno, e havia muita poeira.

— É um leitor? — Observei as centenas de livros cobertos de poeira.

— Não é meu passatempo preferido. Prefiro a liberdade lá fora.

— Nos livros há liberdade também. — Tirei um da estante, com capa


dura, e o folheei.

— Era do meu avô. Mas te trouxe aqui porque tem tudo que precisa para
conhecer a vinícola e sobre a produção de vinhos, colheita das uvas, e tudo
mais.

— Eu poderia pesquisar no Google.

— No Google não tem informações da própria vinícola. Aqui tem


anotações importantes e dicas que valem ouro. Foi daqui que eu consegui
extrair a técnica exata para criar minha própria Cabernet Sauvignon.

Fechei o livro e, boquiaberta, o encarei.

— Vocês produzem Cabernet Sauvignon?

— Acabamos de conseguir. Graças às notações e estudos de meu avô.


Vou pedir a Gioconda para limpar aqui e você poderá vir sempre que
precisar, sugiro que leia esse. — Ele alcançou um livro grosso e preto na
prateleira, passou a mão, limpando a poeira, e me entregou.

Colheita básica - Viticultura. Li na capa.

— Viticultura...? É colher uvas?

— Sim. Viticultor é quem as colhe, diferente do vinicultor que cria os


vinhos. Se vai trabalhar para mim, precisa saber como funcionam as coisas.
Leia todas as anotações.

— Tudo bem. Farei isso. — Abracei o livro e até sorri, mirando-o.


Incrivelmente, ele retribuiu e fez sinal para eu sair. Ele puxou a porta atrás
de mim e andamos pelo corredor.

Passamos pelo quarto dele, me fazendo lembrar de onde acordei, quando


fui resgatada. Havia mais algumas portas que estavam fechadas e pareciam
fechadas há muito tempo.

— São quartos?

— Sim. Estão sem uso.

Parei em frente a uma porta que era diferente das outras. Essa era branca
com uvas pintadas. Eu não tinha reparado nela ontem.

— Meu irmão pintou quando criança. Nunca entre nesse quarto. É a


única coisa que te peço.

Eu estava tentada a perguntar o motivo, mas não ia abusar da atitude


pacífica dele.

Seguimos rumo à escada e Thadeo foi devagar, ao meu lado. Olhou para
meu pé, me deixando nervosa.

— Ainda não melhorou?

— Está melhorando.

— Talvez não apenas torceu, e precisa engessar. Posso te levar ao


hospital para fazer um raio X.

— Gioconda olhou, e já está bem melhor. — Menti. Nem mesmo


Gioconda viu. — Obrigada.

— Dizem que mastruz pisada é bom para desinchar.

— Sim, ela me falou. Eu vou colocar.

Ele ficou parado no terceiro degrau, me observando intrigado, enquanto


eu mancava, indo para meu quarto.

Jantei sozinha com Gioconda. Thadeo saiu e avisou que não ia jantar.
Depois, ajudei ela a arrumar a cozinha e fui descansar. Só então, ali, sozinha,
é que o turbilhão de emoções despencou sobre mim. Lembrei de Luan e de
como me apaixonei rápido pela sua conversa fiada. Lágrimas rolaram
dolorosamente. Doía muito ser enganada.

Eu não queria mais me envolver com homem nenhum, nunca mais na


vida. Estava ferida por dentro, fui despedaçada por uma pessoa que confiei.

Deitei-me chorando, com medo pela minha família, rezando para que
meus pais estivessem bem. Acabei dormindo. Me assustei logo depois,
ouvindo um barulho. Uma luz brilhou na janela, e eu me levantei para espiar
o que era. A caminhonete de Thadeo. Senti alívio, bocejei e estava prestes a
voltar para a cama, quando a porta do carona se abriu e uma mulher desceu.
Loira, alta e esguia, usava botas cano longo, minissaia e jaqueta.

Ele desceu logo depois, e fiquei chocada quando ele avançou sobre ela
puxando-a com facilidade, como se ela fosse uma boneca, agarrando-a
fortemente, beijando-a com luxuria. Os lábios dele se moviam com agilidade
e gula; perdi o fôlego. Thadeo terminou o beijo e tentou se afastar, mas a
mulher estava quase subindo nele e o puxou novamente para beijá-lo.

Os dois se agarraram ali contra o carro, ela desabotoou o cinto dele e


enfiou a mão na sua calça. Senti meu corpo esquentar, vendo a cena. Ele
também não ficou para trás, já estava com a mão no meio da minissaia dela, e
quando um gemido saiu de sua boca, Thadeo pressionou a mão sobre sua
boca, sorrindo de modo pervertido.

Meu coração parecia que ia sair pela boca. Eu não devia estar olhando.

A mulher abriu a camisa dele e beijou seu peito musculoso, causando


em mim algo que eu não soube reconhecer. Fechei a cortina e, de olhos
fechados, me recostei na parede. De repente, eu quis fazer o mesmo que ela.
E pior: de repente, eu odiei por ser ela tocando naquele cavalo chucro.

Sentei-me na cama e ouvi a porta da frente se abrindo e, em seguida,


passos rápidos subindo a escada.

A vida do imbecil era bem agitada. Eu não tinha nada a ver com isso.
Virei de lado e fechei os olhos. Não adiantou muito. Não consegui voltar a
dormir. Me levantei, fui ao banheiro, fiz xixi, troquei de roupa, vestindo o
robe novamente e tentei ler o livro que Thadeo me dera.

Mesmo assim, o sono não veio. Já passava das duas, já tinha bastante
tempo que Thadeo tinha chegado com a mulher. Decidi fazer um chá. Calcei
os chinelos e tentei ser o mais silenciosa possível. Acendi a luz do corredor e
atravessei a sala.

Na cozinha, coloquei água para ferver e fui à procura de chá que


Gioconda disse que tinha. Estava abrindo cada porta do armário à procura dos
saches. Encontrei as caixinhas, peguei um de camomila e quando me virei,
berrei assustada.

Thadeo, só de cueca me olhando.


— Meu Deus, você me assustou — falei.

— O que faz aqui uma hora dessas? — Ele foi até a geladeira, pegou
uma jarra de água e um copo e despejou água dentro. Observei o peito dele
com marcas de arranhões de unhas e levemente suado.

Desviei o olhar e fui para o fogão ver a água.

— Eu... estava sem sono e vim preparar um chá.

— Hum... — Tomou mais água e um pouco mais. Tudo que estava na


jarra. — Faz uma xícara para mim.

— Você quer chá? — Me virei perplexa.

— Sim, por que não?

— Não parece o tipo que toma chá. — Voltei-me para a água fervendo.
Eu estava ficando nervosa. Não gostava nem um pouco de ficar perto dele,
estando praticamente nu. Thadeo abriu o armário, pegou duas canecas e as
colocou sobre o balcão.

Servi a água nas canecas, coloquei os saches e entreguei uma para ele.
Eu sentei, e ele continuou de pé, recostado ao balcão.

— Não tem alguém que precisa de sua atenção lá em cima? —


Caramba! Por que eu disse essa merda? Onde eu estava com a cabeça?

Thadeo não pareceu desconcertado. Deu de ombros, prestando atenção


no saquinho de chá que ele mergulhava e tirava da água quente.

— Já dei a atenção que ela merecia.

Uau. Quarenta minutos de sexo. A mulher deve estar acabada.


— Então, tem dificuldade em dormir? — Perguntou-me.

— Não. Só preocupada... com minha família. Não sei como estão... o


que estão pensando de mim. — ou o que Luan pode ter feito com eles. Eu
devia mesmo ter chamado a polícia.

— Humn... — Ele provou o chá, colocou algumas colheres de açúcar e


provou de novo. — Quando vai se encontrar com eles e dizer que não vai se
casar porcaria nenhuma?

— Não sei. Depois de umas duas semanas... um mês. Acho que dar esse
tempo será bom.

— Não devia deixar que mandem em sua vida. Você é bem petulante e
devia ter enfrentado seu pai. Fico feliz que tenha conseguido fugir.

— Você diz isso, mas não mede esforços para me dar ordens.

— Porque eu sou seu patrão. E, mesmo assim, jamais manteria você


aqui contra sua vontade.

— As coisas não parecem tão fáceis.

Voltamos a ficar em silêncio, tomando o chá. Thadeo jogou os cabelos


para trás, e o gesto não passou despercebido de mim. Ele estava muito gato.
Eu odiava tanto isso...

— E você? Não é daqueles que termina e vira para o lado e dorme? —


ele entendeu minha insinuação e sorriu.

— Bem que eu queria. Às vezes você transa por necessidade e só quer


dormir logo depois, para não ver mais a pessoa.
Isso foi um desabafo inesperado.

— Necessidade?

— Sou homem, tenho necessidade, ué. — Falou como se fosse a coisa


mais óbvia.

— Achei que deveria ter necessidade de ar e água, não de sexo.

Me dirigiu um olhar divertido, como se eu fosse uma pobre inocente.


Ele sabia que eu estava certa, mas não quis me levar a sério.

Ele bebeu mais um pouco do chá sem me contestar. Decidi mudar de


assunto.

— Você tem irmãos?

— Tenho. Já ouviu falar dos Capellos?

— Do leite Capello? É sua família? — Minha voz saiu esganada de pura


perplexidade.

— Sim.

— Como assim? Eu sigo a Stela e o Benjamin...

— Meus irmãos.

— Mas nunca vi nada de você nas redes sociais. — Contestei pasma.

— Não tenho essas coisas. Não vivo metido em Instagram e sei lá o quê.

— E você vive aqui... isolado...

— Preferi assim.
Notei que ele estava começando a ficar incomodado de falar de sua vida
íntima e nem precisou eu frear a língua, a companheira dele nos interrompeu.

— Oi... — Olhava para mim, com curiosidade, talvez querendo saber


quem eu era. Ela tinha um corpão de dar inveja. Os cabelos loiros longos e
bem lisos e usava uma camisa dele. Engoli em seco. Meu estômago deu
cambalhotas de agonia. Mas que merda...

— Oi. — Fiquei de pé e fingi limpar as coisas, levando a caneca para a


pia, para lavar.

— Estou com sede... — falou com Thadeo. — Você veio buscar a água.

— Ah, claro. Esqueci. — Ele abriu a geladeira, deu água para ela. Eu
continuei fingindo que estava limpando. Nenhum de nós fez questão de
apresentações e cumprimentos.

— Vamos. — Thadeo tocou nas costas dela, guiando-a para fora da


cozinha, como se tivesse pressa em tirá-la da minha frente. — Valeu pelo
chá, Gema.

— Por nada. — Observei eles saírem da cozinha e ela cochichar


perguntando: “Quem é?” e ele: “Copeira”.

Ótimo. Me resumiu a uma copeira. Tudo bem, isso era tão digno como
qualquer outra função. Eu não podia reclamar, tendo um teto, cama e até chá
durante a madrugada. Apaguei as luzes e fui para o meu quarto.

Thadeo Capello. Mas que coisa. Eu estava escondida na propriedade de


um herdeiro Capello. Tão fácil de ser encontrada e, ao mesmo tempo, tão
difícil já que ele era o irmão menos conhecido.
Enquanto o sono me abraçava devagarzinho, eu pensei nele sorrindo,
tomando chá comigo, sendo civilizado. Era uma boa imagem para embalar
meus sonhos. Ainda mais que estava gostoso de morrer, só de cueca boxer.
SETE
THADEO

Passou-se três dias desde que a noiva indesejada chegou às minhas


terras. Contra toda a minha vontade, Gema estava mudando a rotina da minha
casa. Com suas tiradas espertas, passos vacilantes, ainda mancando, e as saias
longas e estranhas, Gema se enraizava cada vez mais, e isso me deixava
inquieto.

Ela era a primeira que eu dividia a mesa das refeições e a primeira que
ainda não tinha tentado chamar minha atenção, todavia, com suas
imperfeições, ela me atraía de uma forma inexplicável. Não era mais apenas
Gioconda e eu, com papos monossilábicos. Eu acordava e, incrivelmente,
gostava de ouvir as vozes vindo da cozinha, que antes era tão silenciosa.

As provocações começavam, e eu ia para a labuta estranhamente


satisfeito, como se tivesse vencido um embate. E hoje, especialmente, ela me
acompanhou após o café, para conhecer a vindima, que é como se chama a
colheita de uvas.

— Vamos a cavalo — indiquei o animal enorme nos esperando.

— Quê? Não, mesmo. — Gema fez questão de discordar, como eu


imaginei que ia acontecer.

— Você está mancando mais que um Saci com unha encravada. Vamos
demorar uma eternidade para chegar lá a pé.

— Uau! Esse cavalo aqui parece ser mais civilizado que você.

— Com certeza. Ele é obediente e não dá coices como você — devolvi e


adorei ver a raiva envermelhar as bochechas dela.

— Você é intragável. — Ela virou-se, pronta para voltar para casa.

— Deixa de conversa fiada, mulher. Meu saco é grande, mas minha


paciência é bem pequena. — Interrompi seus passos, peguei-a no colo, não
dando-lhe a chance de protestar, e a coloquei sobre o cavalo.

— Me tira daqui, seu maluco... — Gema estava assustada, todavia,


segurando-se firme ao cavalo, com medo de cair. Ele estava sem sela e, por
isso, montei também, me acochado atrás de Gema. Ela se enrijeceu.

— É melhor se segurar, donzela — sussurrei em seu ouvido. Bati as


botas na barriga do cavalo, e ele galopou com toda velocidade em direção à
plantação.

— Meu Deus! Me ajuda, senhor! — ela berrava, segurando com força a


crina do cavalo. Logo atrás, eu gargalhava. Talvez eu precisasse de
tratamento psicológico, por ter ficado feliz em ver alguém gritar de pânico,
mas era bom dar a ela um pouco de adrenalina.

Fiz o cavalo correr mais rápido. Gema segurou com força em minha
coxa e continuou clamando aos céus, até chegarmos. Desmontei do cavalo,
rindo, e a tirei lá de cima. Ela estava igual a gelatina, tremendo mais que casa
velha, pálida que dava dó. Me encheu de tapas, assim que se viu segura no
chão.

— Você não tem permissão de fazer isso novamente. Ouviu bem?

Afastei-me de seus golpes irritados.

— E quais permissões eu tenho com você, donzela?

— Até o momento, nenhuma. Eu vou trabalhar para você e exijo


respeito. E tem mais, eu fugi para tentar ser livre e não para...

Sem pensar em nada, ou cogitar merda alguma, eu joguei a sanidade


pelas costas. Gema era muito bonita, e quando estava nervosa xingando, seu
rosto ficava vermelhinho e os lábios irresistíveis. Minha mão segurou no
maxilar dela, quase tampando-o por completo, e a puxei para um beijo,
obrigando-a se calar.
Os olhos verdes dela alcançaram um brilho intenso e estavam
arregalados. A cobri com meus braços, intensificando o beijo, que foi
progredindo, conforme ela relaxava e o permitia. Ah! Um gemido fraquinho
escapou de sua boca, e isso foi o suficiente para minha língua rolar solta em
sua boca. Era mais gostoso do que eu previra. Percebi que estava indo longe
demais, quando ela segurou com muita força em minha camisa e beijou-me
de volta. Me afastei, deixando-a atordoada.

Gema virou-se de costas para mim, com uma mão na boca e outra no
peito, muito ofegante.

— Por que fez isso?

— Para calar sua boca.

Ela girou nos calcanhares e apontou um dedo de alerta na minha cara.

— Não toque em uma mulher sem sua permissão. Regra básica.

— Ah, que coisa chata. Não pode mais nem dar um puxão e lascar o
beijo? Eu não estou com maldade com você.

— Eu previa que seria mesmo difícil um cavalo chucro, como você,


entender sobre civilidade.

Ela marchou à minha frente, indignada, mas muito mexida com o beijo.
Eu não sabia onde estava com a cabeça ao ter feito aquilo. Merda! Eu estava
mesmo com tesão por ela. Mas Gema não era mulher de pegar e mandar
embora no dia seguinte. Ela já estava com o coração partido pelo quase
casamento, e se eu desse vazão a meus desejos, só ia quebrá-lo mais ainda,
porque eu não poderei lhe oferecer mais que beijos roubados e fodas quentes.
Ela parou embaixo das parreiras e, de repente, sua raiva se dissipou.
Gema sorria encantada, olhando para as uvas acima.

— É lindo... — Olhou para mim.

— Eu sei. Minhas uvas são meus tesouros. Quer experimentar?

— Posso? — Os olhos brilharam.

Encontrei a tesoura, escolhi um cacho e o retirei com cuidado. Gema o


recebeu com intenso cuidado. Comeu uma uva e adorou, aparentemente.
Comeu outra e mais outra. Eu peguei uma e joguei na boca e ficamos como
dois bestas comendo uva e encarando um ao outro.

— Dá vontade de comer todas, não é? — Me virei, ao ouvir a voz de


Rodrigo.

— Deliciosas — Gema concordou. — Estou viciada.

— Gema, esse é Rodrigo, viticultor chefe. Ele vai te supervisionar e


mostrar como proceder na colheita.

— Olá. — Ela estendeu a mão para ele, cumprimentando-o.

— É muito simples. Você vai usar uma luva fofa para não agredir o
cacho no momento da colheita. E cortar o talo com essa tesoura.

— Sim. Estou lendo alguns livros que o Thadeo providenciou e já me


familiarizei com o básico.

— Ótimo. Hoje vamos começar a colher essas aqui. A merlot. Você


usará esse cesto acoplado ao seu corpo. Tem alças como a mochila. — Ele
pegou um cesto e se dispôs a ajudá-la a colocá-lo. — Lembre-se, nunca encha
demais. Para que as uvas de baixo não sofram com o peso das de cima.

— Tudo bem. Acho que consigo. — O cesto estava firme contra o peito
dela. Gema amarrou um lenço nos cabelos e me olhou.

— Obrigada pelo emprego.

Apenas assenti. Era incrível como ela conseguia mexer comigo, com um
visual tão simplório. Saia longa, lenço cobrindo os cabelos e cesto contra o
peito. Ela parecia tão frágil e, ao mesmo tempo, tão poderosa. Sorriu com
seus furinhos na bochecha, quando colheu o primeiro cacho de uva.

Mas que merda... Eu sempre gostei de mulheres com visual provocativo.


Roupas curtas, saltos, batons vermelhos. Me virei e saí dali, para cuidar de
outras coisas e me livrar desses pensamentos tolos.

O celular tocou e foi um bom subterfúgio para eu esquecer esse assunto.


Era um celular velho, pequeno, que eu carregava no bolso, apenas para
necessidades.

— Diga, Carmem.

— Você não vai adivinhar. Meu Deus, estou surtando.

— O que, mulher?

— Lembra que um pessoal estava planejando uma feira especializada


em vinho e uvas e que aconteceria em Belém?

Sim, eu lembrava. Inclusive tinha achado estranho e impossível, afinal,


essa parte do Brasil não é conhecida por ser fabricante de vinhos; eu era uma
exceção.
— Sim, lembro.

— Pois você acaba de conseguir uma vaga. E pelo que li, terá gente de
todo lado do país e até de fora.

— Puta que pariu. Sério?

— Sim! — gritou eufórica. — Pode escolher os melhores vinhos e uvas


e tem que sair depressa, para dar tempo de chegar lá e preparar tudo.

— Caralho! Eu não estou acreditando. — Enfiei as mãos nos cabelos e


andei desorientado.

— Pode acreditar. Comece a preparar tudo, daqui a pouco chego aí.

— Tudo bem. — Desliguei e dei um salto no ar, puto de felicidade.


Essas feiras eram minha oportunidade de mostrar a marca. Já tinha
participado em algumas no Rio Grande do sul e Santa Catarina, e essa, agora,
era novidade. Eu nem achava que ia conseguir uma vaga. Fui direto para a
adega. Ia escolher quais vinhos apresentar na exposição.

***

Às onze horas, voltei para buscar Gema para irmos almoçar. As uvas
tinham horário certo para serem colhidas, geralmente na parte da manhã.
Ainda mais nessa região, onde o clima era mais quente e, por isso, era
necessária atenção redobrada.

Mais uma vez, ela tentou evitar montar no cavalo, mas eu não concordei.
A peguei e a coloquei em cima do animal, segurei as rédeas e o conduzi
andando, puxando-o.
— Eu estou me sentindo ridícula aqui em cima, sentada, enquanto você
caminha, puxando o cavalo — Gema protestou. Eu só não queria acochá-la
novamente e agitar minha libido. Manter distância era minha prioridade.

— Você é a única pessoa que conheço que briga para andar. Ainda mais
com esse pé, praticamente quebrado.

Fez-se silêncio por alguns segundos e, então, ela falou:

— Sobre o beijo...

— Esqueça — a interrompi. — Não significou nada para mim também.


Foi só para te provocar. — Eu não ia esperar ela condenar novamente o
beijo, me colocando em uma situação vexatória. Nunca precisei mendigar
atenção de mulher e não era agora que eu ia fazer isso. Gema assentiu e não
tentou falar mais no assunto.

Chegamos em casa, ajudei-a a descer do cavalo e, nesse instante,


Gioconda veio ao nosso encontro. Parecia assustada.

— Tem um homem lá no portão, querendo entrar.

— Que homem? — questionei.

— Ele está acompanhado de uns engravatados e disse que procura a


noiva dele que desapareceu. — Gioconda e eu olhamos para Gema, e ela
estava apavorada. O rosto pálido e as mãos na boca. De repente, em um
impulso, agarrou meu braço.

— Por favor... não diga que eu estou aqui. Eu te imploro... Eu não quero
ter que me casar... E eu não quero falar com ele.

— Ei, calma. — Mantive a expressão intrigada e a afastei, queria olhar


em seus olhos — É sua chance de falar com ele que não vai voltar e que não
quer se casar.

— Não, Thadeo... você não entende. Meus pais vão vir aqui... e eu vou
acabar voltando e tendo que me casar. — A voz dela afogada em desespero
me tocou fundo, ao mesmo tempo que acendeu um pingo de desconfiança. —
Diga que não estou aqui... Diga que não viu ninguém vestida de noiva. É a
única coisa que te peço.

— Gema, você não pode tratar esse assunto dessa maneira...

— Eu sei. Eu sei que tenho que tomar uma atitude. Mas não agora. Eu
quero um tempo. Um tempo sozinha longe deles, me entenda, por favor.

— Tudo bem. Vá para dentro, vou lá falar com ele.

Gioconda a amparou, levando-a para dentro. Saltei sobre o cavalo e


cavalguei em direção ao portão. Os homens estavam lá. Vestiam terno e
pareciam proteger um deles, que devia ser o noivo.

Desci do cavalo e caminhei até eles.

— Dia, senhores.

— Bom dia. Você é o proprietário?

— Sou eu, sim. — Pela grade do portão, enfiei minha mão para
cumprimentá-lo. — Thadeo. Em que posso ajudar?

— Sou Luan Fernão. — Apertou minha mão. — Estou desolado,


apavorado... — Com um lenço, limpou os olhos que não tinham lágrima
nenhuma. A desconfiança me invadiu. — Minha noiva desapareceu. Ela
fugiu do nosso casamento e correu pela aquela mata ali atrás.
— Fugiu do casamento...? Por que isso?

— Ah... Ela tem problemas e precisa de cuidados especiais. Às vezes ela


surta e precisa tomar remédio controlado.

Hum... Havia algo muito errado nessa história. E após ouvir essas
mentiras, acabei de me convencer que ele não ia levar Gema para lugar
nenhum. Não antes de eu entender toda essa história.

— Entendo. Que barra você estava enfrentando, hein? — Dissimulei.

— Nem me fale. Estou desesperado.

— Então ela estava vestida de noiva? Dentro da mata?

— Isso. E como essa é a propriedade mais próxima, tive a esperança de


que ela pudesse ter vindo para cá.

— Não. Aqui não chegou ninguém. — Sustentei o olhar dele. — Que


dia foi isso?

— Sábado passado. Tem três dias hoje.

— Não vi nada, desculpe. Ela pode ter seguido a trilha e parado naquela
estrada que leva à cidade.

— É. Eu pensei sobre isso. — Ele não parecia convencido e tentava ver


dentro da propriedade, por cima do meu ombro — De qualquer forma,
obrigado pela atenção.

— Tem um número para eu entrar em contato? Caso veja algo? — falei


fortalecendo minha mentira.

— Claro. Aqui está. — Tirou um cartão do bolso e me entregou. Acenou


um “até logo” e foi embora com os homens engravatados.

***

— Você vai me contar toda essa historia de fuga. — Entreguei a Gema o


cartão que Luan me deu. Ela estava aflita, na verdade, aterrorizada, sentada
no sofá, e Gioconda ao lado dela, com um copo de água. Recebeu o cartão e
engoliu em seco ao ver o nome. Não parecia só um cara que queria se casar
contra a vontade, tinha mais caroço nesse angu.

— Ele... tem negócios com meu pai. Ele sempre me quis. — Gema
levantou os olhos para mim e me surpreendi ao vê-los encharcados. — É uma
obsessão, é algo comigo que eu não sei explicar. Quer que eu vá embora de
sua casa?

— Arrume suas coisas...

— Thadeo... — Pulou do sofá. —, só mais um dia...

— Calma. Não vou te colocar para fora. Você vai viajar comigo.

— Vou? Para onde?

— Para uma feira de vinhos em Belém. Você pode vir comigo, caso ele
volte...

Ela animou-se, mas se entristeceu com a mesma rapidez.

— Eu não posso... Não tenho documento nenhum comigo.

— Tudo bem. Enfrentaremos horas e mais horas de carro.


Antes de eu terminar, ela me cobriu com um abraço. Eu fiquei sem
reação, paralisado. Ela se afastou rápido e o seu semblante já estava
mudando. Agora era como uma criança que ganhou um brinquedo novo.

— Eu vou adorar ir. Claro que quero ir. Eu vou preparar minhas coisas.

Mas que bela merda! Por que eu fui convidá-la? Até hoje cedo a gente
não se bicava.

— Ah, Gioca, que merda eu fui fazer? — Joguei os cabelos para trás,
usando as duas mãos, e sentei-me no sofá quando Gema saiu da sala.

— Em anos que moro aqui, essa é a primeira vez que vejo você ser
impulsivo de uma forma positiva. Estou feliz que vá tirá-la daqui por esses
dias, aquele cara não pareceu boa gente.

— É. Para mim também não. Só estou pensando como vou falar com
Carmem que não iremos mais de avião.

***

E quando Carmem chegou, eu já tinha a notícia que ela odiou logo de


cara.

— Você está louco? Como assim vai levar uma empregada? É a


oportunidade de sua vida, Thadeo.

— Eu sei, mas Gema está com problemas, e eu decidi que ela vai com a
gente.
— Que problemas? — Carmem me analisava, de olhos arregalados,
completamente incrédula com minha decisão.

— Depois eu te conto. Só preciso que cancele nossas passagens aéreas.


Vou de carro.

Ela gargalhou e me fitou desacreditada.

— Você está louco. Eu comprei nossas passagens na primeira classe. E


agora quer gastar umas quinze horas de carro até o estado ao lado?

Eu não ia contar a ela o motivo. Gema estava sem documentos e não


passaria em um aeroporto.

— Isso mesmo. Já está decidido. Não estou a fim de ir de avião.

— Pois eu vou na primeira classe, e você vai pagar. — Pegou a bolsa


sobre o sofá e saiu pisando duro. Eu bufei revoltado e subi as escadas para
arrumar minha mala. Por que mulheres eram tão difíceis?

Essa viagem ia ser um tormento na minha vida.


OITO
GEMA

Me manter em movimento. Sempre em fuga, para Luan não me


alcançar. Havia inúmeros motivos para eu recusar estar ao lado de Thadeo
pelos próximos dias, principalmente por causa do beijo que ele me roubara
mais cedo. Todavia, qualquer coisa era melhor que ser encontrada por aquela
gangue. Thadeo ficaria puto quando soubesse que eu menti sobre o
casamento? Certamente. Mas quando esse dia chegasse, eu já estaria bem
longe da vinícola dele.

Eu me mantinha informada pelo noticiário. Como meu pai estava


envolvido em um julgamento importante que se aproximava, sempre tinha
notícias sobre ele e os outros procuradores.

E as perguntas internas só aumentavam: o que Luan queria comigo? Por


que ele ainda procurava por mim? E por que meu pai parecia agir com
naturalidade, enquanto eu ainda estava desaparecida?

Gioconda trouxe uma bolsa pequena para mim, e foi suficiente para eu
organizar as poucas roupas que agora eu tinha. Saí do quarto carregando a
bolsa e encontrei Thadeo na sala, gato de doer, falando ao celular.

Os cabelos soltos belamente combinando com a barba cheia, mas


aparada. Meus lábios arderam com a lembrança do beijo mais cedo. Canalha!
Ele não tinha que ter me pegado daquela forma, porque agora eu sabia
exatamente como era estar em seus braços, provando de um beijo do chucro.

Era um cavalo chucro, mas beijava bem pra cacete.

— Pronta? — Ele desligou a chamada e me olhou. Estudou meu corpo, e


tive a impressão de que ele se decepcionara por me ver do mesmo jeito,
usando saia longa que tampava os pés. Eu não ligava nem um pouco.

— Estou.

— Ótimo. Ele passou os dedos nos cabelos, colocou um par de óculos


escuro — puta merda, eu ia sofrer — pegou minha bolsa e saiu. Eu acenei
para Gioconda e o segui. Não sabia o que faria durante horas a fio, sozinha
com ele em um carro, mas coragem não me faltava.
Saímos da propriedade e, em minutos, estávamos nos dirigindo para fora
da cidade. Olhei para trás, saboreando a imagem da cidade que ficava mais
distante. Pelo menos eu estaria despreocupada nos próximos dias.

Escondi meu pé, sentando-me sobre ele no banco. Thadeo, concentrado,


pensando só Deus sabia sobre o quê. Por outro lado, eu não conseguia parar
de pensar no beijo. Ele tinha feito aquilo só para me provocar mesmo? Quase
cheguei a pensar que despertara algo nele.

Que se dane se ele não me quer. — Dei de ombros, fazendo questão de


esnobá-lo em pensamento. — Eu também não queria homem nesse momento.
Ele era um pervertido chucro que gosta de outro tipo de mulher.

— Está conversando sozinha, em pensamento?

— Oi?

— Está aí fazendo caretas e dando de ombros.

— Divagações. Não sabia que produziam vinho em Belém do Pará.

— E não produzem. Alguns empresários estão orquestrando essa feira.


A primeira que terá lá.

— Hum... entendi. Os vinhos e uvas estão aí atrás? — Apontei para a


caçamba da pick-up. Era uma Hilux na cor preta, confortável e nova. Ele
parecia não usar muito. Talvez quando saísse para procurar mulheres na
noite.

— Sim. Estão aí. Escolhi minhas melhores safras.

— Você não costuma fazer isso? Participar de feiras, eventos, sei lá,
qualquer coisa que te traga divulgação?
Thadeo ponderou fazendo um bico, escolhendo as palavras.

— Muitas coisas aconteceram. Sempre o azar me acompanhava, sempre


tinha um empecilho, e eu acabava enfiando o pé na jaca. Depois disso,
começaram a barrar meu nome nesses lugares. Eu me inscrevia e não era
aceito. Fiquei muito tempo esquecido, com fama de maluco.

— Sério? Isso é estranho... Será que não existe alguém fazendo um


boicote por trás?

— Já pensei sobre isso. Aqui nessa região não há muitos vinicultores, e


as poucas marcas famosas que têm no Brasil, não querem concorrência. Mas
logo contra mim, um peixe pequeno?

— Gioconda disse que seu vinho já foi referência em outros países.

— Quando era produzido pelo meu avô. A vinícola ficou para minha
mãe e... bom, não foi culpa dela que tenha entrado em decadência.

— Mas seu pai é um dos homens mais famosos aqui... Estou tentando
dizer que você poderia...

— Usar o nome do meu pai? Sei. É o que todos me dizem. É o que meus
irmãos sempre falam, e é o que o velho quer. Mas eu não deixarei que ele
leve os créditos.

— Sua família não te apoia?

— Eles me acham louco, por insistir em ressuscitar a vinícola.

— Thadeo, você não precisa ressuscitar nada. Sua vinícola é linda, as


uvas incríveis e o vinho muito bom. O que temos que fazer é mostrar isso ao
povo.
— Temos? — Ele sorriu de lado, me fazendo perceber o que eu tinha
dito. Merda! Acabei de me incluir em algo que pertencia a ele apenas.

— Desculpa. Me empolguei. Você é que tem que fazer.

— É o que tento há nove anos, Gema.

Assenti, encarando-o. Eu senti pena dele. Apesar de ser esse chucro, do


tipo caipira, Thadeo era um homem do bem, que dava um duro danado para
realizar o seu sonho. Como não ter empatia por alguém que luta por seus
sonhos?

Viajamos por umas duas ou três horas. Eu acabei dormindo e acordei


com o carro parando no acostamento e, para meu espanto, Thadeo bateu a
porta, saindo do carro. O dia estava findando. O sol caminhava para se
esconder atrás das montanhas. Bocejei, ajeitei os cabelos, me olhando no
retrovisor, e desci do carro, para saber o que tinha acontecido.

Estávamos no meio do nada. Será que tinha furado um pneu?

— Thadeo? — Dei a volta no carro e, para meu horror, o vi de costas,


urinando. Virei o rosto, mesmo não podendo ver nada.

— O que está fazendo? — gritei.

— Mijando, não é obvio?

— Não dava para parar em um posto? — Eu já estava irritada.

— Não. Queria mijar agora. — Terminou, balançou o pinto e virou-se


na minha direção, abotoando a braguilha. — Se tiver apertada, é melhor fazer
logo. Só vou parar daqui a duas horas.
— Quer que eu urine no mato? — Minha voz saiu mais horrorizada do
que eu gostaria.

— Sim, qual o problema?

— Você só pode estar zoando com minha cara. Eu sou uma mulher,
preciso ao menos me agachar...

— E daí? Eu viajava uma vez, tive uma dor de barriga e me agachei


numa boa no mato. — Ele abriu a porta de passageiro do carro, pegou algo e
jogou para mim. Era um rolo de papel higiênico. — Faz aqui na beira do
asfalto mesmo, não precisa ir ao mato. Prometo não olhar.

O pior é que eu estava realmente muito apertada para fazer xixi. Esse
imbecil ia me pagar caro. Olhei em volta, encontrei um arbusto afastado da
pista e segui para lá. Ouvi, às minhas costas, o relincho de Thadeo e apenas o
ignorei. Cavalo dos infernos.

Analisei o ambiente, tremendo, com medo de cobra, me abaixei, desci a


calcinha e quando levantei o rosto, Thadeo tomava algo em um copo
descartável, olhando em minha direção.

— Tem medo de sucuri, Gema?

— Não te interessa. Vira para lá!

— Não tem nada aí que eu nunca tenha visto. — Fez questão de frisar,
antes de se virar.

— Idiota. — Foi o xixi mais rápido que fiz em toda minha vida.
Terminei e saí ilesa do arbusto. Cheguei perto do carro, e ele me entregou um
copo descartável com café.
— Café. Gioconda fez. — Pegou um saco de biscoito de polvilho e
passou para mim.

— Não. Eu quero daquele. — Peguei outro saquinho, abri e enchi a mão


de biscoito.

— Por quê?

— Porque você estava ainda há pouco pegando na rola e nem lavou as


mãos.

— Onde eu vou lavar as mãos aqui?

— Não sei. Já que gosta de parar no meio do asfalto, você que dê seus
pulos.

Thadeo ignorou minha crítica, ficou por um tempo olhando o sol se pôr.
A vista era mesmo muito bonita, tanto o sol poente como ele de costas. Olhei
a curva de sua bunda dentro do jeans e abanei a cabeça, repreendendo minha
mente maliciosa.

— Vamos? — Thadeo entrou no carro, e eu o segui. — Gosta de


música? Perguntou, já mexendo no painel do carro.

— Não sei. Que tipo de música tem aí?

— Uns modões antigos. — A música começou com um timbre tipo


seresta, bem antigo.

Franzi o cenho, assistindo-o cantar, acompanhando a música. Thadeo


cantava e tamborilava os dedos. Ainda não o tinha visto tão espontâneo e
feliz. A carranca de cavalo tinha ficado para trás.
"Daquele momento até hoje esperei
Você"

— Canta, Gema.

"Daquele maldito momento até hoje


Só você"

— Eu não sei. Vamos para a próxima. — Toquei no botão e a próxima


começou.

"Em vez de você ficar pensando nele."

— Aaah, que sofrimento, meu pai — berrei, batendo palmas. — Anos


noventa botando para quebrar.

— Nasceu em que ano? — ele perguntou.

— Oitenta e sete.

— Ora, ora. Trinta e três anos, da minha idade.

— Sério? Que legal. Interessante que eu pareço bem mais novinha...

— Você que pensa. Estou no auge, gostosão da porra.

Gargalhei e trocamos um olhar cúmplice, enquanto sorríamos. Mas que


coisa...
Voltamos a encarar a estrada. Ele tamborilando os dedos, e eu cantando
baixinho:

"Vamos pegar o primeiro avião, com destino à felicidade, a felicidade,


pra mim é você."

***

A viagem foi muito cansativa, como já imaginávamos. Chegamos de


madrugada, pois durou aproximadamente dez horas, e paramos algumas
vezes durante o percurso. Todavia, compensou o esforço. Belém, mesmo à
noite, era linda. Sem falar no clima delicioso, nublado. Encantei-me com a
visão das águas doces que banhavam a cidade e os barquinhos aportados. Eu
nunca tinha viajado para tão longe, sempre fui muito caseira, e não cansei de
agradecer Thadeo, em pensamento, pela oportunidade.

O hotel onde Carmem fez as reservas era exuberante e ficava em uma


área de vista espetacular. Tinha certeza de que amanhã, com sol, eu
presenciaria uma apaixonante paisagem. Naquele momento, eu só queria
esticar as pernas e dormir em uma cama aconchegante. Thadeo levou o carro
para o estacionamento privativo do hotel e depois foi ao balcão fazer o check-
in, e eu sentei-me no lobby, massageando minha perna discretamente.

Carmem não veio receber a gente, pois já passava das duas da manhã, e
ela já devia estar dormindo. Thadeo pegou nossas malas e caminhamos para o
elevador.
— Tem certeza de que o pé está bem? Podemos ir amanhã à emergência.
— Ele propôs, olhando meu pé escondido pela saia.

— Está sim. Vou ficar bem. Nada como uma noite de sono.

— Tem razão. — Entramos no elevador e, junto com a gente, um clima


bem pesado. Era estranho estar lá dentro, em silêncio, vendo os números dos
andares passarem. Sobrevivemos aos segundos dentro do elevador e andamos
pelo corredor silencioso até uma porta no final.

— Um único quarto?

— Carmem reservou apenas um para ela e eu. — Ele passou o cartão e a


porta se abriu — Consegui esse aqui por sorte. Era o último.

— Você pode ir dormir com ela...

— Entra logo, Gema. Tô doido para arrancar essa roupa e dormir.

Era desesperador o fato de ter que dividir um quarto com um homem


que, até dias atrás, era um estranho para mim. Mas eu estava aqui de favor,
não tinha dinheiro nem para uma bala. Decidi não brigar. Entrei com ele, mas
quando acendeu as luzes e eu vi uma única cama grande, quase voltei
correndo.

— O quê houve? Viu um bicho? — Com as sobrancelhas erguidas, me


encarou.

— Uma única cama? Pediu um quarto de casal?

— Qual a parte de "o último disponível" você não entendeu? — Thadeo


jogou as malas no chão e olhou o ambiente. Era um quarto muito bonito e
romântico. Senti o temor envolver meu corpo e alma.
— Você dorme no chão — estipulei, e ele gargalhou.

— Dirigi por onze horas, a única coisa que quero e essa cama gostosa.
Para de conversa e vai se aprontar.

— Quer que eu durma no chão?

— Geminha. — Segurou nos meus ombros. — É uma cama de casal,


que cabe duas ou mais pessoas. Eu digo isso, porque a minha lá em casa já
coube cinco, sendo quatro homens e uma mulher.

— Porco pervertido. — Dei um tapa na mão dele e me afastei. — Vou


escolher minha roupa de dormir, pode ir você tomar banho.

Ele deu de ombros, tirou as botas, jogou a carteira, celular e chaves no


criado mudo e foi para o banheiro. Cansada para levantar uma batalha, sentei-
me na cama com as mãos nos cabelos. Uma noite com esse troglodita gostoso
dos infernos... Eu estava desenvolvendo um franco por Thadeo em uma
velocidade espantosa. Nunca tinha ficado assim por homem, eu não me
reconhecia. E depois do beijo que ele deu, as emoções ficaram mais
afloradas. Eu sentia sua pegada e seu gosto a todo momento.

Era melhor eu contar logo para ele sobre minha deficiência, se


descobrisse por conta própria, poderia me acusar de o estar enganando.

Nesse meio tempo, pensei na minha família, e meu coração apertou.


Luan ainda me procurava, e isso era um bom sinal. Eles estavam bem. Liguei
a televisão do quarto, na esperança de ver algo, mas já era madrugada, não
havia noticiários e, além de estarmos em outro estado, as eram notícias locais.

Thadeo foi rápido no banheiro e, quando saiu, não pude ser indiferente.
Tentei ignorar, mas lá estavam meus olhos presos em seu corpo
absurdamente bonito. Ele tinha músculos bem esculpidos, barriga trincada e
braços fortes apolíneos. Tudo isso fruto de trabalho braçal e de treinamentos
em um galpão que ele mesmo construiu com pneus de trator, pesos de
cimentos, cordas e outas bugigangas.

O corpão todo molhado, meu Deus, me dê forças.

— Sua vez — falou e foi pegar roupa na mala. Corri para o banheiro e
tranquei a porta. Me olhei no espelho. Estava um horror. Os cabelos
assanhados e o rosto com sinais de cansaço e preocupação.

Tomei um banho rápido, vesti a camisola e o robe roxo de Gioconda e


espiei o quarto. Thadeo estava deitado só de cueca, sem se cobrir.

Respirei fundo, tomando coragem, saí do banheiro e fui direto no


interruptor próximo à cama. Apaguei a luz.

Merda, ele estava muito cheiroso.

— Mantenha distância, por favor — avisei.

— Fala isso, mas se eu te pegar, vai se derreter toda.

— Canalha. — Cuspi o xingamento, e ele riu. Estar ao lado dele no


escuro, na mesma cama, não era tão ruim. Eu sentia sua presença, seu calor
bem próximo, mas tinha confiança, mesmo ele sendo um cavalo a maior parte
do tempo. Thadeo jamais faria algo comigo que eu não quisesse.

Ele quebrou o silêncio falando:

— Não eram cinco pessoas fazendo putaria na minha cama.

— Como?
— Eram meus irmãos. — Sua voz era baixa, quase se entregando ao
sono e, ainda assim, eu sentia um toque de nostalgia. — Eu, Fernando,
Benjamin, Andrey e Stela. Recriamos uma foto de quando éramos pequenos.

— Gostaria de ver essa foto.

— Foi ano passado. Às vezes, tenho saudade deles... e queria ficar perto.
Mas a vontade de cumprir a promessa... é maior.

— Que promessa?

Silêncio.

— Thadeo?

Silêncio. Ele tinha caído no sono no meio da conversa. Talvez por isso
tenha desabafado, pois a consciência estava entrando em letargia. Apoiei-me
no cotovelo, observando sua silhueta no escuro. O que um homem tão bruto e
fechado guardava dentro de si? Parecia tão sensível e desprotegido...
NOVE
THADEO

E não é que eu agarrei Gema enquanto dormíamos? Acordei


naturalmente, uma vez que não costumo dormir muito, e flagrei-me
aninhando-a em meus braços, em uma clássica conchinha. Ela dormia
tranquilamente, e creio que estava tão cansada que nem percebeu.
Afastei-me devagar, tendo cuidado de não acordá-la, cobri seu corpo
com o lençol, observando como era delicada, encolhida dormindo. Nem
parecia a fogo-nas-ventas que me peitava. Joguei as pernas para fora da cama
e me espreguicei. No celular marcava sete horas da manhã. Ainda sentado na
cama, ouvi batidas na porta e, em seguida, meu celular tocou. Carmem.

Levantei e fui abrir a porta. Ela não estava com a melhor das expressões.
De braços cruzados e batendo o pé. Como se eu devesse uma explicação —
pelo menos na mente dela, eu devia.

— Chegou de madrugada, não me avisou e ainda pegou outro quarto? —


interrogou, sem esperar qualquer reação da minha parte. — Eu fiquei horas
esperando você lá no quarto.

— Não encha meu saco. Eu não queria te perturbar, achei que já


estivesse dormindo. Desço em um minuto para a gente planejar sobre...

— É assim que me responde? Tínhamos um trato, Thadeo.

— O trato está cumprido, Carmem. Estou aqui, iremos à feira como


planejamos.

Revoltada, empurrou a porta, passou por mim em um rompante e parou


no meio do quarto, vendo Gema dormir.

— É isso que é seu trato? Enquanto eu me fodo resolvendo a burocracia,


você brinca de casinha com uma empregada?

— Que caralho! — Esfreguei minhas mãos no rosto, puto e impaciente.


— Você está confundindo as coisas.

— Torça para eu não lavar minhas mãos em relação a seus vinhos.


Torça. — Ela saiu batendo a porta, com violência, e, por causa do barulho,
Gema pulou da cama, sentando-se e cobrindo-se com o lençol, em um gesto
automático e defensivo.

— O que houve?

Merda. Ela estava linda dormindo e com os cabelos soltos.

— Era só o serviço de quarto. Pula da cama, o dia começou. —


Caminhei para o banheiro, ajeitando o pau na cueca, só então lembrando que
eu estava com uma bela ereção matinal.

Gema e eu saímos do quarto e fomos direto para o restaurante do hotel.

— Dormiu bem? — perguntei a ela, enquanto descíamos pelo elevador.

— Muito bem. — Ela sorriu, enrubescendo, me fazendo pensar se ela


percebera que eu a abracei durante a noite e decidira deixar rolar e continuar
dormindo. Na verdade, o que me encucava era: Gema teria algum interesse
em mim? Ela pareceu receptiva quando a beijei, mas era arisca comigo a
maior parte do tempo. Não tinha como saber. A não ser que eu a beijasse
novamente, para tirar a dúvida.

A porta do elevador se abriu, e eu afastei da mente essa ideia.


Caminhamos para o restaurante, ela ainda mancando muito. Isso já estava me
preocupando.

Carmem estava na mesa de buffet, escolhendo o que comer. Gema não


demostrou insegurança, ficou ao meu lado o tempo todo e encarou Carmem
bem nos olhos.

— Bom dia, Carmem. — Cumprimentou e ganhou apenas um aceno de


queixo como resposta. Carmem afastou-se, deixando nós dois perto da mesa.

— Gema, pode se servir. Olha ali, tem ovos estrelados.

— E o que tem a ver?

— Gema não gosta de gema? — Ela riu, balançando a cabeça,


certamente me vendo como um completo besta. Peguei uma bandeja, escolhi
o que queria e fui me sentar à mesa com elas. Carmem tomava cappuccino
com duas torradas e uma maçã; Gema, uma xícara de café, biscoitos e um
pãozinho e queijo fresco para acompanhar, e eu uma montanha com tudo que
coube na bandeja.

— Você mata qualquer um de vergonha — Carmem murmurou. —


Parece que está passando fome.

— Olha meu tamanho, preciso de muita energia.

Ela sorriu, não para mim, mas para Gema.

— Então, Gema, me conte o que de tão especial você faz, para ser
contratada em um dia e no outro já viajar com o patrão, com direito a dividir
a cama com ele?

— Carmem — adverti. Ela nem olhou para mim. Gema ficou


ruborizada.

— Eu, como advogada, jamais vi isso no meio trabalhista... Talvez seja


uma modalidade diferente de trabalho.

— Eu não sei o que você está insinuando, mas o Thadeo sabe os meus
motivos, é o que basta. — Gema foi bastante educada, o que me deixou
aliviado.
— E não te incomoda? — Carmem fingiu perplexidade. — Transparecer
que fornece um tipo diferente de serviço?

— Você está quase dizendo que eu sou a prostituta dele. Não, não sou.
Thadeo é um homem muito atraente e não seria difícil realizar esses serviços
para ele. Mas disso você já sabe.

Olhei incrédulo para Germânia, por causa da declaração dela. Então a


sujeita me achava muito atraente?

Carmem não estava disposta a ceder. Cruzou os dedos embaixo do


queixo e sorriu com cinismo.

— Quem na verdade é você e o que foi fazer na vinícola? Meu cliente é


bobo demais para investigar, todavia, é muito estranho que apareça da noite
para o dia e conquiste o coração dele.

— Eu conquistei seu coração? — Gema me olhou, entrando no jogo de


Carmem.

— Carmem sabe das coisas. — Limpei a boca. — Se ela está dizendo, é


porque conquistou. — Debochei. Gema arregalou os olhos, encenando
perfeitamente.

— Nossa. Juro que não estava preparada para essa conquista. Nem tenho
roupa para esse evento.

— Você deveria ficar de olhos bem abertos, seu bobo — Carmem me


avisou. — Ela pode ser uma espiã. — Carmem pegou apenas a maçã e se
levantou da mesa, com brusquidão.

— Não ligue para ela — murmurei, voltando a atenção para meu


banquete.

— Eu não ligo. Sou calejada em insultos. Minhas irmãs nunca foram


muito legais comigo.

— Tem irmãs?

— Sim, gêmeas. Estão com vinte e cinco anos.

— E não poderia ser uma delas se casando forçada?

— Como? — As sobrancelhas dela se ergueram.

— Seu casamento forçado. Não poderia ser uma delas?

— Er... Pois é. — Quase deixou a xícara cair. — Sim... Mas são


comprometidas.

Era impressão minha ou ela ficou instantaneamente desconcertada com


o assunto? Eu estava cada vez mais desconfiado.

— Ah, certo. — Assenti.

Terminamos o café e fomos direto para o local onde aconteceria a feira.


Carmem e eu já tínhamos planejado tudo com antecedência, e agora que fui
aceito no evento, tudo estava pronto. Placa, banners, panfletos, vinhos, tudo.
Sem falar que eu estava trazendo, muito bem protegidas, as minhas novas
criações, as uvas Cabernet Sauvignon.

— Esse é o espaço para você montar o seu stand. — A organizadora do


evento me indicou o local. Não era um bom lugar, no campo visível, como os
dos outros mais famosos, todavia, não era tão ruim. Não ficava próximo aos
banheiros, como o de um cara que teve esse azar e estava lá fazendo
escândalo, dizendo que não ia expor seus vinhos próximos aos banheiros.

— Tudo bem, podemos fazer a melhor apresentação, é o que conta.


Divulgação é a alma do negócio. Não sei se você sabe, mas eu me formei em
publicidade e marketing. — Gema foi a primeira a se animar.

— Sério? — Gema estava tão exultante e otimista, a ponto de parecer


realmente se importava com meus sonhos.

Ou ela se importava mesmo?

— Queridinha, ele e eu já temos tudo planejado — Carmem


interrompeu. — Se quer ajudar, carregue essas caixas.

— Carmem, por favor... — adverti, e Gema fez sinal para eu não me


preocupar. E fez o que Carmem ordenou, foi abrir as caixas. Ela pegou uma
garrafa e olhou o rótulo. Aproximei-me.

— D’Mattos. — Ela leu e imediatamente me fitou, buscando explicação


para o nome do vinho.

— Mattos era o sobrenome do meu avô e da minha mãe — falei.

— É um nome elegante. Você tem esse sobrenome?

— Sim. Interessante que todos conhecem meus irmãos e eu apenas


como Capello. Mattos ficou esquecido...

— Não precisa do Capello aqui. Eu acho que você poderia fazer um


rótulo mais sofisticado. Não que este esteja ruim, mas esta ilustração de uma
vinícola está meio ultrapassada.

— E o que sugere?
— Um brasão. Já pensou nisso? Crie um brasão de sua família e escreva
D’Mattos logo abaixo, em um fundo preto, com letras douradas.

— Imaginando, parece coisa cara.

— Sim. Isso mesmo. Precisa parecer tão fino quanto na verdade são os
seus vinhos. Esse merlot suave deveria estar sendo servido em hotéis e
restaurantes de cinco estrelas.

Sorri de boca fechada, encarando-a.

— O quê?

— Seu elogio. Gosto quando elogia meus vinhos.

— Todo mundo os elogia. — Carmem passou, arrancou a garrafa das


mãos de Gema e colocou na mesa já arrumada.

Gema apenas respirou fundo e afastou-se, indo ajudar a descarregar as


caixas. Dois ajudantes pregavam a placa com o nome do vinho acima do
stand.

***

O evento começou às duas da tarde. Eu estava lá embaixo, no lobby do


hotel com Carmem, esperando Gema descer. Estava ansioso para começar
logo e torcer para que alguém experimentasse o vinho e decidisse investir. Eu
precisava de um empurrão, para entrar no mercado.

— Eu ainda descubro por que você trouxe essa mulher. — Carmem


resmungou ao meu lado. Tão linda e elegante como sempre. Saltos
altíssimos, batom vermelho e terninho preto. Mas minha atenção de repente
ficou presa a outro lugar. As portas do elevador se abriram e Gema saiu. Ela
parou e olhou em volta e quando me viu. Acenou, sorrindo meio acanhada.

Ela usava um vestido com estampa de flores, ainda longo, entretanto,


muito mais bonito que as saias ridículas estilo cigana. O vestido marcava sua
cintura e o decote mostrava a insinuação dos seios. Os cabelos presos por
uma tiara no alto da cabeça.

Ela deu o primeiro passo, mancando e sua beleza singular era tamanha
que o fato de mancar tornava-se um mínimo detalhe.

— Por que ela manca igual a uma mula? — Carmem cochichou ao meu
lado.

— Torceu o tornozelo. Para de azucrinar ela.

— Vamos? — Gema falou ao aproximar-se.

— Venha, segure-se no meu braço. — Estendi o braço para ela. —


Ainda está mancando...

Isso a pegou de surpresa e desprevenida. Ela pareceu um pouco mais


acanhada, entretanto, depois de olhar para Carmem, aceitou minha oferta.
Segurou no meu braço e seguimos para o carro.

***

— Os jurados começarão a passar às seis da tarde para a degustação dos


vinhos. Estejam prontos. — Uma mulher avisava em todas as tendas. Atrás
da mesa de vinhos, eu e as duas mulheres esperávamos por visitantes. Um
grande fracasso, era o que estava sendo. Poucas pessoas apareceram em meu
stand.

Meu coração não parou quieto um segundo. Eu estava suando pra


caralho, já havia bebido quase dois litros de água, na tentativa de molhar a
boca seca, e tinha caminhado muito no pequeno espaço.

Era a porra da minha chance. Se eu saísse daqui com uma péssima


reputação, poderia fechar a vinícola. Ninguém mais iria querer esse vinho. As
pessoas passavam, Carmem servia vinho, e não pareciam gostar muito.

— Calma, quando os jurados passarem, eles vão adorar, porque são


profissionais que entendem de vinho. — Gema tentava me acalmar. —Olha
só, vamos fazer um brinde. Ela pegou uma garrafa já aberta, serviu em dois
copos descartáveis, me deu um e ficou com o outro.

— Que essa noite possa ser o primeiro degrau de seu sucesso. — Os


olhos verdes brilharam me contagiando. — Eu acredito.

— Eu também. — Bati o copo no dela e viramos na boca. Delicioso.


Modéstia à parte, era o melhor vinho que estava exposto aqui. A raiva me
dominou. Por que ninguém o queria?

— Obrigado. — Sussurrei para Gema. — Pelo apoio moral e otimismo.

Ela apenas assentiu. Também estava muito nervosa, como se fosse algo
muito importante para ela.

Quando a degustação dos jurados começou, eu fiquei praticamente em


pânico. Não queria nem olhar. Na verdade, quis correr dali e nem ver. Eu
queria tanto escutar elogios de quem entendesse do assunto.
Eram três homens e duas mulheres. Eles se aproximaram, sempre se
portando com neutralidade. Ouviram com atenção tudo que eu contei,
pareceram interessados na minha história e na produção de uvas da vinícola.
Passei um vídeo mostrando a plantação, a colheita das uvas e a adega.
Estavam atentos, sempre anotando no caderninho. Provaram as uvas, e pude
ver um breve sorrisinho nos lábios deles. Eles gostaram.

— Aqui o vinho. — Eu entreguei uma taça a uma mulher, ela cheirou,


fez uma careta, colocou na boca e imediatamente cuspiu dentro da taça.

Carmem colocou as mãos na boca, e Gema ficou horrorizada e, em um


impulso, na frente de todos, ela pegou uma das garrafas sobre a mesa,
despejou em um copo descartável e bebeu. Arregalou os olhos para mim e,
em uma reação destrambelhada, sem pensar, bateu a mão com toda força na
taça do segundo jurado, antes que ele colocasse na boca.

— Gema! — berrei.

— Mas que... merda. — Carmem injuriou-se no mesmo instante. Os


jurados estavam chocados. Havia vinho por todo lugar.

— Acabamos aqui essa degustação. — O jurado tinha vinho respingado


em toda camisa e estava bem puto, mesmo mantendo a postura.

— Não! Senhor... por favor. — Saí de detrás da mesa e corri atrás dele.
— Por favor, me dê mais uma chance. Eu te peço... Ela é só uma
funcionaria...

— Arrumasse funcionários mais qualificados. Isso é uma competição


séria. Sua nota será revelada amanhã. — Virou-se e foi em direção a outro
stand.
Enfiei as mãos nos cabelos, completamente fodido. O fracasso
novamente me abraçou... Igual a todas as vezes que tentei participar desses
eventos. Voltei para o meu stand com fúria nos olhos. Carmem discutia com
Gema, e ela estava pálida, havia medo em seus olhos quando eles pousaram
em mim.

— Thadeo... — Veio em minha direção.

— Saia da minha frente agora, Germânia! Olha o que você fez! Fodeu
com minha vida.

— Eu avisei! Mande essa mulher ir embora agora, enquanto é tempo —


Carmem gritava.

— Thadeo... — Gema insistiu segurando minha roupa — Não era seu


vinho. Experimente... Eles não estavam degustando seu vinho. Veja. — Ela
insistiu, com um copo na minha cara. Sua mão tremia muito.

Arranquei o copo da mão de Gema e bebi. Um gosto horrível de vinagre


tomou conta da minha boca. Cuspi na mesma hora.

Na verdade, Gema tinha salvado minha pele. Alguém sabotara meus


vinhos.
DEZ
THADEO

Não fiz questão de esconder minha fúria, enquanto verificava as caixas


de vinho. Foram duas caixas sabotadas. As outras estavam intactas.

— Precisamos chamar a polícia, agora — Carmem incentivou. Ela


estava certa. Algo deveria ser feito, eu não ia perder mais uma vez assim, de
bobeira. Eu me preparei para esse momento e ia lutar até as últimas
consequências. Mas se eu fosse à procura de autoridades poderia ser tarde
demais. O evento acabava amanhã, e tinha que fazer algo a respeito agora.

— No hotel deve ter câmeras de segurança — Gema opinou, ainda


tensa, como se estivesse com medo de mim. — Você pode ver quem mexeu
no carro durante a noite.

Sim, fazia sentido. Com certeza a pessoa mexeu nos vinhos durante essa
madrugada. Afinal, na minha vinícola, não pode ter sido, todos lá eram de
confiança.

Um impulso me tomou. Eu tinha que agir nesse minuto.

— Vocês ficam aqui tomando conta, irei agora ao hotel.

— Você toma conta. — Carmem apontou para Gema. — Eu vou com


você, Thadeo. — Pegou a bolsa e me seguiu.

— O stand está fechado, Gema. Não sirva nada a ninguém —


recomendei. — Volto em uma hora. Não se mexa.

— Tudo bem. Podem ir.

Olhei para ela por mais alguns segundos. Amedrontada, mas segura de
si. Meu coração saltou muito apressado no momento em que fitei os olhos
dela e vi que torcia por mim para valer. Acenei com o queixo e andei
apressado com Carmem.

— Isso não vai ficar assim — prometi, tomado pela indignação,


enquanto dirigia.

— Não pode deixar mesmo. — Carmem me apoiou. — Temos que ir


até as últimas consequências para descobrir quem fez isso.
— Carmem, seja sincera comigo... Você tem algo a ver...?

Foi uma desconfiança que inevitavelmente passou pela minha cabeça.


Sabia que Carmem estava comigo, mas eu tinha que desconfiar de todos. Eu
tinha que ter a palavra dela e provas concretas para descartá-la como opção.

— Ficou louco? — esbravejou, e vi sinceridade em seus olhos. Carmem


estava horrorizada. — Eu estou ao seu lado, batalhando com empenho há
dois longos anos. Você carregou o carro, trouxe os vinhos pessoalmente,
chegou de madrugada enquanto eu já dormia. Eu posso ser tudo, Thadeo, mas
isso, não fiz.

— Eu acredito em você. — E acreditava mesmo. Carmem queria


avançar em um relacionamento íntimo, sexual, comigo, e ela não escondia
isso. Não acho que teria motivos para me boicotar.

Chegamos ao hotel e, no balcão da recepção, falei logo que precisava


falar com a gerência. Minutos depois, Carmem e eu fomos encaminhados a
um escritório.

— Deixa que eu represento — ela sussurrou para mim. O funcionário


nos deixou na porta e entramos, encontrando um homem mais velho, de trajes
elegantes, sentado atrás de uma mesa. Ele levantou-se imediatamente para
nos receber.

— Oi, boa tarde. — Pegou na minha mão e, em seguida, na de Carmem.


— Sou Mário, gerente do hotel, em que posso ajudá-los? Sentem-se, por
favor.

— Senhor Mário — Carmem começou, sentando-se. — Sou Carmem,


advogada, e este é meu cliente, Thadeo Capello.
O homem olhou rápido para mim e voltou-se para Carmem prestando
atenção.

— Estamos hospedados aqui desde ontem, ele trouxe um carregamento


de vinhos para ser exposto na feira e, durante a madrugada, os vinhos foram
sabotados.

— Aqui? No hotel?

— Perfeitamente. — Carmem demostrava uma segurança absurda. — E


um dos funcionários garantiu ao Thadeo que deixar a mercadoria no
estacionamento privativo do hotel, era seguro.

— E como é — Mário frisou. — Temos segurança vinte e quatro horas...

— Não é o que parece — Carmem o interrompeu. — Eu quero chamar a


polícia para fazer um boletim de ocorrência contra o hotel, porque vocês
deram a certeza de que os vinhos estariam seguros. E o prejuízo do meu
cliente é incalculável.

— Sim. Perfeitamente, mas senhora...

— Senhorita, por favor — ela o corrigiu. — Tem apenas algo que pode
fazer imediatamente para que não precisemos chamar a polícia.

Uma luz de esperança brilhou nos olhos de Mário. Era nítido que ele
faria qualquer coisa para não envolver a polícia nessa situação.

— E o que é?

— Nos mostre as câmeras de segurança. Precisamos ter certeza de que a


mercadoria estava integra durante a madrugada, aqui no hotel.
Ele refletiu por alguns segundos, encarando Carmem e eu, e então
tomou uma decisão.

— Tudo bem. Venham comigo. Geralmente não fazemos isso, mas


como é um caso extremo, abrirei uma exceção.

Sorri de canto e pisquei para Carmem. Ela tinha sido muito boa na
persuasão.

Ele nos levou para um andar inferior, próximo ao estacionamento.


Entramos numa ala restrita a funcionários e chegamos à sala de segurança.
Um homem uniformizado nos recebeu e, após o pedido do gerente, ele foi
para frente de um monitor checar as imagens.

— Que horas você deu entrada? — o segurança perguntou.

— Duas e meia da manhã. Peguei o carro às oito da manhã.

— Ok. Vamos ver a câmera mais próxima do seu carro. — Ele foi
passando os vídeos em tela dividida, até que consegui ver o meu carro.

— A Hilux preta. Aquele sou eu chegando.

— A melhor câmera é essa, H13. O homem rodou o vídeo gravado da


câmera que estava praticamente em frente ao meu carro, e observamos com
atenção. Eram seis horas de filmagem e, por isso, ele colocou em ritmo
acelerado.

Carmem e eu quase nem piscávamos encarando o monitor. O carro


permanecia intocado no mesmo lugar, durante as horas que se seguiram
durante a madrugada. E a conclusão me desmotivou. Ninguém apareceu
perto do carro. Outras pessoas entravam e saiam do estacionamento, mas
ninguém ao menos tocou na pick-up.

Não tinha sido no hotel. A sabotagem acontecera antes de eu sair da


vinícola.

***

GEMA

Encarei meu pé, batendo repetidas vezes no chão e desisti de esperar.


Levantei-me da cadeira e saí do stand. A feira estava a todo vapor, e eu não
queria ficar parada. Tinha que fazer algo. O que Thadeo poderia fazer além
de surtar, se minha tentativa desse errado? Me mandar embora da vinícola,
com certeza.

Acariciando o queixo, refleti sobre meu dilema interior. Dei alguns


passos, olhando as pessoas e os stands. Pessoas bem vestidas servindo vinho,
atraindo a atenção de todos por sua elegância.

Voltei rapidamente para o stand de Thadeo e limpei como pude a


bagunça que eu havia causado quando derrubei a taça do jurado. Em seguida,
abri as caixas de vinho e peguei uma garrafa. Merlot suave. Foi o que tomei
junto com a sopa na noite que cheguei na vinícola. Provei e estava saboroso.
Olhei em volta, ainda elaborando um plano.

Em uma caixa havia vários pincéis atômicos para escrever preços nas
placas que estavam expostas fora do stand. Fui até as placas, apaguei os
preços e escrevi: ESGOTADO. Em todas.

Coloquei a garrafa de vinho em um bonito suporte de prata com alça,


que era próprio para servir, encontrei copinhos descartáveis para degustação
que dispus arrumadinhos em uma bandeja, também de prata. Segurei-a com
firmeza, o vinho na outra mão e saí do stand. Era hora da divulgação.

— Senhora — chamei uma mulher que passava, acompanhada de outras


pessoas. — Ela e as pessoas pararam de andar e me olharam. — Peço a sua
licença, deguste o nosso vinho e tenho certeza que será o melhor que já
tomou. Olhe só. — Apontei para a barraca. — Já esgotaram e o nosso
vinicultor precisou buscar outro carregamento.

A mulher olhou para a barraca e de volta para mim.

— D’Mattos? Nunca ouvi falar.

— Estamos ressurgindo agora no mercado. Nós mesmos produzimos as


uvas. — Servi o vinho com cuidado em um copinho, e ela o pegou na
bandeja. Servi para os outros que estavam com ela e esperei, cheia de
nervosismo, com o coração acelerado no mesmo ritmo da minha mão
tremendo.

— Sei que copo descartável não é a mesma coisa de uma boa taça de
vidro...

Eles provaram e se entreolharam assentindo, surpresos de uma forma


boa.

— É muito bom — a mulher falou. — Na verdade é ótimo.

— Que bom que gostou. Venha até o stand, se quiser, encomendar uma
garrafa. E pode provar as uvas ali. — Eles caminharam até o stand, e eu
aproveitei que eles se aglomeraram lá e fui atrair mais pessoas.

— Ei, vocês — gritei para um casal. — Um minuto da sua atenção, por


favor. Venha experimentar o vinho que tem a chance de levar o prêmio de o
melhor da feira. Todo mundo só fala dele. Olha lá, todos estão comprando e
já está esgotado. Apenas prove. — Servi em um copinho, e o homem pegou o
vinho. Servi para a mulher também e esperei os dois provarem.

— Uau. Bom mesmo. O que é? Merlot?

— Exatamente. Vejo que o senhor entende.

— Muito. Sou colecionador.

— Se quiser pode vir até o stand para reservar uma garrafa. Temos
outros tipos.

— É logico que quero. — Ele caminhou para o stand, e eu, desesperada,


continuei pescando mais pessoas. E, com satisfação, via a garrafa esvaziar na
minha mão e mais clientes chegando. Voltei para o stand onde as pessoas já
esperavam. Alguns se aproximavam com curiosidade, sem nem precisar
convidar.

— Desculpem. Estou sozinha porque os donos precisaram sair para


buscar mais vinhos. Vocês podem conferir aqui a história do vinho —
indiquei um montinho de panfleto. — Estamos renovando e, em breve,
teremos novos rótulos e novas safras.

— Peguei outro vinho, coloquei no suporte e voltei rapidamente para o


caminho onde as pessoas passavam. Não havia ninguém de outros stands
abordando as pessoas, eu era a única.
— Pessoal, venham experimentar o vinho que é a sensação da feira. —
gritei, apontando para a banca rodeada de gente. — Já está esgotado, mas
você ainda tem a chance de fazer uma reserva.

Eu conhecia o ser humano e sabia que todo mundo tem curiosidade.


Quanto mais gente se aproximava do stand para espiar ou provar o vinho,
mais atraía outras pessoas.

— Mas o que você está fazendo? Que multidão é essa diante do meu
stand? — Virei-me e me deparei com Thadeo, perplexo, de mãos na cintura e
a carranca direcionada a mim. Carmem estava boquiaberta.

— Abra um sorriso e vá atender aquelas pessoas — ordenei a ele.

— Está me dando ordens?

— Sim, estou. Eu disse a eles que os vinhos estão esgotados, mas podem
fazer reserva. Enquanto isso, eu vou atrair mais gente. Nós vamos colocar
esse vinho seu no auge dessa feira ou eu não me chamo Germânia. — Deixei-
o pasmo. Agora eu poderia me afastar mais do stand, porque Thadeo estava lá
para atender as pessoas.

Quando já era noite, eu voltei para a barraca, enfim fechada. Eu tinha


distribuído cinco garrafas de vinho e atraído muita gente para o stand.
Estávamos bem falados na feira, e Thadeo tinha esgotado todas as folhas da
agenda, com encomendas de vinho e todas as fichas de votação para que as
pessoas votassem no vinho e colocassem na urna. Além de ter vendido todos
que ele trouxera, restando apenas os vinhos sabotados.

Como saldo de tanto esforço, minha perna estava me matando. Sentei-


me cansada, mas muito contente. Recebi uma garrafinha de água gelada das
mãos de Thadeo e bebi, saciando a minha sede.
— E aí? Como foi lá no hotel? Descobriu algo?

— Não. — Ele sentou-se à minha frente. — Não havia ninguém nas


câmeras de segurança.

— E agora?

— Vou esperar a feira acabar amanhã, para decidir qual atitude tomar.

— Estou acabada de tanto atender pessoas e falar sobre vinhos. —


Carmem sentou-se ao lado de Thadeo, descansando um braço no ombro dele.
— Foi uma ideia boa, Gema. Perigosa, mas boa.

Eu apenas assenti. Voltei a atenção para Thadeo.

— E como vai entregar todo esse vinho que as pessoas compraram?

Para fazer a reserva, tinham que dar metade do valor de entrada e a outra
metade quando pegasse o vinho amanhã.

— Já liguei para meu irmão. Fernando vai passar na vinícola, pegar os


vinhos já separados e voar para cá no jatinho da Capello.

— Ah, meu Deus! — Juntei minhas mãos em agradecimento. — Então


deu certo, mesmo?

— Sim. Obrigado, por não ter me obedecido e ficado quieta. Você foi à
luta.

— Eu não poderia ficar sentada esperando um milagre acontecer. — Ele


e eu estávamos trocando um olhar repleto de sentimentos, que eu ainda não
sabia decifrar. E então Carmem o cutucou.

— Vamos? Estou cansada.


— É. Vamos. Também estou cansado.

No hotel, Thadeo disse para eu ir primeiro tomar um banho e depois


iriamos jantar. Nunca um banho tinha sido tão delicioso para mim. A água
caía em meu corpo cansado, me provocando um sorriso. A cama era meu
próximo encontro dos sonhos.

Terminei, vesti outro vestido, penteei os cabelos e, quando saí do


banheiro, vi Thadeo e Carmem agarrados, se beijando na cama. Ambos ainda
de roupa, mas imersos em um beijo voraz. Fechei a porta com muita
delicadeza e me recostei ali, esperando mais um pouco.

Meu coração estava disparado de uma forma estranha. Eu não sabia o


que pensar. Por isso Carmem estava tão agressiva, ela era apenas uma mulher
defendendo seu interesse romântico. Merda.

Soprei várias vezes, recuperei o fôlego e abri a porta, fazendo barulho,


de propósito, para alertá-los da minha presença. Eles não estavam mais na
cama, não havia ninguém lá. Saí do banheiro, olhei em volta e descobri que
Thadeo conversava baixinho com ela à porta. Em seguida, ela saiu, e ele veio
para dentro do quarto.

— Vou tomar um banho rapidinho, e vamos descer para jantar. —


Thadeo falou, sentou-se na cama e tirou as botas. E eu fingi arrumar meus
cabelos que já estavam presos.

Descemos para jantar, Carmem nos esperava lá embaixo e rapidamente


abraçou um braço de Thadeo. Eles seguiram juntos, sorrindo e conversando,
e eu ao lado, me sentindo um candelabro: segurando vela para o casal. E
somado a isso, quase senti vergonha por estar mancando ao lado de um casal
tão bonito. Rapidamente, escondi a vergonha da minha deficiência, hoje não
era dia para eu ter pena de mim mesma.

Jantamos, papeamos muito, e era bom ver Carmem livre do mau-humor


e Thadeo rindo feito um besta. Porque agora ele tinha motivos para rir.
Qualquer um que tivesse vendido o tanto que ele vendeu hoje, tinha motivos
para gargalhar.

Voltamos para o quarto, e eu repreendi meu impulso infantil que quis


dar piruetas, quando Thadeo recusou de Carmem um pedido para ir ao quarto
dela assistir um bom filme na Netflix.

Hum...! Eu sabia qual Netflix ela queria.

Eu não tinha motivos para comemorar ou ficar triste. Que ilusão


patética. Fazia apenas alguns dias que eu conhecia Thadeo, e não éramos
nada um do outro. Todavia, era a atração mais crua e gostosa que eu já havia
sentido por um homem.

— Será que amanhã você tem chance de ficar entre os cinco mais
votados da feira? — Já deitada na cama, olhei para Thadeo, só de cueca, de
pé, passando desodorante nas axilas. Eu estava puxando assunto para não me
sentir tão constrangida.

— Ah, não penso tão longe. Só o fato de ver tanta gente elogiando meu
vinho, foi o suficiente.

— E se ficar entre os cinco, o que acontece?

— Os jurados juntam esses cinco com os outros cinco melhores da


escolha deles. E então eles fazem uma prova cega entre os dez e escolhe os
três melhores.
Ele deitou-se ao meu lado. Sem se cobrir, relaxado com as mãos atrás da
cabeça.

Meu Deus, me dê forças.

Estiquei o braço, alcancei o interruptor ao lado da cama e apaguei a luz.

— Por que não foi para o quarto com Carmem? — E por que eu estava
perguntando uma coisa dessas?

— Queria que eu fosse?

— Não me responda com outra pergunta. Só fiquei curiosa.

— Porque estou cansado e lá eu não iria dormir. Boa noite, Gema. E


obrigado mais uma vez.

— Não há de quê. — Fiquei olhando para o teto até ouvir ele ressonar
ao meu lado. Virei-me e, como ontem, apoiei-me no cotovelo para observar a
silhueta dele.

Mas que merda! O que estava acontecendo comigo? Eu estava feliz


porque o cavalo chucro estava feliz.
ONZE
GEMA

Acordei sobressaltada, sentindo um peso sobre mim. Olhei em volta, me


situando onde estava e com quem estava. Boquiaberta, percebi Thadeo
envolvendo minha cintura, com a perna grande e pesada sobre as minhas. Ele
era muito folgado. Estava me abraçando como se eu fosse um travesseiro.

Irritada por ter apreciando aquele abraço inapropriado, empurrei o braço


dele, fazendo-o acordar.

— O quê?
— Chega pra lá. Está invadindo meu espaço. — Ele sentou-se na cama,
com um olho aberto e outro fechado e os cabelos completamente assanhados.
Fitou-me, olhou em volta e caiu de volta na cama, tampando os olhos com o
braço.

— Que horas são? — murmurou. Dei uma boa olhada nele de cima para
baixo. O seu corpo sempre me fascinava e me fazia questionar quando me
tornara essa pessoa tão carnal, que ficava embasbacada por um corpo
masculino. Parei os olhos na cueca dele.

Minha santinha...

Estava esticada, formando um contorno exato de suas joias.

— Sete — respondi e levantei-me, calcei o chinelo e andei para o


banheiro.

Agora eu entendia o que era estar atraída pela pessoa errada. Thadeo era
o homem mais errado que eu poderia me interessar e, por isso, cabia à minha
racionalidade afogar esse sentimento.

Ao sair do banheiro, minutos depois, encontrei-o sentado na cama,


falando ao celular. Terminou, jogou o aparelho para o lado e ficou de pé.

— Meu irmão chega daqui a pouco. Vou me aprontar. — Entrou no


banheiro.

Assenti e virei o rosto. Postei-me diante do espelho, arrumando os


cabelos, e, minutos depois, Thadeo saiu. Ficou de pé me olhando, com as
mãos na cintura.

— O quê? — Virei-me para ele.


— Nada. — Desviou o olhar e foi pegar roupa na mala. — Gema, acho
que você não precisa ir à feira com a gente. Só irei entregar os vinhos das
pessoas que fizeram o pedido...

— Não vai esperar a votação?

— Não. Não tenho sorte para essas coisas. — Ele vestiu um jeans e
pegou o cinto.

— Ou será que tem outro compromisso com alguém e não me quer por
perto? — falei e me arrependi. Que merda Germânia, para de ficar cutucando.

— Por que diz isso? Não tenho compromisso com ninguém.

— Bom, você não tem que me dar satisfações. — Esnobei. Sendo que
fui eu mesma que tinha provocado o assunto.

— O que houve com você? Acordou ranzinza. Foi porque eu te acochei


durante a noite?

— Ah, você é patético. — Deixei o pente de lado, pois meus cabelos já


estavam alinhados. Me virei e me deparei com Thadeo bem pertinho de mim.
Como esse homem se aproximou e eu nem percebi? Fiquei de pé, encarando
seus olhos. — O que está fazendo?

— Talvez você sinta vontade de uma revanche. Eu te dou permissão.

— Permissão para quê, homem de Deus? — Meu coração já estava tão


acelerado, que eu podia jurar que os batimentos eram audíveis. Ele estava
perto demais, cheiroso demais, chamativo demais...

Porra, Germânia! Controle-se.


— Permissão para isso. — Envolveu minha nuca com uma mão e deu
um puxão. A outra mão agarrava a minha cintura. Em dois segundos, eu já
estava colada ao corpo quente de Thadeo, sentindo sua boca pressionar a
minha. A barba afagou minha pele e, de repente, adivinhe quem estava lá,
toda mole, beijando de volta? Sim, eu mesma.

Que ódio de mim.

Eu apertei os bíceps dele e joguei a racionalidade para o alto. Rolei


minha língua contra a de Thadeo, saboreando o beijo erótico. Senti o volume
dentro da calça dele pressionar contra mim. O calor subiu. E, para piorar, ele
deu um giro, ainda me abraçando, e jogou-me na cama, vindo por cima de
mim.

Minhas mãos trêmulas apalparam seu corpo, as costas largas e ombros


fortes, até chegar aos cabelos, onde emaranhei meus dedos em seus fios
negros e lisos. Eu estava realizando minhas fantasias pervertidas, e isso
estava tão bom como da primeira vez. Na verdade, bem melhor, porque agora
eu o sentia em toda a sua intensidade, sentia seu peso sobre o meu corpo, sua
pele, seus músculos e não tinha coisa melhor do que beijar esse chucro
desalmado.

De repente, batidas fortes à porta me sobressaltaram, e o celular dele


desatou a tocar. Espalmei as mãos no peito dele e o afastei. Thadeo estava
ofegante, olhos em brasas; ele exalava tesão. O homem era um bruto gostoso,
e isso me atraía, ao mesmo tempo que me amedrontava.

Ele pegou o telefone e nem atendeu. Só desligou.

— Me beijou... de novo — sussurrei. — Por que fez isso?

— Porque eu estou, a maior parte do tempo, com tesão pela sua boca.
Conversamos depois. — Ele foi até a porta e a abriu. Ouvi a voz de Carmem
e me coloquei de pé.

— Bom dia, Gema. — Ela olhou para mim com olhos semicerrados. —
Parece cansada...

— Exercícios matinais... alongamento. — Thadeo colocou uma camisa


polo e sentou-se para calçar as botas. — Eu vou com vocês — falei. — Odeio
ficar sozinha.

Após o café, esperamos pelo irmão de Thadeo no lobby do hotel.


Thadeo sentado em uma poltrona ao meu lado, mexendo no celular, e
Carmem nos observava, à nossa frente. Ela estava linda, como sempre, com
uma camisa de seda e saia secretária. Os saltos altíssimos. Os cabelos negros
perfeitos e a maquiagem bem elaborada. Ela olhava com atenção para meus
pés. Engoli em seco e escondi minhas sapatilhas na barra do vestido longo.

— E aí, mano? A tábua de salvação chegou. — Levantei os olhos e vi


um homem parecido com Thadeo. Tão alto quanto ele, além de ser bem
bonito. Fiquei de pé, observando-os se cumprimentarem.

— Já conhece a Carmem, e essa é Germânia, uma ajudante da vinícola


— Thadeo apresentou. — Gema, esse é meu irmão Fernando.

— Oi, é um prazer. — Ele apertou minha mão. — Então, vamos?

— Claro. — Thadeo esfregou as mãos, ansioso.

***

Chegamos à feira, e enquanto eles descarregavam o carro, Carmem e eu


fomos organizar o stand. Em breve a feira abriria e, às dez da manhã, sairia o
resultado da votação, tanto do público, como dos jurados.

— Ele não se envolve — Carmem falou para mim. Deixei as taças de


lado e a encarei.

— Quê?

— Thadeo. Estou com ele há dois anos e conheço-o muito bem. Ele
odeia relacionamentos, odeia pensar em passar mais de um mês com a mesma
mulher. Ele é adepto às garotas de programa, pois não precisa lhe dar
satisfação. Só foder e mandar embora.

— E por que está me falando isso?

— Porque eu sou mulher e sei que está atraída por ele.

Fiquei sem fala. Estava tão na cara assim? Abri a boca para contestar,
mas ela foi rápida:

— Se ele estiver sendo bonzinho, não caia nessa. Vejo que você é uma
mulher do bem e não merece que ele te seduza para comer e descartar.

— Ele não está tentando me seduzir... Percebi que ele é um homem que
vai e faz quando tem desejo. Além do mais, me relacionar com quem quer
que seja é a última coisa que quero.

— Ele sempre me quis, Gema. Mas nunca lhe dei oportunidade, porque
eu me valorizo. Não quero ser só mais um número. Você deveria fazer o
mesmo.

Ela virou-se, antes de eu responder, e afastou-se. Thadeo entrou no stand


com mais uma caixa. Tamborilei os dedos na mesa, pensativa. Seduzir? Esse
chucro me irritava sempre, isso sim.

Depois das oito, as pessoas começaram a chegar e, em instantes, o stand


estava lotado.

Os vinhos eram colocados em uma caixa com o nome da vinícola e, em


seguida, em uma sacola de papel.

— Obrigado por adquirir um legítimo D’Mattos. Aqui está o nosso


cartão. Entre em contato, se precisar, e a partir do mês que vem poderá
marcar horário para visitar a vinícola ou adquirir mais vinhos.

Fernando anotava um pedido, por exemplo: “Um Cabernet suave, por


favor.” Carmem e eu embalávamos, e Thadeo entregava ao comprador,
agradecendo. Às dez horas, não tinha mais nada.

— Não sabia que você estava vendendo tanto — Fernando falou com
Thadeo.

— Pois é. Nem eu esperava isso. Ontem o meu vinho ficou famoso aqui
na feira. — Ele olhou para mim, dando-me um sorriso. — Graças a Gema.

— É uma ótima funcionária, merece um aumento. — Fernando sorriu


para mim, fazendo-me sentir-me lisonjeada, e Carmem revirou os olhos.

— Sim, tem toda razão — Thadeo concordou. — Então vamos arrumar


tudo para irmos embora. Podemos voltar com você no jatinho, depois peço
para um funcionário da vinícola vir buscar meu carro.

— Isso. Eu estou sozinho. Maria Clara queria vir, mas então teríamos
que trazer as crianças, e aí ficaria meio difícil, numa viagem de emergência.

Carmem mexia distraída no celular, e eu, sentada, prestava atenção à


conversa deles.

— Como estão os pirralhos? — Thadeo questionou.

— Só matando o velho pai aqui de paixão e orgulho. Devia


experimentar um dia.

— Saí fora, porra. — Deu uma cotovelada em Fernando.

— Ah, é. Você tem aquela merda de promessa, de que só pensará em


relacionamento no dia em que uma noiva aparecer em sua porta. Escolheu a
coisa mais impossível do mundo.

No mesmo instante, me danei a tossir em desespero, espirrando água por


todos os lados. Thadeo levou a mão aos olhos, completamente revoltado com
o irmão que falara demais.

Mas que merda é essa? Ele esperava uma noiva aparecer do nada em
sua porta?

E eu apareci de repente... Vestida de noiva.

— Você está bem? — Fernando perguntou-me.

— Vamos logo, que ela começou a dar vexame. — Carmem ficou de pé,
indiferente ao que acabara de ouvir, afinal, ela não sabia que eu chegara à
vinícola vestida de noiva.

Thadeo apenas virou-se e saiu para começar a arrumar as coisas nas


caixas. Nem olhou para mim.

***
THADEO

Eu queria enforcar Fernando. Meus irmãos sempre tiveram a língua


maior que o corpo, capazes de colocar qualquer um em uma enrascada.
Estava sentindo raiva com uma mistura de aflição. Gema ouviu o comentário
de Fernando, e eu não sabia como ela ia lidar com isso. Ela poderia querer ir
embora, achando que eu era uma espécie de maluco. Ou poderia querer usar
essa informação para forçar a ter algo sólido comigo, o que nunca iria
acontecer.

Acabei me arrependendo de tê-la beijado hoje. A vontade foi mais forte


que eu. A porra do tesão crescia cada vez mais, enquanto estava ao seu lado,
ainda mais dormindo na mesma cama que ela, sentindo seu corpo delicado e
quente ao meu lado.

Controle-se, cacete! Eu tinha experiência com mulheres, sabia como


manipulá-las e lidar com elas, mas Gema era algo tão novo em minha vida
que me deixava sem reação, sem sanidade. Por que caralhos eu a beijei de
novo?

— Vão anunciar os votos. — Carmem veio correndo, eufórica, avisar.


Fingi que não ouvi. Eu não ia alimentar esperanças e ver tudo cair por terra,
quando ficasse em centésimo lugar.

— Ah, eu vou lá ver. — Gema, enfim, teve motivo para falar algo e saiu
correndo com Carmem. Olhei para Fernando.

— Caralho, boca grande. Tinha que falar aquela merda?


— Que merda? — Ele parou de fechar as caixas e me olhou.

— Da noiva.

— E o que tem? É uma piada interna que só nós entendemos. Vamos lá


ver a revelação dos melhores. Talvez você tenha um golpe de sorte...

Arranquei as luvas e segui Fernando para o palco. Ficamos de longe,


observando. Gema e Carmem um pouco mais adiante.

O apresentador falou um monte de baboseiras, agradecendo a presença


de todos, falando o quão a feira foi um sucesso e tudo mais. Depois chamou
ao microfone um dos organizadores que tinha o envelope com os cinco mais
votado pelo público.

— Os cinco vinhos que falarei agora tiveram uma porcentagem de votos


parecidos. Portanto, não tem um mais votado com ampla diferença. Os cinco
estão praticamente no mesmo patamar. — Fez uma pausa, olhou no papel,
deu um sorriso e falou o primeiro nome. Vi um pessoal gritar lá na frente.
Falou o segundo nome, mais comemoração, o terceiro, e eu me vi torcendo,
coisa que falei que não faria.

Eu parecia o garoto pobre do filme “A fantástica fábrica de chocolates”


vendo os cupons dourados se esgotarem e torcendo para conseguir um.

Fernando e as meninas também pareciam torcer. Na verdade, Gema até


mesmo estava cruzando os dedos e demostrava fazer uma prece de olhos
fechados. Ela estava, de verdade, torcendo por mim, e isso era incrível,
porque nos conhecíamos há pouco tempo.

Depois de grande suspense, falou o nome do quarto vinho, e eu vi


minhas chances se perderem aos poucos. Pelo menos eu tinha vendido
bastante, já era um alento.

— E o quinto e último vinho a concorrer para o prêmio da feira é:


D’Mattos.

Eu estava paralisado, observando tudo em câmera lenta à minha frente.


Gema com as duas mãos na boca, Fernando vindo em minha direção,
Carmem boquiaberta, sem reação. Fernando me agarrou, me abraçando e me
tirou do chão.

— Ganhou, porra! Você ganhou, mano.

— Eu consegui... — sussurrei incrédulo. De repente, senti falta da


minha mãe. Senti necessidade de abraçá-la e mostrar-lhe que eu estava
conseguindo o que tinha lhe prometido. Abracei meu irmão com força.

Naquele dia, na clínica para dependentes químicos, eu consegui colocar


um sorriso nos lábios dela. Nossa mãe acreditou em mim, quando eu lhe
prometi que a vinícola iria voltar a entrar no hall das melhores.

Recebi o abraço das meninas e caminhei para o palco. As pessoas


abrindo espaço e me aplaudindo enquanto passava. Eu consegui, sem usar o
nome Capello. Eu consegui com ajuda de Gema, e serei sempre grato a ela.

Depois de ler os nomes dos vinhos mais votados pelos jurados, todos os
dez produtores estavam no palco. Os jurados me pediram um dos meus
vinhos que eu gostaria que eles provassem. Eles me olhavam com desprezo,
lembrando do que acontecera ontem, e, por sorte, a prova ia ser às cegas, ou
não me dariam prêmio nenhum.

E começaram a provar.
O primeiro sentiu o cheiro, tomou um golinho, bochechou e anotou na
caderneta. Todos seguiram o mesmo processo para cada vinho servido.

Observei, com atenção, o meu na taça três. Provaram, semblante neutro,


não demostrando o que achara do vinho.

Fiquei nessa tortura juntamente com os outros concorrentes, todos nós


com a mesma emoção e ansiedade. Todos os dez vinhos foram provados, e os
jurados saíram da mesa para a contagem de votos e decisão.

O tempo correu, todos em silêncio, a espera era agonizante. E então, o


envelope com o resultado chegou.

E, para meu espanto, eu estava no pódio dos três melhores. Conseguia


ver Gema e Fernando adiante, vibrando; Carmem ao lado mais comedida.

Eu não ganhei, mas só o fato de ter ficado em segundo lugar foi


praticamente o prêmio total. Eu cheguei aqui sem expectativa alguma,
duvidando do meu produto, querendo que desse certo, mas sabendo que era
fraco demais e desconhecido no meio de tantos.

E agora eu ganhara o prêmio de segundo lugar do melhor vinho da feira.


Os três melhores seriam divulgados e vendidos em sites e várias lojas físicas
no Brasil. Além de chamar a atenção de investidores.

Mas quando desci do palco, nem tive como comemorar. Fernando,


Gema e Carmem me olhavam com uma cara estranha de choque.

— O que houve? — Olhei na cara dos três.

— Entrou bandidos na vinícola — Carmem deu a notícia. — Gioconda


acabou de ligar. Parece que houve furto.
DOZE
THADEO

Gema parecia ansiosa e preocupada, sentada em uma poltrona, no


jatinho, olhando pela janela. Sua expressão era tensa, e eu gostaria de saber o
que tanto a afligia, desde a notícia da invasão na vinícola.

Inquieto e cansado de ficar sentado, levantei-me e fui ao fundo da


aeronave pegar uma água. Era incrível todo o luxo proporcionado pelo meu
pai. O avião era deslumbrante e confortável, coisa de milionário. Um dos
vários da Capello, e eu não usufruía de nada disso. Benjamin também não, e
eu sempre achei louvável a atitude dele de peitar nosso velho e fazer o que
sempre quis.

Achava que, de nós cinco, Andrey era o que mais amava isso tudo e
fazia questão de ter tudo que a fortuna do velho Capello pudesse lhe
proporcionar.

— Pensativo? — Virei-me e dei de cara com Carmem.

— Pensando nos meus irmãos. — Apontei a garrafinha de água para


Fernando que lia algo em um tablet. — Cada um deles tem uma vida perfeita.

— A sua é perfeita ao seu modo. Você mesmo odeia tudo que a Capello
pode proporcionar.

— Não é odiar, é... uma dívida moral. Eu não posso usufruir daquilo que
minha mãe sempre condenou.

— Eu entendo. O que acha que aconteceu na vinícola?

— Não sei. Espero que não tenham destruído meus vinhos e uvas.

— Escuta — Ela olhou para trás, como se verificasse se alguém a ouvia.


—, preste atenção em tudo à sua volta. Percebeu que só foi ela chegar...

— Carmem, por favor, insinuações, não. — Joguei a garrafinha vazia na


lixeira. — Eu confio em Gema. — Ia saindo, mas ela segurou em meu braço.

— Confia? Vocês se conheceram há poucos dias. E se tudo isso for um


personagem? Eu não sei como essa mulher apareceu em sua vida, mas, de
uma hora para outra, está tendo espaço que outras nunca tiveram. E se o que
ela fez na feira foi justamente para cativar sua confiança?
Enquanto Carmem falava, observei Gema, ainda preocupada, olhando a
janela, mordendo o lábio.

— Não. Tenho certeza, Carmem. E não quero que toque nesse assunto
novamente.

— E esse pé dela? Disse que torceu, mas não a vejo reclamando de dor,
não toma um remédio, não enfaixa, só manca e usa saias longas para
escondê-lo. E se nunca torceu o pé e isso for apenas um pretexto para fazer
parecer frágil e deixar seu coração mole?

Caralho. Minha mente girou com essa suposição. Eu queria confiar em


Gema. Na verdade, devia confiar, pois ela salvou meu dia. Além de tudo, eu
me via cada vez mais atraído por ela. Não ia cair nas paranoias de Carmem.
Gema disse que Gioconda examinara o pé dela. Eu confiava.

— Deixa de conversa fiada, Carmem. Eu não te pago para criar intrigas.


— Me afastei dela e voltei para minha poltrona em frente a Gema. Sentei-me
e pigarreei. Ela me olhou.

— Medo de avião?

— Ah... Não. — Sorriu. — Só pensando. Não está desesperado pelo que


aconteceu na vinícola?

— Um pouco de medo, talvez. Ninguém nunca entrou lá. É a primeira


vez que isso acontece. Só não quero que tenham tocado em minhas uvas.

— Vai dar tudo certo. — Ela foi otimista, me contagiando. Gema


sempre tinha boas palavras que estranhamente me acalmavam.

— Eu sei. Não fique preocupada. Não há mais perigo lá. — Inclinei-me


para frente e segurei a mão dela. Gema apertou de volta, estava gelada.

***

O avião pousou, e Fernando teve que ir direto para a empresa e me pediu


para dar notícias assim que chegasse à vinícola. Eu segui com Gema e
Carmem, sentindo no peito a dor da expectativa, ansioso para chegar lá e ver
o que tinha acontecido.

Paguei o taxi que nos trouxe do ponto de pouso da Capello e entrei


correndo pelo portão da vinícola. Gioconda saiu na porta e, de longe, já
começou falar algo.

— Gioca... o que houve?

— Entraram aqui... assim que o Fernando saiu. Eles entraram e nos


trancaram no banheiro. — Lágrimas desceram em suas bochechas.

— Meu Deus. Você estão bem?

— Sim, estamos.

Entrei com passadas longas pela casa, esperando encontrar tudo limpo,
tudo roubado, corri pelas escadas, subindo de dois em dois degraus, adentrei
o corredor e parei ofegante diante da porta branca com uvas pintadas. Levei
alguns segundos antes de tocar na maçaneta e girá-la. Estava tudo no mesmo
lugar. Não tinham entrado aqui.

Foi um golpe de alívio, mas estava prestes a voltar para a sala, quando vi
a porta da biblioteca aberta, na verdade, arrebentada. Corri para lá e meu
pânico se intensificou. A estande com estudos do meu avô estava limpa,
levaram tudo.

Eram anotações importantes, principalmente sobre o plantio de algumas


uvas sensíveis, além das receitas exclusivas dos vinhos. Eu queria gritar,
queria encontrar quem tinha invadido minha casa e acabar com o focinho do
infeliz.

Pressionei a testa na parede, buscando uma forma de encontrar uma


solução. Se é que tinha solução.

***

GEMA

Juro que quase fugi pelas ruas de Belém, ficando por lá mesmo, quando
chegou a notícia de que a vinícola tinha sido invadida. Eu tinha toda a certeza
de que Luan havia entrado lá, destruído a plantação de Thadeo e deixado um
bilhete para mim. Minha farsa toda descoberta.

A viagem foi um tormento, eu não conseguia esconder a aflição e só


queria chegar logo e ver toda a bagunça que certamente Luan tinha feito.

Agora, na sala, juntamente com Gioconda e Carmem, mantínhamos um


cúmplice silêncio. Era, no entanto, um alívio ver que não tivera tanta
bagunça. E, segundo Gioconda, a plantação estava intacta.

Thadeo voltou correndo para a sala. Ele parecia desesperado. Senti meu
sangue congelar.

— Levaram mais o quê, Gioconda? — Ele perguntou.

— Impressionantemente, só levaram alguns livros velhos da biblioteca.


— Gioconda tremia, encolhida em um canto. Eu arrastei-me até o sofá,
enfiando as mãos nos cabelos. Eu sabia da importância desses livros, Thadeo
havia me confiado essa informação.

— Eram os livros com receitas? — Carmem indagou.

— Sim. Me fodi. — Ele desabou em uma poltrona. — Se outra pessoa


colocar as mãos neles, eu não serei o único a ter esse vinho, com esse único
sabor.

Ah, mas quanto a isso, ele não precisava se preocupar. Sorri e falei:

— Quanto a isso, Thadeo, eu garanto que...

— Um momento, querida. — Carmem levantou a mão me


interrompendo. — Thadeo, quem mais sabia desses livros na biblioteca?

Ele olhou para mim e seu cenho franziu.

Opa, espera aí, rapaz. Nem me olhe assim.

— Gema e você — Thadeo murmurou.

— Você sabia? — Carmem virou-se para mim com pose inquisidora.

— Sim, sabia, inclusive estava lendo, pois...

— Você confiou isso a uma desconhecida, Thadeo? Está vendo? Só foi


ela saber, que entraram aqui e roubaram as receitas. Ainda acredita em
coincidência?

Thadeo esfregou as mãos no rosto e quando me fitou, eu vi pura


desconfiança em seus olhos. Gioconda de olhos saltados.

— Ei, o que está insinuando? — Levantei-me para enfrentar Carmem.

— Isso que você entendeu. Eu não acredito em coincidência. Você é tão


caricata Germânia. Olha esse nome, olha esse rosto de boa moça, as roupas
de pobre coitada, o pé sempre machucado. Será que está mesmo machucado?
— Jogou a cabeça de lado, como se tivesse dado um xeque-mate e descoberto
a maior conspiração do planeta.

Thadeo levantou a mão para Carmem parar, e ela parou no mesmo


instante. Mas ele não fez isso para me defender e sim porque era a vez dele
me pressionar.

— Olha, eu não preciso disso... — Já fui logo avisando.

— Gema, se tiver algo para me contar esse é o momento.

— Eu não tenho. Caramba eu estava com você o tempo todo, nem


celular eu tenho. Quer dizer, tenho, mas ficou em minha casa.

— Seu celular ficou em sua casa? Por quê?

— Carmem. Um momento, por favor — ele pediu.

— Gema, estou te dando uma chance para me falar a verdade. Esses


livros são importantes, você sabe e você era a única que tinha os visto
recentemente. Quem era aquele cara que veio aqui e disse que era seu noivo?

— Era meu noivo... — Olhei para Carmem, e ela não entendia bulhufas
de nossa conversa.

— Ou era alguém para espionar uma maneira de entrar aqui? — Thadeo


acusou.

— O quê? Ficou louco? Lógico que não, Thadeo... Quer saber? Eu não
vou passar por essas acusações. Eu me demito. Estou indo embora. Prefiro
morar na mata. — Virei-me para correr para o quarto, mas ele me segurou e
empurrou meu corpo para o sofá. Cai sentada de olhos saltados. Ele estava
bem na minha frente como se fosse me impedir de levantar.

— Gioconda, você examinou o pé dela?

Meu coração falhou uma batida. Ele não devia tocar nesse assunto.

— N...não. Gema me disse que já estava melhor.

— Você receitou algum remédio ou preparou algo para ela colocar no


pé?

— Não. Onde você quer chegar?

Thadeo estava furioso. Carmem de braços cruzados e olhar mordaz,


direcionados a mim, e até Gioconda estava desconfiada.

Em um rompante ele veio para cima de mim no sofá, empurrou meu


corpo e segurou minhas pernas não dando chance de eu me defender.

— O que está fazendo? Me larga! Thadeo...

— Vou descobrir agora esse seu personagem. Vamos ver se esse pé está
mesmo machucado.

O pânico me engolfou. Eu senti terror e humilhação. Não queria que


descobrissem dessa maneira. Era algo delicado para mim, que aprendi a
conviver com o tempo, e até hoje eu ainda tinha aversão à minha deficiência.
Tentei lutar com ele segurando minha saia ou fugir do sofá.

— Por favor... Me largue... Não faça isso! — Implorei, me debatendo,


ele não me soltou e, o pior foi ver Carmem sorrindo satisfeita.

Thadeo segurou minhas pernas e levantou a saia. Com um puxão


arrancou minhas sapatilhas e quando viu meu pé torto, afastou-se
horrorizado, como se tivesse visto um bicho. Eu estava devastada e
humilhada.

Cobri imediatamente os pés com a saia e busquei recuperar o fôlego.


Um silêncio constrangedor caiu sobre a sala, até Carmem estava com a mão
na boca, por ter sido pega desprevenida. Eu não ia chorar ou me rebaixar
diante deles.

Tremendo mais que bambu em ventania, peguei as sapatilhas e calcei.

— Gema... — Ele deu um passo.

— Não — berrei. — Não toque em mim. — Quase caindo


pateticamente, corri para o quarto. Lá, peguei uma caixa pesada e voltei com
ela para a sala. Joguei no chão.

— Desde o início estava tentando falar que você não perdeu todas as
porcarias das anotações, pois eu tinha pegado as mais importantes para ler.
Inclusive essa merda de diário. — Joguei o livro do avô dele no sofá. — Se
eu tivesse mandado bandidos para cá, eles tinham ido direto ao meu quarto
pegar esse inferno de caixa.

Voltei odiando mancar na frente deles e quase tomei um tombo.


Gioconda correu para me ajudar, mas eu afastei a mão dela. Bati a porta do
quarto e, na cama, abracei meu corpo, furiosa, humilhada e de coração
partido. Eu não queria que ele sentisse pena de mim, e foi a primeira coisa
que vi quando seus olhos pousaram em meu pé. Ele teve pena.

Senti falta da minha mãe. Porque sempre que estava para baixo, sempre
que era humilhada pelas minhas irmãs, eu tinha a quem recorrer. Desejei sair
daqui e voltar para casa, e que se danasse o Luan e o que ele queria comigo.

***

THADEO

— Vocês viram? — Carmem murmurou, depois de alguns minutos em


silêncio na sala. Nós três assimilando o que tinha acontecido. Gema tinha
uma deficiência no pé? Eu ainda me recuperava do que acabara de fazer. E
me arrependi amargamente por ter forçado Gema daquela forma. Eu fui um
otário com ela.

— Carmem, acho melhor você ir — falei.

— Thadeo, espere.

— Vá! Por hoje seus serviços estão concluídos. Pode ir.

— Eu não tenho culpa que ela escondeu isso da gente. Como eu poderia
saber?
— Só vá embora — pedi.

— Vou fazer um chá para Gema. — Gioconda correu para a cozinha, e


eu peguei o diário e a caixa.

— Bom, se precisar, me chame. — Carmem veio até mim, beijou


rapidamente meu rosto e saiu acenando com charme. Suspirei, levei a caixa
de livros para meu quarto e lá conferi tudo. Sim, Gema tinha separado os
mais importantes e, por causa dela, não tinham sido roubados. Mais uma vez
ela salvara minha pele.

Me olhei no espelho do quarto. Cansado e aparentemente mais velho


que o normal. Tomei uma ducha rápida, amarrei os cabelos em um rabinho,
escolhi short e camiseta regata e fui lá para baixo com uma única intenção.
Eu tinha que falar com ela.

Dei dois toques na porta do quarto e nem esperei uma ordem, abri e
espiei. Gema se vestia, parecia ter acabado de tomar um banho. Tirei a chave
da fechadura. Ela sabia que eu tinha chegado, mas nem se virou, continuou
fingindo se aprontar diante do espelho.

— Gema.

— Não.

Entrei no quarto e recostei na porta.

— Eu não tinha como saber — murmurei.

— Tinha como me respeitar — ela respondeu no mesmo timbre. — Te


mando o vestido depois, quando chegar em casa.

— Você não vai sair daqui. Me escute.


— Escutar o quê? Que eu serei sempre o bode expiatório, suspeita de
crimes? Você desconfiou de mim quando eu derrubei a taça do jurado,
desconfiou quando me viu chamando o povo para provar seu vinho, e
continua desconfiando. Eu vou embora.

Ela estava coberta de razão e nem fodendo que eu permitiria que ela me
deixasse... deixasse a vinícola.

— Você trabalha para mim.

— Eu já me demiti.

— Me desculpe. Fui um cavalo por ter te pressionado lá na sala. E me


desculpe agora, pelo que vou fazer.

— O que vai fazer?

— Te trancar aqui até você esfriar a cabeça e conversar comigo.

— Thadeo! — Ela veio correndo, mas eu fui mais rápido, saí e puxei a
porta do quarto. Girei a chave, deixando-a presa. — Thadeo seu cavalo
desgraçado! Abre essa porta. Isso é cárcere privado!

— Você não vai embora daqui nervosa desse jeito. Descanse um pouco
e vamos conversar depois. — Enfiei a chave no bolso e saí ignorando as
batidas dela na porta.
TREZE
GEMA

Eu estava com muita raiva. Esse sentimento que acelerava meu coração
e fazia meu sangue ferver tinha tomado completamente o lugar da
humilhação que passara anteriormente. Agora, apenas a vontade de bater em
Thadeo me dominava. Eu não ia ficar presa em um quarto esperando a hora
que ele quisesse me libertar.

Analisei a janela e comemorei interiormente por estar no andar térreo.


Abri a janela e vi o jardim extenso à minha frente. Se eu fugi do meu próprio
casamento, não iria fugir de um quarto qualquer? Ele que esperasse sentado.

Arrastei uma poltrona, pisei nela com cuidado e subi na janela. A grama
me esperava do outro lado. Fiquei sentada no parapeito, medindo a altura até
o chão e imaginando uma maneira de não vacilar quando caísse. Devagar,
pulei amortecendo o impacto com o pé normal.

Limpei o vestido, alisei minha roupa e antes de dar o primeiro passo,


ouvi:

— Eu cheguei a duvidar que você faria isso. — Thadeo estava bem ali
ao lado, recostado à parede, comendo uvas despreocupadamente.

— Vá se danar. — Deixei-o de lado e comecei a andar.

— Sabe que só vai cansar e perder tempo indo até o portão, não é? —
Ele me acompanhou, andando ao meu lado. — Está fechado e não vou abrir.

— O que você quer? — Parei de andar, encarando-o. — Isso é um


sequestro? Sou agora uma refém?

— Não. Mas tenho sensatez o suficiente para não permitir que saia por
aí, sem destino.

— Por que se importa? Eu não estava sabotando sua vida?

— Eu me enganei.

— Aham. Vai lá contar abobrinhas para Carmem, do jeito que ela te


ama, é capaz de acreditar. — Levantei um pouco a saia e voltei a andar. E, de
repente, Thadeo me interceptou e, sem qualquer gentileza, me pegou nos
braços.
— Thadeo! Me largue.

— Deixa de conversa, vamos voltar para casa. Não vai embora porcaria
nenhuma.

Eu não ia discutir com ele, estando em seus braços. Ele me levou de


volta e me colocou no sofá. Sentou-se ao meu lado e, imediatamente, me
afastei.

— Gema...

— Será que eu posso pelo menos escolher o momento de falar?

— Tá. Tudo bem. — Desistiu. — Ele enfiou a mão no bolso e me


entregou a chave do quarto. — Estou lhe aguardando, quando quiser
conversar comigo.

Peguei a chave em sua mão, virei as costas e fui para o quarto. Lá,
arranquei as sapatilhas do pé e deitei-me na cama.

Ok. Eu deveria mesmo ter que falar com ele. Eu não tinha para onde ir, e
seria muito embaraçoso estar na casa dele e não lhe dirigir a palavra, apesar
de que fosse isso que ele merecesse, um bom desprezo.

Minha vida estava de pernas para o ar. Não entendi qual caminho o
destino estava traçando para mim e como eu ia colocar tudo nos trilhos
novamente. Não conseguia esquecer da minha família um só segundo, e às
vezes me culpava por gostar de estar aqui, longe de tudo, escondida de Luan,
vivendo em um lugar onde podia reger cada minuto da minha existência,
enquanto meus pais e irmãs passavam sabe Deus o quê.

Gioconda trouxe chá para mim, deixou a bandeja sobre a cômoda e


sentou-se ao meu lado na cama. Eu sabia que ela estava muito curiosa, e
sabia também que ela era íntima de Thadeo. Qualquer coisa que eu contasse
aqui, ela poderia falar com ele.

— Não leve em conta o que ele faz ou fala. Thadeo é impulsivo e caiu
na lábia da advogada dele — ela demostrou indignação ao falar de Carmem.
— Ela tem grande influência sobre ele.

— Eu percebi. Mas ele não poderia ter me agarrado daquela forma.

— Quer falar sobre isso? Por que escondeu da gente esse detalhe? —
Apesar de seu olhar carinhoso, não queria ainda falar.

— Pode me dar um tempo? Preciso assimilar...

— Claro. — Ficou de pé. — Tome um pouco de chá, vai te acalmar.

— Obrigada. — Esperei ela sair. Servi-me de chá e me sentei na cama


com a xícara nas mãos. Além de todos esses acontecimentos, algo começava
a me incomodar de uma forma que eu não estava sabendo lidar: a atração
crescente por Thadeo.

Eu me lembrava de ter trancado meu coração desde o início da


adolescência, quando a deficiência da minha perna era o maior problema do
meu mundinho em construção. Eu sempre me mantinha distante,
principalmente de meninos, porque, na minha concepção, ririam de mim.
Como de fato aconteceu, por eu usar muletas.

Os anos passaram e esse sentimento tornou-se mais forte. Homens nunca


foram bem-vindos na minha vida; tudo isso por proteção, por medo de ser
humilhada. E foi com Luan que eu deixei a casca grossa de lado e me
entreguei. Foi com ele a minha primeira noite de amor...
A xícara tremulou em minha mão quando as lembranças me afogaram.
Eu sentia ódio e tristeza ao mesmo tempo, ao lembrar que todo aquele amor
era falsidade. E agora, quando eu devia estar mais protegida e imune, Thadeo
começava a mexer com minhas colunas de sustentação.

Eu não ia dar vazão às minhas vontades. Ainda mais sendo ele um xucro
sem educação.

Que beija muito bem...

Bebi um longo gole do chá quente, queimando a boca. Danação! Eu não


estava nem um pouco a fim de quebrar meu coração novamente, em tão curto
espaço de tempo.

***

O chá me fez dormir um pouco, e, quando acordei, já passava das três da


tarde. Lavei o rosto, prendi os cabelos e saí do quarto. Chegara a hora de
encarar o meu momentâneo patrão.

A casa estava silenciosa, e eu sabia que o trabalho na plantação era mais


na parte da manhã, o horário exato para uma melhor colheita. Espiei na
cozinha e, para minha surpresa, Gioconda não estava lá. Bebi um pouco de
água e saí pela porta dos fundos.

Na área externa, havia um fogão a lenha e uma mesa de madeira bem


grande, com doze cadeiras rústicas e, para meu horror, vi Thadeo sentado de
costas para mim. Seu braço se movia freneticamente, sacudindo algo bem no
meio de suas pernas. Um movimento de vai e vem, como se estivesse...
Tossi assustada, e ele olhou para trás.

Ficou confuso ao me ver, certamente pálido, e logo virou-se, revelando


o que estava fazendo. Havia uma grande tigela de madeira, mais conhecida
como gamela, entre suas pernas e um batedor de claras na mão.

— Tudo bem? — Enrugou a testa.

Eu estava desconcertada. Sério, Germânia? Pensou que ele estava se


masturbando ali, em público? Engoli em seco e desci o degrau da cozinha
para área externa.

Thadeo estava com os cabelos presos em um pequeno coque. Vestia


jeans, camiseta regata e avental branco. Até mesmo com um visual tão
simples, ele me atraia absurdamente.

— Sim... O que está fazendo?

— Manteiga. — Ele mexeu mais um pouco e analisou. — Está quase


pronta.

Curiosa, aproximei-me e olhei o creme amarelado dentro da gamela.

— Ah... Gioconda tinha comentado que você faz a manteiga.

— Sim, além do queijo e requeijão cremoso. Apontou para alguns


tachos de ferro na mesa.

— Uau. Posso provar?

— Claro. Ainda está sem sal. Eu gosto de fazer dos dois tipos. Gosto
demais de manteiga natural... Há coisas que ficam bem mais deliciosas com
manteiga. — Estranhei o tom malicioso dele e não entendi.
— Tenho certeza disso. — Enfiei o dedo na tigela, peguei um pouco e
lambi. Hum... Tinha gosto de manteiga, mas sem sal. — Boa — conclui.

— Está diante do melhor manteigueiro dessa região. — Se gabou e, com


agilidade, bateu mais um pouco. Ele era rápido e certeiro. Mas certamente era
um trabalho cansativo. Fiquei observando-o bater o creme, depois pareceu
gostar da textura e parou. Levou o batedor de claras para lavar, mas antes de
jogá-lo na pia, lambeu o objeto. Eu não pude impedir de olhar sua língua
enorme lamber os resquícios de manteiga.

— Ah... Não pode usar a batedeira elétrica?

— Posso.

— E por que prefere fazer todo esse esforço?

— Sabia que desde a era medieval já existia manteiga? Que nada mais é
que nata batida. E não existiam batedeiras elétricas naquela época.

— É verdade.

— Além de me exercitar. — Flexionou os dois braços, fazendo os


bíceps saltarem. Desviei o olhar porque, instantaneamente, eu me vi tendo
desejos bizarros de morder e lamber esse homem todo.

— Então é feita com nata?

— Ou creme de leite fresco.

Ele pegou uma jarra de água bem gelada, dava para ver os cubos de gelo
dentro, e começou a jogar a água sobre o creme amarelado.

— Sempre vou buscar nata e leite na fazenda Capello. Faço manteiga,


queijo e requeijão e distribuo entre meus irmãos.

— Por que a água gelada?

— Estou lavando a manteiga. Ela precisa estar pura. E, para não


desmanchar, precisa ser com água gelada.

Fiquei em silêncio, observando Thadeo concluir a preparação. Ele


temperou uma parte da manteiga com sal e a outra deixou sem. Por fim,
dividiu em potinhos, como potes de geleia.

— A empresa do seu pai não produz essas coisas?

— Sim. Mas garanto que você vai preferir a minha manteiga que a
industrializada da Capello. Até o meu velho prefere ela. — Ele pegou os
potinhos e levou para a cozinha — certamente para a geladeira —, em
seguida, me gritou:

— Venha, Gema. Vou preparar um café.

Atendi ao seu convite e fui para a cozinha. Ele tinha tirado o avental e
estava diante do fogão, colocando água para ferver.

— Vocês não usam cafeteira? — Aproximei-me.

— Gioca é como eu. Gostamos das coisas tradicionais. Coador de pano.


— Ele pegou o coador e balançou para mim. — Já viu um desses?

Gargalhei e tomei da mão dele para analisá-lo.

— Talvez, na minha adolescência. O pessoal da minha casa não vive


sem cafeteira e, às vezes, a Arlete usa coadores descartáveis de papel. —
Lembrar da nossa cozinheira me deu uma tristeza repentina. O que tinha
acontecido com ela? Luan a machucara? Ou estava presa, sendo obrigada a
cozinhar para eles?

— Horrível. Nada como um bom coador de pano — Thadeo falou, me


tirando do devaneio aflitivo. — Olha só. — Pegou um saco cheio de grãos e
me mostrou — Eu mesmo torro e depois moo os grãos na hora. Consigo os
grãos em uma fazenda aqui perto.

— Meu Deus, você mói o próprio café?

— Sim. E Gioconda faz o pão. Está em uma casa totalmente


autossustentável.

— De verdade, estou admirada.

— Já provou um café macho?

— Como?

— Algum homem já fez café para você?

— Não que eu me lembre. Meu pai mal sabe tirar gelo da forminha.

— Então sente-se, pois vai provar o meu café. Meus irmãos gostam de
vir aqui no domingo e passam o dia. E à tarde, antes de irem embora,
preferem que eu faça o café.

— E você deve ficar nadando em ego, não é?

— Não posso evitar. — Ergueu os ombros de modo esnobe.

Observei ele fazer todas as etapas do café, incluindo moer os grãos em


um moedor de ferro a manivela. Isso era muito estranho e antiquado, mas
gostoso de assistir. Pela forma que ele lidava com os objetos e alimentos,
mostrava que tinha total domínio e intimidade com a cozinha.

Thadeo colocou canecas na mesa, dois potinhos de manteiga e um pão


caseiro grande. Sentou-se diante de mim.

Ele ficou me esperando provar o café, e, de verdade, estava mesmo


muito bom. Nem muito forte e nem fraco. Era quente e gostoso, dava para
sentir o gosto dos grãos novos.

— Muito bom — avaliei.

— Obrigado. — Só então encheu a sua caneca. Eu cortei uma fatia de


pão e escolhi a manteiga com sal. Era mesmo bem gostosa.

— Então, você tem uma convivência boa com seus irmãos? — indaguei.

— Sim. Só moramos distante, mas temos bom relacionamento entre os


cinco. — Balançou a cabeça, incerto, e reconsiderou: — Talvez eu seja um
pouco mais afastado do Andrey, por ele ser o mais velho e insistentemente se
posiciona contra as minhas escolhas.

— Sobre o que ele é contra?

— Sobre eu... ainda não ter esquecido algumas coisas do passado. —


Havia grande teor de desconforto na voz de Thadeo — Ele acha que estou
preso no tempo.

— E não está?

Ele engoliu em seco e encheu um pedaço de pão com manteiga. Preferiu


não responder. E, de repente, um clima estranho caiu sobre a mesa. Eu
suspirei. Não era o momento de querer saber da vida dele. Eu que tinha
explicações a dar. Terminei de comer em silêncio, servi mais café para mim e
fiquei olhando o líquido preto na caneca branca.

— Eu tive poliomielite aos dez anos — sussurrei. Thadeo levantou os


olhos e me encarou. — As sequelas são terríveis, desde paralisia total a
atrofia muscular, e, por sorte, eu herdei apenas o pé torto, ou chamado pé
equino.

— Gema... Porque escondeu isso?

Ergui os ombros. Nem eu mesma tinha a resposta exata.

— Eu mal conseguia dar um passo, o calcanhar não tocava no chão. Mas


não desisti. Foram anos de fisioterapia... Imagina uma criança tendo que usar
muletas, não poder brincar, não poder correr no recreio na escola, ser vista
como “a aleijada” e ser motivo de piadas. Eram crianças, hoje não as julgo.

Ele anuiu, calado, com toda a atenção voltada para mim. Tomei um
golinho de café.

— Isso gerou um medo crônico em mim. Medo de piadas, de pena, de


humilhação. — Enfim, olhei nos olhos de Thadeo — Eu não queria que você
ficasse com pena, e sua primeira reação diante de mim foi verdadeira, como
você trataria uma pessoa normal.

— Você é normal, Gema.

— Pela primeira vez, uma pessoa me tratava com normalidade, e eu


gostei disso. Por isso, inventei sobre o pé torcido.

— Você me deixou fazer piadas com seu pé... — Ele já estava tomado
pela culpa. Eu odiei provocar esse sentimento nele.

— Você não tinha como saber. Minha intenção era esconder esse
segredo até o dia de ir embora daqui... Mas...

— Me desculpe por hoje mais cedo. Caralho... Eu te forcei no sofá.

— Está desculpado. Eu fiquei com muita raiva naquela hora, mas,


depois, refleti e vi que você tinha motivos para desconfiar. Só tente respeitar
os limites de uma mulher, da próxima vez.

— Me desculpe por isso. E por ter duvidado de você.

Assenti e até dei um sorrisinho para ele.

— Posso ver? — Thadeo ficou de pé, e eu me encolhi. Na verdade,


quase pulei da cadeira e saí correndo. Ninguém nunca, jamais, tinha visto
meu pé tão de perto, exceto meus pais. E agora eu entendia por que Luan
evitava sempre tocar no meu pé: era tudo falsidade.

— Ver? — Engoli em seco.

— Seu pé. Me deixe ver.

— Ah... Não é algo bonito de se ver. — O escondi debaixo da mesa.

— Já viu uma noz? — Thadeo esboçou um sorriso confiante.

— Já.

— Feia que dói, não é? — Ele se abaixou diante de mim, se apoiando


em um joelho. — Mas é algo gostoso e bem procurado. Deixe-me ver, Gema.
— Seus olhos encontraram os meus, e o brilho de sinceridade me convenceu.
Não havia a costumeira aparência da fera antipática que vivia para dar
broncas e ordens. Consegui ver sentimentos crus no rosto dele.

Receosa, levantei a saia e estiquei minha perna. Ele pegou com cuidado,
tirou meu chinelo e observou meu pé. Fechei os olhos, envergonhada.

— Você tem dedos e unhas bem bonitos.

Abri os olhos.

— E é um calcanhar bem lisinho. Os meus parecem uma pele de


crocodilo.

Rimos juntos. Ele recolocou o chinelo e ficou de pé.

— Ah, Gema... Se você soubesse quantas coisas e pessoas nessa vida


são tortas, mas que têm alguma beleza, mesmo que seja uma beleza
escondida, que o povo não consegue ver, pois só enxerga a casca por fora e,
então, diz: que bicho feio e desmazelado, você iria se surpreender.

Fiquei paralisada, encarando-o, surpresa com suas palavras. Thadeo


voltou a sentar-se à minha frente

— Devia usar saias mais curtas e mostrar seu pé e que se foda o que os
outros acharem. Ou vai esconder essa vitória para sempre?

— Que vitória?

— Oras, para uma moleca que nem pisava no chão e andava com
muletas, e que fugiu de um casamento, percorreu uma feira enorme sozinha,
servindo vinho para as pessoas, e até caçou briga com um homem bem maior
que você, isso é uma vitória.

Minha boca entreabriu sem fala. Eu nunca tinha pensado por esse
ângulo. Eu passei tanto tempo amaldiçoando meu destino, que nunca
comemorei minha conquista. Eu tinha acabado de pular uma janela...
— Você está certo.

E Thadeo pareceu ler meus pensamentos quando comentou:

— Imagine o que aquela menina de muletas diria se visse ela mesma


hoje, aos trinta e três anos, pulando uma janela para fugir? — Ele induziu, e
eu consegui imaginar a cena e reagi rindo de contentamento.

— Ora, ora! Pessoas rindo? — Gioconda chegou com o marido dela,


trazendo algumas sacolas de compras.

Deixamos o assunto sobre meu pé, e eu agradeci por Thadeo não ter
falado com Gioconda. Era algo pessoal, e eu que devia contar.

Mais tarde, eu mesma contei para ela, e Gioconda ficou com os olhos
encharcados diante do meu relato.

Era como tirar um peso de cima dos ombros. Eu estava livre desse
segredo e da preocupação, a todo instante, que sempre me invadia, a tensão
de ser descoberta, a todo momento.

À noite, eu me preparei, como se fosse para um encontro. Deixei os


cabelos soltos e gostei de como os cachos caiam pelos ombros. Escolhi um
dos vestidos que a filha de Gioconda, comprara, e só quando cheguei na
cozinha, descobri que Thadeo não ia jantar com a gente. Suspirei
desapontada. Eu não estava acreditando que no meu subconsciente eu queria
mesmo conquistar o cavalo xucro.

Eu fui visitar a casa de Gioconda, que ficava nos fundos, e acabei


jantando lá e ficando até mais tarde. Ela foi me acompanhar, atravessamos
toda área da piscina, até chegar à porta da cozinha de Thadeo.

— Será que ele já chegou? — perguntei. Incomodada por saber que


Thadeo estava farreando pela noite. Que pervertido!

— Às vezes ele só volta pela manhã. Está com medo de dormir aí dentro
sozinha? Posso dormir aí, se quiser.

— Não. Está tudo bem.

— Certo. Então, boa noite, querida.

— Boa noite, Gioconda. — Entrei, fechei a porta, peguei um copo de


água e levei para o quarto.

Já preparada para dormir, sentei-me na cama e liguei a televisão. Estava


sem um pingo de sono. Os minutos se arrastaram, viraram horas e Thadeo
não voltou para casa. Deitei-me para dormir às três da manhã e achei bizarro
meu alívio por ele não ter voltado com uma mulher. Eu não queria ver
novamente outra cena daquela...

Pela manhã, bem cedo, ouvi um barulho de carro. Pulei da cama e espiei
pela janela. Um carro branco e muito bonito deixava a vinícola, indo em
direção ao portão. Thadeo teria chegado?

Vesti o robe, abri a porta e espiei. E, para minha surpresa, havia uma
caixa no chão, diante da minha porta.

Peguei-a e trouxe-a para dentro. Coloquei-a sobre a cama, abri e me


deparei com um tecido vermelho. Um bilhete em cima dizia:
“Por favor, me faça companhia hoje à noite, em uma degustação de
queijos e vinhos.”

Thadeo

Meu coração saltou. Senti todo sangue ir para a face. Peguei o tecido e o
levantei, surpreendendo-me com um vestido vermelho muito bonito.
Experimentei-o diante do corpo, e era curto, na altura do joelho.

O cavalo xucro sabia ser um gentleman. De repente, estava radiante com


o convite.
QUATORZE
THADEO

Resmunguei qualquer palavrão e tentei abrir os olhos, mas tudo girou à


minha volta. Minha cabeça estava prestes a explodir, e eu não lembrava de
quase nada.

Saíra de casa para buscar o meu carro que havia ficado em Belém no dia
anterior, e que tinha sido trazido para a fazenda Capello por um funcionário
de Fernando, que fora buscá-lo. Depois lembro de Carmem me ligando com
urgência e eu indo ao apartamento dela.

Abri os olhos e me vi em uma cama, em um quarto desconhecido,


deitado só de cueca. Sentei-me na cama e me acostumei com a claridade,
antes de visualizar melhor o ambiente. Havia uma garrafa de vodca vazia,
copos jogados no chão e várias camisinhas espalhadas sobre o criado mudo,
ao lado da cama.

Mas que merda...

— Oi, grandão, enfim acordou. — Carmem apareceu à porta, vestindo


uma camisola quase transparente. — Preparei um cafezinho para te fortificar.

— O que houve? O que estou fazendo aqui?

— Não me ofenda. — Ela aproximou-se, subiu na cama e me abraçou


por trás, fazendo massagem em meus ombros. — Eu ficarei triste se fingir
que não se lembra da nossa noite. Enfim, você venceu e me convenceu. —
Mordeu a pontinha da minha orelha. — Me entreguei a madrugada toda —
terminou, sussurrando.

Mas que caralhos... Eu só lembrava de chegar e me sentar com ela no


sofá...

— Carmem, tenho certeza de que irei me lembrar. Mas agora, preciso ir.
— Eu não queria magoá-la, não era apenas minha advogada, era minha amiga
de longa data. Uma das únicas mulheres que deixei que se aproximasse
demais da minha alma.

— Tudo bem, eu te levo — ela foi gentil, falando mansamente.

— E o meu carro?
— Poderá vir buscá-lo depois. Não está em condições de dirigir. Vá se
trocar, eu também vou.

— Não está incomodada por eu não me lembrar...?

— Eu lembro por nós dois, e poderemos repetir depois, para você ter
lembranças mais claras. — Sorriu adoravelmente. — E olha as provas aí. —
Ela apontou para as camisinhas usadas sobre o criado mudo. Não tinha como
contestar; estavam repletas de líquido viscoso.

Pelo visto, eu havia gozado pra cacete.

— Merda. Olha a sujeira que eu fiz. — Peguei as camisinhas e levei


para o banheiro. Joguei na lixeira e abaixei minha cueca. Ah, que maldição!

Bêbado não devia mesmo transar. Havia esperma seco grudado em toda
parte de meu corpo. Nas bolas, nas coxas, na virilha. O que evidenciava que
eu havia feito a maior baderna.

Essa situação me assustava muito, uma vez que sempre fui um homem
metódico nessas ocasiões, jamais trepei caindo de bêbado e jamais esqueci de
uma noite de farra. Tomei um banho rápido, me vesti na velocidade da luz,
enquanto Carmem me esperava na sala. Minhas botas estavam lá. Havia
também uma garrafa de vinho e duas taças na mesinha de centro.

— Bebemos para caramba, hein? — observei. — Eu pretendia dormir


cedo, pois hoje tenho muita coisa para fazer na vinícola.

— Está tudo bem. Falando em vinícola, minha prima Michele está vindo
para a degustação de vinhos e queijos que você a convidou ontem.

— O quê? — Parei de calçar a bota e olhei para Carmem. — Eu


convidei?

— Ah, Thadeo... — Bateu as mãos na cintura. — Claro que sim. Eu nem


queria ir, e você tomou o telefone da minha mão e a convidou. E agora?

— Carmem...! Caralho. — Enfiei as mãos nos cabelos em um gesto de


aflição. — Eu não sei... Degustação de vinhos e queijos? Lá na vinícola?

— Sim. E agora? — Carmem demostrou irritação. — Ela está a


caminho.

Eu queria dizer para ela mandar a prima catar coquinho. Mas lembrei
que Carmem estava sendo bem gentil comigo, por eu nem ter lembrado de ter
transado com ela.

— Eu não posso aceitar isso — ela continuou, pressionando. — Ficarei


muito triste com você se nos der esse bolo.

Terminei de calçar as botas e fiquei de pé. Que mal poderia ter?

— Tá. Tudo bem. Eu fiz queijo ontem... Pode levar ela às...

— Iremos mais cedo, para ela conhecer tudo. Agora talvez isso vá te
ajudar a lembrar. — Ela me puxou e beijou minha boca. Eu segurei Carmem
em meus braços e a beijei de volta, tentando buscar uma tímida lembrança.
Eu estava confuso, e única coisa que me veio à mente, de forma inexplicável,
foi Gema. Me afastei de Carmem.

— Vamos? — resmunguei, já ficando bem puto e impaciente.

— Vamos. — Ela abraçou meu braço e saímos.

Na vinícola, ela me levou até a porta principal. Ainda era cedo, sete e
quinze, e a casa estava em silêncio.

— Vá dormir um pouco, antes de pegar no pesado. — Carmem


recomendou. — Já estou indo, ok?

— Valeu e desculpe por...

— Tudo bem. Quem sabe hoje à noite não repetimos, e você se lembra
depois? Sabia que minha prima tem tesão por você? O que acha de um
ménage?

Uau! Parecia que ganhara um bom bônus. Mas não sentia um pingo de
euforia.

— É, quem sabe. — Virei as costas e subi as escadas. Cai de roupa e


tudo na minha cama. Estava exausto, uma ressaca que jamais havia sentido. E
olha que eu era bom de litro. Era preciso muito para me derrubar e apagar
minha memória.

Passou-se minutos até eu ouvi o carro de Carmem sair, e então


adormeci.

***

— Thadeo.

Abri os olhos e sentei-me sobressaltado. Gioconda estava de pé, diante


de mim.

— Rodrigo precisa de você lá nas uvas. Está se sentindo bem?

— Ah... Sim. Estou legal. Já desço. — Baguncei os cabelos e andei


trôpego para o banheiro.

— Gioconda, me arranje um analgésico. Minha cabeça está estourando


— pedi, ao chegar na cozinha.

— Bebeu demais? — questionou, com uma pontinha de crítica.

— Acho que passei da medida. — Me servi de café e tomei ali mesmo,


de pé. Ela me deu o comprimido, e eu engoli junto com o líquido quente. —
Gema ainda não se levantou?

Caramba! Eu já estava sentindo falta dela.

— Já desceu.

— Já?

— Rodrigo veio com a caminhonete te chamar, e ela aproveitou e pegou


carona com ele. — Gioconda respondeu sem dar importância ao fato. Eu
senti meu coração saltar com um leve estresse.

— Ela foi com o Rodrigo? Por que não me esperou?

— Porque achamos que você não estava se sentindo bem. Ela enfim
virou-se para mim e sorriu amavelmente: — Não se preocupe, ele prometeu
que vai cuidar muito bem da Gema.

Engoli em seco. Porcaria.

Alcancei meu chapéu, coloquei na cabeça, montei no cavalo e saí


vazado.
Rodrigo estava ao lado de Gema, bem pertinho, explicando algo,
enquanto ela tirava, com cuidado, um cacho de uva e depositava no cesto.
Observei de longe, ela dava total atenção a ele e parecia confiar nele;
diferente de mim, que só recebia patadas. Gema sorriu de algo que ele falou e
escondeu o rosto com timidez acentuada.

Mas o quê?

— Quero saber se os dois estão trabalhando ou só de conversinha. —


Me pus diante deles. Braços cruzados, pernas abertas, sobrancelhas baixas.
Eu era bem exigente e não gostava de funcionário conversando durante o
expediente, era só isso.

— Ah, achei que ia ficar hoje o dia todo de cama — Gema falou,
cantarolando, cheia de intimidade. — Gioconda comentou que você não
estava se sentindo bem.

— Estou muito bem. — Fechei mesmo a cara, nem dei ousadia. — O


que está havendo, Rodrigo?

— Ah, Thadeo. apareceram umas praguinhas nas uvas, daquele lado.


Queria que desse uma olhada. Não parece nada grave, mas não custa tomar
precaução.

— O que houve? — Gema estava parada me encarando. — É coisa da


barriga? Estômago ruim?

Fingia se preocupar, mas nem foi tentar saber se eu estava mesmo bem.
Já correu com o outro para cá.

— Já disse que estou bem. Bem e de olhos abertos. — Deixei-a de


cenho franzido, se fazendo de confusa, e acompanhei Rodrigo.
— Está enrabichado pela Germânia, Rodrigo? — questionei, enquanto
andava ao lado dele.

— Gema é uma mulher muito alto astral. Gentil, carismática. Eu seria


bem sortudo se ela olhasse para mim com outros olhos.

Como eu era um homem solidário, era meu dever precavê-lo.

— Pode ir tirando o cavalinho da chuva. Tem namorado, conheço ele, e


o bicho é ruim que dói.

— Sério? — Ele parou de andar me encarando. — Ela não me falou


nada.

— Pois devia ter falado. Ele não é gente que presta e é bem capaz de te
dar uma sova, se te pegar se engraçando com ela. Ele veio pessoalmente me
pedir para cuidar dela.

— Eu vi mesmo um moço com uns homens de preto lá no portão.

— Só anda daquele jeito, apoiado da máfia, coisa pesada.

— Cruz credo. Gema tão sensível e gentil. Por que arruma um cão ruim
desse?

— Quem manda no coração, não é? É melhor deixa ela de lado. — Bati


no ombro dele e voltamos a caminhar.

— Claro. Obrigado pelo conselho.

***
Quando o sol estava bem mais alto, às dez da manhã, eu pedi para parar
a colheita. Estava carregando a caminhonete com as uvas quando Gema se
aproximou.

— Oi. — Sorriu com as bochechas rosadas.

— Oi. — Enruguei a testa. E, de repente, ela se jogou em cima de mim e


beijou minha boca. Eu fiquei sem reação, mas seus lábios eram como um fio
desencapado, bastava tocar que eletrificava meu corpo. Reagi de imediato,
abraçando-a e beijando-a de volta, saboreando seu gosto feminino e sentindo
meus músculos enrijecerem com a delicadeza das mãos dela me apalpando.

Era gostoso demais beijar essa mulher, e eu poderia ficar louco se não
me controlasse imediatamente. A afastei, doido por mais. Doido por sentir
cada pedacinho de seu corpo. Tinha roupa demais... Eu queria nossas peles
nuas e suando juntas.

Gema estava ofegante e feliz. Sorrindo feito uma boba, e eu sem


entender.

— Minha resposta é sim. Estarei lá. Obrigada — sussurrou, beijou


minha boca novamente e afastou-se.

Obrigada pelo quê, meu pai do céu?

— Obrigada pelo quê? — questionei.

— Nem vou te responder, para a gente não brigar. Quero que tudo esteja
perfeito.

— Está soltinha, hein? — gritei. Ela nem se virou, entrou na


caminhonete, mas falou em alto e bom som: — A noite será uma criança.

— A noite? — Fiquei ali parado, sem entender. Até Rodrigo vir e tirar
minha atenção.

***

Eu ainda estava encucado com a reação de Gema e queria sentar e


conversar com ela. Mas tive que ir à cidade com Rodrigo, e, de lá, ele me
deixou no apartamento de Carmem, para eu pegar meu carro.

Ela me mostrou que meu nome estava rodando na mídia especializada,


por eu ter ficado no segundo lugar da feira de vinhos. Eu mal podia acreditar
naquilo tudo. E estava mesmo acontecendo. Começamos a fazer planos de
divulgação. Carmem disse que ia encontrar alguns nomes famosos no
mercado, e eu pensei em pedir umas ideias para Gema. Afinal, foi ela que
alavancou as vendas e me colocou no topo.

Decidi almoçar com Carmem, mesmo querendo ir logo para casa e


conversar com Gema. Todavia estávamos falando dos meus vinhos, e eu
gostava demais quando alguém parava para ouvir minhas ideias.

Minha irmã me ligou para me parabenizar. Stela sempre foi um elo que
unia os quatro irmãos homens, ela estava sempre à disposição, quando mais
precisávamos de um apoio. E não seria diferente agora.

Depois ela passou o telefone para nosso pai, e eu torci para que ele não
colocasse gosto ruim no meu sucesso instantâneo.

— Sua irmã me mostrou seu nome nos jornais. — A voz cansada ecoou.
Não parecia chateado.
— Pois é, pai. Parece mentira, mas consegui um pouco de prestígio.

— Um prestígio que você merece. Você, meu filho, um Capello. Não a


sua mãe ou seu avô.

— Pai...

— Tá, não vou ir por esse lado. Escuta, quero que venha aqui em casa.
Venha aqui, escolha uma garrafa de vinho e traga para seu velho pai. Enfim,
quero provar.

— Sério? — Meus olhos saltaram. Meu pai jamais colocou um vinho


D’Mattos na boca. Era muito rancor guardado do meu avô e da minha mãe.

— Sim. Porque eu sei que foi um Capello que fez. Eu tenho algo para te
contar, é importante, é sobre a vinícola.

— Certo. Domingo eu irei. Obrigado, meu pai.

Desliguei e olhei para Carmem. Ela sentou-se ao meu lado.

— Seu pai quer te ver?

— Quer me ver e provar meu vinho.

— Olha aí. Parabéns. Eu te disse que ele iria mudar de ideia quando
visse seu sucesso.

— É isso que me preocupa. Conheço o pai que tenho e só estou pedindo


a Deus que ele não tente jogar areia no meu brinquedo.

***
GEMA

— Estou tão nervosa, Gioconda. — Andei pela cozinha torcendo os


dedos. — Thadeo até se fingiu de desentendido.

— Ele é assim mesmo. É homem bruto e está tentando fazer isso da


melhor forma. Ele veio me pedir para preparar a mesa para uma degustação
de vinhos e queijos.

— Ah, sério? Então ele está preparando tudo...

— Sim, fique calma. Só se arrume e venha para a sala. Ele só deve estar
com medo de abrir a boca e colocar tudo a perder.

Mesmo com o conselho de Gioconda, eu ainda estava tensa. Thadeo


parecia distante hoje pela manhã e nem veio almoçar. De repente, me
condenei por ter sido tão impulsiva e o beijado. Jamais tinha feito aquilo, me
jogar nos braços de um homem, de forma tão atirada. Eu não estava me
reconhecendo.

Ele demorou de voltar e cabei pegando no sono. Quando acordei, vi a


Hilux preta estacionada, mostrando que ele estava em casa. Então era a hora
de eu começar a me aprontar.

Lavei meus cabelos, fiz as unhas com material de manicure que


Gioconda arranjou, fiz cachos nos cabelos, vesti a roupa e esperei. Eu mal
estava acreditando na minha coragem. O vestido tinha ficado perfeito no meu
corpo e, de repente, gostei das minhas pernas. Eu nunca as mostrava.
Meus cabelos estavam soltos com cachos nas pontas. Eu estava me
achando linda e segura de mim. A confiança nas alturas. Faltou apenas um
belo salto, mas isso não era possível.

Fiquei no quarto até as sete e meia, então me postei diante da porta,


alisei o vestido, suspirei várias vezes e saí do quarto.
QUINZE
GEMA

Cheguei à sala esbanjando um sorriso imenso e murchei no mesmo


instante. Fiquei paralisada ao ver uma mulher desconhecida sentada à mesa.
Bonita, jovem e de cabelos pretos e sedosos. Tudo estava bem arrumado,
havia flores, um candelabro, vinhos, queijos. Mas nem sinal de Thadeo.

— Oi — sussurrei, sem entender o que estava acontecendo.


— Oi — ela respondeu, sem deixar de lançar um olhar crítico para o
meu corpo. — Você é...

— Germânia, empregada da casa. — Era a voz de Carmem, e ela vinha


do escritório, desfilando em saltos altíssimos. Usava um vestido branco lindo,
que deixava os seios grandes quase saltando. — E essa é Michele, minha
prima.

Carmem também me olhou da cabeça aos pés e, subitamente, tinha um


sorriso de deboche nos lábios. Encolhi minhas pernas, porque seu olhar
estava ali.

— Corajoso da sua parte, Gema. Resolveu mostrar as perninhas?

— Onde está o Thadeo?

— Ele já vem. Enquanto isso, sirva-nos um pouco de vinho. — Sentou-


se à mesa e abriu um guardanapo no colo. — Gioconda já foi para a casa
dela, e cabe a você nos servir.

— Eu?

— Sim, minha querida. Você é a empregada aqui, e nós duas somos


convidadas do dono da casa para uma noite de vinhos e queijos. Ou achou
que se sentaria à mesa também?

Elas gargalharam, e a tal Michele sussurrou: “Que sonsa.”

— Ele convidou vocês? — Continuei ali, parada, incrédula.

— Ela é burrinha assim ou é só curiosa mesmo? — Michele cochichou


para Carmem, e as duas riram. E continuaram falando entre si:
— Vestido e sapatilhas? Que sem noção.

Olhei meu pé torto dentro da sapatilha e o desconforto me tomou.

— Ela é deficiente, puxa da perna — Carmem murmurou.

— Ah. É uma pena. Só tome cuidado na hora de servir, para não sacudir
muito o vinho.

Riram mais.

— Depressa, Germânia. Nossas taças estão vazias.

Eu estava paralisada. Queria correr e me refugiar no quarto, mas não


queria dar essa satisfação a elas. Meu sangue fervia de raiva, delas e de
Thadeo. Eu estava sendo humilhada gratuitamente, porque nunca fiz nada
contra nenhuma delas. Eu não queria cair nessa pilha, mas quão covarde eu
seria, se enfiasse o rabo entre as pernas e me escondesse no quarto?

— Então, pode nos servir vinho, querida? — Michele balançou a taça.


— Ou não consegue andar até aqui?

Ergui o rosto.

O que eu tinha que fazer era não desmoronar, não dar o gosto de me
verem caída. Logo eu, que passei minha vida apenas superando e superando.

— Sim. Eu trabalho aqui, mas estou na função de viticultora, sabem o


que é?

— Não quero saber — Carmem berrou. — É empregada do mesmo


jeito. Sirva-nos de vinho.

Tudo bem, Gema. Você lidou com irmãs serpentes a vida toda. Basta
respirar fundo e liberar a mágoa depois, quando estiver sozinha. Ergui o
queixo e caminhei até a mesa.

Peguei uma garrafa de vinho e o saca-rolhas. Abri com cuidado, despejei


o vinho no decantador e o peguei. Aproximei-me da taça de Carmem e
comecei a inclinar devagar e, em um impulso, derramei sobre o colo dela.
Ela deu um pulo gritando, e eu me afastei.

— O que você fez, sua demente?

O vestido de Carmem era branco, e agora estava todo manchado.

— Eu te perguntei se sabia o que era viticultora. Se soubesse, não teria


me mandado servir o vinho. Quem faz isso é garçonete, e isso eu não sou.
Vinho servido, vou me retirar.

Quando me virei, dei de cara com Thadeo, vindo do escritório. Estava


todo arrumado, o safado.

— Olha o que essa incompetente fez comigo, Thadeo — Carmem


gritava escandalosamente. Mas ele estava de olhos saltados, me admirando.
Eu queria esbofetear a cara do infeliz.

— Gema...? Você está...

— Me diga uma coisa. — O enfrentei. — Você tem uma noite de


degustação de vinhos e queijos?

— Sim. Eu marquei...

— E convidou elas?

— Sim. O que está acontecendo aqui? — Desviou o olhar de mim e


lançou para as duas lá na mesa. De verdade, não parecia entender.

— Nada. — Levantei as mãos, me rendendo. — Eu já estou de saída.

— Por que derramou vinho em Carmem? — Cruzou os braços, se


fazendo de investigativo, levantando uma sobrancelha em minha direção.

— Porque você não abre seus olhos? — Dei meia volta e caminhei para
fora da sala. No corredor, ele me alcançou. Segurou meu braço.

— Gema. Para onde está indo assim?

— Tenho um compromisso, ué.

Foi o mesmo que dar um soco no estômago dele. Thadeo empalideceu.

— Tem compromisso? Com quem?

— Thadeo, meu expediente acabou. Sou apenas uma funcionária. Elas


são suas convidadas, por favor, dê atenção a elas. Estou indo, pois estou
atrasada. — Virei mais uma vez e, novamente, ele me segurou.

— Por que vestiu algo que mostra as pernas, para um encontro com essa
pessoa? Ele é tão importante assim?

— Olha, eu julguei que ele era importante. Mas agora não tenho tanta
certeza de que esse vestido foi uma boa escolha.

— Vai sair da vinícola? — Parecia mais que preocupado, parecia


desesperado, vindo atrás de mim.

— Olá? — Estalei os dedos na cara dele — Relação patrão e


funcionária. Só deve saber que estarei amanhã no meu posto de colheita.
Ele me deixou ir, e eu segui direto para a casa de Gioconda. Bati na
porta, ela abriu e se assustou ao me ver.

— Oi, posso ficar um pouco aqui?

— Gema? Mas... e sua noite...?

— O Thadeo fez merda. Te conto depois. Só quero me distrair um


pouco.

— Claro, venha. Mas que filho de uma mãe. Vou torcer o pescoço do
infeliz.

Ela me levou para a sala, fez pipoca, e sentamos juntas para assistir
qualquer coisa na TV. Quando eu já estava bem mais calma, sem qualquer
vestígio de vontade de chorar, me despedi de Gioconda, prometendo-lhe
contar tudo amanhã.

Espiei na cozinha da casa de Thadeo e estava tudo em silêncio. Entrei,


fui andando devagar e espiei do corredor. Fiquei horrorizada ao vê-lo sentado
na cadeira, segurando uma taça de vinho, Carmem, de pé atrás dele, vestindo
um robe masculino, porque certamente teve que tirar o vestido manchado, e
Michele acabando de se sentar no colo dele. Engoli saliva junto com a raiva.

Por que fui me sentir atraída justamente por um pervertido inveterado?


Carmem me viu e, então, ela puxou a cabeça de Thadeo, fazendo ele olhar
para trás, e o beijou na boca e depois empurrou a cabeça dele na direção de
Michele, e foi a vez dela beijá-lo também.

De olhos fechados, balancei a cabeça, magoada e saí dali. Por que eu


estava magoada com essa merda toda? Ele era só um homem qualquer. Não
tínhamos vínculos, não tínhamos nada. Eu o quis sim, ponto, como qualquer
mulher poderia sentir atração como um tipo como ele, mas não deveria passar
disso.

Voltei para a cozinha, abri a geladeira, peguei uma garrafa de vinho pela
metade e saí da casa. Andei sem rumo pela noite, pela vinícola, bebendo
vinho no gargalo e sentindo ódio gratuito de mim mesma, por ter caído de
joelhos tão facilmente.

O safado era gostoso? Sim. Beijava bem? Sim. Mas que se foda.
Homem era o que não faltava no mundo.

E, de repente, eu estava diante do portão. Observei a noite lá fora na


mata. Luan ainda me procurava? O que estava acontecendo com minha
família? Estariam em perigo por minha causa? Talvez fosse melhor eu ir
embora.

— Oi... Germânia? — Ouvi atrás de mim e virei-me, abraçando a


garrafa e vinho. Era o segurança. — Tudo bem? Quer sair?

— Não. Só estou observando a noite. — Passei os olhos pelo corpo dele.


Enorme. Parecia ter menos de trinta anos e era simpático. Aproximei-me dele
e deslizei a mão em seu peito. — Hum... Bem durinho. Malha bastante?

Eu já tinha tomado tanto vinho assim?

— Malho o suficiente — falou sem tirar minha mão dali.

— Seu nome é?

— Renan.

— Oi, Renan... Prazer, Germânia.


Ele sorriu, assentindo, e eu me lembrei da humilhação que sofrera
daquelas vacas e, ainda por cima, da mágoa de ver Thadeo beijando as duas.
Puxei o colarinho de Renan e ataquei seus lábios em um beijo voraz. Eu não
sabia o que estava fazendo, mas sabia o que eu não iria fazer: deitar e chorar
como uma trouxa.

***

— O quê? — Sentei-me apavorada. Meu corpo doía como se estivesse


dentro de um baú. Olhei em volta, e me vi em um cômodo apertado, deitada
em um sofá minúsculo. Renan deitado no chão.

— Que bom que acordou. — Ele sentou-se — Vou te levar até a casa...

— O que houve? — Ajeitei meus cabelos — Já é dia?

— Sim. Começamos a nos pegar, eu te trouxe para cá, para a guarita,


bebemos o resto do vinho, você queria mais álcool, eu tinha um conhaque
aqui, e você bebeu tudo. Depois começamos a nos beijar e...

— Eu vomitei em cima de você — terminei o relato, em um sussurro


envergonhado, lembrando-me vagamente dessa parte. — Desculpa.

— Tudo bem. — Sorriu condescendente. — Você dormiu, e eu não quis


te acordar.

Fiquei de pé com a ajuda dele, e saímos da guarita. Andamos lado a lado


até a casa. Ignorei o clima estranho que nos rodeava. E quando entrei, Thadeo
estava na sala, andando de um lado para o outro, e Gioconda sentada com o
rosto entre as mãos.
— Gema! — Ela pulou ao me ver.

— O que houve, gente? — Fitei os dois.

— Caralho! Onde você se meteu, Germânia? — Thadeo berrou.

— Eu te falei que tinha um encontro.

— Mentira. Gioconda me contou tudo. Foi um mal-entendido... Uma


armação de Carmem.

— Ah! Por que não estou surpresa? Bom, a conversa está ótima, mas
estou indo tomar uma ducha. Renan, obrigada pela noite. — Pisquei para o
segurança e caminhei, mancando, para meu quarto. Estava na porta, quando
ouvi os gritos de Thadeo interrogando Renan. Voltei imediatamente, a tempo
de ouvir ele gritar: “Está demitido”. Renan saiu e Gioconda o seguiu rápido,
como se fosse ampará-lo.

— Thadeo, o que está fazendo? Por que o demitiu?

Thadeo virou-se puto de tanta ira e me encarou.

— Isso não é da sua conta. Vista-se e vai para a colheita.

Ah, pronto! O cavalo xucro estava de volta.

— Meu Deus. Não precisa demiti-lo... Ele me ajudou e...

— Eu sou o dono dessa merda e demito quem eu quero. — Caminhou


em direção à escada. O interceptei.

— E o que ele fez? — eu gritei. — Ele é um ótimo funcionário.

— Enjoei da cara dele. — Fez uma pose esnobe, bem prepotente. — E


se você começar a me abusar, será a próxima.

Coloquei a mão no peito, assustada com a ameaça. Eu não estava


entendendo a atitude dele, e quando uma hipótese veio à minha mente, o
enfrentei, cruzando os braços.

— Por acaso, está tomando essa atitude só porque eu dormi com ele?

Thadeo desceu o degrau e voltou para perto de mim.

— Oh, ela enche a boca para falar, como se fosse um ato orgulhoso.
Não tem vergonha na cara de sair à noite bebendo e dormindo com qualquer
estranho que vê? — berrou um sermão bem na minha cara. — É isso que faz
uma mulher ser independente?

— Sim, é isso — devolvi de volta no mesmo tom. — O poder de


escolha. Eu estava com tesão e pretendia dar para você, mas preferiu outras, e
eu fui atrás de outro. Século vinte e um, meu querido, direitos iguais.

Ele recusou, ao ouvir minha confissão de que queria dar para ele.
Merda! Essa minha boca que falava sem filtros no momento da raiva.

— Eu cheguei a achar que você era uma mulher especial, Gema. Por
causa de sua deficiência... por...

— Por quê? Deficiente não pode farrear? Eu seria a mulher perfeita para
você, se passasse a noite chorando porque o homem com o qual eu ia ter um
jantar especial estava com duas mulheres, se comendo na mesa de jantar feito
animais? É esse o tipo de atitude de uma mocinha especial?

— Não estou dizendo isso...

— Quer saber? Não devemos explicações um ao outro. Não temos nada.


Vou me preparar para o trabalho.

Me virei para sair, e ele falou, bem mais baixo:

— Não tive nada com elas. Eu me senti desconfortável e fui atrás de


você. Passei a noite em claro, te procurando.

Abaixei um pouco minhas ondas de raiva. Ele estava recuando, e eu


recuei também.

— Eu não transei com ele. Mas como já disse, não precisamos explicar
nada um ao outro... Não temos nada. — Me virei mais uma vez e, antes de
dar um passo, o ouvi um pouco baixo e receoso:

— Tenha algo comigo, então.

Virei-me tão rápida que quase caí. Puta merda!

— Como é que é?
DEZESSEIS
THADEO

NA NOITE ANTERIOR

Michele se esfregava em meu colo e Carmem atrás de mim,


massageando meus ombros, mordendo meu pescoço, tentando me animar.
Mas, na minha mente, rolava outra coisa. Eu estava amaldiçoando tudo à
minha volta, estava puto de raiva por Germânia ter sido tão petulante e saído
com só Deus sabia quem. Ela me beijou, essa manhã, lá no vinhedo, e agora à
noite simplesmente sai com outro?

Com quem ela tinha saído? Rodrigo? Se fosse ele, poderia se considerar
demitido.

Carmem mordeu minha orelha, e eu afastei a cabeça.

— Saí. — Empurrei Michele do meu colo. Ela quase caiu no chão.


Fiquei de pé. O pau de um homem jamais funcionaria com a cabeça em outro
lugar.

— Thadeo, o que houve? — Carmem me olhou intrigada, dentro de um


robe meu que ela fez questão de vestir.

— Acabou a noite, Carmem. Pode vazar. As duas.

— Como assim, acabou? A noite apenas começou, querido. — Ela veio


até mim e abraçou-me.

— Carmem tem razão, Thadeo. — Michele aproximou-se melosa,


também. — Você nem me mostrou seus truques na cama. Estou pegando
fogo.

— Fica para a próxima, viu belezinha? — A empurrei para longe de


mim. Nesse instante, Gioconda ia entrando na sala. Ela parou, horrorizada, ao
ver as duas mulheres e me fuzilou com um olhar, como se eu fosse um
bandido da pior espécie.

— Onde está Gema? — ela inquiriu. — Ela saiu de lá de casa, dizendo


que vinha para cá.
— Gema? Ela tinha um encontro... — falei.

— Um encontro com você. Mas parece que você a magoou.

— Comigo? Eu não tinha combinado nada com ela. — Gioconda não


me respondeu. Caminhou para o quarto em que Gema estava hospedada.

— Bom. Precisamos mesmo ir — Carmem falou, apressando-se em


pegar sua bolsa. — Vamos, Michele. Thadeo tem razão, outro dia nos
divertimos.

— Mas Carmem, você falou que...

— Anda logo, Michele. Cacete! — Carmem correu, pegando a bolsa de


Michele, e eu observando tudo, sem entender nada. Antes de elas correrem
para a porta, Gioconda veio do quarto e me entregou um cartão.

— Aqui está. O convite que Gema recebeu, assinado no seu nome, para
comparecer hoje a uma degustação de vinho. Ela estava muito feliz e ansiosa
para o momento de jantar com você.

Eu quase tive que me sentar na porra da cadeira, tamanho foi o baque no


meu peito. Um belo tiro de bazuca. Ela se vestiu para mim? Vestiu,
corajosamente, um vestido curto, mostrando as pernas, para ter um encontro
comigo?

— Quem fez essa merda? — gritei, balançando o cartão. Nem precisou


muita coisa para eu perceber a verdade bem ali, na minha cara. Carmem
estava pálida e de olhos saltados e até deu um passo para trás, quando eu a
fitei.

— Por que fez isso, Carmem?


— Porque você está ficando cego com essa... essa pessoa aqui dentro da
casa. Thadeo, você não é mais o mesmo... Era tão centrado e...

— Carmem, por favor, saia da minha frente.

— Thadeo, eu fiz só...

— Saia da porra da minha frente! — Pude jurar que as paredes tremeram


com meu grito.

Ela colocou a bolsa no ombro, direcionou um olhar vingativo para


Gioconda e voltou a me encarar.

— Eu ainda sou sua advogada. Só me procure quando estiver de cabeça


fria. Me recuso a falar com você nesse estado.

Ah, que merda. Eu que não queria falar nada com ela. Porra! Eu odiava
tanto essa merda de marcação de território que a Carmem sempre teve em
relação a mim. Era como se fosse minha dona. Ou ao menos ela pensava que
era.

Carmem saiu com a prima e bateu a porta estrondosamente. Com as


mãos nos cabelos, olhei para Gioconda.

— E agora? Onde Gema está?

— Ah, meu Deus. A coitadinha ficou tão triste. Será que ela foi embora,
no meio da noite?

Meu coração se partiu, imaginando como ela pôde ter sentido ao se


preparar para um encontro comigo e me ver com outras. Eu a encorajei a
usar vestido curto, e ela o usou para mim.
— Vira essa boca pra lá. Vou procurá-la.

***

GÊRMANIA

AGORA

Me virei mais uma vez e, antes de dar um passo, ouvi Thadeo falar um
pouco baixo e receoso:

— Tenha algo comigo, então.

Virei-me tão rápida que quase caí. Puta merda!

— Como é que é?

Thadeo olhava para baixo, dobrando o chapéu, em demonstração clara


de nervosismo. Era evidente que ele mesmo não sabia lidar com a atitude
espontânea que teve.

— Tenha algo comigo, e então teremos que dar explicações.

— Você quer mesmo isso, ou é apenas um surto possessivo? —


interroguei, e ele me encarou.

— Se eu estou falando, é porque quero, caramba. — Pronto, já estava


impaciente de novo.

— Acho que precisa primeiro me pedir desculpas e readmitir Renan. Ele


foi respeitoso comigo...

— Você quer que eu implore, Germânia? — Deu um passo em minha


direção. Tinha uma expressão de como se eu o tivesse ofendido — Pois fique
sabendo que jamais irei implorar por qualquer mulher que seja. Eu vejo cada
coisa! — Virou-se e, em passadas brutas, subiu a escada.

Eu fiquei lá paralisada, sem entender porcaria nenhuma. Ele me propõe


um relacionamento e depois dá para trás? Quem pode entender esse homem?
Saí na porta e vi Gioconda conversando com Renan. Aproximei-me.

— Ele não vai mais te demitir. — Anunciei.

— Não? — Surpresa e alegria banharam seu rosto.

— Não. Pode trocar de turno e esteja aqui a amanhã, no mesmo horário.

— Obrigado, Gema. — Ele afastou-se e quando já ia distante, olhei para


Gioconda. Ela falou:

— Que bom que Thadeo mudou de ideia. Eu que arranjei esse serviço
para o Renan. É um rapaz de bem, filho de uma amiga minha. Está
trabalhando para pagar os estudos.

Assenti e voltei para casa com ela. Gioconda foi preparar o café, e eu fui
me trocar para ir para o vinhedo.

***
O resto do dia passou rápido sem que eu me encontrasse com Thadeo
novamente. Ele parecia me evitar. Nem mesmo almoçou comigo. Chegou na
cozinha, vestindo apenas uma bermuda e cabelos molhados, penteados para
trás. Serviu-se pondo uma montanha de comida no prato e foi comer lá na
mesa de fora.

Ajudei Gioconda a arrumar a cozinha, depois nos sentamos em frente à


casa, nas cadeiras de balanço, vendo o dia passar e falando sobre a vida.
Contei a ela sobre a faculdade, sobre o dia que entrei no baile de formandos
sem minhas muletas e evitei falar sobre o quase casamento. Eu estava
escondendo detalhes importantes e não poderia ficar comentando sobre isso.

— Por que aquela mulher fez tudo aquilo, Gioconda? — perguntei,


depois de um momento de silêncio. — Por que me enganar, só com a
intenção de me humilhar?

Gioconda tricotava, parou e me olhou por cima dos óculos.

— Porque ela quer te afastar daqui, de alguma forma ela te vê como


ameaça.

— Ameaça a quê?

— Ao poder dela. Carmem comanda tudo isso aqui, incluindo o boboca


do Thadeo. O que ela diz, para ele é lei. Converse com ele, não dê brechas
para que ela volte a enfiar as garras nesse coitado.

— Ele é tão rude e cabeça dura. Não sei se quero gastar minha paciência
com ele.

— Toda chance que você der, não será em vão. — Voltou a tricotar. —
Você é a única que consegue enfrentar esse Capello cabeça dura.
Ela estava certa. A conversa de mais cedo ainda não estava resolvida.
Quando a noite chegou, eu sabia que Thadeo estava no quarto se arrumando
para sair, e era minha chance de confrontá-lo. Não deixaria nada para
amanhã.

Subi as escadas, com um pouco de dificuldade, e parei lá no alto,


descansando. Segui pelo corredor, e detive-me em frente à porta dele. Bati de
leve e escutei ele mandar entrar.

Espiei e Thadeo estava só de jeans, segurando um par de botas e me


olhou intrigado, paralisado, no meio do quarto.

— O que você quer?

Entrei e encostei a porta.

— Você odeia relacionamento. Por que me pediu para ter algo com
você?

— Algo não quer dizer um relacionamento sério. Eu nem sei por que
disse aquilo.

— E vai ficar por isso mesmo? Nem mesmo vai se desculpar?

Ele suspirou, deixou as botas caírem e cruzou os braços, me encarando.

Merda! Ele sempre estava um arraso.

— Eu te devo mesmo desculpas. Principalmente pelo que Carmem fez


em meu nome. Se eu fosse te chamar para jantar, eu faria pessoalmente.

— Tudo bem. Não foi sua culpa. Só abra os olhos em relação a ela. —
Me virei para sair do quarto, peguei na maçaneta, e ele falou:
— Mas... se fosse para termos algo, você aceitaria? Ou ainda está cedo
para pensar em um caso sexual?

— Sexual? — Me virei.

— O que eu desejo fazer com você, é bem carnal...

Engoli em seco. Porque às vezes o que eu desejava fazer com ele, era
bem pervertido também. Mas, a racionalidade me abraçou.

— Thadeo, eu acabei de sair de um relacionamento fracassado...

— Eu não te atraio?

— Me atrai, muito... Deixa eu concluir. Eu acabei um relacionamento e


não quero um caso de uma noite, como você está acostumado. Eu não
entendo por que você me propõe algo que...

— Porque eu não estou conseguindo controlar minha vontade de atacar


sua boca, sempre que está falando. Porque eu gosto quando você está por
perto e até quando gargalha escandalosamente. — Ele começou a dar passos
em minha direção, e eu gelei. — Porque estou me considerando um animal
enjaulado, desejando ter mais de você do que apenas um beijo. — Eu estava
encurralada contra a porta e o corpão cheiroso de Thadeo. Seus olhos
cravados nos meus. — Eu quero tanto te comer, eu quero você montada em
mim, quero cheirar seus cabelos enquanto geme e arranha minha pele, quero
sentir suas pernas em volta da minha cintura, enquanto te fodo contra a
parede.

Eu estava com as duas mãos no peito, estatelada, encarando-o. O


silêncio reinou. Minhas pernas estavam bambas.
— Tá. Fui longe demais. — Afastou-se. — Pode fugir agora.

— Você... quer... transar comigo?

— Você não disse mais cedo que queria dar para mim?

— Sim.

— E então? O que me diz?

— Bom... se tiver algo mais para me falar, o momento é esse, antes da


minha resposta — balbuciei.

Ele pegou um relógio enorme e colocou no pulso. De costas para mim,


falou:

— Gosto de usar a manteiga que preparo, para meter...

— Meter o quê?

— Sexo anal — falou, casualmente.

— Como... Como assim? Manteiga no...

— No cu. Não tem coisa melhor. — O sorriso malicioso dele me deixou


mais chocada.

Mais uma vez um silêncio aterrador no quarto. Eu estava assimilando o


que tinha ouvindo e não acreditava que pudesse ser real. Que merda aleatória
foi essa que ele me falou? Thadeo sentou-se para calçar as botas, jogou os
cabelos para trás e me olhou, nem um pouco abalado, como se o que tivesse
dito não fosse nenhuma bizarrice.

— Oi? Espera... O quê? Por que está me falando isso? Que bizarrice é
essa?

Ele levantou-se, veio até mim e abriu a porta, indicando para eu sair.

— Ok. Te assustei, mas só quis quebrar o gelo. — Riu da minha


expressão de horror.

— Quebra o gelo falando de manteiga no...

— É só um fetiche. Passo manteiga no pau e...

— Sim, eu entendi. Faz isso com as pessoas...?

— Com as mulheres. E se você for meu caso sexual, será apenas no


seu...

— No meu? Não, mesmo! — respondi de imediato, horrorizada.

— Então essa é sua resposta definitiva? Eu preciso saber, porque se falar


sim, hoje mesmo você nem vai dormir e fará Gioconda ouvir seus gritos de
prazer, lá da casa dela.

Meu Deus! Meu coração saltava tão depressa que podia sacudir minha
caixa torácica. Meu estômago se revirou, os seios se enrijeceram e meu sexo
se contraiu, de prazer instantâneo.

Que Jesus iluminasse meu caminho, mas eu ia me jogar sem medo no


precipício com o cavalo xucro.

— Para a manteiga no cu, a resposta é não. Para minhas pernas em volta


de sua cintura enquanto me fode contra a parede, a resposta é sim.

Thadeo sorriu de leve, fechou a porta e me puxou, com determinação,


para junto de seu corpo.
Germânia sua safada! A escolha gostosa nem sempre é a correta. Que eu
pudesse manter o coração longe desse nosso novo acordo.
DEZESSETE
GEMA

Thadeo me levantou do chão e minhas pernas enlaçaram sua cintura de


forma automática, como se já fosse uma prática costumeira.

Estávamos agarrados um ao outro, enquanto nossas bocas se


encontravam afoitas, no melhor beijo de língua que já pude ter. Era como se
algo proibido fosse de repente liberado. A mão de Thadeo percorreu minha
coxa, afastando, com ganância, o vestido, e sua palma imensa acolheu minha
bunda. O fogo subiu em meu corpo.
Ele não era o único a querer tocar.

Meus dedos estavam em festa, passando por cada pedacinho dele. Dos
braços musculosos aos ombros fortes e quando, enfim, eu os enveredei nos
cabelos grandes e negros, foi como se um ponto de bônus fosse ganhado. Eu
estava beijando o cavalão malcriado, agarrada a seu corpo e puxando seus
cabelos. E o resto do mundo parou de existir.

Thadeo me jogou na cama e afastou-se. Me vi arfando feito uma


condenada, de olhos saltados e tremendo igual a bambu em ventania. Ele
ficou lá, de pé, me olhando como se apreciasse uma obra de arte, e, num
instante, senti-me tímida, mas não receosa. Eu o queria. Queria mais do que
tudo sentir ondas de poder deixarem meu corpo. Queria esse homem com
urgência.

Thadeo não desgrudava seus olhos dos meus. Desabotoou o jeans que
estava estourando de tão esticado.. Tirou a calça, ficando só de cueca. Meu
estômago gelou ao ver o contorno de seu pênis embrutecido sob o tecido da
cueca. Ele estava pronto. Imaginei que nem teria tempo de arrancar meu
vestido longo.

Todavia, me enganei.

Apesar do membro robusto, Thadeo não demonstrou desespero. Ele


puxou um elástico de cabelo que ele sempre usava no pulso, juntou os
cabelos com as duas mãos e os prendeu em um coque no alto da cabeça. Sem
desviar dos meus olhos. Engoli em seco. Amarrar os cabelos, era sinal de que
a coisa ficou séria.

Ele tocou nos meus pés e subiu as mãos pelas minhas pernas, ao mesmo
tempo que afastava o tecido do vestido. Quando todo vestido já estava
levantado, no alto da minha cintura, ele tirou minha calcinha, com toda calma
que podia. E voltou a segurar meus pés. Ele levantou o pé torto, beijou-o e
depois beijou o outro.

Prendi a respiração quando seus lábios fecharam em torno de minha


panturrilha e, em seguida, os dentes, bem ali, uma mordida sexy que causou
impacto direto no meu ventre. Com o susto da mordida, puxei a perna, e
Thadeo a segurou e sorriu daquele seu jeito cretino.

— Sabe o que é melhor? — iIndagou. — Eu posso morder sua perna e


ter, ao mesmo tempo, uma visão perfeita de como está excitada.

Continuou a carícia nas pernas, os dedos passaram pelas coxas, e as


empurrou em um ângulo aberto perfeito. Eu estava completamente exposta.

Meu Deus! Meu coração batia em todo corpo. Inclusive na vagina.

Thadeo curvou-se, beijou minha coxa na parte de dentro e chupou ali.


Em seguida, beijou mais acima, bem pertinho de onde todo o meu prazer
crescia, me fazendo me ensopar. E chupou em seguida, ali na beirada, como
se quisesse só provocar. Forçou minhas pernas, mantendo-as abertas e,
calmamente, beijou ao redor.

E eu totalmente a mercê de seu joguinho.

— Já fez sexo alguma vez, Gema? — Levantou o rosto para mim.

— Ah... já — sussurrei.

— E ele já chupou sua boceta?

— Oh... Oi? O quê? — Fiquei atônita com o uso dessa palavra de forma
tão crua. Ele não repetiu a pergunta e distraiu-se tocando com o polegar, em
um vai e vem angustiante, meu ponto mais sedento.

— O... O básico — murmurei.

— Não tem nada de básico aqui comigo. Quero deixar claro. — Seu
dedo entrou em mim até a metade e eu me contorci.

— Eu devo me assustar?

— Só quando eu pegar a manteiga. — Afundou o dedo por completo,


encontrando meu interior pegando fogo. — Mas depois se acostuma. —
Tirou todo o dedo e chupou. Sim, Thadeo, chupou o dedo que estava dentro
da minha vagina e ainda fez uma cara maliciosa.

— Nada de manteiga. — Tentei sentar-me. Ele empurrou meu corpo de


volta para a cama.

— Certo. Fica quietinha aí. Vamos tirar esse vestido. — Meu vestido foi
descartado e, em seguida, o sutiã. E quando meus seios estavam livres, ele
subiu na cama, rastejou por cima de mim, encaixando nossos corpos com
perfeição, e sua dureza dentro da cueca, pressionada entre minhas pernas. No
ponto exato. Subitamente, queria sentir tudo dentro de mim. Abracei-o como
se fosse um bote salva-vidas.

Ele remexeu os quadris, sua pélvis fazendo pressão, e sorriu pertinho da


minha boca.

— Estou babando por você, Gema. — Levantou o quadril e bateu de


leve contra mim. Gemi. Mesmo com a cueca, eu sentia a pressão e seu peso.
— Pau e boca babando — sussurrou e me deu um beijo de língua, deixando
minha boca desejosa por mais, e saiu me beijando e mordendo: queixo,
pescoço, ombros e, enfim, seios.
Nunca subestime uma chupada nos seios.

Eu estava nas nuvens. Thadeo segurou meu tronco com as duas mãos e
fez delícias com a boca, em cada um dos meus seios. A cada chupada, eu
levantava o quadril, mordia o lábio e gemia.

— Soube desde o início que eram bons de chupar — ronronou,


pervertido, e desceu a boca para meu ventre. Beijou o umbigo e alcançou
minha virilha.

Luan não tinha feito isso comigo. Não com a boca. E se eu fosse frígida,
como ouvi Luan dizer? E se Thadeo, de repente odiasse, e o sexo se tornasse
frio e mediano para ele? Todas as minhas inseguranças vieram à tona, e eu
não sabia como lidar, para dar a ele prazer.

— Thadeo...

— Xiu. Calma, você está em boas mãos. — Piscou para mim, abaixou o
rosto entre minhas pernas e antes da primeira lambida, emendou: — Em boas
mãos e em boa língua.

Arregalei os olhos para o teto, quando a boca dele beijou meu sexo
pulsante.

O que é isso, meu Jesus...?

Me contorci, ele manteve minhas pernas abertas e me abocanhou mais


uma vez. Revirei os olhos.

— Er... O que está...

— Quer saber o está acontecendo? — Ele riu. — Estou te beijando. O


beijo da fera. — Voltou a me lamber, e eu senti o frio no estômago, melhor
do que aquele que senti na montanha russa. Meu ventre se contorceu de
prazer, minhas mãos agarraram os cabelos dele, e, quando ele chupou meu
clitóris, foi o fim. Ou melhor, o início de uma nova era. Eu entrava por uma
porta que jamais desconfiara que existia.

A língua e lábios dele continuaram me torturando deliciosamente, e


quando seus dedos entraram na festa, eu tive uma epifania de medo, porque
descobri que ele poderia ser o cara certo. Não dizem que você deve ficar com
a pessoa que seja seu “frio na barriga”? Thadeo era meu frio na barriga, meu
sangue borbulhante, minha onda de tesão desbravando tudo dentro de mim,
prestes a estourar como um vulcão.

E eu tive medo de constatar isso.

Era só sexo, porra! É só sexo, Gemâniaaaaa...

O orgasmo veio, e foi o nome dele que gritei quando me debatia sendo
segurada por suas mãos Um paraíso de estrelas se abriu no teto.

Thadeo voltou a se deitar em cima de mim, rindo, satisfeito, e beijou


minha boca. O abracei com força também, muito satisfeita.

— Vamos continuar? — indagou.

— É claro que sim — respondi entre um arfar e outro. Thadeo me beijou


mais uma vez, levantou-se e foi pegar algo na gaveta da cabeceira. Já voltou
rasgando um pacotinho de preservativo. Era incrível como ele fazia um
mínimo movimento parecer uma loucura de tesão.

Thadeo desceu a cueca, sempre mantendo o olhar compenetrado ao meu.


Ele era enorme, como eu já previra. Estava muito duro, robusto, uma beleza
erótica a qual jamais imaginei apreciar. Ele era lindo totalmente nu, usando
apenas um relógio grande no pulso, viril e poderoso, como se tivesse descido
diretamente do Olimpo.

Revestiu-se com a camisinha, mostrando agilidade, e veio em direção à


cama. Eu tinha feito o básico com Luan, e sabia pouco como proceder.
Thadeo usou seu jeito bruto, puxando minha perna, trazendo-me para a quina
da cama. Meu coração palpitou alvoroçado no pescoço.

Ele segurou minhas pernas, as empurrou, mantendo-me aberta, escorou


um joelho na cama e deu-se início à minha loucura explosiva.

Primeiro bateu o pênis, de leve, contra minha entrada totalmente


encharcada, fechei os olhos mordendo o lábio.

— Gema, olhe para mim — pediu, muito rouco.

Olhei, e ele se deslizou, com cuidado, para dentro. Senti a pressão, e,


automaticamente, tudo em mim abriu-se para recebê-lo. Ele era enorme e
delicioso, e eu o queria por inteiro, com toda a minha ganância sexual. A
pressão aumentava conforme ele se aprofundava mais e mais. Revirei os
olhos, virei o pescoço, gemi abertamente e o senti tocar bem no fundo.

Caramba! Ele estava todo dentro? Eu estava com medo de explodir,


tamanho era o prazer.

Thadeo manteve minhas pernas abertas e seguras, e iniciou os


movimentos mais deliciosos que eu poderia sentir. Ele chegava bem ao
fundo, batia a pélvis contra a minha, puxava novamente e repetia o processo.
O homem estava ali, imenso, inclinado sobre mim, muito gostoso e ele tinha
toda a visão do meu corpo na cama, enquanto eu, deitada, assistia o
monumento dos deuses me comendo esplendidamente.
E quando achou uma boa ideia entrar e sair devagar, ao mesmo tempo
em que o polegar acariciava meu clitóris. O orgasmo veio tão rápido que
jamais poderia controlar.

— Eu vou... Está vindo.

— Goze quantas vezes quiser, Geminha.

Me sacudi completamente, ele riu saboreando meu momento de êxtase e


continuou deslizando e tirando devagar e massageando o clitóris.

— Céus! — gritei. Caramba! Que delícia. Era muito bom chegar ao


clímax com meu interior se contraindo, enlouquecido ao redor do pênis dele.
Rapidamente, Thadeo me puxou da cama, fazendo com que eu o abraçasse.

Ele caminhou pelo quarto comigo agarrada ao seu corpo quente e forte,
beijando minha boca e se mexendo devagar para dentro e para fora. Bateu
minhas costas contra a parede, e eu entendi o que seria.

— Te foder contra a parede, Gema. — Os olhos negros brilharam.

Minhas pernas já estavam abraçando seu quadril.

— É o que mais quero nesse momento — sussurrei, puxei o elástico dos


cabelos dele, soltando-os, e enrosquei meus dedos ali. Thadeo me beijou,
sustentou minha bunda com uma mão e, dessa vez, soltou-se
impiedosamente, em batidas perfeitas e tão fundas que causavam descontrole
em minha respiração.

Parei de beijá-lo para gemer, e ele fazia um ótimo trabalho em me


devorar. A cada arremetida rápida, ondas de combustão se formavam mais
fortes em mim. E o melhor ainda era porque ele era enorme por completo e
forte, me sustentando com uma única mão e com a outra apoiada à parede. Os
músculos saltados eram foco exato para minhas unhas, que corriam de lá para
cá, arranhando-o.

De repente, quando eu estava quase gozando novamente entorno dele,


Thadeo girou comigo no quarto, foi caminhando e metendo a cada passo, e
me beijando de língua tudo ao mesmo tempo. Nem sei se os cabelos dele
doíam, mas eu os estava puxando sem limites.

Ele sentou-se na cama, eu sobre seu colo, agarrada.

— Pule, Gema — rosnou. — Cavalgue sem pena. — Desceu uma mão


pelas minhas costas. Meu pai eterno, a mão dele era imensa. Chegou à minha
bunda e acariciou ali. Eu cavalguei timidamente, olhando nos olhos dele, bem
pertinho.

— Está muito gostoso... — sussurrei.

— Você perdeu isso por muito tempo, sua besta. Dizem que sou o
melhor dessa região para se montar...

Tampei a boca dele com a mão. Meus seios se esfregavam contra o peito
musculoso e suado dele. E eu subia e descia, sentindo-o me abrir por
completo até bem no fundo e voltar, como um alívio angustiante.

— Não quero saber o que dizem. Eu tenho minha própria opinião.

— E qual é?

— Você é o melhor para montar. — Beijei-o e, enfim, cheguei assim ao


clímax, sentada sobre ele, olhando seus olhos letais e brutos. Quando joguei a
cabeça para trás, gritando, ele não parou de arremeter-se para dentro de mim
e ainda abocanhou meu pescoço à mostra. Chupou-o e mordeu-o em seguida,
e com isso, se libertou também, gemendo alto e muito gostoso, me agarrando
com força.

Thadeo tirou o preservativo e me levou para a cama. Caiu comigo sobre


os travesseiros e puxou meu corpo para aninhá-lo. Estávamos quentes e
suados e ainda ofegantes.

Não resumam o sexo a apelo carnal ou ato pervertido. É algo bonito, que
conecta pessoas em corpo e mente, além de ser sexy e dar a sensação de
poder. Eu me sentia poderosa e realizada. Ah, sim, não realizada
completamente, mas satisfeita por estar totalmente preenchida de prazer e
alegria naquele momento.

E que delícia de momento...

— Quer tomar um banho? — ele perguntou.

— Sim. Precisamos descer para jantar.

— E depois cada um para seu quarto — ele definiu. Assustei-me com o


tom, mas decidi não contestar.

— Claro.

— Deve saber que não durmo sempre com a mesma mulher. Às vezes
com alguém que trago ou...

— Não precisa me falar isso, não sou criança.

— Só não quero te iludir.

Me afastei. Ele não conseguia ficar sem ser babaca um instante.


— Me iludir com uma foda? Não sou tão carente assim. Vou tomar um
banho e descer para o jantar. Saí da cama.

— Gema...

— O quê?

— Está vendo? Já está criando intrigas, por isso que eu estava evitando
fazer sexo com uma mulher que mora na minha casa.

— Ah, vá se danar. Tomo banho no meu banheiro lá embaixo. — Peguei


minha roupa e comecei a vestir na velocidade da luz. Ele se vestia também.

— Gema, calma. Eu me expressei mal...

Nem respondi. Continuei concentrada em me vestir.

— Gema, olhe para mim, vamos conversar — Thadeo insistiu. Dei a ele
apenas um belo desprezo. Peguei minha sapatilha e saí do quarto descalça. E
ouvi ele gritar: “Vá então, faça o que quiser de sua vida.”

***

Eu tomei banho pensando no que acabara de acontecer. Eu tinha


transado com um cara que conheci há pouco mais de uma semana. Tudo bem,
isso não era o problema. O grande problema era ter um coração fraco e estar
inclinada a querer mais daquele cavalo xucro. Eu queria bater em Thadeo, por
ele ser tão insensível.

Cheguei na cozinha para jantar, tinha certeza de que Gioconda


desconfiava do que acontecera. Ela me olhou quase sorrindo. Será que eu
tinha gritado muito alto? Antes de eu sentar, vi Thadeo passar rápido para a
porta e sair batendo-a com força.

— Brigaram de novo? — Gioconda perguntou.

— Esse xucro não sabe o que é trégua.

Jantei pouco. Era incrível como meu corpo ainda ardia com as
lembranças do sexo. Aquele momento não ia sair da minha cabeça tão cedo, e
se eu me entregasse às lembranças, tudo em mim se acendia novamente; e a
dorzinha entre as pernas estava lá, pulsando para me fazer recordar.

Ajudei Gioconda na cozinha e me retirei para o quarto. Vesti uma


camisola, deitei-me e fui assistir qualquer coisa.

O tempo passou, e ele não voltava.

Idiota. Será que tinha ido chorar no ombro de Carmem? Essa suposição
fez mal a meu coração. Desliguei a televisão e me deitei olhando para o teto,
e então ouvi o barulho da Hilux. Ele voltara.

Ouvi a porta abrir e em seguida passos subindo a escada. Será que tinha
vindo acompanhado? Eu não duvidava nada daquele peste.

Cinco minutos depois passos descendo a escada, e minha porta se abriu.


Sentei-me na cama.

— Thadeo? — Acendi o abajur. Ele estava só de cueca segurando um


travesseiro. — O que está fazendo?

— Dormindo onde eu quiser na minha casa. — colocou o travesseiro ao


meu lado e deitou.
— Você mandou eu ir embora do seu quarto.

— Às vezes eu erro. Além do mais, esse quarto é meu, essa cama é


minha, e quero dormir aqui. — Me puxou, e eu deitei. Em um instante suas
pernas se enrolaram às minhas, e ele me abraçou. Maldito! O abraço perfeito
e gostoso.

— E precisa me abraçar?

— Sim. Agora vamos dormir. — O silêncio pairou no quarto. Mas ele


indagou, segundos depois: — Quer transar comigo amanhã bem cedo, antes
do expediente?

— Nós brigamos, Thadeo.

— Vamos fazer as pazes no sexo, tudo bem? Boa noite, Gema. Quero te
chupar igual uma uva amanhã.
DEZOITO
THADEO

Uva nova na plantação, ok.

Vinho fazendo sucesso, ok.

Pai querendo provar meu vinho, ok.

Uma bela mulher gostosa ao meu lado... Bati a mão ao lado e abri os
olhos, não encontrando Gema. Merda. Eu estava acordando, fazendo um
balanço mental perfeito da minha vida engatilhada e ela tinha que estragar
tudo.

— Gema? — Olhei para a porta do banheiro. Nem sinal. — Gema?

Ela não teria coragem. Será? Se levantou e não me chamou? Olhei no


relógio despertador ao lado da cama: sete e... caralho. Olha a hora!

Tive um sobressalto e saí da cama. Meu pau estava dolorido de tão duro,
morrendo de desejo de se acabar em um sexo matinal. Espiei na porta, ouvi
vozes vindo da cozinha, corri atravessando a sala e subi as escadas.

Minutos depois, desci pronto e vestido. Tesão ainda bombando pelo meu
corpo. Eu tinha certeza de que ela quis me punir. Gema ajudava Gioconda
com o café, rindo e contando lorota como se nada tivesse acontecido.

— Perdeu a hora, Thadeo? — Gioconda indagou. — É sempre o


primeiro a acordar.

— Pois é. — Puxei Gema discretamente. — Por que não me acordou?

— Eu tinha que te acordar?

Perto da pia, Gioconda espiou nós dois.

— Marcamos de transar antes do expediente — sussurrei.

— Não marquei nada. Você perguntou se eu queria, e eu não lembro de


ter respondido.

— E você não quer?

— Não disse que não quero. — Fez um falso olhar meigo, quase tímido.

— Eu estou pasmo com essa sua atitude. Está brincando comigo,


Germânia?

— Pelo visto, é bem fácil brincar com você. Venha tomar café, sua
manteiga está uma delícia. — Deu uma piscadela safada para mim.

Ela estava mesmo me provocando.

Contrariado, sentei-me à mesa e servi café na caneca. Gioconda não se


sentou com a gente, disse que precisava regar a horta e saiu. Gema sorriu
maliciosa. Meti a faca no requeijão e tirei uma tora.

— Por que está me olhando assim?

— Nada. — Sorriu e sorveu com calma o café. — Se eu cruzar as pernas


sinto, uma dorzinha gostosa... — murmurou. Eu fiquei paralisado, encarando-
a. Merda! Ela estava me atiçando como se passasse um pirulito na cara de
uma criança.

— Ainda estamos brigados? — perguntei, verdadeiramente interessado.

— Sim.

Eu não acreditava que ia insistir nisso. Fosse outra mulher, eu mandava


logo se catar, porque eu jamais ia deitar com uma mulher querendo fazer as
pazes.

Revirei os olhos.

Não vou me rebaixar...

Não vou me rebaixar...

Gema mordeu o pão e um pouco de manteiga lambuzou seu lábio. Ela


limpou com o dedo e o chupou.
Dane-se. Me rendi.

— E o que devo fazer para fazermos as pazes?

— Não falar tantas merdas já é um bom começo.

— Anotado. — Terminei o café, fiquei de pé, fui até ela e segurei sua
mão. Sem entender, Gema ficou de pé, olhando nos meus olhos. — Meu
pique não é fácil para acompanhar. Estou doido para ter você nua nos meus
braços de novo.

Ela arfou e antes de falar, beijei-a. Gema enlaçou meu pescoço, ficando
na ponta do pé. Quando me afastei, ela estava sorrindo e ofegante.

— Vamos. Hoje não iremos ao vinhedo. Vou te mostrar onde a mágica


dos vinhos acontece.

— A produção? — Germânia mostrou-se eufórica.

— Isso.

Toda a produção do vinho ficava em um galpão há uns metros da casa.


Era um dos lugares mais vigiados, ainda mais agora que estávamos
produzindo o precioso Cabernet Sauvignon.

Acenei para o segurança, ele abriu a porta de metal e entramos. Gema


olhou abismada para os tanques e virou-se para mim.

— Achei que teria aquelas bacias de madeira e gente amassando as uvas


com os pés.

Eu ri e continuei andando, com ela ao meu lado.

— Essa é uma técnica muito antiga. Talvez em vilarejos da Itália ou


França você ainda consiga encontrar esse tipo de produção tão artesanal. —
Bati em um tanque grande e alto. — Foi bem caro esses monstros aqui, mas
consegui comprá-los, e hoje temos menos serviço e uma melhor qualidade no
vinho.

— Legal. Aí dentro já tem o vinho?

— Não. Aí dentro está apenas o mosto, ou o suco da uva que ainda não
foi fermentado. Venha aqui. — A guiei por uma escada, e chegamos ao alto
de uma passarela, próximo à boca de outro tanque. Abri e olhamos dentro.
Havia muitas bolhas, como se o tanque estivesse em movimento.

— Essa é a fermentação. Veja, não tem nada ligado. O levedo está


movimentando o vinho.

— É lindo. — Gema me fitou com um largo sorriso. — É tudo muito


bem detalhado.

— Sim. Tudo tem que ser milimetricamente pensado: temperatura,


tempo, quantidade. E eu amo isso. Cresci vendo a fabricação do vinho e estou
feliz que agora tenha gente que queira experimentá-lo.

— Tenho certeza de que estará espalhado por todo o Brasil.

— Que assim seja. — Dei um beijo rápido nos lábios dela. — Ah,
venha. Vou te mostrar nosso depósito.

Descemos uma escada para o subsolo. Era como uma gigantesca adega
de tijolos vermelhos, com luzes fracas nas paredes e com uma temperatura
um pouco mais baixa. Estava tudo muito organizado, separado por data e
espécie de cada uva.
— Meu Deus, Thadeo. Tem muito vinho aqui.

— Sim. Muitos estão aqui há mais de quinze anos, desde quando minha
mãe os fabricava. — Gema estava apoiada ao meu braço, guiei-a até uma ala
mais afastada, repleta de garrafas empilhadas que quase chegavam ao teto.
Peguei com cuidado uma garrafa, tirei o pó e entreguei a Gema.

Ela leu o rótulo e levantou os olhos, quase com horror.

— Ano dois mil? Thadeo... Isso tem vinte anos.

— Pois é. Essa prateleira toda foi o que sobrou da produção da minha


mãe. Às vezes me pergunto se ainda prestam, mas não tenho coragem de
vendê-los ou jogá-los fora.

— Claro que não. Mas você pode abrir uma garrafa e experimentar.

— Sim. Farei isso. — Tomei a garrafa das mãos dela e guardei. —


Venha. — Ofereci meu braço para ela segurar. — O resto é mais recente.
Aquela ala é de dois mil e quatorze. Foi o que servi na feira.

— E estava delicioso. Se não fosse aquela tentativa de sabotagem... Nem


quero lembrar daquilo.

— Ainda irei descobrir quem fez aquilo.

— Não há câmeras aqui?

— Na parte externa sim, mas não captou nada. Ela mostrou em sua
expressão como achava isso tudo estranho. Assim como eu, que não entendia
como aquela adulteração nos vinhos acontecera. Em que momento tiveram a
chance de sabotar.
— E esses barris? — Gema perguntou.

— São de carvalho e custaram uma grana alta. Dentro deles estão os


vinhos mais finos e caros. Ficam descansando por pelo menos um ano no
barril, depois vão para as garrafas com rolhas e descansam por mais dois ou
três anos, antes de serem vendidos.

— Desculpe a pergunta indiscreta, mas como teve grana para arcar com
tudo isso, sendo que não vendia nada? — Eu abaixei os olhos, porque essa
pergunta me incomodava bastante, e ela percebeu.

— Desculpa. Esqueça. Eu fui muito indiscreta.

Estalei a língua, quase revoltado, não com ela, mas com esse assunto.
Me recostei em uma pilastra e cruzei os braços.

— Sou filho de você-sabe-quem. Ele insiste em me dar uma parte dos


lucros da Capello, uma porcentagem apenas, dizendo que é meu, por direito.

— E ele está certo.

— É. Eu só não torci o bico porque, de verdade, precisava da grana, para


aplicar na vinícola. Meu pai é um homem que quer tudo aos seus pés,
inclusive os filhos, ele manda nos quatro, menos em mim.

— E eu gosto disso, sabia? — Gema aproximou-se e fez uma caricia em


meu braço. — Eu gosto dessa sua força própria, de sua independência, do
desejo férreo de fazer seu trabalho prosperar. É o que compensa por ser tão
chucro às vezes.

— Eu achava que era outra coisa que compensava. — Ri e a puxei para


meus braços, e ela avançou, puxando minha nuca, para encontrar a minha
boca.

— Venha aqui. — Puxei a mão dela, levando-a para um canto da adega


onde podíamos nos sentar. Escolhi um vinho, um dos melhores, peguei o
pequeno canivete suíço que eu tinha como chaveiro, escolhi o saca-rolhas e
abri a garrafa. Eu e ela nos sentamos no chão, recostados à parede, dei o
primeiro gole e entreguei a garrafa a ela.

— É bem cedo para beber, não acha?

— Vinho não tem hora para se degustar. Prove.

Gema tomou um gole, sentiu o líquido no paladar, tomou mais um


pouco e me entregou a garrafa.

— Muito bom. — Ela olhou algo na parede e arrastou-se de quatro até o


outro lado, para verificar, e ficou de pé. Era uma lista de nomes gravados.

— As poucas pessoas que já visitaram essa adega — falei.

— Carmem. — Ela leu. — Tinha que ser.

Peguei o chaveiro de canivete no bolso e joguei para ela.

— Toma, escreva o seu. — Gema não se recusou. Pegou o canivete e


começou a gravar seu nome no canto da parede, junto aos outros nomes.

— Quero te perguntar outra coisa.

— Sobre minha família? — Bebi um gole, olhando-a concentrada em


riscar a parede.

— Não. Sobre aquela história de só se comprometer se uma noiva


aparecer à sua porta.
Passei as mãos no rosto, desconcertado. Era um assunto que me tirava
do sério.

— Loucura do Fernando.

— Não parecia. Não quer me contar?

Tomei mais um gole de vinho. Tudo tinha sido só uma merda que falei
durante muito tempo, para justificar a falta de relacionamento. Eu nunca
esperava mesmo que uma noiva pudesse chegar à minha porta.

— Uma aposta idiota que fiz. Falei que só aceitaria relacionamento sério
quando a noiva aparecesse à minha porta. — Gema parou de riscar e me
olhou incrédula, ao mesmo tempo em que estava chocada.

— Então eu apareci, e todos agora acham que eu sou a escolhida e a


profecia foi cumprida?

— Claramente não é. — Meu tom foi bem irônico.

— Por que não posso ser?

— Você quer ser?

— Não, mas por que não posso?

Que ótimo. Ela não queria ser nada minha. Isso era bom ou péssimo?

— Oras, Gema. Porque você é muito bruta comigo às vezes, já notei que
gosta de fazer tudo do seu jeito e tem dificuldade em me obedecer.

— E você quer uma esposa que te obedeça e fale baixinho? — Voltou a


escrever.
— Não quero esposa de jeito nenhum.

Ela ficou um tempo terminando o que fazia, depois jogou o canivete


para mim e sentou-se ao meu lado.

— Como se eu quisesse um marido xucro que vive falando besteira. —


Tomou a garrafa da minha mão e tomou um gole.

— Mas para foder você quer, não é?

— Lógico que sim. — Deu uma risada safada. Disse que não quero um
marido.

— Quer fazer agora?

— Vamos. — Bebeu mais um gole e, sem qualquer formalidade, sentou-


se no meu colo.

Começamos a nos beijar. As mãos dela foram rápidas em direção à


minha camiseta, levantou-a e enfiou-as por baixo, alcançando minha pele.

— Você cheira a vinho. — Ela apreciou passando o nariz em meu


ombro e mordendo de leve meu pescoço. Gema fez uma caricia gostosa em
meu corpo, enquanto me beijava, com gosto de vinho.

Arranquei a camiseta, e ela me beijou por completo. No peito, nos


ombros, no pescoço.

Eu estava prestes a tirar o vestido dela, porque queria muito beijar e


chupar seus seios, mas então ouvi:

— Thadeo? Está aí? — Merda, era Rodrigo. Gema assustou-se e saiu do


meu colo tropeçando na saia longa e quase caindo. A garrafa de vinho virou e
ela pegou rápido deixando derramar só um pouco.

Caralho, que empata foda.

— Ah... Oi. — Ele olhou de mim e para Gema. — Desculpe incomodar,


é que as novas garrafas chegaram e o moço do site está aí querendo te ver.

— Tá. Obrigado, já estou indo.

Rodrigo olhou, quase com rancor para Gema. Mas virou-se e saiu.

— Oh, mandou fazer um site? — Ela animou-se.

— Sim, mandei. Vamos?

Enquanto andava de volta para casa, com Gema segurando em meu


braço, eu remoí sobre tudo que envolvia meu pai. Amanhã seria domingo, dia
de almoçar com ele e levar um vinho para ele provar.

Seria muito bom se eu tivesse um aliado que iria me apoiar em qualquer


circunstância, lá na mansão do velho. Olhei para Gema e uma ideia me
ocorreu. Eu poderia levá-la comigo. Não sabia se ela aceitaria, mas podia
fazer isso, sem que ela soubesse que estava indo ver minha família.

Era algo a se pensar.

***

ENQUANTO ISSO...
Luan estava, acima de tudo, aflito. As notícias não eram boas para seu
pai, e nenhum progresso tinha conseguido em relação ao desembargador
Jaime Ávila. Ele se sentia incompetente e burro, por não conseguir oprimir
uma família e obter resultados. Abriu devagar uma porta e observou Graziela
e Gabriela, as gêmeas filhas, de Jaime, que estavam em seu poder,
sequestradas.

Dentro de um quarto, com bastante mordomia, elas ainda dormiam


sossegadas. Eram as reféns mais bem tratadas do mundo. E odiou essa ordem
que partira do pai, que estava preso: “Não as trate como lixo”.

Luan queria torturá-las, para aliviar a raiva que sentia. Estava com muito
ódio de Germânia e dos pais dela. Ela simplesmente havia evaporado e coube
a ele dizer aos Ávila que Gema estava morta e que aconteceria o mesmo com
suas irmãs. Mas isso foi um tiro no pé, porque agora, Cora e Jaime só
aceitariam as imposições dele, se mostrasse onde estava o corpo de Gema.

Ele precisava encontrar a ex-noiva com urgência. O dia do julgamento


chegava e Jaime tinha que estar totalmente em suas mãos.

Revoltado, Luan deixou a casa de campo onde vinha se escondendo nas


últimas semanas, e dirigiu-se ao escritório de advocacia de Cora Ávila, onde
aconteceria uma reunião para decidir como seria o resgate das gêmeas e a
revelação de onde estava o suposto corpo de Gema.

Entrou no prédio sem que ninguém desconfiasse quem, na verdade, era


ele. Ele era filho de um político corrupto e ligado à máfia, e que estava agora
preso, esperando julgamento em segunda instância. Luan só tinha que
conseguir os votos dos desembargadores para inocentar o seu pai e os dois
poderiam fugir, enfim.

Esperou com seus capangas, na sala de espera, até a secretária avisar


sobre sua presença. Cora Ávila era uma mulher elegante e muito bonita para
sua idade, mas, nas últimas semanas, com o desaparecimento de Germânia,
ela parecia um cadáver em movimento.

— Estou terminando uma reunião e irei recebê-lo. — Ela disse a Luan e


fechou a porta. Minutos depois, Jaime chegou e demostrou toda sua revolta e
repulsa contra Luan, nem o cumprimentou e entrou na sala da esposa.

Quando todos saíram, ela estava acompanhada de mais ou menos dez


jovens. Luan ficou de pé, olhando cada um deles, sem entender e questionou:

— Quem são essas pessoas?

— São meus alunos. E aspirantes a trabalhar aqui, na minha empresa. —


Todos foram embora, mas havia ainda uma mulher e um homem, ambos
muito bem vestidos, ao lado de Cora. Luan encarou o homem, que lhe
direcionou um olhar semicerrado, como se suspeitasse de algo. Cora teria
aberto o bico? Por que esse idiota o encarava de forma tão intrigante?

— O que foi, mermão? Perdeu algo aqui? — Luan o enfrentou.

— Perdão — Cora interveio. — Esse é Luan, noivo da minha filha —


apresentou aos dois que estavam com ela. — Luan, esses são Ulrich e
Carmem, advogados sêniores na minha empresa. Já estão de saída.

— Noivo da Grazi ou da Gabi? — Carmem indagou, tentando ser


amigável.

— Da mais velha, você não a conheceu. — Cora respondeu, sem querer


entrar nesse assunto. Porque lhe machucava se lembrar de Gema.

— Ah, sim. Eu vi algo sobre o casamento que não deu certo, no


noticiário. Está tudo bem?

— Sim, está. Até mais.

Luan achou a tal Carmem muito gostosa e ficou observando ela abraçar
o braço de Ulrich, e os dois saírem juntos, cochichando, e quando entraram
no elevador, eles não deixaram de encará-lo.

— Imundo desgraçado! Devolva minhas filhas. — Cora arrancou a


máscara de civilidade e tentou agarrar Luan, mas Jaime foi mais rápido e a
interceptou.

— Querida, vamos manter a calma.

— Diga onde Gema está! Eu quero minha filha... — Jaime a levou para
o escritório, Luan sorriu, ajeitou a gravata e entrou logo atrás do casal, sendo
escoltado pelos capangas.
DEZENOVE
GEMA

Saí do banheiro, enrolada em uma toalha, observei as opções de roupas


que tinha no armário e cheguei à conclusão de que precisava de mais algumas
peças, todavia não poderia sair no centro da cidade fazendo compras. A filha
de Gioconda poderia comprar mais, como da outra vez. O ruim é que eu não
tinha dinheiro para pagar e nem teria pelos próximos dias. Estava aqui
trabalhando pelo quarto e comida.

Olhei para a cama onde Thadeo e eu dormimos na noite passada. Será


que eu tinha mudado de patamar? Ou ainda era uma funcionária que tinha
regalias com o patrão? Isso era meio estranho e poderia ser alvo de
julgamentos, mas eu não iria me esforçar para mudar. Ficar com Thadeo era
meu mais novo vicio.

Ele tinha saído a tarde toda, para resolver umas coisas, e eu esperava que
estivesse aqui no jantar. Desde quando me tornei tão passional? Nem mesmo
com Luan, que era meu noivo, eu vibrava esperando o momento de revê-lo.

Pensando nisso, escolhi um vestido de verão, solto e que deixava as


curvas do meu corpo acentuadas.

Joguei o vestido na cama, peguei um potinho de hidratante que


Gioconda me dera e estava espalhando-o nas pernas quando a porta se abriu.
Era Thadeo. Vestindo apenas jeans e camiseta regata.

— Ei! Precisa bater na porta.

Ele entrou, fechou a porta e, sob meu olhar incrédulo, desabotoou a


calça e baixou o zíper.

— Já, já vamos nos bater na porta. — Ele já falou tirando a camiseta


regata. Puxou o elástico dos cabelos sacudindo-os, para que ficassem soltos, e
notei que estavam úmidos. E chegou bem perto de mim.

Seu cheiro gostoso me envolveu. Ele tinha acabado de tomar banho.

Corri o olhar pelo corpo dele e me acendi instantaneamente. Thadeo era


a palavra “tesão” personificava bem à minha frente. E eu não tentava reprimir
toda emoção que sentia, ao vê-lo desejoso por mim. Eu não relutava em
querê-lo na mesma intensidade.
— Você quer fazer o que estou pensando? — indaguei. Um lampejo de
desejo cobriu seu olhar e nos lábios um sorriso sexy.

— Espero que esteja pensando em sexo. Porque é a única coisa que


passou pela minha cabeça durante todo o dia. — Descaradamente, pegou
minha mão e a guiou pelo abdômen trincado dele. Thadeo nem piscava me
encarando e, levando minha mão para mais baixo, chegando perto, descendo
mais um pouco...

Meu pai amado.

A calça estava aberta, e ele me fez tocar bem em cima de sua cueca
estufada. Eu não puxei a mão, porque, na verdade, achei isso muito ousado e
erótico. Era bom olhar para sua cara e ver o prazer estampado ali, com um
simples toque de minha mão. Não acho que estava pronta para experimentar
tudo, mas desejava o maior contato íntimo possível e, por isso, fechei minha
mão em torno do seu volume duro.

Thadeo gemeu. Massageei mais um pouco e me surpreendi por gostar do


contato. Percorri, com os dedos, o contorno de seu pênis volumoso, louco
para escapar. Em seguida, puxei devagar o cós da cueca, o suficiente para
enfiar a mão. O prazer me dominava e me cegava a ponto de me dar esse
impulso.

Eu não queria perder nenhum pedacinho desse homem.

Ele era enorme, quente e duro, todavia macio. Fechei os dedos em torno
de sua ereção, e um gemido baixo e rouco escapou da garganta dele. Sorri. Eu
estava me derretendo entre as pernas e gostando de ter esse homenzarrão
xucro literalmente na minha mão.

Thadeo segurou minha nuca e puxou-me para um beijo. Não o soltei


enquanto ele abocanhava meus lábios com voracidade. Meus dedos fizeram
uma bela viagem dentro de sua cueca, tateando desde os testículos grandes
até a cabeça macia e pulsante e, então, senti umidade ali. Tirei minha mão e
fiz como ele tinha feito em mim na noite passada: lambi meu dedo, sob o
olhar perplexo dele. O homem achava mesmo que eu era a donzela inocente?

Thadeo me deu outro beijo e puxou minha toalha e admirou meu corpo
como se fosse a primeira vez que o tivesse visto. Sua mão grande e calejada
passou pelos meus seios e quase perdi o equilíbrio quando ele pinçou meu
mamilo e o torceu devagar. E, para minha surpresa, empurrou-me na cama.
Completamente nua.

— Te chupar toda, como se fosse uma uva — sussurrou e deitou-se na


cama como uma fera gigante, pairando sobre mim. — A melhor uva de toda
essa vinícola.

Pronto, eu estava sem fala. Ele sempre me deixava boquiaberta, sem


fala.

Ele cumpriu sua promessa. Chupou-me e lambeu-me como se eu fosse


uma sobremesa em um potinho que se devora com a língua. Thadeo me
deixou pegando fogo, na verdade, me fez entrar em ebulição com
impressionante rapidez. Sua boca era grande, a língua, uma arma impiedosa
contra mim, e ainda adicionava os dedos ao processo.

Mais uma vez, puxei seus cabelos, desvairada, explodindo com gemidos
altos. Tampe os ouvidos, Gioconda!

Eu ainda estava ofegante quando ele arrancou o jeans, vestiu um


preservativo e veio para cima de mim. Afastou minhas pernas com o joelho,
acomodou-se e pressionou. Eu estava molhada e foi fácil recebê-lo por
inteiro.

Thadeo gemeu, o abracei com ânsia, e quando as batidas rítmicas e


esfomeadas começaram, eu achei que nos fundiríamos em um só corpo.
Apertei suas coxas musculosas, subi minha mão para sua bunda que ia e
vinha sem parar. Ele buscou minhas mãos, as prendeu no alto da minha
cabeça e riu antes de me beijar com furor, enquanto me comia com pressa,
com todo o tesão que lhe tomou durante todo o dia.

E me fez chegar ao clímax assim, nessa posição, em cima de mim,


pesado e voraz.

Mas não tinha acabado. Me abraçou, virou-se na cama, deitado contra os


travesseiros, e me vi sentada sobre ele.

Se um dia o odiei, não lembro. Porque foi a melhor coisa tê-lo deitado
sob mim, e eu controlando as investidas. Eu apertei seu peitoral, gritei
jogando a cabeça para trás e busquei cada centímetro de seu pênis para me
satisfazer. Para nos satisfazer. Acabou para mim quando Thadeo me puxou e
chupou cada um dos meus seios, ao mesmo tempo em que me amava com
puro deleite.

Ele foi primeiro e me apertou enquanto gozava, e assim eu o


acompanhei imediatamente.

Ao final, éramos dois corpos enrolados um no outro e quentes,


respirando apressados. Eu estava com a cabeça em seu peito, ouvindo seu
coração desacelerar aos poucos.

— Vem comigo amanhã a um lugar — ele sussurrou, os dedos


emaranhados em meus cabelos. Levantei o rosto e encarei Thadeo.
— Onde?

— Almoçar em um lugar. É surpresa.

Me animei e quase fui boba em demostrar isso sorrindo.

— Está me convidando para um almoço?

— Sim.

— Você está bem fora de sintonia. Não gosta de dormir junto, mas vem
para meu quarto, não quer compromisso, mas me convida para um almoço.
— Voltei a deitar o rosto colado em peito dele.

— E você adora apontar falhas. Já almoça e janta comigo todo dia, sair
para comer não vai mudar muita coisa. Isso não é um pedido de namoro.

— Eu não sou inocente o suficiente para achar que é.

— Então, deixaremos as coisas claras: você trabalha na vinícola e transa


comigo. Só comigo. — Não tinha arrogância na sua voz e sim um leve traço
de preocupação, como se estivesse ameaçado. — E podemos dormir juntos
ou ter refeições juntos, mesmo assim continuará sendo só sexo.

— Você sempre repete essas regras, como se precisasse afirmar para si


mesmo que tudo não passa de diversão. Porque, pelo que eu me lembre,
nunca te pedi nada. — Sentei-me na cama e peguei o vestido caído no chão.
— Daqui a pouco eu vou embora, e você segue sua vida.

— Está planejando ir embora? — Thadeo sentou-se, a voz com leve tom


de estresse.

— Eu tenho minha vida, Thadeo. Estou aqui apenas me refugiando. Não


vou colher uvas para sempre.

Ele saiu da cama, vestiu a cueca e me encarou com as mãos na cintura.

— Desde quando está planejando isso?

— Desde que eu cheguei aqui. — Vesti o vestido e, em um rompante,


segurei na mão dele e o fiz sentar-se na cama ao meu lado. — Eu quero te
pedir uma coisa. Não fique relembrando sempre para a sua parceira de sexo,
que ela não é nada mais em sua vida que uma simples companheira de sexo.
Por mais que seja verdade, mulher não quer ser lembrada disso.

— Gema... Com você é diferente. Nem mesmo eu entendo. Eu nunca


falei isso com as mulheres, porque elas já sabiam, desde o primeiro momento,
que tudo não passaria de uma noite. Mas, subitamente, eu me vejo
preocupado com você.

— Preocupado? — O encarei.

— Em estar te iludindo e eu odiaria fazer você, especificamente você,


sofrer.

— Não se preocupe com isso. Talvez eu tenha o coração duro demais


para me entregar tão fácil.

Intimamente, eu sabia que não tinha coração forte. Porque eu gostava


muito de estar com Thadeo e tinha medo de isso crescer em proporções
irreparáveis.

— Não estou abrindo uma exceção para você, Gema. Estou abrindo uma
exceção para eu poder viver esse momento. Eu quero deixar minhas próprias
regras de lado, para aproveitar sua companhia. — Ele estava desabafando, de
olhos baixos — O dia que sumiu a noite toda foi, para mim, a pior noite, e eu
vi, naquele momento, que não dava mais para ignorar todas as porras das
emoções.

— Você fica quase fofo quando abre o coração. — Dei uma cotovelada
nele. — Eu te entendo perfeitamente. Eu prometi que jamais tocaria em um
homem novamente depois de ter fugido do meu casamento. E então aparece
um homem enorme, irritante, gostoso e quente como uma caneca de café, e aí
já era a minha promessa.

Thadeo riu e me puxou, fazendo-me sentar-se em seu colo. Ele afastou


os cabelos do meu rosto e deu um beijinho casto nos meus lábios.

— Então, vamos transar, dormir juntos, trabalhar juntos...

— Sem compromisso — completei. — Vivendo cada minuto. Até o dia


da minha partida.

Senti o corpo dele estremecer ao ouvir isso. Thadeo apertou-me mais


forte.

Que esse dia não chegue tão rápido. Pensei e, por um instante, achei
que ele pensara a mesma coisa. Ele voltou a me beijar com necessidade,
como se precisasse do beijo.

***

Depois de nossa conversa, parecia que um peso de duzentos quilos tinha


saído de nossos ombros. Eu via Thadeo menos travado e eu sentia a mesma
coisa. Era quase como se fossemos mesmo namorados, mas logo espanei isso
da minha mente. Não éramos um casal para ir longe, e sim para curtir o
momento.

Chegamos juntos à cozinha. Thadeo abraçava meu ombro e eu, toda


feliz, abraçava sua cintura. Gioconda semicerrou os olhos para nós dois, mas
não perguntou nada.

Depois do jantar, ele foi resolver algumas coisas no escritório, e eu


ajudei Gioconda com as louças do jantar.

— Estão se dando bem? — ela perguntou.

— Sim.

— Graças a Deus. Esse homem enfim terá um destino.

Eu não queria magoá-la, mas não podia dar falsas esperanças.

— Não necessariamente. Estamos apenas vivendo um momento bom.


Daqui a pouco eu vou embora...

— Você pode ir embora, resolver sua vida e voltar. Você é a melhor


coisa que aconteceu na vida dele, desde que a pobre mãe morreu.

— Sério? O que houve com ela? Vejo que Thadeo tem uma relação de
devoção pela mãe...

— Ele nunca desabafa sobre isso. Tudo que aconteceu está bem
guardado no coração dele e em um quarto lá em cima que ninguém pode
entrar. — Gioconda espiou para ver se alguém vinha e cochichou: — O que
sei é que a vinícola faliu por causa dela. E morreu esquecida em uma casa de
repouso para dependentes de drogas.
— Meu Deus! — Coloquei as mãos na boca. — Coitada.

— E Thadeo era muito novo... Às vezes acho que ele se culpa. Por isso,
te peço: não o abandone totalmente. Talvez vocês consigam construir algo
bonito.

— É, talvez. — Pensei na minha verdade escondida. Eu tinha coisas


sérias para resolver lá fora, e havia medo em meu coração, de que talvez eu
não conseguisse escapar de algo maligno, quando deixasse a proteção da
vinícola.

Gioconda foi embora, e eu fui para meu quarto. Estava me preparando


para dormir e, quando saí do banheiro, Thadeo me esperava, vestindo apenas
uma cueca.

— Venha aqui — me chamou. Caminhei até ele. E, de supetão, me


pegou nos braços.

— O quê...

— É hora do calmante tarja-preta.

— Como assim?

— Te comer e depois te abraçar para dormir.

— Você vai me colocar no mal costume. Nunca mais vou querer outra
forma de dormir. — Thadeo riu, me beijou e me levou pela casa escura, rumo
à escada.

***
No domingo, acordamos cedo. Thadeo dispensou Gioconda, pois
iríamos almoçar fora. E quando chegou o momento de irmos, eu estava muito
apreensiva em deixar a vinícola. Era a primeira vez que eu ia para a cidade,
depois de ter fugido do casamento, e rezava para não encontrar ninguém que
me reconhecesse.

Às onze, saímos de casa.

— Onde é o restaurante? — perguntei, enquanto olhava meu cabelo no


espelho, ao lado dele no carro.

— Surpresa. — Thadeo sorriu meio sem graça. O pânico que eu sentia


gelava minhas mãos. Meu único medo era que alguém me visse. Meus pais,
irmãs... Luan.

O carro passou pela cidade, que não estava muito movimentada por ser
domingo, quase meio dia. Ele não parou em nenhum restaurante que eu
conhecesse. E me acalmei, pensando que não era do perfil dele me levar em
algo requintado.

Adentramos um bairro nobre da cidade e, de repente, ele parou diante de


uma mansão. O muro era imenso e o portão de ferro se abriu.

— Que lugar é esse? — perguntei. Thadeo não respondeu e nem olhou


para mim. Parecia desconcertado.

Vi a gigantesca mansão, com um jardim impecável e o desespero me


tomou.

— Que lugar é esse, Thadeo?


Ele parou o carro atrás de outros dois e ergueu os ombros.

— Me desculpe.

— O que...

— Viemos almoçar com meu pai, e eu te trouxe para não me sentir


sozinho aí dentro.
VINTE
THADEO

Era tão irônico e contraditório...

Eu não queria relacionamento sério, mas trouxe uma mulher para um


almoço com meu pai. Justo com meu pai, que iria fazer o maior interrogatório
do mundo com ela. Só agora eu via como fui imaturo ao expor Gema dessa
forma.

— Acalme-se — pedi a ela, com relutância. Gema ainda digeria o fato


de estar na casa do meu pai.

— Você não tinha esse direito — sussurrou e tentou abrir a porta do


carro. Travei a porta e segurei seu braço.

— Gema, desculpe... Será rápido, e pedirei para ele não fazer muitas
perguntas...

— Não é esse o ponto, Thadeo. Você não perguntou se eu queria, e


odeio que tentem comandar minha vida. A escolha deveria ser minha.

— Eu sei. Eu acho que exagerei. Mas podemos...

— Vou embora. — Tentou novamente abrir a porta do carro. E eu achei


que era a melhor ideia. Não queria magoá-la.

— Tudo bem, eu te levo de volta. — Liguei o carro e, antes que pudesse


arrancar, alguém bateu no vidro do lado de Gema. Era Miguel. Gema
encolheu-se, e eu fui obrigado a baixar o vidro.

— Entre, cara — falou animado. — Seu pai está botando um ovo,


esperando. — Olhou para Gema com curiosidade. — Olá, tudo bem? Sou
Miguel.

— Ah... Olá. Sim, tudo bem. Sou Germânia.

— Desçam, por favor. Eles estão lá no fundo, na área da piscina.

Miguel afastou-se e andou rápido, em direção à porta da mansão,


possivelmente indo contar que eu tinha chegado. Olhei para Gema. Ela
revirou os olhos, tirou o cinto de segurança.

— Uma pessoa já me viu. Vamos descer logo. Você vai me pagar caro
por isso.

Saí rápido do carro, ajudei Gema a descer e peguei uma sacola de papel
no banco traseiro. Dentro havia dois vinhos e um potinho de manteiga.

Gema apoiou em meu braço e seguimos para a mansão.

— Eu nem sei o que falar — ela resmungou. — Eu não vou te perdoar


tão facilmente.

— Fique tranquila, vou te proteger. E só devem estar aí meu pai e minha


irmã. Esse que veio nos receber é meu cunhado.

Entramos, atravessei o salão principal, mostrando a Gema toda a casa


luxuosa, belamente construída por meu pai, e que acabou vazia e solitária.
Por sorte, tem Miguel e Stela morando com ele.

Abri uma porta corrediça de vidro, e saímos na grande área externa, com
uma piscina gigantesca. Meu pai estava se levantando de uma das cadeiras
em que estava na piscina, na companhia de Andrey, das crianças, filhos de
Stela, de Stella e Ana Rosa.

Minha irmã saiu da piscina e veio correndo em minha direção. Radiante,


como sempre. Ela era nosso ponto de felicidade. Apesar de toda a escuridão
que habitava em seu interior, Stela não deixava transparecer em sua
expressão.

— Mano — ela festejou. — Nem vou te abraçar, pois estou molhada.


Vou já me trocar e venho. — Ela olhou para Gema e ficou boquiaberta. —
Aí, meu pai amado! Ana, olha isso! Thadeo trouxe uma acompanhante.

Gema sorriu com as bochechas rosadas.


— Fiquem à vontade, volto em dois minutos. — Ela virou-se e então eu
vi. Suas costas.

— Stela?

— Oi?

— O que... suas costas. Você tem uma tatuagem?

Ela empalideceu, como se só então tivesse se lembrado disso. Olhou


para nosso pai.. Ficou completamente desarmada. A tatuagem era enorme e
única, daquelas que você reconhece em qualquer lugar. Eram flores
entrelaçadas, lótus, se eu não me engano. E tomava quase toda a costa, indo
para as costelas.

— Vou me trocar. Me deem um momento. — Saiu rápido, e Miguel a


seguiu. Stela era uma mulher sempre tão correta, tão cheia de pudores, e era a
última pessoa que eu poderia imaginar que tivesse uma tatuagem. Ela mesmo
criticava Benjamin por ter tantas tatuagens...

Todavia, o que mais me deixou espantado, foi que eu já tinha visto uma
tatuagem bem parecida, senão idêntica à dela, e também nas costas. De
Ulrich.

Por que minha irmã tinha uma tatuagem igual à do turco safado?

— Meu filho. — O velho Capello estava sorrindo ao me ver.

— Oi, pai. — Dei um abraço rápido nele. — Trouxe vinho e um pouco


de manteiga, daquela que eu mesmo faço. — Lá atrás, Andrey colocou a mão
na boca, escondendo o riso. Imbecil. Ele sabia das minhas práticas nem um
pouco culinárias com a manteiga. O ignorei e virei-me para Gema.
— Quero que conheça uma pessoa. Essa é Germânia e estamos nos
conhecendo. Só conhecendo, pai, não quero que a deixe sem graça.

Meu pai mal me ouvia, já estava de olhos vidrados em Gema,


estendendo a mão para cumprimentá-la.

— Oi, minha querida. Sou João Capello.

— É um prazer, seu João — ela respondeu, gentilmente.

— Estou impressionado. Você é tão bela e não me é estranha. É daqui


mesmo? De São Luís? — Ele a encarava com interesse, como se tentasse se
lembrar dela.

— S...sim. Sou.

— É filha de quem?

— Ah... Talvez o senhor não os conheça. Mas...

— Pai, só precisa saber que ela é daqui, está me ajudando na vinícola e


prefere ser chamada de Gema.

— Germânia. — Meu pai repetiu o nome. — Eu estou com a mente


fraca, mas esse nome também não me é estranho. Bom, mas Thadeo tem
razão. Vamos nos sentar. Andrey está preparando a carne.

Me virei, cumprimentei meu irmão e a esposa dele e os apresentei à


Gema. Em seguida, eu a conduzi até a mesa. Imediatamente, Andrey colocou
na mesa uma peça de carne bem assada, sobre uma tábua grande.

— É hora do show, pessoal — ele festejou amolando uma faca de


churrasco
— Meu estômago roncou. O cheiro está bom demais.

— Então vamos começar. Sirva o vinho, mano — comandou. Os pratos


e taças já estavam distribuídos para o almoço.

Enquanto ele cortava a carne, abri um dos vinhos que trouxera, servi um
pouco, provei e depois servi na taça do meu pai.

Era o grande momento e, para mim, significava muito. Porque meu pai
foi contra minha promessa de reerguer a vinícola e tudo que eu queria era
provar a ele que eu era capaz.

— Meu velho, chegou a hora de experimentar o melhor vinho da região.


Plantei as uvas, colhi e fiz o vinho.

Ele pegou a taça, balançou o vinho, cheirou, deu um golinho, sentindo


no paladar, e enfim bebeu mais um pouco. Eu escondi um leve tremor que
tomou meu corpo, como se ele fosse um jurado provando o vinho. De
mansinho, Gema tocou minha mão, por cima da mesa, e exibiu um olhar
cumplice para mim.

— É muito bom — em um sussurro, meu pai deu o veredito. Porém,


parecia triste, encarando o líquido na taça. — É muito bom mesmo. — E
quando ele me olhou, seus olhos estavam encharcados. — Você conseguiu
rapaz... e... sua mãe iria gostar de saber que está cumprindo a promessa. —
Ele bebeu mais um pouco. — É precioso... e sinto muito por sua mãe ter
permitido a falência...

— Pai. — Andrey foi mais rápido que eu. — Não vamos recordar o
passado. Deixa a mamãe descansar em paz.
— Tem razão. — Tirou um lenço do bolso e limpou os olhos. — Eu só
achei que foi um grande desperdício manter esse ouro vermelho escondido. É
o melhor vinho da região. Parabéns, meu filho.

— Obrigado, pai. — Recebi o abraço dele. Gema sorria, emocionada,


com as mãos na boca.

— Bom, vinho aprovado. Depois falaremos de negócios, mas agora,


vamos provar essa carne, pois o cheiro está matando qualquer santo.

Meu pai estava pacífico ultimamente. Parecia cansado e, acima de tudo,


contente e satisfeito com o destino de cada um dos filhos. Eu consegui notar
um toque de nostalgia nos olhos dele enquanto provava o vinho, e talvez por
isso tenha chorado.

Stela voltou com Miguel, e eu não toquei mais no assunto da tatuagem,


que evidentemente, eu era o único irmão que não sabia.

Ela escolhera um vestido composto e sem decotes, como sempre usou.


Sentou-se ao lado de Gema e a deixou confortável, trazendo-a para a
conversa. Stela, Ana Rosa e Gema falaram de sapatos, daqueles que Ana
personalizava. E, meio baixinho, receosa, Gema contou a elas que tinha um
problema no pé e, por isso, não calçava saltos.

Mas, ainda assim, Ana estava disposta a criar algo exclusivo para ela. Eu
gostei de ver Gema tão interessada na conversa das duas mulheres, falando de
assuntos corriqueiros e não sobre a vida dela. Ninguém a estava
pressionando.

Eu contei a eles sobre o que aconteceu na feira e como Gema me ajudou


com os vinhos. Dei a ela todos os créditos, porque, de verdade, tudo tinha
sido pelo empenho dela.
Mostrei a todos à mesa as notícias sobre o meu vinho, que já estava na
mídia. Falei do site em construção e do primeiro convite para uma entrevista,
desde que eu vinha tentando emplacar os vinhos. Nem mesmo Gema sabia
disso.

— Estou tão feliz, não só por você, mano. — Stela falou. — Mas
também pela vinícola em si, onde moramos por tanto tempo e o lugar onde a
mamãe adorava ficar.

— E é por isso que eu não desisti, Stela. Eu não podia simplesmente


virar as costas. — Olhei para todos ali, calados, me fitando. Andrey, sempre
sério, quase nunca gostava de relembrar sobre nossa mãe e sobre o que
acontecera naquela vinícola. Tomei um gole de vinho antes de falar: — É
como se eu a mantivesse viva. Cada videira que floresce, cada vinho
envelhecido... Eu consigo vê-la nessas pequenas coisas.

Stela limpou uma lágrima e, de repente, pareceu ser tomada de uma


breve falta de ar. Imediatamente, Miguel apertou a mão dela, fazendo uma
leve carícia com o polegar, até ela conseguir se acalmar. Ele deu um pouco de
água para ela, e ninguém disse nada. Porque sabíamos os problemas que Stela
carregava.

— Tudo bem, filha? — Nosso pai a olhava, preocupado. Segurando uma


taça, com a mão trêmula, Stela assentiu.

— Desculpe. — murmurei. — Vamos sair desse assunto. O importante é


o agora.

— Sim — Andrey concordou. — O importante é o presente.


***

Depois do almoço, o pai queria conversar comigo no escritório. Gema


ficou com Stela e Ana, sentadas perto da piscina, e eu fui com Andrey e o
velho para o escritório. No caminho, meu celular tocou.

— Encontro vocês lá — falei com os dois e me distanciei para atender.


Era Carmem.

— Oi.

— Thadeo, não vai vir me buscar para ir à casa de seu pai?

— Como assim...? Você queria vir?

— Como assim, digo eu. Sou advogada da vinícola, qualquer assunto


que for tratar referente à vinícola, eu devo saber.

Massageei a testa, perdendo a paciência.

— Carmem, não tem negócio nenhum aqui. Tem apenas um almoço


com meu pai. Já almoçamos e daqui a pouco volto para casa.

— Thadeo... Mas precisa me contar o que o seu pai quer...

— Carmem, conversaremos depois. Até mais. — Desliguei sem dar


importância ao surto dela. Fui para o escritório. Andrey estava servindo licor
ao nosso pai. Sentei-me diante dele, em uma confortável poltrona.

— Eu quero ser direto, Thadeo — o pai falou. Troquei um olhar com


Andrey. — Eu quero te ajudar.
— Pai, agradeço, mas não preciso. De verdade. O que o senhor me dá
por mês é o suficiente para eu investir nos vinhos...

— Não estou falando de dinheiro. Eu preciso te ajudar, protegendo você


e o seu trabalho.

— Como assim?

— Agora que o vinho está ameaçando voltar para o mercado, você corre
perigo, o mesmo perigo que sua mãe... encontrou.

Me mexi inquieto na cadeira, sem entender muito o que ele queria dizer.
Andrey deu de ombros mostrando desconhecer sobre o assunto.

— Andrey, abra o cofre, meu filho. — O pai apontou para um quadro na


parede, onde possivelmente o cofre se escondia atrás. — Pegue uma pasta
que está lá. — Ele voltou a me encarar enquanto Andrey fazia o que ele
ordenara.

— Eu descobri tudo pouco depois que sua mãe faleceu. E pelo que andei
investigando, eles vão vir com tudo para cima de você.

— Eles? Eles quem, pai?

— A mesma pessoa que usou sua mãe de fantoche, só para destruir a


vinícola.

Senti o impacto das palavras, ao mesmo tempo que tristeza e raiva me


tomavam. O passado sempre gerava esses dois sentimentos simultâneos em
mim.

Meu pai recebeu a pasta e a abriu. Tirou um papel e me entregou. Só


notei que estava tremendo, quando peguei o papel da mão dele. Era um
contrato. Um contrato de empréstimo em nome da vinícola. Era muito
dinheiro. Engoli em seco, estava assinado por minha mãe.

— O que... é isso?

— Eu sei que vocês odeiam ouvir esse nome, mas Reginaldo tinha uma
missão quando se aproximou de Ângela, a mãe de vocês. E tudo começou lá
atrás quando o pai dela, o meu sogro, tomou a vinícola de um barão do vinho,
bem conhecido por essas bandas.

Ouvir esse nome era como uma punhalada, trazia desconforto, e só me


acalmava quando eu lembrava o que eu tinha feito com ele.

— O vô... conseguiu as terras de forma ilícita? — Andrey sussurrou, tão


surpreso quanto eu.

— Não. Ele só as arrematou em um leilão, mas foi o suficiente para se


tornar foco dos donos originais da vinícola. É uma disputa velha, começou há
muito tempo, eu tinha acabado de me casar com Ângela.

— E então, o que houve...? — indaguei. — O vô morreu e...

— E a vinícola ainda produzia o melhor vinho. — O pai continuava


concentrado, recordando cada detalhe daqueles anos. Seus olhos parados no
nada. — E o barão morreu de desgosto por não ter conseguido recuperar as
terras. Mas o filho dele fez uma promessa, que destruiria quem estivesse à
frente daqueles negócios. Ele jamais descansaria. E foi aí que Reginaldo
entrou na história.

Eu fiquei de pé. Pensar naquele desgraçado me tirava do sério. Meu


coração saltava feito tambor. Abri e fechei os dedos, na tentativa de controlar
o impulso de ódio.
— Reginaldo era filho do barão? — Andrey questionou, curioso.

— Não. Não acho que tinham parentesco. Mas ele foi o escolhido para
ser o parasita que mataria a vinícola e destruiria Ângela. A voz do meu pai
ficava longe enquanto as imagens do passado voltavam com força total.
Encostei a testa na parede.

Eu ouvia os gritos de Stela e Benjamin... As lembranças ressurgindo,


aterrorizantes em minha mente. Abri a porta e minha mãe estava caída ao
pequeno sofá, desacordada... Havia sangue...

— A mãe de vocês só estava no lugar errado... Herdou uma bomba do


pai, sem saber.

A voz do meu pai me fez sair do transe, e consegui trancar as


lembranças no quarto de porta branca com uvas pintadas. Esfreguei o rosto e
encarei Andrey, já de pé, perto de mim.

— Então esse filho da puta entrou na nossa casa com um único


propósito?

— Sim. E sabemos que ele conseguiu. Afundou Ângela nas drogas, fez
tantos empréstimos em nome da vinícola, que era impossível pagar e
continuar na ativa. E então, o nome do vinho morreu, juntamente com o
nome da família Mattos. Por muito tempo, recebi propostas de compra, sem
saber exatamente quem estava desejando comprar. Mas a vinícola era de
vocês, sua mãe deixou explicito em testamento que apenas vocês poderiam
decidir sobre o destino daquelas terras.

— Então... O senhor acha que esse cara ainda está por aí e vai tentar
arruinar o Thadeo como fez com a nossa mãe? — Andrey andou pelo
escritório, pensativo, todavia, agitado.
— Sim. Eu tenho certeza. Reginaldo me contou cada detalhe, no
hospital, antes de morrer. Eu não sei quem é esse sujeito, o filho do barão,
mas dá para descobrir. Descubra quem era o primeiro dono da vinícola, e
chegará ao desgraçado.

— Porque não em contou isso antes, pai? — Bati as mãos, revoltado. —


Tem anos que tento fazer esse vinho emplacar... E se ele já estiver agindo, me
sabotando?

Lembrei do episódio na feira, e isso me desestruturou mais ainda. Com


certeza, havia algo maior por trás daquele incidente na exposição de vinhos.

Meu pai levantou-se, apoiado na bengala, e veio até mim, parando em


minha frente.

— Eu estava juntando o maior número de provas possíveis. Mas as


enfermidades me pegaram, e eu parei... Mas essa é a hora de você agir.
Procure por perto da vinícola, veja quem mora por perto. Reginaldo me
confidenciou que o sujeito estava sempre de olho, era a obsessão particular
dele.

— Farei isso — confirmei, cheio de raiva.

— Enquanto isso, meu filho, preste bastante atenção nas pessoas que te
cercam. Talvez ele já tenha plantado o parasita lá na sua casa. Não confie em
ninguém. Existe alguém que está perto de você sempre e que tem sua
confiança?

— Não. — Lembrei-me de Gema. Ela tinha acabado de chegar, mas


ainda estávamos nos conhecendo, não acho que ela estava lá plantada para
me fazer mal.
— E... essa moça que você trouxe...? — Meu pai estava relutante, como
se não quisesse me contrariar — De onde ela veio? Quem é? Está morando
com você?

— Sim, pai. Gema está comigo. Mas ela fez o contrário, ela ajudou o
vinho a progredir. Não faz sentido ser ela.

— Quem mais está no seu cotidiano?

— Não sei. — Enfiei os dedos nos cabelos e andei de lá para cá. —


Gioconda, que o senhor conhece. Meus funcionários... a Carmem, advogada
que foi indicada pelo Ulrich.

— Fique de olho nessa Germânia. — Meu pai concluiu.

— Também acho que é muito estranho ela ter chegado de repente e já


está dormindo com você — Andrey concordou. Desolado, sentei-me na
poltrona. Não podia ser Gema. Claro que não era ela.

— Thadeo, lembre-se que Reginaldo entrou na vida da nossa mãe sendo


um bom homem, que iria amá-la e ajudá-la no que fosse preciso...

— Andrey, por favor. Nem compare esse pedaço de merda com a Gema.
Não é ela. — Fiquei de pé e caminhei para a porta, mas voltei e encarei eles
dois. — Gema é uma pessoa do bem... Ela sofreu por anos com uma
deficiência e suportou tudo com braveza. Não é só uma mulher bonita que
estou pegando, ela tem uma historia de força... e tudo que ela fez por mim na
feira em Belém... todo esforço que ela fez, mesmo não conseguindo andar
direito. Ela não tem más intenções comigo.

— E quem você acha que pode...


— A Carmem. — Doía confessar isso, mas era o único nome possível
que latejava em minha mente. — Eu vou conversar com Ulrich, preciso saber
onde ele a encontrou. Abri a porta para sair, mas meu pai me chamou.

— Thadeo.

— Senhor?

— Não conte nada a ela. Mesmo que confie nela.

— Tudo bem. Não falarei nada. — Saí do escritório cambaleante, após


escutar tudo aquilo. Havia uma ameaça pronta para me destruir, destruir o
vinho que eu tanto amava, como aconteceu com minha mãe. E o pior era não
saber como me proteger, não saber como essa ameaça me atingiria.
VINTE E UM
GEMA

Na volta para casa, Thadeo estava distante, pensativo. Na verdade, desde


que saíra do escritório do pai dele, o almoço acabara para ele. Apressou-se
em se despedir de todos e ir embora.

— Está tudo bem? — perguntei.

— De onde você veio mesmo? — olhou rápido para mim e voltou a


atenção na estrada.

— Como assim?

— Você chegou na vinícola, vestida de noiva... Não pode correr muito


por causa do pé. De onde veio?

— Ah... Meu pai tem uma mansão de veraneio do outro lado da floresta.
Era lá que eu iria me casar. Por que pergunta?

— Nada. — Ele sorriu meio forçado. — Só curiosidade.

Franzi o cenho intrigada, mas não insisti. Eu supus que ele estava
pensativo por causa de algo que o pai dele falara, e agora Thadeo perguntava
de onde vim, só para encobrir sobre o que, de verdade, o afligia. Thadeo tinha
os problemas dele com a família e era algo que ele não estava ainda pronto
para se abrir comigo.

— Gostei de sua família — falei. — O Andrey não é tão babaca como


eu sempre julguei, vendo-o em revistas.

— Ele mudou bastante depois que se casou. Eu fico feliz que tenha
gostado do passeio.

— Ainda não estou numa boa com você, por ter me levado de surpresa.
Mas depois falamos sobre isso. Eu aprendi com o tempo, mandar à merda as
opiniões alheias.

— Isso é bom.

— É libertador. Hoje não me machuca mais sair em público tendo essa


pequena deficiência. Eu não estou nem me ligando para o que vão pensar,
cochichar, ou rir de mim. Por isso tirei de letra na casa de seu pai.
— E você não queria ir — ele pontuou.

— Não por causa de minha aparência. Mas porque estamos apenas


transando, e você acha de me apresentar à sua família.

— Ainda está brava? — Sorriu, debochado.

— Por esse motivo, sim. Acho que hoje será cada um em seu próprio
quarto.

— Você não é louca de falar uma merda dessa. Mulher tinhosa, cruz
credo.

Eu apenas ri, dando de ombros, adorando como ele ficava mais gato
com essa expressão séria, e agora quase injustiçada.

— À noite eu chego com o calmante tarja-preta. Só espere. — prometeu,


compenetrado na direção.

Apesar do meu plano de dar um gelo nele essa noite, meu corpo acendeu
com suas palavras. O calmante dele era mesmo bom: sexo selvagem com
abraço quente para dormir. Eu ia ficar dependente fácil, fácil.

***

Chegamos em casa, e eu decidi relaxar um pouco. Comi bastante no


almoço e queria só descansar, aproveitando a tarde fresca da vinícola. Deitei-
me na cama com a janela aberta. O vento fresco da tarde era um bálsamo
gostoso. Eu, de verdade, me sentia em um paraíso. Um lugar exuberante,
regido por um deus do vinho e da manteiga.

Minha risada ecoou no quarto, ao relembrar de hoje mais cedo, quando


Thadeo entregou a manteiga para o pai, e Andrey demostrou saber de suas
práticas eróticas com o laticínio.

Pensei na família de Thadeo e no que poderia ter acontecido, para ter


deixado uma marca tão forte na alma desse homem. Ele parecia carregar
sozinho um peso que deveria ser coletivo, dividido entre os irmãos. Apenas
Stela parecia compartilhar desse mesmo sofrimento interno, no entanto, nem
um pouco parecido com o de Thadeo.

O quarto de porta branca. Gioconda dissera que lá estava os segredos de


Thadeo. O que teria atrás daquela porta?

Acabei dormindo com essas suposições rondando minha mente. E acho


que o sono me embalou por umas boas duas horas. Há tempos eu não
descansava tão bem em um domingo à tarde.

Espreguicei-me, fui ao banheiro e após lavar o rosto e arrumar os


cabelos, saí do quarto. O interessante é que quando se dorme bastante pela
tarde, o corpo fica mole e a vontade de continuar deitada é quase irresistível.

Manquei sem pressa pela sala e então vi que alguém estava chegando na
vinícola. Era um carro bonito, preto. Espiei da porta e, para meu horror, vi
descer do carro alguém que me era familiar. Thadeo estava por perto e foi,
sorridente, cumprimentar o homem elegante e extremamente charmoso. Eles
se tratavam com grande intimidade.

Virei-me imediatamente e me recostei na parede, com a mão no peito.

Era um dos advogados que trabalhava com minha mãe, e ele já tinha
frequentado minha casa e inclusive tentou flertar comigo. Esse homem não
podia me ver aqui.

Como era mesmo o nome? Andei o mais rápido que pude pela sala,
entrei no banheiro social e me tranquei lá. Sabia que era turco e tinha um
sorriso safado e irritante. Eu não dei bola para ele e ele acabou saindo com
uma de minhas irmãs...

Recostada à porta, fiz uma prece. Será que ele estava aqui a mando de
meus pais? Ou de Luan? Estaria ele me procurando? Ou era apenas uma
coincidência? Afinal, demostrou conhecer Thadeo.

Ouvi passos e vozes masculinas passando perto do banheiro em que eu


me refugiava e, em seguida, pareceu sumirem dentro do escritório. Esperei
por longos minutos, até ter certeza de que os dois mergulhariam em uma
conversa. Tirei os chinelos para evitar o barulho típico dos meus passos
vacilantes, abri a porta bem devagar e antes de sair correndo, a curiosidade
falou mais alto.

Gema, sua tola. Corra. Minha racionalidade berrou. Mas eu não a


obedeci.

Odiando minha postura, aproximei-me da porta que estava aberta.

— Onde encontrou a Carmem? — Thadeo perguntou.

— Como assim, onde eu a encontrei? Eu trabalha com ela. — O sotaque


era acentuado, como eu me lembrava.

— Você a indicou para ser responsável por alguns processos da Mattos.


— Thadeo retrucou.
— Isso.

— E então? Onde a conheceu?

— Eu sou advogado sócio da escritório de Cora Ávila e Carmem era


minha aprendiz...

— Só aprendiz? — Um tom de ironia tomou a voz de Thadeo, e o outro


riu.

Ouvi barulho de líquido derramando no copo.

— Sabe que não, kahrolasi. Para ser minha assistente, tem que passar na
teste de cama.

— Puto promíscuo — Thadeo o repreendeu. — Não se aproxime nunca


da minha irmã, ou adeus rola turca.

Irmã? Stela? Como assim? Ela é casada...

— Olha quem fala — o turco desdenhou.

— Eu não uso as mulheres. Nunca prometo nada, para não as fazer


sofrer. Continue falando da Carmem.

— Há dez meses ela conseguiu entrar para o time A-list do escritório da


Cora.

— A-list?

— Os melhores, Thadeo.

Isso não poderia ficar mais bizarro. Carmem trabalha para minha mãe?
Como...? Ela não me reconheceu? Ela nunca me viu?
Saí rápido dali e corri para o quarto, tranquei a porta com a chave e
fechei a janela. Eu só sairia daqui depois que o homem fosse embora.

***

THADEO

Eu não falei de Gema para Ulrich. Não tinha motivo porquê. Apesar de
importante para mim, não era um detalhe importante para ele saber. E eu não
iria constrangê-la, apresentando-a para um dos meus amigos.

Eu confiava cegamente nele, na verdade, qualquer um de nós quatro


confiávamos nesse turco patife, menos Stela, claro. Por isso, contei a ele tudo
que meu pai me dissera, toda a merda da história do tal barão do vinho que
perdeu essas terras para meu avô.

Ulrich disse que Carmem não era capaz de traí-lo e a mim, e se ela fosse
a traidora, alguém próximo a ela seria o mandante, e ele não acreditava que a
sócia dele, Cora Ávila, pudesse ser a herdeira do barão. Mas me garantiu que
iria investigar isso e me trazer informações, e que, enquanto isso, era melhor
eu dispensar Carmem por enquanto.

E era justamente o que eu pensava em fazer, desde que saí da casa de


meu pai. Eu não estava nem um pingo disposto a apontar Gema como
culpada. Meu pai nem precisaria esperar isso de mim, eu não iria desconfiar
dela.
Levei ele até o carro e lhe entreguei um vinho.

— Sinta-se privilegiado. — Vangloriei. Ele riu.

— Ótima. Já tenho com quem beber esse noite. Obrigado, man. —


Ulrich abriu a porta de seu carro, mas eu o interrompi.

— Me diga uma coisa, desde quando tem aquela tatuagem nas costas?
— Ele me olhou levemente surpreso e, por um instante, ficou sem fala, como
se estivesse desconcertado. Desviou o olhar e, de repente, voltou o sorriso
irônico.

— Quer fazer uma igual, nesse lombo grande?

— Talvez... — Cruzei os braços, em pose desafiadora. —, mas não igual


à sua, achei que ela combina mais em costas femininas...

Ele assentiu, sério, sem respostas irônicas.

— Tenho ela desde sempre.

— Legal. Até mais. — Ele foi embora, e eu fiquei ali um tempo,


observando o carro ir longe e sumir no portão.

Cora Ávila, pensei e entrei em casa. Fui direto para o escritório, liguei o
computador e, na barra de pesquisas, busquei o nome dela.

— Cora Ávila. — Olhei a foto dela. Um rosto levemente conhecido. Era


uma mulher na casa dos cinquenta anos, mas com aparência jovial, apesar da
expressão séria. Comecei a ler algumas partes importantes do texto.

Advogada criminalista, referência no país... Cinco associados no seu


escritório... Casada com o desembargador Jaime Ávila Cordeiro... Mãe de
três filhas...

— Oi. — Fui interrompido por uma voz. Levantei os olhos e vi Gema à


porta. Saí da página e desliguei o computador. Fui até ela.

— Oi. Sumiu a tarde toda. Ainda brava comigo?

— Com fome. Estava trabalhando? — Espiou por cima do meu ombro.

— Não. Já terminei. Vamos ver o que Gioconda está aprontando na


cozinha.

Gioconda acabara de assar um bolo. O cheiro dominava a cozinha.

— Bolo amanteigado. — Falou ao colocá-lo sobre a mesa.

— Ah, como eu amo coisas amanteigadas. — Mordi o lábio e gemi,


piscando para Gema.

— Pode gemer sozinho mesmo, pois hoje você está vetado.

— Você não me subestime. — Roubei um beijo dela e peguei o garfo


para comer o bolo amanteigado de Gioconda, o qual eu adorava.

— Parece que vai chover. — Gioconda arrancou o avental. — Vou tirar


as roupas do varal lá de casa. Fiquem à vontade. — Ela correu porta afora,
deixando Gema e eu comendo em silêncio.

Gema cortou mais um pedaço do bolo e serviu-se de café.

— Como surgiu essa história da manteiga? — Tampou o sorriso com a


xícara — Viu Último Tango em Paris?

— Não fode com essa. Eu não forço ninguém. Surgiu com a falta de
lubrificante.

— Não sei por que ainda pergunto.

— Quer ouvir?

— Desembuche.

Limpei a boca e recostei na cadeira, observando-a.

— Sempre gostei do rala e rola na porta de trás.

— Meu pai do céu, você é um depravado... — Abaixou o rosto,


tampando os olhos com uma mão.

— Nem vai esperar eu terminar?

— Continue.

— E então eu trouxe uma mulher... como sempre fiz. E ela me


confessou que gostava da mesma coisa que eu. Eu estava assanhadinho
demais naquela noite. Então procurei o tubo de lubrificante... e...

— Tinha acabado? — Gema adiantou o meu relato, impaciente e


curiosa.

— Isso.

— Poderia ter pegado condicionador, no banheiro. — Deu de ombros,


como se essa opção fosse óbvia.

— Condicionador dentro do orifício da mulher, Germânia? E se dá uma


alergia?

— Como se manteiga fosse tudo bem. Mas ok, esquece. Eu não sou
expert no assunto.

— Eu poderia ter cuspido...

— Só piora, meu Deus. — Tampou o rosto com as mãos. — O dinheiro


que vou ter que gastar com psicólogo...

— Mas eu não estava disposto a ficar cuspindo até lubrificar. — Ignorei-


a e continuei. — O potinho de manteiga estava lá no meu quarto, porque na
noite anterior eu assistia TV e comia bolachas com manteiga. Gioconda
acabou o deixando lá. Foi de improviso. Reboquei o pau...

— Tá, eu já entendi.

— Desde então, não compro mais lubrificante. A manteiga é melhor,


desliza gostoso, é natural e o quarto fica com cheiro de pão na chapa.

Gema jogou a cabeça para trás gargalhando. Eu me levantei, fui até ela e
a fiz ficar de pé.

— Me largue — pediu, rindo. — Estou indignada com você.

— Só estou te provocando. — Penteei seus cabelos com meus dedos.

— É? Isso não aconteceu?

— Aconteceu. Só usei o linguajar pobre para zoar. Quer tomar um vinho


comigo hoje à noite, e depois só-Deus-sabe?

Ela me empurrou e afastou-se.

— Hoje será cada um em seu próprio quarto, Thadeo. — Começou a


arrumar a mesa. Pegando as xícaras e levando para a pia.
— Eu tenho artimanhas para invadir o seu.

— Pois eu estarei preparada para ver suas artimanhas.

***

Foi dito e feito. Gema foi dormir sozinha e ainda trancou a porta do
quarto, me vetando como ela havia dito. Eu quase ia batendo na porta dela,
mas desisti e subi de volta para meu quarto, calcei botas, desci de volta para a
sala, abri a porta e saí na chuva, no meio da noite. Merda. Jamais imaginei
que poderia fazer isso, apenas para passar a noite acompanhado.

Dei a volta na casa e cheguei à janela do quarto dela. A luz estava acesa.
Bati no vidro.

— Gema — chamei.

Rapidamente, ela levantou-se e espiou. Quando me viu, abriu a janela,


horrorizada.

— Thadeo? O que está fazendo aí, na chuva?

— Fiquei preso aqui fora, me deixe entrar. — Juntei as mãos em prece.

— Preso de cueca e botas?

— Nunca ouviu falar do cavalo de botas? — Afastei os cabelos para


trás, e a chuva me molhando mais ainda. Gema riu, com a mão na boca.

— Eu não estou acreditando, cara.


— Me deixe entrar, Geminha...

— Que miserável. — Ainda rindo, abriu mais a janela e afastou-se. —


Venha logo. Mas só porque eu preciso do emprego.

— Eu sei. — Com agilidade, pulei a janela e a fechei em seguida. De pé,


na frente dela, abri meus braços me exibindo. — Estou ensopado.

— E eu estou te odiando nesse momento.

Ela vestia uma camisola simples, de algodão, e os cabelos estavam


soltos. Estava linda.

Devagar, um passo de cada vez, aproximei-me dela e segurei seu queixo


para elevar a boca em minha direção. Beijei-a de leve, chupei um lábio de
cada vez, apenas provocando. Gema soprou e seus olhos brilharam de puro
tesão.

Ela passou as duas mãos no meu peito e observou meu corpo


completamente molhado.

— Você tinha que ser tão gostoso...? — falou e me agarrou beijando-me


furiosamente. Eu reagi, tirando-a do chão e, em dois segundos, suas pernas já
estavam em volta da minha cintura, enquanto eu caminhava no quarto,
beijando-a, levando para a cama.

Não tinha ninguém vencedor aqui. Na verdade, a gente sempre perdia.


Perdia o raciocínio lógico ao tocar um no outro.
VINTE E DOIS
GEMA

Conchinha não era a única posição gostosa. Nada ganhava da posição


que eu apelidei de “sonho feliz”. Thadeo estava deitado de frente, e eu, muito
bem acomodada sobre ele, com o rosto em seu peito e minha perna entre as
dele.

Ele era o primeiro homem que dividia uma cama comigo, digo, sobre
passar uma noite inteira, sexo e dormir juntos, abraçados como... um casal
normal. Um rótulo que não cabia na gente.

Eu estava acordada já há algum tempo, apenas vendo os minutos


passarem, enquanto minha mente fazia uma retrospectiva minuciosa dos
meus últimos dias. Eu tinha uma frase de cabeceira que dizia: “Quando tudo
nos parece dar errado, acontecem coisas boas que não teriam acontecido se
tudo tivesse dado certo.”

E agora me perguntava se Thadeo era meu algo bom em um caminho


horrível. Eu não queria considerar que sim, todavia meu coração saltava
eufórico e sem controle a cada momento que esse homem estava ao meu
lado. Era uma necessidade abrasadora estar com ele. Apenas estar.

Thadeo era completamente diferente do homem que idealizei por toda a


minha vida. Eu imaginava amando e me casando com um advogado ou
alguém do mundo dos negócios. Meu homem imaginário vinha com terno
caro, em um carro de luxo. Me levaria a um restaurante requintado e me
ofereceria um diamante gigante. Ele e eu estaríamos em capas de revistas, e
eu seria respeitada na alta sociedade.

Eram apenas sonhos e imagens que eu projetava da vida perfeita de


minhas irmãs e minha mãe. As três lindas, com seus vestidos de grife, saindo
em fotos de família. Enquanto eu preferia ficar em casa, me refugiando de um
monstro que só eu achava que existia. Como o Dom Quixote lutando contra
os moinhos de vento, achando que eram feras terríveis.

Quando foi que imaginei que iria apreciar a presença de um sujeito que
vestia jeans, calçava botas, batia manteiga e era xucro, porém muito
inteligente. Não só apreciar a sua proximidade, mas adorar seus beijos, sua
pegada forte e seu jeito gostoso e viril de nos dar prazer até suarmos, sem
respiração.

Ele não se importava com o empecilho que eu usei a vida toda para me
dar alguns limites.

— Tá aí refletindo, se deve ou não entrar nos cobertores e me dar uma


chupada? — Thadeo sussurrou. Envolveu-me em um abraço gostoso, quente.
— Se quiser fazer, por mim tudo bem.

— Sendo tosco às seis da manhã — respondi, sorrindo.

— Por quê? O assunto aqui não é só manteiga. Tem leite também...

— Meu pai amado. — Tentei afastar dos braços dele, para me levantar.

— Vai para onde?

— Já está na hora de levantarmos.

— Gema, Gema. Que feio fugir de uma mamada.

— Quê? — Levantei o rosto e o encarei.

— Nada, não. — Riu da minha expressão. — Depois te explico com


calma. Ele sentou-se, me deu um beijo na testa e levantou-se da cama,
penteando os cabelos com os dedos. Em seguida, ajeitou o volume rígido na
cueca e piscou para mim. Foi direto para o banheiro.

Fiquei lá na cama, sentada, encarando o banheiro aberto. Esse homem


era muito sem vergonha, e muito gostoso, ao ponto de me fazer perder a
sanidade.

— Gema...! — gritou do banheiro. — Venha cá.

Afastei os cobertores, calcei o chinelo e espiei na porta. Thadeo estava lá


dentro do box debaixo do chuveiro. Completamente nu. E muito excitado.
Ele estava enorme...

— Já transou no box, pela manhã? — Deu um sorriso safado, lindo de


morrer, todo molhado.

— Ah... Não.

— Você acaba de ser contemplada com uma demonstração. Venha aqui.

— Você não cansa? — Meu corpo já estava esquentando, e eu não tinha


condições de negar.

— Depois do tarja-preta à noite, precisa da adrenalina para despertar.


Venha aqui.

Eu ri, tirei a camisola em dois segundos e entrei no box com ele. Eu


estava me tornando uma depravada ou apenas vivendo o momento e
aproveitando a companhia de uma pessoa?

Era algo que eu não queria pensar.

***

Tomamos café juntos, como nos outros dias. Quem o via recostado na
bancada, segurando uma caneca de café e ouvindo Gioconda atentamente,
nem imaginava que era o mesmo homem que me fez gemer horrores há
pouco, me agarrando por trás, bombando forte, me dando a melhor sensação
de pernas bambas logo pela manhã.

Eu estaria me apaixonando...?

Não. Interdita esse tipo de pensamento. Porra, Germânia. Paixão em


menos de um mês de convivência?

Eu era uma tola em ao menos cogitar uma merda dessas.

— É a segunda vez que te flagro sorrindo sozinha — Thadeo sussurrou e


sentou-se ao meu lado na mesa. — Seria eu o motivo do seu sorriso?

— Não. Você é o motivo das minhas ondas de irritação.

— Sei — ele ironizou, abrindo a boca e dando uma mordida generosa no


pão. Limpou o lábio com o polegar e o lambeu, em seguida, cravando o olhar
no meu.

Que idiota. E o pior é que ele conseguia com isso fazer meu corpo
esquentar.

Terminamos o café, e seguimos juntos para a fabriqueta onde o vinho


era produzido. A colheita da temporada tinha acabado, e eu estava eufórica
para passar o dia ao lado dele observando todo o trabalho da produção. Acho
que, por isso, acordei cedo, com expectativa.

Thadeo me ofereceu o braço para eu me apoiar. Não era tão distante,


mas havia algumas inclinações no solo e como havia chovido na noite
anterior, existiam poças espalhadas.
— Posso te perguntar uma coisa? — indaguei.

— Sim. Se eu puder responder...

— Sobre sua mãe... O que houve... em relação ao vinho e toda a


história?

Thadeo calou-se, pareceu refletir. Em seguida, me encarou enquanto


caminhava.

—Não é algo que eu goste de falar.

— Ah, claro. Desculpe-me.

— Mas posso dizer que meu grande propósito está se realizando. Eu


prometi a ela que reergueria isso daqui.

— Onde quer que ela esteja, tenho certeza de que está feliz por você não
ter desistido.

Ele assentiu, feliz com minhas palavras.

— Eu amo o que faço. Amo o ar livre, as uvas, a produção do vinho...


Isso me ajudou a não desistir.

— E houve muitos empecilhos?

Thadeo parou de andar, e me deixou preocupada, por ter ficado tão sério
de repente.

— Sempre tive empecilhos. E agora, descobri que nunca foi


coincidência, tem alguém boicotando o vinho, desde na época da minha mãe.

— Como assim? Quem...?


— Eu não sei. Mas você viu o que fizeram na feira. Até hoje não
encontrei o culpado.

— Isso é muito preocupante. — Estremeci, e meu corpo inteiro tomou-


se de arrepio. — Agora que o vinho ganhou um pouco de visibilidade, com
certeza, a pessoa vai querer intensificar o ataque.

— Justamente. Mas fique tranquila, já estamos tomando providências.

Voltamos a andar. Essa ameaça que ele e a vinícola estavam sofrendo


me deixou muito preocupada. Eu não queria pensar em alguém tentando algo
contra Thadeo e nem contra seus vinhos. E o melhor contra-ataque seria uma
maneira de crescer ainda mais o nome dos vinhos dele. Se eu pudesse me
comunicar com meu pai, tenho certeza de que ele ajudaria.

Ele sempre amou vinhos, e foi uma paixão passada pelo meu avô que
era italiano, e produziu o melhor vinho nos anos cinquenta.

***

— Quer ajudar? — Thadeo perguntou oferecendo uma luva para mim.

— O que tenho que fazer? — Peguei a luva.

— As uvas vão passar nessa esteira. Temos que verificar se existe


alguma machucada ou podre.

— Como na colheita — falei.

— Isso mesmo. Aqui, verifica-se uma segunda vez, só para ter certeza.
— A esteira foi ligada. Um homem colocava as uvas com cuidado, e elas
passavam devagar diante de mim e Thadeo. Ele tinha agilidade, pegando o
cacho como se fosse um delicado filhote de gatinho. Observava e jogava
adiante.

— O que faz com a casca e as sementes?

— Naquele tanque, é recomendado que o suco da uva fique lá, por


algum tempo em contato com a casca, para intensificar o sabor e a cor.
Depois é coado e leva para o tanque de fermentação.

— Bem didático. Eu vou sair daqui com o diploma na mão.

— Sair daqui? — Thadeo repetiu, incrédulo.

— É como se eu estivesse de férias, em um lugar muito bom, mas vendo


o dia do fim das férias chegando de mansinho.

— Então você vai embora e... depois?

Eu pensei que ele quase falaria: “e a gente, como fica?” Mas Thadeo
jamais deixaria isso entre a gente chegar a algo profundo. Ele tinha total
controle.

— Não sei. — Dei de ombros, olhando a uva na minha mão. — Eu


preciso mesmo ver como está minha família. Não posso ser tão desnaturada a
ponto de estar aqui feliz e deixá-los preocupados.

— Tem razão. — Ele voltou a pegar os cachos de uva e conferi-los. —


Você tem que contatá-los. Se quiser posso te levar lá.

Jamais. Não irei colocá-lo em perigo. Sei que o dia que voltar, pode ser
decretado o meu fim. Luan vai fazer algo comigo e não posso deixar que
Thadeo se machuque.

— Não, obrigada. No dia certo, eu saberei. E então eu vou.

— Ok.

Quando terminamos de analisar as uvas, que eram, nas palavras dele, as


mais preciosas da vinícola, fui observar a transferência do suco que estava há
dois dias no tanque, e agora estava indo para a fermentação.

Era lindo, o líquido vermelho sendo transferido para o outro tanque.


Thadeo pegou um copo, tirou um pouco de suco e me entregou.

— Prove. Ainda não é o vinho, mas é uma delícia.

Tomei um gole e me impressionei com o sabor doce e muito encorpado.

Ele fazia tudo. Eram poucos funcionários ali trabalhando, e a força


braçal era toda de Thadeo. Passei uma manhã surpreendente assistindo-o
trabalhar na fabricação do vinho. Havia paixão e entrega ali, era a obra de
arte que ele amava.

Meio dia saímos para almoçar.

Estávamos andando de volta para casa, comentando sobre a produção do


vinho, quando vi ao longe Carmem caminhando, apressada, vindo em nossa
direção. Ela parecia muito brava, na verdade, furiosa. Thadeo e eu paramos
de caminhar e esperamos por ela.

— Que história é essa que Ulrich é o novo advogado responsável pela


vinícola? — Já foi gritando. Eu quis sair dali imediatamente, porque,
subitamente, senti constrangimento.
— Carmem... — Thadeo começou a falar, mas ela estava exaltada
demais para apenas ouvir.

— Olha só para você. Estive do seu lado por um longo tempo, enquanto
estava na sarjeta e ninguém queria beber seu vinho, e só foi subir um
pouquinho, e já me jogou para escanteio?

— Não é isso, Carmem. — Thadeo ainda cultivava uma invejável


paciência. — Eu vou conversar com você. Vamos ao meu escritório.

— Acabou, Thadeo. Já era sua chance. — Virou-se, mas voltou em um


giro nos saltos — Caralho! O Ulrich é criminalista. O que ele entende de
processos trabalhistas?

— É momentâneo, Carmem.

— Eu já entendi tudo. — Olhou em minha direção. Enfim, sobrou para


mim. Quis correr, mas tive medo de cair e passar mais vergonha ainda. — Foi
ela, não foi? — Apontou para mim. — Essa mulher fez a sua cabeça, te
engabelou na parte que você é mais fraco e manipulável. Na cama.

— Carmem, não faça isso. — O tom de Thadeo ficou mais rude — Não
vamos descer o nível.

— Sei que ela nunca engoliu o fato de você e eu termos algo. E,


evidentemente, que desleixada e com um pé torto, ela perderia feio comigo.

— Eu vou deixar vocês a sós. Vou ver se Gioconda precisa de ajuda...


— Eu soltei o braço de Thadeo, mas ele me segurou, não deixou eu me
afastar.

— Carmem, meu relacionamento com você é profissional, e Gema


ocupa um espaço muito importante e diferente do que você ocupa em minha
vida. Portanto, ela jamais se intrometeria nos meus negócios, porque você ou
outra qualquer não seriam uma ameaça para ela.

— Então por que me demitir? Hein?

— Eu não quero ser ruim com você, pelo nosso tempo de amizade e
negócios. Mas você foi má com Gema, e eu não vou mais te explicar nada.
Peço que saia da vinícola. Poderemos conversar um outro dia.

Furiosa, ela assentiu, virou-se e foi embora.

Ainda chocada, com o coração batendo apressado, recusei a olhar para


Thadeo. Ela me ofendeu, mas eu jamais entraria em uma discussão em que
um homem era o tema central.

— Está tudo bem? — ele perguntou.

— Sim. Estou. Tenho um bom escudo racional quando tentam me


ofender, usando minha deficiência.

— Ótimo controle. — Elogiou.

Andamos em silêncio por alguns segundos, eu olhando meus pés,


sentindo o vento nos cabelos. Para quebrar o gelo, direcionei um sorriso
divertido para Thadeo.

— Além do mais, eu não ia brigar com ela por causa de homem.

— Como não? Agora estou devastado, por não defender o seu cavalo
xucro.

— Meu?
— Sim. Por enquanto, todo seu. Só você monta toda noite e cavalga até
não sentir as pernas.

— Ah, meu Jesus. — Revirei os olhos e caminhei na frente dele. —


Carmem besta que ainda briga por um xucro desse. — Rindo, Thadeo me
alcançou, abraçou-me contra seu corpo e terminamos por chegar na casa.
VINTE E TRÊS
CARMEM

Carmem estava furiosa quando deixou a vinícola. Ela não queria nada
com Thadeo. Na verdade, ela chegou a querer quando pensou que ele
abandonaria a vinícola e iria tentar outra coisa e ser um homem de pedigree,
como era o Capello mais velho, Andrey.

Carmem sonhou em remodelar aquele cavalo selvagem, fazê-lo se


aproximar do pai e ser alguém de destaque. E juntos serem o casal perfeito da
mídia. Mas Thadeo era teimoso, ele não queria sair daquelas terras. Ele
morreria lá, e quando ela entendeu isso, todo interesse por ele acabou.

Todavia, chegou Germânia, e ela era um perigo para Carmem. Porque


Germânia era esperta e estava dando ideias perfeitas para Thadeo. Ideias que
iam alavancar os vinhos, na verdade, a própria Gema tinha feito o milagre de
colocar o fracassado Thadeo Capello, como o segundo de toda a feira de
vinho.

— Merda, merda, merda! — Carmem berrava e batia no volante. Seu


chefe não iria gostar. Ele não estava satisfeito ultimamente, e agora com ela
demitida da vinícola, poderia dar adeus aos três milhões prometidos como
pagamento.

Era simples: ela não sabia quem era o chefe poderoso que a contratou,
para sabotar os vinhos de Thadeo. No início, ela pediu a Ulrich que a
indicasse e pronto: estava inserida lá dentro, levando depois Rodrigo, seu
ajudante, para sabotar os vinhos.

Ela só tinha que grudar no Capello selvagem e tomar as piores escolhas


para ele no mundo dos negócios, com as piores parcerias e contratos. No fim,
a situação iria ficar tão insustentável que ele teria que vender a vinícola, o
chefe dela a compraria, e ela ganharia uma bagatela de três milhões.

“O que houve nessa maldita feira, Carmem?” — Ela relembrou da voz


camuflada dele, gritando com ela ao telefone.
“Eu não sei. Uma mulher chegou na vinícola e está fazendo de tudo para
ajudar o Thadeo.”

“Quem é? Qual a função dela, lá?”

“Eu não sei. É funcionaria apenas, nova contratada.”

“Ok. Você vai fazer de tudo para seduzir esse merda e convencê-lo a
mandar ela embora.”

E foi então que aconteceu o plano do roubo dos livros. E mais uma vez,
Gema escapou. Depois Carmem decidiu armar com a prima Michele para
fazer Gema sofrer e ela mesma tomar a decisão de ir embora, sem precisar
Thadeo mandar. E não deu certo.

Mas ainda tinha a carta da gravidez falsa e Carmem estava pronta para
usá-la. Germânia iria embora da vida de Thadeo sem nem olhar para trás.

Chegou ao prédio da Ávila associados, saiu do carro e andou com


elegância e poder, desfilando com saltos altíssimos e seu terninho justo. Iria
ter uma reunião rápida com Cora, sua chefe, e alguns associados. Em
seguida, iria ligar para o chefe misterioso e dizer que tudo estava certo.
Amanhã mesmo ela colocaria o plano em prática.

Chegou ao andar onde funcionava a sala da presidência, ajeitou os


cabelos, pegou na maçaneta e empurrou a porta. Os associados não estavam
lá, apenas a secretária, arrumando a mesa.

— Oi...

— Ah, oi. Você não recebeu a mensagem? Cora não se sentiu bem e
teve que cancelar a reunião.
— Eu não devo ter visto. Mas tudo bem. Aconteceu algo? — Ela
aproximou-se da mesa, sabendo que algumas secretarias adoravam falar
demais.

— Assuntos de família. Ela estava nervosa, chorando. O marido dela


veio buscá-la. Acho que passaram na sala do Ulrich antes de irem, porque
aquele velho milionário, lembra, o Capello, está aí. Ser quiser dar um pulinho
lá...

Ah, o pai de Thadeo estava no prédio. Sempre era uma boa oportunidade
conversar com o velho.

— Sim, irei lá. Obrigada. — Carmem virou-se para sair, mas algo lhe
chamou a atenção. A secretária pegou uma foto na mesa para guardá-la.

— Espere. — Carmem tomou a foto da mão dela. Ao ver as pessoas na


foto, sentiu o coração perder uma batida. Estava paralisada, observando a
foto tremer na mão.

— Quem... é ela?

— Essa é a filha mais velha de Cora. Germânia. Quase ninguém a


conhece, porque ela é mais... digamos que: bela, recatada e do lar. — A
secretária riu da piadinha antiga, mas Carmem não estava rindo. Estava
assombrada.

Não. Isso não.

Gema? Era filha de Cora? O que essa pilantra estava fazendo na


vinícola? Deixou a foto na mesa, pegou a bolsa que tinha caído e foi para a
porta e saiu às pressas.
Com as mãos trêmulas, ela pegou o celular, digitou um número. Seu
chefe misterioso tinha que saber que a intrometida na vinícola era filha de
Cora. No elevador, Carmem bateu o dedo no botão várias vezes.

O celular chamou, chamou. E por fim, atendeu.

— Me ligue depois.

— Espere... senhor... eu preciso falar algo que acabei de descobrir.

Estava de costas e ouviu as portas do elevador se abrirem e bem atrás


dela a voz:

— Agora estou ocupado. Me ligue depois. — No aparelho, a voz era


camuflada, mas atrás dela, dentro do elevador, estava a voz humana. Carmem
virou-se e o celular caiu no chão.

Ela estava frente a frente com o chefe misterioso. E pelo olhar, ela não
era a única atônita e surpresa.

— Você? Não... não pode ser...

As portas se fecharam novamente e Carmem pegou o celular no chão e


correu. Ela não sabia o que fazer, mas apenas correu pelas escadas, com o
celular no ouvido tentando ligar para Thadeo.

— Atenda, merda. Atenda.

O coração em batidas violentas no pescoço. Estava no último lance de


escada quando a porta de incêndio daquele andar abriu e ela parou de correr.
O medo quase a fez chorar.

— Fique longe de mim — ela avisou. A pessoa à sua frente tinha uma
intensão maligna no olhar. Thadeo não atendeu a ligação. Ela, tocou na
chamada de emergência para falar com Rodrigo, e virou-se para subir as
escadas de volta.

Antes de Rodrigo atender a ligação, ela foi agarrada pelos cabelos. O


celular voou longe e Carmem foi empurrada escada abaixo.
VINTE E QUATRO
THADEO

Eu saí para beber. À noite, sozinho, sem maiores explicações. Me vesti o


melhor que pude, desci as escadas e senti um cheiro bom, vindo da cozinha.
E, de repente, Gema veio de lá, sorrindo. Eu vi aquela imagem e estatelei. Ela
estava linda, mesmo com os cabelos presos e um avental na cintura. E parecia
tão íntima da casa... Era como uma esposa. E ter essa visão, me atingiu em
cheio.

Ela me viu arrumado, e o sorriso morreu instantaneamente.

— Está de saída? — perguntou.

— Sim, estou.

Ela não perguntou mais nada, e eu não me esforcei para explicar


qualquer coisa. Entretanto, pude ver em seu olhar que a decepção a tomou.
Apenas me virei e saí. Como se fosse um dia qualquer de um passado
recente, em que eu ia a algum bar ou boate e levava alguém para transar em
casa ou no motel. Hoje em dia era diferente, pois não tinha vontade de sair
com ninguém, e era justamente isso que me preocupava: a maneira como
minha mente e coração vinham se comportando de forma tão bizarra.

Eu estava me entregando. Estava passando por cima de minhas próprias


regras e poderia acabar, na melhor das hipóteses, com uma gigantesca ressaca
pós-relacionamento. Porque ela não era algo duradouro em minha vida, ela
era passageira... E todos sabiam que romance de temporada sempre acabava
mal.

“Cara, eu estou vendo que você se engraçou com Gema.” Rodrigo me


falou, hoje no fim da tarde, me pegando de surpresa. “Nada contra. Ela é
linda. Mas você precisa mesmo de um romance a essa altura?”

Eu quis negar, dizer que não estava tendo romance com ninguém. Era
apenas um acordo entre mim e ela. A gente se divertiria juntos até o dia em
que ela fosse embora. E então ele me fez a pergunta chave:
“O que sente quando pensa nela indo embora? Pense nisso e terá a
resposta para medir se é ou não um romance.”

E por isso tive que sair essa noite, sozinho.

E agora, no bar de costume, olhando a caneca de chope, eu refletia sobre


isso. O que eu sinto quando penso nela indo embora?

Pavor?

Alívio?

Na verdade, sensação de afogamento. Era a mesma sensação que eu


tinha quando pensava que um dia minha mãe não aguentaria mais e iria
embora de vez. Era a mesma sensação de perda antecipada. Eu sabia, naquela
época, que seria um alívio para ela e para nós, se ela partisse. Todavia, a ideia
me amedrontava a ponto de tirar meu sono.

Eu sabia que seria bom para Gema ir embora, porque ela precisava de
alguém que lhe desse um futuro e não apenas uma foda boa. Todavia, contra
minha vontade, meu corpo tremia ao pensar no fim.

— Li sobre seu vinho.

Levantei o rosto e encarei o barman, que era meu amigo. Esse era um
dos meus pontos de encontro, quando queria arrumar uma mulher para uma
noite de farra.

— Ah, sim...

— Vi na internet ontem.

— Pois é, cara. Está tendo uma boa saída. Semana que vem serei
entrevistado e vão mostrar a vinícola...

— Quero umas garrafas para servir aqui. Traz lá depois.

— Vai preencher um pedido certinho, safado. Agora a coisa lá é


profissional.

— Caralho, daqui a pouco vira empresário e nem cumprimenta mais.


Olha lá quem chegou. Lola boca de veludo.

Olhei para trás e vi a mulher entrar. Linda, saltos altos, cabelos ruivos,
cortados curtos na altura do pescoço.

— Sei que tentou sair com ela umas três vezes.

— Enche. — Bati o dedo na caneca, e ele a pegou para substituí-la.


Senti o perfume caro, feminino e um toque macio no meu pescoço.

— Oi, Capello desgarrado. Posso sentar aqui?

Olhei para ela.

— Sim, fique à vontade.

— Junior, querido, quero um vinho seco. Coloca na conta do meu


acompanhante aqui. — Bateu na minha perna e a mão ficou lá na minha
coxa. — Sabe que hoje é o seu dia, não é?

Sorri para ela. Minha caneca cheia chegou e eu a degustei com lentidão.
Em seguida, estudei a mulher ao meu lado. Pernas perfeitas, seis redondos,
lábios que chamam qualquer um para a perdição.

— Mês passado, eu perdi — falei.


— Pois é. Tinha um turista que me chamou para mostrar a cidade para
ele. Sabe como é, né?

— Entendi perfeitamente.

O interessante, que mesmo com a massagem ousada que ela aplicava na


minha coxa, bem próximo do meu pau, eu nada sentia a não ser desconforto.
E isso me dava muitas respostas que eu precisava.

E quando meu celular tocou, agradeci a interrupção.

— Um momento — pedi a ela e atendi. Era Ulrich.

— Thadeo? Está em casa?

— Não, por quê?

— Cara, a Carmem sofreu um acidente hoje no trabalho. Estou aqui no


hospital.

— Cacete. Como foi isso, cara?

— Ainda estão investigando.

— Me espere, estou chegando aí.

— Certo.

Desliguei e enfiei o celular no bolso.

— Junior. Vou nessa. Passo depois para acertar.

— Ok, Thadeo. O vinho da moça também?

— Não. Só o que eu consumi. Talvez apareça um turista para ela colocar


na conta dele. — Toquei no queixo dela. — Boa sorte, gata.

Que porra! Eu tinha dado o primeiro fora em uma mulher em toda a


minha vida. E tinha gostado disso.

***

Cheguei ao hospital onde Carmem estava internada. Ulrich estava na


sala de espera com algumas pessoas. Ele veio me receber, assim que me viu
chegar.

— Cara, o que houve? — indaguei.

— Ela caiu de escada de serviço e teve uma traumatismo. A cirurgia


terminou agora há pouco.

— Mas que merda... Coitada. Apesar de tudo, Carmem era minha amiga.

— Estava tendo algo com ela?

— Não. Você sabe... Acabei de demiti-la.

— Pois é. Ela não estava nem um pouco satisfeita. Tinha ido mais cedo
no meu sala brigar comigo. Então ela foi te encontrar na vinícola... — Ele
parou e refletiu um pouco. — Na verdade eu nem sabia que ela estava na
prédio novamente.

— Ela saiu da vinícola e foi direto para o escritório?

— Parece que sim. Seu pai, inclusive, estava lá no meu escritório. Tive
que aguentar o porre que é seu cunhado. O velho o leva para todo lugar.
— Meu pai e Miguel estavam lá? Fazendo o quê?

— Queriam recomendação de uma advogado para negócios


internacionais. Coisa da Capello.

— Hum... Eu estou totalmente por fora dos negócios da Capello.

Um casal aproximou-se e interrompemos a conversa. Eles me olhavam


com curiosidade, como se já me conhecessem. A mulher, eu sabia quem era,
tinha pesquisado sobre ela na internet. Era Cora Ávila.

— Cora, Jaime, esse é Thadeo Capello. Filho de João Capello, o da


vinícola — Ulrich apresentou.

— Ah! — O homem sorriu e estendeu a mão para mim. — Então é você


o dono dá tão famosa vinícola?

— Não tão famosa... Pelo menos por enquanto.

— Ouvimos falar bem dos seus vinhos, rapaz. Seu pai se gabou demais.

Algo dentro de mim explodiu de satisfação, por saber que meu pai
andou fazendo propaganda dos meus vinhos.

— Que bom.

— Estamos de saída — Cora falou. — Carmem está estável, mas


voltaremos caso surja qualquer imprevisto. Boa noite, para vocês.

— Boa noite.

Ulrich e eu nos sentamos na sala de espera. Eu queria conversar com o


médico, antes de voltar para casa. Estava preocupado com Carmem e queria
notícias oficiais, antes de deixar o hospital.
Ulrich estava me contando que estava investigando sobre a vida do tal
barão que meu pai comentou. Segundo ele, havia um possível filho e ele
estava prestes a descobrir quem era.

Nossa conversa foi interrompida pelo celular dele. Ulrich levantou-se e


ficou de pé, de costas para mim, falando baixo, mas eu conseguia ouvi-lo
nitidamente.

— Estou na hospital, mas já estou chegando, tutkum.

Ele desligou e pareceu no mundo da lua, olhando para o celular.

— Tutkum? — questionei, de olhos semicerrados.

— Minha paixão, em turco. — Sentou-se de volta ao meu lado.

— Quê? Enfim está juntando as escovas?

— Pois é. Deixei as fantasias de lado e entrei em um rolo sério.

— Sério, tipo, sério?

— Tipo muito sério.

— Porra. Não sei se te parabenizo ou se te dou os pêsames. Deixou


mesmo minha irmã de lado?

— Stela tem uma vida, Thadeo. Eu não atrapalharia a felicidade dela.

Eu assenti. Lembro vagamente de como eles se aproximaram, a ponto de


serem obcecados um pelo outro. Lembro do sofrimento da minha irmã e da
chegada de Miguel logo depois. Ela nunca perdoou Ulrich e eu a entendo.
Agora, estava levemente feliz por ele ter seguido em frente.
— Como você reagiu com essa tutkum? — perguntei de supetão. —
Quando descobriu que gostava demais dela, a ponto de querer ela
permanentemente em sua vida?

— Por que essa pergunta tão profunda? Quer tirar uma conclusão para
você próprio?

— Digamos que sim... Talvez eu tenha alguém...

— Mas que porra... Você? Quem é?

— Apenas responda. Como se sentiu?

Após passar a surpresa da notícia de que eu tinha alguém, ele pensou um


pouco, coçando a barba.

— Primeiro, eu quis juntar minhas coisas e sumir de volta para meu


país, porque eu não queria aceitar. Depois eu vi que me render não me faria
menos homem e nem menos fodido. Na verdade, eu teria com quem contar...
Cara, às vezes a gente morre de medo de relacionar sério, mas se você não
aproveitar um momento bom com outra pessoa, vai aproveitar o quê?

— É... Por esse lado, está certo. Mas e se mais tarde não der certo?

— E você vai interromper porque no futuro pode dar errado? Se a


companhia for boa, o sexo for bom, há cumplicidade... Não tem por que
fugir. Se mais tarde isso acabar, terá aproveitado o lado bom.

— Ulrich... Talvez eu não esteja preparado para o “sempre”. E se nunca


acabar? E se... ela estiver sempre lá ao meu lado? Eu não sei lidar com isso.
Como reagir, como fazê-la feliz...? Eu sei que vou falhar.

— Deixa de ser besta, cara. Se ela está com você, é porque você já a faz
feliz. Ela não insistiria em algo que fosse ruim e triste. — Ulrich passou os
olhos pelo meu corpo. — De uma forma louca, que eu não entendo, esse
mulher está feliz com você, desse seu jeito, sem mudar nada.

— Tem razão, nós dois nos fazemos felizes. Você é um bom


conselheiro.

— Vou abrir um consultório. De um lado, conselho amoroso, do outro,


defesa criminalista.

***

Eu cheguei em casa depois das duas da manhã, após o boletim do


médico plantonista, sobre Carmem. Ela ficaria em observação nas próximas
quarenta e oito horas e o coma induzido seria mantido, até o inchaço
intracraniano diminuir.

Cheguei, subi para meu quarto. Troquei de roupa, optando apenas por
uma calça de flanela, e desci para a sala. Eu poderia ficar lá mesmo na minha
cama, mas a vontade de ver Gema e mostrar a ela que cheguei, era maior que
qualquer racionalidade.

Abri a porta, e ela virou-se e me olhou assim que entrei, mostrando que
estava acordada. Virou-se novamente de costas para mim.

— Oi. — Sentei-me na cama.

— A noite foi rápida — ela sussurrou a crítica.


— Carmem sofreu um acidente hoje mais cedo. Eu estava até agora no
hospital.

Gema sentou-se de supetão, com a mão no peito, os olhos saltados.

— Meu Deus. Como?

— Foi no escritório em que ela trabalha. Caiu da escada. Teve um


pequeno traumatismo, foi operada... Está estável. — Fiquei de pé. — Vou
deixar você descansar. Vou procurar algo para comer., estou só com dois
chopes.

— Eu fiz bobó de frango, já que não tinha camarão. Quer um pouco?


Posso esquentar.

— Não. Pode ficar...

— Eu faço isso. — Ela saiu da cama, calçou o chinelo, vestiu o robe


roxo e me acompanhou para fora do quarto. Na cozinha, coloquei prato e
talheres na mesa e peguei um resto de vinho na geladeira.

— Você fica estranha e sexy nesse robe roxo — comentei.

— A intenção é estar confortável.

— Parece uma uva. Ou seja, chuparia.

Ela riu, com a atenção no fogão. Ficamos em silêncio, até eu ter


necessidade de falar.

— Saí para beber — falei. Recostado na geladeira, observando-a.

— Eu percebi. Foi divertido? — Diante do fogão, Gema olhava a panela


no fogo.
— Nem um pouco. Uma garota me escolheu.

— Era muito bonita? — Olhou para mim, e seus olhos verdes brilharam.

— Sim. Tudo muito bem produzido.

— E aí?

— Eu dei o primeiro fora em uma mulher.

— Ah. — Ela sorriu, tentando esconder o alívio. — A primeira vez de


um homem. Merece um brinde.

— Sim, merece. — Coloquei vinho nas taças e dei uma a ela. Brindamos
e tomamos um gole.

— Acredita em mim?

— Sobre o quê?

— Sobre não ter ficado com ninguém... Eu só precisava mesmo de um


tempo só. Para ter respostas.

— E conseguiu essas respostas?

— Sim.

— Que bom. Eu confio na sua palavra.

Dei um beijo nos lábios dela e sussurrei em seguida: — Que bom que
está aqui. Você e o bobó estão cheirando muito bom.

Gema estava abraçando meu corpo olhando para cima, para fitar meus
olhos.
— Ser comparada a um bobó. O auge da minha vida.

— Vou devorar os dois. Só que apenas você estará nos meus braços me
dando conforto e fazendo minha noite feliz.
VINTE E CINCO
GEMA

Já estava virando rotina acordar com a sensação de corpo leve, músculos


internos deliciosamente doloridos e a cabeça cheia de memórias gostosas da
noite anterior.
Rolei na cama e abracei o travesseiro de Thadeo, impregnado de seu
cheiro, que aspirei profundamente. Era tudo tão bom que parecia um delírio,
ou um sonho que jamais passara pela minha cabeça, enquanto levava minha
vida calma. Será que eu ainda estava lá na minha cama, na minha casa, às
vésperas do meu casamento sonhando com tudo isso aqui?

Me belisquei ridiculamente e sorri comigo mesma, sentando-me na


cama. Era bom demais para ser realidade. E depois da noite passada, quando
a alegria de ver Thadeo de volta me tomou, eu entendi que não dava mais
para lutar contra a maré. Ele mesmo não estava mais resistindo. Era algo
solido e real.

Depois de sair do quarto, já vestida para o dia, cheguei à cozinha na


esperança de encontrar Thadeo, mas apenas Gioconda preparava o café.

— Às vezes ele dá na telha de ir levantar pneu antes do dia clarear —


me informou, quando eu perguntei. — No galpão, depois da piscina.

Saí na porta da cozinha, percorri o caminho de tijolinhos vermelhos em


volta de toda área da piscina, cheguei ao tal galpão e empurrei a porta pesada
de metal.

De longe, já pude ver Thadeo erguendo o próprio peso em uma barra de


ferro no alto. O ambiente era meio escuro e quente. Aproximei-me devagar e
o olhei.

Vestia apenas um short preto. Os músculos estavam inflados, lavados de


suor.

— Tentando ficar um pouco maior? — Ele ouviu minha voz e relaxou


os braços, caindo de pé bem à minha frente.
Caramba! De repente, fiquei excitada vendo-o malhar.

— Acordou cedo — observou e beijou rápido meus lábios e foi buscar


uma garrafa enorme de água. Bebeu bastante e jogou um pouco no rosto.

— Você se levantou mais cedo ainda. Para que isso tudo? — Apontei
para os pneus gigantescos e pesos feitos de cimento.

— Eu criei minha própria academia. Não tenho tempo de ir para a


cidade só levantar peso e correr em esteira. Todavia, às vezes preciso disso
para aliviar o estresse.

— Então corre na vinícola e vem levantar pneu?

— Exatamente. — Se posicionou diante de mim, se exibindo — Fiquei


gostoso?

— Para sua sorte, sempre foi gostoso. Vou tomar café, estou faminta. —
Virei-me e ele me agarrou por trás.

— Ah, não! Me largue, você está molhado e nojento.

— Eu, nojento?

— Thadeo...! — consegui me virar nos braços dele, ainda presa no


abraço.

— Diga — sussurrou, baixando os lábios na direção dos meus.

— Vá tomar um banho... — Com as mãos no peito dele, tentei empurrá-


lo.

— Você vai comigo. — Suspendeu-me em seus braços e, mesmo


estando com uma saia longa, envolvi a cintura dele com minhas pernas. Meus
dedos enveredaram pelos seus cabelos grandes, levemente úmidos, e acabei
aceitando seu beijo selvagem. Thadeo andou comigo, abraçando-me, sem
parar de me beijar, e saímos do galpão de malhação dele.

— Thadeo, me largue! A Gioconda.

Ele entrou comigo pela porta da cozinha, e só consegui esconder o rosto


em seu ombro, rindo, enquanto ouvia Gioconda:

— Jesus Amado! Cuidado para não derrubar ela, homem doido.

Ele subiu as escadas, mantendo o abraço gostoso, olhando fixamente em


meus olhos. E nem precisava falar para eu entender, que eles diziam tudo.
Havia emoção crua em seus olhos escuros brilhantes; iluminados de paixão.
Assim como nos meus.

Thadeo me colocou sentada na pia de mármore do banheiro dele. Tirou


minha saia longa, jogando-a para o lado, fez eu levantar os braços e tirou
minha blusinha de renda.

— Um dia eu acreditei que não teria mais ambições e objetivos quando


fizesse meus vinhos ganhar fama. Mas agora, Gema, olhando para você, eu
sinto que... talvez eu queira ter outros objetivos.

Eu estatelei. Thadeo não era um homem que dizia coisas profundas e


românticas. Do modo dele, com seus atos brutos, mostrava que gostava de
mim. Todavia, agora, ele oferecia um caminho o qual talvez eu não pudesse
aceitar, porque eu tinha pendências a resolver e não sabia o que me esperava
fora dos portões da vinícola.

— Quais propósitos? — sussurrei.


— Eu ainda não os descobri.

Eu sorri e curvei para frente, descansando a testa em seu peito.

É só sexo, coração bobo. É só sexo.

Thadeo levantou meu rosto. Caramba, ele era lindo, com sua barba
aparada, seus lábios másculos, seus olhos expressivos e apaixonantes.
Facilmente colocava uma mulher de quatro. Nos dois sentidos.

— Banho com sexo, depois café fortificado?

— Não quero outra coisa.

Ele se afastou, desceu o short de academia, ficando totalmente pelado,


tirou minha calcinha e me pegou novamente, levando-me para o box.

***

Ah, sim. Eu tinha que contar para ele. Contar a verdade sobre Luan,
sobre a ameaça que pairava sobre mim. Passar por cima dos meus medos,
para não passar por cima da confiança que Thadeo depositara em mim. Após
o café, ele me convidou para ir ao escritório, onde estava planejando um novo
rumo para a vinícola. Queria me mostrar a pré-visualização do site que tinha
acabado de chegar.

E me senti feliz por ele querer compartilhar comigo as novidades da


vinícola.

E estava lindo. Thadeo me fez sentar em sua cadeira em frente ao


computador e ficou de pé, ao meu lado.

— Tem cara de coisa chique e cara — falei. Estava lindo, a silhueta da


taça cheia de vinho no topo da página.

— Gostou do logotipo? — Tocou no logotipo no canto da tela. —


Mandei fazer depois da ideia que você me deu. Estará impresso nos novos
rótulos que o designer está elaborando.

Era a letra M no meio de um círculo parecido com um brasão de família


e, abaixo, em letras menores: “Casa D’Mattos”.

— Eu simplesmente amei. — Virei-me para fitá-lo. — Eu estou tão


empolgada...

— Também estou. Preciso de ideias para divulgar o vinho. — Ele


sentou-se na beirada da mesa, bem perto de mim. — O que acha que tenho
que fazer?

— Eu pensei em algumas coisas. Sua família faz anualmente a festa do


leite, e é sucesso. Você deveria fazer um espetáculo privado, aqui na vinícola.
A festa da uva, festa do vinho, com direto a exposição, vinho em abundância
e até algum show. Tenho certeza de que atrairia muita gente.

— É uma boa ideia. Posso fazer queijos...

— E manteiga. — Pisquei para ele, fazendo-o rir. — Todavia, estive


pensando muito sobre seus vinhos e teria uma única maneira da marca
bombar no país inteiro de modo rápido.

— Como? — Elevou as sobrancelhas, curioso.

— Você jamais aceitaria.


— Diga.

— Usar o nome Capello.

Ele se afastou da mesa jogando os cabelos para trás, mostrando


nervosismo. Pelo pouco tempo que estava aqui, já conhecia os tiques e gestos
dele.

— Jamais — resmungou, de costas para mim.

— Thadeo, não é pedir ajuda a ele, é apenas usar o nome que é seu.
Imagina montar um stand na festa do leite Capello? Ou inventar uma
parceria, como se vocês não fossem nada mais que parceiros de negócios?

— Há coisas que você não entende, Gema.

— Não pode me explicar?

Ele voltou para a mesa, onde estava sentado anteriormente, cruzou os


braços, me fitando um tanto pensativo. Soube, nesse exato momento, que ele
estava pensando com cuidado o que dizer, pois não tínhamos ainda esse nível
de intimidade.

— Quando meus pais se separaram, minha mãe veio para cá com meus
irmãos e eu. Meu avô dirigia a vinícola, e ela ia de vento em popa. —
Assenti, observando-o quase sem piscar. Ele estava me dando informações
sobre seu passado, o que era muito importante para ele. — Meu pai fez de
tudo para atrapalhar a vida dela e tomar a guarda dos filhos. Ele não foi um
homem bom. E quando meu avô faleceu, minha mãe... — Desviou o olhar,
olhando os próprios pés. — Bom, ela fez escolhas erradas, se aliou a gente
errada.
— Como assim?

Thadeo calou-se. O que ele tinha entalado na garganta, era muito


doloroso para recordar. Os dedos dele tamborilaram na mesa, puro
nervosismo. E eu estava preste a dizer que não precisava falar mais nada, e
então ele me olhou.

— Tive um padrasto, Gema. E ele... foi o culpado de tudo. Ele acabou


com nossas vidas e com a vinícola.

— Meu Deus! — Coloquei as mãos na boca, assistindo a dor tomar os


olhos de Thadeo, conforme ele relembrava.

— O fato foi que meu pai estava tomado pelo ódio e assistiu tudo, sem
interferir. Ele viu nossa ruína e só depois que tudo chegou há um limite
extremo, levou a gente para morar com ele.

— E a sua mãe? — perguntei, com urgência, tocada pelo relato.

— A minha mãe... foi esquecida em um asilo para dependentes


químicos, mas eu não a abandonei e, nos últimos dias dela, eu prometi que
ergueria tudo de novo, usando o nome dela. Eu preciso prestar esse tributo a
ela. Se eu usar o nome Capello, os créditos serão do meu pai.

Fiquei de pé e o envolvi com um abraço. Era tudo que eu podia dar


nesse momento. Enfim eu entendia tudo, mesmo que isso não fosse a história
toda, eu entendia a paixão obsessiva dele pelos vinhos. O desejo visceral de
fazer dar certo. E era uma linda batalha que Thadeo se dispunha todos os
dias.

— Eu te entendo e concordo com você. — Segurei o rosto dele em


minhas mãos. — O que sei da sua história, é apenas isso que acabou de me
contar, mas tenho certeza de que sua mãe passou a maior luta que uma
mulher pode enfrentar, que é lutar pelos filhos.

— Ela nunca desistiu da gente. — Uma lágrima solitária desceu do olho


dele, e eu a limpei imediatamente.

— E você não vai desistir dela e dessa promessa que fez. É um grande
ato de amor.

— Os chucros também amam. — Ele sorriu, ainda carregado de rastros


de tristeza.

E amam intensamente.

— Eu sei que sim.

— Bom, essa ideia do festival de vinho aqui na vinícola parece muito


boa. Vamos colocar em prática.

— Sim. Podemos começar as pesquisas. Colocar um plano no papel. E


você pode divulgar o dia que for entrevistado. Não vamos precisar da
Capello.

Ouvir isso o deixou contente e bem animado. Pegou um bloco de notas e


uma caneta e sentou-se na ponta da mesa.

— Como você vê um evento como esse? O que vamos precisar.

— Ok. E vai precisar de um perfil oficial no Instagram para a vinícola e


um para você. Não sei como sobrevive fora das redes sociais em pleno dois
mil e vinte.

— E o que eu vou mostrar em um perfil pessoal?


— Você, ué.

Apesar que essa hipótese me causou calafrios. Era o mesmo que colocar
meu homem rústico em uma vitrine.

***

Passamos muito tempo planejando tudo, buscando ideias pela internet,


criando um plano perfeito, para a concretização da primeira festa do vinho da
região.

Eu nunca tinha me sentido tão necessária e tão eufórica. Meus pais


sempre me superprotegeram e, às vezes, eu acreditava que não havia grandes
desafios importantes em minha vida, os quais eu pudesse tomar à frente e
resolver. O que eu sentia, era o poder de ser capaz e minhas emoções
contagiavam Thadeo.

Depois do almoço ele foi ao hospital saber como Carmem estava, e eu


fui descansar um pouco. Mais tarde, a filha de Gioconda chegou de surpresa,
trazendo mais algumas roupas para mim, pegando-me desprevenida, me
fazendo sentir um pouco constrangida, porque eu não tinha como pagá-las
por enquanto. Mas eram roupas lindas, e tinha um vestido curto, na altura dos
joelhos. Era bonito, azul claro, estilo romântico.

E, naquele momento, me flagrei pensando na minha vida lá fora. Na


minha família e nas minhas pendências. Eu tinha que tomar uma atitude, e
Thadeo deveria saber disso.
Ele voltou quando a tarde findava e, apesar de eu ter feito algumas
coisas, como ajudar Gioconda com a horta, provar minhas roupas novas, ler
um pouco os livros da velha biblioteca, ainda, no fundo, sentia falta dele por
perto.

Cheguei a me questionar o que seria de mim quando eu fosse embora.


Uma vez que sentia falta dele com apenas algumas horas de sua ausência.

— Eu quero te mostrar uma coisa — Thadeo falou comigo.

— O quê?

— Venha comigo. — Me ofereceu o braço para eu me apoiar, passou


pela cozinha, pegou um balde grande de gelo com um vinho e duas taças
dentro e saímos da cozinha. Por trás da casa, andamos por um caminho
íngreme e chegamos ao local mais alto da vinícola. Havia grama ali. Thadeo
forrou uma toalha e nos sentamos de frente para a melhor pintura que a
natureza poderia oferecer. Uma pintura viva.

— Veja — ele mostrou o horizonte. Dava para ver as uvas mergulhando


no alaranjado do pôr do sol e, mais distante, fora da vinícola, a cidade, até
onde as vistas alcançavam.

— É lindo. — Olhei ele abrir o vinho e servir nas duas taças. Me


entregou uma. — Não parece o tipo de homem que aprecia esses pequenos
detalhes da natureza, tomando uma taça de vinho.

— Vira essa boca pra lá, mulher. Não fique achando que só porque faço
um vinho gostoso, posso ser considerado um rola-mole.

Quase me engasguei com o vinho. Limpei meus lábios e encarei Thadeo.


— Como é?

— Esses caras cheios de frescuras. Mas aqui, na vinícola, é onde está o


meu coração e, por isso, aprecio cada lugarzinho dessas terras.

— Uma boa resposta. Sem ser confundido com um rola-mole.

— Aqui é pau duro e vinho gostoso. — Bebeu todo conteúdo da taça e


colocou mais. — Você sabe.

Dei uma cotovelada nele, gargalhando.

— Você é muito tosco. Nem sei porque me surpreendo.

Thadeo abraçou meu ombro e beijou minha bochecha.

— Mas também não me confunda com um cuzão. Chucros também


amam. E olha só isso. — Ele levantou a taça de vinho, fazendo-o assumir
uma cor mais clara, por causa dos últimos raios de sol. — Quer algo mais
delicado e romântico que vinho? E fui eu que fiz.

— Bem observado. O vinho te redime pelas suas atitudes chucras. Além,


é claro, da sensibilidade em ter me trazido aqui, nesse belo lugar.

— Vamos fazer de conta que estamos em um encontro. — Ele propôs,


de repente.

— Um encontro?

— Sim. Nosso primeiro. Isso aqui tem cara de encontro, não acha?

— Sim... Não estava preparada, mas...

— Quer estar em um encontro comigo? — Thadeo me interrompeu com


o convite.

E, para minha surpresa, eu queria muito estar em um encontro com ele.

— Não tenho muitas opções por aqui — zombei. —, então, sim. Quero
estar em um encontro com você.

— Ótimo, então vem aqui. — Tomou a taça da minha mão e me ajudou


a levantar, ficamos de pé. Ele tirou do bolso o celular, conectou um fone de
ouvido e entregou para mim uma ponta, colocando a outra no próprio ouvido.
Escolheu a música, enfiou o celular no bolso e me abraçou em posição de
dança.

— José Augusto? — Questionei quando a música começou.

— Sim. Era o preferido da minha mãe.

— Tem bom gosto.

Olhando nos meus olhos, Thadeo me guiou pela grama, devagar e


levemente, conduzindo-me na melhor dança da minha vida; melhor e única.
Nunca dancei dessa forma com ninguém, e ele, mesmo sendo tão bruto e
grande, tinha gentileza nos gestos, na forma que me levava.

Estava sendo o momento mais belo da minha vida. Nós não


desviávamos os olhares e senti, instantaneamente, uma conexão com ele. até
perdi o folego ao constatar isso.

— Está gostando? —Sorriu, quase parecendo um príncipe.

— Sim. Muito. Uma boa música, um bom vinho... uma boa companhia.

Era o meu primeiro encontro perfeito.


— Depois da dança, o que faremos no nosso encontro? — Ele
questionou.

— Não sei. Você está conduzindo-o... Me surpreenda.

— Sexo? — Ergueu uma sobrancelha com sinais de pura indecisão.

Fiz uma careta mostrando que não era o que deveríamos fazer naquele
momento.

— Ok. Vai ficar chateada se eu disser que pesquisei na internet sobre


encontros e lá dizia: vinho, dança e sexo?

Joguei a cabeça para trás gargalhando diante da sinceridade dele.

— Pesquisou sobre encontros?

— Queria te deixar feliz.

Ouvir isso acabou com meu riso, deixando-me boquiaberta. Ele se


empenhou a ponto de pesquisar na internet, só para me agradar... Esse era
mesmo o homem que pedi a Deus?

Dançamos até a música acabar. Então ele guardou o celular e fone e nos
sentamos novamente para beber. Meu coração batia no pescoço.

— Bom... — tentei não gaguejar muito — As pessoas se conhecem em


um encontro. Me pergunte algo sobre mim, qualquer coisa que queira saber.

O silêncio nos abraçou, porque, de verdade, ele estava pensando sobre


isso. Peguei minha taça, tomei um gole e fiquei sentada, observando-o
pensar, sentado ao meu lado.

— Como era com o outro? — enfim, perguntou.


— Outro?

— O seu noivo — cuspiu com má vontade as palavras.

A pergunta me jogou em um poço de realidade. Eu estava aqui


brincando de romance, enquanto a confusão me esperava lá fora. Tomei mais
vinho, na tentativa de me dar coragem. Quase um mês tinha se passado, e eu
não tinha feito nada para ajudar meus pais.

— Ah... Não muito agradável — expressei indiferença. — Agora eu


pergunto. Nunca teve um encontro romântico?

— Não.

— Não?

— Esse com você, está sendo o primeiro. — Thadeo despejou mais


vinho na sua taça. — Então, era um casamento arranjado que você não
queria, mas tinha uma relação normal com seu noivo? — questionou, fazendo
meu corpo gelar. Desviei rapidamente o olhar para o chão.

— C...como?

— Você disse que fugiu porque não queria se casar. Mas chegou a
transar com o indivíduo. E agora diz que não era muito agradável.

Merda. Ele me pegou no pulo. Estava sério, me encarando. Certamente


ele percebia meu desconforto de ser pega no flagra.

Fiquei de pé e dei alguns passos, olhando a vista maravilhosa. Agora o


sol já tinha ido, as luzes da vinícola estavam acesas e havia um tom purpura
no céu azulado.
— Você é péssima em mentir, Germânia. O que escondeu de mim?

Acho que tinha chegado a hora. Ele merecia saber. Thadeo não era mais
um estranho. Era o homem que fazia meu coração acelerar, o homem que me
abraçava para dormir e que me dava prazer, deliciosamente, duas vezes por
dia.

Talvez eu o coloque em risco, porque Thadeo poderia querer se


intrometer. Mas eu tinha que retribuir a confiança que ele depositara em mim.

Decidida, virei-me e o encarei.

— Eu o amava. Foram três meses de namoro estilo conto de fadas. Ele


era tudo que eu ou qualquer garota iria querer. — As lembranças foram
revivendo cada vez mais fortes, e Thadeo já estava de pé, com olhos saltados
de surpresa. Limpei uma lágrima. — No dia do casamento, eu flagrei o
homem que eu amei... o único homem que eu tinha amado até então... estava
apontando uma arma para a cabeça do meu pai e obrigando-o a algo que eu
ainda não entendi. E ouvi coisas absurdas, como por exemplo, estar se
casando comigo para me destruir, para ter meu pai nas mãos dele. Então eu
corri. De medo, muito medo. Corri o máximo que meu pé torto permitiu, até
chegar aqui.

Ele ficou um tempo me encarando, as mãos na cintura e as sobrancelhas


baixas, meio surpreso e furioso, tentando digerir.

— Porque escondeu isso de mim, Germânia?

— Eu não podia... estava com medo. — Abracei meu próprio corpo na


intenção de diminuir os tremores.

Ele girou, andando para o outro lado, com as mãos nos cabelos.
— Eu não queria te envolver nisso. — Murmurei e ele virou-se, vindo
em minha direção.

— Estamos transando há tanto tempo... já me envolveu. Eu já estou até


aqui — bateu a mão na testa — envolvido com você. Por que não me falou
antes?

— Estou te falando agora. Foi difícil, mas estou te falando. Por favor,
não me mande embora agora.

— Você é louca se acha que vou te manar embora. Eu só estou bem puto
por ter... por não saber de algo tão sério. Por Deus, Germânia! Isso é muito
grave, você deveria ter chamado a polícia.

Mais lágrimas desciam dos meus olhos. As limpei com fúria.

— Eu tive medo. Eu vi no noticiário... Falaram da minha fuga, e


disseram que, segundo minha família, eu já tinha sido encontrada e estava
bem.

— Como assim?

— Quer dizer que ele ainda está lá, fazendo minha família refém. E veio
aqui me procurar. Eu só tenho medo...

Thadeo me puxou para seus braços, fazendo-me sentir acolhida e


acalentada. Com o rosto apoiado em seu peito, solucei, colocando para fora a
dor que eu sentia todos esses dias, calada, sem poder compartilhar com ele.

— Eu me sinto culpada. — Levantei o rosto, para olhar em seus olhos.


— Porque eu estou gostando de estar aqui, eu estou... gostando de você,
enquanto minha família está sofrendo nas mãos de um bandido. Eu me sinto
mal por estar feliz.

De repente, a combustão de raiva que ele sentia, deixou seus olhos e vi


empatia surgir no lugar. Eu me declarei mais ou menos, achei que ele iria
descer correndo, assustado, me deixando aqui plantada, mas a reação de
Thadeo foi o oposto. Ele tinha um sentimento de cumplicidade nos olhos,
enquanto limpava minhas lágrimas.

— Você não está mais sozinha, ouviu? Eu fico puto por ter me deixado
de lado, por ter sofrido sozinha, mas fico muito feliz que tenha contado para
mim, tenha confiado em mim. Filho da puta nenhum vai fazer mal a você
aqui. E vamos pensar juntos em uma saída.

— Obrigada — suspirei, repleta de alívio e o abracei, tão apertado,


mostrando que não queria me afastar. Era como se, enfim, eu tivesse
encontrado meu lar.

— Venha, vamos descer. Vamos sentar-nos lá na sala e quero que me


conte tudo, detalhadamente.

Assenti, concordando com ele.

Descemos de volta para a casa; não tinha mais clima de continuar lá em


cima. Chegamos em casa, ele me guiou até a sala e sentou comigo em um
sofá, atento, me encarando, sedento por mais detalhes.

— Me conte mais sobre isso — Thadeo incentivou. — O que você acha


que ele quer com o seu pai? O que o seu pai faz?

Eu estava prestes a responder, quando o celular dele tocou. Thadeo


levantou o dedo, me pedindo um minuto, ficou de pé e atendeu.
— Oi, Ulrich, fala. — Ficou em silêncio, ouvindo e, em um instante,
ficou pálido e desligou a ligação.

— Eu... desculpe, Gema, eu preciso ir.

— Aconteceu algo? — Fiquei de pé também — Você está pálido.

— Ah...Meu amigo... ele descobriu quem está por trás de toda a


sabotagem que a vinícola vem sofrendo.
VINTE E SEIS
GEMA

Eu estava abalada por causa da conversa que tivera com Thadeo. Eu não
acreditava na minha coragem. Foi como me jogar em uma cachoeira: fechei
os olhos e pulei. Revelei a ele meu pequeno segredo, o qual me assombrava,
temendo que ele pudesse se zangar. Todavia, nesse momento, meu coração se
exaltava de felicidade: agora eu tinha um apoio, tinha alguém para me ajudar
a encarar o que viesse.

Isso me assustava, porque mostrava um comprometimento e intimidade


maior do que Thadeo e eu planejamos. Não era mais só sexo, a partir de
agora tinha muita coisa envolvida.

Eu fiquei na sala, sentada no sofá, batendo com o pé no chão, em um


compasso errado, coberta de nervosismo, desde que Thadeo saíra para
descobrir quem fazia mal a ele todo esse tempo. Não só agora, mas desde a
época da mãe dele. O medo me consumia por vários motivos. Dentre eles, o
pavor de que ele – tendo o estopim curto – pudesse se envolver em problemas
com pessoas perigosas. Eu queria tanto ter ido com ele...

E agora que ele sabia sobre o verdadeiro motivo de minha fuga do


casamento, não tinha mais por que eu me esconder, principalmente de Ulrich.

— Oi,. Gema. — Levantei os olhos e vi Rodrigo espiando na porta. Já


era noite, e ele ainda estava na vinícola?

— Oi, Rodrigo, tudo bem? — Fiquei de pé e fui até ele.

— Thadeo está?

— Não. Ele deu uma saidinha. Aconteceu algo?

— Não. Só vou conferir o estoque de vinhos na adega. Te vejo amanhã.

— Tudo bem. Boa noite.

Ele estava preste a fechar a porta, mas voltou, mostrando curiosidade no


olhar. — Está tudo bem?
— Sim. Está. Sorri, tentando ser convincente.

— Quer ir à adega? Apesar que o trabalho é tedioso, poderá se distrair,


qualquer que seja o problema.

Rodrigo sempre tinha sido muito respeitoso e amigável comigo. Parecia


ser mesmo um convite bem-vindo. Eu precisava me distrair.

— Tudo bem. Vamos. Vou sair pela porta da cozinha, me espere nos
fundos.

— Claro.

Atravessei a sala e o corredor, cheguei à cozinha onde Gioconda


preparava o jantar.

— Gioconda, estou indo rapidinho ali na adega, com Rodrigo.

— Tudo bem. E o Thadeo?

Como o assunto não era meu, não tinha o direito de contar para ela.

— Ele deu uma saidinha, mas já estará de volta.

Saí da cozinha e acompanhei Rodrigo, descendo todo o terreno rumo ao


galpão superprotegido, onde acontecia a produção do vinho e o estoque era
mantido.

***

THADEO
Cheguei ao prédio de Ulrich, onde ele havia marcado o encontro. Minha
entrada foi liberada na portaria e eu subi pelo elevador, impaciente a ponto de
achá-lo lento demais. Queria correr e subir as escadas, queria usar toda a
adrenalina que bombava em meu corpo.

Enfim, tinha chegado o momento. Eu ia saber quem estava por trás de


toda má sorte que atrasara minha vida nos últimos anos. E eu nem dizia que
esperei a vida toda por esse momento, pois não sabia que havia alguém por
trás dos meus fracassos. Agora, de posse dessa informação, só desejava ficar
cara a cara com o infeliz.

Ulrich não parecia nada bem quando abriu a porta. Estava preocupado e
bem agitado. Me puxou para dentro, deu uma olhada no corredor e fechou a
porta.

Ulrich era amigo da minha família desde a época em que era colega de
escola de Andrey e, desde então, tornaram-se melhores amigos. Por isso, eu
confiava nele.

— Cara, estou em estado de choque. — Ele falou e seguiu para a


cozinha. Acompanhei-o. Ulrich pegou duas cervejas, abriu e deu uma para
mim. — Venha aqui.

Na sala, ele indicou um sofá para eu sentar e ocupou o espaço ao meu


lado. À frente, sobre a mesinha de centro, uma pasta.

— Eu pesquisei algumas coisas. Tenho alguns contatos nas lugares


certos e foi fácil descobrir sobre o tal barão da vinho.

Senti o baque de suas palavras, fazendo meu corpo estremecer. Eu


apertava a garrafa de cerveja com tanta força que era capaz de quebrá-la.

— Sim — anui. — O sujeito que brigou com meu avô pelas terras.

Ulrich tomou a cerveja, parecia mais preocupado do que ansioso para


me dar a notícia. Seu olhar tornou-se vago, pensativo. Ele parecia decidir se
ia ou não me contar.

— Porra, cara, desembucha.

Ele me olhou, tomou mais um gole de cerveja e assentiu.

— Eu fiz uma escolha. E você sabe que sempre estarei do lado das
irmãos Capello. Vocês são a família que me acolheu aqui, quando eu estive
sozinho.

— Também confiamos em você. Me conte o que descobriu.

Ele deixou a garrafinha de cerveja na mesinha e pegou a pasta, abriu e


me entregou uma foto. Era um homem em roupas elegantes, fotografia
antiga.

— Constantino Cordeiro Mazzini. Esse era o homem. Italiano, tinha


uma rede de vinhos conhecida. “Caza di Mazzini”. Quando mudou-se para
cá, foi pioneiro em criar uma vinícola em terras nordestinas.

— Minha vinícola?

— Exatamente. Mas, pelo que eu entendi e supus, o barão foi relapso,


fez muitas dívidas, as terras foram tomadas pelo banco e ele foi atrás do
amigo Humberto Mattos.

— Meu avô era amigo desse tal barão? — Indaguei, cada vez mais
confuso.

— Pelo que seu pai me contou, sim. Fiz uma rápida entrevista com seu
João e ele me contou o que sabia. Eram amigos e o acordo era: seu avô
arrematava as terras no leilão e passava para Constantino, e isso não
aconteceu.

— Caralho. O vô agiu de má fé...

— Mais ou menos. Talvez ele tivesse percebido que eram terras


preciosas, e foi esperto. Ele arrematou com o próprio dinheiro e não devolveu
as terras, por mais que Constantino implorasse e oferecesse um valor mais
alto. E pela minha hipótese, o barão ficou depressivo até morrer.

Ponderei calado, digerindo o que tinha acabado de ouvir. Era uma


historia antiga que eu nunca fiquei sabendo. Quando fomos para a vinícola
com minha mãe, eu era novo demais para entender e quando eu tomei à frente
dos negócios, estudei apenas a história que meu avô deixara.

— E esse é o motivo da revolta do filho do barão? — Olhei para Ulrich.


— Quem é o sujeito?

Ulrich suspirou, esfregou os cabelos e pegou um papel na pasta.

— Cara, eu tenho a vida perfeita de um profissional da minha área e


estou prestes a foder tudo. Mas não posso te deixar na mão.

Eu não estava com saco para ladainha.

— Quem é o sujeito? — Puxei o papel da mão dele e fiquei de pé. De


verdade, minha mão tremia.

— Jaime Ávila — Ulrich falou, antes de eu concluir a leitura. — Marido


da minha sócia, Cora Ávila.

Atônito, voltei a encarar o papel, vendo ali uma cópia da certidão de


nascimento de Jaime. Ele era mesmo filho do barão.

— Caramba. Que filho da puta — balbuciei. — E além do mais... essa


Cora é patroa da Carmem... será que...

— Sim, Carmem está envolvida. Mas creio que Cora não esteja. E há
mais alguém dentro da vinícola, que está a mando desse cara.

Olhei espantado para ele. Instantaneamente, a raiva cobriu meu coração.

— Espera aí, macho. Tá me dizendo que tem um desgraçado dentro da


minha vinícola...?

— Foi o que escutei.

— Quem?

— Não sei.

— Como descobriu sobre esse Jaime merda seca?

— Por acaso. — Ulrich deu de ombros. Apesar de aliviado por ter me


contado, ele demostrava sua própria revolta. — Tinha acabado uma reunião,
eu estava sozinho na sala de reunião, arrumando a papelada. Entrei por um
instante no banheiro e ouvi alguém chegar e fechar a porta. Então escutei a
pior merda da minha vida.

Sentei-me novamente ao lado dele e tomei a cerveja, quase que de uma


única vez. Eu precisava. De repente, minha garganta tinha secado, e meu
estômago revirava a mil por hora.
— Jaime estava muito nervoso com o noivo da filha dele. E foi esse cara
que empurrou Carmem da escada.

— Puta que pariu. Esse Jaime mandou matar ela?

— Não. Pela discussão que ouvi, ele mandou o futuro genro despistar
Carmem. Todavia, escutei ele dizer que estava com raiva por causa do seu
sucesso repentino e a solução será... — ele calou-se e enfiou o gargalo da
cerveja nos lábios.

— O quê? — insisti para ele contar.

— Um atendado à vinícola.

— Um atentado, porra? — Pulei do sofá, ficando de pé. — Agora que


você me fala uma merda dessas?

— Thadeo...

— Quem vai fazer isso e quando?

— Eu não sei. Escutei pouca coisa. Nem sei quem está na vinícola
plantado para acabar com você.

— Vou ligar para a polícia. — Peguei o celular. Em um pulo, Ulrich


avançou e tomou o celular da minha mão.

— Está louco? Será minha palavra contra a de um renomado


desembargador.

— E vai ficar por isso mesmo?

— Não. Mas não podemos acusar ninguém sem provas.


— Que filho da puta! — Emaranhei meus dedos nos cabelos. — Eu vou
acabar com esse cara.

— Thadeo, precisamos agir com esperteza. Eu fiz a escolha de ficar do


seu lado, colocando minha carreia em escanteio, porque, certamente, Cora
não vai me querer ver mais, nem pintado de ouro, e, por isso, eu ordeno que
pare e pense. Vamos agir com a cabeça fria.

— E o que você propõe?

— Carmem é a solução. Ela sabe quem é o pessoa que está dentro da


vinícola, pronta para acabar com você. Vamos esperar ela ficar consciente.

Voltei a me sentar, com as mãos dentro dos cabelos. Me sentia fraco


diante de toda essa gente. Sozinho em uma luta atroz.

— Aquela desgraçada... — resmunguei, odiando perder o controle tão


fácil. — Fiz tudo por Carmem... Confiei cegamente nela.

— E eu me sinto culpado por ter indicado ela. Era minha colega, tinha
pedido para eu falar com você... Não acredito que o Jaime pudesse ser tão
mal caráter.

— Ele fodeu com a vida de uma mulher, mãe com cinco filhos para
criar. Ele colocou um psicopata pedófilo dentro da nossa casa. — Olhei nos
olhos compenetrados de Ulrich. Ele compartilhava comigo da minha raiva.
— Enfim, turco, chegou o momento que você vai defender um Capello nos
tribunais. Porque eu vou matar o sujeito.

— Você não vai matar porcaria nenhuma. Não dizem que quanto maior,
mais alto é a queda? Ele mesmo vai despencar feito uma jaca podre e vamos
assistir de longe a ruína daquela família. — Ulrich me deixou sozinho um
instante e voltou com outra cerveja. Recebi de sua mão.

Tomei toda a cerveja, enquanto viajava por cada momento dos últimos
anos que dei com a cara na parede, sem saber que por trás tinha alguém
orquestrando meu fracasso. As parcerias desmanchadas da noite para o dia, as
entrevistas canceladas, carregamentos e mais carregamentos de vinho
devolvidos, nem mesmo os supermercados estavam querendo revender meu
vinho.

Fiquei de pé e coloquei a garrafinha na mesa.

— Tenho que ir. Eu preciso estar na minha vinícola, preciso sentir o


cheiro, a textura da terra, preciso me sentir em casa.

— Vou te acompanhar. Só vou calçar um tênis.

Eu dirigi sozinho pela noite, admirando a estrada que era tão familiar
para mim. Nos meus pensamentos, o sofrimento da minha mãe. Sei que ela
também foi culpada por ter aberto a porta para um estranho, colocado ele na
nossa vida. Mas tudo que fizeram com ela foi pura covardia, não deram a
chance dela se proteger. Entrei na vinícola, vi o carro de Ulrich vindo logo
atrás.

Desci, e nem esperei ele. Entrei em casa, na cozinha apenas Gioconda


terminava o jantar.

— Chegou bem na hora. — Ela sorriu, colocando uma panela na mesa.

— Gema está no quarto?

— Sim. Ela acabou de vir da adega e disse que ia tomar um banho.

— Na adega? O que ela fazia lá?


— Não sei... Ela foi com...

Nem esperei ela terminar, saí correndo pela porta da cozinha ouvindo
Ulrich me chamar. Corri sem saber o que de fato eu estava fazendo ou
procurando. Apenas seguindo uma intuição, um alerta que despontou na
minha cabeça.

Abri a porta, avancei pela ala de produção, desci a escada para o subsolo
e cheguei à adega. Parecia tudo normal. Estava prestes a sair quando algo
chamou minha atenção. Uma bolsa grande, preta, escondida atrás dos barris.
Puxei, abri o zíper e cai sentado no chão.

Estava cheia de explosivos.

Ulrich estava na cozinha com Gioconda quando entrei com a bolsa. A


joguei no chão.

— Isso... estava na adega — não satisfeito, berrei: — Essa merda, estava


na adega!

Gioconda estava assustada, acuada no canto da cozinha.

— O quê? — Ulrich aproximou-se e abriu o zíper para olhar. Nem vi


sua expressão. Eu estava feito um touro bravo, andando de um lado para o
outro. Eu queria esfolar vivo o patife que ordenou isso contra mim. Iam
explodir meus vinhos guardados há anos, ia pelos ares toda a história da
vinícola. Além de colocar meus funcionários em risco.

O que Gema estava fazendo lá? O que meu Deus...

Como se meus pensamentos a atraíssem, ouvi sua voz atrás de mim.

— Que bom que está de volta. — Virei-me para ela e meu coração
saltou de uma emoção diferente. Algo que para mim era desconhecido. Era
bom vê-la, apesar das desconfianças. Gema estava deslumbrante da maneira
dela. Com uma saia longa florida, os cachos dos cabelos loiro-escuros, soltos
pelos ombros, tão macios e cheirosos, que eu adorava afagar.

Os lábios rosados que sempre me faziam desejar um beijo.

Voltei-me para Ulrich, para apresentá-lo a Gema, mas ele estava


perplexo, de olhos saltados, mirando-a. E ela parecia constrangida diante
dele.

— Você...? — ele gaguejou. — Germânia, não é isso?

— Isso.

— Vocês se conhecem? — questionei.

— Cara... — Ulrich estava com um semblante horrível, como se


acabasse de ver um fantasma. — Ela é filha de Jaime e Cora... Você não
sabia?

Cacete! Como é que é?

— Sim, eu sou. Algum problema? — Gema interferiu.

Mais baixo, como se ela não pudesse escutar, ele emendou: — O que a
filha da seu inimigo está fazendo aqui?

Voltei-me para Gema e meu mundo pareceu implodir. Ela não... Ela não
podia ser a cobra plantada aqui para me picar. Não, merda!

E só então, eu me dei conta de como gostava dela. Na verdade, eu me


apaixonara...
VINTE E SETE
GEMA

Thadeo e o amigo me olhavam como se eu fosse uma criminosa. Algo


muito sério havia acontecido, e eu não queria pensar que tinha sido com meus
pais.

— O que aconteceu? — Olhei de um para o outro, sem conseguir uma


resposta qualquer. Thadeo abaixou o rosto coberto de decepção. O desespero
começava a tomar cada cantinho do meu corpo. Sentia o coração saltar a mil
por hora. — Thadeo... — Toquei no braço dele e, para meu terror, ele afastou
do meu toque. — O que acha que eu fiz?

— Acho melhor conversar com ela. — O advogado, socio da minha


mãe, opinou. Thadeo evitava olhar nos meus olhos, e isso me incomodou
mais do que eu suportava.

Ele iria me evitar no primeiro sinal de desconfiança? Sem procurar


entender os fatos?

Ele puxou uma mala preta e com, o pé, a chutou na minha direção. Dei
um pulinho para trás, afastando-me.

— Comece me explicando o que estava fazendo na adega.

— O que é isso? — Apontei para a mala. Ele não estava disposto a me


dar pistas, manteve a pose de bravo, de braços cruzados. E isso gerou em
mim uma bomba de raiva. — Não venha me tratar com essa petulância. —
Adverti. Puxei o zíper da mala, buscando minhas próprias respostas e quase
caí quando vi o que tinha ali. Eram explosivos.

— Está achando que eu... — Aprumei o corpo, e o encarei. — Acha


mesmo que eu ia carregar um peso desse sozinha, descendo esse solo íngreme
e ainda avisando a Gioconda para onde eu estava indo? Por que, não
raciocina um pouquinho?

— E o que foi fazer lá? Pode me explicar?


Eu odiava tanto o fato de ele não confiar em mim. Odiava o julgamento
expresso em seu olhar. E por isso, eu tinha que me explicar.

— O Rodrigo me chamou para ir com ele à adega, mas saiu apressado,


quando recebeu uma ligação. Ele foi tão idiota que nem me esperou. Eu tive
que sair de lá sozinha. Se quer me deu alguma satisfação, pergunte a ele.

— Acontece, Germânia. — Deu alguns passos me forçando a me


encostar na parede. — Rodrigo não é filho de Jaime e Cora, você é. Eu vou te
perguntar uma única vez, e vai ter que me responder. O que está fazendo
aqui, na minha vinícola?

Sem entender nada, olhei para Gioconda que estava tão aturdida como
eu.

— Eu já te disse o que estou fazendo aqui, e é triste saber que você não
acreditou. Agora me diga, o que meus pais têm a ver com esse assunto?

Thadeo se empertigou, e sua expressão zangada deu lugar para algo


mais ameno. Ele não parecia acreditar nas próprias acusações contra mim, ou
melhor, ele torcia para que eu não fosse culpada.

— Não é algo bom... — advertiu.

— Meu Deus! O que houve com eles? O Luan fez algo?

Ele simplesmente afastou-se com as mãos nos cabelos. Esperei aflita, e


ninguém me dizia nada.

— Alguém pode me dizer o que está acontecendo?

Thadeo virou-se para mim. Em um tom baixo e cauteloso, falou:


— Por acaso, acabo de descobrir que Jaime Ávila é o cara que vem
ferrando com essa vinícola por longos anos e foi o culpado por tudo que
aconteceu com minha mãe. E,... provavelmente, deu a ordem para alguém
explodir minha adega. — Apontou para a mala de explosivos.

Fiquei alguns segundos com a mão no peito, completamente abalada,


fitando os olhos de Thadeo. Era um olhar sincero. Ele não estava me
enganando e nem ia inventar algo tão grave. Eu apenas me virei e cambaleei
pelo corredor.

— Gema. — Thadeo chamou, mas a sua voz parecia tão distante. Eu não
sentia minhas pernas e, de repente, meu coração pareceu pesado demais. Na
sala, recostei contra a parede e deslizei, encontrando o chão. Thadeo apareceu
me olhando preocupado. — Ei, venha aqui. Fique Calma...

— Você está enganado... — balbuciei. — É claro que está... Meu pai é


um homem bom. Você é um cavalo, mentiroso!

— Eu estou mentindo? Você mentiu para mim desde que chegou aqui.
Convenientemente, veio parar aqui, nessa vinícola? No lugar que seu pai quer
colocar fogo?

— Cala essa boca! Você nem conhece meu pai!

— Germânia, infelizmente foi isso que descobri — o amigo de Thadeo


falou. — Seu pai guardou um rancor de anos e anos, culpando a família
Mattos pela morte de Constantino Cordeiro Mazzini. Conhece esse nome?

— Meu... avô...

— Thadeo foi alvo da fúria de seu pai...


— Não. — Apoiando na parede fiquei de pé e cambaleei até Thadeo.
Agarrei sua roupa. — Acredite em mim, ele não faria isso. Não é ele, eu sei,
dentro de mim, que não é.

— Venha aqui, sente-se. — Deixando a mágoa de lado, ele me guiou até


o sofá e sentou-se ao meu lado. — Gioconda, traga um pouco de água para
ela — pediu e, imediatamente, puxou-me para me aninhar em seus braços.
Enquanto eu apenas chorava.

Eu tive ódio da pessoa que arruinou a vinícola, que sabotou o Thadeo


por tanto tempo, que fez ele sofrer por longos anos, tentando emplacar o bom
vinho que produzia. E esse homem era meu pai?

Eu não podia acreditar nisso.

Afastei-me dos braços de Thadeo. Imediatamente, ele limpou as


lágrimas do meu rosto.

— Como soube...? Que provas tem contra ele?

— O Ulrich, ele estava investigando. Eu vou te contar tudo.

— Acredita em mim? Eu não estou aqui para te prejudicar... Eu juro que


não estou fazendo isso.

— Eu acredito. Fique calma agora. — Eu pude jurar que ele suspirou,


cheio de alívio. Thadeo beijou minha testa e Gioconda apareceu com um
copo de água. Com a mão trêmula, tomei um pouco, conseguindo respirar
com mais controle.

E então começaram a narrar. Eles sentaram ali comigo, deixando-me a


par de tudo, desde o começo. Era uma história terrível e que fazia sentido.
Meu avô tinha mesmo morrido afundado em depressão. Meu pai era filho
único e nunca superara totalmente a morte dele. Mas nunca achei que ele
pudesse ser... tão... vingativo.

Quando Ulrich terminou de falar, eu precisei de um tempo com o rosto


baixo, amparado nas mãos. Sem mais lágrimas, a aflição era maior. Eu
relutava em acreditar, mesmo que tudo fizesse sentido. Nas minhas costas, a
carícia leve da mão de Thadeo, me acalentando.

Me ergui de repente.

— Eu quero ir embora. Eu preciso ir para minha casa. — Tentei


levantar, mas Thadeo me segurou.

— Não vai.

— Eu tenho que olhar nos olhos dele e saber a verdade.

— Eu não vou deixar você sair daqui, Gema. Lá você corre risco com o
louco do seu ex-noivo. Se ele te fizer algo, eu serei obrigado a matá-lo,
entende?

— Você não pode me manter aqui, contra minha vontade. Empurrei as


mãos dele e consegui ficar de pé.

— Gema, ele tem razão. — Gioconda interferiu. — Você vai ter


oportunidade de conversar com seu pai, mas precisa antes se sentar e pensar
com clareza.

Olhei para cada um dos três. Eles não iriam mesmo deixar eu sair.
Assenti e virei-me em direção ao quarto.

— Eu preciso de um tempo sozinha, se não for pedir muito.


Sentada na cama, olhando a parede vazia, eu viajava em pensamentos
pelas pistas que provavam que Ulrich estava certo. Meu avô foi mesmo o
barão do vinho, e foi dono de uma marca famosa. Meu pai nunca superou a
morte dele e era um amante de vinhos. Tinha uma adega imensa na mansão.

E fazia sentido o Luan estar metido nisso. Na noite que eu o conheci,


meu pai o apresentou como um parceiro de negócios. Que negócios um
desembargador teria com Luan? Por que nunca parei para pensar nisso?

Seria possível que aquela cena que vi no dia do meu casamento, seria
Luan cobrando algo que meu pai prometera? Ou apenas por não ter cumprido
um trato?

Só mesmo olhando nos olhos dele, eu saberia todas essas respostas. E só


tinha uma maneira de sair daqui sem que Thadeo pudesse me impedir.
Procurei na gaveta e encontrei uma agenda velha e um lápis.

***

THADEO

— Não acha que seria prudente chamar a polícia? — Ulrich indagou,


caminhando para a porta. Ele já estava de saída. — Fazer um boletim de
ocorrência sobre os explosivos na adega...?

— Não. Podem desconfiar da Gema...

Parou de andar e me olhou intrigado, quase incrédulo.


— Acredita cegamente nela?

— Sim, eu acredito. — E estava feliz e aliviado por ter essa sensação. —


Será que pode descobrir mais sobre o noivo dela? Precisamos saber o que ele
quer com o Jaime, antes de tomar qualquer atitude.

— Essa é sua prioridade?

— Sim. Ela e a vinícola são minhas únicas prioridades.

— Ok. Farei isso. Uma coisa de cada vez. Vamos resolver primeiro essa
pendência da Gema com o ex-noivo.

— Obrigado, turco. Te devo essa.

Ele foi embora, e eu fui imediatamente para o quarto de Gema. Bati de


leve na porta e a empurrei. Ela estava deitada na cama, não chorando, apenas
quieta, pensando.

Entrei e me sentei na cama. Toquei em sua perna acariciando-a,


deslizando minha mão da canela ao joelho.

— Sente-se bem?

— Sim.

— Desculpa, tá? Todas as pistas apontaram para você, mais uma vez...

— Eu também suspeitaria, se estivesse em seu lugar. — Ela, enfim, me


encarou. Seus olhos brilharam temerosos. — O que pretende fazer com meu
pai?

— Gema...
Ela sentou-se na cama, recostada na cabeceira, me fitando.

— Vai denunciá-lo?

— Eu não tenho provas contra ele. Eu só queria ter a oportunidade de


olhar na cara dele.

— Vai bater nele?

— Um soco, tudo bem? — Dei um meio sorriso. Os lábios dela


tremeram, e não conseguiu retribuir o sorriso. Abaixou os olhos, fixando nas
unhas. — Gema...

— Eu não quero que seja ele. Eu não sei como eu vou lidar com isso. O
que eu faço, Thadeo? Eu gosto de você... Eu gosto da sua vinícola, e não
suportaria saber que meu próprio pai...

Rapidamente tirei minhas botas, subi na cama e a puxei para meus


braços.

— Não pense nisso agora. Vamos ter a oportunidade de falar com ele.
Para mim também é surpresa e estou abalado em saber que seu pai está
envolvido em tudo...

Ela limpou os olhos, afastou-se do meu abraço e exibiu um olhar bravio.

— Eu preciso saber. Sei que é doloroso para você, mas preciso saber. O
que aconteceu aqui nessa casa, com o seu padrasto? Eu preciso ter noção de
tudo.

O pedido dela me pegou de surpresa, mas era algo que eu já imaginava


que ia acontecer mais cedo ou mais tarde. E depois de ter desconfiado dela,
eu queria abrir todas as portas e mostrá-la minha vida, com sinceridade.
Saí da cama, dei a mão para ela ajudando-a a descer, e saímos do quarto.
Gema nada questionou, apenas me acompanhou. Subimos a escada e
chegamos ao quarto de porta branca.

Minha mão vacilou um instante diante da maçaneta, mas tomei fôlego e


abri. Acendi a luz e esperei ela entrar.

— Um quarto... — ela sussurrou olhando tudo em volta, com atenção.


Havia uma cama grande, ainda forrada com a colcha que minha mãe gostava,
que era da cor vinho combinando com a cortina e as almofadas do pequeno
sofá. Do outro lado, uma penteadeira antiga, um armário grande e uma cama
de solteiro com um baú grande aos pés dela. Eu recusei olhar naquela
direção.

— Era o quarto da minha mãe. E foi aqui que tudo aconteceu.

— Não precisa me contar... — Gema sentiu minhas emoções aflitivas e


tentou me preservar. Mas eu já estava aqui, devia ir adiante.

Recostei na parede e cruzei os braços.

— Meu pai conseguiu tomar a guarda de dois filhos. Levou Andrey e


Fernando com ele. Eles eram mais velhos, tinham quatorze e dezesseis anos,
e enquanto estavam aqui, inibiam o desgraçado... Nosso padrasto. Mas
quando eles saíram, o maldito criou força.

Gema apenas me escutava, pálida, com as mãos na boca. Perplexa.

— Ele começou a perseguir Benjamin e o torturava, trancando-o


naquele baú. — Só falei, mas não apontei e nem olhei para o objeto. Vi de
relance Gema procurando em volta e mais chocada ainda ao encontrá-lo.
— Ben e Stela eram pequenos e como são gêmeos, dormiam aqui com
nossa mãe. E eu no quarto ao lado. E um dia... bom... eu cheguei da escola e
vi... eu vi, merda! — Engoli as palavras. As lembranças me consumiam com
fúria. Eu odiava tanto relembrar daquele dia.

— Thadeo. — Senti o toque de Gema em meu braço.

— Ele tinha dado muita droga para minha mãe e ela estava entrando em
overdose. Benjamin trancado no baú... e Stela... — pressionei as costas do
punho na boca. Gema tinha os olhos encharcados, e a expressão de terror.

— Ela só tinha seis anos. — Minha voz quase não saiu.

— Oh, meu Deus — ela lamentou.

— Benjamin quebrou o pulso, de tanto bater na porta do baú para se


libertar. E eu cheguei a tempo de impedir algo pior... Eu bati muito na cabeça
do desgraçado,... e ele ficou caído numa poça de sangue, bem ali.

— Eu sinto muito — Gema balbuciou, compadecida com meu relato.

— Minha mãe foi levada para uma clínica e de lá só saiu morta. Meu pai
conseguiu a guarda completa dos filhos e essa vinícola foi fechada e
esquecida. Até que minha mãe faleceu e a herança foi dividida entre nós
cinco. Meus irmãos cederam para mim a parte deles.

— Sua irmã...

— Ela sofreu pelos anos seguintes. Mesmo que não tenha ocorrido de
fato uma violação. E até hoje leva o trauma dentro de si.

Gema diminuiu a distância com dois passos e me abraçou, tentando, ao


máximo, me confortar. E me espantou o momento que meu coração disparou
diante da delicadeza de seus braços, mas de grandiosa intenção. Porque fazia
anos, muitos anos, que eu não tinha alguém que, de verdade, se importasse
comigo.

Minhas transas superficiais, as regras para relacionamento, as


companheiras pagas, nada disso jamais conseguiu preencher um grande vazio
que o abraço dela acabara de preencher. Eu a segurei apertado e vi o medo ir
embora. Eu não tinha mais medo de gostar de uma mulher.

***

Depois de sairmos do quarto, eu fui tomar um banho e ela se recusou me


acompanhar, dizendo que precisava conversar com Gioconda.

Eu estava pronto para devolver a ela o anel que eu tinha pegado como
pagamento e iria pedir a Gema para ficar comigo, independente do que o pai
dela tinha aprontado. Eu queria propor a ela algo sério. Nós dois íamos juntos
conversar com ele e enfrentar o ex-noivo louco.

Terminei o banho, me vesti e desci. Na cozinha estava apenas Gioconda


cantarolando.

— Onde está Gema?

— Não sei. Ela não veio aqui.

— Não? Ela disse que... — me virei e corri. Entrei no quarto que ela
ocupava e não havia ninguém. — Gema? — Abri a porta do banheiro. O
desespero me alcançou. Na cama, um bilhete.
Peguei e me sentei para ler.

Seja sempre esse homem com sonhos e seja firme nos seus propósitos.
Você foi um oponente difícil de derrubar.

Você tinha razão. Eu te enganei de verdade. Eu vim mesmo para te


destruir, a mando do meu pai, mas acabei desfrutando da vida boa. Eu até
gostei das noites com você, mas não chega aos pés do Luan, preciso voltar
para o meu noivo.

Adeus.
VINTE E OITO
GEMA

— Ei, Renan? Tudo bem? — Acenei enquanto corria, mancando demais,


aproximando-me do segurança.

— Oi, Gema. Algum problema?

— Você poderia me levar em um lugar?


— Onde? O Thadeo não...

— Ele está resolvendo algumas coisas e pediu que você me levasse.

— Ah, sim, claro. Podemos ir. Vamos no meu carro.

Eu evitei chorar na frente de Renan, enquanto ele dirigia pela estrada


que levava à cidade. Eu queria berrar e dar em mim própria uma bela surra
por ser tão burra e má. Eu fui má com Thadeo, eu fui má no momento em que
ele estava mais frágil. Ele despiu-se de toda a casca grossa que criara para se
proteger. Ele me mostrou seu coração.

Mas depois de tudo que ele me contou, eu tinha que fazer algo. Eu tinha
que ir até meu pai e, certamente, seria capturada por Luan, então, eu deveria
proteger aquele cavalo chucro da cabeça dura. Eu tinha que fazer de tudo para
ele não vir atrás de mim.

Mas que merda! Eu estava mesmo amando.

Chegar a essa conclusão não me aterrorizava. Sorri, limpando as


lágrimas quentes e que faziam meu coração palpitar dolorido.

Eu amei um homem focado com propósitos bonitos, bravo e guerreiro,


que não se deixou abater diante de toda a maldade que lhe sucedeu. Eu
aprendi a amá-lo sem que ele precisasse mudar sua essência. E que me amou
de volta sem exigir nada de mim, sem me julgar ou olhar minha aparência.

Meu pai pode ter sido o causador da dor de Thadeo, e eu tinha obrigação
de reparar isso.

Renan me deixou na porta da minha casa, na cidade, e não na mansão de


veraneio em que quase me casei. Agradeci a ele e toquei no interfone. Arlete
atendeu e eu fiquei muito feliz em ouvir a voz dela, e saber que ela estava
bem. Muito emocionada.

— Sou eu, Arlete, a Gema. — Juro que pude ouvir um grito do outro
lado. Em menos de um minuto, o portão se abriu e vi minha mãe sair
correndo da porta, completamente assustada e descrente. Achei que não
acreditava que podia ser mesmo eu. E quando me viu, gritou e veio correndo
em minha direção.

Eu nunca tinha visto minha mãe tão exaltada.

Eu fiquei parada ali, chorando baixinho, percebendo como eu a amava e


como estava com saudade. O impacto do abraço quase nos derrubou. Nos
braços dela, me senti segura e protegida. Me senti em casa, mesmo com a
sensação de que um espaço gigante no meu coração estava vazio. Era o
espaço deixado por Thadeo.

— Onde você estava...? — Tremendo, com o rosto lavado de lágrimas,


ela afastou do abraço pra olhar meu rosto. Tateando minhas bochechas, como
se eu fosse algo fantasioso. — Minha filha, você está bem? O que aquele
maldito fez com você? Te machucou?

— Mãe, calma. Estou bem. Eu não estava com Luan.

— Não...?

— Venha, vamos entrar. Vou te contar tudo. — Abraçadas, seguimos


para a porta. Arlete veio depressa, muito emocionada e me abraçou também.

— Eu rezei tanto, Gema. Eu rezei tanto para que esse dia chegasse.

— Obrigada, Arlete. Suas preces foram válidas.


Antes de eu começar a contar, ouvi de minha mãe que Luan tinha levado
Gabi e Grazi e, desde então, não tiveram resposta sobre o paradeiro delas.
Minha mãe estava acabada, tinha envelhecido dez anos em menos de um
mês, e isso me deixou devastada. A culpa foi minha em ter me envolvido
com um bandido.

— Me conte, querida, onde você estava? — Segurou minhas mãos em


seu colo. — Você está bem. Não perdeu peso... Está tão bonita.

— Mãe, quero que seja sincera comigo. Por favor, eu te peço isso.
Conhece um homem chamado Thadeo Mattos Capello? — O nome não
despertou nela algo revelador. Ela pensou um pouco franzindo o cenho.

— Não sei ao certo. O nome me é familiar... É da família dos Capellos?

Eu vi nos olhos dela que não estava mentindo. Minha mãe, de verdade,
não sabia quem era Thadeo. E isso me dava muito alívio, porque era
praticamente uma prova de que ela não estava envolvida nos planos para
acabar com a vinícola.

— Quem é esse homem, filha?

— Ele tem uma vinícola. Fica do outro lado da mata por onde eu fugi
aquele dia.

— Ah, sim. A vinícola. Eu lembro daquele lugar. Aquelas terras eram


do seu avô. Por isso seu pai construiu uma mansão de veraneio perto. Ele
sempre adorou aquelas terras e quis ficar perto.

As chances de ser tudo verdade, só aumentava. Evitei entrar em


desespero na frente dela. Puxei minha mãe para um abraço apertado. Era bom
saber que tinha alguém em que eu poderia me apoiar.
Olhei nos olhos dela, e falei:

— Eu estive na vinícola todo esse tempo. Eu conheci um homem que


batalha dia e noite para tentar vender o vinho que ele mesmo produz e que é a
bebida mais deliciosa que já experimentei.

— Ele quem te trouxe? Eu preciso agradecê-lo, por ter mantido você em


segurança.

— Eu espero que vocês tenham a oportunidade de se conhecerem.

— Filha... — minha mãe levantou-se em desespero quando ouvimos o


barulho de um carro. — Precisa se esconder. Rápido! Luan saiu com seu pai
e já está de volta.

Aflita, olhei em volta. Eu não conseguiria subir a escada em tempo


recorde.

— Venha, Gema. — Arlete me puxou, abriu a porta corrediça da sala de


jantar e nos refugiamos lá. Eu fiquei encostada a porta espiando pelo buraco
da fechadura.

A porta da frente se abriu. Era meu pai, estava cabisbaixo e rendido. E,


logo atrás dele, apareceu Luan, mantendo uma arma apontada para as costas
dele.

— Arlete. — Luan gritou. — Estou morto de fome. — Jogou-se em uma


poltrona. Minha mãe calada, com os punhos fechados, olhando para o chão.

Ela não iria conseguir disfarçar o nervosismo.

Meu pai serviu-se de uísque e sentou-se em outra poltrona.


— Onde está essa mulher? Arlete! — Luan gritou de novo. Ao meu
lado, Arlete tampava a boca. Os olhos saltados de pânico. Fiz gesto para ela
manter silêncio.

— Eu... acho que ela foi tomar um banho. — Minha mãe falou. — Eu
posso cozinhar para você, Luan. O que deseja comer?

— O quê? — Ele gargalhou de modo cínico. — A grande Cora Ávila


cozinhando para mim?

Minha mãe ficou de pé fitando-o.

Mãe, por favor... disfarce.

— Apenas diga o que quer... merda.

Luan ficou de pé e andou até minha mãe.

— O que está acontecendo sogrinha? Eu saí e te deixei plena... e o que é


isso? — ele passou o revolver no rosto dela — Lágrimas?

— Foi... só um surto... — ela limpou o rosto — a ansiedade.

— Hum... ansiedade. — Esperto como um bom bandido, ele olhou em


volta. Meu pai também estava atento. Em seguida, Luan colocou a arma na
cabeça da minha mãe. — O que está aprontando, Cora? Está armando contra
mim?

— Não. Eu estou normal.

— Diga!

— Luan, abaixe essa arma. — Meu pai pediu, calmamente.


— Fale, o que está armando. Eu sei que a maior criminalista desse
estado jamais ficaria de boa me vendo tocar terror. — Destravou a arma. —
Um... — começou a contar. Arlete fez sinal para eu esperar. — Dois... —
fechei os olhos, mordi a bochecha e tomei coragem. Abri a porta da sala de
jantar. Todos olharam na minha direção.

— Eu estou de volta, Luan.

No mesmo instante, a fúria cobriu seus olhos, e ele apontou a arma em


minha direção. Minha mãe se pôs na minha frente.

— Para trás, Luan. Não toque na minha filha. Nós faremos tudo que
você quer. — Minha mãe deixou de lado a carga de mãe chorosa e tomou
uma postura enérgica, o qual ela usa muito bem nos tribunais.

— Sua vaquinha manca. — Ele continuou vindo em nossa direção. —


Me ferrou todo esse tempo, não foi? Saí da frente, Cora!

— Não. Fique longe. Vamos negociar.

Como um completo psicopata, ele guardou a arma e sorriu.

— Tudo bem. Enfim, Jaime poderá me dar o que eu quero. — Minha


mãe relaxou um pouco, e ele a surpreendeu empurrando-a, fazendo-a cair.
Então me agarrou pelos cabelos e me jogou no sofá. A arma novamente em
sua mão, apontando para minha cara.

— Onde esteve? Fala!

Meu pai deu um passo na nossa direção, mas Luan encostou o cano na
minha testa e ele ficou estático.

— Quietinho aí, Jaime. Só quero que sua filha converse comigo. Onde
esteve, Germânia? — Ele tinha os olhos saltados e vidrados. Havia um nível
de psicose impresso ali, e eu acho que sempre esteve presente, mas eu não fui
capaz de notá-lo.

Enfim, chegara o momento de tirar a dúvida. Olhei bem nos olhos do


meu pai e respondi a pergunta de Luan:

— Na vinícola D’Mattos. O dono daquelas terras me escondeu e me


protegeu, todo esse tempo. — E então eu tive certeza. Eu presenciei o
momento em que os olhos do meu pai saltaram e ele vacilou, tendo que
segurar no sofá. Ele sabia que eu sabia.

— Ah, aquele brutamontes desgraçado. — Luan interferiu. — Ele me


enganou. Mas, tudo bem. O importante é que eu tenho enfim a moeda de
troca, não é Jaime? — Olhou para meu pai.

— Traga a Graziela e a Gabriela e então farei o que você quer.

Inacreditavelmente, ele assentiu. Guardou a arma e pegou o celular.


Tocou na tela e assim que a pessoa atendeu, falou:

— Traga as patricinhas.

— Minha filha! — Meu pai veio rápido em minha direção e abraçou-me


com aflição. — Ficamos tão desesperados... Achando que algo de ruim tinha
lhe acontecido.

— Estou bem, pai. — Gentilmente o afastei. — Como eu disse, alguém


me ajudou muito.

Ele apenas assentiu, sem coragem de olhar nos meus olhos. Mas eu não
podia deixar isso para lá. Já que Luan estava aqui, era hora de enfrentar a
todos e saber de uma vez por todas a verdade.

— O que você queria comigo? — Olhei para ele e interroguei,


mostrando firmeza no olhar. — Por que ameaçou meu pai com uma arma e
agora sequestrou minhas irmãs? O que a gente te fez?

— É justamente isso, Geminha: ele não fez nada. Não fez o que
combinamos.

— Luan, esse assunto vamos tratar em particular... — Meu pai


interferiu, tentando calá-lo.

— Não seja injusto, Jaime, sua filhinha precisa saber. — Voltou a olhar
para mim, com um enorme sorriso de satisfação. — Seu pai precisava de
mim, para um servicinho meio sujo. Eu aceitei, mas com a condição de que
ele me ajudasse. Era simples, bastava inocentar meu pai no julgamento de
segunda instância. Mas ele não aceitou. Não aceitou mesmo depois que eu o
ajudei. Então, não me restou saída, pesquei você na festa de réveillon, porque
eu sabia que a filhinha deficiente era a preferida dele. E, durante todo
namoro, eu tive seu pai em minhas mãos. Eu ia casar, fazer você sofrer, até
ele inocentar meu pai.

Acabou o relato como se tivesse contado um ato heroico. Ele tinha


orgulho do que havia feito. Era um completo doente, me dava nojo.

— Que espécie de negócio o senhor tinha com ele, pai?

— Minha filha, não é o momento...

— Por acaso era sobre a vinícola? — Pressionei. E tinha medo de ouvir


a resposta.
— Gema, não é hora de...

— É hora sim! — elevei o tom de voz. — Por acaso o senhor estava


planejando contra Thadeo Capello?

Meu pai estava atônito, pego desprevenido, não sabia como escapar. E
antes de poder explicar, Luan se deliciou em desmascará-lo:

— Era sobre isso mesmo. Minha missão era afundar as chances dessa
vinícola de conseguir um bom patrocínio. Seu pai não podia fazer o serviço
sujo por ser um juiz. Por isso recorreu a mim.

Fiquei de pé, me afastando do meu pai, encarando-o com rancor e


tristeza. Eu tive esperança até o último momento. Esperança de que Thadeo e
Ulrich estivessem enganados.

— O que está acontecendo pelo amor de Deus? — Minha mãe, enfim,


levantou a voz. — Jaime, do que ele está falando?

Meu pai estava envergonhado. Era o único sentimento que eu conseguia


ver impresso em sua feição. Ele mal conseguia olhar para nós.

— Querida — ele sussurrou para minha mãe: — Eu agi por impulso.


Impulso de raiva...

— Vocês vão lavar roupa suja outra hora. Quero todos calados, agora!
— Luan ameaçou. Veio novamente para cima de mim e, com violência, me
empurrou para o sofá. — Senta aí e não levanta até eu dizer.

Eu chorava. Por tudo que estava acontecendo. Pelo medo, tristeza, raiva.
Eu não queria pensar nas palavras de Thadeo, sobre como a mãe e os irmãos
sofreram. Eu não queria pensar mais nisso, pois poderia crescer o ódio contra
meu pai.

Minha mãe me puxou para seus braços e me acalentou. Sentir o carinho


dos braços dela, era tudo que eu precisava.

***

THADEO

Gema era uma desalmada mentirosa. Eu não poderia acreditar em um


bilhete tão mentiroso que ela só escreveu para que eu não a seguisse. E era
justamente o que eu ia fazer.

Mas, antes, eu tinha que fazer um traidor falar. Com Gema, eu me


resolveria depois. Gioconda acabara de avisar que Rodrigo estava de volta na
vinícola e que tinha ido direto para a adega.

Com certeza ele tinha vindo terminar o serviço, ou buscar a mala de


explosivos. Saí em disparada e o peguei no exato momento em que ele saía
da adega, aflito, sabendo que tinha sido descoberto, afinal, a mala não estava
mais lá.

— Onde pensa que vai, rapaz? — O puxei pela gola e joguei com toda
força contra a parede, pressionando-o. Rodrigo quase se borrou todo. —
Quem te mandou armar aquele bagulho na minha adega?

— Thadeo... eu não sei... pode ter sido Gema. — Acabou de falar e meu
punho cantou no queixo do desgraçado. Ele caiu, meio tonto, o agarrei
novamente pela camisa e o pus de pé.

— Resposta errada. Quem te mandou fazer aquela merda?

— Eu não sei. — Com o lábio sangrando, ele se debatia de medo, preso


em minhas garras. — Eu nunca o vi, ele só se comunicava comigo pelo
celular e usava um modificador de voz. . Ele contratou Carmem, e ela me
contratou.

— Você ia mesmo ter coragem de explodir isso aqui e acabar com tudo
que construí todos esses anos? — berrei com o rosto pertinho do dele.

— Cara... nada pessoal.

— Isso também, não será nada pessoal. — Dei outro soco nele. Rodrigo
caiu, eu o peguei novamente dei mais um soco e quando fui dar outro, ele
sacou um revólver.

— Para trás, Thadeo. Agora! — Eu me afastei no mesmo instante, com


as mãos para cima. — Não tenho nada contra você, só fiz isso pelo dinheiro,
mas posso mudar de ideia e acabar com tua raça agora.

— Eu vou te pegar, Rodrigo.

— Não é inteligente ameaçar um homem armado. — Ele riu e, ainda


apontando a arma para mim, correu, fugindo sem que eu pudesse segui-lo. E,
no fundo, não era algo que eu estava preocupado no momento. Na minha
mente, só tinha Gema, e o que ela havia aprontado.

Corri para casa já com o celular no ouvido, ligando para Ulrich. Quando
ele atendeu, disparei:
— Gema fugiu. Ela foi confrontar o pai e o noivo.

— Kahrolasi! — resmungou. — Não faça nada, chego aí em breve.

Enquanto esperava ele, andei na sala de um lado para o outro sem um


pingo de paciência. As palavras de Gema, as que eu li no bilhete, não saiam
de minha cabeça. Mesmo eu sabendo que não eram reais, me machucaram
para cacete.

Ulrich chegou e quase me encontrou em surto profundo. Ele precisou de


tempo para me acalmar.

— Como eu posso ficar calmo? Olha o que essa mulher apronta.

— Cara, tem certeza de que ela é inocente? — Ele lia e relia o pedaço de
papel que Gema deixou. — Esse bilhete...

— Na hora que essa sujeita disse que o noivo dela era melhor que eu, já
percebi a farsa. Nunca que um cara que vem aqui de terno em plena tarde
ensolarada vai foder melhor que eu.

— Dentre tudo isso aqui que ela escreveu, você só focou nisso?

— Ah, que se dane. Vamos atrás dela. Eu quero olhar na cara da


mentirosa e perguntar: Qual seu interesse por mim?

— E você quer que ela queira algo com você? — Questionou, sentado
tranquilamente na poltrona, assistindo meu espetáculo — Não corria de
relacionamento até mês passado?

— Se é “mês passado” é porque já passou. — Joguei os cabelos para


trás, usando as duas mãos. — Vamos focar no presente.
— E no presente, você quer pra valer essa mulher?

— Ainda está cedo para eu te dar essa resposta. — Caminhei de um lado


para outro. — Eu só preciso olhar na cara dela. E se puder, dar um pau no
noivo e no pai dela.

— Você está muito exaltado. Esse cara é um bandido e deve estar


armado. Vamos planejar algo.

— Planejar o quê, Turco de Deus? Olha o tempo que estamos perdendo.


Eu tenho uma espingarda aí e a gente vai lá e invade...

Ele levantou-se e bateu no meu ombro.

— Thadeo, você não é o “Duro de Matar.” Contenha-se. Vou fazer umas


ligações.

Convencido, e ainda muito ansioso, me sentei, servindo um pouco de


conhaque em meu copo. Eu iria encontrar com Gema de novo. E se ela
confirmasse o bilhete na minha cara, e dissesse que não me queria mais, aí
sim, eu me aquieto e volto para minha vida isolada com bastante prostitutas,
vinhos e manteiga.

Uma vida péssima sem minha bela sorridente e petulante, todavia, livre
para escolher quem eu quisesse. Eu nunca fui homem de correr atrás de
mulher. Mas ia dar uma chance a Gema.

Cacete, eu tinha urgência de encontrar ela novamente. A aflição fazia


meu coração sacudir.
VINTE E NOVE
GEMA

As lágrimas tinham secado no meu rosto. Eu ainda estava abraçada à


minha mãe, sentindo a presença do meu pai ao meu lado e fingindo ignorá-lo,
o que era impossível. O que ele havia feito, todos esses anos, era demais para
apenas ignorar.

Luan estava sentado à minha frente, se exibia, limpando o revolver com


um lenço. Soprou o cano, esfregou o lenço, colocou as balas no cartucho,
uma de cada vez, alternando o olhar entre mim e a arma. Em seguida
encaixou o cartucho.

Ouvimos um movimento lá fora, Luan ficou de pé e a porta se abriu.


Dois homens entraram trazendo minhas irmãs. Jogaram as duas com força no
chão da sala.

Elas ficaram de pé, abraçadas e amedrontadas, e, quando me viram,


correram na direção do sofá em que estávamos.

— Gema! Meu Deus, você está viva! — As duas, ao mesmo tempo, se


lançaram sobre mim, me abraçando em desespero. E eu as abracei de volta,
apesar de sempre serem maldosas, eram minhas irmãs e eu as amava.

— Que bom ver vocês novamente — sussurrei, em meio ao abraço. —


Eu estou bem, estamos bem.

— Chega de algazarra e senta aí — Luan ordenou, com a arma em


punho. — Rápido! — Minha mãe ainda beijava as meninas, em meio ao
pranto da emoção do reencontro e foi obrigada a interromper a alegria.

Meu pai ficou de pé e nós quatro sentadas no sofá.

— Ótimo. Bela cena da família toda reunida. Você — Apontou para um


de seus homens —, traga fita adesiva. E você — Apontou para o outro —,
fique no portão. Qualquer coisa, me ligue.
— O que vai fazer, seu imbecil? — meu pai indagou a Luan. — Não vê
que está sem saída? Por que não foge logo, enquanto é tempo?

— Eu, sem saída? — Deu alguns passos, se aproximando, e eu me


encolhi de medo. — Quem está com uma arma na cara é você e sua família.
— Passou o cano do revólver no queixo do meu pai. — Vamos ficar aqui,
reunidos, até o dia do julgamento, que já está pertinho. Então você liberta
meu pai, ele e eu sumimos do país e todos vivem felizes para sempre.

— Sabe que não depende só do meu voto — meu pai contestou.

— Sei. A outra juíza já está sob meu controle. — Luan voltou para a
poltrona à nossa frente e só, então, eu, minhas irmãs e minha mãe relaxamos
um pouco.

A fita adesiva chegou, e Luan fez um de seus homens prender nossos


braços atrás nas costas. Em seguida, passou a fita em nossos tornozelos e
quando ia colocar um pedaço na boca, Luan interferiu e disse que não
precisava.

— Odeio ficar em silêncio. Quero passar o tempo conversando com eles


— debochou.

O tempo passou bem devagar. Minha mente vagava entre o momento


ruim atual que eu passava com minha família, e em Thadeo na vinícola. Eu
tentava imaginar o que ele estaria fazendo e o que estaria pensando de mim.
Furioso? Apenas ignorou o bilhete e seguiu a vida? Vingativo? Como ele
reagiu? Teria chamado algumas prostitutas, como uma maneira de se vingar?

Essa hipótese me deixou mais nervosa do que gostaria. Não tínhamos


nada definido, porém, meu coração considerava o cavalo chucro como minha
propriedade. Eu estaria tão louca a ponto de sentir ciúmes só com a hipótese
que me veio à mente?

Já era tarde da noite, eu não sabia ao certo, mas devia ser onze. Luan
tinha pedido pizza e disse que só ele ia comer. Eu não tinha fome, apenas
sede e vontade de fazer xixi.

O celular de Luan tocou e ouvimos ele dizer:

— Sim, eu que pedi. Pode mandar entrar. — Desligou e com um


enorme sorriso de contentamento, nos encarou — Bom, chegou a hora da
comilança pessoal. Mas vocês vão apenas olhar.

— Que se foda — murmurei. Ele veio até mim, segurou meu queixo
com força e se aproximou bem perto da minha boca.

— O que disse, Geminha? Que boca porca é essa? Uma dama tão
requintada, onde aprendeu tamanha baixaria?

Puxei meu rosto com força, afastando-me dele.

— Deixa ela em paz, Luan. Seu problema é comigo — meu pai


interferiu, mas ele nem olhou para ele. Continuou me encarando, como se
tentasse ler minha mente. Os olhos ávidos, banhados de perspicácia e eu o
desafiando.

— Você se envolveu com aquele pobre coitado, Germânia? Transou


com o cara que seu pai quer destruir? — Saboreou cada palavra, ao jogar na
minha cara.

— Luan! — meu pai gritou, advertindo. Luan gargalhou.

— Isso é tão gostoso. Parece uma obra conveniente de Shakespeare.


Quem te deu abrigo e te protegeu, foi justamente o cara que o meritíssimo
Jaime odeia. Desceu tão baixo, Gema. Trepou com um rato e não poderá
levar isso adiante, afinal é quase o romance de Romeu e Julieta. — Afastou-
se rindo, caminhando pela sala.

— Você é o único rato aqui — berrei. — Você é tão insignificante que


nem consegue fazer uma mulher sorrir depois do sexo. Pai, mãe,
desconsiderem o que vão ouvir — adverti e continuei, fixada em Luan. — Eu
era virgem e achava que o que você tinha entre as pernas, era um pênis, mas
depois de conhecer um de verdade... percebi que você tem apenas um dedo
dentro das calças.

Eu fui, de maneira cirúrgica, no ponto fraco de qualquer homem:


ofender suas joias.

— Repete. — Veio depressa até mim e colocou a arma no meu queixo.


Não abaixei o olhar. Mantive minha bravura cravada nos olhos dele. —
Repete, sua aleijada. Eu tenho nojo de você e desse seu pé horrível.

Até afastei um pouco o rosto pois a raiva dele era tanta que falou
cuspindo. Queria berrar com ele, dizendo que então estávamos quites. Porque
eu tinha asco dele e se tivesse um pé torto, seria bem melhor do que ter um
pau minúsculo. Mas eu não era louca de xingar um psicopata com uma arma
no meu queixo.

Por sorte, bateram à porta e ele afastou-se.

— Tudo bem, Gema. Eu ainda vou acertar minhas contas com você.
Hoje ainda. — Luan fez sinal para o capanga ir atender. O homem abriu a
porta e recebeu a pizza e quando virou-se para colocá-la no aparador, o
entregador deu uma coronhada no capanga de Luan, fazendo-o cair e gritou
com uma arma em riste:
— Parado! Polícia!

A porta se abriu, e mais homens armados entraram gritando, ordenando


para Luan se deitar ao chão. Minhas irmãs e eu nos encolhemos junto a nossa
mãe e vi tudo acontecer bem depressa à minha frente. Luan, pego de
surpresa, não se rendeu, avançou para o sofá, na tentativa de pegar uma de
nós. Mas meu pai, que estava de pé, se jogou contra ele e ambos caíram no
chão. Houve um tiro disparado pelo policial disfarçado de entregador.

Luan estava vivo, se debatendo nas mãos dos policiais, sendo preso ao
chão, xingando todos em volta, dizendo que isso ainda não tinha acabado,
como bom vilão mequetrefe. E meu pai ainda ali, no chão, com as mãos
presas, mas se mexendo de um jeito estranho. Havia muito sangue em sua
roupa. Ele tinha sido atingido.

Eu estava em choque, mas calada. Aterrorizada assistindo-o se contorcer


no chão e, ao meu lado, os gritos altos da minha mãe. Um policial abaixou-se
até meu pai, cortou a fita que prendia as mãos e gritou para outro:

— Mande os paramédicos entrarem.

Claro. Em uma cena de sequestro, ainda mais contra a família de um


juiz, a polícia viria em peso e traria ambulância. Ainda assim, eu estava aflita,
com medo de que algo acontecesse com ele. Era meu pai e ainda era difícil
assimilar que ele tinha errado.

— Ei, não pode entrar. — Ouvi um grito lá fora e, de repente, dois


policiais foram empurrados para saírem da frente e, para minha surpresa,
Thadeo surgiu. Ofegante, olhos saltados, olhando ao redor. Quando me viu
sentada, deu um passo para correr na minha direção, mas foi impedido. Dois
homens o seguraram.
— Me larga, cacete!

Eu fiquei de pé, ainda presa.

— Thadeo?

— Germânia, você tem muito a me explicar. Eu tô entalado até aqui com


você. — Bateu na garganta.

— Ei, você! Para fora. — Um homem mais velho, vestindo colete à


prova de bala segurou o braço de Thadeo. — Está fazendo tumulto.

— E quem é você?

— Sou o delegado civil.

— E eu sou o cara que desarmou essa farofa aqui, planejada por esse
merdinha preso. Mesmo que esse senhor não mereça. — Apontou para meu
pai sendo acudido pelos paramédicos. — Eu fui obrigado a me intrometer,
senhor delegado, porque aquela mulher ali me tira do sério, teimosa que só.

— Está tudo bem, doutor Gonçalves. — Ulrich apareceu e bateu no


ombro do delegado. — Sou advogado dele. Pode não parecer, mas ele é gente
de bem.

— Ulrich? — Minha mãe, no chão ao lado do meu pai, levantou-se para


encará-lo. — O que está fazendo aqui?

— Fomos nós que chamamos ajuda, Cora. A polícia estava na espreita


esperando o momento certo. Quando a pizza chegou, eles agiram.

Eles ficaram conversando. Eu, enfim, fui libertada por um policial e


acariciava meus punhos, de cabeça baixa.
— Vai me ignorar, mesmo? — Ouvi a voz de Thadeo e levantei o rosto.

— Você está puto comigo?

— Claro, né, Germânia. Onde estava com a cabeça? Em tempo de levar


um tiro.

— Eu estou bem.

Ele aproximou-se. — Meu Deus, será que custa uma vez na vida me
obedecer? Eu pedi para ficar no quarto...

— Você sabe que não fui criada para obedecer a um homem, sou a favor
do diálogo e consenso entre duas pessoas. — Cruzei os braços. — Está
esperando muito de mim, manteigueiro.

— Se você acha que eu vou encostar em uma mulher que me peita o


tempo todo, que não me obedece e que faz minhas noites tranquilas se
transformarem em pura adrenalina, achou certo Venha aqui, teimosa. — Me
puxou para seus braços, me abraçando muito apertado. — Que medo
desgraçado você me fez passar. — E eu, enfim, solucei aliviada, com o rosto
no peito dele, de olhos fechados, me sentindo acolhida.

— Cavalo chucro — sussurrei. — Vem me salvar, para me dar sermão.

— Que porra de bilhete foi aquele? — Indagou e eu levantei o rosto


para olhá-lo. Dei de ombros.

— Me ofendeu de forma descarada. — Voltou a puxar minha cabeça


contra seu peito. — Agora estou doido para te provar o contrário.
Observamos meu pai ser colocado na ambulância. Estava com uma
máscara de oxigênio, mas me chamou. Eu me afastei de Thadeo e fui até ele.

— Filha... por favor... temos muito a conversar. Por favor, me perdoe.

— Pai, descanse e vá em paz para o hospital. Não é hora de


conversarmos e não posso dar um perdão sem saber a gravidade da situação.
Apenas vá em paz.

— Fala com... esse... com esse rapaz que... eu... que nós estamos
agradecidos por ele ter nos salvado... por ele ter te ajudado.

— Ele sabe disso. Nós iremos daqui a pouco ao hospital.

Ele apenas assentiu e eu me afastei, sentindo imediatamente o braço de


Thadeo em torno de mim. Talvez eu tivesse sido dura demais com meu pai
nesse momento, mas ele tinha que entender que o que fez, todo mal que fez a
Thadeo e à sua família, e ainda trouxe Luan para minha vida, não seria algo a
ser esquecido tão fácil.

A ambulância foi e nós ficamos ali, parados no mesmo lugar.

— Então esse é o seu novo amigo, Gema? — Graziela indagou,


aproximando-se com Gabriela. As duas cumprimentaram Thadeo, se
apresentando, me deixando atenta.

— Uau! Gema, você sempre encontra bons amigos. — Gabriela, sempre


tão ousada acariciou o braço de Thadeo. — Fiquei sabendo que faz vinhos,
senhor Thadeo.

— Sim, ele faz. Para vender. Se tiver interessada te darei um cartão da


lojinha online depois. Vamos meu bem.
— Germânia acabou de chamar o cavalo chucro de meu bem? Essa eu
vivi para ver — Thadeo zombou. Me afastei bruscamente, ainda andando ao
seu lado.

— Só estava podando-as — resmunguei.

— Uhum. Entendi. — Me puxou novamente, abraçando-me e indo em


direção ao carro onde Ulrich nos esperava.
TRINTA
THADEO

Olhei para os dois policiais armados, parados à entrada do corredor que


ia para o bloco cirúrgico, fazendo segurança para Jaime. Eu sempre me
esquecia que o filho de uma quenga era juiz.

Gema estava encolhida ao meu lado, Ulrich, distante, falando ao celular,


e as gêmeas sentadas à nossa frente, junto com a mãe. As duas não pareciam
nem um pouco aflitas com o que acabara de acontecer.

Sinceramente, eu não tinha dentro de mim o ódio que esperei ter quando
descobrisse quem estava por trás da sabotagem à vinícola. Gema foi o
antídoto para meu coração inflado de mágoa e rancor. Não estava dizendo
que ia ser amigo de Jaime e queria que ele pagasse pelo mau que me fez.
Todavia, não tinha vontade de afundar o nariz dele com o meu punho. Tudo
por causa dela.

Essa mulher tornou-se um ponto vital nos meus dias, algo que eu não era
capaz de compreender, porque nunca deixei que as mulheres se
aproximassem demais, para não terem uma opinião pré-estabelecida sobre
mim. Eu não sabia lidar com esse sentimento, essa sensação visceral que não
era posse, era união, era a vontade de estar com ela, de ser dela e ela minha.

Uma mulher na minha vida; definitivamente. E olha só pessoal! Eu não


estava fugindo com medo.

Por que eu teria medo de algo que me fazia tão bem?

Puxei Gema para mais perto e plantei um beijo no alto de sua cabeça.
Ela me olhou.

— Está tudo bem? — puxei de leve o nariz dela, tentando ver o furinho
que se formava em sua bochecha, quando ela sorria.

— Sim. Só tensa, esperando notícias. Se quiser ir embora...

— Eu não vou.

Ela se aprumou e ajeitou os cabelos.


— Thadeo, obrigada por tudo... mas não precisa mesmo ficar aqui, onde
provavelmente você não quer ficar. Meu pai foi mau para você e sua família.

— Eu não estou aqui por ele. Descanse um pouco. — Puxei-a


novamente para aconchegá-la ao meu corpo, abraçando-a pelos ombros.
Teimosamente, Gema afastou-se, ficou ereta e jogou sua atenção para as
unhas.

— Eu estava pensando...

Antes de ela terminar, um médico apareceu. Ela se levantou em um


pulo. Levantei-me também, ficando ao seu lado.

— Ele reagiu bem à cirurgia para a retirada da bala e vai ficar em


observação. Não atingiu órgãos vitais.

— Graças a Deus — Cora choramingou. Gema apenas respirou fundo,


abraçando o próprio corpo.

— Quando posso falar com ele? — Cora indagou.

— Em breve. Por enquanto, ele está se recuperando — o médico


terminou o boletim, pediu licença e saiu.

Gema voltou-se a se sentar, e notei que estava tentando manter distância


de mim. Pensativa demais...

Ela sempre tomava as piores decisões no calor do momento. E esse era


um perfeito momento para ela pensar errado.

— Gema.

— Thadeo, vá para sua casa — foi firme comigo.


— O que houve?

— Eu preciso conversar com meu pai. Saber a extensão de todos esses


problemas.

— Não vai voltar comigo para a vinícola?

— Não, Thadeo. Eu tenho minha casa, preciso dar apoio a minha mãe.
Eu acho melhor a gente dar um tempo.

— Um tempo — assenti. — Ok. Está me dando um pé na bunda?

— Não. Claro que não. Eu só quero conversar direito com você e esse
não é o momento. Vá para casa, por favor.

— Tudo bem. — Fiquei de pé. — Se acaso ainda precisar de mim, sabe


onde me encontrar.

Ela levantou-se também e, de repente, estava apreensiva.

— Você precisa entender o que estou passando...

— Eu entendi tanto, a ponto de querer ficar aqui te dando apoio. Não se


preocupe, não temos nada. Era só sexo, lembra? — Enfiei a mão no bolso e
tirei o anel que eu pretendia devolver a ela lá na vinícola. — Isso é seu. —
Coloquei em sua mão. Acenei para ela e não olhei mais para trás, enquanto
deixava a sala. Ulrich correu atrás de mim, seguindo-me.

— Quer uma carona?

— Preciso beber algo. Meus vinhos não foram criados para encher a
cara.

— Venha, conheço um bar legal.


***

— Ela está confusa, cara. Mulher costuma ser imprevisível... — Ulrich


aconselhou, sentado diante de mim na mesa do bar. Entre a gente, algumas
garrafas vazias de cerveja.

— Eu estou bem. Não estou nem aí para a instabilidade de Gema.

— O que de fato ela falou?

Olhei a espuma da cerveja se desfazendo aos poucos. O copo suado


tinha toda minha atenção.

— Ou prefere não falar? — Ulrich pressionou.

— Ela me descartou assim que se viu novamente no seio familiar. —


Fitei-o, sem querer parecer um bunda-mole chorão. — Eu vi nos olhos dela
que eu estava incomodando. E, de repente, me senti um peixe fora d’água, lá,
com ela e a família. Aquele não era o meu lugar.

Eu já sabia disso e teimei em ficar de rolo com uma desconhecida. Eu


era um burro do caralho. Devia ter seguido minha intuição de nunca me
envolver.

— Ela deve estar querendo te preservar — Ulrich opinou.

Dei de ombros e virei na boca o corpo de cerveja.

— Não é mais do meu interesse o que ela quer ou não. Está segura, e é o
que importa. Mudando de assunto, e Carmem? Como está?
— Está progredindo. Se tudo der certo, essa semana ainda, tiram ela do
coma induzido.

— Que bom. Espero que fique bem. Mas também não quero nem vê-la
na minha frente. A desgraçada estava trabalhando contra mim. Vamos
embora. — Fiquei de pé. — Eu tenho uma vida para tocar adiante.

Ulrich me levou para casa, se despediu e foi embora. Bati as botas na


soleira da porta, entrei e Gioconda veio correndo.

— Thadeo! Está tudo bem? Eu vi na tevê sobre o sequestro...

— Estou bem, Gioca.

— E Gema? — Olhou atrás de mim, como se mais alguém pudesse


entrar pela porta.

— Gema está com a família dela. Somos só você e eu novamente nessa


casa. Estou indo deitar, boa noite.

— Boa noite — sussurrou, sem perguntar mais sobre o assunto.

Arranquei a roupa do corpo, meio tonto pelas cervejas, me enfiei


debaixo do chuveiro, depois saí me secando de qualquer jeito e finalmente cai
pelado na cama.

Era eu e o amor da minha vida, sozinhos novamente. A vinícola. A


única que não me magoaria e nem me expulsaria de dentro dela.

Eu não queria mesmo me prostrar diante desse sentimento, dessa


sensação de perda. Eu nunca enfrentei relacionamento algum, mas tinha uma
boa estrutura para lidar com essa situação, de forma madura.
Foi estranho acordar sozinho pela manhã. Os últimos dias me colocaram
no mau costume. Eu achava que não precisava de uma mesma mulher, até ter
uma comigo, para dormir e acordar com ela. Fiquei um bom tempo sentado
na cama, olhando o quarto impecável, ainda arrumado como ela o deixara.

Penteei os cabelos com os dedos e suspirei, olhando meu pau duro como
rocha.

— Pode abaixar a bola, amigão. Estamos sozinhos de novo. — Pulei da


cama e fui para o banheiro. O robe roxo lá pendurado me fez sorrir. Ela era
única e especial, com suas saias longas, seu andado torto, o sorriso cativante
e as tiradas corajosas, me desafiando a todo o momento.

Gema marcou minha vida. Teria eu marcado a dela? Era a resposta que
eu precisava dela, nas próximas horas.

Eu esperei Gema a manhã inteira. À tarde nem saí da frente da casa, com
o celular na mão. Fui à adega continuar o inventario dos vinhos para tabelar e
colocar no site e meu peito apertou ao ver na parede, riscado com cuidado, o
nome de Gema. Estava lá o tempo todo, na minha cara: Germânia Ávila, e eu
nem me dei o trabalho de olhar o dia que ela o riscou.

Á noite, não arredei o pé de casa, esperando. Ela não apareceu.

O segundo dia parecia mais revigorante. Rodrigo tinha fugido, e eu


estava fazendo o serviço dele. Averiguei o vinhedo, inspecionando parreira
por parreira, cacho por cacho.

Almocei feito um boi e dormi na sala até as duas da tarde. Gema não
apareceu.

Fui ver meu pai que estava preocupado, por causa dos noticiários que
não paravam de falar sobre o sequestro do juiz Jaime Ávila, e agora, parecia
que Luan ia comprometê-lo. Ele ia depor contra Jaime, em uma espécie de
delação.

— O senhor nem fazia ideia que poderia ser ele, pai? — questionei a
meu pai, a sós com ele em seu escritório, a respeito da revelação de que
Jaime era o desgraçado que armara contra minha mãe e eu.

— Não. Eu não cheguei a conhecer Constantino, e depois que seu avô


conseguiu a vinícola, o maldito foi embora daqui e conseguiu, de alguma
forma, esconder sua descendência maldosa.

Levantei-me e andei pelo escritório. O lugar era a cara do meu pai, tinha
muita coisa antiga, como se ele precisasse de objetos para relembrar o
passado. Na grande estante, vários porta-retratos. Olhei um deles, onde tinha
todos nós, no casamento de Andrey e Ana Rosa.

— Aquela moça que veio aqui comigo, Germânia, é filha dele — falei
com meu pai. — Filha do Jaime.

Voltei a olhar as fotos. Benjamin e Stela, pequenos na vinícola. Não


lembrava dessa foto. Peguei-a.

— Sabia que eu conhecia aquele nome de algum lugar — meu pai gruiu
revoltado. — Eu sempre frequentei o escritório de Cora e conheci as filhas
dela em uma oportunidade. Meu Deus! Ela estava lá infiltrada?

— Não. Foi apenas uma coincidência. Gema não sabia de nada do pai
dela.

— E agora? Não quero nem saber de você metido com essa gente. Se
não terminou, favor acabar já.
Guardei a foto de Stela e Benjamin e voltei-me para encarar meu pai.

— O senhor deixou de mandar em mim quando eu fiz dezoito anos,


lembra?

— Bons tempos, quando eu te dava uma chinelada e era obedecido.


Vocês nunca ouvem meu conselho. Vai fazer o quê?

— Nem eu sei, pai. — Passei os olhos pelos livros na estante. Acho que
meu pai era o único que ainda tinha uma coleção de enciclopédias — Não sei.
Gema está com a família dela. O cara fez um plano sujo para cima da minha
mãe e massacrou minha vinícola por anos.

— Portanto...

— Ele fez isso, não Gema. Não vou medir ela com a mesma régua que
meço o safado do Jaime.

— Ah, meu Deus. Estou me vendo em você. Está amando essa garota,
não é?

Voltei e sentei-me diante dele.

— O senhor amou a mãe em algum momento?

— Sim. Eu só estava rancoroso demais para enxergar o quanto eu a


amava. Na minha mente só tinha espaço para vingança contra outra mulher
que me abandonara, antes de eu me casar com sua mãe. Não faça o mesmo.

— Eu jamais me vingaria de Gema. Talvez eu a ame mesmo, e se ela


não sentir o mesmo, por mais que doa, é um direito dela. Seria um porre
obrigar uma mulher a ficar comigo ou puni-la por não querer ficar. Eu quero
que ela goste de estar comigo.
— Sábias palavras. Pena que eu não as tenha ouvido isso trinta anos
atrás.

— Nunca é tarde para se arrepender, pai.

Eu ainda fiquei um bom tempo na casa do meu pai. Stela chegou com as
crianças e fez café para a gente. Fiquei com eles tomando café e ouvindo
minha irmã tagarelar, apenas sorrindo por vê-la tão bem e feliz.

Cheguei em casa, e Gioconda avisou que um funcionário da fazenda


Capello tinha deixado nata para mim, que eu sempre pedia para Fernando
separar. Tirei a camisa, prendi os cabelos, amarrei um avental na cintura e fui
bater a nata, sentado lá fora, com o celular de lado esperando. Esperançoso.

A manteiga ficou pronta. A textura estava linda, perfeita. Modéstia à


parte, a nata da Capello era a melhor, e não havia melhor manteigueiro que eu
para dar um bom destino a um ingrediente tão fino.

Separei com cuidado e zelo a manteiga nos potinhos e os etiquetei com


os nomes dos destinatário: “Andrey”, “Pai”, “Turco”, e assim por diante.

Em uma etiqueta escrevi: “Para uso impróprio.” Era o que eu gostava e


estava com saudade de tal prática. Fiquei parado observando. Eu não queria
usar a manteiga com mulher nenhuma, talvez mais para frente. Amassei o
papelzinho e descartei-o.

Tomei banho e me sentei na grama, no lugar mais alto, olhando o


entardecer e a noite cair sob a cidade. Lá, em algum ponto daquela
movimentação, estava Gema. Era o segundo dia, e ela não se dava ao
trabalho de dar notícias.
No terceiro dia, eu estava muito contente. Pulei da cama, ainda no
escuro. Enfim o Cabernet Sauvignon estava pronto. A fermentação tinha sido
concluída e agora iria para os barris de madeira descansar por algum tempo.
Apenas vinhos finos e caros iam para os barris. A manutenção custava caro e
não podia gastar isso com qualquer vinho.

Eu fiquei besta que doía, sorrindo à toa, filmando o momento em que o


vinho saía do tanque. Provei um pouco e tive uma epifania; era delicioso. Era
meu sonho em formato líquido, descendo pelas torneiras, se tornando
realidade. Postei o vídeo na página da vinícola no Instagram, que Gema
ajudou a criar. E, em um instante, vários comentários. Sorri lendo alguns
deixados por mulheres:

“Queria experimentar o vinho e o produtor.”

“O vinho está de parabéns, assim como o dono.”

À tarde, recebi a visita de dois investidores, e Ulrich estava presente


para me auxiliar. Era uma reunião importantíssima. Eu estava suando às
bicas, preocupado, torcendo para que quisessem fazer negócios comigo.
Agora, sem aquele cão ruim no meu caminho, eu tinha certeza que ia crescer.

Mostrei a eles a nova garrafa com novos rótulos, o site, o número de


vendas online, que não estava tão grande, pois precisava de divulgação.
Caminhamos pela vinícola, e foi satisfatório mostrar tudo para eles. Desde a
plantação à produção. Um orgulho danado, pois eu mantive isso de pé
debaixo de muita luta.

Ambos me deram um contrato para ler e eu já queria assinar. Ulrich foi


mais rápido e precavido e disse que iria analisar com calma. Foram embora e
eu quase peguei a espingarda para dar uns tiros para o alto, em comemoração.
E não pude deixar de sentir, lá dentro do peito, um vazio. Pois eu queria
que a pirracenta da Germânia, estivesse comigo, festejando comigo.

Festejei com o turco mesmo.

Depois de bebermos bastante, ele levantou-se para ir embora. Estava


trocando as pernas.

— Fica aí, cara. Como vai dirigir desse jeito?

— Sei não. Você está carente, sei que tenho um bunda bonita e acho que
vi você de olho torto...

— Ah, vai se lascar, turco dos infernos. Eu, olhando para bunda de
homem?

Ele deu de ombros, jogou as chaves na mesinha e despencou na


poltrona.

— Calça social deixa o bunda avantajada, eu tenho que me preocupar. A


quarto de hospede tem chave?

Peguei minha bota e joguei nele, sem pena.

— Me desmoralizando na minha própria casa. Quer mais cerveja? Ainda


tem meia dúzia.

— Pode trazer. — Ele tirou dois charutos do bolso e jogou um para


mim. — Roubei no escritório de Cora, o Jaime-cuzão deixou uma caixa lá. É
do melhor. Roubei também uma caixa de clipes e um peso de papel do
Mickey.

— Advogado criminal e ladrão — ironizei.


— Sou um bastião de moralidade, me respeita. — Acendeu o charuto
dele e soltou a fumaça pela sala. Eu não era chegado nessas merdas de rico.
Mas hoje eu merecia um. Acendi o meu e sentei, para escutar o turco contar
sua destreza para roubar os charutos do escritório de Cora.
TRINTA E UM
GEMA

Andei descalça pelo tapete fofo do meu quarto. A última vez que estive
aqui, estava vestida de noiva e isso não era uma lembrança agradável. Olhei
pela janela e vi minha mãe lá embaixo no jardim, falando com um
funcionário.

Os dias pareciam pálidos e frios, mesmo que, de verdade, não


estivessem.

O problema, na verdade, era eu. Eu não estava nada bem. Não estava
dormindo direito, nem me alimentando direito. Às vezes pensava que ia
explodir, tamanho o conflito interior.

Mas eu não ia ceder às minhas vontades, ao meu coração que implorava


ardorosamente. Eu não voltaria a ver Thadeo até que estivesse livre de
qualquer dúvida, até que eu tivesse aparado todas as arestas

Como eu poderia amá-lo em totalidade, se havia entre nós uma terrível


história de vingança? Como eu poderia agir como se meu pai não tivesse feito
ele sofrer? Que paz eu teria com o homem que amava se eu não concluísse
essa história?

Minhas irmãs me falaram que eu poderia ao menos ligar para ele.


Todavia, não era essa a minha intenção. Só voltarei a falar com Thadeo
quando eu tiver uma resposta para ele. Quando eu puder dizer se irei ou não
tirar essa montanha de intrigas entre a gente.

Meu pai se recuperava bem e estava sob vigilância. Hoje eu recebi a


notícia de que Luan iria depor contra meu pai e isso estava se alastrando em
todos os noticiários. Havia repórteres em frente à nossa casa, em frente ao
escritório da minha mãe e em frente ao hospital. Nós não estávamos indo
visitar meu pai, e eu esperava com ânsia o dia que ele pudesse contar toda a
verdade para mim.

Passei o dia apreciando a solidão. Minhas irmãs deram entrevista para


uma emissora conceituada, vieram em casa e conversaram com elas na sala.
As perguntas giraram apenas sobre o sequestro. Minha mãe evitou falar, mas
eu era a mais procurada, por ter sido noiva de Luan e por ter fugido do
casamento.

— Quer mesmo fazer isso? — minha mãe perguntou, observando a


moça da produção da emissora retocando minha maquiagem.

— Sim, mãe. As pessoas precisam saber.

Entrei na sala sozinha, de cabeça erguida, mancando e não tendo


vergonha disso. Me sentei diante da repórter e ela frisou para eu ficar à
vontade e responder apenas o que eu quisesse. Depois a gravação seria
editada.

A cada pergunta, eu tentava responder de forma racional, sem despejar


uma gota de emoção, apesar de estar em combustão por dentro. Falei sobre o
namoro com Luan e como eu descobri, no dia do casamento, que ele estava
planejando algo perigoso, e, portanto, eu fugi.

— Você pode nos dizer onde encontrou abrigo durante sua fuga?

Então eu sorri, nostálgica.

— Na vinícola D’Mattos. Fica perto daqui, dessa casa, onde aconteceria


o casamento. O dono daquele lugar é um homem extraordinário que luta de
sol a sol para ver seu vinho progredir. E é o vinho mais delicioso que já
experimentei. Ele planta e colhe as próprias uvas...

— Aqui, no Maranhão?

— Pois é. Um lugar que não é conhecido por cultivar uvas e fazer vinho.
Ele me deu lar e proteção, sem se preocupar em saber mais sobre mim. Ele
apenas confiou em mim e me acolheu.

— Estou vendo um brilho diferente em seus olhos. Pode nos dizer quem
é o príncipe no cavalo branco?

Eu dei uma risada, e a repórter riu sem entender. Thadeo era o cavalo e
não o príncipe.

— Ele é um Capello, sabia disso?

— Do leite Capello?

— Isso. Thadeo Capello. Ele não é conhecido pela ligação com a


família, porque o negócio dele é outro.

— E como foi sua volta para cá e ser mantida como refém?

— Eu voltei porque tinha assuntos pendentes a resolver. E foi


coincidência Luan ter chegado quase no mesmo momento. Então ele nos fez
de refém, mas Thadeo acionou a polícia e fomos salvos.

Aquela era a maneira que encontrei de mostrar minha lealdade a Thadeo,


mesmo sem ainda ter ouvido nada do meu pai.

A entrevista terminou, e eu voltei a me isolar no quarto. Eu não teria um


rumo para tomar até que meu pai estivesse bem para falar comigo. Só depois
eu pensaria no que fazer em relação à Thadeo, e torcia para que ele ainda
estivesse me esperando.

No dia seguinte, completou-se quatro dias desde a última vez que eu


tinha visto Thadeo. Eu não cansava de me perguntar como ele estava e o que
devia estar pensando de mim. Vi a postagem dele no Instagram, e meu
coração apertou. Ele estava feliz, estava sorrindo.

Eu ainda fazia parte de seus pensamentos? O que de concreto nós dois


tínhamos? Nunca firmamos nada além de um acordo para transar sem nos
comprometermos.

Para minha surpresa, depois do almoço, Ulrich apareceu em casa para


uma reunião particular com minha mãe. Ela não estava indo ao escritório por
esses dias. Antes de eles entrarem no escritório, eu o abordei.

— Oi, Ulrich.

— Oi, Gema. Como está?

— Mais ou menos. Tem visto o Thadeo?

Ele parecia saber que essa era a pergunta que eu faria. Seu semblante era
neutro.

— Sim. O vi ontem, dormi na vinícola, para fazer companhia a ele.

— Ele está... magoado?

— Sim, ele está. Mas não está fazendo disso um espetáculo. O cara sabe
seguir com a vida. Acho que quem já apanhou demais, consegue lidar
facilmente com os problemas.

— Sim, eu sei. Eu vou conversar com meu pai ainda hoje. E só depois
poderei encarar Thadeo.

— Por que só depois? — Levantou uma sobrancelha intrigado.

— Porque meu pai fez muito mal a ele e eu preciso ter uma resposta
para dar a Thadeo, eu me sinto na obrigação de ter uma posição da minha
parte, quando enfim reencontrá-lo.

— É nobre e maduro da sua parte pensar assim, colocando seus


sentimentos e o dele de lado para resolver algo maior.

— Sim, está doendo terrivelmente em mim. E torço para que ele consiga
me compreender.

— Se precisar de ajuda, pode contar comigo.

— Obrigada.

Mais tarde, Ulrich acompanhou minha mãe e eu ao hospital. Meu pai já


estava bem, fora de perigo e sendo investigado depois da delação de Luan,
que seguia preso.

Minha mãe ficou na sala de espera com Ulrich, e eu entrei sozinha no


quarto.

Eu não tinha vindo visitá-lo desde que ele saíra da cirurgia. Estava em
um apartamento particular, bem arejado, grande e confortável. Havia duas
camas, uma televisão, frigobar.

O policial que estava ali fazendo a segurança me deixou passar e fechou


a porta às minhas costas. Meu pai me viu e ajeitou-se na cama, ficando quase
sentado, recostado na cabeceira alta.

— Oi, querida. Que bom ver você. — Estendeu a mão para mim, e eu a
apertei e me afastei um pouco.

— Oi, pai. É bom também ver o senhor bem e fora de perigo.


— Veio com quem? Está tomando cuidado ao sair na rua?

— Sim, estou. Vim com a mamãe e o Ulrich. Parece que eles vão manter
a sociedade no escritório.

— Boa decisão da Cora. Ulrich é um bom profissional e está com ela há


tanto tempo.

Assenti, de pé, afastada da cama, de braços cruzados.

— Ei, por que essa carinha triste? Venha aqui, aproxime-se do seu pai.

Puxei uma cadeira e me sentei ao lado da cama.

— Chegou o momento, pai. Eu quero saber de tudo. Preciso saber o que


o senhor fez contra a família de Thadeo.

— Gema, esse homem está te colocando contra mim...

Eu não queria me exaltar, mas essa abordagem dele não ia me


influenciar.

— Eu estou afastada dele, e esperei todos esses dias para te dar a


oportunidade de me contar. Eu preciso saber da sua boca. O que houve?

Meu pai respirou fundo, massageou os olhos e assentiu, me encarando


de volta, com firmeza no olhar.

— Seu avô Constantino foi traído de maneira vil pelo avô desse...
Thadeo. — Havia repugnância em seu tom de voz. Meu pai demostrava
carregar uma carga enorme de rancor. — Ele não merecia aquilo. Ele foi
apunhalado pelas costas. O que eu poderia fazer ao ver meu pai definhar e
sofrer até a morte?
— Quem era o homem que... — Limpei uma lágrima. —, foi namorar a
mãe de Thadeo? — Minha garganta fechou ao relembrar da terrível história
que fiquei sabendo, naquele quarto que Thadeo ainda mantinha, como fonte
de lembranças ruins. O abuso contra os irmãos... O trauma que ele carregava
até hoje...

— Filha, vamos deixar isso...

— Me fale! — Eu acabei berrando. — O desgraçado tentou estuprar


uma menina de seis anos. — Eu já estava aos prantos, totalmente instável,
diferente do que planejara fazer — Quem era ele, pai?

De cabeça baixa, deixando enfim a vergonha transparecer, meu pai


pareceu velho demais, cansado, o oposto ao ar jovial que sempre tinha.

— Reginaldo — ele sussurrou. — Boa pinta, fazia sucesso entre as


mulheres, tinha o dom de persuasão. Ele era perfeito para entrar lá e acabar
com a vinícola. Era apenas isso, era a única missão dele: destruir as chances
de aquilo prosperar. — Meu pai abanou a cabeça, mostrando-se indignado
com as lembranças. — Mas eu perdi controle sobre Reginaldo e não pude
mais fazer nada. Ele se recusava a me obedecer e me colocou para fora da
situação.

— Quem era ele?

— Um filho bastardo do meu pai. Era meu meio irmão, que vocês
jamais conheceram. Reginaldo viu a chance de ter toda a vinícola para ele se
conseguisse acabar com aquela mulher divorciada e sozinha.

Fiquei de pé e andei pelo quarto, com a mão na boca, refletindo minha


aflição. Meu tio? Como um dia eu poderei olhar na cara de Thadeo, sabendo
que minha família fez aquilo com ele e os irmãos?
— Gema... Eu juro que não foi minha intenção fazer mal para aquelas
crianças.

— E diante disso, o senhor lavou as mãos...?

— Não. — Meu pai me acompanhou, com os olhos, enquanto eu ia e


vinha pelo quarto. — Eu ainda queria aquelas terras. Mas me afastei, pois
Reginaldo se mostrara perigoso e chantagista, eu tinha acabado de passar em
um concurso... Como eu poderia sujar meu nome? Eu planejava fazer algo,
mas foi tarde demais.

— O que foi tarde demais?

— A mulher estava acabada, a vinícola também e os filhos dela feridos.


Eu apenas segui minha vida, esperando o dia que ela falecesse para as terras
serem postas à venda e eu adquiri-las.

Assenti, limpando as lágrimas. Era justamente como Thadeo me contara.


A vinícola fechada e esquecida depois que a mãe foi para a clínica.

— Mas eles não venderam. Eu até mandei um advogado conversar com


o velho Capello, mas a resposta que tive foi que a mãe falecera e deixara um
testamento em que deixava a vinícola para os cinco filhos e somente eles
poderiam decidir o destino das terras, depois que completassem dezoito anos.

— Não podia ter simplesmente esquecido? Ela estava fechada e falida.


Esse era o seu plano.

— Não. Não é dessa forma, Germânia. Aquele lugar deve pertencer à


minha família, era do meu pai. E quando esse... esse Thadeo... completou
dezoito anos, ele foi morar lá, sozinho. Todos os irmãos aceitaram vender as
terras, menos o imbecil. E as coisas pioraram, quando cada irmão doou a
parte deles para esse Thadeo. Meu advogado foi expulso de lá a tiros de
espingarda. Ele é um completo surtado.

Sim. Esse era Thadeo. Sorri em meio às lágrimas, vendo como ele lutou
desde cedo para proteger aquele lugar. Ele tinha uma promessa de honra a
cumprir com a mãe dele. Thadeo jamais iria desistir.

— Eu o sabotei, sim, Gema. Eu coloquei muitas pedras no caminho dele


e, ainda assim, ele as derrubava e seguia em frente. Mesmo ninguém
querendo investir ou comprar aquele vinho, ele tentava.

— E quanto a Carmem?

— Eu a contratei sem que ela soubesse quem era o contratante. Eu não


provoquei o acidente. Pedi Luan para dispensá-la, pois eu estava em uma
reunião, e então ele a empurrou escada a baixo.

— Uma última coisa. Os explosivos na adega...

— Não foi minha ideia. Rodrigo planejou... Me perdoe, filha.

— O senhor sabia, que o Rodrigo me chamou para a adega, no momento


em que ia armar os explosivos? Sabia que eu e mais outros funcionários
poderíamos estar mortos?

— Meu Deus, eu... filha, me perdoe! — Aflito, ele tentou descer da


cama para vir até mim, mas não conseguiu. — Por favor, Germânia, precisa
me escutar.

— Eu estou escutando. E não consigo acreditar como pôde ser... tão


baixo e maldoso.

— O que vai fazer? Vai simplesmente me odiar de agora em diante? Eu


sou seu pai, me perdoe.

— Eu não vou te odiar, mas também não vou te perdoar, te eximindo de


uma culpa, como se tivesse apenas jogado uma pedra na vidraça de alguém.
Pessoas se machucaram durante todo esse processo.

— Vai se unir a ele? É isso, Germânia? Vai mesmo abandonar sua


família e ficar do lado daquele homem?

— Aquele homem me deu abrigo quando eu precisei e nos salvou,


quando seu aliado estava enlouquecido nos mantendo reféns.

— Eu sei e estou grato por ele ter nos salvado. Mas peço a você que
entenda meu lado. Eu só queria ter de volta o que era da minha família.

— Há muito tempo ainda, pai, para se arrepender e pagar pelos seus


erros. Limpe-se dessa amargura e então poderemos seguir em frente. Você
sempre será meu pai mas, por enquanto, não terá meu apoio.

Prometi a mim mesma que aquelas eram as últimas lágrimas derramadas


por esse assunto. Tinha chegado o momento de aprender a superar e correr
atrás do prejuízo. Saí de cabeça erguida do quarto, cheguei à sala de espera e
minha mãe se levantou rápida, vindo até mim.

— Filha... Conseguiu se entender com ele?

— Mãe, eu não pude perdoar ele nesse momento.

— Por Deus, Germânia, é o seu pai.

— Ele sempre será meu pai, mas precisa se limpar de todo o mal que
praticou, se quiser fazer parte do meu futuro.
— Filha, que conversa é essa...

— Eu escolhi um homem para estar comigo, para compartilhar meu


destino, e esse homem é justamente quem meu pai feriu. Papai vai precisar
me convencer e cultivar nosso perdão, meu e de Thadeo.

Ela estava devastada. Minha mãe achava que era o fim da nossa família,
mas não era. Eu não a abandonaria, nem a ela e nem as minhas irmãs.
Todavia, vi um pequeno sorriso desabrochar nos lábios dela. Mamãe assentiu,
me compreendendo, e puxou-me para um abraço.

— Tem meu apoio. Vá ser feliz, minha filha.

Olhei para Ulrich, feliz em poder dizer: — Pode me levar até ele?

— Posso, sim.
TRINTA E DOIS
GEMA

Eu estava calada e trêmula, no carro com Ulrich. Estava tensa, na


verdade, pois eu não fazia ideia qual seria a atitude de Thadeo, como ele me
receberia.
— Sabe que ele pode apontar a espingarda para você, não é? — Ulrich
debochou, percebendo meus temores internos.

— Ele está tão rancoroso assim?

— Ele é imprevisível. Ninguém nunca pode esperar nada daquele


Capello.

Torci os dedos, cheia de ansiedade. Ele iria me receber de braços


abertos, eu tinha certeza.

O carro parou, e Ulrich desceu para tocar o interfone. Em segundos o


portão se abriu, ele voltou para o carro e entramos. Passava das três da tarde,
eu sabia que Thadeo estaria em casa a essa hora.

Ulrich desceu primeiro, e antes de acompanhá-lo, ouvi galopes e, para


minha surpresa, era Thadeo se aproximando a cavalo. Como da primeira vez
que o vi, só que dessa vez sem chapéu, os cabelos ao vento. Meu corpo se
arrepiou por completo, respondendo à presença dele. Com agilidade, ele
pulou do cavalo e foi ao encontro de Ulrich.

— Fala Turco, qual a novidade?

— Está tudo bem? Passou o dia calmo?

— Os caras deram para trás com os contratos? — Ainda ansioso,


Thadeo tentava adivinhar o motivo da presença de Ulrich ali.

— Não. Ainda estou analisando.

— Hum...

Era minha hora. Abri a porta do carro e desci.


— Eu só trouxe alguém para te ver — Ulrich falou, apontando na minha
direção, captando a atenção dele.

Thadeo olhou para o carro e quando me viu, semicerrou os olhos. Ajeitei


os cabelos, dei um sorrisinho e fiquei lá, parada, esperando a reação dele.

— Está demitida, Germânia. Já deve ter percebido isso. — Foi em


direção ao cavalo.

— O quê? É tudo isso que tem para me falar?

— Quer que eu pergunte como vai o papai Jaime? Espero que bem
arrombado.

Ulrich riu, na verdade, gargalhou, e eu fechei a cara para ele.

— Meu Deus, como eu pude imaginar que seria bem recebida na casa de
um cavalo? Eu sou tão burra.

— Bom, vou deixar vocês a sós. — Ulrich falou. — Tenho um processo


para estudar e não posso ficar aqui presenciando chuva de coices, de ambos
os lados.

— Ei, eu vou com você — me adiantei.

— Nossa, que madura — Thadeo ironizou. — Veio até aqui e ao


primeiro sinal de empecilho, já foge? Eu não devia esperar muito.

— Você está magoado, não é? E quer descontar tudo em cima de mim.

— Afinal, quem foi a causadora da mágoa? Adivinha?

Revirei os olhos e virei as costas para ele, indo para o carro. Cavalo
chucro que não sabia o momento de abaixar a bola. Ele estava chateado
comigo e queria me fazer sofrer. E estava conseguindo. Ia entrar no carro,
mas, de súbito, eu achei uma grande insolência da parte dele. Voltei feito uma
arara brava na direção dele.

— O que você sente por mim, Thadeo?

— Você me pediu um tempo e agora chegou aqui na minha casa. —


Cruzou os braços e se impôs firmemente diante de mim. — Eu que tenho que
saber, quais a suas intenções comigo, Germânia? Porque aqui não é casa da
mãe Joana que qualquer uma pode vir, se aproveitar e depois vazar.

— Eu, me aproveitar?

— Sim — sustentou sua posição — Você veio aqui e usufruiu de tudo


da vinícola, inclusive de mim. Depois me descartou na maior facilidade.

— Eu tinha um motivo... Eu precisava resolver...

— Que garantia tenho por te receber novamente e não levar um pé na


bunda logo depois que se cansar?

Eu estava com raiva da postura dele. Queria mandar ele se lascar e, em


seguida, ir embora, mas meu coração dizia outra coisa.

— Juro que eu não queria gostar de um bicho do mato temperamental


feito você. Mas se eu voltei é porque você tem importância na minha vida. Eu
queria tanto amar outro, o Ulrich por exemplo...

— Eu? — Ouvi atrás de mim.

— O turco? — Thadeo estava horrorizado.

— Sim. Olha como ele é bonitão, prestativo, anda sempre bem


arrumado, cheiroso...

— É Dior. Só por curiosidade — Ulrich falou, e vi a hora de Thadeo


correr atrás dele.

— Está falando na minha cara que preferia amar o turco?

— Sim. Ou um desses caras bonitos da alta sociedade que preferem


comer um escargot a uma rabada. Mas meu coração tinha que escolher você.
Com esses cabelos grandes desarrumados, seu cheiro de vinho, e a
capacidade de me irritar às vezes, mas me fazer ver estrelas sempre.

— Eita — Ulrich exclamou.

— Então, você me ama... e acha isso um fardo?

— Eu te amo porque você é esse cara, e apesar dos defeitos e não usar
Dior e nem comer escargot, você me protegeu, me compreendeu e me aceitou
com meus defeitos.

Thadeo assentiu. Jogou os cabelos para cima e deu alguns passos em


minha direção.

— Turco, pode ir embora.

— Sim, senhor. Chofer saindo. — Acenou para a gente, entrou no carro


e foi embora.

— Então isso é amar? — Thadeo indagou.

— É. Amar é isso. Não conseguir dormir direito sem aquela pessoa, ver
o tempo passar devagar, é querer tanto o bem do outro que chega a doer, e se
pegar fazendo planos para o futuro, juntos.
Thadeo acariciou meus ombros, subiu as duas mãos pelo meu pescoço e
envolveu meu rosto.

— Então eu amo também, Germânia. Porque é tudo que sinto desde que
me mandou embora do hospital. Você já me conhece, sabe que sou o estilo
selvagem. Eu não aprendi durante a vida a falar coisas bonitas que talvez
outro falaria para você. Mas uma coisa fique sabendo, eu farei de tudo para o
seu bem e todos os dias te dar motivos para continuar aqui, comigo.

Ele encostou a testa na minha e soltou o ar com alívio.

— Você, Gema, é a primeira que amei em toda minha vida. Que bom
que apareceu vestida de noiva e selou a profecia.

Eu gargalhei, com lágrimas de emoção nos olhos. Em seguida, o abracei


apertado, ficando na ponta dos pés. Thadeu envolveu meu corpo em um
abraço gostoso e me suspendeu. Eu estava com tanta saudade. Foram os
quatro dias piores da minha vida, suportar o vazio que ele deixou.

Thadeo afastou o abraço e beijou meus lábios com carinho, em seguida


sussurrou:

— Você vai trabalhar agora.

— Como assim? Não tinha dito que eu estava demitida?

— Não no vinhedo, trabalhar lá em cima, na minha cama. — Me pegou


no colo e correu para dentro de casa.

E eu gritei: — Eu te amo, cavalo chucro selvagem.

Gioconda já vinha no corredor e viu Thadeo me levando no colo.


— Gema? Voltou?

— Oi, Gioconda... vou ali rapidinho, daqui a pouco venho falar com
você.

— Rapidinho nada, temos assuntos a tratar — contestou e subiu as


escadas correndo. Eu sentindo minhas bochechas corarem de vergonha.
TRINTA E TRÊS
THADEO
Não conseguimos chegar ao quarto. No corredor, eu já estava
imprensando Gema contra a parede, beijando-a vorazmente. Era algo incapaz
de compreender, o tamanho da sensação de necessidade por ela. Como se
meu corpo precisasse daquilo para sobreviver.

Com o joelho, afastei as pernas de Gema e levantei sua saia, indo de


encontro à calcinha, para tirá-la, enquanto ela tentava arrancar minha
camiseta. Eu a ajudei, arrancando a peça com violência e a descartando para
o alto. Em seguida, Gema beijou meu peito, arranhando-o com as unhas.

— Você sempre cheira a vinho — sussurrou, fazendo um caminho de


beijos e mordidas pelo meu peito até os ombros.

— Isso porque ainda não sentiu o cheiro da manteiga. — Rindo, nos


beijamos. Gema segurava com força nos meus braços e arrastava as unhas
pela minha pele, fazendo-me arrepiar da nuca até o pé.

Segurei suas mãos no alto da sua cabeça, pressionadas contra a parede, e


mantive seu rosto paralisado, segurando o queixo. Gema estava ofegante,
enquanto eu a prendia, totalmente entregue aos meus desejos. Meu joelho
entre suas pernas, e nossos olhos cravados na mesma sintonia. Avancei
beijando-a, e ela gemeu se derretendo em minhas mãos.

Quando a libertei e ajoelhei em sua frente, Gema segurou com força


meus cabelos, tentando me deter.

— Para... Estamos no corredor... Se a Giocon...

— Ela não virá aqui. — Levantei a saia longa dela e antes de entrar
debaixo, a fitei com malícia. — E se ela vir, podemos dizer que estou
procurando algo aqui embaixo.
— Meu Deus... Que homem doido... Thadeo... — Tentou me parar, mas
já era tarde demais. Eu abaixei sua calcinha e a chupei com vontade, sentindo
a eletricidade do tesão tomar todo o meu corpo junto, com a saudade visceral
que senti dela.

Segurei as pernas de Gema, mantendo-as abertas, e a levei ao paraíso.


Sabia que ela estava se segurando para não gemer alto e, para compensar,
apertava minha cabeça com vontade por cima da saia. Quando acabei, e ela
chegou ao orgasmo, eu fiquei de pé e a tomei em meus braços. Abaixei
minha calça com desespero e, ainda no corredor, contra a parede, a invadi,
duro e dolorosamente, sem nem ter tempo de me despir totalmente ou pôr um
preservativo.

Segurei uma perna dela na altura da minha cintura e não parei de beijá-
la, enquanto me impulsionava fundo e rápido em seu interior, tão macio e
aconchegante.

Gema abraçou-me com todo seu corpo quente e receptivo, me recebendo


com a mesma intensidade que eu entregava.

Parei e sai de dentro dela, tirei sua saia, aproximei-me deixando meu
pau fazer pressão contra ela e me deslizei novamente para dentro.

Gema soluçou e suas unhas cravaram em meus ombros.

— Suba em mim — sussurrei. Segurei-a com firmeza, e suas pernas


enlaçaram minha cintura. Não parei de meter, enquanto andava, meio
desajeitado, por causa da calça abaixada à altura dos joelhos, levando-a para
o interior do meu quarto.

Deitei-a na quina da cama e meu ritmo aumentou, várias vezes seguidas,


entrando e saindo, em um prazer delirante que fazia meus músculos saltarem
e meus olhos ficarem turvos. Gema gritou segurando com força em minhas
costas e minha bunda, até que gozei potente feito um touro, levando-a
comigo quase no mesmo instante.

Cai deitado ao lado dela. Tinha sido sexo selvagem, sexo de reencontro.
E eu ainda não estava totalmente satisfeito, mas, por enquanto devia apenas
descansar.

— Senti tanta falta disso. — Ela sussurrou, entre um arfar e outro.


Encarei-a sorrindo.

— Pensou bastante em mim?

— Muito. — Me beijou e sentou-se na cama. Eu me sentei ao lado dela


e, com calma, comecei a tirar minhas botas.

— Eu precisava desse tempo sozinha, Thadeo.

— Por quê?

— Porque eu tinha que te dar alguma satisfação.

— Gema, por favor... Você não fez nada contra mim.

— Mas meu pai fez. Eu jamais poderei perdoá-lo pelo que fez, mas é
meu pai e eu o amo. Talvez o perdoe como pai, mas não esquecerei as ações
doentias dele.

— Está tudo bem. — Levantei o queixo dela, para me fitar. — De uma


forma ou outra, Jaime colocou você em meu caminho. E isso sou grato a ele.

— Não seja grato a ele. De modo algum.

— Não serei.
— Eu quero construir uma vida ao seu lado, Thadeo. E, em algum
momento, teremos que encará-lo, mas agora, eu preciso me distanciar dele. E
a culpa por ter gerado esse desconforto e a fissura na minha família, é toda
dele.

— Você está certa. Tenho certeza de que irá doer muito, mas ele vai
precisar pagar por tudo que fez.

— Sim, ele vai pagar.

— Eu quero que você olhe para frente. Eu também quero construir uma
vida com você, Gema. Algum dia eu poderei ver Jaime com outros olhos,
mas, no momento, quero apenas que ele pague pelo que fez.

Ela limpou as poucas lágrimas e ficou de pé, terminando de se despir.


Quando estávamos totalmente nus, a levei para o banheiro.

— Não usamos preservativo — ela sussurrou. Seu semblante


preocupado.

— É. Não usamos. — Abri a torneira do chuveiro e dei a mão para ela


entrar comigo.

— Thadeo... Eu não sou perfeita. Às vezes eu penso que um filho meu


poderia herdar algo da pólio que eu tive...

— Não pense isso. A poliomielite não é hereditária, não há esse perigo.

— Sim, eu sei. Mas e se ainda estiver algo em mim e passar para ele? Eu
preciso pensar nisso. É o meu maior medo. Por isso, eu quero a pílula do dia
seguinte.

Fiquei surpreso com a decisão dela e levemente desconfortável. Mas não


iria forçar ela a nada.

— Tudo bem.

— Eu não estou pronta...

— Tudo bem. Venha aqui. — Abracei-a dentro do box. Para mim,


também não era o momento de pensar em filhos, mas me doía saber que
Gema tinha esse medo, de que um filho dela viesse com algum problema.
Quando eu olhei seu rosto, ela estava chorando.

— Gema...

— E se eu nem mesmo poder te dar um filho algum um dia?

— Para de pensar essas coisas, caramba. Quando for para ser, vai
acontecer. Não sofra com antecedência. E se acaso vir uma criança com
necessidades especiais, você está mais que pronta para dar todo o apoio que
ela merecerá. Você passou na pele o fato de não ser perfeita aos olhos da
sociedade. E eu estarei aqui, sendo a sua muleta.

— Obrigada. Você é um cavalo chucro que me faz muito bem. — Ela


riu e voltou a me abraçar, com o rosto em meu peito. — E eu serei a sua
muleta. Caso precise...

Beijei o alto de sua cabeça, respirando fundo. Sentindo-me agradável em


ter ela aqui comigo, definitivamente.
TRINTA E QUATRO
THADEO

Conforme os dias passavam, as coisas pareciam se encaixar com


naturalidade.

Gema não veio morar definitivamente comigo, e isso me incomodou


bastante, apesar de eu não me opor. Ela queria ficar ao lado da mãe e estava
alternando dias entre ficar aqui na vinícola e a casa de veraneio, onde a mãe e
as irmãs estavam.

Jaime tinha sido afastado do judiciário após a delação de Luan e estava


sendo investigado. E isso era muito bom, porque não havia provas do que ele
tinha feito contra minha mãe e contra mim. Ele agiu por debaixo dos panos,
sigilosamente. Mas, de qualquer forma, não sairia impune, ele seria acusado
de alguns crimes junto com Luan.

Um deles era a tentativa de homicídio contra Carmem que, enfim, tinha


acordado. Mandou recado que queria falar comigo, mas eu já havia riscado
ela da minha vida há muito tempo. Mandei apenas um recado de que desejava
melhoras e boa sorte na vida dela. Fora desligada do escritório de Cora e,
segundo Ulrich, Carmem deveria ir embora daqui, caso quisesse continuar
exercendo a advocacia. No meio jurídico, ela estava totalmente queimada.

Sinceramente? Eu não queria uma vingança brutal contra nenhum deles.


O que a lei determinasse, estaria bom para mim. O mais importante foi o que
eu conquistei e essa sensação de vitória plena, era a única coisa que iria
ocupar meus dias.

Depois que assinei o contrato com os dois investidores, vi meu vinho


começar a tomar fôlego pelo estado e, em breve, por todo o país. A entrevista
que Gema dera ajudou bastante e, de repente, todos na internet sabiam que
era o Capello viticultor que ajudou a família do juiz.

Fiz, inclusive, um perfil pessoal para mim. E apesar da anterior


resistência contra uso do meu sobrenome, fiquei orgulhoso em colocar:
Thadeo Capello. Produtor do vinho D’Mattos.
— Não acha melhor eu tirar uma foto sem camisa, assim, nessa posição?
— Cruzei os braços, mostrando a Gema a foto que eu queria usar no perfil
pessoal.

Com a câmera na mão, esperando minha decisão, revirou os olhos.

— É um perfil pessoal e profissional, e não um perfil para atrair mulher.


Tá louco?

— Todo homem posta foto sem camisa. — Contestei, sabendo que não a
convenceria fácil. E eu só queria mesmo provocá-la.

— Não no perfil. Conheço muito bem a internet, meu querido. Não vou
deixar meu namorado com foto seminu no perfil.

Ela ajeitou meus cabelos, deixando-os soltos, mas bem alinhados.


Ajeitou a gola da minha camisa xadrez e pareceu satisfeita. Estávamos no
vinhedo, embaixo de uma parreira com uvas sobre nossas cabeças. O melhor
lugar para uma foto que mostraria quem eu era.

— Isso. Perfeito. — Gema sorriu satisfeita e buscou um ângulo bom. —


Meu pai, amado, que homem! Estou apaixonada. — Bateu várias fotos. Me
aproximei para conferir e vi que tinham ficado mesmo boas. Eu parecia um
profissional confiável. Tomei a câmera da mão dela, puxei-a para perto de
mim e beijei seu rosto, tirando um self nossa.

Ela tomou a câmera e olhou a foto.

— Não me dê ideias, Thadeo — avisou. — Posso colocar essa foto no


seu perfil, para mostrar que tem dona.

Rindo, a abracei e saímos em direção à casa. A sessão de fotos tinha


sido longa, mas nem um pouco monótona. Nada era tedioso com Gema por
perto, e esse fato me surpreendia a todo momento. Ações que antes eu me
negaria a fazer, com ela, estava sendo divertido.

— Já arrumou as pessoas para ajudar no festival do vinho? — Gema


indagou.

Começamos os planos para a primeira festa do vinho que aconteceria


aqui. Mas era apenas Gema e eu planejando, porque eu não conseguia confiar
em mais ninguém.

— Sabe que estou com medo, depois do que Carmem e Rodrigo


fizeram. Não confio em mais ninguém...

Ela parou de andar e me encarou.

— Meu pai não mais te fará mal.

— Eu sei. É só precaução mesmo. Eu queria uma equipe para me ajudar


nesse festival, alguém que torcesse por mim, como você torce e que, de
verdade, quisesse ver a festa dar certo.

— Não é muito difícil de encontrar. — Ela puxou meu braço e olhou no


meu relógio de pulso. — Venha, está na hora. Teremos a solução.

— Na hora de quê?

Gema me lançou um olhar misterioso, o qual me deixou inquieto. Ela


segurou minha mão, entrelaçando nossos dedos e voltamos a caminhar.

— Não vai mesmo me contar?

— Calma, homem. Já vai saber...


Na cozinha, Gioconda cozinhava fervorosamente e, para meu espanto,
ela preparava uma grande quantidade de comida, o que era incompatível com
o número de pessoas de casa.

— O que está fazendo, Gioconda? Para que esse tanto de comida? Um


tacho de rabada?

— Ideia de Gema. — Piscou para mim, usando o mesmo tom misterioso


de Gema.

Olhei para Germânia, buscando respostas.

— Para quê?

No momento que ela ia falar, o interfone tocou. Gema correu para o fone
e liberou a entrada de quem estava ao portão. Eu ainda mantinha as
sobrancelhas erguidas, intrigado.

— Venha. — Segurou minha mão e me levou para a porta da frente.


Saímos da casa e vi vários carros chegando. Uma frota inteira.

— Que porra é essa, Germânia?

— Que melhor equipe você poderia confiar e saber que torcem por você,
senão essas pessoas?

Ela me fez ficar de boca aberta, assistindo à minha frente, eles descerem
do carro. Ainda bem que não peguei a espingarda, como meu instinto
mandou.

Andrey, Fernando, Stela e Benjamin. Todos eles com suas famílias. E,


por último, meu pai, que desceu do carro com a ajuda de Miguel. Puta que
pariu. Meu pai veio aqui raríssimas vezes. Acho que apenas uma.
— A cavalaria chegou, mano — Andrey falou. — Todo mundo vai botar
a mão na massa.

— Sem cobrar remuneração — Fernando emendou.

Eu ainda estava atônito, recebendo com satisfação o abraço de cada um


dos meus irmãos. Essa, sim, era a equipe que eu confiava cegamente.
Também cumprimentaram Gema, e ela os recebendo com um grande sorriso
e mandando entrar e ficarem à vontade, mostrando que, de alguma forma, já
tinham sido apresentados.

— Gema pediu minha ajuda, e fomos na casa de cada um pedir apoio.


— Stela informou. Ela tinha os olhos lacrimejantes, como sempre ficava
quando pisava os pés na vinícola. Todos nós sabíamos como era difícil para
ela voltar aqui, não importava o tempo que passasse.

— Obrigado pelo empenho. Está tudo bem? — Preocupei-me.

— Estou ótima e feliz em ver todos reunidos. Não é só por você. É pela
mamãe. Passou da hora de honrarmos a memória dela.

— Sempre por ela. Eu estou muito contente que vocês vieram me


ajudar.

— Eu não posso fazer muito, mas quero estar presente. — Era meu pai,
que se aproximou da gente.

— Oi, Pai. Seja bem-vindo. Já conhece a Gema, não é?

— Conheço, sim. No fim, meus filhos sempre estiveram certos, e que


bom que não ouviram meus conselhos. — Bateu no meu ombro e entrou na
casa junto com Miguel.
Abracei Gema e Stela pelos ombros e estávamos prestes a entrar quando
ouvi mais um carro chegando.

— Me atrasei? — Ouvi um sotaque conhecido, e Stela revirou os olhos,


sem precisar olhar para saber quem estava chegando.

— Cacete! — Apertou os punhos e cerrou os dentes. — Tinha que ter


algo para acabar com meu dia. Convidou esse homem, Germânia? — Deu a
Gema um olhar de repreensão.

— Ah... Não devia? Ele não sai daqui, é amigo de Thadeo... Eu achei
que...

— Podia, sim. — Intervi, sentindo o desconforto de Gema. — Stela,


tenha um pouco de paciência. Ele não vai te provocar — acabei de falar, e o
turco safado olhou para minha irmã de cima a baixo com um sorriso
malicioso.

— Oi, estrelinha, há quanto tempo... Fiquei sabendo que está


malhando...

— Ah, vê se me erra. — Elegante, como sempre, afastou-se desfilando


sob os saltos, rumo à cozinha, onde todos já se reuniam.

— O que houve? — Gema quis saber.

— Briga de adolescentes. Vamos.


TRINTA E CINCO
GEMA

Observei com satisfação a alegria contagiante de Thadeo, abrindo mais


uma garrafa de vinho e servindo a todos que estavam sentados à mesa, para o
almoço. A felicidade dele era o que importava, e eu não medi esforços para ir
à casa de cada um dos irmãos, me apresentar e fazer o convite para que
pudéssemos montar uma equipe em que o Thadeo cofiasse.

Jamais imaginei que eu estaria entre os Capellos, uma das famílias mais
famosas do estado, se não do país. E eles não eram nem um pouco parecidos
com o pré-julgamento que eu havia feito a respeito deles. Eram tão intensos e
apaixonantes como Thadeo, e agora, que cada um tinha sua própria família,
tornaram-se maduros e menos soberbos, até mesmo Andrey, o qual eu tinha
mais temor de aproximação.

— Então Gema, como irmão mais velho, devo te questionar. — Andrey


limpou os lábios e levantou a voz. — Quais as suas intenções com meu dócil
irmão bicho do mato?

— As melhores possíveis— declarei. De pé, servindo o vinho, Thadeo


beijou meus cabelos. — Para vocês terem certeza de que foi coisa do destino,
eu fui a noiva que veio parar na porta dele. — Algumas tossidas de susto e
olhares de espanto tomou conta de todos. Thadeo gargalhou.

— Como é que é? — Andrey chocou-se.

— Pois é. Não sei se viram no noticiário, mas eu fugi do meu


casamento. E acabei vindo parar aqui, vestida de noiva. Invadi a propriedade
e desmaiei aos pés de um homem mal encarado, com roupas surradas e com a
postura de cavalo chucro.

— Imagino o medo que você deve ter sentido ao ver um bicho desses na
sua frente. — Benjamin tripudiou e recebeu um dedo do meio, vindo de
Thadeo.

— Senhor do Céu — Stela exclamou. — Desmaiou de susto ao ver o


desastre que é meu irmão no dia a dia?
— Ah, não ferra — Thadeo contestou.

— Olha a boca. Seu pai está à mesa. — Foi a vez de seu João interferir.
Eu continuei o relato:

— Ele me mandou ir embora e depois disse que eu só poderia ficar se


trabalhasse para ele... Agora, estou aqui amansando essa fera.

— Uma porra — acabou de falar o palavrão e ergueu a mão. —


Desculpa, pai. Querida Geminha, declare para todos aí que você me ama, ama
meus vinhos e até a minha manteiga.

Andrey e Benjamin danaram-se a tossir e Fernando me encarou de olhos


saltados. Caramba! Eu sabia exatamente o que eles estavam pensando. Até os
irmãos sabiam dessa história da manteiga? O que estariam pensando de mim?
Que eu andava por aí com o cu lambuzado de manteiga, parecendo uma
rosquinha?

Mas, por sorte, Thadeo veio ao meu socorro.

— Mas Gema só gosta da manteiga no pão. Apenas no pão.

— Devia experimentar de outras formas. — Maria Clara me cutucou


com uma piscadinha maliciosa.

Mas que caralhos... Será que Fernando tinha pegado a ideia...

Olhei para ele, e ele estava fazendo uma cara de paisagem.

— Por enquanto ficarei só no pão mesmo — declarei, para quem


quisesse entender.

Depois do almoço, houve a divisão que sempre acontece nesses


encontros. Os homens saíram para ver a adega, e eu continuei na mesa com
todas as mulheres.

— Pensamos que esses dois momentos jamais iriam acontecer — Stela


confidenciou. — O Thadeo em um relacionamento sério, e a vinícola
começando a progredir.

— Verdade — Diana concordou. — Todas nós sempre tivemos pouca


relação com ele, e eu cheguei a falar com Benjamin que Thadeo era candidato
a ser solteirão, envelhecer ranzinza e sozinho aqui.

— Em um lugar falido — Maria Clara adicionou.

E eu me calei, ao pensar que o lugar tinha status de falido, apenas por


causa do meu pai. Que não só destruiu a família de Thadeo, como a nossa
também. Minha mãe estava arrasada, tomando antidepressivos, e ele correndo
risco de pegar uma alta condenação.

— Foi dessa forma que eu o encontrei.: ranzinza e mal-humorado, em


um lugar que ia de vento em popa, mas não vendia nada. E não foi minha
intenção seduzi-lo, mudá-lo. Thadeo era apenas uma fera ferida.

— Por falar em fera, nos conte como ele é... — Maria Clara girou o
vinho na taça, me fitando de maneira curiosa. — Naqueles momentos...
parece ter uma pegada de máquina mortífera.

— Maria Clara! — Stela ralhou. — Gema, não precisa contar essas


cenas...

— Oras — Ana Rosa interveio. — Todas nós aqui já temos um


parâmetro Capello, Stela. Não tem nada demais a nova senhora Capello dar
seu testemunho.
— Eu, senhora Capello? — Coloquei a mão no peito.

— Já está no caminho para isso, Gema — Diana falou. — Se for tão


bom como o meu Benjamin, não vai querer largar nunca.

— Essa safada aqui, acha que arrasa porque pegou o Capello novinho.
— Maria Clara apontou o dedo para Diana — Jamais saberá o que é fogo no
feno de verdade, com um fazendeiro que é o próprio inferno de tão bom.

— Ai, meu Deus, começou.

Dei risada, com Stela abaixando a cabeça, envergonhada.

— Ok, Stela, nos conte sobre você então. Miguel parece ser muito
quietinho. — Foi a vez de Diana incitar.

— Está enganada. Estamos casados há treze anos e é sempre uma


novidade. Vocês sabem o que eu estou falando, é muito bom o sexo com
quem a gente ama. Torna-se mais que apenas corpos se batendo e suando, é
algo pleno, gostoso, uma ligação.

— Sim, eu penso dessa forma — concordei.

— Desculpa a pergunta indiscreta. — Ana Rosa olhava intrigada para


Stela. — Você se casou grávida?

— Ah... Não, por quê?

— Porque a Rachel vai fazer treze.

Rachel era a filha mais velha de Stela. Estava mocinha e nem queria
mais ficar com as crianças. Ela nem mesmo veio, ficou na casa de uma
amiguinha.
Ela ficou pálida, como se tivesse sido pega na mentira. Tomou um gole
de vinho e depois tentou colocar um sorriso confiante nos lábios.

— Sim... Eu estou me recordando aqui, eu me casei grávida. Miguel e


eu éramos fogo e... Vocês sabem, não esperei o casamento.

— Ah, sim. Sabemos exatamente como é. — Ana pareceu mesmo


entender a palavra de Stela, mas eu continuei na dúvida, encarando-a. Por que
ela agiu daquela forma assustada? E outra coisa que eu tinha vontade de
perguntar, mas era algo invasivo demais: qual o problema que ela tinha com
o Ulrich? Eles pareciam não se suportar.

***

Havia um grande plano para a festa do vinho aqui na vinícola. Nos


sentamos, todos reunidos, para discutir sobre como aconteceria e, no fim,
cada um ficou responsável por uma parte, no intuito de dar vida a essa ideia.

E, conforme os dias passavam, eu via crescer ali a melhor festa que


aconteceria na região. Os panfletos tinham sido entregues, as páginas online
estavam a todo vapor e o pai de Thadeo comprou espaço na tevê aberta, para
a divulgação.

Mas nem tudo eram risos, pelo menos para mim. Eu passava parte do dia
com minha mãe e tentava animá-la, sabendo que era impossível.

Meu pai estava sozinho na casa da cidade e tentava reaproximação


comigo, o que era muito cedo ainda. Havia muito ressentimento contra ele.
Ele acabou com nossa família e, mesmo assim, estava sendo impossível
seguir de cabeça erguida, ignorando-o.

Certo dia, eu voltei para a vinícola, completamente derrotada. E Thadeo


estava pronto para me dar apoio e consolo. Entramos juntos na banheira, e ele
me abraçou, dando-me conforto e segurança.

Thadeo tinha todos os motivos do mundo para odiar meu pai, para lutar
pela condenação dele, para xingá-lo aos quatro cantos. Mas, por minha causa,
ele trancou todos seus sentimentos ruins em relação ao meu pai. Eu sentia o
desprezo dele em seus olhos e em suas palavras, mas, para mim, tinha apenas
carinho e amor.

Hoje fomos ao lago, no mesmo lago em que eu pescava com meu pai,
quando criança. E agora entendo por que ele gostava tanto dessas terras,
afinal, tinham pertencido ao pai dele.

Thadeo tirou a roupa, correu e pulou na água, em um mergulho


profundo e experiente. Ele demonstrava que tinha costume de fazer isso. No
meio do lago, ele reapareceu vindo do fundo, como uma figura mitológica
sexy. Seus cabelos grandes, caídos pelos ombros, a expressão que quase
sempre o acompanhava, de pura perversão, e o corpo monumental, o qual eu
não cansava de desejar.

— Venha, Gema, a água está uma delícia. — Parecia uma serpente me


hipnotizando para me devorar.

— Você não falou que vínhamos nadar. E se alguém chegar... —


Relutei, olhando em volta, mas no fundo, com desejo de pular na água com
ele.
— Não vai chegar ninguém, essa é uma propriedade privada. Venha.

Tirei o vestido, ficando de calcinha e sutiã, e entrei no lago, dando um


passo de cada vez, sentindo a água cobrir cada parte do meu corpo até na
altura dos seios. Thadeo me segurou, e eu o abracei temerosa.

— Meu Deus, é fundo aqui. Não me solte.

— Claro que não. O que mais quero é te agarrar.

Era delicioso abraçá-lo dentro da água. Thadeo me beijou, e eu deixei a


ansiedade morrer aos poucos, até estar totalmente relaxada em seus braços. E,
então, de supetão, o safado me puxou para o fundo com ele, sem parar de me
beijar.

Quando retornamos à superfície, eu estava assustada, mas não tinha


engolido água. O beijo ajudou-me a segurar o meu fôlego.

— Seu chucro! — Dei uma sequência de tapas nele. — Eu quase me


afoguei.

— Mas não se afogou, venha aqui. — Abraçou-me novamente. —


Pronto, já passou. — Me ajudou, tirando a água do meu rosto. Eu estava
muito puta com Thadeo, mas isso logo passou, quando ele sussurrou: — Te
amo até embaixo da água.

— Cavalo estúpido. Que droga, eu também te amo. — Abracei-o


apertado, envolvendo sua cintura com as minhas pernas. Thadeo saiu da água
carregando-me com ele, e nem percebi quando ele me deitou na margem do
lago, e nem protestei quando ele se juntou a mim, apenas apreciei o
momento, com aquela pequena aflição de que alguém pudesse chegar a
qualquer instante. Era gostosa a sensação de perigo.
TRINTA E SEIS
THADEO

Carmem apareceu no dia da festa do vinho.


Tudo estava arrumado de um jeito tão foda que me fazia perder a fala.
Havia varais de luzes por toda a vinícola, havia guias para ajudar e orientar
as pessoas, barracas com vinhos para vender e para degustação, um palco
para shows, barracas de comida, barracas com produtos artesanais feitos por
mim, como queijos, requeijão cremoso e a minha famosa manteiga.

Toda minha família, unida, tinha feito um excelente trabalho. Havia


muita gente — a imprensa estava presente — e convidados que fizeram
questão de aparecer. Não era o meu dia, era o dia da vinícola, que começava a
caminhar com as próprias pernas.

Eu estava me sentindo como Gema, deixando as muletas de lado e


caminhando sozinho, tecendo minha própria história e meu próprio caminho.

— Ainda desconfortável? — Gema perguntou, ajeitando a gola da


minha camisa social. Ela sabia como eu odiava essas roupas, mas hoje
éramos os anfitriões e tínhamos que estar elegantes. Vesti a camisa e a calça
social que tínhamos ido comprar ontem.

Gema ficava linda em qualquer coisa, e eu me senti um homem sortudo


de ter aquela mulher em minha vida, enquanto assistia ela sair dos provadores
das lojas usando, a cada vez, um vestido diferente. Sempre temerosa em
relação ao seu pé, mas eu estava ali para mostrar-lhe que ela devia exibir sua
vitória, por ter conseguido andar sem muletas, e não escondê-la.

Então Gema comprou calças, shorts, saias curtas e vestidos curtos, além
dos tradicionais longos que ela gostava.

Ah! O robe roxo foi também descartado, e ela escolheu belas camisolas,
para o meu deleite.

E quando foi a minha vez de escolher algumas roupas, não curti nenhum
pouco as peças que ela me fez vestir.

— Tô parecendo um vereador — reclamei, olhando-me no espelho da


loja. Ulrich tinha razão, calça social deixa a bunda em maior evidência. Gema
percebeu isso e acariciou o meu traseiro.

— Você ficou extremamente gostoso nessa roupa social. Vai levar. Na


festa, vai ter que usar essa aqui.

— Sei lá. Estava pensando em jeans e camiseta...

— Nem em seus sonhos.

Agora, em plena festa, eu vestia a roupa e me sentia desconfortável


dentro dela. E olha que nem tinha terno e gravata, se tivesse eu já teria
morrido sufocado.

— Estou bem — falei com Gema. Ela, sim, estava deslumbrante. Seu
vestido vermelho, de comprimento na altura dos joelhos, a deixou tão bela
que me dava falta de ar. Nos pés, uma sandália bonita que Ana Rosa fez
especialmente para ela. E os cabelos cor de ouro, soltos em cachos, que me
faziam querer afagá-los e me afogar em tanta maciez.

— O quê? — Gema sorriu, meneando o pescoço. — Porque está me


olhando assim?

— Porque eu ainda não me acostumei com toda a sua beleza.

— Ah, para... eu sou normal. — Incrivelmente, ficou ruborizada.

— Estou doido para terminar essa folia no quintal da minha casa,


mandar esse povo tudo ir embora e te levar para a cama.
— Xiu. — Colocou os dedos na minha boca. — Comporte-se, depois
teremos a recompensa. — Piscou para mim e afastou-se, indo na direção de
Stela.

— É até irônico ver você desse jeito. — Ouvi a voz atrás de mim e virei-
me encontrando Carmen. Mais de um mês tinha se passado, e ela já estava
ótima novamente.

— Oi, Carmem. — Eu a cumprimentei.

— Conseguiu, não foi?Olha só para isso. Seu vinho a todo vapor, as


pessoas aclamando...

— Só porque você saiu de cena. O que faz aqui?

— Quantas vezes eu pedi para você se vestir como gente, hein Thadeo?
Agora ela te força a usar isso e você...

— Sabe, Carmem, o que você fez comigo foi muito grave, e eu tenho
vontade de soltar os cachorros em cima de você, sim, agora tenho cachorros
aqui. Mas aprendi com Gema que eu devo respeitar uma mulher, mesmo ela
sendo uma escrota que merece tomar no cu. E tomar sem manteiga. Portanto,
vou pedir só que se retire.

Ela riu com escárnio e abanou a cabeça, me desprezando.

— Então boa sorte, no seu namoro com a filha do cara que quis te
destruir.

— Ok. Vaza.

Ela virou-se para sair, mas girou nos saltos e voltou-se a me fitar.
— Só para saber, não transamos naquela noite. Eu te dopei, mexi
maisena com água no fogão, criando uma textura viscosa e joguei em você e
nas camisinhas. Eu tinha asco de você, não acha mesmo que eu ia me
submeter a transar com um fracassado, não é?

— Ah! Que notícia ótima. — Dei uma risada — Vou estourar um


champanhe. Enfim os humilhados foram exaltados. O fracassado de ontem é
o empresário de sucesso hoje, agora tchau. — Assoviei e acenei pra Renan,
que veio rápido.

— Diga, Thadeo.

— Renan, acompanhe essa pessoa ao portão. — Ele assentiu e indicou o


caminho para Carmem.

— Não me toque. — Ela elevou o tom de voz e saiu na frente de Renan.

— Era a Carmem? — Gema apareceu de repente, e ainda bem que


Carmem já tinha ido. Minha namorada estava com a autoestima lá em cima, e
eu ia acabar perdendo a paciência, se Carmem fosse maldosa com ela.

— Era. No verbo passado. Essa aí, já era. Nunca mais na nossa vida.

— Vai deixá-la simplesmente ir embora, sem responder a nenhum


processo?

— Já está sendo investigada. Que a lei faça a justiça. Vamos curtir a


nossa festa, o renascimento da D’Mattos. — Abracei-a e voltamos para
recepcionar as pessoas.

Era tão irônico que Jaime tivesse tentado a vida inteira me derrubar e
acabar com meus sonhos. E então o destino colocou a própria filha dele na
minha vida, para que me desse a mão e me reerguesse.

Eu não deixaria de amar Gema, pela mulher que era e por ter lutado
comigo quando eu não era ninguém em sua vida.

Era minha amiga, minha amante, minha futura esposa.

***

Ah... Sim. Eu não tinha esquecido a manteiga. Quem sabe se um dia,


quando nos casarmos, eu leve um potinho para a noite de núpcias?

Fim...
EPÍLOGO

Um ano depois

GEMA

Papai estava em prisão domiciliar e não poderia comparecer ao meu


casamento com Thadeo. Apesar de tudo, eu chorei essa noite. Talvez não pela
falta dele em meu casamento, mas pelo que ele fez ao longo dos anos, com
uma frieza calculista que sempre me chocava quando me lembrava.

Eu passei a noite em casa com ele, minha mãe e minhas irmãs. Jantamos
juntos, rimos, brindamos, conversamos e fizemos planos até tarde. Era como
uma despedida, porque, na manhã seguinte, eu estaria de uma vez por todas
na vinícola, com Thadeo, lá seria meu lar definitivo.

Nos meses que se antecederam ao casamento, meu pai demostrou


arrependimento e buscou o meu perdão incansavelmente. Era notória sua
insistência, mas ainda era cedo para passar um pano em cima e fingir que
nada havia acontecido. Entretanto, ele respeitava o limite que eu havia
imposto.

Hoje pela manhã, antes de sair de casa para ir me preparar para o meu
grande dia, ele veio se despedir com o semblante carregado e lágrimas nos
olhos. Meu pai, que eu passei a vida achando o máximo ele ser um juiz que
prendia bandidos, estava agora com uma tornozeleira eletrônica.

— Filha, eu jamais me perdoarei por não poder te levar ao altar. Será um


grande castigo que estarei pagando pelos meus erros.

— Eu sinto muito também, pai. Não queria que fosse dessa forma, mas o
senhor que trabalhou com leis a vida toda, sabe que, se errou, deve pagar.

— Sim. Eu sei. — Ele segurou minhas mãos e beijou uma de cada vez.
— Vá em paz, seja feliz em sua nova vida. Eu tenho certeza de que um
homem que lutou tanto como Thadeo lutou, é o homem certo para ter a mão
de uma filha minha. — Recebi o abraço dele e me comovi por ver a
sinceridade em seu rosto. Quando ele se afastou, disse: — Meu pai ficaria
feliz em saber que as terras que ele tanto amou, um dia, pertencerá a um
bisneto dele.

Acompanhei o olhar de meu pai em direção ao meu ventre e entendi o


que ele dizia. Sim, a ironia era essa. Essa briga que perdurou por gerações,
perderia o sentido, quando um dia um filho meu com Thadeo herdasse
aquelas terras. Um filho que carregaria o sangue daqueles dois homens que
começaram tudo. O meu avô e o avô de Thadeo.

Com essa reflexão, saí na companhia de minha mãe e de minhas irmãs,


para nos prepararmos para o casamento, que aconteceria na vinícola.
***

THADEO

— Não é melhor vestir a roupa? Daqui a pouco Gema chega e te flagra


assim — Ulrich falou, chamando minha atenção. Ele estava recostado
despreocupadamente na janela, me observando no auge de meu nervosismo.

— Se eu vestir antes, vou suar o traje todo e ficar fedendo.

— Cara, você está só de calça há duas horas, andando de um lado para o


outro. Veste a roupa. — Ignorei a voz de Ulrich e, mais uma vez, esfreguei
uma mão na outra e no rosto, em seguida.

Caralho. Eu ia me casar. A ficha ainda não tinha caído. Eu vi meus


irmãos caírem, um por um, nessa armadilha e me julguei imune. Mas eu que
pedi ela em casamento, e agora não me cabia de tanta ansiedade. Eu sentia
alguns picos de temor, mas era a coisa que eu mais queria.

— Thadeo...

— Andrey, manda esse seu amigo calar a boca — Apontei para o turco,
que estava preocupado com a minhas vestes. —, antes que eu seja obrigado a
pegar a espingarda.

— Sou seu padrinho — Ulrich protestou.

— Talvez Ulrich esteja certo, mano. — Andrey se levantou da poltrona


e veio até mim. Segurou-me e me fez encarar o espelho. Cacete. Eu estava
mais feio que cego brigando de foice. Que porra!

Os cabelos assanhados, a calça do traje aberta, sem cinto, e o peito


levemente suado.

— Será que eu estou fedendo? — Cheirei minhas axilas.

— Ainda pergunta? — Ouvi o gruído de desdém de Ulrich. — Um cara


que usa apenas aerossol no sovaco. Não passa nem um creme esfoliante...

— Eu acho que tenho uma colônia no carro. — Andrey acariciou a


barba, pensativo.

— Aquele de dez reais que você mentia para Ana Rosa? — Ulrich
debochou — Foi no revista Avon que você fez o pedido?

— Lá vem você desenterrando essa merda. Turco, eu que vou pegar a


espingarda, se não se comportar — Andrey avisou, puto da vida.

— Eu só levo ferro, tentando ajudar — Ulrich reclamou. — Mesmo


assim, vou insistir. — Ele abriu a porta do meu banheiro e fez um gesto para
mim. — Toma outro banho. Rápido. Quem atrasa é noiva e não noivo.

Fiz o que ele falou. Tomei uma ducha rápida e, em frente ao espelho,
passei o desodorante e a única colônia que eu tinha e penteei os cabelos para
trás.

— Amarre os cabelos. — Ulrich bateu na porta do banheiro. Prendi-os


com o elástico e ficou legal. Saí do banheiro já de calça, recebi a camisa das
mãos de Andrey. Ele, que já era acostumado a vestir roupas assim, me ajudou
com o terno e a gravata.

Quando já estava pronto e me olhei no espelho, eu parecia um noivo


mesmo. Era real, estava mesmo se concretizando.

A porta se abriu e Benjamin espiou.

— Já está pronto? A noiva chegou.

— Puta que pariu — murmurei. Tentei afrouxar a gravata, mas Ulrich


me impediu.

— Nada disso. Tente ficar assim até dizer o “sim”.

— Trouxe sua garota? — perguntei a Ulrich. Ele coçou a cabeça e


meneou o pescoço.

— Ela não pode vir. Infelizmente.

— Essa mulher de Ulrich está muito misteriosa — Benjamin analisou,


pensativo, e, para completar, fitou Andrey. — Parecendo uma tal Dinah que a
gente achava que existia e, na verdade, era Ana Rosa, escondida no vilarejo.

— Ah, cacete! Já vem outro meter minha mulher na conversa — Andrey


ralhou. — Me esquece um pouco.

Enquanto eles discutiam, minha mente estava totalmente alheia,


refletindo outras coisas.

— E o Fernando? — perguntei a Benjamin.

— Lá embaixo com Stela, ajudando a receber os convidados.

— Então vamos. — Saí do quarto, com os três me seguindo. Na sala,


Stela já vinha em direção à escada.

— Já ia te buscar. — Sempre perfeccionista, ajeitou meu terno.


— Ele já está pronto. A gravata ajustada, não precisa ficar mexendo. —
Ulrich parecia meu auxiliar de beleza, estava falando para Stela, e ela o olhou
com pouco caso.

— Vocês podem ir e tomar os seus lugares. — Ela acenou para


Benjamin e Andrey e fitou Ulrich, com um grande sorriso cínico. — Você
também. Por incrível que pareça, tem um lugar para você.

— Um lugar ao seu lado? — Piscou para ela, provocando-a.

— Nem em meus maiores pesadelos. Chispa. — Ela foi rude, e Ulrich


apenas deu de ombros.

— Todo mundo dessa família me ama, me flagro perplexo com tanto


amor.

Quando ficamos a sós, Stela segurou minha mão e olhou nos meus
olhos.

— Ela estaria tão feliz agora. — Eu sabia de quem Stela falava; de nossa
mãe. Assenti. — Você deu orgulho para ela, você vingou o que ela sofreu.

— Todos nós demos orgulho, Stela.

— Talvez eu ainda não tenha regulado minha vida, do jeito que mamãe
gostaria, mas...

— Você foi a primeira, mana. Casou-se e teve filhos...

— Você não entende. — Desconfortável, desviou o olhar. — A


tatuagem que você viu em mim, tem mais significado do que eu gostaria. A
mamãe reprovaria as minhas escolhas. Por isso, eu peço a todos meus irmãos
quando se casam: aproveitem esse momento e amem e respeitem suas
esposas.

Sem entender metade do que ela falou, eu apenas assenti, sabendo que
eu amaria Gema incansavelmente.

Eu estava gelado e aflito. As mãos completamente suadas. E quando a


marcha nupcial começou, e Gema despontou sozinha lá na ponta da
passarela, eu achei que teria um treco. Meu coração saltava descompassado, e
minha visão embaçou.

Gema era a noiva mais linda que eu já tinha visto. Não usava um vestido
longo, o comprimento dele era na altura dos joelhos. E, nos pés, uma sandália
sem salto vermelha vinho, da mesma cor das flores de seu buquê.

Ela estava concentrada e emocionada, andando devagar, mancando, mas


orgulhosa de poder caminhar sozinha. Orgulhosa de ter vencido uma fase
ruim de sua vida.

Eu a recebi, beijei sua testa. — Você está linda — sussurrei.

— E você está de terno. — Ela riu.

— Louco para tirá-lo — cochichei, levando-a para diante do altar.

— Comporte-se.

Respirei fundo, ouvindo as palavras do juiz de paz. Minha mão


entrelaçada na de Gema. Minha família ao meu redor, como testemunha, e
minha mãe enfim descansando em paz.

Eu estava preparado para experimentar essa nova era da minha vida.


***

GEMA

Quando todos enfim foram embora, e a festa foi dada por encerrada, eu
me via resumida à expectativa, pois agora estando só Thadeo e eu na casa,
íamos dar início a nossa festa particular da noite de núpcias. Fazia alguns dias
que a gente não se tocava e isso estava criando em mim uma espécie de
dependência. Eu ansiava por beijar o meu marido.

Thadeo tomou um banho e foi resolver algumas coisas no escritório. Eu


também tomei um banho quente relaxante e quando saí do banheiro, usando
apenas um roupão, encontrei Thadeo no quarto, completamente nu,
segurando uma caixa enorme de presente diante do corpo.

Meu Deu! Eu ainda não tinha me acostumado com toda a beleza rustica
daquele homem e, agora, sabendo que era o meu marido, meu corpo reagia de
forma delirante.

— Para mim?

— Seu presente de casamento.

Me aproximei e observei a caixa vermelha, muito bem embalada, com


um enorme laço de fita em cima.

— É muito grande e pesado. Eu seguro enquanto você abre. — A voz


dele estava puramente rouca, indicando alto grau de desejo.
Puxei a fita com cuidado, levantei as abas e quase dei um grito quando
olhei dentro. A caixa estava vazia e, ali no meio, saindo por um furo, estava o
pau de Thadeo em toda sua dureza, cheio de tesão. Por isso a caixa estava
encostada na virilha dele.

Gargalhando, andei para trás e sentei-me na cama.

— É seu presente, não vai pegar? — Ele tirou o pênis da caixa,


deixando-a cair no chão, e aproximou-se de mim, totalmente nu, lindo de
doer. — Pode chupar também. É pau para toda obra.

De repente, meu sangue pulsava com velocidade, e meu estômago


tornou-se leve, cheio de borboletas, pura expectativa me tomava. Porque eu
queria avançar todos os limites com Thadeo, eu queria ser totalmente íntima
de seu corpo, da mesma forma que ele era do meu.

Thadeo foi paciente e não me forçou a nada, esperou o meu tempo. E


esse momento tinha chegado.

Puxei a sua mão, não deixando de apreciar a aliança grossa brilhar no


dedo, e o trouxe para mais perto de mim. Ele estava bem à frente do meu
rosto, segurei-o adorando a textura da sua pele e a sua grossura pulsante.
Com as mãos na cintura, Thadeo me olhava cheio de ansiedade, pude ver que
até respirava acelerado.

Movi a mão de cima para baixo e o prepúcio deslizou, revelando a


glande. E então beijei a ponta e, em seguida, a envolvi com meus lábios.
Lentamente, provando-o superficialmente, encaixando sua grossura na minha
boca. Soube que estava no caminho certo, quando ele gemeu.

Como se fosse um picolé grande, lambi da base até a cabeça e sorri para
Thadeo, que tinha olhos anuviados e lábios entreabertos. Em seguida, mais
uma vez, coloquei-o na boca. Segurei nas coxas dele para me apoiar, Thadeo
prendeu meus cabelos na mão e segurou no pênis puxando-o para fora da
minha boca.

Com cuidado, ele deu duas batidinhas nos meus lábios, com seu pênis, e
eu ofeguei. Ele puxou um pouco meus cabelos, colocando meu rosto
levantado e introduziu-se com cuidado em minha boca, soltando um gemido
longo ao passo que avançava até o limite que eu conseguia engoli-lo.

Tirou novamente para evitar que eu perdesse o fôlego e repetiu esse


movimento algumas vezes. Então me colocou de pé e beijou minha boca com
voracidade.

— Poderemos fazer isso sempre, meu amor. Mas, no momento, não


quero me acabar em sua boca. Tenho planos para uma noite longa. — Ele
abriu o meu roupão e deixou a peça deslizar pelos meus ombros, adorando,
com o olhar, meu corpo nu.

Thadeo me virou de costas para ele e abraçou meu corpo, descendo a


mão por entre as minhas pernas, enquanto a outra segurava nos meus seios.
De olhos fechados, me senti gelatina em seus braços. O calor e a dureza do
seu corpo másculo me envolvendo, elevou meu tesão a proporções
incontroláveis.

De repente, ele pegou algo no criado mudo e mostrou para mim. Eu ri


quando vi o potinho de manteiga com a etiqueta: “Gema”.

— Já passou o trauma? — sussurrou rindo.

Virei o pescoço para trás para olhá-lo.

— Dane-se, é nossa noite de núpcias. Quero fazer de tudo. Vou


experimentar essa prática indecente e seja o que Deus quiser.

— Ah, cacete! Que coisa boa. Essa é minha mulher, sem medo de
deslizar na manteiga. — Thadeo afastou-se do abraço e foi até a outra gaveta
pegar preservativos.

— Meu Deus, você é tão idiota. Meu marido comemora porque poderá
passar manteiga no meu cu. Eu não estou sabendo lidar com isso.

— Vai saber agora. — Ele pôs um preservativo e começou a lambuzar


de manteiga o pênis.

O temor me tomou. Ele era grande, como isso ia caber em um lugar tão
pequeno?

— Isso é meio anti-higiênico.... — argumentei. —, a manteiga pode


descer para minha xota...

— Não é recomendado pela Organização Mundial de Saúde, por isso, só


profissionais experientes devem manusear. Confia no seu marido que tem
fama de manteigueiro?

— Meu Deus. Isso pode dar muita merda, literalmente. Na embalagem


do preservativo diz que só pode usar lubrificante à base de água. E se eu for
parar no hospital, Thadeo? Eu prefiro morrer a passar essa humilhação.

— Fica tranquila, uma vez ou outra não tem problema. — Ele me pegou
por trás e empurrou para a cama, deixando minha bunda levantada. Senti seus
dedos tocarem minha vagina, buscando minha excitação. Ele beijou minhas
costas, sem parar a caricia lenta, e foi descendo os lábios até tocar meu sexo
pulsante.
Sua boca ali, me beijando, estava tão delirante que nem percebi os
outros dedos tocarem em outro lugar; e passou a manteiga ali. Senti um dedo
deslizar para dentro com facilidade, com ajuda da manteiga, depois outro
dedo. Dois dedos no meu ânus. Solucei, mas não senti dor.

E quando eu senti o cheiro de manteiga tomar todo o quarto, o pão na


chapa que Thadeo havia comentado, eu soube que chegara o momento. Os
dedos saíram e senti uma pressão bem na portinha e, como tudo estava bem
lambuzado, ele começou a entrar com mais facilidade.

— Meu Deus! Thadeooo!!! — Cravei os dedos no lençol. Acho que ouvi


um “tic” de uma de minhas pregas anais rasgando.

— A cabeça já foi. Faz força para fora.

Eu fiz e, impressionantemente, facilitou a entrada, e fui invadida quase


por completo. Vi estrelas. Era uma mistura de dor, com intestino desregulado,
como se estivesse prestes a me sujar toda.

— Eu vou cagar no seu pau! Meu Deus! Que vergonha.

Ouvi atrás a risada dele.

— Não vai. Essa sensação é comum.

— É professor de anatomia agora, porra?

Thadeo riu e beijou meu pescoço. — Se você se acalmar, conseguirá


aproveitar.

— Estou suando frio. Acho que minha pressão baixou.

— Gema...
— Será que você pode colocar um medidor de pressão no meu braço,
enquanto come meu cu?

Ele tirou o pau com muito cuidado, passou mais manteiga e tornou a me
penetrar, e, dessa vez, foi com mais facilidade. Eu respirei fundo e senti os
dedos dele deslizarem em mim, fazendo uma carícia gostosa em meu clitóris,
enquanto investia devagar no outro orifício, indo e voltando, centímetro por
centímetro, me deixando relaxada.

— Estou me sentindo uma rosquinha amanteigada.

— A melhor que já comi — ele debochou.

E não foi que a coisa ficou boa? Eu já estava gemendo de prazer com a
dita manteiga? Thadeo sabia como agir, ele fez de tudo para ser bom para
mim, me deu tempo para eu sentir e me acostumar, e, agora, nós dois
gemíamos feito loucos, na melhor experiência de noite de núpcias.

— Ah! Que delícia! Gema com manteiga é a melhor combinação que


existe — Thadeo berrou. E continuou deslizando, manipulando meu clitóris,
me fazendo querer mais contato com o tesão gostoso, explodindo em meu
corpo.

Quando ele gozou, saiu rápido de dentro e me deu um orgasmo


delicioso, beijando minha vagina latejante. Na verdade, tudo em mim
pulsava, estômago, dedos, veias e alma. Eu estava exausta, caída na cama e
bem satisfeita.

Thadeo me pegou nos braços e levou-me para o banheiro. Lá, encheu a


banheira e entramos juntos, ele me fez sentar contra seu corpo e me abraçou.
A água morna era um bom remédio para o que acabamos de fazer.
— Tudo bem? Não vou precisar chamar o SAMU? — tripudiou.

— Besta. — Ri, com a cabeça descansando em seu ombro. — Não


vamos repetir isso tão cedo.

— No meu aniversário rola um cuzinho com manteiga?

Gargalhei, por causa da maneira tosca que ele falava.

— Está nas minhas mãos. Só quando merecer.

Depois que saímos da banheira, nos secamos. Eu vesti uma camisola, e


ele ficou apenas de cueca. Nos deitamos bem pertinho, um de frente para o
outro, nossos narizes quase se tocando.

Enfiei os dedos nos cabelos de Thadeo, penteando os fios para trás.

— Essa foi a minha noite de núpcias mais louca — Falei.

— A sua única — ele murmurou, rouco de sono.

— Sim, a única.

***

Seis meses depois

THADEO
— Germânia, você tem que parar com isso, cara, estamos juntos nessa.
— ralhei com ela, de verdade, irritado com a preocupação dela, desde que
engravidou. Ela chorou tanto, quando descobriu, que nem dormiu à noite. Eu
quis comemorar, mas tive que consolá-la naquela situação. Ela tinha medo de
causar algum problema no bebê e disse que jamais se perdoaria.

Gema estava desde então tendo acompanhamento psicológico para


ajudar durante a gravidez.

Hoje seria o último ultrassom que Gema iria fazer, antes da cirurgia. Era
um menino, e eu não me cabia de felicidade. Gema calou-se e deitou o rosto
no meu peito, esperando ser chamada.

Quando chegou a vez dela, eu a ajudei trocar a roupa pela camisola


hospitalar, ele deitou-se na cama de exame, e segurei sua mão para apoiá-la.

— Gema...

— Eu estou tão feliz, e estou preparada para receber meu filho como
Deus quiser, mas tão amedrontada. Eu não quero ser culpada de passar algo
para ele.

— A médica já te falou que isso está fora de cogitação.

Ela assentiu, respirou fundo, colocando um pouco de esperança no olhar.

O médico sentou-se e começou o exame.

— Doutor... E o meu bebê... Como ele está? — Ela estava muito


ansiosa, mal podia esperar o resultado.

— O ultrassom não está detectando nada de anormal. Ele já está


encaixado para nascer. Olha só o rostinho. — O exame era 3D e quando vi o
pequeno rostinho na tela, perdi a respiração. A emoção me afogou.

— Porra — sussurrei, apertando a mão de Gema. Ela sorria de alegria.

— O coração está ótimo. Não tem com o que se preocupar.

— E quando poderemos vaciná-lo contra poliomielite?

O médico riu.

— Calma, mãe. Vai ter o tempo certo para cada vacina. Fique tranquila.

Três dias depois, Gema passou por uma cesárea e, com o coração aos
pulos de desespero. eu esperei junto com Ulrich, Cora e Stela. Depois fui
com Cora até a vitrine da maternidade para olhar. A cirurgia tinha sido
tranquila, e Gema se recuperava. Uma enfermeira pegou um bebê cabeludo e
o trouxe até o vidro. Mordendo o nó do dedo, chorei de pura alegria.

Era meu filho, caralho! Eu nunca havia experimentado uma alegria


dessa.

Fui para o quarto ficar com Gema e quando a enfermeira trouxe nosso
filho, ela já tinha lágrimas nos olhos.

— Como ele é Thadeo? — Questionou, ansiosa, vendo a enfermeira tirar


o bebê do bercinho.

— Veja você mesma.

Entregou o bebê nos braços dela, e Gema riu chorando.

— Meu Deus, ele tem muito cabelo. É tão lindo.

— É o nosso chucrinho, Gema. — falei, fazendo ela rir.


— Oi, Átila. — Ela sussurrou o nome que escolhemos. E como se
reconhecesse a voz, ele abriu devagarinho os olhos mostrando que eram
verdes como os de Gema.

— Nasce hoje, o segundo maior viticultor dessa região — exclamei em


euforia.

Eu queria abrir o melhor vinho e o beber inteiro. Tomar um porre de


vinho caro para comemorar.

Eu não sabia aquela hora, mas iria entender que a maior comemoração
seria nossos dias, meses e anos juntos. Uma pequena família.

***

E não mudei quem eu era. Eu não precisava. Apesar de que meu vinho
fosse um sucesso, não me vesti de empresário. Eu fazia a ronda pela vinícola
a cavalo, vistoriava a colheita e metia a mão na produção do vinho, eu não
deixava ninguém tocar naquele líquido precioso. Tudo tinha minha
supervisão.

Ainda batia manteiga, agora com ajuda de Gema, e distribuía nos


potinhos. Sempre deixando um reservado para alguma emergência. Ainda
rasgava as mangas de minhas camisas, para dar mais mobilidade aos braços,
deixando Gema irritada.

— Rasgou outra camisa, homem? Será possível que jamais irei


conseguir ensinar esse cavalo, meu Deus?

— Você ama o chucro assim. — Dei um beijo nela, e outro em Átila em


seus braços, enfiei o chapéu na cabeça e pulei sobre o cavalo. Átila, já
crescido, nos braços de Gema abanou os bracinhos.

— Papá!

— Nem em seus sonhos deixarei você passear a cavalo com seu pai.

— Não poderá prender uma ferinha para sempre, Gema. — Exclamei.


Deixei-a revirando os olhos e saí a galopes.

Gema era a mesma de sempre. Era petulante, me irritava às vezes, mas


nunca brigamos para ficar mais de algumas horas. E nossas noites quase
sempre ferviam de paixão selvagem, na verdade, não só as noites, mas em
todos os lugares; lago, adega, sala, corredor.

Nosso amor estava sempre fervendo, e isso só mostrava que eu esperei o


tempo certo, para que o destino me trouxesse a pessoa certa.
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ESTE É O QUARTO LIVRO DA DINASTIA CAPELLO QUE SEGUE


A SEGUINTE ORDEM:

Doce Domínio
Segredos Indiscretos
Impiedosa Paixão
O beijo da Fera
Sublime amor
Fique a seguir com um pequeno resumo da próxima obra: SUBLIME
AMOR, último livro da série.

***
SUBLIME AMOR

Stela Capello é casada há anos com Miguel, a quem ela diz amar com
todo seu coração. E ela sente cru desprezo por Ulrich, o amigo de seus
irmãos. No melhor estilo canalha, debochado e mulherengo, Ulrich - o
advogado criminalista turco - está sempre tirando a centrada Stela do sério.

Mas se voltar ao passado, respostas poderão ser enfim alcançadas.

Ulrich se viu sozinho em um pais estranho, quando veio fazer


companhia para o avô. Ele era deslocado e parecia ser a própria escuridão.
Deixava o ambiente tenso e todos o ignoravam ou tinham medo, talvez por
ser tão desengonçado e tão fechado. Na verdade, ele só era hostil, por estar
longe de casa.

Aos 17 anos, Ulrich não tinha razões para ser amigável com ninguém...
até encontrá-la. A luz. Linda, carismática, encantadora. Stela era a própria
estrela, como o nome dizia.
Entretanto, um ditado conhecido se aplicava ali: “não julgue o livro pela
capa”.

Ulrich descobriu que toda aquela luz em Stela, era pura montagem e ela
tinha um grande abismo escuro a consumindo por dentro.

Ele foi firme em um proposito e a conquistou e formaram mais que um


casal ou um par. Eles eram a cura um para o outro, eram melhores amigos e
melhores amantes. Todavia, o abalo veio rápido demais, abrindo uma cratera
entre eles.

Outro caminho surgiu para ela. Stela tinha encontrado seu destino e sua
força; para Ulrich, apenas desprezo.

Mas um grande segredo a consumia dia após dia. Ela sabia que tudo
poderia explodir a qualquer momento e sua pequena família estava em
perigo. O pior era saber que o único que sabia desse segredo, era justo seu
maior desafeto, aquele que foi seu primeiro amor no passado.

O LIVRO SUBLIME AMOR AINDA NÃO TEM DATA PREVISTA


PARA LANÇAMENTO

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