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Michael
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610./98
e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
— Vou depois. Antes, irei caminhar sob as estrelas com meu amor —
Luan falou, apertando minha mão, se despedindo dos pais.
— Tudo bem, filho. Não demore. Amanhã tem que estar sem olheiras
para o seu grande dia. — A mãe dele aproximou-se e beijou seu rosto.
— Sim, mamãe.
Não compreendi o que ela quis dizer, e não dei importância. Conselhos
de mãe, decerto.
Amanhã será, além de tudo, a primeira vez que usarei saltos, sem as
muletas. Nunca pude usar por causa do problema, afinal o calçado só piorava
meu equilíbrio. Não tinha um closet abarrotado de calçados como minhas
irmãs. Sapatilhas e tênis eram minhas opções. Saltos, apenas uma ou duas
vezes na vida, para tirar fotos. E, para falar a verdade, nunca senti falta.
— Por nada — ele disse apenas. Beijou meu rosto, e, antes de se afastar,
jurei ter visto um rápido revirar de olhos, mas considerei aquilo como uma
bobagem da minha cabeça. Juntos, paramos no imenso jardim da mansão dos
meus pais e olhamos para as estrelas.
***
— Como pode ver, todos ainda estão dormindo. — Ela trouxe um bule
de porcelana e serviu-me café. Olhei na mesa e escolhi uma mini pamonha. A
desembrulhei com cuidado no prato e imediatamente uma das ajudantes me
entregou garfo e faca.
— Tudo bem. Ele disse que chegaria cedo, mas ainda é muito cedo. —
Comi um pedaço da pamonha e confidenciei: — Estou tão animada e ansiosa,
Alerte. Meu coração mal cabe no peito.
— Não fica assim. Paravelmente morarei aqui com Luan, mas irei,
sempre que puder, visitá-la na casa da mamãe.
***
— Não. Do jeito que estou, posso estragar. — Olhei meu rosto pálido no
espelho. O loiro escuro dos cabelos piorava as coisas. — Vou deixar mais
para frente.
— Maninha, não se assuste, caso tudo não passar de apenas uma aposta
dele com alguns amigos.
— Fora.
— O quê?
— As duas, para fora do quarto. Hoje é meu dia e não sou obrigada a
aguentar surto de inveja.
— Inveja? — Riram.
— Elas são lindas, estão sempre em festas, são populares. Ele poderia
ter escolhido uma delas.
— Eu mal posso andar sobre saltos... — berrei. — Até seis meses atrás
usava muletas. — Desanimada, sentei-me na pontinha da poltrona. — Luan é
um homem lindo...
— E ele escolheu você. É sua nova vida, filha. Você merece e precisa
aproveitar cada segundo do dia de hoje. — Recebi o abraço de conforto de
minha mãe, todavia, não consegui expulsar da mente todas essas conjecturas
que me assombravam. No fundo, eu sempre pensava que tinha um motivo
para ele ter me escolhido deliberadamente.
Mais tarde, olhando pela janela do quarto, vi, com satisfação, toda a
movimentação lá embaixo, ao ar livre. As convidadas esbanjavam beleza,
com direito a chapéus, e os homens, exuberantes, vestindo esporte fino e
óculos escuros. Faltava pouco para começar. Acho que ninguém acreditava
que em três meses de namoro, eu já ia tornar-me esposa de alguém. E não de
qualquer um. Um homem lindo, trabalhador e rico. A família dele morava em
Portugal e estavam aqui só para assistir o nosso casamento.
Luan e mais alguns homens estavam mantendo meu pai ajoelhado, com
uma arma apontada para a sua cabeça.
— Mas irei te dar uma chance, meritíssimo. — Foi uma forma irônica de
se referir a meu pai, por ele ser juiz. Desembargador do TRF.
Não pude deixar de reparar como Luan ficava bonito com seu traje de
noivo. Eu estava em frangalhos.
— Ela não tem nada a ver com isso. — Meu pai não chorou, tinha ódio
na voz. — Pode me levar... Me leva no lugar dela.
Quem eram esses homens? Quem, na verdade, era Luan? O que ele
queria comigo?
— Querida, não sou mãe dele. Fomos contratados para atuar. Eu sinto
muito. Eu não sei de muita coisa, só sei que você está se metendo em uma
farsa. Meu conselho? Fuja. Corra o quanto conseguir, saia daqui agora e não
olhe para trás. Esse homem é perigoso e quer algo contra você.
— Eu não sei. Ouvi, por acaso, ele falando ao telefone que acha suas
irmãs muito gostosas. Ele poderia ter escolhido uma delas, mas o alvo é você.
Então, fuja.
— Gema! — Era Luan. Saí correndo do closet e espiei, ele vinha pelo
corredor. Não tinha tempo de me trocar, virei-me e procurei a mãe falsa dele.
Agarrei suas mãos com ânsia, como se a bile tivesse enchido minha boca. —
Me dê cobertura — implorei.
— Correr para onde? — uma das minhas irmãs berrou. — Gema, o que
está acontecendo?
Merda! O que eu estava fazendo? Isso era burrice... Deveria ter uma
saída... Mas... o único homem que eu conhecia e confiava era meu pai, e ele
estava sob a mira de uma arma.
Bem à minha frente, havia uma vasta mata que subia rumo a uma colina.
Eu poderia ter pegado um carro dos convidados, mas só conseguia dirigir o
meu carro, adaptado para deficientes.
Sem olhar para trás, manquei o mais depressa possível e adentrei a mata,
correndo entre as árvores, na esperança de sair do outro lado, onde pudesse
ter casas ou uma estrada.
DOIS
THADEO
— Oi...er... Thadeo?
Ouvi a voz baixa e receosa chamar o meu nome. Não estava dormindo,
eu quase não dormia muito, todavia, estava exausto, e o conforto da cama era
tentador. Por isso, senti quando ela tocou novamente nas minhas costas.
Ela pegou as notas, enfiou na bolsa e me deu um rápido beijo nos lábios.
— E isso é ruim?
Além, é claro, eu poderia escolher as que aceitavam anal, que era uma
das minhas modalidades preferidas. Comer um cu revigora o dia de qualquer
um.
Ela era a única mulher que morava aqui há anos. Depois que cheguei à
conclusão que era um desastre eu morar sozinho, a contratei, juntamente com
o marido, que é um dos meus viticultores. Ambos moram numa casa nos
fundos.
— Pode deixar, vou conferir ou pedir o segurança para dar uma olhada.
Venho mais tarde para comer. Vou dar uma volta pelas videiras.
Terras que um dia minha mãe sonhou em tornar prósperas e fazer daqui
o nosso lar. Abanei a cabeça, injuriado com esses pensamentos a essa hora da
manhã. Desci em direção ao estábulo, peguei um cavalo e aproveitei o sol
nascendo tão belo por trás das montanhas e fui galopar pela propriedade.
Passei pelo riacho que, por sorte, ficava dentro das minhas terras, me
fornecendo água de sobra para irrigar a plantação. Deixei o cavalo beber um
pouco e seguimos viagem. Encontrei pelo caminho os seguranças que, em
breve, trocariam de turno. E ao me passarem o relatório da noite, declararam
que foi, mais uma vez, uma noite tranquila.
Quando o sol despontou por trás das montanhas, banhou de luz dourada
a imensa plantação. Era uma vista que eu nunca cansava de observar. A única
espécie feminina que eu amava atualmente: as videiras. Mantive a estrutura
que meu avô criara, com parreiras enfileiradas para as uvas que precisavam
se proteger do sol. Mas também tinha as que ficavam na estufa e outras em
plantações abertas. Isso dependia de cada tipo de uva cultivada.
Este lugar me dava um misto de paz interior e tristeza, por não conseguir
reerguer a paixão que era da minha mãe... Por não conseguir cumprir a
promessa. Todos os meus irmãos desistiram disso aqui e hoje me chamam de
louco. Mas como eu poderia virar as costas e fingir que nada aconteceu,
quando cada segundo da minha vida era preenchido pela presença latente
dela?
— Nessa região não tem uva melhor. O povo tem que dar valor nisso.
Mais tarde, depois da colheita, fui almoçar. À tarde, eu estaria livre e iria
fazer alguns consertos que estavam precisando de minha atenção.
Quando acordei, já passava das três. Merda! Eu tinha uma lista de coisas
para fazer. Calcei as botas, peguei o cavalo e fui arrumar uma cerca que
delimitava dois tipos de uva.
***
GEMA
Minhas vistas estavam turvas e a boca tão seca que mal conseguia
engolir.
Não pare...
— Olá! — gritei com a pouca força que ainda restava. — Oi, alguém?
— continuei paralelamente à cerca, até que, enfim, vi o gigantesco portão.
Graças a Deus.
Segurei o vestido de noiva, que estava com a barra horrorosa de tão suja,
e andei rumo ao jardim frontal da casa. Tudo estava limpo e em ordem,
mostrando que alguém era pago para limpar.
— Oi? Ah... Não... Eu... preciso de ajuda. Por favor... Posso falar com
seu patrão?
— Ei. Como pode ser tão rude com uma dama? Você poderia me levar
ao seu patrão ou apenas sair da minha frente?
Ele deu uma boa olhada em meu corpo, revestido por um vestido de
noiva caríssimo que, a essa altura, já estava imundo, e negou com um gesto
de cabeça e um sorriso de deboche, como se dissesse: quem é você, para me
ameaçar?
— Ei, dona noiva, você está bem? — Ouvi a voz do brutamontes, como
se estivesse bem longe. Ele se abaixou diante de mim, e eu não vi mais nada.
TRÊS
THADEO
Não tinha outra alternativa a não ser levar a mulher para dentro de casa.
Assim que passei pela porta com ela nos braços, gritei por Gioconda. Ela
apareceu no fim do corredor, vindo da cozinha, e teve um sobressalto ao me
ver com uma noiva desacordada nos braços.
Era estranho demais uma noiva ali na minha cama. Ela parecia pura, e
inadequada no lugar, onde eu costumava realizar as maiores perversões
sexuais que se podia imaginar.
— Quem é ela?
Maldição. Esse fato foi a primeira coisa que veio à minha mente, quando
deparei com a noiva lá fora. Eu juro que achava impossível que uma mulher
vestida nesses trajes chegasse à minha porta espontaneamente, por isso, esta
era minha frase de defesa. O destino faria tão absurda acrobacia só para zoar
de minha cara?
— Hum... Pensando bem, acho que não é sua noiva que o destino
mandou. — Gioconda decidiu continuar me perturbando. Estava inclinada
sobre a mulher estudando o rosto dela. — É bonita. Pele muito macia,
cabelos sedosos e bem cuidados. E essas unhas? Uma perfeição. Já você... —
Aprumou o corpo e olhou para mim... — Você é um bronco que arrancou as
mangas da camisa e usa essa coisa feia, rasgada.
Era mesmo bonita. Agora, dentro do quarto, os cabelos não pareciam tão
dourados como lá fora à luz do sol. Tinha uma tonalidade mais escura. O
rosto estava manchado da maquiagem que borrou, mas ainda assim tinha uma
delicadeza hipnotizante.
Olhei para meu próprio corpo. Eu estava um lixo. Por isso ela achou que
eu fosse um peão da fazenda. Abanei a cabeça e fui para o banheiro tomar um
banho rápido e mudar de roupa, para estar mais apresentável quando ela
acordasse e, consequentemente, respeitável, quando fosse inquiri-la para
saber quem era e de onde vinha.
— Não daria para eu fazer muita coisa, com esse tanto de pano
interferindo. — Apontei com o queixo para o vestido, fazendo-a olhar a
própria vestimenta.
Eu tinha colocado um jeans escuro, dos mais novos que tinha, e uma
camiseta gola polo; tinha tentando uma camisa de botão, mas ficou tinindo
nos meus braços. Eu as odiava.
— Oh, não. — Agora havia pânico cru em seus olhos verdes. — Por
favor, não...
— Ei, não bata palmas para mim. Você muda de roupa, toma um banho,
mas continua o mesmo chucro.
— Eu que mando aqui, então posso falar do jeito que quero. Se você não
começar a falar, é pé na bunda agora.
— Meu Deus! Mas como a senhora pode morar debaixo do mesmo teto
que um cavalo chucro desse? — criticou para Gioconda. Eu voltei e a
encarei.
— É a única coisa que tenho. Fica com você como penhora, só para
pagar minha estadia. Por favor.
— Isso para mim não é nada. Dinheiro já tenho de sobra. Minha resposta
é a mesma.
— Precisa de um médico?
— Por que finge que se importa? Não disse para eu sair de sua casa? —
Foi andando para a porta arrastando o maldito vestido. Gioconda me
encarava com uma puta cara de ódio.
— Tá. Fique essa noite. Gioconda, prepare um banho para ela e o quarto
de hospede. Vou ajeitar uma papelada no escritório. Nos veremos no jantar.
— Virei-me para sair, e Gema me chamou.
— E estou. Vinho?
Pensei sobre o que Gema tinha me contado e como ela estava fugindo de
uma obrigação ridícula, eu deveria preservar seu segredo.
Eu não ia de modo nenhum contar minha vida para esse homem. Por
isso, menti e não me arrependi. Menti sobre a fuga e sobre minha perna.
Olhei para as roupas que ele usara, bem ali, descartadas no chão. Na
bancada da pia bem organizada, pouca coisa. Um desodorante e uma colônia,
da mesma marca, pente e um barbeador elétrico. A escova de dentes solitária
no suporte. Ele não tinha ninguém na vida?
Tirei o vestido, injuriada com ele. Hoje às cinco da manhã, eu mal podia
esperar para vesti-lo, e era a coisa mais linda do mundo. Agora eu queria
tacar fogo nele. A raiva por Luan subiu pelo meu peito e se transformou em
lágrimas. Rangi os dentes e arranquei a lingerie nova que comprei para usar
na noite de núpcias. Com ódio, enfiei a calcinha e o sutiã na lixeira.
— Fique à vontade, tem uma televisão ali, se você quiser. Também tem
um lençol aí, caso queira se cobrir. Aqui geralmente não faz frio. Em breve
trago o jantar.
— Obrigada. Ah... Gioconda. Ele mora aqui sozinho? Quer dizer... sem
mãe, pai... esposa?
— Sim, ele tem um pai e irmãos, mas prefere a quietude desse lugar.
Não leve a mal o que ele fala. É apenas uma fera ferida.
Assenti.
— Fiz uma sopa para você. — Indicou uma tigela fumegante, posta ao
lado da cama. — Coma um pouco. Quer que eu dê uma olhada em seu pé?
— Tudo bem. Aceita vinho? Não sei se percebeu, mas aqui é uma
vinícola.
— Sério? Isso é muito legal. Meu pai ama vinhos... Temos uma adega.
Que marca de vinho vocês produzem?
Gioconda voltou minutos mais tarde, com uma taça de vinho tinto.
Merlot
Por que ele não vendia os próprios vinhos? Era algo que eu jamais iria
saber, já que não tínhamos um clima simpático para esse tipo de conversa.
Estava?
***
— S...sim. Eu agradeço.
— Eu sou formada, meu caro. Mas ontem você disse que só ficam aqui
os empregados. Gioconda me contou que aqui é uma vinícola. Eu já li sobre a
colheita... Posso aprender. Por favor. Um mês apenas. Eu trabalho pelo
quarto e pela comida.
Encarei-a de cima. Ela não se intimidava com minha altura. Era baixinha
e rechonchuda e me tratava como se eu fosse seu filho.
— Claro que eu vou ficar do lado de uma mulher. Qualquer que seja. —
Foi para a beira do fogão preparar o café e alfinetou: — Sei muito bem seu
modo de agir, senhor Thadeo.
— Desde que vim para cá você tem essa mesma posição sobre parceiras.
Nunca te vi namorar e...
— Nunca?
Dei uma boa olhada na intrometida. Vestia um robe enorme, roxo, que ia
até os pés, e bem amarrado na cintura, horrível que doía. Coisa de Gioconda,
eu poderia apostar. O rosto estava limpo e os cabelos presos em um rabo-de-
cavalo.
— Claro, Gema. Sente-se aí. Acabei de passar o café.
— Muito bem, mais do que eu precisava. Estou muito grata a vocês por
me deixarem ficar.
— Estou entendendo.
— O quê?
— Um bronco que se viu atraído por uma mulher elegante e está usando
as provocações para tentar esconder esse fato.
Ela riu, me deixando mais furioso. Gema olhou para a gente sem
entender. Os lábios rosados lambuzados de manteiga. Engoli em seco. Meu
coração acelerou espantosamente. Mas que caralhos...
Parei diante da mesa, ela me olhou intrigada. Estendi a mão para ela.
Desci do cavalo e caminhei até ele. Meu dia não estava nada bom, e eu
torcia para que fosse uma boa notícia mesmo.
— O que houve?
***
Liguei para Carmem, e ela prontificou-se a vir até a fazenda. Fui direto
para casa esperá-la. Aproveitei para tomar um banho e mudar de roupa, ela ia
trazer alguém interessado em fazer negócio. E agora, com a novidade da
sauvignon, eu tinha certeza de que esse poderia ser o início de uma boa
parceria. O que eu precisava? De pessoas influentes dispostas a investir no
vinho e espalhá-lo pelo país. Eu não queria usar o nome “Capello” para fazer
isso.
— Liguei para Darlene. Ela vai comprar tudo que precisar e trazer —
Gioconda comentou despreocupada. Darlene era a filha dela que morava na
cidade.
— Ok. Vou receber visitas agora. Prepare as taças. É gente importante.
Não esperei para ouvir uma confirmação. Saí rápido para me preparar.
— Era do meu avô. Ainda não tive tempo de reformá-la por completo.
Estou focado nos vinhos.
— Aceitam um vinho?
— Então, senhor Lázaro, me fale mais sobre o seu negócio. — Ele não
se sentiu intimidado e danou-se a falar pelos cotovelos. Falou, falou, até a
porta abrir, e Gioconda entrar. E Gema à sua cola, ainda de robe. Soprei e
ajeitei meus cabelos, temeroso com algo que essa estranha pudesse fazer. Até
fiz uma prece para ela não ser desastrada.
— Não?
— Não. É justamente sobre as uvas.
— Continue.
— Então o senhor quer as minhas uvas para o rola mole do seu filho vir
da França fazer o vinho — eu falava, enquanto abria o armário.
— Olha como fala, rapaz. Tem que entender que eu já tenho nome no
ramo das bebidas. Ele será um sucesso fazendo vinho e você poderá ter o
privilégio de ver que foram feitos com sua uva.
Quando virei para ele, tinha uma espingarda na mão. Ele pulou da
cadeira. Carmem estava desorientada.
— Eu vou te dar cinco segundos para você tirar essa bunda ensebada da
minha frente e vazar da minha propriedade. Um...
— Dois...
— Três...
— Nunca!
— Quatro...
Saí atrás dele, dei outro tiro para o alto. Ele já entrava no carro,
atrapalhado para ligá-lo. Aproximei-me e curvei-me para olhá-lo.
— Sabe quando o teu filho vai ter um vinho com uma uva de tão boa
qualidade? Nunca!
— Então você teria que ajudar a cavar a cova. É isso que funcionários
fazem por aqui. Ainda deseja ficar? — Ergui a sobrancelha para ela,
deixando-a enrubescida.
— Isso.
— Escuta bem, você vai pensar cem vezes, antes de trazer para mim
esses filhos da puta que só querem fazer hora com minha cara. Eu não
produzo uva, e sim vinhos. Toda essa plantação é produto exclusivo para o
meu vinho. Estamos entendidos?
— Sabe que não divido minha casa ou cama com uma mulher fixa. Quer
ir à plantação ver a Sauvignon?
— Sou sim.
Eu não vi Thadeo pelo resto do dia, todavia, sabia que a tal advogada
tinha ido embora. E, para meu alívio, minhas roupas chegaram. Tudo que eu
pedi: saias longas, blusas confortáveis, de algodão, uma fofa de renda e um
vestido. Havia também um par de botas, tênis e sandálias de tiras para
prender no meu pé e, claro, lingerie, pois desde ontem eu estava sem sutiã e
calcinha.
— Por que está com essa saia enorme uma hora dessa, nesse calor?
Bati a perna no sofá. Não tinha mais como me afastar. Levantei o rosto
para ele. Thadeo ficou tão perto que eu podia sentir seu calor. O corpo
enorme diante de mim.
— Não te disseram que às vezes você recebe o que precisa e não o que
quer?
Engoli em seco. Ele poderia ficar muito puto se soubesse que menti e
que, na verdade, estava fugindo de um bandido. E o pior: que sou um perigo
para ele e a casa dele, caso Luan me encontrasse aqui.
Mais tarde, ele entrou na cozinha e, para meu alívio, estava vestido.
Apesar de que qualquer roupa nele o fazia parecer um gogo-boy, prestes a se
despir.
— Meu pé...
Ele não ofereceu ajuda e muito menos esperou. Voltou até mim e
resmungou: “Me dê licença”. E antes de eu poder responder, me pegou nos
braços, subindo as escadas.
Ele abriu uma porta de duas bandas e foi direto para as janelas, abrir as
cortinas. O ambiente ficou claro e me vi em uma ampla biblioteca, que não
era usada há muito tempo e nem se davam ao trabalho de limpar. Passei a
mão na mesa de mogno, e havia muita poeira.
— Era do meu avô. Mas te trouxe aqui porque tem tudo que precisa para
conhecer a vinícola e sobre a produção de vinhos, colheita das uvas, e tudo
mais.
— São quartos?
Parei em frente a uma porta que era diferente das outras. Essa era branca
com uvas pintadas. Eu não tinha reparado nela ontem.
Seguimos rumo à escada e Thadeo foi devagar, ao meu lado. Olhou para
meu pé, me deixando nervosa.
— Está melhorando.
Jantei sozinha com Gioconda. Thadeo saiu e avisou que não ia jantar.
Depois, ajudei ela a arrumar a cozinha e fui descansar. Só então, ali, sozinha,
é que o turbilhão de emoções despencou sobre mim. Lembrei de Luan e de
como me apaixonei rápido pela sua conversa fiada. Lágrimas rolaram
dolorosamente. Doía muito ser enganada.
Deitei-me chorando, com medo pela minha família, rezando para que
meus pais estivessem bem. Acabei dormindo. Me assustei logo depois,
ouvindo um barulho. Uma luz brilhou na janela, e eu me levantei para espiar
o que era. A caminhonete de Thadeo. Senti alívio, bocejei e estava prestes a
voltar para a cama, quando a porta do carona se abriu e uma mulher desceu.
Loira, alta e esguia, usava botas cano longo, minissaia e jaqueta.
Ele desceu logo depois, e fiquei chocada quando ele avançou sobre ela
puxando-a com facilidade, como se ela fosse uma boneca, agarrando-a
fortemente, beijando-a com luxuria. Os lábios dele se moviam com agilidade
e gula; perdi o fôlego. Thadeo terminou o beijo e tentou se afastar, mas a
mulher estava quase subindo nele e o puxou novamente para beijá-lo.
Meu coração parecia que ia sair pela boca. Eu não devia estar olhando.
A vida do imbecil era bem agitada. Eu não tinha nada a ver com isso.
Virei de lado e fechei os olhos. Não adiantou muito. Não consegui voltar a
dormir. Me levantei, fui ao banheiro, fiz xixi, troquei de roupa, vestindo o
robe novamente e tentei ler o livro que Thadeo me dera.
Mesmo assim, o sono não veio. Já passava das duas, já tinha bastante
tempo que Thadeo tinha chegado com a mulher. Decidi fazer um chá. Calcei
os chinelos e tentei ser o mais silenciosa possível. Acendi a luz do corredor e
atravessei a sala.
— O que faz aqui uma hora dessas? — Ele foi até a geladeira, pegou
uma jarra de água e um copo e despejou água dentro. Observei o peito dele
com marcas de arranhões de unhas e levemente suado.
— Não parece o tipo que toma chá. — Voltei-me para a água fervendo.
Eu estava ficando nervosa. Não gostava nem um pouco de ficar perto dele,
estando praticamente nu. Thadeo abriu o armário, pegou duas canecas e as
colocou sobre o balcão.
Servi a água nas canecas, coloquei os saches e entreguei uma para ele.
Eu sentei, e ele continuou de pé, recostado ao balcão.
— Não sei. Depois de umas duas semanas... um mês. Acho que dar esse
tempo será bom.
— Não devia deixar que mandem em sua vida. Você é bem petulante e
devia ter enfrentado seu pai. Fico feliz que tenha conseguido fugir.
— Você diz isso, mas não mede esforços para me dar ordens.
— Necessidade?
— Sim.
— Meus irmãos.
— Não tenho essas coisas. Não vivo metido em Instagram e sei lá o quê.
— Preferi assim.
Notei que ele estava começando a ficar incomodado de falar de sua vida
íntima e nem precisou eu frear a língua, a companheira dele nos interrompeu.
— Estou com sede... — falou com Thadeo. — Você veio buscar a água.
— Ah, claro. Esqueci. — Ele abriu a geladeira, deu água para ela. Eu
continuei fingindo que estava limpando. Nenhum de nós fez questão de
apresentações e cumprimentos.
Ótimo. Me resumiu a uma copeira. Tudo bem, isso era tão digno como
qualquer outra função. Eu não podia reclamar, tendo um teto, cama e até chá
durante a madrugada. Apaguei as luzes e fui para o meu quarto.
Ela era a primeira que eu dividia a mesa das refeições e a primeira que
ainda não tinha tentado chamar minha atenção, todavia, com suas
imperfeições, ela me atraía de uma forma inexplicável. Não era mais apenas
Gioconda e eu, com papos monossilábicos. Eu acordava e, incrivelmente,
gostava de ouvir as vozes vindo da cozinha, que antes era tão silenciosa.
— Você está mancando mais que um Saci com unha encravada. Vamos
demorar uma eternidade para chegar lá a pé.
— Uau! Esse cavalo aqui parece ser mais civilizado que você.
Fiz o cavalo correr mais rápido. Gema segurou com força em minha
coxa e continuou clamando aos céus, até chegarmos. Desmontei do cavalo,
rindo, e a tirei lá de cima. Ela estava igual a gelatina, tremendo mais que casa
velha, pálida que dava dó. Me encheu de tapas, assim que se viu segura no
chão.
Gema virou-se de costas para mim, com uma mão na boca e outra no
peito, muito ofegante.
— Ah, que coisa chata. Não pode mais nem dar um puxão e lascar o
beijo? Eu não estou com maldade com você.
Ela marchou à minha frente, indignada, mas muito mexida com o beijo.
Eu não sabia onde estava com a cabeça ao ter feito aquilo. Merda! Eu estava
mesmo com tesão por ela. Mas Gema não era mulher de pegar e mandar
embora no dia seguinte. Ela já estava com o coração partido pelo quase
casamento, e se eu desse vazão a meus desejos, só ia quebrá-lo mais ainda,
porque eu não poderei lhe oferecer mais que beijos roubados e fodas quentes.
Ela parou embaixo das parreiras e, de repente, sua raiva se dissipou.
Gema sorria encantada, olhando para as uvas acima.
— É muito simples. Você vai usar uma luva fofa para não agredir o
cacho no momento da colheita. E cortar o talo com essa tesoura.
— Tudo bem. Acho que consigo. — O cesto estava firme contra o peito
dela. Gema amarrou um lenço nos cabelos e me olhou.
Apenas assenti. Era incrível como ela conseguia mexer comigo, com um
visual tão simplório. Saia longa, lenço cobrindo os cabelos e cesto contra o
peito. Ela parecia tão frágil e, ao mesmo tempo, tão poderosa. Sorriu com
seus furinhos na bochecha, quando colheu o primeiro cacho de uva.
— Diga, Carmem.
— O que, mulher?
— Pois você acaba de conseguir uma vaga. E pelo que li, terá gente de
todo lado do país e até de fora.
***
Às onze horas, voltei para buscar Gema para irmos almoçar. As uvas
tinham horário certo para serem colhidas, geralmente na parte da manhã.
Ainda mais nessa região, onde o clima era mais quente e, por isso, era
necessária atenção redobrada.
Mais uma vez, ela tentou evitar montar no cavalo, mas eu não concordei.
A peguei e a coloquei em cima do animal, segurei as rédeas e o conduzi
andando, puxando-o.
— Eu estou me sentindo ridícula aqui em cima, sentada, enquanto você
caminha, puxando o cavalo — Gema protestou. Eu só não queria acochá-la
novamente e agitar minha libido. Manter distância era minha prioridade.
— Você é a única pessoa que conheço que briga para andar. Ainda mais
com esse pé, praticamente quebrado.
— Sobre o beijo...
— Por favor... não diga que eu estou aqui. Eu te imploro... Eu não quero
ter que me casar... E eu não quero falar com ele.
— Não, Thadeo... você não entende. Meus pais vão vir aqui... e eu vou
acabar voltando e tendo que me casar. — A voz dela afogada em desespero
me tocou fundo, ao mesmo tempo que acendeu um pingo de desconfiança. —
Diga que não estou aqui... Diga que não viu ninguém vestida de noiva. É a
única coisa que te peço.
— Eu sei. Eu sei que tenho que tomar uma atitude. Mas não agora. Eu
quero um tempo. Um tempo sozinha longe deles, me entenda, por favor.
— Dia, senhores.
— Sou eu, sim. — Pela grade do portão, enfiei minha mão para
cumprimentá-lo. — Thadeo. Em que posso ajudar?
Hum... Havia algo muito errado nessa história. E após ouvir essas
mentiras, acabei de me convencer que ele não ia levar Gema para lugar
nenhum. Não antes de eu entender toda essa história.
— Não vi nada, desculpe. Ela pode ter seguido a trilha e parado naquela
estrada que leva à cidade.
***
— Ele... tem negócios com meu pai. Ele sempre me quis. — Gema
levantou os olhos para mim e me surpreendi ao vê-los encharcados. — É uma
obsessão, é algo comigo que eu não sei explicar. Quer que eu vá embora de
sua casa?
— Calma. Não vou te colocar para fora. Você vai viajar comigo.
— Para uma feira de vinhos em Belém. Você pode vir comigo, caso ele
volte...
— Eu vou adorar ir. Claro que quero ir. Eu vou preparar minhas coisas.
Mas que bela merda! Por que eu fui convidá-la? Até hoje cedo a gente
não se bicava.
— Ah, Gioca, que merda eu fui fazer? — Joguei os cabelos para trás,
usando as duas mãos, e sentei-me no sofá quando Gema saiu da sala.
— Em anos que moro aqui, essa é a primeira vez que vejo você ser
impulsivo de uma forma positiva. Estou feliz que vá tirá-la daqui por esses
dias, aquele cara não pareceu boa gente.
— É. Para mim também não. Só estou pensando como vou falar com
Carmem que não iremos mais de avião.
***
— Eu sei, mas Gema está com problemas, e eu decidi que ela vai com a
gente.
— Que problemas? — Carmem me analisava, de olhos arregalados,
completamente incrédula com minha decisão.
Gioconda trouxe uma bolsa pequena para mim, e foi suficiente para eu
organizar as poucas roupas que agora eu tinha. Saí do quarto carregando a
bolsa e encontrei Thadeo na sala, gato de doer, falando ao celular.
— Estou.
— Oi?
— Você não costuma fazer isso? Participar de feiras, eventos, sei lá,
qualquer coisa que te traga divulgação?
Thadeo ponderou fazendo um bico, escolhendo as palavras.
— Quando era produzido pelo meu avô. A vinícola ficou para minha
mãe e... bom, não foi culpa dela que tenha entrado em decadência.
— Mas seu pai é um dos homens mais famosos aqui... Estou tentando
dizer que você poderia...
— Usar o nome do meu pai? Sei. É o que todos me dizem. É o que meus
irmãos sempre falam, e é o que o velho quer. Mas eu não deixarei que ele
leve os créditos.
— Você só pode estar zoando com minha cara. Eu sou uma mulher,
preciso ao menos me agachar...
O pior é que eu estava realmente muito apertada para fazer xixi. Esse
imbecil ia me pagar caro. Olhei em volta, encontrei um arbusto afastado da
pista e segui para lá. Ouvi, às minhas costas, o relincho de Thadeo e apenas o
ignorei. Cavalo dos infernos.
— Não tem nada aí que eu nunca tenha visto. — Fez questão de frisar,
antes de se virar.
— Idiota. — Foi o xixi mais rápido que fiz em toda minha vida.
Terminei e saí ilesa do arbusto. Cheguei perto do carro, e ele me entregou um
copo descartável com café.
— Café. Gioconda fez. — Pegou um saco de biscoito de polvilho e
passou para mim.
— Por quê?
— Não sei. Já que gosta de parar no meio do asfalto, você que dê seus
pulos.
Thadeo ignorou minha crítica, ficou por um tempo olhando o sol se pôr.
A vista era mesmo muito bonita, tanto o sol poente como ele de costas. Olhei
a curva de sua bunda dentro do jeans e abanei a cabeça, repreendendo minha
mente maliciosa.
— Canta, Gema.
— Oitenta e sete.
***
Carmem não veio receber a gente, pois já passava das duas da manhã, e
ela já devia estar dormindo. Thadeo pegou nossas malas e caminhamos para o
elevador.
— Tem certeza de que o pé está bem? Podemos ir amanhã à emergência.
— Ele propôs, olhando meu pé escondido pela saia.
— Está sim. Vou ficar bem. Nada como uma noite de sono.
— Um único quarto?
— Dirigi por onze horas, a única coisa que quero e essa cama gostosa.
Para de conversa e vai se aprontar.
Thadeo foi rápido no banheiro e, quando saiu, não pude ser indiferente.
Tentei ignorar, mas lá estavam meus olhos presos em seu corpo
absurdamente bonito. Ele tinha músculos bem esculpidos, barriga trincada e
braços fortes apolíneos. Tudo isso fruto de trabalho braçal e de treinamentos
em um galpão que ele mesmo construiu com pneus de trator, pesos de
cimentos, cordas e outas bugigangas.
— Sua vez — falou e foi pegar roupa na mala. Corri para o banheiro e
tranquei a porta. Me olhei no espelho. Estava um horror. Os cabelos
assanhados e o rosto com sinais de cansaço e preocupação.
— Como?
— Eram meus irmãos. — Sua voz era baixa, quase se entregando ao
sono e, ainda assim, eu sentia um toque de nostalgia. — Eu, Fernando,
Benjamin, Andrey e Stela. Recriamos uma foto de quando éramos pequenos.
— Foi ano passado. Às vezes, tenho saudade deles... e queria ficar perto.
Mas a vontade de cumprir a promessa... é maior.
— Que promessa?
Silêncio.
— Thadeo?
Silêncio. Ele tinha caído no sono no meio da conversa. Talvez por isso
tenha desabafado, pois a consciência estava entrando em letargia. Apoiei-me
no cotovelo, observando sua silhueta no escuro. O que um homem tão bruto e
fechado guardava dentro de si? Parecia tão sensível e desprotegido...
NOVE
THADEO
Levantei e fui abrir a porta. Ela não estava com a melhor das expressões.
De braços cruzados e batendo o pé. Como se eu devesse uma explicação —
pelo menos na mente dela, eu devia.
— O que houve?
— Então, Gema, me conte o que de tão especial você faz, para ser
contratada em um dia e no outro já viajar com o patrão, com direito a dividir
a cama com ele?
— Eu não sei o que você está insinuando, mas o Thadeo sabe os meus
motivos, é o que basta. — Gema foi bastante educada, o que me deixou
aliviado.
— E não te incomoda? — Carmem fingiu perplexidade. — Transparecer
que fornece um tipo diferente de serviço?
— Você está quase dizendo que eu sou a prostituta dele. Não, não sou.
Thadeo é um homem muito atraente e não seria difícil realizar esses serviços
para ele. Mas disso você já sabe.
— Nossa. Juro que não estava preparada para essa conquista. Nem tenho
roupa para esse evento.
— Tem irmãs?
— E o que sugere?
— Um brasão. Já pensou nisso? Crie um brasão de sua família e escreva
D’Mattos logo abaixo, em um fundo preto, com letras douradas.
— Sim. Isso mesmo. Precisa parecer tão fino quanto na verdade são os
seus vinhos. Esse merlot suave deveria estar sendo servido em hotéis e
restaurantes de cinco estrelas.
— O quê?
***
Ela deu o primeiro passo, mancando e sua beleza singular era tamanha
que o fato de mancar tornava-se um mínimo detalhe.
— Por que ela manca igual a uma mula? — Carmem cochichou ao meu
lado.
***
Ela apenas assentiu. Também estava muito nervosa, como se fosse algo
muito importante para ela.
— Gema! — berrei.
— Não! Senhor... por favor. — Saí de detrás da mesa e corri atrás dele.
— Por favor, me dê mais uma chance. Eu te peço... Ela é só uma
funcionaria...
— Saia da minha frente agora, Germânia! Olha o que você fez! Fodeu
com minha vida.
Sim, fazia sentido. Com certeza a pessoa mexeu nos vinhos durante essa
madrugada. Afinal, na minha vinícola, não pode ter sido, todos lá eram de
confiança.
Olhei para ela por mais alguns segundos. Amedrontada, mas segura de
si. Meu coração saltou muito apressado no momento em que fitei os olhos
dela e vi que torcia por mim para valer. Acenei com o queixo e andei
apressado com Carmem.
— Aqui? No hotel?
— Senhorita, por favor — ela o corrigiu. — Tem apenas algo que pode
fazer imediatamente para que não precisemos chamar a polícia.
Uma luz de esperança brilhou nos olhos de Mário. Era nítido que ele
faria qualquer coisa para não envolver a polícia nessa situação.
— E o que é?
Sorri de canto e pisquei para Carmem. Ela tinha sido muito boa na
persuasão.
— Ok. Vamos ver a câmera mais próxima do seu carro. — Ele foi
passando os vídeos em tela dividida, até que consegui ver o meu carro.
***
GEMA
Em uma caixa havia vários pincéis atômicos para escrever preços nas
placas que estavam expostas fora do stand. Fui até as placas, apaguei os
preços e escrevi: ESGOTADO. Em todas.
— Sei que copo descartável não é a mesma coisa de uma boa taça de
vidro...
— Que bom que gostou. Venha até o stand, se quiser, encomendar uma
garrafa. E pode provar as uvas ali. — Eles caminharam até o stand, e eu
aproveitei que eles se aglomeraram lá e fui atrair mais pessoas.
— Se quiser pode vir até o stand para reservar uma garrafa. Temos
outros tipos.
— Mas o que você está fazendo? Que multidão é essa diante do meu
stand? — Virei-me e me deparei com Thadeo, perplexo, de mãos na cintura e
a carranca direcionada a mim. Carmem estava boquiaberta.
— Sim, estou. Eu disse a eles que os vinhos estão esgotados, mas podem
fazer reserva. Enquanto isso, eu vou atrair mais gente. Nós vamos colocar
esse vinho seu no auge dessa feira ou eu não me chamo Germânia. — Deixei-
o pasmo. Agora eu poderia me afastar mais do stand, porque Thadeo estava lá
para atender as pessoas.
— E agora?
— Vou esperar a feira acabar amanhã, para decidir qual atitude tomar.
Para fazer a reserva, tinham que dar metade do valor de entrada e a outra
metade quando pegasse o vinho amanhã.
— Sim. Obrigado, por não ter me obedecido e ficado quieta. Você foi à
luta.
— Será que amanhã você tem chance de ficar entre os cinco mais
votados da feira? — Já deitada na cama, olhei para Thadeo, só de cueca, de
pé, passando desodorante nas axilas. Eu estava puxando assunto para não me
sentir tão constrangida.
— Ah, não penso tão longe. Só o fato de ver tanta gente elogiando meu
vinho, foi o suficiente.
— Por que não foi para o quarto com Carmem? — E por que eu estava
perguntando uma coisa dessas?
— Não há de quê. — Fiquei olhando para o teto até ouvir ele ressonar
ao meu lado. Virei-me e, como ontem, apoiei-me no cotovelo para observar a
silhueta dele.
— O quê?
— Chega pra lá. Está invadindo meu espaço. — Ele sentou-se na cama,
com um olho aberto e outro fechado e os cabelos completamente assanhados.
Fitou-me, olhou em volta e caiu de volta na cama, tampando os olhos com o
braço.
— Que horas são? — murmurou. Dei uma boa olhada nele de cima para
baixo. O seu corpo sempre me fascinava e me fazia questionar quando me
tornara essa pessoa tão carnal, que ficava embasbacada por um corpo
masculino. Parei os olhos na cueca dele.
Minha santinha...
Agora eu entendia o que era estar atraída pela pessoa errada. Thadeo era
o homem mais errado que eu poderia me interessar e, por isso, cabia à minha
racionalidade afogar esse sentimento.
— Não. Não tenho sorte para essas coisas. — Ele vestiu um jeans e
pegou o cinto.
— Ou será que tem outro compromisso com alguém e não me quer por
perto? — falei e me arrependi. Que merda Germânia, para de ficar cutucando.
— Bom, você não tem que me dar satisfações. — Esnobei. Sendo que
fui eu mesma que tinha provocado o assunto.
— Porque eu estou, a maior parte do tempo, com tesão pela sua boca.
Conversamos depois. — Ele foi até a porta e a abriu. Ouvi a voz de Carmem
e me coloquei de pé.
— Bom dia, Gema. — Ela olhou para mim com olhos semicerrados. —
Parece cansada...
***
— Quê?
— Thadeo. Estou com ele há dois anos e conheço-o muito bem. Ele
odeia relacionamentos, odeia pensar em passar mais de um mês com a mesma
mulher. Ele é adepto às garotas de programa, pois não precisa lhe dar
satisfação. Só foder e mandar embora.
Fiquei sem fala. Estava tão na cara assim? Abri a boca para contestar,
mas ela foi rápida:
— Se ele estiver sendo bonzinho, não caia nessa. Vejo que você é uma
mulher do bem e não merece que ele te seduza para comer e descartar.
— Ele não está tentando me seduzir... Percebi que ele é um homem que
vai e faz quando tem desejo. Além do mais, me relacionar com quem quer
que seja é a última coisa que quero.
— Ele sempre me quis, Gema. Mas nunca lhe dei oportunidade, porque
eu me valorizo. Não quero ser só mais um número. Você deveria fazer o
mesmo.
— Não sabia que você estava vendendo tanto — Fernando falou com
Thadeo.
— Pois é. Nem eu esperava isso. Ontem o meu vinho ficou famoso aqui
na feira. — Ele olhou para mim, dando-me um sorriso. — Graças a Gema.
— Isso. Eu estou sozinho. Maria Clara queria vir, mas então teríamos
que trazer as crianças, e aí ficaria meio difícil, numa viagem de emergência.
Mas que merda é essa? Ele esperava uma noiva aparecer do nada em
sua porta?
— Vamos logo, que ela começou a dar vexame. — Carmem ficou de pé,
indiferente ao que acabara de ouvir, afinal, ela não sabia que eu chegara à
vinícola vestida de noiva.
***
THADEO
— Ah, eu vou lá ver. — Gema, enfim, teve motivo para falar algo e saiu
correndo com Carmem. Olhei para Fernando.
— Da noiva.
Depois de ler os nomes dos vinhos mais votados pelos jurados, todos os
dez produtores estavam no palco. Os jurados me pediram um dos meus
vinhos que eu gostaria que eles provassem. Eles me olhavam com desprezo,
lembrando do que acontecera ontem, e, por sorte, a prova ia ser às cegas, ou
não me dariam prêmio nenhum.
E começaram a provar.
O primeiro sentiu o cheiro, tomou um golinho, bochechou e anotou na
caderneta. Todos seguiram o mesmo processo para cada vinho servido.
Achava que, de nós cinco, Andrey era o que mais amava isso tudo e
fazia questão de ter tudo que a fortuna do velho Capello pudesse lhe
proporcionar.
— A sua é perfeita ao seu modo. Você mesmo odeia tudo que a Capello
pode proporcionar.
— Não é odiar, é... uma dívida moral. Eu não posso usufruir daquilo que
minha mãe sempre condenou.
— Não sei. Espero que não tenham destruído meus vinhos e uvas.
— Não. Tenho certeza, Carmem. E não quero que toque nesse assunto
novamente.
— E esse pé dela? Disse que torceu, mas não a vejo reclamando de dor,
não toma um remédio, não enfaixa, só manca e usa saias longas para
escondê-lo. E se nunca torceu o pé e isso for apenas um pretexto para fazer
parecer frágil e deixar seu coração mole?
— Medo de avião?
***
— Sim, estamos.
Entrei com passadas longas pela casa, esperando encontrar tudo limpo,
tudo roubado, corri pelas escadas, subindo de dois em dois degraus, adentrei
o corredor e parei ofegante diante da porta branca com uvas pintadas. Levei
alguns segundos antes de tocar na maçaneta e girá-la. Estava tudo no mesmo
lugar. Não tinham entrado aqui.
Foi um golpe de alívio, mas estava prestes a voltar para a sala, quando vi
a porta da biblioteca aberta, na verdade, arrebentada. Corri para lá e meu
pânico se intensificou. A estande com estudos do meu avô estava limpa,
levaram tudo.
***
GEMA
Juro que quase fugi pelas ruas de Belém, ficando por lá mesmo, quando
chegou a notícia de que a vinícola tinha sido invadida. Eu tinha toda a certeza
de que Luan havia entrado lá, destruído a plantação de Thadeo e deixado um
bilhete para mim. Minha farsa toda descoberta.
Thadeo voltou correndo para a sala. Ele parecia desesperado. Senti meu
sangue congelar.
Ah, mas quanto a isso, ele não precisava se preocupar. Sorri e falei:
— Era meu noivo... — Olhei para Carmem, e ela não entendia bulhufas
de nossa conversa.
— O quê? Ficou louco? Lógico que não, Thadeo... Quer saber? Eu não
vou passar por essas acusações. Eu me demito. Estou indo embora. Prefiro
morar na mata. — Virei-me para correr para o quarto, mas ele me segurou e
empurrou meu corpo para o sofá. Cai sentada de olhos saltados. Ele estava
bem na minha frente como se fosse me impedir de levantar.
Meu coração falhou uma batida. Ele não devia tocar nesse assunto.
— Vou descobrir agora esse seu personagem. Vamos ver se esse pé está
mesmo machucado.
— Desde o início estava tentando falar que você não perdeu todas as
porcarias das anotações, pois eu tinha pegado as mais importantes para ler.
Inclusive essa merda de diário. — Joguei o livro do avô dele no sofá. — Se
eu tivesse mandado bandidos para cá, eles tinham ido direto ao meu quarto
pegar esse inferno de caixa.
Senti falta da minha mãe. Porque sempre que estava para baixo, sempre
que era humilhada pelas minhas irmãs, eu tinha a quem recorrer. Desejei sair
daqui e voltar para casa, e que se danasse o Luan e o que ele queria comigo.
***
THADEO
— Thadeo, espere.
— Eu não tenho culpa que ela escondeu isso da gente. Como eu poderia
saber?
— Só vá embora — pedi.
Dei dois toques na porta do quarto e nem esperei uma ordem, abri e
espiei. Gema se vestia, parecia ter acabado de tomar um banho. Tirei a chave
da fechadura. Ela sabia que eu tinha chegado, mas nem se virou, continuou
fingindo se aprontar diante do espelho.
— Gema.
— Não.
Ela estava coberta de razão e nem fodendo que eu permitiria que ela me
deixasse... deixasse a vinícola.
— Eu já me demiti.
— Thadeo! — Ela veio correndo, mas eu fui mais rápido, saí e puxei a
porta do quarto. Girei a chave, deixando-a presa. — Thadeo seu cavalo
desgraçado! Abre essa porta. Isso é cárcere privado!
— Você não vai embora daqui nervosa desse jeito. Descanse um pouco
e vamos conversar depois. — Enfiei a chave no bolso e saí ignorando as
batidas dela na porta.
TREZE
GEMA
Eu estava com muita raiva. Esse sentimento que acelerava meu coração
e fazia meu sangue ferver tinha tomado completamente o lugar da
humilhação que passara anteriormente. Agora, apenas a vontade de bater em
Thadeo me dominava. Eu não ia ficar presa em um quarto esperando a hora
que ele quisesse me libertar.
Arrastei uma poltrona, pisei nela com cuidado e subi na janela. A grama
me esperava do outro lado. Fiquei sentada no parapeito, medindo a altura até
o chão e imaginando uma maneira de não vacilar quando caísse. Devagar,
pulei amortecendo o impacto com o pé normal.
— Eu cheguei a duvidar que você faria isso. — Thadeo estava bem ali
ao lado, recostado à parede, comendo uvas despreocupadamente.
— Sabe que só vai cansar e perder tempo indo até o portão, não é? —
Ele me acompanhou, andando ao meu lado. — Está fechado e não vou abrir.
— Não. Mas tenho sensatez o suficiente para não permitir que saia por
aí, sem destino.
— Eu me enganei.
— Deixa de conversa, vamos voltar para casa. Não vai embora porcaria
nenhuma.
— Gema...
Peguei a chave em sua mão, virei as costas e fui para o quarto. Lá,
arranquei as sapatilhas do pé e deitei-me na cama.
Ok. Eu deveria mesmo ter que falar com ele. Eu não tinha para onde ir, e
seria muito embaraçoso estar na casa dele e não lhe dirigir a palavra, apesar
de que fosse isso que ele merecesse, um bom desprezo.
Minha vida estava de pernas para o ar. Não entendi qual caminho o
destino estava traçando para mim e como eu ia colocar tudo nos trilhos
novamente. Não conseguia esquecer da minha família um só segundo, e às
vezes me culpava por gostar de estar aqui, longe de tudo, escondida de Luan,
vivendo em um lugar onde podia reger cada minuto da minha existência,
enquanto meus pais e irmãs passavam sabe Deus o quê.
— Não leve em conta o que ele faz ou fala. Thadeo é impulsivo e caiu
na lábia da advogada dele — ela demostrou indignação ao falar de Carmem.
— Ela tem grande influência sobre ele.
— Quer falar sobre isso? Por que escondeu da gente esse detalhe? —
Apesar de seu olhar carinhoso, não queria ainda falar.
Eu não ia dar vazão às minhas vontades. Ainda mais sendo ele um xucro
sem educação.
***
— Claro. Ainda está sem sal. Eu gosto de fazer dos dois tipos. Gosto
demais de manteiga natural... Há coisas que ficam bem mais deliciosas com
manteiga. — Estranhei o tom malicioso dele e não entendi.
— Tenho certeza disso. — Enfiei o dedo na tigela, peguei um pouco e
lambi. Hum... Tinha gosto de manteiga, mas sem sal. — Boa — conclui.
— Posso.
— Sabia que desde a era medieval já existia manteiga? Que nada mais é
que nata batida. E não existiam batedeiras elétricas naquela época.
— É verdade.
Ele pegou uma jarra de água bem gelada, dava para ver os cubos de gelo
dentro, e começou a jogar a água sobre o creme amarelado.
— Sim. Mas garanto que você vai preferir a minha manteiga que a
industrializada da Capello. Até o meu velho prefere ela. — Ele pegou os
potinhos e levou para a cozinha — certamente para a geladeira —, em
seguida, me gritou:
Atendi ao seu convite e fui para a cozinha. Ele tinha tirado o avental e
estava diante do fogão, colocando água para ferver.
— Como?
— Não que eu me lembre. Meu pai mal sabe tirar gelo da forminha.
— Então sente-se, pois vai provar o meu café. Meus irmãos gostam de
vir aqui no domingo e passam o dia. E à tarde, antes de irem embora,
preferem que eu faça o café.
— Então, você tem uma convivência boa com seus irmãos? — indaguei.
— E não está?
Ele anuiu, calado, com toda a atenção voltada para mim. Tomei um
golinho de café.
— Você me deixou fazer piadas com seu pé... — Ele já estava tomado
pela culpa. Eu odiei provocar esse sentimento nele.
— Você não tinha como saber. Minha intenção era esconder esse
segredo até o dia de ir embora daqui... Mas...
— Já.
Receosa, levantei a saia e estiquei minha perna. Ele pegou com cuidado,
tirou meu chinelo e observou meu pé. Fechei os olhos, envergonhada.
Abri os olhos.
— Devia usar saias mais curtas e mostrar seu pé e que se foda o que os
outros acharem. Ou vai esconder essa vitória para sempre?
— Que vitória?
— Oras, para uma moleca que nem pisava no chão e andava com
muletas, e que fugiu de um casamento, percorreu uma feira enorme sozinha,
servindo vinho para as pessoas, e até caçou briga com um homem bem maior
que você, isso é uma vitória.
Minha boca entreabriu sem fala. Eu nunca tinha pensado por esse
ângulo. Eu passei tanto tempo amaldiçoando meu destino, que nunca
comemorei minha conquista. Eu tinha acabado de pular uma janela...
— Você está certo.
Deixamos o assunto sobre meu pé, e eu agradeci por Thadeo não ter
falado com Gioconda. Era algo pessoal, e eu que devia contar.
Mais tarde, eu mesma contei para ela, e Gioconda ficou com os olhos
encharcados diante do meu relato.
Era como tirar um peso de cima dos ombros. Eu estava livre desse
segredo e da preocupação, a todo instante, que sempre me invadia, a tensão
de ser descoberta, a todo momento.
— Às vezes ele só volta pela manhã. Está com medo de dormir aí dentro
sozinha? Posso dormir aí, se quiser.
Pela manhã, bem cedo, ouvi um barulho de carro. Pulei da cama e espiei
pela janela. Um carro branco e muito bonito deixava a vinícola, indo em
direção ao portão. Thadeo teria chegado?
Vesti o robe, abri a porta e espiei. E, para minha surpresa, havia uma
caixa no chão, diante da minha porta.
Thadeo
Meu coração saltou. Senti todo sangue ir para a face. Peguei o tecido e o
levantei, surpreendendo-me com um vestido vermelho muito bonito.
Experimentei-o diante do corpo, e era curto, na altura do joelho.
Saíra de casa para buscar o meu carro que havia ficado em Belém no dia
anterior, e que tinha sido trazido para a fazenda Capello por um funcionário
de Fernando, que fora buscá-lo. Depois lembro de Carmem me ligando com
urgência e eu indo ao apartamento dela.
— Carmem, tenho certeza de que irei me lembrar. Mas agora, preciso ir.
— Eu não queria magoá-la, não era apenas minha advogada, era minha amiga
de longa data. Uma das únicas mulheres que deixei que se aproximasse
demais da minha alma.
— E o meu carro?
— Poderá vir buscá-lo depois. Não está em condições de dirigir. Vá se
trocar, eu também vou.
— Eu lembro por nós dois, e poderemos repetir depois, para você ter
lembranças mais claras. — Sorriu adoravelmente. — E olha as provas aí. —
Ela apontou para as camisinhas usadas sobre o criado mudo. Não tinha como
contestar; estavam repletas de líquido viscoso.
Bêbado não devia mesmo transar. Havia esperma seco grudado em toda
parte de meu corpo. Nas bolas, nas coxas, na virilha. O que evidenciava que
eu havia feito a maior baderna.
Essa situação me assustava muito, uma vez que sempre fui um homem
metódico nessas ocasiões, jamais trepei caindo de bêbado e jamais esqueci de
uma noite de farra. Tomei um banho rápido, me vesti na velocidade da luz,
enquanto Carmem me esperava na sala. Minhas botas estavam lá. Havia
também uma garrafa de vinho e duas taças na mesinha de centro.
— Está tudo bem. Falando em vinícola, minha prima Michele está vindo
para a degustação de vinhos e queijos que você a convidou ontem.
Eu queria dizer para ela mandar a prima catar coquinho. Mas lembrei
que Carmem estava sendo bem gentil comigo, por eu nem ter lembrado de ter
transado com ela.
— Tá. Tudo bem. Eu fiz queijo ontem... Pode levar ela às...
— Iremos mais cedo, para ela conhecer tudo. Agora talvez isso vá te
ajudar a lembrar. — Ela me puxou e beijou minha boca. Eu segurei Carmem
em meus braços e a beijei de volta, tentando buscar uma tímida lembrança.
Eu estava confuso, e única coisa que me veio à mente, de forma inexplicável,
foi Gema. Me afastei de Carmem.
Na vinícola, ela me levou até a porta principal. Ainda era cedo, sete e
quinze, e a casa estava em silêncio.
— Tudo bem. Quem sabe hoje à noite não repetimos, e você se lembra
depois? Sabia que minha prima tem tesão por você? O que acha de um
ménage?
Uau! Parecia que ganhara um bom bônus. Mas não sentia um pingo de
euforia.
***
— Thadeo.
— Já desceu.
— Já?
— Porque achamos que você não estava se sentindo bem. Ela enfim
virou-se para mim e sorriu amavelmente: — Não se preocupe, ele prometeu
que vai cuidar muito bem da Gema.
Mas o quê?
— Ah, achei que ia ficar hoje o dia todo de cama — Gema falou,
cantarolando, cheia de intimidade. — Gioconda comentou que você não
estava se sentindo bem.
Fingia se preocupar, mas nem foi tentar saber se eu estava mesmo bem.
Já correu com o outro para cá.
— Pois devia ter falado. Ele não é gente que presta e é bem capaz de te
dar uma sova, se te pegar se engraçando com ela. Ele veio pessoalmente me
pedir para cuidar dela.
— Cruz credo. Gema tão sensível e gentil. Por que arruma um cão ruim
desse?
***
Quando o sol estava bem mais alto, às dez da manhã, eu pedi para parar
a colheita. Estava carregando a caminhonete com as uvas quando Gema se
aproximou.
Era gostoso demais beijar essa mulher, e eu poderia ficar louco se não
me controlasse imediatamente. A afastei, doido por mais. Doido por sentir
cada pedacinho de seu corpo. Tinha roupa demais... Eu queria nossas peles
nuas e suando juntas.
— Nem vou te responder, para a gente não brigar. Quero que tudo esteja
perfeito.
— A noite? — Fiquei ali parado, sem entender. Até Rodrigo vir e tirar
minha atenção.
***
Minha irmã me ligou para me parabenizar. Stela sempre foi um elo que
unia os quatro irmãos homens, ela estava sempre à disposição, quando mais
precisávamos de um apoio. E não seria diferente agora.
Depois ela passou o telefone para nosso pai, e eu torci para que ele não
colocasse gosto ruim no meu sucesso instantâneo.
— Sua irmã me mostrou seu nome nos jornais. — A voz cansada ecoou.
Não parecia chateado.
— Pois é, pai. Parece mentira, mas consegui um pouco de prestígio.
— Pai...
— Tá, não vou ir por esse lado. Escuta, quero que venha aqui em casa.
Venha aqui, escolha uma garrafa de vinho e traga para seu velho pai. Enfim,
quero provar.
— Sim. Porque eu sei que foi um Capello que fez. Eu tenho algo para te
contar, é importante, é sobre a vinícola.
— Olha aí. Parabéns. Eu te disse que ele iria mudar de ideia quando
visse seu sucesso.
***
GEMA
— Sim, fique calma. Só se arrume e venha para a sala. Ele só deve estar
com medo de abrir a boca e colocar tudo a perder.
— Eu?
— Ah. É uma pena. Só tome cuidado na hora de servir, para não sacudir
muito o vinho.
Riram mais.
Ergui o rosto.
O que eu tinha que fazer era não desmoronar, não dar o gosto de me
verem caída. Logo eu, que passei minha vida apenas superando e superando.
Tudo bem, Gema. Você lidou com irmãs serpentes a vida toda. Basta
respirar fundo e liberar a mágoa depois, quando estiver sozinha. Ergui o
queixo e caminhei até a mesa.
— Sim. Eu marquei...
— E convidou elas?
— Porque você não abre seus olhos? — Dei meia volta e caminhei para
fora da sala. No corredor, ele me alcançou. Segurou meu braço.
— Por que vestiu algo que mostra as pernas, para um encontro com essa
pessoa? Ele é tão importante assim?
— Olha, eu julguei que ele era importante. Mas agora não tenho tanta
certeza de que esse vestido foi uma boa escolha.
— Claro, venha. Mas que filho de uma mãe. Vou torcer o pescoço do
infeliz.
Ela me levou para a sala, fez pipoca, e sentamos juntas para assistir
qualquer coisa na TV. Quando eu já estava bem mais calma, sem qualquer
vestígio de vontade de chorar, me despedi de Gioconda, prometendo-lhe
contar tudo amanhã.
Voltei para a cozinha, abri a geladeira, peguei uma garrafa de vinho pela
metade e saí da casa. Andei sem rumo pela noite, pela vinícola, bebendo
vinho no gargalo e sentindo ódio gratuito de mim mesma, por ter caído de
joelhos tão facilmente.
O safado era gostoso? Sim. Beijava bem? Sim. Mas que se foda.
Homem era o que não faltava no mundo.
— Seu nome é?
— Renan.
***
— Que bom que acordou. — Ele sentou-se — Vou te levar até a casa...
— Ah! Por que não estou surpresa? Bom, a conversa está ótima, mas
estou indo tomar uma ducha. Renan, obrigada pela noite. — Pisquei para o
segurança e caminhei, mancando, para meu quarto. Estava na porta, quando
ouvi os gritos de Thadeo interrogando Renan. Voltei imediatamente, a tempo
de ouvir ele gritar: “Está demitido”. Renan saiu e Gioconda o seguiu rápido,
como se fosse ampará-lo.
— Por acaso, está tomando essa atitude só porque eu dormi com ele?
— Oh, ela enche a boca para falar, como se fosse um ato orgulhoso.
Não tem vergonha na cara de sair à noite bebendo e dormindo com qualquer
estranho que vê? — berrou um sermão bem na minha cara. — É isso que faz
uma mulher ser independente?
Ele recusou, ao ouvir minha confissão de que queria dar para ele.
Merda! Essa minha boca que falava sem filtros no momento da raiva.
— Eu cheguei a achar que você era uma mulher especial, Gema. Por
causa de sua deficiência... por...
— Por quê? Deficiente não pode farrear? Eu seria a mulher perfeita para
você, se passasse a noite chorando porque o homem com o qual eu ia ter um
jantar especial estava com duas mulheres, se comendo na mesa de jantar feito
animais? É esse o tipo de atitude de uma mocinha especial?
— Eu não transei com ele. Mas como já disse, não precisamos explicar
nada um ao outro... Não temos nada. — Me virei mais uma vez e, antes de
dar um passo, o ouvi um pouco baixo e receoso:
— Como é que é?
DEZESSEIS
THADEO
NA NOITE ANTERIOR
Com quem ela tinha saído? Rodrigo? Se fosse ele, poderia se considerar
demitido.
— Aqui está. O convite que Gema recebeu, assinado no seu nome, para
comparecer hoje a uma degustação de vinho. Ela estava muito feliz e ansiosa
para o momento de jantar com você.
Ah, que merda. Eu que não queria falar nada com ela. Porra! Eu odiava
tanto essa merda de marcação de território que a Carmem sempre teve em
relação a mim. Era como se fosse minha dona. Ou ao menos ela pensava que
era.
— Ah, meu Deus. A coitadinha ficou tão triste. Será que ela foi embora,
no meio da noite?
***
GÊRMANIA
AGORA
Me virei mais uma vez e, antes de dar um passo, ouvi Thadeo falar um
pouco baixo e receoso:
— Como é que é?
— Que bom que Thadeo mudou de ideia. Eu que arranjei esse serviço
para o Renan. É um rapaz de bem, filho de uma amiga minha. Está
trabalhando para pagar os estudos.
Assenti e voltei para casa com ela. Gioconda foi preparar o café, e eu fui
me trocar para ir para o vinhedo.
***
O resto do dia passou rápido sem que eu me encontrasse com Thadeo
novamente. Ele parecia me evitar. Nem mesmo almoçou comigo. Chegou na
cozinha, vestindo apenas uma bermuda e cabelos molhados, penteados para
trás. Serviu-se pondo uma montanha de comida no prato e foi comer lá na
mesa de fora.
— Ameaça a quê?
— Ele é tão rude e cabeça dura. Não sei se quero gastar minha paciência
com ele.
— Toda chance que você der, não será em vão. — Voltou a tricotar. —
Você é a única que consegue enfrentar esse Capello cabeça dura.
Ela estava certa. A conversa de mais cedo ainda não estava resolvida.
Quando a noite chegou, eu sabia que Thadeo estava no quarto se arrumando
para sair, e era minha chance de confrontá-lo. Não deixaria nada para
amanhã.
— Você odeia relacionamento. Por que me pediu para ter algo com
você?
— Algo não quer dizer um relacionamento sério. Eu nem sei por que
disse aquilo.
— Tudo bem. Não foi sua culpa. Só abra os olhos em relação a ela. —
Me virei para sair do quarto, peguei na maçaneta, e ele falou:
— Mas... se fosse para termos algo, você aceitaria? Ou ainda está cedo
para pensar em um caso sexual?
— Sexual? — Me virei.
Engoli em seco. Porque às vezes o que eu desejava fazer com ele, era
bem pervertido também. Mas, a racionalidade me abraçou.
— Eu não te atraio?
— Você não disse mais cedo que queria dar para mim?
— Sim.
— Meter o quê?
— Oi? Espera... O quê? Por que está me falando isso? Que bizarrice é
essa?
Ele levantou-se, veio até mim e abriu a porta, indicando para eu sair.
Meu Deus! Meu coração saltava tão depressa que podia sacudir minha
caixa torácica. Meu estômago se revirou, os seios se enrijeceram e meu sexo
se contraiu, de prazer instantâneo.
Meus dedos estavam em festa, passando por cada pedacinho dele. Dos
braços musculosos aos ombros fortes e quando, enfim, eu os enveredei nos
cabelos grandes e negros, foi como se um ponto de bônus fosse ganhado. Eu
estava beijando o cavalão malcriado, agarrada a seu corpo e puxando seus
cabelos. E o resto do mundo parou de existir.
Thadeo não desgrudava seus olhos dos meus. Desabotoou o jeans que
estava estourando de tão esticado.. Tirou a calça, ficando só de cueca. Meu
estômago gelou ao ver o contorno de seu pênis embrutecido sob o tecido da
cueca. Ele estava pronto. Imaginei que nem teria tempo de arrancar meu
vestido longo.
Todavia, me enganei.
Ele tocou nos meus pés e subiu as mãos pelas minhas pernas, ao mesmo
tempo que afastava o tecido do vestido. Quando todo vestido já estava
levantado, no alto da minha cintura, ele tirou minha calcinha, com toda calma
que podia. E voltou a segurar meus pés. Ele levantou o pé torto, beijou-o e
depois beijou o outro.
— Ah... já — sussurrei.
— Oh... Oi? O quê? — Fiquei atônita com o uso dessa palavra de forma
tão crua. Ele não repetiu a pergunta e distraiu-se tocando com o polegar, em
um vai e vem angustiante, meu ponto mais sedento.
— Não tem nada de básico aqui comigo. Quero deixar claro. — Seu
dedo entrou em mim até a metade e eu me contorci.
— Eu devo me assustar?
— Certo. Fica quietinha aí. Vamos tirar esse vestido. — Meu vestido foi
descartado e, em seguida, o sutiã. E quando meus seios estavam livres, ele
subiu na cama, rastejou por cima de mim, encaixando nossos corpos com
perfeição, e sua dureza dentro da cueca, pressionada entre minhas pernas. No
ponto exato. Subitamente, queria sentir tudo dentro de mim. Abracei-o como
se fosse um bote salva-vidas.
Eu estava nas nuvens. Thadeo segurou meu tronco com as duas mãos e
fez delícias com a boca, em cada um dos meus seios. A cada chupada, eu
levantava o quadril, mordia o lábio e gemia.
Luan não tinha feito isso comigo. Não com a boca. E se eu fosse frígida,
como ouvi Luan dizer? E se Thadeo, de repente odiasse, e o sexo se tornasse
frio e mediano para ele? Todas as minhas inseguranças vieram à tona, e eu
não sabia como lidar, para dar a ele prazer.
— Thadeo...
— Xiu. Calma, você está em boas mãos. — Piscou para mim, abaixou o
rosto entre minhas pernas e antes da primeira lambida, emendou: — Em boas
mãos e em boa língua.
Arregalei os olhos para o teto, quando a boca dele beijou meu sexo
pulsante.
O orgasmo veio, e foi o nome dele que gritei quando me debatia sendo
segurada por suas mãos Um paraíso de estrelas se abriu no teto.
Ele caminhou pelo quarto comigo agarrada ao seu corpo quente e forte,
beijando minha boca e se mexendo devagar para dentro e para fora. Bateu
minhas costas contra a parede, e eu entendi o que seria.
— Você perdeu isso por muito tempo, sua besta. Dizem que sou o
melhor dessa região para se montar...
Tampei a boca dele com a mão. Meus seios se esfregavam contra o peito
musculoso e suado dele. E eu subia e descia, sentindo-o me abrir por
completo até bem no fundo e voltar, como um alívio angustiante.
— E qual é?
Não resumam o sexo a apelo carnal ou ato pervertido. É algo bonito, que
conecta pessoas em corpo e mente, além de ser sexy e dar a sensação de
poder. Eu me sentia poderosa e realizada. Ah, sim, não realizada
completamente, mas satisfeita por estar totalmente preenchida de prazer e
alegria naquele momento.
— Claro.
— Deve saber que não durmo sempre com a mesma mulher. Às vezes
com alguém que trago ou...
— Gema...
— O quê?
— Está vendo? Já está criando intrigas, por isso que eu estava evitando
fazer sexo com uma mulher que mora na minha casa.
— Gema, olhe para mim, vamos conversar — Thadeo insistiu. Dei a ele
apenas um belo desprezo. Peguei minha sapatilha e saí do quarto descalça. E
ouvi ele gritar: “Vá então, faça o que quiser de sua vida.”
***
Jantei pouco. Era incrível como meu corpo ainda ardia com as
lembranças do sexo. Aquele momento não ia sair da minha cabeça tão cedo, e
se eu me entregasse às lembranças, tudo em mim se acendia novamente; e a
dorzinha entre as pernas estava lá, pulsando para me fazer recordar.
Idiota. Será que tinha ido chorar no ombro de Carmem? Essa suposição
fez mal a meu coração. Desliguei a televisão e me deitei olhando para o teto,
e então ouvi o barulho da Hilux. Ele voltara.
Ouvi a porta abrir e em seguida passos subindo a escada. Será que tinha
vindo acompanhado? Eu não duvidava nada daquele peste.
— E precisa me abraçar?
— Vamos fazer as pazes no sexo, tudo bem? Boa noite, Gema. Quero te
chupar igual uma uva amanhã.
DEZOITO
THADEO
Uma bela mulher gostosa ao meu lado... Bati a mão ao lado e abri os
olhos, não encontrando Gema. Merda. Eu estava acordando, fazendo um
balanço mental perfeito da minha vida engatilhada e ela tinha que estragar
tudo.
Tive um sobressalto e saí da cama. Meu pau estava dolorido de tão duro,
morrendo de desejo de se acabar em um sexo matinal. Espiei na porta, ouvi
vozes vindo da cozinha, corri atravessando a sala e subi as escadas.
Minutos depois, desci pronto e vestido. Tesão ainda bombando pelo meu
corpo. Eu tinha certeza de que ela quis me punir. Gema ajudava Gioconda
com o café, rindo e contando lorota como se nada tivesse acontecido.
— Não disse que não quero. — Fez um falso olhar meigo, quase tímido.
— Pelo visto, é bem fácil brincar com você. Venha tomar café, sua
manteiga está uma delícia. — Deu uma piscadela safada para mim.
— Sim.
Revirei os olhos.
— Anotado. — Terminei o café, fiquei de pé, fui até ela e segurei sua
mão. Sem entender, Gema ficou de pé, olhando nos meus olhos. — Meu
pique não é fácil para acompanhar. Estou doido para ter você nua nos meus
braços de novo.
Ela arfou e antes de falar, beijei-a. Gema enlaçou meu pescoço, ficando
na ponta do pé. Quando me afastei, ela estava sorrindo e ofegante.
— Isso.
— Não. Aí dentro está apenas o mosto, ou o suco da uva que ainda não
foi fermentado. Venha aqui. — A guiei por uma escada, e chegamos ao alto
de uma passarela, próximo à boca de outro tanque. Abri e olhamos dentro.
Havia muitas bolhas, como se o tanque estivesse em movimento.
— Que assim seja. — Dei um beijo rápido nos lábios dela. — Ah,
venha. Vou te mostrar nosso depósito.
Descemos uma escada para o subsolo. Era como uma gigantesca adega
de tijolos vermelhos, com luzes fracas nas paredes e com uma temperatura
um pouco mais baixa. Estava tudo muito organizado, separado por data e
espécie de cada uva.
— Meu Deus, Thadeo. Tem muito vinho aqui.
— Sim. Muitos estão aqui há mais de quinze anos, desde quando minha
mãe os fabricava. — Gema estava apoiada ao meu braço, guiei-a até uma ala
mais afastada, repleta de garrafas empilhadas que quase chegavam ao teto.
Peguei com cuidado uma garrafa, tirei o pó e entreguei a Gema.
— Claro que não. Mas você pode abrir uma garrafa e experimentar.
— Na parte externa sim, mas não captou nada. Ela mostrou em sua
expressão como achava isso tudo estranho. Assim como eu, que não entendia
como aquela adulteração nos vinhos acontecera. Em que momento tiveram a
chance de sabotar.
— E esses barris? — Gema perguntou.
— Desculpe a pergunta indiscreta, mas como teve grana para arcar com
tudo isso, sendo que não vendia nada? — Eu abaixei os olhos, porque essa
pergunta me incomodava bastante, e ela percebeu.
Estalei a língua, quase revoltado, não com ela, mas com esse assunto.
Me recostei em uma pilastra e cruzei os braços.
— Loucura do Fernando.
Tomei mais um gole de vinho. Tudo tinha sido só uma merda que falei
durante muito tempo, para justificar a falta de relacionamento. Eu nunca
esperava mesmo que uma noiva pudesse chegar à minha porta.
— Uma aposta idiota que fiz. Falei que só aceitaria relacionamento sério
quando a noiva aparecesse à minha porta. — Gema parou de riscar e me
olhou incrédula, ao mesmo tempo em que estava chocada.
Que ótimo. Ela não queria ser nada minha. Isso era bom ou péssimo?
— Oras, Gema. Porque você é muito bruta comigo às vezes, já notei que
gosta de fazer tudo do seu jeito e tem dificuldade em me obedecer.
— Lógico que sim. — Deu uma risada safada. Disse que não quero um
marido.
Rodrigo olhou, quase com rancor para Gema. Mas virou-se e saiu.
***
ENQUANTO ISSO...
Luan estava, acima de tudo, aflito. As notícias não eram boas para seu
pai, e nenhum progresso tinha conseguido em relação ao desembargador
Jaime Ávila. Ele se sentia incompetente e burro, por não conseguir oprimir
uma família e obter resultados. Abriu devagar uma porta e observou Graziela
e Gabriela, as gêmeas filhas, de Jaime, que estavam em seu poder,
sequestradas.
Luan queria torturá-las, para aliviar a raiva que sentia. Estava com muito
ódio de Germânia e dos pais dela. Ela simplesmente havia evaporado e coube
a ele dizer aos Ávila que Gema estava morta e que aconteceria o mesmo com
suas irmãs. Mas isso foi um tiro no pé, porque agora, Cora e Jaime só
aceitariam as imposições dele, se mostrasse onde estava o corpo de Gema.
Luan achou a tal Carmem muito gostosa e ficou observando ela abraçar
o braço de Ulrich, e os dois saírem juntos, cochichando, e quando entraram
no elevador, eles não deixaram de encará-lo.
— Diga onde Gema está! Eu quero minha filha... — Jaime a levou para
o escritório, Luan sorriu, ajeitou a gravata e entrou logo atrás do casal, sendo
escoltado pelos capangas.
DEZENOVE
GEMA
Ele tinha saído a tarde toda, para resolver umas coisas, e eu esperava que
estivesse aqui no jantar. Desde quando me tornei tão passional? Nem mesmo
com Luan, que era meu noivo, eu vibrava esperando o momento de revê-lo.
A calça estava aberta, e ele me fez tocar bem em cima de sua cueca
estufada. Eu não puxei a mão, porque, na verdade, achei isso muito ousado e
erótico. Era bom olhar para sua cara e ver o prazer estampado ali, com um
simples toque de minha mão. Não acho que estava pronta para experimentar
tudo, mas desejava o maior contato íntimo possível e, por isso, fechei minha
mão em torno do seu volume duro.
Ele era enorme, quente e duro, todavia macio. Fechei os dedos em torno
de sua ereção, e um gemido baixo e rouco escapou da garganta dele. Sorri. Eu
estava me derretendo entre as pernas e gostando de ter esse homenzarrão
xucro literalmente na minha mão.
Thadeo me deu outro beijo e puxou minha toalha e admirou meu corpo
como se fosse a primeira vez que o tivesse visto. Sua mão grande e calejada
passou pelos meus seios e quase perdi o equilíbrio quando ele pinçou meu
mamilo e o torceu devagar. E, para minha surpresa, empurrou-me na cama.
Completamente nua.
Mais uma vez, puxei seus cabelos, desvairada, explodindo com gemidos
altos. Tampe os ouvidos, Gioconda!
Se um dia o odiei, não lembro. Porque foi a melhor coisa tê-lo deitado
sob mim, e eu controlando as investidas. Eu apertei seu peitoral, gritei
jogando a cabeça para trás e busquei cada centímetro de seu pênis para me
satisfazer. Para nos satisfazer. Acabou para mim quando Thadeo me puxou e
chupou cada um dos meus seios, ao mesmo tempo em que me amava com
puro deleite.
— Sim.
— Você está bem fora de sintonia. Não gosta de dormir junto, mas vem
para meu quarto, não quer compromisso, mas me convida para um almoço.
— Voltei a deitar o rosto colado em peito dele.
— E você adora apontar falhas. Já almoça e janta comigo todo dia, sair
para comer não vai mudar muita coisa. Isso não é um pedido de namoro.
— Preocupado? — O encarei.
— Não estou abrindo uma exceção para você, Gema. Estou abrindo uma
exceção para eu poder viver esse momento. Eu quero deixar minhas próprias
regras de lado, para aproveitar sua companhia. — Ele estava desabafando, de
olhos baixos — O dia que sumiu a noite toda foi, para mim, a pior noite, e eu
vi, naquele momento, que não dava mais para ignorar todas as porras das
emoções.
— Você fica quase fofo quando abre o coração. — Dei uma cotovelada
nele. — Eu te entendo perfeitamente. Eu prometi que jamais tocaria em um
homem novamente depois de ter fugido do meu casamento. E então aparece
um homem enorme, irritante, gostoso e quente como uma caneca de café, e aí
já era a minha promessa.
Que esse dia não chegue tão rápido. Pensei e, por um instante, achei
que ele pensara a mesma coisa. Ele voltou a me beijar com necessidade,
como se precisasse do beijo.
***
— Sim.
— Sério? O que houve com ela? Vejo que Thadeo tem uma relação de
devoção pela mãe...
— Ele nunca desabafa sobre isso. Tudo que aconteceu está bem
guardado no coração dele e em um quarto lá em cima que ninguém pode
entrar. — Gioconda espiou para ver se alguém vinha e cochichou: — O que
sei é que a vinícola faliu por causa dela. E morreu esquecida em uma casa de
repouso para dependentes de drogas.
— Meu Deus! — Coloquei as mãos na boca. — Coitada.
— E Thadeo era muito novo... Às vezes acho que ele se culpa. Por isso,
te peço: não o abandone totalmente. Talvez vocês consigam construir algo
bonito.
— O quê...
— Como assim?
— Você vai me colocar no mal costume. Nunca mais vou querer outra
forma de dormir. — Thadeo riu, me beijou e me levou pela casa escura, rumo
à escada.
***
No domingo, acordamos cedo. Thadeo dispensou Gioconda, pois
iríamos almoçar fora. E quando chegou o momento de irmos, eu estava muito
apreensiva em deixar a vinícola. Era a primeira vez que eu ia para a cidade,
depois de ter fugido do casamento, e rezava para não encontrar ninguém que
me reconhecesse.
O carro passou pela cidade, que não estava muito movimentada por ser
domingo, quase meio dia. Ele não parou em nenhum restaurante que eu
conhecesse. E me acalmei, pensando que não era do perfil dele me levar em
algo requintado.
— Me desculpe.
— O que...
— Gema, desculpe... Será rápido, e pedirei para ele não fazer muitas
perguntas...
— Uma pessoa já me viu. Vamos descer logo. Você vai me pagar caro
por isso.
Saí rápido do carro, ajudei Gema a descer e peguei uma sacola de papel
no banco traseiro. Dentro havia dois vinhos e um potinho de manteiga.
Abri uma porta corrediça de vidro, e saímos na grande área externa, com
uma piscina gigantesca. Meu pai estava se levantando de uma das cadeiras
em que estava na piscina, na companhia de Andrey, das crianças, filhos de
Stela, de Stella e Ana Rosa.
— Stela?
— Oi?
Todavia, o que mais me deixou espantado, foi que eu já tinha visto uma
tatuagem bem parecida, senão idêntica à dela, e também nas costas. De
Ulrich.
Por que minha irmã tinha uma tatuagem igual à do turco safado?
— S...sim. Sou.
— É filha de quem?
Enquanto ele cortava a carne, abri um dos vinhos que trouxera, servi um
pouco, provei e depois servi na taça do meu pai.
Era o grande momento e, para mim, significava muito. Porque meu pai
foi contra minha promessa de reerguer a vinícola e tudo que eu queria era
provar a ele que eu era capaz.
— Pai. — Andrey foi mais rápido que eu. — Não vamos recordar o
passado. Deixa a mamãe descansar em paz.
— Tem razão. — Tirou um lenço do bolso e limpou os olhos. — Eu só
achei que foi um grande desperdício manter esse ouro vermelho escondido. É
o melhor vinho da região. Parabéns, meu filho.
Mas, ainda assim, Ana estava disposta a criar algo exclusivo para ela. Eu
gostei de ver Gema tão interessada na conversa das duas mulheres, falando de
assuntos corriqueiros e não sobre a vida dela. Ninguém a estava
pressionando.
— Estou tão feliz, não só por você, mano. — Stela falou. — Mas
também pela vinícola em si, onde moramos por tanto tempo e o lugar onde a
mamãe adorava ficar.
— Oi.
— Como assim?
— Agora que o vinho está ameaçando voltar para o mercado, você corre
perigo, o mesmo perigo que sua mãe... encontrou.
Me mexi inquieto na cadeira, sem entender muito o que ele queria dizer.
Andrey deu de ombros mostrando desconhecer sobre o assunto.
— Eu descobri tudo pouco depois que sua mãe faleceu. E pelo que andei
investigando, eles vão vir com tudo para cima de você.
— O que... é isso?
— Eu sei que vocês odeiam ouvir esse nome, mas Reginaldo tinha uma
missão quando se aproximou de Ângela, a mãe de vocês. E tudo começou lá
atrás quando o pai dela, o meu sogro, tomou a vinícola de um barão do vinho,
bem conhecido por essas bandas.
— Não. Não acho que tinham parentesco. Mas ele foi o escolhido para
ser o parasita que mataria a vinícola e destruiria Ângela. A voz do meu pai
ficava longe enquanto as imagens do passado voltavam com força total.
Encostei a testa na parede.
— Sim. E sabemos que ele conseguiu. Afundou Ângela nas drogas, fez
tantos empréstimos em nome da vinícola, que era impossível pagar e
continuar na ativa. E então, o nome do vinho morreu, juntamente com o
nome da família Mattos. Por muito tempo, recebi propostas de compra, sem
saber exatamente quem estava desejando comprar. Mas a vinícola era de
vocês, sua mãe deixou explicito em testamento que apenas vocês poderiam
decidir sobre o destino daquelas terras.
— Então... O senhor acha que esse cara ainda está por aí e vai tentar
arruinar o Thadeo como fez com a nossa mãe? — Andrey andou pelo
escritório, pensativo, todavia, agitado.
— Sim. Eu tenho certeza. Reginaldo me contou cada detalhe, no
hospital, antes de morrer. Eu não sei quem é esse sujeito, o filho do barão,
mas dá para descobrir. Descubra quem era o primeiro dono da vinícola, e
chegará ao desgraçado.
— Enquanto isso, meu filho, preste bastante atenção nas pessoas que te
cercam. Talvez ele já tenha plantado o parasita lá na sua casa. Não confie em
ninguém. Existe alguém que está perto de você sempre e que tem sua
confiança?
— Sim, pai. Gema está comigo. Mas ela fez o contrário, ela ajudou o
vinho a progredir. Não faz sentido ser ela.
— Andrey, por favor. Nem compare esse pedaço de merda com a Gema.
Não é ela. — Fiquei de pé e caminhei para a porta, mas voltei e encarei eles
dois. — Gema é uma pessoa do bem... Ela sofreu por anos com uma
deficiência e suportou tudo com braveza. Não é só uma mulher bonita que
estou pegando, ela tem uma historia de força... e tudo que ela fez por mim na
feira em Belém... todo esforço que ela fez, mesmo não conseguindo andar
direito. Ela não tem más intenções comigo.
— Thadeo.
— Senhor?
— Como assim?
— Ah... Meu pai tem uma mansão de veraneio do outro lado da floresta.
Era lá que eu iria me casar. Por que pergunta?
Franzi o cenho intrigada, mas não insisti. Eu supus que ele estava
pensativo por causa de algo que o pai dele falara, e agora Thadeo perguntava
de onde vim, só para encobrir sobre o que, de verdade, o afligia. Thadeo tinha
os problemas dele com a família e era algo que ele não estava ainda pronto
para se abrir comigo.
— Ele mudou bastante depois que se casou. Eu fico feliz que tenha
gostado do passeio.
— Ainda não estou numa boa com você, por ter me levado de surpresa.
Mas depois falamos sobre isso. Eu aprendi com o tempo, mandar à merda as
opiniões alheias.
— Isso é bom.
— Por esse motivo, sim. Acho que hoje será cada um em seu próprio
quarto.
— Você não é louca de falar uma merda dessa. Mulher tinhosa, cruz
credo.
Eu apenas ri, dando de ombros, adorando como ele ficava mais gato
com essa expressão séria, e agora quase injustiçada.
Apesar do meu plano de dar um gelo nele essa noite, meu corpo acendeu
com suas palavras. O calmante dele era mesmo bom: sexo selvagem com
abraço quente para dormir. Eu ia ficar dependente fácil, fácil.
***
Manquei sem pressa pela sala e então vi que alguém estava chegando na
vinícola. Era um carro bonito, preto. Espiei da porta e, para meu horror, vi
descer do carro alguém que me era familiar. Thadeo estava por perto e foi,
sorridente, cumprimentar o homem elegante e extremamente charmoso. Eles
se tratavam com grande intimidade.
Era um dos advogados que trabalhava com minha mãe, e ele já tinha
frequentado minha casa e inclusive tentou flertar comigo. Esse homem não
podia me ver aqui.
Como era mesmo o nome? Andei o mais rápido que pude pela sala,
entrei no banheiro social e me tranquei lá. Sabia que era turco e tinha um
sorriso safado e irritante. Eu não dei bola para ele e ele acabou saindo com
uma de minhas irmãs...
Recostada à porta, fiz uma prece. Será que ele estava aqui a mando de
meus pais? Ou de Luan? Estaria ele me procurando? Ou era apenas uma
coincidência? Afinal, demostrou conhecer Thadeo.
— Sabe que não, kahrolasi. Para ser minha assistente, tem que passar na
teste de cama.
— A-list?
— Os melhores, Thadeo.
Isso não poderia ficar mais bizarro. Carmem trabalha para minha mãe?
Como...? Ela não me reconheceu? Ela nunca me viu?
Saí rápido dali e corri para o quarto, tranquei a porta com a chave e
fechei a janela. Eu só sairia daqui depois que o homem fosse embora.
***
THADEO
Eu não falei de Gema para Ulrich. Não tinha motivo porquê. Apesar de
importante para mim, não era um detalhe importante para ele saber. E eu não
iria constrangê-la, apresentando-a para um dos meus amigos.
Ulrich disse que Carmem não era capaz de traí-lo e a mim, e se ela fosse
a traidora, alguém próximo a ela seria o mandante, e ele não acreditava que a
sócia dele, Cora Ávila, pudesse ser a herdeira do barão. Mas me garantiu que
iria investigar isso e me trazer informações, e que, enquanto isso, era melhor
eu dispensar Carmem por enquanto.
— Me diga uma coisa, desde quando tem aquela tatuagem nas costas?
— Ele me olhou levemente surpreso e, por um instante, ficou sem fala, como
se estivesse desconcertado. Desviou o olhar e, de repente, voltou o sorriso
irônico.
Cora Ávila, pensei e entrei em casa. Fui direto para o escritório, liguei o
computador e, na barra de pesquisas, busquei o nome dela.
— Não fode com essa. Eu não forço ninguém. Surgiu com a falta de
lubrificante.
— Quer ouvir?
— Desembuche.
— Continue.
— Isso.
— Como se manteiga fosse tudo bem. Mas ok, esquece. Eu não sou
expert no assunto.
— Tá, eu já entendi.
Gema jogou a cabeça para trás gargalhando. Eu me levantei, fui até ela e
a fiz ficar de pé.
***
Foi dito e feito. Gema foi dormir sozinha e ainda trancou a porta do
quarto, me vetando como ela havia dito. Eu quase ia batendo na porta dela,
mas desisti e subi de volta para meu quarto, calcei botas, desci de volta para a
sala, abri a porta e saí na chuva, no meio da noite. Merda. Jamais imaginei
que poderia fazer isso, apenas para passar a noite acompanhado.
Dei a volta na casa e cheguei à janela do quarto dela. A luz estava acesa.
Bati no vidro.
— Gema — chamei.
Ele era o primeiro homem que dividia uma cama comigo, digo, sobre
passar uma noite inteira, sexo e dormir juntos, abraçados como... um casal
normal. Um rótulo que não cabia na gente.
Quando foi que imaginei que iria apreciar a presença de um sujeito que
vestia jeans, calçava botas, batia manteiga e era xucro, porém muito
inteligente. Não só apreciar a sua proximidade, mas adorar seus beijos, sua
pegada forte e seu jeito gostoso e viril de nos dar prazer até suarmos, sem
respiração.
Ele não se importava com o empecilho que eu usei a vida toda para me
dar alguns limites.
— Meu pai amado. — Tentei afastar dos braços dele, para me levantar.
— Ah... Não.
***
Tomamos café juntos, como nos outros dias. Quem o via recostado na
bancada, segurando uma caneca de café e ouvindo Gioconda atentamente,
nem imaginava que era o mesmo homem que me fez gemer horrores há
pouco, me agarrando por trás, bombando forte, me dando a melhor sensação
de pernas bambas logo pela manhã.
Eu estaria me apaixonando...?
Que idiota. E o pior é que ele conseguia com isso fazer meu corpo
esquentar.
— Onde quer que ela esteja, tenho certeza de que está feliz por você não
ter desistido.
Thadeo parou de andar, e me deixou preocupada, por ter ficado tão sério
de repente.
Ele sempre amou vinhos, e foi uma paixão passada pelo meu avô que
era italiano, e produziu o melhor vinho nos anos cinquenta.
***
— Isso mesmo. Aqui, verifica-se uma segunda vez, só para ter certeza.
— A esteira foi ligada. Um homem colocava as uvas com cuidado, e elas
passavam devagar diante de mim e Thadeo. Ele tinha agilidade, pegando o
cacho como se fosse um delicado filhote de gatinho. Observava e jogava
adiante.
Eu pensei que ele quase falaria: “e a gente, como fica?” Mas Thadeo
jamais deixaria isso entre a gente chegar a algo profundo. Ele tinha total
controle.
Jamais. Não irei colocá-lo em perigo. Sei que o dia que voltar, pode ser
decretado o meu fim. Luan vai fazer algo comigo e não posso deixar que
Thadeo se machuque.
— Ok.
— Olha só para você. Estive do seu lado por um longo tempo, enquanto
estava na sarjeta e ninguém queria beber seu vinho, e só foi subir um
pouquinho, e já me jogou para escanteio?
— É momentâneo, Carmem.
— Carmem, não faça isso. — O tom de Thadeo ficou mais rude — Não
vamos descer o nível.
— Eu não quero ser ruim com você, pelo nosso tempo de amizade e
negócios. Mas você foi má com Gema, e eu não vou mais te explicar nada.
Peço que saia da vinícola. Poderemos conversar um outro dia.
— Como não? Agora estou devastado, por não defender o seu cavalo
xucro.
— Meu?
— Sim. Por enquanto, todo seu. Só você monta toda noite e cavalga até
não sentir as pernas.
Carmem estava furiosa quando deixou a vinícola. Ela não queria nada
com Thadeo. Na verdade, ela chegou a querer quando pensou que ele
abandonaria a vinícola e iria tentar outra coisa e ser um homem de pedigree,
como era o Capello mais velho, Andrey.
Era simples: ela não sabia quem era o chefe poderoso que a contratou,
para sabotar os vinhos de Thadeo. No início, ela pediu a Ulrich que a
indicasse e pronto: estava inserida lá dentro, levando depois Rodrigo, seu
ajudante, para sabotar os vinhos.
“Ok. Você vai fazer de tudo para seduzir esse merda e convencê-lo a
mandar ela embora.”
E foi então que aconteceu o plano do roubo dos livros. E mais uma vez,
Gema escapou. Depois Carmem decidiu armar com a prima Michele para
fazer Gema sofrer e ela mesma tomar a decisão de ir embora, sem precisar
Thadeo mandar. E não deu certo.
Mas ainda tinha a carta da gravidez falsa e Carmem estava pronta para
usá-la. Germânia iria embora da vida de Thadeo sem nem olhar para trás.
— Oi...
— Ah, oi. Você não recebeu a mensagem? Cora não se sentiu bem e
teve que cancelar a reunião.
— Eu não devo ter visto. Mas tudo bem. Aconteceu algo? — Ela
aproximou-se da mesa, sabendo que algumas secretarias adoravam falar
demais.
Ah, o pai de Thadeo estava no prédio. Sempre era uma boa oportunidade
conversar com o velho.
— Sim, irei lá. Obrigada. — Carmem virou-se para sair, mas algo lhe
chamou a atenção. A secretária pegou uma foto na mesa para guardá-la.
— Quem... é ela?
— Me ligue depois.
Ela estava frente a frente com o chefe misterioso. E pelo olhar, ela não
era a única atônita e surpresa.
— Fique longe de mim — ela avisou. A pessoa à sua frente tinha uma
intensão maligna no olhar. Thadeo não atendeu a ligação. Ela, tocou na
chamada de emergência para falar com Rodrigo, e virou-se para subir as
escadas de volta.
— Sim, estou.
Eu quis negar, dizer que não estava tendo romance com ninguém. Era
apenas um acordo entre mim e ela. A gente se divertiria juntos até o dia em
que ela fosse embora. E então ele me fez a pergunta chave:
“O que sente quando pensa nela indo embora? Pense nisso e terá a
resposta para medir se é ou não um romance.”
Pavor?
Alívio?
Eu sabia que seria bom para Gema ir embora, porque ela precisava de
alguém que lhe desse um futuro e não apenas uma foda boa. Todavia, contra
minha vontade, meu corpo tremia ao pensar no fim.
Levantei o rosto e encarei o barman, que era meu amigo. Esse era um
dos meus pontos de encontro, quando queria arrumar uma mulher para uma
noite de farra.
— Ah, sim...
— Vi na internet ontem.
— Pois é, cara. Está tendo uma boa saída. Semana que vem serei
entrevistado e vão mostrar a vinícola...
Olhei para trás e vi a mulher entrar. Linda, saltos altos, cabelos ruivos,
cortados curtos na altura do pescoço.
Sorri para ela. Minha caneca cheia chegou e eu a degustei com lentidão.
Em seguida, estudei a mulher ao meu lado. Pernas perfeitas, seis redondos,
lábios que chamam qualquer um para a perdição.
— Entendi perfeitamente.
— Certo.
***
— Mas que merda... Coitada. Apesar de tudo, Carmem era minha amiga.
— Pois é. Ela não estava nem um pouco satisfeita. Tinha ido mais cedo
no meu sala brigar comigo. Então ela foi te encontrar na vinícola... — Ele
parou e refletiu um pouco. — Na verdade eu nem sabia que ela estava na
prédio novamente.
— Parece que sim. Seu pai, inclusive, estava lá no meu escritório. Tive
que aguentar o porre que é seu cunhado. O velho o leva para todo lugar.
— Meu pai e Miguel estavam lá? Fazendo o quê?
— Ouvimos falar bem dos seus vinhos, rapaz. Seu pai se gabou demais.
Algo dentro de mim explodiu de satisfação, por saber que meu pai
andou fazendo propaganda dos meus vinhos.
— Que bom.
— Boa noite.
— Por que essa pergunta tão profunda? Quer tirar uma conclusão para
você próprio?
— É... Por esse lado, está certo. Mas e se mais tarde não der certo?
— Deixa de ser besta, cara. Se ela está com você, é porque você já a faz
feliz. Ela não insistiria em algo que fosse ruim e triste. — Ulrich passou os
olhos pelo meu corpo. — De uma forma louca, que eu não entendo, esse
mulher está feliz com você, desse seu jeito, sem mudar nada.
***
Cheguei, subi para meu quarto. Troquei de roupa, optando apenas por
uma calça de flanela, e desci para a sala. Eu poderia ficar lá mesmo na minha
cama, mas a vontade de ver Gema e mostrar a ela que cheguei, era maior que
qualquer racionalidade.
Abri a porta, e ela virou-se e me olhou assim que entrei, mostrando que
estava acordada. Virou-se novamente de costas para mim.
— Era muito bonita? — Olhou para mim, e seus olhos verdes brilharam.
— E aí?
— Sim, merece. — Coloquei vinho nas taças e dei uma a ela. Brindamos
e tomamos um gole.
— Acredita em mim?
— Sobre o quê?
— Sim.
Dei um beijo nos lábios dela e sussurrei em seguida: — Que bom que
está aqui. Você e o bobó estão cheirando muito bom.
Gema estava abraçando meu corpo olhando para cima, para fitar meus
olhos.
— Ser comparada a um bobó. O auge da minha vida.
— Vou devorar os dois. Só que apenas você estará nos meus braços me
dando conforto e fazendo minha noite feliz.
VINTE E CINCO
GEMA
— Você se levantou mais cedo ainda. Para que isso tudo? — Apontei
para os pneus gigantescos e pesos feitos de cimento.
— Para sua sorte, sempre foi gostoso. Vou tomar café, estou faminta. —
Virei-me e ele me agarrou por trás.
— Eu, nojento?
Thadeo levantou meu rosto. Caramba, ele era lindo, com sua barba
aparada, seus lábios másculos, seus olhos expressivos e apaixonantes.
Facilmente colocava uma mulher de quatro. Nos dois sentidos.
***
Ah, sim. Eu tinha que contar para ele. Contar a verdade sobre Luan,
sobre a ameaça que pairava sobre mim. Passar por cima dos meus medos,
para não passar por cima da confiança que Thadeo depositara em mim. Após
o café, ele me convidou para ir ao escritório, onde estava planejando um novo
rumo para a vinícola. Queria me mostrar a pré-visualização do site que tinha
acabado de chegar.
— Thadeo, não é pedir ajuda a ele, é apenas usar o nome que é seu.
Imagina montar um stand na festa do leite Capello? Ou inventar uma
parceria, como se vocês não fossem nada mais que parceiros de negócios?
— Quando meus pais se separaram, minha mãe veio para cá com meus
irmãos e eu. Meu avô dirigia a vinícola, e ela ia de vento em popa. —
Assenti, observando-o quase sem piscar. Ele estava me dando informações
sobre seu passado, o que era muito importante para ele. — Meu pai fez de
tudo para atrapalhar a vida dela e tomar a guarda dos filhos. Ele não foi um
homem bom. E quando meu avô faleceu, minha mãe... — Desviou o olhar,
olhando os próprios pés. — Bom, ela fez escolhas erradas, se aliou a gente
errada.
— Como assim?
— O fato foi que meu pai estava tomado pelo ódio e assistiu tudo, sem
interferir. Ele viu nossa ruína e só depois que tudo chegou há um limite
extremo, levou a gente para morar com ele.
— E você não vai desistir dela e dessa promessa que fez. É um grande
ato de amor.
E amam intensamente.
Apesar que essa hipótese me causou calafrios. Era o mesmo que colocar
meu homem rústico em uma vitrine.
***
— O quê?
— Vira essa boca pra lá, mulher. Não fique achando que só porque faço
um vinho gostoso, posso ser considerado um rola-mole.
— Um encontro?
— Sim. Nosso primeiro. Isso aqui tem cara de encontro, não acha?
— Não tenho muitas opções por aqui — zombei. —, então, sim. Quero
estar em um encontro com você.
— Sim. Muito. Uma boa música, um bom vinho... uma boa companhia.
Fiz uma careta mostrando que não era o que deveríamos fazer naquele
momento.
Dançamos até a música acabar. Então ele guardou o celular e fone e nos
sentamos novamente para beber. Meu coração batia no pescoço.
— Não.
— Não?
— C...como?
— Você disse que fugiu porque não queria se casar. Mas chegou a
transar com o indivíduo. E agora diz que não era muito agradável.
Acho que tinha chegado a hora. Ele merecia saber. Thadeo não era mais
um estranho. Era o homem que fazia meu coração acelerar, o homem que me
abraçava para dormir e que me dava prazer, deliciosamente, duas vezes por
dia.
Ele girou, andando para o outro lado, com as mãos nos cabelos.
— Eu não queria te envolver nisso. — Murmurei e ele virou-se, vindo
em minha direção.
— Estou te falando agora. Foi difícil, mas estou te falando. Por favor,
não me mande embora agora.
— Você é louca se acha que vou te manar embora. Eu só estou bem puto
por ter... por não saber de algo tão sério. Por Deus, Germânia! Isso é muito
grave, você deveria ter chamado a polícia.
— Como assim?
— Quer dizer que ele ainda está lá, fazendo minha família refém. E veio
aqui me procurar. Eu só tenho medo...
— Você não está mais sozinha, ouviu? Eu fico puto por ter me deixado
de lado, por ter sofrido sozinha, mas fico muito feliz que tenha contado para
mim, tenha confiado em mim. Filho da puta nenhum vai fazer mal a você
aqui. E vamos pensar juntos em uma saída.
Eu estava abalada por causa da conversa que tivera com Thadeo. Eu não
acreditava na minha coragem. Foi como me jogar em uma cachoeira: fechei
os olhos e pulei. Revelei a ele meu pequeno segredo, o qual me assombrava,
temendo que ele pudesse se zangar. Todavia, nesse momento, meu coração se
exaltava de felicidade: agora eu tinha um apoio, tinha alguém para me ajudar
a encarar o que viesse.
— Thadeo está?
— Tudo bem. Vamos. Vou sair pela porta da cozinha, me espere nos
fundos.
— Claro.
Como o assunto não era meu, não tinha o direito de contar para ela.
***
THADEO
Cheguei ao prédio de Ulrich, onde ele havia marcado o encontro. Minha
entrada foi liberada na portaria e eu subi pelo elevador, impaciente a ponto de
achá-lo lento demais. Queria correr e subir as escadas, queria usar toda a
adrenalina que bombava em meu corpo.
Ulrich não parecia nada bem quando abriu a porta. Estava preocupado e
bem agitado. Me puxou para dentro, deu uma olhada no corredor e fechou a
porta.
Ulrich era amigo da minha família desde a época em que era colega de
escola de Andrey e, desde então, tornaram-se melhores amigos. Por isso, eu
confiava nele.
— Sim — anui. — O sujeito que brigou com meu avô pelas terras.
— Eu fiz uma escolha. E você sabe que sempre estarei do lado das
irmãos Capello. Vocês são a família que me acolheu aqui, quando eu estive
sozinho.
— Minha vinícola?
— Meu avô era amigo desse tal barão? — Indaguei, cada vez mais
confuso.
— Pelo que seu pai me contou, sim. Fiz uma rápida entrevista com seu
João e ele me contou o que sabia. Eram amigos e o acordo era: seu avô
arrematava as terras no leilão e passava para Constantino, e isso não
aconteceu.
— Sim, Carmem está envolvida. Mas creio que Cora não esteja. E há
mais alguém dentro da vinícola, que está a mando desse cara.
— Quem?
— Não sei.
— Não. Pela discussão que ouvi, ele mandou o futuro genro despistar
Carmem. Todavia, escutei ele dizer que estava com raiva por causa do seu
sucesso repentino e a solução será... — ele calou-se e enfiou o gargalo da
cerveja nos lábios.
— Um atendado à vinícola.
— Thadeo...
— Eu não sei. Escutei pouca coisa. Nem sei quem está na vinícola
plantado para acabar com você.
— E eu me sinto culpado por ter indicado ela. Era minha colega, tinha
pedido para eu falar com você... Não acredito que o Jaime pudesse ser tão
mal caráter.
— Ele fodeu com a vida de uma mulher, mãe com cinco filhos para
criar. Ele colocou um psicopata pedófilo dentro da nossa casa. — Olhei nos
olhos compenetrados de Ulrich. Ele compartilhava comigo da minha raiva.
— Enfim, turco, chegou o momento que você vai defender um Capello nos
tribunais. Porque eu vou matar o sujeito.
— Você não vai matar porcaria nenhuma. Não dizem que quanto maior,
mais alto é a queda? Ele mesmo vai despencar feito uma jaca podre e vamos
assistir de longe a ruína daquela família. — Ulrich me deixou sozinho um
instante e voltou com outra cerveja. Recebi de sua mão.
Tomei toda a cerveja, enquanto viajava por cada momento dos últimos
anos que dei com a cara na parede, sem saber que por trás tinha alguém
orquestrando meu fracasso. As parcerias desmanchadas da noite para o dia, as
entrevistas canceladas, carregamentos e mais carregamentos de vinho
devolvidos, nem mesmo os supermercados estavam querendo revender meu
vinho.
Eu dirigi sozinho pela noite, admirando a estrada que era tão familiar
para mim. Nos meus pensamentos, o sofrimento da minha mãe. Sei que ela
também foi culpada por ter aberto a porta para um estranho, colocado ele na
nossa vida. Mas tudo que fizeram com ela foi pura covardia, não deram a
chance dela se proteger. Entrei na vinícola, vi o carro de Ulrich vindo logo
atrás.
Nem esperei ela terminar, saí correndo pela porta da cozinha ouvindo
Ulrich me chamar. Corri sem saber o que de fato eu estava fazendo ou
procurando. Apenas seguindo uma intuição, um alerta que despontou na
minha cabeça.
Abri a porta, avancei pela ala de produção, desci a escada para o subsolo
e cheguei à adega. Parecia tudo normal. Estava prestes a sair quando algo
chamou minha atenção. Uma bolsa grande, preta, escondida atrás dos barris.
Puxei, abri o zíper e cai sentado no chão.
— Que bom que está de volta. — Virei-me para ela e meu coração
saltou de uma emoção diferente. Algo que para mim era desconhecido. Era
bom vê-la, apesar das desconfianças. Gema estava deslumbrante da maneira
dela. Com uma saia longa florida, os cachos dos cabelos loiro-escuros, soltos
pelos ombros, tão macios e cheirosos, que eu adorava afagar.
— Isso.
Mais baixo, como se ela não pudesse escutar, ele emendou: — O que a
filha da seu inimigo está fazendo aqui?
Voltei-me para Gema e meu mundo pareceu implodir. Ela não... Ela não
podia ser a cobra plantada aqui para me picar. Não, merda!
Ele puxou uma mala preta e com, o pé, a chutou na minha direção. Dei
um pulinho para trás, afastando-me.
Sem entender nada, olhei para Gioconda que estava tão aturdida como
eu.
— Eu já te disse o que estou fazendo aqui, e é triste saber que você não
acreditou. Agora me diga, o que meus pais têm a ver com esse assunto?
— Gema. — Thadeo chamou, mas a sua voz parecia tão distante. Eu não
sentia minhas pernas e, de repente, meu coração pareceu pesado demais. Na
sala, recostei contra a parede e deslizei, encontrando o chão. Thadeo apareceu
me olhando preocupado. — Ei, venha aqui. Fique Calma...
— Eu estou mentindo? Você mentiu para mim desde que chegou aqui.
Convenientemente, veio parar aqui, nessa vinícola? No lugar que seu pai quer
colocar fogo?
— Meu... avô...
Me ergui de repente.
— Não vai.
— Eu não vou deixar você sair daqui, Gema. Lá você corre risco com o
louco do seu ex-noivo. Se ele te fizer algo, eu serei obrigado a matá-lo,
entende?
Olhei para cada um dos três. Eles não iriam mesmo deixar eu sair.
Assenti e virei-me em direção ao quarto.
Seria possível que aquela cena que vi no dia do meu casamento, seria
Luan cobrando algo que meu pai prometera? Ou apenas por não ter cumprido
um trato?
***
THADEO
— Ok. Farei isso. Uma coisa de cada vez. Vamos resolver primeiro essa
pendência da Gema com o ex-noivo.
— Sente-se bem?
— Sim.
— Desculpa, tá? Todas as pistas apontaram para você, mais uma vez...
— Gema...
Ela sentou-se na cama, recostada na cabeceira, me fitando.
— Vai denunciá-lo?
— Eu não quero que seja ele. Eu não sei como eu vou lidar com isso. O
que eu faço, Thadeo? Eu gosto de você... Eu gosto da sua vinícola, e não
suportaria saber que meu próprio pai...
— Não pense nisso agora. Vamos ter a oportunidade de falar com ele.
Para mim também é surpresa e estou abalado em saber que seu pai está
envolvido em tudo...
— Eu preciso saber. Sei que é doloroso para você, mas preciso saber. O
que aconteceu aqui nessa casa, com o seu padrasto? Eu preciso ter noção de
tudo.
— Ele tinha dado muita droga para minha mãe e ela estava entrando em
overdose. Benjamin trancado no baú... e Stela... — pressionei as costas do
punho na boca. Gema tinha os olhos encharcados, e a expressão de terror.
— Minha mãe foi levada para uma clínica e de lá só saiu morta. Meu pai
conseguiu a guarda completa dos filhos e essa vinícola foi fechada e
esquecida. Até que minha mãe faleceu e a herança foi dividida entre nós
cinco. Meus irmãos cederam para mim a parte deles.
— Sua irmã...
— Ela sofreu pelos anos seguintes. Mesmo que não tenha ocorrido de
fato uma violação. E até hoje leva o trauma dentro de si.
***
Eu estava pronto para devolver a ela o anel que eu tinha pegado como
pagamento e iria pedir a Gema para ficar comigo, independente do que o pai
dela tinha aprontado. Eu queria propor a ela algo sério. Nós dois íamos juntos
conversar com ele e enfrentar o ex-noivo louco.
— Não? Ela disse que... — me virei e corri. Entrei no quarto que ela
ocupava e não havia ninguém. — Gema? — Abri a porta do banheiro. O
desespero me alcançou. Na cama, um bilhete.
Peguei e me sentei para ler.
Seja sempre esse homem com sonhos e seja firme nos seus propósitos.
Você foi um oponente difícil de derrubar.
Adeus.
VINTE E OITO
GEMA
Mas depois de tudo que ele me contou, eu tinha que fazer algo. Eu tinha
que ir até meu pai e, certamente, seria capturada por Luan, então, eu deveria
proteger aquele cavalo chucro da cabeça dura. Eu tinha que fazer de tudo para
ele não vir atrás de mim.
Meu pai pode ter sido o causador da dor de Thadeo, e eu tinha obrigação
de reparar isso.
— Sou eu, Arlete, a Gema. — Juro que pude ouvir um grito do outro
lado. Em menos de um minuto, o portão se abriu e vi minha mãe sair
correndo da porta, completamente assustada e descrente. Achei que não
acreditava que podia ser mesmo eu. E quando me viu, gritou e veio correndo
em minha direção.
— Não...?
— Eu rezei tanto, Gema. Eu rezei tanto para que esse dia chegasse.
— Mãe, quero que seja sincera comigo. Por favor, eu te peço isso.
Conhece um homem chamado Thadeo Mattos Capello? — O nome não
despertou nela algo revelador. Ela pensou um pouco franzindo o cenho.
Eu vi nos olhos dela que não estava mentindo. Minha mãe, de verdade,
não sabia quem era Thadeo. E isso me dava muito alívio, porque era
praticamente uma prova de que ela não estava envolvida nos planos para
acabar com a vinícola.
— Ele tem uma vinícola. Fica do outro lado da mata por onde eu fugi
aquele dia.
— Eu... acho que ela foi tomar um banho. — Minha mãe falou. — Eu
posso cozinhar para você, Luan. O que deseja comer?
— Diga!
— Para trás, Luan. Não toque na minha filha. Nós faremos tudo que
você quer. — Minha mãe deixou de lado a carga de mãe chorosa e tomou
uma postura enérgica, o qual ela usa muito bem nos tribunais.
Meu pai deu um passo na nossa direção, mas Luan encostou o cano na
minha testa e ele ficou estático.
— Quietinho aí, Jaime. Só quero que sua filha converse comigo. Onde
esteve, Germânia? — Ele tinha os olhos saltados e vidrados. Havia um nível
de psicose impresso ali, e eu acho que sempre esteve presente, mas eu não fui
capaz de notá-lo.
— Traga as patricinhas.
Ele apenas assentiu, sem coragem de olhar nos meus olhos. Mas eu não
podia deixar isso para lá. Já que Luan estava aqui, era hora de enfrentar a
todos e saber de uma vez por todas a verdade.
— É justamente isso, Geminha: ele não fez nada. Não fez o que
combinamos.
— Não seja injusto, Jaime, sua filhinha precisa saber. — Voltou a olhar
para mim, com um enorme sorriso de satisfação. — Seu pai precisava de
mim, para um servicinho meio sujo. Eu aceitei, mas com a condição de que
ele me ajudasse. Era simples, bastava inocentar meu pai no julgamento de
segunda instância. Mas ele não aceitou. Não aceitou mesmo depois que eu o
ajudei. Então, não me restou saída, pesquei você na festa de réveillon, porque
eu sabia que a filhinha deficiente era a preferida dele. E, durante todo
namoro, eu tive seu pai em minhas mãos. Eu ia casar, fazer você sofrer, até
ele inocentar meu pai.
Meu pai estava atônito, pego desprevenido, não sabia como escapar. E
antes de poder explicar, Luan se deliciou em desmascará-lo:
— Era sobre isso mesmo. Minha missão era afundar as chances dessa
vinícola de conseguir um bom patrocínio. Seu pai não podia fazer o serviço
sujo por ser um juiz. Por isso recorreu a mim.
— Vocês vão lavar roupa suja outra hora. Quero todos calados, agora!
— Luan ameaçou. Veio novamente para cima de mim e, com violência, me
empurrou para o sofá. — Senta aí e não levanta até eu dizer.
Eu chorava. Por tudo que estava acontecendo. Pelo medo, tristeza, raiva.
Eu não queria pensar nas palavras de Thadeo, sobre como a mãe e os irmãos
sofreram. Eu não queria pensar mais nisso, pois poderia crescer o ódio contra
meu pai.
***
THADEO
— Onde pensa que vai, rapaz? — O puxei pela gola e joguei com toda
força contra a parede, pressionando-o. Rodrigo quase se borrou todo. —
Quem te mandou armar aquele bagulho na minha adega?
— Thadeo... eu não sei... pode ter sido Gema. — Acabou de falar e meu
punho cantou no queixo do desgraçado. Ele caiu, meio tonto, o agarrei
novamente pela camisa e o pus de pé.
— Você ia mesmo ter coragem de explodir isso aqui e acabar com tudo
que construí todos esses anos? — berrei com o rosto pertinho do dele.
— Isso também, não será nada pessoal. — Dei outro soco nele. Rodrigo
caiu, eu o peguei novamente dei mais um soco e quando fui dar outro, ele
sacou um revólver.
Corri para casa já com o celular no ouvido, ligando para Ulrich. Quando
ele atendeu, disparei:
— Gema fugiu. Ela foi confrontar o pai e o noivo.
— Cara, tem certeza de que ela é inocente? — Ele lia e relia o pedaço de
papel que Gema deixou. — Esse bilhete...
— Na hora que essa sujeita disse que o noivo dela era melhor que eu, já
percebi a farsa. Nunca que um cara que vem aqui de terno em plena tarde
ensolarada vai foder melhor que eu.
— Dentre tudo isso aqui que ela escreveu, você só focou nisso?
— E você quer que ela queira algo com você? — Questionou, sentado
tranquilamente na poltrona, assistindo meu espetáculo — Não corria de
relacionamento até mês passado?
Uma vida péssima sem minha bela sorridente e petulante, todavia, livre
para escolher quem eu quisesse. Eu nunca fui homem de correr atrás de
mulher. Mas ia dar uma chance a Gema.
— Sei. A outra juíza já está sob meu controle. — Luan voltou para a
poltrona à nossa frente e só, então, eu, minhas irmãs e minha mãe relaxamos
um pouco.
Já era tarde da noite, eu não sabia ao certo, mas devia ser onze. Luan
tinha pedido pizza e disse que só ele ia comer. Eu não tinha fome, apenas
sede e vontade de fazer xixi.
— Que se foda — murmurei. Ele veio até mim, segurou meu queixo
com força e se aproximou bem perto da minha boca.
— O que disse, Geminha? Que boca porca é essa? Uma dama tão
requintada, onde aprendeu tamanha baixaria?
Até afastei um pouco o rosto pois a raiva dele era tanta que falou
cuspindo. Queria berrar com ele, dizendo que então estávamos quites. Porque
eu tinha asco dele e se tivesse um pé torto, seria bem melhor do que ter um
pau minúsculo. Mas eu não era louca de xingar um psicopata com uma arma
no meu queixo.
— Tudo bem, Gema. Eu ainda vou acertar minhas contas com você.
Hoje ainda. — Luan fez sinal para o capanga ir atender. O homem abriu a
porta e recebeu a pizza e quando virou-se para colocá-la no aparador, o
entregador deu uma coronhada no capanga de Luan, fazendo-o cair e gritou
com uma arma em riste:
— Parado! Polícia!
Luan estava vivo, se debatendo nas mãos dos policiais, sendo preso ao
chão, xingando todos em volta, dizendo que isso ainda não tinha acabado,
como bom vilão mequetrefe. E meu pai ainda ali, no chão, com as mãos
presas, mas se mexendo de um jeito estranho. Havia muito sangue em sua
roupa. Ele tinha sido atingido.
— Thadeo?
— E quem é você?
— E eu sou o cara que desarmou essa farofa aqui, planejada por esse
merdinha preso. Mesmo que esse senhor não mereça. — Apontou para meu
pai sendo acudido pelos paramédicos. — Eu fui obrigado a me intrometer,
senhor delegado, porque aquela mulher ali me tira do sério, teimosa que só.
— Eu estou bem.
Ele aproximou-se. — Meu Deus, será que custa uma vez na vida me
obedecer? Eu pedi para ficar no quarto...
— Você sabe que não fui criada para obedecer a um homem, sou a favor
do diálogo e consenso entre duas pessoas. — Cruzei os braços. — Está
esperando muito de mim, manteigueiro.
— Fala com... esse... com esse rapaz que... eu... que nós estamos
agradecidos por ele ter nos salvado... por ele ter te ajudado.
Sinceramente, eu não tinha dentro de mim o ódio que esperei ter quando
descobrisse quem estava por trás da sabotagem à vinícola. Gema foi o
antídoto para meu coração inflado de mágoa e rancor. Não estava dizendo
que ia ser amigo de Jaime e queria que ele pagasse pelo mau que me fez.
Todavia, não tinha vontade de afundar o nariz dele com o meu punho. Tudo
por causa dela.
Essa mulher tornou-se um ponto vital nos meus dias, algo que eu não era
capaz de compreender, porque nunca deixei que as mulheres se
aproximassem demais, para não terem uma opinião pré-estabelecida sobre
mim. Eu não sabia lidar com esse sentimento, essa sensação visceral que não
era posse, era união, era a vontade de estar com ela, de ser dela e ela minha.
Puxei Gema para mais perto e plantei um beijo no alto de sua cabeça.
Ela me olhou.
— Está tudo bem? — puxei de leve o nariz dela, tentando ver o furinho
que se formava em sua bochecha, quando ela sorria.
— Eu não vou.
— Eu estava pensando...
— Gema.
— Não, Thadeo. Eu tenho minha casa, preciso dar apoio a minha mãe.
Eu acho melhor a gente dar um tempo.
— Não. Claro que não. Eu só quero conversar direito com você e esse
não é o momento. Vá para casa, por favor.
— Preciso beber algo. Meus vinhos não foram criados para encher a
cara.
— Não é mais do meu interesse o que ela quer ou não. Está segura, e é o
que importa. Mudando de assunto, e Carmem? Como está?
— Está progredindo. Se tudo der certo, essa semana ainda, tiram ela do
coma induzido.
— Que bom. Espero que fique bem. Mas também não quero nem vê-la
na minha frente. A desgraçada estava trabalhando contra mim. Vamos
embora. — Fiquei de pé. — Eu tenho uma vida para tocar adiante.
Penteei os cabelos com os dedos e suspirei, olhando meu pau duro como
rocha.
Gema marcou minha vida. Teria eu marcado a dela? Era a resposta que
eu precisava dela, nas próximas horas.
Eu esperei Gema a manhã inteira. À tarde nem saí da frente da casa, com
o celular na mão. Fui à adega continuar o inventario dos vinhos para tabelar e
colocar no site e meu peito apertou ao ver na parede, riscado com cuidado, o
nome de Gema. Estava lá o tempo todo, na minha cara: Germânia Ávila, e eu
nem me dei o trabalho de olhar o dia que ela o riscou.
Almocei feito um boi e dormi na sala até as duas da tarde. Gema não
apareceu.
Fui ver meu pai que estava preocupado, por causa dos noticiários que
não paravam de falar sobre o sequestro do juiz Jaime Ávila, e agora, parecia
que Luan ia comprometê-lo. Ele ia depor contra Jaime, em uma espécie de
delação.
— O senhor nem fazia ideia que poderia ser ele, pai? — questionei a
meu pai, a sós com ele em seu escritório, a respeito da revelação de que
Jaime era o desgraçado que armara contra minha mãe e eu.
Levantei-me e andei pelo escritório. O lugar era a cara do meu pai, tinha
muita coisa antiga, como se ele precisasse de objetos para relembrar o
passado. Na grande estante, vários porta-retratos. Olhei um deles, onde tinha
todos nós, no casamento de Andrey e Ana Rosa.
— Aquela moça que veio aqui comigo, Germânia, é filha dele — falei
com meu pai. — Filha do Jaime.
— Sabia que eu conhecia aquele nome de algum lugar — meu pai gruiu
revoltado. — Eu sempre frequentei o escritório de Cora e conheci as filhas
dela em uma oportunidade. Meu Deus! Ela estava lá infiltrada?
— Não. Foi apenas uma coincidência. Gema não sabia de nada do pai
dela.
— E agora? Não quero nem saber de você metido com essa gente. Se
não terminou, favor acabar já.
Guardei a foto de Stela e Benjamin e voltei-me para encarar meu pai.
— Nem eu sei, pai. — Passei os olhos pelos livros na estante. Acho que
meu pai era o único que ainda tinha uma coleção de enciclopédias — Não sei.
Gema está com a família dela. O cara fez um plano sujo para cima da minha
mãe e massacrou minha vinícola por anos.
— Portanto...
— Ele fez isso, não Gema. Não vou medir ela com a mesma régua que
meço o safado do Jaime.
— Ah, meu Deus. Estou me vendo em você. Está amando essa garota,
não é?
Eu ainda fiquei um bom tempo na casa do meu pai. Stela chegou com as
crianças e fez café para a gente. Fiquei com eles tomando café e ouvindo
minha irmã tagarelar, apenas sorrindo por vê-la tão bem e feliz.
— Sei não. Você está carente, sei que tenho um bunda bonita e acho que
vi você de olho torto...
— Ah, vai se lascar, turco dos infernos. Eu, olhando para bunda de
homem?
Andei descalça pelo tapete fofo do meu quarto. A última vez que estive
aqui, estava vestida de noiva e isso não era uma lembrança agradável. Olhei
pela janela e vi minha mãe lá embaixo no jardim, falando com um
funcionário.
O problema, na verdade, era eu. Eu não estava nada bem. Não estava
dormindo direito, nem me alimentando direito. Às vezes pensava que ia
explodir, tamanho o conflito interior.
— Você pode nos dizer onde encontrou abrigo durante sua fuga?
— Aqui, no Maranhão?
— Pois é. Um lugar que não é conhecido por cultivar uvas e fazer vinho.
Ele me deu lar e proteção, sem se preocupar em saber mais sobre mim. Ele
apenas confiou em mim e me acolheu.
— Estou vendo um brilho diferente em seus olhos. Pode nos dizer quem
é o príncipe no cavalo branco?
Eu dei uma risada, e a repórter riu sem entender. Thadeo era o cavalo e
não o príncipe.
— Do leite Capello?
— Oi, Ulrich.
Ele parecia saber que essa era a pergunta que eu faria. Seu semblante era
neutro.
— Sim, ele está. Mas não está fazendo disso um espetáculo. O cara sabe
seguir com a vida. Acho que quem já apanhou demais, consegue lidar
facilmente com os problemas.
— Sim, eu sei. Eu vou conversar com meu pai ainda hoje. E só depois
poderei encarar Thadeo.
— Porque meu pai fez muito mal a ele e eu preciso ter uma resposta
para dar a Thadeo, eu me sinto na obrigação de ter uma posição da minha
parte, quando enfim reencontrá-lo.
— Sim, está doendo terrivelmente em mim. E torço para que ele consiga
me compreender.
— Obrigada.
Eu não tinha vindo visitá-lo desde que ele saíra da cirurgia. Estava em
um apartamento particular, bem arejado, grande e confortável. Havia duas
camas, uma televisão, frigobar.
— Oi, querida. Que bom ver você. — Estendeu a mão para mim, e eu a
apertei e me afastei um pouco.
— Sim, estou. Vim com a mamãe e o Ulrich. Parece que eles vão manter
a sociedade no escritório.
— Ei, por que essa carinha triste? Venha aqui, aproxime-se do seu pai.
— Seu avô Constantino foi traído de maneira vil pelo avô desse...
Thadeo. — Havia repugnância em seu tom de voz. Meu pai demostrava
carregar uma carga enorme de rancor. — Ele não merecia aquilo. Ele foi
apunhalado pelas costas. O que eu poderia fazer ao ver meu pai definhar e
sofrer até a morte?
— Quem era o homem que... — Limpei uma lágrima. —, foi namorar a
mãe de Thadeo? — Minha garganta fechou ao relembrar da terrível história
que fiquei sabendo, naquele quarto que Thadeo ainda mantinha, como fonte
de lembranças ruins. O abuso contra os irmãos... O trauma que ele carregava
até hoje...
— Um filho bastardo do meu pai. Era meu meio irmão, que vocês
jamais conheceram. Reginaldo viu a chance de ter toda a vinícola para ele se
conseguisse acabar com aquela mulher divorciada e sozinha.
Sim. Esse era Thadeo. Sorri em meio às lágrimas, vendo como ele lutou
desde cedo para proteger aquele lugar. Ele tinha uma promessa de honra a
cumprir com a mãe dele. Thadeo jamais iria desistir.
— E quanto a Carmem?
— Eu sei e estou grato por ele ter nos salvado. Mas peço a você que
entenda meu lado. Eu só queria ter de volta o que era da minha família.
— Ele sempre será meu pai, mas precisa se limpar de todo o mal que
praticou, se quiser fazer parte do meu futuro.
— Filha, que conversa é essa...
Ela estava devastada. Minha mãe achava que era o fim da nossa família,
mas não era. Eu não a abandonaria, nem a ela e nem as minhas irmãs.
Todavia, vi um pequeno sorriso desabrochar nos lábios dela. Mamãe assentiu,
me compreendendo, e puxou-me para um abraço.
Olhei para Ulrich, feliz em poder dizer: — Pode me levar até ele?
— Posso, sim.
TRINTA E DOIS
GEMA
— Hum...
— Quer que eu pergunte como vai o papai Jaime? Espero que bem
arrombado.
— Meu Deus, como eu pude imaginar que seria bem recebida na casa de
um cavalo? Eu sou tão burra.
Revirei os olhos e virei as costas para ele, indo para o carro. Cavalo
chucro que não sabia o momento de abaixar a bola. Ele estava chateado
comigo e queria me fazer sofrer. E estava conseguindo. Ia entrar no carro,
mas, de súbito, eu achei uma grande insolência da parte dele. Voltei feito uma
arara brava na direção dele.
— Eu, me aproveitar?
— Eu te amo porque você é esse cara, e apesar dos defeitos e não usar
Dior e nem comer escargot, você me protegeu, me compreendeu e me aceitou
com meus defeitos.
— É. Amar é isso. Não conseguir dormir direito sem aquela pessoa, ver
o tempo passar devagar, é querer tanto o bem do outro que chega a doer, e se
pegar fazendo planos para o futuro, juntos.
Thadeo acariciou meus ombros, subiu as duas mãos pelo meu pescoço e
envolveu meu rosto.
— Então eu amo também, Germânia. Porque é tudo que sinto desde que
me mandou embora do hospital. Você já me conhece, sabe que sou o estilo
selvagem. Eu não aprendi durante a vida a falar coisas bonitas que talvez
outro falaria para você. Mas uma coisa fique sabendo, eu farei de tudo para o
seu bem e todos os dias te dar motivos para continuar aqui, comigo.
— Você, Gema, é a primeira que amei em toda minha vida. Que bom
que apareceu vestida de noiva e selou a profecia.
— Oi, Gioconda... vou ali rapidinho, daqui a pouco venho falar com
você.
— Ela não virá aqui. — Levantei a saia longa dela e antes de entrar
debaixo, a fitei com malícia. — E se ela vir, podemos dizer que estou
procurando algo aqui embaixo.
— Meu Deus... Que homem doido... Thadeo... — Tentou me parar, mas
já era tarde demais. Eu abaixei sua calcinha e a chupei com vontade, sentindo
a eletricidade do tesão tomar todo o meu corpo junto, com a saudade visceral
que senti dela.
Segurei uma perna dela na altura da minha cintura e não parei de beijá-
la, enquanto me impulsionava fundo e rápido em seu interior, tão macio e
aconchegante.
Parei e sai de dentro dela, tirei sua saia, aproximei-me deixando meu
pau fazer pressão contra ela e me deslizei novamente para dentro.
Cai deitado ao lado dela. Tinha sido sexo selvagem, sexo de reencontro.
E eu ainda não estava totalmente satisfeito, mas, por enquanto devia apenas
descansar.
— Por quê?
— Mas meu pai fez. Eu jamais poderei perdoá-lo pelo que fez, mas é
meu pai e eu o amo. Talvez o perdoe como pai, mas não esquecerei as ações
doentias dele.
— Não serei.
— Eu quero construir uma vida ao seu lado, Thadeo. E, em algum
momento, teremos que encará-lo, mas agora, eu preciso me distanciar dele. E
a culpa por ter gerado esse desconforto e a fissura na minha família, é toda
dele.
— Você está certa. Tenho certeza de que irá doer muito, mas ele vai
precisar pagar por tudo que fez.
— Eu quero que você olhe para frente. Eu também quero construir uma
vida com você, Gema. Algum dia eu poderei ver Jaime com outros olhos,
mas, no momento, quero apenas que ele pague pelo que fez.
— Sim, eu sei. Mas e se ainda estiver algo em mim e passar para ele? Eu
preciso pensar nisso. É o meu maior medo. Por isso, eu quero a pílula do dia
seguinte.
— Tudo bem.
— Gema...
— Para de pensar essas coisas, caramba. Quando for para ser, vai
acontecer. Não sofra com antecedência. E se acaso vir uma criança com
necessidades especiais, você está mais que pronta para dar todo o apoio que
ela merecerá. Você passou na pele o fato de não ser perfeita aos olhos da
sociedade. E eu estarei aqui, sendo a sua muleta.
— Todo homem posta foto sem camisa. — Contestei, sabendo que não a
convenceria fácil. E eu só queria mesmo provocá-la.
— Não no perfil. Conheço muito bem a internet, meu querido. Não vou
deixar meu namorado com foto seminu no perfil.
— Na hora de quê?
— Para quê?
No momento que ela ia falar, o interfone tocou. Gema correu para o fone
e liberou a entrada de quem estava ao portão. Eu ainda mantinha as
sobrancelhas erguidas, intrigado.
— Que melhor equipe você poderia confiar e saber que torcem por você,
senão essas pessoas?
Ela me fez ficar de boca aberta, assistindo à minha frente, eles descerem
do carro. Ainda bem que não peguei a espingarda, como meu instinto
mandou.
— Estou ótima e feliz em ver todos reunidos. Não é só por você. É pela
mamãe. Passou da hora de honrarmos a memória dela.
— Eu não posso fazer muito, mas quero estar presente. — Era meu pai,
que se aproximou da gente.
— Ah... Não devia? Ele não sai daqui, é amigo de Thadeo... Eu achei
que...
Jamais imaginei que eu estaria entre os Capellos, uma das famílias mais
famosas do estado, se não do país. E eles não eram nem um pouco parecidos
com o pré-julgamento que eu havia feito a respeito deles. Eram tão intensos e
apaixonantes como Thadeo, e agora, que cada um tinha sua própria família,
tornaram-se maduros e menos soberbos, até mesmo Andrey, o qual eu tinha
mais temor de aproximação.
— Imagino o medo que você deve ter sentido ao ver um bicho desses na
sua frente. — Benjamin tripudiou e recebeu um dedo do meio, vindo de
Thadeo.
— Olha a boca. Seu pai está à mesa. — Foi a vez de seu João interferir.
Eu continuei o relato:
— Por falar em fera, nos conte como ele é... — Maria Clara girou o
vinho na taça, me fitando de maneira curiosa. — Naqueles momentos...
parece ter uma pegada de máquina mortífera.
— Essa safada aqui, acha que arrasa porque pegou o Capello novinho.
— Maria Clara apontou o dedo para Diana — Jamais saberá o que é fogo no
feno de verdade, com um fazendeiro que é o próprio inferno de tão bom.
— Ok, Stela, nos conte sobre você então. Miguel parece ser muito
quietinho. — Foi a vez de Diana incitar.
Rachel era a filha mais velha de Stela. Estava mocinha e nem queria
mais ficar com as crianças. Ela nem mesmo veio, ficou na casa de uma
amiguinha.
Ela ficou pálida, como se tivesse sido pega na mentira. Tomou um gole
de vinho e depois tentou colocar um sorriso confiante nos lábios.
***
Mas nem tudo eram risos, pelo menos para mim. Eu passava parte do dia
com minha mãe e tentava animá-la, sabendo que era impossível.
Thadeo tinha todos os motivos do mundo para odiar meu pai, para lutar
pela condenação dele, para xingá-lo aos quatro cantos. Mas, por minha causa,
ele trancou todos seus sentimentos ruins em relação ao meu pai. Eu sentia o
desprezo dele em seus olhos e em suas palavras, mas, para mim, tinha apenas
carinho e amor.
Hoje fomos ao lago, no mesmo lago em que eu pescava com meu pai,
quando criança. E agora entendo por que ele gostava tanto dessas terras,
afinal, tinham pertencido ao pai dele.
Então Gema comprou calças, shorts, saias curtas e vestidos curtos, além
dos tradicionais longos que ela gostava.
Ah! O robe roxo foi também descartado, e ela escolheu belas camisolas,
para o meu deleite.
E quando foi a minha vez de escolher algumas roupas, não curti nenhum
pouco as peças que ela me fez vestir.
— Estou bem — falei com Gema. Ela, sim, estava deslumbrante. Seu
vestido vermelho, de comprimento na altura dos joelhos, a deixou tão bela
que me dava falta de ar. Nos pés, uma sandália bonita que Ana Rosa fez
especialmente para ela. E os cabelos cor de ouro, soltos em cachos, que me
faziam querer afagá-los e me afogar em tanta maciez.
— É até irônico ver você desse jeito. — Ouvi a voz atrás de mim e virei-
me encontrando Carmen. Mais de um mês tinha se passado, e ela já estava
ótima novamente.
— Quantas vezes eu pedi para você se vestir como gente, hein Thadeo?
Agora ela te força a usar isso e você...
— Sabe, Carmem, o que você fez comigo foi muito grave, e eu tenho
vontade de soltar os cachorros em cima de você, sim, agora tenho cachorros
aqui. Mas aprendi com Gema que eu devo respeitar uma mulher, mesmo ela
sendo uma escrota que merece tomar no cu. E tomar sem manteiga. Portanto,
vou pedir só que se retire.
— Então boa sorte, no seu namoro com a filha do cara que quis te
destruir.
— Ok. Vaza.
Ela virou-se para sair, mas girou nos saltos e voltou-se a me fitar.
— Só para saber, não transamos naquela noite. Eu te dopei, mexi
maisena com água no fogão, criando uma textura viscosa e joguei em você e
nas camisinhas. Eu tinha asco de você, não acha mesmo que eu ia me
submeter a transar com um fracassado, não é?
— Diga, Thadeo.
— Era. No verbo passado. Essa aí, já era. Nunca mais na nossa vida.
Era tão irônico que Jaime tivesse tentado a vida inteira me derrubar e
acabar com meus sonhos. E então o destino colocou a própria filha dele na
minha vida, para que me desse a mão e me reerguesse.
Eu não deixaria de amar Gema, pela mulher que era e por ter lutado
comigo quando eu não era ninguém em sua vida.
***
Fim...
EPÍLOGO
Um ano depois
GEMA
Eu passei a noite em casa com ele, minha mãe e minhas irmãs. Jantamos
juntos, rimos, brindamos, conversamos e fizemos planos até tarde. Era como
uma despedida, porque, na manhã seguinte, eu estaria de uma vez por todas
na vinícola, com Thadeo, lá seria meu lar definitivo.
Hoje pela manhã, antes de sair de casa para ir me preparar para o meu
grande dia, ele veio se despedir com o semblante carregado e lágrimas nos
olhos. Meu pai, que eu passei a vida achando o máximo ele ser um juiz que
prendia bandidos, estava agora com uma tornozeleira eletrônica.
— Eu sinto muito também, pai. Não queria que fosse dessa forma, mas o
senhor que trabalhou com leis a vida toda, sabe que, se errou, deve pagar.
— Sim. Eu sei. — Ele segurou minhas mãos e beijou uma de cada vez.
— Vá em paz, seja feliz em sua nova vida. Eu tenho certeza de que um
homem que lutou tanto como Thadeo lutou, é o homem certo para ter a mão
de uma filha minha. — Recebi o abraço dele e me comovi por ver a
sinceridade em seu rosto. Quando ele se afastou, disse: — Meu pai ficaria
feliz em saber que as terras que ele tanto amou, um dia, pertencerá a um
bisneto dele.
THADEO
— Thadeo...
— Andrey, manda esse seu amigo calar a boca — Apontei para o turco,
que estava preocupado com a minhas vestes. —, antes que eu seja obrigado a
pegar a espingarda.
— Aquele de dez reais que você mentia para Ana Rosa? — Ulrich
debochou — Foi no revista Avon que você fez o pedido?
Fiz o que ele falou. Tomei uma ducha rápida e, em frente ao espelho,
passei o desodorante e a única colônia que eu tinha e penteei os cabelos para
trás.
Quando ficamos a sós, Stela segurou minha mão e olhou nos meus
olhos.
— Ela estaria tão feliz agora. — Eu sabia de quem Stela falava; de nossa
mãe. Assenti. — Você deu orgulho para ela, você vingou o que ela sofreu.
— Talvez eu ainda não tenha regulado minha vida, do jeito que mamãe
gostaria, mas...
Sem entender metade do que ela falou, eu apenas assenti, sabendo que
eu amaria Gema incansavelmente.
Gema era a noiva mais linda que eu já tinha visto. Não usava um vestido
longo, o comprimento dele era na altura dos joelhos. E, nos pés, uma sandália
sem salto vermelha vinho, da mesma cor das flores de seu buquê.
— Comporte-se.
GEMA
Quando todos enfim foram embora, e a festa foi dada por encerrada, eu
me via resumida à expectativa, pois agora estando só Thadeo e eu na casa,
íamos dar início a nossa festa particular da noite de núpcias. Fazia alguns dias
que a gente não se tocava e isso estava criando em mim uma espécie de
dependência. Eu ansiava por beijar o meu marido.
Meu Deu! Eu ainda não tinha me acostumado com toda a beleza rustica
daquele homem e, agora, sabendo que era o meu marido, meu corpo reagia de
forma delirante.
— Para mim?
Como se fosse um picolé grande, lambi da base até a cabeça e sorri para
Thadeo, que tinha olhos anuviados e lábios entreabertos. Em seguida, mais
uma vez, coloquei-o na boca. Segurei nas coxas dele para me apoiar, Thadeo
prendeu meus cabelos na mão e segurou no pênis puxando-o para fora da
minha boca.
Com cuidado, ele deu duas batidinhas nos meus lábios, com seu pênis, e
eu ofeguei. Ele puxou um pouco meus cabelos, colocando meu rosto
levantado e introduziu-se com cuidado em minha boca, soltando um gemido
longo ao passo que avançava até o limite que eu conseguia engoli-lo.
— Ah, cacete! Que coisa boa. Essa é minha mulher, sem medo de
deslizar na manteiga. — Thadeo afastou-se do abraço e foi até a outra gaveta
pegar preservativos.
— Meu Deus, você é tão idiota. Meu marido comemora porque poderá
passar manteiga no meu cu. Eu não estou sabendo lidar com isso.
O temor me tomou. Ele era grande, como isso ia caber em um lugar tão
pequeno?
— Fica tranquila, uma vez ou outra não tem problema. — Ele me pegou
por trás e empurrou para a cama, deixando minha bunda levantada. Senti seus
dedos tocarem minha vagina, buscando minha excitação. Ele beijou minhas
costas, sem parar a caricia lenta, e foi descendo os lábios até tocar meu sexo
pulsante.
Sua boca ali, me beijando, estava tão delirante que nem percebi os
outros dedos tocarem em outro lugar; e passou a manteiga ali. Senti um dedo
deslizar para dentro com facilidade, com ajuda da manteiga, depois outro
dedo. Dois dedos no meu ânus. Solucei, mas não senti dor.
— Gema...
— Será que você pode colocar um medidor de pressão no meu braço,
enquanto come meu cu?
Ele tirou o pau com muito cuidado, passou mais manteiga e tornou a me
penetrar, e, dessa vez, foi com mais facilidade. Eu respirei fundo e senti os
dedos dele deslizarem em mim, fazendo uma carícia gostosa em meu clitóris,
enquanto investia devagar no outro orifício, indo e voltando, centímetro por
centímetro, me deixando relaxada.
E não foi que a coisa ficou boa? Eu já estava gemendo de prazer com a
dita manteiga? Thadeo sabia como agir, ele fez de tudo para ser bom para
mim, me deu tempo para eu sentir e me acostumar, e, agora, nós dois
gemíamos feito loucos, na melhor experiência de noite de núpcias.
— Sim, a única.
***
THADEO
— Germânia, você tem que parar com isso, cara, estamos juntos nessa.
— ralhei com ela, de verdade, irritado com a preocupação dela, desde que
engravidou. Ela chorou tanto, quando descobriu, que nem dormiu à noite. Eu
quis comemorar, mas tive que consolá-la naquela situação. Ela tinha medo de
causar algum problema no bebê e disse que jamais se perdoaria.
Hoje seria o último ultrassom que Gema iria fazer, antes da cirurgia. Era
um menino, e eu não me cabia de felicidade. Gema calou-se e deitou o rosto
no meu peito, esperando ser chamada.
— Gema...
— Eu estou tão feliz, e estou preparada para receber meu filho como
Deus quiser, mas tão amedrontada. Eu não quero ser culpada de passar algo
para ele.
O médico riu.
— Calma, mãe. Vai ter o tempo certo para cada vacina. Fique tranquila.
Três dias depois, Gema passou por uma cesárea e, com o coração aos
pulos de desespero. eu esperei junto com Ulrich, Cora e Stela. Depois fui
com Cora até a vitrine da maternidade para olhar. A cirurgia tinha sido
tranquila, e Gema se recuperava. Uma enfermeira pegou um bebê cabeludo e
o trouxe até o vidro. Mordendo o nó do dedo, chorei de pura alegria.
Fui para o quarto ficar com Gema e quando a enfermeira trouxe nosso
filho, ela já tinha lágrimas nos olhos.
Eu não sabia aquela hora, mas iria entender que a maior comemoração
seria nossos dias, meses e anos juntos. Uma pequena família.
***
E não mudei quem eu era. Eu não precisava. Apesar de que meu vinho
fosse um sucesso, não me vesti de empresário. Eu fazia a ronda pela vinícola
a cavalo, vistoriava a colheita e metia a mão na produção do vinho, eu não
deixava ninguém tocar naquele líquido precioso. Tudo tinha minha
supervisão.
— Papá!
— Nem em seus sonhos deixarei você passear a cavalo com seu pai.
Doce Domínio
Segredos Indiscretos
Impiedosa Paixão
O beijo da Fera
Sublime amor
Fique a seguir com um pequeno resumo da próxima obra: SUBLIME
AMOR, último livro da série.
***
SUBLIME AMOR
Stela Capello é casada há anos com Miguel, a quem ela diz amar com
todo seu coração. E ela sente cru desprezo por Ulrich, o amigo de seus
irmãos. No melhor estilo canalha, debochado e mulherengo, Ulrich - o
advogado criminalista turco - está sempre tirando a centrada Stela do sério.
Aos 17 anos, Ulrich não tinha razões para ser amigável com ninguém...
até encontrá-la. A luz. Linda, carismática, encantadora. Stela era a própria
estrela, como o nome dizia.
Entretanto, um ditado conhecido se aplicava ali: “não julgue o livro pela
capa”.
Ulrich descobriu que toda aquela luz em Stela, era pura montagem e ela
tinha um grande abismo escuro a consumindo por dentro.
Outro caminho surgiu para ela. Stela tinha encontrado seu destino e sua
força; para Ulrich, apenas desprezo.
Mas um grande segredo a consumia dia após dia. Ela sabia que tudo
poderia explodir a qualquer momento e sua pequena família estava em
perigo. O pior era saber que o único que sabia desse segredo, era justo seu
maior desafeto, aquele que foi seu primeiro amor no passado.