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Direito de Família

Brasília-DF.
Elaboração

Maria Cremilda Silva Fernandes

Atualização

Renata Malta Villas-Bôas

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 5

Introdução.................................................................................................................................... 7

Unidade I
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DA FAMÍLIA...................................................................................... 9

Capítulo 1
A família no direito romano e na Idade Média................................................................. 9

Capítulo 2
Evolução histórica do direito da criança e do adolescente; evolução legislativa
do direito de família; código civil 2002......................................................................... 11

Unidade iI
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA........................................................................................................... 14

Capítulo 1
Casamento........................................................................................................................... 18

Capítulo 2
Do processo de habilitação para o casamento............................................................ 21

Capítulo 3
Oposição dos impedimentos e das causas suspensivas.................................................. 37

Capítulo 4
Da celebração do casamento – arts. 1.533 a 1.542 do CC.......................................... 39

Capítulo 5
Espécies de casamentos..................................................................................................... 43

Capítulo 6
Efeitos jurídicos do casamento – arts. 1.565 a 1.570 do CC....................................... 63

Capítulo 7
Da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal................................................. 86

Unidade iII
GUARDA DOS FILHOS........................................................................................................................... 99

Capítulo 1
Guarda dos filhos.............................................................................................................. 99
Unidade iV
DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO........................................................................................................ 110

Capítulo 1
Das relações de parentesco........................................................................................... 110

Unidade V
FILIAÇÃO E RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE............................................................................... 118

Capítulo 1
Filiação e reconhecimento de paternidade.................................................................. 118

Unidade VI
DA ADOÇÃO..................................................................................................................................... 127

Capítulo 1
Da adoção........................................................................................................................ 127

Unidade VIi
PODER FAMILIAR................................................................................................................................ 139

Capítulo 1
Poder familiar................................................................................................................... 139

Unidade VIIi
ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL........................................................................ 142

Capítulo 1
Alimentos – arts. 1.694 a 1.710 do Código Civil........................................................... 142

Unidade iX
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL..................................................................................... 156

Capítulo 1
As entidades familiares da união estável....................................................................... 156

Unidade X
DO BEM DE FAMÍLIA........................................................................................................................... 189

Capítulo 1
Do bem de família.............................................................................................................. 189

Unidade Xi
ASSISTÊNCIA FAMILIAR........................................................................................................................ 202

Capítulo 1
Assistência familiar........................................................................................................... 202

Referências................................................................................................................................. 218
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Cadernode
Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

7
Introdução

O termo família é utilizado para designar agrupamentos diferenciados. Família, para


fins sucessórios atuais, inclui ascendentes, descendentes e colaterais até o 4o grau. Há
famílias monoparentais (ou uniparentais), formadas por um dos genitores e seus filhos.
De igual modo, há famílias homoafetivas.

Em Roma, a família era o grupo de diversas pessoas que se reunia sob a autoridade do
paterfamilias. A família romana era patriarcal: tudo era estruturado para fortalecer a
autoridade do paterfamilias (o ascendente masculino mais velho vivo). Essa autoridade
compreendia poderes religiosos e jurídicos. Afora o paterfamilias, cuja liberdade era
inalienável, todos os outros eram alieni iuris, ainda que os filhos homens pudessem
atuar na vida política. Ele tinha mesmo o poder de vida e de morte, embora com o
tempo tenha caído em desuso. Aliás, o enfraquecimento do poder do paterfamilias veio,
a princípio, pela questão patrimonial relacionada ao produto dos saques de guerra (que
vieram a constituir o pecúlio castrense dos soldados: permitiu-se que ele pertencesse
aos filhos soldados ao invés do pater).

A família hoje se tornou nuclear, composta basicamente por um ou dois genitores e


seus descendentes. No século XX houve um movimento na direção de maior isonomia
entre homens e mulheres em diversas esferas.

Características da família nuclear contemporânea:

»» isonomia (igualdade de direitos e deveres);

»» valorização emocional e afetiva (hoje considerado o principal papel da


família, a responsável pelo desenvolvimento da afetividade);

»» igualdade da filiação e valorização da criança e do adolescente.

O direito de família é ramo do direito privado. Há quem defenda sua publicização,


devido à predominância de normas imperativas e de ordem pública. No Brasil, contudo,
essa corrente jamais teve força suficiente para efetivar qualquer mudança; o máximo
de fato que tem sido discutido de lege ferenda é a criação de um Código de Família
separado do Código Civil.

Em sua maioria, os direitos de família são personalíssimos (pois estão ligados à posição
que a pessoa tem na família), intransferíveis inter vivos, intransmissíveis causa mortis,
indisponíveis, imprescritíveis, e não sujeitos a condição ou termo.

8
Objetivo
»» Aprofundar o conhecimento dos principais temas e institutos do direito
de família, inclusive sob a ótica constitucional, refletindo e discutindo
temas atuais e analisando a jurisprudência pátria pertinente ao assunto.

9
EVOLUÇÃO
HISTÓRICA DO Unidade I
DIREITO DA FAMÍLIA

Capítulo 1
A família no direito romano e na Idade
Média

A família no direito romano


No direito romano, a família era organizada sob o princípio da autoridade. O
paterfamilias exercia sobre os filhos direito de vida e de morte (ius vitae ac necis). Podia,
desse modo, vendê-los, impor-lhes castigos e penas corporais e até mesmo tirar-lhes a
vida. A mulher era totalmente subordinada à autoridade marital e podia ser repudiada
por ato unilateral do marido.

Como ensina Arnaldo Rizzardo, citando Carlos Alberto Bittar, desde o início dos tempos,
a família é a célula mater da sociedade.

Em Roma, onde a descendência era fixada pela linha masculina, a mulher se limitava
a participar do culto religioso do pai – quando criança ou adolescente –, do marido –
após o casamento –, dos filhos – após a viuvez –, ou, ainda, se viúva e sem filhos, de
parentes masculinos próximos.

À época, o casamento consistia em laço sagrado, cuja celebração aconteceria nos moldes
da confarreatio, cerimônia religiosa em que uma torta de cevada era dividida entre
os noivos como demonstração da vida em comum que se iniciava. Com o passar dos
tempos, limitava-se a confarreatio a um pequeno número de pessoas, sendo certo que
aspirantes a altos cargos sacerdotais deveriam, necessariamente, ser fruto de uniões
dessa espécie.

Também se verificava, além da confarreatio, a coemptio, forma de mancipatio –


negócio jurídico –, que consistia na venda da mulher pelo detentor do pátrio poder,
e, também, o usus, por meio do qual a mulher se submetia ao poder do marido após o
transcurso do prazo de um ano de convivência.

11
UNIDADE I │ EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DA FAMÍLIA

Tais matrimônios – a coemptio e o usus-, conhecidos como cum manus, acarretavam o


desligamento da mulher da família paterna, submetendo-a, na respectiva totalidade, à
família do marido, inclusive no que tangia ao culto religioso.

A família era, então, simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política e


jurisdicional. O ascendente comum vivo mais velho era, ao mesmo tempo, chefe político,
sacerdote e juiz. Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça.

A partir do período da República, há o reconhecimento do casamento sine manu,


que, desprovido de qualquer exigência – até mesmo da convivência –, não vincula,
de forma estreita, a mulher à família do marido. O usus é abolido, verificando-se,
excepcionalmente, os casamentos cum manus.

Com o imperador Constantino, a partir do século IV, instala-se no direito romano a


concepção cristã da família, na qual predominavam as preocupações de ordem moral. Aos
poucos foi então a família romana evoluindo no sentido de restringir progressivamente
a autoridade do pater, dando maior autonomia à mulher e aos filhos, passando estes a
administrar os pecúlios castrenses (vencimentos militares).

Em matéria de casamento, entendiam os romanos necessária a affectio não só no


momento de sua celebração, mas enquanto perdurasse o matrimônio. A ausência
de convivência, o desaparecimento da afeição eram, assim, causas necessárias para
a dissolução do casamento pelo divórcio. Os canonistas, no entanto, opuseram-se à
dissolução do vínculo, pois consideravam o casamento um sacramento, não podendo os
homens dissolver a união realizada por Deus: quod Deus conjunxit homo non separet.

Durante a Idade Média as relações de família regiam-se exclusivamente pelo direito


canônico, sendo o casamento religioso o único conhecido.

Embora as normas romanas continuassem a exercer bastante influência no tocante


ao pátrio poder e às relações patrimoniais entre os cônjuges, observava-se também a
crescente importância de diversas regras de origem germânica.

Podemos dizer que a família brasileira, como hoje é conceituada, sofreu influência da
família romana, da família canônica e da família germânica. É notório que o nosso
direito de família foi fortemente influenciado pelo direito canônico, como consequência
principalmente da colonização lusitana. As Ordenações Filipinas foram a principal
fonte e trouxeram a forte influência do aludido direito, que atingiu o direito pátrio. No
que tange aos impedimentos matrimoniais, por exemplo, o CC/1916 seguiu a linha do
direito canônico, preferindo mencionar as condições de invalidade.

12
Capítulo 2
Evolução histórica do direito da criança
e do adolescente; evolução legislativa
do direito de família; código civil 2002

Conhecer o passado é um importante instrumento para entender melhor o


presente e construir o futuro.

Evolução histórica do direito da criança e do


adolescente

Idade Antiga

Nas antigas civilizações os laços familiares eram estabelecidos pelo culto à


religião e não pelas relações afetivas ou consanguíneas. A família romana
fundamentava-se no poder paterno (pater familiae) marital, já que ficava a cargo
do chefe de família o cumprimento dos deveres religiosos. O pai era, portanto, a
autoridade familiar e religiosa. Importante observar que a religião não formava
a família, mas ditava suas regras, estabelecia o direito. Juridicamente, a sociedade
familiar era uma associação religiosa e não uma associação natural.

Como autoridade, o pai exercia poder absoluto sobre os seus. Os filhos


mantinham-se sob a autoridade paterna enquanto vivessem na casa do pai,
independentemente da menoridade, já que àquela época não havia distinção entre
maiores e menores. Filhos não eram sujeitos de direitos, mas sim objetos de
relações jurídicas sobre os quais o pai exercia o direito de proprietário. Assim, era-
lhe conferido o poder de decidir, inclusive, sobre a vida e a morte dos filhos. Os gregos,
por sua vez, mantinham vivas apenas as crianças saudáveis e fortes.

Em um segundo momento, alguns povos indiretamente procuraram resguardar os


interesses da população infantojuvenil. Mais uma vez foi importante a contribuição
romana que distinguiu menores impúberes e púberes, conceito muito próximo das
incapacidades absoluta e relativa.

13
UNIDADE I │ EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DA FAMÍLIA

Idade Média

A Idade Média foi marcada pelo crescimento da religião cristã com seu grande poder
de influência sobre os sistemas jurídicos da época: Deus falava, a igreja traduzia e o
monarca cumpria a determinação divina.

O homem não era um ser racional, mas sim um pecador e, portanto, precisava seguir as
determinações da autoridade religiosa para que sua alma fosse salva.

O Cristianismo trouxe uma grande contribuição para o início do reconhecimento de


direitos para as crianças: pregou o direito à dignidade para todos, inclusive para os
menores. Como reflexo, atenuou a severidade de tratamento na relação pai e filho,
pregando, contudo, o dever de respeito, aplicação prática do quarto mandamento
“honrar pai e mãe”. Por meio de diversos concílios, a Igreja foi outorgando certa
proteção aos menores, prevendo e aplicando penas corporais e espirituais para os
pais que abandonavam ou expunham os filhos1. Em contrapartida, os filhos nascidos
fora do manto sagrado do matrimônio (um dos sete sacramentos do catolicismo)
eram discriminados, pois, indiretamente, atentavam contra a instituição sagrada,
àquela única forma de se constituir uma família, base de toda a sociedade. Segundo
doutrina traçada no Concílio de Trento, a filiação natural ou ilegítima – filhos espúrios,
adulterinos ou sacrílegos – deveria permanecer à margem do Direito, já que era a prova
viva da violação do modelo moral determinado à época.

O Código Civil anterior, que datava de 1916, regulava a família do início do século
passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão original, trazia
uma estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao grupo originário do
casamento. Impedia a sua dissolução, fazia distinções entre seus membros e trazia
qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos
dessas relações. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos
ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos.

A evolução pela qual passou a família acabou forçando sucessivas alterações legislativas.
A mais expressiva foi o Estatuto Da Mulher Casada (Lei no 4.121/1962), que
devolveu a plena capacidade à mulher casada e deferiu-lhe bens reservados que
asseguravam a ela a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com o fruto de seu
trabalho.

A instituição do Divórcio (EC no 9/1977 e Lei no 6.515/1977) acabou com a


indissolubilidade do casamento, eliminando a ideia da família como instituição
sacralizada. O surgimento de novos paradigmas quer pela emancipação da mulher, quer

1 COULANGES, Fustel. A cidade antiga. Tradução J. Cretella Jr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

14
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DA FAMÍLIA │ UNIDADE I

pela descoberta dos métodos contraceptivos e pela evolução da engenharia genética,


dissociaram os conceitos de casamento, sexo e reprodução. O moderno enfoque dado
à família pelo Direito volta-se muito mais à identificação do vínculo afetivo que enlaça
seus integrantes.

Maria Berenice Dias, citando Zeno Veloso, afirma que a CF/1988, em um único
dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Instaurou a igualdade entre
o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma
igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção à família constituída pelo
casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade
formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família
monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento,
ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações. Essas profundas
modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor,
por não terem sido recepcionados pelo novo sistema jurídico. Nas palavras de Luiz
Edson Fachin, o Código Civil perdeu o papel de lei fundamental do direito de família.

O CC/2002 foi gestado mesmo antes da Lei do Divórcio e necessitou sofrer modificações
profundas para adequar-se às diretrizes ditadas pela Constituição. Inúmeros remendos
foram feitos, o que ainda assim não deixou o texto com a atualização e a clareza
necessárias para reger a sociedade do século XXI.

Podemos citar algumas inovações, tais como: a igualdade entre o homem e a


mulher na administração familiar, a eliminação das adjetivações filiais, o
fim do regime dotal etc. Alguns avanços também são encontrados no novo CC/2002,
que corrigiu alguns equívocos e incorporou orientações pacificadas pela jurisprudência,
como não mais determinar compulsoriamente a exclusão do sobrenome do marido
do nome da mulher. No vetusto CC, era obrigatória a perda do nome na conversão de
separação em divórcio. O responsável pela separação não tinha direito a alimentos,
mesmo que não tivesse meios de sobreviver. Por outro lado, o novo código, deixou de
promover avanços necessários, como a posse de estado de filho, a filiação socioafetiva,
a normatização das relações de pessoas do mesmo sexo, atualmente denominadas de
uniões homoafetivas.

15
NOÇÃO DE Unidade iI
DIREITO DE FAMÍLIA

O direito de família é, de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à própria


vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas proveem de um organismo familiar e a
ele conservam-se vinculadas durante a sua existência, mesmo que venham a constituir
nova família pelo casamento ou pela união estável.

A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental


em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada,
aparece como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla
proteção do Estado. A CF/1988 e o CC/2002 a ela se reportam e estabelecem a sua
estrutura, sem, no entanto, defini-la, uma vez que não há identidade de conceitos tanto
no Direito como na Sociologia.

Lato sensu, o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue
e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela
afinidade e pela adoção; compreende os cônjuges e companheiros, os parentes e os afins.
Segundo Josserand, este primeiro sentido é, em princípio, “o único verdadeiramente
jurídico, em que a família deve ser entendida: tem o valor de um grupo étnico, intermédio
entre o indivíduo e o Estado”2. Para determinados fins, especialmente sucessórios, o
conceito de família limita-se aos parentes consanguíneos em linha reta e aos colaterais
até o quarto grau.

Conceito e conteúdo do direito de família


Dispondo a família de várias formatações, também o direito das famílias precisa
ter espectro cada vez mais abrangente. Assim, difícil sua definição sem incidir em
um vício de lógica. Como esse ramo do direito disciplina a organização da família,
conceitua-se o direito de família como o próprio objeto a definir. Em
consequência, mais do que uma definição, acaba sendo feita a enumeração dos
vários institutos que regulam não só as relações entre pais e filhos, mas também entre
cônjuges e conviventes, ou seja, a relação das pessoas ligadas por um vínculo de
consanguinidade, afinidade ou afetividade.

2 JOSSERAND, Louis. Derecho civil. [s. i.[, [s. d.]. v . 2. t. 1.

16
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

A sociedade só aceitava a família constituída pelo matrimônio, por isso a lei


regulava somente o casamento, as relações de filiação e o parentesco. O reconhecimento
social dos vínculos afetivos formados sem o selo da oficialidade fez as relações
extramatrimoniais ingressarem no mundo jurídico por obra da jurisprudência, o que
levou a Constituição a albergar no conceito de entidade familiar o que chamou de união
estável. Viu-se o legislador na contingência de regulamentar esse instituto e integrá-lo
no livro do direito de família. Olvidou-se o CC/2002 de disciplinar as famílias
monoparentais reconhecidas pela CF/1988 como entidade familiar.
Igualmente nada traz sobre as uniões homoafetivas, que vêm recebendo da
jurisprudência reconhecimento no âmbito do direito das famílias.

Princípios do direito de família


»» Princípio da ratio (razão) do matrimônio.

»» Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges.

»» Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos.

»» Princípio do pluralismo familiar.

»» Princípio da consagração do poder familiar.

»» Princípio da liberdade.

»» Princípio do respeito à dignidade da pessoa humana.

»» Princípio do melhor interesse do infante.

»» Princípio da solidariedade familiar.

»» Princípio do planejamento familiar e paternidade responsável.

»» Princípio da não intervenção familiar ou da liberdade.

»» Princípio da função social da família.

Natureza jurídica do direito de família


Já foi dito que a família constitui o alicerce mais sólido em que se assenta toda a
organização social, merecendo, por isso, a proteção especial do Estado, como proclama

17
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

o art. 226 da CF/1988, que a ela se refere como “base da sociedade”, protegendo-a e
fortalecendo-a com:

»» Normas cogentes3 ou de ordem pública – Isso quer dizer que não


podem ser revogadas pela vontade das partes e que é determinada
a participação do Ministério Público nos litígios que envolvem relações
familiares.

»» Suas instituições jurídicas de direitos-deveres – Em razão da importância


social de sua disciplina, predominam no Direito, portanto, as normas de
ordem pública, impondo antes deveres do que direitos. Todo o
direito familiar se desenvolve e repousa, com efeito, na ideia de que os
vínculos são impostos e as faculdades, conferidas, não tanto para atribuir
direitos, mas para impor deveres. Não é principalmente “o interesse
individual, com as faculdades decorrentes, que se toma em consideração.
Os direitos, embora assim reconhecidos e regulados na lei, assumem, na
maior parte dos casos, o caráter de deveres”.

»» Ramo do direito privado, apesar de sofrer intervenção estatal, em


virtude da importância social da família – Daí por que se observa
uma intervenção crescente do estado no campo do Direito
de Família, visando conceder-lhe maior proteção e propiciar
melhores condições de vida às gerações novas. Essa constatação
tem conduzido alguns doutrinadores a retirar do direito privado o direito
de família e incluí-lo no direito público. Outros preferem classificá-lo
como direito sui generis ou “direito social”.

»» Natureza personalíssima – São direitos irrenunciáveis e


intransmissíveis por herança. Desse modo, “ninguém pode transferir
ou renunciar sua condição de filho. O marido não pode transmitir seu
direito de contestar a paternidade do filho havido por sua mulher;
ninguém pode ceder seu direito de pleitear alimentos, ou a prerrogativa de
demandar o reconhecimento de sua filiação havida fora do matrimônio”.

3 Normas Cogentes: também ditas imperativas e absolutas, são obrigatórias, não dependem da vontade das partes, que não
podem dispor de suas aplicações (ex.: CPC brasileiro).

18
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Importância do direito de família


Grande é a importância do direito de família pela influência que exerce sobre todos os
ramos do direito público e privado, como tão bem observam Washington de Barros
Monteiro e R. Limongi França.

Constitucionalização
Grande parte do direito civil está na Constituição, que acabou enlaçando os temas sociais
juridicamente relevantes para garantir-lhes efetividade. A intervenção do Estado nas
relações de direito privado permite o revigoramento das instituições de direito civil
e, diante do novo texto constitucional, forçoso ao intérprete redesenhar o tecido do
direito civil à luz da nova Constituição.

19
Capítulo 1
Casamento

Definição
Casamento é o contrato de direito de família que tem por fim promover
a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim
de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e
se prestarem mútua assistência (MODESTINO. D., Liv. 23, Tit. 2o,
fragmento 1o), citado por Silvio Rodrigues.

Da definição citada por Silvio Rodrigues é possível extrair os fins do casamento,


que estão ligados aos deveres expressos no art. 1.566 do CC/2002. São eles:

»» a disciplina das relações sexuais, que está ligada ao dever de fidelidade;

»» a proteção da prole, que está associada ao dever de sustento, guarda e


educação dos filhos;

»» a mútua assistência, que também é um dever de ambos os cônjuges.

Então, podemos, afirmar que casamento é a união legal entre um homem e uma
mulher, com o objetivo de constituírem a família legítima. Reconhece-lhe o efeito de
estabelecer “comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges” (CC, art. 1.511).

Como complemento, surge a norma protetiva do art. 1.513: “É defeso a qualquer


pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela
família”.

União legal é aquela celebrada com observância das formalidades exigidas pela Lei e
entre um homem e uma mulher, porque o casamento entre pessoas do mesmo
sexo ainda não é permitido, embora existam movimentos nesse sentido. O casamento
celebrado sem as solenidades previstas em lei e entre pessoas do mesmo sexo é
inexistente, bem como o é aquele em que os nubentes não manifestam o consentimento4.
O casamento cria a família legítima.

4 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito da família. São Paulo: Saraiva, 1982. v. 2, p. 13.
RODRIGUES, Sílvio. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 17, p.3.

20
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

A união estável, reconhecida pela CF/1988 e pelo CC (art. 1723) como entidade
familiar, pode ser chamada de família natural.

Quando formada por somente um dos pais e seus filhos, denomina-se família
monoparental (CF, art. 226, § 4o).

Natureza jurídica – três correntes


Corrente da concepção clássica – também chamada de individualista, defende que
o casamento é uma relação puramente contratual, resultante de um acordo de vontades,
como acontece nos contratos em geral. Assim, o consentimento dos contraentes constitui
o elemento essencial de sua celebração e, sendo contrato, certamente poderia dissolver-
se por um distrato. A sua dissolução depende, apenas do mútuo consentimento.

Corrente da concepção institucionalista ou supraindividualista – em


oposição à teoria anterior, surge a concepção institucionalista ou supraindividualista,
que sustenta que o casamento é uma grande instituição social, a ela aderindo os que se
casam.

Corrente eclética – constitui uma fusão das anteriores, pois considera o casamento
um ato complexo: um contrato especial, do direito de família, mediante o qual os
nubentes aderem a uma instituição pré-organizada, alcançando o estado matrimonial.

Não se pode deixar de enfatizar que a natureza de negócio jurídico de que se reveste
o casamento reside especialmente na circunstância de se cuidar de ato de autonomia
privada, presente na liberdade de casar-se, de escolha do cônjuge e, também, na de
não se casar.

No plano dos efeitos patrimoniais, têm os cônjuges liberdade de escolha, por


meio do pacto antenupcial, do regime de bens a vigorar em seu casamento. Esse
espaço reservado ao livre consentimento é exercido, entretanto, dentro dos limites
constitucionais e legais, que traduzem o modelo social de conduta determinado pela
ordem jurídica.

Características do casamento
O casamento possui as seguintes características:

»» É um ato complexo: depende de celebração e de todas as formalidades


previstas em lei, como o processo de habilitação e a publicidade. É de
natureza institucional.

21
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

»» Depende de livre manifestação: para que o casamento seja


considerado válido, há que se ter a livre manifestação de vontade, pois
qualquer vício de vontade pode acarretar sua anulação (CC, art. 1.550,
III).

»» É ato privativo do representante do Estado (juiz de casamento):


a falta de competência da autoridade celebrante pode ser causa de
anulação (CC, art. 1.550, VI).

Criação do casamento civil


O casamento civil foi criado pelo Decreto no 181, de 24 de janeiro de 1890, com o advento
da República. Anteriormente, existia apenas o casamento religioso, que era dividido
em:

»» ato nupcial católico, se celebrado entre pessoas de religião católica;

»» ato nupcial misto, se celebrado entre pessoas de religiões diferentes,


sendo uma católica e outra não;

»» ato nupcial acatólico, se celebrado entre pessoas que não eram da religião
católica.

Com a Lei no 379, de 16 de janeiro de 1937, que, segundo Silvio Rodrigues5, foi
refundida pela Lei nº 1.110, de 23/5/1950, e atualmente está prevista também na Lei no
6.015, de 31/12/1973 (Lei de Registros Públicos), surgiu a possibilidade do casamento
religioso com efeitos civis, o que raramente se encontra nos dias atuais, pois o costume
em nosso país é o da realização de duas celebrações: civil e religiosa. A própria CF/1988
reconhece que o casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei (art. 226, § 2o).

5 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. rev. e atual por Francisco José Cahali, de acordo com o novo
Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004,, v. 6, p. 23.

22
Capítulo 2
Do processo de habilitação para o
casamento

Da capacidade para o casamento – art. 1.517


O legislador do novo Código Civil foi mais técnico do que o do anterior quanto à
capacidade para o casamento. No CC/ no16, a falta de capacidade vinha juntamente
com os impedimentos matrimoniais, o que não mais acontece no Código atual, que em
seu art. 1.517 traz: “O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se
autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida
a maioridade civil”.

Dessa forma, observa-se que a capacidade matrimonial não implica a capacidade


civil, devendo haver a autorização dos pais e representantes legais para o menor entre
16 e 18 anos.

Há exceção à regra da capacidade? Sim. Excepcionalmente, será permitido o casamento


de quem não completou a idade mínima, no caso de gravidez.

O art. 1.520 do CC prevê, também, que, excepcionalmente, poderá ser permitido o


casamento de menores de 16 anos para evitar a imposição de pena criminal. Essa
previsão estava em consonância com o artigo 107 do CP, que previa, em seu inciso VII,
que nos crimes contra os costumes, definidos nos artigos 213 a 220, se o ofensor se
casasse com a ofendida, seria extinta a punibilidade.

Em 28 de março de 2005, todavia, por força da Lei no 11.106/2005, alguns dispositivos


do CP foram expressamente revogados, entre eles os incisos VII e VIII do art. 107.
Diante de tal fato, a parte do artigo 1.510 do CC que prevê a possibilidade de menores
de 16 anos poderem casar-se para evitar imposição de pena não se aplica mais, por
não existir essa condição no ordenamento penal.

Denegação do consentimento – art. 1.631,


Parágrafo Único
A denegação do consentimento, quanto injusta, poderá ser suprida pelo juiz. Corrige-
se, nesse aspecto, a erronia do CC/16, art. 186, que dava preferência à vontade paterna,
em caso de discordância dos pais do menor, ou à vontade do guardião, na hipótese de o
23
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

casal ser separado ou divorciado. Como se vê, uma vez mais a igualdade entre o homem
e a mulher foi reafirmada.

O CC, ao tratar do poder familiar (antigo pátrio poder), no art. 1.631, dispõe que, em
havendo divergência entre os pais quanto ao exercício do encargo, qualquer deles pode
recorrer ao juiz para a solução do desacordo.

Motivos justos e fundados para denegação


do consentimento
Reputam-se justos e fundados, segundo os autores6, os seguintes motivos:

»» existência de impedimento legal;

»» grave risco à saúde do menor;

»» costumes desregrados, como embriaguez habitual e paixão imoderada


pelo jogo;

»» falta de recursos para sustentar a família;

»» total recusa ou incapacidade para o trabalho;

»» maus antecedentes criminais, como condenação em crime grave (ex.:


estupro, roubo, estelionato etc.).

Se o pedido de suprimento do consentimento for deferido, será expedido


alvará, a ser juntado no processo de habilitação, e o casamento celebrado
no regime da separação de bens. Com efeito, segundo dispõe o art. 1.641,
III, do CC, o regime de bens que obrigatoriamente será adotado pelos cônjuges que
obtêm suprimento judicial para o casamento é o da separação de bens.

Do procedimento para o suprimento judicial


O procedimento para o suprimento judicial do consentimento dos representantes
legais é o previsto para a jurisdição voluntária (arts. 719 e seguintes). Para viabilizar
o pedido, admite-se que o menor púbere outorgue procuração a advogado,
sem assistência de seu representante legal, em razão de evidente colidência de

6 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de família. [s.i.], [S.d.], § 27, p. 75, nota 121. MONTEIRO, Washington de Barros
Monteiro. Curso do Direito Civil – direito de família. São Paulo Saraiva, 1982, v. 2, p. 35. RIZZARDO, Arnaldo, Direito de
família, [s.i.], [S.d.], p. 60.

24
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

interesses e por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária7. Ou ainda, que este


busque amparo na Defensoria Pública, que assumindo esse papel de defender o menor
quando em conflito com os seus representantes legais.

Comumente, no entanto, o próprio representante do Ministério Público – a


quem não se pode negar a legitimidade de parte, como defensor dos interesses dos
incapazes – encarrega-se de requerer ao juiz a nomeação do curador especial,
papel desempenhado pela Defensoria Pública. Da decisão proferida pelo juiz
cabe recurso de apelação para a instância superior. Como o art. 496 do nCPC não
incluiu tal situação nas hipóteses de reexame necessário, esse recurso é o voluntário,
com efeito suspensivo.

Habilitação para o casamento – 1.517 a 1.523


Habilitação para o casamento é processo que corre perante o oficial do registro
civil e que tem por fim evidenciar a aptidão dos nubentes para o casamento.
Na verdade, o processo de habilitação visa verificar se os noivos não são impedidos para
o casamento. Se realmente podem casar-se.

Destina-se a aludida medida preventiva a constar a capacidade para a realização do ato


(CC, arts. 1.517 a 1.520), a inexistência de impedimentos matrimoniais (art. 1.521) ou
de causa suspensiva (art. 1.523), e a dar a publicidade, por meio de editais, à pretensão
manifestada pelos noivos, convocando as pessoas que saibam de algum impedimento
para que venham opô-lo.

Esse processo compreende quatro etapas:

»» documentação;

»» proclamas;

»» certificado;

»» registro.

Desenrola-se segundo os arts. 1.525 a 1.532 do CC e arts. 67 a 69 da Lei de Registros


Públicos – Lei nº 6.015/1973.

a. Documentação – Apresentados e verificados os documentos exigidos


no CC, art. 1.525, inicia-se a segunda etapa, qual seja, os proclamas.
7 “É de se admitir que o menor relativamente incapaz conceda mandato judicial, independentemente da presença do assistente
legal, sob pena de impedi-lo definitivamente de obter a tutela jurisdicional, quando o representante se recusa a conceder-lhe
permissão para determinados atos da vida civil, como ocorre nos casos de necessidade de suprimento de autorização para
contrair matrimônio” (RT, 670/149).

25
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

b. Proclamas – É o edital que será afixado por quinze dias no mural do


cartório, após 5 a apresentação dos documentos.

O objetivo dos proclamas é o de comunicar ao público em geral a


intenção dos noivos de contrair núpcias. Assim, qualquer pessoa poderá
opor-se ao casamento, se souber de algum impedimento. Para tanto,
basta apresentar-se perante o oficial do registro e provar a existência do
impedimento. Os proclamas serão também publicados em jornal
local, se houver.

Entregues os documentos com o requerimento de habilitação, o processo


será encaminhado ao Ministério Público, que sobre ele opinará. A partir
daí o processo é remetido ao juiz, que dará a última palavra, homologando
ou não a habilitação.

O juiz poderá dispensar os proclamas, em caso de urgência (por


exemplo, enfermidade de um dos nubentes). Para tanto é necessário
requerê-lo e apresentar provas de urgência. O Ministério Público será
ouvido.

Para a publicação dos proclamas não é necessário se esperar o parecer


do Ministério Público nem a homologação judicial, uma vez que o art.
1.527 exige apenas que os documentos estejam em ordem.

Após o período de publicação dos proclama, e homologada a habilitação


pelo juiz, será emitido o certificado de habilitação para o casamento.

Lei no 12.133, de 17 de dezembro de 2009 – a


habilitação para o casamento e o registro
civil
Autor: Mario de Carvalho Camargo Neto A íntegra do texto encontrase disponível em
<http//:www.recivil.com.br/artigos.asp?tp1>.

A recém-promulgada Lei no 12.133/2009, que entrou em vigência no dia 17 de


janeiro de 2010, trouxe alteração que afeta diretamente o serviço do registrador
civil, simplificando e desjudicializando o procedimento de habilitação para o
casamento.

A lei em questão altera a redação do art. 1.526 do Código Civil, afastando a


obrigatoriedade da homologação do juiz nas habilitações, que passa a ser
necessária apenas em caso de impugnação.

26
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Este estudo se propõe a analisar a alteração e seus efeitos, contribuindo para a


aplicação da nova lei pelos registradores civis. No tocante ao estudo de normas
locais, toma-se por base o Estado de São Paulo.

A alteração – desjudicialização

O art. 1.526 do Código Civil trazia a seguinte redação:

Art. 1.526. A habilitação será feita perante o oficial do Registro Civil


e, após a audiência do Ministério Público, será homologada pelo
juiz.

Com a alteração, tal artigo passa a prescrever que:

Art. 1.526. A habilitação será feita pessoalmente perante o oficial


do Registro Civil, com a audiência do Ministério Público.

Parágrafo único. Caso haja impugnação do oficial, do Ministério


Público ou de terceiro, a habilitação será submetida ao juiz.

Vê-se claramente que o intuito da mudança foi a simplificação do procedimento


de habilitação, na medida em que se exclui a necessidade de homologação pelo
juiz Trata-se de verdadeira medida de desjudicialização.

Isso é o que se extrai da mensagem do projeto de lei que nasceu na Secretaria da


Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça; secretaria que tem como objetivo
“propor e difundir ações e projetos de aperfeiçoamento do Poder Judiciário”.

Segundo a mensagem:

a medida proposta pela SRJ/MJ busca a desoneração da estrutura


do Judiciário, permitindo que a realização do respectivo ato ocorra
diretamente nos cartórios de registro civil, sem a necessidade de
intervenção judicial.

E ainda:

o projeto que ora submeto a Vossa Excelência tem por objetivo


desburocratizar e simplificar o procedimento, exigindo a
intervenção judicial somente quando o caso requerer.

Esse projeto segue a linha do que o Meritíssimo Desembargado José Renato


Nalini chamou “tendência de enxugamento do Estado”, o que “não poupou
o Judiciário. [...] Essa megatendência explica em parte o fenômeno da
desjudicialização. [...] O sentido das reformas em curso e acenadas é sempre
reduzir o equipamento estatal destinado à administração da justiça”.

27
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

O referido autor ainda acrescenta que “O registro Civil das Pessoas Naturais
pode ingressar nesse projeto. É uma estrutura singela, mas presente em todas
as comunidades [...]”.

Diante disso, a interpretação e a aplicação da nova lei devem se pautar-se pela


simplificação dos procedimentos, pela desjudicialização e pela desburocratização.

Assim, com a alteração do art. 1.526 do Código Civil, as habilitações para


casamento somente serão encaminhadas para homologação do juiz no caso de
impugnação pelo oficial, pelo representante do Ministério Público, que deve ser
ouvido, ou por terceiros.

Precedente da Corregedoria Geral da Justiça do


Estado de São Paulo (CGJ-SP)

A simplificação da habilitação para o casamento trazida pela lei não é novidade.


A CGJ-SP, no processo 28/2003, já havia possibilitado que, em razão do grande
volume de serviço, os Juízes Corregedores Permanentes dispensassem sua
homologação nas habilitações que não oferecessem risco à validade do
casamento, entendendo ser:

Cabível limitar o fluxo dos procedimentos, de maneira que


apenas as habilitações dotadas de algumas peculiaridades
potencializadoras do surgimento de invalidades ou de situações
de eficácia especial do matrimônio devam ser remetidas ao juiz.
Enquadram-se, aqui, todos os casos onde o oficial registrador
antever questões relativas à identificação da presença de
impedimentos (art. 1.521) ou causas suspensivas (art. 1.523), bem
como nas hipóteses de segundas núpcias quando não atingida a
maioridade civil (arts. 1.517 e 1520). (Processo CG no 28/2003).

Essa possibilidade foi posteriormente incorporada ao capítulo XVII das Normas


de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, com a seguinte redação:

66. O Juiz Corregedor Permanente, tendo em vista o número de


procedimentos de habilitação existentes na Comarca, poderá
por portaria determinar que a homologação será necessária
apenas nos casos onde o oficial Registrador antevir questões
relativas à identificação da presença de impedimentos ou causas
suspensivas, bem como na hipótese de segundas núpcias quando
não atingida a maioridade civil.

28
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Relevância social da simplificação do


procedimento

A alteração também atende a uma demanda social.

Os casamentos perderam espaço para as uniões informais durante toda a década


de noventa e até o ano de 2002, como se constatou pelas Estatísticas do Registro
Civil daquele ano: A taxa de nupcialidade caiu, no Brasil, durante toda a década
de 1990, e se estabilizou de 2001 para 2002. Em 1991, foram registradas 7,5
uniões legais por mil habitantes, e o número caiu para 5,7 por mil em 2001 e
2002. A taxa considera apenas a população em idade de casar, ou seja, com 15
anos ou mais. Sua queda sinaliza que o casamento formal vem perdendo força
no país, cedendo espaço às uniões informais.

Entretanto, de 2002 a 2006, houve crescimento na quantidade de casamentos, o


que foi atribuído à formalização das uniões consensuais.

Em 2006, o total de casamentos registrados no Brasil foi de 889.828, 6,5%


superior ao total de 2005, mantendo a tendência de crescimento que vem sendo
observada no país desde 2002, decorrente em parte, da formalização de uniões
consensuais (não destacado no original).

Atribui-se este crescimento, verificado entre 2002 e 2006, ao aumento do número


de casais que procuraram formalizar suas uniões consensuais, incentivadas
pelo Código Civil renovado em 2002 e pelas ofertas de casamentos coletivos
promovidos desde então, iniciativas que facilitaram o acesso ao serviço de
Registro Civil de casamento sob os aspectos burocrático e econômico (não
destacado no original).

Esses dados constatam que, na sociedade brasileira, parte das uniões não são
formalizadas em razão de entraves burocráticos e que à medida que esses são
removidos a taxa de nupcialidade tende a crescer.

A oficialização das uniões conjugais na forma de casamento civil é fundamental


para a melhor elaboração de políticas públicas, pois aproxima da realidade as
estatísticas do Registro Civil, que são mais fácil e imediatamente obtidas.

Sob o aspecto subjetivo, tal oficialização também se revela importante por


possibilitar que os envolvidos formalizem sua união e gozem dos direitos e
proteções legais conferidos ao casamento.

29
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Cumpre observar que, apesar da proteção outorgada pela Constituição, a união


estável não se identifica com o casamento, apresentando diferenças quanto às
relações pessoais, aos direitos patrimoniais e sucessórios, à prova da união, entre
outros aspectos.

Evidencia-se, assim, que, diante das características da sociedade brasileira,


são relevantes as medidas que visam à simplificação e à desburocratização da
formalização do casamento.

Audiência do Ministério Público – Ato no 289, de 30 de


agosto de 2002, do Procurador-Geral de Justiça, do
Corregedor-Geral do Ministério Público e do Colégio de
Procuradores de Justiça do Estado de São Paulo

Em princípio, a audiência do representante do Ministério Público é obrigatória, o


porquanto atua como fiscal da lei (custos legis).

Todavia, pelo Ato no 289/02 do PGJ/CGMP/CPJ do Estado de São Paulo,


possibilitou-se a limitação dessa atuação pelo representante do Ministério
Público:

Art. 1o Atuando como órgão fiscal da lei (custos legis), o Promotor


de Justiça poderá deixar de realizar a verificação preventiva e de
manifestar-se nas habilitações de casamento e nos pedidos de
conversão da união estável em casamento.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às hipóteses


de oposição de impedimento por qualquer interessado (Lei
no 6.015/1973, art. 67, §5o), de justificação de fato necessário
à habilitação (art. 68 da mesma lei) e de pedido de dispensa de
proclamas (art. 69 da mesma lei).

A Lei no 12.133/2009 nada altera, aparentemente, no ato em questão, o que


continua vigente, podendo ser dispensada a audiência do Ministério Público a
critério do seu representante.

Vê-se que os fundamentos do referido ato não sofreram alteração,


mantendo-se as circunstâncias que o inspiraram, não havendo por que se revogar
a possibilidade de dispensa criada. Aguarda-se, entretanto, a manifestação do
Ministério Público sobre a matéria.

Observa-se que não há prejuízo em se dispensar a atuação do Ministério


Público como fiscal da lei nas habilitações para casamento, uma vez que esta
se realiza perante o oficial de registro, que é profissional do direito, dotado de
fé pública e submetido ao princípio da legalidade, tendo como função precípua

30
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

a qualificação registral que impede que situações que rompam a malha da lei
tenham acesso ao registro, o que, no caso, significa impedir que o casamento
inválido ou ilegal seja realizado.

Interpretando o termo “Pessoalmente” –


possibilidade de se realizar a habilitação por
procurador

A nova redação do art. 1.526 estabelece que: “A habilitação será feita


pessoalmente perante o oficial do Registro Civil”.

Por conta do termo pessoalmente, há quem defenda que não seria mais possível
realizar-se a habilitação para o casamento por meio de procurador.

Não parece ser esta a melhor interpretação, carecendo tal termo de interpretação
adequada.

Para tanto, utiliza-se a forma proposta pelo jurista Karl Larenz, em sua obra
intitulada Metodologia da Ciência do Direito. Inicia-se pela averiguação do
sentido literal do termo ou dispositivo, por se constituir “no ponto de partida e,
ao mesmo tempo, determina[r] o limite da interpretação”.

O sentido literal do artigo em análise é claro: a habilitação deve ser feita pela
pessoa diretamente perante o oficial. Todavia, o sentido literal não é unívoco e
deixa margem para uma diversidade de interpretações, tornando-se decisivos
outros critérios.

Deve-se proceder à verificação do contexto significativo do dispositivo e sua


concordância material com as demais normas. Busca-se esclarecer qual seria o
significado de se fazer a habilitação “pessoalmente” perante o oficial de registro
e a que isso se opõe.

O termo “pessoalmente” pode significar:

1. que o interessado deve requerer a habilitação, não podendo se utilizar


de procurador;

2. que não há qualquer etapa intermediária (administrativa ou judicial),


devendo a habilitação ser requerida diretamente perante o oficial de
registro.

Ao se analisar os significados acima perante as demais normas, verifica-se que


o primeiro deles não se sustenta, haja vista que o art. 1.525 do Código Civil

31
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

prevê expressamente que o requerimento de habilitação pode ser firmado por


procurador:

Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento será


firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu
pedido, por procurador.

Ademais, o art. 1.535 do Código Civil estabelece que os contraentes podem


manifestar a vontade de se casar “em pessoa ou por procurador especial”. Não
haveria porque se cogitar que para a habilitação o interessado não pudesse se
fazer representar por procurador, mas para a celebração, que é o ato solene em
que se contrai o matrimônio, o pudesse.

Assim, afasta-se o primeiro significado do termo “pessoalmente”, restando o


segundo, que condiz perfeitamente com as demais etapas da interpretação,
a saber: intenção reguladora e escopo, que claramente é a simplificação,
desburocratização e desjudicialização do procedimento (como demonstrado
anteriormente), e critérios teleológico-objetivos, que são a simplificação do
procedimento de casamento e a ampliação do acesso da população do instituto.
Aplicando-se os métodos hermenêuticos consagrados no Direito brasileiro,
obtém-se o mesmo resultado.

A interpretação chamada gramatical não traz grandes esclarecimentos. Pela


estrutura sintática e pela semântica da nova redação, apenas se pode concluir
que a habilitação será pessoalmente e será perante o oficial. Para se entender
o alcance do termo “pessoalmente”, deve-se passar à interpretação sistemática,
que compreende a norma dentro do contexto.

A partir desse critério, não se pode concluir que o termo “pessoalmente”, que
é plurívoco, afaste a possibilidade de o interessado se fazer representar por
procurador no procedimento de habilitação, uma vez que seria contrário ao art.
1.525 do Código Civil, que expressamente prevê tal possibilidade.

Seria, também, contrário ao art. 1.535 do mesmo código, que prevê que, no ato
solene de celebração do casamento, o contraente pode manifestar sua vontade
de contrair matrimônio por meio de procurador especial.

Superando-se a hermenêutica voltada para a norma, podem ser aplicadas a


interpretação histórica e a interpretação sociológica, obtendo-se, mais uma vez,
o mesmo resultado.

32
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Pela interpretação histórica, devem ser analisadas as circunstâncias que levaram


à edição da norma, o contexto dos problemas, ideias e pretensões. No caso em
questão, tudo se resume à simplificação, desjudicialização e desburocratização,
como visto anteriormente. Assim, não se pode imaginar que a Lei no 12.133/2009,
que foi editada sob estas circunstâncias e com esse intuito, traga o complicador
de afastar a possibilidade de o interessado ser representado na habilitação.

Pela interpretação sociológica, devem-se buscar na sociedade as causas da


norma e os interesses que possam justificá-la. Como se observou no item 3 deste
estudo, a facilitação do acesso à formalização de uniões na forma de casamento é
uma demanda da sociedade brasileira, portanto, por este critério, não se poderia
interpretar a alteração legislativa no sentido de dificultar tal acesso.

Dessa forma, interpretando o novo texto legal, conclui-se que o interessado


pode ser representado por procurador na habilitação para o casamento, que
deve ser requerida e se processará diretamente perante o oficial de registro civil.

Avanço da alteração e reconhecimento da


atividade desempenhada pelo registrador civil

Sabe-se que a função do registrador civil não é meramente burocrática. O


registrador é profissional do Direito, dotado de fé pública e submetido ao
princípio da legalidade, do qual decorre sua atividade precípua, a qualificação
registral.

A fé pública é característica técnica da qual os registradores são dotados, por


força do art. 3o da Lei no 935/1994, estreitamente vinculada à condição de
profissionais do Direito, que torna crível o que o registrador certifica ter sido
declarado ou realizado em sua presença, conferindo-lhe certeza e segurança
jurídica.

A qualificação registral decorre do princípio da legalidade a que os


oficias registradores, como integrantes da Administração Pública, estão
submetidos, sendo parte de sua atividade precípua.

Mutatis Mutandis, aplica-se a definição dada por Afrânio de Carvalho ao princípio


da legalidade, entendendo-se a qualificação registral como:

[...] mecanismo que assegure, tanto quanto possível, a correspondência


[...] entre a situação registral e a situação jurídica [...]. Esse mecanismo
há de funcionar como um filtro que, à entrada do registro, impeça a
passagem de títulos que rompam a malha da lei.

33
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Dessa forma, atribuir competência ao oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais
para a verificação da correspondência da situação com a realidade, afastando a
intervenção de outros órgãos nessa atividade, não somente é possível, como não
oferece qualquer risco à legalidade e é desejável, na medida em que simplifica e
facilita o acesso da população aos serviços públicos.

Considerações finais

Com o advento da Lei no 12.133/2009, a partir de sua entrada em vigência:

1. Apenas é necessária a homologação do juiz nas habilitações para


casamento que forem impugnadas.

2. O objetivo da alteração é a simplificação dos procedimentos, a


desjudicialização e a desburocratização.

3. A simplificação atende à demanda social, viabilizando a formalização


das uniões conjugais.

4. A nova lei não altera o Ato no 289/2002 do PGJ/CGMP/CPJ do Estado de


São Paulo, podendo ser dispensada a audiência do Ministério Público.

5. A habilitação pode ser feita por meio de procurador, sendo essa a


melhor interpretação do novo texto.

6. A mudança reconhece a atividade do registrador civil como


profissional do Direito, dotado de fé pública e submetido ao princípio
da legalidade, deixando-lhe a atribuição de verificar o atendimento à
lei.

c. Certificado – O certificado de habilitação para o casamento será emitido


com o encerramento dos proclamas e após a homologação judicial. Terá
validade de 90 dias, após os quais caducará, perdendo a sua validade.
Em outras palavras, os noivos terão 90 dias para celebrar as
núpcias. Se este prazo transcorrer in albis, ou seja, sem que se celebre
o casamento, o certificado perderá a validade e o processo de habilitação
deverá ter início outra vez.

d. Registro – O processo de habilitação se encerra realmente com o registro


dos editais (proclamas) no cartório que os haja publicado.

34
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Dos impedimentos matrimoniais


Para que o casamento tenha existência jurídica, é necessária a presença de elementos
denominados essenciais: diferença de sexo, consentimento e celebração na
forma da lei. Para que seja válido e regular, deve preencher outras condições.

Impedimentos matrimoniais são causas que tornam o casamento impossível para


ambos ou um só dos noivos.

Há impedimentos de duas categorias:

»» A primeira categoria congrega os chamados impedimentos dirimentes.


Por que dirimentes? Porque impedem a realização do casamento, que,
se ocorrer, torna-se inválido. Os impedimentos dirimentes podem ser
públicos ou privados.

»» A segunda categoria é a dos impedimentos meramente impedientes.


Impedientes porque impedem a realização do casamento; mas se ele por
acaso ocorrer, será válido, sofrendo sanção indireta.

O Código Civil denomina os impedimentos impedientes de causas suspensivas


do casamento, uma vez que apenas suspendem a capacidade nupcial. Cessado o
impedimento, o casal poderá convolar núpcias normalmente.

Antes de estudarmos os impedimentos é necessário consultarmos a Unidade IV,


que se refere às relações de parentesco.

Estudemos cada uma dessas categorias de impedimentos.

Impedimentos dirimentes – art. 1.521, I a VII

Incesto – é união entre certos parentes. Para o Direito, é considerada incestuosa a


união dos parentes em linha reta, ou seja, pais, avós, bisavós, filhos, netos,
bisnetos etc. Esses parentes não podem se casar entre si, ainda que o parentesco seja
por adoção, uma vez que os filhos adotivos se equiparam aos filhos consanguíneos.

A infringência de algum destes dispositivos tem como consequência o casamento


nulo e sem efeito algum (CC, art. 1.548, caput e II).

Art. 1.521. Não podem casar:

35
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou


civil;

O parentesco civil é o decorrente da adoção.

II – os afins em linha reta;

Parentesco por afinidade é aquele que decorre do casamento e também da união estável.
Lembrando que os afins em linha reta são o sogro e a sogra em relação à nora, o genro,
a enteada e o enteado.

III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com


quem foi o do adotante;

A pessoa adotante não poderá casar-se com o ex-marido ou ex-mulher da pessoa que
está sendo adotada; e nem a pessoa que está sendo adotada poderá se casar com quem
já foi ex-marido ou ex-mulher da pessoa que está adotando.

IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o


terceiro grau inclusive;

Bilaterais ou germanos são os nascidos do mesmo pai e mesma mãe; unilaterais, aqueles
que têm em comum só o mesmo pai (consanguíneos) ou só a mesma mãe (uterinos).

V – o adotado com o filho do adotante;

Isso porque são irmãos.

VI – as pessoas casadas;

Ficam sujeitas a responder por crime de bigamia (CP, art. 235).

Para que possam casar-se novamente, deverão apresentar:

»» certidão de óbito do cônjuge falecido;

»» certidão de nulidade ou anulação do casamento anterior;

»» registro da sentença de divórcio.

Por força do art. 1.571, § 1o, do CC, o casamento dissolve-se em caso de presunção de
óbito do ausente. Há que ressaltar também que o casamento no religioso, não inscrito
no registro civil, não constitui impedimento (CC, art. 1.515).

VI – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou


tentativa de homicídio contra o seu consorte.

36
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Não há necessidade de cumplicidade entre o condenado e o cônjuge sobrevivente.


Tem de haver condenação; se houver absolvição ou prescrição com a extinção da
punibilidade, não há impedimento. Só é aplicado no homicídio doloso, pois no culposo
não há intenção de matar um para casar com o outro (Cf. VENOSA, Silvio de Salvo.
Direito de família. 2003, p. 84; DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro.
2002, p. 78; RODRIGUES, Silvio. Direito civil – Direito de família. 2002, p. 48).

Impedimentos impedientes (causas suspensivas do


casamento) – art. 1.523, I a IV.

O casamento, com a inobservância de uma destas causas suspensivas, sujeita os


infratores a determinadas penas, em regras referentes ao regime de bens, mas
não eiva de nulidade o casamento nem permite sua anulação.

Art. 1.523 – Não devem casar:

I – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não


fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

Visa evitar a confusão de patrimônio dos filhos com o da nova sociedade conjugal. A
desobediência acarretará as seguintes sanções:

»» Celebração do segundo casamento sob o regime de separação obrigatória


de bens (CC, art. 1.641, I).

»» Hipoteca legal de seus imóveis em favor dos filhos (CC, art. 1.489, II):
filhos passam a ser titulares do direito real sobre os imóveis do pai/mãe.

»» Exceção: se houver prova da inexistência de prejuízo para os herdeiros,


o(a) viúvo(a) poderá casar sem sofrer essas sanções, conforme disposição
do art. 1.523, parágrafo único.

II – a viúva, ou mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido
anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da
sociedade conjugal;

Visa evitar a “confusão sanguínea” (turbatio sanguinis), ou seja, em caso de gravidez. A


inobservância acarretará a sanção do art. 1.641, I, isto é, regime de separação obrigatória
de bens. Há execução prevista no parágrafo único do art. 1,523: se a nubente provar a
inexistência de gravidez ou que teve o filho antes da fluência do prazo legal.

Nos dias atuais basta, tão somente, o exame de sangue BETA HCG para afastar ou
confirmar uma gravidez.

37
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a


partilha dos bens do casal;

Visa evitar a confusão de patrimônios. A sanção é a aplicação do regime de separação


obrigatória de bens, exceto se for provado que não houve prejuízo para o outro cônjuge.

IV – o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos,


cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto
não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas
contas.

Visa impedir a influência do poder que tem o tutor/curador sobre o tutelado/curatelado,


que podem resultar em um casamento por interesse. A sanção também é o regime
da separação obrigatória de bens, exceto se não existir prejuízo para o tutelado ou
curatelado.

38
Capítulo 3
Oposição dos impedimentos e das
causas suspensivas

Art. 1.522. Os impedimentos podem ser opostos, até o momento da


celebração do casamento, por qualquer pessoa capaz.

Parágrafo único. Se o juiz, ou o oficial de registro, tiver conhecimento


da existência de algum impedimento, será obrigado a declará-lo.

O direito de oposição sofre restrições de ordem pessoal e formal, a fim de evitar abusos,
imputações caluniosas ou levianas, uma vez que há sanções para quem o exercer
arbitrariamente.

As limitações concernentes às pessoas variam de acordo com os


impedimentos ou as causas suspensivas que se opõem. Assim:

»» Os impedimentos matrimoniais (CC, art. 1.521, I a VII),


por interessarem à coletividade, devem ser arguidos,
obrigatoriamente, ex officio: pelo oficial do registro civil; pelo
juiz ou por quem presidir a celebração do casamento, pois se tiverem
conhecimento de algum impedimento serão obrigados a declará-lo (CC,
art. 1.522, parágrafo único).

Qualquer pessoa capaz poderá, até o momento da celebração do casamento, sob


a sua assinatura, apresentar declaração escrita, instruída com as provas do fato que
alegar (CC, arts. 1.522 e 1.529). Se o oponente não puder instruir a oposição com as
provas, deverá precisar o lugar onde existam ou possam ser obtidas (CC, art. 1.539).

Inclui-se o representante do MP, quando este tiver conhecimento do impedimento,


pois, se a qualquer do povo é lícito opô-lo, com mais razão o é ao órgão que representa
a sociedade e que, funcionalmente, é o defensor do direito objetivo (LRP, art. 67, § 2o;
CF/1988, art. 127). Há, portanto, interesse do Estado na regularidade dos casamentos
e na fé pública do registro civil.

Art. 1.524. As causas suspensivas da celebração do casamento podem


ser arguidas pelos parentes em linha reta de um dos nubentes, sejam
consanguíneos ou afins, e pelos colaterais em segundo grau, sejam
também consanguíneos ou afins.

39
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

»» Na primeira parte do artigo estão os ascendentes, descendentes ou seus


respectivos cônjuges.

»» Pelos colaterais, em segundo grau, sejam consanguíneos (irmãos) ou


afins (cunhados) (CC, art. 1.524; RF, 117:473).

Opinião de Eduardo Espínola:

Se a dissolução do matrimônio se deu por sentença, o ex-marido tem


interesse em evitar a confusão de sangue, embora a lei não o diga,
podendo opor causa suspensiva do CC, art. 1.523, II. Se descumpridas,
tais causas suspensivas podem gerar oposição ao pedido de casamento,
que, sendo acatado, impedirá a expedição do certificado de habilitação
(CC, art. 1.529), deverá comprovar que seu casamento não trará prejuízo
a herdeiro, a ex-cônjuge, o tutelado ou curatelado.

40
Capítulo 4
Da celebração do casamento – arts.
1.533 a 1.542 do CC

Breves considerações
Art. 1.533. Celebrar-se-á o casamento, no dia, hora e lugar previamente
designados pela autoridade que houver de presidir o ato, mediante
petição dos contraentes, que se mostrem habilitados com a certidão do
art. 1.531.

O casamento é contrato solene e sua celebração deve obedecer às formalidades


especiais impostas por lei. A autoridade celebrante é quem designa o dia, hora e
lugar para realização da cerimônia. Os nubentes, entretanto, poderão fazer sugestões,
mas a autoridade celebrante não está obrigada a aceitá-la.

A celebração do casamento é ato necessário para a sua validade. Preenchidos os


requisitos legais impostos pelo processo de habilitação, com a apresentação do
certificado de habilitação, prevista no art. 1.521, os contraentes, mediante petição,
requerem à autoridade competente a celebração do casamento.

A apresentação do certificado de habilitação para o casamento é documento


imprescindível para a realização da solenidade.

Formalidades:

»» O casamento civil será realizado no dia, local e horário designados pela


autoridade que o presidirá.

»» Cerimônia será efetuada com o acesso franqueado ao público,


deixando-se as portas abertas.

»» O evento ocorrerá na casa das audiências, se outro local não houver sido
previamente acertado.

»» São duas as testemunhas do ato, exceção feita ao caso em que um dos


contraentes não saiba ou não possa naquele momento escrever, caso em
que serão exigidas mais duas testemunhas.

41
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Observação: os parentes podem ser testemunhas do ato.

»» Ao final do evento, o juiz de paz, verificando que é de livre vontade dos


interessados contraírem o matrimônio, pronunciará a seguinte fórmula
solene: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante
mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos
declaro casados”.

»» Proceder-se-á, então, à lavratura do livro de registros de casamento, cujo


assento será assinado pelo presidente do ato, os cônjuges, as testemunhas
e o oficial do registro.

De acordo com o art. 1.536 do CC, o assento conterá:

»» Os dados qualificativos dos cônjuges (nomes, prenomes, nacionalidade,


profissão e domicílio), assim como a data e o lugar dos seus nascimentos.

»» Os dados qualificativos dos genitores dos cônjuges (nomes, prenomes,


nacionalidades, domicílio), assim como a data e o lugar dos seus
nascimentos e, eventualmente, do óbito.

»» A relação dos documentos apresentados ao cartório de registro civil.

»» Os dados qualificativos precedentes do cônjuge que foi anteriormente


casado.

»» Os dados qualificativos das testemunhas.

»» A data de publicação dos proclamas.

»» O regime de bens adotado e a menção a eventual pacto antenupcial


realizado.

»» A data de celebração do casamento.

Artigos conexos:

»» Art. 1565 (inclusão de sobrenome do nubente); art. 1.641 (obrigatoriedade


do regime da separação de bens); art. 1.653 (pacto antenupcial).

»» Código Civil 1.916 – art. 195.

»» Legislação relacionada: art. 70 da Lei no 6.015/1973 (Lei dos Registros


Públicos).

42
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Da Suspensão da cerimônia – art. 1.538 CC

Art. 1.538. A celebração do casamento será imediatamente suspensa se


algum dos contraentes:

I – recusar a solene afirmação da sua vontade; II – declarar que esta


não é livre e espontânea;

III – manifestar-se arrependido.

Parágrafo Único. O nubente que, por algum dos fatos mencionados


acima, der causa à suspensão do ato, não será admitido a retratar-se no
mesmo dia.

A retratação do arrependimento eficaz, portanto, poderá ser efetuada, porém em data


posterior àquela na qual houve a suspensão da cerimônia nupcial.

Se, apesar da recusa, a cerimônia prosseguir e o ato for concluído e registrado, o


casamento será inexistente por falta de elemento essencial: o consentimento8. A
retratação não será aceita ainda que o nubente provocador do incidente declare
tratar-se de simples gracejo.

A intenção da lei é resguardar a vontade do nubente contra qualquer interferência.


Mesmo que não se encontre sob influência estranha, a lei lhe propicia um compasso
de espera para que medite e, se retornar, traga uma deliberação segura e amadurecida.

O certo é designar-se o casamento para o dia seguinte ou para nova data, dentro do
prazo de eficácia da habilitação, para permitir uma serena reflexão do nubente indeciso.

Além dos casos mencionados no art. 1.538 do CC, a celebração do casamento se


interromperá se os pais, tutores ou curadores revogarem a autorização concedida para
o casamento, respectivamente, dos filhos, tutelados e curatelados, como o permite o art.
1.518 do aludido diploma, bem como se, no decorrer da solenidade, for devidamente
oposto algum impedimento legal cuja existência se mostre plausível ante a idoneidade
do oponente, a seriedade da arguição e a robustez da prova ou informação9.

Moléstia grave de um dos nubentes – art. 1.539

Se um dos nubentes, no dia da cerimônia, encontrar-se acometido de moléstia grave,


o casamento poderá vir a ser realizado no seu próprio domicílio ou no lugar em que
se encontrar, mesmo no horário noturno, com a presença de duas testemunhas que
saibam ler e escrever (no sistema de 1916, eram quatro testemunhas).
8 SPÍNDOLA, Eduardo. A família [S.l.], [S.d.], p. 138.
9 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituição de direito civil. Direito de família [s.i.], [S.d.], v. 5, pp. 115-116.

43
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

O termo avulso da cerimônia será reduzido no livro de assentos em 5 dias, perante duas
testemunhas, contados a partir da data do casamento.

Falta de autoridade para presidir o casamento –


art. 1.539, § 1o

Na falta ou no impedimento do comparecimento do juiz de paz para presidir a cerimônia


civil, qualquer um dos seus substitutos legais poderá realizar o casamento.

Na ausência do oficial de registro ao ato, o juiz de paz designará outro para o exercício
ad hoc das suas funções.

O oficial do registro ad hoc deverá lavrar termo avulso do casamento, com as mesmas
informações do termo definitivo, na presença de duas testemunhas.

O registro de casamento será efetuado em até cinco dias da data da sua celebração.

O registro não consubstanciado o termo inicial de vigência do casamento, pois se destina


tão somente a provar a sua realização. Logo, o termo inicial do casamento é a data na
qual ele é solenemente celebrado.

44
Capítulo 5
Espécies de casamentos

Casamento válido
O casamento putativo, nuncupativo, religioso com efeitos civis, consular,
por procuração e conversão da união estável em casamento, desde que
presentes os elementos essenciais e observados todos os requisitos legais, constituem
formas válidas de uniões conjugais regulamentadas na lei. O putativo, embora anulável
ou nulo, produz efeitos de casamento válido para o cônjuge de boa-fé e, por isso, não
será incluído, neste tópico, e sim nos casos de casamento inválido.

Casamento por procuração, por instrumento


público – art. 1.542, §§ 1o a 4o

É aquele que sucede mediante a representação do nubente que não puder estar
presente na data da sua realização. Para tanto, o mandatário deverá estar investido de
poderes específicos (ad nuptias) para contrair casamento em nome do outorgante,
em instrumento de mandato que deverá ser transcrito integralmente na
escritura antenupcial e no assento do registro.

Deve constar da procuração a indicação de quem será o outro nubente, de modo a não
se deixar essa faculdade de escolha, por óbvio, ao arbítrio do procurador. Se assim não
fosse, jamais seria possível reputar tal casamento como realizado com base em uma
vontade livre. Sua invalidade seria evidente.

Exemplos:

»» Qualquer outra pessoa que se encontra no estrangeiro a trabalho. No


caso pode ser um rapaz de origem brasileira, mas ascendência japonesa
(os dekasseguis, o termo dekassegui (出稼ぎ) é formado pelas palavras
japonesas deru [出る] (sair) e kasegu [稼ぐ] (ganhar dinheiro),
designando qualquer pessoa que deixa sua terra natal para trabalhar,
temporariamente, em outra região).

»» Estudo ou missão que não pode ser interrompido.

Observação: se ambos não puderem comparecer, deverão nomear procuradores


diversos. Como a procuração é outorgada para o mandatário receber, em nome do

45
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

outorgante, o outro contraente, deduz-se que ambos não podem nomear o mesmo
procurador, até porque há a obrigação legal de cada procurador atuar em prol dos
interesses de seu constituinte, evitando-se, assim, o surgimento de conflito de interesses.

O prazo de eficácia do mandato é de até 90 dias.

O mandato somente pode ser revogado por instrumento público (CC, art. 1.542, §§
3º e 4º).

Caso o mandante (um dos nubentes) decida revogar o mandato antes da


cerimônia, o casamento não será realizado. Todavia, não chegando tal revogação
ao conhecimento do mandatário ou do outro pretendente, caberá em desfavor do
revogador o pagamento de indenização por perdas e danos.

Regime de bens do casamento (casamento por


procuração)

Não constitui requisito essencial do instrumento a menção do regime de bens do


casamento, embora possa ser feita, facultativamente. No seu silêncio, prevalecerá
regime da comunhão parcial, salvo se for obrigatório, na espécie, o da separação10.

Casamento putativo – art. 1.561

Casamento putativo é o que, embora nulo ou anulável, foi contraído de


boa-fé subjetiva por um ou por ambos os cônjuges. Boa-fé subjetiva, no caso, significa
ignorância da existência de impedimentos dirimentes à união conjugal.

Incide, na nulidade (quer seja absoluta, quer relativa), a regra da boa-fé como
desconhecimento de vício ou defeito. Assim, o casamento anulável ou mesmo nulo, se
contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, em relação a estes como aos filhos, produz
todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.

No tocante aos efeitos: “É certo, que alguns efeitos se perpetuam, como os relativos à
legitimidade dos filhos havidos durante o período de validez. A essência do matrimônio
putativo está, assim, na boa-fé em que se encontram um ou ambos os cônjuges no
momento da celebração do matrimônio”.

O sentido do dispositivo legal protege tão só um dos cônjuges se somente ele estava de
boa-fé ao celebrar o casamento. Nesse caso, restringindo o espectro de incidência da
boa-fé negativa, seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.

10 PONTES de Miranda apud Gonçalves. 2006.

46
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Presunção legal absoluta de boa-fé cobre a situação jurídica dos filhos – mesmo que
ambos os cônjuges estivessem de má-fé ao celebrar o casamento, seus efeitos civis só
aos filhos aproveitarão.

Carlos Roberto Gonçalves11, em sua obra de direito de família, explica que esta
ficção de casamento nulo ou anulável, mas válido quanto aos seus efeitos civis, encerra,
filosoficamente, segundo a doutrina tradicional:

»» indulgência para o cônjuge ou os cônjuges de boa-fé e

»» piedade para a prole que deles tenha nascido.

O senso de justiça recomendava que não se levasse a todas as rigorosas consequências a


anulação do casamento, particularmente quanto aos filhos, que nenhuma culpa podiam
ter. Por isso, o direito canônico desenvolveu e o direito moderno mantém, em quase
todos os países, o estatuto do casamento putativo.

A palavra putativo vem do latim putare, que significa reputar ou estar convencido da
verdade de um fato, o que se presume ser, mas não é, ou ainda o que é imaginário,
fictício, irreal. Na linguagem jurídica, o vocábulo é usado também para designar o
herdeiro aparente e o credor putativo. Casamento putativo é, destarte, aquele que as
partes e os terceiros reputam ter sido legalmente celebrado.

O momento em que se apura a existência da boa-fé é o da celebração do casamento,


sendo irrelevante eventual conhecimento da causa de invalidade posterior a ela, pois a
má-fé, em geral, se presume, cabendo o ônus de sua prova à parte que a alega12.

Malgrado alguns autores vislumbrem dois requisitos para a caracterização da


putatividade, quais sejam, a boa-fé (requisito subjetivo) e a circunstância de ser o
casamento declarado nulo ou anulado (requisito objetivo), PREVALECE a corrente
integrada pelos que se contentam com a verificação exclusivamente da boa-fé,
considerando a como o único requisito autônomo, uma vez que a circunstância de ser
o casamento declarado nulo ou anulado não é pressuposto da putatividade, mas mero
suporte lógico, sem o qual não faz sentido, no sistema vigente, falar em putatividade13.

A ignorância da existência de impedimentos decorre de erro, que pode ser:

»» de fato (irmãos que ignoram a existência de parentesco, por exemplo)

11 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, direito de família. 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2007. v. 6.
12 Casamento. Nulidade. Bigamia. A putatividade do casamento se presume em relação ao cônjuge não impedido, devendo a má-
fé de sua parte ser provada” (TJRJ, Ap. 5.333, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Ferreira Pinto).
13 Caio Mário da Silva Pereira. Manual de Direito Civil, v. 5, p. 154. Corrêa de Oliveira e Ferreira Muniz, Direito de Família, p.
270.

47
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Figura 1.

Moça: Meus Deus! Descobri que me casei com meu honorável irmão que estava
separado de mim desde o nascimento. O que farei? Oh! Estou desgraçada pelo
resto da minha vida.

Fonte: <https://pixabay.com/pt/amizade-casal-chin%C3%AAs-japon%C3%AAs-jap%C3%A3o-422247/>.

»» de direito: Tios e sobrinhos que ignoram a necessidade do exame pré-


nupcial.

Figura 2.

Noivo: Como assim? Não posso me casar com a minha tia?


Advogado: O senhor e sua tia deveriam ter feito o exame pré-nupcial. É a
exigência da lei, está no Decreto-Lein3.200-de 19 de abril de 1941.
Veja os art. art.1 e 2: Art. 1º O casamento de colaterais, legítimos ou
ilegítimos do terceiro grau, é permitido nos termos do presente decreto-lei.
Art. 2º Os colaterais do terceiro grau, que pretendam casar-se, ou seus
representantes legais, se forem menores, requererão ao juiz competente para
a habilitação que nomeie dois médicos de reconhecida capacidade, isentos
de suspensão, para examiná-los e atestar-lhes a sanidade, afirmando não
haver inconveniente, sob o ponto de vista da sanidade, afirmando não haver
inconveniente, sob o ponto de vista da saúde de qualquer deles e da prole,
na realização do matrimônio.
Fonte: <http://hitchcock.tv/mov/lodger/lodger.html>.

Muito embora o erro de direito seja inescusável, em geral, por força do art. 3o da LINDB,
pode, todavia, ser invocado para justificar a boa-fé, sem que com isso se pretenda o
descumprimento da lei, pois o casamento será, de qualquer modo, declarado nulo.

Na sentença que proclama a invalidade do casamento, o juiz declara a putatividade


ex officio ou a requerimento das partes. Tendo em linha de conta a boa-fé, afirma-se: “a
sentença anulatória declara putativo o casamento em relação a ambos os cônjuges ou a
um deles, se somente em relação a este milita a boa-fé”.

Indaga-se, entretanto, se ao juiz é livre declará-lo ou não. E a resposta é uma só: uma vez
reconhecida a boa-fé, o casamento é putativo, ex vi legis14. Não cabe ao juiz conceder ou
recusar o favor; compete-lhe, tão somente, apurar a boa-fé, em face das circunstâncias
do caso, e, sendo a prova positiva, proclamar a putatividade.

Se a sentença é omissa, a declaração pode ser obtida em embargos de declaração ou em


ação declaratória autônoma.

14 Por força de lei.

48
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Efeitos do casamento putativo

Os efeitos da putatividade são todos os normalmente produzidos por um casamento


válido, para o cônjuge de boa-fé, até a data da sentença que lhe ponha termo.

A eficácia dessa decisão manifesta-se ex nunc, sem retroatividade, e não ex-tunc, não
afetando os direitos até então adquiridos. Essa situação faz com que o casamento putativo
se assemelhe à dissolução do matrimônio pelo divórcio. Os efeitos do casamento cessam
para o futuro, sendo considerados produzidos todos os efeitos que se tenham verificado
até a data da sentença anulatória. Enquanto pendentes os recursos eventualmente
interpostos, permanecem os efeitos do casamento, com se válido fosse, em virtude do
princípio segundo o qual não há casamento nulo nem anulado antes do trânsito em
julgado da sentença.

Desse modo, se o casal não tem filhos nem ascendentes vivos e um dos cônjuges morre
antes de a sentença anulatória transitar em julgado, o sobrevivo herda, além de receber
a sua meação, ou concorrerá com eles, se existirem e se o regime de bens adotado o
permitir (CC, art. 1.829).

O art. 1.561 do CC prevê três situações distintas:

I. Se “ambos os cônjuges” estavam de boa-fé, “o casamento, em relação a


estes como aos filhos, produz todos os efeitos”, inclusive comunicação de
bens e eficácia da doação propter nuptias, como se, por ficção, o casamento
originariamente viciado não contivesse defeito algum (caput)15.

II. Se somente “um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento”,


unicamente em relação a ele e aos filhos se produzirão os efeitos da
putatividade, ficando excluído dos benefícios e das vantagens o que
estava de má-fé (§ 1o).

III. “se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus


efeitos civis só aos filhos aproveitarão” (§ 2o).

Quantos aos cônjuges, os efeitos pessoais são os de qualquer casamento válido. Findam,
entretanto, na data do trânsito em julgado. Cessam, assim, os deveres matrimoniais
impostos no art. 1.566 do CC (fidelidade, vida em comum, mútua assistência etc.),
mas não, aqueles efeitos que geram situações ou estado que tenham por pressuposto a

15 “Casamento. Putatividade. Réu desquitado. Ausência de má-fé demonstrada. Inocorrência de ocultação da autora, ou mesmo
das autoridades, de seu verdadeiro estado civil. Nulidade declarada, reconhecendo-se que o casamento foi contraído de boa-
fé por ambos os cônjuges, porque o réu não ocultou, da autora ou das autoridades, a verdade sobre o seu estado civil de
desquitado e o ato só se consumou por absoluto descuido, no processo de habilitação, por parte do Promotor de Justiça, que
opinou favoravelmente ao pedido” (JTJ, Lex, 238/44).

49
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

inalterabilidade, como a maioridade, que fica antecipada pela emancipação do cônjuge


inocente de modo irreversível.

Figura 3.

Honorável ex-marido, você sabia que eu fui emancipada pelo casamento? Como
você me enganou e nosso casamento foi anulado, você volta a menoridade
(risos), mas eu continuo com minha maior idade adquirida pelo casamento,
hihihihihihi!!!!

Fonte: <https://pixabay.com/pt/amizade-casal-chin%C3%AAs-japon%C3%AAs-jap%C3%A3o-422247/>.

Vejamos o que diz o art. 1.564 do CC/2002:

Art. 1.564. Quando o casamento for anulado por culpa de um dos


cônjuges, este incorrerá:

I - na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente;

II - na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no contrato


antenupcial.

Por conseguinte, o cônjuge de má-fé perde as vantagens econômicas auferidas com


o casamento se este se realizou no regime da comunhão de bens. Não pode aquele
conservar a meação adquirida no patrimônio do outro cônjuge. O inocente terá,
todavia, direito à participação no acervo que o culpado trouxe para o casamento.
Partilham-se, no entanto, “normalmente os bens adquiridos pelo esforço comum, como
regra de equidade, independentemente da natureza do desfazimento do casamento,
sob pena de enriquecimento ilícito de um cônjuge à custa do outro, o que é vedado por
nosso ordenamento jurídico”.

Figura 4.

Hipótese de o segundo casamento do bígamo ser declarado nulo,


considerando-se de boa-fé a segunda mulher.

Fonte: <https://pixabay.com/pt/div%C3%B3rcio-separa%C3%A7%C3%A3o-619195/ e https://pixabay.com/pt/casamento-


casar-se-com-casal-amor-1082895/>.

50
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Atualmente, no tocante aos bens adquiridos na constância do segundo casamento, vem


a jurisprudência proclamando a incomunicabilidade de tais bens à primeira mulher,
mesmo no regime da comunhão universal, em razão da separação de fato do casal.
Confira-se:

Bigamia. Meação de bens. De cujus que celebrou dois matrimônios. Primeira


mulher que não tem direito aos bens adquiridos após a separação de fato
do casal. Lide que deve ser solucionada não pelo dogma da moralidade do
matrimônio, mas sim pelo direito das obrigações, e decorrer da juridicidade da
coabitação ao sentido familiar. (RT, 760/232).

Questão bastante controvertida são os alimentos no casamento putativo. Há


divergências a respeito da existência ou não de efeitos para o futuro. Os pagos antes
do trânsito em julgado da sentença são irrepetíveis. Para uma corrente, não são mais
devidos os alimentos para o futuro porque as partes não são mais cônjuges. Entretanto,
a 2a Turma do STF decidiu que o cônjuge culpado não pode furtar-se ao seu pagamento,
se o inocente deles necessitar, proclamando que “a putatividade, no casamento
anulável, ou mesmo nulo, consiste em assegurar ao cônjuge de boa-fé os
efeitos do casamento válido, e entre estes se encontra o direito a alimentos,
sem limitação de tempo”. (RTJ, 89/495). Discordou desse entendimento o Ministro
Moreira Alves, que foi voto vencido.

Após, a 3a Turma do STJ, na trilha do aludido voto minoritário, teve a oportunidade


de proclamar, por votação unânime: Casamento putativo. Boa-fé. Direito a
alimentos. Reclamação da mulher. A mulher que reclama alimentos
a eles tem direito, mas até a data da sentença (CC/1916, art. 221, parte
final). Anulado ou declarado nulo o casamento, desaparece a condição de
cônjuges. (RSTJ, 130/225).

Casamento nuncupativo (piedoso ou in extremis) e


em caso de moléstia grave

O Código Civil prevê duas exceções quanto às formalidades para a validade do casamento.
A primeira, em caso de moléstia grave de um dos nubentes (art. 1.539) e a segunda,
na hipótese de estar um dos nubentes em iminente risco de vida (arts. 1.540 e 1.541).

Na primeira situação, pressupõe-se que já estejam satisfeitas as formalidades


preliminares do casamento e que o oficial do registro civil tenha expedido o certificado
de habilitação ao casamento, mas a gravidade do estado de saúde de um dos nubentes
o impede de locomover-se e de adiar a cerimônia. Nesse caso, o juiz irá celebrá-lo na

51
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

casa dele ou “onde se encontrar” (no hospital, por exemplo), em companhia do oficial,
“ainda que à noite, perante duas testemunhas que saibam ler e escrever”. Só em havendo
urgência é que o casamento será realizado à noite.

A regra do art. 1.539 do CC só se aplica às hipóteses que se caracterizam como moléstia


grave, que, efetivamente, impossibilitem o nubente de aguardar a celebração futura do
casamento, em lugar diverso daquele em que se encontra, não sendo aconselhável a sua
locomoção. Moléstia grave deve ser reputada como aquela que pode acarretar a morte
do nubente em breve tempo, embora o desenlace não seja iminente, e cuja remoção o
sujeita a riscos.

A segunda hipótese é a de casamento em iminente risco de vida, quando se permite


a dispensa do processo de habilitação e até a presença do celebrante. Assim ocorre,
por exemplo, quando um dos nubentes é ferido por disparo de arma de fogo, ou sofre
grave acidente, ou, ainda, é vítima de mal súbito, em que não há a mínima esperança de
salvação, e a duração da vida não poderá ir além de alguns instantes ou horas. Nessas
desesperadoras circunstâncias, pode a pessoa desejar a regularização da vida conjugal
que mantém com outra ou pretender se efetive o casamento já programado e decidido,
mas ainda não providenciado o encaminhamento.

Trata-se do casamento in extremis vitae momentis, nuncupativo (de viva voz) ou


in articulo mortis. Em razão da extrema urgência, quando não for possível obter a
presença do juiz ou de seus suplentes, e ainda do oficial, os contraentes poderão celebrar
o casamento “na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham
parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau” (CC, art. 1.540).

Bastará nesse caso que os contraentes manifestem o propósito de casar e, de viva


voz, recebam um ao outro por marido e mulher, na presença das seis testemunhas.
Uma vez realizado, as seis testemunhas deverão comparecer ao fórum, em até dez
dias, para reduzir a termo judicial que:

»» foram convocadas pelo cônjuge portador da enfermidade;

»» o cônjuge portador da enfermidade se encontrava em perigo de vida


iminente, porém em perfeito estado de sanidade mental para livremente
exteriorizar a sua vontade, e

»» os nubentes aceitaram contrair o casamento.

A autoridade judicial determinará a realização de diligências e remeterá os autos ao


MP, que emitirá parecer em cinco dias. Conclusos os autos e no mesmo prazo o juiz

52
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

determinará a regularização formal de casamento civil realizado nestas condições, se


for o caso.

Conforme anteriormente salientado, a sentença judicial se sujeita, nesse caso, a recurso


no prazo de cinco dias. Acolhendo-se a habilitação do casamento, a sentença será
transcrita no registro civil.

O registro do casamento proporcionará ao matrimônio os efeitos retroativos à data da


efetiva realização da cerimônia de núpcias (eficácia ex tunc).

Se o enfermo puder comparecer ao cartório para ratificar o ato antes do tempo


de consumação do registro, será desnecessária a adoção das providências acima
mencionadas.

A Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015 de 31/12/1973) dispõe sobre as formalidades


relativas ao casamento nuncupativo no art. 76 e seus parágrafos.

Casamento religioso com efeitos civis

A histórica disputa entre Igreja e Estado em matéria matrimonial é que empresta


tanto prestígio à solenidade religiosa do casamento. É tal a importância conferida ao
casamento religioso que a própria Constituição admite efeitos civis ao ato (CF , art. 226,
§ 2o), basta que sejam atendidos os requisitos legais (CC, arts. 1.515 e 1.516)
para o casamento religioso ter efeitos civis. Não se realiza o ato civil. É suficiente
proceder ao registro do matrimônio para que se tenha por realizado o casamento desde
a celebração das bodas perante o ministro de Deus.

A validade civil do casamento religioso está condicionada à sua inscrição no Registro


Civil das Pessoas Naturais, desde que atendida a providência de habilitação, antes ou
depois do ato religioso.

Os efeitos civis são admitidos a qualquer tempo. Procedida à habilitação e ao


registro, ainda que tardio, os efeitos civis retroagem à data da solenidade religiosa (CC,
atr. 1.515). No caso de prévia habilitação, o prazo para registro é de 90 dias. Ainda
depois desse prazo, é possível o registro, desde que efetuada nova habilitação. Assim,
realizado o casamento religioso sem as formalidades legais, poderá vir a ser inscrito
no registro civil, bastando que se proceda à devida habilitação perante a autoridade
competente (CC, art. 1.516).

As ações para invalidar o casamento obedecem exclusivamente aos preceitos da


lei civil. Anulado o casamento religioso, tal não afeta a validade do casamento civil, se
ocorrido o respectivo registro. Se entre a celebração do casamento religioso e o registro
53
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

houver um dos cônjuges “contraído” com outrem casamento civil, há impedimento


para efetuar-se o registro (CC, art. 1.516, § 3º).

Cabe reconhecer a possibilidade de o ato religioso de qualquer credo servir


para fins registrais, como as cerimônias de casamento realizadas por religiões
afro-brasileiras e o casamento cigano. Não se pode olvidar que o Brasil é um
país laico, não cabendo priorizar uma religião em detrimento outra. A própria CF/1988
assegura a inviolabilidade do direito de crença (CF, art. 5o, VI), nada justificando não
sejam admitidos efeitos civis aos casamentos celebrados por religiões que não professem,
fé que se afaste dos princípios estruturantes da sociedade. Por óbvio que não se podem
aceitar tais efeitos se a religião, por exemplo, admite a poligamia e celebra múltiplos
casamentos de uma mesma pessoa.

Casamento consular

Casamento consular é aquele celebrado por brasileiro no estrangeiro, perante autoridade


consular brasileira, conforme previsto no Código Civil, art. 1.544 e na LINDB, art. 18.

O art. 1.544 do CC dispõe que esta espécie de casamento deve ser submetida a registro
em cartório, no prazo de 180 dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao
Brasil.

A exigência, portanto, é a mesma na hipótese de casamento de brasileiro, realizado


fora do país de acordo com as leis locais. A competência dos agentes consulares para
celebrar casamentos está prevista no art. 18 da LINDB, in verbis:

Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares


brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro
Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos
filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país da sede do Consulado.

Acrescenta o Decreto no 24.113/1934, não revogado pela codificação de 2002, que “Os
Consulados de carreira só poderão celebrar casamentos quando ambos os nubentes
forem brasileiros e a legislação local reconhecer efeitos civis aos casamentos assim
celebrados”. Nessa consonância, a validade do casamento celebrado no estrangeiro pela
autoridade consular brasileira está submetida ao requisito de que ambos os nubentes
sejam brasileiros, cessando sua competência se um deles for de nacionalidade diversa.

A eficácia, no Brasil, do casamento celebrado perante autoridade diplomática ou


consular é submetida, pois, à condição de efetivação de seu registro em território
nacional, nos moldes do art. 32, § 1º, da Lei dos Registros Públicos (Lie no 6.015/1973),

54
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

segundo o qual os assentos de nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em


país estrangeiro, legalizadas as certidões pelos cônsules ou quando por estes tomados,
nos termos do regulamento consular, serão “trasladados nos cartórios do 1o Ofício do
Distrito Federal, em falta de domicílio conhecido, quando tiverem de produzir efeitos
no país, ou, antes, por meio de segunda via que os cônsules serão obrigados a remeter
por intermédio do Ministério das Relações Exteriores.

Conversão da união estável em casamento


O CC/2002 não cuida da conversão da união estável em casamento no Título I, ora
em estudo, mas no Título III, concernente à união estável. O art. 1.726 a disciplina nos
seguintes termos:

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante


pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

Exige-se, pois, pedido ao juiz, ao contrário da Lei no 9.278, de 10 de maio de 1996, que
se contentava com o requerimento de conversão formulado diretamente ao oficial do
Registro Civil. A exigência do novel legislador desatende o comando do art. 226, § 3o, da
CF/1988 de que deve a lei facilitar a conversão da união estável em casamento, isto é,
estabelecer modos mais ágeis de se alcançar semelhante propósito.

Talvez a exigência se justifique para emprestar efeito retroativo ao casamento, mas,


ainda assim, é possível aos conviventes obter efeitos de ordem patrimonial por meio de
pacto antenupcial. De qualquer forma, casar é muito mais fácil e, além de ser grátis, é
mais romântico!

Das provas do casamento

O casamento pode ser comprovado por meio de provas diretas ou indiretas. A


certidão do registro civil do casamento é o meio direto de sua prova.

Entretanto, outros fatores podem ensejar não apenas o extravio ou a perda da certidão,
como ainda inviabilizar a prova documental direta das núpcias.

Na ausência justificável da certidão de casamento, admite-se a demonstração do


matrimônio civil por outros meios. Fala-se na comprovação da posse do estado
de casado.

55
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

A impossibilidade de extração de nova via da certidão de casamento é um caso típico de


ausência justificável. Outro seria o falecimento dos pais, quando apenas eles tinham o
conhecimento das informações necessárias do seu casamento.

Admite-se, assim, a prova indireta, pelos meios não proibidos pelo Direito,
realçando-se os documentos e as testemunhas, como acontece com a posse do estado
de casado.

Posse do estado de casado é prova de aparência da existência do casamento, pela


publicidade do tratamento conferido reciprocamente entre o homem e a mulher e que
presume a existência do matrimônio civil.

A posse do estado de casado compreende três elementos:

»» o nome (nomen) – requisito acidental;

»» o tratamento (tractatus) – deve haver um comportamento que revele a


existência de uma relação íntima;

»» fama (reputatio) – devem os interessados possuir uma reputação perante


a sociedade.

Na dúvida, vigora o princípio in dúbio pro matrimonio, presumindo-se a existência


do casamento civil, o que pode inclusive vir a ser reconhecido judicialmente. Nesse
caso, a sentença terá eficácia ex tunc, retroagindo à data apontada como sendo a do
matrimônio.

O reconhecimento da posse do estado de casado gera efeitos tanto para os cônjuges


como para os filhos, cujos direitos são, então, preservados.

Casamento inexistente, nulo e anulável – arts. 1.548


a 1.564 do CC

Como é cediço por todos, no Brasil, por muitos anos, todos os casamentos eram
realizados pela Igreja, em virtude de a quase maioria dos brasileiros ser católica. Com a
chegada de imigrantes, foi necessário que disciplinar o casamento de forma que esse se
ajustasse às novas circunstâncias. Assim, em11 de setembro de 1861, foi editada a lei que
disciplinava o casamento dos acatólicos. No entanto, foi somente com a Proclamação
da República que veio o casamento perdeu seu caráter confessional.

O casamento inexistente sequer foi mencionado, a exemplo do Código de 1916, no


novo Código Civil. A Exposição de Motivos do Código de 2002 também não mencionar

56
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

essa hipótese no bojo de seu texto. A doutrina e a jurisprudência, então, são as vozes
uníssonas, que alardeiam, entre nós, o instituto do casamento inexistente.

Washington de Barros Monteiro16 pontua que: “O ato inexistente é o nada. A lei não
o regula, porque não há necessidade de disciplinar o nada”. De fato, não há interesse
prático em distinguir hipóteses que justificariam a inexistência de um ato jurídico,
visto que já estão claramente enumerados no Código os casos de nulidade, que se
confundem com as hipóteses de inexistência, salvo em matéria de casamento. A seguir,
elucidar-se-ão os conceitos de inexistência, nulidade e anulabilidade, estudados a partir
do direito matrimonial.

Foi o jurista alemão Zacharie17, que pela primeira vez, doutrinou a diferença entre
inexistência e nulidade de um ato jurídico.

O casamento pode ser visualizado sob três planos distintos: o da existência, o


da validade e o da eficácia. O conceito de invalidade abrange o de nulidade e o de
anulabilidade.

O casamento nulo é aquele que, embora existente, é inválido e ineficaz, pois decorre “da
falta de qualquer dos requisitos legais da formação do ato ou de expressa disposição da
lei”18.

No segundo é configurada uma sanção de menor grau do que o primeiro. Já no casamento


inexistente é aquele em que falta um elemento essencial à sua formação, não chegando
a formar-se, sendo, por conseguinte, inválido.

Conforme aduz Pontes de Miranda19, o casamento inexistente é “pura materialidade


de fato, sem nenhuma significação jurídica, ao contrário do ato nulo, que teve sua vida
jurídica, embora viciado, mas que pode ser revalidado, ou conservar a sua existência,
inicialmente precária, por se não ter requerido nunca a nulidade, ainda que insanável
o vício”.

É considerado inexistente o casamento em nas seguintes situações:

»» quando este é celebrado por autoridade absolutamente incompetente;

»» quando é contraído sem consentimento.

A ausência de celebração, como também a ausência de autoridade competente, é


outra hipótese de inexistência matrimonial. Se o casamento for celebrado perante

16 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 73.
17 VENOSA, Silvio. Direito civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 113.
18 AMARAL, F. Direito civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 113.
19 PONTES DE MIRANDA. Tratatado do direiro da família. 3. ed. São Paulo: Max Limonade, 1947, p. 295.

57
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

juiz incompetente ratione loci, resta configurada hipótese de anulabilidade, visto que
a incompetência é relativa. Suponha-se, por outro turno, que certo casamento seja
celebrado perante delegado de polícia ou prefeito. Nesse caso, é patente a incompetência
absoluta, portanto resta configurada a inexistência do matrimônio (incompetência
materiae).

Finalmente, a ausência total de consentimento também torna inexistente o casamento.


Se o nubente nega o seu consentimento ou omite a sua vontade diante da autoridade
celebrante, resta ausente um dos elementos essenciais à constituição do casamento.

Não se deve confundir ausência de consentimento com defeito da vontade. A primeira


torna o casamento inexistente, a segunda simplesmente anula o ato.

Cabe ainda ressaltar os casos de nulidade, a fim de que se possa diferenciá-los das
hipóteses de inexistência. Aqueles estão expressamente consignados nos arts. 1.521
e 1.548 do novo Código Civil. São hipóteses, conforme expressa disposição do Código
Civil:

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou


civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com


quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o


terceiro grau inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou


tentativa de homicídio contra seu consorte.

Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:

I - (revogado)

II - por infringência de impedimento.

As demais hipóteses de anulação do matrimônio estão expressamente disciplinadas e


são todas sanáveis.

58
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

É imperioso salientar que o casamento inexistente não produz efeito algum no


plano jurídico; o mesmo não ocorre no casamento nulo. Este poderá suscitar
efeitos, como o impedimento de as mulheres se casarem nos dez meses
seguintes à separação de corpos.

O matrimônio inexistente não goza de efeitos quando contraído de boa-fé, no entanto o


mesmo não se pode afirmar em relação ao casamento nulo. Este, segundo o art. 1.561 do
Código Civil, em relação ao cônjuge ou aos cônjuges que o houverem contraído de boa-fé,
como também aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença de nulidade.

A seguir, analisar-se-ão os aspectos processuais que envolvem o instituto em estudo.

Embora “os atos inexistentes sejam um nada jurídico”20, muitas vezes, possuem efeitos
materiais que precisam ser extinguidos por meio de decreto judicial declaratório e
mandamental, já que será forçoso cancelar o Registro Civil, mediante um mandado de
cancelamento.

A inexistência matrimonial é alegável, caso haja utilidade e interesse processual, tanto


por meio de ação declaratória quanto por meio de exceção e também incidenter tantum,
sendo decidida como tal, sem que sobre o assunto pese autoridade de coisa julgada. O
Ministério Público é sempre interessado nesse caso.

No que diz respeito à nulidade ou anulação, tem-se o que a doutrina costuma chamar de
processo necessário. A decretação de nulidade só poderá ser exercida por uma sentença
desconstitutiva.

A inexistência do casamento pode ser alegada por qualquer pessoa, e também pode o juiz
decretá-la oficiosamente; enquanto a nulidade matrimonial, diferentemente dos atos
jurídicos em geral, só pode ser arguida por interessados ou pelo Ministério Público, na
medida do art. 1.549 do Código Civil, não podendo o juiz pronunciá-la voluntariamente.

No negócio inexistente, não há que se falar em prescrição, em razão de que não se pode
prescrever um ato que nunca se formou.

Invalidade do casamento (nulidade do casamento)

Casamento inválido é aquele que não gera efeitos jurídicos desde a data de sua
celebração, uma vez declarada a sua nulidade.

Casos de nulidade:

20 VENOSA, Silvia. Direito civil; direito de família. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 115.

59
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

»» O casamento contraído por enfermo mental sem o necessário


discernimento para os atos da vida civil.

»» O casamento contraído sob impedimento dirimente absoluto.

Pessoas que podem requerer a invalidade

A decretação de nulidade de casamento, pelos motivos elencados nos incisos do art.


1.548 do CC, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado
ou pelo Ministério Público.

A declaração judicial de invalidade do casamento nulo possui eficácia ex tunc e


gera efeitos retroativos à data da cerimônia, recaindo sobre os cônjuges. Não prejudica,
entretanto, o terceiro de boa-fé que adquiriu direitos a título oneroso do casal.

A nulidade do casamento é imprescritível

Nulidade absoluta – a invalidade pode ser requerida a qualquer tempo.

A nulidade em direito de família tem características próprias, e o seu reconhecimento


deve ser promovido mediante ação própria – declaratória de nulidade.

Vejamos o art. 1.550, IV:

Art. 1.550. É anulável o casamento:

[...]

IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o


consentimento;

§ 2o A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia


poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou
por meio de seu responsável ou curador.

Ineficácia do casamento (o casamento é anulável)

Casamento ineficaz é aquele que gera efeitos jurídicos até a data da declaração judicial
de sua anulabilidade.

a. Falta de idade mínima para se casar (CC, art. 1.517, I e II)

60
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Menor que não atingiu a idade núbil poderá confirmar o seu casamento
assim que completá-la, obtendo a autorização do seu responsável legal ou
o suprimento judicial, se for o caso.

Prazo decadencial: 180 dias.

Observação: o casamento de qual resultou gravidez não pode ser anulado


por motivo de idade.

b. Casamento de quem, tendo idade núbil, não obteve autorização


para se casar

Tanto na primeira hipótese como nessa, somente poderão requerer a


anulação o próprio cônjuge menor, seus representantes legais ou seus
ascendentes.

Casamento do menor que possui capacidade matrimonial subsistirá, se


não vier a ser anulado no prazo de 180 dias, observando-se como termo
inicial:

›› o dia em que cessou a incapacidade; ante a maioridade;

›› a data do casamento, se a ação for proposta pelos responsáveis legais, e

›› a morte do incapaz, se a ação for proposta pelos seus herdeiros


necessários. Como bem aponta Silvio Rodrigues, é hipótese de quase
impossível aplicação.

c. Casamento contraído mediante erro quanto à pessoa do


cônjuge, veremos em seguida.

d. Casamento celebrado perante autoridade incompetente

Se o casamento vier a ser presidido e celebrado por pessoa que não se


encontrava investida na forma da lei para a sua realização, sujeitar-se-á
à ineficácia.

Admite-se a convalidação após o decurso de prazo legal para a propositura


de ação anulatória.

Prazo decadencial21 para se obter a desconstituição do casamento


celebrado perante autoridade incompetente é de dois anos.

21 Jur. Extinção de um direito por haver decorrido o prazo legal prefixado para o exercício dele. [Cf., nesta acepção, prescrição e
perempção]

61
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

e. Casamento do incapaz de consentir ou manifestar de forma


inequívoca o seu consentimento

Ressalvada a hipótese do casamento contraído com enfermo mental, que


é de invalidade, na opinião de Roberto Senise Lisboa. Lembrando que o
art. 1.550 nos traz que:

§ 2o A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia


poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou
por meio de seu responsável ou curador.

f. Casamento entre ausentes

Cujo mandato foi invalidado judicialmente ou revogado sem que o


mandatário ou o outro participante tivessem conhecimento de tal fato
antes da cerimônia, desde que não sobrevenha a coabitação entre os
nubentes.

O prazo para propositura de ação anulatória do casamento é de seis meses,


contados a partir da data da celebração do casamento.

Erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge –


art. 1.556

O art. 1.556 do CC permite a anulação do casamento por erro essencial quanto à


pessoa do outro cônjuge. Esse erro a deve ser essencial, capaz de tornar insuportável a
continuidade da vida em comum dos cônjuges.

Os casos de error in persona, no casamento, são, entre outros:

a. identidade do cônjuge

A identidade da pessoa do outro cônjuge pode ser física ou jurídica.

No caso de identidade física, é possível o casamento efetuado com


pessoa diversa, pela aparência física. Exemplos:

›› um rapaz contrai casamento com uma moça que é irmã gêmea daquela
com quem gostaria realmente de ter-se casado ou

62
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

›› um homem se casa com uma pessoa que efetuou a operação de


mudança de sexo e falsificou os seus documentos pessoais.

A noção de identidade alcança também a honra e a boa fama. O


desconhecimento de que o cônjuge praticava atos contrários à moral e
aos bons costumes, por exemplo:

›› prostituição;

›› aliciação de menores para prostituição ou venda de drogas;

›› atos homossexuais, entre outros.

Esses atos possibilitam o reconhecimento judicial da anulabilidade do


casamento.

b. Ignorância de condenação do outro cônjuge, por crime anterior


ao casamento, que torne insuportável a vida em comum

O cônjuge que foi condenado pela prática de um crime e que deixou de


comunicar isso ao outro nubente pode ter o seu casamento anulado por
tal fato.

c. A ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico


irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia
grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de
pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência

Também se torna possível a anulação do casamento por defeito físico


irremediável de um dos cônjuges, desconhecido pelo outro até a realização
do matrimônio civil. É o que sucede com a impotência na prática das
relações sexuais. Exemplo:

›› Impotência coeundi (a impossibilidade funcional de manter relações


sexuais – cópula).

Entretanto, não há anulação do casamento por erros relacionados à:

›› Impotência generandi – que é a incapacidade de fecundação, por


esterilidade masculina.

›› Impotência concipiendi – que é a incapacidade de fecundação, por


esterilidade feminina.

63
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

›› A coitofobia é considerada como causa para a anulação do


matrimônio.

d. Coação

A coação física ou moral irresistível é mal injusto, grave e iminente


que leva a vítima a praticar ato jurídico diverso daquele que ela realizaria
caso estivesse na plenitude de sua liberdade em declarar a vontade.

Se o consentimento de um dos cônjuges por ocasião da celebração do


casamento civil foi obtido a partir de grave ameaça consubstanciada em
fundado temor de mal iminente à vida, saúde ou honra sua ou de seus
familiares, cabe anulação do casamento.

A ação para propor a ineficácia do matrimônio civil tem o prazo de 4 anos, contados
da sua realização, e é de iniciativa exclusiva da vítima da coação ou de seu representante
legal.

Casamento putativo

Casamento putativo ou aparente é o matrimônio civil celebrado com boa-fé, ao menos,


de um dos nubentes.

Trata-se, em princípio, de casamento aparentemente regular, que se encontra eivado


(manchado) com alguma causa de nulidade ou de anulabilidade, desconhecida por um
ou por ambos os cônjuges. Podemos dar como exemplo, o rapaz que se casa com a sua
irmã, desconhecendo tal fato.

O casamento putativo beneficia ao cônjuge de boa-fé estendendo-se sobre ele


os efeitos decorrentes de um matrimônio regular. Poderá exigir o cumprimento do
pacto antenupcial por parte do cônjuge culpado.

O cônjuge de má-fé não poderá se beneficiar dos efeitos pessoais e patrimoniais


do casamento putativo, pois conhecia o fato impeditivo do matrimônio, tornando-se
culpado pela sua realização. Perderá, ainda, todas as vantagens recebidas do cônjuge
inocente.

Os filhos havidos do casamento putativo são equiparados aos filhos havidos do


casamento regular, para todos os fins de direito.

64
Capítulo 6
Efeitos jurídicos do casamento – arts.
1.565 a 1.570 do CC

Com o advento da CF/1988, a família se desvinculou do casamento, dele não necessitando


para se considerar legítima. O Novo CC adotou a mesma postura. Não obstante, o
casamento continua produzindo outros efeitos, tanto na esfera pessoal como na esfera
patrimonial. Dentre eles podemos destacar:

Esfera pessoal
»» Fidelidade recíproca: dever de assistência imaterial, exclusividade
do casamento e dos direitos deles decorrentes. A fidelidade matrimonial
deve compreender tanto a disposição do uso do corpo (fidelidade física)
como a lealdade do tratamento dispensado ao cônjuge, na esfera íntima ou
privada e mesmo perante terceiros (fidelidade psíquica íntima e social).

»» Representação da família: a representação da família perante a


sociedade e na prática de atos e negócios jurídicos é atualmente exercida
tanto pelo homem como pela mulher.

»» Nome e patronímico: cada um poderá acrescer ao seu o sobrenome


do outro.

»» Vida em comum no domicílio conjugal: será fixado pelo casal.

»» Coabitação: entende-se por dever de coabitação o da vida comum,


consequência da assistência imaterial, que abrange tanto os aspectos
morais da relação conjugal como as relações físicas e sexuais.

»» Planejamento familiar: o planejamento familiar é de responsabilidade


comum do casal, fundado nos princípios constitucionais da dignidade
humana e da paternidade responsável. O planejamento familiar viabiliza
o estabelecimento de orientações comuns aos membros da família sobre
a constituição, limitação e aumento da prole e a adoção dos meios lícitos
necessários para o desenvolvimento físico, psíquico e intelectual dos
integrantes da família.

65
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Esfera patrimonial

O casamento gera, para os consortes, além dos efeitos pessoais, consequências e


vínculos econômicos, consubstanciados no regime de bens, nas doações recíprocas,
na obrigação de sustento da família, no usufruto dos bens dos filhos durante o poder
familiar, no direito sucessório etc.

»» Assistência pecuniária recíproca e aos filhos: a assistência


pecuniária aos filhos está mais voltada para o efeito da paternidade do
que o casamento.

»» Usufruto dos bens dos filhos menores sob poder familiar: esse
também é um efeito mais da paternidade do que do casamento, ou seja,
ainda que os pais não sejam casados, terão direito ao dito usufruto.

»» Direitos sucessórios: somente será reconhecido o direito sucessório


ao cônjuge sobrevivente.

»» Administração dos bens familiares: será feita pelo casal, dado o


regime de cogestão, suprimindo-se a regra anterior, a que incumbia ao
chefe da família, auxiliado por sua esposa. Mantém-se indispensável,
mesmo conforme o novel regime, a necessidade de outorga uxória ou
de autorização marital quando a lei expressamente o exigir. São, assim,
necessárias a outorga uxória e a autorização marital para que um dos
cônjuges possa:

›› Alienar, hipotecar ou gravar de ônus real os imóveis que


integram os bens familiares: sanção é a anulabilidade, podendo
o outro pleitear a anulação até dois anos após o término da sociedade
conjugal.

›› Defender judicialmente os direitos sobre bens imóveis da


sociedade conjugal.

›› Prestar fiança ou aval: a fiança ou o aval não são anuláveis,


mas os bens do casal só respondem até a meação. Explicando: se o
marido prestar fiança sem a devida vênia uxória, só responderão seus
bens pessoais e a metade dos bens comuns. Os bens da mulher não
responderão.

›› Efetuar doações de bens familiares ou que possam integrar a


meação, exceção feita às doações remuneratórias22 e de pequeno valor
22 Doação remuneratória é a efetuada pelo doador em retribuição a serviços prestados de forma graciosa pelo donatário, no que se
refere à parte excedente ao valor que poderia ter-lhe sido cobrado. É premiação ao devotamento profissional, em demonstração
do interesse de compensar. Exemplo: gorjeta.

66
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

(aqui a sanção também será a anulabilidade, podendo o outro pleitear


a anulação até dois anos após o término da sociedade conjugal).

Observação: se um deles se negar a consentir em quaisquer dessas hipóteses sem


apresentar motivo justo, cabe ao outro requerer ao juiz que supra a autorização.

Do regime de bens entre os cônjuges– art. 1.639 a


1.688

Regime de bens é o conjunto de normas jurídicas aplicáveis no casamento, que fixa


quais coisas serão comunicadas para ambos os cônjuges (comunicação de aquestos).

O direito brasileiro prevê quatro regimes de bens entre os cônjuges:


»» comunhão universal de bens;
»» comunhão parcial de bens;
»» separação de bens;
»» participação final dos aquestos.

Foi extinto, pelo CC/2002, o regime dotal.

No silêncio dos nubentes, vigorará, por força de lei, o regime da comunhão


parcial de bens. Os nubentes que desejem escolher regime diverso da comunhão
parcial de bens, deverão fazê-lo por meio do chamado pacto antenupcial.

Pacto antenupcial – arts. 1.653 a 1.657

Art. 1.653. É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura
pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento.

Art. 1.654. A eficácia do pacto antenupcial, realizado por menor, fica


condicionada à aprovação de seu representante legal, salvo as hipóteses
de regime obrigatório de separação de bens.

Art. 1.655. É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha


disposição absoluta de lei.

Art. 1.656. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação


final nos aquestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens
imóveis, desde que particulares.

67
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Art. 1.657. As convenções antenupciais não terão efeito perante terceiros


senão depois de registradas, em livro especial, pelo oficial do Registro
de Imóveis do domicílio dos cônjuges.

O pacto antenupcial é um contrato solene firmado entre os nubentes, com o objetivo de


escolher o regime de bens que vigorará durante o casamento. É obrigatório quando os
nubentes optam por regime que não seja o legal.

Art. 1653 – É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura
pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento.

Podem os cônjuges, no pacto antenupcial, estipular quanto aos bens o que melhor
lhes aprouver (art. 1.639). Prevalece a regra da liberdade das convenções nos pactos
antenupciais, relativamente à questão patrimonial, desde que não contrarie disposição
absoluta de lei. Os nubentes podem combinar regras de regimes diversos, bem como
estipular outras regras convenientes a seus interesses. O essencial é a compatibilidade
entre as disposições.

A forma prescrita para o pacto antenupcial é a escritura pública. A escritura pública é


“condição de existência do próprio contrato antenupcial sendo este nullo se feito por
escripto particular”23.

Art. 1.654. A eficácia do pacto antenupcial, realizado por menor, fica


condicionada à aprovação de seu representante legal, salvo as hipóteses
de regime obrigatório de separação de bens.

O pacto antenupcial realizado por menor de idade núbil tem sua validade condicionada
à aprovação de seu representante legal. Excetuam-se, apenas, os casos de regime
obrigatório de separação de bens. Tal exigência justifica-se, é vez que o menor não tem
capacidade para, sozinho, firmar o pacto antenupcial.

A autorização concedida pelo representante legal do menor para o casamento não se


estende ao pacto antenupcial; faz-se necessária a assistência do representante legal na
escritura pública do pacto.

O pacto antenupcial realizado por menor em desconformidade com o preceituado neste


artigo é nulo, não gera efeitos, vez que é inquinado de vício de representação.

Art. 1.655. É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha


disposição absoluta de lei.

Os nubentes, ao celebrar o pacto antenupcial, devem fazê-lo em observância à legislação


vigente, tendo o cuidado de não estabelecer cláusulas que estejam em contrariedade à
23 CARVALHO SANTOS, J. M. Código civil brasileiro: interputado. Rio de Janeiro: Calvino filho, 1934. v. 5, p. 7.

68
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

lei, sob pena de estas cláusulas serem nulas de pleno direito. A nulidade de cláusula não
atinge o pacto como um todo, subsistem válidas as demais estipulações.

Entre outras, são nulas as cláusulas que versem contra a própria natureza do casamento,
as contrárias aos bons costumes, as que contrariem o poder familiar, as que pretendam
alterar a ordem necessária da sucessão e as que ajustem regime de bens diverso do
obrigatório. São proibidas, ainda, condição ou termo.

São regras fundamentais dos pactos antenupciais

»» Mesmo que seja adotado regime diverso do da comunhão de bens,


a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento
prevalecerá, se o pacto antenupcial silenciar a esse respeito.

»» O pacto antenupcial somente gera efeitos perante terceiros por meio do


seu registro.

»» A eficácia do pacto antenupcial realizado por menor é condicionada à


ratificação do seu responsável legal, salvo quando o regime de separação
for o necessário por determinação legal.

»» As partes podem livremente dispor, respeitadas as regras de ordem


pública. É nula a convenção que viola a norma jurídica de ordem pública
e interesse social. No regime de participação final dos aquestos, cabe a
livre disposição dos bens imóveis particulares.

»» É nula a disposição que modifique a ordem de vocação hereditária.

»» É inválido o pacto antenupcial se não houver o casamento a ele referente


(trata-se de cláusula de eficácia jurídica contida, subordinada à celebração
do casamento civil).

»» As cláusulas válidas constantes do pacto antenupcial, a partir da


celebração do casamento, são em princípios irrevogáveis (cláusulas
pétreas ou cláusulas duras), exceto se houver modificação superveniente
do regime de bens.

»» Permite-se em qualquer regime de bens, exceto no de separação, a


prática de doações antenupciais inter vivos, que são aquelas feitas por
um cônjuge ao outro.

69
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

As doações antenupciais podem ser unilaterais ou recíprocas:

»» Doações antenupciais unilaterais são aquelas em que apenas um


dos cônjuges transmite bens. A título gratuito, em favor do outro.

»» Doações antenupciais bilaterais ou recíprocas são aquelas em


que ambos os cônjuges se tornam doadores e donatários, um do outro.

São requisitos das doações antenupciais:

»» regime adotado diverso do regime de separação;

»» instrumento público;

»» os bens doados não excedam à metade dos bens do doador,


observando-se o patrimônio dele à época da contratação;

»» bens transmitidos a título de doação antenupcial não se comunicam,


tornando-se bens particulares ou reservados de cada cônjuge;

»» admite-se, ainda, a doação antenupcial feita por terceiro, cujo nome


poderá constar como interveniente no pacto antenupcial, caso não seja
elaborado negócio jurídico com instrumento próprio;

»» admite-se a doação antenupcial mortis causa, cláusula excepcional


da ordem de vocação hereditária estudada no direito sucessório, cujos
efeitos somente se darão com o óbito do doador.

As principais regras da doação antenupcial mortis causa são:

»» a doação aproveita aos filhos do donatário, caso este venha a falecer antes
do doador;

»» a decadência da doação, mantendo-se o bem integrado ao patrimônio do


doador, se ele sobreviver ao donatário e a todos os seus filhos.

Dos regimes de bens

Comunhão parcial de bens

A comunhão parcial de bens compreende, em princípio, três patrimônios distintos:

a. um só do marido;

70
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

b. outro só da mulher;

c. um terceiro de ambos.

Pode-se dizer, em síntese, que o patrimônio particular de cada um dos cônjuges


se constitui daqueles bens havidos pelo esforço individual. Exemplo seriam as
heranças e doações. Do patrimônio comum fazem parte todos os bens havidos pelo
esforço comum do casal, assim como as heranças e doações destinadas aos dois.

Pelo CC/2002, a interpretação deve ser a de que se presumem fruto do esforço comum
os bens adquiridos, a título oneroso, durante o casamento, assim como se presumem
fruto do esforço individual os bens adquiridos antes do casamento.

O art. 1.659 do CC lista os bens que não se comunicam e o art. 1.660, os que se comunicam.

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem,


na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados
em seu lugar.

Sub-rogados, são os adquiridos no lugar dos bens que os nubentes já possuíam.

Esses bens não se comunicam ao outro esposo, conservando cada consorte


exclusivamente para si os que possuía ao casar. Este bens são considerados particulares
de cada cônjuge.

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um


dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares.

Os bens adquiridos com valores de um dos cônjuges, em sub-rogação (substituição)


dos bens particulares. Para que se aplique o dispositivo, é necessário que o cônjuge
ressalve essa sub-rogação no título aquisitivo e prove que de fato um bem substituiu
outro. A matéria tem pertinência no tocante aos imóveis, pois quanto aos móveis
vigora a presunção do art. 1.662, no sentido de que foram adquiridos na constância do
casamento.

III - as obrigações anteriores ao casamento.

Não se comunicam as obrigações de cada consorte, ainda que contraídas para os


aprestos.

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em


proveito do casal.

71
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão.

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge.

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Pensão é a quantia paga periodicamente a alguém para sua subsistência, decorrente


de lei, decisão judicial, contrato ou testamento.

Meio-soldo é a metade do soldo que se atribui ao oficial inferior ou às praças das


Forças Armadas quando vão para a reserva.

Montepio é a renda constituída a favor de alguém, para o caso de moléstia ou de


morte.

Os direitos acima são personalíssimos.

Também não se comunicam os direitos patrimoniais de autor, excetuados os rendimentos


de sua exploração, salvo disposição contrária em pacto antenupcial (Lei no 9.610/1998,
art. 39).

Recorde-se que o art. 499 do atual CC, inserido no capítulo da compra e venda, é
expresso ao estabelecer que é lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a
bens excluídos da comunhão.

Art. 1.660. Entram na comunhão:

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso,


ainda que só em nome de um dos cônjuges.

A cláusula de incomunicabilidade pode ser imposta por terceiros em doação ou


testamento. Geralmente, vem acompanhada das cláusulas de inalienabilidade e
impenhorabilidade. Discutia-se a cláusula de inalienabilidade, por ser mais ampla e
abranger as outras duas.

A questão foi apaziguada no art. 1911 – “a cláusula de inalienabilidade, imposta aos


bens por atos de liberabilidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade”.

A cláusula de incomunicabilidade pode ser imposta isoladamente.

Trata-se, no caso, de presunção absoluta de serem estes bens fruto do esforço comum.

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de


trabalho ou despesa anterior.

72
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Fato eventual – os prêmios de loteria, por exemplo.

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de


ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge,


percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de
cessar a comunhão.

Art. 1.661. São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título
uma causa anterior ao casamento.

Art. 1.662. No regime da comunhão parcial, presumem-se adquiridos


na constância do casamento os bens móveis, quando não se provar que
o foram em data anterior.

É importante frisar que se presumem adquiridos na constância do casamento os bens


móveis, salvo prova em contrário (art. 1.662).

Art. 1.663. A administração do patrimônio comum compete a qualquer


dos cônjuges.

O art. 1.663 estabelece que a administração do patrimônio comum compete a qualquer


dos cônjuges. O CC/1916 estabelecia que essa administração competia ao marido, o que
não mais podia vigorar após a CF/1988.

§ 1o As dívidas contraídas no exercício da administração obrigam os


bens comuns e particulares do cônjuge que os administra, e os do outro
na razão do proveito que houver auferido.

O parágrafo é de uma clareza lógica, o que dispensa comentários.

§ 2o A anuência de ambos os cônjuges é necessária para os atos, a título


gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns.

Outra regra importante é que é necessária a anuência de ambos os cônjuges para a


cessão gratuita do uso ou gozo dos bens comuns. Assim, para dar um imóvel comum em
comodato, qualquer um dos cônjuges precisa da vênia do outro.

§ 3o Em caso de malversação dos bens, o juiz poderá atribuir a


administração a apenas um dos cônjuges.

Malversar significa fazer má administração, dilapidar bens. Se um dos cônjuges é um


estroina que coloca em risco o patrimônio comum, pode ser afastado da administração,

73
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

tal como em uma sociedade empresária. Como se nota, há necessidade de decisão


judicial.

Art. 1.664. Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas


pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às
despesas de administração e às decorrentes de imposição legal.

Os bens comuns responderão pelas obrigações contraídas pelo marido e pela mulher
para atender aos encargos do lar. Por outro lado, a administração dos bens constitutivos
do patrimônio particular compete ao cônjuge proprietário, salvo convenção diversa no
pacto nupcial (art. 1.665).

Art. 1.665. A administração e a disposição dos bens constitutivos


do patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário, salvo
convenção diversa em pacto antenupcial.

Percebe-se, portanto, que o pacto antenupcial pode dispor que a administração ou a


alienação dos bens particulares somente podem ser ultimadas com a autorização de
ambos os cônjuges. É importante que os terceiros fiquem alertas a esse respeito.

Art. 1.666. As dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na


administração de seus bens particulares e em benefício destes, não
obrigam os bens comuns.

Comunhão universal de bens

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de


todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas,
com as exceções do artigo seguinte.

Este regime é de fácil compreensão. Nele, em princípio, só há um patrimônio. Tudo o


que pertence a um pertence ao outro. Há, porém, alguns bens que não se comunicam,
ou seja, que não integram a comunhão (CC, art. 1.668).

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I - Os bens que eventualmente substituírem os incomunicáveis por


meio de sub-rogação também não se comunicam.

A cláusula de incomunicabilidade pode ser imposta por terceiros em doação ou


testamento. Geralmente, vem acompanhada das cláusulas de inalienabilidade e
impenhorabilidade. Discutia-se a cláusula de inalienabilidade, por ser mais ampla,
implicava nas outras duas.

74
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

A questão foi apaziguada no art. 1911 – “a cláusula de inalienabilidade, imposta aos


bens por atos de liberabilidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade”.

A cláusula de incomunicabilidade pode ser imposta isoladamente.

II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro


fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas


com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum.

Aprestos = preparo.

Na verdade, bastaria dizer que se comunicam as dívidas anteriores ao casamento desde


que revertam em proveito de ambos os cônjuges.

IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a


cláusula de incomunicabilidade;

V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

Cuida-se nesse dispositivo de alguns bens que também se excluem na comunhão de


aquestos, bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; os proventos do
trabalho pessoal de cada cônjuge e as pensões, meio-soldos, montepios e outras rendas
semelhantes, como já foi dito.

Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo


antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam
durante o casamento.

Art. 1.670. Aplica-se ao regime da comunhão universal o disposto no


Capítulo antecedente, quanto à administração dos bens.

Art. 1.671. Extinta a comunhão, e efetuada a divisão do ativo e do


passivo, cessará a responsabilidade de cada um dos cônjuges para com
os credores do outro.

Fideicomisso – disposição testamentária em que um herdeiro ou legatário é encarregado


de conservar e, por sua morte, de transmitir a outrem a sua herança ou o seu legado.

Fideicomissário – Relativo a fideicomisso; aquele que recebe do fiduciário a herança ou


legado respectivo.

75
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Histórico do fidelcomisso

O instituto, pela própria denominação, é baseado na confiança, fidúcia. Como em


Roma muitas pessoas estavam impedidas de concorrer às heranças, o testador burlava
eventuais proibições pedindo a um herdeiro que se encarregasse de entregar seus bens
ao terceiro que o testador queria verdadeiramente beneficiar. O disponente confiava
na boa-fé do herdeiro (fidei tua committo) de onde proveio a palavra fideicomisso
(fideicomissum). O testador “cometia” (entregava) a herança a alguém, sob a confiança
de sua boa-fé (fidei tua).

O CC/2002 mantém o instituto (arts. 1.951 a 1.960), com restrição de seu alcance. A
substituição fideicomissária ficou circunscrita tão-somente aos fideicomissários ainda
não concebidos à época da morte do testador. Se, quando da morte do de cujus, já houver
nascido o fideicomissário, este adquire a nua propriedade dos bens fideicomitidos,
enquanto o direito do fiduciário converter-se-á em usufruto. Preferiu a lei nova evitar os
problemas decorrentes da propriedade resolúvel do fiduciário, colocando o fideicomisso
em sua mais útil e principal finalidade para o testador, qual seja, beneficiar a prole
eventual de pessoa por ele designada. O presente CC realça, ademais, a similitude do
fiduciário ao direito do usufrutário.

No fideicomisso, não há propriamente uma substituição. Existe uma disposição


testamentária complexa por meio da qual o testador institui alguém, por certo tempo
ou condição, ou até a sua morte, seu herdeiro ou legatário, o qual recebe bens em
propriedade resolúvel, denominado fiduciário, para que, com o implemento da condição,
advento do termo ou de sua morte, passe os bens a outro nomeado, o fideicomissário.

Tanto o fiduciário quanto o fideicomissário recebem os bens diretamente do


fideicomitente (o testador). A passagem do fiduciário ao fideicomissário apenas se
opera materialmente entre eles. Juridicamente, o fideicomissário recebe os bens por
direito causa mortis do autor da herança. Enquanto ele não receber os bens, será titular
de um direito eventual.

Trata-se de um dos institutos mais ricos em detalhes técnicos no campo da ciência jurídica.
Por essa razão requer cuidado extremo de quem o institui e de quem o interpreta. São
necessariamente três os ingredientes dessa operação técnica: fideicomitente (testador)
– fiduciário (propriedade resolúvel) – fideicomissário (titular de direito eventual).

Caso seja do seu, leia sobre o assunto em Direito das Sucessões, arts. 1.951 a 1.960 do
CC.

76
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Os frutos dos bens incomunicáveis pertencerão ao patrimônio comum, desde que


colhidos na constância do casamento.

O patrimônio comum será administrado por ambos os cônjuges, em regime de


solidariedade.

Havendo malversação, aqui também o Juiz poderá atribuir a administração a só um dos


consortes.

Do regime de participação final nos aquestos

Art. 1.672. No regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge


possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e
lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade
dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do
casamento.

O regime de participação final nos aquestos é novo no direito brasileiro, tendo sido
introduzido pelo Código de Miguel Reale. Tal como o da comunhão parcial, trata-se de
regime híbrido, em que o patrimônio dos cônjuges se reparte em particular e comum.
Ao contrário deste, porém, só se comunicam os adquiridos na constância do casamento
mediante esforço comum do casal.

Como toda novidade, tem despertado algumas incertezas – para cuja superação
infelizmente nem sempre o texto da lei ajuda como deveria. Para compreender
seus contornos e disciplina, o critério mais útil é extremá-lo dos demais regimes. A
interpretação das normas legais referente à participação final nos aquestos não pode
nunca o igualar ao regime da comunhão parcial ou separação absoluta. A meio caminho
entre um e outro (poderia ter sido chamado de “separação relativa”), a participação
final nos aquestos não pode perder sua especificidade.

No regime da participação final nos aquestos, cada cônjuge mantém seu patrimônio
próprio durante a constância do casamento (neste aspecto, aproxima-se da separação
absoluta) e tem, ademais, direito à meação dos bens adquiridos pelo casal a título
oneroso (aqui, aproximação com o regime da comunhão parcial – art. 1.672).

Para exemplificar:

Quadro 1.

Homem antes de se casar possui: 1 apartamento, dois terrenos e um barco.


Mulher antes de se casar possui: 1 casa de praia, ações de uma sociedade anônima e obras de arte.

77
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Homem na constância do casamento: herda uma fração ideal de uma mansão e compra três terrenos.
Mulher na constância do casamento: vende a casa de praia e compra outra maior e adquire alguns conjuntos de escritórios.
O casal adquire: 1 casa na cidade, 1 tela de um afamado pintor.
Bens a partilhar: 1 casa na cidade e 1 tela de um afamado pintor.

Art. 1.673. Integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge


possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância
do casamento.

Parágrafo único. A administração desses bens é exclusiva de cada


cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis.

Os cônjuges conduzem-se durante o casamento como se estivessem sob o regime da


separação de bens. Mantêm, porém, a expectativa da meação ao final do casamento.
Persiste, no entanto, a necessidade de autorização conjugal para a prática dos atos
relacionados no art. 1.647.

A solução do problema da administração dos bens imóveis particulares está no pacto


antenupcial que deverá ter cláusula prevendo a livre administração desses bens (Ver o
art. 1.656 do CC).

Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal,


apurar-se-á o montante dos aquestos, excluindo-se da soma dos
patrimônios próprios:

I - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se


sub-rogaram;

II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;

III - as dívidas relativas a esses bens.

Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos


durante o casamento os bens móveis.

Quanto aos bens imóveis, vimos que o pacto pode autorizar a alienação dos bens
particulares de cada consorte (art. 1.656). Nota-se, portanto, que somente haverá
meação a se analisar quando do desfazimento do vínculo conjugal. No entanto, a própria
lei encarrega-se de estabelecer certa confusão nesse sentido.

Art. 1.675. Ao determinar-se o montante dos aquestos,


computar-se-á o valor das doações feitas por um dos cônjuges, sem
a necessária autorização do outro; nesse caso, o bem poderá ser
reivindicado pelo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros, ou

78
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

declarado no monte partilhável, por valor equivalente ao da época da


dissolução.

Nessa situação, percebe-se que, apesar de o cônjuge ser titular de seu próprio
patrimônio, não pode fazer doações sem a autorização do outro. Se o fizer, quando da
apuração dos aquestos, o final, o valor da doação não autorizada deve ser computado
no monte partível e, o que é mais rigoroso, pode ser reivindicado pelo cônjuge
prejudicado ou seus herdeiros. Imagine-se, porém, uma doação não autorizada que
tenha ocorrido muitos anos antes do desfazimento da sociedade conjugal. Cria-se
uma situação de instabilidade.

Art. 1.676. Incorpora-se ao monte o valor dos bens alienados em


detrimento da meação, se não houver preferência do cônjuge lesado, ou
de seus herdeiros, de os reivindicar.

Ora, em princípio, nesse regime, só há que se falar em meação à época da dissolução


da sociedade conjugal. Esse dispositivo, porém, estampa que o valor do bem alienado
em detrimento dessa “futura” meação incorpora-se ao monte, para efeito de divisão.
No entanto, mais do que isso, o artigo ainda menciona a possibilidade de o cônjuge
preterido, ou seus herdeiros, reivindicar os bens. Ademais, é necessário estabelecer qual
o direito de preferência a que a lei se refere. Ainda, é de perguntar se esse dispositivo
se aplica aos bens imóveis, para cuja alienação há necessidade de autorização conjugal.
Parece que, em princípio, o artigo apenas se refere aos bens móveis.

Art. 1.677. Pelas dívidas posteriores ao casamento, contraídas por um


dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem revertido,
parcial ou totalmente, em benefício do outro.

Ora, na convivência conjugal, parte-se do pressuposto de que as dívidas contraídas pelo


cônjuge o sejam em benefício do lar conjugal e da convivência. Não se deve presumir
o contrário. Pois é exatamente o que faz esse artigo: parte do pressuposto de cada
cônjuge responde pelas dívidas que contraiu, salvo se provar o proveito para o outro
cônjuge. Ora, quem paga o IPTU do imóvel onde o casal reside, ainda que pertencente
a um deles, por exemplo, efetua despesas em proveito do outro? O cônjuge que adquire
um veículo para o seu trabalho e o lazer do casal e dos filhos nos finais de semana;
que modalidade de despesa é essa? Na verdade, esse regime de bens transforma o
casamento em um complexo negócio patrimonial. Se houver conflito na dissolução do
vínculo matrimonial, as questões a serem levantadas serão infindáveis.

Art. 1.678. Se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro com bens do
seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado,
na data da dissolução, à meação do outro cônjuge.

79
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Esse artigo exige que seja feito um balanço contábil e financeiro na data de dissolução do
casamento. Imagine-se essa atualização se passados muitos anos da solução da dívida.

Art. 1.679. No caso de bens adquiridos pelo trabalho conjunto, terá


cada um dos cônjuges uma quota igual no condomínio ou no crédito
por aquele modo estabelecido.

Este artigo é prova de que o legislador disciplinou esse regime de bens no casamento
como se estivesse regulando uma empresa.

Ora, se os cônjuges trabalham como sócios em pessoa jurídica há de se obedecer, quantos


aos proventos, o que foi estabelecido no contrato social. Se se trata de trabalho informal,
devem os cônjuges estabelecer uma participação nesse condomínio. As dificuldades e
os problemas que podem advir desse dispositivo dispensam maiores comentários.

Art. 1.680. As coisas móveis, em face de terceiros, presumem-se do


domínio do cônjuge devedor, salvo se o bem for de uso pessoal do outro.

Outra duvidosa disposição encontrada nesse art. 1.680. Dispõe-se:

Gostaríamos de ser um pouco mais simpáticos para com esse regime de


bens, mas não resistimos a perguntar: de quem é a titularidade do colar
de brilhantes que a mulher usa, mas pertence ao marido? Como poderão
os terceiros credores posicionar-se com esses bens, se em cada situação
devem provar evidências de fato? Estará aí uma situação propícia para
a fraude e para complexas ações de embargos de terceiros.

Art. 1.681. Os bens imóveis são de propriedade do cônjuge cujo nome


constar no registro.

Esse artigo estampa regra geral verdadeira e aparentemente óbvia, a fim de estabelecer
a propriedade dos bens imóveis para os cônjuges: os bens imóveis são de propriedade
do cônjuge cujo nome constar no registro. No entanto, o parágrafo único adverte:

Parágrafo único. Impugnada a titularidade, caberá ao cônjuge


proprietário provar a aquisição regular dos bens.

O Código estabelece aí uma situação de fraude contra credores. Um dos cônjuges pode
ter adquirido um imóvel e tê-lo registrado em nome do outro. Em caso de execução,
o titular do registro deve provar a aquisição do bem. Mais uma situação de muita
discussão processual, mormente em embargos de terceiro, embora a matéria também
possa ser versada em ação pauliana ou em ação de nulidade por simulação.

80
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Art. 1.682. O direito à meação não é renunciável, cessível ou penhorável


na vigência do regime matrimonial.

O artigo acabou dizendo menos do que pretendia, o que é irrenunciável, incessível e


impenhorável é a meação, porém os bens que a compõem, não. Após o desfazimento do
casamento, esses atos são admitidos.

Art. 1.683. Na dissolução do regime de bens por separação judicial ou


por divórcio, verificar-se-á o montante dos aquestos à data em que
cessou a convivência.

O montante dos aquestos a ser dividido é o da data em que cessou a convivência, e não
o da data em que se decretou a separação judicial ou o divórcio. O estabelecimento da
cessação da convivência é questão de fato, a ser apurada no caso concreto. Pode ocorrer,
por exemplo, da decisão que decretou a separação de corpos. A situação é importante
porque após o enceramento da convivência, sem que tenha havido a separação ou
divórcio, pode ter-se alterado a situação patrimonial dos cônjuges, que não deve ser
levada em conta para apuração da meação.

Art. 1.684. Se não for possível nem conveniente a divisão de todos os


bens em natureza, calcular-se-á o valor de alguns ou de todos para
reposição em dinheiro ao cônjuge não proprietário.

Parágrafo único. Não se podendo realizar a reposição em dinheiro,


serão avaliados e, mediante autorização judicial, alienados tantos bens
quantos bastarem.

A matéria trará problemas de difícil transposição, mormente quando o cônjuge não


mais possui patrimônio na dissolução do casamento ou numerário suficiente para
efetuar as tornas em dinheiro que o dispositivo acena.

Art. 1.685. Na dissolução da sociedade conjugal por morte,


verificar-se-á a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com
os artigos antecedentes, deferindo-se a herança aos herdeiros na forma
estabelecida neste Código.

Art. 1.686. As dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua


meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros.

Neste artigo, caberá ao devedor ou ao cônjuge provar que há valor de débito que supera
a meação.

81
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

O cálculo dos aquestos compreende, então, três etapas.

1a etapa: são apurados os valores correspondentes aos bens que indubitavelmente


integram o patrimônio particular, ou seja, aos listados no art. 1.674 do CC:

»» bens anteriores ao casamento e os que nele se sub-rogaram;

»» os adquiridos por cada cônjuge em razão de sucessão ou liberalidade24;

»» as dívidas correspondentes.

Do valor do patrimônio particular de cada cônjuge deduz-se, então, a soma dos valores
desses bens. É a etapa mais simples do cômputo dos aquestos, porque, em termos
gerais, corresponderão as deduções às exclusões do regime de comunhão parcial,
suficientemente conhecidas dos operados do direito.

2ª etapa: devem ser considerados os valores dos demais bens adquiridos pelos
consortes na constância do casamento, para distinguir os que o foram com recursos
individuais dos que resultaram do esforço conjunto do casal.

Em relação a esta parte do cálculo, os critérios legais são três:

»» no caso de bens adquiridos pelo esforço comum, cada cônjuge terá direito
à metade (CC, art. 1.679);

»» os bens móveis presumem-se adquiridos na constância do casamento


(art. 1.674, parágrafo único);

»» os imóveis são, em princípio, da propriedade daquele em cujo nome


estiver registrado (art. 1.681).

Em decorrência do primeiro critério, é absolutamente irrelevante o tamanho


proporcional da contribuição de cada cônjuge para o esforço comum; tendo havido este,
dividir-se-á o bem em quotas iguais, isto é, pela metade, mesmo que um dos consortes
tenha contribuído mais que outro na aquisição.

Em razão do segundo critério, o cônjuge que reivindicar a propriedade exclusiva


de bem móvel deve provar que já o titulava ao tempo do casamento ou que o adquiriu
com recursos próprios.

Pelo terceiro e último critério de definição da titularidade dos bens


potencialmente comuns, se um dos cônjuges tiver contribuído para a aquisição de
imóvel, de cujo registro consta apenas o nome do outro, cabe-lhe impugnar a titularidade
24 Ato pelo qual se conferem gratuitamente a outrem vantagens, bens e direitos.

82
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

exclusiva, mas, atente, uma vez feita a impugnação, o ônus da prova do esforço comum
não é do impugnante. A lei atribui ao cônjuge em cujo nome está registrado o imóvel o
dever de provar tê-lo adquirido com recursos particulares (art. 1.681, parágrafo único).

Percebe-se, com facilidade, que o cônjuge casado no regime de participação final nos
aquestos deve se preocupar em conservar todos os documentos e informações atinentes
a cada aquisição importante que tenha feito enquanto durar o casamento. Se comprou
um imóvel e registrou em seu nome, mas não puder provar, tempos depois, no término
da sociedade conjugal, que o fez exclusivamente com recursos próprios, sem nenhuma
contribuição material alguma do outro cônjuge, terá direito unicamente à meação
do bem. No caso de falecimento, competirá a prova aos seus herdeiros, a partir das
informações e documentos que lhes chegarem às mãos.

3a etapa do cálculo dos aquestos diz respeito a certos ajustes.

Se um dos cônjuges doou algum bem sem a autorização do outro, deve-se


considerar que praticou a liberalidade em desfavor de seu patrimônio particular e
não de bens comunicados. O valor atual da doação deve ser imputado ao patrimônio
particular do cônjuge doador (CC, art. 1.675).

Outro ajuste relaciona-se aos bens alienados25 em detrimento da meação,


cujos valores devem ser imputados aos dos aquestos (art. 1.675). Nesses dois casos,
o cônjuge prejudicado, ou seus descendentes, podem preferir a reivindicação do bem
doado ou alienado ao ajuste no cálculo dos aquestos.

O terceiro ajuste é pertinente às dívidas de um cônjuge solvidas pelo outro,


com bens de seu patrimônio particular. O valor atualizado do pagamento
imputa-se à meação do cônjuge devedor, como se tivesse havido uma antecipação desta
(art. 1.678).

O derradeiro ajuste nos cálculos dos aquestos diz respeito às dívidas de um dos
cônjuges, que não pode comprometer a meação do outro quando seu valor superar a do
devedor (art. 1.686).

Procedido ao cálculo dos aquestos, atribui-se a meação a cada cônjuge ou seus herdeiros.
Sendo conveniente e possível, dividir-se-ão os bens em espécie. Caso contrário, o
cônjuge proprietário pagará ao não proprietário em dinheiro o valor correspondente à
meação. Não dispondo de numerário para fazer o pagamento, alguns de seus bens, após
avaliação e autorização judiciais, serão vendidos para a liquidação da partilha (CC, art.
1.684, parágrafo único).

No regime da participação final nos aquestos, os cônjuges conservam


seus patrimônios particulares e, ao término da sociedade conjugal (no
25 Cedido, transferido, vendido.

83
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

falecimento de um deles, separação ou divórcio), os bens adquiridos


com o esforço comum do casal são divididos.

Vamos a exemplo para melhor entendimento.

Considere, na separação deste casal que optou pelo regime de participação final nos
aquestos:

O patrimônio em nome dele é avaliado em R$ 300.000,00.

O patrimônio em nome dela é avaliado em R$ 500.000,00.

Ultrapassada a primeira etapa dos cálculos, avalia-se que os bens indubitavelmente


excluídos da meação correspondem, no patrimônio dele, a R$ 200.000,00, e no dela, a
R$ 100.000,00, ou seja:

Quadro 2.

Patrimônio do rapaz R$ 300.00,00 – R$ 200.000,00, sobra R$ 100.000,00.

Patrimônio da moça R$ 500.000,00 – R$ 100.000,00, sobra R$ 400.000,00.

Na segunda etapa, está provado que um imóvel em nome da mulher foi adquirido
com dinheiro proveniente exclusivamente do trabalho dela e que seu valor é de R$
200.000,00.

Na terceira etapa, apura-se que o marido pagou, com seus recursos, uma dívida da
mulher correspondente a R$ 30.000,00. Feitas as contas, os aquestos montam R$
300.000,00, dos quais ele terá direito a R$ 180.000,00, e ela, a R$ 120.000,00.

Quer conferir? Do valor do patrimônio do marido, deve-se deduzir o dos bens


indubitavelmente excluídos da meação (R$ 300.000,00 – R$ 200.000,00= R$
100.000,00), para alcançar o dos aquestos que se encontram no nome dele.

Já do patrimônio da mulher, para apurar os aquestos nele alocados, devem-se deduzir o


destes bens e também do que restou provado ter sido adquirido apenas com os recursos
dela (R$ 500.000,00 – R$ 100.000,00 – R$ 200.000,00= R$ 200.000,00).

Soma-se, então, o valor dos aquestos em nome de cada um dos cônjuges:

R$ 100.000,00 (homem) + R$ 200.000,00 (mulher)= R$ 300.000,00).

Ele seria simplesmente dividido pela metade, não fosse a necessidade do ajuste relativo
à dívida dela paga por ele.

84
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Ajustado o cálculo, apura-se o direito do marido em R$ 180.000,00, vejamos:

R$ 300.000,00 ÷ 2 = R$ 150.000,00 então, teremos, R$ 150.000,00 + R$ 30.000,00


= R$ 180.000,00

Da mulher em R$ 120.000,00:

R$ 120.000,00(R$ 300.000,00 ÷ 2 = R$ 150.000,00 – R$ 30.000,00 = R$


120.000,00).

Separação de bens

Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob


a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá
livremente alienar ou gravar de ônus real.

Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as


despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de
seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.

Neste regime de bens, cada cônjuge terá seu patrimônio separado. E os bens adquiridos
por ambos, com seu esforço comum?

Sobre estes bens deverá decidir o pacto antenupcial, podendo eles pertencerem a um
dos cônjuges ou aos dois, em comunhão.

A separação de bens é obrigatória em alguns casos. Assim, quem se case


apesar de algum impedimento impediente, ou seja, com inobservância de causa
suspensiva, terá o casamento regulado pela separação de bens.

O homem e a mulher maiores de 60 anos também só podem casar-se pelo regime de


separação de bens. Por fim, o casamento dos menores sob tutela ou daqueles que
dependam de autorização judicial para contrair núpcias será realizado pelo regime
da separação de bens.

A separação de bens obrigatória é chamada de separação legal de bens. Nos casos


em que ocorre, poderá faltar o pacto antenupcial, principalmente se for automática,
como quando imposta como pena pela infração de impedimento impediente. Nessas
hipóteses, aplica-se a Súmula no 377 do STF:

No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na


constância do casamento.

85
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Regime da separação legal ou obrigatório

O art. 1.641, CC/2002, trata do regime obrigatório. Não é necessário o pacto antenupcial
por se tratar de regime imposto pela lei.

A imposição da lei tem por objetivo regular as causas suspensivas da celebração do


casamento e proteger os menores de dezesseis anos, maiores de sessenta e as pessoas
que necessitam de suprimento judicial para casar. O art 1.523 do CC/02 determina
quatro situações em que não é permitido o casamento.

Regime de separação obrigatória de bens para os maiores de sessenta anos.

O CC/2002 impõe o regime de separação obrigatória de bens aos maiores de 70 anos,


limitando a autonomia da vontade, exclusivamente considerando a idade. Deve ser
interpretada como uma norma restritiva de direitos, que fere o fundamento constitucional
da dignidade da pessoa humana e presume, indevidamente, a incapacidade dos maiores
de 70 anos, indo de encontro, inclusive, ao princípio da isonomia, já que há previsão de
disciplina jurídica diversa para pessoas de idade inferior.

A limitação da vontade, em razão da idade, impondo regime de separação obrigatória


de bens, longe de se constituir como precaução (norma protetiva), se constitui em
verdadeira incoerência.

A lei permite a realização do casamento das pessoas maiores de 70 anos, pois diz respeito
à questão relativa ao estado da pessoa, sendo direito indisponível.

A pessoa maior de sessenta anos é considerada pelo CC/2002 uma pessoa capaz ser
vítima de aventureiros, portanto tal restrição tem caráter protetivo, com propósito de
obstar o casamento exclusivamente com interesse econômico.

O CC/1916 impunha o regime legal para a mulher maior de 50 anos e para o homem
maior de 60 anos. O CC/2002 observa a isonomia constitucional e estabelece a mesma
idade sem a distinção de sexo.

A imposição do regime legal às pessoas maiores de 70 anos vai, também, de encontro


com os direitos constitucionais da igualdade jurídica, da intimidade e da garantia do
justo processo legal, considerada a acepção substantiva.

As pessoas que dependem de autorização judicial


para casar

São os que necessitam o suprimento judicial do consentimento dos pais ou o suprimento


judicial de idade. Ocorre que, mesmo havendo suprimento judicial, em que o
Estado-juiz autoriza a realização do ato solene do casamento, ainda que ausente algum

86
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

requisito legal, a lei determina que referido casamento só se realizará sob o regime
patrimonial de separação de bens, obrigatoriamente.

A jurisprudência observou que não protegia devidamente as pessoas e passou a ter o


entendimento que, neste regime, que se comunicavam os aquestos, ou seja, os bens
adquiridos na constância do casamento a título oneroso.

Assim, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula no 377: “No regime de separação
legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

A Súmula no 377 foi aplicada literalmente, mas posteriormente ficou restrita aos bens
adquiridos pelo esforço comum dos cônjuges. Assim o STJ considerou a existência de
uma sociedade de fato entre os cônjuges e reconheceu o direito à meação dos bens
adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum, no regime da separação
legal e, também, no regime da separação convencional.

De que vale então tal suprimento judicial? Afinal, o juiz supriu ou não supriu a falta do
requisito obrigatório?

Com o suprimento judicial de idade núbil, o requisito da idade foi satisfeito por ordem
judicial. De igual modo, com o suprimento do consentimento dos pais ou responsáveis,
a vontade se completou para todos os fins de direito.

Outra questão relevante a ser discutida no tema é que, para a configuração da união
estável, não se exige o requisito idade (nem há previsão de suprimento judicial) e, para
esta entidade familiar, o regime legalmente estabelecido, salvo contrato escrito, é o da
comunhão parcial de bens.

Como, então, compatibilizar a diferença de tratamento entre duas entidades familiares


(união estável e casamento) para pessoas que se encontrem em situação jurídica idêntica
(mesma idade)?

Fere, sem dúvida, o Princípio Constitucional da Isonomia.

Da extinção do Casamento

Referências legislativas: art. 226 da CF; arts. 1.562 e 1.571 a 1.582 do CC; Lei
no 6.515/1977; Lei no 8.408/1992; Lei no 7.841/1989; Lei no 9.68/1949 e Lei no
5.478/1968.

87
Capítulo 7
Da dissolução da sociedade e do
vínculo conjugal

Uma das características do casamento é a sua indissolubilidade. No entanto, há fatores


que podem importar em sua extinção, sejam eles imputáveis ou não às partes.

Rompe-se o casamento
»» Por fato natural (morte).

»» Nos casos de invalidade e ineficácia do matrimônio, que são, a bem da


verdade, fatores anteriores ao próprio casamento civil.

»» Pela vontade de uma ou de ambas as partes, por meio da separação


judicial ou do divórcio.

As duas últimas causas de extinção da sociedade conjugal são imputáveis às partes,


enquanto a primeira decorre de fatores que não podem ser a elas imputáveis.

Distingue-se a terminação da sociedade conjugal da ruptura do vínculo matrimonial,


pois somente com a extinção do liame matrimonial é que se torna possível a realização
de segundas núpcias, enquanto a primeira hipótese se refere, em especial, às questões
relativas aos demais efeitos do término do casamento.

As causas para a extinção do casamento podem ser:

»» causas anteriores, referentes à ausência de pressupostos ou requisitos


para a celebração do casamento;

»» causas concomitantes, referentes à celebração do casamento civil;

»» causas futuras, referentes a fatores imputáveis e não imputáveis às partes.

Nessa terceira categoria incluem-se a separação e o divórcio. Trata-se de regime jurídico


de extinção do casamento por causa futura que se divide em duas etapas. A menos
que se obtenham os pressupostos legais necessários para o reconhecimento direto da
última etapa, que é o divórcio.

88
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

O anacronismo da etapa da separação é, nos dias atuais, portanto, indiscutível, salvo


razões metajurídicas que possam vir a ser levantadas (como, por exemplo, a sacralidade
do matrimônio).

Abandono do lar conjugal – separação de


corpos
A separação de corpos se dará por:

Abandono do lar conjugal

Quando um dos cônjuges resolve deixar de manter domicílio naquele fixado pela entidade
familiar, dá-se o abandono do lar conjugal. Trata-se de conduta incompatível
com o cumprimento dos deveres de assistência imaterial e materiais decorrentes do
casamento civil, que se caracteriza pela simples saída do domicílio, com indícios de que
não mais haverá retorno a ele.

Saída do domicílio por motivos justificáveis

O cônjuge que sai do domicílio por motivos justificáveis pode regularizar tal ato, obtendo
autorização judicial para tanto. A jurisprudência considera como motivos razoáveis
ou justificáveis agressões físicas, atentado contra a vida e assim por diante.

A ausência de motivo justo acarreta responsabilidade do que se retirou do lar


conjugal, podendo ser imputada em seu desfavor à culpa pela extinção do casamento.
É o que se observa, por exemplo, na recusa imotivada de fixação de outro domicílio
conjugal ou na recusa de morar com o sogro ou a sogra.

Aquele que pretende regularizar a situação da saída do lar conjugal, a fim de não ser
considerado culpado em eventual processo de separação judicial, pode propor medida
judicial que objetiva a separação de corpos, que é medida adotada por um dos cônjuges
que decide não mais viver sob o mesmo teto que o outro.

A separação de corpos pode ser requerida como tutela provisória de urgência de


natureza cautelar, como forma de saída autorizada do lar conjugal e de liberação dos
deveres matrimoniais.

Como medida cautelar, já se discutia, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 se
era necessário que o requerente procedesse ao ajuizamento da medida de separação no
prazo de trinta dias, sob pena de caducidade. Na atual sistematização sendo pleiteada

89
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

a tutela provisória de urgência de natureza cautelar antecedente faz-se necessário o


aditamento da petição inicial no prazo de 30 (trinta) dias da efetivação da medica
cautelar, sob pena de extinção da medida e extinção do processo.

Outras hipóteses de separação de corpos

A separação de corpos poderá, ainda, ser requerida ao juiz de direito nas seguintes
hipóteses:

»» antes da ação de nulidade do casamento;

»» antes da ação anulatória de casamento;

»» antes da separação judicial;

»» antes da dissolução da união estável.

A separação de corpos pode ser deduzida como pedido processual cumulado com o de
retirada do outro cônjuge do lar conjugal, a pretexto de proteção da integridade física
do requerente ou de seus filhos.

Em nova regulamentação, o Código autoriza a conversão direta da separação de corpos


em divórcio, sem a realização da separação judicial, art. 1580.

Trata-se de inovação elogiável, que contribuiu para a redução dos obstáculos à extinção
do vínculo conjugal, já depauperado diante da obtenção da separação cautelar de corpos.

Por fim, encontrando-se o requerente da ação de separação judicial autorizado pelo juiz
por força da decisão proferida na cautelar de separação de corpos em manter domicílio
outro que não o conjugal.

Com relação à competência, o novo Código de Processo Civil alterou substancialmente


o que tínhamos anteriormente, assim temos:

Art. 53. É competente o foro:

I - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e


reconhecimento ou dissolução de união estável:

a) de domicílio do guardião de filho incapaz;

b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;

c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio


do casal;

90
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Separação

Antes de analisarmos o que vem a ser a separação, suas espécies e procedimentos


cumpre ressaltar que há divergência sobre a existência desse instituto ou não em nosso
ordenamento jurídico.

Assim, iremos iniciar transcrevendo dois artigos de doutrinadores, cada qual se


manifestando a favor.

O Novo Divórcio e o que Restou do Passado. Autor: Zeno Veloso

Disponível em: <http://www.arpensp.org.br/principal/index.cfm?tipo_


layout=SISTEMA&url=noticia_mostrar.cfm&id=12048>

Ao regular separação judicial, Novo CPC tira dúvidas sobre instituto. Por
Venceslau Tavares Costa Filho e Torquato Castro Jr.

Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2014-nov-30/regular-separacao-judicial-cpc-tira-
duvidas-instituto>

Como se observa, com efeito, são extremadas as posições doutrinárias nessa seara da
possibilidade jurídica de um pedido de separação judicial no direito pátrio atual. Por
isto que, atentando-se ao fato que a separação permanece formalmente prevista tanto
no Código Civil quanto no Novo Código de Processo Civil, não tendo os dispositivos
respectivos sido declarados inconstitucionais, optamos por apresentar o instituto,
discorrendo sobre ele, e, por ocasião do estudo encetado, poderemos debater com toda
amplitude o tema objeto dos artigos retrotranscritos.

Separação é a dissolução da sociedade conjugal sem o rompimento do vínculo


matrimonial.

Os efeitos da separação conjugal são:

»» a separação de corpos, conforme já analisado no item antecedente;

»» a modificação e a cessação de determinados efeitos pessoais do casamento,


como se verá adiante;

»» a partilha dos bens, que pode, no entanto, ser postergada para até mesmo
depois do divórcio.

91
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

A separação pode ser:

»» separação de fato;

»» separação extrajudicial;

»» separação judicial.

Tratando-se de cônjuge portador de incapacidade superveniente, somente caberá


separação judicial, devendo ele ser representado pelo curador, ascendente ou irmão.
Nessa hipótese, intervirá obrigatoriamente o Ministério Público, sob pena de nulidade
do processo.

Separação de fato

A separação de fato é informal e não viabiliza, em princípio, a constituição de outro


relacionamento a ser, ao menos, considerado como união estável.

No entanto, o tempo de separação de fato pode ser aproveitado por aquele que deseja
depois pleitear:

»» o divórcio direto, se houve decorrido o lapso temporal de dois anos;

»» o reconhecimento judicial de união estável, após a extinção formal do


casamento.

Separação extrajudicial

Separação extrajudicial é negócio jurídico celebrado entre os cônjuges que põe termo
ao casamento, sem viabilizar a ruptura completa e irreversível do vínculo matrimonial.

Pode ser formalizada por escritura pública lavrada mediante a assistência de advogado
comum ou de advogado de cada um dos interessados.

A escritura de separação extrajudicial conterá as disposições relativas à pensão


alimentícia e ao uso do nome de casado. Tal escritura independe de homologação judicial
e não conta com a participação do Ministério Público, porque somente pode ser lavrada
em não havendo filhos menores ou incapazes ou, ainda, se não houver nascituro.

As disposições concernentes à partilha dos bens poderão ser postergadas para o


divórcio, ou mesmo depois dele.

92
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Como a lei submete a legitimação para a realização extrajudicial ao que dispõe a


legislação sobre o instituto da separação.

Separação e o divórcio extrajudicial no nCPC


O Código de Processo Civil de 1973 sofreu alteração pela Lei no 11.441, de 4 de janeiro
de 2007, passando assim a admitir a realização de inventário, partilha, separação
consensual e divórcio por via administrativa. E com o advento do nCPC essa alteração
já consolidada em nosso sistema manteve-se.

A inovação trazida por essa lei foi recebida com entusiasmo pela comunidade jurídica,
sobretudo porque tem por objetivo promover uma sensível desobstrução dos canais do
Judiciário brasileiro e proporcionar à sociedade uma célere opção para a resolução de
situações de direito que versem sobre as relações pessoais, em que propriamente não
haja um litígio, mas sim uma convergência de interesses. E por isso mesmo, foi mantido
no nCPC.

Desse modo, a repercussão da Lei no 11.441, e posteriormente mantida pelo Código de


Processo Civil de 2015, foi manifestada especialmente nos institutos da separação
consensual, do divórcio consensual, da realização do inventário e da
partilha, ao passo que conferiu às partes interessadas a possibilidade de, pela via
administrativa, realizar tais atos mediante escritura pública lavrada no Tabelionato de
Notas. Todavia, a admissão de tal procedimento exige, especialmente, dois requisitos
cumulativos, que devem ser observados com cautela pelas partes interessadas:

a. Exige-se a consensualidade entre as partes, ou seja, os interessados


devem estar de comum acordo acerca do conteúdo das disposições a serem
tomadas com relação à separação, ao divórcio, ao inventário e à partilha.

b. Em qualquer das hipóteses, isto é, em se tratando de separação, divórcio,


partilha e inventário, não poderá coexistir interesses de menores
ou incapazes ou nascituro, o que impede, por exemplo, que casais com
filhos menores ou incapazes, ainda que a separação seja consensual, optem
pela via administrativa – no Cartório de Ofício de Notas.

Devido às nuances que envolvem as relações pessoais, o direito de família, e o direito


das sucessões sofrem uma significativa ingerência do Estado, que procura regular e, na
maioria das vezes, proteger os interesses daqueles cuja capacidade jurídica, ainda que
temporariamente, encontra-se comprometida.

93
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Tal fato justifica a preocupação legislativa no tocante aos interesses dos menores ou
incapazes como necessária, sobretudo porque se trata de um interesse indisponível,
melhor dizendo, irrenunciável, e por esta razão sua apreciação é reservada,
exclusivamente, à tutela do Judiciário com o consentimento do Ministério Público.

Por outro lado, a exigência de consensualidade para a prática do ato, no caso, separação,
divórcio, partilha e inventário, é um requisito que se compatibiliza com o Estado
Democrático de Direito, pelo qual apenas o Poder Judiciário, constitucionalmente
reconhecido, pode manifestar-se, em caráter vinculativo e definitivo, com relação a
conflito de interesses. Em uma palavra, trata-se de uma intervenção judicial obrigatória,
assim como a do Ministério Público, que, por missão institucional, atua como fiscal da
lei, garantindo a lisura e segurança do procedimento.

Com efeito, satisfeitos tais requisitos, a lei reconhece a possibilidade de realização de


inventário, partilha, separação e divórcio por via administrativa.

A opção pela via administrativa reconhece que tais relações pessoais, especialmente
aquelas inerentes ao direito de família, poderão submeter-se a um procedimento
mais célere, mediante escritura pública lavrada no Tabelionato de Notas, que será
considerada título hábil para o registro de imóveis e o registro civil, dispensando, na
hipótese, eventual homologação judicial.

Nesse procedimento administrativo, é exigido que as partes sejam assistidas por


advogado comum ou representantes de cada uma delas.

Tal exigência afigura-se como requisito de existência, validade e eficácia da escritura


pública a ser lavrada no Tabelionato de Notas, pelo que não pode ser dispensada.

A aqueles que não se beneficiam pela gratuidade constante daquela previsão normativa,
sujeitam-se às custas inerentes à elaboração da escritura pública, que sofrerá variação
de acordo com o Estado em que for formalizada.

Frise-se, por fim, que a escritura pública relativa à separação e ao divórcio será o ato
formal no qual restarão consignadas todas as disposições em que convergiram os
interesses dos cônjuges, especialmente aquelas referentes à pensão alimentícia, se
houver, à partilha dos bens comuns, à retomada do nome de solteiro ou à manutenção
do nome adotado na oportunidade da celebração do casamento.

Esta mesma particularidade, quanto à relevância do conteúdo/alcance da escritura


pública, deve ser ressalvada no caso de partilha e inventário, em especial, no tocante à
disposição dos bens.

94
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Por fim, é importante ressaltar que a opção pela via administrativa, formalizada por
meio de escritura pública, especialmente no tocante à partilha e inventário, não
afasta eventual responsabilidade tributária dos beneficiários, que estarão
submetidos ao recolhimento do Imposto de Transmissão – ITD, cuja
disciplina é de competência de cada Estado.

Separação judicial

Separação judicial é aquela deliberada por determinação do Poder Público e pode


ser cautelar, consensual ou litigiosa.

A separação cautelar26 objetiva a separação de corpos, de forma antecipada


ao processo principal de separação, de divórcio ou diante de uma medida
protetiva decorrente da Lei Maria da Penha, conforme o caso. Como
anteriormente observado, a lei civil autoriza expressamente a conversão direta da
separação de corpos em divórcio.

Logo, perde razoabilidade o ajuizamento da ação principal de separação judicial, a menos


que se pretenda discutir temas referentes aos efeitos da separação (o que se afigura na
maioria dos casos contraproducente, pois o desiderato da norma foi evidentemente o
de facilitar a conversão em divórcio e de promover a celeridade e economia processual,
deixando-se de lado o ajuizamento de um processo principal de separação judicial).

Outra modalidade de separação é a consensual ou amigável, em que há o acordo de


vontades entre os nubentes para extinção da sociedade conjugal.

Não há nessa modalidade de separação nenhum litígio a ser dirimido entre os cônjuges,
e os termos constantes da petição inicial, devidamente assinadas por ambos os
interessados e seu procurador, devem ser submetidos à apreciação do MP, caso haja
menor ou incapaz envolvido, e do Poder Judiciário.

Caso da não homologação da separação consensual:

»» Os interesses dos filhos porventura existentes não estão sendo preservados.

A recusa judicial da homologação poderá ser posteriormente suprida, mediante o


atendimento da alteração dos termos integrantes da separação amigável.

Por fim, é cabível a separação litigiosa ou contenciosa, na qual não há prévio acordo
entre os cônjuges para a dissolução da sociedade conjugal.

26 |Diante do advento do Novo Código de Processo Civil a terminologia adequada é tutela provisória de urgência de natureza
cautelar.

95
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Separação por Fato Imputável e Não Imputável ao


Cônjuge

A separação pode advir de fato imputável ou não imputável ao cônjuge.

São fatos não imputáveis ao cônjuge:

»» a ação do tempo, que torna irreconciliável a vida em comum;

»» a enfermidade mental (CC, art. 1.572).

A ruptura pela ação do tempo é causa mais utilizada, na prática, para a separação
judicial. Pressupõe sempre a impossibilidade de reconstituição da vida em comum.

São fatos imputáveis ao cônjuge para a separação, e que levam à insuportabilidade


da vida em comum:

»» fato desonroso;

»» o descumprimento dos deveres de assistência material ou imaterial.

Fato desonroso é aquele que expõe o nome do cônjuge ou da família ao ridículo,


ofendendo a sua honra, o respeito ou a privacidade.

São exemplos de fato desonroso, entre outros:

»» a torpeza;

»» a corrupção;

»» a criminalidade;

»» a embriaguez contumaz;

»» o uso de entorpecentes.

Descumprimento dos deveres de assistência material ou imaterial é a


violação do asseguramento dos direitos da personalidade e do amparo patrimonial do
outro cônjuge ou da prole resultante do casamento. Exemplos: o adultério, a injúria
grave, os maus-tratos e o abandono de lar.

Ao descumprimento de tais deveres Fachin denomina perturbações objetivas. De fato,


a questão da separação tende a ser cada vez mais objetivada, deixando-se de lado a
improdutiva discussão da culpa para o deslinde da questão.

96
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

Fachin afirma que não tem mais sentido analisar a culpa como motivo de ordem íntima,
psíquica, pois bastaria inferir certas condutas como tendentes à extinção da sociedade
conjugal.

Torna-se possível a adoção da separação como um remédio, diante do reconhecimento


da insuportabilidade da vida em comum ou da impossibilidade de reconstituição
da sociedade conjugal (separação remédio).

Causas de insuportabilidade da vida em comum:

»» o adultério, que importa em violação da vida em comum;

»» a tentativa de morte contra o outro cônjuge;

»» a sevícia, ou seja, o castigo físico (tapa, espancamento etc.)

»» a prática de injúria grave contra o outro cônjuge.

Os mais recentes julgados apontam, ainda:

»» a embriaguez habitual;

»» o uso abusivo de morfina;

»» o ciúme despropositado;

»» o pedido de interdição por insanidade inexistente;

»» o descumprimento do débito conjugal;

»» a trocar da fechadura do domicílio, impedindo a entrada do outro cônjuge;

»» o abandono voluntário do domicílio conjugal por um ano contínuo;

»» a condenação por crime infamante;

»» a conduta desonrosa;

»» outros motivos reconhecidos pelo juiz de direito.

Em qualquer hipótese de separação judicial, são inerentes à sentença que extingue


o vínculo matrimonial:

»» a separação de corpos;

»» o fim dos deveres de coabitação;

97
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

»» o fim da fidelidade mútua;

»» a partilha dos bens.

Extingue-se, por isso, o próprio regime de bens (CC, art. 1.576).

A partilha dos bens, no entanto, não precisa ser prévia, podendo ser postergada para
depois do divórcio.

Reconstituição do casamento
Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como
esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade
conjugal, por ato regular em juízo.

Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de


terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for
o regime de bens. Reconstituição do casamento é a desistência
da pretensão de divórcio.

O assunto em comento prevê o restabelecimento da sociedade conjugal. Essa


possibilidade é o que marca a separação judicial como medida que tanto pode conduzir
ao divórcio quanto permitir a reconciliação.

Não se trata de mero fato; requer a lei ato regular em juízo, vale dizer, intervenção do
Estado-juiz chancelando o restabelecimento. Demais disso, com o fim de proteger a
boa-fé de terceiros, em face da eficácia jurídica da separação, são colocados a salvo tais
direitos.

Interessante anotar que, para o restabelecimento, não importa a causa da separação,


quer tenha sido consensual, quer litigiosa. O requerimento deve ser formulado por
ambos os cônjuges, perante o juízo competente, que é o da separação judicial, sendo
reduzido a termo, assinado pelos cônjuges e homologado por sentença, depois da
manifestação do MP. Com a reconciliação, os cônjuges voltarão a usar o nome que
usavam antes da dissolução da sociedade conjugal.

Não haverá alteração no regime de bens, porém, se o casal se divorciou, poderá unir-se
novamente (novo casamento) com outro regime de bens. É possível, todavia, em caso
de separação judicial, a alteração do regime de bens por ocasião da reconciliação,
mediante autorização judicial, se houver “pedido motivado de ambos os cônjuges,
apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros” (CC,
art. 1.639, § 2o).

98
NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA │ UNIDADE II

O art. 101 da Lei dos Registros Públicos prevê que o ato de restabelecimento da
sociedade conjugal será também averbado no Registro Civil, com as mesmas indicações
e efeitos.

O art. 1.579 proclama a inalterabilidade dos direitos e deveres dos pais com relação
aos filhos, em decorrência do divórcio ou do novo casamento de qualquer um deles. A
obrigação alimentar, fruto tanto dos laços de parentesco quanto em decorrência do poder
familiar, não sofre qualquer modificação com a mudança do estado civil do alimentante
(quem paga alimentos). No entanto, está-se consolidando corrente jurisprudencial que
permite a revisão do valor dos alimentos quando estabelece o alimentante novo vínculo
afetivo ou ocorre o nascimento de outros filhos.

Conversão da separação em divórcio – art. 1.580

Apenas o divórcio importa no rompimento do vínculo matrimonial, em caráter


definitivo.

O divórcio pode ser obtido por meio indireto ou via conversão, decorrido um ano
do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da
decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos.

A ruptura do vínculo pode dar-se diretamente, prevendo-se que o divórcio poderá


ser requerido por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada a separação de
fato por mais de 2 anos.

Divórcio indireto

A separação (judicial ou aquela concessiva tão só da separação de corpos) como estágio


intermédio entre o casamento e a ruptura do vínculo, na modalidade do divórcio
indireto.

Divórcio

Divórcio é a completa ruptura da sociedade conjugal e do vínculo matrimonial,


que torna o divorciado livre para a celebração de novo casamento civil.

O divórcio veio a ser permitido no Brasil a partir da Emenda Constitucional no 9, de


28/6/1977. Antes, o casamento somente poderia ser extinto por morte ou mediante
desquite, o que não rompia o liame conjugal e permitia tão somente a separação do
casal, impossibilitando novas núpcias.

99
UNIDADE II │ NOÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

O divórcio direto está previsto no segundo parágrafo do art. 1.580. O art. 1.581 dispensa
a partilha dos bens para a sua decretação e o art. 1.582 identifica os legitimados para
propor a demanda.

Efeitos da separação e do divórcio

A separação e o divórcio acarretam efeitos sobre a pessoa e o patrimônio dos cônjuges,


assim como sobre os demais membros da família.

Nome de casado

No regime jurídico anterior, apenas a mulher podia adotar o patronímico do marido,


hoje, dado ao princípio da igualdade entre o homem e a mulher, ambos podem, mas o
nosso país não tem essa tradição.

Como exceção à regra, no caso de separação litigiosa, estipulou que a mulher não
podia continuar utilizando o nome do marido, se julgada culpada pela separação.

O que tem acontecido: tratando-se de separação ou divórcio litigioso, o evictor


perderá o direito de usar o nome do outro, se expressamente requerido pelo vencedor e
se sua alteração não ocasionar:

»» prejuízo evidente à sua identificação;

»» manifesta diferença entre o seu nome de família e o dos seus filhos;

»» grave dano reconhecido judicialmente.

FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos de direito de família. Rio de Janeiro:


Renovar, 1999 (Título III, Capítulo 4).

RODRIGUES, Silvio. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2015.

100
GUARDA DOS Unidade iII
FILHOS

Capítulo 1
Guarda dos filhos

Figura 5.

Fonte: <https://pixabay.com/pt/crian%C3%A7a-menino-menina-png-1650651/>.

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos


genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda
compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e
deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes
ao poder familiar dos filhos comuns.

§ 2o Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve


ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo
em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos:

I - (revogado);

II - (revogado);

III - (revogado).

§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia


dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.

101
UNIDADE III │ GUARDA DOS FILHOS

§ 4o (VETADO).

§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a


supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão,
qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar
informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em
assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física
e psicológica e a educação de seus filhos.

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles,
em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união
estável ou em medida cautelar;

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho,


ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com
o pai e com a mãe.

§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o


significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude
de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo
descumprimento de suas cláusulas.

§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda


do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder
familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos
genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos


de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a
requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação
técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à
divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.

§ 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de


cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a
redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.

§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do


pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade
com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de
parentesco e as relações de afinidade e afetividade.

102
GUARDA DOS FILHOS │ UNIDADE III

§ 6o Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar


informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena
de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais)
por dia pelo não atendimento da solicitação.

Art. 1.585. Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em


sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar
de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será
proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o
juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de
liminar sem a oitiva da outra parte, aplicando-se as disposições do art.
1.584.

Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a


bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos
antecedentes a situação deles para com os pais.

Guarda dos filhos é o direito potestativo (direito-dever) conferido àquele que permanecer
na posse da prole ou de parte dela.

Desde o advento da lei do divórcio, os cônjuges podem acordar sobre a guarda dos
filhos. Somente, se houver fato grave é que, o juiz modificará a guarda dos menores.

Vigora na guarda o princípio do melhor interesse do menor, que pode prevalecer sobre
os interesses de seus próprios genitores, conforme conclusão judicial extraída a partir
do caso concreto.

A guarda pode ser originária ou derivada. Entende-se por guarda originária


aquela decorrente da proteção ao recém-nascido, quer pelos genitores, ou por terceiros.

Guarda derivada é aquela que uma pessoa obtém de forma superveniente, mesmo que
o genitor não tenha sido despojado a título provisório ou definitivo do poder familiar.

A guarda pode ser obtida de forma provisória, por qualquer pessoa capaz, mediante
procedimento cautelar ou por decisão liminar inaudita altera parte em processo que
tramite perante a Vara de Família e Sucessões. Quando a guarda versar sobre menor
abandonado ou órfão, a questão será dirimida pela Vara da Infância e da Juventude.

Considera-se guarda definitiva aquela obtida por força de uma sentença judicial
transitada em julgado.

As disposições acerca da guarda são aplicáveis tanto para o menor de idade como
para o maior incapaz, sendo necessário observar se a incapacidade dele é ampla ou

103
UNIDADE III │ GUARDA DOS FILHOS

não (lembre-se, por exemplo, que o pródigo somente é considerado incapaz de forma
relativa e para praticar atos de disposição patrimonial).

Guarda unilateral

Sendo determinada a guarda do filho incapaz em prol de apenas um dos cônjuges, há


guarda unilateral. Não é correto usar o termo posse dos filhos, porque posse é para
bens e não para pessoas.

A guarda unilateral enseja o dever de vigilância a ser observado pelo guardião. Quando
o menor estiver sob os cuidados do outro cônjuge em virtude do exercício do direito de
visitar, haverá a exclusão da responsabilidade do guardião, sujeitando-se o visitante
aos efeitos jurídicos do dano porventura sofrido pelo visitado.

A alteração do domicílio do guardião não pode ser encarada como obstáculo ao exercício
do direito de visitar que o outro cônjuge possui. Sua conveniência, de qualquer sorte,
pode ser questionada perante o Poder Judiciário, porém não possui o condão de levar
o visitante a pleitear a modificação da guarda. Deve-se sempre atender ao bem-estar do
menor. Em caso de discórdia entre os pais, o juiz requererá avaliação psicológica.

É nula a cláusula de separação ou divórcio que estabelece a modificação automática da


guarda em virtude da alteração de domicílio do guardião.

Guarda compartilhada

Mantendo-se a guarda a ambos os cônjuges por força da sentença judicial de separação


ou divórcio, ocorre a continuidade da guarda compartilhada, isto é, ambos os
genitores poderão, embora separados ou divorciados um do outro, ter a guarda do
mesmo filho.

A guarda compartilhada pode ser exercida de forma concomitante (o menor pode


morar com um dos pais, porém estar sob a guarda de ambos, já que a guarda não se
confunde, necessariamente, com a ideia de presença física ou, ainda, com a antiga
noção de posse do menor) ou alternada. A forma alternada não é reconhecida em
nossa legislação, que contempla apenas a guarda compartilhada ou a guarda unilateral.

Na guarda compartilhada alternada, há um rodízio entre os guardiões, cada qual


devendo arcar com os deveres inerentes à guarda tão somente durante o período para o
qual foi encarregado. Sendo que além de não prevista em nossa legislação, os psicólogos
manifestam-se contrários a essa forma de guarda.

104
GUARDA DOS FILHOS │ UNIDADE III

Tanto na guarda individual como na compartilhada, comum ou alternada,


o guardião possui perante a criança ou o adolescente os mesmos deveres que o genitor
dele (assistência material e imaterial, facilitação do exercício do direito de visita,
responsabilidade civil por atos do menor perante terceiros, responsabilidade criminal
pelo não cumprimento adequado de suas funções etc.).

O guardião responsabiliza-se pela formação cultural, educacional e religiosa do


incapaz, assegurando lhe meios compatíveis para o desenvolvimento de seus direitos
biopsíquicos.

As responsabilidades dos pais permanecem quando da guarda e se alternam entre eles


quando estiverem com os filhos menores.

Com o advento da Lei no 13.058 de 2014, que alterou o Código Civil e estabeleceu a
guarda compartilhada como sendo a regra, basicamente somente em duas situações é
que não será concedida a guarda compartilhada. A primeira é quando um dos genitores
se manifesta expressamente no sentido de que não deixe a guarda (diz a lei: Quando
não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos
os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada,
salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor). A
outra hipótese é quando isso for prejudicial ao menor, aplicando-se aqui o princípio do
melhor interesse do menor.

O que se visa é modificar com essa regra de guarda compartilhada é alterar o padrão
do direito de visitação em que, normalmente, o genitor apenas vê a sua prole de 15 em
15 dias, nos finais de semana. Ao passo que o genitor guardião fica com a prole a maior
parte do tempo. Com a alteração promovida pela Lei 13.058 de 2014 no Código Civil,
temos a introdução de um novo padrão de conduta. O que se espera é uma convivência
“que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.» Isso implica
que os pais e as mães precisam se adequar a uma nova realidade em que ambos são
responsáveis por uma convivência equilibrada com a sua prole.

Ainda dentro dessa ideia da guarda compartilhada, o Conselho Tutelar irá se destacar
com um papel que é de orientar as famílias no que precisa ser feito para que se atinja essa
convivência equilibrada prevista no Código Civil, por meio da alteração apresentada
pela Lei 13.058 de 2014.

Em caráter excepcional, o juiz poderá conceder a guarda a terceiro que pode ser ou não
membro da família de qualquer um dos cônjuges.

105
UNIDADE III │ GUARDA DOS FILHOS

A lei direciona o juiz a aplicar, sempre que possível, a guarda compartilhada. Somente
em caráter excepcionalíssimo é que o juiz de direito concederá a guarda a pessoa que
não possua o poder familiar. Esta se dará obedecendo ao grau de parentesco, à afinidade
e à afetividade.

Mesmo contraindo novas núpcias, o pai ou a mãe continuam com o direito de guarda
sobre o filho incapaz.

Guarda com fins específicos

A guarda pode ser obtida para os fins exclusivamente de percepção de benefícios


previdenciários ou de plano de saúde. Nesses casos, fala-se de guarda para fins
específicos, injustamente criticada por alguns porque não há relação genuína de
guarda, além de transformar a prestação de serviços de várias entidades em centros de
assistência, por sentimento humano e de comiseração.

Ora, diante do princípio constitucional da solidariedade social, impõe-se


a defesa da guarda para fins específicos, já que incumbe ao poder público e à
sociedade civil a garantia de subsistência e bem estar do incapaz.

Maria Helena Diniz entende que tal modalidade de guarda deve subsistir até que seja
definida a situação do menor. Venosa, por sua vez, justifica a guarda para a percepção
de benefícios previdenciários ou de saúde por conta do abandono dos genitores ou da
situação de órfão do menor.

A falta de previsão legal para a guarda com fins específicos não significa a
impossibilidade de sua concessão, porque a lei concede a guarda ampla; isso demonstra
tornar-se possível a guarda para a prática de determinados atos em defesa dos interesses
extrapatrimoniais e patrimoniais da criança e do adolescente.

O guardião poderá reconhecer o menor como seu dependente para os fins de declaração
de imposto de renda. Se for estrangeiro, o guardião será expulso do território nacional
por abandono do menor brasileiro que se encontrar sob a sua guarda.

Modificação da guarda

A modificação da guarda é procedimento de natureza excepcional, não se justificando


quando há, por si sós, problemas de ordem econômica do guardião.

106
GUARDA DOS FILHOS │ UNIDADE III

Direito de visitar e direito de ser visitado ao direito à


convivência

Direito de visita é aquele conferido a quem não detém a guarda do filho menor e deve
ser exercido em conformidade com o determinado na sentença judicial de separação,
em dia, hora, duração e local.

Em princípio, é razoável que o direito de visitar seja exercido com a retirada do menor
de seu domicílio, para que fique na companhia do visitante, por algumas horas ou
durante os dias estabelecidos pelo juiz.

O menor possui o direito de ser visitado, e este deve ser exercido sem que qualquer
hipótese de conflito de interesses, entre os envolvidos, possa prejudicar.

O genitor visitante deve respeitar a educação e a boa formação que vêm sendo dadas ao
incapaz pelo seu guardião, não embaraçando o exercício de suas atividades habituais,
imprescindíveis à sua integração social e à confirmação de sua identidade.

Caberá a suspensão do direito de visitar quando houver:

»» prática, pelo visitante, de ato incompatível com a moral ou os bons


costumes;

»» abuso de direito, devolvendo-se ou entregando-se o menor em horários e


datas não ajustadas quando da separação ou do divórcio;

»» ameaça contra a vida ou a integridade física daquele que detém a guarda


do filho.

Em hipóteses que caracterizavam gravidade, o juiz poderá restringir o exercício do


direito de visitas a algumas poucas horas no domicílio do menor e acompanhado.
Poderá, ainda, suspender temporariamente o direito de visitas, em tutela antecipatória
do mérito. E, a de depender, do pedido, poderá determinar a perda do direito de visitas.

Releva destacar que, se inicialmente cogitava a doutrina de um direito de visita, com a


evolução do direito das famílias, do direito constitucional e do direito da criança e do
adolescente, agora se fala em direito à convivência. Assim, os genitores têm o direito
e o dever de conviver com a sua prole da mesma forma que seus filhos menores têm o
direito e o dever de conviver com seus genitores.

Da mesma forma, faz-se mister a realização de um estudo psicossocial de cada caso


concreto, por meio do qual se poderá conversar com os genitores e demais familiares
envolvidos, e mostrar a importância da convivência familiar com ambos os genitores,

107
UNIDADE III │ GUARDA DOS FILHOS

evitando assim que a criança ou o adolescente sejam expostos à situação de risco, como
ocorre na alienação parental.

Síndrome da alienação parental

Síndrome da alienação parental, o que é isso?


Maria Berenice Dias

Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/pt/home-artigos- sindrome-da-aliena-


parental-alienação-parental.dept.

Certamente todos que se dedicam ao estudo dos conflitos familiares e da violência


no âmbito das relações interpessoais já se depararam com um fenômeno que
não é novo, mas que vem sendo identificado por mais de um nome. Uns o
chamam de “síndrome de alienação parental”; outros, de “implantação de falsas
memórias”.

Esse tema começa a despertar a atenção, pois é prática que vem sendo
denunciada de forma recorrente. Sua origem está ligada à intensificação das
estruturas de convivência familiar, o que fez surgir, em consequência, maior
aproximação dos pais com os filhos. Assim, na separação dos genitores, passou a
haver entre eles uma disputa pela guarda dos filhos, algo impensável até algum
tempo atrás. Antes, a naturalização da função materna levava a que os filhos
ficassem sob a guarda da mãe, ao pai restava somente o direito de visitas em
dias predeterminados, normalmente em fins de semana alternados.

Como encontros impostos de modo tarifado não alimentam o estreitamento


dos vínculos afetivos, a tendência é o arrefecimento da cumplicidade que só a
convivência traz. Afrouxando-se os elos de afetividade, ocorre o distanciamento,
tornando as visitas rarefeitas. Com isso, os encontros acabam protocolares: uma
obrigação para o pai e, muitas vezes, um suplício para os filhos.

Agora, porém, está-se vivendo uma outra era. Mudou o conceito de família.
O primado da afetividade na identificação das estruturas familiares levou à
valoração do que se chama filiação afetiva. Graças ao tratamento interdisciplinar
que vem recebendo o direito de família, passou-se a emprestar maior atenção
às questões de ordem psíquica, permitindo o reconhecimento da presença de
dano afetivo pela ausência de convívio paterno-filial.

A evolução dos costumes, que levou a mulher para fora do lar, convocou o homem
a participar das tarefas domésticas e a assumir o cuidado com a prole. Assim, na

108
GUARDA DOS FILHOS │ UNIDADE III

separação, o pai passou a reivindicar a guarda da prole, o estabelecimento da


guarda conjunta, a flexibilização de horários e a intensificação das visitas.

No entanto, muitas vezes a ruptura da vida conjugal gera na mãe sentimento


de abandono, de rejeição, de traição, surgindo uma tendência vingativa muito
grande. Quando não consegue elaborar adequadamente o luto da separação,
desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do
ex-cônjuge. Ao ver o interesse do pai em preservar a convivência com o filho,
quer vingar-se, afastando este do genitor.

Para isso, a mãe cria uma série de situações visando dificultar ao máximo ou
impedir a visitação. Leva o filho a rejeitar o pai, a odiá-lo. A este processo o
psiquiatra americano Richard Gardner nominou de “síndrome de alienação
parental”: programar uma criança para que odeie o genitor sem qualquer
justificativa. Trata-se de verdadeira campanha para desmoralizar o genitor. O
filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro.
A mãe monitora o tempo do filho com o outro genitor e também os seus
sentimentos para com ele.

A criança, que ama o seu genitor, é levada a afastar-se dele, que também a ama.
Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos.
Restando órfão do genitor alienado, acaba identificando-se com o genitor
patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado.

O detentor da guarda, ao destruir a relação do filho com o outro, assume o


controle total. Tornam-se unos, inseparáveis. O pai passa a ser considerado um
invasor, um intruso a ser afastado a qualquer preço. Esse conjunto de manobras
confere prazer ao alienador em sua trajetória de promover a destruição do
antigo parceiro.

Nesse jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas, inclusive a assertiva


de ter sido o filho vítima de abuso sexual. A narrativa de um episódio durante
o período de visitas que possa configurar indícios de tentativa de aproximação
incestuosa é o que basta. Extrai-se desse fato, verdadeiro ou não, denúncia de
incesto. O filho é convencido da existência de um fato e levado a repetir o que lhe
é afirmado como tendo realmente acontecido. Nem sempre a criança consegue
discernir que está sendo manipulada e acaba acreditando naquilo que lhes foi
dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem a mãe consegue distinguir
a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o
filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se,
assim, falsas memórias.

109
UNIDADE III │ GUARDA DOS FILHOS

Esta notícia, comunicada a um pediatra ou a um advogado, desencadeia a pior


situação com que pode um profissional defrontar-se. Aflitiva a situação de quem
é informado sobre tal fato. De um lado, há o dever de tomar imediatamente uma
atitude e, de outro, o receio de que, se a denúncia não for verdadeira, traumática
será a situação em que a criança estará envolvida, pois ficará privada do convívio
com o genitor que eventualmente não lhe causou qualquer mal e com quem
mantém excelente convívio.

A tendência, de um modo geral, é imediatamente levar o fato ao Poder Judiciário


e buscar a suspensão das visitas. Diante da gravidade da situação, acaba o juiz
não encontrando outra saída senão a de suspender a visitação e determinar
a realização de estudos sociais e psicológicos para aferir a veracidade do que
lhe foi noticiado. Como procedimentos assim são demorados – aliás, fruto da
responsabilidade dos profissionais envolvidos –, durante todo este período
cessa a convivência do pai com o filho. Nem é preciso declinar as sequelas que
a abrupta cessação das visitas pode trazer, bem como os constrangimentos
que as inúmeras entrevistas e testes a que é submetida a vítima na busca da
identificação da verdade.

No máximo, são estabelecidas visitas de forma monitorada, na companhia de


terceiro, ou no recinto do fórum, lugar que não pode ser mais inadequado. E
tudo em nome da preservação da criança. Como a intenção da mãe é fazer
cessar a convivência, os encontros são boicotados, sendo utilizado todo tipo de
artifícios para que não se concretizem as visitas.

O mais doloroso – e ocorre quase sempre – é que o resultado da série de


avaliações, testes e entrevistas que se sucedem durante anos acaba não sendo
conclusivo. Mais uma vez depara-se o juiz diante de um dilema: manter ou não
as visitas, autorizar somente visitas acompanhadas ou extinguir o poder familiar;
enfim, manter o vínculo de filiação ou condenar o filho à condição de órfão de
pai vivo cujo único crime eventualmente pode ter sido amar demais o filho e
querer tê-lo em sua companhia. Talvez, se ele não tivesse manifestado o interesse
em estreitar os vínculos de convívio, não estivesse sujeito à falsa imputação da
prática de crime que não cometeu.

Diante da dificuldade de identificação da existência ou não dos episódios


denunciados, é fundamental que o juiz tome cautelas redobradas.

Não há outra saída senão buscar identificar a presença de outros sintomas que
permitam reconhecer que se está diante da síndrome da alienação parental
e que a denúncia do abuso foi levada a efeito por espírito de vingança, como

110
GUARDA DOS FILHOS │ UNIDADE III

instrumento para acabar com o relacionamento do filho com o genitor. Para isso,
é indispensável não só a participação de psicólogos, psiquiatras e assistentes
sociais, com seus laudos, estudos e testes, mas também que o juiz se capacite
para poder distinguir o sentimento de ódio exacerbado que leva ao desejo de
vingança a ponto de programar o filho para reproduzir falsas denúncias com o
só intuito de afastá-lo do genitor.

Em face da imediata suspensão das visitas ou determinação do monitoramento


dos encontros, o sentimento do guardião é de que saiu vitorioso, conseguiu o
seu intento: rompeu o vínculo de convívio. Nem se atenta ao mal que ocasionou
ao filho, aos danos psíquicos que lhe infligiu.

É preciso ter presente que esta também é uma forma de abuso que põe em
risco a saúde emocional de uma criança. Ela acaba passando por uma crise de
lealdade, pois a lealdade para com um dos pais implica deslealdade para com o
outro, o que gera sentimento de culpa quando, na fase adulta, constatar que foi
cúmplice de uma grande injustiça.

A essas questões devem todos estar mais atentos. Não mais cabe ficar silente
diante das maquiavélicas estratégias que vêm ganhando popularidade e que
estão crescendo de forma alarmante.

A falsa denúncia de abuso sexual não pode merecer o beneplácito da Justiça,


que, em nome da proteção integral, de forma muitas vezes precipitada ou
sem atentar ao que realmente possa ter acontecido, vem rompendo vínculo
de convivência tão indispensável ao desenvolvimento saudável e integral de
crianças em desenvolvimento.

Flagrada a presença da síndrome da alienação parental, é indispensável


a responsabilização do genitor que age dessa forma por ser sabedor da
dificuldade de aferir a veracidade dos fatos e usa o filho com finalidade vingativa.
É importante, que sinta que há o risco, por exemplo, de perda da guarda, caso
reste evidenciada a falsidade da denúncia levada a efeito. Sem haver punição a
posturas que comprometem o sadio desenvolvimento do filho e colocam em
risco seu equilíbrio emocional, certamente continuará aumentando esta onda
de denúncias levadas a efeito de forma irresponsável.

111
DAS RELAÇÕES DE Unidade iV
PARENTESCO

Capítulo 1
Das relações de parentesco

Figura 6.

Fonte: <https://pixabay.com/pt/fam%C3%ADlia-companheirismo-pais-e-filhos-1671088/.>

Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para
com as outras na relação de ascendentes e descendentes.

Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto


grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma
da outra.

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de


consanguinidade ou outra origem.

Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número


de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um
dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o
outro parente.

Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro


pelo vínculo da afinidade.

112
DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO │ UNIDADE IV

§ 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos


descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.

§ 2o Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do


casamento ou da união estável.

Conceito
Segundo Maria Helena Diniz27, “parentesco é a relação vinculatória existente
não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo
troco comum, mas também entre o cônjuge e os parentes do outro e entre
adotante e adotado”.

Clóvis Beviláqua define o parentesco como a relação que vincula entre si as


pessoas que descendem do mesmo tronco ancestral.

Para Pontes de Miranda, parentesco é a relação que vincula entre si pessoas


que descendem uma das outras, ou de autor comum (consanguinidade),
que aproxima cada um dos cônjuges dos parentes do outro (afinidade), ou
que estabelece, por fictio iuris, entre adotado e o adotante.

Espécies de parentesco

O parentesco pode ser:

»» Natural ou consanguíneo: é o vínculo estabelecido entre pessoas que


descendem de um mesmo tronco (tronco comum) e, dessa forma, estão
ligadas pela mesma herança genética.

»» Por afinidade (afim): é o que liga uma pessoa aos parentes de seu
cônjuge ou companheiro, isto é, aquele que decorre do casamento ou da
união estável, conforme previsto em lei (CC, art. 1.595).

»» Civil: é o parentesco decorrente da adoção, estabelecido entre o adotante


e o adotado, estendido a seus parentes.

Importante observação a ser feita é quanto à expressão “outra origem” do art. 1.593, in
fine:

O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade


ou outra origem.

27 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5, p. 367.

113
UNIDADE IV │ DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO

Pode-se entender “outra origem” como, por exemplo, a inseminação artificial com
doador – hipótese trazida pelo art. 1.597, que será abordado em tópico relativa presunção
de paternidade na próxima unidade – e até mesmo a clonagem.

Parentesco em linha reta

São parentes em linha reta as pessoas que estão ligadas umas às outras em uma relação
de ascendência e descendência (CC, art. 1.591), como mostram os esquemas a seguir:

Figura 7.

Bisavô

3º grau

Avô

Esquema 1 - O parentesco
entre João e seu avô: 2º grau
relação de parentesco em
linha reta de 2º grau Pai
ascendente. Ascendente

1º grau

João

Fonte: elaborado pelo autor.

O parentesco de linha reta pode ser representado, graficamente, por uma perpendicular
que liga um parente a outro.

Se o ponto de partida de uma linha reta ascendente é o pai e a mãe de uma pessoa, tal
linha vai bifurcar-se, entrando, então em duas famílias distintas, formando as linhas
paterna e materna.

Parentesco em linha colateral ou transversal

O parentesco em linha colateral é aquele em que as pessoas são provenientes de um


só tronco, sem descender uma das outras. Cabe ressaltar que o parentesco em linha
colateral só é contado até o quarto grau (CC, art. 1.592).

114
DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO │ UNIDADE IV

Figura 8.

3º Grau
Avô

2º Grau

Tio
Pai

1º Grau
Esquema 2 – Parentesco entre João e seu tio:
João relação de parentesco em linha colateral e
transversal de 3º grau.

Fonte: elaborado pelo autor.

Figura 9.

2º grau
3º grau
Avô

Pai Tio

1º grau

João primo

Esquema 3 4º grau

Fonte: elaborado pelo autor.

Esquema 3 – o parentesco entre João e seu primo: relação de parentesco em linha


colateral ou transversal de 4o grau.

Na linha colateral ou transversal, o parentesco pode ser:

»» Igual: quando a distância entre as pessoas que estão sendo comparadas


com relação ao ascendente comum for a mesma (esquema 4).

»» Desigual: quando a distância entre as pessoas que estão sendo comparadas


com relação ao ascendente comum for diferente (esquema 5).

115
UNIDADE IV │ DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO

Figura 10.
2º grau
3º grau
Avô

Pai Tio

1º grau
2=2

João Primo

Esquema 4 4º grau

Fonte: elaborado pelo autor.

Esquema 4 – parentesco entre João e seu primo: relação de parentesco em linha colateral
ou transversal de 4o grau “igual”, pois João e o primo guardam a mesma distância do
avô, 4o grau.

Figura 11.

3º Grau
Avô

2º Grau

Tio
Pai
2x1
1º Grau
J ã Ti
João

Esquema 5

Fonte: elaborado pelo autor.

Esquema 5 – Parentesco entre João e seu tio: relação de parentesco em linha colateral
ou transversal de 3o grau “desigual”, pois a distância de João é de dois graus e a do tio
para o avô, de um grau.

116
DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO │ UNIDADE IV

Figura 12.

Bisavô

Avô

Tio-Avô

Pai

Sobrinho-neto

Fonte: elaborado pelo autor.

Entre tio-avô e sobrinho-neto também há parentesco transversal ou colateral em quarto


grau, como se vê no esquema anterior.

Parentesco por afinidade

Figura 13.

Sogra Sogro Cunhado Enteados

Fonte: <http://humordainternet.blogspot.com.br/2010/12/para-minha-sogra-preferida.html. https://pixabay.com/pt/homem-


velho-guy-leitura-jornal-40091/. https://pixabay.com/pt/%C3%A1gua-terreno-homem-lata-de-cerveja-736867/. https://pixabay.
com/pt/guerra-de-%C3%A1gua-crian%C3%A7as-%C3%A1gua-jogar-442257/>.

A afinidade é o liame jurídico que se estabelece entre cada consorte ou companheiro e


os parentes do outro, mantendo certa analogia com o parentesco consanguíneo no que
concerne à determinação das linhas e graus (CC, art. 1.595, §§ 1o e 2o).

Na linha reta tem-se, então, a afinidade entre sogro e nora, sogra e genro, padrasto e
enteada, madrasta e enteado. São, portanto, afins em primeiro grau. Por exemplo: em
razão de casamento ou da união estável, alguém poderá ser afim em primeiro grau com
a filha e a mãe da mulher a que se uniu, caso em que a filha de sua mulher será sua
enteada e a mãe, sua sogra.

117
UNIDADE IV │ DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO

Figura 14. Esquema 6.

A Sogra e o

Fonte: elaborado pelo autor.

Esquema 6 – Parentesco da esposa do filho 1 com os sogros: relação de parentesco por


afinidade em linha reta de 1o grau ascendente. O parentesco da(o) filha/filho unilateral
da esposa do filho 1, por exemplo, será, também, de 1o grau na linha reta ascendente por
afinidade.

Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união


estável (CC,art. 1.595, § 2o), configurando-se impedimento matrimonial (CC, art. 1.521, II).

Em segundo grau, na linha reta, o cônjuge ou companheiro será afim com os avós do
outro e este com os avós daquele, porque na linha reta não há limite de grau.

Figura 15. Esquema 7.

Fonte: elaborado pelo autor.

Esquema 7 – Esposa do filho 1 com cunhados: relação de parentesco por afinidade em


linha colateral ou transversal de 2o grau.

Figura 16. Esquema 8.

Fonte: elaborado pelo autor.

118
DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO │ UNIDADE IV

Esquema 8 – Esposa com João (sobrinho de seu marido): não há parentesco por
afinidade na linha colateral além do 2o grau.

Figura 17. Esquema 9.

Fonte: elaborado pelo autor.

Esquema 9 – Parentesco da esposa com o marido de sua cunhada: cabe ressaltar que
entre concunhados não há relação de parentesco.

Na linha colateral, o parentesco por afinidade não vai além do segundo grau, existindo
tão somente com os irmãos do cônjuge ou companheiro (CC, art. 1.595, § 1o, 2a parte);
assim, com o casamento ou união estável, uma pessoa torna-se afim com os irmãos do
cônjuge ou convivente. Cunhados serão parentes por afinidade em segundo grau, mas
entre consortes e companheiros não há parentesco nem afinidades.

119
FILIAÇÃO E
RECONHECIMENTO Unidade V
DE PATERNIDADE

Capítulo 1
Filiação e reconhecimento de
paternidade

Figura 18.

Fonte: <https://pixabay.com/pt/beb%C3%AA-menino-crian%C3%A7a-abra%C3%A7o-84639/>.

Filiação
Filiação é a relação de parentesco existente entre o descendente e seu ascendente de
primeiro grau.

É, portanto, o vínculo constituído entre um sujeito e seus pais, pouco


importando o meio de sua formação.

A filiação deve ser demonstrada pela certidão do registro de nascimento efetuado no


cartório civil.

Em sentido estrito, filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais. É
considerada filiação propriamente dita quando visualizada pelo lado do filho. Encarada

120
FILIAÇÃO E RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE │ UNIDADE V

em sentido inverso, ou seja, pelo lado dos genitores em relação ao filho, o vínculo se
denomina paternidade ou maternidade.

A CF/1988 (art. 227, § 6o) estabeleceu absoluta igualdade entre todos os


filhos, não admitindo mais a retrógrada distinção entre filiação legítima e ilegítima,
segundo os pais fossem casados ou não, e adotiva, que existia no vetusto Código Civil
de 1916. Naquela época, dada a variedade de consequências que essa classificação
acarretava, mostrava-se relevante provar e estabelecer a legitimidade.

Filhos legítimos eram os que procediam de justas núpcias. Quando não houvesse
casamento entre os genitores, denominavam-se ilegítimos e se classificavam, por
sua vez, em naturais e espúrios. Eram naturais, quando entre os pais não havia
impedimento para o casamento; espúrios, quando a lei proibia a união conjugal dos
pais. Estes podiam ser adulterinos, se o impedimento resultasse do fato de um deles
ou de ambos serem casados, e incestuosos, se decorressem do parentesco próximo,
como entre pai e filha ou entre irmão e irmã. Entre os espúrios, merece referência o
filho sacrílego; o que era o espúrio nascido de clérigo ou de religioso, em razão de
“coito danado” (ex damnato coitu procreati).

O CC/1916 dedicava ainda um capítulo à legitimação como um dos efeitos do casamento.


Tinha este o condão de conferir aos filhos havidos anteriormente os mesmos direitos e
qualificações dos filhos legítimos, como se houvessem sido concebidos após as núpcias.
Dizia o art. 352 do aludido diploma que “os filhos legitimados são, em tudo, equiparados
aos legítimos”.

Hoje, todavia, todos são apenas filhos, uns havidos fora do casamento, outros, na
constância, mas com direitos e qualificações iguais. O princípio da igualdade dos
filhos é reiterado no art. 1.596 do CC, que enfatiza: “Os filhos, havidos ou não da relação
de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Reconhecimento da paternidade

Reconhecimento da paternidade é ato personalíssimo pelo qual o suposto


pai assume formalmente o estado jurídico de genitor de uma pessoa havida fora do
casamento.

Por tratar-se de união livre, se ambos os genitores eram desimpedidos, ou ilícita, se um


dos genitores era casado, conforme o caso. Pode-se afirmar que o reconhecimento da
paternidade tem natureza jurídica de legitimação.

O reconhecimento da paternidade pode ser voluntário ou forçado.

121
UNIDADE V │ FILIAÇÃO E RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE

Reconhecimento voluntário

O reconhecimento voluntário decorre da livre e séria manifestação do suposto pai


em assumir o filho, como sendo oriundo de uma relação sexual por ele mantida com
uma mulher.

O reconhecimento voluntário da paternidade pode ser feito:


»» no registro de nascimento;
»» por meio de escritura pública ou de instrumento particular arquivado no
cartório;
»» por meio de disposição testamentária, o que configura a hipótese de
legitimação post-mortem;
»» perante o juiz de direito.

Após a CF/1988, foi editada a Lei no 7.841, de 17/10/1989, que revogou o art. 358 do
CC/1916 e permitiu o reconhecimento de paternidade de filhos adulterinos
e incestuosos.

O reconhecimento voluntário é irrevogável, considerando-se ineficazes o termo e a


condição nele porventura apostos. A explicação é simples: o ato em pauta não se sujeita
a qualquer modalidade do ato jurídico (condição, termo, encargo ou pressuposição).
Basta que o declarante reconheça a paternidade de forma livre, séria e sem
qualquer vício de manifestação de vontade.

Não se confunde tal reconhecimento, voluntário por essência, com a conduta cuja
vontade é viciada ou defeituosa, como, v. g., sucede com o homem que é levado a
crer que o filho seria realmente seu e o registra como tal, caso em que se torna
possível a ação negatória de paternidade, como se verá mais adiante, que se
baseia logicamente no defeito de manifestação da vontade do requerente que registrou
a criança sob sua paternidade.

Admite-se o reconhecimento voluntário que preceder ao nascimento do filho, na época


intermediária entre a concepção e o parto.

De igual maneira, permite-se o reconhecimento voluntário da paternidade após o óbito


do filho, caso ele tenha deixado descendentes. Logo, se o filho não vier a reconhecido
em vida, o genitor poderá vir a reconhecê-lo após a sua morte.

O filho menor pode impugnar o reconhecimento voluntário no prazo de 4


anos, contados a partir da maioridade ou da emancipação.

122
FILIAÇÃO E RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE │ UNIDADE V

Somente cabe o reconhecimento de filho maior de idade se ele assim consentir.

Procedimento administrativo de reconhecimento da paternidade (Lei no


8.560/1992, art. 2o):

Quando o declarante do registro de nascimento for pessoa diversa da do genitor,


o oficial deverá registrar o nascimento da criança tão somente com a declinação da
maternidade, remetendo ao juiz os dados sobre o suposto pai.

Pouco importa qual o estado civil do suposto pai, se ele é solteiro, casado, separado,
divorciado ou viúvo. Ele deverá ser notificado para comparecer em audiência e declarar
se é ou não o genitor da pessoa interessada, como meio de se obter dados de relevo para
a satisfação dos interesses da criança, bem como para o asseguramento dos direitos
decorrentes da filiação.

Sendo reconhecida a paternidade, o juiz determinará que se proceda à averbação


necessária junto ao registro de nascimento.

Todavia, se o suposto pai negar a paternidade ou deixar de comparecer à audiência


designada pelo juiz, no prazo de trinta dias, os autos do procedimento administrativo
deverão ser remetidos ao Ministério Público para eventual propositura de ação de
investigação de paternidade.

Presunção de paternidade e sua contestação

A presunção de paternidade (pater is est) remonta a uma época em que se pressupunha


a fidelidade da mulher para com o marido, tendo em vista que a maternidade, naquele
tempo, era sempre certa (mater semper certa est). Entretanto, as técnicas de reprodução
humana assistida trouxeram novas indagações à problemática do reconhecimento
voluntário e forçado da paternidade, cujo ponto de partida se mantém como sendo a
demonstração da prática de relações sexuais com a genitora (pater is est quem nuptiae
demonstrant).

A lei presume a filiação havida na constância do casamento do nascido:

a. Em, no mínimo, 180 dias após o início da convivência conjugal


(art. 1.597, I)

A paternidade não pode ser contestada:

›› se o marido, ao casar, tinha conhecimento da gravidez da sua mulher;

123
UNIDADE V │ FILIAÇÃO E RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE

›› quando o suposto pai assistiu, por si ou por intermédio de procurador,


à lavratura do registro de nascimento, sem contestar a paternidade.

A jurisprudência tem-se orientado no sentido de que, havida separação


de fato, afasta-se a presunção pater is est, na espécie em questão.

b. Nos 300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal,


por morte, separação judicial, nulidade e anulação do
casamento

Observação: a lei estabelece como marco para o início da contagem do


prazo de 300 dias a dissolução da sociedade conjugal. Ora, o que tem o
condão de dissolver o casamento é a morte e o divórcio (CC art. 1.571, §
1o), mas somente a morte se presta para estabelecer o termo inicial do
referido prazo. O divórcio depende de ação judicial, que só pode ser
proposta depois de decorrido, no mínimo, um ano de separação de corpos
ou dois anos de separação de fato. Às claras que não pode ser esse o
marco para começar a fluir o lapso temporal para definir a paternidade por
presunção. Portanto, apesar do que está dito, é necessário ler “separação
de fato”, pois é o que sinaliza o fim da convivência ou, ao menos, gera
a presunção da ausência de contatos sexuais e, em consequência, da
possibilidade de ocorrência de gravidez.

Considera a lei que não é suficiente o adultério da mulher, ainda que


confessado, para afastar a presunção legal de paternidade. Daí se afigurar
a importância que a norma jurídica confere ao estado de filiação e aos
interesses do menor, considerando-os mais relevantes.

c. Havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que


falecido o marido

O vocábulo fecundação indica a fase de reprodução assistida consistente


na fertilização do óvulo pelo espermatozoide. A fecundação ou
inseminação homóloga é realizada com sêmen originário do
marido. Nesse caso, o sêmen e o óvulo pertencem ao marido e à mulher,
respectivamente, pressupondo-se, in casu, o consentimento de ambos.
A fecundação ou inseminação artificial post mortem é realizada com
embrião ou sêmen conservado, após a morte do doador, por meio de
técnicas especiais.

124
FILIAÇÃO E RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE │ UNIDADE V

d. Havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões


excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga

Ensinam-nos Mônica Sartori Scarparo e Joaquim José de Souza Diniz,


doutores na área de reprodução humana, sobre fertilização assistida, que
embrião é o ser oriundo da junção de gametas humanos, havendo que
há basicamente dois métodos de reprodução artificial: a fertilização
in vitro, na qual o óvulo e o espermatozoide são unidos numa proveta,
ocorrendo a fecundação fora do corpo da mulher, e a inseminação
artificial, consistente na introdução de gameta masculino, por
meio artificial, no corpo da mulher, esperando-se que a própria
natureza faça a fecundação. O embrião é excedentário quando é
fecundado fora do corpo (in vitro) e não é introduzido prontamente na
mulher, sendo armazenado por técnicas especiais.

e. Havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha


prévia autorização do marido.

Ocorre tal modalidade de inseminação quando é utilizado o sêmen de


outro homem, normalmente doador anônimo, e não o do marido, para
a fecundação no óvulo da mulher.

A lei não exige que o marido seja estéril ou que por qualquer razão física
ou psíquica, não possa procriar. A única exigência é que tenha o marido
previamente autorizado a utilização de sêmen estranho ao seu. A lei não
exige que haja autorização escrita, apenas que seja “prévia”, razão por
que pode ser verbal e comprovada em juízo como tal.

A presunção em apreço visa, segundo Maria Helena Diniz, impedir o


marido de desconhecer a paternidade do filho voluntariamente assumido
ao autorizar a inseminação heteróloga de sua mulher. A paternidade,
então, “apesar de não ter componente genético, terá fundamento moral,
privilegiando-se a relação socioafetiva”. Se o marido “anuiu na inseminação
artificial heteróloga, será o pai legal da criança assim concebida, não
podendo voltar atrás, salvo se provar que, na verdade, aquele bebê adveio
da infidelidade de sua mulher (CC, arts. 1.600 e 1.602)”. A impugnação
da paternidade “conduzirá o filho a uma paternidade incerta, devido
ao segredo profissional médico e ao anonimato do doador do sêmen
inoculado na mulher”.

125
UNIDADE V │ FILIAÇÃO E RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE

Reconhecimento forçado: investigação de


paternidade

O reconhecimento forçado advém de decisão judicial, motivada a partir de processo


instaurado por pedido da pessoa que se diz filha(o) do demandado.

Quando não houver o reconhecimento da filiação pelo genitor, torna-se possível a


investigação de paternidade. A ação de investigação de paternidade contém o pedido
de reconhecimento de filiação, que é direito personalíssimo do interessado,
devidamente representado no ato da propositura da demanda, se for incapaz. A ação
de investigação de paternidade é imprescritível (Súmula, no 149 do STF). E,
adotando-se a técnica do novo legislador civil, não se sujeita aos prazos decadenciais
previstos no Código.

Entretanto, vindo a falecer o filho solicitante do reconhecimento, o processo terá


seguimento por meio de seus herdeiros, no prazo processual de um ano a partir do
óbito.

Se a ação de investigação de paternidade não veio a ser ajuizada pelo interessado menor
ou incapaz que acabou de falecer, os seus herdeiros poderão propor a medida judicial
compatível com essa finalidade.

As regras básicas da investigação de paternidade são:

a. Contestação do pedido cabe privativamente àquele que é


declinado como sendo o pai, somente se permitindo aos
seus herdeiros a substituição processual no caso de morte
do requerente, dando-se continuidade, pois, ao processo
anteriormente instaurado.

Se o requerido não vier a reconhecer como sendo sua a prole e acabar por
contestar o pedido, somente poderá alegar que:

›› se encontrava fisicamente impossibilitado de manter relações sexuais


com a mulher, nos primeiros 180 dias de convivência conjugal;

›› se encontrava fisicamente impossibilitado de manter relações sexuais


com a mulher nos 300 dias que antecederam o nascimento do(a)
filho(a);

›› se encontrava separado de fato ou de direito da genitora da criança,


nos 300 dias que antecederam o nascimento, na última hipótese, por
força de decisão judicial provisória, acautelatória ou definitiva;

126
FILIAÇÃO E RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE │ UNIDADE V

›› é absolutamente impotente, conforme prova pericial colhida;

›› a mãe da criança confessou que o filho não é dele, o que é, por si só,
insuficiente para excluir a paternidade;

›› a criança é fruto de adultério cometido pela mulher (o simples adultério


da mulher ainda que confessado, não é suficiente para afastar a
presunção legal de paternidade – (CC, art. 1.600).

b. Entre os meios de prova admitidos, a prova fundamental é a


pericial, pois a paternidade não possui sinais exteriores

Os meios de prova pericial mais frequentemente utilizados na investigação


de paternidade são:

›› a prova sanguínea, de caráter excludente da paternidade, que no


entanto, não pode afirmar com certeza que a pessoa é ou não o genitor
do outro;

›› a técnica de DNA (ácido desoxirribonucleico), que leva o intérprete


a uma probabilidade quase absoluta da paternidade e certa de sua
conclusão. A probabilidade quase absoluta, no entanto, não autoriza a
conclusão de certeza biologia ou matemática.

Outros meios de prova são plenamente admitidos, porém o seu valor deve
ser analisado pelo julgador, segundo o caso concreto: prova testemunhal,
da prova documental, e assim por diante.

A recusa do suposto pai em proceder ao exame pericial sob a ideia de que ninguém
é obrigado a produzir prova contra si mesmo é possível. Vindo a ocorrer, porém,
entender-se-á que a prova, se tivesse sido realizada, poderia confirmar a existência
paternidade em desfavor do requerido.

Negação da paternidade e impugnação de


registro

A paternidade pode ser impugnada por aquele cujo nome veio a ser declinado como o
genitor da criança.

Há duas modalidades de impugnação de paternidade: a ação negatória de


paternidade e a ação de impugnação do registro civil da paternidade.

127
UNIDADE V │ FILIAÇÃO E RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE

Em ambos os casos, a medida é de natureza personalíssima. Assim, àquele a


quem é atribuída a paternidade e que comparece ao ato registrário competirá, com
exclusividade, a propositura da demanda.

A ação negatória de paternidade e imprescritível, por determinação legal. A


qualquer tempo pode o marido ingressar com ação negatória, sustentando
não ser o pai do filho havido na vigência do casamento. Trata-se de dispositivo
que procura, indiscutivelmente, equiparar os direitos personalíssimos do filho e do
suposto pai, concedendo-se tanto a um quanto a outro o direito de propor a demanda
que tem por objetivo a constituição ou a desconstituição do vínculo de parentesco em
linha reta, a qualquer tempo.

Assim, enquanto o autor da ação de investigação de paternidade objetiva a


percepção de sentença constitutiva da relação jurídica entre o genitor e
seu filho, a ação negatória de paternidade tem por desiderato a obtenção
de sentença constitutiva negativa ou desconstitutiva da relação jurídica em
questão.

É de se criticar a solução adotada pelo legislador, especialmente sobre a


desproteção do filho e da sua própria identidade. Trata-se de autêntica espada
de Dâmocles28 sobre a prole, que se sujeita a um sério comprometimento
psicológico de seus vínculos pretéritos e presentes ao ser oprimida pela
propositura de medida judicial de iniciativa da pessoa que acompanhou e participou
da sua infância e adolescência, que não quer manter qualquer relação de proximidade.

A contestação da paternidade tem por objetivo, como se disse, o reconhecimento judicial


de que o interessado não é o filho do requerente.

A impugnação do registro civil da paternidade objetiva reflexamente negar


a própria concepção, mediante a retificação de registro civil. Procede-
se, pois, ao raciocínio inverso: enquanto na ação negatória o autor tem
por objetivo a desconstituição do vínculo de paternidade e, por efeito, a
retificação do registro civil de nascimento, a ação impugnatória do registro
civil possui por finalidade direta a retificação desse registro, eliminando-se
a prova documental e formal de existência da relação de parentesco.

28 Dizer que alguém “está sob a espada de Dâmocles” significa que, a qualquer momento, algo de muito ruim pode acontecer
com o pobre coitado. O nome vem de um certo Dâmocles que vivia na Corte de Siracusa, no século IV a.C. Como frequentava o
palácio e era amigo do rei, expressava constantemente sua inveja pelas delícias proporcionadas pelo trono. O rei, para mostrar-
lhe o preço que se paga pelo poder, ofereceu-lhe um requintado banquete, deixando suspensa sobre a cabeça de Dâmocles uma
espada que pendia ameaçadoramente do teto, presa apenas por um único fio delgado. Com isso, o invejoso cortesão entendeu
a precariedade do poder real, e a expressão passou a simbolizar “um perigo iminente que paira sobre a vida de alguém”. Para
quem é soropositivo de HIV, a ameaça de que a aids venha a se manifestar é uma verdadeira espada de Dâmocles.

128
DA ADOÇÃO Unidade VI

Capítulo 1
Da adoção

Adoção

Figura 19.

Fonte: <https://pixabay.com/pt/praia-sun-p%C3%B4r-do-sol-mulher-mar-323454/.>

Introdução

De todas as modalidades de colocação em família substituta previstas em nosso


ordenamento jurídico, a adoção é a mais completa, no sentido de que há a inserção da
criança/adolescente no seio de um novo núcleo familiar, enquanto as demais (guarda e
tutela) limitam-se a conceder ao responsável alguns dos atributos do poder familiar. A
adoção transforma a criança/adolescente em membro da família, o que faz com que a
proteção que será dada ao adotando seja muito mais integral.

Conceito

O termo adoção se origina do latim, de adoptio, que significa, em nossa língua, na


expressão corrente, tomar alguém como filho.

129
UNIDADE VI │ DA ADOÇÃO

Juridicamente, a adoção tem recebido da doutrina conceitos diferenciados, Arnoldo


Wald29 conceitua adoção como um ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade
e filiação entre pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente.

Em obra sobre o direito da criança e do adolescente, José Faria de Tavares30 conceitua


o instituto como ato judicial complexo [...] que transforma, por ficção jurídica, sob total
discrição, um estranho em filho do adotante, para todos os fins de direito e para sempre.

Para Maria Helena Diniz31 (Curso de Direito Civil, Vol.5, 2010, p. 522/3), citando
Caio Mario S. Pereira, “a adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados
os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de
parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para a
sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. Dá origem,
portanto, a uma relação jurídica de parentesco civil entre adotante e adotado”.

Todos os conceitos, porém, por mais diversos, confluem para um ponto comum: a criação
de vínculo jurídico de filiação. Ninguém discorda, portanto, de que a adoção confere a
alguém o estado de filho. A esta modalidade de filiação dá-se o nome de parentesco
civil, pois desvinculado do laço de consanguinidade, sendo parentesco constituído pela
lei, que cria uma nova situação jurídica, uma nova relação de filiação.

Essa nova relação de filiação, por determinação constitucional (art. 227, § 6o), não pode
sofrer qualquer distinção com relação à filiação biológica.

Natureza jurídica

Quanto à natureza jurídica da adoção, também a doutrina traz posições distintas. Há


cinco correntes que tentam explicar a natureza jurídica da adoção. A primeira corrente
defende a adoção com uma instituição; a segunda entende a adoção como um ato
jurídico; a terceira corrente explica a adoção como sendo de natureza híbrida; a quarta
corrente vê na adoção um contrato; a quinta corrente conceitua a adoção como um ato
complexo.

Em face da dimensão do tema, referir-se-á apenas a duas delas. A primeira corrente, que
alude à natureza contratual da adoção, foi defendida pela maioria dos doutrinadores
civilista no século XIX. Nela se justifica a natureza contratual da adoção por encerrar,
em sua formação, a manifestação de vontade das pessoas envolvidas. Essa corrente
amparou o texto do Código Civil brasileiro de 1916. Foi abandonada, por não se
encontrar na concepção moderna de contrato, já que a adoção não admite a liberdade
29 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro. 8. ed. rev. e ampl. e atual. com a colaboração de Luiz Murillo Fábregas.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, v. 4, p. 183.
30 TAVÀRES, José Farias de. Direito da infância e da juventude. [S. L.]: Del Rey, 2001, p. 149.
31 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2010. v . 5, pp. 522-523.

130
DA ADOÇÃO │ UNIDADE VI

na estipulação de seus efeitos e não possui conteúdo essencialmente econômico,


características inerentes à conceituação hodierna do contrato.

A segunda corrente vê a adoção como ato complexo. Para a sua formalização, a


adoção passará por dois momentos: o primeiro, de natureza negocial, em que haverá
a manifestação das partes interessadas afirmando querer a adoção; o segundo, em que
haverá a intervenção do Estado, que verificará da conveniência, ou não, da adoção. O
primeiro momento se dá na fase postulatória da adoção, enquanto o segundo se dará
no fim da fase instrutória do processo judicial, com a prolação da sentença. Para que
se consume e se aperfeiçoe a adoção, será necessária a manifestação da vontade do
adotante, do adotado e do Estado.

Na opinião do autor, essa é a melhor corrente.

Noções gerais
Por Guilherme Madeira Dezem, João Ricardo Brandão Aguirre e Paulo Henrique Aranda
Fuller

Com o advento da Lei no 12.010, de 29/7/2009, houve profunda alteração no sistema


de adoção. Em primeiro lugar há de se destacar que houve revogação de uma série de
artigos do CC/2002 que cuidavam do tema, de forma a se pacificar a polêmica aplicação
concomitante do CC/2002 e do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

Dessa forma, tem-se que o art. 1.618 do CC estabelece que a adoção de crianças e
adolescentes será regida pelo ECA. Além disso, o art. 1.619 do CC estabelece que a
adoção dos maiores de 18 anos será regida, no que couber, pelo regime do ECA.

Curiosa esta situação, na medida em que a lei revogou os arts. 1.620 a 1.629 do CC. Vale
dizer, agora, somente restaram 3 artigos do CC que cuidam da adoção: 1.618, 1.619 e
1.620, pois estão revogados os demais artigos.

Para que o leitor entenda adequadamente o problema, tem-se, esquematicamente, a


seguinte situação:

»» adoção do menor (criança ou adolescente): regime do ECA;

»» adoção do maior de 18 anos: conforme o Código Civil aplica-se, no


que couber, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Mantém-se a ideia de que a adoção continua sendo medida excepcional e irrevogável


(ECA, art. 39, § 1o) e também de que a adoção internacional somente será deferida

131
UNIDADE VI │ DA ADOÇÃO

quando não houver pessoas ou casais brasileiros habilitados à adoção (ECA, art. 50, § 10).
Essa tônica é importante na medida em que implicará sérias consequências, como é o
caso da adoção por homossexuais, a seguir analisada.

Idade máxima para o adotado

O ECA estabelece, em seu art. 40, que a idade máxima para o adotando é de 18 anos à
data do pedido, salvo se ele já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes. Se sua idade
for superior a 18 anos, a adoção será regulada pelo Código Civil, tendo lugar na Vara
de Família, aplicando-se o ECA subsidiariamente. Contudo, se o menor já estava sob
a guarda ou tutela do adotante, será da competência da Vara da Infância e Juventude
o processo, desde que iniciado até os 21 anos do adotado, a teor do art. 2o, parágrafo
único, do ECA. Seja como for, o foro competente para a ação é o foro de domicílio do
adotando.

Idade mínima do adotante

O ECA estabelece, em seu art. 42, caput, que a idade mínima para adotar é a de 18
anos, independentemente do estado civil, semelhante ao disposto no art. 1.618, CC, que
estabelece a idade mínima de 18 anos para o adotante.

É importante notar que a adoção por ambos os cônjuges poderia ser formalizada desde
que um deles tivesse completado 18 anos de idade, comprovada a estabilidade da família
(CC, art. 1.618).

Diferença de idade entre adotante e adotado

O ECA (art. 42, § 3o) estabelece que somente poderá haver a adoção desde que haja
diferença de 16 anos entre adotante e adotado.

Não previram o ECA nem o CC, contudo, duas situações:

»» diferença máxima para a adoção;

»» adoção por casal em que apenas um deles tenha diferença maior que 16
anos.

Nesses casos, entendemos que deve prevalecer a ideia da proteção integral da criança
ou adolescente, não sendo possível, a priori, fixar regra no sentido da proibição ou da
admissão de quaisquer das situações.

132
DA ADOÇÃO │ UNIDADE VI

Vedações para a adoção

Além das limitações etárias acima, tanto o ECA quanto o CC estabelecem limitações
para a adoção dentre as quais:

»» não pode haver adoção por procuração ( ECA, art. 39, § 2o);

»» não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando (ECA, art. 42,


§ 1o) – nesse caso, não há vedação que colaterais adotem, de forma que
pode tio adotar sobrinho;

»» enquanto não der conta de sua administração e não saldar o débito, não
poderá o tutor ou curador adotar o pupilo ou curatelado (CC, art. 1.620,
e ECA, art. 44).

Adoção unilateral

Trata-se de modalidade de adoção prevista no art. 41, § 1o, do ECA, em que é permitido
que um dos cônjuges ou companheiros adote o filho do outro caso em que são mantidos
os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do adotante e os
respectivos parentes.

O que o legislador pretendeu com este § 1o do art. 41 foi simplesmente reconhecer que é
possível ao cônjuge adotar o filho do outro, sem que com isso se interrompam os laços
de consanguinidade havidos com o genitor biológico da criança ou adolescente. Nesse
sentido dispunha também o revogado art. 1.626, parágrafo único, do CC: “Se um dos
cônjuges ou companheiros adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação
entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do adotante e os respectivos parentes”.

A adoção unilateral pode dar-se nas seguintes hipóteses:

»» um dos pais é desconhecido – basta o consentimento do genitor que


conste do registro (ECA, art. 45, § 1o);

»» um dos pais foi destituído do poder familiar – basta o consentimento do


outro (ECA, art. 45, § 1o);

»» nos demais casos em que haja poder familiar de ambos os genitores


biológicos, se houver concordância de ambos ou, havendo apenas de um
só, houver a ação para destituição do poder familiar (ECA, art. 45).

133
UNIDADE VI │ DA ADOÇÃO

Consentimento do menor

O art. 45, § 2o, do ECA estabelece que é necessário o consentimento do adotando


maior de 12 anos de idade (repete o disposto na parte final do art. 1.621, CC). Essa
determinação também deve ser entendida à luz do art. 28, § 1.º, do ECA, que determina
que: “sempre que possível, a criança ou adolescente será previamente ouvido por equipe
interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão
sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada”.

Assim, temos que, caso tenha mais de 12 anos de idade, é imprescindível o consentimento
do adolescente para a adoção (ECA, art. 28, § 2o). Caso seja menor de 12 anos ou, em
sendo maior, não se trate de adoção, mas de guarda ou tutela, sempre que possível será
colhida sua manifestação.

Consentimento dos genitores ou representantes


legais

O art. 45 do ECA dispõe sobre o consentimento dos genitores. Esse artigo deve ser
entendido em consonância com o disposto no art. 166 do ECA, que dispõe sobre a forma
de manifestação do consentimento, que poderá ser dispensado em relação à criança
ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder
familiar (ECA, art. 45, § 1o).

Convém observar que o consentimento deve ser externado na presença do magistrado


e do representante do Ministério Público, tomando-se por termo as declarações, a teor
do art. 166, parágrafo único, do ECA.

Da mesma forma, deve ser tratada com cautela a ausência dos genitores, devendo ser
tentada sua localização com posterior citação por edital e indicação de curador especial,
nos termos do art. 72 do nCPC.

Por fim, é importante notar que o consentimento é revogável até a publicação da


sentença constitutiva da adoção e não é válido caso seja prestado antes do nascimento
da criança.

Caso os pais manifestem concordância quanto ao pedido, serão ouvidos pela autoridade
judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando-se por termo suas
declarações (ECA, art. 166, § 1o).

Esse consentimento deverá ser precedido de orientações e esclarecimentos prestados


pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, em especial, no
caso de adoção, sobre a irrevogabilidade da medida (art. 166, § 2o).

134
DA ADOÇÃO │ UNIDADE VI

Adoção por casais separados

O ECA permite que casais separados ou divorciados adotem em conjunto. Para isso,
estabelece o art. 42, § 4o, do ECA dois requisitos:

»» que acordem sobre a guarda e o regime de visitas;

»» que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da


sociedade conjugal.

Adoção post portem

A adoção post mortem ocorre quando o adotante falece no curso do processo de


adoção. De acordo com o art. 42, § 6o, do ECA, é possível, desde que haja inequívoca
demonstração da manifestação de vontade do adotante.

Adoção por homossexuais

O Estatuto da Criança e do Adolescente não faz menção ao gênero e sexo da pessoa que
está adotando, assim, temos adoção por uma única pessoa ou a adoção por um casal – e
como vimos anteriormente o casamento e a união estável podem ocorrer entre pessoas
do mesmo sexo ou de sexo diferente.

Contudo, o tema da adoção decorrente de uniões homoafetivas é marcado por certo


ativismo extremado: de um lado, tem-se o ativismo que defende de maneira absoluta
o direito à adoção; de outro, tem-se o ativismo moralista, que é absolutamente contra
essa modalidade de adoção.

É certo que a lei não autoriza de maneira expressa tal adoção, mas nem precisaria, dado
o princípio da legalidade e sua aplicação para o particular (o que não está proibido será
permitido).

De nossa parte entendemos que o foco deve ser mudado: a adoção deve ser analisada
sob o ponto de vista do adotando, vale dizer, é perquirir se há reais vantagens para o
adotando com a adoção. O art. 43 do ECA é claro quanto a essa determinação: sempre
se deve considerar o interesse do menor.

Assim, imagine-se, por exemplo, a seguinte ponderação de situações concretas: há


um casal em união homoafetiva que pretende adotar uma criança. Duas são as opções
possíveis:

135
UNIDADE VI │ DA ADOÇÃO

1o permite-se a adoção e essa criança irá crescer em um lar cercado de amor


ou

2o nega-se a adoção e corre-se o risco de essa criança não ser adotada e ficar
no abrigo até completar 18 anos e, então, ser deixada à própria sorte.

A opção parece clara: a proteção à criança exige como solução única o deferimento da
adoção. Rejeitamos como falsa qualquer opção moralista absoluta em direito; afinal,
esse casal deverá ter passado por todos os testes que um casal heterossexual passou,
e sua orientação sexual não pode, por si só, ser óbice à adoção. Tendo sido o casal
admitido no cadastro para adoção, não há por que se negar à criança o direito de ter um
lar com pessoas que a amem.

Por outro lado, permitir que a criança seja adotada por apenas um dos membros do
casal é desfavorável para ela, na medida em que seus direitos serão preenchidos por
apenas um dos membros da família, e não por ambos.

Verifica-se, de outra parte, pelos registros estatísticos de adoção existentes em nosso


país, que os casais homoafetivos têm realizado a adoção tardia, ou seja, daquelas
crianças maiores de 3 anos de idade. Além disso, são eles que têm realizado adoção de
crianças da mesma família.

Percebe-se, pelos dados levantados pelas Varas da Infância e Juventude de nosso Brasil,
que os casais homoafetivos estão adotando crianças e adolescentes que até então eram
considerados “inadotáveis” pelos casais não homoafetivos.

Adoção por estrangeiros

O tema vem regulamentado no ECA, nos arts. 50, 51 e 52, havendo ainda a alteração
quanto ao prazo do estágio de convivência (ECA, art. 46, § 3o).

O art. 31 do ECA estabelece que a colocação em família substituta estrangeira somente


é admitida na modalidade de adoção e em caráter excepcional. É dizer: a adoção já é
medida excepcional e, em se tratando de família estrangeira, tal excepcionalidade é
ainda maior, preferindo o legislador que a criança seja adotada por nacionais. É de
se ressaltar que a adoção é a única modalidade de colocação de criança em família
substituta estrangeira.

O conceito de adoção internacional é dado pelo art. 51 do ECA:

Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal


postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme

136
DA ADOÇÃO │ UNIDADE VI

previsto no art. 2o da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993,


Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção
Internacional, aprovada pelo Decreto Legislativo no 1, de 14 de janeiro
de 1999, e promulgada pelo Decreto no3.087, de 21 de junho de 1999.

Três são os requisitos básicos para que seja deferida a adoção internacional previstos
no parágrafo primeiro do art. 51 do ECA:

»» que a colocação em família substituta seja solução adequada ao caso


concreto;

»» que tinham sido esgotadas todas as possibilidade de colocação da criança


ou adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos
cadastros mencionados no art. 50 do ECA;

»» que, em se tratando de adoção de adolescente, este tenha sido consultado,


por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se
encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por
equipe interprofissional, observado o disposto nos § 1o e 2o do art. 28 do
ECA.

Caso se trate de adoção internacional por brasileiro residente no exterior, este terá
preferência sobre os estrangeiros, a teor do parágrafo segundo do art. 51 do ECA.

O procedimento para a adoção internacional segue o disposto nos arts. 165 a 170, com as
modificações previstas no art. 52, todos do ECA. Entre essas modificações se destacam:

»» a pessoa ou casal estrangeiro, interessado em adotar criança ou


adolescente brasileiro, deverá formular pedido de habilitação à adoção
perante a Autoridade Central em matéria de adoção internacional no país
de acolhida, assim entendido aquele onde está situada sua residência
habitual;

»» e a Autoridade Central do país de acolhida considerar que os solicitantes


estão habilitados e aptos para adotar, emitirá um relatório que contenha
informações sobre a identidade, a capacidade jurídica e adequação dos
solicitantes para adotar, sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio
social, os motivos que os animam e sua aptidão para assumir uma adoção
internacional;

»» a Autoridade Central do país de acolhida enviará o relatório à Autoridade


Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira;

137
UNIDADE VI │ DA ADOÇÃO

»» o relatório será instruído com toda a documentação necessária, incluindo


estudo psicossocial elaborado por equipe interprofissional habilitada e
cópia autenticada da legislação pertinente, acompanhada da respectiva
prova de vigência;

»» a Autoridade Central Estadual poderá fazer exigências e solicitar


complementação sobre o estudo psicossocial do postulante estrangeiro à
adoção, já realizado no país de acolhida;

»» verificada, após estudo realizado pela Autoridade Central Estadual,


a compatibilidade da legislação estrangeira com a nacional, além do
preenchimento por parte dos postulantes à medida dos requisitos
objetivos e subjetivos necessários aos seu deferimento, tanto à luz do que
dispõe a lei como da legislação do país de acolhida, será expedido laudo
de habilitação à adoção internacional, que terá validade por, no máximo,
um ano;

»» de posse do laudo de habilitação, o interessado será autorizado a


formalizar o pedido de adoção perante o Juízo da Infância e da Juventude
do local em que se encontra a criança ou adolescente, conforme indicação
efetuada pela Autoridade Central Estadual.

Efeitos da adoção e seu caráter irrevogável

A adoção é irrevogável (ECA, art. 39, § 1o) e tanto assim, é que a morte dos adotantes
não restabelece o poder familiar dos pais naturais (art. 49). Não se extraia daí, contudo,
que a adoção gera poder familiar absoluto: caso os adotantes descumpram seus deveres
de pais, pode, então, haver ação para destituição de seu poder familiar e a criança ser
colocada em outra família substituta.

Da mesma forma, a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos


direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais
e parentes naturais, salvo os impedimentos matrimoniais (ECA, art. 41).

Com isso, estabelece-se também que é recíproco o direito sucessório entre o adotado,
seus descendentes, o adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 4o
grau, observada a ordem de vocação hereditária (ECA, art. 41, § 2o).

Quanto ao nome do adotado estabelece o art. 47, § 5o, do ECA que pode haver alteração
do prenome a pedido do adotante ou do adotado. Caso a mudança tenha sido requerida

138
DA ADOÇÃO │ UNIDADE VI

pelo adotante, será necessária a oitiva do adotado, nos termos do § 6o, do art. 47 do
ECA.

Polêmica é a medida tomada pelo legislador no art. 48: “O adotado tem direito de
conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no
qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito)
anos. Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao
adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência
jurídica e psicológica”.

Ora, estabelece-se agora que o maior de 18 anos poderá ter acesso irrestrito ao processo
em que a medida foi deferida e, antes dos 18 anos também, desde que assegurada
orientação e assistência jurídica e psicológica. Espera-se que esta medida não sirva de
desestímulo para os postulantes à adoção.

O vínculo será constituído por sentença judicial, que será inscrita no registro civil
mediante mandado, sendo vedado fornecimento de certidão desse ato (ECA, art. 47).
Seus efeitos, a teor do art. 47, § 7o, do ECA, começam a partir do trânsito em julgado
da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que
terá força retroativa à data do óbito.

Na inscrição no registro será consignado o nome dos adotantes como pais, bem como o
nome de seus ascendentes, sendo cancelado o registro original do adotado, vedando-se
que qualquer observação sobre a origem do ato possa constar nas certidões do registro.
É possível, contudo, a critério da autoridade judiciária, o fornecimento de certidão para
salvaguarda de direitos. É importante notar que, a pedido do adotante, o novo registro
poderá ser lavrado no Cartório de Registro Civil do Município de sua residência,
advertindo a lei que nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas
certidões do registro (ECA, art. 47, §§ 3o e 4o).

Estágio de convivência

Durante o processo de adoção, o estágio de convivência é fundamental para que


sejam verificadas a adaptação familiar e a convivência da nova família. O art. 46 do
ECA estabelece tratamento diferenciado conforme se trate de adoção nacional ou
internacional. Assim temos:

a. Nacional: não há prazo mínimo, devendo a autoridade judiciária fixá-lo


conforme as peculiaridades do caso. O estágio de convivência poderá ser
dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante
durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da

139
UNIDADE VI │ DA ADOÇÃO

constituição do vínculo. Aqui a simples guarda de fato não autoriza, por


si só, a dispensa da realização do estágio de convivência.

b. Internacional: em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou


domiciliado fora do país, o estágio de convivência, cumprido no território
nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias (ECA, art. 46, § 3o). É
importante notar que o conceito de adoção internacional vem previsto
no art. 51 do ECA: “Considera-se adoção internacional aquela na qual a
pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil [...]”.

Procedimento da adoção

Quanto ao procedimento da adoção, há que se fazer distinção entre as adoções que


possuem poder familiar definido e as que não o possuem.

»» Adoção sem poder familiar definido no assento de nascimento:


se já tiver havido destituição do poder familiar ou se não tiver sido o
poder familiar definido no assento de nascimento, o procedimento será
semelhante ao de jurisdição voluntária, na medida em que basta que se
observe o cadastro de adotantes e o estágio de convivência.

»» Adoção com poder familiar definido no assento de nascimento:


se houver poder familiar definido no assento de nascimento, será
necessária sua destituição. Para isso, segue-se o processo de conhecimento,
em que se verificará se há ou não concordância dos genitores: havendo,
deverá a concordância ser externada perante o magistrado e o promotor;
não havendo, deverá ser colhida prova que indique a necessidade de
destituição do poder familiar.

140
PODER FAMILIAR Unidade VIi

Capítulo 1
Poder familiar

Conceito
Poder familiar é o conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e aos bens do filho
menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para
que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista
o interesse e a proteção do filho.

A nova nomenclatura veio em substituição à expressão “pátrio poder”, em consonância


com a igualdade prevista pelo art. 226, § 5o, da CF/198832.

Características
O poder familiar é um dever, pois os pais não podem dele abrir mão, devendo cuidar
da educação e do bem-estar dos filhos e zelar por seus bens. Não pode ser objeto de
negociação, isto é, ser comercializado ou alienado. É uma relação de autoridade
incompatível com a tutela, pois esta só ocorrerá se os pais tiverem sido destituídos do
poder familiar.

Usufruto e administração dos bens dos filhos


menores
Cabe aos pais, enquanto estiverem no exercício do poder familiar, a administração
dos bens dos filhos menores, bem como o direito ao usufruto desses bens. Caso ocorra
divergência nessa administração, compete ao juiz buscar a solução necessária.

32 DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5, p. 447.

141
UNIDADE VII │ DA ADOÇÃO

Embora administrem os bens dos filhos, os pais não poderão aliená-los ou gravá-los
de ônus real nem contrair, em nome deles, dívidas e obrigações, salvo com autorização
judicial e desde que sejam preservados os interesses dos menores.

Excluem-se dessa administração e não ensejam o usufruto:

»» os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento antes do


reconhecimento;

»» os valores recebidos pelo filho no exercício de atividade profissional e os


bens adquiridos com esses recursos;

»» os bens deixados ou doados ao filho com a condição de não existir usufruto


ou administração dos pais;

»» os bens que couberem ao filho na herança, quando os pais dela forem


excluídos.

Extinção do poder familiar


Extinguem-se o poder familiar (art. 1.635, CC):

»» pela morte dos pais ou do filho;

»» pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único, do CC;

»» pela maioridade;

»» pela adoção;

»» por decisão judicial, na forma do art. 1.638 do CC (artigo que cuida da


perda do poder familiar).

Suspensão do poder familiar


O art. 1.637 do CC prevê as seguintes hipóteses em que os pais serão afastados
temporariamente do exercício do poder familiar, podendo, posteriormente, retomá-lo:

1. Se qualquer um dos genitores abusar da autoridade, faltando aos deveres


a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos.

2. Se qualquer um dos genitores for condenado por sentença irrecorrível,


em razão de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.
142
DA ADOÇÃO │ UNIDADE VII

Cabe esclarecer que somente se suspenderá o poder familiar do pai ou da mãe que
abusar de seu poder ou sofrer a condenação, subsistindo o poder dos filhos em relação
ao outro.

Perda do poder familiar


Perde o poder familiar aquele que (art. 1.638, CC):

»» castigar imoderadamente o filho (aqui estão abrangidos quaisquer atos


de maus tratos físicos e morais que submetam os menores ao destempero
dos genitores);

»» deixar o filho em abandono (aquele que não zelar pelo bem-estar físico
e moral, abandonando-o em suas necessidades mínimas para uma vida
com dignidade);

»» praticar atos contrários à moral e aos bons costumes (situações em que


os pais submetem os filhos a maus exemplos, como prostituição, vício em
tóxicos, entre outros;

»» incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no art. 1.637 (artigo que trata
da suspensão do poder familiar, analisado em tópico anterior).

143
ALIMENTOS – ARTS.
1.694 A 1.710 DO Unidade VIIi
CÓDIGO CIVIL

Capítulo 1
Alimentos – arts. 1.694 a 1.710 do
Código Civil

Conceito
O dever de prestar alimentos, disciplinado no direito de família, é imposto por lei para
que se possam garantir as necessidades vitais do alimentando. Relaciona-se, pois, com
o direito à vida, com a preservação da dignidade da pessoa humana, com os direitos da
personalidade.

Trata-se de matéria em que transparece o interesse social. O direito a alimentos é


personalíssimo, não pode ser cedido a outrem; ademais, é impenhorável, imprescritível,
e não pode ser objeto de renúncia. As regras a respeito deste tema são de ordem pública,
cogentes, imperativas.

Alimentos são prestações para a satisfação das necessidades vitais de quem não pode
provê-las por si. Compreende o que é imprescindível à vida da pessoa, como alimentação,
vestuário, habitação, tratamento médico, dentário, transporte, diversões e, se a pessoa
alimentada for menor de idade, ainda verbas para sua instrução e educação (CC, art.
1.701). Estão incluídas também parcelas despendidas com sepultamento por parentes
legalmente responsáveis pelos alimentos.

Os alimentos podem ter origem na relação de parentesco ou serem subsequentes ao


rompimento do casamento ou da convivência.

A obrigação alimentar pode originar-se:

»» Da lei, como as verbas de natureza alimentar pagas pelo Poder Público.


Exemplos: pensão por morte, aposentadoria por invalidez.

144
ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL │ UNIDADE VIII

»» Da vontade humana, mediante o negócio jurídico ou, ainda, o legado


(cláusula testamentária que beneficia determinado sucessor, que pode
ser ou não pessoa estranha à família).

»» De sentença judicial.

Os alimentos devem ser fixados em favor do integrante da família que deles necessite
para subsistir, em face do princípio da solidariedade familiar.

O art. 1.694 do CC expressamente possibilita a fixação de alimentos a serem pagos entre


parentes, cônjuges e companheiros, contemplando a hipótese de obrigação fixada em
desfavor de qualquer um desses membros da família.

Entende-se que os alimentos devem ser pagos pelos parentes em linha reta e, na sua
falta, pelos de linha colateral. Exclui, contudo, o dever em desfavor de parentes por
afinidade.

De igual modo, entende-se que a obrigação alimentar não é devida pelo parente por
afinidade porque os afins, a rigor, não são parentes.

Pressupostos da obrigação alimentar

São três os pressupostos para que se configure a obrigação de prestar alimentos33.

»» existência de determinado vínculo de família entre o alimentando e a


pessoa obrigada a suprir alimentos;

»» estado de necessidade do alimentando;

»» possibilidade econômico-financeira da pessoa obrigada a prestar


alimentos.

Presentes tais requisitos, os alimentos devem ser fixados guardando-se a proporção


entre o binômio necessidade-possibilidade, de modo que a prestação seja suficiente para
suprir as necessidades do alimentando e seja possível de ser prestada pelo alimentante.

Modos de satisfação da obrigação alimentar


e pessoas envolvidas na relação de alimentos
Os alimentos podem ser supridos (CC, art. 1.701):

»» por meio de pensão ao alimentando;


33 GOMES, Orlando. Direito de família. [S.l.], 2001, p. 429.

145
UNIDADE VIII │ ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL

»» por meio de hospedagem e sustento, sem prejuízo ao necessário à


educação, quando menor.

Cabe ressaltar que quem é obrigado a prestar também pode exigir seu recebimento,
pois o direito à prestação de alimentos é recíproco entre as pessoas definidas em lei34 .

Pela redação do art. 1.697 do CC, pode-se observar que estão envolvidos nessa relação de
obrigação-direito: os ascendentes, os descendentes e os irmãos germanos e unilaterais.
Já o art. 1.700 traz a transmissibilidade da obrigação alimentar aos herdeiros, lembrando
que somente é transmissível até a força da herança.

Conforme a pessoa que necessita de alimentos na família, um ou outro integrante poderá


ser compelido ao pagamento das prestações imprescindíveis à subsistência. Devem ser
observados os seguintes critérios:

»» Se os alimentos devem ser concedidos em favor de uma criança ou de um


adolescente, o devedor será o ascendente imediato ou de 1o grau e, na sua
impossibilidade, o de 2o grau.

Figura 20.

Avô
Pai
João

Fonte: Elaborado pelo autor.

O parentesco entre João e seu avô: é de 2o grau ascendente, em linha reta.

A relação de parentesco entre João e o Pai é de 1o grau na linha ascendente.

»» Se os alimentos devem ser concedidos em favor do idoso, o devedor será


o ascendente imediato ou de 1o grau e, na impossibilidade dele, o de 2o
grau.

Figura 21.

Avô
Pai
João
(neto)
Fonte: Elaborado pelo autor.

34 RODRIGUES, Silvio. Direito civil:direito de família. [S.l.], 2002, p. 422.

146
ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL │ UNIDADE VIII

Dessa forma, o filho deve alimentos ao pai quando este for idoso e não puder garantir
a sua subsistência. Caso o filho não possa pagar alimentos, o avô pode solicitar ao neto
João, no nosso exemplo.

»» Não há impedimento legal, por exemplo, para um tio ser compelido a


pagar alimentos em prol de seu sobrinho, que se tornou órfão, desde que
presentes os elementos viabilizadores da fixação de pensão alimentícia.

É possível a responsabilidade conjunta de duas ou mais pessoas ao pagamento


de pensão alimentícia. Não se trata de obrigação alimentar solidária, mas sim de
obrigação subsidiária complementar. Os devedores comuns respondem conjuntamente
e, desse modo, asseveram Orlando Gomes e Yussef Cahali, instaura-se o concurso de
devedores.

No concurso de devedores, primeiramente, verifica-se a possibilidade de cada


coalimentante ao pagamento da prestação, sempre se levando em consideração
a necessidade do credor. Cada qual poderá ser compelido ao pagamento segundo a
proporção de sua possibilidade, não havendo razões para se impedir, em princípio, a
divisão igualitária da obrigação (poderá ser um avô e um tio da criança).

Os alimentos podem ser

a. Alimentos naturais, que são aqueles devidos para a subsistência


do organismo humano, tais como: alimentação, remédios, vestuário e
habitação.

b. Alimentos civis, aqueles que englobam outras necessidades, como as


intelectuais e morais, ou seja, educação, instrução, assistência e recreação.

Na fixação da prestação de alimentos, observa-se inicialmente o binômio necessidade


do alimentando e possibilidade do prestador. E posteriormente, a doutrina tem
afirmado tratar-se de um quadrinômio: possibilidade, necessidade, proporcionalidade
e razoabilidade.

Assim, o devedor poderá ser obrigado ao pagamento de alimentos em valor que não
comprometa a sua subsistência.

Características

»» Os alimentos são irrenunciáveis, pois o credor pode abrir mão de seu


exercício, mas não do direito.

147
UNIDADE VIII │ ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL

»» Os alimentos são insuscetíveis de cessão ou compensação.

»» Os alimentos são impenhoráveis.

»» A obrigação de prestar alimentos é transmissível aos herdeiros do devedor


até a força da herança.

»» Os alimentos não são reembolsáveis, ainda que tenha ocorrido a extinção


de sua necessidade.

»» O direito aos alimentos é imprescritível, embora prescreva em dois anos


a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se
venceram (art. 206, § 2o, CC).

Obrigação de alimentos ao cônjuge

O cônjuge não foi citado na ordem acima descrita porque o fundamento da obrigação
é outro, isto é, não decorre da relação de parentesco, mas sim do dever de mútua
assistência existente até a dissolução da sociedade conjugal, tendo o devedor de
'pagá-los a quem necessita35.

A obrigação, por sua, vez, não cessa se o cônjuge devedor se casar novamente, devendo
ainda prestá-la ao cônjuge necessitado. Se, contudo, o cônjuge credor contrair nova
união, perde o direito a receber alimentos do antigo consorte.

Inovou a legislação civil ao prever no artigo 1.704, parágrafo único:

Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar


de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a
ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de
separação judicial.

Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de


alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão
para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o
juiz o valor indispensável à sobrevivência.

Para muitos, essa previsão é uma injustiça, pois a culpa de que se trata é da quebra
dos deveres do casamento, o que nos faz analisar que, embora ofendido ou magoado o
cônjuge inocente, apresentando-se o quadro acima descrito, ainda deverá socorrer em
suas necessidades o cônjuge culpado.

35 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5, p. 40.

148
ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL │ UNIDADE VIII

Ressalta-se, todavia, que ao cônjuge culpado só serão devidos os alimentos


indispensáveis à sobrevivência, isto é, os naturais36, também chamados de
alimentos humanitários, conforme Jones Figueiredo Alves.

Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de


recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia fixada pelo magistrado, atendendo
aos critérios do art. 1.694 do CC, esta é a inteligência do art. 1.702 do CC.

Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges


inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão
alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art.
1.694.

Logo, o inocente terá direito à mesma condição social de que desfrutava durante
o casamento, mantendo seu padrão de vida (RT, 720:101). Desse modo, o dever de
alimentar não será considerado apenas a título de dever de socorro. Trata-se dos
alimentos indenizatórios concedidos necessarium personae, que abrangem as
necessidades básicas para a preservação da vida e as despesas relativas à sua condição
social, como as concernentes ao lazer, à cultura etc.

Renúncia ao exercício do direito à pensão


alimentícia

De acordo com o já estudado, os alimentos são irrenunciáveis, você pode abrir mão do
seu exercício, mas não do direito, contudo, quando se trata de alimentos decorrentes
da união estável ou do casamento, é possível falar em renúncia ao direito à pensão
alimentícia.

Esse entendimento é possível em decorrência da situação igualitária entre os cônjuges


ou companheiros. Assim, é possível que os dois tenham renda suficiente para a sua
mantença sem a necessidade do outro.

Entende-se que se a mulher, por exemplo, renunciou ao exercício do direito à pensão


alimentícia, posteriormente carecerá de ação para pleitear alimentos ao seu ex-marido,
ante a insubsistência do vínculo matrimonial, mesmo que alegue alteração de sua
situação econômica (RT, 620;167; EJSTJ, 20:133, 16;56); todavia tem havido decisão
em contrário (JB, 162:314; RT, 776;224).

36 São aqueles devidos para a subsistência do organismo humano, tais como: alimentação, remédios, vestuário e habitação.

149
UNIDADE VIII │ ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL

Classificação dos alimentos quanto à finalidade

»» Definitivos ou regulares: são aqueles de caráter permanente,


estabelecidos pelo juiz na sentença ou em acordo das partes devidamente
homologado, embora, segundo o art. 1.699 do CC, possam ser revistos
em caso de mudança na situação financeira do devedor ou do credor de
alimentos.

»» Provisórios: são aqueles fixados liminarmente (initio litis) na própria


ação de alimentos, de rito especial, estabelecido na Lei no 5.478/1968,
exigindo-se, para tanto, prova pré-constituída de parentesco, casamento
ou união estável.

»» Provisionais acautelatórios ou ad litem: aqueles determinados em


medida cautelar (ex.: separação de corpos) preparatória ou incidental
de ação de separação judicial, de divórcio, de anulação ou nulidade de
casamento ou mesmo de alimentos. Destinam-se a manter o litigante,
bem como a custear as despesas com o processo, na pendência da lide,
daí a nomenclatura ad litem, para a lide37.

»» Transitórios: São aqueles fixados por um prazo, de um cônjuge ou


companheiro para o outro, por determinado prazo para que este se
reestruture, se reorganize, após o fim do casamento ou da união estável.

Quanto à causa jurídica

»» Voluntários: resultam de declaração de vontade, inter vivos ou causa


mortis.

»» Ressarcitórios: destinados a indenizar as vítimas de ato ilícito.

»» Legítimos: impostos por lei em virtude do fato de existir entre as pessoas


um vínculo familiar.

Ação de alimentos: alimentos provisórios e


definitivos

A legitimidade ativa ad causam é do credor, por se tratar de natureza intuitu


personae. Por isso, tratando-se de credor incapaz, poderá suceder a sua representação
ou assistência, consoante o grau da sua incapacidade.

37 Cf. Rodrigues, Silvio. Direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 430; Diniz, Maria Helena. Curso de direito
civil brasileiro. Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5, p. 476).

150
ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL │ UNIDADE VIII

O absolutamente incapaz38: será representado pelo detentor do poder familiar ou,


na sua falta, pelo tutor ou curador.

O relativamente incapaz39: será assistido pelo detentor do poder familiar ou, na


ausência deste, por seu tutor ou curador.

O suprimento do exercício do poder familiar, no caso de incapacidade por idade, é feito


por meio da nomeação judicial de um tutor. Às demais incapacitâncias, a hipótese é de
curatela.

O foro competente para processar e julgar a ação ordinária de alimentos40 é o


da comarca do domicílio ou da residência do alimentando.

A petição inicial pode conter pedido de fixação provisória de alimentos, que não se
confundem com os provisionais41, nem com os definitivos42.

A ação de alimentos é o meio técnico de reclamá-los desde que se configurem os


pressupostos jurídicos. São os alimentos imprescritíveis, mas para exercer a pretensão
à execução de alimentos, cujo pagamento está atrasado, o prazo prescricional43
é de 2 anos (CC, art. 206, § 2o). Como já vimos, o foro competente é o do domicílio
ou residência do alimentando (art. 53, II do nCPC; RT, 492:106). Há também, ainda, a
intervenção do MP, quando houver incapaz envolvido. (RT, 501:110, 503:87; 509:140;
518:279). Nela há uma fase preliminar de conciliação (Lei no 968/1949, arts. 1o e 6o),
na qual o magistrado empregará todos os meios para que as partes entrem num
acordo sobre o direito ou sobre o quantum dos alimentos (art. 359 do nCPC).

É uma ação de estado, ordinária, que segue o rito especial, estabelecido pela Lei no
5.478/1968 (Lei de Alimentos). Afastam-se assim as dificuldades processuais que
retardavam a concessão de recursos aos necessitados que, por laços de parentesco,
tinham direito de haver de seus parentes. Reza tal lei no seu art. 4o que o juiz, ao
despachar o pedido inicial, fixará alimentos provisórios (na base de 1/3 dos rendimentos
do devedor, sendo de salientar-se que a lei não estabelece critério algum) a serem pagos
pelo devedor, salvo se o credor declarar, expressamente, que deles não necessita.

Os alimentos provisórios poderão ser revistos a qualquer tempo, se houver alteração


na situação econômica das partes (art. 13, § 1o), sendo devidos até a decisão final ou
julgamento do recurso extraordinário (art. 13, § 3o).

38 Aquele que não tem capacidade legal; inábil. Diz-se daquele a quem a lei priva de certos direitos ou exclui de certas funções.
39 Os menores de 18 e maiores de 16 anos; os ébrios, os toxicômanos; os excepcionais, os pródigos etc.
40 Alimentos provisórios são aqueles fixados incidentalmente no curso de um processo de cognição.
41 Os alimentos provisionais somente podem ser fixados em processo cautelar.
42 Alimentos definitivos são aqueles estabelecidos por sentença judicial.
43 Perda da ação atribuída a um direito, que fica assim juridicamente desprotegido, em consequência do não uso dela durante
determinado tempo [Cf., nesta acepç., decadência (5).]

151
UNIDADE VIII │ ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL

A sentença que conceder alimentos retroage nos seus efeitos à data da citação inicial, a
partir de quando as prestações serão exigidas ou devidas (art. 13, § 2o). Não transitando
em julgado, pode a qualquer tempo ser revista, se houver modificação da situação
econômico-financeira dos interessados (art. 15) ou deterioração monetária provocada
pela inflação (Lei no 6.515/1977, art. 22).

Cahali nos ensina que, no cumprimento da sentença que fixa a prestação alimentícia,
o juiz mandará citar o devedor para, em 3 dias, efetuar o pagamento, provar que o fez
ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. Se o devedor não pagar, nem se escusar, o
magistrado decretará sua prisão civil (Lei no 5.478/1968, arts. 19 e 21), se os alimentos
devidos estiverem fixados, em definitivo, por sentença ou acordo (RJSTF, 51:363,
61:379; RT, 786:217, 601:240, 585:262), e, em se tratando de alimentos provisórios ou
provisionais, pelo prazo de 1 a 3 meses44 (art. 528, § 3º do nCPC), salvo se realmente
impossibilitado de fornecê-lo (RT, 139:166; RF, 108:345; EJSTJ, 15:236; RSTJ 87:323;
Ciência Jurídica, 56:194 e 200), sendo uma das exceções a de que não há prisão por
dívidas (CF/1988, art. 5o, LXVII).

O Código Penal, art. 244, com a redação dada pelo art. 21 da Lei nº 5.478, prevê pena de
detenção de 1 a 4 anos e multa de 1 a 10 vezes o maior salário mínimo vigente no Brasil
àquele que, sem justa causa, deixa de prestar alimentos. Trata-se de crime de abandono
material.

Os alimentos pretéritos, ou seja, aqueles vencidos, há mais de três meses, perdem,


segundo a jurisprudência, a natureza alimentar, passando a ter características
tipicamente reparatórias de despesas já efetivadas, não justificando, por isso, o decreto
da prisão. É que, por se tratar de verba que visa atender à própria sobrevivência, ela
deve ser exigida imediatamente após a existência e o nascimento da obrigação. Bem por
isso, doutrina e jurisprudência firmaram entendimento de que se o alimentando não
cobra os alimentos, deixando passar o tempo e permitindo a acumulação de parcelas
vencidas, é porque, efetivamente, não necessita dos alimentos, pelo menos em caráter
sobrevivencial. E, por essa razão, vem se entendendo, nesses casos, que a execução das
prestações alimentícias atrasadas somente pode se processar na forma do art. 528, §
3º do nCPC até o limite das três últimas, devendo as mais antigas, se existentes, serem
cobradas na forma do art. 528, §§ 7º e 8º do nCPC, em ordem a afastar a possibilidade
do decreto de prisão, nesses casos, de forma coativa.

Uma das novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil é a possibilidade de
protestar a sentença transitada em julgado assim, além da ordem de prisão ou de

44 Cahali esclarece que a prisão civil não é bem uma pena, mas, como diz Bellot, meio eficaz para coagir o alimentante recalcitrante
a pagar dívida alimentar.

152
ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL │ UNIDADE VIII

penhora – conforme o rito, pode-se pleitear o protesto da sentença judicial transitada


em julgado. Vejamos o artigo que trata dessa possibilidade:

Art. 517. A decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada


a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para
pagamento voluntário previsto no art. 523.

§ 1o Para efetivar o protesto, incumbe ao exequente apresentar certidão


de teor da decisão.

§ 2o A certidão de teor da decisão deverá ser fornecida no prazo de 3 (três)


dias e indicará o nome e a qualificação do exequente e do executado, o
número do processo, o valor da dívida e a data de decurso do prazo para
pagamento voluntário.

(...)

Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de


prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos,
o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado
pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou
justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

§ 1o Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o


pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da
impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento
judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517.

§ 2o Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta


de pagar justificará o inadimplemento.

§ 3o Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for


aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na
forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três)
meses.

Da execução de prestação alimentícia


Cumpre ressaltar que a fixação da prestação alimentícia pode decorrer de uma sentença
e nesse caso estamos diante de um cumprimento de sentença – pois o título é um título
judicial, mas também é possível que a fixação da prestação de alimentos pode decorrer
de uma escritura pública, por exemplo, e nesse caso estamos diante de um título
executivo extrajudicial e assim, teremos uma execução de alimentos.

153
UNIDADE VIII │ ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL

Do valor da pensão alimentícia


Importante ressaltar que a pensão pode ser estipulada em percentual (em torno de 10
a 40%, não existindo uma determinação legal) sobre os rendimentos auferidos pelo
devedor, considerando-se somente as verbas de caráter permanente, como o
salário recebido no desempenho de suas atividades empregatícias, o 13o salário e outras,
excluindo-se as recebidas eventualmente, como as indenizações por convenção de
licença-prêmio ou férias em pecúnia (dinheiro), o levantamento do FGTS, as eventuais
horas extras, o reembolso de despesas de viagem etc.

Meios de assegurar o pagamento da pensão


Para garantir o direito à pensão alimentícia e o adimplemento da obrigação, dispõe o
credor dos seguintes meios:
»» ação de alimentos, para reclamá-los (Lei no 5.478/1968);
»» cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação
de prestar alimentos (arts. 528 e seguintes do nCPC) Execução de Título
Executivo Extrajudicial que reconheça a exigibilidade de obrigação de
prestar alimentos (arts. 911 e seguintes do nCPC)
»» penhora45 em vencimento de magistrados, professores e funcionários
públicos, soldo de militares e salários em geral, inclusive subsídios de
parlamentares (nCPC, 833, IV);
»» desconto em folha de pagamento da pessoa obrigada (nCPC, art. 912);
»» reserva de aluguéis de prédios do alimentante (Lei no 5.478/1968, art.
17);
»» entrega ao cônjuge, mensalmente, para assegurar o pagamento de
alimentos provisórios (Lei no 5.478, art. 4o, parágrafo único), de parte da
renda líquida dos bens comuns, administrados pelo devedor, se o regime
de casamento for o da comunhão universal de bens;
»» constituição de garantia real46 ou fidejussória47 e de usufruto48 (Lei no
6.515/1977, art. 21);
»» prisão do devedor (nCPC art. 528 e parágrafos).
45 É a constrição judicial de bens, em geral, dados pelo devedor em garantia de execução de dívida. Não paga esta, o bem é
vendido em hasta pública e o produto da venda é revertido em favor do credor.
46 Recai sobre determinado bem móvel e imóvel de propriedade do devedor, como maneira de assegurar ao credor garantia
quanto à dívida assumida por aquele (arts. 1.225 a 1.227 do Código Civil).
47 Obrigação acessória assumida por terceira pessoa, que se responsabiliza, total ou parcialmente, pelo cumprimento da obrigação
do devedor, caso este não a cumpra ou não possa cumpri-la; abonação, caução fidejussória, fiadoria, fiador, fidejussória.
48 Direito que se confere a alguém para, por certo tempo, retirar de coisa alheia todos os frutos e utilidades que lhe são próprios,
desde que não lhe altere a substância ou o destino.

154
ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL │ UNIDADE VIII

Alimentos decorrentes da dissolução da


sociedade conjugal e da união estável
A dicção do art. 1.694 do CC permite concluir que devem ser aplicados aos alimentos
devidos em consequência da dissolução da união estável os mesmos princípios e regras
aplicáveis à separação judicial.

Significativa inovação introduziu o CC de 2002 nesse assunto ao prever a fixação dos


alimentos na dissolução litigiosa da sociedade conjugal mesmo em favor do cônjuge
declarado culpado, se deles vier a necessitar e não tiver parentes em condições de
prestá-los, nem aptidão para o trabalho, limitando-se, todavia, à pensão, ao
indispensável à sobrevivência deste (art. 1.704, parágrafo único).

O cônjuge inocente e desprovido de recursos terá direito a pensão, a ser paga pelo outro,
fixada com obediência aos critérios estabelecidos no art. 1.69449 e destinada, portanto,
a proporcionar-lhe um modo de vida compatível com a sua condição social, inclusive
para atender às necessidades de sua educação e não apenas para suprir o indispensável
(art. 1.702).

Cessa o dever de prestar alimentos com “o casamento, a união estável ou o concubinato


do credor” (CC, art. 1.708). Por outro lado, “perde o direito a alimentos o credor que
tiver procedimento indigno em relação ao devedor” (art. 1.708, parágrafo único).

O novo casamento deste, no entanto, “não extingue a obrigação constante da sentença


de divórcio” (art. 1.709).

Revisão de alimentos
É possível a revisão dos alimentos, de acordo com a modificação da situação das partes,
conforme anteriormente se afirmou.

A revisão dos alimentos fixados judicialmente decorre do fato segundo o qual a


sentença que os concede é de natureza continuativa, o que possibilita a alteração do
valor originariamente estabelecido a título de pensão, ante a superveniência de fatos
novos (estado de fato) que justifiquem a redução ou a majoração do valor da prestação
alimentar.

No caso de concurso de créditos de alimentos, Pontes de Miranda e Yussef Cahali


propugnam que as diminuições são pro rata49, devendo-se sempre assegurar a pensão
de forma equitativa em prol de todos os credores.
49 Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver
de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação proporcionalmente.

155
UNIDADE VIII │ ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL

O Ministério Público atuará no feito.

Exoneração de alimentos

Exoneração de alimentos é a cessação definitiva da obrigação de prestar alimentos.

A exoneração de alimentos é cabível nos seguintes casos.

a. Advento da maioridade do alimentando e a possibilidade do


alimentando de se manter

É possível a exoneração dos alimentos, em princípio, com o advento


da maioridade civil do alimentando, o que se dá aos 18 anos de
idade. Contudo faz-se necessário a prova de que o alimentando não
mais necessita desses valores. Além disso, admite-se a continuação do
pagamento de alimentos em prol da pessoa que, embora tenha atingido
a maioridade, encontra-se matriculada em curso superior, pressupondo
a jurisprudência que essa obrigação remanesceria até que o alimentando
atingisse o término da graduação e assim estaria plenamente apto ao
ingresso no mercado de trabalho.

b. Emancipação do alimentando

O alimentando pode vir a ser emancipado na forma voluntária, por ato


jurídico formal praticado pelo detentor do poder familiar, bem como nos
casos expressos em lei.

A emancipação voluntária pode dar-se em favor da pessoa que tem,


ao menos, 16 anos. Todavia, se esta emancipação se der para a exoneração
de alimentos, a obrigação persiste até os 18 anos do alimentando.

Emancipação legal se dá:

›› pela existência de relação de emprego, o que se comprova mediante o


registro em carteira de trabalho;

›› pelo estabelecimento civil ou comercial;

›› pelo exercício de emprego público efetivo, o que não se verifica na


prática;

›› pela colação de grau em curso de ensino superior, de difícil


aplicabilidade.

156
ALIMENTOS – ARTS. 1.694 A 1.710 DO CÓDIGO CIVIL │ UNIDADE VIII

A emancipação legal pelo casamento pode advir:

›› de autorização dos detentores do poder familiar, se o interessado em


contrair núpcias tiver, pelo menos, 16 anos de idade;

›› mediante de suprimento judicial, se a incapacidade por idade for


absoluta ou quando se fizer necessária à nomeação de tutor com fim
específico de autorizar o casamento.

c. Morte do alimentando, porque o direito de alimentos é


personalíssimo.

d. Desnecessidade do alimentando, ante a possibilidade de


subsistência pelos meios próprios.

e. Impossibilidade do prestador de continuar cumprindo a


obrigação alimentar, sob pena de comprometer a sua própria
subsistência.

Tratando-se de impossibilidade temporária, a hipótese deverá ser considerada como


de suspensão dos alimentos, e não de exoneração, a fim de evitar um ônus maior ao
credor, que teria de novamente propor ação de cognição, para os fins de demonstração
do binômio necessidade-possibilidade.

Vejamos a jurisprudência pátria:

ALIMENTOS. REVISÃO. PROVA.

Provada a redução das possibilidades econômicas do devedor e que a credora, tendo


diminuído suas despesas, não mais necessita de alimentos no montante estipulado,
procede o pedido de revisão. Apelações não providas. (20050110077048APC, Rel. Jair
Soares, 6a Turma Cível, julgado em 30/8/2006, DJ 21/9/2006, p. 101).

CIVIL. ALIMENTOS. DEVER DE SUSTENTO DECORRENTE DO PODER


FAMILIAR. MAIORIDADE. EXONERAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO.

Atingida a maioridade dos filhos que vinham recebendo os alimentos em razão do dever
de sustento decorrente do poder familiar, exonera-se o alimentante, vez que extinta de
pleno direito a causa jurídica que deu ensejo à obrigação. (20050110037792APC, Rel.
Carmelita Brasil, 2a Turma Cível, julgado em 9/8/2006, DJ 29/8/2006, p. 118)

157
AS ENTIDADES
FAMILIARES DA Unidade iX
UNIÃO ESTÁVEL

Capítulo 1
As entidades familiares da união
estável

O conceito de união estável


Após a CF/1988, com o reconhecimento da união estável como mais uma forma
de família, surgiram vários projetos de lei tentando estabelecer normas para essa
entidade familiar, então recepcionada pelo Estado. Os projetos que se tornaram as Leis
no 8.971/1994 e no 9.278/1996 traduziram, de forma contraditória, elementos para a
compreensão da união estável. O novo CC incorporou, principalmente, os elementos da
última lei, que melhor traduz o que vem a ser união estável.

Definir união estável não é muito simples, até porque também não é nada simples, na
atualidade, o conceito de família. Aliás, esse é o grande desafio do direito de família
contemporâneo.

Definir união estável começa por e termina por entender o que é família. A partir do
momento em que a família deixou de ser, essencialmente, o núcleo econômico e de
reprodução para ser o espaço do afeto e do amor, surgiram novas e várias representações
sociais para ela. O art. 226 da CF enumera três:

»» casamento;

»» união estável;

»» qualquer dos pais que viva com seus descendentes (família monoparental).

No entanto, se observarmos melhor a nossa sociedade, veremos que existem outras, por
exemplo: dois irmãos vivendo juntos, um avô ou avó com o neto e até mesmo relações

158
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

homoafetivas estáveis50 começam a ser consideradas entidade familiar, como já decidiu


o TJRS51.

União estável é a relação íntima e informal, prolongada no tempo e assemelhada ao


vínculo decorrente do casamento civil, entre sujeitos de sexos diversos (conviventes ou
companheiros), que não possuem qualquer impedimento matrimonial entre si.

Ao acolher a união estável como entidade familiar, a CF adotou a orientação de Álvaro


Villaça de proteger o concubinato não adulterino e não incestuoso. Para Fachin, a união
estável e as uniões livres são fontes das relações de família.

O delineamento do conceito de união estável deve ser feito buscando-se elementos


caracterizadores de um “núcleo familiar”. É preciso saber se daquela relação nasceu
uma entidade familiar.

Os ingredientes são aqueles já demarcados principalmente pela jurisprudência e pela


doutrina pós-Constituição de 1988: durabilidade, estabilidade, convivência sob
o mesmo teto, prole, relação de dependência econômica.

Da coabitação

Figura 22.

Apesar de casados, cada um vive em


sua casa. Se no casamento pode, por
que não poderia na união estável?

Fonte: Elaborado pelo autor.

Os doutrinadores Roberto Senise Lisboa, Maria Helena Diniz, Desembargadora Maria


Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, entendem que deve existir na união estável
a notoriedade da relação familiar, sem que se possa exigir que os concubinos vivam em
comum sob o mesmo teto, senão sejamos:

A união estável deve ter aparência de casamento. Ante a circunstância


de que no próprio casamento pode haver uma separação material dos
consortes por motivo de doença, de viagem ou de profissão, a união

50 O Projeto de Lei no 6.960/2002 acrescenta o art. 1.727-A, determinando a aplicação dos dispositivos da união estável às uniões
fáticas de pessoas capazes, que vivam em economia comum, de forma pública e notória, desde que não contrariem as normas
de ordem pública e dos bons costumes.
51 TRJS, Apelação Cível no 70.001.388.982, de Porto Alegre. 7a Câmara Cível do TJRS, Rel. Des. José Carlos Teixeira Georgis, j.
14.3.2001.

159
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

estável pode existir mesmo que os companheiros não residam sob o


mesmo teto, desde que seja notório que sua vida se equipara à dos
casados civilmente (Súmula no 382 do STF). Por isso, fez bem o novel
Código Civil (art. 1.724) em não contemplar esse dever52.

Analisando-se de forma isenta os ensinamentos doutrinários antecedentes à CF/1988,


pode-se afirmar que a união estável possui as seguintes características:

»» é a união more uxório, isto é, com o espírito de constituição de um casal,


porém desprovida da solenidade exigida por lei para o casamento;

»» há a notoriedade da relação familiar, sem que se possa exigir que os


concubinos vivam em comum, sob o mesmo teto53; vide Súmula no 382
do STF.

No Brasil, os primeiros julgados, que impulsionaram a construção de


uma “doutrina concubinária” são da década de 1960. Surge a Súmula,
no 380 do STF (comprovada a existência de sociedade de fato entre
os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial com a partilha do
patrimônio adquirido pelo esforço comum). Depois vem a Súmula 382,
dizendo que não é necessária a convivência sob o mesmo teto para a
caracterização do concubinato54.

O entendimento mais moderno é que seja dispensável o mos uxorius55, ou seja, a


convivência idêntica ao casamento. Bastam a publicidade, a continuidade e a constância
das relações para além de simples namoro ou noivado. Aliás, este é o entendimento
consagrado na Súmula no 382 do STF: “A vida em comum sob o mesmo teto, more
uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato”.

Veja, ainda, os Resps 474.962/SP, 303.604/SP e 195.157/ES.

Ao se referir ao instituto, o legislador preferiu a expressão “união estável”,


diferenciando-a do concubinato. Este seria a convivência entre pessoas impedidas de
se unir.

Para Álvaro Villaça, nasce com o afeto dos companheiros, constituindo uma família,
sem prazo certo (quer dizer, prazo fixo, marcado, rígido, preestabelecido) para existir ou

52 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito de família. 20. ed. rev. e atual de acordo com o Código Civil. São
Paulo: Saraiva, 2010. v. 5., p. 368.
53 Lisboa, Roberto Senise. Manual de direito de civil. Direito de família. 20. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, v. 5, p. 219.
54 DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo Código Civil, 4. ed. rev. atual. Belo Horinzonte:
Del Rey, 2005, p.224.
55 More uxório é advérbio, que significa “como se houvesse casamento”, em tradução livre. Mos uxorius é expressão substantiva,
que quer dizer “convívio marital” ou “vida marital”. Mos significa costume, hábito; uxorius deriva de uxor, que significa esposa.

160
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

para terminar. Em cada caso concreto, deverá o juiz perceber se houve ou não, duração
suficiente para a existência da união estável. Pondera o autor:

Todavia, é no intuito de constituição de família que está o fundamento


da união estável. Esse estado de espírito de viver no lar pode não
existir, por exemplo, no companheirismo, que objetive, além da
companhia esporádica, relações sexuais e sociais, com ampla liberdade
de que tenham outras convivências os companheiros, não encarando os
afazeres domésticos com seriedade. Nessa situação, pode um casal
viver mais de dez anos, sem que se vislumbre união estável.
Os tribunais chamam esse estado de mero companheirismo, de união
aberta ou de relação aberta.

Os requisitos da união estável

»» A inexistência de impedimento matrimonial entre os conviventes.

»» A exclusividade.

»» A notoriedade ou publicidade da relação, que é a forma de expressão da


afectio maritalis.

»» A aparência de casamento perante a sociedade, como se os conviventes


tivessem contraído o matrimônio civil entre si (união more uxório).

»» A informalização da constituição da união.

»» A lealdade.

»» Durabilidade, caracterizada pelo período de convivência, para que se


reconheça a estabilidade da união.

Lapso temporal

A lei não fixa um período mínimo de tempo para a união estável, limitando-
se a admitir em norma extravagante o pagamento de alimentos ao convivente e o direito
sucessório em favor do convivente se a união for estável.

Na realidade, nada obsta ao reconhecimento de uma união informal entre pessoas


por menos tempo (dois anos, por exemplo), como união estável. Também não obsta o
reconhecimento da união estável a existência de causas suspensivas para o casamento.

161
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

Questões terminológicas

Os termos mais usados nos textos legais para identificar os sujeitos de


uma união estável é companheiro (Lei no 8.971/1994) e convivente (Lei no
9.278/1996).

O CC prefere o vocábulo companheiro, mas usa também os termos


convivente e concubino. A palavra concubinato carrega consigo um estigma e revela
relacionamentos alvo de preconceito. Historicamente, sempre traduziu relação escusa
e pecaminosa, quase uma depreciação moral. Pela primeira vez, é registrada em um
texto legislativo (CC, art. 1.727 ), tendo o legislador procurado diferenciar o concubinato
da união estável, mas, ele não foi feliz. Certamente, a intenção era estabelecer uma
distinção entre união estável e união paralela, chamada doutrinariamente de
concubinato adulterino, mas para isso faltou coragem ao legislador. A norma restou
incoerente e contraditória. Simplesmente, parece dizer – mas não diz – que as
relações paralelas não constituem união estável. Pelo jeito, a pretensão é deixar
as uniões “espúrias” fora de qualquer reconhecimento e a descoberto de direitos. Não
é feita sequer remissão ao direito das obrigações, para que seja feita analogia com as
sociedades de fato. Nitidamente punitiva a postura da lei, pois condena à invisibilidade
e nega proteção jurídica às relações que desaprova, sem atentar que tal exclusão pode
gerar severas injustiças, dando margem ao enriquecimento ilícito de um dos parceiros.
A essas relações é que faz referência à lei ao autorizar a anulação de doações (CC, arts.
550 e 1.642, V), suspender o encargo alimentar (CC, art. 1.708) e negar o exercício da
inventariança (CC, art. 1.801, III).

União livre

As uniões livres correspondem aos vínculos de conjugalidade destinados à formação


de família estabelecidos entre sujeitos que não podem casar-se nem constituir
união estável. Compreendem, por exemplo, as relações não exclusivas e as vinculantes
de parentes afins em linha reta. A união livre é uma espécie de concubinato.

Na lei, concubinato vem definido como as “relações não eventuais entre o homem
e a mulher impedidos de casar” (CC, art. 1.72756). A expressão já teve uma definição
tecnológica bem mais extensa. Quando, no passado, a ordem jurídica só reconhecia
como legítima a família constituída pelo casamento, todas as demais formas de
relacionamento entre homens e mulheres eram rotuladas como concubinárias.

A união livre se distingue do concubinato em geral porque nela se encontra sempre


o affectio maritalis, isto é, a vontade de constituir família, ingrediente inexistente na
56 Relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar.

162
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

relação concubinária. Por vezes, entre os concubinos, o interesse no relacionamento


tem em vista apenas ou principalmente a gratificação sexual; nem de longe eles cogitam
unir-se de forma mais intensa, como uma família. Na união livre, ao contrário, o
objetivo é o mesmo do casamento e da união estável, ou seja, a criação de vínculos
familiares, com ou sem filhos comuns. Os compromissos, por vezes, são menores
quando os parceiros não dão à exclusividade sexual a mesma importância que a maioria
das pessoas. Mesmo nesse caso, todavia, a união livre não pode ser considerada uma
relação descompromissada. Afeto, cuidados, mútua assistência e companheirismo
estão presentes, como em qualquer outra família.

A família dos impedidos

A lei define que certas pessoas não podem casar-se nem se envolver em união estável.
Isso não significa que elas não se unam com o intuito de constituir família, a despeito
da vedação legal.

Vamos imaginar a seguinte situação: o adotante não pode casar-se com quem
foi cônjuge do adotado (CC, art. 1.521, III), ou seja, João (adotante) adota
Carlinhos, deste modo, João, não pode casar-se com a Márcia que foi casada
com o Carlinhos.

E se acontecer de o adotante e o antigo cônjuge do adotado se unirem para a formação


de uma nova família, incluindo a geração e criação de filhos comuns? O vínculo de
conjugalidade entre eles não pode caracterizar-se como união estável, porque o mesmo
obstáculo ao casamento também impediria a formação dessa outra espécie de entidade
familiar (art. 1.723, § 1o).

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do


art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa
casada se achar separada de fato ou judicialmente.

Em outros termos, de pouco adianta a lei proclamar de forma peremptória que


determinadas pessoas não podem constituir famílias se elas, movidas pelos seus
sentimentos e interesses, acabam unindo-se familiarmente. Essas uniões livres não
deviam ser ignoradas pelo Direito, porque seus membros merecem a mesma atenção e
proteção dispensadas às demais entidades familiares.

Outras uniões livres que causam polêmica: o impedimento fundado no parentesco por
afinidade em linha reta e o do adotado com o filho do adotante (CC, art. 1.521, II e V),
ou seja, se Maria, esposa do João, separar-se dele, pela lei, não poderia casar-se com o

163
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

pai do seu marido, o sogro. No outro exemplo, João adota Carlinhos. João já tem uma
filha, logo, Carlinhos está impedido de se casar com a moça.

Os mesmos impedimentos se dão com relação ao cônjuge sobrevivente de se casar com


o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio de seu consorte (art. 1.521, VII).

Contrato de convivência

O regime condominial dos bens na união estável decorre da convivência,


que gera a presunção da comunhão de esforços à sua constituição. Não importa o
fato de os bens estarem registrados apenas no nome de um dos companheiros, pois a
partilha ocorrerá de forma igualitária. No entanto, há a possibilidade de os conviventes,
a qualquer tempo (antes, durante ou mesmo depois de solvida a união), regularem
de forma que lhes aprouver as questões patrimoniais, agregando, inclusive, efeito
retroativo às deliberações.

A singeleza com que a lei se refere à possibilidade de os conviventes disciplinarem o


regime de bens, facultando a elaboração de contrato escrito, denota a ampla liberdade
que têm os companheiros de estipularem tudo o que quiserem, não só questões de ordem
patrimonial, mas também de ordem pessoal. Causa, no mínimo, certa estranheza o fato
de o CC, com relação ao casamento, dedicar ao regime de bens nada menos do que 50
artigos e às questões patrimoniais na união estável, singelas duas palavras: contrato
escrito (art. 1.725).

A possibilidade de avença escrita passou a ser denominada de contrato de convivência:


instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem
regulamentações quanto aos reflexos da relação. Pacto informal, pode
tanto constar de escrito particular como de escritura pública, ser levado
ou não a inscrição, registro ou averbação. Pode até mesmo conter disposições
ou estipulações esparsas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente em
negócios jurídicos diversos, desde que contenha a manifestação bilateral da vontade
dos companheiros, identificando o elemento volitivo expresso pelas partes.

O contrato de convivência não serve para criar a união estável, pois sua constituição
decorre do atendimento dos requisitos legais (CC, art. 1.723), mas é forte indício de sua
existência. Tal como ocorre nos regimes de bens (CC, art. 1.639, § 2o). Também pode
ser revogado na constância da conjugalidade, desde que seja a vontade expressa de
ambos os companheiros.

A liberdade dos conviventes é plena e somente em raras hipóteses merece ser tolhida.
Cabe figurar um exemplo. Depois de anos de convívio e aquisição de bens, a realização

164
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

de contrato concedendo todo o patrimônio a um dos companheiros, nada restando ao


outro para garantir a própria sobrevivência, não pode subsistir. Nitidamente, tal ato de
liberalidade configura doação, sendo vedado doar todos os bens sem reserva de parte
deles ou renda suficiente a garantir a subsistência do doador (CC, art. 548).

Não há determinação de que o contrato seja averbado no registro civil ou no


registro imobiliário, fato que pode prejudicar tanto o companheiro, como os filhos
e terceiros. De qualquer forma, o registro no Cartório de Registro de Títulos e
Documentos (LRP, art. 127, VII) serve para conservar o documento. O registro torna
público o conhecimento do seu conteúdo, mas sem eficácia erga omnes, no sentido de
ser oponível a união estável contra terceiros. Claro que a lei registral, que é do ano de
1973, e que ninguém se preocupou em atualizar, não poderia determinar a inscrição do
contrato de convivência, previsto em lei que data de 1996, mas a necessidade do registro
é evidente para resguardar direitos de terceiros. Determinado o registro do pacto
antenupcial (CC, art. 1.657), cuja averbação se dá no Registro de Imóveis (LRP, art. 167,
II, 1), não é necessário grande esforço para reconhecer que o contrato de convivência,
que traz disposição sobre bens imóveis, também deve ser averbado, para gerar efeitos
publicísticos. É preciso preservar a fé pública de que gozam os registros imobiliários,
bem como a boa-fé dos terceiros que precisam saber da existência da união.

Os direitos e deveres entre companheiros

Quantos aos direitos e deveres entre companheiros, vale lembrar que o art. 2o da Lei no
9.278, de 1996, já os contemplava. Assim, o novo CC os reiterou no art. 1.724, estatuindo
que as relações pessoais entre os companheiros deverão obedecer aos deveres de
lealdade, respeito e assistência, guarda, sustento e educação dos filhos.

Relativamente aos filhos havidos ente os conviventes ou por estes adotados, importa
destacar que estes estarão sujeitos ao poder familiar. Tal poder, a teor do art. 1.631,
deverá ser exercido, em igualdade de condições, por ambos os conviventes. Apenas
diante da falta ou do impedimento de um deles é que poderá o outro exercê-lo com
exclusividade.

Casamento e união estável

A união estável difere do casamento, fundamentalmente, pela inexistência da


adoção da forma solene exigida por lei.

Lembrando que a união estável possui o requisito da inexistência de impedimento


matrimonial, convém afirmar que os conviventes podem ter os seguintes estados civis:

165
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

»» ambos os conviventes são solteiros;

»» um dos conviventes é solteiro e o outro, viúvo;

»» ambos os conviventes são viúvos;

»» ambos os conviventes são divorciados;

»» um dos conviventes é viúvo e o outro, divorciado.

Não caracteriza a união estável, porém, o simples concubinato adulterino, quando uma
pessoa casada convive com outra sem impedimento, pois aí não se considera existente
uma entidade familiar para os fins de proteção legal.

Entretanto, caracteriza-se a união estável se um convivente se encontra


separado judicialmente de outra pessoa, mesmo com a continuidade do vínculo
matrimonial, em que pese a dissolução da sociedade conjugal.

Além disso, pondera Álvaro Villaça que, com a separação de fato, desaparece a afeição
entre os cônjuges (affectio maritalis), indispensável à estruturação da família de fato
ou de direito.

Consequentemente, a partir da separação de fato, não existe óbice ao reconhecimento


da união estável. Aliás, essa situação é extremamente comum, pois às mais das vezes
um casal casado deixa de coabitar, mas não busca o Poder Judiciário ou o Cartório
Extrajudicial, conforme o caso, para pôr fim ao casamento com o divórcio. Simplesmente
um deles sai de casa e... começa a se relacionar com outra pessoa, passando a ter assim,
uma união estável com outro ou outra. Essa possibilidade encontra-se expressa no
Código Civil no parágrafo primeiro do art. 1.723, vejamos:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre


o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do


art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa
casada se achar separada de fato ou judicialmente57.

Diante dessa ressalva, podemos nos deparar então com uma situação em que a pessoa
é casada e, estando separada de fato ou judicialmente, ao mesmo tempo mantém uma
união estável.
57 Art. 1.521. Não podem casar:
(...)
VI - as pessoas casadas;

166
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

Inclusive, o art. 319 do novo Código de Processo Civil58 estabelece que se deve fazer
constar o estado civil da pessoa e informar se ela possui ou não união estável.

Acresce que, já existem diversos julgados reconhecendo a união estável paralela ao


casamento, com efeitos inclusive sobre bens e pagamento de pensão alimentícia. Nesse
sentido, o Tribunal de Justiça do Amazonas noticiou que

Esta semana o juiz da 4ª Vara de Família e Sucessões de Manaus, Luís


Cláudio Cabral Chaves, reconheceu a união estável simultânea de um
homem com duas mulheres, após a morte dele. Para o magistrado, a
ideia tradicional de família, para o Direito brasileiro, era aquela que
se constituía pelos pais e filhos unidos por um casamento, regulado
pelo Estado. “A Constituição Federal de 1988 ampliou esse conceito,
reconhecendo como entidade familiar a união estável entre homem e
mulher. O Direito passou a proteger todas as formas de família, não
apenas aquelas constituídas pelo casamento, o que significou uma
grande evolução na ordem jurídica brasileira, impulsionada pela
própria realidade”, explicou.

Ele assegura que a mesma realidade impõe hoje discussão a respeito


das famílias simultâneas. “Deixar de reconhecê-las não fará com que
deixem de existir. Não se pode permitir que em nome da moral se ignore
a ética, assim como que dogmas culturais e religiosos ocupem o lugar da
Justiça até porque o Estado brasileiro é laico, segundo a Constituição
Federal”, acrescentou59.

Também encontramos essa posição, já em sede de apelação, no Tribunal de Justiça do


Maranhão. Vejamos a seguinte ementa:

DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE UNIÃO


ESTÁVEL POST MORTEM. FALECIDO QUE MANTEVE UNIÕES
DURADOURAS COM A ORA AUTORA E A ORA RÉ. PRÉVIA
AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO AJUIZADA PELA ORA RÉ COM O
RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL ENTRE ELA E O
FALECIDO. JUIZ DE ORIGEM QUE, DIANTE DA NOTÍCIA
DESSA DECISÃO, JULGOU O PRESENTE FEITO EXTINTO POR
RECONHECIMENTO DE COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA DE
IDENTIDADE DE PARTES, DE PEDIDO OU CAUSA DE PEDIR.
58 Art. 319. A petição inicial indicará:
(...)
II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas
Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; (...)
59 Com informações da Diretoria de Comunicação do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM)

167
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

NULIDADE DA SENTENÇA. CAUSA MADURA PARA JULGAMENTO.


POSSIBILIDADE JURÍDICA DO RECONHECIMENTO DE FAMÍLIAS
SIMULTÂNEAS. RELACIONAMENTO ENTRE A AUTORA, ORA
APELANTE, E O FALECIDO QUE SE ENQUADRA NOS REQUISITOS
DE UMA ENTIDADE FAMILIAR. EQUIPARAÇÃO DO CONCUBINATO
NÃO ADULTERINO À UNIÃO ESTÁVEL PARA PRODUÇÃO DE
EFEITOS JURÍDICOS.

I - É descabido falar em coisa julgada em relação à comentada sentença


que decidiu a ação de justificação de união estável post mortem: a
uma, porque o reconhecimento de união estável só ocorre mediante
sentença em ação declaratória transitada em julgado; a duas, porque as
demandas referidas na sentença (ação de justificação ajuizada por Maria
das Graças e a ação declaratória ajuizada por Maria dos Remédios) não
possuem identidade de partes, nem de pedido, nem de causa de pedir;
e, a três, porque inexiste prejudicialidade nem impossibilidade jurídica
no reconhecimento de famílias simultâneas;

II - É família toda união de pessoas em respeito e consideração mútuos,


com ostensividade e publicidade, com o objetivo de comunhão de
vida, mútua assistência moral e material, e de serem reconhecidos
pela comunidade como uma família. Assim, sempre que um núcleo
for formado por pessoas que se enquadrem em tais requisitos, deve
ser reconhecida a configuração de uma família, independente da
qualificação que se dê a esta: se formada por um casamento, por uma
união estável ou por um concubinato estável (espécies do gênero
“família”).

III - É cristalina a constatação, pela provas dos autos, de que o falecido


soube manter com discrição e profundidade dois relacionamentos
paralelos, não misturando os círculos sociais de entorno a cada
composição familiar. Apelação provida.

(TJ-MA - APL: 0393812014 MA 0015505-24.2013.8.10.0001, Relator:


JAMIL DE MIRANDA GEDEON NETO, Data de Julgamento:
12/03/2015, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:
16/03/2015)

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça apesar de não reconhecer as uniões


estáveis simultâneas, condenou um homem a pagar pensão alimentícia para

168
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

aquela que foi sua amante durante 40 anos. Vejas a notícia extraída do site
Conjur:

<http://www.conjur.com.br/2015-abr-19/amante-40-anos-recebera-pensao-
alimenticia-parceiro>

Facilitação da conversão em casamento

Aos conviventes é garantida constitucionalmente a facilitação da conversão da união


estável em casamento.

A conversão da união estável em casamento poderá ser feita, a qualquer tempo, mediante
requerimento ao juiz e assento no registro civil.

Vejamos o que reza o art. 1.726: “A união estável poderá converter-se em casamento,
mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”.

Contudo esse artigo precisa ser lido levando em consideração a possibilidade da união
estável de pessoas do mesmo sexo.

União de pessoas do mesmo sexo

Em se tratando de pessoas do mesmo sexo, houve uma evolução em nosso direito,


especialmente a partir da ADPF 178/DF.

Tramitou no Supremo Tribunal Federal a ADPF 178/DF proposta pela Procuradoria


Geral da República para dar uma interpretação conforme a Constituição para que o art.
1723 que reconhece a união estável apenas entre homem e mulher. Na fundamentação
apresentada, a Procuradoria argumenta que deve ser interpretado esse artigo
consoante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proibição
da discriminação odiosa, da igualdade, da liberdade e da segurança jurídica. O STF se
posicionou no sentido de igualar a união estável entre homem e mulher à união estável
homoafetiva.

E para regulamentar essa possibilidade, além da união estável acrescentou-se a


possibilidade também do casamento, em decorrência da Resolução no. 175 do CNJ, que
traz apenas 3 artigos, mas de suma relevância, vejamos:

Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação,


celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em
casamento entre pessoas de mesmo sexo.

169
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação


ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.

Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Depreende-se desse artigo que o procedimento para a conversão da união estável em


matrimônio civil diferencia-se daquele previsto para a celebração do casamento, uma
vez que é realizado diretamente no Cartório de Registro.

Trata-se, portanto, de pedido judicial dos companheiros para cuja decisão


impõe-se a necessária instrução probatória, a fim de que reste comprovada a presença
dos requisitos necessários para a configuração da união estável que se pretende
converter, bem como ainda o termo inicial da união.

Efeitos pessoais da união estável

»» A fixação de domicílio pelos conviventes, sendo perfeitamente


admissível que um deles fixe o domicílio desde que não ocorra a oposição
por parte do outro.

»» A coabitação exclusiva, pois a união estável pressupõe o dever


equivalente ao do casamento monogâmico.

Todavia, deve-se observar que o dever de coabitação58 não significa que os envolvidos
são obrigados a morar sob o mesmo teto. Veja a Súmula no 382 do STF, citada
anteriormente.

»» A fidelidade, assim entendida como fidelidade física e moral,


esta última modalidade correspondendo ao atendimento dos deveres
semelhantes aos decorrentes do casamento;

1. Coabitar [Do lat. tard. cohabitare.] Verbo transitivo direto. 1. Habitar


em comum: Coabitam na mesma casa. Verbo transitivo indireto.

2. Morar em comum; viver junto: “O senhor, depois de casado com minha


filha, não coabitará com ela; o senhor morará só, numa boa casa...; ao
passo que Palmira continuará a residir em minha companhia” (Aluísio
Azevedo, Livro de uma sogra, p. 139).

3. Viver como marido e mulher (embora não obrigatoriamente casados).

4. Ter relações sexuais habituais, lícitas ou não, com outra pessoa. Verbo
intransitivo.

170
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

5. Viver intimamente com alguém.

»» A assistência material e imaterial recíproca que compreende


tantos os alimentos naturais como os civis;

»» A adoção do nome do convivente, com o prévio consentimento do


outro e após a procedência judicial da retificação do registro civil;

»» O registro e o reconhecimento de filhos havidos da união estável


pode ser efetuado a qualquer tempo, independentemente da situação
pessoal ou patrimonial dos conviventes.

É possível a adoção conjunta realizada pelos conviventes, desde que pelo menos um
deles tenha completado 18 anos de idade.

Os conviventes são titulares do poder familiar sobre os seus filhos menores, que ficarão
sob a sua guarda.

Os conviventes têm o dever de educação e sustento da prole.

Efeitos patrimoniais da união estável

Os principais efeitos patrimoniais incidentes sobre a união estável são os seguintes:

»» O patrimônio adquirido a título oneroso e os bens adquiridos em época


posterior à união são comuns dos conviventes;

Constitui-se, desse modo, o condomínio na união estável.

A lei adotou um regime de bens similar à comunhão parcial,


comunicando-se os bens percebidos a título oneroso, a partir do termo
inicial da união estável.

Estabelece-se a presunção iuris tantum de meação sobre o patrimônio


adquirido pelos conviventes, porém não há qualquer impeditivo para que
os conviventes estabeleçam percentuais diferenciados de aquisição dos
bens, conforme pondera Álvaro Villaça.

Luiz Edson Fachin lembra ser perfeitamente justificável,


considerarem-se bens comuns dos conviventes, tão somente, aqueles
adquiridos a título oneroso. Porém, essa posição doutrinária precisa
ser analisada levando em consideração os art. 1.725 e 1.660 do Código
Civil.

171
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

A previsão sobre o regime de bens para a união estável está no art. 1.725
do Código Civil, vejamos:

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros,


aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão
parcial de bens.

Assim temos que entram na comunhão:

Art. 1.660. (...)

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso,


ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de


trabalho ou despesa anterior;

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de


ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge,


percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de
cessar a comunhão.

Não se comunicam em prol de ambos os conviventes, portanto, as doações


exclusivamente destinadas a um deles e a herança.

E ainda, não se comunicam, o que se encontra expresso no:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem,


na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados
em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um


dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em


proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

172
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

»» Em se tratando de bem imóvel, faz-se necessária a autorização ou


anuência do outro convivente para a transmissão da coisa.

»» O convivente pode ainda receber doação do outro convivente, salvo


na hipótese em que se tornaria imprescindível a adoção do regime de
separação de bens, se o casamento civil houvesse sido celebrado.

»» O convivente tem direito de alimentos

A Lei no 9.278/1996, preceitua que a prestação decorrente de pensão


alimentícia deve ser paga pelo convivente culpado pela rescisão do
contrato de concubinato consolidado.

Entende Roberto Senise Lisboa que tal questão se encontra ultrapassada


por força da entrada em vigor do art. 1.694 do CC, que desprestigia a
análise da culpa para fins de fixação de alimentos e expressamente
autoriza ao convivente necessitado requerer alimentos em face do outro,
observando se o binômio necessidade-possibilidade.

A única restrição que pode ser encontrada com base na culpa é a da


redução dos alimentos ao montante indispensável para a subsistência, se
a extinção da união estável adveio de culpa de quem os pleiteou.

»» O convivente tem direito à indenização por morte do outro convivente,


no caso de acidente de trabalho ou de transporte.

A Súmula no 35, do STF, estabelece: “Em caso de acidente de trabalho ou


de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do
amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio”.

É perfeitamente adaptável tal entendimento para os que vivem em união


estável, já que o concubinato é considerado pelo atual sistema civil como
uma relação não eventual entre homem e mulher que se encontram
impedidos de contrair matrimônio.

»» O convivente pode habilitar-se em inventário, assim como solicitar


a reserva de bens, bastando a comprovação da união estável. O art. 3o
da Lei. no 8.971/1996 trata da meação do convivente, muito embora a

173
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

questão regulada diga respeito à sucessão. É que a ele assegura o direito


à metade daquilo que ajudou o de cujus a adquirir.

»» O convivente pode ser contemplado em testamento se o outro convivente


for solteiro, viúvo ou separado judicialmente.

»» O convivente possui o direito previdenciário por causa da morte do outro.


Não é necessária a designação expressa de contemplação do benefício
previdenciário em seu favor, tornando-se suficiente a demonstração da
existência da relação informal em questão.

Extinção da união estável

Extingue-se a união estável por fatores imputáveis aos conviventes ou não. São eles:

»» A morte de um dos conviventes.

»» A vontade de uma ou de ambas as partes, por meio da resilição59 unilateral


(denúncia) ou da resilição bilateral (distrato).

»» A resolução60 ante a quebra de um dos requisitos da união estável


referentes aos deveres dos conviventes.

É o que ocorre ante a prática de sevícia, injúria grave, abandono do lar e homicídio
tentado.

Da Partilha dos bens

Figura 23.

Fonte: <https://pixabay.com/pt/machado-de-batalha-machado-arma-154454/>.

60 resolução
[Do lat. resolutione.]
Substantivo feminino.
1. Ato ou efeito de resolver (-se).
2. Decisão, deliberação.
3. Capacidade de resolver, deliberar, decidir; deliberação, decisão:
Tem visão administrativa e muita resolução.

174
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

A dissolução da união estável possibilita a partilha dos bens havidos pelos


companheiros.

Os bens imóveis e móveis obtidos, a título oneroso, por um dos conviventes,


durante a união estável, são frutos do trabalho e esforço comum, justificando-se a
constituição de um condomínio sobre esses bens.

A Súmula no 380 do STF, apesar de editada há um bom tempo, é suscetível de


aplicação quando da dissolução da união estável.

Segundo a matéria sumulada, “comprovada a existência de sociedade de fato


entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha
do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Logo, o atual sistema admite
a aplicação da súmula transcrita para a união estável, porém repudia o concubinato,
considerando-o a união não eventual entre um homem e uma mulher impedidos de se
casar e que, destarte, não teriam direitos patrimoniais sobre os bens reciprocamente
considerados.

O esforço comum pode ser pessoal ou econômico, este decorrente da atividade laboral
do convivente, enquanto o outro se origina da atividade de auxílio ao outro concubino,
para que ele exerça a sua atividade econômica de forma racional.

A competência para apreciação do pedido de reconhecimento, assim como para o


requerimento de dissolução da união estável é do juiz da vara de família.

Admite-se o pedido de medida cautelar de separação de corpos, como mecanismo


a resguardar os direitos dos conviventes quando da efetivação da dissolução da união
estável. A separação de corpos tem por finalidade regularizar a saída do convivente do
lar da união estável, sem prejuízo dos direitos resultantes da sua dissolução.

Direito sucessório

Os direitos de participação do companheiro na herança constam do art. 1.790 do CC,


por encarte no capítulo das Disposições Gerais do Direito das Sucessões.

Merece reparo essa colocação da matéria fora do rol dos sucessores legítimos. Deveria
constar do título da Sucessão Legítima, capítulo da Ordem da Vocação Hereditária,
que abrange os descendentes, ascendentes, cônjuge e colaterais (art. 1.819), pois não
se pode negar que também o companheiro tem direito à herança, ainda que de forma
distinta daquela prevista para o cônjuge.

175
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

Dispõe o mencionado art. 1.790 do CC que o companheiro sobrevivente participará da


sucessão do outro somente quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da
união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente


à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á


a metade do que couber a cada um deles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um


terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da


herança.

Nota-se desconformidade da posição sucessória do companheiro em comparação com


à do cônjuge, bastando se compare o critério supra com o disposto no art. 1.829 e
seguintes do CC.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente,


salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal,
ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único);
ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver
deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Conforme seja a natureza dos bens e a data de sua aquisição, o companheiro pode levar
alguma vantagem no quinhão a receber, mas, no geral, tem sensíveis desvantagens.
Primeiro porque deixa de ser o terceiro na ordem da vocação hereditária, passando
a concorrer até mesmo com os colaterais. Segundo porque o companheiro não é
considerado herdeiro necessário, enquanto o cônjuge obteve esse privilégio ao lado dos
descendentes e dos ascendentes.

Demais disso, foi limitada a participação do companheiro na herança deixada pelo


outro. Sua incidência ocorre apenas sobre os bens adquiridos onerosamente durante a
convivência, o que representa uma inadmissível restrição, pela vedação de acesso aos
demais bens, ainda que faltem herdeiros sucessíveis.

176
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

Por outro lado, significa um injustificável excesso, pois nada recomenda tenha
o companheiro participação na herança em concurso com descendentes
quando já goze do direito de meação sobre os bens havidos durante o tempo
da união. Basta considerar que, em hipótese semelhante, o cônjuge teria apenas
resguardado o seu direito de meação, sem participação alguma na herança (salvo o
direito de habitação).

Num exame abrangente da proteção jurídica dispensada à união estável, tenha-se em


mente que, no campo dos direitos relativos a alimentos (art. 1.694) e a meação (art.
1.725), o companheiro é tratado em posição de igualdade com a pessoa casada, mas não
é assim na esfera do direito sucessório, em que as disposições do novo ordenamento
são bem diversas das que constavam das antigas Leis no 8.971/1994 (art. 2o – direito de
herança e de usufruto) e 9.278/1996 (art. 7o, parágrafo único – direito real de habitação).

Comparando esses dispositivos com o tratamento agora dispensado ao companheiro


no plano sucessório, conclui-se que o CC de 2002 dá um salto para trás em face dessa
redução de direitos, constituindo inadmissível retrocesso legislativo.

Sob outro aspecto, apresenta-se vantajoso ao companheiro o direito sucessório, em


comparação com o direito reservado ao cônjuge sobrevivente. Dá-se a cumulação,
para o primeiro, dos direitos de meação e de herança, pois o art. 1.790
CC refere direito sobre os bens adquiridos onerosamente durante a
convivência, sem qualquer ressalva.

Diversamente, o cônjuge sobrevivente tem direito a concorrer na herança com os


descendentes, salvo se casado com falecido no regime da comunhão universal de bens
ou no da separação obrigatória de bem; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor
da herança não houver deixado bens particulares (art. 1.829, I).

Na opinião de Silvio de Salvo Venosa, a redação é horrível. A intenção do legislador foi


tornar o cônjuge sobrevivente herdeiro quando não existir bens decorrentes de meação.

Parece demasia esse favorecimento do companheiro em relação ao cônjuge, pois,


além da meação sobre tais bens, tem ainda direito a percentual na herança atribuível
aos descendentes ou aos ascendentes. Assim, se o autor da herança deixar um
único bem adquirido onerosamente durante a convivência e um herdeiro
filho, a companheira receberá 50% do bem pela meação e mais 25% pela
concorrência na herança com o filho. Se o autor da herança fosse casado,
nas mesmas condições, o cônjuge sobrevivente teria direito apenas a 50%
pela meação, restando igual percentagem íntegra para o herdeiro filho.

177
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

Resta ver como se dá a participação do companheiro na herança quando disputada com


outros herdeiros. É o que se denomina de concorrência sucessória, levando a
uma série de cálculos no caso de existirem descendentes do falecido.

Cumpre ressaltar que tudo o que foi dito sobre o art. 1.790 do Código Civil pode não
ter mais validade, pois está pendente a análise pelo Supremo Tribunal Federal, sobre
a inconstitucionalidade do referido artigo. Tal processo teve seu julgamento iniciado
já com parcela dos ministros votando pela inconstitucionalidade, mas foi retirado de
pauta. Vejamos a notícia veiculada pelo Supremo Tribunal Federal, em 31 de agosto de
2016:

Suspenso julgamento sobre tratamento diferenciado a


cônjuge e companheiro em sucessões

Pedido de vista do ministro Dias Toffoli suspendeu o julgamento, pelo


Supremo Tribunal Federal (STF), do Recurso Extraordinário (RE)
878694 em que se discute a legitimidade do tratamento diferenciado
dado a cônjuge e a companheiro, pelo artigo 1.790 do Código Civil,
para fins de sucessão. Até o momento, sete ministros votaram pela
inconstitucionalidade da norma, por entenderem que a Constituição
Federal garante a equiparação entre os regimes da união estável e do
casamento no tocante ao regime sucessório. O recurso, que começou
a ser julgado na sessão desta quarta-feira (31), teve repercussão geral
reconhecida pela Corte em abril de 2015.

No caso concreto, decisão de primeira instância reconheceu ser a


companheira de um homem falecido a herdeira universal dos bens do
casal, dando tratamento igual ao instituto da união estável em relação
ao casamento. O Tribunal de Justiça de Minas (TJ-MG), contudo,
reformou a decisão inicial, dando à mulher o direito a apenas um terço
dos bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, ficando o restante
com os três irmãos do falecido, por reconhecer a constitucionalidade
do artigo 1.790.

A defesa da viúva, então, interpôs recurso extraordinário ao Supremo,


contestando a decisão do TJ-MG, com o argumento de que a Constituição
Federal não diferenciou as famílias constituídas por união estável e por
casamento, ficando certo que qualquer forma de constituição familiar
tem a mesma proteção e garantia do Estado.

O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela procedência


do recurso, sugerindo a aplicação de tese segundo a qual “no sistema

178
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes


sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em
ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil
de 2002”.

Barroso lembrou, em seu voto, que o regime sucessório sempre foi


conectado à noção de família e que a noção tradicional de família esteve
ligada, por séculos, à ideia de casamento. Mas esse modelo passou a
sofrer alterações, principalmente durante a segunda metade do século
XX, quando o laço formal do matrimônio passou a ser substituído pela
afetividade e por um projeto de vida em comum, ressaltou.

Por meio das Leis 8.971/1994 e 9.278/1996, o legislador brasileiro


estendeu aos companheiros os mesmos direitos dados ao cônjuge, com
base no entendimento constitucional de que ambos merecem a mesma
proteção legal com relação aos direitos sucessórios, frisou o ministro.
Mas aí entrou em vigor o Código Civil, em 2003, um projeto que vinha
sendo discutido desde 1975, quando as relações entre homem e mulher
ainda tinham outra conotação e vigia um maior conservadorismo,
e restituiu a desequiparação entre esposa e companheira, voltando
atrás nesse avanço igualitário produzido pelas Leis 8.971 e 9.278, disse
Barroso.

Para o ministro, a ideia de que a relação oriunda do casamento tem


peso diferente da relação havida da união estável é incompatível
com a Constituição Federal de 1988, por violação aos princípios da
dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proteção da família.
Além disso, o ministro salientou que a norma viola o princípio da
vedação ao retrocesso. Desequiparar o que foi equiparado por efeito da
Constituição é hipótese de retrocesso que a própria Carta veda, explicou
Barroso, que entende que, neste particular, o Código Civil foi anacrônico
e implementou retrocesso.

O ministro votou no sentido da inconstitucionalidade do artigo


1.790, com modulação dos efeitos da decisão para que não alcance
sucessões que já tiveram sentenças transitadas em julgado ou partilhas
extrajudiciais com escritura pública.

Acompanharam o relator os ministros Edson Fachin, Teori Zavascki,


Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia. (http://www.
stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=324282)

179
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

Uma vez que se reconheça a inconstitucionalidade do referido artigo, os tópicos abaixo


também sofrerão alterações.

Concorrência do companheiro com descendentes

Como prevê o art. 1.790 do CC/2002, os descendentes concorrem com a(o)


companheira(o) do falecido, comprovada a união estável, quanto aos bens comprados
durante a união.

O codificador distinguiu os direitos sucessórios conforme os descendentes sejam comuns


ou apenas do autor da herança, silenciando sobre a hipótese de descendentes comuns
concorrerem com descendentes exclusivos do de cujus. Essa lacuna legal também se
verifica na sucessão dos descendentes em concurso com o cônjuge.

Sucessão da(o) companheira(o) e os descendentes


comuns

O inciso I do art. 1.790 do CC estabelece que concorrendo a(o) companheira(o) com os


filhos comuns, divide-se igualitariamente os bens comprados durante a união estável,
resguardando-se a meação do sobrevivo. Os bens adquiridos a título gratuito e os
anteriores à união são divididos somente entre os parentes do morto.

Base de cálculo

Os bens comprados durante a união estável comunicam-se, exceto se houver pacto


escrito estabelecendo a incomunicabilidade do patrimônio. Os demais bens são
herdados exclusivamente pelos descendentes do morto.

Figura 24. Esquema ilustrativo.

Tibúrcio

F1 F2 1/6 casa
1/6 1/6
1
/6 1
/6
Fonte: Base legal: arts. 1.790, I, c/c, 1.835, CC/2002.

180
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

Comentários ao diagrama acima: Tibúrcio, autor da herança, faleceu na vigência, do


CC/2002, deixando companheira e dois filhos comuns. O casal comprou durante a união
estável uma casa e ele herdou de seu pai um sítio. Metade da casa constitui a meação
da companheira. A outra metade da casa e o sítio compõem o espólio. A metade da casa
que pertencia ao falecido será igualmente dividida entre os dois filhos e a companheira,
cabendo a cada herdeiro 1/6 do imóvel (ou 1/3 da meação do morto). Divide-se o sítio
igualmente somente entre os dois filhos. A companheira não é meeira e nem herdeira
deste bem.

Outra forma de fazer o cálculo

A companheira tem 50% da casa como meeira. Os outros 50% serão divididos entre os
filhos comuns e a companheira.

Quota da companheira: 50% + 16,6% = 66,6%

Quota dos filhos: 16,6% para cada um dos filhos + 100% do sítio.

Sucessão dos descendentes exclusivos do morto

Preconiza o inciso II do art. 1.790 que o(a) companheiro(a) sobrevivente herda a metade
do quinhão dos descendentes só do autor da herança quanto aos bens comprados
durante a união estável. Os demais bens são partilhados entre os descendentes sem o
concurso do(a) companheiro(a) sobrevivente.

Figura 25. Esquema ilustrativo.

Tibúrcio

1
/2 Casas
FI F2 F3
2/7 2/7 2/7
1/3 1/3 1/3 loja
Base legal: arts. 1790, I, c/c 1.835 CC/2002
Fonte: Base legal: arts. 1790, I, c/c 1.835 CC/2002

Comentários ao diagrama acima: Tibúrcio, autor da herança, faleceu na vigência


do CC/2002, deixando companheira e três filhos exclusivos seus (F1, F2 e F3).

181
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

Durante a união estável, o casal comprou uma casa onde a família sempre morou, e ele
herdou uma loja. Metade da casa constitui a meação da companheira. A outra metade
da casa integra o espólio com a totalidade da loja. A metade da casa será dividida
atribuindo-se dois sétimos para os filhos só do morto e um sétimo para a companheira
dos bens comprados durante a união estável.

Explicando com outras palavras: as frações são formadas por numeradores (número
situado na parte superior da fração) e por denominadores (algarismos da parte inferior).
Para o cálculo dos numeradores, coloca-se o algarismo 2 em cada descendente e o número
1 na companheira. Para o cálculo do denominador, basta somar os numeradores. No
caso concreto, o denominador é sete, total da soma dos numeradores 2 + 2 + 2 + 1 (dois
para os filhos só do morto e 1 para a companheira).

Como havia apenas um único imóvel de natureza residencial e a família morava no bem
à época do óbito, a companheira tem direito real de habitação, conforme o parágrafo
único do art. 7o da Lei no9.278. Atente que o deferimento deste direito real de habitação
para os companheiros é divergente.

Quanto à loja herdada, somente os três filhos sucedem em igualdade de condições,


cabendo um terço para cada um.

Outro modo de fazer o cálculo Por exemplo: o de cujus deixou R$ 10.000,00

X = R$ 2.000,00

Figura 26.

Fonte: Elaborado pelo autor.

182
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

A Sucessão dos ascendentes e colaterais em


concorrência com os companheiros e o direito à
sucessão inexistindo parentes de acordo com o
CC/2002

Na falta de descendentes sucedem os ascendentes do falecido. Ocorrendo o óbito na


vigência do CC/2007, os companheiros sucedem em concurso com os ascendentes,
assegurando-se aos convenientes a quota invariável de um terço da herança, ou, na falta
destes parentes, os companheiros concorrem com os colaterais na mesma proporção.

Base de cálculo

Há dois entendimentos sobre a base de cálculo para a sucessão dos companheiros.


Uma corrente sustenta que os incisos devem ser interpretados de acordo com o caput,
logo, o um terço impresso no inciso III deve ser interpretado como um terço dos
bens comprados durante a união estável. Outra corrente utiliza-se da interpretação
gramatical do dispositivo. A lei usa o termo herança e esta é composta de todo o acervo
hereditário, sendo despiciendo o título ou a época da aquisição.

O inciso III do art. 1.790 prevê a sucessão dos ascendentes e colaterais até o quarto grau
em concorrência com os companheiros.

Figura 27. Esquema ilustrativo.

Avô Avô
Avó Avó

½ apart. 1/ Pai Mãe 1/3 ½ apart.


3 ½ sala
Sala ½

Tribúrcio

1/3 comp.
Fonte: Base legal: arts. 1.829, III, c/c 1.837, CC/2002.

183
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

Comentários ao diagrama acima: Tibúrcio, autor da herança, faleceu na vigência


do CC/2002, deixando companheira sobrevivente e pais. Durante a união estável, o
casal comprou um apartamento onde a família morava, e ele herdou uma sala. Metade
do apartamento constitui meação da companheira. A outra metade do apartamento
constitui o espólio com a totalidade da sala.

A companheira tem direito à sua meação quanto ao apartamento comprado durante a


união estável, na falta de pacto escrito, prevendo a incomunicabilidade do patrimônio.

Como o espólio é composto de um único imóvel de natureza residencial e a família


morava no bem à época do óbito, a companheira tem direito real de habitação, conforme
parágrafo único do art. 7o da Lei no 9.278. Repise-se, o deferimento deste direito real de
habitação para os companheiros é divergente.

Os bens são divididos da seguinte forma: a metade do apartamento, sem dúvidas, será
dividida concedendo-se um terço para a companheira sobrevivente e um terço para
cada um dos pais.

Quanto à sala, há divergências se a companheira tem direito à sucessão, dependendo


da corrente adotada sobre a base de cálculo. Para a corrente que sustenta que a
companheira tem direito à sucessão somente dos bens adquiridos a título oneroso
durante a união estável, fica obviamente, a companheira afastada da sucessão e apenas
os pais partilham entre si o imóvel em igualdade de condições.

Figura 28. Esquema ilustrativo.

Avô Avô
Avó Avó

1/3 Pai 1/3


Mãe

Tribúrcio

1/3 comp.
Fonte: Base legal: arts. 1.829, III, c/c 1.837, CC/2002.

184
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

Para a segunda corrente que admite que a companheira tem direito a um terço de toda a
herança, ela herda um terço e os dois terços restantes são divididos por linhas, cabendo
a um terço para cada um dos pais.

Alimentos ao convivente

O art. 1.694 do CC assegura o direito recíproco dos companheiros aos alimentos. Na


hipótese de dissolução da união estável, o convivente terá direito, além da partilha dos
bens comuns, a alimentos, desde que comprove suas necessidades e as possibilidades
do parceiro, como o exige o § 1o do citado artigo. Cessa, todavia, tal direito, com o
casamento, a união estável ou o concubinato do credor (art. 1.708). Perderá também o
direito aos alimentos o credor que tiver “procedimento indigno em relação ao devedor”
(art. 1.708, parágrafo único).

O legislador equiparou os direitos dos companheiros aos dos parentes e aos cônjuges.
Por conseguinte, aplicam-se as mesmas regras dos alimentos devidos na separação
judicial, inclusive o direito de utilizar-se do rito especial da Lei de Alimentos (Lei no
5.478/1968). Assim, o companheiro que infringir os deveres de lealdade,
respeito e assistência (CC, art. 1.724) ao parceiro perderá o direito aos
alimentos, por cometer ato de indignidade, na opinião de Carlos Roberto
Gonçalves61 (GONÇALVES, 2007, p.562).

Maria Berenice Dias discorda. Ela entende que o art. 1.704, parágrafo único, do CC,
se refere unicamente aos casados em processo de separação, não açambarcando os
conviventes. Ela diz mais:

Esse não é o único motivo para excluir da união estável a possibilidade


de os alimentos sofrerem limitações pela postura dos conviventes. A
diferenciação quantitativa decorre do reconhecimento da culpa do
cônjuge necessitado.

Essa perquirição só cabe ser feita quando os alimentos são fixados na ação
de separação judicial. Comprovada a responsabilidade do alimentando
pela ruptura da vida em comum, o valor dos alimentos é achatado. A
ação de reconhecimento da união estável serve exclusivamente para
identificar o lapso temporal de vigência do relacionamento. Culpas ou
responsabilidades não integram a demanda. Assim, o único requisito
para a concessão de pensão em favor do companheiro é a prova da
necessidade do pensionamento.

61 GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 4. ed. São Paulo/; Saraiva, 2007. v. 6, p, 562.

185
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

Ainda no entender de Maria Berenice Dias, a limitação do valor dos alimentos imposta
à obrigação alimentar de qualquer origem, quando a situação de necessidade resulta
de culpa do alimentando (CC, 1.694, § 2o), não traz para dentro da ação entre parceiros
questionamentos sobre a culpa pelo fim da união da estável. A responsabilidade que
enseja que os alimentos sejam limitados à subsistência diz com a causa da necessidade,
o que não se confunde com a culpa pelo fim da relação.

Na opinião de Carlos Roberto Gonçalves62, inova o CC/2002 quando preceituou, no


§ 2o do art. 1.694, que “os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência,
quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia”. Igual
tratamento é dispensado ao cônjuge, e, por analogia aos companheiros, declarado
culpado pela separação judicial, salvo se não tiver parentes em condições de prestá-los
nem aptidão para o trabalho. Assinale-se que, se, além de culposo, o procedimento do
companheiro for indigno perante o parceiro, cessará o seu direito a alimentos, como
dispõe o parágrafo único do art. 1.708, sem que tenha, nesse caso, até mesmo, direito
aos alimentos denominados necessários ou naturais.

O Mestre Carlos Roberto Gonçalves63, nos ensina que os companheiros, assim como
os cônjuges, têm a faculdade de oferecer alimentos, em ação prevista no art. 24 da Lei
no 5.478/1968, ao tomarem a iniciativa de deixar o lar comum. Prevê a referida lei o
desconto em folha de pagamento do alimentante, como meio de assegurar o pagamento
da pensão (art. 17), bem como a possibilidade de serem fixados alimentos provisórios
pelo juiz. Estes, todavia, exigem prova pré-constituída do parentesco, casamento ou
companheirismo (art. 4o).

A prova da união estável pode ser feita por todos os meios de prova. No caso dos
alimentos provisórios, exigindo-se prova pré-constituída, dá-se ênfase à documental.
Nesse ponto, sobreleva a importância do denominado contrato de convivência. Se já
houve o reconhecimento judicial da entidade familiar para outros fins, seja para sua
dissolução com partilha de bens, seja em ação de investigação de paternidade, será
possível pedir alimentos pelo rito especial da Lei no 5.478/1968, com a fixação dos
provisórios.

No caso de se encontrarem no polo ativo da ação de alimentos filhos legalmente


reconhecidos, a petição inicial deve ser instruída com a respectiva certidão de
nascimento. Tal documento não é suficiente para fundamentar igual pedido pela genitora
dos menores, pois podem estes ter sido gerados em contato eventual, transitório,
entre os genitores, sem as características da união estável. Nesse caso, a só certidão de

62 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 6, p, 563. 63 Iden,
Ibdem, p. 563.

186
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

nascimento de filho comum não bastaria para legitimar a pretensão alimentar daquela
que se diz companheira.

Segundo aponta Euclides de Oliveira,

Outras evidências podem ser colhidas: certidão de casamento religioso


das partes, declaração de dependência para fins de imposto de renda,
locação de imóvel para uso em comum e outras espécies de documentos,
públicos ou particulares (cartas, bilhetes, fotografias), além dos demais
meios de prova oral ou pericial.

Guarda dos filhos

Figura 29.

As mesmas regras sobre a guarda dos filhos mencionadas


anteriormente na dissolução do casamento se aplicam aqui.

Fonte: <https://pixabay.com/pt/fam%C3%ADlia-comunidade-crian%C3%A7as-juntos-1663237/>.

Namoro qualificado

Essa expressão surgiu em um julgado do E. STJ em que se buscava o reconhecimento


de uma união estável, porém o Ministro Relator entendeu que naquele caso tratava-se
apenas de namoro qualificado e que, portanto, não seria possível, fazer a meação do
bem na forma solicitada. Vejamos a ementa do referido julgado:

RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO


DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL,
ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES
AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE
PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO
CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL.

NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE


CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO
E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR.
ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM

187
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO


QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO.

REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO


DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO
PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO
NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM
POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE,
A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR,
EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR
O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 5.

RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E


RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.

1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei


adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância
precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria,
ante a ausência do correlato e indispensável prequestionamento.

2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final,


pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento dos embargos
infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior
ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da
palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e
de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os
conviventes. A só projeção da formação de uma família, os relatos
das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação,
ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de
cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se
insuficientes à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da
configuração da união estável.

2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como


requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir,
inclusive, esta entidade familiar do denominado «namoro qualificado»
-, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de
constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente
durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de
vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É
dizer: a família deve, de fato, restar constituída.

188
AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL │ UNIDADE IX

2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma


união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um
relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos
autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares
(ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para
o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir
conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente
usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos
estigmas, adequar-se à realidade social.

3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no


período imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de
janeiro de 2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma união
estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do
estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro - e não para
o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar, desiderato
que, posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento.

4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não


se valeram, tal como sugere a demandante, em sua petição inicial, do
instituto da conversão da união estável em casamento, previsto no art.
1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como, impropriamente,
entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem.
Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a
partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família.

A celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão


parcial de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir
do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam
por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa
vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem como
comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode
ser assim resumida: namoro, noivado e casamento.

E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das


duas primeiras espécies de relacionamento.

4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável


compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento,
para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente
pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se
destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente,

189
UNIDADE IX │ AS ENTIDADES FAMILIARES DA UNIÃO ESTÁVEL

o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a


família por meio do casamento.

Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do


referido bem.

5. Recurso especial provido, na parte conhecida. Recurso especial


adesivo prejudicado.

(REsp 1454643/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,


TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015)

190
DO BEM DE Unidade X
FAMÍLIA

Capítulo 1
Do bem de família

Introdução
A enorme importância social do instituto do bem de família, desde o seu surgimento,
na República do Texas, com o advento da Lei do Homestead, em 1839, objetivou não só
povoar o imenso território americano, mas, fundamentalmente, proteger a família, com
a isenção de penhora sobre a casa de moradia. Difundiu-se pelos Estados Unidos da
América, que passou a adotar o Homestead federal, apresentando-se sob duas óticas,
formal e legal.

No Brasil, foi adotado pelo Código Civil de 1916, Parte Geral, Livro dos Bens, sob a
modalidade apenas voluntária, não tendo havido aceitação pela população, mormente
em razão das formalidades exigidas para a sua constituição, estando também previsto
no novo Código Civil, no Livro de Família, com pequenas alterações em relação ao
Código de Beviláqua mas também sob a modalidade voluntária.

Todavia, com a edição da Lei no 8.009/1990, o instituto difundiu-se largamente, uma


vez que o bem de família passou a ser legal, ou seja, prescindindo da interveniência
do proprietário do imóvel, já que ditado pelo Estado, que passou a excluir da penhora
o imóvel residencial de qualquer brasileiro, rico ou pobre, em face de execuções de
qualquer espécie, salvo algumas poucas exceções.

O mercado de locação retraiu-se com o surgimento da Lei no 8.009/1990, razão pela


qual o art. 82 da Lei 8.245/1991 alterou o art. 3o da Lei no 8.009/1990, acrescentando
mais uma exceção à regra da impenhorabilidade, tornando assim penhorável o bem de
família do fiador locatício, até então impenhorável.

191
UNIDADE X │ DO BEM DE FAMÍLIA

A partir daí a questão tornou-se controversa – tendo aumentado ainda mais com a
promulgação da Emenda Constitucional Lei no 26/2000, já que introduziu o direito à
moradia no rol dos direitos sociais previstos no art. 6o da Carta Magna, resultando no
aparecimento de duas correntes de pensamento: a primeira que advogava a penhora
do bem de família do fiador da locação e admitia a recepção da Lei no 8.009/1990 pela
emenda constitucional, e, a segunda, que sustentava a tese da impenhorabilidade do
bem de família do fiador locatício, em razão da não recepção da exceção do inciso VII
do art. 3o da Lei no 8.009/1990 pela emenda referida.

Conceituação de bem de família


Embora o CC/2002 e a Lei no 8.009/1990 não tragam uma definição expressa de bem
de família, oferecem os elementos essenciais para a configuração do instituto, o que
permite aos autores se utilizarem desses elementos para proceder à conceituação.
Trata-se, conforme doutrina dominante, de um instituto originário dos Estados Unidos,
que tem por escopo assegurar um lar à família ou meios para o seu o seu sustento,
pondo-o ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição, salvo as que
provierem de tributos relativos ao prédio ou de despesas condominiais.

Outro conceito doutrinário relevante é que o trata de imóvel urbano, ou rural, destinado
pelo chefe de família, ou com o consentimento deste, mediante escritura pública, a
servir como domicílio da sociedade doméstica, com a cláusula de impenhorabilidade.

Em face da redação dada ao art. 226, § 5o, da CF/1988, não mais existe em nosso direito
a figura do chefe de família, o que, todavia, não desnatura a inteligência da conceituação.

Bem de família legal: especificidades da Lei


no 8.009/1990
Por bem de família legal se entende aquele que se constitui independentemente da
iniciativa do proprietário do bem, ou seja, decorre de imposição legal. Está regulamentado
pelos dispositivos legais da Lei no 8.009/1990, específica para este fim, cujo mérito foi
ampliar o bem de família tradicional, de aplicação imediata aos processos em curso,
quando da sua entrada em vigência.

Historicamente, a Lei no 8.009/1990 surgiu com o objetivo de tornar o instituto do bem


de família, sob o ponto de vista prático, mais eficiente na proteção da família.

A Lei no 8.009/1990 não revogou os dispositivos do CC/1916 sobre o bem de família


voluntário nem a superveniência do CC/2002 revogou referida lei. As suas espécies

192
DO BEM DE FAMÍLIA │ UNIDADE X

coexistem. A própria Lei no 8.009/1990, em seu art. 5o, faz referência à possibilidade de
instituição do bem de família voluntário.

Art. 5o [...] Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade


familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a
impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver
sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art.
70 do Código Civil. obs.dji.grau.1: Art. 1.715, Bem de Família - Direito
Patrimonial - Direito de Família - Código Civil - CC - L-010.406-2002

Assim, em caso de o particular instituir bem de família voluntário imóvel, no silêncio


sobre os móveis, haverá aplicação a esse respeito das normas do bem de família legal
móvel.

Bem de família legal: impenhorabilidade


A impenhorabilidade de que trata a Lei no 8.009/1990 se ampara no art. 1o e 5o, caput,
da lei.

Art. 1o O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar,


é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil,
comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos
cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele
residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Art. 5o Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei,


considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela
entidade familiar para moradia permanente.

Trata-se de norma de ordem pública que consagra dispositivos que impedem a prática
de fraude.

Os casos de penhorabilidade (que impedem a fraude) vêm previstos no art. 2o, quando
se refere a “veículos de transportes, obras de arte e adornos suntuosos”; no art. 3o,
ao excetuar a impenhorabilidade decorrente de processos de créditos trabalhistas
e previdenciários de trabalhadores da própria residência, de financiamento para
construção ou aquisição do imóvel, de pensão alimentícia, de débitos fiscais ou
outras contribuições relativas ao imóvel de execução hipotecária quando o imóvel foi
oferecido pelos proprietários, quando produto de crime, nos termos do art. 3o, V, da Lei
no 8.009/1990, e por obrigação decorrente de fiança locatícia; no art. 4o, ao se referir
ao insolvente que intencionalmente adquire imóvel mais valioso para transferir sua

193
UNIDADE X │ DO BEM DE FAMÍLIA

moradia. Nesta última hipótese a lei impede com veemência a fraude contra credores,
reafirmando a finalidade do bem de família.

Bem de família voluntário: generalidades


Bem de família voluntário é o que é constituído por atitude voluntária – como o próprio
nome sugere – dos proprietários (pessoas previstas no art. 1.711 do CC/2002), num
ato de liberalidade permitida pelo Código Civil, no intuito de proteger sua família de
oscilações futuras ou de quaisquer outros percalços da vida.

Historicamente, o bem de família voluntário surgiu primeiro, antes do bem de família


involuntário. Foi regulado pelo CC/1916, nos arts. 70 a 73, e pelo CC/2002, nos arts.
1.711 a 1.722, estes trazendo algumas inovações ao tema, inclusive a subdivisão da
espécie em móveis e imóveis.

Bem de família: legitimidade para instituí-lo e


destituí-lo
Quanto ao bem de família voluntário, dispõe o art. 1.711 do CC atual:

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura


pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir
bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio
líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a
impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família


por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação
expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar
beneficiada.

Daí segue que a instituição do bem de família cabe aos cônjuges, à entidade familiar
ou a terceiros. Qualquer que seja o modo de instituição, deverá atender a regra do art.
1.714 do CC/2002:

Art. 1.714. O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por


terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis.

A novidade, porém, é a possibilidade de instituição de bem de família por


terceiros, que foi inspirada na disposição já existente na legislação italiana. Todavia,
apesar da novidade e da pouca atenção da doutrina, é possível que a utilização dessa

194
DO BEM DE FAMÍLIA │ UNIDADE X

liberalidade seja pouco efetiva, devido até mesmo à condição socioeconômica da maior
parte dos brasileiros, ficando isso restrito a pessoas de maior posse.

A distribuição cabe às mesmas pessoas que instituíram o bem de família,


ou seja, os interessados, mediante requerimento ao juiz, nos casos de impossibilidade
de manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído (art. 1.719) nos
casos de falecimento de um dos cônjuges (art. 1.721, parágrafo único).

O art. 1.722 do CC prevê as hipóteses de extinção do bem de família com


a morte de ambos os cônjuges ou a maioridade dos filhos, desde que não
sujeitos a curatela. Vale registrar que todas as pessoas têm o direito à habitação,
até como corolário da dignidade da pessoa humana, mas isso não implica dizer que
qualquer pessoa pode constituir bem de família, pois o objetivo desse instituto, como
está explícito na própria nomenclatura, não é proteger o direito à habitação, mas
proteger a entidade familiar, e o meio de proteção é a garantia da habitação da família.
O direito à habitação pode ser alcançado de outras formas, como se vê, por exemplo, no
usucapião e na locação de imóveis.

A quantificação do bem de família


convencional
Tanto o Código Civil revogado quanto a Lei no 8.009/1990 não se preocuparam em fixar
o valor nem a extensão relativamente à instituição do bem de família. No Brasil, até
então, ficou a escolha do imóvel como sendo uma questão pessoal do instituidor, desde
o mais pobre ao mais abastado. O que sempre importou foi a publicidade da instituição.

Contrariando a evolução legislativa que se percebia naquelas legislações citadas, o


CC/2002 determinou, em seu art. 1.711, caput, o seguinte:

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante


escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para
instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do
patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas
as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida
em lei especial.

Tal regra, porém, em nada se coaduna com a realidade social brasileira. É o mesmo caso
da instituição do bem de família por terceiro, quando feita por doação, por exemplo. A
doutrina tem criticado essa limitação de valor. Preferiu o legislador não determinar um
valor máximo, fixo, para o bem de família, estabelecendo essa proporção com relação
ao patrimônio inteiro. Já foi criticado pelos doutrinadores o Projeto de Código Civil

195
UNIDADE X │ DO BEM DE FAMÍLIA

por causa dessa opção e foi dito à época que o bem de família só poderia ser utilizado
pelos abastados, pelos ricos, pelos que fossem donos de muitos prédios, pois, o que for
instituído como bem de família não pode ultrapassar um terço do patrimônio líquido
que existir na época em foi feita a instituição. Quem, por exemplo, possuir apenas um
imóvel não poderá instituí-lo como bem de família; nem mesmo poderá fazê-lo quem
possuir dois apartamentos, de valores equivalentes; quem tiver três prédios, não poderá
instituir o de maior valor se exceder a uma terça parte de todos, a não ser que possua
uma fortuna em valores mobiliários.

No entanto, de acordo com o art. 1.712 do CC, o bem de família abrangerá não apenas
o imóvel, mas também suas pertenças e seus acessórios, destinando-se em ambos
os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários.

Dessa forma, de acordo com o art. 1.713, tais valores mobiliários não podem
ser superiores ao do prédio instituído como bem de família, o que desvirtuaria o
fundamento do instituto. Por isso, o instrumento que institui o bem de família (escritura
ou testamento) deverá individualizar os valores mobiliários.

De todo modo, a limitação de valor só vale para a instituição do bem de família voluntário,
ao passo que o legal permanece com valor ilimitado, o que, de certa forma, minimiza os
eventuais prejuízos advindos dessa fixação.

Constituição, eficácia, duração e


administração do bem de família
A constituição do bem de família pode dar-se por quaisquer das formas previstas
no art. 1.711 do CC/2002, ou seja, por escritura pública ou por testamento,
obedecendo este aos requisitos previstos também no CC/2002.

A eficácia e a validade da instituição do bem de família voluntário condiciona-se ao


registro no Cartório de Registro de Imóveis, como determina o art. 1.714, sob pena de
invalidade.

Quanto à duração, tem-se que a proteção conferida ao bem de família é relativa,


exatamente porque não é perpétua, mas por tempo determinado.

A doutrina admite que a duração do bem de família é limitada. A instituição


prevalecerá por um tempo mais ou menos longo e durará enquanto viver um
dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade
(art. 1.716).

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DO BEM DE FAMÍLIA │ UNIDADE X

A administração, por fim, cabe aos cônjuges, ou forma conjunta, de acordo tanto com
o art. 226, § 6o, da CF/1988, e com a finalidade da norma, que é a proteção da família
como um todo. Assim, quem está na administração da família, por consequência,
administrará o bem de família. Todavia, o art. 1.720 do CC assim dispõe:

Art. 1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a


administração do bem de família compete a ambos os cônjuges,
resolvendo o juiz em caso de divergência.

Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a


administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário,
a seu tutor.

As exceções dizem respeito à possibilidade, de no ato da instituição, ser designado um


terceiro responsável pela administração do bem. Outra exceção está no caso de falecimento
do casal, permanecendo filhos menores. Nessa hipótese, prevalece o entendimento de
que, não sendo oportuno e conveniente que o filho mais velho seja o administrador,
caberá ao juiz verificar, entre outros membros da família, preferentemente residentes
no local, qual o que possui melhores condições para a função.

Valoração: conservação do imóvel e sustento


da família
A questão da conservação do imóvel e do sustento da família vem à tona em razão do
perigo de uma interpretação das disposições sobre o bem de família, sem atentar-se à
finalidade social da sua instituição.

Não há óbice, por isso, a que o bem de família seja utilizado para sustento da família,
sem que isso lhe retire a proteção legal. Na realidade, o art. 1.712, segunda parte, é claro
em dizer que o bem de família “poderá abranger valores mobiliários cuja renda será
aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família”.

A impenhorabilidade, no caso de bem de família voluntário, deve ser


interpretada restritivamente, por ter havido a escolha, a indicação expressa de um
imóvel, ao qual é dada uma destinação, ao especificar, a de ser o domicílio familiar,
que, por isso, é isento de execução por dívidas (art. 1.715); não pode, depois, perder
essa qualidade de lar doméstico, de residência, de habitação, de moradia da família e
continuar impenhorável. Seria desvirtuar a instituição, ferindo, na letra e no espírito,
a norma codificada. O art. 1.717, primeira parte, afirma que o prédio constituído como
bem de família não pode ter destino diverso do previsto no art. 1.712.

197
UNIDADE X │ DO BEM DE FAMÍLIA

Ademais, fazemos a ressalva de que os valores mobiliários não podem ser instituídos
como bem de família isoladamente. Ao contrário, servem para reforçar e garantir o bem
de família ao qual se vinculam, permanecendo numa relação acessório-principal.

Destinação do bem de família voluntário


Os arts. 1.712 e 1.717 do CC/2002 são expressos em determinar que a destinação do bem
de família deve ser a de domicílio da família.

A finalidade sociojurídica do instituto é promover a proteção da família, tanto no seu


aspecto patrimonial como de dignidade da pessoa humana, permitindo-lhe desfrutar
do mínimo necessário à subsistência digna da família.

Questão interessante surge também no caso da união estável, pois a lei que atualmente
a regulamenta não exige, para sua configuração, a coabitação, mas a regulamentação
sobre o bem de família determina que deve haver domicílio de entidade familiar no
imóvel para que se constitua em bem de família, trata-se de uma exigência específica.

Instituição do bem de família voluntário

Isenção por dívidas futuras

O art. 1.715 do Código Civil prevê:

O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua


instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou
de despesas de condomínio. Parágrafo único. No caso de execução
pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em
outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública,
para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra
solução, a critério do juiz.

Assim, o bem de família é isento de execução por dívidas do instituidor posteriores à


instituição, mas não subsiste quando se tratar de dívidas de impostos referentes ao
próprio imóvel e às dívidas de condomínio, esta última disposição é outra novidade
instituída pelo CC/2002. Excetuam-se ambos os casos porque se tratam de obrigações
propter rem, despesas assumidas pela própria existência da coisa.

A doutrina dominante admite a possibilidade de constrição do bem por dívidas


condominiais, o que já vinha sendo proclamado pela jurisprudência pacificada

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DO BEM DE FAMÍLIA │ UNIDADE X

do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo dos seguintes precedentes: REsp


no 172.866/SG, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito; REsp no 242.046/SP, Rel.
Min. Waldemar Zveiter; AGA no 355.145/SP, rel. Min. Aldir Passarinho.

Impenhorabilidade e inalienabilidade do bem


de família voluntário
A impenhorabilidade do bem de família pode ser considerada relativa a partir do
momento em que a própria lei lhe impõe exceções, demonstradas acima.

Assim como em relação as obrigações propter rem, desconstituiu-se a impenhorabilidade


do bem de família quanto a dívidas anteriores à instituição se o proprietário era
insolvente a essa época, no intuito de se evitar a fraude a credores.

Por outro lado, a relatividade da impenhorabilidade é visível na medida em que a própria


destinação do bem como bem de família não é perpétua, mas se vincula à extinção, que
poderá ser voluntária ou determinada pelo juiz. Além disso, não se prestando o bem à
finalidade contida na legislação, no caso do bem de família voluntário do Código Civil,
o bem volta a ser penhorável.

Da mesma maneira, é também relativa a inalienabilidade que recai sobre o bem de


família voluntário, pois o mesmo art. 1.717 do CC/2002 prevê uma impossibilidade de
alienação ao estabelecer que o imóvel não poderá ser alienado sem o consentimento dos
interessados e seus representantes legais, a saber: “O prédio e os valores mobiliários,
constituídos como bem de família, não podem ter destino diverso do previsto no art.
1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes
legais, ouvido o Ministério Público”.

Logo, atende ao sentido de que o bem de família deve assegurar a dignidade da família,
desde que concorram os requisitos previstos no art. 1.717 transcrito.

Bem de família voluntário: impossibilidade de


manutenção ou extinção
A impossibilidade de manutenção é uma das formas de extinção do bem de família.
É voluntária, na medida em que os interessados requerem autorização judicial para
tanto, demonstrando a superveniência de causa que torne inconveniente aos interesses
ou as possibilidades da família de manter a instituição do bem.

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UNIDADE X │ DO BEM DE FAMÍLIA

O art. 1.719 prevê a hipótese de impossibilidade de manutenção do prédio


quando a família não tem recursos para mantê-lo, precisando de reparos
urgentes. Embora se trate de bem de família voluntário, não se autorizará a extinção ou
sub-rogação sem a oitiva do Ministério Público, na condição de custoslegis, primando
pelos interesses da família.

Outra forma de extinção também voluntária acontece quando o cônjuge supérstite


requer a extinção do bem de família, caso que também será submetido à apreciação
judicial e ouvido o MP, na preservação, inclusive, de interesses de menores.

Por aí se nota que, como determina o art. 1.721, caput, que “a dissolução da sociedade
conjugal não extingue o bem de família”.

Por fim, a última forma de extinção não é voluntária e se dá quando do falecimento


dos cônjuges sem filhos, ou havendo filhos, quando estes atingirem a maioridade, nos
termos do art. 1.722; “Extinguese, igualmente, o bem de família com a morte de ambos
os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos à curatela”. Nesse caso,
prevalecerá apenas a impenhorabilidade prevista na Lei no 8.009/1990.

Bem da família e o direito: família


monoparental, pessoas sozinhas, irmãos,
relação homoafetiva
Essa questão é resolvida analisando-se o fundamento sociojurídico do bem de família,
o qual deve ser perseguido pelo juiz, conforme o art. 4o da LIWDB, abaixo transcrito:
“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes
e os princípios gerais de direito”.

O art. 1.711 veio consagrar que também podem instituir bem de família as entidades
familiares, em consonância com o art. 226, §§ 3o e 4o:

§3o Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável


entre o homem e a mulher como entidade familiar [...];

§ 4o Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade


formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Logo, não restam dúvidas que a transformação progressiva do conceito de família tenha
sido incorporada na legislação, tornando incontroversa a impenhorabilidade do bem de
família nesses casos.

200
DO BEM DE FAMÍLIA │ UNIDADE X

Nas duas últimas décadas ocorreram modificações fundamentais nos relacionamentos


familiares entre os cônjuges e entre pais e filhos, pelo que passou a ser outra a concepção
de família, na atualidade, mas, a família brasileira não deixou de constituir um conjunto
de pessoas e um acervo de bens, cuja proteção tornou-se mais premente em razão do
enfraquecimento dos laços de solidariedade.

Em razão disso, numa interpretação extensiva à entidade familiar, é que o art. 1.720,
parágrafo único, do CC/2002 permite que o bem de família permaneça com relação aos
irmãos, quando falecerem os cônjuges.

Por outro lado, com relação a pessoas sozinhas, silencia o Código Civil, ou mesmo
a Constituição Federal, em reconhecê-las como entidade familiar, até mesmo pela
ausência de estrutura coletiva da família. No entanto, seria contraditório não proteger o
patrimônio de pessoas sozinhas, deixando-as à mercê de execuções sobre o que poderia
ser seu único imóvel. Haveria nisso evidente discrepância com a finalidade do bem de
família.

Por isso o Superior Tribunal de Justiça tem decidido reiteradas vezes pela proteção
dessas pessoas, a exemplo do REsp 182.223/SP, de relatoria do então Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro:

Civil. Imóvel. Impenhorabilidade. A Lei no 8.009/1990, o art. 1o precisa


ser interpretada [sic] consoante o sentido social do texto. Estabelece
limitação à regra draconiana de o patrimônio do devedor responder por
suas obrigações patrimoniais. O incentivo à casa própria busca proteger
as pessoas, garantindo-lhes o lugar para morar. Família, no contexto,
significa instituição social de pessoas que se agrupam, normalmente por
laços de casamento, união estável, ou descendência. Não se olvidem ainda
os ascendentes. Seja o parentesco civil, ou natural. Compreende ainda
a família substituta. Nessa linha, conservada a teleologia da norma, o
solteiro deve receber o mesmo tratamento. Também o celibatário é digno
dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que seus descendentes
hajam constituído outras famílias, e como, normalmente acontece,
passam a residir em outras casas. Data venia, a Lei no 8.009/1990 não
está dirigida a número de pessoas. Ao contrário – à pessoa. Solteira,
casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social
da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade,
data vênia, põe sobre a mesa a exata extensão da lei. Caso contrário,
sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer a insuficiente
interpretação literal.

201
UNIDADE X │ DO BEM DE FAMÍLIA

Por fim, quanto às relações homoafetivas, há, igualmente, a possibilidade de instituição


de bem de família, uma vez que tais relações são hodiernamente reconhecidas como
entidades familiares.

De fato, a admissão da legitimidade ética e da juridicidade de famílias homoafetivas é,


hoje, uma realidade inquestionável no Brasil, tendo o Supremo Tribunal Federal, no
exercício de uma posição contramajoritária e de proteção de minorias, desenvolvido
toda uma construção interpretativa nesse sentido, nomeadamente a partir de 2011,
com o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
no 132/RJ, julgada em 05/05/2011 e com acórdão publicado em 14/10/2011, em que
foi relator o então e. Ministro Ayres Britto.

A exegese exercida pelo Pretório Excelso do texto constitucional, naquela oportunidade,


partiu inicialmente do reconhecimento de direitos implícitos dos jurisdicionados, ainda
que não expressamente referidos na Carta Constitucional. Como o direito à liberdade
de orientação sexual e o direito à busca da felicidade, ambos decorrentes da dignidade
do ser humano.

À vista do direito à orientação sexual, entendido como direito constitucional


fundamental da pessoa humana, procedeu a Suprema Corte a uma releitura do que
se deve entender por família ou entidade familiar, reconhecendo no afeto – e não na
procriação – o verdadeiro núcleo conformador do conceito de família, tendo deixado
assente que a Constituição, ao conferir especial proteção às uniões entre homem e
mulher, não proibiu em nenhum momento as famílias homoafetivas, tendo tal inserção
tido apenas a finalidade de colocar a mulher em igualdade de condição com o homem
na estrutura familiar contemporânea.

Na mesma ADPF no 132, à qual se atribuiu efeito vinculante, e de igual modo com o
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.277/DF, em que igualmente
foi relator o e. Ministro Carlos Ayres Britto, procedeu-se também a uma interpretação
conforme à Constituição do art. 1.723 do Código Civil Brasileiro, para excluir do
dispositivo em causa qualquer significado que impedisse o reconhecimento da união
contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família, segundo as
mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

Acerca da instituição do bem de família em entidades homoafetivas, consulte,


na doutrina, o seguinte artigo de Ricardo Arcoverde Credie intitulado O Bem
de Família e a União Homoafetiva, em <http://apamagis.jusbrasil.com.br/
noticias/2867694/ricardo-arcoverde-credie-o-bem-de-familia-e-a-uniao-
homoafetiva>.

202
DO BEM DE FAMÍLIA │ UNIDADE X

A partir de tais históricas decisões, seguiram-se muitas outras, assim do Supremo


Tribunal Federal, como dos demais EE. Tribunais pátrios, em que se reconhece que a
família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe
os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis
a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. Por isto, é plena a
possibilidade de instituição de bem de família nos casamentos e nas uniões homoafetivas.

Resumo esquemático

1. Relato histórico.

2. Conceituação de bem de família.

3. Bem de família legal: especificidades da Lei no 8.009/1990.

›› Bem de família legal: impenhorabilidade.

4. Bem de família voluntário: generalidades.

5. Bem de família: legitimidade para instituí-lo e destituí-lo.

6. A quantificação do bem de família convencional.

7. Constituição, eficácia, duração e administração do bem de família.

8. Valoração: conservação do imóvel e sustento da família.

9. Destinação do bem de família voluntário.

10. Instituição do bem de família voluntário: isenção por dívidas posteriores.

11. Impenhorabilidade e inalienabilidade do bem de família voluntário.

12. Bem de família voluntário: impossibilidade de manutenção ou extinção.

13. Bem de família e o direito: família monoparental, pessoas sozinhas,


irmãos, relação homoafetiva.

203
ASSISTÊNCIA Unidade Xi
FAMILIAR

Capítulo 1
Assistência familiar

Tentativa conceitual
Durante a menoridade, o ser humano precisa de quem o proteja, defenda e administre
seus bens. Os protetores naturais são o pai e a mãe. Crianças e adolescentes não
dispõem da plena capacidade civil. Até os 16 anos, são absolutamente incapazes para
exercer pessoalmente os atos da vida civil (CC, art. 3o, I). Dos 16 aos 18 anos, a limitação
da capacidade é relativa à prática de determinados atos (CC, 4o).

Em face da ausência da plena capacidade, é necessário que outrem implemente tal


carência. Assim, os absolutamente incapazes necessitam ser representados e os
relativamente capazes precisam ser assistidos (nCPC, art. 71). O Estado confere aos
pais esse encargo, outorgando-lhes o que se chama de poder familiar (CC, art. 1.630).
Trata-se de ônus que compete a ambos os pais, ainda que não mantenham vida
em comum. Na ausência de um deles, o poder familiar é exercido pelo outro, com
exclusividade (CC, art. 1.631).

Deixando a criança ou o adolescente de estar sob o poder familiar dos genitores, é preciso
que alguém se responsabilize por ele. Na ausência de ambos os pais, quer por morte,
quer por terem sido declarados ausentes, ou, ainda, quer tenham decaído do poder
familiar, a representação é atribuída a outra pessoa – o tutor –, que ocupa o lugar
jurídico deixado vazio da autoridade parental63. É ele investido de poderes necessários
para a proteção que os genitores não podem dispensar.

A tutela é um múnus público concedido, de preferência, a um parente ou até a um


estranho, para zelar por um menor e administrar os seus bens. O tutor é titular de um
poder-dever sobre a pessoa e os bens do pupilo.

63 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos de direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 250.

204
ASSISTÊNCIA FAMILIAR │ UNIDADE XI

Trata-se de um poder mais limitado do que o poder familiar exercido pelo pais, pois
o legislador parte da premissa de que estes têm um compromisso maior para com os
filhos, em decorrência do próprio vínculo de filiação. Tanto é assim que os pais são
usufrutuários dos bens dos filhos (CC, art. 1.689, I), condição essa que o tutor não
adquire. Daí a constante fiscalização das atividades do tutor. Regula a lei, de forma
minuciosa, seus encargos, deveres e obrigações, gerando responsabilidade civil e penal
a quem não cumpre com exatidão tal mister.

Tutela é instituto suplementar ao poder familiar cujo objetivo é o exercício de


atividade assecuratória dos interesses pessoais e econômicos do incapaz, por
motivo de idade cronológica.

São características da tutela

»» A gratuidade, permitindo-se em caráter excepcional a fixação de


uma remuneração e sempre se admitindo o reembolso por despesas
comprovadamente pagas pelo tutor.

»» A obrigatoriedade, proveniente do múnus público que recaiu sobre o


tutor de bem velar pelos interesses do seu respectivo pupilo.

»» A indivisibilidade.

»» A pessoalidade, pois o exercício da tutela importa na prática de deveres


intuitu personae, decorrentes da relação jurídica de caráter assistencial
e protetivo do menor.

Tutor: sua nomeação

Tutor é o sujeito que assiste ou vela pelo incapaz por idade e seu respectivo patrimônio.

A tutela deve ser concedida:

»» ante o falecimento dos pais;

»» pela suspensão do poder familiar;

»» pela extinção do poder familiar;

»» ante a declaração judicial de ausência do detentor do poder familiar.

205
UNIDADE XI │ ASSISTÊNCIA FAMILIAR

O direito de nomear tutor compete aos pais. A nomeação feita pelos pais deve
constar de documento autêntico ou de testamento, caso em que somente terá eficácia
com a morte do testador.

Observe bem, se a nomeação voluntária ocorreu durante o tempo em que o detentor do


poder familiar se achava desprovido do seu exercício, ela é nula.

Na falta dos pais ou de tutor por eles nomeado, a tutela incumbirá aos parentes
consanguíneos, nomeados judicialmente, obedecida a seguinte ordem preferencial:

»» Os ascendentes, recaindo primordialmente sobre os de grau mais


próximo que aceitarem o múnus.

»» Os parentes colaterais até o 3o grau (irmãos e tios), preferindo os


mais próximos (irmãos) e mais velhos aos mais remotos (tios).

Tratando-se de irmãos órfãos, a legislação enuncia que apenas um tutor deverá ser
nomeado, a fim de que ambos os tutelados tenham, segundo ensina Álvaro Villaça,
uma proteção igualada.

Legitimação do tutor: deveres

O tutor deve ser sujeito de direito plenamente capaz, porém nem sempre a
aptidão para a prática de atos e negócios jurídicos demonstra ser elemento suficiente
para a nomeação de uma pessoa para tutela.

A lei prevê hipóteses de impedimento para o exercício da tutela. O novo CC fala


em “incapacidade” quando o mais adequado seria “legitimação”.

São elas:

»» a falta do poder de administração sobre os próprios bens;

»» o litígio pessoal, dos seus pais ou do seu cônjuge contra o pupilo (o


CC/1916 era mais amplo, pois falava em “algum parente em linha reta”;

»» a inimizade com o pupilo ou os pais dele;

»» a condenação por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade ou ainda


de crime contra a família ou os costumes;

206
ASSISTÊNCIA FAMILIAR │ UNIDADE XI

»» o abuso no exercício de tutela anterior, que gerou a sua exclusão por ato
dos pais do menor ou em outras tutelas;

»» a falta de probidade;

»» o exercício de função pública incompatível;

»» o credor do menor, salvo se for da conveniência do incapaz a sua nomeação.

Manifestação do tutelado

No procedimento de nomeação do tutor, o estatuto processual (nCPC arts. 759


e seguintes) não prevê a necessidade de colher manifestação de vontade do
tutelado. Só depois da nomeação é recomendado que se ouça o pupilo adolescente
(CC, art. 1.740, III).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de modo expresso, ao


regulamentar a colocação em família substituta, refere-se à tutela e determina (ECA,
art. 28 § 1o) que, sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente
ouvido e a sua opinião devidamente considerada.

Crianças e adolescentes têm assegurado direito à liberdade, tanto que dispõem


do direito de opinião e expressão (ECA, art.16 II), bem como participar da vida familiar
e comunitária (ECA, art. 16, V). O menor tem, ainda, o direito de ser ouvido sobre a
adoção (CC, arts. 1,621, e ECA, art. 45 § 2o), não se justificando tratamento diferenciado
na tutela, que estabelece um vínculo de convívio. Mesmo na hipótese de ter havido a
nomeação do tutor pelos genitores, ainda assim é aconselhável a ouvida de quem já não
tem pais e tem garantido, constitucionalmente, um grande número de direitos.

Pontos importantes:

»» ouvir o menor antes de auferir a tutela;

»» respeitar os direitos constitucionais do menor;

»» mesmo na hipótese de indicação do tutor pelos pais, ainda assim ouvir o


menor.

Ação de nomeação do tutor

A nomeação do tutor está prevista no CPC, arts. 759 e seguintes, mas tanto CC, como o
ECA trazem várias regras de caráter procedimental. A nomeação é levada a efeito por

207
UNIDADE XI │ ASSISTÊNCIA FAMILIAR

meio de procedimento de jurisdição voluntária (nCPC, art. 759). O tutor é intimado


a prestar compromisso (ECA, art. 32), sendo sempre que possível ouvir o tutelado (ECA,
art. 28, § 1o).

O tutor, antes de assumir o encargo, deverá declarar tudo o que o menor lhe deve,
sob pena de não poder mais cobrar tais créditos (CC, art. 1.751).

Figura 30.

Tutor: Posso me eximir do encargo?


Advogado: Sim, de acordo com as hipóteses legais do art. 1.736
do CC para declinar da nomeação, o CPC de fere o prazo de 5
dias da indicação e igual prazo quando sobrevier motivo de escusa
(nCPC,art. 760). No entanto, o CC concede 10 dias para o mesmo fim
(CC,art.1.738).

Fonte: <https://pixabay.com/pt/pergunta-por-que-1038491>.

O art. 1.741 trata das obrigações do tutor quanto ao patrimônio do pupilo. Sob a
inspeção do juiz, cabe ao tutor administrar os bens do tutelado – em proveito deste,
acentuou-se –, cumprindo seus deveres com zelo e boa-fé, com honestidade,
seriedade, dignidade, enfim, como um bom pai de família, ou uma “boa mãe de
família”, para atualizar e inserir no princípio da igualdade o antigo padrão romano
do bônus pater famílias. A atividade do tutor está sempre sob o controle e debaixo da
vigilância do juiz.

As funções do tutor, tanto as que dizem respeito à administração dos bens tutelados
como, até com maior razão, as que concernem aos cuidados, atenções, proteção à pessoa
do menor ficam sob permanente inspeção judicial.

O art. 1.742 apresenta uma inovação: sem prejuízo, obviamente, da supervisão do juiz,
pode este nomear um protutor para a fiscalização dos atos do tutor.

O art. 1.743 representa um desvio do princípio da unipessoalidade e


indivisibilidade da tutela. Conforme as circunstâncias legalmente previstas, isto é,
se os bens e interesses administrativos exigirem conhecimentos técnicos,
forem complexos, ou realizados em lugares distantes do domicílio do tutor, poderá
este delegar a outras pessoas físicas ou jurídicas o exercício parcial da tutela. No que
concerne os direitos e deveres do menor, não.

Responsabilidade do juiz – art. 1.744.

O juiz será devidamente responsabilizado se omitiu ou postergou indevidamente


a nomeação do tutor, devendo pagar os prejuízos. A sua responsabilidade será

208
ASSISTÊNCIA FAMILIAR │ UNIDADE XI

subsidiária, se a ação ou a omissão é de menor gravidade, deixando de exigir garantia


legal do tutor (CC 1.745, parágrafo único) ou não o removeu, tanto que se tornou
suspeito (art. 1.764, III).

O CC/1916, dizia que o tutor, antes de assumir a tutela, estava obrigado a especializar,
em hipoteca legal, os imóveis necessários, para acautelar, sob sua administração,
os bens do menor. A finalidade era salvaguardar os bens do menor, mas isso criava
grandes empecilhos, tornando a tutela inviável.

O novel CC descomplicou um pouco. Prevê que os bens do menor serão entregues ao


tutor mediante termo especificado, dos próprios bens e de seus valores, ainda que
essa providência tenha sido dispensada pelos pais do pupilo, inteligência do art. 1.745
do CC.

O parágrafo único do citado artigo informa que, se o patrimônio do menor for de


valor considerável – o que depende do caso concreto e arbítrio do magistrado –, o juiz
poderá condicionar o exercício da tutela à prestação de caução bastante. A caução pode
ser real (móveis e imóveis) ou fidejussória (fiança) e funciona como garantia da boa
gestão do tutor.

Se, porém, o tutor for de reconhecida idoneidade, pode o juiz dispensá-lo da


caução. Obviamente, ninguém pode ser nomeado tutor se não for pessoa idônea (art.
1.732).

Em verdade, o art. 1.745 quis dizer mais que idoneidade, algo como reputação ilibada,
honestidade conhecida e manifesta. Um verdadeiro homem honrado.

Irmãos órfãos

O entendimento é que a tutela deve ser una, indivisível, portanto o art. 1.733 do
CC é no sentido de não separar irmãos órfãos. O preceito não é cogente, pode ocorrer
no caso concreto, excepcionalmente, outra solução. Na hipótese do § 1o, o legislador,
entende que a nomeação de dois ou mais tutores seria em ordem sucessiva, na falta do
primeiro, ou na impossibilidade, o segundo assumiria e assim sucessivamente. O § 2o
nos traz a hipótese da nomeação de curador para menor herdeiro, independentemente
do poder familiar ou da tutela, neste caso o curador iria administrar os bens herdados
deste menor.

209
UNIDADE XI │ ASSISTÊNCIA FAMILIAR

Menores abandonados – art. 1.734

Figura 31.

Fonte: <https://pixabay.com/pt/crian%C3%A7a-antiga-retrato-vida-vietn%C3%A3-1493115/>.

O juiz nomeará tutores para crianças ou adolescentes abandonados ou determinará


que eles sejam abrigados em estabelecimento público para esse fim destinado. Na falta
desse estabelecimento, os incapazes ficam sob a tutela de pessoas que, voluntária e
gratuitamente, se encarregam de sua criação.

A Lei no 8.069/1990 – ECA – regula de forma mais abrangente – e melhor – essa


questão, prevendo os casos em que são aplicáveis medidas de proteção à criança e ao
adolescente (art. 98) e indicando essas medidas (art. 101), entre as quais o abrigo em
entidade (governamental ou não) de maneira provisória.

Da curatela

Conceito

Segundo Orlando Gomes (Direito de Família, 2001, p. 417)64, a curatela, do mesmo


modo que a tutela, destina-se “à regência de pessoas incapazes, mas se organiza para a
defesa e proteção daquilo cuja incapacidade não resulta da idade”.

Dessa forma, a “distinção fundamental entre a tutela e a curatela consiste em que


a primeira se destina a proteger o incapaz menor, enquanto a segunda se destina a
proteger o maior”65.

Por sua vez, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald diferenciam a tutela da
curatela da seguinte forma:

64 GOMES, Orlando. Direito de família. [S.l.], 2001, p. 417.


65 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. direito de família. [S.l.], 2002, p. 449.

210
ASSISTÊNCIA FAMILIAR │ UNIDADE XI

Diferencia-se a tutela, com facilidade, porque esta é vocacionada à


proteção integral de uma criança ou adolescente que está fora do poder
familiar, por conta da morte, ausência ou destituição de seus pais,
servindo como medida de colocação em família substituta. Já a curatela
é mecanismo de proteção de uma pessoa maior, mas também, reputada
incapaz, com esteio em uma das causas previstas no Código Civil. (2016,
p. 906-907).

Define Maria Helena Diniz 66 que “curatela é o encargo público, conferido, por lei, a
alguém, para reger e defender a pessoa e administrar os bens de maiores, que, por si
sós, não estão em condições de fazê-lo”.

A curatela possui a finalidade de defesa da pessoa e do patrimônio do curatelado,


porém pode limitar-se aos bens ou a determinado negócio do pupilo (curatela com fins
específicos).

Por outro lado, a curatela e a tutela apresentam pontos em comum, vejamos:

A outro giro, aproximam-se a curatela e a tutela porque são munus públicos impostos
a alguém para a proteção de outrem, sendo indivisíveis e, de ordinários gratuitados,
decorrente de decisão judicial. (FARIAS; ROSENVALDO, 2016, p. 907)

A curatela somente pode ser estabelecida por meio de decisão judicial, enquanto a
tutela pode ser voluntária ou dativa. A tutela confere os poderes inerentes à autoridade
parental, mas a curatela pode importar na outorga de poderes limitados à incapacitância
do curatelado. É o que ocorre, por exemplo, com o pródigo, que pode praticar atos
jurídicos que não se relacionam com a disposição patrimonial, sem qualquer assistência.

Ainda que não se posso dizer que os pródigos sejam doentes mentais, são identificados
como relativamente capazes (CC, art. 4o IV), pois a prodigalidade é um problema
social, jurídico e psiquiátrico67. Quem dissipa desvairadamente seu patrimônio, sem
noção da importância do dinheiro, agindo sem restrições, teria por destino a integral
miséria. Daí o interesse do Estado em preservar o seu patrimônio, protegendo-o, assim
como a sua família. No entanto, não são impostas restrições pessoais. As limitações são
exclusivamente de caráter patrimonial. Sem a assistência do curador, o pródigo não
pode (CC, art. 1.782) emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar
ou ser demandado e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.

Nem o cego nem o surdo estão sujeitos à curatela. O analfabetismo também não
constitui motivo bastante para a interdição. Igualmente, a simples idade avançada

66 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2002.v. 5, p. 250.
67 VENOSA, Silvio Venosa. Direito civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 452.

211
UNIDADE XI │ ASSISTÊNCIA FAMILIAR

não a justifica68. Mero enfraquecimento psíquico é expressão de normalidade própria


da idade69 e não configura alteração mental. Já a demência senil autoriza a interdição.

Aplica-se à curatela, no que for cabível, o regime da tutela.

Espécies de curatela, conforme o Estatuto da


Pessoa com Deficiência

O Estatuto da Pessoa com Deficiência ao adentrar o nosso ordenamento jurídico


modificou as hipóteses de incapacidade - absoluta e relativa, assim, os arts. 3º e 4º do
Código Civil foram reescrito passando a constar a seguinte redação:

Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos


da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os


exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem


exprimir sua vontade;

IV - os pródigos.

Ao analisarmos o art. 3º do Código Civil verificamos que agora existe apenas uma
hipótese de incapacidade absoluta que é em razão da idade, ou seja, para os menores de
dezesseis anos de idade.

Por sua vez ao analisarmos o art. 4º do Código Civil verificamos que as hipóteses de
incapacidade relativa são apenas 4, a saber: em razão da idade (maiores de 16 e menores
de 18 anos); em razão de dependência às drogas ou ao álcool (ébrios habituais e os
viciados em tóxicos); aqueles que não puderem exprimir a sua vontade (seja por causa
transitória ou permanente) e os pródigos (que apresentam dificuldade em lidar com o
patrimônio e acabam colocando-o em risco).

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald ao explicar o dispositivo que trata das
pessoas que não puderem exprimir a sua vontade nos apresenta a seguinte posição:

68 Interdição – Octogenária. A interditanda, embora evidencie deficiência decorrente da idade avançada, não tem afetada sua
possibilidade de entendimento e manifestação de vontade em extensão tal que justifique a limitação de sua capacidade civil.
É certo que, como toda pessoa idosa, necessita de apoio, da assistência e do aconselhamento dos familiares, porém isso pode
ocorrer sem que venha a ser decretada a sua interdição (TJRS, 4o G. C. Cível., EI 700001343201, rel. Des. Luiz Felipe Brasil
Santos, j. 15.12.2000).
69 DIAZ, Júlio Alberto. Para uma nova hermenêutica dos intervalos lúcidos. [S.l.], [S.d.], p. 108.

212
ASSISTÊNCIA FAMILIAR │ UNIDADE XI

E, finalmente, completando o rol de pessoas relativamente incapazes,


figuram “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade”. De saída, observa-se a desnecessidade de que a
causa incapacitante seja definitiva ou transitória. As pessoas que não
puderem exprimir sua vontade deverão estar assistidas por um curador,
que auxiliará na prática dos atos. Um bom exemplo de incapacidade
relativa por esse motivo é a pessoa que, mesmo temporariamente, está
internada em UTI, não tendo condições de manifestar vontade. Note-se
que a hipótese não estaria presa, necessariamente, à ocorrência de uma
patologia mental. Todavia é preciso verificar uma possível correlação
entra a impossibilidade de manifestação de vontade e uma deficiência
física ou mental. (2016, p. 917).

Assim, efetivamente estão sujeitos à curatela, conforme o art. 1.767 do Código Civil:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem


exprimir sua vontade;

II - (Revogado);

III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

V - os pródigos.

Procedimento de curatela

Cumpre ressaltar que embora o Código de Processo Civil de 2015 manteve a denominação
de Interdição, com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência essa nomenclatura
foi alterada, assim devemos nos ater a procedimento de curatela.

Ação de Curatela ou Procedimento de Curatela, ao reconhecer que determinada pessoa


tem impossibilidade de exprimir a sua vontade irá nos levar à incapacidade relativa e
consequentemente a nomeação de uma pessoa para ser o curador a fim de preservar os
seus interesses.

O Código de Processo Civil de 2015 inseriu o procedimento de curatela no rol dos


procedimentos especiais de jurisdição voluntária.

Com relação à legitimidade para promover o procedimento de curatela encontramos


um problema que somente a interpretação e a jurisprudência poderá nos auxiliar a
solucioná-lo.

213
UNIDADE XI │ ASSISTÊNCIA FAMILIAR

O que ocorre é que tanto o Estatuto da Pessoa Deficiente quanto o Código de Processo
Civil alteraram o art. s. 1.768 e 1.69 do Código Civil. Sendo que o Estatuto da Pessoa
Deficiente entrou em vigor antes do nCPC.

Como o Estatuto é norma especial ao passo que o Código de Processo Civil é norma geral,
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2016) defendem que deve ser promovida uma
interpretação sistêmica equalizando os dois sistemas de tal sorte que são legitimados
para a ação de curatela:

»» o cônjuge ou companheiro;

»» os parentes ou tutores;

»» o representante da entidade em que se encontra abrigado o curatelado,


além do

»» Ministério Público. (2016, p. 935).

Observação: muito embora o legislador não esclareça quem é o parente, em outras


referências trata do assunto do parentesco reconhecendo situações jurídicas reguladas
pelo direito de família e pelas normas aplicáveis à sucessão hereditária. Assim, pode-
se entender que o parente é o parente em linha reta ou em linha colateral até
o 4o grau (irmão, tio, sobrinho, primo), optando-se por aquele parente que
tenha maior contato com o curatelado. Porém, o tema ainda será motivo de
muita discussão.

Na curatela o cônjuge que não se encontrar separado judicialmente é, em princípio,


aquele sobre quem devem recair as funções de curador do interdito.

Não sendo o caso de nomeação do cônjuge, incumbirá a curatela ao pai ou a mãe, ao


descendente maior e de grau de parentesco mais próximo do incapaz.

Nascituro

Figura 32.

Não se encontra justificativa para a determinação de nomeação de curador ao nascituro (CC, art. 1.779): “Dar-se-á
curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar”.
Além de sua deficiente redação, revela o dispositivo resquício da feição patriarcal da família. A finalidade é resguardar
os direitos do nascituro, assegurados desde a concepção (CC, art. 2o).

Fonte: < https://pixabay.com/pt/embri%C3%A3o-humano-beb%C3%AA-gravidez-159691/>.

214
ASSISTÊNCIA FAMILIAR │ UNIDADE XI

Não se atina como se possa afastar o poder familiar da mãe, quando ainda não nascido
o filho. De qualquer forma, não só no caso de morte do genitor haveria cogitar da
nomeação. Desconhecido, ausente ou incapaz o genitor, cabe a nomeação. Estando a
gestante interditada, seu curador será curador do nascituro (CC, art. 1.779, parágrafo
único). Trata-se de uma curadoria temporária, uma vez que, quando do nascimento,
a criança deverá ser posta sob tutela.

Tomada de decisão apoiada

Com o advento da Lei 13.146 de 2015 - o Estatuto da Pessoa Deficiente - foi introduzido
no Código Civil a Tomada de Decisão Apoiada, o art. 1.783-A com seus parágrafos que
nos explica e orienta o que é esse novo instituto.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald manifestam-se da seguinte forma


Cuidadosamente vislumbrando a (bela e coerente) arquitetura esculpida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência sobre a teoria das incapacidades, nota-se que existem pessoas
humanas que possuem algum tipo de deficiência, mas que podem exprimir vontade
- o que afasta, decisivamente, a incidência da incapacidade relativa. É o exemplo de
uma pessoa portadora da Síndrome de Down ou de alguém que tem discernimento
reduzido por algum motivo médico. Tais pessoas podem carregar uma deficiência ou
retardamento psíquico, ou intelectual, sem perder o controle sobre sua vontade.

Em conformidade com a nova sistemática das incapacidades, essa pessoa é reputada


e não poderia ser diferente) plenamente capaz, podendo praticar atos jurídicos,
independentemente de representação ou de assistência. (FARIAS; ROSENVALD, 2016,
p. 921)

Assim temos que a «tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com
deficiência elege pelo menos 2 pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculo e que
gozem de sua confiança, para lhe prestar apoio na tomada de decisão sobre atos da vida
civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer
sua capacidade».

Vejamos então as alterações inseridas no corpo do Código Civil de 2002:

Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a


pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com
as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-
lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-
lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua
capacidade.

215
UNIDADE XI │ ASSISTÊNCIA FAMILIAR

§ 1o Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com


deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem
os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores,
inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos
direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar.

§ 2o O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa


a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o
apoio previsto no caput deste artigo.

§ 3o Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão


apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do
Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que
lhe prestarão apoio.

§ 4o A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre


terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio
acordado.

§ 5o Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial


pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o contrato ou acordo,
especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado

§ 6o Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo


relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e
um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir
sobre a questão.

§ 7o Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou


não adimplir as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou
qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz.

§ 8o Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará,


ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra pessoa para
prestação de apoio.

§ 9o A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de


acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada.

§ 10. O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação


do processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento
condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria.

216
ASSISTÊNCIA FAMILIAR │ UNIDADE XI

§ 11. Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as


disposições referentes à prestação de contas na curatela.

Outorga da curatela

O reconhecimento da incapacidade e a consequente nomeação do curador dependem da


intervenção judicial. Como se trata de ação de estado, é indispensável a presença do
Ministério Público. O procedimento de curatela é prevista no estatuto processual (arts.
747 e seguintes), mas o CC traz inúmeras disposições procedimentais. O levantamento
da curatela igualmente se processa em juízo (art. 756 do nCPC).

O autor precisa provar sua legitimidade para a ação bem como a anomalia psíquica
do interditando e sua incapacidade do interditando para administrar seus bens e, se for
o caso, para praticar atos da vida civil, bem como o momento em que a incapacidade
se revelou. (Art. 749 do nCPC). A ação inicia-se com uma audiência para que a pessoa
seja entrevistada pelo Juiz acerca de sua vida, negócios, vontades, preferências, laços
familiares e afetivos. Para isso faz-se necessário que o réu seja citado. Independentemente
das provas, mesmo que robustas, e da existência de laudos conclusivos, é indispensável
que o juiz pessoalmente interrogue (ou ao menos tente!) o interditando (art. 751
do nCPC) A omissão acarreta a nulidade absoluta da ação70.

Poderá o interditando constituir advogado para impugnar o pedido no prazo de 15


dias (art. 752 do nCPC). Caso o interditando não faça, será nomeado curador especial.
E ainda, caso o interditando não constitua advogado, o seu cônjuge, companheiro ou
qualquer parente sucessível poderá intervir como assistente. Decorrido o prazo de
resposta, o juiz determinará a produção de prova pericial para avaliação do interditando.
Ao julgar procedente a ação, o juiz decreta a interdição.

Declarada a interdição, na mesma sentença será nomeado um curador ao interdito. A


lei estabelece uma ordem de preferência, assim, num primeiro momento a nomeação
recairá no cônjuge ou companheiro se não estiverem separados judicialmente ou de
fato (CC, art. 1.775). Na falta do cônjuge ou companheiro, será nomeado curador o pai
ou a mãe; na ausência destes acima, será curador o descendente que se demonstrar
mais apto para tal encargo. Entre os descendentes, têm preferência os mais próximos;
na falta de parentes, compete ao juiz a escolha de um terceiro como curador.

Deve o juiz atender ao melhor interesse do interdito.

A sentença que decreta a interdição, embora sujeita a recurso, produz efeitos desde
logo (art. 755, § 3º do nCPC). Assim, o recurso dispõe somente do efeito devolutivo.

70 Rui Ribeiro de Magalhães, Direito de família no novo Código Civil Brasileiro, 322.

217
UNIDADE XI │ ASSISTÊNCIA FAMILIAR

Depois do trânsito em julgado, a sentença é publicada na imprensa local e três vezes


no diário oficial, com intervalo de 10 dias, além disso deverá estar disponível na rede
mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado ao juízo e
na plataforma de editais do CNJ, onde permanecerá por 6 meses. (art. 755, §3º do
nCPC). Igualmente é registrada no Cartório do 1o Ofício das Pessoas Naturais
da comarca em que tramitou a ação e anotada no assento de nascimento e casamento
do interditado (LRP, art. 29 V, arts. 92,93 e 107, § 1o). Depois de registrada a sentença,
o curador assinará o respectivo termo de compromisso (LRP 93, parágrafo único).

Do exercício da curatela

Determinada a aplicação à curatela das disposições concernentes à tutela (CC, arts.


1.774 e 1.781), tudo o que compete ao tutor compete também ao curador, desde a
possibilidade de escusa (CC, art. 1.736) às normas de exercício (CC, arts. 1.740 a
1.752), como a que diz respeito aos bens (CC, art. 1.753) e, principalmente, ao dever de
prestar contas (CC, arts. 1.755 a 1.762). Como não mais incide hipoteca legal sobre os
bens imóveis do curador (CC/1916, arts. 418 e 827, IV), está autorizado o cancelamento
da garantia que tenha sido prestada (CC, art. 2.040).

Ainda que o exercício da curatela seja um múnus público, faz jus o curador a
remuneração proporcional à importância dos bens administrados, além do
direito de ser reembolsado pelo que realmente despender (CC, arts. 1.752, 1.774 e 1.781).

Na curatela, do mesmo modo que na tutela, pode ser nomeado um pró-tutor, que na
verdade deveria ser chamar pró-curador, sempre que for necessária a intervenção de
um profissional especializado, seja um administrador, um contador, um perito etc.
O “pró-curador” pode ser pessoa física ou jurídica, a quem é delegado o exercício
parcial da curatela (CC, art. 1.743) e que fará jus a módica gratificação (CC, art. 1.752 § 1o).

Outra inovação apresentada pelo Novo Código de Processo Civil é a possibilidade de


estarmos diante de uma curatela compartilhada, vejamos:

Art. 1.775-A. Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o


juiz poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa.

Curatela prorrogada ou extensiva

A autoridade do curador estende-se à pessoa e aos bens do curatelado, bem como


aos filhos nascidos ou ainda nascituros. É o que se chama de curatela prorrogada ou
extensiva 71.
71 GOMES, Orlando. Direito de família. [S.d.], 2001, p. 447.

218
ASSISTÊNCIA FAMILIAR │ UNIDADE XI

Deve-se evitar ao máximo o recolhimento do curatelado para estabelecimento que


afaste ou retire o convívio familiar, essa é a interpretação do art. 1.777 do Código Civil,
vejamos:

Art. 1.777. As pessoas referidas no inciso I do art. 1.767 receberão todo


o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e
comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que
os afaste desse convívio.

Levantamento da interdição

Cessada a incapacidade, a interdição pode ser levantada (art. 756 do nCPC). O pedido
é formulado pelo interdito, pelo curador ou pelo Ministério Público. De
qualquer forma, o MP acompanha a ação, para a qual deve ser citado o curador, pois
ele se sujeita aos efeitos da sentença. Com a procedência da ação, fica dispensado do
encargo, devendo proceder à prestação de contas. O pedido é apensado aos autos da
interdição. Submetido o requerente a exame de sanidade, após a apresentação do laudo,
é designada audiência de instrução e julgamento. Levantada a interdição, a sentença,
que dispõe de eficácia constitutiva é alvo da mesma publicidade e registro da sentença
que havia declarado a incapacitação.

Incapacidade temporária

Há situações em que, por algum motivo imprevisível, alguém se veja impossibilitado


momentaneamente para os atos da vida civil72. Assim, se, temporariamente, não for
possível exprimir a sua vontade, faz-se necessário o procedimento de interdição para
essa pessoa.

72 No caso de acidentes de automóvel ou intervenções cirúrgicas que exijam prolongado período de restabelecimento.

219
Referências

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AZEVEDO, Álvaro Villaça (Coord.). Código civil comentado: direito de família,


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