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CONVERSANDO COM O DRAGÃO

“Wyrmtalk”

CENÁRIO
SR BR – ARQUIVO DAS SOMBRAS

CRÉDITOS DA VERSÃO ORIGINAL


Autor: Tom Dowd
Data: 1991
Fonte: http://ancientfiles.dumpshock.com/

CRÉDITOS DA VERSÃO BRASILEIRA


Tradutor: Wilson Reis
Revisor: Agostinho Schlindwein
Leiaute: Alceu Rodrigues de Freitas Junior
Data: 30/04/2006

Essa é uma tradução não-oficial do WyrmTalk publicado no site da FanPro. A intenção da tradução é
fornecer um background para jogadores iniciantes e veteranos de Shadowrun.

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SR BR – ARQUIVO DAS SOMBRAS

SUMÁRIO
Wyrm Talk............................................................................................................................................4

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SR BR – ARQUIVO DAS SOMBRAS

Wyrm Talk
"Tem um dragão aqui para vê-lo." Eu estava orgulhosa do quão firme fui capaz de manter minha
voz.
Ele levantou o olhar que fitava a papelada jogada na mesa de café, ou o monitor logo acima da
pilha; não dava para saber em qual dos dois ele estava trabalhando. A fatia de pizza em sua mão
pingava óleo em cima dos papéis. "Ah, Qual deles?" ele perguntou.
"Como é que você quer que eu saiba?" respondi. Ele estava sendo um pé no saco de novo. "Essa
você ainda nem começou a me ensinar."
Ele sorriu e colocou a fatia de pizza em cima da mesa. "Claro, querida." ele disse sem se
levantar. "Já, já eu o atendo."
"E... ?" Eu perguntei, com as mãos na cintura.
Sua sobrancelha esquerda se ergueu. "E... ?"
"Tem um maldito dragão aqui para vê-lo."
Ele lambeu o óleo da mão. "Bem, sim, isso você acaba de me dizer." Ele me fez prometer que
pararia com as tentativas de espancá-lo, mas um dia desses...
"Você quer que eu simplesmente deixe ele lá fora?"
"Não, claro que não!" ele respondeu. "Isso seria um tanto rude. Convide-o a entrar."
"Hmm, você não acha que ele é um pouquinho grande para a porta?" Eu conclui que aquela era
provavelmente uma pergunta estúpida. No pouco tempo em que eu estive com ele, se eu aprendi
alguma coisa, foi que o óbvio raramente o era e que o impossível era o usual.
Ele me deu o melhor dos seus olhares 'Eu sei de coisas que você não sabe' e disse: "Porque não
deixamos que ele decida?"
Dei de ombros. "Tá bom, porque não. É você quem paga a conta do conserto." Enquanto eu saía,
algo me ocorreu. Parei por um instante e olhei de volta para ele. Ele esticava o braço na direção da
fatia de pizza.
"Bom, eu não sei bem em que os dragões estão metidos" Eu disse, "mas eu suponho que você
pode querer vestir alguma coisa antes que ele entre."
Ele olhou para mim, depois para si mesmo. "Sim, eu suponho que você está certa", ele disse.
"Mas como você sabe que é ELE - e não ELA?!"
Céus, um dia desses eu vou acertá-lo com tanta força que ele vai precisar de um caixão fechado.
Nos fundos da casa eu hesitei, arrumei minhas roupas, e fui decidida na direção do jardim. Ele
ainda estava sentado no local exato onde pousara, observando curiosamente os peixes a rodar em
um pequeno lago decorativo. Suas escamas cor de prata e safira refletiam o sol do entardecer,
transformando o jardim numa tela de Maxfield Parrish. O dragão parecia insensível à minha
presença, atento unicamente aos movimentos dos peixes dourados. Eu não queria - na verdade eu
temia - perturbá-lo. Eu não queria que ele se movesse novamente.
"Ele está em casa ?" ele perguntou. Eu deveria estar preparada para a voz. Eu sabia como eles
falavam, mas eu ainda achava aquilo perturbador. Eu ouvi claramente as palavras, mas ele
permanecia imóvel. Parte alguma de seu corpo se moveu.

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Estarrecida, retrocedi, dando uns passos enquanto subia de costas os degraus de


ardósia."Eu...sim. Sim, ele está."
"Sabe, eu não pretendia assustá-la." Sua enorme cabeça virou-se lentamente em minha direção.
Um brilho fugidio luziu de algum lugar no fundo de seus olhos.
Ele poderia ter me engolido sem mastigar, bem ali, e eu não teria sequer notado.
"Não, eu sei que não era essa a sua intenção..."
"Posso entrar? É um tanto cansativo manter minha cauda no ar dessa maneira, e eu detestaria
estragar um jardim tão bonito."
Olhei para cima e fitei sua cauda, suspensa vários andares acima de mim. Vários espinhos se
projetavam em sua ponta. Ganchos enormes como aqueles poderiam - espere aí, ele sumiu!
"Ele está me esperando, então." Uma voz estranha falou.
Minha cabeça voltou num estalo na direção do solo. O dragão desaparecera. Em seu lugar havia
um jovem, com cerca de vinte anos, trajando um terno de seda azul com um corte que eu nunca
havia visto igual. Ele tinha a pele clara e suas feições eram tais como as do Davi de Michelângelo.
Seus olhos radiavam um brilho azul prateado. Soltei uma risada um tanto estúpida.
Ele sorriu. "Ai, deixei-a sem graça de novo. Desculpe, querida."
Tratei de arrumar um sorriso. "Eu não sabia que dragões podiam fazer isso". Eu disse,
envergonhada. Sem notar, eu recuara mais uns passos pelos degraus.
Ele andou em minha direção e, enquanto passava por mim, encostou o indicador nos lábios.
"Não conte a ninguém. Supostamente isso é um segredo."
Mais segredos para guardar, pensei. Sem problemas. De um jeito ou de outro, isso era sem
dúvida muito mais interessante que o Missouri.

Ele parecia intrigado pela decoração moderna da casa. Ele me questionou sobre o autor de cada
uma das obras de arte a medida que passávamos, mas só parou apenas uma vez para observar
melhor. Era um Warhol, vai entender o porquê! Eu o conduzi ao andar de cima e, optando pela
pompa, escancarei as portas do estúdio para que ele entrasse.
Sorridente, ele passou por mim. "Permita-me apresentar Dunkelzahn," anunciei.
O homem que o dragão viera ver levantou-se enquanto entrávamos. Ele não havia limpado em
nada o aposento; tudo ainda cheirava a calabresa e pepperoni. Ele havia tratado de se vestir,
entretanto, usava botas pretas, jeans e uma daquelas camisas de algodão compradas recentemente.
Ele manteve seu rosto sem pintura.
"Faz um bom tempo, não é?" ele disse, tocando seu peito com um dos dedos de sua mão
esquerda, pouco abaixo do coração. Eu já vira ele fazer isso outras vezes, mas ele nunca me
explicou qual era o significado do gesto. Eu acho que aquilo significava que ele considerava o
visitante como um igual, graças a deus.
"Sim, faz um tempo, Harlequin," respondeu o dragão, repetindo o gesto. "Fiquei contente ao
saber do resultado de sua chal´han." Dunkelzahn não se virou, mas eu senti sua atenção repousar
em mim por um momento. Obviamente, segredos não existiam para ele.
Harlequin sorriu. "Aposto que ficou." Ele estendeu o braço na direção do sofá de couro preto

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extremamente estufado, logo atrás dele. "Você não vai sentar?"


O dragão acenou com a cabeça. "Obrigado." Ele andou na direção do sofá, analisou-o por um
instante e sentou-se cuidadosamente. Somente após estar totalmente equilibrado no acento ele
recostou-se. Ele sorriu.
"Então, o que posso fazer por você?" questionou Harlequin.
"Eu suponho que você está a par de meu status?"
Harlequin fez que sim com a cabeça. "Você se refere à condição de apresentador do ´Wyrm
Talk' ?"
Eu ri comigo mesma. Dunkelzahn havia sido entrevistado pela mídia internacional logo após
ressurgir. Ele aparentemente gostou da experiência, especialmente o questionário imposto por ele
aos jornalistas, tanto que ele requisitou ter seu próprio show em uma das emissoras. Nos anos
passados desde então, ele dedicou sua atenção à idéia apenas tempo o suficiente para produzir três
shows. Harlequin e eu assistimos ao show da última vez que foi ao ar.
O dragão, claramente fascinado pela cultura moderna, ficou o programa inteiro comentando
sobre uma ampla gama de assuntos. Em alguns blocos, ele tomou o conceito de ´jornalismo de
confronto´a um extremo tal que cheguei a supor que o show deveria se chamar ´Wyrm Food´.
Dumkelzahn sorriu. "Exatamente. Eu acho a mídia absolutamente fascinante. Troca de
informações livre e irrestrita. Quem poderia imaginar?"
"Bem, eu não diria que ela é exatamente ´irrestrita´," disse Harlequin.
"Não," concordou o dragão. "nem eu. Mas é precisamente por isso que estou aqui. "
"Ahn?"
"Eu gostaria que você fosse o tema de meu próximo programa."
"O quê ?!" Harlequin exclamou, de sobressalto.
Deixei escapar uma sonora gargalhada e, em seguida, levei as mãos à boca. Harlequin me
encarou por uma fração de segundos, para que eu soubesse que eu iria amargar essa indiscrição
mais tarde, mas era um prazer incrível vê-lo surpreso.
"Sim," continuou o dragão. "Eu acho que você daria um excelente convidado."
Harlequin passou as mãos pelos cabelos enquanto balançava a cabeça.
"De todas as coisas que eu esperava conversar..."
"Mas, Harlequin, você sempre foi o melhor dos contadores de histórias. Pense no quão
maravilhados ficarão esses humanos com as coisas que você poderia contar!
Há tanto que eles simplesmente não compreendem -"
"E eu certamente não irei contá-las!" interrompeu Harlequin.
O dragão moveu sua cabeça de forma estranha. "Não será possível que eles tenham o direito de
saber? É o mundo deles, afinal."
Harlequin expirou ruidosamente, com o cenho franzido. "Você quer que eu conte a eles tudo?
Revelar toda a miríade de segredos do universo? Você quer que eu..." Ele virou-se para mim, de
braços extendidos, dobrando e desdobrando os dedos espasmodicamente. "Você quer que eu..."

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"Vomite minha tripas em rede mundial?" Eu sugeri.


"Sim!" ele disse, estalando os dedos e virando-se de volta na direção do dragão, que piscou.
"você quer que eu vomite minhas tripas na televisão? Abrir a caixa de Pandora novamente?"
"Bem, na verdade, sim," disse o dragão. "Você tem idéia do quão confusos eles todos devem
estar? Olhe como o mundo deles mudou. Não seria direito deles saber o que tudo isso significa?"
Harlequin acenou vigorosamente com a cabeça e moveu-se na direção do centro do quarto,
gesticulando como louco. "É claro que é" ele disse. "Mas porquê contar isso a eles? Deixe que
descubram sozinhos; essa é a graça disso tudo! As pistas estão todas aí!"
"As pistas?" O dragão e eu estávamos igualmente estarrecidos.
"Para o mistério da vida, Dunkelzahn! O mundo é como uma grande peça de tapeçaria. Você
começa observando a imagem de muito perto. Existe muito mais para ser visto, e você pode dedicar
sua vida inteira a inspecionar aquele pequeno pedaço. Alguns acham que só aquele pedaço não é o
bastante. Eles recuam para que possam enxergar melhor a imagem. Eventualmente eles podem se
encontrar longe o bastante para ver o tapete inteiro suspenso à sua frente. Mas se você começa
colocando-os já tão longe, eles vão se confundir. Não saberão onde olhar primeiro. Eles nunca verão
toda a imagem." Ele cruzou os braços, com um sorriso de satisfação no rosto.
Eu fitei o dragão, que ainda tinha o olhar perplexo.
"Será que eles não deviam ser avisados de algumas coisas - " ele começou.
"Como os invae, você diz?" Harlequin interrompeu.
"Para começar, sim," o dragão lhe disse.
Harlequin descartou a idéia com um gesto. "Eles não são relevantes. Na verdade, eles até
corroboram meu argumento! Os humanos não sabiam nada sobre sua chegada, mas eles estão
lidando com eles razoavelmente bem, mesmo assim. Vomitar nossas tripas -" ele acenou para mim,
"- tão cedo para os humanos seria privá-los da descoberta! O prazer está no desdobrar. Permita que
eles se maravilhem com seu mundo, horrendo como ele as vezes é. Não vamos revelar o fim do
conto antes que a página final esteja virada, Dunkelzahn. Permita que o a história conte a si
mesma."
O dragão parecia estar fitando a pizza já fria, mas eu poderia dizer que ele estava absorto em
pensamentos. Finalmente, com um suspiro, ele levantou-se e assentiu. "Vou tomar isso como um
não."
Harlequin riu, olhou para abaixo, e sacudiu a cabeça.
"Obrigado pela sua hospitalidade," disse Dunkelzahn, movendo-se lentamente na direção da
porta.
Harlequin olhou para ele. "Espero que eu não tenha estragado o seu planejamento de
convidados."
O dragão sorriu de forma inocente. "Não, de jeito algum. Eu vou convidar Lady Brane Deigh dos
Daoine Sidhe para falar em seu lugar."
O rosto de Harlequin congelou. "Eu não recomendaria isso."
"Ahn?"
"Dunkelzahn, você e eu temos sido sempre pelo menos cordiais," Harlequin começou.

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"É bem verdade."


"Mas eu lhe aviso, há alguns dos meus, e dos seus, que acham que você já contou coisas
demais."
"Oh?"
"Seus comentários sobre os grandes dragões e as dracoformas, por exemplo."
O dragão concordou com um aceno. "Sim, eu recebi um certo... rancor por isso."
"Se você começar a falar sobre outras coisas..."
Dunkelzahn concordou novamente. "Obrigado pelo seu aviso, Harlequin." Ele acrescentou,
melancólico, "Você está certo de sua decisão? Histórias tão incríveis poderiam ser contadas."
Harlequin sorriu. "E elas serão, em seu tempo."
O dragão tocou os dedos em seu peito novamente, e assim que Harlequin repetiu o gesto,
começou a sair do estúdio. Ele parou enquanto passava por mim. "Foi um prazer conhecê-la,
senhorita, " ele disse. "Você enche de orgulho a sua linhagem." Eu sorri, e não pude pensar em algo
para dizer, então encostei meus dedos em meu peito. Ele sorriu, e retornou o gesto.
Eu fechei as portas atrás dele, e virei-me de volta para Harlequin. "É uma pena," eu disse com
tristeza. "Eu gosto dele, de uma certa maneira."
"Eu também," Harlequin respondeu, fitando seus papéis. "Ele é o mais razoável deles todos. Será
uma pena quando tivermos que destruí-lo."

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