Você está na página 1de 102

AS DOZE NOITES DE LADY MALÍCIA

Spin-off da série Damas de Aço


KARINA HEID
Copyright© 2020 Karina Heid Rocha
Todos os direitos dessa obra são exclusivos da autora.
É expressamente proibida sua distribuição ou cópia, parcial ou inteira.
Editoração: Karina Heid Rocha
Revisão: Daiane Guedes, Nariane Souza, Lorena Silria
Capa: Karina Heid

Created with Vellum


Sobre esse conto

U M SPIN off é uma obra derivada de uma narrativa já existente. Esse aqui foi
escrito pensando nas leitoras do livro Lady Malícia, que queriam saber o que
havia acontecido entre Charlotte e Theodor durante seus encontros furtivos
no clube Lust.
Esse, no entanto, NÃO É o livro deles.
O livro deles foi lançado em junho de 2020, e começa onde esse spin off
termina.
Portanto, se chegou aqui antes de ler Lady Malícia, aqui está o link para
o livro. É preferível ler primeiro a história deles ou não entenderá por que os
dois não podem ficar juntos — mas ficam, e querem ficar mais.
No mais, as Doze Noites de Lady Malícia são isso: doze noites de
lições sobre o amor e o sexo em um clube de prazeres proibidos. (Se você
não gosta de ler cenas de sexo, esse conto não é para você). Preparem-se
para conhecer Charlotte e Theodor de forma íntima, e saber tudo que
eles aprenderam juntos antes de se reencontrarem anos depois…

Karina
CON TEN TS

Sobre esse conto


Prelúdio
Noite 1
Lições
Noite 2
Espante os medos
Noite 3
Dedos
Noite 4
Língua
Noite 5
Voyeur
Noite 6
Atada
Noite 7
Fale
Noite 8
Retribuição
Noite 9
Você tem coragem?
Noite 10
Febril
Noite 11
Toque-se
Última Noite
Querem conhecer a história de Charlotte e Theodor?
1

Outras obras da autora:


Sobre a autora
Prelúdio

— E LA NÃO SE parece uma joia?


Ele vestia casaca e calças bem cortadas e olhava para fora. Era difícil
prestar atenção ao que mostrava, ou mesmo a ele; meu corpo inteiro tremia.
A mente estava enevoada, consequências do medo e da preocupação em ser
desmascarada. Sequer entendi que aquele homem estava falando comigo.
— Como disse, senhor?
— Que a lua se parece uma joia — Ele se virou. — Uma pérola perfeita.
Pendurada como um pingente de uma nuvem.
Oh.
— De fato — respondi, tateando a máscara para me certificar de que
estava no lugar. Os olhos encontraram a lua do lado de fora. Ela se parecia
mesmo com um brinco.
O homem se aproximou e suas feições iluminaram-se à luz do castiçal.
Ele era alto e tinha ombros largos, e a máscara escura que usava cobria a
região inteira dos olhos. O que eu podia ver do resto da face indicava que
suas feições eram perfeitas. Bonito, eu o adjetivei instantaneamente.
— Vi quando a senhora chegou. — Ele pousou o copo que segurava
sobre uma mesa. — Estou surpreso que tenha subido.
— O senhor nos viu chegar? — perguntei. Minha tutora e eu havíamos
sido discretas, e em momento algum desconfiamos que estávamos sendo
observadas. — Achei que tivéssemos entrado com discrição.
— Discrição? Não. — O estranho mostrou um nicho coberto por cortinas
pesadas ao lado. Ele afastou uma das bandas, revelando um balcão com vistas
para o primeiro andar. O canto escuro, perfeito para observar sem ser visto,
fez uma sineta começar a soar dentro de mim.
Olhei para as escadas, tentando contar os passos até a rota de fuga, mas
parei a tempo: sair correndo seria exatamente o contrário do que tinha me
proposto a fazer.
— O clube é feito para a espreita.
— O-o senhor estava nos espreitando?
— Não as duas. Apenas a senhora.
A respiração parou de circular por mim. Se ele não tivesse sorrido de
maneira tão deslumbrante, teria me afastado. Eu estava assustada com a
vulgaridade dos homens com quem trombara até o momento, mas aquele
homem era diferente. Ele era seguro em sua fala, e reconhecer que estava me
espreitando, embora não devesse, me fez descer as armas. Lembre-se de onde
está, eu repeti a mim mesma. Um homem honesto é mais do que pode querer.
O sorriso bonito adiante aquietou meus medos.
E se ele fosse a resposta para o que eu estava fazendo ali?
Se era sedução que eu procurava, não havia acabado de encontrá-la?
Os pensamentos me deram força para continuar.
— É sua primeira vez aqui? — Ele largou a cortina e voltou a me olhar.
Demorei a responder, distraída pelas pontas do cabelo cor do mel, quase
brancos onde a raiz encontrava a pele. Os olhos, de um azul inigualável,
crepitavam sob a luz dourada.
— Sim, é minha primeira vez.
— E encontrou o que veio procurar?
— Não — disse inquieta por ser escrutinada de um jeito tão direto. —
Vim apenas observar.
Assim que disse aquilo, me arrependi. Mademoiselle havia me dito que
não gostavam de curiosos no clube. As pessoas arriscavam seu nome pela
existência daquele lugar, e curiosos eram um desserviço. Antes que pudesse
consertar a frase, ele me interrompeu:
— Não se sente pronta?
Balancei devagar a cabeça que não.
A forma como aquele estranho me olhava, tão intensa e avaliativa, era
como um sopro quente na pele. Eu comichava em lugares inusitados e ficava
cada vez mais tentada a desconsiderar os avisos de minha tutora.
O mascarado trocou o copo vazio por outro, cheio, fazendo o mesmo com
a taça na minha mão.
— No primeiro andar ficam os que estão aqui pelo prazer da observação
— ele disse. — Eles querem olhar. Só Deus saberia explicar o prazer que têm
em ficarem ali, vendo casais se formarem. Eles bebem, divertem-se
observando o desejo alheio e voltam para casa satisfeitos. Certamente era
onde a senhora deveria ter ficado, se estou lendo bem suas reações.
Eu devia ter dito que sim — eu não pertencia àquele andar — mas me
perdi no movimento dos lábios bem feitos, e na voz cadenciada e melodiosa.
Que seus gestos fossem tranquilos e pensados me confundia; ele estava me
cortejando?
Embora eu tentasse não ser hipnotizada por ele, me vi perguntando:
— E o segundo andar?
— Este? — O homem alisou o maxilar de aspecto macio. — O segundo
andar é para os que perderam o medo. Aqui, as pessoas realizam desejos.
Desejo.
A palavra circulou como um gemido em meus ouvidos. Não era por ele
que eu estava ali? Para saber o que sentem aqueles que se entregam? Mas
'desejo' era uma palavra vaga: continha um mundo escondido, e eu precisaria
decompô-la se quisesse entender o que ela significava.
O mascarado sorriu com um brilho atrevido nos olhos. Eu estava tão
vermelha que sentia a máscara esquentar.
— Talvez seja melhor retornar ao primeiro andar, senhora — o homem
sugeriu sem acreditar que eu merecesse sua atenção. — Alguém pode acabar
aproximando-se com intenções maliciosas.
Resposta errada. Eu estava ali justamente para entender tudo aquilo. Na
cabeça, uma ideia perigosa começava a tomar forma: e se eu usasse aquele
homem — aquele espécime belíssimo de homem — para flertar?
Foi difícil reunir coragem para dizer, mas a coragem veio e eu disse:
— Não quero descer. Quero estar onde o jogo acontece.
Ele deu um gole na bebida, esticando os olhos até os meus.
— É assim que chama? De jogo?
— Não vejo outro nome para o que acontece aqui.
— Jogos implicam que alguém ganha enquanto o outro perde. Encaro o
que acontece aqui como uma dança.
— Danças não envolvem riscos, senhor.
— Que riscos, além dos óbvios, o que acontece aqui envolveria?
— Uau. Tantos — disse passando por ele, ganhando tempo. Confesso que
também estava curiosa por nunca ter imaginado antes a lua como um
pingente.
Ela realmente parecia uma joia.
De costas, sentia os olhos do homem correrem por mim. Cintura,
nádegas, pernas. Pelo reflexo no espelho eu via que ele me desejava. Eu
precisava anotar essas percepções: o desejo era visível. Ele vinha de uma
mistura de reações facilmente percebíveis - uma dança entre olhos, boca,
tensão do pescoço, intensidade… Ele agia sobre nós como um raio quente de
sol. Se estivesse receptiva e o aceitasse, ele nos esquentaria.
Aquela era a chance.
Eu precisava conhecer alguma coisa — qualquer coisa — sobre
romances. Não precisava incluir tudo, mas podia incluir beijos. Eu ousaria ir
tão longe? Beijos, algumas carícias escondidas?
O corpo ousou imaginar o que poderiam ser essas carícias e um mundo de
sentidos adormecidos acordou. Estar irreconhecível fazia com que muitos de
meus temores sumissem. Que minhas vontades, sempre tão silenciosas,
falassem mais alto.
— Aqui, só se perde o que não se faz — eu o ouvi dizer.
Não era verdade, pensei.
— Jogos sempre envolvem perdas, senhor.
— Se há um consenso e um acordo, não poderiam os dois ganharem?
Nós nos olhávamos, agora, pelo reflexo.
— Nesse mundo em que vivemos? — Eu me virei, o estômago brigando
entre o frio e calor. — Não.
— Por que não?
O fato do cavalheiro à frente ser tão charmoso deixava o jogo mais
excitante. Oras, que mal havia em aceitar seu cortejo malicioso? Tinha
considerado flertar com alguém, teria provavelmente feito aquilo com
qualquer outro. Que ele não fosse qualquer outro só deixava tudo melhor.
— É apenas uma observação. O encontro entre as duas partes não é justo
— respondi.
— Em que sentido?
— De um lado, temos homens incentivados desde a infância a conquistar
e dominar. Do outro, mulheres domesticadas e valorizadas por sua inocência
e castidade. Quem entre nós tem a experiência, e quem está em desvantagem?
Ele fez um gesto muito discreto com a cabeça. Um que indicava
compreensão. No entanto, disse mesmo assim:
— Isso me cheira a primeiro andar.
Era uma provocação, mas uma bem charmosa. Sorri, sentindo a base da
nuca formigar.
— Não é questão de ter medo.
— Sempre é — ele enfiou uma das mãos no bolso da calça, em uma
posição de conforto. — Ambos trajamos máscaras, e o motivo é medo. No
entanto, posso afirmar que, entre quatro paredes, a máscara nos nivela.
Demorei algum tempo para responder. Não por que as palavras
precisavam ser compreendidas, mas porque elas me haviam sido roubadas.
Pensei, ciente do perigo, que poderia viver dentro daquele olhar azul.
Para minha perdição, também consegui imaginá-lo entre quatro paredes.
No mais, o que ele dizia fez sentido para mim. Com máscara, estávamos
nivelados. A máscara na verdade me revelaria.
O que eu não contava era aprender que o desejo também era rápido. Ele
crescia por mim em forma de atração, forte e irresistível, uma oponente à
altura do medo. Eu reconhecia os sinais — que ironia — pelas descrições que
costumava colocar no papel. A crepitação na base do estômago. O ofegar. A
falta de ar típica dos becos sem saída.
Eu deveria ser cautelosa, mas não achava motivos. O que eu perderia,
tentando? Naquela noite, eu era livre. Ninguém sabia quem eu era ou o que
fazia ali.
— O que aconteceria se eu perdesse o medo? — Perguntei baixo.
O mascarado ergueu um dos cantos da boca, e lembrei de anzóis. Seu
sorriso era mesmo um gancho perigoso: eu havia sido fisgada.
Ele tirou nesse momento uma chave do bolso.
Era um convite irrecusável.
Coisas estranhas começaram a acontecer por mim em partes muito
íntimas. A mistura de beleza, tranquilidade e malícia eram irresistíveis
demais. Eu encheria livros e mais livros com as sensações daquele momento,
mas havia um porém: eu não estava pronta para tudo que as pessoas faziam
ali. Ou que achava que faziam. Eu era uma dama com uma reputação a zelar.
Não saberia dizer se um dia me casaria ou não — as apostas diminuíam com
os anos — mas tinha limites para o que estava fazendo.
E disse isso para ele.
Não foi fácil, e esperava ter sido compreendida. Segurei a respiração
durante todo o tempo em que o aguardei ponderar. Um milhão de instantes
depois, ele perguntou:
— Para o que está preparada?
— Não sei — respondi, sincera. — Traçarei os limites à medida que as
coisas forem acontecendo.
Mais uma vez, o sorriso de lado do homem me esquentou, e foi inevitável
não sorrir também. Um sorriso torto e incerto, em meio a mil pensamentos
que urgiam para que eu retornasse ao primeiro andar.
Ele fez que sim, cavalheiresco. Concordava com as minhas imposições.
Sem esperar, ele se aproximou. As pernas quase falharam, mas não
recuei.
— O que sabe sobre o que acontece ali dentro? — Ele praticamente
sussurrou no meu ouvido. Sua voz lembrava um instrumento de fundo. O
toque de um violoncelo, grave e profundo. Nada em mim funcionava mais de
forma regular.
— Teoricamente, alguma coisa. Na prática, nada…
— Gostaria de ser apropriadamente apresentada ao contato íntimo?
Oh meu Deus. Algo quente e rápido invadiu cada canto meu, e precisei
abrir a boca para pegar ar. Aquilo era perigoso além do que havia sonhado.
Era um convite ao perigo e riscos desnecessários. Mas era insuportavelmente
bom, e eu procurei forças de onde não achava existir para não recuar.
O mundo não girava ao redor do que era necessário; o que moviam as
pessoas eram seus desejos. Eu, no momento, estava sendo guiada por eles.
Minha resposta à pergunta foi balançar a cabeça que sim.
Ele pousou o copo na mesa e fez o mesmo com o meu. Em seguida, pediu
minha mão.
— Não é um jogo, senhora. É uma dança. Se quiser dançá-la comigo,
terei o maior prazer em mostrar-lhe como se faz.
Noite 1
LIÇÕES

Q UANDO ENTREI no quarto escuro sentia bem mais medo do que desejo, e
estaria mentindo se afirmasse o contrário. O homem que eu seguia era
arrebatadoramente bonito, de um jeito que homens não costumavam ser. No
entanto, além de bonito, era também forte demais. Sedutoramente gentil em
gestos e fala, admitia. Infelizmente, se tentasse me forçar a algo, não
conseguiria me desvencilhar dele.
Que ele não tivesse qualquer pressa era um ponto positivo, eu ia
pensando enquanto subia as escadas. Um desses elementos que, embora não
garantisse a uma dama qualquer tipo de segurança, indicava que ele
controlava seus instintos. Isso o afastava da classe dos predadores, certo?
Lembrei de algo que Mademoiselle Marie havia me contado logo que
começamos a conversar sobre esses assuntos proibidos. Ela falou que, ao
chegar de Paris, foi trazida até ali por uma amiga francesa. Como eu, minha
tutora queria ver se algo tão exótico poderia existir. Mulheres libertas do
pesado fardo da sociedade, fazendo sexo com estranhos? Ela mal acreditou
que tal coisa existia, mesmo depois de ter visto com os próprios olhos.
Lembro que perguntei, entre a excitação e a vergonha, se ela tinha
experimentado também. Mademoiselle disse que não, mas que era fascinada
pela liberdade de poder estar ali, e poder experimentar coisas novas se
quisesse — mas não necessariamente fazer o que mais tarde poderia trazer
arrependimentos. Como eu, ela havia decidido não se casar — não achava
que conseguiria gostar da mesma pessoa por mais que alguns anos, nem
imaginava uma vida servil ao lado de um homem que já não amava mais.
Lembro que sua frase me fez exalar tão profundamente que cheguei a me
sentir leve: saber que havia mais mulheres no mundo que pensavam como eu
foi um alívio. Não estava sozinha em achar o casamento um mau negócio.
Mas ali estava eu, vivendo algo que nem mesmo minha tutora atrevida
havia tentado. Envolvendo-me com alguém do clube. Prestes a beijar um
desconhecido e deixar que ele me tocasse.
O couro cabeludo formigava quando ele acendeu uma das lamparinas e o
quarto ganhou cor. O pescoço ganhava uma finíssima película de suor,
consequência da tensão. Eu nunca havia sido tocada por um homem. Havia
coragem em minha decisão, mas muita imprudência. Ele poderia ser violento.
Se fosse, a quem recorreria? Oh, Deus. Eu poderia estar entrando no quarto
com um homem vil, e caso as coisas dessem errado, carregaria memórias
horríveis sobre o amor que poderiam afetar minha escrita.
Mas o caminho certo — cortejo, noivado, matrimônio — era para as
moças certas, e eu não me incluía na categoria. Tive oportunidades de me
relacionar com alguns cavalheiros, mas pouca vontade. Havia nascido torta.
Ele esperou que eu entrasse no quarto e parou à frente, relaxado e seguro,
como se já tivesse feito aquilo algumas vezes. Sua segurança era completa, e
a pontada de interesse se transformou em curiosidade. Quantas mulheres um
homem podia ter durante a vida e retomar o caminho do bem? Todas?
Apenas algumas?
O nosso número eu conhecia: um. E esse único precisaria ser o homem a
colocar a aliança em seu dedo.
O quarto era decorado em tons de vermelho, salpicado de detalhes
dourados aqui e ali. Era luxuoso de um jeito exuberante e ostensivo, como se
aguardasse a visita da nobreza. Talvez aguardasse. Os cheiros não eram bons
nem ruins, apenas exóticos: perfumes há muito desbotados, charutos
fumados, tecidos lavados e perfumados com água de colônia. Havia uma
lareira acesa e uma poltrona. Algumas cadeiras, um divã de veludo escuro
mais adiante.
Ele esperou que meus olhos terminassem o passeio pelo quarto e
voltassem até os dele. Olhando-o tão gentil e paciente adiante, entendi
finalmente que a porta estava fechada e que meu destino naquele lugar já
havia sido decidido. Vontade e oportunidade haviam colidido, e algo da
esfera do inimaginável estava para acontecer.
— Senhor... Antes de mais nada, obrigada por compreender que... Que
não estou preparada para ir até o final — disse apertando os dedos nos outros.
E por final eu queria dizer a cama. O lugar onde as coisas aconteciam.
— Não precisamos da cama — ele percebeu o que eu quis dizer. — Mas
entendo a senhora. E adoraria saber o que lhe trouxe aqui.
Que voz. Que sensação estranha senti-la de maneira física.
— Curiosidade — respondi. Eu poderia dizer que foi desejo, mas não foi.
Foi outra coisa. — Nunca fui beijada ou tocada. Preciso saber como é.
— Por que não com um marido? — ele indagou.
— Ele pode nunca aparecer.
Ele se afastou só o suficiente para tirar a jaqueta escura e jogá-la sobre a
mesinha em frente à lareira acesa, como um marido que chega em casa depois
de um dia no trabalho. Ele não pareceu ter acreditado em mim. Seus ombros
eram largos e causavam um calor estranho, que amolecia meus músculos.
Cintura estreita, traseiro arredondado, preso entre o tecido justo. Ele se virou,
desabotoando os pulsos da camisa.
— O que me permitirá fazer?
A pergunta me arrancou do estado ébrio e me trouxe para a realidade. O
que eu permitiria? Queria conhecer os segredos, mas desconfiava que fossem
muitos. Queria saber como eram os toques mais sensíveis. Os beijos que não
se limitavam à boca. Lera sobre alguns, mas era difícil imaginar a sensação
de senti-los.
— Q-quase tudo — gaguejei.
Seus olhos escureceram à medida em que o “quase tudo” ganhou forma
em sua mente.
Consegui dizer, antes que fosse tocada, que sonhava em sair dali
encantada. Com lembranças que pudesse carregar comigo quando pudesse
contar apenas com elas. E falei que precisava permanecer virgem.
— Para o casamento que nunca virá? — Ele provocou.
Dei de ombros. Uma mulher precavida valia por duas.
Trocamos algumas frases, os olhos dançando uma dança própria,
ocupados em aquecer o corpo. Mais uma lição aprendida: os olhos aquecem
tanto corpo quanto alma. São carícias nos músculos tensos e conversam entre
si numa linguagem única.
O mascarado afastou meu cabelo dos ombros, tocando de leve minha
pele. Ele me estudava com os olhos. Então desceu com as costas dos dedos
por ela, afastando a seda.
O tecido escorregou por um ombro, revelando mais do que eu jamais
revelara na vida. O coração disparou e quis erguer a mão e pará-lo. Se eu o
interrompesse, a noite acabaria? Talvez. Ele parecia mais velho e mais
experiente, e não havia motivos para que continuasse com uma jovem de
ideias avançadas e postura casta. Em algum momento meu corpo precisaria
alcançar minhas ideias, e aquele precisava ser o momento.
A seda despencou pelos braços secando minha boca, e então fiquei nua.
Seios eriçados à mostra, mamilos franzidos, mãos se apertando em punhos ao
lado da cintura querendo tapar o que estava exposto. Era uma imposição do
clube descartar os espartilhos, roupas íntimas, chemises ou qualquer outra
peça que não fosse esse tipo de roupão fino que nos envelopava de forma
íntima.
Ele deu um passo para trás e eu pensei: ele mudou de ideia. Mas ele
queria me olhar de certa distância, sem roupa. Nua.
— Uma criatura linda — ele falou, disparando uma onda de timidez mais
forte que eu. Tampei o triângulo castanho entre as pernas e a parte de cima,
olhando para os lados, envergonhada. Não queria estar nua. Nem sentir o
coração quase saindo pela boca, ou aquela sensação nauseante de
constrangimento. Isso não era bom. Não queria me sentir daquela maneira.
Por que não ficou então com os pretendentes que sentavam na sala de
estar de sua casa e conversavam horas sobre o tempo, suas próprias vidas ou
assuntos que jamais lhe interessavam? Uma parte minha quis saber. Você
está finalmente em um lugar onde coisas acontecem. Deixe-as acontecerem!
— Não, por favor — Ele pediu removendo minha mão com delicadeza,
me olhando nos olhos.— Lembre-se de que não sei quem você é. Talvez não
nos vejamos outra vez. Só por hoje, por essa noite, permita-se ser inteira e
completamente admirada. Venerada e beijada. Acha que consegue?
A frase me pegou desprevenida. Ele só saberia quem eu sou se eu
contasse. Ofegante, firmei minhas prioridades antes de fazer que sim. Era
apenas um corpo, e principalmente: era meu. Por mais que o mundo ao redor
o tratasse como sua propriedade, ele era meu. Eu o habitava e queria aquela
experiência.
Lentamente minhas mãos foram se afastando e o mascarado as cobriu
com as suas.
Ele voltou a se aproximar; a boca do pescoço, as mãos da minha cintura.
Um repuxar elétrico, disparado no momento em que os lábios sedosos
tocaram a pele, fez meu corpo se contrair. O espasmo me fez apertar seu rosto
contra o meu ombro, e os beijos ali, naquela parte tão trivial, mostraram que a
lateral da garganta era um berçário de estrelas. Ele entendeu logo pelo
murmúrio rouco que meu pescoço deveria ser revisitado. Mal notei que o
apertava, as mãos cravadas em sua camisa como se precisassem dele para não
cair.
Os olhos parcialmente escondidos procuraram os meus. Eu ainda não
havia decidido o que achava daquilo: eu era só sentidos. Sensações em estado
bruto, ainda não transformados em sentimentos.
Mas comecei a mudar de ideia quando ele se inclinou e me beijou.
Na boca.
Com língua.
Segurando a lateral do meu rosto, por cima do laço da máscara, ele forçou
a língua para dentro. Abria? Deixava ele entrar? Aquilo era perversamente
íntimo. Os lábios se entreabriram e a ponta morna da língua perfumada
procurou a minha. Retribuí, sem saber como. As pontas dos polegares
acariciaram meu rosto, o cheiro da bebida entrando de maneira narcótica em
mim.
Foi uma surpresa notar que não apenas eu, mas também ele ofegava. Seu
desejo era cru e visível em seus gestos. A máscara deixava que visse pouco
dos olhos, mas os cílios longos e claros estavam abaixados. Ele estava
entregue ao beijo, inteiro naquele contato. Ele beijou o canto da minha boca e
mordeu de leve meu lábio inferior. As mãos desceram, tocando a cintura.
Beijou o outro canto dos lábios, subindo os dedos. Quando alisou com a
ponta do nariz minha máscara, seus dedos já tocavam meus seios. Ele
passeou com a ponta sobre a superfície sensível e, constrangida, me encolhi
quando ficou claro quão excitado meu corpo reagia a ele.
As mãos foram descendo cada vez mais firmes pela pele. Eu mal
conseguia me sustentar de pé, constrangida por ter descrito por anos os beijos
de maneira errada. Eles eram muito melhores do que as palavras que usei.
Mexiam com muitas partes do corpo, e nem de longe diziam respeito apenas
à bocas.
As palmas de suas mãos envolveram ambos os montes, os polegares
circulando ao redor do mamilo. Minha intimidade começou a palpitar e uma
umidade constrangedora umedeceu o meio de minhas coxas. Aquilo era
escandalosamente proibido e errado. Posso beijá-los? Ele sussurrou baixinho
e cada pelo, cada mínimo pelinho que cobria meu corpo se ergueu. Eu já
havia ouvido falar de carícias indecentes nos seios. Havia lido Sade,
imaginado coisas luxuosas e pecaminosas envolvendo alguns pontos
erógenos, mas ele estava falando dos meus. E ele queria levar a boca até eles.
Fiz que sim, sem ar, firmando a máscara no rosto como garantia de que
ele jamais saberia quem eu era, notando que cada centímetro de pele
encrespava à medida que ele descia a língua do pescoço até lá. Na falta de
onde agarrar, agarrei seu cabelo. Eu mal enxergava o que ele fazia, a cabeça
dele abaixo do meu queixo, mas sentia o contato da língua morna com a pele.
O cheiro do cabelo perfumado. O fechamento da boca em mim.
Os olhos quase rolaram em suas órbitas quando ele me abocanhou.
Era estranho sentir o interior da boca, tão úmido e quente, ao redor de
uma superfície tão incrivelmente sensível. Ele ajustou o rosto para fazer o
mesmo no outro, e um calor sem igual correu por mim, me esquentando
inteira.
Então ele levantou, o ato proibido e indecente realizado, como se quisesse
quebrar a última fronteira do pudor. Não era simples ultrapassar certo ponto e
eu teria relutado mais se não tivesse visto, ao olhar para ele, olhos
incrivelmente entregues.
Havia sido bom para ele também. E saber que eu tinha a capacidade de
dar prazer a um homem facilitou minha entrega.
Como se quisesse dizer obrigada pelo medo perdido, eu o beijei. Só
precisei encontrar sua boca e o resto aconteceu sozinho. A língua úmida e
fervente na minha, me pressionando; os dedos enfiados nas mechas do
cabelo, sentindo os dele correrem pelo meu cabelo também. O beijo se
ajustou como uma dança. Era um movimento sensual, mas forte; suas mãos
faziam pressão sobre a minha pele. Passearam pelas minhas nádegas, minhas
coxas, minha cintura. Eu sentia o tecido de sua calça roçar no meu ponto
mais sensível, mostrando que ele estava muito excitado. Sua camisa apenas
parcialmente desabotoada colava aos seios sensíveis. Minha respiração
acelerou quando ele me empurrou para trás e minhas costas encontraram uma
parede, nem um pouco mais dura que o peito colado ao meu. O beijo ganhou
tons sôfregos e os braços já não mais me abraçavam, e sim me prendiam
firmes a ele. Era bom e estranho, tanto contato em tão pouco tempo, mas
descobri, ali, que a mente em algum momento se dissocia do corpo e cede
espaço no palco. Sendo eu agora apenas sentidos, permiti que ele encaixasse
a virilha estufada entre o vão de minhas pernas.
A fricção erótica me pegou desprevenida. Eu o sentia. Eu o ouvia respirar
excitado, o volume sob o tecido querendo encontrar minha pele. Embora ele
ainda estivesse vestido, meu corpo inteiro tremia de medo. Palavras sempre
foram meu forte: em palavras, eu tinha coragem. Ali, elas faltavam.
Não saberia dizer se foi o toque, a luz tremulante das velas ou a segurança
da máscara. Talvez tenha sido uma confiança crescente nele. Quando ele
insinuou a mão entre as minhas pernas, o primeiro reflexo foi me encolher.
Ele fez que sim, para que soubesse que não avançaria ali ainda.
O problema? Eu estava começando a querer. Por isso, quando ele investiu
outra vez, afastei as pernas. Tentei prestar atenção ao que estava acontecendo,
a mente de escritora querendo colher o impalpável, mas uma nova lição
mostraria que nesses momentos era extremamente difícil se concentrar em
sensações. Ou entender como funcionavam os delicados detalhes do
encontro, o que significava aquela respiração pausada, o olhar cravado no seu
enquanto os dedos descobriam, para o seu constrangimento, o quanto estava
molhada. Comecei a respirar mais fundo à medida que a trilha de beijos
voltou a passear pelo pescoço em direção à clavícula. Ele estava voltando
para os seios enquanto brincava com os caracóis do meu triangulo íntimo.
Meus dedos apertaram a carne rija dos braços, amolecida pela confusão
deliciosa de sensações.
Quando o dedo procurou espaço entre os lábios de baixo, comecei a
respirar forte demais. As pernas tremeram. Sabia que havíamos conversado
sobre meus limites, mas estava com medo. Não podia deixá-lo avançar
demais. Mas o que era demais? E por que queria tanto que ele chegasse
nesse estágio?
Parei sua mão antes que seus dedos entrassem em mim.
— Por favor, não.
— Por que não? É bom — ele sussurrou de volta.
Fiz que não. Eu acreditava nele, devia ser mais do que bom. Mas aquilo
estava ficando intolerável. Sensações demais, pensamentos demais,
consequências demais. Olhei para baixo, para o pedaço de tecido jogado no
chão. Hora de ir.
Ele pareceu levemente frustrado mas, cavalheiro, pegou o kimono do
chão e me entregou.
— Está tudo bem? — Ele me ajudou a vesti-lo. Seus olhos estavam nos
meus e não mais na pele descoberta do corpo.
— Não sei — respondi sincera. — Achei que estivesse preparada, mas
não estou.
Eu me sentia ao mesmo tempo uma farsante e uma ordinária. Como me
encararia outra vez no espelho?
— Senhora? — Ele interrompeu minhas dúvidas, erguendo o meu queixo
e me obrigando a olhar para ele. — Não precisa se explicar. Eu entendo.
— Perdoe-me. Achei que conseguiria.
Ele fez que entendia.
— O que a impediu? Saberia dizer?
Eu mesma.
— Não estava bom? — Ele insistiu com voz tranquila. — Fiz algo que
não gostou?
— Oh, não — eu o acalmei. Deslizei a mão pelo braço de fios dourados e
macios, me sentindo na obrigação de esclarecer aquela dúvida. — Não foi o
senhor. Foi o medo.
Pelo modo como me olhou, ele parecia entender. Não era fácil para uma
mulher entregar-se assim, embora essa mulher fosse, de longe, aquela a ter os
pensamentos mais atrevidos.
A resposta do mascarado me surpreendeu:
— Acostume-se com a ideia. Pense no que aconteceu… Sei que sentiu
desejo e posso garantir: posso fazê-la sentir muito mais. Mas não apresse o
momento ou ele será imperfeito.
Como minhas pernas me mantinham de pé, nem eu mesmo sabia.
— T-tenha certeza de que pensarei, senhor.
Eu só pensaria nisso a partir de hoje.
— Desperdicei esta noite porque não consegui superar meu medo tolo —
confessei abaixando a cabeça, me sentindo uma fraude. — Tenho certeza que
me arrependerei no futuro.
— Não é um medo tolo — ele respondeu. — As consequências para as
mulheres são imensas. Acredite, eu sei. Mas sempre haverá outra noite depois
dessa.
— O senhor não entende. Não posso sair de casa. Agora, só daqui a
quatro semanas…
Os olhos claros do homem cintilaram no escuro e sua boca encostou
delicadamente em minha testa.
— Se daqui a quatro semanas estará de volta, começarei a sonhar com
esta noite desde agora…
Noite 2
ESPANTE OS MEDOS

Theodor

P ERMANECI todas as noites do mês no mesmo lugar, no aguardo de sua


chegada. Nos primeiros dias, achei que o impacto que a mascarada causou
em mim poderia ter sido mútuo e ela retornaria mais cedo. Não sabia o que a
impedia de vir. Se fosse um marido, nem mesmo deveria devanear sobre ela.
Se fosse um noivo, ela poderia ter tido a cota de aventura que desejava e
mudado de ideia. Ou ela pode ter simplesmente mentido para mim. Dito que
voltaria para fugir do quarto e dos meus avanços. De qualquer maneira,
esperar por ela noite após noite era insensato e imprudente, mas foi
exatamente o que fiz.
Na quarta semana, exatamente como ela disse, eu a vi cruzar o primeiro
andar sozinha e caminhar para as escadas.
Foi difícil descrever a sensação de uma expectativa tão enorme ser
finalmente alcançada. Meu coração batia pelo corpo inteiro, toda a superfície
de pele pulsando de expectativa. Não teve hora durante as últimas semanas
em que não senti minha mão percorrendo a cremosidade de sua pele. Em que
não me imaginei beijando-a outra vez. Ela era curiosa, corajosa e dependia de
mim apresentá-la ao mundo da sedução. Por isso, assim que a vi, caminhei
até as escadas e a recebi no alto, sem lhe dar a chance de se deparar com
nenhum outro bêbado inconveniente no caminho.
Assim que me viu, ela parou no meio da escadaria.
Estendi a mão esperando que ela soubesse que a noite seria nossa. Minha
e dela. Ela hesitou e quase achei que fosse dizer não, mas sua mão veio e eu a
trouxe em segurança até o segundo andar, diretamente para os meus braços.
Levei-a até a suíte mais luxuosa da casa, aquela acessível apenas para a
mais alta nobreza. Por um mês o cômodo ficou fechado à espera de seu
retorno. Durante todos aqueles dias aguardando por ela, e agora ela estava ali.
A suíte era nossa e sempre seria.
— Esperei todas as noites por você — disse baixo quando ela passou por
mim. Ela tinha outra máscara, uma que escondia a lateral dos olhos e parte da
testa. Uma cascata de cabelos acobreados caíam pesados até as costas. Vestia
o mesmo kimono da vez passada, as curvas perfeitas me fazendo lembrar
quantas noites passei com os olhos no teto sem saber se a veria outra vez.
— Só posso aparecer de quatro em quatro semanas — ela explicou.
— Eu me lembro — disse, fechando a porta. O quarto estava na
penumbra, a lareira estava acesa e eu me sentia como a brasa incandescente
que queimava dentro dela. Ela se virou, e naquele momento soube que meu
desejo não era uma via única: ela também havia esperado por esse momento.
— De quatro em quatro semanas, como a lua — eu disse baixo, chegando
mais perto.
Ela subiu os olhos do traje escuro até a minha máscara.
— Como a lua cheia — ela concordou, sorrindo.
— Fico feliz que tenha voltado.
Embora meu tom tenha saído moderado, minhas mãos se abriam e
fechavam ao lado do corpo, esperando o momento do ataque.
— Também ansiei por esse momento.
A resposta decidiu o passo até ela. Em um rompante, puxei-a. Ela
suspirou quando nossas bocas se encontraram. Seu gosto outra vez na minha
boca era um delírio, um tipo de sonho durante a vigília. Que tipo de mulher
causava aquilo em um homem?
Fechei os braços ao redor dela e a apertei contra o peito enquanto os seus
envolveram o meu pescoço. As mãos desceram até seus quadris, investigando
o kimono. Os dedos infiltraram-se nas bordas do envelope por baixo do laço
delicadamente amarrado, soltando com sutileza o que prendia as laterais.
Devagar, enquanto os lábios massageavam os dela e minha língua relembrava
seu gosto, desfiz os nós.
Eu sentia a mão dela se mover em torno do meu pescoço, enquanto da
boca escapavam gemidos interrompidos. Ahs e ahns deliciosamente
femininos, que eu precisaria gravar na mente para não esquecer. A seda
macia começou tombar pelos ombros e logo o kimono estava aberto,
revelando-a outra vez para mim.
Minha boca largou a sua e desceu em linha sinuosa até o pescoço. Meus
dentes morderam a pele alva em beliscões delicados e gentis que a fizeram
estremecer. Ela era sensível ali.
— Andei pensando — ela disse em um rompante, enquanto minha mão
fazia uma concha ao redor do seio que enchia a palma. O modo como ela
disse aquilo indicava que precisava dizer rápido o que havia pensado antes
que o raciocínio a abandonasse. Afastei-me para ouvi-la, mas só o rosto. As
mãos continuaram a massagem. Toda vez que ela abria a boca eu apertava de
leve o monte firme e circulava o dedo pelo seu mamilo, agora duro. Ela
queria falar, mas era delicioso ver o prazer interromper as palavras e ela
semicerrar os olhos, lutando por lógica.
— Isso que estamos fazendo é absolutamente proibido. Precisei de quatro
semanas para entender que é uma completa loucura.
— Pensou em mim nessas quatro semanas? — perguntei segurando um
sorriso enquanto a observava reagir aos movimentos mágicos dos polegares
sobre a carne tenra.
— Todos os dias — Ela confessou, enfraquecida pela massagem. Parecia
ter tido a força das pernas roubadas e lutar para ficar de pé.
Eu a puxei para um outro beijo. Ela era doce e eu estava faminto. Era
maliciosa e inocente ao mesmo tempo, um afrodisíaco poderoso.
— Está segura aqui — respondi.
— A pergunta é: estou segura com o senhor?
Meu sorriso indicou um talvez.
— Tire suas roupas — ela pediu.
Dei um passo para trás, deixando-a.
— Quer me ver?
Ela fez que sim.
Era justo que quisesse. Levei as mãos aos botões da casaca e a abri. Em
seguida a gravata, a camisa e depois a calça. A mascarada me olhava de pé,
ajudando um ou outro botão a deixar a casa. A visão que tinha do kimono
aberto na frente do corpo era de enlouquecer um homem. Tirei a camisa
deixando que ela levasse a mão até a minha pele e explorasse os fios no
centro do peito. Ela me acariciou delicadamente ali, com um misto de desejo
e fascinação, os olhos semi ocultos sob a máscara lustrosos de curiosidade.
Pensei em tirar o resto da roupa, mas estava tão bom sentir seus dedos
passeando por mim que esperei.
— Nunca vi um homem sem roupas antes — ela murmurou olhando para
o modo como minha barriga retesava quando seus dedos caminhavam para
baixo. Ela circulou meu umbigo com a ponta dos dedos. Brincou com o
caminho de fios que subia e tocou meus mamilos, fazendo-os encrespar pelo
passeio dos dedos.
— Posso cheirá-lo? — Ela pediu.
Sorri, trazendo-a para um abraço.
Ela afundou o nariz na penugem clara, as mãos alisando de leve minhas
costas. Era estranho, mas também instigante.
— Não me ache estranha — ela pediu, passeando com o nariz pelo meu
peito. — Preciso captar tudo que conseguir do senhor. Preciso me lembrar.
— Acha que poderia esquecer? — Afastei-a para olhá-la, divertido.
— Talvez. Detalhes que no momento não achamos relevante, mas são.
— Por que precisa se lembrar? — perguntei, curioso.
— Detalhes costumam escapar — Ela colocou-se na ponta dos pés e me
beijou outra vez.
Enquanto me beijava, deixou o kimono escorregar pelo corpo até o chão.
Apenas de calça e botas, ergui-a no colo. Ela se remexeu, mas eu a
tranquilizei.
— Não se preocupe, mascarada. Nosso pacto está mantido.
Acomodei-a sobre as cobertas, ajudando-a a se cobrir quando ela puxou
uma manta. Se ela queria se cobrir, ela devia se cobrir. Anos de casa haviam
me ensinado que uma mulher tem mais prazer quando se sente à vontade. Ela
poderia estar vestida, em público, ser feia ou bonita, estar em paz com suas
curvas ou não, mas se ela se sentisse bem, gostaria do contato e aproveitaria a
noite.
— Assim está melhor? — Eu a cobri dos pés aos ombros e ela fez que
sim. A jovem dama parecia travar uma luta interna: ela queria ousar, mas o
corpo a segurava.
Sentei-me ao seu lado, olhando para ela de maneira tranquila.
— Você está bem?
Ela balançou a cabeça que sim.
— Obrigada por respeitar o meu ritmo — ela falou.
— Só será bom se respeitá-lo.
Ela se ajustou na cama, os olhos despertos.
— Essas coisas que diz — ela disse — elas são…
Aguardei que ela disse o que essas coisas eram, mas ela não terminou.
— São o quê?
— São importantes — ela respondeu como se lutasse para organizar as
ideias. — Vim até o clube para entender o prazer e me assustei quando
entendi que precisaria me entregar para realmente saber o que o prazer é. —
Ela pausou. — Mas mesmo que essa fosse minha intenção, não achava que
fosse alcançá-lo. O senhor entende?
Na verdade eu não entendia. Mas queria entender.
— Os homens são afoitos — ela murmurou. — Na maioria das vezes
estragam aquilo que estamos procurando… Que queira me dar prazer
respeitando meus temores é simplesmente perfeito.
Sorri, querendo responder que não estava sendo assim tão altruísta, e que
dar prazer a ela me traria um prazer extraordinário também. Mas também
sabia que fora do clube poucos homens se preocupavam com suas
companheiras. A sedução era uma arte praticamente inexistente nos
casamentos que conhecia.
— Fico feliz que pense assim. A senhora está certa.
— Eu quero aprender — Ela disse de rompante, com voz falhada. Ela se
ajeitou contra a cabeceira e, lutando contra a timidez, conseguiu dizer a frase
seguinte de forma mais firme: — Quero aprender tudo que puder me ensinar.
Não saberia dizer que tipo de deleite raro tomou meu corpo, mas ele era
imenso. Potente, quente, incontrolável. Ela queria aprender o que eu estava
louco para oferecer. Seria seu tutor e ela, minha pupila.
Eu ia adorar ensiná-la tudo.
Minhas mãos pousaram sobre a manta, logo acima de seu ventre. A
vontade era arrancar o tecido e colar o corpo ao dela, mas eu vislumbrava aos
poucos as oportunidades maravilhosas que poderiam vir desse encontro.
— O que exatamente quer aprender? — Perguntei.
— Todas as formas possíveis de se alcançar o prazer.
A frase me fez endireitar sobre a cama. Meu membro estava tão duro que
chegava a doer.
— Sem que cheguemos ao ato final? — perguntei para conferir se algo
havia mudado.
Ela fez que sim. Aquele era o seu limite.
— Não sei quantos meios de chegar ao prazer existem sem que a relação
seja consumada — ela falou. — Mas se puder me ensinar…
Eu a interrompi, firme:
— Há infinitas maneiras de se ter prazer, senhora. Infinitas. Ensinarei
quantas desejar conhecer.
Assaltado pelo sorriso que ela me deu de volta, perguntei baixo:
— Posso descer um pouco a manta?
A mascarada paralisou. Havia muitas maneiras de se começar, mas a
noite era curta demais até mesmo para uma fração delas. Não tínhamos tempo
a perder. Precisava colocar a boca nela outra vez — onde, não fazia
diferença. Ou a sentia com os lábios, ou enlouqueceria.
Ela pensou um pouco, uma linha crispando sua testa. Então fez que sim.
Meus dedos desceram a manta enquanto os olhos acompanhavam o tecido
deslizar pela pele alva e sem marcas até revelar os seios nus.
Eu já havia visto um bom número de seios em meus anos de Lust, mas
nenhum par se igualava àquele. Eles eram perfeitos em tamanho e formato —
redondos, apontavam para a frente e pareciam pedir beijos —, mas já
desconfiava que era o meu desejo pela mulher inteira que os tornava tão
atraentes.
Foi inevitável não avançar novamente sobre ela. Boca na boca, meu
próprio peito roçando nos mamilos destapados. As mãos da mascarada
passearam pelas minhas costas, a sensação inesquecível dos lábios dela
contra os meus me fazendo subir na cama para deitar ao seu lado.
Logo o abraço só faria sentido se ficasse mais apertado. Passei um braço
por cima de um dos seus ombros e outro por sua cintura e a puxei.
— Tenho a primeira lição, mascarada — grunhi dentro de sua boca.
Ela arregalou os olhos por trás da máscara. Com um dedo sobre o mamilo
arredondado e sensível, perguntei:
— Quero fazer um jogo com você.
— É um jogo, então — ela respondeu, lembrando-se de nossa conversa
quando nos conhecemos.
Fiz que sim, atento ao modo como o canto de sua boca se ergueu.
— Quero que me diga o quanto gosta de cada coisa que eu fizer —
continuei. — Se eu tocar uma parte sua e você sentir algo, qualquer coisa,
quero saber. Cada corpo é único. Alguns sentem mais prazer aqui — a mão
deslizou dos seios até a barriga — outros, aqui — levei os dedos até seu
pescoço, acariciando o lóbulo de sua orelha.
Ela fez que sim, começando a respirar de forma excitada.
— Gosto disso — ela disse quando me afastei.
— Ainda não começamos.
— Gosto da sua mão correndo por mim — ela disse baixo. Mesmo no
escuro soube que ela estava corada, porque sua pele emanava calor.
— Saberia me dizer o que sentiu? — perguntei.
Ela anuiu.
— Relâmpagos… ou raios, não sei. Sob a pele. Que saíam daqui — ela
levou as mãos até a nuca, sem saber apontar direito de onde vinham.
Ainda com os olhos nela, tentando me controlar para ir devagar, afastei a
manta de seu corpo. Ela se contraiu, mas bastava eu ir com calma, dando a
ela tempo para se acostumar com as ideias, que ela ia permitindo. Ela não
estava acostumada com a desinibição. Inibição foi tudo que conheceu. Pela
minha experiência, sua vontade de experimentar tudo devia ser férrea ou ela
não estaria mais ali. Eram passos ousados que estava dando.
— O que vai fazer? — ela perguntou.
— Calma — sussurrei, os lábios tocando o umbigo delicado. Seu cheiro
era por si só uma perdição. Minhas mãos pararam em suas ancas, a manta
cobrindo apenas metade de seus pelos íntimos. — Eu vou descer a manta
porque quero vê-la, está bem?
Ela pegou ar. Aguardei com o coração em suspenso que ela respondesse,
e por um segundo achei que ela fosse dizer não — eu estava perigosamente
próximo de sua parte mais íntima —, mas ela fez que sim.
Minhas mãos desceram lânguidas pelas coxas, com elas a manta que a
escondia de mim. Linda, perfeita… Meus beijos retornaram, próximos de sua
intimidade. Eu intercalava entre apenas roçar os lábios na pele perfumada e
prová-la com a ponta da língua. Ela apertava as pernas contra a outra,
angustiada, mas minha boca era perseverante e paciente. Beijei os ossos
aparentes de sua bacia; espalhei lambidas delicadas ao redor do contorno de
seus pelos. Ela arfou, perdida entre a vergonha e a necessidade de mais.
Ergui os olhos para vê-la.
— O que sentiu? Diga-me tudo.
Ela estava mortificada. Sua intimidade estava frente a frente com o meu
rosto. Provavelmente latejava, desejosa de algo que nunca conheceu, a ponto
de doer. Uma dor interna e profunda que faria sua consciência migrar para
aquele ponto lá dentro, tudo concentrado naquele lugar.
— Desejo — ela respondeu baixo.
Minha cabeça balançou que sim. Desejo era o que ela supostamente
deveria sentir.
— Quero que sinta estrelas, Mondschein. Não pense em nada, apenas
sinta. Acha que consegue deixar suas preocupações fora do quarto? Entregar-
se completamente?
— Depende do que vai fazer. — Ela tremia.
Trouxe as mãos de volta às suas pernas, subindo-as devagar pelas
panturrilhas até as coxas. Sorri, vendo-a relaxar à medida que meu pedido ia
sendo ponderado. O clube só fazia sentido se deixasse a culpa do lado de
fora. Ela fez minimamente que sim. Poderia deixar o mundo do lado de fora
por aquelas poucas horas.
Sentei sobre os calcanhares entre suas pernas. A visão dali era
estonteante, mas eu não queria pular nenhuma etapa.
— Coloque o pé aqui. — Pedi.
Ela trouxe o pé até minha coxa. Peguei-o nas mãos, a delicadeza de suas
curvas me fazendo desejá-lo como toda e qualquer outra parte de seu corpo.
Massageei sua planta macia com os dedos, seu arco, seu calcanhar. Então o
ergui como se erguesse algo valioso e beijei seu tornozelo. Ela fechou os
olhos, entregando-se às carícias exóticas. Os beijos subiram pela perna e pela
lateral do joelho dolorosamente lentos. Não era um ato impensado nem
minimamente altruísta: eu ia preparando o caminho para os meus dedos.
Avançando pelas coxas, primeiro pelo lado de fora, depois por dentro até que
as pontas dos dedos chegassem onde queriam chegar e a boca tocasse seus
pelos íntimos.
— Fale — pedi.
Esse era o acordo: eu queria ouvir.
— Minhas coxas são sensíveis — Ela soltou entre arfadas. — Jamais
pensei sentir tantas sensações ao ter o pé beijado.
Então ela não conseguiu mais falar porque minha boca estava em sua pele
outra vez, cada vez mais perto de onde ela se contorcia.
Ela estava mortificada pela umidade que parecia inundar suas partes
íntimas, sem entender que parte do seu corpo produzia aquilo e como faria
para esconder de mim que estava se liquefazendo. Mas eu a sentia. Sentia seu
cheiro e já tinha lambido parte de seu mel.
— Pare, por favor — ela pediu.
— Tem certeza? — perguntei descendo sua perna até que seu pé voltasse
a encostar na minha coxa. — O que farei a seguir é uma das coisas mais
deliciosas que experimentará na vida.
— Isso não pode estar acontecendo — ela murmurou olhando para cima.
Afaste os pensamentos, eu torci em silêncio. Sinta.
Ela queria fazer que não, mas sua cabeça se moveu que sim.
— Continue — ela permitiu.
Olhei para o triângulo encaracolado sentindo minhas próprias partes
íntimas doerem. As mãos deslizaram novamente pela perna, os dedos
preparando-se para entrarem nela. O indicador sumiu entre os seus cachos e
ela precisou morder os lábios.
Uma sensação nova a arrebatou, e ela já não parecia mais tão tensa. Ela
fechou os olhos e deixou escapar um gemido. Estava sendo penetrada por um
dedo que ia e vinha, explorando suas paredes internas, aproveitando-se da
umidade. Ela respirou fundo, remexendo o quadril.
— Sinta, querida.
Ela sentia. Eram dois dedos agora dentro dela, alargando-a, fazendo-a
queimar mas também gemer. As mãos dela procuraram apoio ao redor,
agarrando os lençóis.
— Até onde você me permite ir? — Perguntei tirando os dedos de dentro
dela e me levantando. Ela abriu os olhos, zonza. Eu a ergui, recostando-a
melhor sobre as almofadas aveludadas.
Ela balbuciou algo, mole.
— N-não muito além do que…
Trouxe os dedos que até há pouco estavam nela até à boca e os chupei,
saboreando seu cheiro e sabor. Ela perdeu a fala ao me ver fazer aquilo.
— Meu plano é fazer a senhora perder a consciência por um ou dois
segundos.
Seus olhos arregalaram, assustados.
— Mas não se preocupe — falei me sentando ao seu lado, gostando que a
frase a tenha assustado. — É a forma mais deliciosa de desaparecer. Você
alcançará as estrelas e voltará. — Voltei a pousar a mão sobre sua barriga,
descendo até o meio de suas pernas. — E essa viagem incrível pode
acontecer se eu tocá-la apropriadamente aqui embaixo. E se perder as forças
com o que acontecer, estará segura na cama.
Ela ainda parecia chocada. Estava tão óbvio que ia desmaiar?
Minhas mãos continuaram paradas sobre sua feminilidade, o dedo
brincando com a penugem castanha.
A mascarada fez languidamente que sim.
Então os dedos se embrenharam novamente nela, mas dessa vez com um
intuito.
— Gosto de beijar uma mulher enquanto a toco — falei, observando
como ela não pareceu entender direito o que eu disse. Inclinei a cabeça e
tomei seus lábios, beijando-a de língua. Elas parecem preferir também.
Ele abriu as pernas, os joelhos caídos para cada lado da cama. Então meu
dedo começou a circular o ponto mais sensível de sua anatomia enquanto
minha língua dançava com a dela.
— Sabe o que estou tocando? — perguntei mordendo de leve seus lábios,
e ela fez rápido que sim. Garota esperta.
Sorri, movendo o dedo para o centro.
— E aqui, sabe o que é?
Ela fez que sim, estremecendo. Inseri o dedo até que sumisse dentro dela,
voltando a beijá-la com sensualidade. A língua explorava o interior de sua
boca da mesma maneira que seus dedos acariciavam seu interior. Eram
carícias. Embora nem todo homem tivesse a paciência de fazê-las, eu tinha.
Senti o corpo dela estremecer como se rente a um abismo, perdendo as forças
que a seguravam no alto. Era como se ela estivesse sendo sustentada pela
energia que meu toque provocava. Ela gemeu dentro da minha boca,
arrancando de mim um sorriso.
— Está bom, não está? — perguntei, sabendo que estava. Ela fez que sim.
— Sei fazer ficar melhor.
— Como? — ela perguntou baixo.
Soltei sua boca e desci os lábios pela lateral do rosto até o pescoço. Ela se
encolheu, descobrindo que sentia cócegas ali. Lambi um pedaço de pele onde
o pescoço se unia aos ombros, e ela quis escorregar pela cama. As carícias lá
embaixo a estavam enlouquecendo, a vontade era se contorcer.
Fiz que não: ela não devia se contorcer. Ela voltou a apoiar a cabeça na
cabeceira, e eu continuei o caminho até o seio eriçado.
Ela sentia vergonha que sua excitação estivesse tão exposta. Mas logo ela
não estava mais, porque eu a escondi dentro da minha boca.
Ela viu que eu tinha razão, que podia ficar melhor. A combinação dos
dedos se mexendo dentro dela e da boca sugando-a a fizeram perder de vez as
forças. Ela acariciou meu cabelo, agarrada às mechas quando meu dedo
encontrou o pontinho mais poderoso do seu corpo e eu comecei a atrita-lo
repetidamente.
Os dedos se moviam como se tocassem um instrumento elegante, as notas
conseguidas por movimentos cíclicos e circulares.
A mascarada enfiou os dedos nas mechas do meu cabelo. Os toques
ficaram mais certeiros. Aumentei o ritmo dos movimentos, sentindo-a se
contorcer. Eu sabia que uma sensação luminosa e quente espalhava-se por
ela, porque ela arqueou as costas.
Ela tentou fechar as pernas, tentou me afastar, tentou buscar alívio na
entrega, mas uma vez rompidas as linhas que a seguravam, ela jorrou como
um rio liberto. Desfalecida sob meu corpo, lânguida, rendeu-se. Nem mesmo
sua nudez a inibia mais. Ela se enrolou sobre a cama e afundou o rosto em
meu peito, deixando-se ser afagada.
— Essa foi a lição número um, Liebe. Há um universo de sensações
encapsulado dentro de você. Posso explorá-lo inteiro ao seu lado, mas preciso
de mais tempo.
— Quanto tempo? — ela sussurrou após uma pausa.
— Consegue vir outra noite?
Ela pensou. Então fez que sim.
— Daqui a quatro semanas.
Noite 3
DEDOS

Charlotte

F ORAM quatro semanas de necessidade desesperada em vê-lo outra vez, e


agora ele estava ali. Inteiramente vestido de preto, as mechas douradas caindo
sobre a máscara negra.
— Quem bom que está aqui — foi a primeira coisa que o mascarado
disse.
O tom profundo e rouco de sua voz falava com uma nova Charlotte: eu
agora me comunicava com ele na língua do desejo, e sua voz percorria trilhas
de fogo por mim. Havia passado quatro semanas em estado de semi delírio,
no aguardo desse momento.
Aceitei sua mão e subi o último degrau, sentindo o perfume agora
conhecido me incendiar por antecipação.
Ao pegar meus dedos — gelados e ainda enrijecidos de medo —, ele se
inclinou e os beijou. Um beijo terno, não mais que um delicado roçar de
lábios. Os olhos azuis se afastaram, brilhantes como diamantes sob a luz.
— As fases da lua nunca me pareceram tão longas.
Entramos no mesmo quarto que estivemos da vez passada. Uma garrafa
de vinho branco nos aguardava em uma vasilha prateada, assim como uvas,
morangos e cerejas.
Eu mal me virei, e ele já estava colado a mim.
Seus dedos abriram discretamente o vestido, mas os meus, agora, também
abriam sua camisa. Havia sonhado com cada fissura e monte de seu peitoral,
sentira sua textura sob a palma ao menos mil vezes ao dia. O casaco dele caiu
no instante que o kimono despencou aos meus pés.
Foi a visão do tórax forte que roubou, por fim, meu ar. Músculos bem
desenhados encontraram meu corpo e os beijos recomeçaram, mansos e
lentos, o gosto tão desejado da boca dele na minha, as mãos ansiosas me
explorando como as minhas o exploravam. A estranheza de estar despida foi
substituída pela urgência em despi-lo. Eu queria vê-lo. Precisava senti-lo.
Enquanto o mascarado acariciava meus seios eu o livrava da calça. Seus
lábios não me davam trégua, eles mordiscavam o ponto macio atrás de minha
orelha, e quase interrompi o trabalho das mãos ao sentir a poderosa sensação
cintilante que me fez arfar alto. Mas a calça arriou, ele me ajudou a livrar do
sapato e então estávamos nus.
Meu coração batia tão forte que achei que fosse simplesmente falhar. Não
havia mais nada entre nós, e eu queria olhar para baixo e ver — olhar,
investigar, observar — como era a anatomia masculina. Não consegui vê-lo
na noite passada e a curiosidade apenas cresceu nas últimas semanas. Eu
respirava forte contra o peito dele, temendo não conseguir conter o desejo
que ameaçava tomar conta de mim. Por um tempo ficamos assim — minhas
mãos tomando coragem para explorar suas partes íntimas — parte essencial
de minha pesquisa —, temendo que, uma vez que o tocasse, algo
acontecesse. O quê eu não sabia, porque não era mais eu quem estava ali.
O bater acelerado do coração dele contra o meu rosto mostrava que ele
também estava tenso. Ele deslizava os dedos pelas minhas costas traçando
desenhos desconhecidos, enquanto meus dedos formigavam com vontade de
tocá-lo.
E o toquei.
Deslizei os dedos pela virilha e, embora olhasse para o seu peito, toda a
concentração do mundo estava na ponta dos dedos. Senti com a respiração
em suspenso os relevos da barriga dura, o pelo cada vez mais crespo sob o
umbigo e um local quente e novo.
Meus dedos se fecharam ao redor do órgão masculino, sentindo-o pela
primeira vez. Aquilo era diferente em textura de tudo que eu havia
imaginado. Afundei o nariz em sua pele e o apertei, e o mascarado arquejou.
Uma onda de desejo aqueceu meu corpo, minha pele, a dele, o quarto. Tudo
ao redor ficou quente; o universo inteiro passou a ser aquele contato.
Não sabia como chamar aquela transformação que o deixava, de súbito,
um homem completo. As pontas deslizaram pela haste dura e quente, mas ao
mesmo tempo aveludada e macia, ouvindo sua respiração se alterar. Havia
uma diferença sensível e sublime entre o modo como ele respirava agora e
respirava antes. Ele deslizou a lateral do rosto contra o meu, os músculos do
peito enrijecidos como o membro que eu agora explorava.
— Se continuar, eu … — Ele não concluiu a frase.
Parei de mexer, assustada. Olhei para ele, a máscara impedindo de ver os
traços do rosto.
— Fiz algo errado?
— Se continuar, não conseguirei resistir por muito tempo, meu bem.
Vendo minha expressão de dúvida, ele sussurrou em meu ouvido a
palavra correta para o que aconteceria. Embora eu já tivesse ouvido a palavra,
jamais usei-a nos meus livros ou liguei as duas coisas — estímulo e tempo.
Essa era uma daquelas ideias vagas que fazíamos quando as informações
eram passadas truncadas e pela metade: preenchíamos a lacuna da dúvida
com o que imaginávamos. Pensei em dizer que minhas referências eram
máquinas e que máquinas não ejaculavam, mas deixei o assunto para lá. O
tempo importava, e não apenas estímulo e vontade. No mais, tudo que eu
dissesse poderia ser usado para descobrir quem eu era, e era imprescindível
que ele nunca fizesse ligações — especialmente agora, que minha timidez era
varrida do quarto e eu poderia aprender tudo que tanto desejava.
— Preciso tocar você, Mondschein.
Gostava quando ele me chamava daquilo.
— Se formos para a cama, acha que…
— Shhh — ele acariciou meu cabelo, alisando o lóbulo da orelha com os
lábios. Seu toque era morno e me amolecia com seu calor. — Nada
acontecerá. Confie em mim.
— Desculpe-me por eu ser tão…
— Shh — Ele me fez parar. — Não se preocupe comigo. — Ele segurou
meu rosto entre as mãos. — A lição de hoje dará prazer a ambos, mas
prometo respeitar cada um dos seus limites.
— O que aprenderei hoje? — Perguntei sentindo sua boca mergulhar
outra vez entre minha nuca e meu pescoço.
— Aprenderá sobre dedos — ele respondeu.
A palavra, dita enquanto sentia a presença do membro rijo tão perto do
meu ventre, retesou meu corpo. Aquilo era terrivelmente excitante e
absurdamente inapropriado, ao mesmo tempo que era o que mais desejava na
vida.
Só consegui fazer que sim e aceitar seu beijo, sua língua e seu abraço
como quem é servido de comida depois de 28 dias de fome.
Ele puxou minha perna por cima da coxa dele, perigosamente perto.
Quando tentei me afastar, ele me garantiu que eu devia apenas sentir. Sua
presença e calor, sem penetração, jamais trariam riscos. Era a vontade de
experimentar o ato final que deixava tudo tão intolerável. Aquele era um
desejo que crescia em um canto escuro e profundo de mim.
Os beijos recomeçaram, e os dedos mágicos agora brincavam com a
minha intimidade. Lição número um da noite: aceite-os. Afaste os nãos e o
não posso, não quero, não devo. Aceite-os enquanto ele beijava meu pescoço
e se movia dentro de você, e sua cabeça tombava para trás, entregue. Ele já
havia me dado mostras de seus dedos no encontro anterior, mas a lição não
era apenas sobre os dedos dele em mim. A lição número dois era sobre
retribuição.
Na hora seguinte ele me mostrou todas as partes masculinas e seus belos e
intrincados detalhes. Os líquidos delicados que o ajudavam a deslizar para
dentro de uma mulher com prazer, as partes ultra-sensíveis, o peso e maciez
de cada detalhe de sua anatomia. E como dedos femininos podiam levá-lo às
alturas apenas com toques singelos — e uma boa dose de perseverança.
E durante as poucas horas que passei ao seu lado, às vezes tímida de
vergonha, em outras acalorada de excitação — me perguntava porque
justamente algo tão bom como o sexo e as descobertas íntimas precisavam
ser tão completamente proibidos.
Noite 4
LÍNGUA

A PRIMEIRA COISA que ele me disse quando nos encontramos foi que contou
os dias para me ver. Ele sempre me encontrava na escadaria e dizia a mesma
coisa: como havia sentido a minha falta e esperado pela minha chegada.
Eu me sentia profundamente desejada.
Também havia contado os dias em todos os seus minutos para estar ali.
Só que, ao contrário dele, não podia deixá-lo saber. O peso de uma revelação
dessas era diferente para homens e mulheres. Temia que, caso ele soubesse
que sentimentos começavam a tingir as noites, desistisse de mim. Ele estava
sendo cavalheiresco, usufruindo de sua privilegiada condição masculina para
ser lisonjeiro. Quando nós exaltávamos sentimentos, deixávamos de parecer
uma dama. Passávamos a ser vistas com cautela, porque podíamos nos tornar
sentimentais demais. Por isso guardava minhas emoções a sete chaves e
evitava pensar em qualquer coisa que lembrasse vagamente sentimentos.
Seria melhor assim.
Assim que a porta se fechou, ele me atacou. As máscaras que sempre
impediam o primeiro beijo de ser perfeito se moveram alguns centímetros
para dar lugar ao encontro de peles. Minhas mãos correram por seus braços
cheias de saudade. Eu podia até esconder as palavras dentro da boca, mas
meus gestos mostravam que eu havia ansiado loucamente por ele.
— Quero mostrar algo novo hoje à noite — ele sussurrou baixinho, tão
rouco e sedutor que minhas pernas fraquejaram.
— Tudo é novo para mim — respondi.
— Isso mudará o modo como enxerga a boca — ele segurou meu queixo
entre as mãos firmes, seu hálito doce de bebida me inebriando de forma
enlouquecedora.
— Onde depositará beijos que já não tenha depositado? — perguntei,
sorrindo.
Ele sorriu de volta, misterioso. No segundo seguinte, estávamos sobre o
divã perto da lareira.
Ele me deitou com cuidado, mantendo o kimono frouxamente amarrado
em minha cintura. A seda deslizou, revelando tudo, o que não fazia qualquer
diferença no momento.
Ele sumiu do meu lado e reapareceu sobre a minha barriga, beijando-me
de forma delicada. Sob a luz dourada do fogo seu cabelo ganhava as mil
cores que achei tão atraentes no primeiro dia. As mãos me prendiam ao
estofado aveludado, uma em cada lado da minha cintura, os lábios se
movendo da direita para a esquerda, leves como plumas. Um desejo úmido e
quente se avolumava entre as minhas pernas. Partes minhas imploravam por
ele.
Sequer vi em que momento suas mãos abriram minhas coxas e seu rosto
desapareceu entre elas. Tentei fechá-las, apavorada pelo que imaginava que ia
acontecer, despreparada para aquela intimidade. Nossa intimidade trazia
fluidos e cheiros. Trazia carne exposta, viva e sensível. Sua persistência
mostrou que ele não só sabia disso como queria continuar.
A língua do mascarado deslizou pela minha intimidade, lambendo,
acariciando e sugando partes que jamais imaginei poderem ser sugadas. Sua
boca brincava em mim com reverência e delicadeza. Eu agarrava a lateral do
divã e olhava para o fogo querendo descobrir como descrever algo tão bom.
Era mais do que bom. Era íntimo e fazia as pernas tremerem.
Uma urgência cada vez mais próxima me fez retesar a barriga e tentar
expulsá-lo dali. Implorei para que ele parasse; implorei mentalmente para que
não me ouvisse. Mas seus lábios sabiam onde ir e o que fazer, cobrindo às
vezes partes íntimas e pequenas, sugando-a como fazia com o mamilo,
alterando entre lamber rápido e devagar até que um toque certo no ponto
sensível me fez curvar as costas.
Então ele parou.
Ele deixou o meio de minhas pernas antes que eu atingisse o ápice,
sorrindo satisfeito ao ver que havia me transformado em uma massa amorfa
de sensações. Eu só conseguia ofegar, frustrada.
— Foi, realmente, uma lição — consegui balbuciar antes que ele fizesse
que não.
— Essa é apenas uma fração da lição, Mondschein.
Que eu tivesse forças para o que ainda viria, pensei, tentando me ajeitar
sobre as almofadas. Ele me puxou pelos pés outra vez. Ele me queria deitada.
— Ainda não.
Ele se ajoelhou ao lado do divã.
— Eu… eu estava — quase lá, tentei explicar, mas ele sabia bem o que
tinha feito.
— Está muito cedo. Quero mostrar outras coisas antes.
Ele desamarrou o laço do kimono e me ajudou a tirá-lo. Inteira e
completamente nua, à mercê de suas mãos e seus olhares, aguardei que ele
me mostrasse o que queria. Ele desceu os olhos maliciosamente pelo meu
corpo, acendendo meus instintos de alerta. Aquilo era uma loucura. Ele me
olhava com tamanha intensidade que eu me sentia sem máscara. Ele me
reconheceria um dia, eu soube. Ele se aproximou sem dizer nada, e os lábios
voltaram a se esfregar em minha garganta, procurando o ponto pulsante sob a
pele. Ele depositou mais que beijos molhados ali: ele correu a língua por toda
aquela extensão, intercalando com mordidas leves.
— Não quer saber a lição de hoje? — Ele perguntou.
Fiz que sim de olhos fechados, cada toque morno da língua na pele
aquecida pela proximidade com o fogo encrespando a pele.
— A lição de hoje é ser lambida. Inteira.
O som que soltei me causou vergonha. Ele saiu de dentro, do núcleo de
prazer que me aquecia, e agradou o mascarado. Aquele bendito sorriso
branco e de lado estava de volta.
— Mas para isso preciso disso aqui — ele puxou o carrinho com a
bebida.
Ele pegou as frutas e colocou um morango na minha boca. A fruta doce e
suculenta, ligeiramente ácida, nunca pareceu tão erótica. Ele chupou uma
cereja, deixando apenas o caroço e o cabo de lado, e com a boca perfumada
pelo cheiro da fruta, beijou minhas escápulas, dirigindo-se para baixo.
— Seus seios são os mais macios que já senti — Ele os circulou com as
palmas quentes, a textura da mão masculina me fazendo suspirar. Então ele
colocou outra fruta na boca, e da mesma forma como chupou a cereja, fez
com cada um dos mamilos até que eles ficassem vermelhos.
A essas alturas meu corpo se contorcia de prazer e agonia.
Sua língua deslizava por lugares que nunca pensei serem erógenos: pulso.
Entre os dedos das mãos. Interior dos braços, das coxas, lateral dos pés. Ele
intercalava as lambidas e mordiscadas com morangos e cerejas, e eu soube,
ali, que nunca mais olharia para essas duas frutas da mesma maneira.
Ele brincou com minhas partes íntimas. Espremeu-as sobre mim. Fez com
que a noite trouxesse tantos suspiros e sorrisos que quase disse, em voz alta,
que o desejava mais que apenas durante poucas horas em um mês. Ele me
cobriu de beijos e me devorou com avidez. Depois de certo momento fechei
os olhos. Só sua língua existia no mundo. Sua ponta morna e molhada e os
caminhos gelados que ela deixava depois de goles no espumante. Aquilo era
mais que uma lição de sedução: era adoração da forma mais sensual que
havia ouvido falar.
Quando o gozo veio, ele não estava dentro de mim. Ele apenas sugava o
lóbulo de minha orelha enquanto com a ponta do dedo estimulava o centro
entre as minhas pernas. Foi impossível lutar contra o que desabou. Ondas e
mais ondas de prazer absoluto arquearam minhas costas e me fizeram
esquecer quem eu era, o que fazia, e que precisaria em breve ir embora.
Eu ainda sentia o calor se espalhando do ventre para o resto do corpo
quando percebi algo perigoso.
Eu poderia morrer por mais daquilo.
Noite 5
VOY EUR

Theodor

E RA a quinta vez que ela aparecia e a lua estava cheia no céu. Não suportava
mais esperá-la no primeiro andar, por isso a esperei na entrada. Tudo em que
eu pensava era que ela precisava vir. Não sei como toleraria os dias se ela não
aparecesse. Eu estava perigosamente envolvido por ela.
Assim que ela surgiu, segurei-a pela mão como se a tivesse esperado por
28 dias de pé na entrada. Ela se assustou ao me ver lá embaixo, mas não
chegou a dizer nada. Apenas engoliu a surpresa e me estendeu o braço,
entrando comigo no ambiente como se fôssemos um casal. Meu coração
ribombava e os dedos a apertaram mais do que deviam, com medo de que ela
escapasse por eles. Ela me tranquilizou, pousando a segunda mão sobre eles,
me acalmando em silêncio de que estava ali e não sumiria tão cedo.
Seu casaco cobria todo o vestido e sua máscara dessa vez era clara. Ela
deveria seguir para a ala de trocas, onde deixaria sua roupa guardada e
vestiria o kimono, mas não suportava perdê-la de vista nem mais um
segundo.
— Para onde estamos indo? — Ela perguntou.
— Você hoje está comigo. Não precisa seguir as regras.
Ela pausou.
— Admito que estou surpresa, senhor. Deve ser um cliente recorrente no
clube para se dar ao luxo de não obedecer as regras.
Mesmo na escuridão da escadaria ela percebeu que eu sorria.
— Sou um bom cliente, senhora. E minhas gorjetas abrem portas.
Era tudo que ela precisava saber a respeito de mim e do clube.
Ela acreditou que fôssemos em direção ao quarto, mas eu tinha outros
planos. A loucura da noite anterior havia incendiado minha cabeça nas
últimas semanas. Lambê-la inteira, sentindo cada pedaço de seu corpo havia
enchido minha cabeça de ideias. Ela era uma mulher ousada querendo
aprender; eu era um homem devasso querendo ensinar. Eu a queria de pé,
deitada ou de ponta cabeça. Queria mergulhá-la em mel, atá-la, dizer coisas
sujas em seu ouvido ou beijá-la por horas a fio. Só de imaginar o sexo com
ela — até o fim — sentia as calças quererem arrebentar. A opção para hoje
era ousada, mas sei que ela gostaria.
— Não vamos para a suíte? — Ela perguntou quando peguei o outro lado.
Fiz que não.
Ao lado da escadaria, com vistas para o primeiro andar, ficava uma
alcova. Era como uma balcão, mas oculto por grossas cortinas de veludo.
Dali era possível observar os flertes e insinuações do primeiro andar, e ter
acesso aos corredores do segundo. Elas eram finamente decoradas com
estofados opulentos e permitiam que um casal se sentasse confortavelmente
enquanto observava os flertes abaixo — ou que se acomodasse da maneira
que quisesse. Nada fechava o lugar, apenas outro par de cortinas. Era um
lugar aberto e quase exposto.
Seu olhar corria meu corpo; eu podia ouvir sua respiração em mim.
— O que quer aqui? — ela perguntou.
— Você — respondi, fechando as cortinas atrás de nós.
Assim que a escuridão nos envolveu, meus braços se fecharam ao redor
dela. Ela me recebeu afoita e entregue, saudosa como eu mesmo me sentia.
Podia sentir o quanto pela pressão de suas mãos em mim, e retribuí pesando a
mão sobre ela também. Não queria que ela tivesse a mesma experiência dos
outros dias. Queria que soubesse que haviam infinitas maneiras de amar, e eu
saberia ensinar todas elas.

Charlotte
O beijo foi longo, cheio de arfadas e ajustes do corpo. Seu gosto era uma
loucura, uma mistura de atos desempenhados durante a noite — um gole de
bebida, um charuto fumado há tempos, o perfume já impregnado no tecido do
colarinho. Eu o queria com desespero; quase havia morrido quando no meio
da semana ouvi meu pai comentar que talvez não pudesse viajar. O que seria
de mim, passei a repetir desolada. O que seria de mim se não o sentisse outra
vez? Por sorte ele viajou e eu estava ali.
Apesar dos riscos. Apesar da vida.
O mascarado me empurrou em direção à parede, respirando de maneira
pesada. Estava acontecendo algo novo, ali. Encostei a cabeça na parede,
firme entre suas pernas, vendo por entre a fenda das cortinas a movimentação
do primeiro andar. Ele abriu meu casaco com desespero enquanto eu
permanecia quieta e à sua disposição. Ele desfez o laço do pescoço,
desabotoou sôfrego cada minúsculo botão da minha blusa, desfez a
amarração da saia e a roupa caiu inteira aos meus pés, por cima do casaco
comprido, já no chão. Eu estava arqueada, insegura, arfante, os seios subindo
e descendo, os mamilos eriçados e à espera de seu toque, o centro entre as
pernas desejando seus dedos. Eu andava limitando a quantidade de roupas,
sabendo que cada segundo me despindo era um segundo a menos com ele.
Com a luminosidade vinda do lado de fora, vi os olhos azuis passarem do
meu rosto para o meu corpo.
Eu sentia o corpo flamejar. Devia ser assim que a uma presa temia o
ataque de um predador: como o coração em ritmo vertiginoso. Mas havia a
parte do desejo, certamente não presente no desespero da presa. O desejo
causava vontades indizíveis.
— Mondschein — ele sussurrou antes de firmar meu rosto entre as mãos
e embrenhar os dedos no meu cabelo. A máscara quase levantou — quase —
e precisei de certa força para descê-la outra vez. — Está me enlouquecendo
com essas vindas esporádicas.
Sua voz veio tão rouca e fraca que mais pareceu um pedido.
— É o que posso oferecer — respondi, dolorida por não poder oferecer
mais.
Eu o despi entre beijos. Estávamos agora os dois nus e expostos,
escondidos por cortinas de pano. Se alguém resolvesse entrar nos nicho nos
descobriria. Lá embaixo, talvez um ou outro visse que dois corpos se
enroscavam por entre a fresta, mas era essa a lição da noite: o temor em ser
visto. De ser descoberto. A necessidade de ser silencioso e discreto quando
qualquer um poderia abrir as cortinas e nos flagrar. Só de pensar nisso algo
elétrico subia por mim. Encrespava a pele, me estalava em partes diferentes.
Firme, porém gentil, o mascarado me virou. Meu ventre encostou na
parede e ele me prendeu contra ela. Sentia seu corpo colado ao meu, o
volume de seu membro fazendo pressão contra meu traseiro.
Senti seu hálito quente na nuca, sorrindo quando os beijos recomeçaram
úmidos e lentos. Dedos grossos tocaram o meu quadril, massageando minhas
nádegas. A parede era áspera contra os mamilos, mas estava concentrada em
sentir o que dele tocava em mim. Seu peito encostou em minhas costas, sua
boca encontrou a nuca quente. Fechei os olhos, sentindo o vapor contra pele.
Sua virilha ia e vinha, indecente, me fazendo contrair. Aquilo estava
ficando cada vez mais íntimo e perigoso. Eu sentia o membro túrgido roçar a
curva das nádegas, perigosamente perto de onde eu sentia a vida palpitar.
Mas, de certa forma, estava claro para mim — por causa dos movimentos
dele — que ele não avançaria sem permissão.
Uma lambida varreu a pele da base do pescoço até a orelha, me fazendo
encolher de agonia. As mãos masculinas se fecharam ao redor dos meus seios
e os tocaram, numa agonia doce, brincando com o bico. A carne entre as
coxas latejava. As mordidinhas no pescoço me fizeram arquear as costas de
forma tímida.
Pela primeira vez, o indicador e o polegar apertam com força o mamilo e
eu me retraí. Dor? Sim, dor, a outra mão pareceu entender, procurando o vão
entre as pernas. Dor e outra coisa. E enquanto o polegar rodava o bico contra
o indicador, as mãos acariciavam meu interior. Que lição era aquela? Eu
sentia as pernas fracas tremerem. Seu dedo se movia melado por mim. Ele
usou a umidade ao trocar de mãos. Agora os outros dedos giravam de forma
delicada o outro mamilo, enquanto outro dedo sumia em mim.
Eu queria me virar. Pedir que me mostrasse tudo, porque aquele tipo de
provocação à conta-gotas estava me matando. Mas o mascarado não tinha
pressa. A boca continuava a mordiscar o lóbulo da orelha, enquanto eu
descobria que podia existir um prazer incomensurável no casamento entre a
carícia molhada e a dor. Tentei me virar para vê-lo, mas ele fez shhh no meu
ouvido e me pediu para aguardar.
— Preste atenção — ele disse firme e rouco no meu ouvido. — Vou
intensificar os movimentos, mas não tenha medo. Não vou entrar em você.
Meu coração disparou. Tão forte e tão rápido que alguém, do outro lado
da parede, poderia ouvi-lo.
— O que vai fazer? — perguntei entre um gemido e outro.
— Quero sentir você. Quero que me sinta. Sem penetração.
Oh, meu Deus.
Ele me abraçou, a pele quente contra a minha, a pressão entre as bandas
da nádega agora mais encaixada. Ele se ajustou entre as minhas coxas,
deixando claro que era ali que deveria segurá-lo. A pressão de sua mão ficou
mais urgente, e cinco dedos de sua mão direita cravaram em minha coxa.
Com a outra mão ele afastou a cortina.
Apenas um pouco, o suficiente para que vislumbres do que estávamos
fazendo ali ficasse à mostra para quem quisesse ver.
— O que está fazendo? — Virei o rosto para o outro lado.
— Está escuro aqui dentro — A voz áspera disse em meu ouvido. —
Tudo que verão são corpos em movimento. Evidências discretas do ato.
Todos que virem serão discretos. Ninguém nos interromperá.
— Mas seremos vistos — Eu consegui dizer entre arfadas, com um misto
de vergonha e excitação. O calor que tomava meu corpo me esquentou
inteira. — Alguém me verá nua.
Ele continuou a massagear meus seios e mordiscou o pescoço.
— Sabe o que veriam? — A voz masculina provocou.
Fiz que não.
— Paixão — ele respondeu. — Seu corpo e o meu. Juntos. Movendo-se
durante o ato. Só não saberão quem somos.
Aquilo roubou a força das minhas pernas. Quase me desequilibrei, mas
me mantive de pé, as mãos contra a parede, o fio de luz chegando da janela
aberta. De dentro de mim escorria um líquido cremoso que fazia o ir e vir de
seu membro entre minhas coxas deslizar. Alguém estava nos vendo fazer
aquilo. O simples pensamento de estar sendo observada era enlouquecedor e
corroía meus nervos. Nem mesmo nome para aquilo eu tinha.
— Quero que sinta a eletricidade de tudo isso — Ele disse rouco.
Eu sentia.
Olhei para trás, respirando de maneira tão ofegante quando ele
desencaixou de mim para me acalmar. Não vou mentir: a ideia de ser
observada era inquietante, mas também excitante. Quando finalmente nos
olhamos, seus olhos eram uma loucura. Eletrizantes, intensos. Havia um
brilho aguçado ali que não conseguia reconhecer.
Ele me empurrou com o tronco até a parede e colou o dele em mim.
— Se preferir, pode ficar de frente para mim. Ou podemos fechar as
cortinas — ele falou.
Ele estendeu a mão até o veludo, mas a parei com a mão no ar.
Lá embaixo, ninguém parecia nos olhar. E, se nos olhasse, veria seu
corpo esculpido colado ao meu, tampando-me inteira.
— Deixe-as abertas — falei quase sem voz.
Ninguém sabe quem é você. Ninguém jamais saberá.
Ele me beijou outra vez, e seu membro se encaixou entre as coxas, mas
de frente. Grosso, inchado. Deliciosamente encaixado entre as minhas coxas.
Confie em mim, seus olhos disseram, mas eu já confiava. E enquanto nos
beijávamos e suas mãos bagunçavam meu cabelo, ele ia e vinha, simulando o
movimento mais antigo do mundo. Senti-lo ir e vir tão próximo de onde
minha intimidade palpitava foi a sensação mais próxima do sexo que poderia
me dar ao luxo de sentir. Eu queria que tudo fosse diferente, mas as coisas
eram o que eram, e eu jamais ultrapassaria aquela barreira ali.
O ir e vir o fez chegar antes de mim ao clímax. Com o auxilio de seus
dedos e sua boca maliciosa, logo eu também explodi em suas mãos,
encerrando de maneira inesquecível aquela lição de sensualidade.
Noite 6
ATADA

Theodor

— Q UAL SERÁ A LIÇÃO DESSA NOITE ? — Ela perguntou já deitada em meus


braços, no quarto aquecido. A lareira crepitava mansa, avermelhando os tons
de sua pele. Os olhos passeavam por ela com prazer, cada detalhe aquecendo
cantos desconhecidos do coração. Ninguém diria ao nos ver deitados ao lado
do outro, tão calmos, que um incêndio havia acabado de nos consumir há
pouco.
Ela brincava com meu corpo e eu, com o dela. Seus dedos perderam a
vergonha de me tocar. Ela também estava com saudades. Há seis meses sua
presença me deslumbrava e meu coração estava irremediavelmente atado a
ela.
O que era completamente errado e impróprio.
O que a mascarada diria se soubesse quem eu era? Sairia correndo? Muito
provavelmente. Caso ela fosse casada, jamais poderíamos ficar juntos. Caso
fosse solteira, deveria querer distância de mim e do meu trabalho. Viúva ela
certamente não era, ou não teria tantos pudores iniciais.
Nenhuma das opções restava. Chegava a doer pensar que ela nunca seria
minha.
Deliciosamente minha. Apenas minha.
— A lição dessa noite é ser atada — respondi, casual.
Ela arregalou os olhos. Subindo o corpo, apoiou-o sobre o cotovelo.
— Você diz amarrada?
Fiz que sim.
Ela pausou. Conseguiria confiar assim em um homem que conhece há
apenas seis meses? Que poderia fazer qualquer coisa com ela? Não precisava
fazê-la passar por esses temores.
— É um laço simples, feito com um lenço de seda — expliquei. — Se
realmente quiser se soltar, conseguiria sem o menor problema. Mas isso
impedirá que mexa as mãos. Quero que sinta a sensação de ser subordinada a
alguém.
— Não gosto de ser subordinada — ela respondeu prontamente. — Já
somos no dia a dia.
— Você tem razão, mascarada — respondi beijando a ponta do seu nariz
adorável. — Mas saiba que quem é o escravo, aqui, sou eu.
Ela me olhou de lado, então sorriu.
— E o que pretende fazer enquanto eu estiver amarrada?
— Tudo que me permitir fazer. Ou que pedir para que eu faça.
Aquilo era uma tentação maliciosa, e pela expressão dela, ela concordava.
Minha cabeça dava voltas com as possibilidades. Jamais pensei que poderia
tirar tanto prazer em amarrar uma mulher à cama, mas o que eu estava
sentindo era incrivelmente forte.
— Está bem — ela entregou os pulsos, e eu me sentei à frente.
— Não aqui — respondi. — Primeiro de pé.
Ela se levantou desconfiada, e eu me levantei atrás dela. Com delicadeza
— e observando todas as reações que conseguia captar de suas feições na
penumbra, atei-a na coluna da cama de dossel. Suas mãos ficaram suspensas
acima da cabeça, presas a um detalhe elaborado da cama. Ela poderia se
soltar se movesse-se direito, mas a intenção era segurá-la caso tivesse o
ímpeto de me tocar ou se contorcer demais.
Nua, pernas ligeiramente afastadas, ela estava entregue. Para que o prazer
aumentasse ao máximo e ela tivesse uma experiência puramente sensória,
amarrei um lenço preto sobre a máscara que ela vestia. Ela não podia me ver,
nem me tocar.
Assim que ela estava presa e sem acesso à visão, tirei minha máscara.
Era um alivio poder finalmente estar na sua frente sem a proteção do
anonimato. Era como se agora finalmente me sentisse nu. Despido de tudo.
Quis que ela soubesse disso, porque me aproxime e a beijei. Ela tomou ar,
assustada, ao sentir a pele do rosto tocar a dela sem o tecido.
—- Você tirou a máscara? — Ela perguntou.
— Tirei — respondi.
— Por quê?
— Porque não quero usá-la além do necessário com você. Ela não é
necessária agora.
Ela baixou a cabeça, certamente desejando fazer o mesmo. Mas eu
entendia que ela não podia, ainda mais do que eu.
Beijamo-nos com paixão, como os beijos passaram a ser desde o encontro
passado. Sua boca percorreu a lateral de meu rosto, e sobre meus olhos. Ela
deslizou os lábios pela pele, sobre os cílios, roçou o rosto contra o meu,
angustiada por querer ver e não poder.
— Solte-me — ela pediu. — Deixe-me tocá-lo sem máscara.
— Quer me ver ? — perguntei, tomando coragem.
Se ela quisesse, eu deixaria. Ela jamais me denunciaria, e pelo menos um
de nós se livraria do esconderijo que a máscara provia.
Ela fez que não. Não foi uma negativa enfática e cheia de certezas. Foi
apenas uma resposta que só podia ser negativa.
Soltei suas mãos e elas se fecharam ao redor do meu rosto. Os polegares
passearam pela pele, os dedos na lateral, sobre o nariz, os lábios, os olhos.
Ela se aproximou e me beijou delicadamente pelo rosto inteiro, sentindo-me
com os lábios.
Eu estava perigosamente louco por essa mulher.
Desistimos do dossel. Arrebatei-a e a levei para a cama, onde meu corpo
se enroscou ao dela e os beijos aceleraram para movimentos e desejos mais
fortes. Só então a amarrei.
Lambi-a e suguei-a inteira, deliciado pelo gosto a as texturas conhecidas.
Deixei uma pequena marca de presente ao redor do mamilo para que se
lembrasse de mim ao se ver no espelho, no dia seguinte. Ela se contorceu,
mas não se soltou. Seu prazer escorria farto e eu o coletei como se fosse o
elixir da vida. Só aquilo me manteria são até o próximo encontro.
Lembranças e sabores como aquele.
A lição não durou demais. Diminuí o fogo da lareira e apaguei os
lampiões até a escuridão ser quase completa. Então desamarrei-a e retirei
delicadamente a venda sobre a máscara.
Ela quase perdeu a voz ao perceber que eu continuava sem máscara.
— Não devemos…
— Shhh — pedi. — Só por hoje, deixe-me vê-la também. Não há como
nos reconhecermos. Mal vejo o seu contorno.
A reação dela não foi como esperava. Ela fez que não.
Ajustando a máscara sobre o rosto, saiu da cama. Vestiu-se sem me dar
muita explicação e indicou que precisava ir embora.
— Por favor, me perdoe pela audácia. Recolocarei a máscara, se preferir.
— Esse é o problema — ela respondeu prontamente. — Não quero.
Antes que eu pudesse responder, ela continuou:
— Estamos jogando um jogo perigoso, senhor. O anonimato me permite
continuar vindo. Sem saber quem o senhor é, e tendo a certeza de que não
sabe quem sou, podemos nos dedicar às lições e ter prazer. Mas não posso
permitir que ultrapasse essa linha. Tenho segredos, e tenho certeza de que os
têm também. Não posso me dar ao luxo de me envolver em um escândalo do
qual não conseguirei me livrar depois.
Cheguei a pegar o ar para retrucar, mas ela caminhou até a porta. Se eu
quisesse me despedir dela, precisaria me vestir correndo.
Ela tinha toda a razão. Se soubéssemos com quem estávamos, poderíamos
ser o fim um do outro.
Noite 7
FALE

— N ÃO ESTOU ENTENDENDO — eu o afastei. Ele deu um último beijo em


minha nuca, calmo como nunca me recebeu antes. — Você quer que eu…
fale?
— Sim — o mascarado respondeu.
Ele ainda me mantinha de costas. Havíamos finalmente conseguido trocar
algumas palavras antes de nos jogarmos sobre a cama, e ele estava agindo
diferente. Calmo e atencioso, como se mil planos passassem por sua mente.
Sua máscara estava no lugar, e aquele perigo havíamos afastado de nós. O
anonimato precisava ser mantido.
No entanto, as lições estavam ficando cada vez mais desafiadoras. Peguei
o ar, sem saber como entender a daquela noite. Como tudo aquilo se
relacionava com desejos? Estava sendo testada em todos os meus pudores;
estava sendo relapsa em repetir a noite todo mês com um homem só. Em
nome da minha escrita? Já não era mais em nome dela. Nos últimos tempo
vinha sendo cada vez menos sobre escrita e cada vez mais sobre o coração.
Sempre achei que eles andavam juntos — palavras e batidas — mas estava
me enganando. No momento o coração pulsava exclusivamente pelos breves
e espaçados encontros com o mascarado. Minha vida, na verdade, girava
perigosamente ao redor dele. Acordava e dormia pensando nele. Mal me
alimentava, esperando os momentos de vê-lo.
Se estava feliz de estar ali? Estava. Apavorada? Também.
— Quero sentir, não pedir — Virei o rosto, tentando enxergá-lo na
penumbra.
Seu dedo percorreu uma trilha entre a escápula e o queixo, deixando um
rastro quente por mim.
— Esta noite só farei o que você pedir, Mondschein.
Eu me virei, aborrecida. Por que ele estava fazendo isso.
— Não sei como pedir.
— Sei disso — ele me olhou com carinho. — Ainda tem pudores. Mas
não precisa ter.
Ele se afastou e caminhou até a mesinha de bebidas. Serviu-se de scotch e
trouxe uma taça de vinho branco e gelado para mim. Por que não insistiu em
arrancar imediatamente a minha roupa? Por que ainda estava completamente
vestido? Vestimenta, a propósito, elegantemente adequada para a noite.
Vestia-se como um perfeito cavalheiro.
Foi a primeira vez que pensei que esse homem poderia freqüentar os
mesmos lugares que eu. Que ele poderia ser alguém proeminente na
sociedade.
Um amigo do meu pai. Levei a taça à boca. Um rival nos negócios.
A cabeça revisitou rostos, tentou encaixar sua perfeição deslumbrante em
algum cavalheiro que havia me cortejado. Por sorte não encontrei ninguém.
Mas o pensamento perigoso permaneceu. Aquele homem precisaria ser
evitado depois das lições. Embora já estivesse emocionalmente envolvida
com ele, precisaria deixá-lo em algum momento.
Mas quando?
— Explique outra vez — perguntei. — O que exatamente teria que dizer?
Estávamos de frente um para o outro. Ele levou o corpo a boca e sorriu.
— O que deseja. Eu só faria o que você pedisse.
— Como isso poderia ser uma lição relevante?
Era de certa forma calmante encarar o que estávamos fazendo como
lições. Eu era uma pupila, não uma mulher apaixonada por um homem
proibido.
Ele beijou a lateral do meu rosto, queixo e sobre meus lábios. O cheiro de
bebida quente e convidativa dançou ao meu redor.
— Quero ver a última barreira dos seus pudores cair.
Por um instante esperei que ele avançasse sobre mim, mas um beijo casto
foi tudo que ele me deu. Apertei os olhos em sua direção. Ele sequer me
beijaria se eu não pedisse?
Esperei atenta aos seus movimentos que ele desse o primeiro passo, mas
ele não deu. Eu teria que pedir.
— Não estou acreditando nisso — falei, analisando como ele parecia se
divertir.
— Fale, ou não me moverei hoje, Mondschein.
O desaforado caminhou até o braço de um sofá robusto e se sentou,
aguardando que eu falasse. Senti-me estranhamente divertida pela ideia e
igualmente incomodada. Jamais pensei pedir em voz alta as coisas que ele
faz.
Mas não deixaria que ele — ou eu mesma — achasse que não conseguia.
Se eu escrevia o que minhas personagens queriam, por que não podia falar o
que eu queria?
Limpei a garganta, vendo o segundos passarem rápidos. Em pouco mais
de uma hora eu precisaria partir, e precisava desesperadamente sentir seu
toque. Ansiei quatro semanas por ele.
— Eu — Peguei ar, tentando achar coragem ao redor. — …Quero que
você… desamarre meu kimono.
Sorrindo, meu mascarado se levantou. Ainda com o copo na mão,
caminhou até onde eu estava e desamarrou o laço que prendia as duas abas. A
peça abriu, revelando uma linha única e reveladora do meu corpo.
Prendi o ar esperando que ele me tocasse, mas ele não me tocou. Levando
o copo à boca, olhou-me por cima da borda, esperando por mais.
— E agora? — Perguntei vendo-o recostar desafiadoramente na parede,
no aguardo de mais instruções.
— Fiz o que pediu. Desamarrei seu kimono.
— Isso é absurdo.
— Não é. Na verdade, é uma delícia ouvir sua voz. Sonhei semanas a fio
em ouvi-la e estou me deliciando com o momento.
— Estou vendo sua diversão — respondi aborrecida.
Ele continuou encostado na parede, os olhos correndo por mim. Continuei
no mesmo lugar, os seios desnudos subindo e descendo, o meio das pernas
latejando por seu toque de dedos ou de língua.
— Esse é mais um dos seus jogos, não é? — perguntei.
Ele foi sincero.
— Dessa vez, é.
— E você fará tudo que eu pedir? — perguntei, tendo uma ideia.
— Sim — ele respondeu.
— Então está bem.
Fechei o kimono, vendo seu rosto franzir sob a máscara. Se ele dizia que
meus comandos de voz o levariam à ação, que assim fosse. Eu podia fazer
bastante coisas com ela.
— Tire a roupa — demandei, dando um laço duplo na amarra de seda. —
E devagar, para que eu possa apreciar a visão.
Ele hesitou.
Com um misto de diversão e desconfiança, desabotoou a casaca elegante.
Ele mantinha os olhos em mim. Observei cheia de desejos contidos o peito
bem delineado surgir à medida que ele abria devagar os botões da camisa. Ele
tirou uma manga, depois a outra, e então ficou diante de mim vestindo apenas
calças e sapatos. O peito másculo e liso, delineado como o de esculturas de
mármore, resplandecia sob a cor dourada das velas e do fogo da lareira.
— Tudo — ordenei.
Ele sorriu, obedecendo. Que a noite começasse por ele. Ele abaixou as
calças e depois as ceroulas. Sua nudez gloriosa resplandeceu sob a luz. Um
homem muito bonito, era isso que ele era.
— E agora, meu luar? — Ele perguntou, nu, terminando a bebida de seu
copo. Enquanto colocava o copo vazio sobre a mesinha, ergui o queixo e o
encarei desafiadora.
— E agora, quero que me toque.
Ele caminhou perigosamente para perto. Se soubesse o quanto já amava
cada um de seus detalhes — a curva do pescoço, o queixo, o modo como o
peito me permitia deitar sobre ele, as mãos grandes e bonitas — ele me teria
nas mãos. Minha paixão por ele crescia a cada noite e em breve não poderia
ser mais escondida.
— Terá que ser específica — ele respondeu.
— Quão específica?
— Completamente específica.
Sentia o corpo arder de vontade de ser tocada. Mas por motivos que
desconhecia, tinha dificuldades em deixar as palavras saírem.
— Q-quero que me toque, já disse.
— Onde, Mondschein?
— Oras, onde me desejar.
Ele respondeu, rouco:
— Eu desejo você inteira, mas só tenho duas mãos.
— Aqui — Deslizei impaciente as mãos pelos seios, descendo as palmas
em direção ao meio das pernas. — Qualquer lugar que me toque. Não temos
muito tempo.
— Fale. — Ele me provocou. — Você consegue.
Inspirei, dizendo sem coragem de encará-lo:
— Quero sentir sua pele nua contra a minha. Quero que me toque ali
embaixo.
— Nos pés?
Olhei-o enfurecida. Claro que não era nos pés.
— “Lá embaixo” é um termo vago — ele debochou, o sem vergonha. —
Quero que seja bem mais específica que isso.
Fechei os olhos, tentando acalmar o coração. Era só uma lição, repeti o
mantra. Ele não sabe quem sou eu.
— M-minha intimidade.
— Chama-a assim? Não tem outro nome para ela?
— Meu centro — a voz mal conseguiu achar espaço para sair.
— Intimidade é um bom nome — eu o ouvi mais perto. Ele se inclinou e
me beijou de leve no pescoço para indicar que estava ali, e logo senti os
dedos acharem caminhos pelos fios entre as pernas. — Pode dizer
palavrinhas sujas também. Vulva. Boceta.
Meus dedos tremiam tanto que os mantive perto de mim.
Seus dedos acariciaram meu centro, e meu gemido saiu longo e baixo. A
expectativa de senti-lo era um afrodisíaco poderoso. Ou foram as palavras
que nunca sequer tive coragem de escrever?
— E agora? — ele perguntou baixo, sentindo meu corpo retesar quando
ele encontrou meu botão e começou a massageá-lo.
— Agora … quero que … beije meu pescoço.
Ele prontamente me obedeceu. Minhas mãos seguraram em seus ombros
e sua mão ergueu uma de minhas coxas para ter melhor acesso. Ele era tão
bom naquilo. Derreti por alguns segundos antes de entender que se eu não
desse a próxima ordem ele não me tocaria mais. Então pedi:
— Quero que se toque também.
Ouvi a respiração dele pesar.
— Onde?
Ele só podia estar brincando comigo.
— No seu membro — falei corando violentamente. Não fazia sequer
sentido corar ao pensar nas palavras que poderia usar. Pênis. Falo.
Nossos corpos se reorganizaram e logo ele mexia tanto nele quanto em
mim — e ambos os movimentos eram suficientes para nos fazer arfar alto
dentro do quarto escuro.
Aquilo era uma loucura, e eu estava completamente presa a ela.
— E agora?
— E agora que hoje, você lidera. Mas terá que me dar ordens. Quero
ouvir você.
No decorrer da noite precisei pedir tudo — para que sua língua
percorresse as trilhas que já havia aberto antes, e me tomasse novamente com
a língua como já havia me tomado. Para que acelerasse ou diminuísse os
movimentos. Para que me tocasse em todas as partes — e precisei dizer o
nome de todas elas.
Pedi que repetisse atos que gostava mais do que outros — e o deixei saber
que tipo de prazeres eram quase insuportáveis para mim. Para quem se
considerava uma caixinha de surpresas, eu me abri completamente. Havia
pouco de mim para ser revelado depois daquela noite.
Meu nome, e mais nada.
Noite 8
RETRIBUIÇÃO

Theodor

E RA a nossa oitava noite juntos e eu tinha uma lição. Ou não tinha? A


chegada da mascarada eclipsava os planos. A remoção lenta da roupa — ela
mesma se despiu — me fez questionar quanto de sedução eu estava
ensinando e quanta estava aprendendo. Mas, principalmente, eu a estava
vivenciando. De maneira como nunca vivenciei nada.
Havíamos nos beijado com fome e deitado instintivamente na cama para
que mãos e bocas se aquietassem sobre a pele do outro. Agora eu a provava
aos poucos, depois que havia me fartado com seu cheiro e seus traços, e ela
atingido picos com a precipitação de meus dedos.
Ela estava deitada de lado, a manta de pelos cobrindo suas pernas,
enquanto a alimentava de frutas secas. Não deixei que tampasse os seios.
Fazia questão que ela estivesse sobre a cama como as ninfas retratadas nos
quadros pendurados nas galerias mais imponentes.
— Você tem cor de luar — disse, vendo o caldo de um morango escorrer
pelo canto de sua boca. Foi inevitável beijá-la ali, e chupar seus lábios doces.
— E você tem gosto de sol — ela respondeu.
Havia sido um verão intenso ajeitando um dos castelos da família. Havia
coordenado reformas e sido exposto mais do que deveria ao sol. A pele
estava bronzeada e o cabelo mais claro. Eu parecia um plebeu, e não um
nobre. Um bom disfarce quando se tinha um clube de sexo, e um prazer extra
ao ver que minha cor a agradava.
O verão havia sido mais brando para ela.
Beijei-a sobre o ombro alvo, procurando uma pinta que fosse, mas elas
inexistiam. Continuei beijando-a enquanto a sentia acariciar meu cabelo.
Braços, colo, seios. Os mamilos estavam novamente duros na boca. Espalmei
as palmas das mãos contra suas costas e puxei-a, os seios arredondados
pressionados contra mim, a boca ficando mais malvada.
Seus mamilos ganhavam uma cor avermelhada quando os chupava com
intensidade, e desde que ela tinha revelado que os sentia sensíveis contra o
espartilho no dia seguinte — e aquilo a fazia se lembrar de mim — , havia me
dedicado mais a eles desde então.
Após sugá-la vigorosamente e ponto dela gemer, iniciei o ritmo de soprar
a ponta vermelha e levar a língua para cima e para baixo sobre a pontinha até
que ela tombasse na cama, sem forças.
— Dói — Ela gemeu.
— Eu sei. Você gosta?
— Gosto quando as coisas ficam intensas — ela respondeu baixo.
A ideia da lição seguinte surgiu ali.
— Intensas como? — Perguntei.
Ela estendeu os braços para cima, esticando-se como uma gata. Ela já
conseguia ficar completamente relaxada em minha presença.
— Quando a mente desaparece e a fome surge, você muda — ela disse.
— Eu mudo.
Ela retornou ao momento, às pontas dos meus dedos que passeavam pelo
corpo. Como podia um corpo inteiro acender ao mínimo contato com dedos?
Tanto o meu quanto o dela acendiam.
— Sei ser intenso — disse brincando com suas partes sensíveis.
Seu olhar estava sonolento de paixão quando respondeu:
— Eu sei.
Nos beijamos longa e profundamente. Esqueci os ímpetos agressivos e a
beijei como um cavalheiro ansia em beijar sua dama.
— Quero que seja o mais intenso que conseguir — ela disse quando
paramos de nos beijar. — Que seja essa a lição da noite.
A mulher que conheci na primeira noite era agora outra. A mascarada
estava se deixando conduzir às cegas pelo desejo. Para sua sorte, eu a
enxergava.
Sentei na cama avaliando o que exatamente poderia fazer para lançá-la às
alturas, mas não precisava pensar demais. Apenas dei vazão a um desejo
insano de possuí-la. Não mais com dedos, mas com meu membro. Queria
sentir sua intimidade melada ao meu redor. Suas paredes apertadas. Queria
ser um com ela, fundir-me ao seu corpo, derramar minha semente dentro
dela.
Ao simples pensamento de penetrá-la, fui tomado por uma ânsia sem
tamanho.
Agarrei-a pelas pernas e a arrastei na cama até onde estava. Se era fogo
que queria, que nos queimássemos. Não estava mais ali para ser um
cavalheiro. Naquela noite ela conheceria um outro lado meu.
Eu me inclinei sobre ela, as mãos acariciando seu rosto até que se
embrenharam pelas mechas avermelhadas. A boca encontrou a sua em um
movimento lento e ritmado, aumentando em intensidade à medida que ia me
ajeitando, sentado, sobre ela, o peso do corpo sobre os joelhos para não
esmagá-la. Aos poucos a intensidade foi mudando, e eu já não a beijava mais.
Eu a devorava. Não era mais um dos beijos apaixonados que trocávamos.
Minha língua não conseguia se saciar dela, movendo-se dentro de sua boca,
mordendo seus cantos, enquanto as mãos agora puxavam seu cabelo. A
gentileza acabava ali. Tomei para mim seus lábios, sua língua, seu pescoço,
incendiando e atando-lhe fogo. Não conseguia tocá-la o suficiente, e a
angústia era sentida na forma em que a puxava e a fazia subir sobre mim. Já
não estávamos mais na mesma posição, eu a queria em mim.
Ela gemeu contra a minha boca, envolta em uma névoa perigosa de
luxúria. Você também quer que eu entre em você, não quer? Seus dedos me
tateavam com mais força, ela mesma mergulhando em um lugar mais quente
e inflamado. Ela me segurava com as unhas.
Com a mão atrás de sua cabeça, apertei-a contra meu pescoço para que
me mordesse. Ela começou a beijar ali, mas as minhas a seguravam com tanta
força que logo ela estava arrastando os dentes pela minha pele, mordendo de
leve meu ombro. Lancei-a de volta à cama, mostrando que se pudesse tomá-
la, ela não teria qualquer chance contra mim. Eu a penetraria com força, com
todo o desejo existente no mundo. Me movimentaria lentamente dentro dela,
entrando em saindo devagar e depois rápido, me fartando do corpo do qual
jamais me cansaria. Como tinha desejo por ela. Como gostaria que saber
quem era, o que fazia, e por que tinha tanto medo de ser descoberta. Que ela
fosse comprometida partia meu coração, e desde a temporada de casamentos
— que mais parecia uma praga no verão— , estava com a ideia fixa de que
um dia apareceria em um deles e a veria caminhar em direção a outro
homem. Andava evitando até mesmo aparecer nas festividades, tamanho era
meu medo.
Mas no momento ela era minha, e se precisasse continuar recebendo-a
uma vez por mês para que continuasse sendo, eu continuaria.
— Você precisa me prometer — rosnei em seu ouvido, tão perto de
penetrá-la que ela estremeceu. — Que não deixará de vir.
— Como? — Ela arfou, fechando a perna ao redor do membro encaixado
entre suas coxas. — Do que está falando?
— Não sei o que ou quem você é, mascarada.— Repeti, duro. — Mas se
algum dia se comprometer, prometa-me que continuará voltando para mim.
Ela enrijeceu sob meus braços.
— Prometa — disse, duro, as mechas do cabelo acobreado firmes entre os
dedos. — Prometa que voltará. Que atingirá aqui, comigo, o céu. Que voltará
para me ver.
Ela quase perdeu a fala, mas não queria ouvir sua negativa. Imaginá-la se
contorcendo na cama com outro deixava meu corpo febril.
— Prometeria algo assim? — Ela devolveu a pergunta, assustada.
— Sim — respondi. — Caso algum dia isso aconteça, é nos seus braços
que desejarei estar.
Ela não disse mais nada.
Maldição, pensei abrindo suas pernas para olhá-la. Ela tentou fechá-las,
mas não estava mais lidando com o homem que a beijou com carinho
minutos atrás. Um dos dedos penetrou-a fundo, enquanto minha boca descia
faminta sobre ela. Eu estava aborrecido com o que falei.
Mordi sua barriga, descendo até seu centro. Sua carne perfumada e macia
me recebeu. Seda deslizando na língua. Mordi a lateral de sua intimidade, a
cremosidade inebriante inundando meus lábios e enchendo-me de fome.
Fome dela.
Os dedos só me deixavam imaginar como seria doce e apertada ali dentro.
Ela gemeu e se chacoalhou quando enfiei um segundo dedo, alargando-a para
mim. Não que fosse tomá-la, mas queria saber como seria se pudesse.
Minha língua circulou a crista pulsante, lutando para mantê-la no lugar.
Ela arqueou as costas de prazer, gemendo alto, enquanto eu mordia
delicadamente os cantos mais sensíveis de sua anatomia. Ela finalmente
gritou, os olhos azuis fixos nos meus.
Esse era o perigo de dar vazão à intensidade. Ela trazia à tona
sentimentos, pensamentos perigosos, hipóteses que não deveriam receber
muita consideração. Intensidade igualava-se a perigo.
A excitação estava agora misturada à frustração. Era uma maldição que
não pudesse penetrá-la, saber seu nome, vê-la quando quisesse ou ouvir dela
o que queria ouvir. Eu estava frustrado por querê-la tanto, e ela percebeu. Por
isso, assim que ela se recuperou do orgasmo, sentou-se na cama, olhando de
maneira desejosa para o modo como eu alisava meu membro duro. Eu
precisava ser tocado, já que não podia preenchê-la. De língua.
Ela me olhou, arfando.
Sim, respondi com o olhar. Seja boazinha. Hoje é dia de retribuição.

Charlotte

Era um novo homem, ali, que havia despertado uma nova mulher. Sei que ele
estava com raiva e o assunto me frustrava também. Nada ali era ideal, mas
era o que tínhamos.
Suas mãos deslizavam sobre seu membro, indo e vindo da cabeça larga à
base. Seus olhos estavam escurecidos e profundos. Ele queria uma
compensação por não me ter como queria. Eu queria compensá-lo também.
— Quero que me chupe — ele falou. — Quero ver meu pênis desaparecer
na sua boca.
A ideia e as palavras dispararam meu coração. Aquilo era indecente. Era
íntimo. Que dama faria aquilo?
Eu, que havia deixado a decência do lado de fora da porta, oito meses
atrás. Eu faria aquilo com prazer. Ele parou à frente e eu me curvei. Toquei-o
com a ponta dos dedos, cheia de desejo. Mesmo saciada, precisava de mais.
Minha intimidade estava dolorida e inchada, mas ainda havia espaço para um
novo pico de prazer. Eu era pura agonia por ele.
Abri a boca e o lambi, e o mascarado afrouxou a pressão das mãos sobre
meus ombros. Meus lábios sentiram a textura enlouquecidamente quente,
úmida e aveludada do seu membro. Que mistério que uma pele tão fina
cobrisse algo tão grosso e duro. Pensei mil vezes em fazer aquilo no decorrer
dos meses, mas faltava-me coragem. A coragem aos poucos vinha.
Há tempos sonhava com seu cheiro, seu sabor, mesmo que jamais fosse
escrever aquilo em minhas páginas. Essa era uma daquelas experiências que
iria diretamente para o baú que era o meu coração. Uma caixa cheia de
tesouros só meus. Sua mão apertou meu cabelo para me segurar no lugar,
indicando que queria que eu me movesse sobre ele. Acolhi-o na boca, indo e
vindo, deixando que ele ditasse o ritmo. A respiração dele estava profunda, os
olhos agora fechados. Queria poder vê-lo melhor, mas a maldita escuridão —
tão necessária — escondia esses momentos bonitos. Eu o sentia, era isso o
que importava. Sentia sua ponta, morna e molhada, deslizando pela cavidade
de minha boca. Sentia-o quente ao contato dos lábios, a carne dura esticando
meus lábios e me preenchendo enquanto experimentava seu gosto. O único
barulho além dos gemidos roucos que ele dava era o da lenha crepitando na
lareira.
O mascarado acariciou meu cabelo, afastando-o da frente, fazendo
carinho em minhas orelhas e retraindo quando minha ousadia permitiu que
ele sumisse inteiro em minha boca. Não consegui deixar muito, mas ele
soltou uma imprecação que traduzi como algo bom. Beijei-o ali. Inspirei seu
cheiro único e masculino.
Ele me parou antes que jorrasse seu prazer em mim. Passando a mão pelo
meu cabelo, tremendo, deslizou os dedos até meu rosto.
— Tenho fome de você — ele disse com voz quebrada.
— E eu, de você — respondi.
Empurrando-me de volta até os travesseiros, ele me abraçou. Sua
respiração saía profunda e seus olhos estavam fechados. Ele levou a mão ao
membro e finalizou o serviço, virando-se para o lado quando o gozo veio.
Queria que tivesse jorrado sobre mim, mas não tive coragem de confessar.
Um pudor a menos de cada vez.
Havia sido uma experiência incrível ver seu lado duro e passional, e uma
prova de que era um homem com pleno domínio sobre os seus desejos e
pensamentos. Que pena, uma parte de mim suspirou. Um homem com pleno
domínio de suas emoções jamais arrancaria minha máscara e me tomaria
como sua, a despeito dos meus medos e dúvidas. Uma minúscula parte de
mim queria que ele fosse irresponsável e acabasse com a minha agonia. Que
decidisse por mim que nosso destino era ficarmos juntos.
Ele não faria isso, e eu só tinha que agradecê-lo.
Minha mão desceu por ele e apalpou sua cintura estreita, amando cada
centímetro de pele que percorria. Contornei suas nádegas e encaminhei os
dedos até a frente, explorando seus pelos e detalhes. Por um tempo massageei
sua anatomia agora saciada, deixando claro que queria seus fluidos em mim.
Por hoje, entre meus dedos; amanhã, quem sabe, dentro de mim.
Naquela noite paramos por ali. Ficamos brincando e conversando
baixinho até que a madrugada fosse alta, eu com as mãos ao redor de seu
membro, curiosa em saber por que minava da cabeça aquele líquido
translúcido, ele querendo que eu descrevesse o que eu sentia quando chupava
meu seio ou brincava com os dedos entre minhas partes íntimas. Intercalamos
respostas com beijos no nariz. Com olhares para a própria anatomia, para
respostas engraçadas que suplantassem as verdadeiras. Os pudores
desapareciam aos poucos, dando espaço para a descoberta de dois corpos que
pareciam terem sido criados para estar na boca e na ponta dos dedos do outro.
E que provavelmente encaixariam-se como se tivessem sido feitos para essa
função.
Em algum momento, exausta e satisfeita, ergui os olhos até ele, perdida
de amor. Ele me olhava de volta, os olhos brilhando como espelhos.
Amo você, o pensamento escapou perigoso, e me controlei para não
retrair.
Ele só não percebeu porque algum pensamento igualmente perigoso o fez
retrair também.
Noite 9
VOCÊ TEM CORAGEM?

O CLUBE ESTAVA CHEIO . Estávamos no primeiro andar, em meio a uma


multidão de mascarados reunidos. Damas e cavalheiros reuniam-se eufóricos
ao redor de um palco montado para receber alguém.
Algo aconteceria ali em breve e aparentemente só eu não sabia o quê. O
mascarado havia parado atrás de mim, impondo-se alto e protetor ao meu
redor. Uma de suas mãos estava unida à minha, como se fôssemos um casal
comum; a outra pousava sobre o meu ombro.
— Não vai me contar o que estamos esperando? — perguntei tentando
vê-lo atrás de mim.
— Não — ele respondeu, e senti seu hálito perfumado esquentar minha
nuca. — Quero que seja surpresa.
Seus dedos apertaram meu ombro enquanto os dedos que seguravam os
meus correram, delicados, pela lateral de meu quadril. A sensação dos dedos
potentes me arrepiou inteira, trazendo um calor conhecido ao corpo
Ele estava colado em mim, o corpo duro como uma muralha atrás de
mim. A mão em meu ombro era tanto proteção quanto provocação. Seu
polegar às vezes tocava meu pescoço e a seda do kimono mal escondia minha
excitação pelo contato em público.
De súbito as lamparinas foram apagadas e as pessoas no recinto soltaram
um ah coletivo. Pequenas lanternas foram trazidas até o palco, iluminando de
forma parca um círculo perfeito. Antes que pudéssemos acostumar os olhos à
penumbra, um par sinuoso de pernas à mostra mexeu-se, causando um jogo
de luzes sobre o palco. Logo uma mulher vestida com trajes minúsculos,
rodeada de lenços coloridos e adornos dourados dançava no centro ao som de
uma música exótica, cuja melodia jamais tinha ouvido.
A mulher não parecia alemã. Ela tinha o rosto escondido por um véu, mas
ao contrário de todos ali, eram seus olhos que estavam à mostra. Olhos
negros, pintados de preto ao redor, que enfeitavam de maneira incomum o
rosto cuja pele tinha o tom do cobre. O longo cabelo escuro tremulava
enquanto seu abdômen ondulava em harmonia com os braços, e o tecido
translúcido dos lenços revelava mais do que escondia suas pernas.
Era simplesmente… fabuloso. A escuridão e a própria graciosidade dos
movimentos não permitiam ao público ver demais, e aquele jogo de mostra-e-
esconde era igualmente sensual e hipnótico.
— Está gostando, Mondschein? — Senti a voz do mascarado acariciar
meu ouvido.
Retraída pela expectativa de seu toque futuro — enquanto sentia a mão
quente acariciar minha cintura — fiz lentamente que sim. A maneira como a
moça girava, a música exótica que envolvia o corpo, a respiração do
mascarado, o cheiro no ar que misturava especiarias como cravo e canela…
era tudo insuportavelmente excitante e entorpecedor. Talvez tudo tenha
colaborado para que eu ficasse imóvel quando a mão dele se insinuou pela
abertura do kimono e começou a massagear meus seios.
Assustada com tamanha ousadia, tentei olhar para trás. Seus braços me
firmaram no lugar, sem interromper a carícia. Ele estava me tocando. Em
público.
Apavorada, senti seu polegar afagar a ponta do mamilo. Minha respiração
começou a pesar, e um calor sem precedente espalhou-se por mim. Olhei para
os lados, mal movendo a cabeça, tentando ver se alguém estava nos vendo
fazer aquilo, mas todos olhavam para os suaves movimentos de braços, mãos
e barriga da exótica dançarina.
— Não se mexa — ele murmurou sob o meu cabelo.
Senti a seda do kimono subir lentamente pelas minhas pernas e depois
pelas nádegas até que, alguns movimentos depois, sua ereção pressionou
contra a minha pele. Pelas almas de tudo que era mais sagrado, o que aquele
homem estava fazendo? Ele havia erguido o tecido do meu kimono?
As pessoas estavam próximas demais. Sentia as penas dos enfeites de
cabelos femininos roçarem nossas cabeças. Podia sentir o perfume das
pessoas e o ar dos leques agitando-se. Mesmo assim, uma das mãos do
mascarado continuava sob as abas envelopadas do kimono, ao redor de um
dos meus seios, enquanto um membro absurdamente duro me cutucava entre
as nádegas.
Ele a estava provocando. O pior? Aquilo era excitante.
A mão do mascarado deslizou pelo monte dos seios, afrouxando
levemente as bandas do roupão. Engoli em seco, a intimidade entre as pernas
palpitando tanto de desejo quanto de medo — e ambos no estado mais bruto
que já senti. Seu nariz afundou em meu cabelo. Quando quis se virar, ele não
deixou. Em resposta ele me beliscou na pontinha do mamilo, onde o seio é
mais sensível.
— Não vire, a menos que queira chamar atenção.
Voltei a ficar imóvel, tentando controlar a respiração acelerada. Ele
amenizou a carícia, girando o mamilo com mais gentileza entre os dedos.
Assim que o disparo elétrico fez meu sangue esquentar, um sentimento
morno começou a emanar do contato de seus dedos. As pernas amoleceram.
A respiração ficou fraca. A sensação de estar sendo tocada em público era
absurdamente inquietante, ousada e perigosa.
— Recoste-se em mim — ele ordenou baixo.
Não consegui negar nem afastar as mãos que se moviam por mim. Não
consegui na verdade fazer nada, a não ser recostar no ombro firme e deixar
que ele abrisse mais minha roupa. Ao som da música, escondidos pela
escuridão e pela proximidade dos corpos, ele me desnudou.
Meu seio esquerdo saltou da roupa. Ele repetiu as carícias no outro seio,
me mostrando a lição da noite — a mais ousada até o momento. Ele estava
me tocando e despindo em público, sem que viva alma prestasse atenção ao
que fazíamos. Ele afastou bem o tecido, e eu mal conseguia olhar para baixo.
Eu estava exposta. Os mamilos apontados para frente, os dedos dele
beliscando-os para que ficassem maiores. Sua outra mão desceu pela lateral
da minha cintura e meus dedos a agarraram para que parasse. Eu respirava tão
profundamente que acabaria chamando a atenção das pessoas. Ele passeou a
língua pelo meu pescoço, arranhando os dentes pela pele macia, murmurando
que eu estava linda assim, praticamente nua, no centro do primeiro andar.
Com os joelhos, afastou discretamente minhas pernas e introduziu os dedos
entre as elas para sentir o meu estado. E o que sentiu o fez rosnar de prazer.
Ele me afagou, molhando os dedos em mim, a outra mão acariciando o seio
exposto.
— Ah... — gemi sem controle. Os dedos continuaram, a massagem entre
minha carne tão erótica que mal conseguia me preocupar em estar sendo vista
ou ouvida. Ele foi e voltou com os dedos por dentro de mim, e quando
comecei a estremecer, ele parou. Ele soltou a barra de seda do kimono,
voltando lentamente com as mãos pelos meus quadris. Então girou meu rosto
e me beijou com volúpia, apaixonadamente, fechando meu roupão.
Eu respondi, beijando-o de volta. Na boca, entre os presentes que, agora
sim, nos notaram.
— Vamos subir — Ele grunhiu em minha boca.
Fiz que sim.
Saímos do meio da multidão como se nunca estivéssemos estado ali, e
subimos as escadas com pressa. Logo estávamos a sós no nosso refúgio
quente e aconchegante — sempre à disposição para mais uma noite de
prazeres inesquecíveis — onde ele me lançou sobre a cama e recomeçou do
zero cada carícia.
Noite 10
FEBRIL

L ONGE DO CLUBE Lust eu era uma dama. Uma jovem que precisava se
comportar de forma exemplar, sob o risco de despertar suspeitas. Da minha
capacidade em me misturar em sociedade — e desaparecer nela — estava a
saída para a vida dupla que andava levando. E eu era exemplar em ser uma
dama. Frequentava cafés, bordava com aparente tranquilidade, ajudava na
educação de minhas irmãs. Jamais demonstrava estar com a cabeça longe,
pensando em bobagens. Eu era centrada e discreta. Irrepreensível.
Mas em silêncio eu sofria. Mal conseguia comer de tão apaixonada.
Todas as palavras que escrevia tinham inscritas em segredo os detalhes do
mascarado; minha paixão por ele tingia o papel tanto quanto a tinta preta.
Seus olhos, sua pele, os calores que me consumiam, os desejos indizíveis que
ele fazia acontecer em mim… Tudo aquilo me dava material infinito para os
livros, mas estava acabando com meus nervos. Eu estava completamente à
mercê de suas ideias sensuais e perigosas. Em algum momento precisaria
parar de frequentar o clube para o meu próprio bem.
Quando? Não sabia. Pior: não queria.
Na noite em que deveria estar lá, quatro semanas depois da inacreditável
cena de falta de pudor em público, passei mal. Incapaz de sair da cama, vi a
lua nascer e desaparecer no céu sem conseguir me levantar. Ao mesmo tempo
em que me sentia febril de tanta vontade de estar com ele, uma parte minha
repetia em silêncio: aproveite para desaparecer. Suma de lá antes que
descubram você. Mas na noite seguinte, assim que Emma e Arabella foram
para a cama, desci as escadas e escapei.
Eu sabia que o fim das idas à Lust se aproximava. Sentia que meus
encontros com o mascarado precisavam chegar ao fim.
Assim que ele me recebeu na porta, ansioso pelo atraso de uma noite,
percebeu que eu não estava bem. Caminhamos até o quarto em silêncio, onde
pela primeira vez não fui atacada por seu ímpeto. Ele estava tenso, eu podia
sentir. Tudo em mim indicava que aquela não era uma noite como as outras.
Ele não parou de traçar delicadamente caminhos pelo meu corpo com
suas mãos poderosas, mas os olhos estavam mais atentos às minhas reações
que o normal. Há dias ardia em febre, digladiando internamente entre
continuar a loucura ou desaparecer enquanto ainda havia tempo.
— Você emagreceu — ele disse olhando para mim. — Esteve adoentada?
— Não é nada — respondi. Queria que ele me beijasse logo. Era como se
tivesse passado fome, mas dele.
— Sinto muito pelo que fiz no encontro passado — ele falou procurando
meus olhos, segurando meu rosto entre as mãos quentes. — Fui ousado
demais. Não perguntei antes se desejava aquilo. Perdoe-me, Mondschein.
— Ninguém sabe quem sou — segurei seus braços. — Não se preocupe
com isso. Agora, por favor… beije-me.
Mas ele não me beijou. Ele continuou a estudar minhas reações, as mãos
ao redor do meu rosto.
— Você está quente.
Eu estava. Não sei que tipo de mal recaiu sobre mim, mas eu me sentia
fraca. Fraca, deprimida e carente dele.
Sem aviso ele se abaixou e me ergueu do chão, me levando no colo até a
cama.
— Você não está bem.
— Estou bem — falei, sentindo-me mal. — Não é nada — segurei as
lapelas de seu casaco. — Não saia de perto de mim.
— Mondschein… — ele me deitou sobre as almofadas, ajeitando algumas
atrás de mim. Então sentou-se ao meu lado. — Não sairei até que esteja bem.
Vou pedir um chá — ele disse, e senti pena ao ver o carrinho cheio de
morangos e cerejas à minha espera. — Não saia daqui.
Como se eu conseguisse, pensei.
Ele retornou algum tempo depois acompanhado de uma criada. Ela trocou
o carro de bebidas e comidas por outro. Chás e um bolo recém assado
aguardavam por mim. Eu me sentia quente dentro do vestido — não tive
tempo de colocar o kimono — e a máscara apertada me fazia sentir sem ar.
Assim que a senhora saiu, ele retornou ao meu lado.
— Estou preocupado com você — disse.
— Não é nada. Acho que sofri demais, e meus nervos aqueceram o corpo.
Tenho quase certeza que a febre está ligada à iminência desse encontro.
Ele não esperava tanta sinceridade. Tirando a jaqueta, acomodou-se ao
meu lado, seu corpo bonito de frente para o meu.
— Sei então como se sente.
Olhamo-nos por uma eternidade. Pensamentos perigosos passavam pela
minha mente. Ideias absurdas, como tirar a máscara e deixá-lo ver quem eu
era. Tirar sua máscara e implorar que me falasse quem ele era. Mas aquele
era um clube onde o envolvimento emocional não estava no cardápio. Eu me
sentia tola por me envolver demais.
— Perdoe-me por estar aqui assim — falei. — Não devia ter vindo.
— Céus, não — ele acariciou meu rosto. — Se não tivesse aparecido, eu
teria ficado doente.
Ele trouxe minhas mãos à boca e beijou-as. Então sorriu quando sorri
para ele.
— Quanto a isso… — ele brincou com a fita que amarrava a minha
máscara. — Estive pensando sobre nós. Se quiser tirar, prometo que não…
Não. Não, não não.
Meus braços endureceram e afastei suas mãos.
— Não — fui clara.
— Calma — ele respondeu. — Era só uma sugestão. Não precisa tirá-la.
Era claro que não a tiraria. Sinos badalavam dentro de mim, como os de
cidades da costa que alertam seus moradores do perigo do oceano. O
mascarado só voltou a falar quando viu que eu estava tranquila outra vez.
— Só farei o que quiser, e no ritmo que quiser, querida. Sei que tem
medo que descubra sua identidade, mas lembre-se: prometi não persegui-la
nem procurá-la, e pretendo cumprir a promessa.
Faltava firmeza em sua afirmação, mas mesmo assim sua resposta doeu.
— Eu sei. — respondi, afastando aquela ideia da cabeça.
Nos beijamos com delicadeza, os lábios dele me sugando de leve. As
ideias de desaparecer evaporaram como a febre do corpo. Minha própria
saúde parecia depender agora de seus braços.
Naquela décima noite não houve lições. Passamos as horas conversando
sobre ideias, opiniões sobre assuntos banais, rindo de coisas sem importância.
Um homem e uma mulher trocando confidências enquanto tomavam chá,
comiam bolo e se olhavam como se fossem mais do que eram.
Embora nunca viriam a ser, e ambos sabiam.
Noite 11
TOQUE-SE

Theodor

Q UATRO SEMANAS DEPOIS , com a saúde dela restabelecida, não houve


conversa quando a reencontrei nas escadas. Suas mãos fecharam-se ao redor
da minha e caminhamos até o quarto. Eu podia sentir a vibração nos dedos da
mascarada.
Não houve tempo para perguntas — ela estava bem e eu, louco de
saudades.
— Venha aqui — Ela me puxou. Ela me ajudou a livrar do paletó e da
camisa, descendo as mangas pelos braços, com pressa. Os movimentos
urgentes fizeram meu membro subir e apertar-se contra a calça. Era delicioso
sentir excitação depois de tantas semanas longe dela. Há um ano não
conseguia me envolver com mulher alguma na sua ausência, eu só conseguia
pensar nela. Os dedos da mascarada desabotoaram minha calça e finalmente
liberaram minha ereção. Ela balançou, livre, entre a força do desejo e da
gravidade. Ela se livrou da própria roupa com a minha ajuda, impaciente para
sentir a pele contra a minha. Eu mal podia me controlar. Sem preâmbulos, ela
se agachou e envolveu meu membro com os dedos delicados, e começou a
afagá-lo. Quase ejaculei de tanto desejo contido; agarrei seu cabelo,
desfazendo o penteado simples, trazendo sua boca macia até ele. Ela o beijou
e lambeu com a fome e a sede com que eu a beijava e lambia. Era delicioso
sentir-me desejado, sentir que ela sentiu minha falta como senti a dela.
Ela me satisfez até que a parei, ou não conseguiria continuar. Lancei-a
sobre a cama, observando se peito subir e descer pela ousadia. Deitei sobre
ela, lambendo o mamilo esquerdo, provocando nela espasmos e tremores que
sacudiram seu corpo.
— Quase morri de saudades — falei, desesperado.
— Eu também — ela gemeu de volta.
Meu membro se encaixou entre as suas pernas e nos olhamos, como
sempre nos olhávamos quando eu chegava perto demais.
— Você me enlouquece, Mondschein.
— Não fale sobre loucura. Sinto-me louca o bastante.
Beijei-a de modo profundo, avançando o quadril em sua direção. O que a
segurava devia ser forte demais, porque ela mostrava em carícias e gemidos
que me queria, tanto quanto eu a desejava.
Rolamos na cama, envoltos em braços e pernas e carícias que nunca
matavam a saudade.
— Você me faz querer voltar — ela gemeu em minha boca. — Preciso
parar de vir, mas não consigo — revelou.
Um calafrio congelou meu sangue. Ela está pensando em parar de vir?
Talvez tivesse chegado a hora de jogar sujo. Quebrar minhas próprias regras
e segui-la até sua casa. Não poderia viver sem saber quem ela é. Se ela
sumisse, o que seria de mim?
Enquanto pensava desnorteado o que aconteceria se ela desaparecesse,
abri-a para mim. Desci a boca até ela, tentando achar conforto entre sua carne
macia e úmida. Mordi de leve a parte interna de suas coxas, beijando sua
palidez. A cada movimento de minha língua, temia por nós. Quando voltei a
subir para beijá-la, encaixei o corpo junto ao seu de tal maneira que indiquei
que a queria. Inteira, e não mais substitutos para o ato sexual. Que daria
qualquer coisa para entrar nela e fazê-la minha. Qualquer coisa? Quase tudo.
Eu precisava achar um modo de trazer minha cabeça para o lugar ou
colocaria tudo a perder.
— Não, mascarado — ela se afastou.
Afundei a cabeça no colchão, frustrado. O que estava acontecendo
comigo?
Levantando a cabeça e puxando-a novamente para perto, ordenei:
— Toque-se.
Ela me olhou, espantada.
— Como?
Não queria conversar agora. Queria expurgar a frustração de não estar
embrenhado dentro dela, pulsando dentro de sua carne, entrando e saindo de
seu calor. Eu precisava de algo absurdamente quente no momento.
— Agora — pedi subindo em cima dela, cada joelho de um lado do
corpo. — Toque-se onde me deseja. Como gosta que eu a toque.
Suas mãos estavam sobre a minha coxa e sua hesitação era visível. Ela
pensou por um momento, então mandou seus pudores e inibições para o
inferno. Levando os dedos até seu centro, começou a movê-lo delicadamente
ao redor da crista delicada. Então ela começou a se tocar do jeito que eu
fazia, acariciando seu cerne, pressionando girando a ponta dos dedos ao redor
do botão macio. Seus olhos estavam fechados. Seus seios empinavam toda
vez que um espasmo arqueava suas costas.
— O que está sentindo, meu luar? Gema pra mim.
Ela gemeu. Comecei a movimentar meu membro contra a lateral de seu
corpo, observando deliciado seus toques íntimos.
— Isso, Mondschein. Sinta sua umidade. Atinja o ápice para mim.
Ela se contorceu, e eu abocanhei um dos mamilos para aumentar seu
prazer. Chupei-o com vontade, fazendo-a estremecer de olhos fechados. Ela
tentou me tocar, mas fiz que não. Ela chegaria sozinha ao prazer e eu iria
assistir. A lembrança dela em meus braços era tudo que eu tinha nas semanas
vazias sem ela.
Ela enterrou o rosto no meu ombro quando os espasmos a balançaram, e
eu sufoquei seus gemidos com um beijo apaixonado. Ainda rocei o pau
contra ela por um tempo, mas então o segurei e, com firmeza, cheguei ao
ápice, derramando minha semente sobre a sua perna.
Colei meu corpo fraco e trêmulo ao dela. Ele estava satisfeito; minha
alma, um pouco menos.
Aquele era o céu. Um céu possível — mas não o desejado.
— Prometa-me que voltará na próxima lua — pedi sentindo seus dedos
acariciarem meu cabelo.
— Prometo — ela disse, fraca.
Uma sensação nauseante embrulhou meu estômago. Ela estava em
dúvidas, e eu sabia.
Última Noite

Charlotte

A S LIÇÕES NOVE , dez e onze deixaram uma sensação enevoada na memória.


Ao invés de me fortificarem, aquelas três noites haviam me enfraquecido. A
vontade antes férrea de nunca deixá-lo saber quem eu era estava abalada; eu
começava a querer que ele me descobrisse. Que me seguisse até em casa e…
me pedisse em casamento.
O problema era que sequer sabia se ele já não era comprometido.
Querer ser descoberta era um pensamento perigoso que vinha queimando
nas veias e me aquecendo em momentos perigosos. Minhas irmãs estavam
desconfiando que algo estava acontecendo. Eu queria contar tudo a elas, mas
quanto menos soubessem sobre aquilo, menos seriam envolvidas nas
consequências caso um dia tudo desse errado.
Cheguei a pensar em conversar com o mascarado sobre o que sentia —
estava claro que estávamos envolvidos emocionalmente — mas não
conseguia levar adiante o plano. Eu era uma escritora de romances proibidos.
O que um homem acharia da minha atividade se soubesse sobre ela? A
primeira coisa que faria como marido seria proibir-me de escrever.
Então eu engolia a vontade de contar quem eu era e tentava me convencer
de que era melhor assim.
Mas, enquanto me dirigia ao clube para a nossa décima segunda noite,
sabia que não conseguiria resistir mais à paixão. Na última noite o mascarado
havia me enlouquecido. No auge da noite, chegou a fazer círculos com a
ponta de seu membro em sua intimidade, implorando para que eu pedisse por
ele. Eu quase havia cedido, tão louca estava para que consumássemos o sexo.
Sentia uma vontade dolorida de senti-lo, um desejo quase louco em ser
tomada por ele.
Ele havia virado um perigo para mim. Um vício que eu não conseguia
mais controlar.

— Estou tão louco por você, Mondschein — o mascarado procurou meus


olhos. Havia uma boa dose de paixão avassaladora neles.
Eu também estava, e essa era a verdade. Avassaladoramente apaixonada.
— Quase enlouqueci com a brincadeira perigosa que fizemos da vez
passada — ele continuou, afundando a cabeça em meu pescoço.
Na noite de número onze, durante um beijo profundo, quase consumamos
o ato. Parei antes do momento, contorcendo o corpo. Mas a vontade de deixá-
lo avançar foi inegável.
— Deixe-me entrar em você. Por favor — ele pediu baixo.
Eu me remexi sob ele, tentada demais a dizer que sim. Um perigo, é o que
você é para mim.
— Por que diz essas coisas? Sabe que não podemos.
Não podia me tornar amante de um homem cujo nome sequer sabia.
Ele se sentou ao meu lado.
— Por que digo essas coisas? — ele repetiu minha pergunta, beijando
cada dedo de minha mão. — Porque é insuportável não saber quem você é.
Porque você é um mistério grande demais para mim. Porque quero abrir o
segredo que você é, como uma chave. A vontade de desvendá-la é
insuportável.
Ele nunca havia sido tão direto. Tão insistente ou persuasivo. Da minha
posição eu via seu pomo de Adão subir e descer. Ele estava pedindo que eu o
deixasse romper a última barreira e finalmente consumasse o que ambos
ansiávamos por viver. O que mudaria se o deixasse finalmente me
desvirginar? Um evento simbólico que em nada mudaria o meu futuro, caso
eu tomasse as precauções adequadas?
Era mais do que isso, porque agora estava apaixonada por ele.
Por que não? A pergunta mais perigosa do mundo se insinuava na mente.
Por que não? Não havia nada no mundo que eu quisesse tão violentamente
quanto ele. Nada pelo qual valesse a pena me guardar.
— O que mudará entre nós? — perguntei.
Ele abriu a boca para falar, mas não conseguiu terminar.
Tudo?
Nada?
Voltei a me acomodar entre as almofadas, o peito subindo e descendo. Fiz
rapidamente alguns cálculos, decidindo que o risco de engravidar seria
mínimo. Eu estava inchada pelas regras que viriam entre hoje e amanhã. O
risco era apenas emocional.
Abri mansamente as pernas, deixando que ele entendesse pelo gesto que
meu corpo dizia sim. Sim para ele e para o mistério que ele era. Sim para a
luxúria que ele representava para mim.
Meu coração se acalmou quando ele deitou mansamente sobre o meu
corpo e suas pernas deslizaram pela lateral de minhas pernas. Com os olhos
pesados de desejo e fixos nos meus, ele se ajustou, mal acreditando que eu
estava pronta.
E ele entrou. Devagar, como quem tateia às cegas por uma entrada, cheio
de alívio e sentimentos que não saberia nem mesmo dar um nome.
A boca dele desceu até minha escápula, enquanto seu traseiro se
flexionou para a frente, penetrando mais alguns centímetros para dentro. Eu
estava pronta. Estava acontecendo. O atrito deveria arder, mas perdida em
tanto desejo, se o que senti foi dor, confundiu-se com prazer. Igualmente
desorientado, ele envolveu um bico dos seios entre os lábios, sugando-o. A
pele delicada respondeu ao calor e à umidade da língua, inchando sob seus
movimentos. Ele saiu de mim, trazendo pouco alívio; levei a mão ao cabelo,
me esticando sob ele, o corpo reagindo de maneira própria aos eventos
inesperados. Eu não sabia o que aquilo era, quão bom seria. Descolei parte
das costas da cama, estremecendo pela sensação, os braços esticados para os
lados, agarrados ao lençol, às vezes vendo-o tomar toda a visão do teto.
Calafrios de desejo eriçaram a pele. Por puro deleite abracei-o com as pernas,
passando do estágio do pudor. O corpo me tranquilizava, entregue, mostrando
que aquilo parecia mais certo que tudo na vida.
Ele veio e voltou, o olhar vago e perdido nos meus como se não estivesse
ali, e sim na junção entre nossos corpos. Sua sensação era de prazer mas
podia ser também de agonia. Uma agonia deliciosa que implorava por alívio
mas pedia por mais.
Ele mordeu meu queixo, beijou minha bochecha e lambeu o meu suor.
— Eu poderia viver entrando e saindo de você, Mondschein.
Abracei-o, fazendo que sim, muda por um desejo sem tamanho de que
pudéssemos realmente passar a vida entre os lençóis. Por uma eternidade ele
deslizou para dentro e para fora, suado, salgando o ar ao redor. Eu o sentia
me alargar, uma sensação ardida como o amor não vivido que guardava no
peito. Seus olhos estavam semicerrados, a boca entreaberta pelo esforço. Suas
mãos me apalpavam, apertavam, me beliscavam enquanto seu membro me
invadia. A sensação era amarga. Saber que era tão bom me entristecia.
Enlouquecido, ele me beijou e saiu de mim. Com uma só mão me virou
de costas, com barriga no lençol, e se deitou sobre mim outra vez.
— O que vai fazer? — Perguntei lânguida, estranhando a posição. Senti o
suor de seu esforço escorrer pela minha pele enquanto sua voz chegava
áspera aos ouvidos:
— Entrar novamente em você.
Olhei para trás e o vi com a mão no membro. Em seguida ele ergueu meu
quadril e encaixou o pênis na entrada da vulva, forçando-se adiante.
Naquela noite choraminguei pela queimação, mas também de prazer. Os
nós dos seus dedos faziam carícias em minhas costas, sem interromper o vai e
vem. Esfreguei o rosto no lençol, alucinada pelas duas sensações divinas que
diferenciam-se em ritmo e profundidade. Estava acontecendo. Que eu não
soubesse quem esse homem era e mesmo assim permitisse o impensável era
assustador. Seu peito esfregava contra a pele suada das costas, e a barba
crescida de fim de noite arranhava minha nuca.
Quando achei que poderia tombar de prazer, ele me virou outra vez.
Aquele homem não se saciava nunca.
Ele voltou a deitar sobre mim, arremetendo outra vez. Segurando meu
rosto, os dedos babados de alguma coisa que não reconheci. Ele disse coisas
indescritíveis rente à minha boca. Coisas que jamais conseguiria reproduzir
em palavras mas que me fizeram arrepiar. Descrições despudoradas sobre o
que estávamos fazendo.
Palavras com o poder de incendiarem uma mulher.
Sem interromper o vai-e-vem, seus dedos circularam o clitóris inchado,
fazendo carinho na parte mais sensível da minha anatomia. O movimento
acelerou. A respiração passou a ficar mais arfada.
— Fica comigo — ele murmurou contra a minha boca, mordiscando
meus lábios até que tudo que eu sentisse fosse uma sensação de
formigamento.
— Fico — respondi, sem pensar.
— Promete?
— Já não sou mais de ninguém — respondi arfando, sentindo um calor
sem tamanho irradiar do ventre em direção ao resto do corpo.
Havia tanta coisa que eu queria fazer com ele. Tanta pele para descobrir,
tanto lugar para descortinar. Arrastei as mãos pelo peitoral bonito e olhei-o
fundo nos olhos. Seu olhar violava a minha alma. Estou apaixonada por
você, pensei, vendo-o fechar os olhos e atingir o ápice ainda cravado em
mim.
Ele tombou o corpo sobre o meu e ficamos um tempo assim, ele dentro de
mim, a respiração contra o meu pescoço, o coração ribombando contra o dele.
— Quero você de novo — ele disse no meu ouvido, fazendo meus pelos
se arrepiarem.
Também quero.
Ele me deixou e eu olhei para o teto, a mente longe.
Eu precisaria tomar uma decisão a respeito daquilo. Os sentimentos
estavam todos descortinados, e precisaríamos rever o acordo antes que um de
nós se machucasse.
Eu conseguiria esconder dele que escrevia?
Talvez. Eu poderia escrever quando ele saísse para trabalhar.
Se é que ele trabalhava.
O que aquele homem fazia da vida? Nem mesmo aquilo eu sabia.
— Precisamos de um espumante — Ele se levantou. — Não saia daí —
ele disse, vestindo o roupão. — Sei onde guardam os melhores e os mais
gelados espumantes do estabelecimento. A noite pede celebração.
Ele piscou e eu sorri.
Minutos depois ele voltou. Ao invés de um espumante na mão, tinha entre
os dedos uma revista.
À medida que se aproximava da cama, via sua expressão mais sombria.
Ele parecia intrigado pelo que via. Então olhou para mim, e de volta para a
revista na mão.
Sentei reta na cama. Um frio correu pela espinha antes mesmo que a
cabeça entendesse o que ele segurava.
— Mondschein? — Ele ergueu os olhos, na testa alguns vincos entre as
sobrancelhas. — Você é Lady Malícia?
Lancei o lençol para os lados e me levantei. Minha resposta saiu nervosa:
— Quem?
Ele me mostrou a revista, onde minha ilustração, mascarada e de cabelos
soltos, era como um reflexo no espelho.
— Lógico que não — respondi, seca. — Onde está o espumante? Não ia
buscar um? — Perguntei escondendo a emoção, sentindo o coração bater
fraco.
Ele não acreditou em mim, e parecia perplexo em descobrir algo que não
esperava.
Era óbvio que nossas noites terminavam ali.
Confuso, o mascarado já não me olhava mais da mesma maneira. Era
claro que era eu ali, desenhada na contracapa da revista. Que o nome daquela
edição, lançada há poucos meses se chamasse “O mascarado do clube” era
prova de que nossas noites haviam ido parar em um livro.
Droga, droga, droga.
— Ah, sim, o espumante — ele falou, fraco. — Vou buscar.
Assim que ele saiu, vesti o kimono e fugi, deixando minhas roupas para
trás.
Jogos sempre envolviam perdas, mesmo se houvesse um consenso e um
acordo. Perdi meu coração na brincadeira, e precisaria aprender a viver sem
ele.
Aquela foi a última vez que vi o mascarado ou pisei novamente na Lust.

FIM
Querem conhecer a história de Charlotte e
Theodor?

Aqui vai uma prévia do primeiro capítulo


1

TRÊS ANOS DEPOIS

S OLITUDE , a aristocrática residência dos Württemberg-Winnental estava


lotada de convidados. Nobres ou não, eles estavam em número excessivo e
aquilo era demais para o gosto de Charlotte. Jamais acharia ali quem
procurava. Seria praticamente impossível. No bolso, a despeito dos riscos, ela
trazia um exemplar proibido de Lady Malícia.

"Minha querida Lady Malícia...


Estarei impossibilitado de escrevê-la nos próximos dias. Estarei em
Stuttgart em breve, a negócios, e o trabalho exigirá toda a minha atenção.
Há rumores de que os Württemberg-Winnental planejam um baile. Por acaso
não seria Stuttgart a sua casa? Que deleite seria para a minha pobre alma
se, porventura, não cruzasse por mim naquele salão?”
Há meses Charlotte trocava cartas com um fã misterioso. Um homem
bem educado e fascinante que vinha crescendo em importância em sua vida
por encorajá-la em seus escritos. Gostava até mesmo de nutrir a ilusão de que
o reconheceria, caso passasse por ele. Ele nunca dissera como era, o que fazia
da vida ou de onde vinha. Mas era educado e inteligente, sensível, e ela
sonhava encontrá-lo. Eram, de muitas formas, mais íntimos do que muitos ali
poderiam se considerar de seus próprios cônjuges.
Charlotte o agradeceria para sempre por ter tampado, com sua amizade e
palavras bonitas o buraco que outro cavalheiro deixara, anos atrás, em seu
peito.
Charlotte observou Emma ser empurrada em direção ao duque,
respirando fundo. Ver a irmã ser forçada a dançar com o anfitrião a enervava,
mas aquela era a sua chance de procurar o leitor misterioso. Emma atrairia
para si todas as atenções pelos próximos minutos, e ela só teria aquela única
chance para circular desapercebida.
Ela se afastou da família misturando-se aos grupos. Sabia deslizar pelas
pessoas sem chamar atenção. Era fácil sorrir educada e castamente para as
senhoras, passando a ideia de que estava apenas transitando, mas um pouco
mais difícil com os cavalheiros. A escassez de homens devido à guerra
acabava fazendo-a esbarrar sempre nos mesmos, e estava farta deles. Farta,
principalmente, de ter que recusar seus cortejos sem uma boa explicação.
"Entendo porque se incomoda, querida", respondera seu amigo secreto
quando ela reclamou sobre a estranheza que causava ao dizer que
permaneceria solteira. "As pessoas associam a palavra solteira à
infelicidade. 'Solteira e amargurada'. 'Solteira e solitária'. Solteira sempre
vêm acompanhada de outra palavra negativa. Narrativas como essas são
impositivas e diariamente eternizadas…"
Charlotte suspirou, perguntando-se por que o resto das pessoas não podia
ser ou pensar como seu leitor desconhecido. Aquele era um homem
admirável. Eram por frases como aquelas que ela continuava respondendo às
suas cartas, mesmo sabendo dos riscos de ser rastreada. Sentia medo, mas
também uma inequívoca atração pelo que ele dizia. Sentia um vazio imenso
por não ter com quem conversar — o que ela escrevia era absolutamente
proibido, e suas irmãs, embora maravilhosas, não escreviam — e aquelas
cartas eram o ponto alto de seus dias.
A jovem parou perto da mesa do buffet, longe da família, de onde poderia
observar sem chamar a atenção. Não era de bom tom ser vista sozinha, mas o
desejo excedia os riscos. Virando-se para a comida, estranhou o aspecto dos
canapés.
Normalmente, os pratos em uma festa eram trazidos por criados e
servidos em mesas com lugares marcados, mas naquele baile ocorria algo
novo: tigelas de ouro e prata dispunham a comida ao modo francês, e
serventes vestidos a rigor faziam a reposição dos recipientes, copos e
sopeiras. Travessas com carne de javali fatiada, codornas recheadas
acompanhadas de molhos trufados e faisões defumados eram enfeitados por
cachos de frutas exóticas trazidas de além mar. Charlotte notou uma fruta de
aspecto horroroso e, sem conseguir resistir, a futucou. O corpo abaulado da
coisa verde e amarela era coberta por gomos espinhentos, e ela trajava no
topo algo que lembrava uma coroa, como tivesse se autoproclamado a rainha
das frutas. Ela franziu o nariz, se perguntando que gosto uma coisa feia
daquelas teria.
Um canapé, em especial, chamou-lhe a atenção.
— Com licença — ela perguntou a um criado. — Pode me dizer o que é
isso sobre o pão?
— Carne de antílope, senhora — o homem respondeu, apontando para a
mesa: — Mais adiante temos outras iguarias trazidas da África para a
ocasião: pés de elefante, javalis da savana, carne de...
Charlotte devolveu o petisco devagar, sem demonstrar reação. Quando o
criado se afastou, ela ouviu uma voz masculina reverberar atrás dela:
— Fez bem em evitar o antílope. Infelizmente, há um bocado de outros
animais estranhos na mesa.
Sotaque de Württemberg, com a entonação empoada da aristocracia. Ela
suprimiu a vontade de revirar os olhos, e ao se virar, tinha a resposta na ponta
da língua:
— Morrerei sem entender o gosto de algumas pessoas.
Mas assim que olhou para o homem diante dela, o copo que segurava
escorregou de sua mão. Se não fosse o gesto felino do cavalheiro em pegá-lo
no ar, ela teria causado um pequeno acidente.
Aqueles olhos azuis.
Fios gelados escaparam de suas vértebras em direção aos membros. Seu
corpo enrijeceu, como se fechasse as portas para os sentidos. Ela conhecia
aquele olhar. Como conhecia a boca, erguida de lado, e o incrível cabelo com
cem tonalidades de loiro.
Seu cheiro dançou ao redor, trazendo memórias absolutamente proibidas.
— Boa noite, senhorita.
O homem que salvara seu copo de um destino estilhaçado parecia mais do
que familiar: ele era íntimo.
O coração de Charlotte começou a bater tão alto que ela teve medo de ser
ouvida.
— B…boa noite.
— Permita-me perguntar: o que viu nessa mesa, para se aproximar?
Ela olhou para a mesa, ruborizada, sem conseguir reconhecer metade das
iguarias. Não conseguia sequer colocá-las em foco. Estava em choque, mas
precisava controlar os tremores. Era imperativo que os controlasse.
Não podia ser ele. Não podia.
— É uma boa pergunta, senhor.
— Tenho outra, na verdade.
— Outra o quê? — ela o olhou, desorientada.
— Outra pergunta — o homem respondeu, como se fosse óbvio. —
Tenho a impressão de que já nos conhecemos. Gostaria de me lembrar de
onde.
Por um segundo tudo escureceu. Castelo, pessoas, lembranças. Só as
noites proibidas, anos atrás, giravam à frente. Elas e os sentimentos
controversos, dores que Charlotte achou ter enterrado em covas fundas.
Beijos e carícias trocadas com um homem que pensou jamais reencontrar
outra vez.
Ela estava, obviamente, errada.
O mundo retornou, claro outra vez, e Charlotte piscou, ligeiramente
zonza. A cabeça se movia tão rápido que ela poderia cair, caso se movesse.
— Impossível — Ela devolveu em um murmúrio.
— Vi quando sua família chegou. A senhorita me lembrou alguém.
Ele correu os olhos pelo contorno dela, e Charlotte decidiu que precisava
fugir. Por anos ela se perguntou o que teria acontecido a ele. Ele havia sido
enviado aos campos de batalha? Morrido na guerra? Às vezes Charlotte
olhava para o teto e pensava no que fizeram durante aqueles doze meses. E
quando fechava os olhos, lembrava dos dedos longos que a despiram e a
veneraram. Nos olhos quentes e rendidos. Na boca de beijos doces e palavras
tanto ternas quanto picantes. Nas conversas deitada em seus braços, sem
medo do mundo, e no fim abrupto e necessário.
Por meses sentiu vontade de voltar ao clube, mas convenceu-se, com a
ajuda do tempo, que aquelas noites haviam se tornado mágicas porque
haviam sido interrompidas. Ela o eternizou nos livros que escreveu nos anos
seguintes, e aquilo bastou.
Que ele estivesse ali, por outro lado, a aterrorizava.
— Importa-se se eu perguntar seu nome? — Ele perguntou.
— Um cavalheiro jamais se apresenta a uma dama.
— Não tenho certeza se já não fomos apresentados — Os olhos azuis se
estreitaram, perigosos. — Talvez tenhamos.
— Eu me lembraria se sim — Ela estendeu a mão mesmo assim, e ele a
segurou. — Charlotte Thiessen.
Um canto da boca do homem se ergueu, disparando raios elétricos pelos
membros de Charlotte. Era ele.
— É um deleite, senhorita. Sou Theodor. Conde de ...
— Urach — ela respondeu por ele. — Sei quem o senhor é.
Ela não demorou a notar a semelhança com a duquesa. As feições
angulosas e o porte também o denunciaram. Além do uniforme preto, claro,
usado em sua maioria entre os nobres que serviram na guerra. O conde abriu
um sorriso deslumbrante, que renovou algumas das muitas lembranças que
ela guardava. O sorriso de Charlotte diminuiu de forma inversa.
— Espero que minha fama não tenha me precedido. E, se sim, que ela não
tenha a assustado.
— Não tanto quanto a de seu irmão — Charlotte respondeu com um
sorriso discreto.
— Ninguém conseguiria essa proeza — Ele concordou.
Os pensamentos de Charlotte iam e vinham, ágeis, e as conexões que eles
faziam eram vastas. Mas ela estava em seu limite. Não conseguia vislumbrar
as consequências e a ironia daquele reencontro. Como podia? O mascarado
do clube Lust era um conde? Um nobre da casa mais antiga do reino?
Ambos voltaram-se para o salão, onde Emma dançava nos braços do
duque. Charlotte estava usando todas as suas forças para parecer tranquila.
Para isso, estava puxando menos o ar, e ficando cada vez mais tonta.
— Ela não parece muito feliz — o conde comentou, observando o casal.
— Nesse exato momento, sinto pena do seu irmão.
Ele se virou para ela, nos olhos puro interesse divertido.
— Posso perguntar o porquê?
— Ela parece estar desferindo dolorosos golpes verbais no coitado.
O conde conferiu se estavam falando da mesma pessoa. A mulher que
dançava com o duque parecia bastante pacata. Charlotte aproveitou a
distração para respirar.
— Se Emma não fosse uma dama, seria um sabre — ela complementou,
vendo-o entortar a boca novamente daquele jeito charmoso.
Se Charlotte fosse de corar, coraria. Ela apenas voltou a olhar para o
salão.
— Devo temer pelo meu irmão?
— Apenas se ele quiser algo além da dança.
O conde suspirou, dizendo em tom de confissão: — Talvez não devamos
nos preocupar muito, então. E isso não é de forma alguma uma ofensa à sua
irmã.
— Sequer cheguei a achar que fosse — ela devolveu.
Eles permaneceram por um tempo em silêncio, a uma distância segura.
Mais adiante, Frau Herta continuava a argumentar com o senhor Thiessen
sobre algo relacionado à dança. Charlotte precisaria voltar em breve, sem
sequer se lembrar do motivo pelo qual havia se afastado.
Ah, sim. O homem com quem se correspondia, e também estava no baile.
Esquecera-se dele.
No entanto, lembrava-se da promessa que fizera na última noite em que
pisou na Lust, anos atrás. Para o seu próprio bem, nem as noites nem o
mascarado deveriam ser mencionados outra vez. Caso um dia o
reencontrasse, deveria desviar de seu caminho e desaparecer. Ele sabia
demais sobre ela.
— Milorde, passei tempo demais apreciando a mesa e acabei perdendo a
hora. Peço licença para retornar à minha família.
Não foi um pedido, e sim um comunicado. Com uma mesura, Charlotte
virou-se e deu um passo adiante, mas o conde mostrou mais uma vez sua
agilidade. Adiantando-se a ela, ele parou à frente, bloqueando sua partida.
— Acho que nos conhecemos.
Todos os sentidos de Charlotte entraram em alerta. Os olhos azuis do
conde investigavam os dela, como se questionassem a própria intuição.
— Três anos atrás? — Ele insistiu. — Em um baile de máscaras?
— Eu me lembraria, caso tivéssemos sido apresentados. — Ela
respondeu, agora mais firme.
Ela não seria desmascarada. Não ali. Charlotte havia feito da mentira sua
forma de vida. Estava treinada em mentir. Os livros que escrevia poderiam
arruiná-la, e a capacidade de negá-los era pré-requisito para escrevê-los.
Por sorte, o conde não sabia o que fazer com suas próprias suspeitas.
— Perdão — Ele pediu, talvez entendendo que desmascará-la implicava
em ser desmascarado também. E, enquanto ele corria os olhos por ela, sem
entender como podia estar errado, ela deu um passo para trás.
Beijos, toques, olhares trocados por tanto tempo na escuridão — tudo
voltou naquele instante. Assim como a última frase dita por ele, na última
noite, que acabou decidindo o fim dos encontros e sua fuga da Lust.
"Encontrei hoje, no saguão, um livro que parece atrair enorme interesse
das damas que frequentam o clube. Ao folheá-lo, achei essa imagem.”
Ele estendeu a ilustração em sua direção, onde ela aparecia sorrindo,
mascarada.
"Você é Lady Malícia?"
Dando a volta em seu cerco, Charlotte disparou por entre os convidados.
Precisava achar um lugar para se esconder, e organizar os pensamentos, agora
em chamas.

Fim da amostra.
Quer conhecer Lady Malícia? Clique aqui.
Outras obras da autora:

Fantasia
A Jornada das Bruxas

Romance Adulto
A Última Peça
Sessenta Noites em Trindade
Meu Capitão: Sessenta Noites em Trindade 2
Sexo, Amor e Outros Estragos
Selvagens
Mascarado
A Morte e a Donzela - Parte 1
A Luz e a escuridão - Parte 2
O Lado Bom do Inferno
A Garota da Música

Romance de Época
Lady Audácia
Lady Malícia
Lady Romance

Contos e Antologias

As Doze Noites de Lady Malícia


Três Milagres de Natal
Spin-off de Selvagens: a história de June e João
Homens de Farda
Doze por Doze:“Janeiro”
Quer me conhecer? Clique aqui:
www.karinaheid.com.br
Meu trabalho com escrita terapêutica:
www.ocaminhointerior.com
Sobre a autora

Publicitária, professora de alemão, psicóloga e escritora — tudo que é legal ser, já fui (e
sou). Sou também mãe de duas crianças lindas e esposa parceirona. Já corri o mundo e
morei em um monte de lugares. Adoro falar sobre livros, técnicas de escrita e papos psi!
Se quiserem falar comigo, sabem onde me encontrar!
www.karinaheid.com.br

Você também pode gostar