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Playlist
Ozzy Osbourne — Straight To Hell
DeathbyRomy — Time
Imagine Dragons — Dream
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Halsey — Gasoline
Asking Alexandria — Vultures
Halsey — Strange Love
The Lumineers — Nightshade
Halsey — Devil
Hayley Kiyoko — Demons
Hollywood Undead — City
Sam Tinnesz — Far From Home
Phantogram — Black Out Days
Lacey Strum — Rot
93PUNX — It’s a Bad Dream
Banks — Contaminated
DeathbyRomy — Shadow
Lil Wayne — Trust Nobody
Anya — How Far Does The Dark Go?

The Rigs — Devil’s Playground


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Eu desejo as coisas que irão me destruir no final.

—Sylvia Plath—
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Isso é uma prisão repleta de rimas e enigmas. Um lugar onde as


trevas e a luz são a mesma coisa.
Paixões carnais esperam lá dentro.
Seus gritos não vão te salvar; eles vão apenas excitá-los.
A segurança é apenas uma ilusão.
Não confie em ninguém. Questione tudo.
Ele está assistindo. Ele está esperando.
Em breve será sua vez.
Servatis Periculum1.
Algo terrível está por vir.
Faça uma jornada ao Devil’s Playground.

1 Servatis Periculum: é uma expressão em latim, basicamente significa


“Salve-nos do Perigo.” Optamos por deixar como no original.
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Dizem que algumas das melhores lembranças podem vir de


uma má ideia.
Posso garantir a verdade nisso. Mas sabe o que mais é verdade?
As consequências que estarão esperando para lembrá-la de todas as
suas decisões idiotas.
Você pensaria que eu tinha aprendido essa lição eras atrás, mas
aqui estava eu, colhendo tudo que plantei.
Dolorosamente.
Muitas doses de Tequila combinadas com poucas horas de
recuperação resultaram em uma combinação mortal.
Sabia que não devia beber como na noite anterior, mesmo que
eu tivesse uma longa lista de argumentos
válidos para fazer isso.
Infelizmente para mim, isso nunca
funcionou bem. Nunca fui o tipo de pessoa
que poderia afogar suas mágoas no fundo de
uma garrafa, embora invejasse aqueles que o
faziam. Não havia álcool suficiente no mundo para remediar a
confusão que eu estava. Sem mencionar que eu tinha uma tolerância
de merda e não era nem remotamente atraente quando ficava
bêbada.
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Algumas garotas têm a habilidade de serem fofas enquanto
10 estão embriagadas. Tornei-me o equivalente a um peixe moribundo
em busca de água... com um toque de filhote recém-nascido. Ah. A
ideia de consumir até mesmo uma gota a mais do traiçoeiro etanol
me deixou horrivelmente nauseada.
Eu escovei meus dentes - duas vezes - e ainda podia sentir o
gosto.
Embora ficar bêbada possa não ter sido a maneira mais
saudável de lidar com minha turbulência mental e emocional, isso
manteve minha sanidade intacta. Isso tinha que contar para alguma
coisa.
Embora, seria cômico se a bebida fosse a faísca para eu perder
completamente o rumo, considerando todas as coisas. Minhas
chances de sobreviver inteiramente à minha vida tinham a mesma
probabilidade de um cara ou coroa. Cara, eu seria como o lado da
família do meu pai. Coroa, eu devo ficar como a minha mãe. Eu
ainda tinha que determinar o que era pior quando se tratava
daqueles filhos da puta malucos.
Andei em volta de um casal que caminhava pelo saguão do
resort, colocando meus óculos de sol e agarrando minha mala.

— Acho que estou morrendo. As ressacas


são tão subestimadas. – Melantha resmungou
ao meu lado, puxando seu gorro ainda mais
para baixo.
— Não me sinto tão mal desde aquela festa da qual
participamos no dia em que nos formamos no ensino médio. –
Gracelyn concordou.

Página | 11 Ambas as declarações ressoaram em mim. Profundamente. Eu


não queria sair da cama a menos que fosse para sentar nua e encher
meu rosto com batata frita e beber litros de Powerade2. Isso parecia
puro paraíso agora, mas tínhamos um voo para pegar.
Sentindo uma vibração suave contra minha coxa, tirei meu
celular do bolso e deslizei para ver a mensagem de texto. Eu
esperava que fosse um dos meus pais ou meu abuelo3.
Estranhamente, não havia nenhum número exibido.
Ainda mais estranho era a própria mensagem de texto.

Desconhecido: Algo terrível está por vir...

Parei de andar, franzindo as sobrancelhas ao ler a mensagem


mais duas vezes antes de digitar uma resposta rápida.

L: Quem é?

Quase que imediatamente, uma caixa surgiu.

Remetente desconhecido.
A mensagem não pode ser enviada.

2 Powerade: é um isotônico.
3 Abuelo: significa avô em espanhol.
— Você está bem? – Mel me trouxe de volta.
— Sim. Desculpe. – eu arrumei o meu rosto com um sorriso e
Página |comecei a andar novamente, colocando meu celular de volta no
12 bolso.
— Vamos para o inferno. – suspirou Mel, abrindo com o ombro
uma das portas que davam para fora.
— Podemos pelo menos estar no avião antes de você começar a
ser totalmente negativa?
— Existe uma diferença entre fazer isso agora ou mais tarde?
Você sabe exatamente como as coisas vão ser quando voltarmos.
— Não sabemos de nada ainda. – desmentiu Gracelyn.
— Sei que estamos bem atrasadas para nossas 'preciosas'
estreias na sociedade. Seremos arrastadas para o escritório
corporativo para que nossos pais possam explicar exatamente como
traçaram nossos futuros. Eles provavelmente já nos casaram com
alguns idiotas arrogantes e perturbados. Os que organizam as
gavetas e gravatas por cor.
Isso soou dramático demais, mas, infelizmente, ela estava certa.
Era assim que as coisas funcionavam em nosso mundo. No entanto,
eu não poderia concordar abertamente. Isso abriria a porta para uma
conversa que eu não estava pronta para ter. Já havíamos tentado
isso, e foi assim que acabamos em nossa condição atual.
Falar sobre isso levou a pensar. Os
pensamentos vinham com sentimentos,
muitos dos quais amargos, raivosos e
conflitantes - por vários motivos. Meu novo
plano era mergulhar na negação até que
voltássemos para casa. — Vamos apenas esperar e ver o que eles
têm a dizer, e então podemos partir daí.
Ela me ignorou.
Página | — Você acha que eles vão nos dar panfletos ou usar um
13 PowerPoint completo para realmente transmitir sua mensagem e
explicar todas as maneiras como arruinaram nossas vidas?
Meus lábios se contraíram enquanto eu lutava contra um
sorriso. — — Existe uma doença mortal que faz com que as pessoas
vejam apenas o lado ruim das coisas. Meu abuelo gosta de se referir
a isso como pessimismo.
— Seu avô é o líder de toda essa provação. E eu não sou
pessimista.
— Ela é uma realista. – Gracelyn brincou, forçando sua voz a
ser grossa e masculina.
Comecei a rir e o som vindo da minha garganta parecia com o
grito de guerra de um sapo furioso. — Cale-se. – eu golpeei de
brincadeira no seu braço.
— Ai. – ela deu um tapa no lábio e fingiu estar magoada,
fazendo os seus olhos castanhos ficarem grandes e redondos.
— Não posso levar vocês, vadias, a lugar nenhum. – Mel
repreendeu, rindo baixinho. — Ali está o nosso ônibus. – ela
apontou para um ônibus branco brilhante parado nas proximidades.
Nós nos aproximamos dele ao mesmo
tempo que duas mulheres mais velhas,
permitindo que elas fossem à nossa frente.
Enquanto esperávamos, o sol continuou a
descer no céu, lentamente consumindo a luz.
Olhei de volta para o resort e segurei um suspiro. Esta seria a
nossa última viagem de lazer. Indefinidamente. Poderia contar em
uma mão o número de vezes que as viagens foram feitas por luxo
versus "negócios".
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Melantha começou a subir no ônibus. Eu a segui e Gracelyn na
14 retaguarda.
— Sente-se onde quiser. – O motorista instruiu em um tom
otimista, com seu bigode grosso levantando enquanto ele sorria.
Agradeci a ele com um pequeno aceno e então dei uma olhada
no interior. Os assentos estavam distribuídos em dois por fila e já
havia algumas pessoas na frente.
Ignorando os olhares dirigidos a seus cabelos coloridos, Mel
passou por todos eles, totalmente despreocupada.
Ele sempre foi pintado em uma cor divertida ou outra. Desta
vez, ela escolheu um violeta profundo, azul pavão e franjas em
degradê brancas. Ela era uma das poucas pessoas que eu conhecia
que conseguia arrasar.
Mel conseguiria concretizar qualquer coisa, realmente. Ela
tinha um tipo clássico de beleza. Ela sempre me lembrou daquelas
garotas pin-up retrô, completando com um pequeno piercing
Monroe de diamante.
Ela acabou reivindicando três assentos que estavam no meio do
caminho na parte de trás. Precisamente à direita deles estava um
grupo de quatro caras que, olhando de
relance, pareciam ter vinte e poucos anos, ou
seja, mais ou menos da nossa idade. Atrás
deles, sentada solitária, estava uma bela ruiva
com fones de ouvido.
Não sendo a maior fã de espaços
confinados, coloquei a minha mala no compartimento de bagagem
e, em seguida, reivindiquei o assento mais próximo ao corredor.
Gracelyn passou por mim e se sentou perto da janela, deixando
Página |Mel sem escolha a não ser sentar-se atrás de nós.
15 — Quanto tempo leva para chegar ao aeroporto? – Grace
perguntou.
— Trinta minutos? – eu deduzi, tirando meus óculos de sol para
ele ficar em cima da minha cabeça.
— Para que conste, eu ia perguntar se precisava de ajuda, mas
parece que você a teve. – Uma voz rouca cruzou o corredor.
— Hã? – eu olhei por cima, quase dando uma segunda olhada
quando tive minha primeira visão de verdade de quem estava ao
nosso lado. Se a vida fosse um desenho animado, meu queixo teria
caído no chão. Em algum lugar no fundo da minha mente, as
Weather Girls4 começaram a cantar sobre chover homens.
— Sua mala. – disse o cara mais próximo de mim, acenando
com a cabeça em direção ao compartimento de bagagem.
Ele estava usando um penteado bastante estiloso - um corte
inferior que era longo na parte superior e curto nas laterais.
Os fios lisos eram castanhos escuros com partes naturalmente
mais claras entrelaçadas. Ficou bem nele - muito bem.
— Ah bem. Obrigada por considerar. – eu brinquei,
encolhendo-me internamente assim que a
última palavra saiu da minha boca. Obrigada
por considerar? Que jeito de ser
superestranha, Lana.

4 Weather Girls: é um grupo musical.


— Quando quiser. – ele respondeu gentilmente, exibindo um
sorriso divertido. Seus dentes eram tão brancos que me perguntei se
eles eram reais.

Página | Não queria cobiçar ele. Então, novamente, sim, eu fiz. Quer
dizer, droga. Onde diabos ele esteve se escondendo nas últimas duas
16 semanas? Esta viagem teria sido dez vezes melhor se eu tivesse esta
obra de arte para olhar todos os dias. De preferência por baixo ou
em cima dele.
Uma de suas características mais notáveis eram os olhos. Eles
eram lindos.
Eu os chamaria de azuis, mas isso era como dizer que o sol era
amarelo, um adjetivo mediano e pouco preciso. Era mais uma
multiplicidade. Eles me lembravam do mar, vibrante e sereno, com
algo se agitando dentro deles que não era facilmente identificável.
Nosso concurso de encarar durou pouco, pois mais duas garotas
embarcaram no ônibus e passaram entre nós, ambas parecendo estar
com a ressaca que eu estava, apenas um pouco mais preparadas.
Desviei minha atenção do colírio para os olhos do outro lado do
corredor e fiz o meu melhor para ficar confortável, brincando com o
colar que meu abuelo tinha me dado um pouco antes de eu partir
para a minha viagem. Ele também deu um para Mel e Grace, como
era costume dele ao comprar qualquer coisa para mim.
Eles eram todos diferentes, cada um com um pingente de prata
de algum tipo. Eu não tinha ideia do que qualquer um dos símbolos

significava, mas era do meu abuelo, então


isso não importava.
Raramente eu dizia não ou recusava. Ele
era o velho mais doce de todos.
Pelo menos, quando se tratava de mim, ele era.
Assim que os últimos passageiros se sentaram, o motorista
ligou o rádio e começamos a nos mover. Eu e Gracelyn olhamos
Página |pela janela até que não pudéssemos mais ver nenhuma parte do
enorme Royal Palms Resort.
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E foi isso.
Estaríamos em um avião indo para casa em breve. As férias
estavam oficialmente encerradas. Como foi meu ato de negação
hipócrita. Eu ia sentir falta de ficar acordada a noite toda sem
precisar acordar de madrugada para fingir que sabia o que estava
fazendo da minha vida. Eu não tinha a menor ideia do que eu queria
ser quando crescesse - e eu já era crescida. Tudo que eu sabia era
que não queria ser quem eu fui.
Eu não sei, às vezes pensei que seria melhor para outra pessoa
planejar a coisa toda.
Meus pais ficariam felizes se eu simplesmente os deixasse fazer
o que desejavam, sem discussão. Não que discutir importasse muito,
de qualquer maneira.
Afinal de contas, os Serpines tinham uma reputação a defender.
Eu não podia arriscar manchar sua imagem imaculada, mesmo que
fosse uma besteira completa. Eu soube em primeira mão o que
aconteceu com quem fez. Minha irmã pagou o preço por
envergonhar nossa família.
Ela os humilhou completamente, e com
quem ela foi casada, quando propositalmente
foi engravidada por um primo distante. Eu
não a via desde o dia em que nossa mãe quase
foi arrastada de casa pelos cabelos. Sangue ou
não, a família não toleraria nada que
considerasse desrespeito.
Para aqueles que não conhecem a história verdadeira, meus pais
simplesmente disseram que ela havia se mudado para alguma
Página |universidade de prestígio. Foi errado eu estar chateada com ela
também? Ela foi a razão pela qual me tornei a criança de ouro
18 numero dos5.
Nosso irmão mais velho foi ratificado em número um. O puxa-
saco.
Esse era outro fator-chave de nosso mundo: sangue azul
bajulador e seus esquemas egoístas e sem fim.
Eles enganaram as pessoas fazendo-as acreditarem que eram
boas, ao mesmo tempo que faziam o que fosse necessário para
promover seus planos pessoais. Construir relações familiares estava
entre eles.
Nós não escolhemos com quem acabaríamos, eles escolheram
por nós. Assim como fizeram com tudo o mais.
Seguir um caminho predestinado veio com a linhagem de elite
que nadou em nossas veias. Não importava como nos sentíamos
sobre as decisões dos mais velhos. Eu não poderia odiá-los ou se
sentir ressentida por isso, no entanto. Amava minha família tanto
quanto podia, considerando nossa dinâmica peculiar, mas isso não
me deixava cega para sua ética sórdida.
Gracelyn me cutucou com o cotovelo, interrompendo meu
monólogo interior. Quando encontrei seus
olhos, ela fez um movimento estranho de
sobrancelha que me fez arquear uma das
minhas.

5 Numero dos: significa número dois em espanhol.


— O que?
— Olha. – ela murmurou com um aceno sutil de sua cabeça.
Eu olhei para o grupo de caras.
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Nenhum deles estava prestando atenção em nós. Eu olhei de
19 novo para Gracelyn, e ela encolheu os ombros e acenou com a mão
como se dissesse: "Não importa."
Quando ela e Mel começaram um debate sobre um dos filmes
mais recentes que estava saindo, eu me sentei da forma como estava
sentada novamente. A nova posição me deu uma visão melhor do
meu cara misterioso. Ele estava intensamente focado no celular em
sua mão.
Relaxado, e sem um sorriso levantando traços fortes, e a sua
expressão era pouco convidativa.
Eu iria mais longe a dizer intimidante.
Usei sua distração como uma oportunidade para vê-lo melhor.
Seus braços tonificados tinham mangas descendo até os dedos,
cada tatuagem era uma peça de arte bem posicionada em sua pele
bronzeada. Cada uma delas aumentava o quanto bom ele era. Ele
parecia alguém que você encontraria nas páginas de uma edição
mais sofisticada da Inked Magazine.
A tatuagem na nuca era uma cruz de leviatã sendo agarrada por
garras ou algo assim. Eu me perguntei se isso tinha algum
significado verdadeiro para ele, ou se ele era
como todos os outros babacas hipster que
pensavam que eram ousados. Baixei meu
olhar de volta para seu braço direito,
observando todas as diferentes partes que
eram visíveis sob a manga de sua camisa.
Havia um aglomerado de rosas como a única tatuagem que eu
tinha no meu ombro direito.
Suas pétalas eram totalmente pretas, enquanto as minhas eram
Página |roxas e magenta.
20 Gracelyn e Melantha tinham o mesmo. Na Grace era na parte
da manga que ela tinha em seu braço esquerdo, enquanto em Mel
estava em seu quadril. Suas cores também eram diferentes. Cada
tonalidade tinha um significado diferente para quem éramos como
pessoas.
Uma representação diabólica de uma Virgem Maria chorando
estava em seu antebraço. Embaixo dela estava outra rosa, esta
sozinha com três números entrelaçados em suas pétalas.
Em sua mão estava o rosto de uma mulher com traços de
caveira. Eu senti como se já tivesse visto isso antes. Ao lado dela
havia uma palavra que eu não conseguia entender completamente, a
menos que me inclinasse muito perto para nosso conforto.
Não querendo ser pega atacando-o essencialmente com meus
olhos, olhei ao redor do ônibus, contando quantas pessoas estavam a
bordo e observando suas aparências.
Se eu não tivesse fascinada pelo cara ao meu lado, já teria feito
isso.
Era uma vez um tempo que eu ia ao parque só para ver as
pessoas. Eu gostava de tentar adivinhar a história de alguém, tendo
em mente que a maioria das aparências
enganava. Todo mundo tinha uma história,
desde o caixa do supermercado até a pessoa
que entregou a correspondência.
Nenhuma pessoa passou pela vida igual a
outra.
Pode haver semelhanças e situações com as quais nos
relacionamos, mas no final, éramos todos almas individuais.
Página | O pensamento me fez avaliar o lindo estranho mais uma vez.
21 Eu estava curiosa sobre ele, mais do que eu deveria estar pensando
quando chegássemos ao aeroporto, eu nunca o veria novamente.
De repente, ele desviou o olhar da tela de seu celular.
Fingi que estava olhando pela janela, o que provavelmente me
tornou duas vezes mais óbvia. Era difícil fingir que você não estava
olhando para alguém depois de fazer contato visual. Ele não me
criticou, graças a Deus, mas a sugestão de um sorriso fez seus lábios
flexíveis se curvarem para cima.
— Vocês são da área? – ele perguntou, guardando seu celular.
— Nem chegou perto.
— De onde você é? – Mel perguntou a ele.
— Daqui não. – Seu tom era casual, mas desdenhoso.
Ele não tirou os olhos de mim para responder. Pega em uma
onda de azul, seu olhar parecia ficar muito mais intenso quanto mais
eu olhava.
Penetrante.
Essa foi uma boa maneira de descrever.
Ele não estava olhando para mim, mas
para mim, como se a concha blindada em que
eu me envolvi fosse transparente.
Algo sobre ele era estranhamente
familiar. Eu não conseguia identificar o quê,
no entanto. Eu tinha mil por cento de certeza de que não conhecia
esse cara. Ele parecia alguém que seria difícil de esquecer, não
importando as circunstâncias.

Página | — Eu sou Ciaran. – ele se apresentou, como se tivesse acabado


de arrancar o pensamento de eu não conhecê-lo da minha cabeça.
22
— Maverick. – O cara ao lado dele se inclinou para frente com
um sorriso, dando um pequeno aceno depois que ele passou a mão
por alguns fios de cabelo soltos. Seus olhos escuros permaneceram
em Melantha por dois segundos inteiros antes de se inclinar para
trás.
— Os dois idiotas atrás de nós são Charon e Kyrous. – Ciaran
continuou.
Sua introdução provocou risos, mas nenhum deles desviou o
olhar do que estavam olhando. Com ele revelando todos os seus
nomes, parecia natural compartilhar o nosso em troca.
Apontei para cada uma das meninas. — Gracelyn. Melantha. –
Então gesticulei para mim mesma. — Liliana, mas todo mundo me
chama de Lana, para abreviar.
— Eu conheci uma Liliana uma vez. – ponderou Ciaran. —
Você é muito mais bonita do que ela.
— Uau. Isso foi um pouco gentil. – Gracelyn brincou com uma
risada.
— Você deveria ouvir quando realmente estou tentando. – ele

rebateu, apresentando um sorriso brincalhão.


Eu estava meio confusa. Isso era um
elogio? Quer dizer, eu pensei que estava tudo
bem - bonita, até.
As raízes hispânicas de minha mãe se mesclaram igualmente
com os genes italianos de meu pai. Meu cabelo era preto como
carvão, comprido com ondas suaves. Os olhos eram castanhos
amendoados. Pele naturalmente bronzeada, para desgosto de
Página |Melantha, já que sua pigmentação de porcelana se recusava a
23 escurecer.
Eu tinha pouco mais de um metro e meio de altura e, embora
minha barriga fosse quase plana, herdei os quadris da minha mãe
com uma bunda que balançava para combinar. Eu não tinha
problemas de auto-estima nem nada, mas estava perfeitamente
ciente de como eu estava naquele momento.
Ontem eu estava glamorosa e pronta para enfrentar o mundo.
Agora? Eu não tinha um vestígio de maquiagem além de um
brilho labial. Meus saltos de fundo vermelho, junto com um vestido
reto provocativo, foram trocados por moletons skinny, um top crop-
top e alguns retro Js6. A única coisa boa para mim foi que eu tomei
um rápido banho de enxada e escovei meu cabelo antes de andar
como um zumbi neste ônibus.
— Vocês três estavam hospedadas no Royal Palms? –
perguntou um dos caras atrás do Ciaran.
— Não. Nós entramos de penetra aqui para pegar uma carona
de graça para o aeroporto porque gastamos todo o nosso dinheiro
em coca e pau. – Melantha brincou.
Seu tom era tão casual, que seria fácil perder que ela estava

sendo uma espertinha.


Grace suspirou e balançou a cabeça,
escondendo um sorriso na palma da mão. Nós

6 Retro Js: é um modelo de tênis.


não podíamos nem ficar envergonhadas; era simplesmente Mel
sendo a Mel. Nós tínhamos muito tempo para nos acostumar com
isso.

Página | Olhei entre os dois caras, tentando determinar quem era quem.
Lembrei-me de seus nomes, visto que Ciaran tinha acabado de
24 apresentá-los, mas não sabia que eram gêmeos. Havia diferenças
sutis entre eles. Um tinha olhos âmbar, enquanto o outro era quase
do mesmo tom de uísque. Seus cabelos também tinham um estilo
um pouco diferente.
Infelizmente, nada disso me ajudou a determinar quem era
Charon e qual era Kyrous. O gêmeo mais próximo da janela parecia
prestes a dizer algo igualmente sarcástico em resposta, mas o ônibus
de repente desviou sem aviso.
Uma buzina soou de outra pista enquanto uma mistura de
suspiros, um pequeno grito e palavrões encheram o ar.
Agarrei o encosto de cabeça de couro na minha frente para ficar
firme em meu assento. Uma vez que estávamos avançando de forma
constante novamente, eu rapidamente verifiquei Gracelyn e
Melantha.
— O que foi aquilo? – Maverick perguntou em voz alta.
Como se para respondê-lo pessoalmente, a música parou e a
voz do motorista veio pelos alto-falantes. — Desculpe, realmente
sinto muito por isso, pessoal. O trajeto normal está bloqueado. Acho
que faremos um pequeno desvio.
Alguém na frente, um homem com
cabelos grisalhos, começou a reclamar.
O motorista o interrompeu, ainda
transmitindo sua voz pelo alto-falante.
— Tenha certeza de que isso só adicionará cerca de dez
minutos na viagem. Eu sei que todos vocês têm voos para pegar -
podem contar comigo para levá-los exatamente onde precisam estar.

Página | Ele desligou e a música começou a tocar mais uma vez.

25 — Ele adivinhou? – Um gêmeo zombou.


Ciaran disse algo em resposta, mas eu mal estava prestando
atenção nele. Eu estava muito preocupada com nosso motorista
repentinamente imprudente. Gracelyn me deu um sorriso de boca
fechada, tentando minimizar suas próprias preocupações para meu
benefício.
Passamos pela saída que deveríamos ter pegado e continuamos
por uns bons dez minutos antes de o ônibus virar para uma estrada
secundária. Depois de mais ou menos três quilômetros, ficou claro
que todos os sinais de civilização estavam sendo deixados para trás.
Levei mais cinco minutos para perceber que não havia mais
nenhum outro carro nos acompanhando.
— Isso não está certo, Lana. – Gracelyn sussurrou.
Eu também não tinha um bom pressentimento sobre isso.
Eu queria acreditar que estávamos excessivamente dramáticas,
mas sabia que sempre deveria confiar em meus instintos. Quanto
mais nos aventurávamos, pior meus nervos faziam meu estômago
revirar. Isso era mais do que uma paranoia aguda.
Havia uma placa aparecendo à direita.
Olhei ao redor de Gracelyn para ter uma visão
mais clara disso. — Rota Seis-Um-Seis. – eu
li em voz alta enquanto passávamos por ela.
Gracelyn se voltou para Melantha. —
GPS a que distância o aeroporto está daqui.
— Já estou cuidando disso.
O ônibus fez outra curva e alguém na frente exigiu saber para
Página |onde estávamos indo.
26 — Que porra é essa? – perguntou um dos gêmeos. Olhei por
cima do ombro e, em seguida, direto para seguir seu olhar, mexi
minha cabeça ao lado do assento na minha frente para que eu tivesse
uma visão desobstruída.
Estávamos indo direto para um túnel. Um bastante grande.
Em circunstâncias normais, isso não seria motivo de pânico,
mas não estava escuro o suficiente para ignorar o vasto manto
branco que parecia emanar de dentro dele.
O motorista continuou andando, com sua velocidade
aumentando gradualmente. Eu não entendi porquê. Não havia como
ele ver o interior. Nada. Murmúrios baixos preencheram o ar, com
mais algumas pessoas começando a expressar suas preocupações.
— Meu celular não está captando nossa localização e esta rota
não está em meus mapas. – disse Melantha, inclinando-se para
frente para nos mostrar sua tela.
Gracelyn afastou o cabelo do rosto, prendendo as mechas loiras
degradê em um rabo de cavalo. — Isso é normal?
Não.

— Tenho certeza de que está tudo bem. –


Ciaran a tranquilizou.
Ele não parecia acreditar.
Eu não diria que ele parecia preocupado -
mais ciente do fato de que as coisas estavam parecendo muito
incompletas.
Conforme a frente do ônibus se aproximava do túnel, o rádio
Página |dava interferência. Ozzy Osbourne foi substituído por uma estática
audível e então uma voz rítmica começou a falar.
27

Ave Satanas, algo terrível está por vir. É hora de começar o


acerto de contas.
Se você entrar no Devil’s Playground, tenha cuidado onde
pisar, pois os demônios estão à espreita com truques na manga.
Aqui, o bem e o mal deixam de existir e nem todos chegarão ao fim.
O preço da liberdade será revelado somente após o
derramamento de sangue e o arrebatamento. Reivindicação de um e
purificação de outros.

A voz parou abruptamente e a música recomeçou. Eu


compartilhei um olhar com as meninas. Isso não parecia uma
interferência normal da estação.
Não havia dúvidas sobre o que foi dito. Cada palavra foi precisa
e clara como cristal.
— O que está acontecendo? – Alguém gritou para o motorista.
O rádio foi desligado totalmente assim que entramos no túnel.

Um grande estrondo eclodiu e o som foi


levado para dentro. Um grito cruzou o ar
enquanto o ônibus balançava de um lado para
o outro, desviando da névoa.
Tenho certeza de que batemos em uma parede lateral,
enviando-nos cambaleando para a esquerda. Alguém foi lançado
para o corredor, gritando ao cair no chão. Cravei minhas unhas na
parte de trás do assento na minha frente, segurando o mais forte que
Página |pude.
28 Houve outro estrondo, alojando meu coração na garganta
quando começamos a ziguezaguear agressivamente, com os freios
rangendo enquanto o motorista tentava parar.
Tudo depois disso pareceu acontecer nos segundos mais longos
da minha vida.
O ônibus saiu do túnel.
Nós inclinamos.
Eu perdi meu controle, quebrando uma unha enquanto caí do
meu assento.
E então não houve nada além de gritos, metal rangendo e
escuridão.
Página |
29

Por um momento, pensei que tudo tinha sido um sonho.


Quando o borrão finalmente desapareceu do meu cérebro e fui
capaz de ver o que tinha acontecido, desejei que tivesse sido.
Minha cabeça latejava dez vezes mais do que quando acordei
esta manhã, uma pulsação consistente vindo da parte de trás do meu
crânio, e meu maldito dedo indicador estava pegando fogo.
Alguém me pegou nos braços. Eu senti a solidez deles,
respirando sua colônia enquanto abria minhas pálpebras. O
equilíbrio instável me fez olhar para um corpo que tinha o pescoço
virado em um ângulo não natural. Olhos cinza e opacos estavam
fixos no teto do ônibus, sem piscar.
Demorou mais um segundo para a clareza aparecer e para eu

perceber que o homem que eu estava olhando


estava morto.
— Acalme-se. – Uma voz rouca ordenou
suavemente no momento em que comecei a
reagir.
Eu me acalmei e lentamente olhei para cima, direto nos olhos
de Ciaran. A visão dele me fez relaxar um pouco. Ele deve ter
Página |sentido porque um sorriso apareceu em seus lábios.
30 — Veja, estou com você. – ele apertou seu aperto e
cuidadosamente caminhou para frente do ônibus, carregando-me
como se eu não pesasse nada e fosse mais frágil do que um pedaço
de vidro.
Quando chegamos onde o motorista deveria estar, seu corpo
não estava à vista.
O para-brisa foi quebrado, com respingos de sangue cobrindo
os cacos restantes. Eu duvidava que ele ainda estivesse vivo.
Engolindo em seco, virei minha cabeça para procurar Gracelyn e
Melantha.
Ciaran passou por mim através das portas - que pareciam ter de
ser abertas - e um dos gêmeos me tirou de seus braços.
Um par de olhos cor de uísque olhou para mim sem nenhuma
emoção enquanto ele me ajudava a levantar.
— Qual deles é você? – perguntei sem pensar, flexionando
meus dedos.
— Kyrous. – ele respondeu. — Você está bem?
— Estou. – Em geral.

Ele balançou a cabeça bruscamente e se


afastou tão rápido que você pensaria que eu
era contagiosa ou algo assim. Tanto faz.
Minha atenção foi direto para Gracelyn e
Melantha. Vendo que elas estavam bem, além de estarem abaladas,
um peso enorme foi tirado do meu peito.
Grace se afastou de Maverick, que tinha um braço reconfortante
Página |em volta dos ombros, e quase correu para onde eu estava.
31 — Não conseguíamos acordar você. – ela respirou, com sua voz
embargada de emoção enquanto me abraçava.
Melantha estava bem atrás dela, apertando minha mão, com o
alívio refletindo em mim em seus olhos prateados. Eu dei a ela um
aperto forte também e trouxe minha mão livre para o ponto sensível
na parte de trás da minha cabeça, tardiamente percebendo que meus
óculos de sol tinham sumido.
— Quanto tempo eu estive inconsciente?
— Talvez dez minutos? Sua bagagem acertou sua cabeça
gigante quando você voou do assento. – respondeu Melantha.
Apreciei sua tentativa de aliviar a situação. Não é de admirar
que me senti como se tivesse levado um chute no crânio.
— Tem certeza que você está bem? – perguntou Ciaran,
aproximando-se de nós.
Jesus, ele era quase trinta centímetros mais alto do que eu. Tive
que levantar fisicamente o queixo para olhá-lo nos olhos. — Sim, eu
estou. E você?
— Eu estou bem. Eu estava mais preocupado com você.

Isso foi meio fofo. Gracelyn me soltou e


eu comecei a olhar os arredores, tentando
sentir melhor a situação.
Algumas coisas surgiram imediatamente.
Nosso ônibus estava parcialmente tombado, preso em uma espécie
de desfiladeiro gramado. A névoa parecia vir apenas de dentro do
túnel que havíamos percorrido, que agora tinha uma grade de
aparência sólida que proibia qualquer pessoa de sair ou entrar.
Página |
Bem à nossa frente havia uma cerca ridiculamente alta com um
32 portão igualmente grande. Luzes pequenas e o que eu acho que pode
ter sido arame farpado alinhavam-se no topo dela. Uma guarita
também estava lá, mas estava totalmente escuro lá dentro. Basta
dizer que as coisas não estavam parecendo muito boas. Ah, e o
motorista que nos colocou nessa situação não estava à vista.
Eu presumi que ele estava morto. Então, por que ainda não
havia sinal de seu corpo?
— Como é que nós colidimos? – eu não perguntei a ninguém
em particular.
— Olhe para os pneus. – Uma morena curvilínea respondeu, se
aproximando de nosso grupo. Ela tinha o tipo de corpo pelo qual as
pessoas pagam bem. Suas características faciais, por outro lado, me
lembravam do rosto do Lula Molusco. Apesar disso e do que tinha
acontecido, ela ainda parecia elegantemente arrumada.
Olhei ao redor da estrutura sólida de Ciaran e examinei as
quatro rodas mais de perto.
O que pareciam ser pontas ocas foram incrustadas em cada uma
delas. Esse era um sinal terrível e assustador.

— Sério, que porra é essa?


— Exatamente meus sentimentos,
criança. – disse uma mulher mais velha,
tentando desesperadamente acender um
cigarro.
— Alguém sabe o que está acontecendo com isso sendo
bloqueado? – eu apontei para o túnel.
Página | — Sim. Alguém fez isso de propósito! – Um homem de pele
33 escura reclamou.
Apenas alguns centímetros mais alto do que eu, com cabelo
encaracolado grisalho quase atingindo os ombros em um blazer azul
marinho perfeitamente passado e a sua personalidade gritava
"autoridade". Acho que era ele quem gritava com o motorista pouco
antes do acidente. Eu não iria discutir sua opinião, mas não fazia
muito sentido para mim.
— Alguém pediu ajuda?
— Não podemos. Nenhum de nós tem sinal. – Maverick
revelou.
Passei minhas mãos pelo meu moletom. Sentindo o contorno
duro do meu celular, coloquei a mão no bolso e o peguei. A
primeira coisa que apareceu foi a mensagem que recebi no resort.

Desconhecido: Algo terrível está por vir.

Eu quase me esqueci disso.


Vê-lo novamente enviou uma sensação
de apreensão pela minha espinha. A voz que
veio do rádio usou esta mesma linha. Eu
estava hesitante em mencionar isso agora, no
entanto. Não acrescentaria nada benéfico à
nossa situação e poderia fazer as pessoas pirar
ainda mais do que já estavam.
— Nada? – Maverick perguntou.
Saí da mensagem de texto e dei uma olhada rápida no meu
Página |sinal. — Não.
34 — Tem certeza? – Ciaran pressionou.
Eu juro que parecia que ele sabia que eu tinha acabado de
mentir. E a maneira como ele estava olhando para mim... Eu desviei
meu olhar e mudei o foco para outra coisa.
— Então, nenhum de nós tem sinal? Alguém aqui pelo menos
sabe como isso é possível?
— Meu palpite? Um bloqueador de sinal. – Charon respondeu.
— Isso é o que eu ia dizer. – A linda ruiva concordou.
— Ok, então não há como pedir ajuda, e o caminho de onde
viemos foi bloqueado. O que faremos agora?
— Bem, não podemos apenas ficar aqui e esperar para ver o
que acontece a seguir. – enfatizou a morena.
— Ela está certa. Ficar em um lugar parece uma ideia
colossalmente ruim. – destacou Melantha. — Não temos ideia de
por que ou quem colocou o ônibus de viagem para fora da pista.
A maioria do grupo parecia concordar com as duas, mas havia
aquela pessoa que tinha que ir contra o denominador comum.
— Tudo o que vejo é uma cerca, outra
cerca e árvores. Para onde devemos ir? E o
que acontece se a pessoa que levou o
motorista voltar? Estou com o quadril
machucado. – perguntou outra mulher mais
velha, agarrando-se com força àquela que
desistiu de fumar.
Levou o motorista? Eu tinha claramente perdido algo enquanto
estava desmaiada.
Página | Olhei para Ciaran por uma explicação, já que minhas amigas
35 não me contaram. — Do que ela está falando?
— Há dois cadáveres no ônibus, nenhum deles é o homem que
estava dirigindo. Ele está desaparecido.
Se eu não fosse quem sou como pessoa, sua total indiferença e
tom casual em relação às pessoas que acabaram de perder a vida
seriam preocupantes.
— Como você sabe que ele foi levado e não simplesmente
fugiu?
Kyrous me deu um olhar inexpressivo. — Você acha que ele se
levantou e simplesmente foi embora?
— Se ele fosse levado, alguém não teria visto isso
acontecendo? Ele não era exatamente pequeno.
Ninguém falou e admitiu ter visto nada. Então, ele não tinha
simplesmente voado pelo para-brisa e batido as botas como eu
pensava originalmente.
A opção, ele sendo levado por alguém... isso era um pouco
perturbador. Tudo isso foi como uma cena arrancada direto de um
filme de terror.

Eu queria culpar algum animal, mas isso


não tinha correlação. Pelo que sabia, a única
criatura que colocava uma barreira de pregos
para furar pneus era humana. Mas por que
alguém escolheria um ônibus? Cruzei meus
braços e olhei a área pela segunda vez.
Estava escuro agora, qualquer luz do sol remanescente no céu
foi bloqueada pelas árvores que nos cercavam por todos os lados.
Página | O calor do dia havia sido substituído por uma brisa fresca, e as
36 pessoas estavam falando baixinho, não havia nenhum outro som
aqui. O piscar de uma luz chamou minha atenção. Eu olhei além de
todos para a guarita.
— Lá. – eu apontei, observando enquanto a luz piscava mais
duas vezes antes de continuar.
— É... há alguém dentro. – disse Gracelyn.
— O que ele está fazendo? – A ruiva perguntou, estreitando os
olhos castanhos.
Essa foi uma boa pergunta. Ele ainda não tinha levantado os
olhos. Mesmo que ele de alguma forma milagrosamente não tenha
visto o nosso grupo, ele não poderia ignorar o maldito ônibus.
— Ele poderia ser um serial killer. – disse uma garota de óculos
e cabelo na altura dos ombros. Eu a reconheci de quando ela subiu a
bordo com a morena.
— Sim, eu realmente não acho que seja esse o caso. – Maverick
respondeu secamente, passando a mão tatuada pelo cabelo escuro o
bastante para ser preto, arrumando-o de novo em um estilo
despenteado.
— Nosso motorista sumiu. Se aquele cara
esteve lá o tempo todo, você não acha que ele
viu o que aconteceu? – disse a de óculos
rudemente.
Embora eu não concordasse sobre a
questão do serial killer, era altamente anormal
alguém testemunhar o que esse cara deve ter e não reagir de forma
alguma.
Enquanto eu olhava para aquele lado, no entanto, ficou cada
Página |vez mais óbvio que algo estava errado.
37 — Ele ainda não se moveu. – eu disse.
— Sim, tipo, em tudo. – acrescentou Mel.
— Tudo bem, ouça. Quem não se sente confortável em andar
por lá deve esperar aqui, o mais próximo possível do ônibus. Você
não vai querer ficar no meio da estrada se aquela grade abrir para
outro carro. – declarou Ciaran. Olhando para mim, ele acrescentou:
— Você vem ou ficará esperando?
— Todos nós estamos indo. – eu respondi por nós três. De jeito
nenhum ficaríamos para trás. Mel e Gracelyn não fizeram objeções,
ambas estavam na mesma página que eu.
Ciaran olhou nosso grupo como um todo e acenou com a
cabeça para si mesmo. — Vamos então.
Ele começou a andar e todos o seguiram.
Acho que ninguém estava disposto a ser a única pessoa que
ficou para trás. Não poderia culpá-los por isso.
Fazendo uma rápida contagem, descobri que éramos treze no
total. Isso foi depois de eu ter contabilizado as pessoas que
morreram no ônibus e o ser perdido.

Virei minha atenção para a guarita e a


cerca à nossa frente. Ela seguia direto para os
dois lados, desaparecendo na escuridão da
floresta.
— De onde vem essa névoa? – Gracelyn perguntou.
— Não deveria estar aqui, isso não é natural. – respondeu
Kyrous.
Página | Quando nos aproximamos da guarita, uma onda de confusão se
38 espalhou através do grupo.
— Hum...? – A ruiva parou.
Olhei através do acrílico com um franzir de testa, afirmando o
óbvio. — Ele não é de verdade.
O homem não era nada além de um manequim, uma figura de
cera vestido como um guarda de segurança.
Ainda mais preocupante do que isso foi o bilhete plastificado e
o gravador colados no vidro. A palavra PRESSIONE estava
datilografada em negrito e em letras maiúsculas. Uma pequena seta
preta apontava para o dispositivo. Abaixo da janela havia um
tambor de óleo com um orifício de tamanho decente perfurado no
topo.
Maverick se encarregou de apertar o botão do gravador. Houve
um leve zumbido, e então a voz alegre de uma mulher começou a
falar.

“Por favor, coloque todos os celulares no barril, e então vocês


podem prosseguir o percurso.”

A gravação foi interrompida, sem deixar


mais instruções ou uma explicação sobre o
que diabos estava acontecendo.
— O percurso?
Dei outra olhada ao redor, com os meus olhos finalmente
pousando em um caminho de cascalho que percorria entre as
Página |árvores do outro lado da cerca. Eu iria arriscar e assumir que era
isso que eles queriam dizer.
39
— Há uma placa um pouco mais à frente. – disse a morena,
gesticulando na direção que eu estava olhando.
— Você não vai realmente fazer o que esta coisa diz? – A ruiva
se opôs. — Isso é loucura.
— Você tem uma ideia melhor, Pebbles7? – Charon perguntou.
— Selena. – ela enfatizou, com desdém pelo apelido que ele
usou evidente em seu tom. — E não, não no momento.
— Devemos seguir a diretriz. Já determinamos que não
podemos voltar por onde viemos. – argumentou uma das mulheres
mais velhas, passando por nós para colocar seu celular no barril.
Houve um leve respingo quando caiu em qualquer líquido que
estivesse dentro.
Comecei a protestar, sendo finalmente ignorada enquanto os
outros seguiam seu exemplo. Balancei minha cabeça e me afastei do
grupo, me libertando de sua bolha restritiva. Mel e Grace foram
rápidas em fazer o mesmo.
Ouvindo o que eu jurei ser um estalo de galho, olhei por cima
do ombro na direção de onde ele tinha vindo. Gracelyn e Mel

encontraram meus olhos. Eu silenciosamente


perguntei: — Vocês ouviram isso?

7Pebbles: é uma referência a personagem Pedrita por ela ser ruiva como
ela. O nome dela é Pebbles em Inglês.
As duas assentiram, com sua linguagem corporal se tornando
incômoda.
Esforcei-me para ouvir se isso aconteceria de novo, mas a voz
Página |da morena abafou qualquer coisa que eu pudesse ter detectado.
40 — Pronto, todos nós fizemos isso. Sua vez agora.
Eu a ignorei e foquei nos outros. — Depois do que acabou de
acontecer e da gravação que ouvimos no ônibus, o que a faz pensar
que esta é uma boa ideia?
— Isso é o que eu quero saber. – Mel murmurou. — E meu
celular está lá trás no ônibus. Eu o perdi durante o acidente.
— Eu também não tenho o meu. – disse Gracelyn. — Está na
minha mala.
— Quem quer que tenha um celular, pode por favor colocá-lo
no barril como diz a placa. – Sr. Autoridade suplicou.
— Ainda não sei por que essa é uma boa ideia.
— Você tem um plano melhor? – Kyrous perguntou.
— Sim. Não seguir instruções de um gravador. – eu respondi.
Algo de metal ecoou em algum lugar da floresta. A garota de
óculos se aproximou de Maverick.
— Eu não acho que estamos sozinhos aqui. – ela murmurou.
Bem na hora, mais alguns galhos quebraram na direção oposta -
desta vez claramente mais perto do que antes.
Alguém esteve nos observando esse tempo
todo?
Olhei por cima do ombro novamente,
mas ainda não via ninguém.
Melantha olhou para mim, com a pergunta do que fazer em seus
olhos. Nós três não nos separaríamos - isso não era uma opção - e
estava claro onde ela se posicionava em sua opinião. Houve mais
galhos quebrando, com outro barulho baixo esquisito os
Página |acompanhando. Que raio foi isso?
41 As pessoas começaram a falar imediatamente, incitando-nos -
mais especificamente eu - a desistir de nossos celulares e
começando a entrar em pânico.
Eu estava dividida. Uma opção gritava lógica, mas também era
associada a uma boa quantidade de estupidez. Realmente queria
passar pela cerca que parecia ter sido feita para proteger uma prisão
de segurança máxima? Absolutamente não. Mas a alternativa era
ficar aqui para enfrentar o que quer que estivesse vindo em minha
direção. Não havia nenhum lugar onde eu pudesse correr ou me
esconder, a menos que fugisse para a floresta. Isso era como as 101
Coisas Estúpidas.
Ciaran, que não tinha dito uma palavra durante nada disso, de
repente se mexeu para que fosse a única coisa que eu pudesse ver,
ficando bem na minha frente. Meu queixo foi levantado com uma
inclinação suave e olhos fixos nos dele.
— Você vai dar a Maverick seu celular para colocar no barril, e
se o portão se abrir, nós vamos entrar. Você entendeu? – Sua
inflexão vocal não mudou, fazendo seu comando irrefutável soar
muito mais alto.
Algo refletido em seu olhar enviou um
arrepio pela minha espinha, me desafiando a
me opor.
Eu não conseguia me afastar ou me
obrigar a remover seu toque, invocando uma
onda de emoções diferentes que me atingiram
todas de uma vez. A indicação de comando não caiu bem para mim,
no entanto. Eu abri minha boca para dizer que ele poderia se foder.
Antes que eu pudesse emitir uma palavra de protesto, ele me privou
de meu livre arbítrio.
Página |
Ele baixou sua mão e me girou, prendendo-me em seu corpo
42 sólido com um braço passando pelo meu peito.
— Fiquem perto do portão! – ele ordenou ao grupo. —
Estaremos bem atrás de vocês.
Eles hesitaram por apenas um segundo, então começaram a
correr em direção à entrada.
— Me solta! – eu exigi, puxando seu pulso.
— Estou fazendo isso por você. – disse ele suavemente,
pegando meu celular no bolso.
Mel e Gracelyn tentaram vir em meu auxílio, mas Charon e
Kyrous estavam quase as levando embora. Assim que Ciaran
recuperou meu celular, algo passou zunindo por nós e atingiu o
vidro, quebrando-o em pedaços. Meus olhos se arregalaram assim
que meu cérebro registrou o que era.
— Ah infernos não!
Eu imediatamente desisti de resistir, peguei o celular e joguei
para o amigo dele do meu jeito.
Antes que eu pudesse vê-lo cair com segurança nas mãos de
Maverick, fui forçada a correr em direção aos
outros. Presumi que tivesse conseguido entrar
no barril, porque o portão começou a se abrir.
Nós nos esprememos com Maverick
felizmente bem atrás de nós. Quando paramos
perto dos outros, arranquei minha mão da de
Ciaran e me virei.
O portão já estava se fechando, com um mecanismo de
bloqueio travando com força no lugar.
Página | Eu dei alguns passos em direção a ele e então parei, com minha
43 mente lutando para entender o que diabos tinha acontecido. Meu
pulso estava acelerado, com o coração batendo forte para
acompanhar. Cada músculo do meu corpo ainda estava tenso e
pronto para funcionar.
O grupo começou a conversar entre si, com todos concordando
que deveríamos continuar. Gracelyn e Mel vieram ficar ao meu
lado, sem dizer uma palavra.
Havia um milhão de coisas que poderiam ser ditas, mas por
onde começamos?
Eu respirei fundo, inalando uma mistura de observações
magnéticas - uma mistura de canela quente, menta e couro
masculino. Sabia quem tinha acabado de se colocar do meu outro
lado sem precisar olhar, mas também não sabia o que dizer a ele
agora.
Eu estava furiosa por ele ter me forçado a vir aqui, mas também
grata, porque mais do que provavelmente isso salvou minha vida. A
flecha gigante saindo da figura de cera era uma prova sólida disso.
— Você viu que o portão se abriu?
— Obviamente. – eu respondi, ainda sem olhar para ele.
— Você o viu aberto somente depois que
colocamos seu celular no barril?
Hesitei em responder, com minha raiva
diminuindo quando resolvi isso na minha
cabeça.
Ele não precisava que eu respondesse. A pergunta era retórica.
Isso também lançou alguma luz sobre um aspecto potencial de nossa
Página |situação atual.
44 — Para que meu celular fosse necessário para entrar aqui,
alguém teria que saber que eu ainda o tinha.
— Exatamente. – afirmou. — Acho que o que aconteceu é uma
prova disso.
— Espere, espere. – eu cruzei meus braços e inclinei
parcialmente meu corpo em direção ao dele.
— Então, alguém não apenas projetou uma barreira de pregos
para sabotar nosso ônibus e sequestrou o motorista, mas também
colocou armadilhas? E agora eles estão de alguma forma cientes de
pequenos detalhes, como eu ter meu celular, mas a Mel ou Grace
não? Essa é a sua teoria?
Agora ele se virou, colocando-se diretamente na minha frente,
trazendo nossos peitos a centímetros de distância, sem consideração
pelo meu espaço pessoal.
— Alguém sabotou o nosso ônibus. O motorista está
desaparecido e nenhum de nós poderia passar por aquele portão até
depois de colocarmos seu celular no barril.
Seu tom prático me irritou. — Não se esqueça da parte em que
alguém está nos observando.
— Pessoal? – Gracelyn tentou nos
interromper.
Ciaran se balançou para trás com uma
risadinha e um sorriso frio levantando um
canto de sua boca enquanto ele olhava para
mim.
— Dois mais dois não é quatro para você, fantoche? Uma
flecha quase não empalou seu traseiro por se recusar a seguir
Página |instruções simples? Se você tem uma teoria que explica essa merda
melhor do que a minha, garotinha, sinta-se à vontade para
45 compartilhar. Tenho certeza de que todos adoraríamos ouvir isso.
Todo mundo olhou para nós duas, com seu silêncio se
prolongando enquanto esperavam minha resposta. Ciaran levantou
ligeiramente uma sobrancelha, como se dissesse: "Bem?"
Eu rangi minha mandíbula e me afastei dele, considerando tanto
a sua versão das coisas quanto a minha. Uma fazia muito mais
sentido do que a outra, principalmente porque tinha lógica - e prova,
desde o acidente até eles serem incapazes de prosseguir sem eu
desistir do meu celular.
Meu rosto esquentou com uma mistura de frustração e
vergonha. Eu me senti como uma criança que teve um acesso de
raiva.
— E a flecha? – perguntei, ainda teimosamente querendo estar
certa.
— Vou aceitar e dizer que teve o efeito desejado. – acrescentou
o Sr. Autoridade gentilmente.
Ele estava certo. Quem quer que seja que atirou fez com que eu
cooperasse. Ou seja, eles erraram de propósito. Meus lábios se
fecharam e eu olhei para o portão como se
fosse a razão de todos os nossos problemas.
Com a ideia de ficar trancados dentro do
que quer que fosse.
Baixei os meus olhos para o chão. Ciaran
colocou a mão no meu ombro como se quisesse dar... conforto? Um
pedido de desculpas? Honestamente, eu não precisava do último ou
queria o primeiro.

Página | Poderia ter acabado de machucar alguém seriamente. Ou


mataria.
46
Eu poderia ter ferrado com todos nós. Embora eu não tivesse
certeza de que esse cenário fosse melhor.
Tínhamos sido pastoreados como um rebanho de ovelhas. Pode
muito bem haver uma matilha de lobos esperando ansiosa para nos
matar um por um. Eu não sabia sobre nenhuma dessas outras
pessoas, mas eu e minhas amigas não sairíamos assim.
— Você precisa de um minuto para ter um ataque? – Ciaran
perguntou, com seu tom muito presunçoso para o meu gosto.
Eu apertei minhas mãos e respirei fundo, desta vez para me
impedir de socá-lo no pau. De repente, ele trouxe sua boca ao meu
ouvido e falou alto o suficiente para apenas eu ouvir.
— Guarde as suas garras, fantoche. É um pouco cedo para as
preliminares.
Minha boca abriu um pouco. Uma risada ofegante e sem humor
saiu por entre os lábios entreabertos. Eu tive que ter ouvido mal.
Eu me virei para ele assim que ele começou a se afastar. — O
que você disse para mim?
— Eu disse, de nada. – ele casualmente
disse por cima do ombro, sem me dar um
segundo olhar.
O grupo olhou para nós dois, no final das
contas o seguindo quando ele assumiu a
liderança, gentilmente verificando as
mulheres mais velhas em seu caminho. Gracelyn e Melantha
ficaram comigo, com várias emoções estampadas em seus rostos.
— O que aquele idiota disse a você? – Mel perguntou assim
Página |que houve uma aparência de espaço entre nós e os outros.
47 Eu contive o desejo ilógico de defendê-lo.
— Nada. Nada importante, afinal. – Roendo o interior da minha
bochecha, eu olhei para ele.
Uma memória percorreu meu subconsciente, desencadeada por
algo que ele acabou de dizer.
Página |
48

A placa branca dizia ENTRE em grandes letras pretas. Uma


flecha ao lado da palavra foi apontada para o caminho de cascalho
pelo qual os outros haviam acabado de desaparecer.
Não precisava ser um cientista espacial para apontar o óbvio.
Uma estrada no meio do aparentemente nada depois do que
acabamos de passar era uma enorme bandeira vermelha.
Além das razões óbvias para não seguir a seta, você não
conseguia ver onde esse caminho levava ou terminava.
— Isso está ficando muito estranho para mim. – Mel
resmungou.
— Estranho? – Grace repetiu. — Você quer dizer assustador,
certo?
— Espere. – eu interrompi. — E aquela
mensagem que ouvimos antes do acidente?
Aquele sobre entrar no Devil’s Playground?
— Porra. – Mel suspirou, tirando sua
blusa de flanela e amarrando-a na cintura. Ela
não estava usando sutiã por baixo da regata, o que deixava seus
piercings no mamilo nítidos como cristal. Ela não daria a mínima
para quem veria, então não havia uma razão para apontá-los. —
Você acha que isso leva a ele? – ela perguntou.
Página |
Ela encolheu os ombros. — Não posso dizer que sim ou que
49 não com certeza, mas para onde mais iria?
— Então o que vamos fazer? – Gracelyn perguntou,
aproximando-se de mim.
Havia apenas duas opções. Esperar aqui e ver se algo acontece
ou ser produtiva para encontrar uma maneira de sair dessa confusão
e seguir todos os outros.
— Vamos lá, já lidamos com coisas muito piores do que uma
estrada escura antes. – eu cruzei os braços com cada um deles e
comecei a andar.

Você já se sentiu como se tivesse entrado em uma realidade


alternativa? É onde eu estava. Não havia outra forma de explicar o
que estava acontecendo, ou os prédios começando a tomar forma.

Ao nos aproximarmos deles, Melantha fez a


pergunta de um milhão de dólares.
— Por que existe uma cidade inteira no
meio da floresta?
Nem eu nem Gracelyn tivemos uma resposta. Se eu estivesse
alucinando sem a verdade, talvez fosse capaz de inventar algo.
Como estava, seu palpite seria tão bom quanto o meu. Embora,
tecnicamente, a cidade ficasse do outro lado da floresta. Ainda
Página |tínhamos um pouco de distância a percorrer antes de chegar lá.
50 No final da estrada havia um enorme penhasco, deixando-nos
com apenas uma direção. A direita não levava a lugar nenhum, mas
a mais bosques, enquanto a esquerda nos levaria morro abaixo e
aparentemente em direção à cidade que se tornou visível.
Melantha cruzou os braços, olhando para ele. — Agora eu
concordo com você, Grace. Isso é assustador.
— Eu sabia que algo não estava certo. Tudo sobre isso parece
errado. – ela ficou quieta e parou, deixando sua frase pairar
enquanto brincava com a barra de sua regata estilo nadador.
Precisávamos continuar, independentemente. Se Ciaran estava
certo e alguém estava nos observando, quem poderia dizer que eles
não estavam espreitando na floresta neste momento? E se fosse a
pessoa que atirou uma flecha, apenas esperando um de nós tentar e
ir para o outro lado?
Sei que parece loucura, mas neste ponto não diria que é
improvável. O único problema era que não tínhamos como saber se
estávamos caminhando para mais perigo ou segurança. Duvidei que
fosse o segundo, mas estava tentando ser otimista.
— Vamos continuar. – eu disse me movendo um pouco mais

rápido.
Descemos o caminho rapidamente,
contornando uma curva que nos levou cada
vez mais fundo entre as árvores até que a vista
da cidade desapareceu completamente. Ouvindo um galho estalar à
nossa direita, trocamos um olhar e aumentamos o ritmo. Essa foi a
primeira coisa que ouvi desde que voltei para o portão.

Página | Estranhamente, não havia nenhum som aqui. Sem pássaros.


Sem um grilo. Eu nem conseguia ouvir o vento. Havia apenas
51 silêncio, uma lua solitária e escuridão infinita que parecia estar nos
pressionando de todas as direções. Que bom que nunca tive medo
do escuro.
Fazendo outra curva, quase colidimos com Ciaran e dois de
seus amigos. Pega completamente desprevenida, mesmo enquanto
esperava que alguém estivesse à espreita, engasguei e recuei.
Gracelyn gritou, parando tão abruptamente que quase caiu. Kyrous
a pegou antes que eu pudesse e conseguiu mantê-la em pé.
— O que você está fazendo? – Mel perguntou com raiva,
levando a mão ao peito.
Maverick levantou as sobrancelhas em seu tom. — Vim para
ter certeza de que vocês três estavam bem.
Ciaran estendeu a mão e segurou gentilmente meu pulso
inferior. — Eu não queria te assustar.
Balancei a cabeça, não querendo falar até que meu coração
voltasse ao ritmo normal.
— Vamos. – ele deslizou seus dedos para baixo para pegar
minha mão. Arrepios seguiram em seus rastros. Se ele percebeu, ele

fez um excelente trabalho mantendo uma cara


de paisagem.
Seu aperto era firme e seguro.
Se eu não fosse parcial em ter um guia,
eu teria me afastado.
Gracelyn acabou com Kyrous, permitindo que ele a visse
quando começamos a descer a colina. Ele tinha um ou dois
Página |centímetros a mais da altura de Ciaran, fazendo Grace parecer ainda
menor do que já era. Eu me perguntei se era assim que eu parecia ao
52 lado de Ciaran.
— O que há no final dessa coisa? É aquela cidade? – ela
perguntou.
— Sim, e também outra coisa. – Maverick respondeu.
— Algo mais?
— É melhor se apenas mostrarmos a você.
Ele poderia ser mais sinistro?
Não demorou muito para chegarmos ao fundo e descobrir a que
ele estava se referindo. Havia uma placa centralizada bem na frente
de onde o cascalho virou asfalto. O resto do nosso grupo estava
esperando por nós na frente dele e a apreensão saindo deles era
sufocante.
À medida que nos aproximávamos, pude ver que uma
mensagem estava gravada na madeira.
— O que é tudo isso? – Mel perguntou retoricamente. Eu não
acho que alguém tinha uma resposta exata.
Quando estávamos perto de ouvi-la, Selena começou a ler o que

a placa dizia, fazendo seu melhor para


pronunciar as palavras estrangeiras.
— Servatis Periculum. Bem-aventurada
decadência. Inferno afetuoso. Um lugar onde
o dia é noite. Tragédia e o Perverso se apaixonaram...
— Algo terrível está por vir. – eu entrei na conversa.
— Como você sabia que era isso que dizia? – A morena
Página |perguntou, me olhando com desconfiança.
53 Selena deu a ela um olhar exasperado. — Querida, está
literalmente escrito bem na nossa frente.
— A Querida tem um nome. É Abby.
Antes que minha mão encontrasse um caminho para seu rosto
por ser uma idiota, expliquei calmamente.
— É também uma das falas que ouvimos no ônibus. – E eu
recebi uma mensagem.
Achei que isso seria óbvio, e não pela primeira vez esta noite.
Ciaran pigarreou e soltou a minha mão, começando a ler o resto das
palavras. — Esqueça a realidade e entre, Goetia o levará ao Devil’s
Playground.
— Alguém sabe quem pode ser essa Go-e-tia? – perguntou a
amiga de Abby.
— Só há uma maneira de descobrir. – Ciaran deu um passo
para trás e tocou suavemente no meu braço, contornando a placa.
Eu não tinha certeza do que o toque significava, mas desta vez
eu o segui sem objeção ou reclamação. O resto do nosso cauteloso
grupo fez o mesmo.
— Estão vendo alguém? – Mel
perguntou, apertando os olhos.
— Além de nós, você quer dizer? Não. –
eu arrastei a última palavra ao pronunciar.
Selena diminuiu a velocidade para poder caminhar ao lado do
nosso trio. — Não vi ninguém além de vocês desde que estivemos
no ônibus. – ela comentou, claramente tendo ouvido nossa conversa.

Página | Segurei um suspiro, desejando que eu pudesse apenas parar e


pensar em tudo isso. Deve haver algum sentido nesse absurdo,
54 certo? Para nosso bem, eu esperava que sim. Até agora, nada tinha
acontecido desde a primeira placa. Quem quer que estivesse
atirando flechas, porra, não apareceu.
À medida que nos aproximamos da cidade, os contornos dos
prédios atravessaram o ar, subindo bem para as nuvens.
Vários prédios foram espalhados por toda parte.
— Não há ninguém por perto. – disse Sr. Autoridade,
anunciando o que já estava aparente.
As pessoas deveriam estar em todos os lugares, mas, assim
como em todo o caminho na floresta, não havia nenhum som.
Sem trânsito. Nenhum cachorro latindo. Ninguém curtindo a
vida noturna. Não havia sinal de qualquer atividade. Este não
parecia um lugar que sustentava a vida. Olhando para o céu e vendo
apenas a lua, era como se as próprias estrelas soubessem não brilhar
aqui.
Passamos do cascalho para o asfalto, finalmente cruzando o
limite da cidade. Apenas o som dos nossos passos preenchia o ar,
praticamente ecoando devido ao puro vazio do espaço ao nosso

redor.
— Devemos tentar lá? – sugeriu uma das
mulheres mais velhas, apontando para o
primeiro prédio à nossa direita.
— O Centro de Visitantes? – Melantha perguntou.
— Tem a seta habitual. – Abby respondeu secamente.
Isso aconteceu. A placa na porta dizia ABRA com uma seta
Página |apontando para dentro, com uma série de luzes emoldurando-a
55 inteiramente.
Algo dentro estava emitindo um brilho suave, mas era
impossível dizer o que era de onde estávamos. Havia uma grande
janela frontal, mas um par de cortinas escuras nos impedia de ver
através dela.
Do outro lado da estrada estava o que parecia ser um pequeno
café Starbucks, mas não tinha nenhuma luz acesa. Isso tornou a
decisão dez vezes mais fácil. Se alguém estava brincando com a
gente, então certamente era para onde eles estavam nos
direcionando?
Andei ao redor de todos no meu caminho e comecei a caminhar
em direção à entrada. Quando passei por Ciaran, ele estendeu a mão
e agarrou meu braço.
— O que você está fazendo?
— Com o que se parece? – eu tentei me afastar, mas ele apertou
seu aperto.
— Você acha que é uma boa ideia avançar cegamente para o
que poderia ser uma armadilha?

— Ah, como essa que você acabou de me


forçar a entrar?
Ele riu baixinho. — Você quer dizer
quando eu te salvei? Ainda estou esperando
que você me agradeça, a propósito.
— Agradecer por quê?
— Eu acabei de lhe dizer, por salvar sua vida.
Página |
— Muito obrigada, você é meu herói. – falei sarcasticamente.
56
Ele olhou para mim, com sua expressão se transformando em
uma que eu não conseguia ler.
— Você pode soltá-la agora. – Gracelyn o repreendeu. Ela se
aproximou de nós, pronta para intervir fisicamente se necessário.
Muito parecido como no ônibus, os seus olhos encobertos -
multiplicidade de azuis sob os cílios longos e escuros – me
penetraram. Só que agora eles estavam tão... frios. Não sabia que
era possível que o olhar de alguém fosse tão intimidante, mas
cativante.
— Mano. – Charon disse.
Seu tom era cauteloso, como se Ciaran fosse um animal
selvagem que me atacaria se fosse provocado. Isso foi tudo que
precisou, no entanto.
— Faça-me um favor? Comece a pensar com a cabeça e não
com as emoções. – aconselhou Ciaran, em um tom
surpreendentemente gentil.
Ele me soltou e foi embora, indo para o mesmo prédio que
tinha acabado de fazer uma cena sobre eu tentar entrar.
— Aquele cara tem problemas. – Selena
aconselhou, olhando para Ciaran e os outros
que começaram a segui-lo.
Eu acho que ela iria ficar conosco.
— Você está bem? – Gracelyn perguntou. — Preciso chutar a
bunda dele?
Dei a ela um sorriso de lábios fechados. — Ele não me
Página |machucou, Grace. Ele realmente fez um bom ponto.
57 — Sim, ele fez! – Mel concordou.
Eu dei a ela um olhar de desaprovação, observando com o canto
do meu olho enquanto o grupo começava a se enfileirar no centro.
— Só estou dizendo, que se você for como as Panteras8, pelo
menos nos leve com você para reforços.
Eu franzi meus lábios e segui os outros, segurando a porta
aberta para Selena assim que entrei. A estrutura era como a maioria
dos Centros de Visitantes que eu estive no passado, exceto pela
parede em frente. Estava coberto por um grande mural de parede
com o que parecia demônios cercando uma mulher nua. Eu não
tinha certeza do que pensar disso.
À esquerda, havia uma parede de panfletos anunciando
diferentes locais e atrações dos quais eu nunca tinha ouvido falar. À
direita estava onde o grupo se reuniu. Um mapa diferente de todos
que eu já tinha visto antes era o culpado por trás do brilho.
A coisa era enorme. CITY OF GOETIA foi mostrado no topo.
— Acho que isso significa que não estamos procurando uma
pessoa. – disse Grace, olhando para a imagem digitalizada por cima
do meu ombro.
Maverick olhou para trás e acenou para
frente. Nós nos aproximamos, com nossos
olhos olhando todas as características vívidas.

8 Panteras: é uma referência ao filme.


Descobri que onde estaríamos observando era um aglomerado de
pontos verdes.
— Nossos nomes estão listados no topo. – A amiga de Abby
Página |apontou.
58 Virando meu olhar para o canto superior, olhei a lista,
contornando-a para poder ver melhor.
Tive que ficar ao lado do Ciaran para fazer isso, mas essa
situação foi além de qualquer problema que eu tivesse com ele.
Vendo cada um de nossos nomes oficiais exibidos? Isso
certificou que não era aleatório.
Ele e seus amigos. Eu e as minhas amigas. Selena. Abby. Eu
não sabia quem ia com quem fora isso.
Dois foram totalmente riscados, com uma linha vermelha
escura passando direto por eles.
— Vocês acham que são as pessoas que não conseguiram sair
do ônibus? – perguntou Mel.
— Eu diria que sim. – respondeu Maverick.
— Está faltando um nome. Três deveriam ser riscados no total.
– Selena disse.
Charon balançou a cabeça. — Não se o motorista não estiver
morto.
— Seu irmão disse que sim. – Gracelyn o
lembrou.
— Eu disse que ele não se levantou e foi
embora. Traduzindo, alguém o levou. Tenha
cuidado ao interpretar as coisas, Gracie.
Seus lábios franziram ligeiramente com o uso de seu nome, mas
ela não fez comentários sobre isso.
— Se alguém estava se perguntando, eu sou a Margo. – revelou
Página |a mulher mais velha que lutou contra o cigarro. Com o cabelo loiro
em uma única trança que caia nas costas e uma roupa suja, não era
59 assim que eu imaginava que fosse o nome dela.
Eu imaginei que ela tinha uma Harley guardada em sua
garagem - essa é a vibe que ela emitia.
— Esta é minha tia, Susan. – ela tocou o braço da outra mulher
mais velha.
Com o seu elegante cabelo grisalho ela poderia ter dado uma
chance ao meu abuelo.
Balancei a cabeça e dei a ambas um sorriso rápido,
apresentando a mim e às meninas antes de olhar de volta para a
lista. Os únicos nomes que sobraram para ter um rosto eram
autoexplicativos. Leonard tinha que ser o Sr. Autoridade. Heather
era a garota de óculos.
— Nenhum de nossos sobrenomes está aí. – Mel apontou.
— Talvez eles não os saibam? Ou eram irrelevantes? –
Enquanto dizia isso, percebi que quase não fazia sentido. Se quem
fez isso foi experiente o suficiente para saber tudo o que sabia até
agora, tenho certeza de que listar nossos nomes completos não teria
sido uma tarefa muito difícil. Suspirei, mordendo o interior do meu

lábio inferior.
— Eu não sei, pessoal. Alguém aqui se
conhece de algum outro lugar?
Olhares compartilhados percorreram o
grupo, com nenhuma pessoa afirmando que sim.
— Como alguém saberia exatamente quem estava no ônibus? –
Gracelyn ponderou em voz alta.
Página | — Não acho que essa informação seja muito difícil de
60 encontrar.
— Essa é a maldição da internet. – afirmou Susan com
naturalidade. Ela era mais velha, então a deixei ficar com isso.
— Você ainda não está fazendo o que foi pedido a você. –
Kyrous disse. Ele se dirigiu a nós como um todo, mas seus olhos
estavam fixos em Grace.
Ela percebeu, encontrando seu olhar de frente. — Qual é?
— Disseram-nos para esquecer a realidade. Portanto, pare de
tentar descobrir isso logicamente e esqueça a realidade.
Eles tiveram um olhar fixo por cinco segundos, com a Grace
sendo a primeira a desviar o olhar.
— Vê os pontos pretos? – Ciaran me perguntou baixinho -
especificamente, como se fôssemos as únicas duas pessoas na sala.
Procurei saber a que ele se referia, percorrendo o caminho com
os olhos assim que o aviste. Isso me lembrou dos antigos mapas do
tesouro que os restaurantes davam às crianças para mantê-las
entretidas. Você tinha que seguir o X para reivindicar o tesouro.
Apenas, que no lugar de riquezas, isso levava a algo chamado Blight
House. O nome piscando consistentemente
consolidou o fato de que era para onde
precisávamos ir.
Visualmente, não parecia estar tão longe.
Realisticamente, tenho certeza de que era
muito mais longe. Olhando a imagem na
íntegra, Goetia era enorme. No entanto, havia uma parede enorme
ou algo que a dividia de maneira desigual, deixando uma parte
bastante grande do mapa apagado.

Página | — Este lugar Blight House parece simples o bastante para


chegar. Só precisamos seguir em frente.
61
— Sem discussão? Já estamos progredindo? – ele perguntou
com um sorriso parcial, deixando-me saber que ele estava
brincando.
Coloquei a mão no meu quadril e encolhi os ombros. — Eu
pensei em “esquecer a realidade” e parar de ser tão emocional.
— Eu não disse nada sobre não ser emocional. Pelo contrário,
um pouco de medo pode lhe fazer bem.
— Ainda não vi nada de que deveria ter medo. Alguém atirando
uma flecha não invoca realmente o medo, apenas me irrita. –
Espere. — A menos que você esteja insinuando, que eu deveria ter
medo de você.
Ele inclinou a cabeça para o lado, com um sorriso frio
substituindo seu sorriso.
— Um pouco de medo nunca me satisfaria, fantoche. Eu prefiro
grandes quantidades de terror.
Lá estava aquela palavra novamente, acompanhando uma
admissão um tanto estranha, mas intrigante. Eu engoli e dei um
passo para longe dele. Se isso era para me assustar de verdade, ele

falhou. Nada poderia me assustar mais do que


eu mesma.
Ele conseguiu despertar meu interesse
ainda mais, o que foi quase pior. E agora que
todo nosso grupo acabou de ouvir o que tenho certeza que foi uma
conversa semi-preocupante para suas mentes inocentemente
inconscientes, comecei a caminhar em direção à saída, quase
arrastando Melantha e Gracelyn comigo.
Página |
— Blight House? – Mel perguntou assim que voltamos para
62 fora, felizmente fingindo que ela tinha ouvido qualquer uma das
discussões minhas e de Ciaran - se é assim que poderia ser
chamada.
— Ou isso, ou ficaremos aqui e esperamos que algum outro
aviso seja enviado em nossa direção.
— Blight House, então. – Grace declarou.
— Ainda não sabemos quem é o bastardo louco que está
carregando flechas. Não vamos dar a eles um motivo para nos
ajudar a descobrir.
Selena saiu do Centro de Visitantes alguns passos à frente de
todos os outros, dando um sorriso tímido e colocando uma mecha de
cabelo ruivo atrás da orelha.
— Eu vou ficar com vocês três, se estiver tudo bem.
Eu já tinha suposto isso. — Você não precisa da nossa
permissão. Todos nós vamos para o mesmo lugar.
— E se não formos? Talvez alguns de nós devessem ficar aqui,
apenas no caso. – Abby propôs.
— Caso o quê? – Charon perguntou. —
Acha que algum galante cavaleiro branco vai
vir aqui para nos salvar?
Ela deu a ele um olhar feio. — Alguém
vai cruzar com o ônibus eventualmente, se
ainda não o fizeram. E eu não posso ser a
única aqui com uma família que vai começar a se preocupar.
— Eventualmente isso pode levar horas, querida. – Margo
afirmou.
Página | — Para sermos encontrados, alguém teria que seguir o mesmo
63 caminho que acabamos de fazer. – Gracelyn disse, torcendo seu
longo cabelo em um coque bagunçado.
— Eu não tenho paciência para ficar parada esperando que
alguma coisa aconteça.
— Você espera aqui se quiser, nós vamos embora. – Com isso
colocado da maneira mais direta possível, Ciaran se virou e
começou a andar pela rua.
Eu estava com ele nisso. Ela poderia fazer o que quisesse.
Eu continuaria me movendo até que a minha bunda estivesse
em segurança de volta em casa com minhas amigas.
— Vamos. – eu disse a eles.
Abby começou a protestar, mas ninguém lhe deu muita atenção.
Nem um minuto depois, o som de seus saltos começou a ecoar atrás
de nós.
Página |
64

Devia ser assim que Alice se sentia antes de cair na loucura.


Talvez eu tenha superado isso e ido direto para a insanidade. Isso
não me surpreenderia.
A realidade desconhecida desta situação deixou meus nervos à
flor da pele com tanta força que senti uma dor fisicamente dolorosa
no meu estômago. Fiz o meu melhor para me concentrar mais
intensamente no que estava à minha frente, nas coisas que eu podia
controlar.
Com um pequeno suspiro, passei meus dedos pelo meu cabelo
pela milionésima vez, puxando as pontas.
— Escolhi o dia errado para usar sandálias. – Mel resmungou.
— Pelo menos não é a garota de salto alto. – consolou

Gracelyn.
Fiz um som de concordância em minha
garganta, observando os arredores enquanto
caminhávamos. Quem quer que tenha feito
isso, construído um lugar totalmente fora da mapa, eles não
pouparam despesas. A cidade era uma coleção de prédios opulentos
com ruas limpas o suficiente para uma rainha andar descalça.

Página | Algumas fachadas de lojas foram todas configuradas como se


estivessem esperando para serem abertas para negócios. Os carros
65 estavam estacionados nas laterais da rua, todos modelos mais novos.
Eu tinha que seguir o que Kyrous disse para fazer, esquecer a
realidade, porque isso fazia cada vez menos sentido para mim.
Meu olhar foi para o cara à frente do grupo.
Seus movimentos eram confiantes com um toque de cautela,
sem qualquer traço de medo. Vestido predominantemente de preto -
uma camiseta com decote em V, jeans escuros e saltos altos - ele
parecia criminoso e poderoso. Seus amigos estavam vestidos de
maneira semelhante, mas eu só tinha olhos para ele.
Não tínhamos dito uma palavra um ao outro desde que saímos
do Centro de Visitantes, mas de vez em quando ele ou um de seus
amigos olhava para trás para nos verificar.
— Há algo que você gostaria de compartilhar? – Mel cutucou,
batendo suavemente no meu ombro com o dela.
Afastei os meus olhos de Ciaran e dei minha atenção a ela e a
Gracelyn. Por um momento, pensei que ela estava se referindo a
mensagem de texto que eu não havia contado a elas ainda, o que eu
precisava fazer. Uma olhada em seus olhos prateados provava que
eu estava errada. Eles foram direto ao nosso líder unânime.
— Eu não tenho ideia do que isso
significa.
— Ela está se perguntando por que você
fica olhando para Ciaran como se ele fosse a
lua no céu. – Gracelyn disse, em vão.
Isso foi tão errado que quase bufei. — Não olho para ele assim.
Suas expressões diziam que elas discordavam - até Selena
Página |levantou uma sobrancelha. Não era hora para uma conversa desse
66 calibre, mas eu precisava me convencer tanto quanto a elas de que
meu interesse por ele não era nada mais do que curiosidade natural e
um terrível caso de desejo instantâneo.
— Ok, admito que se as coisas fossem diferentes, ele é alguém
que eu poderia ver sendo outra marca na minha cabeceira. – eu
encolhi os ombros.
Em qualquer outro cenário, essa teria sido uma boa desculpa.
Elas podem até ter acreditado. Grace e Mel sabiam como eu me
sentia em relação ao sexo e para que eu o usava.
Ansiava por algo que não conseguia encontrar continuamente,
sempre procurando o tipo mais doentio de euforia para preencher o
vazio dentro de mim. Elas sabiam exatamente o que era esse algo e
os motivos imorais pelos quais eu o queria. Por causa disso, e como
as duas pessoas que me conheciam bem, elas também não estavam
acreditando na merda que eu tentei vender para elas.
Não sei por que me incomodei. Éramos melhores amigas desde
que podíamos engatinhar, inseparáveis desde que nossas mães nos
colocaram juntos em uma piscina infantil. Havia muito pouco que
eu pudesse esconder delas sem exercer um grande esforço e
implementar algumas habilidades excelentes de atuação.
— Sei que é mais do que isso, mas até
descobrirmos uma maneira de sair dessa
confusão, vou deixar pra lá... por enquanto. –
disse Mel, movendo os olhos para Gracelyn.
Uma vez que saíssemos daqui, não
importaria o que eu pensaria dele.
Eu nunca mais teria que ver Ciaran ou qualquer uma dessas
outras pessoas novamente. Eu teria sugerido isso, mas ela já estava
Página |em seu próximo alvo.
67 — E espero que você não pense que está fora de perigo.
Grace levantou os olhos depois de amarrar o cordão de seu
short de tecido felpudo e com sua expressão confusa. — Eu?
— Sim, você. E Kyrous. – Mel sussurrou seu nome.
Os olhos castanhos de Grace reviraram em sua cabeça. — Não
temos nada melhor para nos preocupar? Sem mencionar que o
conheço há cinco minutos. Ele nem é meu tipo.
Como se a tivesse ouvido, Kyrous olhou por cima do ombro,
mas apenas por um breve segundo. Ela não mentiu, ele realmente
não era seu tipo. Ela gostava dos bons e doces garotos baunilha.
Acho que a fizeram se sentir mais normal.
Pelo que descobri até agora, Kyrous não se encaixava, mas
também não sabíamos nada sobre ele além de um nome e que ele
tinha um irmão gêmeo idêntico.
Dar a ele o benefício da dúvida, talvez por baixo de seu exterior
frio e aparentemente sem emoção, ele era exatamente o que Grace
estava dizendo. Eu sabia que sua aparência não era um problema.
Os gêmeos eram mais do que "bonitos". Eles tinham mandíbulas
que fariam Adônis chorar, olhos exclusivamente seus e pele

perfeitamente bronzeada sob algumas


tatuagens.
Kyrous tinha especificamente um corpo
que parecia estar em forma como o de Ciaran,
se não um pouco mais musculoso.
Seu cabelo era castanho dourado supersexy e curto, embora
ligeiramente comprido na parte superior. Ele não era nada parecido
Página |com o tipo normal de Grace. A maneira como ele ficava olhando
para ela, no entanto, era como se ele quisesse comer minha amiga
68 viva. Mas nada disso importava.
Como ela mencionou, havia problemas muito maiores em
mãos.
— Então, de onde você é? – Mel perguntou a Selena, mudando
suavemente de assunto.
— Nashville. E vocês?
— Piedmont. – Grace respondeu. — Precisávamos de uma
viagem de garotas.
— Eu gostaria que fosse esse o caso para mim. Eu estava aqui
para a despedida da minha mãe. Eu poderia ter trazido uma amiga,
mas todas sabem o quanto minha nova “irmã” é uma vadia.
— É por isso que você está sozinha? – perguntei.
Ela enfiou as mãos nos bolsos de trás do short jeans, acenando
com a cabeça com um sorriso malicioso.
— Sim, posso ou não ter sido expulsa das festividades.
— As alegrias do drama familiar. – respondi, rindo levemente.
— Nós podemos nos relacionar com isso
tão fortemente. – Mel suspirou.
Um movimento em uma janela de cima
me afastou da conversa. Eu as deixei ir na
frente e olhei para cima, tentando descobrir o
que poderia ter sido. Uma luz acendeu e
depois apagou. Procurei no exterior, tentando descobrir o que era o
prédio. Um complexo de apartamentos, talvez?
— Viu alguma coisa? – Grace perguntou baixinho, diminuindo
Página |a velocidade para andar ao meu lado.
69 — Janela de cima. Há... – eu me parei, vendo uma pessoa
passar na frente de outra janela clara como o dia. Eles estavam
usando um moletom escuro e... aquilo era uma máscara?
— Uau. – Grace murmurou, agarrando meu braço.
— Uau o quê? – Maverick perguntou.
Dei um rápido olhar para a janela novamente, mas tinha
escurecido e nenhum sinal de que alguém estivesse lá. Esperei que
reaparecessem, mas nada aconteceu.
— Eu pensei ter visto algo.
— Alguém. – Grace esclareceu.
— Elas disseram que viram algo. – ele anunciou.
— Alguém. – Grace reafirmou.
— Onde? – perguntou Ciaran.
— Lá em cima. – Maverick apontou.
Todos pararam e levantaram seus olhares para as janelas de
cima do prédio, mas elas permaneceram vazias.
Ciaran olhou para mim, com o que quer
que ele estivesse pensando obscurecido por
um olhar inexpressivo. — Tem certeza?
— Eu sei o que eu vi. Ele estava usando
uma máscara e um capuz escuro.
— Ele? – Margo enunciou.
— Suponho que era um cara...
Charon me deu um olhar interrogativo. — Isso não é sexista?
Página |
— Não posso chamar de sexista sem ser sexista. – respondeu
70 Mel.
— Ele estava brincando. – entoou Kyrous. — E se alguém está
lá em cima, é mais do que provável que esteja olhando para todos
nós apenas parados aqui.
— Ele tem razão. Vamos continuar. – disse Ciaran.
Voltamos a andar em um ritmo normal e eu me afastei do olhar
questionador de Mel.
A cada poucos segundos, eu olhava para o prédio, esperando
que acontecesse novamente, mas não aconteceu. Eu engoli e respirei
fundo. Não havia como eu estar vendo coisas. Gracelyn também o
viu.
Quem quer que tenha sido, obviamente estava nos sacaneando,
o que era a última coisa de que eu precisava agora. Eu já não
conseguia lidar com jogos mentais.
Se você começasse a mexer com minha cabeça, eu me tornaria
um perigo para todos. Acima de tudo eu mesma.
— O que foi? – perguntou Ciaran.
Eu pulei, sem perceber que ele havia
vindo para trás para andar ao nosso lado.
— Nada.
Ele acenou para Gracelyn passar por ele
para que pudéssemos estar lado a lado.
Balancei a cabeça para que ela soubesse que estava tudo bem.
Agora em sintonia comigo, ele colocou um braço em volta dos meus
ombros, enquanto continuava a olhar para frente. Eu provavelmente
deveria ter me afastado dele, mas não o fiz. Estar pressionada ao seu
Página |lado me deu uma sensação de conforto.
71 — Você é um tipo de pessoa extremamente sensível. –
murmurei.
— Na verdade, sou o oposto disso.
— Estaria mais inclinado a acreditar em você se não estivesse
me tocando agora.
— Talvez eu apenas goste de tocar em você e você também
goste.
Hã? O que eu deveria fazer com essa admissão? — Não tenho
certeza se isso é correspondido da minha parte.
— Isso é duas vezes agora. – disse ele calmamente. Ele baixou
o braço e moveu o pescoço, estalando os músculos tensos. — Você
pode me fazer outro favor?
— Depende do que for.
— Não minta para mim de novo.
Que diabos? Quando eu menti para ele pela primeira vez?
Como ele sabia que eu estava fazendo isso agora? Olhei para a parte
de trás de sua cabeça enquanto ele recuperava sua posição de
liderança, deixando-me com os pulmões
cheios de seu cheiro inebriante e sem
palavras.
Eu queria exigir que ele trouxesse sua
bunda de volta aqui e explicasse o que ele
quis dizer, mas com uma ligeira virada
estávamos na Blight House.

Página |
72

Apesar de ser o primeiro som natural que ouvi desde que andei
pela cidade, a música do piano não me encorajou a querer entrar no
que quer que fosse esse lugar.
Claro, que não havia outra opção. A rua além era cercada por
cercas de concreto com barras de ferro estendendo-se do topo delas.
Isso só solidificou como eu me sentia a partir do segundo em que
cruzamos o portão que nos prendeu aqui.
Éramos ovelhas estúpidas sendo conduzidas para nosso
eventual abate. Observei o lugar em que entraríamos, sabendo que
seria uma perda de tempo voltarmos para trás.
O prédio era todo de tijolos, com as palavras BLIGHT HOUSE
escritas acima das portas de entrada em letras em forma de bolhas
amplamente iluminadas.
— Vamos apenas entrar? – perguntou Margo, olhando para
Ciaran em busca de instruções.
— Vamos ver. – respondeu Maverick,
caminhando até as portas. Ele agarrou suas
maçanetas duplas e puxou, abrindo facilmente
as duas. Uma sonata clássica ao luar
espalhou-se pela noite. O aroma de vários
alimentos pairou por trás dele.
Maverick olhou por cima do ombro para nós com um sorriso
infantil. — Isso responde a isso.
Ele entrou como se morasse aqui, acenando para que o
Página |seguíssemos. Nós o fizemos - lentamente. As meninas e eu, Selena
agora incluída, seguimos cautelosamente atrás de todo mundo.
73
Um grande lustre pendurado logo acima de nós, exibindo um
saguão em forma de quadrado. O piso em estilo do velho mundo era
lustrado e polido, e forro escuro como papel de parede cobrindo as
paredes.
Havia uma grande escadaria e um amplo corredor à frente.
Ambos foram efetivamente bloqueados com vários entulhos e pilhas
de cadeiras. Mais uma vez, tivemos que ir para a esquerda, de onde
a música do piano vinha de um sistema de alto-falantes.
Entrando lentamente um por um, dividindo-nos em duas filas,
entramos em uma sala de jantar. A mesa estava coberta com linho
branco. Havia um prato chique e talheres na frente de cada cadeira
de encosto alto.
Uma variedade de entradas percorria de uma ponta a outra da
mesa e um presunto no centro.
Heather tirou dois morangos de uma tigela de prata, dando um
leve aperto em cada um antes de dar uma mordida em um deles. —
Estão frescos.
Ela não precisava comer nada para vermos isso, especialmente
por não saber de onde vinha. Tudo parecia
preparado recentemente, visualmente atraente
e de boa qualidade. Taças de ouro redondas
até continham o que eu presumi ser vinho.
— O que é isso? – Susan perguntou,
trazendo as suas mãos com unhas pintadas e
envelhecidas para suas bochechas.
— Parece que alguém estava esperando nossa chegada final. –
afirmou Kyrous.
Página | Comecei a procurar qualquer tipo de pista que nos ajudasse a
74 determinar por que deveríamos vir a este lugar. Todas as janelas
eram cobertas por cortinas grossas, dando uma sensação mais
profunda de privacidade ao quarto.
Localizando uma figura de cera como a da guarita no canto
direito dos fundos, fui até ela, notando que este estava vestido como
um mordomo. Parecia tão real, como se pudesse ser uma pessoa de
verdade.
Acho que era esse o ponto, no entanto. Ele estava segurando
uma bandeja de metal. Bem no centro estava um segundo gravador.
— Gente. – eu disse para chamar a atenção deles.
— Aperte o play. – Mel insistiu, vindo para ficar atrás de mim.
Olhei para além de todos os outros aglomerados ao meu redor
para Ciaran, que estava olhando fixamente. Não para o gravador ou
para a figura de cera, mas para mim. Lambendo meus lábios e
prontamente ignorando a maneira como seus olhos rastreavam o
movimento, eu apertei o play.
A sala inteira parecia prender a respiração na expectativa do
que poderíamos ouvir a seguir. A voz que começou a falar era
idêntica à que havíamos ouvido no ônibus.

Mofo. Podridão. Bem-aventurada


decadência.
Alguém, qualquer um, sente-se.
Dê uma mordida, relaxe com uma bebida.
Blight House oferece um banquete em troca de um sono eterno.
Mime-se apenas uma vez e você estará livre para sair.
Página |
75 Houve um som suave no final da última frase e, em seguida, a
gravação foi desligada abruptamente.
— Sou péssima em enigmas. O que isso significa? – perguntou
Margo.
— Não coma a comida. – respondeu Kyrous, com um tom
neutro.
— Tarde demais. – Uma voz tensa veio por detrás do grupo.
Todos nós nos viramos, encontrando Heather parcialmente
inclinada sobre o encosto de uma cadeira. Apenas um morango
estava em sua mão, mordido quase até a base.
— Heather! – Abby gritou, pegando o resto da fruta.
— Essa é a única coisa que você comeu? – Leonard perguntou,
movendo-se para ficar atrás dela. Ele passou os braços em volta da
cintura dela como se fosse tentar a manobra de Heimlich9.
O queixo de Heather caiu, nenhuma palavra saiu, em vez disso
ela respirou fundo. Leonard se afastou, com os seus olhos se
arregalando enquanto olhava para o rosto dela. Um som audível
veio da passagem do gás quando ela começou a urinar em si mesma.
— O que há de errado com ela? –
perguntou Mel. Eu poderia ter jogado algo
9Manobra de Heimlich: é uma técnica de primeiros socorros utilizada em
casos de emergência por asfixia, provocada por um pedaço de comida ou
qualquer tipo de corpo estranho que fique entalado nas vias respiratórias,
impedindo a pessoa de respirar.
nela por não conseguir esconder sua curiosidade mórbida.
Felizmente, ninguém percebeu. Ninguém além de Grace e eu, quero
dizer. Gracelyn segurou sua mão e a tirou do caminho enquanto
quase todos corriam para o lado de Heather.
Página |
Aproximei-me de Ciaran, com nós dois vendo toda a cena se
76 desenrolar como uma bobina de filme.
Heather derrubou a cadeira para trás e tombou, segurando o
estômago, tossindo e engasgando aparentemente com nada. Seu
nariz começou a escorrer e as lágrimas escorrendo de seus olhos.
A sequência de saliva e pedaços vermelhos de vômito jorraram
da boca de Heather, caindo nos pés com mocassim de Margo. Lutei
para manter meu rosto sem nojo, estremecendo quando ela caiu no
chão com um baque forte.
— O que podemos fazer? – Abby gritou, agachando-se em uma
tentativa valente de ajudá-la.
Seu corpo teve um ataque de convulsões e espuma cobriu seus
lábios, lembrando-me de um cão raivoso.
— O que está acontecendo com ela? – Susan entrou em pânico,
tentando mantê-la quieta.
Abby gritou o nome de Heather histericamente. Mais urina
impregnou o chão, encharcando suas calças finas.
As convulsões ficaram tão extremas que ela parecia estar
possuída, como se um demônio estivesse lutando para rasgá-la para

que pudesse escapar.


Seu corpo se arqueou, levantando-se do
chão com uma força de quebrar a coluna e os
olhos revirando. Quando ela caiu molemente
de volta ao chão, a morte tinha arrancado sua corda de salvamento.

Página |
77
Página |
78

Ela estava deitada em uma confusão pútrida de urina e vômito


vermelho cardeal. Abby ignorou tudo isso, abraçando o corpo de
sua amiga e soluçando tão alto que a música do piano se tornou
quase impossível de ouvir.
Eu faria o mesmo se fosse Mel ou Grace no lugar de Heather.
Felizmente, elas estavam perfeitamente bem. Eu não era boa com
esse tipo de coisa, portanto não tinha palavras de conforto a
oferecer. Sinceramente gostaria de ter feito isso, mas simplesmente
não estava programada para ser empática.
A morte nunca me incomodou, e sempre fui imparcial com a
turbulência emocional de alguém. Eu não queria ser assim. Odiava a
versão de mim mesma que conseguia lidar com essas coisas sem
esforço.
Eu estava trabalhando para ser uma
pessoa melhor, mas não tinha ido longe o
suficiente para ser verdadeiramente
compassiva. Eu não diria que era exatamente
sem coração, mas eu precisava dar uma
aparência de maldição sobre você para a
empatia entrar em ação. Então, era melhor eu manter minha boca
fechada.
Felizmente, Margo e Susan pareciam ter a parte da simpatia sob
Página |controle, porque não era só eu que não estava oferecendo.
79 — O que, em nome de Deus, havia naquela comida? – Leonard
questionou, passando repetidamente a mão pelo cabelo.
— Deus não teve nada a ver com isso. Aquilo foi algum veneno
letal pelo que parece. – Charon respondeu.
Coloquei o gravador de volta na bandeja do mordomo,
arriscando um olhar para Ciaran. Ele já estava olhando para mim;
ele só parou para assistir a morte de Heather. Agora ele não estava
prestando atenção na garota morta a alguns metros de nós.
— Você não parece muito abalada. – observou ele. Isso quase
soou como uma provocação.
— Porque eu não estou. – murmurei, dizendo um pouco mais
alto. — Nem você.
Não tinha certeza por que deveria estar "abalada" para começar.
Sim, alguém acabara de morrer. Eu estava olhando para o corpo
dela. Eu estava respirando seu fedor. Isso não mudou o fato de que
o que Heather fez foi além de estúpido. Quem decidiu colocar
algumas frutas aleatórias na boca depois do que passamos - que
ainda estávamos passando?
Eu não confiava em nada ou ninguém ao meu redor, além de

Mel e Grace. Especialmente o misterioso dos


olhos da cor do oceano com a aura escura que
estava lentamente me consumindo.
A música do piano cessou abruptamente,
e um barulho estranho ecoou do saguão ao mesmo tempo que uma
cortina preta pesada deslizou em um trilho no teto.
Atrás dela havia uma porta de carvalho maciço, não uma janela
Página |como eu esperava.
80 — Vou verificar isso. – Leonard se ofereceu, quase correndo da
sala. Ele estava olhando para o corpo de Heather, parecendo como
se ele mesmo a tivesse matado. Em segundos, ele estava de volta,
balançando a cabeça e falando baixinho.
— Era o som da porta da frente nos trancando; não podemos
sair assim.
— Isso não é nada para se chocar. – respondeu Mel.
— Qual era o sentido de virmos aqui? – Gracelyn perguntou,
esfregando sua testa.
— Acho que foi por isso. – Selena acenou com a cabeça para
Heather, cruzando os braços com força sobre um peito amplo.
— Viemos aqui para minha amiga morrer? – Abby perguntou,
deitando Heather de volta no chão. Ela gentilmente tirou os óculos e
fechou os olhos.
— Duvido que tenha sido para alguma pessoa especificamente.
– Kyrous respondeu, com seu tom frio e controlado. — A gravação
deixou isso bem claro.
— Isso é verdade. Acho que de qualquer maneira que isso tenha
acontecido, alguém tinha que morrer. –
Maverick encolheu os ombros.
— Qualquer pessoa que fosse burra o
suficiente para comer essa porra de comida
estaria deitada no chão ao lado da sua
amiguinha. – afirmou Ciaran.
Seu tom era tão desinteressado quanto quando mencionou as
pessoas que morreram no ônibus.
Página | Isso era uma coisa que ele e eu tínhamos em comum: ser
81 insensível e distante. Não tenho certeza se isso era uma coisa boa,
mas pelo menos eu sabia como manter minha boca fechada. Ele
poderia ter fingido alguma compaixão.
— O que há de errado com vocês? – Abby gritou. — Nenhum
de vocês se importa?
— Claro que sim. – confortou Margo, envolvendo Abby em um
abraço.
— Estamos todos um pouco nervosos agora. Talvez nós
devêssemos apenas relaxar um minuto. – sugeriu Leonard.
Ele não podia estar falando sério. Relaxar com um cadáver
enquanto respira vômito e urina misturados com o aroma de
presunto com mel? Sim, isso resolveria.
— Acho que devemos continuar andando.
— Sinto muito sobre a sua amiga, Abby. Sei que isso não
significa absolutamente nada agora e você está sofrendo, mas não
quero ficar aqui. – disse Gracelyn, emitindo um pouco de
compaixão por todos nós.
Abby se virou mais para Ciaran e eu, com as lágrimas ainda
escorrendo pelo rosto. — E ir para onde? E
quanto a Heather? Não podemos
simplesmente deixá-la aqui.
— Acho que ela não vai se importar. –
respondeu Ciaran com o que ousei dizer que
era um descarado toque de humor.
— Isso não é certo, filho. – Leonard censurou.
— É a verdade. – ele respondeu.
Página |
Sentindo a tensão crescendo, me endireitei e tentei acalmar as
82 águas.
— Heather está morta. Deixá-la ou não, não vai mudar isso.
Precisamos continuar se quisermos descobrir como sair daqui. A
menos que seja você quem a carregue, Abby. Ela tem que ficar aqui.
— Pode fingir que está se importando, Lacy. – ela resmungou.
Hum, que engraçado. Eu tinha acabado de pensar a mesma
coisa sobre Ciaran. Agora, porque ela queria ser engraçadinha, eu
retirei.
— Lana. – eu corrigi, indo em direção à porta.
Assim que tive certeza de que Grace e Mel estavam me
seguindo, girei a maçaneta e abri. Fui recebida com o ar fresco da
noite e um caminho de tijolos que percorria um lindo jardim situado
atrás da Blight House.
Saindo, eu virei a minha cabeça da esquerda para a direita,
mantendo um olho atento para, bem, qualquer coisa. Eu não sabia o
que encontraríamos ou não neste lugar, e agora era mais evidente do
que nunca que não estávamos sozinhos.
Perdemos três pessoas, possivelmente quatro. Havia alguém

cozinhando refeições gourmet, outro


espreitando com flechas e uma pessoa
vestindo uma máscara como um fantasma
assustador.
Eu não tinha ideia de como isso se correlacionava, mas não era
minha principal preocupação no momento. Eu só queria dar o fora
daqui - aqui desta cidade estranha. Dei aproximadamente cinco
passos antes que a voz de Ciaran soasse atrás de mim.
Página |
— Fantoche.
83
A maneira como ele disse fez um arrepio percorrer minha
espinha. Disse a mim mesma para não parar, mas minhas pernas
pararam de se mover para frente de qualquer maneira.
Gracelyn diminuiu a velocidade atrás de mim, colocando as
mãos em meus quadris como costumava fazer quando éramos
jovens e íamos caminhar pela floresta. Esperei, permitindo que
Ciaran se aproximasse de nós.
— Você quer liderar? – eu supus.
— Não. – ele respondeu, passando por mim, perto o suficiente
para que seu hálito frio soprasse em meu rosto. — Eu quero mantê-
la segura.
— Acho que posso fazer isso sozinha, mas estou curiosa para
saber por que você arriscaria sua segurança pela minha.
— O que te faz pensar que estou arriscando alguma coisa?
Talvez eu apenas saiba o que é melhor para você, fantoche.
— Pare de me chamar assim. – eu fiz uma careta para a parte de
trás de sua cabeça. — E isso nem faz sentido.
— Vai fazer. – Maverick respondeu por
ele, passando por nós do meu outro lado.
Charon e Kyrous estavam bem atrás dele.
Tanto faz. Se eles queriam ficar na frente,
estava mais do que bom para mim. Eu nem
sabia para onde estávamos indo. Além disso,
eles podem ser escudos se a merda bater no ventilador.
— Esses garotos são muito arrogantes. – Susan bufou.
— Eles são incríveis. – Leonard concordou. — Vocês, garotas,
Página |vão na frente; Ficarei atrás.
84 Eu não faria objeções a isso também. Quanto mais olhos,
melhor. Abby já não ia fazer bem a ninguém agora.
Enquanto seguíamos os rapazes, Margo ficou com ela, dando
um ombro para chorar.
O caminho do jardim contornava uma pequena curva e
continuava em direção à rua. Pelo que pude ver através de uma
fenda nos arbustos com rosas, iríamos sair do outro lado da barreira
na frente.
— Alguém ouviu isso? – Mel perguntou depois de um minuto.
Olhei para ela por cima do meu ombro esquerdo. — Não. O
que?
Suas sobrancelhas inclinaram ao pensar. —... Eu conheço a
melodia, mas não consigo identificá-la.
— Soa como um caminhão de sorvete. – Selena sugeriu.
— Por que um desses estaria aqui?
— Por que essa porcaria está aqui? – Margo murmurou.
— Touché. – eu ironizei, olhando para frente assim que bati em

um dos gêmeos.
— Porra, desculpe. – eu xinguei,
agarrando seu braço para não cair de bunda e
levar Gracelyn comigo.
— Você é boa. – assegurou Charon, dando um sorrisinho. —
Ei, por que você - o que diabos é isso?
Percebendo que não era apenas ele que havia parado
Página |abruptamente, coloquei minha cabeça em volta das formas imóveis
dele e de seu irmão.
85
Foi fácil identificar o que fez Ciaran paralisar no lugar.
— O que está acontecendo? – Leonard perguntou atrás de nós.
— Há uma palhaça ou algo parecido no final da passarela. –
Gracelyn respondeu, falando alto o suficiente para que qualquer
pessoa que não pudesse ver na curva pudesse ouvir.
Suas palavras fizeram uma garota dar um passo à frente. No
início, seu rosto ficou parcialmente obscurecido pelas sombras
movendo no jardim, mas então ela se arrastou um pouco mais para
frente e o poste perto do meio-fio foi o suficiente para iluminar suas
feições.
Esse tom escuro a fez parecer ainda mais pálida, mas estava
claro que ela estava usando maquiagem branca espessa. Cada olho
estava com uma cruz preta no centro, e sua boca tinha um sorriso
parecido com o do Coringa pintado de cada lado.
Acho que ela estava com algum tipo de vestido, mas não dava
para ter certeza. O tecido vermelho e branco era colado à pele e com
pregas. Seu cabelo estava puxado para trás em dois coques
apertados.

Preso em sua mão esquerda estava um


monte de balões pretos. À direita, com algo
que lembra muito uma picareta.
— Devíamos voltar. – Susan sugeriu,
com sua voz começando a tremer.
— Não. – eu sussurrei. — Você nunca dá as costas para alguém
segurando uma arma mortal.
Página | — Você sabia disso? – Charon murmurou.
86 — Eu jogo muitos videogames. – eu menti.
— Isso é um caminhão de sorvete? – Maverick perguntou, com
seu olhar focado na garota olhando para nós.
Eu finalmente detectei a melodia que Mel e Selena acabaram de
falar. Parecia mais uma mistura entre isso e a melodia de um
carrossel. Houve um estrondo baixo que o acompanhava.
— Ele quer jogar. – A palhaça vadia assustadora cantou,
arrastando cada palavra.
Sorrindo loucamente, ela começou a andar para trás.
— Quem quer jogar? – Ciaran perguntou a ela.
— Eles estão vindo...! – ela cantou mais alto, então se virou
para pular.
— Precisamos ir. – comandou Ciaran, andando assim que a
palhaça desapareceu de vista. Não houve discussão; era claramente
do nosso interesse sairmos daqui.
Saímos do jardim, indo imediatamente para a esquerda.
Mantendo-nos juntos, descemos a rua, todos em alerta máximo.
Havia muitas fendas malditas entre os
prédios. Cada vez que nos aproximávamos de
um, eu meio que esperava que alguém pulasse
sobre nós.
— O caminhão está se aproximando. –
Gracelyn apontou calmamente. — E o que
parece ser uma moto.
Ela estava certa, mas de onde eles vieram? Localizando o
cruzamento parcial alguns metros à frente, respondi minha própria
Página |pergunta.
87 — Droga! – Leonard gritou de repente.
Eu me virei, com os olhos caindo instantaneamente na palhaça.
Como ela ficou atrás de nós? Leonard pressionando Abby e Margo
a se moverem mais rápido enquanto ela mantinha um andar lento e
preguiçoso, com a picareta pendurada no ombro e os balões ainda
nas mãos.
Muito parecido com uma serial killer.
O barulho dos pneus me fez ficar de frente novamente, com a
pulsação acelerando quando um caminhão com vidros escuros veio
correndo pelo cruzamento.
Uma moto correspondente estava segundos atrás dele, criando
seu próprio caminho enquanto o caminhão fazia uma curva em U,
quase derrubando um dos carros estacionados a um metro.
— Essa merda não pode ser real. – Ciaran disse em tom
monótono.
— Você precisa do mesmo discurso que dei às garotas? –
Kyrous perguntou.
Com a janela voltada para nossa direção, a melodia contínua do

caminhão preencheu o ar.


Quatro pessoas olharam para nós, todos
vestindo moletons escuros e seus rostos
totalmente obscurecidos. Cada um usava uma
máscara diferente. Dois estavam com a de LED, preta com
marcação de X azul e laranja onde estavam os olhos e a boca.
Outro estava completamente de branco. O que se destacou do
Página |resto era metade branco, a outra metade mais preta que a meia-
noite, incluindo os olhos. Uma cruz distorcida foi pintada em seu
88 centro.
Quem estava dirigindo não podia ser visto. As janelas do
caminhão estavam muito escuras. E a pessoa na moto usava um
capacete que escondia totalmente a cabeça, com um rosto sorridente
amarelo pintado sobre o visor temperado.
— Minha nossa. – Mel respirou.
Grace agarrou nossas mãos e apertou, como se dissesse: "Vai
ficar tudo bem."
Ela fez o mesmo quando vi a pessoa na janela. Eu acreditei nela
então. Agora, eu não tinha tanta certeza.
— Há mais. – afirmou Charon, gesticulando para os dois lados
da rua.
À esquerda, outra figura saiu de uma fenda, um taco com
espinhos agarrado nas mãos enluvadas. À direita veio outro, este
segurando uma bow-gun10 auttomática.
Minhas palmas começaram a suar e minha boca secar. Não por
medo - isso era algo totalmente diferente, algo que eu não queria
usurpar.
Atrás de nós, a palhaça começou a

10bow-gun: é uma arma que dispara flechas.


arrastar a picareta ao longo do cimento, com o som semelhante ao
de pregos em um quadro-negro.
— O que nós faremos? – Abby gritou, com sua voz estridente e
Página |alta.
89 — Nós corremos. – respondeu Ciaran com levianamente. —
Antes que eles nos cerquem.
— Correr para onde?
— Longe deles.
Ele olhou para seus amigos e como se eles tivessem concordado
em silêncio, todos correram.
— Ótimo.
— Vamos. – Mel implorou, empurrando a mim e a Gracelyn
para frente.
Era como se estivessem esperando que fizéssemos exatamente
isso. A pessoa com a bow-gun a levantou e se afastou, quase
acertando o lado do rosto de Maverick, errando por pouco. Ele
gritou um insulto quando a flecha se chocou contra uma loja,
quebrando a vidraça.
Assim que os contornamos e a pessoa com o taco, desviei para
a calçada para contornar o caminhão. Nossos sapatos atingiram o
concreto, com a respiração vindo depressa e rápida. O caminhão
ainda não havia se movido. As figuras mascaradas permaneceram
onde estavam, nos observando como se
fôssemos ratos em um labirinto.
— Tenha cuidado! – O aviso de Ciaran
foi realizado pelo resto de nós.
— Por quê? – Margo tossiu, mantendo-se
surpreendentemente bem.
Passamos pelo caminhão e obtivemos nossa resposta.
Um motor acelerou - a moto empinou para frente, com o piloto
Página |segurando algum tipo de corrente enrolada em um dos punhos.
90 Abby gritou ao vê-lo e recuou, correndo de um lado para o
outro na calçada com Leonard em seus calcanhares. Ele os ignorou
e ficou logo atrás do resto do nosso pequeno grupo, facilmente e
rapidamente avançando sobre nós.
Meu coração bateu forte contra minha caixa torácica,
desesperadamente perto de explodir completamente.
Ciaran voltou abruptamente, contornando os amigos para
chegar até mim.
— O que você está fazendo? – eu suspirei.
— Garantindo que você continue viva. – ele respondeu,
agarrando meu braço.
Não tive escolha a não ser correr mais rápido. Ele teria me
arrastado de outra forma. Eu me certifiquei de que Gracelyn e Mel
ficassem por perto. Eu podia ouvir a moto sobre nós, com o ronco
alto agredindo meus ouvidos.
— Não! – O grito abrupto de Margo quase me fez tropeçar nos
próprios pés. Susan estava atrás, cheia de terror e dor. A moto
passou por nós e eu peguei um vislumbre dela sendo arrastada atrás
dela. A corrente que estava ao redor do punho
do motoqueiro agora tinha uma extremidade
envolvendo sua garganta como um laço.
— Espere. – bufei, tentando desacelerar.
Ciaran simplesmente apertou seu aperto, me
forçando a continuar.
A moto desviou para a direita, voltando para a rua. Ela fez uma
curva em U no meio da rua antes de parar repentinamente. O corpo
Página |de Susan foi jogado na pista como uma boneca de pano.
Ensanguentada com manchas visíveis de pele arrancadas, e ela
91 tentou se levantar, uivando de dor.
— Ei! – Gracelyn gritou, agarrando atrás da camisa de Margo
quando ela tentou passar por nós para chegar até ela. — Você não
pode ir lá!
Nós gradualmente diminuímos, observando enquanto o rosto
sorridente se inclinava para o lado, aparentemente para olhar para
Susan. Ela se aproximou de Abby e Leonard, como se um deles
pudesse agarrar sua mão e puxá-la para um lugar seguro.
O motoqueiro acelerou o motor, com o estrondo alto misturado
com a música continuando a tocar na rua e os gemidos de Susan. Eu
sabia o que iria acontecer segundos antes de acontecer. Ele pisou no
acelerador e foi para frente, dirigindo sua moto bem sobre o corpo
de Susan.
Um som desumano saiu de sua garganta, tiras de carne sendo
arrancadas sob o pneu girando enquanto os ossos se quebravam
visivelmente. O homem na moto não parou de novo, correndo de
volta por onde viemos. A corrente em volta do pescoço de Susan se
prendeu, interrompendo os seus gritos de agonia, arrastando seu
corpo quebrado atrás dele.

Uma trilha de roupas rasgadas e manchas


de sangue na pista foram tudo o que restou em
seu rastro.
Página |
92

Santuário...
Era outro prédio.
Quando o caminhão começou a se mover em nossa direção, nós
retomamos a nossa corrida cansativa para fugir. Margo
surpreendentemente nós acompanhou.
Ciaran ainda não diminuiu a velocidade novamente. Ele
agarrou a minha mão com tanta força que doeu. Em outro
cruzamento, Maverick foi na direção normal e nós o seguimos.
De minha periferia, vi Abby e Leonard voltando para nós.

É onde o encontramos.
Muito parecido com Blight House, a
placa estava iluminada, indicando que era o
lugar certo para estar.
Kyrous foi o primeiro a entrar dessa vez. Com pouca ou
nenhuma cautela, ele foi até a porta e a abriu, fazendo a madeira
gemer com a força que ele exerceu.

Página | Nós praticamente corremos atrás dele, deixando a porta se


fechando automaticamente atrás de nós, só que não houve nenhum
93 baque de madeira, mas um barulho icônico e metálico...
— Está trancado. – disse Leonard, mexendo a maçaneta sem
sucesso enquanto o suor escorria pelo rosto.
— Isso é para nosso benefício, supostamente. – respondeu
Maverick, apontando para uma grande placa pendurada na parede
perto de uma mesa de jantar.

“As janelas estão trancadas, as portas estão trancadas; vocês


estarão seguros até o tempo acabar?” – Gracelyn leu entre
respirações superficiais.

— O que é seguro? – Margo questionou, passando por nós. —


Você viu o que eles fizeram com Susan?
Seus movimentos eram tensos quando ela caminhou até um
sofá de couro e se sentou, segurando a cabeça entre as mãos. Abby a
seguiu, oferecendo o mesmo conforto que ela havia recebido.
Percebi que ela estava descalça, tendo tirado os saltos em algum
momento.
Deixando-os com a sua dor, nos
dispersamos ligeiramente. Ciaran abriu mão
de mim enquanto ocupávamos este novo
espaço. Além de um pequeno corredor com
um banheiro visível e o que parecia ser dois
quartos individuais, o espaço era um conceito aberto.
Com seus pisos de ardósia, paredes cinza-claro e móveis de
couro macio colocados em suas respectivas áreas, me lembrava um
Página |apartamento de solteiro.
94 O fogo estava aceso em uma lareira aberta que separava
parcialmente a cozinha da sala principal, emitindo uma vibração
quase calorosa e convidativa.
Esqueci tudo isso com o mapa pendurado onde uma televisão
normalmente iria.
Ele era uma réplica exata do Centro de Visitantes, mas com
algumas atualizações. O mais notável para mim foi o relógio em
contagem regressiva para seis horas no canto superior esquerdo.
— Lá. – eu cutuquei Melantha e Gracelyn em sua direção.
— Os nomes estão riscados. – disse Mel baixinho assim que
nos aproximamos.
Olhei para a direita, vendo o que ela estava se referindo quase
que instantaneamente. Heather e Susan tinham o mesmo risco nos
nomes que as pessoas de nosso ônibus.
— Não entendo qual é o objetivo disso. – Gracelyn comentou,
afastando os fios de cabelo do rosto.
— Parece que alguém está nos observando. E eles planejam nos
pegar um por um. – Leonard teorizou, indo se sentar no sofá de
couro em frente de onde Margo e Abby
estavam sentadas. — Acha que a comida
também está envenenada?
Ele acenou com a cabeça para uma tigela
cheia de barras de multicereais sobre uma
mesa de café. Pequenas garrafas de água de
tamanho individual, amontoavam-se ao lado dela.
— Eu não arriscaria...
Eu parei quando Margo se inclinou para frente e pegou duas da
Página |tigela. Ela estava abrindo uma e colocando-a na boca antes que
95 alguém pudesse dizer o contrário.
— Isso não foi inteligente. – zombou Kyrous.
— Se eu morrer, eu morro. – ela respondeu, enxugando os
olhos cheios de lágrimas com as costas da mão. — Temos que
comer e beber alguma coisa.
— Nesse caso, agradecemos o seu voluntariado como tributo. –
brincou Ciaran.
Leonard franziu a testa para ele, franzindo os lábios no que
poderia ser de nojo ou desagrado, provavelmente os dois. Enquanto
isso, eu estava mordendo o interior da minha bochecha, então não ri.
O humor de Ciaran era sombrio e mórbido - horrivelmente
cronometrado, mas eu entendi.
— O que nós devemos fazer agora? Você acha que nossas
famílias virão por nós? O que devo dizer a da Heather? – Abby saiu
correndo, esfregando as costas de Margo, quase roboticamente.
— Como exatamente elas fariam isso? – Mel perguntou, tirando
suas sandálias. Fiquei surpresa por ela tê-las mantido o tempo todo.
Isso exigiu habilidade.

— Rastreando nossos celulares.


— Aqueles que vocês colocaram tão
ansiosamente em um barril de óleo? Aqueles
celulares? – eu falei, dando a Ciaran um olhar
penetrante.
Ele respondeu com um sorriso irritante. — Você realmente vai
se manter viva estando contra mim?
Página | — Não sabemos o que está acontecendo fora deste lugar. –
96 respondi a Abby, ignorando-o. — Talvez eles nos encontrem. Eu sei
que eles vão perceber que algo está errado, mas você realmente quer
sentar e esperar por isso?
Sem mencionar que Mel não conseguiu localizar onde estava
quando usou o GPS. Eu iria manter essa informação para mim, no
entanto. Isso era capaz de pressionar Abby até o limite.
— Nossa melhor chance de continuar a respirar depende de
tudo isso. – eu acenei para o mapa interativo.
— Você está dizendo que temos que voltar lá? – ela olhou para
mim, horrorizada, com os seus olhos escuros redondos e cheios de
lágrimas. Ah.
Eu fiz o meu melhor para não me encolher. Eu até tentei forçar
um pouco de empatia por essa garota, porque essa situação era
horrível.
Eu falhei. Meus pais ficariam fora de si com esse esforço
medíocre. Mamãe sempre me castigou quando eu era mais nova por
ser tão insensível. Teve uma vez nas minhas aulas de equitação...
uma garota caiu do pônei e quebrou o braço. Enquanto ela chorava e
chorava, eu estava mais preocupada com a possibilidade de ainda
recebermos o sorvete que nos foi prometido
do que com ela estar com dor.
Eu tinha apenas onze anos. Minha
bússola moral mudou um pouco desde então,
mas eu não tinha coragem mental para lidar
com Abby ou suas lágrimas. Minha cabeça
estava em seu próprio estado de discórdia.
Pensamentos e emoções giraram dentro de mim como um tufão.
Minha ilusão de controle estava ameaçando se despedaçar. Eu não
Página |poderia deixar isso acontecer.
97 Eu não podia me permitir voltar à mulher da qual lutei anos
para me distanciar por causa de uma pequena morte.
— Não podemos ficar aqui. – Gracelyn preencheu o silêncio
que se espalhou entre o grupo. — Temos quase seis horas para
aceitar que vamos voltar para fora com um bando de malucos
loucos para chegar ao final deste mapa.
— E depois? – Margo perguntou baixinho.
Grace encolheu os ombros. — Eu estou mais focada em
atravessarmos a cidade. Podemos lidar com o que vem a seguir
depois de fazermos isso.
— Então o que você está dizendo? Eu...
— Temos que jogar junto com quem está por trás disso. Isso é o
que ela está dizendo. Pense nisso como um jogo. – interrompeu
Kyrous com clareza.
— Como Jumanji. – Selena sugeriu.
— Jogo? – A voz de Abby quase gritou, fazendo Margo
estremecer. — Pessoas estão morrendo.
— Há cadáveres por aí. Susan foi arrastada como um cachorro

na coleira. Minha melhor amiga está...


— Acalme-se. Estávamos todos lá, Pistol Annie11. – Charon
falou lentamente.
Ela passou os dedos pelo cabelo e puxou as raízes. Com
Página |lágrimas espalhando rímel por todo o rosto avermelhado, a ação a
fez parecer alguém à beira de um colapso mental. Eu não a culpei.
98
— Eu não posso voltar lá. – ela murmurou.
— E eu não aguento mais isso. – Ciaran disse com um tom
monótono, cruzando os braços. — Se você acha que não vai durar,
então acho que você está sem sorte. Ninguém aqui vai ser seu herói.
— Agora basta! – Leonard repreendeu, sentando-se mais ereto.
— Você não pode sair por aí dizendo o que quiser, filho. Não é
assim que o mundo funciona.
— Meu mundo e seu mundo são dois lugares muito diferentes.
Faço o que eu quero, enquanto pessoas como você continuam se
esforçando para chegar ao meu nível.
— Seu filho da mãe... – Leonard se conteve, com a mandíbula
rangendo e a fúria brilhando em seus olhos. Eles se encararam, com
a hostilidade praticamente estalando no ar entre eles.
Arrisquei um olhar para Ciaran, vendo um sorriso abrir em seu
rosto. Era absolutamente frio e sinistro. Sua ameaça silenciosa foi
mais dura do que qualquer outra que ele pudesse ter falado.
Leonard respirou fundo, inflando as bochechas e depois
deixando o ar sair lentamente, passando a mão
pelos cabelos grisalhos.

Pistol Annie: ele a compara com uma das integrantes desse grupo
11

musical de country.
Escolhendo sabiamente não piorar a situação, ele pegou duas
barras multicereais da tigela e mudou de assunto.
— Acho que a comida está boa. Eles vendem a mesma marca
Página |nas lojas e ainda estão embalados.
99 — Por que eles estão nos alimentando quando vamos morrer? –
Abby soluçou, com uma nova onda de lágrimas escorrendo pelo seu
rosto.
— Fale por você mesma. Não tenho planos de morrer aqui. –
Mel interrompeu, afastando-se de nós para se sentar à mesa da
cozinha.
— Garota, você precisa parar de trazer má sorte para o resto de
nós. Tenha um pouco de fé. – Selena aconselhou gentilmente,
seguindo o caminho de Mel.
— Isso significa que a reunião está encerrada? Podemos
também aproveitar ao máximo essas poucas horas. – Maverick
falou. — Avistei um banheiro no corredor e tenho que urinar desde
que chegamos aqui.
Ele caminhou em direção ao corredor de trás com um humor
bastante animado, considerando que nós tínhamos acabado de ser
perseguidos até aqui e ter visto uma mulher sendo brutalmente
arrastada.
Todos seguiram seu conselho, indo em direções diferentes, com
a maioria em busca de comida ou água.

Esfreguei o rosto com as duas mãos e me


virei para falar com as garotas, esbarrando em
Ciaran antes que pudesse ir a qualquer lugar.
— Você está bem? – ele perguntou. Eu
tive que parar de inalar profundamente mais de sua deliciosa colônia
como uma estranha. Dei um passo minúsculo para trás, então meu
rosto não estava pressionado em seu peito. `

Página | — Ótima. Tendo o melhor momento da minha vida.

100 — Comigo ao seu lado, seria difícil fazer muito mais.


Apesar de tudo, sorri. Com tudo que está acontecendo dentro da
minha cabeça, a ação parecia como esticar um músculo que não era
usado há anos. — Você realmente sabe o que dizer, não é?
— Para conseguir o que quero? Sempre.
— Espero que você queira dizer isso em termos de me ver
sorrir.
— Claro. Que tipo de cara você acha que eu sou?
— Honestamente? Preciso de um pouco mais de tempo para
decidir. Agora, você está em algum lugar entre um amor e um
idiota.
— Hum, geralmente me dizem que sou um psicopata do
caralho.
OK…
Eu tinha noventa e nove por cento de certeza de que ele estava
falando sério. Fiquei feliz por ele se sentir confortável o suficiente
comigo para admitir isso sem rodeios. Normalmente não era algo
que alguém inseria casualmente em uma conversa. O fato de ele

saber que poderia me dizer foi o que achei


mais desconcertante.
No entanto, isso serviu como uma
distração excelente e muito necessária da
minha própria montanha de problemas, então é melhor acreditar que
eu iria me concentrar nisso.
— Lindo, charmoso e provavelmente manipulador, frio, mas
Página |doce quando necessário. – eu enumerei com os meus dedos.
101 — Dá para ver.
Ele riu baixinho, ainda perto o suficiente para que a sua
respiração atingisse o lado do meu rosto, causando um surto de
arrepios.
— Você acha que eu sou lindo?
Quase revirei os meus olhos. Estávamos realmente tendo essa
discussão agora.
— Você sabe muito bem que é, Ciaran. Tenho certeza de que
há um bando de garotas infelizes que experimentaram em primeira
mão o quanto psicopata você é porque você bateu esses cílios e
abriu um sorriso para conseguir o que quisesse delas.
— Isso funcionaria com você também?
Eu zombei. — Absolutamente não. Eu não penso com minha
vagina, e eu tive problemas suficientes com homens para durar o
resto da minha vida, por mais tempo que isso vá ser.
Ele ficou quieto, e as várias atividades na sala substituíram sua
voz. Tenho certeza de que alguém estava usando o microondas.
Margo estava conversando com Abby e Leonard entre os seus
soluços suaves. Não consegui ouvir nenhuma
das outras conversas; todos estavam falando
baixinho.
— Sempre houve apenas uma garota...
Ele tinha falado tão baixinho que não
tinha certeza se o tinha ouvido direito.
— Isso foi no passado?
— Isso já passou.
Página |
Eu não tinha certeza do que isso significava exatamente. Seu
102 tom não revelou nada e eu não tive resposta. Eu olhei por cima do
ombro para verificar as garotas. Mel estava do outro lado da sala,
sentada à mesa com um Maverick com a bexiga aliviada e bebendo
uma garrafa de água, alisando o seu cabelo. Gracelyn estava perto
de uma estante com Selena, conversando com os gêmeos.
Eu olhei para frente novamente, cruzando meus braços sobre o
peito e olhando o mapa. — Você viu o novo caminho? – eu apontei.
— Eu vi no momento em que pisamos aqui.
— Devemos reunir o grupo? – eu estava só brincando.
— Deixe-os relaxar por enquanto. Dê a essas duas tempo para
parar de chorar.
Eu não precisei olhar para trás para saber de quem estávamos
falando quando eu pudesse ouvi-las. — Você é tão atencioso.
— É o sujo falando do esfarrapado?
— Isso é justo. – eu encolhi os ombros.
Então, ele percebeu isso também? Interessante. Era bom poder
falar com um cara tão abertamente - mesmo que ele fosse um
completo estranho. Então, novamente, talvez
isso o tornasse ainda melhor. Não é como se
fôssemos ser amigos por correspondência ou
bater um papo no Facebook quando tudo isso
estivesse dito e feito. Nesse lugar, eu
provavelmente poderia me safar deixando de
lado minha farsa.
Como nos disseram, o bem e o mal não existiam em qualquer
lugar que fosse esta cidade. Deixar meus demônios saírem para
Página |brincar não me veria trancada pelo resto da minha vida. Eu não ia,
mas a ideia de fazer isso era tentadora.
103
— Eu me importo, a propósito. Eles simplesmente não têm a
sorte de estar entre as poucas pessoas que considero importantes
para mim. – explicou.
— Quero dizer, o mesmo. Não sou uma megera sem coração.
— Eu discordo, você é definitivamente o último.
Ah puxa. Balancei a minha cabeça, reprimindo um sorriso
divertido.
— Então, como consegui um convite para o seu clube especial?
Porque por algum motivo você parece insistir em garantir que eu
sobreviva a isso.
— O motivo é óbvio.
Eu vasculhei minha mente para ver o que poderia ser.
Essa coisa, qualquer que seja essa conexão que estava tentando
florescer entre nós, não poderia ser por isso. Pelo menos, eu não
pensei que pudesse. Sinceramente, não tinha certeza do que ele
estava se referindo.
Quando se tratava de Ciaran, havia muita coisa que eu não

sabia. Provavelmente nunca saberia, e acho


que ele preferia assim. Mais uma coisa que
tínhamos em comum.
— Você está incomodado com os nomes
de onde precisamos ir? Por alguma dessas coisas?
Eu realmente me importava com como ele se sentia, o que
estava me deixando ainda mais desequilibrada.
Página | Ele encolheu os ombros em resposta.
104 Esperei que ele explicasse, mas foi tudo o que ele me deu.
— O que você acha de tudo o que está acontecendo? – ele
perguntou, desviando os holofotes para mim.
Aproveitei o momento e respondi honestamente.
— Eu realmente não sabia o que pensar. Ainda não - não
consigo pensar em nenhuma razão para alguém fazer tudo isso com
um grupo aleatório de estranhos. Isso exigia uma tonelada de
esforço. Quer dizer, tem gente andando por aí em um caminhão de
sorvete.
— E uma moto, você não pode esquecer o motoqueiro mal-
encadarado.
Tossi para disfarçar uma risada, olhando para trás para ter
certeza de que Margo não o ouviu. — Isso foi tão errado. –
sussurrei.
— Mesmo assim, você quase riu.
— Não, não ri.
— Você tem uma covinha que aparece no queixo toda vez que
você sorri remotamente.
Eu reflexivamente levantei a minha mão
para cobrir a dita covinha. Já sabia que tinha
alguns problemas menores, mas claramente
esse cara também tinha. É daí que vem a
conexão - eu descobri uma alma gêmea. Eu
odiei que tivesse que ser nessas circunstâncias.
— Ok, então temos o esquadrão da eliminação circulando pela
cidade, e somos as únicas pessoas por aí a serem eliminadas.
Página | — Como você sabe que eles são estranhos?
105 Empurrada para um estado de confusão, levei um segundo para
responder. — Quem?
— As pessoas nesta sala.
— Já perguntei se alguém se conhecia, lembra?
Ele esfregou o queixo, parecendo pensativo. — Talvez eles não
saibam que se conhecem, mas não há como isso ser aleatório.
Concordei que isso não parecia tão esporádico. Presumi isso
quando eu vi todos os nossos nomes listados juntos no Centro de
Visitantes. Sem mencionar como tudo estrategicamente parecia ser.
Quanto à sua outra teoria...
Brinquei com o meu colar enquanto considerava esse ponto de
vista, movendo o pingente entre meus dedos.
— Você quer dizer que há uma conexão da qual eles não estão
cientes? – eu contemplei em voz alta.
Ele não respondeu de imediato, com seus olhos focados no que
eu estava fazendo. Ele os levantou para mim depois de alguns
segundos. — Isso é exatamente o que quero dizer.
Coloquei o pingente sob a gola da minha
blusa e me virei para encará-lo. — Como
podemos descobrir isso?
Ele ergueu as sobrancelhas. — Podemos
apenas perguntar.
— Ah, dã.
Ele sorriu para mim, fazendo meu estômago embrulhar. Eu
passei meus olhos sobre cada centímetro de seu lindo rosto antes de
Página |trazer meu olhar de volta para ele. Ele parou de sorrir, com uma
expressão que eu não consegui decifrar agora ocultando os seus
106 traços.
Ciaran tinha uma escuridão nele com certeza, eu podia sentir
nele tão facilmente quanto eu poderia dizer quando era dia ou noite.
Eu era a gata que a curiosidade não conseguia matar, ansiosa para
explorar todas as suas profundezas ocultas.
— Se você for Watson, eu serei o Sherlock. – disse ele depois
que um minuto se passou conosco, simplesmente tentando descobrir
o outro.
— Por favor, eu sempre sou a Sherlock. – zombei, passando por
ele para ir brincar de detetive.
Página |
107

Dez minutos bastaram para provar que sua teoria estava correta.
Mais ou menos.
Demorou mais para que Margo e Abby se juntassem a nós na
mesa sem movê-las fisicamente para lá.
Tomei um gole de água, quase gemendo enquanto molhava
minha garganta seca.
Gracelyn encontrou alguns biscoitos na embalagem e os
colocou entre nós para compartilhar. Isso não era batatinhas, mas
era melhor do que nada.
Ciaran estava sentado à minha frente, ao lado de Mel, com o
canudo de um suco de maçã entre seus lábios rosados e carnudos.
— Então, o que todos estavam fazendo
no resort? – perguntei, tentando não olhar
para ele.
— Susan tem... Susan foi. – Margo
corrigiu, respirando fundo. — Susan foi
recentemente diagnosticada com demência.
Este seria nossa última farra. Queríamos algumas memórias finais.
Houve uma breve calmaria. Tenho certeza de que não era isso
que nenhuma das duas tinha em mente. Eu poderia dizer que ela
Página |tinha esperança de que sua tia estivesse viva. Eu não iria acabar com
isso, mas acho que todos sabiam bem.
108
Seria melhor se ela estivesse morta.
Se ela não estivesse, a quantidade de agonia em que ela estaria
agora tinha que ser insuportável. Teríamos que colocá-la no chão
uma vez - se - a encontrássemos. Como os fazendeiros faziam com
seus rebanhos feridos ou doentes.
— Heather e eu estávamos participando de um seminário de
trabalho. – Abby revelou, fungando.
— Fiz uma viagem para comemorar a minha aposentadoria. Eu
era um agente de liberdade condicional. – disse Leonard.
O seu fazia sentido. Abby também, eu acho.
— Você sabe por que eu estava aqui. Fui expulsa de um
encontro de despedida de solteira. Isso foi há dois dias, se o tempo
for relevante. Fiquei para curtir a viagem já paga. Era o mínimo que
mamãe podia fazer por estar amarrada a algum idiota assustador. –
Selena afirmou.
Charon e Kyrous trocaram um olhar, então ambos olharam para
ela.

— Nem fodendo. – Maverick começou a


rir.
— Foi você quem agrediu a Kennedy. –
disse Ciaran. Não foi uma pergunta, foi uma
declaração.
Selena revirou os olhos e suspirou. — Eu joguei uma toalha de
piscina nela, isso dificilmente é uma agressão.
Página | — Todos se conhecem então? – Grace interrompeu, olhando
109 entre eles.
— Teríamos conhecido a Pebbles há dois dias se ela não tivesse
atacado nossa irmã.
— Você pode ter me conhecido, mas eu não sabia nada sobre
nenhum de vocês até este momento. Mais uma razão para eu não
confiar no que diabos está acontecendo com minha mãe e seu pai. –
ela afirmou, olhando Charon com cautela. — E eu não ataquei
ninguém. Eu joguei uma toalha nela. Ela merecia mais do que isso.
— Ken é uma cadela. – Kyrous concordou em seu tom típico de
indiferença.
— Que encontro de família fascinante. – Mel declarou
sarcasticamente.
— Chame do que quiser, agora existe uma ligação. – disse
Grace.
— Deles, sim. Não para o resto de nós. – respondeu Leonard.
O que era verdade.
— Como vocês acabaram no mesmo transporte um com o
outro? – perguntei.
— Nós estávamos indo para o aeroporto
para pegar nosso voo de volta para casa. –
respondeu Maverick.
— A pergunta correta é por que um grupo
de jovens estava em uma festa de despedida
de solteira... a menos que tenham sido contratados como
entretenimento. – disse Margo.
— Nosso pai deu sua despedida de solteiro no mesmo resort.
Página |Ele está voando para outro lugar. – explicou Kyrous.
110 Eles tiveram algumas coincidências entre seus cenários, mas
não totalmente anormais ou algo para surtar, e quaisquer coisas de
família que estivessem acontecendo não tinham qualquer relevância
para o resto de nós.
— E quanto a vocês três? Por que vocês estavam no resort? –
perguntou Ciaran, apoiando os cotovelos na mesa.
— Uma viagem de garotas. – respondeu Mel com desdém.
Tampei minha água e suspirei. — Ok, então vocês três são
meio que relacionados, mas...
— Eu não sou parente deles. – Selena interrompeu. — Quando
isso acabar, eu nunca mais quero ver nenhum de vocês novamente.
Ela olhou para nós três e deu um sorriso de desculpas. — Sem
ofensa.
— Sem problemas, eu me sinto da mesma forma. – Gracelyn
respondeu.
— Ah, não fale assim, mana. – Charon provocou.
Ela o ignorou de forma inteligente. Este era algum drama
familiar que teriam que resolver em um momento mais adequado.

Precisávamos nos concentrar em sair daqui.


— O que fazemos agora? Alguma ideia?
— Temos um pouco mais de cinco horas
antes de termos que voltar lá e lidar com o
que está por vir. Sugiro que você reivindique um quarto e tente
dormir um pouco. Podemos nos revezar no plantão. – disse Ciaran.
Não foi uma má ideia.
Página | Ninguém falou e discordou. Com nada mais precisando de
111 atenção urgente, eu recuperei minha água e sai da mesa, pedindo
licença para usar o banheiro.

Foram inegavelmente as vinte e quatro horas mais longas da


minha vida.
Se tivesse sido muito tempo. Não havia relógios aqui. O tempo
se transformado em nada.
A contagem regressiva era apenas isso - um cronômetro. Não
nos disse o minuto ou a hora, se era da manhã ou da tarde.
Isso seria algo que nunca mais considerei garantido. Mas nem a
falta de tempo nem o conforto do colchão em forma de nuvem
embaixo de mim me ajudaram a dormir.
Devo ter acordado pelo menos seis vezes. A cada interrupção,
pensamentos atingiam minha mente antes de
abrir os olhos. Eles se agitaram, não
demorando muito na frente.
Não tinha ideia do que aconteceria
quando saíssemos do Santuário. Perguntei-me
como nossas famílias estavam lidando com nosso desaparecimento.
Saberiam que algo estava errado? Ou assumiriam automaticamente
que finalmente nos tornamos nômades? Tolamente, com isso. De
qualquer maneira, eles colocariam uma cavalaria para nos encontrar,
Página |se necessário. Não houve fuga de verdade para nós.
112 Só porque eles tentariam, no entanto, não significa que teriam
sucesso. Como nos localizariam em um lugar tão clandestino?
Quem saberia se eu ainda estaria viva quando eles localizariam?
Não parecia haver uma sequência específica das mortes que
ocorreram ao nosso redor. Aqueles homens mascarados... eles me
lembravam de uma velha lenda que minha abuela costumava contar.
Eu não faria com que fosse fácil para eles me machucarem ou
as garotas.
Sem chance.
O ser humano médio pode fazer coisas terríveis ao outro. Eu
não era uma exceção. Fui criada para sempre ir para a garganta. Eu
nunca me deitaria como um cachorro na rua e morreria. Eu deixaria
meus amados demônios saírem da jaula em que os trancava antes
que isso acontecesse.
Eu não queria chegar tão longe, no entanto. Isso destruiria anos
de andar e um lado para o outro e autocontrole calculado.
Eu não tinha certeza do que isso faria ao meu estado mental
também. Antes, esses demônios foram meus amigos mais próximos.
Desde que tentei expulsá-los, eles se tornaram
meus maiores algozes.
Soltando um suspiro silencioso, afastei
meu cabelo do rosto e me sentei lentamente.
O sono era inútil neste ponto. Eu não me
incomodaria em tentar forçá-lo.
Com cuidado para não acordar Gracelyn ou Mel, eu sai da cama
e entre seus corpos, desviando de Selena, que se esticou.
Página | Caminhando entre Margo e Abby, que estavam dormindo em
113 um colchão feito por mim, caminhei para o corredor e fechei a
porta. Vozes vinham da sala principal, calmas e baixas. Coloquei
minha cabeça para fora para ver o que estava acontecendo.
Leonard roncava baixinho em um dos sofás. Maverick e Charon
estavam sentados em outro.
Ciaran e Kyrous estavam na frente do mapa, conversando um
com o outro. Quando a cabeça de Ciaran começou a virar na minha
direção, corri para o banheiro, abrindo um pouquinho a porta.
Sem me preocupar em acender a luz, fui até a pia dupla e abri a
torneira, apoiando as minhas mãos uma de cada lado da borda de
porcelana da pia esquerda. Fechando meus olhos, lutei para esfriar
minha cabeça - não é uma tarefa fácil quando nada além de conflito
estava emergindo dentro dela.
Eu coloquei minhas mãos em concha e as coloquei embaixo da
haste, abrindo meus olhos quando ouvi a porta sendo empurrada.
Ciaran entrou e fechou-a atrás dele, encostando as costas na
madeira. Deixei a água em minhas mãos escapar pelo ralo e me
endireitei. — O que você está fazendo?
— Vindo ver por que você correu.
— Ciaran... – eu fiz uma pausa. — Se eu
tivesse corrido, o que não foi, seria um sinal
para não me seguir.
— Não era isso que você queria que eu
fizesse? Vir atrás de você?
— Repita essa pergunta para você mesmo e pergunte por que
eu iria querer isso.
Página | — Eu não acho que você sabe o que quer, fantoche.
114 Que audácia. — E você sabe?
— Sei muito mais do que você gostaria que eu soubesse,
pequena Serpine.
Eu me virei e dei dois passos para longe dele. — Como você
sabe meu sobrenome?
— Da mesma forma que sei o que significa esse colar em volta
do seu pescoço.
Minha mão foi para o pingente quando ele começou a avançar
em minha direção. Eu permaneci onde estava, inclinando minha
cabeça para trás quando ele parou, nossos corpos a meros
centímetros de distância.
Não sabia se deveria envolvê-lo em meus braços ou me
preparar para desistir. Meu corpo certamente sabia qual opção
escolher.
— O que você quer?
— A mesma coisa que você.
Eu engoli, me movendo ligeiramente para trás. — Se você
realmente soubesse tanto quanto alegou, teria
uma resposta diferente.
Ele riu baixinho, com o tom malvado
fazendo com que a dor que ele tinha criado
entre minhas pernas aumentasse. Ele segurou
meu queixo, me proibindo de desviar o olhar
dele.
— E para você dizer isso significa que não ouviu uma palavra
do que eu disse.
Página | — Ciaran. – eu disse. — Não podemos fazer tudo o que você
115 está tentando fazer.
— Se você fala mentiras sem convicção, fantoche, como pode
esperar que alguém acredite nelas?
— Afinal, o que isso quer dizer?
— Que se eu decidisse que quero estar dentro de você agora e
não mais tarde, você faria tudo o que eu dissesse porque quer a
mesma coisa.
Mais tarde? — Sua confiança é realmente importante, mas
você está errado.
— Besteira, você tem me fodido tanto com os olhos que estou
surpreso de poder até andar em linha reta.
Não pude deixar de rir. Lá se vai minha discrição. Infelizmente
para ele, ele não tinha ideia onde estava se metendo. Eu não sabia
como ele sabia das coisas que alegava, mas isso não mudava nada
sobre quem eu era ou nossa situação.
Ele provavelmente só me queria porque neguei que o queria. Se
não fosse pela facilidade com que nos conectamos, nem seria eu que
ele queria. Havia uma chance de ainda não ser. Eu não poderia estar
brava com isso. Eu queria sentar em seu pau,
e ele queria sentir minha boceta em volta dele.
Éramos duas pessoas com uma atração
flagrantemente mútua - uma atração visceral.
Além disso, já lidei com homens assim antes.
Eles adoraram a emoção de reivindicar uma mulher que davam
duro para conseguir.
Isso tornou-se uma espécie de jogo para mim. Deixei que
Página |pensassem que me pegaram, conquistaram o invencível, por assim
dizer. Eu permiti que eles me fodessem forte e rápido apenas para
116 que eu pudesse me virar e fodê-los duas vezes mais forte antes de
deixá-los ainda mais rápido.
Eu só estive com um homem que atingiu a cota para tudo que
eu precisava e eu o perdi mais rápido do que ele me fez gozar.
Em circunstâncias normais, teria deixado Ciaran tentar superá-
lo.
Eu estava perigosamente perto de fazer isso agora. Eu tinha
dormido com caras muito mais rápido do que isso antes, e eles não
tinham nada perto do fascínio que ele tinha. Eles também não
falaram meu sobrenome sem que eu desse qualquer dica sobre o que
poderia ser. Eu me perguntei qual era o seu ponto em me deixar
saber que ele sabia disso.
Poder? Chantagem? Medo?
— Você está tentando me assustar, Ciaran?
— Nós conversamos sobre isso; Não ligo para algo tão simples
ou básico como o medo. Eu preciso de terror.
— Há alguma diferença?

— Você sabe a resposta para isso.


Tentei me afastar. Ele soltou meu queixo
e facilmente nos moveu para que eu ficasse
presa entre seu corpo duro e a pia. O calor que
emanava dele se misturou com as gotas de água fria agora
levemente umidificava a parte detrás dos meus braços.
Poderia ter lutado com ele. Facilmente. Eu não necessariamente
Página |queria. Ele não tinha feito nada além de me surpreender um pouco e
nutrir mais algumas sementes de curiosidade. Se ele esperava uma
117 reação mais animada, ele ficou desapontado. Qualquer que fosse sua
intenção, tornou difícil resistir a ele.
— Acho que você provou seu ponto. – murmurei, respirando-o.
— Eu nem comecei ainda.
— E você não vai.
Ele agarrou meu queixo com firmeza. — Então sugiro que você
me diga para parar.
Sua boca reivindicou a minha - rudemente. Lábios macios
como veludo eram um contraste gritante com a maneira como ele
assumiu todo o controle que eu não estava pronta para dar. Ele
roubou o acesso que queria, sem perder tempo entrelaçando minha
língua com a dele.
A mão que prendia minha mandíbula desapareceu sob meu
cabelo e deslizou para a minha nuca, me agarrando com tanta força
que sabia que ficaria machucada.
A sensação de seus dedos foi como ácido na minha pele. Uma
leve dor teve um pequeno gemido de prazer emergindo em meu
peito.
Sufoquei, combinando com a intensidade
de seu beijo. Os nossos corpos pareciam se
fundir. A protuberância impressionantemente
grande na sua calça jeans pressionou
exatamente onde eu o queria.
Sua mão livre encontrou o caminho para minha bunda,
agarrando um pouco. Ele me apertou, com sua boca se curvando em
um sorriso quando eu estremeci.

Página | — Porra, você é linda. – ele sussurrou, reclamando a minha


boca antes que eu tivesse a chance de responder. Ele me beijou mais
118 profundamente, certificando-se de que eu sentisse exatamente o que
ele podia fazer comigo com algo tão inocente como o encontro de
nossos lábios.
Passei os braços sobre sua camisa, sentindo cada cume sólido
sob ela enquanto minhas palmas encontravam o caminho para seus
ombros. Seus dentes cravaram em meu lábio inferior, mordendo até
que as lágrimas encheram meus olhos e um gemido baixo escapou.
Eu não disse a ele para parar - eu não iria.
Ele se afastou por conta própria.
— Eu conheço você, fantoche. Sei exatamente o que fazer com
você, como vou fazer e quando.
Mesmo no escuro, eu podia ver a promessa brilhando no azul
de seus olhos.
Não estava com medo dele. Se este foi o início de sua
demonstração psicopata, eu queria expor cada centímetro dele. Eu
acenei para ele sair e jogar, sabendo que não deveria. Esta sempre
foi minha aflição como uma faca de dois gumes. Eu desejava o
normal, mas ansiava pelo instável, queria o repugnante e depravado.

Se isso tivesse nele, eu encontraria uma


maneira de arrancar isso e consumir cada
pedaço para saciar meus próprios desejos
carnais. Como se ele pudesse ver cada
pensamento sórdido passando em minha
cabeça, as próximas palavras que saíram de sua boca foram o que
finalmente me jogou em um reino de incerteza.
— Quando você disse que não sabia como as pessoas podiam
Página |fazer algo assim, eu nunca respondi. – ele expressou suavemente,
com os lábios pairando na frente dos meus. — Estamos todos cheios
119 de intenções infernais, demônios embrulhados em pacotes bonitos.
Quanto mais bonita uma pessoa, mais perversos esses demônios
tendem a ser.
Ele passou as mãos nas minhas costas, me pressionando ainda
mais contra ele. — Mostre-me os seus e eu mostrarei os meus, então
vou fazer você gozar mais do que jamais gozou. – ele me beijou de
novo, me mordendo uma última vez antes de finalmente se afastar.
Enchi meus pulmões de ar, consequentemente respirando-o
mais uma vez. — Você é a razão de eu estar aqui?
— Caso você não tenha percebido, fantoche, também estou
preso aqui.
Eu engoli, endireitando a minha coluna para recuperar um
pouco do meu controle. A dor entre minhas pernas fez minha boceta
apertar e minha pele ficou vermelha de calor.
Ignorei o melhor que pude, observando-o caminhar em direção
à porta do banheiro.
Algo sobre isso, sobre nós. Sobre ele. Tudo parecia familiar,
mas minha mente se recusou a lembrar a memória.

— Quem é você? – perguntei antes que


ele pudesse abrir a porta.
Parando por um breve momento, ele
respondeu. — Eu sou a razão pela qual você
vai sobreviver a esta parte.
Ele entrou no corredor e fechou totalmente a porta atrás de si.
Eu levantei dois dedos à minha boca, sondando onde ele me fez
Página |sangrar.
120
Página |
121

Fechei a torneira da pia e voltei para o corredor, enxugando o


excesso de água do rosto.
Propositadamente sem olhar para a sala principal, voltei para o
quarto, certificando-me de evitar que o que acabara de acontecer
fosse registrado em meu rosto, mesmo enquanto meu corpo
queimava. Mel estava acordando quando entrei.
— Onde você estava? – ela perguntou com um bocejo.
— Lavando meu rosto...
Seus olhos se estreitaram, com o brilho de um abajur de mesa
fazendo-os parecer como os de um gato. — E sendo fodida, por
acaso?
— Sério? Pareço que foi isso que eu estava fazendo? – eu abri

meus braços para o lado.


— Está certa, as vibrações de “destrua
minha boceta” que você está emitindo, você
não estaria andando direito.
Cobri a minha boca para sufocar uma risada. — Eu realmente
não posso com você às vezes. Como você sabia que Ciaran estava
comigo? – eu me aproximei, passando por cima de Abby.

Página | — Porque eu conheço você... e posso sentir o cheiro da colônia


dele. Além disso, seus lábios estão inchados.
122
— Eu preciso falar com você e Gracelyn sobre isso.
— …tudo bem? – ela me deu um olhar interrogativo.
— Eu não estou falando sobre foder. – eu sussurrei. — Ele sabe
meu sobrenome.
Isso chamou sua atenção total, fazendo-a se sentar mais ereta.
— Como?
Subi na cama king-size e sentei ao lado dela. — Eu não sei. Ele
disse que sabe o que isso significa também. – eu toquei a corrente
do meu colar.
— Ele te machucou? – ela já estava empurrando o edredom
para trás.
Segurei outra risada e agarrei o seu pulso. — Eu o teria
machucado mais, você sabe disso. Tudo o que ele fez foi foder com
a minha cabeça e me molhar.
— Ah, ele é um lixo absoluto então.
— Quem é lixo? – Grace resmungou, virando para olhar para
nós duas.
— Cici sabe o sobrenome dela. – revelou
Mel. — E ele não a fez gozar.
Eu ignorei a última parte disso. — Como
você o chamou?
— Cici, por quê?
— Nada... – eu balancei a minha cabeça. — Ele disse que era a
razão pela qual eu sobreviveria. O que você acha que isso significa?
Página | — Ele pode ser de uma das famílias fundadoras. – Gracelyn
123 sugeriu, com sua voz ainda grogue. — Sabemos que estamos todos
presos aqui por um motivo.
— Não seria tão surpreendente. – Mel concordou, colocando
uma mecha de cabelo violeta atrás da orelha.
— Eu ficaria mais surpresa se não fosse algum maluco que
nossos pais ficaram putos por trás de tudo isso.
— Sim, essa lista é bastante interminável. – eu divaguei. Eu me
perguntei por que não havia considerado isso, ele sendo de uma
família diferente. Isso fazia muito sentido. Desde a maneira como
ele falava com sua personalidade até seu comportamento geral
demente, embora sexy. Isso não me disse como ele sabia quem eu
era, no entanto. Isso só me deixou igualmente desconfiada e ainda
mais curiosa sobre ele.
— Você perguntou qual era o sobrenome dele?
— Mais ou menos. Ele não diria.
— Certo. – ela suspirou. — Se ele fosse de uma das famílias,
então todos seriam, o que significa que realmente não podemos
confiar neles. Como ele sabe o seu sobrenome, tenho certeza de que
eles sabem o nosso.
— Sim, e isso poderia acontecer de
qualquer maneira. Nem todas as famílias se
dão bem. – Gracelyn apontou.
— Mesmo que estejamos todos aqui
porque alguém quer nos eliminar, suas
famílias também podem odiar a nossa. Isso vai se tornar uma confusão
gigante e sangrenta se tivermos que começar a matar um ao outro. – ela
fez beicinho. — Eu queria férias, não uma passagem de ida e volta para
o Battle Royale moderno.
Página |
Que eufemismo tudo aquilo era - verdade também. Algumas das
124 famílias ainda estavam travando um derramamento de sangue e
carnificina umas nas outras enquanto estávamos presos nesta cidade
infernal. Eu mordi a parte interna do meu lábio inferior, traçando o local
dolorido com a ponta da minha língua.
— Esta é a nossa ligação. – murmurei mais para mim mesma do que
para elas.
Um leve ruído na porta interrompeu nossa conversa. Charon enfiou
a cabeça para dentro, sorrindo para três de nós. — Olá, belas
adormecidas.
— Você precisava de algo? – perguntou Mel.
— Faltam vinte minutos Acorde-as e venha ao mapa.
Assim que ele desapareceu, nós três trocamos um olhar. — Vinte
minutos. – Grace repetiu suavemente.
— Vocês estão prontas para isso?
— Nós temos uma escolha? – Mel respondeu.
Virei minhas pernas para o lado da cama e me movi para acordar
Selena.
Página |
125

Vestidas com nossas roupas normais, nos reunimos em torno do


mapa interativo.
No momento em que entrei na sala, encontrei Ciaran quase
imediatamente, como se nossos olhares fossem ímãs. Ele estava
com Maverick, Kyrous, Charon e Leonard.
Seus olhos foram brevemente para meus lábios.
— Para onde vamos a seguir? – Margo perguntou, parecendo
determinada. — Quanto mais rápido resolvermos isso, mais rápido
poderei encontrar Susan.
Isso explicava.
— Está numerado agora. Temos que seguir os X de um a cinco.
– disse Ciaran, apontando para o caminho demarcado.
Cada X marcou um novo local. O primeiro foi Beleth Pass.
Olhei para o cronômetro, observando-o ficar cada vez mais baixo.
— Devemos esperar mais perto da porta, caso tenhamos que
correr novamente? – Abby perguntou. — Meus pés estão com

bolhas.
— Particularmente, acho que devemos
ficar aqui, caso alguém esteja esperando do
outro lado.
— Então eles poderiam vir aqui e nos pegar. – ela argumentou.
— Alguns de nós estão em uma situação pior do que outros. –
afirmou Ciaran.
Página | Leonard balançou a cabeça, tirando os fiapos invisíveis do
126 blazer.
O rosto de Abby se contraiu. — Você é o maior idiota que já
conheci.
— Já fui chamado de coisa pior. – ele olhou para mim com um
brilho nos olhos.
Desviei o olhar, optando por permanecer focada na contagem
regressiva. Quando chegou aos três minutos, comecei a me preparar
mentalmente para o que poderia estar esperando por nós.
À um, me virei para a porta.
Quando a fechadura metálica caiu e pudemos sair, Ciaran foi o
primeiro a caminhar naquela direção. Um a um o seguimos,
mantendo uma distância segura quando ele abriu a porta.
Ele saiu, sinalizando para que o seguíssemos um segundo
depois.
— Para que lado vamos? – perguntei uma vez que estava na
calçada. A temperatura estava um pouco mais baixa e ainda estava
escuro. Pelo lado positivo, não havia nenhum sinal dos homens
mascarados. A cidade ficou quieta novamente.

Isso não significa muito, no entanto. Eu


sabia que eles estariam vendo de onde quer
que fossem seus esconderijos.
— O mapa nos mostra para a esquerda,
de novo. – Maverick disse, amenizando atrás de mim para seguir
naquela direção.
Todos nós começamos a andar, mais cautelosos do que
Página |estávamos até agora, indo da calçada para o centro da rua. Pensando
em tudo o que aconteceu no que eu agora sabia que eram menos de
127 vinte e quatro horas, diminuí para poder ficar ao lado de Selena. Ela
tem estado relativamente quieta durante tudo isso, dentro de sua
própria cabecinha bonita.
— Quem é o cara com quem sua mãe deveria se casar? –
perguntei baixinho.
— É isso que me deixa tão maluca. Nunca vi este homem mais
de uma vez, e posso dizer que ele não é nenhuma rosa. Eu não sabia
que o cara tinha filhos até que a garota maluca apareceu em nossa
casa para se apresentar.
— Não houve menção a irmãos também. – respondeu ela
baixinho, perspicaz o suficiente para saber que eu estava tentando
ser discreta.
— E o nome dele?
— Kyle. Não sei o sobrenome dele. Ma não quis me dar. Há
algo que eu preciso saber?
— Não... ou, talvez. Se eu descobrir alguma coisa, avisarei
você.
— Idem. – disse ela, dando um sorriso.
— Sobre o que vocês duas estão
cochichando? – Charon perguntou, ficando
para trás para andar do outro lado de Selena.
— Se isso fosse para todos saberem, elas
não estariam sussurrando. – Mel respondeu
por nós.
— Relaxa. Você não precisa ser tão hostil, querida. – Maverick
riu.
Página | Ela se virou sem se preocupar em olhar em sua direção.
128 — Quer compartilhar isso, mana? – Charon passou um braço
em volta dos ombros de Selena.
— Pare com isso. – ela tentou empurrá-lo.
— Sabe, eu sempre quis outra irmã. Mas não achei que ela seria
tão bonita quanto você.
— Se eu sou sua irmã, você não pode falar assim. É errado e
nojento.
— Na verdade... – ele parou e se inclinou, sussurrando algo em
seu ouvido que lhe valeu uma cotovelada no estômago.
— Doente. – ela resmungou, marchando para longe dele.
— Acho que você é a minha amiga agora. – disse ele,
aproximando-se de mim com um sorriso amigável estampado em
seu rosto bonito. Esses caras, sério, não deixavam nada perturbá-los.
— Sorte minha. – respondi distraidamente, notando o quanto
próximos Gracelyn e Kyrous estavam caminhando um com o outro.
— Isso, meu novo amigo, é o Ky paquerando.
Olhei de lado para ele. — Ele paquera em silêncio?
— Às vezes, o silêncio é tudo que você
precisa.
Seu tom implicava que havia um
significado mais profundo por trás de suas
palavras.
— Que horas você acha que são? – eu mudei de assunto.
— Uma, talvez duas da manhã. Por quê? Você tem um lugar
para estar?
Página | — Em qualquer lugar, menos aqui. – eu murmurei.
129 — Há uma placa. – exclamou Margo com orgulho.
Com certeza, no final da rua havia uma placa com outra seta,
esta apontando para a direita pela primeira vez. A rua fazia uma
curva para que não pudéssemos ver do que estávamos nos
aproximando até que fizéssemos a curva.
— Venha andar comigo, fantoche. – disse Ciaran, diminuindo a
velocidade para que eu pudesse alcançá-lo.
Sem querer ir para frente e para trás, eu me movi e caminhei ao
lado dele, ciente da mudança que havia ocorrido entre nós em todos
os ângulos.
Viramos a esquina juntos, com seu braço estendendo-se para
me segurar quando a placa para Beleth Pass apareceu.
Foi um gesto doce, mas eu não precisava dele para me proteger.
Além disso, este não era um prédio. A placa estava presa a um
portal coberto de musgo e trepadeiras. A passagem além era estreita
e parecia levar a um maldito pântano.
— Nós realmente temos que ir lá? – Abby resmungou.
Sabendo que ele diria algo totalmente desnecessário; Agarrei

sua mão na esperança de manter a paz.


Funcionou. Ele olhou para baixo, então para
mim com a obscuridade ocultando as suas
feições.
— Vamos primeiro. – disse ele, entrelaçando os dedos nos
meus. — Forme pares, se possível.
Normalmente eu não seria a primeira a ir a qualquer lugar tão
Página |ameaçador, mas eu não iria discutir essa decisão.
130 Se eu fosse primeiro, isso significava que Mel ou Grace não
poderiam, e se um daqueles degenerados mascarados estivesse
esperando por nós, Ciaran e eu estaríamos na linha de frente.
— Vou ficar na retaguarda de novo. – Leonard se ofereceu
rapidamente.
— Covarde. – murmurou Kyrous.
Levei um segundo para entender por que ele disse isso. Achei
que Leonard seria o último a ser útil; Eu não pensei que ele se
sentisse mais seguro atrás de nós. Claramente, ele era um idiota. Se
o incidente com a palhaça se aproximando dele não tivesse sido um
sinal suficiente de que nenhum de nós estava seguro, ele era uma
causa perdida.
Grace deu um tapa no braço de Kyrous e balançou a cabeça,
mas não se opôs quando ele os uniu. Hum, Mel tinha descoberto
algo afinal. Ela sempre via o que a maioria das pessoas deixava de
ver até que estivesse bem na frente delas. Eu certamente esqueci
essa revelação estranha.
Ela e Maverick formaram par, o que ela não parecia muito
animada, deixando Selena ainda menos feliz com Charon. Quase me
senti mal por Margo porque ela teve que
caminhar com Abby. Leonard estava sozinho,
lá atrás, exatamente como ele queria estar.
— Está pronta? – Ciaran me perguntou
em um tom suave.
— Vamos fazer isso.
Ele liderou e eu o segui.
Passamos pelo portão sem incidentes, tendo que descer
Página |imediatamente um pequeno lance de escadas de concreto.
131 Ninguém disse uma palavra quando o portão se fechou atrás de
Leonard. Acho que todos nós esperávamos que coisas assim
acontecessem a essa altura.
O chão parecia molhado e escorregadio, como se estivesse
revestido de alguma coisa, mas havia apenas a lua brilhando para
oferecer alguma luz. Em cada lado de nós havia cercas e prédios,
garantindo que permanecêssemos neste caminho.
Um cheiro estranho começou a invadir e estragar o ar natural da
noite. Não era um cheiro bom nem ruim.
— O que é isso? – Margo perguntou, cheirando ruidosamente.
— Bacon? – Leonard adivinhou.
— É um corpo. – respondeu Ciaran casualmente, como se
tivesse acabado de anunciar que choveria em breve.
— Como... como você sabe disso? – Selena perguntou.
— Talvez tenhamos lidado com alguns.
Mordi o meu lábio para conter um sorriso de diversão. Eu
descobri realmente o quanto franco e assumidamente perturbado ele
era. Isso fez meu coração sombrio bater um
pouco mais rápido.
Atravessamos a passagem, diminuindo a
velocidade quando o brilho de uma chama
começou a mover à nossa frente. Logo além
disso havia outro portal. Este parecia levar a
uma clareira.
O cheiro - o corpo - era mais forte aqui. Conforme nós
prosseguíamos lentamente, o aroma aumentava. Era um cheiro
Página |extremamente doce e de alguma forma familiar. Isso foi mais
perturbador para mim do que quando passamos por um beco e
132 vimos de perto o cadáver em chamas.
A cerca nos proibia de chegar mais perto dele, o que foi uma
pequena bênção, porque duas figuras mascaradas estavam de cada
lado do fosso improvisado - um homem e claramente uma mulher se
o vestido de camisa e as botas de cano alto fossem alguma
indicação.
Eles nos encararam por trás de suas máscaras e o homem
levantou a mão para acenar.
— Ele não está queimando há muito tempo. – afirmou Kyrous
bem atrás de nós.
Olhei para a pessoa que eles tinham pendurado pelos braços,
nua. Seu rosto parecia algo menos que humano. Parecia
parcialmente destruído ou algo assim.
Enquanto eu tentava descobrir o que eles fizeram com ele, seu
bigode grosso revelou sua identidade.
— Aquele é o nosso motorista. – eu disse baixinho, não
querendo causar um alvoroço para os poucos indivíduos que iriam
pirar se juntassem as peças. A metade inferior dele já estava sendo
consumida pelas chamas, abrindo a carne em
suas pernas e deixando uma gordura
gordurosa pingar e alimentar o fogo.
— Devemos continuar. – disse Ciaran,
retomando lentamente ao nosso lugar.
Houve um suspiro suave atrás de nós, acho que de Abby assim
que ela deu uma olhada no corpo, mas pelo menos ela não começou
a soluçar de novo.

Página | Ciaran e eu saímos juntos da passagem, entrando no que acabou


sendo uma clareira de verdade. A cerca mudou aqui, formando uma
133 espécie de semicírculo.
À esquerda havia outra placa com duas imagens pintadas. Bem
em frente havia outro portão, ainda não aberto.
Um tipo de plataforma iluminada percorria ao longo do
perímetro da cerca, alinhada com os homens mascarados que vimos
antes, além de mais três. A palhaça estava lá com eles. Eu podia
sentir seus olhos em nós, observando cada movimento nosso.
Assim que atravessamos a passagem, um deles nos trancou,
batendo o portão traseiro puxando uma corda. Uma fechadura se
encaixou, garantindo que não sairíamos a menos que quisessem.
O homem com o arco automático levantando-o e apontou para
nós.
Uma das novas figuras mascaradas engatilhou uma espingarda,
fazendo o mesmo do outro lado da plataforma.
Ciaran apertou minha mão de leve, uma garantia, eu acho.
— Calma, calma! – Leonard gritou, levantando as mãos no ar.
— Não há necessidade de nada disso. Basta nos dizer o que vocês
querem, certo?
— Resolva o enigma. – A palhaça disse.
Ela apontou para a placa. Seguindo as
instruções dela, o homem de máscara meio
branca atirou uma corda com um laço na
ponta.
— Você tem cinco minutos. Para cada minuto adicional que
você desperdiça, meus amigos podem tirar uma vida. – ela estendeu
as mãos para indicar a espingarda e o arco.

Página | — Eu já não entendi. – enfatizou Margo, passando por nós para


ver melhor a placa.
134
— Não se preocupe, vou controlar o tempo. – disse a palhaça.
Ignorando ela e o nosso público, cutuquei Ciaran para que
pudéssemos nos aproximar.
— Alguma ideia? – perguntei.
— Eu já descobri.
— Você vai dizer o que é? – Mel perguntou secamente.
Ele a ignorou e olhou para mim. — O que você acha?
Claro, ele não ia apenas dizer qual era a resposta. Por que
diabos ele faria isso? Eu olhei para os símbolos que foram pintados
em vermelho - o tipo de sangue vermelho que tendia a ser. Havia
um olho com uma linha atravessando-o e uma orelha com um X. O
espaço entre eles era onde a ponta da corda estava pendurada.
— Acho que sabemos disso. – Gracelyn disse, subindo atrás de
mim.
— Nós sabemos?
— Sim, você e aquele garoto costumavam jogar um jogo assim
quando éramos pequenos, mas não consigo
me lembrar qual é.
Quase perguntei se tinha me confundido
com outra pessoa. Eu não sabia a que ela
estava se referindo.
— Três minutos. – A palhaça gritou.
— Ciaran. – eu implorei.
— Fantoche. – ele respondeu me provocando.
Página |
Que imbecil. Tentei puxar a minha mão da dele, mas ele
135 simplesmente me segurou, puxando-me para o seu lado.
— Ahh. – A palhaça murmurou, inclinando a cabeça como um
cachorro curioso. — Ele gosta de você.
Ignorando-a, estudei a imagem, vasculhando meu cérebro para
ver o que significava. — Isso é…
— Um minuto. – foi dito acima de nós.
— O olho não pode ver... o ouvido não pode ouvir... – O que eu
estava perdendo? Meus pensamentos aceleram, concentrando-se
nessas duas coisas. Eu não queria que mais ninguém morresse se
pudéssemos evitar, não por causa de um enigma idiota.
— É sobre os sentidos? – Selena perguntou.
Eu li novamente e balancei a cabeça. — Eu acho que você está
certa.
Olhos. Ouvidos.
— Boca? – eu arrisquei.
— Sim! A boca não pode falar. – Gracelyn respondeu às
pressas.
— Bom trabalho, Gracie. – Kyrous
elogiou, soando como se tivesse emoções
reais pela primeira vez.
— Ainda não terminou... – A palhaça
afirmou.
O homem semi-mascarado deu um tapa na corda para enfatizar
o que ela queria dizer.
— Quem diabos eles acham que está colocando isso em volta
Página |do pescoço? – Mel riu.
136 Ele levantou a mão e apontou para onde eu estava.
— Não vai acontecer. – Ciaran resmungou, me empurrando
para trás dele. Eu esbarrei em Grace e Mel, que se agarraram ao
meu corpo como se a corda fosse chegar aqui e me agarrar sozinha.
— Trinta segundos, amores. – A palhaça gritou.
— Merda, merda, merda. – Leonard gritou, sacudindo o portão
atrás de nós para tentar reabri-lo.
Eu não iria apenas ficar aqui e esperar que uma das minhas
melhores amigas não fosse morta se eu pudesse garantir que elas
não morressem.
— Ciaran...
— Não. – disse ele sem rodeios, não deixando espaço para
discussão.
Eu olhei para a parte de trás de sua cabeça. — Você nem sabe o
que eu...
— Cale a boca, fantoche. Ninguém está tocando em você,
porra.
— Você acabou de...?
— Eu concordo com ele. Cale a boca,
Lana. – Mel reiterou, me dando uma sacudida.
— Sabe o que? Tenho a solução perfeita.
– Ciaran se virou e me empurrou para trás
novamente, direto para os braços à espera de Maverick.
— Que diabos está fazendo?
— Mantendo você segura. – Maverick respondeu com bom
Página |humor, me segurando em um abraço de urso por trás.
137 — Não você, ele. – eu dei outro olhar para Ciaran.
Sem me dar atenção, ele agarrou Abby pela frente de seu
macacão e começou a arrastá-la para frente.
— Não! – ela gritou, tentando se afastar dele. Seus pés se
enroscaram, fazendo-a tropeçar.
— Saia de cima dela, idiota. – Leonard tentou se aproximar e
salvar o dia, sendo impedido por Charon e - surpreendentemente -
Margo.
— Tem que ser um de nós. – ela tentou raciocinar.
— Você não pode fazer isso! – ele gritou.
— Já está feito. – respondeu Ciaran.
Ele soltou o macacão de Abby e agarrou um pouco de seu
cabelo, facilmente frustrando todos os golpes que ela deu nele
enquanto ele enrolava a ponta da corda em seu pescoço. — Pense
nisso como se sacrificar por um bem maior.
— Vá se foder! – ela gritou, com o som terminando em uma
confusão deturpada.
Sem demora, duas das figuras mascaradas
começaram a puxar. O laço apertou quando
ela foi levantada e finalmente arrastada para a
plataforma.
Ela lutou implacavelmente, aos berros
enquanto os seus braços e pernas estavam presos.
— Fique quieta agora. – A palhaça aconselhou enquanto a
pessoa com a máscara de LED laranja se agachava, com uma lâmina
Página |brilhante em sua mão.
138 A boca de Abby foi forçada a se abrir por seus companheiros.
Um estalo audível chegou até nós quando seu queixo foi empurrado
para fora do lugar.
— Ah, Deus, não. – gritou Leonard, virando-se para não ter que
ver o que estava acontecendo.
Eu permaneci paralisada, mal piscando quando a língua de
Abby foi puxada para fora, e o homem no LED começou a cortá-la.
Os gritos dela... Maverick me soltou e eu agarrei o antebraço de
Ciaran, envolvendo meus dedos em sua pele.
Havia muito sangue, eu podia sentir o cheiro, ver os riachos
começando a formar poças na plataforma e pingar. Algo esmagou e
estourou... sua língua sendo removida.
O homem mascarado levantou-se e segurou-a, garantindo que
ele tinha a nossa atenção enquanto levantava parcialmente sua
máscara e a colocava em sua boca.
Eu poderia lidar com muita coisa, mas isso era nojento em um
nível totalmente novo. Eu engasguei e desviei o olhar quando ele
começou a mastigar.
— Cara, por quê? – Mel murmurou, enterrando o rosto nas

minhas costas.
— Nós podemos ir agora? – Gracelyn
perguntou quando os seus companheiros
começaram a aplaudir ele.
Eu olhei no momento em que ela tentava andar em direção ao
portão fechado.
Kyrous foi rápido para detê-la, envolvendo um braço em volta
Página |de sua cintura.
139 — Não podemos sair assim.
— É logo ali. – ela apontou um dedo na direção do portão.
Virei a minha cabeça para trás em direção à plataforma,
observando dois dos homens mascarados se abaixarem e levantarem
Abby.
Com um lance descuidado, ela foi jogada de volta para o nosso
isolamento. Seu corpo atingiu o chão com um baque, mas não
parecia que mais nada quebrou. Ela estava muito viva, a mandíbula
empurrada muito para a direita, com a língua perdida. Quantidades
copiosas de sangue continuaram a escorrer de seu rosto, manchando
a grama e seu queixo. O som vindo dela me lembrou de um porco
sendo massacrado.
— O que nós fazemos? – Margo perguntou, hesitando em ir
para o lado dela.
— Mate-a. – eu disse simplesmente.
— O que? – Leonard estremeceu. — Nós não podemos...
— Olhe para ela. – eu exigi, virando-me para ele. — Você sabe
de algum hospital onde podemos levá-la? Um pronto-socorro local?

— Ela não é um animal, não podemos


simplesmente tirá-la de seu sofrimento. – ele
surtou.
— Ela nem consegue falar. – Gracelyn
murmurou.
Abby começou a se levantar, mostrando que tinha mais força
do que eu acreditava.
Página | Embora desmaiar fosse mais benéfico para ela do que tentar vir
140 em nossa direção. Ela deu dois passos antes de o lado de sua cabeça
implodir por um tiro certeiro do cara com a espingarda, com o som
ecoando alto.
Algo úmido atingiu minha bochecha enquanto sangue e massa
cerebral eram expelidos no ar, espalhando-se pela grama junto com
pequenos fragmentos de seu crânio. Seu corpo sacudiu para a direita
e pousou aos nossos pés, com o rosto para baixo com um buraco
aberto expondo a parte superior de suas entranhas.
Leonard se virou e começou a vomitar, com as mãos indo até os
joelhos. Acima de nós, as figuras mascaradas começaram a se
dispersar. Quando a palhaça finalmente se despediu, ela o fez com
um aceno e uma promessa de nos ver em breve.
O portão à frente se abriu, dando-nos acesso ao nosso próximo
destino.
Página |
141

Caminhamos por horas.


Eu só sabia que fazia tanto tempo porque a lua baixou e o céu
começou a mudar desde os primeiros sinais do nascer do sol.
Meus pés estavam me matando, me sentia nojenta e grudenta e
precisava desesperadamente de um banho.
O sangue seco de Abby ou algo assim endureceu na minha
bochecha, apenas aumentando o quanto suja eu me sentia.
Ciaran não tinha saído do meu lado, mas mal tínhamos falado
uma palavra desde que saímos do isolamento. Agradeci a ele por
salvar minha vida mais uma vez, mesmo que fosse às custas de
outra pessoa? Ou exigi saber quem diabos ele era e por que
continuava fazendo isso?

Ambos?
Nenhum dos dois?
A conversa fluiu com bastante facilidade
com todos os outros. Ninguém mencionou
Abby. Não acho que precisávamos de um resumo do que acabamos
de testemunhar.
Não acho que a morte dela tenha sido tão ruim quanto a de
Página |Susan simplesmente porque uma sofreu mais do que a outra, mas foi
brutal. Fiquei me perguntando quem eram as pessoas sob as
142 máscaras.
Especificamente, aquele com o rosto meio branco e o cara que
corajosamente comeu uma língua crua e sangrenta. Até a palhaça...
Eu nunca deveria ter deixado esses pensamentos apodrecerem
tão intensamente. Isso ia contra tudo que eu estava tão determinada
a não me tornar. Eu nem tentei salvar Abby, pedi que ela fosse
sacrificada como o animal que Leonard argumentou que ela não era,
como o porco que ela me lembrou quando seu rosto foi desmontado.
Sinceramente, pensei que matá-la teria sido mais humano do
que carregá-la pela cidade sem língua e com o queixo quebrado.
Isso estava errado?
Tentei ver da perspectiva dele, mas não consegui. Eu não sei,
talvez este fosse a velha eu falando. Até agora, eu tinha me saído
muito bem em fazer de mim mesma uma mentirosa, fingindo que
poderia ser outra coisa senão repugnante e tragicamente defeituosa
pela vida que vivia fora daqui.
Oficialmente, eram as férias do inferno. Ciaran não estava
ajudando. Ele era o que eu poderia ser, servindo como um lembrete
do que exatamente eu tentava negar. Ele fazia
ser mau parecer uma coisa tão fácil de fazer.
Lindo e doentio até o âmago, ele assumia sem
remorso quem ele era.
Eu o invejei por isso. Ansiava por esse
tipo de autoaceitação e liberdade de alma.
A vida seria muito mais simples se eu pudesse parar de tentar
ser alguém que não sou. No entanto, era mais fácil falar do que
Página |fazer.
143 — Você sabe para onde estamos indo? – perguntei, observando
Leonard da minha periférica.
Eu não confiava em ninguém, mas eu realmente não estava
dando certo com ele - de forma alguma. A maneira como ele ficava
olhando para mim não inspirava bons sentimentos.
Se seu olhar de nojo fosse o suficiente para me dizimar, partes
do meu corpo estariam espalhadas por toda a rua.
— Não se preocupe com ele.
— Hã?
— Eu disse que é ali. – Ciaran acenou com a cabeça.
Não achei que fosse isso que ouvi, mas tudo bem. Eu passei
pelos dois lados da rua vazia, olhando alguns carros solitários e
edifícios imaculados até que encontrei outro Santuário.
— Outro? – eu murmurei.
— Você prefere continuar? – Maverick perguntou.
— Não posso, preciso parar. – murmurou Margo, exalando um
suspiro cansado. — Não sou jovem como vocês, crianças, e preciso
de um maldito minuto. – Sua voz falhou,
fazendo com que o grupo ficasse em silêncio.
Todos os nossos que eram solidários já
estavam mortos. Ela foi a última que sobrou.
Gracelyn deve ter sentido os efeitos da
caminhada, porque nem mesmo ela conseguiu se recuperar.
Acho que parar de novo foi. Não que tivéssemos muita escolha.
Este lugar parecia funcionar como uma máquina bem lubrificada.
Página |Fazer o que nos disseram foi a única coisa que nos manteve vivos
por tanto tempo. Ah, e morte. A única pessoa que não saiu como um
144 cordeiro para o sacrifício foi Susan e quem quer que fossem as
pessoas que morreram quando o ônibus bateu.
Caminhamos mais dois minutos para chegar à entrada do
Santuário, este parecendo quase idêntico ao anterior.
Ciaran e eu entramos juntos, deixando os outros atrás.
Assim como o exterior, o interior era praticamente o mesmo,
até a placa pendurada na parede. Este parecia ter um quarto
adicional e uma cozinha maior, no entanto.
A porta se fechou atrás de nós e Mel suspirou. — Olhe para a
contagem regressiva.
— Pelo lado positivo, estamos à uns passos mais perto de onde
precisamos estar. – Maverick afirmou.
— Não há lado positivo. – disse Leonard. Ele avançou para que
pudesse enfrentar todo o grupo. — Diga-me, qual de vocês vai
morrer a seguir? Quem vamos deixá-los matar agora que você está
sem peões? Eu voto na sua namoradinha. – ele olhou para mim.
Antes que eu pudesse piscar, Ciaran soltou a mão da minha e
Leonard caiu no chão.
Ele se agachou sobre o seu corpo,
segurando-o pelo pescoço. — Quem disse que
você não é um peão? Na verdade, da próxima
vez que precisarmos livrar-nos de algum
monte de merda fraco, será o seu nome passar
a frente.
— Você...
— Eu fiz uma pergunta que justificasse uma resposta?
Página |
Ciaran apertou o punho a tal ponto que os nós dos dedos
145 ficaram brancos, interrompendo o que Leonard estava prestes a
dizer. — Deste ponto em diante até a sua morte, você não será nada
além de cavalheiro. Você entendeu?
Ainda incapaz de falar, sua voz embargou com o que parecia
um sim.
— Ótimo. Não vamos voltar a falar sobre isso. – ele o
empurrou e se levantou, pegando minha mão novamente antes de
seguir em direção ao corredor dos fundos. Eu não tive outra opção a
não ser seguir.
Entramos em um dos quartos e ele me soltou, usando o pé para
chutar a porta.
— Sente-se. – ele ordenou, apontando para a grande cama de
dossel.
Eu franzi minhas sobrancelhas. — Eu pareço um cachorro?
Com uma risada maldosa, ele destruiu toda a aparência do meu
espaço pessoal e começou a usar seu corpo para forçar o meu para
trás.
A parte de trás das minhas pernas bateu no colchão e ele

continuou.
— Ciaran. – eu ri, levantando as palmas
das mãos para pressioná-las contra o peito.
Ele pegou meu pulso, prendendo-os com
uma mão acima da minha cabeça. — Não me provoque, fantoche.
— Talvez você deva aprender a se controlar. – eu respondi de
brincadeira, flexionando meus dedos.
Página | — Essa é a última coisa que você quer. – ele respondeu.
146 Usando o joelho para abrir minhas pernas, ele colocou seu corpo
entre elas.
Lambi meus lábios, abrindo as minhas coxas ainda mais para
sentir mais dele, mesmo quando disse: — Estou imunda.
— Exatamente como eu quero você. – ele passou sua língua
pela minha bochecha, aquela com sangue seco.
— Ciaran. – eu respirei, rindo baixinho.
Ele respondeu pressionando seus lábios nos meus. Mantendo
meus pulsos presos, sua mão livre foi entre nós, se enfiando sob o
cós do meu moletom. Ele segurou minha boceta e puxou minha
calcinha para o lado, deslizando sua língua na minha boca quando
eu gemi.
Dois dedos penetraram rudemente dentro de mim, indo até os
nós dos dedos. Ele os moveu, pressionando a ponta de seu polegar
calejado no meu clitóris, brincando comigo.
— Você está encharcada, fantoche. – ele sussurrou, afastando-
se abruptamente.
Sentei-me, observando-o se afastar de mim, incapaz de
esconder minha confusão. Eu sabia como era
a sensação de um pau duro, e sabia que não
era unilateral, então por que diabos ele estava
parando?
— Não me olhe assim. – ele riu, passando
a mão pelo cabelo. — Você não tem ideia do
que está pedindo.
— Ah, isso soa familiar e realmente hipócrita. – eu disse em
uma falsa voz doce.
Página | — Não há necessidade de pressa, nós temos todo o tempo do
147 mundo para eu dar a você o que você está tão desesperada.
— Desesperada? Ciaran, eu posso conseguir o pau de qualquer
um. Nunca estive desesperada. – eu comecei a me levantar. Ele
diminuiu o espaço entre nós e colocou a mão em volta do meu
pescoço.
— A única pessoa que vai estar em qualquer lugar perto de sua
boceta está bem na sua frente.
Comecei a rir com o som ligeiramente errado e as suas mãos
adicionando pressão. — Que fofo.
— Não. O que é fofo, fantoche, é o quanto ingênua você é. Vou
te foder como a prostituta que você tanto desesperadamente quer ser
fodida e abrir um precedente que nenhum outro homem será capaz
de igualar. – ele acariciou a coluna da minha garganta e afrouxou
seu aperto. — Mas você tem que merecer isso.
Olhei para ele quando ele se afastou novamente. — Você está
falando um pouco demais sobre como o seu pau é mágico. Estou
começando a achar que você é mentiroso.
— Isso é irônico, vindo de você. Você vem fingindo há algum
tempo.
Ao meu olhar confuso, ele riu e cruzou os
braços sobre o peito. — Fui capaz de ver
através dessa pessoa idiota que você está
sendo de forma mais vívida do que posso ver
a camiseta que você está usando sem sutiã.
Abaixei o meu queixo no meu peito, já sabendo o que iria
encontrar: mamilos endurecidos, pressionando contra o tecido da
minha camiseta.

Página | Com o rosto corando, eu corajosamente encontrei seus olhos


novamente e limpei minha garganta. — Você está pronto agora?
148
— Como eu disse, ainda nem comecei.
— Você parece uma vadia.
— Porra, do que você acabou de me chamar? – ele baixou as
mãos para o lado, com os olhos escurecendo.
Ok, talvez isso tenha ido longe demais. Eu levantei uma mecha
de cabelo, brincando com as pontas.
— Fale mais alto, fantoche. Não consigo ouvir você. – ele
provocou.
— Você é um provocador, Ciaran. – eu encolhi os ombros.
Antes que eu pudesse respirar novamente, me encontrei na
mesma posição que Leonard tinha acabado de estar. Ele me jogou
de costas, quase me puxando para fora da cama com a força que ele
usou para arrastar minha calça de moletom para baixo.
Minha calcinha foi com ele, os tênis foram removidos em
segundos e jogados pelo quarto, todo o resto se juntando a eles.
Ele tirou a camisa, revelando todas as tatuagens que não tive a
chance de ver. Seu corpo era tudo que eu imaginei que seria

perfeitamente musculoso em todos os lugares


certos.
Seu tanquinho levava a uma cintura em
forma de V perfeita, com as curvas indo para
o que eu só poderia assumir que era um pau de tamanho amplo.
Ele não me deixou cobiçar por muito tempo.
Suas mãos envolveram minhas coxas, me puxando para frente
Página |até minha bunda ficar parcialmente pendurada para fora do colchão.
149 Caindo de joelhos, ele colocou minhas pernas sobre seus ombros e
enterrou seu rosto na minha boceta.
No segundo em que sua língua pressionou contra meu clitóris,
esqueci de tudo, exceto ele. Tudo o que importava era este momento
e o que estávamos prestes a fazer dentro dos limites deste quarto.
Ele me comeu como se estivesse morrendo de fome, alternando
entre me foder com sua língua e seus dedos. Seus dentes morderam
a carne sensível, cada mordida adicionada me empurrava para mais
perto do limite.
Choraminguei e gemi, arqueando as costas enquanto ele
atacava minha boceta com sua boca.
Um arrepio percorreu minha espinha, e eu passei meus dedos
por seus cabelos castanhos macios, forçando-o ir mais fundo,
apertando em torno de sua língua.
Eu estava tão molhada que não apenas o senti lambendo meus
fluidos, eu ouvi. Ele arrastou sua língua até meu clitóris, fechando
os lábios em torno dele e mordendo. Eu gritei, levantando minhas
mãos para agarrar o edredom, precisando de algo para segurar
enquanto o fogo puro acendeu dentro de mim e meu corpo
convulsionou. Meus olhos fecharam quando
minha cabeça foi para trás.
O riso seguiu os beijos que ele colocou na
pele em chamas enquanto subia pelo o meu
corpo e levantava minha camiseta no
processo.
Ele a puxou pela minha cabeça, me deixando completamente
nua embaixo dele.
Página | — Tão linda. – ele disse suavemente.
150 Eu abri meus olhos e estendi a mão para ele, envolvendo meus
braços em volta do seu pescoço e puxando-o para baixo.
Ele pressionou sua boca na minha em um beijo que foi muito
mais terno do que eu esperava. Eu chupei o gosto do meu orgasmo e
excitação de sua língua, com minha boceta apertando por mais dele.
— Você deveria descansar um pouco. – ele disse quando
finalmente nos separamos, tirando um pouco de cabelo do meu
rosto antes de começar a se afastar.
— Não. – eu sentei. — Você sabe o que eu quero. Não me faça
implorar.
Ele se abaixou e traçou o contorno dos meus lábios com a ponta
do polegar. — Então pegue isto, fantoche. Isso só vai fazer você
querer o que estou retendo muito mais. Não estou recompensando
sua birra com o que você precisa. Você não merece.
Apesar de suas palavras, não precisei de mais incentivo. Eu fui
para o botão de sua calça jeans, com o pulso pulsando quando ele
riu.
Eu abaixei sobre seus quadris, expondo o pelo preto bem

aparado até que eu consegui o que queria.


Seu pau. Veiado e grosso.
Duro.
Perfeito.
Não tão grande a ponto de derrubar as minhas paredes e causar
danos irreparáveis, mas ainda grande o suficiente para fazer alguns
Página |amassados.
151 — Acho que devo mudar de ideia. Continue olhando para o
meu pau assim e você pode ter o que quiser.
— Eu só quero você. – respondi, levantando-me da cama para
que ficássemos o mais perto de peito a peito que poderíamos estar.
— Você sempre me teve.
Eu não sabia o que ele queria dizer com isso, mas meu cérebro
estava cheio de um milhão de outros pensamentos, com todos
centrados em torno dele.
Fiquei na ponta dos pés, beijando-o profundamente.
Ele segurou meu cabelo, inclinando minha cabeça para trás para
combinar com meu fervor. Ainda não era o suficiente. Eu nos movi
e pressionei seus ombros. Ele sorriu contra meus lábios, mas
obedeceu, me deixando acreditar que eu tinha o controle. Isso foi
bom, eu ainda estava conseguindo o que queria - ainda fazendo o
que minha mãe sempre me dizia para fazer.
"Foda os seus demônios antes que eles foda você."
Isso é exatamente o que ele era. Ciaran era depravação e
escuridão que eu podia tocar com as mãos e provar na língua. Ele
estava pingando pecado em que eu queria me
afogar. Eu queria tudo dele dentro de mim,
alcançando os lugares que ninguém jamais
ousou.
Uma vez que ele estava sentado na beira
da cama, montei em seu colo, alcançando
entre nós para segurar seu pau.
Ele agarrou minha bunda, mantendo seus olhos fixos nos meus
enquanto eu me abaixava nele.
Página | Seu pau era maior do que eu tinha acabado de imaginar, me
152 esticando, criando uma deliciosa ardência enquanto meu corpo
movia para acomodar seu tamanho. Eu respirei fundo e gemi em
apreciação, levando minhas mãos em seus ombros.
— Não vá mais devagar agora. – ele zombou. — Você queria
me foder, então me fode. E que seja bom.
Suas palavras me incentivaram a seguir em frente. Eu movi
meus quadris, me esfregando contra ele. Uma vez que encontrei um
ritmo, eu o montei forte, descaradamente levando-o mais fundo
dentro de mim, apertando minhas paredes para nos fazer sentir mais.
Suas mãos massagearam minha bunda, me batendo cada vez
mais forte até que ele recuperou o controle que tinha me dado. Ele
agarrou um pouco do meu cabelo e puxou minha cabeça para trás
até que lágrimas se formaram em meus olhos com a dor.
Sua boca se fechou em volta do meu seio esquerdo e ele
mordeu com força o suficiente para machucar a pele.
Gritei quando gozei - alto. Eu não tive a chance de me orientar.
Ele se levantou e me colocou de costas, empurrando meus joelhos
para cima até que os músculos das minhas pernas começaram a
queimar.

— Ninguém nunca vai conseguir essa


parte de você de novo. – ele murmurou,
empurrando seu pau de volta dentro de mim,
estabelecendo um ritmo extenuante. Ele me
fodeu como se seu objetivo principal fosse me
rasgar ao meio. Eu nunca quis ser quebrada tanto antes.
Quando ele finalmente soltou minhas pernas, foi para envolver
as duas mãos em volta da minha garganta e me foder com um vigor
Página |renovado enquanto seu aperto ficava cada vez mais forte. Ele tinha a
habilidade de arrebatar minha vida se quisesse - ele era doentio o
153 suficiente para fazer isso. A percepção teve outro jorro de excitação
encharcando seu pau.
Gritei por ele e implorei que não parasse. Nossos corpos
escorrendo suor deslizaram juntos. Cravei minhas unhas na pele de
suas costas musculosas, certificando-me de marcá-la.
Gozar com um pau dentro de mim era tão raro que não
conseguia acompanhar a frequência com que ele me forçava a
suportar o prazer que ele dava repetidamente. Se este não fosse seu
método habitual e foder, então ele estava certo: enterrado bem no
fundo de mim, eu já queria mais.
Meu corpo movia e tremia, com o fogo do inferno correndo em
minhas veias. Seu aperto aumentou dolorosamente, um gemido
baixo escapou de sua garganta. Pontos pairavam em minha visão
quando ele cortou meu fluxo de ar.
Quando pensei que ia desmaiar, ele se levantou completamente
e me virou de bruços, prendendo a mão no meu cabelo enquanto me
penetrava novamente e cravava os dentes em meu ombro.
Página |
154

Acordei com ele passando suavemente os nós dos dedos pela


minha bochecha. Ele me cobriu com o lençol de seda, deixando
apenas meus ombros expostos. Abrindo meus olhos, olhei para ele,
me perguntando o que ele estava pensando.
Meu corpo estava dolorido - em todos os lugares - da melhor
maneira possível.
— Não deveríamos ter feito isso.
Essa doeu.
— Já. – ele rapidamente adicionou. — Não me entenda mal,
estar dentro da sua boceta vai ser meu novo hobby favorito, mas
isso não era metade do que eu queria fazer com você.
— Achei que você se saiu muito bem, mas se houver mais...
Ele sorriu arrogantemente. — Eu não iria
te foder mediocremente. No mínimo, você
teve que gritar meu nome aos deuses.
— Ok, retiro o que eu disse.
— Tarde demais. Acabei de ouvir você gritar meu nome como
uma oração. Mais cedo ou mais tarde, não vou conseguir falar nada.
Você vai estar muito ocupada gemendo em uma confusão de sangue
e orgasmo.
Página |
Eu não negaria que ele me pegou com anzol, linha e isca, com
155 essa proclamação. Eu queria isso tanto quanto queria sair desta
cidade infernal, mas não podia me deixar cair em uma fantasia por
causa do bom sexo...
Por causa da vibração intensa que tive com esse homem lindo e
psicótico.
— Grandes palavras para uma coisa única. – eu disse,
mantendo meus pensamentos íntimos para mim.
— Você sabe que meu pau estará de volta dentro de você
muitas vezes para qualquer um de nós contar. – ele mudou da minha
bochecha para o meu ombro.
Aconcheguei o meu rosto mais profundamente contra o
travesseiro, observando-o me tocar. O olhar em seu rosto era de
absoluta concentração, como se ele estivesse memorizando a
sensação da minha pele.
Ele provavelmente estava, e isso me deixou tonta... e triste.
Ciaran era alguém que eu nunca seria capaz de substituir. Ele seria
outra perda que eu tentaria replicar pelo resto da minha vida.
Seus lindos olhos vagaram em meu rosto vendo a minha
vulnerabilidade antes que pudesse mascarar.
— O que há de errado, fantoche?
— Por que você me chama assim?
— Isso é o que você é, o meu fantoche
perfeito.
— Não tenho certeza de como me sinto por ser comparada a
uma boneca inanimada.
— Essa é a questão. Quando eu puxo suas cordas, você ganha
Página |vida.
156 A genialidade por trás de suas palavras me fez levantar minhas
sobrancelhas. — Esta conversa acabou de dar uma guinada
estranha.
— Essa conversa nunca poderia expressar todas as coisas que
você e eu seremos.
Eu não tinha palavras para fazê-lo entender o que eu quis dizer,
mas se ele fosse de uma das outras famílias, ele já saberia que a
probabilidade de sermos qualquer coisa um para o outro uma vez
que saíssemos deste lugar era quase nenhuma.
Neste inferno ou naquele em que vivi todos os dias, ele e eu
nunca poderíamos - nunca seríamos - ser mais do que momentos
roubados e ilícitos. Minha família se certificaria disso.
Mesmo se pudéssemos ser algo, eu não estava convencida de
que seríamos bons juntos uma vez que a carnalidade desaparecesse.
Ele era um pouco doentio. Eu era muito além de trágica. Mais
cedo ou mais tarde, um de nós envenenaria o outro. Essa foi a
verdadeira vergonha de toda essa farsa. Eu levantei meus dedos para
sua mandíbula perfeita, deslizando sobre ela. — Minha vida não é
tão simples. Eu não sou tão simples, apesar de tudo o que você

pensa que sabe sobre mim.


Ele moveu os seus dedos pela a minha
coluna, lentamente arrastando-os para cima.
— Você simplesmente não entendeu ainda.
— Entendeu o que?
Ele permaneceu em silêncio, recusando-se a explicar. Por
alguns minutos, ele abaixou um pouco a parede impenetrável que
Página |ergueu ao redor de si mesmo. Agora eu o vi subir diante dos meus
olhos, lacrando quem ele realmente era.
157
Vi a palavra tatuada na lateral de sua mão agora que estava
praticamente bem na minha cara.
Periculum. Isso não era latim? — Você vai me dizer quem você
é?
— Posso dizer que minha comida favorita é empadão de
frango. Minha bebida favorita é o rum. Eu tenho três Doberman e
posso ser o filho da mamãe, mas não posso te dizer isso. Ainda não.
— Por quê? Você sabe quem eu sou. – eu indiquei. — É tão
ruim assim? Quer dizer, eu tenho uma teoria.
Ele riu baixinho. — Tenho certeza que sim.
— Ciaran.
— Vamos apenas dizer que você e eu não deveríamos ter
acabado na cama juntos. – respondeu ele.
Minhas sobrancelhas se juntaram. Para ele, dizer isso só
poderia significar uma coisa. — Então, você é de uma das outras
famílias fundadoras?
— Eu poderia te dizer qual, mas então eu me viraria e mataria

você.
— Esse não é realmente o tipo de
conversa na cama que uma garota espera.
— Eu estava brincando.
Não, ele não estava. Pelo menos, eu não acreditei que ele
estava. Qualquer garota normal já estaria fora da cama e correndo.
Página |Eu? Suspirei e me mexi embaixo do lençol, pensando no meu
próximo movimento.
158
— Apenas se concentre no aqui e agora, fantoche. Precisamos
terminar esta parte antes que você se preocupe com a próxima. –
disse ele após alguns segundos de silêncio.
Eu contemplei suas palavras, repetindo-as de volta para mim
dentro da minha cabeça.
A maneira como ele disse isso... foi a segunda vez que ele fez
referência a uma parte de algo.
— Vocês dois terminaram agora? – A voz de Selena de repente
veio do outro lado da porta.
— Se você puder andar, temos cerca de quarenta e cinco
minutos restantes aqui. – Mel disse atrás dela.
— Estaremos fora em um minuto. – respondeu Ciaran.
— Ah, meu Deus. Eles provavelmente sabem o que estávamos
fazendo aqui. – eu sussurrei.
— Eles sabiam o que estávamos fazendo muito antes de você
continuar gritando o meu nome. – ele sorriu, parecendo muito
orgulhoso de si mesmo.

— Espere, ela acabou de dizer quarenta e


cinco minutos? – eu me virei e tirei o lençol.
— Por que me deixou dormir tanto tempo?
— Porque você precisava. – Houve um
dã silêncio no final de sua resposta.
Virei minhas pernas para o lado da cama, estremecendo
enquanto me levantava. — Você esteve aqui comigo o tempo todo?
Página |– perguntei, me examinando. Quase não havia pele que ele não
tivesse feito questão de marcar. — Jesus, Ciaran.
159
— Apenas Ciaran. – ele corrigiu.
Puxei sua camisa pela minha cabeça e juntei as minhas roupas.
Deixando-o na cama, saí para o corredor e corri para o banheiro
para poder tomar banho. Antes que eu pudesse fechar a porta,
Ciaran entrou atrás de mim, fechando-a assim que entrou.
Ele entrou na minha bolha e tirou minhas roupas dos meus
braços, deixando-as cair no chão. Pelo olhar predatório em seus
olhos, eu sabia o que ele queria.
— Não temos tempo para mais nada. – eu protestei fracamente.
Sua mão deslizou por baixo da camisa, agarrando minha bunda
e me levantando.
— Preciso de dez minutos para fazer você gozar - duas vezes.
— Ciaran. – eu implorei, envolvendo os meus braços em volta
do pescoço dele enquanto ele me carregava até a pia. — Tudo bem.
– suspirei.
— Boa menina. – ele provocou, afastando meus joelhos.
Era inexplicavelmente estranho ver o sol brilhando
intensamente em uma cidade cheia de morte e escuridão. O silêncio
Página |parecia mais alto do que quando tínhamos a lua acima de nós.
160 Ciaran estava à nossa frente, como de costume, liderando o
caminho para nosso próximo destino: Cerberus Hall.
Fiquei com as garotas e Margo, informando-as silenciosamente.
— Você está bem, entretanto? – Gracelyn perguntou quando eu
terminei.
— Por que eu não estaria? Não há nada com que se preocupar,
não agora. – E eu quis dizer isso.
Sabíamos que era mais do que provável que esse fosse o caso,
que esses caras eram de outras famílias fundadoras.
Eu dormi com ele de qualquer maneira.
Eu não tinha nenhum arrependimento sobre isso. Eu também
me recusei a considerar todos os motivos que ele poderia ter para
me foder, desde que admitiu de sua própria boca que não
deveríamos ter feito isso.
— Ele tem que ser de uma das famílias mais importantes para
saber quem você é, sem nunca ter visto você antes. – observou Mel.
Isso era verdade.
Não tive como saber de qual delas ele
veio, no entanto. Havia cinquenta membros
originais, e então todos tinham suas linhagens
expandidas e vários noivados, o que equivalia
a uma lista ridiculamente longa de pessoas,
mais da metade das quais eu nunca tinha
conhecido antes. A menos que Ciaran viesse e me dissesse, eu não
saberia quem ele era até sairmos daqui.
Independentemente disso, eu tinha que assumir que sua família
Página |não estava bem com a minha, o que ainda não me ajudou a restringir
as coisas. Esfreguei minha nuca, inalando uma lufada de ar quente
161 de verão.
Sem querer, acabei ao lado de Ciaran novamente. Eu estava
convencida de que devia haver alguma corrente invisível com uma
bola pesando para baixo que me garantia de encontrar meu caminho
até ele. Caminhamos juntos como se fosse a coisa mais natural do
mundo.
Quando chegamos ao próximo lugar que precisávamos estar,
não era nada como eu esperava. Ou devo dizer, quando quase
chegamos onde deveríamos ir. Havia placas cravadas no chão para
nos apontar na direção do Cerberus Hall. Esse era um nome muito
submundo para usar. Eu só podia imaginar o que nos esperava.
Para chegar lá, porém, era óbvio que tínhamos que viajar por
aquele lugar.
Havia outra placa com um gravador alguns metros à frente,
com uma luz verde presa na parte superior dela.
— O que você acha? – ele perguntou, olhando para frente.
— Parece um desastre esperando para acontecer.
— Eu estava falando sobre mim e você.
Olhei para ele. — Não existe um eu e
você, mas se houvesse, minha resposta
permaneceria a mesma.
— Caramba, isso é brutal. – Maverick riu
do outro lado de Ciaran.
— Quase acreditei em você, fantoche. Quase... – ele parou,
ainda sem olhar para mim.
Página | — Isso não parece que pertence aqui. – disse Margo,
162 caminhando até a cerca para que pudesse dar uma olhada melhor
dentro. Graças a Deus por ela; Eu precisava ficar focada.
E ela estava certa.
Estávamos basicamente parados na entrada de um ferro-velho.
Alguém considerou o lugar Cerberus Crossing. Parecia um pequeno
trecho de terreno baldio. A área era cercada por um muro alto de
tijolos coberto com vidros quebrados e arame farpado. Dois portões
estavam abertos - portões que eu sabia que se fechariam atrás de nós
assim que passasse por eles.
De onde estávamos, podíamos ver um galpão com uma janela
de segurança e várias pilhas de carcaças enferrujadas.
Elas foram colocadas de forma que o caminho à frente me
lembrou de uma pista de obstáculos.
Isso arruinou toda a estética da cidade meticulosa pela qual
estávamos vagando.
— Podemos simplesmente acabar com isso? – Mel perguntou,
apoiando a cabeça no meu ombro.
— Poderia também. – Charon respondeu, caminhando pela

entrada.
Todos o seguimos. Assim que o último de
nós cruzou a soleira, o portão se fechou e a
luz verde da placa ficou vermelha.
— O que você acha que isso significa? – Gracelyn perguntou.
— Que alguém está prestes a morrer. – Ciaran respondeu
casualmente.
Página | — Eu acho que devemos ter a mente aberta sobre isso. – Selena
163 disse. — Até agora, perdemos alguém com cada enigma.
Ela estava certa. Ambos estavam. Eu duvidava que todos nós
passaríamos por essa parte com vida... o que quer que essa parte
fosse.
Olhei para a guarita do guarda, mas a janela estava muito
escura para que eu pudesse ver. Meu instinto disse que alguém
estava lá.
— Acha que tem alguém observando? – perguntei a Ciaran.
Ele pegou minha mão e seguiu minha linha de visão. —
Alguém está sempre observando, fantoche.
Nós nos reunimos em torno da placa indicando para ir direto
para o Cerberus Hall.
— Se sabemos que temos que seguir esse caminho, por que
precisamos disso? – perguntou Mel.
— Eles fizeram algo simples desde que chegamos aqui? –
Kyrous respondeu.
— Eu farei as honras desta vez. – disse Margo, tocando o play
no toca-fitas. Houve um zumbido familiar e então a voz rítmica

começou a falar.
Uma cabeça no passado.
Uma no futuro.
Uma liderando o bando ao virar da esquina.
Página |
Quatro pernas, dentes afiados, guardiões do feudo.
164
Servatis A Periculum, salve-se do perigo.

Antes que a voz terminasse de falar, eles estavam lá. Eles


chegaram em silêncio, tornando sua presença conhecida com
rosnados ferozes, manchas enormes de pelo preto e dentes
rangendo. Seis deles vieram de direções diferentes, corpos correndo
em torno dos carros enferrujados com agilidade treinada. Mal tinha
registrado o que estava vendo, Ciaran puxou-me para frente e
começou a correr.
Nenhuma pessoa demorou a fazer o mesmo, com gritos e
palavrões pairando no ar. O terreno foi propositalmente enlameado,
fazendo com que nossos pés derraparem e escorregassem.
Nós lutamos para colocar distância entre nós e os caninos.
— Ah, porra! – Charon gritou.
De minha periferia, eu o vi se separando de nós para salvar seu
traseiro de ser mordido, perseguido por uma das bestas peludas e
agora sozinho.
Mal podíamos relaxar, não quando
muitos outros estavam bem atrás de nós.
Havia um prédio a alguns metros de distância,
com as letras em forma de bolha iluminadas
como um farol para segurança temporária.
Correndo para ele, minha respiração veio
em pequenos impulsos.
Tendo me libertado para correr, minhas mãos se fecharam em
punhos, bombeando ao meu lado como se isso me fizesse correr
Página |mais rápido. Atrás de nós, eu podia ouvir os rosnados e uivos dos
cães, podia praticamente sentir sua respiração quente e rançosa.
165
À primeira vista de uma figura mascarada familiar, meu cérebro
quis recuar. Eu me lancei para frente, sabendo que não era uma
opção. E ele não estava sozinho.
Quatro deles estavam um de cada lado exatamente onde
precisávamos ir, todos nos observando cada vez mais de perto, mas
sem fazer nenhuma tentativa de vir em nossa direção.
— Pessoal. – eu respirei, com o aviso dolorosamente rasgando
dos pulmões em busca de ar.
— Continuem. – Maverick murmurou, como se tivéssemos
quaisquer outras opções.
Um grito agoniado veio de trás de nós nem um segundo depois.
Ousei olhar para trás já sabendo de quem tinha vindo.
Leonard estava caído no chão, arranhando a lama de quatro,
gritando como nenhum homem deveria enquanto era atacado.
Eu não conseguia ver e correr, mas já tinha visto o suficiente.
Seus braços e rosto estavam dilacerados por dentes, e o corpo
sufocado por massas de pelos escuros.
Três cães permaneceram em nossos
calcanhares, com os seus latidos e rosnados
excitados parecendo aumentar agora que
alguém havia sido caçado com sucesso.
Virei o mais perto que pude do centro do
caminho, passando correndo pelas figuras
mascaradas sem incidentes, com Ciaran bem ao meu lado. Quando
as garotas e o restante de seus amigos conseguiram, pensei que eles
estavam parados ali como nada mais do que uma tática de medo.

Página | Estávamos a passos largos do Cerberus Hall quando Margo


caiu. Seu grito de dor foi o que me alertou de que algo havia
166 acontecido.
Ao contrário de Leonard, eu me virei para ela e vi uma flecha
saindo de seu ombro direito.
Antes que eu pudesse ousar correr para ajudá-la, os braços de
Ciaran envolveram minha cintura e me arrastaram pelo resto do
caminho até a porta. Margo nunca teve chance.
Um dos cachorros se chocou contra seu peito, jogando-a de
costas. A ação fez com que a flecha atravessasse, e a ponta saísse
dela, pingando sangue.
O cachorro - agora em cima dela - enterrou o focinho em seu
pescoço enquanto o resto se agarrava a tudo o que podiam,
balançando a cabeça como se ela fosse um brinquedo pelo qual
lutar.
Maverick passou por nós e arrombou a pesada porta de
madeira, segurando-a aberta para o resto de nós. Nós caímos atrás
dele, praticamente uma teia emaranhada de membros e peles suadas
caindo em um chão de mármore.
A porta se fechou e uma fechadura se encaixou.

Enquanto nos encarávamos, tentando


recuperar o fôlego e processar o que tinha
acabado de acontecer, lentamente percebi que
estava faltando outra pessoa.
Charon nunca voltou para nós.

Página |
167
Página |
168

Sessenta minutos.
Isso é todo o tempo que tínhamos antes de seguirmos em frente.
Pela aparência do mapa, estávamos praticamente parados na frente
do próximo lugar que tínhamos que ir.
Maze of Mayhem.
Era a última parte do mapa antes de chegarmos onde uma
bandeira quadriculada apareceu: Diablos Manor.
Eu esfreguei meu rosto coberto de sujeira, tentando não deixar
as emoções tomarem conta de mim. Pela primeira vez desde que
chegamos aqui, fiquei com medo. Não por mim, mas pelos os
outros. Restavam apenas oito de nós. Como decidimos quem viveria
e quem morreria?
Eu não podia perder Mel ou Grace, mas
também me recusei a oferecer Ciaran ou seus
amigos como cordeiros de sacrifício. Ele por
razões óbvias, eles porque comecei a gostar
deles.
Como se eu o tivesse conjurado pelo pensamento, Ciaran se
aproximou de mim, passando o braço pela minha cintura. Ele foi
com Kyrous e Maverick imediatamente depois que percebemos que
Charon havia desaparecido. Eu não tinha palavras de conforto para
Página |dar a ele, e não porque eu não desse a mínima; Eu simplesmente
169 sabia que não havia nada a dizer que tornaria isso melhor ou certo.
Ele não estava mostrando nenhuma dor emocional ou raiva,
mas eu nunca esperava que ele mostrasse. Isso não era ele mesmo.
Ainda assim, eu sabia que ele devia estar sofrendo. Se as coisas
mudassem, eu estaria confusa, honestamente.
— Estamos quase lá. – disse ele calmamente.
Eu inclinei minha cabeça em seu peito, ouvindo seu coração.
— Estamos?
— Não faça isso. Você está tão perto de fazer isso...
Esperei que ele terminasse, mas simplesmente deixou a frase no
ar.
— Eu não preciso de falsas esperanças, Cici. Eu preciso saber
por que isso está acontecendo. Preciso de alguma explicação sobre o
que levou alguém a fazer algo tão elaborado... Eu...
— Belair. – disse ele de repente, interrompendo-me.
Eu me endireitei e me virei para ele, confusa. — O que? Isso
significa alguma coisa? – eu olhei para o mapa no caso de ter

perdido isso em algum lugar.


— É meu sobrenome.
O tempo não existia aqui, mas ainda
assim parou com essa revelação abrupta como
o inferno. E ele disse isso... casualmente. Comecei a rir, me
afastando dele. Claro, que seria a família dele. Porque minha vida
ainda não era um circo nem nada.

Página | Quando ele disse que não deveríamos ter acabado na cama
juntos, foi o eufemismo da porra do século. Ele e eu não deveríamos
170 estar respirando o mesmo ar. No entanto, ele me fodeu de qualquer
maneira.
Eu queria saber por que, mas não conseguia lidar com isso
agora.
Eu não queria.
Eu não me incomodaria em tentar.
— Eu preciso me limpar. – eu disse calmamente, me afastando
dele.
Contornando a pequena área de estar, fui para o banheiro,
decidindo verificar as meninas no meu caminho.
Este lugar não era como o Santuário - o interior luxuoso ficava
cerca de três degraus acima. Pena que não consegui me concentrar o
suficiente para me importar com nada disso.
Procurei Mel e Selena primeiro, não tendo visto nenhuma desde
que elas saíram para fazer o que eu vim fazer agora. Este lugar não
era muito grande, então a tarefa não foi muito difícil.
Elas estavam sentadas no chão perto de um frigobar, com as
costas contra a parede e as cabeças apoiadas
nos ombros de Maverick.
Eu queria correr e contar o que tinha
acabado de descobrir, mas a lógica me fez
hesitar. Se Ciaran era um Belair, quem eram
seus amigos? Mordi meu lábio inferior, sem
saber como lidar com isso. Eu não queria ser o motivo de uma
divisão ou tensão adicional. Eu não era a única pessoa aqui com
problemas ou batalhas mentais para enfrentar.

Página | No último segundo, corri em direção ao banheiro. Gracelyn e


Kyrous ainda estavam fechados atrás da porta adjacente a ele.
171
Grace sendo a mais doce de nós três, eu tenho certeza que ela
estava lá oferecendo a ele o conforto que nenhum de nós poderia.
Eu também não queria incomodá-los, principalmente porque
não conseguia olhar para o rosto dele sem pensar em Charon.
Já tive que lutar com minha mente apresentando todas as coisas
possíveis que poderiam ter acontecido com ele. Sozinho.
Ele estava sozinho.
E então havia Margo. Eu não a conhecia bem, mas ela era uma
das poucas pessoas com quem estávamos presos e com quem eu
queria viver.
Indo para o banheiro, eu fechei a porta e prontamente me
pressionei contra ela, puxando uma lufada de ar em vez de gritar
como uma maníaca homicida.
É onde eu estava agora.
Eu queria que fossem aqueles eram os responsáveis por estas
mortes - da maneira mais horrível, lenta e torturante que existia.
Todos aqueles malucos mascarados se juntariam a eles um por

um. Alguém estava brincando conosco; era


natural querer brincar com eles também.
A porta começou a se abrir atrás de mim,
quase fazendo meu corpo cair para frente. Eu
me segurei e me virei, ficando cara a cara com meu demônio de
olhos azuis.
— Não. – eu fui brusca, tentando bater a porta nele.
Página | Ele riu e abriu caminho para dentro, batendo-a ele mesmo. —
172 Eu não vim aqui para isso. Eu vim checar você.
Suas palavras pareciam bastante honestas. Genuínas, suponho.
Eu não confiei nele, no entanto. Nem um pouco.
— Por que você passou todo esse tempo tentando me manter
viva? – A pergunta surgiu antes que eu pudesse dizer a mim mesma
para calar a boca. Que isso não era importante agora. Mas era, não
era?
Porque eu não tinha ideia do que estaria esperando na mansão
que tínhamos que ir.
— Porque talvez eu te amo. – respondeu ele petulantemente,
ostentando um sorriso.
Revirei meus olhos. — Ciaran, dê o fora. – eu apontei para a
porta, indicando para ele sair.
— Eu não vou a lugar nenhum, fantoche. Podemos foder, no
entanto. Acho que nós dois precisamos de uma distração.
A coragem dele. Cruzei os meus braços e observei o seu
comportamento. Percebendo lentamente que algo estava errado, os
cabelos da minha nuca começaram a se arrepiar. Eu criei um amplo
espaço entre nós, fingindo que tudo estava
perfeitamente bem, mesmo quando os sinos
de alarme me disseram para dar o fora da
esquiva.
Eu não estava com medo dele. Muito pelo
contrário, o que era muito pior - muito pior.
— Então, agora você é alguém que usa o sexo como escape?
— Eu uso você. Para foder. Para brincar. Para me fazer sentir
melhor.
Página | — Seu psicopata está aparecendo.
173 — E você ama isso, não é? Diga-me como sua boceta fica
molhada, fantoche. Diga-me o quanto você quer sentir meu pau
dentro de você.
A cada palavra, ele se aproximava, sem fazer barulho. Cada
passo era tão predatório quanto o olhar em seus lindos olhos azuis.
— Este não é o momento para isso. Sem mencionar que sei
quem você é agora.
— Você não sabe de nada. – ele rebateu, agora bem na minha
frente.
— Sei que precisamos esquecer o que fizemos e nunca mais
deixar acontecer.
— Esquecer? – ele zombou, rindo baixinho. — Ainda nem
começamos. Isso... – Sua mão acenou no pequeno espaço entre nós.
— Você e eu nunca vamos terminar.
— Digamos que saiamos daqui... o que você vai fazer, Ciaran?
Lutar contra minha família até a morte só para poder ficar entre
minhas pernas?
— Acha que eu tenho um problema para conseguir uma boceta?

Que estou fazendo isso só para saber que sou


o único homem que vai te dar o que você
quer?
Sua mão passou pela parte de trás da
minha cabeça, agarrando meu pescoço.
— Você é mais do que uma safada qualquer, fantoche. Eu vou
matar quantas pessoas eu precisar, se isso significar que vou
Página |conseguir mantê-la.
174 — Por quê? – eu respirei, completamente confusa. Para que
diabos ele me queria? Eu era uma porra de um caso perdido que ele
ainda não tinha visto.
Ele não me respondeu. Sua boca pressionou na minha, o beijo
que ele deu era brutal e carnal - um beijo que pretendia reivindicar,
independentemente dos meus protestos. Eu me fundi nele com
quase nenhuma resistência, envolvendo meus braços em volta de
seu pescoço, ardendo por seu toque, mesmo enquanto a dor me
atormentava há apenas algumas horas.
Eu não tinha me arrependido então, mas sabia que iria.
Eu não conseguia me importar agora.
Ele era todas as coisas obscenas, terríveis e proibidas que eu
não podia ter. Minha família - a família dele - nunca deixaria isso
acontecer.
Havia muito sangue ruim e muito trauma. Eu deveria tê-lo
empurrado para longe e rasgado sua garganta, e é exatamente por
isso que o puxei para mais perto.
Ele empurrou minha calça de moletom para baixo apenas o
suficiente para dar a ele acesso ao espaço entre as minhas coxas

úmidas. Seu jeans foi o próximo. Ele moveu


meu corpo até que eu estivesse na frente da
pia independente, me virando.
Agarrei cada lado da porcelana, com um
gemido suave escapando dos meus lábios quando ele passou a
cabeça de seu pau pela minha fenda, me provocando.
— Não deveríamos fazer isso. – eu disse, com uma última
Página |tentativa lamentável de impedir o que estava a segundos de
acontecer.
175
Ele agarrou minha garganta por trás e sorriu, sussurrando em
meu ouvido antes de me penetrar. — Melhor o diabo que você
conhece.
Eu gritei, sentindo cada centímetro grosso e duro dele dentro de
mim, esticando minha boceta.
A intrusão foi tão dolorosa, que minha boceta se apertou, com
um jato de líquido encharcando seu pau. Sua outra mão foi para
meu quadril para me manter de pé enquanto as minhas pernas
ameaçavam ceder.
— Sua boceta é a porra de um sonho. – ele sussurrou, movendo
seus quadris para entrar mais fundo. Com uma risada baixa
misturada com meus gemidos.
— Observe o jeito que eu te fodo, fantoche. Eu quero que você
se lembre de cada parte disso.
Sem mais demora, ele começou a se empurrar para dentro e
para fora de mim, movendo meu corpo com tanta força que minhas
unhas arranharam a porcelana.
Eu nos observei no espelho, vendo como estávamos imundos,

cobertos de manchas de lama e uma leve


camada de suor, ambos famintos pelo que o
outro poderia lhes dar.
A escuridão que estava tão claramente
gravada em sua alma era a solução definitiva para as viciadas
degeneradas como eu. Fazia tanto tempo que eu não ficava tão
chapada...

Página | Tentei abrir minhas pernas, arqueando minhas costas para que
ele pudesse me foder com mais força e ir mais fundo.
176
Ele me deu o que eu procurava sem precisar de minhas
palavras. Um gemido, praticamente um soluço de prazer escapou
dos meus pulmões enquanto seu pau me penetrava, atingindo todos
os pontos certos.
— Goze para mim, garotinha. – ele ordenou, apertando minha
garganta, cravando seus dedos na pele do meu quadril. Eu gritei seu
nome, com meus músculos ficando tensos quando um orgasmo me
percorreu, espalhando um inferno tão quente que lágrimas caíram
dos meus olhos e eu gozei em todo o seu pau, com os dedos dos pés
encolhendo com força.
— Porra, fantoche. – ele sussurrou, movendo meu corpo com
mais força e gemidos de prazer começando a ressoar em seu peito.
Logo, os únicos sons no lugar eram pele lisa batendo em pele lisa, e
os gemidos que arrancou dos meus pulmões enquanto continuava a
garantir que eu nunca o esquecesse.
Página |
177

No momento em que saímos, Kyrous beijou as costas da mão


de Gracelyn, o que foi estranho para mim, visto que ele não emitia
esse tipo de doce vibração em tudo.
E então, ele saiu depois. Ele acertou quando precisávamos
seguir em frente.
Como o mapa retratado, Maze of Mayhem estava bem atrás de
nós. Literalmente.
Havia um pequeno pedaço de grama e a entrada para outro
prédio.
— Aonde você vai? – Selena gritou atrás dele.
Ele não respondeu, continuando sem olhar para o quintal.
— Ele vai encontrar o seu irmão. –
Gracelyn respondeu suavemente.
— Pobre rapaz. – Selena murmurou,
piscando para afastar as lágrimas.
Fiz uma careta, vendo sua forma ficar
cada vez menor. Eu entendi o raciocínio por trás disso, mas pensei
que Kyrous era mais inteligente do que isso.
Era uma missão suicida e Ciaran estava certo. Estávamos tão
Página |perto do fim. Tudo o que precisávamos fazer era atravessar este
labirinto para chegar à mansão. Talvez a morte estivesse esperando
178 lá, mas pelo menos nós vamos recebê-la.
— Algum de vocês vai atrás dele?
— Ele não gostaria que fizéssemos. – respondeu Maverick.
— E não vou deixá-la sozinha. – acrescentou Ciaran, olhando
para o amigo, com o rosto sem qualquer emoção.
— Provavelmente estou mais segura sem você. – eu murmurei.
— É? Você também estará morta. – ele agarrou minha mão e
começou a caminhar em direção à próxima entrada, deixando os
outros seguirem.
Ele não saiu do meu lado nenhuma vez desde que terminamos
de nos pegar. Ele basicamente tinha sido minha sombra, como se
pensasse que eu iria fugir ou algo assim, agora que eu sabia quem
ele era.
Ele deu muito crédito a si mesmo, mas eu não negaria que
gostava dele perto de mim.
Passamos por uma pequena abertura e entramos em uma sala
circular feita de nada além de pedra. Enquanto as garotas e
Maverick me seguiam, olhei em volta,
tomando nota dos pequenos detalhes.
Não havia janelas, e a única luz vinha de
luminárias de parede mal iluminadas. Era
legal aqui também.
Bem à frente havia outra porta estreita, além dela uma
escuridão, o tipo em que ninguém em sã consciência entraria. Um
cheiro estagnado emanava de dentro dele.

Página | — Olhe para o chão. – Mel apontou para um grande mural que
alguém pintou.
179
— É como a imagem do Centro de Visitantes. – disse Selena.
Eu tinha me esquecido disso, mas ela estava certa. Só agora,
percebi que os demônios estavam usando máscaras, todas
diferentes, ainda cercando a garota nua. Ciaran fixou os olhos no
enigma seguinte e vagou até ele, segurando minha mão.

— Você está preso em um labirinto desde que chamou minha


atenção.
Encontre o seu caminho antes de ficar preso para sempre.
Mistério, caos e escuridão.
O Diabo se esconde do outro lado. – leu Ciaran.

— Acho que este é o mais sinistro que já vimos. – eu ponderei.


— Talvez, mas podemos fazer isso. – confessou Mel. — Não
vamos morrer aqui.
Ela parecia tão confiante, um salto completo da pessimista que

costumava ser.
Sorri para ela, pegando sua mão. — Está
escuro lá. Vamos formar uma corrente até
sabermos para o que estamos caminhando.
Nos movemos para uma espécie de formação.
Fiquei com Ciaran, segurando Mel agora também. Gracelyn e
Selena seguiram, deixando Maverick no final de nossa corrente.
Página | Entrando na escuridão, acho que nenhum de nós sabia o que
180 esperar. Meus olhos se esforçaram para se ajustar enquanto a luz se
dissipava, mas não havia nada para ver além do escuro. As paredes
ainda eram de pedra, cobertas pelo que parecia ser musgo quando
toquei uma delas.
Houve um pequeno respingo, seguido por uma advertência
suave de Ciaran.
— Cuidado onde pisa. – ele parou, me ajudando a descer.
— Ah. – eu murmurei quando cheguei ao fundo.
Água fria invadiu meus J’s12, ensopando minhas meias e a barra
da minha calça de moletom. O fedor era potente, mofo e bolor. Eu
firmei meu aperto na mão de Ciaran e na de Mel, certificando-me de
que ela não caísse.
Começamos a avançar no escuro, usando nossa corrente
humana para garantir que nenhum de nós se separasse ou se
perdesse. As passagens pareciam intermináveis. A única maneira
que conhecíamos de virar era quando não tínhamos outra escolha,
quando as paredes se curvavam e nos faziam ir para a direita ou
para a esquerda. De vez em quando, havia ruído de trituração
definitivo.

Na primeira vez que ouvimos, todos nós


paralisamos, esperando que algo acontecesse -
nada aconteceu.

12 J’s: é o modelo do tênis dela.


Acontecia a cada poucos minutos e, depois de tantas voltas e
momentos em que o ouvia, eu estava começando a me perguntar se
algum dia sairíamos daquele lugar. Eu não fui a única.

Página | — Seria irônico morrer aqui? – Gracelyn perguntou.

181 — Não pense nisso. – Selena disse.


Demos outra volta, esta passagem ainda mais estreita que a
anterior. Meu cérebro teve um momento de luz.
— As paredes estão se movendo. – eu anunciei.
— Sim, notei que cerca de duas voltas anteriores. – Maverick
respondeu.
Então por que diabos ele não disse nada? Rangi os meus dentes,
mantendo-me em silêncio. Meus pés ficaram tão molhados que eu
podia senti-los enrugando. As paredes moveram novamente, e desta
vez eu senti isso fisicamente.
— Vamos acelerar o ritmo. – ordenou Ciaran, andando.
Quase correndo, avançamos, dando voltas e mais voltas. Com
mais uma à direita, uma pequena luz se tornou visível, mas neste
ponto estávamos praticamente esmagados entre duas placas de
pedra. Porra. Eu realmente não queria morrer sendo esmagada como
um inseto.
Indo o mais rápido que podíamos, a luz começou a ficar mais
brilhante conforme nos aproximávamos. Saímos da passagem assim
que as paredes mudaram novamente. Eu teria
fundido de alívio, mas não iria perder o fôlego
até que estivesse fora de qualquer inferno que
fosse esse lugar.
Coloquei minhas mãos sobre os joelhos,
levando um segundo para recuperar o fôlego e
deixar meus olhos se acostumarem a ver a luz novamente.
— Não há portas ou janelas aqui. – Gracelyn bufou, torcendo o
cabelo para cima.
Página | Fazendo uma rápida procura de onde quer que tenhamos ido
182 parar; Eu vi que o espaço em que emergimos era nada menos do que
opulento - no mesmo nível que o Cerberus Hall e a Blight House
eram.
A luz que vimos vinha de um lustre que tinha sido colocado
para baixo, com o ouro brilhando como se tivesse acabado de ser
polido.
Eu não entendia nada dessa merda.
Endireitando-me, eu passei meus olhos sobre cada uma das
paredes de damasco, o olhar indo entre uma que tinha uma placa
iluminada por trás e a parede de trás que era totalmente coberta por
uma cortina pesada de veludo preto.
— O que agora? – Mel perguntou, olhando para os seus pés
enrugados.
— Eu começaria com aquela parede. – Maverick respondeu,
cruzando os braços.
— Eu posso ver de onde estamos parados e não é um enigma,
são apenas nomes. – Selena afirmou.
— Exatamente. – ele disse também com naturalidade.

Esses idiotas de merda. Por que nunca


conseguiram revelar nada?
Todas as meninas começaram a caminhar
em direção à placa. Fiz comecei a seguir, mas
Ciaran se adiantou e me interrompeu. Ele estava quieto, mais do que
de costume, mas imaginei que ele ainda estava lidando com a perda
de um, agora potencialmente dois, de seus amigos. Maverick
parecia bem, no entanto.
Página |
— O que? – perguntei.
183
Ele não respondeu imediatamente. Seus olhos brilharam nos
meus com um grau perturbador do que ousei dizer que era afeto.
— Senti sua falta. – ele finalmente respondeu.
— Que diabos você está falando? Eu nunca fui a lugar nenhum.
Ele segurou meu rosto com as duas mãos e beijou minha testa.
— Ciaran?
— Vejo você do outro lado. – ele deu um passo para trás e se
moveu ao meu redor, caminhando em direção à cortina.
Maverick me fez uma saudação com dois dedos e depois o
seguiu.
— Que porra é essa? Ciaran!
Fui segui-lo, mas a voz de Mel me parou no meio do caminho.
— Liliana, não!
A urgência em seu tom me fez virar o rosto para a outra
direção. — O que há de errado?
— Isto. – Gracelyn apontou para a lista
de nomes na placa que estavam em espera.
Dei dois passos em sua direção, parando
ao som de música clássica e uma série de
vozes. Foi breve, durou alguns segundos
esparsos, mas ainda ouvi essa merda.
— Que porra inteira está acontecendo? – eu me virei e marchei
em direção à cortina, com os sapatos molhados batendo no chão de
mármore.

Página | — Lana, espere. – Grace sussurrou.

184 Eu não escutei. Eu puxei a cortina, localizando uma porta de


metal maciça. Quando entrei para trás da barreira robusta para abri-
la, as meninas estavam me seguindo.
Nenhuma de nós - nem mesmo uma - poderia estar preparada
para o que estava do outro lado.
— O que é isso? – Mel perguntou atrás de mim, agarrando meu
braço enquanto entrávamos na sala.
O espaço estava cheio de pessoas em ternos e vestidos de baile,
andando pela pista com taças de champanhe e conversando
casualmente. Telas planas foram colocadas estrategicamente ao
redor da sala, cada uma mostrando uma área diferente da Goetia.
Aqueles que nos notaram imediatamente o fizeram com sorrisos e
acenos.
Um som inconfundível veio acima de nós. Eu levantei minha
cabeça em direção à varanda superior, com todos os músculos do
corpo ficando rígidos. Minha família - nossas famílias - estavam lá,
muito bem vestidas e apertando as mãos de pessoas que eu nunca
tinha visto antes. Ao lado deles, parados em uma bela fileira,
estavam quatro rostos familiares, todos olhando para nós.
— O que está acontecendo? – Selena
perguntou, agarrando meu braço como se ela
fosse fugir e me levar com ela.
Incapaz de responder, eu vi meu abuelo
aceitar um microfone de alguém.
Ele limpou a garganta para chamar a atenção da sala, acenando
para nós com orgulho. Eu podia ouvir o sangue correndo em meus
ouvidos e minha mente acelerando para dar sentido ao que estava
vendo.
Página |
Isso não poderia estar acontecendo.
185
Não era real.
Eu desviei meus olhos da varanda e olhei ao redor da sala, com
meu olhar pousando em duas portas duplas douradas. Duas palavras
foram exibidas acima delas, ambas corroídas e grandes, como se já
estivessem aqui há algum tempo.
— Goetia irá levá-los ao Devil’s Playground.
Quanto irônico foi termos sido trazidos aqui pelo próprio
diabo?
Este não foi o fim de nada.
Foi o começo.
Página |
186

Eu esperei pacientemente por este dia chegar.


Sempre observando.
Sempre à espreita.
Sempre um bom garoto que manteve distância.
Até que eu não mantive.
Ela não se lembra de mim, mas eu me lembro dela.
É hora de colocar minha máscara e brincar.
Cada demônio quer sua parte de carne.
Psicopata versus psicopata.

Vamos ver o quanto cruel ela pode ser.

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