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Copyright © 2023 Tay Duque

Capa: Ester Costa

Revisão: Tay Duque

Diagramação: Tay Duque

Os Reis de Miami

TAY DUQUE

1º Edição – 2023 – Brasil

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, acontecimentos descritos são


produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos
reais é mera coincidência.

Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento e/ou reprodução de


qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios – tangível ou intangível – sem a
autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº 9.610/98
e punido pelo artigo 184 do código penal.

Essa obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua


Portuguesa.
Recomendado ler os livros da série mais os
Spin-Offs 1 e 2:

Orgulho e Ambição

Força e Razão

Alma e Desejo

Honra e Liberdade

Spin-Off 1: Por Trás Dos Holofotes

Spin-Off 2: Garota de Miami


Aos que torcem por mim e quem ama esse
elenco tanto quanto eu sempre amei.
Prólogo – Passado

“Eu já falei. Está cansado de ouvir. Sabe que é isso que eu tenho que
fazer”, disse Isaac Mazza pela milésima vez naquela tarde, e mesmo assim,
Phillip Stanton tinha coragem de tentar fazer alguém como ele mudar de
ideia. “Não se vence sem sujar as mãos, Stanton. Você deveria saber melhor
do que eu.” O homem insatisfeito, perpassa a mão no rosto, na tentativa de
conter o aborrecimento. Mas ele sempre soube, é inútil lutar contra os
ímpetos daquele homem.
“Acontece que se descobrirem não é apenas o seu pescoço que vai
estar a prêmio. É o de todos nós. A sujeira nas mãos vai custar muito mais
do que simplesmente vencer.” Isaac ri, desafiador como sempre.
Ele farejava a quilômetros quando alguém estava morrendo de
medo. O odor é inebriante, quase sufocante, e Isaac detestava a degradação
que ele causava nas pessoas. As tornavam fracas e deprimentes. É
inacreditável como são covardes, não têm um pingo de ambição nem
mesmo para salvar a própria vida, ele pensava. Eles pensam em primeiro
lugar na índole e no caráter. O que servirá a índole e o caráter se não possuir
tudo o que se deseja? Essa é uma pergunta que Isaac se fazia sempre que
estava prestes a dar mais um passo para a sua próxima vitória. É isso que
ele quer, nada além de poder.
Isaac se aproxima de Phillip Stanton, que falta tremer diante do
olhar ameaçador do homem esgotado de ser apenas um mero homem
comum. Os olhos azuis glaciais são frios demais. Bem mais frios do que
dizem. Ele sabe manipular, sabe coagir apenas olhando daquela forma.
“Então acho melhor você dar um jeito, ou a sua cabeça não só vai
ficar a prêmio como vai ser decapitada de uma vez se eu não conseguir o
que eu quero, Stanton.” O homem não consegue mais abrir a boca. Isaac é
convincente, convincente até demais.
Apesar de tudo, Stanton sabia que o caminho que ele decidiu seguir,
mesmo sendo “um bom caminho”, na visão delicada da sociedade, é o que
levará a ruína. O que será da sua família se decidir se afastar de Isaac pelo
seu próprio bem? A vida não depende apenas de decisões fáceis e ele sabia
disso melhor do que ninguém. É necessário arriscar tudo, lutar até o fim e
obter o que merece. Ele aprendeu muito com Isaac, com sua capacidade de
ser um homem de visão, capaz do impossível para conseguir status. É isso
que quer, é o que sempre mereceu. Não será apenas Isaac que vai alcançar
seus objetivos, ele também irá. E se for para se meter com Isaac, que seria
para conseguir vantagens e não o oposto.
Desde o início, Phillip sabia no que estava entrando. Quando
alguém como Isaac Mazza cismava com uma pessoa, haviam duas opções:
ou ele faria de tudo para que o indivíduo fosse bem-sucedido, ou o
destruiria para sempre. Veja o que ele fez com Stanford, primo da sua
mulher. Não deu nenhuma chance para o homem se recuperar. Ele não dava
chances, era tudo ou nada.
“Tudo bem, mas com uma condição.” Isaac sorri de lado,
principalmente por causa da sagacidade de Stanton. Ele era um homem
sagaz, devia admitir.
“Eu já não lhe dei condições demais?”
“Eu quero mais”, é enfático. Se ele vai entrar nessa, que seja
obtendo algum tipo de garantia. Isaac precisa saber que Stanton não é quem
ele pensa. Uma forma de assegurar a si mesmo e sua família.
“Então, diga. Se eu puder ajudar...”, o tom de sua voz era falsamente
calmo, pois por dentro, Isaac desejava eliminar Stanton.
“Vai ter que ajudar, Isaac. Ou eu não faço nada.” O atrevimento de
Stanton estava começando a irritá-lo. Mexer com pessoas que parecem
idiotas, mas que no fim se mostram o oposto, é um preço a se pagar, mas ele
estava ciente e saberia como reverter a situação no momento certo.
Isaac espera que o homem comece. Apesar da respiração elevada,
do medo transpirando nos poros, Isaac estava curioso em saber o que ele
tinha a dizer.
“Eu quero imunidade.” Isaac ergueu as sobrancelhas. “Não quero
nada envolvido no meu nome. Quero que isso seja escondido e muito bem
escondido. Sabe fazer isso, já que roubou o próprio amigo para abrir o seu
banco. Vou conseguir sua candidatura, limpando o seu nome, então quero
que faça o mesmo quando a coisa ficar feia, porque ela vai ficar. Se não
encontrarem nada, eles vão direto a mim. Então eu não sei até quanto tempo
eu vou poder aliviar o seu lado se as coisas não derem certo para mim.”
“Está me ameaçando?” Aborrecido, Isaac não estava gostando nada
de ser levado a essa condição. Principalmente por um bocó como Stanton.
“Não. Estou apenas tentando me proteger, assim como tem feito.”
Idiota prepotente! Era o que Isaac pensava ao encarar Stanton de
igual para igual. Mas Isaac estava em uma posição que ele não gostava,
uma posição que ele mesmo se colocou por necessidade. Vencer é melhor
do que os percalços, sendo assim, ele poderia se submeter, mesmo que não
por muito tempo. Basta Stanton conseguir o que ele queria e então tudo se
resolve. Ele se tornaria o novo político da cidade e então se livraria de vez
do infeliz.
“Como quiser”, Isaac disse, a contragosto.
“Ótimo.” O ar inóspito de Stanton enfureceu Isaac ainda mais. Mas
ele sabia que os dias desse paspalho estavam chegando ao fim.
“Eu vou pra casa”, Isaac murmurou. “Preciso me abster dos
compromissos por hoje. Mas amanhã eu volto, Phillip, e quero a minha
candidatura em cima da minha mesa, ou as consequências serão muito
graves. Serão mais graves do que antes.” Isaac saiu pela porta, não
interessado em sua contrapartida.
O homem mal conseguia se mexer. Uma, por ter tido coragem para
enfrentar Isaac; outra, por não saber se estava mesmo no controle, ou
apenas adiando o seu declínio. Fosse o que fosse, não havia saída. Ele tinha
que conseguir o que Isaac ordenara, não havia outra opção. Acontece que
ele não sabia como burlar a lei para conseguir uma cadeira na política para
Mazza. A ficha dele estava extensa demais. Stanford sabia muito, deu com
a língua nos dentes depois que Isaac acabou com a vida dele. Phillip
poderia fazer o mesmo. Denunciá-lo por justa causa, assim se livraria do
homem que se tornou o mais poderoso de Miami, justamente por saber
como usar as pessoas. Phillip não devia lealdade ao Mazza, ele só precisava
fazer a coisa certa. Mas ele não podia, sua família dependia desse acordo. O
Mazza pode ser um carrasco quando precisa obter o que deseja, mas sabe
cumprir promessas, e ele precisava dessa garantia em especial. O jeito era
tampar o buraco, jogar para debaixo do tapete os crimes daquele homem, ou
ele mesmo acabaria na merda.

Na saída do prédio, onde Isaac Mazza construiu seu império, um


carro o esperava. Todos os dias a essa hora, Isaac já estava pronto para
voltar para a sua família. Pelo menos, os problemas do seu dia ficavam para
trás e ele poderia relaxar em paz.
“Boa tarde, Jacob. Como vai?” Isaac cumprimentou um jovem
homem que usava um terno de segunda mão e um olhar doce. Issac sabia
reconhecer as melhores pessoas e Jacob Crow era um homem que ele podia
confiar.
Se pelo menos ele pudesse transferir a incumbência de Phillip para
Jacob, as coisas seriam mais fáceis. Porém, Jacob era honesto demais, esse
era o único defeito. Então, por hora, ele teria que contar com sujeitos
inescrupulosos, assim como ele, para conseguir o que precisava.
“Estou bem, senhor. E como foi o seu dia?” Isaac suspirou
longamente. Um olhar perdido através das janelas, um semblante abatido.
Jacob entendia que as coisas não estavam fáceis. Elas nunca estão, mesmo
para gente rica como o patrão.
“Sabe qual é a melhor coisa do mundo, Jacob?”, Isaac disse,
taciturno. “Chegar em casa e não ter que se preocupar com trabalho. Eu não
digo sobre dinheiro, ou a facilidade que isso causa em homens como eu,
mas a família. É isso que faz tudo valer a pena.” Jacob olhou para o
retrovisor, encarando Isaac.
Ele entendia. Sabia qual era a sensação. Nada mais o deixava feliz
quando estava ao lado de Savannah. Tudo podia parecer difícil, mas não ao
lado dela.
“Eu sei como é. Nada melhor do que ter alguém que te ama ao seu
lado e te apoia. Sra. Mazza deve ser esse tipo de mulher, assim como
Savannah é para mim.” Isaac concordou, com o olhar meio distante.
Sabia que não andava com a mesma fidelidade de antes. Sabia que
não estava sendo um bom marido, justo no momento em que Elena mais
precisava dele.
“Tudo que faço, é pensando neles.” Essa última frase não foi tão
distante, muito pelo contrário, foi convicta, e Jacob, por um instante
acreditou que Isaac não sentia realmente o que dizia. Porém, Jacob entendia
perfeitamente. Tudo que se faz é pensando na família, até mesmo os mais
absurdos. “Vamos embora, Jacob. Preciso descansar.”
Então Jacob dirigiu o carro até os condomínios luxuosos de
Downtown, torcendo para que seus segredos não pudessem ser
desconfiados, mas Jacob teve a impressão que Isaac torcia pelo mesmo.

“Papai.” Um menino esperto de quase doze anos de idade abraçou o


pai com afinco.
Talvez esse seja o motivo pelo qual Isaac fazia o que fazia. Ver
aquele sorriso, ser como um herói para o único filho, o instigava a
prosseguir, mesmo que ele tenha que fazer qualquer coisa. Ele jamais
deixaria com que sua família morasse na sarjeta como ele morou. Jamais
voltaria para a Itália e viveria do vinhedo do pai. Não. Aquilo era como um
suicídio. Ele conseguiu tudo e vai continuar conseguindo até ter tudo o que
sempre desejou.
“Como vai, filho? Tudo bem?” O menino de olhos azuis assentiu.
“E sua mãe?” Então ele entristeceu. Jenson é apenas um menino, não tinha
que passar por tudo que tem passado, mas Isaac não sabia como poupá-lo
do inevitável.
“Está do mesmo jeito: deitada e com dor de cabeça. Eu não sei mais
o que fazer. Mamãe não quer sair um pouco, não quer estar no jardim que
tanto ama.” Isaac suspirou, passando a mão na nuca se enchendo de
angústia. Se ele pudesse tirar Elena dessa situação ele faria, mas ele não
pode. Nunca pôde, principalmente agora que ela sabe o que ele foi capaz de
fazer.
“Eu vou vê-la. Obrigado, filho.” Isaac ia saindo, mas ainda tinha
algo a falar para o menino que tem sido afetado por suas escolhas dia após
dia: “Não se preocupe. As coisas vão melhorar. Eu vou fazer sua mãe feliz
outra vez. Eu prometo.”
E então ele subiu as escadas da mansão, após deixar o menino feliz
com sua promessa. Atravessou o corredor e entrou no quarto do casal.
Elena estava deitada como uma morta-viva, mas não dormindo. Aqueles
olhos cor de esmeralda que tanto foi motivo de alegria para Isaac, estavam
brilhantes, porém caídos. E isso acabava com ele.
“Como você está?” Ela não esboçou nenhuma alegria, nada parecido
com que ela era anos atrás. Elena não era a mesma, e tudo por sua culpa.
“Nada bem, você sabe. Mas eu não estou bem há anos, você também
sabe o motivo.” Isaac sabia muito bem. Ela parou de encarar o teto e olhou
para o marido. Aquele sentimento ruim que ela jamais pensou sentir quando
se casou apaixonada por ele, a consumindo. “Quero ir embora, Isaac. Eu
não gosto dessa cidade, não gosto dessa casa, é grande demais. Assustadora
demais. Eu quero a nossa vida de volta.” Isaac resfolegou, sabia que era
apenas uma desculpa. Um motivo para tê-lo só para ela. Aquela vida era
feliz, mas não o suficiente.
“Isso não tem nada a ver com a casa e você sabe muito bem disso.
Se não resolvermos, isso vai nos acompanhar para aonde formos.” Elena
olhou para ele, como de súbito. A vontade de chorar voltando pela milésima
vez, sempre que ela lembrava do que Isaac fez para conseguir essa casa,
esses móveis e toda a vida luxuosa de que ele queria, mas que ela
abominava.
“Até porque a culpa é sua, não é?” Ele não disse nada, não há o que
dizer. Ela tinha razão, como sempre.
“É a nossa vida agora. É aqui que vamos ficar, quer goste ou não.”
Era assim que ele sabia lidar com situações que não gostava de lidar.
Quando havia um obstáculo, Isaac não enfrentava, apenas desviava dele.
Era assim nos negócios e também no seu casamento.
“Eu não quero que meu filho viva aqui, Isaac.” Mas Elena sabia
confrontá-lo muito bem. Isaac parou diante da porta para olhá-la. “Quero
voltar para Itália.” Isso irritava Isaac, de uma forma quase inquietante.
“Eu já disse que não!”, bradou-o raivoso. Suas imposições soando
cruéis a cada dia que passava. “Ou você aceita as minhas condições, ou vai
ficar trancada nesse quarto a vida toda. Eu não ligo.” E então ele saiu, não
aceitando ser contrariado. Toda aquela falsa esperança de que chegando em
casa as coisas melhorariam, se foram.
Elena chorou em silêncio, já perdeu as contas de quantas vezes
sofria sozinha, sem que ninguém a ajudasse. Maldita hora que ela apoiou
Isaac ir para a Miami. Ele fez tantas promessas felizes. De que eles seriam
tão apaixonados como no primeiro encontro, de que criariam seu filho
dignamente. Que seriam uma família feliz. Mas a ambição e a necessidade
de se tornar poderoso, acabou com o seu marido.
Na escadaria, o celular de Isaac tocou.
Ele tirou o aparelho do bolso e examinou a chamada. Não era
possível que um único nome tinha poder de acabar com sua alegria. O resto
que sobrava dela, para ser mais exato.
“Alô.”
“Olá, querido.” Aquela voz. Ela conseguia ser mais irritante do que
a própria dona dela.
Isaac não sabia onde estava com a cabeça quando se envolveu com
ela. Foi tesão, ele sabia, mas também poder. As promessas de Nicole eram
tentadoras demais e ele conseguiu uma boa parte do que ela prometeu. Mas
agora não queria saber mais dessa mulher. Era venenosa demais para tê-la
por perto. Visto o que ela foi capaz de fazer com o marido. Isaac tinha
outras aspirações, iria obter o que desejava de outra forma.
“O que você quer? Eu já disse para não me ligar quando eu estiver
em casa. Ou melhor, prefiro que não me ligue de jeito nenhum.” Ela sorriu,
debochada como sempre. Em pensar que essa risada o encantava. Que o
deixava ainda mais louco por ela. O deixava vivo quando não suportava
mais olhar para Elena tão sem vida.
“Não se preocupe, não vou tomar o seu tempo. Só quero te
parabenizar.” Isaac não estava entendendo nada. Ele ainda não conseguiu a
candidatura. Nicole sabia que ele estava tentando, mas as coisas estavam
mais difíceis do que ele poderia imaginar.
“Parabéns, papai. Eu estou grávida”, Nicole sussurrou a última
frase, em seguida a risada se intensificou. O sangue no corpo de Isaac
sumiu, os batimentos cardíacos aumentaram. Isso só pode ser brincadeira.
Tem que ser uma brincadeira de muito mau gosto.
1

Gregory Mazza – Presente

Eu não consigo acreditar no que os meus olhos veem. É


inacreditável a ousadia de Rachel, achar que pode aparecer depois de tudo
que ela fez. Eu já vi muita cara de pau por aí durante toda a minha vida,
mas essa mulher continua me surpreendendo.
Diferente do que imaginei, ela não está nada deslumbrante. O rosto
pálido e os cabelos maltratados, indicam que não esteve esbanjando depois
de ter abandonado a própria filha. Ela deve ter passado por uma prova de
fogo. Esses anos todos não fizeram bem a ela. Justamente por causa disso,
sua volta me preocupa mais do que eu gostaria.
“O que você está fazendo aqui?”, pergunto de novo, a fim de obter a
minha resposta dessa vez.
Quem ela pensa que é? Aparecer depois de anos, e abordar a minha
filha como se nada estivesse acontecendo?
“Não é óbvio? Vim ver a minha filha.” Solto um riso áspero e
amargo. Queria soltar um palavrão, e despejar toda a raiva que estou
sentindo agora, nela. Toda a raiva que não expressei quando foi embora.
Quando me deixou durante meses, me perguntando o que ela pretendia
fazer com aquele sumiço. Se um dia eu voltaria a ver minha filha. E então
ela larga a menina em um hospital, contando apenas com a sorte.
Mas a Lily está bem ali ao lado de Evelyn. Eu já me mostrei um
estranho o suficiente.
“Onde estava quando sua filha precisou de você?”, murmuro, me
sentindo abalado. “Quando ela nasceu e você a deixou sozinha em um
hospital? Quando ela chorava pela madrugada morrendo de fome e eu tive
que me desdobrar para que ela não sentisse falta do peito materno o qual
você a privou? Onde você estava, Rachel, quando ela foi crescendo,
enfrentando as dificuldades que uma pessoa em suas condições enfrenta e
você estava longe? Só Deus sabe o que estava fazendo.” Ela revira o olho.
O desdenho impresso na sua face, como sempre.
Já estava esperando por este sermão. Rachel não mudou nada, mas
eu já deveria saber.
“Eu tive os meus motivos, garanhão. Os quais você já está cansado
de saber quais são.”
Pela sua aparência, eu posso até fazer uma ideia. Não sei se estou
sendo duro demais, ou estou coberto de razão. Para mim, nada justifica
abandonar uma criança. Rachel precisava de ajuda, e eu estava disposto a
ajudá-la, mas preferiu ir embora.
“Eu também não estava preparado para ter uma filha, Rachel. Eu
não estava disposto a ser pai quando você anunciou a gravidez. Mas eu
encarei a situação, assumi a responsabilidade.” Ela desvia os olhos, olhando
para a praia, mas não há arrependimento nisso.
“Uau!” E então bate palmas, cheia de ironia. “Ela é sua filha
também, Gregory. Não fez mais do que sua obrigação.” Ela tem razão, mas
diferente de Rachel eu pude me provar. Fui mais do que eu esperava que eu
fosse. “Você sempre foi melhor do que eu no quesito responsabilidade,
Garanhão.” Dá o braço a torcer. Um tanto melancólica. “Eu fiz a escolha
certa.”
“É sério isso?” Solto um riso incrédulo. “É nessa desculpa que quer
que eu acredite? Que você tinha a quem deixá-la? Que ela ficaria melhor
comigo do que com você? Ela precisava de você tanto quanto precisa de
mim.” É só olhar para a minha filha encolhida na areia, porque eu não
deixei se aproximar da mãe, para ver que isso não foi melhor para ninguém.
“O que quer que eu diga, Gregory? Que eu sou uma péssima pessoa,
que não sirvo para nada nem para amar alguém? Eu não preciso, você já
sabe.”
Lembro das marcas em suas costas, o mal que ela teve que enfrentar
na infância. Em todo o pesadelo que Rachel se tornou para si mesma antes e
depois de matar o próprio pai. Eu não tenho o direito de julgá-la, mas não
significa que vou afrouxar para o lado dela.
“Eu não quero você aqui, Rachel”, sou resoluto. “Não a quero perto
dela.” Ela não parece se preocupar com o meu ultimato. É como se Rachel
já estivesse ciente do que encontraria quando viesse. Ela sempre está
preparada para tudo.
Devagar, ela olha para mim, me encarando como se tudo que eu
disse fosse balela.
“Se não quisesse, não teria dito a Lily sobre mim.” Então sua frase
me quebra no meio, porque é verdade.
Rachel tem razão. Se eu não a quisesse por perto eu não teria
preparado Lily para uma possível volta da mãe. Eu sabia que ela voltaria a
qualquer momento. Eu estava esperando por isso, pelo dia em que Rachel
colocasse a mão na consciência e se tornasse um ser humano normal com
sentimentos e lembrasse que tinha uma filha. E quando isso acontecesse, eu
queria que Lily estivesse pronta. Não me lembro de ter falado mal de
Rachel para Lily. Eu pintava Rachel como uma mãe que eu gostaria de ter
tido, e que meu coração não aceitava que Lily tinha. Acho que coloquei
minha filha em uma bolha de fantasias e mentiras. E aí então quando me
senti encurralado e sem saída, eu estouro essa bolha e acabo com seus
sonhos.
“Talvez eu tenha errado mesmo. Acreditei em uma mentira e fiz Lily
acreditar também.” Abro os braços dando o braço a torcer. “Não seja por
isso. Basta ir embora e as coisas voltam a ser como antes.” Ela balança a
cabeça, como se não acreditasse no que eu digo. Depois que Lily viu a mãe,
nada mais será como antes.
“Eu não vou embora, Gregory. Eu voltei por uma razão. E alguma
coisa me diz que se você não deixar, a Lily não vai gostar nada.” Sórdida,
maligna. Rachel sempre será minha maldição.
“Está me ameaçando, porra!” Ela nega com a cabeça.
“Estou apenas te comunicando que vou ficar. E se quer que as coisas
entre você e Lily continuem como antes, te aconselho aceitar.”
Olho para Lily sentada na areia. O mundinho da minha filha a
poucos passos de ser destruído por causa da toxicidade que a mãe dela
exala.
“Não se preocupe. Eu sei que ela é tudo pra você. Eu não vim para
mudar as coisas. Não pretendo tirá-la de você e muito menos estragar a
relação de vocês. Eu não vim apenas por Lily, mas por você.” Ah, agora
está explicado. Eu poderia oferecer dinheiro para Rachel, para que ela suma
de vez, mas essa mulher não é o tipo que se contenta com isso, então minha
preocupação é natural.
“Seu papaizinho morreu, não é?” Alguma coisa me diz que Rachel
está feliz com isso. Ela sempre acreditou que homens que já fizeram algum
tipo de perversidade merecem a morte. É uma justiceira hipócrita.
“Ele está bem agora. Se livrou do sofrimento. Tive a oportunidade
de dar uma vida digna a ele. Eu o perdoei e tudo se resolveu.” Ela olha para
as próprias unhas. Achando meu discurso uma bobagem.
“Mas antes disso, seu papai cometeu muitos erros, não foi? Um
corrupto para ser mais exata. Uma escória como tantos outros dessa
cidade.” O ódio expresso na sua feição me incomoda. Ela não tem o direito
de dizer isso.
“Vem cá, aonde você está querendo chegar?” Ela cruza os braços. O
vento bagunçando seus cabelos negros. Mas o olhar prepotente não a
abandona.
“Seu papai morreu, mas deixou inimigos, Gregory. Inimigos da
pesada que querem e vão tomar o banco de você se não fizer alguma coisa.”
Gelo inteiro. Essa fala da Rachel soa familiar. Da última vez que ela
apareceu, todos os alertas que ela me lançou eram verdadeiros.
“Do que está falando?” Ela percebe o meu interesse. O meu pavor,
para falar a verdade. Eu mal estou me recuperando de um baque, eu
realmente não estou a fim de enfrentar outro.
Rachel se senta na areia, despretensiosa, olhando o mar azul. As
gaivotas grasnando ao longe combina com a sua energia calma e singular.
Eu não conheço essa Rachel.
“Existe um homem chamado Phillip Stanton.” Me aproximo dela,
cedendo ao seu discurso e me sentando ao seu lado. “Ele trabalhava para o
seu pai há muitos anos, bem antes de você nascer. Ele fez um acordo com
Isaac. A proposta era: apague todos os meus atos inflacionários e me
coloque na política. Se fizer isso, eu te deixarei rico.” Ela dá de ombros,
como se essa conversa fosse coisa à toa. “Mas parece que Phillip não estava
disposto a confiar cem por cento no seu pai, e com razão, é óbvio.” Ela ri.
“Isaac percebendo isso, deu o golpe primeiro. O homem foi preso no lugar
do seu pai, mas agora ele está solto e em busca de vingança. Como seu
papai está morto, quem mais você acha que ele vai querer acertar as
contas?”
Eu sabia que a candidatura de Isaac não deu muito certo.
Descobriram seus crimes e seu pedido não foi aceito. Imaginei que fosse
pelo que ele fez com Stanford, mas pelo visto, existe muito mais na
candidatura do meu pai do que eu imaginei. Isaac e seu passado sombrio!
Eu pensei que essas coisas foram enterradas com ele, mas pelo visto me
enganei.
Mas um com desejo de vingança no meu caminho. Será o meu
carma agora? Com Stephen as coisas terminaram de uma forma até razoável
para mim, mas e esse homem? Eu não sei nada sobre ele.
“Como sabe de tudo isso?”
“No lugar aonde andei, conheci muito bem essa história, Garanhão.
Miami é um lugar bastante movimentado, acredite. Os reis dessa cidade não
morreram, apenas viraram lenda. É só pesquisar e vai encontrar a cheias.
Corrupção, assassinatos, uma máfia inteira.” Isso me perturba de uma forma
apavorante. “Eu não vou pressioná-lo agora. Não quero que minha presença
te irrite ainda mais. Eu estarei no hotel da cidade se quiser falar comigo. Se
quiser me aproximar de Lily, fica ao seu critério. Mas, alguma coisa me diz,
que você não é maluco de me dispensar. Conheço informações valiosas. É
pegar ou largar.” Então ela se levanta e sai, me deixando completamente de
mãos atadas.
Rachel sabe como me prender. Ela não teria mesmo voltado se não
tivesse uma carta na manga. Uma forma de me obrigar a enfiá-la mais uma
vez na minha vida. A sagacidade dela é impressionante. Mas a minha é bem
mais.

“Lily, me escuta, por favor.” Subo as escadas correndo, atrás da


minha filha de seis anos. Não porque ela está aprontando das suas, ou por
suas peripécias típicas, mas porque está com raiva de mim. Talvez até me
odiando por eu ter a afastando da sua própria mãe. Uma mãe que ela jamais
conheceu, mas que sempre me confessou ter desejo de conhecê-la. Eu
estraguei tudo, como sempre faço.
Ela nem deixou que eu a tocasse. Saiu correndo pela praia em
direção ao carro. Evelyn que teve que ficar de olho para que ela não se
machucasse. A volta de carro foi triste. Ela não me respondia. E agora está
disposta a se trancar no quarto.
Eu não deveria ter falado sobre a Rachel, já que eu não queria que se
conhecessem. Mas Lily não me deu outra escolha. Ela estava crescendo,
entendendo que deveria ter uma mãe assim como todo mundo tem, assim
como os filhos de Stephen tem. Minha nossa! Quem dera fosse a Tess!
Foi aí que lhe dei aquela foto que Rachel deixou para trás, quando
decidiu ir embora. A beleza dela, a inocência do olhar. Lily acreditou que a
mãe pudesse ser uma pessoa maravilhosa, que estava perdendo por estarem
afastadas, aguçando o seu desejo de estar ao seu lado. Eu não tive coragem
de contar a verdade. Eu também queria acreditar naquela Rachel que estava
sendo inventada por ela. Eu queria mesmo acreditar que ela foi embora
porque não tinha escolha, e que um dia voltaria. Eu fiz tudo errado.
“Filha.”
Ver Lily deitada na cama, encolhida me quebra inteiro. Eu tentei ao
máximo cuidar do seu emocional, mas falhei.
Me aproximo e me sento ao seu lado. Lily não faz objeção, mas não
quer olhar para mim.
“Sua mãe acabou de voltar”, falo desesperado. “Ela me pegou de
surpresa. Eu não queria que se conhecessem dessa forma. Eu apenas... eu.”
“Papi, você gitou comigo. Eu só queria conhecer a mamãe.” Sinto
uma pontada tão forte no coração que faz um nó surgir na garganta. Lembro
de mim, encolhido na cama depois de uma bronca severa de Isaac. Eu
entendo, sei o quanto isso dói.
“Me desculpa.” Me inclino até o seu pequeno corpo e a abraço com
força, sem me preocupar se ela vai me repelir. “Meu Deus, eu sinto muito.
Por favor, me perdoe, filha.” Nem percebo quando uma lágrima escorre dos
meus olhos, e começo a beijá-la como se isso fosse curá-la de mim.
“Por que eu não possi conhecer a mamãe?” Os olhinhos azuis tão
meigos e inocentes olhando para mim, já me responde essa pergunta. Eu
preciso proteger a Lily da Rachel. Não posso deixar que aquela toxina se
aproxime dela. Mas eu também sei que Lily não sabe disso. Para ela,
Rachel é outro tipo de pessoa. Aqui, eu sou o que está a ferindo.
“Pode, sim.” Com um fio de voz eu a respondo. “Só que não agora.”
Ainda preciso saber o que Rachel quer. Se ela vai usar a própria filha para
me chantagear. Quero saber se a história que me contou é verdadeira. Eu
preciso ter certeza de que essa aproximação não fugirá do controle.
“Por quê?” Fico olhando para minha filha como se ela fosse um
pequeno cristal. Algo valioso demais para que corra o risco de ser
quebrado.
“Apenas confia em mim?” É só o que peço, torcendo para que me
escute. “Eu ainda sou o seu papi, lembra? Eu sei o que é melhor pra você.”
Então me aconchego a ela, e a coloco no meu braço. Lily aceita de bom
grado. “Lembra quando o papai colocava você bem juntinha de mim e te
protegia de todo o mal, quando tinha pesadelos?” Sinto a cabecinha dela
concordando comigo. “Você ficava quietinha até pegar no sono.”
“Isso foi ontem, paaaapi.” O entusiasmo dela me alivia. Não está
tão brava quanto antes. “E semana passada quando o vovi...” Ela não
completa.
“Exatamente, eu continuo fazendo isso porque eu te amo, meu amor.
Eu só preciso que confie em mim. Que acredite que eu só quero que você
seja feliz e jamais faria nada para te magoar.” Os olhinhos azuis que antes
estavam tristes, ficam felizes.
“Eu confio, papi. Eu também te amo.” Seguro firme para não chorar.
Em vez disso, eu abraço a minha filha com toda a força. Se eu pudesse, eu a
deixaria aqui pelo resto da vida, assim como eu fazia quando era um bebê.
Ela é minha e de mais ninguém. Nem da Rachel.

Aproveito que Lily adormeceu nos meus braços, a coloco na cama e


vou até o meu escritório em busca do notebook. Preciso me certificar de
que o que Rachel diz é verdade. Digito no buscar um nome chamado Phillip
Stanton, e para a minha infelicidade, eu o encontro. Um homem condenado
por lavagem de dinheiro, estelionato e corrupção passiva. Ele foi detido na
mesma época que o meu pai tentou entrar para a política. Ele estava
tentando ser o senador de Miami. Ele tinha o banco, estava indo bem, mas
queria mais. Não preciso pensar muito para saber que os dois estavam
envolvidos e que se meu pai escapou da prisão, é óbvio que ele colocou
Stanton no seu lugar. Havia duas semanas que o homem saiu da cadeia,
conscientemente no mesmo dia em que meu pai morreu.
Eu sempre soube que Isaac estava envolvido em muitas sujeiras.
Sujeiras pelas quais eu também sei que se arrependeu. O que ele fez com o
primo da sua mulher, mas que depois se redimiu e devolveu em dobro o que
roubou dele. Eu só não sei o que mais ele foi capaz de fazer para conseguir
esse cargo. Embora Isaac não tenha sido eleito, nem mesmo conseguiu se
eleger, existe muito mais nessa história do que eu gostaria de saber.
Encosto as costas na poltrona e relaxo os meus ombros. Exausto do
que vou enfrentar, se por um acaso eu terei que enfrentar.
Preciso sair um pouco, respirar um ar puro e tentar espairecer. Pego
o carro e dirijo pelas ruas de Miami. Nem percebo direito quando paro o
carro próximo a casa dos Crow.
Desço do carro meio aéreo, tropego, como um bêbado, ou apenas
como um homem que não faz ideia do que está fazendo com a própria vida.
O porteiro me deixa entrar quando digo que desejo falar com
Stephen. Minha passagem se tornou permitida nesse lugar quando Tess
insistiu que queria fazer parte da vida de Lily. Embora eu nunca ter tido a
oportunidade de pisar os pés aqui, agora sei que não tenho outra escolha.
Quando penso que não, estou frente a frete com os filhos deles.
“Tio Greg! Você trouxe a Lily pra brincar com a gente? Onde é que
ela está?” Um dos meninos diz, procurando Lily em volta. Não faço ideia se
é Jake ou Ben. Os dois são bem parecidos. Existe uma diferença que Lily
vive me ensinando, mas eu nunca presto atenção. Acho que o Ben tem
olhos azuis e Jake olhos verdes. Eu não faço ideia mesmo.
“Não, campeão. Eu vim sozinho.” Afago a cabeça dele. É incrível
como eles são a cara da Tess, isso me causa um certo desconforto, pois eu
sempre torci para que os nossos filhos fossem parecidos com ela, caso nós
tivéssemos um.
“Jake, quem está aí?”
Deslumbrantemente linda, Tess surge atrás do filho. Ela acabou de
dar à luz, mas está tão linda quanto antes, como eu sempre achei que estaria
depois de se tornar mãe. Usa um vestido vermelho de linho e os cabelos
esvoaçantes. Eu queria saber quando o meu coração vai parar com isso, mas
ele nunca obedece, então parei de obrigá-lo a parar.
“Greg?” Não sei se está surpresa por eu estar aqui na sua casa, ou
por ter me visto em plena semana à tarde. “Aconteceu alguma coisa?” A
preocupação dela é pertinente. Aconteceu mil coisas, mas ainda não sei o
que exatamente estou fazendo aqui. Ainda é um mistério.
“Eu só vim falar com o Stephen. Ele está?”, falo o que dá à telha,
sem medir as consequências. Estranhando essa visita repentina, ela
confirma com um balançar de cabeça.
“Sim, ele está.” Só Stephen mesmo para estar em casa em plena
semana à tarde. Mas eu entendo, eu também tenho uma filha. E ele um
bônus: A Tess. “Eu vou chama-lo.” Desconfiada, Tess se prontifica.
“Eu estou esperando no escritório.” Ela assente e se retira. Me
agacho até o garoto de olhos espertos, parecido com Tess. “Outro dia eu
trago a Lily, eu prometo”, digo a Jake e ele concorda.
Entro no escritório de Stephen e fico parecendo uma sardinha dentro
da lata, sem saber o que fazer. Meio perdido e confuso. Me sento na
cadeira, mas não consigo parar de bater o pé nem um segundo, tamanho é o
meu incômodo, receio quanto à sua reação. Depois, me levanto e dou uma
olhada nos milhões de livros dispostos nas prateleiras. A foto da família
feliz está na sua mesa. Diferente de mim, das que tenho no meu escritório,
essa vida aqui é real.
Alguns minutos depois, Stephen chega, tão surpreso quanto eu por
estar aqui.
“Gregory?” Ele fica por alguns segundos tentando assimilar. “Posso
ajudá-lo com alguma coisa?” Não é um tom irritado, ou prestes a me
expulsar. Stephen não usa esse tom comigo há anos. Eu deixei de ser uma
presença ruim, porém continuo surpreendendo quando decido fugir da zona
de conforto que eu mesmo me impus.
“Desculpa vir sem avisar, é que eu... Bom...” Dou uma risada aflita.
“Eu não sei o que fazer. E sim, você pode me ajudar.” Stephen indica a
cadeira para que possa me sentar, depois bate a porta e vem ao meu
encontro.
Stephen usa uma camisa polo azul-marinho e uma calça social preta.
Não parece que vai trabalhar, mas também nada à vontade para ficar em
casa. Talvez eu esteja atrapalhando em um momento em família, mas
mesmo assim, ele não contesta.
Stephen se senta na sua cadeira olhando para mim.
“Diga o que aconteceu.”
Uau! Foi bem fácil. Eu sabia que Stephen era generoso, ele foi se
tornando depois daquele tribunal, principalmente depois de ter se tornado
pai, mas depois de nos mantermos afastados eu não fazia ideia.
“Parece que quando minha família está com problemas viemos
correndo pedir ajuda, não é? Evelyn, agora eu.” Ele sorri brevemente, com
um ar preocupado. “Evelyn me disse sobre a sua ajuda com o projeto dela.
Que você foi parte fundamental para aquela loucura toda.” Agora nós dois
rimos.
“Ela queria um conselho e eu não achei demais conceder. Óbvio que
a abordagem da Evelyn é sempre chocante, mas ela é uma boa garota. Ou
melhor, se tornando uma grande mulher. Eu sei o que ela fez por você e pela
empresa.”
“Pois é. Minha sobrinha se tornou uma mão na roda nessa minha
vida maluca, entre altos e baixos. Não sei o que seria de mim sem ela. O
pior que ela sabe disso, e essa é a parte mais frustrante pra mim.” Rimos
mais uma vez. “Você fez até demais, Stephen, não se preocupe. Minha
sobrinha é que é desmiolada, mas acho que está tomando juízo.”
“Eu tenho certeza de que sim. Evelyn é uma boa pessoa e eu percebi
o quanto se preocupa com você.”
“Quando deveria ser o contrário. Mas ela tem tido mais juízo do que
eu. Sendo assim...”
“Não seja duro consigo mesmo. Também tem tomado decisões
importantes, nem sempre fáceis, Gregory, mas na vida nem tudo é fácil.”
Para ele tem sido fácil, mas eu sei que nem sempre foi assim. Stephen tem
colhido o que plantou, da mesma forma que eu tenho colhido os meus
frutos.
Então, fica um clima constrangedor. Um olhando para o outro sem
dizer nada. Não foi para falar de Evelyn que vim, embora ter sido uma
ótima contrapartida.
“Disse que eu poderia ajuda...” Ele retoma o assunto, e eu me sinto
um idiota por não conseguir falar com ele.
“Sim, sim. É que... é estranho estar aqui.” Dou uma risada nervosa.
Stephen concorda, mas não diz nada. “A Rachel está de volta”, disparo, sem
reservas, como se fosse um grito de socorro. “Ela tentou te matar no
passado, então achei por bem te alertar.” Stephen suspira fundo. Olha para
os lados meio preocupado, mas entende o motivo do meu alerta, mesmo que
eu não tenho vindo apenas para falar sobre a volta dela.
Não sei o que posso esperar dessa visita, mas eu sinto que preciso de
alguém como ele.
“Ficarei atento, obrigado por avisar.”
É uma deixa para eu ir embora, mas é como se estivesse pregado na
poltrona e não conseguisse sair. Se eu for embora, talvez eu não tenha outra
chance, ou a mesma coragem. Então mais uma vez o clima constrangedor
se instala. Stephen me encara, me analisando. Acho que percebe o meu
pavor, o meu incômodo, a aflição imposta. Sabe que preciso de mais.
“Gregory, eu sei que quer ajudar, que se preocupa comigo e com a
minha família depois de tudo, mas não foi só para avisar sobre a Rachel que
veio, estou certo?” Parece que um peso sobre mim sai dos meus ombros.
Ele ainda me conhece. Ele sabe o que eu quero, do que eu preciso, mesmo
depois de tantos anos, depois de tudo que aconteceu.
Por um instante, eu vejo em Stephen um amigo do passado. O meu
bom amigo do passado o qual eu pedia conselhos e me dava. O cara que eu
me sentia confortável em dizer sobre o que eu estava sentindo. Por alguma
razão, ainda sinto isso, e isso me conforta.
“O que você sentiu quando descobriu sobre tudo o que o seu pai
fez?”, pergunto, assim de súbito, como se fosse uma mera conversa.
“Quando você soube que ele não era quem você achava?” Essa pergunta o
pega de surpresa, dá para perceber. O mais incrível disso tudo é a
capacidade que temos de estar conversando como dois iguais.
“Com raiva.” Ele ri. “Um pouco frustrado, revoltado por terem
mentido para mim. Acho que só consegui pensar na dor que eu estava
sentindo em vez de pensar sobre o que minha mãe e meu próprio pai
estavam passando. Eu idealizava o meu pai de uma forma, e ele acabou se
mostrando o completo oposto. Isso não é fácil, mas só porque eu estava
sendo um egoísta. Quando pensamos um pouco no próximo, percebemos
que a realidade pode ser bem mais complexa do que nossa própria definição
do que é certo ou errado.” Stephen também mudou muito. É um novo
homem de fato. Eu jamais pensaria em uma coisa dessas saindo da sua
boca.
Inclino meu corpo para frente, apoiando meus cotovelos no joelho.
O encaro, como se o esquadrinhasse.
“Foi por isso que me perdoou?”, pergunto.
“Um dos motivos, sim”, responde sem titubear. “Eu percebi que
nutrir aquele ódio só estava me prejudicando. Por mais que eu tentei eu não
consegui destruir você. Não o quanto eu gostaria. Eu estava destruindo a
mim mesmo. Aquilo estava criando raiz, e crescendo cada vez mais, me
matando aos poucos. Eu não queria mais me prejudicar, Gregory. Eu queria
seguir em frente, e consegui.” Assinto. “Aliás, ainda estou seguindo.”
Acho que é disso que se trata, a felicidade é capaz de destruir a
amargura. Era disso que Stephen precisava e ele conseguiu quando se
apaixonou por Tess e quando se livrou do luto pela Bethany. E quando a
história é o contrário como a minha? Acho que é um ponto a se pensar.
“Se você pudesse voltar no tempo...” dou uma pausa. “Você teria
feito diferente? Digo, teria confiando em mim, para...” Stephen levanta a
mão, me impedindo de continuar.
“Isso ficou no passado, Gregory. É isso que estou tentando te dizer.
Não tem como eu dizer o que eu faria ou que eu não faria. Eu já tive essa
impressão de achar que eu podia pensar nos se’s, mas eu não posso.
Ninguém pode.” Abro um sorriso de lado, entendendo o que ele está
falando.
“Consigo entender porque foi o que fiz pelo meu pai. Eu não queria
mais sentir medo, sentir como se nunca ninguém pudesse me amar. Isaac
precisava de mim forte. Talvez se eu tivesse tido a chance eu teria feito a
mesma coisa. Eu teria passado por tudo que passei e ainda assim teria feito
exatamente o que eu fiz.” Suspiro, sentindo meu coração acelerado. “É
louco, não é? Essa necessidade que temos de fazer o certo, mesmo quando
tudo aponta para que você seja justo. Mas que tipo de justiça é essa? O que
é justiça, afinal?”
“Justiça não é nada mais do que se sentir bem consigo mesmo. Se
dar um tempo, e pensar no que é melhor para nós mesmos, depois de tantos
anos lutando pela própria sobrevivência. Foi o que aprendi quando buscava
por justiça e não a encontrei da forma que eu queria. E eu fiquei feliz por
você, Gregory. Por finalmente ter entendido isso. Você cuidou do seu pai
quando ele mais precisou. Me surpreendi com você, e foi uma surpresa
boa.” Me sinto bem com essa confissão. Saber o que Stephen pensa é
importante pra mim.
“É aí que está. Não é surpresa pra mim quem Isaac era. Eu estava
preparado para tudo. Nada do que ele pudesse fazer, o mais sórdido que ele
pudesse cometer, eu já estava pronto para isso. No entanto...” Deixo minha
angústia transparecer. As palavras de Rachel me corroendo, o que li sobre
Stanton e toda a incerteza do futuro. Eu sou pai agora preciso proteger Lily
de tudo isso.
“Gregory, o que está acontecendo?” Perpasso a palma da mão na
nuca. Meu coração acelerado.
“Eu contei pra você o que meu pai fez para conseguir o banco,
certo?” Stephen assente, confuso, tentando se lembrar.
“Sim, claro. Era só o que você conseguia dizer quando se
decepcionou com ele por causa da posse de Jenson.” Meneio a cabeça.
“Acho que ele tentou fazer o mesmo quando tentou entrar para
política, só que a diferença é que ele se meteu com pessoas que não devia.
Meu pai conseguiu passar esses anos todos sem ter problemas, mas agora,
agora eu sei que nem tudo pode ficar embaixo dos panos como antes. E eu
sei também que as consequências dos atos dele, virão direto para mim. E eu
não sei o que fazer.” Não sei quando adquiri tanta coragem para falar sobre
os meus medos para Stephen, mas para a falar a verdade, sinto um certo
alívio.
Stephen se levanta da cadeira e se aproxima de mim. O olhar
determinado o qual me olha é um alento.
“E sabe quem são essas pessoas? Esteve investigando, tem uma
ideia do que eles pretendem?”
Dou de ombros.
“Fiz uma pesquisa de base. É apenas um homem, o nome dele é
Phillip Stanton, saiu da cadeia recentemente. A Rachel voltou para me
alertar sobre ele, me alertou sobre uma ameaça.” Dou de ombros mais uma
vez. “Ela sempre quer me alertar sobre alguma coisa, foi o mesmo com
Miguel Amzalag.”
“Amzalag era o homem que trabalhava para o pai dela. Ela deve
conhecê-lo mesmo.” Assinto.
“Eu não faço ideia no que meu pai estava metido. Não sei se ele
sabia no que estava se metendo, não sei se só contou com o poder que ele
estava adquirindo. Pelo visto, os dois, já que conseguiu colocar o homem na
cadeia, mas não faço ideia do que eles vão reivindicar quando vierem até
mim.” Fico desesperado, me levanto da cadeira, mal conseguindo respirar.
As lágrimas nos meus olhos embaçando a minha visão. “Eu tenho uma
filha, Stephen. Pelo amor de Deus! Você sabe como é, você tem três. Eu
preciso deixar a Lily fora dessa merda toda. Eu tenho um patrimônio que
precisa se reerguer e eu não sei o que posso fazer se eu perder o banco da
minha família também. Estou completamente encurralado e não faço ideia
do que devo fazer.” Stephen suspira, o olhar condescendente. Ele entende o
que estou sentindo e se compadece por mim.
“Gregory, escuta. Você não é o seu pai, não foi você que cometeu
esses crimes. Eles não podem vir ao seu encontro. Se isso acontecer, eles
terão consequências. Sabe disso. A lei está do seu lado e nada poderá mudar
isso, muito menos um condenado.” Alguma coisa me diz que isso não basta.
“Eu não sei, Stephen. Sabe como essa gente consegue se safar. EU
sou prova viva disso, você sabe. Eu não sei se tenho força o suficiente. São
muitos problemas um em cima do outro. Eu não sei se dou conta como
antes.” Stephen nega com a cabeça. Sua mão direita para no meu ombro,
como um parceiro.
“Dá, sim!”, é convicto. “É claro que você dá. Foi capaz de enfrentar
tudo sozinho. Você criou uma menina com síndrome de down até aqui, você
fez o que pôde para protegê-la. Cuidou do seu pai, mesmo depois de tudo
que ele fez. Cometeu muitos erros, Gregory e eu mesmo já te odiei por
causa deles. Eu senti na pele sim o que foi capaz de fazer, mas você se
redimiu. Está fazendo isso dia após dia. Olha o que acabamos de conversar.
Eu sei que consegue enfrentar tudo isso de novo. Não é fácil remexer o
passado, eu sei. Sei disso melhor do que você, mas eu sei que quando fez,
conseguiu. Não vai ser agora que não vai. Se trata da sua família, da sua
filha. Você fará tudo por ela, assim como eu faria tudo por meus filhos.
Então eu sei que vai dar conta.”
Uma lágrima escorre dos meus olhos e Stephen dá duas batidas nos
meus ombros. Eu não sabia que estava precisando tanto disso. Do seu
ombro amigo, mesmo depois de tudo que passamos. Sinto que tenho o meu
amigo de volta. Não completamente, mas, pelo menos, um sinal daquele
meu parceiro de anos atrás.
2

Gregory Mazza

Deixei o sono da Lily por conta da babá. Não faço isso com
frequência, mas quando acontece, me sinto péssimo. Estou sem cabeça para
nivelar ao espírito da minha filha, e quando estou assim, acho melhor não
insistir. Se pelo menos Evelyn estivesse aqui seria mais fácil. Acontece que
não consigo pensar em outra coisa a não ser na volta da Rachel, nas coisas
que ela me disse e na conversa que tive com Stephen. Foi surpreendente ele
estar tão disposto a me ouvir, mais surpreendente ainda foi o que senti
depois disso. De início, fiquei contente por estarmos nesse nível de
proximidade, mas por outro lado, eu não sei o que isso pode nos custar.
Bebo um gole de uísque e me sento em frente ao computador, no
meu escritório. Pesquiso mais uma vez por Phillip Stanton. Um homem
aparentemente pacato, pai de família, que dedicou sua vida inteira ao
trabalho e à política. Não faço ideia do motivo de ele ter se envolvido com
o meu pai. O que aconteceu para que ele sujasse suas mãos e se envolvesse
nos planos sujos dele. Eu já presenciei homens de bem se corromperem por
dinheiro, já senti na pele o que somos capazes de fazer por poder. Eu não
faço ideia do tipo de homem que estou prestes a lidar, e isso definitivamente
não veio em boa hora.
Ouço um estrondo na porta e passos vindos em minha direção.
“Ah, você está aí.” É Evelyn chegando de um dia duro no trabalho.
Por incrível que pareça, não parece cansada, nem abatida. Acho que
o trabalho funciona para ela como um dia funcionou para mim: um
calmamente, uma sensação de pertencimento. Discretamente, fecho a tampa
do notebook sem que ela perceba, não quero que ela saiba o que estou
pesquisando.
“Vi as luzes acessas e já ia apagar. Você está bem?” Ela se aproxima
e deposita um beijo no topo na minha cabeça, eu a abraço pela cintura.
“Sim, apenas refletindo.”
“Não deveria estar em outro lugar? A Karen não parou de falar do
quanto o último encontro de vocês foi sensacional e que você a convidou
para saírem hoje de novo.” Sinto um incômodo invadir o meu estômago.
Evelyn retira minhas pernas que estavam descansando na cadeira da
frente, se senta, colocando minhas pernas em seu colo, confortavelmente,
mas tudo que quero é que ela vá embora. Não quero conversar sobre esse
tipo de assunto, tenho problemas maiores para resolver.
“Ela estava tão animada. Tentei dar pitaco no que ela deveria usar,
mas você conhece a Karen, acha que tudo é demais. Não quer usar
maquiagem forte demais, não quer pretender o cabelo de modo que deixa
seu rosto expressivo, aparente.”
“Evelyn, eu...” tento falar, mas ela não deixa.
“Bem, é óbvio que eu escolhi algo ousado e que ela não está
acostumada, mas é bom de vez em quando sair do comum, não acha?”
Minha sobrinha desata a falar e eu mal consigo respirar. “Ainda mais se
tratando de um homem como você que precisa ser marcado.” Bobagem.
Minhas exigências não são mais como antes.
“Evelyn...”
“Acontece que a Karen é tímida. Você tem que melhorar isso nela,
titio. É mais para insegurança do que timidez, mas...
“Evelyn, eu não vou!”, brado, retirando as pernas de cima do seu
colo, fazendo com que ela pare de falar. Primeiro o choque pela informação,
depois a decepção no rosto da minha sobrinha me revela o quanto minha
decisão é errada. Ela sempre é.
“Como assim não vai?” Não tenho coragem de dizer. Não tenho
coragem para nada. “Tio, ela está esperando. Você não imagina o quanto ela
está feliz pelo que aconteceu com vocês na noite passada. O beijo, a transa,
tudo.” De repente fico constrangido. Não sei porque. “Ela te ama! Vai
mesmo partir o coração da Karen a essa altura?” Eu estou confuso. Eu não
sei o que decidir. Pela primeira vez na vida, eu não sei lidar com isso.
“Eu não posso.” É só o que eu digo. “A Karen precisa de mais do
que isso.” A verdade é que eu não sei do que ela precisa.
“Ainda bem que você sabe. Ela realmente precisa. E se sabe disso,
por que é que não faz algo a respeito?”
“Eu não posso, Evelyn!” Me ergo da poltrona. Tento virar de costas,
mas eu quero sair daqui. “A Rachel está de volta, agora essa história com o
meu pai, a Lily querendo se aproximar da mãe. Acha mesmo que eu tenho
cabeça para namorar?” Ela relaxa os ombros, como se minhas desculpas
fossem bobagens.
“Não, você não tem. É por isso que a Karen é perfeita para esse
momento, e é por isso que deveria ir.” Olho para ela. “Qual é, a Karen te
conhece desde sei lá, há décadas? Ela sabe tudo sobre você, todos os seus
segredos escondidos e revelados. Ela esteve ao seu lado por todos esses
anos, o que te faz pensar que ela não vai estar agora?” Fecho os olhos com
força, pois é justamente por isso que não posso envolvê-la.
“E você acha justo?” Evelyn me olha como se eu tivesse finalmente
a deixado sem palavras. “Depois de tudo que aconteceu, acha justo envolvê-
la? Desculpa sobrinha, mas eu não exporia a Karen desse jeito. Eu não
deixaria que ela chegasse perto da Rachel.” Evelyn meneia a cabeça,
finalmente entendendo o ponto que quero chegar.
“Acha que ela faria alguma coisa contra a Karen?” Balanço a
cabeça, irritado.
“Esse não é o ponto. Eu não sei qual é propósito da Rachel com essa
volta. Ela me alertou sobre Phillip Stanton, mas eu não sei se é só isso.
Ainda preciso investigar, saber o que ela quer. É por isso que até lá eu não
posso expor a Karen.”
“Isso vai partir o coração dela, tio.” O meu também está partido. Só
que há muitos anos.
“Eu não posso arriscar. É melhor machucá-la agora, do que mais
para frente.” Evelyn nega com a cabeça, não concordando.
“Eu não vou me meter na sua vida, tio. Eu sei o quanto isso está te
afetando. Sei o quanto isso tem te machucado, mas lembra-se que você não
está sozinho. Não pense que vai dar conta de resolver seus problemas
sozinho e que afastar as pessoas vai ajudar, porque não vai. Só liga pra ela.
Seja sincero e pronto. Deixe que ela tenha o poder de escolha. Não escolha
por ela.” Eu não sei se quero ser sincero com a Karen, não sei se realmente
quero afastá-la, mas eu também sei que não posso mantê-la por perto.
Evelyn deposita mais um beijo no meu rosto e vai embora, me
deixando sozinho e cheio de dúvidas pairando.
Eu não posso mais ser um canalha. Não com ela, então digito os
números dela no meu celular e espero que atenda. Não, é melhor eu ir até
lá. Preciso olhar nos olhos da Karen e ser sincero com ela, como a Evelyn
sugeriu. Só não sei se quero que ela tenha o poder de escolha, já que tomei
a minha decisão.
Pego o meu casaco e parto para a casa dela. Karen atende mais
rápido do que eu pensei. Meu Deus, como ela está linda! Os cabelos
acobreados caindo em cascata por seu ombro. O rosto jovem e maquiado.
Os olhos verdes-esmeralda são como duas lagoas. Fico surpreso com o
modo como meu coração dispara. Há muito tempo nenhuma mulher se
arruma tanto para mim desse jeito. A última foi Tess, e posso dizer que
Karen conseguiu quase o mesmo efeito que ela conseguia. O gosto do seu
beijo ainda está na minha boca, a sensação do toque da sua pele macia. O
cheiro que ela tem. Eu queria parar de pensar no quanto Karen faz bem para
mim, não só porque ela melhora a minha vida, os meus dias, mas porque
sinto que ela é uma espécie de cura. Alguém que eu devo fazer feliz e não
machucar. Talvez seja por isso que preciso poupá-la.
“Nossa, pensei que viria mais tarde, eu ainda... eu nem.” Seguro em
sua mão, interrompendo seu discurso. Eu não quero que ela pense que
minha vinda é uma boa notícia quando não é.
“Você está tão linda”, murmuro. Karen tem o péssimo hábito de
ficar tímida, sorriso de lado, tentando se esconder. Confesso que sua
timidez sempre foi motivo de irritação para mim. Eu achava fraca, porém
há muito tempo isso tem mudado, agora tudo que vejo é uma mulher capaz
de mexer com o meu consciente só por causa do seu jeitinho de ser. Uma
mulher que morre de medo de ser magoada. Coisa que eu estou prestes a
fazer.
Coloco a ponta dos dedos embaixo do seu queixo e ergo a sua
cabeça. É assim que ela deveria agir. De cabeça erguida sempre. Se sentir
confiante, capaz de encarar qualquer coisa, até mesmo homens como eu.
Esfrego a ponta dos dedos em seus lábios, sentindo a macieza,
contemplando o quanto é incrível observá-la se deleitar com o meu toque. A
expectativa envolvendo-a, me arrebata.
“Obrigada, Gregory”, murmura, quase sem fôlego e eu também
estou.
Meu nome nos seus lábios soa satisfatório. Desde quando exigi que
parasse de me chamar de Sr. Mazza. Até porque depois daquele beijo que
demos naquele restaurante, o sexo que fizemos naquele hotel, o tratamento
não é mais apropriado. Para mim, é como me abalar. Encolho a mão
tentando me colocar na realidade.
Umedeço os lábios e tento respirar. Preciso criar coragem para
dispensá-la. Preciso manter a cabeça fria mais do que nunca.
“Desculpa.” Acaricio o dorso da sua mão. “Eu não vim mais cedo.”
Ela está na expectativa, parte o meu coração ter que lhe dizer algo negativo.
Me afasto. “Eu só...” Olho ao redor. O filho de Karen, o Erik não está por
aqui. Ela deve ter deixado com a irmã, assim como fez ontem à noite
quando saímos e está tudo preparado para que eu lhe diga uma negativa.
“Eu só...” Não posso torturá-la mais, eu preciso dizer, já que é o certo. Se é
tão certo assim, por que é que estou me sentindo tão péssimo? “Não
podemos sair, Karen.” O sorriso no seu rosto se desfaz.
Ela tenta se recuperar da imagem completamente entregue que
acabou de fazer. É torturante vê-la recolher os cacos do seu coração e fingir
que entende, que aceita e que não está decepcionada.
“Tudo bem. Deixamos para outro dia, então.” Meu coração está
acelerado. Isso é bem mais difícil do que imaginei.
“Não”, sussurro. Minha voz mal sai. “Nem outro dia e... nem
nunca.” É como se eu disparasse um tiro a queima roupa. Dá para notar o
quanto um nó em sua garganta se formou. A expressão de abalada cada vez
mais acentuada. “Eu sinto muito.”
“Não.” Ela abaixa a cabeça, respirando com dificuldade. “Não
sinta.” Ela balança a cabeça freneticamente. Karen está tão machucada que
sinto que quer fugir, depois do fora que acabei de dar. “Eu sei que
não...podemos. Sei que eu...”
Ela não completa, mas sei que no fundo está se menosprezando, se
culpando, ao invés de culpar a mim. Meus olhos se enchem de lágrimas,
pois tudo que queria agora era estar com ela, mas para o seu próprio bem,
preciso de Karen longe de mim.
“Eu sinto muito”, mais uma vez minha voz soa arrastada.
“Não sinta, Grego... Sr. Mazza.” Se corrige imediatamente, não
dando mais chances ao que possa nos aproximar de agora em diante. “Por
favor, não peça desculpas quando sua intenção não é essa. Só vai doer ainda
mais.” Me sinto sufocado quando ela mesma empoe essa barreira entre nós,
me tratando como seu patrão. Então uma lágrima escorre dos seus lindos
olhos e é como se meu mundo inteiro ruísse. Meu objetivo era não magoar a
Karen, mas estou fazendo isso de qualquer forma. “Eu entendo que nós dois
nunca poderia...”
“Karen, por favor, eu...”
“Tudo bem! Isso foi um erro desde o início, não é culpa sua. Agora
pode ir, Sr. Mazza.” Ela aponta a saída e antes de dar meia volta, cogito
mudar de ideia. Só que é tarde demais. Eu estraguei tudo e não há como
consertar.
Viro as costas, e quando Karen bate a porta atrás de mim é como se
eu morresse. Viro em direção a porta fechada, me aproximo o suficiente
para ouvir um gemido de choro vindo de dentro da sua casa. Não sinto mais
o meu corpo, apenas meu coração faltando sair pela boca. Parto antes que
eu cometa uma besteira mais uma vez.

Em vez de voltar para casa, vou para o endereço que Rachel colocou
no meu celular, onde ela disse que eu a encontraria se quisesse conversar. É
o que preciso fazer. Preciso ficar de olho nessa mulher, saber o que ela está
aprontando.
Bato na porta, na espelunca onde está hospedada. Segundos depois,
a porta se abre, e Rachel aparece sorrateiramente, encostando a cabeça no
umbral da porta, me encarando com aquele olhar de vitória que aparece
quando as coisas acontecem como ela quer.
“Então você veio.” Rachel e sua capacidade de me irritar.
“Não se orgulhe.” Passo por ela, entrando no apartamento. O lugar
até que é arrumado, aconchegante. Propício para Rachel. “Eu não vim por
você.”
“Eu sei que não, não se preocupe.” Ela fecha a porta de uma vez,
depois caminha em minha direção.
Está usando uma calça jeans cintura alta, e um colant florido de
alça, saltos agulha. As tatuagens a mostra, tem uma nova em cima do
ombro. Algo escrito, mas não consigo ler daqui. Está bem melhor do que no
dia que chegou. Está mais disposta, porém imprevisível.
“Eu sei que veio por causa do seu pai.”
“Se sabe, então desembucha.” Cruzo os braços, esperando que ela
comece.
“Uau. Então vai ser assim? Não vai nem pedir uma bebida? Você
não tem agido mais como o mesmo, não é?” Eu a encaro com desdenho, ela
sorri cínica. “Sente-se, Garanhão. Relaxa. Tome uma xícara de café ou
vodca, você quem sabe.” A Rachel fingida que eu conheço continua aqui.
Sua forma de tentar criar alguma coisa entre nós. Ou apenas está tentando
me manipular como da outra vez, mas eu não caio nessa.
“Não pretendo demorar, Rachel”, continuo sério. Deixando claro
que minha vinda até aqui é estritamente formal. Nada de vínculos, ou
histórias do passando. Mesmo que tenhamos uma filha juntos, eu sempre
considerei Lily como somente minha. “Eu quero saber o que sabe sobre
Phillip Stanton, ou o meu pai.” Ela ergue a sobrancelha, depois caminha até
a geladeira pegando uma garrafa de vodca.
“Se quer mesmo entrar nesse assunto, vou precisar disso aqui. Se
não quiser, eu quero.” Ela enche o copo até a metade e depois bebe tudo.
Espero que ela termine de beber. Está tensa, de uma forma que ainda
não vi. Aparentemente está inteira, mas eu sei que por dentro está quebrada.
Eu não faço ideia do que ela passou esses anos todos, e talvez a minha raiva
não quisesse nem saber, mas agora é como me despertar.
“Onde esteve esses anos todos?”, falo numa boa. Sem acusações
como antes. Sem imprensá-la na parede como sempre faço. Se não tem sido
fácil para mim, talvez não esteja sendo fácil para ela.
Rachel termina de engolir o líquido e depois olha para mim. Um
certo receio está estampado no seu rosto. Os olhos azuis intensos estão
sombrios.
“Nem queira saber, Garanhão.” É só o que ela diz, depois se
aproxima de mim, sentando no sofá ao lado. “Mas eu sei que não veio por
mim, já deixou isso bem claro. Então vamos direto ao ponto.” Confesso que
me sinto mal por estar sendo tão rude, quando, com certeza, não deve ter
sido fácil. Mas não me retrato. Quero que Rachel sinta que só me fez mal.
“Nunca se perguntou com que tipo de gente seu pai se metia para conseguir
o que queria?” Claro que sim. Eu nunca vi Isaac com bons olhos. Só que o
jeito que ela diz, é como se meu pai fizesse além do esperado. Uma pessoa
capaz de mais. “Phillip Wiliam Stanton. Ele trabalhou com o meu pai sabia?
Um dos melhores. Stanton era tão bom que seu pai resolveu ‘ajudá-lo’ a
sair do crime para trabalhar com ele. Ele era ótimo em direito internacional,
direito político e tudo mais. Sabia como fazer homens como Isaac se dar
bem.” Reflito sobre o que ela diz, tudo ficando mais claro para mim.
“Isaac fez isso não pelo bem dele, mas para tirar vantagens”,
completo.
“Está entendendo agora? Ele fez Stanton acreditar que estava
conseguindo subir na vida, que Isaac era um tipo de bom samaritano, mas
ele só estava tentando abrir o próprio caminho.” Essa sempre foi uma das
táticas do meu pai e que infelizmente eu acabei aprendendo.
“Com alguém de confiança lá dentro, Isaac conseguiria se
candidatar, já que sua primeira tentativa não deu certo.” Rachel coloca a
garrafa em cima do balcão tranquilamente.
“Exatamente.”
“Como sabe de tudo isso, Rachel? Não pode ser só porque Stanton
trabalhou para o seu pai. Por um acaso você ainda tem câmeras por toda
parte?” Ela dá uma gargalhada.
“Não, eu já parei com isso. Apenas fui adquirindo informações. O
lugar que eu estava tem muito disso, Garanhão. Você fica bem informado.
Miami é um lugar propício para isso. Os donos dessa cidade se encontram e
se conhecem. É só obter as informações certas e andar com as pessoas
certas.” Fico até com medo de saber em que ela está metida. Mas eu posso
ter uma ideia.
“Parece que os maiores criminosos de Miami são os mais poderosos.
Meu pai, Stanton e Amzalag.” Ela solta mais uma gargalhada.
“Essas pessoas não são nada diante do que essa cidade tem,
acredite.” Não tenho dúvidas.
“E Jacob Crow? Ele parece ser o único que entrou nessa história de
gaiato.” Rachel fica séria. Apreensiva com o nome.
“Parece que sim.” É só o que ela diz, bastante perturbada.
“Eu alertei Stephen sobre sua volta, fique sabendo. Não quero outro
episódio como aquele se repetindo, ou vou ter que tomar algumas medidas
mais sérias.” Ela me olha de lado, como se eu fosse outra pessoa.
Caminha até mim devagar. Os saltos batendo no assoalho, seu corpo
ereto como se fosse dona da situação. Como se tivesse o poder em suas
mãos.
“Olha só, estou gostando de ver. Defendendo o Stephen. Isso me
perece mais um aviso a si mesmo do que a mim. Ainda não me perdoou por
eu tentar convencê-lo a matá-lo, não é?”
“Existe muita coisa que eu não consigo te perdoar, Rachel, mas eu
não quero falar sobre isso.” Ela não diz nada, apenas me olha como se
estivesse fascinada. “Stephen e eu estamos...” Não encontro a palavra certa,
não sei se há alguma definição correta pelo que houve mais cedo, mas só de
mencionar isso, me sinto bem melhor. “Estamos seguindo. E eu não vou
desperdiçar isso por causa da sua vingancinha.”
“Olha só... Stephen Crow e Gregory Mazza? Quem diria! Eu jamais
imaginei. Você sabe como me surpreender.” Eu sempre vi essa frase como
sinônimo de sucesso, por um bom tempo, era como se fosse uma piada
quando eu queria humilhá-lo, mas agora é como se fosse um restart. Um
peso na consciência que sempre me atormentou, se foi.
“Parece que os anos nos fizeram maduros. Mas esse não é o ponto.
Eu sei que ainda existem perguntas sem respostas sobre Jacob Crow, tenho
quase certeza de que foi o que o interessou. Acho que ele sente na pele o
que eu estou passando. Ou talvez apenas queremos preencher uma lacuna,
mas eu dei a ele uma chance e se eu conheço Stephen como conheço, sei
que ele vai aproveitar.”
“Eu sei o que é isso.” O olhar distante dela me causa um ardor.
“Sempre queremos saber sobre nossas origens, não é?” Que bom que ela
sabe como é. Algo que ela também está tirando de alguém.
Os olhinhos tristes de Lily sempre que falava que queria conhecer a
mãe. Sua necessidade de ter a sua companhia. Eu nunca fui suficiente para
Lily, e eu sabia que não seria.
“Lily também quer.” É como se eu disparasse contra ela. Como se
isso a afetasse. Rachel também tem suas particularidades, eu adoraria saber
o que ela está escondendo. “Se não veio por Lily, o que pretende fazer,
Rachel?” Ela desvia o olhar.
“Sabe que não posso ser mãe dela, Gregory.” Eu a encaro. Para mim
ela poderia ser qualquer coisa, inclusive a mãe da Lily. Mas Rachel sempre
quer mais. Ela nunca se contentou com o que tem.
“Por que não?” Ela não responde, apenas me encara como se tivesse
um peso sobre seus ombros. “Então por que foi até ela? Pra me chantagear?
Tentou usar a sua própria filha contra mim?”
“Você não entende. Nunca entenderia.” Eu odeio isso. Essa mania
que ela tem de achar que sabe mais do que eu. Que tem mais controle sobre
a vida em relação a Lily do que eu.
“Então me explica, caramba!” Me ergo do sofá, de saco cheio dessa
conversa. “Se abra. Me faça entender. Mesmo sem te conhecer, ela te ama.
Não sei por qual motivo, mas eu nunca consegui colocá-la contra você.
Talvez eu estivesse criando um mundo perfeito pra ela, mas a questão é que
Lily é uma menina doce e merece ser feliz. Eu não quero que ela sofra,
muito menos por sua causa. Então, por favor. Não se meta na nossa vida.”
Então eu saio, sob o olhar tremente de Rachel me encarando.
3

Stephen Crow

Saio do escritório e, a primeira visão, quando cruzo a sala de estar, é


uma das melhores da minha vida desde que minha família se completou
com o nascimento da Celeste. Eu nunca imaginei o quanto eu poderia ser
feliz depois que decidi me entregar completamente ao futuro e aqui estou
eu: observando minha linda esposa aninhando meus três filhos no sofá
enquanto assistem a um filme. Ben está quase dormindo encostado no
ombro da mãe, enquanto Jake, assiste à TV quase sem piscar. Minha
pequena Celeste está mamando nos seios perfeitos maternos, e eu ainda sou
capaz de sentir a graça e a plenitude que há em estar no meio deles. Da
minha família.
“Será que tem um lugar aí pra mim?” Tess sorri para mim, tão linda
quanto na primeira vez que a vi.
“É claro que tem.” Ela abre espaço para que eu possa me sentar,
bem no meio entre eles.
“Senta aqui, papai.”
Ben acorda com o movimento que faço, e Jake se afasta para que eu
me sente ao seu lado. Me sento ao lado de Tess, entre meus dois filhos. Ben,
que estava do meu lado esquerdo, encosta a cabeça no meu colo e eu me
aninho a minha mulher. Uma cena corriqueira, simples, mas são nesses
momentos que percebo o quanto a vida vale a pena ser vivida.
Deposito um beijo nos lábios de Tess e ela retira uma mecha do meu
cabelo do rosto.
“Como foi lá?” Ela quer saber o que Gregory e eu conversamos,
mas eu nunca gosto de falar sobre o que me incomoda, ainda mais perto dos
meus filhos. Principalmente quando Celeste está quase dormindo enquanto
mama.
“Depois falamos sobre isso?” Indico os meninos e Tess concorda,
um sorriso confortável em seu rosto, porém o olhar preocupado de que
conheço está bem aqui.
Volto a olhar para a TV, está passando algum filme sobre o Batman,
mas não presto muita atenção. Na verdade, estou focado na minha conversa
de alguns minutos atrás com o Mazza.
O envolvimento do nome desse homem nessa história toda me
deixou encabulado. Eu sei que tem alguma coisa aí. São coincidências
demais, e normalmente não acredito em coincidências. Se aquela mulher
sabe o que está acontecendo, Lino Berenson está envolvido, então sei que
em algum momento, meu pai também estará. Foi bom ter dado essa
liberdade para Gregory conversar, os milhares de pedido de Tess para que
eu, pelo menos o tratasse com cordialidade, serviram para alguma coisa.
Porém, eu já estava amolecendo quando Evelyn veio ao meu encontro. Vê-
lo na situação que estava, e que ainda está, me deixou comovido,
principalmente porque conheço Gregory bem e sei que ele não levaria a
situação como eu levei, ele desmoronaria.
Quando o filme acaba, eu tenho a grande missão de carregar Ben até
a cama, pois ele praticamente desmaiou no meu colo. Tess coloca Celeste
no berço e Jake vem comigo para o quarto que divide com o irmão. Essa é a
nossa rotina diariamente no momento de dormir. A diferença é que as vezes
eu coloco Celeste para dormir, enquanto Tess faz o mesmo com os gêmeos.
Quando o silêncio da noite predomina, eu e o amor da minha vida também
nos recolhemos.
Tess está vestida com sua camisola de seda rosa perolada, os seios
pesados de leite são lindos nesse visual, os cabelos curtos e soltos
cacheados, e o rostinho de boneca que eu tanto amo, me olhando com
ternura. Me sento na cama e seus braços vão parar no meu pescoço, seus
lábios beijando a minha nuca. Meu estado de espírito se renova.
“Gostei muito quando resolveu receber o Greg aqui em casa. Foi
surpreendente de um jeito bom.” Seguro seu braço e a trago para mim, Tess
se senta perfeitamente no meu colo, as pernas circundando a minha cintura.
Minhas mãos acariciando a sua pele, enquanto seus braços envolvem o meu
pescoço.
Esse seria o momento ideal para fazermos amor, mas quando ela
chega assim, especulativa e falando sobre Gregory, eu sei que ela não
esqueceu o assunto e quer falar sobre ele.
“Você sempre quis que isso acontecesse. O motivo ainda
desconheço, mas devo confessar que foi bom.” O rosto surpreso o qual ela
me olha, me deixa contente, mas não me abala.
“Eu nunca impus isso a você. Apenas torcia para que se resolvesse
com o passado e tentasse seguir em frente. Você conseguiu, Stephen, e hoje
em dia vejo o quão leve você está. Mesmo agora, conversando com o Greg
eu percebo o quão leve você está.” Aperto a sua pele com um pouco mais
de força, encaro seus olhos verdes e me inclino para beijar os lábios que são
meus, com muita profundidade. Eu sempre encontro a minha paz nos braços
da Tess, é inevitável.
“Eu não diria isso. Quer dizer, sim. Sou capaz de compreender
muita coisa, sinto que tenho sido mais tolerante e menos dono da verdade.
Não que eu tenha esquecido o que Gregory Mazza fez, mas hoje posso
entender melhor as suas razões. Bem, eu tive seis anos pra isso, mas
acontece que muita coisa mudou dentro de mim desde então. Eu sou pai
agora.” Tess acaricia a minha mandíbula, cheia de orgulho de mim.
“Isso faz de você um homem maduro.” Sua mão vai até os meus
cabelos e o olhar sedutor está impresso em seus olhos. “Hum, esses
grisalhos provam isso.” Sorrio.
“Você não perde a oportunidade, não é mesmo?”
“Não mesmo.” Sorrio mais uma vez.
“Acontece que Gregory também é pai, e eu o entendo melhor do
qualquer um. Ele estava muito preocupado, e pela primeira vez, eu percebi
que não era preocupação consigo mesmo.” A expressão de Tess se contorce
em aflição.
“Aconteceu alguma coisa?” Retiro Tess gentilmente do meu colo e
me levanto. Enfio os dedos no meu cabelo, o que só deixa minha esposa
mais apreensiva, pois ela conhece bem esse gesto. “Meu Deus, Stephen, o
que aconteceu? É alguma coisa com a Lily?”
“Não diretamente com a Lily, quer dizer, ela está bem”, pondero. “A
mãe dela voltou, Tess. Está na cidade. Foi por isso que ele veio, queria me
alertar sobre a volta da Rachel.” Agora é Tess que se levanta, colocando a
mão no rosto.
“Minha nossa. O Gregory deve estar arrasado.” Assinto.
“É, ele está. Mas acho que vai além disso. Sabe que no passado a
Rachel voltou por um motivo, dessa vez não é diferente. Ela sabe coisas
sobre Isaac. O passado sujo dele. Talvez ela tenha voltado para perturbá-lo
com a filha, ou simplesmente para alertá-lo sobre o passado de Isaac vindo
à tona, mas existe algo nessa história, Tess, que...” Tess se empertiga, e
caminha até mim.
“E por que isso é tão importante pra você? Pelo que eu me lembre
bem, você nunca se interessou pela história de vida do Gregory.” Uau, que
mudança de humor! É só colocar uma ameaça na frente para que ela mude o
seu discurso de finais felizes e reconciliações. Eu não a culpo, mas eu
também não posso fazer o que ela quer. Parece que eu nunca posso fazer o
que ela quer.
“Ele mencionou um nome, Tess. Um homem chamado Phillip
Stanton. O mesmo nome de um dos homens do Berenson, alguém que
também esteve envolvido nos assuntos do meu pai. Eu vi esse nome quando
Ian e minha mãe estavam investigando, estava ali no meio daqueles papéis.
Se esse homem esteve envolvido com Isaac e meu pai o conhecia, isso me
interessa e muito. Explica muita coisa do que deixei passar sobre a morte
dele e no que ele estava envolvido quando se aliou ao mafioso.”
Quando Gregory me disse sobre o cara, eu percebi que existe muito
mais além. Eu posso entender muita coisa e não quero perder a
oportunidade.
“Ah, não! Não”, ela suplica, completamente angustiada. “Isso de
novo não, Stephen. Pelo amor de Deus, fique longe disso!” Eu entendo sua
angústia. Compreendo o desespero da Tess, mas existem coisas que não
posso simplesmente deixar para lá.
“Eu não posso”, sussurro, tão desesperado quanto ela. “Se existe
alguém nesse mundo que conheceu o meu pai, talvez até melhor do que eu,
esse alguém é a Rachel e Isaac. Só que Isaac o conhece tanto quanto eu e
está morto, ou talvez mais, vai saber o que ele escondia. Mas ela sabe. Não
vê que essa pode ser a minha oportunidade?” Ela esfrega a mão na testa,
incrédula.
“E ainda diz que escutou o Gregory por causa da sua solidariedade,
mas conhecendo você como eu conheço, nada é tão simples assim, não é?
Sempre tem algo por trás. Acabou de dizer que se preocupa com os seus
filhos, eu também me preocupo com você. Então, por favor, me prometa
que vai ficar fora disso.”
“Tess.” Eu poderia optar por deixar a vida dela mais fácil, fazer o
que ela quer e simplesmente esquecer, mas eu nunca vou esquecer o que
meu pai foi para mim, e o que ele acabou se tornando. “Eu sinto muito.” Ela
dá um tapa no ar e morde os nós dos dedos, derrotada. Eu odeio ver a minha
mulher assim, mas eu também não posso fugir de quem eu sou. “Eu disse
ao Gregory que pode contar comigo. Eu vou investigar junto com ele, sendo
por interesses pessoais ou não. Não interessa pra mim a essa altura. Se fosse
antes, nem por interesses pessoais eu me aproximaria dele. Eu quero
encerrar esse ciclo, Tess. Entender de vez o que está acontecendo e acabar
com essa história de uma vez por todas. Eu como filho mereço isso.”
“Claro, se vocês não morrerem no processo.”
“Amor...” Me aproximo dela, circundando meus braços na sua
cintura. Seus olhos estão marejados e isso parte o meu coração.
“Seu pai se meteu com essa gente e olha no que deu. A Rachel quer
matar você, ela já tentou. Nada impede que ela tente outra vez. Quer que eu
fique como a Savannah, que eu crie três filhos sozinha?”
“Se a Rachel quisesse me matar ela já teria feito. Comigo envolvido
nisso ou não, e você sabe.” Ela ri ironicamente.
“Nada do que eu disser vai te fazer mudar de ideia, não é?” A trago
cada vez mais para o meu corpo e beijo a sua testa.
“Eu não faria nada pra te magoar, você sabe. Eu só quero respostas,
Tess. Prometo que tomarei cuidado, mas eu não posso deixar isso pra lá. Por
favor, tente me entender.” Ela assente, mas não concordando, está ficando
cada vez mais distante, chateada. “Tess...” Então ela se retira, me deixando
sozinho e frustrado no meio do nosso quarto.
Quando Tess se torna intransponível não é um bom sinal, ainda mais
quando preciso escolher entre a minha família e o passado do meu próprio
pai.
4

Gregory Mazza

Antes mesmo de o elevador chegar no andar da presidência da


Mazza Undertaking, eu mal consigo sentir os meus pés. Minha respiração
está descontrolada e meus batimentos cardíacos descompassados. Assim
que essas portas se abrirem, poderei dar de cara com a Karen circulando por
aqui. Eu poderia ter pego o elevador de serviço, mas seria ainda mais
ridículo. Eu devo encarar as minhas próprias decisões, mesmo que me custe
o sossego.
As pessoas entrando e saindo do elevador, atrasa um pouco a minha
chegada, mas eu sei que é inevitável. Assim que o soar é acionado, eu sei
que cheguei, e agora não posso mais voltar atrás, querendo ou não. Respiro
fundo e as portas finalmente se abrem, e lá está ela. Está em pé revirando
alguns papéis com a secretária, já que ainda está em processo de
treinamento. Não parece nervosa, mas concentrada. Usa uma frente única
marine, e uma saia lápis preta. Karen cortou os cabelos na altura do
pescoço, os coloriu de um cobre escuro e os escovou. Mesmo com essa
distância, sou capaz de notar a intensidade do brilho dos seus olhos assim
que me vê. Meu coração dispara ainda mais.
“Bom dia”, normalmente, cumprimentar Karen fazia parte do meu
dia. Eu chegava, a cumprimentava casualmente e seguia em frente sem
olhar para trás, muitas vezes sem dar importância à sua existência. Hoje é
como se eu carregasse um peso insuportável só pelo fato de estar ali e não
nos tratarmos como antes.
“Sr. Mazza.” Altiva, ela responde. Um tanto firme, levando o tom a
sério demais. É frio e distante.
Ela sempre me chamou de “Sr. Mazza”, mas depois que essa
formalidade foi derrubada por nós, ser chamado assim, é como um aviso
dado. Ela acaba de deixar claro o que somos um para o outro: chefe e
funcionária. O mais surpreendente é o que sinto dentro de mim, em relação
a isso. Minha nossa!
Porém, não posso fraquejar agora. Eu ainda sou o patrão por aqui e
o que eu fiz foi melhor pra todo mundo.
“Preciso que Vanessa me entregue o relatório do dia, Karen. Quanto
a você... Alguma novidade sobre o projeto da Evelyn? A campanha está
dando certo?” Ela mal olha para mim.
“Não. Tudo que está previsto é o que já foi agendado para semana
que vem. Sr. Watter e Srta. Mazza irão a Londres em algumas semanas,
promover o lançamento do holograma.” Formal demais, séria demais. Nada
tímida, a segurança dela me alarma.
“Certo.” Suspiro fundo, faço menção de me retirar, mas desisto.
“Karen, eu...” Merda! Eu não suporto isso, mesmo que eu tente, droga!
Estou disposto a pedir desculpas. Sei lá, tentar explicar o
inexplicável, me redimir. Eu nunca sei por onde começar essas coisas.
“Sim, Sr. Mazza. Mais alguma coisa?” Ela ergue a vista, me
encarando no fundo dos meus olhos. A meiguice sumiu, parece uma mulher
forte que está disposta a acabar comigo por eu ter sido um filho da puta.
Então acontece algo que eu jamais pensei que poderia aconteceu: sou EU
quem fico intimidado.
“É...” Tento mais uma vez, mas não sei o que dizer. Parece que nada
que eu diga é o suficiente. Não é, e nem sei se consigo prosseguir. “Não é
nada”, minha voz mal sai. Karen assente, cada vez mais decepcionada.
Depois se desvia, voltando aos seus afazeres como se não se importasse, e
eu fico ali, parado, tentando entender o que está acontecendo... comigo.
Me retiro me achando um tremendo idiota. Entro na minha sala e
fecho a porta, a sensação é que estou fugindo de algo que me aterroriza e
aqui eu estou seguro. Me sento na minha poltrona e respiro fundo, como se
aqui sim eu pudesse respirar. Balanço a cabeça, e procuro me concentrar no
meu trabalho. Com o lançamento do holograma a empresa vai estar
movimentada nos próximos meses, eu preciso me concentrar no meu
trabalho.
O soar da mensagem ressoa no meu celular. Quando verifico, a
sensação é de que estou vivendo num mundo diferente, pois a mensagem é
de Stephen.
Eu pensei no que conversamos. O nome de Phillip Stanton aparece
na lista dos principais responsáveis pela morte do meu pai. Talvez seja uma
ótima maneira para tentar descobrir no que meu pai estava envolvido.
Estou disposto a fazer isso com você, contanto que me prometa que irá me
deixar a par de tudo que descobrir. Também farei o mesmo. Eu te ajudo e
você me ajuda.
Não consigo desgrudar meus olhos da tela, leio e releio a mensagem
uma porção de vezes. Stephen está propondo trabalhar juntos em uma
investigação perigosa. Uma investigação que pode não dar em nada, mas
que também pode se tornar um desastre. Será que ele não ouviu quando
mencionei que Rachel está envolvida? Que é ela que trouxe um problema
para mim e que esse problema na verdade pode ser apenas uma chantagem
ou uma maneira de se aproximar da minha filha? Talvez seja por isso
mesmo, pelo que Rachel sabe sobre o seu pai. Sei que quando se trata do
nosso passado queremos a todo custo buscar respostas. Aquilo que ele disse
sobre deixar o passado para trás, no fundo é uma mera bobagem, mas eu
compreendo. Sei o quanto o Corvo quer isso, eu também quero. Só não sei
se estou preparado para enfrentar tudo que estiver por vir.
Começo a digitar uma resposta para ele.
Tem certeza disso? A Rachel queria te matar no passado, eu não
tenho mais controle sobre ela. Não sei o que ela pretende. Eu não tenho
mais o poder sobre nada, Stephen. Estou tão no escuro quanto você. Não
quero colocar a sua família em risco.
A resposta chega logo em seguida:
Estou ciente. Eu só preciso que me garanta que eu terei acesso a
todas as informações que obter da Rachel. Agora quem quer ela sou eu. Eu
preciso saber, Gregory, e preciso que me ajude, assim como estou disposto
a te ajudar.
Uma parceria de conveniência. Parece que já vi esse filme antes. Só
que no momento eu não estou ligando para as consequências. Senão eu nem
teria ido na casa dele pra começo de conversa. Se fui lá é porque eu queria
ajuda, e Stephen sabe disso.
Terá a minha palavra.
Respondo e essa foi nossa última mensagem trocada do dia.

“Papi, eu possu tomar sorvete depois do almoço?” Assim que eu


atendi o telefone, foi exatamente isso que ela disse. Não falou oi, papi, ou
tudo bem, papi. Tudo o que ela quer saber é se pode ou não ter um
momento de prazer depois de semanas sem.
“Não sei, Lily. Agora que melhorou da gripe, talvez não seja uma
boa ideia.”
“Ah não, papi. Eu já estou bem. Nem estou espirrando mais.”
Segundos depois ela começa a tossir. “Epa, desculpa.” Começo a rir. Lily é
uma tremenda malandra, não faço ideia de quem ele puxou. Ironicamente
falando, é claro.
“Posso propor uma coisa? Vamos almoçar naquele restaurante que
você adora, quando terminarmos, pode pedir todos aqueles bolos de
chocolate que quiser. Então prometo que quando estiver curada da gripe, o
papai vai deixar você escolher o sorvete que quiser. Tudo bem?”
“Ebaaaaaaaa!” A alegria dela é contagiante. Negociar com Lily é
bem mais fácil do que com um investidor. Eu adoro esse trabalho.
“Então está fechado, pentelhinha. Quando eu chegar em casa, vamos
almoçar.” Ela vibra mais uma vez e desligamos o telefone.
Desço do carro e vou de encontro ao Bank Mazza. É assim que eu
divido o meu tempo. Entre a Mazza Undertaking e o Bank Mazza, e ainda
saio mais cedo de toda essa loucura.
Por anos tentei não me sentir tão desconfortável quando chego a este
lugar e várias vezes consegui, mas agora. Não consigo parar de pensar no
quanto estou roubando o lugar de alguém. Do meu pai. E toda essa história
do passado só me faz intensificar ainda mais esse sentimento. Esse banco
foi erguido a base de tramas e corrupções. Não que a Mazza Undertaking
seja diferente, só que o enjoo no estômago é mais intensificado. Não de
nojo, mas de agonia, angústia e desespero.
Deixo os documentos que preciso assinar e caminho pelo escritório
que já foi do meu pai. Ele está exatamente como ele deixou. Não mudei
nada, mesmo depois desse tempo todo. Os prêmios, a bandeira dos Estados
Unidos, o porta-retrato com ele segurando a mão de um dos empresários
mais ricos de Miami. Isaac Mazza me revelou muito antes, que sua mente
apagasse tudo, mas existe muito mais que ele não me falou, e esse é o meu
medo.
Ouço a porta bater suavemente. Solto o porta-retrato e me coloco
em frente à mesa.
“Pode entrar.” E então ela se abre, revelando o gerente Rousel.
“Com licença, Sr. Mazza.” Meneio a cabeça. “Esse senhor gostaria
de falar com o senhor.” Rousel se afasta para que o homem entre.
Meu corpo gela quando reconheço aos poucos esse rosto. É ele, o
homem que esteve preso por todos esses anos por causa do meu pai.
“Olá, Gregory Mazza.” Rousel se retira e fecha a porta. Sinto como
um animal encurralado. “Eu sempre quis conhecer você.”
“Phillip Stanton?” Ele parece orgulhoso por eu já o conhecer.
Diferente de mim, é uma grande má notícia.
5

Stephen Crow

“Sr. Crow, sua esposa, Tess Eisen, está na recepção esperando para
entrar.”
Carie, a nova secretária, me comunica, através do telefone do
escritório. Essa é a quarta secretária nova em menos de dois meses, as
outras eram ineficientes e até mesmo faziam corpo mole para realizar
alguns dos trabalhos simples. Estou com um projeto gigantesco e não posso
tolerar falhas, preciso manter a qualidade do produto e para isso preciso de
pessoas realmente compromissadas, até mesmo na recepção da minha
empresa, já que vou vender um produto valioso.
Porém, Carie, diferente das outras, apesar da eficiência, ainda
comete algumas garfes como estas. Esperando uma autorização minha para
que minha própria esposa entre no meu escritório. Característica na sua
eficiência desmedida? Torço para que sim.
“Pelo amor de Deus, Carie, mande-a entrar. Não observou as
recomendações? Minha esposa entra direto, não precisa ser anunciada.”
“Desculpe, Sr. Crow. O senhor recomendou que todos,
absolutamente todos, não passasse pela recepção sem que o senhor soubesse
de quem se trata. Por causa do que aconteceu à Srta. Dousseou. Sei que a
Sra. Crow não é o caso. Bom, eu não a reconheci e não queria arriscar.”
Não a reconheceu. Isso parece até meio ilógico na realidade em que
vivemos. Tess tem se consolidado cada vez mais na sua carreira. Se tornou
até mesmo referência da moda, mas isso no mundo fashion. Apesar de
também ser conhecida em toda a mídia, principalmente por causa dos seus
casamentos, o que acho um absurdo, principalmente a imagem negativa,
muita gente não dá importância.
“Eu realmente não me atentei a esta questão.” Bufo, um pouco
irritado. Na verdade, nem sei porque estou tão irritado. Talvez porque isso
tem irritado Tess mais do que devia. E vê-la chateada, me deixa chateado.
“Tudo bem, agora mande-a entrar.”
“Sim, sim.” Então ouço ao fundo: “Pode entrar Sra. Eisen. Sr. Crow
está aguardando.” Confesso que rio por causa dessa situação. O sobrenome
que Tess adotou também não ajuda muito, embora eu apoiá-la mil vezes que
seja quem ela quiser ser. O nome de solteira a faz feliz, então para mim é o
que vale.
Minutos depois, Tess entra pela porta. Tão deslumbrante quanto na
última vez que eu a vi, o que foi hoje de manhã, antes de saímos de casa
para o trabalho. Já são quase onze da noite e ela está igualmente perfeita.
Cabelos curtos ondulados, cores vivas e douradas. Maquiagem impecável,
um vestido preto com um decote de tirar o fôlego, fendas nas coxas,
mostrando suas pernas torneadas. Sexy e poderosa, como sempre. As duas
gestações só fizeram bem a ela.
“Não seja rude com ela. Deu pra perceber que ela não fazia ideia de
quem eu era.” Me levanto da cadeira e rodeio a mesa para cumprimentá-la.
Me aproximo da minha linda esposa e a seguro pela cintura, a trazendo para
o meu corpo.
Tess parece resiliente, mas meu dever é protegê-la.
“Esse é o preço que se paga por cometer tamanha gafe.” Deposito
um beijo nos lábios vermelhos da minha mulher, querendo bem mais do que
só um beijo.
“Uau! Sr. Crow anda exigente nesses últimos dias, não?”
“Só quando é com você.” Beijo ainda mais sua boca, dessa vez com
mais afinco. Sentindo seu gosto, explorando-a e amando-a como eu gosto.
Na noite passado ela me ignorou completamente por causa da conversa que
tivemos, quando ela se mostra um pouco aberta, eu tenho que aproveitar.
“Não é esse o problema, e sim outras questões, você sabe, não é?”
Olho para ela. Posso fazer uma ideia, mas prefiro que ela diga. “Marquei
uma reunião com alguns executivos e muito deles nem sabiam que eu
estreei na fashion week em 2017. Na verdade, eles mencionaram Gregory
Mazza.” Meu coração dispara, pois eu sei exatamente o que isso significa.
O divórcio conturbado, o casamento repentino. Isso ainda tem nos
assombrado, mas é ingênuo da nossa parte achar que isso sumiria. Só não
estamos sendo maduros o suficiente para lidar com isso.
“É por isso que preciso te proteger. Viu só?” Tento levar a conversa
para um lado mais cômico e consigo. Tess sorri agradecida. Ela sabe lidar
com isso melhor do que eu. Isso não me surpreende.
Retomo o beijo, dessa vez deixando claro que ela é importante para
mim. Do quanto eu a amo a cada dia que passa, a quero nos meus braços
pelo resto da minha vida. A encosto na minha mesa, deslizando minha mão
na sua perna, fazendo o caminho da abertura até o interior da sua coxa e
subindo cada vez mais.
“Desse jeito vai acabar me levando pra cama mais cedo”, murmura,
após eu colocar dois dedos dentro da sua calcinha.
“Antes disso. Sou capaz de pegar você bem aqui.” Dou uma olhada
na mesa do meu escritório. Esfregando um dedo nela, me certificando do
quanto Tess está molhada. “Com a sede que eu estou do seu corpo...” E ela
do meu.
“Nossa, que guloso. Mas eu digo que se isso acontecer, não vamos
terminar tão cedo e temos que buscar as crianças na casa da Savannah.”
Agora que minha mãe está na cidade passando um período em
Miami, eu fiquei mais tranquilo para trabalhar, sabendo que meus filhos
estão seguros. Mas justamente por isso, não me importo de ficar até mais
tarde, e fazer amor com a minha mulher em um lugar inusitado. Não seria a
primeira vez.
“Não seja por isso. Mando uma mensagem para Savannah e digo
que surgiu um imprevisto.” Tess gargalha, escondendo o rosto no meu
peito.
“Você não presta, Stephen Crow.” Os olhos verdes dela me encaram,
e eu me encho de amor. “Mas em falar em mensagem...” Ela limpa a
garganta, se recompondo, e eu percebo que não é um bom sinal. “Eu vi que
enviou uma mensagem para o Greg hoje mais cedo.” Tess às vezes tem o
péssimo hábito de cortar um momento agradável para entrar em assuntos
difíceis. Isso acontece quando ela está extremamente preocupada. Eu até
entendo, mas qual é?
Dou um passo para trás.
“Tess... Já conversamos sobre isso. Você mal falou comigo ontem à
noite e agora que estamos bem, você quer voltar a esse assunto?”
“Não voltaria se tivesse sido sincero comigo. Por que não me disse
nada?” Ela está brava, eu não gosto quando fica assim por causa de uma
decisão minha. Por causa de uma decisão que também é difícil para mim.
Ainda mais quando ela sabe que abri mão de muita coisa por causa disso.
Encosto na mesa, cruzo os tornozelos e olho para ela.
“Eu disse, falei que estava disposto a ir a fundo nessa história. O que
viria depois disso era inevitável.” Ela bufa. “E você olhou no meu celular.”
Ela fica vermelha, mas não abalada.
“Foi você que vinculou as nossas contas de e-mails. Disse que assim
ficaria mais fácil para termos controle sobre a operadora. Recebi uma
notificação e vi as mensagens trocadas com Gregory Mazza. Eu não estava
bisbilhotando você.” Nossa, ainda bem que eu não tenho uma amante, ela
não passaria despercebida por Tess.
Relaxo os ombros e dou uma respirada. Olho para a minha esposa
com um pesar no coração.
“Eu sei que não.”
“Stephen”, ela suplica. “Deixa essa história pra lá.”
“Já disse que eu não posso. Eu preciso saber, Tess.” Agora é ela
quem suspira, completamente tensa. Eu queria poder tirar esse peso das
suas costas. Entrar na nossa banheira com água quente e lhe fazer uma
massagem, mas devido à nossa atual situação, sei que nem isso será
suficiente.
“Eu só quero que isso tudo fique longe de nós. Eu tenho medo,
Stephen.” A lágrima nos seus olhos parte o meu coração.
“Eu sei, meu amor.” Me aproximo dela mais uma vez e a abraço.
“Eu sei que isso tudo tem sido difícil pra você.” Beijo o topo da sua cabeça,
acarinhando o couro cabeludo. Tess me aperta tão forte que sou capaz de
sentir seu sofrimento, sua preocupação e todos os traumas que vieram
depois de tudo que vivemos. “Mas essa é a minha chance de saber o que
aconteceu. Uma parte eu sei, mas a outra não. Eu quero saber em que tipo
de sujeira o meu pai esteve envolvido. Não posso perder a oportunidade.”
Ela ergue o olhar para mim. Tão frágil. Tão meiga. Eu a amo com toda a
minha alma.
“Eu devo ser uma pessoa horrível, não é?” pergunta, envergonhada,
se soltando do meu corpo e indo para o outro lado da sala.
“É claro que não. Você nunca foi uma pessoa horrível, nem quando
é teimosa.” Brinco, mas ela não acha graça.
“Sou sim. Você está sofrendo, desde que soube a verdade sobre o
seu pai e eu só pensando em como não me sentir tão apavorada no processo.
Querendo que tudo fique como sempre esteve. Foram seis anos, Stephen.
Seis anos de paz, onde pudemos desfrutar da nossa vida sem problemas, o
nascimento dos nossos filhos. E então Dervishi reapareceu trazendo um
antigo pesadelo e agora isso. Não apenas os segredos do seu pai, é a Rachel
também. Ela quer matar você.”
“Não mais. Gregory me garantiu isso. Me parece que ele teve uma
conversa com ela e esse não é mais o objetivo.” Ela cruza os braços, me
desafiando.
“Desde quando você confia nas garantias do Gregory?”
“Eu não confio, mas sei que ele precisa de mim tanto quanto eu
preciso dele.” Tess não parece satisfeita.
“Minha nossa...”, murmura, como se estivesse agindo não mais
como eu mesmo. Ou é exatamente o contrário, estou sendo tão conveniente
como sempre estive. “Viu? Entendeu agora a minha preocupação?”
“Tess...”
“Só me prometa, Stephen. Me prometa que vai se cuidar.” Eu
assinto, resignado. Levando em conta do que ela está abrindo mão.
Me aproximo dela, e a abraço pela cintura, depositando um beijo na
sua testa.
“Vou cuidar de mim, de você e dos nossos filhos. Você não precisa
se preocupar.”
Alguém bate na porta logo em seguida, e Carie, a secretária, surge
no umbral. Tess e eu olhamos um para o outro, surpresos pela invasão.
“Desculpa, Sr. Crow, mas o senhor disse que se a Srta. Bianchi
chegasse, era para avisar imediatamente.”
Bianchi, Christine Bianchi, uma das parceiras no projeto do resort
em Paris, ela é a arquiteta do projeto e tem desempenhado um papel
fundamental, depois que tive problemas com os dois últimos arquitetos, que
atrasaram os trabalhos e ainda me deixaram com prejuízo. Bianchi abraçou
a causa e consertou os estragos. Recuperamos boa parte dos custos e ainda
estamos adiantados. É de pessoas assim que preciso. Por outro lado, me fez
abrir o olho ainda mais com alguns tipos de profissionais.
“Ah, sim claro. Pode mandar entrar.” O olhar que Tess me lança é de
insatisfação. Uma, pela ousadia da secretária em ter entrado sem avisar, em
um momento em que estávamos conversando, já que com a arquiteta foi
diferente. Mas também por eu próprio ter interrompido o assunto, sem
demonstrar qualquer resistência. Eu só não quero continuar no assunto
Gregory Mazza, e achei o momento perfeito para isso. “Conversamos em
casa”, cantarolo, para que ela entenda que não quero mais conversar sobre
isso. Ela revira os olhos, na atitude mais infantil, porém adorável.
A porta se abre novamente, revelando Christine Bianchi em seguida.
“Olá, Stephen!” O cumprimento de Bianchi é um tanto teatral e
animado até demais. Eu já meio que me acostumei com essa atitude
exageradamente empolgada, mas Tess não. “Meu Deus, que bom está aqui!
Dessa vez, cheguei no horário combinado!” Sua simpatia costumeira invade
o espaço. Eu nunca vi alguém ir para o trabalho com tanta felicidade, a não
ser a Tess, claro. Mas, infelizmente, minha esposa não trabalha comigo.
“Ora, que isso, você sempre foi pontual, uma das suas melhores
características. O que é se atrasar um ou dois minutos? O importante é que
está aqui.” Ergo a minha mão para apertar a dela em um cumprimento.
Bianchi não só aperta a minha mão, como deposita um beijo
estalado na minha bochecha. O olhar que Tess me lança é como se tivesse
cometido alguns dos pecados mais graves. Depois olha para Srta. Bianchi
dos pés à cabeça. Fiz um auê todo por causa do anúncio e trato uma
desconhecida quase igual eu a trato. Eu nunca vi Tess se incomodar tanto
com outra mulher como se incomoda agora. Parece intimidada, insegura.
Isso me surpreende.
Bianchi olha para a minha esposa, mas não existe nenhum vestígio
de intimidação, muito pelo contrário. Ela conhece seu lugar e da Tess
também, porém, sem diminuir seu próprio valor. É muito raro ver isso
acontecer, no mundo em que vivo. Tess não está acostumada com isso.
Normalmente é ela quem brilha mais, dar de cara com uma mulher que não
se rebaixa diante dela, meio que a deixa desconfortável.
“Tess Eisen!” A entonação é enfática, é um a surpresa boa. Uma
oportunidade de conhecer a mulher que tem abalado as mídias sociais, tanto
pelos motivos certos quanto pelos errados. “Muito prazer em conhecê-la.”
Bianchi estende a mão para a minha mulher, mas Tess não parece ter a
mesma opinião que a arquiteta. Se mantendo na posição de antes, ela não
move um dedo para cumprimentá-la. Nossa...
“Sra. Crow pra você.” A resposta é tão cortante que sinto o impacto
daqui, ainda mais sabendo o quanto Tess se orgulha do seu sobrenome. Isso
é um recado dado, alguém invadiu o seu espaço e o território acaba de ser
disputado. Esse é algum tipo de sinal de que estou encrencado? O motivo é
que não ficou claro.
“Sim, sim, claro. Sra. Crow, perdão!” Bianchi percebe
imediatamente o que está rolando, sorri de lado, mas não diz nada.
O clima fica pesado de repente. Pior que eu também fico. Tess
nunca se mostrou tão territorialista com quem quer que seja. Sinto meu
coração acelerar.

A volta para casa é diferente das demais. Tess está extremamente


silenciosa, só consigo ouvir o ruído da cidade e a música calma que toca no
rádio. Ela olha o tempo todo através da janela, enquanto eu não faço ideia
se confronto o assunto ou se mudo totalmente de assunto. Como nunca fugi
de coisa alguma, muito menos do que me interessa, resolvo comer pelas
beiradas.
“Srta. Bianchi é a arquiteta do resort em Paris. Ela tem me ajudado
com o desenvolvimento do projeto.”
“É, eu sei”, diz apenas, permanecendo com o olhar vago e distante.
Esbravejo internamente, pela minha própria falta de tato. “Você disse”,
murmura, desta vez olhando para mim. “Aliás, tem dito o tempo todo. O
quanto ela é eficiente, o quanto ela é inteligente e destemida. Ah, já ia me
esquecendo: você ressaltou o quanto ela é diferente de todos os outros
arquitetos que trabalhou para você... o que... nos últimos dezesseis anos?”
Uau! Seguro o riso para que ela não perceba o quanto estou adorando isso.
Olho para o trânsito, admirando minha maravilhosa esposa brava por estar
morrendo de ciúmes.
“E ela é. Eu preciso admitir quando me deparo com alguém tão
eficiente quanto eu e Ian nos negócios. Não é você que diz que preciso
parar de ser tão arrogante?” O olhar que ela me lança é de repreensão.
Permaneço sem admitir que adorei sua crise de ciúmes, quero provocá-la ao
máximo.
“Sim, você está desempenhando bem esse papel. Além de ser
eficiente, você esqueceu de mencionar o quanto a Srta. Bianchi. É Bianchi,
não é? Italiano, uau! O quanto ela é lindíssima. Os lindos cabelos pretos e
longos dela são bem cuidados. E aqueles olhos azuis piscina bem exóticos?
Pele bronzeada. Uma arquiteta chique e bem moderna. O engraçado é que
quando você fala dela, eu vejo você em cada detalhe. Uma espécie de
Stephen Crow de saltos altos?” Meu coração fica acelerado. Não sei lidar
com isso. Geralmente quem demostra mais ciúmes sou eu e nunca ela.
Talvez seja porque nenhuma chegou a sua altura, o que me deixa
extremamente desconfortável, pois Tess acha que Christine Bianchi é uma
competidora páreo a páreo.
Olho no fundo dos olhos dela, Tess faz o mesmo esperando uma
resposta minha, um pouco ansiosa para que me explique ou desminta suas
argumentações e suas insinuações, mas tudo que faço é sorrir para ela.
“Eu gostei.” É tudo que digo, deixando minha mulher confusa e
ainda mais inquieta, mas não estou falando da Srta. Bianchi, ou de todas as
características que ela citou, estou falando dela.
“O quê?”
“Do seu ciúme. Eu gostei. Aliás, adorei.” Poucas vezes deixo Tess
sem palavras, normalmente esse é o papel dela, mas nesse caso, até ela
concorda que foi o momento propício.
Tess suspira, coloca a mão na testa e depois volta a olhar através das
janelas, sorri de lado, se dando conta do que está acontecendo.
“Minha nossa...”, murmura, se achando boba. “Você é terrível,
Stephen Crow.”
“O quê? Minha mulher extremamente gostosa está com ciúmes de
mim e quer que eu perca a oportunidade?” Ela ri, mas é pura ironia.
“Não tem graça!” Paro o carro em um sinal vermelho, aproveito
para me atentar a ela.
“Tem sim.” Suspiro. “Vindo de você tem graça. Aliás, é um elogio e
tanto.” Ela está confusa, mas para mim é tão simples. Acho que nosso
casamento estava precisando disso. Estamos tão certos que nos amamos e
que nada pode destruir isso, que um momento de medo e insegurança é
muito bem-vindo. “Meu amor...” largo o volante e toco em sua perna de
uma forma carinhosa, aproveitando que o sinal está fechado. “Christine
Bianchi é uma ótima profissional. É inteligente e eficiente, muito bonita,
verdade.” Ela revira os olhos. “Mas não chega aos seus pés.” Ela me encara
esperando que eu fale mais, que eu a conforte, que eu tire da sua cabeça
essa ideia, e estou pronto para falar. “E é isso que ela deve ser, afinal, está
desempenhando um papel no meu negócio. Me serve como uma
funcionária. É isso que ela deve ser mesmo. Mas você... Tess, você é a
mulher que eu amo. É a mãe dos meus filhos... A pessoa mais importante da
minha vida. Como você pode pensar que minhas atitudes ou comentários
sejam pessoais, sendo que tenho uma mulher incrível ao meu lado? Eu não
desejo estar com mais ninguém a não ser com você.” Ela fica meio
envergonhada, mas feliz, derretida.
“Stephen, eu...” não deixo que ela complete.
“Além disso tudo, é a mulher que eu escolhi para a vida. Você não
desempenha papel nenhum, você é e sempre será a mulher da minha vida, a
mãe dos meus filhos. Eu não consigo imaginar a minha vida sem você.” Ela
está emocionada. Os cílios meio molhados, mas não apenas do rímel incolor
que usa.
“Eu sei que tenho sido uma boba. Sei que tenho criado coisas na
minha cabeça que não condizem com a realidade, mas como não agir
assim? Tem sido um processo difícil. Quando penso que os problemas
acabaram, eles recomeçam. Era só o que me faltava, o meu marido
interessado por outra mulher.” Seu desespero me comove. Não é de bom
gosto me sentir envaidecido.
“Eu amo você”, enfatizo mais uma vez. “Nenhuma outra mulher vai
me fazer mudar de ideia. Seja ela quem for.” Beijo seus lábios suavemente e
ela corresponde, enxugando as lágrimas que nem caíram.
“Eu sei. Sei que você me ama. Não existe nem uma dúvida do
quanto, Stephen. Isso está claro no modo como sempre me tratou, ou trata
os nossos filhos. Você continua o mesmo apaixonado de sempre. Mas é
que...” Ela coloca a mão no rosto, sorri nervosamente, envergonhada. “Eu
nunca me senti assim. Tão... abalada.”
Tess tem passado por muita coisa. Esses últimos meses não têm sido
fáceis. E agora essa aproximação repentina entre mim e Gregory. Eu tenho
certeza de que essas coisas pesam muito para deixar a minha esposa
conturbada. Tudo que tenho oferecido a ela é um pouco de tranquilidade,
carinho e conforto, mas com essa história do Gregory, eu tenho a tirado
completamente da sua zona de conforto, principalmente por causa da nossa
falta de concordância. Talvez para ela qualquer atitude que eu tome de
agora em diante seja imprevisível até demais.
O semáforo fica verde e eu avanço, sem deixar de manter o foco em
Tess.
“Se você quiser eu não entro nessa de investigar o passado do meu
pai com o Gregory. Assim, não me aproximo dele e consequentemente não
compactuo com o esse passado de Isaac. Se isso te deixar tranquila, eu volto
atrás na minha decisão.” Estou disposto a tudo se isso servir para que ela se
sinta tranquila. Esse é o meu papel. Preciso pensar que não vivo mais
sozinho, eu tenho contas a prestar, e com a minha esposa.
Tess olha para mim, no fundo dos meus olhos. Existe um pedido de
súplica, mas também sei que ela não quer ser responsável por me delimitar.
“Não.” Ela suspira. “Não é isso que eu quero. Não é assim que
funciona, Stephen. Eu não quero te dizer o que deve ou não fazer. Você
sempre foi responsável e não vai ser agora que vai perder isso.” Sim, claro,
responsável. Não foi eu que pedi a execução de um homem e que quase
perdi tudo por causa do meu ato irresponsável?
Viro na esquina e chego em Little Havana, a residência oficial de
Savannah Crow. Gosto de assumir a direção algumas vezes, ainda mais
agora que Terence Lewis recebeu suas merecidas férias. Estaciono o carro e
desço primeiro. Pego o paletó que estava pendurado no encosto do banco do
motorista e o penduro no meu ombro. Em seguida, abro a porta do lado de
Tess e a ajudo a descer, por conta dos seus saltos deslumbrantes.
“Talvez esse seja o momento perfeito para que você e Greg se
acerte. Você tem razão, eu sempre torci por isso, e não quero atrapalhar.”
Sua confiança me incomoda. Até porque esse nunca foi o intuito.
“Não é uma reconciliação, Tess. São apenas interesses em comum, e
eu fui bem sincero com ele sobre isso. E me admira você está querendo
colocar isso acima da nossa segurança.” Entrelaço os meus dedos nos dela
para caminhamos até a propriedade.
“Ah, então agora está jogando a culpa em mim? Você não quer se
envolver nisso, é isso?” Ótimo! Ela ama virar o jogo contra mim.
“O que eu não quero é que isso cause algum desconforto para você.
Eu não quero que se magoe, ou fique apreensiva com o que não existe.” Ela
solta a mão da minha e para de caminhar.
“Tá, olha.” Ela coloca a mão na testa e suspira, tentando propor
algo. “Vamos fazer o seguinte: faça o que tiver que fazer. Investigue o
passado do Isaac com o Gregory, tenta encontrar respostas sobre o seu pai
também, eu não vou criar caso. Mas só uma coisa eu te peço, Stephen, e eu
sei que não é muito: me prometa que se ficar perigoso demais ou for nos
prejudicar de alguma forma, quero que recue, que não avance ou que deixe
que sua sede de justiça fale tanto a ponto de você cometer uma loucura.”
É, o passado me condena, não é o que dizem? O medo de Tess é
apenas consequência das minhas ações do passado. E se tratando do meu
pai ou de qualquer assunto que envolva justiça eu não sei se consigo me
manter tão omisso. Porém, com algumas ressalvas, é claro. Eu tenho uma
família agora, e é pelos meus filhos e por minha esposa que sou capaz de
pensar além das minhas convicções.
“Eu prometo”, sou enfático e sincero. Quero que Tess saiba que
pode confiar em mim desta vez. Quero que ela saiba que o Stephen do
passado não existe mais. Quero que ela volte a ter confiança e segurança.
Quero que tudo seja como esteve durante esses seis anos. Não quero que
nada mude, principalmente entre nós.
Ela assente, confiante. O sorriso aliviado em seus lábios me indica
que eu não posso vacilar, e não vou. Pego Tess pela cintura e tomo seus
lábios em um beijo reconfortante e intenso. Eu a amo e sempre vou amar.
De repente, duas crianças alegres saem de dentro de casa gritando
por seu pai e sua mãe, nos abraçando ali mesmo. A pequena Celeste, linda
nos braços da minha mãe. Essa é a família pelo qual luto todos os dias.
6
Gregory Mazza

“Que bom que já estamos familiarizados”, Stanton diz, em resposta


ao meu conhecimento prévio de quem ele é, e do que ele supostamente
quer. “Assim, o meu jogo será mais fácil.” Eu o encaro, tentando ingerir aos
poucos essa afronta.
É uma ameaça? Rachel disse que a saída desse homem da prisão
seria muito perigosa para mim, principalmente para os negócios do meu pai.
“Não entendi.” A verdade é que eu não quero admitir a mim mesmo
o quanto estou sem saída. Me sinto mais uma vez encurralado e não gosto
dessa sensação.
“Vim assumir o meu posto, Sr. Mazza. Este documento assinado por
Isaac Mazza comprova que esse banco agora é meu.” Ele estende um
documento diante de mim. Mal consigo pegá-lo, na verdade, minhas mãos
tremem e meus batimentos cardíacos aceleram. O que vejo é suficiente para
admitir a mim mesmo o quanto estou ferrado e que Rachel estava certa.
Pego o documento em mãos, quase o arrancando da mão de Stanton
que dá um riso irônico diante da minha atitude desaforada. Verifico as letras
rebuscadas no final da página. É a assinatura do meu pai, de fato, e segundo
esse documento, o banco não é mais meu ou da minha família, mas de
Phillip Stanton, o qual deveria assumir imediatamente, assim que Isaac
batesse as botas. Isso só pode ser uma grande sacanagem!
Encaro Stanton sem desviar os olhos. Não quero me sair como um
coelhinho assustado. Preciso me impor, defender nem que seja inutilmente,
o que é meu por direito.
“Esse documento é falso”, garanto, colocando o documento em cima
da mesa, mostrando a Stanton que ele não vai conseguir o que quer tão
facilmente.
“Ah, é?”, rebate, levando essa contrapartida como um desafio
válido. “Vamos ver o que a justiça pensa.” Dou dois passos para o lado e
depois caminho em direção à mesa, me posicionando atrás dela. Assim
como a Mazza Undertaking, ninguém vai me tirar daqui.
“Isaac Mazza foi um dos empresários mais bem-sucedidos da
Flórida. Um italiano nato, que sempre buscou garantir seus negócios por
meio da sua descendência. Um aristocrata típico, mas um dinasta peculiar.
Os negócios seria herdade de Jenson Mazza, e sua filha futuramente. Como,
por motivos maior, meu irmão não poderá assumir, eu entrei para a linha de
sucessão. O próprio Isaac Mazza me instituiu, anos antes de morrer. Eu sou
filho legítimo, Stanton, podemos arrastar esse assunto aos tribunais, mas
garanto que vai perdê-lo.” Stanton desdenha, com uma leve suspirada.
Me olha como se tivesse pena de mim. O homem é astuto. Onde
meu pai estava com a cabeça quando se meteu com esse homem? Ele queria
mesmo isso.
“O documento é legal, Mazza. Ele foi passado em cartório assim
que Isaac e eu fizemos o acordo.” Franzo o cenho.
Imaginar meu pai se dando o trabalho de ir à justiça com o intuito de
transferir o patrimônio que ele deu o sangue e a moral para conseguir, é no
mínimo intrigante. Isso não parece ser do feitio do meu pai.
“Que tipo de acordo?” Ele ri, joga a cabeça para trás, puxa as barras
da calça e senta-se, cruzando as pernas em um dos sofás do escritório. À
vontade, certo do que quer, seguro do que diz.
“Talvez você saiba que Isaac se candidatou à política há muitos e
muitos anos, não é mesmo? Que ele fez de tudo para conseguir a sua
candidatura.” Seu olhar é sombrio, um passado sórdido, que pode e vai me
colocar em uma posição desvantajosa, está prestes a vir.
“Sim, estou sabendo. E daí?”
“O acordo era simples, Gregory: eu teria que ajudá-lo a conseguir o
que ele queria. Não era uma opção, ou uma escolha, era uma ordem. Muitas
pessoas não sabem, mas Isaac tinha um poder de coação muito grande já
naquela época.”
E eu não sei? Eu sou o filho dele, e conheço todas as nuances
daquele passado, as piores facetas, claro. Todas elas me causaram traumas
quase irreversíveis. De modo que ainda estou me recuperando.
“Ele tinha tudo contra mim”, continua, bastante revoltado. “Minha
família, meu passado, minha reputação, e estava disposto a abrir a boca se
eu não colaborasse.” Presto atenção nessa confissão. Ela me parece...
interessante demais, conspiratória demais. Algo que Isaac faria. “Então fiz o
que ele queria. Mas o que Isaac não sabia era que eu não era tão ingênuo
quanto ele achava.”
Esse é o problema de pessoas que tiram vantagens umas das outras:
chega uma hora que acaba dando um tiro no seu próprio pé. Essa falha de
Isaac é tão incomum quanto o seu fracasso.
“Sem contar que eu tinha algo contra ele naquele momento que eu
podia usar sempre que fosse necessário, e eu usava. Ele estava desesperado,
Gregory. Tão desesperado para conseguir o que queria, que estava disposto
a ceder muita coisa.”
É difícil imaginar Isaac desesperado com algo, mas desde a minha
infância, ele sempre me pareceu sempre tenso e sufocado. Stanton continua:
“Quando um homem está desesperado com qualquer coisa, ele se
torna fraco e cego. É capaz de aceitar ou se submeter a tudo para conseguir
o que deseja, não importa o custo.” Isso é verdade, eu mesmo já passei por
isso, quando quis o projeto de Stephen a todo custo. “Eu precisava me
garantir, então o fiz assinar esse documento, dizendo que no dia da sua
morte, tudo que Isaac conseguisse em vida seria meu.” Um acordo absurdo,
mais absurdo ainda é acreditar que Isaac assinaria algo como isso.
“Isso não parece ser o que meu pai faria.” Sorrio incrédulo. “Não,
Isaac não faria isso. Meu pai podia estar desesperado, mas isso significa
derrota, humilhação, e Isaac nunca admitiu se prestar a isso.” Stanton
meneia a cabeça, o sorriso torto no canto dos lábios.
“Mas fez, Gregory”, garante. “Isaac tinha um péssimo hábito de
achar que era invencível, admito. Ele acreditava que estava sempre a um
passo à frente de todo mundo. Esse foi o erro dele.” Ele dá uma pausa de
segundos e então retoma: “Ele assinou, achando que estava apenas
aplacando a minha exigência. Que poderia se livrar do acordo quando bem
entendesse. Se envolveu com traficantes para me dar uma lição. Só que eu o
expus, mesmo correndo o risco de ir para a cadeia.” Isso não faz sentido, é
incoerente até demais.
Saio de detrás da mesa e caminho pelo espaço vazio.
“Traficantes? E por que você arriscaria tudo para ferrar Isaac?”
“Sim, traficantes. Já ouviu falar de um chefe do crime chamado
Lino Berenson? Ele morreu anos atrás. Disseram que foi suicídio.”
Arregalo os olhos. Abismado, principalmente com a menção desse nome.
Com o nome do meu pai envolvido com ele. Phillip Stanton e Jacob Crow
tudo bem, mas o meu pai? Parece algo fantasioso demais.
“Como é que é?”
Stanton levanta-se do sofá e caminha próximo a mim, olhando no
fundo dos meus olhos.
“Isaac tinha acordos com ele. Usou o traficante para me dar uma
lição. Eu paguei feio naquela época, mas Isaac exigiu que eu não fosse
morto.” Ele ri pelo nariz. “Como se estivesse fazendo um favor. Ele me
tirou do páreo, Gregory, e armou uma cilada para que eu fosse parar na
cadeia. Mas não deu muito certo, os crimes de Isaac foram descobertos, não
por mim, mas por outro homem que ele já havia se metido.” Alfred
Stanford, claro. “Só que esse documento.” Ele pega o documento da minha
mesa e dá uma batidinha no papel. “Ele não conseguiu localizá-lo. Dei um
jeito de sumir com ele, e então Isaac Mazza, o homem que achava que era
invencível, ficou nas minhas mãos por todos esses anos.”
Agora tudo faz sentido. A candidatura, o fracasso dela, e todas as
consequências que vieram depois disso. Por que Isaac não me contou? Ele
teve todas as chances de dizer tudo, mas mesmo assim ocultou, ainda mais
algo tão grave quanto isso. Talvez eu teria me preparado melhor se soubesse
o que esse homem pretendia futuramente.
“Mas Isaac não está mais aqui, Stanton, eu estou. E não estou
disposto a perder o meu patrimônio por causa de briguinhas do passado. Se
existe esse documento, o que pode perfeitamente ter sido conseguido
ilegalmente, eu tenho um nome e um testamento. Acho que isso já é o
suficiente.” Fico altivo, me impondo. Dou dois passos diante de Stanton,
olhando no fundo dos seus olhos. “Se quer mesmo entrar nessa, então
vamos, faremos isto. Mas digo antemão que não estou disposto a perder. Se
meu pai era determinado, talvez eu seja um pouco pior do que ele.”
Stanton me encara sem piscar, quieto e surpreso. É uma briga de
poderes que estou disposto a entrar e ganhar.

Antes mesmo de cruzar o saguão do banco, o soar de uma


mensagem chegando no meu celular me obriga a tirá-lo do bolso. Verifico
porque é importante. Mas me entristeço assim que Evelyn me desperta para
a realidade.
Onde você está? Preciso que assine uns documentos. Eles precisam
ser aprovados por você antes que eu leve para os patrocinadores.
Estou sem a mínima condição de ir à Mazza Undertaking hoje. Na
verdade, tudo que eu quero é me esconder, correr para um lugar onde não
me encontrem, mas infelizmente eu não posso, ainda tenho
responsabilidades. Continuo lendo as mensagens seguintes:
Tio, Greg! Não posso buscar a Lily na escola, eu preciso segurar as
pontas aqui já que você desapareceu.
Lily... Prometi a ela que iríamos almoçar.
Graças a Deus meu desespero não fez de mim um completo idiota.
Olho no relógio e ainda faltam quarenta e cinco minutos para o fim das
aulas. Ótimo! Assim consigo fazer algo antes de buscá-la.
Eu a busco, não se preocupe.
Envio a mensagem, sem mais explicações.
Mas antes, preciso ter uma conversa com Stephen. Ele me fez
prometer que tudo que eu descobrisse sobre esse caso o deixaria a par,
como garantia da sua ajuda. A RoadCopper é perto da escola da Lily,
prefiro ir pessoalmente do que conversamos por mensagem. Dirijo o carro a
toda velocidade, quase sem respeitar as leis de trânsito, tamanha é minha
ansiedade, mas eficiente o suficiente para chegar no prédio luxuoso em
quinze minutos.
Esse lugar! Entre todas as apostas que um dia fiz na minha vida,
entrar aqui nunca foi um deles. Nem de brincadeira, nem quando, por
maldade, como forma de provocação, eu enviava convites para que Stephen
e eu nos aliássemos nos negócios. Pareço um peixe fora d’água, mas como
a necessidade implora, eu não tive outra escolha. Deve ter sido assim como
Stephen se sentiu quando foi à Mazza Undertaking, estando em um lugar
que não deveria estar, em uma situação que o desfavorecia completamente.
O Corvo é mesmo um homem de coragem. Enquanto, por direito, ele
buscou o que lhe pertence, eu estou aqui morrendo de medo.
Assim que sou anunciado, minha entrada é fácil. Outra novidade. Eu
jamais pensei que ele me receberia algum dia sem insultos e ponta pés.
Como as coisas mudam, não é mesmo?
Entro em seu escritório e lá está Stephen, com sua costumeira pose
de integridade. Essa pose já me irritou muitas vezes, mas agora eu conto
com essa postura para sair dessa enrascada.
“Disse por mensagem que tinha algo importante para me contar. É
sobre o que conversamos?” Assinto, meio desconjurado. Um nó duro preso
na garganta.
“Stanton foi até o banco, como a Rachel disse. E aconteceu o que
ela também disse. Ele me mostrou um documento que garante a posse
vitalícia do banco no meu lugar.” Estou tão chocado que mal consigo me
mexer, ou olhar para qualquer outro lugar.
“Ok, sente-se e vamos conversar.” Stephen é tão solícito que me
abala. Me sinto como nos velhos tempos, onde quando havia um problema
e ele estava lá para me ajudar. Como senti saudades disso!
Faço o que ele diz e conto tudo o que Stanton disse. Todas as
ameaças e todos os acordos que fez com o meu pai. Conto sobre Lino
Berenson e sobre a trama que meu pai fez para que Stanton viesse à cadeia
no seu lugar. Stephen levanta-se da cadeira e caminha pelo espaço vazio,
está tão concentrado no que eu digo que mal consegue piscar.
“Então Isaac conheceu Lino Berenson desde aquela época?” De
tudo que eu digo é só nisso que Stephen se concentra. Eu afirmo.
“Acho que todo mundo conhece Lino Berenson de alguma forma.
Querendo ou não. Ele parece estar presente nas nossas vidas desde então. O
chefe de uma das máfias que mais predominam Miami. Curioso, não acha?”
“Meu pai conheceu Berenson depois que se endividou. Uma coisa
que eu nunca descobri é como ele chegou até Berenson se o homem não
fazia parte do convívio dele. Berenson era um traficante e mantinha um
cassino na época, mas era algo luxuoso, o qual com certeza meu pai jamais
teria acesso.” Olho para Stephen, com uma pulga atrás da orelha,
raciocinando junto com ele.
“Acha que meu pai apresentou Lino para o seu?” Stephen meneia a
cabeça, não parece ser uma confirmação. Ele ainda está analisando a
situação.
“É possível. É bem mais provável Isaac ter acesso a Lino Berenson
do que meu pai. Já que Jacob era motorista de Isaac, eu não duvido nada
que ele frequentava esse lugar com o patrão. Talvez para levá-lo.”
Tá aí uma coisa que eu não pensei. Faz todo o sentido, ainda mais
sabendo o tipo do meu pai. Ele deve ter tentado calar Jacob também. Pelo
menos, a sua participação de tudo.
“Mas Isaac tentou pagar as dívidas de Jacob.” Dou de ombros. “Pelo
menos foi isso que eu fiquei sabendo, principalmente através de Savannah.
Não acha que se Jacob estivesse envolvido, Isaac teria agido diferente? Ele
teria medo de que a qualquer momento, Jacob abrisse a boca.” Stephen olha
para mim, meio consternado.
“Não se ele tivesse com o peso na consciência. Isaac confiava no
meu pai.” Stephen acaba de despertar mais uma faceta de Isaac. Meu pai
tem tantas nuances que eu nem sei mais quais delas são verdadeiras. Pelo
que me parece, todas elas são.
“Nós sabemos mais do que ninguém que confiar um no outro nunca
deu certo, Stephen.” Brinco, mas Stephen não sorrir comigo. Fico sério,
voltando ao raciocínio. “Faz sentido. Isaac podia ser um obstinado em
busca do poder, mas ele tinha apreço pela sua família.” Stephen assente
com cuidado.
“Só precisamos descobrir como meu pai chegou até Lino através de
Isaac e o que aconteceu para que os dois perdessem o controle com o
mafioso, já que os escândalos do seu pai vieram à tona, mesmo assim, e ele
não conseguiu a candidatura. Talvez isso possa explicar todo o resto. Como
Phillip Stanton persuadiu Isaac, e se ele conseguiu passar alguns anos na
cadeia por causa de algo que Lino fez por seu pai, a coisa só fica cada vez
mais interessante. Isso pode nos dizer como atingir Stanton e como faremos
para mantê-lo longe do banco, já que essa trama não passa de um plano
sórdido. Seu pai está morto, Gregory. Esse acordo não mais se estende a
Isaac e com as provas certas, podemos provar que o que Stanton está
querendo fazer é um ato criminoso.”
Minha nossa! Mal consigo pensar direito, mas pelo menos encontrei
o alívio de que precisava. Me juntar a Stephen foi, sem dúvidas, o meu
maior ato em muitos anos.
Suspiro fundo. Isso está mais parecendo uma saga. Mas agora tenho
forças para batalhar pelo que é meu. Abro um sorriso confiante e Stephen
faz o mesmo, após menear a cabeça, me mostrando que estamos juntos
nessa.

*
Estaciono o carro em frente à escola de Lily. Muitas crianças indo
de encontro aos seus pais. Abraços e beijos, às vezes algumas delas levando
bronca por terem se comportado mal na escola. Lily nunca frequentou
escolas específicas, ou especiais. Sua psicóloga recomendou que ela
frequentasse a escola de pessoas ditas normais, assim ela teria um
desenvolvimento social adequado. Ela acompanha bem a turma, e é até
melhor do que muitos deles. Eu nunca tive problema com Lily.
Espero por ela por alguns minutos. Nada de Lily aparecer, o que
normalmente não acontece. Assim que estaciono o carro, sou capaz de ver
seus lindos cabelos castanhos esvoaçando de encontro ao carro. Hoje é
diferente, hoje eu preciso descer do carro para encontrá-la. À medida que
caminho, fica cada vez mais difícil localizar Lily. Começo a me preocupar.
Penso nas ameaças presentes, Phillip Stanton e... Rachel, é claro. Meu
coração se contrai. Eu devia ter vindo mais cedo, porém acabei me
atrasando por causa da conversa que tive com Stephen. Atrasei dez minutos,
mas parece que foi o suficiente. Ao longe, no jardim da escola, embaixo de
um carvalho, lá está Lily, sentada, e ao lado dela, Rachel.
Minha aproximação não é abrupta, muito pelo contrário. Não quero
assustar Lily com o meu desespero como fiz da última vez, embora me
irritar demais essa ousadia de Rachel. Elas conversam. Rachel parece a mãe
que um dia desejei que ela fosse. Perpassa as mãos em seus cabelos, segura
sua pequena mão. O sorriso de ambas é radiante, inflamável, mas contrito.
Lily parece feliz, uma realização dos sonhos. Por um instante vislumbro um
momento especial entre mãe e filha.
“Papi!”, Lily exclama, assim que me vê. Sorrio de lado, sem
esboçar felicidade, mas não demonstro irritação.
Lily vem até mim e abraça as minhas pernas. Encaro Rachel.
“Olá, Gregory.” Não há ironia no seu tom de voz, muito menos um
indício de que sua presença só serve para me provocar. Isso me deixa
contente.
“O que faz aqui?” É uma pergunta recorrente, também não há
acusação no meu tom de voz. Existe uma trégua que jamais achei possível.
“Queria saber por mim mesma se Lily está bem. Sabia que ela tirou
A em uma atividade feita com a turma? Ela estava me explicando o que ela
tem aprendido, e eu fiquei muito orgulhosa de você, Lily. Melhor do que eu,
eu sempre fui péssima na escola.” Ela faz uma careta, desdenhando de si
mesma. “Mas... nota dez nas provas da vida.”
Sem querer, um sorriso aparece no canto dos meus lábios. É Lily
provando o que eu sempre disse a ela. A filha com síndrome de down, é tão
capaz quanto qualquer outra criança da sua idade. Sou o típico pai
orgulhoso.
“Lily é incrível. Não é, filha?” Ela assente e me abraça forte, eu a
pego no colo, e a protejo nos meus braços. Rachel nos observa, como se
tivesse inveja do nosso carinho.
Me estende a mochila de Lily e eu a pego.
“A mamãe pode jantar com a gente hoje à noite?”, Lily pede, como
se já fosse algo combinado entre elas. Olho rápido para ela, a recriminando
por não me dar a chance de recusar. Mas já era o seu plano, levando em
conta que não quero aborrecer Lily.
“Pode”, digo, fazendo Lily vibrar no meu colo, surpreendendo
Rachel. “Eu estava mesmo querendo falar com você.” O olhar dela se
acende, fica brilhante e intenso. Não tem aquele perigo específico, mas há
uma intenção por trás. “Agora vamos, Lily. Precisamos almoçar. Ainda
tenho uma reunião logo mais.”
“Tchau, mamãe.” Rachel acaricia o seu cabelo.
“Tchau, querida.”
E então levo a minha filha, sentindo o meu coração se contrair mais
uma vez.
Eu a coloco sentada no banco, faço a volta no carro e me sento no
meu banco. Encaro o retrovisor, observando a imagem vitoriosa de Rachel.
“Sobre o que vocês conversaram?”, pergunto a Lily, assim que dou
partida no carro. Tento ser o mais compreensivo possível. Uma conversa
normal entre pai e filha.
“Ela queria saber do que eu gosti.”
“Gosto, filha.”
“Isso, gosto. Eu disse que gosto de ler Harry Potter, que você e Evil
leem pra mim. Também disse que gosto de ir à praia com o papi e tomar
sorvete com a Evil.” Uma conversa normal, saudável. “Eu disse que gosto
de paçuc.” Ela inclina no vão entre o banco do motorista e o banco do
carona e liga o som.
“Paçoca”, eu a corrijo mais uma vez.
“É, paçoca.” Lily ri envergonhada escondendo o rosto no meu
ombro. O sorriso dela é lindo. Beijo o topo da sua cabeça, enquanto Dance
Monkey toca no som.
“Você contou a ela sobre sua viagem ao Brasil?” Ela assente.
“Si—sim. Também falei sobre o aquário na China.” Sorrio de lado,
orgulhoso. Rachel teve uma ideia de como Lily foi criada, e como ela é
educada e inteligente. Talvez assim Rachel saiba o quanto perdeu não
estando ao nosso lado.
“Que bom, filha. E ela gostou?”
“Aham.”
“E... Ela falou sobre... ela?” Uma pergunta especulativa, como quem
não quer nada.
“Não. Ela só disse que não pôde ficar comigo porque estava muito e
muito longe, cuidando da saúde. Papi, ela estava doente?” É uma forma de
se justificar. De certa forma Rachel estava mesmo mal de saúde. O
psicológico dela sempre foi horroroso.
“Talvez, filha.”
“Espero que ela esteja melhor agora. Eu gostei de conversar com
ela. Papi, a mamãe é tão linda!” Isso é verdade.
Não respondo. Meu coração continua contraído, a diferença agora é
por Lily. Não sei que tipo de expectativas minha filha está criando com a
volta da mãe. Não sei que tipo de expectativas eu estou criando com a volta
da Rachel.
7

Passado

Um homem emocionalmente alterado, vermelho de raiva e com uma


impaciência anormal, adentrou a Lamborghini, fechando a porta com força
em seguida. A respiração é audível.
“Dirija, Jacob!”, ele ordenou, sem mais ressalvas.
O jovem motorista deu partida imediatamente, quase cantando pneu
ao arrancar dali. O motivo dessa ira devia ter sido grave, já que Isaac
acabou de entrar e saiu, o humor bastante diferente da entrada e saída. Ele
observava o comportamento do patrão, ao dar algumas olhadas através do
retrovisor. Jacob já presenciou tal comportamento, como não? Isaac não era
o tipo de homem exatamente calmo. Ele tinha seus momentos, e quando
eles surgiam podia ser bem ruins. Mas com ele não, Isaac sempre foi
amigável e gentil. Aconteceu algo muito sério.
“Aconteceu alguma coisa, senhor?”, perguntou cauteloso. Não por
correr o risco de parecer intrometido, mas não era da índole de Jacob
presenciar uma cena assim e não se importar. O sigilo profissional era
demais para ele, nesse sentido.
“Aconteceu. Sempre está acontecendo alguma coisa, não é?” Jacob
continuava encarando os olhos glaciais, que estavam vermelhos de cólera,
prestando atenção no trânsito ao mesmo tempo. “Dirija até o seu bairro.”
Jacob ficou confuso.
“Perdão?”
“Você ouviu, Jacob. Eu quero que vá até o seu bairro agora mesmo.”
Essa com certeza era uma grande surpresa. Homens como Isaac
Mazza nunca vão lá a não ser época de eleição. Eles ajudam os menos
favorecidos afim de ganhar alguns votos em troca. Mas, pelo que ele sabia,
Isaac ainda não se candidatou, e vão levar alguns meses para as eleições. O
que ele pretendia? Uma visitinha especial não era, isso também não
combinava com o milionário. A verdade era que o patrão tem estado mais
estranho do que o normal e Jacob já começava a se preocupar.
Sem mais perguntas, Jacob Crow entrou em uma rua, pegando a
próxima avenida direto a ponte com destino a Allapatah.
No banco de trás, Isaac não parava de encarar o telefone, as palavras
cortantes de Nicole dizendo que estava grávida era como se o dilacerasse.
Como que ele foi deixar isso acontecer? Sempre foi cuidadoso. Não
pretendia formar uma família com aquela mulher, era uma relação apenas
profissional. Havia tesão, claro. Nicole era linda, lindíssima, para ser mais
exato. Ela sabia seduzir, sabia persuadir, ele sabia em que estava se
metendo quando resolveu entrar no jogo dela, mas daí engravidá-la? Isso
soava como uma armação para Isaac e ele precisava resolver a situação, ou
pelo menos parte dela, antes de dar os próximos passos.
Ele abre o flip do celular antigo e faz uma ligação. A pessoa do
outro lado atende imediatamente.
“Estou chegando, abra para que eu possa entrar e sair discretamente.
Ninguém pode me ver aqui.” Em seguida, desligou o aparelho.
Jacob o encarava mais uma vez através do retrovisor, dessa vez de
uma forma mais discreta e contida. Isso não parecia ser uma visita de forma
alguma, mas um segredo. Um segredo muito importante.
“Pare o carro próximo àquela rua”, Isaac disse, indicando uma viela
fedida aos arredores. Nem Jacob que conheci bem aquele lugar nunca havia
passado por aqui, em toda a sua vida.
“Tem certeza, senhor?” Isaac piscou o olhar uma vez, concordando.
Quando o carro parou, Isaac segurou no ombro de Jacob
amigavelmente.
“Nenhuma palavra sobre isso, entendeu?” Foi enfático, olhando bem
no fundo dos olhos de Jacob, um tanto ameaçador. “Você nunca esteve aqui,
eu nunca estive aqui.” Jacob assentiu freneticamente, engolindo a seco.
“Si-sim, senhor.”
“Ótimo! Irei te recompensar muito bem, Jacob. Você é alguém que
posso confiar.” Jacob assentiu mais uma vez, o sorriso no canto dos lábios
de puro nervoso, assim que a feição do patrão mudou.
Isaac desceu do carro e caminhou até uma porta quase caindo aos
pedaços. Um homem alto, trajado com vestes de segurança o deixou passar.
Um contraste gritante do ambiente e da pessoa que o recebe. Jacob ficou
curioso.
E se o patrão precisar de ajuda? Esse não é um lugar apropriado para
alguém como ele. Jacob conhecia bem o gueto, sabia como uma pessoa
comum não sobrevive, quem dirá um homem com posses como Isaac. Não
pareceu estar cheirando bem para Jacob. Ele que não ficaria dentro do carro
esperando tudo acontecer.
Jacob desligou o carro e com muito cuidado foi atrás do patrão. Se
alguma coisa der errado, ele tinha uma arma na cintura. Teve um certo
treinamento com tiros antes de se tornar motorista do magnata. Ele sabia
bem como usá-la quando necessário.
Antes que a porta se fechasse, ele adentrou o local, se esguelhando
por um umbral e outro, seguiu o patrão que estava sendo guiado pelo
homem que o recebeu, sem deixar que ninguém o visse.
Dentro do estabelecimento, era realmente bem diferente. As luzes
eram quase cegantes, o barulho da música, mulheres exibindo seus corpos
sensuais, o cheiro asfixiante de cigarros e drogas. Não havia nada caindo
aos pedaços, aquilo era luxo puro, com certeza parecia ser diferente da
fachada de entrada. O que era aquilo? Uma camuflagem? Jacob se
perguntou. Existia uma boate escondida na cidade que ele nunca havia
tomado conhecimento? Por um instante, Jacob perdeu Isaac de vista
enquanto admirava o local, mas logo o encontrou, no segundo andar,
entrando em uma sala. Sala do dono, talvez? Uma máfia escondida? No que
Isaac estava se metendo, afinal? Era o que ele se perguntava.
“Isaac Mazza.”
Um homem alto e magro o cumprimentou. Ele tinha um sorriso
diabólico no canto dos lábios. Isaac inspecionava o lugar. Dois homens
segurando uma arma no canto esquerdo e uma mulher morena, olhos bem
azuis, grávida ao lado. Devia ser sua esposa. Estava machucada e assustada.
Ele nem se importava com que Lino fazia com a mulher dele, só precisava
de resultados.
“O que traz o homem mais importante de Miami até o meu humilde
estabelecimento?” Isaac tinha desdenho na sua feição, conhecia bem o tipo
de homem que Lino Berenson era. Um homem perigoso e ardiloso. Ele
detestava ter que se envolver com esse tipo, mesmo que fosse caso de vida
ou morte.
“Sabe o que vim fazer aqui. Quero que faça o que me prometeu.”
Isaac exigiu, sem temer um dos maiores traficantes da época. Mesmo que
estivesse começando, Berenson sabia fazer as coisas funcionarem, foi o que
falou mais alto quando Isaac estava tentando tomar essa decisão.
Uma decisão difícil, mas inevitável. Ele precisava se tornar quem
ele queria, mesmo que para isso tivesse que sujar as mãos. A determinação
era algo que estava no sangue, e não importava os meios, mas os fins.
“Muito bem.” Lino deu dois passos para trás, uma expressão
solícita. “Quem você quer que eu mate dessa vez?” Jacob, que ouvia tudo
atrás da porta, arregalou os olhos de uma maneira quase delirante. Então era
isso que Isaac veio fazer aqui? A angústia começava a se apoderar do
motorista.
Matar uma pessoa? Será que Isaac, um homem tão distinto, de
família, rico e importante, seria capaz de mandar matar alguém? A imagem
que Jacob tinha de Isaac, começava a esvair, e ele começava a se perguntar
se realmente foi um bom negócio se meter nisso. E se ele descobrisse que
ele estava ouvindo atrás da porta? O que seria dele? Ou melhor, o que seria
da sua esposa, já que Isaac já a viu uma vez?
Jacob pensou em sair correndo, mas se deteve com a resposta do
patrão.
“Não brinca com isso, Lino”, Isaac falou asperamente, visivelmente
incomodado, logo em seguida uma gargalhada explodiu pelo ambiente.
Uma gargalhada diabólica.
“Eu estava brincando, caro Isaac.” Mais um riso. “Relaxa, relaxa.”
Isaac respirou fundo, aliviado, Jacob também. Aquilo não era real, Isaac
não era um assassino. “Ande, tome uma bebida, deve estar com frio.”
Ele instruiu seus empregados a servir Isaac, e indicou o sofá para
que ele se sentasse. Puxando as barras da calça de grife e olhando mais uma
vez para a mulher, ele se sentou, tentando ficar o mais tranquilo possível.
Um licor de cereja foi servido para ele. Não era um dos preferidos de Isaac,
mas ele não podia exigir demais. Não era uma noite de bebida com amigos,
mas com um sujeito asqueroso.
“Phillip está me ameaçando”, disparou, com um certo teor de
revolta. “Ele quer que eu dê algo em troca, caso ele consiga o que eu quero.
Eu não vou ficar na mão de ninguém, Lino, você me prometeu.”
E quem disse que fazer acordo com o diabo não lhe trás prejuízo?
Lino indicou Phillip Stanton a Isaac, e agora ele não conseguia lidar nem
com um e nem com o outro. Bela forma de se encerrar uma carreira. E olha
que ele tinha planos incríveis com essa nova empreitada.
“Todo sacrifício exige um pagamento, Isaac. Já deveria saber disso.
Phillip apenas deu o seu preço, já que o que você quer pode custar a
liberdade e a carreira dele.”
“Carreira?” Isaac riu. “Uma carreira fingida, você quer dizer.”
“De qualquer forma, você o contratou por causa dela, sendo fingida
ou não.” Isaac engoliu o orgulho. Lino estava certo, foi por causa do cargo
de Phillip que Isaac achou obter vantagens.
“Ele sabia no que estava se metendo. Eu fui honesto com ele,
quando lhe pedi que esconda as provas que Stanford quis revelar. Eu disse a
ele que fazendo isso, aquele palerma iria acordar, mas agora ele acha que
tudo seria fácil?”
“Acontece que o ‘palerma’ acordou demais. Ele não é tão bobo
quanto se pensava. Esse é o risco de subestimar demais as pessoas. É
necessário sempre ficar com os olhos bem abertos e saber que a qualquer
momento alguém irá te passar a perna. Não permitir que isso aconteça é o
nosso dever. Mas e você, Isaac? Também sabia dos riscos que poderia vir e
mesmo assim aceitou todos eles.” Isaac deu um gole na bebida ruim,
fazendo uma careta e depois olhou para Lino tranquilamente.
“Eu sempre estou disposto a tudo pelo que eu quero. Eu estava
esperando o vespeiro me atingir, da parte dos meus inimigos, agora
Stanton? Era para ele estar do meu lado. Indicação sua, inclusive. Não dá
pra tolerar traições, Berenson. Nem você mesmo tolera.” Ele deu mais uma
olhada na mulher grávida, assustada ao lado.
Lino Berenson suspirou. Ele nunca teve que lidar com alguém como
um Mazza. Ele tinha um poder de persuasão que Lino não conseguia
explicar. Por mais que ele precisasse, pois sabia que futuramente teria
problemas com ele, Lino sabia que em algum momento precisaria de
alguém como Isaac para alavancar os negócios. Era melhor uma parceria
dessas do que Stanton, com certeza. E isso incomodava Lino.
“Eu vou dar um jeito, não se preocupe.” Ele dá uma pausa,
encarando o homem. “Vou falar com ele.”
Isaac sabia que esse “falar com ele” consistia em ameaças, Stanton e
ele tinha um acordo, então sabia que podia acreditar que dessa vez daria
certo.
“Quero que cale Stanford também. Eu não posso me dar o luxo
desse homem destruir a minha reputação mais do que já destruiu. Ele
precisa sumir.” Jacob voltou a arregalar os olhos, dessa vez estavam falando
sobre morte? Ele não sabia, mas nunca viu o patrão tão determinado assim.
“Você é muito exigente, Isaac. Pra alguém que está na merda, você
exige muito. Sabe o que eu quero em troca, não sabe? Não quer se
comprometer com ninguém, mas comigo irá.” Isaac assentiu, ciente do que
pretendia.
“Um milhão e meio, não é? Esse é o seu preço? Por mim tudo bem.”
Lino meneou a cabeça, como se isso ainda fosse pouco, mas que serviria
por enquanto.
“Pra começar.” Isaac o encarava com os olhos semicerrados.
“Se conseguir fazer com que o desgraçado do Stanton e do Stanford
suma da minha vida, eu posso te oferecer qualquer coisa.” Lino Berenson
sorriu de lado, gostando muito dessa proposta.
Era muito fácil fazer acordos com um homem como ele, sobretudo
Isaac Mazza, um homem que tinha tudo a perder, mas como sabia que podia
ganhar muito, não se importava para perdas, contanto que elas destruam
outras pessoas e não a si mesmo. Ele estendeu a mão para Isaac, firmando
ali um acordo.
Uma movimentação incomum do lado de fora do escritório
interrompeu a conversa. A porta se abreu e um segurança alto e forte arrasta
pelo colarinho Jacob Crow, completamente a mercê de homens
inescrupulosos. Isaac se levantou do sofá, ficando apavorado.
“Senhor, peguei esse homem bisbilhotando.” Uma arma foi
apontada para a cabeça de Jacob, assim como olhos furiosos em direção a
ele.
“Mas que diabo está acontecendo aqui?” Lino puxou uma arma da
cintura e encaixou perfeitamente bem no maxilar quadrado do jovem
motorista. “Você quer morrer?” Isaac gelou, quando o gatilho foi acionado.
“Ele está comigo.” Isaac foi a frente, empunhando a voz,
praticamente arrancando Jacob do punho do homem. “É o meu motorista,
Lino. Não faça nada contra ele.” Isaac conseguiu amolecer Lino, ainda que
o mesmo continuava a manter a arma no mesmo lugar. “Ele é só um garoto
curioso. Um ingênuo garoto curioso.” Isaac repreendia Jacob com o olhar,
que estava assustado na posição que se encontrava.
Lino retirou a arma do maxilar de Jacob, ordenando com o olhar que
seu capanga fizesse o mesmo.
“Da próxima vez, tome cuidado com o seu motorista, Isaac. Não
tolero homens ousados e intrometidos.” Isaac assentiu, arrastando Jacob
para fora do lugar.
“Não se preocupe.”

“Ficou maluco? Eu não mandei que me esperasse no carro?” Já fora


do estabelecimento, Isaac repreendia Jacob. Jacob estava nervoso, quase
não conseguia falar.
“Des-desculpa, senhor. Eu só achei que iria precisar da minha
ajuda.” Jacob abreu a porta para Isaac e logo em seguida assumiu seu posto
no banco do motorista.
“Eu não preciso de porra de ajuda, Jacob. Eu preciso que me
obedeça, pelo amor de Deus. Se aqueles homens o tivessem visto antes de
mim, eles teriam atirado e sua fidelidade a mim iria água abaixo. Meu Deus
do céu!” Isaac estava aflito, como ele nunca esteve antes. “Não me arrume
mais problemas, por favor.” Jacob deu partida no carro e os dois saíram
dali. “O que você escutou?” Jacob olhou pelo retrovisor.
“Tudo, senhor.” Isaac suspirou, perpassando a mão no rosto.
“Ok, eu posso explicar.” Normalmente Isaac não dava satisfação da
sua vida para ninguém, mas essa situação é diferente, Jacob sabia demais.
“Eu preciso dessa candidatura. Lino Berenson consegue tudo o que
precisamos, mas foi imprudente quando me indicou alguém como Phillip.
Não posso me dar ao luxo de perder isso, Jacob, você entendeu?” Jacob
estav confuso.
“Phillip Stanton, senhor? Aquele que eu o acompanhei até o seu
escritório semana passada?” Isaac estava vidrado ao olhar para Jacob. Foi
imprudente demais deixando com que ele soubesse tanto. Alguém como
Jacob não podia saber demais, não porque ele temia ser descoberto, Jacob
era discreto, mas porque sabia que quem entra nessa nunca mais consegue
sair, sobretudo ele: um homem ingênuo.
“Você não viu nada, Jacob. Está me entendendo? Não aconteceu
nada e você não viu nada.” Jacob assentiu freneticamente.
“Tudo bem, senhor. Eu não vi nada.”
“Me prometa que não vai falar pra ninguém o que viu.” Jacob
ponderou. Pelas coisas que ele ouviu, sabia que aquele homem e agora o
patrão, era o tipo de pessoa que não se podia vacilar. Ele estava vendo um
outro Isaac, mas sabia que gente rica, para ter tudo que tem, nem sempre
tem as mãos limpas. Então não é exatamente uma surpresa.
“Pode deixar, Sr. Mazza. Eu não contarei a ninguém.”
Então os dois homens se encaravam através do espelho retrovisor,
ambos se perguntando se realmente um podia confiar no outro.
8
Gregory Mazza

Estou no pé da escada há um tempo, olhando para ela com muita


atenção desde que Lily subiu para se aprontar para o jantar, que ela mesma,
pessoalmente organizou para a mãe. Ela ficou na cozinha o dia todo,
ditando à Maria o que se deveria preparar. Ao gosto dela, claro. Lily disse
que se ela gosta tanto, com certeza a mãe também irá gostar. Minha menina
é assim: presunçosa como o pai. Um jantar composto por lasanhas, sucos de
fruta e sorvete como sobremesa. Bem a cara da Lily, completamente o
oposto dos gostos da Rachel que se consiste em algo mais refinado, como
caviar e vinhos caros.
Muitas coisas passam pela minha cabeça, é inevitável. Confesso que
já fantasiei o dia em que esse momento chegaria, mas nada comparado a
isso que estou vivendo. Se é que eu tive algo positivo a se esperar de uma
visita como esta. É uma mistura de angústia e frio na barriga. Se esses dois
sentimentos forem sinônimos, eu consegui a dádiva de diferenciá-lo.
Dou uma olhada no relógio e faltam apenas alguns minutos para
Rachel chegar. Eu queria poder mudar de ideia na minha decisão, mas isso
iria decepcionar Lily. Eu poderia trocar esse encontro por algo que ela goste
mais, mas isso seria manipulação, e eu jamais manipularia a minha própria
filha. Eu poderia... sei lá... sair de casa e ficar perambulando por aí até que
esse jantar acabe, mas eu não deixaria Lily sozinha com ela. Eu não
deixaria Lily sozinha de maneira nenhuma. O que me resta agora é torcer
para que tudo dê certo e eu não pire no processo.
E lá vem ela, sendo guiada pela babá. Lily está usando um vestido
rosa rodado com um laço em volta da cintura: seu favorito. Os cabelos
soltos com leves cachos nas pontas, e seu sapatinho bailarina. Ela está
mesmo cheia de expectativas. Deve estar fazendo mil e um planos. Não
posso previr em que momento seu castelo de areia vai desmoronar, mas eu
sei que em algum momento irá, e eu não sei o que eu farei para consolá-la.
“Papi!!” Ela está tão empolgada. Angustiosamente empolgada.
“Como eu tô?” Ela se aproxima de mim, balançando o vestido, igual a uma
mocinha. Lily vai me dar um trabalhão quando fizer quinze anos, levando
em conta que ela já me dá e muito, mesmo nessa idade. Imagina quando
tiver garotos na jogada?
Seguro sua mãozinha e a ajudo a terminar de descer os degraus.
“Está deslumbrante, filha.” Ela fica radiante, o sorriso de orelha a
orelha, os olhos azuis brilhando. Ela ama quando eu digo essa palavra. Isso
é muito mais do que bonita e ela sabe bem o significado.
“Obrigada.” Ela faz uma pequena reverência. Eu a pego no colo,
abraçando a minha filha como se carregasse o meu mundo todo. É o meu
mundo todo.
Dispenso a babá com um aceno de cabeça, e ela se retira, meneando
a cabeça.
“Nossa, onde vocês vão tão lindos assim?” Evelyn desce as escadas,
também arrumada. Um vestido preto, curto e sexy. Deve estar prestes a sair.
Ela não disse que jantaria conosco, provavelmente vai namorar com o
Landon, mesmo insistindo que os dois não têm nada.
“Vou receber uma visita ilotres, Evil.”
“Uau, uma visita ilustre, é? E quem...” Evelyn olha para mim, e pela
minha cara, ela entende de quem se trata. Eu devo ter mencionado a minha
frustração de não ter impedido que Rachel viesse.
“Ah... ah.” Evelyn faz uma careta difícil de disfarçar. “Nossa...” Ela
sorri pelo nariz. Contorço o rosto, para que Evelyn não demonstre tanto
desgosto na frente de Lily. “Então... tá... ok, né?” Contorço o rosto mais
uma vez, para que ela pare de gaguejar, e Evelyn se contém. “Bom...
é....Está linda, meu anjo. Está maravilhosa. Aproveite o seu jantar.” Lily
sorri.
“Obrigada, Evil.”
A companhia toca e eu nunca vi minha filha tão eufórica.
“É ela, papi. É ela! É a mamãe!” Lily me arrasta até a porta para que
eu a abra depressa. E eu não faço de rogado. Preciso que esse teatro termine
de uma vez.
E lá está ela, uma visão que, para ser sincero, eu jamais imaginei
presenciar. Rachel usa um vestido preto comportado. Não mostra mais do
que deve, pra falar a verdade, esconde muita coisa, principalmente o decote,
já que a gola vai até o pescoço, e as mangas até o pulso. As pernas também
estão bem guardadas, cobertas com meia calças pretas e uma bota da
mesma cor. Os cabelos parecem mais sedosos do que quando ela chegou,
tem algumas mechas castanhas. Maquiagem simples, nada tão gritante,
muito pelo contrário, é inocente. Rachel não está para seduzir, embora
continuar muito linda. Parece uma mulher respeitada, casada e
conservadora. Uma verdadeira cristã. Não sei que tipo de mensagem ela
está querendo passar, mas isso me preocupa mais do que me acalma.
“Mamiiii!” Lily pula nos braços de Rachel, que a recebe com
alegria. O sorriso em seus lábios também é puro. Como se ela realmente
tivesse saído por apenas alguns dias a trabalho e voltou para a sua família.
Uma verdadeira mãe.
“Olá, querida. Trouxe isso pra você.” Lily está em seus braços,
radiante com o presente que ganhou. Os olhinhos cheios de lágrimas, como
se fosse chorar de emoção a qualquer hora.
Bom, eu faço isso por ela. Não de emoção, mas de aflição. Medo de
que Rachel a machuque, medo das expectativas que ela está criando em
relação a tudo isso. Antes que alguém veja, limpo meus olhos. Não quero
que Rachel saiba o quanto pode me ferir, embora ela já saiba.
Dou uma olhada para Evelyn que está tão descontente quanto eu, e
peço com o olhar para que ela não faça nada. Não, por enquanto.
“Olá, Gregory.” A voz também mudou. É singela, apaixonante.
Apenas meneio a cabeça com educação. “Evelyn.”
“Olá, Rachel.” Em contraste, Evelyn parece não cair nesse teatro.
“Vejo que está sabendo se comportar em sociedade, não é mesmo? Bom pra
você.” Rachel apenas dá um sorriso sem graça, enquanto eu repreendo
Evelyn mais uma vez. “Bem...” Evelyn murmura. “Infelizmente, não
poderei ficar. Oh, que lástima! Eu queria muito participar disso aqui que
está acontecendo, mas....” Suspira de novo, fingindo decepção. “Eu vou me
encontrar com Landon para um jantar a negócios. Bom jantar para quem
fica. Tchau, titio.” Recebo um beijo na bochecha e Lily outro. Evelyn não
sai sem antes encarar Rachel ameaçadoramente. “Até breve... Rachel”, ela
diz, cheia de farpas. Rachel apenas sorri.
Evelyn sai e fecha a porta.
“Bom...”, digo, afim de dispersar o clima que se criou. “O jantar já
vai ser servido, então...”
“Mami, eu vou te mostrar a casa.” Lily sai arrastando Rachel para
todo lugar. Mostrando cada cômodo. “Vou mostrar o meu quarto. O papi me
deu uma casa do Harry Portter, que é o castelo de Hogwarts.” Depois sobe
para o quarto, empolgada em mostrar a Rachel o que ela mais gosta.
Suspiro fadigado, e vou atrás delas.
Lily mostra suas bonecas para a mãe, sua estante de livros, seu
abajur que é de unicórnio, e claro, o castelo de Hogwarts do Harry Potter.
“É lindo, não é?” Lily pergunta, mas dá para notar o quanto essa
atenção toda é desconfortável para Rachel. Ela olha para mim, mas logo
recupera o vigor costumeiro.
“Lindo, claro. Você vive em extremo luxo, não é, pequena
princesa?”, comenta Rachel, ignorando completamente a importância desse
momento. “Gregory realmente te deu de tudo. Eu não tive dúvidas de que
faria.” Ela olha para mim, como se eu tivesse exagerado nos mimos para a
minha própria filha.
E eu me pergunto o que ela queria que eu fizesse? Eu dei a Lily tudo
que ela queria e que eu achei necessário, e vou continuar dando pelo resto
da minha vida.
“Olha isso aqui, mami.” Lily arrasta Rachel para a outra
extremidade. Ela para diante de uma réplica do espelho mágico de Harry
Potter. Um que ela insistiu que eu comprasse, e eu comprei. “Eu pedi tanto
para que você aparecesse, assim como a família do Harry apareceu no
espelho de Ojesed! Mas comigo, você apareceu de verdade! Viu, papi. O
espelho é mesmo mágico.” Olho para Rachel, e ela olha para mim de volta,
como se a besteira feita fosse difícil reversão.
Por dentro, eu estou gritando para que ela não decepcione a minha
filha, mas talvez eu tenha feito exatamente isso, quando permiti que Rachel
voltasse à nossas vidas.

Com o jantar à mesa, Lily fez questão de se sentar ao lado da mãe.


“Foi a Maria que fez tudo. Ela não sabe o que você gosta, então pedi
pra que fizesse tudo. Quem não gosta de lasanha? Você gosta, não é?”
Rachel olha para a mesa, aquele banquete quase sufocante de
lasanhas. Depois olha para mim, e eu percebo o quanto ainda tenho muito
que aprender, talvez Rachel esteja certa, em relação à fazer tudo que Lily
quer. Eu não deveria ter permitido que minha própria filha passasse por
isso, por essa humilhação.
“Eu como de tudo, querida. O importante é estar aqui com você.”
Não sei não, mas isso me parece forçado. Ela realmente não cai bem nesse
papel. Mas fico grato que suas indiretas e seus sarcasmos não deram as
caras, não na frente de Lily.
Elas se servem e eu continuo observando. É como admirar uma cena
de longe, é como se eu não fizesse parte de nada disso. Elas interagem, mas
eu não estou aqui.
Rachel e Lily comem a lasanha, bebem o suco. Enquanto Lily faz
mil e uma pergunta para Rachel; onde ela mora, quantos anos tem, se ela
tem outros filhos. Rachel responde a tudo com muita cautela, dizendo meias
verdades e algumas com sinceridade.
“Eu ainda sou filha única!” Comemora Lily, fazendo a dancinha
dela. Eu rio, talvez esse seja o único momento que eu consigo sorrir.
Depois do jantar, elas continuam interagindo. Depois do soverte de
pistache com chocolate, Rachel ajuda Lily a montar o presente que trouxe
para ela. O sorriso de Rachel é diferente, é mais feliz, leve. Como se aquele
peso de anos atrás tivesse desaparecido. Como se estar ao lado da filha
fosse como um alívio.
“Você tem uma tatuagem com o meu nome!”, Lily grita quando lê o
nome escrito no dorso da mão de Rachel. Isso com certeza me surpreende.
“O papi também tem uma, mas é nas costas, perto das estrelas.” Rachel
olha para mim, e eu a repreendo com o olhar por ter tido a audácia de fazer
uma coisa como esta.
Lily sabe que minhas tatuagens sempre têm um significado, o nome
dela é muito importante para mim, mais do que qualquer outra coisa. Se
Rachel também fez uma, isso com certeza aumentou ainda mais as
expectativas de Lily, bem mais do que antes, mais do que eu posso
controlar.
Mais tarde, coloco Lily para dormir, troco suas roupas e penteio seus
cabelos, enquanto Rachel espera na sala. Eu, ansioso em abrir a boca. Dessa
vez, sem restrições.
“O que você pretende com tudo isso?”, eu a confronto, assim que
desço as escadas, após me certificar de que Lily realmente dormiu. “O
visual novo, o comportamento, a tatuagem. O que está acontecendo,
Rachel?” Ela dá dois passos rápidos até mim.
“Eu não pretendo nada, Gregory. Eu realmente estou sendo sincera.”
Não sei porque, mas eu não acredito em nada.
“Se você machucar a minha filha... eu...” Ela segura no meu braço,
olhando no fundo dos meus olhos. Tremo, bem mais do que eu pretendia.
“Eu não vou machucá-la!”, enfatiza. “Eu não vou, entendeu? Confie
em mim.” Eu a analiso, meio apreensivo. Tá aí uma coisa que não dá para
fazer: confiar nela.
“O espelho de Ojesed. Pode ser besteira pra você, mas pra ela não.
Aquilo ali é muito importante pra Lily.” Ela assente, a expressão leve,
confiável.
“Eu sei. Eu li os livros, não sou tão sem cultura como pareço. Aliás,
li quando descobri que é o favorito dela.” Fico irritado.
“Você andou investigando a Lily? Usou um daqueles seus
métodos?” Ela não responde, me deixando cada vez mais possesso.
“Rachel!”, altero a voz.
“E como acha que eu descobriria? Ela também é minha filha!”
“Você é uma...” Ela segura meu rosto.
“Eu não vou machucá-la”, garante, como um fio de voz. Tremo de
novo, porque não reconheço essa Rachel, e mesmo assim, tenho muito
medo dela.
Respiro audível, meu coração batendo acelerado.
“Você promete?” É uma pergunta dolorosa, quase sufocante e ela
percebe o quanto estou me segurando para não desabar.
Rachel caminha pelo espaço e depois vira de costas.
“Eu sabia que quando eu voltasse a Lily me trataria desse jeito,
Garanhão. Eu não sou idiota, e sabia de todos os riscos que isso poderia
acarretar”, diz, completamente sincera. Rachel vira para mim, olhando em
meus olhos dessa vez. “É o que eu sempre imaginei fazer com a minha mãe
se ela voltasse algum dia, embora eu soubesse que ela tinha morrido.” E
então os olhos marejam. Agora é Rachel que não quer mais se segurar. “Eu
sei o que a Lily está sentindo. E meu Deus, Gregory, ela me ama! Mesmo
sem me conhecer, ela me ama.” As lágrimas nos olhos de Rachel escorrem
rápido demais. Meu coração palpita de novo. “Eu nunca me senti amada
assim. Por ninguém.” Sou capaz de compreender o que Rachel está
dizendo, porque foi o mesmo que senti no momento em que Lily, ainda
bebê, começava a me reconhecer como seu pai. “Eu não posso decepcioná-
la, está bem?” É como se Rachel dissesse isso para si mesma, e não para
mim. “Me dê um voto de confiança. Só mais dessa vez? Prometo que não
vou decepcionar ”
Rachel não pode prometer o que nem mesmo ela consegue controlar.
A vontade dela e o que realmente fará, nunca estiveram em concordância.
Ela é volúvel, imprevisível até mesmo para si. Não tem como confiar em
alguém assim.
Talvez eu esteja cometendo uma grande bobagem, mas talvez eu
também queria isso. Queira o que acabou se criando nessa noite. A alegria
da minha filha, as expectativas por finalmente estar com a mãe.
“Gregory...” Ela exige uma reação. Uma positiva, de preferência. É
o que quero fazer, então eu faço.
Eu assinto, em concordância.
“Está bem”, falo em um fio de voz.
Rachel se joga nos meus braços pelo voto de confiança que me
submeto. Eu a recebo, sentindo meus ossos gritarem. Deposito um beijo no
topo da sua cabeça, sentindo a dor que provavelmente ela deve estar
sentindo também.
9

Gregory Mazza

No centro do meu escritório da Mazza Undertaking, eu respiro


fundo. Alongo o pescoço, fazendo movimentos de um lado para o outro.
Esfrego a palma na nuca e respiro mais uma vez. Perpasso a mão no cabelo
sem desalinhá-lo e respiro de novo, dessa vez longa e profundamente. Não
tem sido fácil conciliar a minha vida profissional da pessoal, ambos têm me
dado trabalho igualmente. Não sei em qual área terei sucesso, mas o medo
do fracasso é iminente, ainda mais se tratando do que é melhor para Lily.
Não sei se a aproximação de Rachel é ruim, mas também não sei se é bom.
Phillip Stanton também está na minha cola. Ele quer o banco a todo
custo, mas não pretendo ceder tão fácil. Ainda não tive cabeça para
contratar um bom advogado. Nem sei se quero mexer com isso por agora.
A porta dá duas batidas breves e Karen Osmond adentra o escritório
sem esperar a minha resposta. Ela sabe que independente de qualquer coisa,
ela está autorizada a fazer o que achar melhor. Com os cabelos soltos, e um
macacão chique de calças longas e alças finas quadrada, na cor preta, ela é
de longe diferente da mulher que ela era. Não só pela beleza, mas pelo
cargo que ocupa. Ela é a executiva sênior na área da Internacionalização.
Karen tem sido muito mais do que uma simples profissional, mas o motivo
de eu saber que até mesmo na minha vida amorosa eu estou ferrado, com
certeza me desanima.
“Fechamos duas franquias no exterior”, ela começa, ignorando o
meu olhar para ela. Um olhar complacente, cheio de dor, mas terno.
“Portugal e Itália desejam fechar negócio conosco, devido à
Internacionalização com parceria ao projeto da Srta. Mazza e do Sr. Watter.
Eles ficaram realmente interessados.” Ela estende alguns papéis. “Quando o
senhor assinar, já podemos começar os tramites.” Não os pego, pelo
contrário, continuo a encarando. Imaginando tudo que poderia ser se tudo
fosse diferente.
Ela coloca os papéis na mesa quando se dar conta de que estou
sendo antiprofissional.
“Mais tarde eu os pego assinados. Leve o tempo que precisar. ”
Antes que ela saia, seguro em sua mão, não permitindo que dê nem mais
um passo.
Um ato arriscado, mas em que momento me tornei tão cheio de
pudor?
“Karen...” Ela encara a minha mão na sua, depois sobe a vista até o
meu rosto. Provavelmente minha feição é suplicante, deplorável. Porém a
dela, frio. Solto sua mão para não assustá-la. “Precisamos conversar.”
Engulo em seco, temendo sua reposta.
“É sobre o projeto, Sr. Mazza?” Sua pergunta é restritiva. Está
impondo limites. É engraçado porque conversar sobre trabalho com Karen
sempre foi normal para mim, mas agora não. Agora é diferente, e não é
apenas sobre trabalho que quero conversar. Não mais.
“Não”, sou enfático, deixando claro o que eu quero. “É sobre aquele
jantar.” Ela desvia os olhos, extremamente magoada ao lembrar. Eu não sei
qual mal eu fiz para Karen, mas foi algo doloroso, que eu desejo reparar.
“Eu deveria ter sido mais claro sobre os meus motivos, no entanto...”
“Mais?”, questiona, ferina. “O senhor foi claro o suficiente. Foi tão
claro que eu entendi qual é o meu lugar, Sr. Mazza.” Fecho os olhos com
força, diante desse mal entendido.
“Não...Karen... eu.
“A Srta. Carter está de volta, não está?” Olho para ela,
imediatamente. Eu não acredito que Karen pensa que furei com ela pela
Rachel. Foi pela Rachel, mas não assim. Não como ela pensa.
“Está, mas...” Tento falar, mas ela não deixa.
“O senhor dormiu com ela?” Os olhos de Karen estão lacrimejantes.
Fico desesperado por ela achar uma coisa dessas. Me empertigo.
“É claro que não!”, brado, para que ela me escute. “Eu não faria isso
novamente, e você sabe muito bem os meus motivos. A Rachel é um
problema, um problema que eu não consigo resolver, é só.”
“E eu? Alguém que você teve pena?” Eu fico sem reação, não
porque Karen está certa, mas por eu ter lhe causado essa impressão. “Sabe
como engravidei do Erik, Sr. Mazza? Acho que não contei isso ao senhor,
mas talvez esse seja o momento pra isso.” Sinto um arrepio no corpo, o
incômodo se apoderando de mim. “O pai do Erik foi um caso de um dia.
Um pouco antes de entrar na Mazza Undertaking. Ele era um colega de
trabalho em uma firma na época. Ele era lindo! Alto, loiro, sorriso sedutor.
Fiquei completamente rendida com sua gentileza e suas declarações.” Ela
respira, está claro que é difícil lembrar.
“Karen, não preci...” Tento poupá-la desse constrangimento, mas ela
não está disposta a recuar.
“Não, eu quero falar. Quero que saiba como as coisas são para
mim.” Ela fecha os olhos com força, a dor a consumindo, mas corajosa o
suficiente para prosseguir. “Ele me convidou para sair, depois de semanas
me rondando, dizendo que estava afim. Por que não? Eu também estava
encantada por ele, queria ter um namorado, já que até então nenhum outro
homem havia me desejado daquele jeito. E quem desejaria? Uma mulher
sem graça como eu era?”
“Karen, isso não é verdade. Por favor, não precisa...” Tento mais
uma vez poupá-la. Talvez poupar a mim também.
Eu sei muito bem o que eu achava dela no passado. Sem graça, uma
timidez ridícula, fraca, desajeitada. E eu sentia orgulho de perceber o
quanto eu mexia com ela. Coisas que não me orgulho, só pesa ainda mais.
“Sr. Mazza, eu vou falar, queira o senhor ou não.” Ela dá uma pausa
e continua: “Eu fui até o encontro. Ele havia reservado um restaurante
chique para jantarmos. Comemos juntos, sorrimos, nos beijamos e depois
fomos pra cama. Ele também havia alugado um quarto de hotel pra me
levar. Eu era virgem, sabia? Achei que era o momento ideal para perder a
virgindade. ” Franzo o cenho, eu não sei aonde ela quer chegar, mas foi
mais ou menos o que aconteceu conosco. Os encontros e depois uma noite
juntos. “No outro dia, quando me aproximei dele no trabalho, todos em
volta começaram a rir. Eles riam tanto que me deixou desconfortável.
Parecia que eles estavam rindo de mim. E estavam mesmo. O Nollan, esse
era o nome dele, e seus amigos fizeram uma aposta de que ele conseguiria
conquistar e levar a funcionária mais sem graça pra cama, no caso eu. Um
valor aproximado a dez mil dólares.” Karen começa a chora. Cerro os
punhos, certo de que se encontrasse com esse homem eu o quebraria inteiro.
“Esse foi o preço da minha gravidez no final das contas. É isso que
acontece com uma mulher como eu.” Bato com força a mão na mesa.
“E você está querendo me dizer que eu sou igual a esse desgraçado?
Que eu te usei dessa forma e depois que não quis mais te apunhalei pelas
costas?” Não sei porque estou tão irritado, é normal que ela pense uma
coisa dessas. Quando sofremos uma injustiça severa a tendência é
desconfiar de todos, mas não foi o que eu fiz. Eu não sou assim. Eu nunca
fui assim, nem mesmo com Bethany.
“O senhor pode não ser como o Nollan, Sr. Mazza. Porém, eu já
deveria saber que homens como senhor não se interessam por mulheres
como eu.” O que Karen diz é bobagem. Uma tremenda idiotice.
“Mulheres como você? Acredita mesmo nisso? Acha mesmo que foi
dessa forma odiosa que eu te tratei? Eu posso ter um milhão de defeitos,
mas eu jamais me deitei com uma mulher e depois a descartei como lixo.
Eu não sou assim.” Uma lágrima escorre dos seus olhos, Karen mal
consegue respirar.
“Então como foi que me tratou? Por que então me fez experimentar
o céu e de repente me levou ao inferno, da mesma forma que eu senti no
passado?” Isso me deixa atordoado. Mas foi bom ela se abrir. Só assim eu
percebo o quão mal eu fiz. Eu não deveria ter instigado a Karen sabendo
que eu não estava pronto para isso.
Quando me envolvi com a Karen depois de tantos anos a ignorando,
achei que estava abrindo os olhos para algo realmente importante. Depois
que me separei da Tess fiquei completamente perdido no mundo, me
envolvi com Nataly por pura necessidade de me encaixar, voltar a obter
algum sentido na minha vida, mas fracassei. Nós dois estávamos magoados
demais, uma sintonia igual, porém não compatíveis. A Karen foi algo
tranquilo em muito tempo. Eu não pensava tanto na Tess como antes, eu
estava conformado, e não desejava me envolver com mulher nenhuma só
para aplacar uma carência. Achei que era o momento certo para recomeçar,
embora eu saber que a qualquer momento eu poderia magoá-la. Bem, eu
estava certo. Mas Karen me trata como se eu tivesse a usado, eu não a usei,
eu me libertei.
“Alguém que eu queria e quero ter ao meu lado.” Agora é ela que
fica sem reação. Me aproximo de Karen e sou capaz de ouvir a sua
respiração, é descompassada, cabeça baixa, mas a minha também está. “Se
sabe que Rachel está de volta, então sabe porque eu tentei te afastar.”
Lentamente ela vai levantando a vista até mim. Os lábios rosados são
suculentos demais, e o olhar assustado, meigos e atraentes. “Eu não sabia o
que ela pretendia, eu não podia arriscar a vida de mais ninguém. Esse e
somente esse foi o meu motivo.” Ela tenta respirar com mais calma, engole
em seco. O perfume dela é suave e bom. “Me desculpa se pareci um idiota,
se dei a entender que eu estava te usando, eu não estava. Eu só não queria te
arrastar para minha vida complicada. Eu não queria que você sofresse ao
meu lado.” Trêmula, Karen meneia a cabeça lentamente, acreditando no que
eu digo.
“Quem deveria escolher isso sou eu”, ela diz, quase como um fio de
voz. Meu coração acelera cada vez mais rápido. “Eu arrisquei a minha
liberdade para te defender, e isso sem pedir nada em troca. Acha mesmo
que eu não daria conta de alguém como a Carter? Me acha tão fraca
assim?” Ela sorri friamente e isso me surpreende. “O senhor me subestima
demais, Sr. Mazza. Talvez esse seja o problema. Às vezes o que você acha
que é bom pra todo mundo, seja só fácil pra você. Ninguém consegue
carregar o mundo nos ombros sozinho, nem mesmo alguém como o Senhor.
Nem mesmo Gregory Mazza”, ela diz e sai, batendo a porta em seguida.
E eu fico aqui parado, olhando para porta, tentando entender o que
foi que aconteceu.
10

Stephen Crow

Ouço duas batidas na porta do meu escritório e em seguida Ian


adentra o espaço que montei em casa para que eu possa trabalhar sem ter
que estar o tempo todo longe de casa. Celeste ainda é muito pequena e Tess
precisa da minha ajuda. Só tirei esses momentos porque eu precisava da
presença de Ian o quanto antes.
Ele caminha até mim, usa uma roupa social que combina com o seu
estilo empresarial e advogado ao mesmo tempo. Camisa social preta e calça
jeans branca. Ian parece bem mais velho depois que se casou com a minha
mãe, está mais maduro, uma postura bem mais responsável, se é que isso é
possível.
“Trouxe o que você pediu.” Ele me estende alguns papéis, e eu pego
de sua mão imediatamente.
Abro o conteúdo e encontro uma foto de presidiário de Phillip
Stanton, com toda a sua ficha criminal, e um segundo portfólio de Isaac
Mazza quando abriram um processo, o impedindo de se candidatar a
prefeito da cidade. Analiso o conteúdo por alguns instantes e percebo que
Stanton tinha outros antecedentes antes de se envolver com Isaac. Ele foi
acusado de posse ilegal de armas, contrabando e... participação em lavagem
de dinheiro e extorsão.
“O cara não era tão santo quanto se imagina. E há quem diga que
Isaac que foi o responsável por manchar a imagem dele.” Ian puxa a cadeira
a sua frente e se senta.
“Era o tipo de homem que Isaac precisava para dar continuidade em
seu plano.” Olho para Ian. “Você não faz ideia de onde Isaac encontrou
Stanton.” Ajeito a coluna na cadeira estofada e um sorriso aparece no canto
dos meus lábios.
“Deixa eu adivinhar: Lino Berenson, estou certo?”
“Você sabia?” Assinto.
“É algo que Gregory trouxe pra mim há alguns dias. Foi exatamente
por isso que resolvi me envolver. Se esse cara esteve envolvido com
Berenson, ele conhecia o meu pai e sabia em que circunstância ele aceitou
participar disso. Eu preciso chegar até ele antes de mais nada. Preciso saber
o que ele pretende e assim eliminar de vez essa quadrilha.”
“Você disse que provavelmente Isaac quem apresentou seu pai a
Lino, já que os dois eram próximos e consequentemente esse seria o único
meio disso acontecer.” Assinto.
“Sim, mas tudo que eu precisava saber sobre esse assunto foi
enterrado junto com Isaac muito antes de ele morrer, mas Stanton sabe. Ou
talvez ele saiba mais do que imaginamos. Meu pai era motorista de Isaac na
época, ele levava o patrão em todos os lugares, já que Isaac não dirigia.
Meu pai era como Terence pra mim, por exemplo. E você sabe que por ser
de confiança, Terence sabia tudo que eu fazia, ele tinha total conhecimento
da minha vida. Se for o mesmo com o meu pai, não é tão difícil traçar uma
linha dos acontecimentos.” Ian assente, mexendo no assento.
“Sim, mas Gregory Mazza tem a Rachel. Não seria mais fácil seguir
essa linha?” Nego com a cabeça. Não quero envolver a Rachel nisso. Eu fiz
uma promessa para Tess e pretendo cumprir, mas não é só por isso.
“Rachel voltou por causa da filha, a pretensão dela é outra. Talvez
perturbar Gregory com esse assunto do Stanton em troca de uma
aproximação com a filha, e eu não quero me meter nisso. Não sei o que se
passa na cabeça dela e pelo visto, nem ele sabe. Eu não quero arriscar as
informações que estou conseguindo envolvendo essa mulher. Temos
interesses mútuos com esse assunto e não vou estragar meus planos por
causa dela. Prefiro fazer isso na surdina, colher e informações aqui e ali e
ver o que vai acontecendo. Gregory também pensa assim, então... melhor
pra mim.”
“Stephen Crow voltando a ativa”, brada Ian, orgulhoso. “Gostei de
ver.” Sorrio, meio descrente. “Vai ceder essas informações a Gregory?”
Afirmo com o meneio de cabeça.
“Foi o nosso acordo. Ele provavelmente não sabe mais do que eu.
Ele também tem vindo até mim trazendo novas informações. Apesar de que
temos interesses diferentes, vamos acabar nos ajudando no final das contas.
Se Stanton tem alguma coisa a ver com o assassinato do meu pai, eu quero
que ele pague por isso, e a melhor forma disso acontecer, depois de tantos
anos, é pelo golpe que ele está querendo dar no Bank Mazza.” Ian parece
confuso, meio aéreo, mas não pelo que acabei de dizer.
“Dos cenários mais atípicos que eu poderia imaginar, sua
aproximação com Gregory Mazza era uma das hipóteses mais longínquas.
Tem certeza de que é isso que você quer? Já perdi as contas de quantas
vezes você disse que não confia no Gregory. Que jamais iria se aproximar
dele. Alguma coisa realmente aconteceu com você naquele tribunal.”
Penso um pouco sobre isso, não é questão de confiança, é questão
de analisar a situação por outro ângulo. Eu tenho feito muito isso. Buscando
alternativas diferentes para julgar um caso. Não é mais tudo ou nada, eu
tenho mais cuidado, um olhar minucioso para as questões antes de dar algo
como certo e errado.
“Já se passaram alguns anos, Ian. Gregory mudou muito, eu mudei
muito. Não somos mais aqueles caras disputando o mesmo território. Uma
coisa que eu disse pra Tess quando ela me fez a mesma pergunta é que,
Gregory agora é pai, os objetivos dele são diferentes. Ele luta por algo
nobre, justamente por causa da filha. Ele está tentando protegê-la do que ele
já fez no passado. Ele está certo, é o que eu faria na situação dele,
justamente pensando nos meus filhos. Não acho que Gregory queira me
prejudicar, ele não tem mais motivos pra isso. Ele só está lutando pelo que é
dele. Pela primeira vez na vida, a luta dele é justa, e eu quero fazer parte
disso.” Ian me encara, meio consternado.
“Nossa... isso é realmente incrível. A Tess deve está impressionada,
tanto quanto eu estou.” Suspiro, sabendo que não é bem assim.
“Eu realmente queria que a Tess entendesse. Ela entende, mas teme.
O que é compreensível, mas não sei, a Tess tem andado muito estressada
ultimamente. Acredita você que ela está com ciúmes da Christine Bianchi?”
Ian gargalha, elevando a cabeça para o alto, achando isso tão improvável
quanto eu.
“A Christine é bonita, inteligente, bem chamativa, mas não creio
que seja pra tanto.”
“Pois é. Pra uma mulher ameaçar a Tess tem que ser bem sério, mas
acho que seja além disso. A gravidez dos gêmeos foi tranquila em termos
de condições emocionais. A Tess tinha praticamente o mundo da moda
fazendo o trabalho por ela. Estava todo mundo aclamando a minha mulher,
e ela não precisou dar conta de muita coisa. Já a gravidez da Celeste, houve
muita pressão. As revistas e os patrocinadores queriam cada vez mais dela.
Criações novas, uma campanha diferente, e ela não teve cabeça para dar
conta de tudo isso. Os escândalos estavam vindo à tona, a volta de Dervishi,
o problema com a Riley e a ameaça ao irmão. Acho que tudo isso
sobrecarregou a Tess de um jeito que ela não estava pronta. Aí eu apareço
com uma bomba dessa, dizendo que quero fazer parte dos assuntos do
Gregory, no meio de uma volta da Rachel. O ciúmes foi só a ponta do
iceberg.”
“É...” Ian suspira. “Não deve ter sido nada fácil. Se você quiser eu
indico uma ajuda profissional pra ela. A mesma que tem acompanhado
Savannah, por conta da adaptação da Atlana. Ela tem sido boa. Se Savannah
soubesse, com certeza tinha feito isso a mais tempo.”
“Tess tem guardado muito para si o que está sentindo. Algo que não
está me agradando muito. Acho que ela não quer mais me sobrecarregar, na
visão dela e isso está afetando cada vez mais. Mas não se preocupe, eu
tenho planos para acabar com o estresse da Tess, tem certeza de que vai
ajudar.”
“Bem, espero que tudo se resolva. Eu vou indo nessa, porque tenho
que passar em casa antes de voltar a Nova York.
“Então pretende voltar ainda hoje?” Ele assente.
“Sim, tenho uma reunião marcada com aquele cara que eu te falei.
Mas antes quero ver Savannah, provavelmente ela vai ficar com a Atlana
por mais alguns dias resolvendo assuntos da CopperHeal.” Concordo.
“Então, boa viagem” Aperto a mão de Ian e ele se retira.

Assim que saio do escritório, vejo os meus dois filhos brigando um


com o outro por causa de um jogo no Xbox. Tess tentando acalmá-los, mas
nada resolvendo.
“Ben, você jogou essa luta ontem o dia todo, agora é a minha vez!”,
protesta Jacob, indignado.
“Você também jogou a corrida ontem, Jake, e decidimos que iria nos
revezar.”
“Já nos revezamos”, Ben é enfático. Claramente se valendo de uma
oportunidade para dar uma de esperto.
“Não é justo.” Jake me ver se aproximando. “Pai!”
“Meninos, por favor”, Tess intervém. “Eu não acredito que estão
brigando por causa de jogo. O que foi que vocês prometeram?”
“Mas, mãe!”, protesta Jake.
“Mas nada. Acabou essa briga. Stephen!” Dou um passo a frente,
pedindo que ela deixe esse assunto comigo.
“Por que não jogam o Fantástico?”, digo. “Os dois gostam desse
jogo, e assim irão se divertir e não brigar. Eu avisei que se algo começar a
dar problema, eu iria confiscá-lo, até que vocês comecem a entrar em
consenso.” Temendo ficar sem o brinquedo, Ben e Jake, se entreolham e
abaixam a cabeça, cedendo ao meu comando.
“Sim, papai.” Os dois falam juntos e saem em direção ao andar de
cima.
“É inacreditável”, murmura Tess. “Eu tentei de tudo, mas eles não
me escutaram. Que raios tem nesse jogo que os fazem ser tão mesquinhos
um com o outro? Eu não quero isso aqui, Stephen. Não, de jeito nenhum.”
Eu abraço a minha mulher, alisando seus ombros descobertos, sabendo o
quanto está estressada.
Mesmo nervosa, ela continua sendo linda. A mulher mais perfeita
que já vi em toda a minha vida. Porque, mesmo, com medo ela demonstra
o quanto se importa.
“Não se preocupe com isso”, sussurro no pé do seu ouvido, sentindo
minha mulher relaxando em meus braços. “De agora em diante farei da sua
vida o mais fácil possível. Então se o jogo for algum causador de problema,
eu irei intervir.” Tess me abraça com firmeza.
“Você sempre foi capaz de fazer minha vida ficar mais fácil, amor.
Não é de hoje.” Ela beija meus lábios suavemente. “O problema é que se eu
me acostumar com isso, vou ficar mimada.” Sorrio.
“Esse sempre foi o meu dever, sra. Crow. Mimar você. ” Eu a beijo,
sentindo Tess descansar nos meus braços.
Eu a pego no colo e subo com a minha mulher para o quarto.
“Como foi o seu dia?” Coloco Tess sentada na cama, retiro meu
paletó e me posiciono atrás dela.
“Foi bom. Celeste quase não ficou dengosa, então consegui
trabalhar um pouco enquanto o gêmeos brincavam no jardim com o Theo,
ele veio aqui hoje à tarde. Riley conseguiu fechar um desfile para o
próximo mês. Não vou participar por causa da licença maternidade
estendida, mas vou acompanhar tudo por aqui.”
Pelo visto as coisas estão melhorando, eu fico feliz por isso.
Começo a massagear suas costas, tentando me livrar da tensão dela.
“Riley tem sido ótima, não é?”
“Sim, demais. Se não fosse por ela eu nem sei. Mas é aquilo, são
muitas coisas a se resolver. Nem tudo é responsabilidade da Riley.” Tess
suspira por causa do conforto que minha massagem está causando nela. Por
outro lado, fico excitado, ao vê-la tão rendida por mim
“Não quero que pense nisso agora. Apenas se preocupe com você,
está bem?” Retiro a alça fina da sua blusa e começo a beijar seus ombros
descobertos. “Apenas deixe que eu cuide de tudo”, sussurro em seu
ouvindo.
“Então cuide, meu amor.” Tess também sussurra, olhos fechados,
entregue ao meu toque em seus seios. “Faço o que você quiser.” Não é mais
sobre o trabalho que ela está falando, mas sobre outra coisa. Tomo seu
pedido como uma ordem.
Deito Tess na cama, retiro as minhas roupas e as suas. Com
delicadeza, eu a penetro, entrando cada vez mais profundo dentro da minha
mulher. Lhe arrancando suspiros e gemidos. Seus olhos verdes me olhando
com devoção, enquanto me movimento cada vez mais rápido. Minha
mulher é tão gostosa! Não consigo pensar em outra coisa a não ser o quanto
meu corpo relaxa quando estou dentro dela. O quanto preciso de tudo isso.
Abocanho os seu seios um a um. Perpasso a língua em seu pescoço, e
depois a enfio em seu boca. Mais rápido e nossos gemidos são mais
audíveis, os movimentos mais potentes e então gozamos.
11

Passado

Era a segunda vez que Isaac Mazza iria àquele lugar em menos de
uma semana. Há essa altura, Jacob Crow, seu motorista de confiança, já
começava a desconfiar da integridade do patrão, apesar de achá-lo um tanto
corajoso. Isaac não tinha medo de lutar pelo que queria, mesmo que essa
luta o levasse ao extremo. Pelo menos, não era covarde como ele.
Jacob, em casa, observando tudo se acabar; mantimentos, as contas
se acumulando, sua esposa preocupada por causa de tantas dívidas. E ele
ali, sem ter a mínima coragem de pedir nem sequer um aumento ao patrão
podre de rico. Que espécie de homem ele era, um rato? Alguém que se
esconde na própria desgraça sem ter forças para reagir? E se ele fosse como
Isaac, destemido? Talvez ele pudesse sim tirar sua família da lama. Talvez
ele poderia encontrar saída para as milhares de contas que só tem se
acumulado desde que chegou a Miami.
Jacob finalmente parou de pensar, ele decidiria que pensar demais só
estava o fazendo perder tempo. Agora era a hora de agir. Agir e se tornar
um homem de verdade. Agir e parar de se lamentar pela vida que escolheu
viver.
Naquele dia, às duas e cinco da manhã, Jacob Crow retornou ao
lugar que sempre levava o patrão. Se houve alguém nesse mundo que
poderia ajudá-lo só podia ser Lino Berenson, o homem que tem feito de
tudo para que Isaac Mazza conseguisse a posição que sempre quis.
“Ora, ora, ora. Então aqui está você mais uma vez.”
Berenson podia ser um homem perigoso, mas Jacob tinha algo para
usar, caso as coisas não saíssem como ele precisava. Uma forma burra para
lidar com esse homem, mas Jacob já tinha feito de tudo, sem sucesso. Esse
é o momento de tentar o que nunca tentou.
“Tirem-no daqui”, Berenson ordenou aos seus capangas, que
seguraram Jacob, um em cada braço.
“Não, por favor, me ouçam.” Berenson hesitou. Os homens
afrouxaram o aperto, ao mínimo olhar do chefe. “Eu tenho vindo aqui todo
esse tempo, acompanhando o Sr. Mazza. Sei tudo o que fazem aqui. Acham
que eu seria capaz de entregá-los?” Berenson ergueu a cabeça, encarou
Jacob com uma pitada de curiosidade e injúria. O simples motorista era
ousado. Burro, mas ousado.
“Foi Isaac que te enviou?” Jacob abaixou a cabeça envergonhado.
Aquilo mais parecia uma traição. Sabia que se Isaac soubesse, a relação dos
dois não seria mais a mesma. Isaac confiou nele, e agora está usando essa
confiança para tirar proveito. Que espécie de pessoa ele está se tornando?
“Claro que não. Se ele souber, tenho certeza de que serei demitido.
Eu sei demais.” A convicção de Jacob agradou Lino. Se ele estava
preocupado com uma simples demissão, ele nem imaginava o que lhe
esperava se ele vacilasse com ele, com a própria vida, se ele ousar a abrir o
bico sobre o funcionamento daquele lugar.
Lino sorriu, sinalizou para que os homens o deixasse, e envolveu
seus braços no ombro do motorista. Homens como Jacob Crow era o que
Lino estava procurando: homem que tinha tudo a perder.
“O que quer de mim, senhor...” Lino puxava Jacob até seu
escritório.
“Crow, Jacob Crow.”
“Jacob Crow.” O homem disse esse nome como se saboreasse um
doce. “Interessante.”
Lino indicou a cadeira para que Jacob se sentasse. Meio perdido e
apreensivo, Jacob o fez, sem deixar de perceber aquele lugar. A mulher
grávida que esta machucada, não estava aqui, ele percebeu. Mas se
perguntou o que esse homem teria feito com ela. Jacob esperava que ela
estivesse bem.
Ainda assim, aquele lugar era como se ele tivesse entrado em uma
arapuca. Mas ele vivia assim há muito tempo, uma arapuca que lhe
trouxesse algum tipo de benefício seria lucrativo.
“O que quer de mim, Jacob?” Essa pergunta era estranhamente
confortante. Era como se finalmente Jacob tivesse encontrado a solução
para os seus problemas, só pelo fato de ter tido coragem. Lino agora era
como uma espécie de bom samaritano, que acabava de se disponibilizar
para lhe ajudar.
“Preciso de dinheiro”, Jacob foi direto ao ponto, sem rodeios. Não
queria mais saber de hesitações, perdeu tempo demais com isso. Lino o
olhou de cima, mais uma vez, impressionado. “Irei pagar, não se preocupe.
Sei que o senhor não faz acordos por benevolência. Sei que sempre existiu
um preço.” Lino continuava a encarar.
“E como pretende me pagar? Com o seu salário medíocre de
motorista?” Todos que estavam na sala começaram a rir, inclusive
Berenson. “Vá embora, meu rapaz. Não se meta nisso.” Lino estava lhe
dando uma chance, mas não era assim que Jacob via.
“Faço qualquer coisa.” Jacob explodiu em meio às risadas, fazendo
todos olharem para ele. Impressionados com sua coragem, ou ingenuidade,
nesse caso. “Eu faço tudo que você quiser.” Agora sim Lino estava
interessado de verdade. Via potencial no rapaz. Ele tinha tudo que ele
precisava, inclusive, necessidade. Pessoas com necessidade são capazes de
qualquer coisa.
Ele serviria para os seus planos futuros. Jovem, começando a vida.
Sem experiência, claro, mas homens como ele aprendem rápido e são
dedicados. Não é como os outros que estavam há tanto tempo ao seu lado e
que causavam mais problemas do que soluções, e Lino já estava cansado
deles. Talvez alguém novo mudaria os ares daquele lugar. Mudaria para
algo melhor e lucrativo. Lino via em Jacob uma bagatela em dólares, muito
mais do que provavelmente ele pedirá.
Um homem adentrou a pequena sala. Um homem alto, olhos bem
azuis. Um rosto realmente familiar para Jacob.
“De quanto você precisa?” Phillip Stanton perguntou e Jacob sorriu
ao acabar de ser aceito.
O que ele não imaginava é que tanto Lino Berenson quanto Phillip
Stanton gostaram tanto dele, que jamais o permitiriam ir embora.
12

Gregory Mazza

Chego no meu escritório e ele me parece do jeito que o deixei. Sem


nenhuma mudança, ameaças ou problemas. Phillip Stanton não está aqui,
porém diferente do que se espera, eu não estou confortável com isso. Nesse
momento, Stanton é como uma cobra peçonhenta, pronta para atacar a
qualquer instante.
Caminho pelo espaço que foi por tantos anos do meu pai, e é como
se os fantasmas do passado viessem para me atormentar. Logo agora que
finalmente consegui encarar esse lugar não mais como objeto da minha
grande disputa contra o meu irmão, ou a minha oposição quase mortal entre
mim e meu pai, mas como a aliança de reconciliação com a minha família,
parece que tudo está indo por água abaixo novamente. O passado não me
deixa em paz. É como um ímã que atraí todo tipo de desastres, até mesmo
os que não têm a ver comigo. Me pergunto se isso vai durar pelo resto da
minha vida. Se vou pagar até o meu último suspiro, assim como o meu pai
pagou.
Bebo uma taça de vinho e o degusto, com a esperança de que a
bebida possa me acalmar, mas não acalma, muito menos alivia. Preciso de
mais. E esse mais, eu jamais obterei aqui, me escondendo, morrendo de
medo como um maldito covarde.
Largo a taça em cima do balcão, pego o paletó, e as chaves do carro.
Preciso ir a outro lugar. Talvez o único lugar capaz de me dar paz nesse
momento.
Estaciono o carro na vaga e me encaminho até o prédio de alto
padrão a qual Karen mora desde que ganhou sua promoção. Hoje é sua
folga e esse é o único lugar que eu poderia encontrá-la. Apesar de que com
certeza estou sendo inconveniente em vir novamente até aqui depois de
tudo que eu fiz, pretendo arriscar.
Toco a campainha e quem atende é ela. O sorriso desfazendo assim
que me ver, dando lugar a olhos verdes-amarelados assustados e tensos.
Apesar disso, está linda. Um visual despojado, mas sensual. Cabelos bem
cuidados e soltos. Uma postura altiva, mas feminina e atraente.
Uau! Eu jamais imaginei uma atitude dessas vinda dela, mas
também nunca me imaginei indo atrás dela, e essa já é a segunda vez.
Concluo que eu devo estar mais envolvido do que pretendia.
Karen cuidava da minha vida profissional, e com isso eu me sentia
protegido nos negócios, nada saia do meu controle. Agora é minha vida
pessoal que precisa de proteção. Para ser mais específico: meu coração e
minha alma.
“Será que posso entrar?” Karen não responde de imediato. Olha
algumas vezes para dentro de casa, como se minha presença fosse um
problema, principalmente para quem ela precisa proteger.
O filho de Karen, agora com nove anos de idade, deve estar em
casa. Me lembro das vezes em que ela o levava para o trabalho. Um menino
tímido, mas feliz. Lily amava brincar com ele, dizia que o menino esperto
conhecia seus livros favoritos. Soube também que gostava de fazer
esportes, basquete, acho. Levava uma vida tranquila, apesar do que lhe
aconteceu antes mesmo de nascer.
Depois de um tempo, ele parou de aparecer, na mesma época em
que Karen se tornou executiva da Mazza Undertaking. Muito trabalho,
muitos compromissos, eu pensei. Mas também a necessidade de afastá-lo
do que represento para ela, principalmente depois que nos envolvemos.
Agora que sei que tipo de pai ele tem, percebo que a carga que Karen
carrega é ainda maior do que eu imaginava.
“Acho melhor não.” É decidida e firme. Acabo me tornando fã dessa
nova personalidade que ela assumiu. Apesar de me desfavorecer em um
momento que preciso dela, amo quando uma mulher não se deixa levar
pelos sentimentos. Ela aprendeu a impor limites, e está usando quando se
sente vulnerável.
Olho para dentro de sua casa e ouço uma TV ligada. Deve ser Erik
assistindo aos seus programas favoritos. Está em paz, Karen não deve ter
lhe dito sobre o pai, o que é ótimo, ele não precisa saber. Não quero
perturbá-lo. O que tenho para falar com Karen não deve ser presenciado por
uma criança.
Assinto, sendo compreensível.
“Então escolha um lugar onde possamos conversar. Por favor, eu
preciso falar com você, e tem que ser hoje.” Ela olha para as minhas mãos
trêmulas. Não precisa de muito para ela perceber o quanto estou aflito e
preciso da sua ajuda, da sua companhia, talvez do seu consolo.
Karen olha para o relógio elegante de pulso, para o filho mais uma
vez, e finalmente para mim. Com compaixão.
“Às sete, Sr. Mazza. Podemos nos encontrar às sete, naquele
restaurante que jantamos pela primeira vez.” Minha respiração se acalma, e
um sorriso se faz no canto dos meus lábios. Não sei se o que ela sente por
mim é pena, compaixão ou empatia, só sei que preciso me agarrar a esse
menor sinal de resiliência vindo dela, o máximo que eu puder.
“Obrigado, muito obrigado.” Seu sorriso é contido, mas ao menos é
alguma coisa.
Saio dali com esperanças de que minha conversa com Karen pode
ser definitiva.

*
O dia me pareceu como um borrão. Nem me dei conta de que
permiti que Rachel passasse um dia inteirinho com Lily. Acho que estava
sob efeito de algum alucinante, mas quando finalmente minha filha chegou
em casa, saltitante e feliz, contando tudo que fez com a mãe o dia todo,
incluindo sorvetes e brincadeiras no parque, minha preocupação se esvaiu.
Sinceramente, eu jamais imaginei ver Rachel nesse papel, a visão é
indiscutivelmente impressionante, mas fiquei feliz por minha filha. Ela
parece estar animada, não pretendo tirar isso dela. E Rachel não é nem
maluca de magoar Lily. Eu a caçaria no inferno.
No horário marcado, eu já estava esperando por Karen no
restaurante em que combinamos. Uma ótima estratégia da parte dela. Não
saímos, mas acabamos saindo do mesmo jeito no dia seguinte.
Ela ainda não chegou, mas sei que virá. Karen é honesta consigo
mesma, apesar de estar puta comigo. É nisso que me agarro para pedir mais
uma taça de uísque, enquanto espero por ela.
Toca uma música tranquila no bar, algo que me deixa melancólico e
ansioso ao mesmo tempo. Não me presto a isso por mulher há muito tempo.
Tess foi a última, hoje em dia percebo que todos os esforços que fiz para
ficarmos juntos foi uma grande perda de tempo. Talvez eu esteja aqui
fazendo o mesmo, mas quero arriscar, quero ir até o final.
Através do vidro transparente, eu a vejo chegar, após entregar as
chaves da sua Mercedes ao manobrista. Dou um leve sorriso ao me deparar
com a cena; uma, orgulhoso por Karen estar prosperando, crescendo
gradualmente em sua carreira e conquistando suas coisas; outra, por ela ter
vindo, por estar fazendo meu coração acelerar desse jeito, do jeito que eu
jamais imaginei acelerar, não depois de muito tempo.
Karen usa um vestido preto de seda pura, de alças quadradas e saia
rodada. Um Pee Toe da mesma cor. Seus cabelos acobreados caindo em
ondas na frente do seu lindo busto. Ela está elegantemente linda e muito
charmosa. Acabamos pensando juntos, já que uso uma camisa social creme
embaixo de um colete cinza, calças sociais da mesma cor do colete,
enquanto o paletó está sobre o encosto da cadeira. Olho para o relógio de
pulso, e Karen está apenas dez minutos atrasada. Uma estratégia sem
sombra de dúvidas. Dou um sorriso de lado, degustando mais um gole da
bebida, ao observá-la vindo até mim.
“Estou aqui.” Ela abre os braços em resignação, e sinto seu perfume
afrodisíaco, isso me desconcerta. “O que quer comigo?” Áspera e instigante
ao mesmo tempo. Não consigo parar de admirar.
“Sente-se, por favor”, peço, respeitando a sua mágoa. Ela resiste
mais um pouco.
“Não posso demorar, Sr. Mazza, deixei meu filho sozinho em casa.
O senhor disse que seria rápido, por isso vim. Mas se não for direto ao
assunto, eu terei que ir, e....” Seguro em seu braço, assim que faz menção de
ir embora.
Ela me olha. Desço minha mão até a sua, apertando suavemente
uma na outra. Trago sua mão próximo do meu rosto, sentindo sua pele
macia. Depois, aspiro o cheiro das suas mãos com todo o fervor que
necessito. Os olhos de Karen fecham, assim como fizeram quando beijei
seu corpo inteiro, momentos antes de fazermos amor.
“Por favor, não vá. Fique.” Ela tira minha mão da sua, tentando a
todo custo não sentir o que está sentindo. Mas eu sei, é impossível evitar,
levando em conta que estou sentindo o mesmo.
“Não era pra eu estar aqui. Eu não deveria ter vindo, Sr. Mazza.”
Seus lábios tremem, posso ouvir sua respiração assim que ela olha para todo
o meu corpo. Deixei a camisa social aberta até a metade do peito. Ela está
lutando para não me olhar. É angustiante só de ver, ainda mais porque ela
não precisa de nada disso. “Eu preciso ir.” Seguro mais uma vez sua mão,
firme para que ela não saia.
“Se fosse verdade como diz, não teria marcado especificamente
nesse restaurante, muito menos estaria vestida desse jeito só para dizer que
não quer falar comigo...” É uma merda conhecer a tática feminina, em
situações como essas. Mas, por outro lado, gosto de saber que ela ainda
gosta de mim. Ela fica sem argumentos, me provando que tenho razão. Ela
está aqui por que quer, não porque pedi.
Ela retira minha mão da sua com força, se sentindo ofendida pelo
que eu disse. Reluta mais um pouco, mas finalmente cede, sentando ao meu
lado em seguida. Me sinto vitorioso.
“Estou escutando.” O desprezo que dedicou a mim é tão falso
quanto as minhas inúmeras tentativas de fingir que não sentia nada por ela.
Sorrio de lado, e sem desviar os olhos, bebo mais um gole de uísque,
levando o assunto a sério desta vez.
“Sinto sua falta”, digo tranquilamente, observando seus olhos
castanhos extremamente esverdeados me encarando com surpresa. “Está
escutando? Então escute isso.” Ela me olha sem reação, continuo com
tranquilidade. “Minha vida não tem sido mais a mesma sem você. Eu não
suporto mais o seu desprezo e a sua distância. Precisamos fazer algo a
respeito, senão eu vou explodir. É isso que quer? Que seu chefe se
exploda?” Karen está desconfortável diante do meu deboche real.
Mal olha para mim, se remexe na cadeira, como se o que eu disse a
afeta pessoalmente, e afeta. Eu a peguei de surpresa, eu me peguei de
surpresa, mas quer saber, eu quero que tudo isso se foda. Eu quero
recomeçar e a Karen é perfeita pra isso.
Ela pega o copo ao lado e enche com o uísque que estou tomando,
bebendo um gole generoso. Minha nossa! Isso que eu digo que é
inquietação!
“Eu deixei a nova secretária bem treinada para te servir
devidamente. Ela até me disse que o senhor não tem sentido falta de nada.
Do que mais o senhor precisa?” Ela está fingindo que não sabe do que estou
falando, entrando no meu jogo. Suas ações tem servido unicamente para se
proteger, e ela está certa, mas nesse momento, quando preciso do seu
coração aberto é irritante.
“Que bom. Não fez mais que sua obrigação. Deixou o cargo, mas
colocou uma no seu lugar. Você é ótima nisso, Karen, parabéns.” Deixo o
copo em cima do balcão e me viro mais um pouco para ela. “Mas não é
sobre os serviços de uma nova secretária que estou me queixando, apesar de
que as coisas não têm sido mais a mesma também na empresa, depois da
sua promoção. Eu estou falando da falta que você faz na minha vida.” Não
tenho mais medo de confessar. É como aliviar o meu peito. É como se eu
tirasse um peso das minhas gostas. “Pode resolver isso também, já que sabe
muito bem como resolver tudo? Embora eu acho que uma substituição há
essa altura é meio impossível.” Ela está chocada com a minha forma de
abordagem. Bebe mais um generoso gole de uísque e deixa o copo vazio no
balcão, ao lado do meu, tomando coragem para me enfrentar.
“Você só pode estar brincando com a minha cara. Eu pareço uma
maldita palhaça? Não ouviu nada do que eu disse sobre o meu passado?”
Olho no fundo dos olhos dela, e percebo que se fosse o caso isso a
destruiria, mas não é o que pretendo. Eu realmente sinto sua falta, e preciso
que ela saiba.
“Então você está usando o que aconteceu com você no passado pra
me afastar? Desculpe, mas não funcionou.” Ela está em choque. Ótimo,
assim ela percebe que não vou afrouxar para ela também. “Karen, eu gosto
de você”, falo como um sussurro, deixando a provocação de lado e ficando
sério. Os olhos de Karen estão lacrimejantes, como se essa confissão fosse
tudo de que ela gostaria de ouvir, porém doloroso ao mesmo tempo.
“Não é o suficiente.” Ela também sussurra, expressando toda a dor
que sente no peito. Eu posso sentir.
Eu amei a Tess profundamente por muitos anos. Não lembro de ter
oscilado nos meus sentimentos por ela nem uma única vez. Eu não tinha
dúvidas, jamais deixei com que ela tivesse, nem quem estava ao nosso
redor. Tess era amada e ninguém ousava a discordar disso. Talvez esse seja
o medo de Karen. Eu devo ter me mostrado oscilante, a deixado cheia de
dúvidas. Merda!
“O que quer que eu faça, então? Fala, eu faço.” Uma lágrima escorre
dos seus olhos, mas Karen trata logo de secar. “Me fale o que eu devo fazer
para que seja suficiente e então eu faço.” Estou quase implorando, mas
nessa altura eu não me importo mais.
“Sr. Mazza, por favor.”
“Fala, Karen. Você quer uma noite romântica? Quer jantares, quer
que eu traga flores? Fala o que posso fazer para que não tenha dúvidas do
que eu sinto. Eu faço qualquer coisa.” Ela aperta os olhos, como se o que
digo fosse uma mera bobagem e está muito distante do que ela realmente
pensa, porque não é disso que ela está falando.
“Quero que diga a si mesmo o que sente. É isso que quero que
faça.” Eu a encaro consternado. “Que diga até que acredite que é um
sentimento real e não uma carência passageira. Ou até que perceba que o
que está fazendo é simplesmente por que se sente sozinho e perdido, e que é
por isso que precisa desesperadamente de algum tipo de consolo. No caso
eu, uma mulher que sempre esteve ali para você, que sempre esteve do seu
lado. Afinal, eu sempre fui louca por você, não é? É mais fácil assim, mais
cômodo. Não existe complicações ou dificuldades. É só bater a necessidade
e eu estarei lá para fazer tudo funcionar.” Estou surpreso, apavorado e
surpreso. Então é assim que ela pensa sobre mim? Sobre o que ela foi para
mim nesses anos todos? “E aí quando tiver a resposta, volte aqui e me diga
o que realmente sente por mim. Certifique-se de que é isso mesmo, ou só
precisa que eu torne sua vida mais fácil, como eu faço na empresa.” Eu
desabo, porque ela acaba de dizer uma verdade.
Será mesmo que Karen está certa? É uma carência que estou
sentindo? Uma maneira estranha de tentar me encaixar mais uma vez?
Minha vida tem mudado drasticamente com muita frequência. Talvez essa
mudança abrupta me deixou sem chão. Talvez o que quero de Karen seja
apenas uma afirmação de quem eu realmente sou, já que perdi isso há muito
tempo.
Eu não digo nada, fico em silêncio a olhando, pensando. O que me
entrega impiedosamente. As lágrimas escorrem depressa de seus olhos,
Karen não as enxuga, enfrentando o que considera ser minha resposta.
Apesar de que não estou dizendo nada que seja, nem para ela e nem para
mim.
“Adeus, Sr. Mazza.” Ela se levanta e vai embora. Eu não a impeço
desta vez, porque me sinto derrotado. Miseravelmente derrotado.
Engulo de uma vez o resto do líquido do meu copo, fugando com
uma vontade quase corrosiva de gritar.
13

Stephen Crow

Assim que atravesso a porta de entrada da mansão de Savannah em


Little Havana, ouço risos e gargalhadas de criança por toda parte. Nossas
vidas nunca mais foi a mesma desde que Jake e Ben vieram ao mundo.
Celeste completou os momentos de pureza que tem feito parte do nosso dia
a dia. Mas, Atlana, confesso que tem sido como a cereja do bolo. É
inevitável não se impressionar com a vitalidade que essa criança tem trazido
para a minha mãe. Ser avó a fez elevar ao nível máximo de felicidade, mas
se tornar mãe mais uma vez é como se ela transcendesse.
“Stephen!” A pequena Atlana pula nos meus braços, assim que me
vê. Uma atitude corriqueira desde que finalmente ela se sentiu como parte
da nossa família. Os olhos enormes, intensamente negros é como a noite de
um céu estrelado.
Eu a amparo em meus braços, depositando um beijo nos seus
cabelos sedosos e cheirosos. Atlana é outra menina desde o dia em que
chegou. Antes, mal saia do quarto, se escondia pelos cantos, temendo o
olhar das pessoas – consequências do abandono. Agora não, ela confia em
Savannah, confia em nós. Sabe que será sempre amada em nossa família.
Ela é uma Crow e uma Parker.
“Olá, princesinha. Que bom que ainda não voltaram para Nova
York. Tive receio de chegar atrasado ao tempo de me despedir.” Atlana
sorri, com os braços pendurados no meu pescoço.
“Talvez a gente fique mais um pouco”, diz Atlana, toda animada.
Ela gosta mais de Miami do que Nova York, culpa dos gêmeos, claro.
Desconfio que ela será a responsável por trazer Savannah em definitivo.
Como se isso já não fizesse parte dos planos da minha querida mãe. “É que
mamãe me colocou na aula de pintura. Vou começar a pintar em breve!” Ela
se agita no meu colo, demonstrando o quanto está empolgada para a nova
aventura.
“Ah, é?” Ela assente.
Não disse? Se Atlana está prestes a começar uma nova atividade por
aqui, significa que Savannah já estava arquitetando se amarrar ao seu
filhinho. Não posso dizer que não gostei, porque estaria mentindo. Assim,
Tess terá minha mãe ao seu lado, além de Alexander, Theo e Riley.
Eu a olha com perspicácia, demonstrando que não estou surpreso.
Atlana desce do meu colo e se junta a mãe que aparece na sala.
“Atlana é uma criança muito talentosa, fiquei feliz quando ela disse
que queria aprender a pintar.” Se faz de inocente, como se não tivesse
apressado as coisas no pequeno sinal de interesse da menina.
Minha mãe usa um conjuntinho de terninho vermelho sangue, e uma
blusa preta rendada por dentro. Os cabelos ondulados extremamente
escuros faz o contraste perfeito das cores muito fortes.
“E você adorou a ideia, não é mesmo?”, digo, cheio de sarcasmo. As
duas se entreolham, como se tivesse algo no ar. Nossa... então a ideia foi da
Savannah? Minha mãe se superou dessa vez.
“Savannah, Savannah, Savannah”, cantarolo. Ela aperta os lábios,
olhando mais uma vez para Atlana, como duas cúmplices em um crime.
Dou um riso e balanço a cabeça.
“Bem, é melhor você subir, querida”, mamãe diz a filha, agachando
até sua altura. “Logo, logo começa a sua aula e você precisa se arrumar.”
Atlana corre até mim, beijando a minha bochecha.
“Tchau, Stephen!”
“Tchau, princesa.” Ela dá um beijo na minha mãe e sobe as escadas
saltitante. “Por que eu não estou impressionado?”
“Ora essa, se fosse você nessa idade, com certeza estaria fazendo o
mesmo. Não pintura... Talvez piano. É o que mais combina com você.
Clássico, requintado, sofisticado. Antiquado!” Gargalho diante da suas
ofensas disfarçadas de admiração. Savannah vai andando até a sala e eu a
acompanho. “Ah, sei lá, você só queria saber dos números quando criança.
Nada parecido comigo, talvez com o seu pai.” Sim, meus gostos sempre
foram estranhos, até mesmo para mim. “Agora que tenho uma condição
melhor, por que não?”
Eu tenho orgulho de Savannah, sempre tive. Essa sua maneira de
estar sempre pensando no bem-estar das pessoas. Essa sua generosidade tão
genuína. A adoção de Atlanta só me fez admirá-la ainda mais.
Me sento no sofá, cruzando a perna em cima da outra.
“Não, você está certa. Atlana merece. Ela é uma boa menina. Além
do mais, é bom que você esquece um pouco de mim e se dedica mais a ela.”
Sorrio, mas Savannah não gosta nada.
“Eu me esquecer de você? Só se eu nascer de novo. Ou desaparecer
e ser substituída.” Rio pelo exagero. “Não dá pra me esquecer de você,
tampouco dos meus netos. E nem da Tess.” Suspiro.
“É claro que eu sei, você e sua proteção desmedida. Mas...Que bom
que tocou no nome da Tess, porque vou precisar da sua ajuda.”
“O que aconteceu?”, pergunta preocupada, se sentando a minha
frente.
“Não, não é nada demais. É que minha mulher está um pouco
estressada por causa da agência. Sabe como é, as fofocas, a quantidade de
trabalho em um momento em que ela está afastada. Riley tem ajudado
muito, mas não é a mesma coisa.”
“Ela deseja fazer tudo por ela mesma e assumir o controle da
situação?” Concordo.
“Isso.”
“Talvez a minha nora esteja com estresse pós-parto, isso é mais
normal do que parece.” Suspiro.
“Eu também acho. Por isso preciso que me ajude com isso, sei que
andou fazendo terapia depois da adoção da Atlana.”
“Sim, sim, claro. Também pensei nisso. O nome dela é Dra.
Spencer. Ela com certeza vai ajudar a Tess. Mas...” Ela olha para mim.
“Tem certeza de que não tem algo a mais?” Franzo o cenho, evitando falar
sobre o ciúmes, porque acho que isso faz parte e nada tem a ver com
estresse. Ergo os ombros, negando. “Tem certeza? Inclusive, fiquei sabendo
por Ian que está trabalhando com Gregory Mazza.” A frase me pega de
surpresa. Principalmente quando coloca o Gregory no meio da conversa.
Então é por isso. Tudo faz sentido agora. A sua volta a Nova York e a ideia
de colocar Atlana na aula de pintura em Miami quando podia muito bem
fazer isso em Nova York.
Me levanto e caminho pela sala um pouco inquieto.
“Você acha que minha mulher está com estresse por minha causa?”
“Em partes, sim.” É irritantemente sincera. Bufo.
“Era só o que me faltava!”
“Gregory de repente diz que um homem está o ameaçando, e você
vai correndo ajudar, depois de dizer que jamais se aproximaria dele.
Desculpa, meu filho, mas é o caso de todo mundo se estressar.”
A desaprovação em sua feição é típica da sua personalidade, mas
Savannah entra em tanta contradição consigo mesma que me confunde.
“Não era você mesma que dizia que ele tinha mudado e que era pra
eu dar uma chance? Não sei não, mãe, mas às vezes nem eu te entendo.”
Savannah entorta a boca, insatisfeita. Dá alguns passos próxima de mim.
“Que eu me lembre bem, você disse com muita ênfase quando
sugeri uma coisa dessas. Parecia bem decidido. A sua inconsistência é que
me preocupa, querido, e não as minhas ‘contradições’.” Dou uma risada.
“Agora sou eu que não sou confiável?”
“Você entendeu o que eu disse.” Meneio a cabeça, tentando ser
maduro ao avaliar essa questão.
Não posso negar que minha atitude é no mínimo curiosa. Se nem eu
consegui me acostumar com isso, quem dirá minha mulher e minha mãe.
Ou melhor, eu tenho surpreendido todos ao meu redor.
Me sento, tentando relaxar um pouco.
“Como disse a Ian, não é uma reconciliação de dois amigos da
faculdade que se encontraram depois de anos e querem sair pra papear e
beber alguns drinques, relembrando os melhores momentos que passaram
juntos. Eu ainda não confio nele, só estou tentando encontrar respostas para
algumas perguntas.” Descruzo as pernas e apoio os punhos nos joelhos,
entrelaçando os dedos. “Esse também é o propósito dele, então pra mim
está tudo certo. Estamos juntando o útil, não sei se é exatamente agradável,
mas...” Ela balança a cabeça, meio aérea.
“Aí é que está. Essa sua junção do útil e o agradável é o que me
preocupa mais.” Concordo com ela.
“A mim também.” Savannah me encara, me analisando por alguns
instantes, esperando que eu fale mais. “Phillip Stanton disse a Gregory que
foi Lino Berenson que apresentou Isaac a ele. Talvez foi na mesma época
que o meu pai também o conheceu. Se esse cara está ligado ao meu pai de
alguma forma, eu preciso saber.” Savannah coloca a mão no queixo, o olhar
preocupado. Porém, inacreditavelmente resiliente.
“Não, você tem razão. Foi na mesma época sim.” Olho para ela,
desconfiado.
“Você sabia?” Ela concorda, como se não fosse nada.
“Soube a pouco tempo, quando investiguei alguns assuntos com...”
Ela não completa, me deixando em alerta. “Não foi há muito tempo,
Stephen.” Me inclino no sofá, bastante incomodado. Enquanto estou
quebrando a cabeça, ela já tem as informações?
“Por que não me disse nada?”
“Porque achei que não valia a pena. Na verdade, não vale. Tudo que
havia sobre o seu pai foi revelado, e concordamos que deixaríamos o
assunto de lado. Você mesmo disse que queria manter a imagem que tinha
dele, e agora resolveu investigar? Pode ter certeza, meu filho, a sua
inconsistência vai acabar me enlouquecendo.” Solto os ombros me sentindo
frustrado. Me levanto de novo, caminhando pelo espaço, meio agitado.
“Sabe que tudo que diz respeito ao meu pai, vale a pena pra mim,
mãe.”
“Eu sei, mas para mim não valia. Não era produtivo ficar remoendo
o passado, Stephen, pensei que já tivesse aprendido isso. Além do mais
saber ou não, não traria seu pai de volta. Você é pai agora. Tem uma filha
recém-nascida. A sua esposa está precisando de você.” Isso definitivamente
me irrita. Colocar a minha vida pessoal como obstáculo, ou sequer cogitar a
possibilidade de que estou sendo negligente com a minha família.
“Não faz isso. Não coloque os meus filhos ou a Tess no meio disso
só para me persuadir a fazer o que você quer. Uma coisa não tem a ver com
a outra. Eu já conversei com a Tess sobre isso e fizemos um acordo.”
“Sim, Stephen, tem tudo a ver.” Eu a encaro, respirando fundo,
tentando não pirar.
Posso entender a minha mãe. Essa investigação a desgastou demais
no passado, a deixou com medo e muito abalada. Estávamos seguindo em
frente, estávamos bem, não era mais importante. Mas de alguma forma isso
acabou tirando o meu sono. Se há alguma possibilidade de colocar mais
alguém envolvido no assassinato do meu pai atrás das grades, com certeza,
quero lutar para que isso aconteça.
Tento me acalmar e pensar racionalmente.
“Perdoou Isaac por isso?” É uma pergunta honesta, já que Savannah
sempre se mostrou resiliente quando se tratava do pai de Gregory.
Ela respira fundo, entorta a boca e pensa por alguns instantes.
“Hum... sabe, não tinha o que perdoar. Isaac não fez nada. Seu pai
era o encarregado de levar Isaac em todos os lugares que ele quisesse. E
quando digo todos os lugares, é todos mesmo.” Ela dá de ombros. “Seu pai
era um ótimo empregado, mas tinha suas responsabilidades, e por causa
delas vieram o desespero. Era uma oportunidade perfeita para ele. O
problema é que seu pai não imaginava o tamanho da encrenca que ele
estava se metendo. Isaac tinha meios para se safar, ele não. Quando Isaac
descobriu o que tinha feito, já era tarde demais.”
“Está querendo me dizer que Isaac não sabia?” Savannah balança a
cabeça.
“Exatamente. Seu pai sabia onde encontrar Berenson, não foi difícil.
Acontece que se ele falasse para Isaac, corria o risco de colocar o patrão
entre eles. Isaac se responsabilizaria por Jacob, ficando assim contra
Berenson em uma possível discordância. Não era o que seu pai queria.”
Fico pensativo.
“Ele teria ajudado.” Savannah concorda.
Suspiro em frustração. Me sentindo angustiado. Me sento ao lado de
Savannah encarando seus olhos muito azuis, iguais aos meus.
“Por que, mãe? Por que meu pai teve que ser tão imprudente desse
jeito?”
“O desespero, Stephen. Ele é capaz de nos cegar. É por isso que
temos que pensar antes de agir. Parece ser um conselho bobo, mas é uma
verdade. Uma verdade que você gosta de seguir, inclusive. ” Meneio a
cabeça.
“Talvez não mais”, sussurro, me dando conta do que quero fazer.
“E agora, o que vai fazer?”
“Vou continuar investigando Stanton ao lado de Gregory. Desconfio
que a procuração que ele tem é falsa. Talvez eu possa ajudar Gregory a
colocá-lo mais uma vez na cadeia e assim encerrar isso de uma vez por
todas.” Savannah sorri, debochando de mim. “Do que está rindo?” Ela nega
com a cabeça.
“Não, nada. Você disse que seus interesse em ajudar Gregory é
porque quer colocar os envolvidos daquela quadrilha atrás das grades,
mesmo sem ter certeza se Stanton realmente tem envolvimento direto ao
assassinato do seu pai, mas eu acho o contrário. Embora acredito que
realmente é o seu desejo. Mas...Acho que está nisso por que quer, Stephen.
Você quer ajudá-lo, mesmo que os motivos não estejam claros para você no
momento.” Encaro Savannah meio desconfortável.
Talvez ela tenha razão. Os motivos ainda não estão claros, mas não
gostaria de ver algo pelo qual Gregory batalhou sendo jogado na vala. Isso
não me deixaria feliz, embora um dia eu ter achado que me deixaria. Acho
que apenas senti na pele o que ele está passando. Coincidentemente, o
maior responsável pela minha ruína no passado, é o cara que estou tentando
evitar que não passe pelo mesmo. Os motivos eu não sei, mas adoraria
saber.

“Sim, isso. Precisamos agilizar o máximo possível. Esse


planejamento precisa sair do papel o mais rápido possível. Cada atraso
significa milhões de dólares perdidos, e isso não podemos admitir”, a
executiva sênior diz, colocando todos os colaboradores do projeto para
trabalhar.
Uma ação que normalmente eu faria, um pensamento que também
compartilho. É melhor lucrar do que arcar com custos por anos a fio em um
projeto a longo prazo, que no fim, só nos dará dor de cabeça. Não há
dúvidas de que ela foi a melhor escolha em anos.
Mal cheguei na RoadCopper e todos já estavam reunidos para
executar mais uma demanda do novo Resort em Paris. A equipe não é
preguiçosa, eles dão duro para entregar o melhor. Todos os executivos
presentes, menos eu e Ian – os criadores reais do projeto. Christine Bianchi
é uma executiva eficiente e pontual. Seu modo de trabalho é parecido com o
meu, o compromisso dela é indiscutível, mas peca na sua necessidade
desenfreada em fazer tudo as pressas.
“O que acha desse modelo?” Apresenta o arquiteto, animado com
sua invenção. Christine dá uma breve olhada e entorta a boca em
desaprovação demasiada.
“Não, não. Isso não combina com o projeto original. As colunas são
exageradas, e o monumento escolhido é grande demais, vai impedir a visão
do decorado, então precisamos tirar”, ela responde, analisando o segundo
esboço que outra arquiteta desenvolveu. “Não, também não. É pequeno
demais.” Exigente e muito materialista, coisa que eu não tinha me atentado
antes. “Queremos um monumento, é disso que se trata a RoadCopper,
porém precisamos de algo proporcional e a altura do grande nome que é
conhecido no mundo. Por isso trabalhem e me apresente algo significativo,
sim?”
“Sim, senhora.” Todos falam, já começando a correria inicial.
Cruzo os braços e observo. Até então, ninguém notou a minha
presença, até Bianchi fazer menção de deixar a sala de reuniões.
“Stephen.” Olha para mim, surpresa. “Eu não esperava que viria
hoje.” Aceno com a cabeça, levemente.
“Nem eu, mas consegui um tempo para conferir pessoalmente como
está tudo se seguindo.” Caminho até a saída, sendo seguido por Bianchi.
“Já falamos com a construtora e com a equipe das obras. Está tudo
pronto para a execução do projeto. Basta o seu sinal verde para começarmos
a colocar a mão na massa.” Meneio a cabeça, satisfeito, porém, em alerta.
Entro em minha sala, me posicionando atrás da mesa.
“Muito bem.” Olho para ela por um instante. Seu sorriso
profissional é confiante. Ela realmente acredita que está fazendo um ótimo
trabalho. Eu também julgaria assim, se fosse em outras circunstâncias.
A porta é fechada e Christine se senta na cadeira a minha frente,
empolgada.
“Está tudo ficando lindo, Stephen! A planta é incrível. Tem
harmonia e estilo. É impressionante como você e Ian conseguiram um ato
tão memorável. Eu estive pensando em uma coisa mais sofisticada para o
lounge.” Ela abre o tablet em sua mão, e estende o aparelho para que eu dê
uma olhada na maquete virtual. “Se colocarmos o lounge nessa área, os
hóspedes terão que atravessar o lindo mini parque e a área de lazer inserido
para chegar até as piscinas. Com isso, as crianças ficarão encantadas e os
pais obrigatoriamente vão querer fazer o check-in, na recepção que
coloquei...” ela dá um clique e mostra outra página. “... bem aqui no centro.
Vê? Dá pra entender o que estou falando? Seria perfeito! Não é uma grande
ideia?”
Coloco a mão no queixo e penso por alguns instantes. Sim, é uma
ideia inteligente, estratégica. Do jeito que eu faria, ainda mais por ser pai
de três crianças, e entender muito bem esse tipo de sacada. O negócio é que
Bianchi tomou o projeto como seu, implantando suas ideias e dando como
certas, sem perguntar se podia modificar as coisas. Esse negócio de elogiar
e depois fazer o que dá na telha não é algo que eu concorde. Talvez eu
esteja sendo arrogante, me recusando a aceitar opiniões contrárias, mas não
é isso. Tem a ver com a sagacidade de Bianchi, é isso que tem começado a
me incomodar. Mas preciso observar mais, antes de ter uma opinião
formado sobre ela.
“Sim, são ideias ótimas. Faça isso. E não esqueça de pedir ênfase
naqueles quartos que discutimos anteriormente. Disse que não era boa ideia
a localidade que sugeri, então preciso que pense a respeito. Eu estarei
aguardando.” Ela meneia a cabeça. Mas percebo uma certa resistência.
“Então, Stephen, é sobre isso que eu queria conversar com você.”
Paro para ouvir. “Temos o mesmo estilo de Hall já produzido, tanto aqui
como no GranCopper. São os mesmos designers, quase idênticos. Eu estive
pensando em algo mais atrativo, sabe, algo mais completo.” Ela muda de
novo a página do projeto virtual em seu tablet, me mostrando as sequências
de slides preconcebidos, que ela criou. “Essas opções de Hall são bem
interessantes, não acha?”
O Hall quilométrico é bastante moderno, concordo. Com mármores
nas cores da marca Road, mas com acabamentos extremamente obsoleto a
tudo que eu acredito. Não que seja extravagante, mas é algo criado para
Christine Bianchi e não para a minha empresa, com os meus objetivos. Eu
já vi isso acontecer antes, muitos anos atrás. Não gostaria que algo assim se
repetisse, não aqui.
“É esse o seu plano?” Ela concorda.
“Podemos verificar outras formas, claro. Esse arquiteto é bem
renomado e seus designers têm tomado fama que faz jus a sua arte. Não
seria ruim testar.” Entendi, o projeto é de um arquiteto e não o meu. A
marca Road se tornando um experimento e não um ideal.
Encaro Bianchi, é uma mulher interessantíssima. Muito linda e
persuasiva, devo admitir. Sabe o que quer e deve ter passado por muita
coisa para chegar aonde chegou. Valorizo pessoas assim, minha mulher é
prova disso. Mas antes de mais nada Tess sempre respeitou a minha
opinião.
“Marque uma reunião com esse arquiteto, pretendo conversar com
ele antes de dar a minha palavra final.” Ela me encara, notando algo em
minha feição. Espero que tenha lhe batido o bom senso.
“Claro, inclusive já fiz isso. Martin Cabrazos, estará aqui amanhã
pela manhã.” Sorrio por dentro, extremamente intrigado.
“Ótimo. Vou gostar de conversar com ele pessoalmente.” Lhe lanço
um sorriso amigável, me levantando da cadeira. Christine permanece onde
está, salvo por me acompanhar com os olhos enquanto caminho pelo
espaço, vestindo o meu paletó.
“Gostei de ter conhecido a Tess Eisen, sua esposa”, ela diz, bastante
investigativa. “Ou melhor... Tess Crow, assim como gosta de ser chamada.”
Termino de abotoar o botão de baixo e olho para ela. “Achei curioso. Ela
me pareceu incomodada com a minha presença. Logo uma mulher como
ela.” Encaro-a bem nos olhos, tentando entender aonde ela quer chegar com
isso.
Tess não é ciumenta, apenas está sobrecarregada e se sentindo
insegura no momento. Embora eu acredito fielmente no sexto sentido da
minha mulher. E agora sei porque. Tess compreendeu melhor do que eu as
intenções dela. Soube assim que a viu a pessoa por trás dessa eficiência
admirável e essa beleza fora do comum.
Dou alguns passos e me aproximo um pouco mais de Christine.
“A Tess me ama, e por me amar, ela respeita as minhas opiniões e os
meus desejos, mesmo que não estejam de acordo com ela no primeiro
momento. Se isso é necessário em um casamento, no ambiente de trabalho é
fundamental.” Sou áspero, fazendo questão de evidenciar o meu desagrado,
observando o rosto de Bianchi se desfazendo. “Não acha, Srta. Christine
Bianchi?”
Ela me encara acometida, bebendo cada palavra que acabei de dizer.
Em seguida, suspiro, sentindo a decepção tomar conta de mim mais uma
vez.
14
Gregory Mazza

A surpresa ao abrir a porta, assim que a companhia tocou, me deixa


complacente. Uma cena que por mais improvável que poderia ser, tive a
ousadia de imaginar. Lily, de seis anos, no colo de Rachel, sua mãe.
Com a cabeça encostada em seu ombro, ela dorme em segurança.
Me pergunto como o processo se deu até o momento em que Lily
sentiu confiança, simplesmente para dormir no colo da mãe. Imagino as
brincadeiras, as risadas. Rachel se esforçando para ser uma pessoa gentil,
pacífica, amável, como sei que ela sabe ser quando realmente quer. Não por
benefício próprio, mas porque sente vontade, porque isso lhe causa prazer.
Ela finalmente desatando as próprias amarras, deixando com que aquela
nuvem negra que a rodeia suma, talvez por um breve momento, justamente
por se permitir ser feliz ao lado da filha.
Observo a cena, sentindo meu peito retumbar dentro de mim.
Minhas mãos suando e meu corpo tremendo. Eu nunca presenciei uma cena
tão linda e tão desconfortável ao mesmo tempo, em toda a minha vida. É
como se a minha esposa, mãe amorosa da minha filha, tivesse acabado de
chegar em nosso lar feliz, repleto de amor. Essa mãe amorosa é Rachel, a
mulher que anos atrás foi capaz de assassinar seu próprio pai, e que
abandonou sua filha com síndrome de down recém-nascida no hospital.
“É, ela dormiu”, ela diz, tão surpresa quanto eu, apontando com a
mão livre a pequena dorminhoca. “Brincou o dia toda, me deu uma
caseira... Logo eu, uma lutadora excepcional de Krav Magá. Oh, menininha
enérgica! ” Sorrio, e alivio o fardo de Rachel a pegando em meu colo.
Lily geme um pouco por causa do movimento e aperta com força o
meu pescoço, se agarrando a mim.
Rachel entra no apartamento, fechando a porta atrás de si. Ela tem
uma bolsa em mãos com todos os pertences de Lily, que preparei para ela
levar; algumas roupas de verão, casaco, caso fizesse frio, seus brinquedos
favoritos, os quais ela gosta de levar para todos os lugares, e os remédios
que ela toma.
“Demoraram pra chegar”, digo, subindo as escadas de encontro ao
quarto de Lily, sendo seguido por Rachel. “Ela deve estar exausta. Ela
tomou o remédio?”
“Fez um pouquinho de birra, mas acabou tomando sim.”
Rachel responsável. Murmuro.
“É típico dela. Mas ela usou o casaco que coloquei na mochila? Fez
um pouco de frio agora à noite.” Subo mais um degrau.
“Bem que eu tentei fazê-la usar, mas disse que estava com calor.”
Olho para Rachel.
“Isso também é típico da Lily. Você deveria ter insistido um pouco
mais. Insistindo, mesmo criando caso, ela acaba cedendo.”
“Não achei necessário. Está uma noite agradável. Ela estava
pulando, suando, Gregory. Não acabei de dizer que ela estava correndo? O
clima está agradável, Garanhão, vai por mim.” Não gosto nada dessa
desculpa. Rachel não sabe como é.
“Pode ser que esteja bom pra você, mas para Lily... ela nunca acha
que precisa, mas logo começa a ter resfriado. Vai por mim, eu sei como é.”
Ela solta uma risada.
“Minha nossa, que paranoico! Lily está ferrada em suas mãos, não
acha?” Olho feio para ela.
“Vai brincando. Depois sou eu que tenho que me desdobrar para que
ela tome a injeção quando sentir febre. Aliás, você não entende essas
coisas.” Para no corredor, bem em frente ao quarto de Lily. Rachel escora
uma mão na parede me olhando nos olhos. Olhos azuis e provocantes.
“Claro que eu não sei, não foi eu quem a criou, não é isso que quer
dizer? Você tem mais experiência do que eu.” Me calo, percebendo o
quanto eu estou sendo mesquinho. “Ela está bem, confia em mim.” Sinto
minhas entranhas amolecerem, respiro mais calmamente e tento ouvir o que
ela está me dizendo. Lily me abraça com mais força, e eu a seguro forte em
meus braços, como se ela fosse cair se eu não a segurar.
“Ok, eu sei.” Olho para a minha filha no meu colo. Ela não dormiria
assim se não tivesse bem. “Você tem razão.” Ela balança a cabeça ao meu
ritmo.
“Lily pegou no sono já no carro...” Me informa, julgando que eu
gostaria de saber todos os detalhes. Ela está certa.. “...até então só queria
saber de correr, brincar e me ensinar suas músicas favoritas, que diga-se de
passagem, eu fracassei em todas as notas.” Ela sorri. “Precisava ver o
quanto eu sou ruim.” Muito difícil para mim imaginar Rachel cantando.
Minha visão dela é somente seduzindo, tirando a roupa e tramando. Talvez
dançar, mas cantar com descontração, em um momento inocente, é
novidade para mim.
“Aposto que sim.” É o que digo, meio aéreo.
Quando Lily nasceu e eu me vi sozinho com ela, também tive que
aprender a ser outra pessoa. Aprendi coisas, me esforcei por outras. Talvez
esse seja o efeito Lily em nossas vidas.
Abro a porta do seu quarto o mais rápido possível, espantando a
admiração que estou criando diante das possibilidades. Coloco Lily com
cuidado na cama. Ela já está usando seu pijama rosa de bichinhos que
coloquei em sua bolsa. Rachel deve tê-la ajudado a se vestir. Mais uma vez
me regozijo pela cena que vem em minha mente.
Cubro minha filha e apago a luz do abajur, a deixando descansar em
seu leito. Quando me preparo para sair, Rachel está nos observando no
canto da porta.
“Vocês são tão lindos juntos.” A satisfação na sua voz me amolece.
Vê-la amável é o que eu sempre quis, mas nunca tive. Será que é tarde
demais?
Karen tem razão, eu sou mesmo um otário carente e solitário. Ainda
bem que ela percebeu isso a tempo.
Fecho a porta do quarto com cuidado, passando por ela, deixando o
quarto para trás.
“Sabe que poderia ter sido assim se quisesse, não é?” Desço as
escadas, Rachel atrás de mim bastante vacilante.
“Assim como?”
“Assim. Você observando como crio a minha filha. Em recompensa,
eu viria você sendo uma mãe.” Ela bufa.
“Não sei, eu não seria tão paranoica quanto você. Eu seria mais...
você sabe.” Ela faz um gesto com a mão. “Liberal!” Sorrio no canto dos
lábios.
“É aí que você se engana. Quando somos pais, tendamos a sermos
paranoicos mesmo. Não queremos que nada de ruim aconteça com eles. O
bem-estar dos filhos é nossa prioridade.” Mas percebo quando seus pés
vacilam e ela para no meio da escada, afetada pelas minhas palavras. Ter
ficado longe de Lily a machuca e é a primeira vez que me dou conta disso.
“Você tem razão, Garanhão. Isso eu nunca vou saber.” É só o que ela
responde. Meu coração palpita.
A encaro já no andar de baixo, pesaroso.
“Me desculpe...” Rachel termina de desce as escadas agora com
mais fluidez, como se não se importasse com nossa realidade atual. Ela
sempre disfarça quando as coisas a tiram da sua zona de conforto. “Eu não
queria...”
“Não, tudo bem. Você deve estar certo. É só que não faz parte da
minha realidade.” Ela passa por mim, dando algumas batidas no meu
ombro. “Você é melhor nisso do que eu, vai por mim.”
“Mas poderia”, murmuro, a instigando. “Não acha?”
Ela me encara com seriedade, como se tudo que acabei de dizer
fosse apenas um conto de fadas. Na verdade, a realidade está aqui,
estampada na sua cara, fico decepcionado.
“Gregory...”, me repreende, me fazendo voltar para a realidade.
“Não foi isso que eu prometi. Pare agora de criar expectativas, por favor.”
Essas incertezas da Rachel me irritam profundamente, porque eu sabia que
alguém sairia machucado nessa volta repentina. Me irrita muito mais ao
saber que a primeira a sofrer com essa incerteza será a Lily.
“O que pretende, afinal, Rachel? Pretende deixá-la pela segunda vez
depois de ter se apresentado e dado a ela todas as fantasias de que sonhava?
O que aconteceu com aquela história toda que você contou? E o voto de
confiança que me pediu? Vai mesmo dar pra trás de novo?”
“Quem está dando para trás aqui? Você nem consegue admitir que
Lily também é minha filha! A única coisa que você diz o tempo todo é:
minha, minha, minha.” Meus ombros relaxam em desânimo. Então Rachel
respira fundo. “Calma. Não foi isso que eu quis dizer, tá legal. Eu quero
ficar ao lado de Lily, acredite. Mas as circunstâncias... elas...” A reação dela
muda. De animada, ela vai para desistência muito rápido. É como se tivesse
diante de uma escolha difícil, uma decisão impossível da qual é mais forte
que ela.
E a verdadeira Rachel está bem aqui diante de mim de novo. Aquela
mulher que não sabe lidar consigo mesma. Aquela que surta e vai embora
quando não consegue lidar com a pressão.
“Gregory, eu...” Ela respira, como se procurasse as palavras certas.
“As coisas não são como você pensa, e eu não quero te iludir dizendo que
é.”
“Pera aí, me iludir?” Solto uma risada. Isso é patético. “Eu sei
exatamente que tipo de pessoa você é, Rachel, você não está me iludindo.
Agora a Lily... ela não sabe. Ela nem sequer percebe essas coisas que você
faz, sabe por quê? Por que a Lily confia em todo ser humano que sorri pra
ela. Esse é o problema. Ela tem expectativas, ela cria ideias fantásticas na
cabeça dela, porque isso faz parte da essência dela. É aí que mora a sua
responsabilidade.” Caminho para o outro lado e ela vai atrás de mim.
“Sim, você tem razão, sabe quem eu sou, sabe o que eu fiz. E é por
isso que sabe que minha presença é nociva para Lily. Foi o que você disse, e
estava certo como sempre.” Rachel é uma filha da mãe. Ela sempre foi.
Uma vagabunda.
“Mas do que é que você está falando?” Estou indignado. “E mesmo
assim se aproximou dela?”
“Não estou dizendo que minha decisão de voltar foi uma desculpa
para conhecer até aonde vão os meus limites. Eu não usaria Lily desse jeito,
e nem estou falando que vou abandoná-la como fiz uma vez, mas você deve
admitir que tinha razão quando esfregou na minha cara quem eu sou.”
Esfrego a mão no rosto diversas vezes, para não surtar. “Eu matei uma
pessoa, Gregory. O sangue de alguém está nas minhas mãos, mesmo que
tenha sido o desgraçado do meu pai.” Os olhos dela se enchem de lágrimas,
de pesar de dor. Ela não superou o que fez. A sua vingança só lhe trouxe
mais tormento, assim como achei que traria. “Como vou olhar pra ela
sabendo que eu não sou quem ela pensa?” Rachel abaixa a cabeça, se
segurando para não desabar. “Pensei que eu daria conta, mas passar o dia
com Lily me fez acordar. Talvez eu tenha sentido hoje como senti no dia em
que ela nasceu.” Ela dá uma pausa e continua: “Eu pude ver os olhinhos
inocentes dela, tão vivos e cheio de expectativas. Foi a mesma sensação.
Foi a mesma sensação de quando aquela enfermeira a colocou nos meus
braços e eu a alimentei pela primeira vez. Eu olhei nos olhos dela e vi a
mim mesma refletida ali. Pelo menos a criança que eu era.” Os olhos de
Lily são idênticos aos dela, mas não é sobre a estética que ela se refere. É
algo mais profundo. Talvez a si mesma quando ainda era uma menina e
aquelas coisas horríveis lhe aconteceram. “Acha mesmo que eu serei
responsável por arrancar essa inocência dela? Eu não sou tão cruel assim.”
Aperto os olhos com força, tentando encontrar o meu equilíbrio.
Dou alguns passos para perto dela, tentando ser o mais compreensível
possível.
“É aí que tá, Rachel.” Seguro em suas mãos, me esforçando para
entendê-la. Tentando encontrar nobreza nas suas palavras e não mais uma
merda que vem diante de mim. “Se você reconhece, há mais chances de
considerar. Essa menina inocente, ela está implorando para ter uma mãe ao
lado dela.” Ela desvia os olhos, não suportando me enfrentar. “Olha pra
mim! Se apegue ao meu exemplo. Olha quem eu era, e quem sou hoje. Eu
mudei, eu me esforcei por ela. E se reconhece que ela antiga Rachel não
faz bem pra ninguém, há grandes chance de superarmos, basta você querer.”
Não existem reconsideração em seus olhos, ela parece obstinada.
“E depois? Eu vou viver minha vida ao lado da Lily feliz para
sempre, esperando a polícia vir bater na minha porta e me arrancar desse
mundo faz de conta, e me jogar na realidade? Concorda mesmo que eu devo
expor a Lily ao caos que eu sou? Me admira você, tão protetor.”
Sim, Rachel estragou tudo desde o início, mas o caso do Lino foi
encerrado como suicídio, não tem nada vinculado a ela. Nós dois
estragamos tudo, mas um erro nunca justifica o outro. E o fato de ela estar
se dando por vencida tão de pressa só me faz ter certeza de que ela nunca
vai mudar. É uma grande decepção, não apenas para mim.
“Então tenha a decência de olhar nos olhos dela, no dia que você
decidir ir embora, e dizer tudo isso aí que está dizendo pra mim. Olhe nos
olhos da sua filha e diga o que vai fazer e como vai fazer. Não deixe uma
maldita carta para trás, esperando que isso seja o suficiente. Isso irá destruí-
la muito mais do que sua partida daquela maternidade, e você sabe disso.”
Uma lágrima pinga dos seus olhos e eu não suporto mais ficar aqui.
Isso embrulha o meu estômago. Tudo isso é uma verdadeira palhaçada.
15
Passado

Às duas da manhã, um homem deu um beijo em sua esposa que


estava ao seu lado na cama e se levantou com o máximo de cuidado
possível, torcendo para que ela não acordasse por causa dos seus
movimentos, mesmo que minuciosos. Ele passou o braço direito, que
apoiava o pescoço dela, e finalmente conseguiu pisar os pés no chão. Sua
esposa se mexeu um pouco, mas não acordou.
Jacob Crow, por alguns minutos, admirava a beleza estonteante de
Savannah. Os cabelos longos e pretos eram extremamente macios. Ele
adorava o quanto sua pele era aveludada e cheirosa. Mesmo trabalhando na
casa dos outros, lavando roupa o dia todo para os caprichos de algumas
madames ricas, e ainda arrumando tempo para se dedicar a sua própria casa,
ela ainda conseguia ser a mulher mais linda do mundo. Talvez fosse por isso
que a amava demais. Savannah sempre foi dedicada e forte. Diferente dele
que sempre foi um merda em todos os sentidos da palavra. Uma mulher
admirável, com garra para suportar a vida que ele a impôs. Mas, então por
que aquilo não lhe parecia justo?
A vida deles nunca foi fácil, era verdade. Primeiro a desaprovação
do relacionamento por parte de seu pai conservador. Jacob sabia que não
seria fácil tomar a filha do homem mais respeitado da região como mulher.
Ele nunca gostou de Jacob por levar uma vida extremamente fora dos
costumes religiosos a qual ela foi criada. Eles tiveram que fugir, afim de
ficarem juntos, se é que se amavam. Não teriam futuro algum naquela
cidade, não como um casal. Mas as dificuldades não pararam por aí. A fuga
só foi o começo de tudo.
Logo que chegaram a Miami, Jacob conseguiu um emprego digno,
também era verdade. Dirigir para os magnatas de Miami era mais do que
ele poderia querer. Conhecer Isaac Mazza, um homem poderoso, que
acabava de construir seu império, foi um grande passo para adquirir, em
partes uma vida melhor. Mas como tudo na vida não é fácil, ainda lhe
faltava mais. O salário era justo, mas não dava para bancar a vida que
Savannah tinha ao lado da família. As contas precisavam ser pagas, e
Savannah se prontificou para ajudá-lo.
Olhando sua mulher dormir, ele se dava conta de o quanto sempre
foi injusto com ela. Em vez de aproveitar o quanto a vida estava sendo
generosa, ele voltou aos antigos hábitos. Talvez o pai de Savannah estava
certo e a filha jamais deveria ter se envolvido com ele. Agora as dívidas
estavam cada vez maiores e ele não poderia exigir mais de Savannah. Não
por sua culpa.
Agiotas começaram a importuná-la. Savannah tem se desdobrado
cada vez mais para sanar coisas que eram responsabilidade sua. Não era
justo. Não era isso que ele sonhava quando decidiu construir uma vida com
ela. Era por isso que seu dever em salvar a sua família, de agora em diante,
era bem mais importante do que a ética.
Ele caminhou até o armário do cômodo ao lado, tateando as mãos
embaixo de uma pilha de roupas, no fundo do compartimento, encontrando
ali uma trinta e oito que Lino Berenson lhe deu, uma bem melhor do que a
velha que tinha. Talvez ele esteja piorando a situação. Talvez ele esteja
afundando de vez a sua família, mas ele não tinha mais saída. Era só uma
vez, que mal havia nisso?, ele pensou. Jacob só precisaria ficar no meio da
fronteira, de guarda, esperando uma encomenda chegar. Não faria mal a
ninguém, ninguém sairia machucado. O importante era os dólares que Lino
prometeu pagar. Aquilo era uma absurdo, o dobro do que ele ganhava em
um mês dirigindo para Isaac Mazza. Ele pagaria suas dívidas e os
cobradores sairiam de vez de sua porta, deixaria sua esposa em paz e
finalmente teria uma vida tranquila, pois ele estava decidido a se afastar dos
jogos de apostas. Ele se curaria desse vício em definitivo, voltando assim
do zero. Aproveitaria mais sua família e quem sabe pensariam em ter um
bebê? Ser pai era tudo que Jacob quis.
Ele guardou a arma na cintura e se virou para sair, mas levou um
susto quando deu de cara com uma pessoa.
“O que é isso na sua cintura?” Jacob encarou os olhos azuis
arrogantes e pretensioso. Savannah insistiu tanto para que ele permitisse a
estadia desse garoto em sua casa que não teve como recusar. Um péssimo
momento, mas quem ousaria ficar contra alguém que os ajudou?
Apesar de ser bem mais jovem que sua irmã, Roger, irmão mais
novo de Savannah, era o garoto mais intrometido e pretensioso que ele já
viu em toda a sua vida. Um garoto maldoso e perspicaz. E foi por causa
dessa perspicácia que ele conseguiu tirar Savannah da casa dos pais.
“Não é da sua conta” Jacob fez menção de sair, mas o garoto o
barrou, apoiando a palma em seu peito.
“Tudo que tem a ver com a segurança da minha irmã é da minha
conta. Vou perguntar de novo: aonde pensa que vai, carregando essa arma
na cintura?” Jacob retirou a mão do menino do seu peito e o encarou com
um sorriso irônico.
“Tem certeza de que é a segurança da sua irmã que você se
preocupa?” Ele soltou um riso desdenhoso. “Roger, Roger, você não passa
de um sanguessuga. Sempre viveu as custas do seu pai, e agora que ele se
recusa e sustentar o filho preguiçoso de dezoito anos nas costas, você
apareceu para sugar o pouco que sua irmã consegue com muito esforço e
trabalho duro.” Roger não desfez o olhar pretensioso nem sequer um
momento. As ofensas de Jacob não lhe atingindo. “Foi por isso que nos
ajudou, não foi? Conseguir a ajuda dela era mais fácil do que a ajuda dele.”
Era incrível como ele era o oposto da irmã, enquanto Savannah é
meiga e de bom coração, Roger é igualzinho ao pai.
“Quem está enganando quem?”, o garoto disse, sem demonstrar um
mínimo de solidariedade. “Enquanto minha irmã dá duro, o maridinho
Jacob Crow, passa horas em jogatinas, gastando até o último tostão que ela
consegue com muito esforço, sem nenhum remorso.” Aquela sim era uma
verdade dolorosa que Jacob tinha que lidar. Roger era um inconveniente,
uma pedra em seu sapato, mas nunca mentiu em suas colocações. Sempre
teve uma língua pesada, porém verdadeira.
“Isso também não é da sua conta.” Jacob passou por ele, e chegou
até a porta. “Se contar a Savannah, eu juro que dou um jeito de você dar o
fora daqui” Roger riu, finalmente suavizando a expressão pesada. Porém,
aquela rudeza ainda continuava gritando em sua postura.
“Não se preocupe. Eu não daria esse desgosto a minha irmã.” Jacob
falaria algo, mas ele não tinha como se defender. Aquilo era uma verdade,
se Savannah soubesse teria desgosto.
Envergonhado, ele saiu pela noite, sem saber direito o que o destino
preparava para sua vida a partir daquele momento.

Naquela mesma noite, um homem de quase cinquenta anos não


conseguia mais dormir. Sua carreira estava incerta e sua reputação por um
triz e nas mãos de um homem que ele não podia controlar. Sem contar essa
gravidez absurda que Nicole inventou de uma hora para outra. Onde ele
estava com a cabeça quando se permitiu deixar com que essa mulher ditasse
as regras da sua vida? De fato o que ela prometeu foi comprido. Ele
conseguiu o que queria. O Bank Mazza recém construído, tem prosperado
de uma forma inesperada. Mas o que esperar de uma mulher que foi capaz
de trair o próprio marido para beneficiá-lo? Era certo que os interesses de
Nicole Stanford se estendia a ele. É claro que ela usaria sua conquista por
muitos e muitos anos. Essa gravidez era uma forma de ela garantir o seu
futuro ao lado de Isaac. O escolhera como bode expiatório, e ele morria de
aflição só de imaginar as consequências de assinar um acordo com o
próprio diabo.
Elena Mazza já não era mais a mesma há anos, mas ainda conseguia
decifrar o espírito perturbado de seu marido. Isaac estava escondendo
alguma coisa, e uma coisa muito séria. Ele não obteve aquela vida de luxo
de forma honesta e isso ela já sabia, mas ele não se mostrava arrependido de
nada do que fez com o primo, mas agora é diferente. Ele parece
encurralado.
“Aconteceu alguma coisa?”, ela perguntou, se virando para o lado
da cama que ele dormia, ou melhor, que ele deitava inquieto, movendo de
um lado para o outro.
Uma oportunidade para ele falar a verdade. Isaac lhe lançou um
olhar que jamais havia lançado antes. Era desprezo, mas inquietude
também.
“Não é da sua conta.” E virou para o outro lado, deixando Elena em
pedaços, porém em alerta. Seja o que Isaac estava escondendo, ela iria
descobrir.
16

Stephen Crow

Quando Savannah disse que tinha algo para me mostrar e que iria
me surpreender, confesso que não levei muito a sério. Afinal, passei por
tanta coisa, que quase nada é capaz de me surpreender. Porém, essa
novidade em especial, não só me surpreendeu, como também me deixou
bastante apreensivo. Roger Davis, o irmão desaparecido de Savannah, bem
aqui diante de mim, reunido à minha família, na sala da minha casa,
enquanto os meus filhos estão na escola.
Pelo olhar de ambos, sei que não é uma visita de reencontro
familiar.
“Você se lembra dele, meu filho”, Savannah diz em um tom bem
mais tranquilo do que a situação pudesse parecer. Mas eu sei que a
realidade é um pouco mais complexa. “Esse é seu tio Roger Davis.”
Não precisou que ela dissesse seu nome para que eu soubesse de
quem se trata. Ele quase não mudou nada, apenas ficou mais velho,
obviamente. Um corpo mais atlético e uma expressão mais incógnita, eu
diria. A dureza em suas feições me faz ter um vislumbre de uma dualidade
perturbadora entre ele e minha própria mãe. Enquanto Savannah é amorosa
e delicada, Roger parece com o meu próprio espelho. Claro, nos meus dias
mais sombrios, o que não acontece já há um tempo.
Eu tinha quatro anos quando ele sumiu de nossas vidas, mas eu
lembro de uma vez ou outra ele aparecer para pedir refúgio a Savannah,
conforme os anos foram passando. O irmão mais novo da minha mãe
sempre causou mais problemas do que soluções. Suas visitas sempre foi
motivo de apreensão, principalmente para ela. Soube que seu rancor por
Savannah ter se casado com o meu pai e se afastado da família, foi motivo
do seu distanciamento, mas eu desconfiava que havia algo a mais nesse
passado.
Bem, apesar de se meter com dívidas, e se juntar a pessoas barra-
pesada, Roger se tornou dentista em Dallas, abriu um consultório e soube
que ganha muito bem. Era uma referência. Contudo, o passado continuava
insistindo na separação entre dois irmãos. Savannah nunca quis falar sobre
ele, e eu nunca insisti para me esclarecer alguns pontos. Mas, agora,
olhando para esse ponto, o vendo diante de nós depois desses anos todos, é
como se o passado viesse para acertar algumas contas.
“Olá, Stephen. Como vai?” Seu sorriso é amigável e pacífico. Me
sinto um moleque de novo, quando ele olhava no fundo dos meus olhos,
bagunçava os meus cabelos e demostrava o quanto eu era querido. Porém,
não me deixa nada confortável. Roger não é alguém que eu posso confiar,
não depois de tudo.
Coloco as chaves do carro e a pasta executiva em cima da bancada,
logo na entrada, e caminho próximo a eles.
“Se eu soubesse que essa seria a surpresa, eu teria me preparado
melhor.” Rio sem vontade, sentindo as mãos de Tess me confortando, assim
que me coloco ao seu lado.
“Eu disse que ele reagiria assim”, Tess diz. Como sempre, conhece
bem o meu temperamento. “Meu amor”, murmura ela, amorosa. “Sei que
pode parecer estranho agora, mas eu juro que vale a pena.” Olho para os
olhos verdes sensuais da minha esposa. Os cílios destacados, deixando seu
olhar tentador. Eu sei que ela apenas está tentando apaziguar alguma coisa.
Não forçando uma situação, ela só está sempre tentando pensar
positivamente, afim de me tranquilizar.
O olhar de Savannah temeroso pelo que eu estou sentindo, me
coloca mais uma vez como o centro do conflito. É necessário a minha
aprovação para que tudo isso não viro o caos completo. Esse tipo de
responsabilidade é enervante. Contudo, ninguém é capaz de traduzir as
minhas emoções nesse momento.
“Filho, seu tio, ele...” Savannah começa, mas Roger se coloca na
frente, tomando a palavra:
“Eu não vim aqui para causar nenhum tipo de desavença. Sei que
não nos vemos há anos, mas quando se trata de família, os percalços da vida
podem ser deixados de lado, não é mesmo?” Sem tirar os olhos dos seus,
um azul intenso, característica dos Davis, parte da família da minha mãe,
movo o lábio levemente para o lado em um sorriso petulante.
Os percalços da vida? Ele foi embora quando mais precisamos dele.
Enquanto minha mãe se tornava viúva, cuidando de uma criança pequena
sozinha, ele estava por aí, vivendo a sua vida. Enquanto ele se tornava um
médico de referência, minha mãe sofria humilhações na casa de Isaac
Mazza, depois aceitando um acordo de casamento com um homem doente,
afim de tentar salvar as nossas vidas do que aquela família nos causou.
Gregory Mazza para ser mais específico. Roger Davis nunca se importou
conosco, o que ele está querendo agora?
“Então essa é famosa Tess Eisen?” Roger desvia o olhar dos meus, e
se volta para Tess, afim de criar alguma leveza à atmosfera. Não o julgo, é
ela que sempre levou embora as minhas tempestades.
Ela usa um vestido rosé floral, que combina perfeitamente com o
seu tom de pele. Os cabelos sedosos, soltos e ondulados lhe dar um visual
praiano elegante. Um contraste perfeito entre mim e Davis, que estamos
devidamente trajados com o nosso traje de enfrentar o mundo a cada dia
que passa.
Ele se aproxima da minha mulher sorrateiramente. Segura em sua
mão com uma delicadeza perturbadora.
“Uau, é lindíssima. Você é ainda mais linda pessoalmente. Meu
sobrinho sempre fazendo as melhores escolhas.” Solto um riso irônico.
“Ora, muito obrigada, mas a escolha aqui foi minha. O que seria de
Stephen sem mim?” Com o seu poder de mulher dona de si, Tess consegue
fazer todos rirem.
“Claro, claro, você tem toda razão.” Roger ri amarelo, e Tess retira
sua mão o mais breve possível da posse de Davis. Já eu, procuro uma
explicação mais concreta de Savannah, a buscando com o olhar.
“Só digo a verdade, quando me refiro a Stephen. Soube que se
tornou um dos empresários mais bem-sucedido de Manhattan e da Flórida,
estou orgulhoso de você, meu sobrinho” O encaro, não com frieza, mas com
uma certa altivez. Nada melhor do que provar quem você se tornou para
quem nunca deu a mínima para você.
Não que Davis me desprezou exatamente, mas ele negligenciou a
minha mãe. Sendo, assim, o gostinho de sucesso é válido.
“Ainda bem por isso”, digo, o sarcasmo escapando dos meus lábios.
“Só sendo conhecido para despertar o interesse de um parente tão distante.”
O sorriso patético do seu rosto some, mas Savannah me repreende, após
uma olhada cúmplice com Tess. Ela insiste em reprovar as minhas ações,
mesmo que ela sejam autênticas, e isso me aborrece.
“Stephen...” Savannah intervém, antes que seja tarde. “Sei que está
surpreso com a visita repentina de Roger, desculpe por não ter avisado
antes, mas seu tio veio especificamente pra falar com você.” Semicerro os
olhos, não entendendo qual é o ponto. “Tem algo a lhe dizer, e tem a ver
com o seu pai.” Pisco os olhos ao levar o susto. Como se a presença dele já
não me deixasse perturbado por si só, sempre tem algo a mais.
Me sento no sofá, assim que retiro com respeito as mãos de Tess
entrelaçadas nas minhas. Cruzo o tornozelo na outra perna e espero que ele
comece. Se esse homem realmente tem algo a me dizer, pretendo me sentir
o mais confortável possível, nem que seja por alguns instantes.
“Estou ouvindo.” Ergo minha sobrancelha. “Pode começar.”
O olhar de Tess dardeja entre Savannah e Roger. É claramente um
pedido de desculpas gritante. Mas é assim que eu sempre fui: desconfiado,
em alerta a tudo. Tess é quem faz esse papel da boa vizinhança, não eu.
Quando me disseram o quanto sou rancoroso e vingativo, achei que
esses sentimentos fossem justos, se considerar o que já passei, mas agora,
olhando para o irmão de Savannah, depois de tudo que ele fez com a irmã
no passado e que nada tem a ver diretamente comigo, me deixa alarmado do
quanto sou mesmo o que todos dizem, e que isso não melhorou com os
anos. Mas, o que me custa conceber, é que ele provavelmente tem algo sério
a dizer, ele não viria à toa, minha mãe não o traria até aqui à toa. E pelo que
conversamos em sua casa, sua visita tem tudo a ver. Esse talvez seja o meu
medo e preciso me preparar para seja lá o que estiver por vir, com as armas
que eu tenho.
“É verdade, Stephen. Infelizmente, eu tenho algo a dizer. E tem a
ver com o seu pai.” Roger repete o que foi dito, sem nenhuma novidade, o
que suponho que seja algum tipo de preparação antes de me golpear.
Davis se senta no sofá disponível a frente. Savannah ao seu lado,
Tess ao meu, cruzando as pernas torneadas de fora, e entrelaçando os seus
dedos mais uma vez nos meus trêmulos. E incrivelmente funciona. Tess
sempre soube me acalmar, essa é uma das habilidades poderosas que ela
tem.
“Fica calmo. Vai valer a pena”, sussurra ela pacientemente.
Savannah deve ter lhe preparado sobre essa conversa, quando veio mais
cedo fazer o que eu havia pedido sobre a saúde dela. Ela já deve estar ciente
do assunto.
“Eu fiquei por alguns meses na casa da Savannah na época em que
você nem era nascido”, continua ele, sério e concentrado. “Convivi com o
seu pai durante aquele período e presenciei quanto ele se aliou a Lino
Berenson, por causa das dívidas de jogo que ele adquiriu.”
Agora faz sentido. Ele está aqui por todas as tramas do passado que
Jacob se envolveu. Esteve presente naqueles momentos. Como eu não
pensei nisso? É claro que ele estava lá. Questionei algumas situações com
Savannah e ela tratou de buscar por uma solução. Foi uma bela atitude ter
se prontificado pra acabar com as minhas dúvidas, mesmo sabendo que eu
não reagiria bem. Acontece que assuntos sobre o meu pai é algo que quero
obter, independente de quem venha as informações.
Roger dá uma longa pausa, procurando uma forma mais fácil de
dizer isso. Mas não há, eu sei que não há.
“Continue”, o encorajo, mostrando que estou totalmente com a
mente aberta em relação à esse assunto, independente do que isso me traga.
Desde que soube sobre o verdadeiro motivo da morte do meu pai, eu
venho procurando por respostas, afim de buscar punição para todos os
envolvidos. O mandante já estava morto, o executor preso, mas a máfia de
Lino não se limita apenas a Cruise e a ele, levando em conta o
envolvimento de Olivia Mansy, Corand Howell e Miguel Amzalag. Trouxe
Gregory Mazza para a minha vida por causa dos assuntos do meu pai, acho
que já fiz vista grossa em relação a coisas demais.
“Bem...”, tio Roger diz, meio receoso, mas disposto a falar. “Nem
sempre é fácil, Stephen. Você sabe. Eu vi um homem íntegro como Jacob
Crow com uma arma nas mãos. Eu tinha dezoito anos, mas já entendia que
o que ele estava prestes a fazer era uma loucura.” Ele dá uma pausa,
esperando por uma reação minha que não vem, tudo que quero é ouvir.
Quando ele não percebe nenhum sinal de oposição, continua: “Os meninos
de Allapattah fazem de tudo para sobreviver, é comum ver crianças
entrando para o crime. É normal querer fazer qualquer coisa para garantir
um dinheiro no final do mês, mas não aquele homem. Ele fez de tudo para
tirar a minha irmã das mãos do meu pai. Ele fez de tudo para se tornar um
homem digno dela. Eu mesmo o admirei por tudo que ele fez, e aí as coisas
mudam.” Não sei porque, mas não acredito em nada do que ele está
dizendo. Me parece mais uma tentativa de se safar do que uma atitude
nobre.
“Pera aí, eu não estou entendendo...” me mexe no assento, apoiando
os cotovelos nos joelhos, para ficar mais próximo de Davis. “Admirava o
meu pai? Desculpa, mas não foi essa história que me contaram.” Olho para
minha mãe que me parece mais apreensiva do que assustada. “Você foi
expulso da nossa casa por se meter com coisas erradas. Savannah não
poderia mais te sustentar, além do trabalho que você dava a eles. Não é isso,
mãe?”
“Isso foi depois de...” Roger interrompe Savannah que estava
prestes a se explicar.
“Pode deixar, Anna. Deixe com que eu conte a ele, sim? Assim vai
ser melhor.” Roger respira e retoma a história. “Quando descobri que Jacob
tinha uma arma em casa eu resolvi segui-lo.”
A história começa a ficar interessante, porque isso é algo que eu
também faria se estivesse lá. Volto a encostar no encosto, seguro a mão da
minha esposa e Tess descansa o braço no meu ombro, também disposta a
escutar.
“Ele estava estranho, sorrateiro, estava saindo no meio da noite
como um bandido prestes a aprontar. Eu não poderia deixar aquilo como
estava. Eu poderia ter acordado Savannah e deixado com que ela o
impedisse, mas Jacob me ameaçou. Disse que se eu não saísse do seu
caminho, ele faria com que Savannah me tirasse da casa. Bom, foi o que
aconteceu depois, mas... Segui Jacob até uma viela no meio do bairro. Uma
casa abandonada no meio do nada, quase caindo aos pedaços, muito
diferente do que era por dentro. Era... uma espécie de paraíso perdido no
meio de um lixão, se é que isso pode ser possível.” Franzo o cenho.
Eu nunca ouvi nada parecido. Os estabelecimentos de Berenson
sempre foi referência de luxo e sofisticação. Era grandiosíssimo e bem
vistoso. Um lugar para ninguém botar defeito. Porém, levando em conta de
que os cassinos bem rentáveis e com uma aparência inofensiva escondia a
verdadeira podridão que rolava, até que pode fazer um certo sentido.
“Está querendo dizer que Lino Berenson usava um disfarce?”,
pergunta Tess, curiosa e surpresa. “Então aquela pose toda que sempre
impulsionou seus cassinos já teve que ser camuflado? O que aconteceu à
polícia de Miami hoje em dia que ainda permite esse tipo de coisa?”
“Paraíso...” Sorrio com sarcasmo. Um paraíso que destruiu a vida de
muita gente, inclusive a do meu pai. E o que falar de Rachel Carter que teve
sua alma dizimada graças a perversidade do próprio pai?
“Sim, um paraíso podre e obscuro, mas que estava rendendo
milhões. Era muito recente, mas aquele lugar se tornou poderoso em pouco
tempo. Muito luxo, uísques caros, decoração de alta qualidade. Não
demorou muito para eu perceber que funcionava como uma boate. Primeiro,
achei que Jacob estava traindo a minha irmã, era óbvio considerando todas
aquelas dançarinas seminuas. Mas era bem pior: ele estava tramando
atravessar a fronteira para servir de mula para o tráfico de Berenson.”
Um negócio que cresceu rápido demais. Uma ajuda significativa de
Olivia Mansy, já que ela tinha muito dinheiro na época e repetiu o processo
anos mais tarde com o roubo do desvio de dinheiro que Gregory sonegou
com a ajuda de Amzalag. Mas, e naquela época? Isaac Mazza tem alguma
coisa a ver com isso? Não tenho dúvidas.
Fico em silêncio, mas o olhar de Tess para mim, indica que ela está
pensando no mesmo que eu. Eu adoraria saber o que se passava na cabeça
do meu pai para se submeter a isso. Entendo que era por causa das dívidas,
mas será o que ele estava pensando? Estava com medo? Será que pensou
em desistir em algum momento?
“E você tentou impedi-lo?”
Uma pergunta desonesta, levando em consideração que Roger
acabava de se tornar um adulto e não tinha poder nenhum sobre alguém que
estava com tanta determinação. E eu, será que eu conseguiria? Se fosse eu
no lugar de Roger, sobre as condições de filho, eu teria algum poder de
persuasão sobre o meu pai? Essa pergunta eu jamais poderei responder, mas
dói pensar na possibilidade que talvez eu também não teria conseguido
nada.
“Eu tentei, Stephen”, Roger parece desanimado. “Tentei tanto que
ele a apontou arma para mim.” Resfolego, sentindo o mesmo desânimo.
Sei que Savannah disse muitas vezes sobre ter perdoado meu pai, e
o quanto ela se esforçou para que a imagem que eu tinha continuasse
intacta, mas é difícil fazer isso, quando estou diante dessa conversa. Meu
pai teve muitos motivos para fazer a coisa errada, mas tinha muito mais
para não fazer. Havia uma família recém construída ali. Isaac, pelo que eu
soube, o ajudava sempre que podia. Só de pensar em Tess e nos meus
filhos, cogitar a possibilidade de colocá-los em risco, me deixa
profundamente apavorado. Não acredito que meu pai tenha perdido esse
senso.
“Stephen, você sabe o quanto o seu pai era temperamental. Eu já
disse isso. Ele era parecido com você. Quando alguém tentava fazê-lo
mudar de ideia, as coisas não ficam legais.”, Savannah diz, afim de
minimizar a facada que Roger acabou de usar contra mim. Uma tentativa de
justificar o injustificável, mas Savannah é assim. Seu senso de apaziguar,
vai além do que está diante de seus olhos. Ian diria que minha mãe é
cautelosa, eu digo que é ingênua.
Me levanto furioso.
“Não acredito que está colocando essa questão em cima de mim.”
“Stephen, calma”, Tess tenta mais uma vez me acalmar, mas não
está sendo fácil. “Savannah só está tentando te mostrar que a situação de
Jacob não era tão simples como pensamos. Se tratava de dívidas pesadas, e
ele tinha uma família pra sustentar. Haviam outras pessoas da pesada o
ameaçando. É normal ele ter tido uma...” Rio incrédulo, olhando para a
minha esposa, não a reconhecendo.
“Normal? Eu não acredito que você disse isso. E se fosse eu nessa
situação? Se fosse eu me envolvendo no tráfico, arriscando a vida dos
meninos, a sua e até mesmo a minha, em prol de algo que eu conseguiria
trabalhando. Você aceitaria numa boa?” Tess suspira vencida, lidar comigo
é uma tarefa difícil, mas ela sabe que tenho razão.
“É diferente, é...” Ela tenta argumentar, mas sem sucesso.
Agora sim Savannah fica inquieta, um pouco envergonhada. Mas a
culpa não é dela se tudo que meu pai fazia era longe dos seus olhos.
“A questão é que eu ameacei contar para Savannah tudo que ele
estava fazendo.” Roger brada, dissolvendo a tensão do momento. “Disse
que eu não ia permitir que minha irmã continuasse com ele se estava
disposto a colocá-la em risco. Só que em vez de eu ter feito o que tinha que
fazer, apenas ameacei. O resultado é que Jacob tratou de me colocar contra
Savannah, fazendo com que ela me expulsasse. Típico, não é?”
Meu pai devia está mesmo desesperado. Mas também era um fraco.
Um homem fraco desesperado é capaz de tudo para proteger a família. Me
deparei com esse vacilo uma vez quando ordenei a morte de Christopher
Dervishi. Talvez o sangue não nega, mas eu tive fibra para conter os meus
impulsos.
“Você sabia o que meu pai fez? Sabe disso tudo que Roger está
contando?”, pergunto a Savannah.
“Claro que não”, diz com tranquilidade, sem qualquer peso diante
da minha revolta. “Se soubesse eu teria falado. Não foi esse o nosso
combinado? Descobri agora, quando Roger decidiu contar.” Olho para ele.
Então foi com ele que ela descobriu informações sobre Phillip e
Isaac, não foi com Ian, já que ele se mostrou desinformado.
“Depois de tanto tempo?”
“Achei que esse seria o momento certo, apenas isso. Você já é um
homem adulto, julguei que agora sim saberia lidar com as questões. Tenho
visto também muitas notícias nos jornais sobre essa máfia de Berenson e a
forma como ele morreu. Um castigo, eu diria. Eu não poderia continuar no
meu mundinho sabendo tudo que eu sei.” Analiso suas feições.
Roger sabe de muito mais do que está dizendo. Ele não apareceu
somente para dizer como foi que sumiu e os motivos. Ele sabe de muito. E
o que ele sabe, com certeza irá esclarecer de vez os rumos que as coisas
tomaram, que envolvia os homens mais poderosos de Miami.
“O que eu vou dizer e mostrar vai esclarecer muita coisa sobre o
que anda preocupando o Mazza, então sugiro que analise as gravações e o
chame até aqui, caso for de seu interesse compartilhar.” Acaricio o meu
próprio maxilar e penso a respeito.
17

Gregory Mazza

O celular vibra em cima da mesa de vidro do escritório na Mazza


Undertaking, fazendo os objetos que estavam em cima, tremerem. Atendo
ao quarto toque, depois de muita resistência, sentindo minhas mãos
tremerem ao perceber que a ligação vem do Bank Mazza. Normalmente
esse telefone não aparece no visor de identificação, a menos que seja
importante. Dessa vez, sinto que é importante.
“Mazza.” Ouço uma respirada ponderada do secretário. Uma
preparação agnóstica, antes do caos se instaurar. “Pode falar, estou
ouvindo.” Agora sou eu que me preparo, para evitar sentir o baque que está
por vir.
“Phillip Stanton assumiu o banco nesta manhã”, ele diz, a sangue
frio. “Tentei impedi-lo, colocando seguranças em seu encalço, mas não teve
jeito. Ele tem uma procuração que não pode ser contestada. Ao que tudo
indica, é que a lei está ao seu lado. Eu sinto muito, senhor.”
Uma lei que muitas vezes trabalha para que a própria fraude seja
executada. Para que pessoas como Stanton opere sem problemas, com a
justificativa de que têm a lei ao seu favor, mas tudo não passa de milhões de
dólares envolvidos. Eu já estive nos dois lados e sei como as coisas
funcionam. O poder, seguido de corrupção e não há quem pode contra. O
que mais me deixa com receio, é se realmente essa procuração foi assinada
pelo próprio Isaac, como ele está dizendo. O meu pai acaba de me deixar na
dúvida de quem realmente ele foi. Será que meu pai foi mesmo capaz de
entregar o banco para outro? Isaac sempre soube me surpreender. Eu achei
que o conhecia, mas ele tem provado que continuo sem conhecê-lo. Ou
entregou o banco para outro, em seguida, ou entregou a mim na esperança
de que eu fizesse algo contra Stanton?
Uma coisa que Isaac não conseguiu fazer, mas que eu faria? Ele
teria tanta confiança em mim, a ponto de arriscar tudo em algo que ele não
tinha como prever? Mas o que ele esperava que eu fizesse se não me disse
nada a respeito do que estava tramando? Não sei quais eram as intenções do
meu pai, mas a partir de agora decido confiar em seu julgamento e talvez
um pouco na determinação de Stephen.
“Obrigado por me informar”, agradeço, tentando imprimir um
pouco de amor próprio. Eu não me exaltaria na frente de um secretário.
“Quero que... peça uma equipe que esvazie o escritório. Tire todos os
pertences meus e do meu pai daquela sala. Absolutamente tudo, não deixe
nada para trás, nem mesmo seu uísque favorito, e os coloque em um porão
no subsolo. Tranque a sala e traga as chaves até mim. Quero que faça tudo
até o final do dia, por favor.”
“Sim, Sr. Mazza. Farei conforme me pediu. Mas e quanto a nós? A
equipe que esteve trabalhando para a família Mazza por todos esses anos?
O que faremos?”
Uma equipe grande diga-se de passagem. São gerentes, atendentes,
secretários e sócios. Todos estiveram servindo ao banco mais importante de
Downtown, em Miami. Primeiro com Isaac, os filhos desses trabalhadores,
trabalharam para Jenson anos depois, e continuaram comigo. A dinastia
também segue-se entre os funcionários. Uma característica que é marca
registrada de Isaac, da família Mazza. Eu esperava que as gerações futuras
estivessem ao lado de Lily, ou de Evelyn se assim quisessem. Mas parece
que as coisas terão um pequeno desvio, pelo menos na parte da chefia. Por
enquanto, pois não estou disposto a me entregar tão facilmente.
“Continuarão como estão. Quero que fiquem aí. Continuem fazendo
o seu trabalho. Quanto a isso, segue-se normal. Não se preocupe, isso não
vai durar por muito tempo. Só quero que me mantenha informado. Quero
saber cada passo que Phillip Stanton der aí dentro.”
“Sim, senhor. Farei o meu melhor.”
“Obrigado.”
Então eu desligo, sentindo os meus nervos vibrarem em cólera. Mas
uma cólera branda, se é que isso seja possível. A verdade é que meu
desespero não vai ajudar em nada, no momento. Prefiro poupar forças para
quando eu tiver que lutar.
A porta do escritório se abre abruptamente, quase me fazendo
sobressaltar. Minha querida sobrinha continua com essa mania irritante.
Depois que dei a senha de acesso para Evelyn, é assim que ela trata o
ambiente, como se fosse sua casa. Pelo visto, é tudo que nos resta no
momento.
“Stanton assumiu a presidência do Bank Mazza?” Isso é um grito
histérico, quase uma cacofonia. O que era uma tentativa de autocontrole, se
torna um verdadeiro desequilíbrio. Que bom que ela foi a responsável e não
eu.
Desabo na cadeira, e respiro fundo, meio entorpecido. A ficha vai
caindo aos poucos, me despertando para a realidade. Uma realidade quase
nociva.
“Como sabe?” Acabei de receber a notícia, mas as coisas fluem
muito bem por aqui. Não dá pra passar nada de uma das famílias mais
conhecidas de Miami, inclusive um banco que tem sido referência há
muitos anos.
“Acorda, é o Bank Mazza! As notícias sobre a troca de pessoal está
em todos os veículos informativos. Tem até uma equipe de jornal na porta
daquele lugar. É um pandemônio, uma catástrofe. Estão questionando ainda
a sua capacidade de gerir duas empresas que estão praticamente falidas hoje
em dia.” Minhas mãos ainda estão tremendo, bem mais agora que Evelyn
praticamente cuspiu o meu fracasso, sem remorso algum. Nada tem sido
fácil, mas definitivamente, a minha ruína tem despedaçado o meu coração
dia após dia.
Desbloqueio o tablet em cima da mesa com um calma que não
possuo, e começo a procurar por informações. Não preciso buscar muito
para encontrar as manchetes. O título destaca a queda definitiva dos Mazza.
“Será que o império Mazza finalmente chegou ao fim e a pretensiosa
dinastia será extinta, dando lugar a outras gerações?” O que mais me deixa
puto é a ousadia de um jornalista afirmando que o banco não iria se
sustentar por muito tempo nas mãos do filho mais novo de Isaac, já que ele
não consegue manter nem a própria empresa de pé, obrigando a própria
sobrinha a salvar o império Mazza, se assim eu quisesse voltar a ocupar o
meu lugar como o maior empreendedor da Flórida.
Jogo alguns objetos que estavam em cima da mesa no chão em um
único soco, me permitindo perder a cabeça só uma vez. Manter a cabeça
fria também não está ajudando em nada.
“Quanto pretensão.” Ranjo os dentes. “Malditos!” Meto a mão
fechada no tampo da mesa. “Malditos!”, brado mais uma vez. A foto de
Tess balança ao lado da de Lily.
“Ficar irritado agora não vai adiantar”, Evelyn diz, cautelosa.
“E ficar aqui sentado vai, porra!” Evelyn dá dois passos a frente,
ficando próxima a mim. Sentindo a minha humilhação, ela se compadece.
“Isso não é verdade. Você tem feito muito. Você se ergueu mais
vezes do que um ser humano jamais faria. O que fiz com a empresa não
desmerece o seu potencial, sabe disso.” Olho para ela. Eu não a culpo, nem
mesmo sinto inveja de Evelyn. Só sei sentir gratidão, antes e agora.
“Eu não posso ficar aqui”, murmuro, desnorteado. “Eu não posso...”
“Então faça alguma coisa. Levante-se daí e vai a luta, tio. Por
muitos anos o Bank Mazza foi símbolo da sua desavença com meu avô e
com o meu pai, mas agora não é assim. O Bank Mazza faz parte do futuro
da nossa família. O nome Mazza depende disso” Ela fala como se eu não
soubesse. Mas a verdade é que eu não faço a mínima ideia do que fazer.
A única coisa que eu tenho não depende necessariamente de mim,
mas de outra pessoa. Eu posso estar me tornando um menininho assustado
que preciso das ações de outros, mais uma vez, mas por enquanto eu não
vejo outra alternativa. Eu simplesmente não sei mais o que fazer.
“Stephen e eu estávamos investigando. Tem que haver algo de
errado nesse documento que Stanton adquiriu. O meu pai pode ter sim
assinado, mas também pode ser uma fraude. Seja o que for, vamos
descobrir.” Evelyn olha para mim duas vezes, em choque, como se o que eu
disse mudasse tudo.
“Pera aí, você e Stephen?” O rosto de Evelyn enervantemente se
ilumina. Apesar de não sentir mais aquele sentimento platônico adolescente,
Evelyn sabe que Stephen é um homem de valor, e é muito esperto. Um
aliado e tanto para se ter ao lado.
“Ele tem motivações diferentes, Evelyn, mas que o leva para o
mesmo destino. Stanton fazia parte da quadrilha de Lino, ele esteve lá
quando o pai de Stephen foi assassinado. Pegando Stanton, Stephen
consegue a vingança que tanto procura. E eu consigo arrancá-lo do banco
de onde ele nunca deveria ter se metido.” Evelyn assente devagar, o sorriso
esperançoso nos lábios.
“Quer dizer que se o mundo sabe sobre a nova troca de pessoal do
Bank Mazza, também saberão da sua filiação com o seu pior inimigo?”
Evelyn gargalha, se divertindo com a possibilidade. Meu riso sai frio e pelo
nariz.
“Não exagere.”
“Que exagero o que! Não consegue ver o quanto isso é
maravilhoso? Essa notícia vai alavancar o mundo dos negócios, a bolsa vai
disparar no mundo financeiro, e eu vou amar ver isso de perto.” Me levanto
da cadeira e me aproximo da minha sobrinha engraçadinha.
“Stephen e eu não nos tornamos melhores amigos, apenas estamos
dispostos a unir forças para derrubar um inimigo em comum.” Evelyn bate
uma palma estrondosa.
“Viu só? Isso é lendário, titio. Vocês dois são os homens mais
importantes de Miami. Ambos têm feito história cada um a sua maneira,
imagina unindo forças? Esse lugar vai abalar. Disso você não pode negar.”
Sorrio de novo, mas nada frio dessa vez. Até que eu gosto dessa
possibilidade e me espanto do quanto Evelyn tem razão.
Se eu soubesse que me unir a Stephen teria mudado a história do
mundo dos negócios mais do que já mudou, eu não teria feito o que fiz.
Pelo contrário, teria seguido ao seu lado, pois juntos seríamos
indestrutíveis. Só agora percebo que Stephen seria a força propulsora de
que tanto eu precisava, e não alguém que me colocaria nas sombras, como
eu achava.
“Ok, espertinha, agora me deixe sozinho, preciso organizar algumas
coisas por aqui. Não quero colocar expectativas tolas em relação a esse
assunto.” Olho para a bagunça que fiz em um momento de raiva, sentindo
que começo a me acalmar.
“Acho bom mesmo. Anthony Kim está aí e provavelmente vai
querer ter uma reunião com você.” Franzo o cenho.
“O investidor do holograma?” Evelyn assente.
“Chegou hoje mais cedo de Londres. Provavelmente ele deseja ver
como as coisas funcionam por aqui.” Respiro. “Está vendo? Você é alguém
memorável e por causa do que fez no passado com sua empresa, e não é
sobre fracasso. Se comporte como um homem de sucesso que sempre foi e
não como um derrotado que acabou de levar mais um golpe, por favor, tio.”
Um conselho pertinente. Minha sobrinha sempre foi capaz de dizer o que
pensa com muita facilidade.
“As aparências. Não se preocupe, eu sei fazer isso como ninguém.”
Evelyn me abraça, com muita força. O amor pelo seu tio sempre presente.
“Vamos sair dessa, você vai ver. Eu te amo, viu?” Não sei se ela está
animada por mim ou pelas ações de Stephen, já que chegou aqui como se
nossas esperanças estivessem acabado. Não importa, para mim o que vale é
seu carinho.
“Pode deixar, pirralha.” Deposito um beijo na sua testa e Evelyn
deixa a minha sala alegremente.
Não sei o que vem a seguir, mas tudo que quero agora é um pouco
de paz, se é que é possível.
O celular vibra em cima da mesa mais uma vez. Mais uma notícia
que irá me desestabilizar, tenho certeza. Uma boa notícia não tem chegado a
mim há anos. Por que agora vai ser diferente? Ainda mais agora com tanta
coisa contra mim.
Olho no visor e vejo que estou certo. É Rachel perturbando as
minhas estruturas como sempre.
“Fala.” Sou frio como sempre. Mas ela não tem me dado muitas
escolhas.
“Não precisa buscar Lily na escola”, dispara, sem cerimonias.
“Estou com ela, vamos ao Universal Studios, quero levá-la ao castelo do
Harry Portter.” Me levanto mais do que depressa da cadeira, sentindo meu
sangue drenar do corpo. Seu aviso inofensivo, me atinge feito uma bala de
canhão.
Olho para o relógio e está faltando meia hora para o encerramento
das aulas na escola de Lily. Depois de tudo que ela me disse, que insinuou,
eu não posso permitir uma coisa dessas.
“Você o quê?” Ela percebe o meu desespero. Como se tudo que ela
faz culmina para a minha instabilidade.
Pego as chaves do carro e com a mão livre visto o meu paletó, afim
de chegar o mais rápido possível seja lá aonde ela esteja mantendo a minha
filha refém. Acionarei a polícia, o exército, até mesmo o presidente, mas
essa mulher jamais levará Lily de mim.
“Calma, calma, Garanhão. Eu sei que é de última hora, mas prometo
trazê-la sã e salva para você amanhã bem cedo. É esse o motivo da correria,
o voo sai agora a pouco.” Rachel ama testar os meus nervos. Deve ser
divertido para alguém como ela. Eu vou enlouquecer e ela será a culpada.
Paro próximo a porta, mudando o telefone de posição.
“Orlando, Rachel! Onde você acha que está com a cabeça para levar
a minha filha a Orlando sem me consultar? Ou será que é isso mesmo? Que
pretensões você tem, posso saber?” Ela faz um som que expressa falta de
paciência em lidar comigo, mas quem está quase explodindo sou eu e ela
não está nem aí.
“Nossa filha”, corrige, patética. “A Lily também é minha filha, não
se esqueça disso.” Deve ser assim que casais separados lidam com a guarda
compartilhada dos filhos. Se um dos pais for irresponsável como a Rachel,
sou capaz de imaginar o desespero.
“Muito conveniente da sua parte reconhecer isso justo agora, não
acha?”
“Conveniência nenhuma, só quero passar um tempo com a minha
filha, não posso? Ela ama o Harry Potter, achei justo levá-la até lá.”
Perpasso a mão no meu cabelo, sentindo a tampa da chaleira apitar.
“A Lily já conhece aquele castelo. Eu a levei há dois anos. Não
existe nenhum lugar que Lily queira visitar que eu não a levei antes. Está
atrasada, como sempre.” Rachel não parece se abalar com minha maneira
explícita de machucá-la. Lily nunca precisou da mãe, eu sempre fiz o
possível para suprir o máximo que eu pudesse.
“Ela foi com o pai, agora vai com a mãe, cuja sempre desejou
olhando o espelho de Ojesed.” O tiro sai pela culatra e agora sou eu que
sinto o abalo dessas palavras. Lily deve estar muito feliz de fazer essa
viagem com a mãe, não há dúvidas. Eu tentei suprir o máximo que eu pude,
mas existem coisas que não sou capaz de substituir. Levando em conta o tal
espelho de Ojesed.
Respiro fundo e volto para o fundo da sala.
“Você não está discutindo comigo na frente dela, está?” Só de
imaginar Lily com raiva de mim me causa angústia. Ficar contra a mãe dela
é estar contra ela, justamente por Lily achar que a presença de Rachel é um
presente e não uma ameaça.
“Claro que não, Gregory.” Sua voz é condescendente. Há um fundo
de trégua no modo como ela se comporta. “Eu já imaginava esse tipo de
reação vinda de você. Eu te conheço, Garanhão. Ela está brincando no
playground do parque. Já pedi a Maria que fizesse suas malas.” Esfrego o
meu rosto com rudeza, e solto um som impaciente.
“O que aconteceu com aquilo que você me confessou noite
passada?” Sinto os olhos arderem. “Você foi bem clara em dizer que não
sabe ser mãe. Que estar ao lado de Lily significa destruí-la. Por favor, não a
machuque.” É uma súplica, estou quase implorando.
“Eu não vou machucá-la.” Sua frase parece sincera. “Não vou,
Gregory.” Sua voz é profunda e cheia de garantias. Rachel pode ser muita
coisa, mas ela sempre faz o que diz. Isso faz com que eu relaxe
significativamente.
“Cadê ela? Quero falar com ela.”
“Mas é claro. Eu jamais te privaria disso.” Rachel chama Lily, posso
ouvi-la correndo aos risos se aproximando do telefone. Nem falei com ela,
mas sei o quanto Lily está feliz.
“Oi, papiii!!” Seguro a vontade que tenho de chorar, engulo em
seco, e limpo a garganta para que minha voz não pareça embargada.
A sensação de perder Lily é muito pior do que está acontecendo
externamente. Não tem nem comparação.
“Então, vai viajar com a mamãe?” Me forço muito para parecer tão
animado quanto ela.
“Aham. Eu vou mostrar para ela o salão comunal da minha casa em
Hogwarts. Ela vai gostar de saber as características do Lufa-lufa. Papi, eu
também vou mostrar a sua casa pra ela. Eu tenho quase certeza de que a
mamãe é uma grifana.”
Discordo, pois tenho para mim que é uma sonserina, assim como eu.
Sorrio, porque Lily está animada de ser a guia turística da mãe. Quando
fomos para lá, ela também foi me explicando tudo. Esse momento é
importante para ela, não quero estragar com as minhas paranoias. Rachel
não quer me machucar. No passado ela fez tudo para não me ferir. Se
afastou de mim quando percebeu que eu era amigo de Stephen e voltou
quando achou que eu queria o mesmo que ela, desistindo em seguida
quando ela percebeu que não estávamos de acordo. Eu preciso confiar nela,
justamente por que envolve Lily e não somente eu, alguém importante
demais para que ela possa me ferir.
Rachel a levou para passear algumas vezes e a trouxe como o
combinado.
“Obedeça a sua mãe e escove os dentes antes de dormir. Mais tarde
eu quero que ligue para que eu dê boa noite, entendeu?” Limpo as lágrimas
que escorreram dos meus olhos. “Divirta-se, minha filha.” Limpo a voz
quando percebo que sai um pouco embargada. Ela solta uma risada
contente.
“Claro que vou ligar. Eu não durmo sem te dar boa noite, paaapii.”
Me emociono.
Lily já dormiu fora de casa algumas vezes, na casa de Stephen, para
brincar com os filhos dele, mas agora é diferente, ela estava sob os cuidados
de Tess. Não faço ideia do que pode acontecer ao lado de Rachel.
“Obrigada”, Rachel diz, assim que pega o celular de volta. “Vou
devolver a Lily sã e salva amanhã sem falta.” Faço um esforço para confiar
nela.
Eu sei que Rachel também necessita desse momento a sós com a
filha. Sei que também é difícil para ela. Rachel não sabe lidar com suas
próprias emoções. Quem sabe esse tempo com a filha lhe dê um norte e sua
capacidade de amá-la possa renascer. Talvez seja esse o seu objetivo.
“Eu sei.” É só o que digo, torcendo para que eu saiba mesmo o que
estou permitindo acontecer.

Me deparo com Karen na porta do escritório, assim que saio para o


almoço. Esse quase encontrão, surpreendentemente, era tudo de que eu
precisava nesse momento. Karen estava me ignorando há dias, mal saia de
sua sala. Se precisasse me informar algo, fazia questão de encarregar o
serviço para a nova secretária. Essa atitude estava acabando comigo, devo
confessar. Para alguém que dependia de Karen para tudo, é quase um
sentimento de abandono. Preciso parar com essa dependência emocional de
uma vez por todas!
Eu a olho nos olhos. Ela faz o mesmo, de novo e em um curto prazo
de tempo. Karen jamais me olhou nos olhos, mas tem sido diferente nos
últimos dias. Não dura muito, logo ela desvia o olhar, não para aqueles
baixos e intimidados, mas para algo superior e destemido. É como receber
uma bofetada no meio da cara.
“Anthony Kim está esperando o senhor na sala de reuniões”, diz,
profissional até demais.
Olho para os lados, buscando uma forma de fugir, eu confesso. Não
quero me travestir de cordialidades e simpatia em um momento que parece
que tudo está desabando.
“Não vejo o porquê. Evelyn e Landon são os idealizadores do
projeto. Tudo que ele precisar tratar é só comunicar a eles, já que sabem
melhor do que eu como o projeto funciona.” Karen volta a olhar para mim.
Dessa vez não vejo desprezo, mas decepção.
Ela sabe que estou tentando me esconder. Esse é o tipo de desculpas
que eu dou quando não quero encarar um compromisso. Na verdade, eu
digo isso em alto e bom tom, com clareza. Mas até a minha mudança de
atitude, Karen parece compreender muito bem.
“Viu só, era disso que eu estava falando!”, ela ri de nervoso. “O
senhor nunca consegue encarar uma situação de frente, Sr. Mazza, está
sempre fugindo.” Essa verdade é difícil de encarar, contudo é o que eu
estava mesmo precisando. “Ele deixou claro que gostaria de conversar com
o senhor. Anthony Kim é um dos homens mais influentes de Londres e foi
claro quando exigiu a presença de um dos homens mais populares de
Miami. Deu pra perceber? Um dos homens mais populares de Miami!” Ela
repete para que eu entenda de uma vez por todas o que isso significa.
É incrível como Karen consegue me dar um recado e ainda elevar o
meu ego em um só aviso. Ela sabe do que eu estou precisando no momento.
Tenho certeza de que leu aquelas notícias, sabe como aqueles malditos
conseguiram me humilhar, e está tentando erguer a minha cabeça, mesmo
que esteja puta comigo. Para ser sincero, aprecio a sua empatia. Mesmo eu
a decepcionando, ela ainda permanece digna.
O olhar dela é cáustico, entretanto. Como se esse título imposto a
mim fosse uma ironia, não pelo que realmente é, mas pelo que fiz de mim
mesmo diante das dificuldade.
“Não é o que eu estou tentando fazer.” Uma mentira que eu conto
para mim mesmo, quando não quero encarar a minha imagem no espelho.
“Então o que está tentando fazer?” Não digo nada, deixo que minha
covardia diga por si só. “Você vem comigo?” Seu tom de comando me
deixa meio aturdido. Estou sem ação diante dessa nova situação que
sucedeu entre nós.
Ainda assim, não quero perder essa oportunidade. Se Karen está
tentando me impulsionar, algum motivo tem. Eu sei que ela realmente
acredita no que diz. Cabe a mim aprender a acreditar em mim mesmo.
“Mas é claro.” Então, finalmente Karen volta para o seu velho eu e
olha para baixo, envergonhada, assim como antes. Eu espantosamente gosto
disso também. Sinal de que a Karen apaixonada por mim está de volta.
Veja bem, não é que aprecio Karen submissa, sua mudança tem me
causado admiração, porém sua altivez seguida por desprezo é algo que não
estou conseguindo suportar.
Abro um espaço, deixando a passagem em direção a sala de
reuniões livre para ela passar na minha frente, e vou em seguida,
aproveitando do momento para checar seu belo corpo caminhando a esmo
na minha frente. Se Karen soubesse o quanto ela mexe comigo... o quanto
necessito ter esse corpo mais uma vez nos meus braços... Uma noite não foi
suficiente.

Assim que chegamos, Anthony já estava a minha espera. Ele se


levanta da cadeira em que se sentava com um sorriso animado nos lábios,
bem o que eu previa e que não queria. Me obrigo a fazer o mesmo, mas
depois do pouco que consegui de Karen, acho que o sorriso fica mais fácil.
“Sr. Kim”, o cumprimento com profissionalismo.
“Olha só!” Ele por outro lado, cantarola animado. “Finalmente estou
conhecendo pessoal o famoso Gregory Mazza.” Ele aperta a minha mão
com entusiasmo, e depois dá um tapinha no meu ombro amigavelmente.
Uau! Esse homem deve estar muito feliz para estar tão de bem com
a vida desse jeito!
“Momento como esses são raros, não acha?”, completa, elevando o
meu autoestima mais uma vez.
Ele acena com a cabeça para Karen, que logo coloca algumas pastas
espalhadas por sobre a quilométrica mesa da sala de reuniões.
“Sem dúvidas. Não é todo dia que se está diante do número um de
Londres. Fizemos alguns negócios, mas por teleconferência. Que bom que
está aqui, soube que se casou.”
“Sim, sim. Há um ano. Temos um filho lindo agora.” Está explicado
o porquê de tanta felicidade. Eu devia estar assim quando me casei com
Tess. Esbanjava felicidade, espalhando doçura e má digestão em que quer
que visse o quanto eu estava entusiasmado, aonde quer que eu ia.
Mas ele é homem de família. Anthony sempre foi visto dessa forma,
mesmo quando era ainda solteiro. Seus costumes asiáticos não o deixaram,
mesmo em terras estrangerias.
“Mas você também tem sido número um, Gregory. Admiro a forma
como seus negócios duraram em Miami. Muita gente foi salva pela seu
modelo de comércio, tendo sucesso até hoje. E nem é tão distante assim,
você tem tirado pessoas da miséria.”
Lembro de José Cortez, um ex dono de bar que transformou seu
negócio em um grande Outback. Abro um sorriso emocionado por saber
que em partes fui responsável por isso. Karen concorda com Anthony em
um olhar.
Indico a cadeia para que Anthony volta a sentar, me sentando em
seguida.
“Essa é Karen Osmond. Minha fiel executiva. E bota fiel nisso.”
Levando em conta que ela praticamente me obrigou a estar aqui... “São
anos de parceria, e...” Olho mais uma vez para ela, de um jeito terno e
grato. “Cumplicidade.” Anthony a cumprimenta com uma leve inclinada de
cabeça.
“Eu conheço a Srta. Osmond. Falamos algumas vezes ao telefone.
Ela é mesmo ótima, muito profissional e prestativa.” Karen se senta
conosco, participando da reunião.
“Que isso, Sr. Kim. Só faço o meu trabalho.”
“Faz mais, do que o seu trabalho, Karen.” Meu tom é incisivo, faço
questão de elogiá-la e ainda consigo um sorriso tímido e fofo.
“Esse lugar é incrível”, observa Anthony deslumbrado. “As
instalações são de alta qualidade. Você tem feito um belo trabalho desde a
decoração. É italiano, não é?” Uma forma de irritar o meu pai, na época.
Assinto.
“Sim, sim.”
“Somos hoje um dos primeiros em categoria de sucesso”, Karen diz.
“O senhor destacou posição no mercado. Sr. Mazza continua sendo o
número um em matéria de objetividade e desenvolvimento. Geramos
muitos empregos ao longo de décadas. Esse lugar continua sendo a marca
de um verdadeiro Mazza.” Olho para ela quase explodindo, mas contido. O
modo como ela desperta a minha dignidade, principalmente na frente de
Anthony Kim, é um diferencial.
“Com certeza, Srta. Osmond. O sucesso de Gregory tem atravessado
fronteiras.”
“Não é o que as últimas notícias dizem.” Provavelmente Anthony
checou as notícias hoje. Ou ele está tentando ser simpático ou acredita
mesmo no que diz.
“Toda família tem seus problemas, Gregory. Da mais simples a mais
poderosa. Isso não é privilégio só dos Mazza. Convenhamos que o banco
nunca teve sua calmaria desde o dia em que foi fundado, e isso não anula o
seu sucesso, muito pelo contrário.” Assinto cautelosamente, gostando do
que ele diz. Ele bate uma mão na outra. “Bom, não vim aqui apenas para
tecer elogios, embora eu já quisesse falar tudo isso pessoalmente. Vamos
falar sobre negócios?” Assinto, achando uma boa ideia. “Todos nós
sabemos que o Holograma, projeto criado por Evelyn e Landon, tem tido
resultados favoráveis, e tem alcançado muitas empresas de grande prestígio,
o que sempre foi o objetivo. Mais vendas, mais lucros. Mas eu gostaria de
algo a mais, algo que Evelyn e Landon não irão me ajudar. Pelo menos, não
está nas mãos deles essa responsabilidade, mas nas suas. É por isso que
estou aqui.” Anthony olha para mim e depois para Karen como se estivesse
prestes a contar um segredo fenomenal.
“Se eu puder ajudar, por que não?” Ele balança a cabeça.
“Ótimo. E sim, você vai poder me ajudar. Ao menos, é o que eu
espero.” Ele dá uma risadinha. “A internacionalização, ela ainda está de
pé?” Pisco os olhos algumas vezes, não entendendo como o meu modelo de
comércio praticamente falido tem algo a ver com isso.
“É claro!” Karen praticamente avança em cima de Anthony para
confirmar, já prevendo o que ele tem a dizer. “Tivemos algumas perdas,
mas estamos fazendo o máximo para que atinja resultados significativos a
curto prazo. O Holograma é um ótimo passo. Sabe como o Sr. Mazza é, os
trabalhos precisam ser minuciosos, é por isso que tem tido sucesso.” Esse
brilho nos olhos irradia paixão. Karen sempre acreditou nesse projeto, mais
do que eu até. E se ele tem crescido como ela diz, é tudo graças a ela. Foi
ela que indicou Anthony Kim quando Evelyn inventou aquela estratégia
maluca para tentar me salvar.
“Exato. Eu tenho plena convicção disso. É por isso que queria lhe
fazer uma proposta, Gregory.” Me mexo na cadeira, na expectativa.
“Pode fazer.”
“Minha esposa é uma artista. Ela tem muito talento mesmo, é
excepcional. Estou pensando em abrir uma galeria para ela, tanto em
Londres quanto nos Estados Unidos, e Miami será o local escolhido para
esse feito. Quero que ela cresça aqui, pois considero o estado rico em
oportunidades, e você é um dos geradores de oportunidades mais
competentes que eu conheço, Gregory. Quero que me ajude fazer com que
isso cresça.”
Sinto uma comoção inesperada dentro de mim. É euforia e
vivacidade. É mais uma vez o público me colocando para trabalhar para
eles. É mais uma vez Gregory Mazza sendo útil novamente. Eu não me
caibo de alegria. Nem eu e nem Karen. Talvez a presença de Anthony esteja
servindo para me lembrar do que eu havia me esquecido: de mim mesmo.
Anthony Kim não precisa de mim para fazer o negócio da esposa
crescer. Talvez em Miami, já que ele não é tão famoso por aqui, mas em
Londres? A cidade que todos fariam tudo por ele. Se realmente quer ajuda é
porque acredita em mim. Me sinto honrado pela primeira vez em anos.
“Anthony eu...” Os olhos de Karen gritam para que eu aceite. “Eu
nem sei o que dizer, eu...”
“Diga que sim. Nem sempre é fácil para a esposa de alguém famoso
caminhar com as própria pernas, talvez saiba do que estou falando. Ava é
talentosa, mas não será por isso que vão levar em consideração. Por isso
pretendo sair totalmente de cena. Apesar de eu estar aqui pedindo sua ajuda,
sei que não é considerado exatamente como um vínculo. Eu ajudo com o
investimento e você me ajuda com a sociedade. O que acha?” Uma proposta
e tanto. Anthony Kim é podre de rico e faria tudo para a mulher que ele
ama.
Sei disso porque conheço homens como ele. Não eu, mas outros. A
Tess praticamente foi engolida pelo meu sucesso quando se casou comigo.
Stephen tem feito esse papel melhor do que eu, ainda bem por isso.
“Eu me sinto honrado, Anthony. De verdade. Pode contar comigo.”
Anthony Kim fica feliz, eu fico feliz e Karen... Ah a Karen... ela se alegra
como se tudo fosse para si própria. Eu amo o quanto ela se alegra com a
alegria do outro, com a minha alegria, principalmente.
“Muito bem, Gregory.” Me cumprimenta com um aperto de mão,
selando nossa parceria. “Ah, e olha só.” Ele se volta para Karen. “Não deixa
essa mulher escapar, sim? Não é fácil encontrar alguém como ela nos dias
de hoje. Eu tinha alguém assim, mas infelizmente meu fiel parceiro, foi
assassinado.” Ele lamenta.
Os meus olhos e os de Karen se encontram em uma onda
avassaladora. Eu mal me caibo por dentro.
“Eu não vou. Pode apostar que Karen é minha.” É um recado dado.
Percebo daqui a sua timidez fofa, e um sorrisinho contido no canto da sua
boca. Ganhei meu dia, pode apostar.

Não consigo dormir. Minha cabeça está a mil. Talvez seja porque
Lily não está em casa. Apesar de ela ter me ligado agora a pouco, para dizer
que estava indo dormir, é como se algo ainda faltasse em mim. Entretanto,
Lily já passou tantas noites fora, e eu nunca perdi o sono. Talvez seja
porque está com Rachel, apesar de acreditar que jamais lhe faria mal. Deve
ser também o fato de que Stanton tenha tomado o que é meu. Eu falhei,
falhei mais uma vez comigo mesmo e com a minha família. Me sinto tão
mal, no entanto não tenho forças para lutar. Ou talvez, eu seja incapaz de
lutar. Não sei por onde começar. Essa também é uma forma de falhar. Acho
que o brilho no olhar de Karen é o que me salva. A sensação que senti hoje
foi indescritível. Não é um sentimento imaturo de um adolescente, mas um
sentimento maduro. Consigo enxergar todas as implicações que isso pode
causar, mas também enxergo maneiras para fazer infinitamente melhor do
que jamais fiz. Ela me inspira a isso, a ser melhor.
O celular toca em cima da mesa, não tenho energia para atender.
Não há mais quem me ligue há essa hora. Se eu for atender é só para ouvir
mais problemas, Karen já me confortou muito por uma noite, não quero
estragar isso com más notícias.
O toque estridente insiste, me mobilizando a dar pelo menos uma
espiadinha. Desistem, mas logo voltam a insistir. Solto um suspiro irritado e
finalmente verifico quem é.
Stephen.
O visor é bem claro em dizer. Eu quase não acredito. Dou numa
olhada no relógio e são quase meia noite. Me apresso em atender, ele deve
ter alguma novidade útil.
“Stephen?” É mais uma surpresa que pergunta.
“Olá, Gregory. Preciso que venha até a minha casa. Acho que tenho
algo que você gostaria de saber.” O tom urgente e inquestionável, me faz
levantar da cama em um salto, sem protestar.
Será que dessa vez encontro as soluções para os meus problemas?
18
Gregory Mazza

Estar na presença de Stephen já é desconfortável por si só. Agora,


estar em sua presença, em sua casa, com Savannah e Tess olhando para
mim, como se estivessem prestes a informar a um moribundo que ele não
tem muito tempo de vida, é apavorante.
Eles estão na companhia de um homem, que por um breve instante
me soa familiar. É como se eu o tivesse visto em algum lugar, mas é uma
memória que está tão distante, que não consigo me lembrar de onde.
“Obrigado por ter vindo”, Stephen diz, diligente. Meneio a cabeça,
sem tirar os olhos do sujeito em questão. “Este é Roger Davis, irmão da
minha mãe, meu tio.” Uma situação surpreendente, mas não improvável.
Puxo da memória. Eu não sabia que Savannah tinha um irmão, ou
melhor... não um irmão que pudesse estar diante de mim depois de tantos
anos. E então me lembro de algo que Stephen me disse quando éramos
pequenos. Um tio que os deixou para trás para seguir o seu próprio destino.
“Ah, sim, sei. O tio dermatologista que deixou a irmã e o sobrinho
ainda pequeno, desamparados enquanto fazia fortuna.” Meu tom é um tanto
sarcástico. Talvez uma revolta por ter crescido e visto o quanto Savannah
batalhou para ter uma vida digna enquanto o marido, pais e irmão os
abandonaram. Roger Davis sorri, sem tirar os olhos de mim, não se
deixando abalar nem por um segundo.
“Ora, se não é Gregory Mazza”, ele diz, provocante. “O cara que
deu um golpe no melhor amigo, e assim, ergueu um império milionário.”
Ofendido, dou uma olhada para Stephen.
Como ele foi capaz de contar isso a este homem? Pensei que as
coisas já estivessem se revolvido. Ele deve ter lido as especulações, o que
não era exatamente uma mentira. Haviam exageros, claro, mas os
jornalistas conseguem informações quase confidenciais.
Stephen balança a cabeça, me pedindo para ignorá-lo, mas não
consigo. Não foi para isso que eu vim. Aliás, nem sei porque eu vim.
“Ora, seu...” Savannah se coloca na nossa frente, impedindo meu
próximo passo. A forma que resolvo as coisas não parece o objetivo aqui,
mas mesmo assim, não posso me controlar.
“Será que dá pra parar com essa briguinha sem fundamento, e
vamos nos concentrar no que importa”, Tess brada, indignada.
Ao me dar conta de que Tess está aqui, tudo começa a mudar. Ela
está linda, como sempre. Usa calça jeans em estilo rasgados na altura dos
joelhos, bem emoldurado ao corpo, marcando sua cintura em forma e a
bunda empinada. A regata bege, acentua ainda mais a curvatura de seus
seios. Os cabelos curtos com leves cachos nas pontas, realçou ainda mais
sua beleza jovial.
Ofegante, paro um passo. Stephen revira os olhos. Eu não deveria
mesmo me chatear, Roger está certo. Foi o que eu fiz, não foi?
Olho ao redor, uma reuniãozinha pré-estabelecida.
“Então expliquem, porque eu não estou entendendo nada.” Stephen
dá alguns passos para trás, dando uma batida no encosto da poltrona,
calmamente.
“Então, vem aqui. Sente-se e tente se acalmar.” Hesito, não me
sentido à vontade de forma alguma. Parece uma armadilha, mas me permiti
confiar em Stephen, eu assumi o risco, não foi? Espero não me arrepender.
“Vai, Greg, por favor. Você vai entender.” Tess tem todo o jeito
especial de me persuadir. Ela ainda é capaz de acalmar o meu coração de
modo que mergulho de cabeça no que ela quer que eu faça. Ela nunca irá
perder esse poder, e eu, nunca vou conseguir evitar ser dominado por ela.
Me sinto derrotado por causa disso, pois é como um viciado tentando se
livrar das drogas.
Faço o que pedem e me sento. Stephen, desbotoando um botão do
terno de grife, senta na poltrona à frente. Roger e Savannah no canto
adjacente. Tess, entre nós dois, como uma peça em disputa entre dois
adversários. O que não é mais o caso há anos. Porém, ainda sou capaz de
perceber o que ela acabou significando ao longo dos anos.
“Você tem razão”, começa Stephen. “Roger ficou por muitos anos
sem aparecer. Não tivemos notícias dele desde que eu era criança. Eu
mesmo o questionei sobre isso. Quem pode explicar o que nos reserva o
destino, não é mesmo?”
Ontem Roger os abandonou, hoje ele pode ser o que precisamos.
Assim como Stephen e eu. Uma ironia da vida, não acha?
“Ele conviveu com o meu pai, esteve presente naqueles momentos
mais cruciais da nossa família. Ele sabia sobre os podres do Lino Berenson
e sobre a pressão que meu pai tinha antes de entrar para a máfia.” Olho para
Roger, o analisando bem.
Agora faz todo o sentido. A presença de Roger é fundamental para o
que estamos investigando. Muito mais para o lado de Stephen do que para o
meu, claro.
“Muito prazer, Roger Davis”, falo, com deboche. “É muito bom
conhecê-lo, verdade. Ouvi falar muito sobre você, mas...” Olho para
Stephen, um pouco decepcionado com o desdobramento da nossa parceria.
Ele preferiu focar nas suas questões do que na minha urgência. “Phillip
Stanton está com o banco da minha família e eu preciso encontrar uma
maneira para recuperá-lo.” Faço menção de me levantar e ir embora. Nem
sei por que achei que Stephen poderia me ajudar. Ele sempre pensou
primeiro em si mesmo, sempre foi assim. Fui ingênuo ao pensar que agora
seria diferente.
“Senta aí, seu idiota.” Stephen praticamente ordena.
Todos me olham como se eu fosse o único que não sabe sobre uma
grande catástrofe. Realmente não estou informado dos riscos, porém é
como se eu fosse o otário da vez.
“Lembra que conversamos sobre a possibilidade de Phillip Stanton
trabalhar para Lino Berenson, já que o próprio confessou isso a você?”
Assinto, ainda bastante confuso. “Phillip não mentiu. Ele não só trabalhou
para Lino Berenson, como nunca foi condenado pelos crimes que ele
cometeu antes e depois de ser preso.” Franzo o cenho. “Para ser mais claro,
ele nunca foi condenado pela parceria com Berenson, mas pela licença falsa
que ele possuía para operar no ministério público.”
“Tá querendo me dizer que Isaac se valeu desse método para
conseguir a candidatura?” Stephen assente.
“Com Stanton dentro do parlamento as coisas funcionariam para ele,
mas alguém o denunciou, e a casa de Stanton caiu. Ele foi preso e Isaac não
conseguiu se candidatar, devido aos milhões que ele roubou de Stanford. O
dinheiro não era criminoso, já que o próprio Stanford quem emprestou o
dinheiro, mas por causa do escândalo que o homem fez, as coisas se
complicaram para seu pai.”
Isso explica muito, mas o que não está claro é: o que tem a ver
Phillip Stanton com Roger Davis? Como ele está sabendo de tudo isso?
“Que história é essa? Fico feliz que seu tio tenha voltado, Stephen,
mas como ele está sabendo de tudo isso? Como ele conseguiu todas essas
informações? Será que vocês podem, por favor, me dizer o que está
acontecendo aqui? Porque não estou entendendo nada.” Tess revira os olhos
mais uma vez.
“Se se acalmasse, seria muito mais fácil para você e para nós.”
“Não precisa entender. Apenas assista.”
Stephen, usando o controle remoto que pegou em cima da bancada
decorativa ao seu lado, liga uma grande TV no escritório, onde começa a
aparecer imagens antigas de uma câmera amadora. No vídeo, se encontra
Phillip Stanton e Isaac Mazza. Todos os homens mais lendários que
rodeiam e ainda rondam as nossas vidas há anos.
Olho para Stephen mais uma vez, sua cabeça meneia levemente. Um
pedido de confiança silencioso. Decido ceder.
“O senhor não está entendendo, eu preciso fazer isso.” Apenas a voz
de um homem aparece, como se a câmera estivesse pendurada em algum
lugar em seu corpo. Julgo a voz como sendo de Jacob Crow, já que ele é o
único que não aparece nas imagens. “Preciso pagar as minhas dívidas,
preciso dar uma sustento adequado à minha esposa.” Meio incomodado
olho para Savannah. Mãe e filho estão ainda muito abalados com essa
gravação, o que não é novidade.
“Não é necessário”, meu pai diz. “Eu dou o que precisa.” Isaac faz
algo que eu nunca imaginei que ele faria. Bem, o que eu não imaginei que
faria antes de conhecê-lo de verdade. Parece que esse Isaac já existia há
muito tempo, só eu não percebi. Ou só a mim que ele nunca se mostrou. Ele
tira da maleta milhares de dólares limpinhos, e entrega para Jacob.
Provavelmente uma quantia que aquele homem jamais havia tocado em
toda sua vida. “Se tivesse me dito antes que estava nessa situação, eu teria
providenciado a mais tempo.” Phillip gargalha no canto externo, onde a
câmera mal o filma, mas sei que é ele, a arrogância no tom da voz o
entrega.
“Mesmo que você der milhões de dólares, sabe que Jacob não irá se
safar, Isaac. Ele viu muita coisa, participou de muita coisa. Berenson não
vai deixá-lo tão fácil assim.” Savannah aperta com força as próprias mãos.
Ela conhece tanto quanto nós as consequências de se meter com Berenson.
Stephen parece firme, mas eu sei que não é fácil assistir o que ele assistiu.
“Então eu vou até lá. Falo com Berenson. Não era para Jacob está
aqui, nessa situação. Isso é tudo culpa minha.” Isaac tenta se levantar, mas
Phillip o segura.
“E falar o quê? Quer que Berenson mate a todos nós?” Isaac recua.
Ele nunca recua, muito menos para alguém como o Phillip. Será que
realmente aquela procuração é verdadeira?
Isaac tinha tanto medo das exigências de Phillip que resolveu ceder?
Não, claro que não. É falsa. Se Phillip foi capaz de falsificar a própria
profissão. Porém, alguma coisa ele tinha para que meu pai ficasse de mãos
atadas. E esse vídeo me esclarece o motivo.
“Ele está certo, Sr. Mazza. Olha o que ele é capaz e fazer com a
própria mulher grávida! Por favor, não se comprometa por minha causa.”
Isaac coloca a mão na cabeça bastante abalado.
“Deve haver um jeito. Tem que haver um jeito!”, Isaac murmura
indignado.
O vídeo antigo começa a pifar, distorcendo a imagem, e em
segundos a gravação acaba, silenciando de vez minhas perguntas e minhas
angústias.
Me levanto em um salto. Olho para a TV desligada, as informações
processando lentamente na minha cabeça.
“O que está acontecendo, Stephen? Como assim Isaac estava sendo
ameaçado por Phillip? Me esclareça, porque não estou conseguindo
conceber isso.” O olhar de Stephen é condescendente. Ele entende a minha
desolação. Coloquei tanto Isaac como um deus, que vê-lo como um mero
mortal, sendo subjugado por um inferior, me causa pavor.
Stephen se levanta, se posicionando ao meu lado. Os olhos azuis
confiáveis, me encarando com gentileza.
“Eu sei que é difícil vê-los assim, tão perdidos e frágeis. A figura do
nosso pai sempre foi tão inquebrável e concreta que quando vemos desta
forma é como perder o nosso próprio sentido. Eu entendo, Gregory, mais do
que você imagina.” Penso em Jacob, o homem honesto, livre de qualquer
suspeita.
Enquanto vejo meu pai sendo um deus fracassado, ele enxerga o seu
pai como alguém que ele jamais seria. Deve estar sendo tão difícil para ele
quanto para mim.
“Mas acho que está bem claro”, Stephen continua. “Phillip Stanton
descobriu que meu pai estava trabalhando para Lino Berenson. Ele soube
que Jacob estava em alta conta com o seu pai, então resolveu ameaçá-lo.
Ameaçá-los para ser mais exato.” Balanço a cabeça, entendendo no que isso
se deu em seguida. Ameaças, conspirações, e tudo por dinheiro e poder.
“A procuração da empresa pela liberdade de Jacob Crow?” Stephen
assente levemente. Me sento de novo, as mãos sob minha cabeça, sentindo
o ar rarefeito.
Sim, meu pai disse que jamais faria o que eu fiz com um amigo,
porque ele tentou salvar Jacob. Não depois da morte dele, abrigando
Savannah e o filho para compensá-los, mas bem antes, quando ele mesmo
colocou Jacob nisso, sem saber. Ele fez algo que eu nunca fiz. Ele entregou
o que tinha para salvar a vida de uma pessoa.
“Como isso é possível?”, sussurro, olhando para Roger. “Onde
conseguiu isso?”
“Coloquei uma câmera nos pertences de Jacob. Eu queria ter provas
o suficiente para mostrar a minha irmã que eu não estava mentindo sobre a
conduta do marido. Demorei muito para mostrar isso, mas... Enfim, uma
longa história que já foi esclarecida. Então apareceu essa surpresinha. Além
de outras, é claro.” Penso a respeito. Esse homem deve saber de muita coisa
que aconteceu nesse passado. E se existe essa gravação, deve haver muitas
outras.
“É aí que entra nossa próxima ação”, Stephen diz, se posicionando
ao lado da esposa, confiante e animado. “Pelo que dá pra perceber, Phillip
Stanton tentou ferrar o meu pai, e o seu para conseguir o que queria. Na
verdade, ele usou o meu pai para conseguir o que Isaac tinha. Além dos
assassinos que já estão na cadeia, eu ansiava saber quem eram as pessoas
que o tinha deletado, agora sei que foi Phillip.” Ele dá uma pausa. “Phillip
Stanton não era apenas um peão nas mãos de Lino Berenson, ele era o
cabeça de toda aquela máfia. Ele faz parte do plano. Era um dos chefões,
sócio de Berenson. Foi assim que Isaac o conheceu. Uma indicação do
próprio Lino.”
“O quê?” É quase um grito. Stephen assente.
“Não dizem que chefe também pode obedecer ordens? Então. Isaac
Mazza estava nas mãos de Phillip porque Lino Berenson o recomendou. O
cara, conseguia tudo que queria, principalmente colocar Isaac na política.
Foi então que pensei: se alguém como Isaac se dispôs a se aliar a Phillip, só
pode ser porque ele também detinha do mesmo poder de Lino. Só que...
Isaac não cumpriu com o acordo. Não deu o que ele exigiu em troca disso.
Seu pai sempre foi orgulhoso demais para isso, você sabe. Mas meu pai
estava lá para reverter a situação à favor de Phillip e arrancar tudo que Isaac
tinha.” Penso um pouco.
Um motorista pacato que vivia uma vida aparentemente tranquila,
atendendo as exigências de um milionário corrupto. Motorista esse que de
alguma forma Isaac estimava. De repente se viu responsável por ele,
principalmente por Jacob ter se metido com os segredinhos do meu pai. Ele
quis fazer algo, sabia que Jacob estava em perigo e resolveu ceder.
“Então é por isso? Por isso Phillip conseguiu o documento. Phillip
era um cara perigoso demais e tinha o homem que Isaac tanto defende em
suas mãos.” Stephen balança a cabeça.
“Exatamente. Creio que existe mais sobre Phillip que vale a pena
investigar. Como ele conseguiu tanto dinheiro para abrir os cassinos de
Berenson, naquela época. Com certeza explorando de gente como Isaac.”
“Minha aposta é agiotagem,” Roger se ergue, dando a palavra.
“Jacob aparecia com muito dinheiro e depois tinha que pagar com juros
‘trabalhando’ para Lino. Pela reação de Jacob quando eu o confrontava,
percebe-se que envolvia muito dinheiro, mas uma ameaça a altura de
milhões de dólares. Não era apenas sobre o que Jacob sabia, mas pelo o que
ele tinha nas mãos.” Sinto um arrepio perpassar meu corpo.
Isaac tinha o dinheiro de Stanford, mas ele também tinha o poder e a
influência de Lino Berenson e Phillip Stanton para conseguir o que ele
conseguiu com o banco em poucos anos. Sim, isso tudo é tão claro para
mim.
“Mas e a prisão? Por que só agora? Esse negócio de só herdar
depois da morte não faz sentido” Roger toma a palavra.
“E não faz mesmo. Como Stephen disse, Phillip vacilou em alguns
tramites e foi pego. Há quem diga que foi Lino Berenson quem armou pra
ele pra ficar com tudo. Lino é um chacal bem esperto. Ele não admitiria ter
alguém tão poderoso ao lado dele como Stanton, já que seus negócios
estavam em risco. Coisa que eu não duvido. O boato é que foi Isaac quem o
denunciou, mas eu duvido. Havia muita coisa em risco, sim, mas os
motivos de Isaac eram diferentes de Lino. Enquanto Lino pensava em seus
negócios, Isaac tinha muito mais a perder. Mas ainda assim, Isaac pôde
respirar aliviado, porque Phillip pegaria muitos anos de cadeia, o deixando
em paz por alguns anos. Jacob foi assassinado e Isaac se sentiu no direito de
revogar o acordo.” Roger dá uma pausa e logo continua: “Só que quando se
entra em uma armadilha preparada por Berenson e Stanton as coisas não
são tão simples como parece.” Espero que ele termine. “Phillip tinha a sua
mãe pra fazer o papel dele, Gregory. Bem ali, sob o mesmo teto.” É
inevitável o quanto a menção da minha mãe me deixa estarrecido.
“O quê? Nicole?”
“Você já se perguntou alguma uma vez porque seu pai continuou
casado com ela mesmo sem amá-la”, Savannah, que antes apenas
observava, encaixa as peças do quebra-cabeça que faltavam. “Isaac estava
sob ameaça constante, Gregory. Ele foi obrigado a ficar com a empresa,
crescê-la e fazer com que se tornasse o que ela é hoje, uma condição por
Nicole tê-lo ajudado com Stanford, seu ex-marido. Assim Stanton arranjou
uma forma para continuar lucrando enquanto Isaac trabalhava, e sua mãe
estava no centro de tudo, garantindo que ele não vacilasse nem por um só
segundo, a mando de Phillip.” Isso é um absurdo. Como isso é possível?
“Meu pai jamais faria isso! Essa armação toda pelo banco? Por
aquele maldito poder que ele conseguiu com essa sujeira toda?”
Eu já nem sei mais o que pensar. O Isaac que eu conheci, e que
sempre foi um filho da puta comigo, seria sim capaz disso e muito mais por
poder, mas o Isaac que ajudou os Crow jamais. Meu próprio pai confessou
que errou muito, mas... Minha nossa, eu sempre soube que o casamento do
meu pai era algo a se desconfiar. Ao passar do tempo era visível que havia
uma ameaça entre os dois. Uma vez pensei que era só por causa de
Stanford, mas não fazia sentido. Meu pai o enganou, mas obteve aquele
dinheiro legalmente, apesar de suja, mas e o resto? A influência, o que os
Mazza foram e ainda são? O que estava em jogo para fazer com que Isaac
continuasse com isso?
“Por você, Greg.” A voz de Tess soa cortante nos meus ouvidos. É a
queima roupa. Sou capaz de sentir minhas pernas tremerem com o tamanho
do choque.
Olho para o meu amigo de infância e sinto que estou em uma
prensa. É doído, e desolador.
Stephen completa:
“Se Isaac não passasse a empresa para Stanton quando ele saísse da
cadeia, você pagaria com a vida. Lembre-se de que estamos falando sobre
assassinos profissionais, os quais mataram o meu pai.” O maxilar de
Stephen trava em fúria. “Lino estava à frente dos negócios, mas com a falta
dele ainda existia alguém como Stanton. Acontece que coincidiu de Stanton
sair só agora. Mas poderia sair naquela época mesmo, ou até enquanto você
e Jenson brigavam por um império tão frágil que a qualquer momento
poderia desabar. Já que Stanton estava de olho muito antes de você nascer.”
O chão some sob os meus pés, a sensação é de queda livre, sem promessa
de um fim.
“Não pode ser.” Me levanto, atordoado. Sem saber o que fazer. “Isso
não é possível, isso...” Não há nada mesmo que eu posso fazer? O banco
realmente nunca foi meu? E aquela história toda sobre dinastia? Isaac
perdeu a empresa por minha causa? Parece um pesadelo.
“Greg, Greg se acalme”, Tess diz, segurando no meu ombro. “Olha
pra mim.” Eu não consigo, minha vista está turva. “Eu sei que é difícil
entender tudo isso. Sei que é tudo tão injusto, é uma merda, mas... Olha pra
mim!” Tess pede com firmeza mais uma vez.
“Não, eu não... isso não é...” Olho para ela, mas nem mesmo Tess
consegue me salvar dessa vez.
“Eu sei que para você pode parecer um absurdo agora, mas tanto eu
como você sabe que o Bank Mazza sempre teve os seus problemas. Você
mesmo já me questionou sobre as práticas do seu pai, lembra? Você sabia
sobre o que ele foi capaz de fazer para possuí-la. Claro que tudo aconteceu
de forma mais problemática do que você pensava, mas isso não define
quem você é, está bem?” Me permito segurar em sua mão. Sentir a quentura
e a maciez da sua pele. Estou pouco me fodendo pelo que Stephen pode
pensar, eu só preciso sentir isso mais uma vez, e consigo. Eu sempre
consigo.
Abraço Tess com força, sentindo o calor do seu carinho. O cheiro de
seu perfume. Eu senti tanta falta disso, de senti-la me consolando, dizendo
que tudo vai ficar bem como ela fazia em situações que eu era obrigado a
lidar com a minha família. Minha nossa, que bom que ela está aqui!
“Gregory, eu tenho uma solução”, Stephen diz, quebrando meu
momento de resignação. Sou obrigado a soltar Tess. “Gregory, Stanton vai
voltar pra cadeia pelos crimes que ele realmente cometeu, eu me
comprometi a isso quando decidi me juntar a você, não foi?” Eu assinto,
quase desmoronando. “É isso que faremos. Stanton, Lino ou quem quer que
seja, não vai se safar dessa. Eu te dou a minha palavra.” Finalmente olho
para ele, sentindo meu coração desacelerar, e minha respiração voltar.
Estou entre pessoas que querem o meu bem, posso sentir.
“Tá...” Respiro. Olhando para os olhos verdes de Tess. “Está bem...”
E então ele sorri, e volto a ter esperanças, mesmo que mínimas.
Minha mente desacelerada e a paciência voltando. Então consigo clarear a
minha mente e pensa em uma situação já vivida e que pode nos ajudar.
“Pera aí”, digo, me lembrando de algo que ficou esquecido, mas que
me marcou muito. “Stephen, você se lembra daquele dia em que estávamos
jogando basquete e meu pai chegou de uma reunião mal sucedida? Ele tinha
prometido me levar à estação espacial, mas estava tão puto da vida que me
expulsou do escritório aos berros.” Stephen franze o cenho, tentando
recordar.
“Seu pai nos expulsava sempre do escritório, Gregory. Fica difícil
pensar em algo específico.”
Mas eu me lembro. Lembro do braço dele envolta do meu, lembro
da dor e da humilhação. Foi essa lembrança que veio à memória quando
Isaac estava no hospital. Foi ela que quase me impediu de perdoá-lo. Se não
fosse pelo abraço e pelas palavras de Savannah, eu não teria conseguido. As
coisas começam a ficar mais claras para mim.
“Eu preciso ir até a mansão Mazza.”
“A mansão Mazza?” Tess retruca. “Mas não estava à venda?” Antes
estivesse. Eu coloquei à venda algumas vezes, mas não consegui ir adiante.
As lembranças daquele lugar, por mais dolorosas, me impediram de me
desfazer.
“Não está mais”, sussurro. “Preciso ir até lá. No escritório do meu
pai para ser específico. Você vem comigo, Stephen?”
Stephen olha para Tess, querendo algum tipo de aprovação. Em
primeiro momento, Tess fica apreensiva. Sei que as coisas ficaram difíceis
para todos nós. Stephen quase perdeu a vida por minha causa, por causa do
envolvimento do seu pai com a máfia de Lino. É normal sentir medo, afinal
de contas, Tess ama Stephen. Ela ama demais, isso está estampado em seus
olhos.
“Tudo bem”, ela sussurra rende aos lábios do marido. “Só me
prometa que vai se cuidar.”
“Claro que vou. Não farei nada idiota dessa vez, eu prometo.” Ela
beija os lábios de Stephen com desespero. Apertando a sua nuca, se
agarrando com firmeza como se ali fosse o seu mundo inteiro. Eu sei como
é isso, eu já vivi isso.
“Tudo bem. Vai lá e coloque esse filho da puta na cadeia.” Stephen
concorda com um leve balançar de cabeça, a aprovação da esposa.
“Sim, podemos ir”, Stephen confirma. Ótimo, assim eu resolvo isso
de uma vez por todas.
“O que exatamente você está procurando?”, pergunta Roger
interessado.
“Uma coisa que talvez possa nos ajudar.”
“Não é perigoso?”, pergunta Savannah, preocupada como sempre.
“Não se preocupe, eu cuido do seu garoto.”
Sorrio de lado para ela, me lembrando dos velhos tempos em que eu
dizia a mesma coisa. Ela sorria para mim e tirava algum sarro disso, sempre
ressaltando o quanto eu era um irresponsável e Stephen o oposto. Dessa
vez, não. Seu olhar tem um brilho diferente: ela confia em mim.
“Eu cuido do seu amor, Tess.” Ela assente, grata por isso. Tess se
permite confiar novamente em mim. Sem sombra de dúvidas é bem
significativo. Pretendo honrar o que reconquiste, que foi a confiança deles.
“Vamos?”, digo a Stephen.
“Sim, claro.” Ele segura na mão da esposa. “Daqui a pouco eu
volto.” Ela balança a cabeça freneticamente e beija mais uma vez Stephen.
“Nos avise se tiverem alguma notícia.” Savannah pede.
“Pode deixar.” Stephen abraça a mãe, grato por ela está confiando
nele, o deixando tomar suas próprias decisões.
Stephen e eu saímos. Estou repleto de entusiasmo. Pela primeira
vez, consigo forças para lutar pelos meus objetivos, porém de forma justa e
honesta. A sensação é revigorante.
19

Passado

“Papai, papai, aonde você está indo?” O menino gritava a plenos


pulmões, descendo as escadas enquanto Isaac vestia o paletó, se preparando
para sair. “Por favor, papai. Aonde está indo?” O menino suplicava por
resposta, mas Isaac não queria tocar no assunto.
O que falaria para o garoto, afinal? Que ele traíra sua mãe, acabou
engravidando a amante, e agora a culpa o corrói tanto que, ao em vez de
resolver os seus problemas, ele preferia fugir? Isaac não tinha cara para
assumir seus erros, não quando ele jurou a si mesmo que nunca iria errar.
Que as coisas aconteceriam de forma limpa e cuidadosa, mas não foi o que
aconteceu. Ele deixou rastros, rastros que não poderão ser apagados. A
partir do momento que engravidou aquela mulher, seus planos iriam por
água abaixo.
Ela soube manipular a situação ao seu favor. Nicole era uma víbora
perspicaz, mas ele faria de tudo para reverter aquele veneno custe o que
custar.
“Papai!”, o menino gritava mais uma vez, descongelando a mente de
Isaac. Ele parou próximo à porta e olhou para o seu menininho de apenas
doze anos.
Ele chorava, chorava muito. Seu pai havia mudado, não era mais o
mesmo. Será que não o amava mais?
Isaac ajoelhou-se em sua frente, secou algumas lágrimas de seu
rosto suavemente.
“Jenson, por favor. Eu já volto.” Mas o menino não se contentava
com a desculpa. Sempre que seus pais brigavam, as coisas ficavam tão feias
que ele temia não dar tempo de fazer nada para impedir o pai.
O maior medo de Jenson era que sua mãe não conseguisse mais se
recuperar das ações do marido. Se já estava trancada em seu quarto por algo
que seu pai fez, imagina se ele fosse embora? Com certeza tudo pioraria.
“Eu quero ir com o senhor. Por favor, me leva”, o garotinho
implorava, como se esse ato fizesse tudo mudar. Isaac nunca negava nada
para o seu filho, só que nessa ocasião específica ele não podia fazer
diferente. Negar seria uma forma de protegê-lo.
O homem passou a mão em seus cabelos, olhou no fundo dos seus
olhos e lhe fez uma promessa:
“Eu prometo que volto, filho. Não se preocupe. Eu não vou
abandonar você.”
Isaac se levantou, sem esperar pela resposta do menino. Era melhor
que fosse rápido, assim ele não se arrependeria. Abriu a porta, mas lá estava
ela como uma brisa sombria no inverno. Usando um vestido vermelho
sangue que combinava perfeitamente com seus cabelos e sua aura
sangrenta. Nicole Stanford acabava de invadir o seu refúgio, que por causa
dela e por causa de todos eles, nunca mais ele viria como um lugar de paz.
“Olá, papai”, Assim como sua aura sombria, a sua voz era como um
agouro. Ele olhou para a protuberância em seu abdômen, a barriga
começava a ficar saliente. Agora sim Isaac conseguia enxergar que tipo de
demônio ele estava enfrentando.
“O que essa mulher quer, Isaac?” O grito de Elena, ao descendo as
escadas, era estridente. Seu rosto banhado por lágrimas, cabelos
bagunçados, o desespero em sua voz, tudo isso era um sinal de sua
perturbação mental. Ela acabava de descobrir sobre o segredinho do
marido. A barriga de Nicole estava crescida. A traição saltada e evidente
para todos que quisessem ver.
“Isaac, o que essa mulher está fazendo aqui?”, Elena repetiu, aos
choros. O menino perdido e assustado, olhou para a mãe, o pai, a mulher e
aquela barriga. Aquilo era um fato, seu pai traiu a sua mãe com aquela
mulher e ela estava grávida. O pior de tudo, a mãe que não estava bem de
saúde há muitos anos, estava sabendo.
Nicole caminhou entre eles, se aproximando despreocupadamente
até a mulher.
“Eu era Nicole Stanford, mulher do seu primo e sua...”, ela
desenhou. “... amiguinha. Agora, futura atual Sra. Mazza, bem no seu
lugar.” Ela olhou para a própria barriga, como e fosse um troféu e era, foi o
que ela conseguiu. O símbolo da sua vitória. “Ah, e esse é o nosso filho, um
legítimo Mazza.” Nicole estendeu a mão para Elena.
Como se não bastasse ter roubado o primo, Isaac teve a coragem de
traí-la com a esposa dele, uma mulher que se dizia sua amiga. Que espécie
de homem ele se tornou? O que essa sede de poder foi capaz de fazer com o
seu marido?
“O que ela está falando, Isaac? Um filho?” A mulher estava pálida,
ofegante. Seu corpo estava tremendo tanto que ela mal conseguia se firmar
em pé.
Isaac tentava dizer alguma coisa, mas Nicole não permitia. Ela
começava a manipulá-lo, começando pela sua família.
“É o que ouviu, queridinha. Seu marido andava te traindo comigo.”
A mulher começava a tremer cada vez mais. Suas pernas amoleciam
sem controle, o coração acelerando mais. E então acabou sofrendo um mal
súbito. Ela caiu no chão, desmaiada, sem controle de si mesma.
“Mamãe, mamãe!” O menino desesperado tentava reanimar a mãe,
porém em vão. Isaac ficou em choque, não sabia o que fazer. Tampouco
como reagir. Ele não reagia, não havia o que fazer, afinal de contas.
Tudo estava saindo do controle, de uma forma que Isaac jamais
poderia reverter. Sua vida estava aprisionada por Nicole e o filho que ela
estava carregando.
20

Passado – 9 anos depois

Finalmente, Isaac Mazza havia recuperado o que tanto precisava.


Ele passou anos reunindo aquelas provas e não seria aquela mulher que
acabaria com seus planos. Passasse o tempo que fosse, mas ele recuperaria
sua liberdade, não ficaria para sempre nas mãos daqueles bandidos sem
escrúpulos. Já não bastava o que eles fizeram com Jacob Crow, eles não
iriam fazer com ele também.
Jacob!
Aquilo foi um dos atos mais monstruosos que ele havia presenciado
em toda a sua vida. Isaac jamais iria esquecer daquele dia, passasse o tempo
que passar.
Lino Berenson estava o pressionando. Ele sentia algo no ar, estava
cada vez mais difícil para Jacob escapar. Ele não sabia ao certo o que Lino
estava cobrando, mas sabia que Jacob não aguentaria por muito tempo.
Chegou ao conhecimento de Isaac que Jacob pretendia fugir com Savannah
e seu filho pequeno para bem longe, deixando assim aquele antro de
perversidade para sempre. Mas ele sabia que as coisas não sucederiam
como Jacob queria, e Isaac estava pronto para intervir se fosse necessário.
Mas ao chegar naquele lugar, tudo mudou. Dentro do seu carro, estacionado
em um beco escuro, ele via o quanto Jacob era espancado por um homem
alto, forte e tatuado. Ele levava socos e chutes na região da cabeça, o
sangue escorria e espalhava tão depressa que o cheiro que exalava era
nauseante.
Isaac precisava intervir, precisava acabar com aquilo, mas ele era só
um velho sem condições físicas suficientes para deter aquele homem. Ele
não podia ligar para polícia, já que as coisas para ele não estava nada boas.
Isaac pensava em sua reputação, em sua liberdade, mesmo que ele estivesse
negligenciando o homem mais leal que ele já viu em toda a sua vida.
Apesar de Jacob ter se aliado a Berenson, ele entendia que seu motorista era
apenas uma vítima. Isaac pensou algumas vezes, em meio aquele tormento.
Mas o assassino de Jacob, lhe deu três tiros no meio da cabeça. Jogou o
corpo sem vida dentro do carro e ateou fogo.
Isaac chorou feito uma criança, não conseguia acreditar naquilo que
via. Não acreditava que Jacob morrera por sua culpa. Se ele não tivesse
levado aquele jovem homem até Lino nada disso teria acontecido. Se ele
tivesse insistido um pouco mais para que ele não fizesse acordo com aquele
homem. O que seria de sua família agora? Jacob tinha um menino tão lindo
e cheio de saúde. Um pouco mais novo que o filho de Nicole.
Mas ele não acabaria como Jacob, não era esse fim que queria para
si.
Caminhando até seu escritório por volta das três da manhã, Isaac
abriu a gaveta do armário, acessando o fundo falso que havia ali dentro.
Nicole tinha usado seu filho, Gregory, para colocar as mãos nisso, ele iria
usá-lo para desfazer todo o resto. Pegou pesado com o menino, quando o
expulsou daqui, mas ele já deveria saber que Gregory não tem culpa de
nada, ele só era mais um peão usado por Nicole para fazer com que ele
fique em seus mãos, mas quem vai ficar em suas mãos vai ser ela. Em
pensar que o plano de enviar Gregory para a Itália havia se frustrado por
causa do morte dos pais. Colocá-lo longe dessa mulher seria ótimo, mas
mais uma vez ela venceu.
Isaac coloca as pastas com os documentos no fundo falso. São
dossiês, filmagens que Jacob implantou ali dentro. Afinal de contas, esse foi
o combinado entre eles. Fotografias dos bandidos reunidos e claro, uma
carta bônus, explicando tudo como ele faria. Alguém que ele pudesse
confiar para encontrar esse lugar, alguém que pudesse acabar com a máfia
de Lino, alguém que pudesse recuperar o Bank Mazza.

Passado – 25 anos depois

Isaac já estava quase perdendo as memórias, o Alzheimer estava


cada vez mais o consumindo. Antes eram pequenos números; agora, nomes
inteiros, nem mesmo rostos conhecidos estavam alcançando as suas
lembranças. Ele precisava tomar uma atitude antes que fosse tarde demais.
Hoje em dia, o único que Isaac podia confiar era seu filho, Gregory.
Que ironia, não? O filho que ele mais temia, o filho daquela mulher, é o
único com fibra para fazer o que ele precisava. Gregory se tornou um
homem frio, ambicioso como Nicole, mas um homem de coragem para
fazer o que era preciso. Era de homens assim que ele precisava na época
que se aliou a Berenson e Stanton. Se ele tivesse reparado um pouco mais,
se ele não tivesse tido medo do homem que Gregory se tornou, justamente
por causa do seu afastamento, os dois poderiam ter feito coisas muito
grandes. Em vez disso, tentou recuperar a confiança de Jenson. Como ele
conseguiria? Sua mãe morreu por sua causa, bem na sua frente e pelos
motivos que o culpava completamente. Depois de tantos anos, seus esforços
foram em vão, e Isaac lamentava pelo seu fracasso.
Mas Isaac não tinha mais tanta certeza se conquistar era o que ele
queria hoje em dia. Estava velho o suficiente para entender que os caminhos
que seguiu lhe custou muito, principalmente a vida de alguém querido.
Se Jacob visse o homem que seu filho se tornou. O homem justo,
íntegro, um homem que com certeza ele seria se não tivesse sido vítima do
sistema. Isaac percebia o quanto falhou com Jacob mais uma vez. Se não
fosse a criação insípida que deu ao filho, com certeza Gregory não teria
traído Stephen. Foi o que ele deixou acontecer mais uma vez. Quando
Stephen lhe contou o que aconteceu, era como voltar no tempo e ter visto
Jacob sendo assassinado e não ter feito nada para impedir. Isaac quase teve
uma parada cardíaca ali mesmo, mas aguentou firme para poder fazer as
coisas diferentes pela última vez. Era lamentável que seus filhos tivessem
seguido por caminhos opostos. Ele se dariam muito bem juntos. Seriam
invencíveis, diferente do que Jacob e Isaac foram um para outro. A
companhia de um foi o desastre do outro, mas ele estava disposto a fazer a
coisa certa.
“O que está fazendo, pai”, perguntou Gregory, assim que viu o pai
olhando para o jardim, com os pensamentos longe. Era o comportamento de
Elena no fim de seus dias, e Isaac sabia que também eram os seus.
Gregory havia lhe colocado em sua casa, não em um asilo. Ela havia
contratado uma enfermeira e estava disposto a assumir a responsabilidade,
coisa que Jenson não faria, ele tinha certeza. Sua convivência era melhor de
muitos anos. Aliás, nem lembra da última vez que eles ficaram tão
próximos, provavelmente esse dia nem ao menos existiu. Mas agora, ele
podia contar com Gregory, seu filho mais rejeitado acabaria com aquilo de
uma vez por todas. O filho dela, acabaria com tudo.
“Nada demais.” Isaac sorriu ao olhar para o filho. “Apenas estou
pensando no passado. Às vezes o passado nos pega de jeito, não é?”
Gregory o encara, meio distante também. O passado dos dois, mesmo que
se entrelacem, ainda são bem diferentes. Cada um se arrependendo a sua
maneira. “Eu sinto muito por aquele dia”, Isaac sussurrou.
“Quais dias? Todos aqueles malditos dias nos pegam de jeito se a
gente parar pra pensar.” Isaac sorriu de novo, meio fraco por causa dos
medicamentos fortes.
“Você tem razão. Mas houve um dia específico, aquele em que eu o
expulsei do meu escritório, achando que você havia pego aqueles
documentos. Documentos importantes, que com certeza você irá precisar
em um futuro bem próximo.” Gregory não conseguia entender do que Isaac
estava falando.
Bem, daquele dia ele se lembrava muito bem, como poderia se
esquecer? O que ele não entendia era porque Isaac lembrou.
“Que papéis eram aqueles, pai?” Isaac balançava a mão no ar, como
se não tivesse importância por agora. Gregory saberia o momento certo, ele
daria um jeito de fazer com que ele entendesse.
Gregory podia parecer relapso em muitas coisas, mas um dos
grandes talentos dele, além de ser um empreendedor nato, sabia guardar
tudo na memória. Lembrava dos mínimos detalhes de tudo que lhe
aconteceu. Um defeito, que provavelmente lhe trouxe muito sofrimento,
mas agora ele confiava nessa dádiva para fazer com que tudo funcionasse.
“Não se preocupe com isso agora. Curta sua filha, você terá muito
trabalho pela frente.” A observação de Isaac não se limitava apenas a
criação de Lily, Gregory podia entender que, ao passar do tempo, cuidar do
pai seria cada vez mais difícil, mas alguma coisa lhe dizia que não era
apenas isso que Isaac estava falando.
“Vamos subir, está na hora do seu remédio.” Isaac assentiu, olhando
no fundo dos olhos do filho.
Gregory sempre cuidadoso, sempre atento aos horários dos remédios
para que o pai não se atrasasse. Não importava o que estava fazendo, o quão
ocupado estava, Isaac nunca perdia a hora.
“Eu sabia que você seria melhor do que nós. Nicole não merece o
filho que tem, ela nunca mereceu.” Gregory abaixou a cabeça. Ele poderia
perdoar muitas coisas, inclusive o pai, como perdoou, mas era difícil
demais ter um olhar amistoso ao ser que lhe deu a luz.
“Não fale da mamãe, por favor.” Isaac riu, meio melancólico.
“Está bem, está bem. Prometo que não irei mais mencioná-la.”
Gregory sorriu, batendo a mão de leve no ombro do pai.
E então ele seguiu o filho. Talvez o caminho que Gregory seguirá,
mesmo que seja um caminho justo, não quer dizer que será fácil, mas ele
confia que Gregory fará um bom trabalho. Ele irá desfazer o que Isaac fez
há trinta e seis anos. Agora tudo está em suas mãos, não mais nas dele.
21

Stephen Crow

Não tenho ideia do que Gregory pretende, mas pela sua


determinação, creio que será útil pelo que precisamos, para colocar Phillip
Stanton de volta à cadeia. Nunca duvidei de Gregory quando se trata de
lutar pelos seus objetivos. Ele sempre foi obstinado. Uma característica que
reconheço e que também possuo. Agora que sei que suas ações têm
canalizado no objetivo certo, sem dúvidas me sinto confortável em lhe dar
esse voto de confiança, acho que Tess também percebeu. Por isso, mesmo
aflita, ela acreditou no importância dessa missão.
Acontece que se Isaac conhecia Phillip tão bem, em algum momento
ele deixou alguma coisa escapar e Gregory estava lá para saber identificar
as entrelinhas. Um ponto que também me favorece.
Entramos em seu carro, uma Mercedes Bens último lançamento.
Enquanto continuo com o lançamento do ano passado, Gregory continua
com o hábito de esbanjar com carrões. Antes que eu afivele o cinto, um dos
empresários mais controverso de Miami, arranca o carro rumo à
Downtown, a mansão dos Mazza, o lugar que não visito há anos, no
entanto, estou bastante curioso para saber como esse lugar se mantém sem
seu membro principal.
“Pensei que sua mãe tivesse ficado com a casa. Ela fez tudo para
herdar os bens de Isaac. Esse sempre foi o objetivo dela.” Ele gira o volante
com fúria, entrando na próxima avenida
“Acha mesmo que meu pai permitiria? Ela pode ter o chantageado
por todos esses anos, mas Isaac sabia dar um contragolpe por baixo dos
panos. E que contragolpe, se for mesmo o que estou pensando.” Olho para
Gregory. “Aquela casa deve esconder muita sujeira, meu caro. É o que
pretendo descobrir assim que chegarmos lá.”
Não duvido. As conversas naquela casa sempre eram à portas
fechadas. Isaac sempre muito nervoso quando Gregory entrava naquele
escritório. Não duvido que seja esse o pensamento dele: colocar as mãos em
uma parte daqueles conchavos.
Em menos de minutos, chegamos à mansão. Fico surpreso ao descer
do carro. Definitivamente, esse lugar não é mais o mesmo. A imperiosa
mansão, luxuosa e suntuosa que residia no ponto mais evidente da cidade,
tem uma visão muito destoada do que costumava ser. Frívola, quase morta.
As folhas do outono espalhadas pelo chão, os portões enferrujados. Um
lugar abandonado, jogado as traças. O que restou dessa família que parecia
ser eterna e fortalecida, ruiu aos pedaços.
“O que aconteceu com esse lugar?” , pergunto, ajeitando o meu
terno e me lembrando de quando eu corria por esses espaços com o meu
amigo de infância, nos gramados tão verdes e que agora se converteu em
barro, assim como nossa amizade se tornou um dia.
Gregory olha na mesma direção que eu, em lamento. Provavelmente
sentindo mais do que eu.
“Está virando pó”, sussurra. “Assim como o resto da minha
família.” É o que Gregory diz, amargo, um pouco distante. Porém, eu diria
que está disposto a agir. Há algo em seu olhar, que eu nunca havia visto
antes, principalmente quando se lamentava desse jeito. Ele respira fundo,
recuperando o estado anterior e focando no que viemos fazer. “Vem, vamos
entrar. Não pretendo ficar aqui por muito tempo.” Assinto.
Com a chave, ele abre a porta principal. Não há mais ninguém aqui.
Nem funcionários, nem seguranças. Essa casa costumava ser repleta deles,
incluindo a minha mãe. Os membros que ocuparam essa casa por tantos
anos, não conseguem ser tão sombrios quanto aqui dentro. Por incrível que
possa parecer.
Gregory caminha até o escritório de Isaac, sem perder tempo, e eu o
sigo. A porta faz um barulho agourento assim que ele a abre. Os móveis
estão exatamente como eu me lembrava: intocados. Uma característica de
Isaac. Ele gostava de manter as coisas no seu devido lugar; odiava
mudanças, apesar de sua vida ser marcada por reviravoltas e
extraordinários.
Passo o dedo na mesa e o pó espesso gruda na pele. Bato uma mão
na outra para espantar a sujeira.
Gregory abre uma gaveta da estante. Enfia a mão em um buraco e
arranca uma tábua ali. Um fundo falso, talvez. Ele procura algo tateando
com as mãos.
“Está aqui.” Ele retira alguns papéis de dentro, vitorioso. Olho para
a pasta em suas mãos. “Lembra quando Isaac me expulsou daqui, quando
fui chorar naqueles arbustos – que eu chamava de esconderijo –, por causa
de uns papéis que ele não tinha encontrado?” Me recordo vagamente. Para
ele, provavelmente tenha sido uma lembrança inesquecível, mas sei que
Nicole e Isaac discutiram aos berros por causa de papéis, por semanas.
“Voltei aqui dias depois, para saber o que Isaac tanto escondia, e o vi
colocando os tais papéis no lugar. Sem contar os enigmas soltos que ele
lançava, quando foi morar comigo, no início da doença. Sempre que podia,
ele voltava nesse assunto. Mencionava você e até mesmo o Jacob. Isaac
deve ter recuperado, e me avisava esporadicamente para que eu lembrasse
desse momento. Tenho certeza de que são esses aqui.”
Gregory coloca os papéis em cima da mesa e começa a folheá-los.
“Sim, são esses mesmos.” O sorrio dele é intenso. Me aproximo, o
ajudando a descobrir, seja lá o que ele está procurando. Pego um que mais
me chama atenção e me ponho a ler.
É um dossiê detalhado de todas as transações financeiras que Isaac
fez na conta de Stanton. Entrada e saída. Milhões de dólares.
“Olha isso aqui.” Gregory levanta uma foto, tirando a minha atenção
dos documentos, que ganha o meu interesse. É Stanton dentro de um carro
com um envelope em mãos, entregando a Lino Berenson.
“Dinheiro?” É óbvio. Isaac depositava dinheiro na conta dele e ele
repassava para Lino. Tudo, ou apenas uma parte. “Uma chantagem?”,
pergunto, sabendo a resposta. Gregory assente.
“Não foi assim que Lino ergueu seu negócio? Com chantagens e
ameaças? Se Roger estiver mesmo certo quanto a Phillip chantagear meu
pai por causa do seu, isso aqui explica muita coisa.” Dou mais uma olhada,
me certificando se podemos mesmo usar isso como prova. “Tem mais
alguma coisa aqui.”
Gregory retira a tampa da gaveta, mais um fundo falso dentro de
outro. Ele remove papéis, disquetes antigos de computador e pendrives.
“Isaac Mazza sabia mesmo como se proteger”, murmuro. “Bem que
você disse que ele sabia contra golpear.”
Gregory enfia o pendrive na porta USB de um notebook cheio de
poeira em cima da mesa, ligando o aparelho. O vídeo começa. Agora é meu
pai que aparece dentro de um carro. Ao seu lado, Lino e Phillip.
“Sabe que se não fizer isso como se deve você vai morrer, não é?”
Lino ameaça o meu pai, que mal consegue olhar em seus olhos, assustado e
indefeso.
“Faça o que quiser, só não faça nada com minha mulher e meu
filho.” Ele suplica, e isso me arrasa. Um vídeo que registra os últimos
momentos de vida do meu pai.
Apesar dos defeitos dele, eu posso imaginar o quanto meu pai estava
sofrendo. Um homem sem poder, sob a jurisdição de homens perigosos e
poderosos. Homens capazes de tudo para conseguirem o que queriam, sob
qualquer circunstância.
“Não banque o sentimental, Crow”, brada Phillip Stanton, crescendo
na conversa. “Sabia o que aconteceria com você se falhasse nessa missão.
Você deve sua vida ao Mazza. Se não fosse por ele já tínhamos acabado
com você.”
“Então pare. Não tire mais dinheiro de Isaac, eu mesmo vou arcar
com as minhas responsabilidades.” Os dois gargalham, escarnecendo de sua
boa vontade, o humilhando cada vez mais.
“É ruim!”, grunhe Phillip. “Aquele banco vai ser meu um dia. Não
vou perder meu tempo com um bosta como você tendo Isaac Mazza nas
minhas mãos. Qual é!” Lino, que antes olhava para o meu pai, com aquele
sorriso de psicopata, se volta a Phillip, sério, não gostando de ouvir o que
ele acabou de dizer.
“E quanto a mim, Stanton? Todo meu negócio está em risco por
causa desse merda e você só pensa nesse acordo que fez com o Mazza?
Você disse que estaria nessa comigo.”
“E você disse que eu conseguiria aquele banco. Eu consegui,
Berenson? Hum? Eu falei pra você não colocar um cara que tem tudo a
perder no nosso negócio, e você me ouviu? Agora se vire pra limpar a
sujeira que você mesmo causou.” Lino parece cada vez mais aborrecido.
“Ótimo! Então significa que posso fazer as coisas do meu jeito?” Os
dois se encaram, Stanton não diz mais nada.
Lino faz um movimento rápido com as mãos e meu pai recebe uma
coronhada, desmaiando em seguida. O vídeo acaba.
“Eles tinham um acordo”, comento, caminhando para o outro lado.
“Sim. Essas transações provam que meu pai estava sendo
chantageado por causa de Jacob. Mas não era só isso. Você percebeu a
tensão entre Lino e Phillip?” meneio a cabeça.
“Stanton abandonou o plano de Lino por causa do queria ganhar
com o meu pai. Lino conseguiu se livrar de Jacob, protegendo o seu
negócio e Phillip foi preso por suspeita de corrupção.” Caminho pelo
escritório, tentando encaixar algumas peças que estão faltando.
“Mas isso não explica muito o fato de Stanton ter uma procuração
do próprio Isaac em mãos.” Gregory puxa mais um documento da pasta.
“Explica sim.” Ele me entrega uma foto. Na foto está Nicole e
Phillip juntos, saindo de um restaurante privado no centro da cidade.
“Roger estava certo. Nicole e Stanton estavam juntos nisso. A própria
Nicole entregou os documentos do banco para Phillip e não Isaac.” Gregory
suspira indignado. Sorrio, segurando a fotografia em mãos.
“Então ela pretendia se juntar a Phillip pra conquistar o banco, já
que Isaac se arrependeu dos seus pecados após descobrir que meu pai corria
perigo? Em troca da sua segurança?” Gregory assente. “Então sua mamãe te
usou bem mais do que você imaginava?” Gregory concorda.
“Mas foi burra o suficiente a ponto de achar que nunca seria pega.
Meu pai a aguentou por todos esses anos, mas guardou provas que com
certeza a incriminaria por fraude. Quando meu pai me expulsou desse lugar,
achando que eu tinha pego esses papéis, ele acreditou que Nicole estava me
usando pra conseguir as provas contra Stanton. Não sei como ele os
recuperou, já que na ocasião não havia nada por aqui, mas o que sei é que
Isaac estava sob o poder deles, mas eles também estavam sob o poder de
Isaac. Isso explica esse esconderijo e essa gravação, as fotos. Ele estava
reunindo isso há anos, e por algum motivo ele sabia que um dia eu acharia.
Isaac fez questão de inclinar o meu pescoço em direção a esse buraco, como
se quisesse me mostrar algo, e Nicole sabia disso. Então ela usou o que
estava ao seu alcance para se proteger, no caso eu.”
Perco o fôlego. É inacreditável que alguém consiga viver desse
jeito. É surreal.
“Se você tem algo a esconder, certifique-se de que seus segredos
não serão descobertos, ou sofrerá as consequências. Nicole experimentou
isso.” Gregory sorri.
“Não só Nicole, mas Phillip também. Se o desgraçado do Berenson
estivesse vivo também ia se foder. Vamos levar isso até uma delegacia.
Phillip Stanton vai voltar para a cadeia pelos crimes que comentou,
incluindo as ameaças contra Jacob, e de quebra, coloco a minha mãe
também.”
O brilho de vingança justa no olhar do Gregory é algo bom de ser
ver. Eu o admiro, sem dúvidas. Não é fácil passar pelo o que ele passou e
ainda ter essa fibra. O nascimento de Gregory foi usado para um objetivo
sórdido. Agora é como se ele acabasse de recuperar uma dignidade que todo
ser humano necessita.
Pela primeira vez na vida, sinto que finalmente a justiça está sendo
cumprida. Todos os assassinos do meu pai, aqueles que participaram direta
e indiretamente serão punidos.
Assinto, satisfeito.
22

Gregory Mazza

Deve ter sido essa sensação que Stephen sentiu quando conseguiu
recuperar a RoadCopper das mãos de Howell, Watter e Olivia Mansy, a mãe
da sua esposa falecida, porque a sensação é realmente prazerosa. Entrar
aqui e poder brigar pelo meu território, é gratificante. Há alguns anos, era
Stephen que brigava comigo pelo que era dele. Tê-lo ao meu lado, é como
uma ironia do destino. Nossa! Quando é que eu imaginaria?
Assim que escancaro a porta do escritório do banco, vejo Phillip
Stanton sentado na poltrona do meu pai, à vontade, como se estivesse em
sua própria casa. Ele é tão patético e egocêntrico que me dá pena. O que
leva um homem como ele ter ficado ao lado de Lino Berenson? As
motivações das pessoas continuarão sendo uma incógnita para mim, mas
talvez eu sou capaz de presumir.
Nada abalado, Phillip se levanta da poltrona, retirando as mãos que
estavam apoiadas na nuca. Ele me encara como se eu fosse um mero
empregado, enquanto ele, o patrão.
“Não sabe bater, Mazza! Ainda pensa que este é o seu banco?”
Phillip é como uma piada para mim. Olho em seus olhos e me dá vontade
de rir.
Caminho alguns passos próximo a ele. Encarando bem essa cara
nojenta que ele tem.
“Você quis dizer meu banco, certo, Stanton? Porque é isso que ele é:
meu.” Stanton ri de lado, sua expressão desafiadora é muito corajosa, devo
admitir, ainda mais para um homem que tem vários crimes nas costas. Tão
ameaçador como um animal selvagem em busca de uma caça.
“Vejo que aprendeu muito com o seu pai. É tão prepotente quanto
ele, não é?” Stanton caminha pelo espaço, reflexivo. “Isaac tinha fama de
coração gelado, justamente pela forma fria com que tratava o seus negócios,
mas eu posso dizer com toda a certeza, que ele pode ser o oposto disso
quando precisa. Principalmente quando nossos interesses são colocados a
prova. Não é essa a essência do ser humano?” Ele me encara sério agora,
como se tivesse o destino na palma das suas mãos. “Todos nós temos um
ponto fraco, Gregory. Qual é o seu?” Ameaças, intimidações. É como agem
os chacais de Miami. Um rato mais sujo do que o outro. Aonde foi parar a
dignidade dos nossos cidadãos? Francamente.
“Não sei.” Uma voz preenche o espaço, logo após a porta ser aberta.
“Me diz você, Stanton”, Stephen brada, o tom da voz imperioso, fazendo
com que Stanton amoleça só um pouquinho.
O que era uma postura segura e destemida, se torna em alerta, como
se detectasse perigo.
“Mas o que é isso? Quem vocês pensam que são pra entrar no meu
escritório sem a minha permissão?”
Me aproximo ainda mais dele. A respiração descontrolada é visível.
“Seu escritório?”, murmuro, cortante, implacável. “O escritório é
meu, Stanton. Eu não acabei de dizer isso a você? Mas como eu sou
bonzinho, vou te dar alguns minutos pra recolher as suas malditas coisas e
dar o fora daqui.” Stanton olha de mim para Stephen. Olhos arregalados,
como se o passado e o presente se unissem em um só. Stephen como Jacob
e eu como Isaac. Ele sabe que a coisa para não está nada normal. Ainda
assim, não se dobra.
“Lamento, mas isso não vai acontecer. Eu tenho uma procuração em
meu nome assinada pelo próprio Isaac.”
“Uma procuração falsa”, Stephen diz. Ele retira um papel de dentro
do bolso do paletó e mostra a cópia do documento original que meu pai
escreveu dizendo tudo. Ele estava lá, entre as muitas provas contra Stanton
que achamos. Phillip fez meu pai assinar aquele documento, mas
imediatamente criou uma contraproposta.
Phillip pega o papel e verifica cada linha. O assombro cada vez mais
aumentando.
“É como você age, não é? Procurações falsas, chantagens... Foi o
que você fez com o meu pai, Jacob Crow.” A pupila de Stanton dilata, estou
tão perto que sou capaz de checar. A menção de Jacob Crow é como um tiro
de misericórdia à presença de Stephen. Essa é uma confirmação cabal de
que seus crimes foram descobertos.
Ele sorri, mas é só para aliviar a própria tensão.
“Seu pai era um porco maldito que era capaz de fazer tudo por causa
de alguns trocados. Ele mereceu a morte. Mereceu por ser um ser
insignificante.”
Nessa hora Stephen quase perde a cabeça. Ele tenta avançar em
Phillip, os olhos cheios de lágrimas de ódio, dor e revolta. Para ele não deve
ser nada fácil estar diante de um dos responsáveis pela morte do pai que
tanto amava. Mas eu impeço que avance, segurando em seu braço. Não
podemos desperdiçar essa oportunidade perdendo a razão agora. Balanço a
cabeça.
“Não vale a pena”, sussurro. Stephen para o passo, mas eu sei o
quanto está louco pra quebrar a cara desse desgraçado. Bem, ele não é o
único.
“E você se aproveitou disso”, ranjo os dentes, indo a frente de
Stephen. “Sabe, Stanton, nem um dos que cometeram algum crime ou
foram responsáveis por grandes escândalos tiveram um final feliz. Não
soube sobre o seu sócio? E Cruise Badon? Todos eles pagaram pela morte
de Jacob.”
Recuperando o fôlego, Stephen se dirige a Phillip:
“Eu sempre tive como objetivo fazer com que todos os culpados
pela morte do meu pai fossem punidos. Foi uma tarefa árdua, confesso. Não
consegui nem cinco porcento. Melhor dizendo, o assassino foi preso, o
mandante morto e agora estou diante do que o entregou. Não é incrível?”
“Do que é que você está falando, maldito!”
“Estamos falando da trama que você causou para conseguir pegar
dinheiro do meu pai. Deu uma de X9 pra cima do Crow para conseguir o
tão famigerado Bank Mazza, não foi? Mesmo aqueles milhões de dólares
sendo transferidos para sua conta mês a mês, você queria mais. Que
ganancioso filho da puta, Phillip Stanton!” O choque no rosto do
desgraçado é um aperitivo. Ele não fazia ideia de que as provas ainda
estavam circulando por aí.
“Isso não é possível”, ele murmura, cabeça baixa, olhos arregalados,
se borrando. “Ela disse que...” Não precisa ser gênio para saber de quem ele
está falando.
“Minha mãe?”, digo. “É, ela tentou me usar para pegar as suas
provas, mas você deve saber que o que Isaac Mazza tinha a oferecer para
Nicole era muito mais do que seu negócio criminoso. Da mesma forma que
Nicole jamais poderia fingir uma gravidez para conseguir pegar o
milionário, ela também precisava de algo concreto, um negócio limpo como
o Bank Mazza. Sinto muito, meu caro, mas você confiou na mulher errada.
O meu nascimento pode ter ajudado quando se tratava de chantagear Isaac,
mas atrapalhou quando você precisou lidar com a ganância dela.” Os lábios
de Stanton frange. Ele está quase entrando em um colapso.
“Isaac merece pagar por tudo que ele fez comigo.”
“Acontece que meu papai está morto, Stanton.”
“Não foi Isaac quem te denunciou, Phillip. Foi o Berenson.”
Stephen dá mais outro tiro de misericórdia.
É tão bom assistir a tudo isso. Estar diante do fracasso desse
homem, é infinitamente prazeroso, quase como um orgasmo. É um
divertidíssimo entretenimento.
“O quê?”
“Não disse? Você confiou na pessoa errada. Você só confiou em
pessoas erradas. Berenson é um deles. Ele traiu você quando percebeu que
não fazia mais parte dos seus planos. Deveria ter fingido melhor, Stanton.”
O queixo dele está trêmulo. Uma mistura de raiva com aflição.
“E agora, Phillip, você vai pagar. Você ferrou com o meu pai, com o
pai de Gregory, agora somos nós que vamos te ferrar. Não dizem que até as
dívidas são herdadas pelos filhos? Estamos aqui para cobrar.” A risada de
Phillip não condiz com a expressão de medo que ele possui, mas é claro que
irá interpretar o papel até o último momento.
“Vocês estão malucos.” Ele tenta sair, mas eu e Stephen nos
colocamos em sua frente.
“Aonde você pensa que vai?” Ele tenta passar de novo. Vários
policiais adentram o escritório impedindo sua fuga, definitivamente.
“Phillip Stanton, você está preso por fraude, falsificação ideológica,
formação de quadrilha e assassinato.” Os policiais o algema. Posso sentir a
raiva de Phillip em cada poro.
Stephen e eu nos entreolhamos, o sorriso no rosto por ter finalmente
pego o homem que queríamos.
“Ah, eu adoro fazer isso!” Vibra Stephen, cheio de orgulho. Para ele
é como um Deja vu.

*
Assim que saímos do prédio, os jornalistas invadem as escadarias,
posicionando seus microfones, tanto na frente de Stephen quanto na minha.
Escuto efusivos: “Sr. Mazza”, “Sr. Crow”, ecoando por toda parte. Em meio
a tanta balburdia fica difícil saber se estão procurando a notícia, ou se
querem saber o motivo de dois inimigos conhecidos pelo público estarem
juntos, em meio a prisão em flagrante de Phillip Stanton.
Um jornalista nos aborda, enfim.
“Sr. Mazza, nos conte com mais detalhes sobre o que tem
acontecido ao Bank Mazza nas últimas horas? A permanência de Phillip
Stanton é realmente inelegível?” Olho para Stephen, ele faz um sinal leve
de cabeça, para que eu siga em frente com as respostas. Assinto.
“Sim, totalmente. Eu e meu amigo Stephen aqui...” pouso minha
mão em seu ombro, dando batidinhas. “...descobrimos provas irrefutáveis
sobre o caso. Phillip Stanton é um mafioso, assim como Lino Berenson e
tantos outros que tem enfestado a nossa cidade. E terá o que merece.”
“Então você e Stephen Crow, trabalharam juntos nesse caso?” Olho
para ele mais uma vez. É inacreditável tudo isso, mas é o que parece.
“Sim, estivemos”, Stephen responde, deixando claro o que
decidimos fazer desde que descobrimos que tínhamos um inimigo em
comum. “O banco é da família Mazza, contudo, Gregory é o herdeiro. Nada
mais justo do que recuperar o que lhe é de direito.”
Não sei porque, mas acabo de ter uma sensação incomum. É como
voltar no tempo, quando Stephen e eu éramos amigos, e eu me lamentava
pelo banco ter ido para as mãos de Jenson e não para as minhas. Só que
agora é diferente, eu o possuo e Stephen está dizendo as palavras que talvez
ficaram guardadas para quando este dia chegasse. É uma sensação boa,
diga-se de passagem.
“Sim, claro. O tão disputado Bank Mazza. Depois de anos e ainda
continua sendo alvo de polêmicas. Inacreditável. E agora quais são os
próximos passos? Assumir definitivamente a cadeira do Bank Mazza?”
Nego com a cabeça. Sentindo-me relaxado por dentro.
“Procurar alguém que faça isso”, digo, calmamente. É necessário
olhar para mim algumas vezes para ter certeza do que acabei de falar.
“Pretendo vender o Bank Mazza muito em breve. Quem sabe o tão
polêmico banco pare de causar tanta comoção?” Rio. Minha frase é tão
extraordinária que Stephen está em choque.
O mais extraordinário disso é enxergar a minha própria loucura
através de seus olhos. Estou abrindo mão da minha maior obsessão diante
do homem que foi arruinado justamente por causa dela. Não haveria um
momento melhor para isso. Minha redenção completa diante de Stephen.
“Vender? Mas o Bank Mazza não é patrimônio da sua família?”, o
repórter pergunta.
“O patrimônio da minha família são as pessoas que vivem nela.
Minha filha, minha sobrinha e claro, meu falecido pai. Esse prédio.” Olho
para esse lugar com desdém. Os melhores anos da minha vida destruídos
por causa dele. O meu pai destruído por causa dele. E pra quê? “É apenas
um amontoado de concreto. Não serve para nada. Realmente não vale a
pena, obrigado”, finalizo e saio, com o coração em paz pela primeira vez
em anos.

Stephen está atrás de mim quando aciono o alarme do carro. Estou


pronto para cair fora daqui.
Ele coloca a mão em cima do teto do carro e me encara como se
estivesse contemplando uma aparição.
“O que foi, Corvo? O que está olhando? Vamos nessa.” Bufo um
riso.
“Vai mesmo vender o banco?” a pergunta dele é pertinente. Eu
também olharia para mim com essa mesma cara de surpresa se estivesse me
vendo.
Bato a porta do carro e sorrio.
“Sim. Ficou surpreso?” Ele meneia a cabeça. Os olhos azuis
irritantes e questionadores aparecem.
“Na verdade, eu fiquei sim.” Ele dá uma pausa, sem compreender
ainda o meu objetivo. Talvez até mesmo eu não compreendo. “Por quê?” É
incrível ouvir essa pergunta vinda dele, pois na minha concepção Stephen
deveria ser o primeiro a querer que eu desfizesse, por vários motivos.
“Por que você acha?” Me coloco em sua frente, procurando ser o
mais sincero possível. “Porque eu percebi que nada disso importa. Você viu,
você sabe. O Bank Mazza foi construído a partir de mentiras. Pessoas
morreram por causa disso, pessoas foram enganadas para que esse prédio se
erguesse. O seu pai morreu também por causa do Bank Mazza, eu trai você
por causa dele. Isso não é o suficiente pra você? Quando assumi esse lugar
pela primeira vez, eu me senti assumindo algo que não me pertencia, me
senti deslocado, Stephen. Bem diferente do que imaginei que seria quando
eu desejei cada fibra desse concreto, e agora eu sei porque. Nada disso
valeu a pena. Não valeu a pena ter perdido sua amizade por causa da
vingança que eu queria do meu pai. Quero viver uma vida honesta, Stephen.
Uma vida tranquila de agora em diante.” Inconformado, Stephen balança a
cabeça, em negação.
“Eu entendo. Sei como deve estar se sentindo e sei que você deve
ter passado por muita coisa, principalmente a sua consciência, Gregory.
Mas agora é diferente. O que você pode fazer com o Bank Mazza daqui pra
frente pode e vai apagar tudo o que foi feito até aqui. Conseguimos acabar
com a máfia de Berenson, o seu pai se arrependeu do que fez, você não
precisa fazer isso. Não agora.” Respiro fundo. Acho que ele ainda não
entendeu o meu ponto.
“Eu não estou fazendo nada, Stephen. Não estou tentando me livrar
da culpa me desfazendo do banco. Eu estou lavando a minha alma, o que é
bem diferente. Essas coisas não fazem mais parte da minha vida. Talvez
nunca fizeram, eu apenas estava tentando me encaixar, entender qual era o
meu lugar nessa família, e eu entendi. Apesar de ter sido usado para
chantagear alguém, eu descobri que sou bem mais do que isso. Talvez seja
isso que Isaac queria que eu fizesse. Que eu fosse um meio para apagar tudo
que foi feito. Talvez ele tenha me treinado para esse momento. Aquelas
provas deixadas ali, ele me colocando como o seu sucessor. Talvez ele sabia
que eu era o único que descobriria a verdade. Ele confiou em mim. Isso é
maior do que tudo que eu quis conquistar nessa vida. E eu fiz isso ao seu
lado, o filho de Jacob, o qual meu pai estimava, mas que foi mais um com
quem ele falhou.” Stephen reflete por um instante. Um sorriso aparece no
canto dos seus lábios. É como se ele tivesse orgulhoso de mim a partir da
sua compreensão.
“De todas as coisas que imaginei vindo de você, essa com certeza é
a última. Finalmente você cresceu, não é, seu mimadinho de merda! Aquele
otário, prepotente, que achava que era dono do mundo desapareceu.”
Sorrio, meio aliviado, meio trêmulo. “Nunca pensei que diria isso mas...
que bom que sumiu.” Sorrio, meio aliviado, meio trêmulo, mas muito
confiante.
“Eu concordo.” Rimos. Coloco uma mão em seu ombro. “Mas
obrigado, se não fosse por você eu não teria conseguido chegar até aqui. Eu
não poderia deixar de reconhecer isso.”
“Não tenha dúvidas.” Olho para ele algumas vezes, mas Stephen
está sério. Aos poucos sorri, mostrando que foi uma brincadeira. “Estou
brincando.” Rio junto com ele.
“Você não presta, não é, Corvo filho da mãe” Rimos ainda mais e
pela primeira vez em anos, sinto que consegui recuperar a minha dignidade.
Não sei como, mas sinto que perder foi o melhor caminho para conquistar.
23

Stephen Crow

“Só mais uma coisa”, murmura Gregory, tirando algo de dentro do


paletó Oxford claro, que usa para o dia. “Foi uma das coisas que meu pai
fez questão de que eu te entregasse.” Um envelope de aspecto desgastado
aparece, me levando rapidamente ao que isso pode significar.
“Bem, Isaac não disse com todas as letras, mas... pela trajetória com
o seu pai e pelo fato de eu ter encontrado no meio das coisas dele eu tenho
certeza de que é isso que ele queria.” Eu encaro Gregory, já sentindo meu
coração acelerado. Eu não sei o que me dá, mas a emoção que sinto é mais
do que posso controlar. “Além do mais, isso pertence a você.” Gregory
estende o envelope para mim, e por uma fração de segundos, ouso hesitar.
Talvez por medo, por receio do que posso encontrar, mas ao mesmo tempo,
uma enorme vontade de saber o que está escrito nessas linhas. Algo íntimo
demais, doído e pessoal, afinal, era o meu pai.
Pego o envelope em mãos, sentindo as minhas lágrimas apontando
em meus olhos. Uma sensação de inquietude se apodera de mim
imediatamente.
“Vou deixá-lo a sós. Você com alguém que... é importante demais
para que eu venha atrapalhar”, Gregory murmura, dá alguns tapinhas no
meu ombro, tentando me confortar. Olho para ele, e por um instante
reconheço esse momento. No passado, quando era Gregory que precisava e
ajuda para lidar com a rejeição do pai, eu estava lá, o confortando, o
abraçando, dizendo que tudo ficaria bem. Agora, é ele quem faz isso. De
alguma forma, ser responsável por trazer isso para mim é um consolo
indescritível. E eu valorizo sua sensibilidade, mas do que eu ele possa
imaginar.
Gregory faz menção de se retirar, mas o seguro pela manga do
paletó, impedindo que ele dê mais um passo.
“Obrigado.” Minha voz está estranha, embargada, sensível. Eu mal
consigo respirar. “Você não tem ideia do quanto eu desejei ter isso em
mãos, mesmo que por um segundo.” Sim, estou me desmanchando na frente
de Gregory Mazza, mostrando toda a minha fraqueza, me desnudando
deliberadamente, para o homem que um dia acabou comigo.
Gregory me dá mais alguns tapinhas no ombro, um sorriso afável
nos lábios, algumas lágrimas nos olhos.
“Eu sei”, ele sussurra. “Acredite, eu sei mais do que você possa
imaginar.” Não duvido. Acho que ninguém melhor do que ele para saber
realmente o que estou sentindo.
Recebo mais um tapinha, um sorriso amigável e ele e retira, me
permitindo sentir isso.
Mais do que depressa, eu abro o envelope, capturando o papel
dobrado que está dentro dele e me ponho a lê-lo, como se isso pudesse
colocar meu pai na minha frente de novo, assim, sanar todas as perguntas
que me fiz durante muito tempo.
Stephen, meu querido Steph! Nossa, que nome horrível! Só sua mãe
mesmo para me fazer mudar de ideia. Mas com o tempo eu me acostumo.
Acho que já até me acostumei. Na verdade, você combina com esse nome.
É forte como tenho certeza de que você será, talvez até mais do que eu
próprio. É o que eu torço todos os dias.
Você é a cara dela, sabia? Da sua mãe. O amor da minha vida.
Eu não paro de olhar para você enquanto dorme. Quando você
chora, eu fico apavorado. Me acalmo quando isso passa depois de se
alimentar, ou depois de trocar a suas fraldas, mas quando isso persiste, eu
não sei o que fazer. Se é assim agora, acredito que ao longo da vida será
muito mais. Dizem que o amor de pai é assim mesmo. Nos preocupamos
com coisas irracionais e somos corajoso para o inimaginável só para vê-
los bem. Tem sido assim o tempo todo.
Quando você se frustrar, por exemplo, quando levar um fora de
alguma garota. Essas coisas irão acontecer o tempo todo, filho. Mais vezes
do que gostaríamos. E eu não vou poder te ajudar em muitos desses
imparces da vida, mas o que mais me desespera é que talvez nem sempre
poderei te ajudar nessa vida de merda que levamos.
Eu fiz tudo errado! Vou continuar fazendo, não tem mais como
voltar atrás. A única coisa que eu te peço é que me perdoe pelas escolhas
que fiz. Fiz pensando em vocês. Uma forma egoísta de pensar em quem se
ama eu sei, nem estou culpando ninguém pela minha irresponsabilidade,
mas... Se você for como eu, acredito que irá se questionar muito por essas
escolhas, porém eu te peço que não conteste, eu não irei saber te explicar,
se eu nem sei como fazer isso agora, imagina quando você se tornar um
questionador nato como o seu pai. Só te peco que lembre-se de que eu te
amei, desde o dia em que sua mãe me disse que estava te esperando, até
hoje, no dia que escrevo essa carta. Eu não sei o que irá acontecer comigo
amanhã, mas hoje... hoje, eu gostaria que esse tempo congelasse só para
continuar olhando para você enquanto dorme tranquilo no seu bercinho.
Porque esse momento é o mais feliz de toda a minha vida. O dia que você
me permitiu ser seu pai.
Com amor
JC
Quando termino de ler a carta, meus olhos estão encharcados,
consigo até ouvir meu próprio soluço que oscilam de alto a baixo. Eu nunca
imaginei estar diante do meu pai desde o dia em que ele morreu, mas lendo
essa carta é como se ele estivesse diante de mim me dizendo essas coisas.
Sua feição está tão clara para mim! Consigo contemplar com clareza sua
expressão extremamente caída e preocupada sempre que me olhava. Jacob
já sabia o que iria lhe acontecer, essa carta foi uma despedida. Ele sabia que
não tinha saída, mesmo ter tentado escapar de Berenson e seus capangas.
Mesmo com todas as tentativas, mesmo tentando ir pelo caminho oposto.
Mas o que me conforta depois de ler essas palavras é que suas ações por
mais que foram trágicas no final das contas, ele teve coragem para falar isso
para mim.
Dobro a carta e a coloco no bolso da calça. Enxugo as lágrimas e
tento me recompor.
Acabou!
A justiça finalmente foi feita e eu verdadeiramente perdoei o meu
pai.
24

Gregory Mazza

Encarar os olhos frios e cruéis de Jenson depois de seis anos, é


como reviver todas as torturas psicológicas que sofri nas mãos desse
homem quando ainda era uma criança. Essa sensação já mudou diversas
vezes ao longo dos anos, de medo à raiva, mas agora tudo que sinto ao
encará-lo é pena. Só agora consigo compreender o que as escolhas de Isaac
fizeram conosco. Antes eu só pensava em mim, nas mazelas que as ações de
Isaac trouxeram para a minha vida, mas Jenson também foi uma vítima,
talvez a que mais sofreu. Ele teve que assistir a um pai amoroso e dedicado,
que para manter sua própria sobrevivência, se transformou em um homem
frio e calculista, e mesmo que Isaac tenha o compensado de alguma forma,
há coisas na vida que não podem ser apagadas. Eu sei que ele sempre
guardou rancor, bem lá no fundo mais sim.
“Ora, se não é o meu irmãozinho mais novo.” Sua fisionomia está
diferente do que imaginei. Pele ressecada, cabelos crescidos bagunçados,
mexas espeças grisalhas. Mas também percebo algumas marcas de
violência no supercílio e no nariz. É como se ele tivesse participado de uma
briga feia. Não duvido, Jenson sempre foi temperamental e mimado. No
sistema carcerário, se alguém tem o nome de peso, as coisas tendem a ser
bem difíceis.
“Como você está, Jenson?” Minha voz é branda, a única coisa que
quero é paz. Acho que nunca fui tão condescendente com Jenson em toda a
minha vida como estou sendo agora.
Ele ri, mas não é algo inóspito, é incrédulo. Isso também me
surpreende.
“Quer dizer que o homem mais ocupado do mundo, veio aqui só
para perguntar se eu estou bem?” Ele cospe uma risada. “Duvido.” Suspiro
fundo e em seguida descanso os cotovelos em cima da mesa que nos separa.
O pijama alaranjado que ele usa está impecável, do mesmo jeito que
estaria se fosse um de seus ternos. Talvez ele tenha se conformado com essa
vida, coisa que imaginei que aconteceria comigo quando pensei que ficaria
nesse lugar para sempre.
“Na última vez que vim, nos tratamos como dois estranhos, em vez
de irmãos. Não sei o que se passa pela sua cabeça hoje, Jenson, mas ainda
somos irmãos, e eu me preocupo com você.” Dessa vez o riso dele é mais
aberto, uma gargalhada para ser exato.
Quando a risada finaliza, sua feição indica o quanto as coisas nunca
se resolverão entre nós. Eu sempre soube, mas diferente de mim, Jenson
não está disposto a mudar. Na verdade, só pioraram e tem piorado cada vez
mais.
“Nem você acredita nisso, Gregory.” Ele tem razão, mas isso não
significa que eu não queira que seja diferente.
“Eu sei que o que Isaac fez no passado te magoou profundamente.
Você viu sua mãe morrer por causa das atitudes impensadas dele. E também
sei que suas ações foram fruto dessas atitudes. Você queria se vingar, do que
ele fez sua mãe passar.”
Isso fica cada vez mais claro para mim. Antes, eu não entendia
porque Jenson fez o que fez. Achava que ele era ruim por natureza, porque
ele era bem pior do que eu, e o fato de ele mostrar isso remia
automaticamente da culpa. Mas, agora entendo que o ódio de Jenson por
mim não era nada além do que Nicole fez pra conseguir o sobrenome
Mazza. E eu quero acreditar que Jenson no fundo, no fundo, sabia disso.
Jenson não tira os olhos de mim. Não mostra nenhuma emoção:
características dele. Sempre soube se blindar, uma forma de se proteger,
mas isso só o fez mal.
“O que você sabe sobre como eu me sinto, Gregory? Quem é você
para vir até aqui e afirmar que sabe sobre os meus sentimentos?”
“Porque eu também sou filho dele”, brado, demostrando que eu
entendo melhor do que ninguém a sensação de fazer parte dessa família. Ou
melhor, ser usado e imposto como um trunfo nas mãos de alguém. Jenson
parece compreender sobre o que estou falando.
Ele ri lacônico. Desvia o olhar de mim e vejo os olhos dele
marejarem um pouco. Isso é novidade para mim. Porém, já vi um homem
de gelo demostrar sentimentos, Jenson sempre pareceu menos de gesso que
Isaac.
“Ela não morreu imediatamente. Conseguimos socorrê-la. Ela foi
internada em um hospital, mas não reagia mais, estava catatônica. Me
pergunto o que passava pela cabeça dela enquanto estava naquele estado.
Provavelmente, aquela cena de Nicole grávida de você, eram recorrentes.
Alguns meses depois ela morreu. Sabe...”, Jenson reflete, como se estivesse
afim de abrir o coração. “Ele veio aqui antes de pirar. Me disse o que estava
acontecendo com a saúde dele. Eu não senti nada, absolutamente nada,
porque foi isso que ele demonstrou quando minha mãe estava naquele leito.
Nem uma única visita. Um menino de doze anos segurando a barra por ele.
O coração dela parou bem ali na minha frente, morrendo em seguida. Então
eu percebi que era isso que ele merecia também. Morrer sozinho....” Ele
abaixa a cabeça, como forma de se recompor, mas eu sei como é, não tem
como não sentir ao falar sobre ele. “... Ele me prometeu que tudo ficaria
diferente. Que ele nos faria feliz de novo, após aquela palhaçada que ele
armou pra conseguir aqueles milhões. Mas...” Jenson suspira. “Ele mentiu e
quando ele morreu, eu... Ah, minha nossa, eu continuei não sentindo nada,
nada.” Nem percebo quando uma lágrima escorre pelos meus olhos. Trato
de enxugá-las rápido. Não quero que Jenson me veja assim, mas acho que é
tarde demais. “Eu percebo hoje que não sou como você, eu jamais vou
perdoar Isaac.”
Não somos iguais mesmo. Enquanto Jenson fingia amar Isaac,
andando sempre juntos, fazendo tudo que ele queria, era Isaac que tentava
se redimir, enquanto Jenson só o torturava cada vez mais. Ele se tornou um
homem frio e dissimulado. Isaac sabia disso, só não queria admitir que suas
ações não teriam mais um reverso. Acho que Isaac foi punido o suficiente,
meu ódio por ele era só mais um.
Eu entendo Jenson, nunca foi fácil essa decisão. Eu mesmo lutei
muito para fazer isso. Fato é que eu lutava desesperadamente para me livrar
daquela dor que eu carregava no meu peito. Eu tinha um propósito e acabei
alcançando quando decidi fazer as pazes com o meu passado, mas para
Jenson envolve muito mais do que uma simples rejeição, que logo se
mostrou uma completa farsa. Isaac nunca me odiou, ele apenas estava
tentando me proteger. Já com Jenson, ele queria abafar o que ele havia feito.
Para o menino de doze anos, que descobriu que seu pai estava traindo a sua
mãe e vê-la morrer em seguida, não era tão simples assim.
“Me desculpa”, sussurro. Sentindo que de alguma forma é isso que
devo a ele. Acho que o nosso ódio mútuo não é maior do que ambos
passamos. “Me desculpa por ter destruído a sua vida. Por não ter te
entendido quando eu deveria. Talvez se eu tivesse me importado com que
estava acontecendo, eu poderia ter feito mais por você, ao invés de
demostrar todo o meu ódio pelo seu desprezo.” Só agora entendo que meu
ódio por Jenson, era o mesmo ódio que eu sentia por Isaac. Uma raiva por
ter sido rejeitado por eles. Isso se assemelha a desejo de ser amado, o que é
muito diferente do ódio que ele sente por mim.
“Eu não quero a sua desculpa, Gregory. Não quero nada vindo de
você, nem dele, nem de ninguém. Há coisas que não podem mudar, e essa
merda toda não tem volta.”
“Não se você não quiser. Falo por experiência própria.” Ele ri,
desdenhando da minha resiliência.
“Nada vai mudar com as suas desculpas.” Eu sei que não vai, mas
não se trata disso, se trata de finalmente entender o que eu preciso e o que
não preciso. Acho que minha cabeça está mais evoluída sobre essas
questões. Está mais orgânica. Vejo com clareza e maturidade para saber
decidir as minhas prioridades.
“Não, não vai, mas eu sei o que eu quero para mim de agora em
diante e isso não tem nada a ver com você. É por isso que estou aqui,
Jenson. Eu vou desfazer o Bank Mazza, já que o recuperei.” Os olhos de
Jenson dilatam. A surpresa é estampada em suas feições. Um patrimônio
que sempre foi disputado agora desfeito como se não fosse nada.
“O quê?”
“O modo como o papai fez para consegui-lo. Todo mundo que
pagou e ainda pagam por aquele banco. Pessoas morreram por ele, foram
usadas por ele e foram destruídas também. Olha todas as coisas que fiz por
causa daquele banco, o que você fez por consequência das escolhas de
Isaac. Eu não quero nada disso, Jenson. Eu não posso mais entrar naquele
lugar, ou deixar que minha filha assuma, sabendo das coisas que eu sei
sobre a origem do Bank Mazza. Aquele lugar pra mim já era. Não pretendo
mudar de ideia.” Com as mãos algemadas, Jenson as ergue minimamente e
depois bate as palmas o máximo que ele consegue. A expressão debochada,
porém orgulhosa.
Acho que sempre será essa reação por eu ter me livrado da minha
obsessão. Um ser humano que alcança esse feito é tido como objeto de
admiração.
“Olha... eu nunca pensei que você seria capaz de fazer uma coisa
dessas. O Bank Mazza era tudo que você queria.” Nego com a cabeça, me
dando conta do verdadeiro significado daquele lugar.
“O que eu queria era o reconhecimento dele. Eu queria mostrar pra
ele que eu poderia ser tão Mazza quanto você. E queria mostrar pra você
que eu não era apenas um bastardo como você dizia. Um jeito estúpido de
resolver as coisas. Mas agora eu cresci, Jenson. Eu tenho uma filha, assim
como você tem a sua.” Nesse momento, Jenson desvia o olhar, falar de
Evelyn é como lhe cravar uma adaga. Ele sabe que foi um péssimo pai, pior
que Isaac. “Eu quero pensar em outras coisas daqui pra frente. Eu já tenho a
Mazza Undertaking para me preocupar. Aquele lugar sim se tornou meu.”
Jenson meneia a cabeça, tentando me entender.
Me levanto da cadeira, não há mais nada a ser dito.
“Vou nessa. Se cuide.” Me afasto e antes que eu chegue na porta,
Jenson diz:
“Como ela está?” Minha mão para na maçaneta da porta da sala de
visitas. “A minha filha. Como está a Evelyn?” Pensei que ele não fosse
perguntar nunca. Que bom que ele perguntou.
“Ela está ótima. É tão brilhante quanto você. Ela vai ficar bem, sabe
se virar sozinha.” Jenson meneia a cabeça. Vejo que sente orgulho da filha
apesar dos pesares.
“Obrigado por cuidar dela.” É só o que ele diz, sem olhar para mim.
Balanço a cabeça, sem que ele veja e enfim abro a porta, deixando esse
lugar em seguida.

Ao sair desses portões uma sensação de vazio ainda está bastante


presente. Por minha família estar incompleta? Por Jenson ainda se encontrar
tão fechado quanto da última vez que discutimos? Talvez, mas sem dúvidas
nenhuma, ver o camburão da polícia chegar por esses portões e avistar
Nicole Stanford Mazza ali dentro, é sem dúvidas uma visão que dividiu o
meu coração por completo.
Já havia seis anos que eu não a via, da última vez ela estava saindo
em um carrão com um homem da minha idade para sei lá aonde e agora eu
a vejo tendo o destino que sempre lhe coube. Recebi uma mensagem dos
policiais informando sobre a localização dela, mas duvidei que iriam pegá-
la tão rápido e justo quando vim visitar o meu irmão, a encontrar. Seu olhar
taciturno e sombrio é dedicado a mim. Não há sentimentos, tampouco
arrependimentos. Nicole nunca me amou de verdade, apenas me destruiu. E
olhar para mim mesmo, depois de tudo que eu passei, é como triunfar sobre
ela. É renascer e sentir a minha vida recuperada depois de tanto lutar. Ela
está recebendo o que mereceu, eu, feliz por sobreviver.

*
Tudo que construí até aqui, surpreendentemente hoje, me traz
satisfação. Percebi que tudo que eu queria, o poder, a notoriedade que
conquistei, não passava de um grito desesperado por atenção. Eu
desconfiava que fosse, muitas vezes até me questionei, mas mesmo assim, o
sentimento de perca ainda me causava um certo choque por dentro. Mas
agora, depois de ter renunciado, principalmente dentro de mim o Bank
Mazza, aquela sensação de desespero trouxe um alívio ao ser removido.
Sou capaz de me enxergar como um todo, e não pela metade, e saber
verdadeiramente o que eu quero. Acho que venci. Não é o que as pessoas
dizem? A vida é um processo, meus altos e baixos me ensinaram, me
machucaram, mas também me tornaram mais forte, não em termos de
dinheiro, mas emocionalmente. Acredito que abrir mão me tornou mais
forte.
Agora, olhando para o meu escritório, percebo que as amarras que
antes me prendiam, finalmente foram desatadas. Caminho lentamente até a
poltrona. O espaço amplo e luxuoso se torna agora uma parte de mim, não
mais o todo. O uísque disposto no bar, antes na metade agora está cheio. Os
porta-retratos com a foto de Tess me traz um estranho sentimento de
renúncia. Assim como o Bank Mazza, acho que acabo deixando a minha
obsessão para trás.
Pego o objeto em mãos e olho para o momento feliz que não volta
mais, impresso nessa fotografia. O momento que ela era Tess Mazza, e que
agora é Tess Eisen, Crow, no papel. Esse sorriso feliz que ela trás, não
pertence mais a mim. Pertence a Stephen, e nunca vai voltar a ser meu. E eu
aceito. Finalmente aceito o destino que me dei. Ainda que não seja do jeito
que eu queria, é o mais próximo da libertação que eu tenho hoje.
Retiro a foto de dentro do porta-retrato, e coloco em cima da mesa
de vidro. Pego o outro, e tiro a segunda foto. Não faz mais sentido essas
coisas estarem aqui. Olho mais uma vez, o papel agora em mãos. Respiro
fundo e rasgo em pedacinhos, uma depois a outra. Rasgo não por ódio,
despeito ou dúvidas. A Tess precisa ir, e o primeiro passo para que ela vá, é
removê-la em definitivamente do meu coração, da minha alma. É assim que
eu sigo em frente, é assim que eu vivo a minha vida.
As portas do meu escritório na Mazza Undertaking se abrem e
Karen entra. Deixo os rasgo de lado e a encaro, meu coração acelerando de
emoção em vê-la. A cor verde-musgo dos seus olhos estão marejados, mas
admirados. Ela sabe o que houve com o Bank Mazza, sabe o que eu fiz, já
que nada do que eu faço passa despercebido. Mas o melhor disso tudo é que
Karen entende o significado das minhas atitudes, ela sabe o que aconteceu
aqui dentro. Não é um olhar de orgulho como o de Stephen e de Jenson, é
de alívio. Ela sabe que foi um peso que estava nas minhas costas que foi
removido. Meu coração dispara com tanta profundidade e ternura que é
como me revelar. A pessoa certa para mim esteve o tempo todo ao meu lado
e eu não percebi.
Karen dar alguns passos mais próximo e eu saio de traz da mesa, me
aproximando dela, para nos encontrar o mais rápido possível. Meu coração
acelerado cada vez mais, respiração tensa, estou quase explodindo. Seus
olhos desviam para a mesa, e ela ver as fotos da Tess picotadas ao lado dos
porta-retratos vazios. Uma lágrima escorre de seus olhos, pois nessa atitude,
está a resposta das duvidas que ela tinha sobre o que sinto por ela.
“Greg...”, meu apelido sussurrado em seus lábios é como uma
chama que acede o meu corpo inteiro. Entro em combustão em instantâneo,
não suportando mais ficar nem um minuto sequer longe dela, do seu corpo,
dos seus lábios.
Caminho rapidamente até Karen, segurando em sua nuca com afago,
tomo seus lábios em um beijo apaixonado, profundo, tenro e desesperado.
Ela arfa em meus braços. Suas mãos me domam, apertando os meus
músculos, reivindicando o seu direito de me amar. É louco, insano e muito,
muito bom.
Segurando suas pernas nuas, por causa da saia lápis que usa, ergo
Karen em meus braços. Suas pernas enlaça a minha cintura e o beijo torna-
se mais potente. Os gemidos que ela solta me inspiram a tocá-la com
sofreguidão. Sento Karen no tampo da mesa, e com as mãos livres, ela
desabotoa a minha camisa, beijando com fúria o meu peito nu. Ela olha para
mim, quando estou prestes a retirar a sua blusa social verde, mas ela me
interrompe, indo até o botão do outro lado da mesa e apertando, até que os
vidros transparentes do escritório fiquem opacos. Agora somos apenas eu e
ela, e nosso desejo em nos tornar um do outro.
Abro os botões da sua blusa, revelando a lingerie branca de seda que
ela usa. Os peitos de Karen são empinados, firmes, suculentos. Os chupo
um a um, assim que arranco seu sutiã. Com a cabeça pendida para trás, eu
lambo o seu pescoço, perpassando a mão por todo o seu corpo. Ela leva as
mãos até o cinto da minha calça e o abre, enfiando a mão quente macia por
toda a extensão do meu pau duro. Agora sou eu que gemo, gemo como
nunca, enlouquecido. Tiro sua calcinha, assim que retiro a saia.
Ambos já nus, eu a penetro como se deve. Delicado, porém firme,
apaixonado, porém cheio de desejo. Tomo os lábios de Karen novamente,
nos conectando com paixão. Eu sou seu e eu acabo de sentir o que eu não
senti da primeira vez que estivemos juntos: ela também é minha. A minha
parceira, minha confidente, a mulher mais leal que eu poderia contar em
todos esses anos; a mulher que esteve comigo, que conheceu o melhor e o
pior de mim e que se manteve ao meu lado, sendo alguém digna, no meio
da minha indignidade. Antes eu não merecia a Karen, agora sinto que se
não sou merecedor, quero me tornar um, quero lutar por ela, cuidar dela, da
mesma forma que ela cuidou de mim. Não por gratidão, mas por amor. Pois
o amor que sinto por Karen é pacífico, me traz conforto e paz. É disso que
eu preciso nessa nova fase da minha vida.
Arremeto mais rápido, mais rápido, mais rápido e mais rápido.
Karen... Gemo mas alto, eu gemo mais alto e assim gozamos. Sinto cada
parte de mim se conectar, cada estilhaço de mim encontrando a sua base.
Olho para ela, vermelha, ofegante. O sorriso nos lábios. Acaricio
seu rosto, depositando beijos em cada parte da sua pele.
“Eu te amo...”, sussurro, bem rente à sua orelha, beijando a
cartilagem em cima do piercing que eu nem vi que estava aí, mas que ficou
sexy. “Entendeu? É você que eu amo. Não há ninguém, não há dúvidas
alguma. Eu não estou carente, eu estou apaixonado.” Ela arfa
profundamente.
“Eu também te amo, Sr. Mazza.” Meu sobrenome, que tanto ouvi
em seus lábios por todos esses anos, não nos coloca como Chefe e
funcionária, mas como um acontecimento que nos trouxe a isso, um
amando o outro.
Sorrio pra valer, me sentindo feliz pra caralho! Karen também sorri,
pendendo o pescoço sexy para trás, me fazendo ter desejo de beijá-lo, é o
que eu faço e farei todos os dias que eu quiser.
25

Gregory Mazza

Os cabelos sedosos de Karen fazem cócegas no meu peito, enquanto


ela deita sobre ele. Os beijo, sentindo o cheiro suave de shampoo. Ela geme
um pouquinho, acordando em seguida.
Seus olhos iluminados me encaram, e eu sou capaz de me sentir o
homem mais sortudo do mundo.
“A quanto tempo está acordado?” Calculo por um instante e
realmente não chego a uma conclusão. Eu só fiquei observando-a até me
convencer de que tudo que estou vivendo não é um sonho. Não consegui.
Para mim é tudo tão bom, que chega a ser uma ilusão. Uma doce ilusão.
“Talvez eu nem tenha dormido.” Ela fica surpresa, um pouco tensa
pela minha resposta. A insegurança de Karen sempre foi um ponto difícil de
se lidar, mas depois do que ela me disse sobre o pai do filho, sou capaz de
compreender. Sorrio para lhe passar tranquilidade e então beijo seus lábios.
“Só tive medo de dormir e quando acordasse, tudo isso não tivesse passado
de um sonho.” Agora é ela que sorrir. Terna, feliz, realizada. Me sinto bem
por proporcionar isso a ela.
“Então está na hora de provar que isso aqui é real, não acha?”
Alisando a minha barba, Karen me beija profundamente. Sua língua macia
experimenta a minha com tanta vontade que me amolece. Me sinto vivo,
capaz, transformado. Mas eu já havia dado um grande passo para isso já
tem um bom tempo.
“Nem precisa pedir duas vezes.”
Giro o seu corpo até que fique deitado no colchão, vou para cima de
Karen, a amando como quero.

Quando abro a porta, a pequena Lily corre até os meus braços toda
eufórica. Daquele jeito que só ela sabe fazer.
“Paaaaaapiiiii!”
Eu a pego nos meus braços, a beijando sem parar, matando a
saudade que eu estava da minha filha.
“Que saudade, filha! Se divertiu?”
“Aham, aham. Mamãe e eu visitamos todos os lugares. Fomos até o
castelo de Hogwarts. E tem uma coisa, papai: ela não reclamou que estava
cansada igual você.” Gargalho.
“Talvez eu esteja ficando velho.” Já Rachel, tem toda a energia do
mundo. Já faz um tempo que não faço treino de boxe, ela deve ter
continuado com o Krav Magá. A vida que ela estava levando exigia isso.
“Um velho e ranzinza. Quem diria!” Caçoa Rachel, segurando a
mala de Lily nas mãos, ao entrar no apartamento.
“Haha, muito engraçado!” Ela ri.
Rachel realmente cumpriu com o prometido, trouxe Lily para casa e
ainda voltou com ela. Não a deixou em uma esquina qualquer, com um
bilhete pendurado, para que eu pudesse pegá-la. Um feito histórico.
Coloco Lily no chão e a encaro, admirado, eu confesso. Lily está de
banho tomado, cabelos penteados e tem o cheiro do perfume dela. Consigo
ver até um pouco de maquiagem rosa-claro nos lábios e nos olhos. Elas
devem ter passado um momento incrível entre mãe e filha.
Lily pega a sua mochila das minhas mãos, me chama com um gesto,
para que eu possa me inclinar de modo que eu fique bem perto dos seus
olhos.
“Diga, pentelhinha.” Com a mão, ela cobre a lateral da boca, se
aproximando da minha orelha, e então sussurra:
“Eu te amo, papiii”, declara. “Você é o meu amor, não posso viver
sem você.” Ela sai correndo, sem esperar a minha resposta e sobe as
escadas.
Ao olhar para Rachel, ela está sorrindo com ternura, eu por outro
lado, estou emocionado. Nem a presença da mãe fez com que o amor que
Lily sempre sentiu por mim se acabasse.
“Obrigado por trazê-la de volta”, digo a Rachel.
Sei que não é um favor, portanto nem era para eu agradecer. Se
Rachel tivesse ao menos cogitado a possibilidade de fugir com a minha
filha, eu tomaria as minhas providências, mas o meu agradecimento é por
outro motivo. Talvez o fato de ela ter dado uma chance para se aproximar
dela, para fazer as coisas certas e agir com dignidade, no final das contas.
Rachel sabe compreender isso.
“Foi legal”, murmura, se jogando no sofá. “Lily é mesmo fã de
Harry Potter, me fez até usar uma veste de bruxinha. Não vou dizer que não
me identifiquei.” Ela solta uma risada. “Comemos doces do universo do
livro e nadamos na piscina do clube. À noite eu achei que nem fosse dormir.
Pulamos na cama do hotel e bagunçamos tudo, e depois, eu estava mesmo
animada para o próximo passeio que ela mesma programou. Eu queria
mesmo ver o castelo de Hogwarts, Gregory. Veja só.” Rachel está surpresa
com ela mesma. Suspira ali deitada, com as mãos na barriga. “Era
realmente como está lá, sem tirar e sem por.” Ela reflete, contemplativa. “A
Lily se divertiu, mas acho que me diverti muito mais.” Quando me dou
conta, estou sorrindo, orgulhoso. “Não me olhe assim, eu disse que ia
tentar.”
“Assim como?” Depois de tudo que ela me disse, como Rachel
espera que eu reagisse? “Feliz por você ter agido de uma forma correta?
Orgulhoso por ter se dado uma chance de ter se aproximado desse jeito da
sua própria filha? Desculpa, mas não tem como reagir de outra forma.” Ela
se ergue minimamente e me olha sem desfazer sua feição tranquila. Os
olhos azuis intensos tem um brilho diferente.
“Ela é incrível, Gregory”, murmura, emocionada por causa da filha,
e isso acaba me emocionando também, porque é algo que tenho presenciado
durante esses seis anos. “Uma menina doce, esperta... ENGRAÇADA!” Ela
dá uma risada se lembrando. “Eu ri tanto que minha barriga doeu, eu te
juro.” Rio, pois eu sei do que ela está falado. Os olhos de Rachel se enchem
de água, coloca a mão nos cabelos os jogando para trás, afim de conter a
emoção. “Eu não quero mais ficar longe dela”, sussurra, em um fio de voz.
Uma convicção que eu nunca tinha vista em seu olhar antes. “Você entende
o que eu quero dizer?” Assinto, também deixando a emoção tomar conta de
mim.
“Claro. É o que Lily tem feito comigo por todos esse anos.” Me
aproximo de Rachel, sentando ao seu lado. Ela coloca as pernas em cima do
meu colo. “Quando peguei Lily em meus braços pela primeira vez eu sabia
que ela precisava de mim, que eu precisava ser para ela como um amparo.
Eu tinha como objetivo cuidar dela, alimentá-la e amá-la. Mas ao decorrer
dos anos, eu percebi que quem precisava dela era eu. Eu esperei por Lily a
vida toda. E eu agradeço muito você por isso. Pela nossa filha.” Rachel abre
um sorriso feliz, um olhar doce, ao me ouvir dizer nossa.
“É tão estranho, não é?” Uma lágrima rola dos seus olhos. “Uma
criança tão pequena ser capaz de devolver a cor do mundo para a sua vida?
Porque foi isso que ela fez comigo. Eu estava em pleno escuro. Em um
fundo tão sombrio que não achei que teria mais volta, mas aí de repente...
Eu não sei o que vai acontecer, Gregory. Não sei se serei uma boa mãe para
ela, mas eu quero tentar. Ela me faz querer tentar. Pela primeira vez, é isso
que eu quero fazer e espero que concorde com isso. Muito obrigada por ter
escolhido falar para ela sobre mim.”
Eu não estava nessa viagem para saber o que aconteceu entre elas,
mas sei que Rachel respeitou os limites de Lily como criança e respeitou a
si mesma como, se não uma mãe, como pelo menos uma adulta que estava
disposta a zelar por ela, a proteger seja o que fosse. Sei que ela fez seu
papel direitinho, porque isso está estampado em seus olhos. E ela gostou do
seu próprio desempenho. Rachel pôde conhecer a si mesma e acabou
experimentando algo que nunca havia experimentado. Aposto que seu
passado, tudo que ela sofreu, desapareceu enquanto estava com Lily. Eu sei
porque é isso que acontece comigo todos os dias. O passado vai morrendo
aos poucos ao lado dela. Eu sempre quero ser alguém melhor só para ela.
Eu não poderia tirar essa dádiva que Rachel descobriu e admitiu a si
mesma, e nem quero.
“É claro que eu concordo.” Levo minhas mãos até a sua bochecha,
enxugando suas lágrimas e acaricio. Não existe mais razão para choros.
Finalmente Rachel e eu chegamos a um denominador comum. Estamos
unidos pela Lily e tudo que quero é uma trégua. “Seremos os pais da Lily,
Rachel, e é isso que importa agora.” Ela faz uma careta por conta da
nomenclatura, acha que está cedo demais para isso, mas logo sorri também.
“Mas mudando de assunto”, Rachel diz, sentando-se direito no sofá.
“...eu vi o que fez com o banco. Olha só, você cresceu mesmo! Nem
precisou da minha ajuda para liquidar Stanton.” Meneio a cabeça. As coisas
finalmente ficando claras para mim.
“Você não voltou por causa do Stanton, não é?” Ela assente.
“Foi. Ou você acha que eu deixaria aquele desagrado ferrar com
você? Mas confesso que lá no fundo eu sabia que você se viraria sozinho
sem mim, então acabei me distraindo com a Lily. Eu precisava acertar a
minha vida no meio disso tudo.” Concordo com a cabeça. “Você e Stephen
realmente completam um a outro.” Cuspo uma risada.
“Antes eu queria tudo o que tinha, agora eu desejo toda a felicidade
do mundo para ele. Talvez esses dias têm me feito enxergar que a dor que
ele sentia pela morte do pai era exatamente o que eu sentia pela presença do
meu, você consegue entender?”
“Claro. A vida de vocês estava entrelaçada desde o começo. Seus
pais eram amigos e agora vocês trabalharam para resolver o que eles
começaram lá atrás. Isso que eu digo que é o destino!” Dou de ombros.
“Jacob deixou uma carta para Stephen”, comento, tirando a Rachel
um pouco da sua zona de conforto, mais uma vez. Reflito por um instante.
“Estava nas coisas de Isaac. Meu pai guardou por todos esses anos. Não
fiquei lá para saber o que estava escrito, mas quando voltei, Stephen estava
em prantos. Acho que pude contribuir para alguma coisa importante na vida
dele também, e foi legal, eu confesso.” Rachel força um sorriso.
“Jacob e suas cartas má intencionadas...”, murmura. “Cuidado pra
seu amiguinho não se decepcionar.” Fico sério.
“Acha que foi manipulação?” Rachel nega com a cabeça.
“Claro que não. Jacob amava aquele garoto. Mais do que minha
compreensão de amor pudesse alcançar. Talvez eu tenha aprendido um
pouco com ele.”
Levando em conta o que ela está tentando fazer por Lily, pode ser
que tenha alguma influência de Jacob sim. O amor que ele a fez sentir,
mesmo que breve. E eu sou grato por isso.
“Eu não tenho dúvidas.” Sorrimos juntos.
“Também estou feliz por você, Gregory. Por ter conseguido o que
queria e se livrado do que precisava. Espero poder alcançar isso em breve.”
Seguro sua mão e a aperto.
“E vai. Você provou que consegue, e eu estou aqui pra ajudar você.
Nós estamos, Lily e eu.” Ela sorri.
Karen estava descendo as escadas assim que olhei naquela direção.
Está de banho tomado, vestida com as mesmas roupas que estava ontem,
quando chegou aqui em casa comigo.
“Ora, ora!”, cantarola Rachel. Ela passa de melancolia a deboche na
mesma velocidade. “Não é que a secretária conseguiu fisgar o chefe? Quem
diria! Confesso que até mesmo eu duvidei da sua capacidade, Karen.”
Rachel solta uma gargalhada.
Karen fica sem jeito diante da piadinha. Me levanto e vou até ela,
abraçando Karen de lado, procurando cuidar dela.
“Ela só veio trazer a Lily”, sussurro, tentando desfazer um possível
mal-entendido. Karen sorri, balançando a cabeça.
“Não se preocupe com isso.” Dou um beijo em seus lábios.
“Ai, meu Deus ela está com ciúmes!” Rachel gargalha, se
levantando do sofá e olhando bem para Karen. “Não se preocupe, Osmond.
Entre mim e Gregory não vai haver mais nada. A única coisa que temos é
uma filha. Ele não quer e muito menos eu. Eca!” Não sei se me ofendo, ou
fico feliz por ela garantir que está tudo acabado entre nós. “Gregory é fértil
demais para uma segunda vez. Uma filha já é o suficiente.” Ela espanta
algo, como se tivesse pavor da ideia.
“Rachel, menos, tá?”, murmuro.
“Bem, vou deixar os pombinhos em paz.” Ela dá uma boa olhando
para nós. “E não é que formam um belo casal? Parabéns, Osmond. Eu
sempre soube que de boba você não tinha nada.” Karen sorri
amigavelmente.
“Obrigada, Rachel. Te desejo toda a felicidade do mundo.” Rachel
assente, dando uma boa olhada para nós dois. Vejo conformidade, mas
também tristeza, e então vai embora.
Suspiro, sentindo uma brisa leve tomar conta de mim. Dou mais um
beijo em Karen, e finalmente sinto que está tudo conforme precisamos.

Nem consegui piscar e Evelyn já estava pulando no meu colo, sem


mais nem menos.
“Meu Deus, Meu Deus!”, brada Evelyn, completamente eufórica.
“Tio Gregory, nem acredito que finalmente você parou de ser um idiota e
fez a coisa certa!” Rio, ofendido.
“Isso é um elogio ou uma ofensa?”
“É claro que é um elogio. Na verdade, você merece todos eles daqui
pra frente.” Eu devo ficar feliz com isso? Evelyn se afasta, sua expressão
fica séria. “Colocar o banco à venda foi a melhor coisa que você fez em
toda sua vida.” Não estou tão certo disso, mas sim, foi uma das melhores.
“Não era você que disse que eu devia lutar pelo patrimônio da
minha família? Achei que você quisesse o banco futuramente.” Evelyn fica
um pouco pensativa.
“Talvez eu quisesse que você não desistisse só por que as coisas
estavam ficando difíceis. Eu já vi você querer muito uma coisa e ficar
deprimido quando não consegue realizar. Foi o que aconteceu quando a
Mazza Undertaking estava em crise. Achei que mais um golpe poderia te
desestabilizar para sempre, mas não foi o que aconteceu, não é? Você foi a
luta, recuperou o banco daquele desgraçado e ainda vai vender.” Fico em
dúvida sobre o que ela está dizendo. Recuperei o banco, mas estou
vendendo de qualquer forma.
“Isso não é uma forma de desistir?” Evelyn nega com a cabeça.
“Os seus motivos foram outros. Sei que não é fácil carregar essa
responsabilidade toda. Eu entendo que o objetivo não foi desistência e sim
bom senso. O banco estava fadado ao fracasso há muito tempo. Você só
precisava perceber isso. Ainda bem que percebeu.” Sorrio, e então abraço
minha sobrinha espertado e lhe dou um beijo em sua testa.
“É isso, Sr. Mazza.” Landon surge todo saltitante. É esquisito, mas
eu gosto.
“Landon? Você aqui? Vocês dois parece que não se desgrudam, não
é mesmo?”
“Desculpe, Sr. Mazza, mas eu não consigo viver sem a Eve.
Estamos namorando.” Olho para a Evelyn, e então entendo o porque as
mudanças de atitudes tem sido frequentes. Ela finalmente deu uma chance
para o seu coração.
“Isso significa que a família está crescendo?” Evelyn segura na mão
do namorado e então assente com um sorrisão enorme de lado a lado.
Acho que também me sinto feliz por eles. Mazza e Watter, confuso,
mas interessante. Solto uma gargalhada.
26
Stephen Crow

Ao chegar em casa, na tarde em que eu e Gregory colocamos em


definitivo Phillip Stanton na cadeia, onde nunca deveria ter saído, minha
família toda estava reunida a minha espera. E quando eu digo toda, é toda
mesmo. Além da minha mulher, dos meus filhos, também estão aqui minha
mãe, o irmão dela, Ian, que havia voltado de Nova York só por causa das
notícias, e Atlana. O feito foi tão significativo que meu sogro, com toda
demanda no restaurante, também veio, meu cunhado e Riley. Todos me
recebem com tanto entusiasmo que até me constranjo. Não sei se é por
conta da justiça sendo feita, ou o fato de eu ter trabalhado com Gregory
Mazza, causando um registro quase bombástico para o país inteiro. Talvez
os dois, mas é óbvio que o que fizemos juntos ganhou destaque nos
principais jornais internacionais.
As vozes ecoando por todo o cômodo, em felicitações e
agradecimentos, é como uma cacofonia quase dissonante. Me sinto em meu
próprio aniversário depois dos parabéns. Tudo por causa de um grande
esforço para alcançar os meus objetivos. Mas também pelo motivo de eu ter
sido capaz de perdoar, de estender a mão a alguém que tanto me feriu. A
capacidade de poder perceber a hora de separar o pessoal do necessário. É
Stephen Crow abrindo mão do orgulho por um objetivo maior, que não
apenas pela sede de colocar os responsáveis pela morte do meu pai na
cadeia, mas por eu ter entendido o meu papel nisso tudo. Eu não era o alvo,
não era apenas eu que estava sendo a vítima, mas apenas uma peça no meio
de tanta injustiça que aquele homem carregava em si desde o dia em que
nasceu, ali impressa em seu DNA. Eu aprendi separar isso, acho que é por
isso que foi mais fácil. A carta do meu pai foi uma força a mais de que eu
precisava. Consegui encontrar o meu equilíbrio.
“Acho que estou com ciúmes”, diz Ian, assim que os sons cessam.
“Você não precisou de mim nem por um só segundo. Estou decepcionado!”
Todos riem, inclusive eu.
“Deve ser porque agora o menino birrento acabou crescendo. Foi
bom assim. Desse jeito, você não tem mais tanto trabalho.” Ian sorri, com
aqueles dentes enormes e brancos. Batemos as mãos um do outro em
comprimento.
“Estou tão orgulhosa de você, meu filho.” Mamãe se emociona, seu
olhar mostrando o quando os medos dela, no final serviu para virar o jogo
ao nosso favor. Ela confiou em mim e isso foi importante para mim durante
todo o processo, pois eu também fiz por ela.
Me aproximo dela, segurando em suas mãos. Pego a carta do meu
pai no bolso do paletó e entrego a ela, sem dizer nada.
Savannah abre o papel antigo com as mãos trêmulas, ela desconfia
de quem é e para que propósito. Observo minha mãe ler cada linha,
enquanto as lágrimas escorrem em abundância.
Quando termina de ler, Savannah me encara completamente
comovida.
“Também sinto orgulho de você, mãe.” Uma lágrima também
escorre pelos meus olhos, e eu deixo, pois tudo que ela viveu e ainda vive
por minha causa, só mãe é capaz de tanto para proteger o filho. Savannah é
uma referência de ser humano, de mãe e avó.
“Eu te amo, meu filho”, ela murmura, a voz embargada em meio ao
choro.
“Eu também te amo.” Eu a abraço, sentindo o amor deles através
desse abraço. Como é boa essa sensação, esse carinho! Eu sou mesmo um
privilegiado!
É uma gratificação enorme presenciar dia após dia Tess sendo para
os nossos filhos o que Savannah foi para mim.
Em falar em Tess, ela corre até mim, o sorriso lindo em minha
direção. Aquela felicidade transbordante que ela expressa quando olha para
mim. É nesse momento que eu me sinto o homem mais feliz e realizado.
Ela me beijando calorosamente, assim que Ian se aproxima da minha mãe e
a abraça em um conforto amoroso. Minha mulher me beija sem reservas, e
eu a recebo, sentindo o gosto da mulher que há seis anos tem feito de mim o
homem mais feliz do mundo. É o que ela faz sempre que aprova as minhas
decisões, é o seu jeito de dizer que tem orgulho de mim. E foi exatamente
por isso que fiz o que fiz. Fiz por eles, pela minha família.
Pego Celeste, que estava no colo dela, e coloco no meu, seus olhos
grandes e azuis brilham sempre que ela olha para o papai. Ela tem a
aparência da família da minha mãe, mas a aura é toda dos Eisen. É a criança
mais linda e fofa que eu já vi na vida. Fruto do meu amor incondicional por
Tess. Falando mais um pouco sobre frutos do amor, Benjamin e Jake me
abraçam pelas pernas, enfatizando o quanto eles me veem como um herói.
Quando eu era uma criança, eu via meu pai como uma espécie de símbolo,
como nos filmes de ficção, saber que sou visto da mesma forma pelos meus
gêmeos, é uma sensação de dever cumprido. Sei que tenho muito o que
fazer ainda, mas espero poder estar ao lado deles em toda e qualquer
dificuldade que aparecer, e mostrar para eles que no final de cada queda,
sempre terá um meio de se reerguer.
“Oh, mon cher, que bom que você conseguiu!” Riley também vem
ao meu encontro, beijando o meu rosto efusivamente, do jeito Riley
Dousseau de ser, recebendo em seguida o meu beijo na testa.
Ela é outra que passou por muita coisa, mas que se ergueu e
continua se erguendo o máximo que pode, e eu agradeço por ela fazer parte
da minha vida.
Olho para Alexander, o meu sogro, o homem que soube criar os
filhos com toda a dignidade possível. Espero ser um por cento do pai que
ele é. Ele sorri para mim, assim como Theo e Roger. Roger, meu tio perdido
que finalmente voltou para nós, para nos esclarecer tudo que me angustiava,
mas também para fazer as pazes com o passado, recuperar o que lhe foi
perdido e Savannah se sente tão feliz pela presença dele, que eu não ouso
questionar mais nada. Acho que também sou grato por ele e por todos que
estão aqui.

*
“O Greg mudou tanto!”, Tess diz, arrumando a cama para deitarmos.
Eu havia passado um tempo com os meus filhos, logo após todos
terem ido embora. Acho que eu queria ficar mais um tempinho sentindo
eles, sentindo realizado por ser pai. Os coloquei para dormir e depois fui me
recolher com a minha esposa.
“Eu nunca imaginei que ele seria capaz de colocar o banco à venda.
É incrível como as coisas tem cooperado para que ele finalmente fizesse a
escolha certa, e ele tem feito, sem titubear. Quem poderia imaginar que
aquela carta existia?” Tess está admirada, mas ela nunca escondeu que
sempre torceu para o Gregory, acho que estou me acostumando com isso.
Concordo, se desfazer do banco foi um passo abrupto e radical
demais. Existem outras formas de lidar com a situação. No início eu
duvidei, talvez eu não faria o que ele fez, mas reconheço que essa decisão já
estava com ele há muito tempo, bem antes dos últimos acontecimentos e eu
respeito.
“Nunca pensei que falaria isso, mas...” sorrio nervosamente. “Acho
que meu amigo de infância acabou retornando, no final das contas. Só que
de uma forma mais plena, ele não está mais representando um papel, como
ele fazia só para tentar sobreviver a tudo aquilo. Não há máscaras ou
obscuros. O Gregory está mais resignado. Acho que essa é a primeira vez
que eu o vejo do jeito que ele realmente é.
“Savannah me questionou o real motivo que me fez entrar nessa
com Gregory. Segundo ela, não era só por causa do meu pai, e ela estava
certa. Talvez eu quisesse ver isso de perto, tentar entender o que aconteceu
com ele, para justificar tudo que fez. Eu encontrei a resposta. Que bom que
vivi pra ver isso, para compreender, não apenas pelo meu lugar de
injustiçado, mas pelo lugar dele como vítima.” Tess sorri, daquele jeito
amável que ela tem.
“A reaproximação de vocês causou uma aumento considerável na
bolsa de valores, sabia?” Sim, eu havia visto os números e achei exagero,
mas lá estava eu sorrindo em frente a tela do celular. “Isso é bom.
Finalmente pararam de vincular a minha imagem de forma negativa ao que
passou.” Circundo a cintura de Tess com os meus braços, a aconchego no
meu peito.
“Se eu soubesse que nosso trabalho em equipe traria tantos
benefícios, eu teria feito muito antes.” Tess sorri. “Que bom que as coisas
vão melhorar pra você. Não é justo que nossas escolhas tenha interferido no
seu trabalho.”
“Que nada! Você sabe como esse pessoal é. Eles gostam de exaltar
quando os convém e humilhar pelo mesmo motivo. Só cabe a mim saber
lidar com isso. Acho que até estou aprendendo. Semana que vem vou voltar
ao trabalho, tenho ideias novas para a nova coleção, e o melhor é que já
estou montando alguns equipamentos para levar Celeste com todo o
conforto e segurança possível, principalmente agora que ela tanto precisa de
mim. Riley vai ser uma das modelos e mal posso esperar para trabalhar
novamente. Acho que estamos conseguindo.” Beijo os lábios da minha
mulher, sentindo orgulho dela.
“Você sempre arrumando um jeito de fazer tudo da melhor forma,
não é? Eu te admiro demais, sabia?” Ela beija os meus lábios suavemente.
Seus olhos verdes ainda são capazes de mexer comigo. Ela inteira é
capaz de mexer comigo, não há dúvidas.
“Eu te amo, Stephen. Sabe disso, não sabe? Sou completamente
apaixonada por você.” Semicerro os olhos para ela.
“Não era você que queria que eu me mantivesse afastada de tudo
isso? Onde está seu medo afinal?” Ela dá um tapinha no ar.
“Que bom que você nunca me escutou. Assim foi capaz de fazer a
escolha certa sem que eu estragasse tudo.” Seguro uma mão em seu queixo,
fazendo com que ela olhe para mim.
“Você nunca estragou nada, Tess. Nunca repita isso. Você sempre foi
o meu alicerce. A força que me impulsiona a fazer o que eu faço. Se não
fosse por você ter repetido tantas vezes para que eu desse uma chance de
enxergar as mudanças do Gregory eu não teria feito. Talvez eu não saberia o
que estava acontecendo. Sei que pareceu ser útil para mim, mas eu gostei de
ter feito isso com ele, por mais que fosse tão doloroso. A verdade é que
Gregory encontrou a própria felicidade e isso é um alívio.” Tess assente,
compartilhando do mesmo sentimento que eu.
“Que bom que tudo se resolveu. Que bom que estamos bem.”
Sorrio, tomando os lábios da minha esposa. A enchendo de carinho e
ternura.
Tess e os meus filhos são a parte fundamental da minha vida. É por
isso que faço o que faço, e por eles, eu sempre farei tudo que for necessário.
Epílogo

Stephen Crow

Hoje finalmente é a inauguração do meu mais novo


empreendimento. O Resort RoadCrow tem tudo que um hotel de luxo
necessita ter. O designe é moderno e requintado. Temos área de lazer dentro
e fora da recepção. Um ambiente confortável para que famílias do mundo
inteiro possa desfrutar com uma sensação de que estão em suas próprias
casas. Contamos com uma equipe gigantesca de concierge, camareiras e
recepcionistas, plenamente capacitados para entregar o melhor serviço.
Antes da contratação, oferecemos cursos de hotelaria e um treinamento
qualificado para que nossos clientes possam ter o melhor.
Logo na entrada, além da porta giratória, temos um visual magnífico
em espiral que leva aos andares acima. No teto transparente, é capaz de
revelar o vislumbre do céu tanto à noite quanto o dia. Os elevadores
também são transparentes, oferecendo uma vista incrível das piscinas lá
fora.
Contamos com trezentos e sessenta quartos. De suítes masters a
quartos simples, porém tudo muito luxuoso e sofisticado. As suítes masters,
conta com duas salas e uma sala de estar, dois banheiros e uma varanda
longa com vista para as praias de Malibu. Na área externa, temos um espaço
de lazer ampla, com cinco piscinas adultas e cinco piscinas infantis. Há
também uma área reservada para restaurantes, bares e concertos, e claro,
um lago artificial que comporta toda a extensão do Resort, um vislumbre da
natureza. Repleto de árvores, flores e baobás. Um imenso campo de golfe e
de tênis, cortesia Tess Eisen, claro. Um lugar o qual o objetivo é que quem
vier até aqui nunca queira se hospedar em nenhum outro lugar.
Além da minha família vir prestigiar a inauguração do Resort,
Gregory Mazza e sua família vieram me parabenizar por essa conquista tão
significativa para mim. Até Karen Osmond veio, a atual assumidamente
namorada de um dos homens mais falados do país. Os gêmeos não largaram
a pequena Lily. Evelyn e Landon Watter também estavam respondendo aos
jornalistas pelo sucesso da campanha intensificada que estão fazendo do sua
mais nova aposta que é o famigerado Holograma. Me surpreendi demais
com a presença de Rachel Carter, mas não notei aquele olhar assassino de
que vi no passado. Ela estava branda, até amigável, por incrível que pareça.
Até sorriu para mim. Acho que cada um está se virando a sua maneira e
esse tem sido o ponto alto de nossas vidas.

Gregory Mazza

O primeiro passeio que fizemos em família foi na praia de Miami,


uma das minhas favoritas em South Park. Karen ama praia, apesar de não
frequentar com tanta frequência como eu. Descobri que Erik, seu filho
também adora, apesar de antes seu único passatempo era as telas do vídeo
game. Mas acho que ele pegou o pique de Lily que parece uma nadadora
profissional e parece se divertir quando estamos reunidos. Ela sim tem uma
energia que contagia, e Erik tem me aceitado como o novo namorado da
mãe. Nem ciúmes tem, o que acho magnífico.
Mas nesse dia em específico, nosso dia de lazer foi em uma
sorveteria. Descobri que Erik ama sorvete de morango, já Lily detesta.
Fiquei com o de creme e Karen de chocolate. Já estava quase na hora de
Rachel buscar Lily para escola, então me dei o privilégio de passar o dia
com a minha nova família antes de começar o trabalho.
Todas as segundas e sextas é Rachel quem leva e busca Lily, pois
são os dias que o fluxo na Mazza Undertaking está mais agitado e
provavelmente sairei mais tarde. Lily fica um tempo na casa da mãe, um
apartamento que ela comprou em Carol Way, até que eu chegue para buscá-
la. Evelyn ficou um pouco histérica por ter perdido o posto da mãe de Lily
para Rachel, mas acabou entendendo a importância da situação, até porque
ela anda cada vez mais ocupada com os negócios.
Rachel também às vezes concorda em levar Erik, já que estuda na
mesma escola que Lily. É incrível como Rachel tem sido agradável, apesar
de qualquer oportunidade que encontra dá um jeito de implicar com Karen,
dizendo que quer o seu segredo de como conquistar o chefe milionário. Ela
faz tudo soar como se fosse uma grande trama das literaturas, mas Karen
tira de letra suas provocações, dizendo que se ela fosse um pouco mais
legal, também conseguiria. Isso deixa Rachel sem palavras, mas acho que
ela não se importa muito com o que é dito.
Dou um beijo em Lily e Karen em Erik, os dois entram no carro de
Rachel, uma Mercedes último modelo na cor vermelha e partem para a
escola.
Karen e eu entramos no meu carro e seguimos para o trabalho.
Teremos uma reunião muito importante com um dos donos do mais novo
Resort de Paris, Stephen Crow. Quem sabe fecharemos o tão sonhado
negócio de parceria? Um negócio como este, iria sem dúvidas, melhorar a
minha empresa. E a de Stephen? Hum, ele já é bem sucedido por si só.
Quem sabe o que o futuro nos aguarda, não é?
Agradecimentos

Chegamos ao final definitivo dessa história maravilhosa que criei


em 2016, e que teve tanta coisa acontecendo, tanto na própria trama, como
na minha vida. Esses personagens são realmente muito importantes para
mim e eu nunca pensei, nem por um só segundo, em desistir deles. Eu amo
cada fibra desses personagens. Eles foram tão vivos para mim que, muitas
vezes me vi como uma mosquinha, os espiando de longe e anotando tudo
que eu assistia em silêncio. Isso é incrível para qualquer escritor, eu
garanto.
Bem, esse último Spin-Off que fecha em definitivo a história de
Stephen Crow, Tess e Gregory Mazza, foi para colocar de vez os pingos nos
is e terminar a trama de uma forma justa para todos os personagens.
Gregory, finalmente conseguiu alcançar a sua remissão e enfim, encontrar a
felicidade, se livrar das obsessões e ambições e trilhar um caminho mais
leve; Stephen, conseguiu perdoar e refletir sobre o indivíduo e não como
singularidade. Eles precisavam disso, eu senti que eles mereciam isso, pela
própria história deles, sabe, aquele início, o primeiro prólogo escrito. E foi
o que aconteceu.
O final desse último epílogo tem uma dúvida no ar, mas isso vai
ficar a critério de vocês, não mais meu e nem mais dos personagens. Mas,
pela minha intuição, e pensando agora como Stephen, talvez as coisas ficam
mais leves entre eles, talvez sim podemos pensar em uma parceria, talvez
possamos sonhar com isso. Assim, como Gregory, eu desejo do fundo do
coração, que eles possam ser amigos um do outro, mas não posso decidir
pelo Stephen. Eu nunca decidi e não será agora que vou.
É isso. Obrigada por tudo e continuem amando esses três assim
como eu sempre amei. Fica com Deus!

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