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Todos os Direitos Reservados

GRAN FINALE
Livro 3 | Ordem Escarlate
Deisy Monteiro | São Luís

Publicado anteriormente como FINALE: Ordem Escarlate


Primeira publicação 2016

Coordenação Editorial:
João Garcia e Deisy Monteiro

FINALE | Ordem Escarlate


1. Romance 2. Ficção 3. Erótico 4. Contemporâneo

Este e-book ou qualquer parte dele não pode ser reproduzido ou


usado de forma alguma sem autorização expressa, por escrito, do autor
ou editor, exceto pelo uso de citações breves em uma resenha do e-
book.
Esta é uma obra de ficção. Todos os personagens desta obra são
fictícios.Qualquer semelhança envolvendo pessoas mortas ou vivas,
lugares, nomes e acontecimentos, é mera coincidência.
Esta obra segue as regras do novo acordo ortográfico
SINOPSE

Os muros da Universidade de Cambridge têm guardado


segredos por centenas de anos. Para descobri-los é necessário
adentrar os portões e abrir os olhos para um novo mundo que se
revela. Um mundo onde as concupiscências e paixões não
encontram limites. Uma ordem secreta dita regras silenciosas para
todos os que atuam neste teatro envolvente. Em cada um de seus
corredores, é possível ver seus adeptos.

Você está pronto para conhecer a Ordem Escarlate?

Lucine sente, a cada sessão, que sua sanidade está se


despedindo. Estar com Hector parece apenas um sonho cada vez
mais distante e impossível. Fazê-lo esquecer da paixão que
sentiram, porém, parece cada vez mais atraente. Ainda mais depois
de ter sido vendida como um objeto para Christian Navarro.
Christian Navarro é o Primeiro-Governador da cidade de
Cambridge. Um homem extremamente bonito e de uma beleza
perigosa. Sempre consegue tudo o que quer e sabia que teria
Lucine para si desde o momento em que a viu pela primeira vez.
Christian é o único que tem poder suficientepara protege-la, e
sabe disso, por isso não permitirá que ninguém machuque sua
aquisição mais preciosa.
O líder da Ordem Escarlate não está felizcom a perda da bela
Pulcra. Seu plano de vingança será executado friamente. Para isto,
basta que se desfaçada única coisa que valorizou nos últimos anos.
O Magister, não felizcom sua autoridade questionada e com o
fatode ter perdido uma bela pulcra, tem um plano de vingança a ser
executado friamente.Para isso, basta apenas que ele se desfaçada
única coisa que valorizou nos últimos anos.
É cada vez mais difícilescapar dos laços da Ordem Escarlate.
A única saída possível parece ser ao mesmo tempo a mais
arriscada. Os destinos de todos parecem estar entremeados e
apenas uma pessoa pode fazer algo para livrar todos.
SUMÁRIO

COPYRIGHT © 2021
SINOPSE
SUMÁRIO
PREFÁCIO
PRÓLOGO
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XX
CAPÍTULO XXI
CAPÍTULO XXII
CAPÍTULO XXIII
CAPÍTULO XXIV
CAPÍTULO XXV
CAPÍTULO XXVI
CAPÍTULO XXVII
CAPÍTULO XXVIII
CAPÍTULO XXIX
CAPÍTULO XXX
CAPÍTULO XXXII
CAPÍTULO XXXIII
CAPÍTULO XXXIV
CAPÍTULO XXXV
CAPÍTULO XXXVI
CAPÍTULO XXXVII
EPÍLOGO
OUTRAS OBRAS DA AUTORA
SOBRE A AUTORA
PREFÁCIO

Aqueles corpos molhados, com corações acelerados, quentes


depois do vendaval carnal.
Não, eles não fazem amor, eles se fundem. Encaixam seus
corpos, unem destroços, colidem com seus segredos libidinosos
fatais.
Trocam olhares confessos, não tem segredo, nem credo, não
sentem medo, nem fazem julgamento das suas verdades irracionais.
Os mundos deles se encontram, são dois insanos criando
suas histórias virais.
Não tem o meio nem fim. Só o começo aqui, e eles decidiram
que o melhor é viver assim.
E os dois vivem "aquilo”, que não tem nome nem dito, só o "a
mais".
Deixaram todas as regras, esqueceram as suas mazelas, os
dois são corpos, são almas;
São vidas vividas, buscando um no outro a sua paz.

MICHELLE KATARINE P LIRIO PECLY


PRÓLOGO

Cambridge, 1989

“EU NÃO TENHO PARA ONDE FUGIR, não tenho... Devo


me conformar...” Aisha repetia incessantemente. Apesar de, por
fora, a mulher parecer calma, por dentro, sentia-se em meio a uma
tempestade. Transtornada, completamente abalada por saber que
poderia morrer a qualquer tempo.
“Mas não me deixarei vencer...” A jovem continuava imersa
em pensamentos “Eu posso até morrer, mas não pedirei por minha
vida”.
O orgulho exacerbado sempre foraum grave defeitode Aisha.
Este orgulho, talvez, tenha sido a causa de ter caídoexatamente na
situação em que se encontrava. Ameaçada por terrível desgraça.
Muitos homens propuseram fortunas para tê-la, mas nenhuma
destas era aceita. Nunca o eram, por mais exorbitantes que fossem.
As suspeitas já corriam soltas. Qualquer um poderia imaginar
que havia algo acontecendo por detrás dos bastidores daquele
anfiteatro, mas ninguém era louco o suficiente para confrontar o
Magister.
Aisha continuava mantendo a aparência de pulcra que lhe
cabia. Ia às sessões, sofria alguns castigos e era servida dos
mesmos privilégios, porém, via-se em seu aspecto que não era tão
maltratada quanto as demais jovens. A cena montada para Aisha
sempre era mais branda do que para as demais.
Naquela noite de sessão, porém, enquanto questionava sua
própria calma sob a densa capa que a Ordem Escarlate tinha
fornecido, as coisas foram um pouco diferentes.
— Prezados Eleitos da Ordem Escarlate.
O homem começou a falarnum tom calmo e que, todavia, não
dava margens para confundir a hierarquia intrínseca.
— Não é segredo para nenhum dos Eleitos os meios pelos
quais se pode resgatar uma Pulcra. Entretanto, nenhum de vós
parece ter a capacidade de arcar com o lance mínimo para
arrematar a Pulcra à vossa frente.
Um burburinho foi ouvido, mas logo o silêncio tornou quando o
Magister recomeçou a falar.
— Levando em consideração este fato, o de que nenhum
homem neste anfiteatrofoicapaz de pagar o preço inigualável desta
pulcra, venho fazer este anúncio. – A voz distorcida anunciou –
Aisha, a Pulcra de valor incalculável, torna-se hoje a primazia entre
as Pulcras. Por sua inegável beleza e seu desempenho expressivo,
eu a nomeio, Magister.
Tal nunca tinha acontecido antes. Inédita, a sentença chocou
todos os eleitos que ocupavam as poltronas do anfiteatro. Não
houve um que não tenha se sentido ultrajado por tamanha afronta,
mesmo os que já estavam acostumados com as sentenças mais
obscenas pelos antecedentes daquele Magister.
Uma revolta silenciosa aconteceu. Alguns, aqueles que
estavam na sessão apenas para assistir à execução da Pulcra,
levantaram-se indignados de seus assentos e saíramdeixando seus
anéis para trás.
— Esta ordem... Não há cabimento! – Um Eleito decidiu
levantar a voz em desafio ao Magister – Tal nunca aconteceu antes!
Como uma Pulcra pode se tornar Magister?
— Pulcra, tornar-te-á Magister pela autoridade que me cabe. –
O Magister bateu com o cetro de rubi no chão – E por essa mesma
autoridade, eu o expulso da Ordem Escarlate.
Rapidamente, dois homens de branco foram até o local onde
o revoltoso estava. Carregaram o homem para fora do ambiente,
indiferentes aos protestos dos demais. Nenhum outro, que conhecia
o que tal ato de rebeldia iria causar, se atreveria a contrariar uma
ordem do Magister.
No centro do palco, Aisha respirava com dificuldade, ainda
não crendo em como sua sorte tinha mudado. Seria dele, somente
dele. Havia sido resgatada pelo próprio Magister e agora seria uma
com ele. Igual a ele.
A ganância não lhe tinha sido tão ruim então.
Aisha sentiu quando outras duas pessoas se aproximaram,
vestidas de branco, e despiram-lhe a roupa. Sentiu quando jogaram
fora o colar, a capa preta, as luvas e o lenço, deixando-a nua, pela
última vez, à vista de todos.
O tecido escuro nunca mais pesaria em seus ombros. No
lugar dele colocaram um da cor de sangue, bordado com fios de
ouro.
Sem nenhum outro questionamento, a coroação de Aisha teve
procedimento. A jovem foi levada até os pés do líder da reunião e
beijou-o nas mãos.
Desde então, tornara-se exatamente o que era hoje.
CAPÍTULO I

MONTSERRAT ESTAVA NO CENTRO CIRÚRGICO há quase


dezesseis horas. Seu corpo inerte submetido a uma cirurgia de alto
risco.
Os médicos não puderam dar uma estimativa de tempo certa
para a duração de tão complicado procedimento e tudo que Melinda
podia fazer era aguardar. Pelo que tinha pesquisado, a cirurgia
poderia se estender por muitas horas a mais do que as que já
tinham passado.
Melinda não pode entrar na sala, seu pedido foi negado por
diversas vezes. Ficar do lado de fora, orando para que tudo
corresse bem, conseguia ser muito mais assustador do que assistir
a cirurgia invasiva.
Bernard permanecia ao seu lado, inabalável. Confusapela dor
que sentia, Melinda não podia compreender, ao certo, o que a
companhia significava. Porém, estava agradecida imensamente por
ter alguém consigo. Sabia que poderia fraquejar em algum
momento, e era bom ter Bernard ali para erguê-la quando
desabasse.
Montserrat fora o primeiro homem capaz de despertar a
paixão no peito de Melinda. Fora o primeiro homem para o qual se
entregou, o primeiro que lhe dera prazer, o primeiro que a tornara
capaz de amar. Montserrat fora o seu primeiro tantas vezes, de
tantas coisas boas, que doía saber que tinha sido a sua última.
Porque, enquanto Montserrat conseguiu fazê-la amar pela
primeira vez, ele dissera, repetidas vezes, que Melinda fora a última
mulher a qual pode amar.
“Não, não posso permitir que minha mente vague para tal
caminho...” Melinda reclamou consigo mesma. Não podia permitir
que o desespero a invadisse, saqueasse seu coração e suas
esperanças. Não podia, simplesmente, desistir, não quando
Montserrat era quem mais lutava.
O hospital e suas paredes estéreis protegiam enfermeiras
mal-humoradas e médicos concentrados. Uma cena rotineira, mas
diferente. Todos agiam de modo estranho, sempre que passavam
por Melinda, davam-lhe um sorriso encorajador, como se
percebessem que estava prestes a desabar.
Mas Melinda não queria aquele sorriso, esse era o sorriso frio
destinado aos parentes dos pacientes em iminência de morte.
Melinda queria que os médicos dissessem que Montserrat estava
bem, que tudo ficaria bem. Assim poderia, quem sabe, reescrever a
história outra vez.
— Senhora, – Bernard esperou o momento mais apropriado
para dar as ordens do patrão – temo que a cirurgia ainda se estenda
por mais tempo. O senhor Sinesi me incumbiu de tornar realidade,
com todo o cuidado possível, um de seus pedidos.
— Diga, Bernard. – Melinda pediu.
— O meu senhor entregou à senhora um envelope. Pediu-me
que a senhora o abrisse no momento certo, creio que este é o
momento.
Bernard sabia bem que a cirurgia tinha enormes riscos. Sabia
que no caso do senhor Sinesi sobreviver, Melinda não iria querer
passar tão perto do conteúdo do envelope por um longo tempo. O
mesmo aconteceria caso seu senhor viesse a falecer.
— Não, Bernard. Não me peça tal! Até você está
desacreditado?
— Não, senhora. Estou apenas seguindo as ordens do meu
patrão. O senhor Sinesi insistiu grandemente comigo. Ele conhecia
a preocupação da senhora e sabe que as informações naquele
envelope são extremamente importantes.
Bernard, a mando do senhor Sinesi, já havia tirado do
envelope as informações sobre a Ordem Escarlate. Deixando no
conteúdo, apenas o que se referia às infidelidades de Thor.
O comportamento desleal do marido seria o suficiente para
fazerruir o casamento. Uma vez desfeito,Melinda herdaria os ativos
de Montserrat e Bernard poderia seguir com as últimas ordens
dadas pelo senhor Sinesi. Se encarregaria de Thor Price e retribuiria
todo o sofrimento pelo qual tinha feito a amada de seu senhor
passar.
— Ainda não, Bernard, por favor. Eu prefiro esperar. Deixei o
envelope na casa de hóspedes e não quero voltar lá agora. Eu não
quero ter que sair do lado de Montserrat. Quero estar aqui quando
ele acordar.
— Não pretende descansar? Senhora, tenho ordens...
— Eu sei, querido. Sei que as ordens do seu patrão são
importantes, mas não pretendo descansar. – Melinda passou a mão
no rosto de Bernard – Eu preciso ficar aqui, saber tudo o que está
acontecendo com o senhor Sinesi. De outro modo, não teria paz.
Não insista, por favor.
Bernard ficou em silêncio. Como Melinda pedira, não tocou,
outra vez, neste assunto. Respeitava, ainda mais, a senhora Price.
Pelo que investigara, já que era um dos responsáveis pela equipe
que vigilava Melinda na Inglaterra, já sabia que era uma mulher sem
igual. Agora, podia comprovar, por si só, todos os motivos pelos
quais o seu patrão a amava.
Não desrespeitaria a amada do senhor Sinesi, de modo
nenhum. Melinda era uma mulher formidável, mas era do tipo
intocável que se admira de longe com o devido respeito. Como uma
obra de arte cara.
Melinda estava submersa numa espécie de transe que só
conhecem as viúvas. Queria chorar, todo o rosto aparentava uma
dor profunda, mas não tinha mais lágrimas. Era como se a fonte
tivesse secado, ou mesmo estivesse se guardando para um
momento mais oportuno.
Lutava contra si mesma, não queria mais permitir os
pensamentos de morte que a assombravam. Precisava não pensar
demais na cirurgia complicada que estava acontecendo, precisava
não mergulhar em desespero. Queria lembrar de Montserrat com
vida neste momento.
Então, chamou a atenção de Bernard, conversar poderia
confortar a ambos.
— Como conheceu Montserrat?
Bernard sabia que Melinda precisava ouvir coisas boas sobre
o senhor Sinesi. Surpreso e encabulado com a pergunta, sabia que
não precisaria mentir. Montserrat nunca foi desrespeitoso com
qualquer pessoa enquanto esteve perto. Melinda estava entrando
em terreno pessoal, mas, como seria responsável pela segurança
dela em breve, tinha que começar a conquistar a confiança da
senhora Price. Conversar facilitaria as coisas e a ajudaria a distrair-
se.
— O senhor Sinesi e meu pai foram grandes amigos. Meu pai
sempre trabalhou na equipe de segurança dos Sinesi. Atrevo-me a
dizer, meu pai era o único dos homens da famíliaque o senhor
Montserrat confiava cegamente.
— Seu pai faz parte da equipe de segurança?
— Não, meu pai já é falecido.
— Oh, sinto muito. Que indelicadeza a minha.
— Não se preocupe, senhora.
— Mas continue, por favor. Sua mãe?
— Minha mãe está bem viva, graças a Deus. É a governanta
da casa grande, talvez a senhora não a tenha visto, mas era ela
quem cuidava pessoalmente do trato da casa de hóspedes para que
não lhe faltasse nada.
— Eu não sabia, tenho muito a agradecê-la.
— Pouco antes de meu pai falecer, saí da cidade. Jovem,
achava que meu lugar não era na ensolarada Toscana. Consegui
alguns empregos temporários, depois trabalhei um tempo como
segurança numa estação de metrô. Eu passava minha vida assim,
entre idas e vindas, quando soube da notícia de que meu pai
falecera. O senhor Sinesi mandou me buscar. Trouxe-me de volta a
esta cidade, me recebeu como se eu fosse um filho. Estudei, fiz
cursos, tudo às suas custas. Ele cuidou de minha mãe quando ela
passava por este vale de desespero. Eu não tinha como retribuir
financeiramente, então pedi para trabalhar para o senhor Sinesi.
— E conseguiu o trabalho de agora?
— Sim, o senhor Sinesi me pôs a encargo de sua segurança
privada, com os demais homens que o guardam. Todos estritamente
confiáveis. Ainda que eu tenha insistido para que não me pagasse,
continua a pagar-me um salário e sustenta a pequena casa da
minha mãe onde minhas irmãs moram.
— Montserrat sempre foi muito generoso.
— Sim, senhora. Sua generosidade mudou a vida da minha
família.No emprego de antes, eu mal podia pagar o aluguel de um
apartamento pequeno e comida, ao mesmo tempo. Quando
descobriu que meu pai sustentava a casa e que, após sua morte,
minhas irmãs e mãe passariam por dificuldade, contratou minha
mãe para ser sua governanta e paga-lhe o suficiente para que não
tenha mais preocupações.
— Montserrat sempre foi uma pessoa boa, excêntrica. Não
tinha como ficar perto dele e não ser contagiado por um pouco da
felicidade que ele traz constantemente no peito...
Melinda revivia as lembranças ao lado de Montserrat. Desde
sua adolescência, em seu amor proibido, até o momento em que
esteve em seus braços. A personalidade sempre esfuziante de
Montserrat, trazendo vida e calor para os que o cercavam. Não
conseguia entender como o tinha amado tanto em tão pouco tempo,
nem a separação tão definitiva e dolorida. Montserrat era uma
lembrança boa nos momentos de tristeza com sua respeitosa
amizade.
— A senhora está bem? – Bernard perguntou.
— Sim, apenas senti um aperto no peito. Eu...
Melinda não completou. Em vez disso, ficou andando em
silêncio pelo corredor. Não queria ser atrapalhada, não quando o
pressentimento que tivera fora o mais terrívelde sua vida. Seu peito
parecia querer explodir a qualquer momento.
Sentou-se numa das poltronas, fechou os olhos. O aperto no
peito não passava, mas, de alguma forma, o cansaço a venceu e
acabou adormecendo. Algum tempo passou, não soube ao certo o
quanto. Quando abriu os olhos, um médico falava com Bernard.
Melinda levantou-se imediatamente, sentindo a tontura da
falta de alimentação afetar-lhe a visão temporariamente, mas
prosseguiu até os dois homens, pronta para fazer incontáveis
perguntas.
— Doutor, doutor... – Melinda o chamou – Como ele está?
Está tudo bem com Montserrat? Correu tudo certo?
Bernard não queria olhar para Melinda, não sabia como
explicar. Lançou um sinal visual ao médico, o suficiente para que
este compreendesse que deveria amenizar os pormenores da
cirurgia e da situação em geral.
— Diga alguma coisa... – Melinda pediu com um tom mais
duro desta vez.
— Senhora Price, – o médico começou – o senhor Sinesi
estava debilitado e a cirurgia era complicadíssima. Fizemos o
melhor que podíamos, mas o Senhor Sinesi infelizmente não
resistiu.
— O que? – Melinda começou a respirar com falhas, o
desespero querendo tomar conta do corpo – mas o que fizeramcom
ele? Montserrat só iria retirar a merda do resto de um tumor.
Montserrat disse que tinha cinquenta por cento de chances de viver!
— Senhora Price, – Bernard conteve Melinda que estava
avançando no médico e batendo com os punhos em seu peito – por
favor, contenha-se.
— Conter-me? Como?
— Por favor, senhora, deixe que o doutor termine de explicar.
— Senhora Price, por favor, acompanhe-me. – Uma outra
pessoa chamou sua atenção, uma mulher com um jaleco de cor
salmão, doutora em psicologia.
Melinda a acompanhou até uma sala perto de onde estavam.
O médico incapaz de encará-la ao rosto, não a acompanhou.
Melinda sabia que não deveria tratar o homem assim, mas estava
incapaz de raciocinar de outra forma.
— Senhora Price, sabemos que o momento é difícil.Contudo,
o estado de saúde do senhor Sinesi era de extrema gravidade.
— O senhor Sinesi tinha meio tumor para ser removido,
apenas meio! Ele mesmo me disse que era operável.
— O senhor Sinesi estava em metástase. Isso significaque as
células cancerígenastinham caídona corrente sanguínea.O senhor
Sinesi se submeteu à cirurgia sabendo dos riscos, temos o
documento assinado em que ele se responsabilizava pelo resultado
da cirurgia. As chances de sobreviver eram de menos de dez por
cento. E, mesmo que o tumor fosse retirado, na situação em que se
encontrava, logo precisaria de uma nova cirurgia em outro ponto do
corpo.
— Isso não pode ser... – As palavras começavam a fazer
sentido para Melinda – Está me dizendo que Montserrat sabia que
iria morrer? Era como se ele já o estivesse planejando.
— A cirurgia seria um paliativo para as dores de cabeça. O
senhor Sinesi tinha desistido do tratamento por radioterapia há
algum tempo. Sabia que o tumor era inoperável e permitiu a cirurgia
como uma última tentativa. A sua partida foi uma forma de se livrar
de toda a dor que sentia.
— Meu Deus! E vocês todos sabiam disso? Sabiam de tudo e
não fizeram nada para impedir?! Eu o teria impedido.
— Senhora, legalmente, o senhor Montserrat Sinesi tinha
autonomia para tal fato. Não sendo casado, não tendo filhos, pais
vivos ou parentes. O Estado lhe garantia o direito de ser
responsável pelas próprias escolhas.
Melinda ainda parecia incrédula.
— A morte cerebral foidiagnosticada às dez horas e quarenta
e quatro minutos.
— Morte cerebral...
— Sim, senhora Price. Morte encefálica é a definição legal de
morte. É a completa e irreversível parada de todas as funções do
cérebro. Isto significa que, como resultado de severa agressão ou
ferimento grave na massa encefálica, o sangue que vem do corpo e
supre o cérebro é bloqueado e o cérebro morre.
— Como é possível ter tanta certeza?
— Senhora Price, os médicos conduziram os exames médicos
que dão o diagnóstico de morte encefálica. Neste caso, os testes
foram duas vezes realizados, com intervalo de diversas horas, para
assegurar um resultado exato. Possivelmente, seu ente querido
pode apresentar atividades ou reflexos espinhais, como um
movimento ou uma contração muscular. Reflexos espinhais são
causados por impulsos elétricos que permanecem na coluna
vertebral. Estes reflexossão possíveis,mesmo que o cérebro esteja
morto. Ele ainda está no ventilador, que será retirado em alguns
momentos.
— Eu não sei o que devo fazer... Eu... Eu não sei...
— Senhora, precisamos neste momento apenas que sejam
feitos os procedimentos para liberação do senhor Sinesi. A senhora
sente-se bem, precisa de um calmante?
— Não. – Melinda disse enxugando as lágrimas do rosto – Eu
não preciso de nada.
Melinda saiu da sala, não queria olhar a cara daquela mulher
que lhe dera a notícia com tamanha frieza. Sabia que não era sua
culpa, mas não conseguia deixar de culpar a todos daquele hospital.
Chamou Bernard.
— Está cuidando de tudo o que deve ser feito para liberação
do... – Melinda perguntou incapacitada de completar a frase.
— Sim, senhora Price. Já acionei os responsáveis.
Melinda não agradeceu em alta voz, apenas pousou a mão no
peito de Bernard num modo silencioso. Bernard entendeu o
agradecimento e não seguiu Melinda quando esta andou em direção
à sala reservada.
Melinda estava num estado onde não sabia como reagir. Seu
peito parecia vazio, parecia que seu corpo estava apenas flutuando
pelos corredores como se ela própria tivesse morrido e agora
assombrasse o hospital. Voltou para a sala onde suas coisas
estavam, pediria que alguém buscasse o envelope com a carta que
Montserrat tinha deixado.
A ideia de ler as palavras que o senhor Sinesi deixara
impressas no papel ainda não lhe parecia humanamente possível.
Melinda desabaria, desabaria fortemente e, desta vez, ninguém
estaria por perto para ajudá-la a se reerguer.
Ficou em silêncio, no quarto escuro. Vivendo, plenamente,
cada um dos tons de seu luto.
CAPÍTULO II

HAVIA UM PONTO DE ÔNIBUS NÃO muito longe do Kett


House, o prédio onde Julie comprara o apartamento. Lucine
precisava ver Hector, mas não queria incomodar Julie e acordá-la
para pedir uma carona, então usaria o ônibus para chegar ao The
Caldwell.
Vestiu-se o mais discretamente possível, pegou o cheque que
Hector lhe tinha dado e a chave que recebera. Saiu em silêncio e se
encaminhou ao apartamento de Hector.
Finalmente o veria sem reservas.
Hector já conhecia os segredos de Lucine. Lucine os dele.
Ninguém tinha a necessidade de se esconder do mundo ou deles
mesmos. Era quase um oásis de uma estranha felicidade em meio
ao turbulento deserto por onde passavam.
Os minutos e segundos pareciam estar cooperando e não
demorou muito para que chegasse ao local de destino. Quando
entrou no prédio, passando pelo hall, encaminhou-se diretamente ao
elevador.
As mãos tiveram que ser enxutas contra a roupa de tão
úmidas que estavam. Não era normal se sentir assim,
irremediavelmente atraída a ponto de os dedos terem que ser
apertadas contra as mãos para não tremerem nervosos.
Lucine pensou em meter a chave na fechadura, girar e entrar
de uma vez. Pegou a chave do bolso e a colocaria na fechadura,
mas se conteve. E se Hector tivesse visita? E se fosse alguém do
trabalho? Poderiam desconfiar do fato de Lucine entrar ali tão
livremente.
Tocou a campainha. Ninguém atendeu. Tocou outra vez.
A surpresa nos olhos dos dois foi de uma delicadeza e
intensidade que parecia infinita. Lucine esboçou um sorriso tímido,
apreciando a visão de Hector sem camisa. Hector, por sua vez,
apreciando cada mínimodetalhe do rosto de Lucine, com saudades;
se embebendo na presença dela, que voltava acendendo um calor
no coração.
— Eu senti tanto sua falta... – Hector puxou-a para dentro e
colou os lábios nos dela de uma só vez. Havia saudade do corpo,
saudades da alma, paixão e desespero mesclados no beijo.
Os lábios dos dois se encaixavam num ritmo perfeito. Hector
segurava o rosto dela entre as mãos. Temendo que Lucine
desaparecesse e que tudo fosse um sonho.
— Você está aqui... Você está realmente aqui... – Hector
sussurrou contra os lábios avermelhados de Lucine.
Lucine não conseguia falar, apenas aquiesceu e esperou que
também não estivesse no meio de algum sonho maluco. Sonho
onde Hector se apresentara devido à intensidade da falta que
sentia.
— Me perdoe... – Hector pediu – Eu nunca mais, enquanto
viver, vou permitir que qualquer coisa a tire do meu lado. Eu
sempre... – Hector a fez encará-lo aos olhos – Sempre vou estar ao
seu lado. Nós passaremos por isso juntos.
Hector envolveu os braços ao redor de Lucine. Ficaram algum
tempo assim, perdidos no abraço um do outro. Como se aquele
fosse o paraíso que os dois alcançariam ainda em solo firme.
— Como se sente? – Lucine perguntou enquanto os dedos
deslizavam pelas costas dele que, provavelmente, ainda estavam
marcadas.
— Isso é a menor das preocupações. Você é quem deve estar
bem. Eu passaria por tudo aquilo novamente e até mais apenas
para não a ver passar.
Lucine puxou o rosto de Hector e selaram outro beijo. O
professor parecia não ter dormido direito há alguns dias. Estava com
uma aparência cansada. A barba ligeiramente comprida, as olheiras
aumentavam o torpor. Aparência que desaparecia aos poucos.
Agora que estavam juntos, era como se estivessem renovados.
— Eu preciso de você, Lucine... – Hector sussurrou contra os
lábios dela – Eu sou um fodido filho da mãe, mas preciso de você
comigo.
— Eu estou aqui... – Lucine conseguiu articular frente a
tamanho desespero.
Hector fechou a porta do apartamento e voltou-se para sua
Lucine. Com cuidado, começou a retirar o vestido que Lucine usava.
Segurou as pontas do vestido e começou a puxá-lo para cima.
Lucine ergueu os braços para que Hector o retirasse, deixando-se
ficar apenas de calcinha.
Hector beijou Lucine por toda extensão do pescoço, e
começou a abaixar-se para alcançar os seios delicados. Alternando
as chupadas com mordidas, primeiro num e depois no outro.
Sentindo os mamilos endurecendo sob a carícia. A pele delicada e
deliciosamente macia de tocar arrepiava-se pelo toque indiscreto.
Hector aproveitou isso para massagear um dos seios enquanto
sugava o outro.
Lucine arfava, sentindo a carícia numa intensidade elevada
devido à falta. Hector desceu com os beijos pela barriga de Lucine,
calmamente, até chegar à calcinha. Lucine sentiu a respiração
quente contra o tecido fino da calcinha. Hector beijou-a sobre o
tecido, mordendo levemente o monte de Vênus.
Lucine imaginava o que Hector queria. Como não tinha onde
se apoiar, enlaçou as mãos no cabelo dele, para ajudar a coordenar
o movimento.
Hector chegou o tecido da calcinha para o lado, desferiu dois
tapinhas no clitóris de Lucine, seguido por uma lambida. Lucine era
deliciosa, perfeita e quente para sua língua. Hector segurou Lucine
pela cintura e a fezabrir um pouco mais as pernas, para que tivesse
mais acesso.
Aquilo era uma tortura doce à qual Lucine não se importaria
de submeter-se várias vezes. Ele a estava apenas provocando para
satisfazê-la em seguida.
Hector afundou-se mais, movendo Lucine um pouco mais
distante, para que se recostasse contra a parede. Precisava tomar
todo a excitação dela para si, precisava tomar cada gota, chupou-a
mais avidamente.
Lucine sentiu-se derreter contra a boca dele, tocada pela
caríciaíntima.Aquilo era o céu e o infernoao mesmo tempo. Hector
não parou até que a sensação estivesse a ponto de fazê-la delirar.
Hector levantou-se e beijou Lucine na boca. Ainda faminto,
querendo-a como se precisasse dela para viver. Ele a pegou pelas
pernas, enlaçando-as ao redor de si e encostou-a contra a parede.
Seu membro ereto, lustroso pela própria excitação, implorava para
estar dentro de Lucine.
Hector entrou em Lucine com vontade, mostrando a
intensidade do próprio desejo. Lucine sentia-se esmagar contra a
parede, tamanha era a fome de Hector.
— Porra, você é muito gosto... – Hector mal terminou a
palavra de tão bom que era foder a boceta apertada e molhada de
Lucine.
As mãos de Hector separavam as coxas de Lucine no máximo
possível. Hector investiu com mais força.
— Sua boceta vai me enlouquecer apertando meu pau desse
jeito – Hector sorriu de um modo que fez Lucine sentir-se ainda mais
desejada.
Hector segurou-a com uma das mãos, ajudando-a a cavalgar.
Enquanto a outra se apoiava na parede.
A fricção e a sensação de sentir-se esmagado a cada vez que
metia mais fundo em Lucine, arrastou-o para perto do orgasmo.
Hector se concentrou, continuou movendo-se certeiro, de modo que
ao enfiar seu pênis ereto, aumentasse a fricção contra o clitóris
pequeno e rosado de Lucine.
Logo, Lucine brilhava com algumas gotículas de suor
derramando. Lucine estava perto do prazer, Hector também.
Quando Lucine fechou os olhos e gemeu de uma forma
deliciosamente sedutora, Hector sabia que tinha feito seu serviço e
derramou-se dentro dela com vontade. Dando duas últimas fortes
estocadas que liberaram gritos abafados de Lucine.
— Você é encrenca, Lucine. Cada vez que eu te como sinto
isso mais forte. É quase inacreditável que seja tão gostosa... –
Hector sussurrou ainda dentro dela – Essa sua boca... – mordeu o
lábio inferiordela com um pouquinho demais de vontade – Esse seu
corpo... – Sussurrou olhando para o corpo dela – Mal vejo a hora de
te provar outra e outra vez.
— Você não fica muito atrás, professor
.
Hector deu um sorriso e colocou Lucine no chão. Lucine iria
vestir-se, mas Hector a impediu.
— O que? – A garota perguntou com um riso no rosto.
— Banho. – Hector sussurrou baixinho – Eu vou te fazer gozar
mais uma vez na minha boca... – Hector pegou a bunda de Lucine e
puxou-a contra si – Depois eu vou comer essa bunda que me
provoca desde que a vi.
Lucine correu, sorrindo, em direção ao quarto. Fugindo, mas
sem muita vontade de escapar do que viria.
CAPÍTULO III

MONTSERRAT AMARA MELINDA VERDADEIRAMENTE.


Um amor disposto ao sacrifíciode manter-se distante, apenas para
que não a fizesse sofrer e ser consumida por sua doença. Agora
que Melinda entendeu o motivo para que Montserrat tenha se
mantido afastado, lamentava não ter aproveitado os últimos
instantes que teve ao lado dele proporcionando-lhe pequenas
felicidades. Conversando, sorrindo.
A urna com as cinzas de Montserrat estava no mausoléu da
família,na parte final da propriedade italiana, onde quase ninguém
tinha acesso, ao lado das urnas dos pais e do irmão de Montserrat.
Toda a famíliaSinesi acabara ali, sem nenhum parente de sangue
para lhe dar continuidade.
A dor pungente ainda não permitia que Melinda se
acostumasse com a ideia de que não veria mais o sorriso de
Montserrat.
Melinda sentou-se na cama, da qual não tinha levantado
desde o velório, e pegou a bolsa que continha a carta que o senhor
Sinesi tinha endereçado a ela. Resolveu lê-la, era hora de saber do
que tudo aquilo se tratava. Rasgou o envelope, no começo do texto,
nada queria fazer muito sentido. Havia algumas fotos de Thor
reunido com amigos, algumas dele na rua, andando tranquilamente,
depois, todavia, o teor das fotos começou a piorar.
Thor segurava uma menina, anos mais nova, pelo braço numa
rua movimentada e desconhecida, a foto era recente, pois só
recentemente Thor passara a não tirar a barba. Noutra foto, com
uma menina diferente, Thor abraçava a jovem numa pose que
denotava intimidade.
“Não deve ser nada anormal” Melinda tentava se convencer
“seriam amigos?”, perguntava, sabendo que não era amizade que
estava sendo mostrado.
As fotos seguintes conseguiam ser ainda piores. Thor estava
aos beijos com outra moça, e esta tinha um rosto conhecido.
Melinda, porém, não se lembrava onde a viu antes. Seu marido e a
menina estavam juntos em diversas fotos. Não uma, não duas, mas
quase uma dezena delas. Uma das fotos mostrava essa mesma
menina entrando na casa de Melinda, provavelmente num dos dias
em que a esposa estava longe de casa e Thor podia se comportar
como bem quisesse.
Melinda lançou as fotospara longe de si, numa tentativa vã de
apagar o seu conteúdo de sua mente, não conseguiu. Aquilo a tinha
marcado profundamente. A dor era multiplicada, já que sentia ainda
a perda de Montserrat. Agora percebia, mesmo sem querer, que
tinha escolhido o homem errado para depositar seu afeto.
Quem sabe poderia ter tido outra história, uma história com
Montserrat, mesmo que fosse uma história breve. Mas não,
escolheu Thor, o egoísmo e a falta de perdão. Agora, sua história
findava com aquelas páginas com testemunhos das repetidas
traições de seu marido ausente.
A carta escrita com a letra galante de Montserrat foia próxima
coisa que leu:

Doce Melinda,

Espero que lendo estas palavras, consiga perdoar seu tolo


amigo por não ter sido verdadeiro. Tive um comportamento
extremamente grosseiro ao fazê-lo, mas sentia que esta era minha
obrigação. Desde o dia que me pediu informações sobre aquela
estranha joia presente nas fotos que me deu, eu conhecia tudo o
que as envolvia.
Muito antes daquele dia, não tive mais um minuto de paz,
sempre preocupado com seu bem-estar e segurança. Por isso,
paguei seguranças para trabalharem, disfarçadamente, buscando
protegê-la. Soa grosseiro, mas garanto que os fins justificaram os
meios (Tenho que me desculpar constantemente, nunca sei o que a
poderá ofender).
Pois bem, não posso passar todas as informações.Não posso
contar detalhes que a poriam em risco, não quando sinto que não
estarei presente para confortá-la, por isso, contarei superficialmente
o que sempre soube.
Thor Price está envolvido numa rede de criminosos. Uma
espécie de máfiada prostituição. Como sabemos, a prostituição não
é crime no país onde você vive, desde que feitapor livre vontade. O
que não é o caso das moças que estão acompanhando seu marido
em diversas fotos.
Estas moças nas fotos são coagidas a se prostituir em busca
de benefício financeiro. Nada anormal é o que parece. Ao tentar
sair, a história muda completamente. As moças são chantageadas e
obrigadas a permanecer, sob a desculpa de terem contraído dívidas
de quantias quase incalculáveis. Eu mesmo já paguei a dívida de
algumas, indiretamente, durante esta busca por mais informações.
Melinda, você se casou com um mau sujeito. Um homem que
não merece nem mesmo ser chamado de homem, um homem que
não merece a esposa que tem. O senhor Price não a respeitou em
quase nenhum momento do seu casamento.
Posso dizer sem receios, você é uma das pessoas mais
virtuosas e boas que conheci na vida, se não for a mais virtuosa
delas. Para seu bem, para sua integridade, já que não estarei mais
aí para protegê-la, não compartilhe mais nenhum momento de sua
vida com este ser medonho.
Fique em minha casa por quanto tempo precisar. Bernard
poderá atendê-la no que quiser. Chame meu advogado para ajudá-
la num eventual processo de separação. Por favor, não se permita
sofrer por alguém que não a merece.
No verso das fotos estão as datas e as cidades em que estas
foram tiradas, além do nome das acompanhantes que estavam com
seu marido, em breve, eu espero, ex-marido.
Ainda iremos nos encontrar, nesta vida ou na próxima.
Montserrat

Melinda leu os relatórios, as datas nas fotos, o nome de mais


de uma dúzia de meninas diferentes. Não tinha mais desculpas,
precisava tomar uma decisão. Sentia raiva de si mesma por ter sido
tão tola a ponto de respeitar um voto que para seu marido nunca
existiu.
Pegou o aparelho telefônico e ligou para Thor. Como por
milagre e sinal, Thor Price atendeu a ligação.
— Melinda, que bom que ligou. Senti sua falta, me sinto só.
— Muito engraçado dizer isso, Thor. Especialmente agora que
sei que solidão é algo que nunca sentiu completamente.
— Melinda, do que está falando? O que houve? –Thor
perguntou realmente surpreso. Nunca imaginaria que Melinda
pudesse suspeitar de qualquer coisa.
— Thor, não quero discutir. Liguei apenas para informar algo
que sinto que deve saber. Se eu conseguir, ainda hoje, entrarei com
o pedido de divórcio.
Do outro lado da linha, Thor ficou calado por um instante.
Como se estivesse tentando encontrar uma conexão para aquelas
palavras. Não queria acreditar no que acabara de ouvir.
— Você só pode estar brincando. – Thor sorriu e continuou –
Até cheguei a acreditar por algum tempo.
— Não sorria, Thor. Não há nenhuma piada no que digo. Bom,
talvez a piada tenha sido eu por muito tempo. Eu que acreditei nos
votos malfeitos que fez no nosso casamento, na nossa cama.
— Melinda...
— Eu ainda não terminei de falar. Então, cale-se. – Melinda
respirou fundo – Como pode, Thor? Como pode jogar pela janela
anos de uma vida compartilhada? Um casamento! Como pode
desperdiçar um casamento?
— Eu não sei do que está falando, Melinda. Aposto que seu
chefe deve ter enchido sua cabeça de merdas. Sua vagabunda,
você está fodendo a porcaria do seu chefe pelas minhas costas?
Está me deixando para ficar com ele, não é?
Melinda não ficaria em silêncio diante das ofensas do marido,
mas também não se rebaixaria ao nível dele.
— Você foi infiel, Thor. Nós tínhamos um contrato.
Pertencíamosum ao outro, você estragou tudo. Eu quero o divórcio.
Não vou tolerar mais suas infidelidades.
— Do que está falando? – Thor perguntou surpreso. Nunca
imaginava que Melinda pudesse descobrir alguma coisa, pior,
ansiava por saber o que mais sua esposa descobrira.
— Eu tenho provas de sua infidelidade. Pelo visto, você gosta
das garotas novas.
— Você enlouqueceu, Melinda. Volte para casa, iremos falar
sobre isso.
— Eu não vou mais voltar, Thor. Eu nem mesmo tenho um lar
para voltar, tudo sempre foi uma grande mentira. Você nunca me
ouviu, nunca quis saber das minhas vontades e anseios. Eu sempre
odiei o frio,você quem quis morar aí,provavelmente para ficarperto
das suas amantes. Eu só queria que você olhasse para mim como
olhava para elas naquelas fotos. Parecia até apaixonado. Você... –
Melinda respirou fundo – você minou toda a confiança que eu tinha
em mim mesma. Eu nem mesmo me achava mais atraente aos
olhos de qualquer homem. Sempre era a louca enquanto você
mentia e negava estar fazendo exatamente o que fazia.
— Melinda, volte para a porra da nossa casa e vamos
conversar. Essa merda não vai acabar assim.
— Bem se vê, pelo nível das palavras, que apreço tinha para
com o lar que tentei construir. – Falou determinada - Isso é um
adeus. Eu pedirei que alguém busque meu material de trabalho.
Espero que colabore para que tudo se resolva o mais depressa
possível.
— Melinda, não desliga a droga...
Melinda ainda o ouviu gritar, mas não suportava nem mesmo
ouvir a voz de seu marido pelo telefone. Jamais toleraria ser
machucada como foi outra vez. Thor Price seria parte do passado.
Melinda não seria mais uma tola que acredita em toda sorte
de mentiras, mesmo que pareçam verdadeiras. Pagou um alto preço
por ter aberto mão do amor de uma vida por causa de uma mentira
perfeita.
CAPÍTULO IV

O PRÉDIO DE PEDRAS ANTIGAS CONTINUAVA com seu ar


gótico perpendicular, como a Catedral de Bath. Até os jardins que
davam acesso a partes do Trinity College pareciam tristes nos dias
anteriores e, hoje, conseguiam alcançar alguma graça. Talvez a
estátua de Isaac Newton também estivesse sorrindo dentro da
capela.
Antes de voltar ao trabalho, depois de um afastamento
voluntário sem remuneração, Hector precisava assinar os
documentos para atestar que já estava à disposição da
Universidade outra vez. Procedimento de rotina, nada tinha de
anormal.
Hector não sabia, ao certo, por que aquele dia parecia
perfeito, mas sabia bem quem o tinha feito. Cada boa impressão
que tinha do dia, parecia mais e mais com as impressões que
Lucine deixara em sua alma.
Lucine era como um fôlego de vida. A garota conseguia ser
perspicaz e inocente, boa e má ao mesmo tempo, conforme as
mãos lhe moldavam. Era como se sua aluna beijasse as feridasque
ela mesma tinha causado todo o tempo, e esse efeito consegue ser
devastador para um homem.
O interesse do homem vai muito além do físico,apesar de
quase nenhuma mulher acreditar nisso, e para Hector era assim.
Lucine tinha uma língua inteligente e impertinente que conseguia ser
maravilhosa quando em contato com a sua. Esse jogo de dar e
tomar de volta é um dos fatores que mais tornava aquilo
interessante.
Hector não queria confessar a si mesmo, parecia loucura, mas
tinha certeza que o sentimento ultrapassara as barreiras da
sanidade há algum tempo. Já não era uma paixão egoísta,
ciumenta, louca. Era algo além. Hector sentia que se precisasse dar
a vida por Lucine, o faria sem pestanejar.
Hector atravessou algumas das pontes que ligavam os
prédios das faculdades de Cambridge para assinar os papéis com a
coordenação-geral dos docentes da universidade. Por coincidência
ou não, era o mesmo prédio onde Thor trabalhava. O bom humor
que ainda conservava depois da noite maravilhosa que passara com
a senhorita Fester o incitou a fazer uma visita ao amigo.
— Doutor Lujak, – Hector se apresentou a uma das senhoras
que trabalhavam na recepção dos departamentos – preciso falar
com o doutor Price. Sabe dizer se ele está livre para atender um
amigo?
— Sim, senhor. – A mulher respondeu sem erguer os olhos do
papel que lia – Última sala do corredor à esquerda.
Hector agradeceu e andou pelo caminho indicado sem
vontade até chegar à última sala à esquerda. Bateu à porta e ouviu
um “pode entrar” irritado, do lado de dentro.
— Bom dia, Thor, – Hector abriu a porta devagar – está tudo
bem?
Thor ergueu a vista e acenou com a cabeça afirmativamente.
Hector não era burro, era óbvio que o amigo não estava bem. A
mesa dele era uma bagunça de papeis empilhados, as cortinas da
sala fechadas num dia ensolarado e a veia da fronte da testa
dilatada, tudo era sinal de alguma perturbação.
— Você não parece bem. – Hector disse – Se não for uma
boa hora... – Hector intentou pegar a pasta que tinha deixado numa
cadeira antes de se sentar.
— Você pode ficar. Eu não estou bem. – Thor começou a falar
– Melinda pediu divórcio.
Hector sentou-se, finalmente,incrédulo. Não sabia o que falar,
não tinha tato suficiente para uma situação dessas. Esta situação o
fazia lembrar-se do seu passado, só agora menos dolorido.
— Vocês dois pareciam tão bem, eu não entendo... – Hector
conseguiu finalmente articular.
Thor coçou a cabeça, de maneira irritada, esfregou as mãos
no rosto em sinal de um cansaço mental e físico.
— Eu achei que estava tudo bem. Melinda viajou a trabalho,
foi à Itália. Eu não sei o que aconteceu. Ontem Melinda ligou
dizendo que queria o divórcio. Aposto que a vagabunda devia estar
dormindo com aquele maldito.
— Thor, controle-se. Pode se arrepender do que está
insinuando mais tarde. Melinda, pelo pouco que conheço, não
parece o tipo de pessoa que cometeria tal ato. Ela sempre me
pareceu respeitosa demais para se atrever a tanto; desculpe-me.
— Então o que aconteceu, porra? – Thor bateu na mesa,
irritado – O que pode ter acontecido para isso? – Perguntava,
negava, mas sabia bem o motivo. E, justamente por conhecê-lo,
sabia que Melinda estava certa em se divorciar. Ela tinha razão em
ter raiva, tinha razão em tudo – Melinda é apenas uma meretriz que
cometi o erro de colocar dentro da minha casa.
— Não diga isso, Thor. Melinda, você querendo ou não, tem o
direito de terminar um relacionamento se não estiver feliz. Maldizê-la
não te faráse sentir melhor. E usando um vocabulário simplório, não
se xinga o jacaré antes de atravessar o rio.
— Acontece que nesse rio – Thor levantou-se falando ao
mesmo tempo irado e irônico – não tinha jacaré, tinha cobra. E
Melinda talvez seja a rainha delas! – Thor jogou uma pilha de papeis
de sobre a mesa no chão.
Não sabendo exatamente como ajudar, ou o que fazer, Hector
levantou-se e pegou os papeis que Thor tinha jogado ao chão.
Começou a empilhá-los para guardá-los. Não fazia sentido quebrar
as coisas quando se estava buscando o conserto de outra.
— Se quiser xingá-la, faça de modo que não se arrependa
depois. Eu tenho quase certeza que Melinda não deve estar tão
errada. – Hector levantou-se com a pilha de papel organizada – Dê-
lhe algum tempo, Melinda pensará melhor, e se for o melhor,
voltará...
A frase morreu na boca.
Thor estava de costas, mas ouviu quando Hector abriu a
gaveta da mesa de trabalho para guardar os papéis. Thor
praticamente ouviu o silêncio tornando-se ensurdecedor. Hector
ficou mudo, num primeiro momento, em seguida, jogou outra vez a
pilha de papéis no chão.
Uma caixinha, preta com uma inscrição dourada, estava na
gaveta. À vista, entre os outros objetos perdidos. Hector não quis
acreditar num primeiro momento, pegou a caixinha, abrindo-a de
uma só vez, para poder vislumbrar seu conteúdo.
— Eu me recuso a acreditar... – Hector reclamou baixo.
Dentro da caixinha preta, estranhamente idêntica à que o
próprio Hector tinha ganhado alguns meses atrás, descansava um
anel masculino. A joia parecia o anel de antigos reis. O ouro
amarelo tinha inscrições em latim por dentro, a frase era a mesma
do anel que cintilava em seu dedo “Fiat Lux”, faça-se a luz. O rubi
em lapidação quadrada reluziu acusatoriamente.
— Você sabia de tudo... Foi você... – Hector pegou o anel
entre os dedos – foi você quem fez isso comigo. Foi você quem me
meteu nisso tudo... – Soou como uma pergunta, mas era uma
afirmação acusatória.
— Eu não sei do que está falando. – Thor falou depois de virar
de frente para Hector.
— Como não sabe do que estou falando, filho da puta! –
Hector irou-se, deu a volta na mesa, empurrando Thor contra a
parede – Foi você o culpado por transformarminha vida num inferno
e quer fingir que não sabe? – Ele pegou Thor pela camisa e
empurrou-o mais forte contra a parede – Como pode fazer isso
comigo? Eu sempre fui seu amigo, miserável!
Thor não teve tempo de desviar do soco que Hector lhe
desferiu.Thor empurrou Hector para impedi-lo de esmagar sua boca
com um punho cerrado uma segunda vez.
— Você acabou com a minha vida. Você me colocou nesse
seu mundo de merda. O que pensou que aconteceria? Achou que
eu iria gostar da depravação a qual está acostumado? Achou que
iriamos conversar feito adolescentes sobre nossas conquistas? –
Hector gritou – Você consegue ser pior do que qualquer pessoa que
conheço. Você merece que Melinda tenha outro, merece que ela te
deixe. Agora faz todo sentido a pobre mulher ter te abandonado.
Melinda descobriu, não foi?
— Eu não sei do que está falando, eu já disse. – Thor gritou
de volta.
— Não minta mais para mim, seu desgraçado. – Hector gritou
ainda mais alto – Não minta mais para sua ex-mulher, não minta
mais para si mesmo.
Hector jogou o anel na pilha de papeis que estava no chão,
abriu e fechou a mão por algum tempo, para aliviar a dor.
— Você merece isso. Merece tudo que está acontecendo
contigo. Merece viver e morrer sozinho, sem ninguém. Porque
nunca foi meu amigo – Hector pegou a mala que tinha deixado na
cadeira para sair do local. Abriu a porta, uma dúzia de pessoas
estava do lado de fora ouvindo a briga. Hector virou para Thor e
ainda deu um último recado.
— Não ouse cruzar meu caminho outra vez. Da próxima vez,
estarei armado.
CAPÍTULO V

— EU NÃO ACREDITO... NÃO, NÃO... – Lucine reclamava


ainda na escuridão enquanto lia a mensagem de convocação na tela
do celular.
A pobre garota não tivera descanso desta vez. Estava sendo
chamada para uma nova sessão mesmo que tenha participado de
uma há pouquíssimos dias. Sentia-se destruída, humilhada. Essa
falta de posse sobre o próprio corpo conseguiria deixar alguém
louco. Talvez já estivesse começando a sentir-se assim.
Lucine não queria ir, não queria os lábios que Hector tinha
purificado com seus beijos, nem o corpo incensado por desejos
puros. Fantasiou com uma negação, mas não era tola, sabia que
não tinha escolha.
O apartamento de Hector estava vazio. Hector a tinha avisado
que tornaria ao trabalho, depois da licença que pedira, que sairia
bem cedo para apresentar-se no departamento. Provavelmente
saíra antes de Lucine acordar. Lembrava-se de leve de um beijo na
testa, mas estava sonolenta demais para saber se tinha acontecido
mesmo ou não. Melhor assim, de outra forma, Hector teria
presenciado o desespero de Lucine.
Lucine se levantou e vestiu-se, ainda aspirou o cheiro
másculo que Hector tinha deixado nos lençóis e lamentou por não
poder estar ali quando seu professor voltasse.
Procurou um pedaço de papel para deixar recado, já que não
tinha levado seu aparelho celular pessoal e ligar, para dar um
recado, com o que a Ordem se comunicava seria perigoso para os
dois. Encontrou um bloco de notas e uma caneta numa escrivaninha
na sala. Anotou o recado.

Tudo é maravilhoso quando estou com você. Sinto que


preciso de você a cada dia mais. Apenas de você. Eu sinto que fui
sua desde o princípio.
Eu fui chamada para uma sessão. Você não sabe como dói
ter que ir e deixá-lo aqui, mas preciso fazê-lo.Você precisa entender
meus motivos. O que aqueles homens amam é um corpo sem alma
porque a minha te pertence. Eu amo você, só você.
Eu não ficarei com o seu presente, eu não posso, pois sou
sua enquanto quiser, sem nenhum preço e sem nenhuma reserva.
Você não é rico, Hector. Não gaste todo o seu dinheiro comigo, eu
não valho tudo isso.
Eu não sei como vou estar depois de hoje, talvez eu fique
longe por uns dias. Aqui está meu endereço, eu não tive a
oportunidade de te dar antes.
Lucine.

Lucine Fester saiu do local deixando o cheque e o recado


debaixo de um peso de papel. Trancou a porta com a chave que
tinha ganhado, seu objeto mais valioso. Tomou um táxi em direção
ao The Varsity.
— Wilhelm, – Lucine falou assim que a ligação que fez a
caminho do hotel foi atendida – preciso de atendimento hoje. Os
mesmos serviços do sábado passado. – Lucine agradeceu depois
que a reserva foi confirmada e desligou. Depois disso, ligou para
Julie.
— Alô... – A garota atendeu ao telefone com uma voz
sonolenta.
— Julie, é Lucine.
— Você não vem para casa há dias, está tudo bem?
— Sim, está sim. Fui chamada para uma sessão. Eu não terei
tempo de buscar meu material no apartamento, será que você pode
mandar minha vestimenta por um mensageiro para o spa? Por favor.
— Claro, – Julie respondeu – quer mais alguma coisa?
— Eu queria que levasse roupas para o Royal, amanhã ainda.
Se puder e se sentir melhor.
— Sim, me sinto bem melhor. Poderei ir, com certeza.
— Obrigada.
— Lucine – Julie chamou antes que aquela desligasse.
— Sim...
— Vai ficar tudo bem, eu estou aqui, por você, sempre que
precisar.
— Eu sei... Estou com medo.
— Não tenha. Seja corajosa como tem sido. Não os deixe
pensar que podem intimidá-la. Amanhã eu cuidarei de você.
— Obrigada, outra vez. Preciso desligar, reservei um espaço
com o Wilhelm. Você vem?
— Não. Eu não recebi nenhuma mensagem sobre uma
possível sessão.
— Nem para cuidar de mim? – Lucine perguntou.
— Nem para cuidar de você. Como eu disse, já perderam o
interesse em mim faz algum tempo.
— Tudo vai ficar bem. – Foi a vez de Lucine consolar Julie.
— Espero que sim. Agora vá, – Julie desconversou – eu
estava no meio de um ótimo sonho.
Lucine encerrou a ligação e saiu do prédio. Deixando a
saudade de Hector atrás da porta. Era hora de encarnar a
personagem.

Na hora marcada, nenhum segundo a mais, Christian chegou


ao local marcado. A cobertura de um hotel. Ninguém era
testemunha, até mesmo as câmeras do circuito interno de
segurança do andar tinham sido desligadas. Tudo mediante uma
imensa bonificação para os funcionários da segurança. Depois,
Christian daria um jeito de silenciá-los definitivamente.
Perdido em pensamentos, tomando uma dose de uísque sem
gelo, o primeiro-governador observava a cidade noturna. Uma
névoa cobria o local, mesmo com o calor que tinha feito durante o
dia, e dava um aspecto assustador às ruas.
Aisha, sua irmã, estava atrasada como sempre. Conhecia-a
bem e sabia que ela adorava as entradas triunfais. Gostava que
todos a olhassem com admiração quando entrasse num lugar,
mesmo que para isso precisasse desmembrar a pontualidade
britânica.
Naquela noite, Lucine seria dele. Ninguém mais teria poder
suficiente para tocá-la, para sequer olhá-la sem sua permissão.
Christian a teria e a faria apaixonar-se como nunca antes Lucine o
fora por qualquer outro homem.
“Lucine poderia facilmente pagar as contas como modelo,
nunca precisaria entrar na Ordem” pensava “ela é linda e atraente,
qualquer um lhe abriria as portas em menos de um minuto”.
Depois da detalhada pesquisa que leu dos antecedentes de
Lucine, percebeu que a garota não passava de uma jovem do
interior. Inteligente para os padrões sociais, mas que pouco
conhecia da vida e da maldade humana. Isca fácil para a Ordem
Escarlate. Fácil demais até.
O som de sapatos no piso de mármore do corredor ecoou
pelo espaço vazio. Christian ouviu batidas na madeira da porta e
apressou-se para abri-la.
— Boa noite, querida irmãzinha.
— Não seja tosco, Christian. – Aisha ignorou a provocação e
entrou no apartamento carregando uma pasta prateada. Elegante
como sempre, usava uma saia preta até os joelhos e blusa cavada.
– Está linda esta noite. – Christian ergueu o copo para fingir
um brinde.
— Pare com isso, já disse que detesto esse tipo de
brincadeiras. Acho até que as faz apenas porque sabe que me
irritam. Onde está sua pasta?
Christian Navarro acenou com a cabeça em direção à mesa
de centro da sala. Sobre o móvel repousava uma pasta semelhante
à que Aisha tinha levado. Porém, recheada de notas.
— Quanto trouxe? – Aisha perguntou.
— Exatamente o que combinamos.
— Perfeito. Assim que a comprar, leve-a imediatamente para
longe daqui. Não quero que o Magister tenha tempo para pensar
numa desculpa e invalide a transação.
— Tenho certeza que o Magister não poderá transpor os
obstáculos.
— Eu conto com isso.
— Eu nunca a decepcionei antes, Aisha. Levando em
consideração que Lucine é meu prêmio, eu não pretendo começar
agora.
Christian pegou a pasta de sobre a mesa de centro, depois a
que Aisha tinha nas mãos, deu um beijo na testa da irmã antes de
sair. Caminhou com um sorriso crescente em seu rosto e uma
alegria indizível. Sabia que, em pouco tempo, seria o dono de
Lucine Fester.

Hector pediu autorização para ter acesso ao local ainda


desconhecido para ele. Assim que recebeu, subiu ao andar onde
ficava o apartamento de Julie e Lucine. Esperou que abrissem a
porta por um tempo.
Quando voltou para casa, após assinar o termo no
departamento e discutir com Thor, pensou que teria todo o final de
semana para gastar com Lucine. A garota, no entanto, não estava
lá.
Claro que viu o bilhete que a senhorita Fester tinha deixado
sobre a escrivaninha, mas as palavras pareceram frias demais nas
partes em que ela salientava que nunca poderia comprá-la. Hector
queria procurá-la, explicar que daria até o último centavo que
tivesse para possuí-la, mas não sabia por onde começar. Resolveu
procurar primeiro no endereço que Lucine tinha anotado no bloco de
notas.
— Oi... – Julie abriu a porta e surpreendeu-se com quem
estava por trás dela – Hector? Digo... ProfessorLujak – corrigiu-se –
o que faz aqui?
— Lucine, onde ela está? – Hector entrou no apartamento
pequeno vasculhando-o com o olhar.
— Como pôde ver com seus próprios olhos, – Julie disse
depois de fechar a porta – ela não está aqui, mas não se preocupa
com ter entrado em meu apartamento sem minha autorização, o
senhor é bem-vindo.
— Desculpe-me, senhorita Aston. – Hector corrigiu-se
encabulado pelo comportamento vergonhoso – Achei que a
encontraria aqui antes de...
— O senhor não a encontrará. – Julie andou em direção à
sala de estar e apontou o sofá,convidando-o para sentar-se – Sabe
que ela tem sessão, estou errada? – Julie olhou para Hector, este
não negou – Pois bem, antes da sessão, somos levadas até um
local reservado, onde tratam nosso corpo para que estejamos
impecáveis no momento da apresentação.
— Onde?
Julie preferiu não falar, não queria que Hector fosse até
aquele local e arrancasse Lucine de lá a força, o homem precisava
acalmar-se para não foder com todos os planos já articulados.
— Não sei. Sempre mudam o local. Lucine não me avisou
onde estaria, mas não a culpo, eu aproveitaria bastante os
tratamentos e esqueceria o mundo. Aposto que Lucine está fazendo
isso.
Hector observava Julie falando da situação da amiga como se
falassedo alfabeto.Como se aquilo não fosseum grande problema.
Julie levantou-se, saltitante, pegou uma garrafa de vinho do armário
da cozinha e a abriu, colocando vinho tinto num copo de vidro.
— Eu ainda não tenho taças. – Julie explicou – Aceita um
pouco de vinho?
Hector não devia, mas aceitou. Julie serviu um copo quase
cheio para Hector, quando foi lhe entregar a bebida, forçou o contato
para parecer desastrada e derramou um pouco do líquido vermelho
sobre ambos.
— Me desculpe, professor. Eu não sei o que houve.
Provavelmente já estou tonta pelo excesso que tomei há pouco.
— Você é jovem demais para tornar-se uma alcoólatra. –
Hector apontou – Não deveria fazer isso.
— Eu tenho que fazer. Preciso aproveitar o tempo que tenho.
Hector observava a bagunça que sua calça jeans de lavagem
clara tinha se tornado. Uma mancha de vinho maltratava o azul do
tecido das coxas e um pouco da camisa.
— Se quiser pode tirar essa roupa suja. Há uma máquina e
uma secadora no banheiro, pode lavá-la.
— Não, eu estou bem. – Hector agradeceu quando Julie lhe
deu algumas toalhas de papel.
— Eu acho que não beberei mais isso... – Hector disse.
— Ah, mas por que, professor? Porque não comemora
comigo. Não parece, mas esse vinho é caro.
— Vinhos caros são feitos para ocasiões especiais. Esta não
é uma delas.
— É sim, professor Lujak. Já que quer um motivo para beber,
eu lhe darei um dos bons. Beba comigo agora, um vinho bom igual a
esse o senhor só poderá tomar após o meu velório.
— Do que está falando, menina? – Hector perguntou para a
garota que estava com os olhos estranhamente avermelhados –
Está bêbada?
— Sim, sim, estou bêbada, – Julie disse – mas estou
totalmente consciente. É uma forma de amenizar a vida.
Hector sentou-se no sofá pequeno, enxugando as manchas
de vinho da melhor forma que podia. Julie sentou-se no sofá, ao
lado de Hector, e colocou as pernas sobre o colo dele. Deitando-se
com a cabeça no apoio do sofá. O short leve que usava subiu um
pouco, revelando mais da pele bronzeada das pernas.
— Já saiu nos jornais há alguns dias. Uma amiga minha, que
também era da Ordem, foi morta. Bom, os jornais dizem que
Miranda se suicidou, mas não acredite. Ela era bem medrosa para
isso. É só questão de tempo. Em breve, a coluna de obituário trará o
meu nome.
— Por que está dizendo isso?
— Porque é a verdade, professor. A Ordem não me chama
mais. Já estou me formando no final deste período. Eu nem sei
como ainda não morri! – Julie suspirou – Eu disse, professor, as
pulcras podem ser compradas para serem livres desse pesadelo
nefasto, eu não fui. Para a Ordem é melhor uma jovem morta e
calada, do que viva pondo em risco tantos segredos.
Hector não tinha palavras.
— Sabe o que é mais engraçado? – Julie continuou – Eu
tenho a porra do dinheiro para sair. Tenho dinheiro suficiente para
me comprar, tenho o suficiente para viver até o final da minha vida,
cada centavo que eles precisam e, ao mesmo tempo, não tenho
nada. Sabe por que, professor Lujak? Porque não tenho quem me
compre.
Hector viu-se preso num dilema. Não tinha o que fazer, não
podia ajudar, e nem sabia como ajudar. Não quando tudo o que
tinha na mente era um plano para tentar salvar Lucine.
Lucine, ela sim, preenchia todos os espaços em sua mente,
não deixando espaço para que ocupasse os pensamentos com mais
ninguém.
CAPÍTULO VI

NÃO EXISTIA UM MEIO DE TORNAR o martírio menos


sofrível. Não havia como se beliscar, acordar do pesadelo e
perceber que tudo tinha sido uma mentira e que ainda se estava em
casa acordando com o cheiro delicioso do café dos pais.
Não, não havia.
Sempre que Lucine estava por trás daquelas cortinas sentia-
se sufocar lentamente pela ansiedade que a acometia. Sentia um
aperto no peito, uma agonia que não se explicava e que causava
um zumbido nos ouvidos. Sua pulsação acelerava e desacelerava,
num momento estava fria, no outro já suava.
A capa pesada cobria o corpo da jovem. Sob o tecido, um
vestido colante feito de uma renda transparente que ia do pescoço
até os pés. O tecido transparente não tinha intenção nenhuma de
ocultar o corpo, na verdade, era apenas uma forma de acentuar as
curvas expostas. Qualquer um poderia ver depois que a capa e o
lenço, que ainda cobria o rosto fossem tirados, o corpo de Lucine
nu, sob a camada de renda, diante da multidão. O colar, em seu tom
sanguinolento e prateado, o destaque da produção.
A voz distorcida do Magister chamou a próxima Pulcra da
noite. Esta seria Lucine, a próxima a apresentar-se diante de todos.
Lucine deu os mesmos passos que dava as mesmas vezes até o
lugar marcado no centro do palco. Se alguém estivesse perto o
suficiente, poderia ouvir a respiração arquejante de medo.
Ser apresentada assim, diante de uma multidão faminta por
marcas, dor e sangue, conseguia ser tão pior do que o momento em
que um daqueles homens que a tinha, conseguia despertar o corpo
dela para as sensações das quais tentava escapar. Poderia ser
qualquer um, qualquer um poderia ter de Lucine qualquer coisa,
poderia dispor dela e de seu corpo já ultrajado, e não poderia se
negar.
A maneira pela qual Lucine conseguia fugir disso era
esvaziar-se de si mesma. Quando estava naquele palco, a mente
estava longe, cauterizada. Apresentava-se apenas como um corpo
vazio diante de todos. Naqueles momentos era como se estivesse
morta e já não sentisse nada. Como se todo o tato se perdesse.
Como se a audição, e cada um de seus sentidos fossem desligados
e sobrasse apenas uma consciência que ia se extinguido à medida
que era arrastada ao mais fundo do poço da indignidade.
O som surdo de tecidos pesados se movendo foi ouvido
quando os lances começaram a ser dados. Lucine nunca tinha sido
tão impotente, tão imerecida do amor que Hector lhe devotava
naquele momento. Hector bem poderia estar ali, naquela plateia,
misturado aos outros eleitos, irreconhecível sob uma capa escura.
O que a salvava de enlouquecer de vez, era saber que seria
açoitada. Saber que sofreria e padeceria. Saber que cada um dos
flagelos que viesse a tratar no futuro, faziam-na sofrer pelo prazer
recebido, teriam um pagamento. Quitaria o que devia à Magister, a
hipoteca dos pais, e ainda poderia juntar dinheiro para sustentá-los
com folga enquanto vivessem.
— Parem o leilão! – Uma voz bradou, interrompendo o evento.
Uma voz conhecida. Todos olharam para seu dono, todos, até
mesmo Lucine.
— Como ousa atrapalhar a ordem desta sessão, eleito? – O
Magister perguntou com um tom irritado na voz robótica – Quererá
ser castigado como a uma destas Pulcras?!
— Não, Magister, não desejo castigo, nem mesmo atrever-me
a subir ao nível destas belas da noite. – Respondeu o homem com
calma voz, num tom audível para que os outros Eleitos fossem
testemunhas de que não se atrevia a desrespeitar a posição do
Magister ou das Pulcras – Eu respeitosamente peço que aprecie
meu pedido.
O homem andou até a frente do teatro, sua capa ondulando
ao redor do corpo em modulações sublimes, colocou as maletas no
palco, lado-a-lado, de frente para o Magister em sua roupa
escarlate.
— Eu vim, diante de todos, trazer minha oferta por esta
Pulcra. Quero tê-la para mim. E a terei para mim. Creio que o preço
que tenho a oferecer é justo.
O homem de vermelho pareceu ficar sem reação num
primeiro momento, mas logo falou:
— Ela não pode ser comprada. Não sem que outros tenham a
chance de especular sobre ela.
— Dois milhões! – Um homem falou ao fundo do teatro, não
esperando que o Magister nem mesmo terminasse seu enunciado
corretamente.
— Oras, Eleito, – o Magister quase quis atrever-se a dar o
nome deste já que sabia bem de quem se tratava – parece que os
lances estão começando bastante altos. Quem sabe a Pulcra
acabara em outras mãos que não a sua esta noite.
“Duvido muito!” O Eleito no palco pensou.
— Três milhões! – Ofereceu outro num grito mais alto,
esquecendo-se totalmente, como os demais, das placas.
Christian sorria dentro de si, não baixando o rosto do palco,
encarando o homem de vestes vermelhas como o sangue, rindo da
máscara de ouro amarelo.
— Três milhões e meio! – Ofereceu outro.
Christian tinha a ligeira impressão de que conhecia aquela
voz, mas não se atentou ao fato.
— Cinco milhões! – Disse o último.
Ninguém falou mais nada, por algum tempo. Não querendo
arriscar lances maiores por algum tempo. Depois o remanso foi
quebrado pela voz de uma mulher.
— Dez milhões! – A mulher falou e um burburinho foi ouvido.
Ninguém deu outro lance superior a este.
— Qual sua oferta, Eleito? Diga-nos.
O Magister perguntou, sabendo que a oferta que aquele
intransigente tinha feitoantes era semelhante à desta última mulher.
Duvidava muito que conseguisse cobri-la. Conhecia os escrúpulos
daquele Eleito, o insolente que se atrevia a atrapalhar a sessão,
sabia que a parte honesta que ainda tinha em si não permitiria que
ele usasse dinheiro sujo para satisfazeros próprios desejos. Achava
que tinha hombridade o tenaz Eleito.
Com um clique nas fechaduras, as maletas abriram-se
mostrando as pilhas de dinheiro em espécie. Ali compactadas. Além
de vários títulos do tesouro nacional. Virando-se para a multidão, o
Eleito retirou o lenço e a máscara, falou em alto e bom som:
— Vinte milhões de libras esterlinas.
A plateia admirada reagiu em surpresa ao descobrir quem era
o que comprava Lucine. O primeiro-governador.
O Magister ficou reticente por alguns minutos. Estava
esperando que outro desse um lance. Aquilo estava fora do seu
controle. O Magister também não dispunha dos meios imediatos de
negar aquela venda.
— Qual o problema, Magister? – Christian provocou – Ainda
está deliberando sobre as ofertas para saber qual delas é a que
mais agrada? Ou pensa em dar esta Pulcra a qualquer um que lhe
aprouver outra vez?
Não, não havia meios de impedir que Lucine fosse com o
homem, não desta vez. O burburinho estava ficandoforade controle
e nem mesmo o Magister seria capaz de conter uma revolução da
multidão caso tentasse negar o pedido de Christian Navarro. Não
quando ele pagava excelentemente bem e diante de tantas
testemunhas.
— Declaro esta Pulcra de propriedade do Eleito que a
arrematou. Nenhum outro poderá tocá-la sem sua autorização. Ele
se torna, a partir deste momento, pessoalmente responsável por
tudo o que lhe interessa, desde o tratar até o vestido. Ela lhe deverá
dirigir e respeitar como seu senhor e dono de si e de suas vontades.
O homem que conduzia a reunião recostou-se na cadeira, que
fazia as vezes de trono com a quantidade de ornamentos, e acenou
em direção à Lucine.
— Leve-a.
Christian deixou as maletas com o dinheiro no chão. Teria que
esperar a contagem, mas sempre havia uma máquina nos fundos de
contagem de cédulas, levando em conta que a maior parte do
dinheiro estava em formade títulosdo tesouro nacional, a contagem
seria rápida. Christian sabia que o Magister não contaria agora,
diante da raiva e orgulho ferido, por ter perdido algo que o
interessava.
Christian aproximou-se de Lucine, envolveu-a novamente na
capa que tinha a garota tirara minutos atrás, e levou-a pela saída
dos bastidores para a garagem subterrânea onde o carro
aguardava.
— Eu não quero... Eu não quero ir com você – Lucine pedia
com uma voz baixa, provavelmente devido ao quase estado de
choque em que se encontrava.
— Você precisa vir. Eu estou te salvando deste mundo, irei
protegê-la agora. Já não precisará ser tocada por ninguém.
— Eu... Eu não quero...
— Não posso discutir isso agora. Com ou sem sua vontade,
você vai entrar nesse carro. Voltar lá dentro pode resultar em algo
muito pior para você. Acredite em mim.
Lucine ainda tentou resistir. Christian tornou a falar:
— Lucine, eu salvei sua vida, entenda. Quando compreender
do que a livrei, entenderá o sacrifícioque fiz. Eu jamais poderia
permitir que passasse por todos aqueles ultrajes novamente.
Lucine recuou com medo do toque que Christian tentaria fazer
em seu rosto.
— Não tenha medo de mim, não pretendo machucá-la. Não
quero seu mal. Acha que se eu quisesse gastaria a fortuna que
acabei de investir em você? Foram vinte milhões de libras, Lucine.
Eu não pretendo causar-te um único arranhão. – Lucine não parecia
convencida – Já pensou na quantidade de outras pulcras que eu
poderia encomendar com essa pequena fortuna?
— E por que não as comprou? Não vê como não quero ir com
você? Devolva-me e tenha tantas quantas quiser!
— Não. As coisas não são simples assim. É justamente por
saber que você vale cada centavo deste valor que o paguei. Eu a
trouxe comigo, Lucine. Não compreende a imensidão do meu ato
agora, mas compreenderá. Nesse dia, me amará quando puder
enxergar do que a salvei.
— Isso nunca acontecerá! – Lucine disse, soando muito mais
triste do que desafiadora como intentou parecer.
— Entre no carro, vamos, antes que eu a coloque dentro.
Lucine ainda se negou, queria resistir. Christian, contudo,
estalou os dedos fazendo que os homens de branco, os mesmos
que eram responsáveis pela segurança da sessão, colocassem
Lucine dentro do Chrysler, no banco de trás.
Após a cena, Christian entrou pelo outro lado, sentando-se do
lado de sua Lucine.
Lucine esperneou, tentou fugir, arranhou os braços que
Christian usou para contê-la, mas este terminou controlando-a.
Christian era bem mais alto e forte.
— Lucine, isso não foi digno de você. – Christian falou num
tom que tentava apaziguá-la – Se não se comportar por vontade
própria, farei que se comporte com calmantes. Está livre para
escolher.
A acompanhante de Christian se embolou num dos cantos do
veículo, assim ficaria o mais longe dele possível. Lucine não queria
sequer olhar para o homem que a arrematara. Seus pensamentos,
atormentados com a ideia de que Hector, vendo a cena impotente,
estava em semelhante situação.
Christian bateu no vidro do painel que separava os
passageiros do motorista e deu a ordem para que fossem levados
ao local combinado previamente.
Lucine chorava no canto do carro. Vendo até onde tinha
chegado essa intenção de Christian. Como ele fora capaz? Como
fora capaz de comprá-la quando tinha falado com todas as letras
que não queria lhe pertencer. E a tinha salvado de que? Em breve
juntaria dinheiro, pagaria Aisha e poderia sair desse mundo.
Agora que tinha se livrado desse mundo, restava livrar-se de
Christian.
O motorista guiou por cerca de duas milhas para longe do
centro da cidade. Pegou a Newmarket Road, Cambridge até chegar
ao número 54-64, uma enorme casa de tijolinhos vermelhos
maciços, de dois andares, cercada por enormes muros de arbustos.
— É aqui que você vai viver agora, Lucine. Veja a linda casa
que comprei para você. – Christian disse – Tenho um quarto
preparado para você. Assim que se comportar melhor, faremosuma
nova decoração na casa. Quero que tudo fique exatamente do jeito
que sempre sonhou. E roupas, muitas, se vestirá de tudo que há de
mais belo.
Lucine sempre sonhara em ter uma casinha de tijolinhos
vermelho exatamente como aquela. Uma linda casa, com uma área
linda cercando-a, mas nunca quis que fosse assim. Com Hector,
nunca teria essa casa, mas, com essa casa, nunca teria ao seu
professor.
— Eu quero minhas roupas, minha vida...
— Pedirei que busquem suas roupas, isto é simples. Apenas
preciso saber onde quer que eu as busque. Quanto à sua vida, -
Christian passou a mão no rosto delicado da menina – ela será ao
meu lado a partir de agora.
CAPÍTULO VII

MELINDA ESTAVA VESTIDA DE NEGRO. Sentia-se num


duplo luto. Um pela morte de Montserrat, outro pelo seu divórcio.
Bernard a acompanhava, ele estava sendo seu braço forte nos
últimos dias. Ele tinha mostrado como era leal e ela confiava nele,
cegamente.
Não houve uma multidão de advogados durante a leitura do
testamento. Tudo foi feito de maneira simples. Em bancos de
concreto que ficavamno jardim da casa, de frentepara um pequeno
lago artificial. Lago que Bernard tinha comentado ser o preferido de
Montserrat na maioria das horas.
Os empregados foram chamados. Todos os que dependiam
de Montserrat de alguma forma, então havia uma pequena
audiência, cerca de trinta e cinco pessoas, pelo menos as que
puderam vir, para ouvir a leitura de tudo, já que os funcionários das
outras casas que Montserrat tinha não conseguiriam chegar a
tempo.
— A senhora está bem? Precisa de alguma coisa? – Bernard
perguntou.
— Não preciso de nada, obrigada. E os outros? – Melinda
perguntou se dirigindo aos funcionários.
— Um jantar será servido assim que encerrar-se a leitura,
para todos.
Melinda olhou para Bernard, espantada.
— Mais uma das exigências excêntricas de Montserrat?
— Sim, senhora. E regado a vinho. – O jovem segurança
respondeu.
O juiz, contratado para a leitura, pegou o testamento de
Montserrat entre os papeis que levava, e lutou com o vento para que
as folhas não fossem espalhadas por todo o espaço.
— Começarei a leitura. – O homem gordo de cabelos
encaracolados passou os olhos no papel rapidamente e ajustou-se
numa postura mais confortável para lê-lo.
Melinda estava apreensiva, queria levantar-se, sair dali, não
suportava a leitura do documento que apenas confirmava que o
amigo estava distante, mas devia muito a Montserrat e ele tinha
pedido sua presença naquela carta.
Melinda nunca esqueceria aquela carta.
O juiz começou a leitura:
— Eu, Montserrat Coppola Francesco D’Agnelli Sinesi, me
encontrando em uso e gozo de minhas faculdades mentais, livre de
qualquer sugestão, induzimento ou caução, deliberei fazereste meu
testamento particular, escrevo de próprio punho, como de fato ora o
faço, em presença de cinco testemunhas abaixo nomeadas,
qualificadas e assinadas, que se encontram reunidas em minha
residência na Piazza Mino da Fiesole, nesta Província da Toscana,
no qual eu exaro minhas últimas vontades, declarando o seguinte.
Melinda nem mesmo queria ouvir. Estava perdida no meio de
tudo o que pensava ser sua tristeza mais profunda. Arrependida por
não ter dado uma chance a Montserrat quando este merecia. Agora,
depois de tudo o que o senhor Sinesi tinha feito, não tinha nem
mesmo como agradecer.
O juiz continuou a ler o testamento:
— Me chamo Montserrat Coppola Francesco D’Agnelli Sinesi;
sou natural de Florença, Toscana, filho de Salvatore Francesco
D’Agnelli Sinesi e de Antônia Coppola D’Agnelli Sinesi, já falecidos;
não fui casado, não deixei filhos, não tenho herdeiros necessários
por estirpe; por isso posso dispor, segundo a lei, de todos os bens
que possuo; que de minha livre e espontânea vontade disponho por
este testamento não apenas da parte livre, mas da totalidade de
meus haveres.
A tarde parecia melancólica. A única coisa pensada por
Melinda era que Montserrat deveria estar vivo. Ele ficaria contente
com todo aquele pessoal reunido. Ele adoraria que começassem a
tocar música e que se formasse uma roda para dançar no meio de
todos.
— Prossigo para a divisão, não tenho dúvidas quanto a isto,
uma vez que estou destinando setenta por cento dos meus haveres
para Melinda Lionard Price, o demais trinta por cento caberá à
seguinte divisão...
Melinda ouviu, mas não acreditava. Parecia que lhe deram um
nó no ouvido. Foi preciso que o Juiz chamasse a atenção dela para
que confirmasse que tinha entendido o que fora lido.
— Prosseguiremos com a leitura. – o juiz pigarreou – Dez por
cento será destinado ao pagamento de dívidas que porventura eu
tenha deixado pendente, e para custear todas as despesas com o
meu funeral, bem como as que se fizerem necessárias para a
homologação deste testamento, incluindo-se, aí, não só as
despesas judiciais, mas ainda as decorrentes de pagamento de
honorários a advogado, impostos, taxas, certidões negativas e
quaisquer outras, assim como todas as despesas com o
processamento do inventário até final partilha, após a minha partida
para que o patrimônio de Melinda não seja afetado. O que sobrar
deste dinheiro deverá ser somado a mais dez por cento, que será
destinado à caridade. Para fundações que auxiliem pessoas
economicamente hipossuficientes com o tratamento do câncer. Os
outros dez por cento deverão ser divididos em partes iguais para os
funcionários que me ajudaram em vida, e que facilitaram minha
estadia nesta terra.
Os funcionários mais antigos, testemunhas de leitura,
estavam emocionados. Começaram a abraçar uns aos outros.
Abraços silenciosos que fizeram que Melinda sentisse o grande
apreço que tinham pelo seu antigo patrão.
— Deixo ainda, além da parte que caberia a seu pai, a casa
de hóspedes para o jovem Bernard Giovanni Duprat, bem como os
três carros que estão na garagem desta última casa em memória do
melhor amigo que pude ter.
Melinda olhou para Bernard e sorriu-lhe gentilmente.
Afagando o rosto do homem que ainda conservava muito de sua
juventude e agora via suas esperanças renovadas.
— Peço a Melinda, sei que estará presente, que tenha a
bondade de conservar este pessoal aos seus serviços. Este pessoal
que é leal e digno de confiança. Minhas obras de arte não serão
vendidas, e estarão ao dispor dos filhos de Melinda Lionard Price,
que será feliz com um homem bom e que a ame tanto ou mais do
que eu a amei.
Melinda conseguiu chorar um tanto mais que no enterro.
Ainda perdida com tudo o que acontecia. Não era merecedora de
tanto, mesmo após a morte, Montserrat estava cuidando dela.
— O presente testamento deverá ser lido sete dias após a
minha morte. Este testamento expressa a disposição de minha
última vontade, o dou por bom, firme e valioso a todo tempo,
rogando às autoridades competentes que o cumpram e o façam
cumprir tal como nele se contém e declara, e às testemunhas
perante as quais li este mesmo testamento, que a confirmem em
juízo,de conformidadecom a lei. Dou assim por concluídoeste meu
testamento particular que, com as aludidas testemunhas, o assino,
nesta data. Dez de fevereiro de dois mil e dez.
Aquilo tinha sido assinado mais de cinco anos antes. Melinda
já não sabia mais o que pensar. Estava chocada com a notícia de
que seria herdeira e mais ainda com data do testamento. Como
poderia reagir?
Bernard levantou-se do lado dela, para pegar uma água para
sua patroa, mas também para disfarçar a emoção que sentia. Ele
tinha sido presenteado, nominalmente, no testamento do senhor
Sinesi. Mesmo que na época nem estivesse morando no país, fora
lembrado.
Não esperava que isso acontecesse, na verdade achou que
tinha decepcionado muito ao patrão quando fugira de casa alguns
anos antes. Por isso, achou que receberia o mesmo que os outros,
se é que receberia alguma coisa. O senhor Sinesi tinha se mostrado
generoso consigo outra vez. Recebera uma casa de presente, e não
apenas uma casa, mas uma belíssimacasa. Onde poderia viver, dar
um repouso à sua mãe, e ainda tinha a chance de acalentar uma
ideia que vinha há algum tempo abafada sob sua seriedade. Poderia
procurar por Delilah.
Agora que tinha condições, poderia pagar alguém para achá-
la. Poderia pelo menos ter notíciade seu estado. Se estava bem, se
estava viva.
Agradeceu mentalmente ao patrão pelo presente.
CAPÍTULO VIII

— JULIE! JULIE! - HECTOR BATEU à porta do apartamento


da senhorita Aston. Não devia ficar chamando-a pelo nome,
especialmente às três da manhã, mas não conseguia pôr em prática
seus freios sociais. Parecia um namorado bêbado em busca de
perdão.
Hector não tinha com quem falar e se abrir, somente Julie
conhecia seus segredos e se sentia totalmente impotente. Não tinha
os recursos necessários para comprar Lucine de volta, agora, a
tinha perdido, para sempre. Só o que restaria de Lucine era a
senhorita Aston que conhecia do romance dos dois.
— Hector... Aqui? A essa hora? – Julie falou apenas pela
fresta da porta, antes de retirar a trava que a prendia.
— Posso entrar? – Foi educado dessa vez.
Julie analisou a roupa do homem, ele tinha a capa da Ordem
Escarlate dobrada sobre o braço. O lenço e a máscara na outra
mão. Estava com uma aparência cansada, como se tivesse corrido
uma milha. Algo dera errado, podia pressentir.
— Claro, entre, mas o que faz aqui? – Julie já suspeitava,
sabia bem qual poderia ser o problema – Onde está Lucine?
O olhar no rosto de Hector disse tudo antes mesmo que
pudesse abrir os lábios para falar. Uma dor como não pode imaginar
perpassou-lhe o azul dos olhos e o homem respirou fundo antes de
falar as sílabas entremeadas de raiva.
— O maldito a comprou. O miserável a levou, como se fosse
um objeto.
— Christian Navarro? - Julie surpreendeu-se com a notícia.
Muito mais com a rapidez com que Lucine sairia dos leilões. Invejou
Lucine nesse momento com todas as forças.
— Qual outro? – Hector estava perturbado. Tinha ganas de
matar alguém, devorar a carne. Queria que o primeiro-governador
estivesse diante de si. Cometeria uma loucura, mas jamais deixaria
que ele a tocasse.
— Se foi Christian, devemos admitir, é até melhor. – Falou
num tom calmo e contido, não querendo deixar transparecer seus
sentimentos – Afinal, como primeiro-governador, não poderá sair da
cidade enquanto não terminar o mandato.
— Não, senhorita Aston. – Hector reclamou indignado com a
falta de expressão no rosto da jovem. Nem seu corpo, coberto
apenas por uma camisola fina, parecia mostrar uma centelha de
reação – Não há nada de bom ou de melhor nessa história.
— Você sabe onde ela está... Você sabe?
— Não, eu não faço ideia.
Hector deu alguns passos atrás, sentia-se desolado. Sem
forçaspara engolir a verdade entalada na garganta. Caiu de joelhos
no chão. Queria gritar, rasgar-se, mas não poderia fazê-lo.
Julie se aproximou dele devagar. Sabia bem do que era capaz
um homem desesperado. Sabia o quanto ele poderia sofrer pela
mulher que ama. Por isso, ficou em silêncio. Não queria alimentá-lo
de esperanças, não queria que ele pensasse demais em Lucine.
Precisava mantê-lo na ordem, apenas mais um poucochinho de
tempo.
Perdendo toda a compostura, Hector a abraçou na altura das
pernas desnudas. Repousou a cabeça em seu colo e chorou
copiosamente. Julie passou devagar as mãos no cabelo de Hector e
deixou que o homem derramasse as lágrimas que a própria não se
permitia derramar.
Lucine acordou sem saber ao certo onde estava. Só quando o
sono passou, compreendeu em que lugar se encontrava. Tinha
prometido a si mesma não dormir e nem sabia como tinha caído no
sono. Levantou-se bruscamente, temendo que Christian pudesse tê-
la tocado sem seu consentimento, mas, felizmente, ainda estava
com a mesma roupa do dia anterior. Somente a capa fora retirada.
Lembrou-se, aos poucos, da cena que causara ao ser
colocada no quarto, como o homem pareceu feliz em vê-la ali.
Lembrou-se de ficar gritando com Christian que a mandasse embora
e que jamais participaria do teatro que o primeiro-governador
tentava impor. Deve ter dormido de tanto bater na porta e gritar.
Sentia a garganta dolorida e o peito pesado do cansaço.
O quarto que Christian lhe dera para dormir era claro,
decorado em cores neutras, com alguns toques de amarelo e azul.
Uma cama de casal confortável com dois criados mudos, um de
cada lado, ficava de frente para um painel de madeira laqueada de
branco. Havia enormes espelhos de cada lado do móvel que
acomodava os eletrônicos. Duas poltronas ficavam ao pé da janela,
na área de descanso, acompanhadas de uma prateleira pequena,
com alguns livros. Lucine tinha um banheiro para si a apenas alguns
passos da cama e um closet de princesa.
Era uma gaiola de ouro construída para guardar um pássaro
que seria infeliz enquanto respirasse. Tinha um quarto gigantesco à
sua disposição, mas se sentia presa. Não tinha como se sentir feliz,
nem mesmo se sentir presenteada. Tinha perdido a liberdade, com
todas as esperanças, não sabia mais nem se teria autorização para
ser ela mesma.
— Bom dia. – Christian entrou pela porta depois de abri-la.
Vestido apenas com a parte de baixo de algum pijama de seda,
sorrindo, carregava uma bandeja pequena na mão – vejo que
descansou.
Lucine cobriu-se e afastou-se para longe de Christian. Não
sabia o quão perigoso o homem louro cujo sorriso de linhas
perfeitas poderia muito bem esconder um psicopata. Encolheu-se
ainda mais quando o homem se sentou na beirada da cama.
— Não tenha medo, Lucine. Sou inofensivo diante de você.
Aliás, sou aquele que te protegerá até o final da vida. Para você, na
verdade, eu serei sempre o mocinho.
Christian não deu o beijo nela que pretendia dar. Andou até a
mesinha e colocou a bandeja com o café-da-manhã de Lucine ali.
— Eu trouxe algo para que coma. – Christian descobriu a
bandeja – Temos suco de laranja, ovos mexidos, linguiças, torradas
e feijão. Eu espero que goste, não quis fugir do tradicional por que
sabia que minhas chances de errar seriam baixas.
Lucine se levantou da cama. Andou até a mesa. O estomago
estava revirando de fome. Christian ainda tinha o sorriso
deslumbrante no rosto, confiante de que a estava domesticando.
Quando Lucine se aproximou da comida, e Christian pensou que
esta fosse comer, Lucine derrubou a bandeja no chão. Sujando o
carpete cinza (que tinha aparência de ser caro) e o piso de madeira.
— Por que fez isso? – Christian perguntou divertido – Depois
de todo trabalho que a cozinheira teve para fazê-lo. Eu já tinha
comido e estava delicioso. É uma pena semelhante desperdício.
Lucine ignorou-o, deu dois passos para trás, pretendendo
voltar para a cama. Christian andou até ela, Lucine empurrou-o,
achando que o doente tinha perdido o controle e iria forçá-la.
— Eu odeio desperdício de comida, Lucine. É uma das
bandeiras do meu governo, acabar com o desperdício de alimentos.
Tantas pessoas no mundo comeriam este prato que você jogou no
chão.
— Chame qualquer uma delas, mas não espere de mim
comer qualquer coisa que tenha passado por suas mãos
asquerosas.
— Sempre é tão irritada? Querida Lucine, posso ajudar a dar
um jeito nisso. De qualquer forma, acho que ainda não está pronta
para este tipo de recompensa. Seu comportamento indecoroso
merece uma lição. Você deve aprender a dar algum valor a comida.
Até amanhã, não terá refeição. Se quiser comer algo, experimenta
comer do que jogou no chão.
Christian se aproximou da saída.
— Eu odeio você.
— Por enquanto. – Christian disse sem se deixar abalar – Se
eu fosse você, desistiria do plano de fugir pela janela. Tenho
seguranças em guaritas ao longo de todo o terreno. Você até
poderia correr, mas não chegaria muito longe.
— O que quer de mim, Christian?! – Lucine gritou outra vez,
sentindo a dor na garganta já machucada – Me diz o que quer que
eu faça para poder ir embora.
— Eu quero você, Lucine.
— Então toma este corpo maldito que você deseja e me deixa
em paz.
— Não, não assim. Não seria nem um pouco agradável. Não
sou um estuprador, não me contentaria com um corpo que não
responde.
— Não quer sexo. Que diabos quer então?
— Quero que me ame. Pode demorar o quanto quiser, eu sou
paciente. Eu sei que vai acontecer. Por isso estou dando todo o
tempo que precisar.
— Nunca.
— Um dia, Lucine, a farei lembrar deste momento enquanto
estiver derretendo entre meus braços.
Christian saiu do quarto, trancando a porta. A presença de
Lucine em sua casa era uma anestesia para a dor que sentia no
peito. Esperava que tê-la salvado não surtisse o efeito contrário.
Precisava, para viver, do amor de Lucine Fester.
CAPÍTULO IX

A FRASE NO VISOR DO CELULAR, de alguma forma, tinha


modulações terríveis.

Senhorita Aston,
Sinta-se convidada a participar da sessão que ocorrerá hoje.
Tudo será feito em sua homenagem. Esperamos que o tempo que
passe conosco seja agradável.

A Ordem nunca tinha jogado com Julie, nunca tinha utilizado


palavras diferentesnas mensagens que tinha recebido ao longo dos
anos. Para a Ordem Escarlate não havia jogos de palavras quando
o assunto era a sessão da noite.
Hector ainda estava no apartamento. Julie o convidou para
ficar, cansado demais para ir embora, Hector aceitou e dormiu no
quarto de Lucine.
Julie não tinha como saber se Hector já estava acordado, por
isso, quando levantou-se indo em direção ao quarto para chamá-lo,
teve uma surpresa ao vê-lo sentado no sofá da sala de estar.
— Bom dia, professor. – Julie disse com a voz rouca da
sonolência – suco?
— Não, eu não tenho fome. – Hector explicou – Acordei há
algumas horas, não sabia se devia ir embora ou esperar. Pensei
tanto tempo nisso que quando vi as horas já tinham passado e eu
estava aqui esperando notícias de Lucine.
— Sente-se melhor? – Julie perguntou desviando-se do ponto
a que a conversa chegara.
— Não, nem um pouco melhor.
Hector dormira muito mal. Nos poucos mais de cem minutos
em que cochilou, acordava sobressaltado sempre que sua mente
gritava a voz de Lucine como se esta tivesse chegado. Decidiu
esperar sentado pela possibilidade de ver a senhorita Fester abrir a
porta.
Julie estava com a bolsa sob os olhos inchada pelo excesso
de sono que tivera. Teria que conseguir um tratamento de última
hora para estar aprazível para a sessão da noite. Sentia algo de um
aspecto estranho nas horas que se passavam. Parecia que estava
cercada pela sensação iminente da morte.
Não sabia como, mas sentia que aquele seria seu último dia
com vida.
— Eu vou sair, mas você pode ficar, se quiser. Para o caso de
Lucine aparecer. Eu tenho que me preparar para uma sessão de
última hora. A Ordem está cada vez mais estranha.
Hector viu o rosto de Julie pálido e perguntou:
— Uma sessão? Nem é sábado.
— Eis o porquê de eu me sentir tão assim, diferente.
— Porque não me conta como se sente. O que há? Sente-se
bem? É a minha vez de perguntar.
— Não... Eu também não estou bem, que ironia.
— O que você tem? – Hector caminhou até Julie – está
excessivamente pálida. – Hector pegou o rosto da garota entre as
mãos para analisá-la melhor.
— Eu não sei, Hector. – Julie disse e saiu do toque, não
queria que o professornotasse o quanto tinha gostado de saber que
ele se preocupava – Vou soar como louca, mas sinto como se
estivesse vivendo meu último dia. Eu acho que morrerei hoje.
— Não diga uma coisa dessas.
— Eu digo, por que é o que sinto. Se eu não voltar para cá,
depois da sessão, pode ficar com tudo, vender, o que quiser fazer.
Só não permita que ninguém destrua o que consegui com muito
esforço.
— Eu não farei isso, Julie, porque você não vai morrer.
Julie saiu de perto dele. O homem tinha uma maneira de falar,
olhando aos olhos, capaz de desconcertar qualquer um. Pegou a
bolsa e uma mala, que sempre ficavam preparadas, ao lado da
cama.
— Seria demais pedir um beijo antes de sair?
Hector não entendeu o pedido, perguntou:
— Como?
— Nada, esquece. – Julie respondeu encabulada – Foi uma
bobagem. Eu... – Respirou fundoe prosseguiu – Eu não sei explicar.
Eu sei que este é meu último dia e pensei que poderia receber um
beijo verdadeiro nesse dia.
— Se eu te beijasse agora, não seria verdadeiro. – Hector
explicou – Mas, por favor, pare de dizer que é seu último dia.
— Tchau, professor. Eu vou deixar minha chave com o senhor.
Afinal, o senhor já recebeu meu recado.
Julie se foi encabulada demais para olhar ao rosto de Hector
outra vez.
Hector viu Julie fechar a porta e ficar sozinho. Olhou para as
paredes do apartamento vazio, cansado de resistir, se deixou
desabar no sofá e ficou esperando Lucine. O que já fazia há severos
dias mesmo sabendo que sua amada não voltaria.
Lucine tinha uma amiga boa, Julie parecia ser uma menina
confiável.
Hector pegou o celular que Julie esquecera sobre a bancada
da cozinha e guardou-o na cesta. Sem querer, com a tela do
aparelho ainda aberta na caixa de entrada de mensagens, leu o
texto que ainda estava aberto na tela do aparelho.
— Eu quero ser tratada como uma rainha, Wilhelm. Faça-me
o melhor penteado, a melhor maquiagem. Eu quero parecer um anjo
hoje. Um anjo puro e lindo.
— Alguma ocasião especial, Julie?
— Sim, meu funeral. – Julie não percebia como estava
soando insana falando aquilo – Eu acho que meu funeral será em
breve.
Wilhelm ainda tentou repreendê-la, mas Julie insistiu no
assunto. Wilhelm passou a fingir prestar atenção, bem como os
profissionais de beleza o fazem em todos os salões do mundo.
— Deixe meu cabelo mais claro, Wilhelm, eu o quero quase
branco. E quero brilhar como a minha amiga, lembra? Aquilo estava
lindo.
Wilhelm fez conforme os pedidos, cada desejo excêntrico da
loura Julie.
Quando a noite chegou, Julie tinha um diadema na testa, feito
de cristais finos para ornar com o penteado. Os cabelos, agora num
louro platinado, muito claro, quase branco, retos ao redor do rosto.
Julie vestiu uma capa de renda transparente sob a capa preta.
Parecia a virgem do mar emergindo das ondas. Poderia ser, muito
bem, do céu, naquele momento.

As cortinas se abriram. A orquestra, às cegas, começou a


tocar a marcha fúnebre. A música triste combinava com o aspecto
do local. Todos estavam em silêncio. Julie foi levada ao centro do
palco por dois homens de branco. Um deles tinha um estetoscópio
no pescoço.
Julie sabia que era o fim.Um dia ele chegaria, apesar de tê-lo
protelado. Sentiu isso desde que acordou. Sentiu que aquele seria o
dia em que morreria.
— Senhores. Trago a todos esta mercadoria velha e usada. –
O Magister falou com desprezo na voz robótica – O seu viço inicial
se perdeu, como veem, e as marcas não mentem. Ainda é possível,
no entanto, adquiri-la para diversão secundária. Sua saúde é
perfeita e ainda tem algo de belo debaixo do semblante triste. Hoje
Pulcra, passarás por seu leilão final. A todos que quiserem adquiri-
la, o lance iniciará em cinco milhões de Libras.
Não houve movimento nenhum.
— Senhores, não há nada pior do que a avareza! – A voz
robótica sorriu – Sei que os senhores apreciam o espetáculo de
encerramento das Pulcras, por isso não tirarei essa alegria dos
senhores caso não haja lances.
O homem de branco, ao lado de Julie, o que não carregava o
estetoscópio, retirou de sob a roupa uma pistola Taurus. Adaptado
ao cano da arma, algo que Julie imaginou ser um silenciador. O
homem segurou a arma contra o peito aguardando as ordens.
— Que se iniciem os lances!
Ninguém. Ninguém falou ou moveu-se. Ninguém estava
interessado nela. Os únicos que poderiam dar alguma salvação para
sua vida, silenciavam-se como uma forma de gritar que Julie não
merecia viver?
— Cinco milhões? Alguém? – O Magister parecia entediado.
— Quatro? – O homem de branco passava o cano da arma
pelo rosto de Julie, conforme as ordens que recebera do Magister,
também pelo pescoço e descia para os seios de Julie.
— Três milhões? – O Magister perguntou – Alguém?
Ninguém falava nada. Julie olhava para a plateia,
desesperada, implorando mentalmente, mas ninguém surgia.
— Dois milhões? – O Magister brincava com o cetro, como se
estivesse a ponto de batê-lo no chão e dar por encerrado o leilão.
— Um milhão? – O homem de branco deu um golpe na arma
que segurava. Arma apontada para a cabeça de Julie. Pronto para
apertar o gatilho a qualquer momento.
Julie começou a chorar, já não valia mais nada. Talvez nunca
tenha valido, talvez tudo que achou que valesse nunca tenha
passado de ilusão efêmera.
Julie não se formaria, não conheceria alguém para amar, não
teria filhos, ainda que adotivos, nem um cachorro. Não conseguia
pensar em mais nada, a não ser em tudo que estava perdendo.
— Vamos lá, senhores, não me façam sujar o meu carpete. –
O Magister comentou num tom irônico – Este é o último valor, não
descerei mais. Um milhão, alguém?
Julie fechouos olhos, aceitando o fatoinevitável. Morreria. Os
miolos dela ficariam espalhados por todo o carpete caríssimo.
Depois, provavelmente, seu corpo seria jogado nalguma cova rasa
como indigente.
Julie nunca saberia como é ser amada, de verdade, não como
no passado, por um homem que a fezsentir um centésimo do que é
este sentimento. Não veria mais ninguém, não existiria mais e isso
era terrível.
— Um milhão! Eu dou um milhão de libras esterlinas por esta
Pulcra! – Um homem surgiu correndo depois das portas terem sido
abertas com ímpeto. Estava com os cabelos pingando, molhados
por uma chuva indiferente aos presentes naquele quase funeral.
— Hector... – Julie chamou baixinho o nome do seu
resgatador.
— Magister, eu dou o lance para adquiri-la. Pretendo me
responsabilizar por esta Pulcra.
O homem de branco, que segurava a pistola próxima da
cabeça de Julie, deu outro golpe na arma fazendoque o projetil que
estava na câmara, pronto para ser disparado, fosse ejetado.
— Eleito, esteja feliz com sua aquisição. – O homem de
vermelho falou – Eu declaro que a Pulcra, a partir de hoje, é
propriedade do Eleito que a arrematou. Nenhum outro poderá tocá-
la sem a autorização dele. Ele se torna, a partir deste momento,
pessoalmente responsável por tudo o que lhe diz respeito, desde o
tratar até o vestido. Ela lhe deverá dirigir e respeitar como seu
senhor, dono de si e de suas vontades.
Hector é levado até o palco por um dos homens vestidos de
branco e fica perto de Julie. Hector veste a capa escura que fora
arrancada com violência quando Julie chegara ao centro do
anfiteatro, cobrindo seu corpo que tremia muito.
— Estou aqui, Julie. Nada de mal te acontecerá. Você está
comigo agora. – Hector disse num tom quase inaudível.
Os dois andam através dos bastidores. Hector a abraça para
tentar diminuir a sensação de desmaio que está presente em sua
pele fria. Julie ainda tem as pernas trêmulas e chora copiosamente.
Hector para, pega-a com cuidado, protegendo-a contra si, e a
carrega. Julie esconde o rosto no pescoço de Hector e, pelo modo
que respirava, sabia que não pararia de chorar tão cedo.
— Eu vou cuidar de você, prometo. – Hector prometeu.
Os dois foram levados até a garagem. O mesmo carro que
trouxe Hector, levou-o para casa. Julie ficou sentada no banco de
trás do veículo, Hector se sentou ao seu lado, em seguida. Julie
ainda estava com medo, pela morte recente da qual tinha escapado,
e pelo modo como fora salva. Sentia que se fechasse os olhos, ao
abri-los, ainda estaria no palco, sob a mira daquela pistola.
— Você é um tolo, Hector. – Julie disse e se aconchegou
contra o professor com mãos trêmulas – Não sabe o que acabou de
fazer...
— Eu te salvei. Isso é o que importa agora.
— Não, Hector. Ter me comprado, significa que não poderá
lutar mais por Lucine. Você só poderá ter a mim.
— Eu não poderia deixá-la morrer, Julie, você se tornou minha
amiga.
— E o que pretende fazer?
— Eu ainda não sei, mas isso não terminará assim. Eu darei
um jeito, eu só preciso pensar em alguma coisa. Eu não posso viver
sem Lucine, mas isso não quer dizer que não possa viver com você.
CAPÍTULO X

A QUALQUER MOMENTO, A PORTA seria aberta. Lucine


tinha certeza. Logo teria que se render à Christian.
A porta, trancada por fora, não tinha sido aberta por dias
inteiros. Lucine não tomou banho nesse tempo, muito menos se
alimentou decentemente. Quando a fome apertou, precisou catar
alguns pedaços da comida que tinha sido jogada, no chão. Água,
precisou tomar da torneira do banheiro.
O plano, por enquanto, era ficar o menos desejável possível.
Assim, quando Christian viesse possui-la, não sentiria nenhuma
atração, e Lucine estaria poupada, por mais algum tempo.
O estômago doía de tanta fome e ficava com uma sensação
de queimação também, mas Lucine não daria o braço a torcer. Não
quando para isso precisava chamá-lo e pedir ajuda àquele que a
poderia matar. Lucine sentia-se em xeque-mate, sem nenhum
movimento possível, nenhum modo de salvar-se, nenhuma solução
à longo ou curto prazo.
Se pelo menos soubesse onde estava, mas não. Nem isso
sabia. No quarto de janelas gigantescas, a única noção espacial que
tinha era do sol nascendo todas as manhas em que o céu não
estava nublado ou chovia. A quietude do lugar era quebrada, de vez
em quando, pelo som do aspirador de pó limpando os corredores.
Quando o som da chave girando na porta foi ouvido, Lucine
sabia que estava em apuros. Sem ter para onde correr, e muito
menos, sem ter forças para resistir.
— Que bom que está acordada. – Christian falou num tom
calmo quando entrou no quarto. O sorriso era igualmente calmo
para não assustar Lucine – Trouxe algo para comer. Menos líquidos
dessa vez, para que você não espalhe tudo por aí.
— Eu estou sem fome. – Lucine falou num tom firme, embora
o brilho nos olhos ao ver o alimento fresco não pudesse ser
disfarçado.
— Lucine, para nosso bem, você precisa comer alguma coisa.
Eu não investi tanto em você para vê-la definhando entre minhas
mãos.
— Eu não sou uma porcaria de um investimento! – Lucine
gritou para que todo o universo ouvisse.
— Psss... pssss... – Christian fez o som e o gesto erguendo o
indicador – Você não ganha nada com isso. Eu estou aqui para te
alimentar e farei isso, nem que para isso eu tenha que sedá-la e
alimentá-la por sonda.
— Você não seria capaz...
— Eu sou capaz de coisas que você nem imagina.
Christian espetou um pedaço da banana picada no prato e
passou-a no mel e na aveia e estendeu para Lucine.
— Vamos, experimente. – Christian sorriu como se estivesse
tentando passar confiança.
A fomeera algo que doía.Lucine nunca soube a profundidade
desta verdade até o momento. Enquanto tentava ser orgulhosa e
resistir ao pedaço que lhe era oferecido, também se sentia capaz
das piores coisas para comer aquele alimento.
Rastejou sobre a cama e parou quando a boca alcançava o
garfoque Christian segurava e o corpo ainda estava numa distância
segura. Lucine abriu a boca e abocanhou o pedaço da fruta. Sentiu
o doce do mel mesclado ao sabor da fruta como se fosse ambrosia,
e imediatamente o estômago ficou feliz com todo o resto do corpo.
— Isso mesmo, não sabe como está me fazendo feliz.
Um a um todos os pedaços de banana, kiwi, uvas e demais
frutas, foram desaparecendo da taça de sobremesa. Quando
acabaram, Lucine ainda tinha fome,mas não pediria mais nada para
Christian naquela manhã.
— Você tem que me entender, Lucine, eu quero seu bem. Eu
a salvei para que eu cuide de você. De modo nenhum vou prejudicar
alguém tão valioso. Você nem passou pelas piores torturas, não
mesmo, acredite em mim. Eu já vi coisas muito piores do que as que
você viu naquele teatro. Eu sei do que são capazes, eu sei do que a
salvei.
— Eu não acredito que as ver seja pior do que vivê-las, como
eu vivi.
— Ah, Lucine, – Christian falou – eu já vi mulheres tendo as
pernas amputadas ali, diante de todos, apenas para que os gritos de
dor fizessem algum velho impotente gozar. Eu já vi execuções.
Lucine absorveu com asco o significado das palavras.
— Foi justamente por isso que a salvei, Lucine. Você pode
não acreditar, mas eu sinto por você muito mais do que um simples
desejo carnal. Meu instinto protetor foi quadruplicado quando a vi,
frágil e indefesa, naquele palco. Mesmo tentando parecer durona,
eu vi que sofria e ainda sofre, pela sua integridade. E é exatamente
isso que estou tentando te dar de volta, sua honra, reputação, e paz
para a consciência.
— Isso tudo é tão lindo, Christian, – Lucine começou – mas
veja onde estou. Você não quer meu mal, mas eu estou aqui
sequestrada.
— Não, sequestrada não. Está sendo cuidada. Você mesma
se recusou a se comportar como uma hóspede para se comportar
como uma cativa.
— Você sabe muito bem do que estou falando, idiota.
Christian ergueu a mão para tocar o rosto de Lucine e
observou que a garota se encolheu um pouco. Achando que seria
agredida. Christian recolheu um pouco a mão enquanto falava:
— Você vai ter que começar a acreditar em mim quando falo
que não quero machucar você.
— E você tem que acreditar em mim quando digo que não é
fácil.
Depois de colocar a taça de sobremesa, que ainda
conservava nas mãos, no chão, Christian chegou mais perto de
Lucine. Queria conversar mais de perto, explicar que Lucine não era
a primeira jovem que ele salvava, mas que ela era a primeira pela
qual tinha tivera algum sentimento. Porém, Lucine se afastou,
instintivamente.
— Por que você não deixa de ser orgulhosa e me agradece
por tê-la alimentado?
— Porque não sou nenhuma imbecil, Christian. Sei bem que
isso tem algum preço que não quero pagar.
— Lucine, eu não poderia deixá-la naquele palco. Não poderia
ver acontecer com você o mesmo que aconteceu à minha filha. Por
estar nessa maldita ordem, afundado até o pescoço, eu acabei
sendo responsável por esta morte da qual nunca poderei me
perdoar.
Lucine permaneceu calada, não queria ouvir as histórias de
Christian, mas sabe que ele as contaria de qualquer forma.
— Por descobrirem que eu comprava garotas como você,
para salvá-las, e que as deixava livres, paguei um alto preço. Minha
filha, a única garota capaz de manter meu coração humano, foi
tomada de mim numa falsa alegação de suicídio. Depois disso, perdi
meus escrúpulos. Já não tinha mais nada a perder. Então comprá-
la, foi o maior ato que pude fazer em memória de alguém que perdi.
Eu a salvei, Lucine. A salvei de todos eles.
— E quem me salvará de você, Christian? Quem?
Christian não falou por algum tempo.
— Acho que não tem resposta para isso, não é, dono? –
Ironizou a garota.
— Do modo que fala, Lucine, parece algo muito ruim que eu
seja seu senhor agora. Olha para mim. – Christian abriu um pouco
os braços e a camisa social se esticou sobre o corpo dele,
revelando um peito musculoso – Não finja que não seria muito
agradável que eu a possuísse. Eu posso ser muitas coisas más,
mas sei que sou bom de cama. – Ele se aproximou mais de Lucine
– Tenho todo o direito de fazê-lo, se quiser, mas escolhi esperar por
você. Porque sei que se dará liberalmente a mim quando o
momento certo chegar.
Lucine não falou nada. Christian preferiu atribuir ao silêncio
um ato de condescendência que encarar a realidade.
Num movimento brusco, Christian a puxou para mais perto de
si. Logo estava sobre ela, tentando beijá-la na boca, enquanto
Lucine esquivava o rosto para os lados.
— Ande, não seja teimosa... – Christian sussurrava.
Transtornado pelo desejo que sentia e que não era saciado – Eu
posso fazê-la ter prazer, eu posso fazê-la ter prazer apenas com
meus dedos, se quiser, mas me deseje de volta, me queira...
Lucine começou a empurrá-lo, conseguia movê-lo do lugar
alguns centímetros, mas logo se cansava, e o homem ganhava
outra vez.
Christian, por sua vez, mesmo em sua insistência causada
pela abstinência do corpo de Lucine, conseguiu refrear-se ao
perceber que esta já estava com lágrimas nos olhos.
— Você está chorando? – Christian perguntou baixinho
chocado pelas consequências de sua insistência.
— Não, por favor, não faz isso. Não faz isso! – Lucine repetia
sem ouvir a pergunta que Christian tinha feito, desesperada pela
própria debilidade diante da situação.
Ao ver o pânico no rosto de Lucine, Christian se afastou,
aquilo era algo que não podia permitir. O homem queria Lucine sem
reservas, sem medo e apaixonada. Se controlaria mais, lhe passaria
a confiança necessária, e então, esperaria até que Lucine se
entregasse espontaneamente.
— É tão repugnante assim a ideia de que eu possua seu
corpo?
Lucine não falou nada, por um tempo, temerosa que se
falasse ou fizesse qualquer coisa, Christian ficasse mais
enraivecido. Então, apenas puxou as cobertas para sobre si.
— Eu sei que não começamos bem... – Christian continuou a
falar – Na verdade, começamos num inferno do qual estamos
tentando sair agora. Mas, você sabe, eu posso dar prazer a você.
— Eu não quero prazer, Christian, eu quero minha vida. Só o
que sinto pelo prazer que me oferece é asco.
— Você sabe que eu não quero que você tenha asco de mim.
— Mas é exatamente o que estou sentindo agora. E sentirei
ainda mais, se me tocar sem que eu queira.
Christian, perplexo pela intensidade da raiva presente nas
palavras de Lucine, recuou alguns passos. Frustrado, socou a
parede com força até aliviar o stress que sentia. Seus socos
quebraram um dos painéis de vidro do quarto, cortando sua mão. A
dor da rejeição, porém, nem se comparava a esta pequena dor
física.
— Muito bem. – Christian disse por fim, olhando indiferente
para o ferimento que pingava de sangue todo o quarto – Já que te
tocar parece ser maior ofensado que tê-la comprado, eu não vou te
tocar. Por um bom tempo, não vou, mas eu garanto, eu não me
chamo Christian Navarro, se você não vier atrás de mim implorando
para que eu a possua.
— Isso não vai acontecer.
— Ah, vai sim. E vou ter total satisfação em fazê-la engolir sua
recusa junto com a minha porra.
Lucine encolheu-se mais ainda na cama, como se procurasse
um abrigo.
— Você não é prisioneira nesta casa, Lucine. Você é dona
dela. Não há ninguém acima de você, apenas eu. Você tem que me
dar provas de que saberá se comportar. Quanto mais provas me
der, mais a deixarei solta. Hoje, a porta ficará destrancada. Acho
que deve conhecer a linda casa que comprei para você.
Christian aproximou-se dela, outra vez, e a puxou para perto.
Deu um beijo na testa de Lucine, depois beijo rápido nos lábios
suaves.
— Comporte-se. – Christian disse em tom de despedida – Eu
volto à noite.
— Para onde vai?
— Trabalho. O país precisa de alguém como eu para colocá-lo
em ordem.
Um brilho peculiar passou pelos olhos de Lucine, Christian
percebeu.
— Não se atreva a tentar fugir. Temos seguranças em todas
as guaritas, e o muro tem quase três metros e meio de altura ao
redor da casa. Não há quase nenhum movimento nesta rua durante
o dia e os telefones da casa estão cortados.
— Eu não sou doida de fazer isso, você me mataria. – Lucine
lançou no ar.
— Eu? Matar você? Uma coisa tão preciosa e cara? De
maneira alguma! Contudo, eu te recuperaria, traria de volta para
mim, e você teria uma severa punição.
Christian saiu do quarto deixando Lucine sozinha com os
próprios pensamentos. Como prometido, a porta ficaradestrancada.
Pouco depois que Christian saiu, a nova empregada veio ao quarto.
A jovem ficaria responsável por atender Lucine em tudo. Ela era
bonita demais e isso tranquilizou Lucine. Talvez Christian pudesse
recorrer a ela para sanar suas vontades.
— Senhora, se precisar de alguma coisa, basta chamar. Meu
nome é Clementine.
— O que eu preciso, você nunca poderá me dar, Clementine.
— Eu sei como se sente. – A jovem empregada disse – Sei
como deve estar amedrontada. Eu já estive em seu lugar. Christian
também me salvou. Claro, para mim o senhor Navarro não deu uma
casa tão bonita quanto esta, nem me pôs por senhora dela. Afinal,
não estava apaixonado por mim.
— Se sabe quem ele é, por que não foge? Se ele te resgatou
mesmo de onde diz, por que não vai embora do monstro que ele é?
— O senhor Navarro não é um monstro. – A garota disse
enquanto realizava suas tarefas – Na verdade, é um anjo que me
salvou. Eu não poderia pedir melhor destino. Há pelo menos outras
dez funcionárias nesta casa que foram salvas por ele. Cada uma
delas, inclusive eu, dispostas a tudo para ocupar o lugar que a
senhora tão fortemente despreza.
— Me faça fugir e poderá ocupar meu lugar .
— E desagradar o senhor Navarro? De maneira alguma.
— Então tem medo?
— Não, não tenho medo. Acontece que não faria nada para
apagar o sorriso de Christian.
Lucine deixou a garota no quarto, limpando o que tinha
restado da comida de outro dia no chão. Tomou um banho rápido e
outra vez deitou-se na cama. Não queria sair do quarto e correr o
risco de tropeçar com Christian nos corredores.
Só algum tempo depois, quando viu o carro um carro acelerar
e sair pelos portões abertos da propriedade, Lucine se dignou a
caminhar pelo local. As paredes grossas, descobertas aos poucos,
pareciam ajudar a aquietar o segredo escondido naquela casa de
todo mundo, menos dela.
CAPÍTULO XI

O CARRO ESTAVA ANDANDO NA RESERVA há alguns


bons minutos, mas Hector não se deixava abater. Sua busca era
incansável. Há dias. Já não lembrava quantas vezes tinha
abastecido, mas sabia que o dinheiro que tinha na carteira estava
acabando. Não queria deixar suspeitas à Ordem Escarlate com o
uso de seu cartão de débito e crédito. Sabia que, de alguma forma,
eles eram suficientemente inteligentes para farejar seu rastro e
saber do comportamento anormal.
— Eu estou cansada. – Julie disse do banco ao lado.
Hector olhou para jovem. Julie o acompanhara na busca por
todo o tempo. Dois dias nas estradas, buscando em quase todos os
bairros, becos e vielas. Julie estava se mostrando leal e uma amiga
devotada. Passou a mão no alto da cabeça loura, como se Julie
fosse uma menina, disse:
— Só mais um pouco, por favor. Em seguida, prometo, iremos
para casa descansar. Amanhã farei as buscas sozinho. Para não a
cansar. Eu não me sentia confiante de que ficaria bem se a deixasse
sozinho hoje.
Hector sabia que sua companhia tinha razão em seu pedido,
mas não queria dar-se por vencido ainda. Passaram os últimos dias
andando por Cambridge de um lado a outro, espiando pelas janelas,
portas e por sobre muros. Em busca de qualquer coisa, qualquer
pista, nem que fosse o típico perfume de morangos dos cabelos de
Lucine, para achá-la.
Recusava-se, piamente, a crer que Lucine desaparecera sem
deixar rastros. Recusava-se a crer que a mulher que amava
pertencia a outro agora, ainda mais quando seu íntimo sabia que
Lucine lhe amava de volta.
Eram dez da noite quando foram para o apartamento de
Hector, pelo menos por aquele dia desistiu da busca.
— Por aqui. – Hector apontou o caminho para que Julie
entrasse em sua casa – Não é o maior de todos os apartamentos,
mas poderemos morar aqui por enquanto. Já o tinha colocado à
venda há algum tempo, apenas protelava para aceitar as ofertas.
Vou comprar um lugar maior onde tenha pelo menos três suítes.
Assim moraremos mais à vontade.
Julie entrou naquele local “conhecido”. O mesmo apartamento
onde, não muito tempo antes, Lucine apaixonava-se por seu
professor. Agora, sua vida tinha saído da agonia de viver com o
tique-taque do relógio sobre sua cabeça. Apontando, a todo tempo,
uma morte iminente. Infelizmente, os planos tinham sido misturados
de tal forma que, agora, Lucine não estava mais nessa vida. Julie é
quem ocupava o lugar que Lucine antes ocupava. Julie é que estava
compromissada com o homem que a melhor amiga tinha amado e
não tinha mais Ordem na sua vida.
Por mais que o tempo passasse, Lucine não chegava. Um dia
se passou. Dois dias se passaram e Lucine não voltou. Julie o tinha
advertido que isso poderia acontecer. Mesmo assim Hector não quis
acreditar. Preferiu ouvir uma vozinha fraca de intuição que repetia
que o professor e a aluna ainda ficariam juntos.
Os últimos dias, desde que saíram da sessão onde Julie
perderia a vida, foram passados no apartamento de Julie. Hector
dormiu no quarto de Lucine, temendo e desejando que esta voltasse
para aquele lugar, assim poderia tê-la consigo outra vez, nem que
fosse a última. Agora, foram para o apartamento de Hector, o local
para onde Lucine poderia ir caso fugisse.
— Você pode ficar no meu quarto. – Hector disse a Julie –
Pelo menos provisoriamente. Entrarei em contato com alguém
especializado que possa transformar meu escritório num quarto para
você. Eu sinto muito por não ter nada preparado, minha atitude me
tomou de surpresa.
— Eu espero que não esteja arrependido. – Julie disse um
tanto quanto desconcertada – Eu realmente não quero dar trabalho,
nem um pouco mais do que eu te dei.
— Você não dá nenhum trabalho e não estou arrependido.
Apenas despreparado mesmo. Não tive tempo de mandar decorar
um quarto. Quando vi aquela mensagem no seu celular, não pensei
em mais nada. Exceto que não poderia deixar uma amiga morrer.
Ainda mais sendo amiga de Lucine também.
— Por falar nisso, – Julie recomeçou a dizer enquanto se
sentava no sofá e cruzava as pernas perto do peito, em posição
fetal– eu nunca serei capaz de agradecer o que você fez.Você tem
noção que salvou minha vida né? – Falou mais para si do que para
Hector – O mínimo que eu posso fazer é repor uma parte do que
gastou. Não tudo, eu não tenho nem metade de um milhão de libras.
Achei que meu valor estivesse bem mais baixo que esse para a
Ordem Escarlate.
— Não faça isso. Eu não receberia seu dinheiro. Mantenha o
seu dinheiro para você mesma, para o caso de eu faltar.
— Então não aceite o dinheiro. – Julie disse e via-se em seu
rosto que estava nervosa com toda a situação – Há o meu
apartamento. Sim, ele foi recém adquirido, mas não é tão grande
quanto este, nem tão bem decorado. Eu posso vendê-lo e te dar o
dinheiro, para te ajudar com os custos.
Hector andou até o sofá e se sentou ao lado de Julie, disse:
— Não, não faça isso também. E não estou pedindo isso
porque acho que não seja capaz de quitar sua dívida, mas porque
não quero que se desfaça do seu imóvel. Nós iremos continuar
levando a vida normalmente, até acharmos Lucine. E só então
decidiremos o que fazer. Por enquanto, não faça isso. Se for
necessário, venderemos os dois imóveis e mudaremos desta cidade
para sempre. Você, eu e, principalmente, Lucine.
— Você realmente a amava?
— Com toda minha força.
— Posso ser indiscreta?
— Seja.
— Por que motivo não lutou por ela como lutou por mim?
Hector sabia que tinha errado nesta parte. Como um homem
irracional, tinha deixado o orgulho vencê-lo por muito tempo e
quando enfim estava em paz com Lucine, ela fora arrematada por
outro homem. Agora tinha arrematado Julie, talvez naquilo que a
psicologia caracteriza como transferência, tenha se deixado sentir
responsável por Julie, pois tinha a imagem mais próxima de Lucine
nela.
— Porque eu fui um imbecil, egoísta, Julie. E porque quando
decidi que iria perdoá-la por algo que a jovem sequer tinha controle,
foi perto demais de nossa separação. Naquele teatro, eu cheguei a
dar um lance, mas o que foram os três milhões e meio que eu
ofereci comparados aos vinte milhões daquele sujeito?
— Não se sinta culpado, professor. – Julie justificou-o –
Nenhum de nós tem controle sobre qualquer coisa. Enquanto
estamos sob o comando da Ordem... Bom, não pertencemos nem a
nós mesmos.
— Eu sei. Mas isso vai acabar.
Hector foiao quarto e ligou de lá mesmo para que trouxessem
comida. Pensou em dormir na sala, mas o sofá do escritório deveria
bastar, então levou algumas cobertas e travesseiros para lá.
— Julie, está tudo pronto para você no quarto. – Hector disse
depois de organizar a roupa de cama e separar uma camisa
confortável e uma cueca nunca usada para que a senhorita Aston
pudesse vestir - Eu pretendo descansar um pouco antes de
jantarmos. Por falar nisso, o jantar chegará aqui em uma hora.
— Certo... – Julie assentiu esperando que Hector lhe desse
alguma ordem.
— Você quer tomar um banho? Trocar de roupa?
— Eu quero sim, me sinto imunda.
— Tudo bem, pode ir primeiro. – Hector disse – Eu separei
uma camisa larga para você vestir, eu não sei se vai querer usar,
mas está em cima da cama. Assim que terminar, vou tomar um
banho também.
Hector viu Julie sair do cômodo e passar ao outro
apressadamente. Sabia que não tinha agido errado. Na verdade,
nunca teve tanta certeza de ter feito algo certo quanto teve nesse
momento. Ainda assim, a apreensão que sentia por Lucine, o
desespero de não saber onde estaria, ocultava a graça do
momento. Não sabia como nomear o que estava sentindo.
Perdeu-se em pensamentos enquanto buscava um caminho
de trazer seu coração de volta para casa.
CAPÍTULO XII

QUANDO THOR FOI ACORDADO às cinco da manhã, pela


insônia, ficou vagando pela casa até que os primeiros raios de sol
começaram a surgir, bem fracos, por detrás das nuvens. Por isso,
quando a políciade Cambridgeshire bateu à sua porta, por volta das
sete horas, já estava acordado.
— Bom dia, em que posso ajudar? – Thor cumprimentou os
policiais que esperavam à porta com suas boinas na mão.
— Polícia de Cambridgeshire. Procuramos pelo senhor Price.
— Sou eu mesmo.
— Então terei que pedir que nos acompanhe, por favor. – O
policial sacou um papel e o estendeu para Thor – O senhor está
sendo intimado a depor, se quiser poderá ser acompanhado por um
advogado.
— Não será necessário.
— Como preferir. O senhor tem cinco minutos.
Thor já estava vestido. Precisou apenas pegar um casaco
longo do cabide de detrás da porta e saiu de casa, sem café.
Poderia tentar correr, já que a polícia de Cambridgeshire não usa
armas, mas isso seria assinar seu atestado de culpa.
“Se pelo menos os malditos não tivessem sido tão burros!”
Se apenas a polícia local tivesse sido chamada para o caso,
não estaria tão preocupado. Bastaria que olhassem para o anel no
dedo dele para dispensá-lo imediatamente, mas agora, que os
burros contratados tinham cometido um crime fora do condado, a
Scotland Yard estava envolvida. Não era por nada que a Scotland
Yard era conhecida como uma das melhores polícias investigativas
do mundo.
Thor entrou no banco de trás da viatura, sentindo-se um
criminoso, sob o olhar vigilante dos vizinhos. A viatura ligou a sirene
e saiu de lá rapidamente.
Quando chegaram à delegacia, Thor, ainda não algemado, foi
conduzido pelos policiais até a sala onde seria interrogado. A sala
tinha apenas uma mesa de madeira de lei e três cadeiras, duas de
um lado e uma do outro, as duas primeiras dispostas para os
policiais, a outra para o suspeito. Na parede, um quadro negro e
uma faixa de espelhos e, se Thor tinha assistido filmes suficientes
para criar uma teoria, sabia que do outro lado teriam pessoas.
O ambiente era abafado e tinha isolamento acústico, o que
fazia Thor sentir-se claustrofóbico e estressado.
A cadeira em que se sentava era desconfortável. Tinha plena
convicção de que isso era feito de propósito. O controle do
termostato da sala abafada ficava na parede atrás dos policiais e
Thor teve que conter a vontade de levantar-se e manipular a
temperatura para que o ambiente ficasse ligeiramente mais ameno.
— Então, como está senhor Price? – O policial mais velho
começou a perguntar – Ah, me desculpe, que indelicadeza a minha.
Meu nome é Rod, Rod Price. Assim como o senhor. O senhor seria
dos Price de Rye?
— Não, não sou, mas o senhor provavelmente já investigou
isso.
— Onde está sua esposa, senhor Price? – O homem
perguntou sem dar muita atenção à ironia de Thor.
— Melinda está viajando a trabalho.
— Mesmo?
— Mesmo. – Thor respondeu desafiante.
— Ouvi falar que sua esposa é uma das melhores curadoras
de arte do país. Deve ser muito orgulho para um homem ter ao lado
uma mulher tão bem-sucedida.
— Sim, Melinda é meu tesouro.
— Vocês têm filhos?
— Não, não temos filhos.
— Um casal jovem deveria pensar em ter filhos.
— Não somos um casal comum, focamos em nossas
carreiras.
— Compreendo perfeitamente. Um homem tem que se
destacar. É quase uma regra implícita, concorda?
— Absolutamente.
Thor concordou, entretanto, sabia bem o que se passava.
Parte da técnica de interrogatório policial ideal diz que se deve
tentar estabelecer uma ligação com o interrogado, ele no caso, e
Thor fingiu que tinha aceitado a sugestão do interrogador
justamente para que passassem à segunda parte dos
questionamentos, e assim saber especificamente em que estava
implicado.
— O senhor conheceu Miranda Kiel?
— Conheci. – Não valia mais a pena mentir.
— Quão bem conheceu a senhorita Kiel?
— Isto é relevante?
— Totalmente relevante.
— Além da nossa relação entre mestre e discípula. Éramos
amigos íntimos.
Rod encarava Thor, analisando o movimento dos olhos. Se se
movessem para a esquerda, Thor estaria mentindo, se movessem
para a direita, aí sim o sujeito estaria falando a verdade. Os olhos
dele se moveram para a direita ao puxar da memória as
recordações.
— Os senhores mantinham um relacionamento íntimo ou
eram apenas amigos íntimos?
— Não tínhamos um relacionamento, éramos apenas amigos.
O policial Rod notou o movimento dos olhos para a esquerda,
Thor estava criando um álibi, era momento de aprofundar as
perguntas.
Rod levantou-se da cadeira, começou a andar de um lado
para o outro contando o ocorrido:
— A senhorita Kiel era apenas uma jovenzinha quando fugiu
de casa e veio se esconder na cidade de Cambridge. Miranda
conseguiu uma vaga numa Universidade concorrida. Apesar de toda
a dificuldade que se esperava, conseguia se sustentar numa cidade
cara, sem nenhum emprego de renda regular. Eu me pergunto:
como isso acontecia?
— Há muitos meios de ganhar dinheiro numa cidade como
Cambridge, policial.
— Uma delas é ser sustentada por alguém. Alguém com
renda suficiente para que ninguém na casa deste alguém
suspeitasse.
— Eu não sustentava Miranda Kiel.
— Eu não disse isso, o senhor negou antes que eu o
dissesse. Aí surgem novas questões. A relação entre os senhores
não se limitava ao campo profissional,disso já sabemos, o senhor a
sustentava é um fato.
Thor não negou nada, esperou que o policial, que só agora
tinha notado ser inspetor de polícia, terminasse sua teoria.
— Sua esposa suspeitava, o senhor quis dar um jeito de
terminar a relação, Miranda não aceitou e o senhor precisou partir
para outros meios de silenciá-la.
Thor passou a mão na testa enxugando um fio de suor que
tinha brotado e Rod não deixou que isso passasse despercebido.
— Isso não faz o menor sentido! – Thor se alterou um pouco.
— Logo será sua vez de falar, senhor Price, por enquanto é a
minha. Miranda era sua amante, senhor Price? Matou-a por isso? A
senhorita Kiel o extorquia para não revelar o segredo?
— Eu amo Melinda, para mim ela era e é a única coisa que
importa no mundo. Eu jamais faria esse tipo de coisa. Jamais faria.
— Planejaria?
— Muito menos planejaria!
— Veja bem, é bom que esteja me dizendo que jamais teria
planejado esse tipo de coisa, que foi algo totalmente fora do seu
controle. Você se importa com mulheres como se importa com sua
esposa. Tenho certeza que isso foi só um erro isolado, não uma
coisa repetida.
Rod colocou a mão no ombro de Thor, amigavelmente,
tentando mostrar que o senhor Price poderia confiar nele. Esse
também era um dos passos de um interrogatório bem-sucedido.
— Eu estou tentando ajudá-lo, senhor Price. Sem uma
explicação para o acontecido as pessoas imaginariam o pior.
— Você acha que sou o quê? – Thor respondeu levantando-
se irritado – Burro? O senhor acha que jogando todas essas
informações em mim iria me agarrar como um peixe é agarrado por
uma isca?
— Sente-se, senhor Price. – Rod disse com a voz levemente
alterada, ainda não terminamos aqui.
Thor sentou-se outra vez. Visivelmente desconfortável,
afrouxou a gola da camisa e estalou os dedos das mãos. Por mais
que quisesse sair dali, naquele momento, não poderia.
— Senhor Price, estamos cientes que sua esposa entrou com
um pedido de divórcio contra o senhor. Haveria alguma razão em
especial para isso?
— Incompatibilidade de gênios.
— Vejo... Então, o que o leva a crer que acreditaríamos que
seu depoimento, no qual diz que sua esposa é algo valioso para si,
é verdadeiro? Como se o senhor mesmo oculta um fato como um
divórcio? As coisas começam a se complicar.
Thor conhecia praticamente todas as técnicas utilizadas num
interrogatório policial. Sabia até das técnicas de lavagem cerebral
utilizadas. Mesmo assim, não pôde não ficar nervoso e entrar em
contradição quando lhe bombardearam com uma série de
perguntas. Tantas e tão tolas que não sabia sequer como não tinha
conseguido respondê-las corretamente.
Estava com problemas, sabia disso. E duvidava muito que
fosse conseguir se livrar de tão severas acusações.
CAPÍTULO XIII

O SOL QUENTE DA ITÁLIA ERA UM bálsamo para a


juventude de Melinda. O vento da região parecia ter sido feito para
lhe embalar os cabelos. O vestido escuro que conservava, não
conseguia ocultar o brilho de sua pele beijada pelo sol. Mesmo em
luto, continuava linda.
Depois de tanto tempo fugindo de Montserrat, agora estava
ali. Na casa dele, vivendo com todos os móveis que o rodearam por
toda a vida, cercada pelas suas reminiscências.
Melinda tinha passado uma vida inteira apaixonada por
Montserrat. Tão apaixonada, que nem percebeu que esteve fugindo
dele este tempo todo. Agora, que Montserrat partira, conhecia a
profundidade da devoção que o senhor Sinesi sentira. Deixar todos
os tesouros acumulados em vida para Melinda tinha sido mais que
uma prova do quanto se importava.
Claro, Melinda trocaria cada centavo que tinha recebido por
uma chance apenas, por um dia apenas, para confessar a
Montserrat o quanto ainda o amava e o quanto o amara mesmo
quando seus lábios gritavam o contrário.
— Senhora Price. – Bernard surgiu na sala, observando-a de
longe, precisou pigarrear para interromper a apreciação
contemplativa em que sua chefe se encontrava.
— Pois não?
— Os empregados já estão reunidos, como a senhora pediu,
estão todos prontos para o seu anuncio.
— Oras, Bernard, – Melinda disse – não é um anúncio.
Teremos apenas uma conversa. Não pretendo ser uma megera, só
quero conhecê-los.
Melinda andou para perto dele, que abriu a porta, e saiu assim
que sua chefe o autorizou.
— Bom dia – Melinda cumprimentou-os todos – Os dias do
luto oficial por Montserrat estão terminando. E vamos fazer um
evento, não para rememorar a sua morte, mas sim para comemorar
a vida que o senhor Sinesi teve.
— Senhora, – Um dos homens falou e Melinda o reconheceu
como sendo um dos caseiros – a senhora já sabe, toda a vila é de
propriedade da casa principal, seria bom convidar os moradores.
— Seria adorável! – Melinda concordou – Vamos colocar
alguns cartazes avisando a todos os moradores que, em breve,
teremos uma festa em homenagem à Montserrat, à memória dele.
— O senhor Sinesi era um homem muito querido na região,
ajudou muitas pessoas nesses últimos meses, suspeito que as
tenha ajudado sabendo do pouco tempo de vida que tinha. – Um
dos peões disse lamentando a morte do seu chefe querido.
— Pode ser, mas acredito também que Montserrat era uma
pessoa muito boa e que o fazia sem nenhuma espécie de interesse
que não fosse o bem alheio.
Bernard saiu por alguns minutos, avisado de um fato
extraordinário pelo ponto que carregava ao ouvido. Quando voltou,
estava com o telefone na mão.
— Senhora Price, há um telefonema para a senhora. Polícia
de Londres.
— Eu posso vendê-lo, já disse. Isso iria repor o dinheiro que
você gastou.
— Não, Julie, o dinheiro é o que menos importa no momento.
Mesmo que eu conseguisse repor o dinheiro, do que iria me servir
diante do valor que Lucine foi alçada? – Hector parecia frustrado –
Eu sempre soube, soube que amá-la seria uma ruina para mim.
Desde o princípio, quando o máximo que tínhamos que lidar era
uma relação proibida entre um professor e aluna. Agora temos que
lidar com tudo isso.
Hector estava cansando. Não de procurá-la, mas de não a
encontrar. Lucine desaparecida dava a mesma sensação que se
deve ter a de quem acabou de acordar de um sonho. Não podia
pedir socorro. Pediria para quem? Para a polícia corrupta? Ou
ainda, tentaria por suas próprias forças correr atrás do que parecia
ser uma simples alucinação? Contaria como tudo aconteceu?
Todas as dúvidas que tinha amontoavam-se umas sobre as
outras como sombras densas e o deixavam quase sem respirar.
— Se quiser, – Julie disse – podemos ir para lá. Pelo menos
de vez em quando. Quero dizer, Lucine conhece seu endereço, mas
também conhece o meu. E se ela aparecer por lá? Se estiver
pedindo ajuda e ninguém estiver ouvindo?
— Vamos fazer isso sim. Revezar um pouco. – Hector
suspirou, quase resignado - Eu não posso fazer mais do que já
estou fazendo.
— Eu sei disso, professor. Sei o quanto está abalado.
Julie notou como Hector parecia estar a ponto de
enlouquecer, apesar da fachada calma que aparentava, via-se
dentro dele uma bagunça de sentimentos que o homem mal
conseguia sustentar.
— Por que não vai se deitar? Eu compro e preparo alguma
coisa para comer. Você deve estar cansado, muito cansado. As
olheiras sob seus olhos parecem as de um urso panda.
— Eu não sei se consigo. Eu estou preocupado demais para
desligar.
— Tente. – Julie disse – Você não é o único a estar com essa
sensação. Eu amava Lucine... – Julie adicionou rapidamente – como
uma amiga. Lucine era minha melhor amiga, mesmo eu não
merecendo.
Hector concordou depois de alguma insistência e foideitar-se.
Julie o observou saindo da sala, de ombros baixos, incapaz de
ajudar o homem que lhe tinha salvado a vida.
Vestiu o casaco de Hector que estava deixado sobre a mesa e
foi para fora do apartamento, procurar algum lugar que vendesse
pratos congelados. Julie não sabia cozinhar direito, na verdade, nem
sabia por que tinha feito essa sugestão.
Quando saiu para a rua, percebeu o quão diferente era a
sensação de estar livre. Julie não usava mais o colar, as roupas
especiais já tinham sido jogadas fora,e não se sentia mais como se
estivesse andando vigiada por uma dúzia de pares de olhos. A
sensação era tão diferente e, ao mesmo tempo, Julie parecia não
perceber, amedrontadora.
Liberdade, o sentimento pelo qual tinha lutado por alcançar
pelo que pareceu uma vida. Agora, que a tinha nas mãos, parecia
não saber como agir sem parecer uma tola. Continuou andando,
com as mãos nos bolsos. Lutando contra a sensação de que sem o
colar estava nua.
Encontrou uma loja pequena, há algumas quadras de
distância, e comprou pratos congelados e outras coisinhas para
tentar cozinhar noutro momento.
CAPÍTULO XIV

UM MÊS SE TINHA PASSADO e nenhuma notícia sobre


Lucine surgiu.
Hector e Julie continuaram com suas vidas, indo à faculdade,
depois juntando-se para procurar Lucine. Hector, na esperança de
surpreender Lucine em algum ponto da cidade; Julie, na alegria de
poder completar a graduação.
Sempre se separavam uma quadra antes, Julie descia do
carro e andava até o prédio em que estudava. Hector prosseguia
para a própria sala de aula ou escritório de trabalho.
Quando Julie se formasse, entraria com o pedido de
contratação dela. A Ordem tinha mandado que fosse seu
responsável, que nunca deixasse de vigiá-la. Hector não acreditava
que Julie pudesse fugir, mas, mesmo assim, era bom tê-la por perto
e evitar maiores problemas.
Desde que salvou Julie, Hector não frequentou uma única
sessão. Não teria estômago para ver acontecendo com outras
mulheres o que poderia ter acontecido a Julie. Não queria, também,
ver acontecendo a outra o mesmo ato indecente que tinha
acontecido a Lucine. Não suportaria ver outro ser humano traficado
para satisfazer desejos sórdidos de quem quer que fosse.
Hector sentia como se estivesse recuperando a humanidade
que perdeu quando passou a frequentar o anfiteatro da Ordem
Escarlate. A cada dia mais, sentia-se um pouco menos monstro e
mais homem.
A aula começou em modo mecânico.
— Nossa personagem principal está deprimida. Justine é uma
jovem amada por todos, bem-sucedida profissionalmente. Justine
está na sua festade casamento, em uma belíssimapropriedade nos
campos que pertence à sua irmã. Tudo, absolutamente tudo,
coopera para que Justine se sinta bem, mas não importa o quanto
as coisas estejam bem, Justine está deprimida.
Hector toma um gole da água mineral engarrafadae continua:
— Quando Justine é amada por todos, querida, e nada parece
ser o suficiente para movê-la do estado em que se encontra,
perguntamo-nos, o que a levou a este estado?
Ninguém lhe responde. Ninguém sabe a que ponto Hector
quer chegar.
— Para Freud, a melancolia pode ser causada, ou
desencadeada, pela perda do objeto de amor.
— A morte deste? – Um aluno perguntou.
— Não necessariamente. Sua morte causaria luto. A
melancolia se dá através da perda enquanto objeto de amor. Justine
não tem consciência sobre o fatoque deflagrouo seu estado, dentro
de uma explicação psicanalítica.
Os alunos começam a tomar nota.
— Melancolia é um filme. Na história contada há algumas
pistas, a busca por encaixar-se no meio social, o próprio atraso de
Justine à sua festa de casamento parece uma ameaça aos
preparativos da festa. Justine é repreendida por sua irmã e por seu
cunhado, que orquestra toda a festae se sente frustradoao ver que
Justine não se comporta conforme o trato social aceito, e muito
aquém de suas expectativas.
Hector senta-se à beira da mesa:
— Nenhum dos parentes parece comportar-se de forma
aceitável. O pai acompanhado de duas mulheres, a mãe que não
liga para a família,o chefe que a cobra no próprio casamento. O
noivo traça planos numa casa nova recém-adquirida sem consultá-
la. Tudo isso deve ter sido fator primordial.
— Doutor Lujak, – O mesmo aluno que sempre vinha
respondendo com um desrespeito velado, questionou – o que isso
tem a ver com a aula?
Ignorando o comentário dele, Hector continuou:
— Justine é uma linda e bela jovem, vivaz. Todos lhe
consideram feliz e bem-amada. Todos ligam esses fatos à felicidade.
Ela é cobrada por isso, por John, seu cunhado, por exemplo, que diz
que a festa custou muito dinheiro e que a sua obrigação, em
retorno, era a de ser feliz. Justine promete cumprir seu papel, mas
fracassa. Naquela mesma noite, Justine pede demissão, discute
com a mãe, desencontra-se com o pai, faz sexo com um homem
aleatório. Recusa-se a dormir com o marido, que ao ver-se
recusado, a deixa. Todas as tensões que eles suportam e a sua
ruptura estão expostos nesta festa que constitui a primeira parte do
filmeMelancolia, intitulada “Justine”, do dinamarquês Lars Von Trier.
— É um filme baseado no personagem de Sade? – Uma das
alunas questionou.
— Justine é o nome de nossa personagem central de Justine
ou os infortúnios da virtude, novela do marquês de Sade que já
estudamos aqui. Então, você tem razão. O enredo segue Justine por
14 anos, nos quais ela sofretodos os tipos de injustiça e violência:é
humilhada, caluniada, enganada, roubada, escravizada e estuprada.
Por pessoas nas quais confiou ou às quais ajudou. Oficiais do
governo e membros do clero, pessoas que devem zelar pelo bem-
estar civil e espiritual dos outros, eram seus principais algozes. Por
fim, aos vinte e seis anos, ela é fulminada por um raio. O mundo,
afinal, não era bom para a Justine do marquês de Sade. Assim
como não é para a de Lars Von Trier que, em dado momento,
sentencia: “Não devemos ficar de luto por este planeta. Ele é mau.”
Von Trier é sádico “de raiz”.
– A segunda parte do filme, “Claire”, desloca lateralmente o
foco principal. Neste ponto, algum tempo depois da festa, a
depressão de Justine evoluiu para um quadro de debilidade física
extrema: a personagem não levanta mais da cama, precisa ser
amparada para se locomover, não consegue ir ao banheiro, não tem
forças para se alimentar, sequer consegue manter explícito o vínculo
afetivo com o sobrinho. Ela não parece mais uma mulher bonita.
Claire, a sua irmã mais velha, vivida por Charlotte Gainsbourg é, por
outro lado, a imagem da estabilidade emocional esperada por nossa
sociedade para uma mulher adulta e “normal”: seu instinto maternal
é direcionado tanto ao filho Leo, uma criança, quanto, na ausência
da mãe, à irmã doente; Claire encontra porto seguro no científicoe
tranquilizador marido. Ela é o que em nossos dias chamamos de
uma mulher forte. Entretanto, a vida é ruim, o que a deixa em
grande desvantagem.
Hector andou pela sala, dissertando, apaixonadamente, os
assuntos da sua aula:
— A morte certa e próxima de todos os personagens expõe
de forma bastante aguda seus diferentes estados psicológicos e
suas vinculações com o mundo. Na trama criada pelo autor-diretor,
um planeta chamado Melancolia está passando por nosso sistema
solar, e especula-se sobre um iminente impacto com a Terra, o que
causaria o seu fiminstantâneo é a “dança da morte”. Quem primeiro
percebe algo diferente no céu, ainda na primeira parte do filme, é
Justine. Sua liberação das relações afetivas, esvaziadas,
provavelmente lhe aguçou os sentidos para aquilo que não é
humano – ela começa a perceber alterações em constelações, cujos
nomes, aliás, desconhece.
— Conheço essa parte! – Marlee, uma das alunas disse.
— Ótimo, estou cansado de explicar – Hector disse e sentou-
se à mesa – continue a explicação.
— Professor?
— Não, não se preocupe. Aqui está o resumo.
Hector estendeu o papel até que Marlee o pegasse. Marlee,
inquieta, continuou a leitura:
— John, a princípio, tranquiliza Claire e o filho. Garante, com
base na “ciência de verdade”, que o impacto não acontecerá.
Homem equilibrado e “normal”, ele tenta transformar a “passagem”
de Melancolia pela órbita terrestre em um grande acontecimento, ao
qual todos devem testemunhar e com o qual devem ficar
maravilhados, e não temerosos. Justine não precisa ser
tranquilizada. Ela percebe a morte, e vê na iminência do impacto –
do qual não tem dúvida alguma – o fim do sofrimento e a
confirmação da ausência de expectativa. Seu fim,
providencialmente, não precisa ser voluntário. Ela está racional e
serena só é possível estar plenamente no mundo, que não é um
lugar suave, ao se encarar o problema da morte.
Marlee olha para o professor, que gesticula para que ela
continue:
— A destruição do planeta é o menos importante na trama. Ao
perceber seu erro de cálculo, John procura a saídaindividual, rápida
e indolor. Saída que poderia ser classificada por Durkheim como
“anômica”. O mundo que conhece, com suas regras e
previsibilidade, não existe mais. Resta apenas o controle sobre a
sua própria morte. Claire, desesperada, tenta fugir da mansão
levando o filho e a irmã, mas não convence Justine, que não tem
mais a capacidade de sentir desespero, uma vez que este pode ser
a manifestação aguda (e não totalmente consciente) de um impulso
biológico, o instinto de autopreservação. Justine bloqueou este
impulso.
— O impacto acontecerá em poucas horas, ainda naquele dia.
Claire sugere que os três: ela, Justine e o filho, esperem tudo
acontecer sentados na varanda, após as duas tomarem uma taça de
vinho (todos os tranquilizantes foram gastos horas antes por John).
Hector interrompeu a leitura de Marlee para que mostrasse
não estar apenas delegando o seu próprio trabalho:
— Obrigado, Marlee. –Agradece e continua a dar a sua aula
depois de ter repousado por um pouco de tempo as cordas vocais –
Justine discorda com veemência, e prefere ser o esteio de
tranquilidade para as últimas horas do sobrinho a quem tanto ama.
Ele, por sua vez, deposita nela grande confiança. Ambos colhem
galhos de árvores para construir uma cabana a qual Justine diz ser
invulnerável. Os três tomam lugar na construção infantil, a “caverna
mágica”. Melancolia se aproxima e o horizonte se desfaz em fogo
enquanto Leo mantém os olhos fechados e expressa confiança.
Claire olha para o filho,desesperada. Justine está de olhos abertos.
Vê o mundo. Encara o seu próprio fim.
Hector olha para todos, que parecem inertes diante da
explicação. Explica o que quer para a próxima aula e dispensa os
alunos. Não tinha mais concentração suficientepara dar aula no dia.
Foi esperar Julie no carro.
A Ordem providenciaria documentos para que os dois se
passassem por parentes, isso anularia as suspeitas sobre uma
possível relação para os profissionais da universidade que
desconheciam o mundo sob seus pés.
CAPÍTULO XV

NADA TINHA MUDADO, LUCINE continuava a mesma.


Mesmo que Christian, com todos os seus esforços, tentasse ser
galante o suficiente, Lucine não cedia a nenhum de seus encantos.
Aquela brincadeira tornava-se divertida, partindo do ponto que a
rendição dela seria ainda melhor aproveitada.
Christian não desistiria enquanto não fizesse de Lucine sua,
mas não apenas de corpo, também de alma. Ele só desistiria de
conquistar Lucine quando ele visse o desejo dele refletido no dela.
Deliberava sobre as concessões que faria para agradar, ainda que
um pouco, a rebelde que tinha sob seu teto.
Estava numa reunião de gabinete que se encontrava em seus
momentos finais. Assim que esta terminou, pegou o carro e voltou
para casa. As ruas de Cambridge pareciam pacíficas,mas Christian
sabia exatamente que espécies de segredos elas ocultavam.
O motorista do carro principal foi avisado por e-mail que
deveria ir por outro caminho, isso faria que os jornalistas seguissem
o carro oficialcom seu dublê e dessem-lhe o caminho livre para sair
por outro caminho.
Quando chegou à casa, pediu que a cozinheira preparasse
uma refeição saborosa, escolheu alguma coisa que Lucine
gostasse, depois de pronta, foi até o quarto de Lucine. Como não
queria assustar a jovem no aposento, bateu à porta, pedindo
permissão para entrar.
— Lucine, está acordada? Posso entrar?
Christian não se via obrigado a fazer isso, mas Lucine era
algo pelo qual valia a pena se comportar. Ele já a tinha feito confiar,
o próximo passo era conquistá-la definitivamente. O passo dois
começava agora:
— Lucine? – Christian a chamou outra vez, calmo ainda.
Sem que ouvisse os passos do interior do quarto, Lucine se
aproximou da porta e a abriu, quieta e mui temerosa, e falou baixo:
— Sim?
— Trouxe isto para você. – Christian estendeu duas sacolas
de lojas finas, nas quais estavam um par de sapatos e um vestido
que ia até os joelhos, vermelho e vibrante – Gostaria também de
convidá-la para jantar, mandei preparar algo especial para nós dois.
Acompanha-me?
Lucine não sabia o que Christian queria. Não tinha como
confiar num homem que se submetia às ordens de pessoas tão vis.
Ao mesmo tempo via que Christian era o único em quem poderia
confiar. Com medo que uma negativa pudesse significar uma
agressão, mesmo que isso nunca tenha acontecido antes, sorriu de
leve e pegou as sacolas que lhe eram estendidas.
— Obrigada, eu aceito.
— O jantar sai em uma hora. Eu realmente gostaria de vê-la
com esse vestido, claro, se assim quiser. Eu vou descer para me
arrumar também, temos muito a conversar hoje. – Christian
estendeu a mão para tocar-lhe o rosto, Lucine não recuou, achando
que qualquer coisa que fizesse fosse acender o gatilho que o faria
perder a capa de autocontrole – Não se preocupe, falaremos de
coisas que irão te agradar.
— Por exemplo? – Lucine perguntou e disfarçou que
guardaria as sacolas para fugir do toque de Christian.
— Seus pais.
Imediatamente Lucine olhou para ele, ansiosa para que
pudesse falar um pouco mais sobre o jantar. Christian sorriu e foi em
direção ao seu próprio quarto.
“O que ele quer falar sobre meus pais?”
Lucine pensava, seguidamente, sobre todas as possibilidades
que abrangesse todos naquela equação, mas só via as coisas por
um prisma:Christian iria chantageá-la em troca da vida dos pais, ele
faria mal aos dois se não cedesse.
Lucine teria que ser o mais gentil possível, a mais cautelosa
possível, não queria mal aos pais, era por eles que tinha entrado no
olho do furacão, e era por eles que se submeteria a tudo o que
Christian quisesse.
Fez um longo, pesaroso e preciso processo de limpeza.
Passou outro tempo se hidratando, vestindo. Não sabia exatamente
o que Christian proporia, mas tinha que acreditar que não faria mal
aos seus pais se não desse motivo para tal.
Quando desceu as escadas, estava com o vestido vermelho
conservador e o sapato estilo boneca que ele tinha comprado.
Andou um pouco, procurou por Christian, foiaté a sala de jantar e lá
ele estava:
— Seja bem-vinda, Lucine Fester. – Christian disse – Sinto-
me na obrigação de dizer que a cor vermelha cai muito bem em
você.
— Obrigada. – Lucine tinha que ser gentil, ainda não sabia em
que tipo de solo estava pisando.
— Por que não se senta, senhorita Fester? O jantar será
servido tão logo a senhorita queira.
Lucine aceitou o convite, esperava que Christian começasse
com uma abordagem mais truculenta, diria até mais violenta, com
observações mais carnais, mas não, Christian estava se
comportando bem para os primeiros minutos de jantar.
Havia dias que Lucine não comia direito, sempre comia do
que levavam no café-da-manhã e precariamente se servia das
demais refeições ao longo do dia. Tinha perdido algum peso, nada
muito alarmante, afinal, não comia muito antes, mas já saltavam os
ossos da bacia no quadril.
— Aposto que está faminta. – Christian notou como Lucine
parecia retraída, então continuou a falar – Lucine, não se preocupe,
este é um jantar civilizado entre duas pessoas. Eu e você iremos
conversar sobre pontos importantes desta relação, que não parece,
mas sim, existe.
Christian fez sinal para que as salvas de pratas fossem
colocadas diante dele e de Lucine, cada um descobriu seu prato.
Suculentos cortes de carne com molho em redução de vinho, um
purê de legumes e uma farofa de nozes saborosa.
Lucine mastigava devagar. Embora faminta,sentindo cada um
dos aromas e dos temperos, teve que controlar-se para não comer o
prato de uma só vez. Aquilo era delicioso, era um sabor que,
somado à fome, fazia que a jovem se tornasse quase uma pessoa
sem modos à mesa.
Antes do que sequer esperava, o prato de porções pequenas
tinha acabado e Lucine lambia os lábios, ainda com fome.Christian,
vendo o que acontecia, estendeu o seu prato, que sequer tinha
tocado, para ela.
— Não... Obrigada. – Lucine agradeceu, mas seu estomago
ainda estava quente de fome.
— Eu insisto. Pedirei que nos sirvam de novas porções. –
Christian disse.
Lucine não saberia quando comeria tão bem novamente,
então aceitou o prato. Christian fez sinal para que a cozinheira
trouxesse uma nova porção para si.
— Sobre seus pais. – Christian começou a dizer, Lucine parou
o garfo no ar, no meio do caminho para a boca – O que acha de
uma troca?
Ali estava o cerne maléfico, Lucine sabia, Christian a
chantagearia para conseguir o que queria. Faria o que o maldito
homem quisesse pelo bem dos próprios pais.
— Que tipo de troca? – Lucine perguntou depois de engolir o
último pedaço de carne molhado no molho delicioso – Eu preciso
saber primeiro.
— Não se preocupe, não precisa olhar para mim com esses
enormes olhos amedrontados. Eu já disse que não farei qualquer
coisa que você não queira. Eu posso ser um monstro, como você
não cansa de gritar para as paredes, mas tenho palavra. Não vou
tocá-la, Lucine Fester, enquanto não pedir para ser tocada.
— Do que se trata então?
A empregada colocou o prato na frentede Christian e retirou o
de Lucine, quase vazio, substituindo-o por outro cheio. Assim que a
jovem saiu, Christian propôs.
— Estive pensando sobre o quanto deseja ver os seus pais.
Não acho que seja uma coisa boa ficartanto tempo sem vê-los, não
é saudável e nem natural.
— Não entendo. – Lucine comentou apática, não querendo se
encher de esperanças antes da hora.
— O que não entende? Não há nada demais para entender. –
Christian disse observando a moça à sua frente. Faria de tudo para
que Lucine fosse feliz ao seu lado. Estava malditamente
apaixonado. Sendo paciente para que a flor que cultivava não
desabrochasse antes da hora - Estive pensando sobre sua vida
nesta casa. Está há tanto tempo aqui e ainda insiste em se
comportar como um encarcerado. As portas estão abertas e você
insiste em ficartrancada, não sai do quarto. Sei que tem medo, mas
não há qualquer pessoa nesta casa que queira lhe fazer mal.
— Por favor, Christian, o que quer dizer?
— Acho que tem se comportado bem, Lucine. Isso merece um
presente. Uma comemoração.
Lucine estava desesperada, precisava ver o pai, a mãe. Saber
se estavam bem, por Deus, precisava ver se seu irmão estava bem.
Estava disposta a qualquer coisa por isso.
— Eu quero vê-los, por favor. – Lucine disse com voz trêmula
– Eu faço qualquer coisa.
Christian entendeu a sugestão, mas não aceitaria o presente
dado de malgrado, preferia esperar que Lucine quisesse se
entregar, a construir nela uma maior aversão por si.
— Não, não me ofereça seu corpo vazio. Eu não o quero
assim e não agora.
— Christian! Por favor, me leve para ver meus pais. – Lucine
implorou, por pouco, não deixou cair algumas lágrimas dos olhos.
— Eu farei isso, sim. Mas primeiro preciso ter certeza de uma
coisa.
— Qualquer coisa!
— Você terá que me mostrar que não utilizará a oportunidade
para fugir.
Lucine pareceu não compreender. Na verdade, tudo que
passava na cabeça dela naquele momento era ver os pais e nada
mais. Uma fuga nem chegou a passar em sua mente.
— Eu não posso levá-la agora, ainda tenho bastante trabalho
na semana, mas se comportar-se dignamente, para os meus e seus
padrões, eu consigo até enxergar essa possibilidade. Seria muito
bom dar um abraço na família, não acha Lucine?
— Oh, sim, – Lucine disse – por favor! Christian, o que tenho
que fazer? Diga-me, não me deixe ficar buscando razões para tudo.
— Faremos um teste. Que tal se jantarmos juntos no final de
semana num restaurante fino? Providenciarei um lugar bem
movimentado, público, que me impedirá de fazer qualquer coisa
caso queira fugir. Eu estarei impossibilitado, meus seguranças não.
– Completou – Se você fizer por merecer, poderá ver seus pais em
breve. Se não, somente quando eu confiar que é a moça adorável
que imagino.
Lucine precisava, muito, ver seus pais. Eles não tinham
notícias dela há algum tempo, deviam estar preocupados. Naquele
momento, não era mais o professor Lujak que passava em sua
mente, apenas seus pais, preocupados, com o rosto ferido pelo
tempo em que Lucine não lhes saudava.
CAPÍTULO XVI

A BANHEIRA, ADORNADA DE CRISTAIS tinha sido disposta


num ângulo que permitia que Aisha observasse toda a cidade. Nua,
sob as águas que compunham o banho de Evian, ela se deixava
observar pelo Magister.
O homem, sentado na cadeira estofada que Aisha usava para
se maquiar, em frente à penteadeira, observava com um brilho sutil
nos olhos cada um dos movimentos dela.
— Onde estão as pétalas de rosas? – Perguntou enquanto se
aproximava, afrouxando os botões do punho da camisa.
— Você sabe que nunca fui uma mulher de flores.
O Magister retirou a camisa, depois a calça, e a roupa de
baixo, entrando na banheira com ela. A água cara espalhou-se por
todos os lados, o homem sorriu ao ver os seios de Aisha brilhando
contra a luz que iluminava cada um dos seus contornos.
Aisha deitou-se na beirada da banheira, erguendo os braços
para cima, os mamilos lustrosos escapando do lençol d’água.
— O senhor não deveria se portar tão mal. Onde está o recato
que se pede para o trato com uma dama?
— Não se tem recato com uma prostituta. – O Magister disse.
Longe de ofendê-la, sabia que Aisha se excitava quando
ouvia tais palavras. Era como se precisasse de alguém que a
fizesse não se sentir tão adorada ou desejada, isso a fazia sempre
querer provar-se melhor do que era. Ele conhecia o caminho que os
lábios trilhariam, conhecia a exata pressão que Aisha exerceria ao
abrigá-lo dentro de si. Conhecia, com precisão, o sabor de mulher
que deixaria em sua língua.
Depois de algum tempo, não era mais apenas uma mulher e
seu homem, eram parte um do outro. Uma traição seria
imperdoável, em qualquer campo que fosse.
— Senhores, – o segurança chamou à porta, atrapalhando o
ritual que mal tinha começado – ele está aqui.
Frustrado, o homem se levantou da banheira, irritado com o
que parecia ser uma interrupção desrespeitosa.
— Deveria treinar melhor esses seus criados.
— Eu treino, sabe disso. – Aisha tocou no rosto dele
provocativamente – Você está chateado porque não possuirá meu
corpo, mas isso pode esperar.
Como se para demonstrar que estava correta, Aisha passou a
mão ao longo da ereção que se mostrava no meio das pernas dele.
Deu um sorriso malvado cheio de segundas intenções e cobriu-se
com um roupão transparente que fazia qualquer homem sentir
vontade de tocar a pele que o tecido mal ocultava.
O homem cobriu a cintura com uma toalha e andou até a sala,
pelo mesmo caminho por onde Aisha tinha desfilado um minuto
atrás. Sentou-se no sofá da sala, de frente para Aisha.
— Espero que tenham um bom motivo para atrapalhar meu
banho de Evian.
— Me perdoe, senhora. Como a senhora tinha pedido, assim
que a visita que os senhores solicitaram chegasse, eu os chamei. A
visita já os espera na sala de reuniões.
O homem falava isso tomando um cuidado exacerbado para
não deixar que seus olhos inadvertidamente descessem para
observar os contornos da sua chefe.
— Muito bem. Não posso culpá-los por obedecer a minhas
ordens. – Aisha se levantou, seguida pelo homem que há poucos
minutos tocava seu corpo e entraram na sala informada.
Os dois sentaram-se à mesa de reuniões. Do outro lado, Thor
Price os aguardava, nervoso, suspeito em cada uma de suas
atitudes.
— Que bom que aceitou nosso convite, senhor Price. É uma
honra receber a sua visita. – Aisha disse como se Thor tivesse
alguma escolha.
— É uma honra senhores.
— Deve saber a razão de termos chamado você tão cedo
aqui. – Aisha disse em seu tom sempre sensual.
— Na verdade não, se puder elucidá-la.
— Elucidá-la... O que acha Aisha? – O Magister interveio.
— Deixe-me explicar devagar, talvez isso vá iluminando sua
memória aos poucos. – Aisha começou e se ajustou na cadeira,
para Thor, a sensação de que estava um interrogatório se renovou.
A postura de Aisha, autoritária, o fez suar imediatamente – Você,
gênio como é, deve saber que é muito, mas muito errado, esconder
algo importante de nós, não sabe?
— Absolutamente.
— Então aposto que há algo que queira nos contar.
— Sim. – Thor engoliu em seco – A polícia me levou a um
interrogatório, a Scotland Yard está envolvida, a polícia de
inteligência está no caso.
— Mesmo? E levaram você do nada? Por quê? Só por que
estava passeando na rua e escolheram um cidadão aleatório? –
Aisha falava com desdém.
— Não, senhores. A Scotland Yard está investigando a morte
de Miranda. Eles têm grandes suspeitas que eu esteja envolvido.
— É mesmo? – O Magister falou desta vez – E por quais
razões teriam tais grandes suspeitas?
— Não vá nos dizer que há alguma coisa que o condene. –
Aisha ironizou, embora soubesse a resposta – Por que não nos
explica o motivo de terem tão grandes suspeitas de você?
— Miranda e eu tínhamos uma relação fora dos átrios da
Ordem, isso veio à tona. – Thor disse ao perceber que mentir era a
pior coisa a ser feita – Encontraram ligações para mim, realizadas a
partir do celular dela. Fui levado para um interrogatório, não sei até
que ponto investigaram, mas sou o suspeito principal.
— A melhor arma sempre é a verdade. – O Magister disse – O
que muito me espanta é ver que nos escondeu isso por tanto tempo.
Sabes que as Pulcras não são proibidas fora do teatro, mesmo
assim escondeu isto de nós? Por que esconder-se?
— Estávamos apaixonados. – Thor falou num tom nervoso.
— Apaixonados? – Aisha perguntou – Se estivesse realmente
apaixonado, você a teria salvado. Coisa que sequer se dignou a
fazer. Em vez disso, aproveitava sua pulcra dos lados de fora do
anfiteatro e a iludia, tenho certeza, com promessas vazias.
— Eu não tinha meios... Eu quis.
— Não, você não quis. Sabe muito bem que a culpa de
Miranda ter morrido é sua. Você a iludiu e a fez acreditar que a
arremataria. Fazendo-a, inclusive, negar alguns pedidos de outros
interessados, em favor do seu.
— Isso não é verdade.
— Como se atreve a dizer que dos lábios dela podem correr
mentiras? – O Magister continuou a falar – mas agora, isso já não
importa. Apenas poupou-nos de um trabalho que faríamos de
qualquer forma. Aquela pobre criança estava se comportando como
um cão sarnento ao qual ninguém quer. Você deu-lhe um fim até,
digamos, agradável.
— Eu não a matei.
— Não, mas mandou matar. Já investigamos isso. Não pense
que somos tolos, senhor Price, - o Magister disse – este é o mal de
todos que se acham espertos. E, caso não tenha deixado claro,
você está fora da Ordem Escarlate.
Thor sabia que estar fora da Ordem Escarlate é praticamente
assinar sua sentença de morte. Ele não queria morrer, não agora, e
não assim.
— O que preciso fazer para ficar?
— Não há nada que possa fazer. – O homem continuou
falando – Mas ainda há tarefas a cumprir. – O Magister apoiou os
braços na mesa e continuou – Desvie para você o foco da
investigação ou...
— Ou?
— Ou desvie de você o foco da investigação.
— Isso não deve ser difícil,– Thor disse – eu poderia fazer
isso facilmente.
— Se fosse fácil não estaríamos oferecendo essa saída. – O
homem disse outra vez. Aisha, que não sabia do que o Magister
estava falando, apenas continuava ouvindo, esperando para ver até
onde iria essa conversa.
— O que preciso fazer? – Thor perguntou novamente.
— Escute. – O homem se levantou e, andando de um lado
para o outro, falou sobre o plano que tinha em mente – Soube, de
fonte confiável, que a senhora Price entrou com um pedido de
divórcio. Procede?
— Sim. – Não havia razão para negar.
— Acredito que Melinda Price esteja enraivecida, por algum
motivo, e se ainda conheço os tramites dos crimes passionais, essa
seria uma ótima justificativa para um crime.
— O que quer dizer?
— O que quero dizer é: Melinda seria capaz de atentar contra
a vida de Miranda ao descobrir que era traída com uma aluna?
— Não! Melinda jamais seria capaz disso. Vocês sabem.
— Nós sabemos, mas a polícia não sabe. – O Magister
continuou - Sua senhora, fora da cidade, pouco antes do crime.
Parece um ótimo álibi para alguém culpado. Ainda mais sabendo
que a própria hora da morte de Miranda está sendo uma incógnita
tendo em vista o estado do corpo.
— Não entendo aonde quer chegar.
— Culpe-a.
— Como?
— Insinue que Melinda tinha descoberto o caso recentemente,
insinue que andava estranha e viajou ao descobrir o caso. Isso
desviaria o rumo da investigação de você e da Ordem.
— Eu não sei se sou capaz disso. – Thor falou, pela primeira
vez em algum tempo, verdadeiramente se preocupando com
Melinda.
— Eu não perguntei se é capaz, eu ordenei que isto seja feito.
Claro, se escolher desviar o foco para outra pessoa. Você escolhe.
— Qual a outra opção?
— Bom, não acho que há prova de amor maior que essa, dar
a vida pelos seus. Você escolhe, Thor Price. Ou Melinda, ou você.
O silencio imperioso que reinou na sala indicava que Thor não
era mais bem-vindo. O senhor Price saiu da sala cheio de incertezas
na mente.
CAPÍTULO XVII

DESDE O DIA QUE PROMETERA a Lucine, Christian não


fizeranada para amedrontá-la. Na verdade, não lembrava de ter tido
um comportamento tão exemplar desde que Lucine tinha prometido
não fugir. Christian estava insistindo e, pelo inferno, estava até
mesmo sendo cavalheiro. Outro presente, outro vestido, sapato, e
uma joia que Lucine não se deu ao trabalho de desembrulhar.
Era tarde, tinha convidado Lucine para jantar, também tinha
pagado alguns profissionais que, insubornáveis, não aceitariam
enviar recados de sua amada para qualquer pessoa. Estes
profissionais estavam ali, na casa de Lucine, prontos para deixá-la
sempre impecável.
Quanto mais a noite se aproximava, mais sabia que estava se
aproximando o momento de encontrar Christian, não sabia ao certo
o que o homem queria, mas sentia que poderia confiar que não a
maltrataria.
O vestido Balenciaga tinha um caimento perfeito e, talvez só
agora, Lucine começasse a perceber o preço que custava. Os
sapatos estavam colocados, uma maquiagem calma acentuava de
leve os olhos.
Liberdade, uma coisa que sempre achou que teria, ao qual
nunca deu muito valor. Agora, podada, era o que mais queria
resgatar. Depois de tudo que tinha acontecido ultimamente em sua
vida, se admirava por não estar caindo no espaço, perdendo a si
mesma e à sua razão.
— Boa noite, Lucine. – Christian disse assim que a bela
mulher desceu à sala de jantar – Permita-me dizer que esta noite
você está mortalmente bonita.
— Muita gentileza sua. – Lucine perguntou- Para que um
vestido tão caro para um jantar em casa? Faz parte do papel que
devo desempenhar ou você simplesmente gosta de desperdiçar
dinheiro?
— Não é um total desperdício. – Christian disse e apoiou a
mão sobre o encosto da cadeira de modo provocante – Se a visse
como a vejo agora, saberia que não há coisa mais agradável que a
ver na nossa casa, disponível apenas para mim. Mesmo que ainda
não completamente.
— Posso imaginar. – Lucine ironizou.
— Não poderia imaginar nem que quisesse.
Lucine sentou-se depois que Christian se levantou e puxou a
cadeira. Cavalheiro ele era, mas dentro de si também ocultava um
monstro. Toda essa gentileza escondia um trato de fera.
— Pedi que fizessem uma paella, sei que é o prato que mais
gostava dos arredores da faculdade. Com pouca pimenta, sei que
também não gosta muito.
— Sabe tudo de mim, não é mesmo?
— Tudo. Até onde você me permitiu saber.
— Essa é a questão, eu não deixei que você soubesse nada.
Eu caí na sua vida assim como você caiu na minha. Não há nada
que eu faça de boa vontade. Sempre me sinto amedrontada. Mesmo
vir jantar aqui, uma coisa aparentemente simples, é um pesadelo.
Eu nunca sei quando você vai perder o autocontrole.
— Sua resposta é: Nunca. Eu nunca perderei o controle com
você. Eu já disse infinitas vezes, nunca mais a tocarei, a não ser
que queira. E sei que irá querer. Lucine, eu tenho sentimentos por
você e meu pesadelo é fazer algo que vá afastá-la de mim
definitivamente.
Lucine não tinha muito a falar depois disso.
— Por que não conversa comigo? Fale do que sente, fale do
que tem medo. Lucine, o que eu mais quero é ouvi-la. Já
poderíamosestar nos dando bem há muito mais tempo se não fosse
tão orgulhosa.
— Christian, eu tenho medo de você. Acho que não posso
deixar mais claro que isso.
— Lucine, eu sou inofensivo para você. Quando vai acreditar
que a amo?
Lucine queria, de algum modo, tocar numa parte dele que
sequer sabia se existia. Queria fazê-lo sentir qualquer coisa.
Empatia, simpatia, pena, não importava. Só queria que Christian
parasse de tentar encantá-la dentro duma cadeia.
— Tenho uma surpresa para você.
— Qual seria?
— Participaremos de um jantar no próximo sábado. Será no
Parthenon dos parlamentares. Eles irão realizar a celebração anual
em comemoração ao aniversário da constituição inglesa.
— E onde eu fico nisso tudo?
— Você irá comigo!
— Eu vou com você?!
— Sim. – Christian explicou – Fique calma, não pretendo fazer
nada de anormal. As câmeras estarão por todos os lados. E sabe
que sequer preciso delas para me comportar com você. Esta seria
uma oportunidade única para fugir, o que eu espero que você não
faça.
E ali estava a ameaça velada que tanto temia.
— Qualquer pessoa normal desejaria fugir.
— Eu sei. E é por isso que espero que não o faça. Não
poderei capturá-la caso tente fugir, mas saberei encontrá-la depois
disso.
— O que terei que fazer nesse jantar?
— Sorrir, principalmente, e se emocionar quando eu a pedir
em casamento.
— O que?
— Sim, Lucine. Não acha que um homem notável como eu,
exemplo de bem para todas as famíliasdo país, possa se deixar
levar por um sentimento mesquinho com qualquer mulher. Eu
pretendo torná-la minha esposa em breve. Isso se você se
comportar, claro. E, depois de tudo que já vivemos, acredito que
você irá fazê-lo por nós dois.
A que tudo Christian se referia? Christian só podia estar
doente se achava que estar trancafiada num local, sem acesso ao
exterior, aos amigos, aos familiares, era uma história de amor digna
de um casamento.
— Eu não farei isso! – Lucine se levantou, indignada,
inconformada, mas ao mesmo tempo sabendo que não tinha
escolha. Hector não a procurava havia muito tempo, o que parecia
ser uma eternidade. Provavelmente tinha esquecido dela, sentia
isso.
— Sente-se, – Christian falou depois de limpar os lábios com
um lenço fino – não estrague nosso jantar.
Lucine sentou-se outra vez. Christian falou com carinho,
quase como se temesse que Lucine pudesse fugir. Quase como se
Lucine fosse uma criança a qual ele, adulto, tentava convencer.
— Sente-se, por favor, Lucine. Eu já disse, não pretendo fazer
mal nenhum a você. Essa própria situação, de sempre ver você
fugindo de mim, chega a ser uma clausura para mim também. Não
sabe como tenho tentado pular esse muro que você criou entre nós
dois.
— Casar-se não é a melhor maneira de pular esse muro,
Christian! Por Deus, seria um pecado, seriamos estranhos.
Christian, eu não amo você perceba isso!
— Mas vai amar e nem vai perceber quando isso acontecer.

A nota no jornal ocupava quase toda a página da coluna


social. Não havia uma foto dos dois, apenas a de Christian Navarro,
e informava que este pediria a namorada em casamento no fim de
semana. Aquilo passaria despercebido por Julie, mesmo com todo
aquele tamanho, se não fosse o nome da noiva.
Lucine Fester.
Imediatamente, Julie viu-se tomada por sentimentos
conflituosos. Lucine era a paixão da vida de Hector, dizer a Hector
onde Lucine estava, era o mesmo que a dar de presente para o
homem ao qual tentava conquistar. O ciúme era intenso demais,
louco demais. Pior seria se algo acontecesse a Hector. Nunca sabia
se poderia viver livremente ou se o fantasma da Ordem viveria lhe
assombrando.
Julie não queria que Hector soubesse, ao mesmo tempo
queria. Por Lucine e pelo amor que sabia que a amiga sentia pelo
professor, sabia que devia. Mas, se fizesse, onde ficaria após isso
tudo? Teria que compartilhar uma casa onde se não é bem-vinda?
Onde não se faz a menor diferença? Seria o elo fraco de uma
relação que não daria certo e que não traria nenhum benefíciopara
si?
Hector e Lucine. Os dois seriam felizes. E Julie? Onde Julie
ficaria?
Seria sempre uma sombra entre os dois.
CAPÍTULO XVIII

NEM TODOS QUE ESTAVAM NA SALA acreditavam na


teoria lançada. Porém, como policiais, sabiam que a melhor coisa a
ser feita era seguir pela frente investigativa que era a linha de
raciocínio do chefe de polícia.
A inteligência da Scotland Yard continuava insistindo que o
trabalho estava sendo feito de modo a permitir que os culpados
conseguissem escapar, mas mesmo assim a polícia de
Cambridgeshire não evoluía nas investigações.
Pelo menos, não até aquela manhã.
— Rod! – O chefe do departamento gritou e o nome de Rod
foi ouvido por todo o corredor de investigadores – Rod! Apresente-
se.
Rod levantou-se, andou por todo corredor, sob os olhares
atentos dos policiais, e apresentou-se na sala de chefia.
— Senhor.
— Rod, reforce os trabalhos. Precisamos que mobilize uma
equipe para inquirir certa pessoa.
— Pois não, senhor. Mas quem?
— Melinda Price. Novas provas se deram e parecem indicar
ainda mais a mentora no caso Kiev. Aparentemente, Melinda sabia
da relação entre Miranda e Thor, e isso a levou a cometer o crime.
— Sim senhor.
Rod confirmou que iria obedecer à ordem, mas não que iria
acreditar naquela teoria. Bastava que se comprovasse a data de
saída de Melinda da cidade para que a teoria de que era culpada
caísse por terra. Por outro lado, a polícia poderia insistir nessa linha
de investigação, afirmando que Melinda poderia ter orquestrado o
crime e, depois disso, saído da cidade.
Rod sempre acreditou que os melhores criminosos não fogem
de seus crimes. É como se estes precisassem afirmar que o crime
bem executado seria reconhecido publicamente, assim teriam sua
marca. Melinda, se tivesse cometido o crime passionalmente, não
teria fugido. Muito provavelmente teria se escondido em sua casa,
em sua vida, e assim nada abalaria o mundo em que se confiava.
Ligou para casa e avisou a famíliaque não retornaria naquele
dia, nem nos próximos. Conseguiu autorização para realizar a
viagem, chamou dois policiais em quem confiava para acompanhá-
lo. A Scotland Yard arcaria com os custos da viagem.

— Eu preciso falar com você.


Julie disse depois de ser anunciada na sala de Hector. O
professor estava com uma aparência péssima, não dormia há dias,
pelo menos não decentemente, e Julie sentiu pena dele.
— Aqui? Isso é realmente necessário?
— Muito! – Julie disse e entrou. Um recorte de jornal pesava
no bolso como se tivesse alguns quilos. Respirou fundo e continuou
– Eu não teria vindo se não fosse necessário. Não somente
necessário, mas muito importante.
— Sente-se. – Hector apontou a cadeira à sua frente – Não
podemos demorar muito, em breve temos de sair. Vamos continuar
as buscas...
— É justamente sobre isso que vim falar.
— Fale.
— Descobri algo que pode interessar. É sobre Lucine, claro.
Na verdade, eu descobri isso desde ontem, mas tive medo de
contar. Precisei ter confiança em algumas coisas.
— Que tipo de coisas? O que sabe sobre Lucine que não me
contou antes? Você pode me dizer, por favor?
Julie retirou o papel do bolso, o recorte de uma página quase
inteira, dobrada em várias partes, e entregou a Hector.
— Peguei isso no jornal local. A notícia é de ontem.
Não tinha nada que quisesse mais do que notícias sobre
Lucine. Hector abriu o papel apressadamente, pensando no pior.
Tinha medo do que aquele papel poderia revelar.
Quando os olhos dele correram sobre o papel, distinguindo as
letras em tinta preta, formando palavras, frases com sentido, a
vontade de Hector foi lançá-lo longe. Aquilo era pior que um
pesadelo. Não era possível. Como pode ter sido tão estúpido, tão
burro e, ao mesmo tempo, tão crédulo.
Lucine seria anunciada, em breve, como noiva de um dos
homens mais importantes do Reino Unido. A garota tinha recusado
seu pedido de casamento para agora noivar com Christian Navarro?
Não era à toa que tinha negado, Hector não tinha a mesma fortuna
de Christian. Teria Lucine o enganado esse tempo todo? Não, nisso
não acreditava. Ou não queria acreditar. A pontada de ciúme queria
fazê-lo crer. Os ciúmes o cegavam e o faziam querer julgar Lucine
como a mais baixa das mulheres. No fundo, Hector sabia que
Lucine não o faria de tonto desta maneira.
Seu inimigo era grande, mas não invencível.
Christian Navarro, primeiro governador do estado,
possivelmente um dos homens mais ricos do país. Pelo menos,
agora, Hector tinha um rastro para encontrar Lucine Um ponto inicial
para sua busca. Isso explicava tudo, menos o porquê de Julie não
ter contado o que acontecera.
— Por que não me contou antes, senhorita Aston?
— Estive lutando comigo mesma, por algum tempo. – Julie
falou ao sentar-se na cadeira de frente para a mesa – Eu deveria,
eu sei. Deveria ter falado desde o primeiro dia, desde a primeira
hora ou minuto que soube, mas me senti incapaz.
— Por que se sentia incapacitada?
— Professor, eu não sei.
— Tente explicar, senhorita Aston. É o melhor a fazer. –
Hector insistiu, ligeiramente bravo.
— Eu não poderia contar, professor. Eu estava pensando em
mim. Eu não sei o que acontecerá comigo quando a encontrarmos.
Lucine vai voltar, vai ficar contigo. Quero dizer, na tua casa e não
posso ficar só. Seria abandono. Eu seria vulnerável, procurada. Eu
vou sobrar se vocês ficarem juntos.
— Não quer que eu fique com Lucine?
— Não, não é isso. Eu simplesmente não quero ficar de lado.
Eu vou sempre estar entre vocês, entre os planos. Porque eu não
poderei ficar só.
Aquilo era algo a se considerar. Hector não tinha pensado
nisso antes. Contudo, não se ateria a isso no momento. O que
importava era que tinha informaçõessobre Lucine. Quanto ao resto,
pensaria noutro momento.
— Vamos nos preocupar com isso quando Lucine for
encontrada e estiver a salvo. No momento nada, repito, nada
conseguirá me retirar do firme propósito de encontrá-la.
— Tudo bem. Sei que é o melhor a fazer. – Julie disse e
baixou o rosto, constrangida. Não sabia por que tinha pensado que
convenceria Hector a se preocupar com outra pessoa que não fosse
Lucine.
— Mas não se preocupe, Julie. Prometi e eu vou proteger
você. – Hector corroborou sua palavra – Eu a salvei, assumi um
compromisso com você. Você será uma irmã para mim e para
Lucine. Sua alegria será a minha própria.
— Eu estou tentando acreditar nisso, professor, mas não vejo
Lucine aceitando isso de bom grado. Tenho certeza que não
aceitará essa situação.
— Eu a conheço, Julie. Lucine aceitará.
— Duvido muito. – Julie falou já se levantando para sair da
sala - De qualquer forma, tentarei fazer conforme disse.
— Tentará?
— Sim, professor. Tentarei relaxar. Vou confiar na promessa
que ficará do meu lado. Do nosso lado.
As palavras não acalmaram as dúvidas de Julie. Julie sabia,
muito bem, até onde vai a cólera de uma mulher traída.
CAPÍTULO XIX

— BOM DIA, EM QUE POSSO AJUDAR?


Bernard cumprimentou depois que a porta da mansão
principal, onde Melinda residia agora, estava aberta. Ao fazê-lo
deparou-se com dois homens muito brancos e muito louros, trajando
um terno sóbrio (obviamente não italianos). Ao lado destes, um
policial local. Questionou a motivação de estarem ali.
— Sou o detetive Vegas, do centro de investigações criminais
de Florença. Este é Rod, da Scotland Yard, e seu parceiro de
serviço, Stephen, da polícia de Cambridgeshire. A senhora Price
deu o endereço do senhor Sinesi como residência quando entrou no
país.
— Certo. – Bernard esperou que falassem tudo o que
queriam, antes de dar qualquer informação.
— Gostaríamos de falar com o senhor Sinesi. – O detetive
Vegas pediu – Se puder nos receber, seria de grande valia.
Bernard olhou para o policial, obviamente despreparado, e
comentou num tom sério e duro:
— Temo que seja impossível.
— Se Montserrat Sinesi se recusar a nos receber, informeque
a polícia necessita falar com ele.
— O senhor Sinesi faleceu, detetive. – Bernard respondeu
num tom insubordinado – Temo que isso explique o porquê de não
poder recebê-lo.
O detetive Vegas ficou em silêncio, não tinha ideia da morte
de Montserrat Sinesi. Rod, vendo o colega constrangido, desviou da
conversa vergonhosa, e foi direto ao ponto que queria chegar. Não
deixando de notar, claro, que Bernard não tinha feito sugestão para
que entrassem.
— A senhora Price vive aqui?
— Sim, vive.
— Gostaríamos de falar . É um caso de extrema necessidade.
— Eu a chamarei. Por favor, entrem. – Bernard disse,
finalmente, depois de ter feito Rod amargar um pouco da sua
presunção do lado de fora.– Irei anunciá-los à senhora e verificarse
está disposta a atendê-los.
Rod entrou no local, observou o enorme hall que abrigava os
visitantes enquanto aguardava. Se o senhor Sinesi tinha falecido,
não havia razões para que Melinda ainda estivesse na casa.
Melinda era casada, estar na casa de outro homem, depois que este
falecera, dava margem a várias interpretações. Inclusive, levantava
suspeitas sobre a idoneidade dela. Por outro lado, se eram amigos,
poderia estar na casa para o luto.
As histórias se encaixavam e logo surgia uma nova teoria
para desencaixá-las. Quando, finalmente, procuravam fazer algum
sentido, uma nova teoria se formava.
Bernard pediu que chamassem a senhora Price, assim não
deixaria os estranhos sozinhos no local.
— Faz muito tempo que trabalha para a senhora Price? – Rod
perguntou para Bernard.
— Não creio que sou obrigado a responder suas perguntas. O
senhor não parece ter vindo aqui para me inquirir de qualquer coisa.
– Bernard falou num tom duro – De qualquer modo, não faz tanto
tempo. Sou funcionário da senhora Price desde que meu patrão
faleceu.
— Vejo. Isso foi ordem dele?
— Sim, embora seja um prazer trabalhar para a senhora
Price.
Dez minutos se passaram até que Melinda descesse as
escadas.
Rod não pode deixar de notar que se tratava de uma mulher
inegavelmente bonita. Muito mais bonita que nas fotosda delegacia.
Trajada num vestido longo parecia uma deusa. Controlou seus
impulsos masculinos, de qualquer modo. A situação não se tratava
de entrevistar uma mulher bonita, se tratava de entrevistar uma
suspeita de assassinato, ou pelo menos mandante.
— Pois não? – Melinda perguntou ao avistar os homens no
hall da casa. Não lembrava de tê-los visto em ocasião anterior.
— Senhora Price?
— Sim.
— Gostaríamos de conversar um pouco com a senhora. Sou o
policial Rod, estes são meus colegas de trabalho. Se a senhora
puder ceder um pouco do seu tempo para responder algumas
perguntas.
— Claro, por favor, acompanhem-me. – Melinda iria levá-los à
sala de estar que ficava há alguns passos dali, mas Bernard
interveio.
— Senhora, não é bom conversar com os policiais sem um
advogado presente. Quer que eu chame um dos advogados da
família?
— Não, Bernard. – Melinda falou tranquilamente – Não será
necessário. Eu conversarei com eles. Não sei o que os senhores
querem, mas não me sinto culpada de coisa alguma. Se precisar,
claro, ouvirei seu conselho.
— Sim, senhora.
— De qualquer modo, – Melinda disse – obrigada pela
preocupação. Está tudo bem.
Os homens caminharam após Melinda. Entraram na sala que
tinha indicado e sentaram-se. Melinda fez o mesmo.
— Então, em que posso ajudá-los?
— Senhora Price...
— Não, por favor, apenas Melinda.
— Desculpe senhora, a profissão o pede.
— Então tudo bem.
— Vou direto ao assunto que nos trouxe aqui. Recentemente
foi descoberto um corpo nos arredores de Cambridgeshire. Uma
jovem chamada Miranda Kiel. O nome lhe traz alguma lembrança?
— Não, não no momento.
— Certo. A senhora sabe dizer se o seu marido, Thor Price,
mantinha alguma relação com esta senhorita?
— Eu não posso responder por Thor, desculpe.
— Não pode responder pela vida de seu marido?
— Ex-marido, em breve.
— Estão separados?
— Em processo de divórcio.
— Poderia esclarecer o motivo?
— Incompatibilidade de gênios, de planos, dentre outras
coisas.
— Um relacionamento extraconjugal, advindo do seu marido,
seria uma dessas outras coisas?
— Não gostaria de tocar em assuntos pessoais no momento.
— Senhora, um relacionamento extraconjugal seria o motivo
para muitos casais se separarem.
— Concordo plenamente. Mesmo assim, muitos escolhem
perdoar. – Melinda disse – Nosso relacionamento se acabou por
desgaste natural das relações.
— O que é muito estranho – o policial Rod começou sua teia
de insinuações – é que toda a cena foi construída para parecer
suicídio, a senhorita Kiel aparentemente tinha certo interesse por
entorpecentes.
— Ainda não entendi onde posso estar implicada nisso.
— Senhora, uma denúncia nos leva a crer que possa estar
envolvida com a morte de Miranda Kiel. Se não direta,
indiretamente.
— Como é? – Melinda levantou-se, quase como os homens a
tivessem cuspido à face – O que eu poderia ter a ver com isso?
— Uma mulher enciumada pode muito em seus efeitos.
— Acha que eu destruiria minha vida por causa de um caso
do meu marido? Não deve ter feito seu trabalho muito bem se acha
que seria capaz de uma coisa dessas.
— Não me convém julgar personalidades, mas encontrar
culpados. – Rod respondeu.
— Então faça isso de forma mais eficiente. Eu não sou
responsável pelas companhias com as quais meu ex-marido anda.
E, até agora, não consigo entender que relação é essa que estão
supondo que eu poderia ter com essa pessoa de quem estão
falando.
— Miranda.
— Que seja, eu não a conhecia. Sequer me lembro de uma
oportunidade de ter trocado palavras com alguém que tenha esse
nome. Se tiverem uma foto, seria de grande ajuda, mas já garanto.
Não tenho envolvimento nenhum com qualquer dos casos que meu
marido possa ter.
Impacientando-se, Bernard entrou na sala. Do lado de fora,
tinha escutado a alteração no tom de voz de Melinda e precisou
interromper.
— Com licença, senhores, – Bernard disse – exceto se
tiverem uma ordem judicial, não têm o direito de fazer mais
perguntas. O advogado da família chegará em poucos instantes, e
já proibiu a senhora Price de responder mais perguntas.
— De qualquer modo, – Rod disse ao se levantar,
acompanhado dos outros dois policiais – a senhora Price terá que
se apresentar em Cambridge, no distrito policial. Há um
interrogatório marcado em pouco tempo.
— Onde estão os documentos? – Bernard perguntou.
Melinda apenas conservava o espanto de ser acusada de um
homicídio e permanecia calada.
— Chegarão em breve. Serão trazidos por um oficial de
justiça.
— Até lá, senhores, peço que não incomodem a minha chefe
com mais perguntas. Retirem-se, por favor. Tenham um bom dia.
O sorriso era polido, mas não gentil. Os homens saíram da
casa e entraram no veículo. Bernard acompanhou-os até à porta e
os viu partir em duas viaturas.
— Obrigada, – Melinda disse quando Bernard voltou até onde
estava – eu não sabia o que fazer. Estou ainda chocada pelo que
falaram.
— Senhora, o advogado pediu, encarecidamente, que não se
apresente à polícia antes de ter a oportunidade de conversar com a
senhora. Como eu tinha sugerido, será necessário que chamemos o
corpo de advogados para avaliar a situação. Não imagino que a
senhora seja culpada de coisa alguma, mas não sabemos até onde
conseguiram implicá-la no fato ocorrido.
— Sim, Bernard. Você tem razão, eu não sei o que eu tinha na
cabeça quando achei que poderia lidar com isso sozinha. Me
perdoe. Chame os advogados e peça que venham o mais breve
possível.
Decidiram que ligariam para Thor e tentariam entender em
que inferno o homem a tinha metido agora. As chamadas caiam na
caixa postal. Mesmo depois de ter pedido o divórcio, Melinda notava
com tristeza que nem ainda assim Thor não parecia minimamente
interessado.
— Posso continuar tentando, senhora. – Bernard se ofereceu.
Melinda, no fundo, queria acreditar que Thor ainda atenderia
uma ligação sua, pelos tempos bons que compartilharam, mas via
que estava enganada.
— Por favor, faça isso – Melinda pediu.
Muitas outras tentativas de chamadas foram feitas, não houve
sucesso no contato. Duas horas mais tarde, Melinda desistiu. Os
advogados tinham chegado, e iria acompanhada por eles de volta
para a cidade. Bernard também iria junto.
CAPÍTULO XX

NAQUELA NOITE, LUCINE ESTARIA noiva de Christian


Navarro. Primeiro-governador A infeliz tinha tirado a sorte grande.
Julie imaginava que Christian só devia estar muito apaixonado para
já estar anunciando uma relação com Lucine para toda a sociedade.
Precisava arranjar um meio de entrar nesse jantar, falar com
Lucine, saber se estava tudo bem. Dar notícias a Hector e também
saber onde Lucine estivera por todo esse tempo.
Os jornais não diziam que empresa seria responsável pelo
evento, mas anunciaram o local. Um Buffet próximo ao museu de
Cambridge.
— Hector, – Julie saiu do quarto e foi até a sala, onde Hector
lia jornais em uma escrivaninha – está ocupado?
— Não, pode falar.
— Estava notando que não trouxe alguns documentos. Como
você sabe, minha formatura é no final de semana que vem.
— Sim, já tínhamos conversado sobre isso. O que posso fazer
por você? – Hector disse retirando os óculos de armação grossa –
Precisa de alguma coisa?
— Não, não. A faculdade vai arcar com os gastos, e de
vestido não preciso, não irei à festa. Não estou no clima para
comemorações.
— Então?
— Então que tenho que ir ao outro apartamento. Vou
organizar algumas coisas para trazer, documentos também, e posso
me demorar.
— Quer que eu vá com você? Posso levá-la, só precisarei
trocar de roupa rapidamente.
— Não, não quero te atrapalhar. Eu vou de táxi ou ônibus. Se
eu demorar demais e perceber que está muito tarde, eu vou dormir
lá. Tudo bem para você?
— Não tem problema nenhum. Me ligue se precisar de
alguma coisa. Você tem dinheiro para o táxi?
— Tenho sim.
— Perfeito então.
Hector deu a cópia da chave que tinha feito para Julie e
trancou a porta após a garota sair. Preocupava-se com Julie quase
como se fosse uma filha.
Julie saiu do apartamento, esperou algum tempo do lado de
fora da construção, para ter certeza que Hector não a seguiria.
Quando notou que não o faria, fez sinal para o primeiro táxi que
passou.
— Me leve a este endereço, por favor. – Julie pediu e
estendeu um papel para o taxista.
— Senhorita, – o taxista disse depois de ler o papel, tomando
o cuidado de afastá-loum pouco de seu rosto, já que não enxergava
bem de perto – o acesso a esta rua está fechado desde cedo. Eu
precisarei dar a volta por detrás do museu para poder levá-la até
esse local.
— Tudo bem, – Julie disse – desde que não demore muito.
— Não, é quase o mesmo tempo de corrida.
— Por que a rua está fechada? Obras?
— Não, – o homem negou e confirmou a teoria que Julie já
tinha na mente – vai ter um jantar à noite, acho que do primeiro-
ministro. Fecharam a rua desde cedo.
— Hum, acho que é o primeiro-governador.
— Isso mesmo, – o homem confirmou– grande homem. Votei
nele.
“Grande homem, porra nenhuma!” Julie pensou, mas não
disse nada. Esperou que a levasse até o endereço solicitado e
esperou que o sujeito estacionasse, e desceu do carro.
Alguns seguranças particulares estavam próximos de um
muro baixo de contenção. Julie poderia ir até lá, perguntar alguma
coisa, quem sabe dariam alguma informação.
Andou até lá, falou com o que tinha o rosto mais gentil.
— Bom dia, – começou a dizer – estou precisando de uma
informação. Esta é a rua em que será realizado o jantar do
parlamento?
Os homens não falaram.
— É que vou trabalhar à noite como garçonete, estou perdida.
Não sou da cidade. – Julie se aproximou mais.
— Senhorita, você não pode se aproximar mais. – O
segurança, o que julgou ser mais gentil, falou – esta é uma área
reservada. Se está perdida, peça informações a outra pessoa.
— Ok, desculpe.
Julie saiu, mas pouco antes de virar a esquina viu um
caminhão branco, pequeno, chegando. O logotipo de uma empresa
de decoração em dourado do seu lado – Royal Festas e
decorações. Se estava certa, e esperava estar. Essa seria a
empresa responsável pela organização do evento. Uma busca na
lista telefônica iria revelar o endereço.
— Agora, só tenho que achar um jeito de entrar aí à noite.
Julie voltou ao seu apartamento, o que tinha comprado e não
mais utilizava, pegou os documentos que levaria para casa de
Hector, a fim de corroborar a história de que tinha ido pegar papéis e
abriu o armário de Lucine.
Julie venderia o apartamento, quer Hector quisesse ou não,
juntaria dinheiro com ele e o convenceria a mudar-se para uma casa
maior, onde teria um quarto e Hector não seria obrigado a dormir no
sofá da sala. Numa casa nova, poderia ter um grau de segurança
maior. Já que a Ordem conhecia o endereço dos dois.
Entrou no quarto de Lucine, separou algumas das poucas
joias que esta tinha. Aquilo serviria para que tivesse algum dinheiro
imediatamente. Claro, as que estavam ali eram as de menor valor, já
que as peças mais caras Lucine tinha guardado num cofre no
banco.
Pesquisou fotos de eventos realizados, na internet, pela
empresa de festas.Viu, com alegria que os pessoais sempre davam
o mesmo uniformepara os funcionários. Uma calça social preta com
um avental preto por cima, blusa social totalmente fechada e uma
gravata borboleta preta. Julie separaria algumas peças e, se
necessário, caso não tivesse todas, iria procurar um modo de
comprar as outras que não tinha. Assim, na hora do evento, tentaria
se infiltrar no evento como funcionária.

Era como se estivesse sendo ornada para um sacrifício.


Lucine olhava as pessoas contratadas para cuidar dela. Cada
uma cuidando duma parte específica de seu corpo. Uma,
embelezava os pés; outra, as mãos. Um ajustava o cabelo num
penteado clássico, outro aplicava uma espécie de máscara de argila
no rosto da menina.
Sobre a cama descansava um vestido Armani Privé, que tinha
custado quase uma centena de milhar em libras esterlinas, e saltos
da mesma marca.
Quando terminaram seu penteado e maquiagem, foi vestida
por duas assistentes. Christian tinha deixado bem claro que não a
queria sendo observada nua por nenhum outro homem, mesmo que
este fosse afeminado.
O tom do vestido bege e madrepérola, quase no mesmo tom
de sua pele, a fazia sentir-se nua, despida. Os sapatos eram
confortáveis, já que o vestido iria cobri-los, mas, no mesmo tom do
vestido, acabavam apenas aumentando a sensação de nudez.
Quando arrumada, Lucine desceu para a sala onde Christian
a aguardava.
Christian a observou-a como se fosse a coisa mais preciosa
do mundo.
Lucine era perfeita, sem uma mancha além das adoráveis
sardas no rosto, que ressaltavam uma juventude que ainda não
queria partir. O colo alvo coroado por um par de saboneteiras
levemente aprofundadas era clássico, o corpo tinha curvas perfeitas.
Lucine andava como se estivesse flutuando.
Um homem, para saber se a jovem não era apenas uma
miragem, tinha que ser um excelente observador. O coração de
Christian apertou ao vê-la, nunca tinha sentido tão profundo
sentimento por alguém. Somente sua filha, morta pela Ordem, tinha
sido capaz de fazê-lo sentir alguma emoção em algum tempo.
— Você está linda, Lucine.
— Achei que diria que estou perfeita. – Lucine sugeriu, mas o
tom não saiu tão amargo quanto tinha imaginado. Não era possível
que estivesse sendo domesticada.
— Para estar perfeita falta uma coisa. – Christian levantou-se
da poltrona em que a observava e trouxe consigo uma caixinha de
veludo preta – isso...
O primeiro-governador abriu a caixinha e mostrou para Lucine
o conteúdo. Um par de brincos Chopard. Lindos e preciosos brincos
Chopard. Qualquer mulher se sentiria elogiada ao receber tais
brincos, avaliados na casa dos milhões.
— Esse brinco foi da minha tataravó. Minha mãe o herdou.
Eu, como filho mais velho, o herdei para dar a minha esposa. Você
ainda não é minha esposa, mas será em breve.
— Christian, eles são lindos.
— São sim, eu sei. Por isso não consegui conter meu
entusiasmo em vê-la com este tesouro da família. É como se
fossem feitos exatamente para você. Ou melhor , você os enfeitará.
— Você tem irmãos?
— Uma irmã. – Christian disse – Deixe-me colocá-los.
Christian a fez curvar ligeiramente o pescoço, e colocou o
primeiro lado do brinco com cuidado. O toque fez Lucine sentir uma
onda de um estranho choque, quase como se fosse se arrepiar.
Christian repetiu com o outro par do brinco. E ao finalizar, acariciou
de leve a bochecha dela.
— Gosto do modo como eles fizeram sua maquiagem leve, é
muito melhor assim quando sua beleza é vista ao natural. Está
fantástica, Lucine.
Lucine não falou nada, apenas desviou, com educação, o
olhar do dele, que estava, por demais, coroado por uma intensidade
desconhecida. Sentiu-se embaraçada demais para olhar o homem
lindo em sua frente. Porque Christian, podia ser um monstro, mas
ainda era lindo como o sol. Doía de olhar.
— Vamos, Lucine. – Christian quebrou o silêncio – Estamos
um pouco atrasados. De qualquer forma, não faz mal. Com o salão
cheio, todos olharão para você quando chegarmos. Verão que bela
mulher você é.
Lucine sentiu as palavras dele beijando sua pele
deliciosamente. Era bom ser elogiada por Christian. Tinha medo
desse sentimento que parecia estar infiltrando-se como um vírus e
minando suas defesas.
Saíramjuntos, o carro parecia pequeno para a enormidade do
sentimento que Christian tinha por sua protegida, sua Lucine.
Mesmo assim, os dois couberam naquele espaço onde o perfume
dela parecia a ponto de roubar-lhe a sanidade.

Julie mal conseguia entender como tinha entrado no local com


tanta facilidade. Para um corpo de seguranças que estava
protegendo as pessoas politicamente mais importantes do país,eles
foram muito facilmente ludibriados quando apresentou a carteira de
acesso falsa e se escondeu junto aos outros garçons e garçonetes
que estavam chegando.
— Ei, você, – Julie foi surpreendida assim que entrou – leve
estas bandejas. Não fique parada aí feito uma idiota. – Um homem
brigou severamente – Novatos...
Julie pegou a bandeja e depois de, discretamente, comer dois
canapés, começou a circular com a bandeja pelo local. Procurando
Lucine. Pelo menos quarenta minutos foram necessários até que
visse a amiga entrando no local.
Lucine não estava abatida, pelo contrário, estava mais linda
que nunca. Sorrindo, segurava o braço de Christian com extrema
delicadeza, como se estivesse realmente apaixonada pelo homem
que a arrematara. Aquilo fora um choque e tanto para Julie, que
passou o resto da noite esperando por uma oportunidade para falar
com Lucine a sós.
Quando Christian se ofereceu para buscar uma bebida para
Lucine, e Lucine aceitou, Julie se aproximou devagar. Lucine
reconheceu a amiga de imediato, seu olhar se arregalou um pouco,
assustado, seguiu Julie até um canto mais privado.
— O que está fazendo aqui? – Lucine perguntou – Como
conseguiu entrar?
— Não importa, isso não importa – Deu por encerrado o
assunto – Você está bem? Meu Deus, esse vestido! E esse brinco!
Tem certeza que está bem?
— Estou bem. Sim, muito bem. Quero dizer, sim, na medida
do possível. – Lucine estava nervosa e tropeçava um pouco nas
palavras.
— Eu consegui entrar aqui, precisava ver como estava. Todos
os jornais anunciaram o seu noivado, eu nem consigo acreditar.
— Nem eu. – Lucine disse. Tinha medo que se revelasse
demais pudesse sofrer alguma represália. Não confiava mais tão
cegamente em Julie a ponto de revelar-lhe os segredos de Christian
Navarro. Sentia que tinha que sustentar a cena e Julie era pouco
confiável.
— Eu não queria contar assim, mas não sei onde está
vivendo, também não sei quando vou encontrá-la outra vez.
— O que quer contar?
Julie não hesitou em falar.
— Hector me comprou. Num leilão. Eu agora sou dele.
Lucine, que já era pálida, ficou ainda mais assombrosamente
pálida, quase como se tivesse tomado um grande susto. Hector
tinha comprado Julie? Hector, que sempre lhe jurara amores, tinha
comprado a pessoa responsável por colocá-la nesse inferno?
— Eu preciso ir. – Julie disse – Não sei como ainda não me
descobriram. Eu não posso ser presa agora que estou livre. Estou
vivendo no apartamento de Hector, com ele. Se puder, quando
puder, nos visite.
Julie saiu dando a Lucine um sorriso amigável que escondia
todas as maldades que tinha provocado naquela noite. Se isso não
era o suficiente para afastá-los, não sabia o que mais era.
CAPÍTULO XXI

LUCINE NÃO CONSEGUIU CONTINUAR fingindo por toda a


noite, quando Christian foi procurá-la, perto de onde tinha acabado
de falar com Julie, Lucine fingiu que tinha ido procurá-lo.
— Você está bem? Parece pálida demais – Christian
questionou.
— Não, não estou bem. – Lucine disse, aproveitando o
caminho que tinha ganhado para sair daquela situação – Acho que
não estou bem mesmo, me sinto tonta...
O que era para ser fingimento, acabou se tornando verdade.
Lucine desmaiou repentinamente. O abalo interno fora profundo
demais para sustentá-la de pé. Christian correu para apoiar Lucine e
a carregou nos braços para tirá-la dali. Dois dos seguranças
particulares que estavam disfarçados entre os convidados,
começaram a abrir caminho.
Agora que Lucine já estava de volta ao quarto dela na casa de
Christian. A enfermeira que estava lhe cuidando disse que a jovem
passou quase um dia inteiro dormindo. O soro que a estava
hidratando, por meio da veia, estava quase no fim, e não tinha sido
o primeiro, a mulher ressaltou.
— Onde está Christian?
Ela perguntou à enfermeira.
— Está na biblioteca – Disse.
— Eu irei vê-lo...
Lucine tentou se levantar, com dificuldade, meio tonta, a
enfermeira a impediu.
— Não, senhorita, – a funcionária disse – é necessário que
descanse.
— Não. – Lucine disse – eu já estou bem, só estou fraca. Eu
preciso vê-lo.
Lucine usava uma camisola sob o lençol que a cobria.
Envolveu-se mais com o lençol, arrancou a borboleta do soro que
estava sobre a mão e saiu do quarto. Procurando por Christian por
toda a casa.
— Christian! – O chamou diversas vezes, achando que estaria
no escritório, mas não, como a mulher disse, Christian estava no
canto mais afastado da casa. A biblioteca que fica no andar inferior
.
A porta se abriu com facilidade, tendo em vista que era
apenas de correr, e Lucine entrou no ambiente. Christian a
observou, sem falar nada por algum tempo, talvez crendo que fosse
uma miragem.
— Lucine...
A jovem entrou na biblioteca, Christian estava sentado na
poltrona dele, apenas um feixe de luz vindo de uma luminária
iluminava o ambiente, estava lendo algum livro que o mantinha
concentrado, mas não o suficiente para que Lucine não pudesse
roubar-lhe a atenção.
— Eu estava te procurando. – Lucine disse.
— Você não devia estar de pé, – Christian disse – você
deveria estar descansando. Eu vou demitir a enfermeira que
permitiu que esteja andando. Parece tão fraca...
A voz dele foimorrendo à medida que viu o que Lucine estava
fazendo.
Se aproximando dele, devagar, Lucine foi quebrando as
barreiras que ela mesma tinha construído. Abaixou-se devagar,
retirando o livro que Christian tinha nas mãos, e sentou-se no colo
dele. Aninhando-se ao corpo de Christian, apoiando a cabeça em
seu ombro. Colocou a mão no peito dele. Se escondendo, um tanto,
no corpo daquele homem, o único em quem poderia confiar, e
começou a chorar, copiosamente.
Não conseguia deixar de pensar no que Hector tinha feito.
Não conseguia deixar de pensar no que Julie tinha feito. Sentia-se
traída,sentia-se enganada. Hector, provavelmente, caíranas graças
de Julie. Julie, com suas mentiras, provavelmente apenas
enveredara mais um homem para seus caminhos. Considerava-os
os maiores traidores do mundo, sem saber de toda a verdade.
— O que foi, minha pequena? – Christian perguntou quando
finalmente esboçou alguma reação – Por que está chorando? Não
se sente bem?
Lucine não falou nada, a preocupação daquele homem que a
tinha nos braços parecia um sacrilégio, mas, ao mesmo tempo o
único conforto que teria. Continuou a chorar, agora com menos
intensidade, apenas espremendo o suco da alma.
Christian, que não entendia o motivo da aflição de Lucine,
continuou a acarinhá-la, e a permanecer em silêncio, por tanto
tempo quanto precisasse. Quando as lágrimas dela foram cessando,
começou a sibilar uma música baixinho em seus ouvidos.
A voz dele era muito agradável, acabava relaxando toda a
tensão de seu corpo. Soprando uma música aos seus ouvidos,
Christian realmente parecia alguém que se importava com seu bem.
Acarinhando-a como acarinhava, alguém por quem poderia se
apaixonar.
— Christian... – Lucine chamou baixinho.
— Sim?
— Quando você compra uma Pulcra é irreversível?
— Sim.
— Não há nenhum modo de desfazer?
— Não, Lucine, não há. – Christian disse baixinho. Achava
que Lucine se referia aos dois. Não sabendo o que se passava na
cabeça dela naquele momento.
— Me explica como funciona, por favor .
— Bom, – Christian explicou lentamente, para continuar
mantendo-a relaxada como estava em seus braços – quando um
eleito compra uma pulcra, eles assumem um relacionamento para
toda a vida. Ele, o eleito, se compromete a fornecer à Pulcra todos
os meios de viver com conforto, amá-la com toda a sua alma. A
pulcra, por sua vez, se compromete a respeitar ao seu senhor.
Respeitar a posição em que este a puser.
— A Pulcra não é obrigado a amá-lo?
— Não, não é, mas se quiser, isso facilita muito as coisas para
os dois.
— Então eles têm um relacionamento.
— Sim, eles têm.
Lucine chorou baixinho, mais um pouco.
Christian achou que aquela aproximação, a conversa franca,
era a melhor coisa que poderia ter acontecido em algum tempo. Os
dois estavam, finalmente, aparando as arestas entre si.
Lucine tinha sua família,claro, mas Christian sempre seria
alguém em quem ela poderia se apoiar. Christian, por sua vez, além
de Aisha, um caso perdido, só possuía em Lucine alguém a quem
amar.
CAPÍTULO XXII

DEPOIS DE APRESENTAR-SE À POLÍCIA, os advogados


acharam de bom tom, mostrar, pelo menos socialmente, que
Melinda não tinha mais nenhum relacionamento com Thor. Melinda
viajaria à cidade, se apresentaria também ao corpo de polícia de
Cambridge, mostrando que estava disposta a colaborar com a
polícia em tudo que precisasse, e pegar tudo que precisasse na
casa.
A viagem não foi tão cansativa, o que irritava Melinda no
momento era a tensão de talvez cruzar com o ex-marido. Como
tinha enviado um e-mail para Thor, este sabia que a Melinda
passaria por lá para pegar seus pertences. Melinda poderia comprar
tudo novo, claro, mas muito do que estava naquela casa tinha um
valor sentimental enorme, uma vez que os tinha herdado do pai.
Bernard a acompanhou. Foram num carro barato, para não
chamar atenção. Uma equipe de segurança também estava
disfarçada, sem que Melinda soubesse, num carro um pouco mais
atrás. Os casos de sequestros entre a alta sociedade britânica não
são poucos, e Melinda, como herdeira de Montserrat, deveria ser
tão bem guardada quanto o próprio senhor Sinesi.
Quando estacionaram na frente da casa de Thor, antiga
residência dos Price, Bernard desceu primeiro do veículo. Foi
adiante de Melinda, até a porta da casa. O outro carro, com os
seguranças, ficou dando voltas no quarteirão, sem que Melinda
percebesse.
— Eu faço isso. – Melinda disse quando Bernard iria tocar a
campainha – Eu ainda tenho a chave.
— Entendo, porém, o senhor Price pode considerar o ato
como uma invasão, senhora.
— É verdade. Você tem razão.
Bernard tocou a campainha, uma, duas vezes, até finalmente
Thor abrir a porta. Melinda notou, com espanto, como o ex-marido
estava acabado.
— Melinda! – Thor falou num tom saudoso e desesperado –
Melinda...
Ele até tentou abraçá-la, mas Bernard impediu-o.
— A senhora Lionard veio apenas buscar uma parte de suas
coisas, não nos demoraremos. Se puder dar-lhe o espaço
necessário, ficarei infinitamente grato.
— O que? Quem é ele, Melinda? – O tom já estava diferente–
Como assim pegar suas coisas?
— Thor, você sabe que estamos nos separando. Eu apenas
quero as minhas coisas, as coisas que ganhei de meu pai. Todo o
resto, você pode ficar, eu não quero.
— Achei que tinha vindo tentar reatar.
— O quê? Não! Você sabe muito bem o que fez. Eu não quero
mais... – Melinda disse – Eu quero apenas fazer isso com quietude.
Nada mais.
— E ele? – Thor falou ainda sem dar abertura para que
Melinda passasse.
— Um grande amigo. – Melinda disse – Uma pessoa que está
me ajudando.
Finalmente Thor, mesmo sem parecer convencido, virou o
corpo um pouco de lado, permitindo que Melinda passasse. O
homem estava com um olhar perturbado e um comportamento
estranho, quase paranoico.
Melinda entrou diretamente para o seu escritório. Pegou uma
frasqueira,que parecia de maquiagem, e alguns dos seus materiais.
Tomou o cuidado de deixar os que tinha comprado no começo de
carreira, os quais foram pagos com o dinheiro de Thor, pegando
apenas o que herdara dos pais.
— Ainda tem mais algumas coisas no quarto. – Melinda disse
para Bernard – Eu vou buscar.
— Eu vou buscar com a senhora.
— Não, tudo bem, pode ficar aqui. Isso será rápido.
Melinda foi até o quarto, começou a remexer na cômoda em
busca de sua caixinha de música, que também fora um presente do
pai.
Thor aproveitou que Bernard estava organizando as coisas no
carro e foi até o quarto também. Entrou e fechou a porta após ter
entrado.
— Então você acha que pode simplesmente vir aqui, pegar
suas coisas e ir embora? – Thor falou transtornado – O que ele é
para você, hum? Tem certeza que é apenas seu amigo?
— Thor, abra essa porta. – Melinda falou se afastando um
pouco – Eu não quero brigar, não quero confusão, quero apenas as
coisas que herdei do meu pai. Depois disso, vou embora. Não vou
te causar nenhum problema, não me cause nenhum também.
— Eu não estou querendo problemas, Melinda, estou
querendo uma saideira – Disse como se fosse algum marginal e
começou a se aproximar da ex-mulher, puxando a roupa dela de
sobre si.
— Thor! Está louco? Me solta! – Melinda reclamou e tentou se
soltar, mas Thor era muito mais forte. Deitou-a na cama com
facilidade.
— Cala a boca. – Thor deu um tapa no rosto de Melinda, que
pegou próximo do ouvido, e foi forte, a deixando um pouco tonta.
— Isso, fica quieta! – Falou apartando as pernas dela e
retirando seu membro enrijecido para fora. Ergueu as pernas dela e
apartou a calcinha de uma vez, forçando-se para dentro dela.
— Não! – Melinda conseguiu gritar quando Thor lhe descobriu
a boca por um segundo – Não! Bernard! Socorro!
— Chama seu puto! – Thor disse – Quem sabe ele te fode
pelos outros buracos – E colocou a mão sobre a boca dela, outra
vez, para silenciá-la enquanto se movia rudemente.
— Senhora?! – Bernard chamou do outro lado da porta, tentou
girar a fechadura, mas a porta estava trancada – Senhora, está aí?
Melinda não respondeu. Bernard apenas ouviu uns “humms”
estranhos, e não pensou duas vezes. Começou a se jogar com força
contra a porta, a fim de arrombá-la. Precisou fazê-los três vezes
para que a porta cedesse. Assim que o fez, retirou Thor de cima de
sua chefe e o jogou contra uma das paredes.
Thor, longe de se afetar, tentou entrar em luta com Bernard,
que por ser muito mais bem treinado, imobilizou-o com apenas
alguns socos. Thor ficou desacordado no chão.
Bernard se voltou para Melinda, retirou o paletó de sobre si e
a ajudou a se vestir. O casaco forarasgado por Thor, então, ajudou-
a a vestir-se com seu próprio paletó. Melinda pegou a caixinha de
música, agora quebrada, do chão, e a colocou junto com as outras
coisas. Bernard retirou Melinda dali e colocou-a no carro.
— Devemos passar na polícia, senhora.
— O que? Eu não quero! – Melinda disse visivelmente
constrangida.
— Sim, devemos. Isso fará que o divórcio saia mais rápido,
além de colocar aquele sujeito na cadeia.
— Não, eu não quero ir. – Melinda disse constrangida.
— Será o melhor, senhora. – Bernard insistiu, mas Melinda
apenas negou.
— Quero ir ao hospital. – Melinda disse depois que o carro já
tinha começado a andar pelas ruas cinzentas – Não quero que
aquele miserável me passe alguma doença.
Bernard se sentia culpado por tudo que acontecera. Não tinha
causado nada, mas sentia-se responsável por dar o espaço demais.
Pensou, durante o trajeto, em tudo que poderia ter feito para ter
impedido Thor Price de ultrajar sua chefe.
Foram a uma clínica particular, onde Melinda foi medicada.
Melinda pediu a Bernard que lhe desse algum tempo para
descansar. Pois antes de voltar para Itália, precisava passar por um
local antes.
Depois do descanso, seguiram para o local pedido.
— Senhora, tem certeza? – Ele disse visivelmente
preocupado.
— Sim, tenho. – Melinda disse – Eu preciso falar com Hector
sobre o que aconteceu. Eu quero que saiba com que tipo de gente
está lidando.
O carro deslizou pelas ruas de Cambridge até chegar ao The
Caldwell. Assim que chegaram, desceram do carro e subiram pelo
elevador.
A campainha tocou e Hector levantou-se para atender. Ele
tinha pedido uma licença da faculdade para cuidar da formatura de
Julie e por isso estava em casa.
— Um momento. – Hector disse, e se apressou em deixar os
papeis que tinha em mãos para atender a porta.
— Melinda?! – Hector se surpreendeu com a visita – Faz tanto
tempo que não a vejo. Como está?
Hector cumprimentou-a e também ao jovem que a
acompanhava. Melinda se deixou abraçar por Hector e, sem poder
conter o susto que a estava afligindo desde mais cedo, desabou.
— Meu Deus, Melinda, o que houve? – Hector disse ao
percebê-la chorando de soluçar. — O que você fez para ela?
— Não! – Melinda o impediu de tirar conclusões precipitadas –
Bernard não fez nada... Foi... Foi Thor.
Hector olhou para Melinda espantado e a levou até o sofá da
sala. Deixou-a sentada e se sentou ao lado dela.
— O que aconteceu? – Perguntou. Notou que o rapaz que a
acompanhava entrou, fechou a porta e ficou ao lado dela, numa
pose séria, quase militar.
— Estou me separando de Thor. – Melinda explicou – Eu fuià
casa dele buscar algumas coisas e aquele miserável...
— O que ele fez?
— Thor me forçou... Hector, ele abusou de mim.
Hector ficou simplesmente indignado com a revelação. A
vontade que tinha era de se levantar e ir tomar as dores de Melinda,
mas Melinda também precisava ser consolada, então a abraçou
forte.
— Céus, Melinda. Você precisa denunciá-lo.
— Não... eu não quero. Seria constrangedor. Diriam que eu
estou tentando incriminá-lo por causa do divórcio.
— Não, Melinda, ninguém diria isso... – Hector disse.
— Eu já tentei convencê-la, senhor Lujak.
— Quem é você? – Thor finalmente perguntou.
— Sou Bernard, sou o segurança da senhora Melinda.
Hector pegou um dos seus lenços da gaveta da mesa lateral e
estendeu para Melinda.
— Por que não me disse isso? Que estava se separando.
Melinda contou-lhe toda a história. Contou sobre a herança
que herdou e sobre o que tinha descoberto sobre Thor. Hector ouviu
tudo em silêncio, não sabendo Melinda que este conhecia bem o
mundo o qual ela descrevia.
— Julie? – Hector chamou e repetiu – Julie?
Julie veio correndo para a sala, querendo saber o motivo
daquele escarcéu todo.
— Sim?
— Por favor, traga uma água para minha amiga. – Hector
pediu sem querer deixar Melinda só por nenhum instante.
Julie foi até a geladeira, pegou um copo de água e só então
notou o sujeito parado perto da porta. O homem a olhava numa
contemplação íntima. Julie não percebeu.
— Quer também? Tem suco, refrigerante e vinho...
— Não, apenas água. – Bernard disse. Ele dirigiria mais tarde.
Julie levou a água para Melinda e depois para o sujeito perto
da porta. O sujeito que não parava de olhá-la de um modo estranho.
Era impossível não a reconhecer. Mesmo que o tempo a
tenha mudado, seria impossível confundir a memória que se lhe
mostrava. Era impossível não lembrar daquele nariz arrebitado, das
maçãs do rosto proeminentes, do cuidadoso sorriso tímido. Estava
mais crescida, mais mulher, mas ainda era tão linda quanto da
primeira vez que a tinha visto.
Ela não o reconheceu, mas ele sim.
Bernard a tinha visto e rememorado cada detalhe do que
partilharam juntos.
Era ela, Julie era a sua Delilah.
CAPÍTULO XXIII

— LUCINE... – CHRISTIAN A CHAMAVA baixinho, para não


a assustar. Queria acordá-la gentilmente, como tinha imaginado
fazer por várias vezes – Acorde, por favor
. Precisamos sair.
Lucine abriu os olhos devagar. Já não tinha mais medo dele,
sabia que Christian a endeusava e por isso não a tocava sem sua
permissão. Sabia que Christian era o único em quem poderia
confiar. Naquele momento, o que mais queria era poder confiar em
alguém.
— Oi... – Lucine falou baixinho, não sabia ainda o que
Christian queria.
Christian estava sentado, ao lado dela, na cama. Lucine
aconchegou-se mais ao colo dele, preguiçosa.
— Preciso que acorde, vista alguma coisa bonita. Iremos dar
um passeio. – Christian disse acarinhando o rosto da menina – O
carro está nos esperando lá embaixo.
— Para onde vamos? - Lucine perguntou.
— Arrume-se, em breve eu digo. Garanto que será uma
surpresa boa.
Lucine se levantou um pouco, deixando o corpo ser revelado
pela transparência da camisola. Christian não desceu os olhos para
observá-lo, apesar de seu instinto mandar fazê-lo,se controlou. Não
queria perder a confiança que tinha recém-adquirido.
— Preciso vestir alguma coisa específica?
— Nada muito elaborado, vista-se de modo simples e bonito.
– Christian disse – Acho que cabe na situação apenas uma roupa
casual.
— Para onde vamos? – Pediu novamente – Diga-me, por
favor.
Lucine apoiou o rosto ao ombro de Christian. Tão forte como
era, fazia que Lucine se sentisse protegida.
— Muito bem, se não consegue esperar, revelarei. – Christian
disse – Vamos visitar seus pais. À essa altura, eles já devem saber
do nosso noivado. Afinal, a festa foi televisionada para as cidades
vizinhas. E acho que já entende que não quero teu mal e saberá se
comportar.
— Sim, sim! – Lucine olhou para Christian como se fosse
criança e estivesse recebendo um presente. Segurou o rosto dele
nas mãos e quase explodiu de felicidade. – Vamos mesmo visitar
meus pais. Não estou dizendo que está mentindo, é que... Não, quer
dizer – Se corrigiu – está brincando com minha cara?!
Lucine sorria como se estivesse realmente feliz. Se Christian
soubesse que isso a tornaria tão contente, teria dado esse presente
mais cedo.
— Você terá que me prometer. – Christian disse – que irá se
comportar.
— Eu prometo! – Lucine disse abraçando-o fortemente– Você
não sabe como me fez feliz. Eu estou com tantas saudades dos
meus pais, você nem tem ideia... Puxa, Christian... Obrigada.
— Não precisa agradecer mais. – Christian disse e aspirou um
pouco do cheiro de Lucine antes que a jovem o liberasse do abraço
– Eu vou esperar lá embaixo. Daqui a pouco desça, não demore.
Levaremos alguns presentes para eles. Nada muito exagerado.
— Eu vou! – Lucine disse – Deus, o vestido que prometi à
minha mãe. Está no apartamento onde eu morava.
— Não se preocupe com isso, compraremos um novo. Agora,
vista-se.
— Eu vou me vestir. Céus, eu nem acredito que vou ver meus
pais!
Christian deixou uma Lucine sorridente a se vestir no quarto.
Lucine nem parecia a menina chorosa dos últimos dias.
Christian tinha tentado comprar presentes, mas não
conseguiu alegrá-la com nenhum deles. Também a tinha tentado
levado para jantar na noite anterior, mas nada tinha acontecido.
Lucine estava ausente, distante, indiferente. Mesmo que agora
sempre estivesse por perto, não parecia disposta a abrir-se com ele
outra vez. Agora, que sabia o quão importante a famíliade Lucine
era, não poderia deixar de agradá-la sempre.
Nem meia hora se passou, Lucine desceu as escadas,
apressada, animada.
— Estou pronta, vamos.
— Vamos. – Christian disse e notou quando Lucine entrelaçou
a mão na sua até o carro.
O caminho seria longo. Decidiram ir de trem. Poderiam ter ido
numa comitiva oficial, seria mais rápido, ou mesmo de helicóptero,
mas Christian queria ser discreto, não assustar tanto os futuros
sogros.
Lucine mal conseguia se manter quieta na possibilidade de
ver os pais. Quando o trem parou na estação e os dois pegaram um
táxi, achava que iria até desmaiar de tanta ansiedade. Quando o
veículoestacionou, algum tempo depois, desceu do veículoe correu
até a porta de casa para tocar a campainha.
— Mãe! – Lucine repetiu o toque algumas vezes – Pai!
Menos de um minuto se passou e Camille abriu a porta.
— Pois não?
— Mãe, sou eu!
— Como ousa, Lucine, ficar tanto tempo sem dar notícias? –
Reclamou num ar zangado – Nós morremos de preocupação! Eu
quase tive que ir te procurar lá!
Lucine sabia que sua mãe não estaria bem, mas não poderia
fazer muita coisa agora, sem dinheiro. Christian se aproximou da
porta da casa, com as sacolas, Lucine olhou para ele com carinho e
o apresentou.
— Mãe, este é Christian. Não sei se a senhora o conhece. Ele
é meu... – Christian olhou para Lucine esperando saber em que
conjunto seria colocado – ele é meu noivo.
— Noivo?! – Camille se assustou – Lucine, vou te dar uma
surra se me der outro susto. Como assim noivo? Por favor, entrem!
– Camille pediu – Lucine, como você desaparece por tanto tempo e
me volta noiva? – A mãe de Lucine gritou para o fundo da casa –
Robert! Richard! Lucine veio nos visitar! Ela está noiva!
O pai de Lucine veio para a frente da casa, olhou Lucine e o
homem que tinha acabado de ser anunciado como noivo dela e o
reconheceu de algum lugar.
— Lucine! – Seu pai veio apressado para a sala. Quando a
viu, abraçou-a apertado – Estive tão preocupado, Cambridge não é
mais a mesma cidade de antes. Eu estava agoniado, queria saber
como você estava, por que não ligou?
— Eu perdi meu celular, pai. E não queria comprar um novo e
ter mais gastos até conseguir um trabalho. – Lucine virou-se para
Christian, tão bonito numa camisa social com as mangas dobradas
e um jeans. Parecia até mais jovem sem o terno austero. — Pai,
este é Christian, meu noivo.
— Olá Christian. – Robert cumprimentou-o educadamente –
Tenho a impressão que o conheço de algum lugar, qual seu
sobrenome?
— Navarro. – Christian disse e cumprimentou a mão que lhe
estava sendo oferecida – Christian Navarro. Me perdoe por não ter
cumprindo o protocolo e pedido a mão de sua filha de maneira
comum, mas estava deveras apaixonado e indisposto a perder mais
um dia longe dela.
— Por acaso não seria o primeiro-governador, líder do
parlamento.
— Lamento que seja sim.
— Lucine! – Robert, aficionado por assuntos políticos,
reclamou – Como não me disse isso antes? – Virando-se para
Christian, Robert falou – Como você pode deixar passar aquela
emenda sobre o aumento da contribuição para os sindicatos?
Christian sorriu e Lucine acompanhou.
— Eu explico. Deixe-me apenas entregar isto para sua
senhora. – Christian estendeu uma das sacolas sobre o balcão da
pequena cozinha e retirou de dentro um ramo de rosas e uma caixa
de bombons finos, além de uma caixa de veludo com um colar de
pérolas simples que Lucine e ele tinham comprado mais cedo – São
para a senhora, Lucine me ajudou a escolher.
— Oh, quanta gentileza! – Camille agradeceu e babou alguns
segundos nas pérolas.
— Eu trouxe isto para o senhor, Robert Fester. – Christian
retirou dois vinis de colecionador da cantora Edith Piaf, por quem,
Lucine já tinha dito na loja, o pai tivera uma queda desde a
juventude, e um uísque envelhecido.
— Isto é um tesouro! – O pai de Lucine comentou.
Apenas Richard não se juntou à reunião.
Lucine observou o quanto Christian combinava com os pais.
Sentou-se à bancada e ficouobservando a interação do pai com ele
em assuntos políticos. Em certo momento, Christian olhou-a desde
o sofáe sorriu. Um verdadeiro sorriso de molhar calcinhas. E Lucine
ficousem saber como reagir por algum tempo. Ainda era novo sentir
por outro homem as mesmas borboletas no estômago que sentia
com Hector.
Mais tarde, o jantar foi servido. Lucine observou a gentileza
com que Christian a tratava, tratava a seus pais. Pareciam uma
famíliajantando juntos, mas apenas Lucine sabia o que a levara até
ali. Perguntava-se apenas, isso ainda importava?

Melinda tinha notado que desde que saíram da casa de


Hector, Bernard se comportava de forma estranha. Achou que
poderia ser por causa do que tinha acontecido na casa antiga, mas
não. Lembrou bem do rosto dele ficandolevemente pálido depois de
ter visto Julie, que só mais tarde foi apresentada como prima de
Hector.
Entraram no veículo. Bernard a levou para o hotel onde
Melinda ficaria até a sexta-feira, quando precisaria ir à delegacia,
prestar seu depoimento. Teria algum tempo para se desligar
definitivamentedo museu, o que ao mesmo tempo lhe causava uma
tristeza e uma alegria. Tristeza porque amava o trabalho, alegria
porque não precisaria mais voltar à maldita cidade.
— Bernard. – Melinda chamou a atenção dele que ia dirigindo
o veículo.
— Senhora?
— Desculpe perguntar, mas notei que você pareceu um tanto
impressionado com aquela moça que estava no apartamento de
Hector.
Bernard sentiu-se envergonhado por ver que tinha sido
percebido. Achou que tivesse sido mais discreto, não queria parecer
um ignorante quando sua chefe acabava de sair de um episódio tão
traumático, mas não queria deixar nada às escondidas de sua
chefe. Preferia contar, seria como sempre foi com Montserrat, leal
até o último minuto e, para isso, não recorreria a uma mentira.
— Sim, senhora. É verdade.
— A conhece?
— Sim, a conheço. Apesar de não ter lembrado de mim.
— De onde a conhece?
— É uma longa história senhora.
— Pode contar assim que chegarmos ao hotel. Você janta
comigo hoje, pode ser?
— Sim, senhora. Como preferir.
Não demorou muito, chegaram ao hotel onde passariam a
noite. Depois de instalar a senhora Price no quarto, Bernard pediu a
comida conforme a instrução de Melinda, pediu o mesmo para si.
Bernard mesmo buscou a comida, para não correr o risco de
que alguém a levasse e tivesse acesso ao quarto com intenções
torpes. Quando se sentaram para jantar, retomaram a conversa.
— Pode contar-me agora.
Bernard achou que Melinda tinha esquecido, mesmo assim,
contou:
— Conheci a Julie... – Disse lembrando-se do nome com o
qual foiapresentada – há algum tempo, na verdade bastante tempo.
Na época eu trabalhava como vigia na estação central, porém meus
horários de trabalho variavam. Alguns dias eu trabalhava pela
manhã, outros à tarde. Num dia, eu vi uma moça suja mendigando.
Os passageiros vieram fazer reclamação dela para mim, disseram
que no turno anterior a garota tinha abatido uma carteira. Aquele era
meu turno, eu não poderia deixar que alguma coisa acontecesse
aos passageiros na estação.
Melinda sorriu de leve, a história de Bernard a fazendo
esquecer dos próprios pesadelos.
— Eu precisei correr atrás dela por um longo tempo. A menina
era rápida. Tinha uns dezessete para dezoito anos, eu nem sei a
idade exata dela. Julie tinha me dito tantas idades diferentes... –
Bernard respirou fundo – Ofereci pequenos trabalhos em troca do
que comer e de algum dinheiro. Julie pegava documentos, água
para mim, limpava os vidros das lojas. Eu inventava trabalhos para
não a ver cometendo delitos.
— Você tinha quantos anos?
— Ah, eu tinha uns vinte e dois anos, perto disso. Não lembro
a data exata que a conheci. Bom, nos apaixonamos. Eu comprei
uma casa pequena, mas pequena mesmo! Velha, precisando de
uma enorme reforma.Eu a chamei para morar comigo. Tudo parecia
bem, extremamente bem, até certo dia. Voltei do trabalho e ela tinha
fugido. Deixando para trás apenas um bilhete dizendo que me
amava e sempre amaria.
— Oh, eu sinto muito Bernard.
— Não precisa, senhora. Eu é que achei que jamais a
encontraria. Que talvez até teria esquecido seu rosto, que não a
amava mais. Bastou vê-la para saber que não era bem como eu
pensava.
— Julie Aston. – Melinda disse – Acho que foi assim que
Hector a apresentou para nós.
— Sim, até pode ser, mas na época, Julie me tinha dito outro
nome.
— Qual nome?
— Delilah Priés.
CAPÍTULO XXIV

CHRISTIAN DORMIRA NO QUARTO DE LUCINE, junto dela.


Os pais de Lucine, mesmo sendo conservadores, fizeram como
exigência apenas que Christian dormisse na cama desmontável.
Pela manhã, quando Lucine acordou, Christian já estava de
pé há algum tempo.
Sentado na beirada da cama, notava que naquela noite tinha
feito com Lucine mais do que já tinha feito com qualquer outra
mulher na vida – dormir com ela.
Para Christian, as mulheres tinham sido, em toda sua vida,
depósitos para seu esperma, dura e cruamente. Tudo mudou
quando Lucine surgiu e não soube explicar como pode ficar tão
interessado.
— Está acordado há muito tempo?
— Não muito. – Christian disse admirando o próprio tom de
voz enamorado – Eu tive tempo, no entanto, para pedir café para
todos.
— Você não fez isso! – Lucine se levantou, não brigando, mas
censurando-o.
— O que há de mal?
— Minha mãe vai ficar extremamente ofendida se não comer
um dos doces que ela faz.
— Ainda há tempo de cancelar, deixa que eu repare meu erro.
– Christian ligou para a pâtisserie e cancelou o pedido. Como este já
estava sendo feito e já tinha sido pago, pediu que fosse levado a
uma escola infantil, como doação.
— Conseguiu?
— Sim.
— Minha mãe é muito orgulhosa, ela ficaria ofendida com
facilidade. – Lucine sorriu. Já tinha outro ânimo depois de ter ficado
até quase cinco da manhã conversando e sendo acarinhada pelo
pai e pela mãe.
— Tudo bem. – Christian disse – Sabe, eu estive reparando.
Esta casa não traz nenhum conforto aos seus pais.
— Como assim?
— É pequena, faz calor durante o dia e à noite é muito fria. O
aquecimento não deve estar funcionando. E além de ser mal
situada, os dois estão envelhecendo. A casa tem escadas íngremes
demais, não é bom para eles.
— O que posso fazer? É o máximo que posso oferecer, ou
que pude.
— Acho que teremos que comprar uma casa nova para seus
pais. Na cidade mesmo, mais perto da nossa casa. O que acha?
— Não precisa fazer isso, eles podem morar conosco.
— Entendo, mas prefiro que tenham sua própria casa. Eu
gosto que tenhamos a nossa privacidade. Adorei seus pais, mas
ainda não tivemos tempo para aproveitar nossa privacidade.
Lucine recuou um pouco, não sabendo o que Christian quis
dizer com isso.
— Acho que há na rua atrás da nossa casa, uma casa à
venda. Ela é térrea, eles poderão viver lá com conforto. Posso
sustentá-los e direcionar uma parte dos funcionários para ajudá-los.
— Isso seria maravilhoso.
— Então, anunciamos isso na hora do almoço. Já vou ligar
para que meus secretários consigam finalizar a compra antes do
meio-dia.
— Tão rápido?
— Você ainda não sabe o poder de influência que o dinheiro
tem.
Lucine sabia muito bem o poder ao qual se referia. Com
dinheiro, Christian tinha comprado uma liberdade, a dela, mas não
falou nada. Os pais dela precisavam dessa ajuda. Não custava dar
um pouco de felicidade aos outros em detrimento da sua.
— Obrigada.
— Eu faço isso especialmente por você.
— Eu sei. – Lucine disse e sentiu um estranho aperto no peito
quando disse isso. Como se a presença de Christian estivesse
tomando lugar em seus sentimentos, mesmo que tenha lutado tanto
contra eles.
Mais tarde, depois de ter dado a notícia durante o almoço e
ter colhido mais alguns sorrisos de Lucine. Os pais de Lucine
aceitaram o presente com alguma reserva, isso porque julgavam
que o relacionamento com Lucine não era ainda tão firme para
receberem presentes de mais alto valor. Christian explicou que não
tinha intenções de voltar atrás na palavra empenhada e que Lucine
também não o queria. Convencidos, Christian pediu para descansar
um pouco antes de voltarem para casa.
Lucine levou-o para cima e esperou que se deitasse. Christian
não conseguia descansar direito.
— O que foi? – Lucine perguntou.
— Eu não consigo dormir. – Christian falou sentindo algo
estranho, como nunca tinha sentido antes.
— Por quê?
— Eu acho que estou com medo.
— Medo?
— Sim, estou com medo de dormir. Medo de acordar e você
não estar mais ao meu lado. – Christian disse baixinho – Você tem
todos os motivos para fugir.
— Mas eu não vou mais. Eu não quero mais fugir, Christian.
Não preciso fugir quando só tenho você.
— Isso não ajuda muito, Lucine. Saber que só não vai embora
por falta de opção.
— Você é meu dono, – Lucine explicou – não tem como eu
fugir disso. Mas o motivo para não querer mais fugir, não é este. Eu
me sinto livre ao seu lado. Não me sinto mais numa cadeia,
Christian. Você tem sido tão bom para mim que eu seria tola se
quisesse ir embora.
— Eu posso deixá-la livre, Lucine, se quiser.
— Eu não quero mais. – Lucine respondeu – Eu não sei mais
o que é isso que sinto, mas não é mais vontade de ir embora. –
Lucine se abaixou um pouco e deu um beijo na testa de Christian –
Descanse, eu não vou a lugar nenhum. Eu já disse, eu só tenho
você.
Como se para provar, Lucine se deitou ao lado de Christian,
tomando o cuidado de não se aproximar demais e ser pega pelos
pais. Deixou que seus lábios deslizassem pelo rosto do homem.
Observando seus cílios, sua barba e cabelos dourados. Analisando
a cor dos olhos. Observando o modo intenso como ele sempre a
encarava. Não colou os lábios aos dele, mas quase o fez. Impedida
apenas por um frio na barriga que lhe incomodou. Como se este
fosse seu primeiro beijo e estivesse nervosa demais. Christian deu
algum espaço, depois de Lucine recuar, e ficaram cada um de um
lado da cama. Olhando para o rosto um do outro.
— Você é tão linda, Lucine. – Christian disse – Eu mal consigo
acreditar que você existe. Eu acho que se existem anjos, eles
devem ter a tua aparência.
— É só isso também... Sou linda e o que mais?
— Não, você é mais, muito mais que isso. Apenas ainda não
sabe. É amada pelos pais. Inteligentíssima, de uma personalidade
encantadora quando está à vontade. Aposto que tem uma alma
artística oculta sob esse olhar sempre inquieto.
Lucine não falou mais nada. Ficou olhando para Christian,
quase sem piscar, e esperou que os olhos dele ficassem cansados e
ele caísse no sono para poder descer e ficar ao lado da mãe.
Christian tinha passado noites em claro enquanto ela se
reestabelecia, era justo que descansasse.
— Então, – Richard, que mal tinha se dirigido a Lucine desde
que chegou, disse quando a viu sair do quarto – O que teve que
aprontar para ter um namorado milionário assim?
— Por quê? Quer algumas dicas? – Lucine o provocou.
— Aposto que estava trabalhando como acompanhante, com
esse rosto inocente você não engana ninguém. Fisgou o milionário.
— O que é isso, Richard? Me respeite.
— Respeito? Como pode me pedir respeito? Isso é uma coisa
que não sabe o que é há algum tempo, não é mesmo? Que tal se
falar com seu namorado e fazê-lo me ajudar com alguma grana?
Sabe como é, somos uma família, não somos?
— Ou? – Lucine desafiou.
— Ou eu dou um jeito de estragar com a reputação dele. Eu
conheço uns caras perigosos, eles podem muito bem plantar provas
contra ele. Toda uma carreira de sucesso manchada. Seria trágico.
— Isso não vai acontecer. Tire seu cavalinho da chuva. Não
vou permitir que chantageie Christian. Quer dinheiro, trabalhe. Já
vagabundou tempo demais, não acha? Ainda quer dar uma de
chantagista para cima do meu namorado? Vê se se enxerga. –
Lucine disse num tom sobressaltado.
— É melhor levar à sério o que digo. – Richard disse – Eu não
vou ficar apenas com essa casa caindo aos pedaços enquanto os
velhos vão morar numa casa boa.
— Você vai. – Christian falou num tom grave e se pôs entre
Lucine e ele. Nenhum dos dois percebeu quando a porta se abriu
repentinamente. – Eu não sou chantageado. Quer plantar provas?
Faça isso, eu enfiovocê numa cadeia mais rápido do que você pode
pronunciar a palavra. Conhece gente perigosa? – Christian falou
com um olhar sanguinário – Não há ninguém mais perigoso que eu.
Experimenta a sorte comigo. Se ainda não dei um jeito em você,
porque eu conheço sua história e sua ficha criminal, é para poupar
seu pai e sua irmã de aborrecimentos. Não experimente ameaçar
Lucine outra vez, nem a mim, ou não serei tão piedoso.
Christian esperou Richard dar as costas e sair do corredor,
pouco tempo depois ouviu o carro dele acelerando e indo para
algum lugar. Beijou Lucine na testa e disse que descansaria
enquanto ela fosse conversar com os pais.
Christian observou-a descer as escadas. Ciente de que o
tinha protegido, como pode, do próprio irmão. Lucine ainda não
admitia, para si mesma, nem para ele, mas suas defesas tinham
ruído. Estava apaixonada, apenas ainda não sabia nomear o
sentimento.
CAPÍTULO XXV

JULIE SE FORMOU. NÃO HOUVE FESTA, nenhum alarde.


Apenas Hector, mui disfarçadamente, a acompanhou até o local.
Quando saíram da formatura e foram para o apartamento,
Julie sugeriu:
— Eu não tive festa, o mínimo que mereço são alguns
drinques. Que tal se formos a um bar?
— Não sei, – Hector disse – sei que é seu dia, mas não estou
com ânimo.
— Por favor, eu sei que não, mas como você mesmo disse,
esse é um dia muito importante para mim.
— Eu sei. Bom, façamos o seguinte. – Hector disse não
querendo estragar um dia tão importante para Julie – Compramos
alguma coisa para você e levamos para casa. Você vai ficarbêbada,
mas ficará em casa.
— Perfeito! – Aquilo ia de encontro ao que Julie queria.
Hector passou algumas garrafas de bebida no débito e levou
Julie para casa. Quando entraram, Julie tirou a beca e o capelo, que
ainda conservava desde que saíram e se jogou no sofá.
— Espero que se divirta, – Hector disse – desculpe por não o
fazer com você.
— Ah – Julie começou – por favor, só uma. Prometo que te
deixo em paz depois dessa.
Hector andou até o centro da sala, mas parou na escrivaninha
antes, abriu a gaveta e retirou de dentro um pequeno embrulho de
presente.
— O que é isso? – Julie perguntou ao ver Hector estendendo
para ela o embrulho.
— Um presente. Eu não poderia deixar essa data passar
despercebida. É um momento único e me senti quase que na
obrigação de te dar isso.
— O que é?
— Abra.
Julie abriu a caixinha de joias. Havia um pequeno colar
dentro, com a primeira letra do nome de Julie e o símbolo da
profissão, delicado e sofisticado ao mesmo tempo. Abaixo, da joia,
uma plaquinha em ouro dezoito quilates, como a descrição
mostrava, com a data de início de estudo de Julie e a data de
formatura. Entre as datas, a inscrição com o nome do curso e uma
foto impressa de alguma forma naquela chapa dourada.
— Geralmente são os pais que dão isso aos filhos, na
ausência deles, eu me ocupei de providenciar isso a você.
Aquele pequeno presente tinha tocado Julie de uma forma
que não imaginou. Era lindo. Pela primeira vez, algo que realmente
queria ganhar e não um presente que apenas mostrava o poder
aquisitivo de quem o deu.
— Puxa... É lindo... – Julie ficou sem palavras. Lágrimas
molharam levemente seu rosto – Eu nem sei o que dizer, obrigada.
— Oras, não agradeça. – Hector disse – é apenas um
presente de um amigo para outro.
— Ah, mas agora, amigo, – Julie ressaltou a palavra – você
vai ter que me acompanhar em pelo menos um drinque. – Continuou
e ao ver que Hector recusaria, aumentou a insistência – Por favor,
eu vou comemorar minha formatura sozinha? Não faz mal apenas
um gole.
— Certo. Apenas uma dose. – Hector disse não podendo
podar a alegria da jovem – Em seguida, vou deitar-me. Tudo bem?
— Ok, depois disso vamos nos deitar os dois.
Sentaram-se e beberam a primeira dose do drinque. Hector
estava tentando não beber durante esse tempo, ou fumar, já que
não sabia se Julie era alérgica à fumaça do cigarro ou não. Por isso
andava estressado. Diferente do que planejara, não parou no
primeiro gole.
Julie sorria ao ver que Hector seguia seu script mental. Os
dois já tinham esvaziado duas garrafas inteiras em pouco tempo.
Quando já estava tonto, Julie se aproximou mais de Hector, sentou-
se ao lado dele, muito perto, e desamarrou o nó da blusa que era
frente única e fazia conjunto com uma saia longa.
O tecido caiu, revelando os seios empinados. Hector não falou
nada, apenas continuou bebendo e admirando a cena. Depois, Julie
ergueu a saia, bem de leve. Hector, que já não tinha muito acordo
de si depois da bebida, acabou se deixando levar pelo que o seu
instinto masculino mandava olhar.
— O que está fazendo? – Hector ainda perguntou tentando
recobrar algum juízo.
— Te ajudando a relaxar, professor Lujak. – Julie disse e
retirou a calcinha com facilidade. Sentando-se no colo de Hector e
despejando um pouco mais de bebida direto do gargalo na boca
dele.
— Isso, só mais um pouco. – Julie pediu, mas Hector já
estava um tanto alto e não recusou – Isso mesmo.
Julie então despejou um pouco do conteúdo na própria boca e
erguendo o rosto de Hector para si, cuspiu o líquido nos próprios
seios para que Hector os lambesse. Hector, levado pela euforia do
álcool, provou daquela bebida, depois, beijou Julie na boca.
Hector estava profundamente necessitado de sexo, Julie
sabia disso. Ele precisava de uma mulher para relaxá-lo, uma
mulher para fazê-lo esquecer. E sabia que era capaz disso. Quando
Hector esquecesse sua obsessão, o faria se apaixonar por si
mesma.
Hector, embriagado, correspondeu o beijo com fervor. Apertou
os seios despidos de Julie nas mãos e lambeu o líquido que tinha
derramado neles. Tomando um pouco mais de bebida do gargalo.
Num movimento quase coreografado, abriu o zíper da calça e
quando está prestes a penetrar Julie, a campainha toca.
— Que merda! – Julie reclama.
Como se recobrasse uma parcela do juízo, Hector levanta-se
para espiar pelo olho mágico. Observa a pessoa do outro lado com
surpresa. Então vira-se e pede para Julie.
— É Thor... – Hector diz baixinho para Julie que se levanta e
vai ao quarto, para deixá-los conversar.
Hector espera que Julie tenha entrado no quarto para poder
abrir a porta. Quando o faz, Thor não está mais esperando do outro
lado. Apenas um envelope foicolocado no tapete diante da entrada.
Tonto como está, Hector não faz questão de abri-lo imediatamente.

“Era assim que tudo acabaria?” Thor pensava “Tudo pelo que
tinha lutado, tudo que acreditava. Tudo se resumiria num final
solitário”.
Thor Price tinha deixado uma carta para Hector explicando o
porquê faria o que estava prestes a fazer.
A Ordem tinha mandado que, após declarar a culpa de
Melinda, deveria sair da cidade, mas, culpado como o inferno, não
conseguiu sair da cidade sem deixar para Hector uma carta que
inocentasse Melinda de tudo. Na carta confessava o caso com
Miranda, confessava que a tinha mandado matar e confessava não
ter conseguido viver longe de Melinda, depois do mal que fez a ela.
Sabendo que teria colocado um abismo, entre os dois, eterno.
Numa das curvas para sair da cidade, passando pelos
montes, Thor vê o mar, vê a cidade ao longe, e vê suas próprias
esperanças se despedindo. Toma mais um gole do destilado barato
que levava no carro e vai até a curva mais extrema e mais alta.
Embriagado, com reflexos lentos, fecha os olhos por um
segundo. E não percebe quando os freios do carro param de
funcionar. Ao virar a curva extrema, perde o controle. Seu carro
desliza suavemente, sem ninguém que o impeça, até chocar-se com
o chão desfiladeiro abaixo.
CAPÍTULO XXVI

A TENSÃO SEXUAL ENTRE HECTOR e Julie tinha se


tornado palpável. Hector não controlava impulsos que julgava
primitivos. Apenas lembrar-se do modo devasso como fizeramsexo,
conseguia reacendê-lo. Nem mesmo os sintomas da ressaca do dia
seguinte conseguiu impedir que seus pensamentos corressem para
tais caminhos.
Depois que a porta se fechou e notou que Thor tinha ido
embora, seu corpo não se controlou e levou-o, cativo, para o quarto
onde uma moça despida o esperava de pernas abertas sobre a
cama.
Hector tinha se convencido que não conseguiria despertar seu
corpo para outra mulher que não fosseLucine, mas quando possuiu
Julie com fome e desespero, percebia que a jovem de cabelos
quase brancos de tão louros o tinha abalado que nunca.
Hector não entendia ao certo como uma convivência pacífica
tinha se tornado algo assim, permeado de pensamentos
involuntários sobre sexo. Hector sabia que não deveria ter se
atraído pela senhorita Aston. Desde o começo sabia e vinha se
comportando muito bem. Se não fosse a bebida, a culpava
solenemente, se não fosse estar a ponto de penetrá-la e ser
interrompido, talvez a vontade não lhe sobrepujasse tanto a razão.
Hector não aguentava a situação. Saiu cedo de casa, encheu
a cabeça de trabalho, pronto para esquecê-la. Preso entre o dilema
de não ter mais Lucine e encontrar um pouco dela em Julie
permanentemente.
Quando voltou para casa, depois de um longo dia de trabalho,
Julie estava no sofá da sala, linda, perigosamente linda, mexendo
no pingente que tinha ganhado como se aquele fosse o melhor
presente do mundo.
A beleza de Julie, diferente da de Lucine que parecia do céu,
era capaz de colocar um homem num inferno. Julie não era tão
bonita, mas era sedutora. O que a tornava uma isca para qualquer
homem incauto.
Assim que entrou, Julie se levantou e ficou sentada no sofá,
com as pernas juntas, como uma boa menina. Olhou para Hector e
soprou “boa tarde” calmamente. Hector a cumprimentou de volta,
colocou a pasta sobre o aparador ao lado da porta e foi até a
cozinha onde tomou um copo de água. A sensação de calor forte
demais, exagerada demais, confundindo-lheos sentidos. Fazendo-o
querer saciar a sede de outra forma, não apenas com água gelada.
— Deixei jantar para você. – Julie disse – Comprei um pouco
daquela massa que você disse que gostava e preparei uma salada.
É, simples, eu sei, mas ainda estou aprendendo.
— Agradeço. – Hector disse e foi para a sala. Sentou-se na
poltrona para retirar os sapatos e o blazer.
Seu corpo latejava em lugares impróprios, chegava a ser
dolorido. Hector precisava de alguma liberação urgente. Poderia
tocar-se, mas apenas tocar-se não seria o suficiente. Sentou-se no
sofá da sala e fechou um pouco os olhos. eTnso demais para pensar
em qualquer outra coisa que não fosse sexo.
— Hector... – quando percebeu Julie já estava perto – Por que
não descansa um pouco? Vem, deixa que eu tiro isso para você. –
Julie insinuou-se e começou a retirar devagar os botões da camisa
dele das casas.
Não tão propositalmente quanto pareceu, desabotoou a
camisa e o ajudou a retirar. Mesmo fazendo apenas isso, a
respiração dos dois já estava entrecortada, arfante, como se
tivessem corrido uma maratona.
Com cuidado, esperando que não se negasse, Julie deslizou
a mão por cima da calça que Hector usava, sentindo a maciez do
tecido Oxford contra sua pele. Julie sentiu, com vaidade feminina,
um riso surgir quando notou a ereção de Hector sob o tecido.
Julie sabia, Hector sabia, não tinha mais volta como voltar à
normalidade depois da luxúria que viveram.
Hector rasgou o vestido florido que Julie usava, de uma só
vez, da altura dos seios até o meio das coxas. Enfiou dois dedos na
boca de Julie, para que esta os umidificasse e deslizou os dedos
para dentro de Julie, puxando a mais de encontro à sua mão
enquanto o polegar massageava o clitóris. Julie era macia por
dentro, quente e desejável, e Hector estava duro a ponto de doer.
Hector rasgou mais do vestido, de um tecido muito fino, até o
final, e livrou-se do trapo inutilizável. Ou o tecido era frágil demais,
ou estava mui sedento para tê-lo partido com tanta facilidade.
Hector moveu Julie para a beirada do sofá, retirou a camisa
de si por completo e abriu o botão e o zíper da calça, retirando sua
ereção massiva para forae penetrando Julie que já estava molhada.
Julie gemeu tão gostosamente a cada estocada, que Hector
sentiu que precisava repetir o movimento mais e mais. Hector sorriu
quando Julie começou a rebolar contra seu pau endurecido e
retirou-se de dentro dela, negando o prazer naquele momento.
— Você é mau... – Julie disse com voz sedutora...
Hector se sentou no sofá, fez Julie subir em seu colo, depois
de ter retirado a calça. Julie começou a mover-se para cima e para
baixo, deslizando seu sexo umedecido por toda extensão do pênis
lustroso de lubrificação.
— Hector... – Julie o chamou com uma voz manhosa.
Hector notou-a entregue e sentiu ainda mais vontade. Puxou-
a mais para si. Segurou os montes que formavam o belo traseiro
dela e começou a enfiar-se forte e faminto. Julie soltava pequenos
gritos a cada estocada e, vez ou outra, controlava o movimento para
que Hector a penetrasse mais fundo, tocasse no ponto certo,
estimulando a área que a faria gozar.
Hector a colocou de volta no sofá, desta vez, com o rosto
encostado no apoio, e o quadril para o alto. Hector lambeu-a desde
o clitóris até o ânus e continuou repetindo o movimento. Julie queria
mais e começou a forçar-secontra a línguade Hector, que a invadia
mais gostosamente do que era capaz de imaginar.
Se soubesse que o doutor Lujak tinha um pau tão grande e
gostoso e uma boca tão eficiente, teria o roubado de Lucine bem
antes.
Não demorou muito, o movimento estava no ritmo certo, e
com uma precisão excelente, Julie gozou. Hector moveu-se sobre o
sofá e enfiou dentro dela outra vez, para dar um tanto mais de
prazer e para, por fim, derramar-se dentro dela. Num gozo que
pareceu esgotar toda a sua energia.
Deitaram-se os dois no sofá, Hector deixou que Julie se
ajustasse numa posição mais confortável e, mesmo sabendo que já
tinha gozado, continuou enfiando dois dedos nela, na mesma
pressão o tempo inteiro e ritmo, deixando-a bem molhada ainda,
pois assim que se recuperasse, a foderia outra vez.
Hector abaixou-se mais e, acompanhando o movimento dos
dedos, começou a lamber Julie, tomando um cuidado especial de
sugar o clitóris num movimento de vai-e-vem para deixá-lo
endurecido, tenso, ao ponto de gozar outra vez.
Julie fechou os olhos e se deixou embebedar naquela
sensação e sentiu como era diferente um prazer dado com carinho
de forçado.
Quando teve o segundo orgasmo e as pernas tremeram ao
redor de Hector, ele se enfiou dentro dela outra vez. Julie fechou os
olhos (de tão boa que era a sensação) e se deixou ter um orgasmo,
mais leve que o demais, mas não menos prazeroso.
Quando terminaram, nenhum dos dois sabia como agir.
Ficaram nus no sofá olhando para as paredes, cansados demais
para qualquer outra reação. Julie pegou a garrafa de uísque da
mesinha lateral e ofereceu um tanto para Hector após tomar um
gole.
Julie notou algumas marcas de cicatrizes nos braços dele, e
algumas se estendiam até a costas. Não sabia se deveria perguntar,
mas não conseguiu controlar a língua.
— O que são essas marcas?
— Coisas infelizes das quais não gosto de lembrar.
— Parece que alguém tentou acabar com você. – Julie disse
sem dar muita atenção à reclamação dele.
— Foi quase isso.
— Tem certeza que não quer falar? Parece que está disposto
e quem sabe não irá trazer algum alívio.
— Alguém tentou acabar consigo e comigo.
— Uma mulher?
— Sim.
— Quem?
— Minha noiva.
— Você é noivo?! – Julie perguntou espantada.
— Não, não sou noivo, mas fui.
— Não sabia.
— Pouca gente sabe nesta cidade. Lucien tinha problemas
sérios. Uma artista extravagante com uma personalidade louca.
Tinha ataques de cólera frequentes. Até descobrirmos que aquilo
também era um sintoma de depressão, já era tarde demais. Pelo
menos era o que Lucien dizia. Quando percebermos a gravidade
dos sintomas, inconformada, Lucien tentou se matar cortando os
pulsos.
— Meu Deus! E você tentou impedi-la?! – Julie exclamou. Via
também, claro, a semelhança de nome entre Lucine e Lucien. As
duas mulheres que passaram na vida de Hector e que o abalaram
tão fortemente.
— Claro! Ela mal tinha cortado um lado quando a impedi. Foi
internada e depois de um tempo recebeu alta. Quando voltou para
casa, ficou bem por um tempo, mas, tão logo descobri que estava
negligenciando os remédios, Lucien fez uma segunda tentativa de
matar-se. Quando a impedi, Lucien disse que eu a queria sofrendo.
De tão cega que estava em sua dor, quis me levar junto. Ela cortou
meu braço aqui... – Hector mostrou a cicatriz – enquanto lutava.
Quando precisei fazer pressão para parar de sangrar tanto quanto
estava, ela me atacou nas costas diversas vezes. Eu fiquei
sangrando no chão por um longo tempo antes que os vizinhos
ouvissem os gritos desesperados dela. Esses vizinhos da minha
antiga casa chamaram a polícia.
— E o que aconteceu depois disso?
— Quando a polícia chegou com o socorro, eu estava
desacordado pelo que me disseram. Levei mais de onze golpes de
faca na costa e nos braços. Não morri porque o socorro chegou
rápido.
— E Lucien?
— Lucien tinha cortado os pulsos e o próprio ventre. Estava
grávida pelo que a autopsia pode mostrar. E provavelmente sabia
disso, por isso a terceira laceração.
— Sinto muito que tenha passado por isso, Hector. Odeio que
o tenha feito falar sobre algo que ainda parece tão doloroso.
— Sim, foi bastante doloroso. Ainda mais sabendo que eu
teria uma criança comigo hoje se Lucien não tivesse sido tão
egoísta.
— Não fale mais nisso se te faz tão mal... – Julie disse
deslizando a mão no rosto de Hector.
— Não falarei, nem lembrarei mais. Foi bom falar, ajuda-me a
mostrar como devo esquecer.
Hector beijou os nós dos dedos de Julie com delicadeza, não
deixando de notar que a senhorita Aston era a primeira pessoa para
quem falava tão abertamente sobre o motivo das marcas.
CAPÍTULO XXVII

CHRISTIAN NUNCA PRECISOU DORMIR MUITO. Sua


mente conseguia se concentrar com algumas poucas horas de
sono. Então, quando acordou e ainda era bem cedo, não quis ficar
no quarto e acordar Lucine. Foi até a cozinha, de onde já se
alastrava para toda a casa um cheiro maravilhoso de café fresco.
— Bom dia, senhora Fester. – Christian cumprimentou.
— Christian, por favor, me chame apenas de Camille. Não me
faça sentir mais velha do que já sou.
— Como preferir, Camille. Onde está Robert?
— Foi levar Richard à rodoviária. Aparentemente aquele
menino teria uma entrevista de emprego na cidade vizinha e
precisava sair cedo. Ah, - Camille falou como se apenas agora se
lembrasse – Robert estava animado para uma pescaria no cair da
tarde. Totalmente amadora, aquele homem não pega um peixe há
mais de cinco anos. O que acha?
— Seria uma ótima oportunidade de conversarmos melhor
sobre minhas intenções com Lucine, embora elas já estejam
bastante explícitas.
— Sim, uma ótima oportunidade. Sirva-se de café, Christian.
Ou, se preferir, pode tomar suco de laranja com torrada e feijão.
Está tudo muito delicioso, pode acreditar, e tem bolo também.
— Acredito que tudo está delicioso, já provei um pouco ontem
e garanto que muitos restaurantes finosperderiam, com seus pratos
insossos, para seu tempero.
Christian não mentia. A comida de Camille Fester tinha muito
de sabor daquilo que lembrava dos temperos da infância. Da comida
de sua mãe que sempre lhe enchia o olfato e o paladar.
— Então? Quando vai me contar quando se conheceram?
— Ah, senhora Fester...
— Ande, vamos. Lucine é minha menina e sempre sonhei que
encontraria o homem de sua vida em um tipo de conto-de-fadas.
Alimente a imaginação desta velha senhora.
Christian não era louco de contar toda a verdade, então
maquiou a verdade de modo que ela pudesse se mostrar
apresentável. Camille queria ouvir um conto de fadas, então ouviria
um.
— Bom, sua filha estava numa situação de perigo. Sendo
cercada por alguns homens dos quais as vontades escusas não
posso deliberar. Por coincidência, ou destino, eu estava no mesmo
local. Consegui resgatar sua filha da situação de perigo e a levei
para minha casa. Onde, irremediavelmente, caí de amores por ela.
— Oh, céus, Lucine esteve em perigo e não nos contou nada?
— Sim, mas não está mais. Acho que não quis preocupá-los.
De qualquer forma, acho que nem precisou mais contar sobre isso.
— Lucine está apaixonada por você.
— Eu não sei dizer.
— Não, não foi uma pergunta. Eu vi ontem como ela o olhava
enquanto conversava com Robert sobre política,tão animadamente.
Eu senti. E, olha, uma mãe não se engana.
— Eu espero que não se engane mesmo, Camille.
— Quer ouvir um segredo?
— Claro.
— Tenha paciência com Lucine. Minha filha sempre foi
bastante impulsiva, mas nunca sobre as coisas do coração. É uma
garota linda, é verdade, mas nunca foi muito confiante nesses
atributos. Sempre sentiu que as pessoas só se aproximavam dela
por sua beleza e acho que nunca se julgou digna de ser amada num
nível mais profundo.
— Obrigada por contar, Camille. – Christian disse enquanto
tomava outro gole do suco de laranja e comia outro pedaço da
torrada.
— Tem que falar por que a ama aos poucos. Em tons
profundos. Assim ela vai começar a acreditar.
— Eu entendo. Lucine sempre pareceu bastante insegura
para mim. O que ela não imagina é que sua beleza já não é mais
aquilo que mais me atrai. Lucine é tão forte e determinada, disposta
a entregar-se pelos seus que me abala. Acho que sua lealdade me
impressiona mais que sua beleza. E, aos poucos, sei que poderei
descobrir mais coisas dela pelas quais me apaixonarei.
— Claro, querido.
Lucine tinha acordado quando ouviu a voz de Christian no
andar de baixo conversando com sua mãe. Queria ouvir o que
diziam e, sem fazer muito barulho, andou até o começo das
escadas.
Ouviu tudo e não soube como interpretar a sensação que lhe
passava sempre que Christian dizia que estava apaixonado. Havia
um formigamento no baixo ventre, um frio na barriga e uma
ansiedade diferente. Não queria se apaixonar, mas sabia que era
isso que estava acontecendo. Apaixonava-se pelo homem que a
arrematara.
— Bom dia aos dois. – Lucine disse depois de descer as
escadas e ir em direção à cozinha. O sorriso que Christian deu ao
cumprimentá-la foi capaz de fazê-la ficar de pernas bambas por um
minúsculo espaço de tempo.
— Conseguiu dormir bem, filha? – Camille perguntou.
— Maravilhosamente bem. Amo meu colchão gasto. Sobre o
que conversam?
— Política! – Camille desconversou.
— Você odeia política, mamãe.
— Odiava, até ter um lindo homem falandosobre políticapara
mim.
— Me deixa encabulado, Camille. – Christian brincou.
Lucine se aproximou dele e, sem pensar muito, tomou um
gole do suco de laranja dele e provou da torrada com feijão branco.
Pareceu tudo tão leve na cena, que nem se preocupou em notar
com quem dividia o prato.
Christian segurou-a pela cintura e Lucine sorriu-lhe
tranquilamente. A garota relaxava quando estava em terreno
conhecido. Sem nem perceber no que acontecia, Lucine abaixou-se
um pouco e deu um beijo rápido nos lábios de Christian, chocando
os dois.
— Que lindos! – Camille exclamou feliz pelo bom partido que
a filha arranjara, ainda mais quando parecia tão feliz ao lado dele.
— Uma agradável surpresa... – Christian disse.
— Para mim também... – Lucine confirmou.
Pouco tempo depois, Robert chegou e os dois homens foram
tentar pescar alguma coisa. Lucine sabia que essa era uma ótima
oportunidade para conversar com a mãe e mostrar as fotos da casa
que Christian tinha comprado para os dois.
— Não acha rápido demais, Lucine? Sei que está apaixonada,
mas não acha que é muito cedo para um presente tão grandioso? –
Camille questionou embaraçada.
— É o momento exato, mamãe. No segundo em que vi
Christian, soube que não teria outra escolha, a não ser me
apaixonar por ele. Então, os presentes vieram no momento correto.
— Se diz assim.
Camille interpretou a frase como uma jura de amor.
— Sei que Richard está bravo, - Lucine disse – mas Christian
não tinha mesmo obrigação de pagar nada para ele. Já está
fazendo o favor de pagar uma reforma nesta casa, e acho que é
mais do que tem merecido.
— Não posso reclamar, um presente não foi feito para ser
analisado, mas para ser recebido. Se é o que Richard vai ganhar, é
bom que esteja contente.
Em breve, as duas estavam distraídas falando sobre a futura
casa dos Fester. Na verdade, apenas uma delas, consciente de seu
custo, não aproveitava a alegria completamente.
Depois do final de semana na casa da família Fester , Christian
e Lucine puderam finalmente voltar para casa. Os dias que
passaram na casa da famíliade Lucine terminaram com a promessa
de uma nova visita em breve.
Os seguranças, em seus postos, garantiram acesso ao casal.
Lucine observava as guaritas altas, as funcionárias, sempre jovens
demais, belas demais, e via-se afundando naquele mundo outra
vez.
— Eu vou descansar um pouco, tudo bem? – Lucine
perguntou quando se aproximava das escadas para subir ao próprio
quarto.
— Tudo bem, – Christian disse – mas pode me fazer um
favor?
— Sim.
— Não se esconda de mim outra vez, Lucine. – Christian se
aproximou devagar para não assustar a jovem que já parecia
distante novamente – Eu jurei, e tenho mantido meu juramento, que
nunca farei mal a você. Que nunca a tocarei quando não quiser. –
Christian disse num tom calmo, tranquilizando Lucine – Eu só quero
provar que eu estou me apaixonando por você, Lucine. Não quero
assustá-la, quero apenas que acredite em mim e que me permita
aproximar de você.
— Eu poderia acreditar, Christian, – Lucine disse num tom de
lamento – é tudo o que eu quero, acreditar.
— Por que não acredita?
— Só há um jeito de me fazer acreditar. E não acredito que
concorde.
— Qual é o meio de fazê-lo, Lucine? Estou entrando em
desespero. Vendo você, vendo sua boca e percebendo que não
poderei tocá-la outra vez como nessa viagem.
— Me libertando.
Christian engoliu as palavras que tinha para tentar convencê-
la e permaneceu algum tempo em silêncio.
— Não consegue, não é? – Lucine perguntou com desprezo –
Diz que me ama, mas ama tão pouco a ponto de ter que me prender
para garantir sua propriedade sobre mim?
— Sabe que a amo. Sabe que a venero desde o primeiro
segundo em que a vi. Jamais duvide disso.
— E o que é então me mantem assim como um animal
enjaulado? – Lucine falou com lágrimas nos olhos – Por que não
gosta de mim a ponto de me deixar livre? Por que não mostra que é
diferente de todos aqueles outros homens e me permite apaixonar
por você também? Por que não posso deixar que o sentimento
nasça naturalmente? Por que só eu nessa merda de vida não posso
ter escolha?
— Lucine, eu não posso.
— Por quê?! – A jovem cansada perguntou aos berros.
— Porque se eu fizer isso, você morre.
O silencio voltou a reinar.
— Se eu a deixar livre, Lucine, estará desamparada. –
Christian continuou explicando todas as razões para que nunca a
deixe sozinha – Você já sabe demais, foi preciosa demais. Ordem
irá eliminá-la se souber que corre riscos com você. Acha que seu
professor poderá livrá-la? Acha que Hector tem força o suficiente
para guardá-la como eu tenho?
— Sabe sobre Hector?
— Sei tudo sobre você, Lucine. Sei sobre cada namorado, sei
sobre cada escolha. Mesmo assim eu escolhi te amar. Eu escolhi
ficar ao seu lado e não me afastar quando soube quem era. Olhe
para mim...
Christian pediu e tocou-a no rosto para que visse em seus
olhos as verdades as quais se recusava a acreditar.
— Eu não queria vê-la presa naquele mundo, Lucine. Eu a
libertei dele para que viva plenamente.
— Não estou plena, Christian, estou presa. Estou farta de me
sentir assim. Estou fartade não saber o que sinto a cada vez que se
aproxima, de não saber se quero matá-lo ou pular em seu colo.
Estou cansada de ter sentimentos tão conflituosos sobre você e
ainda ter que lidar com todo o resto.
— Lucine...
— Christian, me liberte, por favor. Esta é a maior prova de
amor que poderia me dar.
— Eu não conseguiria viver num mundo onde você não existe.
— Mas terá que aprender...
Christian provou as lágrimas que deslizavam pelos lábios de
Lucine. Saborosas, mescladas ao gosto dos beijos tantas vezes
negados. Lucine retribuiu. A agonia crescendo do peito, mas
também uma fome. Christian era delicioso de se provar, mas
também lhe causava medo.
Deslizou as mãos pelos cabelos dele, louros, macios, finos e
pelo seu rosto. Os dois arfavam. Christian também deslizou suas
mãos pelo corpo de Lucine. Prendendo-a mais ao corpo.
Impossibilitado de conter-se diante de tamanha dor. Não poderia
deixá-la partir, não poderia. Não queria perdê-la.
— Pense nisso, Christian. Eu posso amá-lo, mas não dentro
destas paredes.
Lucine se afastou,indo ao quarto. Já não sabia se o beijo fora
uma tentativa de seduzir Christian ou uma forma de saciar a fome
que vinha crescendo silenciosamente.
CAPÍTULO XXVIII

QUANDO HECTOR ABRIU A CARTA DE THOR e a leu, sua


primeira reação foi de choque. Apesar de saber exatamente o que
Thor era, não sabia que era tão louco a ponto de acabar com a vida
de outra pessoa, traiçoeiramente acabar com a reputação da
esposa e, se tivesse concluído certo, acabar com a própria vida. A
carta tinha sido escrita tão cruamente que não restava dúvidas.
Hector sabia que seu melhor amigo se mataria, isto se já não o
tivesse feito.
Hector tinha sido tolo o suficiente para acreditar que a
intenção de Thor ao levá-lo para Cambridge era apenas amistosa e
profissional.Se soubesse tudo que acarretaria, jamais teria aceitado
o tal convite para trabalhar em Cambridge.
O tom da carta não era de arrependimento, era de loucura.

Hector,
Imagino que à esta altura esteja me buscando pela cidade
feito um louco, não faça isso. Pare e leia com atenção tudo o que
escrevo. Eu estive pensando muito em tudo o que todas as pessoas
da minha vida significaram para mim. Você, Melinda, e até mesmo
os meus colegas de trabalho ultraconservadores.
Você foi meu melhor amigo desde que botamos o olho um no
outro. Sempre gentil, namorador, roubador de conquistas (ainda não
te perdoei por ter ficado com a líder de torcida mesmo sendo um
perdedor que escrevia poesias e eu sendo o quarterback do time de
futebol da faculdade). Nestes últimos momentos, vi tudo com
clareza, eu sou o pior amigo do mundo. É verdade. Eu procuro por
uma razão, uma apenas, que justifique tê-lo colocado no meio do
inferno e não encontro. Por quê? Porque não tem nenhuma. Se
tivesse, eu saberia. A única coisa que encontro sou eu próprio,
ridículo, egoísta, interesseiro e doente, afundando o meu amigo num
mundo do qual eu achei que nunca iria querer sair, me perdoe.
Melinda é a chama da minha vida. Uma mulher simplesmente
espetacular. E eu tive coragem de matar um pouco desse brilho
quando a violentei no nosso quarto há poucos dias. Ela está sendo
culpada pela morte de Miranda Kiel, minha aluna e minha amante.
Fui eu mesmo quem a denunciei à polícia com provas falsas que a
ligavam ao crime. Como se fosse possível que Melinda pudesse
matar Miranda! Eu sempre soube que não machucaria o menor dos
animais. Eu matei qualquer resquício de chance de voltarmos às
boas, eu matei o amor que sentia o tempo todo e negava.
Miranda foi morta por overdose, me disseram. Eu mandei
cocaína pura e heroína. Eu sempre mandei aquela garota não
misturar as coisas, mas a burra não me ouviu. A garota se fodeu
quando achou que eu seria capaz de deixar minha mulher por causa
de uma drogada. Uma puta barata.
É, Hector, eu sou um puto de um viciado. Ou era? Eu era o
senhor do pó, não tinha para ninguém.
Como você vê, eu matei Miranda. E eu faria de novo, qual é?
Ela estava me irritando. Ela foi bem gostosinha no começo, mas foi
se apaixonar, onde já se viu puta apaixonar? Ela encheu meu saco,
queria droga e dinheiro, e dei um fim nela.
Eu estou cansado de fingir, cansado de lutar contra tudo e
represar o que sou. Eu não aguento mais a pressão e para não
meter uma bala no miolo de todo mundo que já me olhou torto, eu
vou acabar comigo.
Miranda tem me atormentado em sonhos, ela tem sede do
meu sangue e quer se vingar. Ela prometeu que vai destruir minha
vida e ela está certa. Ela vai. Antes que essa puta destrua minha
vida, eu vou fazer isso. Vou acabar com aquela vagabunda no
inferno.
Adeus, amigo.

Mais tarde, quando Hector enviou a carta à polícia, foi


informado pelos detetives que os fatos na carta batiam com a
realidade. Porém, a investigação mostrava que os homens que
mataram Miranda, não tinham ligação com Thor Price. Thor poderia
ter mandado matar Miranda, mas não foram seus homens que
completaram o crime.
O corpo de Thor foi encontrado naquele mesmo dia,
carbonizado entre as ferragens de um carro destruído.
Irreconhecível, só pode ser identificado pelas câmeras de segurança
ao redor que comprovaram que era ele quem dirigia o veículo.

Christian não queria ter que viajar e deixar Lucine sozinha. O


trabalho, porém, o chamava. Christian Navarro teria que se
apresentar no conselho político do Reino Unido, defendendo os
interesses de seu estado. Justificando os gastos nas investigações
das jovens suicidas e prospectando sua campanha futura.
Isso significava ficar longe de casa. Ficar longe de Lucine.
Ficar longe do mundo que tinha construído para impedi-la de fugir
dele. Christian poderia muito bem levá-la, mas não o fez.
A mala já tinha sido colocada no carro e apenas esperava
Lucine descer as escadas, para conversar, esperava não ser a
última vez.
— Christian? – Lucine o chamou quando o viu ao lado da
porta, impecável num terno azul marinho – O que foi?
— Preciso conversar com você.
— Estou aqui.
— Lucine, sente-se. – A garota obedeceu e sentou-se no sofá
branco da sala de estar. Christian sentou-se ao lado dela – Eu
precisarei me ausentar da cidade, alguns dias. Eu estarei na Irlanda
numa reunião de trabalho.
Christian respirou fundo antes de continuar. Aquela porra toda
era muito difícil.
— Eu vou deixá-la sozinha nesta casa. Eu não a impedirei de
fugir, Lucine, eu não a impedirei de sair. Você terá total liberdade
para escapar se quiser. Eu já avisei a todos, você pode sair pela
porta tranquilamente.
— Christian...
— Você me pediu uma prova, eu a estou dando. Espero que
seja o suficiente para convencê-la porque estou a ponto de enfartar
só de pensar no que estou fazendo.
Lucine ouvia sem saber se acreditava ou não. Poderia muito
bem ser apenas uma armadilha.
— Eu não vou correr atrás de você, Lucine. Terá plena
liberdade para ir embora, se quiser. Está livre a partir do momento
em que eu sair por essa maldita porta. – Christian disse – Porém, se
eu voltar e você estiver me esperando, saberei que quer ficar
comigo. Saberei que me quer tanto quanto quero você. E não
haverá nada que possa arrancá-la do meu lado.
Lucine mal ouvia, apenas apegava-se a palavra fugir, livre,
imaginava-se correndo para além dos portões.
— Eu estou indo agora, Lucine. Vou embora e talvez esta seja
a última vez que eu a veja na vida. Temo que devo pedir uma coisa
antes de partir.
— O quê?
— Um beijo, antes de ir embora, nem que seja o último.
Lucine olhou para os lábios de Christian, rodeados por uma
fina camada de uma barba bem desenhada. Os olhos claros dele
pareciam estar implorando por aquilo, implorando para que o
beijasse.
— Me desculpe... – Lucine falou se afastando um pouco – Eu
não posso...
— Cansei de pedir, Lucine.
Christian puxou Lucine para o beijo que pedira. Pouco
importava que esta não quisesse, estava cansado demais de lutar
pelo amor dela, de implorar e não ser correspondido. Era hora de
reivindicar. Talvez nunca mais, depois desse beijo, pudesse ter a
oportunidade de beijá-la novamente.
Lucine resistiu, no começo. Assustada pela impetuosidade do
beijo, mas logo se viu cedendo ao carinho. Viu-se cedendo ao beijo
apaixonado e intenso que lhe fazia gemer involuntariamente.
Quando saciado, Christian afastou-sede Lucine e andou até a
porta.
— Adeus, Lucine.
Christian se despediu. Olhou outra vez para Lucine. A bela
mulher com os lábios avermelhados pelo beijo o encarou até que
Christian deu as costas e desceu as escadas da frenteda casa para
entrar no carro.
Quando sozinha, Lucine julgou estar com todas as
oportunidades para escapar alinhadas. Já não pensava mais em
Hector, ou nos pais, pensava em si. E não se achava egoísta por
isso. Uma vez na vida precisava se preocupar consigo mesma e
com mais ninguém.
Juntou suas coisas numa mala pequena, vestiu-se. Andou até
a porta da frenteque foramabertas pelos seguranças. Olhou para o
lado de fora, a liberdade, e sentiu medo. Um certo receio.
Christian inundou sua mente de tal maneira que não sabia se
seria capaz de dar um passo para fora da casa. Não sabia se era
medo, ou o que era. Só sabia que uma dor quase física lhe
acometeu de tal formaque a primeira noite passou e não conseguiu
dar um passo para fora de casa.
CAPÍTULO XXIX

“NINGUÉM...”MELINDA PENSAVA “não veio ninguém no


seu velório”.
Thor não tinha outra pessoa por si agora, nem mesmo sabia
que Melinda, a única na cerimônia de despedida, fora a única a
comparecer no maldito velório. Bernard a tinha aconselhado a
deixar que a própria empresa de funerais se encarregasse dos
procedimentos da cremação, mas Melinda não aceitou o conselho.
Melinda tinha vivido uma história com Thor, mesmo que
tivesse sido uma história cheia de dramas e tristezas nos últimos
dias, ainda tinha sido alguém que fezparte de sua vida. Parte de um
acordo que o próprio Thor quebrou.
O caixão lacrado estava sobre um ornamento bem entalhado.
Nenhuma imagem de qualquer religião. Thor não acreditava em
ninguém além de si mesmo.
Bernard estava ao longe, no final da sala, observando a viúva
à sua frente. Era quase como se Melinda tivesse sido duplamente
viúva, uma vez por Montserrat, o homem que amou, outra por Thor,
o homem que tentou amar.
Melinda fechou os olhos, tentando se apegar a uma
lembrança boa para não ter tanto rancor de Thor, mas não
adiantava, apenas uma lembrança lhe estava vívida diante dos
olhos.
Algum tempo se passou naquela posição, Melinda viu alguém
sentar-se ao seu lado. Achou que era Bernard, descansando por
pelo menos um minuto, mas era Hector.
— Melinda, – Hector disse baixinho – meus sentimentos.
— Eu nem sei o que é isso, Hector. Não finja que está triste
por Thor, nem eu consigo sentir tristeza.
— Você não precisava ter feito isso, Melinda. – Hector disse –
Eu mesmo poderia ter cuidado de tudo.
— Eu sei, – Melinda disse – mas me senti na obrigação. Ele
merecia pelo menos um último gesto de bondade, qualquer um
mereceria. Assim, até do outro mundo, ele verá que sou melhor que
qualquer outra e que nunca me mereceu.
Hector ficou calado, silencioso, ouvindo cada palavra dita por
Melinda. Talvez Melinda não percebesse, mas tinha ódio naquele
discurso. Totalmente justificável, mas um venenoso tipo de ódio.
Hector, com carinho, tomou as mãos de Melinda e guardou-a
entre as suas. Olhou para trás, apenas para notar Bernard ao lado
da porta de entrada. Além destes três, apenas uma pessoa está no
local. Julie que, com pavor de velórios, ficou do lado de fora,
sentada na escadaria, olhando para o céu cinzento.
Melinda olhou para seu segurança e ia voltar a falar com
Hector, mas sentiu um objeto no dedo anular dele. Seus olhos
desceram para as mãos de Hector e então Melinda viu o objeto
enfeitando o dedo de Hector Lujak.
— O que é isso? – Melinda perguntou de leve, mas o contorno
daquela pedra, o rubi e o ouro – Oh, meu Deus, Hector! Você é um
deles?! – Melinda se levantou berrando.
— O que? – Hector falou confuso – Do que está falando?
— Desse anel! – Melinda apontou para o dedo dele como se
em vez de um anel estivesse vendo uma víbora – Você faz parte
disso! Você é um deles, faz parte da Ordem Escarlate.
— Não! – Hector defendeu-se – Não é bem assim. Eu tentei
sair, mas eles não permitem. Céus, não permitem que você faça
nada.
Àquela altura, Bernard já tinha se aproximado de Melinda, e a
estava cercando para protegê-la.
— Eu tenho tentado sair disso há tempo. Melinda, acredite em
mim. Eu só estou nisso porque quero salvar alguém, alguém que é
muito importante para mim.
Julie, ao longe, engoliu em seco. Não sabia o que mudaria
depois da noite que passaram juntos, mas sabia que merecia a
menor das considerações.
— Eu estou fazendo isso para salvar a alguém que amo. Se
estou neste mundo, é por culpa do homem naquele caixão. –
Hector disse.
— Saia daqui! – Melinda disse não convencida – Saia de
perto de mim! Se você quis salvar alguém, como diz, onde está esse
alguém?
— Eu ainda não consegui. – Hector disse – Mas veja, eu
salvei Julie. – Hector acenou para que Julie se aproximasse, ela o
fez – Eu a salvei da morte a que eles submetem todos que querem
sair. Eu agora estou tentando salvar outra pessoa, e não sei se serei
capaz.
Confusa, Melinda acenou para Bernard para que a tirasse
dali. Bernard tão confuso quanto sua chefe, por descobrir o que sua
amada tinha se tornado. Ele ainda olha uma vez para Julie, ou
Delilah, com um profundo sentimento nos olhos, em vão. Outra vez
ela não o reconhece.

— Aisha... – O homem sussurra o nome da mulher para que


esta acorde – Sou eu...
Como se fosse a melhor surpresa do mundo. Aisha acorda
com um sorriso no rosto, totalmente levada pela sensação que
sente quando está nos braços dele.
O Magister não costumava fazer surpresas durante o dia,
aquilo era novo.
— Deveria ter mandado avisar... – Disse num tom sonolento –
Eu estaria apresentável, pronta para você.
Aisha falou e puxou-o para sobre si, pela lapela do casaco,
sentindo o corpo dele contra o seu. O homem, vendo que seria fácil
arrancar dela qualquer coisa, colocou a coxa entre as pernas dela e
permitiu que se esfregasse nela como uma cadela no cio.
— Excitada, Aisha? – O homem disse – E se eu fizer isso? –
O Magister mordiscou os seios dela, bem de leve, adorava aquela
exuberância natural deles.
— Muito melhor... – Aisha gemeu enquanto o homem
esmagava de leve o bico dos seios entre os dentes.
— Isso dói? – O Magister mordeu um pouco mais forte.
— Não.
— E isso? – Mordeu ao redor do mamilo até o espaço entre
os seios.
— Não... – Aisha gemeu ainda mais forte. Claro que a pele
sensível doía, mas a tortura era deliciosa.
— Posso perguntar uma coisa?
— Se eu conseguir articular uma só resposta... – Aisha
sussurrou algumas sílabas entrecortadas.
— Então ouça com atenção... – O Magister retirou a perna do
meio das pernas de Aisha – O que Christian Navarro é para você?
Aisha congelou rápido. Ainda tentou disfarçar, mas sabia que
tinha sido apanhada. Não imaginava até onde o Magister sabia,
então era melhor ser cautelosa.
— Ele é um conhecido... – Aisha falou e beijou o pescoço
dele, tentando disfarçar o nervosismo.
— Conhecido?
— Sim...
— E você vende duas mansões à beira-mar para dar dez
milhões de libras a um conhecido? – Ele perguntou com voz dura,
deixando de lado a cena de sedução que parecia querer encenar e
pegando-a no pescoço, apertando a frágilpele alva contra os dedos
– Acho melhor começar a explicar isso de uma forma mais
convincente.
— Eu não sei do que está falando.
— Resposta errada. – O Magister apertou mais o pescoço
dela.
— Eu não sei... O que quer que eu diga... – Aisha faloucom a
voz baixa, os dedos impedindo a voz de sair normalmente – Me
solta...
— Como você pode fazer isso comigo? – O Magister disse
enfurecido – Como poder me trair desse jeito.
— Eu não traí você...
— E ainda tem coragem de negar? Por que me traiu com
Christian? Eu não sou o suficiente para você? – O Magister disse –
Achei que ter salvado você bastaria. Eu achei que fossemosapenas
nós dois. – O homem liberou o pescoço de Aisha, que tossiu um
pouco antes de conseguir falar.
— Eu nunca traí você, Magister. Eu nunca fiz nada para
manchar sua reputação. Sabe que o amo e que jamais trairia você.
— Mesmo? – O homem perguntou – Então, por que deu o
dinheiro para que comprasse Lucine? Queria agradá-lo? Queria que
visse o quanto pode ser uma cadela dedicada?
— Não! – Aisha negou. Já sabia que, para o homem à sua
frente, não passava de alguém cuja vida era um estorvo – Eu não
quero Christian, eu sou...
— O que você é, cadela? – O Magister perguntou e jogou-a
contra a cama com força.O rosto dela bateu no espelho da cama de
madeira e o nariz fez um som de estalo, logo começando a sangrar.
Aisha soube, naquele momento, que não importava o que falasse,
Ele não a perdoaria – Sim, Christian é meu amante.
Estava condenada, sabia. Há muito tempo o Magister parecia
apenas estar em busca de um motivo para mandá-la embora. Não
valeria a pena revelar que Christian era seu irmão. O Magister a
mataria e era possível que ainda arruinasse a reputação de
Christian para todos.
— Então admite? – O homem perguntou.
— Admito... – Aisha respondeu com a voz de quem sabe que
vai morrer.
O Magister rompeu o casulo de autocontrole que tinha e partiu
para cima de Aisha. Desferiusocos nela, enfurecidopor uma paixão
louca e doentia, e a arrastou pelos cabelos até a varanda.
Nenhum dos seguranças fez nada, nenhum podia fazer nada.
Como iriam reagir contra o ato de seu superior? Aisha gritou e
esperneou. A camisola de seda que usava rasgou na altura da
perna enquanto tentava se desvencilhar das mãos do homem que
amava, as mãos pelas quais morreria.
— Não, por favor, não! – Aisha pediu – Eu amo você! Eu amo
apenas você!
Não adiantou nada. O Magister a carregou nos braços, e deu
um beijo na boca suja de sangue. Olhou para o rosto dela com
carinho, vendo pela última vez a beleza que o tinha cegado.
— E eu amei você, Aisha...
O homem pendura o corpo de Aisha para fora da proteção da
varanda. A mulher tenta se segurar nele, mas não consegue ser
rápida o suficiente. Logo é jogada da enorme altura.
Aisha observa o topo do prédio ficando inalcançável. A vida
dela não passa diante dos olhos em poucos segundos como os
clichês mandam. Não! Momentos, estes sim, desfilam diante de
suas pálpebras prestes a fechar. Lembra-se dos momentos que
viveu com o Magister, os únicos que pareciam ter sido capazes de
serem gravados na memória. Desde o primeiro beijo até o último,
não existia vida fora dele.
Num instante, instante em que não poderia pedir perdão sem
parecer hipócrita, fechou os olhos e silenciou-se. Pelo menos
saberia que o irmão estaria à salvo. Então não houve mais nada.
O barulho do corpo se desconjuntando no chão foi ouvido
pelos transeuntes. Aquele prédio era conhecido por uma tragédia
semelhante. Uma mulher tirara a própria vida por conta de um amor
não correspondido.
Daquela vez, que todos julgavam a história uma réplica,
desviavam o olhar para não ver a cena e pose grotesca em que o
corpo tinha caído. A curva do pescoço estava errada, e a parte
detrás do crânio tinha se esmigalhado quase por inteira no concreto,
massa encefálica e sangue se espalhavam perto do corpo. Um dos
olhos tinha saltado para fora da órbita.
Do alto do prédio, o Magister apenas observava quieto o
movimento ao redor do cadáver da única mulher que amou. O amor
tinha morrido com ela, tudo que sobrava nele agora era ódio e
maldade.
— Tratem de tornar a cena digna de um suicídio. Planejem um
enterro grandioso. A cadela merece.
CAPÍTULO XXX

“AH, CHRISTIAN. NÃO PENSE QUE sua ousadia não terá


retribuição”.
O Magister repetia dentro do caro. Não sentia o luto habitual
por ter dado fim a existência de Aisha, tudo que sentia era o ódio
desenfreado que o deixava cego e o fazia enxergar apenas a
vontade de vingar-se.
O caminho até a mansão de Christian parecia prolongar-se
mais que de costume e a vontade de pôr as mãos em Christian
crescia ainda mais. Mataria o maldito insolente se fosse preciso.
— Gostaria de um minuto com o senhor Navarro. – Disse para
o segurança que apareceu à entrada da porta.
— O senhor Navarro não pode atendê-lo no momento.
Apenas a futura senhora Navarro está.
— Poderia chamá-la, por favor? – O Magister perguntou.
O segurança, direcionado por Christian de não proibir Lucine
de fazer coisa alguma, permitiu a entrada do homem na mansão.
O carro parou em frente à entrada principal da casa. O
Magister e mais dois homens saíramdo veículo.O Magister à frente
e os homens protegendo-o por todos os lados.
A casa estava quieta. À medida que entrava na mansão,
outros empregados iam surgindo. Nenhum deles à altura de serem
dignos de uma só palavra.
A maioria das empregadas, caladas diante do homem que
conservava um anel igual ao do seu senhor, foram pondo-se de
joelhos à medida que notavam quem aquele homem poderia ser.
— Lucine! – O homem gritou e viu-a surgir no topo da escada,
com o olhar assustado – Ah, então você está aí?
— Quem é você?
— Um amigo, um velho e bom amigo de Christian.
— Christian não está, mas também não vai demorar. Gostaria
de deixar algum recado? – Lucine perguntou mesmo sabendo que a
sua atitude deveria ser correr e se esconder. Porém, tanto ficar
quanto correr parecia igualmente perigoso.
— Ah, eu sei que Christian não está. – O Homem disse com
um sorriso que parecia transtornado –Vem comigo. Quero te levar
para um lugar.
— Eu não quero ir a lugar nenhum com você. – Lucine disse e
deu alguns passos para trás, do alto da escada, querendo tentar
calcular a chance que tinha de correr e alcançar o quarto seguro em
tempo.
— Não tente se esconder, – O Magister disse – será muito
pior.
Os seguranças do Magister sacaram armas e empunharam-
nas na direção de Lucine. Lucine, porém, não deu ouvidos.
Precipitou-se para o corredor que ficava atrás de si e correu. Os
homens, que acompanhavam o Magister, subiram as escadas e
alcançaram-na antes que alcançasse o quarto seguro do final do
corredor.
— Você vem comigo. – Um dos seguranças que a segurou
disse quando Lucine não quis parar e ficou gritando insistentemente.
Dois dos seguranças da casa, que correram para tentar
proteger a senhora Navarro, foramferidosmortalmente por disparos
feitos pelo próprio Magister.
— Senhores, não me obrigue a matá-los todos. – O Magister
disse quando notou mais dois seguranças aparecendo diante da
entrada da casa.
O segurança que levava Lucine colocou a mão sobre o rosto
dela, para abafar os gritos da moça e impedir que a vizinhança
tivesse a chance de escutá-la, mesmo que a casa fosse isolada.
Lucine não conseguia respirar queria, de algum modo, dizer isso.
Quando o ar que faltava tornou-se em demasia necessário, Lucine
não aguentou a queimação no peito e desmaiou.
O Magister observou quando Lucine foi colocada,
desacordada, dentro do carro. Sabia exatamente como se vingar de
Christian. Se regozijava ao imaginar o desespero que o homem teria
no rosto ao ver o que faria com tão preciosa menina.
Quando o carro sumiu, algumas esquinas mais adiante, os
seguranças entraram em contato com Christian imediatamente.

Julie tinha acabado de sair do prédio de Hector quando viu o


rapaz que fazia a segurança de Melinda do outro lado da rua.
Mesmo com os óculos escuros, sabia que o tal homem estava
olhando em sua direção.
Aquilo já estava enchendo o saco. Havia dias que a cena se
repetia. Mesmo que não suspeitasse que tinha feito alguma coisa
errada, via-se assombrosamente curiosa e ofendida.
— Ei, você! – Julie gritou do outro lado da rua. Bernard se
levantou da cadeira em que estava sentado quando a viu atravessar
a rua e se aproximar – O que é que quer comigo, hein rapaz?
— Como? – Bernard perguntou.
— É isso mesmo que ouviu! – Julie disse quando já estava ao
lado de Bernard – Está achando que sou burra? Eu estou vendo
você me espionando há dias. Ou isso ou você come porcarias
demais. Só vive na porcaria dessa lanchonete.
Bernard retirou os óculos escuros, colocou-o no bolso da
camisa, depois olhou bem nos olhos de Julie, esperando algum
reconhecimento, o que não aconteceu.
— Isso não é forma de cumprimentar um velho amigo.
Bernard disse tentando, ao máximo, soar como o velho vigia
de estação que prometeu um amor tranquilo a menina à sua frente.
Julie engoliu em seco, seu primeiro pensamento foi de que o
homem à sua frente pertencia à Ordem e que estava ali para
exterminá-la. Porém, o jovem homem não tinha um olhar frio de
quem está prestes a cometer um assassínio. Pelo contrário, parecia
emocionado ao vê-la.
— Sinceramente não me reconhece? – Bernard perguntou
outra vez.
— Não, desculpe. – Julie respondeu temerosa, querendo que
os temores dela fossem infundados – Quem é você?
— Acho que se não me reconhece, pode reconhecer isso...
Bernard tirou a carteira do bolso. Dela, um pequeno papel que
lhe estendeu. Era um retrato. Uma foto de Julie, quando ainda se
chamava Delilah, com os cabelos num tom de loiro natural, e não no
tom oxigenado de agora. Na foto, o rapaz também estava diferente.
Mais magro e ossudo, sinal do baixíssimo salário que ganhava e de
cujo valor mais da metade ia para a prestação da casita, e o
restante os alimentava mal.
Julie ficou algum tempo esperando que seu cérebro
rememorasse todas as lembranças que aquele retrato de cabine
fotográficatrazia. Dois jovens que pareciam ter o mundo inteiro sob
o solado de seus pés. Dois jovens que tinham esperança de um
mundo onde apenas o amor seria o suficiente, mas não foi assim.
Julie teve medo, fugiu, tentou de todo modo resistir ao medo que
sentiu diante de ser feliz e partiu.
— Você me deixou sozinho. Não sabe como a procurei feito
um desesperado. Não sabe quantas noites eu a esperei.
Julie ergueu os olhos para observar o homem com mais
cuidado. Os detalhes do rosto que à sua frente, mesclando-se ao
rosto que via na memória e nas fotos. Ele ainda tinha os mesmos
traços de antes, apesar de mais endurecidos pelo tempo. Ele ainda
era o mesmo.
— Bernard... – Julie falou num sussurro, quase incapaz de
completar a palavra inteira, como se tivesse sumido todo o ar do
mundo apenas por estar diante do homem que mais amara no
passado.
— Quando a conheci seu nome era Delilah. Não sei como
chamá-la agora.
Julie esperou que aquilo não fosse um sonho, tampouco que
fosse um pesadelo. Seu peito explodiu de alegria, de temor.
Incapacitada de falar, lançou ao redor dele e o envolveu num abraço
sincero e saudoso.
— Eu te procurei tanto... – Bernard soprou baixinho ao ouvido
de Delilah – Você sumiu... Eu virei um homem desesperado,
endurecido...
— Me perdoe... – Julie pediu – Eu sei o quanto foi ruim fugir
de você... Agora eu sei...
— Por que você fugiu? – Bernard perguntou envolvendo o
rosto dela entre as mãos.
— Eu tive medo, medo demais.
— De mim? – Bernard perguntou quando achou que ele tinha
sido a razão de tudo.
— Não, nunca de você. Eu tive de ser feliz. Eu achei que não
merecia. Eu ainda acho que não mereço. – Julie lembrou-se que
devia contar a Bernard que o amor deles tinha rendido um filho. E
também que tinha perdido esse filho. Que arrancaram o bebê dela,
e que fora Hector quem as resgatou de pessoas tão vis.
— O que foi? – Bernard perguntou quando o tom dela mudou.
— Precisamos conversar, tenho muito a contar.
— Agora temos todo o tempo do mundo.
Julie pareceu constrangida diante de Bernard, mas perguntou
assim mesmo.
— Bernard, você ainda me ama?
— Eu nunca deixei de amá-la, Delilah, nem um só momento.
CAPÍTULO XXXII

CHRISTIAN CONSEGUIA SENTIR A PULSAÇÃO nas


artérias do pescoço descompassadas. O coração palpitante não era
o único sinal de ansiedade. Também se juntava a isso a mão
trêmula e até mesmo o ato de roer unhas, coisa que nunca tinha
feito.
Quando se aproximou dos portões da casa, já estava com as
mãos suadas, ansioso, para saber se Lucine tinha ou não o tinha
deixado.
Uma chuva de inverno tinha cortado a comunicação do hotel
por alguns dias. Sinal de celular foialgo raro de conseguir. Na única
vez em que conseguiu sinal, estava numa reunião formal de
governo, não poderia matar as saudades de casa.
Quando o carro virou a esquina, percebeu, com estranheza,
que as luzes da casa estavam ligadas. Exceto em ocasiões de festa,
a iluminação do jardim nunca ficava ligada até tão tarde. Eram
quase duas da manhã.
Assim que adentrou os portões, notou, com espanto, vários
carros de polícia estacionados diante da entrada principal da casa.
— Lucine... – Christian pensou imediatamente nela. Achou
que tivesse feito alguma denúncia ou que tivesse feito alguma
besteira contra si mesmo.
Christian correu apressado para dentro da casa, não se
deixando ser impedido pelos policiais que estavam chamando-o
repetidamente. Procurou por Lucine entre os que estavam no andar
inferior e não a encontrou. Precisava manter uma face austera,
séria, diante de todos, apenas por isso não se partiu em pedaços ao
notar esta ausência. Christian precisava controlar-se para não
parecer um desesperado ao imaginar que Lucine tinha partido.
— Senhores? – Christian cumprimentou-os finalmente.
Aproximando-se daquela que parecia a chefe de polícia – Em que
posso ajudá-los?
— Primeiro-Governador, – A oficial de polícia aproximou-se
dele – estamos com nossas forças policiais na sua casa para
investigar uma possível briga entre dois de seus seguranças.
Infelizmente, os dois não resistiram aos ferimentos e faleceram.
Além disso, quando estávamos em meio às investigações para
elucidar os fatos, fomos informados de uma outra ocorrência.
Lamento que não tenhamos uma boa notícia para o senhor.
— Uma outra ocorrência? Pode explicar melhor? – Christian
disse ao notar o anel de ouro e rubi em seu dedo. Exatamente igual
ao que tinha em seu bolso. A oficial de polícia era da Ordem
Escarlate.
Talvez por isso, o tom que os policiais lhe dirigiam não era o
utilizado por quem se dirige a um acusado, mas a quem se dirige à
vítima de uma tragédia.
— Senhor, sua irmã, Aisha Field, cometeu suicídio ao saltar
da cobertura onde vivia. Há três dias. Como o senhor é o único
parente vivo dela, não pudemos fazer ainda a liberação do corpo.
— O que? – Christian perguntou e as pernas ficaram fracas.
Tanto que precisou sentar-se – Minha irmã se suicidou?
— Sim, senhor. Lamento ter que dar a notícia desta forma.
Infelizmente, os fatos já foram apurados e a investigação não
encontrou dificuldades em ser concluída.
Não tinha se preparado para nenhuma dessas notícias. Não
sabia que quando chegasse em casa teria a políciavigilando o local
depois de dois de seus seguranças terem morrido. Tampouco
imaginou que sua irmã estaria morta. Aisha não era religiosa, mas
sabia que não seria capaz de tirar a própria vida. Aisha amava
demais as alegrias e os luxos que tinha para fazer isso.
Também era terrível não ver Lucine em lugar nenhum de sua
casa.
— Primeiro-Governador, precisamos que nos acompanhe
para liberação do corpo. Se não estiver disposto, um advogado
legalmente autorizado poderá fazê-lo. Estamos com um esquema
de segurança montado para que o senhor possa estar protegido em
sua casa. Claro, se for de sua vontade.
— Por que eu precisaria de proteção? – Christian perguntou,
e mesmo sem querer, algumas lágrimas rebeldes brotaram de seus
olhos pela dor da perda da irmã.
— A notícia do suicídio é conhecida na cidade e, de algum
modo, vazou para a impressa a informação que Aisha Field era sua
irmã.

— Hector! – Julie chamou alegre – Hector!


Julie passara a noite com Bernard, longe de casa. Não o
amando como os corpos afastados por tanto tempo necessitavam,
mas desfrutando da companhia um do outro.
Bernard era o único que amava Julie puramente, sem
devassidão ou interesses pecuniários. Bernard nem mesmo
conhecia seu passado, e Julie não fazia questão de contar tudo.
Ainda que tenha contado uma boa parte de sua história, Bernard
não mudou o jeito de olhar para Julie, apaixonado.
Hector, que estava no quarto separando algumas roupas para
vestir e sair em seguida, veio até a sala segurando um dos cabides
que tinha escolhido.
— Pois não? – Hector estranhou o fato de Bernard estar em
sua casa, sem Melinda, mas permitiu a entrada – Bernard, o que faz
aqui?
— Precisamos conversar. – Julie disse antes de Bernard falar
alguma coisa.
— Pois não?
— Hector, este é Bernard, você já o conhece. – Julie começou
– Bernard é meu ex-noivo e eu não o tinha reconhecido.
— Seu ex-noivo? – Hector disse enquanto os três seguiam
para o sofá, sentar-se. Não entendia como Julie poderia estar tão
apaixonada por Bernard, olhando-o com tamanho carinho, depois de
estar, há vários dias, derretendo em sua língua.
— Bernard me conheceu quando a Ordem Escarlate ainda
não tinha mudado meu nome. Meu verdadeiro nome é Delilah Priés,
eu nasci na França, não sou inglesa como meus documentos dizem.
— Sempre achei seu sotaque diferente demais para uma
inglesa. – Hector disse.
— Bernard e eu tivemos uma história, Hector, e acho que
ainda temos. Eu o amo. Achei que o tinha esquecido, mas bastou
lembrar todos os sentimentos bons que vivi ao lado dele para notar
que ainda estava presente em minha memória. Eu preciso de mais
disso. Preciso sentir mais disso. Por isso, Hector, gostaria de pedir
que me permita viver essa possibilidade de felicidade que surgiu
para mim.
— Julie, eu não a salvei para que seja minha. Sabe disso. E
não me interporia nunca no caminho da sua felicidade. – Hector
disse – Quanto a você, Bernard. Espero que seja um homem
decente e que a faça feliz. Julie já sofreu demais nesta vida para se
dar ao luxo de outra decepção.
Bernard apenas acenou positivamente.
— Eu já entrei com a documentação para pegar o dinheiro
que tinha investido em meu apartamento de volta. Até o final da
semana ele estará em sua conta, junto com o que tenho guardado
no banco. Não tenho um milhão, mas vou poder pagá-lo pelo menos
a quarta parte disso.
— Eu não quero seu dinheiro, senhorita Aston.
— Eu insisto. Por favor, aceite. É uma forma de aliviar minha
culpa.
— Culpa?
— Sim, Hector. Eu não posso mais mentir ou omitir. – Julie
disse – Sinto-me culpada como se tivesse um sinaleiro enorme na
minha cabeça apontando para minha falta de lealdade.
— Não se sinta culpada por mim. – Hector disse – Sabe que
sua felicidade é importante para mim. E, embora estes poucos dias
tenham passado tão rápidos, você se tornou alguém importante
para mim, senhorita Aston.
— Não é isso, Hector. É... Deus, isso é difícil. É que...
— O que quer me contar, senhorita Aston?
— Acontece, Hector, que eu sei onde Lucine está.

Lamentar não resolveria nada. Christian sabia que sua irmã


jamais atentaria contra a própria vida. Aisha sempre tinha sido
apaixonada demais pela vida, não desejaria morrer.
Depois de sua filha, agora tinha perdido a única pessoa que
carregava ainda algum rastro de seu sangue. Ele tinha perdido a
última coisa parecida com família que tinha.
Christian se vingaria, se vingaria de todos que fizeram sua
irmã e sua filha partirem deste mundo. E começaria por ele - O
magister.
Christian compilou toda a informação que tinha sobre a
Ordem Escarlate. Tudo o que Aisha lhe tinha passado em vida,
quando imaginou que um dia morreria de forma trágica. Christian
nunca tinha dado muito ouvido à irmã, sempre exagerada, achava
que Aisha apenas queria chamar atenção.
Culpou-se por não a ter protegido direito, culpou-se por ter
aceitado o convite dela para conhecer esse mundo. Culpou-se por
ter sido fraco demais para sair.
Christian escreveu um e-mail, salvo num servidor não
rastreável, e o programou. Nele organizou as imagens que tinha
com a irmã, por ordem cronológica, contou sua história e a dos pais.
Contou como começou na Ordem Escarlate e como perdeu sua filha
numa ameaça silenciosa em razão das fortunas em dívidas que
tinha contraído salvando pelo menos duas dúzias de pulcras.
Ainda que a motivação não tenha sido das piores, Christian se
sentia culpado por tê-las deixado em um risco tão grande de vida.
— Vamos! – Christian diz aos seguranças que estão
esperando suas ordens – Vamos até o apartamento de Aisha.
— Senhor, não adiantará muito. – Um dos seguranças, o mais
antigo e mais fiel em seu trabalho com Christian disse – Colocar-se
em perigo não fara que sua irmã volte.
– Se não fosse tão confiável, este seria um motivo e tanto
para demiti-lo.
— Entendo, senhor. Porém não posso arriscar colocá-lo em
perigo, mesmo diante da dor.
— Não se preocupe, comigo. Não estou indo chorar por
Aisha. Estou indo para vingá-la. Apenas cumpra minhas ordens,
para isso o pago.
Christian passara a noite em claro. Aisha fora cremada e,
dentro de alguns dias, suas cinzas seriam transformadas num
diamante. Nada disso tinha sido feito a pedido seu, mas também
não reclamou. Sua irmã já estava morta e não reclamaria. Agora,
com a morte da irmã e a dor que o partiu em dois, conseguiu pensar
mais friamente.
Entendeu que Lucine não tinha escapado. Provavelmente fora
levada quando viajou. Lucine não tinha dado a impressão que
fugiria, de maneira nenhuma. Na verdade, tinha mostrado sinais
claros que iria ficar. Embora mui subliminarmente, tinha lido esses
sinais e eles se tornavam certezas em suas lembranças.
Agora tudo começava a se encaixar. O Magister não tinha
aceitado a venda de Lucine, de alguma forma descobriu que Aisha
tinha ajudado no processo de compra e não hesitou em matar a
única pessoa que importava em sua vida de depravação. O maldito
não pensou duas vezes.
Já teria descoberto que eram irmãos?
CAPÍTULO XXXIII

TÃO LOGO DESCOBRIU A LOCALIZAÇÃO de Lucine,


Hector fez de tudo para encontrá-la. Sentia-se culpado,
esperançoso, mas culpado. Tivera a ousadia de dormir com outras
repetidas vezes, mesmo sob a possibilidade de que Lucine
estivesse sofrendo. Se estaria bem, se estaria mal. Sentia-se o pior
dos homens, o pior dentre todos, e nem desse título se achava
digno. Tinha que haver algo pior.
Seu carro cortou as ruas de Cambridge, velozmente, como se
fossem de papel. O veículo veloz deslizava macio ao encontro do
seu destino e Hector suava ao volante. Não entendendo a razão de
ter estado tão longe dela em pensamentos nas noites em que se
permitiu dormir com outra.
Sem que percebesse, o tempo e o espaço tinham passado.
Ele chegava numa das áreas mais nobres e escondidas do distrito
de Cambridgeshire. Cercada de enormes árvores, e uma rua plena
de silêncio (devido à pequena quantidade de pessoas que
circulavam) surgiu à vista de Hector a imponente residência recém-
adquirida de Christian Navarro.
— Então é aqui que você está, Lucine... – Hector falou
baixinho.
Aproximou-se da casa e saiu do carro com cuidado, olhando
para a guarita que ficava na linha de altura do muro. Felizmente,
não havia um segurança ali. Nem havia uma guarda passando na
rua. Hector não conseguiria escalar o muro da casa, alto demais,
então concentrou-se em parecer um visitante comum. Tocou a
campainha do porteiro eletrônico por diversas vezes, não chegou a
contar quantas vezes foram necessárias, até que alguém abriu uma
pequena porta, mais à lateral da entrada principal, por onde
entravam os empregados.
— Pois não? – Uma jovem olhou para Hector. Sabia que só
podia ser o ex-namorado da nova senhora da casa. Muitas vezes
fora advertida por Christian, assim como cada um dos empregados,
da aparência do professoratravés de fotos.E ajudaria, no que fosse
preciso, para que Lucine ficasse longe das vistas do seu senhor.
— Estou procurando Lucine Fester. – Hector disse, ansioso,
mas num tom calmo, pois a jovem que tinha atendido a porta não
poderia se sentir assustada.
— Quem deseja?
— Hector... – Pensou um pouco antes de falar – sou parente
dela.
— A noiva do senhor Navarro não está. – Clementine disse.
— Céus! – Christian reclamou – E sabe me dizer onde posso
encontrá-la?
Clementine olhou para os dois lados da rua, depois olhou para
dentro da residência e falou baixinho para que apenas Hector
ouvisse:
— Lucine foi levada daqui. Desde então o patrão a está
procurando feito um desesperado. Uns homens a levaram. Uns
homens que sempre andaram com o senhor Navarro.
— Você sabe me dizer quem são eles?
— Não, só se eu os visse, talvez os reconhecesse. –
Clementine disse – Mas agora eu tenho que entrar, não posso ser
vista dando informações a alguém da rua. Só... Só não a permita
chegar perto do senhor novamente. Se a encontrar, leve-a para
longe. Christian merece alguém muito melhor que ela.
— Obrigado! – Hector agradeceu mesmo com a ofensa
gratuita que Lucine levou. Tal traição só poderia vir de uma garota
apaixonada por Christian. Entrou no carro e pensou por algum
tempo em quem poderiam ser os homens que levaram Lucine. E,
obviamente, para onde.
“Uns homens que sempre andaram com o senhor Navarro...”
A frase se desenhou na mente de Hector. Agora sim! Sabia
onde encontrá-la. Christian era da Ordem, assim como o próprio
Hector. Era muito provável que esses homens tenham reavido
Lucine para a Ordem Escarlate. O Magister não pareceu aceitar
muito bem o fato de Christian ter sido o comprador de Lucine.
Lucine era valiosa, sempre soube disso. Para a Ordem
Escarlate, reaver Lucine, seria uma jogada de mestre. Ganhariam o
mesmo dinheiro duas vezes. Christian iria reclamar para quem? O
Magister só poderia ser outro interessado na jovem. Para ter ido
contra a decisão dos próprios eleitos e trazê-la de volta para os
átrios da Ordem Escarlate.
Hector acelerou de volta para casa. Precisava, precisava
muito, saber o que aconteceria com Lucine. Se seria vendida, como
achava que seria, daria um jeito de conseguir o dinheiro. Nem que
para isso precisasse vender diversos órgãos. De um modo ou de
outro conseguiria.
Quanto mais pensava no provável valor que Lucine valeria,
mais via que só tinha uma pessoa para quem pedir comparável
fortuna.
E esse alguém era Melinda Price.

— Hector?
— Sim, posso entrar, por favor? – Hector estava arfando.
Tinha subido as escadas do hotel correndo quando viu que o
elevador estava cheio. Seis andares completados apressadamente.
Quando chegou, estava esgotado.
— Entre. – Melinda disse assustando-se com a aparência do
professorLujak – Posso pegar alguma coisa para você? Uma água?
Um suco? Você está com uma aparência péssima, parece que
correu uma maratona.
— Eu acho que corri. – Hector disse e respirou fundo –
Preciso de água, por favor.
Melinda pegou no frigobar do quarto uma garrafa d’água e
uma garrafa de suco e estendeu para Hector.
— O que posso fazer por você, Hector? Não acredito que
tenha corrido tanto à toa.
— Melinda, – Hector disse depois de terminar de tomar o
líquido da garrafa de uma só vez – eu estou desesperado. Eu acho
que a vigilância do hotel pode bater em seu quarto qualquer hora,
eu não lembro de ter me identificado.
— Por quê? – Melinda perguntou preocupada.
— Eu já te falei antes, mas não sei se acreditou muito. Eu
preciso resgatar alguém daquilo, da Ordem.
— Quem?
— Lucine Fester. Lucine era minha aluna e foi levada à essa
situação degradante. Melinda, estas meninas não se dispõem a isso
por querer. Muitas são obrigadas, coagidas a todo tipo de
atrocidade. Não importando com quem tenham que fazer, sempre
farão. Não importa se homem, mulher, pouco importa. São
obrigadas.
— Por favor, Hector...
— É a verdade. – Hector disse esperando que Melinda não o
mandasse ir embora. – Melinda, é a verdade. Thor, eu, tantos outros
que utilizam estes malditos anéis. Nós é que somos os vilões da
história. Sei que está magoado pelo que Thor fez,e tem toda razão,
mas esta garota, ela não tem culpa.
— Então vai admitir que não é apenas uma aluna por quem se
apaixonou, exatamente como Thor fez com a garota que mandou
matar?
— Sim, Melinda. Estou terrivelmente apaixonado por Lucine,
mas não estou destruindo um casamento por isso. Sou livre para
amá-la e ela é livre para me amar. – Disse sabendo bem que o
noivado de Lucine era provavelmente outra coisa à qual tinha sido
submetida - Eu não quero morrer e pensar que não fiz de tudo para
poder resgatá-la. Eu a amo, Melinda. Se eu perder Lucine, morrerei
junto com ela.
— Hector, não diga tolices. – Melinda brigou – Já morreram
pessoas demais na minha vida. Não pretendo perder você também.
Sabe que odeio o que é, mas não quem sempre foi.Eu... Eu apenas
não sei como posso te ajudar. Eu não quero me envolver nisso, não
quero mesmo. Eu preciso apenas de paz para minha vida. Eu já
enterrei toda essa história com Thor. Não vou exumá-la.
— Por favor, Melinda, não me vire as costas.
— Eu não sei o que posso fazer. O que quer?
— Eu preciso de dinheiro.
— Dinheiro?
— Sim, Melinda. Muito dinheiro. Tanto que não terei como
pagar nesta vida.
— Eu não tenho tanto dinheiro comigo. De quanto precisa?
Hector falou o valor para Melinda. Melinda realmente não
tinha tanto com ela, nem dispunha desse valor imediatamente.
Precisaria entrar em contato com os advogados. Porém, sua índole
não lhe permitia colocar valor em uma vida humana. Tinha uma
maneira de ajudar Hector e o faria.
— Eu vou te ajudar – Melinda disse como se falasse para si
mesma – Vou pedir que tragam o quadro...– Melinda ligou para
Bernard que estava no mesmo hotel, no quarto ao lado – Bernard!
Venha aqui.
Bernard não demorou muito, logo se apresentou para
Melinda. Tinha o uniforme sempre impecável. Hector ficou se
perguntando se o jovem não dormia, afinal, sempre parecia estar
disponível.
— Senhora... Professor Lujak. – Bernard cumprimentou-os
calmamente, esperando pelas ordens que receberia.
— Meu amigo Hector quer salvar alguém da maldita Ordem
Escarlate.
— Senhora?
— Sim, como sua amiga Julie, ou Delilah... O que seja. Estou
cansada disso tudo.
— O que posso fazer?
— Peça que tragam imediatamente, seja de helicóptero, o
Modigliani.

Aquela seria a última sessão de Hector. Nunca mais retornaria


a outra, nunca mais teria estômago o suficiente para entrar no
círculo perigoso e viciante. Estava com apenas um propósito,
partiria, naquela noite, com Lucine nos braços.
O quadro estava esticado num estojo de conservação, valioso
e caro, mesmo assim ainda achava que a oferta não seria aceita.
Hector sentia, no fundo, que os pesadelos daquela noite estavam
apenas começando.
— Eleitos da Ordem, – O Magister começou os eventos da
noite – estejam preparados para uma noite espetacular.
Recuperamos uma joia valiosa, preciosa, que agradou aos olhos de
todos.
Uma figura vestida de preto andou até o meio do palco do
anfiteatro, com a cabeça coberta. Não houve dúvidas par Hector
que se tratava de Lucine. Lucine seria vendida normalmente como
se não tivesse sido resgatada antes.
Seu coração apertou, à vista da notícia.
— Hoje, a noite é de festa. - O Magister disse ensandecido -
Apreciemos todos ao resplendor da nossa Pulcra preciosa.
Lucine descobriu a cabeça e a capa grossa que envolvia seu
corpo caiu no chão. Estava linda, linda como um anjo. A jovem que
tinha transformado a vida de Hector num inferno particular e um
paraíso secreto chamou a atenção de todos com sua beleza
inigualável.
— Que comecem os lances... – o Magister pediu.
Porém, louco como estava, os planos do Magister não seriam
os de apenas um leilão simples. De maneira alguma. Os lances,
lançados afoitamente, aumentando o valor de uma noite ao lado de
Lucine, eram apenas uma prova para a vaidade do Magister que
tinha encontrado a pulcra certa. Queria saber o quanto era desejada
e o quanto valia à vista de todos.
As placas erguiam-se, uma por uma, aumentando o valor dos
lances. O recorde anterior de Lucine estava sendo batido, e a garota
já sentia o coração apertar dentro do peito. Quando a voz que quis
ouvir por muito tempo falou em tom alto:
— Eu comprarei esta Pulcra!
Contrariando as regras, Lucine olhou em direção da voz e
observou quando Hector a reconheceu. Lucine queria sentir, queria
e ansiava por sentir tudo que sentia antes ao ouvir a voz grave e
sedutora, mas não sentiu nada.
— Qual sua oferta, eleito? – O Magister perguntou. Sabia que
pelo menos dois da plateia, seguramente, ofereceriam lances para
arrematá-la.
— Esta é a minha oferta. – Hector abriu o depositório onde
estava o quadro, removendo o pano de seda que o cobria. Um
burburinho de surpresa foi ouvido na multidão ao perceberem o
Modigliani autêntico. Um Modigliani que equivalia a muito mais do
que o valor pelo qual Lucine fora arrematada no último leilão.
O Magister parecia se divertir fazendo-o esperar. A tensão
estava ficandoinsuportável. Um Modigliani era um Modigliani, mas o
prazer de ter Lucine até quando bem entendesse era algo que
nunca tivera antes.
— Então, o senhor, Magister, vende peças já adquiridas
previamente por outro? – Christian falou ainda mais alto revelando-
se a todos também na multidão – Que honra teria um sujeito desses
para ser nosso Magister? – Christian ignorou Hector e seu quadro
valioso. Se Lucine valesse mais, daria mais, mas de maneira
alguma permitiria que voltasse às mãos de um homem incapaz de
sacrificar-se verdadeiramente por ela – Nosso primeiro dever é uns
com os outros, irmãos, e esse homem não respeita a aquisição de
um de nós! – Christian já estava gritando ao final da frase.
— Seu dinheiro, ou melhor, – o Magister diz – o dinheiro que
pertencia, de um modo ou outro, à Ordem, será devolvido.
— Eu a comprei! – Christian esbravejou – Lucine é minha!
Agora sim Lucine sentia alguma coisa. Parada, do meio do
palco. Seu corpo todo tremia em antecipação ao ver a maneira
agressiva como Christian brigava por si, pelo seu bem.
— É melhor colocar-se no seu lugar, Eleito. Não se esqueça
de quem sou e de quem você é.
Homens de branco surgiram para conter Hector e Christian.
Muito mais Christian, já que Hector parecia sem reação.
— A partir desta data, Lucine, a mais desejada das pulcras, se
tornará a nova Magister. Será igual a mim. Privo todos de tocá-la, de
olhá-la aos olhos, privo todos de amá-la. A partir de hoje, deste
exato momento, é minha.
— Eu paguei por Lucine, Magister, ela é minha.
— Vamos ver que palavra tem mais valia, a sua ou a minha. –
O homem por trás da máscara dourada dirigiu-se aos homens de
branco - Tirem estes sujeitos de minha frente.
Hector ainda estava sem reação diante de tudo, não sabia o
que dizer. Não sabia como se comportar diante de todas as suas
esperanças sendo esmagadas. Andou, lentamente, até a porta de
saída. Carregando o quadro que não conseguiu pagar por Lucine.
Enquanto era expulso, Christian ainda pode ver as vestes
escuras de Lucine sendo trocadas por outra, de cor e detalhes
idênticos às vestes do homem que regia a reunião.
CAPÍTULO XXXIV

SÓ HAVIA UM LUGAR ONDE O MAGISTER não poderia agir


como líder da Ordem Escarlate, e Christian sabia exatamente onde
era esse lugar. Quantas reuniões já tiveram entre as paredes
impessoais carregadas de histórias?
Christian não se daria por vencido, agora sabia que Lucine
não tinha fugido quando lhe deu a liberdade, mas que fora levada
contra sua vontade para longe da casa que era sua. Aquilo lançava
toda uma nova luz sobre o que achou sentir.
Jamais a abandonaria. Jamais deixaria Lucine, tinha-lhe
prometido. E cumpriria sua promessa. Mesmo que disso
dependesse sua vida. Livraria Lucine de todo sofrimento pelo qual
estava passando.
Christian queria poder adiantar o tempo para que, de algum
modo, já estivesse em frente ao projeto de homem que pensou que
tinha palavra. Christian adentrou os corredores daquela construção
conhecida e andou até a sala daquele que tinha tomado Lucine de
sua possessão.
— Olá, Christian. – O homem falou num tom nada surpreso –
Já imaginava que viria tomar as dores pela sua pulcra, apenas não
achei que seria em terreno neutro, Primeiro-Governador.
— Onde está Lucine?
— No lugar onde sempre mereceu estar. – O homem disse –
Num trono.
— Gaspard, não brinque comigo! – Christian não aguentava
mais as evasivas do homem à sua frente.
— Ou o que, Christian?
— Ou o que? – Christian sorriu – Você já esqueceu quem eu
sou?
— Você nem mesmo seria eleito se eu não quisesse,
Primeiro-Governador, ou pensa que apenas seu charme foi o
responsável pela sua ascensão política?
Christian sorriu mais ainda, não se deixando abalar pelo
sarcasmo contido nas palavras de Gaspard. O homem também não
era merda nenhuma além de um doente que recebera a direção da
Ordem Escarlate por herança, talvez até por merecimento. Quanto
ao seu cargo de reitor na universidade, também tinha sido mera
formalidade dos Eleitos colocarem-no ali.
— Do que está rindo? De si mesmo? – Gaspard perguntou –
porque é o único objeto risível daqui.
— Sabe do que estou rindo? – Christian foi até Gaspard
impetuosamente – Estou rindo porque se julga a pessoa mais
inteligente do mundo e esquece do ditado que manda que não
menosprezemos os nossos adversários.
— Que adversário? Você? – Gaspard o olhou de alto a baixo
– Não me faça perder meu precioso tempo com um verme.
— Você mandou matar Aisha. – Christian falou
repentinamente, com mais raiva do que achava que caberia dentro
de si, e deu dois passos para frente – Você matou Aisha...
— Não se aproxime, Christian, ou mando acabar com você
em dois tempos. – Gaspard falou sem se deixar abalar, sem mover
um só músculo exceto os responsáveis pela fala – Você é corajoso,
mas não é imortal.
— Você é que se acha imortal, Gaspard, e não passa de um
covarde. Não é nada nem ninguém. – Christian disse e deu mais um
passo – Aqui você tem uma reputação a zelar, por isso é melhor
ficar quieto. E mesmo que não tivesse nenhuma, acho melhor ficar
calmo.
Gaspard não recuou na sua posição, mas ouviu Christian
atentamente.
— Eu deixei um e-mail, pronto para disparar, pronto para
anunciar aos quatro cantos do mundo, para os jornalistas mais
importantes do nosso país, da Europa e até das Américas, sobre a
Ordem Escarlate. Apenas eu posso pará-lo. Então, mesmo que eu
morra hoje, você vai perder.
— Isso tudo por causa de mulheres? – Gaspard disse –
Pretende destruir a si mesmo por causa de duas mulheres? Duas
amantes?
Christian saltou sobre a mesa, derrubando o material sobre
ela no chão. Pegou Gaspard pelo colarinho e empurrou-o contra o
chão.
— Lucine. – Christian disse puxando Gaspard pelas roupas e
batendo a cabeça dele contra o chão – Lucine é a mulher que eu
quero. Você a tomou de mim, não achou que isso ficariabarato, não
é mesmo?
Gaspard conseguiu se mover e revidar o golpe, mas foi
controlado por Christian, muito mais forte e bem treinado para uma
briga.
— Aisha, porco maldito, - Christian continuou, dessa vez
desferindo um soco no rosto de Gaspard – Aisha era a minha irmã!
Gaspard conseguiu se desvencilhar do golpe. Virou o corpo
contra Christian e rolou sobre o homem. Achando forças no
desespero.
— Você é um maldito de um mentiroso! – Gaspard deu uma
cotovelada no nariz do rosto do seu oponente – Aisha era uma puta,
uma maldita puta, uma puta da pior espécie. – Gaspard repetia os
golpes – Como vem justificá-la? O que a boceta daquela mulher
tinha? Seria veneno para te cegar assim?
Christian conseguiu se desvencilhar, empurrando Gaspard de
sobre si. Antes que Gaspard possa reagir, Christian apertou o
pescoço de Gaspard contra a parede saboreando a dor no rosto
pálido dele. Gaspar estava assustado, percebendo, aos poucos, o
que tinha feito a Aisha.
— Aisha Diane Field Navarro. – Christian falou as palavras
devagar para Gaspard – para você, Aisha Field, Magister. Mas para
mim, minha irmã. – Christian terminou as duas últimas palavras num
grito desesperado e deu mais outra vez com a cabeça de Gaspard
contra a parede.
— Você vai me matar, – Gaspard disse – mas isso tudo vai
continuar. Eu já sou imortal na mente de todos.
— Você não passa de um merda, Gaspard. – Christian
respondeu tomando proveito de sua altura para imobilizar Gaspard.
Gaspard tinha marcas avermelhadas que em breve ficariam roxas
ao redor do pescoço. A cartilagem da orelha tinha quebrado e o
canto da boca estava sangrando.
O nariz de Christian doía,sangrava, o supercíliotambém tinha
um corte e a testa dele estava inchada pelos golpes repetidos que
sofrera. Christian moveu a mão livre para trás das costas e devagar
retirou uma pistola da cinta de bolso.
— Sem silenciador? Que amador... – Gaspard ironizou
quando Christian o soltou rapidamente.
— Isto, é um silenciador... – Christian se distraiu acoplando a
peça à arma, nunca tinha matado ninguém, não sabia que deveria
ter feito isso antes.
Gaspard deu uma joelhada nos testículosde Christian. Tentou
alcançar a mesa ao lado da estante e pedir socorro, mas Christian já
tinha acoplado o silenciador e apontou para Gaspard, dando-lhe um
tiro na altura do abdômen.
Gaspard parou e virou para trás. Devagar, passou a mão no
orifícioque tinha ficado quase na altura dos rins. Depois, na parte
das costas, não tinha sangue.
— Maldito, você me deu uma hemorragia interna... – Gaspard
falou calmamente.
Gaspard, traiçoeiro, abriu a gaveta da mesa e quis tirar de lá
um revólver, mas Christian se precipitou para cima dele e o impediu.
— Eu não vou matar você, Christian. – Gaspard disse se
desvencilhando – Eu não posso ser morto por ninguém, exatamente
ninguém...– Gaspard repetiu enquanto Christian tentava retirar a
arma das mãos de Gaspard – além de mim.
Gaspard conseguiu soltar-se da mão de Christian e tentou dar
um tiro na própria cabeça, apertando o gatilho diversas vezes, mas
a arma falhou em todas.
— Sem munição, infernos! – Gaspard sussurrou.
— Buscando a saída dos fracos? – Christian disse com um
olhar sanguinário – Eu não poderia deixar isso acontecer. Sou eu
quem vai matar você, Gaspard. Por todas as moças que matou, por
Lucine e por Aisha!
Christian prendeu Gaspard ao chão com o peso do próprio
corpo e trouxe a arma até a altura da cabeça dele.
— Abre a boca... – Christian disse – Abre a porra da maldita
da sua boca!
Gaspard não o fez.Christian forçoua arma contra a boca dele
para que fosse obrigado a engolir o cano do silenciador.
— Não vai aceitar? Muito bem, farei do modo difícil.
Christian se levantou um pouco e apoiou um joelho no peito
de Gaspard, e o outro joelho no braço dele, para que não se
movesse. Os olhos de Gaspard arregalaram-se, não passava de
uma porcaria de um covarde no final de sua vida. Christian, sem
piedade, apertou o gatilho repetidas vezes até descarregar as
dezesseis cargas do pente.
Christian entrou no elevador particular que ia da sala de
Gaspard, o reitor da universidade de Cambridge, até o anfiteatro da
Ordem. O espaço vazio durante o dia e sem câmeras, já que não
construíam provas contra si mesmos, foi o maior facilitador da fuga.
De lá andou até a garagem subterrânea. Pegou o carro que
tinha estacionado, um dos carros da Ordem Escarlate, e deu a
partida com uma chave universal. Então, dirigiu até outro ponto da
cidade. Deixando para trás um cadáver com o rosto desfigurado e
embebido em sangue, o mesmo sangue que agora salpicava seu
rosto.
CAPÍTULO XXXV

SE HOUVESSE UM LUGAR ONDE LUCINE deveria estar,


era o apartamento da Magister. Local desconhecido para Hector até
que Julie contou sobre sua existência. Hector não sabia onde o
prédio ficava e Julie deu-lhe o caminho, anotando tudo num papel.
Julie não iria, ainda tinha medo de ser vítima caso se apresentasse
sem ser chamada.
Quando Hector chegou à portaria do prédio, apenas mostrou
o anel a um porteiro suspeito. Este o levou até o elevador e digitou o
código para que o elevador acessasse a cobertura. Hector pode
subir sem apresentar uma documentação.
Quando Hector chegou no andar mais alto do edifício,dois
homens pararam-no no hall.
— O que deseja? – Um deles perguntou.
— Falar com a Magister. Hector Lujak.
Um dos homens andou até o local onde estaria Lucine, o
outro ficou ao lado de Hector, pronto para reagir imediatamente ao
menor sinal de comportamento duvidoso.
Ao ser questionada se poderia receber Hector, Lucine deu
resposta positiva.
Hector entrou numa das salas do enorme apartamento,
acompanhado pelos homens que guardavam Lucine. Ajoelhou-se
antes de se aproximar de Lucine, bem como fora instruído.
— Senhora... – Hector a chamou com uma tonelada de
emoções na voz.
— Hector. – Lucine respondeu friamente.– Deixem-nos a sós.
– Lucine ordenou aos homens.
Os homens colocaram a mão sobre o peito e, mesmo
relutantemente, fizeram o que Lucine tinha mandado. Hector os viu
partir em desafio.
— Eu a procurei tanto... – Hector disse e tentou se aproximar
de Lucine. Tinha o rosto emocionado, saudoso – Você não tem
ideia, Lucine, do quanto a busquei!
— Fique onde está! – Lucine mandou com voz fria
interrompendo os passos de Hector.
— Lucine?
— Para você, senhora.
Hector a olhou sem entender nada, sem saber se aquela
diante de si era a mesma Lucine a qual um dia apertou entre seus
braços. Ainda era a mulher mais linda que cruzara seu caminho,
mas a aparência era diferente.
O cabelo estava curto e mais escuro num clássico Chanel.
Sustentava incríveis lábios vermelhos e uma maquiagem carregada
nos olhos. Um macacão preto do que parecia ser couro, muito
apertado, delineava o corpo de alto a baixo. Uma bota vermelha ia
até os joelhos e complementava o conjunto.
Lucine estava mais linda que os anjos caídos que seduziram
as mortais. Poderosa e tão perigosa quanto eles.
— Você me deixou. – Lucine disse – Não imagina o quanto
esperei por você. Não imagina pelo que passei. Foram dias e dias
de martírio. Eu passei por tudo até alegremente e para que?
— Eu estou aqui agora, Lucine!
Sem dar importância, Lucine continuou a falar.
— Passei por tudo com tamanha dedicação para, no final das
contas, você comprar Julie! Por que fez isso comigo? – Lucine
perguntou com a voz dura, sem um rastro de emoção.
— Lucine, Julie era sua amiga. Eu pensei em você. Eu não
quis vê-la morrer.
Finalmente Lucine pareceu esboçar alguma reação.
— E eu poderia morrer? – Lucine perguntou enraivecida – Eu
poderia me foder onde quer que eu estivesse? Acha que eu me
importava com Julie? Julie que me colocou nesse inferno? Hector,
eu esperei que você fizessealguma coisa por mim, mas você nunca
fez. Nunca!
— Eu fiz, Lucine! Minha vida não foi um passeio de férias
enquanto você estava longe. Sempre estive preocupado, nunca
descansando. Acha que não sofri por você?
— Calado! – Lucine mandou – É melhor ouvir enquanto estou
falando.
Hector ficou em silêncio.
— Eu esperei por dias e noites. Esperei que me quisesse,
mas não, você só me queria como alguém apaixonada. Alguém para
realizar suas fantasias. Alguém que sempre seria um proibido
desejável. Uma aluna apaixonada pelo professor, uma pulcra
envolvida com um eleito. Alguém para esconder do mundo e foder
quando estivesse entediado.
— Está sendo injusta.
— Injusta? Pelo amor de Deus! Você foi injusto, Hector. Você
não quis me tirar da Ordem, nunca quis! Você me queria aqui, na
Ordem. Um lugar de onde eu jamais poderia fugir. Um lugar onde
sempre me teria, bastando pagar o necessário, não importando com
quantos me dividisse.
— Eu nunca fiz isso...
— Não? Porque veja como segue todo o protocolo feito um
cachorrinho. Se tivesse um rabo, o estaria balançando feliz por me
ver agora. Está tão envolvido nisso que não consegue ter uma
reação verdadeira, obedece a mim. Enquanto, na faculdade, onde
os papéis se invertiam, insinuava sua autoridade.
— Eu precisava cumprir as regras, não poderia perder tudo
por...
— Por uma aventura. Por mim. Bom, vejo em que lugar me
colocou na sua vida. Aqui estou eu, Hector, - Lucine acenou para o
apartamento riquíssimo – cheguei ao topo. Sou a mais poderosa
mulher da Ordem Escarlate. Parabéns para mim. Mas, tudo para
que? Para eu conhecer a verdade para a qual fechava os olhos.
Para perceber que você, doutor Lujak, nunca me amou.
— Eu a amo! Lucine, duvide de tudo, de todos, menos de
mim. – Hector tentou se justificar.
— Não! Você não ama! – Lucine gritou irada – Se me amasse,
teria feito o que Christian fez por mim. Teria me tirado dali, teria se
endividado, teria movido céus e terra! – Lucine respirou fundo –
Teria feito por mim exatamente o que fez por Julie.
— Eu não sou rico como Christian, eu ofertei um lance por
você, mas não fui aceito. Acha que não ofereci tudo o que tinha por
ti?
— Foi suficientemente rico para oferecer um quadro avaliado
em milhões e milhões na última reunião.
— As coisas não são assim, Lucine.
— Sabe, eu consigo ver as coisas de um ângulo diferente
agora. Christian, ele sim cuidou de mim, nesse tempo. Sabia que
Christian não ousou levantar um dedo para me tocar sem meu
consentimento?
Hector apertou o maxilar, a ideia de que Lucine defendia
Christian lhe dando asco.
— É verdade. Christian me respeitou a esse ponto, mesmo
com toda a fortuna que pagou por mim. – Lucine continuou - Eu
disse que não poderia me tocar, ele respeitou. Não foi como você,
professorLujak. Christian não queria mais que ninguém me tocasse,
não queria que eu passasse por aquilo mais nenhuma vez. Ele me
tirou daquele palco que para mim era o inferno.Christian, puxa vida,
Christian me ensinou ainda existe bondade mesmo naquele antro.
— Você dormiu com ele? – Hector perguntou, achando que o
sexo a tinha feito mudar de ideia.
— Não ouviu nada do que acabei de falar, doutor Lujak? Acha
que sou tão impressionável assim? – Lucine então completou – Eu
nunca dormi com Christian, Hector. Nunca. Eu te esperei feito uma
coitada. Os dias passaram bastante até eu perceber que você não
viria. Christian nunca me tocou, nenhum outro homem passou
sequer a mão em mim. Porque eu te esperava.
— Se apaixonou por ele?
— Infinitamente, e só agora percebi.
— Lucine...
— Não! Não tente me convencer do contrário. Eu posso
afirmar com propriedade que fui fiel a você, mas, e você, Hector,
pode fazer o mesmo para mim? Eu já conheço a verdade, então não
será difícilsaber se está mentindo. Jure para mim, jure pelo que
quiser, mas jure que nunca tocou em Julie?
Hector não falou nada, Lucine continuou:
— Sabia que a Ordem Escarlate tem câmeras instaladas nas
casas de todos seus Eleitos? Há muitos benefíciosem se alcançar o
topo. Sabia que eu pude pedir os vídeos para ver se estava bem,
mas, no lugar disso, apenas pude vê-lo fodendo Julie diversas
vezes no apartamento do qual me deu a chave? O senhor tem uma
imaginação e tanto, senhor Lujak! Tantos lugares inusitados!
— Lucine, as coisas não foram assim.
— Não? Não posso acreditar no que meus olhos viram?
Então, tudo bem, chamarei Julie. Farei que venha até mim para
contar a história. Eu adoraria um motivo para poder retribuir tudo o
que ela já me causou. Mas isso terá consequências. Então, doutor
Lujak, é capaz de jurar?
— Eu não posso fazer isso. – Hector disse e Lucine entendeu
tudo.
— Viu só? Eu não estava errada, Hector. Você não sabe
controlar isso que tem no meio das calças e sai metendo em tudo
que se move ou respira. Você é o pior homem do mundo. – Lucine
disse raivosa, cuspindo as palavras – Esqueça-me, Hector. Esqueça
que um dia passei na sua vida, esqueça que me tocou e esqueça
que um dia te amei.
— Eu não posso fazer isso...
— Bom, doutor Lujak, isso não é mais problema meu. - Lucine
se recostou à poltrona de couro e fez um gesto entediado para
Hector – Agora saia da minha presença.
Hector ajustou a postura, mas não conseguiu mantê-la por
muito tempo. Seguranças se aproximaram e o conduziriam
forçadamente para fora se tentasse resistir. Hector deu alguns
passos para sair, mas virou-se para Lucine uma última vez.
— Lucine...
— Eu já mandei sair daqui. Vá embora! – Ordenou num tom
duro e cheio de desprezo.
Hector fechou os olhos por algum tempo, respirou fundo e se
despediu para sempre de sua amada.
— Adeus, Magister.
CAPÍTULO XXXVI

LUCINE TINHA APRENDIDO, à duras penas, o que era estar


desesperada por socorro e ser desprovida de toda sorte de ajuda.
Quando estava no fundo do poço, alguém estendeu a mão para
salvá-la. Alguém completamente diferente daquele que achou que o
faria.
Hector tinha se tornado a pessoa menos fiel que poderia ter
encontrado na vida. Enquanto Lucine o esperava, Hector dormia
com outra, dormia com Julie, a responsável por tê-la colocado nesse
mundo onde só foi ferida.
Christian, por outro lado, tinha sido a salvação que achou que
nunca teria. Não somente pagou um absurdo por sua vida, mas a
fez confiar aos poucos em suas intenções. Dando-lhe a única prova
de amor que pedira, dando-lhe a mais difícil de todas elas.
Quando confessou a Hector os sentimentos que tinha por
Christian, percebeu que era a primeira vez que os confessava a si
mesma. Percebeu e entendeu todas as coisas que o Primeiro-
Governador tinha feito e o quanto tinha sacrificado pelo seu bem.
Christian tinha feito tudo o que esperou que Hector faria, e muito
mais. E não pediu nada em troca.
Christian respeitou seu corpo, suas escolhas, seu amor pela
família.Respeitou até sua liberdade quando poderia tê-la tomado a
força e se mostrado tão inescrupuloso quanto todos os outros
Eleitos. Não, Christian decidiu respeitá-la.
Havia um homem por trás da máscara, e era um homem
encantador. Só descobriu isso quando o comparou a Hector.
Christian, sim, era um homem que valia a pena amar.
Até os resgates, coisa que duvidava cabalmente, foram
confirmados. Pilhas e mais pilhas de documentos mostravam que
Christian era um resgatador de pulcras e, por isso, odiado pelo
Magister.
Lucine precisava vê-lo. Precisava de Christian, precisava
confessar-lhe tudo o que sentia. Christian era tudo o que queria
nesse momento. Precisava contar que se descobrira apaixonada,
precisava. Hector só a quis dentro da Ordem, enquanto Christian a
quis fora dela. A quis por si, mesmo que fosse apenas pelo prazer
de sua companhia.
— Chamem Christian Navarro. – Lucine dirigiu-se aos homens
que a guardavam, interpretando com maestria o papel que o
Magister lhe tinha dado – Eu preciso falar-lhe com urgência.
Os homens voltaram só algum tempo depois com a notícia de
que Christian não tinha sido encontrado.
— Continuem buscando-o até achar, não me voltem sem uma
notícia dele.
Lucine ficou sozinha naquele lugar, o mesmo em que fora
treinada para servir aos eleitos, o mesmo em que, agora, fora
nomeada a mais poderosa de todas. A única, a Magister, embora
não quisesse isso.
— Magister! – Um dos seguranças veio até a sala – Trago
notícias de Christian Navarro.
— Conte-as. – Lucine pediu, mal podendo conter a
curiosidade dentro de si.
— O senhor Navarro está aqui.
— Onde? – Lucine perguntou se levantando – Onde está?
— Está aguardando.
— Peça que entre.
Lucine mal conteve a ansiedade. Observou Christian entrar no
aposento. Christian parecia simplesmente exausto. Ele tinha o rosto
machucado, gotas de sangue seco pintavam toda a sua roupa. Um
dos olhos estava quase fechando de tão inchado e os nós dos
dedos estavam esfolados. Parecia ter saído de uma briga. E Lucine
podia imaginar de qual com toda certeza.
— Christian... – Lucine sussurrou ao vê-lo e correu para
Christian. Ao alcançá-lo, enlaçou os braços ao redor dele – Você
está aqui...
— Dói bastante, mas não se preocupe, se quiser continuar me
abraçando esteja à vontade. – Christian a apertou um pouco mais
contra seu corpo, mesmo que doesse nas partes onde estava
machucado. - Eu senti tanto a sua falta, Lucine. Achei que a tivesse
perdido, achei que tivesse me deixado.
— Não! Eu não o tinha deixado! Eu já estava decidida a ficar
desde que você saiu de viagem. – Lucine tomava o cuidado de não
o apertar nos lugares onde estava com machucados aparentes – Eu
queria ter falando antes, – Lucine disse – eu senti sua falta quando
se foi. Senti sua falta quando pediu que eu fosse embora, quando
disse que eu era livre. Naquele momento, percebi que não tinha
motivos para ir embora. Desde aquele dia eu quis ficar. Eu quero
ficar com você.
— O que? - Christian perguntou. Não que não tivesse
entendido, mas porque queria que Lucine repetisse por vezes
inumeráveis.
— Eu quero ficar com você, Christian. Eu me apaixonei e não
consigo me imaginar longe de sua proteção.
— Isso é música... – Christian falou e fechou os olhos por um
momento – e eu consigo ouvi-la.
— Eu preciso fazer uma coisa. – Lucine disse e deslizou com
cuidado a mão sobre o rosto de Christian e se aproximou com
cuidado – Posso?
Christian não respondeu. Aquela pergunta não precisava de
resposta. Apenas deixou que Lucine se aproximasse e juntasse os
lábios aos dele. Christian sentiu o quanto Lucine o queria dessa vez.
Sentiu quando Lucine gemeu contra sua boca, um delicioso hálito.
Quis aprofundar o beijo, mais ainda, mas os machucados não o
permitiram que fizesse.
— O que foi? – Lucine perguntou e viu o rosto dele
machucado, entendeu tudo – Desculpe... – Lucine tentou se afastar,
mas Christian a puxou mais um pouco contra si.
— Apesar do sangue e da dor, esse é o melhor beijo da minha
vida...
Christian a afastou depois de si, pelo menos um pouco,
enquanto lhe contava tudo.
— Eu preciso contar o que fiz.
— O que fez?– Lucine perguntou quando viu que ele hesitava
– O que fez, Christian?
— Eu matei Gaspard.
— O quê?!
— Sim, eu o matei e não me arrependo. Sei que a polícia da
cidade virá atrás de mim se não houver uma ordem sua atestando
que não o façam. Eu acabei com ele. O Magister tinha tirado tudo
que eu tinha de mais precioso para mim. E eu achei que tivesse
tirado você de mim.
— Eu nunca o amaria. Gaspard não me tirou de você, ainda
estou aqui.
— Ele também matou a minha irmã. – Christian disse – Aisha,
que treinou você. Ele a jogou da varanda desse apartamento,
Lucine. Aisha era a única família que eu tinha e agora ela se foi.
— Aisha está morta?
— Sim, o maldito a tirou de mim. A única famíliaque me
restava. Por isso você assumiu o lugar dela.
— Christian, eu sinto muito...
— Não sinta. Eu vou acabar com tudo aqui, absolutamente
tudo. Temos doze horas para irmos embora. Assim que o tempo
encerrar, os jornais de todo o mundo falarão sobre a Ordem
Escarlate.
— Eu serei presa... – Lucine disse – Eu sou a nova Magister.
— Não, você não será, mas eu serei se ficar aqui por mais
tempo.
— Temos que sair daqui. – Lucine disse – Eu não quero que
você vá preso. Eu não posso ficar longe de você novamente.
— Tampouco eu de você... – Christian disse beijando-a outra
vez. Poderia ficar facilmente acostumado a colher os beijos de
Lucine quantas vezes quisesse - Aisha me contou todos os
segredos do apartamento. Me disse onde guardou todas as coisas
valiosas. Agora você, como nova Magister, pode entrar e sair
quando quiser.
Christian pegou Lucine pela mão e foi até o quarto de Aisha.
Sob o carpete havia uma tela de vidro e um cofre pequeno. Christian
tinha a senha na memória, apesar de nunca achar que realmente a
usaria.
— Eu tenho todas as senhas de Aisha de memória.
Precisamos fazer a transferência para diversas outras contas.
— Isso é impossível...– Lucine disse – Aisha está morta, você
teria que ser o espólio dela.
— Não, Lucine, – Christian disse – essa senha não é da conta
de Aisha. É da conta da Ordem.
Christian sabia que Aisha tinha um computador de uso
totalmente privado no armário. Sua irmã tinha deixado todas as
ferramentas que precisaria para o golpe à mão. Christian acessou o
computador, o site dos bancos e, com alguns cliques, digitou as
senhas. Em pouco tempo, quase a totalidade dos valores
disponíveis na conta da Ordem Escarlate tinha sido transferida para
as contas de laranjas em paraísos fiscais.
— Agora desative o e-mail.
— O que? – Christian perguntou – Por quê?
— Porque deixaria provas de que foi você. Em vez disso,
deixaremos tudo o que pudermos para incriminar os culpados da
Ordem em algum lugar de fácil acesso.
— Você tem razão. Porém, isso não silenciará a Ordem
Escarlate.
— Não vamos silenciá-los, vamos acabar com eles. Envie os
e-mails apenas com os dados deles para sites ao redor do mundo.
Terei certeza de apagar tudo que se referir a nós dois dos
documentos da Ordem.
— Você me dá orgulho.
— Não tanto quanto você me dá...
Lucine sussurra contra os lábios machucados de Christian
enquanto saboreia outro beijo com gosto de sangue.
CAPÍTULO XXXVII

LUCINE ESTAVA NERVOSA. Era a primeira vez, desde que


confessara seus sentimentos por Christian, que tiveram algum
tempo à sós. Desde que desviaram o dinheiro da Ordem Escarlate,
o tempo tinha sido passado todo, praticamente, na presença de
advogados ou na frente de algum dos Eleitos que queria ter certeza
que seus segredos estavam guardados suficientemente bem.
Além disso, Christian precisou se recuperar algum tempo da
briga que tivera com Gaspar. Tinha fraturado o nariz e precisou de
cuidados nele. Também em dois dedos das mãos que tinham
deslocado.
Agora, recuperado, longe do turbilhão que a Ordem tinha
provocado em suas vidas, podiam ter algum tempo à sós.
Christian ainda não ousara tocar Lucine sem seu
consentimento e a espera a estava matando. Queria senti-lo dentro
de si, pulsante. Cheio de desejo e entregando-se à loucura.
Precisava.
Em poucos dias seria a senhora Navarro e já não sabia se
poderia aguentar a felicidade que enchia seu peito ao notar que
seria apenas de Christian, definitivamente, e que Christian seria
apenas seu.
Christian não estava em nenhum lugar à vista, Lucine sabia
que o único lugar em que poderia estar era na biblioteca. Onde
ficava a maior parte do tempo quando estava de folga e precisava
ficar longe de Lucine para não se sentir tentado.
— Christian... – Lucine o chama quando o vê. Uma fome
crescendo em seu corpo de uma maneira que nunca achou que
sentiria.
Seu corpo precisa do de Christian, seu ventre, tudo nela está
implorando para que a toque. O maldito homem tinha razão. O
deseja a ponto de beirar a insanidade.
As mãos de Lucine apoiam-se ao pescoço de Christian, que
está contemplando o jardim através da janela. Ele parece surpreso
ao vê-la, ao mesmo tempo, sabia que viria. Vê-se no seu olhar.
— Por favor, Christian... Eu já não aguento mais...
Lucine se insinua, aperta seu corpo contra Christian e quase
explode de felicidade ao perceber que o homem reage aos seus
carinhos. Christian suspira, deseja-a. Aproxima a boca dos lábios
dela para provocá-la.
— O que não aguenta, Lucine?
Christian queria que Lucine falasse.Que elencasse com todas
as palavras o quanto queria ser fodida.Sabia que esse dia chegaria,
então estava deliciando-se profundamente com cada segundo dele.
— Ficar sem você. Não o sentir. Por favor, me toque... Eu
preciso senti-lo dentro de mim...
Christian apertou mais Lucine contra si, segurando-a pela
cintura. O corpo dele bateu forte contra o da garota. Está louco de
desejo, seu pau está duro e quer se afogarem Lucine, mas também
quer ouvi-la implorar.
Lucine soltou um gemido baixo, gostoso, quando sentiu a
ereção de Christian batendo contra a parte de baixo de sua barriga.
Queria apertá-lo, sugá-lo com vontade. Engolir seu comprimento e
fazê-lonunca desejar outra pessoa que não ela mesma. Lucine está
se desconhecendo. Já nem sabe mais se seu corpo não está quente
de tanto que seu ventre ferve de desejo.
— Eu não sei o que está acontecendo comigo, Christian... Só
sei que preciso disso.
Christian sorri, convencido. O olhar de Lucine é baixo,
pesado. Está desejosa, consegue sentir isso até em sua voz. Mal
pode conter a vontade de estar com o rosto no meio das pernas de
sua pequena, mas precisa ser paciente. Lucine ainda não implorou.
A habilidade de Christian e a vontade são inebriantes. Lucine
sabe, sente, o terá. Sentirá tudo o que precisa, e até mais. A fome
nos toques de Christian são apenas uma mostra do que vem a
seguir.
— Dê-me sua boca, Christian, por favor... Preciso beijá-lo.
Christian concede o desejo de Lucine. Beija-a e provoca-a
com a língua. A boca é deliciosa e ele tem vontade de prová-la
indefinidamente, mas ainda não. Quer deixar Lucine a ponto de
endoidecer de vontade.
— Quer que eu implore que me toque, Christian? É isso? –
Lucine se irrita surpreendida pela raiva. Sente raiva do quanto o
deseja.
— Eu disse que esse dia chegaria. Não disse? Agora que
chegou, tenho todo o direito de usufruirdele. – Christian olha Lucine
de maneira séria – Agora, peça de joelhos... Seja uma boa menina e
darei tudo o que quer.
— Christian...
— Faça, Lucine... – Christian afasta-se apenas um passo e
retira da calça o pau duro. Latejando. Grosso, lustroso, grande. Ele
é apetecível demais. Tanto que Lucine morde os lábios em
antecipação.
— É isso que quer, Lucine? – Christian se toca enquanto
imagina a boca de Lucine cobrindo-o – Quer que eu esteja dentro de
você?
— Sim, Christian... Por favor...
— De joelhos... Vamos, pequena, não é difícil. Mostre o
quanto me quer.
Lucine está infinitamente desejosa. Já não se sente
humilhada em se ajoelhar, sente que precisa disso. Sabe que de
joelhos, o pau de Christian estará perfeitamente na altura de sua
boca. A consciência de Lucine quer mandar alguma coisa ainda,
mas está claro que o desejo fez o cérebro entrar em circuito.
— Por favor... – Lucine implora de joelhos.
— Como uma boa menina... – Christian sorri e pede – Agora
vem aqui e abocanha meu pau, estou louco para te foder, mas
primeiro vou provar essa sua boca.
O corpo de Christian deixa Lucine insaciável. Ela engole
Christian, primeiro apenas a cabeça, depois seu comprimento. Sabe
que precisará de algum esforço para engoli-lo por inteiro, mas não
se importa de engasgar-se tentando.
Olha para cima, vê o rosto de Christian. Quer saber se o
provoca tanto quanto Christian o provoca. Se o acende tanto quanto
ele a acende. Quando vê o rosto observando-a, com olhos
profundos de desejo, sabe que está indo pelo caminho certo.
Incapaz de se segurar por mais algum tempo sem que
gozasse na boca de Lucine, Christian a fazlevantar e tira sua roupa.
Lucine é a mais fascinante e bonita mulher que já viu na vida. Seu
corpo está implorando por toques, e ele os dará. Um a um.
Christian a toma pela cintura e a leva até o recamier perto da
janela onde estão. Senta-se nele e a faz sentar-se sobre si. Quer
ver Lucine engolindo-o, delirando, gozando com vontade.
Enquanto se encaixa em Lucine, percebe o quanto está
molhada e não consegue deixar de provocar:
— Tão molhada, senhorita Fester. Uma pena que tenha
esperado tanto. Eu poderia ter fodido essa bocetinha molhada bem
antes...
Christian era sujo na cama, isso já se podia ver. Um lorde no
trato fora de quatro paredes, dentro dela, um homem disposto a
foder com vontade.
— Christian... – Lucine reclamou quando o acomodou dentro
de si. Sentindo-se preenchida por inteira e sabendo que ficaria
assada com seu comprimento.
— Eu sei, pequena, logo vai se acostumar...
Christian a segura pela cintura, fazendo-a subir e descer.
Melando-o com o líquido que derrama. É delicioso e perdidamente
prazeroso a sensação de ser invadida por Christian.
Um homem feito, Christian sabe o que precisa fazer para
enlouquecer uma mulher. Felizmente a senhorita Fester também
sabe enlouquecê-lo na mesma medida. O corpo sensual movia-se
leve, embebido em sensações, sobre si. Aos poucos, arrastando-o
para a beirada de um abismo de prazer.
Christian lambe e mordisca os seios de Lucine, praticamente
saltando em seu rosto, e segura a cintura dela para forçar-se mais
contra ela, aprofundando o movimento.
Lucine geme, gosta da sensação, deseja-a mais. Porém, está
sem forças para aguentar por muito tempo. Do jeito que engole o
volume de Christian e seu clitóris escorrega no comprimento dele,
não vai demorar muito tempo.
Christian sente Lucine contrair ao redor de si. Sente-a
deliciosamente derramar-se nele. Quer gozar também, mas quer
aproveitar a sensação. Faz Lucine deitar-se sobre si e segura as
nádegas alvas enquanto enfia repetidas estocadas em sua fenda
apertada.
Lucine geme, chama seu nome, implora por mais e é
exatamente isso que Christian dá. Dará tudo que tiver de si, por que
não estão fazendo apenas sexo e sacanagem. Há paixão e algo
mais no modo que os dois se olham enquanto sentem o corpo um
do outro.
Christian tira Lucine de sobre si e a deita no recamier. Ergue o
traseiro primoroso da senhorita Fester e enfia-se na fenda melada.
A visão dele batendo o corpo contra a bunda perfeita de Lucine o
arrasta definitivamente para o prazer e Christian se derrama dentro
dela.
— Gostou de me ver implorar? – Lucine pergunta satisfeita.
— Gostei mais de vê-la gozar, senhorita Fester.
Christian beija a costa de Lucine. Admira a perfeição de seu
corpo e fala outra vez:
— Gostei muito de vê-la gozar, mas, não pense que
acabamos – Christian mordisca o lóbulo delicado de sua orelha –
ainda não terminei com você hoje.
Lucine sorri. Ansiosa por mais, desejosa por mais. Mais de
Christian. Pronta para que Christian, também, tome mais dela.
EPÍLOGO

Algum lugar na Itália

HECTOR ESTAVA SE ACOSTUMANDO, lentamente, ao calor


escaldante da árida região da Itália. Depois de tanto tempo distante,
o período que passou em Cambridge parecia apenas uma mancha
em seu passado. Um pesadelo do qual sentiu medo, mas que, ao
acordar, não teve lembranças.
Depois que o corpo de Gaspard, o reitor da Universidade de
Cambridge, foiencontrado completamente desfiguradoem sua sala.
Muitos dos professores, abalados com a situação, decidiram deixar
seus cargos na faculdade.
Hector fez o mesmo. Vendeu os apartamentos e os carros que
possuía e foi-se embora da cidade de Cambridge para uma região
que não o lembrasse em nada da cidade cinzenta.
Desde então vinha fugindo, como sempre vinha fazendo.
Hector devolveu o quadro a Melinda e pediu que o ajudasse a
escapar. Os primeiros rumores sobre uma ordem secreta que se
escondia sob os túneis da Universidade de Cambridge estavam se
espalhando e sabia que os fatos correriam rápidos.
Melinda mandou um helicóptero buscá-lo, no meio da noite,
numa região menos povoada de Cambridge, de onde corria menos
risco de topar com jornalistas, e levou Hector para longe da cidade.
Era bom fugir, escapar do passado, não se ater a nada que o
lembrasse de Lucine ou de todas as coisas vividas com sua aluna.
Na Toscana, Melinda conseguiu, graças à influência que
herdou de Montserrat, que Hector fosse admitido numa faculdade
local. Não se comparava à Cambridge, era verdade, mas ali Hector
poderia exercer sua profissão sem correr o risco de ser envolvido
num mundo escuso outra vez. Ali seus títulos não valeriam nada,
mas, depois de tudo que acontecera em Cambridge, talvez fosse o
melhor recomeço.
Na Itália, ainda tinha algum contato com uma parte de seu
mundo, mas bem pouco. Exceto por repetidas visitas a Melinda, e
raros encontros com Bernard e Delilah, Hector não tinha contato
com outras pessoas.
Ele estava esquecendo, aos poucos estava esquecendo. E
para isso, a melhor forma era não ter nada que o fizesse lembrar.
Aquela era a última vez que punha uma flor no memorial do filho de
Bernard e Delilah, filho que os dois perderam quando mais jovens.

Algum lugar no Mediterrâneo

A vista do oceano que se desenhava no horizonte era de tirar


o fôlego. Todas as característicasdo local tornavam aquela uma das
paisagens mais belas que Lucine já vira na vida. O casal Navarro
não estava num iate Octopus sordidamente grande, mas ainda
assim o CSC-200 continuava sendo uma casa para os dois.
Christian, imponente, num belíssimo bronzeado ganhado sob
o sol do mediterrâneo, sorria para Lucine enquanto deslizava com
seu novo “brinquedo” por sobre as ondas.
Christian não precisava mais se esconder, Lucine tinha
conseguido enquadrar a morte de Gaspard como legítimadefesade
outrem, um dos benefíciosque o dinheiro da Ordem Escarlate ainda
trazia. Mesmo que o julgamento ainda estivesse correndo, Lucine,
Christian e o juiz responsável pelo caso, eleito da Ordem Escarlate,
já sabiam qual seria a sentença.
— Em que está pensando? – Christian perguntou depois de
descer a âncora e parar o iate de um modo que pudessem se
embebedar do pôr-do-sol.
— Estou pensando em você, Christian. Pensando em como
está feliz. Como parece um lindo modelo com esse corpo
maravilhoso e esse sorriso torto, meu favorito.
Christian sorriu com ainda mais vontade, deixando-se
embeber pelo olhar de desejo que Lucine lhe lançava. Christian a
amava, sabia disso, apesar de ainda não ter repetido vezes
suficientes. O simples sabor de seus beijos era capaz de passar a
sensação de ter sido lançado fora do mundo.
— Um modelo com um corpo maravilhoso... – Christian falou
com voz convencida enquanto se aproximava de Lucine cheio de
segundas intenções – Vou lembrar disso quando este corpo estiver
esmagando-a contra a parede mais tarde...
Lucine provocou-o, abrindo as pernas. Os seios expostos para
o sol ganhavam cor. Quem imaginaria que sua pele pálida
conseguiria tons de dourado de tanto tomar sol. Incapaz de resistir à
provocação, Christian deslizou dois dedos por debaixo do biquíni e
penetrou Lucine.
— Você nunca vai me dar um dia de descanso? – Lucine não
reclamava, apenas adorava a brincadeira de dar e tomar que
sempre encenavam.
— Para que descansar, minha pequena? – Christian disse
enquanto continuava movendo os dedos para dentro e para fora
dela – Não há nada melhor que aproveitar essa bela vida que
temos. Meu plano é transar com você em todos os cantos do
mundo, precisamos deixar uma marca na história, a nossa será
essa.
— Adorarei completar o plano para deixá-la.
Christian retirou os dedos de Lucine, provando seu gosto.
Animado para terminar sua provocação mais tarde. Mas, primeiro
aproveitariam o pôr-do-sol. Pegou um champanhe que descansava
num balde de gelo no chão.
— Que tal um brinde?
— A que? – Lucine perguntou curiosa. Seu ventre ansiando
mais do toque do qual tinha sido privada.
— À vida, – Christian disse – ao amor – Falou enquanto
olhava dentro dos olhos de Lucine – e às mulheres.
Christian mordiscou de leve a orelha de Lucine, fazendo-a
gemer baixinho. Sempre a provocava e sempre respondia às suas
provocações. Eram insaciáveis.
— Às mulheres? – Lucine perguntou erguendo apenas uma
sobrancelha.
— A você.
Christian sorriu ao se aproximar outra vez de Lucine e beijá-la.
À merda o pôr-do-sol, foderia Lucine sob seus raios.
OUTRAS OBRAS DA AUTORA

Série East Valley


Um amor em East Valley
De volta à East Valley
Uma vida em East Valley
Uma paixão em East Valley
Adeus East Valley

Série Família Montebello


BARONE: Amarrado por Contrato
ETTORE: Aprisionado por Contrato
PAOLA: Rendida por Contrato
ELENA: Prometida por Contrato
Melanie Aubrey | Ingrid Mayer

Série Triplo A
Delírio | Obsessão | Desejo

Série Ordem Escarlate


Segredos | Revelações | Finale

Série Apimentando a Relação


Devasso: Algemas de Seda
Obsceno: Laços de Cetim

Outras obras
Apostasia
Eu te direi essas palavras
Cartas para Daniel
O Livre Arbítrio
Até Você Chegar
Mais que Rubis
SOBRE A AUTORA

OLÁ! ME CHAMO DEISY MONTEIRO. Sou Cristã, casada com


João Garcia e mãe orgulhosa de um par de gatinhos. Moro na grande
ilha de Upaon-Açu, mais precisamente em São Luís do Maranhão.
Sempre me considerei apaixonada por livros, especialmente pela
poesia. Ao longo do tempo, consegui escrever versos suficientes para
preencher dois livros, mas faltou a coragem de publicá-los, o que só
aconteceu bem mais tarde.
Meu primeiro Romance se intitulava “Romance em East Valley”,
agora chamado de “Um amor em East Valley”. Com ele ganhei o prêmio
internacional #TheWattys no ano de dois mil e quinze, na categoria
“maior sorte de principiante”. A história evoluiu para uma série com cinco
livros que já conta com milhões e milhões de leituras online.
Enquanto houver uma inspiração, uma xícarade cafée a graça de
Deus para continuar, continuarei a contar histórias.

Junte-se a mim e fique por dentro das novidades!

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