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DEISY MONTEIRO

O LÍVRE
ARBÍTRIO

Prometa que sempre me amará.

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COPIRRAITE ©
2016
DEISY MONTEIRO

Coordenação Editorial
Editora Erga Omnes

Revisão
João Garcia

Todos os direitos reservados.


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qualquer meio eletrônico ou mecânico,
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Esta é uma obra de ficção. Nomes,
personagens, lugares e incidentes ou
são produto da imaginação do autor ou
são usados de forma fictícia e
qualquer semelhança com pessoas
reais, vivas ou mortas, eventos ou
locais é mera coincidência.

Revisado conforme novo acordo


ortográfico.

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Dedicatória

Em primeiro lugar, como sempre


tento fazer, ao meu grande Deus, que
me deu entendimento, imaginação e
vontade de escrever. Eu ainda vou
acertar algum dia.

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Dorme amor é tudo escuro...


E os meus passos consegues ouvi-
los?
Dorme teu sono, sossegado e
puro,
Dorme tranquilo...
Dorme, não há ladrões, eu te
asseguro!
Nem guardas para acaso
Persegui-los
Só os meus passos, mas tão leves
são,
Que mais parecem pela
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madrugada
Os da minha futura assombração

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Prólogo

Você diz que quer morrer por


amor, mas não sabe nada sobre
morrer e não sabe nada sobre o
amor. Não saberia morrer, pois não
vives! Só se vive quando se
consegue sofrer...

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Só por uma noite

“Eu sei, fui imprudente, se pelo


menos eu tivesse buscado ajuda antes”
olhava para o teto, procurando
resposta no forro com marcas de
infiltração “não adianta mais, não
agora”.
Elizabeth levantou-se, era cedo
ainda, mais cedo do que ela já
costumava acordar, mas estava bem
disposta. “eu tenho que fazer valer a
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pena”.
Levantou-se e olhou pela janela, o
sol mal despontava no horizonte,
“muito cedo para mim”, pensou.
Arrumou-se maquinalmente, saiu para
as ruas, fazia frio numa manhã bonita.
Elizabeth caminhou por algumas
quadras, seu corpo de dezessete anos
aconchegava-se mais à pele falsa do
casaco de frio. Seus olhos azuis
passeavam de rosto em rosto, vagando
em pensamentos, perdidos,
implorando ajuda.
Parou em frente a um semáforo e
preparava-se para atravessar. O sinal
lhe ordenava. Vermelho... Amarelo...
Verde.
Caminhou por um espaço de

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tempo, e então viu um belo homem


trajando terno. Ele caminhava atento,
mas também distante, frio, e
impassível. Devia ser um empresário,
aparentava ter mais ou menos 35 anos,
parou em frente a ele, que tentou
desviar, primeiro para um lado, depois
para o outro, ela o impedia. Irritou-se,
pediu:
— Você poderia me dar passagem,
por favor – um sorriso educado nos
lábios.
— Claro, mas só se você me levar
junto, para onde quer que você vá.
— Perdão, o que disse? – Ele
franziu as sobrancelhas, confuso.
— Isso mesmo que você ouviu. Vai
aonde?

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Respondeu, porém estava


incrédulo:
— Veja bem, eu adoraria conversar
com você, e prometo te dar algum
dinheiro se você simplesmente deixar-
nos atravessar esta rua, não quero que
sejamos responsáveis por acidente
algum.
Ela sorriu, por alguma estranha
razão, este desconhecido, não sorriu
de volta. Caminharam até a calçada,
pararam um em frente ao outro.
Elizabeth perguntou:
— Pronto, foi obedecido, para
aonde vamos?
Júlio sorriu irônico:
— Eu não sei para aonde você vai,
mas eu tenho que ir ao trabalho, e não

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quero você me seguindo –num tom


sério completou – Certo?
— Errado – ela disse – você me
trouxe para este lado da rua, do qual
eu já estava vindo, e agora, você deve
levar-me para onde você está indo.
Riu, e respondeu:
— Você é estranha, menina. O que
não tem de altura tem de falta de
modos – Disse dos seus quase um e
oitenta de altura. A menina á sua
frente tinha bons dois palmos de altura
a menos que ele.
Ela estendeu-lhe a mão:
— Meu nome é Elizabeth, estudo, e
estou com fome. Você também parece
que ainda não comeu nada, andando
apressado desse jeito, aposto que quer

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tomar café assim como eu, e não vejo


mal nenhum em irmos juntos –
continuou – Por acaso, você é o
estranho agora, nem se apresentou,
que mal educado.
Ele apressou-se em enfiar a mão
que não segurava a pasta no bolso do
paletó e apresentou-lhe um cartão
– Este sou eu.
Ela o pegou, leu, e disse:
— Muito bem... Júlio, agora, que
tal irmos tomar café – pegou-lhe a
mão.
— Que? Eu nem te conheço.
— É uma ótima oportunidade para
isso, não acha? E eu já sei muito de
você.
— Mesmo? Por exemplo?

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— Sei que você se chama Júlio


Cantanhede, deve ter uns 35 anos,
trabalha na... – consultou o cartão que
guardara previamente no bolso – ah,
aqui está, Cantanhede e associados –
tornou a guardá-lo – e não é casado.
— E como a senhorita pode falar
com tanta propriedade que eu não sou
casado.
— Para um advogado, que se
pressupõe ser astuto e atento, você
está meio devagar, veja – ela pegou as
mãos dele – você não usa aliança.
Com essa Júlio teve que sorrir.
— Muito bem garota, eu pago um
café para você.
— Claro, vamos – disse ela já
tomando seu braço direito,

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acrescentou – belo terno o seu.


Ele se sentiu desajeitado.
Ambos caminharam até um café
que não ficava há duas quadras dali.
Júlio pensava que, espirituosa como
era, ela estava querendo apenas uma
refeição, adiantou-se para entrar no
estabelecimento, sentiu um puxão no
braço. Elizabeth disse:
— Eu não tomo café aí.
Ele impaciente, disse.
— E por que não, menina?
Ela respondeu desafiadora:
— Não brigue comigo. Você não
sabe que o café aí custa vinte e cinco
reais a xícara? De jeito nenhum eu
gasto tudo isso, eu conheço um lugar
mais barato.

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Ela saiu trazendo-o consigo, ele


voluntariamente se deixava levar.
Dobraram algumas esquinas,
chegaram os dois a um pequeno
cubículo, cheio de bandejas sem
tampa, cobertas por salgados e bolos,
garrafas cheias de café: com leite, sem
leite, com creme, sem cafeína, etc.
Ela começou a se servir:
— Aqui sim, é mais barato.
Ele permaneceu na entrada, ela
precisou ir até lá, pegá-lo outra vez.
— Sente-se, vamos?
Apesar do que pareceu, Júlio
entendeu que não era um pedido.
Decidiu obedecer, mas não se serviu.
Elizabeth, por sua vez, sentou-se à
mesa com uma bandeja na mão repleta

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de comida, três salgados, dois bolos,


café e suco.
— Só isso? – perguntou
zombeteiro.
— Acha pouco? Estou com uma
fome enorme hoje – completou – olha
só, você não precisa ficar com nojo de
nada daqui, parece meio sujo, mas
posso te garantir que é tudo bem
limpinho, e gostoso – deu uma grande
garfada no bolo – viu?
— Não estou com receio algum –
disse enquanto tomava o garfo da mão
e roubava um pedaço do bolo – só que
você errou ao achar que eu estava com
fome.
Elizabeth sorriu pela
espontaneidade que ele tinha feito

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aquilo.
— Vamos lá me fale um pouquinho
de você.
Ele inclinou-se um pouco sobre a
mesa, e disse:
— Bem, sou Júlio, advogado, tenho
na verdade trinta e oito anos, e não
tenho namorada ou esposa.
Ela o interrompeu.
— Ah, isso já sei, me fale coisas
que eu não saiba.
— Que espécie de coisas?
— Fale, por exemplo, de como é
ter trinta e oito anos, ou ainda, fale-me
sobre medos, receios e alegrias. Por
que nunca se casou?
— Isso é assunto privado – falou
depois de engolir em seco – Veja, Eu

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não tenho tempo para jogar conversa


fora, eu aceitei vir até aqui, e eu só
estou esperando você terminar, pago
sua conta e saio.
— E quando você me ouviu dizer
que eu quero que pague a minha
conta? Eu tenho dinheiro bastante para
pagar até a sua se você tivesse comido
– falou irritada – o problema é que
você é cheio de classe para comer,
deliciosamente bem, num local
comum.
— Tudo bem, erro meu, eu achei
que...
— Achou errado – Elizabeth
atalhou – Viu só? Agora me irritou –
disse ironicamente – vai ter que se
retratar.

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— Não fale de boca cheia – disse a


ela e sorriu um riso encantador e
finalmente, verdadeiro.
— Claro – disse cobrindo a boca
com as mãos – mas vamos falar da sua
penalidade e não desvie do tópico,
deixe-me pensar nela.
— E ela será? – Perguntou.
— Você deverá passar o dia inteiro
comigo.
— Seria um prazer, mas...
— Ah, vamos! Por favor, eu
prometo que depois de hoje eu nunca
mais surgirei na sua vida.
Se ele tivesse percebido que em
meio à ironia com que ela lhe lançara
estas palavras havia um misto de
sofreguidão e ansiedade, poderia ter

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dado a ela um dia inesquecível.


Somente lhe disse:
— Veja bem, eu não posso, e a
propósito, tenho que ir, você me
atrasou em quase uma hora.
Levantou-se, apanhou a sua mala, e
saiu, não sem antes deixar uma nota
de cinquenta reais encima da mesa.
Júlio não conseguiu concentrar-se
direito nas pilhas de processos que
tinha para ler. A imagem viva dessa
menina parecia estereotipada em sua
mente, tomava forma, ocupava espaço
“Deus do céu, uma criança!” tentava
por juízo em sua cabeça.
As horas da manhã passaram
depressa, ele ansiava por isso,
precisava ter certeza de que o tempo

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passasse rápido. Passou pelos


corredores para a saída do escritório.
À rua, fingiu não notar os passos
vacilantes que tentavam se furtar aos
seus olhos e abafar o som dos seus
ouvidos. Virou-se de repente quando
os sentiu próximos, surpreendendo-a.
— Você de novo?
— Por favor, não fique bravo, eu só
preciso de companhia neste dia.
— E por acaso você não tem
família?
— Não.
O modo como ela disse, o fez
acreditar.
— E o que quer de mim, Elizabeth?
— Apenas que passe esta tarde
comigo, eu juro, que não quero mais

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nada, veja – tirou do bolso a nota


amassada e a devolveu a ele – eu não
quero seu dinheiro, aqui está ele, e
antes que pergunte, eu vi seu endereço
de trabalho no cartão que me deu.
— Isso eu já supunha – pegou a
nota que ela insistia em erguer para
ele, perguntou – O que quer que eu
faça? Que te leve para meu trabalho,
como se fosse minha filha?
Elizabeth achegou-se para ele,
próximo ao seu ouvido, e sussurrou
por entre os lábios túmidos:
— Não, eu quero que você me faça
sua mulher hoje, quero sentir como é
estar com um homem.
Júlio voltou a cabeça para encará-
la, o olhar dela estava resoluto na

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certeza de que ele aceitaria. Ele se viu


mergulhado num mar de
possibilidades e impossibilidades, ele
quis dizer, mas não disse não.
— Podemos ir ao parque primeiro?
— Como?
— Eu nunca fui a um parque de
diversões. E tem um que não fica
muito longe daqui. Acho que podemos
ir andando até.
— Um parque?
— Sim, por favor.
Por mais que Júlio não quisesse,
não pode controlar-se diante das
desventuras de Elizabeth em cada um
dos brinquedos. Ele sentiu um pouco
de inveja do modo que ela vivia, livre
e sem preocupações acerca dos outros.

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— Hei, Júlio – ela acenou para ele


depois de descer do carrossel – vamos
à roda-gigante?
— Eu não sei.
— Por favor, me dê o melhor dia
da minha vida.
Júlio assentiu, e subiu na roda
gigante. Ela sentou ao lado dele, e
encostou a cabeça em seu peito. O sol
já se punha no horizonte, e jogava
cores alaranjadas por sobre todas as
pessoas.
— Como é ter um coração que
funciona?
— Oi? – Júlio perguntou quando
foi roubado dos pensamentos pela
doce voz de Elizabeth, não tinha
ouvido a pergunta.

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— Nada, apenas pensei alto.


— Fale, por favor – ele pediu.
— Na verdade, eu estava apenas
pensando nesta tarde. Olhe só, tantas
pessoas andando de um lado para
outra, alheias as pessoas à sua volta.
Tão preocupadas demais consigo
mesmas.
Júlio olhou para o local, e esperou
que ela continuasse a falar, o que ela
fez.
— Quantas delas já internalizaram
inúmeros gritos de socorro que
transpareceram apenas num gesto ou
num olhar, e todos os outros “sãos”
não ouviram?
— Eu não sei.
— Não, ninguém sabe. Ninguém

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tem como ouvir. Nem que tivesse uma


audição de cachorro. A frequência é
diferente da humana, creio eu.
— Ou da canina – ele falou, e ela
sorriu.
Quando a volta de ambos acabou,
caminharam ambos, lado a lado,
conversando, mas pareciam dois
estranhos. Na cabeça de Júlio as
dúvidas rodavam “dezoito, foi isso
que ela me disse mesmo? parece mais
jovem, tenho certeza que é mais
jovem”, “não faça isso, vai te
complicar”.
Ele não voltou para o trabalho
naquele dia, mas avisou à secretária
que desmarcasse todas as suas
reuniões do dia, sentira-se febril, isso

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que lhe dissera.


Anoiteceu sem que percebessem,
Elizabeth disse-lhe que deveriam ir
logo. Júlio e ela caminharam para o
estacionamento, encontraram uma
Mercedes estacionada.
— Belo carro – ela elogiou.
Entraram no veículo, e depois de
longos vinte minutos de silêncio ao
lado daquela estranha, minutos estes
em que Júlio não tirava os olhos do
painel de comando e da pista a sua
frente, eles chegaram à entrada do
apartamento de Júlio.
Ele saiu do carro, deu a volta e
abriu a porta para ela, que permanecia
no interior deste. Ele abaixou-se perto
de suas pernas:

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— Você não precisa fazer isso se


não quiser, nem preciso eu se você
não quiser.
— Eu quero – ela respondeu
enquanto ria nervosa – é que você é
tão legal, e eu não queria ter que fazer
isso com você.
— Isso...?
— Deixa para lá, você não tem a
audição que falávamos hoje à tarde.
Quando saiu do carro, Elizabeth
bateu com a perna numa mureta que
marcava a vaga do estacionamento:
— Ai, puta que o pariu.
— Olha só, nunca te vi maldizendo.
— Tem um monte de coisas que
você nunca me verá fazendo.
— Vem cá, está bem? Machucou

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muito?
— Sim – foi sua resposta.
— Espere – ele disse enquanto
tirava o paletó, e num jeito meio
desengonçado, pediu-lhe que subisse
em suas costas, funcionou, ela sorriu:
— Júlio, você não consegue, nós
vamos cair.
— Duvidas? – ele perguntou –
segure-se cowgirl vamos, segure-se.
Elizabeth subiu nas costas de Júlio,
risonha. Júlio entrou no prédio, não
sem ser surpreendido pelo olhar do
porteiro. Sorriu e acenou para ele com
a mão que segurava a pasta e o paletó.
O elevador correu, eles chegaram ao
apartamento de Júlio, ele a colocou
com cuidado no chão e ele entrou:

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— Bem, aqui estamos – ele falou


esfregando as mãos na calça social –
quer comer algo? Ou beber? Ah,
espera você não tem idade par beber.
Quer tomar um suco? Quer tomar um
banho?
— Claro – respondeu timidamente.
— Claro... Para o que?
— Um banho.
Ele apontou-lhe o banheiro e ela se
foi, ele usou o de hospedes para
banhar-se. Não podia esconder a
excitação, mas sabia controlar-se.
Ele terminou rápido e sentou-se
com a toalha envolta em seus quadris
no sofá da sala, passou a mão nos
cabelos molhados que agora lhe
escorriam pela testa, em desalinho,

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mas nunca antes tão perfeitos.


Ela surgiu nua, na sala, o cabelo
ainda pingava da água do banho. Os
seios pequenos estavam retesados pelo
frio. Elizabeth sentou-se nas pernas
dele e disse:
— Aqui estou, faça-me mulher esta
noite.
Júlio a possuiu, ele sabia que um
corpo como aquele só poderia ser
virgem. Exalava inocência e culpa que
só um corpo intacto poderia exalar.
Isso em vez de refreá-lo, o estimulava
mais. Em alguns momentos ela sentia-
se sufocar pela febre de desejos que
ele tinha despertado, mas ele era agora
seu primeiro homem e também o seu
último. Em poucos momentos depois

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dali, ela tomaria a caixa de remédios


para dormir, e encontraria seu irmão
pequeno e seus pais, ela não partiria
tão tragicamente quanto eles, mas esse
fora o jeito encontrado para não viver
mais num mundo que ela não queria.
A carne de Júlio palpitava,
transbordava e o seu clímax fora
profundo quando a arrastou consigo.
Adormeceram, exaustos. Sonhou com
Elizabeth.
Pela manhã, ao acordar, estendeu o
braço para o lado da cama onde a
deixara na noite anterior, ela não
estava mais lá, prometeu a si mesmo
procurá-la, assumir qualquer risco
para tê-la mais uma noite.
Um bilhete escrito rapidamente

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num bloco de notas sobre a mesa,


dizia:
— Você me deu as melhores
sensações que eu podia receber antes
de partir. Aqui está anotado tudo o que
eu herdei de meus pais, use como lhe
aprouver, basta que mostre este
bilhete, você sabe, é advogado. Eu
adorarei lembrar-me pela eternidade
do sabor dos beijos que trocamos, eles
quase me fizeram desistir, mas meu
irmão está sempre me chamando.
Obrigada por tudo, Júlio. Jamais
tornará a ver-me.

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O fantasma que
bailava no escuro

— Obrigada, senhora Mackzville.


Era um nome um tanto difícil de
pronunciar, mas valia qualquer
sacrifício, deram as mãos num aperto
firme e carinhoso.
— Foi muito bom tê-la como
cliente senhorita Priés, eu
sinceramente espero que goste do

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local, boa sorte!


Repetiu-me a senhora de pouco
mais que cinquenta anos ao sair pela
porta. Como é de bom tom esperar o
outro partir quando se esta em casa, eu
fiquei à porta até que o seu carro
contornava o quarteirão, dei-lhe um
último aceno quando ao longe ela
buzinou e estendeu a mão numa
despedida pela janela do carro.
Exausta virei-me para casa, o
trabalho apenas começava.
Era uma casa bonita, embora os
anos em que esteve fechada
estivessem presentes em todo o pó que
restara sobre os móveis esquecidos
sob os lençóis. Era meu paraíso
finalmente, um lugar só meu, sentei-

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me alguns minutos no chão


observando tudo atenciosamente, cada
centímetro, havia beleza em tudo
aquilo. Comecei, visualmente, a
selecionar os móveis, Alguns teriam
que ser jogados fora, outros talvez
fossem aproveitados.
A casa era bem construída, antiga,
mas ainda bem conservada, feita de
madeira. O primeiro andar tinha a
fronte cheia de grandes janelas
francesas que quando abertas, com
certeza iluminariam o interior da casa.
Levantei, respirei fundo, penteei os
cabelos com os dedos prendendo-os
num coque rápido e firme atrás da
cabeça e comecei a trabalhar. Primeiro
retirando alguns móveis em desuso e

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sem serventia, logo depois retirando


os lençóis de cima de alguns móveis,
que para minha surpresa ainda
poderiam ser usados, e assim
continuei naquela arrumação solitária
de algo que finalmente era meu, só
meu.
O sol já se punha no horizonte, e o
andar de baixo era quase um cômodo
organizado, liguei as luzes de baixo
para continuar na minha arrumação
que pelo visto não seria tão fácil
quanto eu pensara, ou desejara.
A noite chegava tranquilamente, as
estrelas já começavam a aparecer, os
insetos começavam seu concerto
agitado lá fora. Então, suavemente,
uma música começara a tocar, uma

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canção leve e harmoniosa, parecia


uma canção de ninar. Não, seria
limitá-la muito comparar-lhe a isso,
pois era quente, e viva, contagiante.
Subi as escadas, meio apreensiva,
peguei um objeto qualquer na mão
para minha defesa, o som vinha dos
quartos no final do corredor, a janela
permanecia fechada, ou seja, nenhum
invasor estava na casa, o som vinha de
um quarto trancado, peguei a chave e
girei na maçaneta, sem olhar para
dentro, liguei as luzes.
Nada, apenas uma vitrola antiga
que girava um vinil gasto e que não
produzia nenhum som, mas um final
de música ainda pairava no ar, mesmo
vendo o vinil ainda girando poderia

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jurar que aquela música não vinha de


lá, era complexa demais para um
instrumento simples como aquele. Era
enviesada de sentimento e emoção, eu
recordava aquela música de algum
lugar, já a ouvira antes.
Desci a escada um pouco aturdida,
decidi deixar para a manhã seguinte
qualquer tarefa que ainda me restasse,
ou morreria de exaustão, sonhei até
que o sol me acordasse, com a música.
Toda a parte inferior da casa foi
arrumada, mas já era tarde quando me
dei conta disso, e cada vez ficava mais
tarde. Arrumei os dois quartos de cima
e já me encaminhava para arrumar o
último, o mesmo quarto que fazia
brotar música na última noite.

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Adentrei-o e tudo parecia exatamente


igual ao que eu vira a noite passada,
arrepios percorreram meu corpo de
repente, foi até bom, parecia que eu
não sentia mais nada ultimamente de
tão dolorido que meu corpo estava.
Comecei a limpar o local, havia
uma janela imensa em toda uma
parede que dava para os fundos da
casa, dela eu poderia ver o meu
enorme quintal e ver o motivo que me
levou a comprar aquela casa, um lago
enorme bem nos fundos dela, rodeado
por arvores que com certeza depois do
outono estariam bem mais belas, e
com alguma vida, comecei a limpar o
vidro, o crepúsculo outra vez,
encurtando o meu dia, sorri num

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último gesto para o sol que agora


desaparecia dentro de meu lago, dando
lugar a uma noite admiravelmente
incrível, a música... Nem tive tempo
de acender qualquer luz, me virei
abruptamente para ver o que o reflexo
do vidro da janela parecia querer me
mostrar.
Uma luz, incrivelmente brilhante,
rodeou por alguns minutos o centro do
quarto, me escondi, atrás de algumas
caixas velhas abarrotadas de vinis,
logo a luz tomou forma, uma forma
que eu nunca imaginaria, surgiram
como num efeito braços, depois
pernas e então o corpo se solidificou, e
sem me ver bailava, ao som da
música, girando e girando, para todos

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os lados, num fervor latente.


Agora sim eu reconhecia a música
eu já a ouvira antes, Gold und Silber,
eu ouvira há algum tempo, eu olhava
para ele como se meu próprio mundo
só começasse a surgir ou nascer para
mim agora, ele se movia ao ritmo da
música.
De repente, ele parou com os
braços estendidos para a minha
direção, os olhos azuis mais lindos que
eu já vira em toda a minha vida, os
cabelos loiros, deslizando pela testa
em uma cascata perfeita e cheia de
vida. Aqueles olhos e aquele rosto
então fulguraram para mim, eu não
queria me mexer, temia que qualquer
movimento meu o fizesse desaparecer

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dali e ir para algum outro lugar longe,


longe o suficiente para separar-nos...
— Venha aqui meu amor – ele
disse com voz terna – não precisa se
esconder sou eu, vem...
Eu tive medo de mover-me um
centímetro só e separar-nos por algo
sem medida, ele aproximou-se
vagarosamente, estendi-lhe a mão, ele
a tomou delicadamente e num gesto de
cavalheirismo beijou-a sustentando o
olhar para encarar os meus olhos, que
rosto de anjo ele tinha. Levantou-se
rápido e puxou-me para si, beijando-
me maliciosamente o pescoço,
estremeci. Ele sussurrou:
— Eu te esperei tanto, minha
querida, sabia que você iria voltar e

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ficar comigo, perdoe-me se a assustei,


não foi por querer...
— Mas...
— Deixe que eu me apresente.
Ele abaixou-se num dos joelhos
elegantemente e olhou-me por alguns
minutos antes de proferir com
delicadeza as palavras que me
prenderiam a ele para sempre:
— Eu te esperei tanto, cada minuto
da minha vida... Que vida! – ele
sorriu, mas não disfarçou a dor em
seus olhos – eu ia te encontrar aqui,
quando você mudasse para esta
cidade, mas houve alguma coisa e eu
não pude chegar e te ver, eu só lembro
que eu deveria amar você... E este
seria meu crime e castigo.

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— Porque crime e castigo?


— Por que se eu fosse forte o
suficiente para te esperar por mais
alguns anos eu estaria com você todas
as noites, todos os dias, mas agora,
meu castigo é ficar contigo só pelas
noites, isto é, se quiseres. Se não
quiseres, posso sumir e não mais te
atormentar.
Como viver depois de uma
experiência como aquela e não ser
tocada, como resistir ao poder
penetrante daqueles olhos azuis?
— Fica comigo? – ele pediu cheio
de ansiedade e temores.
Cai de joelhos ao lado dele:
— Claro, eu ficarei... Sempre
ficarei...

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Ele era real ali, entre meus braços,


e só entre eles ele poderia existir. Vivi
cada momento meu ao lado dele,
dançamos todas as óperas e canções
conhecidas, amando-nos na inocência
e na fulminante voluptuosidade de um
casal jovem e apaixonado... Vinte e
poucos anos, disso eu lembro, jovem e
bela.
Aqui estou eu mais uma vez
sentada neste quarto de tantas
histórias, por seis décadas eu me vi
presa a este lugar, numa prisão
voluntária... À espera dele, meu
querido Eric, esperando-o, como se
vivesse por ele...
Estou observando cada mágica luz
do pôr-do-sol, cada viva cor, por estes

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olhos velhos e cansados... Tenazes em


não se deixar cerrar antes do
anoitecer... Chegue logo, antes que
seja tarde...
É ele, é ele que está chegando aqui.
Eu vejo novamente a luz, as formas do
meu amado amor...
— Você parece cansada meu amor,
está tudo bem?
— Sim... Eu só quero te abraçar por
alguns minutos... Posso?
— Eu sou seu
— Lembrarei sempre disto.
— Você está bem?
— Eu só tenho frio.
— Durma meu amor, durma entre
meus braços.
Ele me envolveu entre seus braços.

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Eu sinto sono, frio, fome e sede, mas


nada é capaz de me tirar daqui. Nem
eu mesma poderia. Nos braços dele eu
encontrei a vida e agora nos braços
dele eu tristemente morro. Não quero
perdê-lo nem por um só instante. O
frio começa a se espalhar. Ele me
aperta ainda mais ao seu corpo jovem
e quente. Meus olhos se fecham... É o
fim.
Quando pensei que tudo estava
acabado, meu corpo se rompe num
brilho de diamantes. Rompe de forma
etérea minha morta carne... Sou eu ali,
repousando, e eu aqui neste vestido
branco lindo e dançante... Estou mais
uma vez entre os braços dele.
— Eu te amo – ele me diz.

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— E eu te amo também – respondo.


Tomada sou pelos braços do meu
amado, meu amor particular por todos
desconhecido, a morte que deveria nos
separar não teve forças, e uma vez
unidos na escuridão agora
caminhamos em luz, unidos para
sempre.
— Você está linda – ele sussurra
aos meus ouvidos.
E deixo-me tomar pelos braços
dele, envolta num abraço que
perdurara para toda a eternidade. Onde
sempre busco e acho repouso, nos
braços dele... O meu fantasma que
bailava no escuro.

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Triste Partida

Após um longo período de estudos,


finalmente havia começado as férias.
Decidi viajar em um cruzeiro com
amigas, éramos muito unidas,
conhecíamo-nos desde os tempos de
ensino fundamental. Quando nos
conhecemos, eu podia ser considerada
uma das mais populares do grupo, mas
ao final do ensino médio, passei de
popular a revoltada, com poucas, mas
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seletas amigas.
De todas as pessoas que conheci e
que passaram em minha vida
deixando, ou não, rastros de sua alma
na minha lida, estas duas amigas que
me foram preferidas: as Camilas,
como eu chamava. Não, não era
apelido, eram seus nomes, Camila
Patrizia e Camila Viana, ambas
parecidas um pouco fisicamente.
Enquanto Camila Patrizia estava
preparando o seu casamento com um
rapaz que ela amava, a Viana estava
enrolada com um rapaz casado, de
esposa ciumenta, enfim, não estou
aqui para julgar, mas vocês devem
bem saber qual das duas eu ajudava a
conquistar um rapaz que conhecemos

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na viagem para um envolvimento


rápido.
O rapaz, nem tão rapaz, assim, era
um homem lindo e solteiro. E que
recentemente havia sido abandonado
pela esposa, viajava a passeio, supus
que para esquecê-la, embora eu não
conhecesse os seus pensamentos.
Por incrível que pareça, eu sou um
ótimo cupido, apesar das minhas
amigas sempre terem me falado que os
seus pais me diziam que eu não tenho
cara de confiável. É, devo admitir, eles
estavam um pouco certos, eu é que só
vim descobrir agora.
Em um de seus encontros quando
Camila pensou já ter conquistado o
cara solteiro, é que eu comecei a

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perceber as coisas. Chamem-me de


traíra ou de invejosa, do que quiserem,
nem eu sei o que me deu, mas quanto
mais eu o via se erguendo das cinzas
em que alguém o deixara, mais eu
percebia o quão encantador ele era, e
quanto mais eu via Camila sorrindo ao
lado dele, tão mais eu o desejava ,
queria que a pessoa ao seu lado fosse
eu.
Muitas horas, fantasias e tequilas
depois, os dois já estavam tontos, ele
pelo porte estava bem mais seguro do
passo, mas não menos embriagado. No
final da noite, estávamos os três à
mesa, o bar praticamente fechado,
deixei Peter no bar e levei-a para o
quarto. Deixei Camila no quarto das

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meninas e não no de Peter como de


costume. Voltei para buscá-lo, com a
cabeça cheia de interrogações e de
ideias inverossímeis e capciosas.
Fui buscá-lo, o apoiei e o conduzi
até o quarto. Deitei-o, com esforço, na
cama. Não sei que lampejo repentino e
diabólico de sobriedade lhe iluminou
por uma fração de segundos, mas ele
me olhou, com uns olhos tão verdes,
claríssimos, como se estivesse me
desejando. Totalmente sóbrio ou
fingindo-se de sóbrio.
Segurei firme em seu rosto,
reclinei-me sobre ele em seu leito,
nosso beijo fez que nossos corpos
vivessem mil sensações revividas mil
vezes pelos caminhos de dedos

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afoitos. Para minha surpresa ou não,


por que apesar de ser diferente delas
eu me garantia fisicamente, Peter
abriu os olhos, lentamente, fuzilou-me
com um olhar lascivo, segurou-me
forte, e beijou-me, sussurrando:
— É isso que você quer, não é?
Quer se sentir amada, quer se sentir
desejada?
Devo confessar que me assustei um
pouco, com seu jeito de amar. Peter
era sedento, furioso, violento. O gozo
foi intenso e revivido múltiplas vezes.
Quando dei acordo de mim estava
enrolada sob os seus lençóis e apoiada
nos seus braços. Levantei-me o mais
silenciosamente possível e eu corri
enrolada em um dos lençóis para meu

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quarto esperando que ele não


acordasse e que Camila não estivesse
acordada, qualquer uma das duas
coisas.
Tornei-me a sua amante e, no
fundo, eu sabia que ele se dava melhor
comigo do que com ela. Até que as
odes do ciúme vieram tocar em meus
violões perdidos. Senti ciúmes dele,
Camila, a Patrizia, percebeu, e
questionando-me sobre as minhas
atitudes, respondi:
— Essa viagem deveria ser nossa, e
ela estragou tudo.
— Será que foi ela quem estragou?
– retrucou Camila demonstrando ser
conhecedora dos meus segredos. Sai
dessa conversa determinada a decidir a

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minha situação.
Esperei que chegasse a hora de
jantar, nos encontraríamos as três com
Peter e mais dois amigos. Chamei-o
em particular discretamente,
questionei timidamente, pressentindo
a resposta:
— Posso te perguntar algo?
— Claro – disse-me.
Tentei formular a perguntar do
modo menos inquisitório e possessivo
possível.
— Se eu pedisse para que você a
deixasse e ficasse só comigo, você
ficaria?
Peter me olhou por segundos
cruciais antes de responder, hesitante.
— Ah, flor – tocou-me no rosto

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discretamente – acho que você está


confundindo um pouco as coisas.
Desapontada e envergonhada disse:
— Tudo bem, entendi, esquece
isso, foi só uma besteira.
Virei-me estava saindo, frustrada,
triste. Peter pediu-me:
— Aline, não faz assim, espera um
pouco.
— Não, não tem problema algum.
Como você disse, eu andei
confundindo as coisas.
Retirei a mão que ele tinha tomado
enquanto eu tentei andar, e saí. Passei
alguns bons dias fugindo dele para que
ele não me visse, mas não pensei que
era só dele que precisava me esconder.
Estava saindo do meu quarto e

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Camila Viana caminhou até minha


direção, estava visivelmente irritada.
Ao ver-me acelerou o passo em minha
direção, eu lhe sorri desejando um
bom dia e recebi em troca um belo
tabefe, muito bem dado mesmo.
— Por que isso? – questionei-lhe.
— Isso é para você aprender.
— Aprender exatamente o quê?
— Não se finja de desentendida,
Aline. Você sabe muito bem!
— Por que você não me diz?
— Você estava fazendo as coisas
pelas minhas costas. Sendo minha
amiga, como pode? Eu desisto de
você, quando minhas amigas, meus
pais e irmãs, todo mundo disse que
você não prestava, eu não acreditei.

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Quis ser uma boa pessoa com você,


ser sua amiga, pensei que você não
merecia ser julgada, mas como errei.
Deus, você contou para ele toda minha
história, por quê?
— Eu não estou entendendo nada.
— Como não? Sonsa! Quer saber,
some da minha vida.
— Muito bem, mas aproveite, essa
foi a primeira e última vez que ergueu
a mão para mim.
Sorri vendo a frustração dela. Nem
foi tão ruim quanto pensei que seria,
devo confessar que ela não fez nem
um terço para aquilo que eu estava
preparada. Por coincidência o celular
tocou quando ia apanha-lo ao bolso, a
pessoa que me ligou não era a que eu

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provocava.
— Alô?
— Oi, como esta a viagem?
— Boa. E você, como está?
— Ótimo, só liguei para avisar que
te busco, em dois dias, ok?
— Ok.
— Te amo
— Também te amo.
Era o meu marido, que ligava
avisando que iria me buscar em dois
dias. Só mais dois dias. Corri por todo
o navio, procurando por Peter. Queria-
o uma ultima vez, uma ultima chance,
uma ultima noite para que eu pudesse
senti-lo. Procurei-o por toda parte, não
o encontrava, só faltava um lugar – o
convés.

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Subi o ultimo lance de escadas e


encontrei o salão que se estendia por
quase toda cobertura. As paredes eram
brancas e todas as portas de vidro,
tinham um arco dourado em cima e
cortinas brancas. Como algumas
janelas estavam abertas, elas
balançavam como mãos me indicando
o caminho que eu tinha que tomar. E
um homem lindo se estendia na
proteção do convés, prestes a se jogar.
Era Peter, estava transtornado, por
um milionésimo de segundo o medo
me congelou. Mas o venci, e corri para
detê-lo, o mais depressa que pude,
quando o alcancei o abracei por trás,
beijei-o na nuca. Ele me fazia sentir
tão pequena, tão protegida em seus

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braços, e desta vez era eu quem o


protegia, e o afagava.
— Eu quero ficar com você, só
com você, terminei com ela.
— Eu sei, eu sei, também quero
ficar com você – eu sussurrei.
— Você fica comigo? Só comigo?
— Você sabe que sim – lhe
respondi.
Embora a imagem de meu marido
não saísse da minha cabeça. A minha
aliança de casamento, esquecida numa
gaveta no dormitório, era a única que
povoava meus pensamentos.
Peter virou-se para mim, não
acreditei que ele pudesse estar prestes
a atentar contra a sua própria vida. Ele
me beijou, eu senti que ele estava

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apaixonado por mim, seguimos para o


quarto dele, e fizemos amor até a
exaustão, caímos no sono, o dele
pesado, o meu injusto e preocupado.
Era cedo, quase seis da manhã,
acordei furtivamente saí do quarto,
enrolando-me na camisa de Peter,
liguei para meu marido.
— Oi amor – senti remorso ao
ouvir a voz do meu esposo.
— Oi, meu bem.
— Só queria te ligar, pedir para eu
ficar mais alguns dias.
— O que aconteceu?
— É que eu me desentendi com
Camila e não queria sair daqui brigada
com ela - Camila era a ultima pessoa
que me vinha à cabeça – tudo bem

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para você?
— Tudo bem, então, mas só até a
sexta, entendeu? Um dia a mais e só.
— Ok, eu te amo.
— Te amo mais.
Desliguei, voltei para o quarto.
Abri a porta o mais silenciosamente
possível, mas não consegui, a madeira
rangeu e acordou Peter. Ele estava
inteiramente nu, envolto nos lençóis
brancos da cama.
— Ah, você saiu? Onde estava?
— Saí para atender o celular, não
quis te acordar.
— Não conseguiu – disse ele
sorrindo.
O riso dele foi uma apunhalada em
meu coração.

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Corri para a cama, e me joguei em


cima dele. Nós nos amamos
novamente, eu adorava o jeito que ele
me pegava pelos quadris e me
pressionava contra os dele.
A boca dele era macia e deliciosa,
ele era lindo. Eu estava me
apaixonando por ele, no entanto
sabendo que era eu, que por fim,
poderia, e quem sabe iria, matá-lo.
O dia de partir se aproximava, saí
escondida do quarto. Só pude dizer
baixinho:
— Adeus, Peter.

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Segredos da Ordem

Na verdade, Guilherme não sabia


bem o que iria encontrar quando
atravessasse as portas que o
separavam do ritual da iniciação.
Ninguém lhe explicara nada, a única
coisa que lhe fora explicada é que
nunca deveria contar nada a ninguém,
tudo que acontecesse, só diria respeito
aos que lá estivessem. Qualquer um
que revelasse os segredos da ordem,
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não seria poupado.


As portas se abriram, um cenário
caracteristicamente medieval se
descortinou diante de seus olhos. Os
homens alí, assim como ele, todos
trajavam smokings pretos ou cinza
escuros, e usavam mascaras
venezianas que lhe encobriam o rosto.
No principio ele lutava para
reconhecer cada um deles, os rostos
lhe eram indefiníveis por trás das
mascaras, até que foi advertido por um
dos cavalheiros que o acompanhavam
que não deveria olhar nos olhos de
nenhum dos homens que estavam
usando as luvas brancas. Eles eram os
“fundadores”, ou seja, os mais antigos
da ordem.

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Um dos senhores que ele tentara


observar chegou-se para perto dele,
em silêncio, cumprimentou-o
encurvando-se lentamente num
cumprimento polido e sofisticado. Até
que falou:
— Sou o anfitrião da ordem,
cumprimente-me.
Disse o senhor erguendo a mão,
prontamente Guilherme a pegou e,
como foi ensinado, beijou-a em sinal
de respeito. O anfitrião escolhia a
ordem e a disposição dos convidados à
mesa, e também concedia a escolha
livre ao convidado que porventura
viesse desejar a remissão de alguma
“oferenda”. Desde que fosse agraciado
com uma boa quantia monetária.

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— Como você quer ser chamado? –


perguntou o anfitrião.
Ele não conseguiu pensar em
muitos nomes, no entanto respondeu o
primeiro que lhe veio à mente.
— Garcia, eu quero ser chamado de
Garcia.
Guilherme passaria facilmente por
espanhol. Sua pele tinha o tom como
que beijado pelos raios do sol, o que
lhe conferia uma cor viva, os cabelos
negros que estavam metodicamente
penteados para trás como o dos
demais que ali se encontravam, lhe
conferia um ponto a mais. Somente a
cor dos olhos, quase cinzentos,
poderia dar-lhes o benefício da
dúvida.

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— Boa escolha, esperamos que não


seja seu sobrenome, as coisas devem
permanecer discretas por aqui.
Enquanto todos aguardavam o
ritual da iniciação, Guilherme
observava o local onde estava. Tudo
estava decorado com muito requinte.
Grandes janelas davam para todos os
lados da enorme propriedade, no
entanto pouco se via de fora devido às
cortinas pretas que desciam do teto ao
chão e davam uma aparência taciturna
a todo o evento. Passeando, com os
olhos, por entre as mesas e grandes
poltronas dispostas ao redor de um
pequeno palco pouco elevado, ele
observava a riqueza da decoração.
Os músicos que tocavam na festa, o

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faziam com vendas negras nos olhos,


aquilo lhe chamou a atenção, em
especial o fato de que nenhum deles
usava partitura e ainda por cima, não
podiam ver o maestro que gesticulava
em vão. Um dos garçons chegou a lhe
oferecer canapés em uma linda salva
de prata, ele recusou.
Foi convidado pelo correio para
pertencer à Ordem. O convite alertava
no final apenas, seja discreto. O
mesmo convite que ele guardava no
bolso. Não sabia em verdade, onde
estava se metendo. Ele recebera a sua
máscara ainda no carro que o buscara
na porta de sua empresa, dentro dele,
os homens que o levaram em segredo
já estavam irreconhecíveis.

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Foi retirado dos seus pensamentos,


pelo tilintar de uma colher numa taça
de cristal. Era o anfitrião chamando a
atenção para si.
— A atenção de todos, por favor –
ele chamava.
Instantaneamente, como num
movimento ensaiado, todos lhe
observaram. Ele prosseguiu:
— Gostaria de agradecer a todos
pela presença em mais uma reunião,
especialmente aos iniciados, Codê,
Tremaine e Garcia.
Cada um respondia com um aceno
com a taça de espumante que
carregavam.
- Hoje a família aumenta. Três
novos membros estão entre nossos

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novos filhos, filhos estes que deverão


nos presentear com sua total discrição,
fidelidade, e acima de tudo seu
silencio – continuou – Tudo o que
acontecer naquele salão, deverá
permanecer desconhecido – falou ele
gesticulando para uma suntuosa porta
ricamente adornada – sempre que um
dos anfitriões realizar um encontro,
todos aqui presentes receberão um
convite, como o que receberam para
que estivessem aqui hoje. Quanto aos
novos membros, assentar-se-ão ao
meu lado, contudo antes, aqui estão
seus símbolos da ordem.
Os três aproximaram-se receberam
um anel, cada um conforme sua
medida, o anel era de ouro amarelo e

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dentro liam-se os dizeres – Fiat lux –


em latim – faça-se a luz. E à medida
que iam sentando nos lugares que lhe
eram apontados, receberam ainda um
cachecol muito bem trabalhado,
ornado com um rico bordado dourado
e vermelho, que lhes era colocado
sobre os ombros.
Assim que o anfitrião sentou-se
todos os demais convidados sentaram-
se, o anfitrião perguntou-lhes:
— Gostariam de iniciarmos o
espetáculo?
Em uníssono todos lhe
responderam – Sim.
O anfitrião elegantemente recostou-
se na cadeira e acenou. Todas as
janelas do grande salão foram

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fechadas, e as luzes apagadas, a


escuridão era total. Ouviu-se apenas o
som da voz do anfitrião:
— Fiat lux!
Acendeu-se apenas uma luz, que
direcionava para o pequeno palco.
Havia alguém alí. Como fora
colocado? Guilherme iria perguntar-se
mais tarde. Era uma jovem, bela,
aparentava cerca de vinte anos, e
olhava a todos com cara de assustada,
parecia até mesmo com fome, pela
maneira que olhou para a bandeja de
canapés que passava perto dela. No
entanto não ousou estender a mão para
apanhar qualquer um.
Outra mulher a acompanhava, esta
era bem mais madura, uma senhora

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talvez, apesar de ainda ser bela. Esta


carregava uma vara, comprida e fina.
Quando a jovem intentou olhar-lhe em
face, foi imediatamente açoitada no
rosto. A senhora olhou para todo o
público e fez uma reverência,
Guilherme a observou, parecia uma
mulher antiga, dessas criadas na idade
média pelas roupas que usava. Com
outro açoite a senhora ordenou a
jovem que se levantasse. Esta se
levantou trêmula e com o rosto
marcado pelo castigo que lhe fora
infligido. Novamente virando-se para
o publico a senhora começou a falar.
— Vinte e um anos, judia,
caucasiana, virgem, toca harpa e
flauta. Que comecem os lances.

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De repente, começaram a erguer


pequenas placas. No começo
Guilherme não entendia o que se
passava, até que compreendeu tratar-
se de um leilão. Todos aqueles
senhores estavam oferecendo grandes
somas de dinheiro, para comprar
aquela jovem. Muitos não erguiam
placas, mas estavam com elas nas
mãos, talvez esperassem mais
mercadorias.
Guilherme se perguntou o que
aconteceria com quem a arrematasse, e
o que aconteceria a ela, quando fosse
comprada.
— Dou-lhe uma, dou-lhe duas,
dou-lhe três, vendido ao cavalheiro da
poltrona 21 – anunciou a voz

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comedida, atrapalhando os seus


pensamentos.
— O que aguarda? – perguntou o
anfitrião – um convite?
Todos riram. O cavalheiro da
poltrona 21, que a comprara, subiu no
palco a despiu e a possuiu
violentamente na frente de todos.
Todos observavam a cena como se
fosse normal. Quando estava
satisfeito, o cavalheiro, ainda ofegante
pelo êxtase amoroso, levantou-se,
vestiu-se e anunciou a todos:
— Minha propriedade sobre ela
acabou, todos sabem que não costumo
usá-las duas vezes, vou presenteá-la
para meu convidado, Tremaine, em
segredo.

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Isso significava que, em vez do que


ele acabara de fazer, seu convidado a
levaria para um lugar reservado.
Passaram a outro aposento e ali
ficaram. Guilherme não os viu até o
fim da reunião.
Por mais que achasse isso
repulsivo, Guilherme sentia prazer ao
perceber toda a dor que aquela jovem
sentiu. Animava-lhe o sofrimento
dela, chegou a sentir-se como aquele
que a possuiu momentos antes. Os
pedidos e protestos da jovem apenas
faziam com que aquele fosse ainda
mais rude e violento. Em um momento
a jovem chegou a quase desmaiar. O
que todos aplaudiram de pé foi
quando, apesar do sofrimento da

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jovem, o “cavalheiro da poltrona 21”


como foi chamado, a fez atingir o
prazer. Nesse momento a jovem
chorou, por que apesar da violência
que lhe acometia se sentia subjugada e
humilhada ao ver que seu algoz a
satisfez.
Muitos outros lances foram dados
na noite. Várias foram arrematadas
como presentes, e não eram apenas
jovens, as leiloadas, muitas mulheres
também eram vendidas, contra suas
vontades, até que chegou o ultimo
lance da noite. Poucos ainda estavam
ali. A maioria já tinha adquirido algum
bem, e saído. Permaneciam ali: o
anfitrião e alguns mais, que
observavam.

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— Esta é a ultima peça – Falou a


senhora trazendo a ultima jovem da
noite. Após descrevê-la o anfitrião fez
um gesto impedindo-a de começar os
lances.
— Cavalheiros – anunciou – o
senhor Garcia é o único que ainda não
foi agraciado com nenhum presente,
creio que como todos os demais já
puderam perceber ele mostra-se
bastante tímido. Então, como um
presente de boas vindas, lhe daremos
este ultimo presente, em secreto.
Todos concordaram, a jovem
achegou-se para perto de Guilherme
que agora era chamado de Garcia e lhe
pegou pelas mãos. Ele acompanhou-a
até um longo corredor que dava para

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os aposentos íntimos. Entraram em um


dos que estavam vazios.
Logo que entraram um frio
percorreu lhe a espinha. O que fazia?
Sentia-se um monstro, observava
aquela jovem esguia, um pouco mais
baixa do que ele, e via algo de medo
estampado em seus olhos, não receava
machuca-la, em vez disso, sentia
prazer em vê-la temendo.
Os cabelos da jovem eram negros,
e caiam como cascatas longas até o
entorno de sua cintura, parecia uma
Vênus renascida daquelas cascatas, era
alva, muito branca. Enquanto
Guilherme andava ao seu redor, pode
perceber todas as suas curvas suas
saliências e reentrâncias. Primeiro

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ficou com medo, medo de tocá-la,


receava que ela pudesse gritar, até que
a viu ajoelhar-se, submissa em sua
frente, os olhos azuis dela,
sustentavam com sofreguidão o olhar
dele.
— Não olhe em meus olhos, por
favor, ainda... – disse.
— Desculpe-me, meu senhor, mas
percebo que não o agradei.
— Por que diz isso?
— Não me tocaste uma só vez, e
ainda me mantem vestida.
— Então se dispa.
Lentamente a jovem retirava as
roupas, peça a peça, como num ritual.
Guilherme já não podia disfarçar o
desejo que sentia.

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— Você é muito agradável. Deite-


se ali – disse.
Enquanto apontava para o leito.
Enquanto ela andava Guilherme
observava o movimento dos quadris, e
as curvas. Sentou-se ao seu lado.
Passou a mão com delicadeza por
todas as suas extremidades. Por fim
cruzou os braços dela acima da cabeça
e amarrou as mãos dela na cama com
seu cachecol recém-ganhado. Ela não
protestou, ao invés disso, percebeu
que ela se agradava, e não pode deixar
de perguntar.
— Você gosta disso?
— Sim. – ela respondeu sem lhe
encarar nos olhos.
— Olhe para mim agora.

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— Sim.
Guilherme observou-a com
cuidado, encarando toda potencia
daqueles olhos azuis. E retirou a
mascara para beijá-la. Ela gemia com
um simples beijo.
— Você não é virgem é?
— Sim – disse – a maioria o é.
— E por que se submete a isso?
— Eu sou sua, sou seu presente e
sou sortuda. Não terei a mesma sorte
das oferendas. Poderei ser sua
enquanto me quiser. Estarei aqui para
você, e ficarei feliz quando me fizer
despertar para seus desejos.
Guilherme a beijou. Sofridamente,
ela respondia às carícias. Possuiu-a
então, nunca possuíra alguém como

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ela. Era um tolo, mas o sofrer e a dor


nos olhos dela, o excitava. E sabia que
poderia fazer o que quisesse com ela.
Beijou-lhe então na intimidade,
arrancando suspiros e pequenos gritos
que não eram mais de dor, mas de
prazer.
— Me queira para sempre, por
favor! Me queira para sempre! – ela
pedia, e isso lhe excitava mais, ela o
desejava.
Quando terminaram, ela ficou
sentada no chão, perto da cama, a
cabeça recostada no colo dele, ele a
acarinhava nos cabelos.
— Me queira para sempre – ela
pediu com lagrimas nos olhos ainda
contagiados pelo êxtase amoroso.

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— Eu vou te querer para sempre.


Ele beijou-lhe uma das têmporas.
— Devemos ir agora, senhor, as
oferendas serão devolvidas.
Quando voltaram à sala, ela ainda
nua, como os outros dois presentes,
assentou-se perto de sua poltrona, no
chão. Guilherme havia recolocado a
máscara. As oferendas eram trazidas
uma a uma, e todas eram alinhadas,
ajoelhadas diante da multidão.
Nenhuma lhe era tão agradável quanto
a que tinha ali, junto aos seus pés. A
leiloeira falou uma ultima vez:
— Algum ultimo lance, antes das
ofertas?
Ninguém se manifestou.
— Devoluções? – questionou ainda

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uma vez.
Nenhuma devolução Guilherme
percebeu. Enquanto sua jovem
encolhia-se mais aos seus pés. Houve
um ultimo momento de silencio. A
senhora prosseguiu:
— Como não há mais nenhuma
oferta, as oferendas serão devolvidas,
quanto aos presentes, a partir de hoje
estarão sob a responsabilidade dos
seus respectivos senhores, que lhes
deverão cuidar da sobrevivência,
alimentação e moradia. Quanto aos
novos membros, poderão ter quantos
itens quiserem desde que possam
pagar por eles. Quanto às demais
oferendas, rejeitadas, será prosseguido
o seu abate.

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De repente, o anfitrião apareceu,


carregando uma pistola, prateada
mortal. Todas elas gritavam e
choravam, o velho passou, dando um
tiro na têmpora de cada uma, o estrago
era notável, o silenciador da arma
abafava o som.
Um por um todos foram saindo.
Guilherme permanecia assustado com
tudo o que aconteceu, mas ainda assim
percebeu como todos o invejavam
quando seguiu para o carro que o
levaria para casa. Deu seu capuz negro
à sua jovem, entraram no carro. Ela
deitou-se em seu colo, tremia ainda,
percebendo a sorte que tivera por ter
sido apreciada e por não ter sido
devolvida.

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Guilherme cuidaria dela, sim, ela


era linda, e seu apartamento
gigantesco tinha muitos quartos
vazios, assim ele poderia cuidar dela,
e ter quantos itens quisesse. Ele
cumpriu cuidadosamente tudo que
prometeu, deu a ela casa, e uma
função, ela era responsável por
arrumar os quartos. Em breve, ele teria
mais itens para dar a cada uma sua
função.
Um mês depois, Guilherme recebeu
um novo convite, negro, as letras
douradas, diziam:

Ao Sr. Garcia.
O senhor esta convidado a
comparecer ao endereço citado no

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verso deste envelope em dois dias.


Seja discreto.
O anfitrião.

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Vampiros nunca te
machucarão

Era uma noite fria, as pessoas que


estavam na festa não sentiam o que os
ventos prediziam... Eu era uma delas.
A festa estava acontecendo num
castelo medieval. A iluminação era
feita por velas dentro de bolas de
cristal ou vidro. Era um baile de
máscaras. Ouvia-se o riso e o falar alto

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das pessoas com os ânimos exaltados


pelo vinho, alguns, exceção à regra,
pareciam incólumes, pareciam anjos
vestidos de negro, por todos os lados,
parados, como entalhes do mais belo
mármore.
Eu usava um vestido com anáguas
por baixo, ele era vermelho, bem
desenhado, com folhos leves, detalhes
bordados pareciam uma cascata de
sangue, por cima dele uma capa preta.
Fui tomada repentinamente pelas
mãos de John, e dançava com ele ao
som de uma melodia maravilhosa,
indefinível, eu era embalada por uma
sensação maravilhosa, extasiante. De
John a única coisa visível, em sua
máscara, eram os seus olhos.

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Num instante, porém, tudo


começava a tornar-se estranho, não
mais sentia a perfeição de antes, as
pessoas começaram a entreolhar-se,
olhos assustados e com um brilho
ofuscado pelo temor. Senti a pancada
de vento fria que acabara de abrir as
portas do grande salão, passando por
mim, arrepiando-me.
O vento forte passou derrubando as
velas e os cristais, as cortinas das
janelas imensas começaram
lentamente a incendiar-se, a cena
linda, como um sonho, começava a
tornar-se um pesadelo.
Seis homens entraram pelas portas
fechando-as atrás de si. Portas
trancadas. Seis homens semelhantes

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aos deuses, belos e assustadores, por


mais que estivessem todos assustados,
ninguém conseguia correr, ficavam ali
parados, hipnotizados pela beleza
daqueles seres que só em sonhos
poderiam ser criados.
Eu olhava para John assustada, sem
conseguir falar direito, estava
assustada e sentia que a presença deles
começava a tomar conta de mim,
como há minutos atrás tomara conta
dos outros que ali estavam. Ouvi um
grito, virei na direção deste grito que
foi rapidamente abafado, procurei o
lugar de onde aquele som vinha,
quando o encontrei pude finalmente
perceber o que aqueles homens eram,
e os quão maus eles poderiam ser.

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Tomei John pelo braço e tentei tirá-


lo do transe de atração que ele sentia
naquele momento, quase não
consegui. Eu o puxei com força, pelo
braço, vi uma porta quase escondida,
pequena, que pouca ou nenhuma
pessoa já deveria ter visto. Saí por ali
e puxava John cada vez mais forte,
pois ele estava resistindo a mim,
querendo voltar para a doce presença
daqueles homens.
Eu consegui, há muito custo, tirá-lo
dali. E quando percebi que ele já
voltara ao seu estado normal.
— Vamos correr, não podemos
ficar aqui – eu tentava falar mesmo
arfante.
— Para onde vamos se não há

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saída?
Infelizmente era verdade, não havia
saída, não havia antes e não haveria
agora, não agora que por trás de mim
uma pequena brisa transformou-se
num vento tempestuoso que carregava
consigo o barulho das correntes e do
chicote de um cocheiro em uma
carruagem, me virei de súbito, por
instinto meu braço arrepiou-se
novamente, era um predador que
chegava, tomando-me o corpo com
força para si. Ele, o vampiro, disse:
— Não resista, eu sei que você quer
isso, para que resistir?
Eu só tive tempo de sussurrar para
John:
— Vá embora, agora...

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O som do meu grito foi silenciado


quando senti os dentes brancos e
pontiagudos de Edward ferindo
mortalmente o meu seio, eu sabia
naquele momento no que havia me
tornado e não poderia imaginar até
aquele momento qualquer dor
semelhante, não pensei que suportaria
toda aquela dor que agora me fazia
quase desmaiar. Senti cada gota de
meu sangue fugindo de mim, Edward
me curvara contra seu corpo, quando
abri os olhos vi John que vinha em
nossa direção com uma estaca, ele iria
matar Edward, mas ele não tinha
forças suficientes, eu não deixei. E
com os olhos assustadoramente cheios
de prazer, disse-lhe:

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— Vá embora agora!
— O que você se tornou? – John
perguntou confuso.
Eu lhe implorei para ir embora
mais uma vez, desta vez os olhos
constrangidos e suplicantes, cheios de
dor, não mais exibiam o prazer de
outrora.
— Vá embora! – desta vez gritei.
Edward largou meu seio que agora
mostrava dois orifícios que ardiam
como fogo em minha pele. Ele lambeu
a marca da ferida, depois a beijou com
seus lábios frios, olhando para cima.
Um olhar incrivelmente sedutor. John
arrancava lentamente a máscara, esta
escorreu por entre seus dedos indo
descansar no chão. John resistia

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querendo lutar, em vão, embora eu


pedisse o contrário, Edward falou
então:
— Você está pronta, agora pode ir,
faça o que deve ser feito.
A dor passou fugaz diante dos
meus olhos enquanto eu compreendia
o que se passava. Edward me movia
para colocar-me de pé ao seu lado,
com facilidade. Meus olhos
fulguraram para John, o cheiro do
sangue dele era irresistível, me
chamava... Era demais para alguém
que acabara de tornar-se uma
vampira.
— Faça logo! – Edward esbravejou
atrás de mim.
Enquanto eu estava lentamente

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caminhando até John, sentia que


queria chorar, mas eu não conseguia
verter sequer uma lágrima.
— Meu Deus, eu não posso matá-
lo, eu o amo.
Eu dava a cada passo, um passo
para mais perto da eternidade, sem
ele. Só havia um jeito, um único jeito,
cheguei perto dele, tão perto que seu
sangue parecia cantar para mim,
implorava. Peguei as mãos de John,
coloquei nos meus lábios, era uma
doce tortura sentir aquele perfume,
poder apreciá-lo de mais perto, nunca
experimentá-lo. Meus olhos estavam
negros e famintos.
Eu abracei John e sussurrei em seu
ouvido:

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— Esses vampiros nunca te


machucarão...
Uma mão acariciou seu rosto em
despedida, o rosto daquele que eu
amava, a outra mão pegou a estaca da
mão dele. Edward me olhou
assustado, eu avancei de um só passo
em sua direção, abracei-o e o beijei.
Ele fechou os olhos. Eu enfiei a estaca
em nossos corações.

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Víbora

Todos os dias ela se vestia para


matar, querendo pegar alguém naquele
elevador. Tinha algumas superstições
que seguia a risca. Vestia-se primeiro
com as meias sete oitavos, gostava de
se ver em frente ao espelho usando-as
somente, ficava ali, parada alguns
minutos, depois, sempre se
observando, ela vestia as partes
restantes do lingerie, treinando caras e
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bocas. Saia preta até os joelhos, blusa


branca, os cabelos num coque rápido,
e os óculos de armações grossas para
corrigir uma ligeira miopia. Susan
caminhou em direção a porta, antes
deu uma alisada na saia, em frente ao
outro espelho perto da porta de saída,
do seu pequeno, mas bem decorado,
apartamento, pegou as chaves e um
casaco, parecia uma menina séria.
Desceu as escadas e saiu do prédio,
olhou para o relógio, estava atrasada,
quinze minutos atrasada. Apressou o
passo um pouco mais, virou a esquina,
viu seu próximo alvo, homem, um
metro e oitenta e cinco,
comprometido, a aliança na mão
esquerda denunciava o fato. Tentou

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apertar mais o passo para alcançá-lo,


finalmente conseguiu, mas em vez de
caminhar ao seu lado, passou a sua
frente, o homem não a notou a
principio, mas quando a percebeu,
ficou hipnotizado pelo seu andar,
seguiu-a sem perceber até o elevador
do prédio onde Susan trabalhava.
Quando entrou, ficou com a mão
parada no vão da porta do elevador,
esperou ele entrar, quando entrou ele a
achou normal em comparação a sua
mulher e a tantas outras mulheres com
quem saiu antes, logo o elevador
subiu, ela apertou o botão de parar
estacionando-o entre dois andares,
retirou os óculos, Soltou os cabelos e
avançou para ele beijando-o, cerca de

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trinta minutos depois Susan saia do


elevador arrumando os cabelos,
seguida por Tony, advogado, trinta
anos, querendo saber o nome dela.
— Víbora! – gritou Tony quando
Susan não lhe deu atenção.
Susan nem sequer voltou para trás
para saber o que ele dissera, nem
sequer quisera saber o nome dele, ele
o disse sem que Susan perguntasse,
para que? Mais um e só isso.
Sentada à sua mesa, espreitava por
cima dos óculos a movimentação ao
seu redor. Meio dia, hora do almoço, a
jornalista movia-se maliciosamente
por entre as mesas dos seus colegas,
para o delírio dos homens, mais ainda
e alguns poucos sortudos que tiveram

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a sorte que Tony tivera a pouco, e para


o desprazer de algumas inimigas
ocultas dela, que tinham inveja da
beleza de Susan.
Maçã, refrigerante, uma fatia de
pizza, faltava ainda quase uma hora
para a volta do expediente, sentou-se
num dos bancos de uma praça a mais
ou menos duas quadras de distância do
seu serviço. Comeu silenciosa e
rápida, entretanto educada.
Ficou observando a movimentação,
pouco mais de quarenta minutos para
a volta ao serviço. Susan se viu
tentada outra vez quando uma
secretária de outra repartição, linda,
loira, hora ou outra se virava
disfarçadamente, pois estava dois

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bancos a frente de Susan, e olhava por


sobre os ombros para trás, movia os
cabelos de uma forma que explicitava
o que lhe passava na mente, Susan não
resistiu, entretanto avançou para ela
cautelosamente.
— Boa tarde.
— Ótima – confirmou a fingida.
— Quer um pouco? – Susan
ofereceu a lata de refrigerante pela
metade.
— Não, obrigada – respondeu a
loira e linda colega de trabalho.
— E eu poderia lhe oferecer maia
alguma outra coisa? – perguntou
Susan cheia de terceiras, quartas,
quintas intenções.
Beijaram-se, e logo avançou o sinal

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para além do que poderiam as duas a


caminho do elevador. Susan a tocou
com as mãos, olhos, língua. Saiu do
elevador e foi para a sua mesa,
deixando a loira no elevador, porém
esta também deixou uma coisa em
Susan, o gosto de sexo na boca.
Cinco horas depois estava a
caminho de casa, subiu as escadas,
entrou, trancou-se, tirou as roupas,
viu-se uma ultima vez apenas de
meias sete oitavos nesse dia, sentiu-se
só, deitou-se na cama, escondeu-se
sob os lençóis, cobriu a cabeça com o
travesseiro, e começou a chorar.

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Vivian

Girou a chave na fechadura


cromada resistente, entrou
silenciosamente, seguido por Vivian.
— Tenho dezoito anos – ela disse.
Não, tinha certeza que ela teria
menos, talvez dezesseis, dezessete.
Por favor, não quinze, ou lembraria
sua filha que nesta hora deveria estar
com Dana, mulher dele, passeando
envolta num suéter grosso pelas ruas
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do Canadá.
Vivian o viu ou ele a viu primeiro?
Caminhava pelas ruas de Moscou,
envolto num largo e grosso casaco
verde-musgo que o protegia
escassamente do frio. Viu-a então,
encostada num poste, o casaco dela,
como o dele, parecia não protegê-la
suficientemente do frio que a neve
carregava.
Era uma noite sofrivelmente fria,
Igor pensou em desviar para o outro
lado da rua, mas foi aí que ela o
encarou, Igor poderia ter fingido não
vê-la, mas a força imperiosa de
atração que emanava dela arrastou-o
cego e cativo para a lama.
Igor aproximou-se, ela fumava,

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chegando mais perto se percebia as


pequenas sardas ao redor do nariz
arrebitado, Vivian jogou o cigarro no
chão e apagou-o, inutilmente, pois a
neve já o havia feito, com a sola da
bota de cano longo.
— Quantos anos você tem?
— Dezoito – nunca menos.
— Como se chama?
— Vivian.
— Acompanhe-me.
Vivian caminhava vacilante atrás
de Igor, que permanecia em silêncio.
“O que está fazendo? Dê a ela alguns
rublos e pronto, você não fez nada”
Dobraram a esquina da Rua
Zhavoronki, caminharam, até que ela
perguntou:

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— Está muito longe?


“Ah!” ele percebeu “era uma
criança ainda!”.
No entanto respondeu:
— Não, basta chegarmos a
Golitsyn, pegaremos meu carro até
Zheleznodorozhnyy.
— Certo, mas isso vai lhe custar
mais caro, pois preciso de dinheiro
para o táxi.
— Sem problema, lhe pago o
triplo.
Chegaram ao estacionamento da
rua Golitsyn, entraram na BMW
vermelha de Igor, seguiram para a rua
Zheleznodorozhnyy. Vivian
perguntou ao entrar no apartamento de
Igor:

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— Onde fica o banheiro?


— Terceira porta à esquerda, use as
toalhas brancas, tem fome?
Nenhum de seus clientes lhe
perguntara se estava com fome:
— Não tenho fome – ela respondeu
– mas estou com sede.
Igor foi à cozinha buscar um copo
com água, depois ofereceria uma
bebida, e depois, como faria isso? Há
dezoito anos dormia com a mesma
mulher, Dana, a quem amava.
Respeitava-a por ser uma mãe
dedicada e uma mulher bem-sucedida,
mas ela não tinha a fragilidade do
corpo de Vivian, nem essa malicia no
olhar. Ele admirou o rosto reproduzido
na sua imaginação e isso o excitou,

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pensou em nessa frágil menina,


lambendo sua mulher enquanto ele a
pegava por trás. Por que se preocupar
com isso? Ela, como ele, sabia o
motivo de estarem ali, então não
haveria rodeios.
Vivian terminou o banho. Igor
ouviu a água parando de cair do
chuveiro, seguiu para a terceira porta a
esquerda, queria acabar logo com essa
situação constrangedora, antes de se
arrepender, e tirar o sustento dessa
menina. Riu com esse pensamento.
Entrou no quarto, havia em todos
os móveis a alma de Dana, alegre,
refinada, porém isso não o impediu de
prosseguir. Passaram-se dois minutos
e Vivian não saiu do banho, Igor

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impacientava-se:
— Está tudo bem?
— Sim, só um minuto – respondeu
– estou saindo.
Vivian saiu do banho. Sob a luz
branca do apartamento ela parecia
mais pálida, os cabelos molhados
agora soltos, revelavam-se longos e
marrons, cheirando ao xampu que
Dana escolheu para o quarto de
hospedes. “Frutas silvestres, o que
acha Igor?” perguntou estendendo o
pulso para que Igor sentisse a
fragrância que exalava dali, na outra
mão Dana tinha um vidro delicado.
O cheiro, porém, ficava muito
melhor em Vivian, com a toalha
enrolada no corpo, ela aproximou-se

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de Igor, percebendo que não tirava os


olhos dela sentiu-se feminina e
desejada.
Os dedos trêmulos dela percorriam
a camisa de Igor, depois seguiram
buscando o zíper da calça, Igor
levantou-se, tirou ele mesmo a calça, e
a toalha dela.
Vivian nunca antes vira um corpo
tão belo quanto o de Igor, contudo sua
fascinação sucumbia ao medo de que
ele pudesse machucá-la. Igor
carregou-a nos braços, de frente para
si. “Tão frágil, tão pequena, eu poderia
quebrá-la ao meio se quisesse”
pensava. Os anos em que serviu o
exército russo determinaram o seu
corpo de hoje, aos quarenta e cinco

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anos, passaria facilmente por trinta e


cinco sem levantar suspeita.
Os lábios de Vivian procuravam
afoitos os de Igor, este percebendo o
nervosismo implícito na cena,
advertiu-a:
— Deixe que eu conduza.
A voz de Igor a amedrontava e ao
mesmo tempo excitava.
Igor a levou para a mesa da
cozinha, sentou-a e beijou todo o seu
corpo, a pele dela ardia como fogo,
encontrou o ventre jovem daquela
menina, sentiu-se dominador isso era
bom, pela primeira vez tinha certeza
do quão bom era para uma mulher, do
prazer e da dor que lhes incutia.
Quando Vivian pediu:

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― Isso aí é um monstro, dói, vai


mais devagar!
Igor se vangloriava.
Terminaram muito tempo depois.
Vivian exaurida, um rubor nas faces,
fechava os olhos talvez para
rememorar as sensações que Igor lhe
causara, outra vez foi ela a quebrar o
silencio:
— Você foi muito bom comigo.
Igor sorriu, beijou-a. “Não, isso é
intimidade demais”. Disse:
— Amanhã, venha aqui na mesma
hora de hoje, não se preocupe com o
seu transporte, pegue um táxi, eu
pago.
— Tudo bem – disse viviam
levantando-se e indo tomar outro

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banho, Igor admirou a curva tênue de


suas costas enquanto ela esteve de pé,
depois viu quando ela se vestiu e saiu.
Pela manhã foi à empresa como de
costume, eram férias de fim de ano,
ele insistiu com sua família em ficar
para “não perder o ritmo da coisa”
como disse. Na volta para casa,
ansioso para que Vivian chegasse
logo, no afã de matar o tempo, desceu
e a pé foi a uma pequena loja do outro
lado da rua, quase em frente ao seu
prédio. Olhava as vitrines até que
reparou num colar e brincos feitos de
ouro branco, mas em um fio fino e
resistente, passaria quase despercebido
no colo de Vivian, a pedra do colar era
vermelha Como os lábios dela.

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Comprou o conjunto, não sem sentir


vergonha de si.
Chegou ao apartamento, tirou a
camisa e aumentou a temperatura da
casa, apertando alheio, o controle do
aquecedor. Àquela hora os
funcionários já teriam se retirado da
porta do prédio e não veriam quando
sua convidada chegasse. Sua esposa
passaria um mês fora, com sua filha,
longe dali. Não havia, senão este,
outro risco a temer.
Vivian chegou, antes que ela
batesse à porta Igor a abriu, sem uma
palavra ele a carregou e amou, não
simplesmente possuiu, mas amou,
quando estavam exaustos. Igor deu a
ela o presente.

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— Não, obrigada – vergonha


fingida.
— Por quê?
— Não faço mais do que sou paga
para fazer, já fui paga ontem pelo
serviço que prestei, e vou receber pelo
que servi hoje.
— Vamos, aceite.
— Tudo bem, mas saiba que vou
vendê-las.
— Faça o que quiser, são suas, mas
primeiro use-as para mim.
Igor possuiu-a enquanto ela vestia-
se apenas de fio e pedra. Pagou-a,
desta vez ela não tomou banho,
quando questionada sobre isso
respondeu francamente:
— O velho que vou ver agora é tão

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sujo, tão asqueroso, que nem vai notar


o seu cheiro.
A simples ideia de que Vivian
pertenceria a outro o matava,
controlou-se bem.
— Certo – disse ele – mas primeiro
responda uma coisa.
— Como quiser – ela respondeu.
—Você me ama?
— Claro que não, não seja tolo –
ela riu.
Encontraram-se outras vezes,
Vivian, agora aceitava os presentes
sem protelar, e começava a mostrar as
suas asinhas, quando Igor lhe negava
alguma coisa, esta se irritava e se
negava.
O cumulo aconteceu quando antes

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do sexo, Vivian pediu-lhe dez mil


rublos.
— Para que todo esse dinheiro?
— Para que eu cale a boca e não
fale a nenhuma daquelas lindas moças
do porta-retratos, a verdade.
Vivian apontava para as fotos na
cabeceira da cama, onde Mika e Dana
sorriam, mãe e filhas, como irmãs.
Igor não aguentou a pressão
acumulada destes encontros, vinte e
um no total, e essa ganância infantil da
criança que agora se movia
maliciosamente sobre ele. Tirou-a de
sobre si e violentou-a. Vivian
implorava:
— Pare, por favor, eu juro que não
contarei mais, não falarei mais nada eu

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juro!
No entanto, cego de ódio e movido
pela excitação que as súplicas de
Vivian lhe causavam, ele não parou
até machucá-la a ponto de sangrar.
Revoltada com o que ele lhe fizera,
Vivian ameaçou.
— Veja o que você me fez – e
passava a mão no ventre
ensanguentado – eu vou contar sim,
maldito, miserável!
— Não, você não vai – respondeu
ele.
Pegando o fio de ouro branco
camuflado na pele alva de Vivian, ela
não o vendera como disse, ele puxou.
Forçando-o de uma vez. Sabia o
ângulo certo, aprendera no violento

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exército russo, e quase sem nenhum


esforço o fez.
Levantou-se, extenuado para olhar
para o sangue escorrendo em sua
direção e para a cabeça de Vivian que
rolava da cama ao chão, ainda com os
olhos assustados, a boca aberta, e
aquelas sardas encantadoras ao redor
do nariz arrebitado.

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Flores fúnebres

— Por que o sol não apareceu


hoje?
Bryson perguntou virando-se num
movimento quase imperceptível para
Janine, irmã de sua mulher, ou ex-
mulher.
Fria, gélida, morta, sua esposa
repousava num caixão. Por que eles
não abriam a tampa daquele maldito
caixão para que Bry, como ela o
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chamava, pudesse despedir-se, beijá-la


uma ultima vez antes que Mikaela se
deitasse no seu ultimo leito, pela
ultima vez,
— Eu não deveria ter brigado
daquele jeito, Mika me perdoe.
Janine sempre ali, segura em seus
braços, necessitando de apoio, com
certeza muito triste, mas não
derramava nenhuma lágrima, como
ele. Talvez se tivessem aberto aquela
maldita tampa e ele pudesse ver ai sim
ele conseguiria chorar, por que então
teria certeza que era ela, sua Mikaela
que estava ali, mas não pode acreditar,
não conseguiria crer que era Mika,
com seu corpo de vinte e seis anos que
estava ali, naquele cubículo de

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madeira, alguns poucos centímetros


maior que seu corpo.
Ah! Tanto pesava aquele braço
seguro ao seu!
“Quantas pessoas eu fiz sofrer?
Quantas ainda eu farei sofrer?”.
Outra noite Mikaela chegava tarde,
cheirava estranho, já passava da
quatro da manhã, outra vez quatro da
manhã, quatro e dezesseis para ser
mais exato. Gritara com ela, chamou-a
de todos os piores nomes que existem,
Mikaela não chorou, praguejava e
esbravejava atrás dele, nunca brigaram
deste jeito, ele chorou e no começo da
manhã já estava ajoelhado aos seus
pés no lado da cama, pedindo,
implorando que não o deixasse, tarde

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demais, Mika já saia pela porta


batendo-a estrondosamente atrás de
si.
― Você está cansada, precisa
descansar.
― Nunca conseguirei aqui com
você.
E saiu deixando Bryson sentado no
chão. Por que não eram mais o mesmo
casal de seis anos antes? Sim, eles
eram jovens, mas se amavam. Quando
Deus? Quando tudo mudou? Por que
ele não percebeu? Por que ele insistia
tanto em permanecer naquele
escritório ate tarde da noite.
― É por nós dois que faço isso,
você não percebe?
Dormiam virados para seu lado,

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mas eles ainda estavam juntos, ele


esperava que Mikaela entendesse.
Quando foi que ela deixou de amá-lo?
Bryson tentava não perceber os
repuxões que as cordas davam no
caixão onde Mikaela dormia. Como
ela estará depois do terrível acidente?
Por que ela fugiu de bicicleta? Por que
o motorista daquele carro não a viu?
Bry já sabia, quando o telefone
tocou, sentiu que algo aconteceria
depois daquela ultima briga.
— Alô?
— Alô, é o senhor Bryson?
— Sim – disse tremendo.
— Sua esposa sofreu um acidente,
encaminhei-a ao hospital.
O telefone caiu de suas mãos, até

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hoje não soube quem o avisara. Já era


tarde demais, quando conseguiu
encontrar o hospital em que ela estava
recebeu a noticia de que seu corpo já
havia sido encaminhado para o
necrotério.
― Não senhor, seria melhor não
vê-la.
Disse-lhe um homem que talvez
trabalhasse no hospital. Ele ainda
insistiu, mas não o autorizou.
A primeira pá de terra caiu surda,
oca, pesada, tristemente. Ele ignorava
o suor repentino em sua testa e mãos,
deve ser pelo peso daqueles braços
seguros aos seus. Em seu terno preto
Bryson parecia mais velho, embora
fosse um ano mais novo que Mikaela,

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ele se tornara responsável desde que


prometeu a si e para Mika, casar-se
com ela, e nunca deixar faltar-lhes
qualquer coisa.
Terminado, tudo terminado, aquele
braço que tanto pesava se solta do seu,
libertando-o.
Chegou a sua casa, tirou as roupas,
dobrando-as, não para lavar, mas para
encerrá-las numa gaveta e assim nunca
esquecê-las. Caminhou nu pela casa,
seguiu para o closet da esposa, cheirou
as roupas dela, perguntando-se por
que não chorava. Dormiu.
Pela manhã arrumou as malas,
pegou sua passagem, Viajaria para
Viena na Áustria, para reviver as
emoções que há cerca de um ano atrás

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sentiu, quando foram de férias para lá,


nunca antes a vira tão linda e feliz,
nem tão distante.
De avião a viagem não durou mais
que seis horas. Bryson se hospedou no
Edifício Hans Hallein, não saiu pela
manhã, preferiu à tarde, era nessas
horas que Mikaela estava mais bela,
com suas roupas de frio, e com certo
rubor nas faces que a tornava mais
atraente para ele e para os outros
homens, sua pele bem branca
contrastava com os cabelos pretos e
seus belos olhos azuis.
As horas caminharam rápido, já
eram cinco da tarde, ele acompanhava
o ritmo frenético das horas a passos
lentos. Passou em frente à igreja St.

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Stephen, depois caminhou até uma


loja de flores, ele olhou as petúnias, as
flores fúnebres que ele jogou no
caixão de Mikaela, as flores que
Mikaela tanto amava:
— Quanto elas custam? –
perguntou.
Assustou-se, essa vendedora,
reconheceria aqueles olhos em
qualquer lugar, aqueles cabelos, e a
pele que ele tanto amava quando
enrubescia e que se apresentava agora,
fria e pálida.
— Você?!
Ela não falou nada.
Bryson sentiu vontade de chorar,
rir, tamanho era o desespero. Caiu de
joelhos aos pés dela, sussurrando:

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— Mikaela, Mikaela...
— O que você está fazendo aqui? –
perguntou abalada.
Uma voz masculina vinda dos
fundos da loja perguntou:
— Está tudo bem?
— Sim está – Mikaela respondeu,
não a tempo de impedir que Hans
Heithbauer aparecesse, limpando as
mãos sujas de barro numa flanela
imunda.
— Tem certeza que está tudo bem
querida? – perguntou enquanto olhava
para aquele homem caído aos pés da
sua esposa.
— Claro amor, é que o cliente
emocionou-se ao olhar estas petúnias,
é um conhecido, tranquilize-se.

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Hans voltou o tronco corpulento


para o fundo da loja, onde revolvia a
terra para os vasos de flores, não sem
antes dar uma ultima olhadela para o
estranho na loja aos pés de sua
mulher.
“Deve estar bêbado”.
— Quem é aquele homem,
Mikaela? – questionou Bryson.
— Não, não me chame assim, meu
é Jane.
— Não, não é, e você sabe disso.
Bryson sentiu todo o seu amor
converter-se em ódio face aquela
mulher que doravante seria o templo
do seu escárnio. Tinha entendido tudo.
Por que ela fingiu a própria morte?
— Me acompanhe, meu amor –

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disse Bryson tomando o braço de


Mikaela com força – vamos para
casa!
Levou ela à força, e Mika não
gritava. O que diria ela? Como salvar-
se dele, seu marido? Ou ex-marido?
Até que a morte os separe. Mas ela
estava morta, não? Caminharam até o
hotel, Bryson sussurrava ao ouvido de
Mikaela:
— Sorria querida, sorria, você está
viva!
Subiram as escadas, chegaram
quarto, ela sorriu pela ultima vez.
Bryson lançou-a com força na cama,
ela chorou.
— Por quê? Diz-me por que
Mikaela? – gritava ao ouvido dela –

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Por que fingir a própria morte?


— Você não entende! Nunca
entenderia!
— Fale vagabunda! – deu-lhe uma
bofetada – comece! – disse ele
sentando-se próximo ao criado-mudo,
numa poltrona preta – conte-me a sua
historia, não acha que eu tenho o
direito de saber?
— Não, por favor! Piedade!
— Conte-me – ele desferiu um
soco no braço da poltrona.
— Bem, eu não queria –
gaguejando – não queria te machucar,
por isso inventei isso...
Bryson levantou-se num ímpeto
para não deixar a injuria recair sobre a
sua cabeça.

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— Você fingiu morrer! – ele agora


apertava o rosto dela numa só mão, o
rosto frágil de Mikaela, Jane... –
diabos, por que isso?
— Por ele, pelo homem que amo,
Hans!
— Hans? – disse enquanto largava
o rosto dela com toda força – como o
conheceu?
— Quando estivemos de férias aqui
no ano passado.
— Por isso... Por isso – ele disse
enquanto as mãos frenéticas
percorriam os próprios cabelos – por
isso você estava sempre tão feliz e
bem arrumada? Não era eu? Nunca fui
eu?
— Nunca foi você! – ela gritava –

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eu te odiava tanto, te odiei por que


você não se importava comigo, era
sempre o trabalho, o maldito trabalho,
você nunca me amou...
— Ele sabe de mim? – ele
interrompeu.
— Não, Hans não sabe de você.
— Isso é muito bom, muito bom
mesmo! – aproximou-se dela,
abraçando-a, ela congelou de medo.
— Esqueçamos tudo e eu serei para
sempre seu, eu te amo.
— Eu nunca te amei – Mikaela
respondeu.
Bryson beijou-a na testa.
— Foi o que eu imaginei.
Abraçou-a, chorando, esticou os
braços o suficiente para alcançar o fio

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do abajur que estava encima do


criado-mudo, enrolou o fio no pescoço
dela.
— Ninguém pode me culpar por
matar alguém que já morreu.
Mikaela ainda tentou gritar, mas
Bryson forçou mais o fio ao redor do
frágil e branco pescoço de Mikaela,
ela sufocou lentamente. Bryson sentia
a respiração arquejante de sua mulher
e sussurrava:
— Eu te amo, acredite agora, eu te
amo, fique calma eu vou te amar por
todo o sempre, eu te encontrarei em
breve, lá ninguém poderá nos separar,
eu te amo.
Enquanto aquele coração, que antes
batia por ele, agora começava a

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fraquejar, mais e mais lento. Ele


sussurrava:
— Eu te amo, Mikaela.
Essas eram as palavras que ele
articulava insistentemente para que ela
carregasse consigo, e continuou até
que sentiu a última batida do coração
de Mikaela soar como as pás de terra
ao cair no túmulo da morta viva, uma
batida oca e surda.
― Eu te amo para sempre.
Depois finalmente, ele pode chorar
pela sua esposa morta, enquanto a
alma dela vagava para o nada.

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O que é o céu,
meu Deus?

— Veja! Eis que ele chega! –


confidenciei à meia voz para minha
melhor amiga.
O frio e melancólico véu da noite já
tinha recoberto o dia, e arrastava
consigo todas as criaturas que a luz
insistia em ocultar. Estávamos
escondidas sob os lençóis imundos de

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uma pilha de roupas sujas no canto do


quarto. Erámos duas crianças ocultas
numa noite sombria.
Como pequenos baús repletos de
tesouros, assim eram nossos segredos,
que não mais eram segredos quando
Ana contava-me sobre si. Eu também
me policiava para não ter nenhum com
ela. Mais uma vez confidenciava-lhe
um segredo.
Queria revelar-lhe sobre a estranha
aparição que adentrava meu quarto.
Eu, criança como era, ficava em
extremo amedrontada quando nas
noites de lua alta via atravessar (eu
disse atravessar as janelas!) uma
criatura divinal. Um ser incomum,
pois tinha asas.

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Sempre que a lua nascia do


horizonte e em seu maior resplendor,
ficava centralizada na minha janela, o
mesmo acontecia. O estranho
atravessava o vidro das janelas
ornadas de madeira branqueada, e
entrava em meu quarto. Eu respirava
lenta e plácida, pálida sob a luz da lua
que prateava minha lua, fingindo
dormir. O anjo, por sua vez, sorria ao
perceber o movimento rápido das
minhas pálpebras fingidas. O seu
sorriso lindo era incrivelmente
afinado, e eu o ouvia em meio ao som
vacilante da minha respiração.
Em todas as noites em que a lua
ficava emoldurada, tal qual um
quadro, em minha janela, eu fingia

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adormecer, até que ele chegasse. E,


noite após noite, sucumbiu à
curiosidade o medo.
Hoje, todavia, o rito foi quebrado, e
tudo aconteceu diferente. O anjo não
me viu entre os espessos e floridos
lençóis a dormir, e ele, que deveria
ficar lindo e embevecer também a
minha amiga. Assustou-a, e assustou-
me mais ainda. Ana chorava ao ver
junto a mim a estranha mutação que se
fundiu no rosto daquele homem-anjo.
As suas asas brancas, etéreas,
diáfanas, tornaram-se negras; seus
cabelos doirados como o mais
precioso ouro, tornaram-se mais
escuros que o ébano; e os seus olhos,
que eu antes tanto amara ao

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contemplar-lhes através da fresta


aberta dos meus, tinham um brilho
sanguinário, demoníaco e
desesperado, que confundia.
Depois dessa noite, implorei a
minha mãe que eu mudasse de quarto,
tive medo. Ela não aceitou, até que
numa madrugada, eu a ouvi gritar
assustada. Ela chorou durante o dia
inteiro, desde que o dia amanheceu, e
antes que anoitecesse mudamos para
uma nova casa. Nesta nova casa eu
ganhei um novo quarto, e permaneci
neste novo quarto por sete anos, até
hoje.
Ana, minha eterna melhor amiga,
teve mais sorte, e conseguiu mudar de
cidade. Ela ainda tem pai, então tudo

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deve ser mais fácil para ela.


— Mãe! Posso ir à vizinha?
— Desde que não demores – me
aconselhou – é noite de natal, e não
quero passar longe da minha filha,
tens dez minutos.
Agradeci, tomei a benção e saí pela
porta. Bati a porta da vizinha, e ela me
autorizou a usar o telefone. Graças aos
céus em 1977 não precisamos mais
usar a telefonista, senão eu demoraria
bem mais que os minutos designados
por minha mãe. Disquei os números
que quase desapareciam com o tempo
na minha agenda usada, e esperei
completar a ligação.
— Alô? Gostaria de falar com a
Ana, por favor, é a Sônia.

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— Um momento, senhorita.
Aguardei um pouco e logo
reconheci a voz da minha amiga,
nestes sete anos, creio que é a quinta
vez que nos falamos.
— Sônia, como vai? Eu estava
mesmo pensando em ligar-te.
— Não há problemas, eu liguei
primeiro. Queria desejar uma ótima
noite a vossa família, e a ti. Pedir que
não se esqueça de mim.
— Deixa de bobagens, não vê que
sempre será minha querida? Sempre.
— Agora preciso ir, mamãe me deu
um tempo contado, tenho que voltar.
— Tudo bem, só me prometa que
terá cuidado.
— Por quê?

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— Hoje haverá lua cheia, é a


primeira lua cheia no natal em anos.
— Tomarei cuidado.
Após isso desliguei, eu não havia
notado ainda o céu. Faltavam ainda
alguns poucos minutos para o fim do
entardecer, mas no horizonte já havia
uma enorme e amarelada lua cheia
despontando no céu. Minha vizinha
me chamou de volta, advertindo-me a
não sair sem levar alguns pedaços de
bolo de milho para minha mãe e eu,
além de uma garrafa com leite.
Ao chegar a minha casa, mostrei à
minha mãe o presente recém-recebido.
Não esperamos muito tempo após
isso, realizamos nossas orações e
comemos o bolo de milho com leite,

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além de uma sopa de miúdos, e era


tudo que tínhamos para a noite.
Estive tentando adormecer, é mais
tarde do que o de costume. É a
primeira vez em anos que a lua cheia
cai no natal, Ana me disse. E eu não
consigo pensar em nada mais.
Meus ouvidos percebem aquele
som familiar e assustador de plumas, o
mesmo som do cisne arrufando as suas
asas. O som vem da minha janela, o
vidro começa a trincar.
— Não... Por favor, não...
Eu fingia outra vez dormir. Tantas
noites se passaram sem que eu
precisasse temer, tantas noites eu
passei sem precisar fingir, mas
quantas vezes eu não me remexi

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tentando dormir na cama quente no


afã de que ao abrir os meus olhos eu
pudesse contemplar os dele?
Permaneci quieta e tranquila, um
leve sorriso nos meus lábios, a calma
me invadia. Abri os olhos lentamente,
desejo realizado. Ali estava o anjo,
puro outra vez. Toda concepção de
medo que eu supus viva em minha
alma, foi abortada. Pela primeira vez
ouço a sua voz.
— Por que me fugiste? – não
consigo articular minha palavra, ele
insiste – explica-me, por que me
fugiste? – e completou – fugiste de
mim que nunca ousei tocar-te?
— Não fugi – sussurrei, pois temia
que se tentasse falar alto demais, ele

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sumiria.
— E o que fizestes? – perguntava-
me desolado – procurei tanto, por
tantos lugares, por que me
abandonaste? – sua voz tinha
modulações celestes, sublimes.
— Tive medo...
— Medo? – uma confusão adorável
em seus olhos.
— Sim, medo quando tornaste tuas
asas em negro.
— Perdoe-me, nunca intentei
assustá-la, perdoe-me.
O anjo pela primeira vez tocou-me
as mãos, e como a sede de um ébrio
que desponta perante o primeiro
aroma dos vinhos, ele as beijou. O
simples toque de seus lábios em

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minhas mãos me apavorava, eu


resistia, contudo, mas aí ele me
encarou achegando-se mais a mim,
colou os seus lábios nos meus. Foi aí
que não tive mais acordo de mim e foi
cega d’alma que eu me entreguei, pela
primeira vez, aos prazeres indizíveis
da paixão que viva estava em mim
apenas esperando o momento da
revelação.
Pela manhã, ao despertar, sobre os
lençóis alvos da cama, havia uma flor,
nada mais.
Os dias transcorriam e eu estava
perdendo a noção de mim.
Ah! Que passassem as horas do
dia! Eu só queria as da noite, de
preferência as das noites com lua. Era

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nessas noites que eu vivia em


plenitude.
Certa noite, ele estava docemente
deitado entre os meus braços, suas
asas encolhidas, beijava-me o seio e
eu sentia como minha pele ardia sob o
veneno dos seus lábios. Não pude
conter a curiosidade, o anjo sempre
me pediu que não lhe ordenasse nada,
pois a verdade nos afastaria, e ele
nunca me diria não.
— Posso pedir uma coisa?
Seus lábios crisparam-se sobre a
minha pele, interrompendo a carícia.
Eu pude sentir a tensão que emanava
dele, como um contorno de ansiedade,
até mim.
— Nunca me negarei – me

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respondeu tristemente.
— Teu nome?
— Haveria outra coisa, se não esta,
a dizer-te?
— Estás me negando isto? – e foi
como se cada palavra fosse envolta
num involucro de maldade. Eu o
tentava, ainda que temesse as
consequências.
— Nunca negarei qualquer coisa
que me peças – falou quase inaudível.
— E então, como te chamas?
— Morte.
Eu não sabia, nem nunca soube até
hoje, distinguir, na mistura de
sensações em mim, os nomes dos
sentimentos que valsaram em meu
peito naquele momento para lista-los.

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Temi e tremi, e o anjo da morte sentiu.


Controlei-me para falar-lhe algo, ele
aguardava a minha reação.
— Quando te apaixonastes por
mim?
Um alívio passou pelos olhos
verdes-água do meu anjo. Ele sorriu,
contudo não sabia o pavor que se
revolvia em mim. Levantou-se sobre
mim, e as suas asas se abriram, como
num casulo, protegendo-me. Mas de
quem? Dele?
— Ah! Desde que te vi, até hoje e
creio que para sempre!
Só eu percebi os toques de
desespero na sua voz?
— E quando foi? – inquiri.
— Numa das noites de lua, lembra-

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te? – continuou – tu eras pequena,


vestias aquela camisola branca que
guardas no armário até hoje. Havia
tanto tecido... Ela era grande demais
para você, lembra-te? – continuou
ainda – eu deveria carregar-te comigo
aquela noite, carregar sua alma para
quem a pediu. Mas bem sabes que não
fui mais eu desde que a vi. Ah! Só
Deus sabe a força descomunal que
exerci sobre mim para não trazê-la
para mim – e como se brigasse
consigo mesmo reiterou enfurecido –
Não! Eu fui egoísta! Pedi aos céus e
obtive permissão, deixei-te viva!
Queria chorar, mas não podia. Ele
iria matar-me? Não o fez e me deixou
viver. Onde eu estaria agora? Há

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algum paraíso fora dos seus braços?


Eu nada disse.
— Tens medo agora? – perguntou-
me.
— Não. – disto eu finalmente tinha
certeza.
— Ah! Graças aos céus, meu amor!
Eu pensei que me deixarias, mas não,
tu és corajosa – a tristeza alojou-se em
seu olhar —Eu, no entanto, temo que
só possa para sempre carregar esta
certeza, a que me amas.
— Gostaria de pedir-te algo mais.
— Não há nada mais que me peças
e que eu não consinta.
— Mostra-me quem
verdadeiramente és?
— O que pensei.

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O anjo levantou-se despido. A


curva das suas costas afundava a cada
passo, as espáduas se aconchegavam
como se sentisse frio, os braços
musculosos e desenhados
contrastavam com sua face pueril,
seus cabelos loiros, em desalinho pela
tórrida paixão que nos cercara
anteriormente, caíam-lhe espessos
sobre os olhos e seu respirar era
seguro e leve. Percebi o quão belo era.
Caminhou até o meio do quarto, ele
abriu os braços, suas asas
acompanharam o sútil movimento.
Pediu-me.
— Prometa que sempre me amará.
— Para sempre – prometi.
Então, as penas das asas

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começaram a cair uma por uma, e


desapareciam antes mesmo de tocar o
chão. A sua alva cor transformava-se
em negro, o cabelo dourado
escureceu-se, tornou-se negro como a
noite, a pele adquiriu um tom frio, tão
branca que era como se pudesse ver
através dela. Todo o seu aspecto
dramático tinha agora uma profusão
de sensualidade latente, sua beleza era
indizível, quase irreal.
Sua verdadeira beleza era
mortalmente perigosa, como se de
repente, num só golpe, ele pudesse lhe
esmagar com fúria, mas os olhos,
aqueles olhos que eu tanto amava,
eram ainda os mesmos olhos verdes-
água.

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Morte esteve indeciso depois da


transformação, vacilante no passo que
o afastaria ou aproximaria de mim,
para sempre. Estendi-lhe os braços e
deitei-me em meu leito:
— Ama-me!
Uma pontada de dor perpassou pelo
seu rosto. Ele se jogou na cama, num
só movimento, abraçando-me. Nunca
antes eu o senti tão vivo e tão intenso,
ou tão belo. Nunca antes ele me amou
com tamanha fome e desespero como
desta vez, a última.
Ao amanhecer, não havia flor.
Esperei-o, noites longas e solitárias,
em vão, não mais me apareceu,
preferiu deixar-me viva a carregar pela
eternidade a culpa de ter me matado

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após a verdade.
O ano é 2015, eu não sou mais
aquela menina escondida sob os
lençóis, também não sou mais aquela
jovenzinha perdida de amores sobre
uma cama. É a primeira vez, desde o
natal de 1977 que uma noite de natal
terá lua cheia. Espero que não seja
uma mera coincidência.
— Ah! Morte vem! Eu te espero,
leva-me contigo. Ah! Meu querido,
Morte... Eu te amo.

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A loucura do rei

― Que lindo!
Exclamava a multidão exaltada,
maravilhada com a dançarina do rei. A
beleza dela era fascinante, sua dança
prendia a atenção de todos que
estavam no grande salão de festas do
palácio. As cores vermelhas nas
roupas da dançarina cigana seduziam,
e seu corpo quase à mostra sob os
véus transparentes feitos de tecidos
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leves, ardia como fogo. Assim estava


também a chama em seus olhos
negros, ela sorria hipnotizando
homens e mulheres com seus lábios de
carmim.
O rei Arthur II celebrava esta
grandiosa festa para comemorar um
ano de vida prospera em seu reinado,
Um ano coroado pela glória e também,
para o nosso rei, pela dor.
Um ano atrás, logo após seu
casamento, quando na manhã seguinte
da noite de núpcias a jovem esposa
descansava a face mimosa sobre o
peito do rei, sob a janela, alguém lhes
acordava aos gritos: um velho em
desvario que berrava a altos brados
que a rainha, tão logo fosse coroada,

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teria somente um ano de vida.


Encerraram o velho numa cadeia,
mas não as suas palavras, estas
continuavam soltas e silenciosamente
o acompanharam.
“Catherine pode morrer” pensava o
rei.
A rainha, por sua vez, dizia não
acreditar nos relatos do velho,
pedindo-lhe por vezes que dessem a
liberdade ao velho, pedido o qual o rei
negara veementemente.
A orquestra mudou os acordes para
uma valsa leve, chegou o momento do
baile, o baile feito a pedido da esposa
que planejava uma despedida. Arthur,
embora não gostasse da ideia da sua
mulher, consentiu. Esta noite

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Catherine se ostentou deusa, e todos


os simples gestos seus eram uma
despedida pronta a cumprir-se.
Arthur fingia não saber que os
beijos doces de sua esposa eram uma
forma de dizer adeus. Deus! Como
queria protegê-la, mas não sabia
como, nem o que fazer para evitar o
destino.
Ambos desceram para o salão de
valsas, os convidados saíram
discretamente do circulo de dança,
para as mesas. Ao fim, só os dois
dançavam. Sorria o jovem casal, não
aparentando a tristeza que existia entre
eles, até que o rei não aguentou mais e
derramou de si todas as lágrimas
contidas, Catherine, sofregamente, o

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abraçou e beijou, um beijo misturado à


dor e às lagrimas, ela relutou dizendo:
— Eu sei querido, a razão destas
lágrimas que agora derramais, quanto
a esta dor, não vos preocupeis, não hei
de ficar triste quando acontecer,
exceto se Vossa Majestade estiver
contristada, pois assim levará a minha
alegria nesta noite, peço-lhe, não mais
chores, contenha essas lágrimas e
sorria, assim sofro menos.
Olhou-a desesperançado, respirou
fundo esforçando-se para não chorar,
ele falou:
— Eu tenho tudo, vês, eu
conquistei o que queria, e agradeço
Deus nos céus, e à minha rainha na
terra, por tudo, Eu poderia perder tudo

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e viver nas ruas imundas junto aos


vassalos, nada sentiria então, perderia
tudo, castelo, riquezas, coroas, e seria
pouco doloroso para mim, só não me
peça para não chorar quando me vejo
sofrendo por perder aquilo que mais
amo.
— Meu rei sempre tão amoroso, eu
agradeço por suas palavras, as mais
lindas que ouvi, agradeço por me
deixares ser a sua esposa.
— Não agradeçais – interrompeu-a
– deixe-me fazer isso.
Os olhos do rei perceberam a fuga
da cor da pele das faces de sua esposa,
suas mãos sentiram quando as mãos
dela se tornaram leves, e o rosto dela
empalidecia de uma só vez agora, os

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presentes gritavam assustados:


— Minha rainha...
Ela desfalecia lentamente.
— Catherine... – O grito dele
morreu ainda em sua boca ― ela
pediu que eu não chorasse....
O rei abaixava-se para apoiar-se
melhor no chão, ainda com a sua
mulher nos braços, sentiu nas costas
dela, uma mancha molhada e viu sua
mão vermelha de sangue, ela fora
assassinada.
Num ímpeto o rei esbravejou:
— Não permitam que saiam daqui!
Guardas! Fechem as entradas do
castelo!
Tarde demais, apenas um vulto
vermelho se esgueirava entre eles. A

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dançarina, com suas vestes de fogo,


ria gloriosamente enquanto saia.
Numa das mãos um arco e flecha, na
outra uma carta que ela deixava cair
propositalmente, gritou para ser
ouvida:
— Ninguém nunca mais estará
entre nós, se ela não pôde ser minha,
ela não será de mais ninguém!
A carta perdeu-se na multidão
assustada, o olhar furioso do rei
sobressaiu-se ao dela, por ódio ou falta
de razão gritou:
— Não deixe que saiam – levantou-
se devagar enquanto deitava o corpo
frágil e sem vida da sua rainha no
chão, falou para que todos ouvissem:
— Matem todos!

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Era o princípio da sua loucura.

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O livre arbítrio

Eu pensei que era mais um sonho,


mas não, Desta vez era real. Os
pesadelos que se repetiam, noite após
noite, eram um aviso, um aviso que eu
não soube decifrar.
Aqui estou eu, arrastando-me nas
pedras frias de uma rua escura,
deixando um rastro de sangue sob a
neve, e o anjo continua num longo
vestido branco, agora em trapos, eu o
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sinto medindo meu progresso com


olhos ressentidos. Meus pulmões
parecem estar sendo esmagado por
esse frio, eu estou tremendo.
Minhas memórias vêm à tona,
detalhes que pensei ter esquecido,
ressurgem intactos como se nunca
estivessem perdidos, tudo passa tão
devagar.
Meus primeiros sonhos eram
lindos, eu sentava ao lado dela e
ríamos, ela estava sempre linda em seu
vestido branco. Ela não me enxergava,
pois não tinha olhos, somente um
buraco escuro e negro em seu lugar.
Ainda assim, eu não sentia medo, pois
quando ela sorria, e mostrava um rosto
belo e triste, eu me apaixonava.

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Durante muitas noites, tardes ou


manhãs, nos encontrávamos. Eu
sempre a via deslumbrante como uma
estrela fugidia, mas nós queríamos
mais, queríamos ficar juntas, para
sempre.
— Há um jeito – ela me disse.
— Que jeito? – perguntei.
— O livre arbítrio.
— Eu sei, mas é um caminho sem
volta...
— Se os caminhos seguirem juntos
não há por que eu voltar...
Ela me escolheu, desistiu de tudo
para que eu desse a ela todas as coisas
oferecidas em minhas promessas, e eu
as daria todas, uma por uma,
cumpriria cada uma das promessas

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que fiz a ela.


Ela veio para a terra, ainda
anormal, não possuía olhos, somente
os dois sinistros orifícios escuros e
profundos; não se alimentava como
nós, mas sim de minha vida e alma,
meu sangue.
Todas as noites, consumíamos os
nossos corpos em luxúria, amávamo-
nos, e no clímax dos nossos
momentos, seus dentes cravavam-se
em mim, sugando de meu pescoço,
mão ou seio, o seu alimento. Eu não
me negava, em nenhuma noite, afinal,
eu a amava, mas ficava triste por vê-la
sempre trancada em meu quarto, em
silencio, esperando pelas minhas
chegadas e partidas, para sorrir, sem

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me enxergar, num quarto, na


penumbra.
Quando lhe falei sobre isso, ela
disse não se importar. Só eu sei o que
sentia ao deixá-la ali, tantas vezes,
sozinha. Logo agora que eu poderia
tocá-la, beijá-la, sentir a realidade
impressa em suas mãos, seus lábios,
seus seios, no cheiro do seu ventre, no
seu corpo no meu. Mas para ela, a que
preço?
Eu estava fraca demais, anêmica,
tomando cápsulas e mais cápsulas de
ferro e vitaminas, contudo deveria
resistir, afinal era de mim que ela se
alimentava.
Numa dessas noites eu cheguei, o
sorriso dela iluminou seu rosto

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sombrio, de um dos cantos do quarto


ela correu para mim com seus beijos,
seus carinhos. Isto me fazia mal, pois
eu não queria mais vê-la sofrendo.
— Querida eu preciso lhe pedir
algo.
— Claro.
— Eu sei que estás com fome, mas
preciso de uns dias para descansar,
estou fraca, cansada.
— Eu sei, descanse – ela me
respondeu por entre beijos.
— Desse jeito é que queres que eu
descanse?
— Eu vou parar – respondeu – mas
não hoje, sinta, a temperatura
começou a cair lá fora.
Movi meus olhos para a janela e vi

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o pequeno lençol branco que


começava a encobrir os telhados das
casas, as calçadas.
— Hoje não... – eu sussurrei
ternamente ao seu ouvido.
Ela sempre tinha me dito como
amava os dias com neve.
Acordei pela manhã, ela estava ao
meu lado, nua, dormindo. Os frouxos
lumes que perpassavam a cortina
diáfana contornavam o seu corpo, seus
seios, suas coxas à mostra, sua pele
reluzia sob os raios frios da luz
invernal.
Era extasiante essa visão da beleza
que poderia ser facilmente do céu ou
do inferno. Percebi que estava tonta ao
levantar, e um pouco cansada demais.

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Beijei-a na testa e saí.


À noite cheguei atrasada, devido à
neve que atrasou o tráfego, ela me
esperava, nua no quarto, ao ligar a luz:
— Onde você estava?
— Desculpe, foi toda essa neve que
atrapalhou o transito...
— É mentira! – ela interrompeu
olhando para o nada.
— Não, não querida...
— Você quer me deixar não é
isso? – ela continuou falando raivosa,
sem me ouvir – já te cansaste de mim,
eu sei, eu te canso?
— Não querida, me escute...
— Não quero – e esfregava
frenética a mão nos cabelos.
— Beije-me – lhe pedi.

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— Não, não.
Eu a beijei à força. Meu cansaço
transformou-se em ímpeto e eu
dominei-a, forçando-a demais,
violentando-a, até ela não resistir e
entregar-se ao prazer, no chão do
quarto.
Na manhã seguinte, ela não
entendeu meu atraso, tentei explicar-
lhe que aquele seria meu novo horário
de chegada, ela não entendeu, e
sempre que eu voltava para casa, nesta
e nas outras vezes, ela já estava
furiosa. Eu conseguia vencê-la
seduzindo-a com meu corpo jovem e
feminino, um modo de pedir desculpas
pelo meu atraso não proposital.
— Eu estou cansada disso – falou-

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me finalmente.
— Cansada de quê?
— Cansei-me de viver nesta
situação, quando te escolhi havia uma
regra que não te disse, se um dia eu
me machucasse deveria ver o mundo
pelos seus olhos.
— Como assim?
— É a hora – disse ela – é a hora de
ver o mundo pelos seus próprios
olhos, e finalmente te ver.
Ela me prendeu com força numa
parede. A mão me sufocava pelo
pescoço. Com esforço, escapei, no
entanto não sei que força descomunal
a possuiu, ela conseguiu alcançar-me
as pernas.
— Espere amor, aonde vais? –

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perguntou com um riso grotesco nos


lábios.
— a Lugar nenhum – pedi arfando
– solte-me!
Ela rasgou as minhas roupas,
deixou-me parcialmente nua, os seios
à mostra. Pegou-me como uma boneca
de tão frágil, jogou-me pela janela que
se estilhaçou cortando-me, parei no
chão frio da rua. Na queda bati forte a
minha cabeça, cortei a minha testa.
Quando ergui os olhos, minha visão já
estava embaçada, mas vi que ela já
estava perto de mim, arrastando-me
pelos cabelos.
Eu lutei enquanto ela tentava me
beijar, somente para sugar o meu
sangue. Eu destruía o seu vestido. Foi

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então que uma de suas mãos firmou o


meu rosto no chão, ela enfiou sua
delicada mão livre de anjo em minhas
orbitas, e arrancou os meus olhos, a
dor era terrível, e eu pensei que ia
vomitar. Ela colocou-os em si.
— Ah! – exclamou com notável
satisfação – então este é o seu mundo,
agora eu te vejo...
— Por favor, me ajude – pedi, o
sangue escorria pelo meu rosto, eu
estava fraca demais para continuar
lutando.
— Por quê? – perguntou – você irá
me abandonar, não?
— Não... – eu tossi, engasgando
com o sangue – nunca...
— Mentira, eu desisti de tudo por

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você...
— Mas eu ainda estou aqui...
— Você mentiu!
— Não! – eu consegui gritar.
Ela saltou rápida encima de mim,
desferiu-me um soco, cortou-me o
lábio inferior.
— Mentiu sim!
— Não... – eu só consegui
sussurrar, chorando com a dor – tome
tudo se quiser. É disso que precisa
para saber que a amo.
— Por que mesmo quando eu sinto
raiva de você ainda continuo a te
amar? – continuou – você continua
irresistível.
Beijou-me, cravando os dentes em
meus lábios, senti cada gota de sangue

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escapando de mim para a boca dela.


Eu estava vencida. Ela levantou-se de
cima de mim, esfregou o braço nos
lábios:
— Agora sim você me deixou
satisfeita, pode descansar.
Caminhou devagar para longe,
olhando cada floco de neve que caia
bailando do céu a terra.
— Me ajude... – eu implorei.
Ela parou, e olhou para trás. Eu me
arrastei no chão em sua direção, estava
fraca demais.
Eu pensei que era mais um sonho,
mas não desta vez, era real, os
pesadelos se repetiam noite após noite,
eram um aviso, um aviso sim, que eu
não soube decifrar.

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Ela chora, é errado, um anjo não


deveria chorar assim, tento falar
alguma coisa, qualquer coisa, para
acalmá-la, porém não encontro a
minha voz. Queria dizer-lhe que eu
ficaria bem, mas não conseguia.
Eu continuo me arrastando sobre as
pedras frias de uma rua escura,
deixando um rastro de sangue sob a
neve, e o anjo continua num longo
vestido branco, agora em trapos, eu o
sinto medindo meu progresso com
olhos ressentidos, beijo humildemente
os seus pés.
— Eu te amo – ainda sussurro.
Então a noite se fecha sobre mim.

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Les Marseilles

O trabalho seria exaustivo se não


fosse por ele ter surgido como uma
grata surpresa para mim. Seriam ao
todo quinze dias em alto mar. No
começo eu tinha medo do movimento
do grande cruzeiro, Les Marsseilles
sobre as ondas, agora, embora eu
devesse estar acostumada, os
solavancos ainda me causavam enjoos
constantes.
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Quando me inscrevi para o


programa de trabalho como Au Pair
em cruzeiros marítimos, pensava
apenas no dinheiro que eu ganharia,
cerca de duzentos euros por semana.
Poderia até não parecer o bastante para
os que pagavam, mas para mim,
aquela que recebia, era quase uma
fortuna. Apesar do que possa parecer,
afinal, só estou reclamando, eu
adorava o meu trabalho. Era eu quem
cuidava da recreação de algumas
crianças.
Um casal de irmãos em particular,
me adorava, Emily e Erin, gêmeos
fraternos; ambos tinham apenas cinco
anos. E como gostavam de ouvir
minhas fábulas reinventadas! Eu

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adorava vê-los sorrindo, e devido a


esta atenção especial que eu lhes
prestava, fui transferida de cargo, e
tornei–me cuidadora exclusiva dos
dois.
O diretor de recreação do navio,
que também era o responsável pela
designação dos Au Pairs, apresentou-
me ao pai das crianças. Mathias era
seu nome, quando o vi, duvidei da
paternidade das crianças, embora
Emily e Erin fossem lourinhos e
branquinhos, Mathias tinha uma cor
latina, cabelos e olhos negros, além de
um maxilar proeminente. Seu porte
era elegante ao extremo e muito
másculo. Os traços perfeitos e um
corpo absurdamente lindo, semblante

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sério, mas atraente.


Mathias tinha ainda uma mania de
cerrar os dentes, isso fazia o seu
maxilar travar, o que podia conotar
raiva, mas também apreensão. E o
jeito dele de olhar as coisas, fixo e
indiferente, abalariam qualquer
mulher.
– Bom dia – Ele me cumprimentou
com voz firme – você deve ser a
Gabriele.
– Sim, sou eu mesma, é um prazer
– estendi–lhe a mão.
Mathias observou minha mão até
que constrangida a recolhi. Não me
cumprimentou, em vez disso, foi rude
e falou com um tom esnobe.
– Claro, vou ao bar agora – virou-

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me as costas – estarei de volta antes


do anoitecer – disse não para mim,
mas para as crianças.
– Sim, senhor – assentiram apenas.
E eu também, e nem sei por quê. Já
que Mathias não se dirigia a mim.
Para qualquer garota seria fácil
apaixonar–se por um tipo de homem
como esse. A baixa estima me fazia
uma presa fácil desse tipo de
situações. Mas a verdade era que ele
era uma tentação em forma humana,
quando eu o vi não sei que revolução
se deu dentro de mim, mas a partir
daquele instante eu sabia que, não
importava o quanto eu tentasse, tudo
seria em vão. Ele continuaria
persistentemente me esnobando em

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minha mente (sério, eu preciso de


tratamento). Ele seria apenas um
sonho impossível para me ocupar nas
noites, e também seria o pequeno
detalhe que me afastaria. Eu iria
apenas continuar a querê-lo
silenciosamente, por que apesar de
sério e frio, Mathias era o apelo do
pecado, ele era o repouso no fim de
uma penitencia, ele era a guerra para a
calma que havia em mim.
Estive com as crianças entretendo-
as até que dormiram. Era
relativamente cedo, apenas sete da
noite. Desde a manhã, quando fui
devidamente apresentada, Mathias não
retornou à sua cabine, então tratei de
amassar minha ansiedade no fundo de

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mim, assim como amassei minhas


roupas em malas apertadas, e me
distraí. Fiquei dedilhando o piano,
algumas notas leves enquanto as
crianças dormiam esparramadas no
sofá.
Ouvi a maçaneta da porta da cabine
destravar, não me arrisquei a lhe
encarar, continuei passeando meus
dedos pelas oitenta e oito teclas de
ébano e marfim.
– Muito linda.
Assustei-me com a voz atrás de
mim, ébria. Virei-me, Mathias já
estava às portas, e me desculpei, sem
saber ao certo por que.
– Eu estava esperando o senhor, as
crianças dormem, não quis incomodá-

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lo.
– Certo, está tudo certo. Acho que
você está dispensada por hoje para sair
e se divertir – acenou-me um gesto
grosseiro, após dois passos
cambaleantes.
– Senhor, caso não se importe,
gostaria de saber onde irei dormir, não
saio durante a noite... – Fui
interrompida.
– Eu sei, eu sei. Acompanhe–me.
Para me mostrar o caminho, ele
precisou passar perto de mim. Percebi
que ele cheirava a álcool, não que o
seu comportamento não me mostrasse
que estava embriagado. Apoiando–se
à parede com uma das mãos guiou-me
até uma pequena área de dormir. Eu

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não conseguia deixar de perceber que,


apesar do seu estado, Mathias
continuava lindo.
– Aqui está – abriu a porta e
apontou o local – se precisar de
qualquer coisa, peça e coloque na
minha conta, teremos um jantar
importante – estava saindo, virou-se
para falar algo, no entanto a altivez
causada pelo álcool o desequilibrou.
Ofereci–me para acompanhá-lo ao
quarto, ele recusou. Apesar da sua
negativa o ajudei a se equilibrar outra
vez, passei seu braço sobre meu
ombro. As crianças haviam me
mostrado o caminho mais cedo,
quando insistiram que eu conhecesse o
“quarto do pai”. Então não precisei

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que ele me guiasse.


Apesar da minha ajuda, Mathias foi
gentil ao advertir–me enquanto
sentava–se na cama.
– O jantar é de gala, espero que
vista algo bonito, ou pelo menos
decente.
Apesar da ofensa gratuita, animei–
me com a ideia de que estaria ali, ao
seu lado. Talvez eu tenha esboçado o
rastro de um sorriso, pois como se
lesse meus pensamentos, completou.
– Você cuidará das crianças, para
isso você é paga.
– Sim, senhor – limitei-me a
responder.
Entrei em meu quarto, depois de
carregar as crianças até suas pequenas

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camas, dei–lhes mamadeira enquanto


dormiam, e segui para meu
dormitório.
Lá havia um mobiliário clássico,
embora limitado. Uma cama de
solteiro, uma penteadeira que fazia o
papel de escrivaninha, uma tevê, uma
cadeira, alguns blocos para recado e
um telefone.
Tentei usá-lo, após tentativas
frustradas percebi que funcionava
como rádio. Milagrosamente consegui,
achei minhas amigas. Com um pouco
de conversa descobri que Mathias fora
patrão de uma delas.
– Como assim? – perguntei.
– Não sei explicar.
– Tenta – insisti.

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– Bem, ele não gosta de ser


cantado; sabe a Karen? Tentou fazer
isso e ele gentilmente pediu-lhe que
procurasse outro lugar para trabalhar.
Lembra-se dela toda chateada?
– Lembro-me – e como me
lembrava! Karen era estonteante, tinha
um rosto de anjo e um corpo
escultural; muito me surpreendeu ele
ter resistido. Senti minhas chances
desaparecendo lentamente,
evanescendo para a escuridão, não que
eu tivesse alguma.
– Bem – ela continuou – só posso
te dizer uma coisa, se quer continuar
aí, não deixe que ele perceba que você
gosta dele.
Eu ri com essa.

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– Você sabe que eu não olho pra


ele.
– Eu sei que eu é que não olho para
ele – ironizou.
– O que você vai vestir Gabriele?
– Sei lá– respondi.
– Eu posso vestir as crianças
enquanto você se arruma – ofereceu–
se.
– Seria ótimo, eu quero.
– Que bom, te vejo a noite.
Quando?
– O jantar é às dezenove horas.
– Estarei aí mais cedo, e te
ajudarei.
– Há um problema, estou sem
dinheiro.
– Eu sei, eu também – rimos juntas

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– amanhã eu explico meu plano.


– Tá. Boa noite, e não fura comigo
– despedi–me.
Dormi rapidamente, estava exausta,
e o dia seria longo.
Quando acordei, senti que meu
corpo ainda queria descansar. Tinha,
porém, que ir ver as crianças. Tomei
um banho rápido, e corri para
preparar–lhes um café, levei–as à
minicozinha e piquei algumas frutas
para Emily. Eric quis bolo, pedi que
trouxessem um de chocolate da
confeitaria do navio.
Perguntei às crianças enquanto elas
já comiam.
– Que tipo de comida seu pai
costuma comer pela manhã? – outra

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vez, Mathias me interrompeu.


– Seu trabalho é cuidar das
crianças, não de mim.
Eu merecia isso? Creio em mim
que não. Mas não me importei,
algumas pessoas creem que outras são
inferiores, e insistem em exaltar-se
assim: sobre outras. Apesar do tom
ríspido, ele era lindo pela manhã,
usava uma calça moletom e camiseta
branca que lhe marcava os braços
fortes. Se a beleza lhe era um atributo,
educação lhe faltava. Engoli em seco e
argumentei.
– Só quis ser gentil e poupar seu
trabalho.
Talvez ele tenha percebido o
quanto foi deselegante.

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– Então eu quero cereal com leite.


Eu ri alto, meu filtro social não foi
rápido o suficiente. Mathias me olhou
de um jeito diferente, curioso.
Desculpei-me, mas achei engraçado o
fato de ele ainda gostar de comer essas
bobagens infantis.
– Cereal de milho ou chocolate? –
perguntei.
– Chocolate.
Servi uma tigela com cereal e ele
mesmo colocou o leite; Fiquei alí,
fingindo ler uma frase na embalagem
de cereal de milho enquanto esperava
que eles terminassem a primeira
refeição do dia.
– E para você? Não nos
acompanha? – Mathias perguntou.

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Fiquei desconcertada, apanhei uma


fruta da cesta e dei uma mordida.
– Mas você sempre como cereal
com leite, por que hoje não? – Emily
riu e perguntou logo em seguida – por
que o papai tá aqui?
Olhei para ela envergonhada e
hesitei antes de olhar para Mathias,
que como eu imaginei, me encarava,
esperando minha resposta.
– Hoje não tenho tanta fome, meu
amor – abaixei-me perto dela e lhe
expliquei.
Ele continuava me olhando. Acho
que ficou desconcertado também,
abaixou a cabeça por meio segundo e
disse que precisaria sair. Por descuido,
não contive uma curiosidade, e

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perguntei.
– Vai para onde? – quando dei por
mim já tinha perguntado.
– Passarei o dia na piscina, no resto
do dia estarei ocupado, voltarei a
ponto de irmos todos para o jantar do
capitão – respondeu apesar de
surpreso.
– Tudo bem, então – falei num tom
meio autoritário.
Mathias riu, e meu Deus! Que
sorriso lindo ele tinha, foi estranho
admito para mim, não sabia se quem
me sorria era ele mesmo ou um anjo.
O tempo foi passando rápido, já
passava das catorze horas, as crianças
foram à recreação e eu teria um bom
tempo livre para ir com Lena, minha

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amiga, escolher minha roupa.


Seguimos para uma das lojas de
marca do navio. Havia alí diversos
tipos de roupas, muitas para comprar,
poucas para alugar, e todas
excessivamente caras demais para
mim.
Lena me deu a ideia.
– Coloca na conta do chefe – e
ainda sorriu.
Relutei por alguns instantes, mas
logo concordei. Afinal, ele me dera
carta branca. Escolhemos a roupa,
difícil tarefa, culpei os preços altos.
Quando terminamos, voltamos às
pressas para a cabine. Arrumamos
juntas as crianças, que quando prontas,
ficaram lindas e quietinhas no sofá

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assistindo Backyardigans na
tevê.
Mathias me chamou ao quarto dele.
Não estranhei o pedido, nem tinha
percebido que ele já tinha chegado.
Enquanto eu sentava em uma poltrona,
a convite dele, eu o observava. De
costas para mim, enquanto ele dava
um nó complicado na gravata
borboleta, observei melhor seu reflexo
no espelho onde ele mesmo se
admirava. Sério, muito sério. Os olhos
eram quentes e frios ao mesmo tempo.
Capazes de aquecer uma mulher em
um só instante, e de fazê-la recuar no
mesmo pedaço de tempo. Continuava
divagando sobre suas feições até que
Mathias surpreendeu meu olhar,

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paralisei, não consegui disfarçar. Para


minha surpresa ele sustentou o meu
olhar por mais tempo do que eu
julgaria seguro, e perguntou.
– E então, estou bonito?
Demorei um pouco a responder,
pescando cuidadosamente as palavras,
por fim articulei.
– Tenho medo de dizer – falei com
uma sofreguidão boba, perceptível e
não planejada, mas que era verdadeira.
– Por que medo? – Mathias virou,
me encarando com todo o poder
prepotente dos seus olhos, meio
surpreso e meio arrancando a verdade
da minha alma à força, ainda que eu
não quisesse revelá-la.
– Sim, medo – respirei e continuei

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– medo de dizer a verdade e você me


afastar, e se afastar de mim.
Por um momento, ele vacilou em
sua expressão, e quase fui capaz de ler
a emoção que ali estava. Ele pareceu
recompor-se e disse:
– É melhor assim.
Tentei disfarçar meu
constrangimento, mas só respondi
alvoroçada.
– Mas eu estou brincando, você
está lindo.
Mathias se aproximou, e a cada
passo dele parecia que eu ia perdendo
um pouco mais da noção de realidade.
Ajoelhou-se em minha frente, não
pude esconder a surpresa, passou a
mão em meu rosto e disse.

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– Eu preciso terminar de me vestir.


Eu estava paralisada, mas ainda
assim intentei levantar-me. Apesar
disso, ele não se afastou de mim, e
hesitou em continuar o toque. Eu o
observava, perguntando-me “será que
isso está mesmo acontecendo?”.
Aproximei–me devagar dele, dando
espaço para que ele se afastasse, ele
não o fez. O beijei. Mathias não
retribuiu o beijo, senti seus lábios
imóveis e frios, tal qual o mais
consistente diamante, junto aos meus;
envergonhada, levantei-me e saí.
Corri para meu dormitório, quando
criei coragem, saí dali e tornei a vê-lo,
já estava com os seus filhos. Eu pedi:
– Podemos conversar um pouco?

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Por favor?
– Não posso agora – foi seco.
– Eu realmente preciso falar com
você, por favor! – insisti.
– Agora não posso... – sequer me
olhava aos olhos.
– Mas, senhor, preciso muito de
você agora – Mathias parou
finalmente, abaixou–se à altura dos
filhos e ordenou–lhes.
– Esperem o papai no corredor,
preciso conversar com a babá de vocês
Emily correu para o corredor, mas
Eric correu em minha direção e me
abraçou.
– Tia, por favor, não vai embora –
voltou para o corredor, obedecendo a
seu pai.

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Mathias que observava tudo tornou


para mim, sua postura era um tanto
amedrontadora e encantadora, se é que
isso é possível.
Receei em falar, mas segui em
frente.
– Eu estou gostando de você.
– Não pode, nem deveria, eu sou
casado.
– Mas eu estou realmente, me
apaixonando por você – odiava o
modo como eu parecia implorar,
odiava o modo como ele não ligava.
– Sinto muito, como eu disse, eu
tenho esposa.
– Mas não tem problema, não para
mim – eu insisti, eu me prestaria a
esse papel se ele assim quisesse.

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– Não, e eu creio que não preciso


alertá-la de que sou casado novamente
– disse antes de me olhar com uma
expressão ininteligível.
– E onde ela está agora? –
esbravejei – por que não está aqui com
você?
Mathias fugindo do assunto disse:
– Ela é italiana.
– Não perguntei isso. Ela não está
aqui com você, tem que haver um
motivo!
Mathias irritado cortou–me.
– Para encerrar esta conversa, não
insista, eu sou casado, tenho um papel
que me torna o homem de alguém, e
esse alguém não é você.
Deu–me as costas e avisou por

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sobre o ombro antes de partir.


– As crianças esperam por você.
Lena saiu lentamente do meu
quarto, ouvira tudo, e disse–me com
um gesto compreensivo.
– Vamos calar a boca dele, eu vou
te ajudar. Eu ficarei com as crianças –
abraçou-me – e você irá desfilar esta
noite – e completou sarcástica –
italiana, isso não significa nada.
Vesti–me, a peça que escolhi era
um vestido da cor de um vinho tinto,
vermelho profundo como sangue, com
uma fenda generosa que ia de alto a
baixo em minha perna direita, leve,
solto, e cinturado; meio gótico, eu
poderia assim dizer. Lena fez uma
trança frouxa, cujos fios

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displicentemente organizados me
davam um ar dramático. Depois a
maquiagem, um batom cor de
escarlate e um sombreado marrom nos
olhos, que acentuava a tez branca.
Agradeci–a e segui para o salão de
festa. Entrei disfarçando minha
procura, e ao longe o percebi. Notei
também que ele me observava
enquanto eu passeava por entre as
mesas, distribuindo sorrisos para os
velhacos ricos que se apresentavam a
mim. Queria provocar ciúmes em
Mathias, por isso fui gentil com todos,
afinal, sou paga pra isso, para servir
aos outros, bem como Mathias me
disse há pouco.
Lena cumpriu sua palavra e

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cuidava das crianças para mim, o que


me deu a chance de passar todo o
jantar totalmente desconfortável ao
lado dele. A noite foi longa, Mathias
não me dirigiu a palavra, e agradeci
quando ela finalmente acabou. Lena
levou as crianças e Mathias seguiu-me
silencioso, não pude compreender o
seu comportamento.
Segui para meu quarto, desarrumei-
me. Na madrugada Mathias batia a
porta, bêbado. Abri-a, chamei-o para
entrar; para que assim as crianças não
o vissem caso viessem a acordar. Ele
entrou, sentou–se em minha
desconfortável cama, sem que eu o
convidasse, e disparou.
– Eu não posso gostar de você,

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você não é alguém ao meu nível, uma


criada, bagunçada, eu sou um grande
aristocrata, minha mulher é linda – ele
fechou os olhos por um momento,
quando voltou a abri-los acrescentou –
mas eu não entendo como você fez
isso, sem nem ao menos tentar, me
seduziu. Eu tenho vontade de te
violentar, morde-la e deixá-la triturada
para que nenhum outro homem venha
a tê-la para si, mas não posso –
respirou como se estivesse se
controlando – você é doce demais para
isso, e eu não ousaria machuca-la. Eu
tenho vontade de te beijar e te abraçar.
Proteger-te de todos, de si mesma, e
principalmente de mim.
Aproximei–me dele, uma mão

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continuou segurando o lençol que me


envolvia, e a outra tocou seu rosto
numa adoração silenciosa. Despi-me
do obstáculo que ocultava meu corpo
dos seus olhos, e me entreguei para
ele. Eu o beijava como nunca antes
beijei outro lábio, e ele me
correspondia, não apenas correspondia
como comandava o beijo. Ele era um
homem, e eu sabia que ele me
desejava, eu conseguia sentir isso
enquanto ele devorava meus beijos
com vontade.
Mathias, porém, sentiu–se culpado.
E afastou-se, desnorteado por perceber
o caminho que estávamos
percorrendo. Tentei impedi-lo, mas
não consegui fazê-lo, Mathias saiu.

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Eu percebi que Mathias me evitava,


o meu superior direto me chamou para
conversar sobre o que aconteceu.
Mathias fora até ele assim que
amanheceu e pediu que eu deixasse
meu cargo de exclusividade. Boatos
correm mais rápido que o vento das
marés. Eu lhe informei que poderia
descer do navio caso ele quisesse e
contei-lhe o que aconteceu.
Fui repreendida, eu não deveria me
envolver física e emocionalmente com
clientes, recebi minhas contas.
Enquanto aguardava para descer no
próximo porto, e dali ser encaminhada
para um aeroporto, de onde eu voltaria
para casa. Lena apareceu e contou-me
o que descobrira. A tal esposa

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“italiana” dele, era uma prevaricadora,


rodava toda a Europa nas mãos de
diferentes homens. Talvez eu só
precisasse disso, alguém a abrir os
meus olhos, para eu entender que todo
o casulo de arrogância e de seriedade
que envolvia Mathias, era na verdade
uma maneira segura dele proteger a si
mesmo.
Eu tinha cerca de cinquenta
minutos até descer do cruzeiro,
procurei Mathias em todos os cantos
do navio. Por fim o encontrei, num
canto escuro de um dos bares do
navio, não sei que estranha luz me
levou até lá. Sentei ao seu lado,
Mathias não ousou me encarar, e
perguntou:

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– Por que você se apaixonou por


mim?
– Por que sim, simplesmente –
respondi, nem eu sabia ainda o porquê
de apaixonar-me, não sabia nem
quando eu tinha me apaixonado por
ele, mas ele sabia – no instante em que
eu o vi, eu senti como se mesmo com
todo esse modo que você tem agido,
eu o conhecesse. De outras vidas, de
outro lugar, eu não sei explicar. Foi
como se eu descobrisse que eu era um
pequeno planeta, e que o centro do
meu universo fosse você.
– Mesmo depois da forma que eu a
tratei?
– Você nunca me magoou, não! –
expliquei–lhe enquanto em minha

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mente vinham flashes instantâneos e


abrasantes da nossa noite – você não
fez nada que me machucasse, você,
me amou, de um jeito diferente, e eu
quis, eu gostei.
– Não deveria ser assim, não agi
corretamente com você. Eu não sou
um tipo certo de homem, não sou para
você, e não fui para ela.
– Por que você acha isso? –
perguntei.
– Se eu fosse correto, ela não teria
me deixado.
– Você, nunca me contou isso.
– Eu nunca conto.
– Venha mais pra perto de mim –
pedi.
– Não peça isto, antes, fique como

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está, e eu fico onde estou. Você não


me vê daí, mas de onde eu estou eu a
vejo, você está linda, perigosa até,
com essa luz avermelhada das
luminárias refletindo em seus olhos.
– Por que você não me beija,
Mathias?
Mathias aproximou–se lento, e de
olhos abertos, colou seus lábios aos
meus, moldando e comandando o
beijo, seu hálito abrasador, queimava
minha língua, e me deixava,
perigosamente, com mais sede.
Mathias parou, afastava-se, enlacei
meus braços ao seu redor e implorei.
– Beije-me mais, deste jeito, não
pare nunca.
Mathias sorriu, retirou meus braços

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de sobre si gentilmente, e beijou-me


mais uma vez. Quando se afastou
desta vez, sorriu mediante meu
protesto silencioso, aquilo era uma
promessa.
– Preciso lhe mostrar algo – Disse
ele furtando aos meus olhos e mãos
um papel que me estendia.
– Do que se trata? – capturei o
papel e li.
– A curiosidade mata.
– Papéis de... – comecei.
– Divorcio – Mathias completou.
– Não entendi...
–Eu já a havia deixado, antes
mesmo de entrar neste navio.
– Sei, acho... Espera! O quê? –
respondi confusa.

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– Esta viagem foi planejada


justamente para que eu afastasse as
crianças por um tempo, enquanto
meus advogados cuidavam da divisão
dos bens, e da casa.
– Então você mentiu? – repliquei –
eu não sei nem dizer se isso é bom ou
mau.
Ele sorriu para mim e disse.
– Vamos ver se você descobre,
talvez seja até realmente capaz.
– Capaz de? – indaguei.
– De me conquistar, se conseguir
isso ficarei só com você, para sempre.
– Não há de ser fácil, eu acho.
– Engana-te a ti mesma – Falou
aproximando-se de mim novamente,
com lábios gentis e quentes.

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SOBRE A AUTORA

BIOGRAFIA

DEISY MONTEIRO É Ludovicense,


cristã, formada em Ciências Contábeis. Casada
com João Garcia e mãe orgulhosa de Xansgudi
e Xangudanga, um casal de gatinhos.
Poetisa por natureza, romancista por sorte.
Escreveu seu primeiro livro de poemas aos
quinze anos, mas só veio a publicá-lo mais
tarde.
Seu primeiro romance foi Romance em

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East Valley, com o qual ganhou o prêmio


internacional do “The Wattys” no ano de 2015
na categoria maior sorte de principiante. A
série East Valley já conta com mais de meio
milhão de leituras na internet.
Além destes, Deisy ainda publicou a série
Escarlate, Cartas para Daniel, Fogos Surdos, O
livre Arbítrio, Apostasia, entre outros.

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