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CARTA DE DESPEDIDA

Meu amor, lhe escrevo essa cartinha pra lhe


mandar, "carinhosamente", para o inferno.
Você vai se perguntar, claro, pois não, mas o
que é que eu fiz? Você é egoísta, cachorro e outras coisas
mais, mas não adianta Isabel, você realmente não me
convence...
Eu gostaria que nossos laços não se
quebrassem dessa forma, mas você gosta disso, talvez
goste de fazer isso, porque gosta de chorar. É, acho que
ver seus olhos inchados deve lhe aprazer. Mas não é isso
que vem ao caso agora...
Só digo que não quero mais e pronto, saiba
que não adianta vir até minha casa, pois já troquei todas as
fechaduras e mudei o número do meu telefone, pra que
não me moleste mais.
Tudo por causa de uma calcinha de oncinha,
com manchas, que você encontrou no bolso do meu
paletó! Criatura, tanto pra se importar na vida, e tão pouco
lhe faz perder a razão... Francamente...
É por isso que essas coisas ocorrem entre nós
dois, vc julga sem procurar saber qual é o fundo bem
intencionado que há em minhas ações... você sabe que eu
sou um homem de natureza nobre e com atos de plenos de
caridade e generosidade com meus próximos. Inclusive,
pra quebrar boa parte dos seus argumentos, você sabe que
o mandamento que eu mais respeito é aquele:

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" Não cobiçarás a mulher do teu próximo
( enquanto o próximo estiver próximo)"
Nem deveria, pois suas acusações perfuraram
meu coração como "frias flechas enfadonhas que fizeram
farelos da nossa fina fantasia de amor".
Eu posso explicar, o caso foi o seguinte:
Eu fui ao shopping comprar um presente pra
você, como vc sabe era dia de pagamento, e eu pensei,
"por que não comprar uma jóia para minha amada", e eu,
como apaixonado que sou, a ponto de ser idiota, também
se não fosse, não seria apaixonado, mas enfim.
E no caminho da joalheria, havia uma loja de
roupas íntimas, um sex shop, ia passando direto, quando
um som de explosão foi emitido de dentro da loja, aquele
fumaceiro, as pessoas correndo, calcinhas e cintas-liga
voando, em poucos instantes a loja estava vazia e pegando
fogo. Quase fui atingido na cabeça por um pênis, gigante,
em chamas.
Ia correr também, mas algo congelou o
movimento das minhas pernas, era uma voz aflita de
mulher, gritando, "Socorro, socorro", então pensei, não
posso salvar a minha pele às custas da vida de uma
donzela em perigo. Então adentrei o ambiente, que estava
insuportavelmente quente, mas preferi permanecer de
paletó para não me ferir em alguma brasa.

Os gritos vinham do provador onde se


encontrava a donzela, ele havia virado com a infeliz

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dentro, a porta virada para o chão, a passagem do teto
obstruída pelo balcão, da loja, e o fundo pelos outros
provadores que também caíram... E agora? como salvá-la?
Então eu gritei perguntando, "Você está bem"?
E a pobre donzela respondeu, "Sim".
E eu comecei a procurar, procurar, e procurar
uma maneira de libertá-la rapidamente antes que o fogo a
consumisse, então, foi aí que eu vi a solução, faria uma
corda com as roupas íntimas que haviam na loja, de
tamanho suficiente para puxar o balcão que se encontrava
preso e resgatar a pobre moça.
Assim o fiz, fui nas prateleiras procurei
alguma roupa de tamanho maior, mas foi em vão. Não
havia nada, restaram as calcinhas, e fui ali, com destreza,
amarrando uma a uma, na esperança de realizar isso em
tempo hábil para resgatá-la, consegui! Amarrei a corda no
balcão e puxei, e puxei, com todas as minhas forças, até
que o balcão se afastou espaço suficiente para que ela
pudesse escapar.
Então, antes de terminar, a primeira calcinha,
que por ventura era essa de oncinha, escapou da corda e
ficou na minha mão, mas na hora do desespero eu a
coloquei no bolso do paletó e fui ajudar a moça, o que era
mais importante, a salvei, a coloquei nos braços para tirá-
la do incêndio e fui saindo dentre a fumaça, com a pobre
donzela já fraca e quase desmaiada em meus braços, eu,
todo chamuscado saindo pelos escombros.
Quando eu saí o povo estava me aplaudindo
pelo feito heróico.

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Só você é quem não reconhece isso, Isabel,
para todas as outras pessoas eu sou um herói, e só para
você é que eu não valho nada. Se é assim, permaneça na
sua casa que eu não quero mais vê-la, me sinto muito
ofendido, e por isso, hoje, vou ser obrigado a ir à praia de
Ipióca beber pra me acalmar. Tudo por causa de você.
Francamente. Isabel... Adeus!

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HÔMI... E EU CO'A GREVE DA PM NA
BAHIA... OXE...

As putas que rodeiam o centro da cidade me


informam, o quanto a greve da polícia fez de bom a este
estado, nada de educado havia, nem as vestes, nem o
fumo, nem as drogas, nem boates... Sempre havia arregos
e extorsões.
De bem que seja dito, pelo visto, quem fazia
guerra na Bahia era a polícia, nunca vi tão educadas tropas
a me inquirir, quando volto às duas da manhã, bêbado,
com cigarro na boca, no meio do nada, com algo de
suspeito na mão...

- Boa noite cidadão! – Em tom harmonioso,


com uma Kombi branca demasiadamente suspeita parando
metros à minha frente...
Eu, encurtando meus passos, com medo de
seqüestro, dado às minhas atividades políticas um tanto
subversivas, respondo...
- Noite boa soldado!
- Queira identificar-se civilmente, cidadão!
Como são educadas as tropas federais!!!
Mas, nada diferente se pode exigir de uma
classe, a Polícia Militar, que mal terminou o ensino médio,
embocou na polícia por não ter mais o que fazer, vive
indignado com os chifres que a mulher lhe bota, o salário

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que o governo lhe paga, e os bandidos que melhor, vida,
têm...
Em resumo: REVOLTA DE CA-CHI-
BREMA!
Cachaça – Chifre e Pobrema!
Depois da revista, voltei pra casa, agradecido
pelo bom serviço prestado...
Não sei em Salvador, que só salva mesmo
quem já ta morto...
Mas pelas bandas do São Francisco, a paz está
maior...
Que a polícia custe a voltar da greve...
Que o exército quebre os dentes de quantos
PM’s puder...
Que a justiça prenda todo o mundo...
Golpe militar no Brasil não se pode mais
aceitar...

Quero minha água de côco, meu violão


afinado, minha crioula dependurada no meu pescoço, meu
acarajé pra me matar a ressaca, minha boa dose de PITÚ,
ainda fechada, meu sol ainda nascendo, minhas águas
claras me banhando, e uma grande preguiça me cobrindo...
Pra que quando a crise acabe, ainda me reste
um pouco de sono, pra eu poder, ao menos, continuar
dormindo...

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TREM DAS ALMAS

“Mantenha-se inerte perante a firmeza do


tempo, e a dureza de suas cores penetrarão em tua
retina...”

Um caco cálido e torpe de homem que vaga no


breu da madrugada, tão só quanto os outros cem que o
seguem. Mal saído do calor das cobertas, tão choroso
quanto o aborto espontâneo, que já não se tem por forçado
por ser tão comum.
Um vago rosto distante, com tantos sonhos
quantos são possíveis sonhar, cada passo distante do seu,
cada passo que puder dar. O sonho do almoço, a priori é
não estar ali, nem com a comida requentada, e nem com a
colher embrulhada em um úmido papel de pão.
Os olhos fitam o céu, que ainda é cinzento,
não se sabe se por hora ou se pelo dia inteiro, mas, é seu
momento de ver o céu. Talvez já não se lembre como é o
céu à luz do dia. Talvez ainda não seja dia. Mas é dia de
trabalho.
O café mal tomado, mal adoçado, mal feito,
com mau gosto, experimentado por boca amarga, do fel de
quem tem rotina dobrada. O pão de ontem, passado na
panela com margarina que vai dar azia daqui há um pouco.
No cuscuz que entrou água... Fruto do sono de
quem mal dormiu, mal amou, mal tomou banho, na água

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que é fria, mal deitou, mal terminou a novela, mal chegou
em casa, e já sai de novo.
O frio que corta a cara, mal lavada, mal
barbeada, a cara mal acariciada. A cara mal entendida, mal
vista, mal percebida...
Em passos rápidos e largos que as pernas dão
sozinhas, a mente está parada, ou em algum lugar que não
se possa encontrar...
O ônibus chegou... Cem corpos sem alma
entram em comboio pela porta do trem das almas...
Mais um dia de escravidão até que a morte os
separe...

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AMO, LOGO, EXISTO!

Você estabeleceu novos parâmetros para os


meus sonhos, o real limite entre o querer para mim e o ter
para mim, porque me fez perceber o que tenho além dos
limites das posses, além da escravidão do “real”.
Justamente porque aconteceu no momento
errado, tudo em nossa vida aconteceu no momento errado.
Mas no momento que tinha que ser, da real forma que
precisava ser. Você é a personagem de uma história
fantástica. Talvez sem final, e, com um início não bem
estabelecido.
Em uma espécie de estilo cinematográfico em
que o poema toma a total forma dos sentimentos com
estrofes vagas e versos pouco delimitados.
Essa noite eu sonhei com você, e foi como se
eu sonhasse com todos os meus amores. Porque realmente
foi desse jeito. Do exato jeito que era pra ser. Por isso, que
te digo, meu amor, sem platonismos ou distorções, o amor
é realmente maior que um laço puramente físico e animal.
É aquilo que sobrevive no âmago e nos
alimenta o ser, é o que temos quando não resta mais carne,
é tudo o que levamos para o “além-túmulo”. É o que
define o nosso sopro de vida e até mesmo, talvez, toda a
sua razão.
É quem define tudo em nossa vida,
relacionamentos, profissão, amigos, inimigos, missão,

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traumas, religião, filosofia, até o próprio pensamento, pois
quem pensa imagina o que ama, ou o que odeia, ou seja, o
que vislumbra com ausência total do amor. Mas, somente
porque amaria o seu oposto.
O que vai além disso, estou quase certo de que
quem odeia, deseja pertencer ao seu oposto. Quem odeia a
guerra ama a paz, quem odeia a fome ama a fartura, quem
odeia os abismos sociais, ama a igualdade, quem odeia a
ignorância ama o conhecimento, quem odeia a tristeza
ama a felicidade. Enfim, tudo o que se discute no mundo é
matéria de amor, sem necessidade de citações acadêmicas.
Penso que o amor seja pouco estudado em
matéria de filosofia, muitas vezes até estimulam sua
abstinência. Um elemento tão importante, e que se
contrariado, matematicamente, o resultado é negativo, é
como se fosse o “menos um” que se multiplica na equação
para equilibrá-la.
Talvez fosse presunção da minha parte,
redefinir o cerne da existência, mas nestas linhas não
defendo teses e não preciso recorrer a Descartes. Nunca
quis recorrer a Descartes. Não se deve discursar sobre
método de nada.
Quem quer que seja criador de tudo isso não
estabeleceu métodos que estejam além da coerência básica
da vida. Tão coeso quanto o fato de nada existir na vida
sem que haja amor, a menos que se negue a criação e se
prefira crer que sejamos uma simples evolução de
bactérias sem nenhum rumo anterior ou posterior e que
todas as nossas emoções sejam meramente encadeamentos
de processos químicos bem determinados.

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Não falo do corpo, e sim, da alma, pois o que é
matéria é irreal.
Sendo assim, penso: Amo, logo, existo! Por
isso, hoje amanheci mais feliz!

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UM CIDADÃO COMUM
- Crônica do dia 29-05-2018 -

Um carro para no portão de um edifício


residencial, o porteiro olha pela sua janela, o motorista
abaixa o vidro e com rosto sem expressão, olha para o
porteiro e acena com a cabeça.
O portão automático sobe. O carro entra para o
subsolo, onde fica o estacionamento, escuro, pouco
arejado e apertado, com uma infinidade de chances de se
bater.
Desliga o carro, encosta a cabeça no recosto da
poltrona do carro, suspira profundamente... Comprime um
pouco as extremidades dos lábios... Expira de repente! E
fica pensando agora em sair do carro, chamar o elevador,
esperar ele chegar, deixar as pessoas desembarcarem,
entrar, e dividir um espaço minúsculo com outras tantas
pessoas que também vão subir, esperar sua vez de apertar
o botão com o andar de sua escolha.
Se enjoar com o perfume das classe médias
incorporadas em madames peruas, farejar os gases
provenientes da decomposição dos “fast-foods”
consumidos pelo seu vizinho “fitness”, e, ou, subir
ouvindo alguém falando mal do Lula e dos “petralhas”,
quando não, exaltando Adolf Bolsonaro e tietando o Moro,
ou, ouvir essas senhoras perfumadas falando de compras e
do quanto o seu poodle come e a variedade das suas
refeições.

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Sair do elevador, percorrer o corredor à sua
direita para chegar ao seu apartamento no qual se sente
sufocado, entediado, sussurrando para não incomodar os
vizinhos e nem deixar que os outros saibam de sua vida,
não se sente feliz. Mas... Se sente seguro!
Tirar as chaves do bolso, verificar qual é,
suspirar fundo, comprimir um pouco as extremidades dos
lábios, dar de ombros, colocar a chave na fechadura, e, dar
duas voltas para esquerda. Regra da casa, todos devem dar
duas voltas à direita para trancar as portas de sua casa e de
seus corações.
Entrar e ver cada um em seu quarto com seus
aparelhos eletrônicos... Trancados em seus próprios
mundos... Preocupados com suas próprias vidas...
Mas agora está fazendo cursos em sua igreja e
terapias para casal com psiquiatras e psicólogos de renome
para alcançar um nível de abstração e suportabilidade do
que lhe incomoda naquele que não ama mais! Então agora
acredita que vai conseguir ser feliz com ela, porque ele
está fazendo tudo certo...

Ele trabalha feito um boi, é fiel à esposa, paga


o dízimo na igreja, dá ofertas, faz até campanha! Não
bebe, não fuma, não consome maconha! Vai para a igreja
em TODOS os cultos, e o que lhe resta é o tormento em
sua mente da pressão lhe põe... Mas ele já tem a solução
pra isso também... Alguns remedinhos suaves que vão
torná-lo manso e castrado...

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E... Ele sacode a cabeça... Olha para o
elevador... Resolve voltar para a rua e andar pela cidade.
Olha para os bares... Pessoas conversando,
bebendo... Fumando... Rindo... Dançando... Felizes...
Um boêmio num violão bem tocado cantava
“Dona da Minha Cabeça” de Geraldo Azevedo, e trocava
olhares com uma mulher bonita que estava sentada na
cadeira da frente. Ela sorria abertamente com seus olhos
brilhando... O Boêmio cantava e sorria pra ela com o olhar
de uma felicidade tranquila...
Ela dava um gole de cerveja e lambia os lábios
de forma discretíssima, porém, sensual. Entre piscadelas
que o dava...
Para com os braços cruzados na calçada do
bar, estarrecido, e compara... Onde tem mais gente feliz?
Nas igrejas ou nos bares?
Ele comprou tudo o que lhe disseram que
precisava para ser feliz... Casou-se com uma mulher
bonita, comprou um apartamento, tem um carro, filhos
saudáveis e inteligentes, tem dinheiro guardado no banco,
uma profissão intelectual, uma televisão de LED de
sessenta polegadas com leitor de voz!
Se abstém de todos os prazeres que lhe são
proibidos, e suporta a aflição porque sabe que o diabo
atenta mais ainda aqueles que estão do lado de Deus... Que
a felicidade não é neste mundo, e sim no reino eterno de
Deus!

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Suspira profundamente... Comprime um pouco
as extremidades dos lábios... Expira lentamente... E dá de
ombros... Abaixa a cabeça e volta para casa... Tem um
milhão de reais em dívidas que precisa pagar até o final da
vida...

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O DIA EM QUE DESCOBRI O AMOR...

Eu estava um tanto desiludido com as coisas


que vivo... Tantas coisas acontecendo na sociedade que se
diz “civilizada”... Tantos amores vãos e cheios de regras
que por natureza não podem ser considerados amores.
Tanta Maldade e tanta hipocrisia... Tanto
sofrimento pessoal e alheio... Pessoas iguais se
digladiando por ilusões de posições que a sociedade utiliza
para-nos por uns contra os outros e nos tornarem mais
fracos como grupo.
Estava triste... Precisava só de um abraço...
Bateu meu momento “revolts”...
Saí do Fórum e fui direto para a Barra Funda
com uma amiga que muito amo, eu gosto de chama-la de
burguesinha pelo fato de morar em Perdizes, mas é uma
trabalhadora proletária como todos nós...
Ela fica com raiva porque a chamo de
burguesinha, MAS MUITA RAIVA MESMO! Porque ela
é povão, não tem nenhum preconceito, gosta de se juntar
com GENTE! E chegamos ao consenso que estar com
gente é a essência da vida.
Entramos no Metrô, eu... Oh meu Deus... Eu?
Muito pra baixo... Quase sempre estou assim...

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Entramos no bar e pedimos o de sempre: Pitu e
Cerveja. Todas as vezes que peço uma Pitu fico me
perguntando... Qual a graça que esse povo vê em tomar
Whisky? Se ela é tão saborosa, tão quente e tão... Tão...
Tão simples...
Estávamos, como sempre, a comentar de
problemas. Ela, sempre paciente ouvindo minhas
lamentações: Por que as pessoas são assim ou assado, e
por que a gente não consegue ser feliz? Mentiram para a
gente e etecetera e tal...
E ela disse:
- Nego, pega o violão!
E eu respondi pra ela!
- Que porra de violão! Eu não presto para tocar
isso! Você já sabe que sou ruim!
Ela suspirou com paciência de mãe...
Gesticulou a cabeça em tom de negação e disse com seu
bom português de professora:
- O caralho que você é ruim! Pega essa porra e
toca!
Com uma determinação carinhosa neste tom,
não havia alternativa a não ser pegar o diabo do violão e
tocar.
Peguei. A primeira música que toquei foi La
Belle de Jour de Alceu Valença.
Confesso, quando eu coloquei o violão no meu
colo, sentia-me decepcionado pela minha natureza torpe,

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por ter-me tornado um “burocrata bundão”, por não estar
perto do mim mesmo e simplesmente estar observando a
vida como quem assiste uma novela.

Aquele violão no meu colo me assustou, me


embarcou em tempos remotos, nos tempos em que eu era
livre e amava fazer aquilo, e sabia, que, naquele tempo,
fazia bem! Ou pelo o menos pensava que fazia bem!
Eu pus o violão no colo e fiquei olhando...
Olhei... Olhei... Passei meus dedos nas cordas... Bati com
a mão direita... Fiz um acorde de “dó” com a mão
esquerda... Nada me vinha à mente! Nada, absolutamente
NADA!
Com o acorde de “dó” posicionado no braço
do violão comecei a bater nas cordas... E aí me veio à
mente a música de Alceu, esta que já disse qual é, La Belle
de Jour.
Esta música para mim é importante, a
sonoridade é boa, é simples de tocar, a canção fica num
tom um pouco alto pra mim... Mas quem me conhece sabe,
amo a língua francesa!
E amo porque tive um amor que foi para a
França e na época nem me amava, e quando começou a
me amar eu tive de ir embora... Dores da vida, mas a
encontro não só nesta música do Alceu, como em Edith
Piaf, Charles Aznavour e principalmente, Sérgio
Gainsbourg e Brigitte Bardot...

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Comecei a cantar... Ahhhh Heiii! Poucos
segundos depois as pessoas pararam... Eu fiquei com
medo, mas nem liguei muito... Porque aquele estado
emocional de tristeza havia se corrompido em pleno
êxtase!
Imaginei que o dono do bar, que também era
dono do violão, e músico, ia tomar o violão da minha mão.
Mas eu estava feliz! Sabe o que é estar feliz de verdade?
Eu estava feliz! Então pouco me importava se iam me
tomar o violão, aquela seria a música da minha felicidade!
Não me tomaram o violão, pelo contrário,
encostaram para ouvir...
Em um dado momento, depois de algumas
doses e alguns copos de cerveja, Carolina foi ao banheiro.
Nisto, encostou uma “Dama da Noite”, que estava
cortejando os homens à minha volta, e por fim, nos
cortejares equívocos que resultou em sua desistência deles,
ela veio até mim, sorrindo amavelmente...
Meus preconceitos me impediram
momentaneamente de sorrir de volta, depois eu pensei, é
só um sorriso! E aí eu sorri de volta.
E ela começou a conversar, e meus
preconceitos atrapalharam a versatilidade de minhas
argumentações... Depois eu pensei... Não vou deitar-me
com ela, então, o que me impede de conversar? Gosto de
conversar! Vamos conversar, ora!
E conversamos por algum tempo, Carolina
chegou. Carolina que é bastante afeiçoada ao povo
iniciou-se na conversa, e conversamos por um bom

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tempo... Entre palavras de conversação e palavras
melodiadas no violão a noite passou a transcorrer-se.
Havia naquela rua, alguns homens que sempre
estavam ali, um baiano e um recifense, que não direi
nomes porque não sei se eles permitem. Que nos
chamaram para beber e tocar violão do outro lado da rua,
porque “ao vento” seria mais gostoso.

Fomos, despidos de nossos preconceitos


burgueses que nos ensinaram.
Ali encontrei o amor... Ali encontrei o amor...
Ali encontrei o amor! O baiano fez um caldo, não sei
onde, um caldo de feijão com alguns pedaços não nobres
de galinha, alguns pedaços de batata. A panela com as
bordas entortadas, preta no fundo.
A colher que passava de boca em boca, de
pessoas que não conheço e não sabia da higiene.
O baiano então prostrou-se na minha frente
com a panela de caldo me oferecendo, seus olhos puros de
ternura e como se pedisse aceitação, em uma mão tinha a
colher, na outra, a panela de caldo, e disse:
- Prove baiano! O caldo está delicioso! – Com
aquele sotaque musicalizado da Bahia que é chique! Mas,
ele, se diz ser chique três vezes! Uma vez chique por ser
baiano e mais duas por ser de Xique Xique, ou seja,
chique duas vezes!

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Eu provei o caldo... QUE CALDO
MARAVILHOSO! Nunca tomei igual! E espero um dia
poder provar novamente!
O sabor era algo perfeito, feijão com galinha
era algo que eu nunca tinha pensado! Mas ele fez! Com
pedaços de batata... Maravilhoso! Um tempero perfeito
que eu acredito que só a Bahia tem...
Uma colherada, duas, três, aquilo não acabava!
Mas eu tinha de me conter, pois era caldo para oito
pessoas. Então, algumas colheradas daquele caldo,
deveriam ser suficientes para preencher a barriga dos oito.
Em algum momento da noite, em alguma
conversa que não lembro qual foi, sei que estávamos
falando de amor, estava com um livro do Vinícius de
Moraes, que aqui e acolá, declamava alguma coisa, um
dos moradores de rua, com as unhas sujas, o rosto oleoso e
as roupas que usou por tantos dias me abriu os braços...
Sim... Abriu os braços... Com os olhos
brilhando de ternura, com uma vontade expressiva que não
se vê! Poxa! Porque não vemos isso uns nos outros? E em
todos os lugares? Ele abriu-me os braços e não disse
nada... Apenas sorriu com a boca, com os olhos, com a
alma...
E eu intuitivamente abri os braços... Sorri...
Mas sorri com um sorriso de felicidade tão grande, que foi
como, se, naquele momento, eu tivesse encontrado tudo...
tudo... Tudo o que eu estava buscando na minha vida
inútil!

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Eu o abracei! E foi o melhor abraço que eu
tive na vida! Carinhoso, pleno e sincero... Como um
abraço tem de ser! E passamos vários minutos abraçados,
ele estava com olhos fechados, eu fechava os olhos e
sentia, e por vezes olhava para o céu sem estrelas de são
Paulo e os colchões apostos debaixo da ponte da estação
Marechal Deodoro...

DIA DESSES NO DIVÃ...

Em uma das consultas que pautou meu


diagnóstico, suscitei um tema que muito me perturba... A
ridicularidade, a estupidez extrema, a esquizofrenia
máxima, o cúmulo da boçalidade! De as pessoas ditas
“normais”, que mais se dão bem nessa sociedade esquisita,
virada de pernas para o alto, é o fato de que os “Grandes
Vencedores” da nossa humanidade são aqueles que
corrompem todos os valores lógicos do convívio social!
A corrupção da essência das coisas faz da
nossa sociedade um lugar inabitável. Dá medo sair na rua!
M-E-D-O!
Vou exemplificar algumas inversões essenciais
muito simples de serem percebidas, que escravizam a

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mente da gente desde criança, forçando-nos a repetir o
mesmo ciclo de ignorância por toda a vida.
Os nossos pais (geralmente a mãe né?)
ensinam a gente a rezar o pai nosso. É uma oração linda!
Uma coisa fantástica! O pai nosso até hoje me acalma...
“Perdoais as nossas ofensas, ASSIM COMO NÓS
PERDOAMOS A QUEM NOS TENHA OFENDIDO”...
Será que alguém já parou pra prestar atenção nessa frase?
Eles ensinam isso para a gente! E isso é lindo!
Levam a gente para igreja e tal... E depois eles dizem:
- Se chegar “apanhado” em casa, leva outra
pisa (surra)!
Eu não entendia muito bem isso... Eu sempre
ficava dividido, toda vez que eu brigava na rua! Porque
aquele menino que me bateu era meu amigo, e eu não
queria machucá-lo... Mas se eu não batesse nele eu ia
apanhar em casa... E ia doer mais... E eu sabia que meu
amigo ia me perdoar no dia seguinte... Porque a regra da
casa dele era igual...
Mas isso ainda pode vir de antes! Quando por
exemplo o bebê, que, claro, por não ter desenvolvido sua
fala, menos ainda, oratória, ou sequer vocabulário, não
pode ARGUMENTAR com a mãe, e penso até, que fica
frustrado por não conseguir expressar o que está sentindo
a respeito de determinada situação.
Então quando ele não gosta de algo, ele faz o
que? Dá um tapa. Reação comum que pode ser entendida,
talvez, como algo que lhe foi ensinado quando seus dentes

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começaram a brotar e ele mordia o mamilo da mãe, a mãe
sentia dor, e ela lhe dava um tapa para soltar...
Resumindo: É pra PERDOAR ou não é pra
PERDOAR?

E isso encontra ainda mais discrepância


quando passamos a tratar as constantes distorções que nos
são impostas como certas. Vejamos a distorção entre o
valor das coisas e das pessoas!
Nós somos enviados à escola para aprender a
mentir e a enganar. Com uma história mal contada, uma
literatura que não corresponde aos nossos valores culturais
e uma matemática que pouca utilidade terá na nossa vida...
Ainda tem os cursos preparatórios que nos
ensina a mentir nas entrevistas, a nos fantasiarmos
conforme a vontade de quem nos pagará um mísero salário
que sequer dá para pagar completamente o curso que
queremos fazer.
Para ganhar um vale refeição que não dá para
comprar metade de uma marmita.
E depois de tudo isso... Ficaríamos felizes com
uma graduação que te dará um diploma para ajudar a
reproduzir tudo isso... O Engenheiro da Indústria
armamentícia, o químico da empresa de agrotóxicos, o
advogado do escritório criminal para defender políticos
corruptos, o policial que prende o inocente, o psicólogo
que não escuta, o professor que não ensina, o médico que
mata o paciente, e etc... etc... etc...

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E aí não rompemos o ciclo... Até quando
pessoas inteligentes gastarão seus esforços para
desenvolverem armas... Vírus... Doenças... Formas de
escravização... De destruir o planeta... De acumular
recursos para si?
Acho que para esse ciclo parar... Precisamos
começar por nós mesmos... Dizer não a oportunidades de
se corromper, de ficar com o troco, de fingir ser algo que
não é, de dizer palavras duras ao outro, de guardar
rancor...
E aproveitar todas as oportunidades que
tivermos de dizer coisas boas para alguém, de fazer
alguém sorrir, de procurar algo de bom naquela pessoa e
dizer a ela... Talvez seja o único elogio que ela receberá no
dia!
Acho que precisamos usar nossa inteligência e
nossos esforços para fazermos o bem, e não esperar que
venha alguém de cima e nos salve... E esse alguém de
cima, não falo só do céu... E sim dos homens de poder
também...
Precisamos por fim a esta inversão de valores
dentro de nós de verdade... Para que passo a passo se
possa construir uma sociedade em que respeitemos de fato
o contrato social e a sociedade evolua para uma sociedade
de bem estar social, em que a confiança é a regra e a
felicidade é a lei.

25
VOCÊ JÁ ASSISTIU OS FILME DO
“RITZ”?

- Gavião! Você já assistiu aqueles filme da


Terceira Guerra Mundial?
Meu tio olhou para mim e sorriu. Zé Santana
continuou:
- Gavião, é verdade meu fio!
E gesticulava como se estivesse regendo,
vibrantemente, uma orquestra de frevo.

26
- Aquele jeito de doido, aquele cabelo
lambido, meio que caído na testa, assim, como quem quer
encobrir a careca.
- Umas fala amalucada, como quem tem bicho
de porco na cabeça, o caba que não gosta de preto, de
pobre, de favelado, de viado, de muié! É a mesminha coisa
Gavião!
- O Zé, de quem é que você tá falando?
Perguntou meu tio semi levantando os braços e
espalmando as mãos para o lado, contraindo o pescoço,
gesticulando com dúvida.
- Do Hitz! Eu to falando é daquele fio da
bobonca do Ritz que matou aquela arruma de gente na
Terceira Guerra! Assista os filme!
Com um cigarro de palha na ponta dos dedos,
um boné do Santos F.C., apenas apoiado na cabeça, sem
fixá-lo, fala se agachando para chegar à altura de meu tio
que estava sentado.
E se aproxima em um passo meio largo,
abaulando os braços, e enquanto retorna para a posição
inicial, os abre como se estivesse apresentando algo.
- É Zé, a humanidade é muito cruel... Mas qual
é sua preocupação com Hitler, se ele já morreu?
- A Minha preocupação, é que o infeliz
reencarnou! Ói esse fio da peste que é esse Bolsonaro aí!
É Gavião... O Bolsonaro é a reencarnação do RITZ...

27
MIL QUILÔMETROS ABAIXO DO
INFERNO

- Onde eu estou?
Meus olhos pesavam e eu mal sentia as
extremidades do meu corpo... A respiração difícil...
Parecia que eu tinha dormido por meses! Não sentia minha
língua, nem meus lábios... Tudo formigava...
- Onde eu estou?
Não me lembrava de ter bebido tanto...
Nem me lembrava como fui parar ali... A vista embaçada e

28
turva... Meus olhos não conseguiam focar nada... Eu não
conseguia pensar...
- Onde eu estou? E por que ninguém me
responde? - Será que eu morri?
Vultos vestidos de branco caminhavam
para todos os lados vagarosamente num lugar escuro e
com cheiro de hospital...
Eu ouvia gritos de pavor vindos de todas
as direções, e gargalhadas altas... Passos fortes correndo
em algum lugar... Gritos... Muitos gritos! Eu não
conseguia entender o que diziam... Mas entendi que
alguém estava sendo perseguido...
- Onde eu estou? E por que ninguém me
responde? Será que eu morri? Ou será mais um dos meus
pesadelos...
- Não sei... Não tenho certeza... Eu nunca
tenho certeza afinal...
Minha vista estava embaçada... Eu
precisava esfregar os olhos... Mas eles pesavam muito e eu
não conseguia mantê-los abertos. Silêncio... Abri os
olhos...
- Cadê a minha mão? Por que não sinto
minha mão, eu tentei olhar para a minha mão... Não tenho
certeza de que a vi! Cadê as minhas mãos? Eu não estou
vendo-as!
Eu senti um fio de baba gelada voltando
para a minha boca quando eu respirei fundo e levantei a
cabeça... E tomei um ar...

29
Encostei a cabeça numa superfície dura
atrás das minhas costas... Parecia uma parede de azulejos...
- Onde... Onde eu estou? Onde?
Senti alguns tapas no meu rosto e alguns
chacoalhões nos meus ombros que desequilibravam minha
cabeça sobre o meu pescoço adormecido.
Abri os olhos novamente... Respirei fundo
novamente...
- Socorro... Socorro... Por favor... Me
ajuda...
Não aguentava o peso das minhas
pálpebras, logo tudo ficou escuro de novo... Senti mais
alguns tapas no rosto, e mais alguns chacoalhões...
Abri os olhos... O ambiente era pura
penumbra... Mas mesmo com a vista turva eu pude ver um
rosto... De um homem careca, pele clara, mas não branca,
um branco queimado de sol... Careca... Com a mesma
roupa branca.
Senti que segurava meus ombros, e pude
perceber que ele articulava a boca, como quem me
dissesse algo, mas eu não entendia!
Eu ouvia com dificuldade as palavras,
como se houvesse um delay... Um eco... Não sei bem
explicar... Parecia uma voz saindo de um cano de esgoto!
Não conseguia juntar uma palavra com a outra, na minha
cabeça.

30
Eu consegui focar em seus olhos... Eram
de preocupação... Pena... Pena de mim? Por que? O que o
fez apiedar-se de mim?
- O que está acontecendo?
-Hã? O que vc disse?
Como assim, o que eu disse? Perguntei a
ele o que está acontecendo! Será que eu tinha viajado para
um outro país? Mas eu sou brasileiro! E não me lembro de
ter tirado passaporte! Pode ser o Mercosul... Não preciso
de passaporte... Mas com que dinheiro? Não me lembro de
ter dinheiro... Esse raciocínio não procede!
Mas eu tentei...
- Que passa comp...?
Brequei. Não posso chamá-lo de
companheiro... É tempo de caça aos comunistas... Ele
sequer fala português...
Senti mais uns tapinhas no rosto e mais
um chacoalhão nos ombros e agora uma voz bem de longe
no meu ouvido:
- Acorda companheiro!
Opa! Ele falava português e era
comunista! Abri os olhos... Agora pude ver seu rosto
nitidamente, com seu olhar que possuía um misto de
medo, e, preocupação, e, pena, e consegui ouvir sua voz
falando comigo...
-Você está bem?

31
Respirei fundo... Senti novamente um fio
de baba gelada entrar pelo canto da minha boca. Ainda
não sentia meus braços. Passei a língua nos dentes para
conferir minha dentição, como faço de praxe. Todos os
meus dentes estão na boca, até os sisos. Menos mal!
- Onde eu estou companheiro?
- Você está no hospital, na ala
psiquiátrica! Você não lembra?
Ala psiquiátrica? Que demônios eu estava
fazendo ali?
-Vem levanta, eu vou te ajudar! É hora de
tomar café! Depois do café você vai se sentir melhor eu
prometo!
- Quem é você? - Eu perguntei a ele.
Agora eu conseguia ouvir o som da minha voz e
compreendi porque ninguém entendia o que eu falava...
Minha voz estava mais mole, do que quando eu tomei um
litro inteiro de Jack Daniels no aniversário de um amigo
meu na Bahia.
- Cadê a minha mão companheiro? Eles
arrancaram minha mão?
- Quem? Os militares? Eles arrancaram
minha mão?
- Não companheiro! Sua mão está aqui!
As duas aliás!
Ele pegou no meu pulso e ergueu e
mostrou as minhas duas mãos para mim, eu tentei mexer

32
meus dedos... E o mais interessante é que eu conseguia
movimentá-los, mesmo sem senti-los...
- Vem vamos tomar café! Eles não vão
deixar você comer aqui, entendeu? E se você não for
agora, você só vai comer no almoço! Faz força! Vamos
levantar! Ei! Me ajuda aqui! Vamos levantá-lo pra ele
tomar café!
Disse ele para um outro vulto vestido de
branco, do outro lado do ambiente, que só começou a
tomar forma quando chegou bem perto.
- Cadê meus óculos? Eu não estou
enxergando...
Pegaram por debaixo dos meus braços e
me levantaram. Eu não sentia meus pés, e nem tinha força
para me levantar do chão. Eles foram caminhando comigo
até eu começar a firmar meus passos.
Estava com muita vontade de tomar um
gole de café... Nunca senti tanta vontade de tomar café em
toda a minha vida!
Não enxerguei muito bem o percurso, mal
apoiava os pés no chão... Não entendia nada... Cheguei na
fila do café... E fiquei ali até chegar a minha vez.
Quando estendi a mão para pegar o café,
olhei para o rapaz que servia... Uma figura horripilante...
Mas não tive medo... Estranhamente não tive medo... Era
uma cara vermelha toda enrugada e cheia de verrugas...
Com chifres pretos enormes e uma careca, dentes ponte

33
agudos, amarelados, uma língua como de serpente! E um...
Um jaleco de hospital..
Mas seus olhos eram ternos... E se
apiedavam de mim...
Então eu lhe perguntei:
- O senhor é o Diabo?
A criatura fez uma cara de tristeza e pena,
e falou pra mim com uma voz carinhosa e terna:
- Se eu fosse, jamais faria nenhum de
vocês passar por isso...

QUALQUER DIA VOCÊ VAI CHEGAR


DIZENDO QUE MORREU!

- Oh tio Chico! O Tio Gegê conta cada história


de quando ele era caminhoneiro!
Eu estava na casa de um tio da Wanessa, era
de manhã, tínhamos dormido lá, estava lavando a louça.
Nós havíamos feito pão, juntos, na noite anterior.

34
Tínhamos recheado os pães doces, e posto no
forno para assar.
Nesse ínterim, ficamos a conversar.
Tio Chico sentado na cadeira posicionada logo
ao lado direito da cabeceira da mesa que ficava virada para
a pia da cozinha.
Era uma época em que eu estava mais pra
baixo que sovaco de cobra. Nada me alegrava, de forma
alguma, e uma coisa que nunca passou: Abstinência do
Nordeste.
E conversávamos a respeito de um trabalho
que eu gostaria de ter. Que era a vida de caminhoneiro.
Sempre curti aquela série, da Globo do Pedro e do Bino.
- Deve ser bem legal conhecer o Brasil desse
jeito!
- Pois é Augusto, o Getúlio, toda vez que ele
chegava de viajem contava a história mais absurda do
mundo!
Era visível a preocupação dele com as
maluquices do irmão que ele tanto ama.
- Ele já contou que foi assaltado, que o
caminhão perdeu o freio, que o satanás apareceu pra ele, o
que você imaginar!
Aí um dia ele chegou em casa me contando
essas histórias e eu disse a ele:

35
- Getúlio, meu irmão, é melhor você mudar de
profissão porque se não qualquer dia você vai chegar aqui
dizendo que morreu!

MEU AMIGO ARGENTINO

- “Hei visscinho! Vosscê xchá fviu


Xhupiterr”?
Era uma noite em que o céu estava estrelado, e
Jupiter estava aparecendo nitidamente.

36
Como ele é astrólogo, e, diga-se de passagem,
dos bons! Estava fazendo algumas fotos e estudos para
postar na sua página e orientar seus clientes.
- Boa noite, Miguel, como está?
- Estou bem! Cumprimentou-me com ‘sonrisa
larga’.
Apertamos as mãos e ele me mostrou o
enquadramento da fotografia, e disse:
- Veja, este é o “encontro aparente” do Planeta
Jupiter com a estrela Zubenelgenubi.
- Nossa! Que maravilhoso! – e era lindo
mesmo, mas eu nunca tinha entendido qual era a “graça”
dessas coisas de astros e estrelas. Nem de Hollywood, pra
falar a verdade. - Mas, por que isso é tão interessante?
Ele sorriu ternamente, com o comportamento
refinado que tem, olhou para mim e explicou:
- Zubenelgenubi, é a estrela Alpha da
constelação de Libra, isso significa que ela é a mais
brilhante dela, entende?
- O Miguel!!! - A dona da Pousada grita de sua
varanda no terceiro andar do prédio.
– O que que você está fotografando a fachada
da minha casa?
E passou a disparar fotografias de lá de cima
também, em tom ameaçador.

37
- Venha ver Júpiter, Cassilda, o espetáculo está
maravilhoso! Falou animado para ela, brincando com a
câmera de seu celular como um garoto que acaba de
ganhar um brinquedo novo que ele queria muito.
Com o mau humor que lhe é peculiar,
apoiando as mãos no parapeito de sua varanda, e jogando
a cabeça em direção a Miguel, o máximo que pode, ela
revidou:
- Isso muda em que a minha conta bancária?
Eu quero é que você pare de fotografar a fachada da minha
casa e de ME fotografar!
Imediatamente, e mantendo todo o
refinamento de cidadão argentino.
Que como ele diz:
"O argentino é um italiano que fala espanhol e
pensa que é inglês".
Devolveu:
- Não estou fotografando você, Cassilda. Estou
fotografando Júpiter! É muito maior que você...

E continuamos a ver os astros...

MEU TIO, O PADRE E O PASTOR

38
- Padre! O senhor está aprisionado em falsos
testemunhos de falsos pensamentos que só levam à
perdição!
-É mesmo e o que você tem para me mostrar?
O Monsenhor Rosevaldo, com toda a calma
conversava com mais uma alma perdida que o
interrogava... Isso era a missão de todos os dias!
- Pois é padre! Eu fui atropelado e minhas
duas pernas quebraram! E foi fratura exposta, uma coisa
horrorosa que os médicos me disseram que eu nunca mais
fosse andar!
E, no entanto ele se colocava firmemente em
pé, até pulava!
Impressionante aquela narrativa em tom de
desafio.
- E o que foi que você fez, meu filho, que tuas
pernas voltaram a funcionar?
- Ahhh padre, foi muita fé!
O padre, com muito bom senso de humor, riu e
disse ternamente:
- Então me conte a história, meu filho!
E o envagélico começou:
- Eu fui atropelado e minhas duas pernas
quebraram. Eu estava no interior de Goiás e nenhum
médico iria me atender. Eu coloquei no rádio a oração de
Edir Macedo e minhas pernas consertaram.

39
- Foi mesmo? Deixe de conversa rapaz, mostre
aí a cicatriz para eu ver!
Meu tio que estava sentado ao lado do
Monsenhor Rosevaldo, conversando com ele, antes que o
anticristo chegasse, falou:
- Deixe de besteira padre! Que quando Jesus
faz o milagre, já manda com cirurgia plástica!

ANTÔNIO GRILO, O NOSSO ODORICO!

O BEM AMADO DE ÁGUA BRANCA

40
- Crônica do dia 22-11-2018 –

Eu, sinceramente, acreditaria, facilmente, que


o velho Antônio Grilo teria sido inspiração para Dias
Gomes criar o Odorico Paraguasú.

De verdade, tem uma cena dele que eu gosto


muito, e que meu tio vive repetindo, e que, pra ser sincero,
eu nem assisti a versão com o Lima Duarte.

Mas, meu tio me contou tantas vezes, e


interpretou tantas vezes para mim, de uma forma tão
fantástica e convincente, que, essa, ficou minha versão
oficial.

O chumbeta do Odorico (sempre tem esse cara


na política), chega e fala:

- Coronel! O povo tá lhe chamando de ditador!

E Odorico responde:

41
- Oxente, cabra! Apois diga ao povo que eu era
ditador “prátrásmente”, agora, “práfrentemente” eu sou
um “democratista”!

O povo do resto do país pensa que isso é uma


hipérbole com fins humorísticos, mas não é não.

Em Água Branca, lá no Alto Sertão de


Alagoas, não teve o ODORICO, o Hitler do Sertão, como
chamavam os “opositores comunistas”!

Teve uma figura adorável de coração


maravilhoso, que de tanto tentar fazer o bem, tinha
momentos que era SUPER engraçado.

Eu não vivi essas coisas, e tudo é baseado em


relatos de diversas pessoas que moram na cidade, talvez
aqueles relatos cômicos que são as mentiras do bem, como
dizia Ariano.

Mas, esses relatos são ótimos! E essa


personalidade, Antônio Grilo, me soa agradável, então
prefiro lembrar dele assim.

42
Tem uma história que Antônio Grilo estava em
Brasília com o irmão de Dr. Roberto Torres, o Dr. Mário
Torres.

E eles fizeram “check-out”, saíram do


aeroporto e destinaram-se ao hotel, para descansar, e, mais
tarde, encontrar Dr. Roberto para conversar a respeito de
algum assunto político de Água Branca.

Deram entrada no hotel, tudo certo, pegaram


as chaves do quarto e foram para o elevador.

Antônio Grilo já era rico. E rico pra caramba!


E rico porque era inteligentíssimo empreendedor.

Empresário visionário, apesar de não ter


instrução acadêmica nenhuma! Só se deu mal, bem depois,
porque o “LEÃO” lhe levou quase tudo embora... Mas
enfim... Ser empresário no Brasil é isso aí!

Quando eles estavam para subir para os


quartos, Dr. Mário falou assim para Antônio Grilo:

- Ei Antônio, vai chamando o elevador aí que


eu vou ali no banheiro. Que eu tô apertado que só a gota!

43
Antônio Grilo fez menção de dizer alguma
coisa... Ficou quieto.

Mário Torres saiu correndo para o banheiro.

- E agora? Que peste eu faço?

Ele olhou pra trás, viu Mário desaparecendo


no corredor.

Virou a cabeça, olhou pra frente. O elevador.

Olhou pra trás de novo não viu Mário.

Olhou pra frente de novo. O elevador.

Olhou para o lado, onde deveria estar o cara da


recepção. Nada de recepcionista.

Olhou para frente. O elevador.

44
Não teve dúvidas, deu de ombros, e resolveu
agir.

Disse baixinho, cochichando, perto da porta:

- Elevador? Desça!

Nada...

- Elevador? Desça!

Nada... Olhou para os lados, em tom de


dúvida, desespero e frustração. Num paletó impecável,
comprado especificamente para aquela ocasião:

- Elevador! Fiii da Bobonca! Desça agora, que


quem tá mandando é Antônio Grilo, Prefeito de Água
Branca, Acompanhado de Dr. Mário Torres, Deputado
Estadual de Alagoas!

Nessa hora, o elevador se abre.

Algumas pessoas saem, sem entenderem o que


estava acontecendo, afinal, nem ouviram a discussão

45
calorosa de Antônio Grilo com o elevador, e Mário,
aparece..

- Vamos? – Pergunta Mário.

Os dois embarcam no elevador.

46
PESSOAS ESTRELAS E PESSOAS
ASTEROIDES

Dois corpos celestes intrigantes, de


comportamentos totalmente diferentes. Por suas naturezas,
totalmente diferentes.

Um é minério, o outro, gás. Um queima. O


outro, é queimado. Um traz a vida. O outro, tira.

Um alegra. O outro? Faz chorar!

Assim como os corpos celestes, existem


“pessoas estrela”, e existem “pessoas asteroide”.

As pessoas estrela, têm uma energia


maravilhosa, aquele espírito de bondade e de alegria, que
só de chegar perto, entramos em sua órbita e nos fixamos.
Porque ela nos atrai com sua grande força gravitacional.

E essa gravidade, intrínseca a ela, é tão forte,


mas, tão forte, que diversos astros giram ao seu redor, e a
partir da energia maravilhosa desta estrela, todos estes
corpos criam vida, e passam a ser quentes e agradáveis.

47
As pessoas estrela estão sempre brilhando, e o
seu brilho alcança distâncias impressionantes, e todos,
logo ao amanhecer, viram seus olhos para ela, para
animarem-se, para ficarem felizes, para terem fé na vida.

O dia em que essa pessoa estrela se esconde,


ou seu brilho se ofusca, todos sentem sua falta, e por mais
que reclamem às vezes de seu intenso calor, ou brilho,
basta desaparecer por algum tempo, para que todos sintam
saudades!

Já a pessoa asteroide, é aquela pessoa que todo


mundo quer longe, que quando desaparece, é um alívio
muito grande, e que é mais prazeroso imaginar que ela,
sequer, existe. A verdadeira PERSONA NON GRATA.

Porque a pessoa asteroide, entra do nada em


sua vida, com um brilho falso, no meio do escuro,
tentando convencer a todos que é estrela. Mas só consegue
ser cadente.

E quando se aproxima da nossa órbita,


tentamos repelir de toda forma, mas, ainda assim, ela
consegue adentrar de alguma forma, mesmo que só um
pouquinho dela.

48
E esse pouquinho dela que encosta faz uma
CRATERA na gente.

A pessoa asteroide vive enchendo o saco pra


que lembremos que ela existe, e ainda tenta nos convencer
de que fez bem a nossa vida, porque há sessenta e quatro
milhões de anos, ela matou os dinossauros, que, segundo
ela, sem esse fato, não existiríamos.

É uma pessoa que está sempre fazendo


propaganda mentirosa de si mesma, que está sempre
tentando nos convencer que é útil, mas que, causam tantas
dores, que estudamos, todos os dias, uma forma de repeli-
las com eficiência.

A pessoa estrela tem luz própria e flutua, com


sua energia magnífica atrai positivamente, todos ao seu
redor, mas sabe manter a distância para apenas iluminar e
aquecer, sem jamais queimar ou derreter o corpo que se
aproxima.

A pessoa asteroide vaga sem rumo, tentando


entrar na órbita de qualquer um, e por sua euforia e falta
de rumo na vida, acaba sempre entrando em choque, e
fazendo crateras nos corpos que estavam em harmonia.

49
A pessoa estrela é como um vagalume, o
asteroide como uma serpente.

Esta última persegue o primeiro até o alto do


galho mais fino de uma árvore, apenas para destruí-lo, e
tenta até exaurir todas as suas forças.

E aí o vagalume, cansado de fugir, já ofegante,


porém, em um ponto seguro, lhe pergunta:

- Mas dona serpente, por que é que a senhora


quer me devorar? Qual mal lhe fiz? Nem sirvo de alimento
para a senhora!

A resposta, mesmo que silenciosa e


transmitida por olhares é sempre a mesma:

- Te odeio porque você tem luz própria e voa!


Todos acham seu espetáculo bonito, você se alimenta de
néctar e é amigo de todos os humanos. Enquanto eu, eu
sou uma criatura pérfida que rasteja, sequer sinto o sabor
dos alimentos, e eles ainda apodrecem em meu estômago.

E conclui:

50
- Ninguém quer o meu abraço, o frio do meu
corpo incomoda as pessoas, minha mordida é assustadora,
e escorre veneno de minha boca...

NOITE DE CINCO DIAS...

51
Madrugada do dia 23 de março de 2013. 120
policiais armados com fuzis de mira a laser e
metralhadoras, dois helicópteros com atiradores de elite,
Força Nacional, Polícia Militar, Polícia Civil do Estado de
Alagoas, dois Delegados na operação. Motivação? Um
CAVALO PURO SANGUE.

Dois mil e doze foi ano de eleições


municipais. Eu estava no quarto período de Direito na
Faculdade Sete de Setembro em Paulo Afonso, Bahia.
Aluno Bolsista, militante do movimento quilombola, sem
uma passagem sequer pela polícia. Nunca cometi um
crime.

Um grupo de jovens sonhadores resolve lutar


contra a corrupção em sua cidade. Mais de 30 milhões de
reais desviados em um município que tinha por orçamento
anual de apenas 26. Dossiê construído das licitações
fraudulentas. Encaminhado para o Ministério Público do
Estado. O Delegado Federal que recebeu a denúncia, com
pesar nítido na face lamenta:

- Eu já sei pra quem é que vai isso. Mas,


infelizmente não podemos fazer nada, só o que posso fazer
é protocolar.

Resultado, gasto exacerbado nas eleições.


Compra de votos e desmandos, espancamentos, brigas,

52
ameaças, bombas, tiros na janela no período da campanha.
Perseguições, constante tentativa de sequestros
relâmpagos e torturas.

Perdemos as eleições. Ano seguinte:

3 horas da manhã de uma quinta-feira,


cumprimento irregular de mandado de prisão. Minha casa
é invadida com minha namorada ainda nua. A casa é
revistada e só o que se encontrou foi apenas livros.

PRESO POR CINCO DIAS, SEM


INQUÉRITO, SEM INVESTIGAÇÃO, SEM PROVAS,
SEM INDÍCIOS, SEM UM BASEADO SEQUER EM
QUALQUER BURACO DA MINHA CASA. Xérox do
meu mandado de prisão espalhadas pela cidade inteira
com o seguinte dizer:
GRACILIANO TOLENTINO (CABELUDO)
– TRAFICANTE DA RUA SANTO ANTÔNIO.
CRIMES: ROUBO A BANCO, TRÁFICO
INTERNACIONAL DE DROGAS, FORMAÇÃO DE
QUADRILHA E PORTE DE ARMA.

Puro sensacionalismo para destruir minha


imagem política.

53
Imprensa carniceira e desqualificada
fotografando os companheiros de luta CONTRA A
CORRUPÇÃO que foram forçados a tirarem a camisa pra
não apanharem com um pedaço de ripa sob ameaça
constante do Delegado substituto que mais parecia um
dono de boteco do que um homem da lei.

46 horas sem tomar banho, o juiz não estava


de plantão.

Tentaram me matar dentro da cela com um pau


no meio da madrugada. Consegui repelir a agressão e
amarrar o agressor com um cinto de couro e um cordão de
sacola de loja onde estava a marmita do companheiro de
cela que foi torturado das 06 horas da manhã até as 11
horas, quando os porcos da carceragem pararam pra
almoçar.

O lugar mais próximo pra protocolar um


habeas corpus era há 140 quilômetros dali numa cidade
chamada Santana do Ipanema. E me foi negado papel e
caneta por um PM negro, que ao ouvir meu pedido gritou:

- Você está preso!

Eu respondi:

54
- Por isso mesmo que eu preciso de um Habeas
Corpus!

- Você está em prisão preventiva!

Eu retruquei:

- Prisão Temporária!

- É a mesma coisa!

Quanta ignorância... Esse é o cumpridor da


lei... Retruquei de novo:

- Prisão preventiva deve atender os pré-


requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal,
Prisão temporária tem o prazo de 05 dias prorrogáveis por
uma única vez e tem outra finalidade.

Ele me mandou apenas TOMAR NO CU.


Argumento “muitíssimo elaborado”.

55
Passo cinco dias enjaulado. No primeiro dia
tive de cagar em sacola plástica sem papel pra me limpar.
Comi e dormi no mesmo lugar onde passavam ratos.
Paredes mofadas até o teto. Celas úmidas e nojentas, uma
verdadeira masmorra.

Depois de 2 dias consegui tomar banho


debaixo de uma torneira de água gelada que ficava no
banheiro de uma das celas, acocorado.

A comida? Bem... A COMIDA!

Por algum motivo quem tinha de levar comida


pra gente era nossa própria família, sabe-se lá o que é que
o Delegado Titular fazia com o dinheiro da boia. Ele?
VIVIA NA COZINHA DO PREFEITO QUE
DENUNCIAMOS, E CORRIA VAQUEJADA COM OS
FILHOS DELE. GANHOU UM PURO SANGUE DE
PRESENTE.

O que eu fiz? HABEAS CORPUS PRA


TODO MUNDO QUE PEDIU! DIVIDI MINHA
COMIDA E MEU CIGARRO. FIZ AMIGOS LÁ
DENTRO. PESSOAS QUE SONHAVAM COM O DIA
DA LIBERDADE PRA REVER A MÃE, O FILHO e a
MULHER.

56
Enquanto na classe média meus amigos de
faculdade davam em cima das minhas namoradas, ali
dentro só o que foi destinado a ela foi respeito.

Eu não cometi nenhum crime, pelo contrário,


denunciei o crime dos outros. Estudava Engenharia Civil
na Universidade Federal de Alagoas e Direito na
Faculdade Sete de Setembro na Bahia. Tratamento
destinado a mim? Despensa comentários. Sobrevivi. Mas
as lembranças jamais serão apagadas.

A coisa foi tão sem pé nem cabeça que depois


da prisão, SEQUER HOUVE PROCESSO. Minha ficha
sempre permaneceu limpa, não é atoa que hoje sou
Serventuário do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo.

E isso aconteceu por EU TER REJEITADO


ME CORROMPER E ME RECUSADO A
CORROBORAR COM AQUELA SUJEIRA QUE
MATOU E ALEIJOU CENTENAS DE PRETOS E
POBRES POR FALTA DE MÉDICO E REMÉDIO.

Aliás, os remédios eram QUEIMADOS NO


LIXÃO pra não serem distribuídos para o povo, O
REMÉDIO ERA SÓ PARA OS ELEITORES DO
PREFEITO. O dinheiro dos canos pra levar água encanada

57
para a Serra do Cavalo, desviado. O trator dos agricultores
pobres? VOOU PARA O MARANHÃO.

ISSO FOI O QUE OS “HOMENS DE BEM”


FIZERAM COMIGO QUANDO EU DECIDI MOSTRAR
PRA SOCIEDADE QUEM É QUE ERA O LADRÃO.

Ele hoje está inelegível e com seus bens


congelados. Eu? Bem... Trabalhando, estudando, tocando
violão e escrevendo, e comendo pão com mortadela, como
sempre...

58
A MORAL DE MORO DESMORONANDO

Que o Chico Buarque já dizia que “não existe


pecado do lado de baixo do Equador”, a gente sabe, porém
eu imaginava que essa interpretação era voltada para
repudiar as forças conservadoras que sempre ameaçaram a
nossa cultura afro-tupiniquim.

Algo como quem diz: “Olha, o


conservadorismo e os valores europeus, não cabem aqui!”.
Mas, como não é novidade a turma do lado de lá não
compreendeu muito isso e extrapolou. Talvez não, talvez
apenas tenha feito o que sempre faz: “Ver nossa cultura de
acordo com seus próprios valores”.

Porque é importante entender quais são os


valores conservadores que o conservadorismo brasileiro
quer conservar. É pra travar a língua mesmo. Dá pra fazer
outros: De trás do Muro Mora um Moribundo que Mira
Moro, e Moro Maravilhado eMaranhava a Miragem de ser
Ministro.

Primeiro da Justiça, depois do STF. O prêmio


de loteria que o Ex juiz, atual Ministro da (in)Justiça, tanto
almeja. E não precisa recorrer nem ao Código de Processo
Civil pra entender o que é suspeição. Somos brasileiros,

59
amamos futebol, e ninguém gosta de ver um juiz apitando
a favor de um time.

E quando esse juiz apita a favor do time, ele


ganha e depois vai comer churrasco junto com a torcida
dele, levantando a taça, aí a coisa fica pior, companheiro!
Talvez o Lula ainda não tenha pensado nessa metáfora
política utilizando partida de Futebol.

Em jogo de sinuca a gente costuma repreender


o palpiteiro:

“Bico de fora não pia”.

Mesmo que o “bico” seja do presidente do país


que o Capitão do time vencedor proferiu num péssimo
inglês:

“I love you”.

É mais ou menos assim que a gente fica


pensando essa discussão do STF, especialmente da fala do
Gilmar se vão utilizar como referência as matérias do
Intercept ou não.

60
Afinal, já dizia Paulo Coelho: “Existem
verdades que são mais verdadeiras que a própria verdade”.
Eu to só esperando pra ver que verdade é essa, a do
bandeirinha que levantou o braço apontando o
“IMPEDIMENTO”, ou a do (ex) juiz que deu vantagem
pra seu time do coração.

61
PINOCHET SERIA HOMENAGEADO NA
ALESP... POR QUÊ?

Pinochet é um nome que quase nem se ouvia


falar no Brasil até pouco tempo quando o Biroliro resolveu
retrucar uma crítica da Alta Comissária das Nações Unidas
para os Direitos Humanos, Michele Bachelet que afirmou
que houve REDUÇÃO NO CAMPO DEMOCRÁTICO
BRASILEIRO nos últimos anos.

Pra provocar Bachelet, ele se valeu de um de


seus comportamentos mais famosos: Atacou pessoalmente
o interlocutor com um fato que bastante lhe machuca. O
presidente exaltou Pinochet e disse que Michele conhecia
bem a história.

Bachelet não só “conhece bem a história”,


como foi uma das trinta e oito mil vítimas de tortura do
regime e seu pai figurou entre os três mil e duzentos
mortos políticos do regime. Já é inconteste entre os
estudiosos que a ditadura de Pinochet foi a mais
sanguinária da América Latina.

Segundo o presidente, “graças a Pinochet não


se instalou um regime comunista no Chile”.

62
O método de tortura principal da galera do
Pinochet era realmente o estupro. Tinham até cães
adestrados responsáveis por estuprar mulheres, e o troféu
principal do ditador era deixar a marca eterna da gravidez
nas presas políticas que ou abortariam ou carregariam no
rosto de seu filho ou filha os traços do militar que a
impingiu sofrimento.

Bachelet chegou a ser presa pelo regime, e foi


torturada. O resto fica subentendido.

Queimaduras com charutos, chupões, inserção


de ratos nas vaginas e ânus. Choques elétricos e até
CHURRASQUEIRAS eram utilizadas para “extrair
confissões”, além de haverem milhares de casos de pais
serem obrigados a estuprar as próprias filhas ou
presenciarem cenas dos estupro delas.

E aí, como se não bastasse a verborragia


presidencial, vem um Deputado do PSL paulista e inventa
um evento pra homenagear essa peça. O Deputado
Frederico D’ávila solicitou o acontecimento do evento.

Graças à sanidade do Presidente da


Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o
Deputado Cauê Macris do PSDB, o evento foi cancelado.
Ponto para a democracia.

63
O REVISIONISMO HISTÓRICO é uma das
principais ferramentas utilizadas pelos fascistas para
criarem um mundo à sua imagem e semelhança e
convencerem jovens bem-intencionados, com o ímpeto
natural de construírem um mundo melhor a abraçarem sua
causa.

Como o próprio Adolf Hitler já disse:


"Somente aquele que detém a juventude conquista o
futuro." E, "Ao educar a geração jovem com as premissas
da direita, o Estado do Povo terá que ver que uma geração
da humanidade está formada e será adequada para este
combate supremo que decidirá os destinos do mundo.".

Assim como as fakenews que assolam a mente


da população menos instruída, e, por ventura, menos
prevenida, esse tipo de ação tem um claro objetivo:

TESTAR A ACEITAÇÃO POPULAR.


PROCURAR SABER COMO A POPULAÇÃO VÊ A
DITADURA E OS "SEUS RIDÍCULOS TIRANOS".

Possivelmente tenha sido um pedido pessoal


proveniente da própria FAMÍLIA MICO, já que o 02
esteve na mesma Assembléia sendo homenageado pelo
PSL do Frederico Dávila.

64
Basta observar os debates inflamados nas
redes sociais e sites de noticiários. É terrível de se
imaginar, mas essa experiência já deu certo no passado,
quem não se lembra do filme "A Onda"? Ou "Die Welle",
na versão original.

O que chama mais atenção nesse filme é que a


experiência fascista retratada ocorreu DE VERDADE em
um colégio norte americano em Palo Alto na Califórnia
em 1967.

Estranhamente sempre há mentes aflitas em


busca de um redentor e acabam projetando-o nas
personalidades mais esdrúxulas. Basta observar o pastor
Valdemiro, Edir Macedo e outros.

O que remete a uma outra frase do próprio


Adolf Hitler: “É sempre mais difícil lutar contra a fé do
que lutar contra a inteligência.”

Um espectro ronda o Brasil, e não é o do


comunismo.

Esta batalha foi vencida na ALESP. Quantas


outras ainda teremos de travar?

65
MEU CARO AMIGO JÁ NÃO
POSSO LHE ESCREVER...

 
 
“Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever, mas
correio andou arisco”...
 
É o fim dos tempos mesmo! O indivíduo já está
encarcerado e não pode nem fazer uma declaração de amor
para sua mulher, se corresponder com um amigo, falar de
coisas familiares que agora, novamente “A lei te vigia,
bandido infeliz/ Com seus olhos de raios X”!
 
Por isso, “Se pensas que burlas as normas penais/
Insuflas agitas e gritas demais” é bom JAIR trabalhando
sua telepatia pra ver se consegue se comunicar em paz
depois de preso, porque mesmo com tudo contrário, “A
gente vai contra a corrente/ Até não poder resistir”.
 
O Fantasma que assombra o Planalto Central é o espírito
de Luís Inácio. Todas as leis estão sendo voltadas para
tentar pegar o homem que parece ser mais liso do que
baba de quiabo e tá se mostrando mais resistente do que
pau de baraúna.

Agora uma lei inferior burla a Constituição, novamente,


que exige ordem judicial para violação de
correspondências para fim de investigação. O inciso XII
do artigo quinto é bem claro quando reza: 

66
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, NO ÚLTIMO CASO, POR ORDEM
JUDICIAL, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal; 
 
O presidente só não vê o Lula no Espelho porque vampiro
não tem reflexo. Gostaria de ser amado como “O Cara é”,
mas impossível, e vive de lamentações em suas “lives ao
vivo” dizendo que “no fundo é um sentimental/ (afinal)
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de
lirismo(além da sífilis, é claro)/ (E que) Mesmo quando as
suas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar/
Seu coração fecha os olhos e sinceramente chora...".
 
Sério... Ele tenta ser legal, tenta ser amado. Mesmo em
suas posições machistas ele tenta ensinar para as mulheres
o que precisam fazer para serem amadas por ele e pelos
que pensam igual, afinal, basta que elas “Mirem-se no
exemplo daquelas mulheres de Atenas/ (Que) Geram pros
seus maridos os novos filhos de Atenas/ Elas não têm
gosto ou vontade/ Nem defeito nem qualidade/ Têm medo
apenas”.

Ele gosta mesmo é dos ruralistas, e vive sua vida


sonhando com um Brasil diferente. Em seus discursos
inflamados sobre a produção agrícola do país, sempre
exalta suas pretensões voluptuosas: "Ai esta Terra ainda
vai cumprir seu ideal/ Ainda vai tornar-se um imenso
CANAVIAL".

67
                "Com avencas na caatinga
                  Alecrins no canavial
                  Licores na moringa
                  Um vinho tropical
                  E a linda mulata
                  Com rendas de Alentejo
                  De quem numa bravata
                  Arrebata um beijo".
 
O que a gente sabe é que todo esse discurso racista,
misógino de gente frustrada de “Tem que bater, tem que
matar/ Engrossa a gritaria/ Filha do medo, a raiva é mãe da
covardia”, é só fraqueza de querer o que não se tem...
Mas, “a gente vai levando só de birra, só de sarro/ E a
gente vai fumando que, também, sem um ‘cigarro’/
Ninguém segura esse rojão”.

Por que no final das contas, o que importa é que: “Apesar


de você amanhã há de ser outro dia”. Porque ainda que
“A Lei te procure amanhã de manhã/ Com seu faro de
doberman”, “Eu pergunto a você(Jairzinho) onde vai se
esconder/ Da enorme euforia?
 
“Como vai proibir/ Quando o galo insistir em cantar?”
“Você vai ter que ver/ A manhã renascer/ E esbanjar
poesia”. Por que isso é histórico, quanto mais o Estado
usou a força para reprimir o povo, mais inteligente a
resistência ficou, por um simples motivo:
 
“Em uma guerra se evita a força, e se ataca a fraqueza”.
E a fraqueza de todo ditador é sempre sua arrogância...
Afinal “enquanto a polícia e os militares atuam a favor

68
do inimigo, a quem as pessoas odeiam, o guerrilheiro
urbano defende uma causa justa, que é a causa do povo”.
 

69
ATENTADO À BOMBA NO PRÉDIO DE
“PORTA DOS FUNDOS”: A NOVA CARA DO
FUNDAMENTALISMO CRISTÃO BRASILEIRO E
O NASCIMENTO DO TERRÍVEL ESTADO
CRISTÃO

-Crônica do dia 27-12-2019-

Pelo que a história demonstra a política Imperialista Norte


Americana é mesmo PIOR QUE DENTE DE
JARARACA: ONDE ENCOSTA APODRECE! Depois de
tudo o que foi feito no Oriente médio, e sob a
nomenclatura de derrubar “ditadores”, apoiaram os
FUNDAMENTALISTAS RELIGIOSOS, talvez tenha-se
imaginado que a FÓRMULA DO TERROR caberia
APENAS LÁ.

Mas não é. Não é apenas lá e nem é apenas com o Islã. É


COM TODO E QUALQUER GRUPO DE BESTAS.
Certa feita um libanês havia me falado isso. O problema
do medo que se tem do Islã é o marketing negativo que se
faz, porque quando um terrorista muçulmano explode
coisas ELE É UM TERRORISTA MUÇULMANO, MAS
QUANDO UM TERRORISTA CRISTÃO INVADE UM
ESCOLA E FAZ DEZENAS DE VÍTIMAS OU SAI POR
AÍ EXPLODINDO COISAS ELE NÃO É UM
TERRORISTA CRISTÃO, É só um CRIMINOSO
COMUM...

Achei interessante a reflexão. Mas talvez ainda faltasse


alguma coisa pra se tornar materializável a imagem de um
TERRORISTA CRISTÃO. Muhamed era um homem do

70
deserto, um herói político, participou de guerras. CRISTO
NÃO!

Estava viajando para Maceió com minha preta no final do


mês de setembro, fui conhecer seus pais. Resolvemos
esperar um táxi em frente ao prédio do Museu da Justiça, o
que chamam de Castelinho. Estávamos, obviamente, com
malas e um pouco mais apresentáveis que no dia a dia. (Eu
no dia a dia vivo descalço e de bermudas).

Percebi algumas pessoas maltrapilhas e com um pesado


olhar de ódio passarem por nós GRITANDO:

- DEUS TODO PODEROSO VAI DERRUBAR PEDRA


POR PEDRA DESSA CONSTRUÇÃO DE INFIÉIS!

No começo simplesmente achei que era algum alienado


religioso que é o que não falta no centro de São Paulo,
apesar do susto, ainda fiz força para ignorar. Daqui a
pouco de novo:

- DEUS TODO PODEROSO VAI FAZER CAIR FOGO


DOS CÉUS, DERRUBAR TODOS OS AVIÕES E
MATAR TODOS OS INFIÉIS!

Eu juro que num gesto inconsciente fiz o sinal da cruz e


pensei:

- JESUS AMADO... Me proteja Deus!

Só que uma coisa começou a me chamar a atenção: ISSO


SÓ ACONTECIA QUANDO PASSAVAM DE FRENTE

71
AO PRÉDIO DA JUSTIÇA! Então comecei a me lembrar
da campanha que os evangélicos estavam fazendo contra o
Supremo Tribunal Federal e a pressão que estava
acontecendo para a Justiça curvar-se à vontade de pastores
malucos que fazem “Arminha dentro de Igreja”.

Quando comecei a ver crianças formando filas fardadas


com a nomenclatura: “Exército de Cristo” e adjacências,
aquilo já começou a me assustar. Lembro que fui em uma
tal de FESTA DO TABERNÁCULO da "igreja" que a
mãe de minhas filhas as leva e o nome do coral masculino
era SOLDADOS DE CRISTO. Achei ridículo mas tava
uma moda disso, nem levei muito em conta afinal, o pastor
era japonês, pregando um culto dizendo que o nome da
religião era judaísmo-cristão e na festa teve até dança
ventre. FALO SÉRIO!

Puta que o Pariu e eu nem sou Cristão! Vamos raciocinar:


Cristo era Marceneiro, quem era militar era Moisés. Cristo
pregou de volta no lugar a orelha do soldado romano que
Pedro arrancou. Quando estava no alto da cruz disse com
as forças físicas que lhe restavam: PERDOA-OS PAI,
ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM.

Naquela “fita” de Maria Madalena, ele disse: Atire a


primeira pedra quem nunca pecou” O QUE EXORTOU A
MULTIDÃO ENFURECIDA E FEZ COM QUE ELA
ACALMASSE, e não pegou uma pedra e danou na cabeça
de Maria Madalena. Dimas o Bandido, o “PRIMEIRO
VIDA LOKA DA HISTÓRIA” foi perdoado por Cristo e
segundo o próprio: “Estaria com ele no paraíso ainda
hoje”, NÃO QUEIMANDO NO INFERNO COM

72
COQUETEL MOLOTOV!

É por conta desses idiotas que a sociedade tem mais gente


doente a cada dia que passa. Tá impossível sobreviver do
lado de fora dos muros de casa, porque a gente sai e só
ouve heresia, só vê heresia, só PRESENCIA HERESIA! E
EU NEM SOU CRISTÃO!

Eu tinha estudado que o Cristianismo cumpriu com o


papel de civilizador do mundo depois que o Império
Romano caiu. E o que temos agora da doutrina Cristã?
Tarados, psicopatas e lunáticos ATEANDO FOGO NAS
COISAS, ESPANCANDO LGTB’s, E ANDANDO
ARMADOS? OU SEMPRE FOI ASSIM E AGORA AS
MÁSCARAS PESARAM? OU APENAS TEMOS
CÂMERAS E IMPRENSA COM UM POUQUINHO DE
LIBERDADE?

Não sei... Porque, pra falar a verdade, se é MEDO DE


SAIR NAS RUAS QUE VOCÊS QUEREM QUE A
GENTE TENHA, PARABÉNS, JÁ CONSEGUIRAM
FAZ TEMPO! E hoje já faz mais medo quem porta uma
bíblia do que quem porta um fuzil...

ANDA DIFÍCIL DORMIR...

73
DESTRUÍRAM (hoje) A COMUNIDADE
RAINHA DANDARA, NÃO SEU SONHO DE
LIBERDADE!

Impressionante como no Brasil as histórias tristes têm a


grande capacidade de se repetirem.

Dandara foi a primeira esposa de Zumbi dos Palmares. O


líder era casado com três mulheres, a última delas era
branca, filha de um fazendeiro que decidiu viver com o
GRANDE LÍDER NEGRO.

Dandara é o SÍMBOLO MÁXIMO DA LIBERDADE.


Uma liderança feminina em um período onde o preto
sequer era LEGALMENTE CONSIDERADO SER
HUMANO. A mulher que liderava lanças em Palmares e
que foi leal a seu povo até seu último instante, mesmo
após a queda do Mocambo Macacos (Capital do Quilombo
dos Palmares) em 1690.

Pra falar a verdade era chamado de BICHO. Cólera era


MAU-DE-BICHO e o que era do homem O BICHO NÃO
COME.

Quando capturaram Zumbi em Viçosa, que foi o último


reduto de Palmares, fruto de uma traição, os mercenários
do Bandeirante Paulista Jorge Velho cortaram seu pênis,
colocaram em sua boca, desfilaram pelas ruas do Recife
74
com sua cabeça e gritaram para que todos ouvissem:

- ZUMBI ESTÁ MORTO!

A invasão a Palmares só foi tida por “viável” após a


Companhia das Índias Ocidentais perder a guerra para
Portugal e assim o território do nordeste brasileiro. O Rei
Zumbi governava um território vasto que era muito maior
que a chamada hoje “Serra da Barriga”.

O PHD pela Rafael Sanzio (tem nome de pintor italiano


renascentista mas é negão), professor da Universidade de
Brasília trabalha arduamente com sua produção sobre
Geografia quilombola para elucidar esse pensamento
equivocado que os bandeirantes paulistas gostam de
propagar, assim como o Professor Zezito da Ufal e outros
tantos intelectuais negros, Brasil afora.

Certa feita na mesma Maceió que destruiu hoje a


comunidade Dandara, ele me explicou que foi levar o
mapa que com muito trabalho construiu sobre territórios
quilombolas no Brasil e os senadores sequer deram
ouvido.

Quando destruíram o Mocambo Macacos, Capital de


Palmares, não re-escravizaram nenhum negro.
DESTRUÍRAM PARA DAR EXEMPLO. PARA
MATAR O SONHO DE LIBERDADE. MATARAM
TODOS OS NEGROS, PORQUE SEGUNDO ELES
NENHUM NEGRO DEPOIS DE VIVER EM
PALMARES SERIA UM “BOM ESCRAVO”
NOVAMENTE.

75
Hoje cedo destruíram a comunidade Dandara em Maceió,
no Bairro Benedito Bentes aos gritos:

- LULA ESTÁ MORTO, AGORA É BOLSONARO


PORRA!
Destruir a ocupação com o nome da RAINHA
DANDARA em Maceió não foi intento opara acabar com
as ocupações de terra. E sim, dar exemplo. DAR
EXEMPLO MAIS UMA VEZ DE QUE “O QUE É DO
HOMEM O BICHO NÃO COME”.

Nos dias que estávamos no curso do Prof Dr. Rafael


Sanzio o Quilombo Muquém foi Alagado pelas enchentes
que destruíram parte de Alagoas. Muquém é um dos
Quilombos da região da Serra da Barriga, remanescentes
de Palmares. TODA A COMUNIDADE SOBREVIVEU
ABRIGANDO-SE NAS ÁRVORES.

NOSSO POVO VEM RESISTINDO À


BANDEIRANTES HÁ SÉCULOS.
Meu avô tinha frase que repetia para os filhos com
orgulho:

- NÊGO DA NOSSA RAÇA NUNCA FOI FERRADO.

Mais uma vez temos UM BANDEIRANTE COM UM


EXÉRCITO DE MERCENÁRIOS ASSASSINOS
tentando destruir nossos quilombos. Mais uma vez
resistiremos ATÉ QUE O ÚLTIMO SANGUE PRETO
SEJA DERRAMADO.

76
Hoje faremos LUTO pela comunidade RAINHA
DANDARA. Amanhã voltamos pra LUTA.

Graciliano Tolentino

A INVASÃO DO QUILOMBO
- Soneto do dia 30-06-2010-

Venha com quantas armas suas pernas e braços suportam


E com todo o comboio de mercenários assassinos
Venha com toda a sede de derramar sangue de meninos
Que cortarei suas cabeças e abandonarei pra que
apodreçam

Venham com toda a lascívia de estuprar as moças


E com todo o furor de espancar as velhinhas
Que derramarei seu sangue pra dar de beber as moscas

Seus cães nunca mais saborearão a carne das nossas


crianças!
Suas correntes nunca mais nos impedirão de viver!
E suas chibatas nunca mais silenciarão nossas danças!

Que quantas vezes for, gritarei a tranca rua, exu caveira e


outros mais
Que nas giras de Ogum trabalharei o quanto for capaz
Que seu nome seja enterrado com sete velas negras
E que sua alma, coronel, seja entregue nas mãos de
satanás!

77
O BOI E AS COBRAS DE PAULO
AFONSO NAS FRAUDES PELAS VAGAS DAS
COTAS DE MEDICINA NA UNIVASF
  
- Eu também sou negro! Por que voinha de minha falecida
bisavó era preta também que era da cor de um tição!

Essa discussão já passou do ponto de ser ridícula.

A política de COTAS RACIAIS surge como uma


MEDIDA DE AÇÃO AFIRMATIVA para tentar igualar
ou diminuir os efeitos que a escravidão e a discriminação
tomaram conta de concretizar por todos estes anos desde
colônia a neocolonização.

SER NEGRO vai muito além do fato de O PAI ser preto


retinto, porém casa-se com uma galega e abandona todas
as suas características intrínsecas que tornam um cidadão
negro, NEGRO DE FATO!

Dá até pra fazer cheque list:

Religiao: CRISTÃO PROTESTANTE

78
CABELO: ONDULADO ALISADO COM CHAPINHA

MUSICA FAVORITA: AMO GREEN DAY

ESTILO DE ROUPA: QUASE SEMPRE SPORT FINO


 
Aí o sujeito não sabe bater um tambor, nem peste sabe
quem é OGUM, tem ate passamento quando vai em casa
de santo, nunca entrou nunca roda de capoeira... A vida
toda foi branco E NEM TOMA SOL PRA TENTAR
DESBOTAR E NÃO PARECER NEGRO, ALÉM DE
PASSAR CHAPINHA NO CABELO E ALINHAR COM
GEL.

Agora, quando é pra TIRAR A VAGA DE ALGUÉM


QUE É PRETO DE VERDADE, EXIGE SEU DIREITO
A COTA!

É importante entender que mais do que GENÓTIPO, O


FENÓTIPO É IMPORTANTE, porque é por meio dele
que as relações sociais racistas se externam. O Fenótipo do
Indivíduo é de europeu, pra começar, até os olhos claros
tem... Se pedir pra ele tocar um samba... Ai ai ai...

É difícil entender como negro, uma pessoa que toda a vida


foi vista como socialmente branca, com olhos claros, e que
toda a vida fez questão de esconder a linhagem assim
como os usos e costumes da raça.

Que inclusive alisa os cabelos e não participa de nenhum


movimento cultural que venha a trazer o resgate ou o

79
fortalecimento de qualquer grupo de matriz africana. Que
deixa de tomar sol para parecer branco e que faz questão
de destacar os olhos verdes em fotografias.

Quando a cor lhe representa vergonha, se exime de


pertencer a ela, mas na primeira brecha de possibilidade de
benefício, briga com todos ao redor para tirar a vaga
daquele que realmente merecia enquanto poderia estudar
mais um ano e entrar no curso com dignidade.

Esses são os defensores da bandeira verde amarela!


Bandido bom é bandido morto! Desde que ele seja preto e
favelado!

É por isso que nossos direitos estão desmoralizados! Os


Brancos vêm, desmoralizam e a gente fica quieto!

E isso aconteceu aqui, debaixo do nosso nariz, na


Universidade Federal do Vale do São Francisco. Mas,
como o pai dele é policial e gosta de assombrar o povo, tá
lá matriculado, lindo, leve e solto...

Corrupção pra quem é minion é só quando rouba do rico,


esse bandido aí só é bom quando tá morto, mas quando o
mesmo minion rouba o direito de um preto favelado
estudar, ai ele tá certo e corberto de razões...

Dá-lhe Brasil! Dá-lhe Dr... Tenho certeza que pelo seu


início de carreira, serás um médico muito honesto e justo...
Nesse sim “PODEREMOS CONFIAR”!

Infelizmente esse é parte do Efeito Colateral de mais de

80
duzentos anos do movimento negro por abolição e
igualdade... O Branco incompentente e invejoso sempre
arruma um jeito de burlar o sistema e tomar aquilo que é 
nosso... Sem  a mínima consciência... Mas vai lá na
Igreja ver se no domingo o cartão dele não está batido
assim  como o dízimo pago!

Meus pêsames por começar assim a tua história  de vida...


COMO UM CORRUPTO!

E boa sorte pra ser aceito no movimento negro...

81
O RAMBO MAL INTERPRETADO
COMO EXEMPLO DE UMA GERAÇÃO DE
EDUCAÇÃO FRACASSADA

Quando eu vejo um POST no FACE com um meme do


Rambo o exemplificando como imagem de homem a ser
seguido, fico imaginando que tipo de pessoa é que o fez.
Se é um:
a) Desinformado que concorda com as políticas cruéis da
extrema direita sem refletir a respeito da humanidade e se
imagina superior e imune às maldades intrínsecas a elas;
b) Um perfeito idiota que simplesmente achou a
publicação engraçada sem entender os motivos mal
intencionados de quem a dissemina e dá risada de tudo
porque acha divertido ver as coisas explodindo nos filmes
do Stalone; ou,
c) Um canalha propagador do mal com desejos
megalomaníacos de poder e sentimentos autocratas.

A dúvida sempre paira, depois, vou ver o perfil da criatura


para tentar entender o que é que se passa no oco de sua
mente, depois de exercitar, obviamente, o mais supremo

82
do meu auto-controle, acompanhado de um bom remédio
tarja preta, desenhos animados e meditação pra estimular a
calma.

O RAMBO é um MARAVILHOSO PERSONAGEM do


FANTÁSTICO CINEASTA SILVESTER STALONE. E
ele serve para retratar exatamente o quanto a crueldade
humana é pernóstica para o convívio interpessoal e
intrapessoal. Ele retrata o quanto uma pessoa boa pode ser
facilmente seduzida por sentimentos de ódio, crueldade e
insana obediência, assim como os alemães foram.

E no mais, QUEM TEM O RAMBO COMO EXEMPLO


SÓ PODE SER UM ALUCINADO!

O Rambo é um norte-americano, branco, representante de


um exército opressor que invadiu com meros anseios de
dominação, uma nação independente que era o Vietnã, que
inclusive estava localizada EM OUTRO CONTINENTE,
apenas por não concordar com sua política econômica e
filosófica. OU SEJA INTENTO PURAMENTE NEO-
IMPERIALISTA;

O Rambo era membro de um Exército de HUM MILHÃO


DE HOMENS de uma potência bélica mundial que tinha
vencido a Alemanha Nazista e estava em Guerra Fria com
a Rússia, possuía tanques de guerra e até armamento
nuclear e PERDEU A GUERRA PARA O VIETNÃ
exatamente por usar a estratégia errada de pura força bruta
descomensurada desconhecendo o território inimigo e sua
predisposição a defender sua liberdade;

83
O Rambo era um militar, membro de um exército que
estuprava e atacava crianças, inclusive com armas
químicas, espancava velhinhos DENTRE DIVERSAS
ATROCIDADES COMETIDAS, e a crueldade estampada
nas imagens da Guerra Vietnã são tão pesadas que chegam
a ser comparadas por diversas pessoas com as imagens
retratadas nos Campos da Segunda Guerra Mundial.

O Rambo fica neurótico e isso é nítido nos filmes...


ALGUÉM QUE FAZ ESSA COMPARAÇÃO
HEDIONDA PERCEBEU ISSO? Exato... O Silvester
Stalone retrata o adoecimento mental dos soldados norte-
americanos. Dos veteranos de guerra que povoam as ruas
frias dos Estados Unidos quando voltam pra casa e passam
a velhice comendo pedaços de pizza doados em volta de
tambores em chamas, aquecendo os corações com
lembranças da família, música e whisky.

Nos memes que colocam o Rambo como exemplo, sem


entenderem o contexto da obra, colocam o assassino cruel
do exército derrotado por um país de terceiro mundo,
faminto, que venceu a guerra utilizando túneis cavados
debaixo dos próprios acampamentos norte americanos,
que na vida real tortura e mata crianças de países pobres
ao redor do mundo em todas as guerras que lutam mesmo
em missões de paz.

Como se isso não fosse o suficiente, os memes estão


escritos em português e são disseminados por brasileiros
no BRASIL! Eles se esquecem de (novamente) que o
Rambo é um militar do exército norte americano!
Enquanto a América Latina inteira vive o ínterim e

84
sucessões de diversos Golpes de Estados violentíssimos
EXALTA-SE A FIGURA DE UM HERÓI DE GUERRA
DO EXÉRCITO DO PAÍS DOMINADOR!?!

(Acho que tá mais que na hora de ser revisto o conceito de


ser patriota)...

O soldado visto como exemplo, é apenas o misto da


imaginação de um “Super-Herói” imaginado... Pra falar a
verdade mesmo... Destes “heróis” que os americanos têm,
o único que se aproxima da realidade é o Tony Stark, o
restante é tudo fantasia de sonho molhado de menino que
não aprendeu a ser forte o suficiente pra entender que
se ter sentimentos é sinônimo de ser humano e aceitar ser
o que se é, na verdade, é a real compreensão do que é ser
forte...

Ou então, logo mais, assim como os Estados Unidos, o


Brasil estará entupido de crianças drogadas com
RITALINA (que é comparada por especialistas com a
cocaína) sob a desculpa de sua “hiperatividade”, e criando
gerações de zumbis, ou pior, máquinas incapazes de lhe
dar com seus próprios sentimentos e que passarão a vida
se drogando e invadindo escolas pra matar seus colegas
com fuzis 765.

85
ZÉ MAGO, MESTRE de OBRA MAIS
LÚDICO DO MUNDO!

Zé Santana é o verdadeiro sertanejo, aquele que mesmo


longe de sua terra sempre manteve suas origens. Mais de
setenta anos, quase oitenta, e ainda preserva muito bem o
pernambuquês, bebe cachaça, fuma cigarro de palha, conta
piada, curte a família, sua esposa D. Tânia, única com
quem se casou ao longo da vida e vive rindo de tudo. Ou
QUASE TUDO!

“Gato de Obra”, gíria que se utiliza para dizer dos donos


de empreiteiras ou “empeleiteiros” como se diz no sertão.
Zé criou seus filhos e sustentou sua casa dessa maneira.
Trabalhando duro, sendo honesto, pagando em dias os
seus trabalhadores e mantendo uma vida comum.

Formou os filhos que optaram por estudar e criou um


clima extremamente fantástico de convivência com todos
os seus parentes e amigos, de forma que eu jamais ouvi

86
falar nem dos meus contemporâneos, nem dos mais
antigos, qualquer história que o desabonasse.

Mas, por outro lado, histórias engraçadas tem diversas!


Principalmente no que se refere à “história de obra! Os
pormenores dos bastidores de um canteiro de obras na
Construção Civil. E essas histórias são contadas a miúde
nos bancos de praça e nos botecos aqui da vila e engloba
todos aqueles que queiram ouvir.

Numa dessas, meu tio Antônio, que conviveu com Zé


Santana, que muitos chamam de “Zé Mago” (MAGO é
pronúncia matuta de MAGRO), estava lembrando de um
dia em especial que marcou a trajetória dos trabalhos.

Zé Mago tinha uma Kombi branca que levava os


trabalhadores para a obra, que além de evitar atrasos e
faltas, a maioria de seus trabalhadores eram sertanejos
nordestinos, ou filhos deles, e conheciam pouco ou quase
nada de São Paulo, além de ajudar na renda desses
trabalhadores, pois ao invés de se gastar dinheiro com
passagem de ônibus, a carona lhes fazia economizar esse
dinheiro, além de proporcionar-lhes uma boa dose de
conforto.

E nessa Kombi rolava todo tipo de conversa, das mais


diversas possíveis, de maneira muito democrática. De
futebol, religião, política, e até briga de casal, porém, uma
coisa que ERA INCONTESTÁVEL era a vaquejada que
todos os dias Zé escutava em sua Kombi rumo ao trabalho
que lhe punha mudo e lhe remetia ao seu Pernambuco
amado de outrora.

87
Certa feita teve um ousado que resolveu cantar samba no
meio do trajeto, por cima de sua vaquejada, e ele parou a
Kombi abruptamente num acostamento, desceu, abriu a
porta da Kombi enfurecido e gesticulando como um
maestro regendo uma peça de Beethoven, reclamou aos
brados:

- Vamos parar com essa “dação de cu” aí atrás e quem


quiser cantar peste de samba pode descer e ir pra obra de
ônibus!

Alguns sorriam, outros gaitavam, outros tiravam sarro,


afinal, como se diz na obra: “peão é a imagem do cão!”.
Por fim o assunto foi pacificado e todos seguiram para o
trabalho.

Na obra, o aprendiz é chamado de “oreia seca”. É aquele


que está começando agora e que vai aprendendo o
trabalho, parte por parte até chegar ao nível supremo de
“mestre”, que o sujeito que entende desde o “recorte” ao
acabamento.

Entende de “amaciar” a parede com massa corrida, pintar


com látex, epóxi, tinta à óleo, esmalte, entende de
superfícies, técnicas e efeitos que deixam qualquer
barracão parecendo uma mansão do Itaim Bibi. Inclusive a
equipe dele chegou a pintar até obra de Ruy Otake! Vai
brincando!

Ele conta que esse zelo com sua equipe foi o promotor de
seu sucesso, porque ele buscava ensinar com cuidado o

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passo a passo de cada “neófito” com o máximo de trato
lúdico possível e imaginável, a tal ponto, que houve
algumas situações inusitadas ao longo de todo esse
processo que algumas vezes lhe colocaram em “saia
justa”.

Certa feita estava lá o “oreia seca” pegando no cabo do


pincel como quem “segurava num cabo de marreta”,
fazendo o recorte da parede e lambuzando todo o jornal
que forrava o chão, a roupa, as mãos, a cara, tudo! Mais
tinha tinta fora do desenho proposto do que onde ela
realmente deveria estar.

Zé Mago chamou meu tio, Antônio, que já era tido por um


dos “mestres” e disse apontando com a palma da mão
direita aberta e o braço estendido, enquanto a outra se
posicionava na cintura com as costas da mão. Com o
corpo reclinado pra frente, com seu gesto comum que se
encurva a partir da lombar, e o cigarro de palha no canto
da boca, com os óculos presos ao pescoço por uma
cordinha, caídos no meio do “pau da venta”.

- Óia isso Gavião, veja se tem jeito!

Enquanto ele arquitetava uma forma de corrigir o trabalho


do peão, a dona do apartamento, que tinha saído, acabava
de chegar e foi entrando pelo ambiente e ficou logo atrás
dos dois, em silêncio, admirando o trabalho bem feito e
higiênico da equipe que era chamada de “os artistas de
Ruy”.

Continuou:

89
- Tem jeito um negócio desse rapaz, espia como o cabra
segura um pincel!

Meu tio sugeriu:

- Oh Zé... Vai lá e explica pra ele que se pega num pincel


não é assim não, como quem quebra pedra, diz pra ele que
a gente pega no pincel é como “quem pega numa caneta”.
– E gesticulou com a mão em tom de demonstração.

E como explicar pra um peão analfabeto como se pega


numa caneta?

Zé Santana não teve dúvidas, jogou o cigarro de lado, que


já tinha acabado, suspendeu as calças que ficavam sempre
folgadas, até por demais, em seu corpo deveras esguio e
foi até o rapaz.

- Menino, me dê esse pincel aqui! Ói, deixa eu lhe ensinar


como é que se faz... Você tem que pegar no pincel e passar
na parede com delicadeza, assim, óh COMO QUEM
ALISA UMA BOCETA! Entendeu?

O peão aprendeu! Ele fez sinal assertivo com a cabeça,


deu três tapinhas nas costas do peão que ficou feliz com o
aprendizado e com a forma cômica de se explicar. Quando
ele vira de costas, quem é que tava toda vermelha e pasma
com a forma lúdica do ensinamento? A PATROA!

Zé congelou na mesma hora, não sabia onde punha a cara,


começou a suar e mudou de tudo o que era cor! Chamou

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meu tio pra fora do prédio e disse:

- Gavião, onde é que eu tomo uma cachaça agora pra curar


esse nervoso?

O BRASIL DO “FAÇA O
QUE EU DIGO, MAS NÃO FAÇA
O QUE EU FAÇO!”
 
- Crônica do dia 01-02-2022 –
 
- Faça o que eu digo, mas não faça o que eu
faço!
 
Desde pequenos, é corriqueiro ouvirmos esta
frase, seja em tom de crítica, seja em tom de demonstração
de poder.
 
Pode-se, a isto, também, atribuir, como a
muitas coisas vêm sendo feito nas últimas décadas, a este
comportamento, a característica de ser um possível
91
resquício do pensamento colonial escravista que temos
que enfrentar e confrontar no Brasil pós-moderno, como é
o caso do “neo-escravismo” à brasileira, como gosto de
chamar.
 
Algo bastante constante em nossa cultura euro-
tupiniquim, com algumas pinceladas africanas, que é
como gosto de retratar o sistema político brasileiro.
 
Esse pensamento é nítido em diversas culturas
mais ancestrais, porém, podemos explicar sua
fundamentação mais erudita na Idade Média, onde a
sociedade era, basicamente, dividida entre dois grupos que
eram como água e óleo, a dita NOBREZA e os PLEBEUS.
 
Chega-se até pensar em ser lógica, esta
distinção, já que muito bem, sofisticamente,
fundamentada. Uma falácia quase imperceptível, portanto,
reproduzida por muitos incautos ao longo da história e
quase que naturalizada na mente de seres humanos que,
nasceram livres, deveriam crescer livres e vivem
aprisionados, não à obediência natural às coisas divinas,
portanto, justas e perfeitas, mas sim, às coisas profanas
impostas por homens que se julgam arautos da moral.
 
Compreendia-se estes privilégios conferidos
aos então Digníssimos nobres das monarquias pré-
absolutistas, e alargados com o absolutismo já na Idade
Moderna, como saudáveis e justos, já que os Camponeses,
dentre outros considerados como trabalhadores inferiores,
como construtores, comerciantes, artesãos e adjacências,
“não teriam uma responsabilidade legal e moral (o que

92
para o período era redundância, já que a moral era
nitidamente coercitiva, a exemplo dos Tribunais da
“Santa” Inquisição)”, de defenderem a coroa, que era
compreendida como o próprio Estado.
 
A SOBERANIA do Estado pertencia ao
próprio Rei, daí a ideia de chamá-lo SOBERANO.
Pensamento, este, refutado posteriormente com o advento
da Revolução Francesa inspirada na ideia de
LIBERDADE, IGUALDADE e FRATERNIDADE, que
compreende a SOBERANIA como apenas mais um dos
Elementos do Estado, e que este deveria pertencer ao seu
Elemento mais importante que é o POVO, eis, então, a
ideia de IGUALDADE.
 
O famoso “Faça o que eu digo e não faça o
que eu faço”, em nossa cultura euro-tupiniquim, está mais
relacionada à ideia de ESCRAVIDÃO, já que no Brasil,
acirra-se o comportamento feudalista medieval,
ressurgindo aqui, esta imagem já então abolida no
contexto europeu cristão da época.
 
O ESCRAVO não é considerado um SER-
HUMANO, e sim, uma COISA, um BEM SEMOVENTE,
como um cavalo, um boi, uma cabra... UM CÃO!
 
E, pelo que vimos em larga escala acontecer
em diversas instituições respeitáveis, ainda há muito deste
que pode ser chamado de algo que vai além do mero
comportamento, deste pensamento que fundamenta o que
poderíamos até chamar, vulgarmente, de princípio, já que
tão enraizado em nossa cultura:

93
 
“Aquele que detém cargos de comando se
sente no direito de burlar a lei, muitas vezes, que ele
próprio instituiu, com a justificativa de que ele pode, mas,
se todos fizerem, vira DESORDEM”.
 
Talvez, por isso San Thomas More tenha sido
decapitado, Sócrates condenado à morte por cicuta e Jesus
Cristo crucificado. O exemplo de virtude incomoda mais
que o autoritarismo e a mentira, pois estes últimos,
justificados pela chegada ao poder, faz com que os
homens incautos desejem o trono, não para bem governar,
mas para poderem infringir a lei, muitas vezes imposta por
eles próprios.
 
“Para os meus amigos, favores, para os
inimigos a Lei!”.
 
Afinal... Quem foi que disse isso mesmo?
 

94
A DIREITA
MERITOCRÁTICA CRISTÃ
 
 
 
 
Meu chefe no Fórum do Brás entrou para o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo com onze pra
doze anos de idade, porque o avô o indicou para uma vaga
lá dentro. Ele me contava essa história emocionado, a
ponto de encher os olhos d’água, e recordo a frase que lhe
disse depois de fazer o arrumadinho:
 
- Honre o nome da família “…” !
 
Eu me segurava para não gargalhar, essa é a
verdade, mas, enfim, eu apenas iniciei com este exemplo
para tratar de um assunto que me corrói a alma todas as
vezes que eu escuto falar sobre, e esse é o prato principal
95
da Direita Brasileira que é composta por eleitores a
imagem e semelhança deste meu ex-chefe, que inclusive
falava orgulhoso do filho policial que tinha uma foto com
o então deputado que aspirava sentar na cadeira de
comando do Palácio do Planalto.
 
Hoje, depois de ter passado a vida no Tribunal
de Justiça, e ter cursado Direito no Varejão do Ensino,
afinal comete erros crassos de português como, por
exemplo, escrever telefone com acento circunflexo no “o”;
na palavra alterar, substituir a letra “L” pelo “U” e outras
coisas esdrúxulas deste nível, como Uadizapi, e passar
mais de meia hora para mandar um e-mail de dez linhas,
nas quais pelo o menos metade era cabeçalho e rodapé, e é
dono de um salário que dizia feliz ser maior que vinte mil
reais por mês, tem cerca de cinquenta anos e já tem tempo
de serviço suficiente para se aposentar.
 
Ele adoeceu vários funcionários que passaram
em concurso público, possui várias denúncias por assédio
moral a servidores concursados que adoeceram em início
de carreira e tiveram suas trajetórias no serviço público
abreviadas, como é o meu caso. Enquanto os servidores
concursados são oprimidos por funcionários
comissionados que a maioria não sabe fazer o “O” com o
copo.
 
A minha esposa ficou todo o período de
gestação sem estabilidade porque a diretora e a vice
diretora da escola em que ela trabalha, também no Brás,
não sabiam inserir seus dados no sistema, nem sabiam que
a Constituição garante proteção à maternidade desde o

96
período de gestação e a desculpa dela foi dizer que “há
muito tempo não temos funcionárias gestantes na escola,
então, não sabemos o procedimento”.
 
E isso, enquanto nós, os funcionários
concursados, temos de aprender sobre todas as
circunstâncias para fazer a prova de ingresso, no caso o
Concurso Público, no qual já cai toda a legislação
pertinente ao nosso cargo e que devemos mais que
aprender, decorar mesmo, artigo por artigo, parágrafo por
parágrafo, alínea por alínea, além dos princípios
constitucionais pertinentes ao tema, português
aprofundado a ponto de ser cobrado radicais gregos e
latinos, sintaxe, semântica etmologia, dentre outras coisas
mais e somos comandados por esta qualidade de
servidores extremamente arrogantes que se sentem no
direito de gritarem conosco e dizerem:
 
- Eu não estou aqui para trabalhar, eu estou
aqui para mandar!
 
Como eu cheguei a ouvir. Ou ver a Oficial do
Cartório em que trabalhei em Bertioga ir para o Fórum de
roupas curtas e desligar o ar condicionado pra me forçar a
não ir de terno para o fórum, como estava acostumado a
fazer em São Paulo e me vestir de acordo com a
“Dignidade da Justiça”, como nos é cobrado no Estatuto
dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo, porque,
segundo ela era “ridículo eu me vestir de terno como se eu
fosse um juiz”. Eu não sabia que ser juiz era pré requisito
para usar terno e também não sabia que o fato de o Fórum

97
ser no litoral estávamos dispensados de cumprir o
Estatuto. Afinal, é pra cumprir a lei ou não é?
 
E essa é a “Direita Meritocrática Cristã”. Que
quando fui explicar pra minha chefe que estava passando
por problemas psicológicos como pânico, depressão,
ansiedade, psicose, ela perguntou bruscamente e com cara
de nojo se eu “usava craque”, e me convidou pra ir para
sua igreja, pois estas coisas eram “possessão do demônio”.
E quando eu tive uma crise de ansiedade que engessou
todos os meus membros e me deixou sem ar, ficou parada
em minha frente de braços cruzados com cara de desdém
enquanto eu pedia apenas um copo d’água e ela falou que
não faria nada e que chamaria o SAMU. É por isso que
nós, servidores concursados, passamos na mão dessa
turma.
 
Pouco tempo depois, na última discussão que
tivemos antes de eu ser afastado novamente do serviço por
problemas de saúde mental, ela sorriu com ódio no olhar e
falou susurrando pra mim:
 
- Você não sabe como Bertioga funciona.
 
Esta é a “Direita Meritocrática Cristã” que
persegue os servidores que não se alinham às suas
loucuras e ficam lhes puxando o saco enquanto eles
repetem todos os dias as suas poucas histórias de
conquistas, ou momentos de sorte, em que alguém, mais
uma vez, facilitou suas vidas dentro do serviço público
depois de tantos anos de “penitência”.
 

98
Enquanto os concursados carregam os pianos e
fazem o pouco acontecer com muito esforço e dedicação,
enquanto os ocupantes de cargos em comissão, indicados
por amigos da família de muitos anos, ou décadas, ou
séculos, são um próprio ralo de sucção do nosso país, que
ganham por meia dúzia de funcionários e trabalham por
um décimo de hum, quando o fazem.
 
Esta é a Direita Meritocrática, que não estuda
e não trabalha, come muito, engorda e depois vai fazer
cirurgias plásticas com o dinheiro minado do serviço
público e endossado por empréstimos consignados de
bancos conveniados com a estrutura pública administrada
por políticos que são os comandantes da máquina que
tomam atitudes que refletirão por décadas, mas, eles
permanecerão no máximo oito anos no poder, e não se
responsabilizarão pelo dano causado ao sistema que
deveria funcionar para a sociedade que o sustenta e não é
atendida por ele.
 
E por fruto desta Direita Meritocrática Cristã,
eleitores dos discursos de que com trabalho é possível
vencer, diversos trabalhadores estão coibidos do seu
direito de se alimentarem e ainda são culpados por sua
miséria que deveria ser atendida pela Assistência Social
que é minada pelos mesmos políticos eleitos para realizá-
la.
 
A miséria é fonte de lucro. Basta ir atrás do
preço de cada carro pipa que é utilizado para lavar a
cracolândia, ou o custo de cada garoto de dezenove anos
recém encarcerado por ser submetido à marginalidade

99
criada pela ineficiência dos serviços públicos e que é
piorada pela atuação das milícias e dos abusos de poder
frequentemente cometidos por autoridades policiais além
da bravata do combate às drogas que apenas estão em
curso na sociedade pela permissão de agentes públicos que
lucram com a entrada e a permanência da droga em
circulação.
 
Sem o combate às drogas seria impossível um
policial adquirir tantos bens como carros importados e
mansões, além de noites e noites regadas à bebidas e
drogas caras e garotas de programa de luxo, do tipo “capas
de revista”. Se as drogas fossem vendidas na farmácia,
uma criança de dez anos não teria acesso com facilidade,
assim como não se tem acesso a um frasco de clonazepan
para poder dormir, ou uma simples amoxicilina.
 
E se a criança não tem acesso à droga, ela não
se vicia. Se ela não se vicia ela não entra no tráfico para
bancar sua droga, seu tênis e seu rolê no fluxo pra
conhecer umas garotas. Se ele não entra para o tráfico ele
não é extorquido até não ter mais nada para oferecer, e
depois encarcerado para compor a linha de frente do crime
organizado que é quem deve ser combatido por quem o
extorque, que é o estado que proíbe a droga mas submete o
servidor público concursado a um regime de escravidão e
submete sua família à miséria e à indignidade porque
rouba os recursos que deveriam ser destinados à população
e os cargos de comando estão ocupados por funcionários
incompetentes que foram nomeados por amigos da família
há anos, ou décadas, ou séculos, e se não fosse
esse network, não teriam acesso a esses cargos que pagam

100
por seis funcionários concursados, mas não se cobra o
rendimento de um décimo de um funcionário concursado.
 
Eis o sistema que destrói o Brasil. O sistema
criado pela querida “Direita Meritocrática Cristã”.
 
E eu estou aposentado por ser considerado
louco e perigoso. Parabéns aos envolvidos.

A GENTE SENTE SAUDADES ATÉ SE


REENCONTRAR DE NOVO, DEPOIS AMA ATÉ SE
ABUSAR E VOLTA A SENTIR SAUDADES.

- Crônica do dia 23-06-2020 -

Alguns dos hábitos mais gostosos que o pessoal aqui de


casa tem, é de tomar café na mesinha do quiosque da praça
que fica aqui na frente. Parece até o banco da “Praça é
Nossa” tem de tudo!

Essa praça é realmente um dos elementos que existem na


face da Terra que faz com que possamos compreender de
fato o que é o Brasil, em essência, de uma forma saudável.

Cada pessoa que passa todos dias, rumo ao portal que os


leva da realidade daqui, para a realidade necessária, ou a
realidade pretendida, ou qualquer outra realidade, mais ou

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menos amada por cada um que vive neste espaço de chão
que é, visivelmente, tão simples, porém, ao mesmo tempo
tão complexo, tão profundo e tão cheio de significados.

É tão impressionante o fato conhecer alguém há tantos


anos que essa pessoa já seja parte completa de sua vida, de
tal maneira que você nunca tenha imaginado a sua vida
sem ela, até que, de repente, ela parte.

E aí, é quando se percebe que a gente precisava daquela


pessoa viva, nem que fosse apenas pra saber que está viva,
e que a qualquer momento vai bater na porta da sua casa
contando uma mentira bem absurda que não cabe na
cabeça de ninguém, e que é tão grosseira que chega a ser
engraçada.

Mas aí, depois dessa mentira, todo mundo dá risada junto,


e esquece um pouco da conta de Luz que tem pra pagar, e
que já tá juntando três e que há qualquer momento pode
ser cortada, o aluguel que vai deixar todo mundo liso.

O emprego que tá difícil, e tem que arrumar um jeito de


tudo se acertar no final do mês, de alguma forma, “nem
que tenha que vender o corpo, Deus me livre e guarde”,
acompanhado de um sinal da cruz pra quem é católico, de
um "misericórdia!" pra quem é evangélico e de um
"Saravá!" pra quem é do santo, mas vai dar tudo certo.

O vizinho empresta algum dinheiro, a outra vizinha


arruma um quilo de feijão, e tudo acontece. Final de
semana, quem tem algum troco paga uma cerveja, o outro
paga uma dose, e todo mundo farreia.

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Eu não me lembro do Ken Kity sem a Neuzona. E pra
falar a verdade, vai ser até esquisito pisar lá e não ver ela
na cantina cozinhando, ou brigando com os meninos no
pátio, maldizendo e provocando por brincadeira a vida de
todo mundo, dando conselho quando fosse necessário, e
soltando aquelas risadas escandalosas que só ela sabia
fazer.

A Neuzona fez parte da vida de cada um aqui, e foi uma


pessoa que sua ida doeu tanto, que não sei qualificar o
quanto. Porque ninguém esperava que ela fosse morrer.
Porque ninguém nunca imaginou a vila sem a Neuzona,
acho que talvez, alguns poucos podem se lembrar da vila
sem ela.

Mas é isso que está acontecendo. Seu Aluisio, Seu


Ferreira, Tio Amândio, Seu Zé Pirangueiro, Seu Zé Gordo,
minha avó, Dona Graciliana, seu Cabral, seu Severo, um a
um foram embora, e os mais novos não sabem quem são.
São memórias nas cabeças dos mais antigos, que evita-se
até tocar no assunto para não causar dor.

E a vila vai morrendo, e com ela, cada pedacinho dos


nossos corações que mais querem estar longe daqui para
não lembrarem de tanta coisa triste que acontece com a
gente todo santo dia. Até entender que o problema está em
nós mesmos, e não no lugar que é tão gostoso e cheio de
tanta gente boa.

Eu não pude abraçar nenhum desses antes de morrerem,


sempre fui pego de surpresa, acho que é isso né? A vida é

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bem assim, a gente sente saudades até se reencontrar de
novo, depois ama até se abusar e volta a sentir saudades.

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