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Eram quatro horas da manha, e eu não conseguira pregar os olhos, contorcia me feito

toucinho defumado na chapa quente.

A lembrança daquele filho da puta, me dando porrada de punhos serrados e chutando meu
saco. Era uma verdadeira missa de sétimo dia. Uma mácula sem par.

Não podia esquecer tal episódio, o corno estava realmente muito puto. As palavras dele
ecoavam na minha cabeça junto às dores no pé do ouvido. No saco. E nos rins, nas costas e,
em toda parte do corpo.

- Você tá gostando? Filha de uma puta? Heeemmm...? - Tá doendo... Miserável! Canalha! - Eu


quero que você sinta costela por costela partindo se, e o saco implodindo!!! - Tá doendo
muito? Tadinho! Eu vou cortar esse garotinho enxerido e te enfiar no cú! Filho de um corno!!!

- Você vai se arrepender de comer a mulher dos outros, seu grandessíssimo filho de uma puta.

Proferindo tais absurdos me descia o cacete. Não!!!, Ninguém pode imaginar as dores por que
passei. Deus sabe o que seria de mim se o acaso não interferisse.

Claro que já tomei outras sovas. Quando pequeno! Lembro-me da surra, talvez única surra que
me lembro de meu pai. Não tão sarcástica! Mas ambas se propunham a correção.

Corrigir um lado defeituoso (pelos menos na concepção de quem fustiga). Da minha parte
achava que ninguém carecia de um sofrimento assim! Sem par, e pelo qual não fazia a menor
ideia... Por quê? Sempre fui a favor do dialogo! Desde pequenininho. Meu pai sabia disso.

Mesmo porque, sempre que queria saber de algo lhe perguntava; Por que!? Ele respondia
sempre com um por que sim! Ou, porque mandei! E quanto à curiosidade sobre simplesmente
tudo! Teria que descobrir sozinho sob o olhar apreensivo corretivo dos caminhos a serem
percorridos, pois, não podia apanhar só por querer saber como as coisas conseguem ser
simplesmente coisas?!

Ao notar me envolvido pelas telhas de aranha entrelaçando-me camufladas de carinhos.


Porem! Prendendo-me. Fui seduzido pelo excesso de curiosidade que sempre me perseguiu, e
que de certa forma ainda me domina.

O desejo do sim, sempre me seduziu. Mas o porquê sim! Permanecia escondido nas sombras
do anonimato.

Pois ao repensar meus últimos anos, os percebo que vivi em função da não aceitação pura e
simples do “Por Que Sim!”.

Talvez porque meu pai, que vinha de família abastada de boas posses e em um dos seus
excessos de bom pai que é, tenha me criado como um “bon vivant”. E Criou-me de um jeito
inquieto. E se não fosse por esta minha inquietude continuaria aceitando o porquê sim! – ao
invés do porque assim?!

A não ser que me virasse, viveria em um casulo macio e confortável para todo o sempre.
Mas como disse no começo. Não aceitava o não. E por quê?! Porque sim!)

E me aventurei pelo complexo mundo de fazer alguma coisa só porque sim.

Fui autodidata em quase tudo que me interessava! Procurei apreender um pouco de tudo que
precisava para a aventura que pretendia.

Fui desenhista a fim de deixar o caminho mais leve. Outras vezes detetive e, muitas vezes
viandante.

Ninguém conseguiria desviar-me do caminho que eu traçara. Seria o que na idade no Japão
médio seria chamado de Ronin! Ser ronin consistia em viver peregrinando pelo ‘mundo’,
sem senhor, ocupando-se de pequenas encomendas de almas.

Os ronin tornaram-se temidos por sua grande habilidade em combate e por sua
independência total, viviam por sua própria conduta e livre arbítrio, o que os tornavam
muito mais temíveis que os já temidos samurais com seus senhores.

Um comandante sem comandados e tão transparente a ponto de não serem vistos, a não ser
que queira.

Um vagamundo preocupado em descobrir em si mesmo. O sentido genial da liberdade.

Viveria a vida! A esmiuçaria como se nela estivesse oculto o grande sentido.

Lembro-me, às vezes da casa em que nasci e cresci. Meu casulo, o qual voltava vez em
quando. Há ficar dia após dias, deliciando-me com as cores das aquarelas e lápis de várias
tonalidades.

Os apetrechos de desenhos e os discos de jazz, trancados as sete chaves em um armário de


Riga escura, protegiam Jhon Coltrane, Miles, Billy e Dizzy entre tantos outros.

Continham também; Batmans Dashiell Hammett,Ken Follett, Norman Mailer, T.S Elliot entre
outros mais um monte das mais diversas enciclopédias.

Literaturas que, aliás, influenciaram e muito na escolha da estradas que pretendia percorrer.
Como também foram nestas enciclopédias que aprendi a arte da investigação, cuja quais a
pratico para o meu sustento.

Por isso tudo, além das dores no corpo inteiro, o gosto de sangue na boca e a mascara de
oxigênio. E já que neste momento não conseguia dormir, pois, penso de que ainda tenho que
terminar o que comecei. Precisava saber quanto tempo estou aqui.

Procuro lembrar-me como vim parar na cama de um hospital cujo qual não faço a menor ideia,
e como tudo isto começou! – Talvez o oxigênio metido nos meus pulmões pulverizasse minhas
memórias e começo a lembrar-me. – Lentamente me vem desde o começo.
2. )

Sete e trinta da manha, e o despertador não parava de soar aquela melodia crescente - Não
tive duvidas! Meti lhe a mão. E ainda me pergunto como ele continuava a soar. Desliguei o
maldito despertador. Mas já não dava mais tempo ao ócio. Preparei-me para o Jogging.

Mas sentia a cabeça como a um sino em estado estático, pesado e sonolento. Outra coisa que
me perguntava vez em quando; É possível a conciliação entre esporte e boemia?! Já que
ambas exigiam o máximo de desempenho e disciplina.

Estas questões eram questionadas pelo meu lado lúdico e filosófico. Enquanto o lado
dominante, era antropofágico e quase irracional, não fosse à necessidade de preservar a
espécie neste momento embernaria.

Barbeava-me ainda, quando soou insistentemente o interfone. Assustado por ser pego de
surpresa! À tão ponto que abri um corte embaixo do lábio inferior e uma verdadeira cachoeira
rubra jorrava da pele ferida, acompanhada do mau humor que assola todos os animais que
pegos de surpresa, rugi.

O lado antropofágico ainda sonolento. Sente o cheiro do medo e do perigo de ser pego assim!

Porém o instinto de sobrevivência começa a remexer o imediato e a pergunta que cala, é a de


quem poderia ser àquela hora. - Um cobrador talvez?! – Não vou atender..! Quem sabe o
zelador se convença de que não estou?! - Não raramente durmo em casa.

Ilusão minha, o alucinado continuava com o dedão atolado em meu auricular e que me
causava dores tremendas – Tinha que parar com aquela tortura, antes que o sino que
carregava no lugar da cabeça trincasse.

-Pois não?!! - A voz saiu num que de taquara rachada, mas convincente.

- Tá subindo uma Dona.

– Que? - Seu... João...- Tá subindo quem? - Como assim!? - Quem tá subindo, e por quê? Tá
subindo.

Quê? Sim senhor...Tá subindo; a Dona que falei...- Muito apressada a moça;. Só disse que veio
ver o senhor.

Vencido e com uma sensação de foda-se, já sem argumentos. Balbuciei qualquer coisa como
foda-se o Jogging.

A Dona já atolara seu indicador no meu sino, através da campainha que dilindava.

Estava nu, por baixo do roupão azul profundo e surrado. O rosto ainda com espuma de
barbear que sangrava.

Arrisquei com todo o cuidado de não ser notado, uma olhadela no olho magico. Se fosse um
cobrador: - Hummm.., era muito bonita e muito bem vestida!! - Talvez uma assistente de
direito; pela discreta maquiagem. Não tinha dúvidas para com mocinhas tão bem apanhadas.
– Então...? Quem é essa? – Não a conhecia! Definitivamente.

- Quem é? - Tentei entoar minha voz, que saiu com o som de gargalho de garrafa.
- Por favor! Queira abrir a porta, gostaria de falar com o senhor. - Você ainda não me disse
quem é?! - E que o traz tão cedo em minha casa (pensei).

Preciso falar lhe urgente!

-Importa de esperar? Ainda estou me barbeando?!

- Aqui fora?! Importo-me sim...

(Que indelicadeza a minha!)

– O Senhor se importa de abrir a porta!

Abro a porta lentamente! O que for pra ser será! - Ainda meio precavido, deixo um pé em uma
distancia da porta que poderia controlar a abertura, se fosse necessário. E lentamente o
perfume suave e entorpecedor vão, invade minhas narinas. E a moça não era tão baixa e
gordinha como pareceu através do olho mágico. Nem tão pouco, me pareceu ameaçadora
como alguns cobradores que tenho conhecido.

- Esta se escondendo de alguém?! - Pergunta-me a moça.

- Para lhe ser sincero! – não sei! – Talvez esteja?! - O que lhe faz crer que seja eu a pessoa a
quem procura?

- Bem... vou direto ao assunto. – E já que possivelmente venha trabalhar pra mim, é bom que
tire este sorriso do rosto - Costumo ser direta e o máximo sincera! O Senhor até o momento
não me agrada, e este creme de barbear neste sorriso idiota me causa arrependimento.

E ela estava de fato arrependida, a ponto de dizer me de forma vencida – Desculpe me de ter
tomado o seu tempo... - Tenha um bom dia!

Estava estarrecido com a sua forma de me atacar. Sabe se lá por quê?! Eu, em! - Aquele seu
narizinho empinado não condizia com sua altura! Definitivamente... E, pelos detalhes que dera
na sua curta e grossa descrição da minha cara de otário, teria me reparado de cabo a rabo...

-Aquele sorriso era minha melhor arma para espantar um visitante fora de hora.

E, no entanto, acabara de espantar o que mais precisava naquele momento da minha vida.
Uma cliente. Mais ao mesmo tempo ofendido pela descrição fria e exata do quanto eu fora
incauto ao ser pego literalmente nu, e sonolento o suficiente para ser nocauteado por um
metro e meio de mulher.

– Este lado machista que ainda insiste no homo sapiens, atrapalha as maiorias das relações
com o outro sexo, estava na hora de jogar a toalha ou deixar se bater.
- Dito isto; ia saindo com ar de enfurecida. E eu atônito com toda aquela urgência – Moça...;
espere, por favor, é que esperava que fosse portadora de má noticias?!

– Meu senhorio esta no meu pé, ele também sofre dos mesmos sentimentos expressados por
ti. Desculpe-me? - como disse mesmo que era seu nome?

– Não disse! – Alicia; – Agora disse! – Em um movimento simpático, foi dizendo de forma ainda
confusa e ao mesmo tempo, enérgica.

- Tudo bem! Dou-lhe cinco minutos. – Atravessando um braço entre meus olhos e o dela, num
pulso rijo e ameaçador um relógio em riste. Olhava-me desafiadoramente, e com certa
petulância.

Aliviei o pé da porta. Abri espaço para que pudesse passar. Com decidido charme, caminhou
para uma poltrona na sala de estar. Passando por mim como uma gata, me olhando de soslaio,
fazendo se de desinteressada.

Retirei-me da presença daquela pequena encenação de descaso, com um incomodo principio


de ereção. - E muito assustado com o temperamento e a rapidez nas mudanças de decisões da
minha possível cliente.

Trancado no banheiro. Apressei-me no processo de depilação mais arcaico que um homem


adaptado à sociedade contemporânea pode ter. – Após o barbear, lavei o rosto
cuidadosamente para que não restasse resíduos daquele sorriso idiota que tanto enojou o
sargento sentado na sala. Que certamente cronometrava passo a passo, meus passos.

Caprichei no “ After Shave”, enverguei vestimentas adequadas com “Blazer” e tudo.

Ensaie de frente ao espelho, meu sorriso reservado aos bens vindos.

De nada adiantou! Minha explosível cliente... Se mandou?! Deu no pé.

Deixando-me com cara de tacho, tacho ariado e brilhando. – Para onde poderia ter ido?
Também pudera! - o tempo acordado esgotara se em outros cinco minutos.

Paciência; - Paciência porra nenhuma! Cacete! - custava esperar mais um pouquinho?! –


Porra, caralho!!! - Exigente demais! Ainda bem que se foi.

E nem ouvi a sair! Com aqueles vertiginosos salto alto, certamente faria algum tipo de barulho.
Olhei na copa, quem sabe resolveu beber um copo d’agua!

Nada da dona. Com aflição pensei no quarto. Fiquei vacilante nesta opção. E pensei na zona
que aquele cômodo estava. Devaneei por alguns segundos... Narcisista demais pensar nesta
possibilidade.

– Relutante, mas mesmo assim um sorriso forçava a se abrir e, como um autômato, caminhei
lentamente em direção ao caos. Nada! Ela foi se embora, enfim.

Adeus possível chances de agradar ao senhorio sempre tão frio.


Saí pra rua ainda bem esquisitão; - devido à falta de estabilidade e capacidade de diálogo da
minha ex-possível, cliente. E aos meus maus modos, que necessitavam de urgente disciplina.

Na paulista. Caminhei por quatro quadras até um café habitual. Serviam um café da manha
“Self Service” de preço honesto e de qualidade discutível. Mas o café era de responsa, bem
tirado, cremoso.

Após servir-me, sentava junto à parede de vidro em plena esquina, de onde podia ver os
transeuntes, como formigas trançando se um aos outros, em um vai e vem sem fim.

As estudantes do Sagrado Coração de Jesus, indo ao colégio com seus agasalhos de educação
física ou de curtas saias xadrez pregueadas, as senhoras executivas em suas justas saías pretas
que cobriam até os joelhos. Cheirosas e donas de si.

Os estudantes com suas vozes dissonantes comentando do ultimo “game” que foi lançado no
lado gringo. Os homens elegantes em suas fardas “Yuppies”, cada qual, com seus afazeres,
prazeres e desgostos.

Cada um por si; - meu pirão primeiro! E muita marmelada.

– As pessoas no ponto do ônibus e as revistas dependuradas nas bancas. - mais um escândalo


estampado na primeira capa de jornal., Ministro acusado de enriquecimento ilícito.

O prefeito declarando. ; Não vamos mais tolerar corrupção no serviço publico.

Na tevê! Logo acima do caixa, o programa pra dona de casa é interrompida para mais um
horário eleitoral gratuito e por ser gratuito, ninguém vê. O Barista a desligou rapidamente e foi
lavar xicaras.

O Casal guy na mesa logo a minha frente olha para os lados, antes de juntarem se em um
beijo.

O caixa declara;

É tudo farinha do mesmo saco! Com certeza indiscutível concordou o Barista, quase que de
forma confidencial.

Eu acho graça de tudo isso e lembro-me de uma canção do Raul; - “Eu é que não me sento
num trono de apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte
chegar”

Sorrio zombeteiro e mordo com força minha bisnaga na canoa e manteiga, a fim de proteger
meu sorriso natural, que faço normalmente quando estou só.

Vejo que já se barbeou?! Será que agora podemos conversar? - Era a vozinha doce e suave da
minha talvez possível cliente; - Que insiste em me surpreender e me deixar completamente
desarmado. Embora desta vez, devidamente vestido e sem creme de barbear no sorriso
enojante.
– Será que pode escutar-me, com a atenção que merece o cliente que posso vir a ser?!

Desta vez eu estava ágil, graças às duas xícaras de café bem forte com um pingo de leite sem
espuminha.

Estava na briga, e sem a menor chance de ser encurralado por qual quer mocinha de nariz em
pé.

- Ah! Dona Alicia, que prazer em revê-la, eu já estava disposto a ouvi-la. Se não tivesse se
retirado de minha sala! - Devo dizer que sem a menor classe, pois, retirou se tão rápido como
chegou.

- Tenho uma vida profissional a cuidar, não podia esperar por sua total falta de respeito ao
tempo que tínhamos acordado!

– E, como me encontrou aqui? – Te vi, quando retornava a sua casa.

- Quer tomar um café ou um chá? Já esta na conta! - Tentava abrandar o tom da conversa,
enquanto preparava um sorriso de encanto. – Servem um excelente chá de jasmim.

- Não, obrigada; - Eu preferia falar lhe a sós. – Poderíamos voltar a sua casa?.

- De negócios prefiro o escritório! Se não fizer objeção? É aqui perto, no outro quarteirão.

- Não sabia que havia um escritório. Se soubesse com certeza não iria a sua casa.

– Pois é... Só espero que me perdoe, por atendê-la naquelas condições.

- Tudo bem, dede que tire esta porção de pão e manteiga deste sorriso de arrependido.

Fiquei de certo envergonhado. Puta que o pariu! - sorriso amanteigado?!

– Porra!- Até quando vou dar mole pra chacota?!

Caminhamos uma quadra e meia Augusta abaixo no mesmo lado da calçada em que
estávamos,.

Alicia não dizia nada. Caminhava com classe e suavidade encima de perigosos saltos altos.

Vestia se com discreta elegância e bom gosto. Era bela, e possuía o queixo triangular. E as
bochechas fofas e avermelhadas. Aparentava trinta e poucos anos. Por sua altivez e somente
por isto, não deixava transparecer sua jovialidade.

Havia certo constrangimento e um trato duro com o que o rodeava. Talvez para parecer mais
forte do que realmente era. Sua altivez não condizia com sua aparente fragilidade. Algo que
vim descobrir ao longo de nosso relacionamento profissional.

O escritório ficava em um edifício na Augusta, logo após a Alameda Santos, no meio da quadra.
Com seu revestimento em pastilhas furta cor e uma entrada orlada de primaveras, jasmins de
Madagáscar e rosas miúdas de várias espécies e cores, dava certo charme ao velho imóvel.
Antes, um luxuoso edifício residencial. Com apartamentos de um e ou dois dormitórios.
À peça que ocupava era de um dormitório com banho, contigua ao quarto havia um pequeno
hall que ligava a uma copa e cozinha de proporções confortáveis.

Havia uma sala ampla e perfeitamente iluminada pela luz do dia. Eu a utilizava como reuniões
e estar. E o antes dormitório transformara se em um confortável escritório com sua mesa em
madeira cor de chá, e duas cadeiras na mesma madeira, reservada aos visitantes.

E outra tipo “xerife”, com braços, rodízios e espaldar reto, no mesmo estilo das outras duas.
Herança de meu pai. Fabricada no Liceu de Artes e Ofícios dos anos vinte desenhada pelos
pulsos do arquiteto Ramos de Azevedo e um divã em palhinha da fase colonial do móvel
brasileiro.

Um belo e confortável lugar. Este agora, meu casulo. Eu já estava há quase dois meses em
déficit com ele.

O proprietário, avaro que era não confiava em ninguém para administrar os alugueres,
colecionava pontes de safena.

Mas ele mesmo fazia questão de cobrar aos devedores. Fazia os recibos de acordo com que
lhe convinha, clausulas que só a ele interessavam e ia de porta em porta entregar quinze dias
antes do vencimento.

E avisos sistêmicos por baixo da porta dos inadimplentes, alertando os que o aluguel já
vencera e seria melhor pagar o mais breve possível para não ocorrer em multas e ou até
mesmo despejos.

Agora ele estava no meu pé, me ameaçando de todas as formas. Soube que tinha conseguido
uma ordem de despejo, e agora estava no meu pé. Se conseguisse três meses de aluguel
resolveria o problema com o tal, pois não estava fácil pra ninguém. Ele poderia ficar com a
peça vazia por muito tempo.

Assim que pusemos os pés no primeiro degrau, que levava ao jardim interno ao quintal e
consequente a galeria do edifício, o velho estava plantado na porta do único elevador.

Salvo pela miopia do senhorio, voltei-me rapidamente agarrando ao braço de Alicia e disse. –
Ah! - a porta do elevador não esta funcionando no térreo, vamos ter que ir pela garagem.

Ela não entendeu nada, mas me acompanhou. Descemos a rampa dos automóveis
contornando aos fundos do edifício, passamos por um ou dois carros estacionados, e o
elevador por sorte estava parado na garagem e de portas abertas! Entramos.

Agora era rezar para que o velho não estivesse controlando os andares e movimentos do
elevador. E que ninguém ousasse querer entrar no térreo.

Alicia me olhava, e esfregava as mãos nervosamente, eu evitava olhar para ela, e não esbocei
nenhum sorriso.

Minhas preces devem ter sido ouvidas, pois só paramos no quarto andar.

- Chegamos. - Alicia entrou na minha frente, entrei logo em seguida fechando rapidamente a
porta por de traz de mim.
Ela olhava com sincero interesse, a mobília da sala e recepção. A mesa da secretária, a
luminária cinquentenária ao lado de uma poltrona em tecido de cores suaves que defrontava
com outra do mesmo estilo e uma mesinha no centro com revistas diversas espalhadas de
forma aleatória.

_ Vamos para minha sala? Ela me acompanhou curiosa. – Quer beber alguma coisa?

- Agua, por gentileza. Fresca! - de preferencia!

Fui até o frigobar e retirei uma jarra de agua gelada e misturando a outra que ainda fechada na
prateleira. Servi a em um copo alto de bico de jaca, com seu devido porta copos, e o entreguei.

Feito isso, sentei-me a xerife pronto a ouvi-la.

Em meu escritório eu era realmente um profissional e bom ouvinte. Alicia sorveu sua agua, pôs
o copo junto com seu pires encima da mesa. Abriu a bolsa, tirou um maço de cigarros e um
pequeno álbum de fotografias.

Ofereceu-me um cigarro, que aceitei. O cigarro era destes de baixo teor e lembrei-me do sabor
de um bom Lucky Strike de filtro vermelho.

Nem mexi nas fotos depositadas em minha mesa. Limitei-me a dar mansas tragadas e a
observar Alicia.

Ela olhava para o álbum de fotos pensativamente e inconsolável, sem coragem.

- Quem indicou teus serviços e falou-me muito a respeito dos bons serviços que tem prestado a
ele, foi o Dr. Walter. Creio que ele tenha muita confiança em você.

- O Walter é um grande parceiro, temos formado uma boa dupla, e temos resolvido alguns
casos juntos é o motivo de continuarmos nosso trabalho.

- Bom então, vamos ao assunto. – O Dr. Walter é o advogado encarregado de cuidar da minha
separação legal, junto ao meu ex-marido.

Não resisti à pergunta tão obvia, quando percebi, já escapara por entre meus lábios incautos.

A senhora é casada? – Fui, estou separada há algum tempo, dois ou três meses e meio. E
tenho uma filha de quatro anos. Meu ex.; não aceita a separação. E vive me ameaçando a
respeito da guarda da menina. – Minha filha é tudo que restou de nossa malfadada união. E ele
a usa para garantir a minha permanência nesta loucura.

- Desculpe Alicia, mais essas perguntas que vou lhe fazer parecem obvias, mais são
necessárias. – Porque você quer a separação?

- Alguns meses atrás eu descobri o tipo de trabalho que meu marido executava. Trabalho que
acreditava ser digno.

Ele dizia ser gerente de uma rede de churrascarias. Cujo quais nunca me levara para
conhecer.

- Quando pedia para ele me levar para jantar ou almoçar, me levava em outros restaurantes ou
até mesmo churrascarias ao qual não era onde trabalhava. E quando indagava por que não me
levar para conhecer onde trabalhava, logo desconversava, dizendo que não misturava as
coisas.
Trabalho era trabalho, família era família! Família e trabalho não se misturam. Era o que
sempre me dizia. Trabalhava muito e às vezes a noite inteira.

Mas este trabalho começou a tomar muito mais tempo dele. Até que passou a tomar o seu
tempo às noites inteiras de segunda a segunda.

Saia logo após o almoço, e só voltava quando amanhecia o dia. E, fedia bebida e sexo da
cabeça aos pés.

- Como a Nina... É o nome da minha pequena jóinha. – enfim! Passava a maior parte do dia na
escolinha. E meu ex. no trabalho! Não tinha muito o que fazer. Até as dezessete, hora de pegar
Nina na saída da escolinha.

- Sou formada em artes plásticas, mas parei de pratica-la desde que Nina nasceu.

Até que passando uma tarde em frente a uma galeria aqui na paulista, oito quadras
aproximadamente daqui do seu escritório. Vi uma placa dizendo precisar de secretaria com
algum conhecimento em artes. Inscrevi-me ao cargo e acabei ficando com a vaga.

Até que certo dia! Recebi um telefonema, era uma voz feminina que não quis se identificar.

Dizia que meu marido estava preso e que era melhor eu procurar um advogado para ele.

- Eu fiquei estarrecida! Sem entender nada?! - Como assim... Porque ele estava preso?! Quem
é você?!

A pessoa do outro lado me dissera se quisesse saber mais teria que ir à 76º Delegacia, mas
antes era melhor marcar hora com a delegada responsável do caso.

Pedi para explicar o que é que estava acontecendo?! - A voz... Sei lá de quem! Fria e urgente,
disse-me que eu era a esposa dele e como tal, deveria saber por onde andas.

Desligou o telefone sem a menor cerimonia.

- E eu fiquei parada, boquiaberta, sem entender o que estava acontecendo. Apesar de que já
desconfiava, e, para ser sincera, não tinha coragem para confirmar.

Rhidory, nunca foi um homem de falar muito, sempre foi quietão e de temperamento agressivo.
Ele às vezes me assustava com sua forma grosseira de lidar com o casamento... Não tinha
palavras macias para dizer, um só gesto de amor ou carinho, para com a pequena Nina.

Para comigo então! - Já não me importava mais. Desde que nascera Nina! – Ou, melhor; -
desde que soube que eu estava gravida.

Seu trato para comigo mudara. Não que antes fosse uma maravilha, mas, mudara. E para bem
pior!

- Enfim! Procurei por um advogado. Perguntei a uma amiga que trabalha comigo na galeria,
ela ligou para o irmão, que por acaso era advogado. – Eu estava muito nervosa, não conseguia
me controlar.

- O irmão dela por ser advogado e por estar mais acostumado com esses tipos de problemas...
Tentou me acalmar, dizendo- me que este comportamento era normal, se tratando da policia
paulistana.

- Sim, foi... Após ter lhe contado o que havia acontecido, Aivil, ligou para o irmão! Que nestas
alturas do caso você já sabe que é o Walter, o advogado.
Ficamos de nos encontrar na 76º Delegacia.

- Mas, assim que chegamos Rhidory já havia sido liberado, por outro advogado.

- E quem era este advogado? – Saul Secker, Me disse a delegada, este é o nome dele.

- E quem o contratou? - Foi seu ex-marido?

– Não, não foi não.

- Foi aí que vim a descobrir o verdadeiro trabalho de Rhidory.

- E qual trabalho ele exercia?

- Ele... Ele era gerente de um bordel no centro, na Vila Buarque.

- E porque foi detido?!

– Ele havia, segundo a delegada, espancado violentamente um frequentador do bordel e o


jogado no meio da avenida. Alguns transeuntes dizem ter visto, que mesmo o pobre homem
sangrando, e caído ao chão, Ele continuava o espancando!

Não fossem os seguranças do bordel, tirá-lo a foça, ele teria matado o sujeito ali mesmo.

Na delegacia descobri que não fora a primeira vez que ele fora acusado de violência. Ele
também era suspeito de ter espancado uma das... Das meninas.

- Esta, viera a falecer ao chegar ao hospital,.. Uma delas socorreu a, levando o. Mas viu que a
amiga estava nas ultimas. Nada mais tinha por fazer a não ser, relatar os fatos ao policial de
plantão (que de certa forma lhe devia alguns favores), e pediu não se identificar. Pois tem
medo de que lhe aconteça à mesma desgraça.

Alicia fez um silencio profundo, como se acabara as palavras. Ficou como se curtisse a sua
angustia, como se divagasse sobre a vida de mentiras que havia vivido até agora.

Toda aquela formosura de mulher ali em seu torcer de mãos, aparentava um pouco, mas
madura e também mais bonita. Mas não havia perdido a graça e tampouco a arrogância de há
pouco.

Isto de certa forma veio a calhar; – Prosseguiu pensativa.

- Você sabe-me dizer onde anda Rhidory, agora?

– Não faço ideia, só tenho medo que ele apareça e me leve a Nina. - Eu só sei que não quero
fazer parte deste imbróglio!

- Resolvi começar outra vida! E nesta! só cabe a mim e a minha filha.

- Por isto, que contratei o Walter, e por isto estou aqui. – Rhidory desapareceu! Não faço a
menor ideia onde possa estar. – Às vezes sinto que estou sendo vigiada!

- Não sei por quem?! - Sinto certo flagelo, o mesmo que senti ao descobrir-me gravida. – O
mesmo que senti....– Rhidory casou se comigo por imposição das circunstancias! E sempre fez
questão de deixar muito claro isto.

- Quero que o encontre, quero tirar o peso dele da minha alma.


– Gostaria que começasse imediatamente a procura-lo. O Senhor Não precisará nem aparecer
para ele, só descobrir onde ele esta e me avisar.

- Alicia, você sabe muito bem que quem se esconde, talvez não queira ser encontrado.

- Por outro lado, você é a esposa. Tem todo o direito de saber onde possa estar o seu marido.
– É original o seu desejo, Gostaria de liberar se deste enlace.

- Poderia ser talvez, que seu ex-marido o esteja protegendo de qualquer problema. Como você
mesmo diz. - Ele presa a separação das relações.

- Afinal, do ponto de vista dele! Trabalho é trabalho, família é família e as duas não se
confundem!

- Mas pode ser também que não queira ser encontrado. – Ou, talvez, alguém o quer
desaparecido, até que este episódio se torne lenda.

Alicia considerou minhas hipóteses, e ia falar alguma coisa parando no meio do caminho. Deu
alguns passos em direção à janela, e de repente..; - Voltou-se bruscamente para traz! - Olhava
com ar de espanto, como se houvesse algo de muito ruim, do outro lado da janela.

Desconfiado, segui na direção do olhar de Alicia, a fim de ver o que lhe assustara naquele
ponto; - havia um homem do outro lado da rua!

Estava sob a marquise do edifício em frente ao meu, aproveitava um pouco da sombra que
esta formara, para esconder se.

Mas não me pareceu muito preocupado por ter sido descoberto. Aliás, olhava fixamente para
nossa janela! Como se quisesse ser visto. - Vagarosamente, veio à beira do passeio saindo
das sombras, acendeu um cigarro ainda olhando para nós! Desafiadoramente nos encarando!
E saiu caminhando Augusta abaixo.

Deu-se um silencio profundo e pesado. Alicia sentou se no divã aparentando sem ar e, com
franco desespero disse:

- Este homem está me seguindo?! – Percebi que na realidade Alicia, só agora estava tomando
consciência, de algo que já sabia há algum tempo.

Fui até a janela e fiquei olhando os transeuntes na rua lá embaixo, isto me ajudava a pensar.

Não iria ser um caso fácil, não se tratava só, de um mau marido desaparecido ou, escondido
com medo de ser preso, ou medo de vingança que talvez viesse por parte dos agredidos por
ele.

Observar de perto este homem seria o meu primeiro passo.

Siga o seu rastro e descubra por onde passaste.

Havia algo de escuso nesta merda toda. E algo que não queriam que fosse descoberto. Quem
era este homem seguindo Alicia? – E por que o seguiam? – Será que achavam que minha
cliente soubesse de algo? Ou melhor! Estão atrás de Rhidory, e acham que chegaria nele
através dela?!

– Ou pode estar a serviço de Rhydory?!


Minha cabeça de detetive começara trabalhar, sem me dar conta de que não tinha ainda
acertado ás custas do serviço com minha cliente.

Alicia, como que adivinhando meus pensamentos?! – Então? - Agora, que me conhece!

Aceita me ter, sua cliente? - Falei que sim.

– Sim! Aceito, e... Espero que você saiba que não será tão fácil, como o pensava ser.

- O seu caso. Pode ser talvez, digno de um romance policial.

Contrato assinado. Acompanhei Alicia até a galeria que trabalhava. Além ser uma boa chance
de observar os caminhos que fazia até o trabalho. Ninguém nos seguia, Perguntei onde
morava. – Ela passou-me o endereço.

E ao deixa-lo em frente à galeria, fiquei a observar dando algumas volta em torno de umas das
mais caras quadras de Sampa. O vigia da galeria, um sujeito gordo e cansado de ficar ali
parado, ficou me olhando meio ressabiado, desconfiado sei lá de que. Pareceu-me um
profissional que saberia de tudo um pouco do que pudesse acontecer na quadra. Afinal, era
pago para isso e...; não tinha nada para fazer o dia inteiro.

Falaria com ele mais tarde.

Por hora, nas vizinhanças não se via o homem das sombras.

Rumei em direção ao bairro da Bela Vista.

Caminhando sob as arvores da Itapeva, no walkman ouvia o rei do blues desejando “Trouble
no more”.

3. )

Fumando um cohiba de frente ao jardim japonês, através das janelas envidraçadas. Walter
observava pensativamente através do tempo. Estes gastos entre ao direito e paginas de livros,
amantes e boa comida.

É preciso deixar claro que Walter não pensa teu passado com amargor e pesar, ele os pensa
como o agradável momento em que as lembranças cravão na memória, a marca do tempo.

Talvez eu deva contar como o fato de ter conhecido Walter, tenha sido incrivelmente
tumultuado e prolífero somos amigos há mil anos. Tivemos nossas diferenças mas resolvemos
isto como bons cavalheiros que somos, aliás, só nos relacionamos até hoje devido ao fato de
Walter ser mais cavalheiro que eu.
E de como ele chegou à janela fumando, com um sorriso e o olhar de quem não tem medo de
revisitar o passado. É o futuro que o amedronta. O que ficou lá atrás são apenas as provas do
que viveu até aqui.

Vencendo a cada momento as gincanas impostas pelo futuro incerto.

Vendo Walter na janela, lembro-me de como o conheci. E pra ser sincero a primeira vista!
Achei o pedante demais, que gostava de ser o centro das atenções. Mas como o tempo aqui
nos faz traçar com rigorosas pinceladas nossa própria face no espelho vejo-me obrigado a
reconhecer.

Foi a partir de uma breve intervenção da natureza... O que podemos chamar de acaso! Quando
comecei a me interessar pela forma hipócrita com que Walter tratava os conceitos da ética.

Tudo isso fás me necessário lembrar, do fatídico acidente. Daquele primeiro encontro. Um
acidente que proporcionou ver de perto um homem que para ele só existiam dois conceitos!

Liberdade, limite e seu conceito de justiça atrelado a ética, estes são cuidadosamente
codificados e guardados na repartição intitulada “imediato sentido”.

É claro que com certa sofisticação Walter os codifica para usar na hora certa e o momento não
importava. Pois vai sempre de encontro a noção que os indivíduos, imbuídos de uma noção de
ética moralista à bem da verdade, criaram e não teriam a mínima pena de com mãos férreas
fazer valer a sua noção de ordem e justiça.

Mas... Acredito estar falando demasiado.

Tentarei não me exaltar enquanto saboreio o adocicado gosto desta aventura de lembranças
junto à trilha sonora da memória.

Éramos vinte e oito pessoas. Sorte o apartamento de Aivil ser duplex. Razoavelmente grande
para agrupar-nos. O que era para simplesmente ser uma reunião de amigos passou a ser uma
verdadeira festa.

E eu como um dos anfitriões tinha que me preocupar em mantê-los sempre em contato além
da boa musica! De copos sempre cheios, e um, se não bom! Leve bate papo.

Estava divertido e muito diferente das reuniões anteriores que, eu e meia dúzia de amigos
organizávamos.

Esta não, esta! Organizei a com ajuda de Aivil.


Para mim, sempre curioso em entender o porquê das coisas, era um laboratório sortido, e que
me permitia à observação.

Aquele mundaréu de espécimes, encharcando se de vinho, e deixando vir à tona suas


imperfeições levemente pervertidas. Tomando sempre se o cuidado de adequá-las sob a
espessa camada do social.

Aivel conversava e sorria entretida com um rapaz de modos gentis e tímido. Próximos ao bar
improvisado que arrumamos na espaçosa sala.

Aproximei-me dissimuladamente para mais uma taça de vinho. Mas Aivil me viu e chamou-me,
Para apresentar o seu irmão, Walter.

- Bento Louveira?! - É um prazer conhece-lo detetive. Estas foram às primeiras palavras que
ouvi de Walter. Achei-o um tanto quanto formal demais. Pronunciava o português pátrio.! – E
sempre sorria ao falar

Trocamos um aperto de mão, sem convicção. – Aivil disse: - há muito gostaria que vocês se
conhecessem! – Foi me falando de seu irmão. BL, o Walter é advogado e tem clientes muitos
problemáticos. – Walter? – BL é detetive e tem clientes também problemáticos! - e que
querem resolver seus problemas. – E veja que interessante! - Você advoga ele investiga! – Não
é o máximo?! - acho que uma parceria seria boa para ambos.

– Estou ao inteiro dispor, desde que não leve nenhuma surra, de um marido ou esposa
ciumenta, que se sinta prejudicada pelo meu bons préstimos investigativos. - Disse eu como
que prevendo o futuro.

Walter por sua vez. Limitou se a me fitar com um sorriso malicioso para logo em seguida dizer.
– Estou mesmo precisando de um parceiro. - Mas neste momento preciso mesmo é de uma
moça para fazer-me companhia, afinal estou em uma festa e sozinho, não acham?

– Enquanto pronunciava isso de forma desleixada, acompanhava com o olhar uma negra de
tirar o ar do espaço em que ocupava esguia e cheia de curvas, que rebolando como uma pena
que ao sopro leve, balança a caminho da saída.

Walter retirou-se sem dizer mais nada, em explicita perseguição a deusa do ar.

Durante a festa perguntei a Aivil, se ela não queria sair de mansinho para o piso inferior. Onde
ficamos sem os sapatos esparramados em almofadas multicoloridas e nos olhamos gulosos por
alguns momentos.

4. )

Walter sorriu a me ver entrar. E foi logo dizendo: - Se você esta aqui significa que aceitou o
caso da minha cliente.

- É, e o que acha?! – Fazia algum tempo que não via Walter. A sala decorada com esmero.
Continuava a mesma de quando vim pela primeira vez. Exceto a música. Era mais divertida
agora. Ouvia na época em que o conheci, pops e doo-wop dos anos cinquenta.

Rolava agora nada mais nada menos do que; Esther Phelps! - no som ambiente, quase que
imperceptível. Sutis diferenças.

- O que achou de Alicia? – Alicia é a cliente? – Não se faça de inocente BL, eu te conheço. –
Você foi seduzido se não, nao estaria aqui. Bastava um telefonema. - Você não aceitaria fazer
este trabalho se ela não houvesse o seduzido. – Simples assim!
- Aceitei por ter me comovido com o caso da cliente. E pelo fato de ter de pagar as contas.
- O que achou do caso? – Devolvi a Walter a pergunta de outra forma.
- Acho que teremos problemas, vamos ter de lidar com a máfia dos inferninhos da Vila
Buarque. – Me devolveu Walter de imediato. - Acho que Rhydory esta escondido, esperando
as coisas esfriarem. Respondi eu.

- Então esta fácil! Você já sabe até onde encontrar nosso homem! – É só você descobrir onde,
me avisar e eu avisarei a Cliente. – Conseguimos um mandato. Chamamos a polícia. – E tudo
resolvido.

- Walter falou isto com um tom, de que não acreditava em nada daquilo que falava.
Na imaginação soa assim mesmo, partimos do pressuposto que tudo vai acontecer do jeito
que manda o figurino.

Que o investigado, assim que descoberto, vai colaborar. E que você será mais esperto que ele,
você vai saber todos os passos dele e ele não vai nem desconfiar. E que não tem mais ninguém
envolvido no caso, a não ser eu, Walter, Alicia e Rhydori. E tudo isto conjuminando com a mais
pura e suave realização profissional.

Afinal é um trabalho como outros! - pergunta aqui e ali, e se tiver uma foto fica tudo mais fácil
ainda.

Acertamos quais materiais serviriam judicialmente para a prova de conduta incorreta no


conceito de casamento perante a constituição. Como fotos, vídeos e áudio.

Podendo render em uma anulação do casamento de Alicia. Pronto caso resolvido! – Dê minha
parte do contrato e sigamos em frente, novos casos, novos reembolso contas pagas e quem
sabe até consiga uns dias na praia com Aivil.

Ledo engano! Não, não foi nada disso. Foi muito mais complicado do que imaginamos no
começo.

Despedi-me de Walter, e na hora em que saia, encontrei-me com Aivil no hall, saindo do
elevador ao qual segurei a porta, tempo suficiente para lhe dar um beijo nos lábios suaves.

E rumei em direção a R. Gen. Jardim na Vila Buarque. Afinal, aproximava se a hora do almoço,
e meu restaurante favorito por um acaso ficava nas redondezas. Consegui vislumbrar o local!
Com suas mesas apertadas uma nas outras, aconchegantes até. Depois que se consegue um
lugar para sentar é claro.

Aconselho a picanha da casa. Vêm acompanhada de uma deliciosa salada de agrião e cebola
roxa crua no azeite temperado, pimenta rosa, vinagre e hortelã. Gosto da carne assada ao
ponto.
E uma caneca do vinho ordinário, o charme local. Os garçons que, aliás, são os mesmos desde
que me acredito habitue, insistiam em dizer aos frequentadores de ocasião que o vinho era
espanhol e era da reserva pessoal da casa.

Passei em frente à “boate” em que Rhydori, trabalhava.


Era uma esquina atípica e interessante, Durante o dia o movimento local era normal, com
estudantes passando em direção as faculdades. As lojas de artigos de desenho e pintura, os
escriturários saindo para o almoço. A Livraria Francesa sempre apinhada por ávidos leitores
entrando e saindo. Mas era a noite que o bicho pegava naquela zona da cidade

A esquina era tomada por “inferninhos”, com seus neons e cartazes anunciando as atrações de
logo mais a noite.

Com exceção do edifício do Instituto dos Arquitetos-IAB, no lado direito, abaixo da R. Gen.
Jardim, esquina à Bento Freitas. Os outros vizinhos eram todos “inferninhos”, inclusive o Bar
do Seu Toro, em frente ao IAB.

Durante o dia era um botequim que servia almoço no balcão e nas mesas da calçada. Tudo de
acordo com o figurino. Virado na segunda, dobradinha na terça, a feijoca da quarta era
imprescindível, macarronada com franco na quinta e peixe na sexta.

A noite era frequentado pelos seres noturnos. Cafetãs, putas e garçons, boêmios e havia
também os leões de chácara e gerentes dos negócios na boca.

Entrei na galeria, fingindo ver as esculturas e desenhos expostos, olhava em direção a Boate e
que de acordo com as fracas informações de Alicia, Rhydori labutava seu canha pão, em busca
de alguma coisa, um movimento suspeito ou qualquer coisa que me levasse a ele. Fiquei por
volta de umas duas horas em vigília e nada.

O guarda da galeria começara a seguir-me com os olhos passo a passo. Sai! Parei em frente,
acendi um cigarro, arrisquei mais uma olhadela ao inferninho, nada.

Atravessei a rua e fui ao boteco do seu Toro. Pedi um café, observando o movimento. Todo
mundo com cara de quem vai ter que voltar ao trabalho.

Estava pagando meu café e já saia, arrisquei a ultima olhadela ao inferninho. E vi o homem das
sombras se esgueirando para dentro do imóvel, acredito que não tenha me visto! Desta vez
era eu que me encontrava as sombras. “O relógio logo acima do logo intitulado - “Bilu Tetéia”,
batia quinze horas”.

Caminhei em direção ao Copam, subi a av. Ipiranga para depois pegar a Consolação, e segui há
pé até o escritório.

O telefone soara assim que a chave estalou a tranca da porta!

Era Alicia, queria saber se podia acompanha-la até a escola para pegar Nina. Achava que
alguém o estava seguindo! E já que me pagava era o mínimo que eu, podia fazer neste
momento.

Procurei tranquilizá-la! Dizendo-lhe que estaria lá em quinze minutos.

O Guarda da manha tinha feito seu turno. Agora, outro abria a porta para que eu entrasse.
Alguma coisa me dizia que o homem das sombras estava por perto.

Antes de entrar dei uma olhadela a cento e oitenta graus, fingindo ver o tempo. Esfreguei as
mãos, a primavera havia chegado extremamente úmida! Garoava em Sampa.
Alicia, assim que entrei, pegou sua bolsa e veio encontrar-me. Estava ansiosa! A Nina sai daqui
a vinte minutos. Disse. - Você acha melhor pegar um taxi!? – esta hora?! - muito transito! –
Respondi. Vamos? -, estamos atrasados -, disse ela.

Em pé! Mãos na cintura logo atrás dela Aivil, observava a genuinamente preocupada com o
estado de ansiedade da funcionária e amiga.

Eu a cumprimentei com o meu sorriso de cumplice, ela permitiu um meio sorriso, antes de
baixar as vistas.

Perguntou se queríamos que chamasse o taxi. Eu disse que não! Pois tinha ido de carro.

- O Toco, como o chamava -, ficaria lisonjeado se me ouvisse chamá-lo de carro. Era um


“Gurgel BR-Supermini”, azul escuro. Oitocentas cilindradas e 32 pangarés de potencia.
Equipado com conta-giros, rádio, maleta porta-luvas e outros acessórios, todos originais.

Aparentava desmanselo, a pintura há muito desbotara pela garoa e sol, poeira e geada. O
comprei usado. -, O seu antigo dono era dublê de pilotos e professor na escolinha de
formação de pilotos no autódromo de Interlagos, e o vendeu para mim. Já estava muito
velhinho, e talvez não resista à voracidade das montadoras do novo século que se aproxima. E
pensando bem..., nem ao bug do milênio. Também... Ficava no tempo o tempo todo!

- Mas, o tratava muito bem. Com combustível de primeira e muito respeito no trato da
maquina. Estava sempre sendo revisado, para que nada de mal lhe acontecesse! Eu, o lavava
religiosamente todos os sábados, e mesmo manchado, o polia com shampoo e cera
automotiva. Tudo como o seu antigo dono me instruiu e tinha que ser feito por mim, senão
Toco iria morrer de tristeza e desgosto.

Era prático, ágil e sem a pretensão de ser grande, andava bem em Sampa e consumia quase
nada. Companheiro a toda prova na estrada, cidade e na judiada e mal falada periferia.

Demoramos coisa de doze minutos da Pamplona a escolinha de Nina, próximo ao Colégio


Presbiteriano Mackenzie na Rua Piauí, com mães e seus carrões parados na fila dupla,
provocando congestionamento e buzinaços. Toco começou a se mostrar arisco com aquilo.

Alicia implicou se com uma perua que além de parada na fila dupla, abre a porta e se lança a
rua sem, nem preocupar se com que esta acontecendo ao seu redor! Uma alucinada.
Arrancando buzinaços, xingamentos e impropérios da multidão de BMWs e Mercedes do
congestionamento.

Todas, peruas de respeito! Todas também alucinadas. Toco estava se achando, no meio delas.

Passado a histeria, conseguimos estacionar o possante no momento que Nina se aproximava


do ponto de embarque, de mão dada à instrutora cujo qual Nina chamava de Tia.
Alicia soltou a respiração relaxando ao ver a menina. Foi como que toda aquela energia
incontrolável de apouco, dissipasse com a simples visão de Nina. Alicia saiu para pega-la com
um sorriso carinhoso.

Nina soltando se da mão da instrutora correu para abraçar a mãe com tamanha alegria,
parecia que as duas não se viam há algum tempo.

Nina passou um relatório quase detalhado de suas horas longe da mãe. Falava com timidez e
graciosidade baixinho enquanto brincava com um dos zilhões de cachinhos dourados do
cabelo.

Após colocar o cinto em Nina, Alicia sentou se a meu lado colocando também o seu. Perguntei
para onde íamos ao que ela respondeu; - Rua Zaira no Sumaré.

Do banco de traz, Nina olhava-me meio de lado, curiosa! Quando percebeu que o olhava pelo
retrovisor, corou e virou o rosto graciosamente para a janela e calou se por alguns segundos.

E voltou a falar. Falou durante o percurso inteiro, e de todos os pontos que ela mais apreciava,
Alicia sorria orgulhosa, e a instigava a falar mais. O Transito estava lento mais rolando, como
rola tudo em Sampa. Fizemos o trajeto em pouco menos de quinze minutos.

Havia um fusca verde em nosso encalço desde que saímos da Piauí. Eu o percebi assim que
contornamos a Itambé, enquanto entrava n a Maranhão, eu o vi. Três carros, atrás de Toco.

Por conta disto resolvi dar mais uma volta! Sob protestos por parte de Nina -; Este não é o
caminho de casa! ? - Aliás, você estava na nossa rua; - Reforçou Alicia.

Dei uma discreta olhadela no retrovisor. Nina estava com uma carinha de sapeca, olhava hora
pra mim, ora para a mãe. Hora esta que o vi! Ainda indeciso entre estacionar ou nos seguir.
Dei uma piscadela para Nina, que sorria com meu ar de sapeca e a cara de desconfiada da
mãe.

Dei uma acelerada! E de súbito entrei na Piracuama para logo em seguida retornar a Zaira,
uma manobra que exigiu da boa dinâmica de Toco, que resistiu bravamente.

E com a mesma bravura, estacionou rapidamente em frente ao condomínio que Nina e Alicia
moravam. Alicia perguntou-me se queria entrar, enquanto olhava para o portão de entrada. Eu
disse que não, pois tinha ainda uma noite adentro para administrar.

Desci do carro, contornando o para o lado em que ela estava baixando o banco em que
estivera sentada e soltei o cinto de Nina ao mesmo tempo em que lhe roubava um beijinho
enquanto o tirava do banco.

Dei mais uma olhada rapidamente em torno em busca do fusca verde. Nada! Acho que
consegui despista-lo.
Assim que as duas entraram em casa eu pulei pro possante, e sai apressadamente. Dei uma
segunda volta no quarteirão, porém, lentamente. Liguei o som , “John Coltrane” bluseava o
seu; -“ I'm Old Fashioned.”

Em frente e avante; lentamente ia o fusca verde em minha frente. - De seguido a seguidor,


hem Toco?! -– Estamos na vantagem e precisamos continuar nela. Espero não marcar toca a
ponto de ser notado. Não precisamos chegar tão perto como eles chegaram.

O fusca verde estava agora quase em frente ao condomínio de Alicia, diminuiu mais ainda a
velocidade e estacionou desligando o motor. Eu estava a uma quadra dele, podia diminuir ou
até mesmo parar, que não seria notado por ele. Preferi estacionar a uma distancia segura, de
onde podia ver os movimentos do homem dentro do fusca.

E realmente só havia um homem lá.

Ele ficou estacionado por lá durante boas duas horas, não saiu do carro nem sequer para
esticar as pernas! Fumou cinco cigarros nestas duas horas e ainda acendeu outro enquanto
dava na partida. Esperando por alguns segundos e saindo acelerado do seu ponto de vigília.

Tentei despertar o super mini, que engasgou algumas vezes antes de despertar por inteiro e
sair ratinando, como se estivesse de porre.

Mas cumpriu o seu papel de seguir em frente.

O fusca verde rumou para a Avenida Sumaré, com toco em seu encalço, tão rápido quanto ele,
mas sem suas peripécias e síndrome de “Senna”. Melhor assim! Pois não podemos chamar a
atenção.

Apesar de desconfiar de que fomos descobertos, e que talvez seja as razões das peripécias. Ele
seguiu pela Turiaçu entrando perigosamente a esquerda para logo em seguida entrar na
Avenida São João.

E eu continuei tranquilamente em frente, para se caso minha perseguição tenha sido


descoberta, umas quatro quadras adiante até a Av. Pacaembu.

Imaginava para onde ele estava indo, mas gostaria de acompanhar seu percurso.

Logo o avistei - Pouco antes da alça de acesso que me jogaria na Av. São João, uns quatro
carros atrás dele.

Toco agora mais calmo roncava ao vento enquanto o patinho feio do rock comandava a balada
“Time After the time”, o fusca verde esguiou-se rapidamente em sentido ao largo de Sta.
Cecilia, talvez na intenção de me pegar na surpresa. Toco se manteve estável e calmo a rodar
ao sabor do tempo.

Sabíamos para onde ele ia.


5. )

Toco se comportou bem no elevador da garagem automática na pça. Roosevelt. O fusca


verde seguira em frente pela São João enquanto eu e Toco, tocamos pela Amaral Gurgel a
direita.

A pça. Roosevelt estava em pleno movimento noturno, jovens com seus caracteres tribais
zanzavam para cima e para baixo junto com o ruído dos esqueites raspando no cimento
molhado. Uma garoa fina caia neste começo de noite.

Desci lentamente em direção a Vila Buarque, assoviando “Cantando no Toró”. O chuvisco no


meu cabelo de carapinha à ‘black power’ feito Geroge Duque na capa do álbum “A Brazilian
Love Affair”, atravessei a consolação e logo estava na esquina do pecado no boteco do seu
Toro, que acabara de servir-me um copo de Steinhaeger estupidamente gelado com uma
casquinha de limão retorcido na borda do copo.

Olhava a rua, de uma ponta do balcão de mármore branco encardido, enquanto bebericava
meu drink, acendi um gauloises, saboreando seu tabaco negro em um trago longo.

Ao Levantar os olhos encontrei-me com os de Ichisot, que me observava silenciosamente do


outro lado do balcão quieto e sisudo como de abito, um velho conhecido dos tempos da
faculdade de belas artes hoje professor de desenho nesta mesma faculdade e habitue desta
espelunca com cara de bar.

Ichisot e Aivil são uns dos poucos amigos que tive e mantive amizade dos tempos de
faculdade. Éramos conhecidos como os três de além, devido as nossas diferentes etnias. Um
Negro, uma Judia e um Japonês.

Divertíamo-nos muito por estes cantos da cidade, por seus bares e restaurantes, teatros e
inferninhos, vernissages e festas no balcão do IAB.

Ichisot ocupava um amplo apartamento em um charmoso edifício de três andares da General


Jardim ao lado do teatro da livraria francesa, projetado pelo arquiteto Lúcio Costa é uma das
várias joias arquitetônicas perdidas pelo interior da vila Buarque.

Peguei meu drink e me ocupei de um banco ao lado de Ichisot, mas ainda em frente ao Bilú
Teteia, de modo que pudesse vigiar quem saia ou entrasse da casa que, já começara a
movimentação.

Conversamos um pouco sobre tudo, entre longos silêncios, enquanto bebericávamos nossos
drinks... Riamos ao lembrar-nos dos enrosco em que nos metemos em busca de diversão.

Ichisot pediu mais uma rodada, pagou a conta e saiu depois de marcamos uma rodada
completa com “os três de além”.
Paguei minha conta e sai para a calçada, rolando um cigarro nos dedos displicentes e sem
pressa.

A rua estava em pleno fervilhar. A noite estava apenas começando para os trabalhadores que
dela viviam e, para os boêmios que dela dependiam.

Sai à rua fumando distraído misturando-me aos transeuntes. O chuvisco que caia a pouco se
transformara em neblina e um frio úmido subia pelas barras da calça.

A Vila Buarque lembrava-me agora a Whitechapel , distrito localizado ao lado oeste de


Londres, distrito este que traz no bojo da sua historia um dos mais curiosos e medonhos casos
de assassinatos em série. O caso das cartas de “From Hell”. Os assassínios se deram por
meados de 1888.

Esfregando com as mãos, deixei-me levar para dentro daquele recinto que o chamavam
inferninho. O laçador da Bilú Teteia, um cara com focinhos no lugar de cara, tamanha a manha
do sujeito se camuflar por trás da boina de couro preto, puxado a altura dos olhos.

Abraçou-me como se fossemos velhos conhecidos, me conduziu como um bailarino conduz a


dama a dança no hall amplo e bem encerado, mal iluminado por apelos de cores e reflexos de
espelhos prismáticos. Localizei logo o bar e me encaminhei devagar, observando os espécimes
e seus drinks.

Podia ver praticamente todo o salão, e apesar das sombras localizei entre tantos rostos, o
rosto que tinha visto pela manha e, que causara tremendo transtorno à Alicia, seria quase que
com certeza também o mesmo que à observara por horas sem sair do fusca, em frente ao
condomínio em que Alicia e Nina moravam.

Ele também tinha me visto, olhava-me de onde estava encarando-me desafiadoramente.

Sorri para a moça o meu sorriso de cafajeste, esta, que me oferecia um cálice de Steinhaeger
estupidamente gelado com uma casquinha de limão retorcido na borda do copo. Era por conta
da casa me dizia ela; E disse-me também, seria o único servido a mim, e que o tomasse e fosse
embora, pois ali não era bem vindo.

Deixei meu sorriso desaparecer naturalmente do rosto, fora descoberto, incauto de mais.
Estava sendo observado ao invés de observador. Não tive outro jeito a não ser matar em um
só gole o cálice e seu veneno.

Cálice e caia fora sem eu mesmo ter dito rota palavra.

Sai tão silencioso como adentrei aquele recinto pecaminoso, ainda com uma sombra do
sorriso nos lábios úmidos e acre. Devo ter causado algum tipo de desconforto para merecer
tamanha grosseria.
Na rua, rumei em direção ao bar do seu Toro e pedi agua, era melhor tomar meu rumo, já
havia atraído atenção suficiente para um dia de trabalho.

O telefone tocou ao longe, em um som intermitente. Sonhara há pouco com uma musica que a
tempos não ouvia, onde numa rítmica semelhante ao caminhar por trilhas cobertos por
pedregulhos e folhas secas. Levavam-me a um estado semelhante ao equilíbrio.

Ouvira esta musica durante o tempo em que servia no 6º Batalhão de Infantaria do 2º


Exército Brasileiro. Era um batalhão mais... me sentia sozinho. Nas caminhadas
daqueles tempos sempre estive sozinho, marchava com os outros e entre dia me em
criar canções com o murmúrio dos coturnos a amassar os pequenos grãos de granito
sobre a terra seca, sapecadas por folhas secas.

Mais havia uma musica que tinha grafado me num canto da memória, esta persistia
em de vez em quando tocar para mim com todos os seus detalhes. Aparecia em forma
de sonhos, acredito ser devido ao fato de estar a lembrar de um tempo que quis
esquecer, tamanha a solidão em que senti durante aquele ano de serviço militar, mais
dois anos na força de paz pela cruz azul. Mais esta é outra estória.

Atingi ao telefone numa braçada que pousado sobre o criado mudo não pararia de
soar.

6. )

- Alô... Alô! - Bom dia tudo bem? Eu te acordei? Esta com voz de sono?! – Sim!
Acordou, respondi eu o obvio devido a minha voz de fumantes doze horas sem
pronunciar um “A”, soou roca e tola como que as cordas foram movidas por puro
instinto.

-Desculpe-me mais é que já passa das dez, e pensei que já estaria na ativa, queira me
desculpar. – Que é isso, não precisa se desculpar, eu tinha mesmo que levantar.

-Algum progresso que possa me adiantar? Estou ansiosa. - Sim eu entendo, mas não
gostaria de que falacemos neste assunto sem que eu faça meu desjejum, me encontre
no café da esquina daqui a uma hora, conto lhe tudo. Mesmo por que... Preciso lhe
fazer algumas perguntas.

Alicia mesmo que preocupada em saber o paradeiro do marido, não deixava de se por bela.
Uma beleza tão singela que causava desconforto diante de tamanha manha de gatinha sem
amparo.
Viu-me sentado na mesa preferida da esquina do café, onde podia ver tanto Augusta e
Paulista, Vinha entrelaçando por entre mesas e transeuntes apressados. Sentou se a mesa em
diagonal o que me permitia, continuar com a vista para as duas vias.

Cumprimentemo-nos cordialmente, perguntei o que queria, se um café ou uma taça de vinho


carménère, acompanhado de breie, baquete e salame como o meu. Ela preferiu expresso com
nata de leite. Tinha a semblante, carregada de preocupação.

E antes que dissesse alguma coisa, comecei afalar; - Ontem após deixa-las. Notei que havia um
carro nos seguindo, era o mesmo carro que nos seguiu desde que saímos da galeria todo o
tempo.

Tenho razões para crer ser o mesmo homem que te assustou quando o viu pela janela do
escritório ontem pela manha.

Acredito nisso devido ao fato de segui-lo assim que os deixei em sua casa. Ele havia
estacionado em uma vaga bem em frente. Onde poderia seguir quase todos os seus passos, eu
também o acompanhei.

Desde que vocês desceram do Toco, conseguimos nos colocar na vantagem, sem que ele nos
percebesse a vigia-los. Há proposito? Seu apartamento dá de frente para a rua? Ele fica no
terceiro andar do prédio? - E outra coisa! - as janelas da sala e dos dormitórios dão também
para rua?

Alicia, que até agora não falara na dica de nada, contorcia as mãos sobre o colo. Olhou-me
meio desconfiada de saber que fora observada. E após refletir, perdida aos meios de suas
divagações, me observava com reservas. E por fim concordou.

- Sim! Suas observações estão corretas. - Quanto tempo ele me espionou?

Perguntou-me ela; - Duas boas horas, respondi. Ela pareceu fazer um cheque in de seus
passos assim que entrou no elevador.

Conversara com Nina, perguntara como foi o dia na escolinha, o que comeram na merenda?! –
Ate chegar ao andar e entrar no apartamento de luxo médio na Rua Zaira, no charmoso bairro
do Sumaré em frente para a praça.

Nina estava ainda eufórica de toda aquela movimentação do dia, respondia aos mínimos
detalhes as perguntas da mãe.

Falara também do pai que o fora visitar no recreio, mas que achou engraçado ele não entrar
para conversar com ela e preferir conversar por detrás da cerca de telas que separava o pátio
de recreio e a calçada.

Alicia parecia não acreditar nas palavras que estava falando, falara extremamente temerosa e
genuinamente preocupada. - Rhidory não era tão ligado a filha! – o que o levou a ter ido visita-
la? Deixara o perplexa; - Por que não veio a mim?! O que será que ele pretende com isso?!
Deixei a na rede moinho de suas elucubrações, ela precisava disso. Eu também fazia o mesmo;
- Será que o homem que eu perseguira seria o próprio Rhidory?! – Será um capanga
pertencente á máfia? Ou seria outro detetive contratado por ele mesmo. Para seguir os passos
da agora quase ex-mulher?

O que Alicia deixou de me contar neste misterioso desaparecimento de Rhidory?! Quais as


razões para não contar-me toda a estória.

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