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          Eu me sinto um pouco perdido, eu me sinto um pouco triste, queria poder diminuir as luzes para

poder encontrar meus braços ao seu redor e enterrar todo esse espaço que mantém dois corações
separados. Por um momento nós seremos diamantes, no escuro. Porque você tem minha razão, minha
única esperança, acredite em mim, amor, porque você tem... Eu preciso, eu não posso ficar longe.
Porque você é meu doce, doce remédio, baby, você é doce, doce o tempo todo. Oh doce, doce remédio,
me salve, me salve está noite...

Web de Júlia Vieira. Repostada - pela milésima vez - e reescrita - pela milésima vez.

                                                  Primeiro!

Eu estava caminhando até a minha nova casa pensando no que tinha para fazer no dia seguinte, mas,
tipo assim, eu era nova naquela cidade. A conclusão era que eu não conhecia nenhuma alma viva e
bondosa para sair comigo, a não ser a minha prima idiota, mas Anahí com toda a certeza do mundo não
poderia ser considerada uma alma bondosa – viva até poderia, mas de todo jeito, era melhor esquecê-
la. Sem contar que ela usava a desculpa de “estar estudando” para a universidade todos os dias apenas
para poder ficar conversando com as suas amigas oxigenadas e estereotipadas – imagine conversar com
uma Britney Spears e uma Paris Hilton ao mesmo tempo – sobre produtos de cabelo, lipoaspiração e
silicone, e ter uma discussão super interessante sobre o que tem mais carboidratos: arroz ou feijão. E eu
apostava a minha vida que em seguida ela se encontraria em algum quarto com o seu namorado de
longo prazo, Alfonso, ao qual ela carinhosamente apelidou de [i]pompom[/i]. Então, no quarto, rolara
um amasso legal – ou até mais –, e eu esperava de coração que eles não produzissem uma nova vida,
pois como eu estava morando na mesma casa que Anahí, não estava disposta a acordar no meio da
noite com um choro de um bebê babão.
Ah, Dulce, pare de pensar besteiras!
Eu não deveria ter usado o spray de cabelo da Anahí, realmente não deveria, pois aquele troço está
afetando o meu cérebro. Quantos neurônios será que eu perdi apenas por ter espirrado aquela coisa no
meu cabelo? Eu deveria saber que não se pode usar nada vindo de Anahí, principalmente produtos de
cabelo! Ainda mais que eu usei escondida... Bem feito, Dulce Maria, quem mandou você ser uma ladra
de sprays? Tudo volta em dobro, você deveria ter aprendido isso.

Cheguei a minha casa ainda pensando em como eu era uma estúpida por abusar de produtos químicos
alheios e pertencentes a uma loira descerebrada – a suja falando da mal lavada – e percebi que os meus
pés estavam doendo demais. Apenas um gênio como eu sai para caminhar usando botas de salto alto,
fica a dica. Mais um aprendizado para a minha vida: não sair para andar quilômetros e mais quilômetros
com salto agulha. E só aviso: se eu tivesse uma só bolha em meu pé, jurava que processaria a fábrica
que fabricava aquelas malditas botas e... Ai meu Deus, o que a convivência com Anahí estava fazendo
comigo? Eu estava me tornando uma antipática! Precisava tomar um banho de água benta para me
benzer dos maus agouros da loira urgente!
Contentando-me com o meu triste destino de me tornar uma pessoa rabugenta e com um pé
deformado, entrei em casa, pois estava parecendo uma idiota mental parada em frente a porta,
esperando ela se abrir com um passe de mágica. Assim que pisei no chão no hall da minha nova e
gigante casa, joguei minhas coisas no chão perto das malas e...
Que malas eram aquelas?
Quem ia viajar e não ia me levar? Porque todo mundo naquela casa viajava menos eu? Que merda! Eu
devia ter umas merecidas férias no Havaí, ou até mesmo no Caribe, porque eu estava precisando
urgentemente pegar um bronzeado! Mal conseguia me enxergar através do espelho. Dica que eu parecia
muito com uma morta-viva ou até mesmo com um fantasma... O que seria bom se estivéssemos perto
dos Dia das Bruxas, pois ai eu economizaria na fantasia... Mas como não estávamos eu queria uma cor
que não fosse igual aos dentes dos homens que faziam as propagandas de pasta dental. Não que aquilo
tudo viesse ao caso...
O que eu realmente queria saber era: de quem eram aquelas malas?

Eu estava torcendo intimamente para que Anahí fosse para bem longe. Para bem longe mesmo. Quem
sabe para Nárnia ou até mesmo para a Terra do Nunca? Ela que sempre foi fanática pelo Peter Pan se
divertiria horrores brincando pela floresta e talvez, por sorte, ela caísse no lago e fosse devorada por
aquele jacaré enorme lá... Acho que vocês sabem de qual eu estou falando. Ele tinha um nome de uma
bala. Acho que era Halls.
Não, porque um jacaré se chamaria Halls?
Bem, eu não tenho o porque achar estranho, não é mesmo? Os filhos das maiores estrelas do cinema
tem nomes bizarros! Quem colocaria o nome de Apple na filha? Acorda! Maça? Quando a menina
começar a vida sexual dela, o parceiro ira falar algo tipo: “cara, estou comendo uma maça!”.
Então se as filhas dos famosos podem ter nomes estranhos, jacarés fictícios também podem ter nomes
estranhos.
Mas acho que não era Halls. Talvez fosse Trident.
Acabei me lembrando que estava com fome, e por isso fui em direção a sala, procurando alguma coisa
suspeita e que denunciasse quem era o dono das malas esparramadas, mas até aquele momento eu não
tinha encontrado nada. Passei tranquilamente pela sala, cantando a música tema da novela das seis e
dei uma olhada para ver se estava tudo no lugar.
O sofá estava ali. As almofadas estavam ali. A lareira estava ali. A escultura feia de argila que Anahí fez
quando estava na segunda série também estava ali. Um garoto muito bonito sentado no sofá também
estava ali. As cortinas estavam ali e...
Um garoto muito bonito sentado no sofá? Mas como é que é?
[i]Para tudo e volta a fita![/i] Como assim?
Eu fiquei tão chocada que tropecei, queimando totalmente o meu filme com o garoto bonito que estava
sentado no sofá da [i]minha[/i] sala! Será que eu tinha ganhado na telecena e ninguém tinha feito a
questão de me avisar? Ou será que o papai Noel tinha resolvido passar mais cedo naquele ano porque
eu tinha me comportado muito bem durante o ano?

Ok, aquele não era um pensamento para se ter enquanto estava totalmente jogada no chão. Não, com
certeza que não era. E se eu tivesse quebrado alguma coisa? Tudo era culpa das malditas botas! Tinha
que prometer nunca mais usar botas de salto agulha. E se minhas pernas estivessem fraturadas?
Colocar gesso coça demais! Dá última vez que coloquei gesso, cocei tanto com a agulha de tricô da
minha avó que quase perfurei a minha pele! Sem contar que não era nada sexy um gesso no meio das
suas pernas! Imagina usar uma saia com aquilo? Eu, heim, eu passo.
E sabe qual foi o pior? Quando eu cai, o chão tremeu. [i]Tremeu[/i]! Eu estou precisando urgentemente
começar uma academia! O único esporte ao qual eu me dedico 100% é ao revezamento de lado na
cama! Giro para um lado... Giro para o outro. E isso nem emagrece!
Acho que o barulho tremendo chamou a atenção dele. Quer dizer, parecia que ia cair um temporal do
lado de fora e os trovões tinham começado o espetáculo. [i]Brum![/i] Nem queria saber qual era a
impressão que ele teria de mim. Talvez de uma baleia atolada no Atlântico usando botas?
Porém, quanto mais ele se aproximava, mais eu corava.
Ele era um anjo, por acaso?
Todo bonito, arrumado e sorridente, ele se aproximou e ergueu uma mão para me ajudar a levantar, e
eu, a trouxa, fiquei olhando para ele, analisando-o e tendo os meus pensamentos autistas de sempre.
Ok, eu confesso que eu pedi para os céus mandarem um anjo para mim, e não é que tinha dado certo?
Então será que se eu pedisse o Brad Pitt eu também ganharia? Ou quem sabe um cérebro maior, porque
eu estava precisando urgente de um.
Ah, mas acredite quando eu digo que me contentaria totalmente com o anjo que estava na minha
frente. Me contentaria até demais.
E seria ótimo se ao invés de ele ter caído em minha sala, tivesse caído em minha cama. Gostaria de
saber o que e... Oh, meu Deus, o que eu estava pensando? Dulce pervertida, Dulce muito pervertida!

Para não fazer papel de idiota, estiquei a mão também e peguei na dele, completamente envergonhada
e sem graça. Ele firmou o contato e me puxou com facilidade, e eu estava quase morrendo porque tinha
tocado na mão de um anjo! Jesus, eu poderia morrer feliz porque tinha tocado na mão de um anjo! E
quem sabe se eu morresse, eu não acabasse indo para o céu e encontrasse os irmãos do garoto bonito?
E eu que pensava que só existiam sete maravilhas no mundo...
Quando ele sorriu, meu Deus, que sorriso era aquele? Estava ficando quente, muito quente, e eu não
estava nem um pouco com medo de me queimar, contanto que fosse ele que apagasse o fogo. E eu
tinha certeza de que deveria estar com uma cara de retardada, só faltava babar... Acredite.

— Você está bem? – ele perguntou ainda segurando a minha mão.

E a única coisa que eu conseguia pensar é que eu nunca tinha estado tão bem em toda a minha vida.
Bem era pouco. Eu estava maravilhosamente bem. Extremamente bem. Excepcionalmente bem, melhor
dizendo.
Em menos de cinco minutos eu havia conhecido um anjo, tinha caído e nem me machucado – o que era
um milagre, pois toda a vez que eu caia normalmente ia parar no hospital -, e estava segurando a mão
do anjo ainda! Era mais do que óbvio que eu nunca estivera melhor em toda a minha vida mesmo. Para
se tornar perfeito faltava apenas ser envolvida nos braços fortes dele e receber um beijo, porque ai sim
eu teria a certeza absoluta de que tinha morrido e ido para o céu, pois ele me levaria as nuvens e... Meu
Deus, como eu era carente!

— Estou bem sim, obrigada. — sorri toda tímida — Quem é você?

A única coisa que se passava em minha cabeça era o seguinte: como chamava o garoto dos lindos
cachos castanho-claros e com os olhos sensuais? Eu precisava urgentemente saber o nome dele para
ver se ficaria bonito o meu sobrenome para quando nós nos casássemos...

Ok, eu confesso que eu era estranha em pensar logo de cara em casamento, mas mamãe sempre disse
para que quando eu encontrasse um homem bonito e gentil, como o que eu tinha acabado de encontrar,
agarrá-lo pelos joelhos e nunca mais soltar... E era isso o que eu faria.

— Christopher. Christopher Uckermann. Mas prefiro que me chame de Chris… — e então ele soltou a
minha mão, infelizmente, mas tudo tem um lado bom, pois Dulce María Saviñón Uckermann ficava uma
graça!

... Espera ai, era ele? Ele era o Christopher Uckermann?


Oh meu Deus, o meu futuro marido e pai dos meus filhos era ninguém mais, ninguém menos do que...
Christopher Uckermann!
Aquilo tudo só poderia ser brincadeira.
Que chamassem uma ambulância pois eu estava para sofrer um enfarte fulminante em cinco segundos...
Não, não, isso seria muito dramático e outro tombo na frente dele detonaria o meu histórico... Mas
aquilo tudo era uma brincadeira mesmo, só podia.

— Ah, estão você é o famoso Christopher Uckermann de quem meu pai tanto fala? — perguntei, dando o
meu sorriso mais bonito – o qual eu aprendi com a Bond girl – e agradecendo pelo meu cabelo estar
maravilhoso aquele dia! Tinha que agradecer ao spray da Anahí mais tarde, porque ele tinha salvado a
minha imagem.
— Acho que sim — foi à vez dele sorrir todo tímido — A não ser que seu pai conheça outro Christopher
com o meu sobrenome. — e então percebi que ele corara de leve e levou uma das mãos ao próprio
cabelo, bagunçando o monte de cachos e me fazendo babar quase que literalmente.

Então foi ai que percebi que precisaria pedir um babador de Natal se ele continuasse fazendo aquilo.

— Eu me esqueci que você viria para cá — me esforcei ao máximo para não gaguejar.

Tudo bem que o meu cabelo poderia estar lindo de morrer, mas gaguejar? Nem a beleza me salvaria do
mico que eu pagaria, e era claro que eu me esqueceria da chegada de Christopher Uckermann?

Não que eu tenha algum preconceito contra nerds, não pensem nisso, mas eu jurava que Christopher
Uckermann não passava de um nerd. Um nerd total, sabe? Com direito a óculos com lentes fundo de
garrafa, cabelos lotados de gel e tipo vaca lambeu, com freio de burro nos dentes, roupas listradas e
calças altas e com o rosto com mais espinhas do que toda a população da China junta. E também pensei
que a maior diversão dele seria passar os finais de semana assistindo filmes educativos sobre amebas
ou seres que se reproduzem por reprodução assexuada, que ficava lendo a parte de economia dos
jornais para saber quando o dólar estava valendo e ficava horas e mais horas em fóruns na Internet
conversando com os seus amigos também nerds sobre como o Mcdonalds controlava a cabeça das
crianças no mundo atual com os seus brinquedinhos inúteis e com os seus hambúrgueres feitos de
minhoca e cheios de produtos químicos. Ah, e como o presidente Bush era um idiota por não por não
mandar prender o Ronald Mcdonald... Ou melhor, por não mandá-lo para a cadeira elétrica.
E sem a menor noção de dúvidas fiquei muito feliz ao ver que me enganara!
Christopher Uckermann não era um nerd estranho. Christopher Uckermann era o homem dos meus
sonhos!

— Eu estava muito ansioso para vir para o México — ele confessou e me senti orgulhosa por já estarmos
trocando confissões. Era um avanço, não era? — Fico feliz por estar aqui, finalmente.

Eu quis dizer que estava muito feliz por ele estar ali também, mas estava me perguntando se era muito
cedo para chamá-lo de “meu amor”? Não queria assustá-lo, apenas queria marcar território.
E sinceramente eu esperava que ele não tivesse nenhum super-poder, sabe? Tipo, os super-heróis.
Porque se caso ele conseguisse ler pensamentos, naquele exato segundo ele deveria estar com medo de
mim, me achando uma obsessiva louca ou uma carente depravada.
Que ele não tivesse nenhum poder, por Deus.

— Eu não acredito que Nena deixou você esperando aqui na sala! — e eu, sem pensar duas vezes – e
não conseguiria nem se conseguisse, já que pensar apenas uma vez já era muito difícil -, peguei na mão
dele outra vez, porque não perderia aquela oportunidade, e comecei a puxá-lo para fora da sala,
levando-o para o lugar onde deveria ser a cozinha — Você deve estar com fome!
— Na verdade, estou com um pouco. Comida de avião não satisfaz em nada.
— Eu sei! — concordei, muito animada — Toda vez que viajo de avião levo um monte de chocolates na
bolsa. Ah, qual é? Aquele frango e a saladinha super light não matam a fome nem de africanos! — parei
de falar imediatamente, com medo de que ele achasse que eu era uma racista ou uma pessoa sem
coração por brincar com coisas como a fome da África, mas assim que ele soltou uma risada singela, eu
suspirei aliviada.
— Concordo com você. Me serviram peixe frito e alface... Isso que eu estava na primeira classe. Fiquei
pensando o que serviam para quem estava na economia. O que deveriam servir? Água e biscoitos?
— Nem brinca. Imagina fazer um vôo de longa distância? Se o avião não cair, a pessoa morre de
desnutrição. — conversando sobre aquele assunto tão normal, eu começava a me preocupar por não
conseguir encontrar a cozinha. E falando sobre comida, ainda mais, a minha fome só aumentava. Minha
lombriga estava começando a ficar revoltada. — Ai, droga.
— O que foi? — ele perguntou, notando o meu desespero.

Eu parei de andar e ele parou também. Eu olhei para ele e ele me olhou. Nós nos olhamos. Nossos
olhares se cruzaram. Ok, eu acho que todo mundo entendeu que nós trocamos olhares. E acho que
tenho que acrescentar que estava tendo um ataque eufórico de estar tão perto daquele Deus.
Não era todo o dia que eu ficava tão próxima de um gato como aquele.

— O que foi? — Christopher perguntou confuso, quebrando a conexão – tão intensa – de olhares ao
desviar os olhos para os lados, sem entender a razão de termos, do nada, parado de andar.

Quando ele olhou para os lados, os seus lindos cachos se balançaram com a brisa, parecendo uma
miragem, ou uma propaganda de xampu em que os homens gostosos chacoalham a cabeça e fazem
todas as mulheres terem um orgasmo... Duplo.
E eu juro que babei naquela hora, provando de uma vez por todas que eu precisava mesmo começar a
usar um babador toda vez que me aproximasse dele.

— De verdade verdadeira — sussurrei — eu não faço a menor idéia de onde estamos.

Ah, qual é? A minha casa era muito grande! Ninguém mandou a minha tia gostar de coisas grandes – e
não, isso não é uma indireta relacionada ao tamanho do “piu-piu” do meu tio, eca! -, sem contar que eu
estava morando ali há poucos dias e não tinha visto nem 1/3 dos cômodos, então não era minha culpa
não saber onde era a cozinha... E mesmo se fosse minha culpa, você não poderia fazer nada, hihi.
— Perdidos em uma casa — ele deu uma risada maravilhosa — Se bem que eu acho que vou precisar de
um mapa para não me perder aqui também. Quer dizer, olha o tamanho disso daqui. Está mais para
mansão do que para casa.

Quando ele riu de novo, a risada soara tão graciosa em meus ouvidos que eu devo ter sofrido algum tipo
de mutação e virei um tomate ambulante. Sem brincadeira, eu sentia as minhas bochechas ardendo em
fogo! Ardendo mesmo! E eu rezei para que não tivesse macarrão de janta, porque eu não estava com a
menor idéia de virar o molho.
A não ser que o Christopher fosse o macarrão, ai eu poderia reconsiderar a idéia.

— É que eu me mudei faz muito pouco tempo, sabe? Cheguei semana passada aqui e ainda não sei onde
é nada. Mal conheço meu próprio quarto. — corei ainda mais, prometendo para mim mesma que quando
nós nos casássemos, a nossa casa seria bem menor para eu não correr o risco de me perder a caminho
do banheiro quando eu precisasse tirar a água das canelas e... Eu precisava parar de ter aqueles
pensamentos absurdos.
— Normal. Eu também me perdia na casa do meu tio — ele abriu um sorriso doce e olhou outra vez em
meus olhos.

Se eu fosse cara de pau como a minha prima, agarrava ele ali mesmo e o faria se perder entre os meus
beijos e... Cara, o que estava acontecendo comigo? Eu precisava mesmo processar a fábrica de sprays
de cabelo porque aquele negócio tinha alterado não só o número dos meus neurônios, como também a
minha personalidade! Eu estava sofrendo um caso sério de personalidade dupla! Quem era aquela Dulce
safada? Ah, não era eu mesmo.
Legal, posso lançar um livro de auto-ajuda tratando sobre esse assunto e ficar milionária... Isso é, se eu
soubesse escrever direito, não é mesmo? Não sei até hoje se laranja é com “g” ou com “j”. Viva eu!

— Você morava com o seu tio? — queria que ele me contasse tudo sobre a vida dele. Detalhe por
detalhe.
— Morava. Meus pais morreram há dois anos atrás, por isso passei a morar com ele.

Eu e a minha boca grande deveríamos levar o prêmio de maior king-kong do ano, de verdade. Porque eu
não aprendia nunca a ficar quieta? Porque?
Quando ele fez uma cara de dar dó, eu quis me matar, mas antes senti uma enorme vontade de abraçá-
lo e colocá-lo no meu colo, prometendo que tudo ficaria bem... E logo em seguida eu percebi que tinha
que parar com aquilo. Conhecia o garoto a menos de meia-hora e já queria casar com ele. E decidi que
naquela noite entraria na internet e procuraria algum site de namoro. Tipo, www.parperfeito.com, quem
sabe? Ou www.metadedalaranja.com? Acho que conversar com um velho tarado – porque
convenhamos, nesses sites só existiam velhos tarados – aumentaria o ego e acalentaria a carência de
qualquer pessoa... E também deveria render umas ótimas risadas com as cantadas tipo: “você vem
sempre aqui, broto?”, ou até mesmo: “me passa o seu ICQ, pitel?”.
Mas porque eu estava pensando em gírias dos anos 70 quando tinha ferido cruelmente os sentimentos
do meu futuro marido? Que tipo de esposa eu era?

— Eu não sabia, Christopher. Meu pai não me contou e... Me desculpe.


— Você não tem culpa, Dulce. E por mais que seja horrível o que eu vou dizer, estou me acostumando.
Quer dizer, meu tio sempre foi como um pai para mim, e seu pai também é um homem muito bom e o
agradeço muito por ter me dado a oportunidade de vim morar aqui. Sempre quis cursar uma
universidade aqui na cidade do México e agora tenho a chance. — e deu um sorrisinho lateral, o que me
fez ficar sem ar por muitos segundos — E me chame de Chris.

Chris. Chris. Chris.


Eu poderia chamá-lo de cricri, mas se eu achava patético o jeito que Anahí chamava o namorado dela,
porque eu não deveria achar ridículo aquele apelido? E cricri parecia o barulho que um gafanhoto fazia...
Espera, era gafanhoto que fazia cricri?

— Ok... Chris. — sorri ao ver como era lindo chamá-lo daquele jeito e como os meus lábios se curvavam
para pronunciar o apelido dele — Você quer cursar o que?
— Direito — ele disse enquanto voltávamos a andar pelo corredor sem fim — Quero ser promotor. E
você?
— Até o momento eu quero ser... Bem, eu quero ser... — levei o dedão a boca, começando a roer o
esmalte — Acho que... Ah, eu não sei.
— Bem, guia turística você não pode ser — ele falou brincando e eu soltei uma risadinha encabulada —
Mas acredito que você tenha muitas qualidades para compensar a sua falta de localização.
— Você mal me conheceu e já sabe que sou uma perdida! — exclamei perplexa — Será que está escrito
em minha testa que eu preciso de uma bússola e de um mapa?
— Você não precisa de uma bússola — e deu outra risadinha — Apenas de um GPS. — e foi a minha vez
de rir.
— De verdade, eu não faço a menor idéia do que vou cursar. Acho direito muito legal, mas tenho certeza
que ninguém me contrataria para defender nenhuma causa — dei de ombros —, sem contar que eu sou
mais chegada em Humanas.
— Você logo encontra algo que goste — Christopher segurou outra vez a minha mão, o que me levou a
loucura — Eu tenho certeza.

Bom, eu já tinha encontrado algo que eu gostasse: ele.


Meu sensor aranha captou um perigo e em seguida escutei um grito ecoando pelo corredor inteiro.
— DULCE MARÍA — ai droga, ferrou! — ATÉ QUE EM FIM EU ENCONTREI VOCÊ! — e, gritando ainda, ela
se aproximou com um olhar furioso.
— Calma, Nena, eu tenho uma explicação! — tentei acalmá-la, mesmo sabendo que não adiantaria
porcaria nenhuma.

Se alguma alma bondosa pudesse fazer o favor de chamar a polícia antes que ela me matasse, eu seria
eternamente grata. Pensando melhor, acho que apenas o FBI ou o BOPE poderia me ser útil. Obrigada.

— Eu estava ficando desesperada, Dulce María! E eu disse com todas as palavras que eu queria que
você aparecesse na hora do almoço! E que horas eu pedi? Meio dia! E você tem ao menos a noção de
que horas são?

Eu não fazia a menor idéia porque tinha deixado o meu relógio cair acidentalmente dentro da privada
quando fui dar descarga, e o meu relógio acabou por ir fazer companhia ao Billy, o meu peixinho de
estimação, que morreu queimado pelo Sol e depois desceu pela descarga abaixo para se juntar com os
outros animaizinhos que descansam em paz no bueiro da cidade. Amém!

— Meio dia... E dez? — arrisquei, afinal de contas, o que mais eu podia fazer?
— São quase uma e meia, Dulce María! — quando ela repetia o meu nome várias vezes é sinal de que a
coisa estava preta para o meu lado
— O tempo passa rápido quando a gente se diverte — sussurrei para eu mesma e encarei a minha
morte.
— Nena, não foi culpa dela — Christopher me defendeu e eu quase cai para trás.

Era ou não era de se deixar levar pela loucura? Meu Deus, quando que eu esperaria isso vindo de um
homem? Não que eu seja feminista ao extremo, mas homens normalmente são depravados, idiotas e
ordinários... E Christopher mal me conhecia e estava me defendendo! Realmente era bom demais para
ser verdade. Só não pediria para ninguém me beliscar para eu ver se estava sonhando porque eu não
queria acordar.

— Foi minha culpa sim, Nena. Eu estava procurando a cozinha com o Christopher e fiz nós dois nos
perdemos no meio do caminho.

Nena tinha que acreditar, afinal de contas, o que eu poderia ficar fazendo em um corredor vazio com um
menino com uma beleza extremamente fora do normal... Ok, entendi os motivos para Nena estar
desconfiada e soltando fogo por todos os orifícios do corpo. Mas não posso fazer nada se ela pensa que
eu sou uma garota rodada que sai dando em cima de qualquer garoto que aparecesse em minha frente?
Olha que eu ainda nem usei o meu olhar 42 nele... E eu sou uma santa. Oh, sim, eu sou.

— Será que terei que dar um mapa para você, Dulce María? — então ela me encarou daquele jeito de
arrepiar a coluna e que sempre me dava medo. Como eu responderia para ela que [i]sim[/i], eu
precisava de um mapa, sem morrer?
— Não, Neninha querida do meu coração. Só nos perdemos por um descuido meu. Não tenho culpa se a
cozinha sumiu!
— A cozinha não sumiu, Dulce — ela balançou a cabeça, como se mostrasse não acreditar no que se
passava ali — Ela é apenas do outro lado da casa.
— Ah — murmurei envergonhada — Então eu acho que preciso de um mapa.

Em seguida eu escutei um riso e quase desmaiei quando vi Christopher rindo daquele jeito todo doce
outra vez. Será que Nena poderia me dar um mapa e um babador como brinde?

— Não cometeremos esse erro outra vez, Nena. Nós prometemos! — ele sorriu daquela forma linda e eu
tive certeza de que até Nena se rendia aos encantos dele. Mas ela que tirasse os olhos, porque ele era
meu.
— Está bem — retribuiu o sorriso toda animadinha — Então vamos para a sala de almoço porque a
comida está para ser servida. E daqui a pouco os dois morrem desidratados e a culpa não será minha.

Adivinhem de quem seria a culpa? [i]Minha[/i], porque a culpa sempre era minha?
Se um dia a terra acabar porque algum idiota apertou um botão vermelho na sala da NASA e lançou um
foguete contra o Sol e o fez explodir, lançando bolas de fogo por todo o universo e destruindo a galáxia,
quem seria a culpada? Bem, por via das duvidas, [i]culpe a Dulce.[/i]
Passamos por milhões, bilhões, trilhões de corredores, de salas, de banheiros e até por um jardim de
inverno até encontrar a bendita sala de almoço. Estava chegando a conclusão de que a minha casa
deveria ser maior do que a Casa Branca, e, ainda assim, Nena não queria que eu me perdesse! Como
era possível que ela tivesse decorado todos os caminhos daquele labirinto?
Era capaz que eu encontrasse o Minotauro ali a qualquer hora.
Eu não sabia que existia uma sala de almoço. Pensava que existia apenas sala de jantar, mas não
estava me importando, pois minha burrice tinha me prejudicado o suficiente naquele dia. Era melhor se
eu ficasse de boca fechada porque ai não entraria mosquito. Hum.
E a sala era toda bonita e organizada. A grande mesa de madeira era o único móvel, tirando as cadeiras,
que existia na sala. As janelas eram compridas, começavam do chão e iam até o teto, e a claridade do
dia era escondida por uma cortina de tecido claro. Não que eu fosse viciada em arquitetura, mas
admirava o senso de decoração de minha tia. A única coisa que faltava na sala de almoço era o almoço.
Mas assim que eu e Christopher sentamos, a mesa começou a ser cheia de taças e bandejas de comida.
Nos outros dias eu tinha almoçado fora com Anahí para conhecer a cidade – ou melhor, os shoppings da
cidade -, e tive mais um motivo para querer matá-la. Afinal, porque ela queria comer fora sendo que
dentro da própria casa tinha comida o suficiente para alimentar as forças armadas dos EUA? Olá, éramos
apenas eu e o Christopher que comeríamos, e naquela mesa estava sendo servido um verdadeiro
banquete. Quem os cozinheiros achavam que nós éramos? Canibais famintos?

Eu tinha que procurar uma academia urgente antes que engordasse tanto a ponto de ter que usar
roupas mega hiper super GG. Ou era academia, ou dieta, e, acreditem em mim quando eu digo que não
consigo ficar longe de carboidratos...
O Christopher olhava para as comidas com água na boca, e dai que eu tinha reparado naquilo? Eu
também reparei que ele ficava olhando para mim. Será que tinha alguma coisa no meu rosto? Santo
Deus, se tivesse alguma coisa verde e gosmenta no meu rosto, eu desmaiava ali mesmo, sem me
importar se estava criando cena ou não... Mas ele me olhava, me olhava, me olhava...

— Tem alguma coisa no meu rosto? — sempre fui super discreta, como todos podem perceber.

Se eu fosse você, Dulce, se matava para ver se na outra vida nascia um pouco mais educada.
Ah, espera ai, eu sou eu! Ai meu Deus, eu não quero me matar!
Ai, droga.

— Não tem nada. — e deu mais um sorrisinho. Tinha que me acostumar com aqueles sorrisos! — Estou
apenas esperando você se servir primeiro.

Eu tinha escutado direito?


Além de lindo, alto, musculoso, maravilhoso, esforçado, carinhoso e um anjo perfeito, ele ainda era um
cavalheiro? Meu Deus, eu preciso repetir que eu deveria ter muita sorte por tê-lo morando na minha
própria casa! Faltava apenas alguém me dizer que ele lavava, passava, cozinhava e dizia “eu te amo”
em várias línguas quando alguém apertasse a barriga dele.
Christopher era sinônimo de perfeição, só podia!

— Chris, não precisa! — arregalei os olhos e abaixei a cabeça, tentando desviar a atenção dele do meu
rosto — Você deve estar morrendo de fome, não precisa me esperar. E outra, a casa também é sua
agora, não é mesmo? Pode se sentir em casa.

Então o sorriso dele aumentou. Então o meu coração entrou em pane. Então ele começou a se servir.
Então eu estava praticamente morta.
Se eu falasse que até o jeito que ele segurava o garfo era maravilhoso, soaria muito estranho, né?

Eu tinha que parar de puxar tanto o saco do Christopher no meu pensamento. Tinha que começar a falar
sobre outras coisas que não o envolvessem, pois nas últimas horas de minha vida tudo o que passava
pela minha cabeça estava relacionada a ele... Então eu falaria sobre almôndegas a partir daquele
momento.
Alguém já reparou o quanto as almôndegas são redondas e... Bem, são de carne?
É, não deu certo. As almôndegas que se danem.

— Quer que eu sirva você, Dulce?


— Quero sim — sorri e estiquei meu copo, tentando fazer um pouco de charme — E me chame de Dul.
— Dul... — ele repetiu e me devolveu o copo — O seu nome é lindo... Igual ao seu sorriso.

Engasguei com o suco e tive sorte em conseguir disfarçar, levando um guardanapo a minha boca
imediatamente e cobrindo a cara de debimental que eu fiz. Ele também não estava olhando. Estava
mexendo na comida com um sorriso lateral minúsculo e com as bochechas vermelhas, pelo que eu pude
ver, e então eu tive a certeza absoluta de que ele estava me cantando!
Christopher Uckermann, o anjo em forma de garoto, estava me cantando.
Aqui jaz Dulce María.

— Ah, obrigada — gaguejei e tomei outro gole de suco, para limpar a garganta.
— E então, você ainda não conhece ninguém aqui? — percebi que ele quis mudar de assunto
imediatamente e agradeci por não mergulharmos no silêncio.
— Não exatamente. Conheço você agora, a minha prima Anahí, o namorado dela, o Alfonso, e a Nena.
— legal, ele deveria estar pensando que eu era uma anti-social que se exclui do mundo e essas coisas.
— Então somos dois. Estou me sentindo um peixe fora d’água. — uau, eu não sabia que peixes poderiam
ser tão bonitos!
— Hey, quer sair para conhecer a cidade daqui a pouco? — se bem que eu mesma não conhecia a
cidade... E de onde tinha vindo aquela coragem misteriosa que me fez conseguir convidar um garoto – e
ainda mais Christopher Uckermann – para sair? Dulce María, garota, você estava mesmo mudando!

— Querer eu quero... Mas você conhece a cidade? — merda, acho que ele é capaz de ler pensamentos!
Ai, droga.
— Não exatamente — limpei a garganta — Mas eu tenho um guia turístico. — o que não era grande
coisa, levando em conta que um guia turístico em minhas mãos era a mesma coisa que um livro de
álgebra avançada nas mão de Anahí, ou seja, não servia para nada... A não ser para usarmos como
peso de papel ou apoio de porta.
— Seria legal se conhecêssemos a cidade juntos — Christopher deu um longo e demorado gole no suco
em seguida, me deixando imóvel como uma estátua onde estava sentada, ainda não acreditando nas
coisas que ele estava me falando. — E se nos perdemos, pelo menos nos perdemos juntos também.

Ai meu Deus.

— Ah… Sei... Mas qualquer coisa, eu, hum... Vou levar o meu celular. — que seria de grande utilidade se
eu ao menos soubesse o número do telefone da casa onde eu moro. Se eu não sei nem onde é a
cozinha, quem espera que eu saiba o telefone? — Então eu ligo se nós... Nos perdermos... E... Sei lá.
Nós achamos um jeito de voltar sã e salvos para cá. — e ele riu, concordando.
— É, nós damos um jeito então.
— Então assim que terminarmos de almoçar, podemos ir... — quanto mais tempo ao lado dele, melhor
para mim — Ou você pretende fazer alguma coisa depois do almoço?
— Eu ia arrumar as minhas coisas, mas isso pode ficar para outra hora — comentou, dando uma última
garfada e piscando um olho para mim — Estou as suas ordens.

Uau, eu acabei gostando do que ele falou. Se eu mandasse ele me dar um beijo, será que ele
obedeceria? Afinal, ele mesmo tinha dito que estava as minhas ordens, então... Ah, Dulce, pare com
isso! De verdade, sua carência está me enojando.

— Eu terminei — coloquei meus talheres educadamente sobre o prato, para mostrar como eu era uma
garota educada.

Há, há, em sonhos.

— Eu também — e ele fez o mesmo, mas eu tinha certeza de que ele não fizera por fingimento, e sim
porque ele era educado por natureza.
— Então eu vou para o meu quarto me arrumar e então podemos ir — seria bom se eu não demorasse
horas para encontrar uma roupa que me deixasse no mínimo apresentável.
— Ok.

Eu me levantei e percebi que ele não tinha saído do lugar. Voltando alguns passos, me perguntei se ele
ficaria ali contando as mosquinhas que se juntariam para fazer a festa com o resto de comida, mas ele
não era estranho para ficar contando moscas. Por isso perguntei: — Você não vai subir?
E apenas depois da pergunta percebi o quanto aquilo soava de forma maliciosa.
“Você não vai subir... Para o meu quarto junto comigo?”
E torci para que ele tivesse uma mente limpa, se bem que eu não ligaria se ele subisse para o meu
quarto e... Eu preciso começar a ir na missa da Igreja nas manhãs de domingo. Ah, se preciso.

— Para falar a verdade eu não sei onde é o meu quarto.

Uau, tinha que dar os parabéns para Nena outra hora por ela ser uma ótima governanta. Tão boa que
não mostrava para o nosso agregado onde ele dormiria. O que, na verdade, era ótimo para mim, pois
poderia colocá-lo para dormir em frente ao meu quarto.
Visitinhas noturnas, hihi.

— Vem comigo outra vez.

Saímos da sala de almoço, fazendo o mesmo caminho pelo qual Nena nos transportara, chegando ao
Hall em questão de poucos minutos. Procurei as malas dele e quando não encontrei, fiquei com medo de
que os duendes tivessem raptado, porque todo mundo sabe que os duendes roubam coisas. Mas
agradeci porque não teria que carregar peso, porque, tipo assim, eu não era nenhum tipo de burro de
carga. Então comecei a guiá-lo pela escada acima. A escada tinha tantos degraus, mas tantos degraus,
que minhas pernas ficariam super malhadas se eu subisse e descesse os milhões de degraus todos os
dias. O que era super legal, pois economizaria o dinheiro da academia e poderia comprar... Doces.

Mas seria bem divertido se tivesse um elevador. Se tinha até sala de almoço, porque não poderia ter um
elevador?
Depois de muitos degraus, finalmente chegamos ao corredor dos quartos. Eu não tinha a menor idéia de
quantos quartos existiam naquela casa, mas eu sabia que eram muitos porque a minha família era muito
grande. Em festas de família, quando todo mundo se reunia, era necessário alugar um Hotel, se brincar,
apenas para os primos de algum grau distante. Não tenho culpa se meus avós, bisavós e CIA tinham
fogo naquele lugar. Como não existia internet, eles não tinham nada para fazer a não ser... Sexo. E a
quantidade absurda de parentes é o que leva a quantidade de quartos.
Para eu me recordar qual quarto era o meu, precisei colocar vários colantes, sabe? Se bem que eu
deveria ter colocado uma placa escrita: Hey, Dulce, sua perdida, o seu quarto é aqui! Porque eu não
pensei naquilo antes? Mas eu não tinha tempo para me preocupar com uma placa de porta, porque eu
tinha que, além de encontrar um quarto para o Christopher, encontrar as malas roubadas por duendes
e...
Ai, merda! Quem era o desgraçado que colocara aquelas malas no meio do caminho? Chutei uma com
força e tinha certeza que meu pé ficaria inchado – ainda mais, porque aquelas botas malditas estavam
me matando! Espera ai, eu disse mala?
E não é que o ditado que a vovó sempre me dizia não era verdade? Se você não vai até as malas, as
malas vem até você!
Há há há, depois dessa piada sem graça, eu esperava que alguém me matasse.

— Come on — forcei o meu inglês e segui puxando-o — Vamos encontrar um quarto! — e abri a primeira
porta que encontrei, toda alegre, sorrindo como uma idiota — Bem vindo ao seu quarto! — como ele
ficou em silêncio e me encarou em seguida como se não entendesse, resolvi perguntar: — O que foi?
— Eu vou dormir no banheiro?

Meu. Deus. Dulce. María. Você. Só. Poderia. Ser. A. Maior. Idiota. Do. Mundo. Inteiro.

Parabéns, Einstein!

Eu senti minhas pernas tremendo como se eu estivesse levando um choque e virei o rosto para observar
o suposto quarto, e vi que era mesmo um banheiro. Um grande e bonito banheiro. Meu Deus, eu não
merecia viver. Que alguém atirasse em mim e acabasse com a minha idiotice de uma vez, porque assim
estaria fazendo um bem enorme para humanidade poupando todos da minha presença repugnante.

— Opa, porta errada! — dei uma risadinha sem graça e fechei a porta com força, escutando o riso dele
sendo abafado pelo baque. E eu poderia morrer de tanto que queimava de vergonha, mas então ele me
abraçou e eu achei que estava vendo a porta do Paraíso.
— Percebe-se que você realmente não conhece a sua casa ainda — e ele gargalhou ainda mais e meu
sorriso tímido aumentou, mas quase que suspirei ao sentir uma mão dele em meu ombro.
— Não mesmo — concordei, porque ela a única coisa que eu podia fazer — Vamos procurar um quarto
de verdade... A não ser que você não se importe de dormir na banheira... — fiz uma brincadeirinha
idiota e recebi um sorriso como resposta.
— Seria muito confortável dormir em uma banheira, mas acho que ainda assim prefiro uma cama... —
uau, revelações intimas aqui!

Eu obrigo eu mesma a parar com isso! Sua pervertida.

— Esse é o seu quarto? — ele apontou para uma porta coberta de corações rosas e eu neguei com a
cabeça.
— Não. Esse é o quarto da minha prima Anahí. Ela tem um sério problema, sabe? Anahí é viciada em
rosa porque é a Barbie na versão humana, acredite. E eu sugiro que você passe longe dela, a não ser
que queira fazer parte do Mundo da Barbie também — dei de ombros e omiti a parte de que eu roubara
o spray de cabelo dela para ele não achar que eu também era uma seguidora do Pink.
— Se você diz... — Christopher apertou a mão que estava em meu ombro de leve e agradeci por ele
estar me abraçando, pois se não, tinha certeza de que tropeçaria.

Paramos em frente a uma porta do lado direito do meu quarto e rezei em silêncio para que ali fosse um
quarto de verdade. Os anjos atenderam o meu pedido. Assim que abri a porta me deparei com um lindo
e majestoso quarto, com direito a televisão, DVD, ar condicionado, computador, banheiro, frigobar e
outras coisas... E fiquei p*ta, de verdade, porque o meu quarto não tinha frigobar!
Eu deveria ter aberto todas as portas – há, há, até parece. Eu ficaria com cãibra nas mãos, dica mil –
antes de escolher o meu próprio quarto.
Quais segredos a mais deveriam existir naquela casa? Eu mal poderia esperar para descobrir.
Sherlulce Maria e seu inseparável companheiro, Watopher, no mistério da mansão Saviñón...
A explicação de tudo é que eu sou demente. Não existe outra explicação.

— Agora sim, bem vindo ao seu quarto! — comentei toda orgulhosa, e o Christopher entrou no quarto,
indo direto ao banheiro e abrindo um sorriso travesso.
— Vou me sentir confortável aqui. Esse banheiro é ainda maior do que o outro e, olha só, a banheira é
maior também! Dará uma ótima cama! — e eu, é claro, corei demais e ri baixinho.
— Desculpa mesmo pelo incidente. Eu não queria dizer que você iria dormir no banheiro — me embolei
toda e dei outra risadinha. Ok, eu confesso que tinha sido engraçado, mas de todo jeito, eu só fazia
coisas erradas.
— Eu estou brincando, D. Não foi nada demais. — olhei nos olhos dele assim que escutei como ele
pronunciava um apelido inventado por ele mesmo, e mordi meu lábio inferior para segurar a vontade
que eu estava de dizer o quanto ele era lindo. — Você está me fazendo rir, e acredite, eu não ria há
muito tempo.

Ele se aproximou um pouco, sorrindo de uma forma estupidamente linda e roubando o oxigênio dos
meus pulmões. Eu tinha que me acostumar com a presença dele, tinha que me acostumar com o que ele
estava causando em mim, porque se não, de verdade, eu não conseguiria sobreviver ao tempo que ele
passaria morando comigo.

Eu morreria a qualquer sorriso que ele desse, e aquilo não seria legal.

— Então eu... — respirei fundo, retomando a pose — Então eu vou para o meu quarto, que, por acaso, é
ao lado do seu. — que estranha coincidência, não?
— Está bem. Na hora que você terminar de se arrumar, você pode passar aqui? Vou estar desarrumando
as minhas malas.
— Passo sim — e sorri. Quando coloquei a mão na maçaneta da porta, os lábios dele se comprimiram
em uma das minhas bochechas, e eu pude sentir um vulcão estourando por todo o meu corpo.

Seria muito bom se eu saísse dali correndo, antes que ele conseguisse ver o que um beijo singelo
conseguia fazer comigo. Se ele soubesse – ou melhor, se eu soubesse – o que um beijo um pouco mais
ousado causaria, talvez se assustasse...
Dei um passo e sai do quarto, mas antes que conseguisse fechar a porta outra vez, ele chamou por
mim.

— Dul?
— Oi? — olhei para baixo para que ele não tivesse a visão panorâmica das minhas bochechas pegando
fogo.
— Adorei conhecê-la. De verdade.

                        I feel a little lost, I feel a little blue...

                                                Segundo!

Meu quarto estava uma zona. Nem um baile funk deveria ser tão bagunçado quanto o meu quarto. Quer
dizer, pendurada na lâmpada estava uma calcinha, dentro do vaso estava um par de brincos e o chão
estava coberto de roubas de todas as cores existentes. Acho que apenas quem já saiu com o homem
dos sonhos sabe como é grande a pressão para estar perfeita. Quer dizer, eu não poderia sair com uma
roupa qualquer. Eu tinha que sair com a roupa. A roupa que o encantasse, que o deixasse...
Boquiaberto. E encontrar uma roupa para tal acontecimento não era nem um pouco fácil.
Uma decisão em falso e zam, tudo poderia dar errado.
E o pior é que eu não achava o meu vestidinho azul! E a única pessoa que poderia ter sumido com o
meu vestido mais delicado e lindo era Anahí. Aquela loira desgraçada deveria ser executada, sério. Tudo
bem que eu pegava o spray dela sem pedir, mas quem ela pensava que era para pegar o meu vestido
sem nem ao menos perguntar? E se ela usasse o meu vestidinho para se encontrar com o Alfonso em
algum Motel barato e o meu vestido acabasse sendo contaminado por alguma doença, tipo, sei lá, AIDS?
Mas sem stress, porque eu ia passear pela rua afora, e não ia receber um Oscar, não é mesmo? Então
uma blusa e uma calça deveriam servir. Então faltava apenas passar a maquiagem e dar uma
penteadinha básica em meu cabelo – porque ele ainda estava maravilhoso graças ao spray – e estaria
pronta para encontrar o meu príncipe encantado em sua carruagem, para juntos conhecermos o nosso
reino e eu acho que não tomei minha dose de remédios diários, hum.
Quando me olhei no espelho para analisar o resultado, fiquei contente. Meus cabelos vermelhos
contrastavam com minha blusa branca e com a minha calça jeans. Acrescentei um cinto e coloquei uma
sapatilha, deixando o meu cabelo solto e colocando também um brinco. Eu estava simples, mas estava
razoável.

Não razoável do tipo: “vou fazer o trânsito parar para me olhar”, mas razoável do tipo: “me arrumei de
um jeito meigo para não parecer promíscua”.
Sai do quarto e fui correndo para o quarto dele. Ia bater na porta, mas percebi que ele deixara a porta
do quarto dele apenas encostada, por isso empurrei e encontrei-o sentado no chão, perto da cama,
tirando algumas blusas de dentro da mala e colocando em cima da cama. Confesso que fiquei
decepcionada por não encontrá-lo sem camisa ou algo do tipo, mas abri um sorriso enorme assim que
ele virou o rosto para me ver e sorriu também.

— Tudo bem ai? — perguntei, me referindo a organização.


— Estou só acabando de desfazer essa mala e já vamos.

Olhei ao meu redor e percebi que as outras duas malas estavam vazias, denunciando a minha demora.
O problema da mulher é que por mais que ela tente se apressar, não consegue. Eu era a prova daquilo.
Tentei vestir apenas algumas roupas, porém, até encontrar a combinação perfeita era preciso tempo.
Tempo o suficiente para ele conseguir ajeitar tudo e ainda estar de bom humor.
Ele era eficiente. E eu adorava aquilo.
Uma preguiçosa com um eficiente é igual a uma combinação perfeita!
Além da minha roupa, tinha encontrado um homem que combinasse! Tinha coisa melhor?

— Quer ajuda? — não esperei ele responder, me aproximei e sentei perto.


— Seria ótimo — ele riu ao ver a minha ansiedade e comecei a retirar as blusas, enquanto ele se
ajoelhava para separá-las conforme a maneira que queria organizá-las. — Você sabe onde quer ir?
— Não faço a menor idéia — confessei, dando um sorriso pequeno e procurando alguma roupa intima
por ali.
— Ainda está cedo. Não são nem quatro horas... — vi que ele olhava para o relógio de pulso e desejei
não ter perdido o meu também — Podemos passear um pouco de carro e depois escolhemos um lugar
para andar, que tal?
— Pode ser — concordei e não ergui o olhar para mirá-lo, pois estava concentrada na minha busca por
uma cueca.

Ele acabou rápido de organizar tudo e, eu, decepcionada por ter fracassado em minha busca, sai do
quarto dele super triste. Samantha, uma amiga minha da outra cidade, sempre dizia que só podíamos
conhecer um garoto por total quando víssemos o tipo de cueca que ele usava. Uma cueca boxer, uma
samba canção ou uma sunga poderia dizer horrores sobre a personalidade de um garoto... Pelo que ela
dizia.
E, ok, confesso que tinha outras intenções, mas isso nunca seria o caso.

— Preciso falar para Nena que iremos sair — disse, sorrindo enquanto andávamos de mãos dadas pelo
corredor e as balançávamos como duas crianças — Se não é capaz de ela assassinar ambos quando
voltarmos. Ou colocar o exército atrás de nós.
— Capaz — ele confirmou enquanto ria — Pelo pouco que conheci, percebi que Nena gosta de...
— Colocar ordem em tudo? — perguntei e ele confirmou — Ah, depois de um tempo você se acostuma.
Costumava chamar Nena de Hitler, quando era menor! — contei e Christopher gargalhou.
— Você está de brincadeira.
— Não, é sério! — assumi, me concentrando em descer os degraus da escada sem levar um tombo —
Ela sempre foi muito severa quando se trata da minha educação. Como os meus pais sempre estão
viajando, ela acabou cuidando de mim não só como babá e governanta, mas também como mãe e como
um pai... — fui contando. Parecia que era fácil contar a história da minha vida para ele e eu me assustei
com aquilo — Depois me acostumei, sabe? Não sei o que faria sem os cuidados de Nena.
— Sei como é — Christopher pareceu sincero quando disse aquilo — Quando meus pais morreram, meu
tio cuidou de mim como se eu fosse um filho de sangue. Por mais que ele tivesse filhos legítimos,
durante esses dois últimos anos parecia que não existia diferença entre eu e os meus primos...
— Você quis vir para a capital apenas porque quer fazer uma universidade aqui?

— Sim, praticamente. Meus pais cursaram em uma universidade daqui, e eu queria estudar no mesmo
lugar — o sorriso dele foi triste, o que me levou a segurar a mão dele com mais força, como se para
consolá-lo.

Percebi que estávamos no Hall outra vez e que estávamos parados, em pé, conversando. Queria
continuar o assunto, mas se ficássemos ali, não sairíamos de casa. Soltando da mão dele rapidamente,
fui até uma pequena mesa e encontrei um bloco de anotações e uma caneta.

Nena, rabisquei, eu e Christopher saímos. Fomos conhecer a cidade. Não se preocupe, estou com um
guia turístico e com o celular. Qualquer coisa, me ligue, ok? Dulce.

Colei o bilhete no espelho e olhei para Christopher, como se me vangloriasse um pouco da única idéia
inteligente que tinha tido até então e me aproximei outra vez, procurando uma mão dele para segurar e
sorrindo.

— Me desculpe por cortá-lo — disse, abrindo a porta e olhando para ele em seguida — Mas é que se
ficássemos ali, não sairíamos hoje.
— Tudo bem — Christopher retribuiu o meu sorriso e retirou umas chaves do bolso — Teremos muito
tempo para conversar.

“Teremos muito tempo para conversar”. Ah, se fosse por mim, economizaríamos palavras e gastaríamos
saliva...
Dulce, sério, comece a se tratar.

— E então... Vamos? — ele perguntou e eu confirmei com a cabeça — Pegou o guia turístico? — abri a
bolsa rapidamente e mostrei o livro para ele — Então vamos lá.

Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ele abriu o portão da garagem com um controle que eu não
fazia a menor idéia de onde tinha surgido e pude ver algo que não consegui acreditar: ele tinha um
Porche.
E não era um Porche qualquer. Era um daqueles que todos os garotos da nossa idade olham com desejo
em revistas automobilísticas ou anseiam comprar quando vêem carros daquele tipo em clipes musicais
de rappers super badalados como o 50 cent ou o Jay-Z.

Sinceramente, se eu fosse homem, teria tesão por um carro daqueles. E, como eu não sou homem, e
sim mulher, poderia muito bem ser uma Maria Gasolina... Contanto que o dono do carro fosse o
Christopher, eu seria qualquer coisa.
Mas porque ele tinha um Porche e eu não? E porque o Porche dele era prata e convencível e o Porche
que eu não tinha não era nem prata, nem convencível? A minha vida não era justa.
Dulce, você deveria parar de reclamar com a boca cheia, sério mesmo.
Ok, consciência, eu paro.

— Uau, um Porche — eu murmurei — Onde você arranjou esse carro?


— Mágica — ele disse e riu em seguida, me deixando boquiaberta — Estou brincando, D. Meu tio me deu
de presente de aniversário.
— Ah — passei a mão no capô do carro e derreti outra vez quando escutei o meu novo apelido — de
aniversário eu costumo ganhar meias, dos meus pais. — e então ele gargalhou de uma forma gostosa, o
que fez todos os meus músculos se contraírem e minha respiração descompassar.
— Meias muitas vezes podem ser mais úteis do que um carro — enquanto entravamos, ele falou, ligando
o som em uma altura razoável e dando partida.
— Ah, tá bom — discordei, colocando o cinto e rindo de forma irônica — Em que situação, por exemplo?
— Se você estivesse em uma ilha deserta, um carro não seria útil em nada. Já um par de meias, em
uma noite fria, seria de grande ajuda. — a conclusão dele me fez arquear as sobrancelhas e sorrir sem
graça, concordando que ele estava certo mas não falando em voz alta.
— Mas ainda sim eu preferia ganhar algo melhor do que meias — continuei insistindo, o que o fez rir
novamente e tocar a minha mão de leve.
— No seu aniversário, me peça alguma coisa que você queira. — e por mais que a frase pudesse conter
um sentido malicioso, a voz dele fez soar como se não existisse nenhuma segunda intenção ali, e, por
uma fração de segundos, acreditei que não continha besteiras — Posso lhe dar uma escova de cabelo.
Elas também são muito úteis. — e eu sorri, negando com a cabeça e não acreditando nos nossos
assuntos.
Christopher tinha me dito que eu estava o fazendo sorrir. A verdade é que ele estava fazendo os meus
maxilares doerem de tanto que eu estava sorrindo... E, se continuasse daquele jeito por mais um
tempo, eu teria sérios problemas na arcada dentária e a culpa seria dele.
Mas eu não estava me importando, contanto que ele não tirasse a mão da minha.

— Então vamos para onde?


— Para onde o vento nos levar — disse idiotamente e quis me matar em seguida. Christopher deveria
me achar uma imbecil, isso sim.
— Então vamos para onde o vento nos levar — ele repetiu, o que me fez corar e agradecer mentalmente
por alguém lá em cima estar olhando por mim por ter colocado Christopher no meu caminho...

... O Christopher e um Porche, hihi.

Algum tempo depois...

— O México é confuso. — foi o que eu conclui, depois de um tempo.

Nunca pensei que a cidade do México fosse tão grande e tivesse tantas ruas, semáforos e lojas...
Christopher e eu estávamos rodando a cidade fazia mais de uma hora e aquela merda de guia turístico
não servia para porcaria alguma. Maldito fosse quem tinha criado aquele maldito monte de papéis.

— Parece que já passamos por aqui, não é mesmo? — porque eu achava que tinha visto uma mesma
floricultura no mínimo duas vezes... Ou seja: ou nós estávamos dando voltas em círculos, ou o arquiteto
que tinha bolado aquelas lojas não tinha criatividade e construía várias iguais.
— Eu também acho que já passamos por aqui — viu? Eu e ele concordávamos em um monte de coisas.
— Ai meu Deus, acho que nós dois estamos perdidos... De novo.
— D., acho que você e eu não temos sorte para acertar caminhos.
— E o ruim que nós nos perdemos sem nem ao menos ter uma meta — porque nós nem ao menos
tínhamos para onde ir. Estávamos apenas vagando pela cidade, e ainda sim, nos perdíamos.

Nesse momento, vi que estavam arrumando um parque de diversões em um grande terreno baldio perto
dali, o que era um péssimo sinal, porque quase sempre que erguiam um parque de diversões, erguiam
um circo também, e eu odiava palhaços. Odiava mesmo, sabe? De ódio mortal e tudo mais. Para mim,
que colocassem todos os palhaços em uma ilha e explodissem tudo! Que miolos e narizes vermelhos
voassem pelo ar e se perdessem no mar, eu não estaria nem ai.
Uau, acho que eu tenho uma ótima mente para o crime.
0800-disque matar para contratar Dulce María como a sua assassina particular. Mato palhaços e pessoas
parecidas com palhaços.
... É, seria melhor se eu ficasse quieta.

— Outro dia podemos ir ai, se você quiser — Christopher ofereceu, se referindo ao parque ao qual eu
não conseguia tirar os olhos. E, infelizmente, eu tive que concordar, fingindo estar super feliz para não
demonstrar que estava quase mijando (desculpe o termo) nas calças.

Ah, qual é? Eu morria de medo de palhaços!


Claustrofobia na veia, meu irmão.
Yeah!
... Que?

— Seria muito legal — sorri super falsamente, torcendo para que ele não percebesse o pavor em minha
voz — Adoro algodão-doce de parques assim! — o que não era mentira, eu acho. Pelo que eu me
lembrava, eu adorava algodão-doce. Pelo menos eu não iria virar o Pinóquio, assim.
— E ai, o que vamos fazer agora?
— Eu não sei — dei de ombros, olhando para os lados da rua e procurando algo que fosse interessante –
e que não envolvesse a minha boca sobre a dele – e vi um cinema. Quem sabe no escurinho do cinema,
chupando drops de anil, longe de qualquer problema e perto de um final feliz ele não me dê um beijo?

É, tá ai! Escolhi onde iríamos.

— Cinema? — sugeri, mordendo o lábio inferior e cruzando os dedos.


— Pode ser — ele abriu um mega sorriso — Estão passando uns filmes legais.

Ah, é? Estão? Bem, temos que pegar filmes chatos, meu querido, de preferência, alguma animação
japonesa ou um filme policial. Não que eu não goste de filmes japoneses ou de policiais, mas eles não
são nada românticos e também não geram um clima romântico, como o de terror faz. Gritos, sangue e
chacinas são sinônimos de muitos beijos! E filmes românticos também, é claro.

— Você gosta de filme de terror?


— Acho que sim — traguei a saliva, omitindo que se eu morria de medo de palhaços, era claro que eu
tinha medo de filmes de terror.

Eu era uma franga, sério mesmo. Capaz de eu sair correndo e gritando por rua abaixo se me
mostrassem um pôster do, sei lá, Chuck. Tudo bem, eu sei que eu pareço razoavelmente com ele
quando acordo de manhã, sabe, mas eu também tinha muito medo de mim mesma quando levantava da
cama... Eu acordava parecendo com... O Chuck.
— Vamos assistir Jogos Mortais? — com o sorriso super lindo que ele continuava levando no rosto, eu
não tive como recusar. Concordei com a cabeça de leve e logo estávamos parando no estacionamento
em frente ao cinema, e eu mal podia acreditar nas loucuras que estava correndo por Christopher.

Nem a minha mãe conseguia me obrigar a assistir um filme de terror! Depois que assisti O Chamado,
passei noites sem dormir e meses sem assistir televisão. Qualquer pessoa que tivesse o cabelo longo,
comprido e preto, como o da Samara, me dava tanto medo que me fazia chorar durante horas que nem
um bebê! Eu era medrosa, fazer o que?

— Eu vou ir comprando os ingressos — ele me avisou — Você vai querer comer algo?

Que pergunta mais óbvia!

— Vou — meus olhos deveriam ter piscado iguais a luzes de Natal —, você também vai?
— Ahan — respondeu enquanto passava um braço entorno da minha cintura, fazendo as minhas pernas
bambolearem involuntariamente.
— Então vai comprando os ingressos que eu vou comprando alguns doces — fiz esforço para falar e
fiquei muito orgulhosa quando percebi que não tinha gaguejado.

Me afastei com mais esforço ainda, e, chegando na fila, comecei a pensar em uma maneira de ignorar os
gritos das atrizes loiras siliconadas que teriam durante o filme. Sem contar que eu tinha visto que era
uma das continuações do filme Jogos Mortais, e eu não tinha visto nem o primeiro! Estava torcendo para
que fosse um homem fantasiado de macaco que, por ser ignorado durante a infância, sai matando todos
da cidade em que vive com uma lanterna... Mas ai o nome do filme não teria nada a ver, por isso o
homem-macaco poderia matar suas vitimas com um remo ou com um bastão de baseball! Ou... Ah, sei
lá.
Pelo visto não teria jeito. Eu não tinha escapatória.

— E ai, broto, qual é o pedido? — olhei para o atendente e sorri.

Mamãe tinha me ensinado a ser gentil com os atendentes sempre, para tentar pegar um desconto no
final da compra. Hehe.
E o cara da pipoca tinha cara de ser simpático. Primeiro que ele era ruivo igual eu – se bem que eu era
ruiva de farmácia, e ele parecia ter madeixas verdadeiras. Segundo que ele era todo paz e amor, pelo
que eu tinha visto... Ah, qual é? Quem se refere a uma pessoa como “broto” só pode ser chapado ou paz
e amor... Ou chapado e paz e amor. E não tinha um terceiro item, eu só quis acrescentá-lo porque o
primeiro e o segundo item sem o terceiro fica estranho...?

— E ai, truta — comecei a tentar me entrosar com ele, usando gírias dos anos 70 —, tudo batuta?

Ele abriu um sorriso imenso, parecendo que tinha achado alguém que o compreendesse. Eu tinha essa
qualidade, sabe? Conseguia lidar com o mais diversificado tipo de estilos... Porque eu tinha uma dupla
personalidade graças ao spray de Anahí, e os meus dois lados entendiam estilos diferentes e...?

— Tudo supimpa, moro? E ai, na paz?


— Tudo leve — respondi, me divertindo horrores — Tem algum rango legal ai?

— Já é — ele continuava sorrindo todo fofo, e eu estava chegando a conclusão que eu deveria ser a
única pessoa que compreendia a pobre alma dele perdida nos anos 70 para ele estar tão feliz por eu ter
dito apenas algumas gírias do fundo do baú — Qual é a sacada?
— Vê se descola uma pipoca média, dois refrigerantes e algumas barras adocicadas, por favor — eu não
fazia a menor idéia de como os hippies pediam “por favor”, e como eu não era mal educada para não
usar uma das palavrinhas mágicas...
— Se enraíze ai, pitel — e vi que ele estava indo pegar tudo o que eu tinha pedido.

Sabe, vou dizer uma coisa, acreditem sempre nas mães. Minha mãe estava totalmente certa. Quando
nós tratamos os atendentes bem, recebemos um tratamento preferencial. Ele até me chamou de pitel!

— Hey — vi Christopher se aproximando com os ingressos e com um sorriso — Tudo bem?


— Tudo supimpa — respondi de imediato e, assim que percebi o que falei, corei demais — Quer dizer,
tudo bem.

E antes que ele pudesse abrir a boca para comentar o quanto eu era estranha, o meu amigo hippie
apareceu, segurando uma pipoca enorme e os refrigerantes. Vi que ele e Christopher se entreolharam,
mas eu não estava nem ligando, pois o cheiro da pipoca estava me chamando.
“Me coma... Me coma...”, ela dizia para mim.

— Obrigada, truta — respondi para ele, enquanto ele falava quanto tinha ficado e sorria mais uma vez
para mim.
— Não tem que agradecer, broto — ele piscou um olho e devolveu o troco — Boa sacada.
— Obrigada — disse enquanto me afastava — Eu acho.

Christopher me encarava durante todo o percurso. Quando chegamos na sala, eu abri a porta para ele –
porque ele tinha feito questão de levar os refrigerantes e a pipoca – e escolhemos um lugar
rapidamente. A sala estava vazia, afinal de contas, ninguém ia assistir um filme de terror as quatro – ou
seria cinco? – horas da tarde...

A não ser aquelas criançinhas chatas que conseguiam mudar de sala para assistir um filme com censura
e ficavam super contentes por assistirem um filme sanguinário apenas para se vangloriarem depois para
os amigos dizendo que tinham assistido um filme de maiores.
Eu sabia disso porque sempre fazia aquilo quando era menor, hehe.

— Então o assunto com o truta estava interessante? — ele perguntou enquanto se ajeitava na cadeira,
esticando os pés e colocando-os na poltrona vazia da frente, e comendo umas pipocas em seguida.
— Foi interessante — eu disse — Sempre quis usar as gírias que tinha aprendido em Austin Power! — e
o meu comentário fez ele rir demais. Quando ele estava ficando sem ar, tomou um gole de refrigerante
e me encarou.
— Dulce, você é única.

Quis perguntar se aquilo era bom ou ruim, mas as luzes começaram a se apagar e eu comecei a sofrer
por antecipação. Me encolhi toda na cadeira e abracei a minha bolsa, porque me lembrei que sempre
que assistia Scooby Doo e morria de medo, abraçava uma almofada para descontar a minha
adrenalina...? Provavelmente, depois daquele filme, eu não dormiria durante anos. Quando eu tivesse
oitenta anos, no fim da minha vida, ainda estaria traumatizada... Eu acho. Bem que o Bin Laden poderia
ter explodido uma bomba naquele cinema...
E eu não me tornaria corajosa nunca, pelo visto. Nem se os porcos criassem asas, ou se o papa se
casasse com a Britney Spears, o se o Michael Jackson resolvesse virar asiático, ou até mesmo se o Silvio
Santos se tornasse um símbolo sexual. Nem por tudo isso eu conseguiria ser um pouco corajosa, e,
acreditem quando eu digo que era mais fácil o Silvio Santos pousar para a Playboy do que eu perder o
meu medo.
Aquilo tudo era fato.
E o Christopher parecia não estar nem ai de assistir um filme sanguinário como aquele! Ele não estava
nem suando frio como eu! Ele estava lá, pegando a pipoca, enquanto eu estava preparando o meu
testamento mentalmente!

A minha única saída era usar a desculpa de hemorróidas e correr para o banheiro e ficar lá por todo o
filme, mas hemorróidas não era nada sexy e espantaria ele para sempre.
Ou eram hemorróidas, ou era um trauma eterno.

Um trauma eterno, pelo Christopher.

Ai, droga.

— Chris — sussurrei porque os trailes já estavam passando no telão. Ele virou o rosto, me encarando
nos olhos — Eu não quis dizer, mas eu morro de medo de filmes desse tipo. O último que eu vi foi O
Chamado, a milhões de anos atrás — confessei e senti que a minha consciência ficava limpa.
— D. — como se fosse uma desculpa para segurar uma das minhas mãos outra vez, ele aproveitou, me
fazendo amolecer mais uma vez — Não precisa ter medo. É apenas um filme como qualquer outro.

Apenas um filme? Apenas um filme?


Christopher não entendia que aquele filme seria o causador dos meus pesadelos pelo resto da minha
insana vida! Mas eu tinha que me acalmar antes que sofresse um ataque do coração ali.
No último dos casos, hemorróidas!

— De verdade, Chris, eu morro de medo — ah, qual é, Dulce, você era uma mulher ou uma formiga?
— Quer assistir outro filme? — acho que uma formiga.
— Não precisa — não queria incomodá-lo, mesmo que ele não parecesse se importar — Eu só estou
avisando para que você entenda os meus pulos, gritos e tudo mais...
— Eu acho que consigo agüentar. Qualquer coisa, eu mudo de lugar! — ele brincou e recebeu um tapa
no ombro vindo de minha parte. Em seguida ele me abraçou, me apertando forte contra seu peito e me
fazendo rir. Parecíamos duas crianças. — Tem certeza que não quer mudar?
— Eu acho que consigo agüentar — imitei a resposta dele — Qualquer coisa, eu mudo de sala e vou
assistir Barbie e o Quebra-Nozes.

Com uma risada deliciosa de Christopher, a sala se escureceu por completo, e, quando vi, era tarde
demais.

Oh, meu Deus, onde estava o Chapolin Colorado naquelas horas?

Todos ficaram quietos – menos os pirralhos, não é? – e eu comecei a me acalmar em silêncio. Eu não
tinha q o que temer. Era só um filme. Só um filme. Apenas um filme muito real e cheio de sangue, mas
era só um filme. Tinha que lembrar de respirar e inspirar, respirar e inspirar, respirar e inspirar, como se
estivesse parindo uma criança. Respirar e inspirar. Respirar e não desmaiar.

— Sabia que todo o sangue utilizado nesse filme é sangue de porco?

Ai, droga. O Christopher tinha piorado a situação totalmente! O sangue era de verdade! De verdade! De
lindos porquinhos cor-de-rosa! Lindos porquinhos que deveriam viver em suas fazendas, calminhos, sem
nenhuma preocupação na vida, até que um diretor cruel e sem coração resolve comprá-los para matá-
los apenas para usar do sangue deles em seu filme extremamente nojento! E sabe o que eu faria?
Roubaria todos os porcos do mundo e nunca mais deixaria nenhum diretor maléfico relar a mão neles...
Vamos salvar o mundo das caries!
... Opa, fala errada.
Vamos salvar o mundo dos matadores de porcos!
... Se bem que os porcos fedem.
Enfim, tinham se passado dois minutos de filme e eu ainda estava viva.
Quatro minutos e não ocorrera nenhuma cena muito chocante.
Seis minutos e eu queria vomitar.
Sangue. Nojo. Correntes. Homem. Preso. Game Over. Meu santo amado. Bonequinho do mal. BUM.
Tripas. Revolver. Armário. Javali. Água que queima. Chaves. Costelas. Game Over. Hospital. Médica.
Javali.
Ai, droga, pisei num chiclete.
Como será que se tirava um chiclete do sapato? Colocando fogo? Bem, depois que eu saísse do filme eu
poderia comprar um fósforo e colocar fogo no chiclete... Ou sei lá. Talvez se eu ficasse arrastando o meu
pé pelo chão, ele saísse... Ah, é, o filme.
Pele. Sangue. Frio. Ah, estava tão frio ali. Eu não queria morrer congelada. E sem pensar duas vezes –
se bem que eu sempre pensava apenas uma vez ou até menos que isso -, eu abracei o Christopher com
força.

Contrai todo o meu corpo nos braços dele e enterrei minha cabeça em seu pescoço. A verdade é que eu
não estava nem ai se estava ou não parecendo uma boba assustada ou até mesmo oferecida. Eu estava
com medo, sem contar que estava com um chiclete no sapato!
Ele respondeu ao abraço, mas pelo que percebi, não desviou os olhos da tela. Eu deveria ter muita
sorte, porque além de tudo, ele era corajoso por nós dois! Quando aparecesse alguma barata em nossa
futura casa, ele me salvaria como um super-herói. Quem precisava de um Clark Kent quando se tinha
um Christopher Uckermann?
AI MEU DEUS. Os porcos! Os coitadinhos estão sendo mortos! Meu deus do céu, eu iria processar o
diretor para o Greenpeace! Maldito fosse o maldito diretor daquele maldito filme! Apesar que os porcos
são feios que eu vou te contar, viu... E eles também já estavam mortos, eu acho... Mas de todo jeito!
TRIPAS! Acho... Que vou... Desmaiar.
Christopher não me deixou desfalecer, acariciando devagar um dos meus braços e olhando para ver se
estava tudo bem. Eu deveria estar com os olhos cheios de lágrimas, porque eu sempre fora sensível ao
extremo e chorava por qualquer coisa, e senti um dedo dele deslizando pelas minhas pálpebras,
retirando as lágrimas dali. Eu tinha cansado de brincar de ser corajosa. Queria voltar para casa, tomar
um banho de água quente e dormir – se bem que eu teria pesadelos pelo resto de minha vida, então eu
riscaria o “dormir” da lista de coisas que queria fazer. Nunca mais comeria qualquer coisa que fosse
relacionada com porcos, fica a dica.

E eu estive pensando: se eu morresse, eu iria para o Céu ou para o Inferno? Minha mãe sempre me
disse que o céu deveria ser um lugar muito bonito, e que apenas as pessoas comportadas tem passe
livre para lá... Mas cara, deveria ser um saco! O legal da vida é o sexo, as drogas e o Rock ‘n Roll...? Ok,
eu não achava que o legal da vida era o sexo, as drogas e o Rock ‘n Roll, porque:
1: eu ainda era virgem, então não tinha como saber se sexo era ou não legal.
2: nunca tinha me drogado, e por isso também não poderia saber se as drogas eram legais ou não.
3: eu tinha medo de rockeiros como o Ozzy Osbourne ou aquele outro que dançava com os mortos-vivos
e... Ah, não, aquele era o Michael Jackson.
Mas de todo jeito eu não queria morrer e ter que escutar a melodia de harpas pelo resto de minha vida.
E o que mais faziam no céu? Guerra de travesseiros de nuvens?
Sem contar que as pessoas capitalistas deveriam ir para o Inferno. Não que eu fosse uma pessoa
capitalista, mas pessoas capitalistas viviam para gastar, e na morte, deveriam viver (?) para gastar
também! E onde elas poderiam gastar? No shopping! O que nos leva a conclusão que no Inferno deveria
existir um shopping! Então, se eu fosse assassinada pelo bonequinho do demônio do filme, eu já tinha
escolhido para onde queria ir...
E como será que o bonequinho se chamava? Coitadinho, talvez ele fosse tão cruel por não saber quem
ele era. Deveria ser apenas uma criatura solitária que vagava pelo mundo em busca de uma
personalidade... E vocês sabem de que bonequinho eu estou falando? Do bonequinho do filme, sabe? O
que anda em um triciclo vermelho igual ao Bob ( O fantástico mundo de Bob, hehe), lembram? Acho que
irei apelidá-lo de Brutus. O bonequinho, não o Bob. Que gracinha. Mas voltando ao assunto, se eu fosse
assassinada pelo Brutus... Porque Diabos eu estava pensando naquilo?
Quem era a pessoa idiota que ficava planejando a própria morte? Ah, é... Eu.

Então eu parei de prestar atenção no filme outra vez e comecei a contar as pipocas bonitinhas, sem
dizer uma palavra e, quando já estava na septuagésima quinta, escutei um monte de gritos e porque eu
era uma curiosa burra, olhei para a tela e por muito pouco não vomitei. Tinha sangue como eu nunca
havia visto antes!
Eu via sangue. Muito sangue!
Eu um cérebro. E mais sangue. E “fiiiiiiiiiiiiiiiiii”. E mais um “fiiiiiiiiiiiiiiiiii”. E outro “fiiiiiiiiiiiiiiiiii”. E então
“crac, crac, crac”. E outra vez um “fiiiiiiiiiiiiiiiiii”. E mais um “crac, crac, crac”. E se eu não estivesse com
muito nojo de tudo aquilo, estaria me divertindo horrores fazendo um rap com aquela trila sonora...? A
música do Crac Fi... Er, que nada a ver.
Eu fechei os olhos, rezando para que tudo acabasse logo e me perdi em pensamentos que envolviam
pôneis e panquecas... Sempre que eu pensava em pôneis ou panquecas o tempo passava muito rápido e
daquela vez não foi diferente. Logo Christopher me empurrou de leve, me separando de seu corpo e me
fazendo abrir os olhos contrariada pela distância. Quando percebi, as luzes estavam acesas e a sala
estava quase vazia, restando apenas nós dois e os pivetes que se divertiam fazendo bichinhos no
refletor. Ai, ai, e pensar que um dia eu já tinha sido daquele jeito...

— Não foi tão ruim assim, foi? — ele perguntou e eu quis gritar que tinha sido péssimo, mas me
controlei.
— Ah, sim, foi! — respondi, tentando sorrir — Só salvou pela parte do abra... — me calei
imediatamente, me condenando por ter uma boca tão grande e não conseguir ficar quieta. Corei
imediatamente, sabendo que ele tinha entendido o que eu iria falar e vendo que ele corara de leve
também.

Dulce, você merecia morrer. De verdade.

— É... Me desculpe por ter feito você assistir a esse filme.


— Tudo bem. Me lembrarei de você quando acordar no meio de todas as noites depois de um longo
pesadelo. Torça para que não tenha nenhuma serra elétrica em meu guarda-roupa.

Tentei brincar, apenas para descontrair o clima constrangedor que eu mesma criara, e então ele riu,
segurando minha mão e me guiando para a luz.
Me guiando para a luz. Essa frase ficou estranha. Guiar para a luz parece que eu morri e estou indo para
o céu... Meu Deus, será que eu morri e fui para o céu?
Eu poderia perguntar aos universitários?

— Seu celular está tocando, D.

Escutei um barulho irritante saindo de minha bolsa e peguei o celular o mais rápido que consegui,
tentando parar a música desagradável que chamava a atenção de todo mundo. Vi que era uma
mensagem de Nena, mandando nós dois voltarmos para casa. Avisei para Christopher que tínhamos que
voltar e, como sempre, a volta foi bem mais rápida que a ida... E mesmo assim nós dois nos perdemos,
mas conseguimos encontrar a nossa rua, no final das contas.
O que foi um grande avanço.
Quando entramos, escutamos um burburinho vindo da sala e fomos até lá. Antes de chegarmos,
Christopher soltou minha mão e me olhou envergonhado, e eu não entendi o porque, mas resolvi deixar
para perguntar depois. E assim que vi quem estava na sala, dei meia volta e comecei a sair... Mas não
tinha mais escapatórias. Ela tinha me visto.

— E não é que a Dulce Maria é rápida no gatilho? — a voz fina e aguda de Anahí ecoou por toda a sala,
me fazendo cerrar os olhos e querer ter um tampão de ouvidos – e um babador – naquele momento —
O nosso hospede mal chegou e zás, já está na rede da ruiva.
— Há, há — revirei os olhos, sentando no braço de um dos sofás e ignorando a presença da porta ali,
vulgo, Poncho, ou pompom — Você é hilária, Anahí.

— Eu sei — ela sorriu toda ingênua e não notou o cinismo em minha voz, como sempre. Em seguida já
estava de pé, segurando e balançando uma mão de Christopher, tentando cumprimentá-lo de uma
forma não muito normal. — Hello, Christopher! — piscou os olhos azuis milhares de vezes, me
lembrando aquelas bonecas com cílios super longos que são chatas e que sempre me davam vontade de
afogá-las na piscina — My name is Anahí. Whats up?
— Anahí — revirei os olhos pela milésima vez desde que entrara na sala e quis dar um pedala Robinho
nela — Christopher não é americano. Ele fala espanhol, como nós... Ou melhor, eu falo espanhol. Você
fala a sua própria língua.
— Oh, really? — vi que ela mordia o lábio inferior super lotado de gloss e sorria sem graça, mas isso
durou pouco. Num piscar de olhos ela estava pulando pela sala outra vez como uma cabrita prestes a
tirar leite, me deixando muito tonta — O seu amigo é mudo?
— Como você é educada — rugi entre dentes, dando mais um sorriso cínico e negando com a cabeça —
Acho que ele foi educado para falar apenas com pessoas... Normais.
— O que você está querendo dizer, Dulce Maria?
— Que o seu único neurônio não consegue ser burro e educado ao mesmo tempo.
— Dulce Maria! — Nena apareceu na porta, dando ao rosto de Anahí uma expressão iluminada de vitória
e me fazendo pensando em uma única palavra: f*deu. — Quantas vezes tenho que dizer para você não
falar mal do único neurônio de Anahí?

Nisso eu (e Christopher) não conseguimos segurar uma risada. Até Nena, a defensora dos pobres e dos
oprimidos, gozava da cara de Anahí e a loira nem sequer percebia. Claro, Nena falou sem querer, mas
não é porque tinha sido sem intenções que não podia ter sido engraçado, não é mesmo?
Christopher teve que me cutucar discretamente, para tentar me avisar que se eu continuasse rindo,
seria pior.

— Desculpe, Nena — falei dando de ombros e mudei de assunto enquanto ainda estava viva: — Porque
mandou nós voltamos?

— O jantar é servido todas as noites as oito em ponto — ela não falou, e, sim, impôs — E quero que
todos estejam aqui todos os dias, a essa hora, para jantar. Capiche?

Confirmamos com a cabeça, como se fossemos todos soldados prestes a entrar para o exército, e, a
sargenta Nena, toda orgulhosa de seu poder, virou-se para ir embora.
Era foda quem tinha síndrome do pequeno poder.
— Neninha — Anahí gritou outra vez, parecendo mais uma cadela escandalosa do que uma garota —
Você não vai falar sobre as festas?
— Que festas? — Christopher perguntou e outra vez Anahí gritou.
— Então o mudo fala! — comentou divertida, jogando os cabelos loiros para trás e batendo palminhas.
— Então você não cala a boca! — refiz a frase e foi motivo para mais um olhar carrancudo de Nena e
mais uma risada abafada de Christopher.
— Olha aqui, Dulce Maria, eu não sei...
— Vocês duas, parem com isso — Nena se intrometeu na briga — E como estamos próximos do Natal e
ano Novo, Christopher querido, organizamos sempre uma festa. A família das meninas sempre se reúne
em uma casa para a ceia de Natal, e este ano, Anahí ofereceu-se para organizar os preparativos. Dulce
não se ofereceu, mas vai ajudar de todos os jeitos.

Abri a boca incrédula, querendo arranjar palavras para protestar, mas elas não surgiam.
Tudo eu, tudo eu! Porque eu não tinha nenhuma voz naquela casa?
Eu nem ao menos gostava de organizar as coisas! Quer dizer, acorda, se alguém visse o meu quarto
saberia que eu era um desastre total para... Organização! Eu mal sabia em que dia da semana
estávamos! Era uma total perdida! E jurava que estávamos perto da Páscoa, não do Natal!
Confundo sempre o Natal com a Páscoa graças ao branco. Quer dizer, o papai Noel tem aquela barba
branca e tudo mais que me confunde com o pêlo branco do coelhinho da Páscoa... Ah, sei lá, eles se
parecem. O papai Noel dá presentes, o coelhinho dá ovos e... Ah, desisto.

— Eu vou?
— Vai — Nena afirmou e eu me encolhi, querendo sumir do mapa naquele momento — E para o ano
novo ainda não há nada programado.
— Eu vou mesmo?
— Vai, Dulce Maria! — as duas falaram daquela vez, e eu cai de costas pelo tom da voz delas.

Sem brincadeira, eu cai de costas do sofá! A sorte que a minha bunda amorteceu a queda e os braços de
Christopher também. Se bem que eu poderia ter batido a cabeça, sofrido uma hemorragia, ido para o
Hospital e fugido dos preparativos de Natal de Anahí, porque se dependesse da loira, tudo se
transformaria em um inferno.

— Tem algum dia de sua vida em que você não leve um tombo, Dulce? — a voz aguda me perguntou, e
eu bufei, ficando de pé outra vez e agradecendo Christopher com um sorriso — Cair é tão...
Deselegante.
— Falou então, miss elegância — cruzei os braços e cerrei os punhos — Nena, não quero que Anahí me
de ordens! Quer dizer, qual é? Ela vai fazer da festa de Natal um recital de balé!
— Nena, olha a Dulce! — ela fez biquinho e carinha de cadela sem dono.
— Vocês duas me dão dor de cabeça — as mãos de Nena se balançaram no ar, encerrando o assunto
por demonstrar que estava começando a se irritar — Quer saber, vão jantar. Alfonso, Christopher, se as
duas derem problema, me avisem depois que coloco ambas de castigo na biblioteca!
— Ah, não, na biblioteca não! — nós duas choramingamos e fomos arrastadas cada um por seu homem
(?) até a sala de jantar... Mas Anahí não deixou a oportunidade de me atazanar assim que pode:
— Dulce Flash Maria... — mostrei o dedo do meio para ela e fui comer, porque existiam apenas duas
coisas que me acalmavam: comida e... O Christopher?
— Bem que você me disse que era melhor ficar um pouco... Longe — Christopher sussurrou em meu
ouvido enquanto nos sentávamos na mesa e eu não pude deixar de sorrir.
— Depois de um tempo você se acostuma, eu acho — respondi baixinho, piscando para ele e começando
a me servir.

Assim que terminamos um jantar dissimulado graças a Anahí, a Barbie e o Ken subiram para o quarto
para fazerem uma Kelly – ou um filho do Frankenstein, sei lá. Eu e Christopher saímos vagando pela
casa, descobrindo os cômodos e tudo mais, sabe... Porque uma hora ou outra tínhamos que descobrir
onde era a cozinha e essas coisas. Afinal de contas, onde eu morava? Em Hogwarts? Aquela casa era
cheia de passagens secretas, quadros enormes e... Duendes. (claro que só eu sabia da existência de
duendes, e não ia contar para ninguém, porque se não, de vingança, eles roubariam as minhas coisas).

— Vamos para a piscina? — ele perguntou, me olhando e desviando a atenção para a janela que tinha
vista para a piscina.

Concordei e saímos, sentindo a brisa fria batendo em nossos corpos e a luz da lua apossando-se de
nossos olhos.
Uau, me senti Camões agora.
Autógrafos na saída.

— O céu está lindo está noite — escutei a voz dele distante e percebi que ele estava sentando na borda
da piscina, tirando os sapatos e colocando-os de lado. Ele bateu as mãos no chão, me chamando para
sentar ali, e eu, é claro, fui, porque eu não era boba nem nada.

Me sentei, erguendo a calça jeans apenas um pouco – porque ele não poderia ver as minhas pernas de
Gasparzinho – e retirando os sapatos também. Coloquei um pé na água antes dele e me arrependi
profundamente. A água estava gelada e eu acabei sofrendo um choque térmico daqueles, por isso retirei
o pé imediatamente depois de soltar um gritinho.
— Aposto que não está tão fria assim — ele brincou e segurou os meus antebraços, ameaçando me
jogar na piscina.
— Nem brinque com isso, Christopher Uckermann! — empurrei o meu corpo para trás, roçando no dele e
me causando mais arrepios do que o choque térmico que sofrera a pouco — Se eu for, você vai também!
— agarrei os joelhos dele e escutei o seu sorriso em meu ouvido, o suficiente para me amolecer por
inteira.

— E isso é ruim? — a voz dele soara tão sensual que eu fechei os olhos por instinto, não conseguindo
responder nada demais, apenas pendendo a cabeça um pouco para trás e rindo baixinho.
— Não sei. É?
— Não — respondeu e senti a barba rala dele roçando em meu pescoço. — Não é.

Pisquei os olhos várias vezes, não acreditando que estava dentro da piscina. Christopher era louco!
Pensara que ele estava brincando quando dissera que me empurraria, por isso não me preocupara...
Mas quando vi, estava dentro da piscina, em uma noite gelada, com ele a poucos metros de mim... E ele
estava molhado. Totalmente molhado. Totalmente delicioso.
E meu cabelo deveria estar um desastre. O efeito do spray tinha descido por ralo abaixo e a água
sempre o deixava armado, por isso, naquele momento, eu deveria estar parecendo um Bombril. Porém
eu não me importava com aquilo. Me importava apenas que o meu coração estava batendo acelerado,
como nunca tinha batido. O que Christopher tinha que me atraia tanto? Como ele conseguia?

— Você é louco — disse, batendo os dentes por estar morrendo de frio — Vamos pegar uma gripe!

Ele não respondeu. Nadei até ele, vendo que o olhar dele estava perdido nas estrelas e toquei o seu
ombro, querendo – precisando – chamar sua atenção. Christopher não se moveu, somente deu o sorriso
lateral maravilhoso que não mostrava os dentes, apenas os lábios, e repetiu: — O céu está lindo está
noite.
Direcionei o meu olhar na mesma direção para que ele olhava, e vi o céu negro com os pequenos pontos
radiantes, e percebi que ele dizia a verdade.

— Sim, está maravilhoso.


— Quando eu era pequeno, minha mãe me contava uma história sobre como as estrelas tinham nascido,
para eu dormir — a expressão dele mudara, meio triste, meio encantada, e, antes que eu pudesse dizer
qualquer coisa, ele continuou: — Um dia poderei contá-la para você?

— Eu adoraria — fui sincera, me debruçando na borda, sem tirar os olhos dele enquanto ele não tirava
os olhos do céu. — Quando você quiser contar, eu estarei pronta para escutar... — murmurei, tendo
uma vontade enorme de abraçá-lo.
— Obrigado — e aumentou o sorriso, virando-se para finalmente olhar para mim — Você sabia que
quando nos apaixonamos, nossas pupilas se dilatam todas as vezes que observam a pessoa amada? —
ele comentou, sem mais, nem menos, me pegando de surpresa.
— Não — respondi.
— Quase ninguém sabe — Christopher se apoiou ao meu lado — Como quase ninguém sabe que as
estrelas são muito mais do que corpos celestes. Como algo que nasce, vive e morre, e permanece
brilhando até mesmo depois da própria morte, pode ser apenas um corpo celeste? — ouvi uma risadinha
meiga dele e permaneci observando-o, porque parecia que eu não conseguiria parar de olhá-lo nunca —
Acho que todos os humanos procuram explicações lógicas para o que acontece ao redor deles.
Descrevem o amor como apenas um sentimento e estrelas como apenas corpos celestes. Porque eles
dão tanta importância para coisas fúteis e desmerecem o mais importante? — a pergunta dele não
continha resposta, e eu me pus a mirar as estrelas, vendo como elas possuíam um brilho diferente
naquela noite — Não sei porque estou falando isso, Dulce, de verdade. Não pense que eu sou um
estranho que fala coisas estranhas.
— Você não é um estranho! — corrigi imediatamente. Ele não era estranho. Eu era estranha. — E,
sinceramente, eu gostaria de ter mais conversas “estranhas” como essa com você — sorri da forma mais
meiga que consegui, e ele, encorajado, terminou de falar:
— Normalmente nós seguimos as respostas óbvias, mas se pararmos para pensar, muitas vezes as
repostas estão em outro lugar, como nos olhos de uma pessoa ou no brilho das estrelas...

E então ele olhou em meus olhos. Diretamente. E se antes eu gostava das estrelas, depois daquela noite
eu tinha passado a achá-las maravilhosas.

Saímos da piscina pois estava esfriando cada vez mais. Eu não conseguia falar nada que prestasse, mas
tudo o que saia de minha boca parecia diverti-lo. Fomos correndo para dentro de casa e riamos como
duas crianças que tinham acabado de aprontar alguma travessura... E tínhamos. O chão de madeira
estava encharcado e corríamos como dois cavalos em uma corrida (?), porque se caso Nena nos
pegasse, estaríamos fora da competição por um bom tempo.

— Hey — ele falou mais alto para eu escutar, pois cada um estava na porta de seu devido quarto. Eu
abri a porta mais um pouco, pois já estava fechando, e coloquei a cabeça para fora, para poder escutá-
lo melhor — Não vá ter pesadelos essa noite, ok?
— Tranque a porta, Uckermann — brinquei — Porque acabei de me lembrar que tenho algumas coisas
pontiagudas aqui. — nós dois trocamos risadas e nos encaramos.
— Boa noite, D.
— Durma bem, Chris.
... E sonhe comigo, porque eu tinha certeza de que sonharia com ele.

                        Wish I could dim the lights and find my arms around you.

                                              Terceiro!

Faltavam alguns dias para completar duas semanas desde que eu me mudara, e uma semana desde que
Christopher estava ali. Nós nos dávamos muito bem, de verdade. Não tinha sido aquela “coisa
passageira”, que acontece no primeiro dia e se dissipa no segundo, sabe como é? Estávamos
descobrindo que possuíamos muitas coisas em comum, desde a paixão por videogame, até o fanatismo
por música. Eu descobrira que ele tinha um violão e eu o encarregara de me ensinar. E é claro que eu
poderia ter uma fantasia sexual com aquela situação, sabe? Professor e aluna... Mas eu ficava quieta em
meu canto. Não tinha nem iniciado a minha vida sexual e estava pensando em um monte de
pornografias.
Mamãe me deserdaria se soubesse de metade do que eu penso.
Ainda bem que ela não consegue ler mentes... Eu acho.
Porque eu sempre achava que as pessoas conseguiam ler mentes?

— Hey, quer jogar? — ele questionou, apontando para a televisão e para o videogame. Nem precisei
responder. Me sentei nas milhares de almofadas e peguei o controle, ligando a TV e sorrindo para ele.
— Quer tomar uma surra de novo, Uckermann? Da última vez você perdeu de 3x0! — enchi um pouco o
saco dele, mas só recebi uma careta — Isso que dá desafiar a rainha do videogame.
— Nossa, como você é poderosa — ele me jogou uma almofada e eu revidei, rindo das brincadeiras sem
graça que sempre fazíamos — Mas que tal se fizéssemos uma coisa.
— Que coisa?
— O perdedor de cada rodada confessa um segredo, que tal?
— Três partidas?
— Se não tiver empate nas duas primeiras...
— Ok — aceitei, apertando o play e dando inicio ao jogo.

Eu adorava Mario World. Eu era, tipo assim, f*dastica! Ninguém conseguia pegar tantos cogumelos
como eu, hehe. Eu sempre tinha achado que na minha outra vida eu era uma drogada viciada por
cogumelos, por isso tinha uma incrível facilidade em pegar os cogumelos do Mario e tudo mais, mas
aquilo era conversa para boi dormir (?) e tudo mais.

Mas ninguém me vencia no Mario. Ninguém.


E a primeira rodada eu ganhei. Ele me confessou que adorava assistir o programa da Oprah – mas quem
não adorava?
A segunda rodada, por piedade, eu deixei ele vencer, e finalmente confessei que morria de medo de
palhaços.
Mas foi apenas na terceira que as coisas ficaram interessantes.
Quando eu o derrotei pela segunda vez, comecei a fazer a minha dancinha da vitória ridícula, a qual eu
balançava os braços para todos os lados, misturando a coreografia do ulá e da dança do siri, e rodando
no lugar, parecendo uma barata tonta. Deveria ser uma coisa linda de se ver. Mas quando eu o derrotei,
perguntei qual era o segredo que ele iria me confessar, e realmente não estava pronta para escutar o
que ele resolveu me falar.

— Quero chamá-la para sair, mas estou com vergonha.

Eu virei novamente um tomate ambulante. Corei dos pés até o último fio de cabelo, querendo me
beliscar ou me jogar no chão para ter a certeza de que não estava sonhando. Christopher estava me
convidando para sair, como um encontro, de uma maneira explícita e muito fofa! Afinal, que homem
confessava estar envergonhado para chamar uma garota para sair? Oh, eu só poderia ter ganhado na
loteria mesmo.

— Eu adoraria sair com você — murmurei como resposta, esperando que a minha voz não saísse como
um “piu”, e sim como um “miau”...?
— Mas dessa vez poderíamos perguntar para a sua prima onde tem um lugar bom para se ir, não é
mesmo? — falávamos tão baixo que parecíamos estar cochichando algum segredo — Ou poderíamos ir
ao circo, não é? — ele zoou o meu medo por palhaços e novamente joguei uma almofada nele, fazendo
uma carinha de choro.
— Não quero ir ao circo — choraminguei e recebi um abraço.
— Ok, nada de circo.

Ficamos sem nos mover por alguns minutos, acolhidos no abraço, sem falar uma palavra. Eu, pelo
menos, não conseguia ao menos piscar. Sentir o cheiro dele era nostálgico. A colônia masculina
misturada com o cheiro próprio dele me atraia como mel atraia um urso (o bom que as minhas
comparações são sempre ótimas). Se fosse por mim, nós nunca sairíamos dali. Nunca mesmo.

— Oh my god! — Anahí entrou na sala naquele exato momento e vi que ela levava as mãos a sua boca
enorme, tampando-a como se estivesse espantada — Eu sabia!
— Sabia que você deixou seu único neurônio na sala ao lado? — gozei dela e, vendo que ela saia da sala
com passos pesados, sorri.
— Agora entendo porque Nena diz que vocês duas dão dor de cabeça para ela — Christopher comentou,
acanhado, indo desligar a TV. — Podemos ir jantar fora, que tal?
— Seria ótimo — balancei a cabeça freneticamente para todos os lados, concordando.
— Dulcezinha — Anahí voltou, abanando um papel cor-de-rosa e balançando os seus cabelos — Esqueci
de dizer porque vim procurá-la! — guardei o meu comentário para mim mesma e abri um sorriso
amarelo.
— O que se passa?
— Encontrei com uma amiga sua... Acho que você se lembra dela. Se chama Maite.
— Maite Perroni? — fiquei contrariada, não acreditando que Anahí tinha se esbarrado com Maite em uma
cidade tão grande como o México — Como assim você encontrou com ela?
— Eu estava no salão de beleza, né, hidratando os meu cabelos — e outra vez jogou os cabelos para o
lado, me dando uma enorme vontade de ir a cozinha correndo e pegar uma tesoura para picotá-los —, ai
ela me reconheceu, né, e então eu disse que você estava aqui. Tipo, ela ficou muito feliz e escreveu o
celular dela e mandou eu entregar para você. Ufa! — ela falou tudo sem parar para respirar, por isso, no
final, estava roxa por falta de ar.
— Nahí! — comentei toda feliz, indo em direção da minha prima e pegando o papel perfumado das mãos
dela — Não acredito! Faz anos que não falo com Maite!

— Os pais dela sempre vem aqui em casa jantar com os meus papis quando eles estão aqui — Anahí deu
de ombros, como se aquilo não importasse nada — O irmão dela, sabe? O Caio? Está uma gracinha,
Dulce! O menino cresceu e andou malhando! Aposto que ele vai enlouquecer quando souber que você
está aqui outra vez e... — Christopher limpou a garganta e eu dei uma cotovelada na barriga de Anahí,
fazendo-a calar a boca. — Ai! — ela urrou de dor — Não me culpe se o garoto sempre foi literalmente de
quatro por você! É claro que Christopher existe agora, e quem sabe Caio não superou a paixão platônica
que ele sempre teve por você? Sei lá, Dulcinha, as coisas mudam.
— A única coisa que não muda é a minha vontade de acertar um soco na sua fuça, Anahí — respondi
entre dentes, querendo mesmo acabar com a raça daquela lá.
— Nossa — escutei sua exclamação apavorada — Dulcinha, já lhe disse para controlar suas raivas!
Depois você fica com várias rugas e...
— Nahí, — respirei fundo e contei até dez, sorrindo em seguida de forma forçada e apontando para a
porta — por favor, saia.
— Viu como não é difícil usar as palavinhas mágicas, Du? Por favor, muito obrigado, com licença, tudo
bem, pode passar... — ela começou a cantarolar e saiu pulando sala afora, deixando eu e Christopher
outra vez as sós.

Ele ficou quieto. Eu fiquei quieta. Ambos ficamos quietos. O silenciou possuiu a sala. Nós fomos
possuídos pelo silencio. Eu não sabia o que dizer. Ele não sabia o que dizer. E eu odiava quando ficava
repetindo frases diferentes mas com o mesmo sentido como uma acéfala idiota.

— É... Então...
— Você vai ligar para... Maite, certo? — Christopher sentou no sofá, e eu, fingindo desinteresse a
respeito de Maite, dei de ombros e sentei também.
— Ah, é, talvez eu ligue, não sei...
— Ah, tudo bem.

Silêncio outra vez.

— E esse Caio? É seu amigo? — percebi algo estranho na voz dele e me afundei nas almofadas,
querendo que elas me sugassem para o mundo paralelo que existia dentro do sofá – andava assistindo
desenhos demais.

— Ah, que Caio? — aquele que te comeu atrás do armário (eu sei que é Mário, mas enfim...) – Ah, o
Caio? — repeti a pergunta, me fazendo de boba, e dei de ombros — Não exatamente. Quer dizer, ele é
irmão de uma grande amiga, então eu tenho que ser amigável com ele, mas... Não posso dizer que
somos amigos amigos, sabe? Somos... Conhecidos.
— E a paixão platônica dele por você?

Jesus, Christopher estava parecendo um policial ao me interrogar daquela forma. Na verdade, eu estava
gostando, pois demonstrava que ele tinha pelo menos um pouquinho de ciúmes de mim, e aquilo era o
suficiente para deixar qualquer garota se sentindo privilegiada... Eu acho.

— Ah — tossi de leve e virei o rosto para mirar o lado oposto do dele, querendo fugir do assunto — Isso
já faz algum tempo... Quer dizer, eu tinha quatorze e ele tinha quinze, nada a ver. Já passou quase
quatro anos, ele já deve até ter esquecido.
— Hum — o murmuro de desaprovação dele me fez congelar no lugar — Está bem.
— Ai, Christopher — não sabendo como, me ajoelhei no sofá, me pondo de frente para ele e pegando
suas mãos, olhando em seus olhos como se pedisse um pouco de compreensão — Eu estou feliz porque
tenho a oportunidade de rever Maite, não o Caio! Maite é minha amiga desde pequena e faz muito
tempo que não a vejo. Juro que quando Anahí comentou que tinha encontrado ela, nem me passou pela
cabeça que poderia chegar a ver Caio outra vez. Eu juro.

Meu Deus, nosso relacionamento estava progredindo ou era impressão minha? Mal tinha sete dias que
nos conhecíamos e eu já estava com medo de que ele pensasse que eu estava o traindo...? Nosso
relacionamento era que nem uma criança prodígio (adoro minhas comparações, já disse?), crescia,
crescia, crescia... Em poucos segundos.
Daqui a pouco estaríamos jogando baralho enquanto escutávamos blues e... Sei lá o que um casal de
idosos fazem. Meus avós não se encaixavam no tipo de casal de idosos perfeitos, já que ambos
adoravam pular de pára-quedas, ir a danceterias e, sei lá, se beijarem... De língua!

— D., me desculpa por ter agido assim — ele falou depois de algum tempo, enquanto apertava as
minhas mãos e sorria triste — Não sei o que me deu.
— Tudo bem — respondi na hora — Não precisa pedir desculpas.
— Preciso sim — e nós dois rimos deslustrados — Como recompensa, vou deixar você escolher o que
vamos fazer no nosso... Encontro.
— Uau — falei como se fosse um grande privilégio, soando um tanto irônica quanto divertida, e ele
revirou os olhos, me agarrando pelos punhos e me enchendo de almofadadas — Christopher Alexander
Luis não sei o que mais Uckermann! Pare com isso! — tentava me desviar das almofadas mas ele era
bom. Sentado em cima de mim (isso soa muito estranho?), continuava me fazendo rir até eu conseguir
jogá-lo no chão com um golpe de karate que tinha aprendido assistindo alguns filmes do Jack Chan.

Filmes do Jack são cultura.

Quando percebi, Christopher estava no chão, com uma almofada na cara para abafar os risos (ou os
uivos de dor) e com as mãos na barriga (que por acaso estavam descobertas pela blusa até acima do
umbigo, o que me deixava ver o começo de um lindo abdômen definido!), sem se mover.
Me deixei cair no chão, de joelhos, e coloquei as mãos na almofada, que cobria o rosto dele, e, assim
que levantei, o olhar dele imediatamente encontrou o meu, e nós dois trocamos um sorriso.

— Achou — ele falou com voz de criança, me fazendo derreter — Bebe quer abraço! — estendeu os
braços, tentando me pegar outra vez, mas consegui me afastar antes.
— Bebe mal — mostrei a língua para ele e então vi o bico que se formava em seus lábios — Bebe vai
chorar?
— Bebe quer abraço! — repetiu, conseguindo pegar os meus joelhos e me puxando em sua direção.

— Deixe de ser bobo, Uckermann — gargalhei, quando já me encontrava sobre ele.


— Bebe quer abraço! — falou outra vez com aquela voz fofa, finalmente conseguindo me fazer abraçá-
lo.

Ele me abraçou apertado, como se eu fosse um ursinho de pelúcia, e eu sentia cada osso do meu corpo
fazendo um barulho esquisito... Mas não me importava. Escutava a risada gostosa dele em meu ouvido e
a barba rala dele roçava a minha bochecha, deixando toda aquela situação um pouco desejável demais
para mim. Bastava apenas virar o rosto para beijá-lo nos lábios, porém, não seria eu a dar o primeiro
passo. Quer dizer, eu nunca dava o primeiro passo. Nunca mesmo. Nunca...

— Hey, D. — sua voz me chamou, me fazendo erguer um pouco a cabeça de forma que ela se apoiasse
em seu peito.
— Oi? — mirei-o nos olhos, esperando a continuação da frase que não veio.

Ficamos nos encarando, jogados no chão da sala, abraçados, rodeados de almofadas e com um clima
que não era nada romântico ao fundo. Contanto, os olhos dele me desafiavam, me encantavam, me
chamavam, e seus lábios faziam o mesmo. Sua boca parecia mesmo chamar por mim. “Dulce...
Dulce...”, igual aquelas propagandas com mensagens subliminares, sabe? Compre batom, compre
batom...
Aproximei um pouco mais meu rosto do dele, fazendo meu queixo se encontrar com o dele. As mãos
dele, que até então estavam pousadas em minhas costas, segurando-me com força, se distanciaram
uma da outra, uma subindo até a minha nuca, e outra segurando a minha cintura.
E não conseguíamos para de nos olhar.
Isso me lembrou vagamente aquela música que fica: “I can't take my eyes of you”...
Toca ai, DJ!
...?
Ai, meu Deus.

— Dulce — escutei uma voz ao fundo, mas não me importei, pois continuava fascinada com a beleza de
Christopher. — Dulce — a maldita voz chamou de novo, fazendo Christopher virar a cabeça para ver o
que era e logo me afastar, com os olhos entreabertos. — Dulce Maria!

Virei o meu rosto para encontrar Nena nos encarando com uma expressão nada boa.
Droga! Nena era uma especialista de estragar climas.

— Oi, Nena? — falei um tanto áspera, rezando para que ela não percebesse o desanimo de minha voz.
— Sua mãe ligou hoje — quando ela começou a falar, limpou a garganta, como se para fazer com que
Christopher se afastasse ainda mais de mim.
— E o que ela queria? — cobri minhas bochechas com as mãos, para evitar de mostrar o vermelho ao
qual ambas se encontravam.
— Queria saber se o Christopher estava se adaptando bem — então ela deu um sorriso estranho,
cruzando os braços e nos encarando — E eu disse que ele estava se adaptando muito bem.
— Ah — corei ainda mais, começando a enrolar umas mechas de cabelo com a ponta dos dedos — Está
bem.
— E disse que a filha dela, ou seja, você, tinha se dado extremamente bem com ele.
— Ah, que bom, não é? — sussurrei, querendo ser engolida por um vórtice.
— Apenas peço para que vocês controlem os hormônios — o que ela disse me fez abrir a boca, não
acreditando com o que tinha escutado —, porque o almoço está na mesa.

Sem dizer mais nada, Nena saiu da sala, nos deixando em uma situação totalmente desconfortável.
Christopher me encarou imediatamente, e eu fiz o mesmo, e então começamos a gargalhar. Olhei para o
lado e o vi “rolando pelo chão”, enquanto eu fazia igual. Parecíamos dois cães adestrados que rolavam
no chão a pedido do dono para ganharem um biscoito, mas isso não vinha ao caso.
Quando paramos de agir como doidos, ele se ajoelhou, engatinhou até mim, e roubou um selinho.
Um selinho curto e rápido... Mas de todo jeito, era um selinho!

E quando ele levantou, deu um sorriso lateral para mim – aquele que eu tanto gostava -, esticou a mão
para me ajudar a levantar (dejá vu) e quando nós nos encontrávamos de pé, ele se aproximou do meu
ouvido e sussurrou: — Nena que me desculpe, mas não consigo me controlar ao seu lado.

Jesus, eu pensei, apaga a luz, acaba com o mundo e me leva junto!


Eu só poderia estar sonhando. Christopher não diria isso... Ou diria?
Será que eu estava sob efeito de alguma droga e não me lembrava? Tinha consumido apenas um suco
de laranja no café-da-manhã e alguns biscoitos... Se bem que minha mãe me contou que uma vez,
quando era jovem, uma amiga dela tinha preparado um bolo de maconha para uma festa e que o efeito
foi melhor e ainda mais gostoso! Quem sabe não tinha um pouco de maconha nos biscoitos que eu tinha
ingerido?
Aquela era a única explicação lógica para a alucinação que eu tinha tido, já que o efeito do spray
passara há uma semana!
Mas se eram drogas, porque os meus lábios queimavam tanto?

                        And bury all this space that keeps two hearts apart.

                                            Quarto!

— DULCE MARÍA!

A verdade sofismada é que eu estava começando a ficar muito cansada de ter que escutar todo o mundo
e mais um pouco gritando o meu nome daquela forma. Porque minha mãe não tinha me colocado com
um nome mais difícil, para ninguém conseguir pronunciar e gritar?
Waldomintuluzinea seria um bom nome. Ou Carlistefhanisuzanadir? São nomes bonitos e difíceis de
serem pronunciados! Imagina só que chique? Na lista da chamada da escola a professora chamando os
alunos e, de repende, aparece uma Maristelangelaugusta? Bem, eu conheci uma vez uma menina
chamada Madeinusa porque a mãe tinha achado chique uma etiqueta que estava escrito: “Made in
U.S.A.”, por isso colocou o nome da filha de Madeinusa. Eu poderia muito bem me chamar Madeinchina,
não é? Ou Falsificadanoparaguai!
Ok, eu não sei fazer piadas, um beijo.

Mas daquela vez era diferente. Apenas uma pessoa poderia estar gritando daquele jeito: [b]Maite
Perroni.[/b]
No mesmo dia que minha prima acéfala me entregou o telefone de Maite, fiz questão de ligar – longe de
Christopher – para combinarmos de nos encontrarmos. Como as festas de Natal e Ano Novo estavam
próximas, e logo em seguida começaria o ano letivo, Maite disse que a turma da escola dela – a mesma
a qual papai me inscreveu – se reuniriam em um restaurante japonês e me convidou para ir encontrá-
los.
E eu convidei Christopher, é claro.
E eu nunca recusava comida japonesa, por isso aceitei, é claro.
E aquela pessoa que tinha se pendurado em meu pescoço e me sufocava só poderia ser Maite, é claro.

— MAITE! — abri um sorriso roxo – graças a falta de ar – e tentei afastá-la, mas ela insistia em ficar
pendurada como um orangotango em meu pescoço.

— Ah, Dulce, que saudades! — continuava me chacoalhando para um lado e para o outro — Você está
ruiva!
— E você está me deixando sem ar! — murmurei, conseguindo afastá-la e sugando todo o ar ao meu
redor.
— Me desculpe — ela falou sem graça, mas não deu cinco segundos para ela se transformar em sorrisos
e segurar minhas duas mãos, balançando-as freneticamente — Não acredito que você está morando
aqui! Isso é tão legal! — e Maite não me deu tempo para responder — Fiquei tão feliz quando Anahí me
contou! Você está morando na mesma casa que ela, não é mesmo? Você ainda não enlouqueceu, Dul?
Quem é esse ao seu lado?
— Maite — puxei as vogais do nome dela, fazendo a pronuncia soar cortante para fazê-la fechar a boca
— Esse é Christopher Uckermann — sorri, indo para o lado dele e colocando uma mão no braço
esquerdo dele.
— Seu ficante? — as sobrancelhas dela se ergueram instantaneamente — Nossa, Dulce Maria, você
mudou muito! Antes era tão comportadinha, agora mal chegou e já está conquistando corações? Uau!

Porque todo mundo achava que eu estava dando em cima do Christopher?


... Ah, é, porque eu estava.

— Não, Maite, ele não é meu...


— Ah, então é seu namorado? Você tinha um namorado na outra cidade e ele está aqui marcando o
território?
— Não, Maite, me deixe falar! — cerrei os dentes e os olhos — Christopher é sobrinho de um amigo do
meu pai. Ele vai passar um tempo na minha casa para completar os estudos aqui na Capital! — suspirei,
satisfeita por ter conseguido completar uma frase sem a interrupção dela.
— Ah, mas então ele é... O seu paquera? — bati uma mão na testa, não acreditando na cena que Maite
estava fazendo e negando com a cabeça.
— Ele é o Christopher! O que mais você precisa saber? Qual a cor da cueca dele? — rugi.
— Bem, seria legal se ele quisesse me mostrar ali nos fundos e... OI AMOR! — da água para o vinho,
Maite abriu um sorriso super luminoso e acenou para um garoto de cabelos cor de beterraba que se
aproximava.

Antes de analisar ainda melhor o outro garoto, observei Christopher pelo cantos dos olhos e percebi que
ele se encontrava envergonhado – ou talvez, aterrorizado -, e não tinha aberto a boca até então. Toquei
nossos ombros e dei um leve empurrão nele, fazendo-o acordar do transe e abrir um minúsculo sorriso,
como se não quisesse estar ali.
Éramos dois.

— Coisinha mais linda da minha vida! — o cabelo roxo abriu os braços para abraçá-la.
— Bilu — Maite disse com uma voz ranhosa, dando um beijo de cinema nos lábios da berinjela e
esquecendo totalmente da amiga que não via há anos e do “paquera-ficante-namorado” dela.
— Senti sua falta, Bila — o ser desconhecido fez um biquinho e recebeu outro beijo de Maite.
— Também senti a sua falta, ursinho! — e eles ficariam naquele mel pela eternidade... Se eu não tivesse
feito questão de tossir de propósito, hehe. — Ah, amor, essa é a Dulce que eu falei para você, sabe? —
abri um pequeno sorriso, um pouco receosa pela reação dele já que tinha acabado de interromper a
cena de amor explicito de ambos.
— Olá — e então ele ergueu uma mão, fazendo o símbolo que os ETs normalmente fazem em filmes de
ficção quando chegam no planeta Terra, encontram um humano e falam: “eu vim em paz, me leve ao
seu líder!”. — Tudo em cima?
— Olá — respondi, me divertindo ao imaginar como seria se ele fosse um ET.
— E esse é Christopher Uckermann — Maite continuou a falar — Alguma coisa da Dulce.
— Maite, ele está morando comigo!
— Vocês são casados? — foi a vez do beterraba de fazer uma pergunta idiota, e então entendi porque
ele e Maite estavam juntos.
— Amor, eles não podem ter se casado ainda! — ela corrigiu: — Eles ainda são ficantes.
— Ai meu Deus — neguei com a cabeça, querendo dar um chute nos dois, mas os meus sapatos não
mereciam aquilo. — Você não mudou nada, Maite.
— Só porque está ruiva está achando que é outra pessoa, Dulce? — ela deu uma risada — Gente, esse é
o Christian, meu namorado.

Depois de mais algumas embolações de Maite, finalmente entramos no restaurante e o sushi me


aguardava ansiosamente... Ou talvez não tão ansiosamente assim, já que seria devorado e tudo mais.
Quem fica ansioso para ser comido? Ok, pervertidas de plantão querem ser comidas 24hrs por dia, mas
eu não era uma pervertida de plantão... Não que eu me lembrasse.
Chegamos a uma sala separada, onde pude ver uma mesa baixa redonda rodeada de pessoas
desconhecidas e sorridentes. Nos aproximamos e todos viraram as cabeças para nos ver – eu sei que eu
sou bonita e gostosa, mas não precisava de toda a atenção.

— Gente — Maite começou a falar e todos ficaram quietos — Essa é Dulce Maria, a amiga que eu
comentei que viria jantar conosco e que vai estudar no nosso colégio — acenei com a cabeça, com um
sorriso tímido, e mordi o lábio inferior — E aquele é Christopher Uckermann. Ele é alguma coisa da
Dulce.

Respirei fundo para não mandar Maite para a merda naquele momento. Ela estava queimando o meu
filme com os gatinhos dali... Se bem que eu não me importava nem um pouco, pois Christopher estava
do meu lado e ele não era um gatinho... Era um tigre. Um tigrão. Hehe. Miau...?

— Oi — sorri um pouco mais, tentando parecer levemente sociável, e não uma, tipo, Carrie, a estranha.
— Oi — Christopher repetiu e o sorriso dele parecia mais sincero do que o meu.
— Olá — todos responderam e acenaram.

Maite começou então a falar o nome de todas as pessoas ali presentes e depois do segundo nome, as
palavras dela foram ao vento, pelo menos para mim. Sabia que tinha uma Angelique, uma Zoraida, o
resto era “blá blá blá”. Fiquei olhando para os meus sapatos, admirando o meu bom gosto para comprar
sandálias, quando percebi que estava sendo arrastada “ a força” por Christopher para nos sentarmos.
Ajoelhei ao lado da garota bonita e loira, que eu lembrei que se chamava Angelique, e ela logo piscou os
enormes olhos azuis para mim, abrindo um mega sorriso.

— E então, vocês estão gostando de morar na Capital? — ela perguntou, toda fofa. Tive vontade de
apertar as bochechas dela até arrancá-las fora, de tão fofa que ela era. E isso não foi irônico.
— Sim — respondi imediatamente — Se bem que ainda estamos meio perdidos.
— Vocês não são irmão não, né?
— Nós? — Christopher me encarou — Não, não somos — negou com a cabeça, rindo como se fosse a
piada mais engraçada do mundo.
— Ah, ainda bem — ela deu de ombros — Porque se fossem, seria muito estranho.
— Porque? — perguntei, curiosa, como sempre.
— Porque vocês formam um casal muito top — e a loirinha sorriu outra vez — Seria um pecado se
ocorresse incesto, sabe? Sorte a de vocês.
— É... Obrigada? — sussurrei, outra vez corando como uma louca e abaixando a cabeça.
— Imagina — Angelique riu graciosamente — Então, vocês conhecem mais alguém aqui, além de Maite?
— Mais ou menos — eu disse — Tenho a minha prima e o namorado dela aqui... E Christopher.
— E também tem o Caio — Christopher falou entre dentes, cruzando os braços e entortando as
sobrancelhas.
— Ah, você conhece o Caio? — a loirinha bateu palmas, toda animada e com os olhos piscando — Ele é
um gato, não é?

Limpei a garganta, incomodada, fazendo pouco caso e procurando a saída de emergência. Comecei a
mexer nos palitinhos que serviam como garfo e faca de forma inconveniente, batucando-os na mesa e
ignorando a pergunta – que estava mais para afirmação – da loirinha. Ela, meio que percebendo o clima
que criara, sorriu sem graça e desviou o assunto.

— Maite não parou de falar de você — e voltou ao normal aos poucos —, e acho que você sabe que
quando Maite começa a falar...
— Não para mais — completei a frase, recebendo uma exclamação de concordância em seguida da
loirinha — Conheço muito bem Maite.
— Conhece, é, Dul? — e foi só citar que a dita cuja apareceu atrás de nós, nos encarando e sorrindo. —
Não acredite nela, Angel. Dulce não conhece nem o próprio nariz.

— Vai para a merda — resmunguei, não conseguindo evitar de sorrir, de todo jeito.
— Porque o Ucker está com essa cara? — foi a minha vez de fechar a cara e formar um bico enorme ao
ver o apelido que Maite tinha acabado de criar para o meu Christopher.
— Acho que foi porque eu falei do seu irmão — Angelique sussurrou, mas de forma que eu – e creio que
Christopher também – consegui escutar.
— Aquele verme só traz problemas — Maite revirou os olhos — Ainda bem que ele está viajando.
— Ele está viajando? — meu maxilar começou a latejar de tanto que sorri — Jura?
— Juro, D. — ela parecia empolgada igual — Não ter que agüentar a presença daquele insuportável por
quase todas as férias é o que há! — e quis beijá-la (não na boca) de tanta felicidade.
— Não sei porque de tanta felicidade. Seu irmão é realmente um gato... — a menina que se intrometeu
no assunto deu um sorriso nojento e depois olhou para Christopher, toda se achando — Mas pelo menos
temos um ótimo novo consolo.

O nome dela era Elisa.


A minha amiga Sam, da outra cidade em que eu morava, definiria Elisa apenas com uma única palavra:
bitch. Já minha outra amiga, Paty, também teria uma ótima definição na ponta da língua para usar como
sinônimo de Elisa: puta.
Elisa, o nome do Diabo.
Ok, coitada das outras Elisa’s que existem no mundo a fora, mas não tenho culpa se a mãe da menina
pisou no pão que o Diabo amassou para colocar no mundo uma filha com cara de rato cozido e
prostituido. Tudo bem, tinha conhecido a menina naquela noite e como eu poderia ter pego ódio mortal
em questão de segundos? Simples, queridos, quando uma menina se insinuar para o seu macho nos
primeiros piscares de olhos, uma coisa você pode ter certeza: é guerra.
Só não voei para o cabelo oxigenado da garota porque eu não me rebaixaria a tal nível. Eu tinha sido
educada como uma dama e não me colocaria em exposição por tão pouco.
Não mesmo.
Viva a Lady Du.
Lady Di, Lady Du... Alguém entendeu?
O povo me ama, um beijo.

— E então, — Eddy contava uma história de sua vida super descontraído e, como eu estava passando
por um momento de raiva, quase mandei-o calar a boca e ir contar a sua história de vida para o
Ratinho, mas me controlei, porque queria parecer um pouco sociável — meu irmão liga bêbado para o
número das informações e começa: “moça, moça, me passa o telefone de Marte?”

Todo mundo riu e eu forcei uma risada. Eu peguei o bonde andando naquela conversa e mesmo que
tivesse escutado desde o começo, não conseguiria rir. A não ser que fosse de ódio, porque ai sim eu riria
muito.

— Alguém vai querer mais alguma coisa? — o garçom perguntou, super fofo, vestido de super saiadim
ou sabe-se lá como chama os guerreiros de Dragon Ball que usam roupas japonesas parecidas.
— Quero mais uma coca, por favor. — eu pedi, normalmente.
— Eca — escutei a megera reclamar e colocar a língua para fora — Coca-cola acaba com os ossos, sem
contar que tem muitos carboidratos — ela opinou sem ninguém perguntar — E eu quero um suco de
limão, por favor.
— Eca — repeti a cena, colocando a língua para fora também e a encarando nos olhos — Suco de limão
acaba com o único neurônio de loiras oxigenadas como você, sem contar que azeda ainda mais a sua
cara — sorri quando escutei todo mundo abafando as risadas e se entreolhando.

A bitch Elisa poderia ter ficado quieta e engolido o meu super fora em silêncio, sabe? Adoro pessoas que
se mancam quando não devem falar nada e ficar quietinha no canto chorando. Essas pessoas
demonstram que tem pelo menos um neurônio vivo. Mas Elisa provou que se juntaria ao time de Anahí.
Viva ela!

— Olha aqui, garota, quem você acha que é para chegar já achando que é dona do mundo?

— Pelo menos se eu fosse dona de algo seria dona do mundo, enquanto você não conseguiria ser nada
mais do que dona do seu próprio nariz... — resmunguei e Christopher colocou a mão em meu braço,
como se para falar que já estava bom. Revirei os olhos, mas dei um sorrisinho orgulhoso quando vi ele
virando a cabeça de lado para rir disfarçadamente.
— Então — Maite limpou a garganta —, D. e C. — ela nos encarou e achou super cool entrar na onda de
usar apenas a primeira letra do nome como apelido. Grande gênio, Einsten. Tá parecendo aqueles
irmãos que falaram que foram os primeiros a inventarem o avião só que na verdade foi o brasileiro lá
que tinha bigode e tudo mais e porque diabos eu estou falando sobre aviões e bigode? —, todo fim de
ano a nossa turma organiza uma festa e tudo mais... Como vocês estão oficialmente na turma, ainda
mais que vão estudar no nosso colégio, queríamos saber se vocês também querer participar da festa.

Opa, festa é o meu segundo nome.


Dulce Festa Saviñón Uckermann.
Acho que prefiro Maria ao invés de Festa, mas está valendo.

— Claro — sorri toda contente, mostrando meus dentes de Alvin, o esquilo, e confirmando com a cabeça
— Estou dentro.
— Eu também — Christopher se pronunciou, sorrindo comigo.
— Ótimo — Christian flor-de-beterraba sorriu e quis saber como o cabelo dele poderia ser tão... Roxo —
Quanto mais gente, melhor!
— Você quer dizer: quanto mais gente para ajudá-lo a não tropeçar nos próprios pés de tão trebâdo que
você vai ficar, melhor... Não é mesmo? — Angel comentou divertida e todo mundo riu.
— Angel, minha diva, — Christian voltou a ter a posse da palavra...? — eu bebo, bebo, bebo, bebo para
cachorro, dizem que eu vou morrer de tanto beber, mas eu não morro! — ele cantarolou e passou um
braço em torno dos ombros de Maite, que apenas revirou os olhos.

— Chega de sertanejo e de o que quer que seja que está dentro do seu copo por hoje, Chávez — Maite
rugiu e tomou o copo das mãos dele — Deve ser meu karma. Como posso gostar justamente de um
cachaceiro como você?
— Dizem que sou cachaceiro, cachaceiro eu não sou — ele e Jack começaram a batucar na mesa —
cachaceiro é quem faz a pinga, eu só sou consumidor.
— De onde ele arranja essas músicas? — Christopher cochichou para Maite.
— Christian diz que é espiritualmente meio brasileiro. Também fala que na outra vida foi a Carmem
Miranda.
— Bem que ele poderia ser a Gisele — Eddy comentou de brincadeira e eu ri.
— Ou o Rodrigo! Ou o Reynaldo! Ou o Cacá! Ou o... — a morena se empolgou.
— Chega Maite — segurei o tesão dela —, se contente com a Carmem Miranda. — os outros três riram
também e logo pedimos a conta.

Na verdade eu não vi o tempo passando porque fiquei grande parte dos meus preciosos minutos
pensando em como matar aquela bitch, vulgo, Elisa. Enforcamento e essas coisas estavam muito old nas
táticas de assassinato... Talvez se eu cortasse ela em pedaços e colocasse a venda no mercado negro...
Mas quem iria querer comprar pedaços de bitch morta pela internet?
Bom, é a internet. Pode se comprar de tudo.
Sei disso graças a Padrinhos Mágicos.
Er.

— Então — Maite começou a falar, apenas para mim —, os outros combinaram de ir ao cinema, mas
Christian e eu vamos jogar boliche. Você e Christopher querem ir?
— Está bem — concordei, impressionada de como a minha agenda estava lotada.

Eu era ou não era uma pessoa super top de linha? Um beijo.

— Ótimo. Christian foi pegar o carro no estacionamento e podemos ir.

Uau, Christian dirige? Isso sim é top de linha! Se bem que eu, Dulcinha linda, também posso dirigir...
Isso é, depois que fizer o meu teste para ver se arranjo minha carteira de motorista e, como eu sou
meio desastrada, acho que só irei conseguir tirá-la em 2040, quando os carros dirigirem sozinhos e por
comando de voz. Hehe.

— Ok, e eu vou avisar o Chri... — meu celular vibrou na bolsa — Telefone. — avisei, retirando o pequeno
objeto do buraco sem fundo e atendendo: — Quem interrompe?
— Dulcinha — a voz de Anahí invadiu o ambiente, me deixando louca imediatamente —, onde é que
você se meteu?
— Estou em um restaurante japonês e logo vou ao boliche. Por quê?
— Boliche? — o grito dela cortou os meus tímpanos — Ah, eu amo boliche! — e quem perguntou? —
Qual boliche você vai?
— Mai, qual boliche nós vamos?
— No perto do Shopping das Américas — ela respondeu e voltou a olhar para rua, à procura de
Christian.
— No perto do Shopping das Américas — repeti e escutei mais um grito de maritaca.
— Ah, que tudo! Eu e pompom vamos encontrá-los lá, ok? — três palavras: what the fuck? — Beijinhos
cor-de-rosa com sabor de morango.

Tu. Tu. Tu.

Será que alguém compraria os pedaços de Anahí na internet? Hum.

— Anahí se convidou para ir — comentei com Maite e vi Christopher saindo do restaurante, colocando o
casaco e me buscando e encontrando com o olhar — Tudo bem? — perguntei.
— Tudo — ele sorriu — Só fui ao banheiro.
— Ah — dei de ombros —, eu vou para o boliche com Maite e Christian. Quer ir também?
— Uau, estamos ficando compromissados — e ele abriu mais um sorriso maravilhoso e confirmou com a
cabeça — Claro que eu vou — e passou um braço por minha cintura, colocando o rosto em meu ombro e
sussurrando em meu ouvido: — Não vou deixá-la sozinha.
— Não quero que você deixe — respondi entre sussurros, passando uma mão por seu cabelo levemente
e sorrindo encantada.
— Christian chegou — Maite avisou e nos puxou pela mão, e a minha única pergunta é: porque todo
mundo tem um carro “maneiro” e eu não?

Fuck. Merda de vida injusta.

Entramos no super carrão de Christian e me senti em um daqueles clipes de hip-hop em que o cantor
dirige um super carro com umas mulheres de shorts minúsculos e tops purpurinados ao lado, e fica
mostrando o seu sorriso cheio de dentes de ouro e falando umas rimas sujas tipo: “vou atrás da moita
com as minhas garotas mostrar o meu ***** e ****-*** até elas não agüentarem mais andar porque
eu sou o cara e já fui preso sete vezes e tomei nove tiros”. É, né, cada um com o seu gosto.

— Come on Barbie, let’s go party — Maite cantarolou enquanto sentava ao lado do namorado e ligou o
som imediatamente, antes mesmo de Christian dar a partida — Só vou dizer uma coisa, meus queridos:
ninguém me vence no boliche.

Uau, falou então, Miss Strike.

— Tá, né — abafei uma risada — E então eu aviso que sou uma negação.
— Então você não fica no meu time! — a morena me encarou pelo espelho e depois sorriu amigável —
Estou brincando, Dudizinha linda.
— Eu sei que você me ama, Maite — apoiei minha cabeça no ombro de Christopher e fomos
conversando, os quatro, pelo resto do caminho.

Anos e mais anos que eu não jogava boliche. Acho que a última vez foi tão traumatizante que eu nunca
mais tinha sentido vontade de entrar em uma pista de boliche. Quer dizer, eu quebrei duas janelas e
tive que pagar com a minha mesada pelo concerto porque mamãe achou que seria uma boa lição de
moral e tudo mais. E eu estava economizando dinheiro para comprar um pônei.
Legal, mamãe, valeu.
Mas quem se importa? Se eu quebrar uma janela agora, falo que tenho epilepsia ou aquela outra doença
de tremedeira e eles não vão poder me cobrar, porque se não, meto processo neles. Hehe, sou dumal.

— Ana já chegou? — Maite perguntou e demorei alguns segundos para assimilar o Ana com o Hí.
— Sei lá — revirei os olhos — Tomara que ela e o namorado pomposo tenham parado em algum Motel
ou coisa do tipo no meio do caminho.
— Ai, Dulce, como você é... — a morena me encarou e negou com a cabeça — Sua prima é um Love.

— É, é sim — ironia mode on —, um amor de pessoa.


— Vamos entrar? — Christopher segurou a minha mão e percebi que a mão dele estava gelada — Aqui
fora está frio.
— Eu não estou com frio — Christian comentou e fez cara de quem falaria besteira — Porque eu sou o
fogo em pessoa. — e então colocou o dedo na língua e depois levou até a bunda, fazendo aquele
barulhinho “tsss” com a boca, sabe? Uma comédia, haha.
— Cala a boca, pelo amor de Deus — se até a namorada dele não agüentava... — Vamos entrar sim,
antes que todos nós viremos cubos de gelo e Christian nos derreta com o seu “calor”. — ri, sendo
puxada por Christopher e agradecendo ao gênio que inventou o aquecedor.

Logo vi uma loira acenando como louca nós quatro. Não precisei deduzir para saber que era Anahí. Ela
estava no caixa, perto de Alfonso, que conversava totalmente entretido com o atendente com um Black-
power legal.
Eu queria fazer um Black-power ou um rastafári, mas mamãe disse que me deserdaria se eu fizesse algo
que deixasse o meu cabelo parecendo um ninho de passarinhos ou corda de marinheiro. Sei lá, cara,
minha mãe é estranha demais e retro demais para o meu gosto.

— Gente — ela continuava acenando — Aqui! Estamos aqui.

Palmas para a Anahí pelo ótimo censo dela de localização.

— Jura? — me dirigi até ela e bufei — Não tinha percebido.


— Vamos jogar? — Maite apareceu para separar a briga que poderia começar e falou — Eu e os garotos
vamos pegar os sapatos e vocês duas acertam a pista? — ou talvez ela quisesse colocar lenha na
fogueira.
— Tudo bem — os olhos azuis de Anahí piscaram inúmeras vezes quando ela pronunciou aquelas duas
únicas palavras — Podem ir. Alfonso sabe o quanto eu calço. Tenho pé de fada. Já o pé de Dulce é igual
ao de um ogro.
— Pelo menos o meu cérebro não é igual de um peixe, como o seu.
— D., peixes não tem cérebro. — Christopher se lembrou.
— Eu sei. — dei uma risadinha — Por isso mesmo.

— Não entendi — Anahí soltou e eu quis rir, mas ignorei aquela súbita vontade e falei: — Maite, eu calço
o mesmo que você. E meu pé não é de ogro. — me virei para encarar a loira e percebi que todos saíram
de fininho, não querendo ser bombardeados com nossos olhares mortais.
— Então moço — ela começou a falar —, nós queremos uma pista.
— Não — comentei irônica —, queremos um navio.
— Como eu ia dizendo — ela me ignorou —, queremos uma pista.
— Quanto tempo? — o Black-power perguntou.
— Deixe aberto — eu respondi e fiquei admirando o cabelo dele.
— E quais são os nomes?
— Anahí — Anahí começou a falar, erguendo uma das mãos e contando nos dedos os nomes das
pessoas —, Alfonso, Maite, Christian, Dulce e... — quando ela travou, voltei a observá-la, não
acreditando que ela tinha esquecido o nome de... — Santiago!

Santiago? Mas que merda é Santiago?

— Anahí, quem é Santiago? — cochichei e fiquei olhando para ela como se ela fosse uma louca. Ah, ela
era.
— O seu namorado. — que?
— Não me lembro de namorar nenhum Santiago, sua acéfala!
— Eu não sou afacéla, Dulce! — ri, não acreditando que nem conseguir pronunciar a palavra ela
conseguia.
— É acéfala! — corrigi.
— O que eu disse?
— Afacéla.
— E como é?
— Acéfala.
— E o que eu disse?
— Afacéla.
— E como é?
— Hum hum. — o Black-power limpou a garganta, chamando a nossa atenção — A pista 8 está liberada
— sorriu como se compreendesse a nossa loucura — Bom divertimento.
— Thanks. — Anahí agradeceu e saiu toda saltitante na frente, e eu torcia mentalmente para que ela
caísse de cara no chão, mas não tive tanta sorte.

Quando chegamos à pista que nos fora reservada, Christopher entregou os meus sapatos em minhas
mãos e eu sorri, em agradecimento. Christian disse que o jogo seria garotas x garotos e eu bufei, vendo
que o mundo continuava machista igual à época da minha avó... E pelo jeito nunca mudaria! Homens,
são tão... Eca! (menos o Christopher, fato!)
Vamos lá, mulheres, unam-se a mim e vamos queimas os nossos sutiãs! Brigar por direitos iguais e por
um mundo menos

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