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SUMÁRIO
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Epílogo
Bônus
Extra - Claudinha e Max
Agradecimentos
1ª edição, São Paulo

Copyright @2017 por Ariane Fonseca


Capa: Ariane Fonseca
Foto: Gabriel Georgescu/Shutterstoc
Revisão: Camila Gouvêa
Revisão final: Bárbara Pinheiro
Diagramação digital: Ariane Fonseca

ariane@infinitoenquantodure.com.br
Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento e/ou reprodução de qualquer parte desta obra através de
quaisquer meios sem o consentimento da autora.
A violação autoral é crime, previsto na lei nº 9.610/98, com aplicação legal pelo artigo 184 do
Código Penal.
Índice
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Epílogo
Bônus
Extra - Claudinha e Max
Agradecimentos
Dedico esta obra a todos que vivem intensamente o hoje.
Epígrafe
Soneto de fidelidade
Vinícius de Moraes

De tudo ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Prólogo
ALICE
Já são onze horas da noite e ainda estou acordada. Mesmo sendo sábado, isso não era
para acontecer. Mamãe não gosta que eu durma tarde. Vem sempre com aquela conversa de
fazer mal para a saúde e não ser bom para a beleza. Mas quem se preocupa com isso aos 8
anos?
— Mamãe, quero ver de novo o filme da Cinderela.
— Nem pensar, Alice! Está tarde e você acabou de assistir A Bela e a Fera. Já quer
outro?
Sabia que ela olharia o relógio, só que eu preciso assistir a mais um filme antes de
dormir. Quero ter sonhos lindos com meu príncipe encantado.
— Quero mamãe. Por favor?! Hoje é sábado, amanhã não tenho aula.
Tento apelar para o lado sentimental dela, fazendo a carinha do Gato de Botas.
— Nem venha com essa cara, Alice. Não vou cair nos seus joguinhos de novo. Semana
passada já foi a mesma coisa. E na outra, e na outra. Você não cansa disso, não?
A verdade é que nunca me canso. No meu pouco tempo de existência, já tenho
colecionado mais bonecas Barbie (com o Ken, claro); DVD's das princesas e livros, que quase
todas as crianças da pequena cidade onde vivo. Puxei o lado sentimental da minha mãe, que
me contava essas histórias e me enchia de presentes desde que me entendo por gente.
— Não me canso, mamãe. E não venha ficar brava! Quem me fez gostar disso tudo foi
você. Qual foi meu primeiro presente na vida? Qual foi, mamãe? Vestidinho da Branca de
Neve. Tem naqueles álbuns de fotos que guarda na estante pra provar.
— Ai, meu Deus. Você é impossível, menina! Tem o pensamento rápido do seu pai,
sabe argumentar. Olha, eu vou deixá-la assistir, mas só hoje, viu?! Semana que vem, nem que
você chame a tropa da Disney para vir aqui em casa, não vai ficar até tarde vendo filme.
Escutou, Alice?
— Claro, mamãe — concordo com um sorriso estampado de orelha a orelha.
Xeque-mate! Terei garantido meu sonho de princesa.
Capítulo 1
♫ Eu era uma sonhadora antes
de você chegar e me desapontar.
Agora é tarde demais pra você
e seu cavalo branco chegarem. ♫
White horse, Taylor Swift
ALICE
Não! Não! Não! Eu não posso ter ouvido direito. Fecho os olhos e deslizo na parede,
sentando-me no chão com as mãos na cabeça. Tento acalmar a respiração ofegante, mas é em
vão. Claro que ouvi, não há desculpas. Heitor, meu príncipe Heitor, na verdade é um sapo.
Tenho que parar de chorar e enfrentá-lo. Tenho que secar cada uma dessas lágrimas
que insistem em cair. Não vai resolver nada, não vai me fazer sentir melhor, porém, quero que
saiba. Eu sei. Não passei de um brinquedo, um passatempo de sete meses.
Meu Deus! Isso realmente está acontecendo comigo? Como me transformei em uma
completa idiota que não enxerga sinais nas coisas óbvias? Toda a minha vida sonhei com um
conto de fadas. Minha experiência com homens não começou bem, eu devia saber que a vida
perfeita da Cinderela, da Branca de Neve, da Bela Adormecida e companhia não existe. Droga
de Disney e seus ideais que nunca vão existir. Só servem para criar adultas como eu, patéticas
e choronas. E lá estamos nós chorando de novo.
Levanto-me do chão e pego o telefone do bolso. Tento, mais uma vez, contato com
Claudinha. Onde está sua melhor amiga quando precisa dela? Necessito de coragem, mas a
bendita não atende. Deve estar na cama com algum garoto novo.
— Claudinha? Graças a Deus! Onde você está? Já tentei te ligar umas cinco vezes.
— O que foi Alice? Tu tá chorando? — questiona preocupada.
Por que quando alguém pergunta se estamos chorando, choramos ainda mais? Nesse
momento viro uma manteiga derretida, encostada de novo na parede que separa a ala de
comunicação do jardim da faculdade.
— É... o Heitor. Você estava certa. Ele fingiu esse tempo todo, se fez de bonzinho e de
compreensivo, mas na verdade não está nem aí pra mim.
— Ai, eu sabia! — solta Claudinha sem pensar. — É óbvio que esse moleque não
presta com aquela cara de mauricinho idiota. O que ele te fez?
— Ele, ele... — Mais lágrimas.
Não consigo falar em voz alta o que Heitor fez. Não consigo admitir que fui uma
completa inocente acreditando, mais uma vez, no amor.
— O que ele fez, Alice? — grita Claudinha ao telefone, em um tom preocupado.
— Fui... Eu fui só uma aposta — admito soluçando.
— Não acredito, eu vou matar esse desgraçado! — grita novamente.
Sim, Claudinha gosta de falar alto. Pois é, sou só uma aposta. Dá para acreditar que
alguém faz isso em pleno século XXI? Já li livros que contam histórias assim, de garotas que
caem na lábia dos bad boys, mas sério, saiu de moda faz tempo. Infantil e ridículo!
— Ele passou na república depois do trabalho. Viemos para a faculdade sorrindo e
conversando numa boa. Heitor tinha pedido para eu fazer uma resenha importante que
precisava entregar hoje, sempre reclama ser péssimo nisso. Eu fiz, mas esqueci de entregar ao
nos despedirmos. Ao encontrá-la na bolsa, corri da ala de negócios para o setor de
comunicação. Estava virando o corredor da sala dele quando o vi encostado perto do jardim
com seu amigo Alison, que perguntava de uma aposta. Eu custei para entender que a aposta era
eu. Na maior frieza e cara de pau do universo, Heitor disse que já estava quase lá e não via a
hora de meter o pé na minha bunda.
— Filho da puta, desgraçado! Porra, não acredito que foi tão baixo.
— Mais amigos dele chegaram e ficaram tirando sarro da história. Ele disse que não
aguentava mais ficar perto de mim, que eu era uma chata iludida e demorava demais para
"abrir as pernas". Só aguentou até agora porque eu era gostosa e porque sua honra foi colocada
à prova. Nessa hora uma ruiva chegou à roda. O Heitor a pegou pelos cabelos, dando um
beijão. Além de fazer uma aposta para tirar minha virgindade, ainda estava esse tempo todo
com outra mulher, Claudinha — conto, mais uma vez, soluçando de tanto chorar.
— Para de chorar por esse idiota, Alice. Pode parar, agora! Heitor não vale uma mísera
lágrima que sai dos seus olhos. Tu vai ao banheiro, vai lavar esse rosto, retocar a maquiagem e
bater na sala dele. Quando sair, tu rasga essa merda de resenha na cara dele e o manda tomar
no cu. Mas olha, pelo amor de Deus, não chora. Só fala isso e sai.
— Foram sete meses, Claudinha. Sete meses de mentiras — falo limpando o rosto com
as costas da mão. — Não vou fazer cena, nem deixá-lo achar que estou sofrendo. Farei
exatamente o que você falou.
— Faz sim, estou indo aí te pegar. Fica bem, Alice.
Vou ao banheiro e lavo o rosto. Lavo, na verdade, umas cinco vezes. Retoco a
maquiagem e sigo em direção ao idiota que um dia imaginei ser meu príncipe. Não sou
nenhuma fanática religiosa, nem estou me guardando para o casamento ou coisa parecida.
Tenho 18 anos e ainda não transei com ninguém porque, simplesmente, queria que fosse um
momento perfeito, queria que fosse mágico e com a pessoa certa. Eu devia já ter percebido, a
essa altura da vida, que não existem pessoas perfeitas nem felizes para sempre. Devia ter
aprendido a lição com o João Pedro e o Cássio.
Aos 11 anos me apaixonei pela primeira vez. João Pedro era meu novo vizinho, a gente
passava bastante tempo juntos. Eu sonhava com a hora de sair da escola e brincar com aquele
ruivinho a tarde toda. Ele tinha 12. Um dia fui chamá-lo em casa para um piquenique no
jardim e o vi vendo filme com a Márcia, a menina mais bonita da escola. Eu, confesso, era um
patinho feio. Usava óculos, aparelho e era magricela. Por adorar estudar, o estereótipo de nerd
também não me ajudava muito. João Pedro começou a ficar cada vez mais com a Márcia, e me
deixar de lado. Perguntei o motivo da mudança, o danado confessou que só passava seu tempo
comigo antes porque era novo na cidade e sem amigos. De acordo com o ruivo, eu não era da
turma dele. Pois é, aviso nº 1 do destino não assimilado.
Só fui ficar mais apresentável com 15 anos, após retirar o aparelho e os óculos. Nessa
época também já tinha criado umas curvas boas no corpo, deixando de ser sem sal e sem
açúcar. Foi nesse período que conheci o Cássio, ao começar a frequentar aulas de inglês. Ele
tinha 17. Nós ficamos amigos e passamos a estudar juntos. Engraçado e simpático, não foi
difícil me apaixonar. Idealizei mil cenários diferentes para o primeiro beijo, escrevi uns três
diários sobre ele, colei papéis de bala no guarda-roupa com mensagens românticas... E? O
primeiro beijo foi péssimo. Sem vida, sem graça e sem nenhum pouco de romance. Segundos
depois de me beijar, Cássio já deixou bem claro que de forma alguma queria namorar naquele
momento, então, se eu não estivesse a fim de uns amassos casuais, não era para me iludir.
Aviso nº2 ignorado.
Foquei no vestibular e estudei ainda mais para passar numa federal. Não via a hora de
conseguir uma bolsa e mudar para outro estado, uma cidade grande onde não tivesse nenhum
estereótipo e conhecesse pessoas novas. De primeira, entrei na UFRJ em Administração com
17 anos. Mudei para o Rio de Janeiro com um sorriso enorme no rosto, na esperança de
alcançar meus dois maiores sonhos: conhecer um príncipe e construir uma carreira de sucesso.
Jamais poderia imaginar que o príncipe carioca iria se mostrar um sapo. Bato na porta
da sala do Heitor e faço exatamente o que tinha combinado com Claudinha. Ele fica branco na
minha frente, tentando se explicar, mas eu viro as costas e o deixo falando sozinho.
Capítulo 2
♫ Queria ser como os outros e rir das
desgraças da vida, ou fingir estar sempre
bem. Ver a leveza das coisas com humor,
mas não me diga isso. ♫
A via láctea, Legião Urbana
MURILO
Mais um dia se passa e eu não sei o que estou fazendo da minha vida. Hoje é meu
aniversário de 22 anos, só que não tenho motivo nenhum para comemorar. Na verdade, não
tenho ninguém para lembrar a data. Porra! Não acredito que dei para filosofar agora. Ou pior,
ficar triste. Merda de bebida.
Acho que o tempo torna a gente mais maduro, ou sei lá. Se bem que não posso me
considerar uma pessoa madura. Estou aqui parado neste bar pela terceira vez só esta semana, e
hoje é quinta! Já pedi a quarta dose de vodca enquanto aguardo Vanessa. Nossa! O nome dela
é Vanessa mesmo? Preciso começar a anotar para não levar tapa na cara.
Ahhhh, as mulheres! Se tem uma coisa que não posso reclamar na vida é de aproveitar.
Pelo menos nisso o universo foi bom comigo, ou não. Depende do ponto de vista. Caralho,
preciso de outra bebida para acabar com essa baboseira.
— Rafa, manda outra dose aí, cara — peço entregando o copo ao meu amigo.
— Mas já, Murilo? — pergunta sorrindo. — Calma, cara, tu acabou de chegar. Desse
jeito não vai ser uma boa companhia.
— Não preciso ser boa companhia. Só preciso dar o que elas querem.
Rafa gargalha do outro lado do balcão e enche meu copo novamente. Sento de lado na
cadeira e começo a observar o local. Vanusa está atrasada. Odeio esperar. Vanusa? Murilo, é
Vanessa, porra!
Minha rotina está acabando comigo. Mal consigo dormir quatro horas por dia. Acordo
cedo com tanta coisa para resolver que dá até desgosto abrir os olhos. Mas a gente tem que
abrir, não é? Tem conta para pagar, comida para comprar, roupa para vestir… Quem dera,
entretanto, esses fossem meus únicos problemas.
Queria poder voltar no tempo e ter tido uma vida diferente. Só que, para isso, teria que
ter outra família. O universo, definitivamente, estava de TPM no dia em que nasci. Porque,
olha, foi foda!
Não me lembro de um dia, um dia sequer de felicidade na minha infância. Ao invés de
brincar, estudar e fazer amigos, passei o tempo limpando as merdas que meus pais faziam.
Nenhuma criança deveria ter pais mais imaturos do que a própria criança.
Quando tinha apenas 7 anos, o homem que doou seu espermatozoide para eu nascer
simplesmente saiu de casa. Lembro como se fosse hoje essa porcaria. Estava vendo TV na sala,
o Capitão Caverna, que adorava. De repente ouvi gritos e barulho vindo da cozinha. Era mais
uma briga deles. Não que eu já não estivesse acostumado, mas aquela parecia diferente, mais
séria.
Meu pai começou a acusar minha mãe de não ser uma boa esposa, de ter desgraçado a
vida dele engravidando de mim na adolescência. Pois é, ele disse que eu era uma desgraça.
Culpou-a do seu vício na bebida e na cocaína, afirmando fazer isso para esquecer a realidade.
Minha mãe chegou a me defender, dizendo que não era desgraça nenhuma. Deveria ter
sido benção para eles, se não fosse tão canalha. Ele, porém, continuou cuspindo mais e mais
atrocidades. E eu lá ouvindo.
Peguei Dona Maria chorando pelos cantos da casa incontáveis vezes. Meu pai não foi
um marido fiel. Ela sabia disso, mesmo assim não o largava. A tristeza a fez parar de se
preocupar comigo antes mesmo de engatinhar. Seu tempo também era dedicado à bebida e às
drogas. E eu? Bom, ficava jogado no canto da casa o dia inteiro. Sorte a minha ter uma vizinha
boa. A Dona Emília sempre vinha me ver para colocar fraldas limpas e dar um pouco de leite.
Nesse dia da briga na cozinha, ele deu um tapa na cara da minha mãe e saiu pela porta.
Eu corri em sua direção para defendê-la e apanhei de cinta por uns vinte minutos seguidos.
Depois que sua mão estava cansada e eu mal conseguia respirar, meu pai disse que já estava de
saco cheio com a gente e que não queria mais nos ver. E nunca mais o vi.
— Ei? Terra chamando Murilo. Terra chamando Murilo.
Saio da minha retrospectiva de vida assustado com a voz feminina que grita ao meu
ouvido. Será Vanessa? Parece que eu conheço essa...
— Sou eu, cara. Tu tá bêbado? — pergunta gargalhando.
Claudinha. Claro, só podia ser ela. Impossível não reconhecer essa voz irritante e
aguda. Acho que nunca conheci uma garota tão doida. Ela me fazia morrer de rir. Sem filtro,
saía falando qualquer merda. Tenho um pouco de inveja da sua coragem.
— E aí, gata? Que bêbado nada, nem comecei.
— Pois não parece. Faz uns cinco minutos que tô tentando chamar sua atenção lá do
outro lado da pista, e tu aí com essa cara de pastel.
— Pastel? — retruco gargalhando.
— Ahh, tu entendeu. Cara de peixe morto, idiota...
— Tá bom, tá bom. Já entendi. O que está fazendo por essas bandas, sua riquinha
metida da zona sul? Faz tempo que não te vejo.
— Metida é o seu cu! Quem tem dinheiro são meus pais, eu sou a ovelha negra da
família que procura caminhar com os próprios pés.
— Procura caminhar com os próprios pés, mas ainda mora com eles numa mansão.
Certo?
— Nossa, tu tá chato pra caralho hoje, hein?! Tá cansado de saber que moro numa
casinha dos fundos, que é minha por direito. Tenho 19 anos e ainda tô fazendo, ou tentando —
explica ela rindo —, construir minha carreira de sucesso na moda.
— Então tu precisa se esforçar mais, gata. Em plena quinta-feira de aula e você aqui no
bar.
— Eu disse tentando, não conseguindo.
Conheço essa figura há tempos, quando namorava meu melhor — e único — amigo,
Max. Ela tinha só 14 e vivia fugindo da zona sul para vir se divertir com ele aqui na favela. Os
dois eram, sem dúvida, apaixonados. Mas como a vida tem das suas surpresas, Max acabou
tendo oportunidades — coisa rara por aqui — e foi morar no exterior há dois anos. Bem na
época mais difícil da minha vida.
— De novo, cara? Murilo! — berra no meu ouvido.
— Para de gritar, porra!
— Tu tava de novo com a cara de pastel, maluco.
— Tava nada, fala logo o que tu quer — digo rindo.
— Olha só, tenho um pedido. Quando te vi aqui sentado, imaginei que fosse um
presente do universo pra resolver meu problema.
— Problema?
— Sim — diz ela triste. — Minha melhor amiga está passando por uma desilusão
amorosa. Na verdade, a terceira desilusão amorosa dela em seus 18 anos de vida.
— Caralho, essa se apaixona, hein?!
— Pois é, nem me fale. Ela é ótima, divertida e super gente boa, contudo, tem uma
visão distorcida da vida. Pensa que isso aqui é um conto de fadas.
— Claudinha, não arruma sarna pra me coçar. Odeio mina grudenta. E tu sabe que de
forma alguma na vida eu namoro.
— Não, não. Não é nada disso, seu idiota. Eu quero totalmente o contrário. Ela ainda é
virgem, está se guardando e tal para o cara certo. Esse último namorado, eles tinham ficado
durante sete meses.
— Sete meses e nada? Puta merda. Ou o cara é gay ou ela é feia pra caralho.
— Cala boca, seu imbecil. Escuta! Então, eles ficaram esse tempo todo, mas eu sabia
que ele não valia nada. Mauricinho, idiota, falso do caralho. Tentei avisar Alice, porém, ela
insistia ser implicância minha. Ontem descobriu que havia uma aposta para tirar sua
virgindade.
— Que idiota! — falo mais alto do que queria.
Nem conheço essa tal de Alice. É Alice mesmo? Acertei o nome de primeira? Bom,
nem a conheço e já tenho vontade de quebrar os dentes desse cara. Quem faz isso em pleno
século XXI?
— Pois é, nem me fale. Eu a deixei em casa ontem e voltei na faculdade só para dar uns
bons tapas nele e jogar umas verdades naquela cara lavada. Alice nem sabe disso.
— E como eu entro nessa história? Se ela já está magoada, tu deveria saber que sou a
ú.l.t.i.m.a pessoa do mundo com quem se envolver — questiono sem entender aonde
Claudinha quer chegar.
— Eu quero que tu use esse seu corpo bonito — fala rindo e apontando em minha
direção —, para entretê-la um pouco. Quero colocar na cabeça dela que essa merda de
romance não serve pra nada. Alice precisa perder logo a virgindade e seguir em frente. Não
fazer disso o seu objetivo de vida, romantizando cada gesto e cada detalhe.
Claudinha nunca entendeu a escolha de Max. Eu entendo com toda minha alma. Vivo
desde sempre na favela e sei que, para quem já passou fome, frio e vive na violência, uma
oportunidade é tudo na vida. Ele a amava, mas não podia deixar seu futuro por uma garota.
— Isso é caô, hein, Claudinha. Ela concordou? Sabe quem e o que sou?
— Bom, então, aí vem à segunda parte. Ainda não contei para ela meu plano maligno
de prazer delicioso e sem compromisso. Vai ser um pouco difícil, mas acho que consigo.
— Duvido conseguir. Se ela é cheia de “mimimi” como disse, não vai querer transar
com um cara que nem conhece. Muito menos um cara como eu.
Estou até suando frio com essa possibilidade. Nunca fiquei com uma mina virgem. E
não quero agora, com certeza, arrumar uma para grudar no meu pé e se apaixonar por mim.
Mas ela não vai aceitar isso, tenho certeza.
Quando Claudinha vai responder, sinto uma mão quente no meu pescoço. É a Valesca,
ops, Vanessa. Enfim, essa mulher chegou.
— E aí, gato, pronto pra mim?
— Prontíssimo, gata! — minto já de saco cheio de esperar.
Pego-a pela cintura e começo a levantar do banco, me despedindo da marrentinha loira
que espera uma salvação para sua amiga.
— Partiu, Claudinha. Qualquer coisa me liga.
— Pode deixar. — Vira-se para voltar à pista de dança. — Ah, Murilo! Vai ser por
minha conta, tá?!
Aceno concordando e saio. Por um instante tinha me esquecido dessa merda. Dessa
vida dupla que levo agora. Não fico com garotas por vontade própria, faço para ter dinheiro e
viver.
Sou um garoto de programa.
Capítulo 3
♫ Vou deixar a vida me levar pra
onde ela quiser. Seguir a direção de
uma estrela qualquer. É, não quero
hora pra voltar, não. ♫
Vou deixar, Skank
ALICE
— O que, Maria Claudia Bittencourt? — pergunto aos berros.
Não sou de gritar, mas nossa... Estou quase entrando em pânico. Eu sei o quanto
Claudinha odeia que digam o nome dela completo, pois não gosta de ser estereotipada como
um membro da família mais tradicional da zona sul do Rio de Janeiro, e faço de propósito.
Espero uma explosão de raiva por parte da minha amiga, porém, não vem. Preciso respirar, me
acalmar e perguntar de novo para ver se entendi bem. Ela está na defensiva, o que não é
comum, e baixa o tom de voz.
— Calma, Alice. É só uma ideia. Pode parecer ridícula agora, mas te fará bem. Tu sabe
que eu curto você pra caralho, apesar de sermos tão diferentes. Pare de romantizar as coisas,
isso não existe!
— E você acha que a melhor forma de deixar de acreditar no amor é, simplesmente,
transar com um garoto de programa? — berro novamente.
É tão absurda essa proposta dela que me tira totalmente do sério. Até parece, eu nunca
faria isso. Apesar de tudo, ainda acredito no amor e no meu “felizes para sempre”. Tem que ter
alguém neste mundo feito para mim. Eu sei!
— Não é qualquer garoto de programa, Alice. Eu o conheço.
— Meu Deus, Claudinha. É sério isso? Devo estar num pesadelo horrível, dormindo
desde quarta-feira, e o ápice é agora. Você quer que eu tenha minha primeira vez com um dos
seus garotos? —questiono com os olhos marejados.
— Cala a boca, Alice! Não é nada disso. Eu nunca tive nada com o Murilo, ele é o
melhor amigo do Max.
Max. Há tempos não falamos esse nome, está na lista dos assuntos proibidos. Desde
que conheço Claudinha ela é essa garota destemida, sem papas na língua e envolvimento sério
com ninguém. Mas não foi sempre assim.
No dia em que entrei na faculdade, estava me sentindo um peixe fora d'água. Vinda de
uma cidadezinha de pouco mais de 10 mil habitantes, no interior de São Paulo, para uma das
cidades mais procuradas do país. Nos primeiros dias fiquei na minha e tentei canalizar meu
tempo nos estudos, conversando apenas com poucas pessoas da sala e praticamente não saindo
da república.
Eu não queria morar em uma república devido à fama horrorosa desses espaços
compartilhados. Entretanto, sem dinheiro para alugar algo sozinha foi a única opção. Por sorte,
divido apenas com duas meninas. Uma fica mais na casa do namorado do que lá, e a outra está
no último ano, atolada com o TCC. Minha mãe tinha até pesadelos comigo bêbada, ou até
mesmo me drogando e ficando com qualquer um. Como se não me conhecesse, sou igualzinha
a ela. Uma eterna romântica certinha.
Tanto quanto quero me apaixonar perdidamente por alguém, quero alcançar o sucesso
profissional. Distrações fora desse padrão não são bem-vindas. Graças a Deus, foco é algo
constante na minha vida. Sou metódica e muito organizada, prezando por saber todos os meus
passos e aonde eles vão me levar. Essa determinação toda no começo foi mais importante do
que poderia imaginar, pois mesmo tendo acabado de ingressar na faculdade de Administração
em uma federal, consegui estágio numa excelente empresa de tecnologia.
O dia em que fui entregar minha papelada de estágio na secretaria, no terceiro mês
frequentando a UFRJ, foi quando a conheci. Uma loira baixinha de olhos azuis, linda e
estilosa. Não que aquele fosse meu estilo, longe disso, mas não podia negar que as roupas
escandalosas e coloridas dela tinham seu charme. Esbarrei com Claudinha perto da reitoria, de
onde saiu pisando duro e xingando alto para todo mundo ouvir.
Uma senhora, também loira, exuberante em seus 40 e poucos anos, saiu correndo atrás
dela e a ameaçou baixinho, evitando um escândalo. A mão forte no braço da pequena
marrentinha mostrava que elas deviam se conhecer fora dali. E se conheciam mesmo, era a sua
mãe. Tereza é pró-reitora.
Depois que a mulher a deixou sair, todo o material que Claudinha carregava no colo
caiu. Ela xingou mais um pouco e se abaixou para pegar. Eram várias revistas e cadernos com
recortes. Pensei imediatamente em que curso fazia enquanto fui ajudá-la. De imediato a
menina olhou de cara feia para mim, mas como não me intimidei e soltei meu melhor sorriso,
ela abaixou a guarda. Assim a nossa amizade começou.
Mais tarde, nesse mesmo dia, descobri o motivo da briga: notas baixas no curso de
Design. Claudinha quer ser uma estilista famosa, porém, digamos que não leva muito a sério a
faculdade. Segundo ela, já nasceu com o dom. A mãe se negou a permitir que fizesse algo mais
específico na moda, então, vai levando como dá.
Não entendo nada desse universo, minhas roupas são bem básicas e odeio chamar a
atenção, contudo, me coloquei à disposição para ajudar nas aulas gerais, em que ela mais
tomava bomba. Nunca fui de me gabar, entretanto, era inegável minha inteligência. Claudinha
fez cara feia de novo, mas acabou aceitando. Ninguém merecia sua mãe no pé.
No começo achei que nunca criaríamos um laço de amizade realmente forte, somos
muito diferentes. Extremamente diferentes, eu diria. Só que em pouco tempo construímos uma
linda relação de confiança.
Uma confiança tão grande que fui a única a saber o que realmente aconteceu entre ela e
Max. A partida dele para Inglaterra logo depois dela confessar seu amor foi o pior que poderia
ter acontecido com minha amiga. A tristeza a consumiu, tornando-a uma pessoa fechada e
avessa aos sentimentos.
— Max? Desde quando você resolveu voltar a frequentar a favela e relembrar isso,
Claudinha? — questiono confusa.
— Eu voltei há alguns meses, já passou. Não sinto mais merda nenhuma por aquele
idiota. Não tenho mais problemas em ficar por lá. Eu adoro aquele lugar, nem sei por que me
privei disso por tanto tempo.
— Tem certeza? Não quero ver você triste de novo.
— Aí, vamos parar com isso, Alice. Já disse que não sinto mais merda nenhuma. Olha
só, o assunto aqui é você. Vai pensar na minha proposta? Eu só quero seu bem, quero que tu
deixe de sonhar acordada e aproveite a vida. Daqui a pouco tem 40 anos já e perdeu sua
juventude esperando pelo cara perfeito que não existe. É meio radical demais fazer isso com
um garoto de programa? Até é, mas por ele não tem como você se apaixonar.
— Eu não quero brigar, Claudinha. Esquece isso, jamais vou perder minha virgindade
com um cara que não conheço e escolheu ser garoto de programa em vez de arrumar um
emprego decente.
— Não fala o que tu não sabe, Alice. Murilo já aguentou muita merda na vida.
— Que seja, Claudinha. Pela nossa amizade, esse assunto está encerrado e nunca mais
quero ouvir falar disso.
Ela assente com a cabeça, contudo, está visivelmente decepcionada por não ter me
convencido. Como se pudesse, ideia absurda!
Despedimo-nos e termino de arrumar as malas. Eu devia estar na faculdade hoje, mas
tive medo de dar de cara com Heitor e faz dois dias que fico em casa depois do estágio. Aquele
imbecil me mandou umas 50 mensagens desde quarta. Será que pensa que sou idiota? Fico
imaginando quanto dinheiro apostaram para ainda querer se explicar e tentar reatar algo. Sinto
ânsia só de pensar.
Não era o final de semana combinado, no entanto resolvi visitar meus pais de surpresa.
Somos muito ligados, porém, desde que consegui um estágio e comecei a "namorar" não fui
mais visitá-los com frequência. Passar o sábado e o domingo chorando pela república não é
uma opção. Heitor não merece nenhuma lágrima, embora elas caiam do meu rosto sem querer
sempre quando me lembro de como perdi sete meses da minha vida com alguém tão baixo.
***
Quando chego à minha cidade natal, o cheiro de natureza e a calmaria me tomam. Já
não conseguiria mais morar aqui depois de um ano e meio no Rio, contudo, é bom estar em
casa. A viagem de ônibus foi uma droga. A playlist do Spotify só tinha músicas melosas que
me fizeram afundar na poltrona e chorar baixinho. Tentei ler um livro, só tinha romance no
Kindle também. O jeito foi forçar um cochilo de quatro horas. Sem sucesso, é claro.
Abro o portão da pequena casa de meus pais e de cara minha mãe aparece na janela
assustada, muito assustada, diria.
— Alice, o que você está fazendo aqui?
— Bom dia para a senhora também, mãe. Tudo bem?
Dona Rute está branca. Mais branca que leite, como se tivesse visto um fantasma. Algo
me diz para rebobinar a fita e voltar para o Rio, antes de me arrepender.
— Alice, por que você não avisou que vinha?
— Mãe, não estou entendendo. Tenho que pedir permissão para vir em casa agora? O
que houve? A senhora está branca como leite.
Ela abre a porta da sala e se senta, fazendo sinal com a cabeça para segui-la.
— Nossa, filha, eu juro que não queria te contar assim, sem estar preparada. De
qualquer forma, você vai acabar descobrindo — bufa.
— Descobrir o que, mãe? Fala! A senhora está me deixando nervosa. Alguém está
doente? Papai está doente?
— Não, filha, não é nada disso. Seu pai... Seu pai e eu... Bem, nós...
— Fala logo, mãe!
— É... Sabe... Nós decidimos nos divorciar. Ele não mora mais aqui.
Não! Não pode ser. Meu Deus! Maldita Lei de Murphy. Como a pior semana da minha
existência pode ficar ainda mais desgraçada? Como meus pais, meu exemplo de vida plena e
feliz, não estão mais juntos? Como?
Rute e Miguel se conheceram na infância, foram amigos e se apaixonaram
perdidamente na adolescência. Eu amo os contos de fada, mas minha história preferida sempre
foi a deles, uma história verdadeira de amor.
Desde que me entendo por gente eles sempre estão sorrindo, nunca presenciei nenhuma
briga. Quando saíamos juntos, iam de mãos dadas, fazendo carinho um no outro. Todo dia meu
pai chegava do trabalho com um mimo. Era um gesto simples que enchia meus olhos de
alegria.
— Não pode ser, mãe. E o “felizes para sempre”? Você me dizia que o amor de vocês
era além da eternidade. Como isso pode acabar? — pergunto chorando.
— Filha, eu sabia que você ficaria assim. Por isso demoramos para te contar.
— Quanto tempo, mãe? Quanto tempo faz que vocês se separaram?
— Seis meses.
— Não pode ser, mas...
— Eu sei, eu sei... — ela confirma baixinho. — No natal, quando você veio, não
tivemos coragem de falar pra você. Havíamos acabado de decidir que não dava mais e
pensamos que não era uma boa época pra deixá-la triste. Você sempre amou o natal, filha.
Resolvemos esperar passar a data até ele tirar as coisas de vez daqui.
— E onde está meu pai agora?
— Ele conheceu outra pessoa, meu bem, está morando com ela agora.
Ahhh não! Agora é demais para o meu coração aguentar. Ele largou minha mãe, um
casamento duradouro e feliz, por causa de outra?
— Não acredito que ele traiu você, mãe. Não acred... — solto sem conseguir nem
terminar a frase.
— Shhhhh — fala minha mãe ao ouvido me abraçando apertado. — Ele não me traiu,
filha. Nosso casamento foi maravilhoso, vivemos momentos felizes juntos durante muitos
anos. A chama acabou, parecíamos mais dois amigos em casa. Eu estava errada, o amor não
precisa ser para sempre. Ele também pode ter prazo de validade e mesmo assim ser amor. A
nossa decisão de hoje não apaga tudo que vivemos. Foi lindo enquanto durou.
Conversa fiada essa de "lindo enquanto durou". Se não foi forte o suficiente para durar,
não era amor de verdade.
— Não acredito, mãe. Não consigo acreditar que isso está acontecendo.
— Sabe, eu também encontrei outra pessoa, Alice. Estamos juntos há dois meses. Estou
feliz, me apaixonando novamente. Ele está de plantão na fábrica hoje, mas amanhã cedo chega
aqui e vocês podem se conhecer. Vou avisar seu pai pra vir vê-la, meu bem.
Estou sem chão, totalmente sem chão. Minha única vontade é sumir e nunca mais
aparecer. O amor que sempre acreditei, que minha mãe me ensinou e que vi na TV e nos
livros, definitivamente, não existe. É só uma ilusão, suga nossas forças e não nos dá nada em
troca. Não sei como vou conseguir seguir em frente agora mudando totalmente os conceitos
que aprendi acreditar. Não sei.
***
Ainda são onze horas da manhã de domingo e estou indo embora. Dei uma desculpa de
trabalhos para fazer, mas é claro que ela sabe que não é isso. Rever meu pai e ouvir da boca
dele que realmente já era, que está feliz com outra, e ainda conhecer o namorado da minha mãe
foi a cota do ano. Estou cansada e preciso voltar antes de explodir.
Quando contei sobre o Heitor para minha mãe, ela se arrependeu amargamente sobre a
descoberta da separação deles. Dona Rute ameaçou pagar alguém no Rio para castrar meu ex-
namorado e disse que eu não podia desistir do amor. Como ela ainda é capaz de falar isso?
Desconversei e avisei que estava indo embora.
Agora estou aqui na rodoviária, com frio e sozinha, observando casais felizes do outro
lado da plataforma, rindo e se beijando. Inocentes. Aproveitem agora, daqui a pouco isso vira
pó. Olho para o meu celular e lembro-me da proposta idiota da Claudinha. Será que tenho
coragem?
Que se foda tudo, não vou mais ficar me guardando para o príncipe que não existe. Será
bom desencanar de vez dos contos de fada. Não me lembro de nenhuma princesa se entregando
para um garoto de programa. Mando mensagem antes de desistir da ideia.
Pode marcar com o tal Murilo. Que se foda o amor!
Capítulo 4
♫ Oh os olhos dela, os olhos dela. Fazem
as estrelas parecerem que não têm brilho.
O cabelo dela, o cabelo dela recai perfeitamente
sem ela precisar fazer nada. Ela é tão linda. ♫
Just the way you are, Bruno Mars
MURILO
Já perdi as contas de quantas vezes estive em uma sala dessas desde que tinha 16 anos.
Uma vez por semana, toda semana durante o ano inteiro, sem pausa até para o natal, dá o quê?
Uns 52 dias? Vezes seis anos? Caralho, já são mais de 300! Muito tempo. E sempre é a mesma
coisa, o mesmo sentimento ruim de ter desperdiçado a vida.
O carma da minha família, claro, passou para mim. Por mais que eu quisesse ter sido
um adolescente responsável e focado, como o Max, não tinha jeito. A forma como fui criado
não me deu base para isso. A gente cresceu no mesmo lugar, a favela do Alemão, só que ele
tinha pais de verdade. O meu pai foi embora e minha mãe só sabia se drogar.
O resultado? Você deve imaginar. Com 11 anos, já fumava cigarro e maconha, além de
ser aviãozinho da boca perto de casa. Eu bebia todo dia, tinha relações sexuais e segurava com
frequência uma arma. Sabe, o tráfico é sedutor. Ele chega oferecendo prazer, facilidades e,
principalmente, poder. Quando você é um fodido sem perspectiva, se sente como um rei. Uma
pessoa importante no sistema. Mas tudo tem um preço, não é mesmo? E na favela ele é bem
alto. Ainda bem que descobri isso cedo. Podia nem estar vivo agora.
O Max também se divertia, porém, nunca se envolveu com o tráfico e nem deixou de
focar nos estudos. Graças a sua insistência, eu também frequentei a escola. E era um ótimo
aluno. Não fossem minhas sombras, poderia ter tido um futuro melhor. Como ele.
Passo o olhar pela sala e vejo velhos rostos misturados com os novos. Esses últimos
assustados e incrédulos. Lembro bem quando entrei por essas portas pela primeira vez, depois
de cumprir pena de um ano na unidade de internação para menores da Ilha. Aquele inferno da
porra. Foi o pior ano da minha vida, pior que o meu pai ter me abandonado e minha mãe fingir
que eu não existo. Na primeira vez vim forçado, achando isso tudo uma piada. Mesmo
passando 365 dias preso, era o mesmo idiota de antes.
Frequentar os Narcóticos Anônimos, religiosamente, até 18 anos, fez parte da minha
condicional. A escolha de continuar vindo aqui, quatro anos depois, nem eu sei. É um lembrete
do que eu era e aonde preciso chegar. Estou longe, bem longe do ideal, mas ficar afastado das
drogas já é um passo fundamental. Hoje em dia só bebo.
Observo Vagner vindo em minha direção e ajeito-me na cadeira. Ele foi como um pai
para mim quando mais precisei.
— E aí, Murilo, como vão as coisas?
— Na mesma, cara.
— Que desânimo é esse? No que está pensando? Estava observando você de longe,
parece em outro planeta.
Merda, eu devo estar viajando demais ultimamente. Claudinha já me disse isso semana
passada.
— Eu ando mesmo, não sei o que está acontecendo comigo — falo, mas imediatamente
me arrependo. Não sou esse tipo de cara.
— Murilo, é normal se sentir assim. Você carrega muito nos ombros. Não quer falar
sobre como estão as coisas? Como está conseguindo se virar? Não precisa fazer isso sozinho.
Eu já disse, estou aqui para o que precisar.
Vagner sabe sobre toda merda da minha vida: como foi antes, durante e agora. Não sei
qual fase é mais assustadora, cada uma com um desafio diferente.
— Eu sei que sim. Tu me ajuda mais do que pode imaginar — confesso e observo o
rosto dele se encher de uma emoção que não conheço. Ele dá um suspiro e me abraça forte.
— Murilo, eu sempre estarei aqui pra você.
Mesmo levando na brincadeira os primeiros oito meses de reuniões do NA, sendo
sarcástico e até atrapalhando quem queria levar a sério, Vagner nunca desistiu de mim. Ele me
fez voltar a estudar e tentava a todo custo me manter afastado do Alemão. Lá era péssimo para
minha ressocialização. Até consegui por um tempo, entretanto, logo encontrei minha antiga
vida e voltei com tudo para a lama. Nessa fase de recaída, meu amigo foi fundamental para eu
estar vivo agora. Tenho uma dívida eterna por isso.
A reunião começa e Vagner vai para frente, relembrando os nossos 12 passos. 12
passos difíceis de seguir, tenho que dizer.
1º Admitir que somos impotentes e que nossas vidas se tornaram incontroláveis. Ok,
esse eu consegui.
2º Acreditar que um poder maior do que nós poderá nos devolver à sanidade. Aqui
ainda tenho um longo caminho a percorrer, não sou uma pessoa religiosa.
3º Decidir entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus. Se há um ser
superior, por que me deixou nessa merda de vida?
4º Fazer um profundo e destemido inventário moral de nós mesmos. Faço todo dia, não
é o melhor dos resultados, mas chegamos lá.
5º Admitir a Deus, a nós mesmos e ao outro a natureza exata das nossas falhas. Já
admiti para mim, creio que é o mais importante. Para Max, Dona Emília e Vagner também.
São os únicos com quem posso contar.
6º Deixar que Deus remova todos esses defeitos de caráter. Se ele remover os
problemas, já fico feliz. Automaticamente, acredito que serei melhor.
7º Pedir a Deus que remova nossos defeitos. Eu peço um pouco de trégua. Não está
fácil!
8º Fazer uma lista de todas as pessoas que prejudicamos. Estou caminhando nesse
passo.
9º Fazer reparações diretas a tais pessoas. Aí, já está devagar.
10º Quando estiver errado, admitir prontamente. Sou um pouco teimoso, porém, tenho
trabalhado nisso.
11º Melhorar nosso contato consciente com Deus. Passos de tartaruga.
12º Levar esta mensagem a outros viciados e praticar estes princípios em todas as
atividades. A gente tenta.
Vagner é uma espécie de padrinho e nos encoraja o tempo todo. Pela milésima vez, está
contando que na juventude já foi como nós e conseguiu passar por tudo e ser feliz. Tenho
sérias dúvidas se um dia chegarei nesse estágio.
Quando saio da reunião, percebo que já são quase meio-dia e estou atrasadíssimo.
Olívia me espera e, como eu, odeia esperar. Encontrar reuniões no período da manhã é muito
difícil, mas é a única hora que posso por causa da rotina corrida. Minha CB 300 vai correr
agora.
***
No finalzinho da tarde já estou morto. Olívia sempre me deixa cansado. Entro no
quarto e separo uma roupa para o terceiro round. As noites são sempre no bar do Rafa. O
espaço já ficou conhecido em todo o Rio como o point da pegação. É na favela, mas em um
local seguro para os ricos. Não é para a ralé do Morro. A noite lá sempre começa cedo. Pessoas
cheias da grana que procuram diversão vão para beber, dançar e torrar a grana com garotos e
garotas de programa. Como comecei recentemente no ramo, minha hora custa trezentos reais.
Tem até de mil. Negócio lucrativo.
Pego uma camiseta preta, minha calça jeans rasgada no joelho — que a mulherada
adora — e uma cueca boxer branca. Jogo a toalha nos ombros e vou para o banheiro. Tiro a
roupa rápido e ligo o chuveiro para esquentar a água. Quando vou entrar, meu celular toca.
Olho na tela e aparece o nome da Claudinha. Será que sua amiga aceitou?
— Fala, gata.
— Ocupado hoje à noite?
— Estava entrando no banho agora e vou ao Rafa mais tarde. Vai me dizer que sua
amiga aceitou?
— Sim! — responde animada.
— E o que a fez mudar de ideia?
— A vida — bufa. — Alice foi para a casa dos pais no fim de semana e descobriu que
eles estão separados há seis meses. Inclusive, ambos estão namorando outras pessoas. Foi à
gota d'água. Acontece, mas na cabeça daquela menina o mundo é cor-de-rosa.
— Ela é chata, isso sim. Não sabe o que é problema na vida para perder tempo
chorando pelos cantos por bobeira. Se essa mina grudar na minha, eu te mato. Nunca na vida
sonhe em dar meu telefone pra ela. Se isso acontecer mesmo, será uma única noite, ela perde o
cabaço e ponto final. Nunca mais. Nem vou aceitar fazer outra vez para ela não gamar.
— Nossa, garanhão, se achando, hein?! — provoca Claudinha sorrindo.
— Tenho meus truques, são infalíveis.
— Alice voltou ontem de São Paulo decidida. Acho que desta vez ela para com essa
porcaria de romantizar tudo. Até passei na casa dela à noite pra conversar e ver se tinha certeza
de fazer isso. Nunca a vi tão certa de algo. E olha que a menina é decidida, tem tudo
milimetricamente calculado.
— Nossa, como broxar um cara em dez minutos de conversa. Essa Alice parece uma
vó.
— Ela é ótima, tu vai gostar. Cuidado pra não se apaixonar, hein?
O quê? Claudinha só pode estar brincando. Gargalho de pensar na possibilidade. Isso
jamais vai acontecer! Primeiro, porque nunca me interessei por nenhuma mulher fora o sexo. E
sexo para mim é só desejo. Nada desse negócio de intimidade. Segundo, nem que eu quisesse
ia rolar. Minha vida já é fodida demais para dor de cabeça desnecessária.
— Isso, definitivamente, não vai acontecer. Pode ficar tranquila.
— Acho bom. Podemos marcar hoje, então? Falei para as meninas que moram na
república não aparecerem em casa tão cedo. Tu poderia ir ao apê dela?
— Manda o endereço pelo Whats. Estarei lá às oito.
— Ótimo, vou avisá-la para ficar pronta. Eu deposito o dinheiro, depois me conta
quanto tempo levou pra deixar minha amiga louca.
— Eu não queria cobrar para fazer isso por você, Claudinha, mas tu sabe que preciso
muito de dinheiro, né?
— Eu sei, Murilo. Fica tranquilo. E outra, é o dinheiro da minha mãe. Vamos torrar
com orgia e muita bebida.
— Tu não mudou nada, saudade de quando éramos mais amigos — falo sorrindo.
— Eu também.
Desligo o telefone e confiro o endereço. Algo me diz que vou me arrepender de fazer
isso hoje. Entro no chuveiro e tomo uma ducha gelada. Vai ser uma noite daquelas.
Pelo pouco que sei, Alice é chata, mesquinha e não sabe foder. Vou ter que ensinar
tudo. Que droga, não tenho paciência para principiante. Deve ser feia, já que ninguém se deu
ao trabalho de convencê-la antes.
***
Chego na portaria do prédio e peço para chamar no 67. Que merda, estou nervoso. Não
sei se é por ela ser virgem ou se é por um medo absurdo de grudar na minha. Calma, Murilo!
Não há chance de vocês se verem de novo depois de hoje. É só fazê-la gozar e pronto, já pode
ir embora. Alice não tem com o que comparar mesmo, vai achar ótimo de qualquer forma. Não
precisa mostrar todo seu potencial.
Minha entrada é liberada e chamo o elevador. É agora ou nunca. Ao chegar no andar já
sei qual é o seu apê sem nem olhar o número. O único que tem uma casinha com jardim e
corações pendurado na porta. Puta que pariu! Já estou com vontade de voltar daqui mesmo.
Respiro fundo e aperto a campainha. É só gozar uma vez e pronto. Uma vez e pronto. Reforço
para o meu cérebro. Abaixo a cabeça enquanto aguardo e um vento gelado bate quando a porta
se abre. Vamos lá...
Todo o meu corpo fica imóvel ao levantar os olhos.
Na minha frente está uma menina de cabelo castanho escuro, que bate no meio das
costas. Os fios fazem umas ondas bonitas no final. Ela é alta, quase da minha altura. Deve ter
cerca de um metro e setenta. Seus olhos são de um castanho esverdeado que nunca vi.
Penetrantes. Tem o nariz pequeno e boca carnuda. Carnuda e naturalmente rosada. Baixo os
olhos e o que vejo não deixa só o meu corpo imóvel, deixa meu pau duro. Ela está de vestido.
Não é nada vulgar, é um azul florido, um pouco acima do joelho. Maravilhoso nas curvas do
seu corpo. Alice não é dessas magricelas, tem bastante carne. O seio avantajado está
perfeitamente redondo no decote e sua cintura fina é ressaltada com os quadris largos. As
pernas também são bem grossas. Já consigo imaginar minhas mãos subindo por elas. Caralho!
Preciso falar alguma coisa, rápido, ela está ficando corada por meus olhos estarem
devorando cada parte do seu corpo. Que fofa! Fofa? Mas que merda é essa? Deve ser o tesão
me consumindo. Junto forças para me concentrar e, enfim, me apresento.
— Oi, eu sou Murilo. Tudo bem?
Ela sorri e seu rosto se ilumina com covinhas perfeitas, deixando-a ainda mais
vermelha.
— Eu sei — diz simplesmente e me convida para entrar.
Ela não é tão chata como imaginei, tem senso de humor. E, definitivamente, não é feia.
É linda até demais! Isso vai ser divertido.
Capítulo 5
♫ Todos os dias quando acordo não tenho
mais o tempo que passou. Mas tenho muito
tempo, temos todo o tempo do mundo. ♫
Tempo perdido, Legião Urbana
ALICE
Enquanto fecho a porta, sinto um perfume masculino maravilhoso. Não consigo
identificá-lo, mas fico inebriada. Se não bastasse ser lindo, ainda é cheiroso. Murilo é um
pouco mais alto que eu, por volta de um metro e oitenta. Tem cabelos escuros bagunçados de
um jeito muito sexy; seus olhos são castanhos avelã; o rosto marcante, com a barba por fazer.
E a boca? De tirar o fôlego estampando um sorriso travesso. Tem tatuagens por todo lado.
Ainda não consegui ver direito, porém, como boa observadora, percebi que somente uma é
colorida, na altura do pescoço. Quer dizer, não sei se em seu peitoral forte há outras... Meu
Deus! Isso vai ser difícil, estou suando frio de tão nervosa.
Pelo menos, a julgar a forma que ele está me olhando, não ficou decepcionado. Estava
insegura com a aparência. Devo ter acertado, depois de duas horas experimentando todo meu
guarda-roupa. A Claudinha insistiu para fazer compras na hora do almoço, entretanto, eu não
cedi à sua animação. Por ela, eu usava uma minissaia com salto 15. Até parece! Escolhi um
vestidinho azul básico e minha melissa preferida. Também optei por maquiagem simples, só
um rímel discreto nos olhos e um pouco de base.
Com muito custo, quando saí do estágio passei no shopping e comprei lingerie nova.
Queria ter escolhido uma sensual, contudo, foram as delicadas de algodão mesmo. Se isso é
um ritual de passagem e não sinto nada por esse cara, não vou torrar meu suado dinheiro,
tampouco, fingir ser algo que não sou. Já basta ter que pagá-lo. Senhor, quão absurdo soa isso?
Embora não seja dinheiro meu efetivamente, é por minha causa. Claudinha insistiu que vai ser
meu presente de aniversário adiantado, porém, não me sinto nem um pouco bem com isso.
Quão baixo a pessoa precisa chegar na vida para aceitar se prostituir em vez de arrumar
um trabalho decente? Não sou preconceituosa, nem gosto de julgar as pessoas, mas tem coisas
que não consigo entender. Se bem que ele deve pensar a mesma coisa. Quão louca uma mulher
precisa ser para perder a virgindade com um garoto de programa? Meu Deus, estou passando
mal! Preciso de um copo de água.
— Não estou... Quer dizer, não me sinto... — Sorrio sem graça. — Você aceita alguma
coisa? Preciso de um copo de água.
— Tu tem alguma bebida alcoólica? — diz parecendo também desconfortável.
— Humm... — Enrugo o nariz e ele sorri no mesmo instante. — Desculpe. Eu não
bebo. Mas temos Coca, café, suco de milho, chá...
— Suco de milho? — pergunta animado.
— Sim, você gosta? As meninas aqui acham nojento, a Claudinha diz que parece
vômito. Eu amo!
O quê? Acabei de dizer vômito? Alice, Alice, concentre-se e não estrague o clima.
— Eu amo também! A Dona Emília, minha vizinha, sempre me dava um copo quando
criança. Faz um tempão que não tomo.
— Eu fui para a casa dos meus pais no fim de semana, quer dizer, da minha mãe, e
trouxe garrafas congeladas. Meu avô tem uma plantação de milho. Eu nasci no interior de São
Paulo, uma cidadezinha bem pequena onde quase todo mundo tem um quintal grande para
plantar suas coisas. — Sorrio novamente, mas logo percebo que estou falando como se
estivesse em um encontro, não pagando por hora para ele tirar minha virgindade. Meu Deus,
sou péssima nisso!
Viro desajeitada em direção à cozinha para tomar um copo de água bem gelado e servir
o suco de milho. Não olho para ele, nem espero sua resposta antes de me explicar.
— Olha só, desculpa, viu?! Quando eu fico nervosa tagarelo sem parar. E o nervosismo
por aqui já passou do nível saudável — falo e ele ri de novo. Será que me acha engraçada?
— Não precisa ficar nervosa, gata. É só relaxar que tudo flui naturalmente.
Gata? Relaxar? Nessa altura já estou mais vermelha que um pimentão. Tiro as garrafas
de suco e a de água da geladeira e as deixo na bancada. Viro-me para pegar dois copos no
armário em cima da pia e sinto seus olhos no meu corpo. Nossa! Estou ficando com muito
calor. No Rio costuma ser quente, mesmo em junho, mas agora faz uns 40 graus aqui dentro.
Quando volto a olhá-lo, suas pupilas estão em chamas. Ficamos nos encarando pelo
que parece uma eternidade até eu lembrar que preciso de água. Sirvo seu copo primeiro, por
educação, e encho o meu até a boca. Continuamos nos olhando em um silêncio torturante.
Acabo tomando três de água, enquanto ele toma o seu de milho.
— Você é gostosa pra caralho. Tu sabe disso, né?
O quê? Não consigo racionar uma resposta, então, volto a ficar vermelha como um
pimentão. Murilo parece gostar de me deixar sem graça, pois está rindo de novo. Começo a
ficar com raiva desse sorriso de deboche.
— Qual é a graça? Por que você fica com esse sorriso idiota o tempo todo?
— Calma! — ele fala na defensiva, gargalhando. Que ódio! — Não precisa ficar
estressada, gata. Primeiro, só constatei um fato bem verdadeiro: tu é gostosa pra caralho e já
estou duro sem nem encostar em você.
Meu Deus! Agora estou parecendo o planeta Marte.
— Segundo, não estou rindo para debochar, e sim por achá-la genuinamente engraçada.
Tu deveria ficar feliz porque faz tempo, muito tempo, que não dou tanta risada
espontaneamente assim — continua.
— Eu... Bom... É... — tento dizer algo, mas não consigo pronunciar uma palavra. Só
fico ainda mais vermelha.
— E tu fica ainda mais bonita corada assim — confessa.
Será que faz tempo mesmo que ele não sorri? Como, se a vida dele se resume a sexo?
Se transar for como dizem, Murilo deve ser o cara mais feliz do mundo, já que faz isso com
frequência.
Espere aí! E se toda essa fala fizer parte de um script previamente ensaiado? É bem
capaz que seja, e eu aqui filosofando. Para quantas mulheres ele deve ter dito isso? Ou melhor:
com quantas mulheres ele dormiu? Hoje será que já teve alguma? Meu Deus! Sou uma idiota.
Por um momento comecei a me preocupar com esse homem que nunca vi na vida e não
conheço nada. Olha o lado sentimental predominando de novo. Para com isso, Alice. Só viva o
momento. Já deve ter passado uns trinta minutos e, tempo com o Murilo, é literalmente
dinheiro.
— Então, como vai ser? Não podemos ficar de papo furado a noite toda — falo
secamente e ele me observa com um olhar divertido e confuso. Não deve ter entendido como
passei de vergonhosa para direta em segundos.
— Seu pedido é uma ordem, gata. O que tu quer fazer primeiro? Sou todo seu! — diz
com uma piscadinha.
— Bom... Eu... Não tenho experiência nisso, esperava que você tomasse a inciativa.
Mal termino de dizer a frase e ele dá a volta pela bancada da cozinha, sem tirar os olhos
de mim. A temperatura subiu novamente, entretanto, em um paradoxo do universo, começo a
suar frio. Estou paralisada com aquele olhar avelã fulminante entrando direto em partes
desconhecidas. Sorte que tenho apoio por perto, senão já tinha caído. Ele cola seu corpo no
meu e sussurra no ouvido.
— Com todo prazer, gata.
Solto um suspiro que não pretendia, mas parece que faz Murilo se acender. Ele diz
umas palavras incompreensíveis e coloca suas mãos fortes na minha cintura, puxando-me para
perto de si.
Mal consigo respirar.
Suas mãos voltam a agir. Começam a subir pelas minhas costas e cabelos enquanto
beija o pescoço ferozmente com mordidinhas de leve na orelha. Minhas pernas
involuntariamente se apertam. Nós dois suspiramos dessa vez.
Tomo coragem e acaricio sua barriga sarada. Murilo abaixa as mãos para a minha coxa
e sobe lentamente por debaixo do vestido, segurando minha bunda e me puxando mais para
perto dele. Faz questão de mostrar que já está pronto.
— Porra, Alice. — Ele engole em seco. — Tu é muito gostosa.
Não consigo nem responder, só o olho com desejo. Estou morrendo de vontade de
beijá-lo, mas já li uma vez que garotos de programa não beijam na boca. Será verdade? Que se
foda! Reclame com Claudinha depois que violei as regras.
Tiro as mãos de sua barriga que ainda não vi, mas posso sentir cheia de gominhos, e
coloco no pescoço, acariciando seus cabelos. Murilo fecha os olhos e inclina a cabeça
levemente para trás, isso me dá uma ótima oportunidade de agir antes de mudar de ideia.
Umedeço meus lábios e toco os seus devagar, tentando perceber uma recusa. Ao
contrário, ele se abre para mim e devora cada milímetro da minha boca. Estou em chamas.
Nunca me senti assim na vida, é a melhor sensação que já tive. Não resisto ao desejo e solto
um gemido em sua garganta, deixando-o louco.
Rapidamente, Murilo me levanta pelas coxas e me coloca sentada em cima do balcão.
Suas mãos percorrem toda a extensão do meu corpo, da panturrilha até os seios, enquanto sua
boca continua me matando. Mordo seus lábios de leve e ele também geme, colocando sua mão
bem próxima de minha calcinha de algodão. Sente minha umidade e solta mais um gemido.
Quando percebo o que pretende fazer com os dedos, paraliso totalmente. Paro o beijo e fico
imóvel. Minha respiração ainda está irregular. Meu Deus, não posso! Eu não consigo fazer isso
assim, no balcão da cozinha onde a gente come.
— Está tudo bem? — pergunta Murilo ofegante.
— Desculpa, não posso fazer isso aqui — digo totalmente vermelha, ajeitando meu
vestido e descendo da bancada.
— Ahhh, sim — ele fala sem graça, dando espaço para eu me afastar um pouco. — Não
pretendia fazer nada aqui, sei que é sua primeira vez. Só não me aguentei, você é de tirar o
fôlego, Alice.
Continuo vermelha e ele sorri. Ficamos nos olhando por alguns instantes, a eletricidade
em nós ainda está presente por toda parte, mas não digo nada. Não consigo decidir o que fazer.
Meu corpo grita desesperadamente para terminar isso logo, minha mente suplica para eu não
seguir em frente. Vou me arrepender depois. Eu nem conheço esse cara, a gente mal conversou
uma hora na vida e já vou lhe dar algo que guardei por 18 anos. Não posso fazer isso.
— Tu quer ir para o seu quarto?
— Desculpa, Murilo. Não vai rolar aqui nem em lugar nenhum. Não hoje. Não posso
fazer isso.
Despejo as palavras e, como uma criança com medo, saio correndo em direção à sala.
Sento no sofá com as mãos no rosto ouvindo passos pacientes vindo onde estou.
— Alice, eu machuquei você?
— Não! Não é nada disso, Murilo — digo nervosa, tirando as mãos do rosto e o
encarando novamente. — Olha, pra você eu sou só mais uma na lista. Pior, sou mais uma
cliente. Pra mim, é importante este momento. Eu estou tentando, juro. Não cheguei a esse
ponto com ninguém. Mas a gente se conheceu, literalmente, agora. Por mais que meu corpo
queira terminar isso e nunca mais te ver, sei que vou me arrepender depois.
Ele fica me olhando atentamente, como se um plano mirabolante passasse em sua
mente. Ou como se eu fosse uma louca chorona que o fez perder seu precioso tempo. É difícil
decifrá-lo.
— Se tu me conhecesse um pouco melhor, seria mais fácil fazer isso?
— Como assim? — questiono confusa.
— Continua sendo o mesmo plano. Eu sou o garoto de programa que vai tirar sua
virgindade e depois a gente não se vê mais. Só que em vez de fazer isso de uma vez, hoje,
vamos fazer aos poucos até você se soltar. Eu não me abro com ninguém, então, não me venha
dar uma de curiosa sobre a minha vida. Porém, topo responder perguntas básicas. O que acha?
Nossa, estou mais confusa ainda. Por que ele faria isso? Por que desperdiçaria seu
tempo comigo?
— Não consigo imaginar por que você faria isso — falo sinceramente.
Ele demora uns segundos para responder, o que me deixa ainda mais curiosa sobre o
motivo.
— Bom, a Claudinha vai tirar sarro da minha cara pelo resto da vida por não ter
conseguido levar você pra cama. Agora virou uma questão de honra.
Abaixo os olhos no mesmo instante em que ele fala a palavra “honra” e solto um
suspiro, frustrada. Murilo estava indo bem na explicação até agora. Ele percebe minha reação e
imediatamente se desculpa, sentando-se agora do meu lado.
— Porra, Alice! Desculpa. Não devia ter falado isso. Claudinha me contou sobre a
aposta do seu ex-namorado. Desculpa mesmo. Quis dizer que não me importo de fazer isso,
não vai ser nenhum sacrifício ajudá-la. Tu é bem gostosa! — ele fala de um jeito brincalhão,
tentando me animar.
— Eu não tenho dinheiro para gastar com isso, Murilo, e de forma nenhuma vou deixar
que Claudinha torre o dela.
— Vamos fazer um acordo: só vou cobrar da Claudinha o que combinamos
inicialmente, as horas consumadas. O resto vai ser uma cortesia da casa. A gente combina
algumas horas na semana.
— Continuo não entendendo por que você faria isso. Vai perder dinheiro enquanto
estiver comigo. E eu posso nunca querer, de fato, fazer isso com você. Irá desperdiçar seu
tempo.
— Gata, tu pensa demais. Levando em consideração o que estávamos fazendo há
quinze minutos, não haverá tempo perdido aqui. É só uma forma de você se soltar e deixar de
raciocinar tudo da forma como acha que é o certo. Pare de pensar, Alice! Vamos viver um
pouco?
Observo-o atentamente antes de dar uma resposta. Essa sua explicação não está
convincente para os meus padrões, mas ele não deixa de ter razão em uma coisa: eu penso
demais. Preciso parar de pensar e viver. Estou sentindo o calor do seu beijo até agora. Murilo
será uma ótima terapia em favor do Carpe Diem. Se eu passar um pouquinho mais de tempo
com ele, acho que consigo fazer isso. Só não posso, de jeito nenhum, me deixar envolver.
— Tá bom, eu aceito!
Nós dois sorrimos e nos sentamos de índio no sofá, cada um com uma almofada em
cima do colo. Trocamos telefones e combinamos mais ou menos como isso funcionará.
Quando demos conta, já era meia-noite. Passamos quase três horas apenas conversando sobre
amenidades. Eu fui a única que tagarelou sobre a infância e a adolescência.
Ele ficou só escutando, entretanto, compartilhou algumas coisas pessoais, como a
paixão pelo Flamengo e como ama Óreo com leite. Murilo não é tão ruim quanto imaginei,
mas ainda não entendo seu estilo de vida. Despedimo-nos com um beijo rápido e suficiente
para reacender o calor em minhas pernas. Ah, isso vai ser divertido, afinal.
Capítulo 6
♫ Toque na minha janela, bata na minha
porta. Eu quero fazer você se sentir linda. ♫
She will be loved, Maroon 5
MURILO
Fazia tempo que eu não sorria tanto como ontem. Porra! Ela tinha que ser tão gostosa?
Se fosse feia como imaginei, ou chata como tinha certeza, não existiria essa ideia idiota de
continuar a vendo. Por que eu fiz isso? Só pode ser muito tesão pela experiência diferente com
uma virgem.
Alice vai ser uma ótima distração dessas clientes chatas. Suas covinhas perfeitas, o
jeito engraçado que enruga o nariz quando quer se desculpar por algo, o rosto corado de
vergonha quando a provoco...
E o beijo? Caralho! Aquilo foi de tirar o fôlego. Geralmente eu não beijo nenhuma das
clientes, é meio que de conhecimento geral que não fazemos isso. Só quando pagam, e pagam
bem. Porém nunca fiquei tão feliz com a ignorância alheia. Se ela não tivesse tomado a
iniciativa, eu teria feito. Aqueles lábios carnudos e rosados ficaram me chamando a noite toda.
Também nunca fiquei excitado tão rápido e nem quis tanto uma mulher. Eu teria a
tomado ali mesmo na bancada da cozinha. Nem a toquei, mas consegui senti-la por cima da
calcinha. Estava tão molhada. Merda! Lá vem o pau duro de novo.
Ontem, quando saí da república, tive que dar um jeito sozinho nos meus hormônios.
Não demorou nem três minutos. Vergonhoso, mas verdade. Foi só pensar em minhas mãos
subindo pelas suas pernas e apertando aquela bunda redonda e gostosa, enquanto
experimentava cada canto de sua boca. Pronto!
Eu poderia ter me aliviado com outra mulher qualquer, geralmente tenho duas clientes
por noite. Por isso começo cedo, sempre por volta das oito, para o dia terminar lá pelas três da
manhã. Entretanto, ontem não estava com vontade.
Voltei para casa pensando como Alice fica ainda mais gostosa quando está brava. Ela
disse que eu estava rindo por deboche. Meu Deus, se soubesse! Era tipo uma alegria genuína
mesmo, por estar perto de alguém tão espontânea.
Nem acreditei quando ofereceu suco de milho. Eu amava quando criança, pena que me
traz memórias tão ruins. Ganhava da Dona Emília nas horas que me escondia na casa dela com
as brigas dos meus pais. Ontem não me lembrei disso, já que Alice começou a tagarelar sobre
como na cidade de onde ela veio todo mundo tem quintal grande para plantar. Cara, ela é uma
figura! Nunca vi pessoa se empolgar mais para conversar.
Que horas são? Merda de tesão reprimido! Estou atrasado para falar com Max.
Combinamos às nove horas daqui, meio-dia em Londres, de terminar a música que ele precisa
apresentar este semestre na Royal Academy of Music.
A Royal é o mais antigo conservatório musical da Inglaterra. Apesar da barra que
estava passando na minha vida, fiquei muito feliz quando ele conseguiu a bolsa. É um artista
nato, merece brilhar. Max é foda em vários instrumentos, mas tem dificuldade de compor.
Coisa que sempre amei.
Levanto da mesa da cozinha, coloco o copo de leite com biscoito Óreo na pia e vou
para o quarto. Enquanto ligo o computador, pego meu caderno de anotações e o violão. A
apresentação de Max é no piano, entretanto, gosto de fazer minha versão em seis cordas. Mal
ligo o Skype e ele já está me chamando.
— Caralho, Murilo! Onde você estava? Olívia te manteve ocupado?
— Calma, cara! Só atrasei vinte minutos.
— Você sabe que só tenho a hora do almoço pra fazer isso. Aconteceu alguma coisa?
— Não, tô de boa.
— Como se não te conhecesse. Fala logo, o que houve?
— Porra, Max! Já disse que não foi nada.
— Você tem essa péssima mania de se fechar e carregar o mundo nas costas. Deixa eu
te falar uma coisa: Não precisa ser assim! Tem pessoas que se preocupam e querem ajudar. As
coisas pioraram por aí? — insiste meu amigo.
— Estão na mesma merda! Contas pra pagar que não param, os mesmos problemas
familiares de sempre, trabalho bosta.
— Trabalho bosta? Fala sério! Você pode transar toda hora e ainda ganha dinheiro com
isso — brinca.
— Cala a boca, seu idiota! — Sorrio. — Tu sabe que só estou nessa por falta de opção.
— Você podia tentar a bolsa que te falei e vir pra cá, Murilo.
— Nem começa com essa merda. Tu sabe que não posso.
Tento falar com Max, pelo menos, uma vez por semana. Não passamos de quinze dias
sem trocar uma ideia. Em toda conversa, toca nesse maldito assunto. Ele sabe a merda que eu
passei e que passo. Sabe os meus problemas e meus limites. Primeiro, eu nunca passaria nessa
escola. Segundo, se por um milagre passasse, não poderia ir de jeito nenhum.
— Desculpa, cara. É que você tem tanto talento, é um desperdício só usar para me
ajudar de vez em quando.
— O talentoso aqui é você, Max. Fico muito feliz por ter conquistado o que mais
queria.
— Pois é, pena ter custado tão alto.
— Como assim? O que foi?
— Cara, se eu contar com quem eu sonhei esta semana quase todos os dias, você não
vai acreditar.
— Claudinha de novo?
— De novo. Os sonhos com ela têm aumentado cada vez mais. Não sei por quê.
— Eu a vi semana passada.
— Viu? Como assim viu? — pergunta desesperado por informações.
— No bar do Rafa. Ela voltou a frequentar aqui pelo que parece.
— E como ela está?
— Doida como sempre. — Sorrio.
— Minha doidinha. Que saudade dessa mulher! Ela falou alguma coisa?
— Sobre você, não.
— Humm — diz desanimado.
Na verdade, Claudinha pareceu ainda magoada pelo que aconteceu, mas não quero falar
sobre isso agora. Ele a ama, sempre amou, só foi atrás de oportunidades melhores para sua
vida.
— O que foi?
— O que foi o quê? — pergunto.
— Você ficou estranho.
— Tô de boa, cara.
— Tenho certeza que aconteceu alguma coisa e você não quer falar.
Aconteceu que estou cansado dessa vida chata e monótona, mas odeio falar dos meus
problemas. Inclusive, com Max. Vou contar sobre a Alice, é um terreno mais seguro. Sempre
comentamos de mulher.
— Estou com uma nova cliente, uma bem diferente.
— Diferente como?
— É toda certinha, não faz nada divertido na vida. Ela é amiga da Claudinha.
— Amiga? Desde quando Claudinha tem amiga?
— Parece que agora tem. Na verdade, é uma longa história. Resumindo, a Claudinha
contratou meus serviços para tirar a virgindade da amiga.
— O quê? A mina sabe disso, né?
— Claro que sabe, Max. Ela meio que acredita em contos de fada, teve algumas
decepções na vida e resolveu aceitar pra chutar o balde.
— Parece história de filme. — Ele ri.
— Pois é.
— E essa mulher é gostosa?
Imaginar eu mostrando para o Max imagens de Alice no Facebook, como já fiz várias
vezes com mulheres gostosas que peguei, parece estranho. Não sei por que, mas não consigo
entrar em detalhes sobre ela com meu amigo.
— É sim.
— Cara, você gostou dela. Fala a verdade.
— O quê? Claro que não, Max. Não viaja!
— Ahh você gostou, sim. Nem quer dar detalhes pra mim. Fala aí, ela tem peitões?
Bunda redondinha? Boca...
— Cala a boca, Max!
— Sabia! — gaba-se sorrindo. — Você gostou dela!
— Mas que porra, Max! Para de encher o saco. Vamos fazer logo essa composição
porque o tempo está passando.
— Vamos! — diz ele rindo com cara de quem descobriu a energia elétrica.
Passamos a próxima hora tocando e riscando versos. O resultado final ficou ótimo,
seria ainda melhor apresentado em piano e violão.
Desligo o Skype, porém, continuo pensando nas palavras de Max: "Você gostou dela".
Gargalho só de pensar. Gostei nada, é só tesão. Muito tesão, aliás.
Capítulo 7
♫ Agora pode me xingar, que pra mim
tanto faz. Pode se revoltar, mostrar
a sua ira. Era tudo mentira! ♫
Conto de fadas, Luan Santana
ALICE
É hora do almoço. Saio correndo do estágio para encontrar Claudinha no shopping. Ela
queria ir lá em casa ontem à noite mesmo para saber o que aconteceu, mas eu precisava
dormir. Trabalho muito cedo. Já adiantei que Murilo e eu não fizemos nada de mais, só que
quer saber de tudo nos mínimos detalhes.
"Nada de mais", porém, é meio relativo. Nunca me senti daquele jeito. O desejo ainda
arde em mim até agora, horas depois de sua mão quente deslizar pelo meu corpo e sua língua
explorar cada canto da minha boca. Nossa, que calor nesta cidade!
Quando chego ao local marcado, ela já está lá sentada, com cara de impaciente olhando
para o celular.
— Alice, que demora! — grita.
— Desculpa o atraso, Claudinha. Eu tive que resolver uns problemas antes de sair. E
tenho que voltar rápido também, só tenho trinta minutos.
— Me conta tudo, então, não aguento mais de curiosidade.
— Não tem muito o que contar. Eu ainda sou virgem, já falei. Não consegui ir mais
longe conhecendo o cara há poucos minutos. Murilo propôs que a gente faça devagar, assim
posso me soltar mais.
— Ele propôs isso? — Claudinha pergunta assustada.
— Sim. Também achei estranho. Eu disse que não tinha dinheiro pra pagar e, de jeito
nenhum, aceitaria que você pagasse. Ele falou que só cobraria as horas que, efetivamente, você
sabe... Quando acontecesse.
— Hum — diz simplesmente.
— O que foi?
— Nada não.
Sei que tem algo, mas não quero nem saber muito sobre Murilo. Se isso é casual, um
rito de passagem, que aconteça logo e sem envolver sentimentos. Não dá nem para me
imaginar apaixonada por um garoto de programa.
— Me conte o que rolou — minha amiga continua.
— Nos beijamos na cozinha, ele beija muito bem. Nossa! Explorou um pouco com as
mãos meu corpo, porém, não passou disso. Eu não consegui ir além.
— O que tu achou dele?
— Ele é bem bonito, engraçado também. Ah, e gosta de suco de milho! — Claudinha
imita como se estivesse vomitando. — Só tem uma mania irritante de ficar rindo da minha cara
o tempo inteiro. Sem contar que é bem direto. — Fico corada. — Depois do beijo, ficamos
horas conversando.
— Murilo rindo o tempo inteiro e conversando? Cara, será que foi o garoto certo na sua
casa?
— Como assim?
— Esquece, Alice — ela fala rindo, um sorriso meio forçado. — Então, não foi dessa
vez, mas será em breve, hein?! Pelo amor de Deus, vê se não se envolve! Só sexo. Entendeu?
— Claro que sim. Eu sei disso.
— Acho bom — reforça enfática.
Almoçamos e falamos de outros assuntos. Pensei que Claudinha ia querer saber todos
os detalhes, onde exatamente cada parte do meu corpo foi tocada, mas nem perguntou mais.
Bom, agora também nem tenho tempo de pensar nisso. Preciso voltar logo.
Despeço-me dela e saio apressada. Quando me viro para marcar de encontrá-la no
intervalo da faculdade já está longe, grudada ao telefone. Fala com alguém e parece brava,
muito brava.
***
Enfim, hoje vim à aula. Odeio faltar, no entanto, estava sem condições de enfrentar
Heitor semana passada. Na verdade, nem agora. Espero que aquele idiota fique bem longe de
mim. Como não tenho mais sua carona, preciso urgente resolver a questão de um meio para me
locomover.
Minha mãe queria me ajudar a financiar um carro, acho que vou aceitar. Andar de
transporte público nesta cidade é impossível! Sorte que minha colega de república, a que está
fazendo TCC, me ofereceu carona ilimitada até o final do ano. Claudinha mora do outro lado e
não gosto de abusar da boa vontade das pessoas.
Pego minha bolsa e meus livros, e sigo para a biblioteca. Gosto de ficar lá antes de o
primeiro turno começar. Confirmei com o pessoal da sala e anotei os tópicos das últimas aulas.
Fiz dois trabalhos e agora já estou adiantando um para o final do mês. Às vezes eu queria
aproveitar mais esse tempo para conversar com alguém, dar uma volta pelo campus ou
simplesmente ficar de bobeira. Só que não consigo! Meu cérebro é condicionado a fazer coisas
úteis, que me levem ao objetivo final. Ou seja, basicamente para o estágio e a faculdade.
Durmo cedo e acordo mais cedo ainda. Os finais de semana eram para o Heitor durante a noite,
e meu momento com Claudinha todo sábado de tarde. Estou ajudando-a no projeto de abrir
uma loja virtual com suas invenções da moda. O resto usava para ler ou estudar. Parece uma
vida chata, mas sei que vou colher os frutos daqui dois anos, quando me formar. Tenho tudo
planejado!
Vou para aula e nem vejo a hora passar de tão bom que está o primeiro período.
Discutimos planos de negócios. No intervalo, meu estômago ronca e decido dar uma passada
na cantina para comer alguma coisa. Claudinha não está me atendendo, então, hoje vou ficar
sozinha pelo que parece. Compro um lanche natural e um suco de laranja, e sigo em direção a
uns bancos afastados próximo do meu bloco. Perdida em pensamentos sobre a última semana
inusitada, mal escuto quando alguém chama meu nome.
— Alice. — Viro-me em direção a voz e no mesmo momento fecho a cara.
— O que você quer, Heitor?
— A gente precisa conversar.
— Não tenho nada pra falar com você. — Levanto e começo a sair de onde estou, mas
ele pega no meu braço.
— Não sei o que falaram pra você. É mentira, Alice. Porra! Tu não atende minhas
ligações, nem responde minhas chamadas. Na portaria do se prédio me disseram que estou
proibido de subir. — Tiro suas mãos do meu braço e sorrio com sarcasmo.
— É sério isso, Heitor? Você vai tentar agir como se estivesse tudo bem?
— Não sei do que tu está falando.
— Ah você sabe, seu cretino idiota! — exalto-me e lágrimas tentam fugir dos meus
olhos, mas as empurro de volta.
— Se falaram sobre Paula e eu, ela não significa nada pra mim, Alice. Foi só um caso
idiota. Eu te amo — mente e agora estou gargalhando.
— Paula, a ruiva? Não é por causa dela. E não diga “eu te amo”, você não sabe o que é
amor. Guarde suas explicações para a próxima aposta! — digo e Heitor fica branco na minha
frente, mais branco do que semana passada, quando eu só rasguei a folha e o mandei tomar no
cu, sem prestar mais esclarecimentos.
— O... o que tu disse?
— Isso mesmo que você ouviu. Sei da sua aposta idiota e de como você está cansado
de perder tempo com quem "demora pra abrir as pernas" — falo imitando com as mãos sinais
de aspas.
— Quem te disse isso, Alice?
— Pior que ninguém, Heitor. Tive o desprazer de ouvir com meus próprios ouvidos,
quando saí correndo da minha sala preocupada com você e seu trabalho, e vim até aqui
entregá-lo.
— Mas que merda!
— Só isso? Você me engana por sete meses, me faz apaixonar por você, e só vai dizer
"Mas que merda"?
— Porra, Alice! Tu estragou tudo.
— Como é? Eu estraguei?
— Que tempo perdido! Agora que a gente já estava quase lá, dou uma bobeira dessas.
Pensei que tu tinha descoberto sobre a Paula, daí ainda seria fácil dobrar vo... — Nem espero
ele terminar a frase e dou um tapa bem dado no meio da cara desse idiota.
Em vez de me xingar, Heitor ri. Ri!
— Tu devia usar toda essa energia pra foder. Perdemos meses com conversas idiotas e
essa sua chatice de planejar até o que vai comer no almoço. Foi um saco. Tu é chata pra
caralho, só fiquei com você porque é gostosa. Só por isso. Tinha quem me dar o que quero
toda noite.
— Por quê? Por que eu? — Lágrimas escorrem desesperadamente pelo meu rosto.
— Porque você é difícil e adoro desafios. — Sorri ao falar.
Minha vontade é dar outro tapa em sua cara, porém, ele continua.
— Nas primeiras duas semanas eu estava com você por vontade própria, queria te foder
porque é gostosa. Quando tu disse que era virgem e ia esperar pra ver se eu era o “homem
certo”, não aguentei! Contei aos caras e ia ganhar uma bela bolada. Só que demorou um
inferno para isso acontecer, mas eu ia até o fim. Acho que mereço meu prêmio por ter
suportado tanto.
— Vai para o inferno, seu desgraçado! — berro. — Nunca mais apareça na minha
frente nem se dirija a mim. Nunca, ouviu?
— Com todo prazer, não perderia mais meu tempo. Cuidado, hein, se continuar assim
vai morrer virgem. Tu não vai encontrar outro idiota para aguentar suas chatices por tanto
tempo. Tem certeza que não quer que eu resolva isso logo?
Não quero ouvir mais nada. Saio chorando pela faculdade e entro no banheiro,
trancando forte a porta. Por que estou chorando? Ele não merece nenhuma lágrima, nenhuma.
Como uma pessoa pode ser falsa tanto tempo? Passo uns trinta minutos ali, deixando meus
olhos limparem o peso que está em minha alma por aquelas palavras.
Prometo a mim mesma que nunca mais, nunca, vou deixar uma pessoa me usar. Chega
de sonhar com príncipes, eles não existem. Chega de sonhar com o amor. Vou parar de pensar
e deixar as coisas acontecerem, perder essa merda de virgindade e seguir com foco na minha
carreira. Meu objetivo nº 1 de vida está, definitivamente, apagado. Pego o celular e mando uma
mensagem para Murilo.
E aí, quando vamos para o segundo passo do nosso plano?
Capítulo 8
♫ Me perdi no céu das suas pintas,
me encontrei no céu da tua boca. Tu
é labirinto, rua sem saída. Me rendi
a tua alma nua, vem cá. ♫
Fica, Anavitória
MURILO
A semana está uma loucura! Não sei o que foi pior. A única coisa boa é que, daqui a
pouco, vou encontrar Alice. Na terça-feira ela me mandou uma mensagem querendo marcar
nosso próximo encontro, mas eu estava ocupado demais com Olívia e não podia agendar nada
antes de hoje. Sexta é o melhor dia para conseguir clientes, só que não vou dispensá-la de jeito
nenhum de novo.
Claudinha não está gostando nada disso, me ligou puta da vida querendo saber que
ideia idiota foi essa de propor ir devagar. Na verdade, nem eu sei por que sugeri algo assim.
Quando vi já tinha falado. Ela me disse para acabar logo com isso e não magoar sua amiga.
Retrucou algo sobre eu estar diferente e que está sentindo cheiro de merda no ar.
Eu ri da cara dela, de jeito nenhum ia me envolver de uma forma que fosse magoá-la.
Para começo de conversa, eu nunca me envolvia. Tudo fazia parte do charme para convencê-la
a se soltar. Como odeio que me acusem, também logo a coloquei no lugar, lembrando-a de
quem foi a ideia disso tudo. Claudinha ficou mais puta ainda e, antes de desligar o telefone,
deu um último sermão sobre, de forma alguma, me apaixonar pela Alice. Eu gargalhei de novo
e a tranquilizei.
Não sei nem o que significa essa palavra, então, não corro o risco. Tenho certeza que o
motivo dos meus pensamentos se perderem em Alice durante o dia é o tesão reprimido. Só
estou interessado nela fisicamente. É muito gostosa!
Ela, aliás, é a parte boa dos pensamentos. A ruim são as contas. Porra! Por que se
multiplicam tanto? Tenho ainda dois alugueis e uma conta de luz atrasados. Como desgraça
pouca é bobagem, a máquina de lavar roupa resolveu quebrar também. Preciso pagar logo o
aluguel porque dever no Morro não é indicado se você preza pela vida.
Quando pego as chaves da moto, tenho uma ideia e mando mensagem para Alice no
WhatsApp.
Me espera na entrada da faculdade, tô indo te buscar.
Nem morta que eu vou andar nessa sua moto.
Não fala da minha garota, maluco rs
Sua garota? Meu Deus! Não me diga que você é desses idiotas que dão nome para os
objetos? =x
Claro que dou, hoje tu vai conhecer de perto a Rabbit.
Rabbit, de Jessica Rabbit, o desenho animado? Kkkkkkk
Ohhhh… Já me rendeu muito esse desenho.
Ai que nojo, credo! =O
Estou sentado na moto, parado em frente de casa, rindo igual um idiota. Tenho que
encerrar essa conversa logo, odeio mandar mensagem.
Vai logo pra frente da faculdade, chego aí já.
Eu já disse, não vou andar nesse negócio. Desculpe, na "Rabbit" kkkk (nome ridículo).
Nem tenho capacete. Sem contar o risco de acidente, ainda mais à noite.
Estou levando um pra você. Vai logo, Alice. Para de pensar demais, porra!
Mando a última e guardo o celular no bolso. Ele está vibrando sem parar. Cara, essa
menina é linda e engraçada, só que muito certinha. Coisa chata do caralho! Pensa demais para
fazer as coisas, precisa aprender a se soltar na vida, não só nos relacionamentos. Vou dar
minha contribuição para isso.
Quando chego na faculdade, logo a encontro com cara de muito, muito brava. Encosto
a moto e ronco o motor de propósito, para irritá-la ainda mais.
— E aí, gata? — solto e dou uma geral no seu visual.
Está tão linda como no primeiro dia, só que hoje com o cabelo preso em um rabo de
cavalo, calça jeans justinha e uma blusa de moletom. Ela não é dessas minas frescas, com
certeza.
— Gata é a sua mãe. Não fale mais desse jeito comigo, seu idiota! Você não manda em
mim.
Eu não consigo segurar o riso e ela fica mais brava ainda.
— Já vai começar a rir da minha cara de novo?
— Alice, a ideia disso tudo não é tu se soltar? Não estou mandando em você, estou
cumprindo nosso combinado. Para de pensar demais nas coisas, gata.
— Não me lembro de motos perigosas na conversa. Não vou subir nisso aí não, tenho
medo.
— Não é "isso aí", o nome dela é Rabbit — corrijo-a sorrindo e ela cai na gargalhada.
— Pervertido!
— Nunca disse que não era. — Dou uma piscadinha e ela sorri ainda mais. Um lindo
sorriso! — Vamos logo! A noite está passando e temos muita coisa pra fazer. Eu não vou
correr, prometo. E tu pode se agarrar na minha cintura.
— Se você correr, Murilo, eu juro que castro você.
— Tá vendo, Rabbit — falo alisando a moto. — Olha a dama que eu fui arrumar!
Alice me dá um tapa, sorri novamente e segura meus ombros para subir na moto. Ela
me abraça tão forte, de medo, que por um instante sinto um frio na barriga. Arranco mais
rápido só para irritá-la, porém, depois faço questão de ir devagar para sentir suas mãos na
minha cintura e seu rosto encostado nas minhas costas. O desejo de tê-la já está se
intensificando!
***
Quando chegamos ao seu andar, um cheiro delicioso invade nossos sentidos e eu
lembro que ainda não comi nada desde o final da tarde. Que fome! Alice também faz cara de
que mataria pelo bife do vizinho.
— Será que é feio a gente bater na porta deles e pedir uma marmitinha? — ela pergunta
fazendo careta e eu sorrio.
— Tá de matar! Acabou de lembrar meu estômago que estou com muita fome.
— Eu também! Bora ver na cozinha o que tem de bom. — Abre a porta e me puxa
pelas mãos.
Sento no balcão, sim, aquele que me traz ótimas memórias, e observo enquanto ela abre
a geladeira duas vezes e os armários de despensa umas quatro.
— Não tem nada que sustente. — Alice faz bico. — Mas achei uma coisa que você vai
gostar: bolacha Óreo. E temos leite! — Sorri e eu fico feliz dela ter se lembrado da nossa
conversa anterior.
— A janta perfeita! Só tem uma coisa, isso não é bolacha. É biscoito!
— Na minha terra se chama bolacha.
— Na sua terra está errado. É só ler o pacote. — Pego da mão dela e faço questão de
mostrar. — B.i.s.c.o.i.t.o r.e.c.h.e.a.d.o — soletro.
— Vou continuar chamando de bolacha. — Ela dá de ombros para pegar um copo de
leite.
— Vai continuar pagando mico. Mania de paulista falar bolacha!
Ela mostra a língua de um jeito fofo (mas que merda, essa palavra de novo!) e aponta
com a cabeça para que a siga.
— Vamos ficar no meu quarto, hoje as meninas estão aqui.
— No quarto é? Hummm... — Faço minha melhor cara de sem vergonha e sua
respiração começa a ficar ofegante.
Ficamos nos olhando de forma intensa por um tempo, até que ela vai em direção ao
quarto e entra. Deixa o biscoito com leite na mesinha de cabeceira e, antes que possa reagir,
agarro-a pela cintura e viro-a de frente para mim, invadindo sua boca de forma nada gentil.
Caralho! Só agora que a beijei que percebi como queria fazer isso de novo. É intenso e longo,
cheio de desejo dos dois lados.
— Vamos... É... Você quer comer agora? — Alice pergunta corada.
Balanço a cabeça concordando e nos sentamos na cama. Ela encosta-se à parede e eu na
beirada. Pego o copo de leite e começo a devorar os biscoitos. Estou, realmente, com muita
fome! Quando só faltam três, a linda mulher à minha frente sorri de forma maliciosa.
— Vamos fazer um jogo! — diz animada e tira o pacote da minha mão. — Você só
pode comer esses três últimos se responder três perguntas.
— Ah nem vem, Alice. Já disse que não falo nada pessoal.
— Não vou perguntar nada de mais, calma. É só parte do plano, te conhecer um pouco
mais para me soltar. Vamos, vai?
— Com duas condições! — É minha vez de sorrir maliciosamente.
— Quais? — questiona receosa.
— Se eu responder tudo, depois tu vai me deixar tirar sua roupa e beijar cada cantinho
do seu corpo. — Alice fica imediatamente nervosa e inquieta.
— Tirar... tirar tudo?
— Por hoje, tu pode ficar de calcinha e sutiã.
— E a segunda?
— Nada de perguntas da pergunta. Respondo uma questão de cada tema e pronto.
— Tá... tá bom — consegue dizer morrendo de vergonha.
Adoro esse seu jeitinho inocente! Rezo em silêncio para que ela faça perguntas
tranquilas porque, Deus, eu quero sentir o gosto do corpo dessa mulher hoje ainda.
— Pode começar — falo ansioso e ela fica pensando, com o indicador na boca.
— Hummm... Por que você escolheu ser garoto de programa em vez de arrumar um
emprego normal, decente?
Mas que porra! Vai começar julgando mesmo? Não faça isso, Alice, terreno perigoso.
Calma, Murilo! Pensa que para ela, do mundo que veio, isso não é normal. Respira e responde,
foca na sua nudez daqui a pouco.
— Eu não faço isso porque quero, Alice — respondo mais ríspido que deveria.
— Desculpa. Eu não queria ofender você, Murilo. Só não consigo entender a
motivação.
— Há cinco meses eu tinha um emprego de segurança de condomínio. Era um salário
legal e com vários benefícios que ajudavam bastante. Só que nessa crise a empresa começou a
cortar gastos e eu fui demitido. Já ia fazer dois anos que estava lá. A coisa começou apertar em
casa e eu tive que dar um jeito rápido e fácil de conseguir dinheiro. Como o tráfico não era
uma opção, acabei entrando nesse mundo por indicação de um conhecido. É difícil conseguir
emprego só noturno.
— Por que só à noite? — Alice questiona curiosa.
— Nada disso, gata. Nada de perguntas da pergunta, segunda condição. — Ela faz bico
e eu sorrio. — Vamos logo com isso, qual a segunda?
— Você já se meteu em muita encrenca?
Nossa! Agora vamos ficar até amanhã falando. Não quero assustá-la, mas encrenca é
meu sobrenome praticamente. Já passei por tanta coisa.
— Bastante — digo sem graça.
— Ahhh, isso não é resposta digna. — Faz bico novamente. — Vou reformular, apaga
essa aí. Qual foi a maior encrenca que você se meteu?
Será que se eu disser que já fui preso ela vai me colocar para fora? Percebi que me
julga, se souber mais essa vai se decepcionar. Não quero decepcioná-la.
— Eu tive uma adolescência difícil, era bem rebelde. Me envolvi com o pessoal do
Morro e me meti em várias encrencas. A pior foi um assalto que eu aceitei participar. Fomos
pegos em flagrante e fiquei preso por um ano. Tinha 15 na época.
Alice fica pálida na minha frente, abre e fecha a boca duas vezes, mas não diz nada.
Nem quero imaginar o que se passa em sua cabeça.
— A última vai — instigo.
— Como são seus pais? — solta e eu tenho vontade no mesmo instante de retirar o que
disse. Respiro fundo e decido, com foco em seu corpo nu, dar uma resposta bem curta.
— Meu pai abandonou nossa família quando eu tinha sete anos e minha mãe morreu já
faz quase três. E é só isso que tu vai saber, Alice.
Seus olhos ficam marejados e ela segura minha mão, fazendo carinho. É algo estranho,
porém, ao mesmo tempo, bom. Eu costumo cuidar de tudo, e não ter alguém para cuidar de
mim.
— Sinto muito — diz minutos depois com a voz embargada.
—Tudo bem, não se preocupe com isso.
Ficamos nos olhando por mais um tempo e nos beijamos delicadamente, praticamente
só encostando os lábios um no outro.
— Agora é a minha vez! — falo com brilho nos olhos.
— Tá — diz corada.
Um silêncio enorme pode ser ouvido no quarto, somente interrompido pelas nossas
respirações pesadas. Chego perto dela, solto seu cabelo e beijo seu pescoço, empurrando a
cabeça para trás com as duas mãos. Seu gosto é maravilhoso.
Olhando em seus olhos, coloco as mãos na beirada do moletom e retiro rapidamente.
Faço o mesmo com a outra blusinha que está atrapalhando a minha visão. Quando ela fica só
de sutiã, um branco de algodão, tenho dificuldade de respirar.
— Tão linda — digo baixinho em seu ouvido e ela suspira.
Deito-a na cama e fico por cima, apoiando o peso em meus braços. Em uma linha reta,
começo a beijá-la da pontinha da orelha até o começo da sua calça, roçando os dedos pelo cós.
Alice se remexe toda e aumenta cada vez mais a respiração. Seu peito está subindo e descendo.
Seus lindos peitos grandes e redondos. Não era o combinado, mas não resisto e coloco às mãos
por debaixo do sutiã, apertando de leve cada um dos seus mamilos. Caralho, são tão macios!
— Murilo...
— Tu é muito gostosa, impossível resistir.
Delicio-me mais um pouco e retiro as mãos das suas lindas mamas, atacando sua boca
novamente. Exploro cada canto, aproveitando que ela se abre totalmente para mim. Nos
esfregamos um pouco e o desejo já é latente. Como não quero apressar as coisas, interrompo o
beijo e baixo os olhos, começando a desabotoar sua calça. Desço lentamente para apreciar a
vista. Sua calcinha também é de algodão branco. Parece um anjo de tão linda. Contorno a
calcinha com a ponta dos dedos e Alice geme alto para mim. Porra! Está quase impossível me
segurar.
Desço os lábios e começo a beijá-la na parte debaixo, sem chegar nas zonas de perigo.
Também é doce e macia, uma sensação maravilhosa. Passo minhas mãos grandes por toda sua
extensão, devorando-a com os olhos. Alice se senta e pega em meus cabelos, fazendo que eu
gema baixinho. Em seguida, explora meu peito e acaricia minhas costas, enquanto me beija.
— Gata, não faz isso. Assim você me mata! Por hoje, acho que já avançamos bem.
Ela para e me olha pensativa, concordando. Volta a se deitar de barriga para cima e eu
me deito de lado, fazendo círculos na sua cintura. Ficamos conversando amenidades por cerca
de mais uma hora depois disso, nos beijando intensamente entre os intervalos.
Se eu quisesse, isso podia ter terminado hoje. Da maneira como o desejo estava
exalando de nós, ela teria se entregado. Mas se isso acontecesse, como ia voltar a vê-la? Ainda
quero aproveitar mais um pouco.
Capítulo 9

♫ Aí você escolhe a melhor roupa. Aí


você arruma o seu cabelo. E sai com
aquela sua amiga louca que diz que o
bom da vida é ser solteiro. ♫
Eu era, Marcos e Belutti
ALICE
A última semana de aula antes do, tão esperado, recesso de julho é um tormento de
tanta prova e trabalho para entregar. Passei os últimos dias estudando feito uma doida, sem
tempo até para a Claudinha. Já sou CDF naturalmente, nessa época, então, ultrapasso os limites
da bitolação. Hoje é sábado e necessito desestressar minha mente, urgente. Uma ótima forma
de fazer isso seria um novo encontro com Murilo.
Aiii... A sexta-feira passada foi maravilhosa! Nem acredito que consegui ficar só de
calcinha e sutiã na sua frente. Aqueles beijos quentes e o olhar... Apesar de ser bem tímida,
com ele flui muito naturalmente. Acho que seu charme de garoto de programa sexy ajuda
bastante. Depois desse encontro, Murilo me mandou mensagem no domingo, mas eu já estava
na rotina dos estudos e disse que essa semana seria impossível. Claro, aquele irritante lindo riu
da minha cara por uns cinco minutos enviando infinitos "kkkkkkkkkkkk". Ele acredita que sou
certinha demais, que preciso relaxar na vida, não só nos relacionamentos. Se eu fizer isso,
entretanto, como vou alcançar meus objetivos de ter uma carreira de sucesso? Não sei como.
Também não sei como as pessoas conseguem viver sem planejar seu futuro, sem
estabelecer metas. Pelo pouco que o conheço, não tem nenhum planejamento. Parece que leva
um dia de cada vez e seja o que Deus quiser! Quando questionei sobre a escolha de ser garoto
de programa, ele ficou bem irritado. Será que realmente não teve outra escolha? Acho bem
difícil, mesmo com a situação que nosso país vive hoje. Vender o próprio corpo é algo muito
irreal para mim.
O que realmente me intrigou, foi o fato de ele já ter sido preso. Fiquei tão chocada que
nem consegui dizer nada. Uma experiência horrível para um garoto de apenas 15 anos. A
mágoa do abandono do pai deve tê-lo tornado inconsequente. Minha primeira vez tão sonhada
com o príncipe será com o bad boy. Que ironia do destino, não?
Murilo é totalmente o contrário de tudo que já desejei. Tem um passado daqueles, um
trabalho nada convencional, não se envolve, é mandão, fala muito palavrão, não é nada
romântico, não gosta de conversar... A lista é enorme, mas, mesmo assim, quero fazer isso com
ele.
A única coisa que preciso colocar na cabeça é, de forma alguma, criar expectativas.
Somos muito diferentes e, principalmente, temos perspectivas futuras totalmente distintas. É só
um ritual de passagem e pronto!
Aproveito os pensamentos divagando em sua boca gostosa e mando uma mensagem
para ele. Adoraria dar mais um passo no nosso plano.
A senhorita Rabbit está disponível hoje para trazê-lo em minha humilde residência?
Envio sorrindo, coloco o celular no bolso da calça jeans e volto para a faxina de
sábado, animada, esperando uma resposta.
***
Três horas depois e nada. O pior é que ele já visualizou e não respondeu nem que sim,
nem que não. Odeio me comunicar por mensagem, nem sempre é recíproco. Se você está pelo
menos falando ao telefone, a pessoa é obrigada a dizer algo. Murilo deve estar ocupado com
suas clientes. Eca! Se eu ficar pensando muito nisso, acho que nunca vou conseguir levar esse
plano idiota até o fim.
Resolvo tomar um banho e começo a separar minhas roupas, quando Claudinha aparece
animada na porta.
— E aí?! Quais seus planos para hoje à noite? Presumo que nada de Murilo, já que no
sábado ele deve ficar mais ocupado.
— Meu plano é colocar em dia minhas séries favoritas na Netflix — digo sorrindo.
— Ahh! Pelo amor de Deus, Alice. Tu é uma jovem bonita, quase chegando aos 19
anos, e vai passar o sábado à noite vendo série? Porra! Parece minha tia de 50 anos.
— Eu não ligo de ter espírito de velha.
— Mas devia ligar, aproveitar a noitada como todo jovem normal. Hoje tem luau na
praia, vamos? — Claudinha pergunta quase implorando.
— Você sabe que não gosto disso. Só bebem, fumam e se pegam a noite toda.
Nenhuma das alternativas anteriores me apetece.
— E o plano de se soltar mais, hein? Essa aí está me parecendo a Alice de sempre.
— Claudinha, o que eu vou fazer no meio da sua turma? Não tem nada a ver comigo.
— Já foi para saber se vai gostar? Tu tem que parar de julgar as coisas, Alice.
Experimente, depois reclame.
Realmente, eu tenho essa mania. Não me orgulho desses julgamentos precipitados,
porém, são mais fortes do que eu. Se ficar aqui, vou remoer o término com Heitor. Ele sempre
volta a me atormentar quando estou sozinha. Não sinto mais nada, contudo, a decepção de ser
enganada é horrível. Murilo, aparentemente, também não está disponível, então, por que não?
— Tudo bem, eu vou com você — digo, enfim.
— Glória, aleluia! — Ela me agarra empolgada. — Às onze horas eu passo aqui para te
pegar.
Concordo com a cabeça e a acompanho até a porta. Ainda tenho algumas horas para me
arrumar e tentar ficar animada.
***
Quando Claudinha retorna, me sinto péssima pela escolha da roupa. Estou com um
vestidinho simples, vermelho de alcinha, e sapatilhas. Só com lápis no olho e uma base, cabelo
em um coque meio solto. Enquanto ela está exuberante no seu shortinho curto todo
customizado, batinha amarela e saltos anabela. Cabelos perfeitamente alisados e maquiagem
marcante.
— Não era um luau? — pergunto tímida.
— É um luau! Por quê?
— Você parece pronta para a balada do século. Nunca vi usar salto na praia.
— Eu nunca fico sem meu salto. — Ela sorri e dá uma voltinha.
— Estou me sentindo péssima, Claudinha, vou ser totalmente ignorada nesta festa.
— Alice, relaxa. Vamos curtir um pouco. Sem expectativas, sem pré-julgamento, ok?
— Ok.
E é isso que faço. Impressionantemente, a noite não foi ruim como eu esperava. Ao
contrário, foi ótima. O pessoal é super animado e, mesmo sem álcool, me diverti bastante.
Cantei, dancei e até conheci um garoto, o Manuel.
Surfista bronzeado, alto e de cabelos enrolados. Tem a minha idade. Pensei que não ia
ser notada, mas ele me encarou o tempo todo. Acabamos sendo apresentados pela Claudinha lá
pelo meio do luau e passamos o resto da noite juntos, conversando e nos beijando. Beijando
muito, inclusive! Só que não passou disso, apesar de suas investidas.
Não chega aos pés do Murilo, porém, foi bom. Por falar nele, aliás, nada de resposta
ainda. Deve estar realmente com a agenda cheia hoje.
Capítulo 10
♫ Era um cômodo incômodo, sujo como
o dragão de komodo. Úmido, eu homem
da casa aos seis anos. Mofo no canto,
todo TV, engodo pronto pro lodo. ♫
Levanta e anda, Emicida
MURILO
Eu costumava sonhar que tinha um pai herói, igual aos da Marvel. Ele era uma mistura
de Capitão América com o Hulk, mesclando o que há de melhor nos dois: a preocupação com
o próximo e a força. Era perfeito! Infelizmente, só sonho mesmo de um garotinho.
Apesar de a nossa vida ser um inferno com ele, piorou ainda mais sem. Minha mãe
ficou tão deprimida que abandonou de vez tudo. O dinheiro que ela conseguia era para bebida
e drogas. Não tinha quem sustentar a casa e, quase sempre, eu passava fome. Comia na escola
ou com Dona Emília e a família do Max, de vez em quando. Desde pequeno não gostava de me
expor, então, ninguém sabia a gravidade das coisas.
Muitas vezes eu imaginei que ele chegaria pela porta e diria que foi um mal-entendido.
Que estava arrependido e que tudo ficaria bem. Desejei isso até mais ou menos uns nove anos.
Eu quis muito ter um pai presente para me levar na escola, soltar pipa, jogar futebol... Quis
uma mãe amorosa para me dar carinho, fazer comidinha gostosa e ler para mim.
Desisti de esperar e dei de cara com a dura realidade da falta de estrutura familiar para
saber lidar com a vida. Desde muito cedo tive que trabalhar para poder sobreviver e a
bandidagem foi o caminho mais fácil. Até hoje, não sei como consegui me livrar deles. Ainda
olham feio para o meu lado, entretanto, me deixam em paz. Paguei minha dívida com o tempo
que passei na prisão.
Uma vez bandido, você não costuma poder sair facilmente. No entanto, esse pessoal
também é grato com quem não é X9. Sorte a minha! Eu aceitei participar do assalto com mais
dois, eu era o único menor de idade. Fiquei do lado de fora, responsável por vigiar. Fomos
delatados pelo cara do comércio ao lado da joalheria e a polícia apareceu do nada. Corri para
avisar, mas, nem deu tempo de pegar o carro. Saímos vazado pelos becos para tentar fugir,
com joias nas mãos e nos bolsos. Eu tive a infeliz ideia de pegar algumas para ajudar a
carregar.
Fomos encurralados e só eu não consegui escapar. Pego em flagrante. Fizeram um
longo interrogatório, contudo, não disse uma palavra. Eles suspeitavam que um dos caras mais
procurados do Morro estava envolvido e queriam a todo custo prendê-lo. Chegaram a me
ameaçar, não adiantou. Fui para a casa de detenção da Ilha com a fama de dedo duro. Polícia
filha da puta! Totalmente o contrário do que fiz. Resultado? Levei surras constantemente. Foi
um tempo de merda, nem gosto de lembrar. Só que o pessoal do Alemão ficou sabendo do meu
sacrifício depois e aliviou quando disse que não queria essa vida.
Nem precisaria ter passado por tanta coisa se tivesse uma família presente. Até hoje
sofro, não sei como lidar com os problemas do dia a dia. Agora tende a ficar ainda pior, o
pesadelo dos sete anos voltando com tudo. Não acredito que ele teve a cara de pau de voltar!
Estava saindo para encontrar Olivia quando recebi uma mensagem de Alice. Fechei a
porta sorrindo com o jeito engraçado dela. Quando ia responder, avistei um senhor cabisbaixo
do outro lado da rua, olhando para minha casa. Achei estranho e o encarei, ele ficou imóvel.
Péssima ideia ter ido em sua direção para perguntar se tinha perdido alguma coisa. Foi só
chegar um pouco mais perto para reconhecê-lo. Meu pai.
De imediato, minha vontade era dar um soco na cara dele e culpá-lo pela merda que era
minha vida. Culpá-lo pela infância desperdiçada, pela morte da minha mãe. As palavras
fugiram! Mal conseguia respirar de tanto ódio tomando conta de mim. Por que depois de 15
anos?
Carlos estava muito diferente. Cabelo arrumado, barba bem feita, calça jeans com uma
camisa social dobrada no braço. Parecia até alguém decente. Será que ele tem uma nova
família, uma não problemática? Meu pai também ficou me observando, com um olhar perdido
nas minhas tatuagens e na cara de raiva que estava fazendo.
Ele foi o primeiro a tentar falar alguma coisa, mas eu não o deixei concluir. Levantei os
dedos de forma acusatória e o mandei nem se atrever a dirigir a palavra a mim. Não sei o que
estava fazendo ali, não sei por que parecia diferente, não sei o motivo do olhar perdido, como
se estivesse arrependido. Com certeza não estava, foi bem claro quando nos deixou. E se
estivesse, nem em mil vidas o perdoaria por tudo que fez.
Virei às costas e o mandei sair da minha frente, nunca mais tendo a cara de pau de
aparecer ali.
***
Dez dias já se passaram desde o reencontro rápido com o homem que destruiu minha
vida. Foram dias lentos e de merda! Fazia tempo que não tinha pesadelos, e eles voltaram com
tudo, tirando o pouco tempo de sono que tenho. O desespero e a raiva foram tão grandes que
bebi até cair quase todos os dias, ficando fora de mim.
Não costumo fazer programas de manhã, mas precisava liberar energia de alguma
forma e aceitei tudo que apareceu na minha frente. Loira, morena, índia, negra, ruiva, gorda,
magra... Fiz uma grana boa, e agora me sinto um lixo. Mais lixo que já sou naturalmente.
Por quê?
Essa pergunta não quer sair da minha mente. Não tinha motivo para Carlos aparecer
agora.
Ainda é terça-feira, só que estamos nas férias de julho e espero que Alice esteja livre
esta noite. Preciso do seu corpo quente e inocente para ver se esqueço um pouco essa merda.
Preciso de alguém comum, fora dessa droga da minha realidade, para que eu possa respirar.
Fiquei com dezenas de mulheres esses dias, mas nenhuma conseguiu aliviar minha
mente nem um minuto. Tomara que ela consiga, só preciso de cinco minutos de paz.
Agora que percebi que nem respondi sua mensagem, deve achar que sou idiota por
sumir tanto tempo. Talvez, se responder, ela me ignore totalmente. Não! Preciso dela hoje.
Vou ligar, apesar de odiar isso. O telefone toca quatro vezes antes de atender.
— Alô!
— Oi, gata! E aí, tudo certo? — pergunto como se tudo estivesse às mil maravilhas.
— Tudo — Alice diz secamente. Com certeza está com raiva achando que dei um fora
nela. Vou ter que inventar uma desculpa para conseguir dobrá-la.
— Desculpa não responder sua mensagem, tive dias de merda. Problemas familiares.
— Resolvo mentir apenas em partes, na verdade, omitir.
— Familiares? Está tudo bem?
Funcionou a sinceridade, ela mudou o tom de voz na mesma hora.
— Não. Mas vai ficar! Tu está livre hoje? Precisamos voltar ao plano logo, daqui a
pouco você está na estaca zero de novo — falo sorrindo.
— Já estou de férias da faculdade, então, tenho minhas noites livres — responde
empolgada.
— Isso é ótimo! Vamos marcar oito horas?
— Combinado! Desculpa, preciso desligar. Estou no trabalho. Até lá!
— Até, gata.
Graças a Deus uma coisa boa. O corpo quente de Alice há de me distrair de verdade
hoje.
***
Quando a porta da república se abre, dou de cara com uma mulher linda de shortinho,
blusa fina de malha quase transparente que cai no ombro e descalça. Visão do paraíso! Ela
prendeu o cabelo em um coque meio solto e seu pescoço está exposto de uma forma muito
sexy.
— Uau, gata! Gostosa como sempre — já disparo e automaticamente ela fica corada.
Adoro!
— Boa noite, senhor gosta de me deixar vermelha como pimentão!
— Pior que gosto mesmo, tu fica ainda mais bonita.
Alice me convida para entrar e eu vou atrás, atraído por seu pescoço exposto. Adoro
beijar essa parte do corpo! Mal ela fecha a porta, já agarro-a pelas costas, passando as mãos
por sua cintura e dando beijos molhados no lugar que estava me tentando. Alice solta um
gritinho que vai direito para o meu pau. Como essa mina consegue isso tão rápido, cara?
O desejo me toma e a encosto na parede com tudo, prendendo suas mãos no alto. Essa
aproximação me deixa ainda mais duro. Invado sua boca e exploro cada canto dela, dando
mordidas de leve. Ela corresponde também mordendo e me deixando entrar cada vez mais.
Essa garota sabe beijar.
Desço os lábios para seu pescoço novamente e vou para a parte do ombro exposta.
Alice se retorce embaixo de mim e sei que também está com tesão. E muito tesão. Paro o que
estou fazendo com muito custo para lhe propor algo novo.
— Tu topa avançar um pouco mais hoje?
— Avançar como? — responde ofegante como eu.
— Só me diz que sim. Se solta, gata, não pensa muito! — instigo e Alice faz cara de
pensativa. Dou um ultimato para que ela não se prenda no seu universo de certo e errado. —
Me deixa te surpreender? — Suspiro em seu ouvido. Ela geme e balança a cabeça
afirmativamente.
Não espero nem dez segundos e enfio minha mão que está livre por dentro do short,
alisando sua calcinha. Dessa vez eu consegui realmente colocar o dedo pelo lado de fora e,
Deus, está muito molhada.
— Porra, Alice! Molhadinha pra mim.
— Murilo — ela fala suspirando e eu continuo passando o dedo pelo lado de fora.
— Eu não vou fazer nada que você não queira, mas tenho certeza de que tu vai gostar.
É só desligar a sua cabecinha.
— Eu quero... eu quero sentir o seu dedo dentro — diz gemendo. Caralho, que tesão de
mulher!
— Com todo prazer, gata.
Lentamente, afasto sua calcinha ainda de short e enfio o dedo na sua umidade. Caralho,
caralho, caralho! Ela se contorce diante de mim, geme e diz coisas que não consigo entender.
— Porra, Alice, você vai me matar. Tão quente, tão apertadinha, tão molhada!
Começo a me mover mais depressa, tirando e colocando meu dedo dentro dela. A cada
gemida meu desejo triplica de tamanho. Solto suas mãos que estão no alto e tiro a minha da
sua calcinha. Ela reclama na mesma hora. Rapidamente a agarro pela bunda, fazendo suas
pernas se entrelaçarem nas minhas costas. Beijamo-nos intensamente, ela passando as mãos
nos meus cabelos e eu nas suas costas, enquanto andamos até o sofá.
— Sem amigas por aqui hoje? — pergunto para saber se podemos continuar. Não
consigo esperar para sentir sua umidade.
— Sem — ela fala suspirando e eu a coloco deitada no sofá, de frente para mim.
Subo em cima de Alice e começo a arrancar sua blusa. Mais um sutiã de algodão, agora
vermelho. Porra! Essa menina quer me matar. Começo a desabotoar seu short e desço devagar,
devorando-a com o olhar. Ela é só suspiro, seu peito subindo e descendo, freneticamente, como
o meu.
Quando está só de calcinha e sutiã, ambos combinando, tenho a visão da perfeição.
Alice é muito gostosa, cada curva do seu corpo perfeitamente desenhada, com carne no lugar
certo. Volto para sua boca, enquanto, minha mão ansiosa, retorna para dentro de sua calcinha.
— Alice, quero te perguntar uma coisa.
— Hummm… — É só o que consegue dizer.
— Tu já gozou antes? — sinto-a ficar vermelha embaixo de mim e sorrio. — Não
precisa ficar com vergonha, gata. Quero saber para te proporcionar as melhores sensações.
— É... muito pouco. Tipo... umas três vezes só. Comigo mesmo... Quer dizer, eu... —
Sorrio novamente, ela é uma graça!
— Eu entendi, gata. Então, agora vai ser a melhor, ok?
—Ok — geme de novo.
Sua permissão é o que me basta para ir direto ao ponto frágil. Massageio o clitóris
enquanto dou estocadas fundas com dois dedos dentro dela. É gostosa demais!
— Goza pra mim, gata — incentivo, enquanto coloco mais um dedo para fazer o
trabalho de levá-la à loucura.
Alice começa a fechar as pernas e sei que está chegando lá. Invado sua boca, mordendo
seus lábios, aumentando o ritmo cada vez mais. Ela geme, suspira, e estou ficando louco de
tesão. Chama meu nome quando é invadida pelo desejo e amolece em meus braços. Estou mais
do que satisfeito de ser o primeiro homem a oferecer essa experiência.
Ficamos assim por um tempo, para retomar o fôlego, trocando sorrisos e olhares. Saio
de cima dela e vou direto para o banheiro. Preciso resolver isso antes de passar vexame
gozando nas calças.
Ao sair, encontro-a sentada no sofá, já de roupa, me esperando com biscoito Óreo e
leite. Ahhh, por que colocou a roupa? Ela ligou a televisão e está em um canal de esportes
passando Flamengo pela Libertadores. Alice compartilhou comigo esses dias que também
torcia para o Mengão.
Tinha até me esquecido do jogo, com esta semana de merda. E não é que também me
esqueci da semana de merda aqui com ela?
Abro um sorrisão e me jogo ao seu lado, não dispensando a chance de comer meu
biscoito favorito, torcer pelo meu time do coração e tirar uma casquinha o resto da noite dessa
mulher.
Capítulo 11
♫ Minha tristeza é levantar minhas raivas
descontadas, meus medos são fundados.
Esta represa não existe mais. Que parte
do não você não entende? ♫
No, Alanis Morissette
ALICE
Está quase acabando o primeiro tempo do jogo e o Mengão vem garantindo o placar,
metendo três a zero no adversário. Murilo fica me olhando com cara assustada pelos gritos que
solto quando Guerreiro perde um gol ou o juiz comete uma falha. Eu me empolgo na torcida!
Sempre adorei esportes, no geral, mas o futebol é minha paixão. Pratiquei natação com
uns cinco anos, depois fui para o balé. Na escola era do time de vôlei, handebol e futsal. Hoje
em dia apenas corro por causa do tempo. Contudo, é uma corrida religiosa! Faça chuva ou faça
sol, todos os dias às seis horas da manhã.
— Acho que nunca vi uma garota se empolgar tanto no jogo — Murilo solta rindo.
— Sério? — pergunto incrédula e ele balança a cabeça. — Hoje em dia as mulheres
frequentam o estádio e acompanham esportes tanto quanto os homens. Não há nada de novo
nisso!
— Eu sei que sim. — Ele ri novamente. — Quis dizer que, pessoalmente, nunca vi uma
garota animada desse jeito vendo uma partida de futebol.
— Você nunca foi ao estádio?
— Já, claro que já. Maraca é nosso santuário! Mas a gente ia com um bando de loucos
lá do Morro, somente homens. Eu era adolescente. Faz uns quatro anos que não frequento.
— Por quê? — questiono curiosa.
— Não te interessa! — diz com uma expressão brincalhona, apesar das palavras
grossas.
— Quem vê pensa que estou perguntando uma coisa muito importante. Você é muito
fechado! Sabia que faz bem se abrir um pouco?
— Não, obrigado.
Nossa! Que homem difícil. Conhecemo-nos há pouco tempo, admito, porém, conversar
é normal de todo ser humano. Murilo não gosta de entrar em questões pessoais, nem mesmo as
mais banais. Será que esconde algum segredo como dos livros que gosto de ler? Tem sempre
um clímax para dar vida à história. Queria saber o dele.
— Olha, não sei você, mas estou morrendo de fome. Essa bolacha não alimentou minha
lombriga direito — confesso mudando de assunto e esfregando as mãos na barriga.
— Biscoito, Alice! E, cara, tu é a mina mais estranha que já conheci — fala
gargalhando.
— Estranha?
— Ao mesmo tempo em que é toda menininha, foge do estereótipo, totalmente. Gosta
de futebol, não fica de graça com comida. Tu me representa, Alice! — Ele bate continência.
— Não sou menininha! — defendo sorrindo. — Você tá com fome? Eu super topo
uma pizza.
— Demorô! Eu só não gosto de nada com catupiry.
— Como assim, Brasil? — questiono mais alto do que pretendia.
— Tu gosta? Acho nojento, parece vômito! — Murilo faz cara de nojo.
— Quem é a menininha aqui? Parece que viramos o jogo, pessoal! — falo encarando-o
com olhos divertidos.
— Pensamento rápido! — Ele gargalha novamente.
— Catupiry é vida! Amo em uma pizza de bacon com calabresa. Hummmm... — Faço
biquinho e fecho os olhos.
— Menina, não faz esse bico pra mim que vai direto aqui pra baixo. — Ele aponta para
sua calça.
— Pelo amor de Deus, Murilo! Você só pensa nisso?
— Ahhh, com certeza!
— Então, de que pizza você gosta? — Volto ao assunto para sair dessa conversa
embaraçosa.
— Qualquer uma que não tenha catupiry — afirma e reviro os olhos para ele.
— Vou pedir uma inteira de calabresa com bacon, só metade com catupiry. — Levanto
do sofá e pego meu celular para ligar no delivery.
— Tu vai comer metade da pizza? — pergunta incrédulo.
— Por quê? Qual o problema?
— Por nada, só curiosidade mesmo.
Murilo sorri e fica me encarando do sofá. Na verdade, devorando-me com os olhos. Ah,
esse olhar carregado de desejo! Traz sensações diferentes e deliciosas. Faço meu pedido,
adicionando uma Coca bem gelada. Graças a Deus, eles são conhecidos pela entrega rápida.
Estou morrendo de fome! Quando confirmo os dados e desligo, o primeiro tempo do jogo
acaba.
— Agora a gente podia aproveitar esses quinze minutos de intervalo, concorda?
— Caramba, definitivamente, você só pensa nisso — bufo e me sento no sofá.
— Faz parte do plano se soltar, lembra? Estou apenas cumprindo com a minha parte.
Admite, tu está gostando! — sussurra em meu ouvido e eu apenas o encaro.
Nossos olhares. Eles, com certeza, são sempre intensos. Tomo a iniciativa e o beijo
com entusiasmo para mostrar o quanto estou gostando. Murilo corresponde instantaneamente e
na mesma intensidade, me puxando pela cintura para ficar sentada em cima dele. Interrompe o
beijo apenas por um minuto para tirar a camiseta com maestria e rapidez, mostrando-me pela
primeira vez uma barriga de tanquinho coberta por dezenas de tatuagens. Realmente, a única
colorida é a que fica no pescoço. Uau, ele é muito gostoso!
— Gosta do que vê, Alice? — pergunta com uma voz rouca e sexy.
Nem consigo responder, fico ali parada encarando-o. Começo a explorá-lo e arrisco-me
a dar uns beijinhos em seu peitoral. Sinto-o crescer embaixo de mim e até ouço um gemido
baixo.
Murilo pega na beirada da minha blusa e também a tira. Seus olhos alcançam os meus
com cautela, pedindo permissão silenciosamente para ir um pouco mais além desta vez. Eu
aceito! Ele passa as mãos pelas minhas costas, chegando próximo do fecho do sutiã que sei que
vai cair em segundos.
Estou bastante envergonhada de ficar exposta pela primeira vez assim para um homem,
entretanto, ao mesmo tempo, morrendo de vontade. Uma alça cai primeiro nos ombros e ele dá
um beijo molhado ali, me fazendo arquear. Faz o mesmo do outro lado e puxa a peça pelos
meus braços.
Automaticamente fico corada e Murilo passa a mão pelo meu rosto, dando um beijo
mais lento e encostando seu corpo no meu. É quente, é arrepiante, é delicioso!
— Não fica com vergonha, gata. Tu é linda! — confessa baixinho na minha boca.
Subo minhas mãos dos seus ombros até a nuca e agarro seus cabelos, massageando
lentamente. Ele coloca as suas nos meus seios, apertando de leve, e volta a invadir minha boca
com voracidade, mordendo e explorando. Joga meu corpo mais para cima do dele, encostando
totalmente no sofá, e começa a descer sua boca.
Orelha, pescoço, ombro... Quanto mais ele desce, mais me mexo, arqueando as costas e
sentindo-o maior. Murilo chega próximo aos meus seios e olha para cima, novamente pedindo
permissão. Faço um carinho no seu cabelo e ele encosta seus lábios carnudos na minha pele,
dando uma mordidinha de leve, depois uma lambida e uma chupada.
— Murilo, que gostoso! — falo gemendo.
É totalmente delicioso. Ele está segurando minhas costas com suas duas mãos e
intensifica as chupadas. Meu Deus, estou ficando sem ar de tão bom! Sem perceber, já estou
me esfregando nele, rebolando no seu colo. Quanto mais eu me perco nessa sensação nova,
mais ele intensifica o ritmo. Também está com desejo.
— Murilo — falo ofegante. — Murilo, acho que... Aiii...
— Goza pra mim, gata! Goza gotoso se esfregando no meu pau.
Ai, essa sua boca suja serve para alguma coisa nesses momentos, me deixa ainda mais
em chamas. Não demorou nada, minutos depois estava em êxtase, amolecendo em seus braços.
Percebo sua respiração ofegante, seu peito subindo e descendo, e sei que dessa vez preciso
ajudá-lo a aliviar esse desejo.
Solto-me dos seus braços e fico em pé. Murilo está me encarando com o olhar perdido,
não faz ideia do que vou fazer. Respiro fundo, tomo coragem e me ajoelho na sua frente,
colocando os dedos no botão da sua calça.
— O que tu vai fazer? — pergunta quase sem ar.
— Eu quero fazer isso pra você também, sabe... com as mãos. — Fico sem graça e ele
arregala os olhos, com certeza não esperava essa minha atitude.
— Se tu não quiser, não tem problema, Alice. Não precisa fazer isso.
— Eu quero! — digo firme, abro o botão da calça e a puxo pelas suas pernas.
É a visão do paraíso: coxas grossas, uma barriga de tanquinho e um documento de
botar respeito.
— Olha, eu não sei muito bem o que fazer, então, se você puder me orientar acho que
eu consigo — admito envergonhada.
— Tira a cueca — ele ordena engolindo em seco de tanto desejo.
Obedeço e fico em choque com o que aparece na minha frente. Uau! É bem mais
impressionante do que as descrições infinitas da Claudinha sobre um pênis.
— Agora coloca suas mãos aqui no meio e comece a fazer movimentos leves — ensina
com suas próprias mãos. Nossa, é excitante essa visão!
Faço como ele manda e o vejo arqueando as costas, respirando pesadamente e abrindo
a boca. Nossa, Murilo fica ainda mais bonito assim. Sua reação me motiva e intensifico os
movimentos, ora lento ora mais rápido.
— Caralho, Alice! Assim mesmo. Continua, gata.
Sem saber muito o que fazer, passo a outra mão pela parte debaixo do seu pênis, nas
bolinhas, e ele geme alto. Tão alto, que até me assusto. Começa a se mexer e sei que está
chegando lá. Aumento a intensidade e fico observando seu rosto mudar com a chegada do
prazer, enquanto minhas mãos ficam cheias do seu líquido quente.
— Nossa, mulher! Isso porque você é inocente. Imagina quando souber das coisas —
elogia e me dá um beijinho molhado na boca. Eu, claro, fico corada.
Levantamos e vamos ao banheiro nos lavar. A partida de futebol voltou e nem
percebemos. Murilo pergunta se pode jogar uma água no corpo e eu pego uma toalha para ele.
Corro na sala para pegar também minhas roupas e termino de me vestir exatamente na hora
que o interfone toca. É a pizza. Nossa, tinha até esquecido dela. Sorte que chegou só agora!
Sorrio, lembrando das cenas de minutos atrás.
Quando Murilo sai do banheiro já peguei os talheres, os copos e estou concentrada no
jogo, comendo um pedaço generoso da pizza.
— Seus pais não te deram educação, não? Tem que esperar a visita pra comer — ele
resmunga, esboçando um bico e se serve.
— Deram sim! E me ensinaram a não perder tempo na vida. Estou focada em acabar
com a minha fome que, neste momento, é bem grande — digo sorrindo e colocando mais um
pedaço na boca.
— Quanto foi a pizza? Faço questão de pagar, ou pelo menos dividir.
— Nem vem, já tá pago e pronto. Pelo menos isso eu pago, né, fazer valer o seu tempo
precioso — lembro com um sorriso amarelo.
— Posso afirmar que o tempo está sendo bem aproveitado aqui, gata. — Dá uma
piscadinha para mim e ri do meu terceiro pedaço de pizza. — Aliás, como tu mantém isso tudo
aí? Você é gostosa demais para quem não se preocupa com o que come.
— Dá pra parar de falar "gostosa" em toda frase? Eu acho estranho e fico muito sem
graça.
— Mas é o que tu é, gata. Gostosa pra caralho! E esses peitos, então? Redondos e
macios. Nossa, me levam à loucura.
— Murilo! — grito vermelha como um pimentão. Ele gargalha. — Eu corro, todo dia
às seis horas da manhã.
— Nossa! Por que madruga desse jeito?
— Porque, ao contrário de você, eu durmo à noite, não fico na vagabundagem — falo
tirando sarro.
— Essa doeu! — brinca colocando as mãos no peito.
— "Mas é o que tu é, gato" — imito suas palavras.
— Hummm... gato, é? — ele pergunta malicioso e eu reviro os olhos.
Ficamos em silêncio por um tempo para terminar de comer. Estou realmente com fome.
Acho que essa adrenalina toda abre o apetite. Olho-o de relance e, tenho que concordar, ele é
muito bonito. Seus cabelos bagunçados estão caídos na testa, escondendo aqueles olhos
castanhos penetrantes. Quando está descontraído e sorrindo bobo, consegue ficar ainda mais
lindo que quando está cheio de desejo. Fico observando suas tatuagens. Preenchem quase todo
o braço e peito. São muito diferentes, queria perguntar sobre elas. Será que isso é permitido?
— Por que você tem tanta tatuagem? — arrisco.
— Porque eu gosto, ué — diz e reviro os olhos novamente para ele.
— Sério! Por que só uma é colorida?
— Nossa! Você presta atenção, hein, gata?! — repreende sorrindo. — E é curiosa
demais para o meu gosto!
— Sou uma observadora nata.
— Tô vendo.
— E então?
— Então, o quê?
— O porquê das tatuagens?
— Você não vai desistir, né? — Murilo bufa.
— Não — admito sorrindo.
— Cada uma delas foi feita em uma época diferente da minha vida. Representam o que
estou sentindo.
— Essa aqui, o que significa? — Passo as mãos em seu braço, onde tem uma linda nota
musical.
— Eu gosto de música.
— Sério? Que legal! Você toca guitarra ou algo assim? Bateria?
— Não. Gosto de compor.
— Uau! Por essa eu não esperava. Um dia você poderia me mostrar suas músicas.
— Nem fodendo. — Sorri de lado.
— Que educado! — Sorrio também, mas no fundo querendo que aceite. Fiquei super
curiosa.
— Acabou o interrogatório? — Ele faz cara de bravo, brincando.
— Não é interrogatório. É conversa normal, seu idiota. E essa aqui? — Coloco as
pontas dos dedos do lado esquerdo da sua barriga, em cima de um menino sentado, parecendo
triste e olhando para o chão.
— Como tu é curiosa, mulher! Vamos acabar logo com isso, essa é a última, ok?!
— Mas ainda quero saber da colorida. Por que só uma colorida?
— Chega disso, Alice! Eu avisei no começo que odeio que se metam na minha vida. —
Agora está sério de verdade.
— Só fala do menino, então? — arrisco com olhinhos pidões. Sempre funcionava com
minha mãe. Ele bufa, claramente pensando se deve ou não.
— Fiz com 11 anos, foi minha primeira tatuagem. Ela me representa. Um garoto
perdido e sem perspectiva — confessa e perco até o ar. Merda!
— Desculpe, Murilo, não queria ser intrometida.
— Pois é, então, não seja.
— Foi por causa do seu pai, né? A partida dele? — Não queria perguntar em voz alta,
mas quando vejo já saiu e Murilo está bufando na minha frente.
— Tá na hora de ir, te vejo outro dia.
— Calma, não precisa ir embora.
— Depois da semana de merda que eu tive, depois da volta desse desgraçado, tudo que
eu não preciso é de interrogatório seu. Nem te conheço.
Nossa, essa doeu! Porém, fiquei paralisada com a parte "depois da volta".
— Seu pai voltou, Murilo? Que bom! Vocês podem acertar as coisas.
— Que bom? Tu só pode estar de brincadeira! — Ele já está se levantando e colocando
a camiseta.
— Eu não quero me meter na sua vida. Como você disse, nem te conheço. Mas, pelo
pouco que convivemos, percebi que guarda muita mágoa do passado. Você precisa enfrentá-lo
para deixá-lo para trás e focar só no futuro, Murilo.
— Tu não sabe de nada, garota.
Percebo que está se controlando para não me xingar de verdade. Acho que fui longe
demais. É, realmente fui. Ele não diz mais nada, termina de calçar seu tênis all star e se vira.
Bate a porta atrás dele. Que droga, o que eu fiz? Murilo deve ter uma ferida muito grande, não
devia ter mexido nisso. Agora não vai querer mais terminar nosso plano.
Capítulo 12
♫ Meu pai, me diga o que vê quando olha
para trás em sua vida perdida e não me vê? ♫
Father of mine, Everclear
MURILO
Quem essa menina pensa que é para me dar conselhos? Raiva é pouco para o que estou
sentindo desde ontem à noite. Ela não sabe de nada! Na sua merda de vida perfeita, nunca deve
ter sonhado com um abraço verdadeiro porque na vida real não tinha isso. Nunca deve ter
esperado por horas alguém na porta da escola porque simplesmente esqueceram. Droga!
Preciso me acalmar, mas as lembranças não param de aparecer na minha mente.
***
— Mamãe, mamãe, mamãe! — saio gritando pelo corredor. — Amanhã é a
aplesentação do Dia do Papai na escolinha. Eu falei válias vezes plo papai essa semana não
esquecê. Ele plometeu. Ele vai mesmo, né, mamãe?
— Claro que vai, filho. É sua primeira apresentação de Dia dos Pais na escolinha.
Vou conversar com ele quando chegar.
— Êeee! — Pulo animado. — Mamãe, aplendi uma música muito, muito, muito linda
na escolinha pla canta plo papai. A tia Kalina disse que ele vai adolar e queler me cobli de
beijinhos. Eu quelo muito que ele goste pla me dá beijinho. Fico tiste quando o papai não qué
fica comigo.
— O papai não está passando por uma fase boa, filho. Já, já ele melhora, tá? — ela diz
secando uma lágrima que cai.
— Mamãe, não chora, eu tô aqui. Até o papai melhola eu vou ser o helói da nossa
casa, tá bom? — explico, oferecendo um abraço.
— Tá bom, amor.
Escuto a porta da sala se abrindo e corro em direção à entrada.
— Papaiiiiii.
— O que você quer, garoto? — fala impaciente e eu pulo no seu pescoço.
— Papai, amanhã é a aplesentação do Dia do Papai na escolinha. Tô aplendendo uma
música muito linda pla você.
— Só isso? Vou perder meu tempo indo lá pra ouvir uma música? — reclama alterado,
com cheiro de bebida.
— Carlos, você está bêbado? Para de falar isso na frente do Murilo. Você não está
vendo que ele só quer sua atenção? É uma criança de apenas três anos, seu idiota! — xinga
minha mãe.
— Não enche a porra da minha paciência, Maria! E tira esse moleque daqui que quero
dormir um pouco, minha cabeça está latejando.
***
Primeiro Dia dos Pais na escola. Maldita lembrança! Além de não irem à apresentação,
nem ele nem minha mãe, me esqueceram lá. Fiquei duas horas esperando. A Karina ligou
várias vezes e ninguém atendeu. Chegou a me levar em casa mais tarde, só que estava vazia.
Tive que ficar com ela, pois como deixaria uma criança de três anos sozinha? Somente às nove
horas da noite conseguiu contato. Voltei para dar de cara com dois bêbados.
Naquele dia não ganhei beijinhos. Ganhei lágrimas de tristeza.
Anos mais tarde, em um dia de lucidez, minha mãe contou o que aconteceu. Tentou
insistir para Carlos ir à apresentação, porém, só conseguiu insultos e gritaria. O maldito estava
bêbado às oito horas da manhã! Ele saiu de casa batendo a porta e ela ficou desolada, buscando
uma desculpa boa para me dar. Acabou tomando umas para aliviar seu estresse e também ficou
bêbada. Saiu atrás dele, convicta a arrastá-lo para a escola, entretanto, a embriaguez falou mais
alto. Apagou, esquecendo-se de tudo. Inclusive de mim, que precisava que alguém me
buscasse.
Preciso parar de pensar nessa merda toda! Já passou e tenho que seguir em frente. Por
mais que seja cada dia mais difícil enfrentar meus problemas, é isso que necessito fazer.
Pego as roupas sujas do cesto e coloco na máquina de lavar. Com o dinheiro da semana
louca de programa, consegui arrumá-la e ainda pagar a luz e o aluguel atrasados. Pelo menos
isso de bom daquela merda.
Lavo a louça na pia também e dou uma varrida na casa. Mando uma mensagem para o
Max avisando que hoje estou muito ocupado. Tudo que não preciso é mais um querendo falar
na minha cabeça. Quero silêncio.
Já são quase onze horas da manhã e preciso arrumar alguma coisa para comer. Abro a
geladeira, mas está praticamente vazia. Pego a chave da moto para dar uma passada rápida no
supermercado antes de ir encontrar Olívia. Quando estou saindo, não acredito no que vejo. Não
pode ser ele de novo, parado na porta da minha casa. Deus, por favor, tenha dó de mim!
Pelo jeito não tem, pois dessa vez, Carlos vem em minha direção decidido. Caralho!
— Murilo, precisamos conversar — pede meu pai.
— Não tenho nada pra falar com você — digo rápido e com raiva.
— Você pode não ter, mas eu tenho. Soube da sua mãe, sinto muito.
— Tu sente muito? — Agora perco totalmente a paciência. — Deveria ter sentido
muito há 15 anos, quando saiu por aquela porta e me deixou na merda, nos deixou na merda.
Deveria ter sentido muito quando fez minha mãe, uma mulher doce e apaixonada, se
transformar numa alcoólatra, drogada que esqueceu a razão de viver, esqueceu da família.
— Eu sei que cometi muitos erros! Estou os reparando, filho, sou uma pessoa melhor.
— Que bom pra você, Carlos. Pena que não posso dizer o mesmo — solto com ironia.
— Murilo, deixe-me entrar. Eu preciso falar com você.
— Já disse que não tenho nada pra falar! — explico irritado e desvio do seu caminho,
chegando até a moto.
— Eu vou continuar vindo aqui até você me ouvir.
Que inferno! Preciso de uma folga dessa vida, é tanto problema, tanto drama. Olho no
relógio e decido ouvi-lo de uma vez, para nunca mais encontrá-lo.
— Não tenho obrigação nenhuma de ouvir você, mas como a última coisa que quero é
ver essa sua cara, tu pode falar a merda que veio falar. Porém, acredite, não vai mudar nada.
Depois, nunca mais apareça aqui!
Ele acena com a cabeça, triste, e eu volto a abrir a porta da casa. Paro na sala, do lado
da estante, e fico o encarando. Agora parece nervoso, esfregando as mãos toda hora e olhando
para baixo.
— Fala logo porque tenho coisa muito mais importante pra fazer — disparo estressado.
— Primeiramente, quero pedir desculpas por não ter sido o pai que você queria —
começa a dizer e eu não aguento. Acabo rindo na cara dele.
— Olha, tu passou longe, muito longe, de ser um merda de um pai. Que dirá um pai!
Mas até um merda seria melhor do que não ter nenhum — declaro e lágrimas começam a sair
de seus olhos. Ahh não, caralho! Só falta essa.
— Eu sei, me desculpe.
— Eu não desculpo, nem adianta chorar! Não tem como desculpar o que tu fez. Tu
desgraçou tudo a nossa volta.
— Murilo, entenda meu lado. Eu era um adolescente imaturo. Sua mãe ficou grávida
com 15 anos, eu tinha 17. Não tinha estrutura nenhuma. Nunca tive uma família.
— E daí? O que a gente tinha a ver com isso? Por que tu não deixou minha mãe ficar
com a vó, então? Com esse seu orgulho idiota, a fez acabar com a própria vida.
— Como você sabe da sua vó?
— Minha mãe me contou. Ela queria vê-la antes de morrer, mas não consegui encontrá-
la. Mudaram do Rio — falo ríspido, querendo acabar logo com a conversa.
— Sua vó não suportava a ideia da sua mãe estar grávida de mim, um favelado, Murilo.
Ela era da classe alta, insistiu mais de uma vez para a Maria abortar. Se você tivesse ido pra lá,
teria sido enviado para adoção.
— Com certeza teria sido uma vida melhor da que tive — digo e ele abaixa a cabeça
novamente, passando as mãos pela nuca.
— Eu sei. Você não sabe como me arrependo de tudo. Me arrependo de não ter deixado
sua mãe ir embora. Me arrependo de ter ficado tão desesperado de constituir uma família que
estraguei com tudo.
— Com certeza, tu estragou. Eu era uma criança, caralho! Uma criança largada, que
ficava a maior parte do tempo suja e com fome. Tu atormentou tanto minha mãe que ela se
tornou o mesmo que você. Consegue imaginar como foi sobreviver esse tempo todo sem pai e
sem mãe?
— Murilo, eu... — Mais lágrimas.
— Pode engolir essas lágrimas aí, que elas não me comovem nenhum pouco. Lembra o
que tu me disse uma vez sobre chorar? — Ele fica pálido e engole em seco.
Com certeza, se lembra. Eu não consigo esquecer.
***
— Papai! Acorda, papai! — chamo desesperado na beirada da cama dele.
— O que você quer, moleque? — Está novamente com cheiro forte na boca.
— Papai, eu estou com medo do escuro. Deixa eu dormir aí com vocês — peço
chorando.
— Nem pensar. Cai fora daqui.
— Por favor, papai, estou com muito medo. Tem um monstro lá debaixo da cama.
— Caralho, Murilo. Que inferno, vai acordar sua mãe, porra!
— Papai, mas você é o herói, você que tem que combater o monstro. — Cutuco mais
uma vez e ele se levanta bravo, me pegando firme pelo braço.
— Que porra, moleque! Não acredito que me acordou por causa de um medinho de
monstro. Você não é homem, caralho?
— Papai, eu sou criança — soluço entre lágrimas.
— Filho meu não é marica que chora à toa. Chorar é para os fracos, os idiotas que
não sabem o que fazer. Você está com medo, é? — Agora seu olhar é frio.
— Sim, papai — admito baixinho.
— Então, vem aqui que vou fazer você perder esse medo rapidinho.— Sorri de um jeito
tenebroso.
***
— Eu tinha cinco anos! Cinco anos, caralho! Tu abriu a porta da cozinha e me fez
dormir no quintal. Era uma noite fria e escura de julho. Nem uma merda de cobertor tu me deu.
Nada! Apenas me largou lá e trancou a porta. Eu chorei tanto, mas tanto, que acabei
adormecendo do lado da máquina de lavar depois de umas cinco horas.
— Murilo... Eu... Eu sei que errei muito com vocês, mas eu quero reparar isso.
Agora chega! Não tenho mais que ouvir essa merda. Nem que ele virasse o Papa eu o
perdoaria. Foram muitas lágrimas e noites mal dormidas, foram muitos anos no fundo do poço
para um simples pedido de desculpas. Tenho vontade de socá-lo até não aguentar mais.
— Sai fora daqui, Carlos! Sai antes que eu não responda por mim. Eu estou me
segurando muito para não te dar um soco agora mesmo. Mas, sabe por que não vou fazer isso?
Porque eu sou muito melhor que você.
— Eu sei que sim, Murilo.
— Sai daqui agora! — grito. — Não quero mais ouvir essa baboseira. Esquece esse
negócio de perdão porque nunca vai rolar. Nunca!
Pego-o pelo braço e o coloco para fora de casa. Ele está transtornado com minhas
palavras. Que se dane! Fiquei transtornado a vida toda. Tranco a porta e sigo caminhando
rápido em direção à moto.
— Murilo, não dirija assim. É perigoso, filho.
— Não sou seu filho! — grito novamente.
Ligo a Rabbit e saio cantando pneu pela rua, sem olhar para trás. Minha cabeça ferve,
meu coração bate forte e lágrimas caem dos meus olhos sem eu querer. Definitivamente, sou
um fraco.
Capítulo 13
♫ Penteando o meu cabelo, será que estou
perfeita? Eu esqueci o que fazer para me
encaixar no molde. Quanto mais eu tento,
menos dá certo. Tenho que corrigir porque
tudo dentro de mim grita não. ♫
Who you are, Jessie J
ALICE
Já mandei umas três mensagens para o Murilo pedindo desculpas, por ter me
intrometido, desde terça, só que nem foram visualizadas. Fui longe demais. Pelo pouco que o
conheço, é óbvio que teve uma vida difícil e que sua família foi crucial nesse processo. Maldita
boca curiosa!
Estou no estágio, é quase final de expediente, e minha cabeça viaja longe. Estranho
como ultimamente tenho me sentido diferente. Apesar de ser sonhadora, não costumo me dar
ao luxo de perder tempo divagando. Pelo menos, não durante o dia, enquanto preciso colocar
em prática meus planos.
Parece que desde o acontecido com o Heitor minhas prioridades foram abaladas. Sinto-
me como se estivesse seguindo um script que foi alterado e agora estou perdida. Não sei
improvisar na vida. E o mais assustador é que cheguei até questionar esse tempo pensando
demais. É uma fase, só pode ser. Vai passar!
Arrumo minhas coisas e sigo para a portaria. Vou para a casa de Claudinha hoje,
aproveitar as férias para adiantar o lançamento da sua loja virtual com peças autorais. Não
estou com cabeça, mas quero ajudar minha amiga.
— Tá pensando na morte da bezerra? — Claudinha pergunta rindo, enquanto encosta o
carro perto de onde estou.
— Tô pensando que tô perdida. — Sorrio e entro.
— Perdida como, Alice?
— Sei lá, não está fazendo muito sentido minha vida ultimamente. O Heitor, meus
pais... Até esse emprego que tanto queria agora parece sem graça.
— Será que tu não está acordando?
— Acordando? — questiono erguendo uma sobrancelha.
— É! Acho que tu faz tudo o que esperam que faça. Não vive por si. Por ser muito
inteligente, é como se fosse obrigada a se dar bem sempre. Ter uma vida exemplar. O que não
existe, claro, já pode perceber.
Faz sentido. Sou muito cobrada pela minha família, professores e amigos. Tem uma
expectativa enorme em cima de mim e, com isso, adquiri um medo absurdo de falhar com as
pessoas, de decepcioná-las. É claro, eu adoro Administração agora, no entanto, não era o curso
que eu queria fazer.
Ser uma executiva de sucesso é o sonho do meu pai. Ele não teve chance de concluir
sua faculdade e repassou a missão para mim. Desde criança pensei em fazer Serviço Social,
ouvir e ajudar as pessoas, porém, minha mãe acha que não é uma profissão de verdade. Como
poderia não ser? É, e é muito nobre. Queria trabalhar em um lar com crianças abandonadas ou
em um asilo.
— Pode ser — digo secamente.
— O Murilo te respondeu? — Claudinha pergunta mudando de assunto, percebeu que
não quero falar. Por isso, amo minha amiga.
— Não. Tô me sentindo muito mal de ser intrometida.
— Cara, tu não devia ter falado isso pra ele. Não sabe da merda que é sua relação com
os pais.
— Ele disse que a mãe morreu, o que aconteceu?
— Ela morreu na mesma época que o Max se mudou pra Inglaterra. Foi uma barra e
tanto. Mas não quero falar disso, Alice. Primeiro, porque é problema do Murilo e se um dia ele
quiser, o que eu duvido, te conta. Segundo, tu não precisa saber. Já disse pra não se envolver!
— Eu sei, eu sei. Calma! Só curiosidade.
— Acho bom! Mudando de assunto de novo, este ano tu vai ficar aqui no seu
aniversário, né?
— Aí, Claudinha, não sei. Você sabe como é minha mãe com essas datas. Ela disse que
quer organizar um jantar com meus tios e primos. Não tô a fim disso pra celebrar 19 anos,
mas...
— Mas nada, Alice. Pelo amor de Deus! Seja pulso firme nas coisas. Tu não precisa
agradar ninguém, só a você mesma.
— Se eu não for, o que faremos sábado, então?
— Ahhh, eu tenho planos. Bons planos, fique tranquila. Vamos pra balada! — Pisca e
eu concordo sorrindo.
Vai ser um inferno aguentar minha mãe enchendo o saco, entretanto, eu quero fazer
algo diferente este ano. Quando chegar em casa, ligo para avisá-la.
***
Três horas depois, estou na república. Disco o número da minha mãe enquanto faço um
mexidão na cozinha com os restos da semana.
— Alô! — ela atende animada.
— Oi, mãe. Tudo certo?
— Alice, minha filha, tudo bem. E aí, como andam as coisas? Heitor não te encheu o
saco, né?
— Não, tô de boa mãe. — Definitivamente, não quero falar com ela sobre isso.
— Preparada para nos visitar este fim de semana?
— Então, mãe, por isso te liguei agora. Eu...
— Alice Cavalcante, não me diga que você não vem? Já estou arranjando tudo com
suas tias.
— Eu sei, mãe, me desculpa. Mas eu queria ficar aqui este ano, fazer algo diferente pra
variar.
— E só agora me avisa, faltando dois dias? Que falta de consideração, Alice! O que eu
falo para suas tias?
— Fala que eu quis ficar aqui, oras. Mãe, não sou mais criança, elas vão entender.
— De onde saiu isso, Alice? O que está acontecendo com você? Tem a ver com seu pai
e eu?
— Não tem nada a ver com vocês, mãe. Tem comigo mesma! Tô começando a cansar
de fazer sempre as mesmas coisas, de ficar planejando tudo. Parece que não vivo, só vou
levando — desabafo sem pensar. Merda, ela vai dar sermão!
— Alice, você ficou louca? Pelo amor de Deus, se recomponha menina. Não esqueça
suas metas. Você vai ser feliz, minha filha.
— Mãe, eu não vou pra casa no fim de semana — declaro decidida.
— Alice, não...
— Mãe, não adianta. Eu não vou. Boa noite, viu, preciso comer porque estou com
fome.
— Alice?
— Tchau, mãe. Te amo. Beijo.
Desligo antes de ela continuar a ladainha. Vai ser divertido com Claudinha. Murilo
também podia ir. Quem sabe como presente, enfim, chegamos aos finalmente? Vou tentar
enviar uma nova mensagem.
Já me desculpou? =( Que tal uma saída sábado comigo e com Claudinha? Uma
balada? Mais um passo no nosso plano. É meu niver ;-)
Dessa vez, a resposta vem rápida.
Não posso, tenho que trabalhar.
Às vezes, me esqueço de que ele é um garoto de programa. Que merda!
Capítulo 14
♫ Lentamente quero te despir com beijos,
lentamente. Assinar as paredes do seu labirinto e
fazer de todo seu corpo um manuscrito. ♫
Despacito, Luis Fonsi
MURILO
A conversa com meu pai esta semana desestruturou o pouco da estrutura que eu estava
tentando construir na minha vida. Sinto-me perdido e com raiva. Muita raiva dessa merda toda!
A única coisa boa é que canalizei esse sentimento na música. Já foram quatro composições, e
agora trabalho em mais uma.
Estou sentado na cama com o violão no colo, um caderno aberto e uma caneta na
orelha, praticamente, o sábado inteiro. A música sempre me acalma, como se me transportasse
para outra dimensão. Nunca gostei de falar, porém, me expresso muito bem com as palavras.
Dedilho as notas que tentei fechar a tarde toda e o refrão fica pronto.
♫ Por que agora?
Por quê?
Você teve muitas chances de voltar
Eu precisei mais de você do que possa imaginar
É muito tarde pro perdão
Minha sina é a solidão
Por quê? ♫
Será que minha sina é a solidão? Não digo uma solidão de ficar, literalmente, só, sem
pessoas ao redor, mas a pior que poderia existir: a interior. Uma alma perdida que não sabe
encontrar o caminho de volta.
Pego meu computador para gravá-la, sempre faço isso quando termino uma canção, e
vejo que Max está on-line. Decido mostrar a ele e o chamo por vídeo.
— Até que enfim resolveu falar comigo. Esqueceu dos amigos? — atende rapidamente.
— Foi mal, dias de merda! Não vou entrar em muitos detalhes, nem adianta perguntar.
Meu pai voltou.
— O que, Murilo? — grita incrédulo. — Por que não me falou isso antes?
— Tô de saco cheio e não queria falar com ninguém. Nem com você.
— Você está bem, cara?
— Não. Estou com muita raiva. Não acredito que, depois desse tempo todo, ele
resolveu aparecer e fingir que está tudo bem.
— Ele veio pedir perdão?
— Não quero falar , Max. Por favor.
— Murilo, você precisa parar com isso. Centraliza demais os problemas, um dia vai te
matar.
— Já estou morrendo aos poucos, fica tranquilo.
— Idiota! — Max me repreende bravo.
— É sério, não quero levar esse assunto adiante. Não foi para conversar sobre as
minhas desgraças que te chamei. Quero mostrar umas composições.
— A raiva sempre inspira você ainda mais, né? Sempre foi assim.
— Pois é, não sei falar de coisas que me deixam feliz. Só das partes ruins — desabafo e
meu amigo fica pensativo do outro lado. — Vou mandar os vídeos aqui no chat. Terminei uma
agora, vou gravar enquanto tu dá uma olhada nessas.
— Beleza.
Envio o que já tenho pronto e gravo a nova melodia. Ficou realmente muito boa. Fico
esperando a avaliação de Max.
— Murilo, está incrível, cara, de verdade. Uma melhor do que a outra. Parabéns!
— Ahh, valeu. Que bom que gostou. Quando tu aprova eu sei que está bom, afinal,
você é o perito em música aqui.
— Para com isso, eu já cansei de falar que você tem talento. Só você não vê! As
músicas ficaram, de fato, muito boas. Você deveria levá-las adiante.
— Até parece, Max! Só hobby mesmo.
— Mas não devia ser. Pelo menos em barzinho poderia tocar. Murilo, por que você não
me escuta?
— Porque eu preciso sair agora. Até mais! — Sorrio e desligo a chamada.
Lá vem ele com a mesma conversa de sempre. Coisa chata! Vejo meu telefone
vibrando e, sem pensar, pulo da cama. Será Alice me convidando para sair de novo? Agora que
me acalmei da sua intromissão, bem que poderíamos manter os planos. Não fui muito educado
da última vez. É que, realmente, odeio quando se metem na minha vida.
Gato, que tal uma noite a três? Tô com saudade e minha amiga está louca pra te
conhecer. Disponível?
Com certeza não é Alice. Apenas uma cliente qualquer que nem me dei ao trabalho de
anotar o número. Marco o programa para às nove horas da noite.
***
Eu deveria estar animado em passar a noite com duas mulheres ao mesmo tempo?
Deveria! Porém, a única coisa que sinto é tédio. A menina mora do outro lado da cidade e a
demora para chegar me deixa ainda mais incomodado. Quando estou na portaria do seu prédio,
paro repentinamente. Não tenho cabeça para isso agora, a última coisa que preciso é fingir.
Dou meia volta e faço uma coisa que nunca tinha feito antes: dispenso uma mulher. Ou,
melhor, duas de uma vez.
Desde aquela semana maluca de trepadas seguidas, dia e noite, não tive mais ninguém.
Além de a minha cabeça estar longe, de alguma forma agora me sinto estranho fazendo
programa. Como se fosse errado. Não consigo entender o motivo, mas é mais forte do que eu.
Subo na Rabbit e fico perambulando pelas ruas do Rio sem destino. É uma ótima
terapia para esfriar um pouco a cabeça. Depois de três horas, paro em frente ao bar do Rafa.
Está lotado, com carros por todo lado. Preciso beber umas doses antes de ir para casa. Demoro
quase quinze minutos para achar uma vaga e caminho com dificuldade até o balcão.
— Caralho, Rafa! Essa merda tá lotada hoje, hein? — questiono já de saco cheio de
esperar tanto para chegar ali.
— Graças a Deus, Murilo. Preciso fazer dinheiro nessa crise.
— Nem me fale, tá difícil.
— O que tu vai querer?
— Uísque duplo, por favor!
— É pra já! — fala pegando com agilidade um copo e despejando o líquido. — Sua
amiga tá aqui de novo, cara. A loirinha marrenta.
— Claudinha?
— Sim. E tá com uma morena gostosa pra caralho. Na boa, se eu não tivesse que
trabalhar a comeria aqui e agora — diz olhando para frente e balançando a cabeça em direção
às meninas.
Cerro os olhos na mesma hora e fecho as mãos ao lado do corpo. O que é isso?
Alice está com os cabelos soltos, em ondas perfeitas nas pontas. Seu rosto está
maquiado e um batom vermelho na sua boca carnuda me tira o ar. O vestido é verde escuro,
bem colado no corpo, valorizando seus seios e suas coxas. Um salto alto completa a tentação.
Apesar de preferi-la natural, não há como negar que está gostosa pra caralho. Gostosa é até
pouco!
Mas, claro, não foi só eu que percebi sua beleza. Estou sentado no bar e ela está na
pista de dança, que fica do outro lado. Praticamente todos os homens ao seu redor a encaram.
Dança com Claudinha uma música rápida e sensual, parece até que está um pouco bêbada, a
julgar pelo jeito que se mexe.
Perco-me totalmente em seus movimentos quando, de repente, vejo mãos em sua
cintura e ela se afastando. Sem perceber, já estou ao lado dela encarando o engraçadinho.
— Perdeu alguma coisa aqui? —questiono com raiva.
— Qual é a sua, cara?
— Eu que te pergunto, chega agarrando a menina por trás.
— Ela é sua, por acaso?
— Não é de ninguém, cara. Só porque está sozinha não te dá o direito de agarrá-la.
— Não se mete, seu...
Nem o espero terminar e já parto para cima do garoto. Que petulante! Melhor saber
brigar porque, com a raiva acumulada que estou sentindo, vai ficar feio para o seu lado. Mal
seguro sua camisa, avisto cabelos esvoaçantes entrando na minha frente. É ela.
— Para, Murilo! Não briga por minha causa, por favor. Não quero arrumar confusão —
suplica.
— Ele é um idiota, Alice.
— Eu sei, mas deixa quieto. Por favor? — Ela está segurando minha mão e me olhando
com olhos preocupados. Não tem como resistir a isso.
Solto o cara e ele sai xingando baixo.
— Obrigada — sussurra.
— Que exibição de masculinidade, hein, cara? Tava esperando a competição de quem
mija mais longe — dispara Claudinha. Claro, ela sempre tumultuando o ambiente.
— Cara folgado, só isso.
— Sei. — Emburra. Mas, oras, o que eu fiz de errado?
Começa a tocar a nova sensação do momento, Despacito, e as duas ficam animadas na
minha frente. É praticamente impossível ficar parado ouvindo essa música.
— Vem dançar comigo? — Alice pergunta sorrindo.
— Ahh... Melhor não — desconverso.
— Só uma música, não vai morrer por isso, vai?
— Tá bom, tá bom — aceito e ela me puxa pela mão.
A canção começa bem apropriada: "Sim, você sabe que eu estive te observando".
Alice coloca as mãos nos meus ombros e me encara profundamente. Esses olhos
castanhos esverdeados enormes são de matar! Chega mais perto, para que eu possa segurá-la, e
a aperto firme na cintura. Começa a se movimentar rápido, no ritmo da música, mexendo os
quadris de um lado para o outro. Caralho, essa mulher tem gingado. Que tesão!
Continuamos nos olhando intensamente, parece que ensaiamos um número de tão
perfeita a sincronia. Cada movimento que ela faz vai direto para o meu pau! Alice sobe as
mãos para a minha nuca, massageando meu cabelo e, instantaneamente, eu fecho os olhos e
mordo os lábios.
— Gata, não me provoca — falo em seu ouvido.
— O plano é esse — responde também sussurrando e eu abro um sorriso malicioso.
Com certeza, ela bebeu. Não seria assim tão direta se estivesse sóbria. Quando a
música diz "Passinho a passinho, devagar, devagarinho, vamos nos pegando, pouquinho a
pouquinho", Alice se vira de costas e esfrega sua bunda gostosa em mim, descendo lentamente.
Passa uma mão pelo meu cabelo, me puxando para perto, e ainda canta no meu ouvido: "Que
le enseñes a mi boca tus lugares favoritos". Puta que pariu! Já não estou mais respondendo
por mim.
Pego-a pela cintura e a puxo na ânsia de beijá-la o quanto antes. No momento em que
nossos lábios se tocam, uma explosão de sensações invade meu corpo. É fato que a boca dessa
mulher me leva à loucura! Sinto-me bem quando estamos assim, conectados. Perco a noção de
tempo e espaço.
— Ei! Pelo amor de Deus vocês dois, né?! — reclama Claudinha gargalhando,
pendurada nos braços de um cara. — Por mais que esteja excitante presenciar a esfregação aí,
precisam lembrar de que estamos no meio de um bar. Arrumem um quarto, por favor.
Mesmo bêbada, Alice fica corada com o comentário da amiga e para imóvel ao meu
lado.
— Tu quer sair daqui? — pergunto sem pensar muito.
— Sim — responde sorrindo e mostrando suas lindas covinhas.
Damos as mãos e caminhamos rapidamente até a saída. Rafa me vê com Alice e me
mostra o dedo do meio, gargalhando. Retribuo com um sorriso vitorioso. Se fodeu, babaca. Ela
é minha!
Minha? Murilo, segura esse tesão aí. Nem tanto, cara.
Quando chegamos onde estacionei a Rabbit já não estou aguentando mais de tanta
vontade de despi-la e beijar cada cantinho dessas curvas deliciosas. Faz anos que não levo
nenhuma garota em casa, porém, como é o local mais próximo daqui vou abrir uma exceção.
Depois que a gente se divertir por algumas horinhas a levo embora. Nem três minutos depois,
já estou abrindo a porta de casa.
— Essa é sua casa? — questiona curiosa.
— É sim. Não repara na bagunça. Homem fazendo serviço doméstico tu já viu, né? —
Sorrio sem graça.
— Nossa! Acabei de imaginar uma cena nada adequada para menores. Você nu,
encostado na pia e lavando louça de avental — Alice comenta corada e eu gargalho.
— Tu bebeu, né?
— Só um pouquinho. Por quê?
— Um pouquinho quanto? É a primeira vez que tu bebe?
— Sim, mãe — responde emburrando a cara. Fica ainda mais linda!
— Não tô querendo ser chato, mas não vamos abusar hoje aqui. De forma nenhuma
vou deixar que perca sua virgindade bêbada.
— Ahhhhhhhhhhh — Alice reclama e faz biquinho.
— Ahh nada! Tu não me perdoaria depois, Alice. Nem eu, pra falar a verdade. É muita
canalhice aproveitar do momento, apesar de estar quase explodindo aqui olhando para você
gostosa desse jeito.
— Gostou do meu visual hoje? — diz dando uma voltinha com a mão na cintura.
— Gosto sempre, mas hoje está de matar — admito e ela sorri, sem graça.
Entramos e a seguro pelas mãos novamente, andando rápido até o quarto. Não quero
que ela fique prestando atenção nas coisas. Daqui a pouco vem com aquela boca curiosa
enchendo-me de perguntas que não quero responder.
Mal fecho a porta, enlaço minhas mãos na sua cintura e volto a invadir sua boca. Cada
cantinho é explorado, intercalando a língua com mordidinhas que me levam à loucura.
Levanto-a e imediatamente ela passa as pernas pela minha cintura. Minhas mãos estão
desesperadas para tocá-la. Quando a deito na cama, se levanta na mesma hora.
— Não! Senta aí você. Quero fazer uma coisa.
Não faço ideia do que Alice vai fazer, mas obedeço.
Meu Deus! Por que fui ouvi-la?
A linda mulher à minha frente começa a mexer seu corpo com maestria novamente e
coloca a mão na barra do vestido. Caralho, ela não vai fazer isso. Merda, ela vai!
Estou, literalmente, de boca aberta olhando para essa garota tímida, que fica vermelha
por qualquer coisa, se despindo para mim. Ela está me olhando profundamente, e mostrando
covinhas lindas nos lábios. Que tesão! Vou ter que retirar forças das profundezas do meu ser
para conseguir parar isso.
Alice termina de tirar o vestido e a puxo para a cama, ficando por cima. Se a ver
tirando calcinha e sutiã, não respondo por mim. Ela me ajuda a tirar minhas roupas e toco
nossos corpos. Aproveito a posição para matar a saudade e beijá-la da ponta da orelha até os
pés, deixando-nos ofegantes.
— Murilo, eu quero você — fala gemendo na minha boca.
— Não, Alice. Por favor, não faz isso. Não sou de ferro.
— Você não me quer? — pergunta provocando ao chupar meu pescoço. Arqueio e
suspiro pelo seu toque.
— Caralho! É sério essa pergunta? Tô de pau duro desde que te vi no bar. Como pode
dizer isso?
— Por que não me toma, então?
— Porque tu bebeu, Alice. Não podemos fazer assim.
— Eu não estou totalmente bêbada, sei o que estou fazendo.
— Mesmo assim, não é certo. Não vamos fazer isso!
— Podemos tentar outra coisa, então, né? — ela pergunta com cara maliciosa.
— O quê? — pergunto até com medo da resposta.
— Ahh, nada... — De repente Alice fica corada.
— Fala, gata! O que tu quer que eu faça?
— Bobeira, deixa pra lá.
— Ei, não tenha vergonha comigo! — digo puxando seu queixo para que me olhe. —
Tu pode ser você mesma, se expressar como quiser. Não vou julgá-la ou coisa assim, se é isso
que está pensando — explico e ela me observa pensativa, ponderando suas palavras.
— Eu queria... Bom, queria que você... — fala apontando para sua calcinha.
— Tu quer que eu te chupe? — Mal acredito que ela está pedindo isso. Minha boca
saliva na mesma hora. Que vontade que estou de sentir seu gosto!
—S... sim — responde corada.
— Ahhh… Será um prazer, gata.
Nossa! Já fiz isso centenas de vezes, entretanto, nunca fiquei tão nervoso. À medida
que desço minhas mãos pelo corpo de Alice vou sentindo mais frio na barriga. Que estranho!
Baixo sua calcinha lentamente, para saborear o momento, e me ajeito entre suas pernas.
— Tem certeza disso, gata? — pergunto novamente antes de começar.
— Tenho sim, Murilo — assente animada.
Umedeço os lábios e volto à atenção para suas pernas abertas, experimentando seu
gosto. Meu Deus! Que delícia. Até isso nela é perfeito, como pode? Já está molhadinha.
— Alice, que gosto incrível! — elogio e ela se remexe embaixo de mim.
Perco a noção do tempo ali, explorando cada cantinho. Alice está ficando louca de
desejo, e eu quase não consigo respirar.
— Mais rápido, por favor, mais rápido! — pede ofegante e eu obedeço levando minha
mão ao seu clitóris.
— Vai, gata! Quero sentir seu gosto.
Ela se remexe, contorce, leva a cabeça para trás, fecha e abre os olhos. Está perdida nas
novas sensações. E como é um tesão do caralho observá-la assim! Que vontade de tirar essa
cueca e enfiar meu pau dentro dela. Respira, Murilo. Hoje não, hoje não.
Enquanto travo minha guerra interior, Alice chega lá, desmanchando-se embaixo de
mim. Essa mulher vai me matar, é gostosa demais!
— Nossa, acho que nunca me senti tão bem em toda minha vida. Que delícia sua boca,
Murilo.
— Que bom que tu curtiu, gata, porque eu adorei experimentar você — falo lambendo
os lábios e ela geme mais uma vez, sorrindo.
Alice se vira na cama, para ficar de lado, e percebo que está cansada. A adrenalina
baixou e os efeitos do álcool estão chegando. Ajudo-a a se limpar e coloco sua cabeça no
travesseiro. Ela está com sono, mas insiste em ficar conversando. Só que não dura nem cinco
minutos dessa vez e desmaia no meu colchão.
— Feliz aniversário, linda — sussurro em seu ouvido.
Preciso levá-la embora logo, porém, não custa deixá-la descansar um pouco. Nem
percebo a hora passar admirando sua beleza e acabo adormecendo também, abraçando-a de
costas.
Capítulo 15
♫ Ontem é história e amanhã é um mistério.
Posso ver você olhando de volta pra mim,
mantenha seus olhos em mim. ♫
Mirrors, Justin Timberlake
ALICE
Abro os olhos com dificuldade, localizando-me onde estou. Nossa! Que dor de cabeça.
Parece que um caminhão passou por cima do meu cérebro e esmagou os meus miolos. Por isso
não bebo. A sensação boa é momentânea, depois o corpo que sofre as consequências.
Imagens de ontem começam a ser formar na minha mente. Shopping à tarde, Claudinha
insistindo para eu comprar um vestido novo e sensual, preparação em casa para a balada, uns
drinks coloridos bem fortes, muita risada, dança... Murilo! Sim, me lembro de tudo que
aconteceu. Eu não estava bêbada, só bastante no ar. Sou fraca demais para o álcool. Senhor!
Lembro-me que fiquei bem abusada. Agora que não bebo mais mesmo pelo resto da vida. Que
vergonha! Eu me esfreguei nele em uma boate cheia de gente e viemos para sua casa.
Olho ao redor e me toco. Não tem ninguém do outro lado da cama e a luz já bate na
janela. Amanheceu e ainda estou aqui. O quarto é pequeno, branco e sem decoração. Tem um
guarda-roupa do lado esquerdo, uma mesa de computador perto da janela e um violão
encostado na parede. Sim! A música. Queria tanto vê-lo tocar, mas duvido que me mostre. Não
vou ficar brava, porque ganhou uns bons pontos na minha lista.
Tenho que reconhecer que Murilo foi um perfeito cavalheiro. Apesar das minhas
vergonhosas insistências, ele não se deixou levar e respeitou os limites. Podia ter se
aproveitado, entretanto, se preocupou o tempo todo. Só esquentamos um pouquinho. Ahh...
Sua boca. Meu Deus! Ela realmente sabe trabalhar bem. Fico com calor só de lembrar.
Onde será que ele se meteu? Resolvo levantar e procurá-lo pela casa, mas paraliso ao
ouvir vozes. Tem duas de homens, e duas de mulheres. Merda! Que não sejam clientes. Não
quero nem imaginar isso. Eles estão falando baixo, porém, dá para percebê-los. Como eu vou
embora daqui?
Começo a ficar desesperada em busca do meu vestido. Dormi só de calcinha e sutiã,
preciso procurá-lo urgente. Eu senti frio, lembro-me de um corpo quente encostado no meu.
Será que ficamos de conchinha a noite toda? Preciso parar de divagar e correr, antes que
Murilo se esqueça de que estou aqui e traga a tropa para sua cama.
Encontro-o jogado no chão e me visto rapidamente, calçando meu salto. Odeio salto!
Agora vou parecer uma louca andando pela rua sozinha com essa roupa. Enquanto penso como
sair sem ser notada, ouço a voz de Murilo ficar mais alta, como se estivesse chegando próximo
ao quarto.
— Olívia, não faça isso!
Olívia? Quem é Olívia? Ele parece desesperado para que ela não entre. Será que Murilo
tem uma namorada inocente como eu fui com Heitor? Que acredita nele fielmente e o cretino
passa as noites com várias mulheres se prostituindo, sem ela saber? Ai, meu Deus! Estou
passando mal. Que não seja isso! Coitada dessa menina. Alguém coloca a mão na maçaneta da
porta e meu coração vai parar na boca com o medo da realidade.
— Olívia! — Murilo grita.
Ela não escuta e entra do mesmo jeito. Mas, espere aí!
Olívia não é cliente, com certeza. Também não é namorada, posso confirmar.
Quem será?
O que aparece na minha frente é uma menininha linda de olhos escuros e cabelos
castanhos. É branquinha, deve ter, no máximo, uns quatro anos.
—Oi! — digo encantada.
— Oi! — ela responde emburrada. — Mu, quem é essa?
Já gostei dela. Tem personalidade forte!
— Olívia, eu falei pra não entrar aqui. Tu precisa me obedecer, querida — fala Murilo
para a criança com carinho, se ajoelhando para olhá-la nos olhos. Parece nem me ver parada
ali.
— Diculpa. Eu tô procurano a Mônica. Esqueci ela aqui ontem, preciso da Mônica,
Mu.
— Eu sei que sim, mas eu disse que não estava aqui.
— Vamo procurá?
— Agora eu não posso, preciso levar aquela moça ali na casa dela. Daqui a pouco a
gente procura, tá?! — ele explica, finalmente, me olhando.
— Quem é ela? Você não me falô.
— O nome dela é Alice.
— Mas quem é?
— Alice, ué.
— Não. O que é?
Estou entretida com a pequena. Brava, determinada e curiosa! Fico imóvel ouvindo o
diálogo dos dois, querendo encaixar as peças.
— Nossa, Olívia, tu pergunta demais.
— E tu nunca tem resposta.
Toma! Já adoro essa menina. Ele nunca tem mesmo.
— Eu já falei pra tu que é feio ficar enchendo as pessoas de perguntas.
Quando Olívia ia soltar mais uma, aparece na porta uma senhora que aparenta uns 70
anos acompanhada de um menino. Um menino muito parecido com o Murilo: olhos castanhos
avelã, cabelos bagunçados... Mas, ele é diferente. Com certeza, tem Síndrome de Down. Que
fofo! Está sorrindo e agarrado no braço da mulher que se assusta ao me ver ali.
— Murilo, me desculpa! Não sabia que tu estava acompanhado — explica a senhora.
— Dona Emília, tudo bem. Eu perdi a hora, era pra ter levado a Alice ontem mesmo
pra casa.
— Eu não posso ficar com eles agora, o Zé está me esperando pra ir à feira. Daqui a
pouco eu volto e tu poder levar a moça em casa. Ok?
— Não se preocupe — tomo coragem para dizer. — Eu posso ir de Uber ou de ônibus.
— Tu não vai sair aqui, no meio da favela, vestida desse jeito, procurando ônibus, táxi,
Uber, ou o que seja — se intromete Murilo irritado.
— Por que não? — questiono inocentemente.
— Porque tu está na favela, Alice, não no seu bairro.
Ok, melhor não discutir. Todos estão olhando para nós, quietos, mas vejo um sorriso
escondido nos lábios de Dona Emília. Não estou entendendo nada.
— Pode procurá a Mônica agora? — a menininha volta a perguntar. Que fofa!
— Eu vou indo, daqui a pouco estou de volta — despede-se Dona Emília e sai pela
porta.
— Raul, tu ajuda a Olívia a procurar a Mônica, por favor? — Murilo pergunta ao
menino.
— Claro! Vem, Li — ele responde animado, estendendo a mão, e os dois saem
saltitantes do quarto.
Murilo está tenso, se levanta do chão e passa as mãos pela nuca. Eu continuo em
silêncio, com medo da minha boca fazer perguntas que estraguem tudo de novo, apesar de
morrer de curiosidade.
— Eles são meus irmãos
— Irmãos? — pergunto incrédula.
— Sim. O Raul é de pai e mãe, a Olívia só por parte de mãe. O meu pai nem sabe que o
Raul existe. Ele foi embora antes dela descobrir a gravidez.
Fico chocada, coitado do Raul! Aproveito que Murilo abaixou a guarda, e tento arriscar
a sorte.
— Por isso você só pode trabalhar à noite? Por causa deles?
— Isso — responde secamente, contudo, depois, graças a Deus, resolve continuar. Não
ia aguentar de curiosidade. — A Dona Emília trabalha durante o dia e não pode ficar com eles.
Ela é a única pessoa que me ajuda. Provavelmente, já teriam ido para um abrigo. Não
conseguimos creche para a Olívia em tempo integral, nem escola para o Raul. Os dois só ficam
meio período, de manhã. Enquanto estão lá, eu tenho que dar uma ajeitada nas coisas aqui,
fazer os serviços domésticos, arrumar comida... Toda a tarde eu passo com eles. Não temos
mais ninguém, somos só nós.
Um nó se forma na minha garganta. Que arrependimento de ter feito julgamentos
precipitados. Realmente, não podemos falar sem saber da realidade das coisas. Estou até com
vergonha das minhas palavras, não sabia que ele tinha todo esse peso nas costas.
— Desculpa, Murilo, por ter julgado você ser garoto de programa. Entendo o motivo
agora.
— Julgar é fácil, Alice. Difícil é entender. Tu acha que eu gosto do que faço? Só não
tenho opção! É isso, e tenho a família que me restou, ou já era.
— Eu sinto muito mesmo pelo julgamento.
— Tudo bem, já esperava isso. Todo mundo joga pedra mesmo. Quando saí do
emprego de segurança, eu fiquei um mês e meio procurando vaga dia e noite. Mas só no
período noturno é bem difícil. As coisas começaram a ficar feias aqui e tive que tomar medidas
urgentes.
Olívia interrompe nosso momento de sinceridade e fico triste. Murilo estava tão
propício a responder. Ela entra feliz pelo quarto, gritando e pulando no colo do irmão.
— Acheiiiiiii! Tava debaixo da pia.
— O que a Mônica tava fazendo debaixo da pia, Olívia? Já falei para tomar cuidado
com seus brinquedos. É para guardar no lugar quando não for usar mais.
— Ela foi procurá comida pra Magali.
Não aguento, morro de rir com a esperteza da menina. Parece eu quando criança.
Sempre com a resposta na ponta da língua! Murilo olha para mim e também sorri.
—Tenho que admitir que tu é esperta — ele diz.
— Eu sou esperta e linda. E divetida. E legal.
Estou gargalhando de novo. Essa menina é uma figura!
— Tu tá rino de mim?
— Desculpe, você é muito engraçada.
— Isso é uma coisa boa?
— Ahh... É sim! Mantenha esse senso de humor e será uma pessoa muito querida
quando crescer.
— Tá bom! — a pequena me responde sorrindo e volta à atenção para o irmão. — Mu,
gotei dela. É sua namorada?
— O quê? Não, Olívia! De onde tu tira essas coisas? Eu não tenho namorada. Alice é
só uma conhecida.
— Eu tenho namorado.
Meu Deus, ela não para! Estou adorando, minha boca não fecha de tanto que dou
risada.
— Para o seu bem, acho melhor tu não ter, Olívia. — Murilo a encara sério.
—Tenho, sim! É o Pedro da escolinha.
— Vou ter uma conversa com esse Pedro.
— Eu vô casá com ele.
Quase engasgo agora de tanto que rio e Murilo parece que vai ter um ataque cardíaco.
— Olívia, acho melhor a gente ir, viu!? Seu irmão vai ter um ataque se você continuar
falando essas coisas pra ele. Homens não sabem lidar com casamentos — explico.
— Não incentiva, Alice, senão, eu mato você — diz brincalhão e eu dou de ombros
divertida.
Pego nas mãos da pequena e vou para sala aguardar Dona Emília chegar. Nossa! Só
agora me liguei. Deve ser a mesma Dona Emília da infância dele, a que dava suco de milho. Já
adoro essa senhorinha, tem um coração bom.
— Tu quer casá? — de repente a pequena me questiona.
Pergunta difícil, será que ainda quero depois dessas últimas semanas?
— Eu queria muito, agora não tenho tanta certeza.
— Por quê?
— Porque eu descobri que não é como eu pensava.
— Como você pensava?
— Um conto de fadas, como dos filmes da Disney. Você gosta?
— Eca! Não gosto das princesa. São chata!
— Sério? — pergunto rindo novamente.
— Gosto da Mônica e do Cebolinha.
— Ela é muito brava, não?
— Só um pouquinho. É porque querem pegá o Sansão.
— Você quer ser como ela quando crescer?
— Sim! Eu não vô deixá as pessoa me fazê de boba.
— Isso aí! Você é muito esperta, sabia?
— Sabia. E muito linda.
— Sim, muito linda também — concordo sorrindo pela milésima vez na manhã.
Raul aparece na sala e também se senta ao meu lado, passando a mão no meu cabelo.
— Tu é bonita — ele me elogia.
— Obrigada, Raul.
— Mamãe também era bonita.
Não sei nem mais o que dizer, meu coração dói só de pensar na vida deles. Sem pais,
com um irmão que precisa se virar para conseguirem sobreviver. Quando mesmo eu estava
reclamando da minha vida? Resolvo mudar de assunto para não deixá-los tristes.
— Vocês gostam de praia? Eu adoro!
— Simmmm!— Olívia responde primeiro, muito animada. — Mas o Mu não leva a
gente.
— Não? Não acredito! Por quê?
— Ele diz que não tem tempo. Eu queria ir. — Ela faz beicinho.
— Eu podia levar vocês um dia — digo sem pensar.
— Sério? — Raul pergunta batendo palmas.
— Sim! Quer dizer, se o Murilo deixar, eu levo sim. Seria bem divertido!
— Eu quero! Eu quero! — Olívia pula na minha frente. — Mu, Mu… A gente pode ir
na praia com ela? — questiona, olhando para a porta do outro lado da sala, que dá de costas de
onde estou sentada.
Quanto tempo será que ele está ali?
— Vou pensar — responde simplesmente.
— Ahhhhhh... Tu não leva, não deixa ninguém levá! — A pequena emburra e eu não
consigo deixar de sorrir. É muito lisa!
— Mais lá pra frente, quem sabe, se ela ainda quiser, pode ser.
— Êeee! — Olívia comemora pulando e abraçando o Raul. — Nós vamo na praia!
— Quem vai à praia? — Dona Emília abre a porta da sala e entra na conversa.
— Euuu, euuuu. E o Raul — diz Olívia. — Ela vai levá. — Aponta na minha direção.
— Que legal, vocês vão se divertir!
— Vamos, Alice? — Murilo pergunta, querendo cortar o assunto
— Claro.
Despeço-me de todos com um beijo e um abraço, sem vontade de ir embora.
— Quando você vem? — Olívia questiona referindo-se ao dia que os levarei na praia.
— Olívia! — adverte Murilo. — Eu disse um dia, não amanhã. Calma! — Ela faz bico.
— Eu vou ver direitinho e aviso o Murilo, tá? Não vai demorar e não vou esquecer,
prometo.
— Tá bom.
A baixinha me abraça de novo e dá um beijo na minha bochecha. Crianças, como são
fáceis de agradar! Ficam felizes por coisas simples, como uma visita à praia. Agora lembrei
porque queria tanto fazer Serviço Social e trabalhar com elas. Queria ser capaz de fazê-las
sorrir, como hoje. Vou sentir saudade de Olívia e Raul quando esse plano acabar.
Capítulo 16
♫ Quando eu soltar a minha voz, por favor,
entenda que palavra por palavra eis
aqui uma pessoa se entregando. ♫
Sangrando, Gonzaguinha
MURILO
Fiz o trajeto de casa até a república da Alice pelo caminho mais longo. Gosto da
sensação do seu corpo colado no meu, o cabelo ao vento e as mãos na minha cintura. Não sei
definir em uma palavra o que estou sentindo agora, mas vê-la interagindo tão naturalmente
com meus irmãos fez algo diferente nascer dentro de mim. Parecia tão comum, tão certo. Ela
gostou deles genuinamente e são poucas as pessoas que se preocupam conosco. Até se colocou
à disposição para levar Olívia e Raul na praia. Nem consegui dizer que era uma péssima ideia
na hora, fiquei admirado com a proposta. Acho que perdi uns dez minutos os olhando
escondido.
Quando cheguei na portaria do seu prédio dei um beijo tão lento que ela ficou me
olhando confusa. Também parecia perdida em pensamentos. Acho que foi a primeira vez que
beijei alguém com delicadeza, sem pensar em sexo. Eu queria dizer alguma coisa, porém, sei
que não devo e vim embora. Alice tentou marcar um novo encontro hoje à noite ainda, só que
achei melhor dispensá-la e menti que preciso trabalhar. Na verdade, até preciso mesmo, mas
onde anda a vontade de me deitar com várias mulheres desconhecidas em noites vazias?
Já estou em casa e é quase hora do almoço. Dona Emília está no quintal estendendo
roupa e rindo com as crianças. Nem que eu passasse o resto da vida agradecendo, não seria o
suficiente para tudo o que essa mulher já fez por mim.
— Não precisa fazer isso, Dona Emília — digo colocando as mãos nos seus ombros.
— Não me custa nada, Murilo. Estava aqui mesmo. Eu ia adiantar o almoço, só que a
Olívia disse que tu prometeu fazer panquecas.
— É verdade, eu prometi. Já está na hora de irmos para a cozinha, hein? — falo em sua
direção e ela sai pulando animada.
— Oba! Vamo fazê paqueca, Raul?! — Olívia chama o irmão.
— Muito simpática a moça, Murilo. — Dona Emília chama minha atenção com aquele
sorrisinho maroto.
— É só uma conhecida, nada de mais.
— Sei! Nunca vi tu com uma garota em casa desde a morte da sua mãe. E eu percebi o
jeito que olha pra ela. Ela te olha do mesmo jeito, sabia?
— Não sei do que a senhora está falando. — Começo a ficar irritado. Odeio esse tipo
de conversa.
— Eu sei que tu não gosta, e eu nem deveria me meter, mas ela é diferente, Murilo.
Parece uma garota muito boa, você deveria, enfim, ter um relacionamento de verdade.
— Me diz como eu posso ter um relacionamento de verdade com essa vida? Não seria
justo.
— Se tu está pensando se é justo ou não, quer dizer que gosta dela?
— Dona Emília, não abuse da sorte — falo sério, mas rindo. — Agradeço a ajuda por
hoje.
— Tudo bem, eu desisto de você. Sempre se fecha nessa muralha que criou e não deixa
as pessoas entrarem. É muito melhor ter companhia aí dentro, viu!?
— Tá bom. Boa tarde. — Tento encerrar o assunto e ela sorri, acariciando meu rosto de
um jeito maternal. Eu a amo como se fosse minha mãe, apesar de nunca ter dito isso.
Mal ela sai, Olívia vem correndo em minha direção fazendo o drama que lhe é peculiar.
— Mu, tô morrendo de fome e tu aí parado. Tem um buraco aqui, ó! — Aponta para o
centro da barriga.
— Tem, é? Deixa eu ver. — Aproximo e sigo o dedo dela enchendo-a de coceguinhas.
— Para, Mu! — implora no meio de gargalhadas e eu a torturo mais um pouquinho
antes de soltá-la.
— Bora lá fazer panqueca, vem! — chamo Olívia e Raul.
Eles adoram ajudar na cozinha! Embora, mais atrapalhem, gosto desse momento só
nosso, em que, por um instante, esqueço dos problemas.
***
Durante a preparação, o almoço e a limpeza da cozinha os dois não pararam de falar
sobre o bendito passeio com Alice na praia e em como ela era bonita e legal. Nem conhecem a
menina e já caíram em seu encanto também. Também? Para com isso, Murilo, que você não
caiu em nada! Nunca se amarrou em ninguém, não será agora. Não pode ser agora.
Aproveito a distração dos dois assistindo a um filme na sala e pego meu computador
para checar as novidades. Tem dez ligações perdidas de Max no Skype e dois e-mails não
lidos, apenas com o título "Fica on-line agora" e "Por que não me atende, porra?". Pego o
celular no meu bolso e percebo que deixei no vibra para não acordar Alice à noite. Droga! Tem
mais dezenas de mensagens dele no Whats. Será que aconteceu alguma coisa? Chamo seu
número imediatamente e não demora nem dez segundos para aceitar a ligação.
— Porra, Murilo! Onde você tava?
— O que aconteceu, cara? Quer me matar do coração? — pergunto em tom
preocupado.
— Nossa! Tô tentando falar com você desde cedo e nada. Já tava entrando em
desespero aqui. Tá tudo bem?
— Eu que pergunto, Max. O que houve?
— Nada! Só tenho uma boa notícia e queria compartilhar. Tá tudo certo mesmo aí?
— Tá! Eu esqueci o celular no vibra noite passada e depois fiquei entretido com a
Olívia e o Raul.
— Eu tenho uma notícia maravilhosa pra você, nem vai acreditar — Max diz
empolgado.
— O que foi dessa vez? — Faço cara de impaciente. Ele sempre inventa uma forma de
me ajudar lá da Inglaterra, e quase sempre acabamos brigando por isso.
— Pode pelo menos fingir uma cara feliz? Dessa vez não estou mandando dinheiro ou
nada do tipo não.
— Acho bom, Max. Já disse que dos meus problemas cuido eu. Tu tem os seus.
— Não é assim que funciona uma amizade, mas não vou discutir com você. É teimoso
demais! Bom, a boa notícia é que neste semestre estou com um professor novo. Ele é do Brasil,
apesar de morar aqui há mais de quinze anos. Ontem mostrei suas últimas músicas e ele
simplesmente adorou. Gostou de verdade, Murilo.
— E?
— E que a família dele tem um estúdio aí no Rio e eles estão à procura de novos
talentos. Novos talentos no seu estilo, diga-se de passagem. Músicas mais reflexivas e intensas.
— Max, não começa com isso de novo, cara, por favor.
— Murilo, pelo amor de Deus! Escuta o que eu estou falando. O cara gostou da sua
música. Ele quer te dar uma oportunidade de gravar. Custa você acreditar em você uma vez na
vida? Qual é o seu problema?
— Tu quer que eu comece a listar meus problemas, Max?
— Para de carregar o mundo nas costas! Deixa as pessoas ajudarem você, cara. Porra!
É irritante sua teimosia. Vai viver um pouco só por você uma vez na sua vida, fazer o que
realmente ama. Você é muito bom, tem potencial.
— Max, tu sabe que isso não dá dinheiro. Como eu vou fazer o que amo, se tem duas
bocas para eu sustentar? Uma criança de apenas quatro anos e um irmão que precisa de
atendimento especializado? Tu sabe quanto eu gasto por mês com o Raul no cardiologista e
com remédios? Se fosse depender do SUS, ele já tinha morrido.
— Eu sei, Murilo. Eu sei. Mas dessa vez é algo grande. A gravadora tem nome, possui
um bom plano de divulgação e a chance de você ganhar destaque é ótima. Não custa tentar.
Por favor.
— Cara, por que tu não desiste disso?
— Porque eu sou seu amigo. Amigos não deixam o outro desistir dos sonhos. Era para
você estar aqui, Murilo. Se não fosse toda essa reviravolta na sua vida, estaria aqui comigo na
Inglaterra. A vida não é perfeita, eu sei, só que agora você tem uma oportunidade real de voltar
a fazer o que nasceu pra fazer. Por favor, só escuta o que ele tem a dizer.
— Não sei, Max.
— Eu vou deixar os contatos da gravadora aqui no chat. Tá marcado para quarta-feira,
às dez horas da manhã. Só aparece e ouve, Murilo. Só isso que te peço.
— Vou pensar. Vou pensar.
Fecho o computador e deito na cama com as mãos na cabeça. Fico olhando o teto
enquanto memórias de um passado não muito distante invadem minha mente.
***
— Murilo! — uma voz baixa chama meu nome e acordo assustado.
Passo às noites neste hospital há cinco dias, esperando minha mãe reagir. Olho no
relógio, são três horas da manhã. Dou uma conferida no ambiente e está tudo silencioso.
Devo estar sonhando, pois o médico disse que iria sedá-la para não sentir dor. Preciso tentar
dormir um pouco.
— Murilo! — a voz chama de novo e eu percebo que não é um sonho. É ela, minha
mãe, enfim, acordou.
— Mãe! — Sigo em sua direção. — Está se sentindo melhor?
— Murilo! — diz com dificuldade, tem muitos aparelhos na sua garganta. — Eu
preciso te pedir uma coisa.
— Para com isso!— Já sei aonde quer chegar e não estou a fim de ouvir.
— Escuta! Eu não consigo falar direito. Preciso que me escute sem me interromper.
Você pode fazer isso? — Não consigo dizer nada e só balanço a cabeça afirmativamente. —
Filho, primeiro, preciso pedir desculpas. Desculpas por ter sido uma mãe fraca, que se deixou
engolir pela vida e esqueceu do que realmente importa.
— Mãe! — Tento repreendê-la, mas ela levanta a mão para continuar seu discurso.
Não é uma boa hora para falar disso, não quero magoá-la. Dona Maria sabe o que penso.
— Agora já é tarde demais para reparar meus erros, eu sei. Não espero que me
perdoe, mas eu preciso saber que vocês serão felizes para que possa tentar descansar em paz.
Murilo, me prometa que vai garantir que Olívia e Raul fiquem bem. Já passaram por muita
coisa, não permita que sejam mandados para um orfanato.
— Vou cuidar dos meus irmãos, fica tranquila.
— Me prometa também, filho, que você não vai esquecer sua vida por causa deles, que
vai em busca dos seus sonhos e vai fazer o que ama? — pede e não digo nada. — Murilo,
todos nós vamos partir um dia. O que faz a gente chegar nesse ponto que estou agora, e sorrir
ou se lamentar, é como escolhemos viver.
***
Às cinco horas da manhã desse dia ela morreu. Não tenho levado a sério seu conselho.
Meus últimos anos foram de pura sobrevivência. Acho que preciso dar um jeito nisso para
poder sorrir quando for minha vez de partir.
Capítulo 17
♫ Cada passo que estou dando, cada
movimento que eu faço, parece perdido
sem nenhuma direção. ♫
The climb, Miley Cyrus
ALICE
Claudinha e eu estamos esparramadas no sofá da república, maratonando nossas séries
preferidas na Netflix, desde às quatro horas da tarde. Já são oito e meia da noite. Sempre
perdemos a noção do tempo quando ficamos assim, só com a TV, pipoca, refrigerante e
brigadeiro. Adoro! Ela já me perguntou umas vinte vezes sobre a noite de ontem com Murilo,
se chegamos aos finalmente. Meu Deus! Qual a dificuldade de entender um não?
— Alice, tu tem certeza que não chegaram lá mesmo? Tu tava muito empolgada
quando saiu do bar, quase arrancando a roupa do Murilo.
— De novo, Claudinha? Já é vigésima primeira vez hoje que você toca nesse assunto —
reclamo revirando os olhos e pausando o novo episódio de House of Cards.
— Cara, já faz um mês que tu tá saindo com ele. Murilo não é dessas coisas, não.
— Ele foi muito respeitoso em não forçar nada enquanto eu estava alterada com o
álcool — defendo-o.
— Mas, e as outras vezes? Tô começando a achar que essa não é uma boa ideia. Tá
demorando demais, daqui a pouco tu se envolve e vai voltar para a estaca zero.
— Ahh não, Claudinha. Agora que tá ficando bom! Ele já deixou bem claro que não se
envolve e, sinceramente, tô de boa. Sei do seu trabalho e, agora que conheci a família dele, não
julgo mais. Entretanto, não dá para ficar com uma pessoa assim, né?!
— Não tá me cheirando bem isso — ela diz com uma cara estranha, como se soubesse
de algo e não quisesse me contar. — Até agora não acredito que Murilo levou você na casa
dele, nunca leva ninguém lá. Eu mesma só fui uma vez, e nem cheguei a entrar. Só na porta.
— Você conhece os irmãos dele?
— Sim! Conheço mais o Raul. Ele é uma graça, super atencioso. Costumava ficar com
a gente quando a mãe do Murilo estava em crise ou muito bêbada. Ou seja, quase sempre. A
menininha era bebê ainda, na última vez que a vi. Não muito tempo depois que ela nasceu a
Dona Maria morreu e o Max foi embora.
— Por que não me falou nada sobre isso?
— Porque tu não precisa saber, oras. Conhecer a pessoa, seus problemas, só complica
as coisas. É melhor ficar na atração física que é mais seguro.
— Credo, Claudinha, que horror! — falo me levantando do sofá e indo para a cozinha
fazer outra rodada de pipoca.
Quando coloco o pacote no micro-ondas, me toco das datas e de como deve ter sido
difícil para o Murilo.
— Nossa! Ele ficou sozinho com um irmão que precisa de cuidados especiais e uma
bebê. Deve ter sido uma barra. — Coloco a cabeça na porta para olhar minha amiga insensível,
que está mexendo no celular.
— Foi sim. Eu não presenciei muito na época, mas hoje me arrependo de não ter
oferecido ajuda. Éramos muito amigos. Fiquei com tanto ódio do Max que me afastei. Ele se
desdobrava para dar conta. A vizinha sempre ajudou muito.
— Conheci a Dona Emília, ela parece ser uma mulher incrível. Já gostei dela. Como
você reencontrou com Murilo? Como teve essa ideia de... Você sabe...? — Pego a pipoca
pronta e volto para o sofá.
— Há uns cinco meses eu voltei a frequentar o bar do Rafa, a favela. Desde a partida do
Max não tinha ido mais lá. O que foi uma idiotice, já que ele é página virada. Bom, no
primeiro dia que voltei o vi com uma mulher, daí não quis interromper. Estava conversando
com um conhecido nosso daquela época, que é garoto de programa também, e ele me contou a
novidade. Parece que Murilo tinha acabado de perder o emprego e as coisas estavam ficando
feias para o lado dele.
— É, ele comentou isso mesmo. Coitado.
— Ele contou? Cara...
Quando Claudinha ia dar mais um chilique sem motivo, meu telefone começa a vibrar
debaixo da almofada. Olho para a tela e até desanimo. É minha mãe. Ainda está chateada pelo
aniversário, nem me ligou para dar parabéns. Peço licença e me levanto, atendendo a chamada
no canto da sala.
— Alô, mãe! — digo sem animação.
— Até que enfim, Alice. Pensei que não ia me atender nunca.
— Do que você está falando?
— Eu cansei de te ligar hoje, e nada.
— Não tem nenhuma ligação perdida no meu celular, mãe.
— Claro que tem, olha direito. — Confiro na tela e tem mesmo, quinze chamadas não
atendidas dela. Que droga!
— Nossa mãe, agora que tô vendo aqui. Não tocou, não sei o que aconteceu. Meu
celular deve tá com problema de novo.
— Tá com problema ou você que está avoada? Alice, onde você passou a noite?
— Sério isso, mãe? Eu já sou maior de idade.
—Seriíssimo! Tem 19 anos, mas é inocente igual a uma criança. Você não bebeu, né?
— Não fiz nada de mais. Só fui num bar, lá no Alemão.
— Que Alemão? O Morro? — ela pergunta se exaltando.
— Sim — respondo calmamente.
— O que você foi fazer numa favela? Além de perigoso, nesses lugares só tem
bandido.
Com certeza, puxei da minha mãe a péssima mania de fazer um “pré-conceito” sobre as
coisas.
— Calma, não precisa gritar. — Olho para Claudinha, que está assustada no sofá,
gesticulando perguntas do que está acontecendo. Balanço as mãos em sinal de que está tudo
bem.
— Calma? Eu ficaria calma se você continuasse sendo a garota de sempre, estudiosa e
tranquila. Não essa rebelde que cancela compromisso com a família e vai parar numa favela.
Aposto que foi ideia daquela sua amiga sem juízo.
— Rebelde? Sério, mãe? — Rio na sua cara. Que mulher exagerada! — E não mete ela
nisso, não.
— Rebelde sim. Tudo isso tem a ver com a separação do seu pai e eu, né?
— Eu já disse, para com isso. Não tem nada a ver com vocês. Tem comigo mesma. Me
deixa aproveitar um pouco minha vida, pelo amor de Deus, mãe.
— Isso não é aproveitar, Alice. Isso é desperdiçar tempo. Tempo que poderia ser gasto
nas suas metas, nos seus sonhos.
— Meus sonhos ou o sonho de vocês? — digo estressada, cansada dessa conversa.
— O quê?
— Você me criou como uma princesa, me fazendo acreditar em contos de fada que não
existem. Que eu me lembre, não queria fazer curso de Administração também.
— Alice, o que você está dizendo?
— Deixa pra lá, mãe. — Não adianta argumentar com ela.
— Venha pra casa neste final de semana, precisamos conversar.
— Mãe, vão voltar minhas aulas semana que vem. Preciso arrumar um monte de coisas.
— Alice, eu estou mandando, não estou pedindo.
— Mãe, não quero brigar. É melhor a gente parar por aqui, né? Boa noite!
— Essa conversa não acabou! — ameaça e desliga o telefone.
Como o dia passa em menos de vinte minutos de ótimo para péssimo? Meu Deus! Está
impossível essa cobrança sem motivo em cima de mim. Quem vê pensa que sou uma péssima
filha que vive dando problema.
— Ei, o que tá pegando? — Claudinha se aproxima preocupada.
— Nada, só minha mãe pegando no meu pé — digo secamente, não quero mais falar
sobre isso. — Vamos voltar para o House of Cards?
— Bora lá! — ela diz animada, sem forçar nada.
Passamos mais duas horas e meia à base de comida e séries. Pena que não prestei
atenção em quase nada. Minha cabeça estava longe: mãe desestabilizada, trabalho, faculdade,
menininha fofa, garotinho simpático, olhos castanhos penetrantes. Principalmente, esse último.
Capítulo 18
♫ Nada gosta de não fazer nada. Todo
telefone quer tocar. Uma janela é
tão infeliz fechada quanto um
carro sempre no mesmo lugar. ♫
Pra ter o que fazer, Clarice Falcão
MURILO
Amanhã, às dez horas, tenho que estar na gravadora. Nervoso é pouco para o meu
estado de espírito. Não sei por que sempre fico tão inseguro com relação à música, é o que faço
de melhor na vida. As canções saem tão naturalmente, parece que sempre estiveram dentro de
mim.
Já gravei as cópias que o Max pediu que eu levasse, no e-mail enorme que me enviou
com orientações, e estou aqui sentado na cama há umas duas horas esboçando uma nova letra.
Pego a caneta e o caderno novamente.
♫ Não deixe que as circunstâncias da vida te façam desistir
O que você é ninguém pode tirar
Se cair, dê logo um jeito de se levantar levante-se já
O que você quer fazer antes de na hora de partir?
ÉEscolha sorrir ou se lamentar ♫
Não adianta, não está fluindo. Levanto e desisto de terminar isso hoje. Quando começo
a riscar cada palavra, não fica bom. Decido adiantar o almoço, já que terei uma manhã corrida,
e vou para cozinha fazer arroz. Deixo o feijão temperado e asso uma torta de frango. Raul
adora!
Graças a Deus nasci com o gene para a culinária. Dona Emília me ensinou uns bons
truques também, se não a gente viveria de macarrão instantâneo ou fast food. Termino tudo e
olho no relógio. Onze horas da noite. Merda de tempo que não passa!
Eu devia trabalhar, mas não tenho cabeça para isso com toda essa ansiedade. Mesmo
quando não saio, as crianças dormem na casa da nossa vizinha anjo. Tem hora que me sinto
incomodado pelo tanto que ela faz, só que aquela senhorinha de cabelos grisalhos insiste. Acho
que nos adotou como filhos, já que nunca teve os seus. Não reclamo, porque ter um tempo
sozinho, às vezes, é tudo que preciso. Exceto hoje.
Será que Alice está ocupada? Se eu aparecer na casa dela agora, será que aceita dar um
rolê na praia, ficar de bobeira para acalmar os nervos? Nem penso demais. Pego minhas
chaves, a jaqueta de couro e sigo em direção à república.
Somente quando estou na portaria envio uma mensagem para convencê-la. Pensando
bem, acho que vim aqui à toa. Ela vai inventar um milhão de desculpas.
Tá ocupada?
Entediada =/ E vc, o que tá fazendo?
Tô na porta do seu prédio.
O quê? O que tá fazendo aqui?
Bora dar um rolê na praia?
Essa hora? Você tá louco? É quase onze e meia e estamos no inverno.
Não é para entrar na água, não sou tão doido. Só pra contemplar a natureza.
Contemplar a natureza? kkkkkkkkkkkk As companhias te cansaram hoje, é? rs
Não quero confessar à Alice que não faço programa há dias, tampouco, que preciso
desestressar por causa da entrevista de amanhã. Ela não tem nada a ver com isso, melhor
deixá-la pensar o que quiser.
Pois é, vida difícil.
Imagino rs... Mas eu passo.
Vamos logo, Alice, só meia hora.
Eu não posso, tenho que trabalhar amanhã.
Para de ser velha coroca. A Rabbit tá esperando.
Ahhhhh, você é muito chato, sabia?
Eu sei. Vem logo!
Como não respondeu mais, sei que está descendo. Um sorriso bobo aparece nos meus
lábios sem que eu perceba. Gosto da sua presença, tenho que admitir. Fico esperando na moto
mesmo, fuçando no celular. Escuto barulho no portão e levanto a cabeça. Caralho! Como é
linda essa mulher. Alice está com os cabelos soltos, jaqueta jeans e uma calça legging de
matar.
— Devia ser proibido usar essas calças.
— Por quê? — Alice pergunta confusa. Tão inocente!
— Porque são um tesão, dá vontade de fazer muitas coisas — confesso e dou um tapa
na sua bunda macia.
Ela fica corada e eu solto um sorriso sem vergonha. É muito fofa! Merda de palavra
que não sai da minha mente ultimamente.
— Lá vem você com o dom de me deixar morrendo de vergonha.
— Não fique, gata. Como sempre, tu tá gostosa pra caralho!
— Para com isso, menino! — repreende-me com um tapa no braço e a pego pela
cintura, desprevenida.
Passo as mãos pelos seus cabelos e a seguro firme na nuca, preenchendo sua boca com
meu hálito quente. Deus, como é gostoso beijá-la! Nunca me canso do sabor. Ela coloca as
mãos nas minhas costas e se entrega, dando aquelas mordidinhas que só Alice sabe, e que me
deixam louco. Poderia ficar assim durante horas.
— Vamos logo, tenho que acordar cedo — Interrompe o beijo sorrindo e finge estar
brava.
— Tu é uma estraga prazer, sabia?
— Sou sensata, isso sim. Nós vamos mesmo para a praia a essa hora da noite?
— Com certeza, vamos! É muito relaxante ouvir o barulho do mar e olhar para o
horizonte. A noite está bonita hoje.
Ela apenas assente, e faz seu ritual de sempre quando está na Rabbit. Agarra a minha
cintura e coloca seu rosto encostado nas minhas costas. Sensação boa essa! Dou partida e
seguimos em direção à Praia Vermelha. Uma praia pequena e com uma paisagem envolvente,
entre o Morro da Urca e o Morro da Babilônia.
A noite está realmente bonita, com o céu estrelado e uma lua cheia grandiosa no centro.
Vou devagar apreciando a paisagem, já que por muitas vezes estou tão apressado que nem
contemplo a beleza a meu redor.
Quando chegamos, meu telefone toca e vejo o número de Dona Emília na tela. Fico
preocupado e atendo prontamente, afastando-me de Alice.
— Alô! Tá tudo bem aí?
— Tudo certo, Murilo! Fica tranquilo.
— Ahh… Que susto! Já pensei merda. — Suspiro aliviado.
— Na verdade, liguei porque Olívia teve um pesadelo e acordou chorando e chamando
por você. Desculpa atrapalhar, mas ela não parou de falar até eu pegar o telefone — explica e
abro um sorriso imaginando a insistência da pequena.
— Tudo bem, deixa eu falar com ela.
Enquanto espero, viro-me e vejo Alice conversando com um filho da puta de um cara
com pinta de surfista. Ela está sorrindo como se o conhecesse e uma sensação estranha me
toma. Um misto de raiva com insegurança. Que merda! Odeio esses sentimentos novos. Cerro
os dentes e apresso-me para terminar logo essa ligação.
— Olívia, tá aí?
— Oi, Mu!
— Não precisa ficar com medo, querida. É só um sonho, viu? Eu tô aqui sempre pra te
proteger! — explico enquanto vejo o desgraçado colocar a porra da mão no braço de Alice.
— Eu sei, mas não consigo durmi. O monstro tá debaixo da cama.
— Eu vou mandar meu ajudante, o senhor invisível, ficar do seu lado para que nada
aconteça. Tá bom?
— Tá bom.
— Ele já chegou? É super rápido!
— Chegou sim! Tá aqui do meu lado.
— Só você consegue vê-lo. Vai com ele para a cama que amanhã cedo estou aí.
— Obrigada, Mu.
— De nada, meu amor. Boa noite!
Desligo o telefone caminhando em direção aos dois que continuam de papo. O que
tanto tem para falar? Alice sente minha presença e se vira preocupada.
— Está tudo bem?
— Está sim, Olívia teve um pesadelo — respondo chegando bem perto dela para
mostrar ao idiota que está acompanhada.
— Ahhh… É… Esse é o Manuel, amigo da Claudinha — ela apresenta sem graça.
Droga! Será que já ficou com ele?
— Fala, cara — digo secamente.
— E aê! — cumprimenta me avaliando. — Eu já vou indo. Vê se aparece mais vezes
no luau, Alice. Aquela noite foi ótima! — lembra sorrindo e a garota ao meu lado fica
vermelha. Com certeza, ficaram! Minha boca forma uma linha fina e tento conter a raiva que
aumenta dentro de mim.
— Tchau! — é a única coisa que consegue falar.
O babaca alto sai e pego sua mão em silêncio em direção ao cantinho esquerdo da orla.
Sento e abro as pernas para que Alice possa se encostar ao meu peito e ficar de frente para o
mar.
— Vocês já tiveram alguma coisa? — pergunto e me repreendo na mesma hora. Que
droga de pergunta é essa?
— A gente ficou esses tempos atrás num luau que fui com Claudinha.
— Só beijo ou algo mais? — questiono sem conseguir me controlar e dou um soco na
minha cara em pensamento. Não tenho nada com isso, porém, adoraria ter sido o único a tocá-
la.
— Só beijo — responde sem graça, ainda olhando para o mar.
Solto um sorriso de alívio sem que Alice perceba e voltamos a ficar em silêncio por um
minuto. Ela apreciando a bela vista e eu a apreciando.
Nossa! É ainda mais linda quando você presta atenção.
Seu sorriso fica perfeito com aquele buraquinho que se forma na bochecha toda vez que
ela sorri. Seus olhos são grandes, com cílios também grandes. Eles não são totalmente verdes,
é meio misturado com castanho, bem diferente. Seu cabelo está muito cheiroso e eu me perco
ali.
— O que foi? — pergunta, finalmente, me olhando. Acho que percebeu que a estava
fitando demais. Droga!
— Nada, só pensando na vida. É bonito aqui, né? — desconverso.
— Demais! Nunca me canso do Rio. É um lugar mais incrível que o outro.
— Verdade, não podemos reclamar de beleza por aqui. Onde sua família mora é bonito
também?
— É sim, tem bastante natureza. Mas é paradão, interior do interior. — Ela sorri com
as covinhas lindas.
— Acho que ia gostar de morar em um lugar paradão. Às vezes, sinto falta da
calmaria. Lá no Morro é muito agitado.
— Imagino — assente, mas na verdade não faz ideia de como é realmente agitado.
O tempo passa e nem me lembro mais da ansiedade do início do dia. Agora estou
calmo e confiante de que amanhã será um dia importante para mim. O dia que, enfim, vou
mostrar minha música e ter uma real oportunidade de oferecer uma vida melhor para os meus
irmãos. Não me iludo em ser um cantor famoso, só de fazer o que amo já me deixa feliz.
Preciso de um emprego seguro e fixo. Saio do meu devaneio com Alice suspirando frustrada
na minha frente.
— Aconteceu alguma coisa?
— Você acha que seria muita loucura se eu trocasse de curso? — ela diz de repente,
parecendo confusa.
— Tu quer mudar ou vai fazer isso por alguém?
— Eu quero!
— Então, não. Quando parte de nós, sempre é o certo.
— Meus pais vão ficar loucos de ódio. Eu até gosto de Administração, sabe, mas não
era isso que eu queria. Gostaria de fazer Serviço Social e trabalhar com crianças ou idosos.
— Tu se daria bem com crianças. A Olívia e o Raul não param de falar de você.
— Ahhh… — Seus olhos brilham. — São muito fofos, adorei conhecê-los! Na verdade,
é um pouco culpa dos seus irmãos. Eles despertaram essa vontade que estava adormecida aqui
dentro.
— Então, o que tu tá esperando?
— Sei lá. Não gosto muito de mudanças bruscas de rota. Já tinha tudo planejado. E
tenho um ótimo estágio, embora esteja ficando chato porque não me sinto mais tão empolgada
com a área. Eu preciso de um emprego para me manter aqui. Eu já não ia aceitar dinheiro dos
meus pais de qualquer forma, porém, mudando de curso, aí que não ofereceriam.
— É bom mudar de rota às vezes, Alice. Ter tudo planejado é chato. Os imprevistos
que fazem valer a pena.
— É, tenho percebido — admite me encarando. Caralho! Não me olha assim. Parece
que meu coração vai sair pela boca. Mas que merda é essa?
Já que a conversa está indo para caminhos desconhecidos, e não me sinto bem nesse
terreno, decido encerrar a noite antes que faça algo que vou me arrepender. Olho no relógio
para dar um tiro certeiro.
— Meia-noite e quarenta e cinco já, acredita?
— Nossa, já? Meu Deus, precisamos ir embora. — Levanta-se e começa a limpar a
areia da calça. Ahhh, essa maldita calça!
— O tempo voa quando estamos na companhia do mar — digo e ela sorri. Na verdade,
o tempo voa é quando estamos juntos.
Volto para a república no gás, sem trânsito é tentador acelerar e sentir o vento frio
batendo no rosto. Dessa vez, Alice nem reclama, também parece curtir. Está perdida em seus
pensamentos sobre a decisão que precisa tomar.
— Obrigada pela noite, até que foi legal — confessa quando chegamos à portaria.
— Estamos aqui pra isso! — digo descendo da moto e abraçando-a. — Eu me
convidaria para subir e ajudar você tirar essa calça, mas acho que não deixaria — arrisco
provocá-la.
— De jeito nenhum! Já está tarde.
— Então, só uma casquinha! — falo e nem a deixo retrucar. Pego Alice firme pela
bunda, dando leves apertadinhas, enquanto invado sua boca. Ela fica ofegante e geme na
minha garganta.
— Murilo...
— Alice... — suspiro. — Melhor a gente parar por aqui já que não quer me deixar
subir.
— Com certeza. Boa noite — diz saindo dos meus braços e sorrindo novamente.
— Boa noite — respondo baixinho e fico ali esperando-a entrar em segurança.
***
Já estou na gravadora, mexendo as mãos suadas ansiosamente na recepção, enquanto
aguardo me chamarem. Caramba! Nem me lembro da última vez que fiquei tão nervoso. Vesti
uma calça jeans escura e uma camisa social azul listrada. Estou até que bem apresentável. A
secretária nem disfarça seu olhar em mim a cada cinco segundos.
— Murilo? — uma voz masculina me chama.
— Sim. — Levanto e o cumprimento.
— Sou Jorge, muito prazer. Vamos entrar.
O escritório é muito bonito e espaçoso. Além da recepção, logo na entrada tem três
salas repletas de pessoas trabalhando em seus computadores. Há dois grandes estúdios
também, bem perto da sala maior que entramos agora e há três pessoas sentadas, esperando.
— Murilo, esses são Pedro, Felipe e Clara. Somos sócios aqui na gravadora. — Jorge
me apresenta a cada um.
— Estávamos ansiosos em conhecê-lo — diz Felipe apertando minha mão.
— É, o Matheus fez ótimas recomendações suas lá da Inglaterra — acrescentaClara
também me cumprimentando.
— Eu é que estou ansioso — admito nervoso. — Muito obrigado pela oportunidade de
mostrar meu trabalho.
— Tu trouxe outras gravações? — pergunta Jorge.
—Trouxe sim, estão aqui. — Entrego um pen-drive com uma seleção de 32 músicas
autorais gravadas em voz e violão.
Pedro conecta o aparelho no seu computador e projeta na tela, que está na parede,
minha imagem, ajustando o som. Passamos à próxima uma hora e meia ouvindo cada uma das
canções. Sempre intercalando-as de vários elogios e de como poderiam ficar ainda melhores se
bem produzidas. Estou até emocionado com tanto comentário positivo. Quando a última
música toca, todos se viram sorrindo em minha direção.
— Murilo, tu tem muito talento. Parabéns! — elogia Clara.
— Obrigado, fico feliz de verdade que tenha gostado.
— Eu adorei, cara. Tem uma pegada mais intimista, só a voz e o violão. E as letras, as
letras são foda — afirma Pedro.
— Valeu mesmo.
— Tu não tem nenhuma música apaixonada? Não que sejam ruins as reflexivas, gostei
muito, curiosidade mesmo — questiona Felipe intrigado.
— Tenho um bloqueio enorme, não sei escrever músicas sobre amor, paixão.
— Ahhh… Isso deve ser porque ainda não se apaixonou. Quando ficar de quatro por
alguém, teremos a fase melosa de Murilo — gargalha Jorge do meu lado na mesa.
— Acho difícil isso acontecer. — Sorrio também.
— Olha, agora falando sério, seu trabalho é excelente, Murilo. Nós queremos fechar
um contrato com você. Está interessado? — questiona Jorge. Como se ainda precisasse
perguntar!
— Sim, estou muito interessado.
— A Clara vai te explicar certinho as questões jurídicas e valores. No começo não é
nada exorbitante, mas vejo que podemos crescer muito. O Matheus me disse que tu tem umas
limitações de horário. Pra gente, sem problemas nos encontrarmos à noite. Ficamos aqui todo
dia até às onze — continua explicando.
— Nossa, maravilha! A partir das seis horas, eu já posso.
— Combinado, então. Ainda esta semana assinamos o contrato e começamos a
selecionar as músicas para o primeiro álbum — finaliza Jorge.
— Negócio fechado, então? — Felipe estende a mão e eu a aperto feliz.
— Fechado!
Nem acredito! Negócio fechado. Eu vou ter um trabalho gravado profissionalmente e a
esperança de futuro melhor.
Capítulo 19

♫ Foi assim como ver o mar, a primeira vez


que meus olhos se viram no seu olhar. ♫
Todo azul do mar, Roupa Nova
ALICE
Passei a semana pensando na minha conversa com Murilo sobre mudar de curso. Será
que eu tenho coragem? Como vou me manter aqui sem um emprego? É verdade que tenho um
bom dinheiro guardado, pois não sou de gastar e meu atual trabalho paga muito bem, mas,
mesmo assim, parece loucura.
Teria que começar do zero: nova classe, novos professores. Teria que correr atrás de
um estágio e economizar ainda mais. Sem contar a aprovação da universidade, não sei se é
fácil. Por que tudo anda me incomodando tanto?
Termino de vestir meu biquíni vermelho e coloco um vestido soltinho. Checo minha
bolsa para confirmar se não esqueci nada: toalhas, canga, protetor, condicionador e pente.
Tudo certo! Apesar de estarmos no inverno, hoje é um sábado bem quente no Rio de Janeiro.
A previsão diz que vai chegar aos 37 graus.
Marquei de encontrar Murilo, Olívia e Raul no posto 12 da praia do Leblon, às nove
horas. Dei uma pesquisada antes nas melhores opções e lá tem um espaço legal para crianças.
O Murilo disse que se a gente não fosse logo neste passeio teria que matar a irmã dele, de tanto
que perguntava quando aconteceria. Crianças! Sorrio pensando na insistência dela
questionando.
Vou para cozinha terminar os lanches naturais que já deixei montados e coloco em uma
frasqueira térmica com suco e água. Duvido que meu companheiro de aventuras sexuais vai
lembrar de, sequer, levar o básico. A Claudinha me emprestou o carro dela, porém, tive que
omitir o motivo. Ela já está neurótica, se disser que estou indo passear com a família toda, vai
me matar.
Chego à praia e logo os avisto, sentados perto do quiosque que combinamos. Estaciono
e pego minhas bolsas. Mal chego perto e já vejo Murilo gargalhando. Ele está divinamente
lindo, de chinelo Havaianas, bermuda jeans e uma camiseta avelã do tom dos seus olhos. Sobe
até um calor com a visão!
— Não sabia que tu era farofeira — ele diz tirando sarro da minha cara.
— Não é farofa, idiota. É o básico. Duvido que você passou protetor solar neles. —
Olho sorrindo para Olívia e Raul.
— O sol da manhã faz bem para a pele — rebate rapidamente, continuando a
provocação.
— Mesmo sendo benéfico para a saúde, ainda sim, é necessário o protetor solar.
— O que é potetô solar? — Escuto uma vozinha fofa nos encarando curiosa.
— É um produto que passamos no corpo para o sol não machucar a gente — explico
acariciando seus cabelos.
— Ah, tá. Já pode entrá na água? — ela pergunta querendo ir logo ao assunto que lhe
interessa.
— Calma, Olívia, deixa a gente chegar primeiro, querida — Murilo fala carinhoso e ela
faz bico.
Dou um beijo na bochecha do Raul e pego em seu braço para achar um bom lugar na
areia. A praia já está cheia de gente, mas conseguimos um guarda-sol bem posicionado entre o
parquinho e o mar. Tiro o shortinho e a blusa da Olívia para passar bastante protetor solar em
sua pele branca. Ela está muito fofa com um maiô de bolinhas preto e amarelo. Também
prendo seu cabelo, para dar mais liberdade na hora de brincar, com um dos meus prendedores.
Murilo está passando protetor no irmão, enquanto ele fala — feliz — de como o lugar é bonito.
— Olívia, eu tenho um presente pra você — digo pegando um brinquedo da bolsa e
escondendo nas costas.
— Pesente? Adoro pesente. Eu quero!
Mostro um kit de brinquedos de praia da Turma da Mônica e ela avança no meu
pescoço, me dando um abraço tão forte que me deixa emocionada.
— Tu é muito, muito, muito, muito linda.
— Eu sou linda só porque te dei presente ou sou de verdade? — questiono sorrindo.
— Hummm... Fica mais linda quando dá pesente. — Murilo gargalha da esperteza da
irmã e estende a mão para ela.
— Bate aqui, maninha. Tu é das minhas!
— Raul, também tenho um pra você. Vem cá! — Viro para o menino lindo de olhos
azuis à minha frente.
— Tem mesmo?
— Na verdade, é um pra nós dois. Vamos aprender a jogar frescobol — falo e ele
também vem em minha direção, dando um beijo estralado na bochecha.
— Não precisava, obrigado, Alice. — Murilo me olha agradecido pelo carinho.
— Imagina, não é nada.
— Agora pode entrá na água? — Olívia pergunta novamente.
— Por favor? — implora Raul com as mãos juntas.
— Pode, pode. Mas fiquem aqui na beira, onde possamos vê-los — o irmão libera.
Ele nem termina de dizer, os dois saem correndo igual a loucos com baldinhos na mão
e sentam na areia perto da água. Tiro meu vestido e estendo uma canga no chão para poder
tomar um pouco de sol. Quando me viro para pegar o protetor solar, Murilo está com as
pupilas dilatadas me devorando com os olhos.
— Caralho, Alice.
— O que foi? — pergunto assustada, olhando em volta e checando as crianças
brincando na areia.
— Assim tu me mata, que roupa é essa? — questiona mordendo os lábios.
— É biquíni, ué. Estamos na praia, se você esqueceu. — Reviro os olhos.
— Porra, mulher! Mas precisa vestir um assim para o Leblon inteiro olhar pra você?
— Hã? — Sério, não estou acompanhando sua linha de raciocínio. Parece bravo agora.
— Esquece — bufa.
— Passa protetor nas minhas costas, por favor? — tento mudar de assunto para voltar o
bom humor do rapaz.
Quando suas mãos grandes encostam em mim com o líquido gelado, solto um suspiro
involuntário, que percorre toda minha espinha. Automaticamente, os pelos do meu braço se
arrepiam.
— Alice, não faz isso... — Murilo fala baixinho em meu ouvido.
— Fazer o quê? — pergunto sabendo do que ele está falando, mas não resisto.
— Isso. — Passa o líquido novamente devagar nas minhas costas, dando pequenos
apertões com o corpo colado no meu, e eu volto a suspirar.
— Não consigo controlar.
— Se tu não controlar, eu não respondo por mim. E estamos no meio da praia, com
centenas de pessoas em volta.
— Então, para de me provocar.
— Tu que tá me provocando, com esse corpo delicioso nesse biquíni de tirar o fôlego.
Gostosa pra caralho, Alice! — confessa novamente baixinho e já estou me sentindo molhada.
Que droga! Dou uma mexida nas pernas e ele percebe.
— Tu já tá molhadinha, gata? — Murilo aperta forte minha cintura, ainda estou de
costas para ele, e passa a mão na minha bunda discretamente. Meu Deus!
— Ok, vamos parar com isso, né!? — peço ofegante.
— Da próxima vez, venha pra praia de burca.
— Ahh, tá! Controle-se você, garanhão. Vou lá brincar com Raul e Olívia. — Fujo dele
antes de ficar louca ali.
Nem vejo o tempo passar distraída com as crianças. Jogamos um pouco de frescobol,
fazemos um grande castelo de areia, depois enterramos a Olívia e entramos na água. Mesmo
com o sol quente, está muito gelada. Sempre olho de relance e Murilo está nos encarando
pensativo, uma expressão indecifrável. O que será que está pensando?
— Quero vir na praia todo dia. Você traz? — Olívia pergunta.
— Nossa, seria um sonho poder vir à praia todo dia, né? Mas eu não posso, tenho que
trabalhar e depois estudar.
— O Mu também trabalha — ela diz e fico curiosa. O que será que eles pensam que
Murilo faz?
— Os adultos costumam ter essa vida, precisamos trabalhar.
— Vida chata. Prefiro ir na praia.
— Eu também prefiro — concordo sorrindo da sua espontaneidade.
— Eu quero trabalhar, fazer música igual meu irmão. — Raul entra na conversa.
— Olha, que chique, quero um autógrafo antes de virar famoso, hein? — digo e ele
balança a cabeça afirmativamente, orgulhoso.
— Tu sabia que o Mu é cantor? — Olívia questiona.
— Fiquei sabendo, mas ele não quer me mostrar nenhuma música. Acredita?
— Tu é namorada dele? — Raul pergunta.
— Não, somos amigos! — respondo rapidamente, vermelha de vergonha. O que vou
dizer? “Não, estou só pagando pra ele tirar minha virgindade”.
— Então, você pode ser minha namorada? — ele diz tímido. Ai, que fofura!
— Adoraria, quando você crescer. Tá bom? — Raul me abraça, dando outro beijo na
bochecha.
Saímos da água para comer alguma coisa. Já estou morrendo de fome. Murilo está
sentado na canga, olhando seu celular.
— Irmão, irmão! — Raul chama sua atenção. — Quando eu crescer, a Alice vai ser
minha namorada, sabia? — conta feliz.
— Vai, é? Tá bem de namorada, então. Ela é linda! — admite olhando em minha
direção, um olhar diferente das outras vezes. Diria até que com ternura. Preciso parar de
imaginar coisas. Foco, mulher!
Sento ao seu lado e pego minha bolsa térmica com comida. Murilo reclama da farofa
mais uma vez, entretanto, come três dos meus sanduíches. Apesar da cara feia para a cenoura,
Olívia também come tudo. Ficamos rindo e conversando um tempão. As crianças decidem
brincar no parquinho e dou um mergulho de verdade no mar, para eliminar as energias
negativas. Quando percebo já são três horas da tarde.
— Eu preciso ir, estou com o carro da Claudinha e nem sonhei em contar que estava
com vocês hoje — explico a Murilo voltando ao nosso guarda-sol e enxugando o cabelo.
— Nossa, ela tá pirando de vez, né? Acha que tá rolando alguma coisa entre nós.
— Pois é. Loucura da cabeça dela.
Abaixo para começar a guardar as coisas e sem querer perco o equilíbrio. Caio no colo
de Murilo que, instintivamente, me segura com suas mãos firmes. Nossos olhos voltam a se
encontrar e eu mal consigo respirar o encarando assim. Ele inclina a cabeça em minha direção
e já imagino um beijo daqueles de tirar o fôlego, mas não é o que acontece. Apenas acaricia
meu rosto com a mão direita e encosta o nariz no meu.
— Obrigado por hoje. De verdade.
Capítulo 20
♫ Quando eu estava lá fora, você percebeu?
Você sabe? Você não me encontrou.
Alguém se importa? ♫
Ode to my family, The Cranberries
MURILO
Acho que Alice não entende como eu, de fato, me sinto agradecido pelo seu pequeno
gesto. Estamos acostumados a ficar sozinhos, até isolados, diria. Por mais que eu tente, sei que
estou longe do ideal para os meus irmãos. Nem sempre tenho paciência para brincar e, como
não temos carro, o transporte público me desanima de passear com eles. Passamos quase o
tempo todo dentro de casa, pois dar mole na favela não é uma opção para os dois.
O coitado do Raul é o que mais sofre. A Olívia ainda nasceu em uma época que, pelo
menos, alguém estava mais centrado. Eu tinha saído da cadeia há um tempo e, depois da
recaída que tive aos 17, tomei um pouco de juízo. A minha mãe estava arrependida também da
sua infinidade de erros e se cuidou na gravidez. Já meu maninho, passou sete meses apenas em
sua barriga, de tanta complicação por causa de drogas. Ela ainda o rejeitou ao nascer
rotulando-o de “imperfeito”.
Muitas vezes eu amamentava o Raul e trocava sua fralda durante o dia. Dona Emília
me ensinou a fazer o básico para ele sobreviver. Era uma criança feliz, carinhosa, e totalmente
largada. Foi uma infância de merda, como a minha.
Passo as mãos pela nuca de Alice, enquanto aperto sua cintura firme, e encosto meus
lábios nos seus. Preciso disso para afastar essas merdas de pensamentos. Adoro como sua boca
responde à minha instantaneamente, na mesma intensidade. Ela já está sem fôlego e eu sem o
ar, no sentido literal da palavra.
Não gosto de como me sinto quando estamos assim. Odeio coisas que não sei definir,
prefiro ficar sem sentir nada. Igual aconteceu com as outras clientes que tive. Era só sexo e
pronto. Não me importava. Com a Alice quero saber de tudo. Droga!
Dou graças a Deus quando Olívia vem correndo em nossa direção, pedindo mais
comida. Desvio o olhar e tiro minhas mãos da sua cintura.
— Mu, tô com fome — confessa e pula no nosso colo. Ainda estamos na mesma
posição de quando Alice caiu agora há pouco.
— Novidade, tu vive com fome.
— Deixa a menina! Ela está em fase de crescimento, precisa de muita comida — Alice
defende sorrindo.
— O que vamos comê? — A pequena faz bico e eu me levanto.
— Eu preciso ir embora, mas tive uma ótima ideia. Que tal passarmos em casa antes,
rapidinho, para comer um delicioso bolo de cenoura que fiz ontem? Depois levo vocês.
— Não, Alice. Não precisa disso! Vamos de ônibus.
— Ahhhh… Eu quero bolo de cenoura! — Olívia faz olhinhos pidões.
— Ouvi bolo? Também quero! — Raul vem correndo e se junta a nós.
— Viu, você é voto perdido! — ela me diz com uma piscadela. Ai, essa mulher!
— Ok, ok. Mas vai ser bem rápido, viu? A Alice tem compromisso — explico aos
meus irmãos. Se não falar nada, vão querer dormir na casa dela.
Termino de juntar as coisas, faço as crianças passarem na ducha e vamos para o carro.
Não acho que seja uma boa ideia essa aproximação toda, afinal, em breve isso vai acabar,
porém, decido não estragar a alegria deles hoje.
O caminho até a casa da Alice é repleto de gargalhadas e brincadeiras idiotas, do tipo:
“Qual a cor do carro que vai passar primeiro?”. Quem nos vê pensa que somos uma família
daquelas de comercial de margarina. A empolgação, entretanto, só dura até o momento que
chegamos à porta da sua casa.
— Alice, que palhaçada é essa? — uma senhora questiona assim que colocamos os pés
para dentro, ainda gargalhando da piada sem graça do Raul sobre o que é um pontinho amarelo
lutando Kickboxer.
— Mãe? O que a senhora está fazendo aqui? — ela responde fechando a cara na mesma
hora.
A mulher nem disfarça o olhar inquisidor em cima de mim, devorando cada uma das
minhas tatuagens. Pego Olívia no colo e deixo Raul atrás de mim.
— Eu vim colocar um pouco de juízo na sua cabeça — esbraveja.
— Não podia dar sermão pelo telefone, mãe? — Alice também está perdendo a
paciência e eu ali, sem saber o que fazer.
— Se você atendesse esse telefone, Alice. Hoje já tentei te ligar umas cem vezes. Estou
aqui plantada o dia inteiro. Onde você estava?
— Já falei que meu telefone está ruim, você...
— Mu, e o bolo? — Olívia corta a conversa fazendo essa pergunta totalmente fora de
hora.
— Agora não, querida. A gente volta outro dia pra comer, tá?
— Nem pensar! Deixa a menina comer o bolo. Vem, Olívia! — Alice dá os braços para
pegá-la. Droga! Isso não vai dar certo.
— Escuta o garoto, Alice. Agora não é hora. Temos muito que conversar — a mãe
interrompe de novo. Definitivamente, não foi com minha cara.
— Alice, a gente combina outra hora. Conversa com sua mãe que é melhor. Por favor
— falo baixinho tentando evitar que o clima fique pior do que já está.
— Desculpa por isso — pede sem jeito. — Peraí, vou pegar um pedaço do bolo pra
eles.
Enquanto sai correndo para a cozinha, sem sequer olhar para a mãe, eu fico totalmente
sem jeito ali parado. Mais um dos motivos pelos quais não me envolvo: tem muita bagagem
junto. Eu teria Olívia e Raul, ela, toda sua família.
Mas que merda estou pensando?
Alice volta tão rápido quanto foi e entrega sorrindo um potinho para minha irmã.
— Pronto! Agora você pode comer o bolo, gatinha.
— Obrigada — agradece feliz.
— Tem bastante, é para dividir com o Raul, viu!?
— Eu divido um poquinho.
— Bom, vamos embora, então, né? — digo rapidamente.
— Eu levo vocês — Alice tenta argumentar, mas a corto.
— Nem pensar! A gente vai de ônibus mesmo. Até mais! — encerro a conversa antes
que cisme em ser teimosa. — Boa tarde! — digo em direção à senhora raivosa à minha frente,
entretanto, sem resposta.
Quando Alice fecha a porta, se desculpando mais uma vez pela situação
constrangedora, ainda é perfeitamente possível ouvir a conversa entre as duas.
— Que falta de educação, mãe! — adverte baixinho.
— Alice, desde quando você sai com caras que tem filhas pequenas? — sua voz é de
puro desgosto.
— O quê? Mãe, não viaja! É irmã dele.
— Que seja irmã! De onde você tirou essas pessoas? Não tem nada a ver com você.
Alice, o que está acontecendo?
Droga, droga, droga. Chamo o elevador e ignoro a sensação estranha que me vem por
essa reprovação.
***
Olívia nem aguentou chegar em casa para comer o abençoado bolo. Devorou tudo na
viagem, enquanto xingava a mãe da Alice de bruxa má. Tentei ensinar que era errado falar
isso, mas todas as vezes ri junto. Eu sei, sou péssimo nisso de educar.
Já são quase cinco horas quando descemos do ônibus perto de casa. O tempo está
esfriando. Viro a esquina, distraído, e minha espinha congela quando escuto uma voz atrás de
mim. Puta que pariu, mas que droga!
— O que tu quer? — Viro com tanta raiva que ele se encolhe.
— Quero continuar nossa conversa. Por favor, me escuta.
— Não tenho nada para falar com você, já disse.
— Quem é esse, Mu? — Olívia pergunta.
— Não é ninguém, Olívia. Vamos entrar, vai. — Puxo os dois pelas mãos.
Tudo que eu não preciso é de mais drama familiar hoje.
— Sou o pai dele — o doador de espermatozoide responde.
— Pai é muito diferente da merda que você foi — retruco instintivamente.
— Eu não tenho pai — Raul diz, inocentemente, e meu coração para.
Merda, agora não.
Tarde demais.
Carlos está olhando atentamente para o Raul como se juntasse os pontos. Os pontos que
ele não sabe. Passa as mãos no cabelo, baixa a cabeça. Seu rosto é tomado por vários
sentimentos e me olha fixamente. Lágrimas saem dos seus olhos.
— Murilo, ele é… — nem consegue terminar a frase. Já sacou.
— Vamos, Olívia e Raul. — Puxo-os novamente.
Não tenho que dar explicações para ele.
— Murilo, eu tenho o direito de saber. Me fala.
— Tu perdeu todo o direito quando abandonou minha mãe aqui, nos abandonou,
porque "não aguentava mais" — despejo exatamente com as mesmas palavras que ele usou há
15 anos, e sigo em direção à porta. Preciso entrar logo.
— Já pedi desculpas, merda. Me fala logo, ele é?
— Só pedir desculpas não resolve nada. Nada! — grito. — E sim, ele é.
Entro e tranco a porta.
Tranco com força, desejando que ele suma da minha frente.
Suma da minha vida para sempre.
Não preciso dele, Raul não precisa.
Meu irmão não vai descobrir agora que, na verdade, tem um pai. Um dos piores,
daqueles que não aguentam a pressão e fogem se fodendo para quem fica.
Ele tem a mim, nós três nos bastamos.
Capítulo 21
♫ Não quero fechar os meus olhos, não quero adormecer.
Sim, eu não quero perder nada. ♫
I don't wanna miss a thing, Aerosmith
ALICE
Como o tempo voa, meu Deus! Uma hora é sábado e estou tendo uma discussão épica
com minha mãe sobre deixar que eu viva por mim, outra já é quinta-feira. Por falar em Dona
Rute, que conversa tivemos!
Ela ficou até às dez horas da noite com um blábláblá na minha cabeça, de estar
irreconhecível e que a época da rebeldia tinha passado. Nunca me reconheci tanto como agora.
Foi embora indignada com a minha postura firme.
Estou louca para chegar em casa, contudo, hoje preciso enfrentar o transporte público.
Claudinha viajou obrigada com sua família para um casamento no Sul e minhas duas colegas
de república sumiram. Mais cedo falei com Murilo no Whats, tive vontade de pedir uma
carona, só que imaginei ser estranho fazer isso. Ele deve estar bem ocupado com suas clientes.
Junto minhas coisas e saio em direção à portaria. As aulas voltaram há poucos dias e o
campus está lotado. Meus olhos piscam três vezes para acreditar no que vejo. Quando chego
do lado de fora dou de cara com Murilo na moto, olhando fixamente para a entrada da
faculdade.
Por que ele é tão bonito? Usando essa jaqueta de couro preta parece ainda mais um bad
boy. Fica tão sexy! Aproximo-me e ele abre aquele sorriso de matar.
— E aí, gata?
— Oi. O que te traz aqui? — Estou curiosa para saber por que não está com suas
garotas.
— Vim te buscar, ué. Tu disse que ia de ônibus. Já está muito tarde para andar de
transporte público.
Paro por um minuto para refletir sobre sua frase, encarando-o. Por que ele se importa?
Será que se importa porque gosta, pelo menos um pouquinho, de mim? Nossa, Alice, não
viaja! Quando penso em responder com uma piada sobre saber me defender, uma risada idiota
interrompe.
— Já arrumou outro trouxa, Alice? — Não acredito que ele vai fazer isso.

— Heitor, qual parte do “nunca mais aparece na minha frente”, você não entendeu? —
digo com ódio em sua direção.
— Ei, cara, sai dessa enquanto pode. Essa aí só faz a gente perder tempo — o imbecil
do meu ex-namorado fala e Murilo sai da moto.
Merda, tudo que eu não preciso é chamar atenção desse monte de gente agora. O
pessoal já está se aglomerando à nossa volta.
— Repete o que tu disse se é homem. — Murilo está com ódio nos olhos, a boca em
uma linha fina e as mãos fechadas ao lado do corpo.
— Ele é um idiota, vamos embora daqui. Não merece nosso tempo. — Tento afastá-lo,
entretanto, o Heitor não para. Ele nunca para.
— Tô falando de brother pra brother, cara. Não vale a pena esperar, ela demora muito
pra abrir essas pernas grossas e delic...
Heitor não consegue nem terminar a frase. Murilo dá um soco tão forte no seu nariz
que acho que o quebrou. Merda! O que eu faço agora? Ele não para de socar sua cara, vai
desfigurá-lo.
Esse idiota merece levar uma bela surra, mas não quero confusão e nem ser espetáculo
para essa gente toda.
— Murilo, por favor, vamos embora — imploro puxando-o pelo braço e ele me olha.
Acho que percebe meu desespero porque para de bater. Está segurando Heitor pela gola
da camisa.
— Escuta aqui, seu merda! Se tu preza por sua vida de bosta, não chega perto dela.
Esquece que ela existe. Homens como tu despertam o pior de mim, não sabem tratar uma
mulher com respeito — ameaça e soca mais uma vez, só que agora lá embaixo.
— Idiota é você, depois não diga que não avisei — Heitor ainda esbraveja jogado no
chão, cuspindo sangue.
Puxo Murilo e subo na moto, quero sair dali o quanto antes.
***
Vamos para minha casa em silêncio, porém, não consigo conter o sorriso pela cena. Foi
merecido! Murilo deu o soco que eu devia ter dado. Estamos esperando o elevador e ele ainda
está tenso.
— Por que você está tão bravo? Eu nem ligo mais para o que aquele idiota diz.
— Como tu conseguiu ficar com aquilo, Alice? Ele é desses babacas bem babacas.
— Não sei como também, eu costumo ser bem cega. — Dou de ombros. —Para um
garoto de programa tu é bem defensor das mulheres, hein!? — tento brincar.
— O que tem a ver, Alice? — Murilo fecha a cara e fica sério.
— Ai, desculpa. Era para ser uma piada. Não teve graça.
— Ser garoto de programa é bem diferente de ser babaca. Eu nunca forcei ninguém a
fazer nada, tampouco, agredi. Seja verbalmente ou fisicamente. Só faço com consentimento.
Nunca tive um relacionamento, mas nem por isso tratei mal as mulheres com quem saí. Tanto é
que a gente já podia ter acabado com isso faz tempo, só que eu te respeitei. No dia do seu
aniversário não chegamos lá porque eu não quis fazer nada com você bêbada.
— Eu sei, eu sei. — Pego em sua mão e olho em seus olhos castanhos. — Desculpa
mesmo, não devia ter dito isso.
Não consigo decifrá-lo, contudo, esse olhar é sempre carregado. Parece que uma vida
passa em sua mente quando está assim e ele fica em dúvida do que fazer. É estranho e intenso,
ao mesmo tempo.
Se for parar para pensar, realmente faz tempo que estamos nos encontrando. Parece
uma eternidade desde o dia em que abri a porta e me deparei com um homem cheiroso de
cabeça baixa. Eu me senti atraída por ele instantaneamente, como nenhum outro ainda tinha
feito.
— Nunca quis tanto fazer isso — penso alto.
— O quê? — Murilo pergunta confuso e eu fico sem graça.
Já estamos na porta de casa e eu abro a fechadura.
— Estou aqui lembrando que faz tempo mesmo que estamos nos encontrando. E você é
a primeira pessoa que eu, de fato, quero muito.
— Alice... — ele começa a dizer, mas o interrompo com um beijo.
A temperatura sobe rapidamente quando nossos lábios se tocam. Adoro essas sensações
diferentes que aparecem em meu corpo com seu toque. Minhas pernas se mexem
involuntariamente e um líquido se forma entre elas. Sinto um frio na barriga e um puxão
começa a se formar, mas não um puxão que dói. Um bem prazeroso. Não paro o beijo e abro a
porta com dificuldade. Eu quero esse homem hoje. Dentro de mim.
Como não sei se temos companhia em casa, o direciono ainda com minha boca na sua
até o quarto e fecho a porta. Já estamos sem ar e eu com uma vontade enorme de senti-lo.
— Alice, a gente não precisa fazer isso agora — explica com dificuldade.
O beijo mexe com ele tanto quanto faz comigo.
— Eu quero, Murilo. Eu quero muito.
Ele segura meu queixo e me olha para ter certeza que eu realmente estou preparada
para isso. Fecho os olhos ao sentir suas mãos pela lateral do meu corpo. Murilo tira minha
blusa com delicadeza e parte para a calça, se abaixando e ficando na altura da minha cintura.
Meu Deus do céu, que visão!
Mordo os lábios e coloco as mãos no seu cabelo, massageando enquanto ele me deixa
apenas de calcinha e sutiã, dando beijos quentes nas minhas pernas.
— Tu gosta dos meus lábios, Alice? — ele pergunta, dando mordidinhas perto da
minha virilha.
— Ai, sim. Eu gosto... Muito!
— E disso, tu gosta?
Nem tenho tempo para assimilar do que ele está falando. Afasta minha calcinha com a
boca, enfiando um dedo dentro de mim. Fico até tonta com tanto desejo.
— Murilo... — gemo e ele intensifica as estocadas.
— Tão molhadinha pra mim.
Como é boa essa sensação. Por que mesmo demorei tanto para experimentá-la? Coloco
as mãos nos meus seios, tocando-os devagar, e Murilo geme.
— Gata, assim tu vai me matar.
Puxo-o pela gola da camisa e invado sua boca novamente. Nem estou me
reconhecendo, sinto como se meus instintos estivessem me guiando. Tiro sua camisa e o jogo
na cama. Murilo me olha assustado, mas com divertimento. Também está gostando da Alice
sem vergonha.
Subo em sua perna e começo a abrir sua calça. Um desejo de experimentá-lo me
consome. Ele já sentiu meu gosto, eu queria muito sentir o dele também. Será que deveria? Ai,
que se foda! Sem pensar demais agora, Alice. Apenas faça.
Deixo-o só de cueca e me aninho na sua lateral. Murilo já percebeu minha intenção e
está com os lábios entreabertos, ansioso pelo meu toque.
— Eu... eu queria sentir seu gosto... Posso?
— Claro, gata — responde com os olhos cheios de desejo e tira a cueca, deixando seu
belo membro a centímetros do meu rosto.
Paro um segundo para pensar e respiro fundo. Eu quero fazer isso, não tem nada de
mais.
— Desculpa se eu não fizer direito, tá?! — digo e não espero a resposta.
Seguro-o firme e encosto minha boca nele.
— Puta merda, Alice! Que boca quente.
A sensação da minha boca quente no seu membro realmente é boa. Um choque
gostoso. Fico envergonhada no começo, mas logo pego o jeito estimulada pelas gemidas e
puxões de cabelo do Murilo. Cada chupada ele fica mais excitado, e eu vou ficando junto.
Nossa, é gostoso dar prazer. Parece que a gente fica mais empolgada dando do que recebendo.
Passo as mãos na parte debaixo do seu pênis e ele geme alto, já percebi que sente tesão
aqui e decido passar a língua, lambendo devagar.
— Alice, que delícia. Ahhhhh...
Continuo enquanto o masturbo com as mãos. Ele está quase lá, intercalando gemidos,
suspiros e palavrões.
— Quero sentir seu gosto — peço me entregando ao momento e volto com a boca para
seu membro.
É o que faltava. Murilo curva o corpo e deixa seu líquido quente sair na minha boca.
Um líquido espesso e de um gosto que não sei dizer qual é. Mas é bom. Muito bom! Eu mal
termino de engolir, sou surpreendida com suas mãos fortes me jogando de costas na cama. Ele
fica por cima e começa a beijar meu pescoço ferozmente.
— Alice... — sussurra no meu ouvido. — Isso foi... Foi muito bom. É sério, acho que
nunca gozei com tanta vontade.
Fico empolgada com seu elogio e mexo meu corpo, encaixando certinho seu membro
entre as minhas pernas. Já estou latejando por dentro de desejo. Eu o quero muito dentro de
mim! Mesmo de calcinha, só senti-lo assim tão perto me deixa louca.
Ele sorri no meu pescoço e vai descendo lentamente, suas mãos acompanhando os
lábios. Uma pegada firme que adoro. Quando chega perto da minha calcinha e a segura com a
ponta dos dedos, Murilo para de repente e fica em silêncio.
De imediato imagino que faz parte do charme, no entanto, ele logo coloca uma mão na
cabeça e se levanta. Parece tonto.
— Está tudo bem? — pergunto preocupada.
Murilo apenas me olha confuso e cai. Cai no chão com tudo. Só lembro de gritar,
desesperada, e correr a seu encontro.
Ele desmaiou.
Pego o telefone e ligo para a emergência tremendo, enquanto visto sua roupa e enfio a
minha no corpo de qualquer jeito. Meu Deus! O que aconteceu?
Capítulo 22
♫ Doente feito um cão, você sentirá muito.
Pegue leve. Diga boa noite. Pegue leve. ♫
Sick as a dog, Aerosmith
MURILO
Estou tonto, enjoado. Minha cabeça dói e sinto uma forte dor do lado esquerdo do
corpo, na região lombar. Chega até a me faltar o ar.
Cadê Alice?
Agora mesmo estava com ela, na sua casa. A gente quase chegou lá. De repente minha
vista ficou escurecida e não lembro mais. Parece que caí.
Abro os olhos com dificuldade e observo o local. Estou dentro da ambulância, deitado
na maca. Tem um paramédico checando meus sinais vitais.
— Murilo, tu consegue falar? Está bem?
— Eu... estou tonto. Muita dor aqui. — Aponto para a parte debaixo das minhas costas
fazendo uma careta. Caralho! Dói demais.
Não consigo ficar com os olhos abertos, a tontura está forte. Vejo tudo embaçado.
Escuto a voz de Alice e fico mais calmo. Ela está aqui!
— Por favor! Pelo amor de Deus, me deixa entrar na ambulância com vocês.
— Moça, tu é da família?
— Eu... — ela para um pouco — sou namorada. Moço, estou desesperada. A gente
tava bem em um minuto, no outro ele caiu com tudo no chão. Do nada. Não sei o que pensar.
Por favor. — Sua voz já soa baixa no final da frase. Parece realmente preocupada.
— Tá bom, vai, pode entrar. Já vamos sair.
Alice suspira e entra rápido na ambulância. Consigo sentir sua presença. Abro os olhos
devagar, porém, mal consigo mantê-los assim. Ela percebe e abre um sorriso enorme, vindo em
minha direção, mesmo com o paramédico ainda me examinando.
— Murilo, graças a Deus! — Se ajoelha e pega minha mão esquerda. Está tremendo. —
Eu fiquei com tanto medo. Fica bem, tá?! Eu tô aqui.
— Moça, se vai ficar aqui, não pode atrapalhar o atendimento. Sente ali e espere. Já
estamos saindo — adverte o paramédico.
Ela fica tensa, levanta e se senta longe de mim. Queria responder, xingá-lo por ser
estúpido, mas estou sem forças. Meus olhos se fecham novamente. A dor está ficando intensa
demais e tenho falta de ar. Recebo uma máscara de oxigênio e tento relaxar pensando no que
Alice disse: Namorada.
Até que essa palavra que sempre odiei soa bem na boca dela.
***
Quando percebo, já estamos no hospital. O balanço de tirar a maca da ambulância está
aumentando o meu enjoo. Acho que vou... Droga! Viro-me de lado e vomito próximo do
paramédico.
— Murilo, você está bem? — Alice vem correndo do outro lado e segura meu pescoço,
ajeitando o meu cabelo para não sujar.
Olho-a de relance, está com os olhos inchados. Estava chorando? Tenho vontade de
abraçá-la, parece muito nervosa. As dores na lombar voltam a ficar intensas e me encosto de
novo na maca.
— Rápido, vamos levá-lo pra dentro! — um enfermeiro anuncia e se aproxima.
— O paciente refere fortes dores lombares, estava inconsciente até agora pouco.
Saturação baixa, mas já fizemos oxigenoterapia. Sinais vitais instáveis — o paramédico passa
minhas condições.
Começo a me mover de novo e sinto que Alice está próxima, com aqueles olhos
grandes cheios de preocupação.
— Moça, tu não pode passar daqui. Espere ali na recepção que o médico atualiza o
quadro dele mais tarde. Se quiser, avise a família.
Eu continuo e ela fica ali parada, pensativa. Não tem para quem avisar. Olívia e Raul
são duas crianças, Dona Emília está com eles. Somos só nós.
Aliás, que droga!
Preciso sair logo daqui. Amanhã de manhã não tem quem fique com meus irmãos. É
levar na escola, fazer comida e à tarde cuidar deles.
Sou levado para uma sala grande. Dois enfermeiros estão me passando da maca para
uma cama espaçosa e um médico chega logo em seguida.
— Murilo, eu sou o Doutor Bernardo. Você consegue falar?
— Sim — respondo com dificuldade.
— Como está sua urina? Clara? Escura?
— Está mais escura ultimamente.
— Dói ao urinar?
— Essa semana tem ardido um pouco, mas não me preocupei. — Arqueio com outra
pontada nas costas.
O médico me deixa virado de lado e dá pequenas pancadinhas com o punho fechado na
região lombar, de cima para baixo. Caralho! Grito de dor.
— Você tem sentido, nos últimos tempos, dor de cabeça, coceira na pele, fadiga, perda
de apetite?
Paro um pouco para pensar. Dor de cabeça eu sempre tive bastante, desde criança, mas
realmente tem ficado pior. Eu imaginei que poderia ser por causa da rotina corrida e da
infinidade de problemas que tenho. Não durmo direito. Minha pele também anda coçando com
frequência, esses dias até comentei com Dona Emília que parecia que estava com alergia de
alguma coisa. A fadiga piorou muito hoje, antes era meio imperceptível, de vez em quando. A
fome? Se for pensar, antes eu comia melhor. Alice come mais que eu.
— Sim. Acho que sim para todos.
— Murilo, vamos fazer exames de sangue e de urina para confirmar, entretanto, creio
que você está com algum problema renal. Vou passar um medicamento para dor enquanto
aguardamos os resultados.
Ahhh... Mas que beleza! Estou precisando mesmo de mais problema na minha vida. O
médico sai, passando orientações ao enfermeiro.
— Tu consegue se levantar, Murilo, para colher a urina?
Estou com uma dor da porra, só que nem fodendo vou mijar naquele coletor desumano.
Faço que sim com a cabeça e ele me ajuda caminhar até o banheiro. Minha boca está seca,
preciso de água. O xixi sai com dificuldade, está mais escuro que o normal e arde bastante. O
enfermeiro aproveita e coloca em mim aquelas roupas ridículas de hospital.
Quando retorno para a cama, uma enfermeira está arrumando a seringa para tirar o
sangue. Ela se vira e, quando me vê, encara descaradamente. Começa pelas tatuagens e
percorre todo o corpo. Fica até com os lábios entreabertos. Eu costumava gostar dessa reação
nas mulheres antes, hoje não ligo. Prefiro as covinhas da Alice quando a faço rir.
Mas que desgraça, merda!
O que é isso, Murilo?
A dor deve estar afetando meu cérebro.
Deito-me e a enfermeira se aproxima com a seringa. Continua me encarando sem
cerimônia. Se fosse em outros tempos... Ela até que é gostosinha! Ruiva, com sardinhas pelo
rosto e uma bela comissão de frente. Um terceiro enfermeiro entra no quarto e chama minha
atenção ao mencionar Alice.
— Murilo, precisamos do seu RG. Sua namorada Alice está pendente com isso para
finalizar a ficha.
A enfermeira ruiva fica cabisbaixa com a palavra "namorada". Tenho vontade de rir da
situação, até que é engraçado. Faço sinal para o bolso da minha calça e peço a carteira. Retiro e
entrego para o homem que aguarda na minha frente.
— Tu pode me fazer um favor? Diga para Alice que estou melhor — peço me
remexendo na cama, outra pontada na lombar.
— Pode deixar, eu digo. — Ele sai e a enfermeira atirada me olha curiosa.
— Tu não parece bem pra mim — provoca espetando a agulha no meu braço.
Faz tempo que não tenho essa sensação! A última vez não foi para colher sangue.
Estava no Morro em uma época de recaída.
— Pois é, mas não quero preocupar minha namorada. — Forço um sorriso. Nem sei por
que disse isso, porém, me divirto por dentro com a cara de raiva dela.
— O remédio que estou colocando aqui no soro vai te dar sono e melhorar um pouco a
dor — o enfermeiro que me ajudou no banheiro explica saindo da sala. — Descanse um pouco,
Murilo.
A ruiva também termina seu trabalho e sai sem dizer nada. Fico lá sozinho no quarto,
reparando no local. Tem dois leitos vazios, poltronas beges no canto da sala, aparelhos
médicos entre cada cama. Sinto minhas pálpebras pesando e fecho os olhos. Não adianta, é
melhor tentar dormir.
***
Acordo meio atordoado, será que dormi muito? O remédio deve ter feito efeito, graças
a Deus! Agora sinto leves pontadas apenas na lombar. Viro-me para o lado e dou de cara com
lindos olhos esverdeados me encarando, aquelas covinhas de matar. Também percebo que os
dois leitos que estavam vazios foram ocupados por uma criança e uma mulher de meia idade.
— Está melhor? — Alice pergunta.
— Sim — respondo preguiçoso, a encarando. Adoro me perder nos seus olhos.
— Eu não posso ficar muito aqui. Tive que reviver meus 8 anos e fazer os olhos pidões
do Gato de Botas para convencer o enfermeiro me deixar te ver um pouquinho — ela fala
sorrindo e eu sorrio junto.
— Aposto que nem precisava, ele teria feito só pela sua beleza — provoco. — Não se
esqueça que tu é gostosa pra caralho.
— Vejo que já está bem mesmo, fazendo até piada velha. — Fica corada e sorri
novamente, me batendo nos ombros.
O enfermeiro aparece na porta neste momento e avisa que Alice precisa sair. Ela faz
bico e me dá um beijo na bochecha, se dirigindo em direção à porta. Eu me lembro do Raul e
da Olívia e, mesmo não querendo, tento recorrer a ela. Infelizmente, não tenho muitas pessoas
disponíveis, e de confiança, no meu círculo de contatos.
— Alice, desculpa te pedir isso, mas será que tem alguma chance de tu levar meus
irmãos na escola amanhã cedo? Espero que antes da hora do almoço consiga sair daqui.
— Claro, Murilo! Eu ia lá mesmo cedinho falar com Dona Emília, perguntar se podia
ajudar com eles.
— Ela trabalha cedo, cuida de uma senhora idosa. Não tem como deixá-la na mão e eu
não tenho mais a quem recorrer.
— Não se preocupe com isso, eu os levo sim.
— Obrigado, Alice.
— Não por isso. Fica bem, tá?! Vou ficar mais um pouquinho lá na recepção.
— Que horas são? — Perdi totalmente a noção do tempo.
— Três da manhã.
— O quê? Alice, pelo amor de Deus, vai embora! Tem que dormir. Daqui a pouco tu
precisa ir trabalhar.
Ela apenas ri e sai da sala me dando um tchau. Ai, essa mulher! Me deixa sem palavras.
Com raiva e admiração ao mesmo tempo. O médico, acho que é Doutor Bernardo o nome dele,
chega logo em seguida. Está com um semblante sério segurando uns papéis na mão. Ajeito-me
na cama.
— Murilo, você já teve caso de doença renal na família?
— Minha mãe morreu com vários problemas de saúde, inclusive nos rins.
— Qual foi o diagnóstico dela?
— Não foi conclusivo. Foi considerado abuso de álcool e todo tipo de droga. Apesar
de, na época, ela estar mais limpa por causa do nascimento da minha irmã, os médicos
disseram que o estrago já tinha sido feito.
— Mais alguém na família? Sabe se vocês possuem alguma doença hereditária?
— Não tenho contato com ninguém da família. Não sei.
O médico continua sério. Que merda! Não parece que vai dar uma boa notícia. Minhas
mãos começam a suar frio.
— Murilo, seus resultados chegaram. Sua proteinúria, que é a perda excessiva de
proteínas através da urina, está muito alta. Bem acima do normal. Eu pedi um exame de sangue
completo e tivemos algumas alterações sérias que me preocuparam muito. Quero fazer mais
uns exames para ter certeza absoluta, contudo, temo más notícias. O diagnóstico pode ser mais
sério do que uma simples cólica renal.
Fico sem reação. Mais sério? Mais sério quanto? Dá para minha vida ser mais fodida?
É possível isso? Uma infinidade de perguntas sem respostas começam a brotar na minha
mente. O médico ainda está parado na minha frente e o encaro sério.
— Por favor, não atualiza as informações para a moça que está lá fora. Não diga sobre
essa possibilidade de algo mais grave. Não é da minha família, somos só amigos. Não diga
nada a ela, ok, doutor? Não quero preocupar Alice.
— Ok — ele confirma e fico aliviado por um minuto, até voltar a ficar perdido em
meus pensamentos.
Mais sério quanto?
Capítulo 23
♫ Deixo assim ficar subentendido. Como
uma ideia que existe na cabeça e não
tem a menor pretensão de acontecer. ♫
Mais uma de amor, Lulu Santos
ALICE
Fiquei aguardando na recepção por mais quarenta minutos depois de visitar Murilo. Eu
queria saber notícias, ninguém passa mal daquele jeito do nada. Tentei obter informações do
médico de plantão que o estava atendendo, mas sem sucesso por não ser da família. Só recebi
um simples "No momento ele está bem". Isso eu percebi, fez até piada para me provocar. O
que preciso saber é o motivo, a raiz do problema.
Chamei um Uber e acabo de chegar em casa. Entro no quarto e o cheiro dele ainda está
aqui. Um cheiro bom que me traz lembranças quentes de sua boca pelo meu corpo. Da minha
boca no seu. Balanço a cabeça para espantar os pensamentos.
Pego uma roupa leve e decido tomar um banho. Vai ter que ser um frio! Nem adianta
dormir essa hora, daqui a pouco amanhece e preciso ficar com Olívia e Raul. Arrumo-me
rapidamente e reforço o café. Ficar acordada hoje vai ser complicado. Por ainda ser sexta-feira,
preciso avisar meu chefe que aconteceu um imprevisto e não poderei trabalhar. Em mais de um
ano na empresa, nunca faltei. Acredito que ele vá entender.
O relógio marca seis horas. Vejo as chaves da Rabbit no balcão, até aprendi dirigir,
porém, não me atrevo a ir de moto. Além de não ter carta ainda, com sono não é uma boa
pedida. Chamo o Uber novamente. Graças a Deus inventaram esse aplicativo, o táxi no Rio é
de vender um rim!
Chego rapidamente no Alemão e já vejo Dona Emília na porta da casa do Murilo. Suas
feições são preocupadas, ela percebe que a moto dele não está ali. Aproximo-me cautelosa para
não assustar as crianças com más notícias.
— Alice! — Olívia vem em minha direção com os braços abertos e sorriso no rosto.
— Oi, pequena! Tudo bem? — Ela balança a cabeça em afirmativa e Raul também se
aproxima para me dar um beijo.
— Ele passou mal e está no hospital. Já explico melhor — sussurro para Dona Emília.
— O que vocês tão falando? É feio falá escondido, sabia? — Olívia puxa minha blusa
e nós todos rimos.
— Estou contando para Dona Emília que tenho uma surpresa. Vou levá-los na escola
daqui a pouco e depois vocês vão passar o dia comigo, lá em casa.
— Êeeee — os dois dizem em uníssono.
— Mas cadê o irmão? — Raul pergunta.
— Ele está ocupado hoje. Vão lá separando algumas coisas que queiram levar que eu já
vou ajudar.
Dona Emília está muito nervosa, não vê a hora que eu dê explicações. Explicações que,
infelizmente, eu não tenho. Puxo-a no canto da sala para evitar que as crianças ouçam.
— Dona Emília, nós estávamos juntos ontem à noite tranquilamente. Do nada o Murilo
ficou tonto e desmaiou. Nós corremos para o hospital, ele também teve falta de ar e vomitou.
Estava com fortes dores.
— Meu Deus! O que meu menino tem?
Tenho certeza neste momento, se é que ainda restavam dúvidas, que ela ama essa
família como se fosse a dela.
— Eu não sei — confesso desanimada. — O médico não quis dizer nada pra mim por
não ser da família. Mas quando eu saí de lá, nessa madrugada, o Murilo estava sem dor, até
fazendo piada. — Expresso um sorriso fraco.
— O Murilo é forte mesmo! Já passou por tanta coisa, coitado do meu menino. Ele
anda passando mal direto, com coceira no corpo, diarreia. Reclamou até de um zumbido no
ouvido. Mas pensa que vai ao médico? Vai nada! É teimoso igual a uma mula. Falei várias
vezes e insistia não ser nada. Espero que não seja mesmo.
— Se Deus quiser não será! — tento confortá-la, e também me confortar.
— Eu, infelizmente, não posso ficar com as crianças. Cuido de uma senhora idosa
agora durante o dia, não tem quem me substituir.
— Eu sei, eu sei. Fica tranquila, Dona Emília. Já avisei meu chefe que não vou ao
trabalho hoje. Vou deixá-los na escola e depois venho buscar para dormir em casa. Tudo bem?
— O Murilo não vai sair hoje?
— Não. Da pouca informação que o médico me deu, falou que precisava fazer mais uns
exames — conto e Dona Emília não gosta da notícia. Fica apreensiva de novo, mas não diz
nada.
Pergunto onde é a escola das crianças e ela me explica. Vou ao quarto ajudá-los e nos
apressamos para não atrasar. Como já tomaram café, conseguimos cumprir o prazo. O prédio
fica na favela mesmo, um local bem feio, cheio de pichações. Deixo-os lá e retorno para casa.
Paro no supermercado durante o caminho para comprar algo fácil de cozinhar. Também pego
ingredientes para um bolo de cenoura, que os irmãos do Murilo adoraram, e algumas
guloseimas. Coisa boa de ser criança é isso, não é?
Chego à república ajeitando as coisas e colocando as panelas no fogo. Meu Deus! Ser
dona de casa cansa e o tempo voa. Já são dez horas. Meu telefone toca e é Claudinha. Deve
estar entediada com os preparativos do casamento que foi no Sul.
— Oi, Claudinha.
— Vem me matar! Me mata que é melhor do que ficar aqui com essas pessoas chatas
me perguntando a cada cinco segundos “Cadê o namorado, cadê a roupa decente…” Ah, puta
que pariu! Odeio essas coisas, Alice — ela diz atônita e eu dou risada. Ela odeia mesmo.
— Calma, Claudinha! Domingo você tá de volta.
— Não conte com isso, até lá já me matei antes. — Dou risada mais uma vez. — O que
tu tá fazendo?
Ah, droga! Será que conto a verdade para ela? Claudinha vai me dar um sermão sobre
envolvimentos e blábláblá. Eu sei que não devia me envolver assim com os irmãos dele, sendo
que não temos nada. E nem nunca vamos ter. Contudo, como deixá-lo na mão se pode contar
com tão poucas pessoas? Decido dizer a verdade porque preciso também da ajuda da minha
amiga.
— Claudinha, eu vou contar uma coisa. Não surta, tá?!
— Tu transou, enfim, com o Murilo? — ela grita de ansiedade no telefone.
— Nossa, só pensa nisso, gente! — Reviro os olhos. — Não, não transei! Mas é sobre
ele mesmo que quero falar.
— Alice, pelo amor do Deus que tu acredita, não me diga que tá gostando dele?
— Claudinha, não interrompe, caralho! Escuta primeiro — peço estressada.
— Uauuuuu! A menina tá até falando palavrão.
— Você me irrita tem hora, sabia?! Eu não transei com o Murilo ainda, porém, ontem
quase chegamos lá. Teríamos chegado se ele não tivesse passado mal e desmaiado.
— Como assim? O que ele tem, Alice? — Agora parece preocupada ao telefone.
— Não sei — respondo triste. — Vai passar mais uma noite no hospital para exames.
Murilo não tem com quem deixar os irmãos de dia e me coloquei à disposição. Não me julga,
Claudinha! Ele não tem mais pra quem pedir.
Espero um sermão de trinta minutos na minha cabeça, entretanto, Claudinha não diz
nada. Ao contrário, fica em silêncio por uns segundos.
— Claudinha? — pergunto pensando que desligou na minha cara.
— Não vou julgar, Alice. Eu conheço a história dele, esqueceu?
— Não esqueci, mas pensei... Deixa pra lá! Queria te pedir uma coisa. Será que pode
me emprestar seu carro? Ficar andando de Uber pra baixo e pra cima é uma bosta.
— Claro! Vou ligar para Dona Rita liberar sua entrada. Ela tem uma cópia da chave de
casa lá nos fundos. A do carro está no balcão da cozinha.
— Obrigada, Claudinha.
— Alice, só me promete que não vai se envolver. Não ilude também essas pobres
crianças, fazendo-as pensar que tu vai ficar na vida delas. Sabe que não vai, né?
— Eu sei — respondo secamente, no fundo querendo dizer outra coisa.
Eu sei que não, porém, queria não saber. Vou sentir falta do Murilo sim, com certeza.
No entanto, o que mais vai doer é me afastar dessa família que aprendi a admirar.
***
O dia voou! Depois de falar com Claudinha, terminei o almoço correndo e fui na sua
casa pegar o carro. Busquei Olívia e Raul e passamos a tarde toda nos divertindo. Comemos
até dar dor de barriga, fui passear com eles no shopping à tarde e até assistimos Meu Malvado
Favorito 3 no cinema. Adoraram! Nem acreditei quando disseram que nunca tinham ido ao
cinema.
Liguei no hospital cinco vezes para saber informações do Murilo também. Não queria
levar as crianças lá para verem o irmão doente. Nas quatro primeiras tentativas me recusaram
dar qualquer notícia. Na última a mulher ficou com dó da minha insistência e me contou que
ele estava melhor, aguardando o resultado dos exames. Provavelmente, teria alta no período da
manhã. Graças a Deus!
Escureceu, voltamos para casa e pedi pizza. Agora está na hora de dormir e estou
arrumando a cama. Sorte que temos um colchão de casal aqui na república para o caso de
visitas. Olívia me encara com olhinhos brilhantes.
— O que foi, querida?
— Eu gostei do dia hoje. Foi muito divetido.
— Que bom, pequena! Fico feliz que tenha gostado.
— Eu também adorei. A gente podia fazer mais vezes, né?! — Raul entra na conversa.
Fico em silêncio, pensando se haverá outra oportunidade. Não posso iludi-los, como
bem disse Claudinha.
— Quem sabe. Tomara que sim!
— Eu não lembro da minha mamãe, mas você parece o que meus amiguinhos dizem
sobre a mamãe deles. Você é legal e cuida da gente. O Mu tem uma ótima namorada — Olívia
declara e fico em choque, com os olhos marejados.
— Querida — engulo em seco espantando as lágrimas —, não sou namorada do seu
irmão, somos apenas amigos. Nós também podemos ser. Mesmo quando Murilo e eu nos
afastarmos, vou conversar com ele para deixar eu sempre ter um tempinho com vocês. Tá
bem? Adorei conhecê-los!
— Tu jura, Alice? — Raul questiona.
— Eu juro! Vou pedir pra ele.
— Que bom! Eu lembro da mamãe e você é bem mais legal que ela. Dá carinho, brinca
com a gente e não usa aquelas coisas estranhas que a deixavam brava e sem paciência — Raul
confessa e as lágrimas que estava segurando caem.
Esse menininho especial deve ter presenciado muita coisa. A mãe provavelmente bebia
ou usava drogas. Murilo nunca contou muito sobre a família.
— Então, agora que tu é minha amiga, posso dormir?! Tô com sono! — Olívia
interrompe e me beija na bochecha.
— Boa noite, meus amores! Durmam com Deus — digo e saio do meu quarto,
deixando a luz do abajur ligada.
Preciso respirar um pouco, assimilar toda essa conversa. Murilo e eu não teremos um
futuro juntos, contudo, definitivamente, quero manter Olívia e Raul no meu.
Capítulo 24
♫ Uma noite longa por uma vida curta.
Mas já não me importa, basta poder te ajudar.
Eu tô na lanterna dos afogados. ♫
Lanterna dos afogados, Cássia Eller
MURILO
Odeio ficar sem fazer nada, preso numa cama de hospital. Meu celular acabou a bateria
faz tempo, a televisão foi monopolizada pelo menino que está no quarto junto comigo e nem
visita eu recebo. Ainda tenho que aguentar a angústia de esperar resultados de exames que
podem mudar minha vida. Não acredito que vou ter que ficar aqui até amanhã cedo. Que
droga!
O enfermeiro que me ajudou no banheiro ontem entra no quarto sorrindo, enquanto
checa o soro do garoto ao lado. Esse pessoal não descansa, não?
— Cara, sua namorada é insistente, hein?! Ela atormentou tanto a recepção para dar
informações suas que a Rita está até com dor de cabeça — declara divertindo-se.
— O quê? — Estou meio lento e demoro a entender.
Que namorada? Está falando com a pessoa certa?
— A menina que chegou com você, Alice. Está atormentando a recepção em busca de
notícias sobre sua saúde.
— Ah, sim. Ela é boa em convencer quando quer — digo sorrindo e ele sai do quarto.
É estranho dizer isso. Estou começando a gostar do som dessa palavra. Seria bom ter
Alice como namorada? Balanço a cabeça para espantar pensamentos que não vão acontecer e
me viro para tentar cochilar um pouco. Melhor do que ficar divagando.
***
Acordo com a presença do Doutor Bernardo no quarto. Quis dormir para tirar Alice da
cabeça, sonhei com ela. Merda! O que está acontecendo comigo? Tempo bom era quando me
divertia sem preocupação com nada. Agora só fico pensando nessa mulher.
— Boa tarde, Murilo. Sente-se melhor? — o médico pergunta sério e me desperta de
vez.
— Sim, não estou mais sentindo dores.
— Preciso ser sincero, não tenho boas notícias. Essas dores vão voltar.
— Como assim? Os resultados dos exames já ficaram prontos?
— Sim, e meu palpite estava certo.
— O que eu tenho, Doutor Bernardo? — questiono aflito, passando as mãos pelos
cabelos.
— Você tem uma doença hereditária considerada rara, conhecida como doença de
Fabry. É um distúrbio causado por uma deficiência no cromossomo X que faz com que o corpo
não produza a quantidade suficiente de uma enzima chamada alfa-GAL, responsável pela
remoção das substâncias gordurosas das células. A insuficiência dessa enzima faz com que a
gordura se acumule nas células e cause danos nos tecidos de todo o corpo.
— Não entendi direito. É uma doença séria?
— Muito séria, Murilo. Simplificando, a falta dessa enzima faz partes do corpo que
dependem de pequenos vasos sanguíneos ficarem obstruídas. As áreas mais afetadas são rins,
coração, sistema nervoso e pele. A doença de Fabry é um erro inato do metabolismo. Isto
significa que a criança já nasce com a alteração genética, sendo possível diagnosticar
precocemente, mesmo que os sintomas clínicos, em geral, tendam a aparecer apenas anos
depois. Por volta dos 20 anos de idade começa a surgir a perda de proteína na urina, que vi no
seu exame ontem, e que demonstra a lesão renal cada vez maior. Mais tarde há o
comprometimento dos vasos sanguíneos de diversos órgãos, que podem levar à morte através
de infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral. Um outro problema é a ocorrência de
insuficiência renal terminal.
Nossa! Não consigo nem assimilar direito tanta informação. Estou fodido.
— Mas essa questão de ser hereditária, quer dizer que peguei da minha mãe ou do meu
pai? — pergunto e o ódio sobe em minhas veias. Aposto que é dele! Nada de bom vem daquele
homem.
— Isso. É importante, inclusive, os familiares fazerem o aconselhamento genético para
a identificação de novos membros que possam ser portadores da doença.
— Todo filho de uma pessoa com essa doença herda? — O desespero me bate ao
pensar em Olívia e Raul. Não aguentaria algo assim com todos nós.
— Não. Os homens têm um cromossomo X e um cromossomo Y. As mulheres têm
dois cromossomos X. Um pai com a doença de Fabry transmite a mutação para todas suas
filhas, mas não para os filhos. As mulheres afetadas têm 50% de chance de passar tanto para
filhas como filhos.
— Tu tá querendo me dizer, então, que essa doença veio da minha mãe, não do meu
pai?
— Exatamente. Eu desconfiei quando você disse que ela teve complicações nos rins e
sua morte foi inconclusiva. Aliás, Murilo, preciso dizer que foi uma sorte muito grande eu
estar de plantão ontem. Atualmente, o maior desafio dessa doença é justamente o diagnóstico
precoce, pois, além de ser rara, não há características físicas aparentes. Muitos pacientes com
Fabry são inicialmente diagnosticados incorretamente e podem consultar diferentes
especialistas antes de obter um diagnóstico preciso. Eu percebi algo errado porque estou
fazendo Doutorado sobre doenças raras.
Isso é sorte ou azar? Ainda estou anestesiado com as informações, sem acreditar.
— Eu tenho mais dois irmãos da mesma mãe, são mais novos — conto com olhos
marejados.
— Eles precisam fazer exames também, mas fique tranquilo, Murilo. Acho muito
difícil todos vocês terem. No Brasil, foram identificados até o momento cerca de 220 pacientes
somente.
— E o que eu faço agora? Qual tratamento?
— A terapia engloba tratamentos de suporte e tratamentos específicos. O tratamento de
suporte serve para controlar os sintomas e sinais presentes e, geralmente, complementa a
terapia específica. A título de exemplo, para se prevenir as doenças cerebrovasculares, utiliza-
se medicação antiplaquetária ou anticoagulantes e a nível renal controla-se a hipertensão
arterial. O principal tratamento específico é a terapia de reposição enzimática, onde se repõem
as enzimas alfa-galactosidade A e beta-galactosidade Aa cada 15 dias. A tolerância é
normalmente boa e a finalidade é prevenir o progresso da doença nos doentes jovens e evitar
ou reverter o avanço nos doentes mais velhos. A terapia genética é uma técnica que propõe o
tratamento definitivo da doença, estando em fase experimental.
— E o SUS cobre esse tratamento? Porque eu não tenho dinheiro.
Mal sobrevivemos atualmente, não posso ter esse gasto.
— Embora, as duas terapias de reposição estejam disponíveis no Brasil, aprovadas pela
Anvisa, ainda não existe nenhum programa para garantir o acesso ao tratamento pelo SUS.
— Mas que droga! Vou morrer, então... — penso alto.
— Calma, Murilo. Conte comigo, estou disposto a ajudá-lo. Será um ótimo estudo de
caso para a minha tese de Doutorado e podemos facilitar o caminho para outras pessoas que
descubram a doença no futuro. — Forço um sorriso fraco, pelo menos uma boa notícia.
— Qual minha expectativa de vida, Doutor Bernardo?
— Já houve muitos avanços, mas a expectativa de vida dos portadores é reduzida em
20 anos para homens, principalmente, sem o tratamento adequado — explica e fecho os olhos,
em silêncio. — Murilo, eu sei que é muita coisa para assimilar, só tente manter a calma. As
alterações nos seus exames me mostram que até o momento a doença afetou apenas seus rins.
Sabe-se que a grande maioria dos pacientes com a doença irá ter algum comprometimento
renal ao longo da vida. Estou preocupado que essas dores avancem, por isso, vou acompanhar
de perto para o caso de hemodiálise e até transplante renal.
— Transplante?
— Sim, em muitos casos é necessário. Vou te passar encaminhamento para outros
médicos também. O tratamento é multidisciplinar. É preciso cuidar até da alimentação, pois o
consumo de certos alimentos pode aumentar a ingestão de água. Como há uma diminuição da
urina, os líquidos e o sal ficam acumulados no corpo, originando os inchaços e o aumento da
pressão arterial.
Balanço a cabeça apenas para confirmar que entendi e o Doutor Bernardo se retira.

Cara, não vou nem chegar aos 60. Se tiver sorte, terei mais 36 anos de vida.
Se tiver sorte!
Capítulo 25
♫ Sim, vou te deixar determinar o ritmo porque
não estou pensando direito. Minha cabeça está girando,
não consigo mais ver com clareza. ♫
Love me like you do, Ellie Goulding
ALICE
No começo da manhã ligo no hospital novamente para saber se Murilo terá alta e fico
aliviada ao ser informada que ele sairá depois do almoço. Dou comida para Olívia e Raul e os
levo até Dona Emília. Às duas e meia em ponto chego na recepção. Não deveria, mas estou até
com frio na barriga de tanta ansiedade em vê-lo.
Sou orientada a sentar e aguardar. Mexo no celular e me distraio por alguns minutos até
um homem atraente, de cabelos bagunçados e olhos castanhos penetrantes aparecer no meu
campo de visão. É tão lindo que nenhuma mulher consegue conter virar o pescoço para
admirá-lo. Ele parece surpreso em me ver e está com feições tristes. Será que aconteceu
alguma coisa e ninguém quis me falar? Praticamente corro em sua direção.
— Murilo, você está melhor? — pergunto e seguro sua mão.
Ele fica me olhando por um tempo, parece perdido em pensamentos.
— O que tu tá fazendo aqui?
— Eu liguei de manhã para saber que horas você ia sair, vim te buscar. Estou de carro.
Seus irmãos já estão com a Dona Emília — explico e ele continua me olhando.
Nossa, Murilo está estranho! Seu olhar profundo está três vezes mais misterioso e
intenso. É intimidante, parece que está vendo minha alma.
— Você está bem? Parece estranho.
— Sim — responde seco, sem tirar seus olhos dos meus.
— Tem certeza, Murilo? O médico descobriu o que você tem?
— Não foi nada de mais, Alice. Pode ficar tranquila. É cansaço e estresse, vou tomar
alguns remédios.
— Só isso? E aquela dor?
— É reflexo do estresse. Uma hora o corpo cobra as preocupações da mente.
Estranho é pouco para defini-lo, sinto que está me escondendo algo.
— Se você tiver com algum problema, pode me falar. A gente não tem nada, mas nos
tornamos amigos. Pode contar comigo — insisto.
— Tudo bem, Alice. Pode ficar tranquila, tá?
— Se você diz.
Murilo desvia o olhar pela primeira vez e sai caminhando ao meu lado. Não estou
acreditando muito em suas palavras. Espero que seja paranoia da minha cabeça. Depois de
tudo que já passou, o universo não faria algo ruim acontecer. Faria?
***
Quando chegamos ao Alemão, ele desce rapidamente do carro e vai em direção à casa
da Dona Emília. Bate na porta e me espera alcançá-lo para entrar. A casa dela é ainda mais
simples que a do Murilo, poucos móveis e bem antigos. Porém, é tudo muito limpo e
aconchegante. Raul o enxerga primeiro e vem em sua direção.
— Irmão, você voltou!
Murilo nem espera ele chegar ao seu lado e já o puxa para um abraço. Não um abraço
qualquer, um daqueles de aquecer o coração, de verdade. Não sei se é sempre assim quando
ficam algum tempo sem se ver, se está aliviado de ter voltado bem... Fico até emocionada com
o contato tão íntimo.
Olívia também aparece na porta da cozinha e vem correndo para entrar na roda. Ele a
pega no colo e dá vários beijinhos, enquanto faz coceguinhas na sua barriga e um som
delicioso invade o ambiente. Dona Emília está encostada no canto, com um semblante
indecifrável.
— Tava com saudade, Mu.
— Eu também, meu amor. Tu se comportou direitinho com a Alice?
— Sim, foi muito divetido. Nós comemos várias coisas gostosas, passeamos no shopp e
assistimos o filme do Minio. Ela agora é minha amiga, disse que estará com a gente para
sempre.
Ah droga! Não era para Olívia falar isso assim. Fico imóvel e pálida na mesma hora,
Murilo me olha tenso e vejo Dona Emília esconder um sorriso.
— Murilo, pode descansar. Eu fico com as crianças hoje.
— Não, Dona Emília. Estou bem já.
— Nem pensar. Vai pra casa, toma um banho e come algo decente. Sei que no hospital
a comida é horrível.
Ele tenta argumentar de novo, mas acaba aceitando. Está sério, pensativo e não olhou
nenhuma vez na minha direção enquanto saíamos da casa de Dona Emília. Merda! Está bravo
com a história de "para sempre". Péssima hora, Olívia. Nem deu tempo de me explicar antes.
— Olha só, se preferir ficar sozinho nos falamos mais tarde ou amanhã, tá? —
pergunto ao chegarmos à sua porta.
— Alice, por que você falou aquilo para a Olívia? — Ele me encara e abre a fechadura,
dando espaço para que eu entre.
— Desculpa. Eu queria ter explicado direito antes. Nos divertimos muito ontem, eles
estavam animados me falando o quanto estavam felizes e eu não resisti.
— Tu tem noção que não temos nada, né? Essa aproximação que eu temia. Raul e
Olívia não deveriam se apegar a você. Muito menos te chamar de "amiga para sempre" —
confessa preocupado.
Eu sei que realmente não temos nada, ele é um garoto de programa. Contudo, sinto um
frio na barriga ao ouvi-lo confirmar isso.
— Eu sei, Murilo. Fique tranquilo que não estou criando falsas expectativas de nada.
Lembro muito bem do nosso acordo. Mas queria falar algo sobre as crianças.
— O que, Alice?
— Mesmo quando a gente terminar isso, não nos vermos mais, eu gostaria de continuar
o contato com seus irmãos de vez em quando. Sei lá, uma vez por mês. Para sairmos,
passearmos um pouco. São maravilhosos e eu queria muito manter a amizade deles.
Murilo fica em silêncio por um minuto. Suas expressões se suavizam e percebo que
fica mais aliviado. Ai, graças a Deus! Estava com medo de sair gritando comigo.
— Por que você faria isso? — questiona baixinho, quase não ouço.
— Porque eu gosto deles, de verdade. Independentemente de qualquer coisa entre nós,
Olívia e Raul não têm nada a ver com isso. Eu posso combinar de pegá-los na Dona Emília se
você autorizar e...
Não consigo terminar de falar. Murilo me invade. Segura-me forte na cintura e me beija
desesperado. Sinto até que está sufocado, como se estivesse carregando o peso do mundo nas
costas e o soltasse por um minuto. O calor chega rapidamente. Como pode esse homem me
deixar excitada com um toque?
Ele tranca a porta da casa e me pega no colo, sem descolar sua boca da minha. Passo
minhas pernas por sua cintura e consigo sentir sua ereção. Fico feliz de não ser a única afetada
por nossa aproximação. Caminha em direção ao seu pequeno quarto e vou me perdendo em
seus lábios. Poderia beijá-lo o dia todo e não me cansaria. Lábios macios que me levam à
loucura com mordidas. Murilo aperta minha bunda com as duas mãos e dou um gemido alto. Já
estou completamente molhada e com desejo dele.
— Alice... — sussurra no meu ouvido.
— Eu quero você, Murilo.
— Ahhh... caralho! — Seus olhos vidram quando fecho minha mão na sua calça.
Ele me coloca sentada na beirada da cama e fica na minha frente, se despindo. Meu
Deus do céu! É muito gostoso. Toma controle do meu prazer mantendo o olhar o tempo todo
para captar as reações. Inconscientemente mordo os lábios e aperto minhas pernas.
— Tu já tá molhadinha pra mim, Alice?
Confirmo com a cabeça e Murilo joga longe sua calça, me deixando com uma visão
maravilhosa de seu membro grande por dentro de uma cueca boxer preta. Fica linda no
contraste de sua pele clara e coxas grossas. Que calor!
— Eu quero ver.
— O quê? — Fico meio perdida com a visão que não escuto o início da fala.
— Eu quero ver o quanto tu tá molhadinha.
De novo não consigo falar. Ele me joga deitada na cama e começa a tirar minha calça.
Meu coração parece que vai sair pela boca.
Ai, droga! Será que pode fazer isso depois de dois dias no hospital?
— Murilo...
— Sim... — responde puxando minha calcinha e mal consigo raciocinar.
— Você… — tento continuar e ele beija a ponta dos meus pés, acariciando minhas
pernas. — Você pode fazer isso?
— Isso? — chega na altura da minha virilha e escancara minhas pernas. Caralho! Solto
outro gemido, dessa vez mais alto ainda.
— É... Você pode? Acabou de sair do hospital.
Ele nem me responde. Sua boca cai com tudo em mim. Aqueles lábios fazem ainda
mais maravilhas lá. Já estou sem ar.
— Murilo... É sério...
Para mostrar que não quer conversa, enfia dois dedos de uma vez para me calar.
Caramba, dá muito certo!
— Eu não quero gozar agora... — digo em um suspiro. — Quero ficar louca com você
dentro de mim.
De onde está saindo essas coisas?
Espanto o medo e me deixo envolver pelo momento. Murilo levanta a cabeça para me
olhar. Senhor! Essa visão é para deixar qualquer uma louca. Cabelo bagunçado, lábios
inchados... E ele ainda está os lambendo.
— Ah é?! Então vou deixá-la ainda mais com vontade.
— É possível? — Quase não consigo acreditar.
— Com certeza é.
Murilo sobe seu corpo e chega na minha boca de novo. É gostoso sentir meu próprio
gosto. Ele me beija com vontade e encaixa seu membro perfeitamente entre minhas pernas.
Ok, com certeza ele pode me deixar com mais vontade. Muito mais vontade.
Enquanto vai descendo a boca pela minha orelha, meu pescoço, meu ombro… Se mexe
em um ritmo lento. Caralho! Que coisa boa. E olha que não sou de falar palavrão, na verdade
odeio palavrão.
— Puta que pariu, Murilo! Ahhhhhhh... — Contorço-me toda quando sua boca chega
aos meus seios e ele puxa o sutiã para cima, sem cerimônia, se deliciando deles.
— Shhh... Ainda tem mais. Tu não queria ficar com vontade?
Não estou conseguindo nem enxergar mais direito, minha vista está embaçada. Ele tira
o sutiã e fica sugando um dos meus seios, deixando mordidinhas e lambendo. A outra mão está
entretendo o outro. Troca de lado e vou ficando completamente louca. Louca de desejo por
esse homem.
Agarro suas costas e seu cabelo. Ele geme, sei que gosta. Murilo coloca um dedo
novamente na minha vagina, onde seu membro, totalmente ereto, me castiga ainda vestido, e
eu quase não aguento. Estou praticamente toda latejando.
Ele para e eu aproveito para inverter os papéis. Agora vai sofrer um pouco. Viro-me
rapidamente e fico por cima. Seus olhos vidram, não esperava por essa.
— Caralho, Alice! Que vista, você assim em cima de mim. Gostosa! — elogia
enquanto acaricia meus dois seios com as mãos.
Eu começo a cavalgar nele ainda de cueca.
— Ahhhhhhhh... Porra... — geme alto e eu intensifico.
— Vai pagar com a mesma moeda — falo divertida e Murilo me aperta. Está gostando
da brincadeira.
Começo no pescoço e me deleito no salgado da sua pele enquanto esfrego meu quadril
contra ele. Eu beijo tudo. Cochicho elogios em sua pele. Quando levanto o olhar, encontro-o
me observando. Aperto os olhos fechados enquanto ele crava suas mãos nas minhas costas.
Adoro essa pegada mais firme. Geme e pressiona sua testa contra a minha.
— Alice, eu não tenho tanto autocontrole como você. Não vou aguentar tu assim tão
gostosa em cima de mim. Ahhhhhhhhhhh... — Para quando desço de repente para baixo e
coloco as mãos por dentro da cueca, acariciando. Que delícia ouvir esse gemido.
— Shhhhhhh... Ainda tem mais.
— Está copiando minhas frases agora, é? — Ele abre aquele sorriso maravilhoso. —
Cadê a Alice toda certinha, meu Deus?
— Está dormindo agora, deixa a outra agir — respondo tirando sua cueca e colocando
meus lábios no seu membro.
— Que porra está tentando fazer comigo? Que boca, Alice. Que boca!
Suas palavras me incentivam a chupar cada vez mais. Estou confiante. Acho que
Murilo percebe, pois tudo nele é uma respiração pesada e ruídos graves. Sua expressão é de
tirar o fôlego.
— Deus... Alice... — Toca meu rosto gentilmente. Eu movo minha boca sobre ele,
fazendo cada toque dizer algo.
— Quer que eu pare, Murilo? — Ele aperta os olhos fechados. — Ou quer que eu
continue te tocando?
Quando os abre, há desejo lá. Faminto. Ele envolve a mão no meu cabelo e me puxa no
beijo mais intenso que já trocamos. Murilo tem gosto de tesão. Cheiro também. Seu olhar
esquenta minha pele. Agora não tem volta.
Fico novamente por baixo, presa por esse corpo quente e musculoso. Eu puxo seu
cabelo. Afundo dentes em seu ombro. Cada ruído grave me deixa ainda mais inebriada. Cada
vez que ele se aperta contra mim, posso sentir mais dele. E quanto mais eu sinto, mais eu
preciso. Quando o seu volume encosta na minha vagina perco o ar. Vai acontecer mesmo!
— Alice... — chama com uma voz rouca. — Tu quer mesmo fazer isso?
— Eu quero perder minha virgindade com você. Nunca quis tanto algo na vida como
isso.
Ele volta a me tocar. Cada canto do meu corpo é explorado. Murilo venera minha pele
e faz ruídos suaves que falam mais alto do que a maioria das palavras que já disse. Estou
desesperada para perguntar se isso é normal. Se as outras mulheres com quem ele esteve, se
suas clientes, se sentem assim. Escolho apenas sentir com o silêncio.
Eu o beijo. Sua resposta é faminta. Nunca precisei de nada quanto preciso dele dentro
de mim. Acho que Murilo percebe. Agarra seu jeans do chão, tira sua carteira e coloca uma
camisinha. Jamais imaginei que poderia ser incrivelmente excitante vê-lo assim. Um arrepio
corre por minha espinha. Vou perder minha virgindade.
Ele se ajeita entre minhas pernas novamente e me olha profundamente. Quer confirmar
com meu olhar se quero mesmo fazer isso. Respondo o encarando na mesma intensidade e
encosta seu membro na minha vagina. Agora colocando-o mesmo lá dentro.
Ai. Meu. Deus!
Há pressão, muita pressão, e aumenta enquanto empurra à frente. Ele não vai longe
porque eu, sem querer, solto um grunhido de dor. Está ardendo muito.
— Você está bem? — Vejo sua preocupação, está quase desistindo.
Devo estar mesmo com cara de dor. Faço que sim com a cabeça.
— Não pare — imploro.
Murilo se move novamente, então, a pressão começa a queimar. Quando fecho meus
olhos contra a dor, ele para.
— Alice, se quiser fazer isso, continue olhando pra mim, tá? Eu preciso saber que tu
quer, que está bem. Eu nunca estive com uma virgem, isso aqui é novidade também.
Nunca esteve?
Uma alegria invade meu coração.
Pelo menos em uma coisa sou novidade para ele, algo único. Talvez se lembre de mim
um dia por isso. Obedeço e não fecho mais os olhos. Ficamos nos encarando o tempo todo,
enquanto seu membro vai afundando dentro de mim. Ele está devagar, bem devagar, e
ouvimos nossa respiração ofegante dando eco em todo quarto.
— Tu é incrível — cochicha contra meus lábios. — Eu sabia que seria, mas... Deus,
Alice. Tão apertadinha. Muito gostosa!
Músculos se estendem e doem. Uma pontada de pânico me atinge. Será que vai caber?
Ele balança de um lado para o outro e consegue ir um pouco mais fundo cada vez. Interrompe
o olhar por um minuto para me beijar. Um beijo terno e carinhoso.
— Desculpa por doer.
Outra pressão. Então outra. Eu solto uma longa respiração e ele também. Está
totalmente dentro de mim.
Totalmente.
Eu olho para Murilo surpresa. A dor foi substituída por uma queimação pulsante.
Prazer. Ele sorri feliz e acaricia meu rosto. Somos apenas nós agora. Conectados. É a coisa
mais incrível que já senti. Transbordando com ele, mal posso respirar.
— Tu é... inacreditável. — Abaixa a cabeça no meu pescoço e apenas respira.
Eu o seguro e saboreio o momento. Acaricio suas costas e me remexo com ele.
Com cada arremetida a queimação diminui e, após alguns minutos, estou sem fôlego e
arqueando pela penetração profunda dele. Suas arremetidas se tornam mais confiantes.
— Murilo, isso é delicioso — suspiro no seu ouvido.
Ele beija meu ombro e pressiona a testa contra ele.
— Tu é gostosa demais. Muito apertada. Meu Deus, eu não vou aguentar — admite
com aquela voz rouca e sexy.
Quase não estamos respirando mais. Estou pingando suor e somos só grunhidos.
Suspiros ásperos enquanto nos beijamos e agarramos um ao outro.
Quero contar como ele me tira o fôlego, mas não consigo. Estou hipnotizada demais.
Logo não consigo manter meus olhos abertos, então fecho-os e apenas sinto.
Ele continua penetrando, agora mais forte, e começo a sentir uma onda de prazer
chegando. Abro os olhos para encontrá-lo boquiaberto.
— Alice... não posso mais. Eu vou... Ohhhhhhhhhhh...
Ele desmonta e eu o acompanho.
Uau.
Murilo cai à frente e murmura cochichos incoerentes no meu peito. Suspiro sentindo-
me pesada e saciada. Não posso me mover e não quero.
Estou dolorida. Mas quem se importa depois disso?
Foi muito melhor do que tinha imaginado. Foi intenso. Foi… Foi sem palavras.
Encosto a cabeça em seu peito e me aninho um pouco. Suas batidas soam estranhas,
como se houvesse um eco a mais em seu peito. Abraço-o forte pela cintura.
Será que posso fazer isso?
Deixo para pensar outra hora.
Capítulo 26
♫ Eu quero te contar meu segredo só com
o som da minha respiração. Eu quero saber
que seu coração bate. Quero te dizer. ♫
Let there be love, Christina Aguilerar
MURILO
Eu não acredito que vou assumir isso: estou apaixonado por essa mulher.
Nunca tive experiência parecida na vida, me rendi aos seus encantos. Ela mexeu
comigo desde o dia que a encontrei pela primeira vez. Devia ter fugido daquelas covinhas e
rostinho corado. Alice é muito mais forte do que pensa, muito mais inteligente do que mostra e
muito mais linda do que possa imaginar.
Além de sua beleza exterior que, meu Deus, é de tirar o fôlego, ela tem uma beleza
cada vez mais rara hoje em dia. É bonita por dentro. Preocupa-se sem esperar nada em troca,
quer ajudar genuinamente. Ontem já fiquei mexido quando o enfermeiro falou sobre suas
ligações, porém, vê-la me esperando hoje foi demais. Alice parecia tão feliz em me ver. Veio
até correndo, embora tentasse esconder.
E com meus irmãos, então? Eu estava decidido a parar com isso, a pedir que seguisse
sua vida. Na verdade, eu ainda penso nisso. Alice merece um homem muito melhor do que eu.
Um que não tenha tanta bagagem, tanto problema. Um que possa envelhecer com ela e lhe dar
filhos. Eu não poderei nada disso. Mas como resistir depois de dizer que, mesmo que a gente
tome rumos diferentes, quer continuar vendo Olívia e Raul?
Deitado aqui na minha cama apertada agora, passando a mão em seus cabelos enquanto
ela tenta recuperar a respiração, só consigo pensar como sou um cara de sorte. Eu posso não ter
muito tempo, entretanto, vivi a melhor experiência ao senti-la de um jeito tão profundo.
Não posso negar, eu tive muitas mulheres. Muitas que nem sei dizer. Foram altas,
baixas, magras, gordas, loiras, morenas, negras, ruivas... Algumas mais bonitas que Alice,
inclusive. Contudo, nada se compara a ela. Toda essa beleza sumia com um minuto de
conversa. Pessoas vazias. Com Alice, sua beleza só aumenta à medida que você a conhece.
Caralho! Não acredito que estou mesmo de quatro. Não acredito que realmente me
interessei por alguém. Não só interessar, aliás. É como se meu coração fosse sair do peito.
Nunca tive conexão no sexo. Até hoje. Eu não queria mais sair de dentro dela, nossos corpos
encaixados perfeitamente. E se Deus poderia me aliviar de todos esses problemas que
surgiram, transformou minha garota em uma safada na cama. Como não amar? É a perfeição
que todo homem procura.
Tirando-me dos devaneios, Alice acaricia a lateral da minha cintura e levanta a cabeça,
com aqueles olhos esverdeados lindos. Sorri e eu retribuo. Tenho que controlar minhas
emoções. Não quero dizer nada para ela, mas está difícil.
— Posso te fazer uma pergunta? — pede e fico receoso com o assunto.
Tomara que não pergunte de outras mulheres, não quero estragar o momento a
deixando triste.
— Sim.
— Por que você tem só uma tatuagem colorida?
Ufa! Mas ainda está pensando nisso? Lembro-me dessa pergunta no dia que fiquei
morrendo de raiva dela ser intrometida. Naquele tempo eu não responderia isso para ninguém,
todavia, como ela já passou dessa fase e sabe dos meus irmãos, não vejo problema em dizer.
— Foi a última que fiz, é para Olívia e Raul. Como te contei brevemente, tive uma vida
de merda. Eu comecei cedo a ir para o caminho errado das drogas e do crime e me perdi
totalmente. Só acordei de verdade no fim dos meus 18 anos, ou seja, há pouco tempo. Minha
mãe morreu em seguida e tive que me virar com duas crianças, uma casa, contas... Queria
deixar no meu corpo uma marca dessa nova fase, uma vida mais colorida sem as sombras do
passado, e fiz a Fênix.
— Eu conheço a história. O pássaro que morria e depois renascia, certo?
— Isso mesmo — concordo e meus pensamentos se perdem novamente.
Queria poder ter outra chance de renascer, longe dessa merda de doença!
— É muito linda — elogia passando as mãos delicadas no meu pescoço e já começo a
ficar animado de novo.
Caralho! Ela percebe e dá risada.
— Já?
— Com uma mulher gostosa assim fica difícil se segurar — confesso e Alice sorri
novamente, mas em seguida faz uma careta. Deve estar dolorida.
— Está doendo?
— Um pouco. Nada de mais.
— Ouviu, amigo?! Sossega aí que Alice tem que melhorar para o segundo round.
— Mal posso esperar.
— Safadinha! — Dou um tapa na sua bunda e minha garota solta um gritinho.
— Vamos fazer assim: vou me limpar rapidinho e tu toma um banho. Farei algo pra
gente comer, estou morrendo de fome.
— Nossa, também estou morrendo de fome!
Dou um selinho em seus lábios e corro para o banheiro. Quando volto, ela está enrolada
no lençol, sentada na cama com o cabelo todo bagunçado. Linda! Amo os seus diferentes
lados, de tímida a safada.
— O que tu quer comer?
— Surpreenda-me! — desafia e entra no banheiro.
Escuto o som da ducha ligada e, juro, tenho uma vontade enorme de entrar e fodê-la
encostada na parede. Mas tenho que esperar mais um pouco. Talvez o banho ajude na dor.
Olho para a cama e a mancha de sangue prova sua inocência. Meu Deus! Como essa
mulher incrível aceitou isso? Do sonho do príncipe encantado para um garoto de programa?
Um garoto de programa todo errado. Eu ganhei na loteria por conhecê-la, porém, será que
Alice pode dizer o mesmo? Será que ainda deseja uma vida de contos de fadas? Espanto os
pensamentos e saio com o lençol na mão para lavar. Agora não.
Vou para a cozinha e opto por fazer meu omeletão. É simples, rápido e delicioso. Vai
de tudo um pouco. Separo os ovos, bacon, cebola, cenoura, tomate, cebolinha, manteiga, leite,
trigo, sal e fermento em pó. Tenho tempo de picar todos os ingredientes, bater os ovos e nada
da Alice voltar. Será que foi embora pela janela? Afff... Murilo, não seja ridículo! Deve ter
passado uns trinta minutos já. Quando decido sair em sua procura, ela aparece na porta.
C.a.r.a.l.h.o!
Devo estar de queixo caído, nem ligo. Minha garota lavou os cabelos e eles caem
graciosos em seus ombros. Não vestiu suas roupas. Pegou uma das minhas camisetas e está só
com ela.
Caralho de novo! Que tesão da porra.
Como é alta e tem um corpão, a peça não fica grande. Está justinha, marcando aquelas
tentações de coxas.
— O que foi? Tudo bem eu usar uma camiseta sua? — pergunta receosa.
Deve ter entendido errado a minha cara de tonto.
— Caralho, Alice! Caralho! — digo em voz alta o meu pensamento e ela fica imóvel,
os olhos tensos. — Pode usar essa camiseta para o resto da vida. Tu tá querendo me matar, só
pode. Meu pau vai fugir da calça com você vestida desse jeito. Tá um tesão!
Ela relaxa e sorri, vindo em minha direção.
— Se eu fosse tu não viria aqui agora — advirto.
— Por que não? — provoca com voz sensual.
Já estou apaixonado, desse jeito vou até escrever uma música.
— Alice, não me tente!
— Sabe, eu tava pensando enquanto tomava banho... — fala encostando seu corpo no
meu. — Foi maravilhosa essa experiência, mas ainda falta uma coisa.
— Falta? — questiono engolindo em seco.
Aonde ela quer chegar?
— Eu queria ver como você faz quando não está com uma menina virgem — solta
tentando ser firme, ainda sim, fica corada ao falar.
— O quê? — pergunto para ter certeza que ouvi bem.
Alice enlaça seus braços no meu pescoço e chega mais perto. Ahhh... Esse cheiro de
banho com seu perfume natural.
— Não pegue leve comigo desta vez, Murilo — sussurra em meu ouvido.
Puta que pariu!
Fico olhando para ela um minuto. Tentando absorver seu pedido, tentando lembrar que
é melhor não me envolver mais do que já estou envolvido. Posso ficar perdidamente louco por
Alice.
— Por favor. — pede e meu lado selvagem toma totalmente conta de mim.
Movido por puro desejo de fodê-la bem fundo, no meio da minha cozinha, viro-a
bruscamente de costas e coloco minhas mãos entre suas pernas, enfiando, sem pedir, um dedo
lá.
Alice geme alto e inclina a cabeça, me dando espaço para devorar seu pescoço.
— Tu quer foder gostoso, então, Alice?
— Sim... — responde em suspiros e eu enfio dois dedos dentro dela.
— Então seja uma boa garota e me obedece. Ok?
— Ok.
Estoco com força, fazendo movimentos circulares. Tiro meus dedos e os levo em sua
boca. Quero vê-la chupar tudo.
Não aguento a Alice safada, ela vai acabar comigo. Não reclama, deixa rolar. Lambe
vagarosamente cada um dos meus dedos como se estivesse chupando meu pau. Ahhhh, merda!
Estou fodido.
Abaixo em sua frente e rasgo sua calcinha com as mãos. Sua pupila se dilata, ela está
gostando desse jeito selvagem.
— Agora tu pode me ver melhor chupando, Alice. Presta bem atenção.
Entro com minha cabeça entre suas pernas, de uma forma que ela possa ver
perfeitamente o que estou fazendo. Seguro-a firme pela bunda, dando tapinhas e apalpando
com gosto.
— Ahhhhh... Murilo.
Ela é só gemido. Não está aguentando nem respirar direito. Sua perna está ficando mole
embaixo de mim. Alice se apoia na mesa para não cair. Abaixo minha calça com uma das
mãos e começo a me tocar.
— Olha aqui. Estou me masturbando enquanto fodo você com minha boca. Se toca,
Alice. Levanta essa blusa, acaricia seus seios pra mim.
Queria ler seus pensamentos. Minha garota está com os olhos ardendo de desejo, morde
os lábios constantemente. Parece até que vai sentir dor, de tanto que os pressiona. Fico de lado
para que ela possa ver meu pau, e volto a torturá-la com a língua. Sei trabalhar, modéstia à
parte.
Não deixo nenhum minuto de olhá-la e quase gozo quando me obedece e levanta a
blusa. Alice está sem sutiã. Oh, meu Deus, que visão! Aperta o bico do peito e os acaricia
devagar. Pego uma de suas mãos e a coloco ali para me ajudar.
— Enfia, Alice. Se masturba também — encorajo e ela faz. Caralho!
Chego ao seu ponto fraco, o clitóris, e é só gemido. Não me importo que esteja alto.
Que se foda se alguém ouvir! Quero essa mulher louca por mim. Quero inteira. Minha.
Levanto sem avisar e a viro de costas novamente, colocando-a de bruços sobre a mesa
da cozinha. Faço tudo tão rápido que se assusta e grita. Porém, é um grito de prazer que chega
direto lá embaixo.
— Tá bom assim? — pergunto, mas fico sem resposta. Alice está extasiada, só balança
a cabeça. — Ahh... Você de quatro assim!
Pego uma camisinha do bolso da calça e rasgo o pacote com a boca. Enquanto faço isso
com uma mão, a outra está dentro dela, estocando firme. Essa visão da sua bunda está quase
me explodindo. Coloco-a e entro rapidamente sem pedir licença.
— Diga-me se em algum momento machucar ou tu quiser parar, ok? — aviso ofegante.
É bom demais estar dentro dela. Não quero mais sair daqui.
— Ok — responde também com dificuldade. — Ahhhhhhhhhhhhh…
Sua reação às minhas investidas mais duras é maravilhosa.
Entro num transe e não consigo sair de lá. Cada impulso mais fundo e forte que o outro.
Estou segurando suas costas com uma mão, enquanto apoio a outra na mesa. Nem dei o
trabalho de tirar minha calça, ela está caída sobre meus pés, assim como Alice continua com a
blusa. Estou a fodendo na mesa.
Minha respiração já está profunda, debruço-me sobre ela e agarro seus seios por dentro
da blusa, apertando-os com força. Lindos. Meus.
— Mais forte — incentiva e vou à loucura.
Gemo em seu ouvido e agarro seus quadris com as duas mãos. Quer mais forte? Assim
teremos! Bato mais e mais rápido, uma batida alucinante. Alice começa a gritar alto e tampo
sua boca.
— Toque-se. Agora! Vem gozar comigo.
Ela desce suas mãos na vagina inchada. Queria poder estar sem camisinha para senti-la
pura. Para marcá-la para sempre, onde ninguém vai chegar. Tiro-a da mesa e a deixo em um
ângulo mais baixo, onde sua bunda fica arrebitada.
— Ahhhhhhhhhhhh... Murilo, eu não vou aguentar — confessa.
A penetração nesse ângulo é ainda mais profunda, intensa. Já estou à beira do orgasmo.
— Eu quero que tu goze primeiro, depois vou gozar na sua boca.
Quando percebo que minha garota está chegando lá, entre gemidos, suspiros e gritos
abafados, volto a penetrar fundo. E rápido. Alice se perde em mim, começa a ficar mole.
Deixo-a ajoelhada no chão e saio dela, quase não me aguentando. Jogo meu jato de líquido
quente na sua boca aberta à minha espera.
— Ohhhhhhh... Caralho, Alice!
Fico anestesiado com o turbilhão que me toma, olho para Alice e ela parece como eu.
Estamos perdidos em sensações.
— Nossa, Murilo... Isso foi... foi... Não tenho palavras.
Ajudo-a se levantar com um sorriso que é retribuído.
— Tu... Alice, tu me deixa louco. Sério, nunca foi assim tão intenso. Com ninguém.
— Sério? — pergunta muito animada.
— Sério. Meu coração não quer desacelerar.
— O meu também não.
Encaro-a por alguns minutos. Meu Deus, o que eu vou fazer? É justo ficar com Alice?
Nunca quis tanto uma coisa na vida. Queria que agora pudesse ler meus pensamentos e me
ajudasse a fazer o certo.
Pego em suas mãos e a levo até o banheiro. Temos que nos lavar de novo e, dessa vez,
vou entrar junto para ensaboá-la.
— Alice, eu quero tomar banho com você, mas para seu bem é melhor ficarmos um
pouco longe. — Sorrio.
— Acho que consigo fazer isso — responde divertida.
Adoro esse seu jeitinho. Droga, estou virando aqueles idiotas que acha tudo lindo. Que
beleza!
Tiro minha blusa dela e ligo o chuveiro no quente. Alice está me observando com as
mãos tampando o corpo. É engraçado como seu modo tímida é ligado automaticamente quando
não está no sexo.
— Não precisa ficar com vergonha. Tu é linda! — encorajo e ela cora.
Livro-me da calça e entramos no box. É apertado, então minha ideia de ficar longe não
dá muito certo. Merda! Acalme-se, Murilo. Não posso machucá-la, já foi demais o que
acabamos de fazer.
Pego a bucha e esfrego sabão na minha garota. Começo por seu pescoço e vou
descendo lentamente. Não desviamos o olhar. Ela parece assustada. Na verdade, esse é um
momento muito íntimo. Nunca dei banho em uma pessoa antes, estou adorando. Abaixo-me
em sua frente e Alice suspira. Dou risada e balanço a cabeça em negativa para seus
pensamentos. Pego suas pernas grossas e deliciosas para lavar. Oh, força de vontade. Cadê
você?
Levanto-me e ela tira a bucha das minhas mãos.
— Minha vez — avisa e eu não reclamo. Deixo-a também ter esse contato.
Alice segura na minha cintura e começa pelo abdômen. Chega mais perto e encosta
seus seios nus redondos no meu peito. Olho-a em chamas.
— Não faz isso. Já estou no limite — suplico em seu ouvido.
Ela não escuta e chega ainda mais perto, envolvendo-me em um abraço enquanto
ensaboa minhas costas. Sinto sua risada no meu pescoço. Estou fodido. Completamente fodido,
louco por ela.
Alice desce a esponja para meu membro e se demora ali. Aprendeu a torturar, filha da
mãe! Sobe novamente, joga a espoja no chão, segura meus cabelos com as duas mãos e me
beija. Um beijo que começa muito devagar. Íntimo demais.
Encosto-a na parede e a pego pelas pernas, que se grudam nas minhas costas. Amo
segurá-la assim, firme em meus braços. Estou ardendo de desejo, mas quero fazer tudo
devagar. Quero fazer amor com ela de novo, como da primeira vez. Com aquela conexão de
olhares e corpos. Não paramos o beijo, ainda terno. Queria muito entrar nela sem camisinha.
Sei que não é certo, só que estou morrendo de vontade.
— Alice... — chamo com a voz rouca. — Tu toma pílula ou algum outro método
contraceptivo?
— Comecei a tomar pílula quando aceitei ficar com você. Por quê? — explica e
arregala os olhos. Já sabe o que vou falar.
— Tu confia em mim?
— Muito — responde sem um milésimo de segundo de dúvida.
Porra! Amo essa mulher.
— Eu faço exames regularmente, não tenho nenhuma doença contagiosa. Eu juro.
Nunca, nunca fiquei com uma mulher sem camisinha. Mas, Deus, Alice! Eu queria entrar em
você sem nada. Tu deixa?
— Sim…
Meu coração está batendo acelerado, droga, tomara que não perceba. Ainda estou com
ela no meu colo, encostada na parede. Volto a beijá-la com carinho e coloco meus dedos entre
suas pernas.
— Ahhh... Sempre pronta, que delícia.
Ela respira com dificuldade, já com puro desejo de me ter novamente. Possuo-a
devagar, quero lento, bem lento desta vez. Alice está apoiando suas mãos nos meus ombros e
joga a cabeça para trás quando estou completamente dentro dela.
— Alice... Meu Deus... Porra! Tão apertada, tão molhada... tão gostosa!
É incrível estar dentro dela sem nada que me atrapalhe senti-la por inteiro. Ahhh,
mulher, o que você está fazendo comigo? Seguro-a mais firme pelas pernas e começo a
aumentar o ritmo lentamente. De pouquinho a pouquinho. Dou beijos molhados e quentes até
os seus seios. Alice chega mais perto, enlaçando seus braços no meu pescoço e baixando a
cabeça no meu ombro.
— Murilo... é sempre assim, tão bom? — sussurra.
— Na verdade, não. A gente que se encaixa muito bem — respondo sinceramente.
Eu queria dizer mais, queria dizer que nunca tive um sexo tão maravilhoso. Que nunca
tinha feito amor na vida, porém, ainda não decidi se isso é uma boa ideia.
Aproveito a nova posição para estocá-la mais fundo, ainda lentamente. Estamos
grudados, só ouvindo respirações pesadas, gemidos e suspiros. Porra! Não imaginava que o
lento poderia ser tão bom. Voltamos os olhares e já não estou aguentando mais.
— Fica olhando pra mim, tá? — peço e ela concorda.
E assim tenho a experiência mais incrível que já tive com uma mulher. Intensa, com
sentimento. Entro e tiro meu pau de dentro dela completando-a, nos deixando à beira do
orgasmo.
— Rápido, por favor, Murilo. Não aguento mais.
Também não aguento e a obedeço, afundando-me nela mais e mais fundo. Alice está
mordendo os lábios, cravando suas unhas nas minhas costas. Eu estou apertando sua bunda
com força.
— Vem comigo. Vem!
Ela vai. Oh, caralho, ela vai! Perco-me na sensação sem explicação de deixar meu
líquido invadi-la. Dou um gemido alto e animalesco, jogo minha cabeça para trás, totalmente
perdido no êxtase daquele momento. Uau, isso foi demais!
Alice me abraça, me abraça forte quando a coloco no chão. E ficamos assim por um
tempo que não sei dizer, em silêncio, absorvendo essa intimidade intensa. Só deixando a água
cair sobre nós.
***
Quando me dou conta, já são oito horas da noite. Depois do banho inesquecível, fomos
comer, enfim, meu omeletão. Tive que fazer três de tanta fome. Amo o jeito de Alice sem
cerimônia. Foi ela quem pediu o terceiro, disse que ainda nem tinha tampado o buraco do
estômago. Gargalhei por longos minutos.
Ela me ajudou a lavar a louça quando terminamos e lhe contei um pouco sobre minha
infância e adolescência. Depois de Max e Vagner, é a única que sabe essas coisas. Falei da
experiência horrível da prisão, apanhando todo dia porque me achavam X9. Cheguei a ficar em
coma com uma surra de vinte garotos. Também comentei sobre as drogas que minha mãe
usava e os perrengues que uma criança assustada teve que enfrentar. Alice ficou boquiaberta a
maior parte do tempo, não acreditava naquilo. Sempre com um olhar de ternura.
Agora estamos deitados no sofá, com as pernas na mesinha do centro comendo pipoca
e assistindo a "Como se fosse a primeira vez". Se alguém me falasse isso há dois meses eu
morreria de tanto rir. Vendo filme de romance, em um sábado à noite. Com uma mulher. Sem
sexo.
Alice encosta a cabeça nos meus ombros, o cansaço da maratona de hoje deve estar
chegando.
— Tá com sono?
— Nossa, bateu uma canseira aqui! — confessa e sorri.
— Normal, vem cá. — Deito-a com a cabeça no meu colo e afago seus cabelos.
Ela se aninha e tenta prestar atenção no filme. A cena está na parte que Adam Sandler
descobre que a mulher por quem se apaixonou tem um problema sério de memória e sempre
esquece o que aconteceu no dia ao dormir.
— Deve ser muito triste isso, né?! Ter uma doença que você não tem controle, não tem
cura. Você não pode ter lembranças, aproveitar os momentos, os filhos.
Fico em silêncio com seu comentário. Droga! Uma hora eu teria que cair na realidade.
A minha consciência volta com tudo para lembrar que foi uma péssima ideia o que fizemos
hoje. Se eu já estava apaixonado de manhã, agora estou completamente louco. Meu coração só
bate por Alice, ela domina todos meus pensamentos.
— Tu sonha em ter filhos? Essas coisas de família? — questiono tentando ser casual,
mas até engulo em seco. Sorte que ela não pode me ver.
— Claro! Que mulher não gostaria de ter filhos? Eu queria dois, uma menina e um
menino — responde sorrindo, sem tirar os olhos da televisão.
Puta que pariu! Comigo Alice nunca teria filhos se ficássemos juntos. Nem fodendo ia
arriscar a vida de uma criança inocente com uma merda de doença hereditária que pode
destruí-la e suas próximas gerações. Continuo afagando seus cabelos e ela cai no sono.
Meu coração se aperta. É justo pedir para Alice ficar comigo? É justo inseri-la nesse
universo da favela, eu com duas crianças de bagagem? Não tenho emprego fixo, já fui garoto
de programa. Sou pobre, mal conseguimos sobreviver. E o pior, tenho uma doença rara. Prazo
já estipulado. O médico foi muito claro ao explicar que não terei uma vida fácil. Esse problema
nos rins foi só o primeiro. Serei um peso para ela, um peso atrapalhando seus sonhos.
Meu Deus! O que eu faço? Por favor, me dê um sinal. Meu coração a quer, minha
mente diz para deixá-la seguir em frente. Acredito que fui importante, Alice já está muito mais
solta de que quando a conheci. Começou a ver o mundo por outro ângulo. Só de ter feito isso
por ela me sinto feliz.
Um telefone começa a tocar, me levanto encostando sua cabeça na almofada. Dormiu
mesmo, tão linda assim despreocupada. Quando chego ao quarto percebo que não é o meu, e
sim o dela. Cinco ligações perdidas da sua mãe. Deve estar ruim mesmo o aparelho, só ouvi
agora o toque.
Seguro-o nas mãos e meu sinal vem. Vem e não é nada agradável, aperta meu coração e
me deixa sem ar. Na tela aparece uma mensagem bem clara e que não me deixa dúvidas.
Alice, por favor, me escuta. Foca nos seus planos, filha, seus planos de uma vida toda.
Esquece esse cara. Ele não é pra você.
Maldito celular estragado!
Se não estivesse com problemas não veria essa mensagem. Mas eu queria um sinal,
agora não posso ignorá-lo. Preciso deixar Alice ir, não sou mesmo homem o suficiente para
ela. Merece alguém melhor, sem um passado assombroso, sem doença para destruir um futuro
próspero. Sento na cama e fico lá por horas, com a cabeça baixa e as mãos no pescoço.
A única mulher que amei, provavelmente, a única que vou amar.
Eu queria meu “para sempre” com ela.
Porra! Como eu queria que essa merda existisse.
Capítulo 27
♫ Só temos uma vida para viver e não temos tempo
pra desperdiçar, pra desperdiçar. Então,
deixe-me dar um tempo ao seu coração. ♫
Give your heart a break, Demi Lovato
ALICE
Acordo com o pescoço doendo, não acredito que peguei no sono. Que horas são? A
televisão está ligada no mesmo canal e o pote de pipoca foi deixado na mesinha. Procuro
Murilo, mas ele não está aqui. Sento no sofá com os olhos meio fechados, ajeitando o cabelo e
puxando a blusa para baixo. Ainda estou com ela, tenho que admitir que fica sexy mesmo.
Aliás, meu Deus! O que aconteceu hoje? Nem acredito que perdi minha virgindade
com esse homem maravilhoso que se faz de durão, entretanto, no fundo é uma pessoa incrível
e dedicada à família. Confesso que no início o julguei, mas não há como não admirá-lo agora.
Sei os seus motivos.
Estou me sentindo tão diferente. Como se estivesse completa pela primeira vez. Meu
coração acelera só de lembrar as cenas de horas antes. Cama, cozinha, banheiro... Nem sei
dizer qual foi melhor. Eu fui tão ousada! De onde saiu aquilo de provocá-lo? Seja de onde for,
gostei. Gostei de aproveitar o momento sem pensar demais. Preciso fazer isso mais vezes na
vida, agir por impulso pode ser muito bom. E se não for, vale o aprendizado.
Levanto-me e vou procurá-lo pela casa, está tudo muito silencioso. Quando chego na
porta do seu quarto, vejo-o sentado na cama, de cabeça baixa e mãos no pescoço. Tão
pensativo! Parece que ficou horas nessa posição.
— Tudo bem? — pergunto indo em sua direção e ele levanta a cabeça assustado.
Os olhos estão vermelhos, se não o conhecesse diria até que chorou.
— Já acordou? — responde com outra pergunta. — Que horas são?
— Não sei, perdi a noção. Faz tempo que você está aqui? Aconteceu alguma coisa?
— Não, tá tudo certo — Murilo diz tentando ser casual, mas tenho certeza de que
aconteceu algo. Sexto sentido de mulher não falha! — Queria te perguntar uma coisa.
— Sim.
— Tu gostou da experiência da primeira vez? Foi como sempre quis?
— Foi muito melhor do que eu tinha imaginado — afirmo sorrindo. E foi mesmo!
— Sério?
— Muito sério — falo e sento-me ao seu lado na cama.
— Que bom, fico feliz por isso.
— E pra você?
— Pra mim o quê?
— Foi bom?
— Foi único! — admite e abaixa a cabeça de novo, passando as mãos pelos cabelos.
— Você quer me falar alguma coisa? — questiono e Murilo fica em silêncio, me
olhando por longos segundos.
Vejo confusão em seus lindos olhos castanhos.
— Sabe o que é, Alice... Eu... Eu gostei muito mesmo dessa experiência, foi bem
diferente pra mim. Mas... agora preciso seguir minha vida. Desculpe, não quero magoar
você… Se lembra do nosso acordo, né?! — pergunta ansioso.
Ok, por essa eu não esperava.
Fico tão em choque com as palavras que nem consigo responder de imediato. É claro
que me lembro do acordo. Apenas encontros esporádicos sem envolvimento para que eu
pudesse perder minha virgindade.
Hoje perdi, agora acabou.
Alice, você sabia que não era para ter sentimentos por ele. É um garoto de programa,
conhece dezenas de mulheres por semana. Por que acha que com você seria diferente? Cliente
vip? Droga de reações físicas para nossos sentimentos!
Minhas mãos estão suando frio, sinto tremores na barriga, meus olhos não piscam e
minha boca está seca. Preciso responder algo logo. Não quero parecer a mesma menininha
sonhadora e chata de antes. Até porque não sou mais. Eu cresci bastante nesse tempo, e tenho
que agradecer Murilo por isso.
Respira, calma! Foram bons momentos vividos juntos e é isso que você precisa levar.
Guarde os sorrisos e os olhares na lembrança. Não precisa se arrepender da sua escolha.
— Lembro sim — respondo, enfim, com um sorriso fraco. — E agradeço você pela
proposta. Acho que tive bons aprendizados nesse tempo, não só naquilo, pra vida!
— Tu é uma garota incrível, viu?! Não deixe nunca que digam o contrário. Confie em
você, no seu verdadeiro eu, que tudo se ajeita. Não vai ser um mar de rosas sempre, mas tu
chega lá — Murilo encoraja segurando minhas mãos e me encarando daquela forma que dá
vontade de abandonar tudo.
— Eu posso ver as crianças de vez em quando? Combino com a Dona Emília de pegar
com ela — questiono esperançosa. Não queria me afastar deles, já são meus amigos.
— Claro! Agradeço muito por isso. Tu não precisa...
— Eu quero! Quero sair com eles porque gosto. São crianças incríveis.
— Obrigado mesmo — agradece de cabeça baixa novamente, acariciando meus dedos.
— Eu vou indo, então, tá?! Preciso arrumar as coisas lá em casa. Olívia, Raul e eu
fizemos uma boa bagunça — explico sorrindo.
— Já? — Murilo levanta a cabeça de repente, vejo tristeza ali. — Eu levo você, então.
— Sua moto ficou lá em casa, esqueceu? E eu tô com o carro da Claudinha.
— Nossa, é verdade. Posso ir com você pra pegar a Rabbit?
— Tá bom.
Levanto da cama, que me traz lindas lembranças, e pego minha roupa na escrivaninha
do computador. Nem estou acreditando que disse tudo isso numa boa, sem surtar nem idealizar
nada. Enquanto me visto, Murilo não tira os olhos de mim, como se registrasse na memória
cada parte do meu corpo. Eu realmente vou sentir falta desse homem, do seu cheiro, seu
sorriso, seu toque... Contudo, eu sabia desde o começo que teria um prazo para o fim, e apesar
da dor que insiste em apertar o meu peito, estou feliz por ter aceitado.
Foram dias maravilhosos, que eu não teria se tivesse continuado sonhando com o
príncipe encantado. Eu não menti. Minha primeira vez foi totalmente diferente do que tinha
imaginado. Só que foi também bem melhor. Não tinha velas espalhadas pelo ambiente nem
pétalas de rosas na cama, mas havia um homem e uma mulher conectados profundamente. Isso
não vou esquecer jamais.
Entramos no carro em silêncio, Murilo ainda está bem pensativo. Conversamos só o
necessário, enquanto ele se perde em olhar para o nada pela janela. Faço o mesmo. Espero que
tenha sido uma experiência legal para ele como foi para mim. Não tenho a pretensão de ter
sido a melhor, mas gostaria que se lembrasse com carinho. Porque com certeza o farei.
Assim que chegamos à república a tensão fica ainda maior, despedidas nunca foram
meu forte.
— Você quer subir pra pegar a chave?
— Eu espero aqui, pode ser? Quero pegar Olívia e Raul com a Dona Emília hoje ainda.
— Tudo bem, só um minuto.
Confesso que não reclamaria se ele subisse e a gente repetisse mais uma vez nossas
cenas de intimidade intensa. Porém, é melhor assim. Eu preciso acalmar esse coração que
ainda está batendo forte e não confundir as coisas. Foi bom enquanto durou. Foi muito bom!
Espanto uma lágrima que escapa dos olhos com o canto da mão e pego a chave no balcão da
cozinha.
Ao encontrá-lo de novo na entrada do prédio, está encostado na mureta, perto da
portaria, olhando para o céu. Que visão linda, vou sentir saudade...
— Aqui está. — Aproximo-me entregando-as.
Ele olha para mim com aqueles olhos. Aqueles de tirar o fôlego e cruza os dedos nas
minhas mãos, encostando seu corpo no meu. Sobe para a minha cintura e me abraça forte.
— Obrigado, Alice. Obrigado por tudo, tá?! — fala baixinho em meu ouvido.
— Eu que agradeço —respondo quase inaudível.
E, então, nossos lábios se encontram mais uma vez em um beijo que começa terno,
singelo, e rapidamente se torna desesperado. Não tenho dúvidas, é um adeus, uma despedida.
Mesmo que me encontre com os irmãos dele, provavelmente Murilo não verei mais.
***
O domingo passa arrastando e, por mais que eu queira esquecer, as cenas do dia
anterior não saem da minha cabeça. Droga, Alice! Cadê a parte do não se envolver? Não se
apaixonar? Preciso distrair minha mente e nada melhor do que a louca da minha amiga.
Claudinha chegou de viagem agora há pouco e está vindo para casa de táxi para saber
das novidades. O porteiro já até anunciou sua chegada. Quando mencionei ao telefone que
tinha perdido a virgindade, quase enfartou no aeroporto. A campainha toca e sei que é ela.
— Alice, conte-me tudo, não me esconda nada! — Claudinha chega apavorada, nem
espera eu abrir a porta direito.
— Olá! Boa tarde pra você também.
— Boa tarde o cacete! Desembucha mulher, 19 anos para acontecer e tu quer se ater a
formalidades — fala e eu caio na risada. Com ela não tem como ficar triste.
— Então, foi ontem. Depois que ele saiu do hospital, ficamos sozinhos na casa dele e
rolou.
— Nem esperou o menino se recuperar direito? — Claudinha me provoca divertida.
— Pois é. — Coro.
Passo a próxima hora contando quase todos os detalhes para minha amiga curiosa que
questiona a cada dois segundos. Algumas coisas como, as que aconteceram no chuveiro,
prefiro guardar só para mim.
— Caramba, Alice! Três vezes seguidas? Tá fraca não, hein?! Na minha primeira vez
eu achei horrível, doeu pra caramba.
— Doeu só um pouco, depois eu gostei.
— Ele foi cuidadoso com você?
— Sim, muito — admito lembrando de todo cuidado que Murilo teve.
— O que foi? Alice, não me diga que tu tá triste porque não vai ver mais ele?
— O quê? Não. Tô de boa, Claudinha.
— Sei! Como se não te conhecesse… — ela bufa.
— Obrigada por ter insistido nessa ideia maluca, viu?! Foi inesquecível. Acho que
pude ver a vida por uma perspectiva diferente durante esse tempo convivendo com ele e seus
irmãos. Até tomei uma decisão hoje cedo.
— Qual? — pergunta curiosa.
— Vou mudar de curso. Amanhã mesmo procurarei a universidade para ver como
funciona. Terei que sair do estágio, mas não tem problema. Tenho um dinheiro guardado e vou
economizando até conseguir outro na área de Serviço Social.
— Caralho, Alice! Que ótima notícia. Fico muito feliz por você. Siga seu coração.
Abraço minha amiga e sorrio por dentro com a ironia de sua frase. Se eu fosse seguir
meu coração, a essa hora estaria com um certo alguém lá no Morro do Alemão.
Capítulo 28
♫ Por favor, tenha misericórdia de mim.
Vá com calma com o meu coração, mesmo
que não seja sua intenção me machucar. ♫
Mercy, Shawn Mendes
MURILO
O dia passou voando! Graças a Deus, porque ontem foi um inferno. Cada minuto do
meu domingo pensei em Alice e em como esquecê-la. As lembranças do seu cheiro, seu
sorriso, seu gosto me deixam louco. É uma droga estar apaixonado! Se você não pode ficar
com a pessoa, fode sua vida. Como eu queria estar com ela agora, compartilhar esse momento
de alívio.
A única notícia boa desta segunda-feira nublada é que Olívia e Raul não herdaram a
minha doença. Se todos nós tivéssemos, eu não ia suportar. Hoje de manhã os trouxe para fazer
a análise do DNA em uma clínica particular, devido à influência e ajuda do Doutor Bernardo, e
agora no início da noite já ficou pronto. O resultado sai rápido, ainda bem.
— Você não tem mesmo mais parentes próximos que possamos fazer a análise do
hederograma? É importante identificar outros membros da família para o tratamento —
pergunta Doutor Bernardo.
— Se temos, eu não tenho contato. Meus avós não conversavam com a minha mãe.
— Entendo. Então, agora é focar no seu tratamento, Murilo. Já estou verificando para
conseguir a terapia de reposição enzimática pelo SUS.
— Uma curiosidade, Doutor. Por que eles precisaram fazer exame de DNA e eu não?
— Nos homens, a confirmação do diagnóstico da doença é feita através de um exame
de sangue que mede a atividade da enzima alfa-galactosidade A. Como muitas mulheres
apresentam atividade da α-Gal A dentro dos limites de normalidade, é ideal que seja solicitada
a análise do DNA para que o diagnóstico possa ser confirmado. Não há registro de homens
com Síndrome de Down e Doença de Fabry, por isso, achei melhor avaliar o Raul também pelo
DNA para não ter erro.
— Ahh, sim. Pelo DNA não tem como errar, né?! Sei lá, descobrir no futuro a doença?
— Não! É garantido.
— Ufa, que bom! Obrigado por tudo. Não sei como agradecê-lo.
— Não tem o que agradecer, Murilo. Tem que se cuidar! Você precisa tomar os outros
remédios que passei para o tratamento sintomático do rim, que foi o principal órgão afetado até
o momento. Se progredir, como já expliquei, pode ser necessário iniciar a hemodiálise e até
optar pelo transplante.
— O senhor acha que vou precisar de um transplante? Tenho pouquíssimas pessoas
conhecidas que poderiam fazer o teste de compatibilidade e sei que a fila de espera é longa.
— Temos que monitorar, a situação atual não é das melhores. Encontrar um doador
vivo entre os familiares e mais próximos é o ideal e mais rápido. A principal característica das
listas é que elas não funcionam por ordem de chegada, em que o primeiro a se inscrever
receberá o órgão antes do segundo e assim consecutivamente. Em vez disso, os critérios
obedecem a condições médicas. São três fatores determinantes: compatibilidade dos grupos
sanguíneos, tempo de espera e gravidade da doença.
— Espero que não precise.
***
Saio do consultório em Ipanema já por volta das sete e meia da noite e paro um pouco
na Praia de Copacabana para olhar o mar. Ele sempre acalma meus pensamentos. Não quero
ficar abusando da Dona Emília agora que não estou fazendo programa, mas preciso de um
momento. Aconteceu muita coisa nesses últimos dias, me sinto pesado. O que mais me intriga,
porém, é que apesar do diagnóstico preocupante e sério que recebi de uma doença rara não é
isso que ocupa minha mente. E sim ela. Suas covinhas, seu olhar, seu corpo quente... Puta que
pariu, estou ferrado!
Meu celular vibra e vejo a foto de Max chamando no Skype pela terceira vez hoje.
Ontem à noite, em um dos momentos de tristeza, mandei e-mail para ele contando as péssimas
novidades sobre minha saúde. Que droga! Não devia ter falado porra nenhuma, agora vai ficar
me atormentando.
Penso em ignorá-lo de novo, entretanto, aproveito o sinal do Wi-fi na orla e o silêncio
em minha volta, apesar do local costumar ser lotado, para atendê-lo.
— Caralho, Murilo! Joga uma bomba na gente e não atende essa merda de telefone.
— Estava ocupado, Max — defendo e ele revira os olhos.
— Que história é essa de doença rara? Pelo amor de Deus! Estou quase pegando um
avião aqui.
— Estou na rua, Max. Acabei de sair da clínica onde Olívia e Raul também fizeram
exames. Depois eu converso com calma em casa. Mas, resumindo, eles estão limpos, graças a
Deus, e eu terei que fazer acompanhamento médico para o resto da minha curta vida.
— Como assim curta? — pergunta preocupado.
— Quem tem essa doença tem expectativa de vida reduzida.
— Porra, Murilo! Que merda...
— Ei, olha quem está aqui.
Uma voz conhecida interrompe a conversa, vindo pelas minhas costas e Max fica
pálido na tela do Skype. Também reconhece esse som.
Abaixo o celular para que ela não veja. Tudo que eu não preciso agora é um clima
tenso entre Max e Claudinha. Desde que ele foi embora e a deixou nunca mais se falaram.
Acredito que ainda se amem, mas ela não vai assumir nunca. Assim como eu.
— Oi, Claudinha — acentuo seu nome para que Max permaneça em silêncio.
— Eu ia lá no bar do Rafa te procurar, mas tava ali andando na areia para refrescar as
ideias e o vi.
— Até esqueço que tu mora por aqui. Por que ia me procurar? — questiono curioso.
Será que aconteceu algo com Alice?
— Pra te pagar, ué. Trato é trato! Fiquei sabendo que, enfim, vocês chegaram lá. —
Ela sorri e eu fico sério.
Que merda é essa de pagar? De forma alguma vou aceitar qualquer dinheiro pelos
momentos maravilhosos que tive com Alice.
— Eu não quero um centavo por isso, Claudinha — falo e ela arregala os olhos,
fechando a cara.
— Por que não? Foi o combinado.
— Foi antes de eu conhecê-la. Não vou cobrar porque não me senti com uma cliente,
foi bom e não quero receber por isso.
Se eu pudesse ler mentes, tenho certeza que veria Claudinha me xingando de tudo
quanto é palavrão existente na face da Terra. Droga! Tenho que segurar esse impulso de
homem apaixonado perto dos outros.
— Não me olha com essa cara, Claudinha. Já fiz isso outras vezes quando curto a
cliente. Fica na paz que não estou de quatro por sua amiga, não — explico tentando parecer
verdadeiro.
— Mas é um mentiroso mesmo! — o filho da puta do Max fala alto e Claudinha fica
paralisada. Droga!
— Tu… tu tava em alguma ligação? — ela questiona querendo ter certeza que ouviu
direito.
— Desculpa, Claudinha. Eu estava falando com o Max antes de tu chegar e tentei não
criar um clima chato.
— Bom, já vou indo, então. Tem certeza que não quer a grana?
—Tenho sim — respondo convicto.
— Espera aí, Claudinha. Não precisa ir por minha causa — o idiota do Max continua
falando. Meu Deus! Não tem noção do perigo. — Você está bem? Tô com saudade.
— Pois eu não tenho nenhuma. E se estou bem ou não, não te interessa. — Ela pisa
duro e sai explodindo de raiva.
Quando está bem longe do meu campo de visão, ajeito o celular que já estava levantado
a essa altura e não resisto da vontade de tirar sarro do meu amigo.
— Cara, é sério isso? Tu é um sem noção — falo rindo.
— Cala a boca, Murilo. Você não sabe como tive que me segurar para não falar nada
antes.
— Claudinha ainda não superou a separação de vocês, sabe disso?
— Me dói muito isso. Queria que ela entendesse minha escolha.
— Tenho certeza que ela gosta de você ainda. Se não gostasse não ia agir assim.
— Eu sei. — Ele sorri esperançoso. — Ela gosta e você está de quatro por essa tal de
Alice.
— Não me enche, Max!
— Eu soube desde o dia que me falou sobre ela outro dia — enaltece orgulhoso.
— Eu gosto dela sim. Está satisfeito?
— Ahhh, meu caro, isso é muito mais que gostar. Conheço essa cara de bobo.
— Não abusa, Max — aviso tentando parecer irritado, mas, no fundo, aliviado de
assumir isso para alguém. — Conversamos mais tarde, preciso ir embora.
— Tudo bem, apaixonado — responde gargalhando.
— Vá se ferrar!
Desligo e volto a apreciar o mar mais um pouco. É! Não tem mesmo como negar. Estou
apaixonado por Alice. Reparo as ondas indo e vindo e, pela primeira vez nos meus 22 anos de
vida, tenho a inspiração de uma música romântica. A primeira feita para ela.
Capítulo 29
♫ Abra seus planos e, caramba, você é livre. Olhe dentro
do seu coração e vai descobrir que o céu é seu. ♫
I'm yours, Jason Mraz
ALICE
Dizem que o tempo cura as feridas, que faz a gente esquecer e seguir em frente. Eu,
realmente, avancei depois que conheci Murilo. Porém, tirá-lo da minha cabeça é outra coisa
bem diferente. Já se passaram seis meses desde o dia que o vi pela última vez. Parece que foi
ontem. Sinto sua presença cada vez mais viva dentro de mim.
Quando nos despedimos naquele sábado muitas palavras não foram ditas. Eu queria
contar que estava apaixonada e que adoraria tentar um relacionamento de verdade, passar mais
tempo com ele. Tive outras experiências passageiras nesses meses e nem se compara. Só não
me arrependo de ter deixado como combinado porque acredito que algo mais duradouro não
combina com o seu jeito e eu, realmente, precisava de um tempo para mim. Nem que eu
quisesse ia conseguir manter o Murilo só no sexo. Já estava, ou estou, para lá de envolvida.
O ruim de ser uma sonhadora e idealizar as coisas é que você vive em um mundo de
ilusão, onde tudo é perfeito e os problemas não existem. Daí cai na realidade, leva uma porrada
depois da outra e se torna uma sombra.
Não fosse meu conto de fada totalmente invertido, talvez ainda estivesse sonhando
acordada. Vivendo de aparências em vez de aproveitar das dificuldades do dia a dia para
crescer. Continuaria me sentindo vítima da minha própria história, não a protagonista. Graças a
Deus acordei. E amo a pessoa que me tornei depois que o conheci.
Naquela mesma semana que nos despedimos, eu conversei com meu chefe e expliquei
que ia mudar de curso na faculdade. João nem acreditou que Administração não era meu
sonho. Segundo ele, eu fazia tão bem meu trabalho e era tão dedicada que podia jurar que
sempre quis ser uma empresária. Mas nunca quis, apesar de achar a profissão muito
interessante.
Sorte que tinha começado há pouco tempo o segundo semestre, então, minha
transferência para Serviço Social não foi difícil. Longe de ter sido tudo maravilhoso nos
primeiros dias, como acontece nos filmes quando a mocinha resolve dar uma reviravolta em
sua vida. Ainda sim, eu adorei a mudança apesar dos pesares.
Tive dificuldade de começar do zero e muitas vezes questionei se tinha tomado a
decisão certa. Afinal, era um excelente estágio. João me deu a certeza de contratação garantida
para tentar me convencer, mas fui firme. Sem contar o salário acima da média, plano de saúde
e cesta básica.
Demorei quatro meses para encontrar um novo estágio, e ele não é nada glamouroso.
Passei a trabalhar em uma casa de apoio para crianças vítimas de abuso e descobri que meus
problemas não são nada perto daquelas pessoinhas frágeis e inocentes que foram roubadas de
si tão cedo. Cresci mais nesses últimos meses do que nos meus 19 anos de vida, com certeza.
O trabalho requer muito mais do meu psicológico e paga, infinitamente, menos que o
outro. Recebo um salário mínimo que mal dá para o aluguel e minhas contas básicas. Não que
eu fosse uma gastadeira, porém, hoje em dia economizo ainda mais. O que está me ajudando é
a loja virtual da Claudinha. Não é que a aparente loucura dela está dando super certo? Minha
amiga fatura cerca de dez mil por mês com suas roupas e a ajudo com a parte administrativa
nas horas vagas. Esse dinheiro extra que salva os dias que insistem em sobrar no fim do mês.
Olho para a paisagem urbana típica do Morro do Alemão, pelo vidro do carro, e meu
coração se inquieta espantando meus pensamentos. Sempre fico na expectativa de encontrá-lo,
o que nunca acontece, claro. Como combinamos, Murilo permitiu que eu continuasse vendo os
seus irmãos e assim tenho feito, religiosamente, todo último domingo de cada mês. Claudinha
sempre me empresta seu carro para que eu possa aproveitar bastante com eles. Na última visita
fomos ao Zoológico e hoje vamos ao Aquário.
Paro o carro na frente da casa da Dona Emília e os dois já estão na porta me esperando
junto com ela. Que saudade que fico deles! Se pudesse os pegava mais vezes no mês. Pena que
está muito corrido, e nem sei se Murilo deixaria.
— Oi, lindezas! — cumprimento sorrindo ao sair do carro.
— Saudade! — Olívia fala correndo ao meu encontro.
— Tu tá linda — Raul diz dando um beijo na minha bochecha.
— Saudade de vocês também. — Abraço a pequena. — Obrigada, Raul.
Dona Emília toda vez me olha enigmática, como se quisesse contar mil segredos, mas
não pode falar nada. Chega a dar uma aflição de tanta curiosidade em saber o que ela está
pensando.
— Oi, Dona Emília. Tudo bem?
— Tudo.
É a que se resume responder sempre e eu, roboticamente, balanço a cabeça em
afirmação. Virou um ritual engraçado.
— Bora passear?
— Simmm! — respondem em uníssono.
Despeço-me da senhora misteriosa e parto com as crianças para o Aquário. Depois
programei um piquenique no parque, as coisas já estão no carro.
— Agora você está gostando da escola nova, Raul? — questiono olhando para o
carona. Ele sempre gosta de sentar na frente comigo.
— Ah sim, agora tá ficando legal. Estamos fazendo aula de esporte e música. Sabia que
tô aprendendo a tocar violão igual ao irmão?
Há quatro meses Raul me contou que estava mudando para uma instituição de ensino
adequada para atender crianças com Síndrome de Down, inclusive, com professores
capacitados e em tempo integral. É uma escola pública normal, entretanto, estão a tornando
modelo para educação inclusiva. Ele não gostou muito no começo, achava chato porque não
tinha amigos.
— Que bom! O que eu falei pra você? Com o tempo a gente se acostuma com as coisas
— explico animada e ele sorri contente.
Sempre evito ao máximo dar corda para os assuntos relacionados ao Murilo porque
percebi, no primeiro domingo que os peguei, que foram instruídos a não dar informações sobre
isso. Tento respeitar, apesar da curiosidade.
— Eu continuo não gostando desse tal de integral. Achava mais legal passá a tarde com
o Mu. — Olívia emburra no banco de trás.
Ela também conseguiu uma vaga no ensino integral da mesma escola que o Raul.
Fiquei muito feliz quando me contaram porque significa que Murilo agora tem tempo durante
o dia. Espero do fundo do coração que tenha conseguido um emprego porque só de imaginá-lo
com clientes me sobe uma raiva... Afasto os pensamentos ciumentos.
— Por que, Olívia? — pergunto sorrindo.
Ela sempre conta uma história mais engraçada que a outra do motivo de não gostar.
— Aquela merenda é ruim demais. Eu tive que comê bolo da princesa com beterraba
esta semana. Eca! — Imita cara de nojo e eu caio na gargalhada.
— Mas é saudável, faz bem querida — tento incentivar em meio ao riso.
— É o que o Mu falou. Mas você pensa que ele come beterraba? Come nada. Qué falá
pra mim comê, mas comê que é bom, nada. — Caio na gargalhada novamente.
Por isso amo essa família, eles são maravilhosos!
— Eu aposto que ele come sim, você que não vê.
— Tu defende porque é namorada dele — Olívia diz fazendo bico e até engasgo com a
risada que estava dando.
— Nós não somos namorados, já falei pra você, querida.
— Mas podia ser. Eu ouvi o Mu dizê para o Raul que tava com saudade de você esses
dias enquanto ensinava ele tocar violão.
— Shhhhhhh! — Raul coloca o dedo indicador na boca e pede silêncio para a irmã.
Estou tão atordoada com a informação que nem consigo acompanhar a cena.
— Tu disse que ia guardar segredo, Olívia.
— Ahhh é — ela responde batendo a mão na boca. — O Mu não disse nada não, tô
confundindo tudo. Já chegou no Aquário? — desconversa.
Essa garota é esperta!
— Chegamos! — tento responder animada.
O resto do dia é perfeito, como todos que estamos juntos. O único problema deste
domingo ensolarado é que meu coração traiçoeiro não consegue parar de repetir a frase
"Saudade de você" para o meu cérebro.
Capítulo 30
♫ Eu te vejo em todos os rostos vazios na multidão.
Acordado a noite toda, a noite toda e todos os dias. ♫
I don't wanna live forever, Taylor Swift
MURILO
Pareço uma criança que fez arte e está fugindo aqui parado nesta janela, espiando
escondido o que acontece no vizinho. A que ponto chegamos, hein, Murilo? Meu Deus! Ela
consegue ficar cada vez mais linda. Enquanto desce do carro, reparo no seu shortinho curto
que realça as coxas grossas e na blusa de algodão que moldura suas curvas. Que saudade de
senti-la. Está sorrindo e o que mais quero agora é beijar aquela covinha que se forma em seu
rosto doce.
Toda vez que Alice vem aqui, para buscar ou trazer Olívia e Raul, meu coração quase
sai pela boca de tanto que bate descompassado. Caralho! Nunca imaginei que gostaria tanto de
alguém assim na vida. Eu nem sei dizer o que sinto por ela. Foi inspirado nesse sentimento
sem explicação que nesses últimos seis meses as músicas fluíram naturalmente. Já posso até
fazer um CD só com trilhas sonoras para casais apaixonados. Eu sei, muito brega. Mas é o
efeito dela em mim.
Jorge e o pessoal da gravadora ficaram radiantes com minha fase melosa, porém,
tiraram muito sarro da minha cara, claro. Eu disse que isso nunca ia acontecer quando os
conheci e em pouco tempo já estava parecendo o Wando. Inclusive, acharam que combina
muito mais comigo o estilo romântico e estamos trabalhando nessa linha. Tenho que admitir
que fica bom mesmo. Estou até sendo comparado com "o novo Tiago Iorc" pela pegada
acústica, somente voz e violão.
Mas como nem tudo são flores, o projeto está parado no momento porque a droga da
minha doença deu as caras de novo. Parece que meu rim, definitivamente, não quer funcionar
direito e há três meses faço hemodiálise, três vezes por semana. É uma porcaria! Fico deitado
por quatro horas para que uma máquina limpe e filtre meu sangue, ou seja, faça o trabalho que
o rim doente não pode fazer. O procedimento libera o corpo dos resíduos prejudiciais à saúde,
como o excesso de sal e de líquidos. Geralmente são horas de tortura total porque a única coisa
que consigo fazer é pensar em Alice.
Pela falta de avanço no tratamento entrei na fila de transplante. Eu não ia permitir de
jeito nenhum, ainda sim, por desencargo de consciência Olívia e Raul fizeram o teste de
compatibilidade por exigência do Doutor Bernardo. Não são compatíveis. O pessoal dos
Narcóticos Anônimos, Dona Emília e seus familiares e até Max lá da Inglaterra também
fizeram. Ninguém é. A expectativa do hospital era meu pai pelo grau de parentesco, mas não
faço ideia de onde ele está. Mesmo que soubesse, não seria iludido. Ele nunca quis me ajudar,
não seria agora. A frustração é proporcional à expectativa gerada. Por isso, nunca crio
expectativa de nada. A tristeza é que, em média, os pacientes aguardam sete anos na fila aqui
no Rio de Janeiro à espera de um rim que não seja de doador vivo. O jeito é rezar para ir
levando até lá.
O que está nos salvando financeiramente é que a abençoada gravadora me contratou
como compositor enquanto não me recupero. Minhas antigas músicas, mais reflexivas, estão
ficando ótimas em uma banda nova de rock. Também estou recebendo auxílio-doença do
governo por ter uma enfermidade rara e consegui todo o tratamento gratuitamente por causa da
Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica. Nem tenho como agradecer ao
Doutor Bernardo por todo esforço em me ajudar. Estaria fodido, pois fazer programa está fora
de questão.
Aliás, eu não consegui tocar uma mulher sequer desde o dia em que me despedi dela no
portão do seu apartamento. Duas semanas depois eu bem que tentei, após beber até cair de
tanta saudade lá no Bar do Rafa. Era muito bonita, morena de olhos verdes. Mas não era a
minha Alice e não saímos de uns beijos sem graça. O que me resta é me aliviar pensando em
nossa primeira vez e na bendita cozinha toda noite.
Volto a prestar atenção na linda garota da casa ao lado e já fico triste por ter que
esperar mais um mês para esse pequeno momento. O desespero foi tanto no começo que
cheguei a ir na faculdade para vê-la de longe, porém, fui pego pela Claudinha em uma dessas
tentativas e acho que minha desculpa de estar passando por ali não caiu. Preferi evitar e agora
só me restaram esses dez minutos a cada trinta dias. Dez minutos dos quais eu aproveito cada
segundo para gravá-la ainda mais no meu coração. É masoquista, eu sei, só que não consigo
evitar. Virei um completo idiota.
Alice sempre olha para minha casa antes de entrar no carro e voltar para sua vida. Está
fazendo isso neste exato momento e se não estivesse bem escondido podia jurar que pode me
ver. Eu consigo sentir que ela tem saudade também e tenho vontade de sair correndo para
agarrá-la, mas, não posso. É muito melhor que continue sem meus problemas. Uma coisa é
estar com meus irmãos uma vez por mês, outra é ter que aturá-los todo dia. Aguentar um
companheiro doente e sem perspectiva de vida. Eu a amo tanto que quero o melhor para ela.
Mesmo que isso signifique ficar cada dia mais longe de mim.
O carro dá partida e Olívia e Raul ficam eufóricos acenando para o veículo. Eles
gostam dela demais e esse carinho só faz meu sentimento aumentar. Dona Emília os pega pela
mão e vem em minha direção. A porta da sala se abre e pulo correndo no sofá, como se não
estivesse espiando nada.
— Mu, você tinha que ver que legal o tubarão que eu vi. Ele tinha um bocão assim, ó.
— Olívia entra correndo animada, imitando com as mãos o tamanho da boca do animal.
— Nossa, que legal, linda. O que mais vocês fizeram? — pergunto querendo saber
todos os detalhes, só que não posso parecer muito desesperado.
— A gente viu vários peixes. Tinha uns muito feios. Depois fomos ao parque e eu comi
bolo de cenoura. Tava delícia.
— Só isso, Olívia? — Raul olha para a irmã, travesso.
Oh, droga! O que será que essa pequena aprontou?
— Só, ué — responde na defensiva.
Conheço-a, com certeza, fez alguma coisa.
— Não vai contar o que você falou pra Alice? — Raul instiga.
— O que você falou, Olívia? — questiono impaciente.
— Nada de mais, Mu. Eu só falei que tu tava com saudade dela.
— O quê? — pergunto alto, levantando do sofá. — Por que tu falou isso?
— Porque é verdade — a espertinha fala sorrindo.
Passo as mãos nos cabelos, nervoso. Merda! Ela sempre está certa. Contudo, não
precisava falar nada. Não era para falar nada.
— Vão tomar banho, vão — ordeno mudando de assunto.
— Você tá bravo comigo? — Olívia questiona. — Não pode ficar bravo, tu ensinou a
não mentir, Mu.
— Não tô bravo, não. Vai logo tomar banho, vai.
Não tem como questionar isso. Minha irmã é lisa demais, sempre encontra um jeito de
se safar. Acompanho os dois correndo casa adentro e me viro para uma Dona Emília de cara
fechada. Preparo-me para o sermão. É sempre o mesmo.
— Tava espiando da janela de novo, Murilo?
— Espiando? Até parece. — Dou de ombros e me sento novamente.
— Vai pensando que me engana. Eu sei que tu está apaixonado por aquela mulher e
fica aí remoendo isso, ao invés de estar com ela. Tá perdendo tempo e você, mais do que
ninguém aqui, sabe como ele é precioso.
— Dona Emília, eu te adoro, mas não vamos discutir isso de novo. Já expliquei meus
motivos.
— Motivos que tu acha que são motivos. Nem perguntou para a menina o que ela quer,
saiu decidindo para os dois. Agora ficam sofrendo. Tá na cara que ela também gosta de você.
— Ela seguiu a vida dela, vai ser muito melhor sem mim — murmuro de cabeça baixa.
— Como tu pode garantir isso, Murilo? Para de ser teimoso. Que mania de carregar o
mundo nas costas sozinho, sem dividir o fardo com os outros. Toda vez que a vejo aqui nem
tenho coragem de encará-la. Fico com um nó entalado por você.
— Tu nunca disse nada, né? — pergunto a fitando.
— Não, mas eu devia. Já que te conheço o suficiente para saber que não vai atrás dela.
— Eu não vou mesmo, é melhor assim e pronto — afirmo e me levanto para pegar um
copo de água.
Estou com a boca seca e essa conversa está me dando até tontura.
— Não adianta falar com você mesmo, menino turrão!
Penso em responder, porém, uma forte dor atinge o lado esquerdo do meu corpo. Puta
que pariu! Está mais forte do que nunca. Apoio minhas mãos na estante da sala para não cair e
grito com a intensidade dos sintomas.
— Murilo, o que aconteceu? — Dona Emília corre em minha direção.
— Chama a ambulância. Agora! — suplico com dificuldade.
Não estou conseguindo respirar, todo o ar quer fugir pelos meus pulmões e temo pela
morte. Senhor, não permita que eu morra assim, sem ter conseguido dar um jeito na minha
vida e deixar algo para Olívia e Raul. Eles precisam de mim, por favor, por favor. Faço uma
prece sem jeito torcendo para quem quer que seja lá em cima me escutar.
O Samu não demora a chegar e preciso de oxigênio para continuar respirando. Não
consigo assimilar direito o que está acontecendo em minha volta por causa da dor, mas vejo
meus irmãos chorando, desesperados pela cena, e Dona Emília os abraçando.
O enfermeiro continua checando meus sinais e me coloca na maca rapidamente. Eu
quero falar para Olívia e Raul não se preocuparem, que vou ficar bem, só que minha voz não
sai e meus olhos já estão se fechando. Caralho! Que dor dos infernos.
Consigo levantar com dificuldade minhas pálpebras e fico ainda mais desesperado. De
um lado está Dona Emília falando ao telefone e algo me diz que está ligando para Alice.
Porra! Ela não me escuta. Mais à frente, meio borrado, tem um homem vindo correndo com as
mãos na cabeça. Parece meu pai. Meus olhos se fecham de vez.
Capítulo 31
♫ Meu coração dispara quando você ilumina meus olhos.
Presa no escuro, mas você é minha lanterna. Você me guia. ♫
Flashlight, Jessie J
ALICE
O que será que Murilo está fazendo hoje? Muitas clientes? Droga! Não posso ficar
pensando nisso. Vou enlouquecer assim. Eu sei que é idiota ter ciúme, eu já sabia do seu
trabalho, mas é mais forte do que eu. Queria ser sua, e ele só meu.
Toda vez que saio com as crianças fico na expectativa de vê-lo, nem que seja de longe.
Não tive sorte durante esse tempo todo. Se, pelo menos, eu fosse correspondida, podíamos
tentar. Aquele olhar parecia sentir o mesmo, porém, ele nunca disse nada. Nem eu, na
verdade… Por que amar é sempre complicado?
Enxugo as lágrimas que insistem em cair dos meus olhos e encosto o carro da
Claudinha próximo à calçada. Sua casa dos fundos é maior e mais bonita que a dos meus pais.
Ela odeia o dinheiro da família e não queria ficar na zona sul, contudo, resolveu aceitar por
insistência da avó com a condição de morar aqui. O que mais amo em minha amiga é que a
maior parte da herança dos Bittencourt é dela, só que ela nem se importa. Dá duro e rala como
todos nós, quer crescer por seu esforço.
— Claudinha, cheguei!
— Tô indo! — grita do segundo andar.
Sento no sofá e pego um espelho na bolsa para verificar se estou com cara de choro.
Tudo que eu não preciso agora é de sermão sobre relacionamentos.
— E aí, como foi com a criançada? — Ela desce as escadas perguntando.
— Foi ótimo! Eu sempre adoro passear com eles.
— Humm... E essa cara aí? — resmunga.
Mas que droga! Essa mulher percebe tudo.
— Que cara?
— De cachorro que caiu da mudança — Claudinha fala e eu caio na risada. Só ela
mesmo.
— Você e suas comparações.
— Não muda de assunto, Alice. Tá pensando nele ainda?
— Ai, Claudinha. Dá um tempo, pelo amor de Deus! Não quero brigar.
— Mais tempo, Alice? Tu passou seis meses chorando pelos cantos. Sai de casa para se
divertir só obrigada. Comeu mais sorvete que criança. Tenta se fazer de forte. Conheço essa
reação. Fiz a mesma coisa quando Max se foi.
— Que exagero! Foram meses muito bons para o meu amadurecimento. E até fiquei
com outras pessoas.
— Ficou, só que pensando no Murilo que eu sei — ela confirma e eu bufo.
— Alice, eu só queria que tu assumisse pra mim que está apaixonada por ele. Não sei
por que tem medo de me falar. Somos amigas. Eu vou brigar? Vou porque esse negócio de
amor só ferra com a vida da gente. Porém, queria que tu confiasse em mim pra desabafar, eu
quero o seu melhor.
— Você disse um milhão de vezes pra eu não me envolver, mas...
— Mas?
— Tá bom, assumo. Eu não queria, juro. Só que me apaixonei por ele. Perdidamente.
Intensamente. Agora pode dar o sermão que nunca serei correspondida, vai. — Dou de
ombros.
Claudinha fica séria me olhando, como se medisse as próximas palavras. Conheço-a
bem para saber que está em conflito se me diz ou não algo.
— Eu descobri uma coisa esses tempos atrás.
— Descobriu o quê? — pergunto e ela continua séria.
— Droga! Vou me arrepender de falar isso.
— Falar o que, Claudinha? Pelo amor de Deus, desembucha!
— O Murilo não faz mais programa. Antes até de vocês pararem de se ver.
— O quê? — grito e levanto do sofá rapidamente passando as mãos pelos cabelos. —
Como assim? E as crianças? Como ele está conseguindo dinheiro? Por que ele não me disse
nada?
— Calma, mulher! Não tenho todas as respostas do mundo. Só sei que Murilo não
aceitou o dinheiro que eu ia pagar.
— Não? Nossa, Claudinha! Por que não me disse antes?
— Não quis falar pra tu não criar expectativas. Isso não quer dizer nada.
Claudinha tem razão, infelizmente. Se significasse algo, Murilo não tinha me afastado.
Não sei se estou triste ou feliz. Pelo menos também não está com várias mulheres, cada dia
uma diferente.
— Foi ele quem contou que tinha parado?
— Não. Fui ao Bar do Rafa no final do mês passado e estava conversando com ele.
Perguntei se andava vendo o Murilo e me contou que ele tinha parado com o programa e não ia
mais lá.
Não consigo raciocinar direito. Se ele parou e nem está saindo mais à noite, será que
tem uma namorada? Ai, meu Deus, que droga! Esse homem está me deixando louca.
— Alice, eu não acredito que vou dizer isso, mas por que tu não vai falar com Murilo?
Diz o que sente. Eu acho que ele gosta de você, só não está sabendo lidar com o sentimento.
— Sério? Você acha mesmo, Claudinha?
— Eu o conheço há muito tempo e Murilo está com cara de idiota apaixonado.
Será? E se eu levar um fora? Quer saber, que se dane! Eu preciso falar com ele para
saber. Chega dessa falta de comunicação.
— Você me empresta o carro de novo?
— Claro, vai lá!
Pego minha bolsa no sofá e saio correndo com um milhão de perguntas na cabeça. Por
que ele não está mais fazendo programa? Arrumou um emprego? Por que não me contou?
Gosta de mim? Por que parou até de ir ao Bar do Rafa?
Calma, Alice! Respira. Em minutos você vai descobrir.
Entro no carro e coloco o cinto de segurança em tempo recorde. Meu pé chuta um
objeto e vejo meu telefone jogado no chão. Deve ter caído sem eu perceber quando cheguei.
Confiro rapidamente e aparecem nove ligações perdidas da Dona Emília na tela. Será que
aconteceu algo com as crianças? Retorno e fico aguardando ansiosa.
— Alice, graças a Deus tu atendeu!
— Dona Emília, desculpa, o telefone caiu no carro e eu nem percebi. Aconteceu
alguma coisa? — pergunto e ela começa a chorar.
Senhor! É mais sério do que eu imaginei.
— O que houve? A senhora está chorando?
— É... Murilo foi para o hospital.
— De novo? Ele está com dores? Foi mais sério? — questiono desesperada.
— Eu prometi que não falaria, mas não aguento mais ver vocês dois sofrendo. Ele é
muito teimoso, nunca vai te falar nada.
— Dona Emília, pelo amor de Deus, o que você prometeu? O que está acontecendo?
— Murilo tem uma doença muito séria, Alice. Uma doença rara, para ser mais
específica, e sem cura. Ela vai atacando várias partes do corpo e dessa vez é o rim que foi
afetado. Ele está fazendo hemodiálise há três meses, entrou na fila do transplante até.
— Doença rara? Transplante? — pergunto quase em sussurro. — Por que ele não me
disse nada? Talvez eu pudesse ajudar.
— Ele é assim. Guarda tudo para si e carrega o mundo nas costas. Meu menino é
guerreiro... — diz e nós duas estamos aos prantos ao telefone.
— Dona Emília, eu gosto tanto dele...
— Eu sei, eu sei. Desde o dia que vocês pararam de se ver, Murilo só faz ficar triste e
cabisbaixo. Ele gosta de você também, menina, como eu nunca o vi gostar de nada na vida.
— Preciso vê-lo agora, antes que seja tarde demais.
Fecho os olhos e respiro fundo. Dona Emília me passa o endereço do hospital e sigo o
mais rápido possível ao encontro do meu amor.
Espero que eu tenha tempo de dizer o quanto o amo, que senti saudade e como ele
mudou minha vida. Por favor, preciso de tempo. Nem que seja pouco tempo.
Capítulo 32
♫ Sinto muito por culpar você por tudo
que eu não consegui fazer. E eu feri a
mim mesmo por ferir você. ♫
Hurt, Christina Aguilera
CARLOS
Sigo a ambulância sem fazer a mínima ideia do que está acontecendo. O pavor sobe em
minhas veias e seguro firme o volante ao me lembrar daqueles olhos se fechando. O que
Murilo tem? Como tive coragem de abandonar uma criança? Por que nunca dei o amor que ele
sempre esperou? Eu fui um pai de merda, de merda para dois filhos. Um conheceu o pior de
mim, o outro nem sabe que existo. Desperdicei duas chances. As lembranças invadem minha
memória e lágrimas de remorso escorrem pelos meus olhos.
***
Maria vem em minha direção radiante, sorrindo e cantarolando. Como eu amo essa
mulher! Somos jovens demais, eu sei. Menores de idade, para ser mais específico. Mesmo que
sejamos de mundos tão diferentes, só penso em ficar com ela para sempre.
Eu, um pobre da favela, ela, uma menina linda e rica da zona sul. Nem acreditei
quando aceitou minha ideia de fugir de casa. Já faz cinco meses que moramos juntos. Estou
trabalhando e arrumei um cantinho para nós aqui no Morro. Sou o homem mais feliz deste
mundo.
— Por que tu tá animada assim, amor?
— Tenho uma surpresa — ela responde pegando em minha mão. — Vem!
Sigo-a sem reclamar pela nossa pequena casa. Se é no quarto, só pode ser coisa boa.
Quando Maria abre a porta percebo uma caixinha na cama e a olho sem entender. Está mais
linda do que nunca, seu sorriso é contagiante.
— O que tem ali, Maria?
— Vai lá abrir — encoraja animada.
Pego o objeto e balanço para tentar adivinhar o que é. Faço suspense só para deixá-la
louca. Maria é muito ansiosa, é divertido ver seu desespero. Abro, enfim, a caixinha e todo o
ar do meu pulmão se esvai. Balanço a cabeça para tentar acordar, mas não é um sonho.
Dentro tem sapatinhos. Sapatinhos de bebê.
— Que merda é essa? — pergunto alterado e seu sorriso some do rosto.
Maria coloca a mão na barriga instintivamente e seus olhos enchem de lágrimas. Com
certeza, não foi a reação que esperava. Mas que merda ela pensava? Que eu ia ficar feliz?
Droga! Só tenho 17 anos.
— É... Calma, amor. Eu... Eu estou grávida.
— Puta que pariu, Maria! Como foi que tu deixou isso acontecer? Tu não está
tomando a porcaria do remédio? — grito. Estou transtornado com a notícia.
— Eu não sei o que aconteceu, estava tomando sim. Só esqueci alguns dias, porém,
depois voltei ao normal.
— Tu esqueceu? — Sorrio sarcasticamente levantando os braços para o alto. —
Esqueceu, Maria?
— De... Desculpa.
— Tu fez isso de propósito? — questiono com a ira tomando conta de mim.
— Não. Claro que não. Por que tu tá falando isso?
— Tu sempre me disse que seu sonho era ter um filho. Mas pelo amor de Deus, a gente
mal tem uma casa. Não temos estrutura para isso.
— Eu juro que não fiz de propósito — ela diz e vejo verdade em seus olhos, mas
continuo puto da vida. — Estou com medo também, muito medo. Mas um filho é uma benção,
amor. A gente vai conseguir.
— Nós não vamos ter esse filho — falo decidido.
— O quê? — rebate alto, chorando desesperadamente.
— Eu não quero uma porra de uma criança, Maria. Não agora, talvez daqui muitos
anos. Nossa vida está ótima assim. Somos muito jovens para a responsabilidade de um filho.
— Eu não vou matar meu filho! — grita.
— Ahhh tu vai. Eu não quero um bebê chorando e estragando nossa relação que
acabou de começar.
***
Soco o volante ao me lembrar de como fui um cretino. Maria era uma mulher linda, seu
sorriso iluminava o ambiente por onde passava. Ela sempre me disse que queria uma família
grande, cheia de crianças pulando e brincando. E quando isso aconteceu eu tornei a vida dela
um inferno. Foi aí que tudo começou, a nossa desgraça.
Culpei aquele ser ainda não formado na barriga da mulher que eu amava por estragar
minha vida. E ele não tinha culpa de nada. Só nasceu porque eu também participei, mas
naquele tempo não conseguia ver isso.
Maria bateu o pé e não tirou a criança tornando sua gravidez um martírio. Oito meses
de choros e brigas. Sempre que podia jogava na cara dela a culpa do nosso relacionamento não
ser o mesmo, a achava feia e gorda. Eu sei, repugnante. Tenho nojo do Carlos que fui.
Comecei a beber, voltei a usar drogas e ter com outras mulheres o que não tinha em casa.
A minha linda garota foi perdendo seu brilho e ficando cada vez mais deprimida. A
tristeza foi tanta que quando Murilo veio ao mundo ela teve depressão pós-parto. Eu achei
frescura na época e queria matá-la por ter feito de tudo para manter a gravidez e depois
simplesmente nem olhar direito para o moleque. Começou a beber também. Éramos dois
bêbados e drogados com uma criança em casa.
Tudo por minha culpa.
Não apoiei a mulher que amava. Abandonei meu filho. Destruí nossa família.
A ambulância chega ao hospital e demoro uma eternidade para conseguir a merda de
uma vaga no estacionamento. Enxugo as lágrimas com as costas da mão e saio correndo em
direção à recepção.
— Por favor, moça. Por favor — chamo a enfermeira que está na minha frente com
uma pasta na mão e falando ao telefone.
— Um minuto, senhor — ela responde.
Droga! Não posso esperar. Já esperei tempo demais.
— Por favor, preciso saber do meu filho — insisto.
A mulher fala mais uns segundos e desliga, me olhando com cautela.
— Pois não?
— Meu filho. Ele acabou de chegar aqui. Estava desacordado, quero saber pra onde ele
foi.
— Como é o nome dele, senhor?
— Murilo. Murilo Silva.
— Não tem nada dele ainda no sistema, senhor.
— Moça, pelo amor de Deus! Eu preciso...
— O senhor disse Murilo Silva? — Uma pessoa se aproxima interrompendo a
conversa, com roupa de médico.
— Sim. Ele é meu filho.
— O senhor é pai do Murilo? — pergunta com um suspiro.
— Sim.
Não estava entendendo a surpresa e alívio nos olhos do médico.
— Muito prazer, eu sou Doutor Bernardo. — Ele estende as mãos e eu cumprimento,
balançando a cabeça. — Venho acompanhando Murilo há uns seis meses e estamos precisando
muito conhecer um parente.
— O quê? Por quê? — questiono confuso.
— O senhor não sabe de nada?
— Não. Estava indo na casa dele para ter uma conversa definitiva e dei de cara com a
ambulância.
O médico assente e então me dá a pior notícia que poderia receber. Explica tudo sobre
uma doença rara que meu filho herdou da Maria e sobre sua saga por um doador compatível.
Ele corre risco de morte, pois o rim já está muito danificado. Fala sobre sua expectativa de
vida limitada e as dezenas de complicações que ainda terá neste tempo. Não estou nem mais
raciocinando direito.
— Eu quero fazer o teste de compatibilidade. Como funciona? Demora?
— A doação com o doador vivo é bem mais rápida. Temos que fazer vários exames
para certificar que você apresenta rins com bom funcionamento, não possui nenhuma doença
que possa ser transmitida ao receptor e que o seu risco de realizar a cirurgia seja reduzido. Há a
necessidade de ter compatibilidade sanguínea ABO com o receptor. São realizados ainda testes
para comprovar outras compatibilidades, como HLA e cross-match. São testes que misturam o
sangue do receptor e do doador para ver se há possibilidade de rejeição nas primeiras horas
pós-transplante. Se for positivo, o transplante não será realizado, pois a chance de rejeição é de
quase 100%. Venha, vou agilizar isso.
***
Termino os exames e fico sabendo pelo Doutor Bernardo que Murilo acordou. Imploro
para que ele me deixe vê-lo por um instante e sou vencido pela insistência. Agora estou aqui na
porta do quarto tomando coragem para entrar. Não quero que ele se altere e fique pior,
entretanto, precisamos conversar.
— Oi — digo sem jeito enquanto me dirijo para a cama. Está distraído, mas para
totalmente ao me ver.
— O que tu está fazendo aqui? — responde com raiva.
Odeio saber que meu filho não me suporta. Depois de tudo que fiz, como poderia ser
diferente?
— Murilo, não se altere. Você precisa descansar.
— Então saia daqui — fala secamente.
— Já soube da sua doença, sinto muito...
— Olha aqui, Carlos. Não preciso da droga da sua pena! Se, pelo menos, uma vez na
vida tu puder pensar em mim, some da minha frente.
— Eu fiz o teste de compatibilidade.
— O quê? — questiona incrédulo.
— Eu fiz os testes, Doutor Bernardo está muito confiante que posso doar meu rim pra
você.
— Que droga! —reclama baixinho virando o rosto.
— Olha, eu sei que você não quer ouvir, mas eu preciso te pedir perdão por tudo.
Desculpa por não estar presente na sua vida quando mais precisou, por ter feito sua mãe deixar
de ser ela mesma. Eu me culpo todos os dias pelo que fiz.
— Que bom que se culpa. Quero que morra se culpando — admite ainda com o rosto
virado.
Droga! Isso dói mais do que imaginei.
— Sabe, eu não sou mais aquele cara. Há dez anos estou limpo. Depois de ter
abandonado vocês eu fui ao fundo do poço, pensei muitas vezes que morreria. Pensei em me
matar, até. Eu merecia morrer pelo que fiz. Passei fome, morei na rua, me perdi nas piores
drogas. Até que fui morar em São Paulo e conheci um grupo terapêutico de religiosos. Fiquei
internado lá por cinco anos. Por isso, nem tenho mais o sotaque carioca. Quando estava sóbrio,
passei a ajudar com outros pacientes e nos afazeres da casa. Eles me acolheram e me salvaram,
me fizeram enxergar meus erros. Hoje tenho um emprego, uma casa. Sou um homem de bem.
Voltei para o Rio ano passado e estava procurando o melhor jeito de entrar em contato. Murilo,
Deus sabe que me arrependo. E queria muito que você me perdoasse — desabafo e meu filho
vira o rosto para mim, com lágrimas nos olhos.
— Por que tu demorou tanto pra voltar?
— Perdão, Murilo. Eu sei que demorei demais, mas agora estou aqui. Eu não sei
explicar o que senti quando soube que tenho outro filho. O Raul parece um garoto incrível,
como você. Eu gostaria muito de tentar consertar as coisas entre nós. Quando os abandonei eu
era jovem demais, não estava preparado para ser pai. Estraguei tudo.
— E tu acha que eu estava preparado para crescer sem um? Que o Raul estava? — ele
joga na minha cara e as lágrimas voltam a descer dos meus olhos.
— Não. Hoje sei que não, fui muito egoísta.
— Eu não consigo perdoar, desculpa. Sei que seria o nobre a fazer, ainda mais tu
sendo, por ironia do destino, meu mais possível salvador no momento. Mas droga, eu não
consigo. Tu não faz ideia do inferno que vivi. Tu não faz ideia — diz com a voz embargada.
— Eu faço... — respondo derrotado.
A dor do arrependimento invade novamente meu peito. Não tem mesmo como esperar
o perdão depois de tudo.
— Posso te pedir só uma coisa? — arrisco e Murilo balança a cabeça sem me encarar.
— Eu sei que o perdão você ainda não consegue dar, talvez nunca consiga e a culpa é minha.
Mas... Sei lá... Eu posso pelo menos ser mais presente agora? Conhecer o Raul, ficar mais
perto dele... De você?
— Tanto faz — responde baixinho, secando as lágrimas, e eu abro um sorriso de orelha
a orelha.
Tanto faz é melhor do que não. Posso sobreviver com isso. Quem sabe com o tempo
consigo provar que sou uma pessoa diferente.
Deixo-o descansando e volto para a recepção na expectativa dos resultados, rezando
para poder, uma vez na vida, fazer algo bom para Murilo. Chego e vejo uma menina alta, de
cabelos castanhos e olhos claros parada no balcão. Está desesperada, passando as mãos no
cabelo e gesticulando com a enfermeira.
Escuto o nome do meu filho de sua boca e percebo que está tentando saber notícias
dele. Reclama que espera há horas por uma informação e nada. Penso em ir em sua direção,
mas Doutor Bernardo aparece e começa a falar com ela.
Sento e fico a observando andar de um lado para o outro, impaciente. Olha no celular,
senta, levanta. Limpa os olhos lacrimejantes. Sem dúvidas, é uma garota que ama. Uma garota
que ama meu filho.
Um alívio percorre meu coração por ele ter alguém assim na vida, alguém que nunca
pude ser.
Capítulo 33
♫ O tempo passou, a vida mudou, mas eu continuo seu.
Eu só sei que a vida é mais colorida com você. ♫
Nocaute, Jorge e Mateus
MURILO
Carlos sai do quarto e sinto como se meu coração fosse explodir de tanto que está
apertado. Caralho! Eu não consigo perdoá-lo. Acho que nunca serei capaz. Nossa vida teve um
rumo totalmente diferente por causa da sua decisão de não me aceitar há 22 anos. Minha mãe
está morta, Raul cresceu sem o pai, Olívia não sabe de onde veio.
Porém, para uma coisa essa conversa foi boa. Sinto-me em paz por descarregar tudo
que estava entalado na minha garganta, soltar as lágrimas que estavam presas, ouvir pelo
menos sua versão. Eu tinha ódio dele até poucos minutos atrás, ódio mesmo, por tudo que ele
não foi. Agora não sinto nada. Nada bom e nada ruim. E eu não imaginava como isso poderia
ser libertador.
Quero esquecer esse passado de merda e, de agora em diante, só focar no futuro. Talvez
eu tenha poucas horas, poucos dias, poucos meses... Não importa! Só me interessam os
momentos que virão, não mais os que já se foram.
Viro-me na cama para ajeitar o corpo, ainda estou com dor na lombar, apesar da diálise
e da quantidade absurda de remédio que ingeri desde que cheguei. Doutor Bernardo aparece
sorrindo, então imagino que temos boas notícias.
— Murilo, como está se sentindo?
— Melhor. Só com um pouco de dor.
— Que bom! Olha, eu não devia falar isso ainda para não gerar falsas expectativas, mas
estou animado. Já fizemos os primeiros exames e um dos mais importantes deu positivo. Pelo
sangue vocês são compatíveis. Acredito que seu pai poderá ser o doador.
— Hum — digo somente.
Ainda não me sinto bem com isso. Que tapa na cara, não, destino?
— Até amanhã de manhã teremos todos os resultados e, se tudo ocorrer bem como
imagino, já vamos providenciar o transplante. Com doador vivo e parente, a burocracia é bem
menor — explica e eu aceno com a cabeça.
— Ah, olha só. Tem uma moça lá na recepção quase tendo um infarto de tanto nervoso.
Ela quer ver você desesperadamente e não para de encher o saco das enfermeiras. Posso
permitir sua entrada? Eu sei que não é parente, só que tô com dó da menina — admite sorrindo
e eu quase perco o ar.
É Alice, só pode ser Alice.
Ela está aqui!
Dona Emília deve ter avisado. Meu Deus, o que eu faço agora? Nunca precisei tanto de
sua presença, seu sorriso, seu jeito doce.
Não é justo com ela, Murilo. Meu lado racional tenta lembrar, porém, o coração trava
uma luta brava.
Que se foda o lado racional!
Eu, pelo menos, tenho que dizer tudo que sinto por essa mulher, ouvir o que ela tem a
me dizer. O que vai ser depois a gente descobre daqui a pouco.
— Por favor — respondo baixinho.
— Olha esse coração aí, hein, rapaz?! Um órgão com problema de cada vez, pelo amor
de Deus! — Doutor Bernardo fala divertido enquanto bate nos meus ombros e dá uma piscada.
Acompanho-o saindo do quarto com o olhar e começo a suar frio de nervoso. É agora!
Seis meses depois, com uma saudade que não cabe no peito, vou tê-la perto de mim outra vez
por um instante. Fecho os olhos e ainda consigo sentir seu cheiro. Calma. Respira. É só uma
garota, droga! Quem estou tentando enganar? Porra! Não é só uma garota. É minha garota.
Minha Alice.
Levo as mãos à cabeça para tentar relaxar um pouco e escuto um barulho na porta. É
ela. Linda como a vi horas atrás pela minha janela. Só que agora existem lágrimas nos seus
olhos inchados. Alice para por um instante e respira fundo ao me ver. Nem consigo me mexer,
estou como estátua na mesma posição só a encarando. Que saudade!
De repente ela corta o contato e corre. Corre e agarra minha cintura, depositando sua
cabeça no meu peito. Sinto um choque no meu corpo por tocá-la novamente. Acaricio seus
cabelos macios e encosto minha cabeça na sua. Ficamos assim por longos minutos. Ela
sentindo meu coração bater mais forte, eu me perdendo em seu cheiro.
Sem dizer. Nenhuma. Palavra.
***
Depois do que parece uma eternidade, não que esteja reclamando, Alice levanta a
cabeça e volta a me olhar. Senta-se na beirada da cama e eu a acompanho para que possamos,
enfim, conversar.
— Oi — ela diz mostrando suas covinhas maravilhosas.
— Adoro suas covinhas — admito tocando-as e Alice abre um lindo sorriso, roçando
seu rosto na minha mão.
— E eu adoro seu toque — confessa e retribuo o sorriso.
Merda! Estou fodidamente apaixonado por essa mulher.
— Precisamos conversar, Alice. Eu tenho muita coisa pra te falar.
— Sim... — Ela suspira e me encara. — Eu já sei que você está doente desde a época
que estávamos juntos, que parou de fazer programa, que precisa de um transplante. Por que
você me afastou, Murilo?
Minha vez de suspirar. Como ela sabe do programa? Como vou explicar o motivo do
meu afastamento sem envolver sua mãe? Não quero briga entre elas. A decisão foi só minha.
— Alice, eu estava me envolvendo muito com você e tinha medo de não atender suas
expectativas. Porra! Tu toda certinha com mil planejamentos pra vida, querendo um príncipe
encantando, e eu, um ferrado. Sem dinheiro, sem casa, sem trabalho, sem perspectiva. E ainda
com duas crianças. Como eu me encaixaria nisso, me fala? Achei injusto demais.
— Por que você só fez isso depois que a gente transou?
— Eu ia terminar nosso trato antes disso, eu juro. Naquele dia que sai do hospital. Só
que daí você chegou falando da Olívia e do Raul e eu não resisti. Caralho! Eu queria tanto
você naquela hora, que meus instintos foram muito mais fortes que os motivos para me afastar.
Desculpe se te feri.
A última coisa que queria na vida era feri-la!
— Sabe, aquele foi o melhor dia da minha vida — confessa e volto a encará-la
animado, com o coração acelerando ainda mais. — Realmente, eu sempre sonhei com o
príncipe, porém, não teria perdido meu tempo com contos de fada se soubesse que a vida real é
muito melhor.
— Alice, não me fala isso. — Puxo-a para perto de mim e encosto sua testa na minha.
Nossa respiração está irregular.
— Eu... — Engulo em seco para tomar coragem de falar. — Eu me apaixonei por você
no momento que levantei os olhos e te vi naquela porta no dia em que nos conhecemos. Tu
toda tímida, linda, engraçada... Eu demorei pra assumir a mim mesmo a intensidade dos
sentimentos porque, na verdade, eu nunca senti isso na vida. Por ninguém. Eu não sabia o que
era amar até você estar dentro de mim. Porra, Alice! Não se compara nem 1% com todas as
mulheres que já tive na vida juntas. Aquele dia não foi sexo pra mim. Foi muito mais que isso,
foi entrega. Sério! Aquele sábado foi minha perdição e minha resposta. Mas eu não sabia o que
você estava sentindo, e como descobri da doença achei que realmente deveria ser uma despe...
Sou interrompido por lábios quentes e desesperados encontrando os meus ainda mais
ávidos.
Nos beijamos.
Como queria isso.
Um beijo quente e nada delicado. Um beijo de saudade. De seis meses. De palavras não
ditas. De desencontros.
E, ah, de encontro!
Meu Deus, permita que eu posso sentir isso por um pouco mais de tempo.
— Preciso te falar uma coisa — interrompo o momento a contragosto. Preciso ser
sincero. Ela me olha. — Eu quero mais que tudo que já quis ficar com você, só que não tenho
muitos pontos a meu favor. Nós nunca poderemos ter filhos. Eu jamais arriscaria a vida de uma
criança com uma sentença de morte predefinida. Tem a Olívia e o Raul também, nunca vou
abandoná-los. Olívia pode até um dia criar asas e voar por este mundo, mas Raul sempre estará
por perto. Bem perto. E... eu, como tu sabe, posso ter mais complicações de saúde que esse
rim. Não vai ser uma vida fácil.
— Pode não ser, porém, vai ser uma vida com você. Isso já me basta! Eu sempre quis
ter filhos, mas Olívia e Raul podem ser os nossos. Já os amo tanto como se fossem. E, sobre
sua doença, poderá contar com alguém do seu lado na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença — diz firme e meu coração acelera.
Alice é muito mais do que eu imaginei nos meus melhores sonhos.
Aperto-a na cintura e aproximo mais, emocionado. Minha vontade é possuí-la agora
mesmo. Seguro firme seus cabelos e desço minha boca por seu pescoço, deixando marcas por
onde passo.
— Alice, vai parecer loucura. Mas, porra! Eu preciso ter você.
— Aqui? — ela pergunta incrédula e ofegante, ficando corada.
Adoro quando fica com vergonha.
— Agora! Tu confia em mim?
— Com toda minha vida — responde sem hesitar e eu sorrio como um bobo.
— Fecha a porta como quem não quer nada e volta aqui. Teremos poucos minutos, mas
pela saudade que estou de você não precisaremos de mais que cinco.
— Ai, meu Deus! Tá bom — concorda animada, porém, percebo que está morrendo de
medo.
Deve ser a maior loucura que já fez na vida.
— Encosta a cortina também — continuo dando instruções.
Ela volta rapidamente para a cama e tiro em segundos seu short com a calcinha. Isso é
totalmente loucura, contudo, não consigo me controlar. Preciso mais dela agora do que o ar
que estou respirando.
— Alice, tu vai ter que ficar por cima, tá? Eu não posso fazer muito esforço.
— Tá bom. Não vai fazer mal pra você isso, né?!
— Vai fazer se eu não te sentir. Não estou aguentando mais.
Ela sorri e sobe na cama, quando me lembro da droga da camisinha.
— Não temos camisinha. Tudo bem?
— Sim. Eu confio em você. Continuo tomando pílula.
— Tenho um segredo pra te contar.
— O quê? — pergunta enquanto se ajeita em cima de mim e passa as mãos por dentro
dessa roupa ridícula de hospital.
Pelo menos nessas horas facilita. Solto um gemido.
— Caralho! Vai com calma, mulher. Não podemos fazer barulho. — Mordo os lábios
com força.
Alice está com sua vagina roçando meu pau e, mesmo de cueca, posso senti-la
encharcada para mim. Sem avisar enfio um dedo nela.
— Sempre pronta. Ahhh! Assim tu me mata — sussurro em seu ouvido enquanto
começo a penetrá-la lentamente com o dedo.
— O segredo... fala... temos pouco tempo.
— É... Sabe, eu não tive mais ninguém depois de você. Não consegui. Toda mulher que
chegava perto de mim só conseguia enxergar seu sorriso.
— Ahhh, amor — responde derretida, invadindo minha boca novamente.
Amor?
Meu coração até para.
Como uma palavrinha pequena, de apenas quatro letras, pode mexer tanto com a gente?
Tiro meus dedos de dentro dela, abaixo a cueca e a fodo com força, enquanto me
delicio com seus lábios. Ela ainda está de blusa e eu também com a parte de cima da roupa.
Vai ter que ser rápido, entretanto, será mais intenso do que nunca.
— Porra... Que saudade. Que saudade de você — confesso em seus lábios.
Ela se levanta e me dá uma visão do paraíso, cavalgando forte no meu pau. Estamos
mordendo os lábios para não fazer barulho, mas o som da respiração não dá para controlar. Só
se ouve isso no quarto pequeno que me colocaram. Sorte que Doutor Bernardo me deixou na
ala particular, mesmo eu não tendo plano de saúde, porque aqui não tem outros pacientes e
posso aproveitar minha namorada. Minha namorada? Ah sim, minha. Depois disso não tem
volta.
Alice intensifica o vai e vem do seu quadril e eu já não aguento mais. Estou no limite
do prazer.
— Goza comigo, vem! — chamo enfiando a mão por debaixo da blusa e apertando seus
seios.
Ela adora e vai à loucura, estamos quase lá.
— Não fecha os olhos, olha aqui pra mim.
Me. Perco. Totalmente. Nela.
Chegamos ao clímax e uma alegria imensa invade meu coração. Sinto coragem de
dizer, pela primeira vez na vida, uma frase que sempre achei bonita, porém, não via sentido.
— Eu te amo, Alice — confesso e ela parece transbordar de alegria, me dando seu
sorriso mais lindo.
— Eu também te amo, Murilo — fala tocando meu rosto e solto o ar que nem percebi
que estava segurando, puxando-a para um abraço.
Nunca pensei que seria tão feliz em toda minha vida.
***
Ajeito-me na cama e sinto o sol entrar pela cortina. Já é de manhã. Alice não poderia,
mas pelo jeito, Doutor Bernardo falou com os enfermeiros e ninguém reclamou dela ainda
estar aqui. Depois da aventura de ontem à noite, nos vestimos rapidamente para esconder os
vestígios e ficamos conversando até cair no sono, agarradinhos nesta pequena cama. Expliquei
tudo sobre a doença e meu novo trabalho na gravadora. Ela ficou mais entusiasmada que eu.
Também me contou que mudou de curso e que conseguiu outro estágio. Não poderia estar mais
orgulhoso.
Perguntei o que fez durante os seis meses que ficamos afastados e meu coração se
entristeceu ao saber que sentiu minha falta tanto quanto senti a dela. Só não gostei da parte de
Claudinha a incentivando ir para baladas e ficar com outros caras. Meu sangue ferveu e
descobri que ciúme é um sentimento enlouquecedor. Sei que não posso falar nada, tive mais
mulheres do que me lembro, ainda sim, meu instinto primitivo queria que ela fosse só minha.
Agora ninguém chega mais perto dela!
Não enquanto nosso relacionamento durar. O que espero que seja por todo meu
pequeno tempo de vida. Sinto-a se mexendo e abraço-a acariciando seus cabelos.
— Bom dia, meu amor.
— Bom dia. Dormiu bem?
— Como nunca! Acho que preciso de tu sempre na cama comigo para poder relaxar —
brinco e ela me dá um tapa no ombro.
— Ai! — reclamo. — É sério, não estou brincando.
— Engraçadinho. Para sua sorte eu não pretendia sair dela tão cedo mesmo.
Adoro Alice solta e divertida. Somos surpreendidos com a chegada de Doutor Bernardo
e ela levanta correndo da cama, ajeitando o cabelo.
— Bom dia, jovens. Vejo que você não enfartou — diz olhando para Alice e sorrindo.
— E que você ainda está com seu coração no lugar. Isso é bom.
— Desculpa estar deitada na cama, eu sei que não pode, mas...
— Tudo bem, querida, fica tranquila. Eu expliquei para os enfermeiros que o Murilo
estava morrendo e que você era o último alento dele. Ficaram todos comovidos que nem
vieram incomodá-los — conta seu plano e nós dois gargalhamos, agradecidos. — Tenho boas
notícias!
— O rim? — Alice pergunta animada e ansiosa, ficando de pé.
— Sim! Todos os testes deram compatíveis. Vamos prepará-lo para a cirurgia, já estou
adiantando toda parte burocrática.
—Já, tão rápido?
— Sim, Murilo. Seu rim está muito prejudicado com a doença, não podemos arriscar
outra crise.
— E tem risco esta cirurgia, Doutor Bernardo? — Alice questiona cautelosa.
Ele já me explicou todas as complicações, sei que não será fácil.
— Toda pessoa que se submete a uma cirurgia e anestesia geral corre riscos que
podem, no entanto, serem minimizados com os exames pré-operatórios e os avanços nas
técnicas anestésicas e cirúrgicas. Pode haver depois também rejeição, então, precisamos ficar
bem atentos.
— Calma, amor. Vai dar tudo certo! Ainda não vai se livrar de mim — tento brincar,
mas ela continua tensa.
— Querida, você precisa sair agora. Eu a mantenho informada. Vou dar um minuto
para se despedirem — Doutor Bernardo pede.
— Ok, obrigado — agradeço e ele sai.
— Eu tô com medo de perder você de novo. E agora, definitivamente — Alice fala
vindo em minha direção na cama, com olhos lacrimejantes.
— Saiba que eu vou lutar com todas as forças do meu corpo para sobreviver.
— Prometa que vai lutar e ficar aqui pra mim — implora e enxugo suas lágrimas com
as mãos.
— Prometo. Se de tudo for minha hora — começo a falar e ela pede silêncio. — Se de
tudo for minha hora, saiba que tu foi muito amada e a melhor coisa que já me aconteceu.
Obrigado por tudo, amor. Eu já falei com a Dona Emília e, se eu morrer, ela vai ficar com as
crianças. Queria pedir pra tu ajudá-la sempre que puder.
— Claro, sempre — concorda agora soluçando.
— Eu tenho uma coisa pra você. Minha roupa está naquele armário ali. — Aponto para
o móvel no canto da sala. — Pega meu celular no bolso da calça, por favor.
Ela obedece confusa e pega o aparelho, entregando-me rapidamente.
— Por que você quer o celular?
— Eu contei ontem da gravadora, mas não expliquei que tipo de música estava
fazendo. São todas para você, Alice. Cada canção que eu compus nos últimos meses foi
pensando em ti — declaro e ela me abraça forte. — Não sei muito bem me expressar falando,
porém, nessas estrofes mostrei todo meu amor por você. Os vídeos caseiros que gravei pelo
computador estão na galeria de imagens.
— Eu te amo — ela diz emocionada.
— Eu também te amo. Agora vai! Já abusamos demais da boa vontade do Doutor
Bernardo. Seja o que Deus quiser!
Abraçamo-nos e nos beijamos entre lágrimas. Nada de palavras, somente o olhar que
amo. Alice sai de costas e me manda um beijo pelo ar, fechando a porta com o celular agarrado
na mão.
Meu coração se aperta já de saudade. Porra! Me deixe viver mais um pouco. Por favor,
só mais um pouco.
Capítulo 34
♫ Vem viver comigo o presente, o infinito enquanto dure. ♫
Infinito enquanto dure, Murilo Silva
ALICE
Saio do quarto, transtornada, com lágrimas que insistem em molhar meu rosto. Não
acredito que tanta coisa aconteceu de ontem para hoje: doença, transplante, sexo dentro do
hospital, declaração de amor. Ahhh... essa última parte. Pensei que meu coração fosse explodir
quando Murilo disse as palavras que tanto esperei ouvir.
Espanto os pensamentos que me ocorrem de poder ser a última vez que o vejo. Não
pode ser. Eu acredito em uma linda história para nós ainda, não as perfeitas dos contos de fada,
mas as construídas no dia a dia.
Volto a sentar na recepção e procuro um fone de ouvido na minha bolsa. Não saio
daqui até Murilo estar operado e bem. Já até avisei no trabalho que estou no hospital com meu
namorado. Aliás, soa bem dizer meu namorado, não é? Encontro o que estava querendo e
plugo no celular. Estou ansiosa para ouvir as músicas que ele compôs inspiradas em mim.
Desbloqueio a tela e aparece uma imagem linda dos irmãos sorrindo em um parque.
Meu amor está fazendo um ótimo trabalho com sua família. Tenho orgulho do homem que ele
se tornou, apesar de tudo que já passou. Faço carinho na foto e mais lágrimas caem dos meus
olhos. Senhor, que tudo dê certo nesta cirurgia! Muita gente precisa dele em sua vida. Inclusive
eu.
Vou na galeria e respiro fundo para apertar o play. Todos os últimos vídeos que
aparecem têm como miniatura ele sentado na cama, somente com o violão nas mãos. Clico no
primeiro e uma melodia linda invade meus ouvidos.
Infinito enquanto dure
♫ Era uma vez uma menina
Que de repente estava perdida
Os contos já não servem mais
As coisas ao seu redor passaram a ser reais
Por favor, se encontre
Corte as asas da imaginação
Sei que eu não chego nem perto do que seria ideal
Mas se espera por um príncipe
Não desaponte no final
No final, no final
Não pense muito lá na frente
Nem em nada que eu te jure
Vem viver comigo o presente
O infinito enquanto dure
Por favor, se encontre
Corte as asas da imaginação
Por favor, se encontre
Corte as asas da imaginação
Não pense muito lá na frente
Nem em nada que eu te jure
Vem viver comigo o presente
O infinito enquanto dure ♫
Ouça música exclusiva: www.infinitoenquantodure.com.br
O primeiro vídeo acaba e preciso urgente de um copo de água. Agora não são apenas
lágrimas que caem dos meus olhos, estou soluçando, literalmente. Foi a música mais linda que
já ouvi em toda minha vida! Murilo tem uma voz firme e delicada ao mesmo tempo, meio
rouca. Maravilhosa, com certeza vai fazer muito sucesso.
— Você está bem, querida? — uma senhora pergunta quando chego ao bebedouro.
— Sim, obrigada, só estou um pouco emocionada. — Pego o copo e viro com tudo
garganta abaixo.
— Está com alguém querido aqui no hospital? — questiona também pegando um copo.
— Sim. O amor da minha vida!
— O meu amor também está aqui, vai passar por uma cirurgia agora. Estou com o
coração apertado, mas, ao mesmo tempo, feliz por termos chegado até aqui. Joaquim está
muito doente, entreguei sua vida nas mãos de Deus. Não tenho o que lamentar, aproveitamos
cada segundo dos 53 anos que estamos casados. Tanto os momentos bons como os ruins foram
bem aproveitados.
— Espero poder dizer isso. Preciso de mais tempo com ele. Temos muitas histórias
para criar ainda. Mal começamos.
— Tenha fé, querida. Tenha fé que seu desejo pode se realizar.
— É tudo que tenho neste momento — respondo e me despeço da senhora.
Sento novamente na cadeira e volto com os fones de ouvido. Vai ser difícil ouvir todos
esses vídeos sem me emocionar. Respiro fundo e aperto o play.
Sapo apaixonado

♫ Eu sei que não sou o cara ideal pra você


Você sonhou com um príncipe
E eu serei sempre um sapo
Mas, acredite, um sapo muito apaixonado
Não tenho carruagem
Você já conhece minha bagagem
Não será uma vida fácil
Mas, por favor, me aceita no seu mundo frágil
Não prometo o feliz para sempre
Mas garanto que vamos viver intensamente
Vou te amar quando for difícil continuar
Dia e noite enquanto durar
Eu sei que não sou o cara ideal pra você
Você sonhou com um príncipe
E eu serei sempre um sapo
Mas, acredite, um sapo muito apaixonado
Muito apaixonado ♫
Ainda em êxtase, continuo ouvindo.
Doce magia
♫ Quero beijar sua boca
Na ânsia mais louca
E nesse amor me perder
Eu desejo seus beijos
Entre outros desejos
O que mais quero é você
Sua pele macia
Uma doce magia
Preciso curtir esse amor
Eu canto pra ela
Eu só gosto dela
A vida sem ela é ruim
Eu vivo pra ela
Eu só amo ela
A vida é mais bela assim
Seu jeitinho inocente
Mostrando pra gente
Uma grande fonte de amor
Seus olhos penetrantes
Seu corpinho excitante
Seus lábios me confundem o sabor
Sua voz é macia
Sua sombra me guia
Por isso te amando eu estou
Eu canto pra ela
Eu só gosto dela
A vida sem ela é ruim
Eu vivo pra ela
Eu só amo ela
A vida é mais bela assim ♫
Tiro o fone e tento contar mentalmente até dez. Preciso acalmar meu coração e essa
respiração ofegante. De onde Murilo tira tudo isso? Nem nos meus melhores sonhos poderia
ter imaginado receber um presente desses. Estou sem palavras e sem reação. Dou play
novamente.
Como essas ondas
♫ O mar está cheio, suas águas escuras
Espumas flutuantes fazendo misturas
Correntes bravas abrindo o caminho
Procurando um lugar pra se acomodar
Suas ondas elevadas invadindo cidades
Não importa o tamanho nem a idade
Só querem um lugar em que possam ficar
E espalhar suas águas sob o brilho do sol
Como essas ondas é o meu amor
Quero te inundar
Quero invadir seu corpo e sempre te amar
Quero correr seu sangue
Até chegar no seu coração
Fazer dele a minha moradia
E te afogar nesta paixão
Como essas ondas é o meu amor
Quero te inundar
Quero invadir seu corpo e sempre te amar ♫
Continuo ouvindo até finalizar as dezesseis canções que estão na galeria. Dezesseis
músicas sobre o nosso amor, para mim!
Termino no mesmo instante em que Doutor Bernardo vem avisar rapidamente que
Murilo está indo para o centro cirúrgico começar a preparação do transplante. Ligo para Dona
Emília e preciso, desesperadamente, controlar minha ansiedade.
Para me acalmar, volto os vídeos do início e saio caminhando no jardim do hospital,
enquanto rezo em silêncio para Deus proteger a vida do Murilo. Ele merece viver, depois de
tudo que já sofreu, precisa ter a chance de ser feliz. Eu vou dar o meu melhor para que isso
aconteça.
Quando dou por mim já são quatro horas da tarde. Passei o dia inteirinho andando e
ouvindo as minhas músicas. Já sei todas de cor. A fome bate e decido comer alguma coisa na
cantina, pois obter informações na recepção é impossível.
Mal consigo chegar à porta do refeitório e sinto uma pontada forte no coração, como se
ele estivesse se rasgando. Saio correndo desesperadamente em direção ao quarto onde Murilo
estava antes, ignorando várias pessoas me repreendendo e dizendo ser proibido estar naquele
local.
Perco totalmente o ar ao ver uma aglomeração de enfermeiros e médicos entrando em
uma porta afastada no fim do corredor. Olho para cima e vejo no letreiro: Centro Cirúrgico.
— Paciente Murilo, parada cardiorrespiratória. — Ouço vagamente.
Não pode ser. Não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não,
não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não,
não, não, não. Nós ainda precisamos de tempo! Não, não, não, não, não, não, não, não, não,
não, não, não, não, não, não, não, não, não.
— Senhorita, você não pode ficar aqui. Por favor, venha comigo. — Um segurança se
aproxima e pega no meu braço.
Não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não. Coloco as
mãos na cabeça e desabo de joelhos no chão.
Não. Consigo. Mais. Respirar.
Capítulo 35
♫ Hoje eu preciso te abraçar, sentir teu cheiro de roupa limpa,
pra esquecer os meus anseios e dormir em paz. ♫
Só hoje, Jota Quest
MURILO
Dor, alegria, euforia, tristeza. É estranho como a gente consegue sentir as sensações do
outro às vezes. Neste momento, além do meu próprio, posso sentir latente o medo de Alice.
Medo é uma espécie de perturbação quando o cérebro acredita que estamos em perigo,
seja ele real ou não. É um estado de apreensão, em que mesmo que você se esforce, só
consegue esperar que o pior aconteça. Tento manter a calma para não deixar meu amor
preocupado, mas é difícil controlar o ressecamento dos lábios, o empalidecimento da pele, as
contrações musculares involuntárias, as mãos suadas, os batimentos cardíacos acelerados...
Uma luz branca cega meus olhos e sei que a partir de agora o meu destino vai mudar. Chegou a
minha hora.
Levanto-me e sigo em direção a uma porta, ainda não entendendo muito bem onde
estou e o que tenho que fazer. Essa é a merda de sentir medo, ele nos paralisa. Respiro fundo.
Ouço várias vozes só que não consigo distingui-las. O aperto no peito vai aumentando a cada
passo que a sincronia do meu corpo e o de Alice se fundem. Quase posso sentir as lágrimas
que caem dos seus olhos agora. Vai dar tudo certo, meu amor. Penso de todo meu coração,
tentando fazê-la ouvir.
Quando passo a porta, uma paz me invade e sei que cheguei onde sempre quis estar. O
medo vai dando lugar a alegria e um sorriso estampa meu rosto. Há uma plateia enorme na
minha frente, daquelas de se perder de vista. Em meio a tantos rostos e gritos, porém, consigo
identificar rapidamente os das pessoas mais importantes da minha vida. Na primeira fileira está
Alice, abraçada com Olívia e Raul. Dona Emília, claro, está do lado, chorando de orgulho
daquele menino perdido que conseguiu alcançar, enfim, seus sonhos. Vagner e Claudinha
completam minha felicidade.
Há três anos eu não poderia imaginar como isso seria possível. Quase perdi minha vida
durante o transplante de rim por causa de uma parada cardiorrespiratória. Não posso dizer que
foi uma recuperação fácil, fiquei quase um ano entre casa e hospital. Dezenas de exames e
medicamentos. Dessa vez, porém, eu tinha um lindo e encantador motivo para lutar ainda mais.
Alice permaneceu comigo o tempo todo, dando apoio e ajudando a cuidar dos meus irmãos
quando não estava no trabalho ou na faculdade.
Assim que melhorei a gravadora teve a brilhante ideia de me lançar no Youtube, até
que o CD ficasse pronto, e foi aí que o sucesso começou. Em pouco tempo ganhei um milhão
de visualizações com a música Infinito enquanto dure. Parece que minha declaração de amor
tocou o coração de muitas pessoas. Fui chamado para participar de programas de TV e a fazer
pequenos shows. No mês passado o trabalho ficou pronto e fui convidado para fazer o
lançamento aqui. Então, cá estou no Rock in Rio, por onde já passaram tantas estrelas esta
noite.
Cumprimento a plateia animado e começo o show com a primeira canção que fiz para
minha garota, olhando o mar. Fico surpreendido e até paro de cantar no refrão para ouvir o
coro:
♫ Como essas ondas é o meu amor
Quero te inundar
Quero invadir seu corpo
E sempre te amar ♫
Uma a uma continuo por outros sucessos, sempre olhando para a minha musa
inspiradora. Ela está linda, com o cabelo preso em um coque solto, short jeans rasgado e uma
regata branca com detalhes em dourado.
Deixo por último nossa música preferida de propósito, tenho uma surpresa para fazer.
Quando o show está para terminar, peço licença ao público.
— Pessoal, nosso tempo está acabando.
— Ahhhhhhhhhhhhhh — o coro grita ao fundo.
— Antes de cantar Infinito enquanto dure, gostaria de fazer uns agradecimentos.
Primeiro, para meus irmãos. Olívia e Raul me salvaram, e não tenho como dizer em palavras
como são importantes na minha vida. Dona Emília, a senhora também não poderia ficar de
fora. É meu anjo da guarda! Agradeço de coração, meu melhor amigo Max, que não pode estar
aqui hoje, além de Claudinha, Vagner e o pessoal da gravadora por todo apoio. Agora vem a
mais especial. A gente sempre deixa o melhor para o final, não é mesmo, pessoal? — pergunto
e ouço a plateia inflamar novamente.
— Meu amor, tu pode subir aqui? — Aponto para Alice que fica branca lá embaixo.
Ela coloca as mãos no peito, como quem questiona se ouviu bem, e eu balanço a cabeça
sorrindo como um bobo. Um bobo apaixonado. Os seguranças a ajudam subir e meu coração
começa acelerar. Vou a seu encontro e dou um abraço apertado nela, depositando um beijo
doce em seus lábios.
— Gente, essa é minha musa inspiradora — apresento e o público vai ao delírio.
Alice está corada daquele jeito que amo, suas mãos estão entrelaçadas nas minhas e
percebo que está suando frio. Nem faz ideia do que está por vir.
— Meu amor, fiz questão de te chamar aqui no palco porque se não fosse por você,
essas músicas nem existiriam. Não haveria CD, nem lançamento no maior festival do planeta
— digo olhando fixamente em seus olhos e ela sorri. — Obrigado por me ensinar o que é amar
— declaro e um coro de "ohhhhhhhhh" invade o espaço.
— Eu que agradeço por me fazer a mulher mais feliz do mundo — sussurra em meu
ouvido ao me abraçar forte.
Seguro sua mão, não deixando nenhum segundo de fitá-la. Alice começa a perceber o
que vou fazer e coloca a outra mão na boca. Lágrimas automaticamente caem como cachoeira
dos seus olhos. Ajoelho-me na sua frente e tiro uma caixinha do bolso. Estou super nervoso,
porém, quero fazer isso mais do que tudo que já quis.
— Eu sei que não fui um príncipe até agora, e tu sabe que não teremos um conto de
fadas. Meu Deus, Alice, você é meu ar. Os batimentos que pulsam vida para o meu corpo. Não
consigo me imaginar mais sem você. Seu sorriso colore toda a escuridão que vivi até o dia em
que te conheci. Eu nunca imaginei que iria me apaixonar, mas não me arrependo nem um
segundo de ter escutado a louca da Claudinha. Amor, tu aceita viver intensamente comigo cada
minuto dos meus dias contados?
— Sim! — ela responde emocionada e se ajoelha no chão, agarrando meu pescoço.
Um peso sai dos meus ombros e relaxo, com a felicidade plena preenchendo-me. Ela
disse sim! Invado seus lábios com urgência, esquecendo que temos milhares de pessoas
assistindo ao momento. A plateia começa a cantar junto com a banda a nossa música e
choramos emocionados.
Estou planejando este momento há três semanas. Pedi autorização para a organização
do evento, escolhi as alianças com Claudinha e até já entrei com a papelada na compra de uma
casa.
Com o sucesso do canal no Youtube, a venda dos primeiros CDs e os shows, já
consegui uma boa grana e poderei mudar do Morro do Alemão. Escolhi uma casa modesta e
linda perto da praia e da faculdade do meu amor. Tem um quintal grande para as crianças e
bastante verde, como Alice disse que sempre quis.
Nós estamos morando juntos, oficialmente, há um ano e meio. Ela disse que não fazia
mais questão de casar, porém, eu sei como esse passo é importante para uma mulher. Para ser
sincero, eu quero muito celebrar nosso amor com a família e os amigos. Não será um
casamento convencional, mas acho que Alice vai amar minha ideia.
O coro chega no refrão e começo a cantar junto, abraçando-a pela cintura e depositando
um beijo na lateral da sua cabeça. Demorei anos para estar completo, contudo, não mudaria
nada se soubesse que esse seria o desfecho.
***
Quando o show termina, nos encontramos com Dona Emília e as crianças no camarim.
Não vejo a hora de chegar em casa, preciso fechar esse dia tomando cada parte do corpo da
minha noiva. Porra! Nunca me canso dela. Esse tempo todo juntos e cada vez que fazemos
amor é uma sensação nova.
— Murilo, eu quero fazer uma coisa. E precisa ser hoje. — Alice de repente me olha
séria.
— Hoje? Ahhh, eu tinha outros planos — tento convencê-la fazendo minha melhor cara
de cafajeste.
— Precisa ser hoje para não perder a coragem. Você conhece algum tatuador?
— Tatuador? Essa hora, Alice?
— Sim! Eu sei que você conhece… — Ela me olha com aqueles olhinhos pidões.
Droga! Sempre funciona.
— Tá bom, Alice. Continuo achando que meu plano é muito melhor, mas se tu quer
ficar horas com um cara estranho cutucando você, sentindo dor, que seja — falo sorrindo.
— Ebaaa! — Dá pulinhos de alegria.
Meu Deus, por isso a amo. Tão espontânea. Beijo seus lábios e entrelaço nossos dedos.
— Vamos logo, então, já está muito tarde. Vou ligar para meu conhecido avisando.
Sorte sua que ele vara a madrugada.
Em menos de vinte minutos chegamos ao local. Vim perguntando durante todo o trajeto
para Alice o que ela vai fazer, não quer me contar de jeito nenhum. Agora está sentada vendo
com Jean o estilo da tatuagem e me fez esperar aqui na frente. Que droga, não sei esperar.
Uma hora se passa e nada.
— Alice, eu tô indo aí. Não aguento mais esperar — solto estressado. Não eram os
meus planos para esse fim de dia.
— Não! Espera. Já está acabando.
Mais alguns minutos se passam e ela aparece na porta, com os olhos cheios de
lágrimas.
— Doeu muito, amor? Tu devia ter me deixado ficar lá, podia ter segurado sua mão —
pergunto preocupado, me aproximando.
— O choro não é pela dor — responde baixinho.
— Não? O que foi?
E, então, ela me mostra seu pulso ainda vermelho. Em uma linda letra cursiva, está
escrito AMOR, com um símbolo do infinito embaixo.
— São nossas iniciais, Murilo. A de Alice, M de Murilo, O de Olívia e R de Raul.
Aconteça o que for, vocês três sempre estarão comigo. Nosso tempo pode ser curto, mas meu
amor será infinito enquanto durar.
Não consigo conter a emoção. Ela não existe, é realmente a melhor pessoa que
conheço. Puxo-a para perto de mim e a abraço forte, encostando sua cabeça no meu ombro.
— Eu te amo mais que tudo, Alice. Obrigado por entrar em nossa vida.
— Eu te amo mais do que imaginei que poderia, Murilo. Obrigado por me deixar fazer
parte da sua linda família.
Epílogo
♫ Vou te amar incondicionalmente. Não há medo agora.
Eu levarei os seus dias ruins com os seus bons. ♫
Unconditionally, Katy Perry
ALICE
Nervosa é pouco para o que estou sentindo. Amanhã é meu casamento e, apesar de ser
uma cerimônia muito discreta na praia, não estou aguentando de ansiedade. Faz só sete meses
desde o pedido e, meu Deus, aquele foi o dia mais emocionante da minha vida. Ver milhares
de pessoas cantando nossa música, ele ajoelhado e se declarando para mim. Lágrimas invadem
meus olhos só de lembrar.
Meus pais não gostaram muito da ideia de me casar tão nova, afinal, ainda não cheguei
aos 23. Nem terminei a faculdade. Mas não preciso nem quero aprovação de ninguém. Pelo
menos minha mãe está aceitando meu futuro marido agora. Não podemos perder tempo. Quem
sabe como será o amanhã? O amo de todo meu coração, ele me ama. Não precisamos esperar
nem seguir padrões da sociedade. Hoje sei disso e é libertador.
Na verdade, eu nem fazia questão de casar mais. Estava muito feliz morando junto com
aquela família linda. Não queria nada do convencional no nosso relacionamento, aqueles
sonhos antigos que me cegaram por tantos anos. Mas Murilo fez questão e, confesso, foi uma
surpresa maravilhosa. Só onde vamos morar que ainda é uma incógnita, está fazendo suspense
e deixando minha tensão normal aflorada. Segundo ele, só vou descobrir quando voltarmos da
lua de mel. Passaremos sete dias em Porto de Galinhas, em Recife. Carlos vai ajudar Dona
Emília a cuidar de Olívia e do Raul. O pai do Murilo tem estado bem presente em nossa vida
desde o transplante. Não é a melhor das relações, porém, está progredindo aos poucos.
— Vamos logo, Alice, a gente vai se atrasar. — Claudinha entra no quarto irritada,
enquanto saio do banheiro enrolada na toalha.
— Você tem certeza que é uma despedida de solteira comportada, né? Sabe que não
gosto dessas festas. Por mim ficava aqui mesmo.
— Pelo amor de Deus, mulher! Tu vai ficar presa no mesmo homem para o resto da
vida. Aproveita o último dia antes do cabresto. Além disso, querida, com certeza, Murilo terá
uma noite bem divertida. Homem reunido não presta.
— Ahhhhh, vai tirando sarro mesmo. Quero ver quando você se apaixonar
perdidamente e quiser se casar — digo e me arrependo na mesma hora. Minha amiga tira o
sorriso do rosto.
— Já passei dessa fase, sou um espírito livre agora — tenta soar convincente.
— Como você está, sabendo que vai vê-lo amanhã no casamento? — pergunto
referindo-me ao Max, melhor amigo do Murilo e o grande amor de Claudinha.
Ele chegou de viagem hoje, já terminou seu curso e agora ficará no Brasil em
definitivo.
— Estou do mesmo jeito de sempre. Nem aí.
— Sei... Você vai morrer e não vai admitir que ainda gosta dele.
— Eu morreria se ainda sentisse algo. Ele fez sua escolha, segui minha vida e pronto. É
assim que as coisas acontecem — fala encerrando a conversa. — Termina logo de se arrumar,
não podemos nos atrasar.
Claudinha sai do quarto e eu pego um vestido preto no guarda-roupa. Visto-me
rapidamente, secando o cabelo e deixando-o preso em um rabo de cavalo. Será que Murilo vai
mesmo se divertir muito esta noite, com direito àquelas mulheres seminuas e tudo? Um ciúme
fora do comum me invade e pego o celular sem pensar.
— Oi, amor — Murilo atende.
— Oi.
— O que foi, Alice? — questiona preocupado.
— Amor, como vai ser sua despedida de solteiro? Vai ter muita mulher?
— Não — ri com meu ciúme. — Eu disse ao Max e ao Vagner, nada de mulher, vamos
ficar no Bar do Rafa. Só tenho olhos pra você, Alice. Não quero mais nenhuma — declara e
uma paz invade meu coração. — E tu? Pelo amor de Deus, nada daqueles strippers, hein?! Não
quero ninguém se exibindo pra minha mulher.
Minha mulher. Ai, como é bom ouvir isso.
— Eu disse pra Claudinha, por mim ficava aqui mesmo numa noite de Netflix...
— Eu mato a Claudinha se ela te levar nesses clubes, Alice. Juro que mato — admite
alterado e eu dou risada.
— Bem que a gente podia fugir desses padrinhos e ficar só nós dois.
— Nossa, não me tenta! Mas é a tradição, não podemos nos ver antes do casamento.
Não quero ter azar, não!
— Desde quando você acredita nessas coisas? — Gargalho ao telefone.
— Desde que uma morena linda de covinhas entrou na minha vida. — confessa e me
derreto. Não me canso dessa versão romântica do meu noivo.
— Eu te amo.
— Também te amo, Alice. Divirta-se, mas nada de homem. Eu não tô brincando que
mato a Claudinha. Tenho que ir porque o Max tá mais nervoso que eu.
— Por causa de reencontrá-la?
— Sim. Ele nunca deixou de amá-la. Esse tempo todo na Inglaterra e não teve nenhuma
namorada séria. Tchau, amor. Preciso ir mesmo. Amanhã serei seu marido.
— Não vejo a hora da lua de mel — provoco atrevida.
— Ahhhhh, mulher, tu ainda me mata. Vou desligar, senão fico aqui com você a noite
inteira. Meu pau já ficou duro.
— Tchau, divirta-se também e pense em mim.
— Sempre.
Sorrio feito uma boba e desligo. Enquanto calço uma sandália baixa fico pensando
sobre Max e Claudinha. Eles mereciam uma segunda chance, só que duvido minha amiga
facilitar. Guardo o telefone na bolsa e saio para curtir a última noite como solteira.
***
O celular desperta e abro os olhos animada. É hoje. Vou casar! Meu coração acelera e
sinto as mãos geladas. Levanto-me rapidamente e sigo até ao banheiro para tomar um banho.
Claudinha dormiu na república essa noite e está esparramada no colchão do chão. Ontem ela
estava mesmo decidida a me levar em um clube de strippers, porém, implorei para gente ficar
em um barzinho normal. Fui chamada de chata, mas a venci pelo cansaço. Divertimo-nos
muito bebendo, conversando e dançando.
As duas meninas que dividem comigo o apartamento são até legais, contudo, nem de
longe tenho com elas a mesma intimidade. Inclusive, nem vão ao casamento. Ambas tiveram
um compromisso e estão na casa dos pais. Dei graças a Deus, ia convidar por educação. A
cerimônia é bem íntima. Serão apenas eu, Murilo, Raul, Olívia, Dona Emília, Max, Claudinha,
Vagner, meus pais e Carlos.
Depois de quase quarenta minutos tentando relaxar no banho, saio vestindo um
shortinho jeans e regata. Claudinha já está acordada e mexe no celular deitada. Minha
ansiedade está aumentando e ainda são 10h. Faltam 7 horas para eu dizer sim.
— Bom dia, flor do dia.
— Bom dia, quase esposa — ela brinca e sorrio.
— Estou muito nervosa, Claudinha. Parece que meu coração vai sair pela boca. E se
der alguma coisa errada? Ele desistir? Alguém passar mal? O juiz não for? Começar a chover?
O mar estiver de ressaca?
— Cala a boca, Alice! Deixa de neurose, vai dar tudo certo. O Murilo tá de quatro por
você — minha amiga responde gargalhando.
— Tomara que dê mesmo — falo e escuto a campainha do apartamento tocar.
Estranho, o porteiro não avisou que alguém estava subindo.
— Está esperando alguém? — Claudinha questiona.
— Não. Meus pais vão chegar só depois do almoço.
Sigo até a porta e lágrimas caem dos meus olhos quando abro. Seu João, o zelador, está
segurando um buquê de rosas coloridas enorme, com um cartão em evidência. Uma vez disse
ao Murilo como acho bonita esse tipo de flor exótica e aproveitei para cutucá-lo de nunca ter
me dado uma rosinha que fosse. Estava esperando o momento perfeito. Agradeço e pego o
lindo vaso, fechando a porta enquanto inalo o cheiro maravilhoso que invade o ambiente. Leio
o cartão três vezes, deixando o choro tomar conta de mim.
Alice,
Daqui a pouco vamos selar nosso amor, e eu não poderia estar mais feliz. Quero que
saiba que você é dona dos meus pensamentos desde o dia que a vi abrindo essa porta. Seu
sorriso tímido, sua covinha linda, seu olhar assustado, seu beijo… Fechei os olhos agora e foi
como se estivesse vivendo o momento. Naquela segunda-feira de inverno eu posso não ter
entendido, mas meu coração já sabia que era seu. Nunca mais consegui tirá-la da cabeça. Eu
prometo que vou amá-la incondicionalmente todos os dias, mesmo quando a morte nos
separar.
Sempre seu, Murilo
Não tenho dúvidas que escolhi o cara certo. Do seu jeito todo errado, é melhor do que
tudo que eu podia ter idealizado. Não o trocaria por nada nem ninguém. Pego o celular e envio
uma mensagem apaixonada.
Também te amarei incondicionalmente. Todos os segundos, minutos, dias, anos que
vivermos e não vivermos juntos. Prometo que darei o melhor de mim pela nossa família.
***
Olho mais uma vez no espelho e quase não me reconheço. O vestido de noiva que
Claudinha fez ficou lindo, caiu perfeitamente em mim. Minhas costas estão nuas, o tecido
contorna minhas curvas delicadamente. A parte de cima é bem colocada no corpo, enquanto
embaixo fica mais soltinho. Tem uma fenda enorme na perna direita, que começa no meio da
minha coxa. Estou com o cabelo solto e uma tiara de flores na cabeça. Optei por uma
maquiagem leve, valorizando meus olhos, que Murilo tanto ama.
— Uau! Acho que nunca vi noiva mais linda — minha mãe diz abraçando-me.
— Estou bonita mesmo?
— Claro que sim, Alice. Estou muito feliz por você, viu?! Sei que fui intransigente no
início desse relacionamento e achei que Murilo não fosse o homem certo, mas estava
enganada. Ele é um bom moço.
— Ele é o melhor, mãe — declaro e ela assente sorrindo.
— Filha, você está deslumbrante — meu pai interrompe o momento também me
abraçando.
—Obrigada, gente. Acho que meu coração vai explodir de tanta felicidade — começo a
querer chorar e Claudinha dá um berro da cozinha, vindo em minha direção.
— Nem pense! Perdi a tarde inteira arrumando você e não quero borrão na minha obra
de arte. Sossega esse sentimentalismo aí — avisa e todos rimos.
Está linda também, com um vestido longo azul, que realça seus olhos.
— Vamos indo, não aguento mais esperar.
— Alice, tu precisa dar um chá de cadeira nele. Pelo menos uma hora de espera —
minha amiga tenta alertar.
— O quê? Não quero nem saber de tradição, se abusar eu chego antes e fico esperando
no altar. Vamos logo! — solto apressada.
Não quero perder nenhum minuto.
MURILO
Ando de um lado para o outro, impaciente. Passo as mãos no cabelo, roo as unhas.
Ainda faltam quinze minutos para às 17h. Rezo a Deus para Alice não inventar esse negócio de
se atrasar. Meu coração não vai aguentar esperar mais.
— Murilo, acalme-se. Vai passar mal desse jeito — ouço meu pai falar.
— É verdade, cara, segura sua onda. Ela já está chegando — Max completa.
— E se ela não vier? Estou com medo de começar a chover. O juiz ainda não chegou,
nem o padre. Queria que esse momento fosse perfeito para Alice.
— Murilo, se eu não estivesse vendo essa cena, nunca acreditaria. — Meu amigo cai na
gargalhada. — Você está ficando paranoico igual a uma mulher. Aposto que Alice está
pensando a mesma coisa.
— Cala boca, idiota. É meu casamento, porra! Tenho o direito de ficar nervoso —
aviso sorrindo.
Olho ao redor para me acalmar e vejo que tudo está como nós queríamos. Há um altar
de madeira improvisado no centro e um caminho de folhas pelo chão. Nas laterais foram
colocados vasos com flores rosa e luminárias.
Quando propus que a cerimônia fosse na praia, Alice pulou no meu colo radiante, amou
a ideia de imediato. Concordamos em chamar pouquíssimas pessoas e de fazer um luau após a
parte formal. Ela não sabe, mas também chamei um padre. Não somos pessoas religiosas,
porém, uma benção para nossa união é sempre bem-vinda. Quero fazer os votos do
matrimônio, na alegria e na tristeza.
Vejo a mãe dela chegar com Claudinha e respiro aliviado. O padre e o juiz também
foram pontuais e estão se organizando no altar. Dona Emília está do lado do Vagner, meu
amigo dos Narcóticos Anônimos, junto com Olívia e Raul. Minha irmãzinha ficou muito
bonita vestida de daminha. Está com nossas alianças e não para de reclamar do vestido.
— Tu está lindo, Alice vai morrer do coração ao te ver. — Uma voz doce vem em
minha direção. É meu anjo da guarda.
— Tu acha? — pergunto inseguro.
Optei por uma roupa mais despojada, calça e blusa social brancas. As mangas estão
dobradas e um botão aberto, deixando expostas minhas tatuagens.
— Claro que sim. Aliás, adoro esse brilho no seu olhar. Fico feliz por ter vivido para
ver isso. Nunca te vi tão feliz, meu filho. — Dona Emília me dá um abraço apertado.
— Nunca pensei que poderia ser tão feliz.
— Tu merece. Aproveite cada minuto.
— Vou aproveitar — prometo.
Posiciono-me ao lado do meu padrinho Max e percebo que ele mal consegue respirar.
Não tira os olhos de Claudinha, que está incomodada do outro lado, forçando um sorriso para
mim. Ela tenta a todo custo ignorar a presença do meu amigo, contudo, pelo seu jeito sei que
está mexida.
O juiz avisa que vamos começar e fixo meu olhar na orla da praia. Nem com mil
músicas poderia explicar o que senti ao vê-la caminhando em minha direção com seu pai.
Deus, eu não mereço tanta felicidade! Alice está incrivelmente linda. Abro um sorriso bobo e
sou retribuído por um na mesma proporção.
Meus olhos não conseguem desviar um segundo sequer do seu rosto e ela sustenta meu
olhar. Sinto lágrimas escorrendo e choro de alegria. Uma alegria genuína e pura que invade
cada pedaço do meu corpo. Ela se aproxima do altar e beijo sua testa gentilmente.
— Está linda! — sussurro e Alice sorri.
— Você também, parece um sonho isso tudo.
— Não é sonho. É nossa realidade, amor.
A cerimônia começa com o padre e Alice me olha radiante, sei que adorou a surpresa.
Ele nos prega sobre o amor ser paciente e bondoso e a todo o momento sorrimos um para o
outro. O sacerdote abençoa as alianças e fazemos nossos votos emocionados.
— Eu, Alice Cavalcante, te recebo por meu esposo e prometo ser-te fiel, amar-te e
respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida. — Beija
minha mão e coloca a aliança no dedo esquerdo.
— Eu, Murilo Silva, te recebo por minha esposa e prometo ser-te fiel, amar-te e
respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida — repito
o ritual.
— Pelo poder a mim investido, eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva —
anuncia o padre.
Mal espero terminar a frase, já agarro minha esposa pela cintura e a levanto do chão,
dando um beijo desesperado em seus lábios. Rodo-a nos braços e Alice gargalha como criança,
enquanto me delicio com o som. Queria congelar este momento, nunca me senti tão pleno.
***
O casamento está maravilhoso. Depois da assinatura dos papéis, fomos comer e
sentamos em volta de uma fogueira que já estava pronta para começar o luau. Dediquei várias
músicas a minha linda esposa, que só sabia sorrir. Essa será minha missão a partir de hoje,
manter essas covinhas sempre no seu rosto.
Queria ficar mais um pouco, só que não aguento esperar um minuto sem tocá-la.
Preciso sentir seu corpo no meu, tê-la por inteiro, de corpo e alma. Puxo-a no meu colo e dou
um beijo terno em seus lábios.
— Alice, eu preciso de você — falo em seu ouvido, aproveitando para morder seu
pescoço. Ela suspira baixo.
— Pensei que nunca ia dizer isso. Vamos?
— Só se for agora.
Levantamos rapidamente e nos despedimos de todos. Max continua nervoso e até agora
não conseguiu nem chegar perto de Claudinha. Espero que se acertem. Adoraria ver meu
melhor amigo tão feliz quanto eu.
Nem quinze minutos depois já estamos no carro. Alice não perde por esperar a minha
última surpresa do dia.
— Para aonde vamos, amor?
— É surpresa.
— Ai, meu Deus! O que eu fiz para merecer você?
— Eu que te pergunto. Tu é linda, inteligente, amorosa. Gostosa pra caralho. Tudo que
um homem poderia querer.
— Não me fala essas coisas que já estou molhadinha aqui desde a hora que sentei no
seu colo.
— Sério? — Salivo de tesão. — Quero ver.
Sem pedir licença passo minha mão pelas suas coxas, por uma fenda sensual que tem
no seu vestido, e afasto a calcinha. Alice geme e enfio um dedo nela devagar.
— Porra! Tão pronta pra mim. Nunca me canso de você, sabia?
— Murilo, não faz isso. Eu... não estou aguentando de saudade.
Ignoro sua súplica e enfio mais um dedo. Ela morde os lábios e coloca uma mão em seu
seio, apertando-o devagar enquanto a outra aperta meu braço que a estoca. Se não tivesse com
tanta pressa de chegar a nosso destino, e as ruas do Rio não fossem tão perigosas, parava aqui
mesmo e a fodia com força. Continuo dirigindo e intercalando meus olhos entre a estrada e seu
rosto de tesão. Caralho! Adoro ver minha mulher se entregando ao prazer.
— Goza no meu dedinho, vai — provoco intensificando o movimento.
— Ahhhh, mais rápido. Ahhhh...
Entro fundo e em questão de segundos, Alice explode, gemendo alto meu nome. Tiro
minha mão de suas pernas e ela puxa, lambendo cada um dos dedos que a fizeram gozar. Puta
que pariu! Meu pau fica duro feito pedra com a cena. Ela solta o cinto e se inclina na minha
direção.
— O que você vai fazer? — questiono assustado.
— Vou retribuir, oras — diz abrindo o zíper da minha calça e caindo de boca. Deus,
essa mulher vai me matar.
— Porra! Que delícia. Essa sua boca me deixa louco.
Esforço-me para prestar atenção na estrada, só que é difícil. Alice sabe como me
chupar gostoso. Mordo os lábios e sei que não vou aguentar muito tempo, estava morrendo de
saudade do seu toque.
— Alice... Ohhhh.
Jorro meu líquido quente em sua boca, que se delicia com o sabor lambendo os lábios.
Ajeito minha calça enquanto ela coloca o cinto novamente.
— Agora sim, está perfeito!
— Nem começou, meu amor. Nem começou. — Sorrio com a promessa de uma noite
quente e ela corresponde animada.
Entrelaçamos as mãos e continuamos a viagem em silêncio, curtindo o momento.
***
Quando estamos na esquina da nossa futura casa, eu paro o carro. Alice não faz ideia
que é para cá que estamos vindo e, muito menos, que ela já está pronta para morar, toda
mobiliada. Pego uma venda no porta-luvas e ela me olha curiosa.
— Vamos realizar alguma aventura estilo Cinquenta tons de cinza e não estou
sabendo? — pergunta divertida.
— Ótima ideia! — respondo sorrindo. — Mas agora não. Será minha última surpresa
da noite.
Ela quase não se aguenta de curiosidade, mas me deixa vendá-la. Chego ao endereço e
estaciono o carro na garagem.
— Já chegou? Você sabe que sou ansiosa. Vou ter um infarto aqui e a culpa é sua —
argumenta atônita.
Não respondo e abro a porta do passageiro, surpreendendo-a ao pegá-la no colo.
— Ai... — se assusta e sorri. — O que você vai fazer, amor?
— Carregá-la no colo como manda a tradição.
Alice se aconchega no meu peito e entro, colocando-a de pé próximo à porta. Ela não
para de falar um minuto, sua curiosidade não a deixa ficar quieta. Apenas digo que já vai
descobrir. Deixei tudo preparado à tarde. A casa está com pétalas de rosas jogadas pelo chão
fazendo um caminho até nosso quarto e há velas por todo canto. Acendo cada uma delas e
volto para o lado do meu amor, retirando sua venda.
— Bem-vinda ao nosso lar — declaro emocionado.
Alice coloca as mãos na boca e varre o local com olhos lacrimejantes. Começa a andar
pela sala e vai em direção à cozinha, que fica no mesmo ambiente dividida por um balcão.
Abre a geladeira, os armários, coloca a mão na mesa de jantar. Sua felicidade me deixa ainda
mais realizado.
— É nossa casa? Murilo, você... — nem termina a frase e pula no meu colo,
entrelaçando suas pernas na minha cintura.
— Gostou? — questiono acariciando suas costas nuas com uma das mãos.
— Se eu gostei? Nem estou acreditando. Eu amei!
— Tem quatro quartos. Não são grandes, mas pelo menos cada um tem seu cantinho.
Um para nós, uma para cada criança e outro como escritório para seus trabalhos e minhas
horas de compor. Também tem uma varanda bonita e um quintal nos fundos com várias
plantas, como tu gosta.
— Nem sei o que dizer, amor — sussurra me olhando com paixão. — Eu te amo.
Respondo invadindo sua boca e explorando com avidez cada canto dela. Não quero que
ela apenas ouça o quanto a amo, quero que sinta. Aperto sua bunda e a aproximo ainda mais de
mim. Jogo sua cabeça para trás, puxando-a pelo cabelo, e mordo seu pescoço enquanto
caminho para nosso quarto a passos largos.
Deslizo-a do meu corpo perto da cama e começo a despi-la. Como o vestido não tem
zíper, ajoelho-me na sua frente e começo a subir minhas mãos por suas pernas para tirá-lo por
cima.
— Tu conseguiu, não sei como, ficar ainda mais linda com esse vestido. Nunca
presenciei tamanha beleza — admiro encarando-a e ela fecha os olhos com meu toque,
mordendo os lábios. — Gosta das minhas mãos no seu corpo?
— Elas me deixam louca — admite e mexe as pernas em sinal que está pronta.
— Ahhh é? — provoco dando um tapa em sua bunda e Alice solta um gemido.
Jogo a peça no chão e me ajoelho de novo, rasgando sua calcinha com ferocidade. Ela
me olha com desejo e a seguro firme pela bunda para sentir seu gosto. Começo a chupá-la e
Alice agarra meu cabelo, ditando o ritmo.
— Murilo... — suspira e direciono meu dedo ao seu clitóris.
Levo minha língua por todos os cantos e a jogo na cama quando sinto que está prestes a
gozar. Tiro minhas roupas rapidamente e deito por cima, arrancando seu sutiã e me deliciando
em seus seios fartos.
— Adoro mamar nos seus peitos. São tão macios e gostosos.
— Ahhhhhh... E eu amo você mamando neles.
Roço meu corpo no seu deixando-a totalmente perdida em sensações. Beijo seu
pescoço e desço lambendo cada parte do seu corpo. Quando não estou aguentando mais de
desejo, viro-a bruscamente de costas e a deixo de quatro, dando outro tapa em sua bunda
gostosa.
— Quero foder você com força, enterrar meu pau o mais fundo que puder — aviso e
ela geme.
— Vem, Murilo — chama com a voz rouca.
Seu chamado é minha perdição. Fico em pé na beirada da cama e devoro-a com força
para que sinta todo meu desejo e amor. Estamos só em gemidos e suspiros, com suor descendo
pelo nosso corpo colado. Seguro firme seus seios duros e aumento as estocadas.
— Goza comigo, Alice.
Peço e ela vem. Então, nos perdemos na sensação deliciosa que é dividir esse momento
íntimo com a pessoa amada. Abraço-a firme e dou um beijo doce em sua testa, enquanto nos
recuperamos jogados na cama.
Depois recomeçamos no banheiro ao tomar banho e na cozinha ao preparar algo para
comer. Nunca vou me cansar dela. Espero que toda a nossa vida seja assim como hoje, regada
de muito amor e sexo. Olho-a com carinho enquanto voltamos de mãos dadas pelo corredor
depois dessa maratona e acaricio seus dedos com delicadeza.
— Minha esposa.
— Meu marido.
FIM
Bônus
♫ Lembra aquele beijo amor, quando a gente se encontrou?
Foi assim que começou minha felicidade. ♫
Minha felicidade, Roberta Campos
ALICE
— Eu sempre ganho de você — provoco Murilo enquanto caminhamos pela praia de
mãos dadas.
Chegamos em Porto de Galinhas há duas horas. Ele estava cansado, queria dormir um
pouco no hotel, porém, fiz cara de pidona e viemos ver esse mar azul transparente. Aguardava
ansiosa! O Rio de Janeiro é lindo, mas esse lugar... Meu Deus! Uma imensidão de águas
límpidas. É final de dia, tem pouca gente no local, e o tom alaranjado do céu deixa a
paisagem ainda mais deslumbrante.
— Tu joga baixo com esses olhos enormes aí — reclama fazendo bico.
— Assume que não resiste ao meu charme. — Sorrio e dou uma piscadinha para ele,
que retribui.
— Tem uma coisa que tenho certeza que ganho de você.
— O quê?
— Na... corrida. Corre!
Murilo começa a contar até três e saio em disparada. Dou o melhor de mim para
ganhar vantagem, contudo, não corro nem dois metros e sou agarrada pela cintura. Caímos
na areia fina e fofa gargalhando feito crianças. Ele está por cima, segurando o peso do corpo
com as mãos. Acaricia meu rosto e me dá um beijo terno e demorado.
— Eu te amo — sussurra em meu ouvido.
— Eu te amo mais.
Qualquer pequeno toque de Murilo me deixa louca. Será que é assim com todo casal?
Espero que sim, pois é a melhor sensação do mundo. Levantamos da areia e tiro a canga para
entrar na água. Meu marido me fita com olhos queimando, com certeza aprovou o biquíni azul
que escolhi. Ele valoriza meus seios e realça o contorno da minha bunda.
— Tu vestida desse jeito, vou ter que andar com uma arma no bolso. Não quero
homem nenhum olhando pra minha mulher — resmunga emburrado.
— Você disse bem, amor. Sua. Sou toda sua! — declaro e ele me puxa para água com
rapidez.
Vamos para o fundo, onde não tem ondas, e sorrio das intenções de Murilo. Invade
minha boca com urgência e me coloca em seu colo. Entrelaço as pernas na sua cintura,
puxando seu cabelo levemente.
— Eu também sou todo seu. Sente.
Sem cerimônia, Murilo afasta a parte debaixo do meu biquíni com sua mão habilidosa,
abaixa a sunga e me penetra lentamente. Nossa! A sensação de fazer amor na água é
deliciosa.
— Adorei essa aventura! — falo baixinho em seus lábios.
Ele aperta minha bunda com força e afunda mais seu pênis em mim, fazendo-me
arquear. Preciso me controlar, pois estamos na praia, só que é quase impossível quando se
trata dele. Tira meu cabelo — agora molhado — do pescoço e começa a torturar aquele
pedacinho que tanto amo. Já não estou mais aguentando de desejo.
— Ahhh, amor, não estou aguentando mais.
— Não aguente, vem comigo — ele chama e eu vou.
Gozamos gostoso no primeiro sexo, das dezenas, que tivemos em nossa lua de mel.
***
Lembranças.
Devemos considerá-las boas por terem acontecido, ou ruins por terem terminado?
É triste lembrar-se de algo que não acontecerá mais?
Sinceramente, não sei responder essas perguntas agora. Só as deixo virem, uma por
uma, até preencherem a dor que assola meu coração.
Olho mais uma vez para a lápide na minha frente e custo a acreditar que esse dia
chegou. Eu sabia que ia acontecer, mas nada me prepararia para isso. Murilo se foi, para
sempre. Nunca mais poderei sentir seu cheiro, seu calor, seu toque.
Morreu com apenas 53 anos, vítima da doença que o assola desde os 22. Chegou ao
coração e não deu uma nova chance para meu marido guerreiro. Ainda tínhamos muito para
viver...
***
— Você tem medo de morrer? — questiono olhando as estrelas do céu.
Olívia e Raul queriam acampar e resolvemos passar a noite no quintal. Já faz quatro
anos que estamos casados e o meu amor por eles só aumenta. Somos uma linda família!
Fizemos fogueira, comemos marshmallows, cantamos, inventamos histórias... Enfim, se
cansaram e agora estão na barraca dormindo. Murilo e eu deitamos na grama para
contemplar a linda noite.
— De morrer não. Eu tenho medo de não ter tempo suficiente pra fazer tudo que
quero.
— E o que você quer fazer? — pergunto virando minha cabeça para olhá-lo.
— Vocês felizes! — declara me encarando e fico até sem palavras para responder.
Nunca podia imaginar ser tão feliz em toda minha vida.
***
Tivemos um casamento perfeito, sem problemas? Definitivamente, não. A vida a dois
não é fácil, ainda mais com um marido doente.
Murilo trabalhou como cantor por dez anos, depois se dedicou somente à carreira de
compositor por causa da saúde. Sua correria com os shows no início nos trouxe um grande
desgaste. Por um tempo, nos víamos muito pouco e a única forma de manter vivo o amor era
por telefone. Eu ficava sozinha com as crianças, cuidava da casa, trabalhava. Tinha que vê-lo
sempre na mídia, rodeado de mulheres lindas. Batia ciúme, insegurança, medo de perder.
Entretanto, eu fui a primeira a insistir para que ele não desistisse desses momentos. Eu sabia
que meu marido me amava e precisava se sentir realizado. Foram poucos meses, depois passou
a se apresentar somente nos fins de semana para curtir a família.
Na adolescência, Olívia me trouxe também uns bons cabelos brancos. A menina puxou
o espírito aventureiro do irmão. A diferença de criação e de pensamentos entre Murilo e eu,
nos fez discutir várias e várias vezes.
E a doença? Bom, ela não foi gentil. Quando as coisas pareciam ir bem, a bendita
aparecia destruindo nossas esperanças. Nem sei contar quantas vezes fomos parar no hospital
durante esses anos. A Fabry vai corroendo aos poucos, afetando órgão por órgão até não mais
restar forças do paciente.
Mesmo com todas essas dificuldades, não me arrependo nenhum minuto sequer da
minha escolha. Foi a melhor que fiz nesta vida. Tivemos dificuldades sim, mas todas elas
foram superadas porque existia amor entre nós. Vencemos a distância, a insegurança, as
diferenças... Ficamos juntos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, honrando nossos
votos.
Coloco a rosa colorida que venho segurando durante todo enterro em seu túmulo e
fecho os olhos mais uma vez. Pego um punhado de terra como forma de materializar a
despedida e deixo as lágrimas caírem. Quando virar as costas, vou ter que cumprir o que
prometi a ele horas atrás.
***
O médico já avisou que de hoje Murilo não passa. Estou aqui sentada do lado de sua
cama no hospital sem saber o que fazer ou pensar. Meu coração está quase saindo do peito de
tão apertado, não consigo parar de chorar. Ele não pode me deixar ainda.
Vejo seus olhos castanhos se abrindo e seguro sua mão.
— Amor, sou eu, Alice — digo encarando-o.
— Oh, meu amor, não chore — ele pede com a voz rouca e baixa.
— Murilo... Por favor... — não consigo nem completar a frase.
— Alice, eu daria tudo para ter tempo com você. Todos esses anos só me fizeram te
amar e te desejar ainda mais. Nem sei como foi possível. Não posso reclamar com a vida.
Antes de você chegar eu só sobrevivia, depois que te conheci é que aprendi o que é viver. Não
me arrependo de nada. Nem das nossas brigas e desentendimentos, elas só nos fortaleceram.
Eu te imploro, meu amor, não fique triste. Foca em tudo que passamos juntos. Vivemos
intensamente o presente. O infinito enquanto durou. Como nossa música.
— Foi mesmo. — Lembro sorrindo entre as lágrimas que insistem em cair. — Eu
nunca me arrependeria de nada.
— Eu preciso que tu me prometa uma coisa — ele pede e franzo a testa em
desaprovação.
— O quê?
— Tu precisa seguir em frente. Não vou conseguir descansar em paz se sentir suas
lágrimas, sua dor. Foca na sua carreira, vá viajar...
— Murilo... — tento argumentar.
— Nada de Murilo. Me prometa, Alice. Não quero você triste.
— Só prometo se você me prometer uma coisa também.
— Qualquer coisa, meu amor.
— Você vai me esperar onde quer que esteja.
— Nem precisava pedir. Ainda teremos nosso para sempre — promete e beija os nós
dos meus dedos.
***
Sinto as mãos de Olívia no meu ombro. É hora de partir. Ela me ajuda a levantar e
saímos abraçadas do cemitério. Pedi um momento a sós com Murilo depois do enterro, acho
que acabei ficando umas duas horas perdida em pensamentos. Raul espera do lado de fora do
carro, brincando com seu sobrinho Pedro. É, o tempo passa rápido. Minha pequena bocuda já
se casou e teve um lindo filho. Raul também está namorando e feliz da vida.
Tempo. A partir de hoje espero que ele também voe. Vou cumprir minha promessa sim,
mas esquecê-lo, jamais. Olho para meu braço e contorno com os dedos a tatuagem que agora
fica ofuscada na pele que começa a enrugar.
Amor infinito.
— Não acabou, meu amor. Ainda vamos nos encontrar — digo baixinho encarando o
céu.
Extra Claudinha e Max
MAX

Desde o dia que entrei naquele avião e fui para Inglaterra sonho em ver minha pequena
de novo. Já se passou tanto tempo, mas é como se ainda fosse adolescente vivendo o primeiro
amor. Na verdade, primeiro e único amor. Antes de Claudinha, eu tinha ficado com outras
garotas, claro, só que nada como ela. Destemida, bocuda, corajosa. Quem a vê pela primeira
vez pensa até que é uma boneca, tão baixinha, branquinha, olhos azuis límpidos como a água.
Minha pequena passa longe de ser frágil, é isso que mais amo nela. Não consegui ter nenhum
relacionamento sério depois do que vivemos. No começo tentei manter contato, não queria a
perder de vez, porém, ela nunca me retornou e-mails, mensagens nem ligações.

Agora estou de volta ao Brasil para ficar, prestes a vê-la novamente, e meu coração
parece que vai fugir do corpo. Bate acelerado. Estou ansioso e com medo ao mesmo tempo.
Tenho tanta saudade, mas duvido que vai sequer falar comigo. Claudinha é difícil de lidar, não
é do tipo que dá segundas chances. Entretanto, sou persistente, não vou desistir até
reconquistá-la.

Tento acalmar Murilo, buscando forças para também me acalmar. Estou muito feliz por
ele, enfim, se apaixonar por alguém. Alice é uma garota maravilhosa e ambos merecem ser
felizes. Distraio-me com o mar por um momento, pensando, pela milésima vez desde que
cheguei, como vou fazer para provar que só existe ela na minha vida.

Escuto meu amigo suspirar aliviado e meu olhar encontra Claudinha vindo pela areia
com uma senhora. Porra! Nem que eu quisesse ia conseguir ficar calmo agora que a vi. Ela
não é mais uma menina magrela. Já é mulher, está muito gostosa. Seu cabelo também não é
mais longo até a cintura, chega um pouco abaixo do ombro em um corte estiloso. Está com um
vestido azul que realça seus olhos, todas as suas curvas e aqueles seios maravilhosos que
sempre amei. Devo estar de boca aberta, mas nem ligo.

Minha pequena se posiciona do outro lado do altar improvisado e solta um sorriso


forçado para Murilo. Sei que está nervosa também, dá para sentir. Mantenho o olhar firme
nela, que até agora nem se atreveu a encontrar o meu. Sua armadura não dura muito e cede.
Oh, estou ferrado! Sinto como se começasse a amá-la ainda mais. Perco-me na imensidão dos
seus olhos azuis que estão dilatados e escuros. Ela fica assim quando está ansiosa. Amor, sou
eu. Como se lesse meus pensamentos, Claudinha vira a cara e não me olha nenhuma outra vez
durante toda a cerimônia.

Não consigo deixar de imaginar que, se não tivesse ido embora, já poderíamos estar
casados. Quem sabe até com filhos. Fazíamos esses planos naquela época. Apesar de muito
doidinha, minha pequena queria constituir família. Teríamos três filhos morenos como eu e
com olhos claros como o dela. Pelo que obriguei Murilo me contar, parece que agora ela não é
mais essa garota.

Encaro-a novamente, está deslumbrante com o cair da noite e a luz da fogueira. Sorri
com Alice e não consigo conter o meu sorriso também, ao vê-la feliz. As horas passam voando
e o novo casal começa a se despedir. Droga! Nem consegui uma chance de falar com minha
pequena ainda. Percebo que pretende ir embora também e decido que não posso mais esperar o
momento certo. Talvez ele nunca apareça se tratando de nós dois.

— Claudinha, espera. Quero falar com você.

— Não temos nada para conversar, Max. — Ela se vira, mas não me olha. Está focada
em minhas mãos no seu braço.

— Por favor, pequena, temos muita coisa para resolver.

— Pequena? Resolver? — questiona sorrindo debochada. — Não sou sua pequena há


muitos anos. E tudo já foi resolvido.

— Por que você nunca retornou minhas mensagens? Tentei entrar em contato por quase
três meses inteiros depois que fui embora.

— Por quê? Tu ainda pergunta, Max? Tu foi embora, oras. Além de me machucar indo
morar do outro lado do planeta, ainda queria me manter presa aqui? — solta alterada. Está
ficando nervosa.

— A gente podia ter feito dar certo. Eu amava você. Ainda amo.

— Chega, Max! Não venha me falar de amor, pelo amor de Deus.

— É o que sinto. Nunca deixei de sentir. Só queria que entendesse que era uma grande
oportunidade, eu não podia deixar para trás uma bolsa de estudos em uma das melhores
universidades de música do mundo. Você vivia me incentivando, não entendo como pode ficar
tão brava.

— Tu é inacreditável. Inacreditável! — grita mais uma vez, saindo de perto da fogueira


e caminhando em direção ao mar. Sigo-a.

— Conversa comigo, pequena.

— Já disse para não me chamar assim, droga.

— Por que você me odeia tanto?

— Bom, me deixa pensar — ironiza colocando um dedo no queixo. — Tu me fez ficar


total e completamente apaixonada por você. Esperou eu me entregar e dizer que te amava para,
simplesmente, ir embora. Tu sabia há meses sobre o processo da bolsa e nem se dignou a me
contar. Porra! Eu fui a última a saber. E ainda descobri sem querer olhando aquele e-mail de
aceite.

— Eu não tive coragem de contar antes, estava procurando o melhor momento.

— E o melhor momento era quando estivesse dentro do avião? Porque eu descobri já


faltavam só três dias para a viagem.

— Desculpa...

— Tu não precisa pedir desculpa de nada, Max. Já passou, eu era uma adolescente
iludida.

— Eu quero pedir desculpa. Eu sei que magoei você, mas sinto que ainda há amor aqui
— falo segurando sua mão.

— Está sentindo errado. Estou muito bem sem toda essa merda de sentimentalismo.
Gosto da minha vida assim. Aliás, estou feliz por você ter chegado tão longe. É merecido pelo
seu esforço. Nosso afastamento nunca foi pela bolsa, e sim como você foi — responde tirando
a sua mão da minha e começa a caminhar pela areia.

Vejo minha pequena se afastar cada vez mais e não tenho forças para sair do lugar. Eu
estraguei tudo, ela nunca vai me perdoar.

CLAUDINHA

Inferno! Por que esse desgraçado tinha que ficar ainda mais gostoso? Assim fica difícil
até de raciocinar as palavras. Quando o vi de costas olhando para o mar, assim que cheguei,
senti até um calafrio. Tentei evitar contato visual o casamento inteiro, mas não resisti. Não
posso negar que tive vontade de agarrá-lo ali mesmo, porém, logo me lembrei de que são águas
passadas e acalmei meu fogo. Depois disso me peguei o observando sem que percebesse. Sei
que também estava me secando, pois senti aquele olhar quente pelo meu corpo.

Se Max já era um moreno de parar o trânsito quando adolescente, imagina agora? Deve
ter várias namoradas na Inglaterra. Ganhou muito mais massa muscular, seu cabelo está mais
cortado, deixou cavanhaque... Ahhh, que porra viu! Para com isso, Maria Claudia. Você não
gosta dele, já passou.

Tiro os sapatos e continuo andando sem olhar para trás, não posso cair em tentação.
Não somos mais adolescentes, temos pensamentos muito diferentes hoje. Não daria certo nem
se eu quisesse. Lembrando, que eu não quero.

Max realmente partiu meu coração indo embora sem ter a dignidade de conversar
comigo sobre o momento mais importante da sua vida. Eu jamais teria pedido para ele ficar,
não era isso que eu queria. Ele tem muito talento, merecia a bolsa, de verdade. O que eu queria
era a sinceridade. Ter aberto o jogo desde o começo. Esperar tirar minha virgindade e um "eu
te amo" para partir foi demais.

Eu tive vontade de responder cada uma das mensagens e e-mails que ele mandou. As
ligações, então, me faziam perder até o ar. Só que eu não podia alimentar esse sentimento com
o Atlântico entre nós. Foi então que canalizei minha tristeza para a moda. Nessa época
comecei a gostar ainda mais de criar e hoje sou uma estilista em ascensão. De certo modo,
tenho até que agradecer nossa separação. Ficamos muito bem profissionalmente.

Percebo que estou no final da praia e começo a caminhar em direção a orla. Perdi a
carona com a mãe da Alice, agora preciso chamar um Uber. Quando viro-me, sinto mãos
pesadas no meu braço. Droga!

— O que tu quer... — não consigo nem terminar a frase.

Max invade minha boca com desejo, segurando-me forte em seus braços. Tento negar o
beijo, mas não consigo resistir ao seu cheiro. Parece um feitiço para meu corpo. Ele morde
meus lábios do jeito que sabe que adoro e desce para meu pescoço. Puta que pariu! Está bem
melhor do que me lembrava. Subo minhas mãos para sua nuca e puxo firme seu cabelo. Como
diz o ditado, quem está na chuva é para se molhar. Agora que se foda, vou aproveitar o
momento.

Entrelaço minhas pernas em sua cintura e mordo sua orelha. Max geme alto, se
deliciando no meu pescoço. Ainda bem que estamos em uma praia afastada da região central e
tem pouquíssimas pessoas por perto. Todas concentradas nos seus afazeres, senão, iríamos
presos por atentado ao pudor.

— Pequena, que saudade — sussurra em meu ouvido e coloco os dedos em seus lábios,
pedindo silêncio.

Não quero ouvir nada, vamos só fazer isso e deixar rolar. Sem conversa. Ele me encara,
seus olhos castanhos ainda mais negros de puro tesão. Volto a beijá-lo e Max começa a
caminhar comigo em direção as pedras. Ah, sim, nós vamos transar loucamente hoje. E só
hoje.

Não paro de provocá-lo até que a gente chega em um cantinho bem escuro. Nossa, isso
é até perigoso se tratando de Rio de Janeiro, contudo, no momento só quero saber de tê-lo
dentro de mim. Desço do seu colo e começo a desabotoar sua blusa. Não vou tirá-la
totalmente, quero apenas sentir esses gominhos. Acaricio todo seu peitoral com as mãos e
lábios, Max geme puxando meu cabelo.

Abaixo-me e pego o cinto da sua calça. Ele me encara faiscando. Não perco tempo e
logo tiro seu membro para fora, caindo de boca e sentindo seu gosto.
— Porra, pequena! — geme sem desviar o olhar que também mantenho firme.

Faço questão de encará-lo o tempo todo para deixá-lo ainda mais louco de desejo.
Sugo-o com vontade, fazendo movimentos de vai e vem ao mesmo tempo com a mão. Parece
que faz tempo que ele não faz sexo porque já o sinto pronto para gozar.

— Eu não vou aguentar mais, pequena. Se não quiser que eu... Ohhh...

Sei que ele ia falar para eu tirar a boca, então, intensifiquei ainda mais as chupadas para
que nem consiga pensar demais. Ele me dá seu líquido quente e tomo tudo, lambendo os
lábios.

— Caralho, mulher! Saudade de você — fala voltando a tomar minha boca. Muito
mais intenso do que antes.

Max passa a me apalpar por todos os lados com suas mãos grandes. A tortura inicia no
pescoço, desce para os meus seios e vai para a bunda. Ele levanta meu vestido e segura firme
em minhas coxas.

— Quero sentir seu gosto, pequena — pede se abaixando e colocando minha calcinha
de lado.

Estou encostada em uma pedra e arqueio meu corpo quando ele enfia um dedo dentro
de mim. Depois acrescenta mais um e começa os movimentos.

— Tão molhadinha — sussurra.

Desce sua boca e eu me entrego à sensação do momento. Se tem uma coisa que esse
homem sabe fazer é chupar bem. Caralho! Max explora cada cantinho meu, acariciando
minhas pernas e torturando meu clitóris.

— Ahhhh... Que delícia! — confesso.

— Goza, vai!— pede dando um tapa na minha bunda com força.

Assim que eu gosto, não aguento e deixo-o me sentir.

Seus olhos estão puro fogo quando ele se levanta e pega uma camisinha da carteira. Faz
tudo rapidamente e segura uma das minhas pernas mais alto, penetrando-me sem rodeios.
Droga, era assim que me lembrava dele. Quando está muito excitado não sabe ser gentil.

Max começa a me estocar com força e toco seus lábios com intensidade. Ele morde
meu pescoço e afasta um pouco o pano do meu decote.

— Ah, eu queria estar em um quarto para rasgar esse vestido, pequena — admite em
um gemido e ataca meus seios, dando chupadas e mordendo, enquanto acaricia o outro com a
mão. Depois inverte.

— Mais forte! — imploro e ele obedece prontamente.

Cravo minhas unhas em suas costas, por dentro da blusa, e Max me fode bem fundo.
Segura minhas duas pernas e entrelaço-as na sua cintura, ainda encostada na pedra.

— Ohhh, pequena, vem comigo.

Ele chama e eu vou, em um orgasmo delicioso. Caralho! Faz tempo que não faço sexo
assim tão bom. Ficamos parados um minuto para recuperar o fôlego, eu encostada em seu
peito, ele com a cabeça deitada na minha. De repente segura meu rosto e dá um beijo terno em
minha testa.

— Eu te amo tanto.

Puta que pariu, Max! Não estraga o momento. Não passou de sexo, não quero mais
nada com você. Saio do seu aconchego e ajeito meu vestido e cabelo. Ele fica em silêncio
observando-me calçar as sandálias. Viro-me e começo a sair sem dar explicações.

— Aonde você vai, Claudinha? — pergunta nervoso, com as mãos na nuca.

— Embora. Foi só sexo, Max, não confunda as coisas — respondo e caminho sem
olhar para trás.
Agradecimentos
Primeiramente, quero agradecer você que chegou até aqui. Obrigada por dar uma
chance à história de amor do Murilo e da Alice.

Também agradeço a Deus pelo dom da vida e à minha família maravilhosa que me faz
viver intensamente o hoje, nas alegrias e tristezas. Meu marido Ednelson Prado e meus filhos,
Arthur e Matheus. Em especial ainda meu pai, José Batista, que contribuiu com as lindas
canções deste livro.

Comecei escrever Infinito enquanto dure no dia 9 de maio de 2017, sem nenhuma
pretensão, e olha onde estamos hoje! Alice e Murilo representam tantos e tantos casais que não
têm uma vida perfeita, mas vivem rodeados de amor. É isso que importa, não é mesmo?

Teve muita gente querida que fez esse sonho se tornar realidade e eu agradeço cada
uma de coração. No entanto, algumas foram essenciais.

As betas/amigas, Rebeca Caballero e Renata Cundari. Graças a vocês, cheguei até o


fim.

Camila Gouvêa, que foi crucial para me ajudar na revisão da obra; Bárbara Pinheiro,
responsável pela revisão final; e Jéssica Bidoia, que me tirou centenas de dúvidas.

Matheus Estevão, cantor que escreveu a letra e emprestou sua linda voz para a música
tema do livro. Até hoje não sei lidar com a alegria que fiquei ao ouvi-la, resume perfeitamente
a história.

Wânia Araújo, que se tornou mais que uma leitora, uma amiga. É a presidente do fã
clube Murilindo junto com as lindas Danielle Barreto e Crys Carvalho.

Sem cada leitor do Wattpad o livro não alçaria voos mais altos. Teve quem leu desde o
comecinho, maratonou a história nas madrugadas, torceu, chorou, brigou comigo... Recebi até
ameaça da máfia, acredita? Meu muito obrigada a todos, sem exceção!

Por fim, e não menos importante, agradeço os novos amigos que fiz e os ensinamentos
que tive do mundo literário com os grupos Ajudando Escritores (AE) e Vale Ler. Vocês me
motivam a ir mais longe.

Não se esqueçam: não pense muito lá na frente, viva o infinito hoje!

Beijos, Ari.
Acesse:
www.infinitoenquantodure.com.br
www.fb.com/autoraarianefonseca

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