Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Jogos de herança
O herdeiro perdido
A aposta final
Tradução
Isadora Sinay
Jennifer (Jen) Lynn Barnes nasceu em Oklahoma, nos Estados Unidos. Ela é graduada em
Psicologia, Psiquiatria e Ciências Cognitivas e pós-graduada por Cambridge e Yale. Jen
escreveu o primeiro romance aos dezenove anos e vendeu seus cinco primeiros livros
ainda na faculdade. Ela também escreveu roteiros originais para redes de televisão e é
uma das maiores especialistas em Psicologia do fandom e Ciência Cognitiva da ficção. Jen
é professora da Universidade de Oklahoma, onde ensina Psicologia e Redação. Jogos de
herança é seu primeiro livro publicado no Brasil pela Alt.
SUMÁRIO
Pular sumário [ »» ]
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Capítulo 74
Capítulo 75
Capítulo 76
Capítulo 77
Capítulo 78
Capítulo 79
Capítulo 80
Capítulo 81
Capítulo 82
Capítulo 83
Capítulo 84
Capítulo 85
Capítulo 86
Capítulo 87
Capítulo 88
Capítulo 89
Capítulo 90
Capítulo 91
Epílogo
Agradecimentos
Para Samuel
CAPÍTULO 1
Meu Pontiac velho estava caindo aos pedaços, mas pelo menos o
aquecedor funcionava. Quase sempre. Estacionei nos fundos do
restaurante, onde ninguém me veria. Libby me mandou uma
mensagem, mas eu não consegui me forçar a responder e fiquei só
encarando o celular. A tela estava rachada. Meu plano de dados era
praticamente nulo, então eu não podia entrar na internet, mas eu
tinha mensagens de texto ilimitadas.
Além de Libby, havia exatamente só mais uma pessoa na minha
vida para quem valia a pena escrever. Eu mandei uma mensagem
curta e simples para Max: você-sabe-quem voltou.
Nenhuma resposta. Os pais de Max adoravam instituir a “hora
sem celular” e confiscavam o dela com frequência. Eles também
eram famosos por monitorar as mensagens e foi por isso que eu
não escrevi o nome de Drake e não digitei uma única palavra a
respeito de onde eu passaria a noite. Nem a família Liu nem minha
assistente social precisavam saber que eu não estava onde deveria
estar.
Baixando o celular, olhei para minha mochila no banco do carona,
mas decidi que o resto da lição de casa podia esperar até de
manhã. Inclinei o banco para trás e fechei os olhos. Não consegui
dormir, então enfiei a mão no porta-luvas e peguei a única coisa de
valor que minha mãe havia me deixado: uma pilha de cartões-
postais. Dezenas deles. Dezenas de lugares aonde planejamos ir
juntas.
Havaí, Nova Zelândia, Machu Picchu. Olhando para cada uma
das fotos, eu me imaginei em qualquer lugar que não aqui. Tóquio.
Bali. Grécia. Não sei quanto tempo passei perdida com esses
pensamentos até que o celular tocou. Eu o peguei e vi a resposta de
Max para minha mensagem a respeito de Drake.
Aquele falha da pata. E então, um momento depois: Você está
bem?
Max tinha se mudado no verão depois do nono ano. A maior parte
da nossa comunicação era por escrito e ela se recusava a escrever
palavrões, caso seus pais vissem suas mensagens.
Então ela era criativa.
Estou bem, escrevi de volta e esse foi todo o incentivo que ela
precisava para despejar toda sua fúria por mim.
Aquele esgoto do capacho pode ir direto para a pata que piou e
comer um saco de corra!!!
Um segundo depois, meu telefone tocou.
— Você está mesmo bem? — Max perguntou quando atendi.
Olhei para os cartões-postais no meu colo e minha garganta
apertou. Eu ia sobreviver ao ensino médio. Eu ia me inscrever para
todas as bolsas de estudos que pudesse. Eu ia ter um diploma que
ia me abrir portas, me permitir trabalhar remotamente e pagar bem.
Eu ia viajar o mundo.
Eu soltei uma expiração longa e exausta, e então respondi à
pergunta de Max.
— Você me conhece, Maxine. Eu sempre dou a volta por cima.
CAPÍTULO 4
O hall era maior que algumas casas, tinha fácil uns 90m2, como se a
pessoa que o construiu tivesse se preocupado em planejar uma
entrada que também pudesse ser usada como salão de baile. Arcos
de pedra ladeavam o hall e o teto era totalmente ornamentado, com
elaborados entalhes de madeira. Olhar para cima me deixou sem
fôlego.
— Vocês chegaram. — Uma voz familiar chamou minha atenção
de volta para a terra. — E bem na hora. Suponho que o voo de
vocês tenha sido tranquilo.
Grayson Hawthorne estava usando um terno diferente hoje. Esse
era preto – assim como sua camisa e gravata.
— Você — Alisa o cumprimentou com um olhar gélido.
— Devo imaginar que você ainda não me perdoou por interferir no
seu trabalho? — Grayson perguntou.
— Você tem dezenove anos — Alisa respondeu. — Você morreria
se agisse de acordo com sua idade?
— Talvez — Grayson abriu um sorriso reluzente. — E de nada.
Eu levei um segundo para entender que por interferir Grayson
quis dizer ter ido me buscar.
— Senhoritas — ele disse, se dirigindo a Libby e eu. — Posso
guardar os casacos de vocês?
— Vou ficar com o meu — respondi, me sentindo do contra e
considerando que uma camada a mais entre mim e o resto do
mundo não seria ruim.
— E o seu? — Grayson perguntou a Libby.
Ainda boquiaberta com o hall, Libby tirou seu casaco e entregou a
ele. Grayson passou por um dos arcos. Do outro lado havia um
corredor. Pequenos painéis quadrados contornavam a parede.
Grayson pôs a mão em um painel e empurrou. Ele girou a mão
noventa graus, apertou o painel seguinte e então, em um movimento
rápido demais para que eu entendesse, apertou pelo menos mais
dois. Eu ouvi um som de pop e uma porta apareceu, se destacando
do resto da parede ao abrir-se.
— Que raios… — eu comecei a dizer.
Grayson enfiou a mão e pegou um cabide.
— O armário de casacos.
Isso não era uma explicação. Era uma classificação, como se
aquele fosse um armário de casacos qualquer de uma casa velha
qualquer.
Alisa entendeu que aquilo era uma indicação para nos deixar aos
bons cuidados de Grayson e eu tentei pensar em algo para dizer
que não fosse só ficar ali com a boca aberta como um peixe.
Grayson foi fechar o armário, mas um som vindo do fundo o
impediu.
Primeiro eu ouvi um rangido e depois um estrondo. Houve um
farfalhar atrás dos casacos, e então uma figura entre as sombras
abriu caminho por eles e saiu para a luz. Um menino, talvez da
minha idade, talvez um pouco mais novo. Ele estava vestindo um
terno, mas sua semelhança com Grayson ia só até aí. O terno do
menino estava amassado como se ele tivesse tirado um cochilo – ou
vinte – vestido com ele. O paletó não estava abotoado. A gravata
em volta do seu pescoço não tinha nó. Ele era alto, o rosto era como
o de um bebê e o cabelo cacheado era desgrenhado e escuro. Seus
olhos eram castanho-claros, e sua pele era marrom.
— Estou atrasado? — ele perguntou a Grayson.
— Posso sugerir que você faça essa pergunta ao seu relógio?
— Jameson já chegou? — O menino de cabelo escuro reformulou
a pergunta.
Grayson endureceu.
— Não.
O outro menino sorriu.
— Então não estou atrasado! — Ele olhou por trás de Grayson,
para Libby e eu. — E essas devem ser nossas convidadas! Que
falta de educação do Grayson não nos apresentar.
Um músculo no maxilar de Grayson se contraiu.
— Avery Grambs — ele disse com formalidade — e a irmã dela,
Libby. Senhoritas, esse é meu irmão Alexander. — Por um
momento, pareceu que Grayson ia deixar por isso mesmo, mas
então arqueou a sobrancelha. — Xander é o bebê da família.
— Eu sou o neto bonito — Xander corrigiu. — Eu sei o que vocês
estão pensando. Esse chato ao meu lado preenche bem um terno
Armani. Mas, pergunto a vocês, ele pode fazer o universo acelerar
de zero a cem com seu sorriso, como uma jovem Mary Tyler Moore
encarnada no corpo de um James Dean multiétnico? — Xander
parecia só ter um modo de falar: rápido. — Não!— Ele respondeu à
própria pergunta. — Não, ele não pode.
Xander finalmente parou de falar por tempo suficiente para que
outra pessoa falasse.
— Prazer em te conhecer — Libby conseguiu soltar.
— Você passa muito tempo no armário de casacos? — perguntei.
Xander limpou as mãos nas calças.
— Passagem secreta — ele disse, agora tentando limpar as
calças com as mãos. — Esse lugar é cheio delas.
CAPÍTULO 7
— Pata que partiu. — Max tomou ar. — Baralho, pata que partiu. —
Ela baixou a voz até um sussurro e soltou um palavrão de verdade.
Já era mais de meia-noite para mim e duas horas mais cedo para
ela. Eu meio que esperava que a sra. Liu fosse surgir e confiscar o
celular dela, mas nada aconteceu.
— Como? — Max quis saber. — Por quê?
Eu olhei para a carta no meu colo. Tobias Hawthorne tinha me
deixado uma explicação, mas nas horas que se passaram desde
que o testamento foi lido, eu ainda não tinha conseguido abrir o
envelope. Eu estava sozinha, no escuro, sentada na varanda da
cobertura de um hotel do qual eu era dona, usando um roupão
felpudo que ia até o chão e que provavelmente custava mais do que
meu carro – eu estava petrificada.
— Talvez — Max disse, pensativa — você tenha sido trocada na
maternidade. — Max via muita televisão e tinha o que
provavelmente podia ser diagnosticado como vício em livros. —
Talvez sua mãe tenha salvado a vida dele muitos anos atrás. Talvez
ele deva toda a fortuna que tinha ao seu bisavô. Talvez você tenha
sido escolhida por um algoritmo computacional avançado que vai
desenvolver inteligência artificial qualquer dia desses!
— Maxine — desdenhei. De alguma forma isso foi o suficiente
para me permitir dizer em voz alta as palavras em que eu estava
tentando nem pensar. — Talvez meu pai não seja meu pai de
verdade.
Essa era a explicação mais racional, não era? Talvez Tobias
Hawthorne não tivesse deserdado a família em favor de uma
estranha. Talvez eu fosse da família.
Eu tenho um segredo… Eu imaginei a minha mãe. Quantas vezes
eu a tinha ouvido dizer exatamente essas palavras?
— Você está bem? — Max perguntou no outro lado da linha.
Olhei novamente para o envelope com meu nome escrito em letra
cursiva. Engoli em seco.
— Tobias Hawthorne me deixou uma carta.
— E você ainda não abriu? — Max disse. — Avery, macete…
— Maxine! — Mesmo do outro lado do telefone, eu conseguia
ouvir a mãe de Max ao fundo.
— Macete, mamãe. Eu disse macete. Tipo, um macete para você
entender… — Houve uma pequena pausa, e então: — Avery? Eu
preciso ir.
Os músculos do meu estômago se apertaram.
— Falamos em breve?
— Muito em breve — Max prometeu. — E, enquanto isso: Abra.
A. Carta.
Ela desligou. Eu desliguei. Coloquei meu dedão na aba do
envelope, mas uma batida à porta me salvou de seguir adiante.
Dentro da suíte, eu encontrei Oren posicionado em frente à porta.
— Quem é? — perguntei.
— Grayson Hawthorne — Oren respondeu. Eu encarei a porta e
Oren explicou. — Se meus homens o considerassem uma ameaça,
ele nunca teria conseguido chegar ao nosso andar. Eu confio em
Grayson. Mas, se você não quiser vê-lo…
— Não — eu disse. O que eu estou fazendo? Era tarde e eu
duvidava que a realeza americana gostasse da ideia de ser
destronada. Mas havia algo na forma como Grayson me olhava,
desde a primeira vez que nos vimos…
— Pode abrir — eu disse a Oren. Ele abriu e deu um passo para
trás.
— Você não vai me convidar pra entrar? — Grayson não era mais
o herdeiro, mas era impossível desconfiar disso pelo tom de voz
dele.
— Você não devia estar aqui — eu disse a ele, fechando melhor o
roupão.
— Eu passei a última hora dizendo a mesma coisa para mim
mesmo e, ainda assim, aqui estou eu. — Seus olhos eram duas
piscinas cor de chumbo, seu cabelo estava desarrumado, como se
eu não fosse a única sem conseguir dormir. Ele tinha perdido tudo.
— Grayson… — eu disse.
— Eu não sei como você fez isso. — Ele me cortou, sua voz
perigosa e suave. — Eu não sei o que você tinha com o meu avô ou
que tipo de golpe você deu aqui.
— Eu não…
— Eu estou falando, srta. Grambs. — Ele espalmou a mão na
porta. Eu estava errada sobre os olhos dele. Não eram piscinas.
Eram geleiras. — Não tenho ideia de como você conseguiu isso,
mas eu vou descobrir. Eu vejo você agora. Eu sei o que você é e do
que você é capaz, e não existe nada que eu não faria para proteger
minha família. Qualquer que seja o jogo aqui, não importa quanto
dure esse golpe… eu vou descobrir a verdade e Deus te ajude
quando isso acontecer.
Oren entrou no meu campo de visão, mas eu não esperei que ele
agisse. Empurrei a porta com força suficiente para fazer Grayson
recuar e então a bati. Com o coração acelerado, esperei que ele
batesse de novo, que ele gritasse do outro lado da porta. Nada.
Lentamente, abaixei a cabeça e meus olhos novamente foram
atraídos pelo envelope nas minhas mãos como metal por um ímã.
Com uma última olhada para Oren, eu me recolhi para o meu
quarto. Abra. A. Carta. Dessa vez, foi o que eu fiz, e tirei um cartão
do envelope. O corpo da mensagem só tinha duas palavras. Eu
encarei a página e li a saudação, a mensagem e a assinatura várias
e várias vezes.
Querida Avery,
Sinto muito.
T. T. H.
CAPÍTULO 13
***
— Eu achei que você tivesse dito que seu escritório tinha cuidado
disso.
Oren olhou feio para Alisa. Ela fechou a cara, fez três ligações,
uma em seguida da outra, duas delas em espanhol, e então voltou a
olhar para meu chefe de segurança.
— O vazamento não veio da gente. — Seus olhos fuzilaram Libby.
— Foi o seu namorado.
A resposta de Libby foi pouco mais que um sussurro.
— Meu ex.
Nash tinha pernas longas, então o andar natural dele exigia que
eu corresse para acompanhar. Olhei para dentro de todos os
cômodos pelos quais passávamos, mas era tudo um grande borrão
de arte, arquitetura e luz natural. No fim de um longo corredor, Nash
abriu uma porta. Eu me preparei para ver evidências de uma luta.
Em vez disso, eu vi Grayson e Jameson em lados opostos de uma
biblioteca que me deixou sem fôlego.
O cômodo era circular. Estantes se erguiam por quatro ou cinco
metros e cada uma delas estava completamente cheia de livros
encadernados com capa dura. As estantes eram feitas de uma
madeira sólida e forte. Espalhadas pelo cômodo, quatro escadas de
ferro fundido espiralavam para as prateleiras mais altas, como os
pontos de uma bússola. No centro da biblioteca, havia um enorme
tronco de árvore com pelo menos uns três metros de diâmetro.
Mesmo de longe, consegui ver os anéis que marcavam a idade da
árvore.
Precisei de um momento para perceber que ela devia ser usada
como escrivaninha.
Eu poderia ficar aqui para sempre, pensei. Eu poderia ficar nessa
sala para sempre e nunca mais sair.
— Então — Nash disse, examinando casualmente os irmãos. —
Qual bunda eu preciso chutar primeiro?
Grayson ergueu os olhos do livro que estava segurando.
— Precisamos mesmo sempre sair na porrada?
— Parece que temos um voluntário para o primeiro round — Nash
disse, e então lançou um olhar inquisitivo pare Jameson, que estava
apoiado em uma das escadas de ferro. — Tenho um segundo da
sua atenção?
Jameson desdenhou.
— Não conseguiu ficar longe disso, conseguiu, irmão?
— E deixar a Avery sozinha com vocês, paspalhos? — Até Nash
mencionar meu nome, nenhum dos dois parecia ter notado minha
presença atrás dele, mas eu senti minha invisibilidade sumir naquele
exato momento.
— Eu não me preocuparia muito com a srta. Grambs — Grayson
disse, seus olhos cinzentos aguçados. — Ela claramente é capaz de
cuidar de si mesma.
Tradução: eu sou uma golpista gananciosa e desalmada e ele
consegue ver por trás da minha máscara.
— Não dê atenção ao Gray — Jameson disse, preguiçosamente.
— Nenhum de nós dá.
— Jamie — Nash disse. — Quieto.
Jameson o ignorou.
— Grayson está treinando para as Olimpíadas da Chatice e nós
realmente achamos que ele pode chegar lá se conseguir enfiar essa
vara um pouco mais fundo no…
Cupido, pensei, inspirada por Max.
— Chega — Nash grunhiu.
— Perdi alguma coisa? — Xander perguntou, entrando na
biblioteca. Estava vestido com o uniforme completo da escola
particular e com um único e fluido movimento tirou o blazer.
— Você não perdeu nada — Grayson disse. — E a srta. Grambs
já estava de saída. — Ele lançou um olhar pra mim. — Certamente
você quer se acomodar.
Eu que era a bilionária e ele ainda estava dando ordens.
— Espere um pouco. — Xander de repente franziu a testa,
examinando o clima da sala. — Vocês estavam brigando sem mim?
— Eu ainda não havia notado nenhum sinal visível de caos e
destruição, mas obviamente Xander tinha visto algo que eu não
percebi. — É isso que eu ganho por ser o único que vai para a
escola — ele disse com tristeza.
Ao ouvir a palavra escola, Nash olhou de Xander para Jameson.
— Nada de uniforme — ele notou. — Matando aula, Jamie? Serão
dois chutes na bunda então.
Xander ouviu a palavra chute na bunda, sorriu, se equilibrou na
ponta dos pés e saltou sem aviso, levando Nash para o chão. Só
uma luta amigável entre irmãos.
— Te peguei — Xander declarou triunfantemente.
Nash passou seu tornozelo em torno da perna de Xander e o
derrubou, prendendo-o contra o chão.
— Hoje não, irmãozinho. — Nash sorriu e em seguida lançou um
olhar muito mais maligno para os outros dois irmãos. — Hoje não.
Ali estavam eles – os quatro – como uma unidade. Eles eram os
Hawthorne. Eu não era. Eu sentia isso agora, de uma forma
concreta. Eles compartilhavam um laço que era impenetrável para
quem estava de fora.
— É melhor eu ir — disse.
Aquele não era o meu lugar e se eu ficasse tudo que eu poderia
fazer era ficar observando.
— Você não deveria estar aqui de qualquer forma — Grayson
respondeu, tenso.
— Aceita, Gray — Nash disse. — Está feito e você sabe tão bem
quanto eu que, se nosso avô fez isso, não há como desfazer. —
Nash virou a cabeça na direção de Jameson. — E, quanto a você:
tendências autodestrutivas não são tão encantadoras quanto você
imagina.
— Avery resolveu o desafio das chaves mais rápido do que
qualquer um de nós — Jameson disse casualmente.
Pela primeira vez desde que eu tinha entrado na sala, os quatro
irmãos ficaram em silêncio por algum tempo. O que está
acontecendo aqui?, me perguntei. O momento era tenso, elétrico,
quase insuportável, e então…
— Você deu as chaves pra ela? — Grayson quebrou o silêncio.
Eu ainda estava segurando o chaveiro. De repente, ele pareceu
muito pesado. Jameson não devia ter me dado isso.
— Nós somos legalmente obrigados a entregar…
— Uma chave — Grayson interrompeu Jameson e começou a
andar lentamente na direção dele, fechando o livro que tinha nas
mãos. — Nós somos legalmente obrigados a dar uma chave a ela,
Jameson, não as chaves.
Eu presumi que estavam brincando comigo. Na melhor das
hipóteses, eu achei que fosse um teste. Mas, pela forma como eles
estavam falando, parecia mais uma tradição. Um convite.
Um rito de passagem.
— Eu fiquei curioso pra saber como ela lidaria com elas. —
Jameson arqueou uma sobrancelha. — Você quer saber em quanto
tempo ela resolveu?
— Não! — Nash trovejou. Não entendi se ele estava respondendo
à pergunta de Jameson ou dizendo a Grayson que parasse de
avançar sobre o irmão.
— Posso me levantar agora? — Xander se intrometeu, ainda
preso embaixo de Nash e aparentemente em um humor melhor que
o dos outros três juntos.
— Não — Nash respondeu.
— Eu disse que ela era especial — Jameson murmurou enquanto
Grayson continuava a se aproximar dele.
— E eu te disse pra ficar longe dela — Grayson replicou,
chegando a pouco mais de um braço de distância de Jameson.
— Vejo que vocês dois voltaram a se falar! — Xander comentou
alegremente. — Excelente.
Nada de excelente, pensei, incapaz de desviar os olhos da
tempestade nascendo a alguns metros de distância. Jameson era
mais alto e Grayson tinha os ombros mais largos. O desdém na
expressão do primeiro era respondido com gelo na do segundo.
— Bem-vinda à Casa Hawthorne, Garota Misteriosa. — A
recepção de Jameson parecia ser mais para Grayson que para mim.
Qualquer que fosse o motivo dessa briga, não era só por causa dos
acontecimentos recentes.
Não era só por minha causa.
— Pare de me chamar de Garota Misteriosa. — Eu mal tinha
falado desde que tinha entrado na biblioteca, mas eu estava
cansada de ser uma espectadora. — Meu nome é Avery.
— Eu também estou disposto a te chamar de Herdeira —
Jameson sugeriu. Ele deu um passo à frente e ficou logo abaixo de
um raio de sol que entrava pela claraboia do teto. Com isso, ficou
frente a frente com Grayson. — O que você acha, Gray? Tem
alguma preferência de apelido para nossa nova senhoria?
Senhoria. Jameson estava esfregando na cara, como se ele
conseguisse suportar ser deserdado se isso significasse que o
herdeiro legítimo também havia perdido tudo.
— Eu estou tentando te proteger — Grayson disse baixo.
— Eu acho que nós dois sabemos — Jameson respondeu — que
a única pessoa que você quer proteger é a si mesmo.
Grayson ficou completamente, fatalmente quieto.
— Xander. — Nash se ergueu, puxando o irmão mais novo até ele
se levantar. — Por que você não leva Avery até a ala dela?
Isso pode ter sido uma tentativa de Nash para evitar que uma
linha fosse cruzada ou uma indicação de que isso já havia
acontecido.
— Vamos lá. — Xander bateu o ombro de leve no meu. —
Podemos pegar uns cookies no caminho.
Se essa era uma tentativa de dissipar a tensão na sala, não
funcionou, mas serviu para tirar a atenção de Grayson de cima de
Jameson por um momento.
— Nada de cookies. — A voz de Grayson saiu estrangulada,
como se sua garganta estivesse se fechando em volta das palavras,
como se o último golpe de Jameson o tivesse deixado totalmente
sem ar.
— Certo — Xander respondeu, animado. — Você é duro na
queda, Grayson Hawthorne. Nada de cookies. — Xander piscou
para mim. — Vamos pegar uns scones.
CAPÍTULO 17
Jameson,
Antes o mal que você conhece do que o mal que você não
conhece, será? O poder corrompe. O poder absoluto corrompe
de forma absoluta. Nem tudo que reluz é ouro. As únicas
certezas na vida são a morte e os impostos. Para lá, pela graça
de Deus, eu vou.
Não julgue.
— Tobias Tattersall Hawthorne
***
Jameson dirigiu o carro até uma plataforma que nos baixou para o
subsolo da Casa. Nós passamos por um túnel e, quando notei,
estávamos saindo por uma saída dos fundos que eu nem sabia que
existia.
Jameson não correu. Ele não tirou seus olhos da estrada. Ele só
dirigiu em silêncio. Sentada ao lado dele, eu sentia todas as
terminações nervosas do meu corpo acordando de ansiedade.
Essa é uma péssima ideia.
Ele deve ter avisado alguém com antecedência porque a pista
estava pronta para nós quando chegamos.
— O Martin não é tecnicamente um carro de corrida — Jameson
me disse. — Mas tecnicamente ele não estava nem à venda quando
foi comprado pelo meu avô.
E tecnicamente eu não deveria ter saído da propriedade. Nós não
deveríamos ter pegado o carro. Nós não deveríamos estar ali.
Mas, lá pelos duzentos quilômetros por hora, eu parei de pensar
em devia.
Adrenalina. Euforia. Medo. Não havia lugar na minha cabeça para
mais nada: a velocidade era tudo que importava.
Isso e o garoto ao meu lado.
Eu não queria que ele desacelerasse. Eu não queria que o carro
parasse. Pela primeira vez desde a leitura do testamento, eu me
sentia livre. Sem perguntas. Sem suspeitas. Ninguém me encarando
ou não encarando. Nada, exceto aquele momento, o aqui e o agora.
Nada além de Jameson Winchester Hawthorne e eu.
CAPÍTULO 41
Por fim, o carro parou. E, por fim, a realidade caiu nas nossas
cabeças. Oren estava lá, junto de uma equipe. Ops.
— Você e eu — meu chefe de segurança disse a Jameson no
mesmo instante em que saímos do carro — vamos ter uma
conversinha.
— Eu já sou grandinha — disse, vendo os reforços que Oren tinha
levado consigo. — Se você quiser gritar com alguém, grite comigo.
Oren não gritou. Mas ele me levou pessoalmente de volta ao meu
quarto e indicou que nós íamos “conversar” de manhã. Pelo tom de
Oren, eu não tinha certeza de que sobreviveria inteira a uma
conversa com ele.
Demorei para dormir naquela noite, meu cérebro estava uma
bagunça de impulsos elétricos que não queriam – não podiam –
parar de estalar. Eu ainda não tinha ideia do que pensar sobre os
nomes realçados no Testamento Vermelho, se eles eram mesmo
uma referência aos pais dos meninos ou se Tobias Hawthorne tinha
escolhido os nomes do meio dos netos por uma razão
completamente diferente.
Tudo que eu sabia era que Skye estava certa. Jameson tinha
fome. E eu também. Mas eu também conseguia ouvir Skye dizendo
que eu não importava, que eu não era Emily.
Quando eu finalmente adormeci, sonhei com uma garota
adolescente. Ela era uma sombra, uma silhueta, um fantasma, uma
rainha. E não importava quão rápido eu corresse, por corredores e
mais corredores, eu nunca conseguia alcançá-la.
Meu celular tocou antes do amanhecer. Grogue e mal-humorada,
eu fui atrás dele com toda a intenção de atirá-lo pela janela do
closet, então eu percebi quem estava ligando.
— Max, são cinco e meia da manhã.
— Três e meia pra mim. Onde você conseguiu aquele carro? —
Max não parecia nem um pouco sonolenta.
— Em uma sala cheia de carros? — respondi como quem pede
desculpas, e então meu cérebro acordou o suficiente para que eu
processasse o que a pergunta dela queria dizer. — Como você sabe
do carro?
— Foto aérea — Max respondeu. — Tirada de um helicóptero, e o
que você quis dizer com uma sala cheia de carros? Quão grande é
essa sala?
— Eu não sei — eu grunhi e rolei na cama. Claro que os
paparazzi tinham me pegado com Jameson. Eu nem queria saber o
que as revistas de fofoca estavam dizendo.
— Igualmente importante — Max continuou —, você está tendo
um romance tórrido com Jameson Hawthorne e eu deveria me
preparar pra um casamento na primavera?
— Não… — Eu me sentei na cama. — Não é isso.
— Que mentira do baralho.
— Eu preciso morar com essas pessoas por um ano. Eles já têm
motivos o suficiente pra me odiar. — Eu não estava pensando em
Skye, ou Zara, ou Xander, ou Nash quando disse isso. Eu estava
pensando em Grayson. Grayson e seus olhos cinzentos, seus
ternos e suas ameaças. — Me envolver com Jameson seria só jogar
mais lenha na fogueira.
— E que bela fogueira seria — Max murmurou.
Ela era, sem dúvida alguma, uma má influência.
— Eu não posso — eu reiterei. — E, além disso… teve uma
menina. — Eu pensei no meu sonho e me perguntei se Jameson
tinha levado Emily para andar de carro, se ela tinha jogado algum
dos jogos de Tobias Hawthorne.
— Ela morreu.
— Calma, baralho. O que você quer dizer com ela morreu?
Como?
— Eu não sei.
— Como você pode não saber?
Eu puxei meu cobertor em volta de mim.
— O nome dela era Emily. Você sabe quantas pessoas chamadas
Emily existem no mundo?
— Ele ainda pensa nela? — Max perguntou. Ela estava falando
de Jameson, mas meu cérebro voltou para o momento em que eu
tinha dito o nome de Emily para Grayson. Isso tinha arrebentado
com ele. Destruído mesmo.
Eu ouvi uma batida na porta.
— Max, eu preciso desligar.
Não havia nada de discreto na cena que nos recebeu quando Oren
encostou na entrada, depois de ter passado por uma verdadeira
horda de jornalistas. À frente, eu conseguia ver a forma de Drake do
lado de fora dos portões de ferro fundido. Havia mais dois outros
homens parados ao lado dele. Mesmo a distância, eu conseguia
distinguir os uniformes de polícia.
E os paparazzi também.
Pelo jeito, os amigos de Alisa não eram muito discretos. Eu rangi
os dentes e pensei na forma como Drake culparia Libby se ele fosse
filmado sendo arrastado pela polícia.
— Pare o carro — eu disparei.
Oren parou, então se virou de seu banco para me encarar.
— Eu te aconselharia a ficar no veículo.
Isso não era um conselho. Era uma ordem.
Eu peguei a maçaneta da porta.
— Avery! — O tom de Oren me fez congelar. — Se você vai sair,
eu vou sair primeiro.
Lembrei da nossa conversinha sobre segurança, então decidi não
testar Oren.
Ao meu lado, Grayson soltou o cinto de segurança. Ele tocou meu
pulso com suavidade.
— Oren está certo. Você não deveria ir lá fora.
Eu baixei os olhos para olhar a mão dele segurando a minha, e
depois de um segundo, ergui os olhos de novo.
— E o que você faria — eu disse —, até onde você iria pra
proteger a sua família?
Toquei no nervo sensível dele, e ele sabia disso. Ele tirou a mão
da minha, devagar o suficiente para eu sentir as pontas de seus
dedos roçando os nós dos meus. Com a respiração acelerada, abri
a porta do carro e me preparei. Drake era a maior história que a
imprensa tinha a respeito da herdeira de Hawthorne porque nós não
tínhamos oferecido algo maior. Ainda.
Com o queixo erguido, saí do carro. Olhem para mim. Eu sou a
história aqui. Andei pela entrada, na direção da rua. Eu estava
usando botas de salto e minha saia plissada da Country Day. O
blazer do meu uniforme grudou no meu corpo enquanto eu andava.
O cabelo novo. A maquiagem. A atitude.
Eu sou a história aqui. A notícia do dia não seria sobre Drake. Os
olhos do mundo não estariam sobre ele. Eu os manteria sobre mim.
— Coletiva de imprensa espontânea? — Oren perguntou baixo. —
Como seu guarda-costas, eu me sinto obrigado a avisar que Alisa
vai te matar.
Esse era um problema para a Avery do futuro. Balancei meu
cabelo perfeito e o joguei para trás e endireitei os ombros. O rugido
dos repórteres gritando meu nome ficava mais alto quanto mais
perto eu chegava.
— Avery!
— Avery, olhe pra cá!
— Avery, o que você tem a dizer sobre os rumores que…
— Sorria, Avery!
Fiquei bem na frente deles. Eu tinha a atenção de todos. Ao meu
lado, Oren ergueu uma mão e só com isso a multidão ficou em
silêncio.
Diga algo, eu preciso dizer algo.
— Eu… hm… — pigarreei. — Essa foi uma grande mudança.
Algumas risadas ao longe. Eu consigo fazer isso. No instante em
que eu pensei essas palavras, o universo me fez pagar por elas.
Uma briga começou atrás de mim, entre Drake e os policiais. Eu vi
algumas câmeras começando a sair de mim, vi as lentes tele dando
zoom nos portões.
Não só fale. Conte a história. Faça-os escutar.
— Eu sei por que Tobias Hawthorne mudou o testamento — eu
disse alto.
A resposta a esse anúncio foi elétrica. Havia um motivo para essa
ser a história da década, uma coisa que todo mundo queria saber.
— Eu sei por que ele me escolheu. — Eu os fiz olhar para mim e
só para mim. — Eu sou a única que sabe. Eu sei a verdade. — Eu
vendi essa mentira com tudo de mim. — E, se vocês publicarem
uma palavra que seja sobre esse projeto patético de ser humano
que está na entrada, qualquer um de vocês, eu tornarei minha
missão de vida garantir que vocês nunca descubram.
CAPÍTULO 44
Naquela noite, quando Alisa me ligou para fazer seu discurso eu-
não-posso-fazer-o-meu-trabalho-se-você-não-deixar, ela não
permitiu que eu dissesse uma palavra. Depois de uma despedida
tensa, que parecia mais uma retaliação, abri meu computador.
— Será que isso é tão ruim assim? — eu perguntei alto. A
resposta estava na primeira página de todos os sites: é bem ruim,
sim.
HERDEIRA DE HAWTHORNE GUARDA SEGREDOS.
O QUE AVERY GRAMBS SABE?
Eu mal me reconheci nas fotos que os paparazzi tinham tirado. A
garota nas fotos era bonita e cheia de uma fúria justificada. Ela
parecia tão perigosa e arrogante quanto um Hawthorne.
Não me sentia como aquela garota.
Achei que receberia uma mensagem de Max exigindo saber o que
estava acontecendo, mas, quando mandei uma mensagem para ela,
ela não respondeu. Quando eu estava para fechar o notebook,
lembrei de falar para Max que o motivo de eu não ter ideia do que
tinha acontecido com Emily era porque Emily era um nome muito
comum. Eu não tinha conseguido pesquisar por ela antes.
Mas agora eu sabia seu sobrenome.
— Emily Laughlin — eu disse em voz alta.
Então digitei o nome dela no campo de busca e acrescentei
Heights Country Day para refinar os resultados. Meus dedos
flutuaram acima da tecla “enter” por um tempo. Depois de um
momento, pressionei a tecla para acionar a busca.
O resultado foi um obituário, e nada mais. Nenhuma notícia.
Nenhum artigo sugerindo que uma adorada garota local havia
morrido de causa misteriosa. Nenhuma menção a Grayson ou
Jameson Hawthorne.
Havia uma foto com o obituário. Na foto, Emily estava sorrindo,
em vez de rindo, e meu cérebro absorveu todos os detalhes que eu
não havia notado antes. Seu cabelo tinha camadas e ela o usava
comprido. As pontas se viravam, mas o resto era liso e sedoso.
Seus olhos eram grandes demais para o seu rosto. A forma do seu
lábio superior me fez pensar em um coração. Ela tinha uma
constelação de sardas.
Toc. Toc. Toc.
Minha cabeça se ergueu com o barulho repentino e fechei o
notebook com força. A última coisa que eu queria era que alguém
soubesse o que eu tinha acabado de pesquisar.
Toc. Dessa vez eu fiz mais do que só ouvir. Liguei meu abajur,
coloquei os pés no chão e andei na direção do barulho. Quando eu
cheguei à lareira, eu já tinha uma boa certeza de quem estava do
outro lado.
— Você sabe usar portas? — perguntei a Jameson depois de usar
o castiçal para abrir a passagem.
Jameson arqueou uma sobrancelha e inclinou a cabeça para o
lado.
— Você quer que eu use uma porta?
Senti que o que ele estava realmente perguntando era se eu
queria que ele fosse normal. Lembrei de quando eu estava sentada
ao lado dele em alta velocidade e pensei na parede de escalada – e
na mão dele pegando a minha.
— Eu vi sua coletiva de imprensa. — Jameson estava com aquela
expressão no rosto de novo, aquela que me fazia sentir que
estávamos jogando xadrez e ele tinha acabado de fazer um
movimento pensado para ser encarado como um desafio.
— Não foi bem uma coletiva de imprensa, foi mais uma péssima
ideia — eu admiti, seca.
— Eu já mencionei — Jameson murmurou, me encarando de uma
forma que tinha que ser intencional — que eu amo péssimas ideias?
Quando ele apareceu do nada, eu achei que o tinha invocado ao
procurar pelo nome de Emily, mas agora eu estava entendendo o
que era essa visita noturna. Jameson Hawthorne estava ali, no meu
quarto, de noite. Eu estava de pijama e o corpo dele estava se
inclinando na direção do meu.
Nada disso era um acidente.
Você não é uma jogadora, menina. Você é a bailarina de vidro...
ou a faca.
— O que você quer, Jameson?
Meu corpo queria ir na direção dele. Minha parte racional queria
dar um passo para trás.
— Você mentiu para a imprensa — Jameson disse sem desviar os
olhos. Ele não piscou, nem eu. — O que você disse a eles… era
mentira, não era?
— Claro que era.
Se eu soubesse por que Tobias Hawthorne me deixou sua
fortuna, eu não estaria trabalhando com Jameson para tentar
descobrir. E não teria perdido o fôlego quando vi o mapa na
Fundação.
— Às vezes é difícil entender você — Jameson comentou. —
Você não é exatamente um livro aberto. — Ele fixou o olhar em
algum lugar próximo dos meus lábios. O rosto dele se moveu na
direção do meu.
Nunca perca a cabeça por um Hawthorne.
— Não me toque — pedi, mas, mesmo quando dei um passo para
trás, senti alguma coisa, a mesma coisa que eu tinha sentido
quando encostei em Grayson na Fundação.
Uma coisa que eu não deveria sentir – por nenhum dos irmãos.
— Nossa aventura da noite passada funcionou — Jameson disse.
— Arejar a cabeça me permitiu olhar para o quebra-cabeça com
novos olhos. Me pergunte o que eu descobri sobre nossos nomes
do meio.
— Não preciso — eu disse a ele. — Eu descobri também.
Blackwood, Westbrook, Davenport, Winchester. Não são apenas
nomes. São lugares, ou pelo menos os dois primeiros são. A floresta
Black Wood, o riacho West Brook. — Eu me foquei no quebra-
cabeça, e não no fato de que o quarto estava iluminado apenas por
um abajur e que estávamos próximos demais um do outro. — Eu
não estou certa quanto aos outros dois, mas…
— Mas… — Os lábios de Jameson se curvaram para cima,
mostrando seus dentes. — Você vai descobrir. — Ele levou os lábios
até a minha orelha. — Nós vamos, Herdeira.
Não existe nós. Não de verdade. Para você eu sou o meio para
um fim. Eu acreditava nisso. De verdade. Mas, de alguma forma, o
que eu acabei dizendo foi:
— Quer dar uma volta?
CAPÍTULO 46
Teve muitas primeiras coisas que eu não consegui fazer depois que
minha mãe morreu. Primeiros encontros. Primeiros beijos. Primeiras
vezes. Mas essa primeira coisa em particular – ser pendurada para
fora de uma ponte por um garoto que tinha acabado de confessar
que tinha visto sua última namorada morrer – não estava
exatamente na minha lista.
Se ela estava com você, por que você disse que Grayson
“aconteceu” com ela?
— Não deixe seu celular cair — Jameson me disse. — E eu não
vou deixar você cair.
As mãos dele estavam firmes nos meus quadris. Eu estava de
cabeça para baixo, minhas pernas entre os balaústres, meu torso
pendurado para fora da ponte. Se ele soltasse, eu teria problemas.
O Jogo do Pendurado, eu quase conseguia ouvir minha mãe
falando.
Jameson ajustou seu peso, servindo como âncora para o meu. O
joelho dele está tocando o meu. As mãos dele estão em mim. Eu me
sentia mais consciente do meu próprio corpo, da minha própria pele,
do que em qualquer momento que eu conseguisse lembrar.
Não sinta. Só olhe. Eu iluminei a parte de baixo da ponte.
Jameson não soltou.
— Vê alguma coisa?
— Sombras — respondi. — Algumas algas. — Fiz um giro,
arqueando minhas costas de leve. O sangue estava indo todo para
minha cabeça. — As tábuas de baixo não são as mesmas que as de
cima — eu notei. — São pelo menos duas camadas de madeira. —
Contei as tábuas. Vinte e uma. Precisei de mais alguns segundos
para examinar a forma como as tábuas se juntavam na margem. —
Tem nada aqui, Jameson. Me puxa de volta.
***
Havia vinte e uma tábuas embaixo da ponte e, com base na conta
que eu tinha acabado de fazer, vinte e uma na superfície. Tudo
somava perfeitamente. Nada estava errado.
Jameson estava andando de um lado para o outro, mas eu
pensava melhor ficando parada. Ou eu pensaria melhor ficando
parada se eu não estivesse observando Jameson andar de um lado
para o outro. Ele tinha uma forma de se mover, uma energia
inexprimível, uma graça extraordinária.
— Está ficando tarde — eu disse, desviando o olhar.
— Era tarde desde o início — Jameson me disse. — Se você
fosse virar uma abóbora, já teria acontecido, Cinderela.
Mais um dia, mais um apelido. Eu não queria procurar entender
aquilo – eu não saberia nem por onde começar.
— Temos aula amanhã — argumentei.
— Talvez tenhamos. — Jameson foi até o fim da ponte, se virou e
voltou. — Talvez não. Você pode seguir as regras, ou pode fazê-las.
Eu sei o que prefiro, Herdeira.
E o que Emily preferia? Eu não conseguia deixar de pensar nisso.
Tentei focar o momento, o enigma que tínhamos. A ponte rangeu.
Jameson continuou andando. Limpei a mente. A ponte rangeu mais
uma vez.
— Espere! — Eu inclinei a cabeça para o lado. — Pare. —
Surpreendentemente, Jameson fez o que eu mandei. — Volte.
Devagar. — Eu esperei, apurando os meus ouvidos, e então ouvi o
rangido de novo.
— É a mesma tábua — Jameson concluiu no mesmo momento
que eu. — Toda vez. — Ele se abaixou para ver melhor. Eu me
ajoelhei também. A tábua não parecia diferente das outras. Eu
passei meus dedos por ela, tentando sentir algo, sem saber o que
procurava.
Ao meu lado, Jameson estava fazendo a mesma coisa. Sua mão
esbarrou na minha. Tentei não sentir nada e esperei que ele tirasse
a mão, mas, em vez disso, seus dedos deslizaram entre os meus,
entrelaçando nossas mãos em cima da tábua.
Ele pressionou.
Eu fiz o mesmo.
A tábua rangeu. Eu me inclinei na direção da tábua e Jameson
começou a girar nossas mãos, lentamente, de um lado da tábua
para o outro.
— Está mexendo. — Meus olhos se ergueram na direção dele. —
Bem pouco.
— Um pouco não é suficiente. — Ele afastou sua mão da minha
lentamente, seus dedos quentes e leves como uma pluma. —
Estamos procurando uma trava, algo que esteja impedindo a tábua
de girar por completo.
Por fim, encontramos pequenos nós na madeira onde a tábua se
conectava aos balaústres. Jameson pegou o da esquerda. Eu
peguei o da direta. Nos movendo ao mesmo tempo, apertamos.
Ouvimos um estalo. Quando voltamos ao meio e pressionamos a
tábua outra vez, e ela se moveu mais facilmente. Juntos, nós a
rodamos até que o fundo da tábua estivesse virado para cima.
Iluminei a madeira com a lanterna do celular. Jameson fez o
mesmo com o celular dele. Entalhado na superfície da madeira
havia um símbolo.
— Infinito — Jameson disse, passando o polegar pelo entalhe.
Eu inclinei a cabeça para o lado e adotei uma visão mais
pragmática.
— Ou um oito.
CAPÍTULO 48
TOBIAS HAWTHORNE II
***
***
***
***
Uma dança. Era tudo que eu daria a Alisa – e aos fotógrafos – antes
de dar o fora daquela festa.
— Finja que eu sou a pessoa mais fascinante que você já
conheceu — Xander me aconselhou enquanto me acompanhava até
a pista de dança para uma valsa.
Ele estendeu uma mão para mim e então curvou seu outro braço
em volta das minhas costas.
— Aqui, vou te ajudar: todo ano, no meu aniversário, entre os sete
e doze anos, meu avô me dava um dinheiro pra investir e eu gastei
tudo em criptomoeda porque eu sou um gênio, e não porque eu
achei que criptomoeda era algo que soava bem. — Ele me girou
uma vez. — Eu vendi o que tinha antes do meu avô morrer por
quase cem milhões de dólares.
Eu o encarei.
— Você o quê?
— Viu? — ele disse. — Fascinante. — Xander seguiu dançando,
mas baixou os olhos. — Nem meus irmãos sabem disso.
— Em que seus irmãos investiram? — perguntei. Esse tempo
todo, eu estava presumindo que eles tinham ficado sem nada. Nash
tinha me contado da tradição de aniversário de Tobias Hawthorne,
mas eu não tinha pensado duas vezes nos “investimentos” deles.
— Não tenho ideia — Xander disse, animado. — Não era um
assunto que podíamos discutir.
Nós seguimos dançando e os fotógrafos aproveitaram a deixa.
Xander colocou seu rosto bem perto do meu.
— A imprensa vai achar que estamos namorando — eu disse,
enquanto minha mente ainda girava com essa revelação.
— Por acaso — Xander respondeu, altivo —, eu sou excelente em
namoros falsos.
— Quem exatamente você fingiu namorar? — perguntei.
Xander olhou para Thea.
— Eu sou uma máquina de Rube Goldberg — ele disse em
resposta —, eu faço coisas simples de formas complicadas. — Ele
fez uma pausa. — Foi ideia de Emily que Thea e eu namorássemos.
Em era, vamos dizer assim, persistente. Ela não sabia que Thea já
estava com alguém.
— E você concordou com o teatro? — perguntei, incrédula.
— Eu repito: eu sou uma máquina de Rube Goldberg humana. —
A voz dele suavizou. — E eu não fiz isso por Thea.
Então por quem? Eu precisei de um momento para juntar as
peças. Xander tinha mencionado namoros falsos duas vezes antes:
uma vez em relação a Thea e outra quando eu perguntei sobre
Rebecca.
— Thea e Rebecca? — perguntei.
— Profundamente apaixonadas — Xander confirmou. Thea me
disse que ela era dolorosamente linda. — A melhor amiga de Emily
e a irmã mais nova. O que eu poderia fazer? Elas acharam que
Emily não entenderia. Ela era possessiva com as pessoas que
amava e eu sabia como era difícil pra Rebecca contrariá-la. Só
dessa vez, Bex queria algo pra si.
Eu me perguntei se Xander gostava dela – se fingir namorar Thea
era sua forma torcida à la Rube Goldberg de dizer isso.
— Thea e Rebecca estavam certas? Que Emily não entenderia?
— Mais que certas. — Xander fez uma pausa. — Em descobriu
sobre elas naquela noite. Ela encarou como uma traição.
Naquela noite – a noite em que ela morreu.
A música terminou e Xander soltou minha mão, mantendo seu
outro braço em volta da minha cintura.
— Sorria para os repórteres — ele murmurou. — Dê uma história
pra eles. Olhe bem fundo nos meus olhos. Sinta o peso do meu
charme. Pense nos seus doces favoritos.
Os cantos dos meus lábios viraram para cima e Xander
Hawthorne me acompanhou para fora da pista de dança e até Alisa.
— Você pode ir embora agora — ela me disse, satisfeita. — Se
quiser.
Nossa, sim.
— Você vem? — perguntei a Xander.
O convite pareceu surpreendê-lo.
— Não posso. — Ele fez uma pausa. — Eu resolvi Black Wood.
— Isso conquistou toda a minha atenção. — Eu poderia vencer isso
tudo. — Xander olhou para seus sapatos de festa. — Mas Jameson
e Grayson precisam mais do que eu. Volte para a Casa Hawthorne.
Quando você chegar lá, vai ter um helicóptero te esperando. Peça
ao piloto para sobrevoar Black Wood.
Um helicóptero?
— Aonde você for — Xander me disse — eles irão atrás.
Eles, querendo dizer seus irmãos.
— Eu pensei que você queria ganhar — eu disse a Xander.
Ele engoliu em seco. Com força.
— Eu quero.
CAPÍTULO 77
***
Topo da hora
Estou bem no alto
Saúde esse dia
Deixe a aurora de um salto
Um giro assim
e o que você vê?
Pegue dois de um só ato
E venha até mim
CAPÍTULO 80
Topo da hora
Estou bem no alto
Saúde esse dia
Deixe a aurora de um salto
Um giro assim
e o que você vê?
Pegue dois de um só ato
E venha até mim
Um giro assim
e o que você vê?
Pegue dois de um só ato
E venha até mim
Cinco minutos depois, nós demos com uma parede. Não havia mais
para onde ir, nada para ver, nenhuma rota diferente que poderíamos
ter feito desde que tínhamos seguido por aquele caminho.
— Talvez a gárgula tenha mentido — Xander declarou, dando a
impressão de ter gostado muito do que disse.
Eu empurrei a parede. Nada. Eu me virei.
— Nós deixamos passar algo?
— Talvez — Xander disse, pensativo — a gárgula tenha mentido!
Eu olhei de volta por onde tínhamos vindo. Eu andei pelo caminho
devagar, observando cada detalhe do túnel. Pouco a pouco.
— Olhe! — eu disse a Xander. — Ali!
Era uma grade de metal presa ao chão do túnel. Eu me abaixei.
Havia um nome gravado no metal, talvez a marca da grade, mas o
tempo tinha apagado quase todas as letras. As únicas que sobraram
foram M… I… e M.
— Venha até mim — sussurrei.
Abaixei, peguei a grade com os dedos e puxei. Nada. Tentei
novamente, e ela saiu. Eu caí para trás, mas Xander me amparou.
Nós dois encaramos o buraco embaixo.
— É possível — Xander sussurrou — que a gárgula tenha falado
a verdade. — Sem esperar por mim, ele se enfiou no buraco… e
entrou. — Você vem?
Se Oren soubesse que eu estava fazendo isso, ele ia me matar.
Eu desci e me vi em uma pequena sala. Quão fundo estamos
agora? A sala tinha quatro paredes, três delas idênticas. A quarta
era feita de concreto. Três letras estavam entalhadas no cimento.
A. K. G.
Minhas iniciais.
Eu andei na direção das letras, transtornada, e então vi uma luz
vermelha passar por cima do meu rosto. Houve um bipe, e então a
parede de concreto se abriu ao meio, como uma porta de elevador.
Atrás dela havia uma porta.
— Reconhecimento facial — Xander disse. — Não importa qual
de nós encontrasse esse lugar. Sem você, não passaríamos pela
parede.
Pobre Jameson. Ele tinha feito todo aquele esforço para me
manter por perto, então me largou antes que eu pudesse cumprir o
meu papel. A bailarina de vidro. A faca. A garota com o rosto que
destranca a parede que revela a porta que…
— Que o quê? — Eu dei um passo à frente para examinar a porta.
Havia quatro telas touch, uma em cada canto da porta. Xander
tocou uma para acendê-la e uma imagem de uma mão fluorescente
surgiu.
— Oh-oh — Xander disse.
— Oh-oh o quê? — perguntei.
— Essa tem as iniciais de Jameson. — Xander passou para a
próxima. — Grayson. Nash. — Na última, ele parou. — E a minha.
Ele espalmou sua mão na tela. Ela apitou e eu ouvi o que parecia
ser uma tranca destravando.
Tentei a maçaneta.
— Ainda trancada.
— Quatro trancas. — Xander fez uma careta. — Quatro irmãos.
Meu rosto era necessário para chegar até ali. As mãos deles nos
levariam mais longe.
CAPÍTULO 84
— Skye?
Eu estava tentando compreender. Ela nunca pareceu ser uma
ameaça, não como Zara. Passivo-agressiva, claro, e mesquinha.
Mas violenta?
Somos todos amigos aqui, não somos? Eu conseguia ouvi-la
novamente. Eu tenho uma política de mundo que rouba o que é meu
por direito.
Lembrei que ela me ofereceu uma taça de champanhe, insistindo
que eu bebesse.
— Skye estava aqui embaixo com Drake na noite do atentado —
eu disse, me fazendo confrontar as implicações do que isso tudo
significava. — Ela deu a ele acesso à propriedade, provavelmente
até mostrou onde era a floresta.
Mostrou onde eu estava.
— Eu devia ter contado a alguém — Rebecca murmurou. —
Depois dos tiros, assim que eu entendi o que tinha visto… eu devia
ter contado.
— Sim. — A palavra saiu afiada, e foi pronunciada por alguém
que não era eu. — Devia ter contado. — Lá em cima, Grayson
entrou no meu campo de visão.
Rebecca se virou para olhá-lo.
— Era sua mãe, Gray. Eu não podia…
— Você podia ter me contado — Grayson disse baixinho. — Eu
teria cuidado disso, Bex.
Eu duvidava que os métodos de Grayson para cuidar disso
envolvessem entregar a mãe para a polícia.
— Drake fez mais uma tentativa — eu disse, fuzilando Rebecca.
— Você sabe disso, certo? Ele tentou nos jogar pra fora da estrada.
Ele podia ter me matado… e também Alisa, Oren e Thea.
Rebecca soltou um som distorcido no segundo em que eu disse o
nome de Thea.
— Rebecca — Grayson disse, sua voz baixa.
— Eu sei — Rebecca disse. — Mas Emily não ia querer…
— Emily se foi. — O tom de Grayson não era duro, mas suas
palavras deixaram Rebecca sem fôlego. — Bex. — Ele a fez olhá-lo.
— Rebecca. Eu vou cuidar disso, eu te prometo. Tudo vai ficar bem.
— Tudo não está bem — eu disse a Grayson.
— Pode ir agora — ele murmurou para Rebecca.
Ela saiu e nós ficamos sozinhos.
Grayson desceu para a sala escondida.
— Xander disse que você precisava de mim.
Ele tinha vindo. Talvez isso significasse mais se eu não tivesse
acabado de ter aquela conversa com Rebecca.
— Sua mãe tentou me matar.
— Minha mãe — Grayson retrucou — é uma mulher complicada.
Mas ela é da família.
E ele teria escolhido a família em vez de mim, todas as vezes.
— Se eu tivesse te pedido pra me deixar cuidar disso — ele
continuou —, você teria deixado? Eu posso garantir que nenhum
mal mais vai acontecer com você ou os seus.
Como exatamente ele podia garantir qualquer coisa não estava
claro, mas não havia dúvidas de que ele acreditava que podia. O
mundo se curva à vontade de Grayson Hawthorne, eu pensei no dia
em que o conheci, quão seguro de si ele parecia, quão invencível.
— E se eu apostar isso com você? — Grayson insistiu, já que eu
não respondi nada. — Você gosta de um desafio. Eu sei que gosta.
— Ele deu um passo na minha direção. — Por favor, Avery. Me dê a
chance de consertar isso.
Nada disso tinha conserto, mas ele só estava pedindo uma
chance. Eu não devo isso a ele. Eu não devo nada a ele. Mas…
Talvez tenha sido a expressão no rosto dele. Ou saber que ele já
tinha perdido tudo para mim. Talvez eu só quisesse que ele me
visse e pensasse em algo além de dezoito de outubro.
— Me desafie, então — eu disse. — Qual é o jogo?
Os olhos cinzentos de Grayson encontraram os meus.
— Pense num número — ele me disse. — De um a dez. Se eu
acertar, você me deixa cuidar da situação com a minha mãe do meu
jeito. Senão…
— Eu a entrego para a polícia.
Grayson deu meio passo na minha direção.
— Pense num número.
As chances estavam ao meu favor. Ele só tinha dez por cento de
chance de acertar. Eu tinha noventa por cento de chance de ele
errar. Eu levei um tempo escolhendo. Havia alguns números muito
óbvios. Sete, por exemplo. Eu podia escolher um extremo, um ou
dez, mas pareciam chutes fáceis também. Oito estava na minha
cabeça, pelos dias que passamos resolvendo a sequência
numérica. Quatro era o número de irmãos Hawthorne.
Se eu quero que ele não acerte, eu preciso de algo inesperado.
Sem rima, sem motivos.
Dois.
— Quer que eu anote o número?
— Onde? — Grayson perguntou baixo.
Eu engoli em seco.
— Como você sabe que eu não vou mentir se você acertar?
Grayson ficou quieto por alguns segundos, então falou:
— Eu confio em você.
Eu sabia com cada fibra do meu ser que Grayson Hawthorne não
confiava fácil, ou com frequência.
— Vá em frente.
Ele passou pelo menos tanto tempo gerando seu palpite quanto
eu tinha passado escolhendo meu número. Ele me olhou e eu podia
senti-lo tentando desvendar meus pensamentos e impulsos, me
resolver, como mais uma charada.
O que você vê quando olha para mim, Grayson Hawthorne?
Ele deu seu palpite.
— Dois.
Eu virei minha cabeça na direção do meu ombro, quebrando o
contato visual. Eu poderia ter mentido. Eu poderia ter dito que ele
estava errado. Mas não fiz isso.
— Bom chute.
Grayson soltou uma respiração curta, e então eu o senti
gentilmente virando meu rosto na direção do dele.
— Avery. — Ele quase nunca usava meu primeiro nome. Ele
gentilmente traçou meu queixo com os dedos. — Eu nunca mais vou
deixar alguém te machucar. Você tem a minha palavra.
Ele achava que podia me proteger. Ele queria me proteger. Ele
estava me tocando e tudo que eu queria era deixar. Deixar que ele
me protegesse. Deixar que ele me tocasse. Deixar que ele…
Passos. O ruído em cima me fez dar um passo para longe dele, e,
alguns momentos depois, Xander e Nash desceram para a sala.
Eu consegui olhar para eles, não para Grayson.
— E Jameson? — perguntei.
Xander pigarreou.
— Eu posso relatar que uma linguagem muito ofensiva foi usada
quando eu pedi a presença dele.
Nash desdenhou.
— Ele vai acabar vindo.
Então nós esperamos por cinco minutos, depois dez.
— É melhor vocês irem destrancando as de vocês — Xander
disse aos outros. — Suas mãos, por favor.
Grayson foi primeiro, depois Nash. Assim que as telas
escanearam as mãos deles, nós ouvimos o som de fechaduras se
abrindo, uma depois da outra.
— Três fechaduras já foram — Xander murmurou. — Falta uma.
Mais cinco minutos. Oito. Ele não vem, eu pensei.
— Jameson não vem — Grayson disse, como se tivesse pescado
o pensamento da minha mente com tanta facilidade quanto tinha
adivinhado meu número.
— Ele vem, sim — Nash repetiu.
— Eu não faço sempre o que me dizem?
Olhamos para cima e Jameson deu um pulo para dentro da sala.
Ele aterrissou entre seus irmãos e eu, indo quase até o chão para
absorver o choque. Ele se endireitou e então olhou nos olhos dos
irmãos, um por vez. Nash, Xander e Grayson.
Depois olhou para mim.
— Você não sabe a hora de parar, não é, Herdeira? — Isso não
parecia exatamente uma acusação.
— Sou mais forte do que pareço — respondi.
Ele me olhou por mais um momento e depois andou em direção à
porta. Ele espalmou a mão na tela com suas iniciais. A última
fechadura abriu e a porta destrancou. Ela se entreabriu – dois
centímetros, talvez três. Eu esperei que Jameson fosse entrar, mas,
em vez disso, ele voltou para a abertura e, agarrando as laterais
com as mãos, subiu para o andar superior.
— Aonde você vai? — perguntei.
Depois de tudo que tinha sido necessário para chegar até esse
ponto, ele não podia simplesmente ir embora.
— Para o inferno, quando chegar a hora — Jameson respondeu.
— Por enquanto, provavelmente para a adega.
Não. Ele não podia simplesmente ir embora. Ele tinha me
arrastado para dentro disso e agora ele devia ir até o fim. Eu saltei
na abertura, para ir atrás dele. Mas minhas mãos escorregaram.
Mãos fortes me agarraram por baixo – Grayson. Ele me empurrou
para cima e eu consegui sair e ficar de pé.
— Não vá embora — pedi.
Ele já estava andando. Quando ouviu a minha voz, ele parou, mas
não se virou.
— Eu não sei o que tem do outro lado daquela porta, Herdeira,
mas sei que o velho montou essa armadilha pra mim.
— Só pra você? — contestei, com firmeza na voz. — É por isso
que foi preciso dos quatro irmãos e do meu rosto pra chegar até
aqui? — Claramente Tobias Hawthorne queria que todos nós
estivéssemos aqui.
— Ele sabia que, qualquer jogo que ele deixasse, eu jogaria.
Nash talvez dissesse foda-se, Grayson ia se afundar nas
legalidades, Xander poderia estar pensando em mil e uma outras
coisas, mas eu ia jogar. — Eu via sua respiração ofegando e seu
sofrimento. — Então, sim, ele fez isso pra mim. O que quer que
esteja do outro lado daquela porta… — Jameson soltou outra
respiração trêmula. — Ele sabia. Ele sabia o que eu tinha feito e ele
queria ter certeza de que eu nunca ia esquecer.
— O que ele sabia? — perguntei.
Grayson apareceu ao meu lado e repetiu minha pergunta.
— O que o velho sabia, Jamie?
Nash e Xander também subiram para o túnel, mas minha mente
mal registrou a presença deles. Eu estava focada, completamente,
intensamente, em Jameson e Grayson.
— Sabia do que, Jamie?
Jameson se virou para encarar o irmão.
— Do que aconteceu em dezoito de outubro.
— Aquilo foi culpa minha. — Grayson andou para a frente,
pegando os ombros de Jameson com as mãos. — Eu que levei
Emily pra lá. Eu sabia que era uma má ideia e não me importei. Eu
só queria ganhar. Eu queria que ela me amasse.
— Mas eu segui vocês naquela noite. — A declaração de
Jameson ficou no ar por vários segundos. — Eu vi vocês dois
pularem, Gray.
De repente, era como se eu estivesse novamente com Jameson,
caminhando até a ponte. Ele tinha me contado duas mentiras e uma
verdade. Eu vi Emily Laughlin morrer.
— Você nos seguiu? — Grayson não conseguia compreender
isso. — Por quê?
— Masoquismo? — Jameson deu de ombros. — Eu estava puto.
— Ele fez uma pausa. — Quando você foi pegar as toalhas e eu…
— Jamie. — Grayson soltou as mãos. — O que você fez?
Grayson tinha me contado que foi buscar algumas toalhas e que,
quando ele voltou, Emily estava deitada na areia. Morta.
— O que você fez?
— Ela me viu. — Jameson desviou seu olhar do irmão e olhou
para mim. — Ela me viu e sorriu. Ela achou que tinha vencido. Ela
achou que eu ainda era dela, mas eu dei a volta e fui embora. Ela
chamou meu nome. Eu não parei. Eu a ouvi se engasgar. Ela estava
fazendo um barulhinho, como se estivesse sem conseguir respirar.
Eu levei a mão à boca, horrorizada.
— Eu achei que ela estava brincando comigo. Eu ouvi batidas na
água, mas não me virei. Eu estava a uns cem metros. Ela não
estava mais me chamando. Eu olhei pra trás. — A voz de Jameson
falhou. — Emily estava curvada, se arrastando pra fora da água. Eu
achei que ela estava fingindo.
Ele achou que ela estava tentando manipulá-lo.
— Eu só fiquei ali — Jameson disse, sem expressão. — Eu não
fiz nada pra ajudá-la.
Eu vi Emily Laughlin morrer. Eu achei que ia vomitar. Eu
conseguia imaginar a cena: Jameson estático, tentando mostrar a
ela que não era mais dela, tentando resistir.
— Ela desmaiou. Ela ficou imóvel e continuou imóvel. E então
você voltou, Gray, e eu fui embora. — Jameson estremeceu. — Eu
te odiei por levá-la àquele lugar, mas eu me odeio mais por tê-la
deixado morrer. Eu só fiquei ali e assisti.
— Foi o coração dela — eu disse. — O que você poderia…
— Eu podia ter tentado reanimá-la. Eu podia ter feito alguma
coisa. — Jameson engoliu em seco. — Mas não fiz. Eu não sei
como o velho sabia, mas ele me encurralou alguns dias depois. Ele
disse que sabia que eu tinha estado lá e perguntou se eu me sentia
culpado. Ele queria que eu te contasse, Gray, mas eu me recusei.
Eu disse que, se ele queria tanto que você soubesse que eu estava
lá, ele mesmo podia te contar. Mas ele não contou. No lugar… ele
fez isso.
A carta. A biblioteca. O testamento. O nome do meio deles. A data
do meu nascimento e da morte de Emily. Os números espalhados
por toda a propriedade. Os vitrais, a charada. A passagem pelo
túnel. A grade marcada com M.I.M. A sala escondida. A parede que
se move. A porta.
— Ele queria ter certeza — Jameson disse — de que eu nunca ia
esquecer.
— Não — Xander soltou. Os outros se viraram para ele. — Não é
isso — ele jurou. — Ele não estava ensinando uma lição. Ele queria
nós quatro aqui, juntos. Aqui.
Nash colocou a mão no ombro de Xander.
— O velho podia ser um belo canalha, Xan.
— Não é isso — Xander disse de novo, sua voz mais intensa do
que eu já tinha ouvido antes, como se ele não estivesse
especulando. Como se ele soubesse.
Grayson, que não tinha dito uma palavra desde a confissão de
Jameson, perguntou:
— O que exatamente você está dizendo, Alexander?
— Vocês dois pareciam fantasmas. Você era um robô, Gray. —
Xander estava falando rápido agora, quase rápido demais para que
o resto de nós acompanhasse. — Jamie era uma bomba-relógio.
Vocês se odiavam.
— E odiávamos a nós mesmos — Grayson concordou, sua voz
parecendo uma lixa.
— O velho sabia que estava doente — Xander admitiu. — Ele me
disse, logo antes de morrer. Ele me pediu pra fazer uma coisa pra
ele.
Nash apertou os olhos.
— E que coisa era essa?
Xander não respondeu. Grayson apertou os olhos.
— Você precisava garantir que nós íamos jogar.
— Era meu trabalho garantir que vocês fossem até o fim. —
Xander olhou de Grayson para Jameson. — Os dois. Se um de
vocês parasse de jogar, era meu trabalho atrair vocês de volta.
— Você sabia? — perguntei. — Esse tempo todo, você sabia pra
onde as pistas levavam?
Xander era quem tinha me ajudado a achar o túnel. Ele tinha
resolvido Black Wood. Mesmo bem no início…
Ele me disse que o avô não tinha um nome do meio.
— Você me ajudou — eu disse.
Ele tinha me manipulado. Me movido, como uma isca.
— Eu te disse que sou uma máquina de Rube Goldberg
ambulante. — Xander baixou os olhos. — Eu te avisei. Meio que
avisei. — Lembrei da vez que ele tinha me levado para ver a
máquina que havia construído. Eu perguntei o que aquilo tinha a ver
com Thea, e sua resposta tinha sido: Quem disse que isso tem algo
a ver com Thea?
Eu encarei Xander – o mais novo, mais alto e facilmente o mais
brilhante dos Hawthorne. Aonde você for, ele me disse no baile, eles
irão atrás. Esse tempo todo, eu pensei que Jameson estava me
usando. Eu achava que ele estava por perto por um motivo.
Nunca me ocorreu que Xander tinha seus motivos também.
— Você sabe por que seu avô me escolheu? — eu exigi saber. —
Você sabia a resposta esse tempo todo?
Xander ergueu as mãos na frente do corpo, como se ele achasse
que eu ia estrangulá-lo.
— Eu só sei o que ele quis que eu soubesse. Eu não tenho ideia
do que está do outro lado daquela porta. Eu só deveria trazer Jamie
e Gray até aqui. Juntos.
— Nós quatro — Nash corrigiu. — Juntos.
Lembrei do que ele me disse na cozinha: Às vezes você precisa
abrir uma ferida antes que ela possa sarar.
Era isso, então? Era esse o grande plano do velho? Me trazer
aqui, colocá-los em ação, esperar que o jogo fizesse a verdade
emergir?
— Não só nós quatro — Grayson replicou.
Então ele olhou para mim:
— Claramente esse jogo é pra cinco pessoas.
CAPÍTULO 87
***
Querida Avery,
Sinto muito.
T. T. H.
Eu tinha me perguntado pelo que ele sentia muito, mas estava
começando a achar que tinha invertido as coisas. Talvez ele não
tivesse deixado o dinheiro como um pedido de desculpas. Talvez ele
estivesse pedindo desculpas por deixar o dinheiro. Por me usar.
Ele me levou até ali por eles.
Dobrei a carta. Isso – tudo isso – não tinha nada a ver com a
minha mãe. Qualquer segredo que ela estivesse guardando, era
mais antigo que a morte de Emily. No fim das contas, toda essa
cadeia de eventos que mudou minha vida, explodiu minha cabeça e
tomou as manchetes não tinha nada a ver comigo. Eu era só uma
menininha com um nome engraçado que nasceu no dia certo.
Eu tenho netos, eu conseguia ouvir Tobias me dizendo, com a
mesma idade que a sua.
— Isso sempre foi por causa deles. — Eu disse em voz alta. — O
que eu faço agora?
O jogo acabou. O quebra-cabeça estava resolvido. Eu tinha
cumprido o meu propósito. E eu nunca tinha me sentido tão
insignificante na vida.
Meus olhos foram atraídos pela bússola embutida na superfície da
escrivaninha. Como da primeira vez que estive no escritório, eu girei
a bússola e o tampo da mesa se ergueu, revelando o compartimento
por baixo. Eu passei meu dedo de leve pelo T gravado na madeira.
E então eu olhei para minha carta, para a assinatura de Tobias
Hawthorne. T. T. H.
Voltei a prestar atenção na mesa. Jameson tinha me dito uma vez
que seu avô nunca havia comprado uma escrivaninha sem
compartimentos secretos. Tendo jogado o jogo, tendo morado na
Casa Hawthorne, eu não conseguia não ver as coisas diferente
agora. Eu pressionei a tábua de madeira na qual o T estava
gravado.
Nada.
Então eu coloquei meus dedos no T e empurrei. A madeira cedeu.
Click. E então voltou para o lugar.
— T — eu disse em voz alta. E então fiz a mesma coisa de novo.
Outro click. — T. — Eu encarei a tábua por um longo tempo antes
de ver: um espaço entre a madeira e o tampo da escrivaninha, na
base do T. Eu passei meus dedos por baixo e encontrei outra
reentrância e, acima dela, uma tranca. Eu soltei a tranca e a tábua
girou em sentido anti-horário.
Com o giro de noventa graus, eu não estava mais vendo um T.
Agora eu via um H. Apertei as três barras do H ao mesmo tempo.
Click. Um mecanismo de algum tipo foi acionado e a tábua
desapareceu dentro da mesa, revelando outro compartimento por
baixo.
T. T. H. Tobias Hawthorne tinha determinado que essa seria minha
ala. Ele tinha assinado minha carta com as iniciais, não com seu
nome. E essas iniciais tinham destrancado essa gaveta. Dentro
dela, havia uma pasta, parecida com a que Grayson tinha me
mostrado aquele dia na Fundação. Meu nome, meu nome completo,
estava escrito na parte de cima.
Avery Kylie Grambs.
Agora que eu tinha visto o anagrama do meu nome, eu não
conseguia desver. Incerta do que encontraria, e até do que eu
estava esperando, eu puxei a pasta e a abri. A primeira coisa que vi
foi uma cópia da minha certidão de nascimento. Tobias Hawthorne
tinha grifado minha data de nascimento – e a assinatura do meu pai.
A data fazia sentido. Mas a assinatura?
Eu tenho um segredo, minha mãe costumava dizer. Sobre o dia
em que você nasceu.
Eu não tinha ideia do que pensar disso – de nada disso. Eu
passei para a próxima página, e depois para a próxima, e a próxima.
Elas estavam cheias de fotos, quatro ou cinco por ano, desde
quando eu tinha seis anos.
Ele deve ter acompanhado sua vida, eu conseguia ouvir Grayson
dizendo. Uma menininha com um nome engraçado.
O número de fotos aumentou significativamente depois do meu
aniversário de dezesseis anos. Depois que Emily morreu. Havia
tantas, como se Tobias Hawthorne tivesse mandado alguém para
vigiar todos os meus movimentos. Você não poderia arriscar tudo
em uma estranha completa, eu pensei. Tecnicamente, era
exatamente isso que ele tinha feito, mas, olhando essas fotos, eu fui
tomada pela sensação de que Tobias Hawthorne tinha feito a lição
de casa.
Eu não era só um nome e uma data para ele.
Havia fotos minhas comandando jogos de pôquer no
estacionamento e fotos de mim carregando copos demais no
restaurante. Havia uma foto de mim com Libby em que estávamos
rindo e uma em que eu estava colocando meu corpo entre ela e
Drake. Havia uma foto minha jogando xadrez no parque e uma de
mim e Harry na fila para o café da manhã em que você só podia ver
a parte de trás das nossas cabeças. Havia até uma de mim no meu
carro, segurando uma pilha de cartões-postais na mão.
Fui fotografada até quando estava sonhando.
Tobias Hawthorne não tinha me conhecido, mas ele sabia sobre
mim. Eu posso ter sido uma aposta muito arriscada. Eu posso ter
sido parte do quebra-cabeça, e não uma jogadora. Mas esse
bilionário sabia que eu podia jogar. Ele não entrou nisso cegamente
e torceu para que o melhor acontecesse. Ele tinha tramado e
planejado, e eu tinha sido parte desse cálculo. Não apenas Avery
Kylie Grambs, nascida no dia em que Emily Laughlin havia morrido
– mas a menina das fotos.
Eu pensei no que Jameson tinha falado para mim na primeira
noite em que ele chegou ao meu quarto pelas passagens que
davam na lareira. Tobias Hawthorne tinha me deixado sua fortuna –
tudo que ele tinha deixado para eles era eu.
CAPÍTULO 90
Fui para a escola e, quando voltei para casa, liguei para Max,
sabendo que ela provavelmente ainda estava sem celular. Minha
ligação caiu na caixa postal.
— Aqui é Maxine Liu. Eu fui sequestrada pelo equivalente
tecnológico de um convento virtual. Tenham um dia abençoado,
seus canalhas podres.
Eu tentei o celular do irmão dela e a ligação também caiu na caixa
postal.
— Você ligou pra Isaac Liu. — Max tinha tomado conta da caixa
postal dele também. — Ele é um irmão mais novo totalmente
tolerável e, se você deixar uma mensagem, ele provavelmente vai te
ligar de volta. Avery, pare de tentar ser assassinada. Você me deve
a Austrália!
Eu não deixei recado – mas eu planejei ver com Alisa o que seria
necessário para mandar toda a família Liu de primeira classe para a
Austrália. Eu não podia viajar até que meu tempo na Casa
Hawthorne tivesse acabado, mas Max podia.
Eu devia isso a ela.
Me sentindo sem rumo, doendo com o que Grayson tinha falado e
sem Max para me ajudar a processar, eu fui atrás de Libby. Nós
realmente precisávamos arranjar um celular para ela, porque uma
pessoa podia se perder naquela casa.
Eu não queria perder mais ninguém.
Poderia ter sido difícil encontrá-la, mas, quando eu cheguei perto
da sala de música, ouvi o piano tocando. Eu segui a música e
encontrei Libby sentada no banco do piano ao lado de Nan. As duas
estavam sentadas de olhos fechados, escutando.
O olho roxo de Libby finalmente tinha sumido. Vê-la com Nan me
fez pensar no trabalho que Libby tinha antes. Eu não podia pedir a
ela para só ficar sentada na Casa Hawthorne o dia todo sem fazer
nada.
Eu me perguntei o que Nash Hawthorne sugeriria. Eu poderia
pedir a ela para montar um plano de negócios. Talvez um food
truck?
Ou talvez ela também quisesse viajar. Até que o testamento fosse
autenticado, eu estava limitada no que podia fazer – mas a boa
gente da McNamara, Ortega e Jones tinha motivos para querer me
agradar. Logo o dinheiro seria meu. Logo ele sairia do fundo.
Logo eu seria uma das mulheres mais ricas e poderosas do
planeta.
A música do piano acabou e minha irmã e Nan ergueram os olhos
e me viram. Libby encarnou na hora a mãe protetora:
— Você tem certeza de que está bem? Você não parece bem.
Eu pensei em Grayson. Em Jameson. No que eu tinha ido fazer
ali.
— Estou bem — respondi, com a voz firme o suficiente para que
eu quase acreditasse.
Ela não se deixou enganar.
— Eu vou fazer alguma coisa pra você comer — ela disse. —
Você já comeu quiche? Eu nunca fiz quiche.
Eu não tinha muita vontade de provar um, mas cozinhar era a
forma de Libby demonstrar amor. Ela foi para a cozinha. Eu ia segui-
la, mas Nan me impediu.
— Fique aqui — ela ordenou.
Não havia nada que eu pudesse fazer exceto obedecer.
— Soube que minha neta está indo embora — Nan disse, rígida,
depois de me deixar passando nervoso por um tempo.
Pensei em enrolar e não responder direito, mas ela tinha provado
não ser do tipo que tem paciência para amenidades.
— Ela mandou me matar.
Nan desdenhou.
— Skye nunca gostou de sujar as mãos ela mesma. Na minha
opinião, se você quer matar alguém, deve ter ao menos a decência
de fazer isso com as próprias mãos, e fazer direito.
Essa provavelmente era a conversa mais estranha que eu já tinha
tido na vida, e isso não era pouco.
— Não que as pessoas sejam decentes hoje em dia — Nan
continuou. — Nenhum respeito. Nenhum respeito próprio. Nenhuma
coragem. — Ela suspirou. — Se minha pobre Alice pudesse ver
suas filhas agora…
Eu me perguntei como tinha sido para Skye e Zara crescer na
Casa Hawthorne. Como tinha sido para Toby.
O que os deixou perturbados assim?
— Seu genro mudou o testamento depois que Toby morreu. — Eu
estudei a expressão de Nan, me perguntando se ela sabia.
— Toby era um bom menino — Nan disse com aspereza. — Até
não ser mais.
Eu não tinha certeza de como entender isso.
As mãos dela tocaram um medalhão em volta do seu pescoço.
— Ele era a criança mais doce, esperta. Igualzinho ao pai,
costumavam dizer, mas, ah, aquele menino tinha uma dose de mim.
— O que aconteceu? — perguntei.
A expressão de Nan ficou sombria.
— Decepcionou a minha Alice. Decepcionou a todos nós, na
verdade. — Seus dedos apertaram o medalhão, e sua mão
estremeceu. Ela tensionou o maxilar e abriu o medalhão. — Olhe
pra ele — ela me disse, mostrando uma foto. — Olhe pra esse
menino doce. Ele tinha dezesseis anos nessa foto.
Eu me inclinei para ver melhor, me perguntando se Tobias
Hawthorne Segundo se parecia com algum dos sobrinhos. O que eu
vi me deixou sem fôlego.
Não.
— Esse é o Toby? — Eu não conseguia respirar. Não conseguia
pensar.
— Ele era um bom menino — Nan resmungou.
Eu mal a escutei. Eu não conseguia desviar meus olhos da
imagem. Eu não conseguia falar porque eu conhecia aquele
homem. Ele estava mais jovem na foto, muito mais jovem, mas
aquele rosto era inconfundível.
— Herdeira? — uma voz falou da porta. Eu olhei e vi Jameson
parado na entrada. Ele parecia diferente dos últimos dias. Mais leve,
de alguma forma. Vagamente menos raivoso. Capaz de oferecer um
sorrisinho torto para mim.
— O que deixou você sem ar?
Eu olhei de volta para o medalhão e minha inspiração queimou
meus pulmões.
— Toby — eu consegui dizer. — Eu o conheço.
— Você o quê? — Jameson andou na minha direção. Ao meu
lado, Nan ficou muito quieta.
— Eu jogava xadrez com ele no parque — eu disse. — Toda
manhã.
Harry.
— Isso é impossível — Nan disse, com a voz trêmula. — Toby
está morto há vinte anos.
Vinte anos atrás, Tobias Hawthorne tinha deserdado sua família
inteira. O que é isso? Que raios está acontecendo aqui?
— Você tem certeza, Herdeira? — Jameson estavam bem ao meu
lado agora. Eu vi como Jameson olha pra você, Grayson tinha dito.
— Você tem certeza absoluta?
Eu olhei para Jameson. Isso não parecia real. Eu tenho um
segredo, eu ouvi minha mãe dizendo, sobre o dia em que você
nasceu…
Eu peguei a mão de Jameson e apertei com força.
— Eu tenho certeza.
EPÍLOGO
Alexander,
Muito bem.
Tobias Hawthorne
Muito bem. Ele tinha levado seus irmãos ao fim do jogo. Ele tinha
levado Avery até lá também. Ele tinha feito exatamente como tinha
prometido – mas o velho tinha feito uma promessa para ele também.
Quando o jogo deles terminar, o seu vai começar.
Xander nunca tinha competido da mesma forma que os irmãos,
mas como ele queria. Ele não estava mentindo quando disse a
Avery que, só uma vez, ele queria ganhar. Quando eles chegaram à
última sala, quando ela abriu a caixa, quando ele rasgou seu
envelope, ele estava esperando… alguma coisa.
Uma charada.
Um quebra-cabeça.
Uma pista.
E tudo que ele tinha recebido eram essas palavras: Muito bem.
— Xander? — Rebecca disse suavemente ao lado dele. — O que
estamos fazendo aqui?
— Suspirando de forma melodramática — Thea disse, impaciente.
— Óbvio.
Ter conseguido levar as duas para o mesmo cômodo era um feito.
Ele nem estava certo da razão pela qual tinha feito isso, além do
fato de que ele precisava de uma testemunha. Testemunhas. Se
Xander fosse honesto consigo mesmo, ele tinha levado Rebecca
porque a queria ali, e tinha levado Thea, porque, senão…
Ele teria ficado sozinho com Rebecca.
— Existem vários tipos de tinta invisível — Xander disse a elas.
Nos últimos dias, ele tinha colocado um fósforo aceso no verso do
papel, aquecendo a superfície. Ele comprou uma lâmpada
ultravioleta. Ele tinha tentado todas as formas que conhecia para
encontrar uma mensagem secreta na carta, exceto uma.
— Mas só existe um tipo — ele continuou dizendo, com a voz
uniforme — que destrói a mensagem depois que ela for revelada.
Se ele estivesse errado, tinha acabado. Não haveria jogo, nem
vitória. Xander não queria fazer aquilo sozinho.
— O que exatamente você acha que vai encontrar? — Thea
perguntou a ele.
Xander olhou a carta uma última vez.
Alexander,
Muito bem.
Tobias Hawthorne.
@globolivros
https://www.facebook.com/globolivros
@GloboLivros
Copyright © 2020 by Jennifer Lynn Barnes
Copyright da tradução © 2021 by Editora Globo S.A.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou
reproduzida — em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia,
gravação etc. — nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados sem a
expressa autorização da editora.
B241j
Barnes, Jennifer Lynn
Jogos de herança / Jennifer Lynn Barnes ; tradução Isadora Sinay. - 1. ed. - Rio de
Janeiro : Globo Alt, 2021.
432 p. ; 21 cm.
21-69569
CDD: 813
CDU: 82-31(73)
1ª edição, 2021
Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos por Editora Globo S.A.
Rua Marquês de Pombal, 25
20.230-240 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
www.globolivros.com.br
Tradução
Isadora Sinay
© Kim Haynes Photography
Pular sumário [ »» ]
Dedicatória
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capìtulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Capítulo 74
Capítulo 75
Capítulo 76
Capítulo 77
Capítulo 78
Capítulo 79
Capítulo 80
Capítulo 81
Capítulo 82
Capítulo 83
Capítulo 84
Capítulo 85
Capítulo 86
Capítulo 87
Capítulo 88
Capítulo 89
Capítulo 90
Agradecimentos
Créditos
Para Charlie
CAPÍTULO 1
Feita nossa aposta, Jameson saiu por um lado dos túneis e eu,
por outro. A Casa Hawthorne era imensa, enorme, grande o
suficiente para mesmo depois de três semanas eu ainda não ter
visto tudo. Era possível passar anos explorando o lugar e ainda não
conhecer todos os cantos, todas as passagens secretas e
compartimentos escondidos — sem contar os túneis subterrâneos.
Para minha sorte, eu aprendia rápido. Cortei caminho por baixo
da ala do ginásio até um túnel que passava por baixo da sala de
música. Passei por baixo do solário, então subi por uma escada
escondida até o salão principal, onde encontrei Nash Hawthorne
casualmente apoiado em uma lareira de pedra. Esperando.
— Ei, menina.
Nash nem pestanejou quando me viu surgir aparentemente do
nada. Na verdade, o mais velho dos irmãos Hawthorne dava a
impressão de que se toda a mansão desabasse, ele só continuaria
apoiado naquela lareira. Nash Hawthorne provavelmente inclinaria
seu chapéu de cowboy para a própria Morte.
— Ei — respondi.
— Imagino que você não tenha visto Grayson? — perguntou
Nash, o sotaque do Texas fazendo com que a frase soasse quase
preguiçosa.
Isso não serviu em nada para aliviar o impacto do que ele tinha
acabado de dizer.
— Não.
Mantive minha resposta curta e meu rosto impassível. Grayson
Hawthorne e eu estávamos mantendo distância.
— E eu imagino que você não saiba nada de uma conversa que
Gray teve com a nossa mãe logo antes dela se mudar?
Skye Hawthorne, a filha mais nova de Tobias Hawthorne e mãe
dos quatro netos Hawthorne, tinha tentado mandar me matar. A
pessoa que efetivamente tinha puxado o gatilho estava em uma cela
na cadeia, mas Skye tinha sido forçada a sair da Casa Hawthorne.
Por Grayson. Eu sempre vou te proteger, ele me disse. Mas isso…
nós… Não pode acontecer, Avery.
— Nem ideia — eu disse simplesmente.
— Imaginei. — Nash me deu uma piscadela. — Sua irmã e sua
advogada estão procurando por você. Ala leste.
Era uma frase carregada e tanto. Minha advogada era a ex-noiva
dele e minha irmã era…
Eu não sabia o que Libby e Nash Hawthorne eram.
— Obrigada — eu disse a ele, mas, quando cheguei ao topo da
escada em espiral da Ala Leste da Casa Hawthorne, não fui atrás de
Libby. Nem de Alisa. Eu tinha feito uma aposta com Jameson e
pretendia ganhar. Primeira parada: o escritório de Tobias
Hawthorne.
No escritório havia uma escrivaninha de mogno e, atrás dela, uma
parede com troféus, patentes e livros com o nome Hawthorne na
lombada — um impressionante lembrete visual de que não havia
nada de ordinário nos irmãos Hawthorne. Eles tinham recebido
todas as oportunidades e o velho esperava que eles fossem
extraordinários. Mas eu não tinha ido até ali admirar troféus.
Em vez disso, me sentei na escrivaninha e abri o compartimento
secreto que eu havia descoberto pouco tempo antes. Ele continha
uma pasta, e, dentro dela, havia fotos minhas. Incontáveis fotos,
cobrindo anos. Depois daquele encontro transformador na
lanchonete, Tobias Hawthorne tinha se mantido atualizado a meu
respeito. Tudo por causa do meu nome? Ou ele tinha algum outro
motivo?
Passei pelas fotos e puxei duas. Jameson estava certo, lá nos
túneis: eu estava escondendo algo dele. Eu tinha sido fotografada
com Toby duas vezes, mas nas duas vezes tudo que o fotógrafo
havia conseguido capturar do homem ao meu lado era sua nuca.
Tobias Hawthorne havia reconhecido Toby por trás? “Harry” tinha
percebido que estávamos sendo fotografados e virou sua cabeça de
propósito?
No que diz respeito a pistas, aquilo não era muita coisa. Tudo que
o arquivo provava era que Tobias Hawthorne já estava de olho em
mim havia anos quando “Harry” apareceu. Passei pelas fotos até
uma cópia da minha certidão de nascimento. A assinatura da minha
mãe era nítida, a do meu pai, uma mistura estranha de letra cursiva
e de forma. Tobias Hawthorne havia grifado a assinatura do meu
pai, assim como minha data de nascimento.
18/10. Eu sabia o significado daquilo. Grayson e Jameson haviam
amado uma garota chamada Emily Laughlin. A morte dela — no dia
18 de outubro — os havia separado. Mas por que Tobias Hawthorne
teria grifado a assinatura do meu pai? Ricky Grambs não era
ninguém. Nem se importava o suficiente para ligar quando minha
mãe morreu. Se fosse por ele, eu teria ido para uma família adotiva.
Encarando a assinatura de Ricky, desejei que o que quer que Tobias
Hawthorne estivesse pensando quando a grifou ficasse claro.
Nada.
No fundo da cabeça, ouvi a voz da minha mãe. Eu tenho um
segredo, ela me disse, muito antes de Tobias Hawthorne me incluir
em seu testamento, sobre o dia que você nasceu.
Ao que quer que ela estivesse se referindo, eu nunca ia adivinhar,
visto que ela não estava mais aqui. A única coisa que eu sabia com
certeza é que eu não era uma Hawthorne. Se o nome do meu pai na
certidão de nascimento não fosse prova suficiente, um teste de DNA
já tinha confirmado que eu não tinha sangue Hawthorne.
Por que Toby me procurou? Ele me procurou mesmo? Pensei no
que Jameson havia dito a respeito do avô matar doze coelhos com
uma cajadada. Passando pelo arquivo de novo, tentei encontrar
alguma faísca de significado. O que eu não estava vendo? Tinha
que ter alguma coisa…
Uma batida na porta foi o único aviso que tive antes da maçaneta
começar a girar. Com rapidez, recolhi as fotos e enfiei o arquivo de
volta no compartimento secreto.
— Aí está você. — Alisa Ortega, advogada, era um modelo de
profissionalismo. Ela ergueu as sobrancelhas, fazendo o que eu
havia mentalmente apelidado de Cara de Alisa. — Eu estaria correta
em imaginar que você se esqueceu do jogo?
— O jogo — repeti, sem saber de qual jogo ela estava falando. Eu
sentia que estava jogando desde o momento em que passei pela
porta da Casa Hawthorne.
— O jogo de futebol — explicou ela, ainda fazendo Cara de Alisa.
— Segunda parte da sua apresentação à sociedade texana. Com a
saída de Skye da Casa Hawthorne, as aparências são mais
importantes do que nunca. Precisamos controlar a narrativa. Essa é
uma história de Cinderela, não um escândalo, e isso significa que
você precisa fazer a Cinderela. Em público. O mais frequente e
convincentemente possível, começando ao fazer uso do seu
camarote de proprietária essa noite.
Camarote de proprietária. Lembrei.
— O jogo — repeti de novo, compreensão surgindo. — Tipo, o
jogo de futebol americano. Porque eu sou dona de um time de
futebol.
Aquilo ainda era tão absolutamente inacreditável que quase
conseguia me distrair da outra parte do que Alisa havia dito — a
parte sobre Skye. Pelo acordo que eu havia feito com Grayson, eu
não podia contar para ninguém do dedo da mãe dele na minha
tentativa de assassinato. Em troca, ele havia dado um jeito na
situação.
Como ele tinha prometido.
— Há quarenta e oito lugares na suíte do dono — disse Alisa,
entrando sem seu modo palestrante. — Um mapa geral dos
assentos é criado com meses de antecedência. Só VIPs. Não é só
futebol, é uma forma de comprar um lugar em uma dúzia de mesas.
Os convites são muito cobiçados por todo tipo de gente: políticos,
celebridades, CEOs. Eu pedi a Oren para checar todo mundo na
lista de hoje e teremos um fotógrafo profissional à disposição para
alguns registros estratégicos. Landon preparou um release para a
imprensa que vai sair uma hora antes do jogo. Só é preciso se
preocupar com…
Alisa deixou a frase no ar, educadamente.
Eu ri.
— Comigo?
— É uma história de Cinderela — lembrou Alisa. — O que você
acha que Cinderela usaria para seu primeiro jogo da NFL?
A pergunta tinha que ser capciosa.
— Algo assim?
Libby apareceu pela porta. Ela estava usando a camisa do time,
um cachecol combinando, luvas combinando e botas combinando.
Seu cabelo azul estava preso em maria-chiquinhas com um monte
de fitas azuis e douradas.
Alisa forçou um sorriso.
— Isso — ela me disse. — Algo assim… menos o batom preto, o
esmalte preto e a gargantilha.
Libby era basicamente a gótica mais alegre do mundo, e Alisa não
era fã do senso de moda da minha irmã.
— Como eu vinha dizendo — Alisa continuou enfaticamente —,
essa noite é importante. Enquanto Avery faz a Cinderela para as
câmeras, eu vou circular entre os convidados e ter uma noção
melhor do que eles pensam.
— Em relação a quê? — perguntei.
Tinham me dito várias vezes que o testamento de Tobias
Hawthorne era inquestionável. Até onde eu sabia, a família
Hawthorne havia desistido de tentar questioná-lo.
— Sempre cai bem ter mais alguns poderosos do seu lado —
disse Alisa. — E nós queremos nossos aliados tranquilos.
— Espero não estar interrompendo — falou Nash, como se
tivesse esbarrado com nós três por acaso, como se não tivesse sido
ele quem me avisou que Alisa e Libby estavam me procurando. —
Continue, Li-Li — disse para minha advogada. — Você estava
falando de tranquilidade?
— Nós precisamos que as pessoas saibam que Avery não está
aqui para bagunçar as coisas. — Alisa evitou olhar diretamente para
Nash, como uma pessoa que evita olhar para o sol. — Seu avô tinha
investimentos, sócios, relações políticas, e essas coisas exigem um
equilíbrio cuidadoso.
— O que ela quer dizer com isso — disse Nash, dirigindo-se a
mim — é que ela precisa que as pessoas pensem que o McNamara,
Ortega e Jones tem a situação totalmente sob controle.
A situação? Ou eu? Eu não gostava da ideia de ser marionete de
ninguém. Na teoria, pelo menos, o escritório deveria trabalhar para
mim.
Aquilo me deu uma ideia.
— Alisa? Lembra quando eu te pedi para mandar dinheiro para
um amigo meu?
— Harry, não foi? — Alisa respondeu, mas eu tive a clara
sensação de que a atenção dela estava dividida em três: minha
pergunta, seus grandes planos para a noite e a forma como os
lábios de Nash se curvaram para cima quando ele viu a roupa de
Libby.
A última coisa que eu precisava era minha advogada concentrada
na forma como o ex dela olhava para minha irmã.
— Isso. Você conseguiu mandar o dinheiro para ele? — perguntei.
A forma mais simples de conseguir respostas seria encontrar
Toby... antes que Jameson o fizesse.
Alisa desviou o olhar de Libby e Nash.
— Infelizmente — ela disse, ríspida —, meu pessoal não
conseguiu achar nenhum sinal do seu Harry.
Refleti sobre o que aquilo queria dizer. Toby Hawthorne havia
aparecido no parque dias depois da morte da minha mãe; menos de
um mês depois de eu ir embora, ele havia desaparecido.
— Agora — continuou Alisa, torcendo as mãos em frente ao corpo
—, quanto ao seu guarda-roupa…
CAPÍTULO 3
***
Tinham me dito que a Casa Hawthorne era mais segura que a Casa
Branca. Eu tinha visto os homens de Oren. Eu sabia que ninguém
entrava na propriedade sem uma verificação profunda de
antecedentes e que havia um extenso sistema de monitoramento.
Mas há uma diferença entre saber disso objetivamente e ver a
operação. A sala de vigilância estava coberta por monitores. A maior
parte da filmagem de segurança se concentrava no perímetro e nos
portões, mas havia alguns monitores que mostravam os corredores
da Casa Hawthorne, um por um.
— Eli — chamou Oren.
Um dos guardas que estava monitorando as transmissões se
levantou. Ele parecia ter uns vinte e poucos anos, com corte de
cabelo militar, muitas cicatrizes e olhos azuis brilhantes com uma
borda cor de âmbar na pupila.
— Avery — disse Oren —, esse é Eli. Ele vai te acompanhar na
escola, pelo menos até eu terminar uma análise completa da
situação com o armário. Ele é o membro mais jovem da nossa
equipe, então vai se misturar melhor do que o resto de nós.
Eli parecia um militar... parecia um guarda-costas. Não parecia
que ia conseguir se misturar na minha escola.
— Achei que você não estava preocupado com o meu armário —
eu disse a Oren.
O chefe de segurança me olhou nos olhos.
— Não estou.
Mas ele também não ia arriscar.
— O que, precisamente — disse Grayson, vindo por trás de mim
—, aconteceu no seu armário?
Senti um impulso breve e irritante de contar a ele, de deixá-lo me
proteger, como ele havia jurado que faria. Mas nem tudo era da
conta de Grayson Hawthorne.
— Cadê a lista? — perguntei, me afastando dele e voltando a
conversa para o motivo de eu estar ali.
Oren acenou com a cabeça para Eli e o jovem me deu uma lista,
literalmente. Nomes. O primeiro era RICKY GRAMBS. Eu franzi o
cenho, mas consegui ler o restante por alto. Havia talvez trinta
nomes no total.
— Quem são essas pessoas? — perguntei, minha garganta se
apertando em volta das palavras.
— Possíveis perseguidores — Oren respondeu. — Pessoas que
tentaram invadir a propriedade. Fãs intensos demais. — Ele apertou
os olhos. — Skye Hawthorne.
Isso me deu a entender que meu chefe de segurança sabia por
que Skye havia deixado a Casa Hawthorne. Eu tinha jurado segredo
a Grayson, mas aquela era a Casa Hawthorne. A maior parte dos
ocupantes era mais esperta do que devia para o próprio bem — e
de todo o resto.
— Você poderia me dar um momento com Avery? — Grayson fez
a Oren a gentileza de fingir que aquele era um pedido.
Pouco impressionado, Oren olhou para mim e arqueou uma
sobrancelha, perguntando. Fiquei tentada a manter Oren ali só por
despeito, mas, em vez disso, fiz que sim para meu chefe de
segurança e ele e seus homens lentamente saíram da sala. Eu meio
que esperava que Grayson fosse me questionar sobre por que eu
tinha contado a Oren sobre Skye, mas, quando nós dois ficamos
sozinhos, o questionamento nunca veio.
— Você está bem? — foi o que Grayson me perguntou. —
Entendo que isso é muita coisa para absorver.
— Estou bem — insisti, mas dessa vez não consegui juntar forças
para dizer a ele que eu não precisava de proteção.
Eu já sabia, objetivamente, que precisaria de segurança pelo
resto da minha vida, mas ver as ameaças no papel era diferente.
— Meu avô tinha uma Lista também — Grayson disse, baixo. —
Ossos do ofício.
Da fama? Da riqueza?
— Em relação à situação que discutimos noite passada —
Grayson continuou, sua voz baixa —, você entende agora por que
precisamos deixar pra lá? — Ele não disse o nome de Toby. — A
maior parte das pessoas na Lista perderia o interesse em você se
você perdesse sua fortuna. A maior parte delas.
Mas não todas. Encarei Grayson por um momento, meu olhar se
demorando no rosto dele. Se eu perdesse minha fortuna, perderia
minha equipe de segurança. Era isso que ele queria que eu
entendesse.
— Eu entendo — respondi, desviando meu olhar do de Grayson
porque eu também entendia o seguinte: eu era uma sobrevivente.
Cuidava de mim mesma. E eu não me permitiria querer ou esperar
nada dele.
Eu me virei e encarei os monitores de segurança. Um movimento
rápido em uma das transmissões chamou minha atenção. Jameson.
Tentei não ser óbvia ao observá-lo caminhar determinado por um
corredor que eu não sabia onde ficava. O que você está aprontando,
Jameson Hawthorne?
Ao meu lado, a atenção de Grayson estava em mim, não nos
monitores.
— Avery?
Ele parecia quase hesitante. Antes, eu não tinha certeza de que
Grayson Davenport Hawthorne, antigo herdeiro aparente, era capaz
de hesitar.
— Estou bem — falei de novo, me mantendo meio de olho na tela.
Um momento depois, a transmissão passou para outro corredor e
eu vi Xander, caminhando tão determinado quanto Jameson. Ele
carregava algo nas mãos.
Uma marreta? Por que ele teria uma…
A pergunta se interrompeu na minha mente, porque reconheci o
cenário de Xander e de repente soube exatamente aonde ele estava
indo. E eu apostaria meu último centavo que Jameson estava indo
para lá também.
CAPÍTULO 7
Minha rotina matinal levava cinco vezes mais tempo agora do que
levava antes de eu ter uma equipe de stylists, um consultor de mídia
e um “visual”. Quando terminei de aplicar oito loções diferentes no
rosto e pelo menos metade disso no cabelo, tomar café da manhã
estava fora de questão. Atrasada, corri para a cozinha — que não
deve ser confundida com a cozinha do chefe — para pegar uma
banana e fui recebida pelo som da porta do forno se fechando.
A sra. Laughlin se endireitou e limpou as mãos no avental. Ela
apertou os olhos castanhos suaves ao me ver.
— Posso te ajudar com alguma coisa?
— Banana? — perguntei. Algo na expressão dela tornou difícil
formar uma frase inteira. Eu ainda não estava acostumada a ter
funcionários. — Quer dizer, tem banana, por favor?
— Boa demais para café da manhã? — respondeu a sra.
Laughlin, rígida.
— Não — eu disse rapidamente. — É só que estou atrasada e…
— Não importa.
A sra. Laughlin conferiu o conteúdo de outro forno. Pelo que
haviam me dito, os Laughlin gerenciavam a propriedade havia
décadas. Eles não tinham ficado muito felizes quando eu a herdara,
mas tudo continuava a funcionar como um relógio.
— Pegue o que quiser. — A sra. Laughlin apontou, ríspida, para
uma fruteira. — Seu tipo de gente sempre faz isso mesmo.
Meu tipo de gente? Engoli o impulso de atirar uma resposta.
Claramente, eu tinha cometido algum erro. E, mais claramente
ainda, não queria estar na lista de inimigos dela.
— Se isso é por causa do que aconteceu com o sr. Laughlin
ontem… — eu disse, lembrando da forma como o marido dela havia
nos expulsado da ala de Toby.
— Fique longe do sr. Laughlin. — A sra. Laughlin limpou as mãos
no avental mais uma vez, com mais força. — Já é ruim o suficiente o
que você fez com a pobre Nan.
Nan? Minha resposta veio com minha próxima respiração. A
bisavó dos meninos tinha sido quem me mostrara uma foto de Toby.
Ela estava lá quando eu percebi que o conhecia.
— Nan te contou — eu disse lentamente. — Sobre Toby.
Pensei no aviso de Grayson, na importância daquele segredo
permanecer oculto.
Xander sabia — e a sra. Laughlin. Muito possivelmente o seu
marido também.
— Você devia ter vergonha — a sra. Laughlin disse com
ferocidade. — Brincando com os sentimentos de uma velha senhora
assim. E arrastando os meninos para o que quer que você estivesse
fazendo na ala de Toby? É crueldade, é isso que é.
— Crueldade? — repeti, e foi então que percebi: ela achava que
eu estava mentindo.
— Toby está morto — a sra. Laughlin disse, sua voz tensa. — Ele
se foi e toda a Casa ficou de luto por ele. Eu amava aquele menino
como se fosse meu. — Ela fechou os olhos. — E só de pensar em
você atormentando Nan, dizendo àquela pobre mulher que ele está
vivo… emporcalhando as coisas dele… — A sra. Laughlin forçou-se
a abrir os olhos. — Essa família já não sofreu o suficiente sem você
inventar algo assim?
— Eu não estou mentindo — eu disse, me sentindo enjoada. —
Eu não faria isso.
A sra. Laughlin apertou os lábios. Eu podia vê-la engolindo o que
quer que quisesse dizer. Em vez disso, ela me entregou uma
banana com rispidez.
— Vá para a aula.
CAPÍTULO 10
Como Oren havia dito, Eli ficou ao meu lado na escola. Apesar de
meu chefe de segurança ter prometido que ele iria “se misturar”, não
havia nada de discreto em uma menina de dezessete anos com um
segurança ao lado.
Estudos Americanos. Filosofia da Consciência. Cálculo. Criando
Sentido. Nas aulas, meus colegas não o encararam. Eles evitaram
encarar, de forma tão óbvia que foi pior. Quando cheguei na aula de
física, eu já estava pronta para me arriscar sozinha com os
comentaristas de internet e vândalos de armário do mundo.
— Você não pode esperar no corredor? — perguntei a Eli.
— Se eu quiser perder meu emprego — ele respondeu, simpático
—, claro.
Parte de mim precisava se perguntar se Oren estava mesmo
fazendo tudo aquilo por causa do incidente do armário — ou se era
porque Ricky estava na cidade causando problemas.
Tentando afastar o pensamento, desabei em uma cadeira. Em um
dia normal, o fato de que o laboratório de física da minha escola
lembrava a NASA ainda teria me provocado algum encanto, mas eu
tinha outras coisas em mente.
Logo antes da aula começar, Thea se sentou à minha bancada no
laboratório. Ela passou os olhos por Eli e então se voltou para mim.
— Nada mal — murmurou.
Minha vida era literalmente notícia de tabloide, mas pelo menos
Thea Calligaris achava meu novo guarda-costas gato.
— O que você quer? — perguntei em um sussurro.
— Coisas que eu não deveria querer — Thea refletiu. — Coisas
que não posso ter. Qualquer coisa que me digam que está fora de
alcance.
— O que você quer de mim? — esclareci, mantendo minha voz
baixa o suficiente para evitar que qualquer um além de Eli nos
ouvisse.
A aula começou antes que Thea se dignasse a responder, e ela
não falou de novo até que fossemos liberados para a tarefa de
laboratório.
— Rebecca e eu estávamos lá quando Sir Lance-Nerd afundou
aquela carta na banheira — Thea disse casualmente. — Sabemos
do novo jogo. — A expressão dela mudou e, por um milésimo de
segundo, Thea Calligaris pareceu quase vulnerável. — Foi a
primeira coisa em uma eternidade que fez Bex acordar.
— Acordar? — repeti.
Eu sabia que Thea e Rebecca tinham histórico. Sabia que elas
tinham terminado depois da morte de Emily, que Rebecca havia se
afastado de tudo e de todos.
Mas eu não tinha ideia de por que Thea esperava que eu me
importasse com qualquer uma delas.
— Você não a conhece — Thea me disse, sua voz baixa. — Você
não sabe o que a morte de Emily fez com ela. Se ela quiser ajudar
Xander com isso? Eu vou ajudar ela. E achei que você poderia
querer saber que nós sabemos sobre você-sabe-quem. — Sobre
Toby. — Nós estamos dentro. E não vamos contar pra ninguém.
— Isso é uma ameaça? — perguntei, apertando os olhos.
— Literalmente o oposto de uma ameaça.
Thea deu de ombros elegantemente, como se realmente não se
importasse se eu confiava nela ou não.
— Certo — eu disse.
Thea era sobrinha de Zara por casamento. Eu não teria confiado
o segredo sobre Toby estar vivo a ela, mas Xander tinha, o que não
fazia sentido, porque Xander nem gostava de Thea.
Decidindo que era inútil insistir, primeiro me concentrei no trabalho
no laboratório e depois no que tínhamos encontrado no quarto de
Toby na noite anterior. O disco de cifra. O poema. Havia mais
alguma coisa no quarto que nós deveríamos ter encontrado para
decodificar?
Ao meu lado, Thea colocou seu tablet na mesa. Eu olhei de
esguelha e notei que ela tinha feito a mesma busca que Xander
fizera um dia antes, por “Uma árvore de veneno”. Eu entendi disso
que Xander havia contado a ela — e portanto a Rebecca —
exatamente o que tínhamos encontrado.
Eu vou matá-lo, pensei, mas então meu olhar pescou um dos
resultados que a busca de Thea havia revelado: doutrina do fruto da
árvore envenenada.
CAPÍTULO 11
Mentiras, segredos
Têm meu desprezo.
Veneno é a árvore,
Percebeu?
Envenenou S e Z e eu.
O tesouro conseguido
Está no buraco mais escondido.
A luz revelará tudo
Eu escrevi no…
Ergui os olhos. Jameson ainda estava se inclinando sobre mim, o
rosto tão perto do meu que eu conseguia sentir sua respiração.
Empurrando minha cadeira contra ele, me levantei.
— É isso — eu disse a ele. — Acaba aqui.
Jameson leu o poema em voz alta.
— Mentiras, segredos têm meu desprezo. Veneno é a árvore,
percebeu? Envenenou S e Z e eu. — Ele parou. — S de Skye, Z de
Zara.
— O tesouro escondido — continuei, então parei. — Que tesouro?
— Está no buraco mais escondido — Jameson continuou. — A luz
revelará tudo, eu escrevi no…
Ele ficou quieto, e no fundo da minha mente algo se encaixou.
— Está faltando uma palavra — eu disse.
— Que rima com tudo.
Um instante depois, Jameson estava em movimento — e eu
também. Voltamos correndo, um corredor após o outro, até a ala
abandonada de Toby. Paramos bem em frente à porta. Jameson
olhou para mim enquanto passava por ela.
A luz revelará tudo, eu escrevi no…
— Muro — Jameson sussurrou, como se tivesse pegado a
palavra direto dos meus pensamentos.
Ele estava ofegante, o suficiente para me fazer pensar que o
coração dele estava batendo ainda mais rápido do que o meu.
— Qual muro? — perguntei, alcançando-o.
Lentamente, Jameson girou trezentos e sessenta graus. Ele não
respondeu a pergunta, então soltei outra:
— Tinta invisível?
— Agora você está pensando como uma Hawthorne.
Jameson fechou os olhos. Eu quase conseguia senti-lo vibrando
de energia.
Todo meu corpo estava fazendo o mesmo.
— A luz revelará tudo.
As pálpebras de Jameson se abriram e ele se virou de novo, até
estarmos nos encarando.
— Herdeira, vamos precisar de luz negra.
CAPÍTULO 13
— Precisamos conversar.
Jameson me encontrou escondida no arquivo (biblioteca, em
linguagem de escola particular) no dia seguinte. Até então, ele tinha
mantido distância quando estávamos dentro dos limites da Heights
Country Day.
Não que tivesse mais alguém além de Eli por ali.
— Eu preciso terminar minha tarefa de cálculo.
Evitei olhar diretamente para ele. Eu precisava de espaço.
Precisava pensar.
— Hoje é dia E. — Jameson puxou uma cadeira ao lado da
minha. — Você tem bastante tempo livre.
O esquema de grade modular da Heights Country Day era
complicado o suficiente para que àquela altura eu ainda não tivesse
decorado meu próprio horário. Mas Jameson aparentemente tinha.
— Estou ocupada — insisti, irritada pela maneira como eu sempre
me sentia em sua presença. Pela maneira como ele queria que eu
me sentisse.
Jameson se inclinou para trás na cadeira, equilibrando-a em duas
pernas, então deixou que as duas pernas dianteiras pendessem e
se inclinou para sussurrar bem no meu ouvido:
— Toby Hawthorne é seu pai.
Eli ficou do meu lado o dia todo. Toda hora que eu tentava ter
algum espaço, olhos azuis contornados de âmbar me encaravam.
Em certo ponto, ele me informou que Oren havia intensificado meus
protocolos de segurança — não só em Country Day, mas na
propriedade também. Eu não iria para lugar nenhum sem um
acompanhante.
Quando Oren foi nos buscar naquela tarde, Alisa estava no banco
de trás da SUV. A primeira coisa que ela fez depois que eu coloquei o
cinto de segurança foi me passar um tablet. Eu olhei para a tela e vi
uma foto, que tinha sido tirada no hotel. Os olhos de Jameson
estavam escuros e brilhantes e eu estava olhando para ele como
milhares de outras garotas provavelmente já haviam olhado para
Jameson Hawthorne.
Como se ele fosse importante.
A manchete dizia Tensões aumentam entre Herdeira e a Família
Hawthorne.
— Essa não é a mensagem que queremos passar — Alisa me
disse. — Eu já arranjei o controle de danos. Vai haver um evento
para levantar fundos em memória de alguém na Country Day
amanhã. Você e os irmãos Hawthorne irão.
Alguns adolescentes ficam de castigo, eu sou sentenciada a
eventos black-tie.
— Certo — concordei.
— Eu também preciso da sua assinatura nisso.
Alisa me entregou um formulário de três páginas. Eu me lembrei
da conversa que tinha escutado entre Libby e Nash e li as palavras
em negrito no formulário: Petição Para Emancipação de Menor.
— Emancipação? — eu disse.
— Você tem dezessete anos. Você tem residência permanente e
uma renda substancial. Sua guardiã legal está disposta a consentir,
e você tem o mais poderoso escritório de advocacia do estado atrás
de você. Não imaginamos ter qualquer dificuldade nisso.
— Libby consentiu? — perguntei. Ela não me parecera feliz com
os papéis.
— Eu posso ser bem persuasiva — Alisa disse. — E, com Ricky
na história, é a atitude certa. Quando você for emancipada, ele não
vai ter base para tentar nada no tribunal.
— E — Oren acrescentou do banco da frente — você poderá
assinar um testamento.
Quando eu fosse emancipada, Ricky não teria nada a ganhar com
a minha morte.
Alisa me deu uma caneta. Enquanto eu lia o formulário, pensei em
Libby. Então pensei em Ricky e em Skye — e assinei.
— Excelente — Alisa declarou. — Agora só temos um último
assunto que precisa da sua atenção.
Ela me estendeu um pedacinho de papel com um número
anotado.
— O que é isso? — perguntei.
— O celular novo da sua amiga Max.
Eu a encarei.
— Como assim?
Alisa apoiou a mão de leve no meu ombro.
— Eu arranjei um celular para ela.
— Mas a mãe dela…
— Nunca vai ficar sabendo — Alisa disse, seca. — Isso
provavelmente me torna uma péssima influência, mas você precisa
de alguém. Eu entendo, Avery. E você não quer que esse alguém
seja um Hawthorne. O que quer que esteja acontecendo entre você
e Jameson…
— Não tem nada acontecendo entre nós.
Isso me rendeu uma Cara de Alisa e um pouco mais.
— Primeiro o telhado, depois o hotel. — Ela fez uma pausa. —
Ligue para sua amiga Max. Deixe que ela seja sua pessoa. Não um
deles.
CAPÍTULO 26
***
— Alô?
Por um momento houve silêncio no telefone.
— Avery?
Reconheci aquela voz baixa e profunda em um segundo. Não é
Jameson.
— Grayson? — Ele nunca tinha me ligado antes. — Aconteceu
alguma coisa? Você está…
— Jameson me desafiou a ligar.
Nada, literalmente nada naquela frase fazia sentido.
— Jameson o quê?
— Jameson quando, Jameson onde, Jameson quem? — Era
Jameson ao fundo, sua voz assumindo um tom musical, sua
entonação quase filosófica.
— Eu estou no viva-voz? — perguntei. — E Jameson está
bêbado?
— Ele não deveria estar — Grayson disse, parecendo realmente
perturbado. — Ele nunca recusa desafios.
Grayson não estava arrastando as palavras. Sua fala não estava
lenta. Sua voz me cobriu, me cercou, mas subitamente me ocorreu
que Grayson talvez estivesse bêbado.
— Deixa eu adivinhar — eu disse. — Vocês estão jogando Bebida
ou Desafio.
— Você é muito boa em adivinhar as coisas — Grayson, bêbado,
me disse. — Você acha que o velho sabia de você? — O tom dele
era apressado, quase confessional. — Você acha que ele sabia que
você era… você?
Ouvi um baque ao fundo. Houve uma longa pausa e então um
deles — eu apostava em Jameson — começou a gargalhar.
— Precisamos ir — Grayson disse com muita dignidade, mas,
quando foi desligar o telefone, deve ter apertado o botão errado,
porque eu ainda conseguia ouvi-los.
— Acho que nós dois concordamos — Jameson disse — que é
hora de Bebida ou Desafio dar lugar a Bebida ou Verdade.
Uma pessoa melhor provavelmente teria desligado naquele
momento, mas eu aumentei o volume do meu celular ao máximo.
— O que você disse para Avery — ouvi Jameson perguntar — na
noite em que resolvemos o quebra-cabeça do velho?
Grayson não tinha dito nada para mim naquela noite. Mas no dia
seguinte, depois de mandar Skye embora, ele tivera muito a dizer.
Eu sempre vou te proteger. Mas isso… nós… não pode acontecer,
Avery.
— Porque, logo depois disso — Jameson continuou —, ela foi
comigo para os túneis.
Grayson começou a dizer alguma coisa que eu não consegui
ouvir, mas então ele parou.
— A porta — Grayson disse, claro como o dia.
Ele parecia atordoado.
Alguém está batendo à porta, percebi. Ouvi alguns sons
abafados. E então escutei o pai de Grayson.
De início, não consegui distinguir totalmente as palavras sendo
trocadas, mas em algum ponto a conversa se aproximou do celular,
ou o celular foi para mais perto da conversa, porque de repente eu
podia ouvir cada palavra.
— Você obviamente não está surpreso em me ver.
Era Grayson. Ela tinha ficado sóbrio bem rápido.
— Eu construí três empresas diferentes do zero. Você não
conquista o que eu conquistei sem ficar de olho em incidentes em
potencial. Riscos em potencial. Francamente, meu jovem, eu
esperava que Skye tivesse te contado a meu respeito anos atrás.
Um nó no meu estômago se apertou. Pobre Grayson. Seu pai o
via como um risco.
— Você era casado quando eu fui concebido. — O tom de
Grayson era neutro, quase perigoso. — Ainda é. Você tem filhos. Eu
não posso imaginar que você esteja feliz com minha interrupção da
sua vida, então vamos ser breve, não é melhor?
— Por que você não vai direto ao ponto e me diz por que vocês
realmente estão aqui? — Era uma exigência. Uma ordem. — Você
recentemente foi cortado da fortuna da família. Em termos
financeiros, você pode ter descoberto que tem certas…
necessidades.
— Você acha que estamos aqui por dinheiro? — Era Jameson.
— Eu aprendi que a explicação mais simples é com frequência a
certa. Se você está aqui para ser pago…
— Não estou.
Todo meu corpo ficou tenso. Eu conseguia imaginar Grayson,
cada músculo de seu corpo rígido, mas a expressão fria e
controlada. Suborno. Ameaça. Propina. Grayson tinha sido criado
para ser formidável. Havia um motivo para ele já ter mencionado a
esposa do homem.
— Por motivos que não compartilharei com você — eu o ouvi
dizer —, estou investigando o que aconteceu vinte anos atrás na
Ilha Hawthorne.
A pausa que respondeu às palavras me disse que Sheffield
Grayson não estava esperando aquilo.
— Ah, é?
— Minhas fontes me levam a crer que a cobertura que a imprensa
fez da tragédia é, vamos dizer… incompleta.
— Que fontes?
Eu quase conseguia ouvir o sorriso de Grayson.
— Vou fazer um acordo com você. Você me conta o que as
notícias deixaram de fora e eu te conto o que minhas fontes
disseram sobre Colin.
Ao ouvir o nome do sobrinho, a voz de Sheffield Grayson ficou
baixa demais para que eu escutasse. O que quer que ele tenha dito,
Grayson reagiu na defensiva.
— Meu avô era o homem mais honrado que conheço.
— Diga isso para Kaylie Rooney — a voz de Sheffield ficou
audível novamente, retumbante. — Quem você acha que deu essa
história de bandeja para a imprensa? Quem você acha que
esmagou qualquer coisa vagamente prejudicial à família dele?
A resposta de Grayson ficou abafada. Ele havia virado de costas?
— Toby Hawthorne era um moleque mimado. — Era Sheffield de
novo. — Não tinha respeito pela lei, por seus próprios limites, por
ninguém além de si mesmo.
— E Colin não era assim? — Jameson estava cutucando o
homem. Funcionou.
— Colin estava passando por um período difícil, mas teria saído
dessa. Eu o teria arrastado para fora dessa. Ele tinha a vida inteira
pela frente.
De novo, a resposta saiu abafada:
— Aquela menina Rooney nunca deveria ter estado lá! —
Sheffield explodiu. — Ela era uma criminosa. Os pais dela?
Criminosos. Primos, avós, tias e tios? Criminosos.
— Mas o incêndio não foi culpa dela. — A voz de Grayson estava
mais alta, mais clara. — Você deu a entender isso.
— Você sabe quanto eu paguei a detetives particulares para
conseguir respostas reais? — Sheffield estourou. — Provavelmente
só uma fração do que o seu avô pagou à polícia para enterrar o
relatório. O incêndio na Ilha Hawthorne não foi um acidente. Foi
criminoso, e a pessoa que comprou o combustível foi seu tio Toby.
CAPÍTULO 36
No chalé, fomos levados pela sala de jantar principal até uma alcova
particular com vista para as pistas mais ao longe. Dois dos homens
de Oren se posicionaram à porta enquanto meu chefe de segurança
ficou colado em mim.
— Você senta aqui — Alisa me disse. — Bebe um chocolate
quente. Nós tiramos umas fotos, e te tiramos daqui.
Aquele era o plano dela. Nós tínhamos o nosso: identificar o
menino da foto. Xander parecia pensar que parte da equipe do chalé
trabalhava ali havia décadas. Dada a segurança em cima de mim,
eu não esperava investigar por conta própria, mas Max e Xander
eram outra história.
Assim como Thea e Rebecca.
Oren deixou os quatro saírem para o banheiro com um único
guarda. Quando voltaram, dez minutos depois, o guarda-costas
parecia estar com enxaqueca.
— Essas duas — Max me disse, apontando com a cabeça para
Thea e Rebecca — são bem uteis para arrancar informações dos
outros.
— Thea é melhor no flerte — Rebecca murmurou.
Thea olhou nos olhos de Rebecca.
— E você aprende bem rápido.
— O que elas descobriram? — perguntei para Max e Xander.
— O cara na foto trabalhava na montanha. — Max estava
claramente adorando aquilo. — Ele era um instrutor de esqui, tinha
vinte e poucos anos. Fazia sucesso com as mulheres.
— Vocês conseguiram o nome? — perguntei.
Foi Xander quem deu a resposta.
— Jake Nash.
Jake. Meu cérebro girava. Nash.
CAPÍTULO 45
— Eu pago.
Encarei Thea. Ela era boa de pôquer, mas eu era melhor.
Thea baixou a mão: um full house. Eu baixei a minha: o mesmo.
Mas áses eram altos, e eu tinha dois. Fui coletar as apostas, mas
Jameson me impediu.
— Não tão rápido, Herdeira. Eu ainda estou dentro. E eu tenho…
— Ele me deu um sorrisinho malandro que me fez sentir que estava
de volta na jacuzzi. — Nada.
Ele mostrou as cartas.
— Você sempre falou demais — Thea disse.
Ao lado dela, o celular de Rebecca tocou. Rebecca olhou para
ele. Dessa vez, quando Thea foi pegá-lo, Rebecca foi mais rápida.
— Não.
O celular tocou de novo. E de novo. Thea conseguiu ver a tela e
sua expressão mudou.
— É sua mãe. — Thea tentou fazer Rebecca olhar para ela. —
Bex?
Rebecca desligou o celular.
— Não foi isso que eu quis dizer — Thea disse. — Talvez você
devesse ver o que ela quer.
Rebecca pareceu se curvar um pouco.
— Eu já estou quase em casa.
— Bex, sua mãe…
— Não me diga do que ela precisa. — A voz de Rebecca era
suave, mas todo seu corpo parecia vibrar intensamente. — Você
acha que eu não sei que ela não está bem? Você honestamente
acha que eu preciso que você me diga isso?
— Não, eu…
— Ela olha para mim e é como se eu nem estivesse lá. —
Rebecca encarou tanto a mesa que parecia que ia furá-la. — Talvez
se eu fosse mais parecida com Em, talvez se eu fosse melhor em
ser importante…
— Você é importante. — A voz de Thea era quase gutural.
— Sabe — Max disse desconfortável —, essa conversa parece
meio particular, então talvez…
— Não o suficiente. — A voz de Rebecca ficou frágil. — Foi
divertido correr por aí, brincar de detetive, fingir que o mundo real
não existe, mas não pode ser só assim.
— Assim como? — Thea pegou a mão de Rebecca.
— Assim. Você encontrando motivos para encostar em mim. —
Rebecca puxou sua mão da de Thea. — Eu deixando. Você era o
meu mundo e eu teria feito qualquer coisa por você. Mas eu te
implorei para não encobrir Emily naquela noite e você…
— Não faça isso. — Se Thea fosse qualquer outra pessoa, ela
pareceria estar implorando.
— Se eu fosse melhor em ser importante… — Rebecca falou
mais alto. — Se, uma vez na minha vida, eu tivesse sido suficiente
para alguém, para a menina que eu amava, minha irmã talvez ainda
estivesse viva.
Thea não tinha resposta. Fez-se silêncio de novo. Um silêncio
dolorido, desconfortável, torturante.
Foi Jameson quem acabou com o sofrimento de Thea.
— Então, Herdeira — ele disse, mudando de assunto como quem
joga uma coberta na fogueira. — Como vamos fazer para conseguir
aquele anel?
CAPÍTULO 49
***
***
Logo ficou claro que ser bom em Strip Boliche exigia precisão e uma
alta tolerância a risco. Da primeira vez que Jameson arriscou
demais e a bola caiu na canaleta, ele tirou um sapato.
Então outro sapato.
Uma meia.
Outra meia.
A camisa.
Tentei não olhar para a cicatriz que corria pelo torso dele, tentei
não me imaginar tocando seu peito. Em vez disso, me concentrei
em jogar na minha vez. Eu estava perdendo — feio. Cheguei até a
fazer um strike, de tão determinada a evitar a canaleta.
Dessa vez, arrisquei um pouco mais. Quando derrubei um único
pino, suspirei. Grayson foi em seguida e perdeu o paletó. Max
chegou ao sutiã de bolinhas. Então foi a vez de Jameson de novo e
a bola se agarrou ao lado da pista até o final — e caiu na canaleta.
Eu tentei — sem sucesso — desviar os olhos quando os dedos de
Jameson foram na direção do cós do jeans.
— Me ajude, Xesus — Max murmurou ao meu lado.
Sem aviso, a porta da sala se abriu com tudo e Xander invadiu a
pista de boliche, então deslizou até parar. Ele estava ofegante o
suficiente para eu me perguntar por quanto tempo ele estava
correndo.
— Sério? — Xander sibilou. — Vocês estão jogando Strip Boliche
sem mim? Esqueça. Foco! Isso sou eu focando.
— Focando no quê? — perguntei.
— Tenho notícias — Xander soltou.
— Que tipo de notícias? — Max perguntou.
Xander olhou na direção dela. Ele definitivamente notou o sutiã de
bolinhas.
— Foco — Max o lembrou. — Que tipo de notícias?
— Rebecca está bem? — Jameson perguntou, e eu me lembrei
da conversa entre Xander e Thea.
— Em algum valor de bem — Xander disse. A frase não fez
sentido para ninguém além de Xander, mas ele foi em frente. —
Thea estava certa. A mãe de Rebecca está tendo um dia difícil. Teve
vodca envolvida. Ela contou uma coisa a Rebecca.
— Que tipo de coisa?
Foi a vez de Jameson incentivar Xander a desembuchar. A calça
de Jameson ainda estava no lugar, mas o botão de cima tinha sido
aberto.
Ok, agora eu preciso focar.
— Avery, você se lembra do que a mãe de Rebecca disse no
memorial, sobre todos os seus bebês morrerem?
— Nash disse que aconteceram abortos — eu disse baixo. —
Antes de Rebecca.
— Foi o que Bex achou que ela estava dizendo também —
Xander disse baixo.
— Mas não era?
Eu o encarei, sem a menor ideia de para onde isso estava indo.
— Ela estava falando de Emily — Grayson disse, a voz sofrida.
— Emily — Xander confirmou. — E Toby.
Eu senti o mundo ficar lento ao meu redor.
— Do que você está falando?
— Toby era um Laughlin. — Xander engoliu em seco. — Rebecca
não sabia. Ninguém sabia. Os pais dela tinham quarenta anos
quando tiveram Emily, mas vinte e cinco anos antes, ou seja, para
os matemáticos entre nós, quarenta e dois anos atrás, quando a
mãe de Rebecca era uma adolescente vivendo no Chalé Wayback…
— Ela ficou grávida — Jameson disse o óbvio.
— E o sr. e a sra. Laughlin encobriram? — Grayson estava
determinado a encontrou respostas. — Por quê?
Xander ergueu os ombros o máximo que pôde, então os deixou
cair no gesto de dúvida mais elaborado do mundo.
— A mãe de Rebecca não quis explicar, mas ela tagarelou para
Bex, em detalhes, sobre como quando uma das filhas Hawthorne
ficou grávida anos depois, ela não precisou esconder sua gravidez.
Ela pôde ficar com o bebê.
Skye não foi forçada a dar Nash para adoção. Eu me lembrei do
que a mãe de Rebecca dissera a Libby no memorial. Nunca confie
em um Hawthorne. Eles levam tudo.
— A mãe de Rebecca queria ficar com o bebê? — perguntei,
horrorizada. — Eles a obrigaram a dá-lo? E por que eles a forçariam
a esconder a gravidez?
— Eu não sei dos detalhes — Xander disse —, mas, segundo
Rebecca, a mãe dela nem ficou sabendo que os Hawthorne tinham
adotado o bebê. Ela pensou que nossa avó realmente tinha ficado
grávida de um menino e que o bebê dela tinha sido adotado por um
desconhecido.
Aquilo era aterrorizante. É por isso que eles mantiveram a adoção
de Toby em segredo? Para que ela não soubesse que o filho dela
estava bem aqui?
— Mas conforme Toby cresceu… — Xander deu de ombros de
novo, o movimento mais discreto dessa vez.
— Ela descobriu?
Imaginei abrir mão de um bebê e então perceber que uma criança
que você viu crescer era, na verdade, sua.
Imaginei ser Toby descobrindo esse segredo.
— Rebecca está proibida de ver qualquer um de nós. — Xander
fez uma careta. — A mãe dela disse que a família Hawthorne só
toma. Ela disse que nós não seguimos regras e não nos importamos
com quem ferimos. Ela culpa nossa família pela morte de Toby.
— E de Emily — Grayson acrescentou, áspero.
— Por tudo.
Xander se sentou, bem onde ele estava. A sala ficou quieta. Max
e Jameson não estavam usando blusas. Eu tinha um sapato a
menos, sabia instintivamente que nosso jogo de Strip Boliche tinha
acabado e nada disso importava, porque tudo em que eu conseguia
pensar era que a mãe de Rebecca pensava que Toby estava morto.
Assim como o sr. e a sra. Laughlin.
CAPÍTULO 58
O beijo terminou quando nós dois fomos levados para longe das
câmeras e para dentro de um elevador. Meu coração estava aos
saltos. Meu cérebro estava uma bagunça. Meus lábios estavam…
todo meu corpo estava…
Eu não tinha palavras.
— Que raios foi isso? — Alisa esperou que a porta do elevador
fechasse antes de explodir.
— Isso foi uma emboscada — Landon respondeu, o sotaque
chique não conseguindo aliviar essas palavras. — Se você esconder
informação de mim, eu não posso te impedir de cair em uma
emboscada. Alisa, você sabe como eu opero. Se você não me
permitir fazer meu trabalho, então, sendo direta, não é mais meu
trabalho.
A porta do elevador se abriu e Landon saiu.
Como Max diria: baralho. Meu olhar tentou encontrar o de
Grayson, mas ele nem olhava na minha direção. É como se não
conseguisse.
— Eu vou perguntar mais uma vez — Alisa disse, sua voz baixa.
— Que raios foi isso?
— Você vai ter sua resposta — Oren disse a ela. — No carro. Nós
precisamos ir agora. Eu mandei dois dos meus homens para o carro
e usei a isca. Vamos pelos fundos. Andem.
O problema com a pergunta de Max era que ela assumia que eu era
capaz de desejar, de corpo e alma, qualquer coisa. Qualquer um.
Quando eu me imaginei naquele penhasco, me imaginei sozinha.
Tarde da noite, bem depois de Max ter ido para o quarto dela, fiz
buscas para ver o que as pessoas estavam falando da entrevista
desastrosa. A maior parte das manchetes chamavam Toby de “o
herdeiro perdido”. Skye já estava dando entrevistas.
Aparentemente o contrato de sigilo dela não cobria aquilo.
Nos comentários de quase todos os artigos havia especulação de
que eu tinha transado com Grayson para trazê-lo para o meu lado.
Algumas pessoas estavam afirmando que ele não era o único
Hawthorne com quem eu tinha transado. Não deveria importar
estranhos estarem me chamando de puta — ou pior —, mas
importava.
Da primeira vez que ouvi aquela palavra, outra criança no primário
a tinha usado para descrever minha mãe. Eu não conseguia me
lembrar de ela um dia ter namorado alguém, mas eu existia e ela
nunca tinha sido casada, o que para algumas pessoas era
suficiente.
Fui até o armário e puxei a mala com os cartões-postais — os que
minha mãe tinha me dado. Havaí. Nova Zelândia. Machu Picchu.
Tóquio. Bali. Passei por eles enquanto me lembrava de quem eu
era, quem ela tinha sido. Era com aquilo que sonhávamos, não com
um príncipe encantado.
Não algum tipo de amor épico à beira-mar.
Eu não sei por quanto tempo fiquei sentada ali quando ouvi um
barulho. Passos. Minha cabeça girou. Da última vez que eu tinha
conferido, Oren estava a postos em frente ao meu quarto. Ele tinha
me avisado que a notícia ter vazado poderia me colocar em risco.
Uma voz falou do outro lado da lareira.
— Sou eu, Herdeira.
Jameson. Isso devia ter sido um alívio. Conhecendo ele, eu
deveria ter me sentido mais segura. Mas, de alguma forma, quando
passei a mão em volta do candelabro na lareira, a última coisa que
eu me sentia era segura.
Abri a passagem.
— Imagino que você tenha visto a entrevista?
Jameson entrou no meu quarto.
— Não foi seu melhor momento.
Esperei que ele dissesse algo sobre o beijo.
— Jameson, eu não…
Ele levou um dedo aos meus lábios. Não chegou a me tocar, mas
meus lábios queimaram mesmo assim.
— Se sim é não — ele disse, seus olhos nos meus — e uma vez
é nunca, então quantos lados tem um triângulo?
Era uma charada que ele tinha jogado para mim, no dia que nos
conhecemos. Naquela época, eu tinha resolvido convertendo tudo
em números. Se você codificasse sim — ou a presença de algo —
como um e não — a ausência dessa coisa — como zero, então as
duas primeiras partes da charada eram redundantes. Se um é igual
a zero, quantos lados tem um triângulo?
— Dois — respondi, como tinha dito daquela vez, mas não
conseguia deixar de pensar se Jameson estava se referindo a um
tipo diferente de triângulo, envolvendo ele, Grayson e eu.
— Uma menina chamada Elle encontra um cartão na sua porta. A
frente do envelope diz tu, o remetente diz Elle. Entre eles, dentro do
envelope, ela encontra uma letra, então passa o resto do dia
embaixo da terra. Por quê?
Eu queria dizer a ele para parar com os jogos, mas não
conseguia. Ele tinha lançado uma charada, eu precisava resolver.
— A frente do cartão diz tu, o remetente diz Elle —pensei
enquanto falava. — Ela passa o dia todo embaixo da terra.
Havia um brilho nos olhos de Jameson, um que me lembrava do
tempo que nós tínhamos passado embaixo da terra. Eu quase podia
vê-lo, iluminado pela tocha, andando de um lado pro outro. E então
vi o método no tipo particular de loucura de Jameson.
— A letra dentro do envelope é N — eu disse baixo.
Provavelmente existiam mil adjetivos para descrever o sorriso de
Jameson Hawthorne, mas o que me parecia mais verdadeiro era
devastador. Jameson Winchester Hawthorne tinha um sorriso
devastador.
Eu recomecei.
— A frente do envelope diz tu — continuei, resistindo ao impulso
de dar um passo à frente. — O verso diz Elle, escrito…
— E-L — Jameson completou minha frase. Então ele deu um
passo à frente. — Mais um N e temos túnel, e é por isso que ela
passou o dia embaixo da terra. Você ganhou, Herdeira.
Nós estávamos próximos demais e uma sirene de alarme
disparou no fundo da minha cabeça, porque, se Jameson tinha visto
Grayson me beijar em rede nacional, e se ele estava ali agora, se
movendo na minha direção — então quais eram as chances de não
ser por minha causa?
Quais eram as chances de eu ser só mais um prêmio a ser
conquistado? Um território a ser marcado?
— Por que você está aqui? — perguntei a Jameson, embora
soubesse a resposta, tivesse acabado de pensar na resposta.
— Eu estou aqui — ele disse com outro sorriso devastador —
porque eu apostaria cinco dólares que você não está vendo as
mensagens no celular.
Ele estava certo.
— Eu desliguei — respondi. — Estou pensando em jogá-lo pela
janela.
— Eu aposto mais cinco dólares que você não acerta a estátua no
pátio.
— Dez — eu disse a ele — e fechamos negócio.
— Infelizmente — ele respondeu —, se você jogasse o celular
pela janela, não receberia a mensagem de Libby e Nash.
Eu o encarei.
— Libby e Nash…
— Encontraram alguma coisa — Jameson me disse. — E estão
vindo para casa.
CAPÍTULO 66
Seu pai
Eu ergui os olhos da carta e os garotos vieram até mim —
Grayson, Jameson e Xander. Nash, Libby e Oren ficaram onde
estavam. Zara caiu de joelhos atrás de mim.
Enquanto os meninos liam a carta, processei seu conteúdo. Nós
tínhamos a confirmação de que Tobias Hawthorne sabia que o filho
estava vivo, que estava procurando por ele e que, como Sheffield
Grayson havia afirmado, o velho tinha enterrado um boletim policial
a respeito do que havia acontecido na ilha. Poderia haver mais
detalhes no cofre, quando encontrássemos a chave.
— A caixa de ferramentas — eu disse de repente. Eu me virei
para Oren. — Tobias Hawthorne te deixou a caixa de ferramentas
dele.
Era parte do testamento atualizado. O velho tinha percebido que
Oren estava transando com Zara? Foi por isso que ele o tornou
parte disso? Tobias Hawthorne tinha escrito a frase esses últimos
doze anos na carta, sugerindo que ela não tinha sido atualizada
recentemente. Oito anos. Ele escreveu isso oito anos atrás.
Quando Tobias Hawthorne havia atualizado seu testamento no
ano anterior, me deixando tudo, ele tinha criado uma nova trilha a
ser seguida. Um novo jogo. Uma nova tentativa de reparar os laços
da sua família que haviam se rompido. Mas ele havia incluído as
mesmas palavras para Zara e Skye — as mesmas pistas.
Ele tinha continuado acrescentando informação ao cofre nos
últimos oito anos?
— O que vocês acham que ele quis dizer — Grayson disse
lentamente — com legados que não deveríamos ter que carregar?
— Eu me importo menos com isso — Jameson respondeu — do
que com a lista no final. O que você acha dela, Herdeira?
Ter acabado entre Jameson e Grayson deveria ter sido
desconfortável. Deveria ter sido insuportável — mas, naquele
momento, não era.
Lentamente, voltei meus olhos para a carta, para a lista. Havia
dezenas de lugares listados, espalhados por todo o mundo, como se
Toby nunca tivesse ficado em um lugar por muito tempo. Mas, um a
um, certos lugares me chamaram a atenção. Waialua, Oahu.
Waitomo, Nova Zelândia. Cusco, Peru. Tóquio, Japão. Bali,
Indonésia.
Eu literalmente parei de respirar.
— Herdeira? — Jameson disse.
Grayson deu um passo na minha direção.
— Avery?
Oahu era uma das ilhas do Havaí. Cusco, no Peru, era a cidade
mais próxima de Machu Picchu. Meus olhos desceram pela lista.
Havaí. Nova Zelândia. Machu Picchu. Tóquio. Bali. Encarei a
página.
— Havaí — eu disse alto, minha voz trêmula. — Nova Zelândia.
Machu Picchu. Tóquio. Bali.
— Pra um fugitivo — Xander comentou —, ele deu suas voltas.
Sacudi a cabeça. Xander não via o que eu estava vendo. Ele não
poderia.
— Havaí, Nova Zelândia, Machu Picchu, Tóquio, Bali. Eu conheço
essa lista.
Tinham mais. Pelo menos cinco ou seis que eu reconhecia. Cinco
ou seis lugares que eu tinha imaginado conhecer. Lugares que eu
havia segurado na minha mão.
— Os cartões-postais da minha mãe — sussurrei e saí correndo.
Oren foi atrás de mim e os outros não demoraram.
Cheguei ao quarto em questão de segundos, ao armário em
menos ainda, e logo eu estava segurando os postais na minha mão.
Não havia nada escrito no verso, nenhum carimbo. Eu nunca tinha
questionado onde minha mãe os tinha conseguido.
Ou de quem.
Ergui os olhos para Jameson e Grayson, Xander e Nash.
— Vocês, Hawthorne — eu disse em um sussurro embargado —,
e sua tinta invisível.
CAPÍTULO 69
Eu sei que nunca mais vou te ver de novo, Hannah. Que eu não
mereço. Eu sei que você nunca vai ler uma palavra que eu
escrever e, porque você nunca vai ler isso, eu sei que posso
dizer o que você me proibiu de dizer muito tempo atrás.
Me desculpe.
Me desculpe, Hannah, ó, Hannah. Me desculpe por fugir no
meio da noite. Me desculpe por ter te deixado me amar uma
fração do quanto eu vou, até o dia em que morrer, te amar. Me
desculpe pelo que fiz. Pelo incêndio.
E eu nunca vou parar de pedir desculpas pela sua irmã.
CAPÍTULO 70
Harry
Uma coisa foi ler as cartas de amor de Toby para minha mãe.
Outra completamente diferente foi ler as dela para ele. Ela soava
como ela mesma, tanto que eu conseguia ouvir sua voz a cada
palavra que lia.
Ela o amava. Meu peito apertou. Doía amá-lo e ela o amou
mesmo assim. Eu inspirei e expirei. Ele a deixou e ela o amou
mesmo assim. Essa linha de pensamento circulou pela minha
cabeça repetidamente enquanto voltávamos para a pista aérea onde
os jatinhos estavam esperando. O que minha mãe e Toby tinham
era trágico, complicado e envolvente, e, se os cartões-postais
tinham deixado uma coisa clara, é que ela teria feito tudo de novo.
— Você está bem? — Grayson perguntou ao meu lado, como se
estivéssemos sozinhos na SUV, como se não estivéssemos cercados
pelos homens de Oren.
Havia mais duas SUVS, uma na nossa frente e outra atrás. Havia
quatro homens armados, incluindo Oren, só nesse carro.
— Não — respondi. — Na verdade, não.
Minha vida toda eu tinha crescido sabendo que eu era suficiente
para minha mãe. Ela não namorava. Ela não queria nada de Ricky,
não precisava de nada. A vida dela era cheia de amor. Ela era cheia
de amor — mas romance? Não era algo de que ela precisava. Não
era algo que ela quisesse. Nem era algo a que ela estivesse aberta
— e eu finalmente sabia por quê.
Porque ela nunca tinha deixado de amar Toby.
Feche os olhos, eu conseguia ouvir Max me dizendo. Se imagine
em um penhasco, o mar lá embaixo. O vento está soprando seu
cabelo. O sol está se pondo. Você deseja, de corpo e alma, uma
coisa. Uma pessoa. Você ouve passos atrás de você. Você se vira.
Quem é?
E minha resposta tinha sido: ninguém.
Mas depois de ter lido só alguns dos postais da minha mãe?
Estava ficando cada vez mais difícil ignorar a presença de Grayson
ao meu lado, mais difícil não pensar em Jameson. Meus olhos
ardiam, embora não houvesse nenhum motivo para eu estar
chorando.
Encarei, através das lágrimas, os postais que minha mãe tinha
escrito para Toby e me forcei a continuar lendo. Logo, o foco do que
minha mãe estava escrevendo mudou do que eles tinham para um
outro tipo de história de amor. A partir daquele ponto, todos os
postais falavam de mim.
Avery deu seus primeiros passos hoje.
A primeira palavra de Avery foi “oh-oh!”.
Hoje, Avery inventou um jogo que combinava Candyland, Cobras
e Escadas e damas.
E por aí ia, até que os postais pararam. Até ela morrer.
Minha mão tremia, segurando o último postal. A mão de Grayson
foi até a minha.
— Ela escreveu isso — eu disse, minha voz falhando na garganta
— contando para Toby de mim.
Não podia ter ficado mais claro: ele era mesmo meu pai. Eu vinha
trabalhando com aquela hipótese havia tanto tempo que não devia
ter sido um choque.
Ao meu lado, o telefone de Grayson tocou.
— É Jameson — ele disse.
Meu coração parou e então se estabilizou.
— Atenda — eu disse a Grayson, tirando minha mão da dele.
Grayson fez o que pedi.
— Estamos a caminho do avião — ele disse a Jameson.
Ele vai querer saber o que eu encontrei. Eu sabia disso, conhecia
Jameson. Ergui o pequeno disco de metal que Jackson Currie tinha
me dado.
— Foi isso que Toby deixou com Jackson.
Grayson encarou o disco, então colocou Jameson em uma
chamada de vídeo para que ele também pudesse ver.
— O que você acha que isso é? — perguntei.
O disco era dourado e tinha talvez uns dois centímetros de
diâmetro. Parecia algum tipo de moeda, mas nenhum que eu já
tivesse visto. De um lado estavam gravados nove círculos
concêntricos, enquanto o outro era liso.
— Não parece valer muito — Jameson comentou. — Mas, nessa
família, isso não significa nada.
O som da voz dele fez algo comigo, algo que não devia ter feito.
Algo que não teria feito antes de eu ler os postais da minha mãe.
Feche os olhos, eu conseguia ouvir Max me dizendo. Quem está
lá?
— Estamos chegando — Oren anunciou, sucinto; para quem, eu
não sei. — Vasculhem o avião.
Quando chegamos na pista aérea, ele abriu a minha porta e três
seguranças me acompanharam até o avião. Atrás de mim, Grayson
tinha desligado a chamada de vídeo, mas ainda estava na linha com
Jameson.
Minha mente estava cheia de imagens dos dois — e das palavras
que minha mãe tinha escrito para Toby.
O ar da noite estava ficando cada vez mais frio. Enquanto eu
andava na direção do jatinho, um vento brutal começou e, de
repente, foi substituído por uma quietude súbita e completa. Eu ouvi
um único bipe e então o mundo explodiu. Em fogo. Em nada.
CAPÍTULO 76
***
A primeira coisa que notei foi a pressão no meu peito. Parecia que
um bloco de cimento estava me segurando. Eu lutei contra o peso e,
como se um interruptor tivesse sido ligado, cada nervo do meu
corpo começou a gritar. Meus olhos se abriram.
A primeira coisa que vi foi a máquina, então os tubos. Muitos
tubos, conectados ao meu corpo.
Eu estou no hospital, pensei, mas então o resto do mundo entrou
em foco a minha volta e eu percebi que não era um quarto de
hospital. Era meu quarto. Na Casa Hawthorne.
Segundos se arrastaram lentamente. Eu precisei de toda a força
que tinha para não arrancar os tubos do meu corpo. A memória
desceu a minha volta. A voz de Jameson — e de Grayson.
Relâmpagos e fogo e…
Uma bomba.
Um monitor próximo começou a soar como algum tipo de alarme
e, no momento seguinte, uma mulher usando um jaleco branco
correu para dentro do quarto. Quando eu a reconheci, achei que
estava sonhando de novo.
— Dra. Liu?
— Bem-vinda de volta, Avery. — A mãe de Max me deu um olhar
de quem não está pra brincadeiras. — Preciso que você se deite e
respire.
— Suas patas lindas. — Max ficou mais do que feliz com a oferta
de Xander, o suficiente pra demorar um momento para me olhar em
tom de reprovação. — Eu me sinto obrigada a te avisar que você
está um pouco pálida e a grande dra. Liu não vai gostar disso.
O que entendi foi que minha médica não iria gostar nada de saber
o que eu tinha aprontado nas doze horas anteriores.
— Obrigada. — Esperei até que Max olhasse para mim antes de
continuar. — Por ter trazido sua mãe para cá.
Eu conhecia minha melhor amiga bem o suficiente para saber que
não tinha sido uma ligação fácil.
— É, bem… — Max deu de ombros. — Obrigada. Por ter se
explodido.
Por te dar um motivo para ligar — e por ter dado a ela um motivo
para atender.
— Você acha que vai para casa logo?
Eu não queria que Max fosse embora, mas, ao mesmo tempo,
minha melhor amiga tinha sua própria vida e eu não conseguia me
impedir de pensar que ela ficaria mais segura bem longe da Casa
Hawthorne. Longe de mim, da família Hawthorne, de tudo que eu
tinha herdado junto com os bilhões de Tobias Hawthorne.
Árvore envenenada e todo o resto.
Quando Thea ligou, quase não atendi. Era por isso que Xander tinha
me dado o telefone dela. Ainda assim…
— Alô? — eu disse pesadamente.
Houve um momento de hesitação e então:
— Investiguei e descobri quem vandalizou seu armário. Foi um
calouro. Você quer o nome?
Tontinha. Eu estava esperando um pedido de desculpas.
— Não. — Fiquei tentada a deixar por isso mesmo, mas não
consegui. — Rebecca está bem?
— Ela está abalada, mas bem. — A voz de Thea era suave, mas
ela estragou o efeito com uma risada alta de desdém. — Bem o
suficiente para gritar comigo por ter te colocado em risco.
— É, bem… — Dei de ombros, embora Thea não pudesse me
ver. — Quem é Rebecca para falar?
Eu poder brincar com aquilo era prova do quão longe Rebecca e
eu tínhamos chegado.
— Eu tinha uma escolha. — A voz de Thea tremeu. Ela era
diabólica, complicada e mais um milhão de outras coisas, mas não
era cruel. Ela estava preocupada comigo. — Eu precisava escolher
ela. Você entende isso, Avery? — Thea não esperou a minha
resposta. — Para mim, sempre vai ser Rebecca. Ela não acredita
nisso, mas não importa quanto tempo demore, eu vou continuar
escolhendo ela.
Eu nunca tinha entendido como era quando uma pessoa era tudo
para você, como era olhar para aquela pessoa e saber. Eu nunca
tinha acreditado que era capaz disso. Não queria ser capaz disso.
Quando Thea e eu desligamos, fui ver Grayson.
CAPÍTULO 89
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou
reproduzida — em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia,
gravação etc. — nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados sem a
expressa autorização da editora.
B241h
Barnes, Jennifer Lynn
O herdeiro perdido / Jennifer Lynn Barnes ; tradução Isadora Sinay. - 1. ed. - Rio de
Janeiro : Globo Alt, 2022.
432 p. (Jogos de herança ; 2)
22-75460
CDD: 813
CDU: 82-3(73)
1ª edição, 2022
Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos por Editora Globo S.A.
Rua Marquês de Pombal, 25
20.230-240 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
www.globolivros.com.br
JENNIFER LYNN BARNES
Tradução
Isadora Sinay
© Kim Haynes Photography
www.jenniferlynnbarnes.com
@jenlynnbarnes
SUMÁRIO
Pular sumário [ »» ]
Dedicatória
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Capítulo 74
Capítulo 75
Capítulo 76
Capítulo 77
Capítulo 78
Capítulo 79
Capítulo 80
Capítulo 81
Capítulo 82
Capítulo 83
Capítulo 84
Capítulo 85
Capítulo 86
Um ano depois...
Agradecimentos
Para William
CAPÍTULO 1
I G Ç
RE CHE
E DET
I G Ç
RE CHE
E DET
I G DOR
Eu não sabia o que ia ser mais difícil: convencer Max a deixar que
Oren lhe desse um guarda-costas ou mostrar aquela foto de Toby
para Eve. Acabei indo atrás de Max primeiro e encontrei ela e Eve
na pista de boliche com Xander, que segurava uma bola de boliche
em cada mão.
— Eu chamo essa jogada de o helicóptero — entoou ele,
erguendo os braços para o lado.
Mesmo nos momentos mais sombrios, Xander era Xander.
— Você vai derrubar uma delas no seu pé — eu disse.
— Tudo bem — respondeu Xander, alegremente. — Eu tenho
dois pés!
— Skye sabia alguma coisa do disco? — perguntou Eve,
passando por Xander e Max. — Ela está envolvida?
— Não para a segunda pergunta — eu disse. — E a primeira não
é importante agora.
Engoli em seco. Meu plano de confrontar a situação com Max
primeiro tinha ido por água abaixo.
— O importante é isso — falei, e passei para Eve a foto de Toby,
desviando o rosto.
Eu não conseguia olhar, mas não olhar não ajudava. Dava para
sentir Eve ao meu lado, encarando a foto. A respiração dela era
audível e irregular. Ela tinha sentido, assim como eu.
— Se livre disso.
Eve derrubou a foto. Aumentou o tom de voz.
— Tire isso daqui.
Eu me abaixei para pegar a foto, mas Xander largou as bolas de
boliche e chegou antes de mim. Ele pegou o celular. Enquanto eu
observava, ele ligou a lanterna e a passou pelo verso da foto.
— O que você está fazendo? — perguntou Max.
— Ele está checando se tem alguma mensagem escondida no
grão do papel — respondi.
Se algumas partes da página fossem mais densas do que outras,
a luz não penetraria tão bem. Eu não tinha querido olhar tão de
perto para a foto, para o rosto de Toby, mas, agora que Xander tinha
puxado a lanterna, meu cérebro trocou de marcha. E se tiver algo a
mais nessa mensagem?
— Vamos precisar de luz negra — falei. — E uma fonte de calor.
Se estávamos lidando com alguém que conhecia os jogos de
Tobias Hawthorne, tinta invisível era definitivamente possível.
— É para já! — disse Xander.
Ele me passou a foto, então saiu correndo da sala.
— O que vocês estão fazendo? — me perguntou Eve, com a voz
seca.
Eu estava analisando a foto, olhando para além das feridas de
Toby.
— O jornal — falei de repente, com força. — O que Toby está
segurando.
Peguei meu celular e tirei uma foto da foto, para poder ampliar.
— O artigo de primeira página — continuei, e adrenalina me
inundou. — Algumas letras estão apagadas. Vê essa palavra? Pelo
contexto, dá para saber que deveria ser crise, mas o E está
apagado. Mesma coisa com o U nessa palavra. Então S, outro E. M.
Deslizando para o computador do boliche, eu cliquei no botão
para incluir um novo jogador e digitei as cinco letras que eu já tinha
lido, então continuei. No total, havia vinte letras apagadas no artigo.
L. Digitei a última, então voltei e acrescentei espaços. Apertei
enter e a mensagem surgiu na tela de pontuação. EU SEMPRE VENÇO NO
FINAL.
Eu sabia que alguém estava brincando conosco, comigo. Mas
aquilo deixou muito mais claro que o sequestrador de Toby não
estava só jogando comigo. Estava jogando contra mim.
Quando Xander voltou trazendo uma luz negra em uma das mãos
e um abajur Tiffany no outro, deu uma olhada nas palavras na tela e
as deixou de lado.
— Escolha ousada de nome — disse, me dirigindo um olhar
esperançoso. — Seu?
— Não.
Eu me recusava a ceder à escuridão que queria vir. Em vez disso,
me virei para Max.
— Eu vou precisar que você concorde em levar um guarda-costas
amanhã.
Max abriu a boca, provavelmente para protestar, mas Xander
cutucou o ombro dela.
— E se te conseguirmos um moreno misterioso com um passado
trágico e um fraco por cachorrinhos? — disse ele, em tom insistente.
Depois de um longo momento, Max o cutucou de volta.
— Fechado.
Quando as coisas se acertassem pelo menos um pouco, eu e ela
teríamos uma longa conversa sobre cutucões, mesas de cabeceira
e a amizade entra ela e Xander Hawthorne. Mas por enquanto...
Eu me virei para Oren, um medo novo me acertando tarde
demais.
— E Jameson e Grayson? Eles ainda não chegaram em casa.
Se qualquer um próximo de mim podia ser um alvo, então...
— Tenho um homem com cada um deles — respondeu Oren. — A
última notícia que tive é que os meninos ainda estavam juntos e as
coisas estavam ficando feias. Feias estilo Hawthorne — esclareceu.
— Nenhuma ameaça externa.
Dado o estado emocional deles depois da conversa com Skye,
feio estilo Hawthorne era provavelmente o melhor que podíamos
esperar.
Eles estão seguros. Por enquanto. Com uma sensação
claustrofóbica, me voltei para as palavras na tela. EU SEMPRE VENÇO NO
FINAL.
— Pronome da primeira pessoa do singular — falei, porque era
mais fácil dissecar a mensagem do que me perguntar o que vencer
significava para a pessoa que estava com Toby. — Isso sugere que
estamos lidando com um indivíduo, não um grupo. E as palavras no
final parecem indicar que houve perdas no caminho.
Eu respirei, pensei e me forcei a ver mais que aquilo nas palavras.
— O que mais? — perguntei.
Duas horas e meia depois, Jameson e Grayson ainda não tinham
chegado em casa, e eu estava pirando. Eu já tinha revirado a
mensagem, a foto e o envelope, caso houvesse mais alguma coisa
ali dentro. Mas nada que eu fazia parecia adiantar.
Vingança. Revanche. Vendeta. Vingador. Eu sempre venço no
final.
— Estou odiando isso — disse Eve, a voz baixa e aguda. — Eu
odeio me sentir impotente.
Eu também odiava.
Xander olhou de Eve para mim.
— Vocês duas estão emburradas? — perguntou. — Porque Avery,
eu sou, como sempre, seu BFFH, e você sabe qual é a pena por ficar
emburrada.
— Eu não vou jogar Pega Xander — falei.
— O que é Pega Xander? — perguntou Max.
— O que não é Pega Xander? — respondeu Xander, filosófico.
— Isso tudo é uma piada para você? — perguntou Eve, dura.
— Não — disse Xander, subitamente sério. — Mas às vezes o
cérebro começa a andar em círculos. Não importa o que você faça,
os mesmos pensamentos continuam se repetindo, de novo e de
novo. Você fica preso em um ciclo e, dentro do ciclo, não enxerga
além dele. Você vai continuar pensando nas mesmas possibilidades,
à toa, porque as respostas que você precisa... estão além do ciclo.
Distrações não são só distrações. Às vezes elas quebram o ciclo, e
quando você sai, quando o cérebro para de girar...
— Você vê coisas que não tinha notado antes — concluiu Eve, e
encarou Xander por um momento. — Certo. Traga as distrações,
Xander Hawthorne.
— É muito perigoso dizer isso — avisei.
— Não dê bola para Avery! — instruiu Xander. — Ela só está um
pouco tímida por causa do Incidente.
Max riu.
— Que incidente?
— Não importa — disse Xander —, e, em minha defesa, eu não
esperava que o zoológico mandasse um tigre de verdade. Agora...
— disse ele, e tocou o queixo. — O que queremos fazer? O Chão É
Lava? Guerra de Esculturas? Assassinos da Gelatina?
— Desculpa — disse Eve, esganiçada, e se voltou para a porta.
— Não vai dar.
— Espera! — gritou Xander atrás dela. — O que você acha de
fondue?
CAPÍTULO 21
— Sua vez.
Estou de volta ao parque, jogando xadrez com Harry. Toby. No
momento em que penso no nome dele, o rosto muda. A barba
some, seu rosto fica roxo e inchado.
— Quem fez isso com você? — pergunto, a voz ecoando até que
eu mal escute meus pensamentos. — Toby, você precisa me contar.
Se eu conseguisse fazê-lo me contar, eu saberia.
— Sua vez.
Toby bate o cavalo preto em uma nova posição no tabuleiro.
Olho para baixo, mas não consigo mais ver nenhuma das peças.
Há apenas sombras e neblina onde elas deveriam estar.
— Sua vez, Avery Kylie Grambs.
Giro a cabeça, porque não é a voz de Toby que está falando.
Tobias Hawthorne me encara do outro lado da mesa.
— A questão da estratégia — diz ele — é que você sempre tem
que pensar sete movimentos à frente.
Ele se debruça na mesa.
No momento seguinte, me agarra pelo pescoço.
— Algumas pessoas matam dois coelhos com uma cajadada só
— diz, me estrangulando. — Eu mato doze.
Eu disse a Grayson que ele podia levar Eve à ala de Toby e ele me
informou que não era aquele o acordo. Eu tinha dito que eu
mostraria a Eve a ala de Toby. Eu tinha uma boa suspeita de que ele
estava indo para a piscina.
Pegando a bolsa e levando-a comigo, cumpri minha parte da
barganha.
Eve diminuiu o passo quando a ala de Toby surgiu. Ainda havia
destroços visíveis da parede de tijolos que o velho tinha erguido
décadas antes.
— Tobias Hawthorne fechou essa ala no verão que Toby
desapareceu — eu disse a Eve. — Quando descobrimos que Toby
ainda estava vivo, viemos aqui atrás de pistas.
— O que vocês descobriram? — perguntou Eve, o tom um pouco
espantado enquanto passávamos pelo resto dos tijolos e
entrávamos no hall de Toby.
— Muitas coisas.
Eu não culpava Eve por querer saber.
— Para começar, isso — falei.
Eu me ajoelhei para soltar um dos blocos de mármore do chão.
Embaixo dele havia um compartimento vazio, a não ser por um
poema gravado no metal.
— “Uma árvore de veneno” — falei. — Um poema do século
dezoito escrito por um poeta chamado William Blake.
Eve se ajoelhou e passou a mão pelo texto, lendo-o em silêncio
sem inspirar ou expirar uma única vez.
— Em suma — eu disse —, Toby, quando adolescente, parecia se
identificar com o sentimento de raiva... e o que custava para
escondê-lo.
Eve não respondeu. Ela só ficou lá, com os dedos sobre o poema,
sem piscar. Era como se eu tivesse deixado de existir, como se o
mundo todo tivesse.
Levou pelo menos um minuto antes dela erguer o olhar.
— Desculpa — disse, sua voz falhando. — É só que... o que você
acabou de dizer sobre Toby se identificar com esse poema... poderia
estar me descrevendo. Eu nem sabia que ele gostava de poesia.
Ela se levantou e girou, observando o resto da ala.
— O que mais? — perguntou.
— O título do poema nos levou a um texto jurídico na estante de
Toby — contei, o ar pesado de memória. — Em uma seção a
respeito da doutrina do fruto da árvore envenenada encontramos
uma mensagem codificada que Toby deixou antes de fugir... outro
poema, um que ele mesmo escreveu.
— O que dizia? — perguntou Eve, seu tom quase urgente. — O
poema de Toby?
Eu tinha relido as palavras tantas vezes que as sabia de cor.
— Mentiras, segredos, têm meu desprezo. Veneno é a árvore,
percebeu? Envenenou S e Z e eu. O tesouro conseguido está no
buraco mais escondido. A luz revelará tudo. Eu escrevi no...
Deixei no ar, como o poema fazia. Esperava que Eve o
terminasse para mim, completasse a palavra que Jameson e eu
sabíamos que cabia no final. Muro.
Mas ela não fez isso.
— O que ele quis dizer com isso de tesouro conseguido? —
perguntou Eve, sua voz ecoando pela suíte vazia de Toby. —
Revelará o quê?
— A adoção dele, imagino. Ele mantinha um diário nas paredes,
escrito com tinta invisível. Ainda tem algumas lâmpadas de luz
negra nesse quarto, de quando lemos. Vou ligá-las e apagar as
outras luzes.
Eve fez um gesto para me impedir.
— Eu posso fazer isso sozinha?
Eu não estava esperando aquilo, e minha reação instintiva foi
recusar.
— Eu sei que você tem tanto direito de estar aqui quanto eu,
Avery... ou mais. É sua casa, né? Mas eu só…
Eve sacudiu a cabeça, então baixou o olhar.
— Eu não pareço com a minha mãe — disse, e tocou as pontas
do cabelo. — Quando eu era criança, ela mantinha meu cabelo
curto... uns cortes tigela feios e tortos que ela mesma fazia. Ela
disse que era porque não queria ter que cuidar dele, mas, quando
cresci, quando eu comecei a cuidar do meu cabelo e deixá-lo
crescer, ela soltou que o tinha mantido curto porque mais ninguém
na nossa família tinha cabelo que nem o meu.
Eve inspirou.
— Ninguém tinha olhos que nem os meus. Nem um dos meus
traços sequer. Ninguém pensava do mesmo jeito que eu, nem
gostava das coisas que eu gostava, nem sentia as coisas da mesma
forma.
Ela engoliu em seco.
— Eu saí de casa no dia em que fiz dezoito anos. Eles
provavelmente teriam me expulsado, de qualquer jeito. Alguns
meses depois, eu me convenci de que talvez tivesse família em
algum lugar. Fiz um daqueles testes de DNA. Mas... nada.
Ninguém remotamente ligado aos Hawthorne teria mandado o DNA
para um desses bancos de dados.
— Toby te encontrou — lembrei Eve suavemente.
Ela assentiu.
— Ele também não se parece muito comigo. E é uma pessoa
difícil de conhecer. Mas aquele poema...
Não a fiz dizer mais nada.
— Eu entendo — falei. — Tudo bem.
Enquanto eu saía, pensei na minha mãe e em todas as nossas
semelhanças. Ela tinha me dado minha resiliência. Meu sorriso. A
cor do meu cabelo. A tendência a proteger meu coração... e a
capacidade, uma vez que eu baixasse a guarda, de amar com
ferocidade, profundidade, incondicionalmente.
Sem medo.
CAPÍTULO 28
Refletir foi assim: Libby foi fazer café, porque, quando a coisa
ficava feia, ela cuidava das outras pessoas. Grayson ajeitou o paletó
e deu as costas para o resto de nós. Jameson começou a andar de
um lado a outro, que nem uma pantera pronta para dar o bote. Nash
tirou o chapéu de caubói e ficou olhando para ele com uma
expressão sombria. Xander saiu correndo da sala e Eve baixou a
cabeça entre as mãos.
— Eu não devia ter dito nada — disse ela, rouca. — Mas depois
que ele cortou Toby...
— Eu entendo — eu disse a ela. — E não teria feito diferença
você ficar em silêncio. Teríamos acabado exatamente no mesmo
lugar.
— Não exatamente — disse Jameson, parando bem na minha
frente. — Pense no que ele disse depois que Eve interrompeu... e a
forma como ele falou de você.
— Como a herdeira — respondi e então me lembrei do resto. — A
que Tobias Hawthorne escolheu.
Eu engoli em seco.
— A história do filho pródigo trata de herança e perdão — falei.
— Todo mundo que acha que Toby foi sequestrado como parte de
um enorme complô de perdão — disse Nash, cujo sotaque não
suavizou em nada as palavras — levante a mão.
Todas as nossas mãos seguiram abaixadas.
— Nós já sabemos que é questão de vingança — falei, dura. —
Que é questão de vitória. Essa é só mais uma peça da mesma
maldita charada que não é para a gente resolver.
Agora era eu quem não conseguia mais ficar parada. A raiva não
estava só fervilhando; estava queimando.
— Ele quer que a gente fique doido, revirando isso sem parar —
eu disse, andando até a escrivaninha de tronco de árvore e me
apoiando nela, com força. — Ele quer que a gente reflita. E qual é o
propósito? — perguntei, muito perto de socar a madeira. — Ele
ainda não terminou, e não vai nos dar o necessário para resolver
isso até querer que seja resolvido.
Eu entrarei em contato. Nosso adversário era como um gato que
tinha pegado um rato pelo rabo. Ele estava me prendendo e
soltando para criar a ilusão de que, talvez, se eu fosse esperta, eu
poderia escapar, sendo que ele não tinha o menor medo de que eu
realmente fizesse isso.
— Precisamos tentar — disse Eve, com leve desespero.
— Eve está certa — disse Grayson, e se virou para nós... para
ela. — Isso não vai além das nossas capacidades só porque nosso
oponente acha que vai.
Jameson apoiou as mãos ao lado das minhas na mesa.
— As outras duas pistas foram vagas. Essa é menos. Às vezes dá
para resolver até charadas parciais.
Por mais fútil que parecesse, por mais raiva que eu sentisse, eles
estavam certos. Nós precisávamos tentar. Por Toby.
— Estou de volta! — exclamou Xander, surgindo na sala. — E
trouxe acessórios!
Ele estendeu a mão, mostrando três peças de xadrez: um rei, um
cavalo e um bispo.
Jameson foi pegar as peças, mas Xander deu um tapa na mão
dele.
— O pai — disse Xander, balançando o rei, que colocou na mesa.
— O filho pródigo — descreveu, e baixou o cavalo. — E o filho que
ficou.
— O bispo como o filho fiel — comentei quando Xander colocou a
última peça na mesa. — Belo toque.
Olhei as três peças. Um jovem perdulário, vagando pelo mundo...
ingrato. A lembrança daquela voz tinha grudado em mim como óleo.
Um pai benevolente, pronto para recebê-lo em casa.
Eu peguei o cavalo.
— Pródigo significa esbanjador. Nós todos sabemos como era
Toby quando adolescente. Ele atravessou o país bebendo e
transando com todo mundo, foi responsável pelo incêndio que
matou três pessoas e permitiu que a família achasse que ele estava
morto por décadas.
— E, durante tudo isso — refletiu Jameson, pegando o rei —,
nosso avô não queria nada além de receber em casa seu filho
pródigo.
Toby, o pródigo. Tobias, o pai.
— Então só resta o outro filho — disse Grayson, andando até a
mesa.
Nash também se aproximou, deixando apenas a silenciosa Eve
no canto.
— O que trabalhou com lealdade — continuou Grayson — e não
recebeu nada.
Ele conseguiu dizer aquilo como se não tivesse significado para
ele, mas aquela parte da história era conhecida dele... de todos
eles.
— Nós já falamos com Skye — eu disse, pegando o bispo, o filho
leal. — Mas Skye não é a única irmã de Toby.
Eu odiava sequer dizer aquilo, porque fazia meses que eu não via
a filha mais velha de Tobias Hawthorne como inimiga.
— Não é Zara — disse Jameson com o tipo de intensidade que eu
associava a ele e apenas a ele. — Ela é Hawthorne o suficiente
para fazer isso, se quisesse, mas, a menos que acreditemos que o
homem na ligação era um ator, uma fachada, nós sabemos quem é
o terceiro personagem da história.
Vingança. Revanche. Vendeta. Vingador.
Eu sempre venço no final.
Os três personagens na história do filho pródigo.
Cada peça da charada tinha nos contado algo a respeito do nosso
oponente.
— Se Toby deve ser o filho pródigo que não merece o que tem —
falei, sentindo o corpo todo tenso —, e Tobias Hawthorne é o pai
que o perdoou, o único papel que sobra para o sequestrador de
Toby é o do outro filho.
Outro filho. Fiquei completamente imóvel enquanto absorvia essa
possiblidade.
Xander levantou a mão.
— Alguém mais está se perguntando se temos um tio secreto por
aí e ninguém ficou sabendo? Porque, a essa altura, tio secreto
parece caber bem na cartela de bingo dos Hawthorne.
— Eu não acredito — disse Nash, firme, certo, sem pressa. — O
velho não era exatamente escrupuloso, mas ele era fiel... e bem
possessivo com qualquer um ou qualquer coisa que considerasse
dele. Além do mais, nós não precisamos ir atrás de tios secretos.
Eu entendi o que ele quisera dizer exatamente no mesmo
momento que Jameson.
— Não era Constantine no telefone — disse ele —, mas...
— Constantine Calligaris não foi o primeiro marido de Zara —
completei.
Tobias Hawthorne pode ter tido só um filho, mas ele tinha mais de
um genro.
— Ninguém nunca fala do primeiro cara — mencionou Xander. —
Nunca.
Um filho, afastado da família, ignorado, esquecido. Olhei para
Oren.
— Cadê Zara?
A pergunta era pesada, dado o histórico dos dois, mas meu chefe
de segurança respondeu como o profissional que era.
— Ela acorda cedo para cuidar das rosas.
— Eu vou — disse Grayson.
Ele não estava pedindo permissão nem se oferecendo.
Eve finalmente se juntou ao restante de nós na escrivaninha. Ela
ergueu os olhos para Grayson, marcas de lágrimas no rosto.
— Eu vou com você, Gray.
Ele ia aceitar. Eu sabia só de olhar para ele, mas não discuti. Não
me permiti dizer uma única palavra.
Mas Jameson me surpreendeu.
— Não. Vá você com Grayson, Herdeira.
Eu não tinha ideia do que fazer com aquilo — se ele ainda não
confiava em Eve, se não confiava em Grayson com Eve, ou se
estava apenas tentando combater seus demônios, deixar de lado a
rivalidade de uma vida inteira, e confiar em mim.
CAPÍTULO 36
Fui conferir a ala de Jameson antes de voltar para a minha. Ele não
estava lá também. Eu me lembrei de como tinha sido quando eu
havia descoberto que minha mãe não era quem eu pensava que ela
era. Senti que estava novamente de luto pela morte dela, e a única
coisa que tinha ajudado fora Libby me lembrar do tipo de pessoa
que minha mãe tinha sido, me provar que eu a conhecia, sim, de
todas as maneiras importantes.
Mas o que eu podia dizer para Jameson, ou Xander, ou qualquer
um deles, a respeito de Tobias Hawthorne? Que ele realmente era
genial? Estratégico? Que tinha alguns farrapos de consciência? Que
se importava com a própria família, mesmo tendo deserdado todos
eles em favor de uma desconhecida?
Eu pensei nas últimas palavras que o bilionário dissera a Xander:
Quando isso acabar, você vai saber que tipo de homem eu fui, e que
tipo de homem você quer ser. Quando o quê acabasse? Quando
Xander tivesse encontrado seu pai? Quando todos os jogos que
Tobias Hawthorne tinha planejado antes de morrer tivessem sido
jogados?
A ideia atraiu meu olhar para a bolsa de couro na cômoda. Eu
tinha passado dois dias consumida pela charada doentia do
sequestrador de Toby e pela esperança, por menor que fosse, de
que estávamos chegando mais perto de resolvê-la. Mas a verdade
era que toda a reflexão não tinha nos levado a lugar nenhum.
Provavelmente tinha sido proposta para não nos levar a lugar
nenhum... até que a charada fosse finalizada.
Eu entrarei em contato.
Eu detestava aquilo. Eu precisava de alguma vitória. De uma
distração. Quando isso acabar, você vai saber que tipo de homem
eu fui. Lentamente, caminhei até a cômoda, pensando em Tobias
Hawthorne e naqueles arquivos, e peguei a bolsa.
Com movimentos metódicos, espalhei os objetos que ainda não
tinha usado. O vaporizador. A lanterna. A toalha de praia. O círculo
de vidro. Falei em voz alta a última pista que Jameson e eu
havíamos desvendado:
— Não respire.
Eu esvaziei a mente. Depois de um momento, meu olhar se fixou
na toalha, e então no círculo azul-esverdeado. Essa cor. Uma
toalha. Não respire.
Com uma clareza súbita e visceral, compreendi o que tinha que
fazer.
As pessoas paravam de respirar quando estavam aterrorizadas,
surpresas, chocadas, tentando ficar quietas, cercadas por fumaça...
ou embaixo d’água.
CAPÍTULO 42
Alisa estava esperando por mim no hall. Oren devia saber, mas não
me avisou.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, um pequeno borrão
virou em um corredor latindo.
Um instante depois veio Libby, correndo logo atrás.
— Casa muito grande! — arfou. — Cachorro rápido! Odeio
malhar!
— Você já deu nome a ela? — perguntou Xander quando o filhote
se aproximou da gente.
Libby parou de correr e se curvou, apoiando as mãos nos joelhos.
— Eu disse pra você escolher um nome, Xander. Ela é...
— Um cachorro Hawthorne — completou Xander. — Como quiser.
Ele ergueu o cachorrinho e o aconchegou junto ao peito.
— Nós te chamaremos de Tiramisu — declarou.
— Isso é coisa de Nash, eu imagino? — perguntou Alisa, e
estendeu a mão para acariciar a orelha do cãozinho. — Um aviso —
disse suavemente para o filhote —: Nash Hawthorne nunca amou
nada que não tenha abandonado.
Libby encarou Alisa por um momento, então afastou o cabelo
suado dos olhos contornados com lápis preto.
— Veja só — disse sem se abalar. — Hora de malhar.
Quando minha irmã foi embora, estreitei os olhos para Alisa.
— Precisava mesmo disso?
— Temos problemas maiores agora.
Alisa estendeu o celular. Havia uma notícia na tela. “As pessoas
estão ficando nervosas”: Herdeira Hawthorne prestes a assumir o
controle. Aparentemente, o Market Watch, portal de informações
financeiras, não levava muita fé nas minhas capacidades. Todos os
empreendimentos nos quais Tobias Hawthorne tinha sido um
investidor importante estavam cheios de apreensão.
— O ataque continua — murmurei. — Eu não tenho tempo para
isso.
— E não é você quem vai precisar cuidar de coisas assim —
respondeu Alisa — se você estabelecer um fundo.
Não confie em ninguém. Pensei no aviso de novo. Será que
Tobias Hawthorne estava se referindo ao aspecto financeiro?
Quanto mais perto eu chegava da marca de um ano, mais Alisa
insistia, e mais perto ela e a firma ficavam de perder o controle.
— Deixe ela em paz, Alisa.
Ergui os olhos e vi Jameson andar na nossa direção. Ele estava
de camisa social branca e bem passada, dobrada até o cotovelo.
— Um fundo não é necessário. Avery pode se virar com
consultores financeiros.
— Consultores financeiros não vão acalmar os ânimos de
ninguém a respeito da ideia de uma menina de dezoito anos mandar
em uma das maiores fortunas do mundo — disse Alisa a Jameson,
com um sorriso de lábios fechados conclusivo. — A percepção é
importante — falou, e se virou para mim. — Falando nisso, tem
outra coisa que você precisa ver.
Ela pegou o celular de mim, abriu outra página e o passou de
volta. Dessa vez, eu me peguei olhando para o site de fofocas de
celebridades que tinha dado o furo sobre Emily e Eve.
Troca-troca de Hawthorne? Herdeira Hawthorne e seu agitado
novo estilo de vida.
Embaixo da manchete havia uma série de fotos. Jameson de
terno e eu de vestido de festa, dançando na praia. Um still de uma
entrevista que eu tinha feito com Grayson meses antes... quando ele
tinha me beijado. A última foto era com Xander, nós dois parados na
varanda da casa de Rebecca menos de uma hora antes.
Eu não tinha notado que os paparazzi tinham nos visto lá. Se bem
que talvez não tenham sido os paparazzi. Estava ficando difícil não
achar que nosso adversário estava em toda parte.
— Vamos olhar pelo lado positivo — sugeriu Xander. — Eu estou
um gato nessa foto.
— Não tem motivo para Avery ver uma coisa dessas — disse
Jameson com firmeza.
Jameson Winchester Hawthorne em modo de proteção era algo
para memorar.
— A percepção é importante — reiterou Alisa.
— Nesse momento — respondi, passando o celular de volta para
ela —, outras coisas são mais importantes. Me diga que você
descobriu alguma coisa, Alisa. Quem está dando as ordens?
Ela dissera que estava cuidando daquilo dias antes, e desde
então eu não tinha ouvido uma palavra.
— Você sabe quantas pessoas existem no mundo com um
patrimônio de pelo menos duzentos milhões de dólares? — disse
Alisa calmamente. — Umas trinta mil. Existem oitocentos bilionários
só nos Estados Unidos, e isso não precisaria de bilhões.
— Precisaria de conexões.
Olhei para o alto da escada, para Grayson, que desceu para se
juntar a nós, mas não chegou a olhar para mim. Ele estava todo de
preto, mas não de terno.
— O que quer que você tenha — disse Grayson a Alisa —, mande
pra mim.
Finalmente, finalmente, os olhos dele encontraram os meus.
— Cadê Eve?
Parecia que ele tinha me batido.
— No chalé — respondeu Rebecca. — Com minha mãe e meu
vô.
— Se descobrirmos alguma coisa — falei, tentando não deixar o
olhar dilacerador de Grayson me dilacerar —, vamos chamá-la.
— Se descobrirmos... — disse Jameson, me encarando com a
precisão de um laser. — O quê?
— A pessoa que sequestrou Toby está ficando mais agressiva —
disse Oren.
— Como assim, mais agressiva? — insistiu Alisa.
Xander levou Tiramisu até o rosto e falou com a voz da filhote.
— Não se preocupem. O incêndio foi bem pequeno.
— Que incêndio? — perguntou Jameson, eliminando o espaço
entre nós e pegando minha mão. — Conte, Herdeira.
— Outro envelope. A mensagem pegou fogo quando entrou em
contato com o ar. Sete números.
O polegar de Jameson traçou o dorso da minha mão.
— Bem, Herdeira. Que comece o jogo.
CAPÍTULO 53
***
Mentiras, segredos,
têm meu desprezo.
Veneno é a árvore,
percebeu?
Envenenou S e Z e eu.
O tesouro conseguido
está no buraco mais escondido.
A luz revelará tudo
eu escrevi no...
Vincent Blake iria honrar nossa aposta, mas ele nunca mais queria
me ver em sua propriedade.
— Acompanhem Avery, Grayson e a srta. Ortega de volta ao
portão — ordenou aos seguranças. — Cuidem de dispersar a
imprensa antes deles chegarem.
Uma mão se fechou em volta do meu braço, sugerindo
exatamente que tipo de “acompanhamento” eu teria. Mas, no
momento seguinte, o homem que tinha me agarrado estava no chão
e Toby estava em cima dele.
— Eu os acompanho — disse ele.
Os homens de Blake olharam para o chefe.
Vincent Blake deu um sorriso generoso a Toby.
— Como quiser, Tobias Blake.
O nome era um lembrete afiado: eu podia ter ganhado minha
aposta, mas Toby tinha perdido a dele. Com uma mão nas minhas
costas, ele me levou embora, circulando a casa.
Nós quase tínhamos chegado à saída quando uma voz falou atrás
de nós.
— Parem.
Eu queria ignorar Eve, mas não podia. Devagar, me virei para
encará-la, ciente de que Grayson estava exercendo um controle de
aço sobre qualquer impulso que pudesse ter de fazer o mesmo.
— Você me deixou ganhar — disse Eve.
Era uma acusação, furiosa e baixa. Ela olhou para Toby.
— Você também entregou seu jogo? — perguntou a ele, sua voz
tremendo.
Quando Toby não respondeu, Eve se virou de volta para mim.
— Ele entregou? — exigiu saber.
— Faz diferença? — perguntei. — Você conseguiu o que queria.
Eve tinha os cinco selos. Ela era a única herdeira do império de
Blake.
— Eu queria — sussurrou Eve, a voz baixa, mas brutalmente
feroz —, pela primeira vez na vida, provar para alguém que eu era
boa suficiente.
O olhar dela a traiu, indo para Grayson, mas ele não se virou.
— Eu queria que Blake me enxergasse — continuou Eve,
voltando a me olhar —, mas agora a única coisa que ele vai ver
quando olhar para mim é você.
Eu tinha usado Eve para vencer Blake, e ela estava certa: ele
nunca esqueceria.
— Eu te enxerguei, Eve — disse Grayson, a voz sem emoção, o
corpo imóvel. — Você poderia ter sido uma de nós.
A expressão de Eve hesitou e, por um brevíssimo momento, eu
me lembrei da menininha no medalhão. Então a pessoa na minha
frente se endireitou, um olhar altivo assumindo suas feições como
uma máscara de porcelana.
— A menina que você conheceu — disse ela a Grayson — era
uma mentira.
Se ela achava que ia arrancar alguma reação de Grayson
Davenport Hawthorne, estava errada.
— Tire-os daqui — disse Eve, virando bruscamente a cabeça para
Toby. — Agora.
— Eve... — começou a dizer Toby.
— Eu mandei vocês irem embora — disse ela, e uma fagulha de
vitória, dura e cruel, brilhou nos olhos cor de esmeralda. — Você vai
voltar.
Foi como uma flecha no meu coração. Toby não tem escolha.
Sem hesitar, ele me levou para longe da filha, e só voltou a falar
depois de chegar à caminhonete comigo, Alisa e Grayson.
— O que você fez com Blake foi muito arriscado — me disse
Toby, meio censura, meio elogio.
Eu dei de ombros.
— Foi você quem escolheu meu nome.
Avery Kylie Grambs. A very risky gamble, uma aposta muito
arriscada. Toby tinha ajudado a me trazer para o mundo. Ele tinha
me dado meu nome. Ele tinha vindo a mim quando minha mãe
morrera. Ele tinha me salvado quando eu precisava ser salva.
E eu ia perdê-lo de novo.
— O que acontece agora? — perguntei a ele, meus olhos
começando a arder, minha garganta apertada.
— Eu me torno Tobias Blake.
Toby sabia da verdade a respeito da sua linhagem fazia duas
décadas. Se ele quisesse aquela vida, já a estaria vivendo.
Eu pensei nas palavras que ele tinha escrito na câmara embaixo
do labirinto. Eu nunca fui um Hawthorne. Eu nunca serei um Blake.
— Você não precisa fazer isso — eu disse a ele. — Você poderia
fugir. Você conseguiu passar anos escondido de Tobias Hawthorne.
Poderia fazer a mesma coisa com Blake.
— E dar àquele homem justificativa para invalidar o trato com
você? — cortou Alisa. — Se invalidar uma aposta no conjunto, ele
pode facilmente argumentar que invalidou todas elas.
— Eu não vou fugir dessa vez — disse Toby, decidido.
Segui o olhar dele até Eve, que estava na varanda de novo, seu
cabelo âmbar voando com a brisa, parecendo plenamente uma
rainha conquistadora de outro mundo.
— Você vai ficar por ela.
Eu não queria que tivesse soado como uma acusação de traição.
— Eu vou ficar por vocês duas — respondeu Toby e, por um
momento, eu vi nós dois, ouvi nossa última conversa.
Você tem uma filha.
Eu tenho duas.
— Ela ajudou Blake a te sequestrar — falei, áspera. — Ela me
usou... usou todos nós.
— E, quando eu tinha a idade dela — respondeu Toby, abrindo a
porta da caminhonete e fazendo um gesto para eu entrar —, matei a
irmã da sua mãe.
Eu queria protestar, dizer que ele não tinha começado o incêndio,
mesmo que tivesse encharcado a casa de gasolina, mas ele não
deixou.
— Hannah achava que eu tinha redenção.
Mesmo depois de tanto tempo, Toby não podia mencionar minha
mãe sem se comover.
— Você acha mesmo que ela iria querer que eu abandonasse
Eve? — perguntou.
Eu senti um soluço preso em algum lugar.
— Você podia ter me contado — eu disse, minha voz raspando na
garganta. — De Blake. Do corpo. Por que estava tão determinado a
ficar nas sombras.
Toby levou a mão ao meu rosto, e afastou uma mecha de cabelo
da minha têmpora.
— Eu teria feito muitas coisas diferente se pudesse viver essa
vida de novo.
Eu pensei no que tinha dito a Jameson sobre destino,
predestinação e escolha. Eu sabia por que Tobias Hawthorne tinha
me escolhido. Eu sabia que aquilo nunca tinha sido por minha
causa. Mas, diferente de Toby, eu não tinha arrependimentos. Eu
teria feito aquilo, tudo aquilo, de novo.
O jogo de Tobias Hawthorne não tinha me tornado extraordinária.
Tinha me mostrado que eu já era.
— Eu vou te ver de novo? — perguntei a Toby, minha voz
falhando.
— Blake não vai me manter em prisão domiciliar.
Toby esperou que Alisa e Grayson subissem depois de mim,
então fechou a porta do lado do carona e contornou para o outro
lado da caminhonete. Quando falou de novo, foi do assento do
motorista.
— E o Texas, na verdade, não é tão grande, especialmente visto
do topo.
Dinheiro. Poder. Status. Meu caminho e o de Vincent Blake
provavelmente iriam se cruzar de novo, assim como o meu e de
Toby. O meu e de Eve.
— Aqui — disse Toby, e colocou um pequeno cubo de madeira na
minha mão antes de dar a partida. — Eu fiz uma coisa pra você,
menina terrível.
O apelido quase me desmontou.
— O que é isso?
— Blake não me deu muita coisa para me entreter, só madeira e
uma faca.
— E você não usou a faca? — perguntou Grayson ao meu lado.
O tom dele deixou muito claro o tipo de uso que ele teria
aprovado.
— Você teria usado — argumentou Toby —, se achasse que seu
sequestrador poderia atingir Avery?
Toby tinha me protegido. Ele tinha feito algo para mim.
Você tem uma filha.
Eu tenho duas.
Eu baixei os olhos para o cubo de madeira nas minhas mãos,
pensando na minha mãe, naquele homem, nas décadas e tragédias
e pequenos momentos que tinham levado todos nós até ali.
— Cuide dela — disse Toby a Grayson quando os limites da
propriedade de Blake surgiram. — Se cuidem.
A imprensa tinha sido retirada, mas Oren e seus seguranças
ainda estavam ali esperando, assim como Jameson Winchester
Hawthorne.
Grayson viu o irmão e respondeu pelos dois:
— Vamos cuidar.
CAPÍTULO 85
Naquela noite, eu girei nas mãos o cubo que Toby tinha me dado.
Arranhei o dedo na borda e notei que era feito de peças interligadas.
Trabalhando devagar, resolvi o quebra-cabeça, desmontei o cubo e
dispus as peças na minha frente.
Em cada uma, ele tinha entalhado uma palavra.
Eu
Vejo
Muito
Da
Sua
Mãe
Em
Você
E foi então, mais do que no momento em que eu tinha derrotado
Blake, que eu soube.
***
***
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou
reproduzida — em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia,
gravação etc. — nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados sem a
expressa autorização da editora.
B241a
Barnes, Jennifer Lynn
A aposta final / Jennifer Lynn Barnes ; tradução Isadora Sinay. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Globo Alt,
2022.
(Jogos de herança ; 3)
1ª edição, 2022
Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos por Editora Globo S.A.
Rua Marquês de Pombal, 25
20.230-240 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
www.globolivros.com.br
Table of Contents
Capa
Folha de rosto
Sobre a autora
Sumário
Dedicatória
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Capítulo 74
Capítulo 75
Capítulo 76
Capítulo 77
Capítulo 78
Capítulo 79
Capítulo 80
Capítulo 81
Capítulo 82
Capítulo 83
Capítulo 84
Capítulo 85
Capítulo 86
Capítulo 87
Capítulo 88
Capítulo 89
Capítulo 90
Capítulo 91
Epílogo
Agradecimentos
Créditos
Capa
Folha de rosto
Sobre a autora
Sumário
Dedicatória
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capìtulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Capítulo 74
Capítulo 75
Capítulo 76
Capítulo 77
Capítulo 78
Capítulo 79
Capítulo 80
Capítulo 81
Capítulo 82
Capítulo 83
Capítulo 84
Capítulo 85
Capítulo 86
Capítulo 87
Capítulo 88
Capítulo 89
Capítulo 90
Agradecimentos
Créditos
Capa
Folha de rosto
Sobre a autora
Sumário
Dedicatória
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Capítulo 74
Capítulo 75
Capítulo 76
Capítulo 77
Capítulo 78
Capítulo 79
Capítulo 80
Capítulo 81
Capítulo 82
Capítulo 83
Capítulo 84
Capítulo 85
Capítulo 86
Um ano depois...
Agradecimentos
Créditos