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LEITURA CRÍTICA:
Heloísa Fachinni - @Readbyhelo
CAPA:
Ellen Ferreira @Ellfdesigner
Tipografia do título:
L Chagas Design
DIAGRAMAÇÃO:
Imaginare Editorial
O estalo alto do tapa reverberou por todo o maldito jardim. Por dois
ou três segundos, foi como se a cena congelasse. Ninguém se moveu.
Ninguém respirou. Bom, ninguém esperava por aquilo.
A cabeça de Rosa ficou virada para o lado naqueles três segundos,
como se absorvesse em cada centímetro o tapa dado pela irmã.
Todos os homens que estavam próximos estagnaram até mesmo os
menores dos movimentos. Luk engoliu seco ao meu lado, e por um
segundo, apenas um, hesitei.
Deveria me meter entre as duas? Isabel estava reagindo como
precisava reagir, ainda que fosse totalmente diferente do que todos –
inclusive eu – esperavam.
Mas quando ela começou a gritar e avançar na direção de Rosa, que
virou para minha mulher como se considerasse retribuir o tapa, avancei,
sendo rápido em segurá-la pelos ombros com o máximo de firmeza
possível, pois, porra, Isabel era forte e escorregadia quando estava brava. E
naquele momento, ela parecia em fúria total.
Porém, quando elas ficaram a uma distância mais ou menos segura,
senti seu corpo cambalear para meu aperto. Senti os pequenos tremores em
seu ombro, e mesmo sem conseguir olhar em seu rosto agora, trinquei com
força o maxilar por saber que ela deveria estar próxima de desabar em
lágrimas ali.
Lancei um olhar duro para a mulher responsável por tanta dor da
minha esposa, mas parei ao notar como ela também hesitou ao notar aquelas
lágrimas. Não pude deixar de olhar para a sua aparência.
Apesar de só ter visto pessoalmente a garota uma vez, eu me
lembrava perfeitamente de como ela era no dia em que descobri que era
minha filha.
Isabel tinha algumas poucas fotos das duas guardadas consigo, e
quando percebi que passava tempo demais olhando para elas ao invés de
comer ou dormir, pedi para que tirassem do quarto onde ela estava. Houve
um surto enorme nesse episódio, minha mulher estava inconsolável,
chorando tanto que mal conseguíamos entender o que dizia. Depois de
sedá-la, pois sua agitação poderia machucá-la, ela nunca mais tocou no
assunto.
Ver aquilo tudo foi pior do que ir fazer morada no inferno. Pior do
que qualquer dor física ou emocional que já senti, inclusive a dos dias que
ainda me assombravam em terrores noturnos esporadicamente, mas não
consegui me livrar das fotos.
Mantive-as comigo, observando-as de vez em quando. Olhava o
sorriso leve em uma versão mais jovem da minha mulher, notando como,
mesmo antes daquela noite fatídica com Popov, ela já estava mudada. Com
o tempo, passei a olhar a figura ao seu lado, na foto das duas em uma
lareira, onde imaginava ser na casa onde cresceram. Olhava para a menina
que carregava meu sangue e DNA, e não podia deixar de notar as
semelhanças.
Encarando a figura da mulher praticamente morta diante de nós
naquele momento, não sabia se ainda seria possível encontrar algum traço
daquela menina. Ela estava magra demais, pálida demais, com olheiras
escuras demais debaixo dos olhos azuis esverdeados. Cada parte do seu
corpo estava tenso, e dava para ver como ela estava exausta.
Demorou alguns segundos para que eu entendesse por que caralhos
senti uma pontada no peito com a visão dela. Tanto que mal notei que Isabel
tinha saído do meu aperto e ido até Rosa, abraçando-a. Foi a minha vez de
ficar tenso, ou melhor, ainda mais tenso do que já estava nessa situação.
Eu estava dividido para caralho. Bastava mirar em Rosa para saber
que ela não era a menina sorridente da foto que guardava no meu escritório,
nem mesmo a garota trêmula de um ano atrás. Ela era perigosa. E isso me
deixava em alerta total, me dando vontade de arrancar minha mulher e meu
filho de perto dela antes que tentasse algo. Mas a outra parte de mim
encarava a pessoa que sabia ser minha filha, olhava as marcas de
machucados em seu corpo, notava o tanto que talvez ela precisasse daquele
abraço, mesmo que ela não tenha abraçado Isabel de volta.
O momento, seja lá o que tenha significado, acabou rapidamente, no
entanto. Mas o que saiu da boca dela me fez desejar ter feito a primeira
coisa que pensei em fazer quando a vi.
— O que vem agora, outro tapa?
A reação de Isabel foi como levar outro tapa.
Virei-a para mim antes que ela perdesse a cabeça e fizesse alguma
merda. Apesar de ter dado espaço suficiente para as duas ali, essa cena não
era nada boa para nós. Havia pessoas demais observando.
— Acabamos?
Tive que me segurar com todas as forças para não avançar em Rosa
ao notar o sorriso venenoso que ela lançou para Isabel, que me encarava
com veemência enquanto tentava se acalmar. Ela retribuiu o olhar, e isso foi
apenas uma confirmação que nem a pau eu deixaria minha esposa e filho
perto dela novamente, caralho.
— Marcus — chamei em um tom duro. — Leve a senhorita
Dourand para o quarto dela, s’il vous plait[13].
— Não vou a lugar nenhum — a porra da garota respondeu
impassível ao cruzar os braços.
— Se preferir dormir com os cavalos. — Até que não seria má
ideia...
— Manon. — Voltei a olhar para Isabel, que me implorava com seus
olhos.
Suspirei fundo. Que porra de situação. Por que Rosa não podia
simplesmente estar mesmo morta?
Isabel se virou e respondeu algo a ela, e começaram a discutir. Eu
estava começando a ficar no limite.
— Você é minha irmã — ela falou.
— Eu não sou nada sua — Rosa respondeu entredentes.
— Não fale assim com ela — rosnei, me segurando para não a tirar
daqui à força. — Você lhe deve respeito.
— Não devo respeito a um bando de criminosos.
— Novidade, querida, você também é uma. Então, largue essa
postura hipócrita — Luk rebateu, e eu soltei o ar. Ele também não parecia
gostar nem um pouco daquela situação.
Os dois travaram uma guerra de olhares, e parecia que iríamos
continuar brigando na frente daquela casa para sempre, até que Isabel
gritou.
— CHEGA!
Todos paramos para encará-la.
— Vão. Todos vocês. Deixem-me a sós com ela. — Nem fodendo.
— Ma puce...
— Deixem-nos. A. Sós — Isabel falou entredentes pela primeira vez
para mim.
Eu conhecia aquele olhar, aquela postura. Ela não aceitaria um não.
Não faça isso. Era o que meu olhar dizia.
Não me faça pedir de novo. Era o que o olhar dela respondia.
Foda-se!
Ergui o queixo, indicando para que Luk e Marcus se afastassem, e
segui alguns passos para trás, mais próximo da porta de casa. Não iria me
afastar mais do que isso, porra, e era melhor elas acabarem logo com
aquilo.
As duas conversaram por alguns minutos, mas a julgar pelas
posturas rígidas e as expressões de Rosa, não parecia nada bem.
Eu só queria ir lá para impedir que Isabel ouvisse as palavras duras
que com certeza a mulher jogava nela.
— Ela deveria ter continuado morta — Luk soprou um rosnado ao
meu lado, ao ver como ela abria os braços exasperada e Isabel parecia
rígida como uma estátua.
Minha mulher era forte. Não faria uma cena, especialmente na
frente dos soldados, porém eu sabia que depois remoeria cada palavra que
saiu da boca da irmã. E era aquilo que me preocupava mais. Não podia
perdê-la novamente.
Mas, de alguma forma, a fala de Luk não vingou em minha boca
como se fosse tirada de mim, espelhada nos meus pensamentos, ainda que
tenha pensado nisso minutos atrás.
Não espelhava porque sabia que a confirmação da morte dela
acabaria com Isabel mais do que essa discussão delas.
Quando Rosa se aproximou de Isabel, fiz menção de me aproximar,
mas ela logo se afastou, apenas falando sobre o ombro antes de vir em
nossa direção.
Ela parou com a postura aprumada, e mesmo com lágrimas nos
olhos, sua voz não falou quando se dirigiu a Marcus.
— Me leve até meu quarto.
Acenei com a cabeça quando ele olhou para mim e eles entraram.
Depois, me virei para Isabel, fazendo menção de me aproximar dela,
mas ela se afastou.
— Preciso de um tempo sozinha — foi tudo que ela disse antes de
partir. E não pude deixar de me perguntar se, mesmo não querendo perdê-la
novamente, talvez fosse acontecer exatamente isso.
Nem tudo é o que parece
“Estou me vendo
Me afastando
Uma visão tão obscurecida
Eu não posso ficar
Eu estou fora dos limites
Tentando me agarrar antes que eu caia
Um pouco tarde demais
Você pode me salvar?’’
Dont let me go, RAIGN
Minha mãe costumava dizer para não comemorar a maçã que caía
dentro do nosso muro, pois, na maioria das vezes, elas despencavam do seu
pé por estarem podres por dentro. Depois de finalmente me resolver com
minha irmã, um enorme peso pareceu sair das minhas costas. O ar era mais
fácil de respirar. Andar, abrir os olhos, e fazer coisas mundanas, como sorrir
e viver, eram tarefas que me senti almejando, não condenando. Mas logo
quando voltei para o quarto, para encontrar meu marido claramente
chateado com algo que não queria compartilhar comigo, percebi que talvez
tenha mordido a maçã cedo demais.
Odiava me sentir tão distante dele e de seus pensamentos. Manon
nunca se deixou abrir demais em minha presença, mesmo antes. Porém,
desde que entramos nessa juntos, ele estava começando a me deixar entrar,
assim como eu o deixava. Talvez não fosse na mesma medida, mas
estávamos chegando lá. Agora, no entanto, era como ser esposa de um
estranho. Um estranho que eu amava mais do que poderia começar a
explicar, que me cativava, provocava e me fazia sentir segura e amada, mas
que não conseguia fazer ideia do que se passava por trás dos seus olhos.
Ainda que soubesse que eles sempre estavam mirados em mim. Como neste
exato momento.
Estávamos indo em direção à sala de jantar, que virou nosso cômodo
de reuniões, e trocávamos olhares desconfortáveis sobre como abordar essa
nova situação.
— Rosa não vai gostar nem um pouco disso — comentei baixinho.
Luk se virou para mim, e eu suspirei.
Era melhor deixá-los conversarem. Afinal, parte do que faríamos a
partir dali dependia do que decidíssemos. E mesmo sabendo como eu me
sentia sobre isso, pois sabia como ela iria se sentir, não poderíamos nos
antecipar.
— Vou entrar. Estou morrendo de fome — falei antes de me juntar
aos outros na sala. Graças a Deus, Rosa ainda não tinha chegado.
Mas não demorou muito até que ela, Can e Astrid entrassem no
cômodo com os pratos e talheres para comermos. Bem na hora em que Luk
chegou resmungando atrás de Manon.
— Porra, quantos casamentos serão destruídos este mês?
— Luk — Manon tentou repreender. Mas já era tarde demais.
Todos congelamos.
Alessia e Matias já sabiam do assunto que discutíamos, e trocaram
olhares cautelosos com Rosa, Astrid e Can.
— Que casamento? — ela perguntou confusa.
Luk apenas olhou-a ironicamente. Aquilo não sairia nada bem. Ele
estava puto.
— Além do que você arruinou?
— Luk — tentei chamar.
Ele estava estranho ultimamente. Mais nervoso e pavio curto que o
normal. Caterina partira há alguns dias, de volta para os Del Toro e seu
marido psicótico. Nenhum de nós queria deixá-la ir, mas não precisávamos
irritar Padilha antes da hora certa. E mesmo sabendo que ela podia se
cuidar, estava preocupada. Não tínhamos notícias dela desde que se foi, e
algo me dizia que isso poderia ter a ver com o comportamento do nosso
consigliere[16].
— Do que está falando? Que outro casamento iremos destruir? —
Rosa ignorou a alfinetada de Luk, e me encarou nervosa quando ninguém
respondeu.
Como quebrar um coração que já viu partido vezes demais? Que
mal tinha começado a catar os caquinhos? Não havia um jeito suave de
fazer isso.
— Rosa. — Estendi a mão e toquei seu ombro, tentando preparar
para o baque. A mim ou a ela, não sabia.
Mas não precisei fazer, pois foi meu marido quem se aproximou e
disse.
— É na Arábia Saudita. Chaol vai se casar.
O que veio depois disso foi como um grande borrão caótico.
No começo, Rosa apenas saiu para a varanda e ficou lá até me
preocupar que seus dedos congelariam. Pedi para que Luk fosse verificar, e
quando ela voltou, ela não parava de pedir para que fôssemos impedir esse
casamento e sequestrar Chaol. Só que não era simples. Não era um
casamento qualquer, nem um cara qualquer. E não tínhamos números nem
condições para fazer aquele plano suicida.
— É arriscado demais — meu marido disse para ela, enquanto todos
discutíamos sobre como tínhamos que ser cuidadosos.
Luk balançou a cabeça.
— É uma armadilha. E iremos cair direto nela se formos.
— Então, é bom estarmos prontos — Rosa rebateu, inabalada.
Ela não mudaria de ideia. Eu sabia que essa seria sua reação assim
que soube da notícia, mas isso não mudava a forma como deveríamos fazer.
O que queremos nem sempre é o que precisamos. Nesse caso, nessa
guerra, o que queríamos nos mataria, e não poderíamos nos dar ao luxo
disso.
E foi exatamente por isso que me mantive firme mesmo quando ela
se virou para mim com um olhar suplicante.
— Por favor — praticamente sussurrou.
— Não podemos nos arriscar tanto. — Me desculpe, maninha.
Rosa obviamente não gostou da resposta.
— E o papo de “vamos morrer tentando’’? — ela jogou de volta as
palavras que disse a ela quando fui em seu quarto ontem à noite.
Quando não respondi, ela se virou.
— Vocês são um bando de hipócritas! — cuspiu, nos olhando com
menosprezo. — Ficam aí, brincando de Deus, falando que querem acabar
com tudo, mas quando têm a oportunidade...
— Não é assim — tentei me intrometer.
— ENTÃO, O QUE É? — ela gritou, me sobressaltando quando se
virou novamente para mim, mirando-me com raiva. — PORQUE, ATÉ
ONTEM, VOCÊ ESTAVA DO MEU LADO!
— Eu estou do seu lado — afirmei. — Só quero pensar da forma
mais racional, e...
— POR QUÊ?
Porque eu tenho algo a perder agora, maninha. Porque não é mais
só sobre vingança. Porque eu já a perdi uma vez, e mesmo não querendo
perdê-la de novo, não sobreviveria se perdesse isso.
Rosa respirou fundo, abaixando a cabeça, derrotada.
— Ontem, você me disse que faríamos de tudo, que morreríamos
tentando.
Eu disse, e eu faria.
Mas não ainda, não antes de fazer o que tinha que ser feito.
— Por que mudar agora? — perguntou-me.
Virei-me para Manon, e trocamos um breve olhar. Ele sabia que
tinha que ser feito. Não contamos a ninguém além de Luk sobre o assunto.
Eu não queria arriscar falar, porque, se não desse certo... E Manon
concordava que ser sua esposa grávida era de muito mais valia e aumentava
demais o alvo em minhas costas para isso. Mas agora não tínhamos mais
escolha.
Quando me virei para ela novamente, Rosa se afastou.
Tentei não enxergar o nojo em sua expressão, muito menos antes de
eu falar.
— Não — ela praticamente cuspiu.
Um sorriso surgiu em meus lábios, mas era triste. Eu queria tanto
poder compartilhar isso com ela de uma forma positiva...
— Porque estou grávida.
E então, tudo desandou novamente.
A maçã? Definitivamente estava podre. O problema era que já tinha
comido mais do que a metade dela.
Havia uma coisa que poderia dizer sobre Lenna Dourand com a qual
todos que a conheciam concordariam: ela era uma figura.
Mesmo depois de todo esse tempo, ela ainda tinha o mesmo cheiro
do perfume, ainda usava aqueles bobs no cabelo, e era tão superprotetora
quanto sempre. Mesmo em um roupão grosso.
Depois de quase nos matar na entrada de casa, Rosa e eu nos unimos
a ela do lado de dentro.
Conversamos, choramos, e conversamos mais um pouco.
Havia tanto que ela tinha para nos falar e explicar quanto nós a ela.
E o fizemos pelo resto do dia.
Meu peito doía a cada vez que algo saía por sua boca, que uma
risada rouca deixava sua garganta, que um olhar se virava para mim e que o
ar entrava pelos seus pulmões. Estar ali doía. Olhar e falar com minha mãe
doía. Doía porque me perguntava o motivo de ter esperado tanto tempo para
isso. Para vê-la. Olhando para minha irmã, eu sabia o motivo.
Eu havia prometido voltar para casa com ela, e não poderia ter feito
de nenhum outro jeito que não esse. Mas isso não significava que não sofria
ao saber que minha mãe estava sofrendo enquanto não obtinha informações
sobre nosso paradeiro.
Engoli a bola de culpa em minha garganta, sem sucesso. Eu a deixei.
Deixei-a ali para apodrecer enquanto ia atrás da minha vingança. Ela tinha
perdido o suficiente, e eu ainda assim fui embora. Prometi que iria voltar, e
mesmo que sempre tenha sido o plano, admitia agora que houve momentos
em que pensei que não o faria. E como nunca tinha feito até esse momento,
minha mãe pensou que eu estava morta. Assim como Rosa, e assim como
meu pai. Infelizmente esse último realmente estava.
Flashes de lembranças de seu rosto quando o vi pela última vez,
quando morria em meus braços, tomaram minha mente. Encarei mamãe,
que estava dando uma bronca em nós duas por sumir.
Será que ela sabia? Não demoraria muito, caso já não tivesse
pensado nisso ela mesma.
Manon entrou na casa, para se certificar que estávamos seguras, e
contou para ela. Fazia sentido, já que, teoricamente, meu pai era um
soldado seu.
A resiliência com a qual ela tomou a notícia me dizia tudo: ela
sempre soube.
Mamãe poderia não saber como papai morreu, mas eu via agora que
ela sentia sua morte. Ela carregava a morte de todos nós em seus olhos,
embaixo deles, para ser específica. Carregava-nos em suas costas curvadas,
em suas rugas de estresse que surgiram no rosto. Na dor ainda presente em
seu olhar, como se ela estivesse com medo de piscar os olhos e nos perder
de vista.
E isso era tudo culpa minha.
— O papá me salvou — admiti com a voz rouca e agradeci aos céus
quando Manon segurou minha mão sobre a mesa.
Lenna, como sempre muito perspicaz, logo olhou para o grande rubi
em meu dedo e me perguntou sobre nosso casamento.
Não fui a única a levar esporro, e mesmo precisando do apoio do
meu marido, precisava daquele momento a sós com ela. Manon saiu não
muito tempo depois disso, esperando no carro.
Rosa saiu para passear pela casa, e eu fiquei sozinha com minha
mãe, que apenas aguardou que eu falasse o que eu tinha para falar.
Soltei um suspiro quebrado.
— Sei que falou que não quer nossas desculpas, mas eu as devo a
você. Devo tantas.
— Oh, Isabel... — Mamãe segurou minha mão, balançando a
cabeça. — Minha doce Isabel. Por favor, não o faça.
Foi a minha vez de negar com a cabeça.
— Eu deveria ter ficado.
— Você fez o que pensou ser necessário. Nunca a culpei por isso.
Olhei para ela, com mais lágrimas nos olhos. Estava chorando há
tanto tempo que tinha certeza de que meu rosto se dissolveria com minhas
lágrimas.
— Você precisava de mim.
— Sua irmã precisava mais — ela rebateu.
— Olhe para você, mãe — pedi. — Olhe para esta casa. — Apontei
ao nosso redor. — O que aconteceu aqui...
— Não foi sua culpa — ela me interrompeu, em um tom sério.
Encaramo-nos por alguns segundos, e então ela me sondou. — Você sabe
disso, não sabe? — Quando não respondi mais nada e apenas chorei, ela
segurou meu rosto com firmeza. — Isabel, minha querida, você carrega o
mundo em suas costas. — O tom de sua voz me fez me partir em mil
pedaços.
— Eu não sei como fazer de outra forma.
Mamãe limpou meu rosto, tirando lágrima por lágrima das minhas
bochechas pacientemente.
— Meu amor, pensei que, a essa altura, já tivesse aprendido.
— O quê?
— Que você não pode salvar a todos se isso significa se deixar
afundar. Você carrega a culpa e a dor de todos em seus ombros, como se, de
alguma forma, fossem sua.
— Não consigo parar de pensar que foi.
— Isabel Dourand! Tenha santa paciência! — mamãe exclamou, me
fazendo rir. — Minha filha, você atravessou o país para ir atrás da sua irmã.
Infiltrou-se em um grupo criminoso e arriscou sua segurança por ela. Tudo
que você fez nos trouxe a este exato momento. E é por isso que não posso
culpá-la por ter ido embora. Muito provavelmente, se não tivesse ido, a
teríamos perdido para sempre. — Deixei que suas palavras afundassem em
meu ser. Era como se um peso que nem sabia que sentia fosse tirado de
mim. — Você não pode querer carregar a cruz de todos, amor — mamãe
continuou falando sabiamente, então ela colocou a mão em minha barriga,
me sobressaltando. — Você já tem uma grande demais para carregar.
Claro que ela também sabia que eu estava grávida.
— Não sei como vou conseguir fazer isso, mamãe.
— Você fará como fez qualquer outra coisa em sua vida. — Encarei-
a, doida para saber o que ela diria. — Com amor.
— Estou com medo — admiti.
Ela sorriu.
— Maternidade é assim mesmo. Vá por mim, eu sei.
Só de pensar em viver um terço do que minha mãe viveu, tendo esse
bebê dentro de mim agora, já me sentia destroçada.
— Como vou conseguir?
— Isso, não tenho como responder propriamente, mas de uma coisa
eu sei. — Os olhos de Lenna se voltaram para a janela, e eu me virei, vendo
o carro onde Manon estava, esperando que voltássemos. — Você não estará
sozinha. Apenas precisa deixá-lo entrar.
Pique-esconde do coração
Tire os seus olhos de mim para que eu possa partir
Tenho vergonha de fazer isso com você me olhando
Isso nunca tem fim, nós já passamos por isso antes
Mas eu não posso ficar dessa vez, porque eu não te amo mais
Por favor, fique onde você está
Não chegue mais perto
Não tente me fazer mudar de ideia
Eu estou sendo insensível para ser boa
Não posso te amar no escuro
Parece que estamos tão distantes
Love in the dark, Adelle
- Loira
[1]
BDSM: sigla que denomina um conjunto de práticas consensuais e que significa “Bondage,
Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo”.
[2]
Meu amor, em francês
[3]
Porra, em francês.
[4]
Uma mulher que exerce o papel dominante em práticas de BDSM.
[5]
Obrigado(a), em francês.
[6]
Puta, em francês.
[7]
Uma expressão da língua francesa que significa: "Já visto”.
[8]
Lua cheia, em francês.
[9]
Amor, em francês.
[10]
Desculpe, em francês.
[11]
Pequena morte, em francês, usado para descrever orgasmos.
[12]
Um dos 24 prelúdios de Chopin.
[13]
Por favor, em francês.
[14]
Bom dia, em francês.
[15]
Merda, em francês.
[16]
Conselheiro, em italiano. Posição dentro da estrutura de liderança da máfia, cuja expressão foi
popularizada pelo romance The Godfather.
[17]
Peixes, em francês.
[18]
Querido(a), em espanhol.
Table of Contents
Sumário
Nota da autora
Playlist
Prólogo
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Epílogo
Agradecimentos