Você está na página 1de 252

Copyright © 2023 Vanessa Lorenzi

Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução, distribuição, comercialização, impressão


ou cessão deste ebook ou qualquer parte dele sem autorização, por
escrito, da autora.
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Capa: Snake Design

Revisão: Estefani Domingues

Diagramação: Vanessa Lorenzi

Ficante [recurso digital] / Vanessa Lorenzi – 1ª Edição 2023


SUMÁRIO

Nota da Autora
PARTE 1
PRÓLOGO
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
PARTE 2
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
PARTE 3
Capítulo 14
PARTE 4
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a Autora
Outros Livros da Autora
Nota da Autora
Esse livro se passa na cidade onde moro, Lages/SC. Embora
boa parte dos lugares descritos existam de fato, o bar Tribuna é
fictício, inspirado em alguns lugares que conheço da cidade. Luiza é
PcD (Pessoa com Deficiência), tem visão monocular, ou seja,
enxerga apenas com um olho. No outro olho ela usa uma prótese
chamada lente escleral, que é fininha, porém cobre todo o olho, até
a parte branca.
Gatilhos: luto, racismo, capacitismo.
Para vocês que acreditam em mim e me dão força
quando penso em desistir. Se ainda escrevo
é por causa de vocês.
PARTE 1
VERÃO

Baby, you light up my world like nobody else


The way that you flip your hair gets me overwhelmed
But when you smile at the ground, it ain’t hard to tell
You don’t know, oh-oh
You don’t know you’re beautiful
— One Direction
PRÓLOGO
— Eu gosto de você — confessei extremamente nervosa.
Apertei as pernas com a súbita vontade de fazer xixi. Eu ia morrer.
Yan abriu um sorriso leve e preguiçoso, fazendo meu coração
se agitar no peito.
— Eu também gosto de você, Iza — respondeu com sua voz
suave, os olhos brilhando em minha direção. E eu podia jurar que
tinham pássaros cantarolando no galho do cedro acima de nossas
cabeças. — Você é como… — um raio de sol! A outra metade do
meu abacate! As cores que deixam minha vida colorida! . Ele
umedeceu os lábios. Segurei o ar. — Como uma priminha querida.
Espera…
O quê?!
Ri. Bem alto. Dei um tapinha em seu ombro. Ele riu também,
sem notar meu nervosismo e humilhação. O coro de pássaros no
cedro se calou. Eu nunca mais me declararia para alguém na minha
vida. O que estava pensando, para começo de conversa?
Yan era o melhor amigo do meu irmão, ele praticamente me
viu crescer, me viu quebrar a cara e agora estava me vendo passar
a maior vergonha da minha vida!
Que merda.
— A gente se vê na lanchonete? — perguntou, ajeitando a alça
da mochila em um ombro só.
— Claro! Eu só… irei à biblioteca primeiro. — Fiquei sorrindo,
nem sei como consegui aquele feito. A verdade era que eu sairia
correndo para o banheiro para chorar até acabar o horário de aulas.
— Não demora, viu! — Acenou, virando e seguindo em direção
a lanchonete/ refeitório do campus.
Meu sorriso morreu assim que girei nos calcanhares. Eu só
queria gritar, mas ia parecer uma maluca para os estudantes que
passavam por mim. Esfreguei a mão no peito, onde meu coração
era só um amontoado de caquinhos.
— Podia ter sido pior — disse uma voz, me sobressaltando.
Encarei o rapaz sentado no banco a apenas dois metros de
distância de onde Yan e eu estávamos, com a mochila no chão
entre os tornozelos. Ele viu tudo? Oh, Deus! Será que tinha como
ficar mais humilhante? — Ele poderia ter dito irmãzinha.
Crispei as sobrancelhas.
Pensando por aquele lado…
Inclinei a cabeça ligeiramente, observando o estranho
segurando um geladinho perto da boca, era fevereiro, as noites
eram insuportavelmente quentes naquela época do ano. Notei que
ele não se assustou quando me estudou de cima abaixo,
geralmente as pessoas esboçavam alguma reação, por mais sutil
que fosse.
Ele apontou o geladinho na minha direção, perguntando:
— Quer uma chupada?
Capítulo 01
UM ANO DEPOIS

Tinha uma música tocando ao fundo no café, falava sobre a


certeza de ser correspondido, e a dor de saber que havia se
enganado, contando uma mentira a si mesmo. Bem melancólica.
Aquela música não era lá tão ruim (era do tipo que Theo
escutaria, eu apostava), o momento é que era péssimo.
— Onde está a sua prótese ocular? — perguntou minha chefe,
fazendo uma careta para mim.
Contive um suspiro exasperado.
— O gato do meu irmão comeu — respondi, tão infeliz que
poderia começar a chorar emoji de coração partido a qualquer
momento.
A careta de Regina se intensificou.
— É o quê?
Davi me lançou um olhar compadecido de onde limpava uma
mesa. Não eram nem oito e meia da manhã, mas o meu pesadelo
começou às seis, quando, em vez de acordar com o alarme de um
galo cantando, eu acordei com o ronronar de Luigi enquanto ele
pacientemente roía a minha prótese ocular.
Aquele gato era racista e capacitista. Só isso explicava
tamanha crueldade.
Eu nunca o perdoaria!
— O gato do meu irmão comeu. — Mordi o lábio, mexendo os
dedos sem parar na altura da barriga. Vi Davi segurar o riso,
correndo para a cozinha para não ser visto. Safado! — Eu juro que
vou providenciar outra imediatamente!
Imediatamente significava dois meses. Mas ela não precisava
de tanta informação, certo?
— É bom mesmo, Luiza! — Ela piscou, franzindo as
sobrancelhas. Colocou uma mão em meu ombro, puxando-me
bruscamente para perto. Sufoquei um resmungo. — Você é linda,
deslumbrante, mas… — mas tem um olho branco. Ela engoliu em
seco, evidentemente pisando em ovos. — Mas as pessoas podem
se assustar, meu amor. As crianças, pense nas crianças!
— Eu sei. — Assenti obedientemente. O que não se faz por
uma merreca no fim do mês? Bem, a minha merreca pagava
metade de uma mensalidade (bolsa parcial), pagava outra
mensalidade (o valor era um pouco menor por ser tecnólogo),
transporte, alimentação no campus, produtos de limpeza e de
conservação da prótese, sem falar no lubrificante. Se sobrasse dava
para comprar uma blusinha básica no R$10,99.
— Claro que sabe, nós conversamos sobre isso quando te
contratei — falou piscando docemente, mais falsa que seus cílios
gigantes. — Prótese sempre!
— Regina, eu preciso desse emprego, eu posso ficar na
cozinha. — Eu podia me lamentar mais tarde por aquela
humilhação. Eu precisava daquele emprego, só Deus sabia o
quanto foi árduo consegui-lo. — Na cozinha ninguém vai ficar me
olhando, não vou incomodar e ainda vou estar trabalhando.
Ela ponderou, colocando as mãos na cintura e estreitando o
olhar. Foi vencida quando clientes entraram ocupando uma mesa
próxima às janelas.
— Vá pra cozinha e manda o Davi vir atender! — Me deu um
tapinha no braço. Não perdi tempo, dando passadas apressadas em
direção às portas duplas. Ela gritou antes de eu entrar: — Dá um
jeito nesse negócio logo, Luiza!
Adentrei a cozinha do café em um rompante, meus colegas
pararam o que estavam fazendo para me olhar.
— A cara da Regina era hilária. — Riu Davi, encostado no
balcão. Manuela e Dora, as confeitarias, sorriam, decerto já sabiam
cada detalhe. Davi era o grande fofoqueiro.
— Ela te mandou atender as mesas, se manda — grunhi,
franzindo o cenho. O medo de ser demitida dando lugar à raiva. Eu
odiava aquele emprego!
O sorriso de Davi se desmanchou, esfregando a parte de trás
do pescoço, ele saiu, balbuciando um “desculpa” ao passar por mim.
Fui até a pia abarrotada de louça, calcei as luvas de borracha e me
preparei.
— Tudo bem? — perguntou Manu, inclinando-se para me olhar
segurando um bico de confeitar cheio de chantilly rosa.
Não. Estava tudo péssimo!
— Tudo certo — resmunguei ainda de cara amarrada. Eu não
era de forçar sorrisos, se eu não estava bem, eu não estava, podia
até mentir para os outros que sim, mas nunca para mim mesma. —
Eu só comecei o dia com o pé esquerdo.
— Então vamos deixar você raspar a panela do brigadeiro. —
Dora sorriu, parecia um sol dourado, sempre radiante e contagiante.
Não foi nenhuma surpresa quando me vi sorrindo de verdade.

Eu tinha três anos, estava no banco de trás do carro com meu


irmão e um carro bateu na lateral do nosso, caíram estilhaços de
vidro no meu olho direito, não foi possível recuperar a visão, pelo
menos não perdi o olho, que continuou completamente inteiro.
Minha vida toda foi um mar de insegurança, bullying e
autodepreciação. O meu olho direito parecia uma pérola… Bem, eu
nunca ousei dizer isso em voz alta, não conhecia ninguém que
concordaria comigo. Afinal, uma pérola era uma coisa bonita. Eu
fazia essa comparação porque a íris era toda branca acinzentada,
às vezes azulada dependendo da luz, com uma borda de um cinza
mais forte e sem pupila. Só enxergava com o olho esquerdo,
obviamente.
A prótese sempre me ajudou, tanto com autoestima, quanto no
trabalho. Só tinha um problema, eu tinha muita sensibilidade e ela
acabava sendo extremamente desconfortável, eu a usava no
trabalho, pois era uma exigência de Regina. Na faculdade não fazia
diferença, eu caminhava sempre de cabeça baixa, sem contar na
minha franja que era uma cortina de cachos. Ninguém olhava para
mim, de qualquer forma…
Exceto Theo.
— Por que tá sorrindo igual uma bobona aí? — Lucas cutucou
meu braço com a força de um coice de jumento.
— Aí — resmunguei, torcendo o nariz para ele. Estávamos em
uma mesa, jantando na lanchonete do campus antes das últimas
aulas como sempre. — Eu não estava sorrindo.
— Estava sim — reforçou Fernanda, com a boca cheia.
Olhei para Yan, esperando seu veredicto, pois era assim,
precisava todo mundo concordar para fazer valer alguma coisa. Ele
nos olhou, confuso.
— O que foi? — indagou, erguendo uma sobrancelha, ele não
tinha pegado nada para comer.
— A Iza tava sorrindo igual uma apaixonadinha — provocou
Lucas. Revirei o olhar, esticando a língua.
— Eu não estava prestando atenção. — Yan deu de ombros,
me fitando por míseros segundos que fizeram meu coração sofrer
um colapso. — Foi mal, Iza.
Tudo bem, amor. Você pode sapatear no meu coração com
sapatos com solado de pregos que está tudo ótimo.
— Tá dormindo? — Nanda atirou uma batata frita na cara do
amigo.
— Acorda sua aranha! — Lucas atirou outra batata, ele e
Nanda caindo em uma gargalhada escandalosa. O pessoal nas
mesas mais próximas nos fitaram com olhar enviesado.
Abaixei o rosto, encarando meu folhado de carne quase no fim.
Eu ainda tinha mais uma aula antes de finalizar a noite. Encerrar era
modo de dizer, eu precisava estudar, estudar e estudar. Às vezes
parecia que eu não iria dar conta. Eu devia me odiar e não sabia,
era a única explicação para o absurdo de começar outro curso
paralelo. Oh, Deus! Será que dava tempo de desistir?
Cursava Publicidade e Propaganda presencial, e Marketing
Digital à distância.
— Acho que ele esta apaixonadinho — implicou Nanda,
cutucando o amigo. Ergui os olhos, segurando o ar. Yan não a
contradisse.
— Ah, meu Deus, dois apaixonados nessa mesa não dá! —
Lucas relaxou na cadeira, alisando a barriga estufada. Ele comeu
nada mais nada menos do que cinco pastéis e duas cocas de 600
ml. — Vazem daqui seus perdedores. Tenho nojo de gente
apaixonada.
Bufei, meu irmão não conhecia o senso de ridículo. Como se
ele mesmo nunca tivesse se apaixonado. Fiquei tão brava que
quase retruquei aquilo, mas no segundo seguinte desisti, seria cruel
demais.
— Fala alguma coisa, Yan! — Nanda insistiu, às vezes ela era
tão chata na sua tentativa desesperada em agradar meu irmão. —
Você nem quis comer.
— Não enche, vocês estão um saco hoje — grunhiu Yan
emburrado, cruzando os braços. Nem tinha me tocado que ele
poderia estar com algum problema. Eu queria perguntar, mas…
Depois do fora que levei dele no ano passado, eu tinha criado uma
espécie de vergonha crônica pós-fora. Evitava ao máximo falar com
ele.
Os amigos do meu irmão não eram meus amigos, por assim
dizer. Nós sentávamos juntos para jantar na faculdade, e só. Eu não
me sentia parte da galera, não quando meu irmão parecia ser o líder
daquela máfia. Ele nunca me convidava para as saídas deles, eu
nunca sabia as fofocas. Muitas vezes sentia que eles me aceitavam
na mesa apenas por pena de me ver jantando sozinha.
Enfiei o último pedaço do meu folhado na boca, amassando o
guardanapo. Ainda tinha refrigerante na minha lata, iria tomar o
resto até a minha próxima aula. Comecei a erguer os cachos para
prender em um coque quando ouvi o risinho de desdém do meu
irmão.
— Alá, tava demorando. — Segui seu olhar debochado, Theo
e sua amiga Ana estavam analisando as opções no balcão,
estávamos longe então ainda não nos viram, mas podíamos ver
quem entrava.
— Será que ele faz chapinha? — Nanda sempre contribuindo
com o meu irmão, mas a curiosidade em seu olhar enquanto
brincava com o canudinho era genuína.
Eu os odiava!
— É natural! — grunhi irritada. Eu não suportava mais aquela
perseguição com Theo.
— Mas ele pinta — retrucou ela, me lançando um olhar
entediado. Meu irmão riu. — Ninguém tem o cabelo tão preto.
— E daí? O que você tem a ver com isso? — Cerrei os punhos
sobre a mesa depois de terminar meu coque, meu peito começou a
subir com força devido minha respiração acelerada.
Nanda ergueu uma sobrancelha, Yan tentou esconder o sorriso
beliscando a ponta do nariz.
— Epa! Epa! Calminha aí, Iza. — Lucas ficou ereto na cadeira,
esticando a mão na mesa para me barrar. Como ele ousava? — É
só brincadeira.
— E não tem a menor graça! — refutei encarando seus orbes
castanhos. Lucas e eu éramos gêmeos. Mas as semelhanças
acabavam no físico. Ele era um babaca e às vezes eu só queria
poder bater nele. Tinham outros momentos que meu peito doía
como se estivesse sendo aberto por um motosserra, pois eu
também o amava muito, mas não gostava da pessoa que ele era!
— Pra você. — Seus lábios cheios se esticaram em um meio
sorriso cínico. A pele marrom dourada espelhava a minha, assim
como os cachos castanhos pequenos como molinhas. Ele tinha as
laterais do cabelo curtos, quase rentes à cabeça, os cachos no topo
eram altos o bastante para roçarem sua testa. Era lindo, eu me
sentia a patinha feia da equação.
Levantei-me, bufando por dentro e por fora. Meu rosto ficou
quente de ódio. Joguei a alça da mochila no ombro e me afastei,
sem me despedir, ouvindo Lucas e Nanda fazendo pouco caso as
minhas costas.
Idiotas.
Só de raiva, e para mostrar que a implicância deles não
mudava minhas escolhas, caminhei até Theo e Ana, eles tinham
feito os pedidos e se dirigiam a uma mesa perto da sala de
impressões — também faziam cópias e tudo o que um estudante
precisasse, havia uma impressora pré-histórica na biblioteca e como
esperado, ela vivia mais quebrada do que trabalhando.
Ergui a lata, tomando um pouco do meu refrigerante no exato
momento em que Theo direcionou seus olhos castanho-
esverdeados para mim. Ele inteiro pareceu se iluminar, aprumou os
ombros, sorrindo sem mostrar os dentes.
— Oi — cumprimentei os dois. Ana me notou, ela não gostava
de mim e eu sabia bem o porquê. Não era difícil concluir. Ela era
completamente apaixonada por Theo, e eu tinha fortes suspeitas de
que ele a correspondia. Os dois viviam grudados para baixo e para
cima, ele até fez uma piadinha uma vez sobre os sutiãs dela!
— Oi, Iza. — Theo deixou meu nome escorregar por sua voz
aveludada, suave e quente, parecendo mel. Eu adorava. Um arrepio
eriçou os pelos dos meus braços. — Quer sentar com a gente?
— Oh, não, obrigada! — Balancei a lata nas mãos, mordendo
o lábio. Eu quase não falava com Theo na faculdade, nossos blocos
ficavam distantes e o único momento em que nos encontrávamos
era ali na lanchonete. — Eu já comi, só passei para dar um oi.
O sorriso de Theo aumentou, expondo os dentes brancos e
retos.
Conhecemos-nos de uma forma meio inusitada. Ele viu eu me
declarar para Yan e levar um “gosto de você como uma priminha”.
Não aceitei a chupada no seu geladinho porque a proposta soou
ambígua demais para mim e eu não queria passar a ideia errada.
Pensei nele nos dias depois como o cara-bonito-chupa-meu-
geladinho, mas não consegui encontrá-lo por mais que procurasse
entre os alunos. Um mês depois, por um milagre, fui a uma festa
num bar chamado Tribuna perto da faculdade, lá era lotado de
estudantes. Encontramos-nos, conversamos, nos beijamos,
transamos, e concordamos que o sexo foi ótimo, mas que não
queríamos namorar. E estávamos assim desde então.
Eu adorava Theo, ficar com alguém tão lindo como ele tinha
levado minha autoestima nas nuvens. Era uma massagem
constante no meu ego, principalmente depois de uma adolescência
cheia de caras se atraindo por minha bunda, mas se esquivando
quando viam meu olho.
E é claro que meu irmão teve que transformar Theo em uma
chacota entre seus amigos, só pelo prazer de implicar comigo.
Odiava tanto aquilo!
— Senti sua falta esses últimos dias. — Apoiou um braço no
encosto da cadeira, o olhar deslizando devagar por meu corpo.
O ar ficou quente de repente.
— O início das aulas foi bem turbulento. — A lata estava
ficando morna nas minhas mãos. Ana comia como se eu nem
estivesse ali. Sentia sua hostilidade. — Com dois cursos, sinto que
falta só um tantinho assim para eu surtar. — Posicionei o polegar e
o indicador, deixando o espaço de um grão de ervilha entre eles.
Soltei um riso nervoso.
— Eu entendo, e ainda tem o trabalho — lembrou, ele também
trabalhava para pagar seu curso. Ele tocou a mão (aquela com a
tatuagem de um relógio rodeado de folhas nas costas) no meu
antebraço. Umedeci os lábios. — Mas não se esquece de mim, Iza.
Sinto sua falta, linda.
Linda.
Eu me sentia linda pra caralho com ele!
Theo era tão sexy.
Por um átimo me peguei desejando que Yan estivesse em seu
lugar. Mas expulsei aquela ideia com veemência.
— A gente pode se ver domingo de manhã? — indaguei,
arrastando um pé no chão até a ponta do tênis tocar o piso. Tinha
um friozinho na boca do estômago. — Na sua casa?
— Eu mal posso esperar — murmurou, as pupilas ficando
maiores, somadas ao sorriso de canto, deu um ar lascivo a sua
expressão.
Theo era só alguns meses mais novo que eu, era um cara
magro, mas com alguns músculos devido ao trabalho. A pele branca
tinha várias tatuagens sob as roupas, e algumas sardas clarinhas no
nariz. O cabelo era preto como a noite, liso em um corte repicado,
comprido o bastante para cobrir grande parte do pescoço e para
amarrar, ainda que ficasse um rabinho bem pequeno. Suas roupas
sempre escuras, algumas com estampas, junto com as tatuagens, o
piercing no septo, e o cabelo preto lisinho, deram munição ao meu
irmão. Ele chamava Theo de Emo Triste.
Theo era o cara mais incrível que eu conhecia.
Ele e o Yan.
— Tá bom, vou indo, tchau! — Inclinei-me deixando um beijo
demorado no canto da sua boca. Minha língua ficou seca de
vontade de beijá-lo de verdade, não tinha percebido que estava com
saudades do seu piercing escondido até aquele momento. Quando
me afastei, encontrei seus orbes queimando. — Tchau, Ana!
Ela me olhou de baixo, juro que ela rosnou para mim,
mostrando os dentes como um pinscher.
Apenas me virei, dei uma olhada por sobre o ombro na direção
do meu irmão, ele e seus amigos me olhavam, e pelo jeito
assistiram a tudo. Segurei o ímpeto de levantar os meus dedos do
meio, em respeito a Yan, que era o mais legal daquela máfia
maligna.

— O Luigi comeu a minha prótese sim, tá aqui a prova! —


Joguei o que restou do objeto sobre a mesa da cozinha. A minha
prótese era uma lente escleral fininha que cobria toda a parte
branca do meu olho, eu tirava todas as noites e durante o tempo de
uso utilizava um lubrificante na lente para não ressecar. Ela era
pintada a mão para ficar o mais próximo do outro olho.
Minha mãe fez uma careta, desviando o olhar. Papai não foi
muito diferente.
— A culpa é sua! — esbravejou Lucas, pegando uma banana
da fruteira, a descascando. — Foi você que deixou a porta aberta.
Sim, mas a lente estava bem guardada em seu estojo na
minha cômoda!
— Não interessa, o que importa é que agora eu preciso de
uma nova, para ontem! — Tratei de enfatizar, apoiando o quadril na
pia com os braços cruzados.
Lucas enfiou metade da banana na boca, encarando-me com
um descarado foda-se. Eu estava bufando.
— Vai ter que esperar juntar o dinheiro, Iza. — Mamãe pegou o
resto da minha prótese com as pontas dos dedos, se fosse uma
orelha decepada ela não estaria tão enojada. Revirei os olhos.
— É filhinha — disse papai, dando um tapinha no meu ombro
ao passar por mim. — Nós vamos dar um jeito, mas precisa esperar
uns dias. Não é tão simples conseguir tanto dinheiro.
Meus pais eram bem jovens ainda, casaram cedo e já trataram
de colocar dois gêmeos no mundo. Meu pai tinha a pele negra
escura, e devido aos anos de fumante as laterais dos cabelos
crespos exibiam fios brancos. Minha mãe tinha a pele negra clara, e
cabelos de fios grossos e ondulados castanhos claros, tinham um
tom caramelo lindo ao sol.
— Eu sei — resmunguei, desgostosa. — Só preciso de ajuda,
se eu for contar com meu salário vai levar uns cinco meses para
juntar dinheiro.
Preferi não contar que fui exilada na cozinha por causa do meu
olho. Eles ficariam loucos, minha mãe era capaz de ir até o café
jogar ovo nas janelas. Até Lucas ficaria puto, o que era bem
hipócrita já que ele era o maior praticante de bullying contra a minha
pessoa.
— Nós vamos dar um jeito, minha boneca. — Papai deu um
beijo em minha testa. — Agora vou dormir, e vocês tratem de fazer o
mesmo.
Segundos depois de sair da cozinha ainda dava para ouvir
suas pantufas raspando o piso.
Luigi miou aos pés de Lucas. Ele jogou a casca da banana na
pia, pegando o felino no colo como se fosse um bebê.
— Quem é o dengo do pai? Quem é? — Ele fez cócegas na
barriga do gato, Luigi retribuiu enfiando as garras no braço dele.
— Trata de deixar essa besta fera longe do meu quarto! —
falei alto, quase gritando. Lucas franziu o cenho para mim.
— Vai cheirar um sovaco, sua chata! — retrucou, caminhando
para o corredor, ninando Luigi em seus braços. Com ele de costas
ergui as duas mãos com os dedos do meio apontando para cima.
— Eu vi isso — repreendeu mamãe, ficando ao meu lado na
pia. — Não fica nervosa, querida. Vou conversar com Lucas e ele
vai dar uma força, assim quando você perceber vai ter uma prótese
novinha em folha. Aquela já estava meio velha, né?
— É — grunhi, emburrada. — Vou estudar um pouco antes de
dormir, boa noite.
— Boa noite — ela murmurou.
Deixei minha mãe e fui para meu quarto. Eu estava em
pedaços. Graças a Deus era sexta-feira. O problema era que março
estava só dando oi, tinham quatro meses pela frente. Choraminguei
caindo de cara nos livros.
Era uma da manhã quando dei por encerrado, meu olho ardia,
as pálpebras estavam pesadas. Me joguei na cama sem me dar o
trabalho de vestir pijama. Peguei meu celular, abri o bloco de notas
e escrevi uma frase de dez palavras. Desliguei e joguei os braços
para o lado, me entregando ao sono com Yan na cabeça.
Mas antes de ser completamente tragada, a última imagem
que tive atrás da minha pálpebra foi a de Theo.
Capítulo 02

— Eu amo ela — falei, fazendo força com a chave de roda em


L no parafuso do pneu da moto, que quase escapou do suporte. —
Eu amo tanto ela!
Dei um último puxão na chave, concluindo que não tinha como
ir mais que aquilo. Endireitei as costas, arfando. Deixei a chave cair
no chão, limpei o suor da testa com as costas da luva.
— Você já falou, tipo, umas trezentas e trinta e três vezes —
reclamou Enny, sentada sobre dois pneus empilhados, tinha um livro
aberto no colo.
— Eu vou contar pra ela. — Arranquei as luvas, empolgado.
Estava eufórico. Iria ver Luiza depois de duas semanas. Ela também
sentiu saudades, a forma como caminhou até mim, mordendo o
canudo da lata, depois os lábios, e como me olhou, e depois me
beijou… — Nós somos almas gêmeas.
— E ela já sabe? — Enny zombou, erguendo os olhos
castanhos para mim enquanto enfiava uma jujuba na boca.
Joguei um par da minha luva nela, que riu.
— Certamente que sim — retruquei. Claro que Luiza sentia o
mesmo que eu, era notável em seu olhar, quando estávamos juntos.
Ela me beijava como se pudesse morrer se eu parasse. — Vou fazer
algo grandioso. Ela deve estar esperando por isso, já faz quase um
ano que a gente está ficando. Não quero que ela duvide dos meus
sentimentos. Então, estou bolando um plano.
— Ai meu Deus! — Enny ergueu as sobrancelhas, enfiando
mais jujubas na boca.
— Vou fazer algo grandioso, as mulheres gostam disso, não é?
— Apoiei uma mão na moto, sentindo a lata lisa e fria sob a palma.
— Não! — Balançou a cabeça, quase desfazendo seu coque
desajeitado.
— Tem certeza? — Passei a outra mão pela bandana preta
que mantinha meus cabelos longe do rosto.
— Sei lá. — Ela deu de ombros, fechando o livro. — Você nem
sabe se ela sente o mesmo, Theo!
— Ela age como se gostasse! — refutei, fitando a moto Honda
vermelha. Novinha, tinha só um arranhão fraco no tanque. Suspirei
diante daquela belezura.
Enny bufou, frustrada.
— Mas vocês nem se conhecem direito! — Enny se levantou,
caminhando até mim com os braços cruzados. Era baixinha, mas
intensa pra caralho! Ela era a razão e eu a emoção. Ela era o Yin e
eu o Yang. Quando ela estava na fossa, eu ia lá e a resgatava, e
vice e versa. Nós éramos irmãos de mães diferentes. E naquele
momento ela parecia a irmã zelosa tentando me impedir de me
enfiar em uma enrascada.
— Conheço sim, o sobrenome dela é Silva e eu sei o número
dela de trás pra frente. Há! — Cutuquei a ponta do seu nariz.
— Hum, e qual o nome do irmão da Luiza? — Inclinou a
cabeça ligeiramente, estreitando o olhar.
Retraí os ombros.
— João…? — Não era pra ter soado como uma pergunta, só
para registrar. Eu tinha quase certeza de que era João. Ou Jonas…
Ou algo assim.
Ela revirou os olhos tão profundamente que as íris castanhas
praticamente sumiram por um segundo.
— Você sabe? — inquiri incrédulo.
— Não, e nem você! — Suas esferas me repreenderam.
Desviei o olhar, cruzando os braços. E daí que eu não sabia o nome
do irmão da Luiza? Isso não queria dizer nada. Quando a gente se
encontrava não ficávamos falando sobre… família e… outras
coisas… Balancei a cabeça.
— Para de tentar me fazer mudar de ideia, Enny —
resmunguei começando a ficar impaciente. Dei dois passos para
trás. Olhei por sobre o ombro, fitando meu irmão a bons metros no
balcão da loja da oficina, atento ao computador junto com Amanda,
sua esposa. — Eu não preciso que cuide de mim, se Luiza não
sentir o mesmo, ela vai me dizer e eu vou lidar super bem com isso.
Não ia, não!
— Não vai, não — Enny evocou meus pensamentos. Argh! Às
vezes eu odiava como ela me conhecia tão bem. Franzi o cenho,
segurei o guidão da moto e com um impulso a tirei do cavalete. — O
problema é que você é carente demais, Theo.
A encarei, perplexo e magoado.
Ela estava exagerando, cacete.
Empurrei o pedal com força além da conta e deixei a moto.
Cruzei os braços, fuzilando Enny. Ela me deixou meio puto e sabia
disso, em resposta colocou as mãos na cintura larga e empinou o
queixo.
— Não sou, não — refutei entre dentes. De soslaio procurei
meu irmão, ele ainda estava entretido em seus afazeres.
Geralmente ele não gostava quando Enny aparecia, segundo ele
minha amiga me distraía do serviço. O que não era mentira.
— É sim e eu posso provar! — Enny era tão branca quanto eu,
mas ela ficava vermelha por qualquer coisinha, e na maioria das
vezes nem se dava conta disso. Seus brincos em formato de
marshmallow balançaram quando ela anuiu. Levantou a mão com o
punho cerrado, dei um passo para trás. Ela ergueu o indicador. —
Primeiro, você cresceu sem uma figura materna e com um
sentimento de culpa por sua mãe ter falecido no seu parto. —
Ergueu o dedo do meio. — Segundo, seu pai ficou doente quando
você ainda era criança, e já faz anos que ele nem sabe quem você
é. — Levantou o dedo anelar. — Terceiro, seu irmão te dá emprego,
mas não tá nem aí pra ser seu amigo. — Levantou o dedo mínimo, a
expressão mais suave. — Quarto, a única pessoa que você tem que
pode dizer com todas as letras que pode contar sou eu.
Está certo.
Era tudo verdade.
Mas não queria dizer que o que eu sentia por Luiza era uma
fantasia.
— Meu Deus, você é uma mulher muito maldosa, Enny — falei
depois de um tempo olhando-a. Respirei fundo para espantar a
dorzinha que começava a crescer no peito, ou pelo menos fingir que
não estava ali. — Nem sei como sou seu amigo.
Dei a volta na moto, sentando-me nela. Era bem alta e pesada.
— Você é meu amigo porque eu sou a única pessoa que você
pode contar até para te esfregar uma verdade na cara — sua voz
saiu mais serena.
Mordi o lábio, fitando minha amiga. Eu podia dizer com
tranquilidade que ela era a única família que eu tinha. Claro que eu
jamais diria a ela, podia ser pesado demais para Enny carregar. Ela
já acreditava que tinha que cuidar de mim.
Mas eu também sabia que ela estava colocando muito do lado
pessoal naquela conversa. Alguém idiota a magoou e ela queria
evitar que isso acontecesse comigo. Mas não ia. Luiza não me
enganaria. Se ela não sentisse o mesmo, falaria. Só que… até onde
sabia ela não ficava com mais ninguém além de mim, o que faltava
para sermos namorados era só uma simples mudança de rótulo.
Sorri de lado, decidindo apagar aquela conversa e tranquilizar
Enny — ela nunca conseguia ficar tranquila quando o assunto era
romance.
— Olha só, essa moto podia ser minha — desviei o assunto,
segurando o guidão da moto, me imaginando em uma viagem de
horas, só sentindo o vento batendo em mim. A liberdade, a
adrenalina, quase uma aventura. Era como voar em terra.
Enny fez um muxoxo, voltando para seu pneu e livro.
— Mas você é pobre — lembrou.
Torci o nariz.
— Filhinha de papai!
— Pobre — repetiu, com ar de riso.
Fiquei remoendo o que Enny me disse na oficina por um bom
tempo. Ela cutucou direto na ferida, e nem pediu desculpas depois!
Mas sobre meu irmão… Lúcio era onze anos mais velho que eu.
Nunca fomos próximos. Não gostamos das mesmas coisas. Para
falar a verdade, a única coisa em comum era o sobrenome. Ele
quase nunca aparecia para visitar o papai, mas pelo menos bancava
a cuidadora que praticamente morava em casa.
Eu me sentia um pouco sozinho.
Mas carente?
Humpf! Isso não.
Começava a anoitecer quando cheguei em casa. Precisava
pegar ônibus para tudo, não morávamos perto do centro. A cidade
era grande para o interior do estado, Lages, carinhosamente
chamada de a "A Princesa da Serra", era o maior município em
extensão territorial do estado, podia não ser tão populosa quanto às
cidades litorâneas, mas tinha um aeroporto (pequeno, mas um
aeroporto!) e até um shopping (não grande o bastante para se
perder, mas, oras, um shopping!). Era frio de abril a novembro, e de
dezembro a março era o próprio inferno na terra. Olhe bem, não se
pode julgar uma pessoa que passa boa parte do ano em
temperaturas abaixo dos 15 graus, se sentir derretendo em um calor
de 25. No verão chovia quase todos os dias, e não era chuvinha
calma, eram tempestades com raios, trovoadas e vento, que às
vezes alagavam o centro e alguns bairros.
Fazia um ano que estava juntando dinheiro para comprar uma
moto BMW, usada provavelmente. Mesmo assim, guardava moeda
por moeda. Engenharia Mecânica não estava entre os cursos mais
baratos.
Encontrei Salete, a cuidadora, sentada no sofá ao lado da
poltrona do meu pai, ele estava com a cabeça virada para o lado
contrário dela.
— Ah! — Ela suspirou frustrada ao me ver, me dei conta na
hora qual era o problema assim que vi o prato com salada de fruta
cheio. — Theo, eu não sei mais o que fazer, o seu pai não comeu
nada hoje. Nada!
Deixei minha mochila no chão, aproximando-me deles. Salete
estava preocupada, e cansada também. Os últimos meses foram
péssimos.
Meu pai foi diagnosticado com Alzheimer quando eu tinha oito
anos. Naquela época não entendia muito bem o que significava.
Uma vez Lúcio disse que papai ficaria um pouco "esquecido".
Presenciei cada fase. Eu lembrava que no começo ele colocava na
cabeça que Lúcio o estava roubando, então ele escondia o dinheiro,
depois não conseguia lembrar mais, e acusava meu irmão, aquilo
gerava muitas brigas em casa. Lúcio o chamava de demente e meu
pai teimava que não tinha escondido o dinheiro. Era um tormento.
Depois foi piorando, ele começou a esquecer de mim também,
felizmente que com dez anos eu conseguia me virar razoavelmente
bem. Algumas vezes, conversando com calma, conseguia fazer ele
lembrar de mim, mas durava somente uma hora até começar tudo
de novo. Suas alterações comportamentais eram as mais difíceis,
além da teimosia, ele ficava ansioso e agressivo, gritava muito e
jogava coisas quando era contrariado. Agora ele não conseguia
fazer quase nada, precisava de cadeira de rodas, de ajuda para
tomar banho, trocar de roupa, se alimentar.
Ele estava cada dia pior.
Ele estava partindo. Eu sentia.
— Pai — empreguei o tom mais suave que eu tinha, toquei sua
mão, ele se esquivou bruscamente. Se conseguisse levantar teria
me batido. — Pai, você precisa comer um pouquinho.
— Quem é você? — perguntou alarmado, se abraçando como
se achasse que eu fosse machucá-lo. Ele tinha emagrecido
bastante, fazia dias que se recusava a comer. Eu estava em dúvida
se era apenas dificuldade para engolir ou teimosia.
— Você está com fome? — Peguei o prato de Salete,
aproveitando que a atenção dele estava voltada para mim. Ergui o
prato na altura de seus olhos, ele fitou as frutas picadas.
— Q-quem é você? — tornou a perguntar, se retraindo.
— Sou eu, pai, o Theo — soou vazio como sempre, eu tinha
matado as esperanças. Ele não ia lembrar de mim. Eu mesmo não
lembrava a última vez que tive meu pai comigo.
— Theo? Theo é só um bebê! — Olhou para os lados,
assustado. — Cadê o Theo? Ele precisa de mamadeira. Minha
Isabella morreu no parto e agora eu tenho que cuidar dele sozinho
— choramingou, lágrimas se formando em seus olhos.
Meus ombros caíram, me senti derrotado. Era sempre assim.
Eu não aguentava mais aquela sensação.
Salete me olhou com compaixão, estava com nós há um ano e
meio. Ela era muito paciente, graças a Deus, a última cuidadora
batia no meu pai, descobri porque vi uma marca roxa nas costas
dele quando fui lhe dar banho.
— Pai. — Seria a última tentativa. Talvez eu devesse chamá-lo
pelo nome, assim ele não ficaria tão nervoso. Só que eu não
conseguia, seria como perdê-lo de vez. Aquela simples palavra era
tudo o que tinha. — Acho que você está com fome, coma uma
maçã.
Espantei a maçã, levando em sua direção. Ele deu um tapa,
atirando o garfo longe. Salete afundou no sofá.
— Eu não quero comer! — bradou, caindo em um acesso de
tosse.
Fiquei longos minutos parado, observando-o. Não aguento
mais. Não aguento mais… Às vezes eu ficava tão frustrado que a
vontade de gritar era esmagadora. Lembre de mim, porra! Me sentia
tão… sozinho, aguentando tudo aquilo. Doeu demais ver meu pai
desaparecendo… Melhor, eu desaparecendo da vida dele. Ainda
doía.
Deixei o prato na mesa de centro.
— Descanse um pouco — falei para Salete, sem encará-la. —
Vou tomar banho.
Tirei a camiseta no caminho, arrancando a bandana da
cabeça, os fios úmidos de suor nem se mexeram do lugar, entrei no
banheiro jogando minhas coisas no chão. Apoiei as mãos na pia,
estudando minha imagem no espelho.
Tinham lágrimas nos olhos que me encaravam de volta.

Cheguei.

Dizia a mensagem de Luiza que acabara de notificar. Saltei da


minha cama, eu nem tinha arrumado os lençóis, ou catado as bolas
de papéis do chão. As roupas caindo das prateleiras e das gavetas
mais pareciam que o guarda-roupa estava prestes a vomitar tudo
pelo quarto. Corri até ele, pegando uma camiseta qualquer e
fechando as portas e gavetas o máximo que deu, uma porta tinha
perdido os parafusos de cima e estava prestes a cair.
— Caralho! — resmunguei, colocando a camiseta pela cabeça
saindo do quarto, pisei em uma cueca no meio do caminho. Proferi
mais alguns palavrões, enfiando a peça atrás da cômoda.
Quando ela disse que viria domingo de manhã eu não imaginei
que seria às oito horas da manhã!
Não que eu estivesse reclamando.
Corri sorrindo como um palhaço até a porta, Salete ficou
olhando da cozinha. Meu pai tinha dormido no sofá, ele não
conseguia mais caminhar, tinha até uma cadeira de rodas, mas
como ele demorou em se acalmar na noite anterior, o deixamos na
poltrona.
Passei as mãos pelos cabelos, esfreguei o rosto para tentar
tirar a cara amassada do travesseiro e abri a porta.
Luiza acenou do portão.
— Entre! — chamei, o coração brincava em um pula-pula no
peito. Luiza abriu o portão calmamente, vindo em minha direção
calmante. Vestia um calção jeans claro de cós alto que abraçava
seus quadris largos, a camiseta cinza estava por dentro do calção.
Os cabelos estavam presos firmemente em um rabo de cavalo, a
franja de cachos oscilando acima dos olhos.
Meu coração bateu na garganta. Suor escorreu pelas minhas
têmporas e nem era pelo calor que fazia.
— Oi. — Ela sorriu um tanto tímida, balançando os braços ao
lado do corpo.
— Oi, linda. — Segurei sua mão, puxando-a para dentro. Eu a
teria empurrado contra a parede e a beijado ali mesmo se Salete
não estivesse igual um urubu assistindo tudo. Luiza acenou para
ela.
Sem dizer nada, levei Iza para meu quarto. Ela já conhecia o
caminho. Sempre ficávamos em minha casa. Uma vez insinuei que
queria conhecer o quarto dela e Luiza ficou totalmente na defensiva,
rejeitou a ideia com tanta veemência que fiquei um pouco chateado.
Ela morava com os pais, os dois com mentes saudáveis, talvez
fosse por isso.
Ela soltou minha mão assim que entramos.
— Sabe — falei fechando a porta com a chave —, você
gostaria de ir ao cine…
Não tive tempo de terminar, assim que virei Luiza pulou em
meu pescoço unindo os lábios aos meus. Ela era alta, eu não
precisava me inclinar tanto sobre seu corpo. Coloquei as duas mãos
em sua bunda, apertando, trazendo para mim.
Seus dedos impacientes bagunçaram meus cabelos. Ela
adorava aquilo.
Mordi seu lábio carnudo, finalmente infiltrando a língua na sua
boca. Ela gemeu com o contato com meu piercing na língua. Tinha
um tempo que percebi que ela gostava. Sorri durante o beijo.
Dei alguns passos, levando-a lentamente para minha cama.
No meio do caminho ela parou, segurando meu rosto com as duas
mãos. Fitei-a com as pálpebras semicerradas, ela estava ofegante,
respirando pelos lábios entreabertos úmidos, o inferior era bem mais
rosado em comparação ao superior. Linda. Ela inteira era linda.
— O que foi? — murmurei, beijando sua mandíbula. Levei uma
mão ao meio de suas costas quando ela inclinou mais o corpo para
trás.
— Tira a camiseta! — ordenou, colocando as mãos sob o
tecido, as pontas dos dedos tocando minha pele me arrepiaram em
partes que nem acreditava ser possível.
Tirei as mãos dela, segurando a camiseta pelas costas,
arrancando em um movimento rápido pela cabeça, deixei-a cair no
chão. Luiza piscou adoravelmente desconcertada, como se não
tivesse visto aquilo umas mil vezes. Se Enny pudesse ver a
expressão de Luiza, não se preocuparia mais.
Ela mordeu o lábio, correndo o olhar por minhas tatuagens,
seu peito subindo e descendo com força. Ela tocou os desenhos,
começando pelas partituras musicais no braço direito que começava
no pulso e ia até o ombro, a ponta do dedo correu ao longo da
clavícula pela frase que tinha ali, depois o ás de copas no centro do
peito com um beijo suave, terminando na águia com asas abertas
pronta para atacar que cobria toda a extensão do meu abdômen.
— Theo… — sussurrou, a pupila dilatando. Eu nem sabia mais
o que era respirar. Aquela mulher me reduzia a nada. Ela segurou
meus ombros, girando-me e jogando-me na minha cama.
— Também senti saudades, linda. — Apoiei-me nos cotovelos.
Passei a língua nos lábios quando ela arrancou sua camiseta e tirou
seu calção tão rápido quanto um piscar de olhos.
— Eu quase não dormi essa noite — confessou, subindo sobre
mim na cama, sentando-se bem sobre minha ereção. — Eu não tive
tempo nem para me masturbar nessas últimas duas semanas.
Grunhi com menção a ela e a masturbar numa mesma frase.
Minha ereção latejou sob minha calça. Apertei suas coxas grossas,
chegando ao quadril. Ela vestia uma lingerie amarelo vivo que
destacava sua pele escura, a calcinha tinha algumas rendas.
Coloquei os dedos sob as tiras.
— E eu me masturbei no banho pensando em você — admiti,
o que a fez sorrir cética. Ela não tinha ideia de como era linda, não
mesmo.

Assim que acabou, Luiza se levantou esticando os braços


acima da cabeça com um sorriso leve. Fiquei admirando,
recuperando o fôlego. Ela começou a se vestir. Ela nunca ficava na
cama comigo por alguns minutos depois do sexo, doía um pouco na
verdade. Queria ter mais momentos com ela que não envolvessem
sexo, sexo, sexo. Deveria aproveitar e fazer o convite para o
cinema…
— Já vou indo, preciso estudar — falou, pegando o celular
para chamar o Uber. Algo murchou dentro de mim. Ela guardou o
celular no bolso, abrindo um sorriso. — Você devia ter um espelho,
Theo.
Sentei-me, sorrindo de volta, já sentindo a falta dela.
Iza desamarrou os cabelos, tinham virado uma bagunça na
cama. Ela os puxou com força para o topo da cabeça.
— Talvez eu arrume um — para você, completei mentalmente.
Seria legal ter algo para ela ali, era quase a mesma coisa que ela ter
uma gaveta ou uma escova de dentes, era significativo.
— Então faça isso, por favor! — Terminou de amarrar os
cachos.
Levantei-me, pegando um calção limpo no guarda-roupa e o
vestindo.
Ela pegou uma moeda no bolso, indo até a cômoda e enfiando
no meu porquinho.
— Não precisa fazer isso! — Aproximei-me, não era legal,
principalmente depois de transarmos.
— Eu quero ajudar.
— Mas não precisa. — E nem dava para devolver a moeda
sem quebrar o porco.
— Eram só cinco centavos, Theo. — Revirou os olhos, o
sorriso de lado zombava de mim.
Bufei, contrariado.
Minha vontade era de beijá-la pela sua petulância.
Meu porquinho era o que me compraria uma moto bacana,
fazia mais de um ano que eu guardava dinheiro, ele estava bem
pesadinho. Luiza achou fofo quando expliquei, já a vi deixando
notas exorbitantes para uma universitária ali. E não importava o
quanto eu me mostrasse irritado, ela não me ouvia!
— Vou esperar o Uber lá fora — avisou, abrindo a porta.
— Vou com você. — A segui para fora. Observei sua mão
balançando ao lado do corpo, parecia pedir para que eu a
segurasse. Eu queria. Mas… eu não sabia. Tinha algo que me
impedia de beijá-la, de segurar sua mão, de abraçá-la e de fazer
convites quando eu queria.
Passamos pela sala, ela acenou para Salete, que sorriu de
volta. Meu pai estava quieto vendo a tevê, nem notou quando
passamos. Melhor assim, nas primeiras vezes que Luiza tentou
contato ele a chamou de “negrinha” e em outra ocasião de
“ceguinha”. Fiquei tão chocado e ofendido quanto ela, naquele dia
percebi que não conhecia bem o meu pai. Sempre que podia eu a
mantinha longe do campo de visão dele, e a compreendia por
ignorá-lo.
Fechei a porta de casa ao sairmos. Ficamos perto do muro, o
sol já castigava, não havia nenhuma nuvem para amenizar a
claridade intensa. Cruzei os braços, observando Luiza.
Ela notou minha atenção, ficamos uns segundos nos olhando.
— Qual o nome do seu irmão?
Ela se espantou com minha pergunta, foi engraçado como ela
piscou repetidamente confusa.
— Err… É Lucas — respondeu, desviando o olhar. Droga,
passei longe. Enny teria gargalhado impiedosamente da minha cara.
— Nós somos gêmeos.
— Jura? — Agora o surpreso era eu. Nunca tinha parado para
reparar no irmão dela, para ser sincero. Ele também nunca se
aproximou. Mas devia ser um cara bacana se tinha uma irmã como
ela.
— Uhumm. — Ela assentiu, olhando o aplicativo no celular.
Aquele Uber podia demorar umas duas horas, eu não me importaria
nenhum pouco. — Ele é um mala, sem alça e sem rodinha, e muito
pesada.
Ri.
Eu invejava aquela implicância entre irmãos. Lúcio e eu não
tínhamos aquilo. Não tínhamos nada.
— Achei que gêmeos tivessem uma ligação sobrenatural e
incondicional. — Aproximando-me um pouquinho mais sem ela
perceber.
— Tudo mentira — resmungou, evidentemente brava por falar
do irmão. O lábios cheios levemente franzidos me fizeram sorrir. —
O tópico das nossas brigas ultimamente é sobre o gato encapetado
dele que comeu… Não, devorou minha prótese.
Juntei as sobrancelhas, a cena na minha cabeça era um pouco
confusa…
— Eu sei, parece piada. — Ela suspirou, exasperada. Os
ombros caindo com o peso de sua frustração. Espiou a tela do
celular, como estava do seu lado vi, com desagrado, que o carro
estava quase chegando. — Lucas se nega a ajudar, eu preciso de
uma prótese nova para ontem.
Só a vi com prótese umas duas vezes e em umas poucas fotos
que ela tinha no Facebook. Estava tão acostumado com seu olho
direito esbranquiçado que me espantava quando stalkeava suas
redes sociais, dava uma diferença muito grande. Parecia tão real.
— É caro? — perguntei, deslizando mais um pouco para perto,
quase nos tocando.
Ela não percebeu.
— Para a minha realidade econômica é sim. — Me fitou, notei
a preocupação em sua expressão. Queria ajudá-la… Eu até
emprestaria se soubesse que ela aceitaria.
Uma brisa leve empurrou um cacho da sua franja sobre o olho
direito, levantei a mão afastando-o devagar. O cabelo dela era
macio, os cachos castanhos tinham alguns fios dourados, eram bem
modelados como se acreditava que fosse o cabelo de um anjo.
Eram como anéis que cabiam no dedo mindinho.
Passei o polegar no alto de sua bochecha, o suor do sexo já
havia secado. Tão macia.
Meu olhar encontrou o seu, ela parecia reflexiva. Queria saber
o que ela pensava quando ficava me olhando daquele jeito
silencioso. Desejava que fosse as respostas que eu tanto queria
ouvir.
Também amo você, Theo. Também quero ficar contigo.
Inclinei-me em direção aos seus lábios, mas uma buzina a fez
pular para longe. Ela levou uma mão ao coração, rindo.
— Chegou a corrida. — Ela sorriu constrangida. — Tchau, a
gente se vê!
Ela correu para o portão, sem me dar um beijinho de
despedida. Mas olhou para mim antes de entrar na parte de trás do
carro, aquela mesma expressão reflexiva. E aquilo sim me fez sorrir.
Capítulo 03

Sonhei que tinha comprado uma prótese nova e Luigi a


devorou no mesmo dia.
Um pesadelo, na verdade!
Acreditei que meu desconforto ao acordar naquela segunda-
feira fosse pelo pesadelo. Mas conforme fui seguindo minha rotina,
aquilo pesava mais em mim. Eu não conseguia explicar. Eu não
acreditava muito em horóscopo, mas alguma coisa estava
desalinhada no meu signo… ou planetas… Tanto faz.
Depois do café fui para o quarto me arrumar, tinha que chegar
logo no café para mais um dia humilhante na cozinha. Era como se
eu estivesse em uma corda bamba no trabalho. Não conseguia
deixar de me preocupar.
Juntei meus cachos no alto da cabeça e os prendi em um
coque bem apertado. Verifiquei a hora no celular, faltavam uns
quinze minutos antes de sair. Mas o que me surpreendeu foi uma
mensagem de Theo.

Bom dia, linda!


Posso falar com vc na universidade?

Franzi a testa. Admito que fiquei muitíssimo curiosa. Theo


nunca me mandava mensagens assim. E como uma boa ansiosa,
os piores cenários foram se formando na minha mente.
Será que ele começou a namorar?
Engravidou alguém?
Vai mudar de cidade?
VAI MORRER?!
Oh, Deus.
Então o desconforto duplicou, me deixando angustiada.
Saí do meu quarto, zonza, com meus pensamentos
desgovernados. Um corpo pequeno bateu no meu antes de entrar
na sala, pensei que fosse minha mãe, mas era só Nanda toda
bagunçada.
— Ah, oi! — cumprimentei, ela e meu irmão tinham uma
amizade com benefícios fazia um tempo. Eu não sabia com que
frequência acontecia o lance deles, sempre saíam juntos com Yan,
mas em casa era raro encontrá-la pela manhã.
Ela se apoiou na parede, sem me responder. Só então notei
sua palidez, me assustando.
— Ei, você tá legal? — Aproximei-me, segurando-a pelo braço.
— Lucas ainda tá na cama?
— Não — ela ofegou negando com a cabeça, cerrando as
pálpebras. Ela estava suando, sua pele amarela nunca esteve tão
sem cor. Os olhos finos mal se mantinham abertos. — Eu só preciso
sentar um pouco.
— Tá legal, vem. — Ajudei ela a chegar ao sofá. Eu a achava
uma vaca, a tampa da panela do meu irmão, mas não a deixaria
quando parecia um defunto em pé. — Vou chamar alguém.
Ela segurou meu pulso com uma força que não condizia com o
seu estado.
— Não, por favor — balbuciou, a respiração irregular.
— O que eu posso fazer então? — Já estava na minha hora,
mas deixá-la daquele jeito sem avisar ninguém… não era certo.
— Pode me deixar quieta. — Seus olhos escuros me fuzilaram.
Tinha algo errado e pelo jeito ela sabia bem o que era, mas não
queria que outras pessoas soubessem. Em vez de estar agradecida
com minha ajuda, parecia mais aborrecida.
Como disse, uma vaca!
— Uhum — resmunguei chateada e um tanto irritada. Ajeitei a
alça da mochila e saí.
À noite, quando me sentei à mesa da lanchonete do campus
para jantar com a máfia maligna, Fernanda me ignorou. Ela estava
escondendo alguma coisa e, francamente, eu não podia me importar
menos.
— Tem uma festinha sábado, bora? — meu irmão perguntou a
Yan, enquanto enfiava uma batata frita na boca.
— Bora — confirmou Yan, e dirigiu seus olhos cor de mel para
mim. Segurei um suspiro. — Quer ir também, Iza?
— Ela não vai a esses lugares sem o tapa olho! — grunhiu
meu irmão, franzindo o cenho. Fiquei pasma pela sua estupidez,
Nanda afundou mais na cadeira, tampando o rosto com uma mão.
Yan parecia tão em choque quanto eu.
— Eu estou aqui! — Dei um soco em seu braço, mas a
vontade mesmo era acertar seu nariz. — Eu vou a qualquer lugar
que eu quiser do jeito que eu quiser, entendeu?!
Um calor subiu ao meu rosto, cerrei os punhos sobre a mesa,
me remoendo de raiva.
— Mas não com a gente! — Trincou o maxilar, cravando o
olhar em mim de uma forma que deveria me assustar se eu não
estivesse tão brava. Ele voltou-se para Yan. — Não. Com. A. Gente!
Yan não protestou, mas encarou o amigo de uma forma
estranha. Os dois eram amigos de infância, morávamos no mesmo
bairro e estudamos todos juntos, foi bem fácil me apaixonar com
Yan sempre por perto. Acredito que ele só aguentava meu irmão
agora porque sabia que um dia, no passado, Lucas foi um garoto
gentil. Eu também me sentia assim, como se devesse relevar
porque ele passou uma barra que eu não sabia se teria aguentado.
Mas isso não me impedia de ficar muito puta com ele!
Lucas olhou além, abrindo um sorriso cínico. Me fitou de
esguelha.
— Seu Emo Triste vem aí! — cantarolou baixinho.
Virei rapidamente, Theo se aproximava com as mãos no bolso
do jeans, vestia uma camiseta preta com a estampa da cara de um
ET. Ele usava uma bandana preta na cabeça, uma que já tinha visto
outras vezes. A mochila pendurada só em um dos ombros.
Mordi o lábio.
Ele ia se aproximar da máfia!
Eu não podia deixar.
Onde estava Ana que não estava debaixo de seu braço?
Então lembrei de sua mensagem que havia somado no meu
desconforto que durou até o meio-dia. Esqueci completamente de
respondê-lo.
Levantei-me, segurando minha mochila. Deixei meu pastel
pela metade e o meu refri e tratei de ir até Theo antes que ele
chegasse perto demais daquela mesa tóxica.
Eu gostava demais dele para deixar ser poluído por aqueles
três… Quer dizer, dois. Yan era uma boa pessoa.
— Oi, desculpa não te responder, eu… Aconteceu tanta coisa
que nem tive tempo de respirar. — Soltei uma risada tensa,
puxando-o para um pilar para ficarmos longe do caminho das
pessoas. — Onde está a Ana?
— Ela está jantando — respondeu sem desviar o olhar de mim.
Procurei pelo lugar, avistando-a praticamente no outro extremo do
salão, ela nos observava como uma águia. Meu coração estava
acelerado e eu nem sabia o porquê.
— O que você precisa falar comigo? — inquiri, sendo presa
por seus orbes, estavam mais para o verde do que para o castanho
naquela noite e também… tão quentes e intensos.
— Antes, preciso que prometa que vai ser sincera comigo —
pediu mantendo a voz baixa de uma forma que me obriguei a ficar
mais perto. Theo estreitou mais a distância entre nós, raspando os
nós dos dedos na minha coxa.
— Como assim? — Eu odiava que me pedissem para prometer
uma coisa que eu nem sabia o que vinha a seguir, ou que pedissem
um favor sem antes dizê-lo.
— Só prometa ser sincera, é bem simples. — Sorriu, parecia
calmo demais… ou apenas se segurando para não mostrar
demais… Eu não saberia distinguir.
— Prometo — cedi a contragosto. — Me conta, estou ficando
nervosa.
— Nem imagina o meu estado então. — Theo riu, mais pelo
nervosismo do que pela piada.
Olhei por sobre o ombro, para a mesa do meu irmão. Os três
estavam envoltos em algum assunto, melhor assim. Fitei Theo, uma
agonia foi crescendo dentro de mim. Decerto veio me contar que
estava namorando, um cara lindo como ele não ficava tanto tempo
solteiro. Provavelmente era Ana. Com certeza era ela.
Cerrei os punhos, afundando as unhas nas palmas.
— Luiza, eu… — Hesitou, engolindo em seco.
— O quê? — Cruzei os braços, nem pisquei.
— Eu…
— Você o quê?
Ele empalideceu. Minha preocupação me golpeava a cada
segundo sem uma explicação.
— Você está morrendo? — perguntei, lembrando do estado de
Nanda de manhã, ele não parecia tão diferente dela agora.
— Acho que sim. — Assentiu. Pestanejei, pois pareceu que
estávamos falando de coisas diferentes. Ele só estava nervoso, o
que tinha a dizer devia ser terrível para mim.
Ele estava com Ana.
Theo tirou a mão do bolso, trazendo junto uma caixinha
pequena de veludo. Espera…?
Então o impensável aconteceu, Theo se ajoelhou, ficando com
uma perna dobrada. Abriu a caixinha revelando duas alianças de
prata.
O que estava acontecendo?
— Luiza — disse, os orbes brilhando em minha direção. —
Aceita namorar comigo?
CA-RA-LHO!
Meu queixo caiu, perdi completamente a fala pois tudo o que
minha mente conseguia produzir eram palavrões. Acho que parei de
respirar também. O mundo inteiro travou junto comigo. Eu nunca fui
pedida em namoro, também nunca fiz o pedido a ninguém, e
acreditava que isso não aconteceria… tão cedo e daquela forma.
Espera!
— O quê? — Eu não estava sendo pedida em namoro, pois
isso não estava na lista de possibilidades da Luiza. Tinha acabado
de inventar aquilo.
Theo se levantou, ainda segurando a caixa aberta. Não
parecia mais tão nervoso, abriu um sorriso de canto. Meu coração
parou.
— Aceita namorar comigo? — repetiu, as bochechas
ganhando cor, era engraçado porque até seu nariz ficava meio
rosinha.
Eu estava pronta para perguntar “o quê?” de novo, quando a
pior situação da minha vida começou. Ao se ajoelhar Theo chamou
atenção, devem ter visto seu pedido antes dele se levantar, pois
alguém começou a gritar: — ACEITA! ACEITA! ACEITA!
Entrei em pânico.
— ACEITA! ACEITA! — mais vozes se juntaram ao coro, foi
questão de segundos para todo mundo estar olhando em nossa
direção, batendo palmas e gritando: — ACEITA! ACEITA! ACEITA!
Eu estava prestes a começar a chorar.
— Droga — murmurou Theo, inclinando-se em minha direção.
— Não era para isso acontecer.
Ah, sim, ele se ajoelhou na minha frente com uma aliança, no
meio de uma lanchonete lotada de estudantes e teve a ingenuidade
de acreditar que ninguém notaria?!
Encontrei a mesa do meu irmão, eles estavam olhando na
nossa direção, não tinham se juntado ao coro, estavam rindo. E o
que me chocou foi que Yan também estava. Ele estava rindo de
alguém me pedindo em namoro? Com certeza aqueles três não
acreditavam que alguém poderia se interessar em mim o suficiente
para tanto. Certo, nem eu acreditava. Mas fiquei magoada pela
reação de Yan. Ele não podia rir de mim. Eles não podiam rir do
Theo!
Theo…
Fitei o rapaz na minha frente, esperando ansioso por uma
resposta.
Eu não sabia onde ele estava com a cabeça, mas não deixaria
ele ser humilhado na frente de toda aquela gente, não daria aquele
gostinho para o meu irmão, senão não me perdoaria.
— Aceito — respondi alto, pareceu outra pessoa falando no
meu lugar. Theo piscou, alargando o sorriso. Eu ia matar ele!
Todo mundo explodiu em palmas e assobios, foi uma balbúrdia
que mal registrei quando Theo me tomou nos braços, me beijando.
E naquele instante em que estávamos conectados, as
preocupações da minha mente se calaram. Durou só cinco
segundos, Theo recuou, segurando minha mão e me puxou. As
pessoas continuavam assobiando, alguns caras até deram
soquinhos no ombro de Theo.
Eu ainda estava me perguntando o que diabos estava
acontecendo.
Achei que ele nos levaria até a mesa de Ana, mas estávamos
indo para a saída. Procurei pela garota, algumas pessoas em pé
tamparam a minha visão de onde ela estava.
Seguimos mais alguns metros depois de sairmos da
lanchonete.
Era o momento de começar a gritar o que ele tinha na cabeça
e acabar com aquilo sem uma plateia assistindo.
Oras, a gente transava há um tempinho, e concordamos no
início que seria só sexo… Eu precisava entender as razões dele por
trás daquele absurdo. Ele era apaixonado por Ana e eu por Yan, não
fazia sentido namorarmos!
Theo parou, eu ia começar a gritar naquele momento…
Ele me empurrou para a parede, pressionando o corpo quente
contra o meu e me beijando.
Eu ia gritar depois que ele parasse de me beijar.
Sua língua afoita invadiu minha boca, tomando espaço e
ditando o ritmo. Uma de suas mãos foi para a minha cintura e a
outra para a lateral do meu rosto. Coloquei as mãos por dentro da
sua blusa, sentindo a pele morna. Eu gostava de beijá-lo, de transar
com ele, gostava da forma que ele me tratava. Gostava do que a
gente tinha. Mas namorar?
Era tão sem sentido que eu me perguntava se não estava num
sonho maluco. Talvez Luigi aparecesse no próximo segundo com
metade da minha prótese na boca.
Sua língua provocou o cantinho da minha boca, mordendo o
local e puxando devagar.
— Namorada — sussurrou, sua risada despejando o hálito de
menta no meu nariz. Eu ia gritar com ele. Naquele momento!...
Agora! Theo puxou minha mão direita, deslizando o anel de prata no
meu dedo anelar, o outro par colocou no dele. Sempre achei meio
brega essa coisa de aliança de namoro. Ia esperar mais um pouco
para começar a gritar, algo estava pesando no meu peito. — Diga
alguma coisa.
Você enlouqueceu?
O campus era bem iluminado à noite por postes em todos os
cantos. Mas onde estávamos, encostados na parede eu quase não
conseguia distinguir o que tinha em seu olhar. Eu dificilmente
conseguia mesmo com claridade.
A verdade era que eu não queria gritar com ele.
Um nó foi se formando na minha garganta. Eu queria que
fosse verdade, que ele gostasse de mim, que eu gostasse dele, que
a gente fosse um casal para valer.
Eu queria chorar!
— Eu tenho aula agora — balbuciei, piscando várias vezes
para espantar o choro.
— Ah! — Ele pareceu decepcionado, mas sorriu. — Eu vou te
mandar mensagens então, e a gente se vê amanhã?
Assenti, meus cachos balançando com o movimento. Minha
respiração estava por um fio assim como minha sanidade.
— Boa aula, Iza. — Uniu os lábios aos meus mais uma vez.

O. Que. Estava. Acontecendo?


Era só isso que eu conseguia me perguntar, afundada no sofá
da sala de casa às duas da manhã, com o olhar vidrado na tevê
desligada. Eu ficava girando a aliança no meu dedo.
Theo mandou mensagens. Não respondi, e me senti péssima
por isso. Quando eu o visse na faculdade, a gente conversaria. Eu
já estaria recuperada daquele trauma e ele já teria se dado conta do
erro que cometeu. Com sorte tudo se resolveria bem e a gente
continuaria transando quando desse tempo. Era um bom plano.
Ainda podia ouvir aquele coro maldito de “aceita, aceita,
aceita”. Eu teria pesadelos, isso se conseguisse dormir. No
momento eu estava bem acordada.
— Filha?
Pulei no sofá, levando uma mão ao coração.
Minha mãe estava parada vestindo um roupão, os cabelos
presos na nuca um tanto bagunçados. Ela acendeu a luz, tampei os
olhos com o antebraço, piscando até me acostumar à claridade.
— O que tá fazendo aí parada? Quase achei que era um
fantasma! — reclamou, apagando a luz outra vez. Ainda podíamos
nos ver muito bem por conta da iluminação da rua.
— Não consigo dormir — choraminguei, deitando a cabeça no
encosto do sofá.
Mamãe ajeitou melhor o roupão e se sentou ao meu lado, com
os pés recolhidos no estofado.
— O que aconteceu? — Não dava para esconder nada da
minha mãe, e eu nem podia mesmo, acordada àquela hora sem
estar estudando era indicativo o bastante. — Ainda é sobre a
prótese?
— Não. — Suspirei, colocando os pés sobre o sofá igual a ela,
virando o meu corpo mais em sua direção. — Um cara me pediu em
namoro.
Silêncio.
— Ah, eu não acredito! — Praticamente gritou agarrando meus
ombros e me abraçou. A forma como ela vibrou com a notícia quase
me fez chorar outra vez. — Filha, isso é incrível! Qual o nome dele?
Onde ele mora? Quando ele vem aqui em casa? Ele coloca o feijão
por cima do arroz ou o contrário?
Ergueu uma sobrancelha.
Neguei com a cabeça. Para todas aquelas perguntas que eu
não queria responder. Principalmente a última já que nunca almocei
com Theo. Mordi o lábio.
— O que foi princesa? — Ela abrandou a voz, relembrando
meu estado de espírito. — Não está feliz por… — finalmente, era a
palavra que ela ia usar. — Por ter um namorado?
Eu não tinha amigos, ninguém próximo o bastante para me
abrir. Minha mãe era a única pessoa com quem sempre pude
conversar, claro que eu não contava tudo para ela. Mas quando
ficava pesado demais, era para o colo dela que eu corria.
— Eu não quero ser namorada dele! — confessei, Theo era o
meu primeiro namorado e a experiência estava sendo péssima.
Igual a todas as minhas primeiras vezes. Eu nem queria pensar
nisso.
Ela me analisou com atenção e precisão de uma mãe. Colocou
meus cachos para trás do meu ombro, deixando a mão ali.
— Então você disse não.
— Eu disse siiiimm — choraminguei com a ênfase, meus olhos
ardendo com lágrimas. — Você sabe que eu gosto do Yan, mãe —
abaixei a voz para não acordar ninguém. Eu preferia a morte a ter
meu irmão ouvindo aquela conversa. — Só que o Theo fez o pedido
na frente de um monte de gente e eu me senti pressionada, ele é
muito legal e eu não queria humilhá-lo, entendeu?
— Ai, Luiza. — Fez um muxoxo, cruzando os braços. Ótimo,
agora ela estava chateada comigo. — Isso não se faz, você devia
ter chamado ele para um canto e conversado! — Eu não podia
admitir que ver Yan rindo de nós pesou na minha burrice. — Esse
cara deve gostar muito de você, filha. Isso não foi legal, eu exijo que
resolva isso com o rapaz!
— Ele não gosta de mim. — Girei a aliança no dedo, me
peguei pensando, pela segunda vez, que gostaria que a gente se
gostasse.
— Ué? — Sua careta confusa me fez rir.
— Mãe, o Theo gosta de outra garota, eu tenho quase
certeza… É uma amiga dele, ela não gosta de mim, eu não sou
boba, sei que é ciúmes. — E tudo bem, eu não gostava dela, e não
eram nem um pouco por ciúmes do Theo.
— Então por que ele te pediu em namoro? — indagou,
arqueando uma sobrancelha. Ela estava tentando me provar um
ponto, um que eu discordava bastante.
— É o que eu estou tentando entender. — Massageei minha
têmpora dolorida.
— Por que você acha que ele não gosta de você, Iza?
Meu Deus, mãe! Olha pra mim! Eu não sou bonita o bastante
para alguém querer namorar. Não tem nada encantador em mim!
— Se você vir com algum discurso depreciativo, eu vou te
bater! — Apontou o dedo, a voz grave e brava.
— Então você já sabe a minha resposta! — Me levantei,
deixando-a para trás, batendo a porta do meu quarto com força
quando me chamou. Fiquei encarando a porta, esperando ela vir
atrás, mas não veio, e isso me frustrou um pouco. Grunhi, chutando
minha mochila do caminho e me joguei na cama.
Quando eu tinha quinze anos, um garoto da minha turma —
que nunca tinha me dado muita importância — se aproximou. Ele
não era muito bonito, mas eu fiquei boba rapidinho. Achei que tinha
encontrado o cara que me faria esquecer Yan. Passado alguns dias
de conversa, a gente se beijou, e depois de poucas semanas,
transamos. Foi a minha primeira vez. Assim que conseguiu o que
queria, parou de falar comigo, eu exigi uma explicação, ele admitiu
que tinha apostado com os amigos que ficaria comigo, mas deixou
claro que não cobrou a aposta, que não contou a ninguém sobre
nós. Imaginei que por vergonha de ficar comigo. Não sei. Mas chorei
três dias inteiros, Lucas não me deixou em paz até saber qual era o
problema, e falei na bobeira de acreditar na promessa do meu irmão
que ficaria quieto. No mesmo dia Lucas quebrou o nariz do garoto.
Depois daquilo ele mudou de escola.
Era seguro gostar de Yan porque ele não me magoaria mais
do que não corresponder meus sentimentos.
Peguei meu celular, abri o bloco de notas e escrevi duzentas
palavras dessa vez, mais do que a soma da semana passada
inteira.
Deixei meu braço cair, o celular deslizou da minha mão
batendo no tapete.
Outra coisa que não estava na lista de Possibilidades da Luiza:
publicar minhas histórias.
Capítulo 04

Eu podia começar a fazer listas.


Já tinha tanto material.
Uma delas se chamaria: Coisas que Acho Brega em Namoros.
A primeira era a aliança de prata, eu não aguentava olhar para
minha mão, mas também não conseguia tirá-la. Era melhor ser
bijuteria, senão eu teria uma conversa escabrosa com Theo.
A segunda coisa era status de relacionamento nas redes
sociais. Imagina qual não foi o meu espanto ao acordar e ter uma
solicitação daquelas no meu facebook! Tinha mais mensagens de
Theo naquela manhã. Não consegui responder.
Precisava conversar pessoalmente com ele.
— Olha só quem tá de namoradinho! — cantarolou Davi,
apoiando o quadril na pia enquanto eu lavava os utensílios sujos.
Revirei os olhos.
Dora chegou a desligar a batedeira.
— O quê? — perguntou revezando o olhar entre nós. Eu
estava com dor de cabeça daquele assunto. No fim das contas
aceitei a solicitação de Theo. Eu ainda não me sentia como a
namorada de alguém.
— A Luiza tá de namorado. — Davi assentiu, fazendo um
negócio com os lábios que o deixou com uma cara de cachorro
boxer.
— Uau! — Dora estava surpresa. Que saco! — Parabéns, Iza!
Franzi os lábios, esfregando a esponja com força além da
conta dentro do liquidificador, meus dedos doendo com o contato
com a lâmina. Devia ter usado o autolimpante, mas estava sem
paciência.
— Ele é bonito? — perguntou Dora.
Até demais, Dora. Demais para mim.
Ele era mais bonito que Yan.
Davi respondeu no meu lugar.
— Um pão! — Juntou os dedos formando um bico, balançou a
mão. — Mas fiquei meio confuso sobre o estilo dele, meio sad, dark
ou bad.
— O quê? Não! — Me meti, Theo não era nada daquilo. Ele só
gostava de roupas mais escuras. — Ele é uma pessoa bem soft.
Davi gargalhou.
— Você precisa pesquisar melhor o que é ser uma pessoa soft.
— Deu um tapinha no meu ombro, antes de voltar para o salão.
— Enfim, felicidades — concluiu Dora, ligando a batedeira.

Theo era bonito, único, especial, luz, acho que foi isso que eu
quis dizer com soft. Mas sabia que ele não era cem por cento do
tempo assim. Ninguém era. Há alguns meses quando seu pai foi
internado, ele ficou mais sombrio, não falava muito e aquele ar
sedutor e caloroso tinha sumido. Ele mal falou comigo durante o
tempo que seu pai ficou internado.
Eu nem conseguia imaginar como devia ser difícil para ele.
Nós mal nos conhecíamos, até ele tinha que concordar com
aquilo.
Era final do expediente quando criei vergonha na cara e
respondi suas mensagens com um:
A gente pode se ver no campus antes das aulas?

Ele não demorou a me responder.


Combinamos de nos encontrar na entrada, perto de um
carrinho de sorvetes.
Eu o avistei assim que desci do ônibus. Vestia uma calça jeans
escura e uma camiseta azul também escura com a estampa de um
cometa em pixel colorido. Ele gostava de camisetas estampadas,
talvez influência de Ana, só que as roupas dela eram de cores mais
chamativas. Não estava com ele e isso me surpreendeu um pouco.
A cada passo que eu dava com meu all star vermelho meu
coração parecia bater fora do peito. As palmas das minhas mãos
começaram a suar. Limpei-as na minha saia jeans clara. Tinha
prendido meus cachos em duas tranças laterais. Uma vez Theo
disse que eu ficava bonita assim.
Passei as mãos nas bochechas, não conseguia deixá-las
paradas. Eu estava entrando em desespero. Segundo As
Branquelas, quase tendo um ataque de pelancas.
Já tinham algumas estrelas enfeitando o céu.
Parei em sua frente, Theo ergueu os orbes para mim. Os cílios
eram gigantes. Por que homens tinham cílios enormes naturais
enquanto as mulheres tinham que pagar se quisessem também? A
vida era tão injusta!
— Oi — ele disse, retirando um dos fones e guardando o
celular no bolso. Ele… estava me analisando, tinha algo em sua
expressão que me afligiu ainda mais. — Por que não respondeu as
minhas mensagens?
Fitou a aliança no meu dedo, sua expressão relaxou
parcialmente.
Ah, meu Deus! Eu o tinha magoado?
Ele parecia mesmo… chateado.
Droga!
Eu odiava fazer as pessoas de sentirem mal. Mas naquele
momento, aquela sensação triplicou.
— Que música estava ouvindo? — desviei, apontando os
fones. Eu não ia conseguir admitir que estava péssima por namorar
ele. Ninguém merecia isso. Só queria entender as reais intenções
dele.
Theo trincou o maxilar, os olhos mais para o castanho naquela
noite, estavam nublados com algo denso.
— Um lançamento, fala sobre como você vai partir o meu
coração.
Dei um passo atrás arregalando os olhos, meu estômago
queimou como se estivesse recebendo ácido, levei uma mão a
barriga, a sensação subiu pelo esôfago.
Theo abriu um sorriso amarelo.
— Quer ouvir? — Ofereceu-me outro fone, aceitei colocando
no ouvido. O fio era curto me obrigando a ficar coladinha nele. Seu
calor me cercou, arrepiando minha pele.
Theo passou um braço pela minha cintura, soltando um longo
suspiro cansado. Uni as duas mãos sem saber bem o que fazer com
elas. Ele estava me deixando mais nervosa do que o normal agora
que era… meu namorado. Não tinha certeza se me acostumaria a
vê-lo assim.
Nos primeiros segundos de música a reconheci, era a mesma
que tocava no café quando dei a notícia a Regina sobre minha
prótese devorada. Meu peito ficou apertado. Ele estava certo,
aquela música era exatamente sobre dar o coração a outra pessoa,
confiando nela, para depois recebê-lo de volta sangrando.
— Nossa! — Eu estava certa sobre ser o tipo de música que
Theo ouviria. Talvez eu o conhecesse um pouquinho. — É tão triste.
— É poesia — discordou, abrindo um meio sorriso. Ainda com
a mão na minha cintura, começou a me conduzir para a entrada do
campus. — O que queria dizer?
Devolvi o fone.
Cacete!
Eu tinha perdido toda a minha determinação.
Pior, deixei minha cabeça cair de encontro ao seu ombro. Ele
era tão confortável.
Mas eu precisava fazer aquilo.
— Eu… e-eu… sabe, Theo…
Passamos pela entrada de pedestres, tinham alguns alunos
com bandejas vendendo trufas, cupcakes e brigadeiros.
— Você quer? — Theo perguntou, nem me dei conta de que
fiquei olhando. Eu saía do serviço direto para a faculdade, então eu
almoçava e depois ficava sem pôr nada na boca até a hora do
jantar.
— Você vai comprar pra mim? — Virei o rosto em sua direção,
ele me observava de canto, muito mais relaxado que antes, aquilo
me acalmou consideravelmente.
— Claro, Iza.
— Então eu quero, mas tem que pegar pra você também! —
falei firme sem deixar espaço para negativas. Ele riu, eu nunca tinha
percebido que sua risada era baixa, mas que movia o peito e os
ombros com uma força digna de uma gargalhada escandalosa.
— Você que manda.
Gostei de ouvir aquilo.
Compramos (ele comprou!) três trufas e um cupcake para cada
um. Era para ser só uma trufa, mas ele insistiu que eu pegasse
outra, e eu praticamente o obriguei a pegar também, então Theo
empurrou uma terceira na minha mão e empurrei outra na mão dele.
A aluna que estava vendendo quase flutuou de alegria.
Nos sentamos no primeiro banco de cimento que apareceu. Eu
estava morta de fome, mas ainda assim fiz um esforço para comer
devagar. A trufa era bem grande. Theo colocou um braço por trás
dos meus ombros, me fitando com a sombra de um sorriso nos
lábios.
— Não vai comer o seu? — perguntei olhando sua mão cheia.
O fone continuava balançando na clavícula, executando aquela
mesma música. Eu já estava ficando angustiada.
— Depois, mas com certeza tenho que comer pelo menos o
cupcake antes que Enny chegue — comentou, os olhos fixos em
mim.
Quem era Enny?
Parei de mastigar.
Quem é Enny, Theo?
Quem era Enny para que ele deixasse ela roubar sua comida?
Engoli com dificuldade. Eu sabia que ele ficava com outras garotas,
não que ele dissesse ou eu tivesse visto. Mas, poxa, ele era um
verdadeiro Panetone com gotas de chocolate! Claro que ele tinha
uma lista de contatos no celular.
Eu não estava com ciúmes.
Só que…
Ele esfregou o nariz na minha bochecha, me pegando de
surpresa com sua proximidade, sua respiração quente e
entrecortada me deixou molenga. Sua mão atrás do meu ombro
tocou meu pescoço, os dedos roçando de leve o canto da minha
mandíbula.
— Luiza, você me deu um baita susto hoje — murmurou, um
arrepio percorreu minha espinha. Estremeci. Ele virou meu rosto
para o seu. O olhar intenso deixou minha respiração
descompassada. — Eu quase achei que tinha sonhado que você
disse sim para mim ontem.
— Theo…
— O quê? — Ele segurou minha mandíbula, me mantendo
presa ao seu olhar. Tinha como fugir?
Para o bem de nós dois, é melhor acabar aqui.
— Me beija — pedi em um sussurro angustiado. Sua boca, que
estava a apenas um suspiro de distância, tocou o canto da minha,
seus olhos semiabertos ainda fixos nos meus, a pupilas tinham
dobrado de tamanho. Fechei os olhos, encaixando nossas bocas,
sua respiração pesada era o único som que eu ouvia. Suguei seu
lábio inferior, mordendo-o no final, não esperei, levei uma mão ao
seu pescoço ao mesmo tempo em que minha língua abria espaço
entre seus lábios, circulando a língua na sua para sentir as duas
extremidades do piercing. Uma onda de calor começou no meu colo,
se espalhando, subindo pelo meu pescoço e descendo pelo tórax,
até entre minhas pernas em forma úmida. Apertei as coxas.
Theo deu três selinhos antes de se afastar, os lábios
vermelhos e molhados. Ele tinha lábios finos comparados aos meus,
mas a boca era larga (o que dava a ele um sorriso de tirar o fôlego)
e de um rosinha bem claro, quase da cor da sua pele.
Respirei com dificuldade depois daquele beijo, que meu deixou
em um estado de: preciso DESESPERADAMENTE dar para o Theo!
Não ia estragar o clima suave abordando nosso namoro
fadado ao fracasso.
Amanhã, pensei com determinação, amanhã nós
terminaremos com isso!
— A gente devia ter pegado alguma coisa para beber —
comentou, a voz ligeiramente rouca, a mão que tinha segurado meu
rosto estava pairando perigosamente sobre meus seios. Engoli em
seco. — Fiquei com pena do cara do brigadeiro.
Sorri.
— Verdade, ele deve achar que temos algo contra ele agora.
— Abri outra trufa. Theo deixou as suas no banco, comendo
primeiro o cupcake. — Amanhã a gente compra só o dele.
— Justo. — Theo assentiu de boca cheia, tinha um pouco de
glacê rosa na ponta do seu nariz e no piercing do septo. Meu
coração ficou agitado com a imagem. Tirei uma mordida grande da
minha trufa, internamente torcendo para que ele não insistisse sobre
a razão de não responder suas mensagens, e sobre o que eu queria
falar.
Amanhã!
— Sabe… — começou Theo, fitando os embrulhos amassados
na minha mão. — Acho que eu tive uma ideia.
— O quê…? — De repente minha mente ansiosa começou a
imaginar ele fazendo um discurso de como tinha cometido um erro
me pedindo em namoro, que ele era completamente apaixonado por
Ana, e que esperava que eu o perdoasse pelo equívoco. Me senti
ligeiramente apreensiva com a possibilidade daquela conversa se
concretizar.
— Trufas, quantas você acha que precisamos vender para
conseguir comprar uma prótese nova?
Aquilo fugiu tanto do que estava na minha cabeça que precisei
de mais tempo que o normal para processar.
— Hamm… não sei, você que é o cara dos números. — Dei de
ombros. — Mas eu nem sei fazer isso e… talvez ninguém compre.
Se desse certo…
— Eu posso falar com a Salete, ela pode ajudar a fazer, não
deve ser tão difícil. — Amassou a embalagem do cupcake e
guardou no bolso do jeans. — E com certeza venderia, tem pessoas
que conseguem pagar a mensalidade com isso, sabia?
Se desse certo eu não precisaria esperar pela ajuda dos meus
pais — o que poderia demorar uma eternidade —, e eu estaria a
salvo no meu trabalho.
— Eu te ajudaria a vender — Theo acrescentou, brincando
com a minha trança. — Tenho certeza que Enny também,
poderíamos ficar em pontos distantes para alcançar mais pessoas.
Estreitei o olhar em sua direção, enfiando o resto da trufa na
boca.
— Quem é Enny?
As pálpebras de Theo se abriram mais, seu espanto me
confundiu.
— É a minha amiga.
Que ótimo, mais uma!
Mas a forma como falou, era como se eu devesse saber.
Ergui as sobrancelhas.
— Eu já a vi? — Eu lembraria de ter visto qualquer outra
garota com ele que não fosse Ana.
Uma sobrancelha abaixou enquanto a outra se levantava, o
sorriso hesitante completava a expressão confusa. De uma hora
para a outra ele começou a rir daquele jeito baixo, mas que o
sacudia inteiro.
— O que foi? — Chutei seu pé, ele continuou a rir, parecia a
beira de um ataque, já estava tão vermelho quanto um tomate. —
Por que tá rindo? — Enfiei o cotovelo nas suas costelas.
Theo limpou uma lágrima no canto do olho, alguns fios de
cabelo tinham escapado de trás da orelha roçando sua bochecha.
— Ai, ai, esqueci que você chama a Enny de Ana — falou,
quando achei que tinha se controlado voltou a rir.
Eu devia estar com a maior cara de bunda da história.
— Ana? Você chama a Ana de Enny? — Se eles tinham
apelidos carinhosos a coisa era muito mais intensa do que eu
pensava.
— Ah, para… — Ele estava descontrolado, pior do que se
estivesse sendo torturado com uma pena debaixo do sovaco. Ele se
inclinou em minha direção, colocando a mão em minha cintura. — O
nome da minha amiga sempre foi Enny, você que confundiu e
começou a chamar ela de Ana. A propósito, ela odeia isso.
Pisquei.
— É o quê?
— Sabe aquela minha amiga baixinha, gordinha, que usa uns
brincos engraçadinhos de comida? Então, o nome dela é Enny. —
Ele parecia prestes a cair no riso outra vez.
Fiquei com a boca aberta, piscando, com vergonha demais
para formar algum pensamento.
— Ela deve me odiar! — Bati a mão na testa. Como eu fui
capaz de uma mancada daquelas? — Por que vocês nunca me
corrigiram?
Theo deu de ombros.
— Sei lá. Mas ela não te odeia o suficiente para não te ajudar.
— Como eu vou olhar para ela agora?
— Do jeito que sempre olhou. — Mexeu na minha trança. —
Adoro seu cabelo assim, fica muito bonito.
Eu sei que você gosta.
Coloquei uma mão em sua perna, unindo nossas bocas. Até
que tinha um lado bom nesse namoro abrupto. Será que eu devia
começar uma lista sobre isso?

Me sentar à mesa para jantar com outras pessoas que não a


máfia maligna estava sendo tão estranho. Eu me sentia deslocada,
quase uma intrusa, embora Theo estivesse se esforçando ao
máximo para fazer uma ponte entre Ana e mim… Quer dizer, Enny!
— Tá certo, eu vou comprar as barras de chocolate naquele
atacado de doces — Enny disse, emitindo um som ruidoso quando
chupou o canudinho. Tinha uma energia estranha entre nós, ela
ainda não tinha mostrado os dentes, mas qualquer interação entre
nós parecia forçada. — E as embalagens, você fala com a Salete,
Theo.
— Espere! — Ergui uma mão, os dois me olharam. Theo
estava do meu lado, tão perto como mais cedo comendo as trufas.
— Você não pode comprar todas essas coisas sozinha! — falei para
ela.
— Posso sim — retrucou, me fitando com ar presunçoso.
— Ela pode — Theo concordou assentindo, juntei as
sobrancelhas confusa. — Enny é filhinha de papai.
— Ahh. — Muita coisa fez sentido. Tipo, até as roupas dela
sem nenhuma sombra de mancha antiga, ou furo, ou a cor
desbotada, e com certeza aquelas unhas bem pintadas com
pedrinhas não eram a de alguém que era obrigada a lavar a louça
do jantar todas as noites. Eu devia ter desconfiado da ausência de
olheiras! — Mesmo assim eu não posso aceitar.
— Pode me pagar depois. — Ela deu de ombros. Seu cabelo
castanho caía em ondas até a cintura, ela não usava maquiagem,
mas era evidente que gostava de acessórios, os brincos eram em
formatos de hambúrguer, um anel em cada dedo e pulseiras de
miçangas, hippie e macrame cobrindo os dois pulsos. — O Theo
também faz isso quando tá sem dinheiro.
— E eu estou sempre sem grana. — Ele abriu um meio sorriso,
os dedos roçando meu braço deixaram os pelos em pé, seu olhar
dizia que estava adorando o efeito. Se eu dissesse que era ruim
estaria mentindo. — Quer comer mais alguma coisa, ou beber?
— Não, estou bem. — Eu tinha devorado dois pastéis de
frango. Só estava deixando Theo me pagar comida porque minha
intenção era devolver cada centavo no seu porquinho. Inclusive da
aliança, me sentia mal por ele ter gastado dinheiro em algo
desnecessário.
— Tá certo, vou pegar uma pepsi antes da próxima aula. —
Beijou minha testa antes de se levantar, afastando-se.
Aproveitei sua saída para procurar pelo meu irmão e sua máfia
maligna. Lucas e Nanda implicavam um com o outro, se meu irmão
não fosse tão ferrado podia ser feliz com ela. Meu olhar encontrou o
de Yan, foi como levar uma fisgada direto na boca do estômago.
Mesmo à distância vi os cantos da sua boca de mover lentamente
em um sorriso fraco, ele ergueu a mão dando um aceno. Meu
coração quase parou, retribui o gesto.
Um resmungo chamou minha atenção, lembrando-me que não
estava só. Enny me fuzilava, parecia prestes a começar a rosnar
para mim. Qual era o problema dela?
— Quais são as suas intenções com o Theo? — perguntou
baixo, cruzando os braços em uma pose bastante ameaçadora.
— São… as mais sinceras — titubeei, suor começou a se
acumular nas minhas mãos. Enny crispou o olhar.
— É bom mesmo, Theo é importante demais para mim. Não
vou deixar ninguém brincar com meu amigo. Ele é um pouco
ingênuo… — eu não o achava nenhum pouco ingênuo —, confia
demais nas pessoas. Estou de olho em você, garota, fica ligada.
— Eu tô. — Tossi, engasgando com a saliva. Fiquei nervosa.
— Tá o quê? — Enny estava parecendo uma gangster
bastante irritada.
— Tô ligada. — Anui.
Ela pressionou os lábios, desviou o olhar sem dizer mais nada.
Seu rosto começou a ficar vermelho a ponto de acreditar que ela
estava começando a passar mal. Enny levantou em um sobressalto,
pegando sua bolsa e saindo apressada. A acompanhei com o olhar
sem entender nada, quando ela começou a rir antes de passar pelas
portas da lanchonete.
— Enny já foi para a aula? — Theo se sentou ao meu lado,
segurando minha mão sobre o tampo da mesa, sua tatuagem de
relógio com folhas sempre me atraía. O que no Theo não me atraía?
— Acho que sim, ela saiu rindo. — Provavelmente de mim,
aquela safada!
Franziu a testa, achei que ia querer saber o porquê, mas seu
foco logo se fixou em mim.
— A gente podia fazer as contas de ingredientes e
embalagens na sua casa, o que acha?
Acho péssimo!
Capítulo 05

Theo estava na minha casa!


Era sábado à noite, o que dizia tudo.
Cada dia daquela semana eu acordava determinada a pôr um
ponto final naquela história de namoro. Eu pensava “é hoje!”. Então
encontrava Theo, ele me abraçava, eu o beijava, ele me sovava à
vontade, eu ficava desenhando suas tatuagens com as pontas dos
dedos, nós dois planejamos a venda das trufas, enfim, toda a minha
determinação escoava pelo meu rabo quando estava com ele, e o
que eu pensava era “amanhã, vai ser amanhã!”.
— Mãe, pai, esse é o Theo. — Apontei, meus pais estavam
sentados no sofá assistindo novela, mamãe sorria amistosa, já
papai parecia com dor de dente. — O meu namorado.
A palavra namorado sempre saía arranhando minha garganta.
— É um grande prazer conhecê-los! — Theo apertou a mão
deles, sorrindo de orelha a orelha. Um cara não devia parecer tão
feliz ao conhecer os pais da garota. Nos livros não era assim. Minha
mãe estava encantada.
Desejei que meu pai perguntasse as intenções dele para as
coisas ficarem um pouco mais justas para o meu lado.
— Que rapaz encantador, Iza! — Mamãe estava boquiaberta, e
o olhar me lançava uma pergunta “como você não está apaixonada
por esse pão-encantado?”. — Sua família já conhece minha Luiza,
Theo?
S.O.S!
Segurei o braço de Theo, talvez meus pais não tivessem
notado o sorriso vacilando no rosto dele, mas eu sim.
— Minha mãe morreu — falou como se desculpasse por isso.
Fuzilei mamãe, ela perdeu o brilho na hora. Papai esfregou a testa
constrangido.
— Sinto muito, querido. — Mamãe levou uma mão ao peito
como se sentisse dor, provavelmente sentia. Eu também estava
sentindo.
— Tudo bem, já faz bastante tempo. — Ele me olhou de
esguelha pedindo socorro.
— Certo, agora que já se conhecem, nós vamos para o quarto!
— Comecei a puxar Theo, papai enfarruscou a cara e mamãe
sibilou descaradamente um “camisinha”.
Empurrei Theo pelo corredor, ele olhava para cada detalhe,
sua curiosidade era engraçada.
A porta do quarto do meu irmão se abriu abruptamente, nem
deu tempo de chegarmos ao meu quarto. Lucas saiu todo arrumado,
decerto ia àquela festa que falou no começo da semana. Ele parou
quando nos viu, eu teria continuado, mas Theo parou.
— E aí — cumprimentou simpático, Lucas franziu a testa
estreitando o olhar.
— E aí. Theo, não é? — Quase respirei aliviada, não que eu
achasse que meu irmão seria grosseiro com uma visita, estava
esperando mais alguma alfinetada que deixasse Theo confuso. —
Gostei das tattoos.
— Valeu.
Rápido assim, simples assim. Meu irmão seguiu seu caminho
e empurrei Theo para o quarto, fechando a porta com a chave.
Legal, não tinha sido tão ruim. Uma vez Theo pediu para vir à minha
casa. Não pude explicar que a principal razão era mantê-lo longe do
radar de Lucas. Sem falar que meus pais nem sonhavam que eu
tinha uma vida sexual. Trazer um cara para transar na minha casa
os deixaria escandalizados. O que era bem injusto — e machista —
se levasse em conta que Lucas dormia com Nanda ali às vezes.
— Desculpa pela minha mãe… — me interrompi, flagrando
Theo estudando minuciosamente o meu quarto. Eu não tinha tantas
coisas. Um guarda-roupas com espelho em duas portas, uma
cômoda grande ao lado da cama de solteiro. Um cesto de roupas
sujas só meu (uma garota precisa de privacidade!), um tapete rosa
felpudo que combinava com as cortinas. E o que eu mais gostava:
uma prateleira com alguns livros. Theo foi atraído por ela.
— Não sabia que você era uma leitora — comentou estudando
as lombadas, fiquei ao seu lado.
— Eu não tenho tanto tempo para ler, mas nas férias li dois
livros bem legais. — A Paciente Silenciosa e O Ódio que Você
Semeia, comprei usados. — Os preços do Sebo são irresistíveis.
Theo pegou um livro. Meu sonho mais secreto era ter meus
livros físicos naquela prateleira, mas era um sonho distante demais
da minha realidade. Suspirei.
— Você também lê? — perguntei, não conhecia mais ninguém
que gostasse.
— Artigos da faculdade conta? — Ele sorriu sem jeito, os orbes
brilhando em minha direção. — Mas se eu quisesse começar, qual
me indicaria?
Guardou o livro no lugar.
— Nenhum que está aí, eu diria para começar por… — Fitei
sua camiseta com estampa de uma espaçonave animada com duas
antenas, duas cabeças do coelho da playboy em cada ponta. —
Acho que deveria começar por ficção científica, os mais curtinhos
para não te entediar.
— Legal, vou anotar. — Ele continuou rodando meu quarto, eu
o seguia como uma sombra. Admirou os pôsteres da Rihanna,
Ariana Grande e Anitta, apostava que não tinha nada a ver com as
playlists dele. Theo chegou ao guarda-roupa, não tinha nada
demais, mas foi atraído pela imagem pequena prensada no espelho.
— Espera, esse aqui é aquele cara dos irmãos que matam
demônios?
Ele apontou, olhando para mim.
— É sim, o Sam Winchester. — Apoiei o ombro na porta do
móvel, fitando aquela imagem bem velha que recortei de uma
revista anos atrás. Tinha até uma marca constrangedora de batom
nele. — Ele não é lindo?
— O irmão dele é mais.
Minha boca se abriu, cruzei os braços.
— Repete isso e te expulso da minha casa!
Theo pestanejou, um misto de espanto e divertimento
cruzando sua face.
— Não acredito, você acha o Sam mais bonito que o Dean? —
Ele mordeu o lábio em uma tentativa falha de conter o riso.
Fiz um bico, esquartejando-o com o olhar.
— Porque ele é! — retruquei. Mas eu sabia que o mundo não
estava pronto para aquela verdade!
— Bem, acho que a maioria discorda de você — zombou,
olhando-me de lado com uma mão no queixo.
— É QUE ELA TEM SÓ UM OLHO! — o grito veio do outro
cômodo.
Theo encarou a parede oposta, perplexo. Eu levei só um
segundo para reagir.
— Seu babaca! — esbravejei, era uma merda que uma parede
tão fina dividisse nossos quartos. — Você não tinha saído?!
— Esqueci meus lubrificantes — falou do outro lado, caindo na
gargalhada. Ouvi sua porta batendo.
— Vai te catar, seu porco! — Bufei, comecei a andar em
círculos pelo quarto com os punhos cerrados, chutei o cesto de
roupa suja na falta de algo melhor. — Argh. Odeio ele!
— Iza? — Theo ainda estava parado no mesmo lugar, estava
assustado, mas ao mesmo tempo incrédulo e irritado. — Seu irmão
disse aquilo mesmo?
— Disse, aquele… Argh! — Dei um soco no colchão. Claro,
estava bom demais para ser verdade, ele teve que voltar só para
nos ouvir e nos enojar com sua piada.
— Eu pensei que ele fosse legal, mas depois disso… acho que
quero bater nele. Não, eu vou bater nele! — Theo franziu o cenho,
furioso de um jeito que eu nunca tinha visto antes, ele cerrou os
punhos caminhando em direção a porta. Corri me enfiando em seu
caminho, abri bem os braços alcançando os batentes.
— Calma aí! Você não pode bater no meu irmão!
— Pelo amor de Deus, ele fez piada com a sua deficiência —
rugiu, aproximando-se, mas sem tentar me tirar do caminho. — E o
jeito que você ficou… Ele te magoou!
Coloquei as mãos em seus ombros. Ele estava com a
respiração entrecortada, mandíbula travada, o olhar sempre sereno
tinha se tornado duas lâminas. Achei tão sexy!
— Se você bater no Lucas, ele vai revidar, e então eu vou ser
obrigada a partir a cara do meu irmão, e isso vai deixar meus pais
muito bravos, então se acalme, por favor!
— Droga! — resmungou, abrindo e fechando os punhos, as
narinas estavam dilatadas. — Mas se eu ouvir ele dizendo outra
coisa…
Interrompi-o com minha boca. Ele colocou as mãos nas
minhas costas, empurrando-me contra a porta. Seus lábios se
abriram permitindo nossas línguas se tocarem, o contato com o
piercing me fez gemer. Agarrei seus cabelos macios.
— Sou mais bonito que Sam? — murmurou nos meus lábios.
— Com certeza.
— Então vai dar pra mim em cima daquele tapetinho rosa? —
Mordeu minha mandíbula, usando a língua em seguida na marca de
seus dentes.
— Vou.

Levantei-me do chão suada e arfando, Theo ficou estirado no


tapete, o peito se movendo com força. Ele colocou os braços sob a
cabeça tencionando os bíceps, seu olhar me acompanhou pelo
quarto.
— Não vai se levantar? — perguntei diante do guarda-roupa,
vestindo uma calcinha limpa.
— Humm… essa é a hora que você me manda embora?
Travei encarando-o em silêncio. Eu não tinha entendido bem
se era uma pergunta retórica, mas se fosse há uma semana era
exatamente o que eu esperava que ele fizesse. Que fosse embora!
Por Deus, eu queria que ele simplesmente fosse, pois eu não fazia a
menor ideia do que fazer a seguir.
Ele sustentou meu olhar, um sorriso curto congelado nos
lábios.
— Só achei… achei que ficaria mais confortável na cama. —
Apontei, eu não tinha coragem de mandá-lo embora. A verdade era
que eu não tinha coragem de muitas coisas.
— Ah. — Não tinha me dado conta de que ele estava tenso até
vê-lo soltando uma lufada de ar. Theo se levantou em um pulo,
vestiu a cueca e veio até mim com sua camiseta nas mãos. — Vista.
— O qu…
Ele enfiou a camiseta pela minha cabeça, coloquei os braços
pelas mangas, o tecido caiu até cobrir a calcinha. Tinha ficado bom,
confortável. Acho que sempre tive um pouco de inveja de outras
garotas por isso. Usar roupas do namorado com certeza não iria
para a lista de coisas bregas em namoro. Ele levou as mãos para
baixo dos meus cachos, tirando-os de dentro da camiseta, deu um
passo para trás e me estudou da cabeça aos pés, mordendo o lábio.
— Linda — murmurou, os orbes brilhando em minha direção,
uma sensação quente se espalhou por meu peito.
— Vem. — Puxei-o para a cama, era de solteiro o que nos
obrigou a ficar grudados, ele colocou um braço debaixo do meu
pescoço. Eu nem ia reclamar por ele ter se convidado a dormir ali.
— Quer assistir alguma coisa? — murmurou. A noite estava
quente então descartei a manta… Talvez só para os pés.
— Não tenho TV e nem notebook. — Tinha um notebook, mas
era de todo mundo, e naquele momento estava com o meu pai.
— Tudo bem, tenho assinatura em uns apps, o que você
gosta? — Pegou o celular sobre a cômoda. A imagem da tela de
bloqueio era uma moto dessas que parecem um monstro e tem um
ronco insuportável.
— Pode escolher. — Fiquei com a mão em seu peito, ele tinha
uma mancha bem rala de pelos claros no meio do peito e outra de
pelos mais escuros descendo o abdômen.
— Faz um tempo que quero assistir Interestelar, gosto de
filmes que envolvem o espaço.
— Jura? Nem parece! — zombei.
Ele franziu as sobrancelhas, fitando-me de esguelha.
— Algum preconceito?
— Não, não, é bonitinho. — Me encolhi mais a ele.
— Bonitinho? — Fez uma careta. — Por favor, não me insulte,
gata.
Gargalhei, jogando uma perna sobre as dele. Mais perto, Theo.
— Vamos assistir esse filme então.

Fazia uns vinte minutos que estava acordada, minha bexiga ia


explodir a qualquer segundo. O problema era que Theo estava com
um braço e uma perna sobre mim. Dormimos até que muito bem
para aquela pequena cama. Theo estava muito quente, eu estava
suando só pelo contato. Não assistimos o filme inteiro, aquela
porcaria tinha três horas de duração, pelo amor de Deus!
Peguei meu celular, era melhor escrever um pouquinho
enquanto criava coragem para acordar Theo.
Ele tinha dormido na minha casa. Na minha cama. E me
emprestou sua camiseta.
O quanto isso tornava as coisas sérias entre nós?
Amanhã vai fazer uma semana.
Eu não ia conseguir falar com Theo, era covarde demais para
perguntar se ele tinha feito uma aposta com alguém ou se tudo
aquilo era para fazer ciúmes em Enny, para ela cair na real.
Também não queria acreditar que ele seria canalha a ponto de fazer
qualquer uma das duas coisas comigo…
— Você está escrevendo? — sussurrou no meu ouvido.
— Aí. — Meu coração chegou a doer, e a leve umidade na
calcinha tinha nada a ver com tesão. — Que susto!
— Desculpa. — Beijou minha bochecha, os olhos estavam
pequenos de sono. — Faz tempo que tá acordada?
— Um pouco, vou aproveitar pra fazer xixi. — Deixei o celular
na cama e corri para o banheiro. Era domingo e não tinha ninguém
acordado ainda, ao que parecia Lucas não dormiu em casa.
Voltei correndo para o quarto, não queria que meus pais me
flagrassem só de calcinha. Levei outro susto e dessa vez não me
mijei pois já tinha esvaziado a bexiga. Theo estava olhando a tela do
meu celular que ainda estava no colchão.
— EI! — gritei apressando-me até a cama. Theo se espantou
quando tirei o celular da sua mira com um gesto brusco. — O que
você tava olhando?!
— Ah, eu não tive intenção, eu juro. — Se sentou, passando
uma mão no cabelo bagunçado. Segurei o celular contra o peito,
como se fosse um filho que eu protegeria com unhas e dentes. — É
que a tela ficou ligada e a palavra virgem foi a primeira coisa que eu
notei. — Ai, meu Deus, me mata! — Achei que estivesse lendo uma
fanfic safada, até perceber que era você que estava escrevendo
fanfic safada…
— Ah, cala a boca, Theo! — gritei, eu estava por um fio de
surtar. Nunca senti tanta vergonha na minha vida, nem na segunda
passada quando ele me pediu em namoro. Meus olhos chegaram a
lacrimejar. — Eu não escrevo fanfic!
— Mas escreve safadeza! — falou com malícia, piscando um
olho.
— AAHHHHH! — berrei, sabia que seria desastroso se algum
dia alguém lesse aquelas bobeiras. E não era como se eu só
escreve sobre sexo, ele que tinha pegado uma das raras vezes que
me aventurei por algo mais íntimo. E agora… Deus, como eu ia
aguentar?
Theo soltou uma risada baixa, encarando-me sem entender
nada. Ele nem devia saber o que era passar vergonha.
— Filha! — Papai bateu na porta. — Tudo bem aí?
— Tá, tá tudo bem! — gritei, meio histérica. Comecei a andar
de um lado ao outro porque ficar parada era agonizante. — Eu já
vou preparar o café!
— Então tá, querida — ele disse um tanto incerto, seus passos
se afastaram lentamente.
Encarei Theo, suas sobrancelhas estavam bem levantadas.
— Você é escritora? — perguntou apoiando as costas a
cabeceira.
— Não! — Me controlei para não gritar, senão meu pai era
capaz de voltar com uma vassoura. Theo brincou com uma
correntinha de prata no pescoço. — Não — falei com mais calma,
respirando fundo. — Olha, só escrevo às vezes. Minha mente
trabalha demais, cria cenários, pessoas, conversas e eu as escrevo.
Dei de ombros.
— Que legal! — Seu semblante se iluminou, e a curiosidade
em seus orbes me deu calafrios. — Posso ler?
— NÃO! — gritei. Tampei a boca, olhando para a porta. Theo
riu.
— Por que tá nervosa?
Sentei-me na pontinha do colchão, mantendo o celular contra o
peito. Observei Theo de soslaio, ele parecia achar graça do meu
comportamento.
Pigarreei.
— Eu ainda não terminei.
— Não tem problema.
— Não quero que leia, Theo. — Virei-me ficando de frente para
ele. — É muito pessoal, não estou preparada para as pessoas lendo
as coisas que escrevo.
— Por quê? — Umedeceu os lábios, os olhos atentos em
mim… Por que ele sempre parecia tão interessado em tudo sobre
mim? Era desconcertante.
Segurei um suspiro exasperado, mas optei pela verdade.
— Não sou boa, minha escrita é bem simples, nem sei bolar
uma reviravolta surpreendente mesmo quebrando a cabeça para
isso… Não consigo ser boa. — Confessar aquilo me deixou mais
leve, foi como esvaziar um balão cheio de pessimismo que flutuava
sobre minha cabeça.
— Eu acho que você consegue qualquer coisa. Você pode
qualquer coisa, Luiza. — Eu poderia beijá-lo pela sua amabilidade,
mas Theo estava errado.
Ficamos em silêncio por um tempo. Ele esfregou o peito nu,
roçando na frase escrita ao longo da clavícula, era a minha favorita:
“O amor é uma melodia triste.”
A primeira vez que a vi fiquei me perguntando quem o teria
machucado para escolher uma frase com tanto sentimento. Depois
que passei mais tempo com ele e descobri sobre sua mãe e sobre
seu pai doente, me convenci de que não era só sobre amor
romântico que ele se referia. Nunca perguntei.
Theo se sentou, jogando as pernas para fora da cama.
— Posso ler? — Apontou para o celular, mordendo o lábio. —
Só um pouquinho.
Não ia mentir e dizer que eu não fantasiava que meu livro seria
um sucesso, que muitas pessoas o leriam e depois encheriam
minhas caixas de mensagens de carinho. Como eu mencionei, era
uma fantasia.
— Se eu achar ruim nunca mais vou insistir. — Ele cruzou os
braços, seus cabelos pretos sempre bem lisinhos estavam uma
bagunça completa, devia ser assim que os livros queriam dizer com
“cabelos despenteados”.
Estiquei as pernas, encolhendo os dedos dos pés enquanto
ponderava.
— Só um pouquinho? — perguntei inocentemente.
— Só dois minutos. — Ele assentiu.
— Tá bom. — Levantei-me hesitante. Não seria tão ruim se ele
lesse só um pouquinho, assim veria que era péssima mesmo e
esqueceria que eu escrevia. — Lê do começo.
Entreguei meu celular a ele, tão logo o pegou, saí correndo,
quando ele me chamou eu estava fechando a porta do quarto. Corri
para o banheiro, meu coração estava em disparada. Prendi os
cachos em um coque frouxo e vesti o roupão da minha mãe. Fui
para a cozinha. Fiquei andando de um lado para o outro, mexendo
os dedos sem parar. Minha mente ansiosa estava criando imagens
de Theo revirando os olhos para o texto, fazendo caretas, esticando
a língua para fora com nojo, se perguntando “o que Luiza tem na
cabeça?”.
— Filha? — Papai surgiu, me fitou com confusão enquanto eu
continuava me mexendo agitada. — Aquele Theo dormiu aqui?
— Uhum. — Balancei a cabeça igual aqueles bonecos
cabeçudos.
Papai mexeu os braços ao lado do corpo, emburrado.
— Luiza — começou, achei que ele ia me dar um sermão,
dizer que era muito cedo para Theo dormir ali e essas coisas. — Se
ele sair da linha posso dar uma surra nele, é só me avisar.
— Pai! — Fiquei perplexa, torcendo para que ele não tivesse
falado muito alto, nossa casa era pequena.
Ele bufou.
— Faça o café — resmungou, batendo os pés com força ao
sair da cozinha.
Preparei o café para me acalmar, enquanto Theo continuava
lendo. Coloquei pãezinhos de queijo congelados para cozinhar, ele
devia estar com fome. Eu estava! Devorei meio pacote de bolacha
salgada. Decidi tirar o lixo para fazer alguma coisa, ficar quieta era
estressante demais. Mas quando cheguei ao lixeiro na grade do
muro lembrei que era domingo, não era dia de tirar o lixo. Argh! Dei
a volta, estava quase na porta quando ouvi vozes na rua, estiquei o
pescoço reconhecendo Lucas e Yan caminhando abraçados, rindo
de alguma coisa, evidentemente bêbados. Yan morava perto de
casa. Decidi entrar logo antes que eles me vissem. Tirei a forma de
pão de queijo do forno.
Cansada de esperar, fui para o quarto.
Theo estava deitado, com o celular pairando acima do rosto.
— Já passaram os seus dois minutos! — Marchei até a cama.
— Agora eu tô na melhor parte, quando ela explode…
Tomei o celular de sua mão.
— Mas isso é quase metade do livro! — Cruzei os braços,
Theo se levantou vestindo a calça jeans preta. — Theo, você
prometeu que ia ler só um pouquinho!
— Eu não prometi nada! — Aproximou-se, colocando as mãos
na minha cintura. Não parecia nem um pouco arrependido. — É que
me prendeu, quando vi já tinha acabado o primeiro capítulo e
precisava saber o que acontecia depois! Não pode ficar brava
comigo por isso.
Sua empolgação quase me fez sorrir, mas lembrei que eu
devia estar brava. Ele estava parecendo um leitor falando daquele
jeito.
— Então… — desviei o olhar. — Você gostou?
— Claro que gostei. — Sorriu, deixando um beijo na minha
mandíbula. Abracei sua cintura deixando nossos corpos ficarem
mais próximos. — Estou ansioso para ler o resto.
— Não. — Dessa vez não soei tão convicta. — Gostou
mesmo? Não pode mentir para mim só porque a gente transa.
Seus orbes encontraram os meus, algo nublou o brilho deles.
Seu aperto ficou mais forte em minha cintura.
— A gente namora agora — me corrigiu um tanto sério.
Enrijeci, devia aproveitar a oportunidade para conversarmos… — E
eu não mentiria sobre algo importante para você. Talvez eu só não
seja tão crítico sobre leitura, mas gostei do que li.
E a oportunidade se foi.
Mas gostei da resposta, só que isso não queria dizer que eu o
deixaria ler meus livros.
Theo roçou os lábios macios nos meus, fechei os olhos e
deixei que seu beijo esvaziasse minha mente.

Theo e eu fizemos as contas, Enny comprou os ingredientes e


embalagens e Salete fez as trufas. Distribuímos em três bandejas
transparentes com tampa, íamos precisar vender mais seis
daquelas para chegar ao valor da prótese. Estava um pouco
nervosa, ia ficar na entrada de pedestres, Theo perto da lanchonete
e Enny venderia na entrada do departamento de ciências exatas.
— Ficamos até o início das nossas primeiras aulas e depois
nos encontramos na lanchonete às oito e meia para ver o quanto
vendemos — Enny ia explicando, Theo estava ao meu lado, já fazia
quase duas semanas que era meu namorado. Dizer essa palavra
estava ficando cada vez mais fácil. E a necessidade desesperada
de acabar com aquilo já não era mais desesperada. Estava me
acostumando, e isso me deixava com tanto medo.
— Certo. — Theo assentiu, um dos olhos cerrados por conta
do sol prestes a se pôr. — Em três pessoas vai vender mais rápido.
— Vou lá, até depois, pombinhos. — Enny nos deu as costas,
seguindo rumo ao seu departamento. Nós não éramos amigas, mas
eu não me sentia tão deslocada perto dela quanto me sentia com
Nanda.
— Vou para o meu posto também, não fique nervosa. — Ele
segurou meu queixo, erguendo-o. — Olhar para cima, Iza.
Assenti, entrando em pânico. Queria que ele ficasse do meu
lado. Eu… eu era péssima. Ele estava sendo tão legal comigo, não
fazia ideia de como retribuir.
— Pode me mandar mensagem quando ficar cansada. — Me
deu um beijo rápido, seguindo seu caminho também. O acompanhei
com meu coração na mão.
Tínhamos chegado cedo, antes dos outros alunos que
vendiam ali, então os primeiros alunos compraram comigo. Fiquei
com vergonha, mantendo o olhar sempre baixo e agradecendo
depois. Conforme os segundos foram passando fui me sentindo
mais confortável ali, outros alunos chegaram para vender seus
doces, alguns sorriram e outros me lançaram olhares do tipo “mais
uma concorrente”. Quase tive necessidade de dizer que seria por
pouco tempo.
Estava contando o número de trufas na bandeja quando
alguém se aproximou.
— Iza? — Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar,
qualquer tempo, era ela que costumava fazer meu coração disparar.
— Yan. — Sorri.
Ele estava usando um boné sobre seus cachos escuros,
deixando uma sombra em seus olhos cor de mel. Estava
anoitecendo, mas a iluminação no campus não era páreo para a aba
de seu boné.
— Vou querer três. — Apontou para as trufas, arrumando a
alça da mochila.
— Uma para cada membro… — da máfia maligna, mordi a
língua no último segundo.
— É — confirmou sorrindo. — Sinto sua falta com a gente no
jantar.
— Mesmo? — Ergui o olhar, prendendo a respiração. Isso não
se faz, Yan.
— Com certeza. É tão estranho te ver com aqueles dois. —
Torceu o nariz.
Aqueles dois. Não gostei do seu tom.
— Como assim? — Entreguei as trufas e ele me deu o dinheiro
exato, não precisaria de troco.
— Você sabe, eles são bem excêntricos. — E por que ele fazia
aquilo parecer algo ruim? Franzi as sobrancelhas. — Você não se
encaixa com eles.
— Também não me encaixava com vocês! — retruquei. E
quase deixei escapar que o próprio começava a destoar do trio.
Ele abriu um sorriso de lado.
— Não precisa ficar brava, não estou falando mal do seu
namorado.
— Ele… — mordi a língua outra vez, com mais força. Eu nem
podia acreditar que ia esbravejar que Theo não era meu namorado.
Me obriguei a lembrar de Yan rindo quando Theo me pediu em
namoro, de como me magoou ele fazer pouco caso de alguém
fazendo algo por mim. — Tenho que continuar vendendo.
— Ok, a gente se vê. — Piscou um olho antes de se afastar.
Ele piscou para mim?
Capítulo 06

— Sabia que tirar meleca do nariz aumenta as chances de


desenvolver Alzheimer? — Enny se juntou a mim no corredor,
saímos juntos pela porta do departamento de ciências exatas
segurando nossas bandejas quase vazias.
Fiz careta.
— De onde você tirou isso?
— Do google. — Assentiu, satisfeita consigo mesma.
— Claro — resmunguei. Estávamos indo para a lanchonete,
Iza ia nos encontrar lá. — E sobre seu estágio?
Ela bufou, esticando o lábio interior. Tinha feito um coque no
cabelo que estava meio caído para o lado.
— Nem me fala, ninguém me quer. — Pelo menos ela não
precisaria sair de nenhum emprego para fazer estágio, muitos
colegas abandonavam o curso pois, ou faziam o estágio obrigatório,
ou trabalhavam para pagar o curso, os dois ao mesmo tempo não
dava. — Acredita que meu pai se ofereceu para me ajudar? — Me
encarou de baixo, emburrada. — Com suborno, Theo!
— Surpresa seria se ele não se oferecesse para isso.
— Meu pai não conhece limites — grunhiu, ficando vermelha.
— É tão triste ter um pai rico, né? — provoquei.
— Cale a boca! — Deu um soco no meu ombro, resmunguei
quase rindo. Demos a volta em um prédio, já dava para avistar a
lanchonete, e pelo movimento estava lotado. — Como estão as
coisas com Luiza?
— Estão ótimas. — Era difícil conter o sorriso se o tópico da
conversa era Luiza. Chutei uma pedrinha do caminho. — Você a
aprova agora?
Enny pestanejou, surpresa.
— Eu não tenho que aprovar nada. — Deu de ombros, olhando
para frente. — Mas… você não sente ela meio distante, às vezes
quieta demais, pensativa, quase como se estivesse desconfortável?
Sim.
— Não — menti sem nem piscar. Me convenci de que era
apenas o jeitinho de Luiza, se eu confirmasse a observação de Enny
só a deixaria com mais munição contra o meu namoro. E agora ela
parecia confiar mais em Luiza.
— Theo. — Enny parou me obrigando a fazer o mesmo. Pelo
seu olhar sério sabia que não ia gostar do que ia ouvir. — Lembra
que me disse que a primeira vez que viu a Luiza foi com ela se
declarando para outro cara?
— E daí? — rebati, detestando o rumo da conversa.
— Ele não é aquele amigo do irmão dela? Aquele que ela
sempre jantava junto?
Crispei o olhar, segurando a bandeja com mais força que o
necessário.
— É — resmunguei.
— E se ela ainda gostar dele?
Soltei um riso sem emoção, ela estava me deixando bravo com
aquele assunto.
— Claro que não. — Neguei com a cabeça. Olhei para a
lanchonete, não dava para ver nada do lado de dentro. Iza devia
estar lá esperando. Ansiosa por mim, eu torcia.
— Você perguntou? — Enny inclinou a cabeça ligeiramente,
insolente como só ela conseguia ser. — Porra, você ao menos sabe
se ela gosta de você? E quando digo gostar me refiro à paixão!
Trinquei o maxilar, pressionando os lábios. Fuzilei Enny com o
olhar.
Luiza e eu ainda não tínhamos chegado nessa parte de falar
sobre sentimentos. Não havia surgido uma oportunidade.
— Bem, ela me disse sim. Se não gostasse de mim teria dito
não, ela prometeu que seria sincera. — Para mim era prova mais
que o bastante de que ela era apaixonada por mim também. Nunca
perguntei se ela tinha esquecido aquele cara, mas fazia tanto tempo
que aquilo tinha acontecido. Não me importava se ela tivesse me
usado para esquecê-lo se no final das contas terminou apaixonada
por mim.
Enny revirou os olhos.
— Eu juro que se você quebrar a cara eu não vou ter pena de
dizer que avisei!
— Argh. Não sou igual a você, e Luiza não é igual ao
Jonathan! — esbravejei. Enny deu um passo atrás como se tivesse
levado um tapa, seus olhos se arregalaram tomados de mágoa e
ressentimento. Já tinha me arrependido do que disse antes de sua
reação me fazer sentir um merda.
— Imbecil! — Largou sua bandeja com força sobre a minha e
saiu apressada para o lado contrário.
— Enny! — chamei, grunhindo de frustração. Pensei em ir
atrás, mas Iza estava esperando. Era melhor Enny ficar um pouco
sozinha, ir atrás só causaria mais briga.
Entrei na lanchonete, levei meio minuto para encontrar Luiza
sentada sozinha em uma mesa perto da sala de xérox. Ela estava
atenta ao celular, balançando os pés cruzados sob a mesa. Os
cachos estavam presos em um rabo de cavalo firme.
— Oi. — Dei um beijo em sua bochecha, ela abriu um meio
sorriso para mim.
Deixei as caixas sobre a mesa e relaxei em uma cadeira ao
seu lado. Tombei a cabeça em seu ombro, fechando os olhos. Sua
mão tocou meu pescoço, um gesto suave que eriçou os pelos.
— Eu vendi todas as minhas trufas — ela disse, eu apostava
que estava radiante por aquilo.
— Isso é ótimo — murmurei, abraçando sua cintura. Onde me
apoiava tive uma visão privilegiada do seu decote. Beijei seu ombro.
— Você está bem? Cadê a Enny? — Ela continuava afagando
meu pescoço, além dos arrepios meu corpo se aqueceu.
— Ela tinha outras coisas para fazer. — Odiava brigar com
Enny. Seria tão bom se ela e Luiza pudessem ser amigas. Ela foi
amiga da minha primeira namorada, mas depois de três meses Aline
terminou comigo, chorei igual a um bebê e aquilo deixou Enny muito
puta. Ela tentou bater em Aline e sempre que passávamos por ela
eu tinha que ficar segurando Enny. Tudo bem, eu também dei um
soco no ex-namorado dela. Amigos servem para isso, não é?
Deslizei meus dedos sob sua regata, sentindo sua pele macia.
Continuei beijando seu ombro e começo da clavícula. Iza soltou um
suspiro pesado.
— Theo — murmurou, segurando meu rosto e o levantando.
Sua boca carnuda ficou perigosamente perto. — Não vai pegar nada
para comer?
— Tudo o que eu quero tá aqui — rebati, puxando-a pela
cintura para mais perto.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— Pode comer uma trufa se estiver sem grana.
Mordi o lábio, segurando o riso angustiado. Ela não ouviu o
que eu disse?
Não sabia que tinha medo de Luiza não sentir o mesmo que
eu, até Enny plantar a semente da dúvida na minha mente. Eu devia
odiá-la por isso.
Afastei-me de Iza e fiz uma coisa que nunca tinha feito antes,
olhei para trás, para aquele cara que a chamou de priminha. Droga,
droga, droga. Se ela tinha me usado para esquecê-lo, eu pelo
menos queria ter certeza de que ela tinha conseguido.
— Theo? — a voz de Iza chegou distante, ela estava com os
ombros encolhidos quando a fitei. — Pode comer, tá? — Apontou
para quatro trufas sobre o tampo. — E… a gente pode se ver no fim
de semana de novo?
A insegurança que tinha me laçado afrouxou o aperto, meu
sorriso para ela saiu leve.
— Mau posso esperar, linda.
Desde aquela noite as coisas entre Enny e eu estavam
estranhas. Não devia ter dito aquilo, foi tão idiota.
Acho que Iza percebeu a tensão no ar, mas não perguntou
nada. Era melhor assim, eu não queria ter que mentir para ela.
Estava ansioso para vê-la no domingo, ela chegou cedo. Preferi
fazer algo diferente do que ficar a manhã toda no meu quarto.
— Tá tão quente — reclamou ela, limpando o suor debaixo da
franja. Os cachos estavam presos em duas tranças curtinhas. Ela
ficava uma gracinha daquele jeito. — E é só nove horas da manhã.
— Tenho certeza que mês que vem você vai estar pedindo por
esse calor. — Coloquei um braço sobre seus ombros, trazendo-a
para mais perto de mim enquanto caminhávamos pela calçada.
— É um saco morar aqui, é calor demais ou frio demais,
custava viver para sempre nos vinte graus? — Me fitou de canto,
passando um braço por minhas costas. Seu perfume floral era como
um refresco naquele mormaço. — Como aguenta com essas roupas
escuras?
Observei minha calça de moletom preta e minha camiseta…
também preta.
— Deve ser por isso que estou suando tanto nas bolas. — O
pior é que nem era uma piada.
Iza riu, franzindo o nariz.
— Ecaaaa! — Mostrou a ponta da língua, fui rápido beijando-a.
Quando ia recuar ela segurou minha nuca com a outra mão, unindo
nossos lábios. Ela me empurrou contra o muro, beijando-me com
impaciência. Seus dentes fecharam-se em meu lábio superior,
deixando-o latejando. Coloquei as mãos em sua cintura, ela vestia
um cropped vermelho que deixava uma faixa de pele aparecendo na
barriga. Iza se esfregou contra mim, suspirando. Sua língua sempre
brincando com meu piercing.
Ela recuou, as pálpebras estavam pesadas de prazer.
Umedeci os lábios.
— Gosto quando me beija assim — murmurei.
— Assim como? — Ergueu uma sobrancelha.
Como se pudesse morrer se eu me afastasse.
Voltamos a caminhar, estávamos perto da sorveteria.
— Como se gostasse — de mim, acrescentei mentalmente.
— Mas eu gosto! — rebateu como se fosse óbvio, fez um bico
que enrugou seu queixo.
Apenas sorri em resposta.
Entramos na sorveteria, pedimos sorvete de casquinha com
três bolas, nos sentamos em uma mesa, se saíssemos na rua não
daria tempo nem de dar uma lambida antes de o mesmo se
desmanchar.
— O que aconteceu entre Enny e você? — perguntou, ela
tinha pegado uma colherzinha. Eu estava usando a língua mesmo,
talvez por isso ela me olhasse com tanta atenção.
— Não aconteceu nada, por quê? — Lambi meu sorvete, meus
lábios ficaram melados.
— Ela tá estranha, mais que o normal. — Encolheu os ombros,
tirando uma colheradinha de sorvete, que daria para alimentar uma
formiga, e levou a boca. Naquele ritmo eu terminaria primeiro.
— Deve ser TPM. — Não queria mentir, mas contar a verdade
poderia destruir as chances das duas serem amigas.
— Hummm… acho que ela tá com ciúmes — comentou
desviando o olhar, um vinco se formou entre suas sobrancelhas. Foi
minha vez de ignorar meu sorvete.
— Como assim?
Ela franziu os lábios, aborrecida.
— Humpf! Só você não consegue ver como ela gosta de você,
Theo — resmungou, sua expressão endureceu.
— Claro que vejo, ela é minha amiga! — Mordi meu sorvete,
meus dentes doeram.
Iza me olhou torto.
— Eu quis dizer que ela é apaixonada por você! — falou
alguns tons mais alto, eu paralisei, o sorvete que engoli me gelou,
levando embora o calor insuportável que me fazia suar. Iza me
encarava. — É tão nítido o quanto ela tem ciúmes de ver nós dois
juntos, ela já me odiava quando a gente ficava e isso se intensificou
quando começamos a namorar!
A convicção em sua voz… ela acreditava naquilo.
— Não. — Balancei a cabeça em sinal negativo, fiquei
balançando como um idiota. — Enny é minha amiga. É praticamente
minha irmã, isso… — minha língua repuxou com a repulsa. — Essa
suposição me enoja, é sério.
Fitei meu sorvete, ainda com duas bolas. Não ia conseguir
comer.
— Iza… — Voltei meu olhar para ela, ainda tinha a mesma
expressão severa. — Você não acredita que um homem e uma
mulher possam ser amigos sem segundas intenções por trás?
— Não acredito! — Foi incisiva em sua resposta. Recuei, como
se tivesse levado um tapa. Minhas costas tocaram o encosto da
cadeira, o metal parecia mais gelado que o sorvete que começava a
derreter.
Sua forma de pensar me deixou mais atordoado. Eu não sabia
o que a fazia pensar naquilo com tanta convicção, mas com certeza
continuaria acreditando independentemente do que eu dissesse.
Será que era agora que ela me faria escolher? Tipo: Enny ou eu,
Theo?
Aquele pensamento me assustou tanto que não consegui nem
raciocinar direito depois. Provavelmente Iza não teve muitas
amizades verdadeiras, ou não sabia o que era ter só uma pessoa no
universo por você. Enny e eu nos conhecemos desde o berçário.
Empurrei ela do escorregador quando tinha três anos (claro que a
gente não lembrava, mas os pais dela sim!), ela bateu a testa e teve
que fazer cinco pontos, se olhasse bem ainda dava para ver a
cicatriz perto da raiz do cabelo. Depois disso não nos separamos
mais, pois ela vivia me derrubando na creche, e eu fazendo a
mesma coisa com ela. Uma amizade verdadeira começa assim.
Lembrava dela desde de sempre, e quando fomos para escolas
diferentes, ela fez greve de fome até os pais a transferirem para a
mesma escola que eu. Enny era filha única, então ela também se
sentia sozinha. Éramos amigos, nunca a vi de outra forma, e tinha
certeza de que ela também não.
— Você chamava ela de Ana, e Enny odeia que troquem o
nome dela — expliquei sem olhar para Iza. A casquinha se partiu
com a força que a segurei. — E Enny e eu brigamos porque ela
acha que você vai me fazer sofrer. — Talvez a verdade ajudasse Iza
a ver as coisas por outro ângulo. Ergui o rosto, ela mordia o lábio,
um tanto desconfortável. — Não precisa ter ciúmes. Eu juro que ela
é só minha amiga.
Seus dentes continuaram cravados no lábio inferior quando
desviou o olhar, deixando a cabeça baixa. O silêncio foi sufocante,
beirando o insuportável. Queria que ela olhasse para mim, que
dissesse alguma coisa, podia até gritar… mas aquele silêncio me
matava!
— Theo… — disse depois de um tempo, fitando-me de
esguelha. Segurei a respiração. Ela vai terminar comigo. Ela não vai
conseguir lidar com o fato de eu ter uma melhor amiga e vai pular
fora. Iza soltou uma lufada de ar. — Nossos sorvetes estão
derretendo.
Ela já tinha feito aquilo outra vez. Quando não respondeu
nenhuma das minhas mensagens depois que a pedi em namoro,
aquele silêncio quase me devorou vivo. Ela não quis me contar o
porquê e respeitei. Agora ela estava mudando o foco como naquele
dia.
— É verdade. — Abri um sorriso de canto, torcendo para ela
não perceber minha tensão. — Vou dar um jeito nisso.
Caí de boca no sorvete, tirando uma grande mordida. Gemi
com a sensibilidade nos dentes.
— Gelado — falei com a boca cheia.
Iza riu, caindo de boca em seu sorvete também, sujando seu
nariz. Ela riu ainda mais.

O clima entre nós suavizou rápido, no caminho para minha


casa ficamos reclamando do calor e das nossas mãos pegajosas do
sorvete.
A levei para dentro de casa, Salete estava em frente à TV
ligada, e meu pai quieto olhando para um ponto fixo. Estava mais
magro, mais fraco, mais débil. Lúcio ainda não veio visitá-lo, mas
teria que vir para levá-lo ao médico na próxima semana.
Quando estava passando ao seu lado com Iza, o mais
silencioso que conseguimos, ele segurou meu pulso me obrigando a
parar.
— Theo! — Só depois de falar meu nome ele me olhou. Por
um ínfimo momento eu acreditei que ele tinha me reconhecido, que
se lembrava de mim… — Alguém precisa dar mamadeira para o
Theo, ele é pequenininho e tem muita fome. Por favor, eu… eu não
consigo levantar!
Ele estava atormentado.
— Tudo bem, vou fazer isso — falei com calma, ele relaxou
aos poucos e me soltou. Aproveitei para me afastar o mais rápido
possível, arrastando Iza comigo até o banheiro.
— Achei que ele tinha te reconhecido — comentou ela,
lavando as mãos na pia, me olhando através do espelho.
— Também achei. — Dei de ombros, ocupando seu lugar sob
a torneira.
Ela não disse mais nada sobre aquilo, agradeci mentalmente
por isso.
Fomos para o meu quarto. Eu o tinha arrumado, o que era
difícil porque a porta do guarda-roupa ainda estava prestes a cair.
Iza girou nos calcanhares, ficando de frente para mim.
— Minha escritora favorita — falei, segurando sua cintura.
Iza arregalou os olhos, cerrando os punhos na altura do rosto.
— Ah, não, não diz isso! — Sua careta envergonhada era
impagável. Ficava tão fofa daquele jeito. Ela escrevia bem, não
conseguia entender aquela reação, como se fosse a coisa mais
constrangedora da sua vida.
— Estou ansioso para ler o resto da sua história, e eu nem
tinha chegado na parte da palavra virgem…
— NÃÃÃOOOO! — berrou me assustando, ela afundou o rosto
no meu pescoço, me abraçando com força. — Não fala isso, não
toca nissoooo!
— Por quê? — Eu estava fazendo um esforço sobre-humano
para não rir. Corri as mãos por suas costas sob o cropped.
— Tenho muita vergonha — choramingou, batendo um pé. Não
disse que era a coisa mais fofa?
— Mas não precisa, linda. — Beijei seu pescoço, sua pele
estava quente e ligeiramente suada. Ergui um pouco a mão,
tocando o fecho do seu sutiã. — Quer ver algo realmente
constrangedor?
Ela recuou, olhando-me com curiosidade.
— Se é sobre você, com certeza!
— Ei, não vale rir! — Caminhei até meu guarda-roupas, tirando
uma caixa empoeirada de cima. Deixei-a no chão, Iza se sentou
sobre os tornozelos, fiquei ao seu lado usando a cama para apoiar a
coluna.
— O que é?
— O que existe de mais constrangedor na vida de uma
criança. — Ergui a tampa, revelando montes de fotos minhas tiradas
por Lúcio. Devia suspeitar que ele me odiava há muito tempo, quem
tirava foto de outra pessoa escovando os dentes? Ou cagando?
— Ai, meu Deus! — Iza pegou uma fotografia do topo da pilha,
aproximando dos olhos arregalados. — Você era loiro! — Ela virou a
foto para eu ver, como se fosse algo que eu não soubesse. —
Loirinho, Theo.
Eu tinha quatorze anos naquela foto.
Cruzei os braços.
— Foi uma fase. — Dei de ombros.
— Uma fase que durou quantos anos? — Ela sorriu,
remexendo a fotos, pegando outra de quando eu era mais pequeno,
talvez oito anos. — Loiro como um pintinho amarelinho!
— Graças a Deus pela invenção da tinta de cabelo! — Inclinei-
me até tocar seu ombro como desculpa para ver melhor a foto. —
Assim pude me dar uma cor que combina mais comigo.
Fitou-me com atenção.
— Você pinta as sobrancelhas também?
— Não, elas são castanhas. — Passei os dedos nelas só
porque Iza não tirava o olho delas.
— É verdade, cabelo escuro combina mais com você, destaca
mais os seus olhos — observou, correndo os dedos pelos fios,
alguns caíram sobre meus olhos e ela os afastou.
— É exatamente o que eu penso! — Sorri de lado, colocando
um braço sobre o joelho.
Ela voltou a revirar as fotos, tinham muito poucas com nós três
(meu pai, Lúcio e eu), e nenhuma da minha mãe. A maioria eu nem
lembrava, Lúcio parou de tirar fotos constrangedoras minhas
quando começou a focar mais no trabalho. Depois ele conheceu
Amanda, namoraram por uns meses e se casaram. Eles moraram
conosco por bastante tempo, eu tinha dezesseis anos quando eles
se mudaram, papai estava cada dia pior e Amanda estava grávida.
De trigêmeos!
— Espera aí! — Iza me trouxe de volta dos meus
pensamentos. Ela encarava boquiaberta o verso de uma foto. — O
seu nome é Theodoro?!
— Aí está o grande constrangimento da minha vida, não vale
rir! — Não era brincadeira, eu odiava o meu nome.
— Como eu só descobri isso agora? — Ela estava
genuinamente surpresa, revezando o olhar do meu nome para mim.
— Eu apostava tudo o que tinha que seu nome era Theo!
— Bem, eu nunca me apresento como Theodoro. — Dizer
aquele nome era como falar de outra pessoa. — Os professores
insistem, mas peço com gentileza que me chamem de Theo.
— Por quê?
— Combina mais comigo. — Não consegui evitar a presunção.
Pisquei um olho. Iza empurrou meu ombro com o dela.
— Ah, para. Theodoro é um nome bonito.
Meu queixo caiu no meu colo.
— Não! É um nome da idade das pedras, quando escuto
Theodoro logo me vem à cabeça um senhorzinho mal-humorado.
Iza riu, negando com a cabeça.
— Mas nomes assim estão super em alta, é chique! — Ela
continuou explorando as fotografias. — Outro dia mesmo vi uma
mulher chamando o filhinho dela de Caetano na rua.
Levei uma mão ao peito, a dor foi verdadeira.
— Coitada dessa criança, vai sofrer muito bullying.
Iza me lançou um olhar de “quanta bobagem, Theo!”. Mas eu
sabia do que estava falando.
— Se pudesse mudar de nome, qual seria?
— Theo! — Não conseguia pensar em mais nada, achava
mesmo que meu apelido combinava comigo. Ela torceu o lábio. — E
você?
Coloquei um braço atrás de suas costas, ficando colado nela.
Seu pescoço estava bem perto. Seu cheiro… afastei a trança,
beijando atrás de sua orelha.
Ela suspirou.
— Charllote é um nome muito bonito — falou, a voz mais
grave. Coloquei a mão em sua coxa. — O que combina com
Charlotte?
— Lote! — Afundei os dedos em sua coxa macia. Mordi o
lóbulo de sua orelha, vi sua pele arrepiar formando bolinhas.
— Eu disse combinar, não rimar. — Iza parou de passar as
fotos, a respiração ficou descompassada, igual a minha.
— Charlotte Lote combina para mim. — Passei a língua na
curvinha de sua mandíbula, ela levou uma mão ao rosto.
— Seria a mesma coisa que Luiza Iza — sua voz saiu mais
baixa, carregada de tensão. Arrastei os dedos por sua perna,
alcançando a barra desfiada do calção, brinquei com aquele limite.
— Eu gosto de Luiza Iza — sussurrei no seu ouvido. Ela virou
o rosto lentamente na minha direção, roçando os lábios nos meus.
Ficamos daquele jeito por um tempo, nos provocando, em alguns
momentos só parecia uma carícia suave, deixando um rastro de
promessas.
Eu quero queimar com você.
Me ame.
Me quebre.
Me molde.
Eu preciso de você.
Ela tomou a frente, mordendo meu lábio inferior ao passo que
as mãos foram para a barra da minha camiseta, levantei os braços
para a peça sair, Luiza não esperou tirando o cropped em uma
piscada, revelando um sutiã preto com rendas. Ela colocou as mãos
nos meus ombros e montou em meu colo. Apoiei as costas na
cama, afundando os dedos em sua cintura.
Seus lábios encontraram os meus com volúpia, exigindo minha
língua. Não sabia o que ela gostava mais, se era do beijo ou do
piercing. Mordi seu lábio, puxando até escapar com um estalo
molhado. Subi a mão para sua nuca, criando um rastro de beijos por
sua mandíbula até o pescoço. Ela se empertigou, gemendo baixo.
— Não é um tapetinho rosa felpudo — comentei, lambendo
sua garganta. — Podemos ir para a cama.
— Não — ofegou levando as mãos às costas desfazendo o
fecho do sutiã que caiu sem pressa, revelando os seios redondos,
não eram grandes, mas nem tão pequenos, os mamilos estavam
arrebitados esperando por mim. Minha língua ficou seca diante da
cena.
Beijei seu colo. Iza levou as mãos ao meu cabelo, cerrando os
punhos nos fios, e inclinou a cabeça para trás me dando mais
acesso. Explorei sua pele com a língua, fazendo círculos e
chupando com força onde não apareceria. Levei as mãos para sua
bunda, correndo o tecido do calção até o cós. As pontas dos meus
dedos identificaram um lacinho da calcinha. Apertei sua carne, um
desejo desenfreado de rasgar o pedaço de tecido, jogá-la de bruços
e fodê-la por trás com força.
Me segurei ao máximo, e, ao invés de dar vazão aos meus
pensamentos, desci a boca para seu peito. Luiza inclinou ainda
mais, gemendo rouca. Provoquei o mamilo com a ponta da língua,
ele ficou mais duro sob meus estímulos. Abri bem a boca, pegando
toda a aréola e chupei fazendo sucção. Luiza rebolou em minha
ereção, puxando meu cabelo tão forte que devia ter arrancado um
tufo.
Porra. Foda-se.
— Theo — suspirou sôfrega. Era assim que eu gostava, com
ela completamente entregue, extasiada. O prazer dela era o meu.
— Shh. — Mudei para o outro mamilo, já bem rígido esperando
por mim. — Deixe eu te saborear mais um pouquinho.
Agarrei o bico, ela soltou um gritinho estremecendo em meu
colo. Lambi, mordi, esfreguei meu piercing nele até as coxas de Iza
tentarem se fechar. Com cuidado, a deitei no chão, subindo sobre
seu corpo. Os mamilos brilhando inchados com minha saliva.
Umedeci meus lábios, Iza estava arfando, fitando-me com
expectativa. Peguei uma camisinha na mesa de cabeceira e tirei o
calção, mas não abri a embalagem. Ainda não.
Enrosquei os dedos em seu calção e calcinha, mantive o olhar
no seu enquanto abaixava a peça delicadamente até escapar por
seus tornozelos, caindo ao lado, aproveitei e retirei seus tênis e
meias. Segurei a parte interna de seus joelhos, abrindo suas pernas,
deixando-a completamente exposta. Luiza soltou um som rouco,
excitado. Sorri para ela.
No começo Luiza era mais tímida, ficava com o sutiã e não me
deixava fazer sexo oral. Acredito que foi se soltando conforme
passou a confiar em mim. Quase acreditei que ela era virgem, mas
não. E também não tinha curiosidade sobre sua primeira vez. O que
importava era que ela tinha gostado tanto do que fizemos que
continuou me procurando. Para mim era ótimo, ela era gostosa e me
poupava o trabalho de ir a uma balada, barzinho perto da faculdade
ou de flertar com alguma colega de turma. Então um dia, percebi
que adorava sua voz, o seu cheiro, o seu toque, os seus cachos,
seu olhar, o seu beijo — ah, eu amava o beijo —, me pegava
pensando nela todos os momentos do dia, sonhando, comecei a
sentir falta e quando ela demorava muito era eu quem a procurava.
Eu amava aquela mulher!
Iniciei uma trilha de beijos por sua coxa, chegando em sua
virilha. Ela soltou um suspiro exasperado quando passei rente a sua
carne molhada e não a toquei.
Soltei uma risada.
— Calma, linda, só mais um pouquinho — sussurrei,
colocando os braços sob suas pernas, abraçando-as e as deixando
bem abertas.
— Eu não aguento — choramingou, cerrando os punhos ao
lado do corpo.
Beijei seu monte de vênus sem pelos. Chupei aquele
pedacinho de paraíso. Meu pau estava quase partindo com o prazer
contido. Desci a ponta da língua pelos grandes lábios. Luiza arfou,
nem piscava atenta a cada passo meu.
Sorri, satisfeito.
Soprei seu clitóris, ela estremeceu suavemente. Estava
molhada, brilhando, inchada. Umedeci os lábios, finalmente
provando sua entrada, levei a língua até o fundo e na volta segui até
o clitóris, circulando-o e voltando para dentro da sua vagina.
Deliciosa.
Só ouvia os sons sôfregos que Luiza emitia, pois minha
concentração estava embaixo, e também em tentar não gozar antes
da hora.
Chupei sua carne molhada até escapar dos lábios, fazendo um
estalo úmido. Coloquei uma mão em sua boceta, abrindo os lábios
para explorá-la melhor.
— Theo, Theo… não consigo segurar — gemeu, arquejando.
— Só mais um pouquinho, linda — murmurei, provando-a sem
pressa. Lambi sua entrada lubrificada, esfreguei seu ponto com o
polegar o mais suave que eu acreditava que conseguia. Fiz
movimentos giratórios, os espasmos de seu corpo me disseram que
eu estava no caminho certo. Beijei sua boceta, descendo o polegar
para sua entrada, coloquei dois dedos, fazendo movimentos lentos
dentro dela.
— Só me coma logo — pediu com a voz em um fiapo.
Eu queria horas e horas para poder aproveitar melhor. Mas
quando estava excitada Luiza ficava impaciente.
Abri a embalagem da camisinha e a vesti, só o ato quase me
fez ejacular. Grunhi, cerrando os olhos para me concentrar.
— Ei, tudo bem? — Iza chamou.
Soergui as pálpebras, vendo-a nua, com as pernas abertas
sem nenhum pudor. Ela tinha ombros estreitos, seios pequenos,
cintura fina, mas os quadris eram largos, um corpo tipo pera. Eu
amava pera! Sua pele começava a brilhar com as gotículas de suor,
ela respirava pela boca, o peito subia e descia com intensidade. Os
mamilos escurinhos ainda rígidos dos meus beijos.
Eu não estava nenhum pouco bem!
Meu coração batia como um tambor em meus ouvidos.
— Vou realizar minha fantasia agora. — Sorri, ela não teve
tempo de processar, segurei seu quadril virando-a tão rápido que
Luiza soltou um grito, rindo em seguida.
Deitei sobre seu corpo, sua bunda engolindo meu pau.
PUTA MERDA! PUTA MERDA! PUTA MERDA!
Cerrei os olhos outra vez, segurando o ar.
— Se ficar desconfortável a gente muda de posição, tá? —
sussurrei em seu ouvido.
— Tá bom — ronronou, empinando a bunda contra mim.
Apoiei-me aos cotovelos para não esmagá-la.
Empurrei meu pênis para sua entrada, deslizando facilmente
por conta da umidade. Ela gemeu quando a preenchi até o fundo,
ela empurrou mais a bunda.
Distribui beijos por seu ombro, iniciando minhas estocadas,
aumentando a velocidade lentamente. Suas paredes internas me
apertavam, o que dificultava meu controle. Só mais uns minutos,
caralho! Não sei como Luiza conseguiu, mas ela começou a rebolar
sob mim. Mordi seu ombro, afastei os cachos e então cerrei os
dentes em seu pescoço, ela aprovou com um suspiro lânguido.
— Mais rápido — pediu em um sopro.
Impulsionei contra ela até os sons das nossas peles ecoarem
pelo quarto, até nossos gemidos e grunhidos reverberam por nós,
até o suor tornar a fricção dos nossos corpos fácil. Me apoiei em um
cotovelo, usando a outra mão para deslizar por seu abdômen,
alcançando a virilha e finalmente sua carne molhada.
— Ah, Theo — gemeu empurrando a bunda contra mim, seus
gemidos ficaram altos sobrepondo os ecos das minhas estocadas.
Diminui um pouco o ritmo para poder massagear os seu clitóris. —
NÃO PARA!
— Calma, linda — sussurrei, beijando seu ombro, fazendo
círculos com a língua. — Se concentra nos meus dedos.
Ela choramingou, jogando a cabeça para trás. Com o braço
que me apoiava no chão, segurei sua mandíbula mantendo seu
rosto erguido. Lambi a lateral de sua bochecha, esfregando seu
clitóris e empurrando meu pau com força dentro dela. Luiza explodiu
com um gemido alto, empurrando o quadril contra o meu enquanto
seu corpo sofria espasmos. Me segurei para não gozar, meu pau
queimava para se aliviar, mas queria esperar ela terminar, quando
seu corpo começou a relaxar, apoiei os dois cotovelos no chão, dei
uma rebolada em sua entrada e empurrei, pulsando dentro dela.
Cerrei as pálpebras, usando toda minha força para não cair sobre
seu corpo.
Saí de cima dela devagar, caindo ao seu lado no chão,
ofegante. Luiza continuou deitada de bruços, as pálpebras
semicerradas, os lábios entreabertos e pele brilhando com suor.
Tirei a camisinha enquanto meu sexo ainda estava semiereto,
dei um nó e joguei para o lado.
— Quero mais — Luiza murmurou, com a voz sonolenta.
— Tem certeza? — Estava cansado, mas sabia que precisava
de mais alguns minutos para me recuperar, seu corpo nu pronto
para mim era o melhor revigorante.
— Bem, você é meu namorado então podemos fazer isso até
nossos corpos não aguentarem mais. — Abriu um sorriso doce.
Meu coração disparou.
Minha resposta foi colocar uma mão sobre suas costas,
beijando seus lábios.

Capítulo 07
Eu não estava só me acostumando a ser a “namorada” do
Theo. Eu estava gostando! Ainda não tinha certeza se isso era bom
ou não. Não queria me apaixonar, e se em algum momento ele
simplesmente acabasse tudo porque alcançou seu objetivo?! Theo
tinha me garantido que Enny era somente sua amiga.
Mas eu podia acreditar?
Todos os romances que eu lia os “melhores amigos” de
infância ficavam juntos no final. A não ser que uma das partes fosse
gay ou lésbica, nesses casos amizade entre homem e mulher era a
coisa mais pura do universo!
Existe um companheirismo maior? Para chegar a química era
só um passo bem pequeno, ao meu ver. Até meu irmão pegou a
melhor amiga! Até Yan se considerava meu amigo, e se eu fosse
mais corajosa aproveitaria disso para ser uma Enny em sua vida.
Fiquei com tanta vergonha por Theo pensar que estava com
ciúmes quando eu só estava tentando fazer ele admitir que gostava
da Enny também.
Eu não sentia ciúmes de Theo.
De jeito nenhum.
Não mesmo.
Deus era testemunha…
Melhor não meter Deus nisso.
Estava sentada em uma mesa na lanchonete do campus, tive
uma aula vaga então acabei chegando mais cedo, estava
esperando Theo enquanto Ariana Grande ameaçava estourar os
meus tímpanos cantando Positions.
Precisávamos discutir sobre a próxima remessa de trufas, a
primeira vendeu muito bem, e eu estava disposta a usar o dinheiro
delas para comprar os ingredientes dessa vez. Não me sentia bem
com Enny gastando dinheiro com meus problemas, ainda mais se
ela tinha tanta certeza de que eu magoaria o Theo.
Humpf!
Uma cutucada no meu ombro me despertou dos meus
devaneios. Virei a tela do meu celular para baixo antes que Yan
visse o que eu tentava escrever. Ele estava sentado ao meu lado,
com os cotovelos apoiados na mesa.
Tirei os fones.
— Faz um tempão que eu estou te chamando. — Ele abriu um
sorriso preguiçoso.
— Ah, desculpe. — Olhei ao redor, nenhum sinal de Lucas e
Nanda. Seus olhos cor de mel estavam atentos em mim. — Tudo
bem?
— Oh, sim, com certeza. — Ele meneou a cabeça. Nós nunca
tínhamos muito o que conversar. Geralmente eu ficava nervosa
perto dele e não conseguia raciocinar direito.
— Cadê o Lucas? — perguntei finalmente, não queria que meu
irmão chegasse e se apossasse da mesa. Não queria ele perto de
Theo. Meu namorado não tinha ficado com uma boa impressão
dele, e eu não o julgava.
— Tentando ligar para a Nanda. — Torceu o nariz, como se
não gostasse. Franzi a testa.
— Ela não veio? — Enrolei os fios do fone nos dedos.
— Não. — Pressionou a ponta do nariz. Tinha uma mancha
clara de barba por fazer, eu achava lindo, destacava mais sua
mandíbula, o deixava mais maduro. — Você notou alguma coisa
estranha com a Nanda?
Abri bem os olhos, lembrando dela quase desmaiando na
minha casa… E de como ela ficou brava por eu tentar ajudar.
— Não — menti, balançando a cabeça, meus cachos seguindo
meu movimento.
Yan exalou, frustrado.
— Faz três dias que ela não vem para a faculdade e manda
mensagens muito vagas. — Cruzou os braços, devia estar
preocupado, era a única coisa que explicava sua postura rígida. —
Lucas parece que vai infartar — resmungou a última parte.
— Bem, ela é amiga de vocês, normal ficar preocupados. —
Pressionei os lábios. Eu devia falar, não é? Será que estava
grávida? Mas por que decidiu desaparecer?
Yan se inclinou na minha direção, ficando perto demais.
Pisquei várias vezes, minhas pernas ficaram moles. Era melhor
afastar a cadeira… era? Oras, não! Eu era apenas sua priminha.
Ugh!
— Ela faz falta — falou, os orbes fixos nos meus. — Você
também, Iza.
Soltei uma risada nervosa.
— Como assim? — Minhas mãos começaram a suar.
Maravilha!
— Você sabe. — Não sei, não, eu queria retrucar, mas ele
continuou falando. — Você era parte do nosso quarteto fantástico…
— Nunca me senti parte de um grupo! — Era bom ter você por
perto, sempre foi. — Seu rosto estava tão perto do meu. — Uma
pena que Lucas seja tão ciumento e controlador.
O quê?
Não conseguia processar o que ele estava dizendo. Na
verdade não conseguia nada, só respirar, e com bastante
dificuldade. Meu coração martelava no meu peito. Ele estava tão
perto, mas fiquei com medo de tocá-lo e descobrir que era uma
ilusão.
— Mas ele não está aqui agora — murmurou, desviando o
olhar do meu por apenas um instante, olhando além, então voltando
para mim. No segundo seguinte ele estava com a boca na minha,
segurando meu rosto com as duas mãos. Não fechei os olhos, pelo
contrário. Eu estava em pânico.
Ele recuou, o nariz esbarrando no meu. Suas mãos ainda
seguravam meu rosto. Eu estava quebrando em mil pedacinhos,
meus membros estavam tremendo. Não era assim que eu devia me
sentir quando ele me beijasse.
— O que foi? — sussurrou, abrindo um sorriso torto.
— O Theo… — quando o nome dele saiu da minha boca, a dor
que atingiu meu centro me deixou sem ar por um tempo. — Estou
com o Theo.
Yan afastou as mãos de mim, recuando.
— Pensei que você gostasse de mim — comentou, e pareceu
magoado. Eu fiquei pasma, com a boca aberta piscando sem parar,
desejando que um buraco se formasse sob meus pés e me sugasse
para o centro da terra. — Tudo bem, esquece, eu não devia ter feito
isso.
Ele se levantou, ajeitando a alça da mochila. Observei por
sobre o ombro enquanto ele se afastava.
Me senti estranha. Angustiada, nervosa, levei uma mão ao
pescoço, os batimentos chegavam agitados na base da garganta.
Voltei a olhar ao redor, buscando, buscando, buscando. Obriguei o
ar a entrar nos meus pulmões. Yan tinha me dado um selinho, o que
devia ter me lançado nas nuvens, mas eu me sentia jogada no chão
sem forças para levantar. Voltei a olhar por sobre o ombro, meu
celular caiu no chão. Soltei um resmungo, pegando-o com os dedos
trêmulos. Quando ergui o rosto, vi ele parado no caixa da
lanchonete logo à frente, a atendente estava chamando por ele, mas
seus orbes não se desviavam de mim. De onde eu estava pareciam
tão escuros, sombrios.
Nunca vi Theo tão pálido.
Levantei-me, jogando a mochila nos ombros e seguindo até
ele. Não sei como consegui me aproximar, mas sua expressão… ele
tinha visto. Paguei o seu lanche e o tirei da fila que começava a se
formar.
— Theo… — minha voz saiu arranhada, eu não conseguia
encará-lo diretamente. De repente aquele selinho que Yan me deu
se tornou tão grande, tão destruidor, como se tivesse acontecido
muito mais. Levei nós dois para o lado de fora da lanchonete. Theo
não disse nada, mas seu olhar… eu não estava aguentando. — O
que você viu?
Estiquei a sacola com seu lanche, ele não pegou, não parecia
importar.
A luz amarelada de um poste ali perto iluminava perfeitamente
sua feição congelada.
— Vi você beijando aquele cara — falou por fim.
— Não! — Eu queria gritar. — Foi ele que me beijou! E foi só
um selinho!
— Significou alguma coisa para você? — Ele estava tão frio,
enquanto eu estava quase caindo aos prantos, mexendo as mãos
sem parar. — Você queria que tivesse acontecido mais?
— Theo! — Eu queria quebrar alguma coisa.
— Luiza.
— Eu não sei, tá bom! — gritei, ofegante. Olhei para os lados,
alguns estudantes que passavam nos olharam com curiosidade,
mas seguiram seus caminhos. Theo trincou o maxilar, o olhar ficou
mais duro. Eu estava ficando fora de mim. — Para de me olhar
assim?!
— E como eu deveria olhar?! — retrucou, finalmente
mostrando alguma coisa além daquele semblante congelado. Ele
estava bravo.
— Não sei, mas não me olhe como se eu tivesse te traído! —
Eu tinha? Preferi não pensar naquilo, até porque… — Isso aqui, nós
dois, foi um erro desde o começo. Eu nem queria ser sua namorada
para começo de conversa. Agora você pode ir atrás da Enny e ficar
com ela, tá bom?
Apontei em qualquer direção.
Só percebi que estava chorando quando minha visão ficou
embaçada, mas ainda consegui vê-lo retesando os ombros.
— Eu não quero ficar com a Enny! — esbravejou, dando um
passo atrás. Seu peito subindo e descendo.
— Então por que você estragou o que a gente tinha? Nós
ficávamos e era ótimo assim para nós dois! — Duas semanas atrás
me imaginava dizendo aquelas coisas a ele com calma, na qual me
sentiria aliviada por esclarecer as coisas. Agora a conversa não
estava nem perto de calma. E eu nem um pouco aliviada.
— E por que mais eu te pediria em namoro se eu não
estivesse fodidamente apaixonado por você, caralho?! — ao dizer
aquilo estava furioso, mas ao mesmo tempo tão ferido.
Olhei para os lados, confusa.
Apaixonado por mim?
Não podia ser.
— Meu Deus, você é burra ou o quê? — Ele passou a mão no
rosto, tentando se controlar. Eu fiquei paralisada. Ah, meu Deus!
Não podia ser verdade. Eu pensava que ele só era legal e gentil
comigo por causa do sexo. Eu nem era bonita. — Não escutou o
que eu disse?
A verdade era que eu não queria ter escutado.
— Por quê? — Não fazia sentido.
— Por que o quê?
— Por que gosta de mim? — Nunca um garoto me disse
aquilo. E houve uma época que eu desejei muito, tanto que
machucava.
— Que pergunta é essa? — Franziu o cenho. — Porque é
linda, é gentil, inteligente, determinada, fofa, por causa dos cachos,
porque quando sorri todo o resto desaparece, porque… Por que eu
não deveria gostar de você?
Ele balançou a cabeça, confuso. Meus olhos pinicaram.
— Theo. Theo, eu não sabia… — Droga. Ele não podia gostar
de mim, pois se gostasse ele sairia magoado de tudo aquilo, e eu já
estava me odiando pelas coisas que disse. Não era para ele se
machucar. Não o Theo. — Você devia ter me contado, eu não
sabia…
— Você prometeu que seria sincera comigo — sua voz quase
falhou no final, ele virou de lado para não me olhar, os punhos
estavam fechados com força ao lado do corpo. Suas palavras foram
como um soco na boca do meu estômago. Talvez até mais que um
soco, eu me sentia partindo ao meio.
— Me desculpa, Theo — solucei, limpando as lágrimas que
não encontravam fim. Ainda estava segurando sua sacola. — Eu
não sabia… eu…
Ele me olhou de soslaio, parecia tão vulnerável.
— Você não gosta de mim nem um pouquinho? — balbuciou.
Eu não podia responder.
Eu não podia falar mais nada.
E eu, que sempre me esforcei para manter Theo longe de
Lucas para protegê-lo, fui a primeira a magoá-lo. Me senti tão
horrível. Tinha prometido que seria sincera, mas disse sim porque
não queria que meu irmão usasse meu não para fazer piada de
Theo, disse sim por flagrar Yan rindo de nós. Disse sim porque ficar
com alguém como ele massageava o meu ego. Eu não podia dizer
aquelas coisas, senão ele me odiaria. Não aguentaria se Theo me
odiasse.
Ele estava esperando a minha resposta.
Girei nos calcanhares e corri o mais rápido que consegui,
quando estava a uma boa distância, olhei para trás, ele continuava
no mesmo lugar esperando a minha resposta.

Peguei o primeiro ônibus que levava ao terminal urbano e fui


para casa. Dane-se o trabalho que eu tinha que apresentar.
Dane-se tudo!
Entrei em casa como se tivesse sido cuspida por um furacão.
Passei em frente à TV ligada praticamente correndo, meus pais, que
estavam no sofá, se alarmaram com a minha presença.
— Iza! — chamou minha mãe vindo atrás. — Iza, o que
aconteceu? Você está chorando?
Empurrei a porta do meu quarto com tanta força que as
dobradiças estalaram. Lancei a sacola com o lanche de Theo na
parede, não importava, eu tinha pagado mesmo! Deixei a mochila
cair no chão e tombei na cama, afundando a cara no travesseiro,
como se fosse possível abafar meus soluços.
— Iza, meu amor… — O colchão afundou com ela se sentando
ao meu lado, não me tocou e agradeci por isso. — O que houve,
minha bebê?
— O T-Theo — gaguejei. Desde que saí do campus não
consegui parar de chorar. Eu ficava remoendo o pensamento de que
Theo gostava de mim (ao mesmo tempo que era absurdo, também
explicava muita coisa), e eu o magoei. Eu não conseguia aceitar que
fiz aquilo. Cheguei a preferir que ele tivesse feito uma aposta.
— Filha — meu pai disse um pouco distante. — Quer que eu
dê uma surra nesse garoto?
— Que surra o que, homem! — esbravejou mamãe. — Vai
fazer a janta que eu converso com a Iza!
Ouvi papai bufar, então o som característico das suas pantufas
arrastando no chão.
— Iza… — mamãe afagou meu cabelo.
Apertei mais o travesseiro, encolhendo-me. Doía, dentro de
mim, não soube dizer em que ponto começava.
— Acabou — balbuciei.
— Vocês terminaram? — perguntou com a voz macia.
— É — funguei, esfregando o rosto na fronha. Eu queria
desaparecer.
Um silêncio sufocante caiu sobre nós. Eu tinha que me
desculpar com Theo, ele precisava saber que eu nunca quis magoá-
lo. Ele acreditaria, não é? Claro que sim, era o Theo. Mas será que
me perdoaria?
— Iza, não era isso o que você queria? — perguntou baixinho,
ainda mexendo em meus cachos.
Era, mãe.
Só que não era para machucar tanto.
Capítulo 08

Fiquei um tempo parado no mesmo lugar depois de Iza sair


correndo como o diabo foge da cruz. Ela o diabo e eu a cruz.
Repassei cada uma das suas incontáveis palavras na minha
cabeça.
Eu nem queria ser sua namorada para começo de conversa.
Mas ela disse sim… Por quê? Ela prometeu que seria sincera,
e ficou evidente que ainda gostava daquele…
Argh!
— Theo! — Reconheci a voz de Enny. Dei-lhe as costas, eu
estava acabado, ela perceberia assim que me visse. Cerrei as
pálpebras. Eu tinha uma aula naquele momento, mas… não tinha
cabeça. Os passos dela cessaram no cascalho. — Olha, desculpa
pelo modo como venho agindo. Você está certo, Luiza não é… Você
sabe.
Cacete.
Fiquei sem ar.
Estiquei um braço, tocando a parede da lanchonete. Eu estava
suando frio, meio trêmulo. Não sei como conseguia ficar em pé, mas
sair do lugar era tão difícil quanto.
Eu nem queria ser sua namorada para começo de conversa.
— Ei, você tá bem? — Senti sua mão em meu ombro, Enny
ficou mais perto. — Theo, o que você tem? Cadê a Luiza?
Virei-me para Enny, ela estava assustada, confusa,
preocupada. Olhei para baixo, rindo com ironia, levei uma mão ao
rosto o que deixou meu riso mais alto. Ela arqueou uma
sobrancelha.
Meu peito estava doendo, a boca do estômago também.
Minha visão estava turva pelas lágrimas.
— Você estava certa sobre a Luiza — falei, odiando cada
palavra. Mordi as costas na mão, uma lágrima saltou. Eu só queria
cair em um canto e não levantar mais. — Pode dizer que avisou.
Enny balançou a cabeça em sinal negativo, de repente tão
arrasada como se fosse ela que tivesse acabado de ter o coração
partido.
— Eu nunca diria isso de verdade.

Sempre achei engraçado como o quarto de Enny espelhava o


seu estilo de roupas. Era tudo colorido, mas em cores berrantes que
às vezes feriam os olhos. Gostava muito do puff enorme que ela
tinha em formato de donuts, inclusive eu estava encolhido em
posição fetal sobre ele, abraçado a uma pantera cor de rosa de
pelúcia do tamanho de uma pessoa (tudo bem ter inveja da melhor
amiga riquinha?) enquanto chorava.
— ENTÃO ELA TE TRAIU? — berrou Enny andando de um
lado ao outro. Já tinha chorado comigo, e agora estava puta. De
tudo o que eu falei aquilo foi a única coisa que ela registrou. — Com
aquele amigo do irmão dela?! — Parou diante de mim com as mãos
na cintura. Não consegui responder, eu me sentia um otário. —
Argh! Eu vou bater naquela piranha. Me segura, me segura, Theo!
Ela voltou a caminhar, bufando. Seu rosto estava muito
vermelho.
Me sentei no puff, agarrado a pantera. Meu nariz não parava
de escorrer, assim como meus olhos não paravam de produzir
lágrimas. Minhas pálpebras estavam inchadas, quando eu chorava
muito elas ficavam cheias de pintinhas vermelhas, já estavam
assim.
— Enny — minha voz saiu arranhada. Ela me olhou de lado,
furiosa. Eu também fiquei assim quando ela apareceu na minha
casa aos prantos dizendo que Jonathan a tinha traído. Inúmeras
vezes. — Você acha que Luiza ficava com ele? Acha… que sempre
esteve com ele? Você acha que eu não signifiquei nada para ela?
— Sim, sim e sim! — Ela agarrou um cubo mágico da sua
estante e jogou do outro lado do quarto. Afundei o rosto no pescoço
do pantera. — A partir de agora você vai ser frio e calculista, tá
ligado?
Ergui o rosto, fungando.
— Como alguém faz pra ser calculista? — Eu só conseguia
imaginar alguém com uma calculadora fazendo contas super
complexas. Como estudante de engenharia eu devia estar no
caminho certo.
— Sei lá, assista Peaky Blinders e imita tudo o que Tommy
fizer! — Sentou em sua cama enorme que devia caber seis pessoas
e bufou de novo. Saímos da faculdade direto para sua casa, ainda
estávamos com as mesmas roupas. Já dormi ali algumas vezes, no
chão. Ela sempre emprestava um dos seus pijamas.
— Tá bom — murmurei, esfregando o nariz na orelha do
Pantera. Eu nem queria ser sua namorada para começo de
conversa. Cada vez que aquela frase se repetia em minha cabeça,
uma dor pressionava o meu peito e eu chorava, chorava e chorava,
tinha vontade de gritar e quebrar alguma coisa. — Eu sou tão infeliz.
NINGUÉM ME AMA!
Enny se levantou em um salto.
— EU TE AMO, EU TE AMO! VOCÊ É O AMOR DA MINHA
VIDA!
— VOCÊ NÃO CONTA. VOCÊ É MINHA AMIGA!
Enny correu para o guarda-roupas, tirando um pacote enorme
de M&M’s do meio das roupas. Veio em minha direção como uma
avalanche.
— O qu…
— Situações extremas pedem medidas extremas! — Abriu o
pacote, segurou meu rosto empurrando-o para trás, reclamei. —
Vamos curar essa dor com açúcar. — Apertou minhas bochechas
até abrir minha boca, estava pronto para empurrá-la quando
despejou M&M’s na minha boca. — Frio e calculista, Theo! Coloca o
cropped e reage, sua lombriga!
Mastiguei, minhas bochechas estufaram com uma quantidade
exagerada. Ela estava pronta para enfiar mais na minha goela. E
tudo bem, eu estava com fome mesmo.

PARTE 2
OUTONO

Summer has come and passed The innocent can never last Wake
me up when September ends — Green Day
Capítulo 09

— Querida, e a sua prótese? — perguntou Regina assim que


me viu entrar no café para começar o expediente. A outra garçonete
já estava trabalhando.
— Eu já fiz o pedido — menti, amarrando a touca nos cabelos.
Ela aprumou os ombros, era mais baixa que eu, mas a forma
como empinou o queixo, me olhando como se eu não fosse nada
além de um inseto, me fez sentir muito pequena.
— Já faz um mês, Luiza — falou, percebi a ameaça velada.
Felizmente a música daquele dia não estava tocando. Mas só de
lembrar dela… — Um mês!
Me deu as costas, indo para a sua sala. Fiquei parada,
pensando o quanto eu odiava trabalhar ali, o quanto eu odiava ter
visão monocular, o quanto eu odiava a minha vida.
— Iza? — Davi disse ao meu lado, me despertando. Ele estava
amarrando o próprio avental com o logo do café na cintura. — Tudo
certo?
Assenti, soltando uma lufada de ar.
— Tá fazendo um frio desgraçado lá fora. — Ele sorriu, sem
me olhar. Graças a Deus senão veria a própria cara da tristeza. —
Ei, acho que descobri a vibe do seu ex. Outro dia ele colocou um
story sem camisa mostrando uma tatuagem na clavícula: O amor é
uma melodia triste — mudou a entonação da voz. Ele não fazia de
propósito. Eu achava. — Ele é meio emo, meio melancólico, você
não acha?
Ele finalmente me olhou, se deparando com a própria tristeza.
Pelo menos ficou constrangido.
— Poxa, foi mal! — Se apressou para suas tarefas. Fiz o
mesmo, abrindo as portas duplas, respirando o ar adocicado da
cozinha. Quase suspirei se não fosse o desconforto na barriga.
Fazia duas semanas desde aquela noite horrível. E Theo
estava certo, quando abril chegasse junto com o outono eu sentiria
falta daquele mormaço que nos fazia suar. Depois que começou o
outono não teve mais nenhum dia quente.
O verão era só uma lembrança agridoce.

Voltei a me sentar com a máfia maligna para jantar. Mas não


era como antes, meu irmão não implicava mais comigo sobre Theo,
grande parte porque Nanda abandonou a faculdade, ele estava
preocupado. Ficar com eles era uma tortura sem tamanho. Eu não
conseguia olhar para Yan, nem ele insistia.
As coisas estavam, parcialmente, como antes.
Não.
Estavam piores.
Eu não estava bem.
Ficava torcendo para ver Theo naquele mar de estudantes só
para ter certeza de que ele estava bem. Que não me odiava. Não
imaginava que a sensação de quebrar o coração de alguém era
quase equivalente a quebrar nosso próprio coração. Pois era assim
que eu me sentia, com o coração quebrado. Sentia falta dele, de
tantas formas que doía respirar.
Mas ele e Enny não apareciam mais na lanchonete.
— Você devia comer alguma coisa. — Lucas me cutucou, ele
próprio vinha ciscando a comida há bastante tempo.
— Tô sem fome — murmurei, brincando com os botões do
meu cardigã. Eu ficava ali mais para matar o tempo entre as aulas.
— Lucas — Yan disse, agora ele ocupava a cadeira de Nanda,
ficando mais perto do meu irmão. — Você também precisa se
alimentar direito, cara, logo vai ficar só o osso.
— Eu… — Lucas passou a mão no rosto, frustrado. — Eu não
consigo aceitar! — Encarou o amigo com angústia. — Ela nem quer
mais falar com a gente. Você acredita naquele papo “percebi que
não quero fazer faculdade”? — Fez aspas no ar. Observei Yan de
canto, ele estava impassível fitando sua comida. — Pois eu não,
Fernanda tá muito estranha, cara. Tem treta aí.
— Será que ela está grávida? — sugeri, os dois me
observaram com assombro, foi meio engraçado como se eu tivesse
dito que tinham dinamites por todo o corpo.
— Tá louca?! — Lucas franziu o cenho.
— Ela não teria o porquê esconder de nós — Yan disse com
frieza.
Dei de ombros cruzando os braços.
Talvez ela não quisesse o bebê.
Os dois ficaram em silêncio, com certeza refletindo sobre
minha suspeita. Uma suspeita sem fundamento. E daí que ela tinha
quase desmaiado na minha casa? Podia significar muitas coisas.
Argh! Devia ter ficado de boca fechada.
Soltei o ar exasperada. Olhei ao redor, um casaco acolchoado
cintilante chamou minha atenção. Era claro que tinha que ser Enny
usando aquilo. Me empertiguei na cadeira, segurando a respiração,
acompanhando Theo e Enny se aproximarem da fila de pedidos.
Meu coração ameaçou saltar da boca e correr até ele. Theo usava
uma de suas costumeiras calças escuras, e um moletom azul
escuro de capuz, uma touca preta estava em sua cabeça deixando
os fios de cabelo despontando na parte de trás. Os dois
cochichavam. Ele… ele parecia bem, até sorriu para ela.
— O que foi? — Lucas voltou a me cutucar, uma sobrancelha
arqueada. Eu estava com as mãos na beirada da mesa com o corpo
bem esticado para conseguir ver Theo. — Esquisita.
Mostrei a língua, levantei jogando a mochila nos ombros.
Fiquei escondida atrás de um pilar. Faziam duas semanas… Eu
ainda estava usando aquela aliança idiota e me sentindo horrível,
enquanto Theo parecia ótimo. Eu precisava falar com ele de
qualquer forma. Precisava me desculpar, e depois disso eu voltaria
a me sentir melhor.
Eles fizeram seus pedidos e foram para o caixa.
Eu ficaria ali esperando ele passar e falaria com ele.
Minhas mãos começaram a suar, comecei a me balançar nas
pernas. Fiquei aflita. Eles giraram, mas não procuraram por uma
mesa, estavam indo embora com suas sacolas. Dei um passo,
saindo de trás do pilar. Theo falava com Enny como se existisse só
ela no mundo. Um gosto amargo se espalhou pela minha língua.
Notei suas mãos, sem aliança.
Mordi o lábio com força.
Será que eu estava certa sobre os dois e o que ele disse sobre
gostar de mim foi uma fantasia da minha cabeça? Passei a cogitar
aquilo.
Cruzei os braços, pronta para dar um passo atrás e usar o pilar
para me ocultar quando Theo me olhou sem mover o rosto. O leve
sorriso que dirigia a Enny morreu na mesma hora, assim como o
brilho no olhar. Como se tivesse um interruptor para que apagasse
sua alegria. Não reconheci a frieza em sua expressão. O meu Theo
não era assim. Mas o meu Theo estava há duas semanas de
distância, e ele não estava magoado comigo.
A necessidade de me aproximar e me desculpar se
transformou em nada com seu olhar sendo tomado por sombras.
Tive certeza que ele me odiava.
Me perdoa, por favor.
Volta para a minha vida, por favor!
Ele desviou o olhar, abaixando a cabeça. Enny não me notou,
não notou a mudança no amigo, estava muito empolgada narrando
alguma coisa. Os dois se distanciaram, saindo pelas portas.
Apoiei-me no pilar, respirando com força enquanto lágrimas
insistiam em queimar meus olhos.
Queria bater na minha cabeça e berrar que eu era a pessoa
mais burra no universo.
— Luiza. — Pulei para o lado quando Yan tocou meu ombro.
Passei as mãos nos cachos, tentando me recompor. Fiquem no
lugar lágrimas idiotas! Yan colocou as mãos nos bolsos da calça. —
Sabe, eu pensei se você não quer sair comigo no fim de semana.
Abriu um sorriso hesitante. Ele ficou sabendo que Theo e eu
terminamos, mas não tinha comentado nada sobre aquilo. Na
verdade, mal se aproximou depois daquele selinho. Quase achei
que tinha virado tabu.
Olhei para a mesa em que estávamos. Lucas continuava lá,
nos fuzilava com o olhar. Yan apoiou o ombro no pilar, ficando mais
perto e ocultando a minha visão de Lucas.
Seus orbes cor de mel aguardavam minha resposta.
Eu devia estar mais empolgada. Era aquilo que eu deveria
querer desde os doze anos. Devia gritar um sonoro “SIM, MEU
AMOR!”. Eu o amava, certo? Antes era seguro gostar dele pois não
me machucaria mais do que não corresponder meus sentimentos,
mas agora que mostrava interesse essa segurança não existia mais.
Dizer sim daria margem para mais mágoa. E eu já tinha que lidar
com meus sentimentos confusos em relação a Theo.
— Posso pensar?
Achei que ele soltaria de novo: Achei que gostasse de mim!
Ele sempre soube.
No ano passado, quando me declarei, ele sabia exatamente o
que eu estava falando.
Yan, será que te conheço mesmo?
— Claro. — Abriu um sorriso preguiçoso. — Mas pensa com
carinho, tá?
Deu um beijo na minha bochecha antes de se afastar. Voltei a
olhar para meu irmão, apenas ignorei seu olhar assassino para cima
de mim.
Capítulo 10

Olhando para trás, era tão óbvio que Luiza não gostava de
mim.
Eu fiz igual a Enny. Por isso ela tentou tanto abrir meus olhos.
Devia se ver perfeitamente em mim. Pelo menos aprendi uma coisa
com tudo aquilo: Enny estava sempre certa!
Estava deitado em um carrinho debaixo de um carro sobre
uma rampa alta. Já tinha arrumado as suspensões, dos quatro
pneus! Se o dono esperasse mais iria se encontrar com Deus. Tinha
mais mil coisas para fazer. Mas eu estava cansado.
Sofrer cansa, ao que parece.
Soltei o ar pela boca, usando os pés para impulsionar o
carrinho para frente e para trás.
Levou duas semanas para eu conseguir entrar na lanchonete
do campus. Enny mandou manter os olhos só nela que daria tudo
certo. Senti a presença de Luiza, quase palpável. E no único
momento que tirei meus olhos de Enny, eles foram diretamente
atraídos para Iza. Ela estava ótima.
Ela ficou me olhando, como se esperasse alguma coisa de
mim.
Devia odiar ela. Enny disse que se eu a odiasse seria mais
fácil esquecê-la. Guru Enny! Mas não, estava sim muito magoado
por ela ter dito sim quando evidentemente não me queria. E também
tinha muita vergonha por ter me colocado naquela situação. Não era
culpa dela que eu tivesse colocado na cabeça que ela também
gostava de mim.
Quanto mais eu tentava entender o porquê ela disse sim, mais
perdia o sono e minha cabeça doía.
Continuei brincando com o carrinho. Os sons ruidosos da roda
davam um arrepio gostoso na coluna.
Eu vou esquecer Luiza.
Coloquei o antebraço sobre os olhos. Eu sentia falta dela.
Acordava toda manhã como se tivesse despertado de um pesadelo,
então os segundos passavam e a realidade me queimava como
ácido. Era engraçado e ao mesmo tempo torturante como cada
pequeno detalhe me fazia lembrar dela.
Nunca vou esquecer Luiza.
— Theo? — Lúcio me chamou.
Me pus em pé em um pulo, ficando meio grogue pelo
movimento abrupto. Lúcio estava com as mãos no quadril, não
soube dizer se estava prestes a me repreender ou o quê. Ele tinha a
mesma expressão para tudo. Eu costumava segurar o riso quando
via fotos do seu casamento, a noiva sorridente e ele congelado com
os cantos da boca levemente curvados para baixo.
— Eu já ia… — Apontei para trás, olhando por sobre o ombro.
Não tinha nada ali. Segurei um resmungo. Ele não me daria a conta.
Mas, por um átimo, eu torci para que o fizesse. Minha cama era um
lugar bem melhor para sofrer do que um carrinho de oficina duro!
— Theo — repetiu, se fosse me repreender já o teria feito. Ele
estava hesitando. Estreitei o olhar. — Salete ligou, é sobre o pai.

Meu pai foi internado.


O pai de Enny, que acompanhava o caso do meu pai desde o
início como seu médico neurologista, disse que isso aconteceria na
consulta da semana anterior. Papai estava com dificuldades para
engolir então se recusava a comer, e para piorar começou a ter
dificuldade para respirar. Salete o levou às pressas para o hospital
depois dele desmaiar no começo da manhã.
— E agora? — perguntei para Amanda, esposa do meu irmão.
Pelo menos ela se importava mais do que ele, já que estava ali
desde o internamento, e parecia disposta a permanecer.
— Colocaram uma sonda para alimentação. Ele continua
dormindo desde que chegou — comentou baixinho. Estávamos no
quarto, tinha mais um idoso na cama ao lado, só uma cortina fina
podia bloquear a visão.
— Mas… ele vai ficar bem? — Meu pai já tinha sido internado
outras vezes, claro que em situações mais favoráveis. Agora, ele
não era capaz de praticamente nada sozinho.
Amanda me olhou com compaixão. Era uma mulher alta, com
coxas grossas e cintura larga. Os cabelos escuros eram curtos e
cacheados, a pele clara era só de alguns tons mais escura que a
minha, quase partindo para castanha.
— Theo, você sabe que a maioria não vive mais de oito anos
assim, o seu pai já foi muito longe. — Sabia que ela não estava
falando aquilo para me ferir, e sim para me preparar. Eu estava
preparado há muito tempo. Ela colocou a mão em meu ombro. —
Vou ajudar a tomar conta dele aqui.
— E a Salete?
— Dei uns dias de folga para ela. — Amanda se sentou na
cadeira de plástico.
Observei meu pai, cheio de tubos, com aquela camisola de
hospital dormindo. Parecia muito mais velho do que era. Eu não
sabia bem o que estava sentindo. Mas queria ficar perto dele
quando acordasse.
— Vá para a faculdade, Theo.
— Eu… — Cruzei os braços, fitando-a de esguelha. —
Promete que vai me manter informado?
— Claro. — Ela assentiu, abrindo um sorriso fraco.

— O que eu posso fazer para ajudar? — indagou Enny,


caminhando ao meu lado em direção ao nosso departamento. Ela
estava preocupada.
Eu também. Não me dei conta do quanto estava aflito até
perder o ônibus para a faculdade que parou bem do meu lado, só
me dei conta quando o veículo seguia longe pela avenida. Tive que
ligar para Enny me pegar, senão perderia a primeira aula, e era justo
a que eu mais gostava.
— Será que poderia me dar carona à tarde para visitar ele no
hospital? — Apertei o nó da bandana atrás da cabeça.
— Com certeza, Theo! — Me ofereceu sua coca-cola de
600ml. Hesitei por um segundo, mas tomei um bom gole. — Você tá
com medo?
Devolvi o litro, identificando aquele olhar de pena que me fazia
sentir pior do que estava. Enfiei as mãos nos bolsos, olhando para
baixo.
— Acho que sim. — Torci o nariz. Não era como se eu não
soubesse que não ia acontecer. Ele estava doente há tanto tempo,
uma doença neurodegenerativa e progressiva do cérebro que
levava à morte. Meu pai estava no estágio final da doença. Amanda
estava certa, ele estava aguentando muito. Eu ainda não tinha
parado para pensar como seria depois que ele se fosse. Evitava, na
verdade.
Enny enganchou o braço no meu.
— Você não está sozinho, tá?
— Eu sei. — Sorri de lado.
— É sempre bom lembrar.
Assim que viramos a quina do prédio vi Iza parada ao lado do
corrimão da rampa de entrada. Enny também a viu, parando e me
obrigando a fazer o mesmo. Não sei qual era o plano da minha
amiga, já que não havia outra entrada, de qualquer forma era tarde
demais, Iza nos viu, ela me olhou do mesmo jeito que na outra noite,
só que dessa vez parecia ansiosa.
— Eu vou bater nela — Enny grunhiu, começando a se mover.
A segurei pelo braço.
— Não, sua doida. Você não vai fazer isso! — Tratei de manter
a voz baixa. Nos encaramos.
— Ela te magoou, e agora está aqui! — Apontou com a cabeça
sem desviar os olhos esbugalhados de mim. — Você vai falar com
ela?
Não queria falar com Iza, não mesmo. Ela não podia dizer o
que eu queria ouvir, pelo contrário, poderia me deixar mais ferido.
Estava tudo acabado, quando ela virou e saiu correndo, depois de
deixar tão claro que nem queria namorar comigo para começo de
conversa, estava acabado.
Mas se ela começasse a me cercar assim, também não seria
bom para mim. Eu precisava que Luiza ficasse longe, ela havia feito
um estrago grande, difícil de remendar.
— Acho que sim — murmurei, soltando Enny. Ela franziu as
sobrancelhas, confusa e indignada. — Antes que comece, acho que
eu preciso deixar claro que não quero mais vê-la.
Enny relaxou os ombros.
Fitei Iza de esguelha, ela mexia as mãos sem parar, estava
usando um moletom rosa enorme que devia caber duas dela. Rosa
ficava tão bem nela… Argh!
— Tá bom. — Enny tomou o resto da sua coca, fechou a
garrafa e guardou na bolsa. — Mas não vai se emocionar. Frio e
calculista, Theo!
Assenti, planejando pegar minha calculadora científica para
entrar no clima.
Seguimos o restante do caminho, os sons dos nossos passos
nunca soaram tão altos aos meus ouvidos. Oito metros nunca foram
tão excruciantes de se percorrer. Parei a uns quatro passos de Iza.
Enny me olhou de canto enquanto continuava.
— Oi… — Luiza começou a dizer, mas foi friamente ignorada
por Enny que empinou bem o queixo ao passar por ela. Revirei os
olhos. Depois de minha amiga sumir pelas portas duplas, Iza se
virou para mim. Os cachos soltos balançavam suavemente com
vento. — Ela me odeia de vez, não é?
Desviei o olhar, sem necessidade de afirmar alguma coisa ou
tentar defender Enny. Guardei as mãos nos bolsos do moletom.
— O que você quer? — perguntei baixo, olhando-a com
cautela, como se fosse algo perigoso. E era.
— Eu… eu… — Bateu os punhos fechados nas coxas. Ela
estava nervosa, mas não mais do que eu, apostava. — Eu quero me
desculpar, Theo.
Realmente, não era o que eu queria ouvir.
Dane-se desculpas.
— Eu nunca quis te magoar. Nunca! — frisou, juntando as
mãos na altura do peito, meu coração parou ao notar a aliança
ainda no seu dedo. Busquei seu olhar, novas perguntas me
inundando. — Por favor.
— Por que ainda tá usando a aliança? — indaguei.
Iza olhou o anel como se fosse mais um dedo que tinha
surgido em sua mão. Ela demorou a responder, e quando o fez foi
sem me olhar.
— Entalou. — Suas feições se retorceram.
O riso amargo que soltei foi praticamente arrancado de mim.
Droga, Iza!
— Eu te perdoou se me explicar o porquê me disse sim. —
Enny tinha uma teoria, uma que eu odiava com todas as minhas
forças. O ódio queimava dentro de mim só de pensar naquela
possibilidade. Que Iza me usou para fazer ciúmes naquele cara. Só
que eu era covarde demais para especificar minha pergunta.
— Eu não posso. — Negou com a cabeça, pressionando os
lábios. Eu acreditava que Iza gostava de mim como alguém que ela
transava de vez em quando, e que não teria ido tão longe se
soubesse que eu estava apaixonado, mas isso não amenizava o
que eu estava sentindo. Ela deu um passo na minha direção. —
Theo, eu estou me sentindo horrível por tudo o que aconteceu. Eu
não sabia que você gostava de mim… Por favor, me perdoa!
— Tudo bem, tá perdoada! — resmunguei, trincando o maxilar.
Ela piscou, sem acreditar.
— Mas ainda está bravo.
— Luiza, não force a barra, ok? — Eu tinha todo direito de
estar bravo, putaço mesmo, tinha direito até de não perdoá-la e ela
nem poderia reclamar.
Ela assentiu, colocando os cachos atrás da orelha.
— Então… sobre as trufas… será que… — Ela deu outro
passo em minha direção, recuei.
— Posso te entregar os ingredientes que sobraram amanhã.
— Você… — Ela paralisou. — Você não vai me ajudar?
Eu queria gritar.
— Salete está de folga — falei entre dentes, olhando para o
lado. — E você tem que entender que eu não posso te ver por um
tempo.
Parecia duro demais dizer que eu não queria mais vê-la, sem
falar que não ia soar verdadeiro.
Porra.
Claro que eu queria vê-la.
Quase quis que ela aparecesse todos os dias na porta do
departamento só para eu poder ter alguns segundos dela.
— Mas, Theo — sua voz falhou, a observei de lado. — Você
disse que me perdoava. Achei que… que a gente seria amigos de
novo.
Pelo olhar, ela achou mesmo. Mordi o interior das bochechas
para não rir da ironia. O destino devia ser um ser muito infeliz
mesmo para gostar de brincar com as pessoas assim, tão
descaradamente.
— Então agora você acredita em amizade entre homem e
mulher? — Não consegui segurar, nem o sorriso sarcástico que
tomou meus lábios. Iza encolheu os ombros, entreabrindo a boca.
Desviei o olhar. — De qualquer forma, nós nunca fomos amigos, Iza.
Ela não disse nada.
Não tinha mais nada para ser dito. Antes que o silêncio
começasse a implorar por palavras, passei por ela e entrei
praticamente correndo pela porta do departamento.
Acabou.
Acabou, definitivamente.
Capítulo 11

Pensei em ir atrás de Theo.


Mas o que eu poderia dizer?
Estava tão confusa.
Ele disse que me perdoava, mas não me senti aliviada.
Comecei a me afastar, mesmo com uma força invisível
tentando me arrastar para o lado contrário. Meus passos se
tornaram pesados, angustiados. Theo estava bravo comigo, o olhar
ferino e postura rígida me diziam, sem falar nas sobrancelhas que
estavam mais baixas que o habitual, criando uma sombra sobre os
orbes. Ele não tinha me perdoado de verdade, apenas disse aquilo
para se livrar de mim.
Funguei, passando a manga do moletom no rosto. Uma gota
de chuva caiu na minha bochecha.
— Ei! — Alguém gritou, continuei pegando a passarela coberta
para chegar ao meu prédio. O vento gelado me fez estremecer.
Limpei a outra bochecha. Droga de chuva! — Ei! Garota de rosa!
Parei, olhando ao redor, tinha uma garota baixinha correndo
em minha direção. Ela parou ofegante, mas sorridente a poucos
passos. Sua pele negra era mais escura que a minha, a ponta do
nariz mais fina e os cabelos tão escuros que poderiam ser ditos
como pretos formavam ondas até sua cintura, pelo frizz eram
naturais. Ela acenou.
A chuva não estava molhando-a. Eu tinha uma nuvem só
minha, os invejosos diriam que eu só estava chorando mesmo.
— Eu sou a Bárbara — se apresentou, fiquei calada. Eu não
estava no clima para simpatia. Quando se deu conta que eu não
pretendia me apresentar, continuou. — Então, eu quero te perguntar
uma coisa.
— Manda. — Funguei, segurando as alças da mochila.
— Espero que não fique irritada, mas eu estou super a fim do
Theo. — Ela tinha uma carinha apaixonada ao dizer o nome dele.
Mordi o lábio. Ela era bonita. — Tenho aula com ele nesse
semestre, mas não cheguei nele ainda, juro pelos meus porquinhos-
da-índia!
Estreitei as pálpebras.
— Eu só quero ter certeza que vocês terminaram mesmo, não
gosto de caras enrolados com ex, só dá problemas, você sabe. —
Não sabia, mas podia imaginar. Ela queria ter certeza que eu era
carta fora do baralho. Quanta coragem, mas admirei sua
honestidade.
— A gente terminou para valer. — Anui, minha nuvem
particular trovejou. E não só terminou para valer como ele ia
desaparecer da minha vida. Eu não queria aquilo. Eu nem
conseguia imaginar aquilo. Theo era alguém presente na minha vida
há um ano, e eu o perdi numa rasteira só.
Começou numa segunda-feira e acabou numa segunda-feira.
— Ah, que bom… quer dizer, sinto muito, amiga. — EU NÃO
SOU SUA AMIGA! Bufei, começando a bater a ponta do tênis. —
Espero que supere bem!
Sorriu, quase achei que ela ia jogar papeizinhos coloridos em
mim e pressionar uma estrelinha na minha testa. Ela tinha essa
vibe.
— Vou indo… — Deu as costas, fiz uma careta, então ela se
virou para mim e me pegou torcendo o nariz, arregalei os olhos com
o riso preso na garganta. Ela apontou para o próprio rosto. — O que
aconteceu com seu olho?
Olhei para o alto, minha vontade era incorporar um pincher
demoníaco.
— Eu caí, quebrei a bunda e meu olho ficou assim — falei o
mais impassível que consegui. Não resisti ao sarcasmo, era
impossível. Odiava que ficassem me perguntando o que tinha
acontecido com meu olho, principalmente alguém que eu nem
conhecia. Theo nunca perguntou, desde o início ele se interessou e
viu mais em mim do que meu olho. Meu peito comprimiu.
Bárbara pestanejou, abrindo e fechando a boca,
provavelmente sem saber o que dizer.
Decerto tinha percebido que não falei a sério.
— Tchau, Bárbara. — Dei-lhe as costas, acabando com seu
constrangimento.
Fui para minha primeira aula, escolhendo uma carteira no
fundo. Geralmente eu ficava entre as primeiras carteiras para poder
ver melhor o quadro, e mesmo chegando um pouco atrasada tinha
lugares vazios. Mas preferi a solidão do fundão. Me esparramei na
cadeira e fiquei pensando em Theo e em Bárbara. Um peso enorme
tinha sido jogado sobre mim, eu sempre afirmei com convicção que
não sentia ciúmes de Theo, mas, ao que parecia, eu estava me
remoendo de ciúmes dele.
Peguei meu celular decidida a enviar uma mensagem para ele,
mas o que eu poderia dizer?
O que eu poderia dizer que fosse verdadeiro?
Abri o whatsapp e mandei mensagem para Yan.

Eu topo sair. Pode ser domingo?

Era mais fácil assim.

— O que eu faço, Sam? — murmurei para imagem borrada de


batom prensada no espelho. Era domingo à tarde, eu estava pronta
para sair com Yan. Vesti uma blusa de lã branca com um bordado
felpudo da cabeça de um panda. Calça jeans e botas de cano curto.
Nada especial. De qualquer forma, nós apenas íamos ao cinema. —
Eu devia estar feliz, gosto de Yan desde sempre!
Juntei os cachos em um rabo de cavalo alto bem apertado,
peguei creme e comecei a trabalhar nos cachos da franja, deixando-
os brilhosos e definidos.
— Isso… — Soltei um suspiro lamentoso. — Isso parece um
erro.
A aliança brilhou no meu reflexo, estiquei a mão na minha
frente observando o objeto. Não sei o porquê menti para Theo que
estava entalado, o que eu diria? Nem eu sabia por que continuava
com aquilo, ainda mais quando estava na minha lista de coisas
bregas em namoros. Acho que… me fazia lembrar daqueles dias
mais perto de Theo. Como se ao tirar o anel, tudo o que passamos
sumiria no passado, definitivamente.
Fitei Sam, entendendo que aos poucos eu começaria a
entender o que estava sentindo.
Fechei o punho, segurando o celular com a mão livre. Avisei
Yan que esperaria na frente de casa.
Guardei o celular, peguei algum dinheiro e saí do quarto. Dei
um pulo com a mão no peito ao me deparar com Lucas parado
encostado na parede do meu quarto, pelo visto só me esperando.
— Não quero você perto do Yan. — Jogou antes que eu me
recuperasse do susto. Franzi a testa. Sua expressão de poucos
amigos não me intimidava.
— Ah, é? E por quê? — Cruzei os braços, provocando-o.
Ele enrijeceu o maxilar.
— Eu sei que você gosta dele desde de criança — falou, aquilo
me desestabilizou, o constrangimento me fez abaixar o olhar. —
Não faz isso com você mesma.
— Você não acredita mesmo que um cara pode gostar de mim,
não é? — Cerrei os punhos, deixando o constrangimento de lado
quando a mágoa e a raiva tomaram espaço. Lhe dei as costas, me
afastando.
— Não é isso, Iza! — disse vindo atrás de mim.
— Então você é só um irmão muito protetor — debochei,
lançando um olhar afiado por sobre o ombro. Seu cenho estava
franzido.
— Otária — grunhiu, enroscando o dedo no colar que nunca
tirava do pescoço, tinha um pingente de girassol. Era um tique
nervoso.
— Vai dormir!
Mostrei o dedo do meio antes de sair pela porta, batendo com
força em seguida.

— Vou tentar de novo! — anunciou Yan, pegando mais uma


nota da carteira.
— Não mesmo, você vai falir! — protestei, empurrando seu
ombro. Ele abriu um sorriso de orelha a orelha para mim. Os cachos
escuros lhe davam um ar todo angelical, ele tinha um jeito calmo de
lidar com as pessoas e situações, mas quando ficava bravo fechava
a expressão e não falava com ninguém deixando claro que estava
muito puto. Era como se eu o conhecesse como a palma da minha
mão. Ele me fazia querer sorrir, me deixava confortável, às vezes
sentia um friozinho na barriga quando ele ficava muito perto. Então
o que tinha mudado? Por que eu estava ali com a sensação
conflituosa de desejar estar em outro lugar?
— Última tentativa, prometo! — Inseriu a nota na máquina.
Soltei o ar pelos lábios, me dando por vencida.
— Odeio essas máquinas — resmunguei. Yan mexeu no
controle, tentando pela quinta vez pegar um ursinho, o gancho caiu,
segurando malemá a cabeça de um unicórnio. — Ai, meu Deus!
Yan riu, levando o gancho para a caixa, quando estava quase
chegando a pelúcia caiu com metade do corpo no buraco, mas não
caiu. Soltei um gritinho revoltado enquanto Yan praguejava.
— Desisto agora! — Ergueu as mãos em posição de rendição.
Mordi o lábio para não rir, fiquei com pena dele. — Quer assistir ao
filme?
— Pode ser.
Seguimos para fila comprar nossos ingressos e pipoca. Não
tinha nenhum filme que eu considerasse interessante, nem
lembrava a última vez que fui ao cinema. Se ficasse entediante, eu
podia me perder na minha própria mente criando universos,
diálogos, amores, pessoas.
— Tá tudo bem entre você e o Lucas? — perguntei, podia
acreditar que existia um tipo de código entre eles sobre não se
aproximar de mim em sentidos românticos, mas não era como se
Lucas não conhecesse o melhor amigo, ele sabia que Yan era uma
boa pessoa. A melhor pessoa de todas. Junto com Theo.
— Uhum. — Yan ergue mais o zíper do casaco. — Por quê?
— Nada, não. — Dei de ombros, ele não insistiu.
O filme que escolhemos era uma comédia, peguei pipoca doce
e ele salgada. A sala não estava cheia, então não tinha barulho
durante o filme. Admito que o ambiente em baixa luz me deu sono, o
filme não era dos melhores. Nunca fui muito envolvida por comédia,
nem nos filmes, nem nos livros.
Yan não puxou assunto, estava concentrado na tela. Tão
concentrado que me perguntei se não tinha se perdido em sua
mente também, apesar dos reflexos das cenas em seus orbes.
Brinquei com a aliança na minha mão, girando no dedo. Era
uma pena que Theo e eu nunca fomos ao cinema, conseguia
imaginar perfeitamente nós dois discutindo detalhes banais dos
filmes, como a protagonista apontando o pé sujo para o alto,
confesso que queimei neurônios pensando naquilo.
Minha mente viajou para um ano atrás. Fazia um mês que as
aulas tinham começado e que aquele cara-bonito-chupa-meu-
geladinho tinha presenciado minha humilhação. Lucas tinha
recebido convite de um veterano para uma festa num barzinho onde
só iam os universitários, um tal de Tribuna, fui com ele e Yan,
usando minha prótese. Fiquei pensando se encontraria aquele
rapaz, acho que eu quis tanto esbarrar com ele que Deus teve pena
e fez ele surgir na minha frente… quero dizer, cair na minha frente.
Preciso fazer xixi, preciso fazer xixi, preciso fazer xixi,
preciso… Eu já tinha visto a porta com a bonequinha com vestido
brilhando em neon rosa, quando alguém caiu na minha frente,
praticamente aos meus pés. Eu berrei. E ele ouviu, apesar da
música alta, ele se levantou em um pulo, sorrindo enquanto ajeitava
a camiseta. Fiquei tão surpresa por encontrar o cara-bonito-chupa-
meu-geladinho que quase virei e fui embora.
Ele disse alguma coisa.
— O QUÊ? — gritei, alguém esbarrou em mim derramando um
pouco de cerveja no meu braço, fiz careta.
O cara-bonito-chupa-meu-geladinho se aproximou, colocando
a boca na minha orelha. Estremeci.
— Eu não estou bêbado! — Me olhou sem se afastar, crispei a
testa, ele parecia muito bêbado para mim. Ele voltou a colocar a
boca na minha orelha, me arrepiei, ele tinha um cheiro gostoso. —
Eu perdi uma aposta para o barman e estava dançando no balcão
quando te vi, mas esqueci que para chegar até você eu precisava
descer do mesmo jeito que subi.
Gargalhei, ele riu também, certo ele cheirava só um pouco a
cerveja, talvez não estivesse “tão” bêbado.
— Eu preciso ir ao banheiro! — gritei, sem coragem para me
aproximar tanto.
— Vou esperar!
Fui ao banheiro, mijei mais rápido do que se pode dizer
“peido”. Um lado meu não acreditou que ele esperaria, mas quando
saí do banheiro ele estava esperando do lado de fora segurando
duas bebidas. Aproximei-me, ali na entrada dos banheiros o som
não chegava tão alto.
— Peguei pra você. — Os olhos dele se atentaram no meu
rosto tempo suficiente para eu perceber que ele lembrava do meu
olho, mas como estava de prótese aquilo o confundiu. Felizmente
ele não perguntou nada.
— Eu não aceito nada de estranhos. — Neguei com um gesto
de mão, apoiando o ombro na parede, onde estávamos não
atrapalhava a passagem de ninguém.
— Tá certa, desculpa! — Ele sorriu, nenhum pouco ofendido
pela minha recusa. Sorveu um gole da garrafa, os orbes sem se
desviar de mim. Tinha uma fina camada de suor em sua pele,
deixando-a brilhosa sob as luzes coloridas do lugar, alguns fios de
cabelo estavam grudados nas têmporas. — Eu sou o Theo, calouro
de engenharia e você?
— Luiza, caloura de publicidade. — Observei seu braço,
coberto por uma tatuagem de partitura, com algumas notas
musicais, começava no pulso e desaparecia na manga curta da
camiseta preta, na mão daquele mesmo braço tinha um relógio
rodeado de folhas. — Gostei das tatuagens.
— Eu tenho uma mais embaixo que você ia adorar! — Ele
bebia sua cerveja como se fosse água, fiquei com vontade de provar
da sua garrafa e depois beijá-lo.
Arregalei os olhos. “Por favor, me mostre o que você tem mais
embaixo!”. Meu corpo estava ficando quente e meus pensamentos
seguindo uma linha ousada. Mas poxa, eu estava na faculdade
agora! E quando um cara padrãozinho ia me dar um mole daquele
de novo?
— Ah, não! — Ele negou com a cabeça, rindo, se dando conta
do que insinuou. Achei lindo a mancha vermelha que cobriu suas
bochechas e nariz. — Não quis dizer lá embaixo — enfatizou,
constrangido. Mordi o lábio. Ele deu uma olhada ao redor. — Eu
quis dizer… — ele levantou a barra da camiseta só o suficiente para
exibir o abdômen, segurei o ar completamente apaixonada pela
águia que cobria todo seu abdômen, ela estava pronta para atacar,
com asas abertas e garras de fora. — Gostou, linda?
— Eu adorei! — Quantas mais ele tinha? Fiquei encantada e
meus dedos coçaram para tocar o desenho, não sei o que deu em
mim, mas minha boca ficou seca de repente. — Tem algum
significado?
Ele soltou a camiseta, que caiu preguiçosa deixando só uma
pontinha de pele aparecendo. Caralho, ele era tão sexy!
— Essa não, só achei bonita mesmo. — Sorriu meio que se
desculpando, esticou o braço tatuado. — Mas eu adoro música.
Tenho uma moto com um velocímetro grande na panturrilha, um dia
vou ter uma. E tenho uma na nuca… — torceu o nariz, seu piercing
no septo brilhando por conta das luzes.
— Deixe eu ver! — Algo em sua expressão instigou minha
curiosidade.
— Ah, mas aí você vai me achar ridículo, vai fugir sem me
passar seu telefone e arroba das redes, e vou chorar. — Assentiu,
levando uma mão ao peito.
Ele era esperto.
— Certo, eu te passo tudo isso e você me mostra a tatuagem.
— Entreguei meu celular a ele. Theo mordeu o lábio, o olhar
malicioso se demorando na minha boca. Respirei fundo.
— Uma troca justa, só não vale me bloquear depois. — Salvou
o contato e fez uma chamada para o seu celular, então devolveu
meu aparelho.
— Ah, qual é? Não pode ser tão ruim. — Agora eu estava
extremamente curiosa.
— Bem, é por causa dela que não corto o cabelo. — Gemeu,
frustrado e constrangido. Se virou, antes de erguer o cabelo me
olhou por sobre o ombro. — Em minha defesa eu tinha dezesseis
anos, estava bêbado e perdi uma aposta.
— Você gosta de apostas? — Eu odiava, e não curtia quem
achava isso uma coisa bacana.
— Só quando tenho certeza que vou ganhar, mas às vezes
perco. — Levantou os cabelos. Coloquei as mãos em suas costas e
fiquei nas pontas dos pés, eram duas palavras bem pequenas, mal
dava para conseguir distinguir o que estava escrito porque o “e”
quase virou o “o”, e o “r” se juntou a última vogal. Evidentemente
não foi feito por um profissional.
— Hétero Top? — chutei, primeiro porque estava difícil de ler e
segundo porque era absurda demais. Talvez nem tanto, se tratando
de uma aposta.
Theo se voltou para mim, sorvendo vários goles da sua bebida,
o movimento do pomo de Adão me deixou hipnotizada.
— Não sai correndo, por favor! — pediu, as pálpebras já
pesadas pela bebida. — Achei que nunca mais ia te encontrar,
quase não acreditei quando te vi passando. — Apontou para trás,
em direção onde ele caiu. — Eu beijo bem, juro. — Ele piscou
algumas vezes, e diante do meu silêncio deu dois tapas em seu
rosto. — Argh, eu sou um idiota, nem perguntei se você tem
namorado, mas se não estiver a fim tudo bem, eu entendo.
— Não tenho namorado. — Neguei com a cabeça. Admito que
a tatuagem da nuca quase me fez perder o encanto, mas Theo era
muito mais do que aquilo. Ele era engraçado e lembrava de mim, e
pelo visto esteve pensando em mim naquele um mês. Eu com
certeza estava disposta a comprovar se ele beijava bem.
— E aquele cara que te chamou de priminha?
Pff.
Ele lembrava.
Que humilhante.
Fiz uma careta.
— Já superei — menti. Não era importante se a gente só se
beijasse. Dei um passo para mais perto, a ansiedade me
consumindo por dentro. Ele era tão bonito. A Luiza de quinze anos
diria que vencemos na vida!
— Ótimo. — Deixou suas bebidas em um canto e se
aproximou, colocando as mãos na parede ao lado da minha cabeça,
seu corpo estava tão quente ao pressionar o meu que minha
respiração se perdeu no meio do caminho. Joguei os braços por trás
de seu pescoço, acariciando sua pele. — Você é tão linda —
murmurou em um momento de contemplação, e, naquele ínfimo
instante, acreditei naquilo. Sua respiração pesada bateu no meu
rosto antes de seus lábios úmidos rasparem nos meus, ele usou a
ponta da língua para provocar o lábio inferior. Abri a boca, busquei
sua língua com a minha, unimos nossas bocas, ele soltou um som
gutural em meio ao beijo. Quis que ele me erguesse para que eu
abraçasse seu quadril com as pernas, mas tratei de me controlar
pois ainda tinha alguma ideia de onde estava.
Ele tinha um piercing na língua! Me derreti completamente, me
agarrando a Theo. Sua língua era uma mistura entre doce e amargo
da cerveja, e estava ligeiramente gelada, talvez pela bebida. Aquela
mistura me deixou tonta. Suas mãos foram para minha cintura,
afundando os dedos com força.
Theo.
Theo.
Lembrar daquela noite me causou um misto de excitação e
tristeza.
Fiquei relembrando outros momentos com Theo, do seu
sorriso, da sua voz, de como ele me olhava. Sentia falta. Muita!
— Quer comer alguma coisa? — Yan perguntou ao meu lado,
me sobressaltei. Ele sorriu. Nem havia percebido que o filme
acabou, nem lembrava o que tinha acontecido do meio para o final.
— Ah, tudo bem.
Demos uma volta olhando algumas lojas antes. Ao passar na
livraria fui fisgada pelos vários títulos que conhecia, e por outros que
desejava ler. Yan ficou ao meu lado. Ele era um tanto silencioso.
— Gosta de ler? — perguntei.
Esperei que ele desse a mesma resposta de Theo, sobre os
artigos da faculdade.
— Não muito — murmurou, e o assunto acabou ali. Na outra
vitrine depois da entrada da livraria, uma cena me chamou a
atenção, tinha um pai com um menino de uns cinco anos talvez,
apontando para a capa de O Primeiro Beijo de Romeu, um romance
lgbtqia+.
— Dois homens se beijando, que coisa feia, filho — ele disse
para a criança, alto o bastante para ouvirmos. Meu queixo caiu
sobre meus pés. — Eca, deviam tirar isso daí.
O menino ficou só olhando. Fiquei enojada, Yan percebeu, ele
estava com o cenho franzido, bravo de um jeito que vi poucas
vezes.
— Babaca — resmungou baixinho, cerrando os punhos. O
homem olhou em nossa direção, Yan o fuzilava, me assustei com a
intensidade da sua raiva. Ele parecia disposto a dar um murro no
cara, que ergueu uma sobrancelha para nós.
Segurei sua mão.
— Vamos sair daqui! — Puxei-o, ele me seguiu com relutância,
encarando o homem até virarmos na área de alimentação do
shopping. Minhas mãos estavam suando de nervosismo, quase
achei que Yan faria alguma coisa, talvez se fosse alguém
esquentadinho por natureza eu não pudesse ter feito nada. — Você
tá legal?
— Quero ir embora — falou em um fôlego só, como se tivesse
dificuldade para respirar. — Desculpa, Iza. Eu não sei o que deu em
mim. — Abriu um sorriso nervoso, passando uma mão no rosto.
— Tudo bem, fiquei com nojo daquele homem também. Que
horror, espalhando ódio para uma criança, meu Deus. — Um
menino que nem devia saber ler ainda e formar as próprias opiniões.
Conseguia imaginar diversos xingamentos para jogar naquele
homem asqueroso.
Yan assentiu, então fomos embora.

— Desculpa outra vez, estraguei tudo. — Agora que estava


mais calmo, Yan estava incomodado pelo o que aconteceu, eu até
ousava dizer que estava arrasado por virmos embora. — Nem deu
de comer alguma coisa.
— Nós comemos bastante pipoca durante o filme, nem cabia
mais nada na minha barriga. — Tentei tranquilizá-lo. Paramos no
portão da minha casa, começava a anoitecer, as estrelas surgiam
timidamente no céu, e o ar ficava mais frio. Apertei os braços em
volta do corpo para me aquecer.
— Mas foi legal, né? — Abriu um sorriso de lado.
— É, foi demais. — Assenti, forçando um sorriso. Na verdade
foi muito aquém das minhas expectativas, que já eram quase nulas.
Foi como sair com a minha mãe, tudo normal. Mas a sensação de
que eu deveria ter gostado, como se fosse uma obrigação, me
incomodava.
— Podemos sair outras vezes. — Ele começou a se aproximar,
olhando além para a minha casa, depois voltando a mim.
— Por quê? — Eu precisava entender o porquê ele queria sair
comigo, ele até tinha me beijado.
Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso.
— Por que eu quero sair com você? — indagou. Assenti, ao
que parecia ele sempre soube que eu gostava dele, então nada
mais justo do que deixar as coisas claras para mim. Eu precisava
disso depois de me equivocar em relação ao Theo. — Sempre achei
você interessante, divertida, bonita, mas… — Hesitou, e naquele
segundo seu olhar ficou sombrio. — Sempre teve Lucas
atrapalhando as coisas.
Estreitei o olhar. Aquilo devia ter me impactado?
Fiquei em silêncio, eu acreditava. Mas… não significou nada.
— E depois que você começou a namorar com aquele emo, eu
percebi que poderia te perder — acrescentou um tanto
constrangido.
Entre as coisas que ele disse, a única que me despertou
alguma coisa foi ele chamar Theo de emo. Mas continuei sem dizer
nada. Precisava pensar.
Yan ficava olhando para a minha casa, provavelmente para ter
certeza que não tinha ninguém espionando.
Suspirei, confusa.
— Certo, eu vou entrar ago… — Ele me interrompeu,
segurando meu rosto e pressionando os lábios aos meus. Fiquei
paralisada no começo, então fechei os olhos. Sua língua encontrou
a minha com lentidão. Ele não se aproximou mais do que aquilo,
também não busquei por seu corpo. Senti um friozinho na barriga,
mas o beijo não me arrepiou, não me deixou sem fôlego, não me
deu tesão. Quando Yan se afastou com um sorriso incerto, eu só
quis virar sem dizer nada e entrar em casa.
— A gente se fala então. — Se aproximou outra vez com
intenção de me beijar, recuei o que o deixou confuso, quase achei
que ele diria “pensei que você gostava de mim”. Ele meio que tinha
me traumatizado com essa frase.
— Não posso, eu ainda penso no Theo — admiti, girando a
aliança no dedo. Yan notou, demorando o olhar no objeto. — Estou
confusa, desculpa. Preciso pensar.
— Certo. — Ele assentiu, impassível. — Eu sou paciente.
Assim que Enny me viu me aproximar, ela se armou
completamente, as roupas e os brincos em formato de comida
davam a ela um aspecto fofo, mas o pouco que conheci dela, Enny
era o contrário de fofa.
Ela estava certa sobre eu magoar o Theo.
Talvez ela quisesse me bater.
Tudo bem, eu conhecia um golpe de defesa pessoal que
aprendi em um livro, que envolvia segurar o pinto do homem e
torcer… Olhei bem para Enny, provavelmente não funcionaria com
ela.
— Eu vou te bater! — rosnou mostrando os caninos, que eram
bem pontudos por sinal. Eu fiquei esperando Theo no portão de
entrada da universidade, mas Enny chegou primeiro.
— Tudo bem! — Comecei a prender o cachos, respirando
fundo. — Só me escuta primeiro.
— Não! — esbravejou, chamando a atenção de quem
passava. Seu rosto estava completamente vermelho, ela estava
furiosa comigo. O bom era que eu poderia correr mais rápido já que
minhas pernas eram mais compridas. Ela apontou o dedo indicador
para mim. — Eu mandei você ficar ligada. — Eu lembrava. — E
você pisou feio na bola, Luiza. Você mexeu com o cara errado.
Coloquei as mãos nos bolsos do casaco, depois tirei, eu
precisava estar pronta para o ataque. Eu estava com medo, nunca
briguei com ninguém, e olha que sempre tive muitos motivos para
isso. Ela precisava me ouvir!
— Eu sei — admiti com um gosto amargo na língua. — Enny,
eu sei. E me sinto tão mal por isso. Eu não sabia que o Theo estava
apaixonado…
— Você traiu ele! — acusou, praticamente gritando. Alguém
que passava soltou um “muuuu” fazendo um grupo de alunos rirem.
Fiquei agitada.
— Foi só um selinho — me defendi, mantendo a voz baixa. Me
deixava ainda pior sabendo que Theo considerava que o traí, e não
importava o que eu falasse, depois do que eu disse naquela noite,
ele continuaria acreditando naquilo.
— Uhum. — Ela revirou os olhos, cruzando os braços em uma
postura debochada.
— Eu… eu… — Estava ficando desesperada. Limpei as mãos
suadas no meu casaco. — Eu estou muito confusa, Enny. Quero
falar com Theo de novo. Eu… preciso entender o que estou
sentindo.
Precisava ter certeza se era só culpa ou… se era outra coisa.
— Você é tão egoísta! — Enny estreitou o olhar com desdém.
Fiquei pasma. Eu não era egoísta! — O pai do Theo está internado,
e talvez ele morra! — Foi um baque de certa forma, só conseguia
pensar no Theo e no que estava passando, aquilo pressionou meu
peito dolorosamente. — Se você se aproximar agora, o Theo vai
começar a mentir para si mesmo de novo — sua voz se abrandou,
carregando certa tristeza. — E ele não precisa disso. Então, Luiza, a
menos que tenha certeza do que quer, não chega perto dele.
Minha garganta se fechou, mas entendi.
Sem conseguir falar, apenas assenti, morrendo por dentro por
não poder ficar perto dele naquele momento.

Quando tombei na minha cama aquela noite, escrevi. Era a


única forma de expulsar tudo o que eu estava sentindo, mas não
sabia nomear.
Foi o suficiente para terminar a história.
Depois chorei.
Capítulo 12

Não perdi o ônibus dessa vez.


Em compensação, fiquei vagando pelo campus como um
fantasma. Perdendo aula. Tive medo de encontrar Luiza na entrada
do departamento de novo. Uma parte minha meio que queria que
ela estivesse lá esperando por mim, significava que ela se
importava. Mas a outra parte, um pouco maior, só queria um tempo
para pensar em tudo o que estava acontecendo.
Minha jaqueta forrada com lã não conseguia aplacar o frio
cortante. Minha respiração condensada tinha aspecto de fumaça
esbranquiçada. A ponta do meu nariz, dedos das mãos e pés —
principalmente os pés — doíam. Olhei para o céu estrelado limpinho
de nuvens, só podia significar geada no dia seguinte. E era só abril
ainda, porra!
Apesar do frio, havia muitos alunos desfilando pelo campus,
alguns correndo. Ouvi uma risada, num canto escondido entre dois
blocos tinham dois caras, aquele ponto era iluminado pois, como
havia aulas no período noturno, o reitor não gostava de nenhum
ponto escuro que as câmeras não conseguissem capturar. Era uma
segurança.
Diminuí o passo quando os reconheci, era o irmão de Luiza e
aquele cara que eu não lembrava o nome, mas odiava. Eles
estavam fumando, só podia ser maconha para estarem naquele
canto de costas para as câmeras.
Vi quando o… o Desgraçado — seria o nome dele — soltou
uma baforada de fumaça no rosto de Lucas que o empurrou.
— Eu tô falando sério, filho da puta! — esbravejou Lucas, os
punhos cerrados ao lado do corpo. Olhei para os lados, tive um
impulso de gritar “EU SEGURO E VOCÊ BATE!”, mas lembrei que
Lucas era um irmão merdinha e que minha vontade mesmo era de
bater nos dois. Ultimamente, eu só precisava socar alguma coisa
com força suficiente para arrebentar os tendões.
O Desgraçado se eriçou, peitando o amigo.
— Então me bate, caralho! — Os dois se encararam, fiquei
esperando pelos golpes. Era errado querer um pouco de diversão?
Poxa, eu andava evitando até Enny. Eles ficaram tempo demais
naquele postura de ataque. Bem, já não parecia mais que queriam
se bater.
Lucas moveu o rosto ligeiramente em minha direção, o
Desgraçado fez o mesmo. E de repente eu me tornei o alvo dos
seus olhares raivosos.
Voltei a caminhar, mantendo o mesmo ritmo de antes, mas o
contato visual entre nós três só acabou quando o prédio os
escondeu de vista.

— Sabe quando vicia em um música e escuta ela por dias, até


enjoar, mas ela continua sendo aquela música? — perguntei para o
meu pai, ele estava em um estado semi acordado, às vezes
soerguia as pálpebras, mas parecia fraco demais para mantê-las
abertas. Devia estar pensando “quem é esse garoto estranho
falando nada com nada?” ou “Theo precisa de mamadeira”. — Por
isso I Hate Everything About You não sai da minha playlist há
séculos, Three Days Grace é uma banda foda demais. Você não
lembra, mas com doze anos eu ouvia bem alto no meu quarto, Lúcio
ficava tão irritado.
Ri. Estava sentado na cadeira ao lado, Amanda tinha saído
para que eu pudesse ficar mais à vontade com meu pai no horário
de visita. Estava organizando minhas playlists, e decidi conversar.
Fazia muito tempo que eu não conversava com meu pai. Ele
não respondia, não tinha nem certeza se estava prestando atenção.
Mas eu precisava daquilo, era melhor do que ficar em silêncio
esperando ele morrer.
Lúcio estava me liberando do serviço à tarde, eu não sabia se
ele visitava o papai à noite, ele nunca falava nada, pelo contrário,
nunca esteve mais silencioso.
— Gosto da Banda Three Days Grace, mas até o senhor
concordaria que Green Day está em outro patamar.
Lembrei dos pôsteres no quarto de Luiza, a playlist dela devia
ser totalmente diferente da minha. Não tive tempo de conhecer. E o
Desgraçado tinha cara de quem só ouvia sertanejo sofrência. Nada
contra, tinha algumas um pouquinho poéticas.
— Aposto que ela gostaria da Avril Lavigne — murmurei,
cerrando os olhos por alguns minutos. Era bastante difícil não
pensar em Luiza. Era um problema imenso que tivemos tantos
momentos juntos, as lembranças eram torturantes e talvez eu não a
conhecesse tão bem quanto pensava, mas os momentos… Humpf!
Ouvi um grunhido, meu pai estava me olhando, as pálpebras
pesadas. Segurei sua mão, apertando.
— Isabella! — chamou em um sussurro rouco.
— Ela foi ao banheiro. — Era melhor do que dizer que ela
estava morta há vinte anos. Nem gostava de pensar nisso. Meu
aniversário sempre foi uma merda, levei um bom tempo para
entender o porque outras crianças ganhavam festas e presentes e
eu não. Foi no meu aniversário de quinze anos quando ganhei meu
primeiro bolo, os pais de Enny compraram para mim. Foi o
aniversário mais bacana que eu me lembrava.
Ele pareceu mais tranquilo.
— Ela tá grávida, vive no banheiro mijando. — Ele riu, mas
acabou tossindo, seu corpo inteiro tremendo e encolhendo.
Continuei segurando sua mão. — É um menino, vai se chamar
Lúcio.
Nada de mamadeiras para Theo, então.
Segurei um suspiro.
Ergui o pescoço, o outro paciente dormia tranquilo.
— Como era… Como é a Isabella? — Guardei o celular no
bolso e apoiei o antebraço na barra de proteção, ficando mais perto
dele.
Papai abriu um sorriso doce, o olhar cansado se iluminou. Ele
a amou, intensamente pelo visto. Deve ter sido horrível quando ela
morreu, como ele conseguiu me olhar? Ou cuidar de mim? Ou se
importar o suficiente para parecer atormentado por não conseguir
sair da poltrona para “dar mamadeira para o Theo”?
Ele me culpou em algum momento?
Lúcio me culpava?
— Ela é muito teimosa — se forçou a dizer, terminando em um
novo acesso de tosse, ele ficou vermelho. — E fofoqueira,
barraqueira, adora ver uma briga.
Fiquei perplexo.
Não esperava por aquilo.
— Mas é também carinhosa… do jeitinho dela… às vezes eu
fico confuso se ela está me batendo ou dando um carinho. — Ele
sorriu, encantado.
Jesus, o amor deixava as pessoas tão bobas.
— Ela parece ser incrível. — Sorri, sentindo um aperto no
peito. Não importava o quão rico ele fosse em detalhes, eu não
conseguia imaginar a minha mãe, a personalidade, quero dizer.
Lúcio a conheceu, e o invejava por isso.
Papai me olhou com atenção.
— Quem é você?
— Eu sou o Theodoro. — Apertei sua mão.

Não vai me responder?


Theoooooo
Pobre pé rapado sem um tostão furado Pq tá me
ignorando????
Matei teu pato?
Eu sei onde você mora, sei onde trabalha, vc não vai
conseguir fugir de mim -.-
Te odeio
Theo, duvido vc adivinhar essa: o que 6 carbonos de mãos
dadas estão fazendo com 6 hidrogênios na igreja???
BENZENO KKKKKKKKKK
Piada de química para cima de mim? Enny devia estar
desesperada pela minha atenção. Dessa vez eu era culpado, estava
mesmo a ignorando. Tinha pedido carona para ir ao hospital visitar
meu pai, mas acabei pegando ônibus no fim das contas. Também
vinha faltando às aulas na última semana.
Sentia-me sem rumo.
Antes era como se houvesse uma estrada, sabia para onde ir,
o que fazer e o que estava sentindo. Então Luiza me atropelou e o
internamento do meu pai me chutou para fora da estrada. E eu não
sabia encontrar o caminho de volta.
— Já falei para não subir na moto dos clientes — a voz baixa e
seca do meu irmão me tirou do mar revolto que era minha mente.
Guardei o celular no bolso e saí de cima da moto com paciência. —
Não quero que algum deles chegue e pense que nós passeamos
por aí com suas motos.
Eu não acreditava que pensariam isso, mas ele era meu patrão
então não contrariei. Observei a lataria do tanque reluzindo, ela
chamava por mim: Vamos voar, Theo! Era como uma maldita sereia.
Espera só mais um pouquinho, bebê.
Sentei sobre uma pilha de pneus, notando que Lúcio
continuava parado, com os braços cruzados e os cantos dos lábios
curvados para baixo.
— Algum problema? — perguntei, esfregando a mão uma na
outra para espantar o frio. A touca na cabeça protegia minhas
orelhas.
Lúcio virou, ficando de frente para mim, ele tinha o cabelo
curto, rente à cabeça e de um loiro escuro. Piscou várias vezes, os
olhos estavam um pouco vermelhos, um alerta soou na minha
cabeça. A cada segundo que passava, a aflição crescia dentro de
mim.
Ele deu alguns passos em minha direção.
— Amanda ligou… — ele não precisou dizer mais nada.
Uma dor intensa me atingiu bem no meio, me obrigando a me
curvar, enfiando a cabeça entre os joelhos. Era uma dor constante
que se acentuava a cada respiração.
Senti os braços do meu irmão me cercando, depois foi tudo um
grande borrão.
Capítulo 13

Tinha algo estranho no ar.


Levantei a cabeça ao sair do meu turno no café, parecia tudo
certo na rua. As pessoas passando, o clima um pouco mais quente
que o habitual, estava usando só uma blusa fina e calça legging.
Dois dias atrás teve uma geada que deixou a grama da frente
de casa branquinha.
Te odeio aquecimento global!
Contudo, tinha algo estranho, eu não soube dizer, mas me
deixou inquieta.
— Tudo bem aí, Iza? — Davi cutucou meu braço ao sair do
café, cruzando a alça da pasta no peito.
— Ah, tudo. — Balancei a cabeça, tentando ignorar a
sensação. Começamos a caminhar lado a lado, ele também pegava
ônibus. O café ficava a uma quadra da catedral, naquele horário de
fim de tarde a praça em frente à grande construção se enchia de
sombras, deixava uma paisagem bonita.
— E sobre a sua prótese? — perguntou. Encarei-o, um tanto
surpresa pelo interesse.
— Eu ainda estou juntando dinheiro. Por quê?
Ele moveu um dos ombros, ficando em silêncio.
Atravessamos a rua, descendo em direção ao terminal urbano.
— Na verdade — começou Davi, hesitante —, ouvi Regina
reclamando, ela precisa de mais alguém no salão, e a cozinha não
precisa de tantas pessoas.
Eu não podia fazer muito na cozinha, claro que seria muito útil
lá se tivesse o mínimo de conhecimento de confeitaria.
— Você acha que ela vai me demitir? — Era o meu medo.
Regina nunca me deixaria atender sem prótese, eu percebia quando
seu nariz franzia de leve com nojo ao me encarar. Cruzei os braços.
— Não sei — disse apenas.

Estiquei os braços acima da cabeça, me espreguiçando, juro


que ouvi pelo menos uns cinco estalos na minha coluna. Arrastei-me
até a pia, enchendo um copo de água, estava exausta depois de
terminar uma prova online do meu curso EaD, bem em cima da
hora, como sempre.
Depois daquele copo eu ia capotar na cama e esquecer de
existir.
Um miado me chamou a atenção.
Luigi estava sentado sobre as patas, balançando o rabo,
aquele olhar vidrado em mim.
— Se afasta, besta fera! — resmunguei depois de beber minha
água. Luigi mostrou a pontinha da língua, obviamente zombando de
mim. — Criatura maligna. Quero ver até onde vai essa audácia. —
Enchi o copo de água, pronta para minha vingança quando ouvi
passos vagarosos.
— O que tá fazendo acordada? — Lucas coçou os olhos, a
roupa que chegou da faculdade toda amassada.
— Tomando água. — Beberiquei o líquido, olhando de
esguelha para Luigi, ele precisava saber que eu ainda não o tinha
perdoado pela afronta de comer minha prótese. — E antes disso
fazendo uma prova.
— Hum. — Seus olhos estavam pequenos de sono, tomou o
copo da minha mão, enchendo até a borda e depois tomou gole
atrás de gole até não sobrar nada, usou a manga do moletom para
limpar os cantos da boca. — Posso te perguntar uma coisa?
Ele me olhou de canto, arqueei uma sobrancelha cruzando os
braços.
— Que pergunta?
— O que rolou entre você e o Emo Triste?
Estreitei o olhar, eu não conseguia conter a irritação a cada
vez que se referiam ao Theo daquela forma pejorativa.
— Devia ter perguntado há três semanas atrás! — retruquei,
ainda amargurada por tudo o que tinha acontecido.
Lucas ficou pensativo.
— Foi por causa do Yan?
Não completamente.
Não ia entrar em detalhes sobre aquilo com ele. Era ruim não
poder me abrir com meu próprio irmão, mas o mesmo não fazia por
merecer, nem parecia se importar de verdade. Era triste ver como
Lucas se transformou em um egoísta arrogante e babaca. E quando
eu tinha oportunidade devolvia na mesma moeda.
Fitei o pingente de girassol em sua corrente. Ele ganhou de
Lara, sua namorada, ela morreu de forma trágica, e que nos marcou
muito na época, há três anos, mas teve uma influência tremenda
sobre Lucas. Às vezes eu via o seu jeito de agir como uma forma de
se proteger, o que era pior, pois significava que ele tinha escolhido
ser um imbecil e gostava desse papel.
— E se foi? — rebati porque sabia que ele não gostava da
ideia de Yan e eu ficando.
Ele se apoiou na pia, apertando as mãos na beirada de inox
com força.
— Quer saber? Tanto faz, tenho mais com o que me preocupar
— resmungou, indo em direção ao corredor. Quando disse se
“preocupar” eu sabia que ele estava se referindo a Nanda.
— Lucas! — chamei, ele me olhou por sobre o ombro. — Eu
não sei se é importante, mas a última vez que Nanda dormiu aqui,
eu encontrei ela quase desmaiando no corredor, e ela ficou bem
chateada por eu ter visto.
Lucas umedeceu os lábios, crispando as sobrancelhas. Eu
tinha certeza que sua mente estava trabalhando como um trem a
vapor.
— Será… que ela está grávida mesmo? — A ideia o apavorou.
Dei de ombros, tomando o mesmo caminho que ele.
— Vocês não usavam proteção?
Ele revirou os olhos.
— Sempre, sua freira.
— Ei — reclamei, empurrando seu braço. Eu não era nenhuma
freira, e sim muito safada, isso sim… Pelo menos achava. Tive um
ficante fixo por um ano, oras! Mas não usei aquilo em minha defesa
porque não queria continuar falando sobre Theo.
— Nanda transava com outros caras também. — Franziu o
cenho, e foi minha vez de revirar os olhos. Como se ele fosse
homem de uma pessoa só!
— O jeito é perguntar para ela. — Segurei a maçaneta da
porta, Lucas ficou parado diante da porta de seu quarto.
— Vou mesmo — disse determinado, entrando em seu quarto.
Fiz o mesmo, cumprindo minha promessa de tombar na minha
cama, mas meus olhos não pregaram.
Pensei em Theo e no meu desejo torturante de procurá-lo.
Doía meu coração quebrado. Mas tinha entendido o ponto de vista
de Enny. Talvez a distância fosse boa para eu não me confundir
ainda mais. Procurei seu perfil no instagram, gostava de ver seus
stories, principalmente nos quais ele ficava sem camisa e com o
cabelo molhado parecendo os caras do Pinterest. Porém,
ultimamente ele não colocava muita coisa, devia estar sendo uma
barra difícil por causa de seu pai. Procurei o perfil de Enny, e no
dela tinha um post de luto, marcando Theo.
Sentei-me abruptamente na cama, meu coração palpitando
angustiado no peito. Aquele post era do fim da tarde.
Theo…
Levei uma mão ao peito, sem conseguir reagir por um bom
tempo. Minhas mãos começaram a tremer e suar. Respirei fundo,
tentando organizar os pensamentos.
Theo…
Levantei-me, caminhando de um lado ao outro, não sabia o
que fazer, quer dizer, eu queria… precisava falar com Theo, mas a
notícia abrupta tinha me tirado do eixo e não conseguia lembrar
como mandar a mensagem.
Theo, Theo, Theo, Theo…
Escorei-me na parede, lentamente escorregando ao chão,
curvando-me sobre minhas pernas. Segurava o celular com força,
fechei as pálpebras. Lembrei de quando seu pai foi internado no ano
anterior e de como aquilo o tinha abalado. Eu nem conhecia o pai
dele e, definitivamente, não precisava, eu estava sofrendo por Theo.
Meu Theo.
Fiquei ereta, erguendo o celular na altura do rosto. Com os
dedos trêmulos, voltei a procurar o perfil de Theo, abri a caixa de
mensagens. Tinha tanta coisa para dizer, para pedir, e, claramente,
ele não precisava de nenhuma delas naquele momento. Respirei
fundo, puxando o ar pelo nariz e soltando pela boca.
Só depois de ter os pensamentos mais alinhados foi que
escrevi:
Sinto muito, Theo.

Eu parecia uma stalker perturbada.


Faltava só o boné azul.
Alguns dias ficava plantada no portão de entrada de pedestres,
outros ficava vigiando o departamento de Ciências Exatas.
Nada me impediria de falar com Theo.
O único empecilho era ele mesmo. Faltou a uma semana de
aulas desde o falecimento de seu pai, ou tinha descoberto meu
objetivo e se escondia de mim, o que não era tão difícil com meu
campo de visão limitado. A primeira opção era mais plausível.
Podia perguntar a Enny, mas ela era bem capaz de ameaçar
me bater virtualmente, sem falar que não era o bastante para mim.
Precisava ver Theo. Era quase uma necessidade.
Ajeitei a touca de crochê na minha cabeça, outra noite fria.
Chuviscava um pouco, forte demais para ser considerado garoa e
fraco demais para ser chuva. Estava parada na passarela coberta,
apoiada em um pilar, observando o prédio do curso de Theo. Tantas
pessoas chegavam ao mesmo tempo, em grupos, que Theo poderia
ter passado despercebido por mim todos aqueles dias.
Bufei, desembrulhando uma barrinha de chocolate. Uma
garota precisa se mimar de vez em quando!
Reconheci Bárbara, a garota que estava a fim de Theo,
chegando junto com um rapaz a passos lentos. Precisei estreitar o
olhar para reconhecer Theo, ele estava com uma touca que
chegava até as sobrancelhas, a cabeça estava baixa o que dificultou
o reconhecimento.
Meu coração parou ao ver os dois caminhando juntos, o
chocolate pareceu entalar no meio da garganta. Em pensar que eu
estava guardando uma coisa para dar a ele.
Ele não tinha respondido minha mensagem.
E por que responderia?
Eu o magoei, e ainda por cima falei para aquela garota que
não tinha nada entre nós dois.
Podia criar uma lista das Maiores Burrices da Luiza. Encheria
uma página.
Seria possível?
Tinha me apaixonado pelo meu ficante e só me dei conta
depois de perdê-lo?
Não podia ser.
Funguei, limpando o nariz na manga da blusa. Joguei o
chocolate pela metade no lixo, pronta para sair dali e riscar Theo da
minha vida e da minha cabeça. Tão rápido comecei a caminhar,
parei ao notar que eles fizeram o mesmo, naquele ângulo pude ver
melhor Theo.
Ele tinha o olhar perdido, cabisbaixo, com certeza não
prestava nenhuma atenção no que Bárbara dizia, melhor,
tagarelava! Ela gesticulava com os braços, toda alegre, obviamente
tentando impressioná-lo. Ela não sabia que ele tinha perdido o pai?
Levei uma mão ao peito, cerrando o punho no tecido da blusa.
E se eles estivessem só tendo a primeira conversa? Se ela não
sabia sobre a perda dele, era bem provável. E Theo não estava
correspondendo a atenção dela, o que era de se esperar.
Ele estava desconfortável, isso sim.
Precisava salvá-lo!
Marchei até eles determinada, enfrentando o chuvisco que
aumentaria o frizz dos meus cachos. Os meus passos faziam
barulho mais alto que o normal na pedra brita, cada passada no
mesmo ritmo acelerado do meu coração.
Theo me viu primeiro, ele não esboçou nenhuma reação além
de ficar me olhando, tinham algumas olheiras escuras e sua pele
estava pálida. O olhar carregado de emoções densas. Bárbara só
me notou quando parei ao lado deles.
— Ah, oi! — Ela sorriu, mais por educação, o que me fez
gostar um pouquinho dela. No segundo seguinte tive pena, quando
ela procurou o olhar de Theo, mas os orbes dele estavam cravados
em mim.
— Preciso falar com o Theo. — Limpei as gotículas de água
das minhas bochechas, sorri sem graça para Bárbara, que me
lançou um olhar gritante: "Você disse que não tinha mais nada entre
vocês!”. Soltei uma risadinha nervosa. — É bem rapidinho.
Bem, se ela não sabia nem que ele tinha perdido o pai, então
ela não estava tão a fim dele assim. Ou precisava de umas aulas
com o melhor stalker de todos. Claro que eu me referia a Joe
Goldberg!
— Certo. — Ela anuiu, percebi que não gostou. Se voltando
para Theo, concluiu: — Você anotou meu número, então me manda
mensagem… se quiser.
Ele não disse nada, o que me deixou constrangida e com
ainda mais pena de Bárbara. Ela suspirou, passando por nós e
entrando no prédio.
Tinha uma bolsa de cubos de gelo no meu estômago, era a
única explicação. Não ajudava que Theo ficasse me olhando
daquele jeito vidrado.
— E-eu… — gaguejei, pressionei os lábios. Calma, Iza. É o
nosso Theo! Quando ele tinha passado a me deixar tão nervosa que
as palavras escapavam de mim? Ele trincou o maxilar, ótimo,
significava que estava prestando atenção. Pigarreei, puxando minha
mochila para frente do corpo, abri o bolso pequeno na lateral e tirei
o objeto pequeno. — Eu encontrei em uma caixa de brinquedos,
nem lembrava mais.
Sorri sem graça, mostrando a ele o pequeno ET que ainda
brilhava um pouco no escuro, era menor que a palma da minha
mão. Os membros eram bem pequenos e a cabeça enorme.
— Você lembra? — Ergui no espaço entre nós, Theo observou
sem esboçar qualquer reação. — Vinha no salgadinho.
— Eu lembro — murmurou, olhando de mim para o ET. Me
aproximei, ele escolheu o ombro ficando rígido, hesitei mordendo o
lábio, fiquei ao seu lado, prendendo o chaveiro no cursor da sua
mochila.
Não me afastei, porém levei um tempo para erguer o olhar.
Theo me observava com um vinco entre as sobrancelhas, os orbes
estavam sombrios, um tanto melancólicos. Queria abraçá-lo. Acho
que eu precisava mais do calor do seu corpo do que ele do meu.
Também queria perguntar se ele ainda gostava de mim.
Queria que me perdoasse outra vez, porque não senti que ele
o fez sinceramente no outro dia.
— Sinto muito, Theo — balbuciei, aproveitando para capturar
os detalhes do seu rosto, tinha uma mancha clara de pelos bem
curtos no queixo. Os lábios estavam mais pálidos que o comum.
Sua aparência o fazia parecer doente. — Pode falar comigo, Theo.
Eu sei que… aconteceu muita coisa entre nós, e provavelmente
você me odeie, mas estou aqui…
— Não quero falar com você — me cortou, o olhar mais gélido.
Confesso que um soco com luva de box não teria me machucado
tanto. Dei um passo atrás, desnorteada pelo seu golpe de palavras
para formular alguma coisa. — Por que ainda tá usando isso?
Segurou minha mão, foi tão rápido que só me dei conta do que
ele estava fazendo quando puxou o anel do meu dedo anelar.
— Ei! — reclamei, com a respiração entrecortada. — Me
devolve, isso é meu!
— Entalado, né? — zombou com desdém e raiva. Tomei dele o
meu anel, guardando-o contra o peito, meu coração estava
acelerado. — Pare de mentir pra mim, Luiza!
— Theo… — Ele me ignorou, girando nos calcanhares e
seguindo para o lado contrário do prédio a passos rápidos. — Theo!
Grunhi com raiva. Bati o pé igual uma criança birrenta. Ainda
segurando o anel com força, segui Theo, desconfiei o caminho que
seguiu, e mesmo com tantos estudantes chegando naquele horário
para me fazer perdê-lo de vista, não o perdi. Vi quando saiu pelo
portão, corri o resto do trajeto. O ponto de ônibus ficava de frente
para o campus. Ele me olhou do outro lado da rua, o chuvisco com
um brilho alaranjado pela luz do poste.
Volta pra mim.
Era a última chance. Eu sentia.
Eu te amo.
O ônibus parou, quebrando nosso contato visual. Torci para
que ele deixasse o ônibus ir embora, quase podia vê-lo caminhando
até mim, me abraçando e me beijando, me deixando cuidar dele
naquele momento difícil. E eu falaria a verdade sobre ainda usar a
aliança. Seria sincera sobre tudo. Até o pediria em namoro de
joelhos no meio da lanchonete lotada se fosse preciso.
Através das janelas grandes do ônibus, vi Theo caminhar entre
os bancos, passando pelo cobrador. O ônibus seguiu em câmera
lenta, Theo sentou em um banco do outro lado e não olhou para
mim, o veículo ganhou velocidade partindo.
Mas foi como se tivesse vindo para cima de mim, passando
com as rodas pesadas sobre meu peito.
PARTE 3
INVERNO

Like my father's come to pass


Twenty years has gone so fast
Wake me up when September ends
— Green Day
Capítulo 14

Se alguém me pedisse para descrever como foi a minha


segunda-feira da semana passada, eu não saberia dizer o que comi,
o que vesti, para ser sincero diria que apenas existi.
Mas se me perguntasse algo que tinha me marcado durante
minha vida, seria capaz de listar pelo menos seis, e todas triviais
vistas por outros olhos.
Lembrava de quando a avó de Enny faleceu, éramos crianças,
meu pai ainda não tinha sido diagnosticado e eu nem conhecia a
senhorinha. Talvez Enny não lembrasse, mas um dia reclamou que
seu pai tinha parado de contar historinhas, que não fazia mais
brincadeiras, ela não entendia por que ele tinha ficado distante.
Lembrava de ter ficado bravo com o pai dela por deixá-la triste.
E agora, eu o entendia perfeitamente.
Nunca pensei que desejaria a solidão, não quando isso
sempre me incomodou e fazia de mim uma pessoa "carente".
Não queria falar e nem ver ninguém. Nem Enny. Não
conseguia me sentir bravo por deixá-la triste. Só não conseguia
interagir, ou me obrigar a ser legal. Queria passar por aquilo
sozinho. Era quase confortável.
Não sabia o que sugava as minhas forças. Poderia dizer que
era tristeza, mas nunca tinha sentido aquilo, era tão terrível,
agonizante, excruciante. Acordava em meio aquele ciclo maldito.
Também não sabia dizer de onde tirava ânimo para sair da cama, ir
trabalhar e depois ir para a faculdade, na maior parte do tempo eu
estava no piloto automático, só seguindo a onda, qualquer coisa
mais que aquilo era um suplício.
Eu acreditava que estava preparado, tinha vontade de me
socar por acreditar nas várias mentiras que contava a mim mesmo.
Às vezes pensava: Bem feito, seu merda!
Sim, bem feito, por todas às vezes que desejei que acabasse.
Ele não ia melhorar, só tinha um jeito de acabar. Foi como desejar
que ele morresse.
Nem sabia como começar a me desculpar com meu pai por
aquilo.
Salete tinha ido embora, o silêncio da casa era apavorante.
Deixar a TV ligada, mesmo sem assistir, ajudava um pouco.
Só podia esperar que melhorasse. Um dia teria que passar.
Então lembrava que o pai de Enny nunca voltou a lhe contar
historinhas.
PARTE 4
PRIMAVERA

Here comes the rain again


Falling from the stars
Drenched in my pain again
Becoming who we are
As my memory rests
But never forgets what I lost
Wake me up when september ends
— Green Day
Capítulo 15
ALGUNS MESES DEPOIS

— Enny, me empresta dinheiro? — Fui direto ao ponto,


estávamos no café, eram duas horas da tarde, o horário de menos
movimento, o que não significava muita coisa, pois o lugar era
sempre lotado de engravatados, mulheres estilosas exibindo bolsas
Prada original. Um dia, eu seria como aquelas pessoas.
Enny, que estava tomando seu cappuccino no balcão — para
podermos conversar melhor enquanto eu atendia os pedidos e
cuidava do caixa —, me encarou muito séria, os orbes castanhos
cheios de curiosidade.
— Dinheiro pra quê? — Ergueu uma sobrancelha, os cabelos
estavam presos em um coque frouxo e os brincos da vez eram dois
cookies.
— Para… — Passei o pano no balcão, tirando uma sujeira
invisível. Como explicar que era para lançar o meu livro em e-book
de maneira independente? Não, eu não podia. Ela ia querer ler!
Deus me livre. — Para um investimento.
— Que investimento? — Estreitou o olhar, raspando as unhas
curtas pintadas de azul chiclete no queixo.
— Um aí. — Mordi o lábio, nervosa. Evitei seu olhar o máximo
que pude, ela continuava desconfiada. — Juro que vou te pagar,
igual como fiz com as trufas. Não preciso de muito, nem chega a mil
reais — falei a última parte sussurrada.
Enny gargalhou, atraindo alguns olhares. Felizmente Regina
estava enfiada em seu escritório. Davi ficou atrás de Enny, a alguns
metros, começou a gesticular com as mãos, movendo os lábios
exageradamente, ele queria o número dela. Desfiz dele com um
aceno fraco.
— Que investimento é esse que não vai nem mil reais? —
indagou incrédula e bastante vermelha.
Suspirei.
Bem, tinha conseguido de forma sigilosa com uma antiga
professora a revisão do texto (de graça), também procurei o meio de
registro mais barato, pedi para uma colega da faculdade fazer a arte
da capa sem precisar dar explicações, por preço de banana. Enfim,
eu queria o dinheiro para investir em tráfego pago, sabia que não
era muito, mas era o começo, e depois poderia usar o rendimento
do lançamento para investir mais pesado no marketing. Nesses
últimos meses eu vinha, com um pseudônimo, criando um público
no Twitter e Instagram, todos os dias falando sobre o “vem aí”,
soltando trechos que podiam chamar a atenção, para lembrar aos
leitores constantemente que eu ia lançar um livro.
Optei pelo pseudônimo primeiramente para manter minha
identidade em segredo, não estava pronta para que as pessoas que
conhecia soubessem que eu escrevia, segundamente, porque
achava muito chique e tinha várias ideias de nomes, e por último
porque chamava mais a atenção do leitor.
Tomei a decisão da publicação de uma hora para a outra,
precisava de alguma emoção na minha vida, de sentir que tinha
controle sobre alguma coisa, só para esquecer todo o resto que não
podia controlar. E Theo disse que eu conseguiria. Se ele acreditava
em mim, então também poderia me dar esse voto.
Mas não contaria a Enny nem sob pena de assistir às dezoito
temporadas de Grey 's Anatomy em dois meses!
— Confia em mim! — sussurrei, mexendo na aliança que
agora eu carregava em um colar no pescoço, escondido sob minha
blusa. Tinha mais em comum com meu irmão do que gostaria. —
Você já me emprestou dinheiro antes, e numa época em que me
odiava!
Não que nos amássemos agora.
Pelo menos ela não ameaçava mais de me bater.
Não éramos amigas, nem inimigas.
Só conversamos com frequência sobre Theo.
Duas clientes se aproximaram para pagar a conta, notei que
uma delas ficou olhando para minha touca, tentando disfarçar o
sorriso. Depois de se afastarem, aquela que me olhou cochichou
para a outra, que olhou por sobre o ombro para mim. Pela janela
observei elas rindo enquanto se afastavam pela calçada. Olhei para
meu reflexo no espelho que tinha atrás de mim que ia de uma ponta
a outra na parede, não tinha nada de errado na minha touca.
Voltei para Enny, que bebericava seu cappuccino.
— Tudo bem, só porque você me pagou direitinho da outra vez
mesmo eu querendo te socar!
Ponto para mim.
Me debrucei sobre o balcão, abraçando-a desajeitadamente.
— Ah, obrigada, Enny, você é demais! — Beijei sua bochecha
fofa, ela ficou vermelha.
— E tem gente que duvida — rebateu, então uma sombra
cobriu seu olhar e o fantasma de um sorriso desapareceu. — Theo e
eu brigamos ontem, de novo.
A minha alegria foi momentânea, pelo menos ela tinha alguma
coisa dele. Eu não tinha nada. As raras vezes que ele passava por
mim nem me via, ou fingia que não via, sei lá.
Mas doía.
Pelo menos eu sabia que o problema não era inteiramente
comigo.
— O que foi dessa vez? — Apoiei o cotovelo no balcão e
descansei o rosto na palma.
— Eu usei o fato dele ter esquecido meu aniversário em
agosto para ele aceitar ir à festa de aniversário de casamento dos
meus pais na semana que vem. — Acredito que o que nos
aproximou foi o distanciamento que Theo criou com ela. Enny sofria,
era perceptível e triste de olhar. — E aí ele surtou. — Meu coração
encolheu no peito. Theo andava sumido das redes sociais também.
Era muito difícil saber dele, o que estava fazendo ou sentindo.
Enny balançou a cabeça, ficando cabisbaixa.
— Ele anda irritado demais! — Seu queixo tremeu. Droga, se
ela chorasse eu não ia conseguir me segurar. — No começo ele só
parecia muito triste, o que era normal, o pai morreu. Mas agora, não
dá pra dizer um “a” perto dele que já começa a bufar.
Mordi o lábio, me sentia tão impotente.
— Gritou comigo dizendo que eu era uma pirralha egoísta e
mandou eu crescer. Ele nunca tinha gritado comigo daquele jeito. —
Seus olhos encheram de água. — Comecei a chorar, e ele foi
embora bravo. Me deixou chorando, Luiza!
Entendi seu inconformismo, não parecia o Theo que
conhecíamos.
— Tenho certeza que ele vai se desculpar. — Tentei consolá-la
e, principalmente, não invejá-la. Não invejava os gritos. Humpf!
Óbvio que não. Mas queria poder esperar alguma coisa dele.
Não tinha conseguido aceitar que não o tinha mais na minha
vida, ainda mais levando em conta que eu estava apaixonada.
Ficava me perguntando quando aconteceu e por que demorei tanto
para me dar conta.
O universo era uma piranha vingativa!
— Não sei, não. — Enny tomou um gole generoso do
cappuccino. Ela me encarou por sobre a borda da caneca. — Tenho
quase certeza de que ele anda fumando maconha.
Meu rosto gelou.
— E não só de vez em quando, acho que todos os dias —
murmurou, tensa. Eu só pestanejei, sem saber o que dizer. —
Aposto que ele anda comprando no campus.
Eu sabia de boatos de vendas entre os universitários. E numa
universidade com mais de dez mil alunos, não seria nenhum pouco
surpreendente.
Fiquei apreensiva.
— Theo precisa de uma intervenção! — Enny terminou seu
cappuccino e se levantou, pegando a bolsa, quando me olhou tinha
um ar determinado. — Não vou deixar ele se afundar assim.
— Quero fazer alguma coisa. — Peguei o cartão de crédito
que ela estendeu e passei na maquininha. — Por favor, Enny.
Nos olhamos por eternos segundos, aquela música maldita
sobre coração partido começou a tocar. Argh! A música se tornou
um sucesso, para minha tortura. Ela tinha se tornado um gatilho, me
lembrando dos dias que passei como namorada de Theo, e da
forma brusca que tudo tinha acabado.
— Tem certeza sobre o que você quer? — perguntou, os orbes
castanhos me escaneando atrás de dúvidas.
— Tenho. — Assenti com veemência, devolvendo seu cartão
depois dela fazer a senha. — Não sei se Theo vai aceitar falar
comigo, mas quero ajudar ele de alguma forma.
Ele tinha me ajudado tanto.
— Luiza — falou com cautela. — O Theo ainda gosta de
você… — Internamente fechei os olhos e me esbaldei em alívio. Por
fora me mantive controlada, um lado meu optou pelo ceticismo. —
Então, se ele receber bem a aproximação…
— É tudo o que quero! — Ela sabia que eu me importava com
Theo, não tinha como duvidar com todos aqueles meses
procurando-a só para saber dele. — Eu gosto dele… muito.
Os ombros de Enny caíram em derrota.
— Pior do que tá não pode ficar — alfinetou, e eu sorri, dando
pulinhos atrás do balcão. — Vou tentar convencer ele de ir à festa
dos meus pais. Você está convidada também.
— Obrigada! — Se ela estivesse mais perto eu a teria
abraçado de novo.
— Mas se Theo não quiser falar, você vai recuar. Promete?
Era o que eu mais temia.
Ele já tinha me dado as costas, quando deixou claro que não
queria falar comigo, e mesmo depois de ter ido atrás, Theo escolheu
ir embora.
Precisava ser cuidadosa. Não podia me precipitar ou tentar
trazer o passado entre nós num primeiro momento. Não ia me
aproximar para tentar alguma coisa com ele de novo. Não, era
desejar muito. Só queria que ele pudesse conversar, lembrar que
não estava sozinho, e fazê-lo entender que podia se apoiar nas
pessoas importantes para não cair.
Nunca era um fardo ajudar alguém importante para nós.
— Prometo, Enny.
Davi estava emburrado quando se aproximou.
— Por que não pediu o número dela para mim? — reclamou,
com um metro de beiço esticado.
Olhei para cima, entediada.
— Quem precisa do número quando você pode achar alguém
através das contas dos seus amigos? — Essa coisa de número era
tão década passada. Mas claro que quando Theo usou o artifício
comigo, foi muito criativo e envolvente. Como não me apaixonei logo
de cara?
Davi se iluminou.
— Ah, bom. É verdade. — Abriu um sorrisinho sapeca. Ele não
tinha chances, não que fosse feio, ou pela realidade econômica
diferente entre eles. Naqueles meses conversando aqui e ali com
Enny, nunca a vi mencionar alguém, ela parecia muito focada na
faculdade e o romance estava em quinto plano. Davi se empertigou,
como se lembrasse algo. — Regina tá te chamando lá na sala dela.
Estava quase no fim do expediente então me permiti tirar
minha touca, meus cachos tinham crescido muito, alcançando o
meio da cintura, já não tinha mais uma franja para contar história,
sentia saudades. Franja não funcionava para todos os cabelos,
incluindo lisos, tinha mais a ver com formato do rosto. E claro que as
más línguas diriam que cabelos cacheados e franja não cabiam em
uma mesma frase, mas eu e Zendaya estávamos aí para provar que
estavam errados. Em mim ficou perfeito, como se eu tivesse nascido
para aquela franjinha. Planejava cortar de novo quando desse
tempo. Mas no trabalho sempre usava meus cachos presos em um
coque baixo.
Bati na porta e esperei ela me autorizar.
Depois que consegui comprar a prótese, tudo voltou ao normal
no trabalho, o que foi um alívio. Mas dificilmente Regina nos
chamava em sua sala. Eu só podia esperar por: Parabéns, Luiza,
você é muito valiosa nesta empresa e sem você estaríamos
perdidos. Como agradecimento, aumentei 50% do seu salário!
Minha mente ansiosa tentou encontrar outras razões também,
minhas férias estavam vencidas, mas eu preferia pegar em
dezembro, faltavam só dois meses.
Regina mandou que eu entrasse.
Passei pela porta, fechando-a calmamente em seguida.
Regina me olhava de sua mesa, o olhar concentrado em mim, o
sorriso falso grudado no rosto.
— Quer falar comigo? — Torci a touca na mão, tentando me
acalmar. A sala dela era pequena, com muitos arquivos, e duas
cadeiras estofadas para sentar em frente à mesa dela. Tinha um
quadro com pintura moderna esquisita que não significava nada
para mim, mas fiquei pensando se não tinha um cofre atrás dele.
— Sim, sim. Sente-se, querida! — Apontou para as duas
cadeiras.
Sentei-me, ficando com as costas eretas. Sorri sem mostrar os
dentes, não gostava muito de Regina. Gostava antes de todo aquele
estresse por causa da prótese. Acreditei profundamente que ela me
demitiria.
— Uau! Ainda me assusta, parece tão natural! — Batucou a
tampa da caneta na mesa, me encarando.
— É… é, pintam à mão para ficar o mais igual possível com o
outro olho. — Falando nisso, eu demorei a me adaptar a prótese de
novo, no começo incomodava demais, ainda não era totalmente
confortável.
— Fascinante! — exclamou pensativa. — Deve ser
maravilhoso para você, não é? Não que seja algo horrível. Mas sabe
como são as pessoas. — Sei bem, pensei, querendo rir da sua
hipocrisia. — Você nunca conseguiria um emprego para trabalhar
com pessoas se não fosse pela prótese. Claro que existem vagas
para deficientes em concursos públicos, já pensou em fazer?
— Não…
— Ah, e pessoas como você também podem se aposentar
cedo, certo? — me interrompeu, pelo jeito havia pesquisado. Franzi
as sobrancelhas. Onde ela queria chegar? Regina gesticulou com a
mão, dando uma risada. — Mas não te chamei para falar disso, e
sim, sobre o seu cabelo!
Olhei para o lado. Aquela conversa estava muito esquisita.
— O que tem o meu cabelo? — Apertei mais a touca, contendo
o impulso de passar os dedos no meu coque.
— Ele cresceu muito, e tem… — seu sorriso vacilou enquanto
tentava encontrar a palavra certa.
Estreitei o olhar.
— Ele tem muito volume, querida — concluiu, piscando várias
vezes, os cílios postiços quase saíram voando. — Seus cachos são
uma gracinha, mas já pensou em alisamento?
Pensei, na infância e adolescência, nunca consegui usar o
cabelo solto no colégio. Mas eu aprendi amar o meu cabelo, e
mesmo não cuidando dos meus cachos como eles mereciam, não
queria de jeito nenhum matá-los. Quanto ao comprimento,
concordava que já estava na hora de aparar. Sempre preferi na
altura dos ombros.
— Não penso, gosto do meu cabelo. — Fui firme.
— Você já olhou no espelho? — Não sei se foi coisa da minha
cabeça, mas ela me pareceu um tanto impaciente. Segurei o ar,
ofendida, e outras coisas mais que não sabia explicar. — A touca
mal cobre todo esse volume, meu anjo. Você fica com uma cabeça
enorme parecendo aquelas africanas que usam um monte de pano
na cabeça. Os clientes ficam rindo de você. Não percebeu?
Pestanejei, incrédula demais para conseguir ficar brava. Fiquei
com a boca aberta, piscando e piscando, sem conseguir reagir.
Olhei a touca nas minhas mãos, me perguntando se ficava tão
volumoso assim e como não tinha percebido. Meus olhos arderam.
— Então, Luiza, ou você alisa esse cabelo, ou cozinha outra
vez! — Ela foi ríspida, foi um ultimato. A raiva foi tomando espaço
aos poucos, um gosto amargo se espalhou por minha língua, minha
respiração perdeu o ritmo.
E eu que achei que o gato do meu irmão era capacitista e
racista por comer minha prótese.
Ela não me queria ali, percebi que me deixou na cozinha por
causa da prótese e me pressionou constantemente para que eu
pedisse a conta, e agora ela estava fazendo de novo, usando meu
cabelo como desculpa.
Que mulher asquerosa!
Precisava daquele emprego, mas não precisava tanto a ponto
de suportar aquilo.
Não queria dar a ela o gostinho da vitória, mas eu não
precisava me sujeitar àquele tipo de tratamento para mostrar que
era forte. Ela era a droga da chefe, podia inventar qualquer coisa
para me demitir se estivesse empenhada e me ter fora.
Me levantei, me mantendo o mais calma possível, enquanto
meu corpo tremia e minha garganta se fechava.
— Não é necessário. Eu me demito.

Funguei, limpando o nariz na manga do moletom. Tinha


acordado fazia um bom tempo e ainda estava de molho na cama,
com as cortinas fechadas, chorando. Ainda não tinha contado para
meus pais que saí do emprego, não tinha certeza se falava a
verdade, tinha medo da reação deles. Mas tinha que contar o
quanto antes, se eu não arrumasse outro emprego logo, teria que
trancar um dos cursos.
Minhas pálpebras estavam inchadas.
— Por que a vida é tão dura para mim? — perguntei, alisando
sua cabeça, ele tinha um olhar sonolento. — Quem diria, nós dois
aqui, depois de tudo o que passamos. — Ele ronronou, como se me
entendesse perfeitamente. — Eu te perdoou, Luigi.
Esfreguei seu nariz geladinho no meu, lembrando a mim
mesma que não podia apertá-lo tão forte.
— Odeio aquela mulher. — Solucei, as palavras dela ecoando
em minha cabeça sem cessar. — Tomara que os cílios dela caíam
no café de um cliente!
Luigi meteu sua patinha na minha boca.
— No meu lugar você também desejaria o mesmo! — retruquei
brava, mas cedi ao seu olhar fofo e esfreguei meu rosto contra o
dele. A que ponto cheguei, me consolando com meu maior inimigo!
Ouvi cochichos no quarto do meu irmão, estranhei porque
naquele horário ele já estava no trabalho. Apurei os ouvidos,
conhecia Yan a tanto tempo que reconhecia-o só pelo jeito de
cochichar. Devia me levantar e perguntar se ele estava livre para
fazer alguma coisa comigo. Às vezes saíamos no fim de semana,
para mim não havia nada de romântico, era só alguém para
conversar e distrair a cabeça. Não tinha certeza do que era para ele,
mas não voltou a tentar me beijar. Foi bom me aproximar mais dele
porque entendi o que sentia em relação a ele.
Carinho.
Yan foi o meu primeiro amor, que durou anos. E meio que me
apeguei a ideia de amá-lo por segurança, ele nunca me magoaria.
Me abrir para outros caras? Não, era perigoso. Não sabia dizer
quando a paixão passou para carinho, mas passou, e foi uma droga
demorar tanto a compreender.
— Por que você é assim? — Yan gritou, assustando a mim e a
Luigi. Me levantei, limpando as lágrimas da bochecha, me olhei
rapidamente no espelho, meu cabelo estava uma bagunça, minhas
pálpebras muito inchadas e o olho vermelho.
Saí do quarto, minha porta não rangeu e meus passos foram
abafados pelas meias. Conforme me aproximei a conversa deles foi
ficando mais alta. A porta do quarto estava entreaberta,
provavelmente tinham chegado de algum lugar juntos.
O quarto do meu irmão estava claro, as cortinas escancaradas,
a cama era uma bagunça, assim como todo o resto, com roupas
sujas e limpas jogadas no chão. Eles estavam de costas para mim,
Lucas estava com as mãos apoiadas na cômoda, balançando a
cabeça freneticamente, enquanto Yan estava com um braço
envolvendo suas costas, muito próximos.
Senti como se estivesse invadindo o espaço deles. Eu não
devia espionar.
Comecei a arrastar os pés para trás…
— Sei que você gosta de mim também! — Yan aumentou a
voz de novo, com certo desespero. Arregalei os olhos, meus pés
travaram. — Ela te faz tremer como eu faço? Hum? Duvido já que
sempre volta correndo pra mim.
Me apoiei na parede, esticando a cabeça para conseguir
observá-los. Uma sensação gélida se espalhou por meu estômago
alcançando os pés, fazendo minhas pernas tremerem.
Lucas continuou balançando a cabeça, eu não conseguia ver
seu rosto, mas pela postura ele não estava bem.
— OLHA PRA MIM, SEU MERDA! — Yan o empurrou, Lucas
cambaleou para o lado. — Você nem consegue me olhar!
Yan estava furioso, e ao mesmo tempo em pedaços. Lucas
não disse nada, só continuou balançando a cabeça, mantendo o
olhar longe do amigo.
Eu estava perplexa demais para conseguir entender o que
tudo aquilo significava.
— Se eu for embora agora, é para sempre, Lucas. — Meu
irmão não parecia inteiramente ali, talvez por isso não conseguisse
responder. Queria me afastar, mas minhas pernas estavam
tremendo. — Estou cansado, entendeu! Se você não escolher, eu
mesmo escolho por você!
Lucas deu dois passos para trás, caindo sentado na sua cama
de solteiro, afundando o rosto entre as mãos. Ele estava péssimo.
Yan ficou em pé, esperando. Eu não sabia de quem sentir pena,
comecei a entender o que estava acontecendo, mas ainda faltavam
muitas peças.
Lucas e Yan… É, entendi.
Yan fez um muxoxo irritado, girando nos calcanhares para ir
embora, mal deu um passo e me viu, ele congelou.
— Luiza? — Seu rosto empalideceu, Lucas ergueu o rosto me
fitando, só então consegui registrar que estava chorando. A última
vez que o vi chorar foi no velório de Lara. — Luiza, eu posso
explicar.
Yan veio em minha direção. Explicar? Que frase mais clichê.
Ele não precisava se explicar, eu entendi tudo. Quase tudo.
Calma…
— Você é gay? — perguntei.
Yan segurou minha mão, me tirando dali, só parando quando
alcançamos o pequeno jardim na frente da minha casa. Minhas
pernas ainda tremiam pelo nervosismo. Não esperava… Nunca…
— Você é gay? — repeti, minha mente ficando mais calma
conforme os segundos iam passando. Algumas teorias começaram
a pipocar na minha cabeça, todas terríveis.
Yan olhou para os lados, para trás de si, só para não me olhar.
— Eu sou — admitiu em voz baixa, fitando os pés. Usava uma
calça de moletom e uma blusa clara, os cachos caíam em sua testa.
Não me pareceu angelical naquele momento.
Dei um passo atrás, absorvendo aquilo.
— Por que me beijou? — perguntei finalmente, ácido corroeu
minhas entranhas. Cruzei os braços. — Por que me chamou para
sair? Por que me fez acreditar que sentia algo por mim? Por quê,
Yan?!
Sentime enganada, humilhada, ele zombou dos meus
sentimentos bem na minha cara. Eu, que até poucos minutos
enfiava os dois braços no fogo por ele!
Eu, que o colocava em um mesmo patamar que Theo.
Eu, que sempre o achei muito melhor que Lucas e Nanda.
Eu… eu…
Yan levantou os orbes marejados para mim.
— Me perdoa — balbuciou, e consegui me ver em seu lugar,
pedindo a mesma coisa a Theo.
— Por quê, Yan? — insisti, um misto de mágoa e raiva criando
uma tempestade dentro de mim.
Ele soltou uma lufada de ar, limpando uma lágrima com a
manga da blusa.
— Porque precisava que Lucas percebesse que podia me
perder pra valer — falou, não consegui entender a princípio, acho
que só não quis. — Estava desesperado, Iza. O Lucas… —
pronunciou o nome com tanta raiva que retorceu sua face. — Ele
nunca… nós, desde sempre, desde antes da Lara, entendeu?
Assenti, mesmo que demorando para processar. Estava em
choque.
Suas lágrimas corriam mais rápido do que ele conseguia
limpar.
— Eu sempre estive aqui por ele. Sempre — grunhiu com
raiva, cerrando os punhos. — E ele só me usou, como se fosse um
maldito estepe, e no fim ele sempre dizia: eu sou hétero, tá. — Riu
com amargura, tive vontade de chorar por ele, mas isso passou bem
rápido.
— Você me usou — acusei. — Pra fazer ciúmes no meu irmão!
Você é podre.
Nunca pensei que o odiaria.
Mas achei que o conhecia.
Nunca me enganei tanto com uma pessoa.
Sentia-me traída de tantas formas que daria para fazer uma
lista.
Yan balançou a cabeça.
— Me perdoa, Iza. Não sabia mais o que fazer, a Nanda
desapareceu e ele ficou obcecado, tive medo de Lucas escolher ela.
— Sua tentativa de se explicar só me fazia ver como eu não o
conhecia. — E agora que a gente descobriu que ela tá doente, o
idiota foi lá e pediu ela em namoro. Argh!
Levou as mãos à cabeça, cerrando os punhos nos cachos,
transtornado.
Não me importei, ele podia se ajoelhar e implorar como se sua
vida dependesse disso, não me importaria. Theo ainda acreditava
que o traí por causa de um selinho que Yan me deu para fazer
ciúmes no meu irmão!
Ele sabia que eu estava em um relacionamento, e só se
importou com o próprio umbigo, sem levar em conta que eu ainda
podia sentir alguma coisa por ele, como amor! E se ainda o
amasse? E se tivesse levado nós dois adiante depois daquele
passeio no shopping?
Yan não pensou em mim.
Ele foi totalmente egoísta, e eu tinha nojo de mim mesma por
um dia ter acreditado que era seguro gostar dele!
— Você é um imbecil! — grunhi, meu maxilar doendo com a
força que fazia para não chorar.
— Só tem um imbecil nessa história, e não sou eu! — retrucou,
desviando o olhar. — Vai me desculpar ou não?
— Claro que não! — esbravejei, respirando com força. — Não
preciso e não quero te perdoar. E você, pelo visto, também não
precisa do meu perdão.
Ele anuiu, cerrando as pálpebras, dando alguns passos
enquanto limpava as lágrimas. Eu mesma estava com a vista
nublada, lágrimas de puro e ardente ódio. Como ele pôde fazer
aquilo comigo? Nos conhecíamos há anos, crescemos praticamente
juntos, ele conhecia as minhas inseguranças, sabia dos meus
sentimentos, e ainda assim me usou da forma mais vil, decerto
achando que eu era a pessoa perfeita por ser a irmã da pessoa que
queria provocar. Deus, só em pensar que perdi Theo por titubear
sobre meus sentimentos por Yan, eu tinha vontade de berrar e
arrancar a pele dele com as minhas unhas!
Cerrei os punhos, respirando com força.
Uma dor começou a crescer no meio do meu peito.
Ao mesmo tempo que queimava em ódio, também queria que
fosse tudo um pesadelo.
Não sabia que era possível se decepcionar tanto com alguém.
Yan continuava chorando, mas era um choro de raiva, assim
como o meu. Ele marchou para dentro de casa de novo, segui atrás
limpando minhas lágrimas.
— Yan! — chamei quando o vi entrar no quarto do meu irmão,
eles tinham que dar um tempo para esfriar a cabeça. Fiquei parada
na porta, surpresa por Yan não estar gritando e chutando, Lucas
também o observava com uma expressão chorosa e dolorida.
Yan abriu o guarda-roupa de Lucas, sabia bem o que
procurava, pegando um coração de vidro azul do tamanho da palma
da mão, nunca tinha visto, mas achei lindo.
— Não! — gritou Lucas se pondo em pé no mesmo instante
que Yan arremessou o coração no chão, espalhando cacos
minúsculos por todo o piso. Luigi saiu correndo com os pelos
eriçados, soltando um miado esganiçado. — Não, seu idiota! Por
que fez isso?!
Lucas se ajoelhou sobre os caquinhos, pairando as mãos
sobre eles, o queixo tremendo com uma nova onda de lágrimas.
Devia ter algum significado para ele. Ou para eles. Meu irmão era
muito apegado a objetos, mesmo depois de três anos da morte de
Lara ele ainda usava o pingente de girassol no pescoço.
— Te avisei, se não escolhesse, eu escolheria! — bradou Yan,
eu estava pasma, paralisada com uma mão no peito, só torcendo
que acabasse logo. — Não me procura nunca mais, entendeu?
Quando Fernanda bater as botas encontre outra pessoa para ser
seu tapetinho, idiota! Eu cansei de você.
A mágoa na voz de Yan era palpável. Quase tive pena dele.
Ele veio em minha direção.
— Você está errada — disse para mim, os orbes cor de mel
vermelhos pelas lágrimas, também carregados de ressentimento e
raiva. — Eu preciso do seu perdão sim.
Mas eu não estou pronta para dá-lo.
Ele leu meus pensamentos como se estivessem escritos na
minha testa. Pressionou os lábios e saiu, nos deixando em um
silêncio mortal.
Foi inevitável não pensar em Theo. Será que depois daqueles
meses ele finalmente estava pronto para me perdoar?
Lucas tocou o chão, arrastando as mãos, tentando juntar os
caquinhos do coração. Ele ia acabar se machucando daquele jeito.
Fui atrás de uma vassoura, pá de lixo e uma caixinha, comecei
varrendo da entrada, movendo a vassoura por todos os cantinhos,
inclusive embaixo da cama, Lucas tinha feito um pique num dedo e
estava apertando a ferida, encarando o montinho que tinha se
formado, os cacos afiados brilhando com a luz. Varri tudo para a pá
e joguei na caixa de jóias que eu não usava mais.
— Achei que ia querer guardar. — Deixei sobre a cômoda para
que ele fizesse o que bem entendesse. Ele não disse nada, pelo
menos tinha parado de chorar, mas parecia tão infeliz. Não gostava
de vê-lo assim. Ainda era meu irmão, poxa! — Talvez tenha ficado
algum caco em um cantinho escondido.
Mordi o lábio. Tinha tantas perguntas rondando minha cabeça.
Deixei a vassoura apoiada na parede e me ajoelhei no chão,
ao seu lado.
— Como assim a Nanda tá doente? — perguntei.
Lucas inclinou a cabeça para trás, fitando o teto.
— Faz meses, a tonta escondeu porque achou que era melhor
para nós. — Riu com amargura. — Só pessoas burras pensam isso.
— Mas ela vai ficar bem? — Fiquei preocupada sobre a última
coisa que Yan disse sobre ela.
Lucas pressionou os lábios, novas lágrimas se formaram em
seus olhos. Ele balançou a cabeça em negativo, me deixando aflita.
— Ela tem melanoma metastático — balbuciou, apertando o
dedo machucado até uma gota de sangue saltar. — É câncer. Ela tá
morrendo.
Droga, voltei a chorar!
Não sabia praticamente nada dela, nem éramos amigas e na
maioria das vezes só tinha vontade de bater nela por se juntar a
Lucas na implicância com Theo. Mas era uma vida, alguém que era
importante para Lucas.
Ele enrolou o dedo no colar, apertando o pingente.
— Não acredito que tá acontecendo de novo, Iza. — Cerrou as
pálpebras, não aguentei e o abracei, limpando suas lágrimas com a
manga do meu moletom. Ele se apoiou em mim. — Não consigo
acreditar, outra vez alguém que amo vai morrer e eu… eu não
consigo fazer nada — sua voz falhou no fim.
— Shh! — O apertei mais, sentindo a dor de suas palavras me
atravessando como lâminas envenenadas.
Ele soluçou, se agarrando a mim como uma criança assustada
e indefesa. Um lado meu queria sentir raiva por não ter me contado
sobre Yan. Nem tentou me avisar! Tudo bem que mandou ficar
longe de seu amigo, mas foi só isso. Poderia ter me dito metade da
verdade, e eu escolheria o que fazer com a informação. Não era o
mesmo irmão que quebrou o nariz de um garoto só porque ele me
magoou ao me usar para uma aposta. Mas esse lado foi abafado
com seu choro dolorido que me quebrou em mil pedacinhos, igual o
coração azul de Yan.
— Pedi ela em namoro — sussurrou depois de um tempo,
soluçando. Afaguei seus cachos curtos. — Nanda achou que eu
estava com pena e não aceitou.
— E foi por pena? — Na situação dela também pensaria a
mesma coisa.
— Não. — Lucas mantinha os braços em volta de mim, não
parecia interessado em me soltar. Minhas costas começaram a doer
pela má posição, mas nada que não desse para aguentar. — Mas
também não falei a razão. Você acha que… que é tarde demais
para dizer que a amo?
Pensei em Yan, tinha tantas perguntas sobre ele para fazer,
mas era melhor esperar Lucas se recompor e voltar a ser um
babaca. Assim poderia sentir raiva do meu irmão sem pena.
— Claro que não, nunca é tarde pra dizer isso. — Pensei em
Theo outra vez, eu encontraria uma forma de dizer que o amava,
nunca era tarde, certo?

Lucas dormiu depois de um tempo.


Exauriu-se de tanto chorar e se sentir a pessoa mais odiada
por Deus na terra.
Devia ser horrível para ele. Nunca perdi ninguém importante
para mim, então tentei dar força, não sei se eu era a melhor pessoa
para isso já que a gente só se desentendia. Ele só me soltou
quando ficou sonolento, então…
Fui para meu quarto, estava com fome, decepcionada,
magoada, com raiva, desempregada, e com olhos do tamanho de
duas laranjas de tanto chorar.
Se deitasse na cama dormiria, meu corpo também clamava por
um banho quentinho de duas horas.
Peguei meu celular, tinha uma notificação do app do meu
banco e outra de Enny.

Boa sorte com o seu investimento ;P


Não esperei um segundo, girei nos calcanhares e invadi o
quarto dos meus pais, pegando o notebook.
Ia realizar um sonho.
Capítulo 16

Ajeitei melhor a bandana na cabeça, mascando um chiclete


enquanto me aproximava de Rick. Ele estava sozinho, sentado
numa mureta baixa perto da parede de um dos blocos mexendo no
celular.
Ele me dava um pouco de medo.
Não sei se eram pelos olhos verdes claros sempre com pupilas
pequenas que o faziam parecer um gato traiçoeiro, ou pelo simples
fato de ser um traficante. Ele não gostava que o chamasse assim,
costumava falar que só vendia drogas para fins educativos. Era
verdade que alguns alunos procuravam para comprar cocaína para
conseguir ficar “ligadão” na hora de estudar, principalmente aqueles
que trabalhavam o dia inteiro.
Parei em sua frente, com as mãos nos bolsos.
Ele ergueu o olhar, sem mover o rosto.
— E aí? — Acenei com a cabeça, sua expressão se fechou.
Achava nós dois parecidos, cabelos escuros (os dele naturais), pele
branca, mesma altura e tipo físico, tatuagens. Em um universo
paralelo seríamos irmãos. — Tô precisando.
Ele se levantou calmamente, guardando o celular no bolso do
jeans.
— Gastou tudo em três dias? — perguntou, a voz grave e
ríspida.
— Foi. — Dei de ombros, virando o rosto para cuspir o
chiclete. — Dividi com um amigo.
Era mentira.
Quem ligava?
Eu era que não!
Tinha ligado o foda-se.
Meus planos eram de trancar o curso no fim do semestre.
Estava cansado. E impaciente demais para me concentrar em
coisas estressantes.
Rick olhou para o lado, trincando o maxilar. Ele estava
esquisito.
— Não tem beck pra você — retrucou, cruzando os braços,
franzindo o cenho.
— O quê? — Estreitei o olhar. Tudo bem que eu tinha passado
a comprar com mais frequência, andava tão viciado na "paz" que a
maconha proporcionava que quebrei meu porquinho para continuar
comprando aquela merda. Nada mais era importante do que um
pouco de alívio. — Pago a vista, você sabe. Para de cú doce, cara!
Ele soltou um riso cínico, esfregando o queixo com a ponta do
polegar.
— Vou te mandar a real porque você é um bom cliente. Uma
patricinha me deu grana pra não te vender mais.
Levei só um segundo para entender.
— Você foi subornado? — indaguei com raiva começando a
tornar minha respiração irregular.
— Fui. — Tirou do bolso uma bala de café, enfiando na boca
fazendo pouco caso de mim.
Miserável.
— E também fiquei com pena pelo discurso que ela fez sobre
você ser órfão. — Seu olhar zombava de mim. — Cresci em um
abrigo, você ainda teve sorte, sabe.
Sorte?
Que filho da puta desgraçado.
Dei um passo em sua direção, cerrando os punhos.
— Se não me vender, eu procuro outra pessoa.
Ele olhou para os lados, fiz o mesmo. Não tinham muitos
estudantes por ali, já tinha anoitecido e os postes faziam a
iluminação. O clima estava um pouco frio, a primavera não era muito
diferente do outono, a diferença era que tinha mais cores.
— Tá putinho? — Rick zombou.
— Para de me provocar!
— Ah, então tá putão?
Só registrei o soco que dei em seu queixo quando a dor
explodiu os nós dos meus dedos. Ele cambaleou para trás com uma
mão no local da agressão. Fiquei ofegante, não sei se pela dor no
punho ou se por ter iniciado uma briga. A última vez que bati em
alguém foi no ex-namorado de Enny.
— Ai! Ai! Essa doeu! — ele reclamou cuspindo a bala com
saliva e sangue. Ele não era mais forte do que eu, mas podia ter um
canivete escondido. O cara era a porra de um traficante! — Você é
um puto mesmo, cara.
Ele me pegou desprevenido, num segundo estava
massageando o queixo de perfil, no outro girou o corpo enfiando um
soco bem no meu olho. Caí no chão de mal jeito, grunhindo pela dor
que queimou meu olho, atravessando meu cérebro como uma faca.
— Eu aqui tentando ser legal com a sua dor! — esbravejou,
arregaçando as mangas da blusa. — E você quase decepou a
minha língua!
Preparei-me, fazia bastante tempo que eu queria arrancar a
cabeça de alguém fora. Chutei as portas e deixei toda a raiva e
revolta me tomarem. Vi tudo vermelho quando ele fez menção de
me dar um chute, acreditando que eu estava grogue pelo soco (e
estava, mas algo feroz vibrava dentro de mim), agarrei seu pé e o
derrubei, pulando sobre ele, lhe dando um soco desajeitado no
rosto.
— PUTO DESGRAÇADO! SAÍ DE CIMA DE MIM! — berrou, o
olhar ficando aterrorizante. Deu-me tapa no ouvido, me
desnorteando por um segundo, foi o suficiente para me derrubar,
montando sobre mim e me dando um soco. — Vou te arrebentar!
Tudo bem.
Parei de me debater, deixando que ele me socasse à vontade.
Um. Dois. Três. Nem pude aproveitar pois o arrancaram de cima de
mim. Apesar da dor, consegui me sentar apoiando os braços para
trás na pedra brita. Minha boca tinha gosto de sangue, um dos meus
olhos inchou rápido, não consegui abrir direito.
Rick se desvencilhou dos dois alunos que o afastaram, em vez
de partir para cima de mim, passou as mãos pelos cabelos pretos,
respirando fundo e soltando pela boca.
Levei uma mão na mandíbula, gemendo. Algum osso tinha
quebrado, só aquilo podia explicar tamanha dor. Vi estrelas
rondando minha cabeça. Droga, nem para ele me deixar
desacordado!
Rick apoiou as mãos nos joelhos, os amigos por perto
sussurrando coisas.
— Salta fora daqui, cara! — vociferou sem me olhar, como se
estivesse tentando reencontrar o próprio equilíbrio.
Decidi obedecer. Levantei-me, fora o rosto ele não tinha me
acertado em outros lugares. Cuspi um pouco de sangue enquanto
me afastava, arfando. Talvez tivesse acertado meu nariz, o ar frio
entrava como se estivesse cheio de cristais de gelos afiados.
Aproximei-me da lanchonete, me apoiando na parede, torcendo
para a dor passar um pouco.
— Caralho — resmunguei, minha cara devia estar
arrebentada. Parabéns para mim!
Ergui o rosto, observando as estrelas. Nos meus vinte anos de
vida, tão interessado nos mistérios do espaço quanto sempre fui,
tinha só uma certeza que era incontestável para mim, não tinha
nada mais brilhante do que o céu estrelado do inverno. Naquela
noite de primavera algumas nuvens ocultavam o manto de estrelas
e parte da lua. Suspirei, imaginando que era uma criança outra vez,
e que acreditar que minha mãe era uma estrela cuidando de mim
me consolava. Podia ser meu pai lá em cima também.
Abaixei o rosto, duas garotas me chamaram a atenção, eram
Enny e Luiza. Andando juntas?
Estavam indo para a lanchonete, tinham que passar por mim.
Arranquei a bandana da cabeça, permitindo que os fios
compridos formassem cortinas ao lado do meu rosto. Comecei a
seguir para o lado contrário delas, torcendo que não tivessem me
visto. Não queria que Luiza me visse arrebentado. O que ela
pensaria de mim se soubesse a razão?
Senti um aperto no peito.
— Theo! — Enny gritou, me injetando pânico nas veias.
Acelerei o passo dando de ombro em alguns alunos. Luiza não
podia me ver daquele jeito. Ela… não podia ver aquela carcaça.
Dava-me vergonha a possibilidade de encará-la nos olhos. — Theo,
espera!
Dei a volta em um prédio, não fazia ideia de onde estava. De
que departamento era aquele prédio? Olhei para cima e fiquei
grogue. Levei uma mão ao rosto, girando nos calcanhares.
— Theo! — Enny me segurou pelos ombros, suas pálpebras
se arregalaram ao me encarar. Procurei por algum sinal de Luiza,
mas ela não vinha junto, o que me permitiu respirar com alívio. Por
que elas estavam andando juntas? Só podia ser miragem. — O que
aconteceu com seu rosto?!
Dei um passo para trás, lembrando de que estava irado com
ela.
— Isso aqui é culpa sua! — Encostei-me na parede, cruzando
os braços. — Quem você acha que é para subornar Henrique para
não me vender mais maconha?
Acabei falando alto demais, atraindo atenção de alguns alunos.
Enny se empertigou.
— Sou sua melhor amiga — refutou, brava, colocando as
mãos na cintura. — Achou mesmo que eu não ia fazer nada, que ia
deixar você ir por esse caminho e não tentar impedir?!
— É, e levei uma surra, parabéns para você, sua metida! —
esbravejei, esfregando os nós dos dedos vermelhos e esfolados.
Meu peito subia e descia rápido, queria voltar até Henrique e dar
outro soco nele. — Não preciso da sua ajuda, Enny!
— Com certeza precisa, olha só para você? — Apontou com
desdém.
Trinquei o maxilar.
— Cuida da sua vida, ok?
— Não! — esbravejou, balançando a cabeça em negativo. —
Cuido de nós dois! Nós somos irmãos de mães diferentes, lembra?
Cala a boca, pelo amor de Deus.
— Você me afastou da sua vida sem mais nem menos, quando
eu só queria te apoiar e te dar força, ajudar você a passar por isso.
— Seu rosto ficou vermelho, o pescoço também. A luz amarela do
poste mais perto iluminou suas lágrimas. Torci os lábios. — Mas
você só briga comigo, consegue perceber isso? Você grita comigo,
me xinga, me trata como se eu fosse a culpada por tudo de ruim que
já aconteceu na sua vida, Theo! — Terminou gritando, uma lágrima
correu por sua bochecha.
Doeu mais do que a surra que levei de Rick.
— O Theo que eu conheço não é assim!
— O Theo que você conhece não existe mais.
O vento assobiou entre nós. Um caroço na minha garganta
dificultou que eu engolisse.
— Não tem problema, estou disposta a abraçar esse novo
Theo. Então para de tentar me afastar da sua vida, porque quando
essa raiva toda passar, você vai se arrepender de ter me tratado
assim… e talvez eu já tenha me cansado de você. — Limpou as
lágrimas com impaciência, o queixo erguido, apesar do choro
silencioso, parecia uma rocha inabalável. Eu queria ser como ela. —
E aí eu não vou ter pena de dizer que te avisei.
Soltei uma risada irônica no fundo da garganta.
— Não vai, você não tem coragem! — retruquei com um meio
sorriso.
— Tenho sim! — falou com tanta convicção que, por um átimo
de segundo, acreditei. — Pode apostar que tenho, porque esse
Theo na minha frente não é meu amigo!
Doeu nela dizer aquilo, percebi. Doeu mais em mim, foi difícil
manter a postura, acredito que vacilei. Ela me encarou por alguns
segundos antes de me dar as costas e ir embora.
Ela não tinha falado sério.
Não é?

Olhando-me no espelho, pude concluir que Rick não teve


tempo para fazer um bom trabalho. Um lado do meu rosto estava
cheio de hematomas azulados e arroxeados, o olho inchado e com
um corte no lábio inferior.
O bom que ele não tinha rasgado o piercing do meu nariz. Só
de pensar que aquilo poderia ter acontecido um calafrio subiu por
minha espinha.
Tinham duas coisas que não saiam da minha cabeça: Enny e
Luiza andando juntas, e a última coisa que Enny me disse.
Porque esse Theo na minha frente não é meu amigo!
Soltei uma lufada de ar, estava com as mãos apoiadas na pia,
encarando meus olhos no reflexo do espelho. Tinha acabado de sair
do banho, era domingo de manhã, ia passar horas dentro de casa,
fazendo absolutamente nada, a não ser remoer todas as merdas da
minha vida. E, de repente, socar alguma coisa.
Decidi não esperar pela última.
Empurrei meu punho contra o espelho, ouvi um estalo. Não
tinha certeza se era do espelho trincado com riscos que pareciam
formar uma teia de aranha, ou se do meu pulso. Os nós dos dedos
sangraram.
Gritei, com os olhos ardendo ao enfiar a mão trêmula debaixo
d'água.
Inferno.
Parabéns para mim, de novo.
Enrolei a toalha de rosto na mão e saí do banheiro vestindo
uma blusa e uma calça de moletom, os cabelos pingando na minha
roupa. Fui até a geladeira, não tinha gelo para o machucado (não
tinha certeza se era bom colocar gelo, minha cabeça estava igual
um purungo, oca!), na verdade, não tinha praticamente nada ali,
uma caixa de leite (desconfiei que o cheiro azedo insuportável vinha
dali), um ovo solitário na porta, um pote de maionese vazio (fiquei
com preguiça de jogar no lixo), um pote de sorvete (sem sorvete e
muito menos feijão) com um pastel bolorento.
Fechei a porta, fazendo ânsia de vômito. A casa inteira tinha
um ar azedo, as paredes pareciam pegajosas e o chinelo grudava
no piso fazendo um barulho chato.
Meu estômago roncou, minha mão doía, minha cara também.
Fui para o quarto, tinha colocado uma barra de ferro na porta
para me exercitar. Ajudava a aliviar a mente também. Joguei a
toalha no chão, segurando a barra. Lágrimas brotaram nos cantos
dos olhos devido a mão machucada, cada movimento era como se
os cortes aumentassem.
Porque esse Theo na minha frente não é meu amigo!
Ela não podia ter falado sério. Nem estava tratando-a tão mal
assim. Tentei lembrar a última conversa que tivemos… Certo, talvez
estivéssemos brigando bastante. Mas eu tinha vontade de brigar até
com a televisão, porra.
O portão de casa só recebia os meus chutes.
Falando nisso, estava muito silencioso.
Meus grunhidos devido à força para me levantar na barra não
eram o suficiente para aplacar aquele silêncio monstruoso. Mas não
parei, quanto mais meus músculos doíam, mais os forçava. Não
tinha nada para fazer mesmo. Suor começou a escorrer pelo meu
corpo, a umedecer minha blusa. Estava ficando cansado.
Por que Enny estava andando com Luiza?
Esperava que ela não tivesse aberto a boca sobre minha
descida ao inferno. Não conseguia aguentar imaginar Luiza sabendo
do meu declínio. Não queria que ela tivesse pena. Meu Deus, já era
o suficiente ter me colocado no papel de bobo quando a pedi em
namoro.
Depois de sei lá quanto tempo, diminuí a velocidade, chegando
ao meu limite, mas sem soltar a barra. Como se ela fosse a única
coisa que me impedisse de cair para os braços da morte. Eu estava
chorando.
Não tinha conseguido encontrar o caminho para a estrada. E o
pior, estava me acostumando a estar perdido.
Uma batida alta na porta me assustou. Soltei a barra, caindo
de mal jeito no chão. Minhas mãos estavam trêmulas. Usei a toalha
para limpar meu rosto. Só podia ser Enny. Ela nunca mais tinha
aparecido por ali, mas quem mais poderia ser? Enrolei a toalha na
mão escondendo o machucado.
Caminhei ofegante até a porta, afastei os cabelos do rosto.
Eu ia pedir desculpas para ela.
Abrir-me.
Pedir para ela subornar Henrique para voltar a me vender
maconha.
Humm… não, isso a deixaria brava.
Abri a porta, dando de cara com ninguém mais ninguém
menos que meu irmão, Amanda e os trigêmeos.
— Por que ele tá com a cara azul? — perguntou um dos
meninos. Sinceramente, não sabia quem era quem. Por Deus, para
que roupas iguais em crianças que já eram idênticas? Em minha
humilde opinião: ridículo.
— Oi, Theo. — Amanda sorriu, franzindo as sobrancelhas.
— Você se meteu em briga. — Lúcio foi direto, sua expressão
sempre fechada se endureceu mais.
Devia ter espionado pela janela antes de abrir. Dei um passo
para o lado, deixando que entrassem. Mantive a porta aberta por
causa do cheiro. Amanda se sentou no sofá, olhando para os lados,
averiguando a decadência daquela casa. Lúcio se encaminhou para
a poltrona.
— NÃO! — gritei, me apressando até ele. — Aí é o lugar do
papai.
Ele me encarou impassível, indiquei o lugar livre ao lado de
Amanda. Minhas mãos ainda tremiam pela barra, as escondi, mas
não antes deles perceberem. Os meninos começaram a caminhar
pela casa. Lembrei de Luiza e seu irmão, será que sua mãe também
os vestia com roupas iguais?
Peguei uma cadeira para mim.
— Você não foi trabalhar essa semana — começou Amanda,
olhando de esguelha para Lúcio e depois para mim, preocupada. —
E antes disso estava faltando bastante. O que está acontecendo?
Meu pai morreu! É isso o que tá acontecendo!
Trinquei os maxilar. Era assim tão errado querer gritar com
outra pessoa por uma simples pergunta?
Sinceramente, eu tinha ódio de olhar para Lúcio e vê-lo com
aquela mesma cara de quem tinha acabado de cheirar um gambá,
como se o nosso pai não tivesse falecido. Ah claro, era querer
demais de um homem que sempre agiu como se não tivesse um
pai!
ERA POR AQUILO QUE EU NÃO IA MAIS AO TRABALHO!
Não suportava aquele cara estranho que era conhecido como
meu irmão. Na verdade não estava suportando ninguém.
Será que eu já podia gritar?
— Que cheiro é esse? — perguntou Lúcio, olhando por sobre o
ombro para a cozinha. Revirei os olhos, mordendo os lábios com
força. Comecei a batucar os pés no chão com impaciência. — Vai
falar o que aconteceu com o seu rosto?
— Eu caí — menti descaradamente entre dentes.
Amanda esfregou os dedos na testa, tensa. Lúcio soltou um
riso sem emoção.
— E a sua mão, por que tá escondendo?
— Eu machuquei.
— Como? — exigiu, sem se importar com minha rispidez.
— Caí — menti de novo, esticando o canto da boca.
— O que é isso? — disse um dos meninos, eu tinha quase
certeza que o nome dos três começava com B. Bruno, Bernardo e
Benício. Humpf!
— Acho que é cigarro — respondeu o outro. — É parecido com
o da vovó.
Lúcio pulou do lugar, chegando até os meninos mais rápido
que um raio, tomando a bituca do meu cigarro de maconha. Me
empertiguei, me odiando pelo meu relaxamento. Se eu transasse
teriam camisinhas pelo chão também.
Apertei a mão machucada, um desejo louco de socar a parede.
Acho que só pararia quando quebrasse a mão.
Lúcio levou a bituca ao nariz, e pelo franzir do cenho
reconheceu a droga.
— Não toquem em nada meninos! — ordenou, não me olhou,
pelo contrário seguiu para a cozinha.
— Theo — Amanda chamou minha atenção, mas eu estava
mais preocupado com Lúcio fuxicando a geladeira podre. — Nós
estamos muito preocupados.
— Estou bem — falei automaticamente.
Ela balançou a cabeça em sinal negativo.
— Queremos que… — ela hesitou, olhando por sobre o ombro
para a cozinha, onde Lúcio estava abrindo os armários vazios da
pia. — Você tá passando fome?
Arregalou os olhos para mim.
— Não! — Fiz um muxoxo irritado. — Como na rua.
— Salgadinho? — Lúcio balançou no ar um pacote vazio de
Cebolitos. — Temos uma visão bem diferente sobre o que é comida,
então.
Revirei os olhos, bufando.
Os dois querendo bancar de pais para cima de mim, fala sério.
Lúcio voltou a se aproximar, apoiando os braços no encosto do
sofá, seus olhos me encontraram sem se abalar. Droga, ele era uma
maldita rocha igual Enny. Eu o odiava um pouco mais por isso.
— Queremos que vá morar conosco — foi direto, nem piscou.
Olhei para Amanda procurando uma explicação para aquela frase
sem sentido. — Não estou dizendo que não pode cuidar de si
mesmo, que não é capaz de se sustentar, afinal você tem vinte anos
e um emprego. Mas te queremos perto de nós.
— Por quê? — Procurei o olhar de Amanda outra vez, gostava
dela, ela ficou ao lado do meu pai até o fim, sempre foi legal comigo,
não parecia uma marionete sem emoções como Lúcio. A mesma só
assentiu, me dizendo que queria aquilo também.
— Porque você é meu irmão! — retrucou como se eu fosse
burro por questionar o óbvio.
Certo, ele me desarmou completamente com aquilo.
Pestanejei, tentando me recompor, mas não consegui. Um nó se
formou na minha garganta.
— Não precisa ficar aqui sozinho, Theo — emendou Amanda,
cruzando as pernas e logo desfazendo, estava inquieta. Achei que
ela queria chorar. — Tem um quarto para você, pode levar todas as
suas coisas. Prometo que não vou deixar os meninos te
incomodarem.
— Você continuará seguindo sua vida, trabalhando, estudando,
recebendo visitas da sua amiguinha Enny, fazendo as coisas que
normalmente faz, mas sem drogas — concluiu Lúcio incisivo.
E você continuará seguindo sua vida.
Eu estava fazendo exatamente o contrário, seguindo contra a
maré.
Não sabia o que responder. Se dissesse que a proposta não
tinha me balançado, estaria mentindo. E não foi um simples abalo,
foi um terremoto escala sete.
— Posso pensar? — balbuciei.
— Se prometer que vai pensar de verdade. — Lúcio parecia
bravo por fora, mas havia uma mansidão em seu olhar enquanto me
observava.
— Eu prometo.

Depois que eles foram embora fiquei sentado, refletindo sobre


a proposta. Não consegui chegar a um veredicto. Não era uma ideia
absurda morar com eles. Não mesmo. Só Deus sabia que o silêncio
quase me devorava vivo. Mas eu tinha que pensar bem.
Levantei-me, pegando um balde, cloro, detergente, pano e
uma vassoura. Comecei pela cozinha, esfregando o pano tanto na
parede quanto no chão. Tive que trocar a água do balde três vezes.
Depois fui para a sala, meu quarto que foi o pior, e por último o
banheiro. Enfim comecei a recolher todo o lixo de cima das coisas.
Precisei de um litro de garrafa pet para descartar a porcelana
quebrada do meu porquinho. Minha mão doeu durante todo o
processo, mas enquanto limpava a casa, não tive raiva, me cansei,
mas não como chegar ao limite na barra. Devia limpar a casa mais
vezes. Já era fim de tarde quando terminei minha limpeza, meu
estômago doía de fome.
Comprei algumas coisas no mercadinho ali perto e remédio
para dor na farmácia.
Comi macarrão com maionese, uma panela inteira. Comia
sentado no sofá com a TV ligada em um programa qualquer. Meus
olhos não se desviavam da poltrona do meu pai. Ainda não tinha me
perdoado por desejar que ele se fosse. Pois foi isso que desejei,
não foi?
O macarrão desceu arranhando a garganta.
— Preciso mesmo ir embora — murmurei para a poltrona. —
Tem muitos fantasmas aqui.
Depois de terminar meu jantar, tomei outro banho e fui para o
quarto. Tinha dificuldade para fechar minha mão machucada. Doía
pra caramba. Olhei o dinheiro espalhado pela cômoda, fazia tempo
que não pensava mais sobre a minha moto. A águia que me faria
voar em terra.
Suspirei.
Tinha mesmo parado com a minha vida.
Não estava seguindo em frente.
Só porque eu tinha perdido o caminho, não significava que eu
precisava abandonar meus objetivos, ou pessoas que continuavam
acenando da estrada sem eu conseguir ver.
Peguei uma lata e fiz um corte na tampa, enfiei todo o dinheiro
espalhado sobre a cômoda na lata, passando fita logo em seguida
para pensar duas vezes antes de tentar abrir.
Tombei na minha cama.
Tentaria voltar para o trabalho.
Tentaria assistir a todas as aulas.
Tentaria ser mais gentil comigo mesmo.
Tentaria me redimir com Enny.
Peguei meu celular, enviando uma mensagem para ela.

Ainda posso ir na festa dos seus pais?


Capítulo 17

Era a festa dos pais da Enny, estava um pouco nervosa. Theo


estaria lá, Enny confirmou. Seria a primeira vez em meses que
ficaríamos perto, estava com medo de como ele reagiria, já que
sempre me evitava na faculdade. Tinha quase certeza que ele
ficaria emburrado, sem olhar para minha cara, resmungando sem
parar.
Certo, eu estava muito nervosa.
O Uber me deixou em um bairro perto do centro, bastante
conhecido por ter casas enormes, de gente rica mesmo. Ficava
próximo ao estádio municipal.
Alisei meu vestido verde água de tecido fino, soltinho, sem
decote e com mangas curtas, ia até o meio das coxas, não tinha
nada de exagerado, sem cinto, sem pregas, só tecido liso como das
revistas. Era da minha mãe, e como tínhamos o mesmo tipo físico
ela me emprestou e também uma bolsinha prateada de alça
comprida para guardar o celular, lubrificante e estojo da prótese. Ela
também fez a boa ação de fazer trança nagô no topo da minha
cabeça, os cachos caíam soltos pelas minhas costas.
Enny me recebeu no portão, me levando para dentro da casa.
— Sua casa é enorme! — frisei, me sentindo um pouco
deslocada, e também olhando Enny com outros olhos. Saber que
ela era rica era bem diferente de ver que ela era rica.
— É um pouco. — Deu de ombros, me conduzindo por uma
sala enorme com sofá branco de couro que derrubou meu queixo no
chão, depois entramos em outra sala, para chegarmos em uma
varanda que dava para um jardim gigante todo decorado, com uma
armação de madeira coberta onde tinham mesas, e em um patamar
mais alto um grupo tocando violino e piano.
Fiquei me perguntando onde haviam escondido a piscina, com
certeza existia uma.
A noite tinha caído fazia uma hora, mas a iluminação do lugar
era surreal.
— Um pouco? — Ela estava zoando com a minha cara. — Isso
aqui faz a minha casa parecer uma cabaninha no meio do mato!
Ela riu balançando a cabeça.
— Credo, que exagero. — Revirou os olhos. — Você e o Theo
são iguaizinhos.
Meu coração parou bruscamente, para retornar com
velocidade máxima.
— Ele já chegou? — Esfreguei minhas mãos suadas uma na
outra, lembrando no último segundo que não podia limpá-las no
vestido.
— Ainda não, mas ele prometeu que viria. — Ela olhou para o
pessoal e depois para mim, se aproximando. — Theo tem sido mais
legal comigo, acho que a conversa que tive com ele ajudou.
— Isso é ótimo! — Sorri, feliz de verdade por aquilo. Embora
tivesse medo dele ser áspero comigo. Minha mente ansiosa só
conseguiu projetar o pior dos cenários. — Não vai se arrumar?
— Já estou arrumada! — retrucou, ultrajada. Observei-a da
cabeça aos pés, estava vestindo uma calça rosa, camiseta com
estampa de uma boca chupando pirulito, as mesmas pulseiras,
brincos de argolas grossas vermelhas e a única maquiagem era um
batom rosa choque cremoso.
Em pensar que fiquei uma pilha de nervos por não ter roupa
para aquele evento.
— E essa deve ser a Luiza! — Uma mulher esguia, branca,
ostentando jóias que só podiam ser ouro e diamantes, se
aproximou. Me pegou desprevenida me dando um beijo de cada
lado do rosto. — Sou a Priscila, mãe da Enny.
Ela pronunciou En.
Achei chique.
— É um prazer. — Sorri, um tanto tímida sem saber o que
falar.
— Olha só para esse vestido! — Segurou meu braço,
inclinando o busto para trás para me analisar. Se eu fosse capaz
teria ficado vermelha igual a pobre da Enny. — É LIN-DO! Enaltece
demais o seu tom de pele. Uau! — E olhando para a filha,
acrescentou: — Aprenda com a sua amiga o que é se vestir.
Arregalei os olhos.
Calma aí que ela estava me superestimando.
Eu entendia tanto de moda quanto Enny, e segundo sua mãe
ela não entendia nada.
Enny franziu o cenho.
— Valeu, mãe! — resmungou cruzando os braços.
— De nada, amor — cantarolou, apertando a bochecha de
Enny, deixando uma marca rubra. — Fique à vontade, Luiza. Depois
quero o contato do seu cabeleireiro. — E lançou um olhar encantado
para a minha trança nagô antes de se afastar requebrando o quadril.
— Você não avisou a sua mãe que eu sou pobre? — Oh,
Deus. Felizmente eu nunca mais entraria naquela mansão outra
vez.
Enny revirou os olhos tão profundamente que as íris sumiram
por um instante.
— Ela não liga, é sério. — Olhou para o lado de relance, então
foi atraída para algo que a fez mudar de postura. Soube no mesmo
segundo o que era. Segui seu olhar, avistando Theo parado no
início da sala, nos observando.
Meu coração deu outra parada, e dessa vez demorou mais
para voltar a bater. Ele usava uma calça jeans escura e uma camisa
branca por dentro da calça, com as mangas dobradas até os
cotovelos, deixando visível boa parte da tatuagem de partitura. Os
cabelos longos o suficiente para estarem presos em um coque
minúsculo, enquanto os fios da orelha para baixo caíam até metade
do pescoço.
Lindo.
Meu príncipe (emo) encantado.
Demorei um pouco para perceber que ele estava hesitando.
— Venha! — Enny chamou, e quando não obteve resposta foi
atrás dele, trazendo Theo pelo braço. — Chegou bem na hora, logo
vão servir o jantar.
Ele me olhou, tinha apenas algumas manchas amarelas de um
lado do rosto da briga que se meteu com o tal de traficante.
— Oi — cumprimentei, sorrindo sem mostrar os dentes.
— Oi? — Não sei se era para ter soado como pergunta
mesmo, talvez ele só estivesse bastante surpreso de me ver ali. E
também irritado.
— Venha, Iza. Vamos ficar na mesma mesa! — Enny puxou
Theo pelo caminho, os segui só a um passo de distância. Theo me
olhou por sobre o ombro, parecia incomodado e aquilo me magoou.
— Aqui, a mesa das crianças.
Era uma mesa redonda enorme, na qual já haviam três
crianças sentadas.
— Tem certeza? — indaguei, incerta sobre em que cadeira
sentar.
— Sim, e sem álcool para nós. No ano passado fiquei bêbada
e fiz um fiasco, esse é o meu castigo. Nosso, quero dizer. — Abriu
um sorriso de orelha a orelha para Theo e para mim. Ela segurou o
amigo pelo ombro e o forçou a se sentar, depois me pegou pelo
braço e me empurrou para o lugar ao lado dele e finalmente se
sentou na cadeira ao lado da minha. — Outro dia eu te conto melhor
essa história, Iza.
— Vinho? — perguntou uma menininha sentada à mesa,
apontando para um jarra de suco de uva.
— Ah, sim, obrigada! — Me servi, tomando um gole. Estava
bem gelado e docinho. Observei Theo de canto de olho, ele estava
tão tenso que estava me deixando desconfortável.
— Enny! — Ele chamou de assalto, me dando um leve susto.
— Esteve falando com Lúcio?
— Não, por quê?
— Ele me fez uma proposta. — E pelo tom, desconfiava que
ela tinha algo a ver. Olhei para ele, estava tão perto que eu não
sabia como a revoada de borboletas no meu estômago deixava o
suco parar no lugar.
— Ele vai te promover na oficina? — Ela colocou suco de uva
em um copo.
Theo me fitou, me pegando com o olhar fixo nele, seus orbes
estavam mais para o castanho do que para o verde naquela noite.
Trincou o maxilar.
— Depois eu te conto — balbuciou, desviando o olhar para
longe.
— Ah! — gritou Enny, dessa vez meu susto foi mais forte, por
pouco não derramei o suco no meu vestido. O clima tenso somava
no meu nervosismo. — Acabei de ter uma ideia, Luiza.
— O quê? — Peguei um guardanapo para limpar a boca.
— Você pode trabalhar para a minha mãe. A secretária dela
vai se aposentar, ela vai precisar de alguém. — Enny estava
empolgada, e de repente um fio de esperança desabrochou em
mim. — Faz um currículo, que eu te dou uma força, tá?!
— Ai, meu Deus, isso seria maravilhoso. — Ainda chorava por
ter perdido o emprego, contei a verdade para meus pais, ao mesmo
tempo em que ficaram tristes também ficaram irados. Tinha um
medo tão grande de não conseguir outro emprego que mal
conseguia dormir e respirar em paz. Theo se movimentou ao meu
lado, mas continuei focada em Enny. — Espere, sua mãe é racista?
Enny congelou com o copo em frente a boca, me olhou
perplexa.
— Não! — respondeu com firmeza.
— Capacitista?
Enny arregalou os olhos.
Ela não podia me julgar. Ninguém podia.
— Não também. — Tomou seu suco, enfim.
— Tudo bem, vou preparar um currículo para a sua mãe. —
Tentei não criar tantas esperanças, não queria me frustrar. E no
momento atual da minha vida, uma frustração como ser rejeitada
numa vaga de emprego me deixaria ainda mais para baixo. Sem
falar no meu livro, no qual eu estava apostando todas as minhas
fichas, apesar dos receios.
— Humm, vou lá dar oi para a tia avó do meu pai. — Enny se
levantou, entendi o que ela estava fazendo. Meu estômago
despencou. — Já volto, pobres.
Olhei para o restante das pessoas, todas tão estilosas,
gritando “SOU RICAAA!”. Não tinha nada de chamativo, estava bem
entediante de olhar. Não me admirava que Enny tivesse ficado de
castigo por ficar bêbada. Olhe bem, aquelas pessoas só
bebericavam o champanhe!
Sem falar na música extremamente melancólica.
— Sabe o que essa festa tá parecendo? — perguntei, Theo me
fitou de esguelha, meio emburrado, tratei de fingir que não me
abalava. — Com aquele filme Corra!.
Theo crispou as sobrancelhas, confuso, correu o olhar pelas
pessoas e a “festa” em si.
— É, acho que entendi o que você quis dizer — falou ainda
estudando o ambiente, como se não o tivesse feito ainda. — Aquele
filme me deu medo.
— Em mim também. — Sorri, mas só de lembrar minhas
entranhas reviraram. — E aquele final? Quando o carro da polícia
parou no meio da estrada e a vadia da namorada do cara sorriu
como se tivesse vencido, chorei, juro.
— Ainda bem que era o melhor amigo do cara, do contrário ela
teria vencido mesmo — comentou, cruzando os braços. Estava
tentando quebrar o gelo, e tava funcionando. Tinha que tomar
cuidado para não me empolgar. Estava ali só para dar um força. —
Por que está aqui?
Esperando pela pergunta, respondi naturalmente: — Enny me
convidou.
— E por que ela te convidou? — Me observou de esguelha,
parecia cauteloso em relação a mim. Ou ele ainda gostava muito de
mim, ou me odiava muito. A segunda opção era mais plausível
levando em conta o fim do nosso relacionamento.
Beberiquei meu suco.
— Nós conversamos às vezes. Enny é legal, mas não somos
amigas… Quer dizer, eu não a vejo assim.
Theo estreitou o olhar, cético.
Os orbes fitaram minhas mãos, procurando por algo que não
encontrou. A aliança estava bem guardada no meu pescoço.
— Que estranho — comentou em um murmúrio, voltando os
olhos para os meus. Senti uma fisgada na boca do estômago.
Queria que aquele jantar durasse uma vida inteira, se significaria
que ficaríamos perto. — Achei que você não gostasse dela.
— Já superei! — brinquei, batendo o cotovelo em seu braço. O
contato despretensioso me deixou quente. — Tá com medo que eu
roube sua melhor amiga?
Ele fez um muxoxo.
— Nem ouse, eu conheço um golpe de Alien que te deixaria
desacordada por dias, linda. — Serviu um copo de suco para si.
Linda.
Ele me chamou de linda como antes.
O gelo estava rachando.
— Fala sério, você acabou de inventar isso — refutei, com o
coração batendo descompassado no peito.
— Foi sim, mas não quer dizer que o efeito não seja real. —
Piscou um olho, bebendo seu suco.
Ri.
Continuamos conversando banalidades naquela linha durante
o jantar. Enny não retornou para a nossa mesa, Theo não comentou
a ausência dela, mas foi se soltando cada vez mais. O jantar foi
servido, não fazia ideia do que era aquele negócio no prato,
disseram que era risoto, mas o risoto que eu conhecia era um
panelada de arroz com carne de galinha.
Mal terminamos a sobremesa, uma pista foi montada no
gramado plano e as pessoas começaram a valsar. Parecia que
estava em um filme.
— Será que a gente já pode brincar? — perguntou um
garotinho para os amiguinhos.
— Não, Valentim! — falou outra menina com ar autoritário,
quase ri. — Temos que esperar nossas mães virem aqui.
Fitei Theo de lado, ele me devolveu o mesmo olhar, segurando
o risinho de canto.
Nossos pensamentos estavam alinhados, pelo visto.
— O que te lembra Valentim? — sussurrei me inclinando para
mais perto dele. Não queria que as crianças ouvissem.
— Um senhor de setenta anos numa varanda tomando chá —
murmurou, o sorriso se alargando.
Ri alto, visualizando perfeitamente a cena na minha cabeça.
— Nossa, com certeza. — Não me afastei, encantada por tê-lo
tão perto depois daqueles meses longe. — Quer dançar?
— Não sei dançar valsa. — Fez uma careta.
— Eu também não. — Dei de ombros.
Theo ficou pensativo, o olhar se demorando um pouco em
minha boca, ele engoliu em seco, repeti seu gesto.
— Então vamos.
Nos levantamos e seguimos até o começo da área em que
estavam dançando. Ficamos ali no canto, eu batendo com as mãos
na coxa, ora com a palma aberta, ora com o punho cerrado,
enquanto Theo ficou com o olhar perdido por um momento.
— Acho que não é uma boa ideia — falou finalmente, sem me
olhar. Ele estava tenso outra vez.
— Por quê? — Meu coração pesou, pisquei várias vezes com
insegurança me causando tremores.
— Não vou ser seu amigo.
— Tudo bem, eu não quero ser sua amiga! — falei com
sinceridade. Era verdade, eu tinha entendido, naqueles meses
conversando com Enny, que a amizade entre eles era pura e
verdadeira. Todas as pessoas deviam ter a sorte de uma amizade
como aquela, mas eu não queria ser como Enny em sua vida.
Não conseguiria.
Me machucaria demais.
Theo me olhou com certa mágoa, o que me confundiu. Trincou
o maxilar e voltou a mesma postura de quando chegou, e, em vez
de se afastar, colocou as mãos na minha cintura. Hesitei, mas
acabei cedendo, envolvi seu pescoço com as mãos. Começamos a
balançar devagar, enquanto as outras pessoas valsavam com
graciosidade.
Tinha nuvens encobrindo a lua e as estrelas, o vento frio
levantou meus pelos.
Procurei por Enny, mas não a encontrei.
— Você está arfando — sussurrou rouco, seu rosto estava do
lado do meu, só poucos centímetros mais alto. Meu corpo arrepiou,
com um raio atingindo minha espinha. Cerrei as pálpebras, me
xingando mentalmente.
— Te irrita? — Eu não conseguia controlar a minha respiração.
— Um pouco — soprou na minha orelha.
Ele chegou mais perto, as mãos deslizando tomando caminho
das costas. Eu nunca estive tão consciente do seu corpo, ele
parecia mais forte, mais quente, mais cheiroso.
Queria beijá-lo!
Estreitei mais o aperto atrás de seu pescoço quando minhas
pernas ficaram moles como uma gelatina. Por Deus, suas mãos em
minhas costas pareciam brasas me queimando através do tecido
fino do vestido. O frio pelo vento desapareceu. Calor!
Não conseguia pensar com coerência.
— O que aconteceu no seu trabalho? — perguntou depois de
alguns minutos, que pareceram anos. Cada segundo se arrastava,
mas ao mesmo tempo voava. Não era o bastante. Precisava que
durasse anos, literalmente.
— Pedi a conta — sussurrei, fraquejando ao deixar minha testa
tombar em sua clavícula, ele se retesou a princípio, depois relaxou.
— Acho que era isso que Regina queria desde o começo.
Expliquei a ele que, com o dinheiro das trufas, não demorou a
conseguir juntar o dinheiro para comprar a prótese. Acreditei que
estava em paz no meu trabalho, até minha chefe exigir que eu
alisasse meus cachos. Quase chorei outra vez. Ainda não
conseguia ter certeza se tinha me precipitado ao pedir a conta, mas
não devia ter que matar meus cachinhos para ter um emprego.
— Sinto muito, Iza. — Ele apoiou o rosto na minha cabeça,
suspirei baixinho. Acreditei que ele iria reclamar também, mas não o
fez. E eu continuava ofegante. — Que bom que não cedeu, senão
ela acharia que poderia te impor qualquer coisa. E se ela queria
tanto que você pedisse a conta, poderia criar situações ainda piores.
Cerrei as pálpebras, tentando a todo custo conter as lágrimas.
Era difícil com seu aperto reconfortante.
— Não amava o meu emprego, mas nunca faltava, nem pedia
atestado, exceto a ocasião com a prótese nunca incomodei… — eu
não conseguia encontrar outra razão além do preconceito.
— Não fica assim. Tomara que Priscila te contrate, ela é muito
bacana, você vai ver.
Eu torcia que sim.
Do contrário, sabia que não seria tão fácil. E ainda tinha dois
cursos para pagar!
Tratei de espantar meus medos para longe, quando lembrasse
desse momento com Theo não queria que aquele sentimento viesse
junto. Queria lembrar apenas como um momento doce, com um
cara que já foi muito íntimo, meu namorado. Poxa vida, ainda era
surreal pensar que tive um namorado. Naquela época em que
acabou eu ainda estava me acostumando com a ideia.
E perdê-lo também era uma realidade que eu não conseguia
me acostumar.
Era como algo inacabado.
Será que ele se sentia assim, pelo menos uma pequena parte?
Ele podia perceber agora como eu senti sua falta?
— Você está mais forte ou é coisa da minha cabeça? —
murmurei, esfregando o nariz em seu pescoço. Ele estremeceu.
— Acho que estou, sim. — Sua voz saiu rouca.
— Tá fazendo academia?
— Não, só tenho me maltratado mesmo.
Inclinei a cabeça para trás o suficiente para encontrar seus
olhos, estavam mais escuros, mergulhados em emoções densas e
angustiantes.
— Como assim? — Uni as sobrancelhas, preocupada. Será
que Enny não tinha me contado tudo?
Suas narinas dilataram quando sua respiração ficou mais forte.
A música parou, tão logo Theo se afastou desviando o olhar do
meu e enfiando as mãos nos bolsos da calça. Fiquei com uma
sensação de abandono tão grande que não sabia o que fazer.
Sentime completamente perdida.
O tilintar da taça me deu um norte, procurei a fonte e encontrei
Priscila no pequeno palco onde estavam os músicos e seus
instrumentos.
— Obrigada, meus amigos queridos, por comparecerem em
mais uma celebração do meu amor e de Augusto — ela disse,
verdadeiramente emocionada. E pelo que Enny comentou, eles
faziam aquilo todos os anos, como um casal que se apaixonava
todos os dias ao invés de se assustar com a cara amassada do
parceiro ao acordar. — Meu amor, eu ainda te amo!
Ela apontou para um homem baixinho e gordinho enquanto os
amigos riam educadamente.
Meus olhos pinicaram. Aquele momento com Theo me deixou
emotiva.
E não, a comemoração anual dos pais de Enny não iria para a
lista de coisas bregas em relacionamentos.
Priscila começou a contar uma história engraçada de quando
eles se conheceram e ela o achou muito feio, mas que ele estava
empenhado a conquistá-la, e conseguiu com uma boa lábia.
Um pouco ri, um pouco chorei.
Limpei o canto dos olhos com os polegares.
— Não sabia que você é romântica — Theo comentou ao meu
lado. Observei-o de esguelha, o vento jogando alguns cachos sobre
meus ombros. Ele me olhava contemplativo.
— Eu sou. — Dei de ombros. Eu escrevia romances, ora bolas.
— Só me faço de durona às vezes.
A sombra de um sorriso se insinuou em seus lábios.
— Vamos fugir — uma voz cochichou atrás de nós. Olhei por
sobre o ombro com uma mão no coração pelo susto. Era Enny. —
Pensei em irmos para o Tribuna.
— É a festa dos seus pais, Enny — lembrei-a. Ela tinha uma
expressão entediada.
— Vejo isso todos os anos, fala sério. — Torceu os lábios. —
Se não forem comigo, vou sozinha.
Tinha estado só uma vez no Tribuna, foi quando reencontrei
Theo e toda a coisa entre nós começou. Voltar àquele lugar me
trouxe recordações que nunca queria esquecer. Não tinha certeza
se aconteceu a mesma coisa com Theo, ele devia ter ido ali várias e
várias vezes.
O lugar estava lotado.
Música alta.
Muita gente dançando, se beijando e bebendo.
Nós três nos encaixamos no último. Era a quinta rodada de
cerveja, era meio que uma competição de quem aguentaria mais
tempo.
Não estava bêbada. Mas Theo e Enny estavam.
— Eu não tô bêbada! — gritou Enny com a língua enrolada,
despejando cerveja num copo, mais fora do que dentro.
— Tá zim, olha zó a bagunza que zê tá fazendo! — Apontei,
não sei porque minha voz saiu daquele jeito estranho, pigarrei
abraçando a cintura de Theo. — Ela pareze uma crianza, né amor?
— Total! — Ele concordou, o hálito carregado de álcool soprou
em meu rosto com seus lábios a poucos centímetros de mim. Suas
bochechas estavam rosadas. — Por que estamos abrazados?
— Porque a gente namorou e hoje não namora mais —
respondi, ele franziu o cenho confuso, como se só lembrasse
daquilo naquele momento.
— Vozê me machucou, zabia?! — gritou, tentando se afastar,
mas sem empunhar a força necessária.
Pai amado, ele estava muito bêbado.
— Eu zei. — Assenti, minha vista embaçando com lágrimas. —
Eu zinto sua falta. DEMAIS!
— Não é verdade. — Ele negou com a cabeça, conseguindo
se afastar de mim, ele cambaleou, segurei sua mão, os nós dos
dedos estavam esfolados, com casquinhas.
Não, só tenho me maltratado mesmo.
— Vozê tá muito bêbado, Theo. Se apoia em mim! — Abracei
ele outra vez pela cintura, quase perdemos o equilíbrio, mas ele me
segurou com força e alguém que passava atrás dele empurrou suas
costas.
Enny nos observava, as pálpebras pesadas pelo álcool.
— Eu aposto cinquenta reais que a Iza não beija o Theo! — ela
gritou para se fazer ouvir sobre a batida forte da música.
Meu estômago caiu e eu quase fui junto.
Theo negou freneticamente com a cabeça.
— Penzei que fozze minha amiga, mas é minha inimiga! — Ele
berrou com olhos injetados de raiva para a melhor amiga. Theo
aproximou a boca da minha orelha, me deixando inebriada pela
proximidade, e arrepiada. — Não faça izzo, por favor.
— Mas eu quero! — rebati, desesperada.
— Não, por favor, Iza — suplicou, os orbes angustiados
encontrando os meus, o nariz resvalando no meu, eu só precisava
fechar os olhos. Mas ele não queria, parecia prestes a chorar só
com a menção.
— Não vou beijar o Theo! — gritei para Enny, com um facão
atravessado no meu peito. O mundo girou por um instante, ainda
bem que Theo me segurava.
Enny jogou os braços para o alto, inconformada, no ato
derrubou cerveja num pessoal que estava atrás dela. A empurraram
e ela quase caiu sobre nós.
— Aposto dez reais que a Enny não beija… — Theo
semicerrou as pálpebras, olhando ao redor, apontou na direção do
bar. — O garçom!
Apontou para um rapaz de pele negra escura, que atendia os
bêbados com uma cara de poucos amigos.
— Ele é bonito! — exclamei, eu devia ir lá dar um oi para ele.
— Ei! — Theo reclamou, franzindo o cenho e apertando mais
os braços em volta de mim. Ele estava com ciúmes! HA-HA-HA!
Sorri como uma bêbada.
— Vou lá! — Enny empurrou a garrafa de cerveja em minha
mão, e seguiu com o copo até o bar, rebolando exageradamente,
mexendo nos cabelos. Estiquei o pescoço, as luzes atrapalhavam
um pouco minha visão, que parecia borrada por alguma razão
oculta, mas vi quando ela alcançou o bar, deslizando o copo pelo
balcão e chamou o garçom. O coitado nem teve tempo de perguntar
o que ela queria, com o auxílio de uma banqueta Enny se inclinou
sobre o balcão, agarrou o pescoço dele e o beijou.
Theo e eu caímos na gargalhada.
— Ela conseguiu! Uhull! — Ele gritou, erguendo um braço para
o alto.
Olhei bem para ele.
Ele era tão gostoso, eu estava vivendo uma verdadeira tortura
ali em seus braços sem beijá-lo. Minha boca secou ao encarar seus
lábios entreabertos, o inferior levemente úmido.
Segurei sua nuca, puxando-o em minha direção. Ele estava
quente e suado, cheirava a cerveja, seu próprio perfume masculino
e cheirava a mim também. Senti o lóbulo da sua orelha roçar minha
boca.
— Eu aposto cem reais que você não dança para mim —
sussurrei, mordendo o lábio. Recuei, capturando sua reação
perplexa que aos poucos foi se entregando a provocação.
Ele não precisou confirmar com palavras, seu olhar dizia que
tinha aceitado o desafio.
Theo desprendeu o cabelo, uma cortina de fio pretos caíram
rentes aos seus malares. Fiquei sem ar por alguns segundos. Ele
colocou o elástico no meu pulso, me segurando e me levando pelo
mar de pessoas, até chegarmos em uma extremidade onde tinham
mesas redondas dispostas.
Ele tomou a garrafa de cerveja de Enny da minha mão, bebeu
um pouco sem desviar os olhos lascivos de mim, passou a língua
pelos lábios. Calor!
Theo diminuiu a distância entre nós, eu não sabia o que
vibrava mais: a música ensurdecedora ou o meu coração ansioso.
Ele tocou a borda da garrafa no meu lábio inferior, abri um pouco
deixando ele despejar cerveja na minha boca. Ele voltou a
umedecer os lábios, os olhos tão escuros de desejo que fugiam até
do castanho. Theo se afastou deixando a garrafa numa mesa e
subiu em outra rapidamente.
Naquele momento estava tocando Morena.
De costas para mim, Theo me olhou por sobre o ombro
deslizando a língua lentamente pelos lábios. Gritei, dando pulinhos,
incentivando-o.
— TIRA A CAMISA! — berrei.
Ele atendeu ao meu pedido, ainda de costas começou a
desabotoar a camisa, ele mexia o quadril para os lados, depois para
frente e para trás, de repente uma pequena platéia foi se formando,
mas seus olhos estavam apenas em mim. Ele tirou a camisa,
revelando uma tatuagem que eu ainda não conhecia, eram asas
abertas que iam de um ombro ao outro, e no centro tinha duas
palavras: mãe e pai.
Theo virou em minha direção jogando a camisa no meu rosto,
algumas pessoas se alardearam. Ri, segurando a peça com força
contra o peito. Theo começou a dançar, mas foi bem específico ao
fazer o movimento com o quadril para frente e para trás, os orbes
desejosos queimando sobre mim.
As caixas de som explodiam: Dale moreno
Dale moreno
Dale moreno…
Ele foi descendo até o os joelhos se dobrarem depois se
levantou, alguns fios de cabelo caíram sobre seu rosto. E tinha um
volume bem chamativo no zíper do jeans. Theo me chamou com a
mão, me aproximei sem hesitar.
Ele levou as mãos para trás do pescoço, tensionando os
músculos e voltou a fazer aquele movimento com o quadril, mais
lento dessa vez, quase tocando meu rosto. Minha boca ficou seca, e
minha vagina sofreu, deixando minha calcinha úmida.
Corri o olhar por sua tatuagem de águia no abdômen chapado,
chegando no peito um pouco mais forte que meses atrás,
alcançando a clavícula, o pomo de Adão proeminente subindo e
descendo quando engoliu, os lábios pedintes e olhos tomados de
lascívia.
Ele cerrou as pálpebras, jogando a cabeça para trás cessando
o movimento com o quadril.
— CARALHO, IZA! — berrou frustrado.
Ele me queria, mas mágoa ou raiva — ou as duas coisas — o
impediam de se entregar. Compreender aquilo foi como levar um
chute e não saber de que direção veio o golpe. Engoli em seco,
apertando mais forte sua camisa. Dei alguns passos para trás. Ele
desceu da mesa ofegante, deu passos vacilantes em minha direção,
mas o olhar estava nas pessoas ao redor.
— Cadê a Enny? — perguntou para ninguém em particular.
Tinha me esquecido dela.
Procurei por ela até onde minha visão borrada alcançou,
esfreguei a pálpebra tentando de novo. Por que eu não estava
vendo direito? Qual era o problema daquele lugar?
— Vem! — Theo segurou meu cotovelo e me guiou devagar
entre as pessoas. Ele nem lembrou de vestir a camisa novamente.
— ENNY!
Por que ele estava gritando? Era inútil.
Estava tão bêbado que tinha perdido a lógica.
Zanzamos por um tempo atrás de Enny, mas não a
encontramos, perguntamos para algumas pessoas se viram uma
garota baixinha, só um pouquinho acima do peso que usava uns
brincos de argola vermelhos enormes, a maioria nem deixava a
gente terminar de falar e saía resmungando "bêbados, aff!”. O que
me deixava muito ofendida!
Até que uma coisinha borrada começou a correr na minha
direção, franzi as sobrancelhas pensando se eu deveria sair
correndo também, para longe é claro, até reconhecer Enny.
Ela estava com a cara toda vermelha — como ficava em
oitenta por cento do dia — e inchada. Ela estava chorando.
— O que aconteceu, Enny? — Theo perguntou, preocupado.
Eu também estava, ficamos muito tempo afastados, e ela estava
bêbada.
— Quero ir embora — pediu, limpando o nariz com as costas
das mãos e depois esfregando na calça rosa.
Ugh!
— Mas o que houve? — insisti como uma boa pessoa
preocupada faria.
— Por favor, vamos embora — suplicou, me deixando aflita de
verdade.
— Vamos para minha casa então — sugeriu Theo. Achei uma
ótima ideia!
Capítulo 18

Minha cabeça estava explodindo.


Registrei isso antes de acordar completamente.
Abri as pálpebras, fechando-as em seguida por conta da
claridade que pareciam giletes cortando meus olhos. Grunhi pela
dor.
Passei as mãos pelos cabelos, o couro cabeludo parecia
sensível pela dor de cabeça pulsante.
Minha língua estava grudada no céu da boca, um gosto azedo
acentuado pela secura da minha garganta. Girei caindo no chão
com um baque alto. Fiquei ali estirado por um tempo, parecia que
tinha acabado de levar a surra de Rick, só que duas vezes pior.
Com algum custo percebi que estava na sala de casa, com o
peito nu e uma calça jeans desconfortável. Segurando-me na
estante consegui me levantar, segui com olhos semicerrados até a
pia, tomei três copos cheios de água, derramando pelos cantos da
boca, algumas gotas caindo no meu tórax.
Estava frio para caralho e eu praticamente pelado.
Mas que porra…
As lembranças do dia anterior caíram sobre mim como um
piano de cauda.
A última coisa que lembrava era de Luiza me comendo com os
olhos enquanto eu dançava para ela. Cerrei as pálpebras,
amaldiçoando até a sexta geração por ter bebido tanto. Graças a
Deus não a deixei me beijar, e convenhamos, mesmo bêbado
consegui resistir a tentação. Nem ela acreditava que teríamos ficado
apenas no beijo.
Tive raiva de mim por passar mais aquele mico na frente dela.
Deus.
Ela devia ter anotado todas as ocasiões que me fez parecer
um palhaço.
Era humilhante demais.
Eu ia chorar.
Mas antes precisava de um moletom porque estava frio.
Me arrastei para meu quarto, sentindo tudo doer.
Minha porta estava entreaberta, a empurrei, me deparando
com uma visão que teria arrancado meu coração do peito, se isso
fosse possível.
Pisquei várias vezes, esfreguei as pálpebras, virei de costas e
depois girei de novo.
Iza continuava lá, toda esticada na minha cama, com um
edredom cobrindo metade do corpo, os cachos espalhados pelo
travesseiro.
Puta merda.
Puta merda!
Merda, que puta merda da merda!
Foi impossível refrear a lembrança da última vez que ela
esteve ali, tão entregue a mim, permitindo que eu alimentasse
minha ilusão com seus beijos e seu toque que pareciam
apaixonados. Nunca pensei que voltaria a tê-la na minha cama em
circunstâncias tão... misteriosas…
Por que Luiza estava na minha cama?
Inclinei a cabeça para o lado.
Devia acordá-la, mas não estava pronto para encará-la sóbrio,
sobretudo no meu quarto.
Levei as mãos aos cabelos, girando nos calcanhares, dando
de cara com Enny.
— Eu sou tão feia que o espelho rachou quando me viu —
disse chorosa, pelos cabelos molhados tinha acabado de tomar
banho, estava de calça, mas segurava a camiseta e apoiava o sutiã
com os braços cruzados.
— Meu Deus, Enny! — resmunguei, tapando os olhos.
Existiam alguns limites que nunca deviam ser ultrapassados, e ver
os peitos da minha amiga era um deles. — Se veste logo.
— Não consigo prender o sutiã — choramingou, sua voz
estava rouca. O que tinha acontecido com ela? Espiei por entre os
dedos, ela me deu as costas, não precisou falar para eu entender o
que queria. Mantendo o olhar o mais longe possível, engatei
aqueles ganchinhos medonhos. — Minha cabeça tá explodindo.
— O que aconteceu ontem? Por que você e Luiza estão aqui?
— falei baixo, espiando o quarto para ter certeza de que Luiza
estava desmaiada.
— O carinha que beijei — começou Enny, vestindo a camiseta
(amém pai!) —, ele não me deixou beijar, me empurrou e me
mandou embora.
Fungou, indo para a cozinha, a segui com um misto de raiva e
compaixão.
— E o pior. — Ela encheu um copo de água, massageando a
têmpora. — Acho que tenho uma matéria com ele na faculdade.
— Fodeu — resmunguei, mexendo numa gaveta até encontrar
remédios para dor, dei um a ela e tomei o outro. — Se Deus for bom
o cara nem viu o seu rosto direito.
Enny estava bastante abalada, como se a rejeição tivesse
significado mais do que deveria. Desde Jonathan ela não ficou com
ninguém, além da falta de confiança ela tinha insegurança com o
próprio corpo. Jonathan ferrou tanto com Enny que ela acabou
desenvolvendo compulsão alimentar. Argh, eu seria capaz de bater
naquele pedaço de bosta se aparecesse na minha frente. Queria
socar aquele garçom do Tribuna também.
Passei um braço por seu ombro, a confortando. Em pensar
que fui ríspido com ela e a fiz chorar. Droga, eu era um pedaço de
bosta também!
— Tomara — choramingou, o rosto estava bem vermelho e
úmido pelas lágrimas. — Aposto que se eu fosse magra ele não
teria feito aquilo — balbuciou.
— Que isso, Enny! — Apertei ela em meu abraço. — Você é
maravilhosa, sabe disso! Quer que eu dê uma surra nele pra se
sentir melhor?
Diga sim!
— Não, Theo! — recuou, indignada. — Vou ficar bem,
sossega, por favor!
Franzi o cenho. Não, eu não conseguia sossegar vendo minha
amiga magoada. Queria quebrar alguma coisa (eu queria isso o
tempo inteiro, então…).
Era melhor mudar de assunto.
— Por que você e Luiza dormiram aqui? — A pergunta que
não calava meus pensamentos. Luiza ainda estava na minha cama,
impregnando meus lençóis com seu perfume.
— Você nos convidou! — refutou, dando a volta, indo em
direção a porta.
— Sério?!
O que esperar de um bêbado?
— Seriíssimo. — Pegou uma bolsinha da estante. — A
propósito, dormi na cama do seu pai.
Fiz uma careta.
— Espera! — chamei quando ela abriu a porta. — Você não
pode deixar a Luiza aqui.
— Posso. — Me lançou um olhar presunçoso. — Sou filhinha
de papai, posso qualquer coisa.
— Esse argumento não vale nessa situação! — rebati, em uma
crescente de ira.
— Para mim vale. — Deu-me as costas e saiu desfilando como
se a pouco não estivesse chorando na minha cozinha.
— Enny! — esbravejei. Ela me ignorou, saindo pelo portão e
entrando em seu carro, ao arrancar ainda teve a audácia de buzinar.
Filha de uma puta.
Grunhi, segurando o punho cerrado entre as pernas quando
uma vontade incontrolável de socar a parede me tomou. Joguei a
cabeça para trás, respirando com força, precisava me controlar.
Precisava entender qual era a da Enny. Ela sempre esteve
certa sobre a Luiza, e agora era amiga dela e a trazia para perto de
mim. Que absurdo era aquele?
Urrei de raiva.
— Theo?
Virei-me bruscamente, alguns fios de cabelo caíram em um
dos olhos. Luiza estava no umbral de entrada da sala, vestindo a
camisa que usei no dia anterior, nada mais. Os cachos caíam pelos
peitos e costas, cheios de volume e vida. Mesmo sem prótese, era
evidente que estava alarmada por me encontrar daquele jeito.
Tirei a mão de entre as pernas, subitamente golpeado pela
imagem na minha frente. Linda demais. Linda demais para estar ali,
daquele jeito. Só podia me odiar para me submeter a tamanha
provação!
Ela deu alguns passos, apoiando a mão no encosto do sofá,
abrindo um sorriso cauteloso.
— Estou morrendo de fome. — Escondeu um pé atrás do
tornozelo, parecendo tímida. Inferno, nem parecia que eu tinha
ficado meses longe daquela mulher. — Pensei que você podia
preparar um café pra gente.
Pensou…
Pensou?!
Não conseguia ligar o modo frio e calculista — a verdade era
que nunca consegui —, Luiza tinha me pegado de surpresa,
completamente desarmado. Foi esperta vestindo minha camisa.
— É — concordei em um fio de voz.
Seu sorriso se alargou.
— Só vou no banheiro, fique à vontade. — Tomei o caminho
mais longe dela, passando quase rente à TV, era um esforço sobre-
humano manter o olhar afastado. Quando estava alcançando o
banheiro, pensei em voltar e dizer que não sentasse na poltrona do
meu pai, fiquei em uma luta interna por dois minutos inteiros, por fim
entrei no banheiro.
Enfiei-me debaixo do chuveiro, lembrando só depois de tirar a
calça.
Obrigado, Luiza, por me reduzir a um reles ser irracional.
Não devia deixar tão óbvio que ela ainda me afetava, da
maneira que vinha agindo desde o dia anterior, Luiza não precisava
nem que eu falasse. Era frustrante que nada tivesse mudado dentro
de mim, precisava ser mais indiferente ao lado dela. Não queria que
ela pensasse que eu ainda não a tinha superado.
Deixei a toalha nos cabelos e fui para o quarto, vesti uma calça
de moletom e uma blusa grossa. Peguei um casaco. Luiza estava
sentada confortavelmente no sofá, uma perna dobrada sob si e a
outra esticada. Minha camisa não cobria muito de sua pele marrom
dourada.
— Peguei para você. — Estiquei o casaco, ela já estava
usando minha camisa, o que era uma peça a mais para o meu
pobre, indefeso e burro coração?
— Obrigada. — Ela se levantou, vestindo o casaco que ficou
grande nela. Tirou os cachos debaixo da roupa, sua franjinha não
existia mais, eu não tinha percebido isso nas raras vezes que meus
olhos esbarraram nela na faculdade. Pudera, eu ficava me
policiando, evitando-a a todo custo.
Indiferente.
Não devia ser tão difícil.
— Olha, acho que tem pão e doce de leite, mas eu… não
tenho praticamente nada na geladeira. — Abri um meio sorriso por
sobre o ombro, indo para a cozinha. Só então percebi que Luiza
agarrava as lapelas do casaco com as duas mãos, embasbacada.
— O que foi?
Graças a Deus que comprei bisnaguinhas no dia anterior,
deixei o pacote sobre a pia e coloquei água para esquentar.
Luiza se aproximou, mordendo o lábio carnudo e rosado.
Indiferente, indiferente, indiferente…
— Seu cabelo. — Ela soltou uma risada curta. — Tá uma
bagunça, e tá pingando.
— Ah. — O constrangimento desmontou toda minha postura
indiferente, se é que consegui transmitir alguma coisa. Passei a mão
pelos fios encharcados. Dei as costas a ela, não queria que me
visse corando. Fiquei irritado, não só que ela me deixasse daquele
jeito, mas que visse aquilo acontecendo.
— Eu gostei! — acrescentou rapidamente. Cerrei as pálpebras.
Pare com isso!
Peguei o pote de doce de leite e deixei sobre a pia, por fim
escolhi duas canecas.
— Só tenho café solúvel — avisei, pegando o vidro.
— Sem problema, lá em casa só tomamos solúvel também, é
mais prático. — Ela fez o favor de desligar o gás quando a água
ferveu. Começamos a tomar o café ali em pé, ela com o quadril
apoiado na pia. Eu me controlando para não encarar suas pernas.
— Como tá a vida? — perguntou, pegando-me de surpresa.
Queria dizer a verdade, mas iria parecer amargurado.
— Bem — respondi apenas.
Ela franziu a testa, bebericando seu café fumegante. Luiza
queria detalhes. Humpf, como se Enny não tivesse contado tudo a
ela.
— Seja mais específica. — Espalhei doce num pedaço de
bisnaga, embora meu estômago estivesse cheio de cimento.
Achei que me perguntaria se eu estava ficando com alguém,
até desejei que ela verbalizasse só para eu poder perguntar o
mesmo. Tinha uma curiosidade ácida sobre aquele cara que ela
gostava.
Luiza pressionou os lábios, desviando o olhar.
— Lembrei que a gente nunca terminou de assistir Interestelar
— desviou a conversa, experimentando uma bisnaga com doce
também.
— Você ficou tão entediada que não aguentou quarenta
minutos do filme. — Forcei o riso, odiando que ela trouxesse para o
presente um momento que eu queria esquecer. O pedaço de
bisnaga parecia entalado na garganta, sorvi um pouco de café para
desmanchar a sensação.
— Ah, meu Deus, Theo, aquilo tinha três horas de duração,
não ia aguentar de jeito nenhum! — Se defendeu de boca cheia.
Fofa. — Maaass, hoje eu conseguiria numa boa.
Sorri sem emoção.
Ela estava me convidando para assistir um filme de três horas,
na minha casa, vestindo minhas roupas, como se ela não tivesse
me usado para fazer ciúmes em outro cara, como se sete meses
não fossem nada?
Estreitei o olhar, tentando descobrir suas intenções por trás
daquilo.
— Confessa, você só quer assistir Interestelar por causa do
Timothée Chalamet adolescente — provoquei.
Ela franziu as sobrancelhas.
— Quem é exe? — perguntou com a boca cheia, já tinha
devorado quatro bisnagas.
Ri.
— Como assim você não sabe? Achei que você fosse a garota
das fanfics. — Até podia fazer graça e dizer que me parecia com
ele, mas não era bem verdade. E ainda estava confuso e nervoso
pelo comportamento dela. — E o seu livro?
Luiza paralisou por um instante, no segundo seguinte tampou
o lado do rosto com uma mão, enquanto a outra segurava a caneca.
— Decidipublica — balbuciou tão baixo que emendou tudo.
— O quê? — Me inclinei para frente, procurando seu rosto. Ela
virou de costas. Não resisti e gargalhei, ela ainda tinha vergonha.
Era uma merda, ficava mais adorável assim.
— Para de rir! — Bateu o pé, largando a caneca vazia na pia.
Seu nervosismo era real, a timidez também.
— Mas eu não entendi! — Fiquei do seu lado, procurando uma
forma dela me olhar, mas Luiza ficava virando, com as duas mãos
tapando o rosto. — Para com isso, fala comigo, linda.
Não resisti e coloquei um braço em volta de seu ombro, aquela
situação toda tinha me amolecido. E com seu corpo junto ao meu,
não consegui nem pensar em recuar. Não ajudava que ela ficasse
tão linda tímida, só queria beijá-la, e desejar aquilo não pareceu um
problema naquele momento.
— Eu disse — ela começou, com a voz mais clara —, que
decidi publicar o e-book.
— Uau! Sério?
Iza abaixou as mãos devagar, piscando ao me olhar.
— Isso é incrível! — Abracei-a, empolgado por ela. Era mesmo
incrível, não sabia por que ela tinha tanto medo daquele lado
artístico, mas devia ser importante se era algo ao qual se dedicava
com tanta paixão. — Não vejo a hora de terminar de ler.
— Nem pensar! — refutou, um v se formou entre suas
sobrancelhas.
— Mas por quê? — Fiquei ligeiramente magoado.
— Porque… eu tenho vergonha — titubeou.
— Poxa, queria tanto ler. — Mordi o lábio. — Qual vai ser o
título?
— Não vou falar. — Negou com a cabeça, os cachos batendo
em mim, trazendo seu perfume misturado à cerveja e suor.
— Argh! Que mulher complicada — resmunguei.
Fomos de um clima leve de riso e descontração para um
pesado, sussurrando feridas ainda recentes. De repente fiquei
desconfortável tão perto dela, embora parte do meu corpo
implorasse que não me afastasse. Luiza me encarou, como se
esperasse alguma coisa de mim. Esperava não, ansiasse. Estava
tão perto, ofegante igual o dia anterior, como se eu a afetasse. Não
queria acreditar naquilo.
— Luiza…
— Theo!
Luiza foi rápida, nem precisou de muito já que não tinha
espaço entre nós. Ainda assim levei alguns segundos para registrar
sua boca na minha, sua mão tocou meu rosto e a outra foi para as
minhas costas.
— Theo — suspirou em meus lábios, talvez o espanto tenha
me paralisado, mas depois de tudo Luiza estava me beijando. Por
quê? Devia recuar. Devia. Mas não consegui, exigia muita força e eu
não tinha nenhuma. — Me beija, Theo — murmurou.
Beijei.
Abracei suas costas puxando seu corpo de encontro ao meu,
enquanto a outra mão foi para sua nuca, inclinei o rosto
ligeiramente, abrindo os lábios, permitindo que nossas línguas se
tocassem.
Aquele era eu sendo indiferente.
Nossas línguas com sabor doce deslizaram uma pela a outra,
tão íntimas como se nunca tivessem ficado meses afastadas. Meu
corpo reconheceu o dela e acendeu com mais ardor do que a última
vez. Minha respiração ficou irregular rápido, precisei afastar os
lábios do seus por um átimo, mas não me afastei da sua pele,
procurei desesperado por ar enquanto beijava seu queixo, descendo
pelo pescoço.
Pressionei seu quadril na pia, empurrando minha ereção dura
contra ela.
Luiza gemeu meu nome, o que me deixou meio louco.
Suas mãos se fecharam na minha blusa, parei de beijá-la para
permitir que tirasse a peça pela minha cabeça, tão logo o tecido se
amontoou no chão seus dedos foram para as minhas costas,
afundando as unhas. Apertei sua bunda, com um pequeno impulso
a coloquei sentada no inox gelado da pia.
Mordi seu lábio, puxando lentamente antes de empurrar a
língua em sua boca outra vez.
Então era isso o que ela queria.
O que sempre quis de mim.
Aliviar o tesão.
Tudo bem, talvez precisasse de uma última vez para conseguir
riscar ela da minha vida. Não tinha tentado esquecer Luiza, só fiquei
contando mentiras — como sempre — de que não sentia mais nada.
Talvez agora estivesse pronto, admitindo que ainda era fodidamente
apaixonado, para tentar superá-la.
Precisava deixar tudo para trás.
Aquela casa. A culpa que sentia em relação ao meu pai. Luiza.
— Eu senti tanta sua falta — balbuciou, tirando o casaco.
— Não diz nada! — Ajudei ela com os botões da camisa, ela
estava sem sutiã. Os pequenos peitos me deram "olá''. Passei um
braço por trás de suas costas e mergulhei a boca em um mamilo
rijo.
Luiza arquejou, levando uma mão para meus cabelos,
puxando, enquanto a outra buscou apoio na pia.
Chupei o bico com força, lambendo todo o entorno do seio
antes de voltar para a sucção.
Delícia.
Mudei para o outro peito, roçando os dentes dessa vez. Ele
estava durinho contra minha língua, tinha outra coisa muito dura e
dolorida dentro da calça. Como se suspeitasse, Luiza empurrou o
quadril contra o meu.
— Theo, agora — pediu em um murmúrio.
Afastei-me, beijando sua boca com força, mordendo o lábio
com ainda mais força. Segurei sua mão e a levei para meu quarto,
peguei uma camisinha na cômoda já tirando a calça e cueca, Luiza
também se livrou da calcinha. Meu pênis estava liberando pré-gozo.
Luiza dizimou a distância entre nós, segurando meu pau,
levando para frente para trás. Beijou meu pescoço, grunhi cerrando
as pálpebras. Eu era uma mistura de quente e frio. Frio pelo
nervosismo de ceder a ela depois de ter quebrado meu coração,
quente pela paixão que queimava no meu peito, era essa que me
guiava.
Sua língua fez um círculo molhado no meu pomo de Adão.
Ela tirou a camisinha da mão, rasgando o embrulho e vestindo-
a em mim com todo o cuidado.
— Fiz certo? — Olhou-me debaixo.
— Fez — falei com a respiração entrecortada.
Segurei Luiza pela cintura e a virei, ela colocou as mãos sobre
a cômoda derrubando algumas coisas sobre o tampo e no chão.
Segurei seu quadril, puxando em direção ao meu. Esfreguei o pênis
em sua bunda umas três vezes, por fim procurei sua entrada, não foi
difícil, pelo contrário, ela estava tão molhada que meu membro
deslizou para dentro dela sem que eu precisasse empurrar. Luiza
jogou a cabeça para trás, gemendo e empinando mais a bunda
contra mim.
Comecei com estocadas lentas. Segurei seu quadril,
afundando os dedos em sua carne macia.
— Meu Deus, Luiza — resmunguei com maxilar trincado, ela
estava me apertando dentro de si, tão quente e molhada. Estava tão
entregue, que ao invés de agir só com a cabeça debaixo, meu
coração quis tomar as rédeas da situação.
Comecei a estocar com força, a cômoda batendo na parede a
cada movimento.
— Theo — gemeu, se inclinando sobre a cômoda como se
estivesse perdendo as forças, ela estava quase gozando.
Saí de dentro, ela nem teve tempo de reclamar, beijei sua boca
enquanto a deitava em minha cama com cuidado. Luiza abriu as
pernas, abraçando meu quadril e me impulsionando contra seu
centro. Estoquei em ritmo acelerado, enquanto nossas línguas
duelavam uma com a outra. Suas mãos desceram por meus braços,
arrastando as unhas, deixando um rastro ardido.
Nossos peitos raspavam um no outro, sentir seus bicos rijos e
sensíveis me deixava tonto de prazer. Ela mordeu meu lábio,
apoiando os pés no colchão para empurrar contra mim. Sua
respiração ficou mais descompassada, ela curvou a coluna e abriu a
boca, gemendo enquanto recebia seu orgasmo. Continuei
empurrando contra ela, me segurando mesmo com sua vagina
esmagando meu pau, seu corpo sofrendo espasmos contra o meu,
ela gemendo meu nome sem parar.
Lambi sua mandíbula, empurrando com mais força, porém com
lentidão quando foi minha vez de gozar. Os dedos dos meus pés
encolheram. Parei finalmente, deixando meu pênis semiereto sair de
sua entrada. Luiza estava ofegante, era incrível como ela parecia ter
sido sugada por um ciclone depois do orgasmo, completamente
bagunçada e mole. A admirei pelos minutos que se seguiram,
concluindo que não existia ninguém mais bonita do que ela. Não
para mim.
Tombei ao seu lado, meu peito subindo e descendo com
rapidez. Os dedos de Luiza escorregaram pelo meu tórax,
provocando arrepios em forma de pequenos choques.
Soltei uma longa lufada de ar, retirando a camisinha e dando
um nó, a joguei no chão.
Cerrei as pálpebras, precisando de mais força para me afastar
do que era necessário normalmente. Fui o primeiro a levantar dessa
vez, precisando de um segundo parado para compreender que tudo
o que aconteceu não foi um sonho, mas que tinha acabado de
qualquer forma.
Uma sensação gélida começou a crescer em minhas
entranhas. Peguei a calça do chão e a vesti lentamente. Posterguei
ao máximo encarar Luiza, então fui atrás de outra blusa no armário.
O silêncio pesou sobre nós, seu olhar me acompanhava, eu o sentia
com tanta intensidade como se fossem suas mãos pairando sobre
meu corpo.
Mordi o lábio, virando-me para Luiza. Ela havia se sentado na
cama, com os joelhos levemente dobrados, usando o edredom para
cobrir parte da nudez. Ela me observava, confusa e apreensiva. O
que me deixou confuso também.
— Quer tomar mais um café enquanto espera o Uber? —
perguntei, passando uma mão no cabelo.
Luiza pestanejou, entreabrindo os lábios.
— É — balbuciou, piscando sem parar.
— Tá certo.
Saí do quarto antes que as coisas ficassem mais
constrangedoras. Cheguei na cozinha, observando as canecas
vazias e o pacote de bisnagas. Não consegui pensar, levei as duas
mãos à cabeça, segurando os fios com força.
Foi um adeus definitivo, certo?
Agora conseguiria superá-la. Precisava acabar do jeito que
sempre foi para nós (sobretudo para ela), com sexo. Não foi uma
recaída, foi um adeus. Eu estava virando a página.
Era isso.
Era?
Fui para o banheiro, joguei água no meu rosto, uma, duas, três
vezes. O frio nas entranhas subiu para o estômago, tão intenso que
se transformou em dor física. Segurei as bordas da pia.
Luiza iria embora, e eu não choraria, não sofreria, levaria
apenas como algo que estava destinado a acontecer. Conseguiria
encará-la na faculdade, sem mágoa e vergonha, porque ela não me
afetaria mais. Conseguiria me envolver com outras garotas porque a
paixão e o desejo por Luiza não me travaria mais. Ela levaria tudo
embora quando saísse pela porta.
Fitei meu reflexo no espelho trincado, estava pálido.
Enxuguei o rosto com a blusa mesmo e saí do banheiro que
ficava ao lado do meu quarto, de modo que vi Luiza enfiando uma
nota exorbitante no meu novo cofrinho sobre a cômoda. Algumas
manias nunca morrem.
Ela suspirou, a expressão melancólica quando deu um longa
olhada para o quarto, saindo depois de um tempo, dando de cara
comigo. Ela tinha colocado o vestido, uma bolsinha prateada de alça
comprida estava pendurada em seu ombro.
— Acho que vou deixar o café para outro dia — murmurou,
sem esconder o desânimo. Também não estava no momento mais
feliz da minha vida. Eu era tão burro, deixei nós acontecer sendo
que ainda tinha sentimentos, e agora era como se estivéssemos
terminando, mas sem palavras destrutivas como da última vez.
— Ok. — A segui de perto quando ela tomou o caminho da
sala. — Vi o dinheiro que colocou na lata, quando eu abrir vou
devolver.
— Nem ouse, Theo! — grunhiu, me fuzilando por sobre o
ombro.
Ri com desdém.
— Vou ousar só para ver o que acontece. — Mordi a língua,
não era hora de flertar. Por Deus, estávamos deixando a entender
que ainda nos veríamos. Pior, ficaríamos próximos.
Ela abriu a porta, mas não saiu. Girou nos calcanhares ficando
de frente para mim.
— Você me odeia? — perguntou sem vacilar.
Fui pego de surpresa, franzi a testa e quase ri, mas me contive
quando percebi que ela estava falando sério, e que queria uma
resposta séria também.
Cruzei os braços, desconcertado.
— Por que acha isso? — Uni as sobrancelhas, sorrindo sem
qualquer humor.
— Porque eu te magoei, e pelo jeito que se comporta perto de
mim. — Ela não precisou explicar para que eu entendesse a que
“jeito” eu me comportava.
Pelo amor de Deus, garota! Como posso te odiar se eu te
amo?
Perdi algum tempo pensando no que responder, parecia
importante para ela, no entanto, eu não queria entregar demais.
— Não te odeio, Luiza. Não importa quantos multiversos
existam, em nenhum deles eu seria capaz de nutrir um sentimento
tão negativo por você, não importa o que tenha feito. — Podia ser
honesto e dizer que “meu comportamento” se devia a vergonha de
ter sido um iludido burro pra caralho, mas lembrei que ela também
não tinha sido honesta comigo. Nunca explicou o porquê disse sim,
naquele momento eu já não tinha mais interesse em saber.
— Você me perdoa? — Seus olhos ficaram úmidos, apertando
meu peito.
— Já perdoei, Iza. — Era verdade. Eu só não tinha intenção de
me colocar em uma posição onde ela poderia me magoar outra vez.
Ela assentiu pressionando os lábios em uma linha rígida.
Também compreendendo, de certa forma, que estávamos virando a
página.
— Obrigada, Theo. Mas acho que nunca vou me perdoar pelas
coisas que eu disse a você naquela noite — balbuciou, evitando me
olhar. Segurei a respiração. — Aquela noite é a única coisa da qual
me arrependo em relação a nós.
O que… o que queria dizer?
Fiquei paralisado, meu coração queria bater mais forte, mas o
calei. Não era momento de deixar a emoção falar. Não conseguia
ver as coisas com clareza quando tinham sentimentos demais na
jogada.
Ainda assim…
O que significava?
— Ah, tem um amigo do meu irmão vendendo uma Honda
2016, vou te mandar o post caso se interesse — comentou, abrindo
um sorriso amigável como se não tivesse acabado de me deixar
com a mente embaralhada.
— Valeu.
— Tá, tchau. — Me deu as costas e seguiu para fora, sem
olhar para trás. O Uber não demorou a chegar, levando Luiza
embora.
O problema foi que ela não levou nada do que eu acreditei que
levaria.
Fechei a porta, deixando meu olhar cair sobre a poltrona do
meu pai. Muitos fantasmas.
Se ela não levou, então eu iria e deixaria tudo para trás.
Peguei meu celular da estante, era quase meio-dia. Coloquei o
número para chamar, fui atendido no segundo toque.
— Theo?
— Oi, Lúcio. — Comecei a caminhar de um lado para o outro,
olhando para o teto. — Pensei no convite de vocês. Quando posso
me mudar?
Ele deu uma risada satisfeita, que vinda do meu irmão soou
mais como um chiado.
— Hoje mesmo.
Capítulo 19

Não importa quantos multiversos existam, em nenhum deles


eu seria capaz de nutrir um sentimento tão negativo por você.
Suspirei, abraçada aos meus joelhos, sentada na minha cama,
observando a tela do notebook e remoendo cada palavra dita por
Theo no dia anterior. Fiquei tão aturdida quando ele praticamente
me mandou embora ao falar do Uber, e magoada também, como se
o que tivéssemos acabado de fazer não tivesse significado nada
para ele. Então lembrei que antes era eu a me levantar e
praticamente sair correndo.
Mas tudo bem, a intenção nunca foi reatar alguma coisa entre
nós, e sim ajudá-lo a espairecer a cabeça. Não estava nos meus
planos transar, mas aconteceu e foi… oh, Deus, não estava NADA
bem!
Queria Theo de volta, mas mesmo ele gostando de mim não
me queria da mesma forma.
Droga!
A vida era tão injusta!
Brinquei com a minha trança, soltando suspiros melancólicos.
Devia colocar uma playlist do James Arthur para explodir meus
tímpanos. O momento pedia por músicas para rasgar o coração.
Uma batida na porta, uma fresta se abriu, achei que fosse
minha mãe perguntando por que eu ainda estava acordada ou meu
pai pedindo o notebook que praticamente confisquei nas últimas
semanas, fiquei surpresa quando o rosto do meu irmão apareceu.
— Posso falar com você? — perguntou baixinho, estava com
uma cara péssima, cabisbaixo, andava passando bastante tempo
em casa e comendo pouco, me recordava do período depressivo
depois da morte de Lara.
— Pode. — Desliguei o notebook, o que eu estava esperando
ainda podia levar horas para carregar, e o deixei na mesa de
cabeceira.
Lucas se aproximou, ainda estava usando a mesma roupa que
chegou da faculdade. Parecia doente, em vez de ficar brava eu tinha
pena e preocupação.
— Não consigo dormir — falou se sentando na ponta da cama,
sem me olhar. — Desculpa te incomodar, você deve sentir tanta
raiva de mim, e com razão…
— Que bom que você entende isso! — retruquei, um pouco
ríspida. Me arrependi quando Lucas respirou pesado, o semblante
ficando mais abatido. Obriguei-me a conter a raiva. — Como está a
Nanda?
— Mal. — Ele me fitou de esguelha, os olhos ligeiramente
vermelhos, as marcas das olheiras mais escuras. — Fiz o que você
sugeriu, ela continuou achando que era por pena… Tive que
implorar e chorar para ela aceitar.
Um ínfimo sorriso surgiu em seus lábios.
— Era isso o que queria, não é? — Gesticulei com a mão.
— Era. — Ele não parecia feliz, era compreensível de certa
forma.
— Vai me contar sobre você e Yan? — Estava pronta para
ouvir, ia tentar não deixar a mágoa falar por mim. Não vi mais Yan,
e, ao que tudo indicava, ele tinha mesmo falado sério sobre não
querer mais ver Lucas.
Meu irmão mordeu o lábio, pensativo.
— Não tem nada para dizer — murmurou, brincando com os
dedos no colo, sem me olhar.
— Ah, para, por favor! — Me irritei, saltando da cama e ficando
em sua frente com os braços cruzados. Relutou, mas acabou me
olhando. Ele nunca pareceu tão vulnerável. Odiava vê-lo assim. —
Me conta sobre você e Yan. Eu mereço saber!
Ele soltou um suspiro exasperado.
— Ok — grunhiu, tombando na minha cama, colocou os
braços sob a cabeça. — Foi bem antes da Lara, nem sei como
aconteceu, acho que foi uma brincadeira de selinho. — Torceu o
nariz. Achei fofo, anotei mentalmente para escrever em um novo
livro. — E aí foi acontecendo, mas quando conheci Lara, acabou.
— Yan aceitou numa boa?
— Acho que sim. — Na posição que estava tornava mais fácil
para meu irmão evitar meu olhar. Ele não ia ser totalmente sincero.
— Tinha como duvidar do que eu sentia por Lara? Aquilo… foi amor
verdadeiro. — Senti a dor em cada sílaba, e sim, acreditava que ela
foi o grande amor de sua vida. — E depois que ela se foi, bem… eu
procurei consolo nele, admito que fui egoísta. Logo conheci a
Nanda. Eu tinha os dois e não precisava de mais nada.
Assenti, compreendendo um pouco.
— Você é bi? — indaguei a minha maior curiosidade.
— Sei lá. — Fez uma careta. — Nunca parei para pensar em
sexualidade, e não vai ser agora!
— Tá bom — arrastei as vogais, se ele achava melhor quem
era eu para dizer qualquer coisa? — Por que nunca me contou
sobre Yan? Sobre ele ser gay?
Não conseguia deixar de pensar que se soubesse daquele
detalhe em específico, teria me esforçado para esquecê-lo, e talvez
toda a minha confusão com Theo não tivesse existido.
— Só ele tinha direito de contar.
Segurei um resmungo insatisfeito, ele estava certo.
— Então você sabia desde o começo que ele estava me
usando para te atingir? — Fiquei brava, ia levar muito tempo para
superar aquela traição.
— Sabia — murmurou. — Errei com você, Iza. Me desculpe.
Não. Não naquele momento.
— Yan nunca significou nada para você? — Não queria tomar
uma dor que não era minha, mas me deixava louca que meu irmão
fosse esse tipo de pessoa.
— Não — respondeu seco.
Quis bater nele, um ladinho meu — bem “inho” — conseguia
entender a raiva e mágoa de Yan. Não que justificasse o que ele fez
comigo.
— Ótimo, agora saí do meu quarto! — Não consegui me
segurar, soltei meus espinhos. Puxei o cobertor enquanto ele se
levantava e me deitei. — Apaga a luz!
Segurei o cobertor até o queixo, bufando de raiva. Lucas
caminhou até a porta, mas não saiu e nem apagou a luz, pelo
contrário, deu a volta e ficou ao meu lado na cama, me olhando de
cima.
— Amo o Yan. Tá feliz? — Na verdade fiquei chocada. Pisquei
sem parar, Lucas parecia bravo, mas também deprimido. — Mas eu
precisei fazer uma escolha. E foi a Nanda, porque eu nunca iria me
perdoar por não passar esse momento com ela.
— Você a ama mesmo? — Era fácil acreditar em compaixão
depois daquilo.
Ele soltou o ar, cansado. Lágrimas se formaram em seus
olhos.
— Amo, e ficaria com os dois se pudesse. — Lucas nunca foi
tão sincero comigo, admito que foi comovente. Até esqueci que
estava brava. Entendi também qual teria sido sua escolha se Nanda
estivesse saudável.
— Yan está muito magoado com você — comentei, e não foi
na intenção de feri-lo mais. — E com raiva, acho que ele não vai te
perdoar.
Lucas abaixou a cabeça.
— Eu sei. Nunca mereci ter ele mesmo. — Ficamos em
silêncio, a tristeza do meu irmão contaminou todo o ambiente, tive
que me segurar para não chorar ao pensar em Theo. — Posso
dormir aqui?
Fazia anos que ele não pedia aquilo. Quer dizer, éramos
criancinhas a última vez.
Suspirei.
Era desleal pedir aquilo depois de ter conseguido me fazer
sentir pena dele, e perceber que por pior que eu me sentisse sobre
Theo, a vida do meu irmão estava num nível tão fodido que fazia os
meus problemas parecerem nada.
Cheguei para o lado, puxando o cobertor.
— Apaga a luz primeiro!

A primeira coisa que fiz assim que acordei foi pegar o


notebook, aproveitando que meu irmão não estava mais ali. Meu
coração quase saltou da boca ao ver o status “à venda” do meu
livro. Uma insegurança enorme dominou cada célula do meu corpo,
fiquei paralisada por um bom tempo encarando a tela do notebook.
Ninguém vai gostar.
Sou péssima, onde estava com a cabeça?
VÃO ODIAR!
Não sei escrever bem.
Vão rir e depois fazer piada.
NINGUÉM VAI LER!
Puxei o mouse sobre a opção “anular publicação”. Meu
coração martelava no peito com a ansiedade crescente. Meus olhos
queimaram com lágrimas, precisei respirar pela boca.
Não tinha certeza de que alguém gostaria, mas tinha certeza
de que muitas odiariam. E eu nem conseguia pensar em uma razão,
minha mente me sabotava com tanta veemência que nem precisava
buscar na história um motivo para odiarem. Apenas odiariam e
ponto.
Mas se eu anulasse, e depois me acalmasse, me sentiria uma
idiota por ter ido tão longe e ter desistido. Sentiria como uma
fracassada, ficaria frustrada, aquilo pesaria sobre mim junto com o
meu desemprego, e ficaria me perguntando o que Theo pensaria de
mim. Fechei a aba e abri as minhas redes sociais, com os dedos
trêmulos anunciei o lançamento, assim que fiz tudo o que tinha
planejado fazer para aquele momento, fechei o notebook, deixei
meu celular e fui para a cozinha.
Fiquei andando de um lado para o outro, se tivesse o costume
de roer as unhas elas nem existiriam mais para contar história. Luigi
miou de cima de uma cadeira, balançando seu esbelto rabo peludo.
— Verdade! — gritei, apontando um dedo para ele. — Preciso
preparar um currículo para a mãe da Enny. Obrigada, Besta Fera!
Corri de novo para o quarto, evitando meu celular, redes
sociais, e qualquer coisa que me lembrasse meu livro, abri uma guia
do word.

Abri a porta de casa segurando cópias do meu currículo, Luigi


me recebeu em reverência, esticando os bracinhos e empinando a
bunda (claro que invejosos diriam que ele só estava se
espreguiçando, humpf!).
— Deve ser um sinal! — Peguei o gato, ele seria o meu novo
amuleto da sorte, nunca tive um, mas não era tarde.
Tinha só mais algumas horas para me aprontar para a
faculdade, não tinha ninguém em casa, estavam todos trabalhando.
Era estranho ficar em casa em dia de semana, naquele silêncio
todo, e nem conseguia me animar para assistir alguma série porque
me sentia inútil.
Entrei no meu quarto, passei o dia em um estado de ansiedade
que me deu azia. Finalmente iria encarar meu fracasso. Deixei os
currículos sobre a cômoda, beijei a cara do Jared Padalecki — podia
ser o Theo, mas ele me dispensou matando minha coragem de dizer
as três palavrinhas dos sonhos —, coloquei Luigi na cama, onde ele
girou duas vezes e se deitou, me sentei ao seu lado pegando o
notebook.
Cerrei as pálpebras, respirando fundo.
— Não vou chorar. Não vou me deprimir, a vida continua
depois disso aqui. Vou me levantar e tentar de novo amanhã.
Abri os olhos e ergui a tampa do notebook. Com um medo
terrível me deixando trêmula, procurei pelos números. E os
encontrei. Pisquei várias vezes para ter certeza.
Eram muito mais altos do que eu pensava.
Não, muito, muito mais.
Ri de nervosismo, de alívio, de alegria, e chorei também. O
livro estava em uma posição boa no ranking.
Seria um sonho?
Algo bom assim podia mesmo acontecer comigo?
Abracei o notebook, chorando e rindo até meu corpo tremer
bruscamente.
Tinha conseguido. Exatamente como Theo disse.

— Por que tá alegre? — Meu irmão parecia a própria tristeza


em pessoa ao se sentar na costumeira mesa da lanchonete do
campus. Permaneci em pé.
— Porque a vida é linda! — Nunca sorri tanto, podia afirmar
com veemência que nunca estive tão feliz. — O mundo é lindo.
Sinta esse cheirinho de flores!
Farejei no ar a minha alegria. Nada poderia derrubar aquilo.
Tinha alcançado um sonho. Quer dizer, dado um passo, amanhã era
outro dia no qual teria que continuar lembrando as pessoas de que
meu livro existia, mas tinha vencido o monstro do medo.
— Tá chapada? — Lucas arqueou uma das sobrancelhas.
— Com certeza! — Coloquei as mãos na cintura. Eu mal cabia
em mim de contentamento.
TINHAM PESSOAS LENDO O MEU LIVRO!
AHHHH!
Estava surtando, e em um bom sentido pela primeira vez.
— Vou pegar uma coisa para comer, você não vem? —
Apontei para o balcão alguns metros atrás.
— Para de sorrir, já tá ficando sinistro igual aquele filme de
terror. — Ele parecia um filhotinho que tinha caído da mudança, se
machucado e que estava com fome. Mas nem isso abalou minha
alegria. A máfia maligna não existia mais, era só meu irmão e eu,
igual como foi no útero de nossa mãe.
— Depois você pega então.
Saí praticamente saltitando e cantarolando por entre as mesas
e estudantes. Estava eufórica, e obcecada também, ficava
verificando o painel da plataforma de dez em dez minutos, soltando
gritos internos com a evolução.
Ajeitei as alças da mochila, parando na fila. Fiquei balançando
sobre os pés como uma criança que tinha comido muito açúcar. A
noite estava agradável, me permitindo vestir uma calça jeans e um
moletom cropped vermelho vinho, meus cachos estavam presos em
um coque firme.
Mordi os lábios, andando com a fila.
— Oi, Luiza — Enny disse atrás de mim, mal registrei que era
ela e a abracei. Ela soltou um guincho surpresa.
— Oi, Enny, sua linda, perfeita, maravilhosa! — A protagonista
do meu próximo livro seria inspirada nela.
— O que deu em você? — indagou ao se afastar, me lançando
a mesma expressão confusa do meu irmão, só que sem a tristeza.
— A vida é uma belezura! — Poderia ficar gritando aquilo a
noite toda. Apertei suas bochechas fofas, deixando-as vermelhas,
Enny franziu o cenho.
— Eu hein! — Massageou a bochecha, as pulseiras de
miçangas batendo umas nas outras emitindo barulhinhos gostosos.
— A vida é uma droga, acorda.
— Nunca! — Cheguei mais perto dela. — É que o meu
investimento deu super certo, Enny.
— Sério? — Seu semblante se iluminou. — Vai me contar o
que é?
— Não! — gritei, chamando a atenção. Respirei fundo. Pelo
menos tentei. — Não — abrandei a voz. Conseguia imaginar
perfeitamente os comentários de uma pessoa conhecida lendo meu
livro: "Nossa, isso aqui é a sua cara!", e "Nossa! Tá tão bom que
nem parece que foi você que escreveu". — Mas vou contar para o
Theo, cadê ele?
Mal podia esperar para dizer que ele estava certo, sem
mencionar que precisava compartilhar aquilo com mais alguém, e
Theo era o único que sabia que eu escrevia.
— Ele tá ali naquela mesa esperando a comida. — Apontou,
segui seu dedo avistando ele não muito longe, com uma bandana
na cabeça e blusa escura estampada. Ele sorria, parecia leve, o
Theo de meses atrás. Cheguei a dar um passo, mas travei ao me
dar conta de que ele não sorria para mim, nem parecia o Theo de
antes por causa de mim. Tinha outra garota com ele, levei três
segundos para reconhecer Bárbara.
Minha alegria diminuiu exponencialmente. Não diria que foi
como estourar um balão, porque eu ainda sentia a energia em mim,
só que em uma chama bem fraca. Meu coração doeu.
— Eles só estão conversando — Enny disse, mas não absorvi.
A única coisa que absorvi era Theo conversando com uma garota
que era a fim dele, depois de ter “sutilmente” me mandado embora
após transarmos.
Ah, Deus, por que amar tem que machucar tanto?
Como se fosse atraído pelo meu olhar, seus orbes me
encontraram com o mesmo brilho que dirigiram a Bárbara, ainda
sorrindo. Não dei tempo a ele para ver como tinha ficado abalada,
saí da fila marchando para fora da lanchonete.
— A vida é um pesadelo — resmunguei, minha respiração
ficou irregular pelo aperto no peito. Continuei andando a esmo, não
fui longe, no entanto.
— Iza!
Parei, meu peito subindo e descendo com força. Minhas
pernas ficaram moles. Ouvi seus passos na pedra brita parando
perto de mim.
— Iza, Enny disse que queria falar uma coisa.
Virei-me, ficando de frente para ele. Theo estava com as mãos
nos bolsos, a leveza com que conversava com Bárbara tinha
sumido, o que restava para mim eram seus ombros tensos e olhar
cauteloso. Ele nunca mais seria o mesmo comigo.
— Não era nada — murmurei, queria me afastar, ir embora e
esquecer de Theo para voltar a ficar feliz.
— É sobre o livro? — Umedeceu os lábios, o gesto deixou
minha boca seca. Engoli com dificuldade. — Se quiser conservar,
podemos achar um lugar para…
— Não. — Me permiti ficar magoada com ele, não queria ser
sua amiga, não queria que ele tivesse saído da cama depois que
alcançamos nosso prazer, não queria ver ele com outras garotas. —
Não era nada importante, pode voltar, Bárbara deve estar
esperando.
Theo semicerrou as pálpebras, desconfiado.
Encarei o ETs TAMBÉM TRANSAM na sua camiseta só para
evitar seu olhar.
Pressionei os lábios, era melhor sentir raiva dele do que ficar
triste. Passei todos aqueles meses me punindo, mas acabou! Se
Theo não me queria, então o tiraria da minha vida também.
— Não aja assim — falou entre dentes.
— Assim como? — Cruzei os braços, sendo petulante.
— Como se estivesse magoada por me ver com outra garota.
— Deixei transparecer minha surpresa. Não era para ele ter
percebido. — Fica parecendo que você se importa, e eu não quero
acreditar nisso.
— Por quê? — minha voz saiu em um fiapo de nada.
Theo soltou uma risada amarga.
— Não me faça falar, Luiza.
Fala, por favor. Fala para eu conseguir falar também.
Encarei meus pés. Tínhamos voltado ao mesmo lugar que
acabou, não havia perspectiva de um recomeço porque isso
implicaria dizer verdades que o deixariam mais magoado comigo.
De qualquer forma, ele já deixou claro, com ações, que não me
queria daquele jeito. Talvez eu tenha nascido para escrever os
romances mais lindos, sensíveis e apaixonantes, mas não para vivê-
los.
Ergui o rosto.
Theo engoliu em seco.
— O título do meu livro é A Vingança de Ell Blue — falei, ele
que fizesse o que bem entendesse com a informação.
Girei nos calcanhares, seguindo para longe dele, sem correr
dessa vez, sem chorar, mas não resisti e olhei para trás, ele ainda
estava lá, apenas uma sombra escura na noite.
Capítulo 20

Entrei na casa de Lúcio usando uma cópia da chave que eles


me deram. Fazia apenas quatro dias que tinha me mudado, estava
em um processo lento de adaptação. Tudo era estranho, não de um
jeito ruim, mas sim de um jeito… novo.
De qualquer forma, eu não ficava tanto tempo ali, acordava de
manhã, ia para o trabalho, de lá direto para a faculdade, voltava só à
noite, e geralmente os meninos estavam dormindo.
Segui para a cozinha, Amanda deixava um prato de comida
para mim na geladeira, o que era muito gentil da parte dela. Era
também muito estranho tanto barulho ao mesmo tempo, tanto…
Como eu poderia dizer… Calor humano!
Não tinha certeza se era muito cedo para afirmar que fiz a
escolha certa. Mas estava gostando até o momento.
A casa de Lúcio era um pouco maior que a que morei com o
papai, tinham mais quartos e a sala ficava separada da cozinha.
Falando na cozinha, parecia aquelas de filme americano, um jogo
sob medida cobrindo duas paredes, e uma geladeira de duas portas
que devia ter custado quatro vezes o meu salário.
Tinha um irmão rico e não sabia!
Claro que eu ia me gabar para Enny.
Assim que avistei a cozinha, interrompi meus passos ao
presenciar meu irmão e Amanda se beijando contra a geladeira.
Senhor, ainda bem que eles ainda estavam de roupas. Girei e fiz o
caminho para o meu quarto com os passos mais silenciosos que
meus tênis permitiam.
Meu quarto era maior do que o antigo, o guarda-roupa tinha
todas as portas intactas. Não havia muita coisa, trouxe a cama e a
cômoda, deixei algumas coisas por lá até eu conseguir me
acomodar no novo espaço, larguei a mochila sobre a cama e me
sentei na ponta do colchão.
A parte de trás do meu pescoço coçou, consegui cobrir o
Hétero Top com outra tatuagem, agora tinha uma tarja preta de
bateria em 77% com Loading acima. Ficou legal. A primeira coisa
que pensei foi no que Luiza acharia, a segunda foi cortar o cabelo.
Brinquei com o chaveiro de Alien no zíper da mochila.
Ouvi uma batida na porta.
— Pode entrar.
Lúcio abriu a porta, deixando-a entreaberta ao se apoiar contra
o batente. O rosto nem estava vermelho dos amassos, meu irmão
era um puto de um safado e eu também não fazia ideia!
— Tudo bem? Como foi a aula? — indagou, parecendo um pai.
Mordi as bochechas para não rir.
Mas a verdade era que no primeiro dia que me fizeram aquela
pergunta, fiquei tão surpreso e desconcertado que gaguejei algo
sem sentido. Ninguém tinha me perguntado aquilo ao chegar em
casa.
— Foi legal. — Dei de ombros, eu estava dando duro para
recuperar minhas notas, faltava um mês e meio para o fim do
semestre e estava na corda bamba em praticamente todas as
matérias.
Lúcio assentiu.
— Os meninos andam te incomodando? — Apontou para três
desenhos colados com fita na parede, não fazia ideia de que
aqueles pirralhos gostavam de mim. Fiquei pasmo ao descobrir que
um deles não começava com a consoante B, eu tinha um sobrinho
chamado Miguel e não sabia! Era uma vergonha.
— Não, não, eles se comportam. — Até o momento tinha sido
assim. — Podemos ver a moto no sábado?
— Podemos, você devia ligar para o cara e dizer para levar a
moto na oficina.
Falei com o tal conhecido do irmão de Luiza, pelas fotos e
depoimento do cara a moto estava inteirinha. Não queria criar
expectativas, mas talvez o meu cofrinho ficasse vazio.
— Vou fazer isso. — Assenti, juntando as mãos sobre as
pernas ligeiramente abertas. Também era estranho Lúcio tentando
manter uma conversa comigo. O silêncio reinava por um bom tempo
entre um comentário e outro. Ele se esforçava, então eu buscava
fazer a minha parte também.
Estava feliz de estar ali.
— Queria que o pai morresse — falei de supetão,
surpreendendo a mim mesmo. Lúcio ficou estático por alguns
segundos, então deu alguns passos para dentro do quarto.
— Como assim? — perguntou em voz baixa, não estava bravo,
nem decepcionado, nem nada.
Encarei minhas mãos.
— Nos dias ruins, que eram quase todos os dias, eu…
desejava que acabasse, com isso eu queria que ele morresse, não
é? — Ergui o olhar para ele, esperando que gritasse comigo, até
que me batesse. Eu merecia.
— Não acho — refutou cruzando os braços. — Em algum
momento você pensou: tomara que ele morra?
Fiquei perplexo pela linha que ele estava seguindo, acreditei
que me julgaria, mas não.
Sem conseguir falar nada, neguei com a cabeça.
— Eu já pensei — afirmou, o que me deixou mais surpreso.
Ele desviou o olhar por um instante. — Mas só quando estava com
raiva… e eu tinha treze anos.
Ele estava fazendo piada?
Não sei se aquela foi sua intenção, mas conseguiu me fazer rir.
— Sabe, Theo… — Lúcio se sentou ao meu lado, olhando-me
de uma forma que eu não conseguia decifrar. — Acredito que
quando você desejava que acabasse, não estava desejando que ele
morresse, só não queria mais sofrer vendo nosso pai daquele jeito.
Acho até que você queria que o impossível acontecesse, que um dia
ele levantasse da cama completamente curado.
Apoiei os cotovelos nos joelhos, segurando meu queixo com a
mão. Fitei o chão com a mente anuviada, o peito sendo retalhado
por garras invisíveis.
— Ficava querendo que ele lembrasse de mim — murmurei,
cerrei as pálpebras segurando as lágrimas com força.
— Viu? — Ele passou o braço pelos meus ombros, em um
abraço de lado. — Você não queria que ele morresse… Nem eu.
Caímos em um silêncio bem-vindo.
Ainda não conseguia me livrar daquela culpa, mas conversar
com meu irmão aliviou, por ora, a angústia que me castigava. Era
tudo muito recente, estava vivendo meu luto, que poderia durar mais
tempo do que eu presumia. Talvez levasse anos para conseguir
pensar como Lúcio, acreditar sem titubear que eu não queria que
meu pai morresse.
Ou talvez estivesse dando importância demais para aquele
pensamento, precisava mesmo voltar a me dedicar aos meus
objetivos, estar mais presente para Enny, tentar ser mais como
antes, embora eu não conseguisse me imaginar levando a vida com
a mesma leveza.
— Vai jantar? — perguntou Lúcio um tempo depois,
balançando meu ombro.
— Vou sim.
Fui para a cozinha e ele para o quarto.
Enquanto esperava meu prato esquentar no microondas, me
dei conta de que a solidão foi tão presente na minha vida, que
experimentar algo diferente (como morar em uma casa com adultos
saudáveis que estavam toda hora me perguntando coisas, e com
três crianças correndo para lá e para cá) é que me era estranho.
Mas eu queria muito me acostumar com aquela convivência.
Sentei-me à mesa com o prato quente, deixei o celular sobre a
mesa.
Estava quase terminando meu prato quando Amanda entrou
na cozinha, coçando os olhos.
— Esqueci da sua sobremesa, Theo. — Ela abriu a geladeira,
deixando um potinho na mesa. — É um pêssego em lata, os
meninos adoram e insistiram para deixar um pouco para você.
— Eles me amam, não é? — brinquei de boca cheia.
Amanda sorriu.
— Quero ver até quando você vai achar isso legal. — Arqueou
uma sobrancelha, cruzando os braços. — Gostei da tatuagem nova,
devia aproveitar e cortar o cabelo agora.
— Você leu meus pensamentos. — Tinha prendido o cabelo
em um minúsculo rabo de cavalo, os fios mais altos se
desprenderam e tive que colocar atrás da orelha. — Amanda! —
chamei quando ela começou a se retirar. — Posso trazer garotas
aqui?
— Tá falando da Enny?
— Não. — Neguei, ficando com vergonha. Como ia chegar
para a minha cunhada que me olhava como se eu fosse um anjinho
de fralda e dizer que queria transar? — Outras garotas.
Meu rosto ficou quente.
— Ah! — Seu semblante se iluminou em compreensão. Um
sorriso se alargou em seus lábios, parecia se divertir com meu
constrangimento. — Claro que pode, mas não esqueça de deixar a
porta trancada por causa dos meninos.
— Pode deixar — murmurei, dando graças a Deus quando ela
saiu. Meu celular vibrou sobre o tampo da mesa, verifiquei.
Era uma mensagem de Bárbara.

Vai fazer alguma coisa sábado à noite?

Não lembrava que ela tinha me passado seu número até


esbarrar com ela no início da semana, conversamos um pouco e a
achei divertida, então pensei “por que não?”. Dar uma chance para
outras garotas devia fazer parte da minha vida outra vez, estava
disposto a deixar meus sentimentos por Luiza para trás. Melhor,
estava otimista que conseguiria.
Respondi.
Não vou fazer nada, tem alguma ideia?

Claro que não pensava em nada sério, precisava ajustar


muitas coisas. E definitivamente não existiria mais transa fixa na
minha vida. Essa coisa de ficante nunca mais. Iria ser como os bad
boys dos filmes, um cara de uma noite só!
Abri o potinho do pêssego, estava bem geladinho. Aqueles
meninos tinham bom gosto.

Pensei de ir no Tribuna. Topa?

Fiz uma careta. O Tribuna tinha memória demais, não


conseguia pisar lá sem pensar em Luiza. Olhe só, ela rondando
minha cabeça de novo. Na outra noite quase acreditei que ela
estava com ciúmes de mim, por me ver com Bárbara, mas não era
possível. Não fazia sentido.
Luiza com ciúmes de mim?
Humpf!
Em vez de responder Bárbara abri o site da Amazon e
pesquisei o nome do livro de Luiza, cliquei no primeiro a aparecer,
na capa tinha a ilustração de uma mulher rodeada de sombras,
apenas uma pistola em destaque.
A VINGANÇA DE ELL BLUE, por Charlotte Lotte.
A colher caiu da minha mão. Senti como um raio atravessando
meu peito, estagnando as batidas por um tempo, só quando voltei a
respirar foi que meu coração voltou a trabalhar. Não normalmente,
claro. Parecia dolorido pelo espanto.
Charlotte Lotte.
Eu lembrava, foi quando ela esteve em minha casa (antes da
noite trágica) e descobriu que meu nome era Theodoro. Ela tinha
achado Charlotte Lotte pouco original, e ali estava.
Ela lembra.
Precisei de alguns minutos para me recuperar do torpor.
Afastei meu pêssego pela metade, não conseguia pensar em mais
nada.
Luiza, assim você me confunde, linda.
Comprei o e-book, fiz uma nota mental de xingá-la pelo valor
ridículo que estava vendendo seu livro. Até a coxinha da padaria ao
lado era mais cara, e eu comia em menos de dez minutos!
Precisei baixar outro aplicativo para conseguir abrir o e-book,
lembrava de pouca coisa então teria que começar do início.
Tinha uma dedicatória.

“Para você que acreditou em mim, que gostou dessa história


quando eu mesma não gostava, esse livro é para você, E.T.”

Essa parte me pegou mais forte do que o pseudônimo.


Abaixei o celular, apoiando o rosto na mão.
Droga, tinham formigas no meu estômago!
Certo, Luiza tinha um carinho por mim.
Aquela noite é a única coisa da qual me arrependo em relação
a nós.
A única coisa…
E se ela sentiu mesmo ciúmes ao me ver com Bárbara?
E se… E se ela gostasse um pouquinho de mim?
Levantei-me abruptamente, a cadeira fez um barulho agudo no
piso. Levei as mãos à cabeça e caminhei de um lado ao outro,
completamente perdido em um turbilhão de pensamentos. Não
queria me enganar dessa vez.
Mas se existia uma chance de Luiza vir a sentir o mesmo que
eu…
Meu celular vibrou, me assustando.
Era Bárbara.
???

Respirei fundo, querendo partir minha cara naquela geladeira


de rico.
Digitei rápido.

Desculpa, Bárbara. Mas acho que vou tentar conquistar a


minha ex.

Eu escrevi aquilo mesmo?


Mas e se eu tivesse chance?
Se ela ainda lembrava com tanto carinho de nós, se a única
coisa que se arrependia foi das coisas que me disse, se até tinha
ciúmes, por que não deveria tentar?

Ah, tá bom.

Foi à resposta de Bárbara, e em seguida me bloqueou. Estava


eufórico demais para ficar chateado.
Afinal de contas, não estava nenhum pouco pronto para deixar
Luiza no passado.

— Valeu pela carona, era urgente! — Fechei a porta de seu


carro, jogando a mochila no banco de trás.
Enny estalou os lábios, pisando fundo no acelerador. Os
cabelos estavam em um coque, como sempre, frouxo a ponto de
estar mais solto que preso.
— Me conta o que houve. — Meteu a mão na buzina para um
ciclista que cortou nossa frente. Achei melhor colocar o cinto de uma
vez. — Decidiu finalmente tacar o foda-se e chutar as portas do
armário?
— Quê? Sou hétero top, tá escrito na minha nuca — brinquei,
ela riu e eu a acompanhei.
— Você tá diferente — comentou, olhando-me por mais tempo
que o necessário, levando em conta que estava dirigindo.
— Diferente como? — Passei as mãos nos cabelos, colocando
os fios que não pararam no mini rabo de cavalo atrás da orelha.
— Sei lá, mais leve.
Não diria leve, porque haviam muitos sentimentos pesados
dentro de mim ainda. Mas acreditei que quando decidi que ao invés
de me conformar com um coração partido, eu iria correr atrás da
mulher da minha vida, um daqueles pesos se desfez.
— Então, quero te perguntar uma coisa. — Respirei fundo. —
Você sabe como a Luiza está sobre aquele cara que ela gostava, o
amigo do irmão dela?
Ela batucou os polegares no volante, esticando o beiço de
maneira pensativa.
— Ela nunca falou sobre ele, deve ser uma coisa boa, não é?
Não tinha tanta certeza.
— Sabe se ela está ficando com alguém?
Enny franziu as sobrancelhas, me lançando um olhar
interrogativo de esguelha.
— Por que quer saber?
— Enny… — me preparei mentalmente para seu sermão e
xingamentos. — Eu amo a Luiza.
Não lembrava quando tinha sido a última vez que disse em voz
alta.
— E quem não sabe? — retrucou, rindo.
Franzi o cenho.
— Decidi que vou tentar conquistar ela. — Não vacilei, apenas
aguardei por seus gritos. Passou um segundo, dois, três, quatro e
nada. Enny não gritou comigo, pelo contrário, parecia surpresa, mas
não de um jeito negativo. — Acha… acha que eu tenho chance?
Ela fez um muxoxo, abrindo um sorrisinho de quem sabia de
alguma coisa.
— Olha, eu não sei… talvez… sei lá, só tentando, não é?
Estreitei o olhar em sua direção. Ela, definitivamente, sabia de
alguma coisa.
— Vou mesmo. — Encarei o trânsito, refletindo sobre aquilo. O
pior que poderia acontecer era Luiza me esnobar. Claro que eu não
seria nenhum iludido dessa vez, seria claro com ela sobre minhas
intenções antes de qualquer coisa, precisava saber se um
pedacinho dela queria aquilo também. Poderia conquistá-la, tinha
um lado romântico só esperando o sinal verde. — Algum conselho
para mim, guru Enny?
— Seja galanteador. — Entramos no estacionamento do
campus, logo encontrando uma vaga. Enny desligou o carro e virou
no banco, me enxergando melhor. — Seja você, Theo, esquece
esse negócio de frio e calculista. — Beleza, nunca tinha funcionado
mesmo. — Seja doce e gentil.
— Doce e gentil — repeti, pegando uma bala de yogurt no
bolso da calça para entrar no clima. Enny ficou me olhando
desembrulhar a bala e enfiar na boca, com ar de riso.
— Aqui. — Empurrou minha mochila para o meu colo. Mandou
uma mensagem rápida no celular. — Luiza tá do lado de fora do
muro, comprando sorvete. Boa sorte.
— Obrigado. — Abri a porta, saltando para fora. — Eu te amo!
Bati a porta e comecei a correr, só ouvi o grito de Enny: — EU
TAMBÉM TE AMO, SEU POBRE!
Conforme me aproximava da saída de pedestres, mais meu
estômago gelava pela ansiedade. Meu Deus, o que eu estava
fazendo? E se entendi tudo errado?
Ainda que a insegurança começasse a me cercar, não diminuí
o ritmo. Era como adrenalina, não podia ficar parado, e meus pés só
sabiam me levar a um lugar. Passei pelo portão, caminhando um
pouco pela calçada até ver Luiza, dando pequenas passadas,
segurando um sorvete de duas bolas. Nem estava tão quente, ela
mesma usava uma blusa fina, o cabelo enrolado em um coque alto
e grande como no dia anterior. Segui até ela, cada batida do meu
coração era como uma martelada, estremecendo meu cerne.
Ela estava linda.
Ela é linda!
Guardei as mãos nos bolsos com os punhos cerrados.
Luiza ergueu os olhos quando cheguei perto o suficiente, ela
ficou paralisada, apenas piscando. Fofa demais! Deus, aquela
mulher precisava de tão pouco para me deixar desnorteado.
— Oi — ela murmurou.
— Oi. — Sorri, revezando o olhar dela para o sorvete. Comecei
a suar debaixo do meu moletom. Estava quente para caralho, na
verdade. — Boa escolha, tá fazendo bastante calor.
O quê…?
Ela abriu um sorriso tímido.
— É, eu estou suando — falou, soltando uma risada doce. E
por que estávamos com tanta roupa? — Como você está?
— Bem… — Começamos a caminhar lentamente, ela
continuava me olhando, o pobre sorvete sendo tristemente ignorado.
— Estou morando com meu irmão agora, fica mais perto do centro e
do trabalho.
— Que legal, tá gostando?
Assenti, coçando a sobrancelha. Como que uma pessoa
começa a se declarar?
Nada de se ajoelhar no meio de um monte de gente, então…
Argh! Meu romantismo estava entalado no meu cú.
Pigarreei.
— Li o seu livro — falei. Luiza parou, olhando para o outro lado
da rua, daquele jeito tímido cada vez que o assunto era seu livro. —
Adorei, Charlotte Lotte.
Ela me fitou de esguelha, mordendo o lábio com força. Sorri,
era impossível me segurar.
— Sério? — murmurou. Segurei seu cotovelo, sentindo a
eletricidade percorrer por nossos corpos, a puxei para mais perto do
muro, ficando longe do caminho dos alunos, alguns chegavam
correndo. Só quando a soltei foi que consegui respirar.
— Claro, e não estou falando isso só porque você dedicou o
livro a mim. — Apoiei o ombro contra o muro cruzando os braços,
Luiza me imitou ficando de frente para mim. — Por que dedicou o
livro para mim?
Luiza me encarou por eternos segundos, me deixando
ansioso. O frio na minha barriga beirava a dor. Ela abaixou o olhar
por um segundo, e depois voltou aos meus, agora bem mais
carregado, uma linha vermelha na marca d'água do olho indicou
lágrimas a caminho.
— Vou te falar a verdade — disse austera. Aguardei com um
pouco de medo. — Eu conheci um cara e comecei a ficar com ele.
NÃO!
Nãoooo!
Murchei por dentro mais rápido que um balão estourando, se é
que é possível. O sangue sumiu do meu rosto, deixando gelado e
formigando. Minha respiração ficou barulhenta. Não consegui fingir
que estava tudo bem, não estava preparado para aquilo. Ela
percebeu.
Abaixou o olhar para o sorvete.
— Adorava ele, era muito legal, divertido, me fazia sentir
bonita, pensava nele com muita frequência. — Por que ela estava
falando no passado? — Adorava o toque, o beijo, o… sexo. Aí ele
me pediu em namoro e eu aceitei.
Levantou o rosto, e quando nossos olhares se encontraram
entendi o que estava querendo dizer. Não ousei piscar, nem respirar,
ou eu deixaria passar alguma coisa.
Luiza umedeceu os lábios, tensa.
— Não fazia ideia de que ele gostava de mim — continuou —,
e estraguei tudo por causa da minha insegurança. Só quando o
perdi, foi que percebi que estava loucamente apaixonada por ele.
Nossa…
Nossa!
Levei uma mão ao queixo, cruzando o outro braço na barriga.
Deus, meu balão começou a encher mais rápido do que era
fisicamente possível.
Apaixonada… Como assim, mulher?! Meu coração é frágil,
porra.
— Mas agora já é muito tarde.
Não é, não!
Uma lágrima caiu de seu olho, ela limpou rápido. O lábio
inferior tremeu. Certo, Luiza tinha acabado de me quebrar, outra
vez, mas por uma razão completamente diferente.
— Por que pensa que é tarde? — balbuciei, minha voz soando
baixa aos meus ouvidos.
— Porque eu o magoei, e ele nem sabe de toda a verdade. A
razão pela qual aceitei o pedido de namoro…
— Você se arrepende? — interrompi, respirando como se
tivesse acabado de subir um morro correndo. — De ter dito sim?
— Não. Não me arrependo. — Negou com a cabeça sem
titubear. Eu ia começar a chorar também.
— Acho que o passado não importa mais para ele. — Cerrei os
punhos quando vi meus dedos trêmulos pelo campo de visão. Dei
um passo em sua direção, meu tênis tocando a ponta do seu. — Se
você pudesse dizer algo para ele agora, qualquer coisa que
significasse um recomeço, o que seria? — terminei ofegante.
Luiza enxugou outra lágrima.
Segurou o sorvete com as duas mãos, esticando-o no pequeno
espaço entre nós, evidentemente oferecendo a mim.
— Quer uma lambida? — perguntou, abrindo um sorriso lento
que espelhava o meu. Reconhecimento.
Ela era perfeita demais.
E do passado guardei só o que era importante, o resto apertei
a tecla delete.
Coloquei as mãos em sua cintura trazendo-a para perto,
unindo nossos quadris. Com ela, eu recomeçaria quantas vezes
fossem necessárias.
— Não tem nada que eu queira mais, Luiza.
Epílogo
ALGUNS MESES DEPOIS

Segurei a cintura de Theo com força. Ele não conduzia a moto,


ele voava! Tivemos que vestir nossas jaquetas de couro para pegar
a BR. Estava perdendo o medo aos poucos, mas Theo não ajudava
com aquela sede de adrenalina. Felizmente eram seis horas da
manhã, sem tanto movimento de veículos.
Ele começou a diminuir a velocidade pegando uma estrada de
terra. Busquei no horizonte o sol que estava nascendo, espalhando
tinta laranja, suportável de olhar. Não tinha nuvens, se eu olhasse
para o oeste, ainda podia ver as últimas estrelas desaparecendo.
Era lindo.
Certo, viajar com o louco do Theo tinha suas vantagens.
Ele comprou a moto daquele amigo do Lucas. Consegui o
emprego na clínica de Priscila (fiquei um mês em treinamento com a
antiga secretária), ela era uma boa chefe para mim, um pouco
maluquinha, mas me respeitava. Os dias difíceis de Theo estavam
cada vez mais raros, o que era ótimo, embora eu soubesse que ele
sentiria a dor da perda para sempre. Eu também estava de luto,
Nanda faleceu há três semanas, Lucas estava arrasado, e eu estava
arrasada por ele. Se o tinha perdoado? Não, mas ele era meu
irmão, se precisasse de mim então eu estaria ali, sempre. Yan tinha
se tornado um desconhecido em nossas vidas, o que também era
doloroso de assimilar, sendo que convivemos desde a infância.
Contei a Theo sobre Yan e meu irmão, não entrei em detalhes sobre
Yan tentando me usar para fazer ciúmes em Lucas, ele ficaria bravo
e eu não queria aquilo.
Minha relação com Theo… Bem, recomeçamos de fato,
felizmente com o apoio de sua melhor amiga dessa vez. E quando
ele disse que o passado não importava, ele falou sério.
Theo parou a moto, saltei sentindo minhas pernas um pouco
moles, como sempre acontecia quando ficava muito tempo sobre a
garupa. Tirei meu capacete (era rosa e tinha um adesivo do Jared
Padalecki bem na frente, cortesia do meu ficante!).
— Foi a nossa viagem mais longa, Iza! — Pegou meu
capacete, deixando no guidão igual o seu.
— Você acelerou com tudo dessa vez. Olhe só, nem sinto
minhas pernas! — Inclinei-me para frente, me alongando.
Theo riu.
— Vai valer a pena. — Ele segurou minha mão, me levando
até nosso destino. O barulho alto de água chegou muito antes da
paisagem revelar um mirante, a cachoeira era como um véu branco
caindo pelo precipício. Tinha uma plataforma de vidro para poder ter
uma visão melhor da paisagem. — A Cascata do Avencal, é lindo,
não é?
— É. — O vidro sob nossos pés, apesar de firme, me dava a
sensação de que se partiria a qualquer momento. Segurei-me a
Theo. — Mas perigoso também.
Theo riu, abraçando-me. Tirou alguns minutos para contemplar
a paisagem, a luz laranja do sol deixando seus olhos mais verdes do
que castanhos. Mesmo com os cabelos mais curtos, ele ainda usava
sua inseparável bandana.
Deitei a cabeça em sua clavícula e respirei aquele momento.
Depois do último ano, com o falecimento do pai de Theo e
Nanda, nunca estive mais consciente de como a vida era um sopro.
Tão sensível quanto um dente de leão ao vento.
E diante da segunda chance que Theo e eu estávamos nos
dando, eu não esperaria, não guardaria para mim. Afastei-me,
pegando algo no bolso da jaqueta, Theo acompanhou todo o
movimento. Abri a palma diante de nós, mostrando a aliança que ele
tinha me dado quando me pediu em namoro, e outra nova que
comprei para ele.
— Guardei porque sabia que não tinha acabado — esclareci,
ele mordeu o lábio, os orbes brilhando como dois sóis. — E quer
saber mais? Eu te amo, Theo.
Ele abriu um sorriso radiante, às vezes eu me sentia tão
sortuda por tê-lo, em outras me perguntava por que Deus tinha sido
tão bom comigo colocando Theo na minha vida.
— Eu te amo, Luiza — falou, acariciando meu queixo com
ternura.
Suspirei.
— Então, quer namorar comigo? — Ergui as alianças.
— Espera, quer dizer que todo esse tempo você não era a
minha namorada?! — Sua falsa indignação me fez rir. Ele levou uma
mão para minha nuca, beijando minha bochecha. — Contei para
todo mundo, agora estou me sentindo um idiota.
— Ah, para!
Beijou meu maxilar, a ponta do meu nariz, o queixo, minha
pálpebra… Comecei a ficar sem ar.
— É claro que eu aceito, amor — murmurou rouco. — Sempre
fui seu, independente do rótulo.
Pegou a aliança maior, colocando no dedo.
— Até quando foi meu ex? — provoquei, ele arqueou uma
sobrancelha fazendo um bico lindo.
— Até quando fui seu ex! — Colocou a outra aliança no meu
dedo, a batida forte do meu coração me fez soltar uma lufada de ar.
— E eu já era sua muito, muito, muito antes de perceber. —
Era para ter soado romântico, mas Theo gargalhou.
— Muito mesmo.
Dei um soquinho em seu braço.
Era correto afirmar que foi na ausência e saudade que me
apaixonei por Theo? Bem, não, pensando melhor, já sentia algo por
ele antes, algo que eu reprimia. Então a afirmação correta era que
foi na ausência e saudade que entendi o que sentia de verdade por
ele.
Theo me segurou pela cintura abruptamente, dizimando a
distância entre nós, sua respiração e hálito de hortelã bateram em
meu rosto.
— Depois de dizer sim a gente tem que se beijar, linda.
Coloquei as mãos nas laterais de seu rosto, trazendo seus
lábios para os meus.
Beijamos-nos no alto de um mirante, com uma cascata como
trilha sonora e com o nascer do sol nos abençoando.
Agradecimentos
Escrevi esse livro em um surto de inspiração depois de passar
um ano escrevendo um calhamaço dramático. Já estava
desesperada para escrever algo mais leve, fico muito feliz por ter
dado uma oportunidade a Ficante, foi uma delícia escrever essa
história. Então o meu primeiro obrigada vai para Theo e Luiza por se
abrirem tão rápido para mim. Amo vocês!
Meu segundo obrigada vai para as minhas leitoras betas
maravilhosas: Isa (a primeira a gostar dessa história! Te lembra
alguma coisa?), Rafa, Bruna e Bianca, o feedback de vocês foi
super importante.
Obrigada a Estefani, amiga mais que especial do tempo da
escola, que topou o desafio de revisar o livro para mim, você me
salvou!
E por último, obrigada a você que chegou até aqui, sua leitura
também é muito importante para mim, não esquece de deixar uma
avaliação para ajudar, e se quiser surtar comigo é só me procurar
nas redes sociais, respondo a todas as mensagens.
Beijos e até a próxima!

Estou no Instagram como: vane.lorenzi7


Twitter: VaneLorenzi7
Sobre a Autora
Desde de pequena Vanessa Lorenzi gostava de criar histórias,
mas foi somente aos quinze anos que escreveu seu primeiro livro.
Ama desenhar porque a faz relaxar, porém vive com bloqueio. Ama
ler porque viaja para outros lugares, viver outros amores, outras
realidades. Ama escrever, pois é a única forma de extravasar suas
emoções. Escrever é libertar.
Nasceu em Santa Catarina, no frio congelante da serra,
usando a cidade onde mora como palco de suas histórias.
Outros Livros da Autora

"Como todo mundo, Lorena tem um segredo, algo que ela jamais
poderá dividir com alguém. Lorena já passou por quatro
reencarnações, sendo esta a quinta. Ela não sabe o porquê se
lembra dessas vidas, e nem como parar com elas. A única coisa que
ela sabe é que sempre acontece a mesma coisa, sempre se
apaixona pelo mesmo cara, um amor nunca correspondido, que faz
Lorena odiar Valentim assim que ele aparece em sua vida atual.
Não seria tão difícil se ele não tivesse caído de paraquedas em seu
ciclo de amizades, e em sua sala de aula na faculdade, e, pior, na
casa de seu namorado, que passa a tratá-la de forma estranha
depois que Valentim entra em suas vidas.
Mas desta vez Lorena está determinada a mudar o fim desta
história. Será que ela vai conseguir?"

Você também pode gostar