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JADE SAND

Manual da Conquista

3ª. Edição
2021

KDP
Kindle Direct Publish
Copyright © 2020 por Jade Sand
Todos os Direitos Reservados. Nenhuma parte deste conteúdo pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização
escrita do autor.
Revisão: Jade Sand
Capa: KNS Design
Publicação Independente

Esta é uma obra de ficção. Seu objetivo é entreter as pessoas. Qualquer


semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido
mera coincidência.

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Índice

O primeiro Crush a gente nunca esquece


Passo 1
Passo 2
Passo 3
Passo 4
Passo 5
Passo 7
Passo 8
Passo 9
Passo 10
Passo 11
Passo 12
Conheça a Autora
Amostra de Garoto de Sorte
Amostra de Instigante
Amostra de Meu Mais Ou Menos Inimigo
Amostra de Dezesseis Anos
Amostra de O Rei Está Morto
Amostra de Depois da Tempestade
Com o tempo, você percebe que a sua conquista mais importante é a
do amor-próprio.
O primeiro Crush a gente nunca esquece

M eu primo Luiz Fernando é um nerd tímido, que usa óculos e se veste


socialmente. Alto, magro, cabelos claros de corte impecável, olhos também
claros, ele não é feio nem extraordinariamente bonito. Apenas comum. Isso
foi dito por uma pessoa normal. Meu primo Luiz Fernando é minha paixão
desde quando eu tinha quinze anos. Eu sonho com ele todas as noites, tremo
como vara verde e sinto dores na barriga toda vez que ele me dirige a
palavra e ele nem lembra que eu existo. Isso quem está dizendo sou eu,
Átila.
Aos dezenove anos, eu estava no segundo período do curso de
Administração e trabalhava numa farmácia vendendo cosméticos. Tinha
uma rotina corrida e difícil. Morava com meus tios, os pais de Luiz
Fernando, desde que tinha conseguido uma bolsa de estudos numa
faculdade particular. Eles cuidavam para que eu me tornasse “alguém na
vida” e não seguisse os passos de meu pai, que não conseguia me ajudar
financeiramente.
É constrangedor ser o parente pobre de alguém. Tia Helena dizia que
eu poderia contar com ela para o que eu precisasse, pois, “como o
Nandinho, graças a Deus, já estava formado, trabalhando na clínica da
família, era obrigação da família dar oportunidade ao filho do Tonho,
tadinho, sempre tão doente, não teve muita sorte".
Meu pai era músico, nunca tinha estado doente, mas o que ele ganhava
não durava muito. Minha mãe, bem mais jovem do que ele, era ambiciosa e
bonita, e tratou de largá-lo assim que teve oportunidade. Se casou com um
cara rico e sumiu. Eu fui criado pelo meu pai amoroso, negligente, e
preguiçoso, com a ajuda da cunhada dele, Helena. Tia Helena me comprava
roupas no Natal, me convidava para ir à piscina da sua casa quando tinha
festas, mandava a empregada ver se eu tinha piolhos, e cobrava boas notas
na escola. Eu não gostava da maior parte desse cuidado, me sentia melhor
com meus amigos da periferia, das ruas de terra, mas, na adolescência,
passei a me dedicar aos estudos, enchendo de esperanças a minha tia
caridosa.
Meus ídolos de infância eram os heróis dos desenhos animados e eu
me imaginava não sendo um deles, mas vivendo com eles, sendo o parceiro
deles em suas aventuras. Quando cheguei ao início da adolescência, passei a
ter pensamentos eróticos com eles e nunca me repreendi por isso, nunca vi
como anormal. Na verdade, até os quinze anos eu nunca tinha me
imaginado com uma pessoa real.
Não sentia nada, nem por homem, nem por mulher. Já tinha visto
revistinhas e sacanagens na internet com amigos mais assanhados, mas não
me interessava por nada daquilo que eu via, preferia meus personagens
fantasia. Talvez eu fosse "tardio" da mesma forma que alguns meninos são
"precoces".
Até o dia em que, numa festa de fim de ano na casa da tia Helena,
aconteceu algo interessante que me fez mudar. Eu não era mais criança, mas
era pequeno e magricelo; não sabia nadar, mas queria ficar na piscina, e
minha tia, muito cuidadosa, ficava me vigiando.
— Átila, não vai pro fundo, fica aqui desse lado que a tia está
preocupada, você é muito pequeno. — Sim, ela me matava de vergonha na
frente das visitas.
— Estou com as boias, tia. Não vou me afogar.
— Nando, fica de olho nesse menino!
Oh, My God! Meu primo, que eu quase não conhecia mais — ele
estudava fora havia bastante tempo, era bem mais velho do que eu, então
nunca fomos amigos — estava lá acanhado, tentando dar em cima de uma
menina que uma prima dele tinha levado. Estava vermelho, tímido, e com a
ordem da mãe, ficou ainda pior. Por Deus!
Quase me afoguei voluntariamente quando o Nando me olhou, irritado.
Ele foi nadando até onde eu estava, na borda.
— Átila, se você não sabe nadar, não vem para esse lado da piscina! —
Ele não falou alto, nem bravo, mas falou entredentes, demonstrando que
estava nervoso. Meu nome sendo pronunciado em sua voz me deixou ainda
mais constrangido. Sempre riram do meu nome naquela família.
Abaixei a cabeça, triste. Olhei para o lado para não chorar. Sempre
tinha me sentido um intruso ali, mesmo com tia Helena insistindo para que
eu fosse nas festas, nos almoços, nos fins de semana. Segurando na borda
da piscina, enfiei a cabeça na água para esconder as lágrimas e a cara
vermelha de humilhação por ser tratado daquele jeito.
Emergi, ajeitei os cabelos e saí da piscina sem olhar para trás. Fui para
a lateral da casa onde Galileu, um gatinho vira-latas, estava deitado
tomando sol. Ele tinha sido encontrado numa lata de lixo por uma das
empregadas e estava crescendo cheio de regalias. Aliás, os animais perdidos
da região sempre encontraram comida e proteção naquele endereço nobre.
As próprias empregadas de tia Helena contavam com ela para conseguir
consultas médicas, remédios e até vagas para os filhos nas escolas mais
concorridas. Tio Walter era um médico famoso, inclusive era cotado para
candidato a prefeito nas próximas eleições, mas todos sabiam que, se ele
fosse eleito, seria graças ao carisma e filantropia da esposa.
Mas, voltando àquele dia fatídico da festa de fim de ano, eu fiquei no
jardim passando minhas mãos brancas e enrugadas pela água nos pelos
rajados do Galileu, e ele se espichando como os gatos fazem quando
recebem carinho. Já estava na hora de servirem o almoço e eu ia aproveitar
a oportunidade para vazar dali sem ser notado.
Estavam todos distraídos em volta da mesa de comida, então eu passei
sorrateiro e entrei no banheiro da área de serviços, onde eu tinha tomado
banho e me preparado para a piscina. Minha roupa estava lá, pendurada
num ganho atrás da porta, e eu já entrei tirando a sunga, sem notar que o
banheiro estava ocupado. Era o Luiz Fernando quem estava lá, mas só o
notei quando ele ligou o chuveiro.
Tomei um susto! Ninguém usava aquele banheiro, pois tinha outros na
área de lazer. Quase enfartei. Ia sair correndo do banheiro, mas me lembrei
de que estava pelado.
— De-desculpa! — comecei a gaguejar, bater os dentes, tremer as
pernas, mas consegui pôr as mãos na frente para que meu primo não visse
demais. — Você não trancou a porta, então pensei que...
Luiz Fernando riu e continuou seu banho normalmente, sem cobrir
nada. Falou comigo como quem repreende uma criança.
— Você não precisava ter saído chorando da piscina àquela hora, Átila.
Eu não briguei com você.
— Eu não saí chorando.
— Saiu sim. Todo mundo viu. O que houve?
Fiz bico e cruzei os braços. Até me esqueci do que tinha que esconder.
— Eu não sei nadar, mas não ia me afogar. Não precisa ficar me
vigiando o tempo todo. Eu não sou mais criança!
— Você é baixinho e a piscina é funda. Melhor prevenir.
— Eu sei, por isso tô indo embora. Nem queria ter vindo mesmo...
Luiz Fernando desligou o chuveiro e se aproximou de mim. Levantou
meu queixo com um dedo pingando água.
— Ah, não vai chorar!
Pra quê ele foi dizer isso? Se alguém estiver com vontade de chorar, é
só dizer "não chore" para ela desabar. Tranquei os dentes, mas não teve
jeito. Chorei.
Chorei sem querer, sem olhar para ele, passando as mãos pelo rosto,
tentando me controlar, mas não teve jeito. Chorei demais. Sempre me odiei
por ser tão manteiga derretida.
Luiz Fernando ficou olhando por um tempo, depois chegou bem perto
e me abraçou. Sim, ele me abraçou completamente pelado, molhado, e eu
também nu, todo trêmulo e sem jeito. Minha cabeça ficou colada no peito
dele por causa da diferença de altura. Ele passou a mão pelos meus cabelos,
até que eu me senti um idiota e me afastei.
— Desculpe por isso. — Enxuguei o restante das lágrimas e me senti
melhor. — Eu... Eu choro à toa.
— Tudo bem. Toma banho aí e vamos almoçar.
— Não, acho melhor eu ir embora.
Luiz Fernando já ia pegando a toalha, mas se virou de vez com aquele
pinto mole balançando. Ele não fazia questão nenhuma de esconder, e por
mais que eu estivesse triste e envergonhado, acabava olhando e pensando
bobagem.
— Deixe de ser bobo, Átila. Ninguém brigou com você.
— Eu sei, mas acho melhor eu ir. Não quero dar trabalho.
— Nada a ver. Fica aí, vamos almoçar, tem sobremesa depois. —
Como eu não me mexi, ele se aproximou. — Vem cá, dá outro abraço que
você vai se sentir melhor.
Sem dar tempo de eu me defender, ele foi lá e me abraçou de novo,
pelado, do jeito que estava. Dessa vez eu resisti e ele me apertou, mas com
carinho. Quando ele deu um passo atrás, finalmente notou o que estava me
“incomodando”. Desviei o olhar, mas já era tarde.
— O que você está olhando?
— Hã? Na-nada! Eu... Eu quero tomar banho.
— Banho, né? Saquei. Você gosta disso, é? — Ele apontou para o
próprio corpo e não pareceu incomodado. Já eu estava prestes a sair pela
parede.
— Nã-não.
— Então por que tá gaguejando? Relaxa! É que eu tinha me esquecido
de que você é... daquele jeitinho. — Ele piscou para mim e se aproximou.
— Tá curioso? — Ele colocou a mão esquerda na parede, sobre a minha
cabeça, e com a outra ficou segurando o próprio membro, que aumentava
de tamanho.
— Não! — Neguei, mas meu coração pulava forte no peito. Eu nunca
tinha visto Luiz Fernando tão à vontade. Ele estava sorrindo!
— Quer pegar nele? Vai, não dói não.
Eu estava sem graça com a situação, pois ele era meu primo, a gente
quase não se via e a casa era dele. Além disso, era a primeira vez que eu
chegava tão perto de um pênis que não era o meu. Mas Luiz Fernando
pegou a minha mão e colocou lá, me fazendo apertar e mover ao mesmo
tempo. Perguntou se estava tudo bem, eu respondi com a cabeça, então ele
continuou. Era duro, mas macio, estava quente e pulsando. Minha mão ia e
vinha sem que eu fizesse qualquer movimento voluntário.
A respiração de Luiz Fernando foi ficando ofegante e ele começou a
falar coisas safadas com uma voz que não era a costumeira. E os minutos
foram passando, ele suspirando cada vez mais forte até que me pareceu
estar mais irritado do que outra coisa.
— Anda, Átila, caralho, antes que alguém sinta falta da gente ou venha
bater na porta do banheiro.
Tirei a mão e abaixei a cabeça, envergonhado. Ele suspirou e começou
a se afastar.
— Desculpe — falei.
— Tudo bem. Eu que peço desculpas. Esquece isso e não conta pra
ninguém, ok?
Respondi apenas com a cabeça, evitando olhá-lo. Ele vestiu a roupa
rapidamente e saiu sem fazer barulho. E eu fiquei ali me sentindo estranho,
sem saber o que tinha acontecido, de fato. Era a primeira vez que acontecia
e a situação toda me deixou muito confuso.
Tomei um banho demorado, saí quando alguém bateu na porta do
banheiro e fui embora sem que nenhum parente me visse. Demorei a chegar
em casa, tão perdido que fiquei em meus pensamentos.
A partir desse dia, algo mudou na minha cabeça. Os personagens de
desenhos infantis saíram dos meus sonhos e aquele primo magro, alto,
tímido e safado entrou no lugar deles. Eu podia sentir nos meus dedos o
calor da pele lisa e firme dele, nos meus sonhos eu sentia o cheiro e o gosto
também. Tinha sonhos românticos e absurdos. Nos meus pensamentos, nós
namoramos, nos casamos, brigamos e nos reconciliamos. Minhas noites
eram dedicadas a ele.
Na realidade, porém, eu passei a evitar ainda mais a casa de tia Helena.
Ela me convidava e eu não ia mesmo sabendo que meu primo não estaria lá.
Não queria correr o risco de encontrá-lo e não saber o que fazer.
Luiz Fernando terminou os estudos e eu fui convidado para sua
formatura. Até pensei em ir, mas quando tia Helena ligou pra avisar da
roupa que eu teria que usar, inventei que estava passando mal e não fui.
Papai ficou preocupado e também não foi, e no dia seguinte à festa, tia
Helena foi lá em casa saber da minha saúde. Tive que inventar uma dor
qualquer.
Passei mais de três anos sem vê-lo de perto, mas sabia de tudo, onde
ele estava, com quem estava namorando, com quem saía. A mãe dele era
um verdadeiro noticiário, e não só ela. Sempre aparecia alguém contando
alguma coisa, alguma prima nossa, algum conhecido, e até mesmo o meu
pai.
O tempo passou, eu cresci (não muito), fiz sexo com uma amiga por
curiosidade dela, beijei alguns meninos no mais perfeito sigilo, mas nunca
tirei da cabeça aquele primo pelado me mostrando o pau em um banheiro na
área de serviços da casa dele.
Quando consegui vaga na faculdade, tia Helena ficou sabendo e
apareceu para me auxiliar, como sempre fez questão de fazer. Me ajudou a
conseguir um emprego mais perto da faculdade, me convidou para ficar na
casa dela durante a semana, e eu aceitei. Luiz Fernando já morava sozinho e
eu não corria o risco de topar com ele na casa de seus pais. Pelo menos,
assim eu achava. E estar naquela casa, onde tudo tinha “começado”, dava
um sabor melhor aos meus sonhos.
Eu não dormia no quarto que tinha sido de Luiz Fernando, pois aquele
espaço permanecia arrumado para o dia que ele precisasse, segundo a mãe
dele. Eu ficava num quarto de hóspedes muito bom, onde eu tinha tudo o
que precisava, além de um banheiro no corredor que era, praticamente, só
meu. Só não aproveitava melhor a hospitalidade porque não queria.
Eis que numa sexta-feira do mês de março eu chego da faculdade
cansado, com sono, e tenho uma bela surpresa. Meus tios ainda estavam na
sala, então os cumprimentei, mas passei direto, pois queria tomar banho e
dormir. Subi as escadas correndo, como sempre fazia, mas antes de chegar
ao meu quarto, vi que Luiz Fernando saindo do quarto dele. Colidimos no
corredor. Quase morri do coração, pois eu não o tinha visto mais desde
aquele dia no banheiro, por mais incrível que possa parecer. E ninguém
tinha comentado que ele estaria presente naquela noite.
— Átila? — ele falou, forçando a vista.
— Oi! Desculpa! — Minha voz saiu tremida. Tentei ser simpático. —
Quanto tempo, né?
— É, sim, muito tempo mesmo. Vem, Sandra! — Ele falou olhando
para o interior do quarto.
Estranhei.
— O quê?
— Átila, essa é minha namorada, Sandra. — Ele pegou a mão dela e a
puxou para si.
Senti uma coisa ruim no peito, achei que fosse até desmaiar. Claro que
eu sabia que ele tinha namorada, mas mentalmente eu ignorava tudo isso.
Era apenas ele e eu no banheiro e no mundo. Coisas de uma cabeça ainda
adolescente.
— Ah... oi... — Não estendi a mão. Naquele momento, eu torci para
que Luiz Fernando estivesse sem lentes ou até mesmo cego para não ver a
situação ridícula em que eu estava. Acho que até a Sandra percebeu.
Continuei em direção ao quarto que eu ocupava.
— É, eu tô muito cansado, vou tomar banho e dormir. — Não esperei
respostas e segui pelo corredor sem olhar para trás.
Fiquei um bom tempo embaixo da água fria tentando pensar em
alguma coisa. Por que Luiz Fernando e sua namorada não deixaram para vir
no sábado, depois que eu já tivesse saído? Porque a casa era dele e ele
poderia vir quando quisesse, era eu quem estava incomodando. Que
incomodando? Eu não estava fazendo nada, ninguém estava incomodado
comigo. Acho que eu estava doente. Era a única explicação.
Me deitei na cama antiga, mas confortável, e tentei dormir logo para
poder sonhar e esquecer a realidade. Mas naquela noite, além de demorar a
dormir, eu tive um sonho ruim. O príncipe Luiz Fernando me deixava para
se casar com uma linda princesa, e não tinha nada que eu pudesse fazer.
Acordei chorando e cansado. Me sentei na cama para me acalmar e aos
poucos me dando conta da situação. Abri a janela para tomar ar fresco,
enxuguei o rosto e fiquei olhando as várias luzes da cidade, indecifráveis na
escuridão da noite. A rua silenciosa, a piscina com um reflexo prateado no
meio, muito bonita, a água fazia o reflexo tremer. Aquela piscina, onde
tinha começado a minha louca paixão adolescente. Ela parecia querer me
dizer alguma coisa.
"Sabe, caro Átila, é melhor você parar de chorar como um idiota. Ou
você esquece esse primo que te mostrou o que é bom, ou você faz alguma
coisa de útil para conquistá-lo".
Sim, foi a partir daquele momento, a partir da conversa silenciosa que
tive com aqueles metros cúbicos de água límpida, que eu decidi parar de
correr da presença de Luiz Fernando. Se eu tinha alguma chance com ele na
vida real, a única forma de saber disso era me aproximando. Decidi parar de
sofrer sozinho, decidi mostrar a ele que eu tinha crescido, que não era mais
um menino bobinho e que não tinha esquecido aquele nosso "encontro" no
banheiro da área de serviços.
Se eu não tinha nenhuma experiência na arte da conquista, eu tinha
celular e internet, e ia fazer o que todo mundo faz: pesquisar. Como eu
poderia conquistar o meu primo? Google, pesquisar. Fácil não ia ser, mas
ninguém nunca morreu por tentar algo assim... eu acho.
Passo 1
Olhe!

O lhar. Olhar é diferente de ver, enxergar. Enquanto a visão é apenas um


dos sentidos do ser humano, o olhar é uma arte, um dom. O olhar demonstra
sentimentos e interesses, diz muito mais do que palavras, e não custa
nenhum centavo. E ninguém pode te julgar ou te incriminar por causa de
um olhar, o que não acontece com palavras ou ações. Se você está
interessado em alguém, o primeiro passo é um simples olhar.
Fiquei mais algum tempo sem ver Luiz Fernando depois daquele
esbarrão no corredor. A minha rotina era muito corrida, ele tinha viajado,
enfim, eu não estava tendo sorte, mas estava tranquilo, afinal, eu já tinha
passado mais de três anos sem vê-lo mesmo.
Quando o vi, foi rapidamente, de passagem, eu chegando e ele saindo,
e vice-versa, e eu sempre ficava com a impressão de que ele não ligava
muito para a minha presença. Me cumprimentava com aquele jeito tímido,
que era lindo, falava um "Bom dia" ou "Boa noite" ou então perguntava
pela mãe ou pela empregada, mas não passava disso. E toda vez que ouvia a
voz dele eu tremia, gaguejava e parecia um débil mental.
Eu sabia que precisava mudar essa postura e partir para o ataque, caso
contrário, ele nunca me levaria a sério. O problema é que eu não tinha ideia
do que seria "partir para o ataque". Comecei a pesquisar, ler revistas, a
ouvir atentamente o que os pais dele falavam. Até comecei a tomar café
com eles.
Soube que o namoro dele estava por um fio. Tia Helena vivia dizendo
que a namorada de Luiz Fernando era uma chata, cheia de frescuras e que
pensava que ele era milionário. Ela dizia que a tal Sandra só queria saber de
baladas, restaurantes chiques e festas das amigas ricas, e que não valorizava
a pessoa do "Nandinho". Ela gostaria que ele arranjasse uma pessoa mais
simples para namorar. Bom, se existia uma pessoa simples interessada em
Luiz Fernando, essa pessoa era eu.
Soube por fontes variadas, de blogs a artigos científicos, que um olhar,
digamos, sensual, é o primeiro passo para dizer a alguém que você está a
fim. Mas, para olhar nos olhos claros do Luiz Fernando, a primeira coisa
que eu tinha que fazer era estar frente a frente com ele. Infelizmente, na
minha vida corrida de filho de pobre isso era complicado, meus dias eram
completamente cheios, estudava à noite, e os meus fins de semana, quando
eu não estava trabalhando, estava em casa estudando e fazendo trabalhos de
faculdade.
Minha esperança passou a ser os domingos. Nas famílias tradicionais,
o domingo é sagrado, pais e filhos se reúnem à mesa do almoço depois de
uma semana de trabalho, e eu era considerado da família, então era só
esperar tia Helena me convidar. Porém, por alguma mudança na posição dos
astros, a Lua ou Júpiter tirando com a minha cara, tia Helena esqueceu de
mim, passou vários domingos sem me chamar para almoçar. Talvez, depois
de eu tanto negar os convites, ela acabou desistindo. Eu tinha que
convencê-la novamente de que eu era "convidável".
E se eu fosse ao trabalho de Luiz Fernando? Ele trabalhava na clínica
de seu pai. Se eu fosse uma mocinha grávida ou tivesse algum problema
abdominal que precisasse de ultrassom, isso seria viável, mas, como as duas
opções eram negativas, isso estava fora de cogitação. No apartamento dele
eu nunca tinha sido convidado, não sabia sequer onde ficava. O jeito era
esperar na casa de tia Helena a sorte chegar e sorrir para mim. Talvez
houvesse chances de ele me ver e se encantar pelos meus olhos escuros. Um
maquiador já tinha dito que eles são grandes e expressivos.
Trabalhei o dia todo entre tinturas de cabelo, cremes anticelulite e
maquiagens, sempre sorrindo para as clientes satisfeitas e pensando em
como poderia conquistar aquele homem que vivia nos meus sonhos. Fui
para a faculdade sem banho mesmo porque eu não tinha tempo sobrando
entre o trabalho e a aula. Jantar também era um luxo inacessível, por isso
comi um pastel com gosto estranho na hora do intervalo, dormi na última
aula e quando acordei, estava enjoado e com fortes dores na barriga.
Sara, minha amiga, me levou ao banheiro onde eu fiquei até a hora de
ir embora. Como eu não estava em condições de ir de ônibus, ela me
emprestou dinheiro para ajudar no táxi, e assim eu cheguei completamente
derrotado na casa da tia Helena.
Entrei sorrateiro na cozinha em busca de algum remédio no armário.
Não queria que ela me visse, pois, como meu tio era médico, era capaz de
ela fazer o homem sair da cama para me examinar, e eu não queria
incomodar ninguém às onze da noite. Mas, por mais que eu procurasse, não
conseguia encontrar aquela caixinha de remédio que toda casa tem. O enjoo
foi aumentando e eu fui ficando nervoso.
— Droga, droga! Na casa de um médico não tem remédio em lugar
nenhum!
Tive que parar a busca do remédio e correr em direção àquele banheiro
da área de serviços porque uma forte dor na barriga, seguida de uma onda
de enjoo, me assolou. Sabendo que o vômito estava a caminho, eu me
apressei, corri mesmo, e acabei escorregando num tapete maldito, caindo
estatelado no chão frio e batendo a cabeça numa máquina de lavar roupa.
Nesse momento, o pastel estragado com refrigerante de uva que eu
tinha comido na faculdade quis sair de qualquer jeito. Inclinei a cabeça e
comecei a vomitar no chão, me sujando todo.
Apenas uma luz estava acesa, o resto da área era escuridão. Assim que
caí, ouvi uma porta batendo, e passos de alguém que vinha correndo. Não
pude me virar para olhar, mas imaginei ser minha tia querida. Fiquei feliz
por ela vir em meu socorro. Eu tinha espasmos violentos que me forçavam
a vomitar mesmo não tendo nada na barriga, que doía muito, e gemia alto.
— Calma, respira! — Duas mãos me seguraram, me obrigando a virar
para o lado.
Uma mão fria subiu minha camisa até o pescoço e apertou minha
barriga. Doeu e eu quase gritei de dor. A outra mão segurou minha cabeça
virando-a para o lado, e na penumbra, eu não sabia quem era o socorrista.
Tia Helena não era. As mãos dela não eram tão grandes. Fiquei na dúvida se
era ou não o tio Walter, embora a voz fosse a dele. Será que...?! Não, não
era possível. Não, não e não!
— Você está melhor?
OMG! Aquela voz preocupada era dele, sim, era meu primo Luiz
Fernando que tinha resolvido aparecer justo quando eu estava passando
mal. Ele poderia ter aparecido em milhares de outras ocasiões, mas não, ele
tinha que me ver vomitando. Azar! Sorte também. Sorte porque eu estava
mesmo precisando de cuidados, e ele era médico, ainda que
ultrassonografista, e azar porque as circunstâncias não eram tão românticas
quanto as que eu tinha planejado para o nosso reencontro.
Finalmente me virei para vê-lo. Ele estava contra a luz e eu vi apenas
os contornos do seu rosto. Os cabelos castanho-claros estavam bagunçados,
como se ele estivesse deitado antes de ir me encontrar naquela situação.
Tia Helena apareceu nesse instante e foi logo conferindo se eu não
estava inconsciente, exagerada como era. A empregada não ficava à noite
então ela, sendo uma madame rica e influente na sociedade local, pegou
balde, vassoura e pano de chão e começou a limpar a sujeira sem nojo
algum.
Luiz Fernando me ajudou a levantar e me encaminhou para o banheiro,
aquele banheiro, encostou a porta, e sem cerimônia nenhuma, me obrigou a
arrancar a roupa. Fiquei envergonhado por estar nu na frente dele num
momento tão humilhante, mas é a vida, o jeito é encarar. Entrei embaixo da
água fria e reclamei, mas ele me segurou no chuveiro por um bom tempo.
Me fez molhar até os cabelos. Ele estava de short e camiseta, tudo branco e
parecia não estar usando mais nada, nada mesmo. A água respingava nele e
deixava transparente aquela roupa fina.
Ele desligou o chuveiro e me ajudou a subir para o quarto apenas
enrolado na toalha. Entrou comigo, esperou que eu me vestisse olhando
pela janela para não me constranger, e me encaminhou até a cama.
— Você comeu algo diferente hoje? — ele perguntou, apalpando meu
abdômen.
— Comi o de sempre, salgadinho e refrigerante, mas acho que senti
um gosto estranho naquele pastel.
— Seria interessante uma opção mais saudável no jantar, não acha?
— Seria bom se eu tivesse opção, isso sim — respondi, mas ainda
envergonhado. — Eu não tenho tempo.
— Ainda está doendo?
Não estava muito, mas se eu dissesse que sim, talvez...
— Eu posso te levar para tomar soro. Vai ser bom para...
Soro? NÃOOOO!
— Não, por favor! Digo, não é pra tanto. Já estou melhor.
— Tem certeza? Talvez você esteja desidratado. — Ele pegou a pele
da minha mão.
— Não, eu vou ficar bem. Obrigado por estar ali naquele momento.
— Não fiz nada demais, então não precisa agradecer. Vou me deitar,
mas se precisar de alguma coisa, eu estou aqui do lado, está bom?
— Valeu! Obrigado.
Luiz Fernando saiu apagando a luz e fechando a porta devagarinho. Eu
me virei para vê-lo saindo do quarto, mas senti a cabeça rodar, então fiquei
na mesma posição e fechei os olhos.
Que idiota eu me senti! Passei meses planejando um jeito de vê-lo,
quem sabe ficar sozinho com ele para ver se a reação seria como naquele
dia, há tanto tempo, e acabou que consegui foi estragar tudo com um pastel
da cantina da faculdade. Eu não devia ter comido aquela porcaria, ainda que
desmaiasse de fome. Oh, vida cruel! Eu e ele naquele mesmo banheiro, o
mesmo chuveiro, eu completamente nu, mas passando mal.
Acabei dormindo, mas tive que me levantar durante a noite para beber
água, pois estava com muita sede. Antes que pudesse voltar ao quarto,
precisei correr para o banheiro para vomitar. Vomitei a última gosma das
minhas entranhas e chorei de dor. Fiquei com raiva de mim por não ter
tomado nenhum remédio para acabar logo com aquilo.
Voltei para a cama e sofri até a manhã, quando cochilei e meu
despertador me acordou. Desci as escadas parecendo um zumbi. Fraco,
enjoado e pálido. Tinha a esperança de que Luiz Fernando ainda estivesse lá
e cuidasse de mim, mas a sorte estava fazendo careta pro meu lado, como
sempre. Ele já tinha ido embora e deixado tio Walter encarregado do meu
caso. Resultado: fui levado a um hospital particular onde tomei soro por
várias horas, ganhei dois dias de atestado médico e dormi.
Até hoje não sei o que Luiz Fernando estava fazendo àquela hora na
casa dos pais, justo na noite em que passei mal. Lá se foi a maior
oportunidade que tive em todos aqueles dias.
Mas a vida segue, apesar dos pesares, e traz algumas recompensas. Eu
me recuperei bem, voltei ao trabalho e aos estudos, e três dias depois, eu
estava na farmácia atendendo duas senhoras quando vi Luiz Fernando
chegando, todo acanhado. Uma das minhas colegas mais assanhadas foi
correndo atendê-lo, mas ele se desculpou e foi até mim.
— Luiz Fernando? — disse abobadamente. Não, idiota, é a Madona!
Eu tinha que treinar as minhas falas para quando visse o meu primo, senão
ele iria pensar que eu era doido. Mas planejar é uma coisa, fazer é outra...
— Eu estava aqui ao lado, então passei para saber se você melhorou.
— Ele falou em voz baixa, sem graça por causa da Ana, a oferecida, que
ficava no pé dele quase que literalmente.
Ai, que ódio! Com seu avental de vendedora de produtos de beleza —
assim como eu — e sua maquiagem carregada, ela achava que estava
abafando. Além disso, as mulheres que eu estava atendendo não paravam de
falar um só instante.
— Melhorei sim, Nando. Tive que tomar soro, mas melhorei rápido.
Obrigado por perguntar.
— Que bom! — Ele sorriu. — Sendo assim, eu já vou. Mas, para o seu
bem, evite comer coisas que não pareçam frescas. Na falta de opção, até
aqueles salgadinhos de pacote são melhores do que um pastel estragado.
Ele já se dirigia à porta para ir embora, então deixei as clientes de lado
e o acompanhei. Quando ele chegou na calçada, estendi a mão para me
despedir. Ele olhou sem entender, depois sorriu e a apertou.
— Muito obrigado por tudo, Luiz Fernando — falei.
Quando eu disse isso, ele me olhou, e seus olhos verde azulados se
fixaram nos meus... por um segundo apenas, porque a Ana, cheia de
intimidades, me abraçou por trás estragando a cena toda. Fechei os olhos
para não demonstrar o meu ódio, e quando os abri, Luiz Fernando já ia
longe com suas pernas compridas.
— Migo, você passou mal de verdade? Como fez pro médico gato vir
te ver no trabalho? Me conta!
— Ele é meu primo, Ana. Família, ok? Não é da sua conta.
Revirei os olhos e saí de perto dela. Só não gritei de raiva porque a
última coisa que poderia acontecer na minha vida, naquele momento, seria
ficar desempregado.
Depois do almoço, mais calmo, me lembrei de algo importante: Luiz
Fernando tinha dito que estava ao lado da farmácia, e como eram apenas
dois lados, obviamente, eu poderia ter uma ideia do que ele estava fazendo.
O resultado foi decepcionante. À esquerda era uma loja de móveis
planejados, muito chique, por sinal, e à direita, uma empresa que vendia
passagens aéreas e pacotes de turismo. Fiquei preocupado. Desejei que ele
tivesse vindo do lado de cima, ou até mesmo do lado de baixo para não
estar acontecendo o que eu imaginei. A loja de móveis planejados me dava
a incômoda ideia de casamento ou compromissos duradouros, e a empresa
de turismo lembrava viagem e eu não queria que ele fosse viajar.
Meu primo viajava muito, por isso os longos períodos de ausência. Na
sala de tia Helena tinha vários porta-retratos de vidro com fotos dele em
Paris, Sidney, Buenos Aires, Miami, Nova Iorque. Eu não tinha inveja, só
me imaginava ao lado dele em todos esses momentos. Por que não sonhar,
se é de graça?

Enfim chegou o final de semana e eu já estava quase me oferecendo


para almoçar na casa dos meus tios. Achei que o fato de eu ter passado mal
na casa deles ajudaria, e acabou que eu estava certo. Tia Helena
simpaticamente me convidou na sexta-feira. Nem fui para a minha própria
casa no sábado, fiquei por lá mesmo esperando que Luiz Fernando
aparecesse, mas ele só chegou para o almoço de domingo mesmo. Chegou
sozinho, para a nossa alegria, mas para a nossa infelicidade, pouco tempo
depois, a Sandra apareceu. Mas um dia de azar na minha vida, eu pensava.
Para piorar tudo, naquele dia tio Walter estava irritantemente curioso a
respeito da minha família. Queria saber da minha mãe, se ela tinha me
ligado, se tinha mandado dinheiro. Queria saber do meu pai, se ele estava
trabalhando, se tinha parado de cantar e estava fazendo alguma coisa útil.
Engraçado é que meu pai e tio Walter eram irmãos, mas quem parecia ser
meu parente de sangue naquela família era apenas tia Helena. Desde que se
casou, ela assumiu a parte pobre da família do tio Walter como se fosse a
dela própria.
Eu fiquei calado e chateado, tentando não me levantar e ir embora, até
que minha tia percebeu e repreendeu o marido.
— Walter, por favor, o menino não está com vontade de falar sobre
isso.
O menino. Para tia Helena, eu ainda era adolescente, apesar de já ter
feito dezenove anos com direito a bolo e tudo mais. Mas com apenas 1,70m
de altura, magro e sem nenhum pelo no rosto, eu não parecia mesmo muito
adulto. Não podia culpá-la por me chamar de menino.
Sandra estava com a cara amarrada, e Luiz Fernando estava mais
quieto do que o normal. Quando me livrei das perguntas de tio Walter, pude
me alegrar com isso.
Logo após a sobremesa, ela foi embora, e meu coração saltou de
alegria. O motivo da alegria eu não sabia, afinal, que vantagem isso me
dava? Pouco depois, tia Helena saiu para fazer alguma coisa e tio Walter foi
atender ao celular (ele era pediatra e seu celular vivia tocando). Assim,
ficamos meu primo e eu na sala de jantar, e à nossa frente, uma bandeja que
continha apenas um pedaço de pudim.
Distraído, Luiz Fernando espetou seu garfo no pudim levando-o inteiro
à boca e eu fiquei olhando, hipnotizado. De repente, ele me olhou de boca
aberta e seu senso de boa educação entendeu meu olhar de maneira
totalmente equivocada: ele achou que eu queria o pudim!
— Desculpa, pode pegar o último. Tome! — Ele desviou o garfo para
o meu lado.
— Hã? Não, eu não quero o pudim não — falei, tentando não dar
bandeira.
Ele insistiu.
— Eu nem perguntei se você queria, né. Toma!
Eu não sabia o que havia de errado comigo. Qualquer tentativa de
aproximação se perdia por causa da minha inexperiência e minha falta de
sorte.
— Sério, eu não estava olhando o pudim não.
— É mesmo? O que estava olhando então?
— Hã, nada... — Pensa, Átila, pensa, seu burro! — Err, você está
usando lentes?
— Aham. — Ele arregalou os olhos. — Melhor que óculos, não é?
— É...
Luiz Fernando pegou o pedaço de pudim e comeu em duas grandes
garfadas enquanto eu olhava sem saber o que dizer. Depois ele se levantou e
eu achei que minha oportunidade estava perdida, mas ele me surpreendeu.
— Vem jogar videogame comigo no quarto, Átila. Não tem nada para
fazer mesmo.
— Hein? — Por um segundo eu fiquei boiando. — Sim, claro! — Saí
correndo atrás dele, que já estava no alto da escada. Eu não sabia jogar, iria
perder até ele perder o interesse, mas, com certeza, era a minha melhor
chance naquele dia.
Passo 2
Mantenha uma conversa inteligente.

O que é uma conversa inteligente? Dizem os sabichões que uma boa


conversa é a chave para qualquer conquista. Muito fácil. É só abordar um
assunto legal, de preferência do interesse do crush, dosando bom humor e
ideias sem parecer chato e sem dar bandeira, porque, afinal, o gato não pode
ver logo de cara que você está a fim dele. Mas na prática...
Entramos no quarto de Luiz Fernando. Ele ligou o videogame e a
televisão, tirou a colcha da cama e deitou-se, e me apontou o lado esquerdo
para acompanhá-lo na partida. Eu estava ansioso e sem graça. Eu não sei
vocês, mas quando eu estou ansioso, a primeira coisa que me vem é uma
onda de perturbações gastrointestinais, e foi isso que aconteceu naquele
momento. Algo se mexia dentro da minha barriga e eu comecei a me sentir
mal. Luiz Fernando percebeu.
— Tá tudo bem? — perguntou, já deitado, se ajeitando nas almofadas.
— Aham, mas posso ir ao banheiro primeiro?
— Vai nesse aqui, que é mais perto — ele falou, quando me viu saindo
do quarto.
— Não, tô indo escovar os dentes. — Também ia fazer isso, mas na
verdade, era uma desculpa porque eu estava realmente mal das entranhas e
iria morreeer se Luiz Fernando ouvisse ou sentisse alguma coisa.
Não preciso dizer que acabei demorando mais do que pretendia no
banheiro. Quando me senti melhor, notei que estava suado, então passei
uma água rápida pelo corpo. Antes de voltar ao quarto de Luiz Fernando,
fui ao meu, vesti outra roupa e passei perfume.
Era a primeira vez que me convidavam para entrar naquele quarto.
Não que meu primo fosse ruim ou esnobe, o problema é que ele era nove
anos mais velho do que eu e nunca tínhamos tido muita convivência
mesmo. Eu nem sabia que ele jogava videogame; se soubesse antes, teria
aprendido alguma coisa para não fazer feio. Mas era tarde demais. Quando
entrei no quarto, todo sem jeito, Luiz Fernando me olhou franzindo a testa.
— Escovar os dentes, hein? — Ele riu e colocou um jogo lá, falando
sobre ele e eu tentando entender. — Gosta desse?
— Err... É, sim, pode ser. — Eu não conseguia falar nada direito.
Estava muito travado.
Depois de muita concentração, consegui entender alguma coisa do
jogo, mas Luiz Fernando ganhava fácil. Ganhou uma, duas, três vezes.
— Fraquinho você, hein?
— É, eu não sou bom nisso mesmo. Desculpa.
— Vou te ensinar. — E então ele ficou me dando instruções e eu
levando muito a sério porque não queria que ele se cansasse e desistisse de
jogar. Recomeçamos o jogo e eu até que consegui fazer uns pontinhos, mas
ele ganhava sempre. Uns vinte minutos depois, o celular dele tocou, ele
pegou, olhou a tela, mas não atendeu. Fiquei curioso, mas não falei nada
para não dar uma de enxerido.
O celular tocou de novo e de novo e Luiz Fernando ignorando até que
perdeu a paciência e atendeu.
— Oi — ele disse, sem parar olhar para o jogo. – Sei... estou ocupado
agora... é sim. É, com a minha mãe...
Oi? Com a mãe? Sem conseguir evitar, eu prestava atenção na
conversa. Luiz Fernando continuava jogando concentrado, com a cabeça
inclinada para o lado para o celular não cair. Me olhou estranho quando
notou que eu tinha parado de jogar, disfarcei e voltei a atenção para a tela,
mas meus ouvidos permaneceram atentos.
— Sandra, quem tem que entender é você, eu não posso escolher entre
as duas, sei que minha mãe se mete demais, eu já falei com ela e tudo, mas
não há mais o que fazer.... Se for vir aqui para ficar com a cara feia, é
melhor que não venha.
Luiz Fernando falava de um jeito estranho, tentando manter a calma,
enquanto eu, que não tinha nada a ver com aquilo, ia ficando nervoso.
Então ele ganhou de novo, e sorriu, cobriu o aparelho com a mão para
poder falar comigo.
— Você é péssimo, Átila!
Concordei, humilhado. Ele continuou a conversa, aliás, quem
continuou foi a mulher do outro lado da linha porque ele só respondia com
monossílabos, sem prestar nenhuma atenção, totalmente concentrado no
jogo. Muito tempo depois, ele falou um tchau ríspido, desligou o aparelho e
o atirou para longe, suspirando. Não consegui conter minha curiosidade e
quis puxar assunto.
— Problemas com a namorada? — Pensei que ele fosse se incomodar,
mas não, ele respondeu de boas.
— Imagina! A mesma falação de sempre. De um lado é ela falando
que minha mãe se mete demais e do outro é a dona Helena me enchendo a
paciência. Cara, tem hora que dá vontade de sumir. Só venho aqui para não
parecer um filho ingrato. Eu gostaria que minha mãe tivesse uns quatro
filhos para cuidar, assim ela parava de querer mandar na minha vida.
Ele estava nervoso e descontava no game, jogava com uma
agressividade impressionante.
— Talvez sua mãe esteja certa — falei e me arrependi na mesma hora.
Eu não tinha nada que dar opinião.
— E daí? Acha legal quando sua mãe fica dando palpite nos seus
namoros?
— Minha mãe não dá palpite na minha vida. Só me liga a cada dois ou
três meses e olhe lá. Nem sabe como eu estou.
Luiz Fernando ia falar alguma coisa, mas se calou. Parou o jogo e me
olhou, preocupado. Tocou de leve no meu braço. Meus olhos se encheram
de lágrimas. Eu não gostava de falar sobre aquilo. Como foi que chegamos
naquele assunto?
— Átila, desculpa, tá? Estou nervoso e falando bobagens. E desculpa
aí o meu pai falando mal do tio Antônio também. Nem parece que eles são
irmãos, né?
— É, não parece mesmo. Mas tudo bem, eu não ligo. — Mas eu ligava
sim e muito.
— Isso tudo é tão chato, não é? Vamos deixar isso pra lá. Ainda quer
jogar?
— Claro, assim eu vou aprendendo e um dia vou ganhar.
— Ah, vai, daqui a uns duzentos anos. — Ele riu e voltou a jogar. Não
falamos mais nada.
Depois de um tempo, eu comecei a bocejar. No começo eu conseguia
reprimir, mas daí a pouco não dava mais. Meus olhos começaram a arder,
foram pesando, pesando até que senti o joystick sendo tirado da minha mão.
Eu sabia que devia me levantar e sair dali, mas aquela preguiça que vem
depois do almoço de domingo, seguida daquela conversa que me deixou
abalado e o cansaço daquele jogo enfadonho...
Acordei e estava tudo escuro, as cortinas fechadas, um cobertor
quentinho jogado sobre mim, e tudo desligado. E eu sozinho. Droga, eu
acabei dormindo e Luiz Fernando saiu, me deixando confortável no seu
quarto antigo.
Que idiota eu me senti! Não sabia jogar, não sabia conversar sobre
nada interessante, fiquei nervoso a ponto de ter que ir ao banheiro e ainda
por cima chorei quando ele falou da minha mãe. Eu estava indo de mal a
pior.
Saí daquele quarto depois de arrumar a cama e dobrar o cobertor, fui
para o meu e peguei o celular que eu tinha esquecido no bolso da outra
bermuda. Tomei um susto. Além de já ter passado das dezesseis horas, eu
tinha esquecido completamente de um compromisso com colegas da
faculdade. A gente tinha combinado de fazer um trabalho e eu já estava
atrasado. Tinha treze ligações, além de muitas mensagens. Que raiva!
Peguei minha mochila e saí correndo. Tinha que pegar um ônibus. A
casa estava silenciosa, e quando cheguei perto do portão, Luiz Fernando
estava saindo com o carro dele. Ele abaixou o vidro.
— Por que a pressa, rapaz?
— Eu me esqueci de um trabalho que tinha marcado com o pessoal da
faculdade, acredita? Tô super atrasado. Eles vão me matar!
— Vão nada, entra aí que eu te levo.
Ouvi o barulho das portas destravando e fiquei na dúvida. Às vezes eu
me sentia constrangido por ser aquele parente pobre que se aproveita dos
bens dos parentes ricos.
— Não quero incomodar.
— Anda logo, seu tempo está passando.
— Tá bom, valeu! — Entrei no carro todo desajeitado e ainda bati a
porta com uma força desnecessária. Luiz Fernando riu. Quase voei pela
janela de tanta vergonha.
— Não se estressa, a gente chega logo. Me diz onde é.
— Não tô estressado não.
Dei o endereço. De carro, nem era tão longe. Era perto da faculdade,
no pequeno apartamento do Reginaldo, meu colega de sala.
No caminho, respondi as mensagens e avisei ao povo que já estava
indo.
Luiz Fernando e eu praticamente não conversamos durante o trajeto, só
ouvimos música. Quando paramos em frente ao local, vi que minha amiga
Sara estava me esperando. Fiquei sem saber o que dizer a Luiz Fernando
antes de sair do carro e ele me olhou.
— É aqui mesmo?
— Sim. Nossa, brigadão pela carona, viu? Se eu viesse de ônibus, ia
demorar pra caramba.
— De nada! Vai lá. Até mais.
— Até. — Saí do carro e acenei antes de ele ir embora. Fui até a Sara,
que estava perto do portão do prédio. Nos abraçamos, como sempre
fazíamos.
— Desculpa a demora, Sá, é que acabei dormindo depois do almoço.
Ainda bem que descolei essa carona.
— Relaxa, todo mundo acabou de chegar. Te liguei mais cedo, mas
você não atendeu.
— Estava dormindo.
— Credo, estava morto então! Liguei dez vezes!
Reginaldo, Rodrigo e o Amado já estavam esperando quando Sara e eu
chegamos. Esse era o nosso “grupinho”, numa turma de quase sessenta
alunos.
Desde os primeiros dias, nós cinco fazíamos juntos os trabalhos do
curso. Foi uma afinidade criada, principalmente, pelo fato de não sermos os
mais populares da turma. Bem pelo contrário. Amado era tímido demais, eu
vivia cansado (e éramos os “viadinhos” da turma), Rodrigo era deficiente
visual e precisava de ajuda, Sara era pobre e gordinha, e Reginaldo... Bem,
ele era riquinho, tinha pinta de mauricinho, mas era do interior e tinha um
jeito engraçado de falar. Não sei por que, acabou indo para o nosso
lado. Formávamos um grupo divertido, mas pouco produtivo.
— A gente ficou preocupado e até chamou a polícia, véi. Você não
atendia o caralho do telefone! — disse o Reginaldo.
— Ai, gente, foi mal. Eu peguei no sono depois do almoço.
— Normal, cara, desencana. Todo mundo chegou atrasado — disse
Rodrigo.
Rodrigo era o cérebro do grupo, junto com a Sara. Ele tinha uma
deficiência visual; não era exatamente cego, mas precisava de ajuda para
estudar. Ele trabalhava e tudo, mas os livros e textos que não estavam
adaptados alguém tinha que ler para ele. Quem fazia essa tarefa era o
Amado, um carinha amuado, de poucos amigos. Ele quase não conversava,
só ficava junto com o Rodrigo, mesmo quando sua ajuda não era necessária.
Eles tinham autorização para fazer tudo juntos, até mesmo as provas, e isso
revoltava alguns idiotas da sala. Na opinião deles, o Amado era o
beneficiado pela ajuda ao Rodrigo, cujo nível intelectual era maior que o
dele. Sem contar as piadinhas que começaram a surgir por causa do nome
do menino. Rodrigo e seu “Amado”.
Além de mim e do Amado, outro que sofria com o nome era o
Reginaldo. Mesmo eu, que tinha mais o que fazer, o chamava imitando a
voz da mãe naquele episódio do Picapau.
— Reginaldo, traga o seu brinquedo! — Falei quando a Sara pediu o
notebook.
Reginaldo era ruim na maioria das disciplinas. Secretamente, todo
mundo se perguntava como ele tinha chegado à faculdade, mas a Sara se
encarregava de mantê-lo ativo. Formavam uma dupla funcional, como o
Rodrigo e o Amado. Eu estaria sobrando nesse meio se eles não tivessem se
tornado meus amigos.
O trabalho era de Sociologia e apenas Sara e Rodrigo eram bons
naquilo. Eu trabalhava demais, estava sempre cansado e acabava dormindo
na aula, apesar de o professor ser gente boa e até engraçado. Ele ia à minha
cadeira puxar os meus cabelos quando eu estava dormindo, e ainda falava
“Acorda, menina!” igual a Ana Maria Braga, e todos riam de mim. Eu não
ligava.
Eu estava lendo um livro velho e bocejando até lacrimejar quando o
Reginaldo deu um tapa na minha cabeça.
— Acorda, menina!
— Uh, Reginaldo!
Rimos juntos como duas crianças, mas Rodrigo, nosso amigo mais
sério, mais velho e mais responsável, chamou nossa atenção.
— Vocês vão querer sair daqui depois da meia-noite? Sério, gente,
vocês já terminaram o ensino médio.
Ficamos calados e lemos, digitamos e discutimos até por volta das oito
da noite. Quando terminamos, o Amado foi levar o Rodrigo em casa (de
ônibus) apesar de ele insistir que não precisava, e ficamos eu, Sara e
Reginaldo mais um tempo sentados no chão e conversando. Em certo
momento eu me senti cansado, encostei a cabeça no sofá e fechei os olhos,
mas senti que os dois me observavam. Ouvi a risadinha do Reginaldo.
— Eita, ou tá apaixonado ou tá doente essa menina!
— Menina é a sua periquita. Tem nada pra comer aí não?
— Tem, uai, bora fazer aqui! — Ele se levantou me puxando pelo
braço. — Sara, fica aí que os “zomi” faz a boia.
Ela ficou nos observando do sofá enquanto fazíamos mistos e suco. As
coisas já estavam cortadas e armazenadas na geladeira, por isso, foi fácil e
rápido. Enquanto comíamos sentados no tapete da sala, Reginaldo
comentou:
— Velho, mas “cê” tá tão perdido...
— Tá mesmo, amigo — Sara concordou.
Terminei de tomar o suco, que por sinal estava doce demais, e resolvi
me abrir um pouco. Só um pouco.
— Ai, gente, sabe quando você quer conversar com uma pessoa, quer
impressionar, e só sai bobagens? Tipo, você planeja e planeja o encontro e
quando ele acontece dá tudo errado?
— Meu “fii”, isso é normal demais. Vai na fé, mas faz que nem o
Reginaldo aqui, dá moral só pra quem dá bola pra você.
— Para você deve ser fácil. Mas diminui uns dez centímetros aí, perde
uns vinte quilos, anda de busão morando de favor na casa da tia e me conta
se vai ter tanta opção.
— E quem é o peixão?
— Não é ninguém da faculdade não, é outra pessoa.
— Huum, outra pessoa... — Ele piscou e sorriu.
— Seja apenas você mesmo e tenha paciência, amigo. Uma hora vai
dar certo. — Sara era otimista, mas pouco prática. “Uma hora” era uma
ideia muito vaga. Eu queria pra logo.
Reginaldo quis levar a gente em casa; primeiro eu, e depois a Sara.
Aparentemente, eles estavam começando a se “entender”. Se fosse isso, eu
ia gostar muito. Reginaldo, apesar de ser meio tapado às vezes, era gente
boa, e a Sara merecia alguém legal. Era baixinha, gordinha, de olhos verdes
e cabelos encaracolados, usava óculos e suas roupas não eram exatamente a
última moda. No começo do curso, ela tinha namorado, mas ele a trocou
por outra garota e ela ficou arrasada. Foi com os olhos vermelhos que ela se
aproximou de mim e do Reginaldo, e mais tarde nos juntamos ao Rodrigo e
o Amado.
Quando entrei na casa dos meus tios, apenas tia Helena estava na sala,
falando ao telefone. Subi para o quarto e liguei para o meu pai. Estava com
saudade do meu velho, o meu cantor favorito. Tio Walter podia falar que ele
era preguiçoso, que não sustentava a família, mas eu o amava de qualquer
jeito.
Passo 3
Sorria!

O sorriso. Dizem que um sorriso pode mudar o dia de alguém. Que pode
mudar o mundo à nossa volta. O sorriso perfeito é uma arma poderosa
quando se quer conquistar alguém, mas o que seria um sorriso perfeito?
Passei duas semanas sem ver Luiz Fernando. Ele não estava de muito
chamego com a mãe e acabava não indo à casa dela, sem contar que ele não
gostava das reuniões com figurões políticos que começaram a acontecer ali.
Ele não era fã de política e nem precisava ser íntimo para saber.
Eu estava triste por não poder vê-lo, mas era tanta coisa que eu tinha
para fazer que mal sentia a passagem do tempo. Trabalhos de faculdade,
provas, promoção de maquiagens na farmácia em que eu trabalhava...
Também acompanhei meu pai quando ele foi cantar numa festa de
aniversário. Cantei com ele umas "modas" antigas, e com isso não tive
tempo de pensar no meu projeto para fazer o Luiz Fernando me notar.
Na tarde de sábado, tia Helena me convidou para jantar. Animada, ela
falou que o prefeito, um deputado e não sei mais quem estaria lá. Sabendo
que Luiz Fernando não estaria presente, dei um jeito de agradecer ao
convite e vazar o quanto antes.
Quando cheguei em casa, papai estava afinando o violão, pois iria
cantar numa pizzaria junto com a namorada maluca dele. A casa estava uma
bagunça, mas ele tinha feito pão para mim. Papai sabia fazer pão caseiro
como ninguém. Enquanto eu comia pão quentinho com margarina, ia
arrumando a cozinha. Papai estava ensaiando suas músicas e eu cantando
junto. Quando viu que eu sabia a maioria delas, ele não perdeu tempo.
— Fiu, você podia ir lá comigo na pizzaria, é simplesinha, e só por
duas horas.
— Não vou pagar esse micão não, pai. Vou dormir cedo, isso sim.
— Mas menino, são nem sete da noite, vai dormir como? Você viu que
bom que foi no aniversário de dona Iracema? Ela até mandou uma nota a
mais, disse que era pra você. Olha! — Ele pegou no bolso da camisa uma
nota de cem amassada e me entregou, orgulhoso.
— Ah, pai, precisava não. Fica pro senhor, eu tô trabalhando e me
virando bem.
— Que isso, menino! Dá pra comprar umas duas camisas, e você tá
bem precisando. Só usa aquela preta.
— É o meu uniforme de trabalho, pai, mas me dá essa nota de cem aí.
Tenho planos para ela. E se rolar mais cenzinho hoje, eu canto lá com o
senhor.
— Cinquentinha. Hoje tem a Morena — a tal namorada dele —, e é
mais fraco lá.
— Ah, vai com ela então. Ela nem sabe cantar.
Saí da cozinha e fui para o meu quarto, que já estava meio empoeirado.
Abri a janela, dei uma ajeitada, até que meu pai veio de novo com seu
violão.
— Átila, vão bora lá, depois a gente vê no que dá.
Vendo sua cara de cachorro sem dono, eu não resisti.
— Tá bom, pai, mas eu vou escolher o que eu vou cantar, hein? Só as
que eu sei mesmo. — Acompanhei meu pai naquela vida de bares, festinhas
e praças durante muito tempo e sabia de cor as músicas que ele cantava.
Sabia tocar também, mas nada impressionante.
Ensaiamos algumas músicas mais novas que eu gostava e fomos para a
pizzaria. Era um local bem grande, frequentado por quase todo tipo de
gente, desde jovens que vinham de ônibus a riquinhos que vinham de
caminhonete. Eu, sempre envergonhado, evitava olhar para as pessoas.
Ficava sentado, concentrado no meu violão. Era um negócio descontraído e
eu gostei bastante, mesmo sabendo que ia receber o valor de uma pizza,
mais ou menos, pelo meu "talento".
Já passava das dez da noite e eu estava cansado. Falei com meu pai
que ia embora e saí, deixando o violão lá para que ele levasse depois. Fui ao
balcão comprar uma latinha de refrigerante, abri e comecei a tomar ali
mesmo, e quando ia saindo do estabelecimento, quase enfartei. Luiz
Fernando estava lá!
Contra todas as probabilidades do universo, ele estava lá,
acompanhado de dois caras que eu já tinha visto com ele. Eles estavam
numa mesa comendo pizza, obviamente, conversando e rindo. Quase me
engasguei com o susto que levei, e ele sorriu para mim. Seria melhor ter
fingido que não me conhecia.
Tentei agir naturalmente, sorrindo também, passei por eles e fui em
direção ao ponto de ônibus, que ficava na mesma rua.
Se aquele chão fosse de areia, eu teria enterrado a cabeça como um
avestruz. Não bastassem todos os momentos ridículos que eu já tinha
passado na frente do Luiz Fernando, ele ainda tinha que me ver cantando! E
ele me viu bem pela posição que ocupava na mesa. Deve ter rido muito com
seus amigos. Eu só queria sumir.
Para ajudar, nos sábados à noite, domingos e feriados, os ônibus
demoravam uma eternidade para passar. Fiquei no ponto junto a um carinha
que estava vidrado no celular, e nada do ônibus aparecer. O do sujeitinho
passou e eu fiquei só. Enquanto eu olhava outro ônibus passar, um carro
encostou logo à frente. Não dei atenção, até que notei que era o carro do
meu primo. Sem entender nada, me levantei e me aproximei. O vidro do
carona abaixou e vi que ele não estava sozinho. Tinha um dos amigos dele
lá.
— Vem, Átila! — disse ele. — Eu te levo se você estiver indo na
mamãe.
— Acho que eu vou pra casa hoje, Fernando, mas valeu! Brigadão! —
Já ia voltar a me sentar, mas ele não saiu.
— Vem, eu te levo. Não deve ser tão longe.
Me sentei no banco de trás e Luiz Fernando deu a partida, sempre
conversando com o amigo dele, que se chamava Marciano. Notei que ele
pegou um caminho diferente do que ia para a casa de meu pai e parou em
frente a um prédio onde o cara se despediu e saiu. Foi então que ele olhou
para trás com os olhos arregalados.
— Nossa, Átila, acabei me esquecendo de você! Eu devia ter passado
lá primeiro. Vamos ter que voltar agora. Merda!
Notei que ele suspirou e bateu no volante, irritado. Me senti mal. Ele
estava no maior papo com o Marciano e nem lembrou que tinha me
oferecido carona.
— Não, Fernando, pode me deixar aqui mesmo que eu volto. É meio
perigoso você passar por lá nessas horas. Tinha que entrar lá na...
— Não, não, a gente volta. Ou melhor, por que você não fica na
mamãe? Amanhã você vai para casa. Liga para o seu pai.
— Tá bom... — Fui para o banco da frente bastante chateado. Não era
para a casa da tia Helena que eu queria ir, era para a minha, mas não
adiantava falar nada.
Fiquei olhando pela janela até que senti meu primo olhando para mim.
— Me distraí com a conversa do Márcio. Desculpa mesmo. Acabei te
tirando do caminho.
— Tá tudo bem. Nem precisava de carona. Eu já estava indo para casa.
— Você sempre canta com seu pai?
Luiz Fernando não era acostumado a chamar meu pai de tio, apesar do
parentesco ser real e imutável. O pai dele não se dava bem com o irmão,
aliás, com nenhum dos parentes mais pobres. Apenas tia Helena, com seu
exagerado senso de solidariedade, se esforçava para conviver e ajudar. E eu,
por ser o mais desafortunado da família, era o mais ajudado. Isso, às vezes,
era constrangedor, e até Luiz Fernando acabava entrando na onda da mãe,
como essa coisa que querer me dar caronas. Eu poderia muito bem ter
esperado meu ônibus. Seria demorado, cansativo, perigoso, mas naquela
hora eu já poderia estar em casa. Por causa de sua "bondade", eu teria que
dormir em outro lugar.
— Não — respondi, de mau humor. — Só fui hoje. E na semana
passada também. Eu estava de bobeira.
— Hum, não seria melhor estar estudando e descansando para a
próxima semana?
Suspirei. Eu não conhecia bem o Luiz Fernando, nunca tinha
conversado de verdade com ele e, portanto, não sabia seu ponto de vista
sobre a minha vida. Foi decepcionante. Ele repetia exatamente o que diziam
seus pais, e eu odiava aquilo tudo.
— Quem sabe? Não vou ser médico mesmo. Duas horinhas de música
não fazem mal a ninguém.
— É só um conselho. Você pode mudar a sua história, não precisa
repetir os erros do seu pai.
Hein? Quem ele pensava que era pra falar do meu velho sem nem o
conhecer direito?
— E o seu, que quer ser prefeito?
Foi o que me veio à cabeça. Falei olhando pela janela do carro. Luiz
Fernando suspirou e não disse mais nada. Chegamos na esquina que ia para
a casa dos pais dele e ele parou.
— Tá bom aqui? A rua de casa é contramão.
— Tá sim. Valeu.
Saí do carro. Estava frio lá fora e eu estava sem meu casaco. Tive que
encolher os braços. Antes de dobrar a esquina, vi que o ônibus que ia para o
meu bairro estava quase chegando no ponto, no outro quarteirão. Dei uma
carreira e o motorista me esperou, pois ele me conhecia. Era o último da
noite. Eu teria que ir para o terminal e pegar outro ônibus, mas estava pouco
me importando. Eu só queria ir para casa.
Entrei ofegante no ônibus quase vazio e quando me sentei perto da
janela, vi o carro do meu primo passando. Merda! Ele viu que eu tinha
pegado o ônibus. Para falar a verdade, naquela noite, e apenas naquela
noite, eu não estava me importando. Quando finalmente cheguei em casa,
nem olhei que horas eram. Tomei um banho rápido, me deitei no meu ninho
e dormi.

Acordei tarde no domingo. Quase na hora do almoço. Fui convidado


para um churrasco na casa da vizinha dos fundos, e lá vi que já tinha manga
caindo do pé. Eu simplesmente amo manga, amo de paixão. Chupei
algumas e levei várias numa sacolinha, já que eu tinha que voltar para a
casa de tia Helena naquela tarde.
Quando cheguei lá, cumprimentei minha tia e deixei minhas mangas
na cozinha. Depois fui para o quarto estudar. Estava com preguiça, sem
conseguir me concentrar em nada, então desci, cortei a manga que estava
mais mole e fui para fora, para a área de lazer. O gatinho Galileu estava
deitado numa mesa de ferro tomando seu delicioso banho de gato e mais
alguém, muito gostoso também, estava tomando banho, mas na piscina.
Engraçado que o carro dele não estava ali.
Fiquei perto do Galileu entretido com a minha manga olhando aquele
corpo magro e comprido deslizando na água. Tinha sol ainda, mas já fazia
aquele friozinho do vento da tarde. Vi quando ele saiu da piscina todo
arrepiado... Que delícia a água escorrendo, a sunga azul claro com
estampas, um cordão fininho no pescoço. Meu Deus, eu perdia o rumo
olhando aquilo!
Luiz Fernando entrou na ducha e eu continuei olhando
“discretamente”, ocupado com a minha manga. Na verdade, só restava
mesmo o caroço, que eu mantinha na boca. Vi quando ele pegou a toalha e
veio em minha direção, então rapidamente voltei minha atenção para o gato,
alisando seus pelos macios com a mão desocupada.
Luiz Fernando passou por mim e sorriu de um jeito sacana, me
lançando um olhar curioso. Será que eu dava muita bandeira? Desencanei
do pensamento inoportuno e retribuí o sorriso, acompanhando com olhos
atentos todos os movimentos dele. Parecia um sonho.
Ele se sentou numa cadeira perto de mim e deu um tapa na bunda do
gato. O bichano saiu correndo, tadinho.
— Átila, por que você foi embora ontem depois que já estava aqui?
Lá vinha ele... Como eu não sabia o que dizer e não estava a fim de
falar a verdade, tive que improvisar.
— Ah, bem... é que eu me lembrei de que tinha marcado um
compromisso para hoje, sabe. Tinha que ir.
— Hum. — Ele continuou a me olhar. — Você gosta bastante de
manga, não é? — ele falou olhando para a minha boca. Pirei. Será que
estava dando certo? A voz dele estava diferente, acho que ele tinha bebido.
— É. Gosto muito. Você gosta?
— Um pouco, mas não costumo esfregar na cara assim não.
Ele riu alto e eu me senti horrível. Não acreditei no que estava
acontecendo. Me Levantei e fui ao banheiro da área de serviços. Olhei no
espelho e realmente a pele em volta da minha boca estava toda amarela.
Quantos micos eu ainda ia pagar na frente do cara que eu gostava? Que
saco!
Lavei o rosto e passei o fio dental para retirar os incômodos fiapos que
a manga deixa entre os dentes. Estava emburrado e distraído em frente ao
espelho quando Luiz Fernando entrou com a toalha nos ombros e chegou
atrás de mim.
— Você se zanga à toa. Eu só estava brincando.
— Não fiquei zangado — disse, com o fio dental na boca.
Eu o via através do espelho e o achei com cara de sacana. Virei o rosto
para encará-lo.
— Claro que ficou, bobinho! Você fica chateado à toa, igual ontem.
Foi mal.
— Não fiquei chateado. Já passou. E por que você me chama de
bobinho? Que saco! Eu não sou...
Ele me abraçou pelas costas. Sua pele estava fria.
— Bobinho — ele sussurrou no meu ouvido, rindo.
Me libertei de seus braços e o empurrei, mas ele segurou minhas mãos
em seu peito. Tentei reagir, mas como não era páreo para ele, desisti. Ainda
nervoso, ri. Minhas mãos estavam na barriga dele, e eu não fazia mais força
para tirar. Nem ele.
Olhei aquela barriga magra e lisinha, cheia de pelos claros. Estava
envergonhado, mas aproveitando porque, né, ninguém é de ferro. Olhei nos
olhos dele, a excitação estava crescendo. Era impossível não pensar no que
tinha acontecido anos atrás, naquele mesmo banheiro, e acho que ele estava
pensando a mesma coisa, pela cara que fazia.
— Átila, lembra que a gente já...?
— Esquece! — Me virei de costas, mas ele me abraçou.
— Ih, lembrou! Tô carente, sabia?
— Não.
— Sabe sim, e fica me olhando. Nem disfarça.
— Nada a ver! Vou pro quarto estudar.
— Espera mais um pouco, depois você vai.
Ele tirou a cueca e entrou no box, ligou o chuveiro e começou a passar
sabonete pelo corpo, se exibindo, e eu olhando, paralisado. Ele mantinha
um sorriso de canto de boca, safado. E eu que pensava que ele não era
disso!
— Por que você não vem aqui?
— Hã? — O coração queria sair pela boca.
— Tranca a porta, vai.
A voz dele era quase um sussurro, o que me deixava arrepiado.
Obedeci. Tranquei a porta com cuidado e voltei a ficar paralisado no meio
do banheiro. Ele desligou o chuveiro e começou a se enxugar, me olhando,
sorrindo e completamente excitado.
Como eu não me movia, Luiz Fernando chegou até mim, pegou minha
mão e passou pela própria barriga, que estava fria. Levou-a até seu pau, que
estava duro, rosado, atrevido, apontando para cima. Em tamanho, era
proporcional ao corpo dele, alto e magro.
Como da primeira vez, ele me fez apertar, mover devagar, depois foi
acelerando. Respirava fundo e se inclinava sobre mim.
— Você gosta, não gosta?
— Nunca fiz isso.
— Ah, tá brincando, né?
— Não.
— Por que você não chupa, igual àquela manga? É gostoso.
Ri, nervoso. Umedeci os lábios, meu coração estava na garganta. Ele
passou um braço pelo meu pescoço, pegou o meu queixo e me deu um beijo
de lábios.
— Tudo bem?
— Sim. — Eu queria pensar em alguma coisa, se era legal ou não fazer
aquilo, mas a cabeça estava vazia, a ansiedade era grande e Luiz Fernando
pedindo, com a voz manhosa, a boca vermelha, me pressionando contra a
parede... enfim, ele não estava ajudando.
Ele foi me abaixando pelos ombros, sem fazer esforço até que o
membro quente e rosado tocou meu rosto. Fechei os olhos e ele foi
segurando, passando pelos meus lábios, deixei-o colocar e tirar da minha
boca, num ritmo lento. Ele segurava meu rosto de forma carinhosa e
sussurrava umas coisas bem nada a ver. Em certo momento ele parou, me
fez levantar, e me deu outro beijo na boca, mas dessa vez foi forte, de
língua. Me prendeu na parede e me beijou pra valer. A-do-rei!
O beijo me fez perder o medo e a vergonha. Com a ajuda de Luiz
Fernando, desci até que seu pau entrou na minha boca. Suguei com mais
vontade, e ele gostou muito. Começou a gemer.
Alisando as minhas costas e os meus cabelos, ele me pediu para fazê-
lo gozar. Acelerou os movimentos, como se estivesse metendo na minha
boca, só parando quando eu me sentia enjoado. Às vezes ele enfiava o dedo
junto. Isso durou poucos minutos. Logo Luiz Fernando deu um passo para
trás, tirando o pênis da minha boca, e se masturbou até que seu gozo caiu no
chão do banheiro.
No fim, estava ofegante, inclinado para a frente como se estivesse
sentindo dor, mas com um sorriso nos lábios. Fiquei encostado na parede de
azulejos, olhando aquele homem grande completamente nu, sem vergonha
nenhuma, logo ele que era tão tímido. Já eu estava envergonhado, apesar de
excitado.
Luiz Fernando ligou o chuveiro e se lavou, lavou o chão, me puxou
pelos ombros e me beijou na boca, rápido e molhado. Depois colou o
ouvido na porta, abriu e me mandou sair, sem me olhar. O “clima” tinha
acabado. Saí dali sentindo um misto de sensações boas e ruins.
Subi a escada correndo, entrei no quarto e me joguei na cama. Fiquei
olhando o teto, rindo e querendo chorar ao mesmo tempo, sem entender o
que tinha sido aquilo lá com o Luiz Fernando. Quando desci para jantar, ele
não estava mais lá, apenas seus pais com suas conversas sobre coligações
partidárias. Não consegui comer direito.
Passo 4
Não se entregue de primeira

S empre deixe um gostinho de quero mais, é o que dizem os entendidos na


arte da conquista. Mas sem ser difícil a ponto de o gato desistir. Na prática a
coisa foi assim:
Acordei na segunda-feira com uma baita dor de cabeça, culpa da noite
mal dormida em que fiquei pensando no Luiz Fernando. Precisei tomar
remédio logo pela manhã. No trabalho, o dia passou normal, e na faculdade
à noite, também. A não ser na última aula. O Amado tinha faltado, e Sara
ficou ao lado do Rodrigo lendo para ele. Como a mãe dela estava passando
mal, ela foi embora mais cedo, me deixando encarregado de ajudar o nosso
amigo.
Era a aula de Sociologia, aquela em que eu era acostumado a dormir.
Mas missão dada é missão cumprida, então fui para o lado do Rodrigo
disposto a prestar o melhor serviço de leitura possível. Porém, o professor
falou por quase toda a aula, não tendo, portanto, muito onde eu pudesse ser
útil. Encostei o queixo no peito e cochilei até que o Rodrigo, notando que
eu estava dormindo, pegou na minha coxa e apertou. Doeu e eu falei um
"ai" bem alto, e quem estava por perto riu, chamando a atenção do
professor.
— Dormindo de novo, Átila? — disse ele, sem nenhuma bronca. Ele já
conhecia meus hábitos.
— Desculpa, prô. Foi mal.
— O Átila é o novo amado do Rodrigo — disse algum idiota, logo
atrás de mim.
— Desculpa, Átila — Rodrigo cochichou.
— Você apertou demais! Mas tudo bem. Acho que eu não tô ajudando
muito, né.
— Está sim, relaxa!
Quando terminou a aula, Rodrigo e eu saímos juntos, e eu fiquei por
perto até a chegada de uma amiga dele, que o guiava no ônibus.
Despedimo-nos com um abraço. Por causa da minha pouca altura, meu
nariz encostou no pescoço dele, e ele apertou o abraço. Gostei do cheiro e
do abraço carinhoso, mas me apressei em não demonstrar. Rodrigo era
sério, mais velho do que eu uns quatro anos, e eu não sabia se ele era hétero
ou não, apesar de sua proximidade com o Amado.
Ele tinha pele clara, cabelos e olhos escuros, alto, magro, mas não
muito, e bonito. Eu não o reparava muito por causa de seu jeito reservado,
mas esses detalhes não me passavam despercebidos, afinal, quem tinha
problemas de visão era ele e não eu.
No dia seguinte, o Amado não apareceu, e o Rodrigo disse que ele
tinha ido resolver alguns problemas e talvez tivesse até que se mudar para
outro estado. Quando entrei na sala, atrasado, como sempre, Sara estava lá
com o Rodrigo, mas logo ela me chamou.
— Átila, o que você acha de estudar com o Rodrigo?
Sorri para ela imaginando o motivo do convite.
— Quer ficar perto do Naldo, né? Pode ir, amiga. Eu vou lá com o
Rodrigo.
— Não seja bobo, Átila. — Ela revirou os olhos. — Não é isso! Você e
Reginaldo juntos ia ser um desastre, então fique lá com o Rodrigo até o
Amado voltar. Vai ser bom para você. Ele pode fazer a façanha de te manter
acordado.
Nesse momento o Reginaldo me deu um tapa na cabeça.
— Acorda, Zé! Você foi eleito o novo amado do Rodrigo!
Eu ia falar alguma coisa, mas desisti. Tinha muita gente nos ouvindo,
alguns estavam incomodados com a conversa durante a aula. Me sentei ao
lado do Rodrigo e li para ele. Achei o maior mico do mundo ler em voz alta
para alguém, minha voz saía muito esquisita, e eu tentava fazê-la parecer
melhor. Logo após o intervalo, Rodrigo tocou meu braço com um dedo para
me chamar a atenção.
— Átila, não precisa fazer isso, se não quiser. Deixa que eu me viro.
Você parece cansado.
— Não, amigo, eu tô bem. Só estou um pouco avoado, sabe? Pensando
numas coisas. Minha cabeça está em outro lugar.
— Tá apaixonado? — ele perguntou sorrindo.
— Deve ser. Desculpa. Me diz o que eu faço para te ajudar, além de
ler. Pode pedir se precisar de algo.
— É só ler mesmo, quando for necessário. Eu só vejo a claridade ou
coisas grandes e bem nítidas.
— O que aconteceu para você ficar assim?
— Meningite, quando eu era moleque. Quase morri.
— Poxa, que tragédia!
— Eu não ter morrido? — ele riu. Às vezes ele era brincalhão. Só as
vezes.
— Não! Digo, você ter perdido a visão. Deve ser difícil.
— A gente se acostuma. Em casa eu não preciso de ajuda para quase
nada. Eu trabalho, saio na rua, vou aos mercados. Só não consigo ler.
Conversamos mais um pouco até que começou a aula.

Rodrigo não se distraía nas aulas, ao contrário de mim, e quando eu


estava com sono, lá pela última, ele tocava a minha perna para me alertar.
Ficamos mais amigos. Passei a gostar de ler para ele e até estava
aprendendo melhor. Ele era inteligente, atencioso e passamos a semana toda
estudando juntos. Até que o Amado voltou. Apesar de o cumprimentar e
sorrir para ele, eu estava secretamente triste com o seu retorno. Sem contar
as piadinhas inconvenientes dos colegas de aula, que diziam que o Rodrigo
tinha me dispensado pra voltar pro seu verdadeiro amado, o que não dormia
na aula. Voltei para o meu canto solitário, e as aulas voltaram a ser chatas
para mim.
No sábado, após sair do serviço, passei na casa dos meus tios para
pegar umas coisas, sem nenhuma esperança de encontrar meu primo
favorito, mas tive uma surpresa. Quando passei pelo corredor em frente ao
quarto dele, vi que tinha alguém lá. Sem conseguir conter minha ansiedade,
empurrei a porta e vi Luiz Fernando na cama, apenas de short e óculos, com
o celular na mão. Ele estava claramente excitado, o short fino não escondia
o volume duro e comprido entre suas pernas.
Ele tomou um susto e ficou vermelho, mas quando me reconheceu, se
levantou e veio em minha direção. Fez questão de me mostrar a excitação.
— Sabia que eu estava aqui, hein?
— É que eu vi que tinha alguém e imaginei que fosse você. Desculpe
entrar sem bater. Você está ocupado, né. — Apontei o short dele esticado.
— Não. O que você está fazendo? Vem aqui para a gente conversar.
— Vou tomar banho agora.
— Hum. Então vem depois.
Ele disse isso numa voz safada e piscou, pelo menos eu achei que
tivesse piscado, pois ele estava de óculos e eu podia estar confundindo.
Mas, confundindo ou não, o fato é que eu estava nas nuvens. Eu
realmente achava que depois daquele dia no banheiro ele não ia mais me
olhar na cara, mas eu estava enganado. Ele estava falando comigo, me
convidando para “conversar”.
— Você vem, não vem? — Luiz Fernando me despertou dos
devaneios.
— Claro!
Nando riu. Voltou para a cama, ligou a TV e o videogame.
— Eu já estava te esperando.
Quê? Como assim já estava me esperando? Saí do quarto dele pisando
nas nuvens. Ele tinha ido me ver! Dentro de mim eu sentia foguetes e
rojões, luzes e confetes. Meu coração vinha na garganta e meu corpo todo
tremia. Ele tinha vindo me ver!
Enquanto eu tomava um banho caprichado, tentando não demorar, eu
pensava em mil e uma loucuras. O que a gente ia fazer dessa vez? Me vesti
e fui lá, tentando ser mais confiante e pagar menos micos que das outras
vezes.
Antes de chegar ao quarto de Luiz Fernando, conferi se tia Helena ou
tio Walter não estava no andar de cima. Eu tinha visto apenas a empregada
quando entrei na casa. Entrei no quarto devagarinho e tranquei a porta com
a chave. Luiz Fernando estava jogando e sorriu quando ouviu o barulho da
fechadura.
— Ganhe de mim hoje — disse ele sem me olhar.
— Vou tentar.
— Treinou?
— Não. Não tenho tempo.
Me sentei na cama, não muito perto dele, e o esperei terminar a
partida. Então ele me deu um controle e seus dedos quentes tocaram minha
mão. Eu estava tenso e com expectativas.
Começamos a jogar. Pra variar, eu errava sempre, Luiz Fernando ria e
me dizia o que fazer, até que, depois de ganhar três vezes sem dificuldades,
ele largou o jogo e se esticou na cama, distendendo os músculos e se
exibindo. Bocejou.
— Você é fraco demais, nem dá graça jogar contigo.
— Desculpa aê.
Me deitei ao lado dele com o intuito de descansar, mas ele entendeu
errado. Passou um braço pelo meu pescoço puxando minha cabeça para o
peito dele. Só consegui gemer com a boca colada em sua pele.
— Por que você está triste, neném?
— Não estou triste.
— Mas parece. Hein, sério mesmo que você já tem dezenove anos?
Parece um pivete!
— Mentira! — Fiz bico, mas fui sufocado pelo peito de Luiz
Fernando. Ele se virou sobre mim apoiando-se nos braços e eu senti seu pau
quase duro na minha coxa. O short que ele usava era fino e não tinha mais
nada por baixo.
— Você é virgem?
— Oi? — Me surpreendi com a pergunta.
— Já transou com alguém?
— É... é... Já.
— Já? Quem foi o cara?
— Não foi um cara, foi uma amiga.
— Amiga, é? — Luiz Fernando riu alto.
— Cara, e se sua mãe ouve?
— Ela saiu, relaxa! E então? Foi bom?
— O que?
— Ora, o que? O lance com a amiga.
— Vamos deixar isso para lá, Nando.
— Tá bom. Vamos fazer coisa melhor. — Ele pegou na parte de trás de
uma das minhas coxas e se encaixou entre minhas pernas. Movimentou-se
como se estivesse me penetrando. Beijou meu pescoço, mas eu segurei seu
rosto.
— Não sabia que você era safado assim, Nando.
— Eu? Sou nada. A gente só está brincando, primo favorito.
— Ah, cala a boca!
— Vem calar!
Ele me beijou com força, me impedindo de corresponder, depois deu
dois selinhos. Ficou de joelhos entre minhas pernas e tentou puxar meu
short.
— Tira essa roupa.
— Não sei, Nando.
— Por que não sabe? É gostoso, eu quero, você quer... por que não?
— E se a sua mãe voltar?
— Ela está ocupada. Vamos, priminho! Vai ser gostoso. Olha só! —
Ele passou a mão sobre meu short e me flagrou excitado. — Olha quem tá
com vontade e tá fazendo cú doce.
Claro que eu estava excitado. O Nando era gato, estava cheiroso, e eu
gostava dele. A voz dele estava rouca de tesão, e aquela cara de safado...
— Tá...
Luiz Fernando me beijou de forma bruta deixando meu rosto molhado,
depois foi suavizando, e eu fui me entregando completamente. Passei as
mãos pelo corpo dele, longo e estreito, e ainda estava indeciso quando ele
me arrancou a roupa. Ficar nu na frente do meu primo era esquisito e eu
comecei a perder o tesão. Ele também ficou tímido, mas manteve o sorriso.
— Relaxa! Já, já a vergonha passa.
Ele pegou minha mão e passou em seu peito, barriga e coxas, e eu
gostei. Me sentei e comecei a beijar sua barriga. Quando cheguei perto de
seu short, ele puxou para baixo, e seu pau quente bateu na minha bochecha.
Olhei para ele, que estava de lábios entreabertos e suspirando.
— De novo?
— Se não quiser fazer, tudo bem. Mas eu gosto dessa sua boquinha,
sabia? Adorei aquele dia. Pensei nisso a semana toda.
Ri. Sei que os caras fazem até juras de amor eterno pra ganhar um
boquete, mas na voz do meu primo aquilo era surreal.
— Que mentira, safado!
Ele passou os dedos entre os meus cabelos enquanto alisava as minhas
costas nuas.
— Que que tem? Não gosta de safadeza?
Ele pegou o pau e colocou na minha boca antes que eu respondesse.
Quente e cheiroso, bem cuidado. Tentei fazer um pouco melhor do que da
outra vez e ouvi-o gemendo gostoso. Aquilo me dava mais vontade e mais
coragem para continuar. Luiz Fernando suspirava e sussurrava palavras
safadas. Parecia estar gostando. Até que ele pegou meu rosto com força e
me beijou novamente. Aliás, se tinha algo que eu não estava curtindo ali era
os beijos do Luiz Fernando.
— Ai, você beija muito forte! — Passei a mão pelo rosto.
— Desculpa! — Ele me deu um selinho. — Assim está bom? Agora,
vem cá.
Ele praticamente me jogou de costas na cama e se atirou sobre mim,
chupando meu pescoço, enquanto eu me agarrava nele, deixando que me
conduzisse como quisesse.
Fácil demais? De vez em quando essa ideia me vinha à cabeça. Não
era bem aquilo que eu tinha em mente quando tinha entrado no quarto dele.
Não daquela forma. Como ia ser depois que Luiz Fernando me comesse?
Porque era exatamente isso o que ele estava prestes a fazer. Mas, se eu
pretendia parar por conta própria, a estratégia não estava funcionando. Eu
não tinha nenhum controle, nem dos meus movimentos, nem dos meus
pensamentos, só conseguia querer e querer ainda mais aquele homem que
eu desejei por tanto tempo.
Luiz Fernando se encaixou entre as minhas pernas sem que eu me
desse conta e seu short desceu também sem que eu soubesse como.
Completamente nus, nossos corpos se roçavam, ele segurava meu rosto com
as duas mãos, me beijando daquele jeito bruto. Com os joelhos, ele foi
afastando minhas pernas, e enfiou uma mão debaixo do travesseiro de onde
tirou uma camisinha. Abriu a embalagem com a boca, enfiou um dedo nela
e com a outra mão começou a alisar a minha bunda.
Achei que aquilo estava indo rápido demais, sem me dar tempo de
pensar se eu realmente queria, mas antes que eu pudesse falar qualquer
coisa, uma batida na porta fez com que Luiz Fernando parasse com aquela
loucura gostosa. Ele respirou fundo e ficou parado na mesma posição,
olhando a maçaneta. Pouco depois a batida se repetiu. Senti raiva e alívio ao
mesmo tempo, mas fiquei com medo de ser descoberto. Meu coração gelou
no peito e minha respiração quase parou.
— O que é? — Luiz Fernando saiu de cima de mim e foi pelado e de
pau duro até à porta. Sua voz demonstrava irritação.
— Filho, desce e vem conhecer as filhas do (deputado fulano de tal).
— Depois eu vou, mãe. Que droga, eu estava dormindo!
— Desculpe. O Átila está aí?
— Sim. Ele acabou dormindo.
— Deixa ele aí e vem, filho. Tem gente te esperando na sala. E anda
logo!
— Me dá um tempo, mãe! Depois eu vou.
Bastante contrariado, Luiz Fernando voltou para perto da cama,
suspirou e me olhou. Eu já tinha começado a me vestir. Como mágica, a
safadeza dele estava voltando com tudo.
— Ué, desistiu? Ainda dá tempo pra gente...
— Melhor não, Nando. A gente estava indo rápido demais. Foi bom
sua mãe ter chegado.
— Rápido? — Ele me fez sentar na cama e tirou o short da minha
mão.
— É, demais.
Me levantei e fui me vestir longe dele, que se deitou na cama e ficou
olhando para cima. Depois ele abriu o guarda-roupa com força
desnecessária e começou a pegar algumas peças.
— Tudo bem, desculpe pela rapidez. — Então ele se virou para mim;
dessa vez, sério. — Átila, essa nossa brincadeira tem que ficar só entre a
gente, tá?
— Sei disso — respondi de mau-humor e saí do quarto sem olhar para
ele.
Entrei no meu quarto com o coração na boca e me joguei na cama. Eu
estava ainda mais apaixonado e suspirando de felicidade por ter ficado com
Luiz Fernando, mas algo mais realista em mim tentava, quase em vão, me
lembrar que ele tinha dito "brincadeira".
Passo 5
Um pouco de ciúmes não faz mal a ninguém.

Q uando desci, Luiz Fernando estava na sala e ao lado dele, duas moças
louras bem vestidas e falantes. Ele estava vermelho, visivelmente
envergonhado; as meninas, ao contrário, pareciam bem à vontade.
Me perguntei para onde ia a timidez de Luiz Fernando quando ele
estava comigo. Minutos antes ele estava nu, safado e desinibido, e agora ali,
corado, movendo as mãos desajeitado.
Senti certa frustração pela interrupção do nosso encontro, mas ao
mesmo tempo, senti alívio. Se tia Helena não tivesse batido na porta, nesse
momento Luiz Fernando já teria saído de cima de mim e as coisas não
seriam mais as mesmas. Talvez ele não falasse mais comigo, talvez passasse
a me ignorar.
Eu não deveria me entregar tão fácil, senão ele nunca me levaria a
sério. O fato é que eu não conseguia pensar racionalmente quando ele me
falava daquele jeito manhoso. Merda! Eu tinha que organizar minhas ideias.
Não queria que Luiz Fernando perdesse o interesse, caso o tivesse.
Na viagem de ônibus até a casa do meu pai, eu pensava numa forma de
saber até onde ia o interesse de Luiz Fernando por mim. Li em algum lugar
que paquerar outra pessoa, apenas sutilmente, era eficaz para pegar o gato
no flagra caso ele estivesse na vibe. Pena que isso era inviável para mim.
Eu não conhecia ninguém apto a me quebrar esse galho, ou seja, ninguém
estava a fim de me paquerar. A realidade era simplesmente cruel.
Quando cheguei ao meu lar, estava cansado e triste. Meu pai não
estava, então fiquei no sofá assistindo um daqueles programas de culinária e
acabei cochilando. Papai chegou tarde e me mandou para a cama.
No domingo, meus colegas de faculdade me intimaram a fazer trabalho
de novo, dessa vez de contabilidade. Nessa matéria eu apanhava bonito. Por
sorte, o Rodrigo era bom, e eu poderia estudar com ele, caso ele quisesse e
pudesse.
Fomos novamente ao “cafofo” do Reginaldo, e eu cheguei por último,
pra variar. Sara já estava impaciente. Apesar de ser minha amiga, ela nunca
deixava de me pegar no pé.
— Átila, cadê aquele carrão que te trouxe outro dia? Tinha carona hoje
não?
— Tinha não. Aquele era o meu primo. É que aquele dia eu estava na
casa da mãe dele e dei sorte, hoje eu estava na casa de meu pai. Desculpa aê
se eu moro no morro.
— Sai mais cedo, mané! — disse Reginaldo.
— Até tu, Brutus?
Depois de algumas risadas, começamos os trabalhos. Reginaldo,
sempre brincalhão, atrapalhava a concentração dos outros, inclusive a
minha, e depois de algumas interrupções, Sara ameaçou dar uns tapas nele.
— Regi, o que é isso, velho? Se concentra!
— Reginaldo, traga seu brinquedo!
— Cala a boca, atrasado!
— Nossa, que maduros! Sério, galera, vocês estão parecendo crianças.
— Rodrigo, falando pausadamente para atrair toda a atenção para si,
estragou a nossa brincadeira. — Eu vou embora.
Aliás, nesse dia Rodrigo estava chato, ríspido. Notei assim que
cheguei. O Amado estava lá, mais quieto do que o normal, quase servindo
de decoração para o ambiente. Não abriu a boca em momento algum.
— O que houve com ele? — Apontei discretamente o Amado quando
estávamos na varanda descansando.
— Não sei, acho que ele e Rodrigo não estão de bons amores. Tenho a
impressão de que brigaram e estão tentando manter as aparências.
— Como alguém quieto como o Amado consegue se desentender com
alguém certinho como o Rodrigo?
— Não sei, mas fica esperto. A coisa começou depois da sua estadia
com o Rodrigo. Se ele ficar sem ajudante, você assume.
— Ué? Por quê?
— Porque ele é inteligente, pode te salvar nas matérias, seu bobo.
Além disso, ele é gatinho, simpático, tudo de bom. Vai te fazer bem.
— Nada a ver. Quem disse que essas coisas me fazem bem? — Revirei
os olhos, fiz cara de “aff”, mas ri no meio da encenação. Eu não enganava
ninguém.
Sara me deu o famoso tapa na cabeça e voltou para a sala. Pouco
tempo depois, o Amado se despediu e foi embora. Sara estava no maior
papo com o Reginaldo na cozinha, estavam fazendo suco e não me
chamaram para ajudar. Me sentei no chão, encostado no sofá, ao lado do
Rodrigo. Ele se inclinou para diminuir a distância entre nós e falou num
tom de conspiração.
— O que acha de a gente vazar?
— Mas e o lanche? Tô com fome.
— A gente come alguma coisa na rua. Vamos deixar esses dois
sozinhos para ver se saem da friendzone.
— Acha que eles não se pegaram ainda?
— Eles estão na maior enrolação, nessa de amiguinhos. Vamos deixar
os dois a sós. Se nem assim der certo, não podem nos culpar. Bora!
— Eles vão perceber que fizemos de propósito.
— A intenção é essa, seu... lerdo!
— Lerdo?
— Burro. Anda logo! — Ele se levantou tateando a mesa para pegar os
objetos pessoais. Falou alto para ser ouvido da cozinha: — Pessoas, Átila e
eu já estamos indo. Vamos ver umas paradas aí na rua, não é, Átila?
— Hein? — Não entendi direito, mas ouvi o Rodrigo suspirar, então a
ficha caiu. — Ah, sim. E tem que ser agora, não é, Rô? Tchau!
Reginaldo foi até onde estávamos.
— Peraí, eu levo os senhores em casa.
— Não, valeu! Rodrigo e eu vamos ver uns esquemas.
— Hum, tô ligado... — Regi me olhou diferente. Acho que ele
entendeu errado a nossa intenção, tapado como era. — Tá bom então, uai!
Desci as escadas acompanhando o Rodrigo, pronto para protegê-lo
contra uma eventual queda, e ele reparou.
— Não se preocupe, Átila, não vou cair não. Eu me viro bem aqui.
— Eu não estava preocupado — falei, mas não o convenci.
Já na rua, eu olhei desanimado para o ponto de ônibus. Não sabia se ia
para a casa de tia Helena, se ia para a casa de meu pai. Rodrigo me fez
acordar para a vida quando tocou a minha mão, me usando como guia.
Começava a escurecer; as primeiras luzes dos postes se iluminavam.
— Bora numa lanchonete, Átila. Está vendo alguma?
— Cara, o problema é que tenho pouca grana. Melhor eu vazar pra
casa enquanto é cedo.
— Não, você está com fome, então vamos fazer um lanche. Eu estou te
convidando. Está vendo algum lugar legal?
— Vem comigo. Ali na frente tem uma padaria e lanchonete.
Caminhamos lado a lado. Eu me preocupava em ficar bem perto de
forma que Rodrigo pudesse tocar minha mão e seguir o caminho sem
obstáculos. Me sentia até orgulhoso por atravessar a rua com ele.
Entramos no estabelecimento e minha barriga roncou ao ver o monte
de delícias que tinha lá. Salivei, mas olhei os preços na tabela da parede,
pois estava com pouco dinheiro e não deixaria o Rodrigo comprar nada caro
para mim. Ele se virou bem conversando com uma atendente simpática,
comprou um montão de coisas. Eu comprei só um pedaço de um bolo-
pudim, como estava escrito no recipiente. Era um pedaço grande e estava
com uma cara ótima. Comemos ali mesmo, mas Rodrigo mandou
embrulhar doces para levar embora.
Enquanto comíamos, conversamos normalidades, coisas sobre a
faculdade, falamos sobre Sara e Reginaldo, até que eu criei coragem e
perguntei o que havia de errado com o Amado. Rodrigo suspirou e ficou
mexendo os dedos.
— Vocês brigaram? — insisti.
— Não exatamente, só descobrimos pontos de vistas diferentes sobre
algumas coisas. Mas ainda somos amigos, não se preocupe.
— Hum, ele não parecia legal hoje.
— É o jeito dele. Talvez ele se afaste de mim agora. É pena — disse
Rodrigo, de forma pensativa.
— O que houve?
— Bobagens, deixa pra lá. E você? Está pensativo também, distante.
Sei que há algo errado contigo. Me diz o que é...
— É o amor — ri. O fato de ele não poder me ver me dava um certo
conforto. Eu podia corar à vontade.
— Notei, mas qual é o problema? Amor é uma coisa boa, pelo menos,
deveria ser.
— É que a pessoa que eu gosto parece que me quer, mas do jeito dela,
entende?
— Do jeito dele, você quer dizer.
— Ah, é isso mesmo. É um primo meu — admiti. Era a primeira vez
que falava daquilo com alguém.
— Eita, casos de família! Mas como assim do jeito dele?
— Ah, cara, ele quer ficar comigo, mas escondido, na hora e no jeito
dele, sem nenhum compromisso. É como se a minha vontade não existisse.
E ele é todo assanhado comigo, mas com o resto do mundo é tímido,
certinho.
Rodrigo pensou um pouco enquanto tomava refrigerante.
— Normal. Ele prefere aparecer em público com mulheres bonitas e de
boa família, estou certo?
— Sim, muito certo. Precisava ver as filhas de um deputado que
estavam na casa dele. É o tipo que alguém como ele namora. Isso me
desanima, sabe...
— Ei, não fica triste! Pensa direitinho se vale a pena tudo o que você
está perdendo por ele. Se vir que te faz mal e não tem futuro, deixa pra lá. A
vida continua.
— Mas eu gosto dele! Eu só penso nele, eu... — Senti lágrimas
teimosas escorrendo e suspirei. Tentei limpar antes que alguém notasse, mas
Rodrigo passou a mão no meu rosto. Como ele sabia que eu estava
chorando, eu não sei. Às vezes eu olhava nos olhos dele para entender. Ele
parecia me ver, mesmo que os olhos estivessem perdidos, desfocados. —
Desculpa por isso, eu sou tão bobo.
— Você não é bobo, só é sensível. Isso é tão bonitinho! É o seu
primeiro amor, não é?
— Tá tão na cara assim, é? — Ri e ele também.
— Tá sim, evidente. Deixa esse seu primo saber que você gosta dele,
mas que não está disposto a se humilhar, entendeu? Não faça tudo o que ele
quer só porque ele pediu. E não sofra assim, não vale a pena. — Ele
procurou a minha mão e fez um carinho fofo.
Como já tínhamos acertado no caixa, saímos da padaria e fomos ao
ponto de ônibus. O ônibus do Rodrigo já vinha, fiz o sinal e o abracei
enquanto o ônibus parava. Foi um abraço bem demorado.
— Obrigado, amigo. Você me faz muito bem, muito bem mesmo —
falei com o rosto no pescoço dele, quase chorando. Ele me beijou no rosto.
— Eu sei e vou te cobrar por isso, tá? — Ele riu. — Estude comigo a
partir de amanhã. O Amado vai faltar mais uns dias.
— Tá bom, então. Valeu!
E ele foi embora. Quando o ônibus saiu, me sentei no banco vazio.
Olhei as horas no celular e vi que ainda faltavam alguns minutos para o
meu ônibus chegar. Ouvi uma buzina, elevei a vista e vi uma caminhonete
branca com o vidro do motorista aberto do outro lado da avenida.
Reconheci logo quem estava ali: era o Beto, um vizinho e amigo do Luiz
Fernando. Eu já o tinha visto na casa de tia Helena e ele também
estava presente naquele dia na pizzaria, juntamente com o Marciano e meu
primo.
Beto acenou para mim e saiu com o carro, mas menos de um minuto
depois ele voltou e parou na minha frente. Só tinha ido fazer o retorno.
— Olá, primo do Luiz Fernando! Tudo bem? — ele falou com uma
simpatia exagerada ao descer o vidro do carona.
— Oi, Beto! Sim, tudo. E você?
— Estou indo para casa agora, que fica perto da sua tia. Quer uma
carona?
— Olha, se não for incomodar, eu aceito sim.
— Incomoda nada, entra aí.
Entrei no carro dele porque sabia que ele morava perto de tia Helena,
num daqueles casarões do bairro. Sabia que ele chegou a cursar medicina
por um tempo, junto com Luiz Fernando inclusive, mas que tinha
abandonado o curso e se dedicava às fazendas do pai. Eu ouvia falar dele,
mas raramente o via, e nunca tínhamos trocado qualquer palavra a sós. No
caminho ele ficava puxando assunto.
— E aí? Fazendo o que de bom hoje?
— Nada, só fazendo uns trabalhos de faculdade.
— Hum, e aquele seu namorado tem problema de visão, né?
Do que ele estava falando?
— Não é namorado, é um amigo. Ele enxerga pouco, mas se vira bem.
Beto riu e me deu um tapa na perna.
— Não precisa ficar com vergonha. Eu me lembro de você.
Beto continuou rindo e puxando assunto, era simpático e tudo, mas me
deixava sem graça ao falar de meus possíveis namorados. Ele me deixou em
frente ao portão da casa de meus tios, e quando eu ia sair do carro, pôs a
mão na minha coxa.
— Calma aí! Cadê meu abraço? Somos amigos também, não somos?
— Acanhado, eu o abracei de longe. — E seu número também, pode ser?
— Ele piscou.
Que atrevido! Mas gostei até. Era raro alguém pedir meu telefone para
outra coisa além de trabalho e faculdade.
— Tá bom, já que insiste...
Essa despedida demorou uns dois minutos e eu saí do carro distraído e
sorridente. Como vi que o Beto não saiu da rua, olhei mais à frente e vi.
Luiz Fernando estava ao lado de carro dele, já de saída. Não parecia muito
feliz.
Passo 6
Dê um tempo!

À s vezes é preciso dar um tempo na empreitada, não se expor demais,


nem perseguir demais, deixar espaço para a saudade. Duas semanas, mais
ou menos, são suficientes, o tempo de o gato poder "respirar" sem correr o
risco de te esquecer. Eu queria ver Luiz Fernando com mais frequência, mas
depois do que tinha (quase) acontecido, concordei que era melhor dar um
tempo mesmo.
Entrei sorrateiro na casa de tia Helena. Não queria conversar sobre
política e esse era o assunto que estava rolando por aqueles dias. Me deitei e
dormi logo, e só me levantei na hora de jantar.
Eu estava na mesa conversando com meus tios quando senti meu
celular vibrar no bolso da bermuda. Era um aviso de mensagem. Depois que
terminei de comer, olhei-a. Era de um número desconhecido, mas pela foto,
vi que era o Beto.
Beto era um homem grande, tinha o rosto vermelho e estava sempre
bem-humorado. Seu pai já tinha sido prefeito da cidade havia alguns anos, e
eles eram de uma família rica e famosa. Aliás, naquela rua só tinha gente do
tipo.
"Dormindo já?" — dizia a mensagem.
Olhei e fiquei pensando no que aquele sujeito poderia estar querendo
comigo. Por que ele tinha se interessado pela minha humilde pessoa assim,
de repente? Saí de perto dos meus tios e respondi:
"Ainda não. Estava jantando com meus tios".
"Vem aqui fora. Eu não tô fazendo nada, e você também...”
Uau, que novidade! O que me esperava lá fora? Prestes a ser vencido
pela curiosidade, pensei melhor e resolvi não ir. A gente não era amigo nem
nada, já estava tarde, eu não era rico, apesar de alguns vizinhos pensarem
assim. O dia seguinte era de trabalho duro e de faculdade para mim.
"Vai dar não, Beto, tô cansado, mas valeu pelo convite : )"
Ele mandou uma carinha triste, mas não insistiu.
Enquanto escovava os dentes, me dei conta de que eu já estava quase
arrependido de não ter aceitado o convite do Beto. Sabe aquela inquietação
de quando a gente está curioso com alguma coisa? Eu estava doido para
saber o que o Beto queria comigo. Ele era bonitinho, aliás, bonitão, vivia
contando piadinhas idiotas e bebia pra caramba. Era famoso pela
quantidade de cerveja que bebia, e até eu que não era amigo dele sabia
disso.
Me olhei no espelho, meus traços jovens, sem pelos, sem nenhuma
particularidade, sem nada que chamasse a atenção. Pequeno e magricelo,
aparentando menos idade do que deveria, definitivamente não era pelo meu
corpitcho que tinham interesse. Ou talvez fosse, Luiz Fernando já tinha
mencionado isso. Ser pequeno tinha algumas vantagens.
Fiz poses no espelho imaginando um possível encontro com o Beto.
Ele era grande, pesado, nossa! Meu coração acelerou, mas depois me senti
culpado por estar pensando em outra pessoa. Os últimos anos da minha vida
eu tinha passado sonhando com Luiz Fernando, e não sabia como seria
passar por aquilo de novo. Me deitei, mas sem sono.
Em pouco tempo esqueci do Beto e voltei a pensar em Luiz Fernando.
Pensar em outro cara era como se eu o estivesse traindo. Pensei no cheiro
dele, na boca fina e macia dele, no corpo magro e branco, pouco atrativo
para a maioria das pessoas que eu conhecia, mas delicioso para mim. E o
pau rosado e retinho que ele tinha. Era impossível não pensar.
Depois de tanto tempo só pensando, eu estava tendo a oportunidade de
ficar com Luiz Fernando na realidade, senti-lo, vê-lo, experimentá-lo. Era
uma novidade gostosa, e eu poderia estar feliz com isso, se não fosse um
idiota apaixonado! Que droga! Eu não estava feliz.
Luiz Fernando, apesar de me querer e de me pegar, continuava com
sua vida normal. Devia sair, ficar com outras pessoas, afinal, ele era
desimpedido, não era exatamente um pegador por ser tímido demais, mas
era rico e bonito, e choviam oportunidades. Eu ouvia comentários e
sofria. Por que eu não conseguia seguir em frente?
Ao pensar nisso, eu chorei. Eu chorei sem ao menos saber por que
estava chorando. Se alguém visse e me perguntasse o motivo, eu não
saberia responder. Eu tinha beijado e ido para a cama com Luiz Fernando,
mas estava triste e chorando porque ele não me levava a sério, porque eu
era uma distração. Eu queria tanto que ele me notasse!
Demorei a dormir naquela noite. Acordei na manhã seguinte com os
olhos inchados, a cabeça doendo e com cara de doente. Me irritei comigo
mesmo ao me ver no espelho do banheiro; era um péssimo jeito de começar
a semana.
Fui à cozinha tentando não chamar a atenção, meu plano era pegar
água gelada para lavar o rosto e melhorar minha aparência, mas minha tia
me pegou no flagra. Quando viu a cara que eu estava tentando esconder
com o cabelo, ela ficou preocupada. Me examinou.
— O que foi, meu filho? Está passando mal?
— Não, só tô com dor de cabeça.
— Dor de cabeça de novo? Andou chorando? Seus olhos estão
inchados.
— Não, tia, eu sempre acordo assim mesmo.
— Olha esse menino, Walter — disse ela ao marido, que acabava de
chegar de sua caminhada matinal. Ele apenas resmungou. Ela me deu
remédio por conta própria enquanto discorria sobre os perigos da dor de
cabeça. Podia ser coisa séria, segundo ela. Câncer, aneurisma, o fim do
mundo... Me recomendou marcar uma consulta com meu tio. É claro que eu
não ia consultar, afinal eu não estava doente. Ele sacaria meu problema logo
de cara, e isso seria, no mínimo, constrangedor.
Fui trabalhar péssimo. Minha cabeça estava pesada e meus olhos
estavam ardendo. Tinha olheiras semelhantes às dos pandas. Na farmácia,
meus colegas comentaram sobre isso, meu gerente também. Mais tarde,
porém, por estar distraído com o trabalho, eu melhorei.
Depois do almoço, quando eu estava entrando de volta na farmácia,
uma voz conhecida me chamou. Era uma voz grave e discreta, e falava o
meu nome. Senti um arrepio na nuca e um aperto no peito. Me virei e dei de
cara com Luiz Fernando. Sorrindo timidamente, ele disse que tinha estado
na agência de viagens ao lado e tinha passado para me ver.
— Que surpresa!
— Você está melhor da dor de cabeça?
— Dor de cabeça? Como você sabe disso? — Me senti nas nuvens
com a preocupação dele, mas também envergonhado.
— Dona Helena me ligou agora há pouco. Ela disse que você saiu de
casa muito mal, com os olhos inchados, e que isso acontece de vez em
quando... — Ele falava me olhando nos olhos, mas dessa vez não era de
forma provocante. Falava como um profissional da saúde ou como um
parente preocupado, duas coisas que ele realmente era.
— É porque eu dormi mal essa noite, só isso.
Ainda faltavam cinco minutos para o meu horário, então não me
importei de ficar conversando do lado de fora, encostado ao vidro da
fachada.
— E o que você estava fazendo com o Beto ontem? — Luiz Fernando
perguntou isso de forma despretensiosa, olhando o relógio, como quem não
quer nada. Senti meu coração acelerar, com certeza enrubesci, mas respondi
normalmente.
— Ele me deu uma carona.
— Sei... Mas não dê assunto ao Beto, tá bom? Ele pode te fazer mal.
— Luiz Fernando falou como se me prescrevesse um remédio.
— Assunto?
— Exato. Ele é doido, bebe demais, pode te arranjar problemas. Vai
por mim. Conheço aquela peça há anos.
— Ele não estava bêbado ontem não.
Notei que Luiz Fernando tinha um envelope nas mãos, então resolvi
perguntar, não só porque estava curioso, mas também porque queria sair do
assunto do Beto.
— Vai viajar?
— Vou, mas vai demorar. Ia passar uns dias com a Sandra, mas a gente
acabou terminando, então... Remarquei para o fim do ano.
— Hum, que legal! Quer dizer, que pena, né, que a viagem vai
demorar e que... enfim. — Fiquei embaraçado e ri.
Luiz Fernando olhou as horas de novo.
— Tenho que ir agora, Átila, mas se você passar mal, fala com meu pai
ou me liga, ok? Dor de cabeça constante pode ser sintoma de muitas coisas.
Tem que cuidar.
— Sim, senhor!
Eu deveria dizer a ele que minha dor de cabeça era causada por ele e
por sua falta de interesse romântico em mim? E por me “trair”? Melhor não.
Luiz Fernando acenou e saiu pela rua com seus passos largos. Entrei
na farmácia com o coração aos pulos, mas pensativo. Não entendi o que ele
quis dizer a respeito do Beto, sobre ele me arranjar problemas. Seria ciúme?
Não, isso seria bom demais pra ser verdade. O Beto era amigo dele, vizinho
desde a infância, e eu... Bem, eu era o priminho mais novo.
Na faculdade, à noite, eu cheguei bastante cansado, me esqueci
completamente de que teria que fazer companhia ao Rodrigo. Quando me
lembrei, fiquei chateado. Meus olhos estavam doendo e eu queria encostar
no meu canto e dormir o máximo que pudesse. Pensei até em pedir ao
Reginaldo para me substituir, mas quando vi meu amigo sozinho, olhando
para frente, perdido, mudei de ideia. Não era legal deixar na mão quem
precisava da gente. Pus uma carteira ao lado dele e me acomodei. Ele tocou
no meu braço e sorriu.
— Tudo bem, Átila?
— Sim, Rô. E você?
— Também. Estava te esperando, mas parece que hoje você não está
legal, né.
Rodrigo falou isso baixinho, se inclinando para alcançar o meu ouvido
e apertando de leve o meu braço.
— Só cansado, talvez um pouco confuso, mas tô bem sim, amigo. E aí,
o que temos pra ler? Estou animado! — Esfreguei uma mão na outra, mas
Rodrigo me deu um tapinha.
— Calma! Agora não.
Na hora do intervalo, nós descemos para comprar lanches. O Rodrigo
tinha preferência na fila e eu me beneficiava disso. Nos sentamos nos
bancos mais afastados, onde não tinha muito barulho, e comemos em
silêncio. Depois de comermos, Rodrigo começou a puxar assunto.
— Me diga por que está tão confuso, Átila. Aconteceu algo em relação
àquele assunto sentimental que você tinha me falado?
— Ai, Rô... — Suspirei. — Sei lá. Ontem, depois que você embarcou,
um amigo do Nando, um riquinho metido a pegador que nunca olhou na
minha cara, me ofereceu carona. Me pediu abraço, número de celular e
tudo, e mais tarde, ainda me chamou pra sair, acredita? E hoje meu primo
foi no meu trabalho dizer que eu não devo dar assunto a esse cara porque
ele é doido, que bebe muito etc. Nem sei o que pensar.
— Esses “héteros”...
Rodrigo pronunciou a última palavra de forma significativa.
— Esse cara só quer se divertir, Átila. Se você não quer, deixa ele pra
lá. Mas se quiser, vai em frente. Só vai sabendo onde está se metendo.
— Eu não quero nada com o Beto nem com ninguém. Quer dizer, eu
gosto do Luiz Fernando. Você me entende?
— Entendo, Átila, claro que entendo. Você demora tanto para ver as
coisas! Vamos estudar e vê se não ronca na sala hoje, por favor!
— O quê? — Gritei. — Eu não ronco, não senhor! Muito menos na
sala!
Rodrigo deu uma risada e disse que estava brincando, me deu um meio
abraço e entramos juntos na sala, já atrasados. Dois carinhas idiotas que
pegavam no meu pé fizeram piadas dizendo que eu era o novo amado do
Rodrigo. Fingimos que não estávamos ouvindo.
Depois de falar com Rodrigo, fui embora mais tranquilo. Dormi logo,
mas de madrugada, para variar, sonhei com Luiz Fernando. No meu sonho,
a gente estava ficando no banheiro, entre beijos e amassos, e de repente, o
Beto começou a bater na porta me chamando para sair.
Acordei chateado. Era cedo ainda, mas me levantei, escovei os dentes
e fui para a cozinha. Tio Walter já estava tomando o café que ele mesmo
tinha preparado, pois sempre acordava às cinco da manhã. Peguei uma
xícara e tomei enquanto pensava na vida. Meu tio ficou me olhando.
— O que aconteceu para você se levantar a essa hora, Átila? É cedo
ainda.
— Estou sem sono, tio, mas não é nada não.
— A dor de cabeça voltou? Lena disse que você vive com dor de
cabeça.
— Está tudo bem. Vai passar. Não estou sentindo dor de verdade. É
por causa de uns problemas.
— Problemas com seu pai?
Lá vinha ele de novo falar mal do meu pai! Suspirei olhando para a
xícara de café fumegante. Tio Walter era um pouco mais novo que meu pai,
mas parecia mais velho devido à expressão sisuda que carregava. Tio
Walter achava que meu pai me trazia problemas por causa da vida
"libertina" que levava e porque ele não conseguia me dar uma vida
confortável. Tive vontade de dizer ao tio Walter que meu problema era com
o filho safado dele, mas não disse. Pensei melhor e respondi à pergunta.
— Claro que não, tio! Não é o meu pai, nem a minha mãe. É coisa
minha.
Tio Walter riu.
— Então deve ser o amor. Isso dá dor de cabeça mesmo, mas você é
novo ainda. Deixa isso pra lá e cuide de estudar, garoto! — Me deu um
tapinha no ombro e saiu. Foi fazer sua caminhada matinal.
Era curioso como todo mundo dizia que eu era muito novo. Apesar de
já ter dezenove anos, eu ainda tinha dificuldade para entrar nos eventos,
para viajar, tinha que mostrar minha identidade em todos os lugares para
que as pessoas acreditassem.

Até a quinta-feira, a semana correu normal. Nada de Luiz Fernando,


nada de Beto. Na faculdade, eu fazia tudo junto ao Rodrigo e era muito
bom, ele sempre focado, entendia tudo, me explicava o que eu não tinha
entendido, eu nem dormia mais nas últimas aulas.
O Amado voltou para a faculdade na quinta, mas foi direto para um
canto isolado. Nem olhou pro Rodrigo. Por alguma razão, senti que eu tinha
a ver com seu isolamento. Achei chato, me senti um usurpador. Comentei
com o Rodrigo.
— Rô, será que o Amado não vai ficar chateado por eu estar aqui? É o
lugar dele.
— Vai não, Átila. Amado e eu tivemos uns desentendimentos, e para
manter a amizade, achamos melhor nos afastar... Temporariamente.
Que papo estranho!
— Hum... Por que vocês brigaram?
— Esquece isso, está bem? Amado está triste por causa de problemas
com o pai dele, e problemas financeiros. Não é por causa da sua presença
nessa ilustre carteira ao meu lado.
Ri.
— Se você está dizendo...
Sexta-feira era feriado municipal, dia do padroeiro. Não tinha trabalho
nem faculdade, ou seja, só alegria, mas logo pela manhã, enquanto eu
tomava café, tia Helena me intimou a ir à igreja. Meus tios eram
frequentadores das missas, e com a possibilidade da candidatura de tio
Walter à prefeitura, eles não perdiam nenhum evento do tipo.
Como eu já conhecia o costume da casa, prontamente disse que iria,
mas já pensando numa forma de escapar sorrateiro para minha própria casa
ou para outro lugar. Eu sabia que Luiz Fernando fazia o mesmo todos os
anos.
Enquanto meus tios estavam ocupados com seus afazeres, fui à rua
andar à toa, ver o movimento e espairecer. Ao passar em frente à casa do
Beto, foi impossível não virar a cabeça para olhar através dos vidros do
muro. Tinha carros lá dentro e pessoas circulando, mas não vi o Beto,
apesar de ter procurado bem.
Se alguém me visse ali, saberia que eu estava bisbilhotando
descaradamente, por isso, apressei o passo para sair da frente daquela
grande e ostensiva residência. Mas quando me virei para me concentrar na
rua, dei de cara com o Beto que vinha chegando a pé com uma sacola na
mão, com as roupas suadas e uma cara de riso.
— Me procurando, né?
— Oi? Não! Só fiquei curioso com o tanto de carro que tem lá dentro.
Tem festa hoje?
— Não, só uns parentes de longe que vieram. Vai ter almoço especial.
Bora lá?
— Melhor não. Vou para minha casa daqui a pouco.
Notei que Beto estava cansado como se estivesse correndo.
— Porra, te convido para almoçar na minha humilde residência e você
recusa? Já é a segunda vez que você me esnoba.
— No domingo, já estava tarde, e hoje eu vou para casa ver meu pai.
Tem uma semana que não falo com ele. Além disso, tem muita gente na sua
casa. Não quero atrapalhar não.
Ele olhou para os lados antes de falar com sua voz rouca e risonha.
— Quando tiver pouca gente, eu te chamo então, pivete. Quero só ver
se você vai me ignorar. Agora vou tomar um banho, tô todo suado.
— Estava correndo? — Perguntei não sei por que, pois era óbvio que
ele estava.
— É o jeito, né, pequeno! Alberto Júnior tem que se cuidar porque
senão fica parecido com o Alberto Pai. Cento e vinte quilos. Até mais! —
Ao invés de me dar a mão, ele alisou o meu braço e me deu um puxão.
Beto, ou Alberto Junior, seu nome oficial, era bem mais alto do que eu, e
em peso devia dar três Átilas, sem exagero.
Fui à praça onde estava tendo umas apresentações. Tinha barraquinhas
que vendiam coisas gostosas, comprei e comi ali mesmo, em pé. Encontrei
duas best amigas da época do ensino médio, Lana e Laís, e fiquei
conversando com elas por mais de duas horas.
Quando retornei à casa de tia Helena, não tinha mais ninguém lá.
Agradeci ao padroeiro por isso, pois estava querendo mesmo ficar sozinho.
Fui para o quarto, estudei um pouco e acabei pegando no sono em cima do
meu caderno.
Quando acordei, meu queixo e pescoço tinham a marca do espiral do
caderno, uma fileira de tracinhos profundos. Achei tão bonitinho que até
tirei foto. Olhei pela janela e vi que estava anoitecendo, então tomei banho
e voltei para a rua. Tinha que aproveitar o dia de folga. Encontrei
novamente a Laís e ficamos conversando sentados na porta de uma loja
famosa da cidade. A gente se divertia com as pessoas que passavam para
olhar as vitrines, como nos velhos tempos. Mais tarde notei um casalzinho
andando colados, distraídos, interessados apenas um no outro. Logo os
reconheci como Sara e Reginaldo. Chamei a atenção deles com um grito e
eles se separaram.
— Até que enfim! É o amor.
— Quem disse? — Sara não foi nem um pouco convincente.
— Eu estou dizendo. Ai, gente, que lindo! Estou torcendo por vocês.
Reginaldo sorriu e pegou a mão da Sara. Eles ficaram com a gente por
alguns minutos, depois continuaram a andar pela rua. Tinha muita gente por
ali.
Laís me encheu de perguntas querendo saber da minha vida, como era
na faculdade, se eu estava ficando com alguém. Ela foi minha primeira
experiência sexual, no segundo ano ainda. Foi legal e tudo, mas não fluiu,
ficou só na amizade. Estava claro que eu tinha outras preferências.
Depois de tanta inquisição, acabei falando da minha paixão quase
secreta. Ela ouviu tudo o que contei, arregalou os olhos ao máximo quando
falei do que tinha acontecido, ou quase acontecido no sábado, depois abriu
a boca quando falei da aproximação do Beto. Eu contava, chorava, mas era
obrigado a rir das reações dela, que eram muito toscas.
— Átila, aposto que esse Beto quer te pegar também. Que doce você
tem para atrair esses carinhas nada a ver! Mas se você gosta do Luiz
Fernando, não caia na lábia desse Beto. Esse tem cara de ser mais furada.
Se eles são amigos, um vai ficar sabendo do outro, e aí a vaca vai pro brejo,
amigo, nem um, nem outro. Só vai tomar no rabo, literalmente. — Ela riu
alto quando falou isso e eu quase enfartei de vergonha. Tinha gente
ouvindo! — Fica virgem que é melhor. A não ser que você queira virar
puta, mas com essa carinha de apaixonado aí, eu duvido. Você só vai sofrer,
meu amigo.
— Eu sei, eu não engano nem um pouco. Eu não estou a fim do Beto,
só fico curioso com o interesse repentino dele. Muito curioso.
— Eu sei, até eu tenho curiosidade de saber se é tão gostoso quanto a
propaganda.
— Eu também — admiti.
Depois dessa conversa, fui para casa. Fui devagar, curtindo a noite. Eu
estava sempre ocupado e nem tinha tempo para apreciar a cidade, que era
até bonita à noite. Pelo menos o centro e os bairros nobres. Ao chegar ao
portão, ouvi alguém me chamando discretamente. Era Beto na sua
caminhonete branca, no outro lado da rua. Fiquei ainda mais curioso.
Atravessei e fui até ele.
— Oi, Beto, o que você está fazendo aí?
— Quero dar uma volta contigo. Topa? — Ele destravou as portas.
— Melhor não, Beto, mas obrigado pelo convite. Valeu!
Ele suspirou olhando para frente, depois sorriu e me olhou.
— É só uma voltinha, poxa! Não tem medo de mim, tem?
— Não. É que eu tenho que estudar, descansar. Amanhã eu começo a
trabalhar cedo.
— Sei... É verdade, igual quando você disse que ia ver seu pai. Como
ele está?
O filho da mãe sabia que eu não tinha ido para casa.
— Beto...
— Se não quer, tudo bem. Falou, fui!
Beto subiu o vidro quase na minha cara, arrancou com o carro, me
deixando assustado no meio da rua. Ficou zangado, o bonito! Mas era
problema dele, afinal, eu não era obrigado. Que nojo ele achando que eu
deveria me sentir o máximo só porque ele tinha me chamado para sair!
Entrei em casa com raiva, batendo o portão.
Passo 7
Às vezes é necessário tomar alguma iniciativa.

O lhares, sorrisos, papo legal, encontros casuais... Se tudo correr bem, isso
é o bastante, mas nem sempre as coisas correm bem. Às vezes é preciso dar
uma ajudinha ao acaso. Forçar um encontro, mandar uma mensagem, ligar...
Ligar. Nunca tinha me passado pela cabeça ligar para o meu primo. Eu
sabia que iria gaguejar, tremer e até enfartar ao tentar falar com ele. Sem
contar que eu podia ser terrivelmente sem assunto ao telefone, e não era
criativo nas mensagens. Difícil.
Logo que entrei em casa, fui à cozinha tomar água. Ainda com a jarra
na boca senti uma notificação de mensagem, olhei distraidamente e era do
Beto Bonitão. Pedia desculpas pela grosseria, dizia que tinha sido babaca,
que achava legal eu ser trabalhador e outras coisas, resumindo, uma
rasgação de seda após o pedido de desculpas. Ri ao ler aquilo. Respondi.
“O que você quer, hein?”
“Um papo contigo, só isso. Sou mal não leke, juroo!”
“Ahahaha, sei... mas peraí que eu vou sair de novo, e nada de
gracinhas, senhor Alberto”
Recebi um emotiom de anjinho e achei engraçado.
Olhei as horas. Ainda era cedo, então tomei mais água e saí. A
caminhonete do Beto estava mais perto da esquina. Fui até lá.
— Beto, Beto, o que você quer, hein? — falei ao me aproximar. Ele
piscou.
— Vem conferir, ué.
Olhei-o desconfiado. Ele tinha bebido, afinal, ele fazia isso com
frequência, mas não parecia estar fora de si. Decidi dar um voto de
confiança e entrei; ele arrancou com o carro imediatamente. Não foi muito
longe, apenas alguns quarteirões adiante, perto de um prédio em construção
rodeado de árvores. Não gostei do lugar.
— Lugarzinho sinistro, não acha? Vamos ser assaltados aqui.
— Relaxa! O Betão te protege.
Ri de nervoso. Eu precisava de proteção sim, mas dele.
— Você é grande, mas não é dois.
— E sou gostoso, né, pode admitir. Grande e gostoso!
Ri alto.
— Ai, Beto, não fica aí se achando não!
Beto se inclinou para soltar o meu cinto de segurança e me puxou de
leve. Passou a mão pelo meu pescoço e chegou à minha nuca, inclinou a
cabeça até o meu rosto e começou um beijo. Fui pego de surpresa. Nem
acreditei! Nunca tinha imaginado que fosse ganhar um beijo daquele
homem.
Foi um beijo surpreendentemente leve, macio, mas quente, algo
inesperado vindo de um homem que parecia tão bruto. Muito melhor que
aquele enfiar de línguas do Luiz Fernando. O beijo fluiu perfeito, tão
envolvente que eu, que não queria nada, fui deixando. Foi tão gostoso e
demorado que não percebi quando as mãos de Beto começaram a me forçar
para baixo, para o colo dele, que já estava com o zíper aberto. Puta que o
pariu!
Esse atrevimento melou toda a cena. Tudo bem que eu gostei do beijo,
mas não estava a fim de chupar ninguém assim do nada, num carro, num
local perigoso. Talvez o Luiz Fernando, mas até mesmo com ele eu seria
mais exigente. Não gostei.
— Epa! Calma aí! Para, Beto! — Pus as mãos nas coxas dele, me
apoiando para não descer mais. Ele continuou me empurrando, dessa vez
com força.
— Por que não? Gostou do beijo, não gostou? Então... agora retribui.
— Não e não, Beto! Assim não. Vou para casa e a gente conversa outro
dia. Você bebeu demais, isso sim. — Abri a porta e saí, mas Beto alcançou
o meu braço e segurou com força.
— Pequeno, corre assim não. Vem cá com o Betão, vem.
— Você tá me machucando, Beto. Me solta! Eu vou gritar!
— Oh, baixinho, doeu, foi? — Ele diminuiu a força dos dedos, mas
não me soltou. — Quero beijar você, vem cá. Não vou fazer nada que você
não queira.
Ele falava com uma voz manhosa, se inclinando sobre mim, e isso foi
me dando nojo! Puxei meu braço, mas não foi suficiente, então apoiei um
pé no carro e dei um impulso, e aí ele me soltou. Quase caí no chão. Assim
que recuperei o equilíbrio, emendei uma carreira para casa. Estava sentindo
uma raiva imensa, não do idiota do Beto, mas de mim por ter dado assunto
a ele mesmo depois de o Luiz Fernando ter dito para eu não fazer isso! Eu
devia saber que ia dar merda. Correndo pela rua, me dei conta de que a
caminhonete vinha atrás de mim com o farol alto, e o Brasil inteiro podia
ver que ela estava me seguindo!
Quando dobrei a esquina da rua da casa dos meus tios, fiquei mais
tranquilo, pois o carro de tio Walter, outra caminhonete branca, estava
chegando. Beto passou batido e foi para a casa dele, ou seja, ele estava bem
consciente do que estava fazendo.
Troquei algumas palavras com tio Walter e corri para o quarto, tomei
banho e me deitei. Aos poucos, minha raiva foi passando, fui esquecendo
do traste do Beto e voltei a pensar em Luiz Fernando. Foram pensamentos
confusos e contraditórios naquela noite.
Eu tinha chegado à conclusão de que não podia ficar correndo atrás do
meu primo, afinal, eu morava na casa dos pais dele e não podia dar muita
bandeira. Eu tinha imaginado que as oportunidades aconteceriam
naturalmente, o que era verídico, mas os encontros estavam muito escassos,
e eu sentia que daquela forma, a coisa não renderia nem sairia do lugar.
Depois daquele dia em que nós nos pegamos no quarto dele, só nos falamos
naquela vez em que ele foi à farmácia, ocasião em que ele me alertou sobre
o Beto. Depois disso, nada.
Depois de mais de duas horas sem conseguir dormir, resolvi fazer algo
que nunca tinha tido coragem: ir ao quarto de Luiz Fernando sem ele estar
lá. Não era nada ilegal, afinal, ele mesmo havia dito que eu poderia jogar
videogame quando quisesse. Se titia me visse ali, eu teria uma boa
desculpa. Me levantei e fui.
Ao tocar na maçaneta daquele quarto, meu coração acelerou, minhas
mãos suaram, e eu me sentia como se estivesse indo roubar alguma coisa. A
porta abriu, acendi a luz e entrei deixando a porta encostada. Era uma suíte
normal, espaçosa. As cortinas estavam corridas e tudo estava arrumado.
Fui até a cama e me sentei nela, depois me deitei de bruços procurando
com o olfato o travesseiro que Luiz Fernando usava. Notei que os quatro
travesseiros que estavam sobre a cama tinham cheiro de amaciante de
roupas, e eram apenas enfeites.
Me levantei e abri as portas do armário, procurei até localizar dois
travesseiros em fronhas menos suntuosas. Aspirei o cheiro deles até
encontrar o que tinha o cheirinho de Luiz Fernando, e era tão bom, tão
gostoso quanto eu me lembrava, apesar de fraco. Cheirei, abracei, depois
guardei os travesseiros no lugar. Naquele armário tinha pouca coisa, a
maioria era roupa velha de usar em casa, toalhas e roupas de inverno. Não
tinha nada importante. Nas gavetas, apenas cuecas e meias. Toquei-as, mas
não mexi. Era apenas o quarto onde Luiz Fernando passava uma noite ou
outra. Ele tinha seu próprio apartamento, que devia ser algo mais pessoal.
Me senti tolo quando vi meu reflexo no espelho do banheiro. O que eu
estava querendo naquele quarto, afinal? Eu não tinha ido jogar videogame,
não tinha nada para fazer ali, portanto, devia dar o fora o quanto antes.
Nada daquilo me dizia respeito. O quarto de Luiz Fernando era apenas um
acessório que não lhe fazia falta, assim como eu. Sofri ao pensar nisso, mas
era a verdade. Eu não lhe fazia nenhuma falta. Fui para o meu quarto e
chorei, como já havia feito em tantas noites; chorei até pegar no sono, triste
e desiludido.
Fui trabalhar na manhã de sábado com dor de cabeça, como sempre.
Trabalhei até as quatorze horas, sem pausa para almoço, depois perambulei
pelas lojas próximas procurando uma roupa legal, ou seja, algo que quando
eu vestisse não ficasse parecendo que ainda estava no cabide. Isso não era
uma tarefa fácil.
Comi numa lanchonete oriental e já estava indo para o ponto de ônibus
quando meu pai me ligou. Ele disse que iria cantar numa fazenda, numa
seresta, e queria que eu fosse junto. Só que dessa vez eu não estava a fim,
era longe demais e ele só ia voltar para casa na tarde de domingo. Muito
cansativo. Me despedi de meu pai e fui para a casa de tia Helena.
A casa de meus tios estava vazia. Eles tinham ido a um evento em
outra cidade e só voltariam lá pela madrugada, segundo o recado que me
deixaram. Sozinho, me deitei e dormi o resto da tarde, e quando acordei, fui
para a rua procurar companhia.
Naquela noite, porém, como eu tinha dito que ia para casa, todas as
amigas estavam ocupadas, umas viajando, outras namorando, enfim, eu
estava simplesmente só. Sem ter o que fazer na rua, retornei para casa por
volta das dezenove horas, e a única pessoa que estava lá para me receber era
o gato Galileu. Recebi uma mensagem de meu pai pedindo que eu ligasse,
então me sentei num banco do lado de fora e liguei para ele. Conversamos
por alguns minutos.
Quando desliguei, notei que Galileu não estava mais no seu lugar
favorito. Gildete, uma empregada de tia Helena, dizia que ele saía à noite
para namorar, e às vezes voltava todo machucado. Agucei meus ouvidos e
pude ouvir miados pela vizinhança: ou a caça tinha dado certo e ele estava
com uma gatinha, ou tinha dado errado e ele estava sofrendo as
consequências. Galileu era um gato bem esperto.
Me encostei no banco frio e fiquei olhando o céu. Não era possível ver
as estrelas dali, apesar de o céu estar limpo. Olhei meu celular. Não tinha
muitas mensagens, apenas as de grupos, as piadinhas de sempre, aquelas
mensagens motivacionais e aquelas correntes de doze anos atrás. Suspirei
entediado e guardei o celular. Segundos depois, o peguei de novo, sem
saber o que pretendia. Automaticamente, toquei no ícone de contatos e
procurei um para o qual eu nunca tinha ligado, apesar de tê-lo guardado
havia tempo.
Visualizei mais uma vez a foto de um cara sério, arrumadinho, típico
nerd filhinho da mamãe. A foto do perfil mostrava um Luiz Fernando
exatamente como ele era, mas eu sabia que debaixo daquela timidez e
daquela seriedade existia um tipo safado que gostava de me pegar. Notei
que ele tinha visualizado havia pouco tempo e isso me deu o mínimo de
coragem.
Morrendo de vergonha, enviei um "boa noite" e uma carinha feliz. Me
arrependi assim que enviei a mensagem, mas já era tarde demais. O jeito era
aguentar as consequências. Apenas alguns segundos depois, Luiz Fernando
respondeu, perguntou se eu estava bem e só. Temi que a conversa fosse
parar por ali e arrisquei um pouco mais. Eu tinha que fazer alguma coisa.
"Viajando no feriadão?" — Enviei.
"Não, desmarquei, não te disse?"
"Ah... o que tá fazendo então?" — Aff! Às vezes a gente tem que
forçar um papo chato assim mesmo.
"Nada. E você?"
"Menos ainda rs. Tô aqui na casa dos seus pais olhando para o céu
XD".
"Tá sozinho aí na casa da mãe?" — Ele sabia que os pais tinham
viajado.
"Sim, completamente só, desprotegido."
"Huumm, desprotegido, é?" — Ele entrou no clima, finalmente. Ah,
uma dentro, uma dentro! Nem acreditei.
"Pois é... você podia vir aqui me proteger..."
Me senti um puto sem vergonha, mas enviei assim mesmo. Luiz
Fernando não respondeu de imediato e então comecei a ficar nervoso. Em
dois minutos eu já achava que tinha que me deitar no meio do asfalto e
morreeer! Eu tinha feito tudo errado como sempre, que ódiooo!
Cerca de cinco minutos depois ele respondeu.
"Proteger? Hum, já tô indo... Chego em alguns minutos... Se
prepara..." — Risos e umas carinhas suspeitas.
O coração deu um salto e eu corri para o meu quarto, subi os degraus
de dois em dois. Arranquei a roupa e fui para o banho, afinal, eu deveria
estar limpo e cheiroso quando meu gato aparecesse. O Luiz Fernando, é
claro. O Galileu já tinha ganhado a noite dele.
No banho acabei pensando no nosso último encontro, onde a gente
tinha parado. Será que iríamos começar por ali? Minha vontade, na verdade,
era aproveitar melhor os momentos que surgiam, conversar um pouco mais,
beijar na boca... Luiz Fernando era muito apressado. Safado!
Escovei os dentes, vesti algo que eu gostava, passei perfume e esperei,
mas ao invés de ver Luiz Fernando entrando na casa dos pais dele, eu ouvi
meu celular tocar; peguei e era o número dele. Tremi só de pensar que ele
pudesse estar ligando para desmarcar, para dizer que tinha algum
compromisso mais importante e outras bobagens. Atendi, apreensivo.
— Oi, Nando...
— Já está pronto?
— Sim...? — Não entendi bem a pergunta.
— Então vem aqui no carro. Tô na rua.
— Na rua? Tudo bem, já vou.
Rua? Entendi nada. Seja lá o fosse que ele quisesse, por piores que
fossem as intenções dele comigo, seria tão mais fácil ficar por ali mesmo já
que não tinha ninguém em casa. Mas ele pediu para ir ao carro dele, na
rua... Fui então, né.
Fechei tudo e saí. Ao chegar à calçada, avistei o carro de Luiz
Fernando um pouco afastado do portão. Era um carro caro, preto e discreto,
como o dono. Me aproximei e vi seu sorriso safado pelo retrovisor. Fiquei
mais tranquilo e entrei.
— Oi! Achei que você fosse entrar... — falei, ofegante. Ansiedade
pura. Entrelacei os dedos para me acalmar.
— Vamos num lugar melhor — ele disse. — É chato aqui na casa da
mãe. Ela pode chegar e me encontrar.
— Tá bom! — Bom, ele era meu primo. Era confiável, acho.
Pus o cinto de segurança e Luiz Fernando dirigiu até outro bairro mais
central, mais movimentado, repleto de prédios novos ao invés dos casarões
da rua dos pais dele. Até que ele diminuiu a velocidade e entrou na garagem
de um prédio bonito.
— Sabe onde eu moro? — Ele perguntou saindo do carro e me
esperando fazer o mesmo.
— Não sei.
— Sexto andar.
— Que chique!
Entramos no elevador e subimos em silêncio. Não havia mais
ninguém. Quando entrei no apartamento de Luiz Fernando, meu queixo
caiu. Tudo bem que a casa de tia Helena era chique, confortável e tudo
mais, mas aquele ambiente era perfeito. Parecia cenário de novela.
Decoração limpa, mas distinta, iluminação indireta, objetos caros. O espaço
não era grande, mas era muito fino, com certeza tinha sido criado por
profissionais. Luiz Fernando viu que eu estava olhando e sorriu.
— Gostou? — Ele disse trancando a porta.
— Nossa, demais!
— Eu também gosto daqui. Vem cá. — Ele me puxou pela mão, me
encaminhando para um dos quartos.
A sala tinha um sofá de cor clara e um painel amadeirado, um tapete
fofo e quadros abstratos nas paredes. Tinha uma cozinha americana que
parecia apenas cenográfica de tão perfeita, e dois quartos, sendo um, a suíte,
ampla e linda, apesar de ter poucos detalhes. Já na porta do quarto, Luiz
Fernando tocou minhas costas e roçou o rosto próximo ao meu ouvido.
Senti uma onda de calor passar pelo meu corpo.
— O que achou da minha cama?
— Parece... confortável. — Sentindo que o momento estava chegando,
eu comecei a ficar nervoso e cada vez mais sem graça. Uma dúvida
começou a incomodar: era aquilo mesmo que eu queria? Realmente?
— E é confortável. Você vai gostar.
— Achei que você ia lá para a gente jogar no seu quarto.
Luiz Fernando alisou meus braços e se encostou em mim. Senti o
coração dele batendo forte. Será que ele também estava nervoso?
— Até ia, mas mudei de ideia. Aqui tenho um melhor, mais moderno.
E minha mãe não vem bater na porta.
— Não sou bom no videogame.
— Não tem problema, a gente não joga. Quer alguma coisa? Nem te
ofereci nada, né.
— É, não ofereceu mesmo. Você não é um bom anfitrião. — Me virei
e dei um tapinha no braço dele. — Tô brincando, Nando, quero nada não.
— Nada? — O olhar e a voz revelavam bem o que ele estava
querendo.
— Luiz Fernando, você é muito safado, sabia? Quem te vê por aí, todo
acanhado, não imagina essa sua cara quando está olhando pra mim. Tarado!
— Faz parte. — Então ele foi me empurrando para a cama de uma
forma que eu não me sentia pressionado. Eu estava gostando da situação,
apesar de estar ansioso e com medo. — Eu sou safado porque você gosta
assim. — Ele falou no meu ouvido, me fazendo arrepiar. Me fez sentar na
cama.
— Gosto?
— É, você gosta, que eu sei.
Ele tirou a camisa e eu passei as mãos em seu peito, barriga e braços
sem pensar em mais nada. Ele olhava as minhas mãos deslizando por seu
corpo e respirava ofegante, dava para sentir que ele estava gostando. Aí, do
nada ele me arrancou a camisa e a bermuda e me fez deitar na cama. Tirou a
própria bermuda e se jogou em cima de mim.
— Nandooo, vai mais devagar! — pedi. Se antes eu estava com receio,
agora eu estava com medo. Que pressa era aquela?
— Por que devagar?
Luiz Fernando começou a me chupar o pescoço com força, a apertar as
minhas coxas e a me beijar na boca daquele jeito que sempre fazia, ou seja,
do jeito ruim. Não queria me lembrar do beijo do Beto, mas foi impossível,
já que a diferença era gritante. Por que meu primo não fazia as coisas
direito, por quê? Segurei o rosto dele e olhei nos olhos claros onde uma luz
indireta incidia.
— Nando, por que você não beija sem machucar? Isso dói, sabia?
— Tá bom, seu fresco.
Ele riu e aproximou os lábios dos meus, devagar. Fechei os olhos e
senti a boca dele me beijar suave, macio. As mãos dele, mais calmas,
finalmente me acariciaram sem que eu me sentisse uma massa de pão sendo
sovado, e eu comecei a curtir. De olhos fechados, eu sentia o cheiro e o
calor do corpo dele em conexão com o meu, o beijo continuava lento, e eu
estava quase entregue. Foi quando ouvi um ruído, abri os olhos e tive uma
decepção: Luiz Fernando mantinha os olhos abertos e tinha uma camisinha
na mão, pronto para interromper meu momento de curtição. Isso não foi
nada legal.
Passo 8
Se o sexo for bom...

L uiz Fernando me beijando de olhos abertos e ocupado com uma


camisinha. Nada, nada interessante. Parei o beijo e ele me deu um selinho.
— Que foi? — disse ele.
— Você beija de olhos abertos. É estranho.
Ele riu e suspirou, se deitando ao meu lado.
— E o que tem isso? Você é todo desconfiado, né?
— É que tá indo rápido!
— Desculpa, não percebi. Achei que você estivesse curtindo.
Me virei de lado e beijei o pescoço dele.
— Eu tô curtindo sim, mas queria aproveitar mais.
— Esqueci que você ainda não ficou assim com alguém. Tá com
medo?
— Não, não.
— Não está dando moral pro Beto não, né? — Luiz Fernando levantou
a cabeça e me olhou sério. Quase me assustou.
— Nãaao, claro que não! — Acho que exagerei, mas menti só
pouquinho. — Sei que ele é um babaca. Relaxa!
— Ele é muito babaca. É sério, fica longe daquele safado!
— Safado tipo você?
— Mas eu te respeito. Beto não respeita ninguém. Acredite em mim,
eu conheço bem aquela mula. A gente dividiu apartamento por um tempo.
Ele costuma expor as pessoas, quando bebe, principalmente. Não pense que
eu quero prejudicar seus esquemas, só estou te protegendo de uma pessoa
ruim. Você é meu primo.
Pensei no que Luiz Fernando disse. Realmente fazia sentido, Beto era
bem daquele tipo mesmo.
— Ei, não tô de esquema com ninguém não, tá? Você pensa o quê?
Que eu quero ficar com todo mundo?
— Não estou pensando nada. Só estou te alertando sobre o... ah, vamos
esquecer isso. — Luiz Fernando sorriu. — Comigo você quer, né?
Será? Fiquei hipnotizado com o riso dele, os olhos, a pele, e apenas
balbuciei.
— Aham.
— Eu sei disso, seu safadinho.
Lentamente Luiz Fernando foi se livrando da cueca e eu não ofereci
resistência nenhuma quando ele quis me deixar nu. Ele me arrancava beijos
e chupões pelo rosto e pescoço enquanto os seus dedos me apertaram os
mamilos, as coxas e a bunda. Depois ele foi saindo de cima de mim e me
virando de bruços, suas mãos apertaram a minha bunda separando as
nádegas, me deixando envergonhado. Senti ele passando os dedos ali,
primeiro, secos, depois molhados, enquanto eu olhava a cabeceira da cama.
Senti algo geladinho na minha bunda, seguido de carícias desajeitadas,
depois ouvi barulho de alguma coisa de plástico sendo aberta e julguei que
fosse a camisinha. Estava certo.
O corpo dele se inclinou sobre o meu, quente e trêmulo, fazendo um
peso suportável. Senti carícias nas costas e beijos no pescoço, o que era
gostoso e me deixava mais excitado. Isso durou pouco tempo, pois logo a
seguir senti um negócio pontudo procurando passagem, me forçando. Luiz
Fernando bem que poderia ir mais devagar. Era minha primeira vez, porra!
Doeu. E muito. Uma dor dilacerante logo no começo, quando a coisa
tinha sequer começado a entrar. Quase gritei. Só me faltou um pouco mais
de força de vontade para derrubar Luiz Fernando de cima de mim e sair
correndo, porque não dava mesmo para aguentar. Com resmungos, comecei
a pedir pra parar, mas ele não me respondia. Passava mais lubrificante,
beijava e assoprava minha nuca, mas nada ajudava. Entre gemidos de dor
eu acabei soluçando e finalmente ele parou, mas sem sair de cima de mim.
— Tá chorando?
— Não, tá tudo bem. — Nossa, aquilo foi muito frustrante.
— Se está doendo demais, deixa pra lá. A gente para.
Escondi meu rosto sob o braço enquanto sentia o olhar de meu primo
as minhas costas. Que raiva de mim e de tudo!
— Eu queria que desse certo...
— Tudo bem, vai dar certo sim. É só a gente mudar de posição. — Ele
escorregou mais para baixo, praticamente se sentando sobre as minhas
coxas, carinhoso, beijando minhas costas. — Assim não tem como doer. Só
deixa.
Senti que Luiz Fernando tirou a camisinha e encostou o pênis melado
na minha bunda sem forçar. Devagar ele ia esfregando a cabeça na
entradinha em movimentos ritmados, como se estivesse se masturbando.
Menos tenso, comecei a curtir o carinho, e voltou a ficar gostoso. Ele
também gostava porque estava com a boca entreaberta, a língua
aparecendo, a respiração pesada.
Com o auxílio da própria baba, ele passou a me penetrar com um dedo,
e dessa vez foi tranquilo. Depois ele me fez empinar a bunda e voltou a se
deitar sobre mim, segurando o pênis e pressionando-o contra minha bunda.
Assim foi melhor, embora também tenha sido rápido. Podia ter
demorado mais. O corpo de Luiz Fernando começou a suar, o cheiro foi
ficando mais intenso, e ele começou a gemer no meu pescoço. Seu rosto
estava bem barbeado, mas fazia uma fricção gostosa, e ele intercalava leves
chupões e mordidas.
Até que senti um líquido quente e viscoso jorrar nas minhas entranhas,
melando minha bunda, coxas e até a cama. Ele praticamente se masturbou
sobre mim, e rápido, eu fiquei tipo: é só isso mesmo?
Depois que parou de gemer e de estremecer, Luiz Fernando limpou a
mão na colcha da cama e saiu de cima de mim, ofegante e suado. Deitou-se
ao meu lado e deu um tapa na minha bunda.
— Tomou um banho de porra. Viu? Não doeu nada.
Me virei de lado e mesmo envergonhado, o olhei.
— Você é bem rápido, hein? — falei.
Luiz Fernando se fez de desentendido, mas logo pegou a minha mão e
levou ao meu pau, fechando sua mão sobre a minha, sem me tocar
diretamente. Fechei os olhos e ganhei uma lambida nos lábios.
— Vai... — Ele iniciou o movimento de vai e vem, meio desajeitado,
sobre a minha mão. — Você vai gozar, safadinho. Assim você relaxa.
Não foi preciso muito tempo. Acho que eu estava tão precisado quanto
Luiz Fernando. Enquanto sentia seus dedos, entreabri os olhos e vi seu rosto
vermelho, seus olhos fechados e sua boca gostosa. Gozei. Ah, como era
bom ficar com ele, apesar de tudo! Nos divertimos, apesar do
constrangimento, com os jatos quentes e melequentos sujando tudo.
Porém, quando terminei, Luiz Fernando se levantou e olhou em volta,
um pouco sem graça. A realidade era dura. Puxei uma ponta da colcha e me
cobri.
— Eu vou no outro banheiro, você se lava aqui. — Ele apontou uma
porta entreaberta no quarto, juntou as próprias roupas e saiu.
Me levantei com as pernas bambas e fui ao banheiro levando as
minhas roupas. Era o momento de nos vestir e nos recompor para o que
quer que fosse acontecer depois. A gente não tinha química nem intimidade
para passar a noite inteira na cama. Quando me vi no espelho, tomei um
susto: havia marcas avermelhadas no meu pescoço e ao redor. Se não
sumisse logo, eu teria trabalho para explicar aquilo às pessoas mais
próximas. Meu Deus, tia Helena iria ver. Maldita pele sensível!
Tomei um banho bem precário, sem molhar os cabelos, e me enxuguei
numa toalha que estava no box. Me vesti e hesitei um pouco antes de sair
do banheiro. O quarto estava vazio. Fui em direção à sala e Luiz Fernando
estava lá, perto da cozinha, já de banho tomado e vestido, falando ao
telefone. Ele cobriu o aparelho quando me viu.
— Átila, quer que eu te leve na casa de seu pai? É melhor do que ficar
naquele casarão sozinho, né? Todo mundo saiu... — Ele me sorriu ansioso,
esperando que eu confirmasse sua ideia. Filho de uma mãe! Ele estava
pronto para se livrar de mim.
Fiquei sem chão, embora tenha tentado disfarçar. Eu não tinha pensado
direito em como ia ser depois do nosso "encontro". Eu estava
completamente só naquela noite.
— É... Bem... meu pai saiu pra longe, então... — Abri os braços. —
Tanto faz!
Me sentei no sofá sem olhar para o meu primo, e procurei algo em que
me concentrar para não chorar. Maldita sensibilidade idiota. Acabei fixando
meu olhar num casal de elefantes prateados que estavam em uma bandeja
na mesinha de centro; eles pareciam duas joias de tão brilhantes. A mesinha
era pequena, de madeira bruta sem nenhum tratamento, tinha pés de ferro, e
foi nela que me concentrei para afastar os pensamentos tristes. Senti que
Luiz Fernando me olhava como se fizesse um diagnóstico. De rabo de olho,
vi que ele tirou a tirou a mão do aparelho, entrou atrás do balcão da
cozinha, pegou um daqueles imãs da geladeira e falou com uma voz
forçadamente simpática:
— Vou pedir uma pizza, o que acha? Tô com fome.
Só concordei com a cabeça. Claro que não era com a pizzaria que ele
estava falando. Ele perguntou qual pizza eu gostava e o que eu ia querer
beber, e mais algumas coisas. Enquanto esperávamos a pizza chegar,
acabamos conversando sobre coisas genéricas como trabalho, família, até
que entramos num clima mais descontraído e saímos um pouco daquele
acanhamento mútuo. Éramos parentes, e isso devia nos aproximar e não nos
constranger. No fim, falar sobre as manias de tia Helena foi a melhor
maneira de quebrar o gelo.
— Sua mãe vem aqui? — perguntei sorrindo de forma maliciosa. —
Tipo, para ver se você não está precisando de ajuda?
— Claro que não! Nunca dei a chave a ela e nem a deixo subir sem
uma boa explicação. Quando eu estudava, ela ia onde eu morava com
outros caras e ficava arrumando as minhas coisas. Era um mico muito
grande.
— Ela só é cuidadosa demais.
— Controladora demais, intrometida demais. Se eu der corda, ela me
deixa louco. Que bom que ela te adotou, assim ela divide a atenção e me
deixa em paz.
— Ela não me adotou não! — Deixei de sorrir e quase fiquei zangado.
— Ela diz que sim.
— Ela não me trata como filho.
Na verdade, nunca achei que tio Walter e tia Helena me tratassem
como filho. Me tratavam como um sobrinho pobre, como um filho de
empregada, como um parente distante, mas nunca como um filho. Eles não
eram obrigados, é claro, mas também não precisavam fingir.
Luiz Fernando entendeu minha resposta e se levantou pegando a
carteira. Preferiu encerrar o assunto antes que voltasse o clima ruim. O
interfone tocou e ele deduziu que fosse a pizza, então saiu para
buscar. Quando voltou, ele estava falando ao celular. Consegui entender
trechos da conversa, que era com o tal Marciano.
— "Vai dar não, Márcio, tô com visita, mas valeu aí o convite" ...
"Não, quem me dera" ... "Valeu, até amanhã então".
Luiz Fernando pôs a caixa na mesa e não pegou pratos, apenas copos
para tomarmos refrigerante. Ia pegando as fatias de pizza com a mão e eu
observava, surpreso, pois, na casa dos pais, ele era muito fino com os
talheres. Quando viu que era observado, ele riu.
— Já pensou se minha mãe me vê comendo pizza assim?
— Pois é nisso que estou pensando nesse momento, Nando.
— Eu disse que ela me deixa louco.
Depois que comemos, Luiz Fernando quis jogar videogame na sala. O
sofá se reclinava todo virando uma espécie de cama confortável, e ficamos
lado a lado por horas e horas sem nenhum tipo de contato que não fosse
fraterno. Isso me deixou confuso. Se eu pensei duas vezes em me insinuar,
logo mudei de ideia devido ao comportamento extremamente fraternal do
meu primo. Nem parecia a mesma pessoa de antes.
Dessa vez eu estava menos fraco no jogo e dei mais trabalho para
perder. Mas conforme a hora ia avançando, eu não conseguia mais me
concentrar, e logo comecei a cochilar. Nem sei em que momento meus
olhos se fecharam pra valer. Apaguei.
Acordei e senti que estava coberto e com um travesseiro sob minha
cabeça. As luzes estavam desligadas e o ar-condicionado estava ligado, bem
fraquinho. Já o Luiz Fernando não estava mais ali. Me ajeitei melhor no
espaço e voltei a dormir, pois estava muito cansado.
Quando acordei, já descansado e um pouco dolorido devido à cama
improvisada, vi pelo celular que ainda eram seis da manhã. Fui ao banheiro
social, passei água no rosto e lavei a boca o melhor que pude, já que não
tinha levado escova de dentes. Não estava com sono e sabia que meu primo
não ia se levantar tão cedo, já que era domingo.
Devagarinho, fui até o quarto dele, cuja porta estava entreaberta. Lá
estava escuro e frio; o ar-condicionado estava na temperatura mínima. Luiz
Fernando estava todo coberto, dormindo pesadamente no meio da cama. O
observei sem saber o que fazer. Queria ficar com ele, mas não sabia como.
Fui me aproximando lentamente e com o coração aos pulos.
Com cuidado, fui me enfiando por debaixo do cobertor, considerando
inclusive a possibilidade de tomar uns safanões. Tateei o corpo dele e senti
que estava apenas de cueca, a pele quente me encheu de coragem para fazer
algo que eu já tinha sonhado umas trezentas vezes e ainda não tinha
experimentado.
Quase sufocado pelo cobertor, aproximei a boca do quadril de Luiz
Fernando até que meu nariz tocou o tecido da cueca. Passei a língua e alisei
o pau dele, que começou a crescer tão logo foi tocado pela minha mão. O
resto do corpo, porém, permanecia imóvel, como se ele estivesse apenas
sonhando. Pensei em avançar e descer um pouco a cueca, mas, para a minha
surpresa, o próprio Luiz Fernando me ajudou a fazer isso, mostrando que
estava bem acordado, o que me deixou envergonhado. Travei.
— Vai, continua que tá gostoso — ele me incentivou com a voz
sonolenta e mais grave que o normal. Passou a mão nos meus cabelos e me
fez voltar aonde eu estava. — Isso, chupa! — Quando eu ameaçava parar,
ele me fazia continuar, mas sempre suavemente. — Vai, continua... isso...
ssshhh... chupa, vai, engole tudinho...
Ele me segurou com as duas mãos, se movimentando contra o meu
rosto como se me penetrasse, e eu o deixei fazer o que quisesse, mas
quando o ouvi falar em engolir, afastei meu rosto mais que depressa. Ele
gozou rápido, contendo os jatos com as mãos. Gemeu alto, e eu gostei de ter
feito aquilo.
Luiz Fernando se levantou com dificuldades tentando não sujar os
lençóis, mas acabou sujando. Foi para o banheiro pelado, carregando a
cueca com um pé. Não falou comigo. Como senti que ele poderia demorar
no banheiro, voltei para a sala e me enfiei sob o cobertor que estava no sofá,
e acabei dormindo novamente. Quando acordei, já passava das nove da
manhã, o que me deixou assustado, pois eu não era acostumado a acordar
tão tarde, nem mesmo aos domingos.
Dobrei a coberta e fui à cozinha. Luiz Fernando estava com uma xícara
usando uma daquelas máquinas de café de cápsulas, e sorriu para mim,
meio sem jeito. Notei que ele já estava bem vestido, pronto para sair.
— Átila, eu não sou muito bom na cozinha. Tô fazendo café e misto.
Quer?
— Quero, mas deixa que eu faço o meu.
— Fique à vontade. — Ele foi se sentar do outro lado do balcão,
comendo calado. Quando terminamos, ele ficou pensativo, olhando o vazio.
Me olhou de forma aparentemente desinteressada. — Quer que eu te leve na
casa de seu pai ou na casa de mamãe? Acho que agora já chegaram, não é?
Bem, Átila, é hora de cair na real — pensei. Você não mora com seu
primo.
— É, acho que sim. Mas deixa que eu vou sozinho, quero ir em outro
lugar antes.
Depois daquela noite que não foi exatamente uma maravilha, mas que
também não foi tão ruim, era hora de fazer um balanço, de repensar
algumas coisas. Eu precisava conversar com alguém, alguém que com
certeza me entenderia e saberia me dar bons conselhos. É, eu tinha que ir
em outro lugar antes...
Passo 9
Avalie seus objetivos.

D epois de concluir com sucesso as etapas anteriores, é hora de avaliar as


expectativas. Expectativas diferentes podem gerar frustração em uma ou
ambas as partes envolvidas, por isso, os objetivos de cada um devem estar
sempre às claras.
Eu queria Luiz Fernando para mim, isso estava claro, mas e ele, o que
queria comigo? Eu tinha que avaliar.
Quando eu disse que ia embora sozinho, meu primo insistiu em me
levar, afinal ele também estava de saída.
— Precisa não, Nando! — falei. — Já incomodei demais. Atrapalhei a
sua saída ontem, né. — Lembrei da ligação que ele tinha recebido do amigo
Marciano.
Luiz Fernando me olhou com a xícara na boca e franziu a testa. Depois
riu e fez uma cara safada, levantou da cadeia e me deu um tapa na bunda.
— Nada a ver. A noite foi legal. Por que eu ia querer sair?
Gostei de ouvir aquilo.
— Sério?
— Sério! Me diz aonde você quer ir que eu te levo, não é nenhum
trabalho.
Pensei no conforto da carona e mudei de ideia.
— Vou aceitar, mas antes, preciso confirmar um endereço.
— Ok.
Luiz Fernando foi para o quarto; eu peguei meu celular e liguei para o
Reginaldo. Ele demorou a atender e quando atendeu, estava sonolento e
num humor do cão.
— Que é, cara? Eu estava dormindo, porra!
— Bom dia, Naldo, tudo bem? Me diz certinho onde mora o Rodrigo,
eu preciso falar com ele.
— Então liga pra ele, não pra mim, seu animal!
— Como? Ele tem celular?
— Claro que tem!
— Não sabia... Ele nem enxerga.
— Ele é cego e não burro, animal!
— Ai, Reginaldo, que nhaca! Que educação cavalar é essa?
— Porra, eu tô dormindo e tu vem me acordar pra saber do Rodrigo?!
Anota esse endereço logo. Te contar, viu... É na rua... — E me falou a rua,
as características da casa e o ponto de referência de onde meu amigo
morava.
Eu tinha certeza de que Reginaldo sabia onde era, só não sabia que o
Rodrigo usasse celular. Nunca o tinha visto usando.
Em poucos minutos, Luiz Fernando saiu do quarto, descemos juntos
até o carro dele. Ele me perguntou aonde eu queria ir e eu dei o endereço,
que não era tão longe.
Conversamos tranquilamente pelo caminho, o que me deixou feliz. Eu
temia um afastamento depois do que tinha acontecido naquela noite, mas
Luiz Fernando estava se esforçando para não me deixar constrangido.
Quando chegamos ao destino, ele me deu um tapa na coxa e agradeceu
a companhia, piscando, o sem vergonha. Saí do carro aéreo e confuso, sem
saber o que pensar. Queria tanto que Luiz Fernando gostasse de mim, mas o
comportamento dele não me animava. Era tão reticente, tão distante... Eu
não conseguia saber o que ele queria de verdade e não era bom em
descobrir sozinho.
Não demorei a localizar a casa do meu amigo. Era grande, vistosa e,
por sorte, ele estava bem visível na varanda. Chamei e ele reconheceu a
minha voz, vindo até o portão.
— Átila? — Rodrigo respondeu, surpreso. Ele caminhava bem sem
nenhum guia.
— Ei! Desculpa aparecer assim, sem avisar. — Damo-nos as mãos
através da grade, e ele abriu o portão para me deixar entrar.
— Desculpa? Desculpo não, Átila! Que mania é essa de ficar pedindo
desculpas!
— É que eu não tenho o seu número. Esqueci de te pedir.
— Eu sei. Todo mundo pensa que eu não sei usar um celular, inclusive
você.
Fiquei sem graça. Meu rosto ardeu.
— É que eu nunca te vi com ele.
— É que eu não uso enquanto estou estudando, só isso. Ninguém me
liga à toa porque sabe que eu não vou atender.
— Você é o aluno mais aplicado daquela faculdade.
— Por que não diz isso perto da minha mãe? Ela fica toda orgulhosa.
Rodrigo me deu a mão e me encaminhou para os fundos da casa onde
já tinha umas dez pessoas conversando e preparando um churrasco. O
cheiro por ali estava ótimo. Rodrigo me apresentou a uma mulher jovem, de
cabelos pretos e quadris largos. Ela era muito bonita.
— Aqui, Átila, essa é minha mãe, Janete.
— Oi, Janete, como vai?
Ela me cumprimentou com beijos e abraços.
— Ele é meu amigo da faculdade, mãe. Ele me ajuda com a leitura —
disse Rodrigo ao meu lado, com a mão no meu ombro.
— Hum, o Átila! — Parece que ela já tinha ouvido falar sobre mim. —
Um amigo, né... — E se virando para mim, ela continuou: — Fica à
vontade! Daqui a pouco tem almoço e churrasco, está bem? Se sinta na sua
casa. Rô, filho, mostra a casa pra ele. Mostra o seu quarto.
— Mãe, ele é meu amigooo! — A forma com que o Rodrigo falou
indicou que a mãe dele pensava que eu fosse algo mais que amigo. Minha
cara voltou a arder.
Várias pessoas acenaram para mim, todas com risinhos suspeitos, e
Rodrigo me apresentou ao pai dele, um homem magro e moreno que estava
ocupado com a churrasqueira. Uma moça mais ou menos da minha idade se
apresentou como Rogéria, irmã do Rodrigo. Era também muito bonita, um
pouco mais morena que o irmão. Ela também me disse para ficar à vontade
e completou dizendo que o Rodrigo tinha bom gosto. Aquele dia estava
sendo muito louco.
Sorri, grato pelo fato de o Rodrigo não ter ouvido isso. Ele me
convidou para entrar na casa e eu o acompanhei. A mãe foi na frente dando
bronca em alguém que tinha deixado um brinquedo de bebê na varanda dos
fundos. Poderia acontecer um acidente, ela disse.
A casa era um sobrado cor-de-rosa, e a varanda rodeava três lados. As
janelas e portas eram brancas. No andar de cima tinha duas sacadas voltadas
para a rua e uma voltada para os fundos. Eu diria que era uma arquitetura
bem romântica. Passamos pela grande cozinha onde umas cinco mulheres
cozinhavam e riam alto, e elas me cumprimentaram de forma efusiva.
Parecia uma família bem animada.
Passamos por uma sala onde tinha uma mesa de jantar cheia de bolsas
e sacolas, dois sofás e um tapete onde uma garotinha tomava mamadeira
enrolando os cabelos com a mão livre e assistindo televisão. Ao nos ouvir,
ela se virou, e eu me encantei. Era uma coisinha muito fofa! Rodrigo se
abaixou e beijou sua testa.
— Essa é minha irmãzinha Raíssa. Linda, né?
— Muito linda! Quantos anos ela tem? Pensei que fosse sua sobrinha.
— Ela tem dois anos. É que meus pais quiseram ter mais filhos depois
de muito tempo, então veio a Raíssa.
— Ai, gente, adorei! Que coisa linda, dá vontade de apertar!
— Eu amo demais.
— Todos que estão aqui são parentes seus?
— Sim. Tios, primos, tias, minha avó, namorado da minha irmã, a mãe
dele.
— A mãe dele? — Fiquei realmente surpreso e não consegui me
controlar. Ri alto.
— Pois é, eu digo que minha irmã vai testar a sogra antes para ver se
vale a pena namorar o Josinei.
Ri outra vez.
— Então foi por isso que sua mãe não estranhou o meu nome?
Rodrigo também riu. Ele sabia o que eu passava por causa do meu
nome.
Chegamos ao quarto dele, o último de um pequeno corredor. Tinha
uma cama de casal, a mochila e algumas roupas estavam numa mesa de
canto, e a janela dava para a rua com uma cortina que ia até o chão e telas
de proteção. Era um quarto legal.
— Gostou? — Rodrigo perguntou, já sabendo a resposta.
— Nossa, muito! Adorei. Você se vira bem aqui sozinho?
— Claro, desde que ninguém mude nada do lugar nem deixe nada
espalhado pelo chão.
Nos sentamos na cama e ficamos calados; eu sem saber o que dizer e o
Rodrigo esperando que eu dissesse o motivo de ter ido à casa dele. Até que
ele se deitou na cama e puxou assunto.
— Você veio aqui para conversar, Átila, então fale. Tá acontecendo
alguma coisa contigo?
— Tá tão na vista assim, é?
— Sim! Você nunca tinha vindo à minha casa e está muito ansioso. Eu
te conheço bem, carinha. Qual é a novidade?
— Desculpe te incomodar com meus problemas.
— Pare de pedir desculpas e me diz o que tá pegando.
Respirei fundo. Eu realmente não tinha pensado que incomodar um
amigo no domingo é uma coisa sem noção.
— Ai, Rô, tô precisando de uns conselhos, viu.
— Eu tô vendendo conselhos, mas faço um precinho camarada para ti.
— Vendendo?
— Não dizem que se conselho fosse bom seria vendido? Então, os
meus são muito bons.
— Ai, Rô... — Rimos. Ele estava tentando me deixar à vontade. Me
deitei perto dele, que passou um braço sob a minha cabeça e me fez chegar
mais perto. Meu corpo estava dolorido por ter dormido num sofá.
— Quantos conselhos vai querer?
— Hum... não sei. Vários, imagino. Vou ficar te devendo para o resto
da vida.
— Besta!
Nesse momento, a irmã dele bateu discretamente na porta, que estava
entreaberta, e com a voz muito simpática nos chamou para almoçar.
Rodrigo respondeu.
— Já estamos indo! Vem, Átila, hora do rango. — Quando a irmã saiu,
ele tocou no meu braço. — Depois a gente continua essa conversa.

O almoço foi bem legal. Tinha tanta comida, tanta gente e tanto
barulho que me senti numa feira. Todos me tratavam bem, me perguntavam
sobre a minha família, sobre a faculdade, sobre o trabalho. Como gostavam
de conversa! E eles tratavam o Rodrigo normalmente, como se ele não
tivesse qualquer limitação. Apenas a mãe dele que fazia o prato e colocava
num local da mesa onde ninguém mais ocupava. As coisas dele não podiam
ser mudadas de lugar.
Depois de comer várias sobremesas diferentes e chegar à conclusão de
que eu não deveria comer mais nada, Rodrigo me chamou para o quarto.
Algumas pessoas já estavam indo embora. Quando chegamos lá em cima,
ele foi escovar os dentes e me deu uma escova nova, disse que ia deixar ali
para que eu voltasse mais vezes. Quando terminamos, ele se deitou na cama
e me indicou o lado para me deitar, o que eu atendi. Ficamos em silêncio e
pouco tempo depois, nós dois começamos a bocejar. Foi até divertido.
— Isso é contagioso, Rodrigo! — disse abrindo a boca até no canto
pela décima vez. Saíram lágrimas dos meus olhos.
— O quê? — disse ele, também bocejando.
— Isso. Tá me dando sono aqui.
— Eu também. Bora dormir um pouco? É domingo...
Concordei. Em poucos minutos, ele estava cochilando. Me virei de
lado para vê-lo melhor; ele era bem bonitinho. O rosto tinha uma barba
discreta, os lábios eram rosados, não muito finos, e ele tinha cílios longos,
os mais longos que eu já tinha visto. As sobrancelhas eram escuras e tão
perfeitas que pareciam desenhadas. Todos os pelos do corpo dele eram
escuros e a pele clara, como a da mãe. Ele estava usando short e camiseta
brancos, e essa cor ficava bem nele.
Depois de um bom tempo observando o Rodrigo, o sono finalmente
me pegou. Foi um cochilo gostoso e relaxante. E longo! Quando acordei,
Rodrigo já estava acordado, com os olhos abertos, voltados para o teto. Os
olhos dele não pareciam anormais. Tinham um pouco menos de brilho,
talvez.
— Por que você não me acordou, Rô? Já é tarde. Nossa, são mais de
quatro horas!
— Acordei agora também. Ouvi um barulho, fui ver e era você
roncando.
— Mentira! Eu não ronco! — Dei um tapa no braço dele, que retribuiu
na brincadeira.
— Como você sabe? — Rodrigo riu, mas depois ficou sério. — É
agora ou nunca, Átila. Me diz o que está te perturbando. Sou todo ouvidos.
— Então, é uma longa história. Tá com saco para ouvir?
— Conta-me tudo, não me esconda nada.
— Bem, vamos lá. — Me enchi de coragem e contei para ele toda a
minha história com Luiz Fernando, desde o dia do incidente no banheiro, os
mais de três anos que passei evitando encontrá-lo, o encontro no corredor
no dia em que resolvi tentar conquistá-lo, as vezes em que ficamos. Contei
todos os detalhes dentro do meu nível de timidez e Rodrigo ia me
perguntando quando não entendia alguma coisa. Falei da noite anterior, de
como tinha tomado a iniciativa ao mandar mensagens e de como tinha sido
lá no apartamento. E falei do caso do Beto também.
Quando terminei, Rodrigo estava de boca aberta.
— Ai, Rô, ele me procura, me trata bem, mas sei lá, não é do jeito que
eu queria, sabe. Sei que eu fiz algo errado, mas o quê? Eu queria tanto
entender...
— Átila, quer saber o que você fez de errado? Tudo, amigo. Ele tá
solteiro, pelo menos?
— Sim, o namoro dele terminou há pouco tempo. Acho que a mulher
que terminou e ele ainda gosta dela. Tem alguma coisa a ver com a
marcação de tia Helena.
— Olha, Átila, na minha opinião, mesmo se você fosse o mestre da
conquista não daria certo, amigo. Acho que ele não pretende ter nada
contigo além disso aí, entende? Dá todos os sinais de que só quer uma
brincadeira. Eu nem perderia meu tempo.
— Mas a gente ficou. Beijo na boca, amasso e tudo mais.
Ele riu e passou a mão nos meus cabelos.
— Imagino o tipo. Esses homens "tímidos" que se fingem de
santos. São os piores.
— Pior que é, viu. Mas então por que ele fala para eu não ficar com o
Beto?
— Sei lá, talvez para você não ficar mal falado — Rodrigo riu das
próprias ideias. — Ou talvez ele só queira te proteger do cara mau. Ou
ainda, talvez ele goste de você e tenha um ciuminho sim, mas isso não quer
dizer que ele queira ser seu namorado. Tem gente que não abre mão de
certas coisas, mesmo gostando de alguém. Mas não me parece ser o caso.
— Eu só queria que ele gostasse de mim... — Fiz biquinho pois sou
emotivo e as lágrimas brotaram com facilidade.
— Mas ele gosta, só não é do jeito que você imagina. Você é o primo
disponível e safadinho e não tem nada de errado nisso. — Rodrigo mexeu
nos meus cabelos enquanto eu me recuperava do golpe de realidade.
— Mas eu devia saber, viu. "Só uma brincadeira, é melhor escondido,
vou te levar na casa do seu pai, cuidado com o Beto"... — falei, imitando o
jeito de meu primo. — Ele se aproveitou de mim, isso sim.
— Não, Átila, ele nunca te prometeu nada. Ficar sem compromisso é
normal, cara, ou você acha que vai se casar virgem com o seu primeiro
amor? Talvez ele nem saiba desse seu amor platônico.
— Isso, faz eu me sentir ainda pior!
Rodrigo passou um braço sob a minha cabeça de forma que eu fiquei
deitado sobre o ombro dele e beijou a minha bochecha de um jeito
carinhoso.
— Ele fica com você porque tá na seca, porque você topa, porque você
quer, e porque você vai atrás.
— O quê? — gritei e dei um tapa no peito do Rodrigo.
— Ai, doeu, sabia?
— Resumindo, Luiz Fernando pensa que eu sou uma puta! Não vou
mais nem chegar perto dele! Nunca mais!
— Duvido, Átila. Se você quer, aproveita, não tem nada demais. Pega
o primo, pega o vizinho, se ele não for babaca demais, e se for isso mesmo
que você quer. Mas faça isso consciente, amigo.
— Mas eu não queria isso...
— Então não pega! Você tem que se decidir. Um dia você vai gostar de
alguém que gosta de você, mas até lá, não seja tão apaixonado assim. Isso
só te faz mal.
— Acho que ninguém nunca vai gostar de mim. Eu sou muito
estranho, muito esquisito. Olha o meu nome: Átila!
— Claro que vai! Não tem nada de errado contigo, bobinho. Você é
gentil, é verdadeiro, é bonito também. Claro que é! Pare de ficar se
diminuindo, se sabotando. Não tem nada de errado contigo e com certeza
alguém vai gostar de você. É só você se abrir, dar espaço. Sempre tem
alguém que nos ama, que gosta da gente, apesar de tudo.
— Será, amigo?
— Claro! Só que, na maioria das vezes, chamamos esse alguém de "só
amigo". Vai entender... a vida é meio doida.
— Muito doida, né, eu não entendo. Eu sempre apaixonado por Luiz
Fernando e ele me beija, me leva pra cama e no final é só amigo, primo,
irmão. Não entendo nada.
— É. Não entende nada mesmo. — Rodrigo riu e mudou de posição.
— Brigado por tudo, amigo. Eu sabia que você iria me ouvir e me
ajudar sem me julgar. — Pus minha cabeça no peito dele, que passou um
braço sobre mim, nos aproximando até me abraçar forte. — Você é a pessoa
mais responsável, mais inteligente e mais carinhosa que eu já conheci. E me
entende, sabe como eu me sinto. Muito obrigado por tudo. Acho que agora
eu já sei o que fazer.
A mão de Rodrigo ficou mais pesada sobre o meu ombro.
— E o que você vai fazer?
— Conversar com Luiz Fernando, falar tudo pra ele.
— Sério? Isso é bem corajoso. É bom mesmo deixar as coisas às claras
para se evitar desentendimentos, mas saiba que ele pode se afastar depois
disso, tá?
— Eu sei. Eu fico triste com a possibilidade, mas é o que eu vou fazer.
Vou falar pra ele o que eu sinto. Se ele nem sabe que eu o amo, como vai
saber o que eu quero, né?
— Não sei, Átila. Mas faça alguma coisa, talvez você chore depois
disso, mas é melhor do que ficar fantasiando ano após ano. Se você quebrar
a cara, pode voltar aqui que eu te consolo.
Levantei a minha cabeça e dei um beijo no rosto dele.
— É por isso que eu te amo!
Ele ficou sério, mas depois deu um sorrisinho suspeito.
— Átila, me conta uma coisa: vocês chegaram a... Tudo, tudo mesmo?
Suspirei envergonhado.
— Ai, amigo, olha, não deu bem certo, se é que me entende. Foi
estranho. Parecia que eu estava mesmo com um primo que eu não tenho a
menor intimidade.
Ele pegou as minhas mãos, ainda deitado. Eu já estava sentado ao lado
dele.
— Viu só? Platonismo não dá certo na cama, amigo. Precisa de tesão
em ambas as partes, ou, pelo menos, de sintonia. Resolve isso, viu? Depois
me conta.
Me abaixei e o abracei, ficando por um tempo nos braços dele. Era tão
bom me sentir daquele jeito, protegido. Eu sentia que estava pronto para
enfrentar qualquer coisa. Beijei seu rosto e Rodrigo cheirou meus cabelos.
— Te amo, viu? — falei.
— Eu sei, seu bobo.
Depois daquela conversa, me despedi e fui embora com a cabeça cheia
de ideias. Então Luiz Fernando aproveitava que eu era apaixonado por ele
para tirar o atraso? Ou será que ele gostava de mim, pelo menos um
pouquinho? Às vezes ele era atencioso, mas às vezes era tão reticente... Eu
queria esclarecer as coisas, mas só de pensar na conversa embaraçosa que
seria, minha barriga começava a revirar.
Ainda no ponto de ônibus, peguei o celular e procurei o número do
meu primo. Fechei os olhos e respirei fundo. Liguei.
Passo 10
Deixe bem claras suas intenções e anseios.

Q uais são seus anseios? Para não gerar expectativas irreais e,


consequentemente, frustração, é justo que as cartas de ambos estejam na
mesa. Para isso, uma boa conversa se faz necessária.
Uma boa conversa... como se fosse fácil...
Luiz Fernando demorou a me atender; precisei ligar duas vezes.
Quando finalmente ele disse alô, eu já estava entrando no ônibus. Eu estava
nervoso e minhas mãos tremiam, errei ao pegar o dinheiro da passagem,
deixei moedas caírem no chão, acotovelei uma mulher sem querer, enfim,
eu estava muito ansioso.
— Fala, Átila, tudo bem? — ele perguntou, sem muito entusiasmo.
Minha confiança, que já era pouca, diminuiu.
— Nando, você está ocupado?
— Um pouco, mas pode falar. Algum problema?
— Não, não... quer dizer... eu só queria falar com você... Mas pode ser
outra hora, não é nada demais — concluí.
— Tem certeza? Aconteceu alguma coisa? — Ele ficou preocupado.
— Não, tá tudo bem. Eu queria conversar contigo, mas não é urgente.
Pode ser outra hora.
Ouvi um riso. Luiz Fernando imaginou algo diferente do que eu
pretendia.
— Hum, entendi. Talvez eu viaje amanhã, então me liga na terça. Aí a
gente conversa.
— Tudo bem. Eu ligo na terça, então.
— Tchau.
A voz de Luiz Fernando estava mais animada ao desligar; já da minha
parte, era só desânimo. Me sentei na última cadeira vazia e fiquei olhando
para fora, ainda tremendo, soltando o ar pela boca.
É chato quando a gente quer resolver um assunto e tem que esperar.
Tentei me distrair olhando as mensagens do celular, mas encontrei nossa
conversa da noite anterior onde eu claramente o convidava para ficar
comigo. Senti raiva de mim e vergonha por ter feito aquilo. Apaguei a
conversa.
Meu destino, ao embarcar, era a casa de tia Helena, mas no meio do
trajeto eu mudei de ideia. Fui até o terminal e peguei um ônibus para casa.
Queria ficar em paz com as minhas coisas sem ter que ver meus tios, os pais
de Luiz Fernando. Também estava com saudades do meu pai.
Como era domingo, os ônibus não passavam em todos os pontos, por
isso, acabei desembarcando longe de casa. Tive que caminhar bastante, mas
isso acabou me fazendo bem. Eu estava mesmo precisando esticar as
canelas.
Quando cheguei em casa, já passava das sete da noite. Meu pai estava
fazendo a comida e a casa estava um verdadeiro deus-nos-acuda. Ele nem
me viu entrando.
— Pai, passou um furacão aqui?
— Átila, achei que você nem vinha hoje. Eu cheguei faz pouco tempo.
Nossa, está mesmo uma bagunça! Se eu soubesse que você vinha, eu tinha
feito feijão. — Ele foi recolhendo as coisas que estavam espalhadas até
chegar aonde eu estava e me dar um abraço. — Você podia ter ido comigo,
filho. Foi bom lá, todos perguntaram por você.
— Ah, pai, eu saí ontem, fui à casa de um amigo e vim só agora. Só
vim mesmo pra ver o senhor e, para falar a verdade, nem sei como vou
fazer para estar na farmácia às oito amanhã. — Sim, eu tinha me esquecido
de como meu endereço era longe do meu trabalho.
— Ih, eu te levo. O possante tá no grau.
— Será? Sei não, hein!
— Tô te falando... — Ele riu e mostrou a chave brilhando num
chaveiro que era basicamente o escudo do Flamengo feito de pelúcia.
— Ai, pai, que coisa mais brega!
— Isso é inveja que teu time tá no sufoco na segundona!
— Pai, tô nem aí pra isso!
— Oh, que menino chato! Não gosta de futebol, não gosta de cerveja,
só falta não gostar de mulher.
Dizendo isso, ele saiu rindo. Foi para os fundos da casa com roupas
sujas para pôr na máquina de lavar.
Tentei ignorar aquela conversa, mas foi difícil. Eu já tido emoções
demais por aqueles dias, e estava bastante sensível. Por não ter tido mãe
presente e meu pai ser tão avoado, eu não tinha com quem conversar. Com
meus tios, isso não rolava de jeito nenhum. Eu me irritava com o fato de
eles não virem o que era óbvio.
Meu pai me chamou para jantar. Enquanto comíamos, ele me olhava,
às vezes sorria, e isso me deixava constrangido. Eu sabia que ele queria
dizer alguma coisa, mas não sabia como começar. Quando eu nasci, meu pai
já tinha mais de quarenta anos, e isso meio que nos distanciava. A cabeça
dele, apesar de ele posar de garotão, era de outro tempo.
— Com está lá no Walter? — ele perguntou de repente. Me surpreendi,
pois raramente ele perguntava sobre a casa do irmão.
— Está normal, eu acho. Eu passo pouco tempo lá. Trabalho, vou para
a faculdade, e saio um pouco quando tenho tempo, igual no feriado.
— Sei. E eles te tratam bem, meu filho?
— Claro, pai, mas por que o senhor está perguntando isso?
— Não deixe o Walter ou aquele filho sonso dele te tratar mal, viu?
Sorte que a Helena... — Meu pai tinha uma admiração enorme pela
cunhada.
— Ai, pai, ninguém me trata mal não. E Luiz Fernando não é sonso.
Por que o senhor está dizendo isso?
— Ah, aquele menino é esquisito, todo caladão e fica olhando os
outros de rabo de olho por trás daqueles óculos. Se bem que tem tempo que
não vejo, ele já deve estar beirando os trinta anos. Sempre foi meio fresco.
De repente, perdi a fome. Me veio um nó na garganta. Olhei o meu
prato e tentei continuar comendo, apesar do mal-estar, mas não consegui.
Peguei um copo de água e bebi tudo de uma vez, me levantando logo em
seguida. Meu pai ficou preocupado.
— Por que perdeu a fome, menino? O bife não está bom?
— Tá sim, pai, mas eu comi carne demais hoje na casa do meu amigo.
Vou descansar um pouco.
Fui para o quarto, mas meu pai foi logo depois. Entrou sem bater e se
sentou na minha cama.
— Fiu, parece que você está chateado com alguma coisa. Pode falar.
— Nada não, pai. Deixa pra lá. Só tô cansado.
— Quem é esse seu amigo onde você estava? É do trabalho?
— Não, ele estuda comigo. A gente estuda junto porque ele tem
problemas de visão e precisa de alguém junto.
— Ah, é da escola. Foi a professora que mandou você ficar junto com
ele? — Ele perguntou cauteloso, como se pisasse num campo minado.
Alguma coisa me dizia que era chegada a hora da conversa.
— Pai, o senhor está meio perdido no tempo, não acha? Eu não estou
na escola, e sim na faculdade. Nenhuma professora me mandou ajudar o
Rodrigo, eu só leio para ele, e ele sim, me ajuda com as matérias. Mas eu
sei por que o senhor está dizendo isso. Alguém deve ter falado alguma
coisa, não foi? Vai, pode falar, não fica aí jogando indiretas.
Ele se levantou e começou a andar de um lado para outro. Quando
conseguiu falar, ele estava vermelho.
— Olha, Fiu, já falaram umas coisas sim, muita gente. Mas eu não
quero acreditar, muito menos no Walter, que só quer me rebaixar com a
mania de grandeza dele. Ele veio com graça, falou que você anda largado
na rua aprendendo o que não presta, e que tem jeito de baitola, mas eu dei
um chega-pra-lá nele. Falei na cara dele que o filho dele é que tem, andando
todo engomadinho daquele jeito.
— Pai, não fica discutindo com tio Walter, isso não tem nada a ver
com...
Parei e respirei fundo. Resolvi encerrar aquilo tudo.
— Ah, quer saber? O pessoal tem razão sobre mim. É, eu sou viado
sim. Baitola, como o senhor diz. Tio Walter tem razão. Parece que o senhor
perdeu essa disputa idiota! — Eu ainda queria dizer umas coisas, mas não
consegui continuar. Abracei meus joelhos e pus minha cabeça sobre eles.
Tentei segurar as lágrimas teimosas, mas elas sempre venciam.
Um longo silêncio reinou. Meu pai se sentou na cama, passou a mão
pelos cabelos ralos e suspirou de forma cansada. Minutos depois, ele falou:
— Acho que o Walter tem razão. Eu não fui mesmo um bom pai.
Levantei minha cabeça e olhei para ele, quase ao meu lado, olhando o
vazio, com uma tristeza profunda acentuando as marcas do rosto.
Combinadas aos cabelos já grisalhos, ele parecia ainda mais velho.
— Pai, isso não tem nada a ver com você ser ou não um bom pai. Não
foi nada que eu aprendi na rua. Eu sempre fui assim, você que não via.
Ele se levantou e ficou olhando através da janela fechada e oculta por
uma cortina velha. Foi para ela que ele falou.
— Eu tinha esperança de que isso fosse só coisa da minha cabeça, mas
não é. Foi sim praga da sua mãe.
— Pai? Do que o senhor está falando?
— Você saiu igualzinho o irmão dela. Mas fazer o quê, né? Você é meu
filho e eu tenho que te aceitar.
Abri a boca para falar, mas não consegui. Aquilo foi demais para mim.
Eu não conhecia nenhum tio gay, e meu pai evitava falar sobre meus
parentes maternos. Me senti um lixo, um rejeitado, depois que ouvi aquelas
palavras horríveis da boca de meu pai. Eu sabia que ele não reagiria bem,
mas aquilo foi demais. Me levantei e peguei na porta, esperando que ele
saísse para fechá-la. Ele saiu do meu quarto com passos vacilantes e o olhar
perdido, mas não disse mais nada.
Me deitei na cama e fiquei olhando o teto; minhas lágrimas tinham
secado. Eu estava triste, mas não muito. O que eu sentia era raiva, muita
raiva. No trabalho e entre amigos, todos me entendiam, e eu não precisava
ficar falando da minha sexualidade. Com minha família era diferente. Eles
eram ausentes, desinteressados e retrógados. Não se importavam comigo e
com o que eu sentia. Eu estava com muita raiva de todo mundo. Pensei na
família do Rodrigo, tão linda e tão unida, me recebendo na casa deles como
se eu fosse mais do que um amigo. Por que eu não tinha uma família
assim?
Mais tarde, me levantei para ir ao banheiro. Passei pela sala, mas meu
pai não estava lá. Não ouvi nenhum barulho na casa. Tomei banho devagar
e pensando na vida, a água fria refrescando meus pensamentos. Eu estava
muito cansado, e olheiras já podiam ser vistas no meu reflexo no espelho.
Eu tinha que dormir. Depois do banho, me deitei, mas o sono demorou a
chegar.
Pela manhã, quase perdi a hora de me levantar. Meu celular tocou
várias vezes, e meu pai chegou a bater na porta. Ao abrir os olhos, senti
minha cabeça doer, e meus pensamentos estavam confusos. Senti fraqueza e
vontade de vomitar. Quando saí do quarto, porém, tive uma grata surpresa:
meu pai estava num contagiante bom humor. Já tinha feito café e pão, suco
e bolinho. Com certeza também tinha dormido pouco aquela noite. Me
chamou para sentar, me serviu e puxou assunto sobre outras coisas. O café
teve que ser rápido, mas meu pai estava fazendo de tudo para me deixar à
vontade. Depois ele me levou ao trabalho no seu Gol antigo e barulhento.
Eu tinha um uniforme extra guardado em casa, mas minha mochila
tinha ficado na casa de tia Helena, portanto, eu teria que dar um jeito de
pegá-la antes de ir para a faculdade. No caminho, meu pai foi falando sobre
o fim de semana, de como foi lá na fazenda, falou da namorada dele, uma
mulher trinta anos mais nova, até que chegou ao assunto da noite anterior.
Dessa vez ele agiu diferente.
— Fiu, eu pensei melhor e vi que eu fui errado nas coisas que falei
ontem. Você sempre foi um menino tão bom, eu não devia mesmo ter falado
essas besteiras. Só quero que você seja feliz, tá?
— Brigado, pai.
— É verdade! Quero que você seja muito feliz. Acho que a gente vai
ficar melhor agora que não tem mais segredo.
— Obrigado. Eu sabia que o senhor ia entender.
Ele deu um tapinha na minha perna olhando para frente, segurando o
sorriso.
— Hum, e tá namorando já? Me apresenta esse rapaz que você chama
de amigo.
Ri. Eu não estava nem de longe preparado para falar sobre meu caso
com Luiz Fernando. Isso meu pai ia ficar sem saber.
— Não, pai, tô só trabalhando e estudando.
Ele não pareceu convencido, e logo voltou no assunto.
— Mas você anda tão pensativo. Impossível isso não ser amor. Fala
pro pai.
— Que mané amor, pai. É que eu sou fraco na maioria das matérias da
faculdade, ando pensando se eu entrei mesmo no curso certo.
— Verdade? Se você não está gostando do curso, tem que ver isso daí.
Ele continuou falando e eu me concentrei no barulho dos carros,
buzinas, pessoas. O barulho me distraía dos meus problemas. A janela
estava aberta, pois não tinha ar-condicionado.
Quando ele parou em frente à farmácia, em fila dupla mesmo, eu o
abracei e ele foi embora feliz. Eu também me sentia melhor. Aquele tinha
sido um fim de semana de muitas emoções.
Na hora do almoço, fiz uma coisa que eu já tinha planejado havia
tempo: colocar um piercing na sobrancelha. Demorei a tomar a decisão por
medo da opinião do meu pai e dos meus tios, mas eu estava passando dessa
fase. Aos poucos, eu estava aprendendo a me impor.
No fim do expediente, pedi ao meu chefe para sair mais cedo, pois eu
precisava buscar minhas coisas na casa de tia Helena. Ao chegar lá, não vi
movimento algum. Não tinha ninguém em casa. Estranhei, mas como eu
tinha a minha própria chave, pude entrar sem problemas. Tomei banho,
comi biscoitos com água e segui para a faculdade. Minha rotina era muito
corrida e qualquer minuto de atraso me faria perder o ônibus.
Me sentei ao lado do Rodrigo, como sempre fazia. Cochichei sobre o
meu piercing, mas não o deixei tocá-lo, pois estava dolorido. As primeiras
aulas passaram rápido e nós não tivemos tempo para conversar, por isso eu
estava ansioso para o intervalo. Queria falar com o Rodrigo sobre a
conversa com meu pai e sobre como ele tinha reagido. Porém, um minuto
antes do intervalo, Rodrigo saiu para conversar com o Amado, me deixando
sozinho. Estranhei, pois eles mal se cumprimentavam nos últimos dias.
Esperei que Rodrigo fosse voltar depois do intervalo, mas nas aulas
seguintes, eles continuaram a conversa, e isso começou a me incomodar.
Rodrigo não era de perder aulas conversando e não costumava me ignorar
daquele jeito. Eu estava muito sensível e o Rodrigo era o meu único amigo.
Sara e Reginaldo tinham virado um casalzinho e eu não tinha intimidade
com mais ninguém, eram todos estranhos para mim.
De vez em quando eu me virava para onde estava o Rodrigo e o via
conversando com o Amado, poucos centímetros entre suas cabeças, e um nó
foi se formando na minha garganta.
Por que ele estava fazendo aquilo comigo? Ele tinha dito que estaria
me esperando quando eu precisasse conversar, por que estava daquela
forma com o Amado?
Quando senti que minhas lágrimas poderiam cair a qualquer momento,
eu saí da sala. Saí rápido, levando as minhas coisas, antes mesmo das dez
da noite. Ao passar pela porta, fechei-a atrás de mim e corri até o banheiro,
que por sorte, estava vazio. Larguei minhas coisas sobre a bancada e me
fechei numa cabine; o choro já caía sem parar. Eu nem sabia o porquê de
estar chorando. Sentia uma mistura de tristeza e carência, me sentia traído e
abandonado, mas não sabia exatamente de onde vinha tudo isso. Eu só
queria chorar.
Quando ouvi uma porta se abrindo, enxuguei meu rosto do jeito que
deu e saí. Empurrei minhas coisas para um canto e comecei a lavar o rosto.
Quando me vi no espelho, pálido e com os olhos vermelhos, voltei a chorar.
Um carinha que eu não conhecia chegou para lavar as mãos e me olhou,
preocupado. Gesticulei para que ele entendesse que não era nada grave.
Lavei o rosto, e a água fria ajudou a me recompor.
Desci evitando passar pelos grupinhos de estudantes, tomei o primeiro
ônibus que passou e nem vi o trajeto que ele fez. Desembarquei distante da
casa de tia Helena, o que me obrigou a caminhar um bom pedaço. Não era
nada seguro, mas naquele dia eu não estava me importando. Na verdade, eu
estava precisando daquele tempo. Toda vez que me lembrava da cena, o
Rodrigo completamente absorto na conversa com o Amado, eu me irritava e
chorava. Até meu piercing, que eu queria tanto, estava me incomodando.
Estava quase arrependido de tê-lo colocado.
Estando já bem perto do meu destino, vi que uma caminhonete passou
por mim e parou logo à frente, abaixando o vidro. Olhei, esperando que
fosse tio Walter, mas não era. Era o Beto. Respirei fundo. Aquela noite
estava sendo difícil.
— O que faz aqui a essa hora, miúdo? Tá perdido? — Apesar do tom
de graça, dessa vez ele parecia sóbrio.
— Não, Beto, estou chegando da faculdade. Boa noite! — Continuei
meu caminho sem dar atenção a ele.
— Eita, não precisa correr não. Por que você está chorando?
— Não é da sua conta, Beto. Agora pode ir, eu quero entrar. Tchau! —
Estava já em frente ao portão e ele tinha parado justamente ali.
— Calma! Eu queria mesmo te pedir desculpas por aquele dia. Eu
estava meio alterado, você sabe. Não fiz por mal. — Ele deu um sorriso e
saiu do carro, mas eu não estava no meu melhor dia.
— Você não estava meio alterado, você foi um babaca da pior espécie.
Você machucou meu braço! E, pelo que fiquei sabendo, é costume seu fazer
isso, então nem tente nada comigo de novo, senão eu vou gritar no seu
portão até o seu pai ouvir. Duvida? Não quero mais papo contigo.
— Puxa, eu exagerei mesmo! Não foi minha intenção te machucar,
mas desculpa mesmo, sério.
— Está bem, Beto, agora vai embora!
Nesse momento, outra caminhonete branca estava chegando, e eu só
fui notar quando o portão eletrônico começou a abrir. Me virei esperando
ver tio Walter e tia Helena, mas, para a minha surpresa, era Luiz Fernando
quem estava dirigindo. Meu tio estava ao lado dele e me olhou com a cara
feia. Lembrei do que ele tinha dito ao meu pai, que eu tinha "jeito de
baitola". Senti ódio. Se ele falasse algo do tipo de novo, eu ia ser obrigado a
esfregar umas verdades na cara dele.
O Beto já abria o portão da própria casa e sumia da minha frente. Isso
me deixou mais calmo. Esperei um pouco antes de entrar na casa, pois
estava com a cabeça doendo. Nem sonhava com a possibilidade de ver Luiz
Fernando naquela noite e, para falar a verdade, não estava nem um pouco
preparado. Me sentei no banco. O gato Galileu não estava ali para me
entreter, então fechei os olhos, senti o ar frio da noite e descarreguei um
pouco do meu peso nele. Me senti melhor.
Quando entrei na casa, todos já estavam em seus quartos, o que me
evitou o constrangimento de ter que explicar meus olhos inchados e meu
encontro com o Beto. Eu teria que explicar mais cedo ou mais tarde, mas
não naquela noite.
Tomei banho, escovei os dentes, vesti um short de dormir, e quando saí
no corredor, vi a porta do quarto de Luiz Fernando entreaberta. A luz estava
acesa e, não sei por que, tive um anseio de ir até lá. Não sabia o que aquela
família tinha feito durante o dia, já passava das onze da noite e todos
deviam estar cansados, assim como eu estava, mas alguma coisa me forçava
a ir até meu primo. Talvez o desejo de resolver todos os meus problemas o
mais rápido possível. Bati suavemente na porta e entrei.
Luiz Fernando estava de banho tomado, apenas de short, assistindo
televisão num volume quase inaudível. Ele me olhou e sorriu.
— Meus pais estão acordados. Deixe a porta aberta e vamos ficar
conversando. Depois, você sabe. Eu não me esqueci da sua ligação. — Ele
piscou de um jeito sacana.
Só de ouvir isso, meu coração acelerou. Senti minhas pernas trêmulas
devido à ansiedade.
— Então, Nando... Acho que você entendeu errado.
— Tudo bem, depois você me explica direitinho. Como foi o dia? Sua
cara está inchada. Desinfectou bem esse piercing?
— Sim. Nem está doendo.
— Não pode colocar isso com qualquer pessoa. Pode acontecer uma
infecção.
— Isso, fala bem alto e a sua mãe vem ver o que eu tenho.
Luiz Fernando riu. Aumentou o volume da televisão e nós ficamos
assistindo uma besteira qualquer. Quando ele achou que já tinha se passado
tempo suficiente, pediu que eu fechasse a porta com cuidado. Obedeci.
Quando voltei, ele estendeu a mão e alcançou a minha, me puxando ao
seu encontro. Levou a boca ao meu pescoço, mas eu o contive; ele entendeu
errado e aproximou a boca da minha. Desajeitado como sou, nossos dentes
acabaram batendo. Ele riu e eu fiquei envergonhado. Ele passou a língua na
minha boca e as mãos na minha bunda. Segurei as mãos dele, e então ele
parou, surpreso.
— O que foi?
— Para, Nando! Eu queria... — Ele beijou meu pescoço e eu fiquei
sem reação. Me abraçou e eu senti sua excitação, e isso me deixou confuso.
Ele era muito gostoso, quase impossível resistir. Mas resisti. — Não,
Nando, chega! Temos que parar.
— Parar o quê?
— Luiz Fernando, por favor, a gente precisa conversar!
— Achei que a gente já estivesse "conversando". Desculpe. Sobre o
que você quer falar? É sobre o Beto, não é? Por que você ainda dá trela pra
ele depois do que eu te falei?
Respirei fundo. Aquilo estava sendo difícil. Difícil porque eu não era
bom em me explicar, não estava preparado para encontrar meu primo na
segunda-feira, e porque ele ficava tirando conclusões precipitadas. Se eu
não encontrasse logo uma solução, aquilo não iria dar em nada.
— Não, Nando. Não tem nada a ver com o Beto. Eu estava chegando e
ele também, então ele veio pedir desculpas por umas coisas que ele fez
outro dia. Só isso. Eu já ia entrar quando vocês chegaram.
— E o que foi que fez? Vai, pode falar...
— Ai, Nando, não era nada disso que eu ia falar, mas... tá bom! Olha,
esses dias ele me mandou mensagem, insistiu para que eu fosse na rua, e eu
acabei indo. Saí com ele de carro, a gente foi aqui perto, até aí ele estava
normal, mas depois começou a exagerar e a me forçar, você sabe, ele é forte
e violento. Fui sair do carro e ele me segurou, mas eu consegui fugir e não
aconteceu mais nada. Hoje ele veio pedir desculpas e eu mandei ele sumir.
— Foi só isso mesmo o que aconteceu? Se tiver algo mais...
— É só isso. Obrigado por se preocupar.
Sorri para ele, que me puxou para um abraço. Não estava me
agarrando, nem nada, era um abraço carinhoso apenas. Me senti bem nos
braços dele daquela forma. Então ele me soltou e me olhou, dessa vez,
sério.
— Então era isso o que você queria me falar?
— Ai, Nando, era não. É outra coisa que eu nem sei por onde
começar... — Suspirei e olhei para o chão. Minha voz começou a embargar
e eu me senti bem idiota. Meu primo era tão gentil quando queria e eu
estava prestes a estragar tudo!
— Começa do começo. É o melhor. Mas vai logo, porque está ficando
tarde. Nós temos que dormir, né.
— O começo... Ai, meu Deus! Sabe Nando, tem muito tempo que eu...
— Não saiu. Parecia que eu estava diante de um juiz confessando um crime.
— Sim? Você o quê?
— Por favor, não ria de mim.
— Ninguém está rindo de você, agora fala. Está me deixando
preocupado.
— Você gosta de mim? — Droga, eu deveria ter começado com essa
pergunta. Ficou mais fácil depois que eu falei.
— Claro que eu gosto, mas por que a pergunta? — Ele me olhou com
olhos estreitos, curioso, mantendo nos lábios um leve sorriso. Estava
entendendo onde eu queria chegar.
— É que eu gosto de você. Gosto muito. É isso! E não é como amigo
não, eu sinto umas coisas meio... doidas. A gente fica, e eu... te amo.
Pronto, falei! Pode rir de mim agora.
Suspirei e esperei que caísse um raio, que algo explodisse, enfim, pelo
fim do mundo. Meu rosto queimava e eu não tinha coragem de encarar o
Luiz Fernando. Minha garganta estava doendo.
— Você gosta de mim?
— Sim. Eu te amo... Amo... muito... E faz tempo... Eu tenho pensado,
e sofrido com isso... Enfim, é isso. Droga, me desculpe!
Ouvi Luiz Fernando suspirar e fechei os olhos tentando, em vão,
impedir as lágrimas de descerem, mas meus olhos desobedientes molharam
meu rosto e minha roupa. Fechei os olhos com força para não ver a cara de
perplexidade do meu primo.
Alguns segundos se passaram até que eu ouvisse a voz do homem que
eu amava, e ela veio rouca, acompanhada de dedos macios na minha pele.
— Não faz isso, poxa! Por que chorar?
Aquele carinho fraterno só fez abrir ainda mais a torneira da minha
emoção. Chorei sem conseguir parar. Ele me abraçou e eu cheguei a soluçar
entre aqueles braços que eu tanto desejei, que cheguei a ter, mas que não me
pertenciam. O abraço dele era só carinho e afeto, eu podia sentir e entendia
perfeitamente. Me afastei e enxuguei seu ombro molhado pelas minhas
lágrimas.
— Desculpa... — Foi só o que saiu. — Desculpa por tudo, por ter
estragado tudo. Eu sei que estou sendo idiota, mas eu tinha que falar...
— Tudo bem, você fez bem em falar. Mas não precisa sofrer desse
jeito. Por que você está assim? — A voz dele era calma, porém severa.
Lembrava um médico quando vai examinar uma ferida e a pessoa está
fazendo um escândalo maior do que o necessário. — Calma, Átila, calma!
Tá tudo bem!
Como eu não parava de chorar, ele mudou o tom. Entrou no modo
culpado, passando as mãos pelo rosto.
— A gente não deveria ter ido tão longe. Estou me sentindo mal.
Droga, eu não devia ter feito isso! Eu não sabia. Eu achava bom, achava
que você pensava o mesmo que eu. Agora... que merda! Me desculpe.
Me sentei no chão e passei a chorar abraçado aos joelhos. Pensei em
todos os sonhos que eu tinha tido com Luiz Fernando... cada bobagem. As
vezes em que a gente ficou, tudo tão superficial, tão pouco envolvente.
Rodrigo tinha razão. Luiz Fernando nunca me prometeu nada. Eu poderia
ter aproveitado mais se não fosse tão bobo e apaixonado.
— Eu só queria que... queria que você gostasse de mim do jeito que eu
gosto de você. — Minha garganta doeu ao pronunciar essas palavras, pois já
sabia a resposta. Mas Luiz Fernando me surpreendeu.
— Eu também queria que você gostasse de mim do jeito que eu gosto
de você, Átila. Ia ser melhor. Juro!
Uma onda de emoção me assolou. Fui até ele e o abracei. Chorei e
solucei, amparado em seus braços.
— Desculpa... eu sempre... fantasiava tudo, desde aquele dia,
lembra? Eu penso em você... eu sofro tanto...
— Tanto tempo assim?
— Sim, muito... muito tempo.
Voltei a me sentar no chão. Os soluços me sacudiam, parecia que
alguma coisa estava saindo de dentro de mim, me causando dor no peito e
na garganta. Deixei que saísse. Era o melhor que tinha a fazer. As lágrimas
foram escasseando e uma sensação de cansaço foi se apoderando de mim.
Até que consegui parar de chorar e fiquei em silêncio, olhando o vazio.
Tive a impressão de ouvir o vento lá fora além da respiração de Luiz
Fernando.
Olhei-o. Ele estava olhando as próprias mãos, mexendo-as
nervosamente, acho que sem saber o que dizer. Quando viu que eu o
observava, ele deu um sorriso triste. Se sentou perto de mim, no chão, e
tocou nos meus cabelos.
— Desculpa, tá? Você era muito novo naquela época, e eu fiz uma
coisa errada. Me sinto mal com isso.
— Não, não! Não diga isso! Eu vou ficar pior. Foi bom, e eu não quero
que você fique arrependido. Não era isso...
— Não estou arrependido de agora, e sim do passado. Me perdoe.
— Eu sonhei com você por três anos antes de tomar coragem de te ver.
Me fingi de doente para não ir à sua formatura. Nem acredito que estou
falando isso justamente com você! — Cobri o rosto com as mãos, mas Luiz
Fernando as tirou.
— Sei como é. Todo mundo passa por algo assim na adolescência, mas
depois de um tempo sara. Faz parte. Só não quero que você fique chorando
assim por mim. Eu não mereço.
— Todo mundo fala isso. Que não é nada, que vai passar...
— Porque é a verdade. Vai passar. Um dia você vai rir de ter perdido
suas noites sonhando comigo. Você vai acabar gostando de alguém que te
merece e vai esquecer isso tudo, e se ele não te merecer, vai se ver comigo.
Ri e me engasguei com as lágrimas remanescentes.
— Ai, Nando! Do que você está falando?
— Vou te proteger, oras. De caras sem vergonhas tipo o Beto, por
exemplo.
— E tipo você, por exemplo...
— E tipo eu... — ele repetiu sério, depois riu. A conversa tinha ficado
mais leve. — Mas eu sou legal.
— É, você é legal. Melhor do que eu pensava. Eu deveria ter te
conhecido melhor. Mesmo tão perto por causa da sua mãe, a gente sempre
foi muito distante.
— É verdade. Eu também deveria ter te conhecido melhor, e você seria
para mim aquilo que tinha que ser: como um irmão mais novo. Meu
chorãozinho.
— Vem com essa agora! Nando, você é pior que o Beto!
— Me respeita, moleque!
Saímos do chão e nos abraçamos longamente. Ele me apertou no colo
e me tirou do chão, dessa vez sem nenhum tipo de segunda intenção. Me
deu um beijo na testa. Desejamos boa noite um ao outro e eu fui para o meu
quarto leve como uma pena. Estava feito. E tinha sido melhor do que tudo o
que eu tinha planejado.
Passo 11
Desista!

O k, não é o mais encorajador dos conselhos, mas é necessário. Desistir de


algo que não se pode alcançar não é sinal de fraqueza ou incompetência, é
um passo inteligente rumo ao crescimento pessoal. Quem não desiste
NUNCA, apesar dos indícios de insucesso, se arrisca a passar anos e anos
preso a uma escolha ruim. E desistir é uma atividade que exige força de
vontade e autoconhecimento, ou seja, não é para os fracos. Desistir e seguir
em frente, uma coisa que eu deveria fazer.
Quando fui para o meu quarto, já passava de uma hora da madrugada.
Eu estava cansado, mas incrivelmente leve, como se um peso enorme
tivesse saído de dentro de mim. Me deitei na cama com a luz acesa e fiquei
olhando para o teto, sorrindo. Sim, eu me sentia feliz, apesar de tudo. Não
foi a tragédia que eu tinha previsto, afinal. Foi uma boa conversa.
Eu me arriscava dizer que amava Luiz Fernando ainda mais depois
dela, embora de um jeito que eu ainda não sabia definir. De um jeito
saudável, fraterno, talvez. Eu precisava dormir e depois eu pensaria melhor,
mas o cansaço era tanto que eu nem conseguir relaxar.
Conquistei meu primo? Não sei, mas não posso dizer que não tenha
dado certo o meu plano. Nós ficamos algumas vezes. Poderíamos ter
continuado, se fosse esse o meu objetivo, mas não era. Eu precisava falar
tudo aquilo para ele; mesmo me sentindo um adolescente tolo em vários
momentos, foi inevitável. Eu estava me sentindo melhor. Estava me
sentindo adulto.
Antes de apagar a luz, me lembrei de colocar meu celular para
carregar, como fazia todas as noites. Ao pegar o aparelho, me dei conta de
que ele ainda estava no modo silencioso. Eu não tinha olhado depois que saí
da faculdade.
Enquanto mexia no volume de toque por causa do despertador, vi que
tinha ligações e mensagens, todas da Sara e do Reginaldo. Fiquei intrigado
com a quantidade, eram muitas mesmo. Comecei a ler as mensagens.
"Cadê você, Átila, tá tudo bem?" — Sara.
"Cara, isso foi um ataque de ciúmes, doido?" — Claro que essa foi o
Reginaldo.
"Me liga, tô preocupada contigo" e "Aquilo tudo foi ciúmes do
Rodrigo, mano?..."
Não entendi. Horas antes, estavam todos ocupados com os seus
problemas, sequer me notaram, e agora as mensagens? O que estava
acontecendo?
Eu não tinha ficado com ciúme do Rodrigo, só estava triste por ter sido
deixado de lado daquele jeito, e logo por causa do Amado... Acho que
qualquer um se sentiria assim. Dormi com esses pensamentos na cabeça e
com a luz acesa.
O despertador me arrancou à força de um sono profundo às seis e meia
da manhã de terça-feira e, pra variar, eu estava cansado, com dor de cabeça
e com os olhos inchados. Torci para que ninguém da casa me visse, mas não
fui bem-sucedido: todos viram. Tia Helena colocou as mãos no meu rosto e
perguntou o que eu estava sentindo, como se fosse ela a detentora de um
diploma de medicina naquela casa.
— Não tenho nada não, tia. Tá tudo bem.
Tentei me esquivar do exame.
— Deixa ele, mãe! — Luiz Fernando estava com cara de sono e de
shorts. Por que ele tinha se levantado tão cedo? Me deixou envergonhado.
Tio Walter me observava por detrás da sua xícara de café, sem dizer
nada. Sorriu para mim, mas eu desviei o olhar quando me lembrei das
coisas que ele falava com o meu pai. Ridículo e absurdo que as discussões
deles envolvessem ofensas aos filhos. O perdedor da disputa seria aquele
que tivesse o filho mais “viado”? Eu tinha que sair logo daquela casa!
Depois de um café reforçado, mas sem sabor devido ao meu paladar
comprometido pela emoção, fui para o trabalho. No caminho, liguei para a
Sara. Eu estava curioso para saber por que tinham me ligado e mandado
tantas mensagens na noite anterior. Ela atendeu bem rápido.
— Nossa, até que enfim! Tá tudo bem, Átila?
— Ei, Sara, bom dia! Como vai? Claro que tá tudo bem, por que você
me ligou tantas vezes essa noite?
— E por que você não atendeu? Cara, você saiu da sala esquisito,
correndo, primeiro achei que você tivesse comido pastel estragado de novo,
mas depois vi que o Amado ficou olhando e o Regi comentou que você
estava chateado com o Rodrigo...
— Mentira do Reginaldo! Eu não estava chateado com ninguém, só
fiquei cansado da aula chata e fui embora.
— Não mente, Átila! Eu saí logo atrás de você e não te vi em lugar
nenhum, nem na escada, nem no corredor, cheguei a correr e não te vi na
portaria. Achei que você tinha voltado pra sala e nada! Te liguei e nada!
Vai, fala o que houve!
— Nada, Sá, é sério. Eu estava cansado e chateado com umas coisas
sim, mas já está tudo bem. Não atendi porque esqueci o celular no
silencioso. Quando vi, já era de madrugada. Foi mal.
— Átila, todo mundo ficou comentando que era ciúme do Rodrigo
porque ele tinha te deixado de lado. Me fala, amigo, estava rolando alguma
coisa entre vocês? Você tá gostando dele?
— Oi? Claro que não, ele é meu amigo, nada a ver ciúme. Olha,
cheguei aqui na farmácia. A gente se fala à noite, tá?
— Tá bom, mas, olha, o Rô ficou triste com aquilo, tadinho. Acho que
se ele pudesse, teria ido atrás de você.
Essa fala aguçou minha curiosidade porque eu ainda estava magoado
com o Rodrigo.
— Triste? Ele estava beeem ocupado, viu? Era o Amado, o queridinho
dele. Mas, Sara, é sério, preciso desligar.
Ela riu de mim.
— Depois fala que não é ciúme! Tchau, até a noite.
Ciúmes! Quando? Eu estava triste, isso sim. Rodrigo podia ter me
avisado que ia conversar com o Amado, e não me deixado com cara de
tacho sem saber o que estava rolando. Ele não tinha que me dar satisfação
de nada, mas, poxa, ele fez aquilo na frente de todo mundo sabendo das
piadinhas que rolavam na sala! Aquilo foi chato. Ele me fazia tão bem com
suas conversas adultas, inteligentes, sua concentração nos estudos, seu
carinho... Sem ele, minha autoestima caía, assim como meu rendimento.
Fiquei tão distraído arrumando prateleiras de cosméticos que me
surpreendi quando notei que já era a hora do almoço. Eu não estava com
fome, então perambulei pela rua para passar o tempo. Tomei milk-shake e
me sentei num velho banco da praça para me distrair olhando as pessoas
interessantes que passavam. Devido ao fato de ter dormido mal à noite, o
sono me ameaçou, então precisei me levantar.
Em frente à praça tinha uma agência bancária. Passei por ela enquanto
o carro da transportadora de valores estava em sua vaga preferencial,
cercado por homens armados. Lá dentro, as pessoas faziam filas nos caixas
eletrônicos. Pelas paredes de vidro, vi o funcionário do banco que entregava
senhas para o atendimento interno e tive a impressão de que o conhecia.
Parei, voltei alguns passos e confirmei: pele clara, cabelos pretos,
olhos escuros e perdidos. Rodrigo. Eu sabia que ele trabalhava num banco,
mas nunca tinha perguntado em qual. Na verdade, eu não sabia muita coisa
sobre o Rodrigo, o que fazia de mim um péssimo amigo. Será que ele
gostava de alguém? O que teria acontecido entre ele e o Amado? Por que
eles tinham se separado? E o que tanto conversavam na noite anterior,
durante as aulas, logo ele que era tão aplicado nos estudos?
Pensei nas nossas conversas. Ou eram sobre a faculdade, ou eram
sobre mim. Ele me ouvia com paciência e me perguntava as coisas quando
tínhamos tempo, e eu nunca tinha feito questão de conhecê-lo melhor.
Resumindo, eu era uma pessoa horrível. Se eu ainda tivesse chance, daria
mais atenção ao meu amigo.
Meu celular tocou; olhei e era o Reginaldo. Suspirei e atendi.
— Fala, doido! — Me encostei na parede da próxima loja, que vendia
aparelhos musicais. Eu amava aquela loja. Alguém tocava guitarra lá
dentro.
— Véi, "cê" tá bem?
— Claro, por que a pergunta?
— Que tu saiu da sala ontem parecendo que ia vomitar, doido, até o
“profi” ficou preocupado, os malucos comentaram que "cê" estava era se
mordendo de ciúmes do Rodrigo. Que isso, “véio”? Até tu nas “gaia”
agora?
— Naldo, sério mesmo que você ligou só pra falar isso? Eu estava mal
sim, mas era coisa minha, nada que seja da conta sua ou dos idiotas da sala.
— Isso, parabéns! Que educação cavalar! Eu aqui preocupado
contigo... — Então ele mudou o tom: — Mas "cê" melhorou de ontem?
— Melhorei, Naldo, se preocupa não. Tá tudo bem.
— Beleza então, mas trata de vim pra aula hoje e ocupar aquele lugar
precioso ao lado do seu Rodrigo, que o Amado não vai mais atrapalhar.
Rodrigo, o Amado e o amante! — Reginaldo riu alto até que parou de
supetão. — Que merda que “ceis” me arruma, velho! Nisso tudo, eu nem
sabia quem que é que tava com o Rodrigo.
— Tá bom, Reginaldo! Fica com Deus, tchau! — Desliguei. Reginaldo
tinha o dom de me fazer rir e ficar puto ao mesmo tempo. E de me fazer
ficar preocupado com o que teria que enfrentar à noite.
Voltei alguns metros até a entrada do banco. Rodrigo estava lá
trabalhando com eficiência, apesar da limitação da visão, e eu senti orgulho
de ser alguém próximo a ele. Queria continuar assim. Nem o Amado e nem
ninguém iria me impedir. Empurrei a porta e me encaminhei para a fila da
senha onde apenas duas pessoas aguardavam. Logo chegou a minha vez e o
Rodrigo, no seu tom sério e simpático, perguntou o que eu desejava.
— Oi... — eu disse apenas.
— Átila? — Ele abriu um sorriso.
— Como você sabe que sou eu?
— Como eu não ia saber? Te vejo com outros sentidos. — Ele tocou
discretamente no meu braço. — Me diz o que você veio fazer para eu tirar a
sua senha.
— Só vim te ver mesmo.
— Sério?
— A fila está muito longa? Se possível, eu gostaria de uma senha
preferencial. — Se tinha alguém ouvindo isso, eu não dava a mínima.
Rodrigo entrou no jogo.
— Seu atendimento será sempre preferencial. Eu estou mesmo
querendo falar contigo.
— Lá pelas dezenove horas?
— Isso mesmo, e tenta chegar no horário dessa vez.
— Sim, senhor, farei o possível.
Segurei a mão dele um pouco mais que o necessário e me despedi. Saí
do banco mais feliz, louco de vontade de chegar logo na faculdade para
ouvir o que ele ia me falar. Será que era sobre o Amado? Não, eu tinha que
esquecer aquele nome. Mas como esquecer um nome desses, meu Deus?
Como esquecer que ele conseguia tirar de mim a pessoa que eu mais
gostava naquela faculdade, aliás, não só na faculdade, mas na vida? Será
que Rodrigo me pediria desculpas? Não, ele não me devia desculpas. Eu
estava ficando louco.
A tarde demorou a passar, e eu acabei me atrasando para a faculdade.
A ansiedade estava a mil por hora, ainda mais por saber que o Rodrigo, do
jeito que era, só falaria comigo no intervalo. Socorro!
Passo 12
Seja feliz e independente!

C om o tempo, você percebe que a sua conquista mais importante é a do


amor-próprio. E que, para conquistar alguém, antes é preciso dar o primeiro
passo, que é ser autoconfiante e estar feliz consigo mesmo. Autoconfiança,
uma coisa que eu precisava conquistar.
Quando entrei na sala, atrasado como sempre, o professor de
Contabilidade se assustou, chamando a atenção de todos. Eu não me
importava com os piadistas da turma, mas naquele dia, um deles estava no
meu lugar, ao lado do Rodrigo! Surtei.
— Xispa! — falei entredentes, mas alto o suficiente para que ele
ouvisse. Estava constrangido devido aos olhares sobre mim.
O carinha em questão se chamava Marcelo, tinha uns vinte anos, era
alto e magro, de cabeça raspada e com um brinquinho em cada orelha,
moreno de olhos verdes. Lindo por fora, mas podre por dentro, ele tinha a
mania ridícula de zoar os outros. Eu era uma de suas vítimas favoritas, mas
para o azar dele, havia meses que eu não me importava. O Rodrigo estava
desconfortável com a situação.
— Wow, cadê a educação? Esse mundo está perdido mesmo! —
Marcelo se fingiu de ofendido.
Cruzei os braços.
— Com licença, senhor intrometido, o senhor poderia me ceder esse
lugar e desaparecer da minha frente, por favor?
— É assim que se fala! — Ele se levantou. — É todo seu! — Perto do
meu ouvido ele disse: — Eu estava guardando o seu lugar, bobinho! Pro
malandro de ontem não te passar a perna.
Marcelo saiu rindo e eu me sentei. Olhei para o Rodrigo e ele estava
sem graça.
— Você demorou — ele disse.
— Não teve jeito, acabei passando uns minutos do horário. E ainda
tive que ir embora tomar banho. Não dava para vir sem.
— Entendo. — Ele sorriu. — Foi mesmo um bom motivo.
— O que aquele babaca estava querendo aqui?
— Marcelo? Queria zoar contigo, como sempre.
— Hum... — Todos os colegas de turma tinham presenciado meu mal-
estar na noite anterior e isso era chato. Constrangedor, na verdade.
O incidente com o Marcelo tirou um pouco do meu foco, mas eu ainda
estava ansioso com o Rodrigo. Revolvi alfinetar.
— Cadê o Amado? Ele não vai se zangar comigo por estar aqui?
Depois de ontem...
— Não, ele não vai se zangar — Rodrigo me interrompeu, de mau-
humor.
— Hum...
Ele suspirou e pegou minha mão. A sala estava escura por causa dos
recursos audiovisuais que o professor estava usando. Falávamos aos
cochichos.
— Desculpa por ontem. Não achei que você fosse ficar tão chateado.
— Não fiquei chateado.
Rodrigo não se convenceu.
— Você ainda me parece chateado. É que a gente tinha uns assuntos
pendentes, tínhamos que conversar.
— Não estou cobrando nada.
— Eu sei, mas me desculpa?
— Tudo bem. Só que podia ter me avisado, né. Eu fiquei tipo: o que
está acontecendo? Todo mundo notou. Foi chato.
— Já pedi desculpas.
— E eu estou falando como me senti ontem.
— Tudo bem! Não vou te magoar de novo, eu prometo!
Ele apertou a minha mão, mas eu não dei abertura para novas
desculpas. Ainda me sentia incomodado. Ficamos em silêncio. Senti um
aperto no peito e respirei fundo, soltando o ar pela boca. Aquilo sempre me
fazia bem.
Algum tempo depois, resolvi falar:
— Conversei com meu primo ontem.
— Conversou?
— Sim, e com meu pai também, no domingo. Tenho muitas novidades,
você não vai acreditar! Estou bem melhor.
— Sério? Que bom! Quando a gente tiver um tempo, você me conta.
A forma desinteressada com que o Rodrigo respondeu me deixou
desanimado. Parecia que a minha ansiedade em falar daquele assunto não
era compartilhada por ele.
Quando as luzes foram acesas, eu vi o Amado num canto da sala, sério
e distante. Aquilo era chato, muito chato. Tudo bem que a gente não era
assim tão amigos, mas fazíamos parte do mesmo grupo, um grupo pequeno
de excluídos, e isso era triste. A culpa não era minha, nem dele talvez, e eu
me recusava a acreditar que o Rodrigo tivesse feito qualquer confusão
deliberadamente, mas aquilo me deixou mal. Resolvi me fechar. Só voltei a
conversar com o Rodrigo quando já estávamos de saída do prédio da
faculdade. Sentamo-nos juntos no ponto de ônibus.
— Que tal a gente estudar juntos esse fim de semana? — perguntou
Rodrigo. — Temos provas na semana que vem. Vai lá em casa sábado à
tarde.
Animado com o convite, eu tive uma ideia e compartilhei
imediatamente.
— Eu pensei em te convidar para estudar lá em casa, assim você
aproveita para conhecer onde eu moro. Se quiser, eu te busco no... — Eu
estava empolgado, mas fui interrompido de uma forma nada sutil.
— Átila, eu não vou lá não, me desculpe.
Um golpe foi o que senti. Caramba, o que havia de errado comigo? O
tempo começou a fechar, mas me contive. Respirei fundo e tentei agir
naturalmente.
— Poxa, eu sei que é longe pra caralho e não é o bairro mais chique da
cidade, mas é a minha casa! Desculpa se eu moro mal.
Rodrigo pegou no meu braço com as duas mãos.
— Ei, você está falando da sua casa de verdade? Nossa, eu pensei que
fosse a do seu primo! Me perdoa, cara! A gente está se desencontrando
tanto que estou ficando nervoso. Daqui a pouco você vai embora pensando
que eu não quero ir à sua casa.
— Por que eu ia te convidar para uma casa que não é minha?
— Eu sei, não faz sentido. Eu vou sim, é só você me orientar. Sábado à
tarde, então?
— Pode ser.
Por um momento eu pensei em me mudar para a Patagônia e viver lá
meus últimos dias sem falar com ninguém. Eu andava muito emotivo
naqueles dias. Nos despedimos com um abraço rápido quando o ônibus do
Rodrigo passou. Ele ficou muito sem graça depois da gafe que cometeu, e
eu fiquei pensativo. O que estava acontecendo com o Rodrigo?

O resto da semana passou rápido. Rodrigo estava empenhado em me


deixar feliz, mas não perdia tempo nas aulas, eu sempre chegava atrasado, o
ônibus dele passava primeiro, enfim, o máximo que a gente podia fazer era
marcar a conversa para o fim de semana, depois de estudar para as provas.
Na casa de meus tios, só vi tia Helena. Ela disse que Luiz Fernando e o
pai tinham viajado para um congresso e que ela não tinha ido para não me
deixar sozinho em casa.
Me senti lisonjeado e até me emocionei com a atitude dela. Mesmo
sendo exagerada nas suas filantropias e um pouco esnobe, tia Helena era
quase uma mãe para mim, embora nem sempre eu reconhecesse isso.
O Amado, que já era solitário por natureza, ficou ainda mais distante.
Ele nem me olhava, e o pior, eu não sabia o porquê. Cheguei a comentar
com o Rodrigo no intervalo na quinta-feira, mas ele disse que não sabia o
motivo e desconversou. Resolvi não insistir.
Na sexta-feira, quando eu estava chegando à sala, o Amado estava no
corredor e me chamou discretamente. Me surpreendi, mas fui até ele,
ansioso por resolver aquele clima chato que tinha se instalado entre nós.
Talvez ele falasse mais do que o Rodrigo e me tirasse da ignorância.
— Oi, Amado, tudo bem? — Tentei ser simpático.
— Tudo, mas quero falar contigo. Pode ser? — Já ele não fez questão
nenhuma.
— Pode.
— Você e Rodrigo estão juntos? — Para quem não era de muita
conversa, ele sabia ser bem direto.
— Não, a gente é amigo, só isso. Por que a pergunta? Aliás, por que
essa cara feia pro meu lado a semana inteira? Não te fiz nada, fiz?
— Não sei. Você é todo sonso. Foi só eu sair para resolver assuntos
pessoais que você tratou de correr atrás do Rodrigo, todo oferecido, e ainda
pediu ajuda aos "amiguinhos".
— Epa! — Tirei a mochila das costas e desci dos saltos. — Meus
amiguinhos, que também são seus, me pediram para estudar com o Rodrigo
na sua ausência, eu fui, e foi só isso. Se vocês tinham alguma coisa e
acabou, a culpa não é minha porque...
Fui interrompido.
— Ficou correndo atrás dele sim com esse papo de amiguinho fura-
olho. Foi na casa dele, vive grudado nele.
Eu nunca tinha reparado nesse envolvimento dos dois. Tudo bem que
eu não era a pessoa mais esperta do mundo, mas eles não tinham nada sério
como a Sara e o Reginaldo, por exemplo. Disso eu tinha certeza.
— Fura-olho? De onde você tirou isso?
— Você é todo sonso, chorão e oferecido.
— Olha só quem tá falando! — Já ia me afastando para encerrar a
discussão, mas resolvi voltar e concluir: — Quer saber por que o Rodrigo te
largou? Foi por causa da sua cara feia! E ele não precisa nem te ver pra
saber!
Peguei pesado, eu admito. O menino era feinho sim, mas eu me referia
à cara emburrada que ele tinha. Ele bufou de ódio, pensei até que fosse me
bater.
Nesse momento passavam dois homens e nos olharam, um preocupado
e outro se divertindo com a situação. Baixei o tom.
— Foi mal, mas você está errado. Eu nunca soube de nada entre você e
o Rodrigo, ninguém nunca me falou, e não, a gente não ficou, então não
tenho culpa nenhuma pelos seus chifres. Passar bem!
— Volta aqui! E aquela ceninha de segunda-feira? O que você estava
querendo?
Suspirei com os olhos fechados. Que pecado eu tinha cometido para
receber aquele castigo? O Amado era o carinha mais mal-amado e mais pé-
no-saco do mundo.
— Cara, bora estudar que é melhor. Vai entrar agora?
— Não, eu vim tentar me transferir para outro turno.
— Vai se transferir só por causa disso? — Não acreditei no que ouvi.
— Não, é por causa de um emprego, idiota.
— Então, boa sorte. Adeus!
Que coisa mais chata! Respirei fundo antes de entrar na sala. Fui até
onde o meu grupinho estava reunido numa discussão acadêmica,
aparentemente.
— Mais atrasado do que nunca, hein? A velha não te viu entrando? —
Reginaldo chamava aquela professora de velha.
— Fala baixo, retardado! Tive uns contratempos aí.
Contratempos esses que não contei a ninguém. O Amado não merecia
mais ibope e eu estava de saco cheio. Queria ficar de boas com o Rodrigo.
E a sexta-feira se foi sem maiores emoções. Finalmente.

Quando saí da farmácia, às quinze horas de sábado, fui direto para a


minha simples casinha. Já tinha ligado para o meu pai implorando que ele
arrumasse a bagunça e não olhasse desconfiado para o meu melhor amigo.
O ônibus demorou um pouco, mas isso foi bom, pois encontrei o
Rodrigo no ponto logo que ele desembarcou. Ele estava bonito, de bermuda
escura, camiseta branca, tênis e óculos escuros. Alguém o auxiliou na saída
do veículo e eu tomei sua mão para atravessarmos a avenida movimentada.
Caminhamos até chegar à minha casa.
Assim que entramos, meu pai nos acenou e foi para os fundos. Um
pouco atrapalhado, ele disse que tinha feito um lanche e que a gente podia
ficar à vontade. Rimos.
— Seu pai é legal — disse Rodrigo, ao constatar que ele tinha saído.
— Ele é doido. Ainda não sabe como agir em relação a mim.
— Dê uma chance ao velho.
— Com certeza. Ele sempre foi meio perdido e eu sempre dei chances
a ele. Isso não vai mudar.
Rodrigo e eu nos sentamos na sala e ficamos estudando, e de vez em
quando passava uma alma por perto para ver o que estávamos fazendo. A
vizinhança era muito próxima e intrometida, e não havia muro na divisão
com o lote dos fundos. Então, o jeito foi estudar e estudar. Só paramos o
estudo por alguns minutos, para o lanche, e continuamos até tarde, quando o
cansaço me derrubou.
Rodrigo disse que a gente poderia conversar na casa dele, no dia
seguinte, onde ficaríamos realmente a sós. Levei-o ao ponto de ônibus ao
anoitecer, onde nos abraçamos e trocamos beijos no rosto. Alguém o
esperaria no seu destino, e ele era acostumado a sair sozinho.
Em casa, me deitei na cama e fiquei olhando para o teto. Estava
chateado com a quantidade de gente que tinha aparecido para me vigiar.
Inferno! Mal via a hora de chegar na casa do Rodrigo, onde as pessoas o
respeitavam, e poder conversar e ficar pertinho dele.
No domingo, antes mesmo das dez da manhã, eu saí. Meu pai não
estava, então não tive que dizer aonde ia. O endereço do Rodrigo eu já
conhecia, e ele estava me esperando. Por sorte, dessa vez não tinha quase
ninguém lá. A família dele havia saído e apenas Rogéria, a irmã, estava em
casa. Ela me recebeu bem, mas disse que ia sair logo mais. Fiquei ansioso
para que isso acontecesse logo.
Enquanto a irmã estava em casa, Rodrigo pegou livros e me fez ler
para ele, e seu sorriso deixava claro que ele sabia que eu estava de saco
cheio. Quando a irmã avisou que a comida estava pronta e que estava de
saída, ele pegou no meu braço de forma mais íntima.
— Calma, jovem! Você está muito tenso. Já, já a gente vai conversar,
relaxa!
— Você está fazendo isso de propósito, não é, Rodrigo? Você está
sendo cruel.
— Cada coisa no seu tempo. Você está bem?
— Sim.
— Então vamos almoçar. Eu estou com fome. Você está?
Depois de almoçarmos, escovarmos os dentes e nos deitarmos para
descansar, finalmente engatamos um papo mais pessoal. Lado a lado na
cama dele, mas sem nos tocar, eu estava prestes a desistir quando ele
mesmo iniciou o assunto.
— Então, me conta como foi lá com seu primo...
Me virei para olhá-lo. Apesar de ele não enxergar, eu não sabia
conversar assuntos pessoais sem olhar nos olhos da pessoa.
— Ai, Rô, foi bem louco. Foi antes do que eu tinha planejado, logo
depois daquela situação chata na faculdade, eu estava bem pra baixo,
enfim... e acabou sendo melhor do que eu tinha pensado.
— Melhor em que sentido?
— Melhor no sentido de que eu estou me sentindo bem sem ele. — E
finalmente eu pude contar tudo ao Rodrigo, inclusive minha conversa com
o Beto. Queria que ele não tivesse dúvidas de que estava tudo bem. Rodrigo
me ouviu com atenção e sem comentários, e quando terminei, ele pegou
minha mão.
— Esse seu primo é gente boa, no fim das contas.
— É sim. Me dei conta de que aquela paixão era coisa da minha
cabeça, sabe. Eu gostava dele, mas não era para aquilo tudo. Você tinha
razão.
Rodrigo sorriu e passou o braço sob a minha cabeça, nos aproximando.
Aproveitei para relatar também a conversa que eu tinha tido com meu pai,
de como ele tinha me entendido e me aceitado, do jeito dele. Falei dos
constrangimentos com o meu tio e a opinião dele sobre mim. Falei da
minha vontade de procurar outro lugar para morar enquanto estava
estudando, mas Rodrigo me surpreendeu.
— Átila, não seja tão radical. Seus tios não me parecem pessoas ruins,
vão aprender a te respeitar se você impuser a sua personalidade. Se você
quiser mesmo sair de lá, pode ficar aqui na minha casa, mas pense melhor
antes.
— Vou pensar. Não quero ser ingrato com minha tia, mas tio Walter
tem hora que me dá nojo.
— E se ele se eleger para prefeito? Você pode conseguir um emprego
melhor.
— Para, Rodrigo!
— Estou brincando! Mas seja prático! Quem quer trabalhar em
farmácia a vida toda?
— Você é muito fofo, sabia? — Me virei sobre ele e o abracei. Ele me
apertou e beijou meu rosto. Foi gostoso e eu senti vontade de continuar,
mas bateu um pouco de constrangimento. Rodrigo me soltou.
— Saiba que eu odeio ser fofo.
— Por quê?
— Nada!
Ficamos em silêncio, ainda rindo. Eu pensei no que o Rodrigo tinha
dito.
— O que você diz sobre meu tio faz sentido, Rô. Como sempre, né.
Vou pensar com carinho. Obrigado por tudo.
— De nada. Disponha!
Me ajeitei ao lado dele, me sentindo ótimo. Me lembrei de como ele
fazia falta.
— Você é meu porto seguro, sabe. Quando te vi com outra pessoa, me
senti tão abandonado...
Ao ouvir isso, Rodrigo respirou fundo e ficou tenso. Não entendi. Me
sentei e peguei a mão dele. Olhei em seus olhos antes de pedir
esclarecimentos.
— O Amado me cercou na sexta-feira e me xingou de uma porção de
nomes. Eu sei que você não gosta de falar desse assunto, mas eu quero
saber o que aconteceu. Por que ele me chamou de fura-olho?
Rodrigo demorou a me responder dessa vez. Ele tentou puxar, mas eu
não soltei a mão. Insisti. Ele respirou fundo mais duas vezes antes de falar.
— Às vezes, Átila, a gente precisa ser um pouquinho mais esperto. Eu
não te abandonei, eu sempre fui seu amigo, mas as coisas foram mudando,
mudando, e no começo do ano, eu estava com outra pessoa.
— Seja mais específico.
— Mais específico do que isso, só se eu escrever na testa. Rolou
ciúmes, brigas, e eu terminei. Não estava legal. É só isso o que você tem
que saber. Eu não tenho compromisso com ninguém, então, se qualquer
pessoa vier te chatear por causa de mim, trate de se defender.
Assenti. Havia mais pessoas sofrendo por amor naquela turma de
Administração.
— Eu nem sei o que pensar.
— Não pense em nada. Aliás, pense sim. — Rodrigo apertou minha
mão.
— Em quê?
— Em mim. Você consegue?
Um arrepio quente subiu pela minha espinha. Assim, certas coisas que
meu amigo dizia fizeram sentido. Será que...? Fiquei boquiaberto, surpreso.
Não sabia o que dizer.
— Não responda nada — Rodrigo continuou. — A gente é amigo, e
sempre vai ser.
— Apenas bons amigos?
— Não faz pergunta difícil, Átila. Bons amigos, mas não apenas.
Aliás, do jeito que você achar melhor.
Nossas cabeças estavam bem próximas, ele estava de lado, eu me virei,
e nossos lábios quase se tocaram. Sorrimos. Ele era tão bonito! Tinha uns
pontinhos escuros perto da boca. Como eu não tinha visto antes? Eu estava
cego demais.
— É bom ficar sozinho no quarto, né... — comentei ainda perdido nos
pontinhos pretos.
— É... A gente pode beijar na boca, se quiser... — A mão dele
acariciou meu braço, depois o ombro, subiu delicadamente pelo meu
pescoço enquanto eu só sentia.
— Tem certeza?
— Eu tenho. Você tem?
Não respondi. Fechei os olhos e ele me puxou para um beijo. Que
beijo! Foi devagar e terno, mas quente, muito quente. Me deixou excitado.
A língua dele, macia e delicada, ia explorando a minha boca enquanto suas
mãos acariciavam meu queixo e meus ombros. Nem nos meus melhores
sonhos eu tinha imaginado que um beijo pudesse ser tão bom. Rodrigo
manteve o ritmo calmo, me deixando ansioso por um pouco mais de
atrevimento, e controlando minha ansiedade, como sempre fazia.
Quando o beijo terminou, meu coração estava aos pulos. Permaneci de
olhos fechados e boca entreaberta esperando por mais beijos, o que não
aconteceu. Abri os olhos, e Rodrigo estava sorrindo.
— Uau! Isso foi bom.
— Foi?
— Foi. Sente meu coração! — Pus a mão dele no meu peito. — Tô
emocionado.
— Tem mais, quando você quiser.
— Ai, Rô... — Na falta do que dizer, eu ri.
— Sem pressão.
— Ok, sem pressão. Mas onde você estava esse tempo todo?
— Do seu lado. Nunca reparou? É, eu sei que não.
— Eu nem sei o que dizer.
— Então pare de falar.
— Pare de me dizer essas coisas óbvias e cheias de sentido, Rodrigo.
Seu chato! — Dei um tapa no braço dele.
— Ok! Vou dizer outra coisa: você é muito bonito.
— Que mentira, Rodrigo!
Ele riu alto, eu também. Depois tocou meu rosto, minha boca, meu
nariz, olhos, meu piercing, minha orelha esquerda, pois eu estava de lado.
Fiquei apenas sentindo, de olhos fechados.
— Você é bonito sim. Agora eu vi direitinho.
— Como?
— Com as mãos.
— E se eu não tiver a outra orelha? — Brinquei.
— Isso não seria um problema, seria apenas peculiar.
— Eu sou baixinho e magricelo.
— Adoro!
— Tenho o nariz grande...
— Para! Você é inseguro e sem noção, mas é gatinho. Confie em mim.
— Valeu pelo sem-noção, mas acho que você tem razão. Eu sou muito
inseguro. Queria ser igual a você.
— Oi? Não queria não. Eu também sou inseguro, Átila. Pensa que não
sou? Sou cego, praticamente. Preciso de ajuda para quase tudo. Fico
inseguro quando estou gostando de alguém, falo coisas sem querer. Não
reparou?
— Não! Você é o cara mais forte e mais inteligente que eu conheço.
Não tem nada de inseguro.
— Aaahhh, eu desisto, meu Deus? Não, eu vou tentar só mais uma
vez. Ele vai entender!
— Rô, seu manipulador! Te adoro, sabia? — O abracei.
— Sabia.
— Convencido!
— Sou?
Me deitei sobre ele e o beijei. Ele me segurou pela cintura, me
puxando para si, e foi muito bom. Suas mãos, sempre fixas no mesmo
ponto, me deixavam com vontade de experimentar mais, e sua boca perfeita
me engolia. Nossos sexos, presos entre as roupas, se pressionavam. Se nada
me impedisse, eu iria longe naquele dia.
Quando eu já estava preso entre os braços do Rodrigo, totalmente
envolvido, ele simplesmente me fez soltar sua boca e sorriu. Inacreditável.
— Vamos tomar açaí?
O quê? Não pode ser! Rolei para o lado, emburrado. Ele já estava se
levantando.
— Agora?
— É. Tá calor hoje, não?
É claro que estava quente, a gente estava se pegando! Merda!
Por que ele tinha que ser assim? Sempre cortava o meu entusiasmo
com o maior dos cinismos. Sem dizer nada, ajeitei a roupa e esperei
enquanto ele trocava a camisa. Mesmo chateado, olhei suas costas e gostei
dos pontinhos pretos distribuídos sem nenhum padrão pela pele perfeita.
Quantos seriam?
Vi-o pegar dinheiro, e então descemos as escadas. Ele na frente,
segurando num corrimão de madeira, e eu atrás, ainda aborrecido. Então,
ouvi panelas sendo mexidas e fiquei assustado. Tinha gente em casa!
Apenas quando chegamos à rua, Rodrigo falou.
— Pode me xingar agora.
— Não, hoje não — respondi, suspirando. Ainda estava trêmulo por
causa da sequência de emoções.
— Meu ouvido é melhor do que o seu, Átila. Você não queria ser
flagrado em cima de mim, na minha cama, no nosso primeiro encontro, não
é? Ia estragar o clima.
— É. Você está certo, como sempre.
— Como quase sempre.
— É, quase sempre. Convencido!
De mãos dadas até onde não era necessário, caminhamos até uma
sorveteria onde encontramos uns amigos dele. Na volta, encontramos a irmã
acompanhada do namorado, e nos sentamos na rua. Foi uma tarde
maravilhosa.
Quando eu ia embora, Rodrigo me deu um abraço apertado, um beijo
leve, e cochichou no meu ouvido:
— Não mude de ideia, tá?
Não entendi bem.
— O quê?
— Você vai entender. Hoje foi lindo, amanhã a gente não sabe. Mas eu
gosto de você todos os dias.
— Bem... acho que a ficha ainda não caiu, mas vou ler sobre isso
quando chegar em casa.
Ainda imerso no enigma do Rodrigo, tomei um ônibus para o bairro
dos meus tios. Tinha que me preparar para a segunda-feira e a semana.
Assim que cheguei, entendi o que Rodrigo tinha falado: Luiz Fernando
estava lá, cheio de sorrisos, e vê-lo ainda fazia meu coração bater mais
forte.
Ele me cumprimentou e quis saber o que eu tinha feito no fim de
semana. Falei que tinha passado com um amigo e ele não fez nenhum
comentário. Só sorriu.
Falei que tinha que estudar para as provas e corri para o quarto; fechei
a porta, por precaução. Pura bobagem. Pouco depois, vi, pela janela do
quarto, que Luiz Fernando estava indo embora. Ele não morava naquela
casa.
Depois do banho, me deitei na cama e fiquei olhando para o teto. Um
sorriso bobo teimava em brotar na minha boca, e eu ainda sentia o cheiro do
Rodrigo. Que amigo maravilhoso! Pois, era assim que eu o via: como um
amigo. Nem tentei entender o que quer que ele tenha tido com o Amado
antes de mim. Não valia a pena. O Rodrigo, como qualquer ser humano,
não era perfeito.
Voltei a ver o Rodrigo na faculdade, na segunda à noite, e ele estava da
mesma forma de antes. Só conversava nos intervalos das aulas. Consegui,
num golpe de sorte, estar com ele no banheiro vazio, e ganhei um beijo
gostoso. Apenas isso.
— Você é mau, Rodrigo — comentei, cochichando em seu ouvido
durante a aula. — A gente podia ter ficado mais.
Ele apenas sorriu. Sabia como me controlar, e eu sabia que ele estava
certo.

Apesar do entusiasmo em ficar junto, agora que tínhamos um novo


motivo, optei em não ir muito à casa de Rodrigo para não configurar
"relacionamento". A irmã dele já estava me chamando de cunhado.
Fizemos um intervalo de alguns finais de semana, e nos encontramos
esporadicamente em outros lugares. Sempre que se encontrava, a gente
conversava, se beijava, e eu sentia vontade de fazer algo mais, embora não
tomasse iniciativas. Era muito confortável estar com o Rodrigo e, ao mesmo
tempo, estar sozinho.
Luiz Fernando se tornou um amigo, apesar de a gente se ver cada vez
menos A gente conversava bastante. Ele viajou sozinho para a África do Sul
e me mandava fotos com frequência. Conhecê-lo aos poucos como aquilo o
que ele realmente era, ou seja, o filhinho mimado da tia Helena, era muito
gratificante. Dizia ele que na próxima viagem, iria me levar. Até a mãe dele
achou uma boa ideia. O Rodrigo não.

Por fim, desisti de sair da casa dos meus tios. Rodrigo tinha razão, era
bom ter alguém para me ajudar a subir na vida. Eu nasci pobre, mas não
podia me queixar de falta de apoio.
Tirei notas tão boas no semestre que até mostrei para a minha tia,
como fazia na época da escola. Ela ficou feliz de verdade. Eu ainda ia
tranquilamente para a minha casa nos fins de semana e ficava zangado
quando tio Walter falava mal do meu pai. E quando tinha oportunidade,
cantava nos bares e lanchonetes da vida, deixando meu velho orgulhoso e
meu tio aborrecido. Melhor, impossível.
Rodrigo e eu estudávamos juntos e nos encontrávamos aos fins de
semana, quando possível. Ficávamos apenas um com o outro. O que eu
sentia por ele era terno, gostoso, comum. Era amizade colorida, sem
nenhum demérito. Era tudo o que eu precisava. Só de pegar minhas mãos,
Rodrigo sabia como eu estava me sentindo, sabia o que eu precisava ouvir,
e até seus puxões de orelha eram precisos. Sensível, maduro, e um pouco
ciumento, porque ninguém é perfeito. Se eu falasse sobre meu primo, ele se
fechava ou mudava de assunto, me deixando no vácuo.

Fim de dezembro, na minha casa, deitados no chão do meu quarto.


Cansados, pois era sexta-feira e a gente tinha passado o dia trabalhando. Eu
na farmácia, Rodrigo no banco. Meu pai tinha saído para cantar num bar,
como fazia desde a adolescência, e a vizinhança estava numa festa. Uma
calmaria apropriada.
Eu tinha comprado pizza no supermercado e colocado para assar, e
estava quase pronta. Rodrigo tinha trazido refrigerante. Nos deitamos
juntos. Nesse dia ele estava mais ativo. Desceu as mãos da minha cintura
para as minhas coxas, e gemeu na minha boca. Eu ficava aflito por ele me
beijar me segurando para que eu não avançasse, e às vezes eu ficava com
raiva por ele interromper nosso clima. Era como se ele quisesse preservar
algo. Eu o entendia e também queria preservar seja lá o que fosse que a
gente tinha, mas quando a gente estava juntos, eu sobre ele, e nossas bocas
se beijavam, eu torcia para que ele fosse mais atrevido e me sugerisse
seguir em frente. Que não parasse para falar de coisas nada a ver.
Quando nos beijamos nessa tarde, ele não me segurou, e foi mais
atrevido do que nunca. Fiquei feliz e ansioso porque parecia que finalmente
ia rolar. Enfiei as mãos por baixo de sua camisa e a fiz sair, e quando ia tirar
a minha, ouvi meu celular tocar. Não me importei em atender, pois sabia
bem quem estava perturbando. Incentivei Rodrigo a continuar.
Já tinha algum tempo ele mandava mensagens e ligava. Às vezes eu
atendia, às vezes ignorava e depois dava uma desculpa. Não, não era o
chato do Beto. Esse tinha me esquecido. Era ele, meu caro e querido primo
Luiz Fernando, mais presente do que nunca. Deixei o celular tocar. Depois
ouvi o toque de mensagem.
— Não vai atender? — Rodrigo perguntou, soltando minha boca. E lá
se foi o clima.
— Não. É gente perturbando à toa. Deixa tocar.
— Sei... Não é melhor ir ver aquela pizza? Estou sentindo cheiro de
massa torrada.
— Ah, caralho! Esqueci!
Me levantei e fui correndo para a cozinha. De fato, a pizza já tinha
passado do ponto, mas ainda estava comestível. Queimei a mão ao tirá-la do
forno. Enquanto esperava sair a fumaça, peguei meu celular para confirmar
o que eu já imaginava. Como eu não tinha atendido, meu primo enviou
mensagens.
"Oi, Átila, está ocupado? Estava querendo te ver" e "Tô indo pra casa
da praia amanhã, bora comigo?" e finalmente: "Sabia que tô com saudades
de ti?"
Sorri. Ele estava assim ultimamente, todo atencioso, me convidando
para ir aos lugares, indo me ver na casa da mãe. Tínhamos quilômetros de
conversa no Whats. Mas eu estava na minha. Apesar de gostar muito dele e
o achar bonito pra caralho, eu já não achava uma boa ideia namorá-lo. Nem
mesmo escondido. Meu objetivo no momento era fazer com que o Rodrigo,
que era apaixonado por mim, deixasse de lado suas reservas.
Segurando a forma de pizza com um pano, o refrigerante embaixo do
braço e dois copos na outra mão, eu saí da cozinha. O celular ficou sobre a
mesa e para que ele não incomodasse mais, eu voltei para desligá-lo. Li as
mensagens mais uma vez antes de pressionar o botão. Sorri para mim
mesmo, me sentindo maléfico e feliz.
— Ora, ora, mas quem diria!
Fui para o quarto onde o Rodrigo, meu amigo com muitos benefícios,
me esperava fingindo que não sabia de nada.

F.I.M
Conheça a Autora
Jade Sand é o pseudônimo literário de uma capixaba apaixonada por histórias. Começou a escrever
em outubro de 2016 quando sentiu necessidade de dar vida ao Bruno, personagem de Instigante. É fã
da literatura policial, em especial Agatha Christie e Erle Stanley Gardner, e atualmente faz da escrita
a sua profissão.

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A seguir, conheça amostras de alguns livros de Jade Sand disponíveis na Amazon:


Amostra de Garoto de Sorte
(...)

NO DIA EM QUE EU COMPLETAVA UM MÊS NO ESTÁGIO, saí da empresa ao meio-dia, como


fazia sempre e, ainda na rua, peguei o celular para conferir as mensagens do meu número de trabalho.
Estava ansioso para lê-las e não podia fazer aquilo durante o estágio, mas assim que li, desliguei o
aparelho enraivecido. Preocupado eu nunca ficava, por mais que a situação estivesse crítica, mas
enraivado, isso eu ficava. Mensagens piegas e sem sentido, isso era o que eu vinha recebendo. Nada
de novo, nada de importante. Dinheiro? Nem pensar. Mais um dia de expectativa para nada. Fui
comer em casa para não desperdiçar dinheiro e, à tarde, não fui à academia, tinha acabado o
suplemento e eu já estava devendo uma mensalidade por lá. Então, no turno vespertino, tudo o que
fiz foi dormir e acordar, e ficar enrolando na cama até a hora de ir para a faculdade. E foi o que fiz
depois de estudar.
A vantagem de dormir cedo é estar descansado e com as esperanças renovadas pela manhã.
Enquanto escovava os dentes, até sorri para o espelho, tamanha a disposição que eu estava para
trabalhar. Fui caminhando para o escritório da construtora que, por sorte, ficava perto e me evitava o
gasto e o aborrecimento do transporte público. Cheguei alguns minutos adiantado, cumprimentei o
pessoal e senti os olhares todos sobre mim. Enfim, uma sexta-feira normal de um rapaz pobre, porém
formoso.
Como estagiário, eu tive a oportunidade de aprender inúmeras funções, a maioria delas bem
distantes da profissão para a qual eu estava estudando. Em pouco tempo eu já fazia o melhor café,
atendia ao telefone, estacionava o carro da gerente e, claro, fazia a minha obrigação, que era a mais
variada possível. Perambular pelas ruas levando e buscando documentos era o que eu mais fazia.
Vera, a gerente, gostava de mim. Era uma mulher de uns cinquenta anos, formada na época em que
Engenharia era coisa de macho, que comandava tudo com mão de ferro, mas que tinha bastante
paciência comigo, coisa que não tinha com os outros novatos. No geral, eu me dava bem com todos e
até me divertia naquelas manhãs.
Mas naquela sexta-feira em especial estava tendo uma movimentação diferente por ali. Todos
estavam calados, arquivos estavam sendo arrumados, pastas estavam sendo inspecionadas, e Vera
estava com os nervos à flor da pele. A funcionária mais nova da casa saiu do banheiro com os olhos
vermelhos, a recepcionista foi chamada no particular e entrou na sala de cabeça baixa. A coisa não
estava boa naquele dia, e como eu não sabia de nada, preferi ficar quieto no meu canto e não dar sorte
para o azar. Fiz o café mais caprichado que eu poderia fazer e saí dez minutos depois do horário,
ainda sem saber o que estava acontecendo.
Num raro momento em que estive no piso superior, pude ouvir uma voz calma, porém
assustadora, debatendo com as duas moças que, na certa, seriam despedidas. Era voz de homem, e a
auxiliar de serviços gerais, que também estava ouvindo, confidenciou-me que era o dono da empresa,
um homem que só dava as caras quando tinha problemas graves para resolver, ou em
confraternizações de fim de ano. Como a Vera era o seu braço direito em tudo, ele só aparecia
naquelas ocasiões, por isso eu nunca o tinha visto, nem comido, só ouvido falar.
Quando me sentei para almoçar, meia hora depois, vi que tinha uma ligação perdida, mas não
me apressei em retornar. Alguns minutos depois, chegou uma mensagem do mesmo número, abri
sem muita expectativa e vi que era alguém dizendo que queria os meus serviços, mas que tinha uma
proposta diferente. Ignorei o “diferente” e mandei a resposta usual — preço, tempo e outros detalhes.
Poucos segundos após o envio da mensagem, o potencial cliente ligou; tomei o resto da água do copo
e atendi. Era um homem que falava com bastante objetividade, coisa rara naquele meio.
— É o Alexandre, não é? — Confirmei e ele prosseguiu. — Vi suas fotos e tive o prazer de
observá-lo ao vivo. Estou interessado.
— Que bom, gato! — Nem dei bola para a conversa do “ao vivo”, as minhas fotos não
mostravam o rosto. — O que você quer? Fala pra mim.
— Quero quarenta e oito horas com você. O fim de semana inteiro.
Franzi a testa, surpreso.
— Nossa, gato! E o que faremos nesse tempo todo?
— Das dezenove horas de hoje às dezenove horas do domingo, você não estará ocupado, já
estou sabendo.
Um perseguidor? Que excitante!
— Esse não é o meu programa normal.
— Cinco mil... — Me calei para processar a informação. Ele continuou. — ... em dinheiro na
sua mão.
— Hum... Deixa eu analisar. Me dê mais detalhes sobre o que você gostaria de fazer, porque
eu não costumo topar qualquer coisa não. Quarenta e oito horas... Nossa! É muito tempo!
— Quero companhia para o fim de semana. Pra conversar, beijar na boca e você sabe o resto.
A voz dele era sensual e tinha um tom interessante, como se ele estivesse rindo. Embora a
imaginação me levasse a pensar num cara gostoso por causa da voz, a consciência me dizia que
deveria ser um maluco homicida ou um cara bem fora dos padrões. Mas tudo isso me excitava, e
deixei que ele soubesse através de minha voz e de minha respiração. Acho que ele gostou.
— Sei o resto, é? Você tem que me falar. Onde seria esse encontro?
— Na minha residência, endereço conhecido, não há o que temer. Tá com medo, é?
— Não, eu não tenho medo. Só estou achando tempo demais.
— Quer mais dinheiro?
Nem era em dinheiro que eu estava pensando, mas já que ele mencionou o detalhe.
— Ora... — Já que insiste, né.
— Se você me agradar, pago mais, muito mais.
— Uau! Estou interessado. Mas você não disse o que pretende fazer em quarenta e oito horas.
Como posso te agradar?
Me ajeitei no sofá-cama e fiquei olhando para o teto.
— Me faça companhia, me deixe te beijar, eu vou ser gentil com você, prometo. Mas tem um
detalhe importante.
— Sim? — Sabia!
— Na sua página, você diz que é preferencialmente ativo. Só que, comigo, será o que eu
quiser, na hora que eu quiser, ok?
— Estou entendendo...
— Cinco mil e mais bônus-desempenho, a gente chega facilmente nos dez mil. Dois dias
inteiros à minha disposição. Se alguém te fizer uma proposta melhor, me avisa que eu cubro, mas
duvido que façam. Quero você só para mim esse fim de semana, sem interrupções, sem celulares,
sem frescura. Temos um acordo?
O valor era tentador, e eu não estava em condições de recusar, mas alguma coisa não estava
me cheirando bem. Sei que quando algo parece bom demais para ser verdade é porque não é verdade.
Pelo jeito que ele falava, dava a impressão de ser um dos meus professores, sei lá, a voz e a coisa
com as palavras, por outro lado, era pouco provável que algum professor universitário me fizesse
uma proposta tão vultosa. Se fosse, seria um constrangimento, embora eu ainda pudesse lucrar.
Enfim... Saí dos devaneios, o desconhecido que dizia me conhecer estava esperando impaciente.
— Vou querer informações extras, você sabe, segurança.
— Compreensível. Vai deixar um amigo avisado para chamar a polícia caso você não dê
notícia na noite de domingo?
Que sarcástico!
— Boa ideia. E me fale mais sobre você, como vamos nos encontrar... Ah, e quero a garantia
de que eu vou poder sair da sua casa se alguma coisa não sair como o planejado, ok?
Ele riu.
— Tudo garantido, garoto! Te busco hoje às dezoito e quarenta aí na sua rua, ou onde você
preferir.
— Dezenove horas.
— Dezenove horas aqui na minha casa, antes disso não conta. São vinte minutos de viagem.
— Tudo bem, então.
O que são vinte minutos em quarenta e oito horas?
Era estranho negociar com um cliente tão exigente, mas essas coisas acontecem segundo o
Tico. Ele dizia que já tinha atendido um cara que queria apenas usar drogas com ele no motel, outro
que queria ficar conversando depois de uma foda de dez minutos, e outros que eram violentos, e eu
deveria ficar esperto quanto a isso. Mas eu estava interessado no cliente misterioso dos dez mil reais.
Ele me deu alguns detalhes sobre onde morava, o que fazia, mas não deu nenhuma ideia concreta de
como ele era.
Claro que passei o resto do dia ansioso. Mais uma vez não fui malhar nem estudar, fiquei só
cuidando da minha beleza e descansando. Quando deu dezoito e trinta, eu saí do prédio, caminhei
alguns metros para me distanciar da vizinhança mais conhecida e parei perto de uma loja fechada.
Encostei-me na porta de metal e fiquei mexendo no celular. Quem me visse, diria que eu estava
distraído, mas eu estava atento a tudo o que acontecia na rua.
Não precisei esperar muito. Poucos minutos depois, um carro preto da marca Jeep passou
devagarinho e estacionou logo à frente. Por alguma razão, eu tive certeza de que se tratava do meu
homem, mas não me apressei, fui andando devagar pela calçada, ainda com o celular, como se fosse
passar pelo carro. Quando o alcancei, a porta do carona se abriu e eu entrei.
— Oi — disse um homem inacreditavelmente gato. A voz da ligação era ainda melhor ao vivo,
alertando-me de que a primeira possibilidade, cara fora dos padrões, estava descartada; e que agora a
mais provável era a segunda, um psicopata.
— Oi — respondi com um sorriso safado, mordendo os lábios de tesão, e não estava fingindo.
Era um homem que eu pegaria de graça, imagina com bônus.
— Ponha a sua mochila ali atrás.
Coloquei e o observei com mais atenção. Ele pôs o carro em movimento e começou a sair do
centro rumo aos bairros nobres da cidade. Quando parou no sinal, ele me olhou e passou a mão na
minha coxa.
— Você é bonito mesmo, hein. Agora quero saber se é gostoso.
— Achei que você já tivesse me visto pessoalmente... — comentei, para provocar.
— Eu já vi sim, tá duvidando? Se soubesse que estava para alugar, já tinha te ligado.
O sinal abriu, e ele se calou, mas manteve a mão direita em mim, uma vantagem dos carros
automáticos. Nos sinais, ele aproveitava para me bolinar.
— Alexandre, não é?
— Isso, mas pode me chamar de Xandy. E você?
— Xandy Dotado, uau! — Ele ignorou a minha pergunta, rindo do meu nick escroto.
Eu tentei entrar no clima descontraído da conversa, mas estava, de certa forma, contido. A
personalidade dele me dominava, me deixava numa tensão gostosa. Coisa louca.
— O que quer jantar essa noite?
— Oi? — Não entendi.
— São dois dias, gatinho. Você terá que comer, beber, dormir e usar o banheiro. Vamos jantar
juntos.
— Ah, sim. Você escolhe.
Tentei ser simpático, mas não era isso o que ele queria, pelo visto.
— Não, não. Eu estou mandando você escolher o que gosta, se fosse para eu escolher, eu
comia sozinho. Vai, escolhe logo para eu pedir, porque demora a ficar pronto. Aqui tem alguns
cardápios dos meus locais favoritos.
Ele me entregou uns panfletos plastificados, e eu olhei sem muito interesse. Num catálogo
qualquer, escolhi um filé grelhado com arroz, legumes na manteiga e salada. Só de ver a foto do prato
eu senti a boca salivar e não procurei mais.
— Está com fome, não é? — ele perguntou sorrindo.
— A foto me atraiu.
— Entendo. Também gosto de comida simples.
Não respondi. Fiquei pensando sobre filé grelhado ser uma comida simples. Havia tempos que
eu não degustava um.
Não conversamos mais no caminho, ele pegou o celular e ligou para o número que estava no
panfleto, pediu o que eu tinha escolhido e outros detalhes que eu não prestei atenção. Enquanto ele
falava com o restaurante, eu fiquei olhando para a rua. Casas imensas dos dois lados, alta segurança,
pouco movimento. O bairro dos ricos. Quando guardou o aparelho, ele voltou a alisar a minha perna.
Sem que eu me desse conta, tínhamos chegado ao nosso destino. Um portão eletrônico se abriu
e entramos numa garagem enorme cuja luz se acendeu sozinha. O homem saiu do carro, eu o
acompanhei e, na claridade, pude vê-lo melhor. Ele era alto e magro, vestia calça preta e camisa
cinza-escura de malha que lhe caía bem, e estava super à vontade com a minha presença, sorria o
tempo todo.
A garagem tinha um lado aberto de onde era possível ver a fachada da casa e o jardim da
frente, que era pequeno e bem cuidado. A casa era branca, quadrada, cheia de vidros verdes e
iluminação indireta. Na verdade, era o modelo da moda, acho que oitenta por cento das casas dos
bairros chiques eram daquele jeito.
Ele abriu uma porta no interior da garagem, que era uma entrada íntima para a sala de estar, e
esperou que eu entrasse. Uma vez lá dentro, me senti em um cenário de novela, enorme e luxuoso,
cheio de brilhos e luzes indiretas. E senti um arrepio na nuca quando ouvi o clique da fechadura,
voltei-me para a porta, mas o homem se aproximou. Ao notar o meu incômodo, sorriu de modo
tranquilizador.
— Eu tranco tudo por segurança, nunca se sabe, né? Mas relaxa, aqui vai ser só amorzinho.
Nem curto essas coisas de bater e apanhar, eu gosto só de carinho.
— E... — Eu ia falar, mas o sujeito pôs um dedo na minha boca e passou um braço pelas
minhas costas me puxando. Cheirou meu pescoço, deu-me um selinho e se afastou, indo sentar-se em
um grande sofá. O cheiro dele era muito bom.
— Vem cá, vem. — Ele bateu na própria perna, indicando onde eu deveria me acomodar.
Fui de mansinho porque ele parecia estar me degustando de longe e eu entrei no jogo. Faltando
apenas alguns passos, ele estendeu a mão com a palma virada para cima, peguei-a e fui puxado com
delicadeza para o seu colo, para a coxa direita, as minhas pernas ficaram sobre a esquerda dele.
Primeira vez que isso acontecia na minha vida.
Ele tinha um rosto bonito, já com marcas de expressão e alguns pontos prateados no cabelo e
na barba, tinha olhos escuros e um sorriso perfeito. Não era jovem, mas também não era velho. Era
bonito, isso sim. Passou as mãos pelas minhas costas, depois deixou-as paradas, uma na minha perna,
outra no meu braço, olhou-me nos olhos, pegou meu queixo e começou a me beijar de lábios. Pus a
mão no zíper dele, mas ela foi tirada de lá.
— Não faça isso, garoto, são apenas sete e dois. — Ele mostrou o relógio. — Temos muito
tempo ainda.
— Ok, então. — Mordi a orelha dele, que se arrepiou.
Nos beijamos como namoradinhos por um bom tempo, e era gostoso, me causava uma mistura
de tesão com ansiedade. Quando estávamos bastante excitados, ele parou e ficou me olhando, como
se me analisasse.
— Você é novo nisso, não é? — perguntou.
— Relativamente.
— Normalmente eu prefiro os novatos.
— Então eu sou novato.
Ele riu.
— Espertinho. Você me agrada bastante.
— A intenção é essa.
— Posso ser bom para você, se você quiser.
— Seja bom comigo, então. Eu quero.
E que essa bondade se converta em dinheiro. Amém!
Os olhos dele ficaram mais escuros e mais brilhantes quando eu disse isso. Voltamos a nos
beijar, dessa vez com mais desejo, um explorando a boca do outro, mas mantendo as mãos apenas em
ombros e braços. O clima foi ficando quente, e quando comecei a beijar e mordiscar o pescoço dele,
ouvi-o gemer mais forte e se arrepiar. Fiz de novo, e então ele me fez virar de frente, ainda no colo
dele e com os joelhos apoiados no sofá, e foi me apertando contra o próprio corpo e me fazendo
sentir o quanto estava excitado.
— Como eu te chamo? — perguntei enquanto ele beijava meu pescoço. — Você não me deu
nenhum nome...
Ele sorriu e me olhou nos olhos, depois ficou sério e passou o dedo na minha boca.
— Me chame de Chefe.
— Chefe... — Taí um nome que combina.

O “Chefe” enfiou as mãos por dentro da minha camisa, acariciando-me a barriga e as costas.
Depois foi me deitando no sofá e, sempre com os olhos fixos nos meus, tirou a própria camisa e me
ajudou a tirar a minha enquanto me beijava o peito e os ombros. Voltou a me beijar na boca enquanto
suas mãos se desfaziam do restante das roupas e assim nós dois ficamos nus e nos apreciamos
melhor. O corpo dele era magro, de pele clara, com poucos pelos, o peito era quase todo liso, e tinha
os braços, pernas, dedos e tudo mais comprido e fino.
A iluminação naquela sala era perfeita, o sofá era o suprassumo do conforto, e o cliente era o
top de linha. Mas ele me olhava de um jeito que me deixava constrangido e era romântico demais
para o meu gosto, fazia-me sentir frágil, coisa que nunca fui. Toda vez que eu queria tomar alguma
iniciativa, ele sorria e me fazia parar, segurava minha mão e a beijava.
— Shiii, calma. Temos muito tempo, gatinho — falou isso umas três vezes e então eu só me
deixei conduzir.
Ainda me beijando, ele segurou meus braços acima da minha cabeça e foi descendo com a
língua pelo meu peito e barriga, dava mordidinhas, olhava todos os detalhes e murmurava elogios ao
meu corpo. Quando chegou ao meu pênis, ele deu lambidinhas e depois pôs na boca. Eu quis
interromper para pôr a camisinha, mas ele apenas sorriu. Abriu minhas pernas e, segurando pela parte
de trás das coxas, elevou minha bunda, passando a língua pelas minhas entranhas e, contrariando ao
que ele mesmo havia dito sobre não ter pressa, em poucos minutos ele estava me lubrificando com os
dedos. Colocou a camisinha e começou a me penetrar devagar e sempre me olhando nos olhos;
quando eu virava o rosto, ele pegava meu queixo com delicadeza e me fazia encará-lo.
— Olha para mim, olha — dizia ele. — Deixa eu te olhar.
Eu estava gostando do jeito dele, mas não estava à vontade com aquele detalhe. Focar no teto é
sempre mais tranquilo do que olhar dentro de um par de olhos desconhecidos, mas quem está na
chuva é pra se molhar, e o cara estava sendo carinhoso, paciente, cuidando para que eu não sentisse
desconforto em excesso, então, né... Pensei em uma série de coisas excitantes para manter o tesão.
— Relaxa, vai, relaxa pra ficar gostoso. Não quero te machucar.
Ele sussurrava sacanagens no meu ouvido e mordia minha orelha, então eu comecei a gostar.
Abracei-o e acariciei suas costas, correspondendo aos toques e acompanhando seus movimentos, mas
em pouquíssimo tempo ele passou a gemer mais forte e a apertar os dedos nas minhas coxas, até que
parou subitamente de se mexer, e então acho que desistiu de tentar segurar e acabou gozando,
gemendo baixinho e chupando o meu peito e quase quebrando a minha coluna de tanto me envergar.
A pele dele exalava um cheiro bom e colava na minha por causa do suor.
Ainda dentro de mim, ele ficou parado, apoiado nos próprios braços, com os olhos fechados e
respirando descompassadamente, depois foi soltando o peso sobre o meu corpo e me dando beijinhos
entrecortados por suspiros no meu pescoço, até que começou a sair devagar, olhando apenas do meu
peito para baixo. Acho que estava sem graça por ter sido tão rápido. Sentou-se entre as minhas
pernas, tirou a camisinha, colocou-a de volta na embalagem original e pôs no chão, e então, sem
dizer nada, inclinou-se e começou a me chupar. Sugava com certa habilidade, passava a língua quente
e molhada entre as minhas coxas e me masturbava cada vez mais rápido usando as duas mãos até que
eu gozei na minha barriga e nos dedos dele.
— Eu estava precisando, por isso foi rápido — ele falou em tom de desculpas e com um
sorriso envergonhado.
— Tudo bem, relaxa. — Sentei-me e passei as mãos em suas coxas. — A gente pode
continuar, olha só. — Mostrei que ainda estava excitado.
Ele me deu um beijo no rosto e se levantou.
— Por enquanto, não. Vamos tomar banho. A nossa comida já deve estar chegando.
A palavra comida me fez lembrar da fome que eu estava sentindo, tive até náuseas ao lembrar
da foto no cardápio. Fui ao banheiro que o homem tinha me indicado, ficava nos fundos da casa e
devia ser usado por empregados, mas ainda assim era grande e arrumadinho. O chuveiro estava uma
delícia. Caprichei no banho e acabei me demorando. Quando voltei à sala, vestindo apenas a cueca, o
Chefe estava ao telefone e sinalizou para que eu me vestisse, o que fiz enquanto o ouvia falar sobre
saladas.
Quando fiquei pronto, ele me encaminhou à sala de jantar e indicou onde eu deveria me
acomodar. Era um lugar bem iluminado, com uma mistura de móveis antigos e contemporâneos, e
uma mesa grande arrumada para dois com cadeiras confortáveis dispostas de modo que ficássemos
de frente um para o outro. Ele saiu ainda falando ao celular, e eu fiquei sozinho olhando para os
pratos vazios. Eram brancos e quadrados, cercados de talheres brilhantes com desenhos iguais. Num
lampejo de realidade me dei conta de que apenas um punhado daqueles talheres seria suficiente para
pagar o meu aluguel atrasado. Tinha uma garrafa de vinho no gelo e várias taças, além de
guardanapos brancos. Tudo chique demais. Eu trocaria aquilo tudo por um prato de macarrão.
Algum tempo depois, um homem baixo e de barriga saliente entrou no local com uma espécie
de carrinho de comida e me cumprimentou respeitosamente. Ele usava calça social preta e camisa
branca de mangas compridas com a logomarca do restaurante bordada no bolso. Com muita
habilidade, ele arrumou recipientes de inox na mesa e começou a servir os pratos, abriu a garrafa de
vinho, serviu água e perguntou se queríamos mais alguma coisa. Meu cliente, que eu nem tinha visto
chegar de tão concentrado que estava no serviço do garçom, repetiu a pergunta para mim, eu neguei e
então ele agradeceu ao homem e o acompanhou até a saída. Assim que fiquei sozinho, bebi um pouco
de água e comecei a comer sem me dar conta da falta de educação de não esperar o Chefe voltar.
Quando voltou, ele se acomodou à minha frente e ficou me olhando com um sorriso enigmático;
depois, pôs-se a comer em silêncio.
— Está gostando? — perguntou quando viu meu prato vazio.
— Sim, tá muito boa.
— Está gostando de tudo no geral?
— Com certeza! Você tem muito bom gosto — disse, me referindo ao ambiente e ao serviço.
— Ah, isso. — Ele fez um gesto de desdém dando a entender que aquilo não era nada.
Empurrou minha taça de vinho ainda intocada para mais perto do meu prato e apontou com o
indicador. — Tome o vinho!
Eu tinha tomado apenas água e estava vendo certo desagrado na expressão do Chefe por causa
disso. E ele tinha falado suavemente, mas num tom autoritário, como se falasse com um filho
adolescente. Tomei o restante da água da taça e o olhei nos olhos exalando sensualidade e
desobediência.
— Prefiro não beber.
— Não vai fazer desfeita, vai? — Pisquei e sorri. Ele pegou minha taça e bebeu um gole,
depois me devolveu, pondo-a na minha mão com firmeza. — Tudo normal. Anda, beba.
Ainda fiz doce, mas acabei bebendo. Virei quase tudo de uma vez para que ele soubesse que
estava tomando por obrigação. Sem se importar, ele voltou a encher a minha taça e a dele. O vinho
era bom, tinha cara de custar uma nota, mas eu nunca gostei daquilo, preferia cerveja. Já ele parecia
entendido na arte, fazia todo um ritual com a taça, cheirava e bebia com tanto cuidado que parecia
estar tomando remédio. Depois da segunda taça, ele se levantou e me serviu a sobremesa, uma
mousse de chocolate que estava simplesmente divina. E mais vinho. Só saímos da sala de jantar
quando a garrafa e o recipiente da mousse estavam vazios.
De volta à sala de estar, ele me abraçou e me beijou o pescoço. Eu sentia um leve torpor por
causa do vinho que tinha tomado contra a vontade, e estava molinho e preguiçoso.
— O que acha de irmos para o quarto? — perguntou ele. Arregalei os olhos e a boca. Nós
tínhamos acabado de comer! Ele entendeu o meu espanto, riu e me deu um tapa na bunda. — Só
vamos descansar juntos, gatinho. Nem pensei em sacanagem.
Peguei minha mochila que estava jogada no tapete da sala e o acompanhei escada acima. A
escada dava em um corredor comprido, enfeitado com quadros e luminárias de parede, e tinha muitas
portas. Ele foi até a última, abriu e esperou que eu entrasse, depois fechou. Notei que o quarto seguia
o mesmo estilo de decoração do restante da casa: era muito grande, a paleta de cores dos objetos era
cinza, um azul diferente e preto, tudo isso num fundo totalmente branco e pontuado por iluminação
indireta. Já tendo trabalhado com material de construção, eu sabia o quanto custava um sistema de
iluminação daqueles, um pobre qualquer não poderia pagar.
Ele me mostrou uma porta e disse que ali eu poderia escovar os dentes e o que mais precisasse.
Fui lá com minha mochila e me encantei com o visual do banheiro, era enorme, com banheira e tudo.
Escovei os dentes, arrumei os cabelos, fiz hora, aproveitei para olhar pela janelinha; dali dava para
ver a área dos fundos, onde tinha dois cachorros, além da cerca elétrica do muro, que era bem alto,
por sinal. Ainda bem que eu não estava preso naquela casa, se estivesse, dificilmente conseguiria sair.
Quando voltei ao quarto, o Chefe estava deitado, só de short, com uma mão atrás da cabeça.
Uma televisão maior do que a minha janela estava ligada, e ele passava os canais. Deitei-me ao seu
lado, vestido mesmo, e fiquei olhando as centenas de opções de programas, a maioria eu nunca tinha
visto.
— E agora, o que vamos fazer? — Me ajeitei no travesseiro e bocejei.
— Descansar, ver filmes. Depois a gente aproveita mais.
Num canal qualquer, um filme estava começando, e ele deixou lá. Virou-se, ficando de lado,
no mesmo sentido que eu, e passou um braço e uma perna sobre mim, me aquecendo. A respiração
dele no meu pescoço estava calma, e logo ele também começou a bocejar.
— Terror? — Estranhei quando vi as primeiras cenas.
— Você tem medo? A gente vê outra coisa.
— Não tenho medo, não, só achei que seria outro tipo de filme, mais alegre, se me entende.
Ele se fez de desentendido.
— Ora, e por quê?
— Nada.
Eu realmente não estava preparado para o tipo de programa que o Chefe tinha planejado. Ele
queria fazer as coisas mais absurdas, como jantar romântico (ainda bem que não apareceram velas
naquela mesa); beijos de namoradinho; filmes de terror; e dormir de conchinha. Com poucos minutos
de televisão, minha boca começou a se abrir involuntariamente, meus olhos lacrimejavam, e mesmo
ciente de que o meu bônus-desempenho poderia estar indo para as cucuias, eu não vi o final do filme.

Eu estava em um lugarzinho gostoso, macio e quente. O toque das cobertas na minha pele era
tão gostoso que comecei a ficar com tesão. Ainda dormindo, desci a mão pela minha barriga,
acariciando-me. Eu sonhava que alguém estava me... Abri os olhos e, aos poucos, fui tomando
consciência de que não estava sonhando, o Chefe estava realmente me chupando. Quando me viu
acordado, ele parou e beijou a minha mão, fazendo-me sentir sua barba áspera.
— Delícia — ele disse —, você não acorda fácil, mas o seu pau...
— Hum, sou delícia mesmo... Gostou?
Ele mediu com a mão espalmada, fazendo falsa cara de decepção.
— Xandy Dotado, 22 centímetros. Mas que propaganda enganosa!
— Tô com preguiça, poxa! Aí não vale! Tem que medir na hora certa.
— Sei. Na hora certa, eu chego bem perto disso.
— Reparei. — Era verdade, ele não impressionava na circunferência, e sim no tamanho. Tudo
nele era comprido e fino, e lá seguia o mesmo padrão.
O Chefe voltou a me chupar, e eu me dei conta de que estava completamente pelado mesmo
tendo certeza de que tinha dormido de roupa. O safado tinha me despido sem me acordar. Passado o
constrangimento inicial, relaxei e, para proporcionar uma visão melhor a ele, ajeitei os dois
travesseiros e fiquei quase sentado na cama, dobrei os joelhos e apoiei as mãos no colchão. Ele
pareceu gostar, porque engolia o máximo que podia de mim, alisava as minhas pernas e me olhava
nos olhos. Conforme ele ia avançando, minha excitação ia crescendo e crescendo, e comecei a mexer
em seus cabelos forçando-o para baixo. Só parei quando ele começou a se engasgar.
De repente, ele me fez deitar, dessa vez com força. Sorte que a cabeceira era acolchoada.
Elevou as minhas pernas e desceu com a língua pela minha bunda, devorando-me como se estivesse
com fome. Com as duas mãos, abria as partes e expunha minhas intimidades, passava a língua e me
penetrava com ela, depois passou a fazer o mesmo com o dedo. Ajudei a segurar minhas pernas e
fechei os olhos para curtir melhor, mas abri quando ouvi aquele barulhinho suspeito: camisinha de
novo. Olhei os pontos de luz indireta que deixavam o ambiente aconchegante e misterioso, e suspirei
sem querer. Ele ouviu.
— Tá tudo certo?
— Tudo certo, Chefe. Tudo bem.
Ele me analisou por alguns segundos, depois desceu minhas pernas e me fez virar de bruços,
beijou minha bunda e ficou fazendo carinho. Afastou-se um pouco de mim e, por um espelho na
parede lateral, vi que ele estava pegando um sachê no criado-mudo que ficava ao lado da cama,
depois o vi tirar o próprio short e subir na cama meio que engatinhando. Beijou minhas costas, abriu
o sachê e me lambuzou, depois pôs a camisinha e começou a forçar a entrada. Não deu trabalho para
entrar, mas foi desconfortável. Eu não reclamei, mas ele me sentiu travar e pareceu ficar irritado.
Ficou parado, suspirando, segurando forte nos meus ombros, mas depois respirou fundo e recomeçou
do zero, dessa vez com cuidado. Ia devagar e parava, fazia-me carinho e voltava a se mexer. Por fim,
ele me abraçou e nos fez virar de ladinho, me masturbando e beijando meu pescoço.
— Você tem que curtir — disse ao meu ouvido.
— Tá... — gemi.
— Tá não, você tem que gostar de verdade. Se não estiver legal, a gente espera um pouco.
Espera. Sei. Como se fizesse diferença um minuto a mais. Mas a voz dele e aquele carinho
todo amenizavam o desconforto e, em pouco tempo, voltei a me excitar.
— Isso, seu corpo tá mais quente, delícia. Eu quero você assim, inteirinho pra mim, entregue,
mas duro.
Quanto mais eu me excitava, mais ele gostava. Me fazia experimentar minha própria baba,
pegava meu queixo e me fazia virar para trás e enfiava a língua na minha boca, acariciava meus
mamilos e mordia o meu ombro. Quando finalmente eu estava curtindo de verdade, ele me fez virar
de bruços, meio que montou sobre mim e meteu com força, me apertando. Em pouquíssimo tempo,
ele começou a gemer alto, tirou a camisinha e gozou nas minhas costas, lambuzando-me todo com
um líquido quente. Ele gozava muito, mas era rápido demais, chegava a ser frustrante. Ficou sentado
sobre a minha bunda enquanto recuperava o fôlego, depois se deitou ao meu lado e ficou olhando
para cima. De vez em quando fazia carinho nas minhas costas e bocejava, até que ele se espreguiçou
e se levantou de uma vez, já com toda a energia, vestiu o mesmo short de antes e foi para perto da
porta.
— Pegue as suas coisas e vem comigo.
Levantei-me, juntei as roupas sem nenhum cuidado, peguei a mochila e fui atrás dele, que já
descia as escadas. Andar pelado, dolorido, todo gozado, numa casa estranha nas primeiras horas de
sábado era esquisito, muito esquisito. Calado, eu o segui até um quarto nos fundos da casa, perto do
banheiro onde eu tinha tomado antes Ele abriu e conferiu se estava tudo certo, depois saiu. Já do lado
de fora, ele falou:
— Aqui está bom pra você descansar, não é, Alexandre? — Fiz que sim. — Você pode dormir
até sete da manhã, está bem? Tome banho e durma, a cama já está arrumada.
Dormir num quartinho sem nenhum dos luxos da casa? Obrigado, Chefe, era disso mesmo que
eu precisava. Ser bolinado mais uma vez naquela noite não ia me fazer nada bem.
Fui com a mochila em direção ao banheiro, e ele foi atrás. Quando cheguei na porta, disse boa
noite, mas ele não respondeu, só ficou me olhando sem dizer nada enquanto eu fiquei esperando que
ele me desse mais alguma ordem, até que ele se aproximou, me deu um selinho rápido, disse boa
noite e saiu a passos largos.
Tranquei o banheiro com a chave que estava na porta e fui direto para o chuveiro. Depois de
me enxugar, peguei meu celular na mochila, liguei e olhei as horas: duas da madrugada. Às sete eu
deveria estar lindo e gostoso para ele me comer no lugar do pão, provavelmente, e ainda teria que
aguentar até domingo à noite. Ele havia dito que eu poderia ir embora quando quisesse, mas eu não
queria desistir. Além de estar precisando — e muito — daquele dinheiro, eu não podia negar que
aquele fim de semana estava sendo bastante interessante. Os únicos pontos negativos eram o tempo
que parecia parado, e o meu corpo que não estava acostumado e parecia ter sido passado num
moedor. Olhei-me no espelho e não vi marca nenhuma, mas o meu interior estava muito dolorido.
Dentro da mochila, tinha muitas coisas úteis, inclusive um relaxante muscular que eu tomava
quando mudava o programa de treinos da academia. Senti uma gratidão tão grande ao confirmar que
ele estava ali que tomei na mesma hora, com a água da torneira. Não tinha frigobar na ala dos
plebeus. Fui para o quarto, vesti cueca e camiseta, apaguei a luz e caí na cama, onde dormi como
uma pedra.

Foi rápido. Ouvi algo como canto de pássaros, abri os olhos e vi raios de sol lindos, dourados,
transpassando a cortina de tecido translúcido. Virei-me para o lado oposto à janela e fechei os olhos
para voltar a dormir, quando ouvi batidas na porta; discretas, mas firmes. Ignorei-as e bocejei, mas
elas se repetiram. Sete da manhã. Eu não podia me esquecer de que estava ali a trabalho e não
poderia dormir o quanto quisesse. Espreguicei-me. Ainda não tinha me levantado quando ouvi as
batidas novamente.
— Já vai! — falei, me esticando todo na cama. Fiquei feliz em verificar que o relaxante
muscular tinha feito o seu trabalho; eu estava sem dor no corpo, mas com dor no estômago. Normal.
— Se apronta e venha para o café — disse o Chefe com uma voz mais grave que na noite
anterior.
— Ok.
Chato!
Olhei o celular e vi que eram sete e cinco, ou seja, ele era pontual até o infinito. Desliguei o
aparelho sem olhar as mensagens recebidas e guardei na mochila, conforme o combinado. Saí no
corredor e não vi ninguém, entrei no banheiro, e ali fiquei um bom tempo devido às minhas
necessidades matinais. Escovei os dentes, tomei banho e, quando saí, consciente de o quanto estava
lindo e cheiroso, guardei a mochila no quarto e segui até a sala de jantar que estava vazia. A mesa
ainda com as coisas em cima. Ele não ia querer que eu lavasse, não é? Perdido, entrei por uma porta
grande e cheguei na cozinha, mas lá também não vi ninguém, nem ouvi nenhuma movimentação. Vi
uma porta aberta para a área externa e segui por ela.
Quando cheguei lá fora, precisei fechar os olhos até me acostumar com a luz. Estava um dia
lindo. De short e camiseta, eu fui abraçado pelo sol e senti o calor gostoso da manhã. Vi meu cliente
excêntrico sentado numa cadeira, tomando sol e fumando. Ele me olhava de um jeito sarcástico, com
um sorriso contido nos lábios.
— Bom dia, Chefe! — Me aproximei devagar, sondando o ambiente. — Não tinha reparado
que você fumava. — O que eu detesto, naturalmente, mas não mencionei.
Ele olhou para o cigarro, sorriu, depois olhou para mim com seus olhos astutos.
— São sete e trinta e cinco.
Ave!
— Pois é, mas você pediu que eu me aprontasse, e isso leva tempo. Estou pronto.
— Tá com fome?
— Com certeza.
Ele se levantou, jogou fora o que restava do cigarro e passou por mim, dando um tapa de leve
na minha bunda.
— Vem, temos café ali atrás.
Acompanhei-o pela lateral da casa, que era calçada e tinha plantas bem cuidadas beirando o
muro alto, até que chegamos na área de lazer que consistia em uma piscina não muito grande, um
deque de madeira e uma mesa redonda coberta por um grande guarda-sol branco, circundada por
cadeiras dobráveis também de madeira. Na mesa, tinha uma variedade incrível de frutas, sucos, pães,
bolos e frios, tudo arrumadinho em cestas e bandejas, como as que são entregues pelas casas
especializadas.
— Que vista bonita! — comentei com entusiasmo.
— Para nós. Gostou?
— Muito.
Ele sentou numa cadeira e me indicou outra em frente e, sem me perguntar nada, serviu suco,
café, pequenos sanduíches e até cortou as frutas para mim. Já ele só tomou café puro e depois comeu
apenas pão. Ficamos em silêncio na mesa, mas de vez em quando ele me olhava e sorria. Quando me
dei por satisfeito, estiquei-me na cadeira e devolvi o olhar penetrante, que ele sustentou com
tranquilidade. Joguinhos.
— E hoje? — perguntei.
— Hoje vamos ficar o dia todo aqui.
— Hum, legal. — O dia seria longo, pelo visto.
Ele estava mais calado, parecia até mais velho do que antes, acho que a luz do dia mostra mais
do que as luzes da noite. Tirei a camisa para aproveitar melhor o solzinho da manhã, mas meu cliente
teve a ideia de me mandar para uma espreguiçadeira enorme, também de madeira, à beira da piscina.
Pediu que eu terminasse de me despir e eu concordei, afinal, uma dose de vitamina D só me faria
bem. Pôs uma cadeira perto de mim e ficou fumando e me apreciando, eu acho. Com a saúde dos
meus pulmões ele não estava nem um pouco preocupado.
— A piscina foi limpa ontem, gostaria de te ver nela — ele comentou depois de algum tempo.
— Mais tarde, pode ser? Agora deve estar frio.
— Claro, claro.
Ele se levantou e saiu sem dizer nada, e eu aproveitei para cochilar com a mão nos olhos. De
vez em quando me virava para que os raios solares alcançassem todas as minhas células. Nem sei
quanto tempo depois, quando eu estava bem adormecido, senti um beijo nos lábios e, logo a seguir,
meu cliente começou a me encher de protetor solar, as mãos cheias de segundas intenções.
Impossível não curtir aquele cuidado dele. Quando mudei de posição para auxiliá-lo no processo de
me proteger, dei de cara com notebook, papeis e celulares sobre uma mesinha ao lado da cadeira
dele, que eu nem o tinha visto colocar ali.
— Vai trabalhar? — perguntei.
— Pois é, sou um homem muito ocupado. Enquanto isso, aproveite a piscina. Ela está aí e
ninguém usa mesmo, vou gostar de te ver nela.
Nessa hora, veio uma pergunta à ponta da minha língua, mas guardei para mim. O cliente
queria meu corpinho e não minha curiosidade, se ele quisesse me falar sobre sua vida privada, já teria
falado. Quando o sol esquentou demais eu fui para a piscina. A água estava uma delícia, e apesar de
não ser grande, dava para curtir legal. O Chefe só olhava, e em alguns momentos, ele ficava
totalmente concentrado no trabalho. Saí da água algumas vezes, reapliquei o protetor no rosto, comi
da mesa de café que permanecia à minha disposição e, quando percebi, o sol já estava no meio do
céu.

O Chefe atendeu uma ligação e se afastou da piscina, ficando perto da casa por uns dez
minutos. Depois, voltou e perguntou se eu estava cansado. Eu disse que sim, e ele me indicou um
banheiro externo para tomar banho. Pediu que eu deixasse a porta aberta e me passou o xampu e o
sabonete.
— Você ficou coradinho! — Ele tocou no meu rosto enquanto eu me enxugava. Às vezes
aquela fofura toda era até desconcertante.
— É, eu estava mesmo precisando de sol.
— Não costuma ir à praia? O mar é logo ali.
— Pois é, preguiça de acordar cedo nos finais de semana.
— Preguiça é uma coisa que não faz bem a ninguém. Larga dela enquanto é tempo.
— Valeu pelo conselho.
Ele me abraçou e me beijou. Eu estava peladinho da silva, minha pele estava fria, e a dele
estava quente, tanto pelo sol quanto pela excitação que dava para sentir no short. Passou as mãos
pelas minhas costas e desceu até a bunda, mas não fez nada além de dar uns tapinhas de leve. Não
parecia a fim de me aproveitar naquele momento.
— Quer sair para almoçar? — ele perguntou beijando meu pescoço e me fazendo excitar à toa.
— Quem é o chefe? Você escolhe onde vamos comer.
— Não, eu escolho onde e quando vou te comer. Quanto às refeições, você pode escolher.
— Ok, ok. — Ri enquanto ele se afastava. — Pena que eu não conheço nenhum lugar legal por
aqui.
— Vamos num restaurante então. Gosta de peixe?
— Sou fã não, prefiro uma picanha.
— Tá certo, então vamos comer picanha.
Vesti a roupa com a qual eu tinha chegado, e fomos a um restaurante chique e discreto, com
mesas de tamanhos diferentes que ficavam longe umas das outras. Ali nós comemos picanha com
acompanhamentos e nos portamos como se fôssemos amigos. Não demoramos muito, voltamos para
a casa dele, escovamos os dentes e nos deitamos na cama para aquele momento de preguiça pós-
almoço.
Assim que deitamos, ele me fez aconchegar no seu braço e ficou calado, passando um dedo no
meu ombro. Dessa vez, ficamos de cueca, e ele nos cobriu com uma manta gostosa, já que o ar
condicionado estava forte. Do lado de fora, o sol estava rachando, mas no quarto, devido às cortinas
estarem corridas, era como se fosse noite. Virei-me de lado, que era minha posição preferida para
descansar, e peguei no sono, ciente de que o Chefe estava inclinado sobre um cotovelo me
observando.
Nem sei quantas horas passei dormindo, mas devem ter sido muitas, pois quando acordei, tive
a impressão de que a tarde já estava avançada. Uma das cortinas tinha uma fresta e, por ela, era
possível ver que o sol já tinha declinado no horizonte. Notei que estava sozinho no quarto, mas não
me levantei de imediato, esperei alguns minutos para ver se o homem aparecia e, como ele não
apareceu, levantei-me e fui ao banheiro, trancando a porta à chave. Demorei bastante lá. Quando saí,
o Chefe já estava sentado na cama, tomando uma taça de vinho.
— Oi, Chefe — disse, aproximando-me e dando um selinho por minha conta. Ele tinha um
leve cheiro de cigarro, mas ainda bem que não fumava dentro de casa.
— Oi, Alexandre. Pelo visto você falava sério quando disse que tem preguiça, não é? — Ele
não me chamava de Xandy de forma alguma.
— Ah, desculpa, cama depois do almoço, você sabe... Mas poderia ter me acordado.
— Tudo bem, eu queria que você descansasse mesmo. Me acompanha no vinho?
Fiz careta. Lá vinha ele de novo com aquele vinho.
— Não tem uma cervejinha?
— Tem sim, fique aqui que eu vou pegar pra você.
Ele saiu do quarto e, em poucos minutos, voltou com três latinhas que guardou no frigobar.
Abriu uma, colocou o conteúdo numa taça de vinho e me deu. Brindamos.
— Você é uma boa companhia — disse sentando-se ao meu lado na beirada da cama e
passando a mão na minha coxa.
— Você também é. — E era verdade. Ele era estranho, mas gostoso.
— Pena que não gosta de vinho.
— Pois é, ninguém é perfeito.
Ele passou o braço que estava com o vinho por cima dos meus ombros, meio que me
abraçando, e beijou meu rosto. Virei-me e o beijei na boca, já que ele gostava e eu também. Beijamo-
nos devagar, misturando o gosto das bebidas, cada um com uma taça na mão, até que o beijo foi
ficando mais quente e mais urgente, então ele parou, tomou o restante do vinho de uma vez, eu fiz o
mesmo com minha cerveja e dei a taça vazia a ele, que se levantou para colocá-las na mesinha.
Quando voltou, ele ficou de pé, de frente para mim, e me beijou forte, segurando o meu rosto, depois
me empurrou sobre a cama e se se deitou sobre mim. Desvencilhei-me de seus braços e virei; ele
rolou sobre mim. A cama era enorme e macia, uma delícia, era como se eu estivesse flutuando.
Quando já estávamos nus e completamente excitados, um barulhinho começou a incomodar.
Eu não parei o que estava fazendo, mas ele parou e ficou sobre mim, apoiado nos próprios braços e
de olhos fechados. Fiquei até preocupado, do jeito que ele gozava rápido, era bem capaz de estar
quase lá antes mesmo de transar. Mas não era isso, ele se levantou rapidamente e pegou uma
bermuda que estava jogada sobre a cadeira, num bolso dela havia um celular tocando em volume
baixo.
— Tenho que atender — disse ele. — Me desculpe.
— Relaxa. — Mas bem que, naquele momento, eu queria continuar.
Ele ficou de pé, falando alguma coisa que eu não prestei atenção. A imagem dele magricelo e
pelado, de pau duro e falando ao celular me desconcentrava. Eu ri quando ele me olhou; e ele
entendeu do que eu estava rindo, então voltou para a cama e se deitou ao meu lado. Pelo tipo de
papo, entendi que era uma mulher a pessoa do outro lado. Fiquei curioso.
O Chefe não usava aliança, e a casa era muito organizada, de forma que não se via objetos
pessoais que identificassem o gênero do dono (embora eu tenha tido a impressão de ter visto um
batom no banheiro dele na primeira vez em que fui, que não estava mais lá na segunda vez). Também
me parecia pouco provável que ele morasse sozinho em uma casa tão grande.
— Não vai dar — disse ele à pessoa do outro lado da linha. — É que hoje eu estou ocupado...
É, estou em casa sim, estou com alguém. Não, não é... Também não... Tá, eu digo, estou com um
amigo... Aham, um amigo. — Ouvi um gritinho assanhado. — Bonito sim, bonito e muito gostoso.
— Essa parte ele falou também para mim e passou a me descrever nos mínimos detalhes, enquanto
me acariciava com a mão livre. Ele falava com a pessoa e me olhava com cara de safado; aquilo
estava excitando nós dois, até que ele se despediu bruscamente, jogou o celular sobre o tapete e me
puxou para cima de seu corpo, prendendo-me com pernas e braços e me beijando com vontade;
depois, mudamos de posição, ele ficou sobre mim, me imobilizando para me chupar o pescoço.
— Deixar marca não pode, Chefe — reclamei quando ele me deixou falar. — Eu sou um pobre
estagiário, e vai pegar mal aparecer no trabalho com a prova do crime visível assim.
— Eu sei, vou te chupar onde não aparece, então. — E desceu a boca pelo meu ombro, me
mordendo. Depois daquela ligação, ele tinha ficado ansioso, agitado, ria o tempo todo como se
estivesse com algum plano diabólico em andamento. — Garoto, você gosta de mulher? — ele
perguntou de repente, e pareceu apenas uma pergunta aleatória, sem maiores consequências.
Como ele voltou a me beijar depois da pergunta, somente pude responder alguns minutos
depois.
— Já peguei bastante, Chefe, mas prefiro os manos. Só que nem sempre eu fico nessa posição
aqui — confessei, arfando por estar suportando o peso dele e as pontas dos ossos de seus quadris me
furando as coxas.
— Quero ver você sendo ativo, se é tudo o que propagandeia naquela página mentirosa.
Rimos. Num impulso, virei-me por cima e o dominei, mordi o queixo dele, que ria e não
tentava se libertar, até abriu as pernas como se fosse finalmente liberar.
— Só tem verdades lá e você sabe disso. Para de correr do pau e experimenta logo, você não
sabe o que está perdendo.
Ele ria e ria, me abraçando com as pernas, me deixando fazer movimentos como se o estivesse
penetrando. Quando parou de rir, segurou meu rosto e me deu um selinho. Seu olhar era sério quando
disse:
— Na verdade, gatinho, eu pensei em coisa melhor.
— Ah é? Então, por que não diz logo?
Nesse momento, o bendito celular — que estava no chão, ao pé da cama — voltou a tocar, e
ele se levantou de uma vez, abaixando-se para pegá-lo. Não atendeu, só conferiu o número, vestiu o
short e saiu do quarto com ele esticado por estar excitado e sem cueca, mas voltou à porta como se
tivesse esquecido de alguma coisa importante.
— Fica aí do jeito que está, gatinho, papai volta em dois minutos com um brinquedinho pra
você.
Oi? Que papo cafona era aquele?
Só tinha levantado o tronco o suficiente para vê-lo, mas assim que ele saiu, eu caí na cama
olhando para a luminária principal, que estava exatamente sobre mim. Papai e brinquedinho... que
novidade seria essa? Será que...? Não, não era possível! Então era por isso aquela ansiedade
repentina?
Esperei com paciência, nu e já não tão duro. Ouvi passos no corredor, e não eram os passos do
Chefe, eram saltos, minha gente, saltos. A porta se abriu, e quem entrou no quarto foi uma bela loura,
com toda a pinta de ser puta. Sei que a palavra é inadequada, mas foi assim que o Chefe me falou
depois. Loira alta e magra, com os peitos mais siliconados que eu já tinha visto, vestido curto que
mostrava mais do que escondia. Ela entrou e, sem cerimônia, já foi para cima de mim. Virei de
bruços. Cheia de sorrisos, ela deslizou as mãos pelas minhas costas e coxas e se deitou ao meu lado.
Ela que não se atrevesse!
— Bonito esse seu amigo, Gui! Novinho. E que corpão!
E agora, José? Olhei para o Chefe sem entender coisa alguma. Ele estava perto da cama se
divertindo às minhas custas e inventando coisas sobre mim. Ele disse à mulher que era meu tio, vê se
pode!
— Dá um trato no meu sobrinho — ele disse, sentando-se na cama e passando a mão nas
minhas costas. — Ele diz que é o maior comedor da cidade, quero ver se é verdade.
Pela intimidade, tive a impressão de que não era a primeira vez que eles se viam e, quando a
observei melhor, vi que ela não era muito jovem, devia ter idade suficiente para ser minha mãe, no
mínimo, e isso não a impedia de ser bonita. Os peitos dela meio que quicavam, e tinha piercing no
umbigo e outro na língua, além de tatuagens na bunda e nas costas. Ela tirou o vestido, mas não os
saltos, fiquei preocupado se aquilo não iria me machucar.
Eu deitado no meio da cama; a mulher só de fio dental e sandálias, tipo atriz pornô, com os
peitos esbarrando na minha cara; o Chefe sentado ao meu lado, ainda com aquele shortinho esquisito,
conversando sacanagens com ela e me bolinando; a cena era bastante curiosa. Se a surpresa tinha me
feito declinar, ter quatro mãos e duas bocas em mim acabou me deixando animado de novo. Bastante
animado. Timidez nunca esteve entre os meus defeitos, muito menos na cama. O Chefe não tinha
vergonha de me pegar na frente dela, na verdade, ele estava muito à vontade.
— Chupa ele, Brini, chupa que ele gosta — disse o Chefe, inclinando-se para me beijar,
enquanto pegava meu pau, me masturbava, e colocava na boca da moça.
Brini, Gui... Que cafonice! Se bobear, os dois já tinham passado dos quarenta, mas pareciam
dois colegiais.
Ele me beijou na boca com o carinho de sempre, desceu me beijando o peito e, apoiando a
cabeça na minha barriga, ficou olhando a tal da Brini me fazer um oral. Ela fazia aquilo muito bem.
Até que o Chefe me colocou uma camisinha e, a partir daí, a coisa foi foda, literalmente, com ele e
com ela.

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Amostra de Instigante
(...)

O dia foi tranquilo, por isso fui pra casa mais cedo. Recebi uma mensagem do meu irmão dizendo
que tinha ido ao shopping com os gêmeos e que iriam pra balada mais tarde. Ao entrar no meu
quarto, notei uma atmosfera diferente, as portas estavam abertas, assim como todas as cortinas. Eu
tentava identificar o que me havia chamado à atenção, mas antes que eu pudesse pensar, vi o Eric
sentado no chão da sacada. Fui até lá e notei que ele estava com os olhos e o nariz vermelhos e me
cumprimentou com uma voz um tanto rouca.
— Tudo bem? — perguntei preocupado, me abaixando para vê-lo melhor. — Você não tá com
uma cara boa.
— Tudo bem sim, não é nada não. — Ele sorriu, mas não me convenceu.
— Uma crise de rinite, é? — fui tirando a camisa e indo para o banheiro no intuito de deixá-lo
mais à vontade para mentir, se fosse necessário.
— Aham — ele disse apenas.
Tomei banho, aparei a barba, me vesti e fui pra cozinha. Ele não foi pra lá como sempre fazia.
Esperei alguns minutos e quando voltei pro quarto, meio intrigado, o Eric já estava de banho tomado,
se vestindo com umas roupas que ele tinha, mas que eu não o tinha visto usando. Acho que ele
guardava para ocasiões especiais, uma camisa de mangas longas cinza bem escura e uma calça jeans
menos surrada.
— Opa, desculpe, você está se arrumando! — Dei meia volta e fui pra sala, me sentando no
sofá.
Um minuto depois ele apareceu lá, com uma aparência bem melhor, todo arrumadinho e
perfumado.
— Ei, precisa pedir desculpa não, o quarto é seu e eu já tinha me vestido mesmo — ele disse
sorrindo, tentando ser simpático.
— Ok então, aproveite a noite.
Ele saiu, me acenando com a cabeça. Pouco tempo depois eu saí também, mesmo que ainda
fosse cedo para o meu compromisso na casa do Ramon. Como na certa eu iria beber, resolvi ir
caminhando para voltar de táxi depois. Não era longe e a rua era segura.
Caminhei três ou quatro quarteirões quando avistei o Eric sentado num banco perto de um
Café, do outro lado da rua. Um carro parou em frente onde ele estava. Do carro saiu uma mulher alta,
de cabelos loiros longos e lisos, salto alto e vestido bem bonito. Era sensual sem ser vulgar, um
verdadeiro mulherão pelo visto. Eu já estava praticamente em frente ao local, no lado oposto, e sem
pensar acabei atravessando a rua para observar.
Ela, mais desinibida, deu um beijo no rosto dele, que estava visivelmente sem jeito. Depois
entraram no Café, um estabelecimento chique que com certeza ele não podia pagar com o salário de
auxiliar de cozinha.
Sentaram-se um de frente para o outro, e para a minha sorte de bisbilhoteiro, o Eric ficou de
costas para a rua. Ao ver o rosto da mulher, tive uma pequena decepção. Não era feia, mas com
certeza uma parte da sua beleza já tinha ido embora com o tempo. Ela aparentava ter idade pra ser
mãe dele, ou ainda mais. Pensei que talvez fosse uma daquelas mulheres poderosas e independentes,
mas solitárias, na faixa dos quarenta. Ri da situação e segui o meu caminho pensativo.

(...)
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Ou adquira o livro impresso AQUI.
Amostra de Meu Mais Ou Menos Inimigo
(...)

Nos últimos dias de aula o pessoal organizou uma festa, todas as turmas do último ano estariam lá e
eu fui todo animado, decidido a perder até o rumo de casa. Meu lado festeiro estava bem atuante, eu
até costumava beber, mas não o suficiente para fazer besteiras. Eu já estava lá acompanhado da
Amanda e de duas amigas dela quando chegou o Igor, com dois amigos dele. Em outras festas de
colegas ele nunca aparecia, mas naquela eu tinha certeza que ele iria, talvez mais para aproveitar a
última oportunidade de me aporrinhar do que para se divertir de fato.
Aproveitei bem a noite, bebi, comi, conversei, até dancei, sempre mantendo um olho no meu
antagonista, alguma coisa me dizia que ele ia aprontar porque quando nossos olhos se cruzavam, ele
dava um sorrisinho suspeito. Não foi surpresa nenhuma quando ele deixou os amigos de lado e veio
até mim, mas o que ele fez me pegou de surpresa. Eu estava numa conversa ao pé do ouvido com
uma menina que ele já tinha tido uns paranauês no passado quando ele chegou perto demais, tão
perto que deu para sentir o cheiro de bebida da boca dele.
— Até parece que gosta de mulher — disse ele quase no meu ouvido, mas o suficiente para
que a garota escutasse.
Ignorei e dei dois passos para o lado, mas ele continuou.
— Vou tirar a camisa pra você babar, como daquela vez. Quer?
— Sai daqui, seu babaca.
E ele riu alto, me olhando e levantando a camiseta, mostrando parte da barriga, dançando
completamente fora do ritmo da música. A menina que eu estava conversando se irritou com ele, eu
ameacei de dar umas porradas, mas a galerinha de sempre me impediu. Eles sempre estavam por
perto quando o Igor se aproximava.
— Deixa ele — pediu a Amanda. — Ele já bebeu e tá o maior babaca, sem noção.
— Tá, eu deixo, mas se ele me procurar...
O Igor me interrompeu falando alto e rindo.
— Aí você apanha mais uma vez.
Suspirei e voltei para a minha rodinha de amigos, nas meninas que estavam comigo, na que eu
estava num papo mais íntimo, mas a imagem daquele idiota não me saía da cabeça. Por fim a garota
saiu fora e, de longe, eu só via o Igor me olhando com cara de deboche. Aquilo foi me dando um
ódio...
O tempo foi passando, eu fui bebendo e bebendo, as amigas foram se arranjando com seus
crushs, ou outras opções que apareceram na hora e eu fui ficando de escanteio. Lá pelas tantas da
noite, depois de estar bem alcoolizado, eu resolvi ir embora sozinho, conformado com a vergonha de
não ter pegado ninguém, afinal o zé ruela do Igor me atrapalhou. Na saída eu o vi com uma garota,
mas pelo visto eles não estavam fazendo nada, apenas conversando. Ele sorriu para mim e eu entendi
como mais uma provocação. Já tinha me distanciado para sair do local quando tive um ataque de
raiva repentina, fui até ele e dei um empurrão, pegando-o de surpresa. Ele quase caiu no chão, mas
como era mais esperto e mais forte do que eu, não foi suficiente. Então ele pegou um copo de vinho e
jogou em mim, me sujando todo e eu parti pra cima dele na hora. A galera começou a gritar.
Se bati ou se apanhei eu nem sei, fomos logo separados na marra, ele foi para um canto com os
amigos e eu fui pros fundos do local da festa, queria ficar sozinho. Eu conhecia bem lá e sabia que
depois de um portão tinha um tanque onde eu poderia me lavar, passar uma água no rosto e esperar a
raiva passar. Mas eu estava tonto demais para andar em linha reta, o caminho era um corredor escuro,
de um lado a parede do imóvel, alta e sem janelas, do outro uma cerca-viva sombria e espinhenta, de
forma que deu trabalho para chegar onde eu pretendia. Assim que passei do portão, achando que
estava a salvo da confusão, trombei com alguém muito maior do que eu, que me segurou pelos
ombros de forma bruta.
— Você gosta de me ferrar nos esquemas, né otário?
Adivinha só, era o Igor. Eu ri de nervoso e tentei me afastar dele, dando dois passos para trás.
— Otário é você, por que não foi atrás da mina ao invés de vir atrás de mim? Vive me torrando
o saco cara, tô achando que quem gosta da fruta é você!
Ele me segurou pela camisa.
— Vou te dar uma lição que tu nunca mais vai esquecer.
— Me solta, idiota! Vai lá pra festa e me deixa em paz, ou eu vou te encher de porrada!
Dessa vez foi ele quem riu, afinal, sem a turma do “deixa-disso” eu tinha muitas chances de
levar a pior. Fui recuando e ele se aproximando, feroz, eu ouvia a respiração dele e sentia medo. Até
que minhas costas se chocaram contra um tanque daqueles de lavar roupas num local escuro e cheio
de baldes e máquinas de lavar. Uma vassoura caiu. Ele me alcançou e me pegou pelos braços, me
imobilizando. Tentei dar uma joelhada, mas ela encontrou o vazio, depois uma perna dele me
prendeu de vez. Engoli em seco e esperei o pior, se ele quisesse me quebrar todo, ele faria com
facilidade. Estava bêbado, mas eu também, e ele era mais forte, sempre foi. Com a música que rolava
do outro lado da parede, eu poderia gritar até o dia seguinte que não seria ouvido.
Mas ao invés de me bater, ele me segurou inteiro e não fez muita coisa além de pressionar o
pau duro em mim. Me surpreendi que aquele mané estivesse excitado, quente e cheiroso daquele
jeito. Virei o rosto quando a pele dele, que tinha alguns pontos ásperos, passou no meu pescoço. Com
uma voz ao mesmo tempo rouca e risonha, ele falou no meu ouvido:
— Vai me encher de porrada que nada, seu baixinho. Você não aguenta...
— Eu vou te...
Tentei, mas não deu. Ele passou o rosto na minha boca, me fazendo calar, apertou o próprio
corpo contra o meu, as mãos dele eram fortes nos meus antebraços, mas o resto não estava
machucando, ou eu estava anestesiado. Se eu tentasse de verdade, poderia até dar um chute nele e
sair, mas pensei melhor e...
Mentira, eu não pensei em nada. A minha cabeça estava confusa, acho que eu estava gostando,
isso sim, acabei me deixando vencer. Quase hipnotizado, eu vi a boca do cara com seu sorriso de lata
se aproximar da minha, fechei os olhos e deixei acontecer. Uma boca macia, com lábios geladinhos,
mas quente por dentro... Mas passado o encantamento inicial, aquela boca se mostrou bastante
faminta, a gente começou a se beijar com ferocidade e a se espremer um contra o outro. Ele tinha
gosto de cerveja e de alguma outra coisa, eu estava com chiclete, mas joguei fora quando consegui
parar pra respirar. Era um beijo forte e doído, o mané usava aparelho e fazia questão de machucar.
Quando senti gosto de sangue, parei para cuspir, mas ele me segurou e voltou a me beijar. E quando
ele parava para descansar, eu o fazia continuar.
As mãos dele ainda me prendiam, mas estavam frouxas, então eu deslizei pelos músculos até
os ombros, eu tinha um certo tesão por braços masculinos, bíceps, tríceps e etc. Com as mãos soltas,
ele também passou a me explorar, mas não passava da área costas x cintura, primeiro ia devagar,
depois começou a apertar e até a arranhar. A essa altura do campeonato eu não tava nem aí pra nada,
apenas aproveitava a oportunidade, embora, no fundo da consciência, a vontade de dar uns socos nele
assim que o beijo terminasse permanecia.
Mas a coisa evoluía com rapidez. Da boca eu desci para o pescoço dele, que pelo visto era bem
sensível, pois ele gemia e me apertava até o limite. Desci as mãos pelo peito dele e subi por debaixo
da camiseta, tudo isso sem parar de beijar. Ele foi me envergando para trás, se inclinando sobre mim,
já que era maior, me dominando mesmo, quase me quebrando ao meio. Algo começou a machucar as
minhas costas, acho que era a beirada do tanque, mas assim que reclamei, ele me afastou dali e
praticamente me jogou sobre um saco de ração para cachorro.
Numa posição muito escrota, meio sentado, meio deitado, apoiando a cabeça na parede, eu me
deixava a mercê do Igor, que foi se esfregando em mim cada vez mais forte, elevando as minhas
pernas até quase no ombro e alcançando a minha bunda. Ele fazia aqueles movimentos super
conhecidos contra o meu corpo, praticamente me fodendo, só que de roupa. Não era bem isso o que
eu tinha planejado para o dia em que pegasse um cara, mas estava gostoso, cada vez mais gostoso,
então eu não queria que parasse. Acho que até tirei a camisa dele nessa hora, mas ele deu uma risada
que me irritou, eu dei um soco nele, mas logo voltamos aos beijos e novamente senti um leve gosto
de sangue na boca. Aquele maldito aparelho! Mas estava bom, a gente suava e a vontade de se pegar
aumentava, então o jeito era continuar e ignorar os espinhos. Em determinado momento ele mordeu a
minha orelha, mas foi uma mordida gostosa, e para ajudar, eu gosto disso, então acabei gemendo alto.
Ele parou e riu de mim.
— Aí sim, hein? Gemendo pro teu macho!
Comecei a empurra-lo de cima de mim, mas ele me impediu e partiu pra cima novamente. E
tome beijo, de língua, sem língua, molhado, mordido, e quanto mais a gente beijava, mais dava
vontade de beijar. Vencido, segurei o Igor pela cintura e comecei a desabotoar o cinto dele. Ele ficou
calado, respirando forte e ansioso enquanto eu tentava deixa-lo nu. Eu também estava ansioso e meus
dedos chegavam a coçar na tentativa de abrir o cinto, que não facilitava de jeito nenhum. Eu via e
sentia a excitação dele e não tinha mais vergonha nenhuma, queria pegar e experimentar. Como eu
estava apanhando do fecho, ele pegou por cima dos meus dedos para me ajudar, e me fez enfiar a
mão por dentro da cueca enquanto enfiava a língua na minha boca. O problema é que nesse momento
alguém resolveu aparecer, com certeza sentiram a nossa falta lá dentro.
(...)
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Amostra de Dezesseis Anos

As férias acabaram, meu irmão voltou para a universidade e nós, os mais novos, voltamos pra escola.
Foi um começo de ano animado. Logo na primeira noite sem Paolo no quarto, mandei um recadinho
velado para o Bryan dizendo que eu o estaria esperando lá. Esperei em vão, porque o Bryan não
apareceu. Desde aquela madrugada no quarto dele, eu não o tinha procurado mais e ele estava muito
arredio.
Já próximo da madrugada, depois de dormir e acordar, eu me levantei e fui ao quarto de
Bryan, ignorando o perigo de encontrar alguém pelos corredores. Entrei e toquei em suas costas para
o acordar. Ele levantou a cabeça, mas tornou a se virar para a parede.
— Vai embora — disse ele. — Daqui a pouco seu pai levanta.
— O que foi? — perguntei fazendo-o se virar para mim. — Você está sentindo alguma coisa?
— Eu não estou bem. Tá doendo aqui, ó. — Ele me mostrou a parte de baixo do abdômen, na
pelve do lado esquerdo.
— De novo? Acho que você tinha que ir ao médico.
— Eu sei, eu sempre falei com a sua mãe. — Bryan nunca se referia à minha mãe como “tia”.
— Falou o que?
— Que eu tinha que ir ao médico quando completasse treze anos.
— Por quê?
— Sei lá. Me disseram isso e eu não esqueci. Acho que eu tenho algum problema de nascença.
— Será que tem a ver com a falta dos testículos?
Bryan suspirou, envergonhado.
— Deve ter.
— Eu vou falar com mamãe. Você ainda tem daquele remédio que compramos na farmácia?
Funcionou, né?!
— Tenho. A sua irmã também tem.
Fomos para a escola e eu pensei em conversar com minha mãe depois do almoço. Ela tinha
que saber sobre as dores de Bryan e do fato de ele ter que ir ao médico aos treze anos. Ele tinha
completado quinze em dezembro (segundo a data escolhida por minha tia, pois ninguém sabia ao
certo sua data de nascimento) e não tinha feito nenhum tratamento.
Na volta para casa, Bryan saiu do ônibus escolar com uma expressão de dor no rosto. Senti
pena dele porque tínhamos que caminhar uns bons quinhentos metros até em casa, e o sol estava
escaldante. Sem avisar, eu o peguei no colo para carregá-lo contra a sua vontade. Ele se debateu e
bateu nas minhas costas para que eu o soltasse. O carreguei por apenas alguns metros porque, apesar
de ser menor do que eu, ele era bem pesadinho.
— Credo, Bryan, você está pesado, hein?! Está comendo demais. — Coloquei-o no chão, mas
fiquei com sua mochila.
— É que eu tô crescendo, seu babaca! — Ele fez cara feia. Aliás, ele sempre fazia cara feia se
alguém dissesse que ele era gordinho.
— Está do mesmo tamanho, olha só. Nem chegou no meu ombro.
— É porque você também cresceu, sua besta. Parece um bambu.
Eu era alto, mas não tanto.
— Você vai ver o bambu! — Dei um tapa na bunda dele.
— Para com isso!
— Tá bom! — Bryan não estava de bons amores, então mudei para uma postura mais séria. —
Hoje vou falar com mamãe sobre essas suas dores. Ela vai ter que te levar no hospital.
— Ah, não precisa. Seu pai vai ficar falando.
— Não vai não. É bom ver isso aí. Deve ter um monte de vermes na sua barriga, por isso está
tão fofinha!
Falei e saí correndo porque eu previ o que aconteceria. Bryan pegou uma pedrinha do chão e
jogou nas minhas costas.
— Idiota!
Depois do almoço, eu chamei mamãe e falei das dores de Bryan. Ela ficou preocupada e
mandou que ele tomasse banho e que eu pegasse o carro de papai, uma F250 preta que ele não me
deixava pôr as mãos em qualquer ocasião. Por volta das duas da tarde nós saímos, fomos ao
município vizinho onde tinha um hospital particular.
Chegando lá, eu fiquei esperando do lado de fora e mamãe entrou com Bryan. Saíram cerca de
quarenta minutos depois trazendo uns papeis. Ao lado do hospital ficava um grande laboratório e eles
entraram lá, voltando cerca de meia hora depois. A seguir, eles foram a uma farmácia, e eu fiquei
esse tempo todo esperando embaixo de uma árvore. Quando eles finalmente voltaram, já passava das
cinco da tarde.
— O que você tem, Bryan? — perguntei, olhando-o pelo espelho retrovisor.
— Infecção...
— Infecção urinária — mamãe respondeu como se ela própria tivesse feito o diagnóstico. —
Tem que pegar os exames depois de amanhã. Você vem pegar, ouviu? Duas horas.
— Sim, senhora.
No dia marcado, Bryan e eu voltamos ao laboratório para pegar os exames e eu o acompanhei
ao hospital para mostrá-los ao médico. Eu ainda era menor, mas por ser grande e ter barba, ninguém
pedia a minha idade e eu passava tranquilamente como “responsável” pelo Bryan.
O médico olhou os exames sem muito interesse e disse que não havia nenhuma infecção, nem
vermes, nem bactérias, nem cristais na urina. Ele pediu que Bryan voltasse depois de duas semanas,
quando tivesse terminado de tomar o remédio que ele tinha receitado. Achei aquele médico pouco
atencioso considerando que as consultas ali eram pagas. Parecia que ele não acreditava que o menino
estivesse realmente sentindo alguma coisa e isso seria muito ruim em casa.

Os dias que seguiram não trouxeram nenhuma novidade. Bryan, aparentemente, estava bem de
saúde, mas reclamou que não estava aprendendo nada na escola. Assim, voltamos a estudar, agora
depois da janta. Também passei a me dedicar mais aos meus estudos, pois estava chegando a época
de escolher a profissão que eu queria ter.
Chegou o dia da revisão da consulta de Bryan e eu não fui com ele; papai e mamãe foram à
cidade e o levaram. Novamente, um remédio foi receitado, mas não chegaram a nenhum diagnóstico
conclusivo.
Enquanto isso, a gente ficava. Não era exatamente ficar; na minha opinião, era apenas uma
brincadeira. Era sempre rápido, escondido, sem criatividade; era apenas agarrar, esfregar e gozar.
Nada mais do que isso acontecia, embora eu tenha cedido à tentação algumas vezes e tentado
avançar. Mesmo o dedo com o qual eu me atrevi a explorar foi sumariamente afastado, e um beliscão
na minha mão, que ficou roxa depois, deixou bem claro quais eram os limites do nosso
envolvimento.
Beijar no pescoço, porém, era permitido, e abraçar atrás das portas e longe da vista de todos,
mesmo que por amizade ou por brincadeira, também podia. Beijo não rolou, nem sequer um selinho.
O mais perto que chegamos de um beijo na boca foi uma vez em que ele se voltou para mim, que o
abraçava pelas costas, e o meu lábio inferior tocou no lábio superior dele. Mesmo com tudo o que a
gente já tinha feito, tocar as bocas assim, de repente, nos deixou constrangidos.
O humor de Bryan variava entre o sorriso meigo e o nariz empinado, o olhar atento de
aprendiz e as palavras ácidas, os abraços carinhosos e as pedras voando para cima de mim. Tudo
dependia de como ele interpretava as minhas gracinhas. E mesmo no seu pior humor, ele acabava por
se aproximar, pois eu era o seu único amigo.

Lembro que os meses de abril e maio eram de muito trabalho na nossa fazenda. Eu ia à escola
pela manhã e passava o resto do dia atarefado. Meu pai não deixava de colocar os filhos para ajudar
nas atividades da roça, até as mais pesadas, mesmo tendo uma porção de empregados. Ele falava que
todo mundo tinha que aprender a trabalhar. Além disso, eu estava completando dezoito anos e já era
considerado um adulto.
Em meados do mês de abril, Bryan começou a reclamar de dor novamente, e dessa vez era
mais forte. Todos ficamos preocupados com ele, mas meu pai, que achava que ele tinha inventado as
dores no começo do ano, se mostrou difícil de convencer. No fim, depois de um pedido de mamãe,
ele concordou em me deixar levar o Bryan ao médico, desde que fosse na sexta-feira, que era o dia
em que eu ia para a autoescola. Antes disso, segundo ele, todos estariam ocupados, e ainda faltavam
três dias.
Naquela noite eu fui ao quarto do Bryan verificar como ele estava e o encontrei encolhido e
gemendo embaixo das cobertas. Me sentei na ponta da cama e o toquei de leve na barriga.
— Está doendo muito? — perguntei.
— Bastante, principalmente do lado esquerdo. — Ele tocou no local por cima da minha mão.
— Amanhã cedo a gente vai ao hospital, tá?
— Quem autorizou?
— Eu autorizei — ri. — Por acaso, papai me mandou ir para a escola de carro para trazer
umas coisas, ir ao banco etc., porém... — fiz um pequeno suspense. — Nós vamos matar aula! Não
vou te deixar sofrendo até sexta-feira.
— E se ele ficar sabendo? Vai brigar contigo.
— Porra nenhuma, ele não vai saber. Problema é dinheiro, eu não tenho e não posso gastar o
que ele me deu. Vamos ter que ir ao hospital estadual mesmo. Tomara que atendam logo. Dá para
aguentar até amanhã?
Ele assentiu e eu voltei para o meu quarto. Eu tinha planejado que, ao voltar para casa à tarde,
eu diria ao meu pai que Bryan tinha passado mal na escola, que quase tinha desmaiado de dor, e
então eu o tinha levado ao Pronto Socorro. Assim ficaria tudo certo e ele não saberia dos meus
planos. Mas a gente não tem como saber que imprevistos podem ocorrer.
Na manhã seguinte, eu peguei a lista de coisas que teria que comprar para o meu pai, pedi mais
dinheiro com a desculpa de que teria que almoçar e comprar umas coisas para mim, e ele me deu.
Mas não passei nem perto da escola; assim que chegamos à cidade, fomos direto para o hospital.
Bryan, ainda receoso, falou que não precisava, que podia esperar até o fim de semana, mas eu não dei
ouvidos.
Acelerei a velha F1000 de carroceria de madeira e chegamos ao Pronto Socorro por volta das
sete da manhã. Ele já estava lotado, para variar, principalmente de pessoas gripadas. Esperamos por
quase três horas até que chegou a vez do Bryan ser atendido, eu já tinha até comprado uns biscoitos
para enganar a fome enquanto esperávamos.
Uma plaquinha improvisada na recepção trazia os nomes dos médicos que atendiam naquela
manhã, e o Dr. Alberto Rocha, clínico geral, era quem atenderia ao Bryan e à maioria dos outros
pacientes. Quando o nome do Bryan foi chamado, o segui por um corredor apinhado de gente, e
entrei no consultório como acompanhante. Um homem barbudo vestido de branco, magro, grisalho e
com cara de cansaço, que nem nos olhou direito quando entramos, pediu que fechássemos a porta.
Bryan entregou a ficha que lhe deram na recepção e o médico o olhou por cima dos óculos.
— O que está acontecendo?
— Ele está sentindo dores abdominais. — Eu respondi e o doutor escreveu alguma coisa num
papel do hospital com uma caligrafia praticamente ilegível.
— Desde quando?
— Há uns meses já.
Então ele elevou a vista para mim.
— Você é o Bryan?
— Não. É ele. — Indiquei tocando no ombro do meu primo.
— Então deixe que ele responda.
Ignorante. Mas respirei fundo e não retruquei.
— E o que mais? — O médico continuou como se falasse com a cadeira, num tom impessoal,
quase automático.
— Enjoo, dor de cabeça, visão turva... — Bryan respondeu meio sem jeito. Disso nem eu
sabia.
— Certo. — O médico rabiscou mais alguma coisa na ficha e pegou um receituário, rabiscou-o
também, e bateu um carimbo. Já estava se preparando para entregar sem olhar a quem quando eu
intervim.
— O senhor não vai nem examinar? Não é uma dorzinha de barriga, é uma dor constante, o
senhor entendeu? Não vai se resolver com paracetamol ou um remedinho qualquer.
O homem respondeu como se não se importasse.
— É preciso fazer alguns exames, aqui está a requisição. Passem no laboratório amanhã pela
manhã. — Me entregou outro papel fino com alguns rabiscos.
Bryan estava pálido e encolhido apoiando-se na cadeira onde não se sentou porque o
digníssimo doutor estava ansioso para que fôssemos embora. O médico o olhou, pensou um pouco e
coçou a cabeça.
— Deite-se ali. — Ele se levantou como se precisasse fazer um esforço imenso para isso.
Ajudei o Bryan a deitar-se na maca alta cujo revestimento azul estava todo esburacado. Ele
ficou olhando para cima, apreensivo. O médico se aproximou e levantou sua camisa de forma um
pouco rude e apertou a mão espalmada na região próxima ao umbigo. Bryan não esboçou nenhuma
reação. Apalpou mais à esquerda e a mesma coisa, mas quando ele desceu um pouco a mão, houve
uma reação estranha, não de Bryan, mas do médico. Ele franziu a testa, ajeitou os óculos e apalpou
novamente, aumentando a pressão. Bryan reclamou de dor.
— É aqui? — o médico perguntou, dessa vez mais interessado.
— Aham.
— Como é o seu nome mesmo?
— Bryan.
— Hum... isso é nome de homem ou de mulher?
Bryan se mostrou ofendido e eu me intrometi.
— Não está vendo que é um homem?
Dr. Alberto fingiu não me ouvir.
— Quantos anos? — Acho que ele nem tinha lido a ficha que Bryan tinha levado.
— Dezesseis. Não, quinze — respondeu Bryan, cada vez mais incomodado com o exame.
— Sei... — Ele respirou fundo e ficou pensativo, depois puxou uma espécie de cortina azul-
escuro que deixava a maca num lugar reservado.
— Tire toda a sua roupa — ordenou o médico.
Bryan me olhou assustado. Tentei encorajá-lo.
— Vai, faz o que o doutor mandou. É só um exame.
O médico me olhou.
— Você é parente dele? — perguntou, me encaminhando para fora do reservado.
— Sou primo. Mas ele mora na minha casa tem tempo já.
Me sentei e fiquei olhando as paredes enquanto o Bryan era examinado com mais privacidade.
Isso demorou alguns minutos onde eu só ouvi grunhidos, depois o médico saiu me olhando por cima
dos óculos e com a testa franzida. A expressão no rosto dele me preocupou.
— O que foi? — perguntei.
— É melhor você esperar lá fora.
— Mas eu quero ficar aqui com ele.
— Ele precisa de privacidade nesse momento. Espere lá fora.
Ele me apontou a porta e eu saí bufando. Não tinha ido com a cara daquele médico, ele parecia
meio biruta, mas não tinha nada que eu pudesse fazer. Me sentei num banco no corredor, ao lado de
outras pessoas, e esperei. Havia um relógio na parede e segundo ele, já passava das onze da manhã.
Quando a porta foi aberta, eu entrei e vi que o Bryan já estava vestido. Ele estava sentado na
cadeira olhando para baixo, o doutor estava de pé andando de um lado para outro. Me apontou o dedo
enquanto falava, como se me desse uma ordem.
— Rapaz, leve o Bryan até a clínica aqui do lado e procure o consultório do doutor Pedro. Ele
vai atender vocês no horário do almoço.
— Mas é uma clínica particular e nós não temos dinheiro — lembrei.
— Não vão precisar de dinheiro, por enquanto. Não posso confiar apenas no meu diagnóstico,
preciso de uma confirmação, então vão lá. Eu vou ligar para ele.
— Mas é grave, doutor? — perguntei.
— Ainda não sei. Talvez seja. Vão!
Bryan levantou-se triste e desanimado. Peguei em seu braço para dar apoio e saímos do
consultório. As pessoas que aguardavam do lado de fora estavam impacientes e murmuravam
palavras mal-educadas, e ficaram furiosas quando viram o médico saindo atrás de nós. Ele foi fazer a
ligação.
Quando saímos do Pronto Socorro, eu me senti melhor. Tinha gente demais lá dentro. A
clínica que o médico tinha indicado ficava ao lado do hospital, se tratava de uma construção de dois
andares verde-clara e bem cuidada. Uma vez lá fora, eu não contive a minha curiosidade.
— Como foi o exame?
— Esquisito. Ele mandou fazer outro.
— Hum... Do jeito que ele está, é melhor nem passar remédio para ninguém hoje. O cara está
mortão. — Bryan respondeu com um resmungo e eu fiquei preocupado. — Você não tá legal não,
né... O homem disse o que poderia ser?
— Não.
— Quer comer um biscoitinho enquanto a gente espera? Você deve estar com fome.
Bryan parou, já em frente à grande porta de vidro da clínica, e aceitou o biscoito que eu lhe
estendia. Entramos.

Ao contrário daquela sucata pública que atendia aos menos favorecidos, o prédio particular era
limpo, repleto de vasos de plantas e silencioso. Era tranquilizador. Havia um grande balcão circular
onde algumas secretárias atendiam pessoas bem vestidas. Vi o nome do doutor Pedro Rocha numa
plaquinha perto de uma atendente bonita e me surpreendi: era um consultório de ultrassonografia.
Outro Rocha, seriam parentes?
Fomos até a moça, que nos atendeu com eficiência e simpatia. Eu disse a ela que o doutor
Pedro estava nos esperando e que o doutor Alberto tinha ligado. Ela nos mandou aguardar e saiu,
voltando alguns minutos depois acompanhada de uma mulher vestida de verde. Ambas exibiam
largos sorrisos. A de verde pediu que a acompanhássemos por um corredor comprido e largo.
No corredor havia várias portas que exibiam os nomes dos médicos e suas especialidades, e
bancos estofados onde algumas pessoas aguardavam. No final do corredor estava o nosso destino. A
moça abriu a porta para que entrássemos, pediu que nos sentássemos nas cadeiras confortáveis que
havia diante de uma mesa, e saiu nos deixando sozinhos na sala.
Se tratava de uma sala escura e fria, com quadros nas paredes e vasos de plantas artificiais.
Um aparelho de ar condicionado estava ligado e fazia barulho. Bryan encolheu os braços e eu senti
minha pele arrepiar por causa do frio. Eu não estava nem um pouco confortável naquele lugar, e
Bryan estava ainda mais assustado. Ele olhava em volta a todo momento e apertava meu braço onde
sua mão trêmula repousava.
Poucos minutos depois, um homem apareceu, vindo do interior do consultório, e então
tivemos uma surpresa: o tal doutor Pedro era, nada mais, nada menos, que uma versão mais feliz e
mais saudável do doutor Alberto. Eles eram gêmeos idênticos! O dr. Pedro, porém, era mais
simpático, tinha menos rugas e menos cabelos brancos, o que me fez pensar no quanto o local de
trabalho pode influenciar na vida de uma pessoa. Ele nos recebeu amavelmente, já sabia o nome de
Bryan e a razão de ele estar ali, o que significava que o Alberto tinha dado detalhes ao telefone.
Ele pediu que o acompanhássemos à outra sala, que era ainda mais escura e mais fria, onde
indicou uma porta e disse que Bryan deveria urinar e voltar. Estranhei aquela instrução. Por que o
Bryan tinha que mijar antes do exame?
A mim ele indicou uma cadeira confortável num canto escuro onde eu me sentei e esperei.
Bryan saiu do banheiro cabisbaixo e deitou-se no local onde o médico indicou, uma espécie de maca
inclinada, ainda mais alta que a do Pronto Socorro. Muito delicadamente, o doutor Pedro o fez
levantar a camisa e abaixar a bermuda deixando à mostra a barriga branca e redondinha que ele tinha.
Bryan virou o rosto para o lado oposto ao médico, talvez por estar por vergonha.
O exame começou e de onde eu estava não era possível ver a tela onde o médico via as
imagens que vinham do aparelho. Espichei o pescoço e tudo o que vi foi imagens cinzentas e
disformes que se moviam. Intimamente, duvidei que o doutor estivesse entendendo alguma coisa.
Enquanto movia um aparelho sobre a barriga de Bryan, ele ia fazendo perguntas em voz baixa. Eram
perguntas comuns, como nome, idade, onde morava etc.
— Você tem quinze anos? — ele perguntou e Bryan assentiu. — E veio só com o seu primo?
Nenhum outro adulto? — Bryan negou com a cabeça olhando para a parede oposta. — Tem sentido
essas dores nos últimos meses?
— Aham.
— Antes disso não?
— Não.
Ele continuou a fazer perguntas simples às quais o Bryan respondia com gestos ou
monossílabos, e parecia muito concentrado em seu monitor. Até que a porta se abriu com suavidade e
o doutor Alberto entrou sem fazer barulho. Parou ao lado de Bryan, de forma que eu não podia mais
vê-lo nem ver o monitor. Não gostei.
A partir daí, eu fiquei esquecido num canto, como parte da decoração do consultório. Os
irmãos médicos se entendiam perfeitamente sem proferir frases inteiras, e se comunicavam por
sussurros e gestos. Às vezes eu ouvia alguns trechos soltos.
— Já viu algum caso parecido com esse? — Alberto perguntou limpando os óculos na camisa.
Me levantei para tentar ver o que eles viam.
— Só ouvi falar. — Pedro parou na parte mais baixa da barriga de Bryan apertando o aparelho.
— Cada caso é um caso diferente. O órgão que você disse é funcional?
— Relativamente normal. Não parece um caso de clitomegalia, embora, se isso se confirmar...
Se pudesse bater um raio X...
— Não é aconselhável — Pedro respondeu.
Mais um período de silêncio perturbador onde os dois médicos só grunhiam e resmungavam e
eu tentava me aproximar sem ser notado. E mais uma vez o Pedro parou num ponto e os dois ficaram
olhando totalmente absorvidos.
— Tem dos dois lados? — Alberto apontou algo na tela cinzenta.
— O direito é perfeitinho, porém o esquerdo não está nítido, o que não quer dizer que ele não
exista. E veja, não tem mais espaço. Parece que a cavidade não está crescendo. Isso é um problema.
Consegui ver a tela, mas só tinha imagens cinzentas. Bryan se mexeu, desconfortável.
— Deve ser uma deficiência hormonal... — Alberto continuou. — Se for, dá para tratar.
— Vou falar com Margareth, ela pode cuidar dele nos plantões.
— Você vai ficar bem — disse o doutor Alberto, olhando o Bryan com carinho. Mas o Bryan
começou a mexer a cabeça de um lado para o outro com os olhos fechados, e então eu vi que ele
estava chorando. O doutor Alberto tentou consolá-lo, e ele começou a soluçar. Eu me precipitei para
onde ele estava deitado, mas ele continuou virado para a parede chorando descontroladamente.
— O que o senhor falou para ele? — perguntei ao doutor Alberto. — Ele saiu assim da sua
consulta.
— Vocês dois vieram sozinhos? — o médico perguntou, ignorando minha pergunta.
— Sim, viemos escondidos dos meus pais.
Alberto respirou fundo e olhou para o irmão que fazia anotações num papel e manipulava uma
grande impressora. Quando o papel foi impresso, Pedro o colocou num envelope e o entregou ao
Alberto. Saiu da sala dizendo que ia conversar com uma tal Margareth.
Quando o Pedro saiu, o Alberto me chamou.
— Venha comigo para a outra sala enquanto o Bryan descansa.
Olhei para o Bryan, que balançou a cabeça numa afirmativa muda. Ele estava cada vez mais
abatido, ainda virado para a parede, e não quis me encarar.
Acompanhei o Alberto até a antessala que funcionava como recepção do consultório, me
sentei na cadeira que ele me indicou e esperei pelas explicações. Já estava mais do que na hora de
elas aparecerem. Meu estômago estava roncando, Bryan também devia estar com fome, e em casa,
com certeza, já deviam estar sentindo a nossa falta.
Dr. Alberto se sentou na cadeira que pertencia ao irmão e ficou me olhando por alguns
instantes antes de começar a falar. Fiquei sem graça com aquele exame mudo, mexendo as mãos
devido ao nervosismo.
— Bryan disse que mora com a sua família desde que a mãe dele faleceu. Vocês já tinham
notado algo de estranho nele?
— Bom... ele é todo estranho. De que tipo de estranheza o senhor está falando? Ele tem
alguma doença?
— Não é uma doença, mas é uma peculiaridade que precisa de muita atenção. Volte para casa
e chame um adulto. Precisamos conversar um assunto delicado.

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Amostra de O Rei Está Morto

Lorenzo olhou no relógio que ficava no bolso. Estava quase na hora. Ele estava oculto pela pilastra,
no beco, atrás do supermercado, e sentia as pernas tremerem. “Merda!”, pensou ele. “Até parece que
estou prestes a cometer um crime”. Moveu a língua por toda a boca para dissipar a secura e respirou
fundo. “Você já fez isso antes, idiota!”
Quando Alison saiu do trabalho, ele correu e o alcançou. Alison estava abatido e seus passos
rápidos destoavam de seus ombros caídos. Era a vontade de chegar logo àquele colchão e descansar
até a tarde seguinte.
— Calma, jovem! — disse Lorenzo.
— Oi! Você me assustou.
— Desculpe! Eu estava te esperando.
— Legal. Vamos juntos até onde puder.
Lorenzo apontou a mochila que o outro levava.
— O que tem aí dentro?
— Meu uniforme. Estou levando para lavar. Tem que estar seco até amanhã, então vou lavar
no banho.
— Não vai demorar muito? Eu posso te ajudar. — Os dois riram, então Lorenzo corrigiu: —
Quer dizer, eu posso lavar na pia enquanto você toma banho no banheiro.
— Ah, não quero incomodar.
— Não incomoda nada. Hum, estou levando um lanche para você. — Ele mostrou a sacola.
— Puxa, assim você me deixa sem graça. Hoje nem é meu aniversário.
— E daí? Você trabalha, está cansado, e me deixa dormir ao seu lado na cama. Só quero
retribuir a gentileza. O colchão é seu, não é?
— Isso não é nada. É só um cantinho no colchão.
— Por favor, não diga que você faria isso por qualquer um. Me deixa continuar iludido!
Alison riu.
— Não, qualquer um não. Só você. Você é gentil, e se cuida, coisa que a maioria não faz.
Agora que falta luz elétrica, nem todo mundo toma banho.
— Por acaso notei que você também cheira bem.
Os dois se olharam, depois riram.
— É verdade, porra! — disse Lorenzo. — É impossível não sentir.
— Que bom que você gostou. Você também... você é legal.
Caminhando lado a lado na calçada, as mãos deles se tocaram. Alison recolheu a sua, olhando
em volta. Lorenzo tossiu, para disfarçar.
— Estou confundindo as coisas?
— Não.
— Então... eu tenho chances contigo?
— Hum... talvez.
No alojamento, a maioria das pessoas estava acordada. Com rústicas lamparinas, eles faziam
roda de conversa, cantavam, comiam e bebiam. Como não podiam sair, não havia muito o que fazer à
noite. Apenas os mais velhos e os que tinham um emprego formal tentavam dormir cedo.
Lorenzo e Alison chegaram, combinadamente, com alguns minutos de diferença entre um e
outro para não chamar a atenção. Apesar de muitos fazerem vista grossa, o namoro entre pessoas do
mesmo sexo não era permitido.
Alison foi ao quarto improvisado, pegou alguns objetos e seguiu para o banheiro. Lorenzo
estava lá ajeitando a única lâmpada, e quando viu a porta em que Alison ia entrar, pediu que ele
entrasse em outra. Alison obedeceu e, para sua surpresa, quando abriu o registro do chuveiro, a água
caiu morna.
— Cinco minutos — disse Lorenzo, do lado de fora. — Aproveite que logo começa a esfriar.
— Caramba! Foi você que fez isso? Como conseguiu?
— Um truquezinho que não vou te ensinar. Agora aja naturalmente e não conte isso a
ninguém, nem para a sua sombra.
— Tá legal!
Seis minutos depois, Alison saiu do banheiro escuro, já parcialmente vestido. Era uma fila de
banheiros pequenos e malcheirosos, construídos quando o local era uma quadra de esportes. Tinha
uma ala feminina do outro lado. Apenas alguns funcionavam, de forma que os usuários não se
separavam por gênero, e sim por afinidade.
— Caramba, isso foi demais! — disse Alison, enxugando os cabelos. — Dona também usou,
ou...?
— Não, e não falemos mais disso. Pode atrair curiosos e coisas ruins.
— Entendi. Mas, cara, isso foi foda! De onde veio isso?
— Olha a curiosidade! É uma bateria que eu inventei. É ineficiente ainda.
— Puxa, eu achei bem eficiente. E veja como as aparências enganam. Você parece tão
burguesinho. Espero que não se zangue.
— Eu? Por quê? Não vai dizer que é por causa do meu casaco.
— Não! Quer dizer, você parece bem-educado. Não achei que soubesse mexer com baterias.
Estudou onde?
— Ih, não foi por aqui. Mas você tem razão, as aparências enganam. Eu sei umas coisas sobre
chuveiros.
Alison parou, de repente.
— Espera! Essa água não é radioativa, é?
— Oi? — Lorenzo riu. — Não, é energia mesmo. Resistência, entendeu?
— Não. Mas valeu.
Eles entraram no cercado de cobertas e Lorenzo entregou ao Alison uma sacola onde tinha um
lanche. Este agradeceu e começou a comer, e o outro foi interagir com o pessoal de fora para que eles
não desconfiassem. Lorenzo sabia que em breve todos estariam cientes do seu interesse por Alison,
mas antes, ele pretendia conquistar a simpatia deles para não ser denunciado. Entrou nas rodas de
conversa, jogou cartas e damas, e assistiu a uma mulher cantar. Quando voltou ao quarto, Alison já
estava deitado, pronto para dormir. Dona não estava.
— Posso me deitar com você? — perguntou Lorenzo, já se deitando.
— Pode. — Depois de pensar um pouco, ele completou: — Obrigado por tudo, tá? Foi muito
legal você se preocupar comigo. Eu saio do trabalho cansado e não sou muito bom em demonstrar o
que sinto... enfim, saiba que eu gostei muito das coisas que você fez.
— Que bom! Mas você não entendeu. Eu quero me deitar com você. Deitar e não dormir.
— Ah! Bem... — Alison riu, embaraçado. Ele sabia do que se tratava, mas estava tão cansado,
tão absorto... Além disso, lembrava-se do que Dona dizia aos novatos: “o albergue é como a arca de
Noé, nada de procriar aqui dentro”. Mas era difícil resistir a um pedido daqueles. O carinha era tão...
agradável! Ele passou o braço sob a cabeça de Lorenzo e puxou-o para si. — Bem, cá estamos.
Lorenzo se ajeitou sobre o braço de Alison e ficou olhando seu rosto. De lado, sentia sua
respiração pesada e sua ansiedade. Alison sabia o que ele queria e parecia estar gostando da ideia.
— Posso fazer uma coisa? — pediu Lorenzo, num quase sussurro.
— Fique à vontade.
Na semiescuridão e ao som de um violão e uma voz desafinada, Lorenzo pegou a mão de
Alison sob a coberta. Levou à boca e a beijou lentamente. Alison sentiu um arrepio percorrer seu
braço, da mão até o peito, e deu um suspiro. Depois riu. Por essa ele não esperava.
— Você é inacreditável!
— Por quê? — Lorenzo manteve a mão de Alison próximo aos lábios. — Nunca beijaram a
sua mão?
— Não!
— É ruim? — perguntou, e virou a mão para beijar a palma e os dedos. Colocou cada um
deles na boca e sugou de leve, lentamente, olhando nos olhos dele. Alison sentiu cócegas e algo mais.
— Não, não. É bem... é bastante...
— Fala!
— É gostoso, mas estranho. Eu sinto lá na minha barriga.
Lorenzo soltou a mão dele e pôs a cabeça no travesseiro, rindo.
— Na barriga? Sei...
— É verdade.
— Onde? — Ele passou a mão na barriga de Alison, que continuou a rir. — Aqui?
— Isso. Bem aí. Mais para baixo... — ele sentiu a mão de Lorenzo chegando no local onde seu
sangue se concentrava. — Agora para! Vamos com calma. — Alison ficou imóvel, suspirando de
olhos fechados. Lorenzo tirou a mão e ele ficou em silêncio. Depois riu. — Beijo na mão... Isso foi
engraçado.
— Puxa! Foi engraçado? — Lorenzo se virou de lado, de costas para Alison. — Você achou
engraçado?
— Bom! Foi bom — Alison pegou em seu ombro e o fez virar-se de costas. Passou uma perna
sobre as pernas dele para prendê-lo. — Besta! Só fiquei surpreso, achei que você fosse beijar a minha
boca.
— E você queria?
— Hum... talvez. Você é muito... carinhoso. É isso. Carinhoso. A gente se acostuma com a
frieza das coisas... quando a gente encontra alguém.... enfim.
— Quando encontra alguém disposto a correr o risco vai logo ao que interessa para não perder
tempo? É isso?
— É, tipo isso. Mas você é carinhoso. Gostei de você.
— Sou carinhoso mesmo. E olha, não é por nada não, mas eu estou gostando dessa posição
aqui. Tem certeza de que vai continuar assim? Beijo na mão não é nada perto do que eu estou
pensando agora.
Alison não disse nada nem tirou a perna de cima de Lorenzo. Riu próximo ao pescoço dele
deixando-o arrepiado. Lorenzo protestou com voz manhosa:
— Rir no meu pescoço é covardia, viu? Por que não beija ao invés de rir?
— Assim? — Alison fungou e forçou o queixo levemente barbado na junção entre o ombro e o
pescoço dele. Depois o beijou, três beijos curtos. Lorenzo ficou parado, suspirando. — Gostou disso,
não foi?
— Se gostei! Finalmente ganhei a noite. Daqui a pouco a general aparece e eu tenho que fingir
que estou dormindo. Não sou muito bom nisso.
— Você é corajoso. Fica me paquerando na frente de todo mundo, sabendo que é proibido —
disse Alison, no ouvido de Lorenzo. — E olha que acabou de sair da prisão.
— Se você não quer, tudo bem, eu não te paquero mais.
— Sério?!
— Não! Eu não vou parar. Vou te mimar até você enlouquecer. Eu sou insistente.
— Fique à vontade para me mimar. Eu vou gostar disso.
— É sério, viu? Você vai pagar caro por esse lanche e essa água quente. Eu não faço nada à
toa.
— Nem era disso que eu estava falando. Falo da sua atenção mesmo. Pode me paquerar, só
toma cuidado com quem está olhando. Eu não quero ser demitido nem voltar para a cadeia.
— Pode deixar, eu tomo cuidado.
Alison se calou e Lorenzo sorriu secretamente. Alison tinha se entregado. Ele nunca
mencionava o fato de já ter estado preso e achava que Lorenzo sabia, mas tinha acabado de falar com
todas as letras. Será que tinha percebido?
— Desculpe não ter dito isso antes — disse Alison, minutos depois. Sim, ele tinha percebido.
— Tudo bem.
— Foi pelo mesmo motivo que você.
— Verdade? Espero que você esteja livre de tudo e que consiga refazer a sua vida.
— Obrigado. Eu também espero. Se der certo esse trabalho... se eu conseguir ficar depois...
depois da experiência... — Alison foi perdendo o foco nas palavras conforme o sono foi chegando.
— Eu vou me mudar daqui... se o salário melhorar, eu... eu...
— E dormiu. Eu espero até amanhã para você me contar esses seus planos, seu chato! —
Lorenzo se mexeu até sair de debaixo de Alison e ficou apoiado num cotovelo, vendo-o dormir. —
Boa noite, príncipe!

Quando Dona chegou, Alison estava dormindo de costas, no meio do colchão. Lorenzo estava
encolhido ao seu lado, sob seu braço. Ela se deitou do outro lado, empurrando uma perna de Alison.
Ele voltou com a perna para o mesmo lugar, deixando-a sem espaço.
— Que cara folgado! Chega pra lá! — Dona o empurrou novamente e ele se virou para o lado
de Lorenzo, que acordou.
Sem espaço para os membros, Lorenzo se virou no mesmo sentido, se encaixando na forma de
concha. Sentiu quando Alison colocou a mão em seu quadril e deslizou até sua cintura. “Será que ele
está consciente?”, pensou Lorenzo, prendendo a respiração. Sua pele estava exposta, pois a camisa
havia subido — eles sempre dormiam vestidos —, e os dedos de Alison pareciam estar bem
acordados, acariciando-o. Porém, sua respiração ritmada e calma demais, e seu histórico de sono
pesado tiraram a esperança de Lorenzo. “Esse filho da mãe está dormindo”. Tirou os dedos dele de
sua pele e tentou pensar em coisas mais urgentes e mais concretas. “Para de sonhar, você tem mais o
que fazer, idiota!”

No dia seguinte, Lorenzo acordou cedo. Seu pescoço estava doendo, assim como sua coluna, e
sua tosse não estava totalmente curada. Ele não era acostumado à falta de conforto, mas, dadas as
circunstâncias, não podia reclamar. A estadia no albergue estava sendo melhor do que imaginava.
Sem falar com ninguém, ele caminhou até o ponto de ônibus e seguiu até o centro. De lá,
tomou um ônibus para o bairro industrial e caminhou até um velho galpão abandonado. Um homem o
esperava no portão fechado com correntes e cadeados. Usando óculos e luvas, Lorenzo entregou ao
homem um maço de dinheiro. Ele conferiu discretamente e indicou uma porta lateral. Seguiu na
frente e Lorenzo o acompanhou.
O galpão era uma velha gráfica paralisada. Falido, o dono aceitou fazer um trabalho de última
hora para um jovem de sotaque estrangeiro, e cobrou caro por isso. “Um desses sonhadores”, pensava
o homem enquanto colocava o maquinário para funcionar. No dia em que o pedido foi encomendado,
o jovem levou também uma bateria, já que a eletricidade estava racionada. “Já, já vão dar um jeito
nele. É sempre assim”.
— Quanto tempo até o trabalho ficar pronto? — perguntou Lorenzo, forçando ainda mais seu
sotaque estrangeiro. Ele sabia que isso causava simpatia em certas pessoas.
— Amanhã cedo, acredito. Você garante que assume todos os riscos? Esse texto aqui, acho que
tem gente que não vai gostar. Quem vai vir buscar?
— Um ou dois amigos. Deixe as caixas preparadas.
O negócio foi acertado e Lorenzo foi embora. Quando retornou ao albergue, Dona o chamou
em um canto. Estava eufórica, mas procurava disfarçar.
— Até que enfim você apareceu! Estou doida para te dar essa notícia. É muito inesperada.
— Tá, mas cuidado com meu braço. O que aconteceu?
— Recebemos uma doação. Gigante! Muito dinheiro. Um tal de Clayton. Você já ouviu falar?
— Eu não! Mas pra quê doação?
— Para a nossa campanha. E ganhamos panfletos. Panfletos, você ouviu? Há quanto tempo
você não ouve falar em panfleto? Isso vai bombar no nosso ato na ponte.
— Que ponte?
— Para de fingir que não ouviu nada, Lorenzo. Dia 30, agora, nós convocamos um ato
pacífico na ponte. Vamos lançar oficialmente nossa campanha e mostrar o tamanho do apoio que
conseguimos. Isso vai chocar o pessoal. Escolhemos a ponte por causa da visibilidade. Eles não são
doidos de nos atacar na ponte, na frente de todo mundo, se a gente estiver só caminhando. Vai ser um
grande dia!
— Não sei não. E como estão em campanha se o nome do representante ainda nem foi
escolhido? Vocês precisam chegar num acordo.
— Então... aí é que entra um negócio chato. Essa pessoa, que ninguém sabe quem é, mandou
excluir um dos pré-candidatos. Quem ficou foi o cara dos supermercados. Ele é mais conhecido, mais
simpático, mais chamativo. Enfim, ou a gente acatava a sugestão, ou ficava sem o dinheiro. Foi
tenso, mas todo mundo acabou cedendo. A gente queria resolver isso no diálogo, mas o dinheiro
acabou decidindo por nós.
— Diálogo... — Lorenzo sorriu olhando suas unhas perfeitamente quadradas. — Essa gente
inventa cada coisa...

Quando Alison saiu do banho, Lorenzo estava esperando-o perto dos banheiros. O
acompanhou sob os olhares de algumas pessoas.
— Eu poderia ter cuidado do chuveiro, se você quisesse.
— Obrigado — disse Alison, se sentando para amarrar os sapatos. — Hoje está calor e eu vim
mais cedo. Não quero abusar da sua engenharia.
— Você que sabe. Não acho que seja abuso. — Lorenzo se sentou ao lado dele, sobre uma
caixa de feira de madeira reciclada. — Hum, o que as pessoas fazem por aqui para se divertir?
— Divertir? Bem, elas cantam e dançam. Aquilo de toda noite. Daqui a pouco começa. Olha
só, estão pegando os tambores. Tem também uns violões.
— E a dois?
Alison estava preparado para responder seriamente, mas riu alto.
— Juro que tentei!
— Não me diga que as pessoas se sentam a trinta centímetros de distância uma da outra e
ficam conversando! No meu tempo não era assim.
Alison ficou pensativo enquanto olhava o pessoal mais animado arrumando o palco
improvisado. Muitos se sentavam no chão com copos de chá e bebidas caseiras. Alcoólicos eram
sumariamente proibidos no comércio. Ofereceram algo para os dois e ambos recusaram.
Alison se virou para Lorenzo.
— Você não é daqui, não é?
— Para falar a verdade, sou sim, só estive distante.
— Você fala como se tivesse cinquenta anos de idade.
Lorenzo sorriu.
— É, as vezes eu acho que tenho. O que acha de a gente sair?
— Sair?
— Sim. Andar por aí, sair de perto desse pessoal. Eles me sufocam com essa vigília.
— Não sei. Está tarde.
— Se você não quer, tudo bem. Entendo que esteja cansado. Posso pelo menos ficar ao seu
lado? A Dona está bem ocupada hoje. Aqueles “líderes” amigos dela.
— Claro! Chega mais pra cá.
— Opa, ganhei vinte centímetros!
— Besta! Falando seriamente, só aqui comigo: o que você acha desse partido da Dona e desses
caras aí?
— Pergunta difícil de responder — Lorenzo franziu a testa. — Eu acredito, sinceramente, que
eles não vão a lugar nenhum sem ajuda especializada.
— Ajuda especializada?
— Sim. Não basta conseguir popularidade. É preciso vencer com folga e conseguir cadeiras na
câmara. E é preciso dinheiro, muito dinheiro. É uma ilusão pensar que poderão alguma coisa sem
dinheiro. E tem a questão do ego. Todo mundo quer aparecer. Eles falam demais.
— Acho que a gente pensa igual a respeito disso. Que a Dona não nos ouça, mas eu tenho
pena. Eles são irritantes. Insuportáveis.
— Sim, insuportáveis. Você tem razão. Eles estão falando com o vento. Nem nós, que estamos
no mesmo barco, os suportamos. Mas parece que está havendo algum avanço. Já escolheram o
candidato principal.
— Que desânimo de perguntar quem é...
— Não desanime! É o seu patrão, o tal Grange.
— Jura? Caramba! Estou surpreso. Como conseguiram isso?
— Como eu disse, ajuda especializada.
— Por isso não me meto em política. Dona parece feliz, mas veja a cara dos outros. Não
queria estar entre eles.
— Quero nem ver...
O assunto morreu quando Dona e seus companheiros se sentaram a poucas caixas de distância.
Um rapaz e uma garota começaram a cantar músicas românticas. Algumas pessoas riram e vaiaram,
outras começaram a dançar. Lorenzo se virou para Alison, que estava entretido com a música.
— Você não é fã dessas festas, não é?
— Sou sim, dependendo do som. Esse de hoje é legal. É que tem dias que estou cansado
demais para qualquer coisa que não seja aquela cama.
— Entendo. Também gostei do som de hoje. Romântico. Ouça: “Sinto falta de você...” —
Lorenzo cantou junto com a música.
— “Meu segredo” — Alison emendou.
— Mas você foge de mim. Eu chego perto e tento te tocar, mas você foge.
— Não chegou nessa parte ainda, eu acho. Bem, eu não conheço a música toda.
— Delicado como uma pluma, mas arredio como uma mula...
Alison ficou desconfiado.
— Ei, você tá mudando a letra!
— O quê? Só estou divagando.
— É para mim, não é?
Lorenzo riu e ameaçou se levantar.
— Mas que convencido! Vou até sair daqui.
— Vai aonde a essa hora?
— Dar uma volta. Se estiver a fim, me encontre na feira daqui a dez minutos. Se não estiver...
bem, boa noite! — E saiu.
Alison ficou onde estava, cantando junto com a garota. Dona, discretamente, mantinha os
olhos nele. Quando ele saiu rumo ao banheiro, ela sabia que ele daria um jeito de passar pela portaria.
Ia encontrar o Lorenzo. Não os culpava pelo namoro pouco discreto, mas se preocupava já que
ambos tinham passagem pela polícia e eram vigiados constantemente. Aquilo poderia resultar em
problemas.
Lá fora, Alison sentiu as pernas tremerem. Nunca tinha saído depois das dez horas que não
fosse para trabalhar. Manteve-se nas sombras e andou rápido. A feira não era longe; logo avistou o
Lorenzo. Ele estava com o casaco que o identificava com facilidade.
— E agora? — perguntou Alison, quando Lorenzo pegou sua mão.
— Confia em mim? — Alison ia responder, mas Lorenzo respondeu por ele. — Eu sei que não
confia, mas dá uma chance. Vai ser legal só nós dois.
Alison assentiu. Ele tinha medo de violar as regras, mas Lorenzo tinha razão. Eles não tinham
nenhuma privacidade no albergue. Toda vez que se aproximavam um do outro, vários pares de olhos
se fixavam neles. E nem todo mundo era confiável. O risco valia a pena. A noite estava linda.
O local onde funcionava uma feira era repleto de caixas, quiosques abandonados e amontoados
de coisas velhas. Em alguns pontos, o mau cheiro incomodava. Alison apontou os postes de luz fraca.
— Não sei se esse lugar é uma boa ideia. Há câmeras por todos os lados. Você vê: o governo
tem câmeras e a gente não pode ter um chuveiro.
— Havia câmeras. E vão voltar em meia hora. Nós temos um tempinho a sós. — Lorenzo o
abraçou e beijou-o no pescoço.
Alison pegou seu rosto para encará-lo na pouca luz.
— Como isso é possível?
— É possível. Só precisamos evitar os transeuntes. Vem cá!
Lorenzo estendeu a mão. Ainda preocupado, Alison a pegou. Andaram de mãos dadas atrás da
pilha de caixas.
— Estou me sentindo um criminoso — disse Alison, rindo.
— É emocionante, não é? A gente está fazendo uma coisa proibida. Me dá um beijo para
aumentar nossa pena, caso uma patrulha nos encontre.
— Você é bem convincente, seu Lorenzo. — Alisson abriu os braços e o apertou. Lorenzo era
menor e mais leve, e seu nariz encontrou o pescoço de Alison. Se beijaram rapidamente.
— E você é cheiroso.
— Hum, você já disse isso. Tenho caprichado para corresponder às suas expectativas. — Os
dois se sentaram num canto oculto; Lorenzo pegou balas no bolso e as deu ao Alison.
— Hum, você não me disse a sua idade — Alison lembrou-se.
— Eu vou dizer... outro dia.
— Sei...
— Eu sou mais velho do que você.
— Isso não é importante. — Eles ficaram em silêncio no escuro, ouvindo a respiração um do
outro. Suas cabeças se tocaram.
— Sabe, há lugares no mundo onde a gente pode fazer quase tudo o que deseja. Beijar, andar
de mãos dadas. Ficar sem amor, casar...
— Eu imagino que seja o paraíso — disse Alison, sonhador.
— A verdade é que não é. Paraísos não existem. Quer dizer, existem, mas não têm endereço
fixo. Tem a ver com os momentos.
— Isso foi bonito.
— Eu sei. Ensaiei o dia inteiro.
Alison passou um braço sobre os ombros de Lorenzo e puxou-o para si. Aproximou sua boca
da dele e o beijou. Lorenzo correspondeu com vontade. Levantou-se e ficou entre as pernas de
Alison, que segurava sua cintura e descia a língua por seu pescoço. O beijo era delicioso e ninguém
tinha vontade de parar, mas o tempo era curto. Lorenzo levantou a camisa de Alison para tocá-lo.
Tinha desejo de sentir seu corpo forte, esculpido pelo trabalho, e seu membro duro que se destacava
na bermuda. Ele também estava excitado, e um relógio invisível lhe ameaçava de não o deixar
experimentar tudo o que queria.
— Posso? — perguntou Lorenzo, enfiando os dedos através da roupa.
— É todo seu.
— Fala assim não que eu perco o juízo. Estou há dias sonhando com esse seu corpo. Dormir
junto contigo está sendo uma tortura, viu...
— Sério? Também estava doido pra te pegar.
— Oi? O que aconteceu com aquele seu desinteresse?
— Que desinteresse? Eu quero você... — Alison deu um último beijo antes de fazer Lorenzo
descer pelo caminho de pelos macios. — Vai lá...
Lorenzo obedeceu. Alison valia todos os riscos. Era gentil, delicado, e muito gato. Era
simples, calmo, e sua bondade lhe aquecia o coração. Os últimos tempos tinham sido tão frios, tão
desanimadores, que ele já nem se importava mais. Mas com Alison era diferente. Era bom sentir o
sangue correr novamente.
— Você é gostoso — disse Lorenzo, ao se levantar. — Só queria poder tirar a sua roupa toda...
— Um dia eu vou te botar na cama... — Alison o agarrou e o beijou com força. Prendeu-o
contra uma parede segurando suas pernas. — Hoje é só o começo.
Segurando em seu pescoço, Lorenzo se rendeu aos toques e dedos de Alison, e as sensações
confundiam sua percepção do tempo. Estava quase entregue, os dois suados e ofegantes, quando um
barulho nas caixas os fez se afastarem. Alison o soltou ajeitando a roupa, e deu alguns passos para
trás.
— Droga!
— Meia hora! — disse Lorenzo. — Acho que extrapolamos.
— E agora?
— Vai na frente que eu vou pegar uma coisa.
— Tá! Eu... — Alison quis falar, mas ficou sem graça. Lorenzo foi até ele e o beijou de leve.
— Depois a gente conversa.
Alison voltou para o alojamento quase correndo. Estava eufórico como havia muito não
ficava, mas preocupado. Dona tinha razão: Lorenzo não tinha nenhum juízo.
Quando se certificou de que Alison estava longe, Lorenzo deu a volta à pilha de caixas e
pegou um pequeno dispositivo sobre uma delas. Olhou em volta, depois se dirigiu ao albergue. Não
estava com pressa. Uma patrulha passou e, ao vê-lo, diminuiu a velocidade. Um homem fardado pôs
a cabeça para fora do carro. Havia mais dois com ele.
— Vagabundeando de novo? Tem vaga para você lá no xadrez, viu?
— Saí um pouco para me distrair, Anselmo. Esticar as pernas. A noite está agradável, você
não acha? Vem aqui fora e vamos conversar um pouco. Deve ser chato ficar rondando à noite,
perseguindo um cara sossegado como eu.
— Dois minutos para você sumir dessa rua. Depois disso, vou te levar como um vagabundo.
Tem gente lá te esperando.
— Mais um com esse fetiche dos dois minutos. Está certo, autoridade. Estou chegando. Valeu
pela escolta!
O carro de polícia silencioso e com luzes apagadas o acompanhou até a entrada e esperou ele
entrar. Os guardas do portão estavam distraídos com a festa. “Dona está bem servida com esses
caras”, pensava Lorenzo, ao entrar. “Alguns são bons, mas a maioria se distrai com as garotas”.
A festa ainda rolava, como toda noite, e as pessoas estavam ocupadas com seus pares ou
distraídas. Algumas passavam mal devido às misturas que inventavam para suprir a falta de bebidas.
“Ai, que povo deprimente!”
Calmamente, Lorenzo se sentou e tirou os sapatos. Alison já estava na cama e Dona estava ao
lado dele, acordada. Alison estava de olhos fechados, mas não estava dormindo. Tinha esperado para
falar com Lorenzo, perguntar o que tinha acontecido com as câmeras, mas a chegada de Dona tinha
atrapalhado. Ele sabia que era cuidado da amiga, mas era um pouco aborrecido. Se tudo desse certo,
em pouco tempo ele se mudaria para um lugar melhor, e então...
Lorenzo deitou-se e suas peles se tocaram. Apesar do desejo, Alison dormiu logo. Já estava
tarde. No dia seguinte, chegou à conclusão de que era melhor não saber dos negócios de Lorenzo. Ele
traficava e inventava coisas estranhas. Devia estar envolvido com gente perigosa. Apesar disso, tinha
vontade de encontrá-lo a sós outras vezes. A noite tinha sido maravilhosa.
(...)
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Amostra de Depois da Tempestade
Quando a pessoa que eu esperava chegou, eu me levantei para recebê-la, e então me dei conta
de que a gente deveria ter conversado mais antes de sair de casa. Era a mesma pessoa que eu tinha
convidado, mas numa outra aura. Num outro gênero, se assim posso me expressar. Sem saber o que
dizer, eu não disse nada, apenas estendi, relutante, minha mão trêmula.
A altura elevada, a magreza prêt-à-porter, as roupas semelhantes às que usava à tarde, a boca
carnuda e quase obscena, os olhos escuros e atentos... e um sorriso irônico que me fez acordar. Eu
tinha estado sonhando! O tempo todo. Tanta vontade de encontrar alguém que me fizesse suspirar e
sentir a emoção da adolescência, que mirei na pessoa errada. Passei a mão pelo rosto, confuso. Era
tarde demais para retornar. Nos sentamos para economizar exposição, eu pensando no que teria me
levado até ali. Ele colocou o sobretudo no encosto da cadeira.
— Qual o seu nome? — perguntei, ainda não acreditando.
— Kenny Andersen — disse aquela voz rouca, agora grave e carregada de sotaque estrangeiro.
Onde estava o raio do sotaque quando falou comigo mais cedo?
— Isso não ajuda muito.
— Andy. No masculino. — Era o nome que ele tinha dado na nossa breve troca de mensagens
antes do jantar, mas de tão genérico, nem desconfiei. Seu sorriso contido mostrava dentes perfeitos.
— E você?
— Lothar... — Não vi necessidade de dizer o nome completo.
— Loth. O que acha de tomarmos alguma coisa antes de voltarmos aos nossos esconderijos? O
garçom já está à postos e pode estranhar esse embaraço.
— Certo. Vamos agir naturalmente. Confesso que você me deixou confuso.
— Sinto muito. Não foi a intenção. Vou pagar a minha bebida.
— Não precisa. Eu te convidei. O que quer tomar?
— Algo com pouco ou nenhum álcool.
— Está dirigindo?
— Não.
Olhei os coquetéis da casa sem me preocupar com o teor alcoólico. Eu estava perto de onde
morava mesmo.
Um silêncio se instalou entre nós enquanto pedíamos as bebidas. Virei a página do folheto e vi
o premiado cardápio. Eu tinha me preparado para aquilo, tanto com a minha vontade quanto com o
meu cartão de crédito. O desconhecido andrógino também tinha se preparado para uma noite melhor.
Usava diamantes ou algo semelhante nos dedos e orelhas, roupas no cúmulo do bom gosto e da alta
costura, e cheirava bem. Uma preparação que merecia respeito.
— Eu vim pensando em comer — comentei, com um sorriso envergonhado. Os olhos do
desconhecido brincavam com os meus. Quando a luz incidia neles, outras cores se destacavam. Não
parecia real.
— Eu imaginei que podia dar errado. Tudo bem se depois da bebida você me dispensar.
— Não! Jante comigo, já que veio até aqui para isso. — Percebendo que tinha sido rude,
mudei o tom. — Desculpe a indelicadeza. Ainda estou confuso. É que eu pensei em coisas de certa
importância quando te vi. É difícil me conformar que foi apenas uma visão.
— Entendo. Deve ter sido a chuva.
— Não sei. Talvez tenha sido. O seu cabelo... — Olhei e não soube o que dizer. Estava meio
preso, meio solto, e se eu visse mil vezes, ele me chamaria a atenção. — Tem estilo.
— Obrigado. Fui modelo e fiz campanha de xampus.
— Pensei em algo do tipo mesmo. Não te imagino num escritório.
— Por quê? É o que estou fazendo no momento.
— Ainda não imagino.
— E você, o que faz? Tem cara de escritório. Advogado, ou algo do tipo. Bem tradicional.
Estou certo?
— Sou empresário. Vim para cá recentemente, depois da morte de meu pai. Me mudei às
pressas. — Lá ia eu falando da minha vida.
— Sinto muito pelo seu pai. Quer falar sobre isso?
— Não. Hoje não. Prefiro coisas mais alegres.
O garçom trouxe as bebidas e começamos a tomar. Aproveitei e pedi o prato que eu queria, e
convidei meu convidado inusitado a fazer o mesmo. Ele parecia acostumado a bons restaurantes. Fez
o pedido e então olhou para mim por cima de seu copo. Era bonito, o desgraçado. Do tipo fashion,
selfie e Instagram. Minha curiosidade era maior que meu bom senso, então...
— Esse seu rosto... — falei, fazendo gestos para me fazer entender. — Alguma intervenção
para ficar tão... perfeitinho?
— Só retoques de última hora. E obrigado pelo “perfeitinho”. Sei que foi a melhor palavra que
encontrou para não me ofender.
— Vou tomar outro gim para as perguntas saírem com mais facilidade. Ainda quero entender o
que aconteceu.
— Fique à vontade. Está sendo gentil.
— É que eu nunca tinha convidado um homem para jantar. Não a dois, num lugar romântico,
com música ao vivo e casais dançando...
— Eu danço bem. — Ele piscou apontando para a pista.
— Não duvido nem um pouco, mas se não se importa, eu vou ficar onde estou. Minhas pernas,
você deve ter notado...
Ele sorriu. Estava se divertindo com a minha confusão.
Continuamos a bebericar. Por mais que eu tentasse evitar, os olhos do desconhecido
penetravam nos meus. Divertidos, risonhos, perspicazes. E eu mantinha meus olhos nele. Pura
curiosidade, claro.
— Você ainda está confuso — disse ele, com sua voz rouca. — E está olhando para a minha
boca.
— Estou curioso — admiti. — Talvez mais do que curioso. Já tinha acontecido isso com você?
— Me confundirem com uma diva de um metro e oitenta e cinco de altura? Já. Eu sou
andrógino, e às vezes passo por uma mulher alta. É por isso, aliás, que me chamam de Andy.
— E gosta quando isso acontece?
— Não sei. — Ele terminou a bebida e ficou olhando para o copo. — Hoje estou gostando.
— Quer outra bebida? Pode pedir!
— Vou esperar o jantar.
— Eu vou pedir mais. Estou precisando beber e relaxar.
— Deixe seu endereço anotado num guardanapo, caso eu precise te ajudar a chegar em casa.
Vou guardar junto com o outro.
— Ah, o guardanapo! Me desculpe por mais cedo. Foi brega, eu sei, mas era o que tinha
disponível... — Suspirei antes de tentar esquecer aquele mico. — Bem, eu acabei de me mudar para o
Boulevard, aqui atrás. Cobertura, vigésimo quinto andar.
— Que chique! Te deixo na portaria se você beber demais.
Os pratos chegaram e eram quase tudo o que prometia o cardápio. Pedimos mais bebidas e a
conversa continuou a fluir lentamente, como água em um leito plano, raso e tranquilo. Era agradável,
e em momento algum eu senti vontade de ir embora. Friso isso porque era exatamente o que eu sentia
quando saía para jantar com alguém: vontade de ir embora.
Falamos de trabalho porque era mais fácil começar por aí. Depois falamos de coisas mais
pessoais. Andy disse que era norueguês naturalizado, que estava começando como designer de
interiores, o que casou com minha preocupação sobre a decoração do meu novo apartamento. Ele
falava três idiomas, tinha curso de contabilidade, além do designer. Tinha se cansado do trabalho de
modelo e queria se estabelecer em outra profissão.
Falei um pouco de mim, que eu tinha vindo do interior, onde tinha me estabelecido no ramo de
material de construção. Falei do meu problema de nascença e das minhas tentativas de solucionar, e
ele não me encheu de perguntas bobas como outras pessoas faziam nem tentou lições idiotas de
superação. Ao contrário, lamentou-se comigo.
Acabamos de comer. Mais uma rodada de drinks. Poderíamos ter passado por bons amigos
depois do trabalho se nossos olhos não se analisassem tanto e se nossas roupas não denunciassem um
encontro íntimo bastante almejado. Havia interesse e ansiedade em ambas as partes. Não saber como
ia evoluir ou o que fazer a seguir nos deixava tensos. Não tinha bebida que resolvesse. Da minha
parte, cada dose abria mais possibilidades.
Andy, com seus dedos finos e longos, tocou na minha mão sobre a mesa, e eu me senti
estranho, quase incomodado. Recuei suavemente.
— Foi só um teste — ele disse.
— Saquei. Acho que não passei.
— O jantar foi ótimo, mas que tal eu pedir um Uber agora? Moro longe.
— Eu peço para você, afinal, eu te convidei para vir até aqui.
— Você tinha outros planos. Um homem tem o direito de enxergar mal e de cometer erros.
— Está tudo bem. Estou pedindo já. Onde você mora?
Ele disse. E ficou por aí.
Pedi também a conta e esperei que Andy fosse embora antes de eu sair. Eu morava no mesmo
quarteirão, e por um momento pensei que não seria legal sair do restaurante, que era
maravilhosamente discreto, acompanhando-o. Depois, achei que foi indelicado da minha parte.
Peguei o celular e mandei uma mensagem de desculpas. Recebi outra dizendo que estava tudo bem.

Olhando as janelas de vidro que emolduravam a paisagem urbana noturna, eu pensei que Andy
seria uma boa companhia para falar daquelas coisas inúteis que passavam por mesas laterais na
minha sala gigantesca. E que eu conversaria sobre isso olhando como seus lábios se afastavam um do
outro suavemente, deixando entrever a parte vermelha lá dentro. E que eu tinha uma adega e não
tinha companhia para apreciar uma boa garrafa. Me senti duplamente idiota. E daí que eu tinha
pensado em outra coisa? A garota de quatorze anos estava com mais de trinta em algum lugar do
Brasil. Ela não ia ligar se eu me sentisse atraído por um homem. Eu não tinha culpa se ele usava
roupas tão bonitas e desenhava as sobrancelhas.
Ligeiramente bêbado, mas embriagado desde a tarde por um torpor diferente, eu desci para a
garagem. A noite era uma criança.
Mandei mensagem ao Andy dizendo que estava indo vê-lo. Pedi o endereço e não esperei
resposta. Ele respondeu logo em seguida.
Encontrei-o na rua com as mãos nos bolsos do sobretudo, e uma infinidade de luzes refletindo
cores no asfalto molhado. Teatral. Seus cabelos esvoaçavam em um lado do rosto. Inteiramente
vestido de preto, com apenas uma parte da camisa de baixo branca aparecendo próximo ao pescoço,
ele era ao mesmo tempo grande e frágil. Poderia estar num desfile de moda outono-inverno.
— Oi — falei, da janela do carro. — Tenho duas mesas amarelas, em formato de trapézio, na
minha sala.
Ele cruzou os braços.
— E eu com isso?
— São completamente inúteis.
— E?
— Perca mais um tempo comigo, por favor! Sei que estou sendo chato, mas não consigo
evitar. Eu sairia do carro para falar contigo se não corresse o risco de me espatifar no chão, então
venha comigo.
— Não sei... Eu realmente não gostaria de ser morto e jogado no rio esta noite. O que você
quer comigo?
— Prometo que não vou te matar. Venha para a minha cobertura. Vamos conversar, tomar
vinho. Você vai gostar.
Andy cedeu depois de alguns segundos de indecisão. Deu a volta ao carro e entrou.
— Ok, vou aceitar seu convite, mas, por Deus, pare de se exibir! Eu já sei onde você mora.
Em silêncio, seguimos para o meu apartamento. Na subida do elevador, fiz de tudo para evitar
o constrangimento. Admirar a forma com que ele se vestia era uma forma de ser verdadeiro sem ser
invasivo. Eu estava realmente encantado, e ele parecia acostumado a receber elogios do tipo.
— Moderno e elegante — ele disse olhando meu imóvel enquanto eu fechava a porta —, mas
falta aconchego.
Andy tirou o sobretudo e eu o coloquei num móvel destinado a isso.
— Odeio aquelas mesas amarelas.
— Por quê? Não há nada errado com elas. Trazem cor e simetria para esse ambiente tão amplo
e vazio.
— Imaginei que você fosse dizer isso. Designers...
Convidei Andy a sentar-se. Abri o vinho e então começamos e enumerar os pontos fortes e os
negativos da decoração da minha sala de estar. Me sentei ao lado dele e ficamos à vontade.
— Você tem uma cozinha maravilhosa — ele apontou.
— Sim. É a parte que eu mais gosto.
— E você usa?
— Bem, eu tento cozinhar quase todas as noites, mas é chato lidar com sobras.
— Realmente triste. Deve ser péssimo não ter a quem impressionar.
Olhei-o. Sim, ele estava sendo sarcástico.
— Eu não faço isso! Mas é meio verdade, no caso da comida. Eu gostaria de cozinhar para
alguém.
Ele riu. Enchi as taças de novo.
— Quer me embriagar para quê? — ele perguntou, bebendo.
— Não quero. Quero embriagar a mim.
— Não parece.
Apesar das taças sendo abastecidas, a garrafa não chegou ao fim. Já tínhamos bebido antes e
não queríamos arriscar. Nos limitamos a conversar e conversar. Ele era falante, engraçado, e eu
estava tão relaxado o quanto queria estar. No limite do que conseguia ir.
O tempo rolava, e estávamos cada vez mais próximos. Lado a lado, nossos joelhos se tocavam
de tempos em tempos. Nós dois fingíamos que não era intencional. Eu sentia que ele estava cansado
do papo sem rumo e queria entrar em outro tipo de assunto, mas eu estava indeciso quanto ao que
queria, de fato. Sentia vontade de experimentar a novidade da noite, mas tinha medo de não gostar e
ter que parar.
Até que, depois de um minuto de incômodo silêncio, eu decidi colocar minha indecisão em
palavras.
— Andy, eu tento, tento, mas não sei como avançar a partir daqui.
Com o cotovelo no braço do sofá, o queixo apoiado no polegar e os outros dedos próximos ao
nariz, ele me olhou nos olhos. Um olhar meio oculto por cabelos.
— Não force. Se não quer, tudo bem.
— Mas eu quero.
— Quer? Tem certeza?
Assenti.
— Nesse caso... — ele se aproximou —, feche os olhos.
Fechei. Sem ver o que ele estava fazendo, o nível de minha ansiedade subiu. Meu coração
estava batendo na garganta. Senti a respiração quente dele se aproximando, sem me tocar de
imediato. Passou pelo meu nariz, minha boca, meu queixo, e chegou à minha orelha. Senti o nariz de
Andy roçando no meu pescoço. Suspirei pesadamente. Minhas mãos tremeram, agarradas às minhas
coxas.
— Tudo bem?
— Sim.
Falar assim de tão perto misturou nossos hálitos com cheiro de vinho. Eu gostava do fato de
não termos tomado cerveja. O cheiro seria desestimulante. Continuei com os olhos fechados,
sentindo o roçar de pele macia, cheiro gostoso e calor humano. Aquele tipo de calor humano que não
é sinônimo de amizade, mas de alguém de carne por perto, perigosamente perto. Tenso, encostei a
cabeça no sofá e estiquei o pescoço, o que Andy entendeu como um convite.
Do nariz, senti seus lábios leves em mim, numa espécie de beijo distanciado da pele alguns
poucos centímetros. Tremi com uma mistura de sentimentos. Abri os olhos e segurei seu rosto antes
que se afastasse.
— Calma! Deixa eu te olhar.
— Ok! Pode olhar, já que não faz mais nada.
— Tenha paciência.
— Estou tendo.
— Hum... A sua boca é bonita.
— Gostou? Então beija!
— Não... quer dizer, eu não sei. Deixa eu... pensar.
— É simples. Te ajudo.
— Hum — Mordi os lábios e pisquei, impedido de continuar por uma teimosa força interior.
O rosto dele fez as mesmas curvas que o meu, e só então notei que estava desviando de sua
boca.
— Para de se mexer! Por que o medo? Eu já fiz isso antes. — Ele alongou a última sílaba até
alcançar meus lábios, mas eu consegui fazê-lo desistir.
— Não, não... isso não. Beijar na boca eu ainda não consigo. Eu só quero te ver. Ficar pertinho
assim e te olhar, está bem?
Ele suspirou e olhou para o lado.
— O problema é que eu não sou de ferro, Loth.
— Está sentindo vontade de me socar e ir embora? Eu entendo.
— Não. A vontade que sinto é de te jogar na cama e te foder até te deixar em pedaços. Está
satisfeito?
Ri alto. Isso quebrou um pouco o clima.
— Você é muito... macho para alguém que usa maquiagem.
— Eu nunca disse que não era. Mas sou versátil. Te deixo “por cima” na sua primeira vez, se
isso te faz se sentir melhor. Quer ser o alfa, não quer? Você pode. Eu deixo!
Sem pedir permissão, ele veio me beijar. Me esquivei o quanto pude, mas sem fazer tanta
força, e senti quando seus lábios quentes e úmidos tocaram minha pele. Ele beijou os dois lados do
meu rosto, alternadamente, cada vez mais perto da boca, e quando chegou lá, se limitou a passar os
lábios de um lado para outro, sem forçar abertura, e eu entreabri os meus. Não passou de um beijo de
lábios lento e demorado. E meu coração bateu tão forte que no final eu estava cansado. Ele também.
— Não achei que fosse ser tão difícil — ele disse, respirando fundo e passado a mão pelo
rosto. — É só um beijo.
— Desculpe. Não foi por falta de vontade. Estou simplesmente petrificado.
— Entendo. Também estou, mas de outra forma.
— Hum... — Eu não soube o que dizer a respeito disso. — Sabe, eu estou há horas com a sua
imagem na cabeça e não consigo pensar direito.
— Pense em mim.
— Tira essa roupa. Esse casaco, pelo menos, para eu ver como você é.
— Eu fico melhor vestido do que despido, Loth. Você não está acostumado e pode se
decepcionar.
— Mas eu quero ver o seu corpo.
— É magro ao extremo. E mais: se você parar de frescura e me tocar, vai sentir que eu sou um
homem alto que tem tudo proporcional.
— Não fala disso agora.
— Por que não? Eu tiro a roupa se você fizer o mesmo. Mas não vou tirar só para aplacar a sua
curiosidade. Pesquisa no Google, se é só isso o que você quer.
Ele se afastou de mim e eu fiquei constrangido.
— Estou parecendo um maníaco, não estou?
— Não. Mas esse jogo está me cansando. Você me quer ou não?

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Table of Contents
O primeiro Crush a gente nunca esquece
Passo 1
Passo 2
Passo 3
Passo 4
Passo 5
Passo 7
Passo 8
Passo 9
Passo 10
Passo 11
Passo 12
Conheça a Autora
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Amostra de Meu Mais Ou Menos Inimigo
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Amostra de O Rei Está Morto
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