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Manual da Conquista
3ª. Edição
2021
KDP
Kindle Direct Publish
Copyright © 2020 por Jade Sand
Todos os Direitos Reservados. Nenhuma parte deste conteúdo pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização
escrita do autor.
Revisão: Jade Sand
Capa: KNS Design
Publicação Independente
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Índice
O sorriso. Dizem que um sorriso pode mudar o dia de alguém. Que pode
mudar o mundo à nossa volta. O sorriso perfeito é uma arma poderosa
quando se quer conquistar alguém, mas o que seria um sorriso perfeito?
Passei duas semanas sem ver Luiz Fernando. Ele não estava de muito
chamego com a mãe e acabava não indo à casa dela, sem contar que ele não
gostava das reuniões com figurões políticos que começaram a acontecer ali.
Ele não era fã de política e nem precisava ser íntimo para saber.
Eu estava triste por não poder vê-lo, mas era tanta coisa que eu tinha
para fazer que mal sentia a passagem do tempo. Trabalhos de faculdade,
provas, promoção de maquiagens na farmácia em que eu trabalhava...
Também acompanhei meu pai quando ele foi cantar numa festa de
aniversário. Cantei com ele umas "modas" antigas, e com isso não tive
tempo de pensar no meu projeto para fazer o Luiz Fernando me notar.
Na tarde de sábado, tia Helena me convidou para jantar. Animada, ela
falou que o prefeito, um deputado e não sei mais quem estaria lá. Sabendo
que Luiz Fernando não estaria presente, dei um jeito de agradecer ao
convite e vazar o quanto antes.
Quando cheguei em casa, papai estava afinando o violão, pois iria
cantar numa pizzaria junto com a namorada maluca dele. A casa estava uma
bagunça, mas ele tinha feito pão para mim. Papai sabia fazer pão caseiro
como ninguém. Enquanto eu comia pão quentinho com margarina, ia
arrumando a cozinha. Papai estava ensaiando suas músicas e eu cantando
junto. Quando viu que eu sabia a maioria delas, ele não perdeu tempo.
— Fiu, você podia ir lá comigo na pizzaria, é simplesinha, e só por
duas horas.
— Não vou pagar esse micão não, pai. Vou dormir cedo, isso sim.
— Mas menino, são nem sete da noite, vai dormir como? Você viu que
bom que foi no aniversário de dona Iracema? Ela até mandou uma nota a
mais, disse que era pra você. Olha! — Ele pegou no bolso da camisa uma
nota de cem amassada e me entregou, orgulhoso.
— Ah, pai, precisava não. Fica pro senhor, eu tô trabalhando e me
virando bem.
— Que isso, menino! Dá pra comprar umas duas camisas, e você tá
bem precisando. Só usa aquela preta.
— É o meu uniforme de trabalho, pai, mas me dá essa nota de cem aí.
Tenho planos para ela. E se rolar mais cenzinho hoje, eu canto lá com o
senhor.
— Cinquentinha. Hoje tem a Morena — a tal namorada dele —, e é
mais fraco lá.
— Ah, vai com ela então. Ela nem sabe cantar.
Saí da cozinha e fui para o meu quarto, que já estava meio empoeirado.
Abri a janela, dei uma ajeitada, até que meu pai veio de novo com seu
violão.
— Átila, vão bora lá, depois a gente vê no que dá.
Vendo sua cara de cachorro sem dono, eu não resisti.
— Tá bom, pai, mas eu vou escolher o que eu vou cantar, hein? Só as
que eu sei mesmo. — Acompanhei meu pai naquela vida de bares, festinhas
e praças durante muito tempo e sabia de cor as músicas que ele cantava.
Sabia tocar também, mas nada impressionante.
Ensaiamos algumas músicas mais novas que eu gostava e fomos para a
pizzaria. Era um local bem grande, frequentado por quase todo tipo de
gente, desde jovens que vinham de ônibus a riquinhos que vinham de
caminhonete. Eu, sempre envergonhado, evitava olhar para as pessoas.
Ficava sentado, concentrado no meu violão. Era um negócio descontraído e
eu gostei bastante, mesmo sabendo que ia receber o valor de uma pizza,
mais ou menos, pelo meu "talento".
Já passava das dez da noite e eu estava cansado. Falei com meu pai
que ia embora e saí, deixando o violão lá para que ele levasse depois. Fui ao
balcão comprar uma latinha de refrigerante, abri e comecei a tomar ali
mesmo, e quando ia saindo do estabelecimento, quase enfartei. Luiz
Fernando estava lá!
Contra todas as probabilidades do universo, ele estava lá,
acompanhado de dois caras que eu já tinha visto com ele. Eles estavam
numa mesa comendo pizza, obviamente, conversando e rindo. Quase me
engasguei com o susto que levei, e ele sorriu para mim. Seria melhor ter
fingido que não me conhecia.
Tentei agir naturalmente, sorrindo também, passei por eles e fui em
direção ao ponto de ônibus, que ficava na mesma rua.
Se aquele chão fosse de areia, eu teria enterrado a cabeça como um
avestruz. Não bastassem todos os momentos ridículos que eu já tinha
passado na frente do Luiz Fernando, ele ainda tinha que me ver cantando! E
ele me viu bem pela posição que ocupava na mesa. Deve ter rido muito com
seus amigos. Eu só queria sumir.
Para ajudar, nos sábados à noite, domingos e feriados, os ônibus
demoravam uma eternidade para passar. Fiquei no ponto junto a um carinha
que estava vidrado no celular, e nada do ônibus aparecer. O do sujeitinho
passou e eu fiquei só. Enquanto eu olhava outro ônibus passar, um carro
encostou logo à frente. Não dei atenção, até que notei que era o carro do
meu primo. Sem entender nada, me levantei e me aproximei. O vidro do
carona abaixou e vi que ele não estava sozinho. Tinha um dos amigos dele
lá.
— Vem, Átila! — disse ele. — Eu te levo se você estiver indo na
mamãe.
— Acho que eu vou pra casa hoje, Fernando, mas valeu! Brigadão! —
Já ia voltar a me sentar, mas ele não saiu.
— Vem, eu te levo. Não deve ser tão longe.
Me sentei no banco de trás e Luiz Fernando deu a partida, sempre
conversando com o amigo dele, que se chamava Marciano. Notei que ele
pegou um caminho diferente do que ia para a casa de meu pai e parou em
frente a um prédio onde o cara se despediu e saiu. Foi então que ele olhou
para trás com os olhos arregalados.
— Nossa, Átila, acabei me esquecendo de você! Eu devia ter passado
lá primeiro. Vamos ter que voltar agora. Merda!
Notei que ele suspirou e bateu no volante, irritado. Me senti mal. Ele
estava no maior papo com o Marciano e nem lembrou que tinha me
oferecido carona.
— Não, Fernando, pode me deixar aqui mesmo que eu volto. É meio
perigoso você passar por lá nessas horas. Tinha que entrar lá na...
— Não, não, a gente volta. Ou melhor, por que você não fica na
mamãe? Amanhã você vai para casa. Liga para o seu pai.
— Tá bom... — Fui para o banco da frente bastante chateado. Não era
para a casa da tia Helena que eu queria ir, era para a minha, mas não
adiantava falar nada.
Fiquei olhando pela janela até que senti meu primo olhando para mim.
— Me distraí com a conversa do Márcio. Desculpa mesmo. Acabei te
tirando do caminho.
— Tá tudo bem. Nem precisava de carona. Eu já estava indo para casa.
— Você sempre canta com seu pai?
Luiz Fernando não era acostumado a chamar meu pai de tio, apesar do
parentesco ser real e imutável. O pai dele não se dava bem com o irmão,
aliás, com nenhum dos parentes mais pobres. Apenas tia Helena, com seu
exagerado senso de solidariedade, se esforçava para conviver e ajudar. E eu,
por ser o mais desafortunado da família, era o mais ajudado. Isso, às vezes,
era constrangedor, e até Luiz Fernando acabava entrando na onda da mãe,
como essa coisa que querer me dar caronas. Eu poderia muito bem ter
esperado meu ônibus. Seria demorado, cansativo, perigoso, mas naquela
hora eu já poderia estar em casa. Por causa de sua "bondade", eu teria que
dormir em outro lugar.
— Não — respondi, de mau humor. — Só fui hoje. E na semana
passada também. Eu estava de bobeira.
— Hum, não seria melhor estar estudando e descansando para a
próxima semana?
Suspirei. Eu não conhecia bem o Luiz Fernando, nunca tinha
conversado de verdade com ele e, portanto, não sabia seu ponto de vista
sobre a minha vida. Foi decepcionante. Ele repetia exatamente o que diziam
seus pais, e eu odiava aquilo tudo.
— Quem sabe? Não vou ser médico mesmo. Duas horinhas de música
não fazem mal a ninguém.
— É só um conselho. Você pode mudar a sua história, não precisa
repetir os erros do seu pai.
Hein? Quem ele pensava que era pra falar do meu velho sem nem o
conhecer direito?
— E o seu, que quer ser prefeito?
Foi o que me veio à cabeça. Falei olhando pela janela do carro. Luiz
Fernando suspirou e não disse mais nada. Chegamos na esquina que ia para
a casa dos pais dele e ele parou.
— Tá bom aqui? A rua de casa é contramão.
— Tá sim. Valeu.
Saí do carro. Estava frio lá fora e eu estava sem meu casaco. Tive que
encolher os braços. Antes de dobrar a esquina, vi que o ônibus que ia para o
meu bairro estava quase chegando no ponto, no outro quarteirão. Dei uma
carreira e o motorista me esperou, pois ele me conhecia. Era o último da
noite. Eu teria que ir para o terminal e pegar outro ônibus, mas estava pouco
me importando. Eu só queria ir para casa.
Entrei ofegante no ônibus quase vazio e quando me sentei perto da
janela, vi o carro do meu primo passando. Merda! Ele viu que eu tinha
pegado o ônibus. Para falar a verdade, naquela noite, e apenas naquela
noite, eu não estava me importando. Quando finalmente cheguei em casa,
nem olhei que horas eram. Tomei um banho rápido, me deitei no meu ninho
e dormi.
Q uando desci, Luiz Fernando estava na sala e ao lado dele, duas moças
louras bem vestidas e falantes. Ele estava vermelho, visivelmente
envergonhado; as meninas, ao contrário, pareciam bem à vontade.
Me perguntei para onde ia a timidez de Luiz Fernando quando ele
estava comigo. Minutos antes ele estava nu, safado e desinibido, e agora ali,
corado, movendo as mãos desajeitado.
Senti certa frustração pela interrupção do nosso encontro, mas ao
mesmo tempo, senti alívio. Se tia Helena não tivesse batido na porta, nesse
momento Luiz Fernando já teria saído de cima de mim e as coisas não
seriam mais as mesmas. Talvez ele não falasse mais comigo, talvez passasse
a me ignorar.
Eu não deveria me entregar tão fácil, senão ele nunca me levaria a
sério. O fato é que eu não conseguia pensar racionalmente quando ele me
falava daquele jeito manhoso. Merda! Eu tinha que organizar minhas ideias.
Não queria que Luiz Fernando perdesse o interesse, caso o tivesse.
Na viagem de ônibus até a casa do meu pai, eu pensava numa forma de
saber até onde ia o interesse de Luiz Fernando por mim. Li em algum lugar
que paquerar outra pessoa, apenas sutilmente, era eficaz para pegar o gato
no flagra caso ele estivesse na vibe. Pena que isso era inviável para mim.
Eu não conhecia ninguém apto a me quebrar esse galho, ou seja, ninguém
estava a fim de me paquerar. A realidade era simplesmente cruel.
Quando cheguei ao meu lar, estava cansado e triste. Meu pai não
estava, então fiquei no sofá assistindo um daqueles programas de culinária e
acabei cochilando. Papai chegou tarde e me mandou para a cama.
No domingo, meus colegas de faculdade me intimaram a fazer trabalho
de novo, dessa vez de contabilidade. Nessa matéria eu apanhava bonito. Por
sorte, o Rodrigo era bom, e eu poderia estudar com ele, caso ele quisesse e
pudesse.
Fomos novamente ao “cafofo” do Reginaldo, e eu cheguei por último,
pra variar. Sara já estava impaciente. Apesar de ser minha amiga, ela nunca
deixava de me pegar no pé.
— Átila, cadê aquele carrão que te trouxe outro dia? Tinha carona hoje
não?
— Tinha não. Aquele era o meu primo. É que aquele dia eu estava na
casa da mãe dele e dei sorte, hoje eu estava na casa de meu pai. Desculpa aê
se eu moro no morro.
— Sai mais cedo, mané! — disse Reginaldo.
— Até tu, Brutus?
Depois de algumas risadas, começamos os trabalhos. Reginaldo,
sempre brincalhão, atrapalhava a concentração dos outros, inclusive a
minha, e depois de algumas interrupções, Sara ameaçou dar uns tapas nele.
— Regi, o que é isso, velho? Se concentra!
— Reginaldo, traga seu brinquedo!
— Cala a boca, atrasado!
— Nossa, que maduros! Sério, galera, vocês estão parecendo crianças.
— Rodrigo, falando pausadamente para atrair toda a atenção para si,
estragou a nossa brincadeira. — Eu vou embora.
Aliás, nesse dia Rodrigo estava chato, ríspido. Notei assim que
cheguei. O Amado estava lá, mais quieto do que o normal, quase servindo
de decoração para o ambiente. Não abriu a boca em momento algum.
— O que houve com ele? — Apontei discretamente o Amado quando
estávamos na varanda descansando.
— Não sei, acho que ele e Rodrigo não estão de bons amores. Tenho a
impressão de que brigaram e estão tentando manter as aparências.
— Como alguém quieto como o Amado consegue se desentender com
alguém certinho como o Rodrigo?
— Não sei, mas fica esperto. A coisa começou depois da sua estadia
com o Rodrigo. Se ele ficar sem ajudante, você assume.
— Ué? Por quê?
— Porque ele é inteligente, pode te salvar nas matérias, seu bobo.
Além disso, ele é gatinho, simpático, tudo de bom. Vai te fazer bem.
— Nada a ver. Quem disse que essas coisas me fazem bem? — Revirei
os olhos, fiz cara de “aff”, mas ri no meio da encenação. Eu não enganava
ninguém.
Sara me deu o famoso tapa na cabeça e voltou para a sala. Pouco
tempo depois, o Amado se despediu e foi embora. Sara estava no maior
papo com o Reginaldo na cozinha, estavam fazendo suco e não me
chamaram para ajudar. Me sentei no chão, encostado no sofá, ao lado do
Rodrigo. Ele se inclinou para diminuir a distância entre nós e falou num
tom de conspiração.
— O que acha de a gente vazar?
— Mas e o lanche? Tô com fome.
— A gente come alguma coisa na rua. Vamos deixar esses dois
sozinhos para ver se saem da friendzone.
— Acha que eles não se pegaram ainda?
— Eles estão na maior enrolação, nessa de amiguinhos. Vamos deixar
os dois a sós. Se nem assim der certo, não podem nos culpar. Bora!
— Eles vão perceber que fizemos de propósito.
— A intenção é essa, seu... lerdo!
— Lerdo?
— Burro. Anda logo! — Ele se levantou tateando a mesa para pegar os
objetos pessoais. Falou alto para ser ouvido da cozinha: — Pessoas, Átila e
eu já estamos indo. Vamos ver umas paradas aí na rua, não é, Átila?
— Hein? — Não entendi direito, mas ouvi o Rodrigo suspirar, então a
ficha caiu. — Ah, sim. E tem que ser agora, não é, Rô? Tchau!
Reginaldo foi até onde estávamos.
— Peraí, eu levo os senhores em casa.
— Não, valeu! Rodrigo e eu vamos ver uns esquemas.
— Hum, tô ligado... — Regi me olhou diferente. Acho que ele
entendeu errado a nossa intenção, tapado como era. — Tá bom então, uai!
Desci as escadas acompanhando o Rodrigo, pronto para protegê-lo
contra uma eventual queda, e ele reparou.
— Não se preocupe, Átila, não vou cair não. Eu me viro bem aqui.
— Eu não estava preocupado — falei, mas não o convenci.
Já na rua, eu olhei desanimado para o ponto de ônibus. Não sabia se ia
para a casa de tia Helena, se ia para a casa de meu pai. Rodrigo me fez
acordar para a vida quando tocou a minha mão, me usando como guia.
Começava a escurecer; as primeiras luzes dos postes se iluminavam.
— Bora numa lanchonete, Átila. Está vendo alguma?
— Cara, o problema é que tenho pouca grana. Melhor eu vazar pra
casa enquanto é cedo.
— Não, você está com fome, então vamos fazer um lanche. Eu estou te
convidando. Está vendo algum lugar legal?
— Vem comigo. Ali na frente tem uma padaria e lanchonete.
Caminhamos lado a lado. Eu me preocupava em ficar bem perto de
forma que Rodrigo pudesse tocar minha mão e seguir o caminho sem
obstáculos. Me sentia até orgulhoso por atravessar a rua com ele.
Entramos no estabelecimento e minha barriga roncou ao ver o monte
de delícias que tinha lá. Salivei, mas olhei os preços na tabela da parede,
pois estava com pouco dinheiro e não deixaria o Rodrigo comprar nada caro
para mim. Ele se virou bem conversando com uma atendente simpática,
comprou um montão de coisas. Eu comprei só um pedaço de um bolo-
pudim, como estava escrito no recipiente. Era um pedaço grande e estava
com uma cara ótima. Comemos ali mesmo, mas Rodrigo mandou
embrulhar doces para levar embora.
Enquanto comíamos, conversamos normalidades, coisas sobre a
faculdade, falamos sobre Sara e Reginaldo, até que eu criei coragem e
perguntei o que havia de errado com o Amado. Rodrigo suspirou e ficou
mexendo os dedos.
— Vocês brigaram? — insisti.
— Não exatamente, só descobrimos pontos de vistas diferentes sobre
algumas coisas. Mas ainda somos amigos, não se preocupe.
— Hum, ele não parecia legal hoje.
— É o jeito dele. Talvez ele se afaste de mim agora. É pena — disse
Rodrigo, de forma pensativa.
— O que houve?
— Bobagens, deixa pra lá. E você? Está pensativo também, distante.
Sei que há algo errado contigo. Me diz o que é...
— É o amor — ri. O fato de ele não poder me ver me dava um certo
conforto. Eu podia corar à vontade.
— Notei, mas qual é o problema? Amor é uma coisa boa, pelo menos,
deveria ser.
— É que a pessoa que eu gosto parece que me quer, mas do jeito dela,
entende?
— Do jeito dele, você quer dizer.
— Ah, é isso mesmo. É um primo meu — admiti. Era a primeira vez
que falava daquilo com alguém.
— Eita, casos de família! Mas como assim do jeito dele?
— Ah, cara, ele quer ficar comigo, mas escondido, na hora e no jeito
dele, sem nenhum compromisso. É como se a minha vontade não existisse.
E ele é todo assanhado comigo, mas com o resto do mundo é tímido,
certinho.
Rodrigo pensou um pouco enquanto tomava refrigerante.
— Normal. Ele prefere aparecer em público com mulheres bonitas e de
boa família, estou certo?
— Sim, muito certo. Precisava ver as filhas de um deputado que
estavam na casa dele. É o tipo que alguém como ele namora. Isso me
desanima, sabe...
— Ei, não fica triste! Pensa direitinho se vale a pena tudo o que você
está perdendo por ele. Se vir que te faz mal e não tem futuro, deixa pra lá. A
vida continua.
— Mas eu gosto dele! Eu só penso nele, eu... — Senti lágrimas
teimosas escorrendo e suspirei. Tentei limpar antes que alguém notasse, mas
Rodrigo passou a mão no meu rosto. Como ele sabia que eu estava
chorando, eu não sei. Às vezes eu olhava nos olhos dele para entender. Ele
parecia me ver, mesmo que os olhos estivessem perdidos, desfocados. —
Desculpa por isso, eu sou tão bobo.
— Você não é bobo, só é sensível. Isso é tão bonitinho! É o seu
primeiro amor, não é?
— Tá tão na cara assim, é? — Ri e ele também.
— Tá sim, evidente. Deixa esse seu primo saber que você gosta dele,
mas que não está disposto a se humilhar, entendeu? Não faça tudo o que ele
quer só porque ele pediu. E não sofra assim, não vale a pena. — Ele
procurou a minha mão e fez um carinho fofo.
Como já tínhamos acertado no caixa, saímos da padaria e fomos ao
ponto de ônibus. O ônibus do Rodrigo já vinha, fiz o sinal e o abracei
enquanto o ônibus parava. Foi um abraço bem demorado.
— Obrigado, amigo. Você me faz muito bem, muito bem mesmo —
falei com o rosto no pescoço dele, quase chorando. Ele me beijou no rosto.
— Eu sei e vou te cobrar por isso, tá? — Ele riu. — Estude comigo a
partir de amanhã. O Amado vai faltar mais uns dias.
— Tá bom, então. Valeu!
E ele foi embora. Quando o ônibus saiu, me sentei no banco vazio.
Olhei as horas no celular e vi que ainda faltavam alguns minutos para o
meu ônibus chegar. Ouvi uma buzina, elevei a vista e vi uma caminhonete
branca com o vidro do motorista aberto do outro lado da avenida.
Reconheci logo quem estava ali: era o Beto, um vizinho e amigo do Luiz
Fernando. Eu já o tinha visto na casa de tia Helena e ele também
estava presente naquele dia na pizzaria, juntamente com o Marciano e meu
primo.
Beto acenou para mim e saiu com o carro, mas menos de um minuto
depois ele voltou e parou na minha frente. Só tinha ido fazer o retorno.
— Olá, primo do Luiz Fernando! Tudo bem? — ele falou com uma
simpatia exagerada ao descer o vidro do carona.
— Oi, Beto! Sim, tudo. E você?
— Estou indo para casa agora, que fica perto da sua tia. Quer uma
carona?
— Olha, se não for incomodar, eu aceito sim.
— Incomoda nada, entra aí.
Entrei no carro dele porque sabia que ele morava perto de tia Helena,
num daqueles casarões do bairro. Sabia que ele chegou a cursar medicina
por um tempo, junto com Luiz Fernando inclusive, mas que tinha
abandonado o curso e se dedicava às fazendas do pai. Eu ouvia falar dele,
mas raramente o via, e nunca tínhamos trocado qualquer palavra a sós. No
caminho ele ficava puxando assunto.
— E aí? Fazendo o que de bom hoje?
— Nada, só fazendo uns trabalhos de faculdade.
— Hum, e aquele seu namorado tem problema de visão, né?
Do que ele estava falando?
— Não é namorado, é um amigo. Ele enxerga pouco, mas se vira bem.
Beto riu e me deu um tapa na perna.
— Não precisa ficar com vergonha. Eu me lembro de você.
Beto continuou rindo e puxando assunto, era simpático e tudo, mas me
deixava sem graça ao falar de meus possíveis namorados. Ele me deixou em
frente ao portão da casa de meus tios, e quando eu ia sair do carro, pôs a
mão na minha coxa.
— Calma aí! Cadê meu abraço? Somos amigos também, não somos?
— Acanhado, eu o abracei de longe. — E seu número também, pode ser?
— Ele piscou.
Que atrevido! Mas gostei até. Era raro alguém pedir meu telefone para
outra coisa além de trabalho e faculdade.
— Tá bom, já que insiste...
Essa despedida demorou uns dois minutos e eu saí do carro distraído e
sorridente. Como vi que o Beto não saiu da rua, olhei mais à frente e vi.
Luiz Fernando estava ao lado de carro dele, já de saída. Não parecia muito
feliz.
Passo 6
Dê um tempo!
O lhares, sorrisos, papo legal, encontros casuais... Se tudo correr bem, isso
é o bastante, mas nem sempre as coisas correm bem. Às vezes é preciso dar
uma ajudinha ao acaso. Forçar um encontro, mandar uma mensagem, ligar...
Ligar. Nunca tinha me passado pela cabeça ligar para o meu primo. Eu
sabia que iria gaguejar, tremer e até enfartar ao tentar falar com ele. Sem
contar que eu podia ser terrivelmente sem assunto ao telefone, e não era
criativo nas mensagens. Difícil.
Logo que entrei em casa, fui à cozinha tomar água. Ainda com a jarra
na boca senti uma notificação de mensagem, olhei distraidamente e era do
Beto Bonitão. Pedia desculpas pela grosseria, dizia que tinha sido babaca,
que achava legal eu ser trabalhador e outras coisas, resumindo, uma
rasgação de seda após o pedido de desculpas. Ri ao ler aquilo. Respondi.
“O que você quer, hein?”
“Um papo contigo, só isso. Sou mal não leke, juroo!”
“Ahahaha, sei... mas peraí que eu vou sair de novo, e nada de
gracinhas, senhor Alberto”
Recebi um emotiom de anjinho e achei engraçado.
Olhei as horas. Ainda era cedo, então tomei mais água e saí. A
caminhonete do Beto estava mais perto da esquina. Fui até lá.
— Beto, Beto, o que você quer, hein? — falei ao me aproximar. Ele
piscou.
— Vem conferir, ué.
Olhei-o desconfiado. Ele tinha bebido, afinal, ele fazia isso com
frequência, mas não parecia estar fora de si. Decidi dar um voto de
confiança e entrei; ele arrancou com o carro imediatamente. Não foi muito
longe, apenas alguns quarteirões adiante, perto de um prédio em construção
rodeado de árvores. Não gostei do lugar.
— Lugarzinho sinistro, não acha? Vamos ser assaltados aqui.
— Relaxa! O Betão te protege.
Ri de nervoso. Eu precisava de proteção sim, mas dele.
— Você é grande, mas não é dois.
— E sou gostoso, né, pode admitir. Grande e gostoso!
Ri alto.
— Ai, Beto, não fica aí se achando não!
Beto se inclinou para soltar o meu cinto de segurança e me puxou de
leve. Passou a mão pelo meu pescoço e chegou à minha nuca, inclinou a
cabeça até o meu rosto e começou um beijo. Fui pego de surpresa. Nem
acreditei! Nunca tinha imaginado que fosse ganhar um beijo daquele
homem.
Foi um beijo surpreendentemente leve, macio, mas quente, algo
inesperado vindo de um homem que parecia tão bruto. Muito melhor que
aquele enfiar de línguas do Luiz Fernando. O beijo fluiu perfeito, tão
envolvente que eu, que não queria nada, fui deixando. Foi tão gostoso e
demorado que não percebi quando as mãos de Beto começaram a me forçar
para baixo, para o colo dele, que já estava com o zíper aberto. Puta que o
pariu!
Esse atrevimento melou toda a cena. Tudo bem que eu gostei do beijo,
mas não estava a fim de chupar ninguém assim do nada, num carro, num
local perigoso. Talvez o Luiz Fernando, mas até mesmo com ele eu seria
mais exigente. Não gostei.
— Epa! Calma aí! Para, Beto! — Pus as mãos nas coxas dele, me
apoiando para não descer mais. Ele continuou me empurrando, dessa vez
com força.
— Por que não? Gostou do beijo, não gostou? Então... agora retribui.
— Não e não, Beto! Assim não. Vou para casa e a gente conversa outro
dia. Você bebeu demais, isso sim. — Abri a porta e saí, mas Beto alcançou
o meu braço e segurou com força.
— Pequeno, corre assim não. Vem cá com o Betão, vem.
— Você tá me machucando, Beto. Me solta! Eu vou gritar!
— Oh, baixinho, doeu, foi? — Ele diminuiu a força dos dedos, mas
não me soltou. — Quero beijar você, vem cá. Não vou fazer nada que você
não queira.
Ele falava com uma voz manhosa, se inclinando sobre mim, e isso foi
me dando nojo! Puxei meu braço, mas não foi suficiente, então apoiei um
pé no carro e dei um impulso, e aí ele me soltou. Quase caí no chão. Assim
que recuperei o equilíbrio, emendei uma carreira para casa. Estava sentindo
uma raiva imensa, não do idiota do Beto, mas de mim por ter dado assunto
a ele mesmo depois de o Luiz Fernando ter dito para eu não fazer isso! Eu
devia saber que ia dar merda. Correndo pela rua, me dei conta de que a
caminhonete vinha atrás de mim com o farol alto, e o Brasil inteiro podia
ver que ela estava me seguindo!
Quando dobrei a esquina da rua da casa dos meus tios, fiquei mais
tranquilo, pois o carro de tio Walter, outra caminhonete branca, estava
chegando. Beto passou batido e foi para a casa dele, ou seja, ele estava bem
consciente do que estava fazendo.
Troquei algumas palavras com tio Walter e corri para o quarto, tomei
banho e me deitei. Aos poucos, minha raiva foi passando, fui esquecendo
do traste do Beto e voltei a pensar em Luiz Fernando. Foram pensamentos
confusos e contraditórios naquela noite.
Eu tinha chegado à conclusão de que não podia ficar correndo atrás do
meu primo, afinal, eu morava na casa dos pais dele e não podia dar muita
bandeira. Eu tinha imaginado que as oportunidades aconteceriam
naturalmente, o que era verídico, mas os encontros estavam muito escassos,
e eu sentia que daquela forma, a coisa não renderia nem sairia do lugar.
Depois daquele dia em que nós nos pegamos no quarto dele, só nos falamos
naquela vez em que ele foi à farmácia, ocasião em que ele me alertou sobre
o Beto. Depois disso, nada.
Depois de mais de duas horas sem conseguir dormir, resolvi fazer algo
que nunca tinha tido coragem: ir ao quarto de Luiz Fernando sem ele estar
lá. Não era nada ilegal, afinal, ele mesmo havia dito que eu poderia jogar
videogame quando quisesse. Se titia me visse ali, eu teria uma boa
desculpa. Me levantei e fui.
Ao tocar na maçaneta daquele quarto, meu coração acelerou, minhas
mãos suaram, e eu me sentia como se estivesse indo roubar alguma coisa. A
porta abriu, acendi a luz e entrei deixando a porta encostada. Era uma suíte
normal, espaçosa. As cortinas estavam corridas e tudo estava arrumado.
Fui até a cama e me sentei nela, depois me deitei de bruços procurando
com o olfato o travesseiro que Luiz Fernando usava. Notei que os quatro
travesseiros que estavam sobre a cama tinham cheiro de amaciante de
roupas, e eram apenas enfeites.
Me levantei e abri as portas do armário, procurei até localizar dois
travesseiros em fronhas menos suntuosas. Aspirei o cheiro deles até
encontrar o que tinha o cheirinho de Luiz Fernando, e era tão bom, tão
gostoso quanto eu me lembrava, apesar de fraco. Cheirei, abracei, depois
guardei os travesseiros no lugar. Naquele armário tinha pouca coisa, a
maioria era roupa velha de usar em casa, toalhas e roupas de inverno. Não
tinha nada importante. Nas gavetas, apenas cuecas e meias. Toquei-as, mas
não mexi. Era apenas o quarto onde Luiz Fernando passava uma noite ou
outra. Ele tinha seu próprio apartamento, que devia ser algo mais pessoal.
Me senti tolo quando vi meu reflexo no espelho do banheiro. O que eu
estava querendo naquele quarto, afinal? Eu não tinha ido jogar videogame,
não tinha nada para fazer ali, portanto, devia dar o fora o quanto antes.
Nada daquilo me dizia respeito. O quarto de Luiz Fernando era apenas um
acessório que não lhe fazia falta, assim como eu. Sofri ao pensar nisso, mas
era a verdade. Eu não lhe fazia nenhuma falta. Fui para o meu quarto e
chorei, como já havia feito em tantas noites; chorei até pegar no sono, triste
e desiludido.
Fui trabalhar na manhã de sábado com dor de cabeça, como sempre.
Trabalhei até as quatorze horas, sem pausa para almoço, depois perambulei
pelas lojas próximas procurando uma roupa legal, ou seja, algo que quando
eu vestisse não ficasse parecendo que ainda estava no cabide. Isso não era
uma tarefa fácil.
Comi numa lanchonete oriental e já estava indo para o ponto de ônibus
quando meu pai me ligou. Ele disse que iria cantar numa fazenda, numa
seresta, e queria que eu fosse junto. Só que dessa vez eu não estava a fim,
era longe demais e ele só ia voltar para casa na tarde de domingo. Muito
cansativo. Me despedi de meu pai e fui para a casa de tia Helena.
A casa de meus tios estava vazia. Eles tinham ido a um evento em
outra cidade e só voltariam lá pela madrugada, segundo o recado que me
deixaram. Sozinho, me deitei e dormi o resto da tarde, e quando acordei, fui
para a rua procurar companhia.
Naquela noite, porém, como eu tinha dito que ia para casa, todas as
amigas estavam ocupadas, umas viajando, outras namorando, enfim, eu
estava simplesmente só. Sem ter o que fazer na rua, retornei para casa por
volta das dezenove horas, e a única pessoa que estava lá para me receber era
o gato Galileu. Recebi uma mensagem de meu pai pedindo que eu ligasse,
então me sentei num banco do lado de fora e liguei para ele. Conversamos
por alguns minutos.
Quando desliguei, notei que Galileu não estava mais no seu lugar
favorito. Gildete, uma empregada de tia Helena, dizia que ele saía à noite
para namorar, e às vezes voltava todo machucado. Agucei meus ouvidos e
pude ouvir miados pela vizinhança: ou a caça tinha dado certo e ele estava
com uma gatinha, ou tinha dado errado e ele estava sofrendo as
consequências. Galileu era um gato bem esperto.
Me encostei no banco frio e fiquei olhando o céu. Não era possível ver
as estrelas dali, apesar de o céu estar limpo. Olhei meu celular. Não tinha
muitas mensagens, apenas as de grupos, as piadinhas de sempre, aquelas
mensagens motivacionais e aquelas correntes de doze anos atrás. Suspirei
entediado e guardei o celular. Segundos depois, o peguei de novo, sem
saber o que pretendia. Automaticamente, toquei no ícone de contatos e
procurei um para o qual eu nunca tinha ligado, apesar de tê-lo guardado
havia tempo.
Visualizei mais uma vez a foto de um cara sério, arrumadinho, típico
nerd filhinho da mamãe. A foto do perfil mostrava um Luiz Fernando
exatamente como ele era, mas eu sabia que debaixo daquela timidez e
daquela seriedade existia um tipo safado que gostava de me pegar. Notei
que ele tinha visualizado havia pouco tempo e isso me deu o mínimo de
coragem.
Morrendo de vergonha, enviei um "boa noite" e uma carinha feliz. Me
arrependi assim que enviei a mensagem, mas já era tarde demais. O jeito era
aguentar as consequências. Apenas alguns segundos depois, Luiz Fernando
respondeu, perguntou se eu estava bem e só. Temi que a conversa fosse
parar por ali e arrisquei um pouco mais. Eu tinha que fazer alguma coisa.
"Viajando no feriadão?" — Enviei.
"Não, desmarquei, não te disse?"
"Ah... o que tá fazendo então?" — Aff! Às vezes a gente tem que
forçar um papo chato assim mesmo.
"Nada. E você?"
"Menos ainda rs. Tô aqui na casa dos seus pais olhando para o céu
XD".
"Tá sozinho aí na casa da mãe?" — Ele sabia que os pais tinham
viajado.
"Sim, completamente só, desprotegido."
"Huumm, desprotegido, é?" — Ele entrou no clima, finalmente. Ah,
uma dentro, uma dentro! Nem acreditei.
"Pois é... você podia vir aqui me proteger..."
Me senti um puto sem vergonha, mas enviei assim mesmo. Luiz
Fernando não respondeu de imediato e então comecei a ficar nervoso. Em
dois minutos eu já achava que tinha que me deitar no meio do asfalto e
morreeer! Eu tinha feito tudo errado como sempre, que ódiooo!
Cerca de cinco minutos depois ele respondeu.
"Proteger? Hum, já tô indo... Chego em alguns minutos... Se
prepara..." — Risos e umas carinhas suspeitas.
O coração deu um salto e eu corri para o meu quarto, subi os degraus
de dois em dois. Arranquei a roupa e fui para o banho, afinal, eu deveria
estar limpo e cheiroso quando meu gato aparecesse. O Luiz Fernando, é
claro. O Galileu já tinha ganhado a noite dele.
No banho acabei pensando no nosso último encontro, onde a gente
tinha parado. Será que iríamos começar por ali? Minha vontade, na verdade,
era aproveitar melhor os momentos que surgiam, conversar um pouco mais,
beijar na boca... Luiz Fernando era muito apressado. Safado!
Escovei os dentes, vesti algo que eu gostava, passei perfume e esperei,
mas ao invés de ver Luiz Fernando entrando na casa dos pais dele, eu ouvi
meu celular tocar; peguei e era o número dele. Tremi só de pensar que ele
pudesse estar ligando para desmarcar, para dizer que tinha algum
compromisso mais importante e outras bobagens. Atendi, apreensivo.
— Oi, Nando...
— Já está pronto?
— Sim...? — Não entendi bem a pergunta.
— Então vem aqui no carro. Tô na rua.
— Na rua? Tudo bem, já vou.
Rua? Entendi nada. Seja lá o fosse que ele quisesse, por piores que
fossem as intenções dele comigo, seria tão mais fácil ficar por ali mesmo já
que não tinha ninguém em casa. Mas ele pediu para ir ao carro dele, na
rua... Fui então, né.
Fechei tudo e saí. Ao chegar à calçada, avistei o carro de Luiz
Fernando um pouco afastado do portão. Era um carro caro, preto e discreto,
como o dono. Me aproximei e vi seu sorriso safado pelo retrovisor. Fiquei
mais tranquilo e entrei.
— Oi! Achei que você fosse entrar... — falei, ofegante. Ansiedade
pura. Entrelacei os dedos para me acalmar.
— Vamos num lugar melhor — ele disse. — É chato aqui na casa da
mãe. Ela pode chegar e me encontrar.
— Tá bom! — Bom, ele era meu primo. Era confiável, acho.
Pus o cinto de segurança e Luiz Fernando dirigiu até outro bairro mais
central, mais movimentado, repleto de prédios novos ao invés dos casarões
da rua dos pais dele. Até que ele diminuiu a velocidade e entrou na garagem
de um prédio bonito.
— Sabe onde eu moro? — Ele perguntou saindo do carro e me
esperando fazer o mesmo.
— Não sei.
— Sexto andar.
— Que chique!
Entramos no elevador e subimos em silêncio. Não havia mais
ninguém. Quando entrei no apartamento de Luiz Fernando, meu queixo
caiu. Tudo bem que a casa de tia Helena era chique, confortável e tudo
mais, mas aquele ambiente era perfeito. Parecia cenário de novela.
Decoração limpa, mas distinta, iluminação indireta, objetos caros. O espaço
não era grande, mas era muito fino, com certeza tinha sido criado por
profissionais. Luiz Fernando viu que eu estava olhando e sorriu.
— Gostou? — Ele disse trancando a porta.
— Nossa, demais!
— Eu também gosto daqui. Vem cá. — Ele me puxou pela mão, me
encaminhando para um dos quartos.
A sala tinha um sofá de cor clara e um painel amadeirado, um tapete
fofo e quadros abstratos nas paredes. Tinha uma cozinha americana que
parecia apenas cenográfica de tão perfeita, e dois quartos, sendo um, a suíte,
ampla e linda, apesar de ter poucos detalhes. Já na porta do quarto, Luiz
Fernando tocou minhas costas e roçou o rosto próximo ao meu ouvido.
Senti uma onda de calor passar pelo meu corpo.
— O que achou da minha cama?
— Parece... confortável. — Sentindo que o momento estava chegando,
eu comecei a ficar nervoso e cada vez mais sem graça. Uma dúvida
começou a incomodar: era aquilo mesmo que eu queria? Realmente?
— E é confortável. Você vai gostar.
— Achei que você ia lá para a gente jogar no seu quarto.
Luiz Fernando alisou meus braços e se encostou em mim. Senti o
coração dele batendo forte. Será que ele também estava nervoso?
— Até ia, mas mudei de ideia. Aqui tenho um melhor, mais moderno.
E minha mãe não vem bater na porta.
— Não sou bom no videogame.
— Não tem problema, a gente não joga. Quer alguma coisa? Nem te
ofereci nada, né.
— É, não ofereceu mesmo. Você não é um bom anfitrião. — Me virei
e dei um tapinha no braço dele. — Tô brincando, Nando, quero nada não.
— Nada? — O olhar e a voz revelavam bem o que ele estava
querendo.
— Luiz Fernando, você é muito safado, sabia? Quem te vê por aí, todo
acanhado, não imagina essa sua cara quando está olhando pra mim. Tarado!
— Faz parte. — Então ele foi me empurrando para a cama de uma
forma que eu não me sentia pressionado. Eu estava gostando da situação,
apesar de estar ansioso e com medo. — Eu sou safado porque você gosta
assim. — Ele falou no meu ouvido, me fazendo arrepiar. Me fez sentar na
cama.
— Gosto?
— É, você gosta, que eu sei.
Ele tirou a camisa e eu passei as mãos em seu peito, barriga e braços
sem pensar em mais nada. Ele olhava as minhas mãos deslizando por seu
corpo e respirava ofegante, dava para sentir que ele estava gostando. Aí, do
nada ele me arrancou a camisa e a bermuda e me fez deitar na cama. Tirou a
própria bermuda e se jogou em cima de mim.
— Nandooo, vai mais devagar! — pedi. Se antes eu estava com receio,
agora eu estava com medo. Que pressa era aquela?
— Por que devagar?
Luiz Fernando começou a me chupar o pescoço com força, a apertar as
minhas coxas e a me beijar na boca daquele jeito que sempre fazia, ou seja,
do jeito ruim. Não queria me lembrar do beijo do Beto, mas foi impossível,
já que a diferença era gritante. Por que meu primo não fazia as coisas
direito, por quê? Segurei o rosto dele e olhei nos olhos claros onde uma luz
indireta incidia.
— Nando, por que você não beija sem machucar? Isso dói, sabia?
— Tá bom, seu fresco.
Ele riu e aproximou os lábios dos meus, devagar. Fechei os olhos e
senti a boca dele me beijar suave, macio. As mãos dele, mais calmas,
finalmente me acariciaram sem que eu me sentisse uma massa de pão sendo
sovado, e eu comecei a curtir. De olhos fechados, eu sentia o cheiro e o
calor do corpo dele em conexão com o meu, o beijo continuava lento, e eu
estava quase entregue. Foi quando ouvi um ruído, abri os olhos e tive uma
decepção: Luiz Fernando mantinha os olhos abertos e tinha uma camisinha
na mão, pronto para interromper meu momento de curtição. Isso não foi
nada legal.
Passo 8
Se o sexo for bom...
O almoço foi bem legal. Tinha tanta comida, tanta gente e tanto
barulho que me senti numa feira. Todos me tratavam bem, me perguntavam
sobre a minha família, sobre a faculdade, sobre o trabalho. Como gostavam
de conversa! E eles tratavam o Rodrigo normalmente, como se ele não
tivesse qualquer limitação. Apenas a mãe dele que fazia o prato e colocava
num local da mesa onde ninguém mais ocupava. As coisas dele não podiam
ser mudadas de lugar.
Depois de comer várias sobremesas diferentes e chegar à conclusão de
que eu não deveria comer mais nada, Rodrigo me chamou para o quarto.
Algumas pessoas já estavam indo embora. Quando chegamos lá em cima,
ele foi escovar os dentes e me deu uma escova nova, disse que ia deixar ali
para que eu voltasse mais vezes. Quando terminamos, ele se deitou na cama
e me indicou o lado para me deitar, o que eu atendi. Ficamos em silêncio e
pouco tempo depois, nós dois começamos a bocejar. Foi até divertido.
— Isso é contagioso, Rodrigo! — disse abrindo a boca até no canto
pela décima vez. Saíram lágrimas dos meus olhos.
— O quê? — disse ele, também bocejando.
— Isso. Tá me dando sono aqui.
— Eu também. Bora dormir um pouco? É domingo...
Concordei. Em poucos minutos, ele estava cochilando. Me virei de
lado para vê-lo melhor; ele era bem bonitinho. O rosto tinha uma barba
discreta, os lábios eram rosados, não muito finos, e ele tinha cílios longos,
os mais longos que eu já tinha visto. As sobrancelhas eram escuras e tão
perfeitas que pareciam desenhadas. Todos os pelos do corpo dele eram
escuros e a pele clara, como a da mãe. Ele estava usando short e camiseta
brancos, e essa cor ficava bem nele.
Depois de um bom tempo observando o Rodrigo, o sono finalmente
me pegou. Foi um cochilo gostoso e relaxante. E longo! Quando acordei,
Rodrigo já estava acordado, com os olhos abertos, voltados para o teto. Os
olhos dele não pareciam anormais. Tinham um pouco menos de brilho,
talvez.
— Por que você não me acordou, Rô? Já é tarde. Nossa, são mais de
quatro horas!
— Acordei agora também. Ouvi um barulho, fui ver e era você
roncando.
— Mentira! Eu não ronco! — Dei um tapa no braço dele, que retribuiu
na brincadeira.
— Como você sabe? — Rodrigo riu, mas depois ficou sério. — É
agora ou nunca, Átila. Me diz o que está te perturbando. Sou todo ouvidos.
— Então, é uma longa história. Tá com saco para ouvir?
— Conta-me tudo, não me esconda nada.
— Bem, vamos lá. — Me enchi de coragem e contei para ele toda a
minha história com Luiz Fernando, desde o dia do incidente no banheiro, os
mais de três anos que passei evitando encontrá-lo, o encontro no corredor
no dia em que resolvi tentar conquistá-lo, as vezes em que ficamos. Contei
todos os detalhes dentro do meu nível de timidez e Rodrigo ia me
perguntando quando não entendia alguma coisa. Falei da noite anterior, de
como tinha tomado a iniciativa ao mandar mensagens e de como tinha sido
lá no apartamento. E falei do caso do Beto também.
Quando terminei, Rodrigo estava de boca aberta.
— Ai, Rô, ele me procura, me trata bem, mas sei lá, não é do jeito que
eu queria, sabe. Sei que eu fiz algo errado, mas o quê? Eu queria tanto
entender...
— Átila, quer saber o que você fez de errado? Tudo, amigo. Ele tá
solteiro, pelo menos?
— Sim, o namoro dele terminou há pouco tempo. Acho que a mulher
que terminou e ele ainda gosta dela. Tem alguma coisa a ver com a
marcação de tia Helena.
— Olha, Átila, na minha opinião, mesmo se você fosse o mestre da
conquista não daria certo, amigo. Acho que ele não pretende ter nada
contigo além disso aí, entende? Dá todos os sinais de que só quer uma
brincadeira. Eu nem perderia meu tempo.
— Mas a gente ficou. Beijo na boca, amasso e tudo mais.
Ele riu e passou a mão nos meus cabelos.
— Imagino o tipo. Esses homens "tímidos" que se fingem de
santos. São os piores.
— Pior que é, viu. Mas então por que ele fala para eu não ficar com o
Beto?
— Sei lá, talvez para você não ficar mal falado — Rodrigo riu das
próprias ideias. — Ou talvez ele só queira te proteger do cara mau. Ou
ainda, talvez ele goste de você e tenha um ciuminho sim, mas isso não quer
dizer que ele queira ser seu namorado. Tem gente que não abre mão de
certas coisas, mesmo gostando de alguém. Mas não me parece ser o caso.
— Eu só queria que ele gostasse de mim... — Fiz biquinho pois sou
emotivo e as lágrimas brotaram com facilidade.
— Mas ele gosta, só não é do jeito que você imagina. Você é o primo
disponível e safadinho e não tem nada de errado nisso. — Rodrigo mexeu
nos meus cabelos enquanto eu me recuperava do golpe de realidade.
— Mas eu devia saber, viu. "Só uma brincadeira, é melhor escondido,
vou te levar na casa do seu pai, cuidado com o Beto"... — falei, imitando o
jeito de meu primo. — Ele se aproveitou de mim, isso sim.
— Não, Átila, ele nunca te prometeu nada. Ficar sem compromisso é
normal, cara, ou você acha que vai se casar virgem com o seu primeiro
amor? Talvez ele nem saiba desse seu amor platônico.
— Isso, faz eu me sentir ainda pior!
Rodrigo passou um braço sob a minha cabeça de forma que eu fiquei
deitado sobre o ombro dele e beijou a minha bochecha de um jeito
carinhoso.
— Ele fica com você porque tá na seca, porque você topa, porque você
quer, e porque você vai atrás.
— O quê? — gritei e dei um tapa no peito do Rodrigo.
— Ai, doeu, sabia?
— Resumindo, Luiz Fernando pensa que eu sou uma puta! Não vou
mais nem chegar perto dele! Nunca mais!
— Duvido, Átila. Se você quer, aproveita, não tem nada demais. Pega
o primo, pega o vizinho, se ele não for babaca demais, e se for isso mesmo
que você quer. Mas faça isso consciente, amigo.
— Mas eu não queria isso...
— Então não pega! Você tem que se decidir. Um dia você vai gostar de
alguém que gosta de você, mas até lá, não seja tão apaixonado assim. Isso
só te faz mal.
— Acho que ninguém nunca vai gostar de mim. Eu sou muito
estranho, muito esquisito. Olha o meu nome: Átila!
— Claro que vai! Não tem nada de errado contigo, bobinho. Você é
gentil, é verdadeiro, é bonito também. Claro que é! Pare de ficar se
diminuindo, se sabotando. Não tem nada de errado contigo e com certeza
alguém vai gostar de você. É só você se abrir, dar espaço. Sempre tem
alguém que nos ama, que gosta da gente, apesar de tudo.
— Será, amigo?
— Claro! Só que, na maioria das vezes, chamamos esse alguém de "só
amigo". Vai entender... a vida é meio doida.
— Muito doida, né, eu não entendo. Eu sempre apaixonado por Luiz
Fernando e ele me beija, me leva pra cama e no final é só amigo, primo,
irmão. Não entendo nada.
— É. Não entende nada mesmo. — Rodrigo riu e mudou de posição.
— Brigado por tudo, amigo. Eu sabia que você iria me ouvir e me
ajudar sem me julgar. — Pus minha cabeça no peito dele, que passou um
braço sobre mim, nos aproximando até me abraçar forte. — Você é a pessoa
mais responsável, mais inteligente e mais carinhosa que eu já conheci. E me
entende, sabe como eu me sinto. Muito obrigado por tudo. Acho que agora
eu já sei o que fazer.
A mão de Rodrigo ficou mais pesada sobre o meu ombro.
— E o que você vai fazer?
— Conversar com Luiz Fernando, falar tudo pra ele.
— Sério? Isso é bem corajoso. É bom mesmo deixar as coisas às claras
para se evitar desentendimentos, mas saiba que ele pode se afastar depois
disso, tá?
— Eu sei. Eu fico triste com a possibilidade, mas é o que eu vou fazer.
Vou falar pra ele o que eu sinto. Se ele nem sabe que eu o amo, como vai
saber o que eu quero, né?
— Não sei, Átila. Mas faça alguma coisa, talvez você chore depois
disso, mas é melhor do que ficar fantasiando ano após ano. Se você quebrar
a cara, pode voltar aqui que eu te consolo.
Levantei a minha cabeça e dei um beijo no rosto dele.
— É por isso que eu te amo!
Ele ficou sério, mas depois deu um sorrisinho suspeito.
— Átila, me conta uma coisa: vocês chegaram a... Tudo, tudo mesmo?
Suspirei envergonhado.
— Ai, amigo, olha, não deu bem certo, se é que me entende. Foi
estranho. Parecia que eu estava mesmo com um primo que eu não tenho a
menor intimidade.
Ele pegou as minhas mãos, ainda deitado. Eu já estava sentado ao lado
dele.
— Viu só? Platonismo não dá certo na cama, amigo. Precisa de tesão
em ambas as partes, ou, pelo menos, de sintonia. Resolve isso, viu? Depois
me conta.
Me abaixei e o abracei, ficando por um tempo nos braços dele. Era tão
bom me sentir daquele jeito, protegido. Eu sentia que estava pronto para
enfrentar qualquer coisa. Beijei seu rosto e Rodrigo cheirou meus cabelos.
— Te amo, viu? — falei.
— Eu sei, seu bobo.
Depois daquela conversa, me despedi e fui embora com a cabeça cheia
de ideias. Então Luiz Fernando aproveitava que eu era apaixonado por ele
para tirar o atraso? Ou será que ele gostava de mim, pelo menos um
pouquinho? Às vezes ele era atencioso, mas às vezes era tão reticente... Eu
queria esclarecer as coisas, mas só de pensar na conversa embaraçosa que
seria, minha barriga começava a revirar.
Ainda no ponto de ônibus, peguei o celular e procurei o número do
meu primo. Fechei os olhos e respirei fundo. Liguei.
Passo 10
Deixe bem claras suas intenções e anseios.
Por fim, desisti de sair da casa dos meus tios. Rodrigo tinha razão, era
bom ter alguém para me ajudar a subir na vida. Eu nasci pobre, mas não
podia me queixar de falta de apoio.
Tirei notas tão boas no semestre que até mostrei para a minha tia,
como fazia na época da escola. Ela ficou feliz de verdade. Eu ainda ia
tranquilamente para a minha casa nos fins de semana e ficava zangado
quando tio Walter falava mal do meu pai. E quando tinha oportunidade,
cantava nos bares e lanchonetes da vida, deixando meu velho orgulhoso e
meu tio aborrecido. Melhor, impossível.
Rodrigo e eu estudávamos juntos e nos encontrávamos aos fins de
semana, quando possível. Ficávamos apenas um com o outro. O que eu
sentia por ele era terno, gostoso, comum. Era amizade colorida, sem
nenhum demérito. Era tudo o que eu precisava. Só de pegar minhas mãos,
Rodrigo sabia como eu estava me sentindo, sabia o que eu precisava ouvir,
e até seus puxões de orelha eram precisos. Sensível, maduro, e um pouco
ciumento, porque ninguém é perfeito. Se eu falasse sobre meu primo, ele se
fechava ou mudava de assunto, me deixando no vácuo.
F.I.M
Conheça a Autora
Jade Sand é o pseudônimo literário de uma capixaba apaixonada por histórias. Começou a escrever
em outubro de 2016 quando sentiu necessidade de dar vida ao Bruno, personagem de Instigante. É fã
da literatura policial, em especial Agatha Christie e Erle Stanley Gardner, e atualmente faz da escrita
a sua profissão.
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O “Chefe” enfiou as mãos por dentro da minha camisa, acariciando-me a barriga e as costas.
Depois foi me deitando no sofá e, sempre com os olhos fixos nos meus, tirou a própria camisa e me
ajudou a tirar a minha enquanto me beijava o peito e os ombros. Voltou a me beijar na boca enquanto
suas mãos se desfaziam do restante das roupas e assim nós dois ficamos nus e nos apreciamos
melhor. O corpo dele era magro, de pele clara, com poucos pelos, o peito era quase todo liso, e tinha
os braços, pernas, dedos e tudo mais comprido e fino.
A iluminação naquela sala era perfeita, o sofá era o suprassumo do conforto, e o cliente era o
top de linha. Mas ele me olhava de um jeito que me deixava constrangido e era romântico demais
para o meu gosto, fazia-me sentir frágil, coisa que nunca fui. Toda vez que eu queria tomar alguma
iniciativa, ele sorria e me fazia parar, segurava minha mão e a beijava.
— Shiii, calma. Temos muito tempo, gatinho — falou isso umas três vezes e então eu só me
deixei conduzir.
Ainda me beijando, ele segurou meus braços acima da minha cabeça e foi descendo com a
língua pelo meu peito e barriga, dava mordidinhas, olhava todos os detalhes e murmurava elogios ao
meu corpo. Quando chegou ao meu pênis, ele deu lambidinhas e depois pôs na boca. Eu quis
interromper para pôr a camisinha, mas ele apenas sorriu. Abriu minhas pernas e, segurando pela parte
de trás das coxas, elevou minha bunda, passando a língua pelas minhas entranhas e, contrariando ao
que ele mesmo havia dito sobre não ter pressa, em poucos minutos ele estava me lubrificando com os
dedos. Colocou a camisinha e começou a me penetrar devagar e sempre me olhando nos olhos;
quando eu virava o rosto, ele pegava meu queixo com delicadeza e me fazia encará-lo.
— Olha para mim, olha — dizia ele. — Deixa eu te olhar.
Eu estava gostando do jeito dele, mas não estava à vontade com aquele detalhe. Focar no teto é
sempre mais tranquilo do que olhar dentro de um par de olhos desconhecidos, mas quem está na
chuva é pra se molhar, e o cara estava sendo carinhoso, paciente, cuidando para que eu não sentisse
desconforto em excesso, então, né... Pensei em uma série de coisas excitantes para manter o tesão.
— Relaxa, vai, relaxa pra ficar gostoso. Não quero te machucar.
Ele sussurrava sacanagens no meu ouvido e mordia minha orelha, então eu comecei a gostar.
Abracei-o e acariciei suas costas, correspondendo aos toques e acompanhando seus movimentos, mas
em pouquíssimo tempo ele passou a gemer mais forte e a apertar os dedos nas minhas coxas, até que
parou subitamente de se mexer, e então acho que desistiu de tentar segurar e acabou gozando,
gemendo baixinho e chupando o meu peito e quase quebrando a minha coluna de tanto me envergar.
A pele dele exalava um cheiro bom e colava na minha por causa do suor.
Ainda dentro de mim, ele ficou parado, apoiado nos próprios braços, com os olhos fechados e
respirando descompassadamente, depois foi soltando o peso sobre o meu corpo e me dando beijinhos
entrecortados por suspiros no meu pescoço, até que começou a sair devagar, olhando apenas do meu
peito para baixo. Acho que estava sem graça por ter sido tão rápido. Sentou-se entre as minhas
pernas, tirou a camisinha, colocou-a de volta na embalagem original e pôs no chão, e então, sem
dizer nada, inclinou-se e começou a me chupar. Sugava com certa habilidade, passava a língua quente
e molhada entre as minhas coxas e me masturbava cada vez mais rápido usando as duas mãos até que
eu gozei na minha barriga e nos dedos dele.
— Eu estava precisando, por isso foi rápido — ele falou em tom de desculpas e com um
sorriso envergonhado.
— Tudo bem, relaxa. — Sentei-me e passei as mãos em suas coxas. — A gente pode
continuar, olha só. — Mostrei que ainda estava excitado.
Ele me deu um beijo no rosto e se levantou.
— Por enquanto, não. Vamos tomar banho. A nossa comida já deve estar chegando.
A palavra comida me fez lembrar da fome que eu estava sentindo, tive até náuseas ao lembrar
da foto no cardápio. Fui ao banheiro que o homem tinha me indicado, ficava nos fundos da casa e
devia ser usado por empregados, mas ainda assim era grande e arrumadinho. O chuveiro estava uma
delícia. Caprichei no banho e acabei me demorando. Quando voltei à sala, vestindo apenas a cueca, o
Chefe estava ao telefone e sinalizou para que eu me vestisse, o que fiz enquanto o ouvia falar sobre
saladas.
Quando fiquei pronto, ele me encaminhou à sala de jantar e indicou onde eu deveria me
acomodar. Era um lugar bem iluminado, com uma mistura de móveis antigos e contemporâneos, e
uma mesa grande arrumada para dois com cadeiras confortáveis dispostas de modo que ficássemos
de frente um para o outro. Ele saiu ainda falando ao celular, e eu fiquei sozinho olhando para os
pratos vazios. Eram brancos e quadrados, cercados de talheres brilhantes com desenhos iguais. Num
lampejo de realidade me dei conta de que apenas um punhado daqueles talheres seria suficiente para
pagar o meu aluguel atrasado. Tinha uma garrafa de vinho no gelo e várias taças, além de
guardanapos brancos. Tudo chique demais. Eu trocaria aquilo tudo por um prato de macarrão.
Algum tempo depois, um homem baixo e de barriga saliente entrou no local com uma espécie
de carrinho de comida e me cumprimentou respeitosamente. Ele usava calça social preta e camisa
branca de mangas compridas com a logomarca do restaurante bordada no bolso. Com muita
habilidade, ele arrumou recipientes de inox na mesa e começou a servir os pratos, abriu a garrafa de
vinho, serviu água e perguntou se queríamos mais alguma coisa. Meu cliente, que eu nem tinha visto
chegar de tão concentrado que estava no serviço do garçom, repetiu a pergunta para mim, eu neguei e
então ele agradeceu ao homem e o acompanhou até a saída. Assim que fiquei sozinho, bebi um pouco
de água e comecei a comer sem me dar conta da falta de educação de não esperar o Chefe voltar.
Quando voltou, ele se acomodou à minha frente e ficou me olhando com um sorriso enigmático;
depois, pôs-se a comer em silêncio.
— Está gostando? — perguntou quando viu meu prato vazio.
— Sim, tá muito boa.
— Está gostando de tudo no geral?
— Com certeza! Você tem muito bom gosto — disse, me referindo ao ambiente e ao serviço.
— Ah, isso. — Ele fez um gesto de desdém dando a entender que aquilo não era nada.
Empurrou minha taça de vinho ainda intocada para mais perto do meu prato e apontou com o
indicador. — Tome o vinho!
Eu tinha tomado apenas água e estava vendo certo desagrado na expressão do Chefe por causa
disso. E ele tinha falado suavemente, mas num tom autoritário, como se falasse com um filho
adolescente. Tomei o restante da água da taça e o olhei nos olhos exalando sensualidade e
desobediência.
— Prefiro não beber.
— Não vai fazer desfeita, vai? — Pisquei e sorri. Ele pegou minha taça e bebeu um gole,
depois me devolveu, pondo-a na minha mão com firmeza. — Tudo normal. Anda, beba.
Ainda fiz doce, mas acabei bebendo. Virei quase tudo de uma vez para que ele soubesse que
estava tomando por obrigação. Sem se importar, ele voltou a encher a minha taça e a dele. O vinho
era bom, tinha cara de custar uma nota, mas eu nunca gostei daquilo, preferia cerveja. Já ele parecia
entendido na arte, fazia todo um ritual com a taça, cheirava e bebia com tanto cuidado que parecia
estar tomando remédio. Depois da segunda taça, ele se levantou e me serviu a sobremesa, uma
mousse de chocolate que estava simplesmente divina. E mais vinho. Só saímos da sala de jantar
quando a garrafa e o recipiente da mousse estavam vazios.
De volta à sala de estar, ele me abraçou e me beijou o pescoço. Eu sentia um leve torpor por
causa do vinho que tinha tomado contra a vontade, e estava molinho e preguiçoso.
— O que acha de irmos para o quarto? — perguntou ele. Arregalei os olhos e a boca. Nós
tínhamos acabado de comer! Ele entendeu o meu espanto, riu e me deu um tapa na bunda. — Só
vamos descansar juntos, gatinho. Nem pensei em sacanagem.
Peguei minha mochila que estava jogada no tapete da sala e o acompanhei escada acima. A
escada dava em um corredor comprido, enfeitado com quadros e luminárias de parede, e tinha muitas
portas. Ele foi até a última, abriu e esperou que eu entrasse, depois fechou. Notei que o quarto seguia
o mesmo estilo de decoração do restante da casa: era muito grande, a paleta de cores dos objetos era
cinza, um azul diferente e preto, tudo isso num fundo totalmente branco e pontuado por iluminação
indireta. Já tendo trabalhado com material de construção, eu sabia o quanto custava um sistema de
iluminação daqueles, um pobre qualquer não poderia pagar.
Ele me mostrou uma porta e disse que ali eu poderia escovar os dentes e o que mais precisasse.
Fui lá com minha mochila e me encantei com o visual do banheiro, era enorme, com banheira e tudo.
Escovei os dentes, arrumei os cabelos, fiz hora, aproveitei para olhar pela janelinha; dali dava para
ver a área dos fundos, onde tinha dois cachorros, além da cerca elétrica do muro, que era bem alto,
por sinal. Ainda bem que eu não estava preso naquela casa, se estivesse, dificilmente conseguiria sair.
Quando voltei ao quarto, o Chefe estava deitado, só de short, com uma mão atrás da cabeça.
Uma televisão maior do que a minha janela estava ligada, e ele passava os canais. Deitei-me ao seu
lado, vestido mesmo, e fiquei olhando as centenas de opções de programas, a maioria eu nunca tinha
visto.
— E agora, o que vamos fazer? — Me ajeitei no travesseiro e bocejei.
— Descansar, ver filmes. Depois a gente aproveita mais.
Num canal qualquer, um filme estava começando, e ele deixou lá. Virou-se, ficando de lado,
no mesmo sentido que eu, e passou um braço e uma perna sobre mim, me aquecendo. A respiração
dele no meu pescoço estava calma, e logo ele também começou a bocejar.
— Terror? — Estranhei quando vi as primeiras cenas.
— Você tem medo? A gente vê outra coisa.
— Não tenho medo, não, só achei que seria outro tipo de filme, mais alegre, se me entende.
Ele se fez de desentendido.
— Ora, e por quê?
— Nada.
Eu realmente não estava preparado para o tipo de programa que o Chefe tinha planejado. Ele
queria fazer as coisas mais absurdas, como jantar romântico (ainda bem que não apareceram velas
naquela mesa); beijos de namoradinho; filmes de terror; e dormir de conchinha. Com poucos minutos
de televisão, minha boca começou a se abrir involuntariamente, meus olhos lacrimejavam, e mesmo
ciente de que o meu bônus-desempenho poderia estar indo para as cucuias, eu não vi o final do filme.
Eu estava em um lugarzinho gostoso, macio e quente. O toque das cobertas na minha pele era
tão gostoso que comecei a ficar com tesão. Ainda dormindo, desci a mão pela minha barriga,
acariciando-me. Eu sonhava que alguém estava me... Abri os olhos e, aos poucos, fui tomando
consciência de que não estava sonhando, o Chefe estava realmente me chupando. Quando me viu
acordado, ele parou e beijou a minha mão, fazendo-me sentir sua barba áspera.
— Delícia — ele disse —, você não acorda fácil, mas o seu pau...
— Hum, sou delícia mesmo... Gostou?
Ele mediu com a mão espalmada, fazendo falsa cara de decepção.
— Xandy Dotado, 22 centímetros. Mas que propaganda enganosa!
— Tô com preguiça, poxa! Aí não vale! Tem que medir na hora certa.
— Sei. Na hora certa, eu chego bem perto disso.
— Reparei. — Era verdade, ele não impressionava na circunferência, e sim no tamanho. Tudo
nele era comprido e fino, e lá seguia o mesmo padrão.
O Chefe voltou a me chupar, e eu me dei conta de que estava completamente pelado mesmo
tendo certeza de que tinha dormido de roupa. O safado tinha me despido sem me acordar. Passado o
constrangimento inicial, relaxei e, para proporcionar uma visão melhor a ele, ajeitei os dois
travesseiros e fiquei quase sentado na cama, dobrei os joelhos e apoiei as mãos no colchão. Ele
pareceu gostar, porque engolia o máximo que podia de mim, alisava as minhas pernas e me olhava
nos olhos. Conforme ele ia avançando, minha excitação ia crescendo e crescendo, e comecei a mexer
em seus cabelos forçando-o para baixo. Só parei quando ele começou a se engasgar.
De repente, ele me fez deitar, dessa vez com força. Sorte que a cabeceira era acolchoada.
Elevou as minhas pernas e desceu com a língua pela minha bunda, devorando-me como se estivesse
com fome. Com as duas mãos, abria as partes e expunha minhas intimidades, passava a língua e me
penetrava com ela, depois passou a fazer o mesmo com o dedo. Ajudei a segurar minhas pernas e
fechei os olhos para curtir melhor, mas abri quando ouvi aquele barulhinho suspeito: camisinha de
novo. Olhei os pontos de luz indireta que deixavam o ambiente aconchegante e misterioso, e suspirei
sem querer. Ele ouviu.
— Tá tudo certo?
— Tudo certo, Chefe. Tudo bem.
Ele me analisou por alguns segundos, depois desceu minhas pernas e me fez virar de bruços,
beijou minha bunda e ficou fazendo carinho. Afastou-se um pouco de mim e, por um espelho na
parede lateral, vi que ele estava pegando um sachê no criado-mudo que ficava ao lado da cama,
depois o vi tirar o próprio short e subir na cama meio que engatinhando. Beijou minhas costas, abriu
o sachê e me lambuzou, depois pôs a camisinha e começou a forçar a entrada. Não deu trabalho para
entrar, mas foi desconfortável. Eu não reclamei, mas ele me sentiu travar e pareceu ficar irritado.
Ficou parado, suspirando, segurando forte nos meus ombros, mas depois respirou fundo e recomeçou
do zero, dessa vez com cuidado. Ia devagar e parava, fazia-me carinho e voltava a se mexer. Por fim,
ele me abraçou e nos fez virar de ladinho, me masturbando e beijando meu pescoço.
— Você tem que curtir — disse ao meu ouvido.
— Tá... — gemi.
— Tá não, você tem que gostar de verdade. Se não estiver legal, a gente espera um pouco.
Espera. Sei. Como se fizesse diferença um minuto a mais. Mas a voz dele e aquele carinho
todo amenizavam o desconforto e, em pouco tempo, voltei a me excitar.
— Isso, seu corpo tá mais quente, delícia. Eu quero você assim, inteirinho pra mim, entregue,
mas duro.
Quanto mais eu me excitava, mais ele gostava. Me fazia experimentar minha própria baba,
pegava meu queixo e me fazia virar para trás e enfiava a língua na minha boca, acariciava meus
mamilos e mordia o meu ombro. Quando finalmente eu estava curtindo de verdade, ele me fez virar
de bruços, meio que montou sobre mim e meteu com força, me apertando. Em pouquíssimo tempo,
ele começou a gemer alto, tirou a camisinha e gozou nas minhas costas, lambuzando-me todo com
um líquido quente. Ele gozava muito, mas era rápido demais, chegava a ser frustrante. Ficou sentado
sobre a minha bunda enquanto recuperava o fôlego, depois se deitou ao meu lado e ficou olhando
para cima. De vez em quando fazia carinho nas minhas costas e bocejava, até que ele se espreguiçou
e se levantou de uma vez, já com toda a energia, vestiu o mesmo short de antes e foi para perto da
porta.
— Pegue as suas coisas e vem comigo.
Levantei-me, juntei as roupas sem nenhum cuidado, peguei a mochila e fui atrás dele, que já
descia as escadas. Andar pelado, dolorido, todo gozado, numa casa estranha nas primeiras horas de
sábado era esquisito, muito esquisito. Calado, eu o segui até um quarto nos fundos da casa, perto do
banheiro onde eu tinha tomado antes Ele abriu e conferiu se estava tudo certo, depois saiu. Já do lado
de fora, ele falou:
— Aqui está bom pra você descansar, não é, Alexandre? — Fiz que sim. — Você pode dormir
até sete da manhã, está bem? Tome banho e durma, a cama já está arrumada.
Dormir num quartinho sem nenhum dos luxos da casa? Obrigado, Chefe, era disso mesmo que
eu precisava. Ser bolinado mais uma vez naquela noite não ia me fazer nada bem.
Fui com a mochila em direção ao banheiro, e ele foi atrás. Quando cheguei na porta, disse boa
noite, mas ele não respondeu, só ficou me olhando sem dizer nada enquanto eu fiquei esperando que
ele me desse mais alguma ordem, até que ele se aproximou, me deu um selinho rápido, disse boa
noite e saiu a passos largos.
Tranquei o banheiro com a chave que estava na porta e fui direto para o chuveiro. Depois de
me enxugar, peguei meu celular na mochila, liguei e olhei as horas: duas da madrugada. Às sete eu
deveria estar lindo e gostoso para ele me comer no lugar do pão, provavelmente, e ainda teria que
aguentar até domingo à noite. Ele havia dito que eu poderia ir embora quando quisesse, mas eu não
queria desistir. Além de estar precisando — e muito — daquele dinheiro, eu não podia negar que
aquele fim de semana estava sendo bastante interessante. Os únicos pontos negativos eram o tempo
que parecia parado, e o meu corpo que não estava acostumado e parecia ter sido passado num
moedor. Olhei-me no espelho e não vi marca nenhuma, mas o meu interior estava muito dolorido.
Dentro da mochila, tinha muitas coisas úteis, inclusive um relaxante muscular que eu tomava
quando mudava o programa de treinos da academia. Senti uma gratidão tão grande ao confirmar que
ele estava ali que tomei na mesma hora, com a água da torneira. Não tinha frigobar na ala dos
plebeus. Fui para o quarto, vesti cueca e camiseta, apaguei a luz e caí na cama, onde dormi como
uma pedra.
Foi rápido. Ouvi algo como canto de pássaros, abri os olhos e vi raios de sol lindos, dourados,
transpassando a cortina de tecido translúcido. Virei-me para o lado oposto à janela e fechei os olhos
para voltar a dormir, quando ouvi batidas na porta; discretas, mas firmes. Ignorei-as e bocejei, mas
elas se repetiram. Sete da manhã. Eu não podia me esquecer de que estava ali a trabalho e não
poderia dormir o quanto quisesse. Espreguicei-me. Ainda não tinha me levantado quando ouvi as
batidas novamente.
— Já vai! — falei, me esticando todo na cama. Fiquei feliz em verificar que o relaxante
muscular tinha feito o seu trabalho; eu estava sem dor no corpo, mas com dor no estômago. Normal.
— Se apronta e venha para o café — disse o Chefe com uma voz mais grave que na noite
anterior.
— Ok.
Chato!
Olhei o celular e vi que eram sete e cinco, ou seja, ele era pontual até o infinito. Desliguei o
aparelho sem olhar as mensagens recebidas e guardei na mochila, conforme o combinado. Saí no
corredor e não vi ninguém, entrei no banheiro, e ali fiquei um bom tempo devido às minhas
necessidades matinais. Escovei os dentes, tomei banho e, quando saí, consciente de o quanto estava
lindo e cheiroso, guardei a mochila no quarto e segui até a sala de jantar que estava vazia. A mesa
ainda com as coisas em cima. Ele não ia querer que eu lavasse, não é? Perdido, entrei por uma porta
grande e cheguei na cozinha, mas lá também não vi ninguém, nem ouvi nenhuma movimentação. Vi
uma porta aberta para a área externa e segui por ela.
Quando cheguei lá fora, precisei fechar os olhos até me acostumar com a luz. Estava um dia
lindo. De short e camiseta, eu fui abraçado pelo sol e senti o calor gostoso da manhã. Vi meu cliente
excêntrico sentado numa cadeira, tomando sol e fumando. Ele me olhava de um jeito sarcástico, com
um sorriso contido nos lábios.
— Bom dia, Chefe! — Me aproximei devagar, sondando o ambiente. — Não tinha reparado
que você fumava. — O que eu detesto, naturalmente, mas não mencionei.
Ele olhou para o cigarro, sorriu, depois olhou para mim com seus olhos astutos.
— São sete e trinta e cinco.
Ave!
— Pois é, mas você pediu que eu me aprontasse, e isso leva tempo. Estou pronto.
— Tá com fome?
— Com certeza.
Ele se levantou, jogou fora o que restava do cigarro e passou por mim, dando um tapa de leve
na minha bunda.
— Vem, temos café ali atrás.
Acompanhei-o pela lateral da casa, que era calçada e tinha plantas bem cuidadas beirando o
muro alto, até que chegamos na área de lazer que consistia em uma piscina não muito grande, um
deque de madeira e uma mesa redonda coberta por um grande guarda-sol branco, circundada por
cadeiras dobráveis também de madeira. Na mesa, tinha uma variedade incrível de frutas, sucos, pães,
bolos e frios, tudo arrumadinho em cestas e bandejas, como as que são entregues pelas casas
especializadas.
— Que vista bonita! — comentei com entusiasmo.
— Para nós. Gostou?
— Muito.
Ele sentou numa cadeira e me indicou outra em frente e, sem me perguntar nada, serviu suco,
café, pequenos sanduíches e até cortou as frutas para mim. Já ele só tomou café puro e depois comeu
apenas pão. Ficamos em silêncio na mesa, mas de vez em quando ele me olhava e sorria. Quando me
dei por satisfeito, estiquei-me na cadeira e devolvi o olhar penetrante, que ele sustentou com
tranquilidade. Joguinhos.
— E hoje? — perguntei.
— Hoje vamos ficar o dia todo aqui.
— Hum, legal. — O dia seria longo, pelo visto.
Ele estava mais calado, parecia até mais velho do que antes, acho que a luz do dia mostra mais
do que as luzes da noite. Tirei a camisa para aproveitar melhor o solzinho da manhã, mas meu cliente
teve a ideia de me mandar para uma espreguiçadeira enorme, também de madeira, à beira da piscina.
Pediu que eu terminasse de me despir e eu concordei, afinal, uma dose de vitamina D só me faria
bem. Pôs uma cadeira perto de mim e ficou fumando e me apreciando, eu acho. Com a saúde dos
meus pulmões ele não estava nem um pouco preocupado.
— A piscina foi limpa ontem, gostaria de te ver nela — ele comentou depois de algum tempo.
— Mais tarde, pode ser? Agora deve estar frio.
— Claro, claro.
Ele se levantou e saiu sem dizer nada, e eu aproveitei para cochilar com a mão nos olhos. De
vez em quando me virava para que os raios solares alcançassem todas as minhas células. Nem sei
quanto tempo depois, quando eu estava bem adormecido, senti um beijo nos lábios e, logo a seguir,
meu cliente começou a me encher de protetor solar, as mãos cheias de segundas intenções.
Impossível não curtir aquele cuidado dele. Quando mudei de posição para auxiliá-lo no processo de
me proteger, dei de cara com notebook, papeis e celulares sobre uma mesinha ao lado da cadeira
dele, que eu nem o tinha visto colocar ali.
— Vai trabalhar? — perguntei.
— Pois é, sou um homem muito ocupado. Enquanto isso, aproveite a piscina. Ela está aí e
ninguém usa mesmo, vou gostar de te ver nela.
Nessa hora, veio uma pergunta à ponta da minha língua, mas guardei para mim. O cliente
queria meu corpinho e não minha curiosidade, se ele quisesse me falar sobre sua vida privada, já teria
falado. Quando o sol esquentou demais eu fui para a piscina. A água estava uma delícia, e apesar de
não ser grande, dava para curtir legal. O Chefe só olhava, e em alguns momentos, ele ficava
totalmente concentrado no trabalho. Saí da água algumas vezes, reapliquei o protetor no rosto, comi
da mesa de café que permanecia à minha disposição e, quando percebi, o sol já estava no meio do
céu.
O Chefe atendeu uma ligação e se afastou da piscina, ficando perto da casa por uns dez
minutos. Depois, voltou e perguntou se eu estava cansado. Eu disse que sim, e ele me indicou um
banheiro externo para tomar banho. Pediu que eu deixasse a porta aberta e me passou o xampu e o
sabonete.
— Você ficou coradinho! — Ele tocou no meu rosto enquanto eu me enxugava. Às vezes
aquela fofura toda era até desconcertante.
— É, eu estava mesmo precisando de sol.
— Não costuma ir à praia? O mar é logo ali.
— Pois é, preguiça de acordar cedo nos finais de semana.
— Preguiça é uma coisa que não faz bem a ninguém. Larga dela enquanto é tempo.
— Valeu pelo conselho.
Ele me abraçou e me beijou. Eu estava peladinho da silva, minha pele estava fria, e a dele
estava quente, tanto pelo sol quanto pela excitação que dava para sentir no short. Passou as mãos
pelas minhas costas e desceu até a bunda, mas não fez nada além de dar uns tapinhas de leve. Não
parecia a fim de me aproveitar naquele momento.
— Quer sair para almoçar? — ele perguntou beijando meu pescoço e me fazendo excitar à toa.
— Quem é o chefe? Você escolhe onde vamos comer.
— Não, eu escolho onde e quando vou te comer. Quanto às refeições, você pode escolher.
— Ok, ok. — Ri enquanto ele se afastava. — Pena que eu não conheço nenhum lugar legal por
aqui.
— Vamos num restaurante então. Gosta de peixe?
— Sou fã não, prefiro uma picanha.
— Tá certo, então vamos comer picanha.
Vesti a roupa com a qual eu tinha chegado, e fomos a um restaurante chique e discreto, com
mesas de tamanhos diferentes que ficavam longe umas das outras. Ali nós comemos picanha com
acompanhamentos e nos portamos como se fôssemos amigos. Não demoramos muito, voltamos para
a casa dele, escovamos os dentes e nos deitamos na cama para aquele momento de preguiça pós-
almoço.
Assim que deitamos, ele me fez aconchegar no seu braço e ficou calado, passando um dedo no
meu ombro. Dessa vez, ficamos de cueca, e ele nos cobriu com uma manta gostosa, já que o ar
condicionado estava forte. Do lado de fora, o sol estava rachando, mas no quarto, devido às cortinas
estarem corridas, era como se fosse noite. Virei-me de lado, que era minha posição preferida para
descansar, e peguei no sono, ciente de que o Chefe estava inclinado sobre um cotovelo me
observando.
Nem sei quantas horas passei dormindo, mas devem ter sido muitas, pois quando acordei, tive
a impressão de que a tarde já estava avançada. Uma das cortinas tinha uma fresta e, por ela, era
possível ver que o sol já tinha declinado no horizonte. Notei que estava sozinho no quarto, mas não
me levantei de imediato, esperei alguns minutos para ver se o homem aparecia e, como ele não
apareceu, levantei-me e fui ao banheiro, trancando a porta à chave. Demorei bastante lá. Quando saí,
o Chefe já estava sentado na cama, tomando uma taça de vinho.
— Oi, Chefe — disse, aproximando-me e dando um selinho por minha conta. Ele tinha um
leve cheiro de cigarro, mas ainda bem que não fumava dentro de casa.
— Oi, Alexandre. Pelo visto você falava sério quando disse que tem preguiça, não é? — Ele
não me chamava de Xandy de forma alguma.
— Ah, desculpa, cama depois do almoço, você sabe... Mas poderia ter me acordado.
— Tudo bem, eu queria que você descansasse mesmo. Me acompanha no vinho?
Fiz careta. Lá vinha ele de novo com aquele vinho.
— Não tem uma cervejinha?
— Tem sim, fique aqui que eu vou pegar pra você.
Ele saiu do quarto e, em poucos minutos, voltou com três latinhas que guardou no frigobar.
Abriu uma, colocou o conteúdo numa taça de vinho e me deu. Brindamos.
— Você é uma boa companhia — disse sentando-se ao meu lado na beirada da cama e
passando a mão na minha coxa.
— Você também é. — E era verdade. Ele era estranho, mas gostoso.
— Pena que não gosta de vinho.
— Pois é, ninguém é perfeito.
Ele passou o braço que estava com o vinho por cima dos meus ombros, meio que me
abraçando, e beijou meu rosto. Virei-me e o beijei na boca, já que ele gostava e eu também. Beijamo-
nos devagar, misturando o gosto das bebidas, cada um com uma taça na mão, até que o beijo foi
ficando mais quente e mais urgente, então ele parou, tomou o restante do vinho de uma vez, eu fiz o
mesmo com minha cerveja e dei a taça vazia a ele, que se levantou para colocá-las na mesinha.
Quando voltou, ele ficou de pé, de frente para mim, e me beijou forte, segurando o meu rosto, depois
me empurrou sobre a cama e se se deitou sobre mim. Desvencilhei-me de seus braços e virei; ele
rolou sobre mim. A cama era enorme e macia, uma delícia, era como se eu estivesse flutuando.
Quando já estávamos nus e completamente excitados, um barulhinho começou a incomodar.
Eu não parei o que estava fazendo, mas ele parou e ficou sobre mim, apoiado nos próprios braços e
de olhos fechados. Fiquei até preocupado, do jeito que ele gozava rápido, era bem capaz de estar
quase lá antes mesmo de transar. Mas não era isso, ele se levantou rapidamente e pegou uma
bermuda que estava jogada sobre a cadeira, num bolso dela havia um celular tocando em volume
baixo.
— Tenho que atender — disse ele. — Me desculpe.
— Relaxa. — Mas bem que, naquele momento, eu queria continuar.
Ele ficou de pé, falando alguma coisa que eu não prestei atenção. A imagem dele magricelo e
pelado, de pau duro e falando ao celular me desconcentrava. Eu ri quando ele me olhou; e ele
entendeu do que eu estava rindo, então voltou para a cama e se deitou ao meu lado. Pelo tipo de
papo, entendi que era uma mulher a pessoa do outro lado. Fiquei curioso.
O Chefe não usava aliança, e a casa era muito organizada, de forma que não se via objetos
pessoais que identificassem o gênero do dono (embora eu tenha tido a impressão de ter visto um
batom no banheiro dele na primeira vez em que fui, que não estava mais lá na segunda vez). Também
me parecia pouco provável que ele morasse sozinho em uma casa tão grande.
— Não vai dar — disse ele à pessoa do outro lado da linha. — É que hoje eu estou ocupado...
É, estou em casa sim, estou com alguém. Não, não é... Também não... Tá, eu digo, estou com um
amigo... Aham, um amigo. — Ouvi um gritinho assanhado. — Bonito sim, bonito e muito gostoso.
— Essa parte ele falou também para mim e passou a me descrever nos mínimos detalhes, enquanto
me acariciava com a mão livre. Ele falava com a pessoa e me olhava com cara de safado; aquilo
estava excitando nós dois, até que ele se despediu bruscamente, jogou o celular sobre o tapete e me
puxou para cima de seu corpo, prendendo-me com pernas e braços e me beijando com vontade;
depois, mudamos de posição, ele ficou sobre mim, me imobilizando para me chupar o pescoço.
— Deixar marca não pode, Chefe — reclamei quando ele me deixou falar. — Eu sou um pobre
estagiário, e vai pegar mal aparecer no trabalho com a prova do crime visível assim.
— Eu sei, vou te chupar onde não aparece, então. — E desceu a boca pelo meu ombro, me
mordendo. Depois daquela ligação, ele tinha ficado ansioso, agitado, ria o tempo todo como se
estivesse com algum plano diabólico em andamento. — Garoto, você gosta de mulher? — ele
perguntou de repente, e pareceu apenas uma pergunta aleatória, sem maiores consequências.
Como ele voltou a me beijar depois da pergunta, somente pude responder alguns minutos
depois.
— Já peguei bastante, Chefe, mas prefiro os manos. Só que nem sempre eu fico nessa posição
aqui — confessei, arfando por estar suportando o peso dele e as pontas dos ossos de seus quadris me
furando as coxas.
— Quero ver você sendo ativo, se é tudo o que propagandeia naquela página mentirosa.
Rimos. Num impulso, virei-me por cima e o dominei, mordi o queixo dele, que ria e não
tentava se libertar, até abriu as pernas como se fosse finalmente liberar.
— Só tem verdades lá e você sabe disso. Para de correr do pau e experimenta logo, você não
sabe o que está perdendo.
Ele ria e ria, me abraçando com as pernas, me deixando fazer movimentos como se o estivesse
penetrando. Quando parou de rir, segurou meu rosto e me deu um selinho. Seu olhar era sério quando
disse:
— Na verdade, gatinho, eu pensei em coisa melhor.
— Ah é? Então, por que não diz logo?
Nesse momento, o bendito celular — que estava no chão, ao pé da cama — voltou a tocar, e
ele se levantou de uma vez, abaixando-se para pegá-lo. Não atendeu, só conferiu o número, vestiu o
short e saiu do quarto com ele esticado por estar excitado e sem cueca, mas voltou à porta como se
tivesse esquecido de alguma coisa importante.
— Fica aí do jeito que está, gatinho, papai volta em dois minutos com um brinquedinho pra
você.
Oi? Que papo cafona era aquele?
Só tinha levantado o tronco o suficiente para vê-lo, mas assim que ele saiu, eu caí na cama
olhando para a luminária principal, que estava exatamente sobre mim. Papai e brinquedinho... que
novidade seria essa? Será que...? Não, não era possível! Então era por isso aquela ansiedade
repentina?
Esperei com paciência, nu e já não tão duro. Ouvi passos no corredor, e não eram os passos do
Chefe, eram saltos, minha gente, saltos. A porta se abriu, e quem entrou no quarto foi uma bela loura,
com toda a pinta de ser puta. Sei que a palavra é inadequada, mas foi assim que o Chefe me falou
depois. Loira alta e magra, com os peitos mais siliconados que eu já tinha visto, vestido curto que
mostrava mais do que escondia. Ela entrou e, sem cerimônia, já foi para cima de mim. Virei de
bruços. Cheia de sorrisos, ela deslizou as mãos pelas minhas costas e coxas e se deitou ao meu lado.
Ela que não se atrevesse!
— Bonito esse seu amigo, Gui! Novinho. E que corpão!
E agora, José? Olhei para o Chefe sem entender coisa alguma. Ele estava perto da cama se
divertindo às minhas custas e inventando coisas sobre mim. Ele disse à mulher que era meu tio, vê se
pode!
— Dá um trato no meu sobrinho — ele disse, sentando-se na cama e passando a mão nas
minhas costas. — Ele diz que é o maior comedor da cidade, quero ver se é verdade.
Pela intimidade, tive a impressão de que não era a primeira vez que eles se viam e, quando a
observei melhor, vi que ela não era muito jovem, devia ter idade suficiente para ser minha mãe, no
mínimo, e isso não a impedia de ser bonita. Os peitos dela meio que quicavam, e tinha piercing no
umbigo e outro na língua, além de tatuagens na bunda e nas costas. Ela tirou o vestido, mas não os
saltos, fiquei preocupado se aquilo não iria me machucar.
Eu deitado no meio da cama; a mulher só de fio dental e sandálias, tipo atriz pornô, com os
peitos esbarrando na minha cara; o Chefe sentado ao meu lado, ainda com aquele shortinho esquisito,
conversando sacanagens com ela e me bolinando; a cena era bastante curiosa. Se a surpresa tinha me
feito declinar, ter quatro mãos e duas bocas em mim acabou me deixando animado de novo. Bastante
animado. Timidez nunca esteve entre os meus defeitos, muito menos na cama. O Chefe não tinha
vergonha de me pegar na frente dela, na verdade, ele estava muito à vontade.
— Chupa ele, Brini, chupa que ele gosta — disse o Chefe, inclinando-se para me beijar,
enquanto pegava meu pau, me masturbava, e colocava na boca da moça.
Brini, Gui... Que cafonice! Se bobear, os dois já tinham passado dos quarenta, mas pareciam
dois colegiais.
Ele me beijou na boca com o carinho de sempre, desceu me beijando o peito e, apoiando a
cabeça na minha barriga, ficou olhando a tal da Brini me fazer um oral. Ela fazia aquilo muito bem.
Até que o Chefe me colocou uma camisinha e, a partir daí, a coisa foi foda, literalmente, com ele e
com ela.
O dia foi tranquilo, por isso fui pra casa mais cedo. Recebi uma mensagem do meu irmão dizendo
que tinha ido ao shopping com os gêmeos e que iriam pra balada mais tarde. Ao entrar no meu
quarto, notei uma atmosfera diferente, as portas estavam abertas, assim como todas as cortinas. Eu
tentava identificar o que me havia chamado à atenção, mas antes que eu pudesse pensar, vi o Eric
sentado no chão da sacada. Fui até lá e notei que ele estava com os olhos e o nariz vermelhos e me
cumprimentou com uma voz um tanto rouca.
— Tudo bem? — perguntei preocupado, me abaixando para vê-lo melhor. — Você não tá com
uma cara boa.
— Tudo bem sim, não é nada não. — Ele sorriu, mas não me convenceu.
— Uma crise de rinite, é? — fui tirando a camisa e indo para o banheiro no intuito de deixá-lo
mais à vontade para mentir, se fosse necessário.
— Aham — ele disse apenas.
Tomei banho, aparei a barba, me vesti e fui pra cozinha. Ele não foi pra lá como sempre fazia.
Esperei alguns minutos e quando voltei pro quarto, meio intrigado, o Eric já estava de banho tomado,
se vestindo com umas roupas que ele tinha, mas que eu não o tinha visto usando. Acho que ele
guardava para ocasiões especiais, uma camisa de mangas longas cinza bem escura e uma calça jeans
menos surrada.
— Opa, desculpe, você está se arrumando! — Dei meia volta e fui pra sala, me sentando no
sofá.
Um minuto depois ele apareceu lá, com uma aparência bem melhor, todo arrumadinho e
perfumado.
— Ei, precisa pedir desculpa não, o quarto é seu e eu já tinha me vestido mesmo — ele disse
sorrindo, tentando ser simpático.
— Ok então, aproveite a noite.
Ele saiu, me acenando com a cabeça. Pouco tempo depois eu saí também, mesmo que ainda
fosse cedo para o meu compromisso na casa do Ramon. Como na certa eu iria beber, resolvi ir
caminhando para voltar de táxi depois. Não era longe e a rua era segura.
Caminhei três ou quatro quarteirões quando avistei o Eric sentado num banco perto de um
Café, do outro lado da rua. Um carro parou em frente onde ele estava. Do carro saiu uma mulher alta,
de cabelos loiros longos e lisos, salto alto e vestido bem bonito. Era sensual sem ser vulgar, um
verdadeiro mulherão pelo visto. Eu já estava praticamente em frente ao local, no lado oposto, e sem
pensar acabei atravessando a rua para observar.
Ela, mais desinibida, deu um beijo no rosto dele, que estava visivelmente sem jeito. Depois
entraram no Café, um estabelecimento chique que com certeza ele não podia pagar com o salário de
auxiliar de cozinha.
Sentaram-se um de frente para o outro, e para a minha sorte de bisbilhoteiro, o Eric ficou de
costas para a rua. Ao ver o rosto da mulher, tive uma pequena decepção. Não era feia, mas com
certeza uma parte da sua beleza já tinha ido embora com o tempo. Ela aparentava ter idade pra ser
mãe dele, ou ainda mais. Pensei que talvez fosse uma daquelas mulheres poderosas e independentes,
mas solitárias, na faixa dos quarenta. Ri da situação e segui o meu caminho pensativo.
(...)
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Amostra de Meu Mais Ou Menos Inimigo
(...)
Nos últimos dias de aula o pessoal organizou uma festa, todas as turmas do último ano estariam lá e
eu fui todo animado, decidido a perder até o rumo de casa. Meu lado festeiro estava bem atuante, eu
até costumava beber, mas não o suficiente para fazer besteiras. Eu já estava lá acompanhado da
Amanda e de duas amigas dela quando chegou o Igor, com dois amigos dele. Em outras festas de
colegas ele nunca aparecia, mas naquela eu tinha certeza que ele iria, talvez mais para aproveitar a
última oportunidade de me aporrinhar do que para se divertir de fato.
Aproveitei bem a noite, bebi, comi, conversei, até dancei, sempre mantendo um olho no meu
antagonista, alguma coisa me dizia que ele ia aprontar porque quando nossos olhos se cruzavam, ele
dava um sorrisinho suspeito. Não foi surpresa nenhuma quando ele deixou os amigos de lado e veio
até mim, mas o que ele fez me pegou de surpresa. Eu estava numa conversa ao pé do ouvido com
uma menina que ele já tinha tido uns paranauês no passado quando ele chegou perto demais, tão
perto que deu para sentir o cheiro de bebida da boca dele.
— Até parece que gosta de mulher — disse ele quase no meu ouvido, mas o suficiente para
que a garota escutasse.
Ignorei e dei dois passos para o lado, mas ele continuou.
— Vou tirar a camisa pra você babar, como daquela vez. Quer?
— Sai daqui, seu babaca.
E ele riu alto, me olhando e levantando a camiseta, mostrando parte da barriga, dançando
completamente fora do ritmo da música. A menina que eu estava conversando se irritou com ele, eu
ameacei de dar umas porradas, mas a galerinha de sempre me impediu. Eles sempre estavam por
perto quando o Igor se aproximava.
— Deixa ele — pediu a Amanda. — Ele já bebeu e tá o maior babaca, sem noção.
— Tá, eu deixo, mas se ele me procurar...
O Igor me interrompeu falando alto e rindo.
— Aí você apanha mais uma vez.
Suspirei e voltei para a minha rodinha de amigos, nas meninas que estavam comigo, na que eu
estava num papo mais íntimo, mas a imagem daquele idiota não me saía da cabeça. Por fim a garota
saiu fora e, de longe, eu só via o Igor me olhando com cara de deboche. Aquilo foi me dando um
ódio...
O tempo foi passando, eu fui bebendo e bebendo, as amigas foram se arranjando com seus
crushs, ou outras opções que apareceram na hora e eu fui ficando de escanteio. Lá pelas tantas da
noite, depois de estar bem alcoolizado, eu resolvi ir embora sozinho, conformado com a vergonha de
não ter pegado ninguém, afinal o zé ruela do Igor me atrapalhou. Na saída eu o vi com uma garota,
mas pelo visto eles não estavam fazendo nada, apenas conversando. Ele sorriu para mim e eu entendi
como mais uma provocação. Já tinha me distanciado para sair do local quando tive um ataque de
raiva repentina, fui até ele e dei um empurrão, pegando-o de surpresa. Ele quase caiu no chão, mas
como era mais esperto e mais forte do que eu, não foi suficiente. Então ele pegou um copo de vinho e
jogou em mim, me sujando todo e eu parti pra cima dele na hora. A galera começou a gritar.
Se bati ou se apanhei eu nem sei, fomos logo separados na marra, ele foi para um canto com os
amigos e eu fui pros fundos do local da festa, queria ficar sozinho. Eu conhecia bem lá e sabia que
depois de um portão tinha um tanque onde eu poderia me lavar, passar uma água no rosto e esperar a
raiva passar. Mas eu estava tonto demais para andar em linha reta, o caminho era um corredor escuro,
de um lado a parede do imóvel, alta e sem janelas, do outro uma cerca-viva sombria e espinhenta, de
forma que deu trabalho para chegar onde eu pretendia. Assim que passei do portão, achando que
estava a salvo da confusão, trombei com alguém muito maior do que eu, que me segurou pelos
ombros de forma bruta.
— Você gosta de me ferrar nos esquemas, né otário?
Adivinha só, era o Igor. Eu ri de nervoso e tentei me afastar dele, dando dois passos para trás.
— Otário é você, por que não foi atrás da mina ao invés de vir atrás de mim? Vive me torrando
o saco cara, tô achando que quem gosta da fruta é você!
Ele me segurou pela camisa.
— Vou te dar uma lição que tu nunca mais vai esquecer.
— Me solta, idiota! Vai lá pra festa e me deixa em paz, ou eu vou te encher de porrada!
Dessa vez foi ele quem riu, afinal, sem a turma do “deixa-disso” eu tinha muitas chances de
levar a pior. Fui recuando e ele se aproximando, feroz, eu ouvia a respiração dele e sentia medo. Até
que minhas costas se chocaram contra um tanque daqueles de lavar roupas num local escuro e cheio
de baldes e máquinas de lavar. Uma vassoura caiu. Ele me alcançou e me pegou pelos braços, me
imobilizando. Tentei dar uma joelhada, mas ela encontrou o vazio, depois uma perna dele me
prendeu de vez. Engoli em seco e esperei o pior, se ele quisesse me quebrar todo, ele faria com
facilidade. Estava bêbado, mas eu também, e ele era mais forte, sempre foi. Com a música que rolava
do outro lado da parede, eu poderia gritar até o dia seguinte que não seria ouvido.
Mas ao invés de me bater, ele me segurou inteiro e não fez muita coisa além de pressionar o
pau duro em mim. Me surpreendi que aquele mané estivesse excitado, quente e cheiroso daquele
jeito. Virei o rosto quando a pele dele, que tinha alguns pontos ásperos, passou no meu pescoço. Com
uma voz ao mesmo tempo rouca e risonha, ele falou no meu ouvido:
— Vai me encher de porrada que nada, seu baixinho. Você não aguenta...
— Eu vou te...
Tentei, mas não deu. Ele passou o rosto na minha boca, me fazendo calar, apertou o próprio
corpo contra o meu, as mãos dele eram fortes nos meus antebraços, mas o resto não estava
machucando, ou eu estava anestesiado. Se eu tentasse de verdade, poderia até dar um chute nele e
sair, mas pensei melhor e...
Mentira, eu não pensei em nada. A minha cabeça estava confusa, acho que eu estava gostando,
isso sim, acabei me deixando vencer. Quase hipnotizado, eu vi a boca do cara com seu sorriso de lata
se aproximar da minha, fechei os olhos e deixei acontecer. Uma boca macia, com lábios geladinhos,
mas quente por dentro... Mas passado o encantamento inicial, aquela boca se mostrou bastante
faminta, a gente começou a se beijar com ferocidade e a se espremer um contra o outro. Ele tinha
gosto de cerveja e de alguma outra coisa, eu estava com chiclete, mas joguei fora quando consegui
parar pra respirar. Era um beijo forte e doído, o mané usava aparelho e fazia questão de machucar.
Quando senti gosto de sangue, parei para cuspir, mas ele me segurou e voltou a me beijar. E quando
ele parava para descansar, eu o fazia continuar.
As mãos dele ainda me prendiam, mas estavam frouxas, então eu deslizei pelos músculos até
os ombros, eu tinha um certo tesão por braços masculinos, bíceps, tríceps e etc. Com as mãos soltas,
ele também passou a me explorar, mas não passava da área costas x cintura, primeiro ia devagar,
depois começou a apertar e até a arranhar. A essa altura do campeonato eu não tava nem aí pra nada,
apenas aproveitava a oportunidade, embora, no fundo da consciência, a vontade de dar uns socos nele
assim que o beijo terminasse permanecia.
Mas a coisa evoluía com rapidez. Da boca eu desci para o pescoço dele, que pelo visto era bem
sensível, pois ele gemia e me apertava até o limite. Desci as mãos pelo peito dele e subi por debaixo
da camiseta, tudo isso sem parar de beijar. Ele foi me envergando para trás, se inclinando sobre mim,
já que era maior, me dominando mesmo, quase me quebrando ao meio. Algo começou a machucar as
minhas costas, acho que era a beirada do tanque, mas assim que reclamei, ele me afastou dali e
praticamente me jogou sobre um saco de ração para cachorro.
Numa posição muito escrota, meio sentado, meio deitado, apoiando a cabeça na parede, eu me
deixava a mercê do Igor, que foi se esfregando em mim cada vez mais forte, elevando as minhas
pernas até quase no ombro e alcançando a minha bunda. Ele fazia aqueles movimentos super
conhecidos contra o meu corpo, praticamente me fodendo, só que de roupa. Não era bem isso o que
eu tinha planejado para o dia em que pegasse um cara, mas estava gostoso, cada vez mais gostoso,
então eu não queria que parasse. Acho que até tirei a camisa dele nessa hora, mas ele deu uma risada
que me irritou, eu dei um soco nele, mas logo voltamos aos beijos e novamente senti um leve gosto
de sangue na boca. Aquele maldito aparelho! Mas estava bom, a gente suava e a vontade de se pegar
aumentava, então o jeito era continuar e ignorar os espinhos. Em determinado momento ele mordeu a
minha orelha, mas foi uma mordida gostosa, e para ajudar, eu gosto disso, então acabei gemendo alto.
Ele parou e riu de mim.
— Aí sim, hein? Gemendo pro teu macho!
Comecei a empurra-lo de cima de mim, mas ele me impediu e partiu pra cima novamente. E
tome beijo, de língua, sem língua, molhado, mordido, e quanto mais a gente beijava, mais dava
vontade de beijar. Vencido, segurei o Igor pela cintura e comecei a desabotoar o cinto dele. Ele ficou
calado, respirando forte e ansioso enquanto eu tentava deixa-lo nu. Eu também estava ansioso e meus
dedos chegavam a coçar na tentativa de abrir o cinto, que não facilitava de jeito nenhum. Eu via e
sentia a excitação dele e não tinha mais vergonha nenhuma, queria pegar e experimentar. Como eu
estava apanhando do fecho, ele pegou por cima dos meus dedos para me ajudar, e me fez enfiar a
mão por dentro da cueca enquanto enfiava a língua na minha boca. O problema é que nesse momento
alguém resolveu aparecer, com certeza sentiram a nossa falta lá dentro.
(...)
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Amostra de Dezesseis Anos
As férias acabaram, meu irmão voltou para a universidade e nós, os mais novos, voltamos pra escola.
Foi um começo de ano animado. Logo na primeira noite sem Paolo no quarto, mandei um recadinho
velado para o Bryan dizendo que eu o estaria esperando lá. Esperei em vão, porque o Bryan não
apareceu. Desde aquela madrugada no quarto dele, eu não o tinha procurado mais e ele estava muito
arredio.
Já próximo da madrugada, depois de dormir e acordar, eu me levantei e fui ao quarto de
Bryan, ignorando o perigo de encontrar alguém pelos corredores. Entrei e toquei em suas costas para
o acordar. Ele levantou a cabeça, mas tornou a se virar para a parede.
— Vai embora — disse ele. — Daqui a pouco seu pai levanta.
— O que foi? — perguntei fazendo-o se virar para mim. — Você está sentindo alguma coisa?
— Eu não estou bem. Tá doendo aqui, ó. — Ele me mostrou a parte de baixo do abdômen, na
pelve do lado esquerdo.
— De novo? Acho que você tinha que ir ao médico.
— Eu sei, eu sempre falei com a sua mãe. — Bryan nunca se referia à minha mãe como “tia”.
— Falou o que?
— Que eu tinha que ir ao médico quando completasse treze anos.
— Por quê?
— Sei lá. Me disseram isso e eu não esqueci. Acho que eu tenho algum problema de nascença.
— Será que tem a ver com a falta dos testículos?
Bryan suspirou, envergonhado.
— Deve ter.
— Eu vou falar com mamãe. Você ainda tem daquele remédio que compramos na farmácia?
Funcionou, né?!
— Tenho. A sua irmã também tem.
Fomos para a escola e eu pensei em conversar com minha mãe depois do almoço. Ela tinha
que saber sobre as dores de Bryan e do fato de ele ter que ir ao médico aos treze anos. Ele tinha
completado quinze em dezembro (segundo a data escolhida por minha tia, pois ninguém sabia ao
certo sua data de nascimento) e não tinha feito nenhum tratamento.
Na volta para casa, Bryan saiu do ônibus escolar com uma expressão de dor no rosto. Senti
pena dele porque tínhamos que caminhar uns bons quinhentos metros até em casa, e o sol estava
escaldante. Sem avisar, eu o peguei no colo para carregá-lo contra a sua vontade. Ele se debateu e
bateu nas minhas costas para que eu o soltasse. O carreguei por apenas alguns metros porque, apesar
de ser menor do que eu, ele era bem pesadinho.
— Credo, Bryan, você está pesado, hein?! Está comendo demais. — Coloquei-o no chão, mas
fiquei com sua mochila.
— É que eu tô crescendo, seu babaca! — Ele fez cara feia. Aliás, ele sempre fazia cara feia se
alguém dissesse que ele era gordinho.
— Está do mesmo tamanho, olha só. Nem chegou no meu ombro.
— É porque você também cresceu, sua besta. Parece um bambu.
Eu era alto, mas não tanto.
— Você vai ver o bambu! — Dei um tapa na bunda dele.
— Para com isso!
— Tá bom! — Bryan não estava de bons amores, então mudei para uma postura mais séria. —
Hoje vou falar com mamãe sobre essas suas dores. Ela vai ter que te levar no hospital.
— Ah, não precisa. Seu pai vai ficar falando.
— Não vai não. É bom ver isso aí. Deve ter um monte de vermes na sua barriga, por isso está
tão fofinha!
Falei e saí correndo porque eu previ o que aconteceria. Bryan pegou uma pedrinha do chão e
jogou nas minhas costas.
— Idiota!
Depois do almoço, eu chamei mamãe e falei das dores de Bryan. Ela ficou preocupada e
mandou que ele tomasse banho e que eu pegasse o carro de papai, uma F250 preta que ele não me
deixava pôr as mãos em qualquer ocasião. Por volta das duas da tarde nós saímos, fomos ao
município vizinho onde tinha um hospital particular.
Chegando lá, eu fiquei esperando do lado de fora e mamãe entrou com Bryan. Saíram cerca de
quarenta minutos depois trazendo uns papeis. Ao lado do hospital ficava um grande laboratório e eles
entraram lá, voltando cerca de meia hora depois. A seguir, eles foram a uma farmácia, e eu fiquei
esse tempo todo esperando embaixo de uma árvore. Quando eles finalmente voltaram, já passava das
cinco da tarde.
— O que você tem, Bryan? — perguntei, olhando-o pelo espelho retrovisor.
— Infecção...
— Infecção urinária — mamãe respondeu como se ela própria tivesse feito o diagnóstico. —
Tem que pegar os exames depois de amanhã. Você vem pegar, ouviu? Duas horas.
— Sim, senhora.
No dia marcado, Bryan e eu voltamos ao laboratório para pegar os exames e eu o acompanhei
ao hospital para mostrá-los ao médico. Eu ainda era menor, mas por ser grande e ter barba, ninguém
pedia a minha idade e eu passava tranquilamente como “responsável” pelo Bryan.
O médico olhou os exames sem muito interesse e disse que não havia nenhuma infecção, nem
vermes, nem bactérias, nem cristais na urina. Ele pediu que Bryan voltasse depois de duas semanas,
quando tivesse terminado de tomar o remédio que ele tinha receitado. Achei aquele médico pouco
atencioso considerando que as consultas ali eram pagas. Parecia que ele não acreditava que o menino
estivesse realmente sentindo alguma coisa e isso seria muito ruim em casa.
Os dias que seguiram não trouxeram nenhuma novidade. Bryan, aparentemente, estava bem de
saúde, mas reclamou que não estava aprendendo nada na escola. Assim, voltamos a estudar, agora
depois da janta. Também passei a me dedicar mais aos meus estudos, pois estava chegando a época
de escolher a profissão que eu queria ter.
Chegou o dia da revisão da consulta de Bryan e eu não fui com ele; papai e mamãe foram à
cidade e o levaram. Novamente, um remédio foi receitado, mas não chegaram a nenhum diagnóstico
conclusivo.
Enquanto isso, a gente ficava. Não era exatamente ficar; na minha opinião, era apenas uma
brincadeira. Era sempre rápido, escondido, sem criatividade; era apenas agarrar, esfregar e gozar.
Nada mais do que isso acontecia, embora eu tenha cedido à tentação algumas vezes e tentado
avançar. Mesmo o dedo com o qual eu me atrevi a explorar foi sumariamente afastado, e um beliscão
na minha mão, que ficou roxa depois, deixou bem claro quais eram os limites do nosso
envolvimento.
Beijar no pescoço, porém, era permitido, e abraçar atrás das portas e longe da vista de todos,
mesmo que por amizade ou por brincadeira, também podia. Beijo não rolou, nem sequer um selinho.
O mais perto que chegamos de um beijo na boca foi uma vez em que ele se voltou para mim, que o
abraçava pelas costas, e o meu lábio inferior tocou no lábio superior dele. Mesmo com tudo o que a
gente já tinha feito, tocar as bocas assim, de repente, nos deixou constrangidos.
O humor de Bryan variava entre o sorriso meigo e o nariz empinado, o olhar atento de
aprendiz e as palavras ácidas, os abraços carinhosos e as pedras voando para cima de mim. Tudo
dependia de como ele interpretava as minhas gracinhas. E mesmo no seu pior humor, ele acabava por
se aproximar, pois eu era o seu único amigo.
Lembro que os meses de abril e maio eram de muito trabalho na nossa fazenda. Eu ia à escola
pela manhã e passava o resto do dia atarefado. Meu pai não deixava de colocar os filhos para ajudar
nas atividades da roça, até as mais pesadas, mesmo tendo uma porção de empregados. Ele falava que
todo mundo tinha que aprender a trabalhar. Além disso, eu estava completando dezoito anos e já era
considerado um adulto.
Em meados do mês de abril, Bryan começou a reclamar de dor novamente, e dessa vez era
mais forte. Todos ficamos preocupados com ele, mas meu pai, que achava que ele tinha inventado as
dores no começo do ano, se mostrou difícil de convencer. No fim, depois de um pedido de mamãe,
ele concordou em me deixar levar o Bryan ao médico, desde que fosse na sexta-feira, que era o dia
em que eu ia para a autoescola. Antes disso, segundo ele, todos estariam ocupados, e ainda faltavam
três dias.
Naquela noite eu fui ao quarto do Bryan verificar como ele estava e o encontrei encolhido e
gemendo embaixo das cobertas. Me sentei na ponta da cama e o toquei de leve na barriga.
— Está doendo muito? — perguntei.
— Bastante, principalmente do lado esquerdo. — Ele tocou no local por cima da minha mão.
— Amanhã cedo a gente vai ao hospital, tá?
— Quem autorizou?
— Eu autorizei — ri. — Por acaso, papai me mandou ir para a escola de carro para trazer
umas coisas, ir ao banco etc., porém... — fiz um pequeno suspense. — Nós vamos matar aula! Não
vou te deixar sofrendo até sexta-feira.
— E se ele ficar sabendo? Vai brigar contigo.
— Porra nenhuma, ele não vai saber. Problema é dinheiro, eu não tenho e não posso gastar o
que ele me deu. Vamos ter que ir ao hospital estadual mesmo. Tomara que atendam logo. Dá para
aguentar até amanhã?
Ele assentiu e eu voltei para o meu quarto. Eu tinha planejado que, ao voltar para casa à tarde,
eu diria ao meu pai que Bryan tinha passado mal na escola, que quase tinha desmaiado de dor, e
então eu o tinha levado ao Pronto Socorro. Assim ficaria tudo certo e ele não saberia dos meus
planos. Mas a gente não tem como saber que imprevistos podem ocorrer.
Na manhã seguinte, eu peguei a lista de coisas que teria que comprar para o meu pai, pedi mais
dinheiro com a desculpa de que teria que almoçar e comprar umas coisas para mim, e ele me deu.
Mas não passei nem perto da escola; assim que chegamos à cidade, fomos direto para o hospital.
Bryan, ainda receoso, falou que não precisava, que podia esperar até o fim de semana, mas eu não dei
ouvidos.
Acelerei a velha F1000 de carroceria de madeira e chegamos ao Pronto Socorro por volta das
sete da manhã. Ele já estava lotado, para variar, principalmente de pessoas gripadas. Esperamos por
quase três horas até que chegou a vez do Bryan ser atendido, eu já tinha até comprado uns biscoitos
para enganar a fome enquanto esperávamos.
Uma plaquinha improvisada na recepção trazia os nomes dos médicos que atendiam naquela
manhã, e o Dr. Alberto Rocha, clínico geral, era quem atenderia ao Bryan e à maioria dos outros
pacientes. Quando o nome do Bryan foi chamado, o segui por um corredor apinhado de gente, e
entrei no consultório como acompanhante. Um homem barbudo vestido de branco, magro, grisalho e
com cara de cansaço, que nem nos olhou direito quando entramos, pediu que fechássemos a porta.
Bryan entregou a ficha que lhe deram na recepção e o médico o olhou por cima dos óculos.
— O que está acontecendo?
— Ele está sentindo dores abdominais. — Eu respondi e o doutor escreveu alguma coisa num
papel do hospital com uma caligrafia praticamente ilegível.
— Desde quando?
— Há uns meses já.
Então ele elevou a vista para mim.
— Você é o Bryan?
— Não. É ele. — Indiquei tocando no ombro do meu primo.
— Então deixe que ele responda.
Ignorante. Mas respirei fundo e não retruquei.
— E o que mais? — O médico continuou como se falasse com a cadeira, num tom impessoal,
quase automático.
— Enjoo, dor de cabeça, visão turva... — Bryan respondeu meio sem jeito. Disso nem eu
sabia.
— Certo. — O médico rabiscou mais alguma coisa na ficha e pegou um receituário, rabiscou-o
também, e bateu um carimbo. Já estava se preparando para entregar sem olhar a quem quando eu
intervim.
— O senhor não vai nem examinar? Não é uma dorzinha de barriga, é uma dor constante, o
senhor entendeu? Não vai se resolver com paracetamol ou um remedinho qualquer.
O homem respondeu como se não se importasse.
— É preciso fazer alguns exames, aqui está a requisição. Passem no laboratório amanhã pela
manhã. — Me entregou outro papel fino com alguns rabiscos.
Bryan estava pálido e encolhido apoiando-se na cadeira onde não se sentou porque o
digníssimo doutor estava ansioso para que fôssemos embora. O médico o olhou, pensou um pouco e
coçou a cabeça.
— Deite-se ali. — Ele se levantou como se precisasse fazer um esforço imenso para isso.
Ajudei o Bryan a deitar-se na maca alta cujo revestimento azul estava todo esburacado. Ele
ficou olhando para cima, apreensivo. O médico se aproximou e levantou sua camisa de forma um
pouco rude e apertou a mão espalmada na região próxima ao umbigo. Bryan não esboçou nenhuma
reação. Apalpou mais à esquerda e a mesma coisa, mas quando ele desceu um pouco a mão, houve
uma reação estranha, não de Bryan, mas do médico. Ele franziu a testa, ajeitou os óculos e apalpou
novamente, aumentando a pressão. Bryan reclamou de dor.
— É aqui? — o médico perguntou, dessa vez mais interessado.
— Aham.
— Como é o seu nome mesmo?
— Bryan.
— Hum... isso é nome de homem ou de mulher?
Bryan se mostrou ofendido e eu me intrometi.
— Não está vendo que é um homem?
Dr. Alberto fingiu não me ouvir.
— Quantos anos? — Acho que ele nem tinha lido a ficha que Bryan tinha levado.
— Dezesseis. Não, quinze — respondeu Bryan, cada vez mais incomodado com o exame.
— Sei... — Ele respirou fundo e ficou pensativo, depois puxou uma espécie de cortina azul-
escuro que deixava a maca num lugar reservado.
— Tire toda a sua roupa — ordenou o médico.
Bryan me olhou assustado. Tentei encorajá-lo.
— Vai, faz o que o doutor mandou. É só um exame.
O médico me olhou.
— Você é parente dele? — perguntou, me encaminhando para fora do reservado.
— Sou primo. Mas ele mora na minha casa tem tempo já.
Me sentei e fiquei olhando as paredes enquanto o Bryan era examinado com mais privacidade.
Isso demorou alguns minutos onde eu só ouvi grunhidos, depois o médico saiu me olhando por cima
dos óculos e com a testa franzida. A expressão no rosto dele me preocupou.
— O que foi? — perguntei.
— É melhor você esperar lá fora.
— Mas eu quero ficar aqui com ele.
— Ele precisa de privacidade nesse momento. Espere lá fora.
Ele me apontou a porta e eu saí bufando. Não tinha ido com a cara daquele médico, ele parecia
meio biruta, mas não tinha nada que eu pudesse fazer. Me sentei num banco no corredor, ao lado de
outras pessoas, e esperei. Havia um relógio na parede e segundo ele, já passava das onze da manhã.
Quando a porta foi aberta, eu entrei e vi que o Bryan já estava vestido. Ele estava sentado na
cadeira olhando para baixo, o doutor estava de pé andando de um lado para outro. Me apontou o dedo
enquanto falava, como se me desse uma ordem.
— Rapaz, leve o Bryan até a clínica aqui do lado e procure o consultório do doutor Pedro. Ele
vai atender vocês no horário do almoço.
— Mas é uma clínica particular e nós não temos dinheiro — lembrei.
— Não vão precisar de dinheiro, por enquanto. Não posso confiar apenas no meu diagnóstico,
preciso de uma confirmação, então vão lá. Eu vou ligar para ele.
— Mas é grave, doutor? — perguntei.
— Ainda não sei. Talvez seja. Vão!
Bryan levantou-se triste e desanimado. Peguei em seu braço para dar apoio e saímos do
consultório. As pessoas que aguardavam do lado de fora estavam impacientes e murmuravam
palavras mal-educadas, e ficaram furiosas quando viram o médico saindo atrás de nós. Ele foi fazer a
ligação.
Quando saímos do Pronto Socorro, eu me senti melhor. Tinha gente demais lá dentro. A
clínica que o médico tinha indicado ficava ao lado do hospital, se tratava de uma construção de dois
andares verde-clara e bem cuidada. Uma vez lá fora, eu não contive a minha curiosidade.
— Como foi o exame?
— Esquisito. Ele mandou fazer outro.
— Hum... Do jeito que ele está, é melhor nem passar remédio para ninguém hoje. O cara está
mortão. — Bryan respondeu com um resmungo e eu fiquei preocupado. — Você não tá legal não,
né... O homem disse o que poderia ser?
— Não.
— Quer comer um biscoitinho enquanto a gente espera? Você deve estar com fome.
Bryan parou, já em frente à grande porta de vidro da clínica, e aceitou o biscoito que eu lhe
estendia. Entramos.
Ao contrário daquela sucata pública que atendia aos menos favorecidos, o prédio particular era
limpo, repleto de vasos de plantas e silencioso. Era tranquilizador. Havia um grande balcão circular
onde algumas secretárias atendiam pessoas bem vestidas. Vi o nome do doutor Pedro Rocha numa
plaquinha perto de uma atendente bonita e me surpreendi: era um consultório de ultrassonografia.
Outro Rocha, seriam parentes?
Fomos até a moça, que nos atendeu com eficiência e simpatia. Eu disse a ela que o doutor
Pedro estava nos esperando e que o doutor Alberto tinha ligado. Ela nos mandou aguardar e saiu,
voltando alguns minutos depois acompanhada de uma mulher vestida de verde. Ambas exibiam
largos sorrisos. A de verde pediu que a acompanhássemos por um corredor comprido e largo.
No corredor havia várias portas que exibiam os nomes dos médicos e suas especialidades, e
bancos estofados onde algumas pessoas aguardavam. No final do corredor estava o nosso destino. A
moça abriu a porta para que entrássemos, pediu que nos sentássemos nas cadeiras confortáveis que
havia diante de uma mesa, e saiu nos deixando sozinhos na sala.
Se tratava de uma sala escura e fria, com quadros nas paredes e vasos de plantas artificiais.
Um aparelho de ar condicionado estava ligado e fazia barulho. Bryan encolheu os braços e eu senti
minha pele arrepiar por causa do frio. Eu não estava nem um pouco confortável naquele lugar, e
Bryan estava ainda mais assustado. Ele olhava em volta a todo momento e apertava meu braço onde
sua mão trêmula repousava.
Poucos minutos depois, um homem apareceu, vindo do interior do consultório, e então
tivemos uma surpresa: o tal doutor Pedro era, nada mais, nada menos, que uma versão mais feliz e
mais saudável do doutor Alberto. Eles eram gêmeos idênticos! O dr. Pedro, porém, era mais
simpático, tinha menos rugas e menos cabelos brancos, o que me fez pensar no quanto o local de
trabalho pode influenciar na vida de uma pessoa. Ele nos recebeu amavelmente, já sabia o nome de
Bryan e a razão de ele estar ali, o que significava que o Alberto tinha dado detalhes ao telefone.
Ele pediu que o acompanhássemos à outra sala, que era ainda mais escura e mais fria, onde
indicou uma porta e disse que Bryan deveria urinar e voltar. Estranhei aquela instrução. Por que o
Bryan tinha que mijar antes do exame?
A mim ele indicou uma cadeira confortável num canto escuro onde eu me sentei e esperei.
Bryan saiu do banheiro cabisbaixo e deitou-se no local onde o médico indicou, uma espécie de maca
inclinada, ainda mais alta que a do Pronto Socorro. Muito delicadamente, o doutor Pedro o fez
levantar a camisa e abaixar a bermuda deixando à mostra a barriga branca e redondinha que ele tinha.
Bryan virou o rosto para o lado oposto ao médico, talvez por estar por vergonha.
O exame começou e de onde eu estava não era possível ver a tela onde o médico via as
imagens que vinham do aparelho. Espichei o pescoço e tudo o que vi foi imagens cinzentas e
disformes que se moviam. Intimamente, duvidei que o doutor estivesse entendendo alguma coisa.
Enquanto movia um aparelho sobre a barriga de Bryan, ele ia fazendo perguntas em voz baixa. Eram
perguntas comuns, como nome, idade, onde morava etc.
— Você tem quinze anos? — ele perguntou e Bryan assentiu. — E veio só com o seu primo?
Nenhum outro adulto? — Bryan negou com a cabeça olhando para a parede oposta. — Tem sentido
essas dores nos últimos meses?
— Aham.
— Antes disso não?
— Não.
Ele continuou a fazer perguntas simples às quais o Bryan respondia com gestos ou
monossílabos, e parecia muito concentrado em seu monitor. Até que a porta se abriu com suavidade e
o doutor Alberto entrou sem fazer barulho. Parou ao lado de Bryan, de forma que eu não podia mais
vê-lo nem ver o monitor. Não gostei.
A partir daí, eu fiquei esquecido num canto, como parte da decoração do consultório. Os
irmãos médicos se entendiam perfeitamente sem proferir frases inteiras, e se comunicavam por
sussurros e gestos. Às vezes eu ouvia alguns trechos soltos.
— Já viu algum caso parecido com esse? — Alberto perguntou limpando os óculos na camisa.
Me levantei para tentar ver o que eles viam.
— Só ouvi falar. — Pedro parou na parte mais baixa da barriga de Bryan apertando o aparelho.
— Cada caso é um caso diferente. O órgão que você disse é funcional?
— Relativamente normal. Não parece um caso de clitomegalia, embora, se isso se confirmar...
Se pudesse bater um raio X...
— Não é aconselhável — Pedro respondeu.
Mais um período de silêncio perturbador onde os dois médicos só grunhiam e resmungavam e
eu tentava me aproximar sem ser notado. E mais uma vez o Pedro parou num ponto e os dois ficaram
olhando totalmente absorvidos.
— Tem dos dois lados? — Alberto apontou algo na tela cinzenta.
— O direito é perfeitinho, porém o esquerdo não está nítido, o que não quer dizer que ele não
exista. E veja, não tem mais espaço. Parece que a cavidade não está crescendo. Isso é um problema.
Consegui ver a tela, mas só tinha imagens cinzentas. Bryan se mexeu, desconfortável.
— Deve ser uma deficiência hormonal... — Alberto continuou. — Se for, dá para tratar.
— Vou falar com Margareth, ela pode cuidar dele nos plantões.
— Você vai ficar bem — disse o doutor Alberto, olhando o Bryan com carinho. Mas o Bryan
começou a mexer a cabeça de um lado para o outro com os olhos fechados, e então eu vi que ele
estava chorando. O doutor Alberto tentou consolá-lo, e ele começou a soluçar. Eu me precipitei para
onde ele estava deitado, mas ele continuou virado para a parede chorando descontroladamente.
— O que o senhor falou para ele? — perguntei ao doutor Alberto. — Ele saiu assim da sua
consulta.
— Vocês dois vieram sozinhos? — o médico perguntou, ignorando minha pergunta.
— Sim, viemos escondidos dos meus pais.
Alberto respirou fundo e olhou para o irmão que fazia anotações num papel e manipulava uma
grande impressora. Quando o papel foi impresso, Pedro o colocou num envelope e o entregou ao
Alberto. Saiu da sala dizendo que ia conversar com uma tal Margareth.
Quando o Pedro saiu, o Alberto me chamou.
— Venha comigo para a outra sala enquanto o Bryan descansa.
Olhei para o Bryan, que balançou a cabeça numa afirmativa muda. Ele estava cada vez mais
abatido, ainda virado para a parede, e não quis me encarar.
Acompanhei o Alberto até a antessala que funcionava como recepção do consultório, me
sentei na cadeira que ele me indicou e esperei pelas explicações. Já estava mais do que na hora de
elas aparecerem. Meu estômago estava roncando, Bryan também devia estar com fome, e em casa,
com certeza, já deviam estar sentindo a nossa falta.
Dr. Alberto se sentou na cadeira que pertencia ao irmão e ficou me olhando por alguns
instantes antes de começar a falar. Fiquei sem graça com aquele exame mudo, mexendo as mãos
devido ao nervosismo.
— Bryan disse que mora com a sua família desde que a mãe dele faleceu. Vocês já tinham
notado algo de estranho nele?
— Bom... ele é todo estranho. De que tipo de estranheza o senhor está falando? Ele tem
alguma doença?
— Não é uma doença, mas é uma peculiaridade que precisa de muita atenção. Volte para casa
e chame um adulto. Precisamos conversar um assunto delicado.
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Amostra de O Rei Está Morto
Lorenzo olhou no relógio que ficava no bolso. Estava quase na hora. Ele estava oculto pela pilastra,
no beco, atrás do supermercado, e sentia as pernas tremerem. “Merda!”, pensou ele. “Até parece que
estou prestes a cometer um crime”. Moveu a língua por toda a boca para dissipar a secura e respirou
fundo. “Você já fez isso antes, idiota!”
Quando Alison saiu do trabalho, ele correu e o alcançou. Alison estava abatido e seus passos
rápidos destoavam de seus ombros caídos. Era a vontade de chegar logo àquele colchão e descansar
até a tarde seguinte.
— Calma, jovem! — disse Lorenzo.
— Oi! Você me assustou.
— Desculpe! Eu estava te esperando.
— Legal. Vamos juntos até onde puder.
Lorenzo apontou a mochila que o outro levava.
— O que tem aí dentro?
— Meu uniforme. Estou levando para lavar. Tem que estar seco até amanhã, então vou lavar
no banho.
— Não vai demorar muito? Eu posso te ajudar. — Os dois riram, então Lorenzo corrigiu: —
Quer dizer, eu posso lavar na pia enquanto você toma banho no banheiro.
— Ah, não quero incomodar.
— Não incomoda nada. Hum, estou levando um lanche para você. — Ele mostrou a sacola.
— Puxa, assim você me deixa sem graça. Hoje nem é meu aniversário.
— E daí? Você trabalha, está cansado, e me deixa dormir ao seu lado na cama. Só quero
retribuir a gentileza. O colchão é seu, não é?
— Isso não é nada. É só um cantinho no colchão.
— Por favor, não diga que você faria isso por qualquer um. Me deixa continuar iludido!
Alison riu.
— Não, qualquer um não. Só você. Você é gentil, e se cuida, coisa que a maioria não faz.
Agora que falta luz elétrica, nem todo mundo toma banho.
— Por acaso notei que você também cheira bem.
Os dois se olharam, depois riram.
— É verdade, porra! — disse Lorenzo. — É impossível não sentir.
— Que bom que você gostou. Você também... você é legal.
Caminhando lado a lado na calçada, as mãos deles se tocaram. Alison recolheu a sua, olhando
em volta. Lorenzo tossiu, para disfarçar.
— Estou confundindo as coisas?
— Não.
— Então... eu tenho chances contigo?
— Hum... talvez.
No alojamento, a maioria das pessoas estava acordada. Com rústicas lamparinas, eles faziam
roda de conversa, cantavam, comiam e bebiam. Como não podiam sair, não havia muito o que fazer à
noite. Apenas os mais velhos e os que tinham um emprego formal tentavam dormir cedo.
Lorenzo e Alison chegaram, combinadamente, com alguns minutos de diferença entre um e
outro para não chamar a atenção. Apesar de muitos fazerem vista grossa, o namoro entre pessoas do
mesmo sexo não era permitido.
Alison foi ao quarto improvisado, pegou alguns objetos e seguiu para o banheiro. Lorenzo
estava lá ajeitando a única lâmpada, e quando viu a porta em que Alison ia entrar, pediu que ele
entrasse em outra. Alison obedeceu e, para sua surpresa, quando abriu o registro do chuveiro, a água
caiu morna.
— Cinco minutos — disse Lorenzo, do lado de fora. — Aproveite que logo começa a esfriar.
— Caramba! Foi você que fez isso? Como conseguiu?
— Um truquezinho que não vou te ensinar. Agora aja naturalmente e não conte isso a
ninguém, nem para a sua sombra.
— Tá legal!
Seis minutos depois, Alison saiu do banheiro escuro, já parcialmente vestido. Era uma fila de
banheiros pequenos e malcheirosos, construídos quando o local era uma quadra de esportes. Tinha
uma ala feminina do outro lado. Apenas alguns funcionavam, de forma que os usuários não se
separavam por gênero, e sim por afinidade.
— Caramba, isso foi demais! — disse Alison, enxugando os cabelos. — Dona também usou,
ou...?
— Não, e não falemos mais disso. Pode atrair curiosos e coisas ruins.
— Entendi. Mas, cara, isso foi foda! De onde veio isso?
— Olha a curiosidade! É uma bateria que eu inventei. É ineficiente ainda.
— Puxa, eu achei bem eficiente. E veja como as aparências enganam. Você parece tão
burguesinho. Espero que não se zangue.
— Eu? Por quê? Não vai dizer que é por causa do meu casaco.
— Não! Quer dizer, você parece bem-educado. Não achei que soubesse mexer com baterias.
Estudou onde?
— Ih, não foi por aqui. Mas você tem razão, as aparências enganam. Eu sei umas coisas sobre
chuveiros.
Alison parou, de repente.
— Espera! Essa água não é radioativa, é?
— Oi? — Lorenzo riu. — Não, é energia mesmo. Resistência, entendeu?
— Não. Mas valeu.
Eles entraram no cercado de cobertas e Lorenzo entregou ao Alison uma sacola onde tinha um
lanche. Este agradeceu e começou a comer, e o outro foi interagir com o pessoal de fora para que eles
não desconfiassem. Lorenzo sabia que em breve todos estariam cientes do seu interesse por Alison,
mas antes, ele pretendia conquistar a simpatia deles para não ser denunciado. Entrou nas rodas de
conversa, jogou cartas e damas, e assistiu a uma mulher cantar. Quando voltou ao quarto, Alison já
estava deitado, pronto para dormir. Dona não estava.
— Posso me deitar com você? — perguntou Lorenzo, já se deitando.
— Pode. — Depois de pensar um pouco, ele completou: — Obrigado por tudo, tá? Foi muito
legal você se preocupar comigo. Eu saio do trabalho cansado e não sou muito bom em demonstrar o
que sinto... enfim, saiba que eu gostei muito das coisas que você fez.
— Que bom! Mas você não entendeu. Eu quero me deitar com você. Deitar e não dormir.
— Ah! Bem... — Alison riu, embaraçado. Ele sabia do que se tratava, mas estava tão cansado,
tão absorto... Além disso, lembrava-se do que Dona dizia aos novatos: “o albergue é como a arca de
Noé, nada de procriar aqui dentro”. Mas era difícil resistir a um pedido daqueles. O carinha era tão...
agradável! Ele passou o braço sob a cabeça de Lorenzo e puxou-o para si. — Bem, cá estamos.
Lorenzo se ajeitou sobre o braço de Alison e ficou olhando seu rosto. De lado, sentia sua
respiração pesada e sua ansiedade. Alison sabia o que ele queria e parecia estar gostando da ideia.
— Posso fazer uma coisa? — pediu Lorenzo, num quase sussurro.
— Fique à vontade.
Na semiescuridão e ao som de um violão e uma voz desafinada, Lorenzo pegou a mão de
Alison sob a coberta. Levou à boca e a beijou lentamente. Alison sentiu um arrepio percorrer seu
braço, da mão até o peito, e deu um suspiro. Depois riu. Por essa ele não esperava.
— Você é inacreditável!
— Por quê? — Lorenzo manteve a mão de Alison próximo aos lábios. — Nunca beijaram a
sua mão?
— Não!
— É ruim? — perguntou, e virou a mão para beijar a palma e os dedos. Colocou cada um
deles na boca e sugou de leve, lentamente, olhando nos olhos dele. Alison sentiu cócegas e algo mais.
— Não, não. É bem... é bastante...
— Fala!
— É gostoso, mas estranho. Eu sinto lá na minha barriga.
Lorenzo soltou a mão dele e pôs a cabeça no travesseiro, rindo.
— Na barriga? Sei...
— É verdade.
— Onde? — Ele passou a mão na barriga de Alison, que continuou a rir. — Aqui?
— Isso. Bem aí. Mais para baixo... — ele sentiu a mão de Lorenzo chegando no local onde seu
sangue se concentrava. — Agora para! Vamos com calma. — Alison ficou imóvel, suspirando de
olhos fechados. Lorenzo tirou a mão e ele ficou em silêncio. Depois riu. — Beijo na mão... Isso foi
engraçado.
— Puxa! Foi engraçado? — Lorenzo se virou de lado, de costas para Alison. — Você achou
engraçado?
— Bom! Foi bom — Alison pegou em seu ombro e o fez virar-se de costas. Passou uma perna
sobre as pernas dele para prendê-lo. — Besta! Só fiquei surpreso, achei que você fosse beijar a minha
boca.
— E você queria?
— Hum... talvez. Você é muito... carinhoso. É isso. Carinhoso. A gente se acostuma com a
frieza das coisas... quando a gente encontra alguém.... enfim.
— Quando encontra alguém disposto a correr o risco vai logo ao que interessa para não perder
tempo? É isso?
— É, tipo isso. Mas você é carinhoso. Gostei de você.
— Sou carinhoso mesmo. E olha, não é por nada não, mas eu estou gostando dessa posição
aqui. Tem certeza de que vai continuar assim? Beijo na mão não é nada perto do que eu estou
pensando agora.
Alison não disse nada nem tirou a perna de cima de Lorenzo. Riu próximo ao pescoço dele
deixando-o arrepiado. Lorenzo protestou com voz manhosa:
— Rir no meu pescoço é covardia, viu? Por que não beija ao invés de rir?
— Assim? — Alison fungou e forçou o queixo levemente barbado na junção entre o ombro e o
pescoço dele. Depois o beijou, três beijos curtos. Lorenzo ficou parado, suspirando. — Gostou disso,
não foi?
— Se gostei! Finalmente ganhei a noite. Daqui a pouco a general aparece e eu tenho que fingir
que estou dormindo. Não sou muito bom nisso.
— Você é corajoso. Fica me paquerando na frente de todo mundo, sabendo que é proibido —
disse Alison, no ouvido de Lorenzo. — E olha que acabou de sair da prisão.
— Se você não quer, tudo bem, eu não te paquero mais.
— Sério?!
— Não! Eu não vou parar. Vou te mimar até você enlouquecer. Eu sou insistente.
— Fique à vontade para me mimar. Eu vou gostar disso.
— É sério, viu? Você vai pagar caro por esse lanche e essa água quente. Eu não faço nada à
toa.
— Nem era disso que eu estava falando. Falo da sua atenção mesmo. Pode me paquerar, só
toma cuidado com quem está olhando. Eu não quero ser demitido nem voltar para a cadeia.
— Pode deixar, eu tomo cuidado.
Alison se calou e Lorenzo sorriu secretamente. Alison tinha se entregado. Ele nunca
mencionava o fato de já ter estado preso e achava que Lorenzo sabia, mas tinha acabado de falar com
todas as letras. Será que tinha percebido?
— Desculpe não ter dito isso antes — disse Alison, minutos depois. Sim, ele tinha percebido.
— Tudo bem.
— Foi pelo mesmo motivo que você.
— Verdade? Espero que você esteja livre de tudo e que consiga refazer a sua vida.
— Obrigado. Eu também espero. Se der certo esse trabalho... se eu conseguir ficar depois...
depois da experiência... — Alison foi perdendo o foco nas palavras conforme o sono foi chegando.
— Eu vou me mudar daqui... se o salário melhorar, eu... eu...
— E dormiu. Eu espero até amanhã para você me contar esses seus planos, seu chato! —
Lorenzo se mexeu até sair de debaixo de Alison e ficou apoiado num cotovelo, vendo-o dormir. —
Boa noite, príncipe!
Quando Dona chegou, Alison estava dormindo de costas, no meio do colchão. Lorenzo estava
encolhido ao seu lado, sob seu braço. Ela se deitou do outro lado, empurrando uma perna de Alison.
Ele voltou com a perna para o mesmo lugar, deixando-a sem espaço.
— Que cara folgado! Chega pra lá! — Dona o empurrou novamente e ele se virou para o lado
de Lorenzo, que acordou.
Sem espaço para os membros, Lorenzo se virou no mesmo sentido, se encaixando na forma de
concha. Sentiu quando Alison colocou a mão em seu quadril e deslizou até sua cintura. “Será que ele
está consciente?”, pensou Lorenzo, prendendo a respiração. Sua pele estava exposta, pois a camisa
havia subido — eles sempre dormiam vestidos —, e os dedos de Alison pareciam estar bem
acordados, acariciando-o. Porém, sua respiração ritmada e calma demais, e seu histórico de sono
pesado tiraram a esperança de Lorenzo. “Esse filho da mãe está dormindo”. Tirou os dedos dele de
sua pele e tentou pensar em coisas mais urgentes e mais concretas. “Para de sonhar, você tem mais o
que fazer, idiota!”
No dia seguinte, Lorenzo acordou cedo. Seu pescoço estava doendo, assim como sua coluna, e
sua tosse não estava totalmente curada. Ele não era acostumado à falta de conforto, mas, dadas as
circunstâncias, não podia reclamar. A estadia no albergue estava sendo melhor do que imaginava.
Sem falar com ninguém, ele caminhou até o ponto de ônibus e seguiu até o centro. De lá,
tomou um ônibus para o bairro industrial e caminhou até um velho galpão abandonado. Um homem o
esperava no portão fechado com correntes e cadeados. Usando óculos e luvas, Lorenzo entregou ao
homem um maço de dinheiro. Ele conferiu discretamente e indicou uma porta lateral. Seguiu na
frente e Lorenzo o acompanhou.
O galpão era uma velha gráfica paralisada. Falido, o dono aceitou fazer um trabalho de última
hora para um jovem de sotaque estrangeiro, e cobrou caro por isso. “Um desses sonhadores”, pensava
o homem enquanto colocava o maquinário para funcionar. No dia em que o pedido foi encomendado,
o jovem levou também uma bateria, já que a eletricidade estava racionada. “Já, já vão dar um jeito
nele. É sempre assim”.
— Quanto tempo até o trabalho ficar pronto? — perguntou Lorenzo, forçando ainda mais seu
sotaque estrangeiro. Ele sabia que isso causava simpatia em certas pessoas.
— Amanhã cedo, acredito. Você garante que assume todos os riscos? Esse texto aqui, acho que
tem gente que não vai gostar. Quem vai vir buscar?
— Um ou dois amigos. Deixe as caixas preparadas.
O negócio foi acertado e Lorenzo foi embora. Quando retornou ao albergue, Dona o chamou
em um canto. Estava eufórica, mas procurava disfarçar.
— Até que enfim você apareceu! Estou doida para te dar essa notícia. É muito inesperada.
— Tá, mas cuidado com meu braço. O que aconteceu?
— Recebemos uma doação. Gigante! Muito dinheiro. Um tal de Clayton. Você já ouviu falar?
— Eu não! Mas pra quê doação?
— Para a nossa campanha. E ganhamos panfletos. Panfletos, você ouviu? Há quanto tempo
você não ouve falar em panfleto? Isso vai bombar no nosso ato na ponte.
— Que ponte?
— Para de fingir que não ouviu nada, Lorenzo. Dia 30, agora, nós convocamos um ato
pacífico na ponte. Vamos lançar oficialmente nossa campanha e mostrar o tamanho do apoio que
conseguimos. Isso vai chocar o pessoal. Escolhemos a ponte por causa da visibilidade. Eles não são
doidos de nos atacar na ponte, na frente de todo mundo, se a gente estiver só caminhando. Vai ser um
grande dia!
— Não sei não. E como estão em campanha se o nome do representante ainda nem foi
escolhido? Vocês precisam chegar num acordo.
— Então... aí é que entra um negócio chato. Essa pessoa, que ninguém sabe quem é, mandou
excluir um dos pré-candidatos. Quem ficou foi o cara dos supermercados. Ele é mais conhecido, mais
simpático, mais chamativo. Enfim, ou a gente acatava a sugestão, ou ficava sem o dinheiro. Foi
tenso, mas todo mundo acabou cedendo. A gente queria resolver isso no diálogo, mas o dinheiro
acabou decidindo por nós.
— Diálogo... — Lorenzo sorriu olhando suas unhas perfeitamente quadradas. — Essa gente
inventa cada coisa...
Quando Alison saiu do banho, Lorenzo estava esperando-o perto dos banheiros. O
acompanhou sob os olhares de algumas pessoas.
— Eu poderia ter cuidado do chuveiro, se você quisesse.
— Obrigado — disse Alison, se sentando para amarrar os sapatos. — Hoje está calor e eu vim
mais cedo. Não quero abusar da sua engenharia.
— Você que sabe. Não acho que seja abuso. — Lorenzo se sentou ao lado dele, sobre uma
caixa de feira de madeira reciclada. — Hum, o que as pessoas fazem por aqui para se divertir?
— Divertir? Bem, elas cantam e dançam. Aquilo de toda noite. Daqui a pouco começa. Olha
só, estão pegando os tambores. Tem também uns violões.
— E a dois?
Alison estava preparado para responder seriamente, mas riu alto.
— Juro que tentei!
— Não me diga que as pessoas se sentam a trinta centímetros de distância uma da outra e
ficam conversando! No meu tempo não era assim.
Alison ficou pensativo enquanto olhava o pessoal mais animado arrumando o palco
improvisado. Muitos se sentavam no chão com copos de chá e bebidas caseiras. Alcoólicos eram
sumariamente proibidos no comércio. Ofereceram algo para os dois e ambos recusaram.
Alison se virou para Lorenzo.
— Você não é daqui, não é?
— Para falar a verdade, sou sim, só estive distante.
— Você fala como se tivesse cinquenta anos de idade.
Lorenzo sorriu.
— É, as vezes eu acho que tenho. O que acha de a gente sair?
— Sair?
— Sim. Andar por aí, sair de perto desse pessoal. Eles me sufocam com essa vigília.
— Não sei. Está tarde.
— Se você não quer, tudo bem. Entendo que esteja cansado. Posso pelo menos ficar ao seu
lado? A Dona está bem ocupada hoje. Aqueles “líderes” amigos dela.
— Claro! Chega mais pra cá.
— Opa, ganhei vinte centímetros!
— Besta! Falando seriamente, só aqui comigo: o que você acha desse partido da Dona e desses
caras aí?
— Pergunta difícil de responder — Lorenzo franziu a testa. — Eu acredito, sinceramente, que
eles não vão a lugar nenhum sem ajuda especializada.
— Ajuda especializada?
— Sim. Não basta conseguir popularidade. É preciso vencer com folga e conseguir cadeiras na
câmara. E é preciso dinheiro, muito dinheiro. É uma ilusão pensar que poderão alguma coisa sem
dinheiro. E tem a questão do ego. Todo mundo quer aparecer. Eles falam demais.
— Acho que a gente pensa igual a respeito disso. Que a Dona não nos ouça, mas eu tenho
pena. Eles são irritantes. Insuportáveis.
— Sim, insuportáveis. Você tem razão. Eles estão falando com o vento. Nem nós, que estamos
no mesmo barco, os suportamos. Mas parece que está havendo algum avanço. Já escolheram o
candidato principal.
— Que desânimo de perguntar quem é...
— Não desanime! É o seu patrão, o tal Grange.
— Jura? Caramba! Estou surpreso. Como conseguiram isso?
— Como eu disse, ajuda especializada.
— Por isso não me meto em política. Dona parece feliz, mas veja a cara dos outros. Não
queria estar entre eles.
— Quero nem ver...
O assunto morreu quando Dona e seus companheiros se sentaram a poucas caixas de distância.
Um rapaz e uma garota começaram a cantar músicas românticas. Algumas pessoas riram e vaiaram,
outras começaram a dançar. Lorenzo se virou para Alison, que estava entretido com a música.
— Você não é fã dessas festas, não é?
— Sou sim, dependendo do som. Esse de hoje é legal. É que tem dias que estou cansado
demais para qualquer coisa que não seja aquela cama.
— Entendo. Também gostei do som de hoje. Romântico. Ouça: “Sinto falta de você...” —
Lorenzo cantou junto com a música.
— “Meu segredo” — Alison emendou.
— Mas você foge de mim. Eu chego perto e tento te tocar, mas você foge.
— Não chegou nessa parte ainda, eu acho. Bem, eu não conheço a música toda.
— Delicado como uma pluma, mas arredio como uma mula...
Alison ficou desconfiado.
— Ei, você tá mudando a letra!
— O quê? Só estou divagando.
— É para mim, não é?
Lorenzo riu e ameaçou se levantar.
— Mas que convencido! Vou até sair daqui.
— Vai aonde a essa hora?
— Dar uma volta. Se estiver a fim, me encontre na feira daqui a dez minutos. Se não estiver...
bem, boa noite! — E saiu.
Alison ficou onde estava, cantando junto com a garota. Dona, discretamente, mantinha os
olhos nele. Quando ele saiu rumo ao banheiro, ela sabia que ele daria um jeito de passar pela portaria.
Ia encontrar o Lorenzo. Não os culpava pelo namoro pouco discreto, mas se preocupava já que
ambos tinham passagem pela polícia e eram vigiados constantemente. Aquilo poderia resultar em
problemas.
Lá fora, Alison sentiu as pernas tremerem. Nunca tinha saído depois das dez horas que não
fosse para trabalhar. Manteve-se nas sombras e andou rápido. A feira não era longe; logo avistou o
Lorenzo. Ele estava com o casaco que o identificava com facilidade.
— E agora? — perguntou Alison, quando Lorenzo pegou sua mão.
— Confia em mim? — Alison ia responder, mas Lorenzo respondeu por ele. — Eu sei que não
confia, mas dá uma chance. Vai ser legal só nós dois.
Alison assentiu. Ele tinha medo de violar as regras, mas Lorenzo tinha razão. Eles não tinham
nenhuma privacidade no albergue. Toda vez que se aproximavam um do outro, vários pares de olhos
se fixavam neles. E nem todo mundo era confiável. O risco valia a pena. A noite estava linda.
O local onde funcionava uma feira era repleto de caixas, quiosques abandonados e amontoados
de coisas velhas. Em alguns pontos, o mau cheiro incomodava. Alison apontou os postes de luz fraca.
— Não sei se esse lugar é uma boa ideia. Há câmeras por todos os lados. Você vê: o governo
tem câmeras e a gente não pode ter um chuveiro.
— Havia câmeras. E vão voltar em meia hora. Nós temos um tempinho a sós. — Lorenzo o
abraçou e beijou-o no pescoço.
Alison pegou seu rosto para encará-lo na pouca luz.
— Como isso é possível?
— É possível. Só precisamos evitar os transeuntes. Vem cá!
Lorenzo estendeu a mão. Ainda preocupado, Alison a pegou. Andaram de mãos dadas atrás da
pilha de caixas.
— Estou me sentindo um criminoso — disse Alison, rindo.
— É emocionante, não é? A gente está fazendo uma coisa proibida. Me dá um beijo para
aumentar nossa pena, caso uma patrulha nos encontre.
— Você é bem convincente, seu Lorenzo. — Alisson abriu os braços e o apertou. Lorenzo era
menor e mais leve, e seu nariz encontrou o pescoço de Alison. Se beijaram rapidamente.
— E você é cheiroso.
— Hum, você já disse isso. Tenho caprichado para corresponder às suas expectativas. — Os
dois se sentaram num canto oculto; Lorenzo pegou balas no bolso e as deu ao Alison.
— Hum, você não me disse a sua idade — Alison lembrou-se.
— Eu vou dizer... outro dia.
— Sei...
— Eu sou mais velho do que você.
— Isso não é importante. — Eles ficaram em silêncio no escuro, ouvindo a respiração um do
outro. Suas cabeças se tocaram.
— Sabe, há lugares no mundo onde a gente pode fazer quase tudo o que deseja. Beijar, andar
de mãos dadas. Ficar sem amor, casar...
— Eu imagino que seja o paraíso — disse Alison, sonhador.
— A verdade é que não é. Paraísos não existem. Quer dizer, existem, mas não têm endereço
fixo. Tem a ver com os momentos.
— Isso foi bonito.
— Eu sei. Ensaiei o dia inteiro.
Alison passou um braço sobre os ombros de Lorenzo e puxou-o para si. Aproximou sua boca
da dele e o beijou. Lorenzo correspondeu com vontade. Levantou-se e ficou entre as pernas de
Alison, que segurava sua cintura e descia a língua por seu pescoço. O beijo era delicioso e ninguém
tinha vontade de parar, mas o tempo era curto. Lorenzo levantou a camisa de Alison para tocá-lo.
Tinha desejo de sentir seu corpo forte, esculpido pelo trabalho, e seu membro duro que se destacava
na bermuda. Ele também estava excitado, e um relógio invisível lhe ameaçava de não o deixar
experimentar tudo o que queria.
— Posso? — perguntou Lorenzo, enfiando os dedos através da roupa.
— É todo seu.
— Fala assim não que eu perco o juízo. Estou há dias sonhando com esse seu corpo. Dormir
junto contigo está sendo uma tortura, viu...
— Sério? Também estava doido pra te pegar.
— Oi? O que aconteceu com aquele seu desinteresse?
— Que desinteresse? Eu quero você... — Alison deu um último beijo antes de fazer Lorenzo
descer pelo caminho de pelos macios. — Vai lá...
Lorenzo obedeceu. Alison valia todos os riscos. Era gentil, delicado, e muito gato. Era
simples, calmo, e sua bondade lhe aquecia o coração. Os últimos tempos tinham sido tão frios, tão
desanimadores, que ele já nem se importava mais. Mas com Alison era diferente. Era bom sentir o
sangue correr novamente.
— Você é gostoso — disse Lorenzo, ao se levantar. — Só queria poder tirar a sua roupa toda...
— Um dia eu vou te botar na cama... — Alison o agarrou e o beijou com força. Prendeu-o
contra uma parede segurando suas pernas. — Hoje é só o começo.
Segurando em seu pescoço, Lorenzo se rendeu aos toques e dedos de Alison, e as sensações
confundiam sua percepção do tempo. Estava quase entregue, os dois suados e ofegantes, quando um
barulho nas caixas os fez se afastarem. Alison o soltou ajeitando a roupa, e deu alguns passos para
trás.
— Droga!
— Meia hora! — disse Lorenzo. — Acho que extrapolamos.
— E agora?
— Vai na frente que eu vou pegar uma coisa.
— Tá! Eu... — Alison quis falar, mas ficou sem graça. Lorenzo foi até ele e o beijou de leve.
— Depois a gente conversa.
Alison voltou para o alojamento quase correndo. Estava eufórico como havia muito não
ficava, mas preocupado. Dona tinha razão: Lorenzo não tinha nenhum juízo.
Quando se certificou de que Alison estava longe, Lorenzo deu a volta à pilha de caixas e
pegou um pequeno dispositivo sobre uma delas. Olhou em volta, depois se dirigiu ao albergue. Não
estava com pressa. Uma patrulha passou e, ao vê-lo, diminuiu a velocidade. Um homem fardado pôs
a cabeça para fora do carro. Havia mais dois com ele.
— Vagabundeando de novo? Tem vaga para você lá no xadrez, viu?
— Saí um pouco para me distrair, Anselmo. Esticar as pernas. A noite está agradável, você
não acha? Vem aqui fora e vamos conversar um pouco. Deve ser chato ficar rondando à noite,
perseguindo um cara sossegado como eu.
— Dois minutos para você sumir dessa rua. Depois disso, vou te levar como um vagabundo.
Tem gente lá te esperando.
— Mais um com esse fetiche dos dois minutos. Está certo, autoridade. Estou chegando. Valeu
pela escolta!
O carro de polícia silencioso e com luzes apagadas o acompanhou até a entrada e esperou ele
entrar. Os guardas do portão estavam distraídos com a festa. “Dona está bem servida com esses
caras”, pensava Lorenzo, ao entrar. “Alguns são bons, mas a maioria se distrai com as garotas”.
A festa ainda rolava, como toda noite, e as pessoas estavam ocupadas com seus pares ou
distraídas. Algumas passavam mal devido às misturas que inventavam para suprir a falta de bebidas.
“Ai, que povo deprimente!”
Calmamente, Lorenzo se sentou e tirou os sapatos. Alison já estava na cama e Dona estava ao
lado dele, acordada. Alison estava de olhos fechados, mas não estava dormindo. Tinha esperado para
falar com Lorenzo, perguntar o que tinha acontecido com as câmeras, mas a chegada de Dona tinha
atrapalhado. Ele sabia que era cuidado da amiga, mas era um pouco aborrecido. Se tudo desse certo,
em pouco tempo ele se mudaria para um lugar melhor, e então...
Lorenzo deitou-se e suas peles se tocaram. Apesar do desejo, Alison dormiu logo. Já estava
tarde. No dia seguinte, chegou à conclusão de que era melhor não saber dos negócios de Lorenzo. Ele
traficava e inventava coisas estranhas. Devia estar envolvido com gente perigosa. Apesar disso, tinha
vontade de encontrá-lo a sós outras vezes. A noite tinha sido maravilhosa.
(...)
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Amostra de Depois da Tempestade
Quando a pessoa que eu esperava chegou, eu me levantei para recebê-la, e então me dei conta
de que a gente deveria ter conversado mais antes de sair de casa. Era a mesma pessoa que eu tinha
convidado, mas numa outra aura. Num outro gênero, se assim posso me expressar. Sem saber o que
dizer, eu não disse nada, apenas estendi, relutante, minha mão trêmula.
A altura elevada, a magreza prêt-à-porter, as roupas semelhantes às que usava à tarde, a boca
carnuda e quase obscena, os olhos escuros e atentos... e um sorriso irônico que me fez acordar. Eu
tinha estado sonhando! O tempo todo. Tanta vontade de encontrar alguém que me fizesse suspirar e
sentir a emoção da adolescência, que mirei na pessoa errada. Passei a mão pelo rosto, confuso. Era
tarde demais para retornar. Nos sentamos para economizar exposição, eu pensando no que teria me
levado até ali. Ele colocou o sobretudo no encosto da cadeira.
— Qual o seu nome? — perguntei, ainda não acreditando.
— Kenny Andersen — disse aquela voz rouca, agora grave e carregada de sotaque estrangeiro.
Onde estava o raio do sotaque quando falou comigo mais cedo?
— Isso não ajuda muito.
— Andy. No masculino. — Era o nome que ele tinha dado na nossa breve troca de mensagens
antes do jantar, mas de tão genérico, nem desconfiei. Seu sorriso contido mostrava dentes perfeitos.
— E você?
— Lothar... — Não vi necessidade de dizer o nome completo.
— Loth. O que acha de tomarmos alguma coisa antes de voltarmos aos nossos esconderijos? O
garçom já está à postos e pode estranhar esse embaraço.
— Certo. Vamos agir naturalmente. Confesso que você me deixou confuso.
— Sinto muito. Não foi a intenção. Vou pagar a minha bebida.
— Não precisa. Eu te convidei. O que quer tomar?
— Algo com pouco ou nenhum álcool.
— Está dirigindo?
— Não.
Olhei os coquetéis da casa sem me preocupar com o teor alcoólico. Eu estava perto de onde
morava mesmo.
Um silêncio se instalou entre nós enquanto pedíamos as bebidas. Virei a página do folheto e vi
o premiado cardápio. Eu tinha me preparado para aquilo, tanto com a minha vontade quanto com o
meu cartão de crédito. O desconhecido andrógino também tinha se preparado para uma noite melhor.
Usava diamantes ou algo semelhante nos dedos e orelhas, roupas no cúmulo do bom gosto e da alta
costura, e cheirava bem. Uma preparação que merecia respeito.
— Eu vim pensando em comer — comentei, com um sorriso envergonhado. Os olhos do
desconhecido brincavam com os meus. Quando a luz incidia neles, outras cores se destacavam. Não
parecia real.
— Eu imaginei que podia dar errado. Tudo bem se depois da bebida você me dispensar.
— Não! Jante comigo, já que veio até aqui para isso. — Percebendo que tinha sido rude,
mudei o tom. — Desculpe a indelicadeza. Ainda estou confuso. É que eu pensei em coisas de certa
importância quando te vi. É difícil me conformar que foi apenas uma visão.
— Entendo. Deve ter sido a chuva.
— Não sei. Talvez tenha sido. O seu cabelo... — Olhei e não soube o que dizer. Estava meio
preso, meio solto, e se eu visse mil vezes, ele me chamaria a atenção. — Tem estilo.
— Obrigado. Fui modelo e fiz campanha de xampus.
— Pensei em algo do tipo mesmo. Não te imagino num escritório.
— Por quê? É o que estou fazendo no momento.
— Ainda não imagino.
— E você, o que faz? Tem cara de escritório. Advogado, ou algo do tipo. Bem tradicional.
Estou certo?
— Sou empresário. Vim para cá recentemente, depois da morte de meu pai. Me mudei às
pressas. — Lá ia eu falando da minha vida.
— Sinto muito pelo seu pai. Quer falar sobre isso?
— Não. Hoje não. Prefiro coisas mais alegres.
O garçom trouxe as bebidas e começamos a tomar. Aproveitei e pedi o prato que eu queria, e
convidei meu convidado inusitado a fazer o mesmo. Ele parecia acostumado a bons restaurantes. Fez
o pedido e então olhou para mim por cima de seu copo. Era bonito, o desgraçado. Do tipo fashion,
selfie e Instagram. Minha curiosidade era maior que meu bom senso, então...
— Esse seu rosto... — falei, fazendo gestos para me fazer entender. — Alguma intervenção
para ficar tão... perfeitinho?
— Só retoques de última hora. E obrigado pelo “perfeitinho”. Sei que foi a melhor palavra que
encontrou para não me ofender.
— Vou tomar outro gim para as perguntas saírem com mais facilidade. Ainda quero entender o
que aconteceu.
— Fique à vontade. Está sendo gentil.
— É que eu nunca tinha convidado um homem para jantar. Não a dois, num lugar romântico,
com música ao vivo e casais dançando...
— Eu danço bem. — Ele piscou apontando para a pista.
— Não duvido nem um pouco, mas se não se importa, eu vou ficar onde estou. Minhas pernas,
você deve ter notado...
Ele sorriu. Estava se divertindo com a minha confusão.
Continuamos a bebericar. Por mais que eu tentasse evitar, os olhos do desconhecido
penetravam nos meus. Divertidos, risonhos, perspicazes. E eu mantinha meus olhos nele. Pura
curiosidade, claro.
— Você ainda está confuso — disse ele, com sua voz rouca. — E está olhando para a minha
boca.
— Estou curioso — admiti. — Talvez mais do que curioso. Já tinha acontecido isso com você?
— Me confundirem com uma diva de um metro e oitenta e cinco de altura? Já. Eu sou
andrógino, e às vezes passo por uma mulher alta. É por isso, aliás, que me chamam de Andy.
— E gosta quando isso acontece?
— Não sei. — Ele terminou a bebida e ficou olhando para o copo. — Hoje estou gostando.
— Quer outra bebida? Pode pedir!
— Vou esperar o jantar.
— Eu vou pedir mais. Estou precisando beber e relaxar.
— Deixe seu endereço anotado num guardanapo, caso eu precise te ajudar a chegar em casa.
Vou guardar junto com o outro.
— Ah, o guardanapo! Me desculpe por mais cedo. Foi brega, eu sei, mas era o que tinha
disponível... — Suspirei antes de tentar esquecer aquele mico. — Bem, eu acabei de me mudar para o
Boulevard, aqui atrás. Cobertura, vigésimo quinto andar.
— Que chique! Te deixo na portaria se você beber demais.
Os pratos chegaram e eram quase tudo o que prometia o cardápio. Pedimos mais bebidas e a
conversa continuou a fluir lentamente, como água em um leito plano, raso e tranquilo. Era agradável,
e em momento algum eu senti vontade de ir embora. Friso isso porque era exatamente o que eu sentia
quando saía para jantar com alguém: vontade de ir embora.
Falamos de trabalho porque era mais fácil começar por aí. Depois falamos de coisas mais
pessoais. Andy disse que era norueguês naturalizado, que estava começando como designer de
interiores, o que casou com minha preocupação sobre a decoração do meu novo apartamento. Ele
falava três idiomas, tinha curso de contabilidade, além do designer. Tinha se cansado do trabalho de
modelo e queria se estabelecer em outra profissão.
Falei um pouco de mim, que eu tinha vindo do interior, onde tinha me estabelecido no ramo de
material de construção. Falei do meu problema de nascença e das minhas tentativas de solucionar, e
ele não me encheu de perguntas bobas como outras pessoas faziam nem tentou lições idiotas de
superação. Ao contrário, lamentou-se comigo.
Acabamos de comer. Mais uma rodada de drinks. Poderíamos ter passado por bons amigos
depois do trabalho se nossos olhos não se analisassem tanto e se nossas roupas não denunciassem um
encontro íntimo bastante almejado. Havia interesse e ansiedade em ambas as partes. Não saber como
ia evoluir ou o que fazer a seguir nos deixava tensos. Não tinha bebida que resolvesse. Da minha
parte, cada dose abria mais possibilidades.
Andy, com seus dedos finos e longos, tocou na minha mão sobre a mesa, e eu me senti
estranho, quase incomodado. Recuei suavemente.
— Foi só um teste — ele disse.
— Saquei. Acho que não passei.
— O jantar foi ótimo, mas que tal eu pedir um Uber agora? Moro longe.
— Eu peço para você, afinal, eu te convidei para vir até aqui.
— Você tinha outros planos. Um homem tem o direito de enxergar mal e de cometer erros.
— Está tudo bem. Estou pedindo já. Onde você mora?
Ele disse. E ficou por aí.
Pedi também a conta e esperei que Andy fosse embora antes de eu sair. Eu morava no mesmo
quarteirão, e por um momento pensei que não seria legal sair do restaurante, que era
maravilhosamente discreto, acompanhando-o. Depois, achei que foi indelicado da minha parte.
Peguei o celular e mandei uma mensagem de desculpas. Recebi outra dizendo que estava tudo bem.
Olhando as janelas de vidro que emolduravam a paisagem urbana noturna, eu pensei que Andy
seria uma boa companhia para falar daquelas coisas inúteis que passavam por mesas laterais na
minha sala gigantesca. E que eu conversaria sobre isso olhando como seus lábios se afastavam um do
outro suavemente, deixando entrever a parte vermelha lá dentro. E que eu tinha uma adega e não
tinha companhia para apreciar uma boa garrafa. Me senti duplamente idiota. E daí que eu tinha
pensado em outra coisa? A garota de quatorze anos estava com mais de trinta em algum lugar do
Brasil. Ela não ia ligar se eu me sentisse atraído por um homem. Eu não tinha culpa se ele usava
roupas tão bonitas e desenhava as sobrancelhas.
Ligeiramente bêbado, mas embriagado desde a tarde por um torpor diferente, eu desci para a
garagem. A noite era uma criança.
Mandei mensagem ao Andy dizendo que estava indo vê-lo. Pedi o endereço e não esperei
resposta. Ele respondeu logo em seguida.
Encontrei-o na rua com as mãos nos bolsos do sobretudo, e uma infinidade de luzes refletindo
cores no asfalto molhado. Teatral. Seus cabelos esvoaçavam em um lado do rosto. Inteiramente
vestido de preto, com apenas uma parte da camisa de baixo branca aparecendo próximo ao pescoço,
ele era ao mesmo tempo grande e frágil. Poderia estar num desfile de moda outono-inverno.
— Oi — falei, da janela do carro. — Tenho duas mesas amarelas, em formato de trapézio, na
minha sala.
Ele cruzou os braços.
— E eu com isso?
— São completamente inúteis.
— E?
— Perca mais um tempo comigo, por favor! Sei que estou sendo chato, mas não consigo
evitar. Eu sairia do carro para falar contigo se não corresse o risco de me espatifar no chão, então
venha comigo.
— Não sei... Eu realmente não gostaria de ser morto e jogado no rio esta noite. O que você
quer comigo?
— Prometo que não vou te matar. Venha para a minha cobertura. Vamos conversar, tomar
vinho. Você vai gostar.
Andy cedeu depois de alguns segundos de indecisão. Deu a volta ao carro e entrou.
— Ok, vou aceitar seu convite, mas, por Deus, pare de se exibir! Eu já sei onde você mora.
Em silêncio, seguimos para o meu apartamento. Na subida do elevador, fiz de tudo para evitar
o constrangimento. Admirar a forma com que ele se vestia era uma forma de ser verdadeiro sem ser
invasivo. Eu estava realmente encantado, e ele parecia acostumado a receber elogios do tipo.
— Moderno e elegante — ele disse olhando meu imóvel enquanto eu fechava a porta —, mas
falta aconchego.
Andy tirou o sobretudo e eu o coloquei num móvel destinado a isso.
— Odeio aquelas mesas amarelas.
— Por quê? Não há nada errado com elas. Trazem cor e simetria para esse ambiente tão amplo
e vazio.
— Imaginei que você fosse dizer isso. Designers...
Convidei Andy a sentar-se. Abri o vinho e então começamos e enumerar os pontos fortes e os
negativos da decoração da minha sala de estar. Me sentei ao lado dele e ficamos à vontade.
— Você tem uma cozinha maravilhosa — ele apontou.
— Sim. É a parte que eu mais gosto.
— E você usa?
— Bem, eu tento cozinhar quase todas as noites, mas é chato lidar com sobras.
— Realmente triste. Deve ser péssimo não ter a quem impressionar.
Olhei-o. Sim, ele estava sendo sarcástico.
— Eu não faço isso! Mas é meio verdade, no caso da comida. Eu gostaria de cozinhar para
alguém.
Ele riu. Enchi as taças de novo.
— Quer me embriagar para quê? — ele perguntou, bebendo.
— Não quero. Quero embriagar a mim.
— Não parece.
Apesar das taças sendo abastecidas, a garrafa não chegou ao fim. Já tínhamos bebido antes e
não queríamos arriscar. Nos limitamos a conversar e conversar. Ele era falante, engraçado, e eu
estava tão relaxado o quanto queria estar. No limite do que conseguia ir.
O tempo rolava, e estávamos cada vez mais próximos. Lado a lado, nossos joelhos se tocavam
de tempos em tempos. Nós dois fingíamos que não era intencional. Eu sentia que ele estava cansado
do papo sem rumo e queria entrar em outro tipo de assunto, mas eu estava indeciso quanto ao que
queria, de fato. Sentia vontade de experimentar a novidade da noite, mas tinha medo de não gostar e
ter que parar.
Até que, depois de um minuto de incômodo silêncio, eu decidi colocar minha indecisão em
palavras.
— Andy, eu tento, tento, mas não sei como avançar a partir daqui.
Com o cotovelo no braço do sofá, o queixo apoiado no polegar e os outros dedos próximos ao
nariz, ele me olhou nos olhos. Um olhar meio oculto por cabelos.
— Não force. Se não quer, tudo bem.
— Mas eu quero.
— Quer? Tem certeza?
Assenti.
— Nesse caso... — ele se aproximou —, feche os olhos.
Fechei. Sem ver o que ele estava fazendo, o nível de minha ansiedade subiu. Meu coração
estava batendo na garganta. Senti a respiração quente dele se aproximando, sem me tocar de
imediato. Passou pelo meu nariz, minha boca, meu queixo, e chegou à minha orelha. Senti o nariz de
Andy roçando no meu pescoço. Suspirei pesadamente. Minhas mãos tremeram, agarradas às minhas
coxas.
— Tudo bem?
— Sim.
Falar assim de tão perto misturou nossos hálitos com cheiro de vinho. Eu gostava do fato de
não termos tomado cerveja. O cheiro seria desestimulante. Continuei com os olhos fechados,
sentindo o roçar de pele macia, cheiro gostoso e calor humano. Aquele tipo de calor humano que não
é sinônimo de amizade, mas de alguém de carne por perto, perigosamente perto. Tenso, encostei a
cabeça no sofá e estiquei o pescoço, o que Andy entendeu como um convite.
Do nariz, senti seus lábios leves em mim, numa espécie de beijo distanciado da pele alguns
poucos centímetros. Tremi com uma mistura de sentimentos. Abri os olhos e segurei seu rosto antes
que se afastasse.
— Calma! Deixa eu te olhar.
— Ok! Pode olhar, já que não faz mais nada.
— Tenha paciência.
— Estou tendo.
— Hum... A sua boca é bonita.
— Gostou? Então beija!
— Não... quer dizer, eu não sei. Deixa eu... pensar.
— É simples. Te ajudo.
— Hum — Mordi os lábios e pisquei, impedido de continuar por uma teimosa força interior.
O rosto dele fez as mesmas curvas que o meu, e só então notei que estava desviando de sua
boca.
— Para de se mexer! Por que o medo? Eu já fiz isso antes. — Ele alongou a última sílaba até
alcançar meus lábios, mas eu consegui fazê-lo desistir.
— Não, não... isso não. Beijar na boca eu ainda não consigo. Eu só quero te ver. Ficar pertinho
assim e te olhar, está bem?
Ele suspirou e olhou para o lado.
— O problema é que eu não sou de ferro, Loth.
— Está sentindo vontade de me socar e ir embora? Eu entendo.
— Não. A vontade que sinto é de te jogar na cama e te foder até te deixar em pedaços. Está
satisfeito?
Ri alto. Isso quebrou um pouco o clima.
— Você é muito... macho para alguém que usa maquiagem.
— Eu nunca disse que não era. Mas sou versátil. Te deixo “por cima” na sua primeira vez, se
isso te faz se sentir melhor. Quer ser o alfa, não quer? Você pode. Eu deixo!
Sem pedir permissão, ele veio me beijar. Me esquivei o quanto pude, mas sem fazer tanta
força, e senti quando seus lábios quentes e úmidos tocaram minha pele. Ele beijou os dois lados do
meu rosto, alternadamente, cada vez mais perto da boca, e quando chegou lá, se limitou a passar os
lábios de um lado para outro, sem forçar abertura, e eu entreabri os meus. Não passou de um beijo de
lábios lento e demorado. E meu coração bateu tão forte que no final eu estava cansado. Ele também.
— Não achei que fosse ser tão difícil — ele disse, respirando fundo e passado a mão pelo
rosto. — É só um beijo.
— Desculpe. Não foi por falta de vontade. Estou simplesmente petrificado.
— Entendo. Também estou, mas de outra forma.
— Hum... — Eu não soube o que dizer a respeito disso. — Sabe, eu estou há horas com a sua
imagem na cabeça e não consigo pensar direito.
— Pense em mim.
— Tira essa roupa. Esse casaco, pelo menos, para eu ver como você é.
— Eu fico melhor vestido do que despido, Loth. Você não está acostumado e pode se
decepcionar.
— Mas eu quero ver o seu corpo.
— É magro ao extremo. E mais: se você parar de frescura e me tocar, vai sentir que eu sou um
homem alto que tem tudo proporcional.
— Não fala disso agora.
— Por que não? Eu tiro a roupa se você fizer o mesmo. Mas não vou tirar só para aplacar a sua
curiosidade. Pesquisa no Google, se é só isso o que você quer.
Ele se afastou de mim e eu fiquei constrangido.
— Estou parecendo um maníaco, não estou?
— Não. Mas esse jogo está me cansando. Você me quer ou não?