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O Vampiro Que Me Amava - Karine Vidal
O Vampiro Que Me Amava - Karine Vidal
O Vampiro Que Me Amava - Karine Vidal
Parei, arquejando.
– Minha mãe veio com você? – engoli em seco. Não queria estar
sozinha em casa com ele.
Soltou um sorrisinho sacana.
– Vou fazer o dever de casa. – Passei por ele pelo corredor, com
pressa.
– Entender o quê?
A culpa não era minha – lógico que não. Então, por que eu me sentia
tão... Suja?
Minha mãe, Ágata, era linda. Tinha 45 anos e uma genética super
favorável. Casou–se com o empresário do ramo farmacêutico, Matias, há
pouco tempo. Por isso, nós nos mudamos para a casa dele. Situava–se num
condomínio de classe média alta da cidade.
Minha mãe era consciente de sua beleza. Sempre a usou para
escalonar o meio social. Não por acaso ostentava seu terceiro casamento. Ela
era uma pessoa do bem, sim, mas de coração volúvel. Apaixonava-se fácil – e
mudava de vida mais fácil ainda.
Contar para minha mãe seria inviável. Ela estava apaixonada e jamais
acreditaria em mim.
Meu irmão, Lucas, tinha 21 anos. Morava conosco. Era um nerd
esquisitão, mas de bom coração. Cursava Biologia Marinha na Universidade
Federal da cidade.
Matias podia ser o diabo em pessoa, sim, mas era dono de uma casa
muito agradável. Ampla e moderna, continha uma piscina nos fundos.
Eu amava o mar e amava a água. Então, decidi aproveitar o meu raro
momento de privacidade. Coloquei meu biquíni e fui nadar.
– Está matando a aula para fazer o trabalho? Isso não tem muita
lógica. Por que não fazem amanhã de manhã?
Ele revirou os olhos.
Estalou a língua.
– Pode me zoar à vontade. Quando vê-lo, mudará de ideia... O cara
parece um chefe de quadrilha. Eu não encaro. Ainda não estou louco.
– Ok, agora fiquei curiosa. Acho que vou até lá dar uma olhada.
Nenhum de nós dois falou nada. Era horrível demais para expressar
em voz alta.
– Ok. Vou ficar nadando por um bom tempo. Não vou incomodar,
então relaxa.
– Foi só para avisar mesmo. Ninguém virá até aqui. Tem comida na
geladeira, então não jante porcarias, ok?
– Sim, chefe.
Com um sorrisinho paternal, ele saiu. Sentia que Lucas fazia um papel
de pai para mim, vez que o nosso pai verdadeiro não se importava muito
conosco.
Ele era bem mais velho que eu, e amigo do meu irmão. Ou seja,
alguém inacessível.
– Quem?
– Já sim, ele não volta mais. Graças a Deus. O cara é bizarro... Acho
que ele nunca sorri.
Bufei. Pelo amor de Deus... Será que era mesmo um chefe de máfia?
Pesquisei nas fotos da Universidade. Num dos álbuns, lá estava o
garoto.
Ao vê-lo, meu coração acelerou. Era uma foto em grupo. Havia três
garotos e um professor; parecia uma competição internacional sobre
conhecimentos de Biologia Marinha na Suíça. Seu grupo havia ganhado a
medalha de ouro.
Não vou mentir, encarando aquela foto, senti medo. Suas íris
pareciam cravar-se diretamente em mim.
Na sexta-feira, desisti.
Era sábado, parte da tarde. Minha mãe estava no salão de beleza, e
Matias tinha ficado no Congresso no Rio. Amém.
Atendeu. “Oi.” Pausa para resposta. “Hã, sou eu, sim.” Arregalou os
olhos. “Tristan?!”
Pausei o filme na mesma hora, tensa. Me sentei para ouvir.
Lucas adorava tênis. A maioria de seus posts nas redes sociais eram
comentários sobre o esporte.
Franzi a testa.
– Sei lá, Clara. Acho que ele está querendo fazer amizade.
– Com você?
– Pois é, não temos muito a ver. Mas acho que ele é meio solitário
aqui no Brasil. Deve estar à procura de amigos – deu de ombros, indiferente.
– Vou jogar uma vez com o cara. Não vai me matar. – E voltou para sua
revista.
Eu me deitei novamente no sofá, religando o filme. Uma sensação
estranha pairando no fundo do estômago.
Quais motivos Tristan teria para ambicionar uma amizade com o meu
irmão? Os dois não tinham nada em comum. Já estudavam juntos há anos, e
nunca se aproximaram.
Daí em diante, tudo foi ficando mais estranho. Tristan e Lucas saíram
mais vezes.
Tristan, na verdade, tinha muitos amigos no Brasil. Apresentou a
todos para Lucas.
Lucas não tinha o menor jeito com mulheres. Isso mudou. Estava
cheio de encontros, e afirmava que o amigo recente o havia ensinado muitas
coisas.
Ficava o mistério.
Nas semanas seguintes, o inevitável acontecia.
– Só com vocês, comigo ele se solta. Acho que ele só não gosta de
pessoas desconhecidas.
– Pare de ser antiquado, Matias, os garotos são dez anos mais velhos
que a Clara. Ela é uma criança para eles.
– Você quem pensa, Ágata. Os homens são uns vermes, não dá para
confiar. Acredite, sei do que estou falando.
Minha mãe lançou um sorriso apaixonado para Matias.
– O quê? – arfei.
– Pois é. Nós vamos no jato particular da família dele. Não terei que
pagar passagem, nem estadia, só descolar uma grana para gastar lá. Acha que
pode adiantar minha mesada do mês que vem, mãe?
– Mas... – minha mãe ficou confusa. – Assim, de repente? Você nunca
saiu do país. Tem certeza de que esse garoto é confiável?
– É claro. Uma chance dessas não cai duas vezes no nosso colo.
Sabia que Matias só queria impressionar a minha mãe, mostrando ser
generoso.
Deus... Doze anos mais velho que eu. O fato só tornava o garoto mais
enigmático para mim.
Uma semana depois, meu irmão viajou com ele.
Eu me remoía em preocupação.
– Por nada. É que ele não apareceu mais aqui em casa... E vocês
viviam juntos.
– Ah.
E não perguntei mais.
E desligou.
Não sei por que aquilo destruiu tanto meu coração. Era só uma paixão
platônica e unilateral... Não era?
Lucas foi tomar banho e eu voltei para o meu quarto. Não consegui
mais estudar, nem fazer nada. Minha garganta se apertava. Eu precisava de
uma confirmação.
– Fiquei com sede. – Fui até o filtro e bebi um copo de água. – Com
quem você falava no telefone? – perguntei casualmente. – Parecia nervoso.
– Não. Ele me ligou para avisar que não vai voltar mais para o Brasil.
Está tendo problemas na família. Terá que terminar os estudos por lá.
Segurei o copo com força. Tentei ficar calma e não demonstrar o meu
desespero.
Me encarou.
****
Retratava uma garota de seios nus, sentada por sobre uma pedra, num
lago cristalino. Ao redor dela, uma floresta iluminada pela luz da lua. A
garota tinha uma cauda de sereia e um cabelo castanho e ondulado, até o fim
das costas. Pele morena e olhos muito verdes.
Uma sereia com o meu rosto.
Tristan confessou seus sentimentos, mas sabia que, nesta vida, uma
história entre nós dois seria impossível. Teríamos que nos contentar com a
lembrança do sentimento.
Nós dois nos vimos apenas algumas vezes. Contudo, alguns encontros
nos causam reações químicas tão fortes, que transmutam tudo por dentro. São
encontros de alma.
Sorriu embaraçada.
– Desculpe, senhorita, não posso dizer. Ele foi bem específico quanto
a isso.
Minha mãe pegou uma carona para casa com Lucas. Eu entrei no
carro de Marcos. Geralmente, passava os finais de semana em sua casa.
Chegamos ao seu apartamento. Ele morava com os pais idosos. Eles
já estavam dormindo.
Naquela noite, fizemos um sexo morno. Era gostoso, sim, mas só.
Depois de dois anos de relacionamento as coisas esfriavam.
Eu não era uma pessoa muito sexual. Então, tudo bem por mim.
Nos deitamos em sua cama. Antes de dormirmos, Marcos foi ver série
no seu celular. Eu peguei um livro para ler. Amava literatura, e sempre
andava com um livro na bolsa. Caçoei tanto de Lucas por ser um nerd, e
acabei ficando igual a ele.
Nós saímos da churrascaria por volta das 11 horas. Agora eram cerca
de uma da manhã.
Eu já estava desligando o abajur para dormir. Marcos dormia
tranquilamente ao meu lado.
“Sou eu.”
“Você é parente da Ágata e do Lucas Nogueira Mourão?”
****
As semanas seguintes foram horríveis.
Algumas pessoas lidavam bem com o luto. Eu não era uma delas.
Mais um mês se passou.
Era o meio da semana, parte da tarde. Chegou uma carta na casa dos
meus avós endereçada a mim. Envelope luxuoso, correspondência
internacional.
Ao ver o remetente, fiquei mortificada.
Dois dias depois, minha passagem de avião foi enviada pelo correio.
Contei aos meus avós. Eles ficaram em êxtase. Eram os únicos que
sabiam, por enquanto.
Dias depois, estava no avião para a Itália. Meus avós me levaram até
o aeroporto, emocionados e felizes. Sabiam o que aquilo significava para
mim.
Minha vida deu uma guinada de 180 graus. Eu mal podia acreditar.
Etc, etc.
****
Fiquei intimidada.
Olívia chegara há dois meses. Viera nas férias para conhecer a cidade.
Poderia me mostrar tudo.
O quarto era grande. Havia duas camas de solteiro, uma de cada lado.
Ao centro, um móvel com abajur. No canto, uma mesa de estudos, guarda-
roupas e um grande espelho. Havia também um banheiro anexo.
A sala era ampla, ostentando uma janela lateral. Por lá, entrava a luz
do sol, com vista para o jardim que cerceava a universidade. Lindo.
Os alunos foram se acomodando. O professor chegou logo em
seguida. Apresentou-se, discorrendo num italiano rápido. Eu tive que me
concentrar para entender. Embora fosse fluente, não se tratava da minha
língua-mãe.
Rolei o dedo por sobre a tela. Não havia senha. A tela se acendeu
numa conversa de bate-papo em grupo. O grupo se chamava: “Seleção de
noivas – só as calouras mais gostosas.”
Arqueei uma sobrancelha. Que nome estranho.
Neste ano eu não escapo. Vou ter que escolher uma delas, tenho que
me casar.
Mas, já?
Foda. Mas faça o que tem que fazer, cara. As novatas são bem
gostosinhas. Serão boas parideiras.
E ótimas bolsas de sangue também, outro garoto emendou. Todos
enviaram risadas. Havia mais de dez caras na conversa.
Bizarro.
– Olívia? É você?
Olívia me contou que, nestes últimos dois meses, fez várias amizades
no alojamento. Também saiu para a vida noturna de Roma quase todas as
noites. Garantiu que me apresentaria aos melhores bares e baladas
universitárias.
Olívia era linda e descolada. Tinha uma estilo vanguardista. Óculos
de sol, jaqueta de couro e botas de cano alto.
Eu, por outro lado, era bem mais tradicional. Enquanto eu era a-
garota-do-batom-nude, ela era a do batom-vermelho-sangue. Admirei seu
estilo ousado.
Olívia era divertida e super receptiva. Fiquei feliz por dividirmos o
quarto. Teríamos dois anos para construir uma amizade.
– Só pode ser.
Minha carta de aceitação deve ter chegado por último. Fui uma
aquisição de última hora?
Nunca saberia...
– Sim, nos andares superiores. Mas nós não temos acesso. É ala
particular da família.
Uau.
– Como eles se chamam?
Era impossível não ficar vidrada em suas figuras extraordinárias.
Ela riu.
Continuou:
Questionei:
Parei de respirar.
Ele avançou pelo salão com o queixo erguido – como se fosse o dono
do mundo. Porte atlético. pele bronzeada, cabelos e olhos tão negros quanto a
noite. Expressão sinistra.
Olívia notou meu silêncio. Eu não ria, nem conversava. Apenas fitava
a mesa dos di Santorum com a expressão assustada e obcecada.
– Combinado.
– Toma. – Ela abriu seu refrigerante e o colocou sobre a minha
bandeja. – Um presente para inaugurar nossa amizade. Ela é apenas um feto
ainda, precisamos nutri-la.
Eu ri.
Sinceramente, sentia-me feliz por ter conhecido Olívia. Esta era uma
terra estrangeira e uma vida nova. Eu precisava de aliados e amigos genuínos.
Uma das garotas a chamou, capturando-a para uma nova conversa.
Arregalei os olhos.
Ela não entendeu por que eu menti. Eu disse que entrei em pânico.
Não quis citar o fato que realmente me assustou: a aparência imutável do
garoto.
Ela riu.
– Nunca saberemos.
Ela se sentou em sua cama, passando hidratante nas pernas.
– Não sei, não. Agora que ele se lembra de você, talvez se tornem
amigos.
Bufei.
– Duvido muito.
– Eles chegaram.
Quatro carrões luxuosos adentraram pelos portões, e estacionaram na
porta da frente. Cada um dos primos di Santorum saiu de um carro.
Avançaram para a entrada do Palacete, com os queixos erguidos e as faces
perversas.
A semana se passou.
“E aí? Você faz uma matéria comigo, não pude deixar de te notar...”
O quê?!
Tinha que ter sido um mal entendido. Qual era a outra explicação
razoável?
Ele respondeu: Sinto muito. O cara é perigoso, não posso arriscar.
Quem sabe da próxima.
Que insanidade.
Chegou a sexta-feira.
Eu sabia que, na sexta, o time de natação não treinava depois das
aulas. E como boa recifense amante do mar, eu precisava nadar. A semana foi
permeada por uma tensão confusa, e eu queria relaxar.
Voltei a nadar. Desta vez, não mais para mim – mas para ele.
Eu sentia o olhar feroz me devorando. A nuca, arrepiada. Eu
reconhecia aquela sensação. Senti-a oito anos atrás, numa situação
semelhante. Apenas um homem no mundo continha tal olhar incendiário, e
capaz de me causar essas estranhas reações.
Nós nos encaramos fixamente. Desta vez, sem nos ignorar. Era um
momento decisivo.
Andei até a borda e tomei coragem. Questionei:
Paralisaram ao ver Tristan ali, bem ao lado. Mãos nos bolsos e face
mal-humorada.
– Ah, D-dom Tristan – uma delas gaguejou. – Desculpa! Não
sabíamos que estava usando a piscina hoje.
– Cazzo.
Não acredito.
Saí da piscina ardendo em frustração.
Era um pouco triste? Ok, era. Mas eu não perderia o meu baile de
recepção porque não tinha um homem ao meu lado. Não estávamos no século
XIX, pelo amor de Deus.
Olívia usava um vestido preto de paetê, e, eu, um dos seus vestidos
vermelhos. Mangas compridas com uma fenda na coxa. Usei meus scarpins
pretos e passei um batom vermelho. Olívia me convenceu, embora não fosse
muito o meu estilo.
Aconteceu de repente.
Tinha os olhos vermelhos, mas só. Parecia estar sem dor. O spray não
teve efeito sobre ele.
Caralho.
Outro respondeu:
– Vou provar o sangue dela primeiro. Quando estiver fraca, você pode
brincar com ela.
Então avançou, cravando os caninos – absurdamente afiados – em
minha garganta. Os dentes eram como agulhas cortando a carne.
– D-dom Tristan...
Outro praguejou, voz estrangulada.
– Caralho, estamos mortos.
Caída no chão, olhei para cima e o vi. Tristan estava há alguns passos
de nós. Pulsos fechados e dentes cerrados em ódio. Encarava os homens com
uma fúria assassina.
Falou bem devagar. Quase pude ver o veneno escorrendo das
palavras:
– Porque você é mais esperto que os outros, irei te poupar. Você irá
passar a minha mensagem para sua família desprezível. Se eu vir algum de
vocês em meu território novamente, vou matar sem piedade. Queimarei suas
casas e dizimarei todo o seu clã.
– S-sim, Senhor.
Não é real, não é real, eu repetia para mim mesma, bochecha contra o
chão. Semiconsciente, sabia que havia perdido muito sangue. Estava em vias
de desmaiar.
“Ela acordou!”
Havia quatro homens no quarto. Os quatro di Santorum.
Ele me segurou.
– Confie em mim, amor.
Amor?
– Não irei.
Francesca.
A governanta do alojamento?
Francesca escolheu jeans, sapatilhas e blusa de frio. Minha nécessaire
também estava ali, portando escova de dentes e alguns itens de maquiagem.
Amém.
Abri a porta.
Do outro lado, havia de fato um salão de jogos. Eros e Azlam
jogavam sinuca. Athos, o de cabelos castanhos e compridos, sentava-se num
sofá de couro próximo, lendo um livro. Fones de ouvido bloqueavam o
barulho dos primos.
– Onde eu estou?
– É claro que perguntaria por ele. O que está rolando entre vocês?
A curaram? De quê?
Deus, tantas perguntas.
– Você já sabe o que nós somos. – Mãos nos bolsos, olhar austero.
Aquele homem não brincava. – Só não quer dizer o nome porque isso te
aterroriza. Vai ferir suas crenças humanas e desestabilizar seu mundo real.
– Argh. – Serviu-se com uma taça de vinho tinto e deu uma golada.
Parecia frustrado. – A hora de contar a verdade a elas é uma merda. Preciso
beber.
Azlam grunhiu.
– Nos sequestrar e nos estudar em laboratórios, como malditos ratos.
Ai, meu Deus. Me sentei no sofá próximo. Enterrei o rosto nas mãos.
Calma, Clara.
– Vocês têm quantos anos?
Não tinham.
Perdi o ar.
– Por isso vocês nos trazem para cá? Financiam bolsas para mulheres
do mundo inteiro estudarem aqui?
Eros estalou a língua.
– Bingo. Até que ela é esperta.
Eros era o único dos irmãos que levava aquilo na brincadeira. Athos e
Azlam se mantinham muito sérios.
– Se eu terminar o meu curso de Mestrado aqui...
– Não eram homens, eram vampiros. Ele não estava tendo prazer e
nem se alimentando. Estava matando.
Eu me levantei de supetão.
– Vocês me enganaram. – Voz traída. – Enganaram a todas as
mulheres que vem para cá, cheias de sonhos! Estão nos usando. Somos
prostitutas de sangue para vocês.
Eu ri com desdém.
Arregalei os olhos.
Athos se ofendeu.
– É evidente que não! Está livre para ir quando quiser. Não
prendemos nenhuma de nossas mulheres. Mas, ao partir, terá que assinar um
contrato garantindo o sigilo do nosso segredo.
– Então está decidido. Não fico neste palacete assombrado nem mais
um minuto.
– Eu não devo nada a ele. Não devo nada a vocês! Sou uma mulher
livre.
Vim para estudar, não para ser uma meretriz de sangue para aqueles
caras estranhos.
– Maldição, isso irá nos ferrar. Tristan ficará furioso conosco se você
for agora.
– Então vão ter que me prender.
– Não iremos. Você é uma mulher livre. Sinta-se à vontade para ir.
Quase bufei. Obrigada pela compaixão, Suas Excelências.
– Mas ela é a mulher do Tristan. Isso vai dar uma merda muito
grande.
Perambulei por todo andar, até achar uma escada. Consegui. Desci e
chegar ao primeiro andar, e saí no jardim do Palacete.
Já era noite. Eu dormi por quase 24 horas... Meu Deus.
Corri para o meu quarto. Olívia não estava por ali. Deve ter saído com
Enzo.
Não saí. Àquela hora, esperar na rua seria perigoso. Então fiquei ali
parada, entre o portão e o jardim, pensando no que fazer.
Massageei as têmporas.
Para onde eu iria? Um quarto de hotel, uma pensão? Nesta cidade,
seria tudo muito caro. Eu conseguiria bancar por uns dias, depois, não mais.
Teria que arranjar um emprego à noite. Atrapalharia meus estudos, mas não
vi opção. A não ser...
Engoli em seco.
– Sim. – Tomei coragem: – Por que deveria? Nós não somos nada um
do outro.
Abri a boca para responder, mas perdi as palavras. Eu não sabia o que
dizer. Aquele homem habitava meus sonhos secretos. Contudo, era um
monstro sanguinário de outro século. Assustador.
– Não posso mais ficar aqui. Não depois do que eu descobri. Vocês...
Vocês são monstros.
Uma chance? Eles bebiam sangue humano para viver! Pelo amor de
Deus!
– Seus primos se relacionam com humanas. Por que você não pode?
Perdi a paciência.
– Como assim?!
Vacilei, chocada.
– Você não faria isso.
Engoli em seco.
– Não é o suficiente.
Ele trincou o maxilar.
– Eu não costumo implorar, Clara Mourão. Não vou pedir outra vez.
Nem mesmo por você.
– Não posso.
– Pode.
– Não posso.
– Eu vou te ajudar.
– Eu estava esperando.
– Não.
– Não é o suficiente.
– É só o que posso dar.
– Pare.
Ele suspirou.
– Eu sei.
Seu rosto voltou a ser sombrio.
Será que era o isso o que chamavam de... Amor à primeira vista?
Sim, o amor real era construído com o tempo. Mas, e uma paixão?
Quem eu pretendia enganar? Por ele, passaria por cima dos meus
princípios e daria uma chance àquele sentimento. Mesmo que fosse um
homem assustador e não pudesse me fazer promessas.
Olívia era a ponte entre nós. Sem ela aqui, não tínhamos nada em
comum.
– E aí.
Eles saíram da própria mesa para se sentarem com ela? Como ela
conseguiu tal façanha?
Eu quase me engasguei.
Tristan tinha os braços cruzados, recostado na cadeira. Lançou um
olhar aborrecido para Eros.
– Foi mal.
A garçonete veio até nós. Athos fez o pedido. Pediram para mim
também. Eu contestei, vez que já tinha uma bandeja à minha frente.
– Você come esta gororoba barata todo dia. Tristan quer que você se
alimente melhor, para sua saúde. Vamos fazer um novo pedido.
Mas o quê...
Retruquei, igualmente irritada.
– Se está tão furioso por ter que se sentar comigo, pode ir embora.
Não quero que fique se não for da sua vontade.
– Para quê? Para que você faça as suas malas e vá embora sem nem
me avisar? Como se me conhecer não fosse nada?
Fechei a boca.
Mesmo assim, aqui estava ele. Furioso e ressentido? Sim, mas ainda
aqui.
– Não. Por isso nós podemos morder nossas mulheres sem matá-las.
– Azlam e eu temos 550 anos. Esta criança que nós criamos – apontou
para Eros – tem apenas 120.
Eros me olhou.
– Ei, ainda não somos íntimos para fazermos piada um sobre o outro.
– Ah, isso. Nós somos meio que uma família da nobreza entre os
vampiros vivos. Coisas remanescentes de séculos atrás.
– Ah, e daí vem o “Dom”?
– Vivos e mortos?
– Sim. Resolvemos as questões dos vampiros mortos, e mantemos os
vampiros vivos na linha. Eles obedecem a nós.
– E por quê?
– Então por que deixam esse tipo de... Criatura existir? Vocês
parecem civilizados, mas os vampiros mortos são monstros selvagens. Suas
existências são grotescas.
– Porque não queremos uma guerra. Muitos humanos sairiam mortos.
Já aconteceu séculos atrás, e foi um extermínio em massa. Na guerra, os
vampiros não respeitam nossas leis e matam humanos sem pudor. É nosso
papel como família Nobre manter Roma segura para os humanos.
– Dormem em caixões?
Todos riram, menos Tristan.
– Alho?
– Mito.
– Estaca?
– Sol?
Meu problema real não era com os di Santorum. Meu problema era
Tristan. Sempre ele. Eu queria conhecê-lo. Estar em sua cama e em sua vida.
No entanto, como faria isso se grande parte do meu coração tremia de
medo em sua presença? E não só porque ele era naturalmente assustador, e
sim porque era um monstro sugador de sangue.
– Como assim?
– Quero vê-los bebendo sangue de forma civilizada. Ver como
funciona. No meu imaginário, parece selvagem. Coisa de filme de terror.
Preciso ver com meus próprios olhos para atestar que não é bem assim.
– De jeito nenhum.
– Qual é? Será a melhor solução. Ela verá o nosso pior e poderá tomar
uma decisão.
– Não aceito. Irão confundi-la com uma meretriz de sangue.
Eros riu.
– Tão certinha, mas tão boca suja. – Piscou para mim. – Gostei de
você.
– Sei. Mas você daria uma bela companheira de copo. Quando você
se casar com o Tristan e ele te irritar, pode vir me procurar no palacete. Nós
tomaremos uma cerveja juntos.
O quê?!
– Quando eles se casarem...? – Azlam segurou uma risada. – Eles
praticamente se odeiam.
Eros suspirou.
– Perdoe nosso irmão. Seu mau humor é lendário. Ele não gosta de
ultimatos e você está o forçando a socializar.
Fiquei embaraçada.
– Não estou forçando... Foi um acordo.
– Meio que está, sim. Ele faria qualquer coisa para você não ir
embora. Até passar por cima do próprio orgulho.
Azlam emendou, retirando uma nota de cem do bolso.
– Exato. Digamos que ele não aceita muito bem quando ferem o
orgulho dele. E por isso hoje está especialmente detestável.
– Até.
E foram embora. A garçonete veio até a mesa. Recolheu os pratos e
pegou o dinheiro.
A senhora se sobressaltou.
– Claro que não, querida. Os cavalheiros arcaram com tudo. Fique
tranquila.
Minha vida ganhou uma guinada de 180 graus outra vez. Fui jogada
numa história de terror e aventura. Vampirismo, o quase-envolvimento com
Tristan, a amizade com os reis da Università...
Loucura.
Ao término das aulas, voltei para o alojamento.
Ela apenas negou com a cabeça. Comprimia os lábios para não chorar.
– Não.
No outro dia, não fomos a aula. Vê-lo nos corredores seria uma
tortura emocional para ela.
Ela passou o dia todo na cama. Se recusava a sair, dormindo o dia
inteiro. Comia pouco ou quase nada.
Eros.
Respondi na hora.
Não vai dar. Minha colega de quarto não está bem e precisa de mim.
O que houve com ela?, Eros perguntou.
Olívia não falava muito, mas aceitou sair da cama. Já era um começo.
– Alô.
Desliguei na hora, assustada. Era a voz de Tristan.
Abaixei o celular, em choque. O que ele queria dizer? Que havia sido
por mim também?
Saber dos acontecimentos animou Olívia. A vida retornou aos seus
olhos.
Ela não quis me dar detalhes de como havia sido. Eu também não
insisti.
Eu sabia que ela demoraria a se recuperar por completo. Isto é, se é
que se recuperasse. Existem coisas que não podem ser esquecidas.
– Exato. – Grunhi.
– Ficou louca?! Eles irão nos decapitar, devorar nossos órgãos e...
Chegamos à mesa.
Athos olhava o cardápio.
Azlam emendou:
– Só estávamos a esperando para fazer o pedido.
– Anotado, Majestade.
Azlam bufou.
– Iludido.
Eros esclareceu.
– Você estava ocupada demais com o verme do Castellano.
– O quê?! Você sabe sobre o Enzo?
– Claro. Quem acha que deu uma lição no bastardo? – apontou para
Tristan. – Nosso irmão quase o matou. Foi a surra mais bem dada que já
presenciei. Ele só parou porque o forçamos.
Olívia olhou para Tristan, incrédula.
– Você... Você fez isso por mim? Não vai dar problema para você?
Tristan garantiu que este fosse expulso, mas apenas o Reitor sabia o
motivo. A razão jamais se espalharia.
– Tem certeza sobre isso? – apontei para a lata que tomava. – Você
não precisa ser mais pilhado que já é. Vai enlouquecer seus irmãos.
– Há, há. Só estou tomando porque preciso ficar ligadasso hoje. A
noite vai ser longa.
– Só não te levo também porque acho que sua amiga não irá aprovar.
– Por que não?
Claro que eu não queria Olívia no Clube. Uma garota linda cercada
por vampiros sedentos? Não mesmo. Ela já tinha problemas suficientes.
O almoço prosseguiu.
Convidei Olívia para não causar suspeitas. Obviamente, ela não tinha
clima para festa.
Olívia não engolia muito bem minha amizade-relâmpago com os
garotos. Então, contei a verdade em partes. Meu irmão era amigo do Tristan,
e através dele fiz amizade com os primos. Aconteceu na festa, quando você
estava distraída com o Enzo.
– Não, ele sabe ser legal quando quer. Nem sempre é um cretino.
Fiz uma careta.
– Claro que é. Ele detesta admitir que está nas suas mãos.
– Bem gata.
Azlam comunicou.
– Considere feito.
– Certo...
– Mas ele é lindo para cacete. As outras é quem são o perigo. – Além
do mais, não tínhamos nada sério. Só estávamos... Nos conhecendo.
Fiquei embaraçada.
Eu não era a melhor. Nem a mais rica, nem a mais linda. Contudo, a
química e a paixão não se submetem à lógica. O coração quer o que ele quer.
– E o que será que isso significa, Athos? Fala a verdade para mim.
Ele sorriu paternalmente, pousando uma mão sobre a minha.
Uma garçonete veio até nós, morena e bonita. Depositou dois copos
de uísque por sobre a mesa.
– Dom Athos – sorriu. – Aqui estão uns drinques por conta da casa.
Que bom que veio nos visitar hoje.
– Você se incomoda?
Que. Bizarro.
– Mas já? O senhor bebeu tão pouco... Não está com fome?
Sorriu compassivo.
– Já chega.
Ela acariciou seus cabelos, sedutora.
Athos se preocupou.
– Acho que não é uma boa ideia.
– Ok. Nos vemos mais tarde. Não vão embora sem mim.
Ele bufou.
Rosnou, furioso:
– Mas, Dom...
Um amor de garota.
Estendi o pulso.
– Ficou louca?
Fui honesta:
– Para saber quem é você de verdade. O que eu posso aceitar do seu
modo de vida, ou não. – Engoli em seco, constrangida. – Só assim irei saber
se existe uma chance para nós dois.
– Venha comigo.
Ele se sentou num dos sofás. Deu um tapinha no espaço ao seu lado,
me chamando.
– Estou.
– Sim. Eu preciso.
Eu me levantei também.
Meu vestido se abria num zíper lateral. Capturei-o, abrindo até o fim.
Meu vestido caiu aos meus pés, deixando-me de sutiã e calcinha.
Vermelhos, de renda.
Sonhei com Tristan por oito anos. Oito anos de um amor e tesão
reprimidos, transbordando por meus poros. Invadindo meus sonhos mais
secretos, atrapalhando todos os meus namoros reais.
Naquela noite, eu não queria fazer amor com ele. Eu queria foder.
Avancei. Peguei um cubo de gelo no balde da mesinha. Passei minha
língua nele.
– Vire-se.
Ele tinha os dentes trincados.
– Não. – Vociferou.
– Vire-se.
Eu era uma nerd santinha, sim, e nunca havia vivido uma aventura
sexual selvagem. No fundo, sabia que havia guardado todo o meu lado
obscuro para Tristan. Ele me despertava o pior. Por ele, eu passei por cima do
bom senso e da vergonha.
Naquela noite, eu o faria foder comigo. Custe o que custasse.
Peguei o cubo de gelo e passei por sobre a calcinha. Entrei com ele ali
dentro. O cubo tocou minha fenda, causando a contradição de sensações
deliciosas. Masturbei-me com ele, deixando-o roçar no meu clítoris.
Tristan fechou mais os punhos.
– Não é isso.
– Então o que é?
– Não posso te dar amor. Se quiser sexo, vai ser só isso. Por enquanto.
É o máximo que posso oferecer.
– Tem certeza? Não posso te dar amor, carinho e essas outras merdas
de humanos. Eu sou um mostro e só sei foder.
Endureci a expressão. Decidi-me a ter o que podia dele naquela noite.
Depois, eu pensaria no que fazer.
– É só o que eu quero.
Sim, já havia tido sexos bons. Mas aquilo... Caralho, aquilo era
sensacional.
Soltou-me, abrindo meu sutiã com destreza. Retirou a peça e encarou
meus seios.
– Valeu à pena esperar tantos anos. Você virou uma mulher deliciosa.
Engoli em seco.
– Sim, senhor.
Com uma mão, ele segurava meus cabelos. Um movimento violento e
erótico. Com a outra, abriu o zíper da calça. Pude ver sua cueca preta. O
membro ereto, duro e latejante debaixo do pano.
Nunca gostei de sexo oral. Marcos queria ser chupado por horas,
sempre egoísta. Aquilo me deixava entediada e frustrada, pois ele nunca me
chupava de volta. E quando o fazia, era algo sem vontade.
Mas Tristan me chupou como um homem faminto recebendo comida
após dias. Como se minha boceta fosse a coisa mais preciosa que já houvesse
colocado na boca.
Agora, eu devolvia o favor, maravilhada.
– Só o meu pau vai entrar na sua boca a partir de hoje. Ficou claro?
– Sim.
– Sim, o quê?
– Sim, senhor.
– Sua boceta também é minha. Se entregá-la para outro, eu matarei o
maldito e castigarei você.
– Entendi, senhor.
Eu obedeci na hora.
Perfeito.
Ele avançou para mim. Masturbava o membro ereto, preparando-o.
Ajoelhou-se. Encarou minha entrada aberta, estreitando os olhos.
“Que delícia...”, rosnou. Masturbando-se com uma mão, me chupou
novamente. A língua brincava no buraco da minha entrada, me fazendo
gemer em antecipação.
Nunca senti tesão por sexo anal. Agora, a língua do garoto me fazia
repensar.
Quando eu já estava aberta e arfante, ele se levantou. Passou a ponta
do membro no meu ânus e eu gemi.
– Vou comer a sua bunda hoje, e você vai ficar quietinha. Fui claro?
– Sim, senhor.
– Não.
A verdade era que Tristan me fez ansiar por aquilo. Sua língua me
estimulou. Seria um outro tipo de prazer, e seria com ele. Aquilo me deixava
curiosa e ansiosa.
– Certo.
Me faria gozar.
– Me fode, por favor.
Minha necessidade dele era visceral. Forte, suja e violenta. Tinha que
ser assim. Pelo menos da primeira vez.
Tristan evitava meu olhar. Arrumou a roupa, foi até a porta e a abriu.
Recuei, ferida.
– Nada demais... – tentei conter o embaraço. – Andar de mãos dadas
não significa nada.
– Significa que somos um casal. Já avisei para não ter esperança! Não
farei nenhuma dessas merdas.
Disfarcei a ferida com escárnio.
– Mas o quê... Até onde você vai para me ferir? Eu sei que você
também gosta de mim! – vociferei. – Pare com este teatro! Só machuca a nós
dois!
– Eu duvido.
– Ótimo.
Riu em desdém.
Aquilo não era justo comigo. Nenhuma mulher deveria passar por
isso. Cadê a porra do meu amor próprio?
– Deixe comigo.
Ele não bebeu meu sangue. Pelo contrário, senti que me injetava
algum líquido advindo das presas.
– O quê...?
Começou a chover.
Os pingos me molhavam, e eu não conseguia me mexer. Nem gritar
ou pedir ajuda. Fiquei ali por um bom tempo, até que um casal saiu, se
abraçando e rindo.
– Foi atacada... Droga, isso vai dar uma merda muito grande. – Passou
a mão pelos cabelos. Se ajoelhou ao meu lado, notando meus olhos se
movendo em pavor. – Ela está consciente. É veneno paralisante. Fique aqui e
cuide dela, vou lá dentro procurar o Dom Athos.
Os di Santorum chegaram.
Eros foi o primeiro a me ver. Pousou a mão na nuca, apavorado.
– Hã... Acho melhor não, meu irmão. Parece que ela não quer. Vocês
brigaram?
Tristan rosnou.
– Agora, Azlam. Ninguém cuidará dela melhor do que eu, e você sabe
disso.
– Ei, não desconte a raiva na família. – Eros interveio. – Sei que você
está puto, cara, mas a culpa não foi nossa.
– Irmão...
– Não falem comigo. – Vociferou. – Olhem o estado dela agora. A
merda já aconteceu! Se fossem a mulher de vocês, eu jamais abandonaria!
Façam algo útil e peguem o meu carro. Vou tirá-la daqui.
– Quando eu descobrir o nome do bastardo que fez isso com ela, irei
matá-lo. Beberei seu sangue e pendurarei seu corpo na porra da minha
parede.
– Quem fez isso as desligou, irmão. Não seria estúpido para comprar
uma briga conosco... Seria uma sentença de morte.
Athos se sentou ao seu lado. Repousou uma mão sobre seu ombro.
Athos me olhou.
– Ok, mas controle seu gênio. A Clara não precisa sofrer mais.
– Não quero mentir para você. Eu conheço esse veneno que corre em
suas veias muito bem. Pode durar semanas...
– Eu disse que não era bom para você... Minha espécie fodeu a sua
vida. Não se preocupe. Eu te subordinei à minha espécie maldita, então eu
vou te tirar dessa. Independente da nossa relação. Vou cuidar de você até se
recuperar. Depois, sairei da sua vida, e você nunca mais terá que ver um de
nós outra vez.
– O quê? Quer que ela coloque a polícia atrás de você? É melhor que
sua amiga acredite que estamos dormindo juntos a surtar com sua ausência.
Como pretende explicar sua paralisia vampírica para as autoridades?
Fiquei tocada.
Não sabia dizer. Meu cérebro dizia “não”, mas meu coração
discordava.
Ele nos ama, sim. Nenhum homem indiferente nos trataria com tanto
carinho.
Tristan sabia que perder o semestre me arrasaria. E, embora não
conversasse comigo, concedeu-me o que havia de mais precioso para ele...
Athos teve que forjar uma carta com minha letra, e enviar ao Brasil
para acalmá-los.
Tristan mandou que mentissem para Olívia. Disseram a ela que eu e
ele havíamos ido para a Grécia numa viagem romântica. Ela se chocou, mas
acreditou. Eu e ele sumimos da Università. Olívia jamais imaginaria a
verdade dos fatos. Eram muito mais loucos que uma viagem-relâmpago.
Ele bufou.
Em razão da hora, não havia mais ninguém lá. Claro que não.
Para todos os efeitos, Tristan e eu estávamos numa viagem romântica
– e não exilados no andar superior.
– Eu sou adotado.
Suspirou.
– Nunca contei isso para ninguém a não ser meus irmãos. Neste
último mês, passei mais tempo com você do que jamais passei com qualquer
outra mulher. Nunca me casei, como meus irmãos. Nunca amei
profundamente. Sempre tive muitos... Problemas pessoais para lidar. E
embora tenha vivido 99 anos, nunca tive tempo para amor e outras merdas.
Continuei o encarando, esperando por mais.
Ele abria uma fenda para mim em sua vida misteriosa. Sem perceber,
me sentia honrada.
“Há 100 anos, essa mulher vampira engravidou. Ela era uma
aberração. Meio humana, meio vampira. Conseguiu gerar um filho por estar
viva, e passou o gene vampírico para ele. O pai era um vampiro morto.
Sienna era o seu nome. Ela tinha relações com todos os tipos de vampiros.
Enganou a todos, se passando por uma mulher humana. Não permitia que
ninguém a mordesse, mas matou muitos homens. Tanto vampiros, quanto
humanos. Sua vida foi um banho de sangue. Então, ela virou um monstro
lendário em Roma. Seu nome permeia as cantigas infantis, e aparece em
lendas por toda a Itália... Sienna era uma vampira viva e só saía à noite. Virou
o mostro sugador de sangue noturno. A versão feminina dos vampiros vivos
de hoje. Diziam que ela era tão sanguinária porque procurava pelo vampiro
que a transformou. Foi matando a todos no caminho até o encontrar e se
vingar.”
– Acontece que esse filho sou eu. Sienna me gerou, mas não cuidou
de mim. Era uma vampira sanguinária sem qualquer instinto maternal.
Abandonou-me com meu pai. Ele também não me quis. Eu era uma
aberração, filho de um vampiro morto com uma vampira viva. Nem um, nem
outro. Não pertencia a nenhuma das castas. Vivi pulando por lares adotivos e
orfanatos. Era expulso assim que descobriam minha sede por sangue. Quando
fiz dezessete, Athos ficou sabendo de mim. Uma criança que perambulava
pelas ruas de Roma, perigosa e com sede de sangue. Descontrolada. Ele me
adotou, levou-me para sua casa, e me ensinou tudo. Cuidou de mim como um
filho. Eu cresci entre os di Santorum e virei um deles. Aos vinte e sete, parei
de mudar, e não envelheci mais. Hoje, os três são meus amigos e irmãos. A
única família que conheci. – Cruzou os braços, reflexivo. – Sienna morreu há
muitos anos. Nunca conheci o vampiro que foi meu pai.
– Eu menti para você, Clara. Todas as crueldades que falei foram para
te expulsar da minha vida, porque sou perigoso demais para estar ao seu lado.
Não posso me dar ao luxo de te amar. Qualquer mulher humana que ousar me
acompanhar por muito tempo, corre um sério risco. O sangue em suas veias
me tenta a todo minuto. Eu quero te beijar, mas também quero te matar. Não
confio em mim mesmo para estar com você. Sou um monstro domado, mas
ainda sou um monstro. Por isso sempre mantive uma distância emocional de
qualquer mulher humana que cruzou o meu caminho. Não posso me apegar a
nenhuma delas... Porque elas podem morrer por minhas mãos a qualquer
momento. Basta uma recaída. Basta o instinto falar mais alto, ainda que por
só um segundo. Qualquer deslize meu, e ela terá seu pescoço estraçalhado.
Ficar ao meu lado por muito tempo é uma sentença de morte.
Então era isso? Será que Tristan também estava apaixonado por mim?
E só se mantinha longe por que tinha medo de me machucar? Por isso era tão
cruel, e tentava me afastar?
Eu quis me mexer. Quis erguer a mão e tocar seu rosto. Confortá-lo,
dizer que ele também tinha o direito de experienciar o amor. Dizer que,
enquanto eu vivesse, ele nunca estaria sozinho.
Ele notou meu olhar emocionado. A ferocidade findou, e seus traços
se suavizaram.
Aquilo foi demais para mim. Uma lágrima escapou dos meus olhos.
Quis erguer a mão e limpar meu rosto; não queria que o garoto me visse
chorando.
Arregalou os olhos.
– Caralho! Você... Você se mexeu. – Levantou-se, eufórico. – Sua
mão se mexeu, Clara! – Ele abriu um sorriso sincero. Talvez o único que já
presenciei Tristan soltar. – O veneno está saindo do seu sistema!
****
Era uma sexta à noite. Seria minha última noite na casa dos di
Santorum. Amanhã, voltaria ao dormitório.
Estávamos reunidos no salão de jogos. Azlam saiu com uma mulher.
Eros e Tristan jogavam sinuca. Athos sentava-se ao meu lado no sofá, lendo
um livro.
– Não.
Bufei.
Deu de ombros.
Eros se animou.
– Que tal um ménage? Posso convidar algumas amigas. Deus sabe o
quanto preciso de sexo.
****
Naquela manhã de sábado, voltei para o alojamento.
Olívia se apavorou.
– Clara, pelo amor de Deus! Eles irão nos massacrar! Eu nunca fiz
educação física só para não quebrar a unha!
Gargalhei.
– Ai, droga.
Tristan pulou por sobre o irmão, levando-o ao chão. “Não tão cedo!”,
e arremessou sua pistola ao longe.
Azlam se indignou.
– Ei, cara! Você é do meu time!
Correndo, dei de cara com Olívia. Ela estava encolhida atrás de uma
parede de pneus, arfante.
Retirou o capacete.
– Tarde demais, já estou morta. Seus amigos são loucos. – Havia uma
mancha laranjada em seu peito.
Que droga. Estava cada dia mais laborioso sustentar aquela mentira.
Encarei-a.
– O quê? Você sabe que não posso ver um tatuado com cara de
malvado que já fico molhada. Eles são meu ponto fraco.
Acotovelei-a.
Ergui as palmas.
– Estou. Ele é lindo, e tal, mas não me apaixonei por ele. – Há, há.
Conta outra, minha filha. – Foi só sexo.
Para ele. Para mim, foi um amor épico. Mas eu era uma adulta e não
poderia me agarrar a ilusões.
– Droga. – Rosnei.
Sexo nos aproximava. Era a único idioma pelo qual conseguíamos nos
comunicar sem soltar farpas. E eu queria agradecê-lo. Então, fiz o que sabia
fazer de melhor e dei o meu jeito.
Por vinte e três anos, pensei não gostar muito de sexo. Pensei ser um
tanto frígida.
Estava errada. Só não havia encontrado o parceiro certo.
– Morde.
“Tristan!”, a voz de Eros chamou ao longe. “Sei que você está aí!”
Abri os olhos, assustada.
– Merda.
Tristan tirou os dentes e dedos de mim. Deu dois passos para trás, se
afastando – olhos fixados aos meus. Levou os dedos à boca, chupando-os.
Ele me olhou.
– O quê?
Soltei um sorrisinho.
Saímos da cabana.
Eros me colocou por sobre os ombros, gritando a plenos pulmões.
“Acabou, otários! Vitória do time vermelho! Somos os reis da porra toda!”
Olívia se chocou.
Eros rosnou.
– Vá ajudá-lo, Eros.
– E levar tiros? Não, obrigado. Peles mortas demoram para se curar.
Tristan dará conta.
Olívia se desesperava.
– Vocês estão brincando com a minha cara?! – berrou. – Eles estão
apontando armas para a cara do seu primo!
Eros se assustou.
Eros saiu do carro e foi lutar. Assim que o fez, eu saltei para o banco
do motorista.
Olívia se apavorou:
– O quê?! – berrou.
Desmaiei.
Acordei, confusa.
Abri os olhos lentamente e me sentei, massageando o pescoço.
– O que aconteceu?
Athos me olhou, sério.
Engoli em seco.
– Estão... O machucando?
– Você sabia disso o tempo todo? Que nossa faculdade estava cheia
de vampiros?
Me entristeci.
– Inacreditável.
– Eros! – me indignei. – Ela já passou por muita coisa! Não era a hora
de contar!
Ele se enfureceu.
Foi a primeira vez em que vi Eros furioso. Nossa situação era mesmo
crítica.
– Que ironia. Um cara que eu mal conheço foi mais sincero comigo
que você.
– É o que pensávamos.
– Ah, eu sei sim. – E piscou. – Nós fodemos num beco escuro e você
adorou. Foi cerca de cem anos atrás, então posso entender sua confusão.
Porém, olhe bem para mim... Eu sou uma amante inesquecível. – Fez carinho
em seus cabelos, estalando a língua. – Estou decepcionada com você, Dom.
Achei que seria um reencontro épico de amantes.
Passou para Eros e Azlam. Fez carinho nos rostos de cada um deles.
Azlam se desvencilhou com violência, e Eros mostrou as presas.
Ela gargalhou.
O quê?
Eros cuspiu.
– Vocês são burros? Vampiros vivos são monstros descontrolados.
Eles só pensam em sangue. Não são civilizados o suficiente para tomar
decisões por nossa espécie inteira. Sem o comando dos di Santorum, irão nos
expor para o mundo humano em questão de meses. Será o fim das duas
castas.
Athos se chocou.
– Quem é você?
Azlam grunhiu.
– Bom, eu não sei nada. Mas conheço alguém que sabe. Ele está
chegando – colocou uma mão na lateral do ouvido – já ouço seus passos.
Não.
– Meu filho.
****
Azlam rugiu.
– Seu maldito! Eu vou te matar! – e tentou se levantar.
De súbito, caiu de joelhos, gritando. Ouvimos um barulho de algo se
eletrocutando, seguido por um cheiro de queimado. Aroma de pele
chamuscada.
– Pare. – Ele o cortou. – O que está feito, está feito. Eles armaram um
plano genial que durou cem anos. Fomos enganados, não adianta negar.
Aceitemos o castigo e paremos de nos humilhar.
– Estou me fodendo para isso. Tristan não é mais problema meu. Nos
liberte agora.
Mas o quê...?
Eu joguei a cabeça para trás e gargalhei. Uma risada zombeteira e
ferida. Lágrimas escaparam dos meus olhos. Eu as limpei, humilhada.
Ele ameaçou. “Nem fodendo. Sem você não abrir, irei arrombar.”
“Você não ousaria”, me choquei.
– Onde você se meteu? – voz venenosa. – Faz quinze dias que eu não
te vejo, porra.
– Isso ainda não acabou. Você voltará para mim, custe o que custar.
****
– Ai, vó...
– Não está feliz por nos ver, Clarinha? – meu avô desconfiou, ferido.
– Claro que sim, vô. Só estou meio chocada. – Soltei um sorrisinho
ameno para disfarçar. – Esta é a primeira viagem internacional de vocês, não
é?
– É, sim. Seu avô veio me perturbando a viagem inteira. – Minha avó
rolou os olhos. – Teve medo do avião.
– Que garoto gentil! Você fez ótimos amigos por aqui, Clara.
– Pois é.
Paralisei, chocada.
– Eu não te vi.
– Só observei de longe.
Puta que pariu, aquele homem era mesmo apaixonado por mim.
– Sim. Sempre apostei na sua inteligência. Seu sonho era fazer uma
faculdade Federal e eu acreditei em você. Foi um investimento que valeu à
pena. Veja onde você está agora... No melhor curso de mestrado de Roma,
por mérito próprio.
– Por quê?
– Desde que ela se mudou para o meu país, é claro. Antes, era muito
nova para mim. E eu jamais me envolveria com uma criança.
Minha avó respirou aliviada.
Ao final do jantar, meu avô pediu licença. Foi fumar do lado de fora.
Minha avó aproveitou a deixa e se dirigiu ao banheiro.
Virei-me para Tristan:
– O quê?!
– Passe cinco dias na minha casa, assim poderá ficar de olho neles.
– Você armou tudo isso, não é? – estreitei os olhos. Tristan sabia que
eu não teria dinheiro para hospedá-los num hotel, e visitas eram proibidas no
alojamento.
Meu queixo caiu. Desviei o rosto e bebi uma grande golada de vinho;
precisava de algo mais forte que isso.
– Quer saber? Eu vou. Nem morta deixarei meus avós sozinhos com
aqueles sanguessugas.
– Ótimo. – O garoto bebeu um gole de vinho, sorrisinho vitorioso.
– Bom dia.
Fiz questão de não sorrir.
– Clara, você por aqui! Que maravilha a ver outra vez! Passou a noite
com o meu filho?
Corei loucamente.
– Por quê?
Sério, por quê? Sienna parecia animada demais por nós dois.
Nenhuma sogra jamais me aceitou tão bem.
– Bom, torço para Tristan encontrar uma esposa há muitos anos.
Infelizmente, ele andou ocupado demais para pensar em amor. Mas agora que
situação se resolveu, estou ansiosa para que ele se case. Você é um raio de sol
nesta casa. – Fez uma careta, repensando. – Não literalmente, é claro. Nós
não somos muito fãs de sol por aqui.
Todos à mesa riram. Meus avós também sorriram, sem nada entender.
Não compreendiam o italiano.
Ela se assustou.
– Não sei. Talvez por seu filho ter enfiado uma faca nas costas dos
meus amigos, e traído a todos nós?
Ela revirou os olhos.
– Não sou a mulher certa para o seu filho, Sienna. Também não tenho
interesse em entrar para a família. – Bebi o copo de suco.
Perdi a paciência.
– Quer saber? Chega disso. Eu já deixei claro que não tenho nada com
o seu filho. Não estou fazendo birra, nem bancando a difícil. O que ele fez foi
muito sério e não tem perdão. Então, por que está tão determinada em nos
juntar? São esforços em vão.
Só queria sair dali. Ver Sienna – minha atual inimiga mortal – abrindo
o coração era muito embaraçoso. Me causava um conflito de sentimentos.
– Ótimo. – Tristan se levantou. – Temos muito para ver. – Convocou
meus avós, num perfeito português. – Vamos indo? Roma nos espera.
– Hum, e aquela mulher bonita era sua irmã? – minha avó questionou.
– Sienna? Era, sim. – Mentiu na cara dura. Não dava para contar que a
mulher era a sua mãe; eles aparentavam ter praticamente a mesma idade.
– E os seus pais?
Assim como hoje, teria que faltar aos próximos três dias na
Università. Aquilo seria péssimo para meu currículo. Entretanto, deixar meus
avós sozinhos com Tristan e sua horda de vampiros loucos não era uma
opção.
Sabia que aqueles dias de sol eram um presente para eles. Ficariam
cravados em suas memórias por anos a fio.
– Como assim?
– Porque eu faria insanidades por você. Qualquer coisa para realizar
os seus sonhos.
– O seu perdão.
Franzi o cenho.
– Nem vou responder. É uma discussão inútil.
Fitei o garoto, reflexiva. Ele era inteligente demais para lutar por uma
causa perdida. Então, o que era aquilo?
– Você sabe que está se enganando, não é? Toda essa luta será em
vão.
Não precisei dizer mais nada. Ele entendeu. O perdão não iria
acontecer. Eu não tinha um coração tão bom assim. A amargura pelo que ele
fez – e pelo que ele era – criou raízes profundas no meu coração. Eu
demoraria umas duas vidas para superar.
Os dias se passaram.
– Obrigada, meu jovem! Você não sabe o que estes dias significaram
para nós. Ver a Clarinha e estar aqui, neste país... Deus, foram os melhores
dias das nossas vidas.
– Está, sim.
Suspirou, desistindo.
– Obrigada, Oli.
Apontei ao redor.
Deu de ombros.
– Foi bom?
Bufei.
– Não se iluda, di Santorum.
– Um pouco.
– Você os amou?
– Eu sei, mas prefiro não pensar sobre. Causaria dor. E eu não sei
administrar muito bem sentimentos ruins.
– Pois é. – Murmurei inaudivelmente. – Nem a rejeição.
– Nós sabemos que tem algo podre nesta história. Os di Santorum não
se aposentariam tão cedo, nem entregariam o poder para um sangue sujo
como você. Você fere a pureza da nossa raça.
– Tenho, sim. Nós vamos descobrir o que caralhos você fez para
tomar o lugar dos di Santorum. A desculpa de aposentadoria não convenceu.
Pode demorar séculos, híbrido nojento, mas nós iremos te tirar do poder. Esse
lugar não é seu. As famílias de sangue-puro jamais irão te aceitar.
– Isso é pouco para o que posso fazer com você. Então, sugiro que vá
embora da Università e não ouse voltar. Nem amanhã, nem nunca mais. Mais
tarde farei uma visita à sua casa. Vamos ter uma conversinha amigável, assim
como tive com Enzo.
Aconteceu em segundos.
Tristan não pareceu sentir a dor. Agarrou a lâmina com mais força – e
quase pude ouvir o barulho da faca penetrando em sua carne mais fundo.
Ele tinha a face perversa.
Luigi soltou o cabo da faca e deu um passo para trás. O plano falhou.
Tristan retirou a lâmina de sua palma com a outra mão. E para o
espanto de todos, levou a lâmina até a boca e a lambeu (com sangue e tudo).
Parecia um monstro alucinado. Rosto cruel.
– Mas...
– Cale esta boca, eu não terminei. Estou sendo misericordioso por não
te matar, apenas tirar tudo que tem. Considere um ato de compaixão. O
próximo ataque não ganhará tanta misericórdia da minha parte. – E enfiou a
faca na madeira da mesa. Segurou a mão ferida com a mão boa, e olhou para
mim, ordenando. – Venha, Clara.
– O quê?! – eu, dirigindo esse carrão que valia mais que o meu
apartamento? Se batesse, estaria endividada para o resto da vida. – Acho
melhor não.
– Não estou em condições, Clara – grunhiu e ergueu a mão. – Sugere
o quê? Que eu pegue um ônibus?
– No meu bolso.
Avancei timidamente. Capturei a chave no bolso dianteiro de sua
calça. Abri a porta do carona para ele e afivelei seu cinto. Fechei a porta, dei
a volta no carro e fui para o banco de motorista. Liguei o veículo, nervosa.
Coração disparado.
Encarei-o.
– Mas, Tristan...
– Sem “mas.” Sei o que estou fazendo. Sou um soldado, não é a
primeira vez que tenho um ferimento de faca.
Fiquei calada a partir daí. Sabe-se lá o que o garoto viveu nos últimos
cem anos.
Chegamos ao Palazzo.
Fomos direto para o seu quarto. Era a primeira vez que eu conhecia
seu verdadeiro quarto. Um cômodo tão grande quanto o do palacete, só que
mais aristocrático e medieval. Armas nas paredes, estantes de livros em
diversas línguas, e muitos, muitos quadros.
– Pare de me encarar.
– Você fez uma insanidade hoje, sabia? Parar a faca com a mão,
sabendo que iria se machucar. Por quê?
Cocei a nuca. Que merda, não queria ficar sozinha com ele...
Argumentou:
– Eu sei que você me odeia, mas um favor não irá te matar. Só cinco
minutos. – Ergueu a mão, face inocente. – Veja, estou ferido.
– Ok. – Bufei. – Mas só porque você levou uma facada por mim.
Fomos até o andar superior. Era uma ala reservada da família, deduzi,
vez que Tristan não a mostrou aos meus avós durante o tour pelo Palazzo.
No meio do corredor, havia uma porta dupla. Ele a abriu com a chave
dourada. Deu um passo para trás, me convidando a entrar. Avancei
timidamente, olhando ao redor.
– Não quando estava com eles. Sempre dava escapadas para cá, para
ver minha mãe e pintar.
– Por que quis me mostrar isso? – observei ao redor, admirada. Suas
pinturas eram lindas.
– Para que veja que não sou o monstro sem coração que pensa que
sou.
Ok, então ele tinha talento para as artes e uma sensibilidade acima da
média. Percebi a doçura intrincada e profundidade de suas pinturas. Nenhum
monstro teria tal sensibilidade. Em todas as imagens, havia um quê de
melancolia, de solidão. Como se a vida dele não houvesse sido fácil.
– Na verdade... – ele avançou para o meu lado. Mãos nos bolsos, voz
enigmática. – Isso é uma confissão.
Fitei-o.
– Como assim?
Ele andou até a primeira pintura num tripé. Retirou o lençol. O tecido
caiu no chão, revelando a imagem. O imenso quadro abstrato retratava uma
garota de cabelos castanhos e olhos verdes. Seu rosto era indeterminado,
fosco, como se ela estivesse atrás de um vidro. Todavia, aqueles olhos eram
inconfundíveis. Eram os meus.
– Por quê?
– Porque você deveria estar com alguém que possa te amar sem
obstáculos. Que não tenha tanta mágoa.
– Eu aceito qualquer coisa que venha de você.
– Agora, o sutiã.
Então, com a mão livre, abriu o fecho da calça e colocou a mão por
debaixo da cueca. Mexeu no membro enrijecido.
– Tire a calça.
Assim o fiz. Abri os primeiros botões e tirei um seio para fora. Tristan
grunhiu, aumentando os movimentos no próprio membro.
– Desça a mão para a boceta e masturbe-se para mim.
Ele lambeu, mordiscou e chupou pelo que pareceram horas, até ficar
satisfeito de mim. Depois, me virou com brusquidão e chupou a entrada do
meu ânus.
Aquilo me fez gemer e revirar os olhos. Puta que pariu. Nunca pensei
que sentiria prazer assim.
Eu estava de bruços. Ele empurrou minhas pernas, flexionando-as
para frente e me fazendo ficar de quatro. Ouvi ele retirando a calça,
deixando-a cair no chão.
– Não.
– Muito tempo.
“Você”, eu gemia.
E penetrava com mais força. “Me diz quem você ama.”
“É você.”
“Senhor”, corrigia-me.
“É você, senhor.”
Precisava confessar: encarar suas íris negras nunca era fácil. Elas
eram mais profundas e tristes do que deveriam. Toda aquela dominação e
ódio eram pertinentes ao soldado frio que ele mostrava ao mundo. Mas, por
debaixo delas, havia coisas ocultas. Coisas que ele só mostrava para mim.
– Acabada.
Tristan pareceu triste, mas se afastou. Deitou-se ao meu lado, calado.
Sentia que também não queria mais transar, só queria... Ficar perto de mim.
Ele apertou mais o volante, dentes trincados. Não olhava para mim.
– É.
O garoto ficou um tempo num silêncio tenebroso. Depois, me olhou,
ácido.
Costa interveio:
– Está tranquilo, Leonel, ela é amiga dos patrões. Pode deixá-la
entrar.
Ergui a mão para bater na porta – mas não foi necessário. Ela se abriu
antes que eu a tocasse.
Eros estava do outro lado. Face gélida.
– Como ousa aparecer aqui? Você está com ele. Depois de tudo que o
maldito fez para nós, você ainda está com ele.
Eu confessei:
– Não podia ficar com ele depois do que aconteceu. O que ele fez foi
imperdoável. – Foi uma traição grande demais, perversa demais. – Só que,
agora, eu me sinto tão sozinha... Eu estou destruída, gente. Ele acabou com o
meu coração.
Eu perdi Tristan di Santorum, a porra do amor da minha vida. Minha
paixão de tantos anos.
Passou-se um mês.
Amor, intimidade e parceria era sobre tempo. Paixão, não. Paixão era
obsessão e coração acelerado. Noites sem dormir, dias que não passam. Era
tomar decisões estúpidas e ficar vulnerável. Paixão não se prendia à lógica ou
horas do relógio.
Revirei os olhos.
– Ok, você venceu.
Gargalhamos.
Graças aos céus, eu tinha Olívia e Camille. As duas eram as únicas
que conseguiam me fazer rir nestes últimos dias.
Passei a mão pelos cabelos, coração acelerado. Meu deus, não estava
pronta para vê-lo.
“Estou ouvindo sua voz aí dentro.” Ele rosnou do outro lado.
“Atenda! Eu preciso te ver!”
Tristan me soltou. Olhou para as duas com surpresa. Até então, nem
havia notado suas presenças.
– Claro.
As duas começaram a sair. Mas, de repente, Camille parou no batente
se virou para Tristan. Olhos estreitados.
– Ótimo, o recado está dado. Vamos, Oli. – E puxou Olívia para fora
do quarto.
Nós éramos três estrangeiras num país estranho. Claro que fizemos
amizade muito rápido. Éramos a âncora umas das outras neste lugar solitário,
fazendo as vezes da família.
Ele franziu a testa.
– Não estou nem aí para ameaças das suas amigas. – E avançou para
mim. Um homem selvagem e meio descontrolado. – Só quero saber de você.
Apenas o fitei.
– Já acabou?
Ele não respondeu. Suspirei com tristeza:
Toda aquela raiva era só a versão ativa da dor que ele claramente
sentia. Sussurrou:
– Mais do que você pode imaginar.
– Claro que quis. Essa é a sua vingança pelo que eu fiz aos di
Santorum. Eu fodi com a vida deles, e agora você está fodendo com o meu
coração.
– Se é o que pensa...
– Vai passar, Tristan. Você está de luto por um amor que terminou, e
eu também. É normal. Nós vamos superar com o tempo.
Suspirei.
– Mas eles não erraram. Você, sim. E eu não posso ficar com um
homem em quem não confio.
– Me diz a verdade. Sei que você se sente traída, mas tem algo mais.
Algo que te afasta de mim.
O próprio garoto tentou me alertar diversas vezes. Não sou bom para
você.
Trincou os dentes.
– Sim, eu fiz isso. Dei um golpe de Estado e traí aos meus irmãos.
Mas jamais faria mal a você.
– Agora. Não faria agora. Ao longo dos anos, um casal briga, e briga
feio. E se eu quiser me separar de você? Se eu te magoar, ou abandonar? O
que você pode fazer em represália? Não dá para saber. Você pode acabar com
a minha vida. Esse é o problema, eu espero qualquer coisa de você. Não dá
para saber onde fica o seu limite. Como vou me deitar na cama de um homem
em quem não posso confiar? Construir uma vida ao lado de um homem
assim? – neguei com a cabeça, virando-me de costas para ele. Abracei-me, e
sussurrei baixinho. – Você não é o pai que eu quero para os meus filhos. Não
é seguro.
– Não. Você deu sua palavra aos di Santorum, e veja o que aconteceu.
– Eu posso ser um homem melhor... Por você.
– Tente.
Alguns fatos sobre mim: eu não era a mais inteligente nem a mais
linda daquele lugar. Mas eu era muito esperta, portando um senso de
sobrevivência aguçado. Sabia reconhecer o perigo e sabia onde era o meu
limite.
E Tristan di Santorum, o traidor que usou uma máscara por cem anos,
ultrapassava qualquer um dos meus limites. Eu o amava, sim. Mas não
pagaria o preço para ficar com ele. O risco era grande demais. A ferida da
traição ainda pulsava em meu coração...
Meu coração sussurrava: você não pode confiar nesse homem. Ele te
ama agora, te quer agora. E depois? E quando o lado feio do amor e do
relacionamento se mostrar?
A vida não era um conto-de-fadas, e ninguém era feliz para sempre.
Eu não queria pagar para ver o lado feio de Tristan.
Suspirei.
Pensei sobre aquilo. Ele sabia que iria me perder assim que revelasse
a traição. Mesmo assim, pagou para ver. Achou que poderia me reconquistar
com a insistência e com o tempo. Achou que eu poderia perdoar.
– Sinto muito.
– Não vai nem olhar para mim? Se está me expulsando da sua vida,
pelo menos olhe nos meus olhos.
– Não há mais nada a ser dito. – Tomei coragem e me virei para ele. –
Está na hora de você ir.
– Acabou.
– Não tem mais volta?
– Não.
– Faça o que precisar. Você está livre para amar outra mulher. Eu vou
seguir em frente também. Este amor... Acabou.
Ele abriu as pálpebras. Íris ardendo em mágoa, indignação e muita
dor. Um homem destruído.
****
– Qual é, você ficou calada pelo caminho inteiro. Fala logo. Alguém
fez alguma coisa para você? Em quem devo bater?
– O quê?
Ela falou de uma vez – como se quisesse se libertar da culpa.
Congelei.
– O quê?! – Olívia berrou. – O Tristan?
– Ele mesmo.
– E você aceitou?!
– Claro que não! – se defendeu rapidamente. – Não sou louca.
Olívia se indignava:
– Aquele cara está de sacanagem? Cobiçar justo a melhor amiga da
ex?! Não é possível! Só pode ser um tipo doentio de vingança!
– Também foi o que pensei... – Camille torceu os dedos, tensa. – Mas
considerando o que ele me disse, não é bem assim.
– Óbvio que não. Só achei que devia contar. Eu não faria isso com a
Clara.
****
Tudo piorou.
Resolvi testar uma teoria nos dez dias seguintes. Antes de ir para o
refeitório, eu passava nos treinos de Camille. Olhava pela fresta da porta
como uma stalker maluca. Pois é.
Tristan estava sempre lá. Sozinho, assistindo-a tocar em silêncio.
Parecia estar... Cortejando-a.
Saí e bati na porta do quarto dela. Ela abriu, usando pijamas. Quando
me viu, caiu no choro imediatamente e me abraçou com desespero. Eu
retribuí o abraço:
– Estava com saudade...
– Eu também.
Era a hora de recolher a minha própria dor e agir como uma amiga de
verdade.
– Fala a verdade para mim. Me diz por que você está sofrendo.
Ela escondeu o rosto entre as mãos e recomeçou a chorar. Esperei que
se acalmasse. Então, peguei uma de suas mãos e entrelacei meus dedos nos
dela. Camille me confortou tantas vezes, me deu seu colo para eu chorar
tantas vezes... Era hora de retribuir o favor. Reuni toda a minha coragem para
fazer a pergunta.
– Vocês já ficaram?
– E por quê?
– Porque ele já foi o seu amor. Vocês têm uma história. Não posso
ficar com ele, é desleal, é traição. Eu jamais faria isso com você.
Eu ri.
Não sei por que ri. Dor e pesar inundavam o meu coração, mas, ao
mesmo tempo, havia outro sentimento ali. Parte de mim estava um pouco...
Tocada. O meu lado de amiga, aquele que queria ver Camille ser feliz. Era
um conflito bizarro de sensações.
– Você está disposta a fugir do amor dele por mim? Só para não me
ferir?
– Claro que sim. – Ela apertou minha mão, sincera. – Qualquer coisa
por você. Nossa amizade vale mais. Só me afastei porque estava tentando
processar os sentimentos.
Sorri tristemente. A sempre leal e gentil Camille. Por isso ela estava
sofrendo nos últimos meses... Seguia tentando lutar contra o sentimento para
não me ferir.
– Você não vai. – Fiz carinho em seu ombro. – Eu estou sempre aqui
por você. Nossa amizade não mudará.
Isso mudou. Ele reformou o horário e voltou para a manhã. Tudo para
ficar com ela.
Nenhum beijo significou nada. Não dei meu telefone para ninguém.
Meio bêbada, voltei para o alojamento e chorei o resto da noite. Olívia
deitou-se debaixo do meu cobertor comigo e ficou me confortando.
Em determinado momento, murmurou:
– Se você sabia que ia sofrer tanto, por que deu permissão para que os
dois ficassem juntos?
– Não sei, Clara, não sei... Você está numa situação-limite, e não
existe uma solução ideal. Alguém irá sair ferido, só não quero que seja você.
Olhe o seu estado. Não está melhorando, e eu tô ficando preocupada.
– Há dois meses, sim. Mas agora, não mais. Ela é um amor saudável,
e eu sou sinônimo de sofrimento. Nossa relação é fadada.
Suspirou.
– Então o que você irá fazer? Claramente não está conseguindo ver os
dois juntos todos os dias.
– Mudar minhas aulas para a noite? – fiz uma piada ácida.
Estalei a língua.
– Não me importo. Vai doer menos do que ver o casal do ano juntos
todos os dias.
Nós três voltamos a ser o que éramos: um trio inseparável. Exceto por
alguns detalhes. Por exemplo, no refeitório Camille sentava-se com Tristan,
não conosco. Às vezes, ela voltava da Università de carro com ele, e não a pé.
Quando íamos beber cerveja nos jardins do palacete, jogar cartas e conversa
fora, Tristan aparecia. Trazia comida e sentava-se conosco.
Um amor saudável.
Aquela era uma ocasião especial. A avó de Camille estava vindo para
a Itália nos visitar. Camille estava animadíssima e queria nos apresentar. Ela
buscaria a avó no aeroporto e deixaria suas malas no hotel. Depois, nos
encontraria num restaurante no centro.
– Como assim?
– Ora, que você está grávida. Já faz um tempo, não é? Não consigo
adivinhar quantos meses... Sua barriga está muito pequena, mas sinto que a
gestação já está avançada.
Ela riu.
Nos últimos quatro meses, me fechei no meu casulo e não saí com
ninguém. A última pessoa com quem aconteceu foi...
Tristan.
Pedi licença e saí.
– Não, não é possível. Compre outro teste para mim. – E dei dinheiro
para ela.
Olívia saiu do banheiro; foi até o balcão da farmácia e comprou outro
teste. Urinei no plástico e, novamente, lá estava...
Positivo.
Muito. Ferrada.
Um vampiro.
****
– Claro, entre.
Seu quarto era o maior do alojamento. Continha uma cozinha e sala
de estar anexa. Um pequeno apartamento. Nos sentamos à mesa de jantar. Ela
fez um chá de camomila e me ofereceu; eu bebi, mãos tremendo.
– Ah, minha criança... – ela pegou minhas mãos por sobre a mesa. –
Agora tudo faz sentido. Uma gravidez de vampiro é muito diferente das
gestações humanas. Dura um ano e meio. Aos quatro meses, você não
consegue ver a barriga ainda. Como eles são criaturas muito mais complexas,
demoram mais tempo para se formar no útero. Você tem se sentido cansada
ou nauseada?
– Sim, completamente sem energia. – Mas eu também estava
enfrentando um processo de luto por um término. Claro que estava sem
energia. Pensei que estivesse em depressão. Não queria sair da cama e comia
pouco.
– Você terá mais de um ano para se acostumar à ideia. Não sei como
funciona a política de aborto no país de onde você veio, se é lícito ou não.
Cada país é um país. Mas agora é tarde para pensar nisso. Você já está de
quatro meses, e não é mais uma opção. A concepção se desenvolveu e não é
mais um amontoado de células, sem coração ou sentimentos. Agora, o feto já
sente tudo.
Franziu a testa.
Qual era a alternativa? Ir embora para o Brasil e deixar meu filho aos
cuidados de Tristan?
Aquela não era a vida que sonhei para mim. Queria ser livre no meu
próprio país, esquecer as insanidades que vivenciei na Itália, e deixar para
trás meu maldito coração partido. Tristan não poderia tirar meu recomeço de
mim.
Levantei-me da mesa de supetão. A ideia, travando as garras em
minha mente e coração.
****
– Tem certeza? Minha avó nunca erra nessas coisas. E você não saiu
com aquele carinha na balada, da última vez?
– Pois é. – Apenas beijei, não transei. Mas ela não sabia disso. – Mas
os testes foram claros. Além do mais, veja isto – levantei minha blusa,
revelando a barriga lisa. – Continuo magrela como sempre. Pareço uma
mulher grávida para você?
Ela riu.
– Não, não parece. Desculpe a minha avó, viu? Geralmente ela é
muito lúcida. Não sei por que errou tão feio desta vez...
Revirei os olhos.
– O quê?
Andei até ela e lhe dei um forte abraço. Ela retribuiu, surpresa.
– Agora vá dormir. Amanhã o dia será agitado com a sua avó. Ela te
fará andar pela cidade toda, sabe como são esses turistas... – fiz piada.
Ela estalou a língua.
De manhã, saí com Camille e a avó. De tarde, fui até a ala dos di
Santorum me despedir. Anteriormente, mandei uma mensagem para Eros e
pedi para que todos se reunissem na hora do almoço. Já estava com as malas
prontas. Subi ao segundo andar e me encontrei com os primos. Nos sentamos
na sala de estar, e eu contei que estava partindo.
Athos considerou:
Azlam se ofendeu.
– Ela pode fazer o que bem quiser. Não me importa. – E saiu da sala,
batendo a porta com força.
Athos suspirou.
Suspirei.
– Você viveu por 4 meses sem o Tristan! Passou por cima da mágoa e
voltou a ser amiga da tal Camille! E agora, de repente, não aguenta mais vê-
los juntos? – bufou. – Isso não passa de uma desculpinha esfarrapada. Não
está colando, Clara. Acho que vou engolir essa mentira?
Franziu o cenho.
– Claro, porque você transava com todas. Sorte a sua que eu não te
quis.
– Pode se enganar, você não é meu tipo.
Fingi choque.
Revirou os olhos.
– Mas nós passamos por tanta coisa juntos... Como você pode nos
abandonar assim?
Tristan.
– Pois é... Todos nós o perdemos.
– Qual verdade?
Meu coração se encolheu. Mentir para ele seria em vão. Então, resolvi
apenas omitir. Eros era perspicaz demais para ser ludibriado.
****
Foi uma despedida triste. Fui chorando por horas e horas, encolhida
na classe econômica. Algumas aeromoças perguntaram se eu estava bem, se
precisava de ajuda. Eu disse que não. Como poderiam me ajudar a superar
um amor malfadado? E lidar com um filho vampiro crescendo no útero?
Atendi. “Ah, oi, Oli. Desculpa não ter respondido às suas mensagens.
Estava exausta. Mas agora cheguei em casa e estou bem.”
“Clara”, ela atropelava as palavras, tensa. “Preciso te contar uma
coisa. Temos um problema.”
“Eu tentei esconder ao máximo sua partida da Camille, mas ela não é
boba. Entrou aqui no quarto e viu que suas coisas tinham sumido. Me
pressionou e me fez confessar. O Tristan ficou sabendo da sua partida através
dela. Ele enlouqueceu com a notícia, Clara. Os dois brigaram feio, e ele
comprou uma passagem para o Brasil. Disse que vai ir até aí te trazer de
volta.”
“Eu sei. Arrume suas malas e vá para um lugar onde ele não possa te
encontrar. Ele conhece a casa dos seus avós?”
Encarei-o, assustada. Era difícil detectar seu rosto por trás da máscara,
mas eu conhecia aquela voz. A voz que me dava ojeriza e arrepios por toda a
vida.
Arfei:
– Matias?
– Não fale da minha mãe! – vociferei. Tentei abrir a porta, mas estava
trancada. – Abra esta merda! Agora!
Ele sorriu.
– Que bom, o ódio está bem próximo ao amor. Além do mais, eu
posso ser mais velho agora, mas ainda dou conta do recado. Sou mais forte
que você. Temos assuntos pendentes, Clara. Você me provocou a
adolescência inteira, e agora não quer me dar? Você me deve uma foda, sim.
Nem que seja a última coisa que eu faça na vida.
– Se ligar para alguém, eu paro o carro e faço o que tenho que fazer
aqui mesmo. – Com uma mão livre, pegou uma arma escondida na cintura do
jeans.
Engoli seco, desligando a ligação. Coloquei a mão por sobre a barriga
automaticamente. Se eu morresse hoje, não morreria sozinha. Precisava
proteger o meu filho.
– Eu sentia, mas não podia admitir por causa da minha mãe. Vamos
passar uma noite juntos, e então você me solta. Ok?
Seus olhos reluziam em tesão e insanidade.
– Maravilha. Tem várias camisinhas no meu carro.
Me apavorei.
– Vamos beber alguma coisa primeiro.
– Não!
A chamada acabou. O celular apitou e uma mensagem de Tristan
chegou. Por que está pedindo socorro? O que está acontecendo? Me atende.
– Matias, não.
– Quer nadar? Então nade para mim, sua vaca. Tire a roupa e fique só
de calcinha e sutiã. Agora.
Sob a mira do revólver, fiz o que ele mandou. Tirei o jeans e a blusa.
Ele me guiou até a área de lazer. Mergulhei na piscina. Ele foi tirando a roupa
e ficou só de cueca samba-canção.
Obedeci. Fiquei nadando por quase meia hora. Ele era um voyeur e
gostava de observar; inseriu a mão livre por dentro da cueca e começou a se
masturbar.
Eu tentava ignorar aquela cena asquerosa. Concentre-se em ganhar
tempo.
Ergui as mãos.
Tristan foi entrando na área de lazer. Pisava por sobre os vidros, mãos
pingando sangue, machucadas. Deve ter socado o vidro que guardava o
extintor para pegá-lo. Nem parecia notar a dor. Mantinha o olhar fixo em
Matias, reluzindo em ódio.
– Estou avisando...
– Tente! – vociferou. – Não seja um covarde medíocre, ao menos uma
vez na vida. Atire, porra.
Pela primeira vez, fiquei grata por Tristan ser um vampiro. Ele ergueu
Matias do chão, e seus pés se debatiam no ar, apavorados.
– Você irá dizer que foi assaltado. E, também, nunca mais irá se
aproximar de uma mulher. Viverá sozinho pelo resto de sua vida medíocre. E,
no fim, terá uma morte bem triste. Entendeu?
– Sim. – Os olhos de Matias permaneciam fixos, estatelados. Como se
não fosse uma resposta consciente.
Matias gritou:
– Ei, Clara!
Tristan rugiu.
– O quê...? Eu vou te matar!
Tristan xingou e me ergueu nos braços. Passou por cima de sua fúria
para nos livrar de problemas. Se a polícia nos pegasse ali, estaríamos
ferrados.
Saímos da casa. Ele me colocou no banco do carona do seu carro. Um
Mercedes prateado – provavelmente alugado no próprio aeroporto. Acelerou
e saímos do condomínio cantando pneus.
Levou um minuto.
Apaguei.
Lembro-me de fragmentos.
****
Acordei.
Coloquei a mão sobre a barriga. Meu bebê. Meu Deus, será que estava
tudo bem com o bebê? O que era aquela preocupação em meu coração?
Como se a vida dessa criança fosse mais preciosa que a minha?
Tristan notou meus movimentos. Acordou, se sentando. Já havia se
limpado do sangue. Não falou nada. Apenas me fitou com olhos magoados e
ferozes.
Clareei a garganta.
– Quanto tempo eu dormi?
– Não ouse.
– Você quase morreu na frente dos meus olhos. Nunca mais vou te
deixar ir.
Ai, meu Deus. Eu devia estar sensível por causa da gravidez, pois
aquela declaração quase me fez chorar. Foram tantos meses de sofrimento...
De conflito interno e saudade desse homem...
– Bom dia. – Um jovem médico entrou. Em seu jaleco, pude ver seu
nome. “Doutor Felipe Feron.” Sorriu para mim. – Finalmente acordou. Como
estamos hoje, senhorita?
– Dolorida...
Ele riu.
– Imagino que sim. Mas você teve muita sorte, sabia? A batida na
cabeça gerou somente uma pequena concussão. A bala no braço pegou de
raspão. Você provavelmente desmaiou de choque. – Folheou alguns papeis
em sua mão. Meu prontuário. – Deixe-me ver... Nenhum osso quebrado,
nenhum órgão comprometido... Só alguns arranhões. Mas isso o seu
namorado pode cuidar para você. – E olhou para Tristan, amigável.
Ai, não.
A mão de Tristan apertou a minha. Eu congelei. Olhei para o garoto, e
ele estava paralisado. Olhava fixamente para o médico, num misto de choque
e pavor:
– Quatro meses?!
O médico clareou a garganta, notando o clima.
Tristan finalmente soltou a minha mão. Deu alguns passos para trás,
como se meu corpo desse choque.
– Quatro meses? – repetia. – Foi quando aconteceu a nossa última
vez...
Engoli em seco.
– Mentira! – Vociferou.
Mas o quê...
– Claro que não. Você mandou que eu saísse da sua vida e eu saí. As
informações simplesmente chegaram até mim. Todos os meus vampiros
súditos nos viram juntos. Acha que eles não me contariam novidades sobre
você? Mesmo sem eu pedir?
– Que seja. Você está delirando, Tristan. Eu avisaria se o filho fosse
seu. – Menti. Estava virando uma profissional nisso.
Comecei a me desesperar.
– Claro que não. Você poderia sair com quem quisesse, mas não fui
eu quem criou o código de honra entre os vampiros. Isso existe muito antes
de nós dois nascermos. E diferente de você, Clara, meus súditos não me
subestimam.
Desviei o rosto, ficando em silêncio. Os olhos, marejados. Mentir
para Tristan seria em vão. Ele era um pupilo de Athos di Santorum, o maior
gênio que já conheci. Nada o enganaria.
Franziu o cenho.
– Do que está falando? Eu proveria vocês dois com o melhor. Você
poderia concluir seu mestrado e dar aula em qualquer universidade em Roma.
O bebê não atrapalharia sua rotina. Eu contrataria quantas babas você
quisesse.
Tentei não chorar na frente dele, mas foi em vão. Meus olhos ficaram
marejados. Malditos sentimentos.
– Eu não aguentaria passar a vida inteira vendo você com ela. Você e
Camille namorando, se casando e tendo filhos... Eu não suportaria estar lá
para presenciar. Precisava ir embora para minha casa e esquecer tudo o que
vivi em Roma. Esquecer você.
– Por quê? – murmurou surpreso.
– Não.
– Porque não iremos ficar juntos. Nem hoje, nem nunca. Alguém
tinha que seguir em frente.
Ele andou até a janela e ficou parado lá. Olhava para fora, braços
cruzados, parecendo pensar. Após um tempo, falou. Voz furiosa.
– Não.
Suspirou.
– Então volte para a Itália. – Virou-se, decidido. – Vamos criar nosso
filho juntos. Não como um casal, mas com coparentalidade.
– O quê?!
– Isso é insanidade!
– Eu já disse... – arqueou uma sobrancelha. – Eu faria insanidades por
você. Seu erro é me subestimar.
– Mas eu não quero que fique sozinho. Tudo o que mais queria era ter
uma família.
Ele ainda segurava a minha mão. Acariciou minha pele com o polegar
– um gesto simples, mas tão, tão cheio de carinho.
– Por que não? Eles são aposentados e não tem família no Brasil além
de você. Tenho certeza de que irão querer acompanhar a infância do neto de
perto. Além do mais, eu os vi na Itália. Eles amaram Roma. É um lugar
maravilhoso para se viver, e eles seriam muito felizes por lá.
Que. Loucura.
– Mas e a gravidez vampírica? Uma hora, os dois irão perceber que o
neto não é uma criança normal. Como vou explicar as mamadeiras de
sangue?
– Então que seja. Não importa o quanto eu fuja, você tem razão. Meu
filho precisa de um pai. Vamos voltar para a Itália.
****
Na parte da noite, uma médica chegou. Dra. Ana Lívia era esposa do
Dr. Felipe, e ela mesma me deu a alta.
Nós saímos do hospital e fomos direto para a casa dos meus avós.
Decidimos não contar sobre a gravidez, por enquanto. Contaríamos daqui há
alguns meses, quando a barriga aparecesse. Então, eu os chamaria para morar
comigo na Itália. Tinha que preparar o terreno aos poucos. Toda aquela
história de “neta grávida de um vampiro” precisava emergir devagar, ou meus
avós surtariam.
Arrumei minhas malas. Tristan esperou por mim, tomando café com
meus avós na cozinha. Minha avó fez bolo de cenoura especialmente para
ele. Ver o poderoso Dom vampiro tomar café num copo de requeijão foi uma
cena impagável.
Nos despedimos. Depois, fomos para o aeroporto.
– Pornô?
Ele revirou os olhos.
– É perfeita.
Era uma casa situada numa rua tranquila. Ficava há dez minutos da
Università. Paredes amarelas, dois andares e uma varanda charmosa. As
paredes frontais eram cobertas por heras e algumas flores brancas. Por fora,
era clássica e charmosa. Por dentro, uma mansão.
– Não que você vá morar com a gente, óbvio. Mas irá passar muito
tempo por lá por causa do bebê. Pode ser seu lugar privativo para ficar com
ele.
– Claro. – E guardou o celular no bolso, igualmente constrangido. –
Então é isso. Vamos ficar com ela?
Sorri, emocionada.
– Vamos.
– Ótimo. – E mandou uma mensagem para seu assistente.
– Casando-se comigo?
Fitei-o.
****
Pousamos na Itália.
Fui alojada num dos quartos de hóspedes. Evitei sair de lá por todos
os quatro dias. Não queria ver Sienna, nem os vampiros que moravam por lá.
Só saía para visitar a casa nova.
– Temos tempo.
– Pois é.
– Diga.
– Mude-se para o turno da noite. De manhã haverá os di Santorum e
a... – clareou a garganta. – A Camille.
Engoli em seco. Puta que pariu, ainda havia essa questão. A cereja do
bolo.
– Nem pensar! – bufei. – Meu filho não vai ser troçado na escola.
Tristan grunhiu.
– Temos muitos meses para discutir sobre isso. Ele ainda nem nasceu.
– Ok. – Revirei os olhos. – É a sua vez. Apenas jogue e pare de me
irritar. – Eu tinha comprado um baralho de Uno no aeroporto. Estávamos
jogando. Só precisávamos esperar o tempo passar.
Fiz uma contra jogada, lançando um “compre mais duas cartas.” Ele
se sobressaltou. Depois, estreitou os olhos para mim.
– Aceite com dignidade. Neste jogo não existe família, nem amigos.
Aqui é guerra.
Continuamos jogando e conversando. O assunto sobre a alimentação
do bebê surgiu. Inquiri:
– Não. O bebê só vai ansiar por sangue após nascer. Não se preocupe,
eu tenho acesso a um estoque ilimitado.
– E ele irá beber leite também?
– Que bom... – fiz outra jogada. – Pensei que teria que beber sangue
no canudinho, que nem a Bella em Amanhecer.
Ele me olhou.
– Quem é Bella? Sua parente?
– Posso?
Fiquei constrangida, mas permiti. Ele era o pai afinal.
– Pode.
– Se você insistir nesse lance de “Odin”, juro que irei registrar o bebê
em segredo como Edward Cullen.
Camille.
Eu saltei do sofá.
– Camille?
– Estão achando que eu sou estúpida? Você não tem nenhuma barriga.
Essa história não faz sentido!
Suspirei.
– Tristan não é quem você pensa, Cami. Em algum momento ele teria
que te contar a verdade, só não era a hora certa. Ele não é humano, é um
vampiro.
Ela arfava. Olhava de Tristan para o lugar onde havia estado, lapsos
de segundos atrás.
– Como... Como você foi parar aí?
Ela bufou.
– Dane-se o diploma. Que mulher em sã consciência preferiria ficar?
– Como assim?
Fui eu quem esclareci:
– Claro que não! Monetizar troca de sangue é proibido pela nossa lei.
Estou falando de amor. Namoro, filhos, casamento... Os vampiros constroem
vidas ao lado dessas mulheres. Elas não são usadas e descartadas. São
amadas. Só bebemos sangue daquelas que nos dão a permissão. É tudo feito
com respeito.
– Então seus amigos, os di Santorum... – ela se virou para mim.
– Então vocês dois terão um filho juntos, mas não são um casal.
Aconteceu há meses. É uma gestação antiga.
– Exato. – Corroborei.
– Então se você não está namorando a Clara... Irá voltar para mim?
– Não.
– Sim.
– E ainda gosta?
– Então por que não volta para mim? – se indignou. – Nós éramos
felizes juntos!
– Não, Camille... – O garoto negou com a cabeça. Olhos destruídos. –
Você era feliz. Eu só estava sobrevivendo. Gostava de você, sim. Mas o meu
verdadeiro amor... – desviou os olhos para mim. As íris reluziram em algum
sentimento profundo. – O amor é muito diferente. Domina você. – Continuou
com o olhar fixo em mim. – Eu vivo por esta garota. Ela é a minha obsessão e
o meu mundo.
Ai, meu Deus. Meu coração se quebrou.
Camille se chocou.
– Amo-a mais que a minha própria vida. Ela tomou o meu coração
por muitos e muitos anos. Um amor assim não pode ser esquecido. Serei
louco por ela enquanto eu viver.
Ela se exasperou.
– Ou será ela, ou não será mais ninguém. Meu coração tem uma dona
só.
Camille se levantou, humilhada. Secou as lágrimas da bochecha.
– Então que seja assim, di Santorum. Se você prefere viver das
migalhas de afeto que a Clara te dá, ao invés de viver um relacionamento
real, não posso fazer mais nada por você. Eu tentei de tudo. Esgotei todas as
chances, lutei até o fim. Não posso mais lutar. Me dê a maldita chave. – E
estendeu a mão. – Quero sair daqui.
O garoto a entregou a chave. Ela andou até a porta e se virou para nós.
– Que sejam felizes. – Ironizou.
– Camille! – chamei-a.
Ela se virou. Perguntei, meio desesperada:
****
Dias se passaram.
Batíamos papo, deitadas lado a lado. O sol refletia nas lentes dos
nossos óculos.
– Então, como está sendo estudar à noite?
Ela se arrepiou.
– Bizarro.
– Só lamento, mamãe.
Acotovelei-a.
– Nem pense nisso. Serei a titia que só leva para passear. O lance do
cocô é com você.
– Sua ingrata. – Estreitei os olhos.
E só.
A mensagem quebrou meu coração. Não sabia para onde haviam
viajado. Ninguém sabia.
Sim, ele tinha a chave da casa. Não sabia o que ele estava fazendo
aqui em pleno sábado. Tristan sempre angariava desculpas para aparecer. Ele
fingia não fazer isso só para ficar perto de mim, e eu fingia não perceber.
E assim seguíamos com nossa estranha relação.
– Olha ele aí... – Olívia se animou. – Venha tomar sol com a gente.
Eu faço um drink para você.
Olívia resolveu-se por aceitá-lo. Já que era o pai do meu filho, estaria
sempre na minha vida. Então, ela findou os ressentimentos.
– E aí.
– Oi.
– Seria demais!
Me estarreci.
– Pensei que o líder fosse você.
Engoli em seco.
– Não me diga que o feriado da semana que vem...
– Climão.
Eu a ignorei.
– Tranquilo.
– Até mais. – Olívia se despediu.
– Ai, não. – Ela se apavorou. – Não me diga que o nome dele é Vlad
Tepes.
“Mandarei, Excelência.”
Ele era o mais velho e o mais forte dos vampiros. Em sua longa vida,
fez muitos inimigos, mas também muitos aliados. Por lealdade ou por puro
medo.
Por séculos, cavaleiros de sua confiança guardavam seu corpo durante
o período de hibernação. Enquanto hibernava, Drácula delegava o Governo a
um de seus clãs de confiança. Há mais de cinco séculos o poder era delegado
à família italiana di Santorum.
Ninguém sabia ao certo se Drácula estava vivo ou morto. Ele era uma
criatura única.
Ao longo das gerações, alguma mutação genética dividiu os vampiros
em duas castas. Alguns bebês já nasciam com o coração parado e subsistiam
por séculos. Os vampiros mortos. Outros bebês nasciam com corações
batendo e tinham vidas muito curtas. Os vampiros vivos.
A noite chegou.
Tsc, claro que seriam. Como explicar aos garçons humanos as taças
de sangue? O caixão com a porra do Drácula dentro?
Notei que os di Santorum não estavam por ali. Estranho. Nem mesmo
o poderoso clã poderia faltar ao evento.
Havia muitas mulheres humanas no salão. Todas acompanhavam seus
pares vampiros. Eram esposas, namoradas ou apenas convidadas. Todas
muito bem vestidas para a ocasião.
– Então ela veio. Pelo menos ela está seguindo em frente. Será que
aquele vampiro é um novo namorado?
Dei de ombros.
– Não sei, ela não me conta mais nada. Me excluiu totalmente da sua
vida.
– Não sei, não... – E bebi meu champanhe com tristeza. Perdê-la doeu
de verdade. Eu sempre tive poucos amigos, e considerava Camille preciosa.
Não era um sentimento fácil.
Então, percebi algo e o encarei.
– Por que estaria? Ela é uma ex por quem tenho carinho. Só quero que
seja feliz. Mas a mulher que eu realmente amo está bem ao meu lado. Não
tenho olhos, nem tempo para mais ninguém.
Arregalei as pálpebras, bochechas ardendo. Ele sempre se declarava
nas horas mais inesperadas.
O tempo passou.
O relógio badalou a meia-noite. Todos pararam de conversar, e se
prostraram em círculo ao redor dos tronos. Uma senhora de idade foi o palco
e fez um discurso na língua de origem. Todos pareciam entender.
– Ora, vejam quem está aqui. Eu sabia que você conseguiria se tornar
rei. – Para o espanto geral, pousou a palma sobre a cabeça do garoto; fez um
carinho paternal em seus cabelos. – Você virou um grande homem, meu
filho.
Tristan pegou uma de suas mãos e beijou seus anéis.
– Bem-vindo, pai.
Pai?
– Siga-me. – Ordenou.
– Bem-vindo, milorde.
– Obrigada. – Eu acho.
Franziu o cenho.
– Algo sim. Drácula não se prende à mulher alguma. Ele tem milhares
de amantes, mas minha mãe é especial.
A causa de igualdade dos vampiros vivos era uma fachada. Feita para
enganar as massas vampíricas e angariar aliados.
Deduzi:
– Exatamente.
– Ai, meu Deus... – massageei as têmporas, digerindo a história. –
Como eu vim parar neste enredo de Game of Thrones?
Abri a boca para responder – mas nada saiu. Então apenas dei um
gole em meu champanhe, encabulada.
– Certo, estou indo. – Tristan piscou para mim. – Te vejo mais tarde.
Fique perto de Sienna.
– Agora eles irão para uma sala privativa conversar sobre segredos de
Estado. Fumar charutos e beber sangue, é claro. Vlad deve estar faminto.
– Me desculpa também.
– Como assim?
– Nós temos um plano para derrotá-lo, Clara.
– Agora.
– Agora?!
Minha cabeça pendeu para o lado, e Eros segurou-a com uma mão.
Face arrasada.
– Desculpe, Clara. Isso é para o seu próprio bem.
****
Azlam falava.
– (...) pode não ser boa ideia. Tem certeza de que os vampiros lá
dentro não farão mal a ela?
– Garantirei.
****
Acordei.
Bufei.
– Não fale assim com o nosso líder, humana. Quem você pensa que é?
Athos se enfureceu:
– Não toque nela, Ferrat!
– Vocês têm certeza de que ele virá sozinho? – o tal Ferrat perguntou.
– É óbvio. – Athos confirmou, sem paciência. – Parecemos amadores
para você?
O homem me ignorou.
– Bom mesmo, Dom Athos. Estamos arriscando nossas cabeças por
vocês.
– O quê?! – berrei.
Ai, não. Os di Santorum sabiam que ele viria atrás de mim até no
inferno.
– Eu sei que é. – Mas eu vim mesmo assim, era o que seus olhos
diziam. Eu faria insanidades por você. – Libertem a minha mulher antes que
eu estraçalhe a garganta de todos vocês. Não a envolvam. O problema é entre
nós, seus bastardos.
Uau. Quando eu achava que o tal Ferrat não poderia ser mais
desprezível, ele nos surpreendia.
Sempre pressupus que preconceito e delírios de superioridade eram
defeitos exclusivos dos humanos. Percebia que não.
Athos suspirou.
– Tragam a informante.
Estes, olhavam de mim para Tristan, sedentos por sangue. Só não nos
atacavam por obediência aos di Santorum.
– Tatyana?!
– A própria. – Athos apresentou-a a todos. – Esta é Tatyana Ionesku,
a filha da governanta do Drácula, sra. Mihaela.
Me choquei. Tatyana era mesmo a cara de Mihaela! Por isso seu rosto
famliar...
Tristan se indignou.
– Como você pode estar aqui, com eles? Sua família serve ao meu pai
há séculos! Esse é o mais alto grau de traição!
– Como você pode ver, Tristan, nossas fontes são sérias. Não estamos
lhe enganando.
– Ok, então esta será a última década de vida do meu pai. E daí? Ele
teve uma vida longa e fel... – parou, repensando. – Uma vida longa e
sanguinária. Era o que ele queria. Quando o tempo acabar, irá partir em paz.
– Não, Dom Tristan. O Conde não pretende morrer! Agora que a
última década chegou, ele quer viver mais. Nunca foi sua intenção partir.
Enquanto estava acordado, pesquisava sobre formas de se manter vivo.
Consultou diversas bruxas ao redor do planeta e encontrou uma saída. Existia
uma brecha na maldição de Katerina. Para continuar vivo, o Conde descobriu
que precisava tomar outro corpo. Alguém recém-nascido em sua última
década de vida, e que tenha o seu sangue correndo nas veias. – Então, a
garota olhou para mim sombriamente. – A criança no ventre de sua mulher é
a saída para a maldição. Um descendente direto de Drácula, nascido na última
década. Assim que o bebê nascer, Drácula irá tomar o corpo da criança.
Colocará sua própria essência dentro do recém-nascido e viverá por mais mil
anos.
Perdi o ar.
– É muita loucura. Não posso acreditar que meu pai faria isso
comigo...
Eros bufou.
– Por que não? Ele nem te conhece, Tristan! Acha que tem algum
amor por você? O homem existe há um milênio e nunca teve filhos ou
esposa! Ele não tem amor por ninguém! Só por si mesmo! Nem deve te
considerar um filho... Você é só um meio para um fim.
– E depois que a Clara der à luz, vocês dois serão mortos. Esse é o
plano, e Tatyana pode confirmar. Já está tudo armado. Acha que o Conde
deixaria os pais do bebê roubado vivos? Óbvio que não. Vocês poderiam
tentar reaver a criança e atrapalhar seus planos.
– Então vá buscá-la.
O homem colocou Sienna deitada num dos sofás. Athos ordenou para
o subalterno:
– Traga-me a injeção de adrenalina.
Este, sumiu por uns minutos escada acima. Depois voltou com uma
caixa de aparatos médicos. Athos pegou lá de dentro uma injeção.
Athos estranhou.
– Estamos esperando mais alguém?
Azlam respondeu:
– Alguns amigos do Norte. Mas pensei que não viriam. – Foi até a
porta e a abriu.
– Devo matá-lo?
Athos grunhiu.
Morto.
– Não, não, não... – eu repetia, congelada. Estava em estado de
choque. Caí de joelhos ao lado do corpo dele, e balancei seus ombros. –
Tristan, acorda! Não ouse fazer isso comigo! – comecei a gritar. – Acorda,
droga! – ele não se mexia. Minha respiração ficou entrecortada, e eu não
conseguia encontrar o ar. Estava tendo uma crise de pânico. – Você não pode
morrer! – segurei seu rosto. – Não pode morrer, não pode me deixar aqui!
– Não está! – berrei. – Não pode estar... – coloquei sua cabeça por
sobre minhas pernas. Fiz carinho em seus cabelos. Minhas lágrimas caíam,
molhando seu rosto. – Acorda, meu amor. Por favor, eu não estou pronta para
te perder... Por favor, acorda.... Pelo nosso filho...
– Ah, cala esta boca! – Eros cuspiu. – Você iria matá-lo de qualquer
jeito! Acha que nós somos idiotas?
Azlam segurou o irmão.
– Calado, Eros. Não é hora para isso. – Mesmo assim, eu podia ver a
fúria contida reluzindo nos olhos de Azlam.
Athos se levantou.
– Como ousa pisar na minha casa, Conde? Depois de toda a dor que
causou em minha família, como ousa?!
– Sabe, meu filho aliciou soldados muito leais nestes últimos anos. –
E retirou um uma espécie de controle-remoto do bolso interno do casaco. –
Esta geringonça humana, feita nesta estranha época evoluída, é bastante
perigosa. Os soldados me contaram tudo. Ela tem o poder para envenenar
seus corações e matá-los na hora. – E olhou para o controle, olhos brilhando.
– Ah, a tecnologia humana... Ela sempre me surpreende à cada vez que
acordo.
O homem que eu amo morreu. Está caído bem aqui, em meus braços.
Não vai mais acordar.
– Eu sei quem é o cabeça desta rebelião, meu caro Dom. Então, vim
lhe dar um recado. Ninguém se rebela contra mim e sai vivo para contar a
história. Já aturo você e sua família arrogante por quinhentos anos. Isso acaba
hoje. Você finalmente me deu um motivo para te matar. – Ergueu o controle.
– Então... Eis o meu castigo – e apertou o botão.
Eu não podia crer nos meus olhos. Meu Deus, isso é um pesadelo.
Não pode estar acontecendo comigo. Não pode. Eu simplesmente não
poderia sobreviver à tantas tragédias.
– Tenho vocês dois nas minhas mãos também. Mais uma dessas
reuniões clandestinas e vocês morrem. Aos demais, fica o meu recado.
Abaixem estas armas ou vocês serão os próximos.
Os vampiros abaixaram as armas, apavorados. Não sabiam como
Drácula conseguira matar o poderoso Athos di Santorum com apenas um
clique (e subjugar Eros e Azlam com uma única ameaça). A história dos
microchips não era pública.
Ergueu as sobrancelhas.
– Tem certeza? Dizem que sou o próprio diabo. Então estarei em casa.
– Ah, minha criança humana, sairei sim. Venho lidando com traidores
e inimigos há mil anos. Eu ainda estou aqui, já eles... – arqueou uma
sobrancelha – estão empalados em meus porões. Há mil anos tentam me
vencer e não conseguem. Então, se eu fosse você, ficaria caladinha e gestaria
esta criança para mim. Quem sabe ao final de tudo eu não tenha misericórdia,
e poupe a sua vida? Afinal, você está carregando o meu neto. – Fez uma
expressão inocente. – Somos família agora.
Azlam olhou para mim e negou com a cabeça. Não fale nada.
Esse tipo de dor muda você. Sentia-me mais ferida, mas também mais
adulta e mais mulher.
– Pode entrar.
Clareou a garganta.
– Hã, sim. O Conde foi dormir em seu aposento particular. Ele caça à
noite e dorme de dia.
– Tsc, que pouco original. Ele também tem medo de cruzes e alho?
Franziu o cenho.
– Não, mas ele tem sério problema com água benta. Não podemos
nem passar perto de igrejas.
Suspirei. Não sei por que me importava.
– Que seja. Já que ele está apagado, vou sair do quarto hoje. Acho
que tomarei o café lá embaixo.
****
A mulher andou até a cama e se sentou ao meu lado. Seu inglês era
falho, embora compreensível.
– Porque ele está triste e ressentido, e quer ser ouvido. Foi o único
jeito que encontrou de passar a mensagem. Ele sabe que o pai morreu e está
sofrendo. Quer o pai de volta.
Drácula grunhiu.
– Não tem solução, Excelência. A mãe ficará doente até que o feto
pare de sofrer. O fim do sofrimento pode durar meses, ou pode nem
acontecer. Os corações processam a dor de formas diferentes.
Drácula entrou na sala. Foi seguido por Sienna e mais dois soldados
fiéis.
Sienna estava um trapo. Não bem vestida e maquiada como sempre.
Roupas simples, cabelo desgrenhado e rosto destruído. Sentou-se em silêncio
à mesa. Claramente, uma mulher de luto. Nem ergueu os olhos para nós.
Sienna falou pela primeira vez. Rosto baixo, voz por um fio.
– Fale logo, Vlad, por favor. Eu quero voltar aos meus aposentos. Não
me sinto bem.
O Conde suspirou.
– Tudo bem. – Sienna era a única pessoa por quem ele tinha uma gota
de respeito. Juntou as mãos por sobre a mesa e começou, sério. – É o
seguinte, di Santorums. Eu tenho uma proposta. Vamos fazer um acordo e
negociar a liberdade de vocês.
– Estamos ouvindo.
– Aparentemente, o feto no útero da garota se rebelou. Só vai nascer
se o pai voltar. Por isso, eu preciso de Tristan de volta. Dito isto, quero que
vocês dois busquem-no para mim.
– Exato, porque isso não existe. – Drácula continuou. – Para onde vão
as criaturas já mortas? Para o estúpido paraíso humano? Claro que não.
Vampiros vão para um mundo paralelo.
Azlam estava cético.
Ensinou-lhe o segredo. Ele teria que dormir por 100 anos e acordar
por 10. Assim, ela nunca viria o buscar. E quando seu corpo ficasse velho
demais para abrigar a alma, ele simplesmente mudaria de corpo.
A ideia de Drácula?
– Estou ouvindo.
– Queremos a Clara. Depois que ela der à luz, sabemos que pretende
matá-la. Deixe-a viva e livre. Quero que ela vá embora conosco.
Naquele momento, senti uma pontada na barriga – uma contração
insuportável. Me inclinei e gritei. Lágrimas escaparam dos meus olhos.
Contou:
– A criança está louca? Clara teria que morrer para chegar ao outro
lado! Nós já estamos mortos!
– O que aconteceu?
– O feto... Aceitou a proposta. Se você for buscar o pai, ele não te
deixará mais doente. Essa é a condição.
****
– Exatamente.
Drácula contou que aquele lugar emanava uma energia tão poderosa,
que abriu uma fenda entre mundos. A Morte usava tal passagem para
perambular entre os lados. O lugar era sagrado e intocável, e a passagem
ainda estava lá. Eu não precisaria morrer para transpassá-la. Afinal, ninguém
sabia que ela existia.
– Mesmo se for verdade... Não vamos ser capazes de entrar na
basílica. – Eros considerou. – Vocês sabem muito bem que vampiros não
conseguem entrar em igrejas. Ainda mais numa igreja com uma energia tão
profunda.
– Não. Seja lá quem protege o lugar, não vai deixar que vocês entrem.
Vampiros que ousaram entrar lá enlouqueceram e morreram meses depois.
Melhor não brincar com o que não conhecemos. Irão passar por trás.
– E a atmosfera do mundo dos mortos não vai prejudicar a Clara? –
Eros perguntou.
Que loucura.
– E quanto tempo vamos ficar lá?
****
A dor passou.
Agora, havia espaço dentro de mim para sentir algo mais. Esperança.
Todo o meu corpo foi tomado por uma expectativa insana. Uma chama
quente de alegria que inflamava meu coração.
Era uma missão suicida e arriscada? Sim. Mas para ver Tristan outra
vez eu faria qualquer coisa. Todos os tipos de insanidade.
Ir a uma missão suicida no mundo dos Mortos? Ok. Mas ficar sem
vitaminas? Jamais.
O jatinho dos primos foi trazido. Voltamos para a Itália. Drácula foi
conosco, deixando a viagem estranha e desconfortável. Não dava para
conversar sob o olhar sinistro do Conde.
Chegamos à Foggia. Desembarcamos num aeroporto particular.
O Conde não pôde sair do jato, vez que era dia. Se ficasse diretamente
sob a luz do sol, queimaria.
– A dor passou?
– Passou. Parece que o bebê sabe que estamos indo resgatar o pai.
Eros suspirou.
– Sabe que não iremos deixar que Drácula roube seu filho, né? Só
ficamos calados para o velho nos deixar ir.
– Eu sempre soube.
– Estão prontos?
“Não.”
“De jeito nenhum”, Eros e eu falamos ao mesmo tempo.
– Dá para entender por que a Morte usou este túnel como passagem.
Conseguem sentir a energia?
– Sim. – Eros tremeu. – E arrepia a minha espinha. Como se não
devêssemos estar aqui.
Tremi. Ainda.
Azlam explicou:
Eros interrompeu:
– Aí atiramos e corremos.
Ótimo plano.
Bar?
– O quê?! – me choquei.
Eros expirou.
Azlam piscou.
– Uma festa?
Eros se indignou.
São invasores!
– Deixem que resolvo isso. – E nos levou para seu escritório nos
fundos.
Nos sentamos à mesa. Dissemos o combinado com Drácula. Éramos
visitantes de Roma à procura de outros vampiros.
Puta merda.
– Ah é... – Eros parecia prestes a ter um derrame. – Malditos
invasores.
Perguntei:
– Quem ouve falar de nós, geralmente vem para cá. Já que estamos
condenados a passar o resto da eternidade neste mundo de mortos,
abandonados, pelo menos que fiquemos juntos. E agora que nós temos uma
mulher... – soltou um sorrisinho insidioso para mim. – Tudo será mais
interessante. Estamos há anos sem ver uma mulher. As mulheres humanas
morreram e só sobraram machos vampiros. Você será disputada. Ou...
Compartilhada.
Desviei os olhos, tensa. Precisava sair daqui.
Eros se chocou.
– Claro que sim. – Menti. – Assim que encontrar meus amigos, irei
me estabelecer aqui.
Um cenário pós-apocalíptico.
– Quando aconteceu?
– Uns cinco anos atrás. Desde então, estão com ódio dos vivos. Se
descobrirem que você é uma invasora... – engoliu em seco. – Estaremos
ferrados. Eles odeiam os vivos depois do desastre.
Estremeci.
Ligamos o som. Não havia rádio, mas achamos uns CDs no carro.
Fomos ouvindo músicas antigas.
– Isso é muito estranho. – Comentei. – Estamos na estrada, ouvindo
música. É como se estivéssemos no mundo real.
O jardim de Athos.
O mais velho dos di Santorum havia vivido demais. Não gostava de
violência, como Azlam, e nem de badalação, como Eros. Ele tinha uma alma
tão antiga quanto o seu corpo.
– Clara?!
Abri um sorriso.
– Morrer não te fez se livrar de nós. Achou mesmo que não viríamos
te buscar?
– Agora vamos falar sobre o que interessa. Athos, você sabe onde
Tristan pode estar?
Azlam comentou:
Azlam argumentou:
– Drácula tem uma suspeita. Onde quer que a Morte esteja, Tristan
deve estar por perto. Segundo ele, até o século passado a Morte morava na
Inglaterra dos Mortos.
– Se lembra daquele avião que nós tínhamos em 1955? Será que ele
ainda está lá?
Era uma das poucas fotos que tinham. Viver por muitos séculos
demandava certa reserva.
Eu fui tremendo por todo o percurso. Tristan precisava estar lá. Tinha
que estar. Eu precisava vê-lo, tocá-lo, e amá-lo outra vez. Só assim poderia
respirar novamente.
– Somos.
Adentramos no imenso pátio. Sr. Field nos deixou. “Tinha mais o que
fazer”, segundo ele.
Deus.
Sr. Field foi bem claro: é um castelo abandonado. Não tem ninguém
aí. Meus olhos ficaram marejados. Não, não vou desistir. Comecei a correr.
A desesperança me destroçava.
– Clara?
Congelei. Olhei para trás, espantada. Lá estava ele, no topo da
escadaria. Uma mão sobre o corrimão e a expressão mortificada.
Tristan.
– Ah, meu Deus! – me levantei num salto. – Ah, meu Deus! – meu
coração disparou.
Ele apoiou uma mão sobre a nuca, horrorizado.
– Não! – eu ri.
– Você... Me ama?
Uma lágrima desceu por minha bochecha.
Eu me perdi entre seus beijos. Estar ali, no seu abraço, tomada por seu
carinho... Deus, era o paraíso.
– O quê?
Nos sentamos nos degraus. Ele passou um braço sob minhas pernas e
me colocou em seu colo.
Me aconcheguei.
– Não me atreverei.
– Melhor não, só iríamos nos perder. Eles acabarão voltando para cá,
já que é a saída do Palácio. – E me abraçou, escondendo o rosto em meus
cabelos. – Deixe-me ficar sozinho com você só mais um pouco... Eu preciso
disso.
– Eu também preciso. – E acariciei seus cabelos. Ele se moveu sob
minhas mãos; como um animal domado apreciando o carinho.
Então, eu contei.
O suicídio de seu assassino; Drácula aparecendo na casa; a morte de
Athos e suas posteriores prisões; a dor que o feto me fez sentir e o plano de
Drácula para trazê-lo de volta. Contei também sobre o bar, o avião e o senhor
Field.
Tirei a dúvida:
– Então você simplesmente acordou aqui quando morreu?
– Exato. Num dos quartos nos andares de cima. Não havia ninguém,
estou sozinho nesse palácio há dias. Foi como a porra de um filme de terror.
Amém.
– Ela não pode saber que estamos aqui. Drácula foi bem claro.
Precisamos sair sem ser vistos, e o mais rápido possível.
De súbito, a expressão do garoto decaiu. Como se houvesse uma
notícia triste.
Athos finalizou: “Faremos o que for preciso. Não saio daqui sem ele.”
Eros bufou.
– Claro que não permiti. Eles queriam que eu herdasse o trono como
único membro sobrevivente da família. Mas fiz com que encontrassem uma
alternativa. Traí-los era uma coisa, matá-los era outra. Eu deixaria a culpa me
consumir pelo resto da vida, mas não os machucaria. Sabia que me odiariam
para sempre... Mas, pelo menos, estariam vivos.
Perguntei de repente, honestamente curiosa.
– Você se arrepende?
– Não sei, Clara. Tudo o que sinto é uma tristeza confusa. Drácula
não é quem eu pensava que fosse. Manipulou a mim e a minha mãe, e eu
cresci numa mentira. Achei que, quando ele acordasse, me amaria e seria um
pai para mim. Mas estava somente me usando... – negou com a cabeça,
desviando o rosto, magoado. – Ainda estou digerindo essa mentira. Tentando
descobrir quem eu sou de verdade. Não um soldado, não um filho, não um
espião. Estou... Perdido.
– Para nenhum de nós, meu irmão. Mas temos que escapar daqui o
mais rápido possível. Não sabemos como o corpo da Clara está reagindo à
esta atmosfera.
– É mais fácil mostrar que falar. – E foi andando até a porta de saída.
– Ah, meu Deus – Eros entendeu. – Não me diga que você não
consegue sair desta porcaria de Palácio assombrado.
Eu me descontrolei.
Eros questionou.
– Ok, mas como vamos achar uma feiticeira no mundo dos mortos?
– E estava destrancada?
– Sim, não existia ninguém aqui para bisbilhotar. – Deu de ombros. –
E daí se eu descobrir seus segredos? Eu não poderia sair e contar a ninguém.
Sinceramente, acho que a Morte planejar me manter prisioneiro aqui para
sempre.
Suspirou.
– Então, você acha que a Morte o trouxe para cá por causa do tal
Maddox? Para que você possa substitui-lo?
– Isso mesmo. Ele era humano, e deve ter escapado deste mundo no
ataque. Agora, ela precisa de alguém para assumir o lugar dele. Por isso me
prendeu aqui. Ela provavelmente estava obcecada pelo tal general, e eu...
Bem, me tornei um substituto conveniente.
Depois, Tristan nos levou a outro lugar. Uma espécie de porão.
Azlam havia me contado tudo sobre ela. Katerina era uma mulher
celta que viveu mil anos atrás. Na época, Drácula e Katerina ficaram noivos.
Drácula a enganou. Tiveram relações íntimas antes do casamento – e, ao
conseguir o que queria, o Conde a abandonou. Alegou saber por terceiros que
ela não era mais virgem, e simplesmente cancelou o casamento.
Katerina aprendeu tudo com elas. Anos depois, se tornou uma bruxa
formada e procurou por Drácula. Era hora de se vingar.
Lançou uma maldição sobre o Conde. Ele nunca mais poderia andar
sob a luz do sol ou amar qualquer mulher. Teria que beber sangue humano
para viver. Se transformaria, por fora, no monstro que já era por dentro.
Tristan teorizava:
– Mil anos atrás, Drácula matou uma vila inteira de bruxas naquele
local. Existem vários boatos e lendas. Centenas de turistas afirmam ter
sentido presenças sobrenaturais no local. Alguns, ainda garantem ter ouvido
vozes e risos de mulheres na floresta vazia. Claro que nunca passou de
especulação. Histórias baratas de terror. Mas, bem, nós estamos no mundo
dos mortos agora. Sabemos que o mundo sobrenatural não é tão ilusório
quanto pensam.
– Espera aí, cara – Eros interrompeu – o que você está querendo
dizer? Acha que as bruxas ainda estão lá, na floresta?
– Eu não posso sair do Palácio, mas vocês podem. Vão até elas e
peçam o favor em meu nome. Peça para quebrarem o feitiço que me mantém
preso. Encontrem Katerina, e diga que sou filho do Drácula. Basta contarem a
verdade. Drácula também me traiu, e quero voltar ao mundo dos vivos para
me vingar. Quando ouvir isso, Katerina irá me apoiar. Temos um inimigo em
comum.
– Pensei sobre isso, e decidi ficar aqui com o Tristan. Eu não serei de
grande ajuda na busca. Na verdade, posso até atrasá-los. Posso esperar por
vocês aqui?
Levei os primos até o avião. Por sorte, ainda havia muita gasolina
sobrando. Eles decolaram e voltei para o Palácio. Tristan me esperava na
porta principal. Recostava-se no batente, braços cruzados e expressão
assassina. Estava furioso por ficar preso ali.
Ao ver-me chegando, sua expressão mudou. Os olhos reluziram e a
carranca se foi. Como se estivesse vendo seu paraíso particular.
Eu sorri e corri até ele. Assim que pisei no átrio, ele me capturou num
abraço intenso. Sussurrou contra meu cabelo:
Peguei uma de suas mãos e levei aos lábios. Beijei-a com carinho.
– Como?
– Sim. Olhe para mim, olhe onde estou por você. Vim parar no
mundo dos mortos sem pensar duas vezes. Percebi que preferia morrer te
procurando, a passar uma vida inteira em sua ausência. Se isso não é amor, o
que mais pode ser? Então, caí na real. Foda-se o passado. Ele não importa
mais. Só o nosso amor importa. Desculpe-me por ter demorado tanto tempo
para enxergar.
Ele retorceu os lábios, tentando segurar o sorriso. Os olhos se
umedeceram; lágrimas que segurava ferozmente.
Ele riu, me olhando com fascinação. Beijou uma das minhas mãos
com carinho.
Ele grunhiu.
– Nós ficamos oito anos sem nos ver. Você namorou alguém?
– Nada sério. Eu não tinha tempo, nem interesse para uma relação
com outra mulher. Estava esperando por alguém. – E piscou.
– Você os amou?
– Não. Eu amei a segurança e estabilidade que eles me davam. Amor
de verdade? Paixão? Só com você.
– Mas eu não quero viver por você, linda. Quero te ajudar a ser
independente, reconstruir sua autoestima e autoconfiança. Não quero ser o
homem que você precisa, mas sim o homem que você escolhe. Sabe, para
vivermos um amor saudável, primeiro precisamos ser felizes sozinhos.
– Eu sei. Só ainda não descobri como fazer isso.
Suspirei.
Revirei os olhos.
– Vamos apenas esquecer aquele bastardo. A vida dele já é
deprimente o suficiente. – O destino se encarregou do castigo.
Pedi para que Tristan me contasse sobre Camille – e ele foi totalmente
sincero. Disse que, depois de mim, seu coração ficou em pedaços. Ele
precisava de um curativo para aquela dor, e se jogou no primeiro amor com o
qual se deparou.
– Camille era linda, mas não era você. Era perfeita e doce, mas não
tinha o seu cheiro. Toda vez que eu dormia em sua cama, fechava os olhos e
fingia estar com você. É horrível de admitir, eu sei. Mas é a verdade. Toda
vez que eu a abraçava e a tocava, parecia tão... Errado. Mas eu persisti. Achei
que um amor poderia curar o outro.
Dei de ombros.
Abri um sorriso.
– Exatamente.
Dei de ombros.
– Só se for agora.
Como adolescentes, tiramos as roupas e entramos no lago. Nadamos
pelados por quase uma hora – rindo e jogando água um no outro.
Fui até ele na ponta dos pés. Peguei a pistola de água e simplesmente
atirei um jato em sua bochecha. Ele acordou, surpreendido. Franziu a testa
para mim, desafiado:
– Desculpe, senhor.
Estreitou os olhos.
Ah, é. Eu mereço.
– Então, faça comigo o que você não pôde fazer naquela época.
Ele enganchou os dedos no meu biquíni; desamarrou o nó das costas.
– Não sei, não. Será que você já está pronta para mim, garotinha?
Não precisou pedir outra vez. Lambi a ponta do seu membro. Depois,
capturei-o por inteiro na boca – chupando-o com estocadas rítmicas.
– Quer mais?
Eu ri:
Eu me sentei na cama. Ele foi até o rádio arcaico que havia no quarto.
Ligou-o, mas só havia uma fita. Tocava uma balada romântica da década de
80.
– Dança comigo?
Ele levou minhas mãos até seu pescoço. Eu o abracei, feliz. Ele
entrelaçou os braços na minha cintura e dançamos lentamente. Ao fundo,
apenas o som da música suave.
Tudo com Tristan era intenso. Às vezes, ele me olhava nos olhos. Às
vezes, fechava as pálpebras e tocava meu rosto ao seu – acariciando-me e
sentindo meu cheiro.
– O quê?
– Na intimidade, o vampiro sanguinário é um romântico.
– Você sabe que fez uma loucura vindo ao mundo dos mortos, não
sabe?
– Prometo.
– Tudo bem, amor. – Acariciei seu rosto com o polegar. – Eu não vou
te deixar mais. Isso ficou no passado.
Sorri de soslaio.
– Prometo.
– Então prove.
– Como?
– Case-se comigo.
****
O quê?!
Só que eu não poderia ficar aqui por muito tempo. Estava viva.
Eventualmente, a Morte voltaria e perceberia minha presença. Ela me mataria
pela audácia de invadir seu mundo. Uma vez morta, eu não viria para o
mundo dos mortos. Humanos já não eram permitidos aqui.
Tristan e eu terminaríamos separados de qualquer jeito. Ou seja: não
havia um final feliz.
Athos não viu saída. Então, tomou uma decisão. Não partiria conosco,
e ficaria no mundo dos mortos com Tristan. Simplesmente não podia deixar
seu irmão sozinho, para sempre, nesse mundo abandonado.
Ele se exasperou.
– Vocês estão delirando!
Athos prosseguiu.
Na floresta, ele contou sua história para Katerina. O plano de Drácula,
a prisão de Tristan, nosso filho e a missão de resgate. Katerina topou nos
ajudar, sim, mas com algumas... Condições.
– Não. Ela quer fazer um acordo. Teremos que lhe fazer um favor em
troca da poção.
– Qual favor?
– Ainda não sabemos. Ela disse que só contará para você.
Tristan concordou.
– Clara está certa. Não vejo razão para negociarmos com a bruxa.
– Não, meu irmão. Katerina foi bem cristalina. Se você tentar escapar
do mundo dos mortos, o feitiço da prisão continuará impregnado no seu
corpo. Depois das quarenta e oito horas, você morrerá e acordará exatamente
no mesmo lugar. Aqui, neste Palácio.
Bufei. A cretina era esperta. Nos deu uma solução parcial para
continuarmos precisando de sua ajuda... Assim, ela poderia pedir o que
quisesse em troca.
– Então, a poção de agora é só um paliativo?
Grunhi.
– Bela aliada. Primeiro ela prende Azlam e Eros, e agora faz
exigências. – Olhei para Tristan, meio indignada. – O que será que ela quer
com você?
– Não sei, amor. Mas a mulher é esperta. Nos deixou sem alternativa.
– Virou-se para o irmão. – Então negociar com Katerina é nossa única saída?
Não podemos obrigá-la a nos entregar a poção? Não sei se notou, mas
geralmente não negociamos. Somos vampiros seculares – ergueu uma
sobrancelha – muito mais fortes que ela.
– Podemos ser mais fortes, sim, mas as bruxas tem truques. Artifícios
que não compreendemos. Basta Katerina se sentir ameaçada que estalará os
dedos e sumirá. Como perseguiremos um inimigo que nem podemos
enxergar?
Suspirei.
– Já entendi o que está dizendo. É melhor tê-la como aliada que como
inimiga.
****
– Nunca fiquei tão feliz por andar numa cidade abandonada em pleno
mundo dos mortos.
Rimos.
Comentei:
– Imagine esse lugar no mundo dos mortos? Deve ser mais estranho
ainda.
– Tipo?
Me olhou, surpreendido.
– É aqui. – Anunciou.
Athos combinou o encontro com Katerina neste dia e neste lugar. Não
havia horário específico. Então, tivemos que esperar.
Horas depois, ela apareceu. Ouvimos o barulho de seus passos se
aproximando. Ela surgiu por entre as árvores escuras, sem carregar nenhuma
lamparina consigo. Andava no breu como um animal selvagem. De longe, só
se viam seus olhos verde-diamantinos.
A bruxa andou até nós. Nos levantamos, tensos. Ela usava um vestido
medieval azul-celeste. Tinha também um cinto de couro na cintura e um arco
de flores na cabeça. Os longos cabelos escuros caíam até o fim das costas.
Algumas partes eram trançadas com ramos de folhas. Havia duas fendas
cortadas no vestido, mostrando as pernas nuas. Feitas para correr e lutar.
– Dom Athos.
Ele aquiesceu com respeito.
– Katerina.
Katerina morreu aos vinte e seis anos. Desde então, nunca mais
mudou. Era tão linda, natural e selvagem que doía olhar. Ela parou à nossa
frente e analisou Tristan de cima à baixo, desconfiada.
– E você deve ser Dom Tristan, o filho do Drácula.
Tristan ergueu uma sobrancelha.
Perguntei, tímida:
– Eu existo há mil anos, minha criança. Tive tempo para aprender. Sei
falar muitas línguas.
Katerina era mais amigável comigo do que com os primos. Talvez
porque eu fosse mulher.
– Sei.
– Estão desfalcados. Depois que viram o que Drácula fez com Athos,
muitos desistiram. Não querem colocar suas famílias em risco.
– Não.
– Quem?
– Seus antepassados.
Engoli em seco.
– O que você quer dizer, Katerina? – união post mortem? Além-vida?
Me desesperei:
– E se alguém se voluntariar?
Todos o encaramos. Clareou a garganta:
Athos rosnou:
****
Ele grunhiu.
– Eu sou um vampiro, pelo amor de Deus. Você não pesa nada para
mim.
Estalei a língua.
– Sim, eu aceito.
“Não sabemos. Mas Drácula tem uma dívida antiga com todas as
bruxas pelo que fez a nós. Nossas antepassadas irão nos honrar.”
Estava feito.
Cavamos e cavamos.
Enquanto desenterrávamos sei lá o que, Eros resmungava.
****
“Dom Azlam.”
“Que bruxa?”
“Esqueça. Ela está morta, não pode me alcançar no mundo dos vivos.
Tristan e a garota humana estão bem?”
“Estão. Resgatamos Athos também.”
“Quem é Katerina?”
“Você não vai querer saber.” Então Drácula simplesmente bateu o
telefone na cara de Azlam.
– Está bem. – Pousei a mão sobre a barriga, tensa. Mas você não irá
roubá-la de nós, seu maldito.
– Ótimo. – Virou-se para Athos. – E a estadia no mundo dos mortos,
meu caro? Como foi? Sempre tive curiosidade para saber como é lá embaixo.
Ela fechou os olhos, parecendo tentar captar sons que não ouvíamos.
– Não sinto nenhum feitiço de prisão neste lugar. Estamos livres para
partir.
– Sinto muito. Nós não iremos embora com você hoje. – Athos
anunciou, vitorioso.
– Vocês me enganaram?
– É uma guerra, Conde. Vale tudo. Até jogar sujo.
Drácula olhou para cada um de nós. Percebeu que era uma armadilha.
Do bolso interno do paletó, retirou um objeto quadrado e prateado.
Eros suspirou.
Drácula rosnou:
– Falem logo o que querem de mim, di Santorums.
– Sim.
Todos obedeceram.
O Conde os viu se aproximando. Pela primeira vez, vacilou,
temeroso. Azlam e Athos eram vampiros antiguíssimos, e seus inimigos mais
fortes. Já Eros e Tristan... Bem, foram treinados por eles. Igualmente mortais.
Posso fazer isso a noite toda, garantira. E ele não estava brincando. O
intragável Vlad era realmente o mais forte. O precursor da espécie, o líder e o
original. Todos os vampiros do mundo eram suas meras cópias.
Fiquei aflita. Uma hora, o feitiço terminaria e os vampiros poderiam
morrer. Se Drácula resistisse até lá... Ele nos esmagaria. Sozinho.
– Você.
– Então o que quer? Uma vingança? Você está morta, bruxa. Volte
para o seu próprio mundo e deixe os vivos em paz. Aqui não é o seu lugar.
– Eu não vim me vingar, Conde. Eu vim te buscar. Vou te levar para
o mundo dos mortos comigo e te torturar para o resto da eternidade. – Ergueu
uma mão. Ordenou, feroz: – Ajoelhe-se, maldito.
– Clara? Amor?
– O-que-você-fez-com-a-minha-mulher?!
Drácula apenas riu mais.
– Como assim?!
– Não sei. – A bruxa ficou tensa. – Não fui eu quem convocou. Não
sei quem é.
Tristan ofegou.
– Morte?!
– O quê?!
– Preciso que permaneça aqui até encontrar uma solução para o feitiço
do Conde. Encontre uma forma de desvincular Drácula do bebê no ventre da
humana. Depois que o fizer, envie o Conde direto para mim. Os demais
vampiros devem voltar ao mundo dos mortos assim que o feitiço terminar.
Não deixem rastros no mundo dos vivos. As bruxas devem abandonar os
corpos que tomaram imediatamente. Possessão foi expressamente proibida
pelas Criaturas Superiores.
– Vossa Eminência, Tristan precisa ficar. O feto anseia pelo pai e se
recusará a nascer se forem separados. Athos também não pode ir embora.
Nosso casamento é o que me mantém aqui.
– Que fiquem, então.
– Isso não me importa. Prendam esse verme até que ele esteja morto e
venha para o mundo dos mortos. Lá, eu acertarei minhas contas com ele.
Ela cuspiu:
– O que aconteceu?
Mas, quando a hora chegou, eles desceram pelo túnel e foram embora
com gratidão.
– Acho que ele fez isso para nos dizer alguma coisa. Está nos dando a
sua aprovação.
– Pare com esse chilique. Você consegue. Vai entrar lá e se casar com
aquele vampiro, ou eu resolverei sua crise com um tapa na cara.
Nossa, que violência.
– Não é? – ela riu. – Parece que este bebê vai explodir de dentro de
você a qualquer momento.
– Camille?! – me emocionei.
– Ah, meu Deus. Claro que sim. – E abri os braços. Ela correu até
mim e nos abraçamos. – Senti tanta saudade, Cami. – Confessei.
– Não há nada a ser perdoado. Aquele homem no altar sempre foi seu.
Qualquer outra mulher seria a errada. O tempo curou a ferida no meu
coração, e hoje... Bem, é um dos dias mais especiais da sua vida. Eu não
poderia perder.
Havia enviado o convite para ela meses atrás. Só nunca imaginei que
Camille viria.
– Que bom que você está aqui. – Fechei os olhos, aliviada. – Agora
me sinto completa. – Uma montanha saiu dos meus ombros. Todos os que eu
amava estavam aqui. E quem não estava... Bem, observava-me de algum
lugar. Como Lucas e minha mãe.
A hora chegou. Camille foi para a igreja, e Olívia foi para o altar, em
sua posição de madrinha.
Eu entrei. Meu avô me levou até o altar. Tristan me esperava lá no
alto, terno preto, mãos unidas à frente. Sorrisinho de soslaio, olhos negros de
mistério.
E a cada passo que eu dava até ele, sabia que estava tomando a
melhor decisão da minha vida.
****
Nós rimos.
– Acredite, eu sei. Lembra-se daquela vez em que precisei encontrar
acarajé para você, em plena madrugada?
– Como é que é?
– O quê?! – berrei.
Todos olharam para nós. Tristan passou a mão pelos cabelos,
encantado e apavorado.
– Cale a boca, Azlam! Você não sabe o que estou passando aqui!
Eu falava entrecortadamente.
– Alguém... Tire... Uma foto disto...
Tristan gargalhou.
– Ele é lindo.
– Para sempre nós três? – eu, ele e o nosso filho. O time perfeito.
Tristan pousou uma mão em meu queixo. Fitou-me com aqueles olhos
negros, tão profundos e tão meus.
– Para sempre ainda seria pouco. Eu quero muitas vidas com vocês.
Fim.
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(@autora_karinevidal).
DESVENDANDO GABRIEL
Escondida dos olhos humanos, existia uma espécie secreta. Seres com dons seculares,
feiticeiros do mundo moderno.
Essa dinastia bruxa era comandada pelo Conde Herdeiro: Nero Monferrato. Um playboy
perverso, lindo e cruel.
Elisa é uma jovem garota bruxa do Brasil. Ela precisa ir até a universidade bruxa da Europa
para estudar. Na Academia Constantin, só entravam os bruxos mais ricos, lindos e
oligárquicos. Com muita economia, os pais de Elisa conseguem a enviar para tal escola
europeia.
Acontece que o Conde Herdeiro, Nero, também estuda lá. Ele é um veterano diabólico, que
comanda a universidade com punho de ferro. Um ditador lendário, e um libertino perverso.
Por obra do destino, Nero descobre que sua noiva prometida está na Academia. E ela é
ninguém menos que a própria Elisa.
Uma universidade secreta, apenas para playboys podres de ricos. Bruxaria, fantasia,
intrigas e mistério.
(@livro_ocondeapaixonado_1)
“Lara Valente viverá uma história de amor avassaladora e surpreendente. Ela se apaixonará
por um garoto – mas só existia um detalhe: ele já estava morto.
Lara também irá morrer. Mas sua história não termina por aqui. Pelo contrário: é aí que ela
começa.
A jovem carioca será enviada para um misterioso internato na Inglaterra. Mas o lugar
esconde um segredo. Vários acontecimentos irão leva-la a descobrir que, por trás da
fachada da Escola dos Sotrom, existe uma Escola muito mais perigosa (cheia de segredos,
pactos e mortes).
Nessa Escola repleta de ocultismo, Lara será assassinada. Mas sua história ainda não
terminou. Ela acordará em um mundo paralelo, um universo glamouroso onde vive a nata
dos melhores, escolhidos à dedo pela Morte.
A Escola dos Mortos abriga os que foram assassinados e enviados para lá. Uma sociedade
escondida em que existem apenas os melhores, coexistindo em segredo com a escola dos
vivos.
Adolescentes mimadas, carros luxuosos, segredos escandalosos, campeonatos, corridas e
caçadas.
Lara irá se apaixonar por um homem perigoso. Luka Ivanovick: com seus olhos negros,
hostis e arrogantes – repletos de ocultismo e falta de respostas. Ele é o mais cobiçado e
perigoso do lugar (e, misteriosamente, fica obcecado por Lara). Através dele, a garota
descobrirá a cruel história por trás de sua morte.
Paixão, mistério e um jogo de sedução escuro e apimentado irão acontecer entre o mundo
real – e o misterioso mundo noturno da Escola. Até Lara descobrir que, dentro dos caixões
os mortos daquele lugar nunca dormem.
)@livro_escoladosmortos_1)
ELE NÃO VEIO DESTE MUNDO
Um reality show. Três garotos famosos, playboys e perversos. Uma garota brasileira
tentando sobreviver.
Nina leva uma vidinha mediana no Rio de Janeiro.
Um dia, um golpe de sorte do destino muda toda a sua vida.
Ela é escolhida para participar de um reality show na Espanha. Para isso, terá que se mudar
para a mansão de três garotos. Estes são herdeiros milionários, playboys traiçoeiros e
famosos em toda a Europa.
Nina terá que sobreviver na casa dos herdeiros por três meses.
O mais velho é o pior. Kaio di Ferrari é sombrio e cruel, um libertino que odeia a Nina à
primeira vista. Ele não a quer em sua casa, e fará de tudo para destruí-la.
Acontece que o destino é imprevisível. Com o passar do tempo, Kaio acaba ficando louco
de amor por Nina. Mas a garota não quer o seu coração, e irá fugir o bad boy cruel com
todas as forças.
Mas Kaio não pretende desistir.
Acontece que a mansão dos di Ferrari é perigosa e esconde vários segredos. Os garotos não
são humanos (e nem vieram deste mundo).
Então, quem os di Ferrari são de verdade? O que eles querem neste mundo? Nina tentará
descobrir. E, o mais importante: tentará sair viva daquela mansão.
(@livro_elenaoveiodestemundo)