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RELATO DE EXPERIÊNCIA

Utilizando as abordagens quantitativa


e qualitativa na produção do conhecimento*

USING QUANTITATIVE AND QUALITATIVE APPROACHES IN KNOWLEDGE PRODUCTION

UTILIZANDO LOS ABORDAJES CUANTITATIVO Y CUALITATIVO EN


LA PRODUCCIÓN DEL CONOCIMIENTO

Odaléa Maria Brüggemann1, Mary Ângela Parpinelli2

RESUMO ABSTRACT RESUMEN


O debate sobre as diferenças entre os mé- The debate over the differences between El debate sobre las diferencias entre los mé-
todos quantitativo e qualitativo é freqüen- quantitative and qualitative methods is fre- todos cuantitativo y cualitativo es frecuen-
te, havendo posições favoráveis e contrá- quent, holding favorable and opposite po- te, existiendo posiciones favorables y con-
rias acerca da sua integração. Delinear sitions concerning their integration. Outlin- trarias respecto a su integración. Delinear
uma pesquisa que contemple as duas abor- ing a research that contemplates both ap- una investigación que contemple los dos
dagens gera dúvidas e inquietações sobre proaches generates doubts and restless- abordajes genera dudas e inquietudes en
como utilizá-las sem ferir o rigor dos méto- ness about how to use them without dam- relación a cómo utilizarlos sin herir el rigor
dos, a especificidade, a sofisticação meto- aging the methods' rigor, specificity, as well de los métodos, la especificidad, la sofisti-
dológica e reflexiva de cada uma delas. O as the methodological and reflective sophis- cación metodológica y reflexiva de cada
objetivo é relatar e discutir a utilização da a- tication of each. The purpose is to report and uno de ellos. El objetivo es relatar y discutir
bordagem quantitativa (ensaio clínico con- discuss using the quantitative (randomized la utilización del abordaje cuantitativo (en-
trolado randomizado) e qualitativa para ava- controlled clinical trial) and the qualitative sayo clínico controlado randomizado) y cua-
liar e compreender a inserção do acompa- approach to analyze and understand the litativo, para evaluar y comprender la inser-
nhante de escolha da mulher durante o tra- practice of including a companion chosen ción del acompañante elegido por la mujer
balho de parto/parto, desempenhando o by the woman during her labor and child- durante el trabajo de parto y el parto, des-
papel de provedor de apoio. A utilização das birth, performing the role of support pro- empeñando el papel de proveedor de apo-
duas abordagens possibilitou aproximar as vider. Using both methods allowed for ap- yo. La utilización de los dos abordajes hizo
múltiplas facetas envolvidas nessa práti- proximating the multiple facets involved in posible la aproximación de las múltiples
ca e avaliá-la tanto na dimensão explicativa this practice and evaluating both the expli- facetas involucradas en esta práctica, así
quanto na compreensiva, uma vez que pôde cative dimension and the comprehension, como evaluarlas tanto en la dimensión ex-
ser realizada com olhares complementares. since it could be performed with comple- plicativa como en la comprensiva, debido
mentary views. a que puede ser realizada con visiones com-
plementarias.

DESCRITORES KEY WORDS DESCRIPTORES


Ensaios clínicos controlados aleatórios. Randomized controlled trials. Ensayos clínicos controlados aleatórios.
Pesquisa qualitativa. Qualitative research. Investigación cualitativa.
Parto humanizado. Humanizing delivery. Parto humanizado.

* Extraído da tese "O apoio à mulher no nascimento por acompanhante de sua escolha: abordagem quantitativa e qualitativa", Faculdade de Ciências
Médicas, Universidade Estadual de Campinas, 2005. 1 Enfermeira Obstétrica. Mestre em Assistência de Enfermagem. Doutora em Tocoginecologia na área
de Ciências Biomédicas. Docente do Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Grupo de Pesquisa em
Enfermagem na Saúde da Mulher e do Recém-nascido da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, SC, Brasil odalea@nfr.ufsc.br
2
Médica Obstetra. Doutora. Professora Associada do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). Campinas, SP, Brasil. parpinelli@caism.unicamp.br

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Português
Utilizando as abordagens / Inglês:
quantitativa e Recebido: 08/03/2007 Rev Esc Enferm USP
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qualitativa na produção do conhecimento Aprovado: 02/08/2007 2008; 42(3):563-8.
Brüggemann OM, Parpinelli MA www.ee.usp.br/reeusp/
INTRODUÇÃO qualitativa (subjetividade) não pode ser pensada como
de oposição ou contrariedade, como também não se re-
No Brasil, na década de 1980, as discussões sobre a duz a um continuum. As duas abordagens permitem que as
utilização dos métodos quantitativos ou qualitativos co- relações sociais possam ser analisadas nos seus diferen-
meçam a tomar vulto. Até então, as pesquisas eram pro- tes aspectos: a pesquisa quantitativa pode gerar ques-
duzidas com o enfoque positivista. A partir dessa época, tões para serem aprofundadas qualitativamente, e vice-
surgem obras com outras abordagens metodológicas (dia- versa(3).
lética e fenomenológica). As principais críticas à metodo- No campo da pesquisa em saúde, a contribuição da
logia quantitativa apontam que esta é positivista, com- interação entre as duas abordagens provém justamente
prometida com uma visão conservadora de sociedade e in- da diferença entre os seus métodos. Ambas traduzem, à
capaz de proporcionar um conhecimento dinâmico da rea- sua maneira, as articulações entre o singular, o individu-
lidade. Quanto à pesquisa qualitativa, as críticas são de al e o coletivo que estão presentes nos processos de saú-
que é desprovida de cientificidade e adequada apenas pa- de-doença(2).
ra estudos exploratórios, limitando-se à apresentação de
relatos pessoais(1). Os distintos modelos de articulação, que buscam qua-
lificar os mecanismos pelos quais ocorre a integração
No campo da saúde, os estudos quantitativos estão
entre os métodos quantitativo e qualitativo, são denomi-
geralmente submetidos aos cânones da epidemiologia, e
nados como: predomínio de um dos pólos (uma das abor-
os qualitativos aos das ciências sociais, mas apóiam-se
dagens é preliminar à outra, com a priorização de uma
nos quadros teóricos das disciplinas de referência para a
delas); justaposição das abordagens (nenhuma delas é
construção do escopo de cada uma das abordagens . (2)
predominante, e são utilizadas de forma in-
Na escolha da abordagem - quantitativa dependente); e modelo dialógico (há inte-
ou qualitativa, mais importante do que no- A combinação dos gração das duas abordagens). Em qualquer
mear o método, é ter o conhecimento sobre métodos quantitativo um dos modelos de articulação, é necessá-
sua utilidade e adequação ao objeto que se e qualitativo produz rio compreender as diferenças teórico-
propõe estudar. Além disso, é indispensável a triangulação conceituais para não perder a especifi-ci-
seu uso com precisão e rigor científico e ter dade e a sofisticação reflexiva e metodoló-
metodológica que, gica de cada uma das abordagens(2).
certeza do tipo de análise que o método pos-
sibilita construir . É necessário, ainda, con-
(2) numa relação
siderar quem produzirá o conhecimento e a entre opostos A combinação dos métodos quantitativo
quem este irá servir(1). complementares, e qualitativo produz a triangulação metodo-
busca a aproximação lógica, que, numa relação entre opostos com-
Não é significativo apenas discutir os plementares, busca a aproximação do
métodos de pesquisa, mas explicitar a pos- do positivismo e do positivismo e do compreensivismo. Assim,
tura do pesquisador frente às questões so- compreensivismo. a triangulação é uma estratégia de pesqui-
ciais, políticas e filosóficas da realidade sa que contribui para aumentar o conheci-
a ser pesquisada. Em qualquer abordagem metodológi- mento sobre determinado tema, alcançar os objetivos tra-
ca escolhida, o pesquisador deverá deixar transpare- çados, observar e compreender a realidade estudada(4).
cer as suas intenções e sua visão de mundo sobre o
objeto pesquisado. Não se justifica a adoção de uma Com base nesses aspectos teóricos apresentados, con-
abordagem de pesquisa em virtude do desconhecimen- sideramos que a triangulação, pela combinação das abor-
to da outra. A pouca familiaridade com a estatística dagens quantitativa e qualitativa, gera dúvidas e inquie-
não deve determinar a opção de um investigador pelo tações no pesquisador sobre como utilizá-las sem ferir o
método qualitativo. Os pesquisadores e professores de rigor metodológico, a especificidade e riqueza de ambas.
metodologia não precisam conhecer profundamente es- Assim, pretendemos relatar e discutir a utilização das duas
tatística, precisam, sim, conhecer as bases lógicas dos abordagens para avaliar e compreender os aspectos rela-
seus procedimentos e o significado de suas medidas e cionados à inserção do acompanhante de escolha da par-
testes(1). turiente durante o trabalho de parto e no parto, no papel
de provedor de apoio.
As abordagens quantitativa e qualitativa são necessá-
rias, mas muitas vezes insuficientes para abarcar toda a
realidade observada. Em tais circunstâncias, devem ser COMPARTILHANDO A EXPERIÊNCIA
utilizadas como complementares. Do ponto de vista
metodológico, não há contradição, assim com não há con- A inserção do acompanhante de escolha da mulher
tinuidade entre as duas formas de investigação. Do ponto durante o trabalho de parto e no parto foi o foco da pesqui-
de vista epistemológico, nenhuma das abordagens é mais sa que desenvolvemos durante o doutorado, no Curso Pós-
científica do que a outra, mas são de natureza diferente. A Graduação em Tocoginecologia da Faculdade de Ciências
relação entre a abordagem quantitativa (objetividade) e a Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas

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(UNICAMP), que resultou na tese intitulada: O apoio à A TRAJETÓRIA PERCORRIDA
mulher no nascimento por acompanhante de sua escolha:
abordagem quantitativa e qualitativa(5). A pesquisa foi desenvolvida no centro obstétrico de
A seguir, pretendemos proporcionar uma visão contex- uma maternidade do complexo hospitalar da UNICAMP,
tual dos passos da pesquisa e a imbricação das aborda- localizada na Região Metropolitana de Campinas/SP, na
gens para a produção do conhecimento. qual a presença do acompanhante não fazia parte da
rotina assistencial. O protocolo foi aprovado (Parecer
Fundamentação para a escolha metodológica n. 211/2003) pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM/
UNICAMP e autorizado pela Diretoria Clínica da referida
A necessidade de utilizar as duas abordagens emergiu instituição. Os procedimentos respeitaram rigorosamen-
quando identificamos a ausência de estudos controlados te a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n. 196/96
que tivessem avaliado os efeitos do apoio à parturiente, sobre pesquisa envolvendo seres humanos, sendo que
dado pelo acompanhante por ela escolhido, no que se refe- todos os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo de Con-
re à sua satisfação e aos resultados maternos, perinatais e sentimento Livre e Esclarecido.
de aleitamento materno. Este fato foi constatado através de
pesquisa nas bases de dados MEDLINE, LILACS, PubMed, No projeto de pesquisa, explicitamos as etapas meto-
SciELO e Isi Web of Science, entre os anos de 1980 e 2004, dológicas das abordagens quantitativa e qualitativa, por
a partir das palavras-chave: suporte/apoio (support), acom- compreendermos que nessa articulação não havia predo-
panhante (companionship or companion), doula, trabalho mínio de nenhum delas, mas sim uma justaposição, com
de parto (labor), parto (childbirth or delivery). Nessa busca, resultados produzidos separadamente(2).
foram localizados ensaios clínicos randomizados, meta- Assim, para o cálculo do tamanho amostral, adota-
nálises e revisões sistemáticas avaliando o apoio forneci- mos critérios distintos para cada abordagem. Na quanti-
do por profissionais e mulheres leigas, treinadas ou não. tativa, a amostra foi calculada para detectar uma dife-
Foram encontrados apenas estudos observacionais e qua- rença percentual de 15,1% na satisfação das parturientes
litativos sobre a avaliação do apoio por acompanhante do grupo de intervenção em relação ao cuidado recebido
escolhido pela parturiente(6). durante o trabalho de parto e no parto. Esse cálculo foi
baseado em ensaio clínico, que apresentou essa diferen-
Também identificamos a ausência de estudos sobre a
ça percentual entre os grupos com apoio e sem apoio du-
percepção dos profissionais de saúde em prestar assis-
rante o trabalho de parto e no parto, no que se refere à
tência na presença do acompanhante, sem que tivessem
satisfação das parturientes com o cuidado recebido por
sido previamente sensibilizados para essa prática. Sobre
enfermeiras(13). O tamanho total da amostra foi de 212
este item, encontramos estudos qualitativos realizados
parturientes, distribuídas aleatoriamente para os grupos
em maternidades nas quais essa prática ocorreu desde a de intervenção (com acompanhante) e controle (sem acom-
implantação do serviço ou após um processo de mudan- panhante). As parturientes foram selecionadas no momen-
ça(7-9). Além disso, a produção científica sobre a percep- to da internação na maternidade, a partir dos critérios de
ção dos acompanhantes, com relação à experiência de inclusão, através de um check-list. Os acompanhantes es-
prover apoio, focava-se apenas na vivência do compa- colhidos pelas parturientes do grupo de intervenção fo-
nheiro ou pai do bebê(9-12). ram contatados no momento da internação ou por telefo-
Enfim, não localizamos qualquer pesquisa que tivesse ne. Todos receberam orientação verbal e escrita, relativas
avaliado, em uma única maternidade, a intervenção com- às atividades de apoio emocional e físico (ficar ao lado,
portamental - apoio prestado por acompanhante de es- segurar a mão, encorajar, estimular, tranqüilizar, auxiliar
colha da parturiente - sob o ponto de vista de todos os na deambulação, fazer massagem etc.), e sobre as normas
atores envolvidos (parturiente, profissional de saúde e e rotinas do serviço.
acompanhante). A variável independente foi ter o acompanhante no
trabalho de parto e no parto, e as principais variáveis de-
Considerando a complexidade que envolve a inserção
pendentes avaliadas foram a satisfação da parturiente e
do acompanhante nas instituições de saúde, constituiu-
as relativas aos eventos do trabalho de parto e do parto,
se um objeto de pesquisa que requereu abordagens dife-
ao recém-nascido e ao aleitamento materno nas primei-
renciadas para aproximar as múltiplas facetas envolvi-
ras 12 horas pós-parto.
das. Utilizamos, assim, a abordagem quantitativa - en-
saio clínico controlado randomizado - para avaliar os A coleta de dados quantitativos foi realizada de feve-
efeitos dessa intervenção comportamental sobre a satis- reiro de 2004 a março de 2005, a partir das anotações
fação da parturiente, nos resultados maternos, perinatais contidas no prontuário da parturiente e através de entre-
e de aleitamento materno; e a abordagem qualitativa para vista nas primeiras 12-24 horas após o parto, utilizando
compreender a experiência sob o ponto de vista dos pro- um formulário padronizado. Os dados foram digitados
fissionais de saúde e das pessoas escolhidas pela partu- no Programa EPI INFO – versão 2002, sendo que para a
riente para lhe proverem apoio. análise estatística foi utilizado o programa SAS versão

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8.2. Foi calculado e comparado o escore geral de satisfa- seu planejamento, especialmente sobre os elementos essen-
ção através da escala tipo Likert(14). Para as variáveis con- ciais da epidemiologia para o delineamento de uma pes-
tínuas foram calculadas a média e a mediana, e a diferen- quisa clínica - fato decorrente das limitações do nosso pró-
ça entre os grupos pelo Teste t de student e Teste de Wilco- prio saber e da falta de familiaridade com essa abordagem
xon; para as variáveis categóricas foram utilizados o tes- metodológica. Tal aprofundamento teórico possibilitou
te Qui-Quadrado ou Exato de Fisher. Para as principais (re)conhecer de forma mais sistemática a contribuição des-
variáveis dependentes foram estimados as razões de ris- se desenho de estudo para a construção do conhecimento,
co e os intervalos de confiança a 95%. O nível de signifi- especialmente na área de Enfermagem, quando se pretende
cância assumido foi de 5%. Optou-se pela abordagem por avaliar intervenções comportamentais.
intenção de tratamento(14).
Na fase de coleta de dados quantitativos, foi necessá-
Na abordagem qualitativa a amostra foi intencional e ria uma permanência constante no campo assistencial a
determinada pela saturação dos dados, ou seja, quando fim de podermos selecionar cada parturiente e captar o
o conteúdo das entrevistas passou a se repetir não foram acompanhante por ela escolhido para prover apoio. Nes-
entrevistados novos depoentes(15). A coleta foi iniciada em te período, observamos que os profissionais de saúde do
outubro de 2004 - quando aproximadamente 75% da cole- centro obstétrico, potenciais sujeitos de pesquisa, já
ta de dados da abordagem quantitativa já havia sido rea- explicitavam a sua opinião sobre a inserção do acompa-
lizada - e concluída em março de 2005. Foram realizadas nhante, o que seria desvelado posteriormente pela abor-
entrevistas gravadas com onze profissionais de saúde (três dagem qualitativa.
enfermeiras, quatro médicos e quatro auxiliares de enfer-
magem), que haviam prestado assistência a três ou mais Os acompanhantes – provedores de apoio durante o
parturientes do grupo de intervenção (com acompanhan- trabalho de parto e no parto, tiveram atuações distintas,
te), e com dezesseis acompanhantes, que proveram apoio ou seja, foram os componentes fundamentais da interven-
durante o trabalho de parto e no parto (oito companhei- ção comportamental no ensaio clínico e sujeitos de pesqui-
ros, três mães, três tias, uma cunhada e uma sogra), utili- sa na abordagem qualitativa; possibilitando conhecer
zando um roteiro temático para os profissionais e outro como perceberam a experiência vivida, através das IC e DSC.
para os acompanhantes. A experiência ao utilizar as duas abordagens nos fez
Para analisar as entrevistas, utilizamos a técnica de refletir sobre as diferenças de cada uma delas, especial-
análise temática de discurso, de acordo com a proposta mente na fase de coleta e na de análise dos dados. A abor-
do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Identificamos as dagem quantitativa requereu um período longo de coleta
Idéias Centrais (IC) e as Expressões Chaves (EC), a partir das de dados (12 meses), durante o qual não tínhamos contro-
quais construímos o DSC, que se constitui em uma sínte- le sobre o seu término, pois dependia da demanda das
se, na primeira pessoa do singular, das EC corresponden- parturientes elegíveis para o estudo. O mesmo não ocor-
tes a cada IC(16). Para facilitar a organização das informa- reu na coleta de dados qualitativos, uma vez que os sujei-
ções procedentes das entrevistas, usamos o programa tos de pesquisa (profissionais e acompanhantes) faziam
Ethnograph V 5.O(17). parte do cenário assistencial e da intervenção planejada.
Os resultados preliminares sofreram um processo de O processo de análise dos dados quantitativos ocor-
validação externa(15), ou seja, as IC e os DSC provisórios reu em um período mais curto, quando comparado ao da
foram compartilhados e discutidos com outros pesqui- abordagem qualitativa. Cabe destacar que solicitamos o
sadores, pares da mesma linha de pesquisa, os quais se suporte de um profissional da área de estatística na fase
encarregaram de fazer e/ou sustentar objeções sobre a de planejamento da pesquisa e na análise dos dados quan-
análise dos achados e as interpretações realizadas. A titativos, o que contribuiu para a sua validade interna. Na
partir dessas considerações, as IC e os DSC correspon- abordagem qualitativa, a nossa experiência com o méto-
dentes foram modificados, ajustados ou mantidos. do, conferiu-nos maior autonomia.
Não temos o objetivo de discutir os resultados da pes-
ALGUMAS REFLEXÕES quisa. Entretanto, cabe destacar que o principal achado
SOBRE A EXPERIÊNCIA do ensaio clínico controlado randomizado foi o forte im-
pacto do apoio dado pelo acompanhante, escolhido pela
A utilização das duas abordagens metodológicas exi- parturiente, sobre a sua satisfação global com a experi-
giu a imersão em cada delas, o que favoreceu a preserva- ência, tanto no trabalho de parto quanto no parto. Essa
ção das suas características e peculiaridades. Esse pro- satisfação das parturientes foi percebida pelos profissi-
cesso possibilitou o reconhecimento das facilidades e onais de saúde e acompanhantes, sendo que emergiram
dificuldades que o pesquisador encontra quando utiliza nas IC e falas que integraram alguns DSC.
dois recursos para avaliar e compreender as diferentes
dimensões do fenômeno estudado. Essa triangulação metodológica, com um desenho de
pesquisa com abordagem quantitativa e qualitativa, pos-
Para o desenvolvimento do ensaio clínico controlado sibilitou a avaliação da intervenção realizada tanto na
randomizado, a busca teórica foi intensa, desde o início do dimensão explicativa quanto compreensiva do fenômeno

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gerado por ela, uma vez que pode ser realizada com olha- A realização de uma intervenção comportamental – no
res complementares, de forma seqüencial e parcialmente ensaio clínico controlado randomizado – não apenas
simultânea. gerou um novo conhecimento teórico, mas também con-
tribuiu para o seu reconhecimento, na dimensão prática,
Por fim, avaliar a inserção do acompanhante de esco- como benéfico e satisfatório, por todos os envolvidos na
lha da parturiente para prover apoio no trabalho de parto pesquisa. Assim, é importante refletir que a própria forma
e no parto gerou diferentes sentimentos nos personagens como se desenvolve uma pesquisa pode ser uma estratégia
envolvidos – parturiente, acompanhante, profissionais de de transformação da realidade assistencial, sendo que
saúde responsáveis pela assistência e pesquisadora. A seus resultados podem consolidar ou refutar uma prática.
utilização das abordagens quantitativa e qualitativa pos-
sibilitou desvelar e aprofundar, de forma simultânea, o A experiência relatada nesse estudo pode estimular
conhecimento sobre o fenômeno investigado. Também ori- a realização de ensaios clínicos controlados randomi-
ginou uma diversidade de dados que permitiu conhecer zados, combinados com uma abordagem qualitativa para
os diferentes aspectos sobre a inserção do acompanhan- avaliar intervenções no contexto assistencial, quando o
te, necessários para o planejamento e a implementação uso de apenas uma delas não dá conta do fenômeno a ser
dessa prática assistencial. estudado.
Cabe destacar que na área de Enfermagem o desenvol-
TRAÇANDO AS CONSIDERAÇÕES FINAIS vimento de pesquisas experimentais não é comum. São os
estudos observacionais, em especial os descritivos, que
Utilizar as abordagens quantitativa e qualitativa foi, têm sido os mais realizados. Assim, cabe o desafio de
ao mesmo tempo, estimulante e desafiador, uma vez que incrementar a realização de pesquisas experimentais para
necessitou de um esforço contínuo para preservar as ca- avaliar práticas de cuidado que não é possível através de
racterísticas de cada uma delas. A experiência vivida du- outra abordagem metodológica, o que poderá contribuir
rante a trajetória, desde o delineamento da pesquisa até para a produção de evidências científicas na área de En-
a análise dos dados e a discussão dos resultados, foi fermagem. E, como resultado, fortalecer o movimento da
fundamental para solidificar alguns aspectos teóricos que prática baseada em evidência na enfermagem nacional,
norteiam o uso de cada metodologia, seja de forma indi- que ainda é incipiente(18).
vidual ou integrada.

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