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Um conto de Natal
Jurema Gracioli
Copyright © 2020 Jurema Gracioli
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
EPÍLOGO
DEDICATÓRIA
PRÓLOGO
OLIVIA CAMPBELL
Dia 07/12 – Sábado
Exausta! Era assim que me sentia apenas quatro dias depois de chegar
em Nova York, uma cidade muito grande, onde tudo era longe, e não
conhecia ninguém. E quanto mais o tempo passava, mais eu me sentia
insegura e com medo de ter tomado a decisão errada.
Ainda no ônibus, a caminho desta cidade, pesquisei pela internet
lugares para ficar, e encontrei um studio para alugar, o lugar é pequeno, mini
quarto, mini banheiro, algo que lembrava uma cozinha, as paredes com tinta
velha e algumas manchas que pareciam mofo não ajudavam a melhorar o
aspecto do lugar, mas era o que podia pagar. Também acho que essa deve ser
uma região bastante perigosa, porque o senhorio não me pediu nem mesmo
um documento quando fui alugar. O proprietário era um senhor barrigudo,
cheio de tatuagens, grossos colares de ouro, com cara de poucos amigos, e
morava em um apartamento no térreo do edifício. Me recebeu sem muitas
perguntas e simplesmente falou:
— Recebo adiantado, se não pagar no dia certo pode ter certeza de
que suas coisas estarão na rua no outro dia. Já vi que você não é daqui, então
vou te dar umas dicas, nunca deixe essa porta destrancada, não guarde
dinheiro no apartamento, fica esperta com sua bolsa, não seja simpática com
seus vizinhos e nunca ande por essa região tarde da noite. — Me entregou as
chaves, virou as costas e foi embora.
Foi difícil dormir na primeira noite, os pensamentos ficaram confusos,
a dúvida ficou maior. Mas sempre que pensava que se aceitasse a proposta
dos meus pais iria me casar só para ser dona de casa, e esse nunca foi meu
sonho, desta forma reforçava a certeza de que tomei a decisão correta. Eu
quero e vou ser professora em uma escola infantil.
No dia seguinte comecei a procurar empregos em escolas infantis,
percebi que a maioria era muito longe de onde moro, seria necessário fazer
uma caminhada, depois pegar um trem, e em alguns casos mais um metro,
para chegar até lá, e demoraria mais de uma hora, em alguns casos quase
duas horas. Mesmo assim investi em cada passagem com esperança de
conseguir um emprego. As recusas foram se acumulando, as escolas já
tinham o quadro de funcionários preenchidos para esse ano, algumas até
ficaram com meu curriculum, mas não me deram esperança porque não tenho
referências de escolas da cidade.
A vontade que eu tinha quando ouvia isso era de responder: “criança
não é igual em todo lugar? Por que não pegar referências na escola que
trabalhei na minha cidade?” Mas não adiantava brigar e talvez fechar a porta
para futuras oportunidades.
Então passei a procurar qualquer emprego, afinal minhas economias
não me manteriam por muito tempo, tudo era muito mais caro do que na
pequena cidade onde sempre morei. Depois de várias salas de espera e
entrevistas, finalmente fui contratada em uma loja de roupas femininas em
um shopping, que para minha sorte não era tão longe de onde morava.
Comecei hoje e o horário é bom, entro mais cedo e serei responsável
por organizar e deixar a loja pronta para a abertura. Como a loja abre todos os
dias minhas folgas serão alternadas entre os dias da semana, conforme uma
escala da loja. Achei ótimo porque nos dias em que a folga for durante a
semana poderei continuar procurando outro trabalho na minha área.
Ao chegar no shopping me dirigi até a loja e encontrei a proprietária
me aguardando, e tinha mais uma moça com ela.
— Bom dia, Srta. Olivia Campbell! — Sou recepcionada pelo sorriso
da Sra. Margot Spencer, a proprietária da loja.
— Bom dia, Sra. Spencer, gostaria de agradecer a oportunidade e
saiba que vou me dedicar muito no trabalho.
— Tenho certeza de que sim, essa aqui é a Roxie, ela vai te
acompanhar no restante dessa semana, até você aprender. Pergunte tudo que
tiver dúvidas, e saiba que não espero nada menos que perfeição para que você
continue trabalhando aqui. Sua permanência na loja depende de suas vendas
na próxima semana, o Dia dos Namorados[1] é uma grande oportunidade para
nós. Já vou indo, tenho alguns compromissos e passo aqui mais tarde para ver
como as coisas estão indo.
Ela saiu pela porta da loja, me deixando sozinha com moça muito
bonita, com cabelos longos com vários tons de dourado, se vestia muito bem
e parecia muito elegante.
— Oi, Olivia, você já trabalhou em lojas antes? — Roxie se
aproximou de forma simpática.
— Não, nunca.
— E você gosta de moda?
— Gosto, mas não entendo muito.
— Posso ver pela sua roupa. Não é nada muito moderno, não é? Bom,
depois vamos ter que mexer no seu visual, vou te dar algumas dicas de como
escolher as peças, de como se vestir, e depois de como indicar as roupas para
as clientes. Mas por enquanto vamos começar com a arrumação da loja.
Me concentro no trabalho e em aprender o máximo possível de tudo
que Roxie me ensinava.
CAPÍTULO 3
OLIVIA
Dia 24/06 - Segunda-feira
No final da tarde, quase ao final do meu turno, a Sra. Margot Spencer
entrou na loja espalhando o som característico de seus saltos, ela se
aproximou de mim e falou:
— Srta. Campbell precisamos conversar, pode passar na minha sala
antes de ir embora. — Nem esperou a resposta, saiu andando a passos firmes
sobre seu enorme salto agulha.
— Nossa! Amiga, hoje essa mulher está atacada, não sei o que ela
quer, mas fica esperta, Olivia — Roxie me avisou, me deixando ainda mais
ansiosa para essa conversa.
Nos últimos meses Roxie se tornou uma amiga muito próxima, me
ajudou muito no começo. Aprendi rápido e no último mês consegui ficar
entre as maiores vendedoras da loja.
— Estou até com medo ir até lá.
— Bom, vai ter que esperar para saber. Mas mudando de assunto,
conseguiu falar com seus pais?
— Mandei outra mensagem para minha mãe, ela não respondeu. Já
cansei de ligar. Então estou mandando uma vez por semana uma mensagem
com notícias minhas, ela lê, mas continua sem responder. Sei que saí de casa
de forma muito brusca, que magoei meus pais com essa atitude, mas, poxa,
ela é minha mãe. Será algum dia eles vão me perdoar?
— Oh, amiga! Claro que vão. O tempo de cada um para aceitar as
mudanças é diferente. E quando mexe com sentimentos é ainda mais
delicado, porque o coração só cicatriza depois que a gente consegue perdoar,
e isso vai acontecer! Eles são seus pais e te amam, só devem ter ficado
magoados com a forma que você saiu de casa, que até você reconhece que
não foi legal.
— Sim, e sinto muitas saudades deles, todos os dias.
Olhei no relógio e já estava na hora de enfrentar a Sra. Spencer, então
me encaminhei para sua sala.
— Posso entrar, Sra. Spencer?
— Sim, Srta. Campbell, por favor pode se sentar. Primeiro gostaria de
te parabenizar pelos seus resultados nesse mês. Você foi muito bem, e tenho
que reconhecer o quanto melhorou nesse período. Entretanto, nos próximos
meses prevemos uma diminuição no ritmo de vendas, então vou precisar
dispensar uma das vendedoras, e será você. Não foi fácil tomar essa decisão,
mas você é quem trabalha há menos tempo aqui. Vamos fazer uma ótima
carta de recomendação e receberá todas as horas trabalhadas e um pequeno
bônus de agradecimento.
— Nossa, por essa eu não esperava! Tem alguma coisa que eu possa
fazer para a senhora reconsiderar?
— Infelizmente não. Aqui está o endereço do escritório que cuidará
dos papéis, passe lá amanhã, já te esperarão. Realmente espero que encontre
um novo trabalho bem rápido, você é uma boa funcionaria.
Me levantei e nem olhei para trás ao sair da sala, ainda analisando as
palavras que tinha acabado de escutar. O que eu iria fazer agora? Terei os
valores da rescisão e o restante das minhas economias para me ajudar por
algum tempo, mas com certeza não será muito tempo, porque só trabalhei na
loja por quatro meses. Quando voltei para o salão de vendas meus olhos já
estavam cheios de lágrimas que eu tentava segurar. Mas não estava sendo
fácil.
— Amiga, que cara é essa o que aconteceu? — Roxie veio em minha
direção com os braços abertos para me envolver.
— Ela me demitiu, disse que precisava dispensar uma de nós e fui eu.
O que eu vou fazer agora, Roxie?
— Agora vai para casa descansar, levanta essa cabeça, porque você
vai conseguir outro emprego. Você tem que pensar positivo. Limpa esse
rosto.
— Obrigada pelas palavras, mas foi tão difícil conseguir esse
emprego, e agora vou começar aquela via-sacra de novo.
— Dessa vez vai ser mais fácil, acredite. Mas vou sentir tanto a sua
falta aqui. — Ela me soltou, limpou minhas lágrimas e nos despedimos.
Saí do shopping bastante triste, por sorte o metrô não demorou
chegar. À noite, em casa, senti meu celular vibrar. Busquei o aparelho para
ver se finalmente minha mãe respondeu uma de minhas mensagens, mas
encontrei uma mensagem da Roxie.
Roxie:
Amiga, o marido da minha prima tem uma
cafeteria muito chique, em Manhattan. Ela tinha
comentado comigo que iriam contratar, então mandei
mensagem para ela e falei de você. O salário não é
igual ao daqui, porque não tem comissão de vendas,
mas tem gorjetas, e pelo menos você não fica sem
nada. Depois pode encontrar outro emprego com calma.
Ela não prometeu nada, mas disse para você ir lá
conversar com o Lewis, que é marido dela, amanhã. O
que você acha?
Olivia:
Maravilhoso! Nem sei como te agradecer, Roxie,
muito obrigada!
Com certeza vou sim. Não posso ficar sem
trabalhar.
Roxie:
Que bom!
Daqui a pouco te passo o endereço, estou
esperando que ela me responda.
Beijinhos e boa sorte, amiga!
Acordei, mas não consegui abrir os olhos, a primeira coisa que pensei
foi “por que será que o despertador não tocou?” De olhos fechados comecei a
me lembrar do dia que tive, de sair da cafeteria e de sentir um impacto. Meu
Deus! Eu morri. Acho que não porque estou ouvindo muitas buzinas, no céu
não deve ter buzinas.
Queria abrir os olhos, mas tinha um medo enorme de abri-los.
Vagarosamente afastei minhas pálpebras, minha visão foi entrando em foco e
vi um carro, devagar virei o rosto e vi um anjo, um anjo ruivo olhando para
mim, bem perto do meu rosto, realmente eu morri e fui para o céu.
CAPÍTULO 8
Henrik
07/12 – Sábado
Geralmente não trabalho aos sábados, com as bolsas de valores
fechadas meu mundo ganha um pouco de paz. Hoje era um dia atípico,
precisava ir ao escritório finalizar a análise de uma empresa na qual um de
nossos clientes queria investir, antes da aquisição de uma grande quantidade
de ações, ele queria ter a segurança de que faria uma boa escolha, e uma parte
do meu trabalho entrava aí.
Depois de passar na cafeteria da esquina para pegar meu café, e ver o
lindo e delicado sorriso de Olivia, cheguei ao escritório que estava vazio e
silencioso, assim poderia me vestir de forma casual sem me preocupar em
usar aquela gravata irritante.
O andar todo era ocupado pela minha empresa, a Four K's Darings
Investments, quer dizer, não só minha, somos quatro sócios, garotos que
saíram da faculdade e resolveram ousar no mercado financeiro. Temos
formações diferentes, temperamentos diferentes, gostos diferentes, origens
diferentes, mas de uma forma improvável funcionamos muito bem juntos.
E foi por isso, e com um pouco de sorte, que conseguimos crescer
tanto. Em dez anos nossa empresa passou de um cômodo na casa de Erick,
um dos sócios, para um andar inteiro num dos endereços empresariais mais
elegantes de Nova York. E nossa amizade cresceu ainda mais nesse período.
Entrei na minha sala e olhei para janela, a vista daqui é linda, apesar
de muitos prédios ao redor conseguia ver muito longe, pena que poucas vezes
parava para observar. Voltei à minha mesa e me concentrei numa infinidade
de documentos. Traduzir os números em fatos é minha especialidade, e eu
gosto, desvendo e transformo em palavras simples o real significado de tantas
planilhas e relatórios, tinha um talento especial em encontrar informações
contraditórias, o que na maioria das vezes era uma tentativa de esconder a
verdadeira posição econômica de uma empresa.
Me concentrei tanto no trabalho que esqueci do mundo, quando olhei
as horas já eram cinco da tarde. Merda! Esqueci que tinha combinado de
encontrar minha mãe para um almoço, tínhamos marcado às duas da tarde.
Ela com certeza está uma fera comigo.
Juntei alguns documentos, desliguei o computador e conferi o
telefone enquanto aguardava o elevador. Cheguei à conclusão de que minha
mãe realmente estava brava! Eram oito chamadas não atendidas e doze
mensagens no WhatsApp, li as mensagens enquanto o elevador descia.
Cheguei à garagem, entrei no carro e conectei o telefone no sistema de áudio,
assim que saí da garagem, liguei para ela.
— Alô, mãe?
— Seu desnaturado, você não tem respeito com a sua mãe, promete
almoçar comigo e me deixa esperando no restaurante e nem me manda uma
mensagem dizendo que não poderia ir. Se tivesse me mandado uma
mensagem eu estaria brava, mas me deixou esperando e não atendeu meus
telefonemas então estou furiosa. Não pense que só porque tem esse seu
tamanho enorme que não vou te dar umas chineladas. Seu mal-educado, não
foi assim que te eduquei. A sua vida gira em torno do trabalho, seu mundo é
o trabalho, e as pessoas, não tem espaço na sua vida?
Saí da garagem, o trânsito estava tranquilo nesta parte da cidade,
afinal vários escritórios não abriam aos sábados, me mantive na avenida por
mais dois quarteirões onde viraria à direita.
— Calma, mãe, me desculpe, eu estava trabalhando, você sabe que
quando me concentro esqueço de tudo, meu celular estava no silencioso para
não me incomodar enquanto trabalho. Me perdoa, mãezinha.
— Você acha que só falando com esse dengo vou te desculpar?
— Puta merda!
— Henrik, que barulho foi esse? Henrik você está bem? Henrik não
me deixa falando sozinha...
Ao virar a esquina não vi uma pedestre, não estava rápido, mas não
deu tempo de frear e só senti seu impacto em meu carro. Desci correndo
enquanto ouvia os gritos da minha mãe nos alto-falantes do carro.
Quando cheguei à frente do veículo vejo cabelos loiros espalhados no
chão, me aproximei e tirei as mechas de seu rosto.
— Olivia. Olivia, fala comigo!
A atendente da cafeteria estava desacordada. Não podia acreditar que
eu conhecia a pessoa que atropelei. Preferia tê-la encontrado em outra
situação em que poderia aproveitar sua voz, seu sorriso, conversar com ela.
Mas consegui estragar tudo até sem abrir a boca. Esperava que não fosse
grave, minha cabeça funcionou rápido com mil pensamentos correndo e se
chocando, assim como a imagem de Olivia na frente do carro.
Voltei para o veículo e peguei meu celular, algumas pessoas
começaram a se aproximar e antes que a movessem eu gritei:
— Ninguém toca nela, estou chamando uma ambulância.
— Henrik, o que aconteceu? — Minha mãe ainda estava na linha.
— Mãe, atropelei uma garota, preciso tomar providências, te ligo
depois.
Desliguei o telefone sem nem mesmo escutar sua resposta e liguei
para o número da emergência enquanto voltava para frente do carro, passei o
endereço e informei que a vítima estava desacordada. Pedi para um senhor
que se aproximou para me ajudar a sinalizar o local, e evitar outros acidentes,
ele foi até o porta-malas do meu carro e tirou os equipamentos de segurança,
sinalizando à nossa volta.
Me concentrei em Olivia, ela parecia tão frágil e ainda tão linda. Por
que não prestei mais atenção ao virar a esquina? Tudo que eu queria era que
ela acordasse.
E se passaram longos minutos de agonia enquanto seus olhos estavam
fechados e a ambulância com paramédicos não chegava. Não tirei os olhos
dela, tinha medo de tocá-la e machucá-la ainda mais. Observei quando ela
abriu os olhos, fiquei imensamente feliz, me aproximei de seu rosto para
ouvir o que ela sussurrava.
— Eu morri. E você deve ser um anjo com o rosto dele, pode me
responder por que o céu tem tantas buzinas?
Ela não estava bem, acordou, mas arrastava as palavras e dizia coisas
sem sentido: “o rosto dele”? O que ela está vendo? Quem achou que eu sou?
Talvez tenha me confundido com seu namorado. Não gostei dessa última
ideia, mas não dou tempo para me apegar a ela.
— Olivia, você não morreu. Me chamo Henrik, nos vemos na
cafeteria, você lembra? Não se mexa, tudo bem?
Não deu tempo de ouvir sua resposta, o resgate chegou e os
paramédicos logo me afastaram. Eles a imobilizaram e colocaram-na em uma
maca. Meu coração se apertou ao ver aquela cena, como eu pude causar isso?
Tentei entrar na ambulância com ela, mas não deixaram. Eu teria que esperar
a polícia para dar meu depoimento. Mas nem por um instante eu tiraria os
olhos dela, eu era responsável por ela, pelo menos até que chegasse algum
familiar.
Voltei para carro e segui a ambulância até o hospital. Tive muita sorte
de encontrar uma vaga bem próxima, ainda conseguia ver quando tiraram sua
maca da ambulância e correndo cheguei à recepção do hospital junto com ela.
Me posicionei ao lado da maca enquanto aguardava o médico, tudo
era muito lento, nada parecido com a correria dos hospitais de seriados. Duas
enfermeiras vieram com uma maca do hospital, mais larga que a da
ambulância e trocaram Olivia de lugar, os paramédicos voltaram para a
ambulância e as enfermeiras a estavam levando para outra sala, e eu segui
acompanhando.
Quando cheguei perto vi que Olivia estava acordada, mas não falava
nada, apenas olhava para cima.
— O senhor é da família? — uma delas perguntou e eu sabia que se
dissese que não, nunca me deixariam acompanhá-la. Então respondi firme.
— Sim. — Não entrei em detalhes, esperaria a próxima pergunta, que
não veio. A enfermeira fez uma cara de desconfiança, franziu a testa, me
encarou com olhos semicerrados, e depois deu de ombros como se não se
importasse. Olivia arregalou os olhos, mas se manteve em silêncio.
— Os paramédicos disseram que ela está estável, então vai ficar na
sala de observação até o médico vir examiná-la. Você pode ficar com ela por
enquanto — a enfermeira me explicou ao mesmo tempo que empurrava a
maca.
Chegamos a uma sala com várias macas, uma ao lado da outra, todas
estavam ocupadas, o ambiente era pesado e os rostos ao meu redor
demonstravam dor e tristeza.
Esperamos por uma hora em silêncio, não sabia o que dizer para ela.
Que tal: “ei, me desculpa, eu quase te matei” ou talvez “eu te vejo todos os
dias, mas não queria te atropelar”, tinha uma melhor “oi, acho legal que você
se lembre do café que eu gosto”. Todas as frases que vinham na minha
cabeça pareciam ridículas. Não tinha a menor ideia de como começar essa
conversa. Então me senti aliviado ao ouvir sua voz.
— Sr. Henrik, por que o senhor está aqui?
— Não precisa me chamar de senhor, de só de Henrik. E... foi eu que
atropelei você. Não a vi quando virei a esquina. Me desculpe.
— Não precisa se desculpar, foi um acidente, não de propósito, não é
mesmo? Então não precisa ficar aqui, eu estou bem, e acho que vai demorar o
atendimento, o senhor, deve ter compromissos, pode ir embora.
— E eu vou ficar, eu te machuquei, preciso ter certeza de que você
está bem.
— Eu já disse estou bem, só estou com um pouco de dor no corpo,
acho que pela pancada. E... eu também preciso ir embora, não posso ir tarde
para casa.
— Nossa, me desculpa, nem perguntei. Você quer que eu ligue para
alguém? — Perguntei me sentindo ridículo por não ter oferecido, ela poderia
querer outra pessoa com ela neste momento.
— Não, obrigada, não tenho ninguém para avisar.
— Posso ligar para os seus pais ou para o seu namorado — disse
torcendo para que não existisse um namorado.
— Minha mãe mora em outra cidade, se ligar ela vai ficar
preocupada, e não tem nada que ela possa fazer agora, prefiro ligar para ela
quando chegar em casa. Eu não tenho namorado e ninguém para ligar. Como
eu disse o senhor não precisa ficar, não quero atrapalhar sua noite de sábado.
Acho que também já vou, já faz muito tempo que estamos aqui, pode me
dizer que horas são?
Ela começou a se levantar e eu a segurei, tentando mantê-la deitada.
— Calma aí mocinha! Não pode se levantar, você bateu a cabeça e
ficou desacordada, pode ser perigoso. E por favor, não me chame de senhor,
você sabe meu nome e nossa diferença de idade não deve ser tão grande
assim.
Ela sorriu e se calou, esperamos mais meia hora até um médico
baixinho, de cabelos grisalhos e a cara fechada chegar para atender Olivia.
Ele fez algumas perguntas, olhou sua cabeça e punho que ela dizia estar
dolorido, pediu para Olivia se sentar e eu a ajudei, enquanto ele fez algumas
anotações num papel e depois proferiu:
— Você está bem, pode ir para casa. Vai ficar em repouso por vinte e
quatro horas e vou te dar uma receita com remédios para a dor. Se você voltar
a desmaiar, volte aqui.
— Espera aí, mas você nem examinou ela direito. — Eu estava
realmente irritado com descaso no atendimento, primeiro a demora e agora
esse atendimento superficial.
— Você quer exames, tudo bem, se a paciente concordar.
O médico olhou para Olivia que parecia assustada, quando ela foi se
levantar eu a amparei, ela ficara muito tempo deitada e poderia ficar tonta ao
se levantar. Segurei suas mãos e trouxe seu corpo próximo ao meu, senti o
seu calor e seu cheiro adocicado.
— Não precisa já estou bem e vou embora.
— Não, Olivia, você precisar fazer alguns exames, olha seu punho. —
Sinalizei o pulso inchado, e vi o médico se afastando para atender outro
paciente.
— Henrik, meu plano de saúde não cobre exames, não tenho como
pagar, está tudo bem, só quero ir para casa. — Ela tentou sorrir, mas não
conseguiu curvar os lábios por causa da dor.
— Pode esperar aqui só um minuto, por favor. — Ela assentiu com a
cabeça e eu fui até a recepção.
As enfermeiras digitavam algo no computador e não me olharam.
— Por favor, estou acompanhando a Srta… a minha namorada, mas
acho que houve algum erro no atendimento, ela não será atendida pelo plano
de saúde, vou pagar o atendimento dela, mas quero o melhor possível. —
Estendi meu cartão de crédito para a enfermeira.
— Só um instante, Sr. McDowell — ela disse olhando meu nome no
cartão. — Vamos verificar com a recepção e o setor financeiro.
Voltei para o lado de Olivia e pedi a ela que aguardasse só mais um
pouquinho. Ela não parecia muito bem, e mesmo assim, novamente foi ela
quem começa nosso diálogo.
— Henrik, obrigada pela companhia. E desculpa por te dar esse
trabalhão, eu me lembro que olhei para os lados, mas não vi o carro.
— Eu estava errado, deveria ter prestado mais atenção, ainda bem que
estava devagar. Mas ainda estou preocupado com você, prefiro que passe por
outro médico.
— Não! — Ela estava ainda mais assustada, o que me deixou com
mais vontade de abraçá-la e dizer que ficaria tudo bem. — Não precisa, estou
bem, já disse. Além do mais, eu já disse que não posso pagar uma consulta
dessas. Preciso ir para casa. Ai… — Soltou um gemido de dor no final da
frase.
— De jeito nenhum você vai para casa assim, você está com dor. Eu
te feri e sou responsável por você, e claro que eu vou pagar a consulta e todos
os exames que precisar. E você só vai para casa depois que tivermos certeza
de que está bem!
Apesar da preocupação com ela, achei bom passarmos mais um tempo
juntos, quem sabe eu penso em algo melhor para conversarmos sem parecer
um idiota, ainda mais sabendo que ela não tem um namorado.
CAPÍTULO 9
Olivia
08/12 – Domingo
Eu já sabia que Henrik era lindo, claro era só olhar para ele, e eu fiz
isso todos os dias da semana nos últimos cinco meses. O que nunca imaginei
foi que ele me trataria com tanto cuidado, ficou comigo durante todo o tempo
depois do acidente e estava visivelmente preocupado. Sei que esse
acolhimento era porque ele se sentia culpado pelo acidente, mas também sei
que foi exatamente isso: um acidente, que por definição é um acontecimento
fortuito, não fui minha culpa e nem dele.
Apesar de saber que esse tratamento tinha um motivo e que logo
acabaria, eu estava adorando ficar ao seu lado. Enquanto aguardávamos
atendimento, fiquei observando-o. Ver cada detalhe do seu rosto, o formato,
as sobrancelhas no mesmo tom de seu cabelo avermelhado que contrastava
com a pele clara, os olhos escuros, pequenas sardas, lábios perfeitos e o
especial do dia: o charme de sua barba nascendo, que trazia uma penugem
avermelhada para seu rosto. Um pecado de homem!
Poucos minutos depois que Henrik foi na recepção, um enfermeiro
com uma cadeira de rodas, chegou ao meu lado e me pediu que sentasse,
ainda estava um pouco tonta e minha cabeça doía, meu pulso esquerdo estava
um pouco inchado e meu corpo suplicava por uma cama apesar ter ficado
várias horas deitada nesse hospital.
Seguimos para outra ala do hospital que mais parecia um hotel,
paredes claras, luzes aconchegantes, uma linda decoração, recepcionistas
uniformizadas e com cabelos impecáveis, poucas cadeiras de espera. Eu
nunca entraria num lugar desses, e tinha muito medo de quanto ficaria a
conta, porque provavelmente não conseguiria pagar nem com muitos meses
de trabalho. O enfermeiro me ajudou a me acomodar na cadeira de espera e
foi embora levando a cadeira de rodas. Em poucos minutos a recepcionista
nos chamou.
— Senhorita Olivia Mary Campbell.
Henrik me olhou curioso e perguntou:
— Alguém te chama de Mary?
— Só a minha mãe quando está brava. — Ele sorriu, eu penso que
gostaria que sorrisse dessa forma todos os dias para mim.
— Se incomoda se eu entrar com você? Gostaria de fazer algumas
perguntas ao médico.
— Tudo bem, não me incomodo, deve ser um atendimento rápido.
Ele sorriu, mas ficou em silêncio. Não era muito fácil continuar uma
conversa com ele, não sabia o que perguntar ou sobre o que conversar, e ele
pareceu bastante reservado até o momento. Nos levantamos e enquanto
caminhávamos até o consultório senti sua mão na base das minhas costas, me
pareceu um gesto protetor, como se ele tivesse medo de que eu desmaiasse a
qualquer momento. Me acostumaria fácil com seu contato em meu corpo.
— Boa noite, sou o Dr. Andrew Jenkins, como posso ajudá-los? —
perguntou um jovem médico à nossa frente, apesar de ser muito tarde ele não
parecia cansado, e mantinha um sorriso acolhedor.
Henrik explicou para o médico tudo o que aconteceu, incluindo meu
último atendimento. O médico fez algumas anotações e depois várias
perguntas sobre como me senti.
— Muito bem, vamos fazer alguns exames para vocês ficarem
tranquilos. O senhor pode aguardar na recepção, porque não são permitidos
acompanhantes durante os exames. Assim que terminarem peço para chamá-
lo, tudo bem?
— Ok. — Ele se virou para mim e pela primeira vez olhou dentro dos
meus olhos ao falar. — Estarei aqui te esperando.
Depois disso perdi a noção do tempo, já deveria passar da meia noite.
Me espetaram, apertaram, tiraram raio X do punho, me colocaram dentro de
uma máquina, passaram uma meleca na minha barriga e fizeram ultrassom,
me deram uma injeção e quanto mais exames faziam, mais eu me preocupava
com a conta. Não tinha ideia de quanto essa conta ficaria, e nem como esse
valor impactaria as finanças de Henrik, mas era impossível não me
preocupar. Quando finalmente terminaram, e me encaminharam novamente
para o consultório.
Entrei na sala e Henrik já estava em frente ao médico, ele se levantou
e me estendeu a mão, e não soltou nem depois que já estava sentada. Só então
o médico começou a falar.
— Olivia, em um acidente como o seu temos várias preocupações,
porque a pancada pode dar início a uma série de problemas, e alguns
sintomas não aparecem imediatamente. Por isso você fez tantos exames. Os
resultados foram ótimos, seu punho sofreu só uma luxação, gelo e remédio
para dor vão ajudar, em alguns dias estará bom. As imagens do abdômen
também estão ok e na cabeça nenhuma alteração.
Ele olhou para o computador e depois voltou sua atenção para nós.
— Entretanto nosso cérebro pode ter reações diversas nos casos de
uma pancada, mesmo que não apresentem sintomas físicos, que seriam
identificados nas imagens, você pode sentir alguns sintomas como dor de
cabeça, náuseas ou vômitos, tonturas ou problemas de equilíbrio, visão dupla
ou embaçada, sensibilidade à luz e a ruídos, sonolência, confusão ou
esquecimento sobre os acontecimentos recentes. Os sintomas de uma
concussão geralmente aparecem logo após a lesão, mas em alguns casos
podem levar horas ou dias para aparecer, as primeiras vinte e quatro horas
são as mais delicadas, por isso não pode ficar sozinha. O correto seria deixá-
la em observação aqui no hospital, mas como você só apresentou dores de
cabeça, posso te liberar se prometer que não vai ficar sozinha, geralmente os
pacientes se sentem mais confortáveis em casa, o que pode ajudar na
recuperação, e se você apresentar qualquer desses sintomas voltará aqui.
— Eu realmente prefiro ir para casa — disse rapidamente, afastando a
ideia da internação.
— Ótimo, aqui está a receita de seus medicamentos, hoje já tomou
uma injeção para dor, então comece amanhã, as especificações de como deve
tomá-los estão na receita. Mais uma coisa, será normal sentir um pouco mais
de sono, pelos remédios e emoções do dia, mas observe, porque passar o dia
todo dormindo pode ser um dos sintomas que relatei.
— Obrigada, Dr. Jenkins. — Peguei a receita de sua mão, levantamo-
nos e saímos do consultório.
Durante o caminho até a porta do hospital, Henrik voltou a colocar a
mão na base das minhas costas, eu adorei essa atitude e vou sentir muita falta.
Ao chegarmos na saída tomei consciência de que chegou a hora da despedida,
apesar das circunstâncias, tinha que reconhecer que realizei um sonho ficando
ao lado dele e conversando mais do que “um capuccino com expresso duplo.”
— Henrik, muito obrigada por tudo. Sei que foi um acidente e não
precisa se preocupar, estou bem, só preciso ir para casa descansar.
— Claro, vem, vou te levar.
— Não! Não precisa posso ir de táxi.
— Não vou te deixar entrar num carro com um desconhecido a essa
hora da noite, e vou me sentir melhor sabendo que chegou bem em casa.
— Mas… Moro muito longe daqui e é um lugar perigoso, não é muito
seguro ir até lá a essa hora, ainda mais num carro como o seu, chamaria muita
atenção. Não é seguro para você, prefiro ir de táxi.
— Olivia, você comentou comigo que seus pais não moram aqui e
que não tinha ninguém para ligar. Não quero ser intrometido, mas você mora
com alguém?
— Não, eu moro sozinha.
— Você sabe que o médico só deixou você sair se ficasse
acompanhada. Você pode voltar a sentir mal estar, e pode ser perigoso não ter
alguém para socorrê-la. — Achei ter visto carinho em seus olhos, mas
poderiam ser os analgésicos já fazendo efeito. Ele respirou e continuou:
— Eu me preocupo. — Ele levou uma das mãos ao meu rosto, com
um toque suave, uma carícia. — Vou ficar com você. E realmente está tarde,
minha casa é aqui perto, você pode dormir lá hoje. Tenho um quarto de
hóspedes, você vai ficar confortável, lá também é silencioso e poderá dormir
bastante para descansar.
— Não quero incomodar, e sua namorada pode não gostar que eu
fique em sua casa — respondi rápido e em completo pânico por sua proposta.
— Não tenho namorada, também moro sozinho. Ninguém vai te
incomodar. Também não sou nenhum tipo de psicopata, pode confiar em
mim.
— Acho que não me diria se fosse um!
— Com certeza não diria, vem vamos para casa.
Novamente ele pegou minha mão e começamos a caminhar até seu
carro, não tive muito tempo para pensar em sua proposta, em minha cabeça
passavam várias ideias, prós e contra de entrar naquele carro. Mas o cansaço
e sono me venceram, e claro a curiosidade, afinal poderia conhecer um pouco
mais do homem que fazia borboletas baterem asas em minha barriga todas as
manhãs. Enquanto caminhávamos pensei que entrar no carro de uma pessoa
que não conhecia, não parecia uma boa ideia, mas ao lembrar de como ele me
tratou no hospital, toda a preocupação e cuidado também contaram que eu
enfim entrasse em seu carro sem contestar mais.
— Estou com fome, e você?
— Muita na verdade.
— O que acha de uma pizza? Já peço agora, chega rapidinho, quase
junto com a gente.
— Acho ótimo.
— E qual sabor você prefere?
— Gosto de todos, mas está tarde, prefiro algo mais simples, como
Marguerita.
— Ótimo, também gosto muito.
Percorremos alguns quarteirões e paramos em frente a uma farmácia,
Henrik pediu a receita e não me deixou descer do carro, voltou rápido com
uma sacolinha com várias caixinhas dentro, sem tirar aquele maldito sorriso
charmoso do rosto, me entregou o pacotinho e seguimos.
O apartamento realmente não era longe, o carro entrou em uma
garagem subterrânea e logo estávamos no elevador. Henrik apertou o botão
do vigésimo quinto andar, o último botão do painel. O elevador abriu as
portas em um hall muito claro, decorado com um espelho, um aparador de
vidro e um vaso de orquídeas, uma única porta no andar. Ele abriu a porta e
fez sinal para eu entrar.
— Entre, e seja bem-vinda à minha casa.
Meus olhos correram pela sala, que era bem maior que o studio onde
eu morava, o teto alto, paredes claras, ao fundo uma lareira, e uma decoração
bem masculina com cores escuras em tons de preto e branco, os móveis
transmitiam uma sensação de aconchego e praticidade. Me aproximei da
janela e a vista era deslumbrante, eu podia ver as muitas luzes daqui, como se
observasse milhares de estrelas abaixo de nós. Senti a presença de Henrik
atrás de mim.
— Isso é lindo, essa vista é maravilhosa.
— Escolhi esse apartamento por causa da vista, mas agora, quase
nunca tenho tempo para parar e observar. Vem, vou te mostrar o quarto onde
você ficará essa noite.
Ele tomou minha mão e andamos pelo enorme apartamento, subimos
uma escada que nos levou a um corredor cheio de portas que estavam
fechadas. Meu anfitrião abriu uma porta e me puxou para dentro, o quarto
também era maior que a caixinha fósforo que chamava de lar, quantos studios
como o meu caberiam naquele apartamento? O ambiente era aconchegante,
paredes claras, uma cama com edredom e almofadas brancas e azuis, que
combinavam com o papel de parede ao fundo da cama que estava arrumada
igual às revistas de decoração, duas mesas ao lado cama, e uma televisão na
parede completavam um ambiente simples, mas muito elegante.
— Uau. Esse quarto é lindo.
— Fique à vontade, no banheiro tem toalhas e outras coisas que você
possa precisar. Não que eu receba muitas visitas, mas o quarto está sempre
pronto.
Antes dele sair ouvi o interfone tocar.
— Nossa pizza chegou, prefere comer ou tomar um banho primeiro?
— Comer, depois tomo um banho e durmo. Vou lavar as mãos e te
encontro na sala.
Ele me deu uma piscadinha sedutora e se retirou do quarto. Entrei no
banheiro e outra surpresa, nunca estive num banheiro tão luxuoso. Localizei
as toalhas, lavei minhas mãos e meu rosto.
Me dirigi até a sala e ouvi Henrik me chamar. Sigo sua voz até a
cozinha, e oh! Achei meu novo cômodo favorito na casa, acho que não vou
parar de me deslumbrar por seu apartamento. Olhei para Henrik e ele sorria,
não sabia se sorria para mim ou de mim, preferi escolher a primeira opção.
— Venha, está quentinha.
— O cheiro está ótimo, adoro o cheirinho do manjericão. — Digo me
aproximando da bancada e sentando em um banco alto.
— Estava pensando, vou pegar uma camiseta para você dormir mais
confortável.
— Não quero incomodar mais.
— Não é incomodo nenhum, aliás, estou gostando da companhia para
o jantar — ele disse olhando para a pizza à sua frente. Ele pareceu pouco à
vontade em dizer essas palavras, o que me deixava na dúvida se estava sendo
sincero.
— Obrigada, também estou gostando muito. Posso te fazer uma
pergunta pessoal?
— Pode perguntar, preciso ter medo?
— Não. — Comecei a rir. — Sempre quis saber sobre seu nome, ele é
um pouco diferente, tem alguma história?
— Sim, é o nome do avô do meu pai, eles eram bem próximos e
quando nasci ele fez uma homenagem. A história que eu ouvia quando era
pequeno era que meu bisavô saiu da Noruega em 1938, ele tinha receio de
uma invasão Alemã ou Russa e ele dizia que não queria receber ordens de
estrangeiros e nem ir para a guerra. Então pegou a esposa e um filho pequeno
e fugiu para a América, meu avô foi o terceiro filho e já nasceu aqui. E o
Henrik original tinha razão, o país foi invadido pelos Alemães dois anos
depois.
Conversamos mais um pouco enquanto comíamos. Falamos sobre
pizza, a cidade, o clima, nada sério e muito menos íntimo, mas estávamos à
vontade. Depois de comer, colocamos a louça na máquina, e voltei para o
quarto. Antes de entrar no banheiro ouvi batidas na porta, abri. Henrik estava
com uma camiseta nas mãos e me estendeu com um sorriso.
— Para você ficar mais à vontade, amanhã pode deixá-la aqui. Meu
quarto é naquela porta, se precisar de qualquer coisa, por favor, me chame.
Agradeci, fechei a porta, e fui tomar um banho. Um banho delicioso,
com jatos de água quente e forte que ajudavam a relaxar depois de um dia tão
longo e tenso. Vesti sua camiseta com leve cheiro de amaciante, conferi se as
cortinas estavam fechadas e me aconcheguei na cama macia entre várias
camadas de edredom, lençóis e almofadas. Comecei a me lembrar do meu dia
e como vim parar aqui, mas o sono foi mais forte e adormeci me sentindo
abrigada e envolvida pelo calor afável dos tecidos.
CAPÍTULO 10
HENRIK
Dia 08/12 – Domingo
Dormir sabendo que Olivia estava tão perto de mim, não foi nada
fácil. Assim como foi difícil disfarçar minha felicidade quando ela aceitou vir
para minha casa, amanhã vou tentar fazê-la ficar um pouco mais, afinal, ela
precisa de cuidados, e eu gosto muito da sua companhia.
Acordei com o sol entrando pela janela, e percebi que não fechei as
cortinas corretamente, que horas eram? Alcancei o telefone e descobri que já
eram nove horas da manhã. Me levantei, fui ao banheiro fazer minha higiene,
e quando saí do quarto estava o mais absoluto silêncio no apartamento. Parei
em frente ao quarto onde Olivia estava dormindo e pensei: será que devo
entrar? Acho que ela poderia se sentir ofendida. Pensei em bater na porta,
mas ela poderia se assustar. Continuei olhando para a porta até decidir que
somente iria incomodá-la se não acordasse até o meio-dia. Ponderei que
fomos dormir tarde nesta madrugada, além do efeito dos remédios, ela
precisava descansar.
Fui para a cozinha preparar o café da manhã, hoje eu merecia ovos
com bastante bacon, para compensar tantas emoções de ontem. Após tomar o
café, liguei o computador e procurei as notícias que poderiam impactar em
meu trabalho amanhã. Concentrei-me tanto que perdi a noção do tempo. O
relógio já marcava uma hora da tarde. Será que deveria acordar Olivia?
Cheguei à porta do seu quarto, queria ter o superpoder de ver além
dessa porta. Bati levemente na madeira, nenhuma resposta. Bati novamente e
chamei seu nome, nada. Girei levemente a maçaneta, abri a porta do quarto e
vi Olivia dormindo, muito tranquila sob o edredom, somente com a cabeça
descoberta, os cabelos espalhados no travesseiro e seu rosto estava suave, eu
poderia ficar aqui muitas horas observando ela dormir, parece um anjo
adormecido. Mas realmente precisava saber se estava bem, ou se
precisaríamos voltar ao hospital, então toquei levemente seu ombro e a
chamo.
— Olivia. Olivia, está na hora de acordar, você está bem?
Ela respondeu com um gemido, que fez meu tesão aflorar com a
velocidade da luz. Respirei fundo, tentando me acalmar e voltei a chamá-la.
— Olivia, sou eu Henrik, você precisa acordar.
Ela se espreguiçou de olhos fechados, se acomodou no travesseiro e
abriu os olhos.
— AAAAAHHHHH! — Olivia soltou um grito assustador e eu saltei
para trás levantando as duas mãos!
— Calma Olivia, sou Henrik, lembra?
Ela puxou mais ainda seu edredom como uma forma de tentar se
proteger ou se esconder, antes de me responder.
— Desculpa, me assustei, não estou acostumada a acordar com
alguém no meu quarto. Mas, o que você faz aqui?
— Eu que peço desculpas, não queria te assustar, eu fiquei
preocupado, você dormiu muitas horas, será que devemos voltar ao hospital?
— Não — ela respondeu rápido.
— Vou sair para você se levantar, tudo bem? — Ela assentiu com a
cabeça. — Faça tudo devagar e com calma, se sentir qualquer coisa me
chame. Vou te esperar na sala.
— Sim, obrigada, Henrik!
Como gostava de ouvir o som de sua voz pronunciando meu nome.
Saí do quarto e voltei para a sala para esperá-la. Me sentia empolgado com
sua presença aqui, precisava pensar no que pedir para o almoço. O que será
que ela gosta de comer?
Após alguns minutos a vi entrar na sala, com a mesma roupa que
estava vestida ontem, e minha camiseta em suas mãos, ela estava linda,
sorrindo e com a expressão muito melhor que ontem. Descansar lhe fez muito
bem.
— Henrik, obrigada por tudo. Há muito tempo não dormia tão bem e
me sentia tão quentinha e confortável. — Abaixei a cabeça pensando em
como adiar essa despedida. — Desculpa, não queria te constranger ou
incomodar.
— Não, nem uma coisa, nem outra. Só estava pensando que ainda não
fazem vinte e quatro horas desde o acidente, então você ainda precisa de
companhia. Passe a tarde comigo, te levo para casa à noite. Essa é minha
camiseta?
— É sim, vou levá-la para lavar e te devolvo na cafeteria.
— Nem pensar. Não precisa se preocupar com isso. — Peguei a
camiseta e aproveitei para segurar em suas mãos, quem sabe conseguiria ter
mais força no meu pedido para ela ficar. — Por favor, passe a tarde comigo.
Vou gostar da sua companhia, e ainda ficarei mais tranquilo se souber que
você está bem.
Ela olhava para baixo, sabia que estava analisando meu pedido, fez
um biquinho com a boca e mexeu para os lados, um gesto charmoso, que
deixava claro que ela estava pensando.
— Tudo bem, eu posso ficar mais um pouco, mas não posso ir embora
tarde.
— Combinado, deixe suas coisas no quarto, vou preparar alguma
coisa para você comer.
— Eu seria muito mal-educada se pedisse para comer um pedaço da
pizza de ontem? Estava muito gostosa.
Dei risada, como essa menina poderia ser tão simples? As garotas que
conheço pediram granola, suco verde, ou qualquer coisa fitness que estiver
na moda.
— Vou colocá-la no forno.
Ela voltou, subiu as escadas, enquanto jogava minha camiseta no
ombro, senti o cheiro dela que ficou no tecido e pensamentos pecaminosos
passaram pela minha cabeça enquanto ia até a cozinha aquecer a pizza. Logo
que terminei de programar o timer do forno, ouvi a campainha tocar. Droga!
A única pessoa que tinha autorização para subir sem ser anunciada era minha
mãe. Preciso que ela vá embora logo, antes que assuste Olivia com seu jeito
dramático.
Abri a porta e minha mãe entrou como um touro em busca do capote
vermelho.
— Henrik, não sei mais o que fazer para que entenda que eu me
preocupo com você. — Seu tom de voz era baixo, mas severo, diferente dos
gritos que eu imaginava ouvir. — Ontem você me assustou muito, e não
consegui falar com você o resto da noite. Você tem alguma ideia de como
uma mãe se sente quando seu filho diz que se envolveu em um acidente, sem
saber se você se machucou ou se matou alguém?
— Me desculpa, mãe.
— De novo? É isso que você vai sempre me falar?
Ficamos em silêncio, parados em frente à porta, nada do que eu
dissesse agora seria suficiente para acalmá-la, sei que está certa, e que não irá
acreditar em nenhuma promessa de ser um filho melhor. Neste caso
reconhecia que ela estava certa, mas realmente não entendia o que ela queria
de mim com tantas cobranças, sou focado no trabalho e ela sabia disso, mas
acabamos sempre nas mesmas discussões que envolvem eu ter tempo e uma
namorada.
Nosso silêncio foi quebrado quando ouvimos passos na sala, ao
mesmo tempo viramos nossas cabeças e encontramos Olivia parada sem
saber o fazer. Minha mãe me olhava aguardando a apresentação, enquanto me
aproximei de Olivia.
— Olivia, esta é minha mãe, Sara McDowell, e mãe, está é a srta.
Olivia Mary Capmbell. E foi ela que eu atropelei ontem.
Minha mãe entrou no modo super-mãe, como se não estivéssemos em
uma discussão segundos antes, e com um sorriso no rosto se aproximou de
Olivia, que ficou imóvel.
— Olá, querida, como você está? Sente dores? Conte o que
aconteceu? Henrik está cuidando bem de você?
— Si-Sim, estou bem, Sra. McDowell, Henrik me ajudou muito
ontem.
Em poucas palavras contei para minha mãe sobre o acidente, o
hospital, as orientações do médio, e disse que como Olivia não teria
companhia eu supliquei para que ela ficasse aqui.
Assim que terminei de contar à minha mãe, Olivia falou rápido.
— Desculpe se atrapalhei a conversa de vocês, não quero incomodar
mais, então já vou embora Henrik.
— Não! — Foi minha vez de responder rápido. — Minha mãe já está
indo embora, e sua pizza, já deve estar pronta, você precisa comer para tomar
os remédios.
— Henrik, você nem fez um almoço decente para a moça!
— Não precisa se incomodar, Sra. McDowell, acabei de acordar, por
causa dos remédios, e fui eu que sugeriu pizza. — Olivia sorriu sem graça.
— Por favor, me chame somente de Sara. Eu já vou indo, mas só se
me prometerem que vão jantar comigo nesta semana, e, Olivia, a convocação
inclui você, uma forma de pedir desculpas por meu filho ter sido desatento no
trânsito.
— Olivia, nem adianta tentar fugir, ela é capaz de fazer plantão na
porta da cafeteria para te arrastar para esse jantar.
— Tudo bem, sra… Sara.
— Vou combinar com meu filho e ele te passa os detalhes. Então já
vou indo, um beijo, querida. Tchau, Henrik, e não terminamos aquela
conversa.
Minha mãe saiu do apartamento, nos deixando novamente sozinhos.
Eu acompanhei Olivia até a cozinha, tirei a pizza do forno coloquei sobre a
mesa integrada à ilha no centro da cozinha, ela se acomodou em uma das
banquetas, enquanto eu a servia. O silêncio não era incomodo, me sentia
tranquilo, mas gostaria de perguntar várias coisas, saber sobre sua vida,
desvendar tudo sobre ela.
— O você acha de assistirmos um filme agora à tarde? Sua cabeça
ainda dói?
— Não dói mais, apenas meu pulso que ainda está dolorido, devo ter
caído sobre ele. Vou adorar assistir um filme, faz muito tempo que não faço
isso.
— Na verdade eu também. Acabo sempre trabalhando nos finais de
semana.
— Se incomoda se eu te perguntar com o que você trabalha? Sempre
te vejo de terno, e tenho curiosidade.
— Eu tenho uma empresa de investimentos, na verdade somos em
quatro sócios.
— Então você um CEO?
— Não, o CEO é o Mark, tem Frank que é advogado e eu e Erick
somos analistas em investimentos. Erick tenho certeza de que você conhece
da cafeteria, ele fala muito e está sempre fazendo alguma brincadeira, quando
vamos juntos lá observo que ele sempre chama todas as atendentes pelo
nome, inclusive você, e que todas o conhecem também. Mark e Frank, você
também já deve tê-los visto por lá.
— Claro que me lembro do Erick, ele é engraçado. E como chama sua
empresa?
— O nome da empresa é Four K's Darings Investments. Uma
brincadeira porque nossos nomes terminam todos com K, embora Frank seja
diminutivo de Franklin. Um dia te conto como começamos, mas nossa
empresa só funciona bem porque cada um trabalha naquilo que faz de
melhor, e nos entendemos muito bem.
— E que tipo de análise você faz, do mercado financeiro?
— Basicamente pego vários relatórios, planilhas, informações do
mercado e outras fornecidas pela empresa e faço a tradução em palavras
simples, digo se vale ou não comprar ações ou investir em determinada
empresa e os motivos dessa conclusão.
— Parece interessante, mas eu nunca teria talento para isso. — Ela
sorriu de uma forma muito doce.
Continuamos nossa conversa na cozinha, enquanto ela lentamente
comia a pizza, eu também comia um pedaço. Ela me contou de sua vontade
de trabalhar como professora, falou sobre seus pais, a cidade em que vivia.
Como ela pareceu bastante à vontade fiz outras perguntas sobre sua vida, e
depois de insistir um pouco, ela me contou sobre o motivo de ter saído de
casa e como foram seus primeiros dias em Nova York.
Um nó se formou na minha garganta, não sabia se sentia raiva dos
pais dela terem tentado obrigá-la a se casar ou se sentia alívio, porque foi isso
que a fez cruzar o meu caminho.
Gostaria de lutar contra o relógio, mas nossa tarde passou rápido.
Assistimos a um filme, com direito à pipoca, conversamos muito, cuidei para
que ela se lembrasse de tomar os remédios e até fizemos uma compressa de
gelo em seu punho.
Lá fora estava muito frio e nevava um pouco, mas dentro do meu
apartamento se instalou um calor aconchegante, e pela primeira vez desde
que morava aqui, senti como era estar em um lar. Gostaria de prolongar essa
sensação, gostaria que ela não fosse embora, pelo menos não hoje.
— Henrik, foi muito bom passar o dia com você, mas realmente
preciso ir embora, amanhã tenho de chegar cedo à cafeteria.
— Eu… Eu gostaria que você ficasse, mas te entendo. Vamos, vou te
levar.
— Não, eu vou de táxi. Já conversamos sobre isso, e não quero que
você se exponha a nenhum risco. Não moro em um local tranquilo e seu carro
chamaria muito a atenção.
Acatei seu pedido, mas pedi um motorista pelo meu aplicativo, com a
desculpa de queria pagar pela corrida, o que também era verdade, mas
aproveitei para pegar seu endereço e realmente me assustei quando ela me
falou onde morava. A vontade que sentia era dizer que de forma alguma ela
iria para aquele lugar, mas não poderia interferir em sua vida, ainda não
tínhamos intimidade para que eu pudesse ajudá-la a sair de lá. Mas tomei a
decisão de procurar uma forma de ajudar, e de trazê-la para minha vida.
Trocamos nossos números de telefone, e ela prometeu que me avisaria
assim que chegasse em casa, e me ligaria se sentisse qualquer um dos
sintomas que o médico falou.
Desci até a portaria do prédio com ela para aguardar a chegada do
motorista. O frio estava muito forte hoje, e apesar de nossos casacos, tive
vontade de abraçá-la para que ficasse mais quente. Quando o carro parou à
nossa frente, finalmente era hora da despedida.
Sem saber o que fazer me aproximei, cerquei meus braços em seu
corpo, um abraço apertado e amassei nossos casacos até alcançar seu rosto
para dar um beijo em sua face.
— Se cuida, Olivia, e me mande mensagem.
Observei o carro se afastar e um grande incômodo se instalou no meu
peito.
Voltei ao apartamento e minutos depois me vi com o celular na mão
aguardando por sua mensagem, mas a primeira mensagem que recebi foi de
minha mãe.
Mãe:
Espero você e minha nora para jantar na quinta-
feira, às sete horas da noite. Nem pense em faltar
dessa vez.
Henrik:
Vou verificar com Olivia se ela pode nesse dia.
E ela não é sua nora.
Mãe:
Mas espero que em breve seja. Boa Noite.
E você ainda me deve aquela conversa, e não
pense que vou esquecer.
Liv:
Cheguei bem em casa.
Boa Noite.
Henrik:
Boa noite Liv, tranque bem as portas.
Até amanhã.
Henrik:
Liv, tem certeza de que não quer vir para minha
casa?
Vou ficar preocupado com você.
Pelo menos promete que me liga, se precisar de
qualquer coisa?
Olivia:
Já estou a caminho do meu apartamento.
Pode ficar tranquilo, vai ficar tudo bem.
Acordei com a claridade entre as cortinas, não sei que horas são, não
ouvi meu telefone despertar. Olhei para o lado e estava sozinha na cama, saí
em busca de Henrik, uma boa noite de sono me deixou mais calma, mas hoje
seria um dia de difíceis decisões para mim.
Ele estava na sala falando ao telefone e olhando pela janela, parei
alguns minutos para admirar a vista dentro do apartamento, o terno se
ajustava perfeitamente ao seu corpo, marcando seu bumbum! Cada vez que o
olhava o achava mais bonito, queria guardar essa imagem em minha cabeça.
Ele se virou e quando me viu abriu um sorriso de dentes brancos e perfeitos,
desligou o telefone e caminhou a passos rápidos em minha direção.
— Bom dia, você dormiu bem? Como acordou?
— Muito obrigada por tudo novamente, eu dormi muito bem. Mas
acho que a realidade me esmagou agora de manhã, tenho muito o que pensar
e preciso ir para o trabalho.
Ele colocou a mão em cima da minha e olhou nos meus olhos.
— Calma, estava esperando você acordar para podermos conversar.
Sente-se aqui. — Ele me puxou até o sofá e se sentou ao meu lado. — Liv,
ontem eu quase morri de medo de que alguma coisa acontecesse com você.
Não sei se lembra, mas tinha várias pessoas lá comigo.
— Me lembro de um homem grande e um carro preto.
— Depois da sua ligação, entrei em contato com um cliente que tem
uma empresa de segurança, ele disponibilizou alguns homens para irmos te
resgatar, eu não tinha ideia do que iria encontrar, nem se você estaria bem.
Não ficamos lá muito tempo, mas sei que aquela região é muito perigosa, não
quero desmerecer seu esforço, mas aquele lugar estava um gelo, e o espaço
era tão pequeno que nem dava para colocar um peixinho dourado, na verdade
ele morreria congelado.
Ele tentou sorrir, mas não conseguiu, respirou fundo e continuou.
— Você já me mostrou de tantas formas que é uma garota forte,
independente, que quer conquistar as coisas sozinha, que eu fico encantado.
Mas agora, eu quero te ajudar, me deixa te ajudar, Liv.
Meus olhos estavam marejados, mas fiz de tudo para conter as
lágrimas, não queria parecer uma menina chorona.
— Henrik, você já me ajudou demais, e de tantas formas que nem
tenho como te agradecer. Mas, quando diz que quer me ajudar, no que você
pensou?
— Para começar, tenho um pedido muito egoísta para te fazer, fica
aqui comigo. Gosto muito da sua companhia, sinto a casa mais alegre quando
você está aqui, e não me sinto sozinho. Você pode ter o seu espaço, naquele
quarto de hóspedes, não vou te incomodar, nem invadir a sua privacidade,
mas claro que prefiro você na minha cama.
— Nossa, isso é muito, não tenho como pagar um aluguel, até daquele
quartinho gelado era difícil!
Henrik soltou uma alta risada, e eu continuei séria, acho que ele não
compreendeu minha angústia.
— Meu anjo, não quero seu dinheiro, quero sua companhia. Podemos
fazer um teste, nessa época do ano é muito difícil procurar algum lugar para
alugar, então você fica aqui até depois das festas, no começo do ano
conversamos novamente. Mas você fica aqui por enquanto, topa?
Passar mais tempo com Henrik era uma proposta tentadora, além do
mais poderia economizar nesse fim de ano para comprar novas roupas e
alugar um novo apartamento, ou até procurar alguém para dividir um espaço
mais adequado, com calma e tempo para fazer melhores escolhas. Só
esperava que ele não se cansasse de mim antes disso.
— Tudo bem, eu aceito, mas precisa me deixar fazer algumas tarefas
da casa, eu posso ajudar, sei limpar, lavar, cozinhar. E assim que for possível,
vou procurar um apartamento, vou tentar te incomodar o mínimo possível.
— Você não me incomoda, entendeu? E não vai precisar fazer nada
por aqui, tenho algumas ajudantes, já está tudo organizado. Quanto à você
procurar outro apartamento conversamos mais para frente. O importante é
que agora você vai morar comigo.
— Obrigada novamente, estou sempre te agradecendo, mas agora
preciso ir trabalhar.
— Ainda não terminamos. Hoje você não vai trabalhar.
— Claro que vou, eu preciso ir, não posso perder esse emprego.
— Liv, já falei com seu chefe, o Lewis, entendeu o que aconteceu e
disse que te espera amanhã.
— Você tinha o telefone dele?
— Não tinha, mas não foi difícil conseguir.
— E quem você disse que era? Digo, como se apresentou para ele?
— Como seu namorado, claro.
Meu coração quase saiu pela boca, nunca havíamos conversado sobre
o que era nosso relacionamento, nem se continuaríamos a nos encontrar, foi a
primeira vez que sorri. Ele percebeu minha reação e continuou falando:
— Eu sei que não conversamos sobre isso, mas quero muito que seja
minha namorada, você aceita, Olivia?
Pulei em seu colo e uni nossos lábios, em meio ao caos que estava
minha vida, uma onda de alegria me atingiu em cheio.
— Claro que aceito, Henrik.
— Ótimo, mas saiba que sou muito ciumento. E tem mais uma
coisinha que gostaria de falar com você.
— Agora vem a má notícia?
— Eu acho que para uma moça, deve ser uma ótima notícia. Falei
com minha mãe agora cedo, e ela irá com você fazer algumas compras. Você
precisa ter as suas roupas, antes que decida usar meus ternos. — Ele deu uma
gargalhada. — Falando sério, sei que perdeu tudo, então precisa de algumas
coisas de mulher, como não sei aonde ir ou o que fazer pedi ajuda da minha
mãe, espero que não se incomode.
— Henrik, eu não posso aceitar, tenho algumas economias e como
vou ficar aqui, posso ir comprando as roupas aos poucos. Não quero
incomodar sua mãe, e o que ela vai pensar de mim? Que sou uma golpista,
claro. Em pouco tempo venho morar com você, e você ainda faz compras
para mim. Eu não quero que gaste mais o seu dinheiro comigo.
— Olivia, tenho dinheiro, se parar de trabalhar hoje, posso viver por
muitos anos muito bem. Mas nunca tive o desejo gastar o meu dinheiro com
muitas coisas. Tenho um ótimo apartamento, um bom carro e foi só o que eu
tive ânsia de comprar. Hoje sinto uma vontade enorme de gastar esse dinheiro
com você. Estará me fazendo muito feliz se aceitar ir com minha mãe fazer
algumas compras. O dinheiro não me fará falta, e saber que te ajudei, ver um
sorriso no seu rosto, vale muito para mim. Então, por favor, faça isso por
mim.
Como se alguém estivesse ouvindo atrás da porta, a campainha tocou
e Henrik se levantou para abrir a porta. Sara entrou na sala com uma roupa
muito elegante e um casaco maravilhoso.
— Querida, você ainda está de pijama, se apresse, temos muito o que
fazer hoje.
— Mãe, ela ainda nem tomou café.
— Bom dia para você também, Henrik, podemos fazer isso na rua, se
importa, Liv?
Meu Deus a mulher parecia um furacão!
— Só um minuto, Sara, vou me trocar.
Coloquei as roupas do dia anterior, dei uma arrumada nos meus
cabelos e enquanto fechava meu casaco, andando para fora do quarto, pronta
para sair com Sara, pude ver Henrik entregando seu cartão. Acabei ouvindo
parte da conversa deles.
— Mãe, tudo que ela precisar, compre também alguns vestidos de
festa, ainda preciso conversar com ela, mas tenho alguns eventos para
comparecer e quero levar minha namorada comigo.
— Até que enfim estou ouvindo essa palavra da sua boca, preciso
achar a lista de promessas que fiz para você me apresentar uma namorada,
talvez seja fácil cumprir todas.
Fiquei um pouco sem jeito, desci as escadas fazendo barulho e entrei
na sala.
— Estou pronta, podemos ir, Sara.
Henrik se aproximou de mim, me deu um beijo, se despediu de mim e
de sua mãe, ele ficou parado na porta enquanto entramos no elevador. Não
sabia o que dizer para minha sogra, se eu estivesse no lugar dela certamente
me julgaria mal. Quando entramos no carro, fiz questão de esclarecer
algumas coisas.
— Sara, eu não preciso de muitas coisas. E eu não quero me
aproveitar da generosidade do Henrik, ele já me ajudou muito, realmente não
quero que ele gaste comigo. E, também não sei o que você está pensando de
mim, mas quero que saiba que eu gosto muito dele e…
— Pode parar de se justificar, Olivia. — Me assustei com sua
interrupção, ela já havia me julgado. — Você não tem que se preocupar
comigo e nem agradecer a mim ou ao meu filho. Na verdade, sou eu quem
tem que te agradecer pelo que você está fazendo por ele. O Henrik sempre foi
um menino muito tímido, com medo de mostrar seus sentimentos para
qualquer pessoa, deve ser por isso que ele se dá tão bem com números. As
únicas pessoas com quem Henrik sempre demonstrou carinho, fomos eu e seu
pai. Mas apesar dessas manifestações de afeto conosco, nunca soube se ele
iria se abrir para o mundo. Depois que perdeu o pai, ele se fechou mais ainda.
E olha o que você fez, abriu o coração dele, a forma como ele te chama,
como se preocupa, ele te enxerga como um cristal raro e delicado, que ele
tem que cuidar para não quebrar. E eu também vejo como você olha para ele,
tem devoção nos seus olhos. Então minha querida, eu quero aproveitar o dia
com minha nova filha. Aliás já tinha lhe falado que queria te mimar, uma
pena que não posso te encher de laços cor de rosa.
Fiquei mais tranquila depois da conversa com Sara, passamos em uma
cafeteria e compramos cafés e muffins para viagem. Depois ela dirigiu até um
shopping que eu não conhecia. Ao entrar, a única coisa que conseguia ver
eram as decorações nos corredores, bolas e laços vermelhos se espalhavam
por todo o corredor, onde seguia uma fila de árvores iluminadas, tudo estava
lindo e nem havíamos chegado à praça central, prestei tanta atenção na
decoração, que nem notei quando Sara me puxou para uma loja.
Ela conversou com uma vendedora que após alguns minutos voltou
com calças, blusas, casacos, roupas de inverno, algumas de verão, elas me
colocaram no provador e me fizeram experimentar muitas roupas. Vesti todas
as que Sara pediu, não queria ser indelicada, porque ela estava me ajudando
muito. Já estava exausta, quando terminamos. Separei as cinco peças que
mais gostei, duas calças e três blusas, e entreguei para a vendedora. Sara foi
até o caixa, e voltou sem nenhuma sacola, olhei para ela com curiosidade.
— Eles vão guardar no meu carro, passo dentro de meia hora para
pegar minha chave, assim não ficamos carregando sacolas.
Assenti, mas não entendi a necessidade daquilo, afinal eu poderia
naturalmente carregar uma sacola.
Nossa próxima parada foi em uma loja de sapatos. A loja estava com
uma decoração de Natal ainda mais bonita que a dos corredores, e Sara notou
que eu estava admirando a decoração, ela perguntou o número do meu
calçado, falou com a vendedora que saiu em direção aos fundos da loja, e
depois voltou para falar comigo.
— Você gosta de decoração de Natal?
— Sou apaixonada, o Natal é muito importante na minha família, uma
pena que esse ano estarei longe deles.
— Você já conversou Henrik, sobre essa data?
— Sim, ele sente muito a falta do pai. Mas não preciso te esconder o
que disse para ele. Falei que ele deveria aproveitar esses momentos com as
outras pessoas que ele também ama e que ainda estão vivas. Posso te pedir
para não comentar sobre isso com ele? Ele pode se sentir chateado.
— Liv, cada vez gosto mais de você, querida. Esse será nosso
segredinho, mas só de saber que disse isso para ele, mostra que você é uma
menina de bom coração e que valoriza a família.
Sentamo-nos em uma cadeira e começamos uma nova maratona de
tira e põe calçados, andava um pouquinho, parava um pouquinho, trocava o
sapato. Fiquei assustada quando chegaram algumas bolsas que combinavam
com os sapatos, o preço deveria ser muito alto, então nem quis ver. Escolhi
um par de sapatos baixos, um par de botas, que poderia usar com todo tipo de
roupas e um scarpin de salto fino que combinava com tudo, para quando
fosse sair com Henrik. Não queria que ele ficasse com vergonha das minhas
roupas.
— Antes de almoçarmos, acho que podemos dar mais uma paradinha,
o que acha?
— Acho que já compramos tudo que o eu preciso, estou satisfeita.
— Claro que não minha querida, ainda temos várias coisinhas para
ver, confie em mim.
— Tudo bem, então podemos fazer uma parada.
Entramos em loja de lingerie, foi impossível não ficar corada, afinal
minha sogra estava ao meu lado.
— Querida, você precisa de lindas lingeries e algumas roupas para
dormir. Vamos escolher algumas peças.
Olhamos vários conjuntos, de diferentes cores e modelos.
Experimentei alguns, e notei que algumas marcas se ajustaram melhor ao
meu corpo, então escolhi algumas peças. Pelo menos desta vez não tive que
desfilar.
— Liv, quero ver mais algumas peças para mim nessa loja, o que você
acha de olhar a decoração da praça central? Te encontro lá em dez minutos.
Concordei e saí da loja, ainda admirando as cores, luzes e o tamanho
das decorações. Em minha cidade, tinham muitos enfeites, mas nada parecido
com o luxo desse lugar. Na praça central me deparei com enormes ursos e
uma árvore de Natal que subia por todos os andares do shopping. Fiquei
alguns minutos observando todos os detalhes, até ouvir a voz de Sara.
— Vamos comer algo, querida. — Sara chegou perto de mim, ainda
sem sacolas, será que teríamos que passar em todas as lojas novamente, só
para pegar algumas sacolinhas?
— Nossa, estou faminta.
Paramos em um restaurante no próprio shopping e optamos por uma
comida leve, salada e salmão grelhado. Há muito tempo não comia salmão.
A conversa com Sara fluiu muito bem durante o almoço, ela
confessou que seu marido sempre teve uma posição financeira muito boa,
mas que ela nunca abriu mão de trabalhar, se afastou um pouco quando os
meninos eram muito pequenos, assim que pôde conciliar os horários
escolares deles com seu trabalho, retomou as atividades.
Conversamos bastante sobre escolas e crianças, sobre como eu
trabalhava na escola de minha cidade, e sobre como era a escola em que ela
trabalha. Ela me pediu um currículo e prometeu levar até a direção para caso
aparecesse uma oportunidade.
Ao final do nosso almoço, fomos para mais uma loja, mas por essa eu
realmente não esperava. A loja era de vestidos finos, para festas elegantes,
cada modelo daquele poderia estar no tapete vermelho do Oscar.
— Sara, o que estamos fazendo aqui? Vamos embora, por favor.
— Você precisa de alguns vestidos de festa para acompanhar Henrik
em alguns eventos. Ele sempre é convidado para eventos beneficentes e
festas organizadas pelos seus clientes, e você precisa estar linda para
acompanhá-lo. E tem mais, meu filho fica maravilhoso de smoking.
— Mas podemos comprar os vestidos numa loja mais simples, certo?
— Não, vamos experimentar alguns aqui, você deixar Henrik de boca
aberta.
Mais uma vez comecei a sessão do põe e tira os vestidos, a diferença
foi que a cada peça que colocava me sentia mais bonita, as roupas
valorizavam meu corpo e ficavam muito elegantes. Adorei desfilar nessas
roupas e acho que Sara também gostou, porque enquanto experimentava os
vestidos, ela tinha uma taça de champanhe na mão. No fim ficamos em
dúvida sobre dois vestidos e acabei optando por um verde-musgo com um
tecido em que algumas partes apresentavam alto relevo com desenhos
abstratos, mas sem brilho, o decote em V bem ousado, cintura marcada e a
saia um pouco rodada, dando movimento ao vestido deixando aparecer a
fenda na frente que subia até o joelho, apesar de não mostrar nada, tinha um
ar bem sexy.
O vestido ficou na loja para um pequeno ajuste na barra, mas fiquei
maravilhada com a ideia de Henrik me ver com aquela roupa ao invés de
uniforme, e nem me lembrei da roupa de Noelete ou o tradicional jeans e
camiseta.
Ao sairmos da loja, passamos em frente a uma farmácia, dessas que
parecem um pequeno supermercado, então me lembrei que precisava comprar
itens de higiene pessoal, pois saí correndo do apartamento e nem lembrei de
olhar se ainda estavam lá.
— Sara, preciso comprar algumas coisinhas na farmácia, você poderia
esperar?
— Vamos fazer o seguinte, enquanto você faz suas compras vou
buscar a chave do carro. Ah, agradeço se não comprar anticoncepcionais,
preciso de netos urgente.
Fiquei corada e não respondi. Entrei na farmácia, terminei minhas
compras o mais rápido possível e aguardei alguns minutos até Sara me
encontrar na porta da farmácia, ela carregava uma sacola nas mãos, o que
achei bastante interessante, afinal fugiu o dia todo delas. Seguimos para o
carro e assim que entramos ela me disse para olhar meu telefone, tínhamos
andado tanto que até me esqueci dele. Encontrei uma mensagem de Henrik.
Henrik:
Vamos começar as coisas do jeito certo.
Afinal ainda não tive um encontro com minha
namorada.
Aceita jantar comigo?
Olivia:
Claro que sim.
Mãe:
Querido, ela quer levar apenas umas poucas
peças.
Diz que não quer que você gaste com ela.
Como você achou uma mulher que ganha um passe
livre para compras e não quer utilizar?
Henrik:
Oi mãe, sabe não a achei, eu atropelei ela!
Kkkkkk
Se achar que é muito pouco, compre outras
coisas que você perceber que ela gosta e precise.
Talvez ela fique um pouco incomodada, mas não
pode ficar sem roupas.
Mãe:
OK, vou pensar o que posso fazer.
Henrik:
Tem mais uma coisa mãe, quero levá-la para
jantar hoje.
Que horas vocês voltam para minha casa?
Mãe:
Que tal mais uma surpresa para ela?
Daqui a pouco te passo o endereço de onde você
irá buscá-la para o jantar.
Confia em mim?
Henrik:
Cuide bem dela!
Aguardo o endereço. Beijos.
Olivia:
Decidi a data do nosso casamento, mas preciso
saber se você concorda.
Henrik:
Que surpresa maravilhosa!
Que data escolheu, meu anjo?
Olivia:
Isso você só vai saber quando chegar em casa.
Henrik:
Vai me deixar curioso?
Olivia:
Um incentivo para voltar logo!
Bjs.
Faixa etária: 18
Livro com conteúdo Erótico.
Vamos conversar?
[1] Nos Estados Unidos o Dia dos Namorados é comemorado no dia 14/02, chamado de
Valentine’s Day.
[2] A National Football League (NFL) é a liga esportiva profissional de futebol americano dos
Estados Unidos.
[3] Sentindo o meu caminho em meio à escuridão
Guiado pela batida de um coração
Não sei dizer onde a jornada vai acabar
Mas sei por onde começar
Wake Me Up - Avicii
[4] Hokey – Em português, hóquei sobre o gelo é um esporte olímpico jogado num ringue de
patinação. Os jogadores patinam no gelo e usam tacos para movimentar um disco de borracha.
[5] Você é o meu modo de vida, Faça-me seu modo de vida, Nunca vá
embora