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Copyright © Autora Liz Tavares

Todos os direitos reservados.

Criado no Brasil.

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de
quaisquer meios – tangíveis ou intangíveis – sem o consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo
184 do Código Penal.
Índice

Sumário
Índice
Nota de autora

Sinopse
Introdução

Agradecimentos
Prólogo

Capítulo um
Capítulo dois

Capítulo três
Capítulo quatro

Capítulo cinco
Capítulo seis

Capítulo sete
Capítulo oito

Capítulo nove

Capítulo dez

Capítulo onze
Capítulo doze

Capítulo treze
Capítulo catorze

Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete

Capítulo dezoito
Capítulo dezenove

Capítulo vinte
Capítulo vinte e um

Capítulo vinte e dois

Capítulo vinte e três

Capítulo vinte e quatro

Capítulo vinte e cinco


Capítulo vinte e seis

Capítulo vinte e sete


Capítulo vinte e oito

Capítulo vinte e nove


Capítulo trinta

Epílogo
Nota de autora

Esse é um Young Adult, o que significa que os personagens estão em transição de


adolescente para adultos, enfrentando problemas que, dependendo da nossa experiência hoje,
podemos achar bobos, mas que aos 18- 20 anos, podem parecer o fim do mundo.

Convém ressaltar que essa é uma história de ficção, com elementos da realidade —
sejam eles bons ou ruins, e que eu, como autora e pessoa, não compactuo com atitudes
detestáveis que alguns personagens podem tomar ao longo do livro. Entretanto, assim como a
vida, a história tem acontecimentos bons e ruins.

Esse livro é destinado para maiores de 18 anos, pois possui palavras de baixo calão,
cenas com conteúdo sexual e aborda temas como bullying, xenofobia e abuso sexual — não
gráfico — contra mulheres. Caso esses temas sejam um gatilho para você, aconselho pular os
capítulos em que eles são descritos ou deixar a leitura de lado. Mais importante do que te
conquistar como minha leitora, é respeitar os seus limites e o bem da sua saúde mental.

Apesar de trabalhar em paralelo com a realidade e tentar mostrar tudo da forma mais
clara possível, também me servi da licença poética para retratar alguns detalhes e informações,
afinal, o grande diferencial das histórias é como ela é contada. O objetivo do livro é, apesar de
tudo, ser um ponto de conforto, entretenimento e de suspiros para você, leitora. Espero contar
com seu feedback e avaliação ao final da leitura, estou louca para saber o que vocês acharam!

Aproveite a viagem e boa leitura!

Observação: Mesmo a história sendo ambientada nos EUA, utilizei palavras e expressões
que possibilitem o entendimento para a nossa realidade. Quando isso não foi possível, há uma
nota explicando o que for necessário.
Sinopse

Nerd e popular :: Slow Burn :: Young adult :: Romance proibido

Amithab Sengupta é de Nova Délhi, Índia, mas escolheu recomeçar a vida na


Universidade de Notre Dame, Indiana. Aos dezenove anos e com muitos traumas do passado,
tudo que ela deseja é dedicar-se aos estudos e continuar no anonimato, mesmo que para isso
ela tenha que abrir mão da sua identidade. Seu maior refúgio é a dança e sua melhor amiga
Chloe Sutton.

Ben Sutton é o capitão do time de hóquei da universidade de Notre Dame, tem tudo o
que quer e quando quer, mas carrega a culpa de ser o responsável pelo acidente que deixou
sua irmã Chloe em uma cadeira de rodas. Tudo na vida dele é passageiro, menos o amor pela
irmã e a paixão pela engenharia aeroespacial.

Dois mundos opostos, interligados por uma pessoa: Chloe. Quando seus caminhos se
cruzam, fica difícil resistir à tentação, mesmo sabendo que isso pode acabar em problema.

Ela só queria viver em paz.

Ele era o próprio caos.

Ele era proibido para ela.

Ela era o desafio perfeito para ele.

Quais as chances de algo tão errado dar certo?


Introdução

Para torcer pelo Ben


Uma pequena introdução ao hóquei no gelo, assim você pode torcer pelo Ben e não ficar
tão perdida quanto a Amy. O entendimento de como funciona uma partida não atrapalha o
entendimento da história, mas é interessante conhecer um pouco sobre o mundo dele:

Como funciona o hóquei no gelo?


Durante uma partida de hóquei no gelo, os jogadores devem deslizar sobre patins e
utilizar os tacos (sticks) para colocar o disco (puck) dentro da baliza adversária. Cada equipe de
hóquei no gelo conta com seis jogadores na linha, sendo um goleiro, dois defensores e três
atacantes (wingers e central). Assim como nos principais esportes coletivos, vence o time que
fizer o maior número de gols.

A quadra de hóquei no gelo mede cerca de 60 metros de comprimento e 25 metros de


largura, com os cantos arredondados. A área de jogo é dividida pela linha vermelha e conta
ainda com duas linhas azuis, cinco círculos de face-off (a maneira como o jogo começa e reinicia
após um gol), os gols e os creases (zonas dos goleiros).

Hóquei no gelo: regras básicas


Não há muitos mistérios para começar a entender ou jogar esse emocionante esporte de
inverno. Basta conhecer algumas práticas básicas. Aqui estão as principais regras do hóquei no
gelo:

◉ Face-offs: os períodos começam com um confronto direto, em que um jogador de


cada equipe é posicionado dentro do círculo central. O árbitro, então, deixa o disco de hóquei
cair e os jogadores devem lutar pela posse sem tocar uns nos outros com tacos ou qualquer
parte do corpo.
◉ Um confronto direto ocorre sempre que o jogo é interrompido, inclusive após marcar
um gol e aplicar uma penalidade. O local do confronto é determinado pelo motivo da última
paralisação.

◉ Durante o face-off, todos os outros jogadores devem ficar fora do círculo. Apenas os
dois jogadores do confronto direto (e o árbitro) podem permanecer dentro da área
determinada.

◉ Offside: o jogo é declarado “offside” quando um jogador atacante entra na zona


ofensiva antes do disco. Em outras palavras, se os dois patins ultrapassarem a linha azul antes
do disco, o atleta estará impedido.

◉ Icing: é uma infração que ocorre quando a defesa envia o disco sobre a linha vermelha
central e passa pela linha de gol do time adversário, sem nenhum outro jogador tocar o disco.
Isso resulta em uma paralisação automática do jogo com um confronto direto na zona do time
que fez o “icing”.

◉ É considerado gol quando o disco ultrapassa a linha de gol da equipe adversária. Se o


jogo terminar empatado, vai para a prorrogação e o primeiro time a marcar vence.

◉ Os jogadores podem tirar o disco do adversário com o ‘check’, um esbarrão. No


entanto, não podem esbarrar no outro aproximando-se por trás.

◉ Uma penalidade menor, como faltas com stick e sticking alto, tira o jogador de quadra
por dois minutos. Já as penalidades maiores, como brigas e ferimentos graves aos jogadores
adversários, podem durar 5 minutos, 10 minutos ou uma partida inteira.

◉ Enquanto uma penalidade está sendo cumprida, o time adversário recebe uma
vantagem chamada “power play” (quando uma equipe tem mais jogadores no gelo que a
outra). No caso de penalidades menores, “o power play” terminará mais cedo se a equipe com
a vantagem marcar um gol.

Hóquei no gelo: quantos períodos tem?


Cada partida de hóquei no gelo tem três períodos de 20 minutos cada. A partida tem a
contagem interrompida sempre que o disco sai do jogo ou quando ocorrem as infrações. As
equipes de ataque e defesa trocam de lado após os dois intervalos de 15 minutos — e também
no início da prorrogação, se houver. Caso o jogo da prorrogação ainda termine em empate, os
times vão para uma disputa de pênaltis.

Retirado de https://www.clubmed.com.br/l/blog/hoquei-no-gelo
Agradecimentos

Para todas aquelas que, mesmo quebradas, escolheram continuar lutando e


encontraram em si a força necessária para vencer...

Aos meus filhos e marido, que têm sido pacientes e amorosos mesmo quando eu me
torno uma coisinha insuportável. Amo vocês, infinito e além.

Às amigas que têm segurado a minha mão diante do abismo, dispostas a saltar
comigo, mesmo sem saber o que nos espera. Vocês são tudo pra mim.
Prólogo

Amy Sengupta
Seu toque queimava e acalmava ao mesmo tempo. Era quase ridículo pensar que meu
coração acelerava apenas com a proximidade e expectativa do que viria, mas talvez ser ridícula
fazia parte do pacote de estar apaixonada.

Apaixonada. Nesse momento a minha ficha caiu e, por mais que eu não quisesse admitir
pensar nessa possibilidade, ela era a única possível. Eu estava apaixonada pelo pega todas Ben
Sutton. O irmão da minha melhor amiga. Aquele que eu havia prometido nunca chegar perto. E
agora tudo o que eu queria era tê-lo cada vez mais próximo.

Quando seus lábios finalmente tocaram os meus, todo e qualquer pensamento se


dissipou. Uma miríade de sentimentos e sensações tomaram meu corpo e mente, como se todo
meu organismo fosse reprogramado apenas para sentir Ben Sutton.

Enquanto seus dedos trilhavam um caminho pelo meu ombro, fazendo com que a alça
do meu vestido deslizasse, eu me derretia em suas mãos. Nesses pequenos momentos
fortuitos, em que éramos somente nós dois, tudo valia a pena. Ben me via como igual. Eu não
era a esquisita, a estrangeira ou a estranha. Eu era uma mulher que despertava nele as mesmas
sensações — ao menos físicas — que ele despertava em mim. Não esperava paixão dele, por
mais que estivesse entregue. Eu o conhecia bem demais e havia visto o seu lado cafajeste em
prática. Ele não me prometeu nada, mas estava me dando tudo nesse momento, e isso que
importava.

Entrelaçados, perdidos em beijos intermináveis e mãos que queriam gravar cada pedaço
do corpo um do outro, caminhávamos para a minha cama quando fomos surpreendidos por um
empurrão na porta e um grito tão alto e dolorido que parecia quebrar algo em mim também.

— Você não fez isso! — Chloe gritava da porta enquanto lágrimas molhavam o seu rosto,
deixando-a vermelha e com um ar desesperado.

Empurrei Ben e tentei chegar até ela, que já manobrava a cadeira para sair, mas o
nervosismo a fazia ter dificuldade em um percurso que era seu velho conhecido.

— Chloe, amiga, espera!


— Amiga? Amiga? Você me traiu! Há quanto tempo está saindo às escondidas com meu
irmão? Você é igual a todas as outras, apenas me usou!

— Você está nervosa e está me ofendendo, sabe que não é assim. — Senti um toque em
meu ombro e de soslaio percebi que Ben estava ao meu lado.

— Chloe — ele começou, mas ela o interrompeu:

— Você se acha tão esperto, mas caiu no papinho dessa aí. Ela só quer um cara rico para
ajudá-la a ficar aqui. Ela te contou que o dinheiro que ela tem guardado provavelmente não vai
durar para o próximo semestre? Que ela até tem a bolsa, mas não tem como se manter e a titia
não está podendo mais trabalhar como antes? Ela sempre me disse que queria um cara rico, só
não esperava que ela fosse dar o golpe no meu irmão. Mas ela merece o Oscar, afinal,
conquistou toda a família antes de chegar até você.

— Chloe, por favor, para! — Com a voz embargada, apelei para que ela cessasse as
ofensas. Entendia o seu sentimento de traição, eu deveria ter contado em nome de nossa
amizade, mas ela não podia continuar me ofendendo assim. — As pessoas, o corredor está
enchendo, estão todos olhando...

— Ah, mas é ótimo que estejam todos aqui — ela falou e fez um giro com a cadeira,
como se estivesse fazendo uma apresentação para o público. — Vejam, a pobre caipira hindu
dando um golpe no fodão Ben Sutton. É isso, gente! O lobo solitário caiu nas garras da
esquisita, que fingiu ser amiga da aleijada apenas para conquistar o irmão rico! Conta, Amy,
conta para o Ben o motivo dos seus pais terem brigado com você.

— Não, por favor, não...

— Ah, você está com medo de que todos descubram que você vendeu a sua virgindade
no seu país? Que seus pais têm VERGONHA de ter uma filha PUTA que usa da dança e de todos
os artifícios para seduzir homens idiotas, levá-los pra cama e pegar o dinheiro deles? Vocês já
transaram, Ben? E ela cobrou caro pelo serviço?

Aos prantos, não consegui direcionar uma resposta. Não acreditava que ela estava
revelando o meu maior segredo, e de uma forma tão suja e deturpada. Ela sabia o que houve,
eu contei todos os detalhes e ela sabia o quanto isso me machucava, mas essa que via na minha
frente não parecia minha amiga. Ela estava transtornada.

— Você contou para ele que tinha o sonho de se casar com um cara rico, que te desse a
vida de princesa que você jamais poderia ter no seu país? Que além de um diploma, você queria
uma oportunidade de ser rica? Contou seus planos mais sórdidos ou estava apenas o seduzindo
para poder tirar tudo que pudesse?

Murmúrios, risadas e assobios começaram a ressoar pelo corredor, agora lotado de


alunos. O olhar de julgamento, aquele velho conhecido, estava estampado em diversos rostos
conhecidos e desconhecidos. Do outro lado do corredor, avistei Emily e seu séquito, com um ar
de riso e vitória, como se minha vergonha fosse plenamente satisfatória para ela. Nunca
entendi o motivo de me odiar tanto e agora isso não importava.

Importava minha melhor amiga estar arrastando minha vida na lama e Ben saindo do
meu lado e indo para perto da irmã. Nenhuma palavra, nada para me defender. Ele apenas
chegou perto dela e disse:

— Chega, Chloe! Seu show já rendeu bastante, agora nós vamos para casa!

— Eu ainda não acabei. — Contrariada, enquanto ele tomava a direção da sua cadeira,
ela sussurrou apenas para que nós pudéssemos ouvir: — Eu ainda tenho muito o que falar.

— Acabou, sim! Você não vai dizer mais nada até chegarmos em casa.

Ela apenas anuiu, contrariada. Antes de se virar, ela me deu um olhar. Nesse não havia
raiva, apenas mágoa, decepção e tristeza. Eu só conseguia chorar. Em uma última atitude
impensada, me aproximei dele e toquei o seu ombro, mas o asco com o qual me repeliu
terminou de quebrar o que restou do meu coração.

— Nunca mais toque em mim, sua esquisita! Isso que dá querer fazer um favor de comer
uma encalhada, ela se acha a esperta e pensa que pode te dar um golpe. Não tem nada de
especial em você, se seu plano era me conquistar pelo sexo, sinto lhe informar, mas você
precisa melhorar muito, pois do jeito que você transa, eu que deveria receber para poder te
comer.

Suas palavras feriram como se tivesse levado uma surra e, por alguns segundos, fui
transportada ao dia em que meu pai, movido por uma fofoca, me deu uma surra na frente de
todo nosso vilarejo, por acreditar que eu havia vendido a minha virgindade.

— Acabou o show! Voltem para os seus dormitórios e o que diabos estavam fazendo. Se
eu ouvir o nome da minha irmã ou o meu em fofocas, vocês vão se ver comigo.

— E o nome da Amy? — uma das seguidoras de Emily perguntou.

— Putas não me interessam.

E assim ele se foi, a passos firmes, cabeça erguida e levando todo o meu coração e
dignidade com eles. Quando consegui levantar a cabeça, vi que ainda estavam todos ali, me
encarando, cochichando e rindo. Uma fúria me consumiu, pois prometi que ninguém mais me
humilharia ou me colocaria em um papel que não era meu. Essa era a minha história e eu seria
a porra da protagonista e não mais uma mera espectadora enquanto todo mundo fazia o que
quisesse comigo.

— O que vocês estão olhando? Não têm o que fazer? Acabou o show, sumam daqui!

— Quanto é o programa da putinha indiana? — uma voz masculina gritou, enquanto as


risadas ecoavam por todos os lugares.
— O que adianta pagar, se teu pinto não funciona? — respondi sem pensar ou olhar
quem era o desgraçado que estava tripudiando sobre a minha dor.

Limpei as lágrimas, ergui a cabeça e fiz o curto caminho de volta para o meu quarto com
uma força que eu nem imaginava que tinha. Bati a porta e a tranquei, desabando assim que ela
fechou, porém não me permiti cair.

Há um tempo, eu abandonei minha família, minha vida e meus sonhos por uma fofoca.
Isso não iria acontecer de novo. Os Sutton não eram donos do mundo e a Chloe não era uma
menina frágil e indefesa que não podia ser contrariada, pelo contrário, hoje ela mostrou que
sabia ser tão ruim quanto as pessoas foram com ela. A diferença é que ela sempre teve alguém
para defendê-la, inclusive eu. Só que isso acabou!

Se eles acharam que iam me derrubar, estavam enganados. Eu era Amithab Sengupta e
ninguém, nunca mais, ia me humilhar ou parar. Já haviam me tirado tudo uma vez em Nova
Delhi e eu tinha construído uma segunda chance aqui em Notre Dame. Não ia deixar que me
tirassem isso.

E se para me manter de pé eu tivesse que derrubar os Sutton, eu faria, já que nenhum


dos irmãos teve a mínima consideração comigo, eu faria o mesmo com eles.

E Emily que não viesse me perturbar, ou ela iria se arrepender amargamente do dia em
que colocou os pés no mesmo lugar que eu.

Meu coração estava quebrado, mas eu estava de pé. E era assim que eu iria ficar,
custasse quem custasse.
Capítulo um

Amy Sengupta
Algum tempo atrás...

Guardei o meu sári1 no armário e me arrumei como uma adolescente comum do


sudeste dos EUA, pronta para o meu trabalho de meio expediente nos fins de semana em uma
lanchonete não tão longe de casa. Há alguns dias essa era a minha rotina e eu tentava me
encaixar e parecer comum para passar despercebida. Bem, pelo menos eu tentava, já que
mesmo sem a minha vestimenta, ficava bem visível que eu não era dali, não somente pelo
sotaque, mas meu cabelo e tom de pele tão característicos me entregavam, por mais que tudo
o que eu quisesse fosse apenas me misturar.

Eu ainda não acreditava que estava em Kentucky. Apesar de ter sonhado com isso por
muito tempo, estar aqui, da forma que cheguei, me dava tristeza. Mesmo depois de dois meses,
ainda existia uma ferida aberta em meu coração, um nó na garganta e uma saudade muito mais
doída por saber que voltar era quase uma impossibilidade. As marcas no meu corpo já
começavam a sumir, mas as do meu coração pareciam que nunca iam parar de sangrar.

Sempre que planejei minha vinda para cá era por um tempo: eu iria me formar,
conseguir ter algo e voltar para os meus pais. Apesar de tudo, eu amava a minha terra e a
minha família. Tudo que fazia e pensava era por eles, para ter a possibilidade de termos uma
vida melhor. Apesar de, oficialmente não estarmos mais divididos em castas2, elas ainda
exerciam influência em nossa vida em sociedade, principalmente por serem revividas
pontualmente pelos políticos.

Meu pitã3, Kabir, era um comerciante de tecidos em nosso bairro, Paharganj, em Nova
Délhi, famoso por atrair muitos turistas pela quantidade de hostels com valor acessível e por
retratar, segundo os próprios turistas, a Índia como ela é. Estávamos inseridos em um meio
repleto de caos e beleza, luxo e lixo. O trabalho do meu pai era herança da sua casta, éramos
Vaishyas4, o que nos colocava em uma posição baixa no topo da pirâmide hierárquica, mas não
trabalhadores braçais ou Dalits5. Ele vinha de uma linhagem de comerciantes locais e nosso
sobrenome entregava isso, mesmo que o regime de castas estivesse mais flexível, ainda
vivíamos marcados por elas. Resumidamente: nós éramos pobres, comerciantes que possuíam
sua banca em uma das feiras mais populares e conseguiam sobreviver, sem grandes luxos ou
ambições. Minha mãe, Nivedita, era costureira, fazia lindos sáris que também eram vendidos na
banca do meu pai, além de ser uma excelente cozinheira. Seus pratos e doces eram vendidos
para os restaurantes dos hotéis locais e também faziam sucesso entre os turistas, quando ela os
colocava em nossa banca, aos fins de semana.

Cresci sem luxo, mas com felicidade e agitação. Meu pai era muito rígido e me criou com
pulso firme e ideais próprios. Minha mãe era submissa a ele e fazia todas as suas vontades. Eu
fui moldada para ser mais uma, criada para servir e ascender por meio do casamento. Minha
mãe sempre deixava claro o quanto era grata aos deuses por ter sido escolhida por meu pai.
Mesmo sendo da mesma casta, a família dela passava por dificuldades e o casamento com meu
pai favoreceu a ela e a toda sua família. Infelizmente, hoje ela tinha apenas a minha tia, que
morava em Kentucky — e onde moro agora — e meu pai não tinha contato com seus parentes
ou falava sobre.

Era a minha tia, Apsaras, que fazia a minha cabeça. Mesmo de longe, ela se fazia
presente e me mostrava que havia muito mais no mundo do que o casamento e as ruas
caóticas de nosso bairro. Que eu podia dançar e estudar, sem que isso me diminuísse. Foi junto
com ela que, clandestinamente, planejei toda a minha ida para Notre Dame, a faculdade dos
meus sonhos. Não sabia explicar o motivo, mas quando comecei a pesquisar por faculdades e
planos de bolsas para estrangeiros, me apaixonei por ela e decidi que estudaria lá, por mais
difícil que fosse.

Eu sempre fui uma menina tranquila, vivia para os meus pais e os estudos. Até que, com
quatro anos, vi uma apresentação de dança e algo mudou dentro de mim. Apsaras dizia que
isso era um encontro de outras vidas, que a dança fazia parte da minha alma e que cedo ou
tarde me encontraria. Verdade ou não, a dança me transformou. Foi como encontrar um
propósito para viver. Infelizmente, meu pai não apoiava, pois temia que eu ficasse malvista e
isso afastasse um bom casamento. Foi uma das raras vezes em que mamãe foi contra ele. Eu
podia dançar, desde que não tivesse nenhum escândalo, não me envolvesse com nenhum
homem e não atrapalhasse nas tarefas de casa — ele fez com que eu aprendesse como
funcionava tudo em uma casa desde muito cedo, até a forma de me portar, para que me
tornasse uma esposa exemplar — eu podia dançar por duas horas todo dia.

Paralelo a isso, me apaixonei por computadores e programações. Passava todas as horas


livres estudando e testando, imaginando um mundo fora dali. Minha dedicação permitiu que eu
acabasse a escola um ano antes do que a maioria dos adolescentes do meu convívio, o que
permitiu que eu me preparasse, escondido do meu pai, para as avaliações para Notre Dame.
Havia a possibilidade de conseguir uma bolsa integral para estrangeiros para todo o curso e era
isso que eu precisava. Eu ficaria na minha tia, depois moraria no campus durante o período
determinado e ia me virando, dando aulas, servindo, fazendo o que aparecesse para me manter
sem atrapalhar a vida de ninguém. Eu me formaria e traria orgulho para a minha família,
mostraria para o papai que uma mulher poderia ser muito mais que uma esposa e ainda ter
valor e permitiria que eles pudessem descansar um pouco da exaustiva rotina de comerciante.
Era o plano perfeito, até que uma noite e uma fofoca estragaram tudo.
Flashes da noite em que perdi minha virgindade invadiram a minha mente, seguidos pela
surra, vergonha e expulsão... Era uma cicatriz aberta, uma ferida que ainda sangrava e que
talvez nunca curasse...

O som do despertador invadiu o quarto, avisando que estava perto de me atrasar.


Prendi os cabelos em um rabo de cavalo, ajeitei o uniforme e fui para o trabalho. Pode não ser
como eu queria, mas ainda era o meu sonho e eu faria de tudo por ele.

Passei o dia na agitação de servir as mesas, tirar pedidos e ser simpática. Tanta correria
ajudava a manter a minha mente ocupada e longe de pensamentos que eu queria evitar.
Apesar de tudo, o trabalho correu mais tranquilo do que eu esperava. Era sábado, as ruas
estavam agitadas e os jovens queriam se divertir, enquanto tudo que eu queria era ir para casa
e treinar mais uns passos de dança ou testar algumas programações novas. Fui fechar a última
mesa, da menina Sutton. Sua família era conhecida por ser influente e ter muito dinheiro. O pai,
Aaron, era um ex-jogador de hóquei que teve de se aposentar por conta de uma lesão, mas
virou um grande empresário. A mãe, Tara, uma ex-modelo que agora era influencer digital. Sua
carreira de modelo foi interrompida pela gravidez de Ben, o filho mais velho e cafajeste mor da
cidade. Dois anos depois nasceria a doce Chloe, que aos nove anos sofreu um grave acidente e
ficou paraplégica. Desde então, ela era superprotegida por toda a família.

Claro que eu não pesquisei a vida deles, essas eram informações que todos sabiam, pois
eles eram uma espécie de subcelebridades do bairro. Como a minha tia estava aqui há algum
tempo e as notícias corriam rápido, ela sabia um pouco sobre eles. Além disso, todos
conheciam os Sutton e a fama de brigão do adorado Ben e como ele sempre se livrava de tudo,
fosse pelo seu charme, pela sua lábia ou pelo dinheiro do papai.

Falavam tanto das castas do meu país, mas aparentemente não era apenas lá que elas
existiam, pois cada dia mais era perceptível o quanto aqui também era dividido por poder,
dinheiro e classe social.

Estava divagando quando Chloe finalmente estendeu o braço, sem tirar os olhos do livro
que lia. Apesar de tudo, ela ainda parecia uma princesa sentada em seu trono de metal e, não
sei explicar bem, sempre me sentia um pouco intimidada quando tinha de falar a sós com ela.
Talvez a hierarquia ainda estivesse tão entranhada em meu interior que fazia com que eu me
sentisse inferior sempre que alguém com um pouco mais de dinheiro aparecia.

— Boa noite! É pra encerrar?


— Sim! Coloca um croissant integral para viagem? Meu irmão adora e esse fim de
semana ele vem me ver.

— Claro! Algo mais?

— Não, obrigada... Amy, certo? — Ela se esticou para ler o nome no meu uniforme.

— Sim, Chloe, né?

— Certo! Prazer finalmente te conhecer. Posso te fazer uma pergunta um pouco


indiscreta?

— Nova Délhi, Índia.

— O quê?

— Eu não sou daqui, sou da Índia.

— Ah, não era isso. Eu queria perguntar o que você usa no seu cabelo, ele parece tão
vivo e brilhante.

Eu soltei uma risada tão sincera e involuntária, como há muito não fazia. Vi quando
Chloe ficou com as bochechas levemente rosadas... Ela estava corando? Achava que isso só
podia acontecer em livros.

— Ei, não precisa ficar com vergonha. Eu uso uma mistura de plantas que aprendi com
minha mã6.

— Mã?

— É mamãe em Hindi, a língua do meu país.

— Gostei! Mas você pode me passar a lista das ervas?

— Posso fazer melhor: vou preparar um kit especial para os seus cabelos, o que você
acha?

— Eu ia adorar! Eles estão sempre opacos e sem vida, já usei todos os produtos, até os
mais caros, mas nada resolve. Queria que pelo menos os meus cabelos ficassem bonitos, como
os da minha mãe.

Havia uma pontada de tristeza em sua voz que não passou despercebido. Era a primeira
vez que reparava nela de verdade e percebi que devíamos ter a mesma idade ou muito
próximas, mas que suas roupas e gestos eram mais infantis do que as garotas da nossa idade.

Antes que eu pudesse falar algo, um esbarrão fez com que eu me desequilibrasse e
apoiasse na mesa. Emily, a insuportável, como carinhosamente chamava a loira oxigenada
peituda que achava que estava em um filme adolescente, onde ela era abelha rainha e seu
séquito formado pelas três baba ovos: Aisha, Julie e Mandy. Até o seu perfume forçadamente
doce me enojava.

— Ops, desculpa! Não vi a subalterna... Chloe? Conversando com empregados? Somente


pagando para ter companhia, não é, aleijada?

Chloe apenas abaixou a cabeça e não respondeu nada, enquanto Emily e suas hienas
caíram na gargalhada. Não sei o motivo, mas senti um ímpeto de defender a menina e, quando
vi, já havia jogado todo o resto do suco que estava na mesa na cara da Emily.

— Ops, eu não vi a abelha!

— Sua empregadinha de merda! Eu vou te colocar no seu lugar! Sua indiana caipira! Isso
que dá colocarem qualquer um para trabalhar, abrir as portas do nosso país para esses
selvagens...

Não consegui terminar de ouvir o que ela falava, pois além de não ser fluente em
mugidos, ela saiu andando e batendo o pé, enquanto reclamava e era seguida por suas hienas.

Voltei a olhar para Chloe e começamos a rir juntas, até que meu olhar encontrou com a
dona da lanchonete. Ri muito, mas fui demitida.

Na saída, levei um susto quando fui abordada por Chloe.

— Amy! Amy! — ela gritou de dentro de um carro que eu nem sabia dizer a marca, mas
me parecia muito lindo, novo e brilhante.

— Chloe?

— Eu queria te agradecer e perguntar como ficou sua situação. Vi que a dona estava
meio nervosa com você.

— Ah, não precisa agradecer. Detesto gente como a Emily, que se acha superior por algo
que ela acha que tem. E espantar inseto é minha especialidade. Nos dias de muito calor, eu
tinha que tomar conta para que nenhuma mosca pousasse nos doces da minha mãe, em nossa
barraca. Colocar abelha pra correr é algo que faço de olho fechado.

— Por que abelha?

— Nunca assistiu Meninas Malvadas? Cada cidade tem a Regina George que merece.

Dessa vez foi ela que não se aguentou e começou a rir. Sua risada era contagiante e eu
acabei rindo junto.

— Seu senso de humor é maravilhoso, mas, você foi demitida?


— Infelizmente, sim, mas eu vou procurar outra coisa.

— Lamento muito por isso. Não queria que você se prejudicasse por minha causa. Agora
que você não está trabalhando, que tal me ensinar Hindi? E fazer um kit de produtos
especialmente para o meu cabelo?

— O quê?

— Eu conversei com a minha mãe enquanto te esperava e disse para ela que queria
viajar para a Índia ano que vem, por isso precisava aprender Hindi e ela deixou. Eu costumo
aprender os idiomas dos países que visito, então ela não achou estranho. E falei que já tinha
arrumado uma professora particular para me dar aula pelos próximos seis meses, até as aulas
na faculdade começarem.

— Quantas línguas você fala?

— Espanhol, italiano e francês. E se você me ajudar, Hindi.

— Sério, você não precisa fazer isso.

— Não preciso, mas quero. Você perdeu o emprego por me defender. Tirando minha
família, eu não lembro quem tenha feito algo parecido por mim sem querer algo em troca. E eu
realmente quero conhecer a Índia, só não seria agora, mas vou me preparar. Quem sabe além
de professora você não vira minha guia turística?

— Posso te ensinar Hindi, algumas coisas sobre nossa cultura, aonde ir, mas não posso
garantir ser sua guia turística.

— Problemas é?

— Talvez, mas deixa para lá. Só tem uma coisa que eu não aceito.

— O quê?

— O kit de cabelos é por minha conta, não quero receber nada por ele.

— Tudo bem! Você pode ir à minha casa na segunda? Qual o melhor horário para você?

— Depois do almoço?

— Certo. Esse é o seu Instagram? — Ela mostrou o celular e eu apenas confirmei que
sim. — Pronto, te mandei solicitação de amizade e meu endereço e telefone por direct. Estou
ansiosa por nossas aulas. Quer uma carona?

— Não, obrigada! Gosto de ir andando para aquecer, assim pulo alguns exercícios antes
de começar a dançar.
— Eu costumava gostar de danças antes de... Deixa pra lá, até segunda, Amy!

— Até segunda, Chloe!

O motorista partiu com o carro enquanto eu ainda fiquei alguns minutos incrédula com
tudo o que aconteceu em tão pouco tempo. Forcei minhas pernas a caminharem para casa,
enquanto tentava entender o que acabou de acontecer.

Mais tarde, já em casa, resolvi preparar um típico jantar indiano para esperar minha tia.
Estava quase finalizando quando ela chegou.

— E aí, minha dançarina favorita, como foi o dia?

— Nada muito especial. Trabalhei, joguei suco na Emily Campbell, defendi a Chloe
Sutton do bullying, fui demitida, fui contratada para dar aulas de Hindi para a Chloe na casa
dela, voltei para casa, vim preparar o jantar... Só mais um dia comum.

— Amy! Volta tudo e me explica o que aconteceu! Você está bem? Por que você jogou
suco na Campbell? Desde quando você é amiga da menina Sutton?

— Eu não sou amiga de ninguém, tia. Você sabe que não consigo confiar nas pessoas
depois de tudo o que aconteceu. Meus próprios amigos ficaram contra mim, mas também não
gosto de ver injustiça. A insuportável da Campbell esbarrou, de propósito, em mim e ainda
debochou da Sutton, a chamando de aleijada. Não sei como os americanos lidam com isso aqui,
mas no nosso país respeitamos as pessoas, mesmo que elas sejam diferentes da gente. Eu devia
era ter tacado o jarro na cara dela, mas o suco está bom para começar. Nessa confusão toda a
menina Sutton se sentiu culpada e resolveu me dar um emprego.

— E por que ela quer aprender Hindi?

— Diz ela que quer conhecer a Índia, não sabe como esses ricos são? Sempre inventando
um jeito novo de gastar dinheiro. Na real, acho que ela ficou se sentindo culpada. E eu também
senti um pouco de pena, sabe? A menina tem tudo, menos um amigo. Sempre sozinha,
cabisbaixa, talvez aprender uma nova cultura possa trazer um pouco de alegria.

— Cuidado, minha filha, cuidado. Os Sutton não são essa família perfeita que pintam. E
não gosto da ideia de você perto daquele garoto. Meninas como você são presas fáceis para
predadores como ele.

— Eu não quero me envolver com ninguém, tia. Logo as aulas começam e tudo vai ser
diferente. Além disso, você sabe que eu não sou digna e...

Não consegui concluir a frase, pois o tapa que ela deu na mesa me assustou.

— Nunca mais diga que você não é digna, entendeu? Independentemente da forma que
foi, perder a virgindade não te torna indigna. Você é a vítima dessa história e o Raj devia estar
preso, pois o que ele fez foi abuso! E ainda que você tivesse escolhido perder a virgindade dessa
forma, isso não te torna inferior a ninguém, entendeu? Um hímen não te torna pura, assim
como mais um buraco aberto não te torna suja. Você é uma garota incrível, especial e merece o
que tem de melhor na vida, seja com um homem ou não. Nunca mais duvide do seu valor,
entendeu?

— Sim.

— Não ouvi.

— Siiiiiiiimmm!

— Agora eu vou me trocar, guarda o sorvete e logo venho para jantarmos.

Realmente, esse foi um dia completamente atípico e parece que tinha drenado minhas
energias. Separei o material que iria precisar para fazer o kit de cabelo da Chloe e me deitei em
seguida.

O resto do fim de semana passou em um piscar de olhos e quando vi, já estava na hora
de ir para a casa dos Sutton. Eles moravam em uma parte mais chique da cidade e, para não me
atrasar, resolvi cometer a loucura de ir de Uber somente nesse primeiro dia. Nem sabia quanto
ia ganhar nem como ia receber e já estava gastando minhas economias. Eu realmente não tinha
juízo.

Pensei em ir com meu sári, mas só de pensar em todos os olhares e questionamentos


mudos que me faziam quando eu o usava, desisti. Optei por uma roupa comum, trançando
meus longos cabelos e acrescentei apenas algumas pulseiras, que normalmente evitava usar em
público, mas como as aulas seriam na casa da Chloe, não vi problemas.
Demorei mais do que o esperado, mas ainda cheguei no horário. A casa, ou melhor,
mansão do Sutton comportaria facilmente todo o mercado em que meu pai colocava sua banca
de tecidos. O jardim bem cuidado, os portões imponentes, mas clássicos e as cores cleans
davam um ar moderno e clássico ao local. Fiquei um tempo parada tentando me acostumar
com o lugar e me instruindo a não fazer nenhum tipo de besteira.

Um armário veio abrir o portão e eu o reconheci como o motorista que estava com a
Chloe no dia da lanchonete. Caminhamos alguns minutos até chegar ao interior da mansão,
onde uma senhorinha muito simpática veio me atender. Ela tinha aquela energia de vó, sabe?
Bom, pelo menos do que eu achava que era, pois não tinha convivido com nenhuma das minhas
avós.

— A menina Chloe estava muito ansiosa pela sua visita. Falou nisso o fim de semana
inteiro. Estava muito curiosa para te conhecer. Quer algo para beber, uns biscoitos?

— Não, estou bem. A Chloe?

— Está no quarto dela, lá em cima, pode ir. Daqui a pouco levo um lanchinho para vocês.
Fique à vontade e divirta-se.

Rapidamente ela sumiu e eu me vi sozinha naquele ambiente que era lindo, mas parecia
que ia me engolir. Subi o longo lance de escadas e me deparei com um corredor cheio de
portas. Resolvi seguir a minha intuição e obviamente nenhuma porta do lado escolhido era do
quarto da Chloe. Quem precisa de dois banheiros no mesmo andar?

Voltei pelo mesmo caminho e fui para o outro lado. A primeira porta estava trancada, a
segunda estava aberta. Bati, chamei pela Chloe e ninguém respondeu. Resolvi entrar e, antes
que pudesse reparar que estava em um quarto genuinamente masculino, fui impactada pela
visão de um homem nu, saindo de algo que devia ser o banheiro, pois ele estava molhado.
Mesmo sabendo que fui idiota, minha reação foi de dar um grito, afinal, não é todo dia que
você tem Ben Sutton na sua frente, sem nenhuma roupa e pronto para começar a brincadeira.
Meu grito deve tê-lo assustado, pois ele correu para pegar um travesseiro, mas ao me ver, abriu
um sorriso estupidamente cínico.

— Empregada nova, é? Não sabia que meu pai estava contratando menininhas e
estrangeiras.

Aquela frase fez toda a hipnose sumir e só consegui sentir raiva. Quem ele achava que
era para me chamar de empregadinha?

— E pelo que falam do pegador Ben Sutton eu achava que o material dele teria mais
potencial, mas uma flauta hindu tem mais presença do que o seu instrumento.

Não esperei a reação dele, apenas me virei e bati a porta. No corredor, vi quando Chloe
saiu do que acreditei ser o seu quarto, corri até ela, empurrei sua cadeira e passei a chave na
porta. Enfim, segura.
Quando me acalmei, contei para Chloe o que aconteceu e rimos muito, mas ela me
alertou que seu irmão não deixaria minha ofensa passar impune. Logo ele faria algo contra
mim. Pior ainda foi descobrir que todos estudaríamos em Notre Dame. Ben já fazia engenharia
aeroespacial lá, além de ser o capitão do time de Hóquei e Chloe começaria em alguns meses,
junto comigo, mas seríamos de cursos diferentes.

Terminamos a aula e comemos um lanche delicioso, trazido pela vó, que depois descobri
que era uma espécie de governanta e babá, cuidava da Chloe desde bebê. Entreguei o kit que
fiz para o cabelo dela e parecia que ela tinha ganhado o melhor presente do mundo.

— Amy, você pode me contar algumas das histórias da sua cultura? — Chloe perguntou
empolgada e não consegui dizer não. Suas perguntas não me incomodavam, pelo contrário.
Com ela eu sentia vontade de compartilhar minha cultura, nossas curiosidades.

— Claro! Vou te contar uma lenda hindu sobre a criação do mundo, envolvendo três
deidades importantes: Brahma, Vishnu e Shiva.

“Então, a história começa com Brahma, que é meio que o "cara da criação". Diz a lenda
que ele emergiu de um lótus que cresceu no umbigo de Vishnu, enquanto Vishnu repousava nas
águas cósmicas. Brahma é encarregado de criar o universo, todas as coisas vivas, tudo que
existe e conhecemos.

“Aí, temos Vishnu, o "cara da preservação". Depois que Brahma cria tudo, Vishnu entra
em cena para manter a ordem cósmica. Ele é frequentemente representado chillando numa
espécie de cochilo cósmico, boiando nas águas, garantindo que nada saia do controle.

“A terceira figura é Shiva, que é o "cara da destruição e transformação". Aqui fica


interessante. Shiva destrói o universo antigo, mas não é tipo um fim triste. É mais como uma
transformação necessária. Ele realiza uma dança cósmica chamada Tandava, que simboliza o
ciclo eterno de criação, preservação e destruição. Uma coisa muito intensa e aqui já vemos
como a dança faz parte da cultura do meu povo.

“O que é legal é que essa lenda destaca a ideia de um ciclo eterno, onde o universo
passa por essas fases repetidas de criação, preservação e destruição. Cada uma dessas
divindades têm um papel crucial nesse esquema cósmico.

“Então, é tipo uma maneira profunda de organizar e entender como funcionam as coisas
no nosso universo, pela visão da nossa religião. Uma história que reflete a importância da
interconexão dessas divindades na manutenção da harmonia cósmica.”

— Eu andei pesquisando e achei tanta coisa interessante. Tem problema para você que
eu pergunte? Não quero incomodar ou ser invasiva.

— Pode perguntar o que quiser, Chloe. Sei o quanto nossa cultura é rica e o quanto
somos diferentes da sua. É normal que você sinta curiosidade. Assim como eu também fico
curiosa com algumas coisas que vocês fazem. Combinamos assim: você pergunta o que quiser e
eu faço o mesmo. Se achar que algo passou dos limites, avisamos. É isso que amigas fazem,
certo?

— Combinado! Isso significa que nós somos amigas então?

— Eu acho que sim. Claro, se você quiser ser minha amiga.

— É óbvio que eu quero! Ninguém nunca quer ser minha amiga, pelo menos não de
verdade.

— Sei como é, eu também não sou a garota mais popular daqui.

— Então agora teremos uma à outra e não ficaremos mais sozinhas.

— Combinado!

Antes de sair pedi que ela verificasse se Ben já tinha ido embora e ela confirmou, pois
mesmo de férias ele passava um tempo na faculdade para treinar e vinha apenas nos finais de
semana. Pude ir embora tranquilamente e me surpreendi com o valor recebido, mas Chloe
disse que esse era o que costumava pagar para as outras professoras. Era quase um mês de
salário na lanchonete.

Segura e em casa, procurei um livro para estudar e repassar todos os acontecimentos


recentes. Assim começava a minha história com os Sutton.
Capítulo dois

Amy Sengupta
Dias atuais — Universidade de Notre Dame

Eu acreditava que estar na Universidade seria algo maravilhoso, mas recebi uma versão
2.0 piorada do Ensino Médio. Ainda me sentia uma completa estranha, a índia caipira, como
Emily fazia questão de me chamar e os outros repetiam, como papagaios de pirata que só
queriam agradar a loira sem sal. Eu não aguentava mais a perseguição que ela promovia contra
mim, nem o jeito que era tratada.

Todos os dias pedia para Saraswati7 me conceder força, sabedoria e serenidade para
encarar esse desafio. Era a sua força e a amizade de Chloe que me faziam continuar. Nossa
amizade nasceu do improvável e acredito que, assim como minha tia sempre dizia, que a dança
era parte da minha alma me acompanhando por todas as minhas vidas, minha amizade com
Chloe também vinha de outros tempos.

Era incrível a maneira como nos conectávamos. Nos primeiros dias, eu queria apenas dar
as minhas aulas, falar sobre a minha cultura e sair antes de esbarrar com o Ben, pois ainda
temia a represália que nunca veio. Ainda hoje, pouco mais de um ano e meio depois, ainda
esperava que ele aprontasse algo, já que nossa relação não era das melhores, mas
sobrevivíamos, principalmente pelo amor que tínhamos pela Chloe.

Não tive irmãos, os amigos que acreditava que tinha me traíram e precisei sair do meu
país para encontrar com a minha irmã de alma. Foi em uma das nossas aulas, quando Chloe
chorou por mais uma vez ser vítima de bullying cibernético, que eu resolvi abrir meu coração e
deixá-la entrar. E foi a melhor coisa que eu pude fazer. A partir daí, além das aulas, tirávamos
um tempo para fazer algo juntas e planejar a ida para a faculdade foi uma delas. Adorei saber
que ficaríamos próximas, mas odiei saber que além do irmão dela, ainda teria a Emily na nossa
cola.

O tempo passou muito rápido. Eu ainda arrumei algumas crianças para dar aulas de
dança, fazia alguns trabalhos na internet e tentava me virar. Precisava juntar o máximo que
pudesse, pois mesmo conseguindo a bolsa mais difícil que cobria os gastos com estudo, ainda
precisava me manter. Minha tia trabalhava muito como cabeleireira, mas ganhava para o básico
e eu não queria sobrecarregá-la.

Assim, logo que cheguei à faculdade já fui taxada de pobre, caipira, esquisita e inimiga
da moda. E eu nem cogitei usar meus sáris, mas encontrei um brechó que tinha algumas roupas
coloridas, saias e vestidos longos que me faziam lembrar um pouco a minha roupa, sem chamar
tanta atenção.

Por vezes era humilhada e só tinha paz quando estava com Chloe. A faculdade para ela
estava mais tranquila, pois seu irmão era temido, respeitado e desejado. E como ele a
superprotegia, o bullying diminuiu. Só a perseguição de Emily continuava.

Ela e Ben tiveram uma espécie de namoro na escola, mas Ben a chutou quando
descobriu que ela incentivava, pelas costas, o bullying contra sua irmã. Não foi um término
agradável, pelo que contam, mas Emily sempre acreditou que eles ficariam juntos. Até hoje,
anos depois, ainda corria atrás dele sempre que dava, e tornou a perseguição contra Chloe
ainda maior, pois a culpava por perder a grande chance da sua vida.

Hoje foi um desses dias que os deuses pareciam ter me esquecido. Meu notebook velho
pifou e perdi uma apresentação importante na primeira aula, pois não bastava ele pifar, tinha
que ser durante a apresentação. Assim, meus amados colegas de classe pediram para que eu
rezasse para os meus deuses e fizesse com que eles me dessem um computador e roupas
novas. O sistema de castas utilizado aqui podia ser mais cruel do que o que ainda funcionava
sorrateiramente no meu país.

Tudo o que eu fazia era motivo para o deboche. Ter entrado na faculdade já com o ranço
da Emily não ajudava. Ela me apelidou de “cachorrinha dos Sutton”. Eu odiava, mas não
conseguia rebater. Tinha medo de arrumar confusão, de perder a bolsa, de colocar a Chloe em
problemas, de tudo. Eu sabia que tinha de reagir, mas não conseguia.

Engoli o choro e saí da aula antes que ela acabasse, me trancando no banheiro para ter
um pouco de paz. Nojento, mas um processo que se reproduzia com mais frequência do que
gostaria. Não sei ao certo quanto tempo eu fiquei ali, mas o alarme soou e eu tive de encarar a
realidade. Tinha que almoçar com a Chloe e depois ir para o estágio na empresa do pai dela.
Desde que consegui ajustar o problema em um dos seus sites, fazendo com que ele
economizasse alguns dólares, prestava alguns serviços para ele. Ainda não podia ser estagiária
oficialmente, mas era assim que ele me chamava. Isso me ajudou a largar horas de
subemprego, além de permitir que eu aprendesse mais sobre Tecnologia da Informação, a área
que desejava seguir.

A dança era um sonho, que lutava para manter vivo, mas que sabia que não iria me
sustentar.

Tentando não me atrasar, saí em disparada pelos corredores, parando apenas quando
fui jogada no chão pelo impacto de esbarrar em alguém, fazendo com que todo o meu material
se espalhasse. A minha sorte deveria ser vendida como arma de destruição em massa, pois
esbarrei em ninguém menos que a Campbell.

— A cachorrinha dos Sutton está cega?

Eu não respondi, apenas levantei e comecei a reunir as minhas coisas. Tudo que queria
era evitar o confronto, sair dali e viver o resto do dia em paz.

— Será que eu vou ter que me lavar por ter tocado nela? Qual era a sua raça lá naquele
seu país imundo? Como que fala, acho que é Daylight, Da... Dalit. Isso, você é uma Dalit,
intocável que fala, né? Fui ler um pouco sobre esse circo e acho que, pelo menos nisso, você se
encaixa bem. A ralé da ralé.

Nesse momento eu parei de pegar minhas coisas do chão e respirei fundo algumas vezes
para me controlar. Essa era uma das maiores ofensas que ela poderia me dirigir, mesmo que
não soubesse. Senti como se meu sangue estivesse fervendo e apertei a alça da mochila para
me conter. Minha vontade era voar nela e arrancar cada fio de cabelo pela raiz, mas pensei que
estávamos tão perto de finalizar o período que não poderia arriscar.

As risadas ecoaram pelo ambiente, aumentando a minha raiva e cegando os meus


sentidos e, quando finalmente me virei para reagir, um vulto passou por mim e parou na minha
frente.

— Ben. — O nome saiu quase inaudível da minha boca, mas sabia que ele ouviu, pois fez
um breve aceno com a mão.

— Agora chega, Emily! Você não sabe do que está falando e não tem motivo para tanto
show. Pare de perseguir a Amy ou as pessoas podem achar que você tem medo de que ela
tome o seu lugar, já que ela dança melhor que você. E essa não é a casta dela, aprenda a fazer
uma pesquisa. Agora todo mundo, circulando, circulando, vocês não têm o que fazer?

O silêncio tomou conta do lugar e um por um, todos foram saindo, sem sequer
contestar. Emily passou por mim e resmungou algo que não entendi, pois estava chocada
demais com a defesa do Ben. Normalmente mal nos falávamos e apenas nos provocávamos,
nunca fomos amigos e não entendi o que ele fez.

— Anda, Amy, não tenho o dia todo para ser sua babá.

— Minha babá?

— Sim. A cadeira da Chloe deu um problema e ela teve que ir consertar, mas só foi
depois que eu prometi que te levaria para almoçar e para o estágio no meu pai.

— Eu posso fazer isso sozinha.

— Concordo e foi a sugestão para a minha irmã, mas você sabe exatamente como ela é.
Agora eu estou comprometido em passar algumas horas do meu dia com você. Isso não vai ser
agradável, mas precisa ser feito, então, se os seus pés funcionam para algo além da dança,
comece a andar até o meu carro, que está ali no primeiro estacionamento e vamos fazer isso
durar apenas o necessário.

— Você é tão grosso!

— Jura? Achava que uma flauta hindu fosse maior que o meu instrumento.

Boquiaberta, girei para olhar para ele. Não acredito que ele lembrava exatamente a
frase que eu mencionei naquele fatídico dia.

— Andando, Amy, andando. Não é tão difícil. E não, não esqueci.

— Eu... Hã... Eu...

— Aparentemente, além de perder o dom de caminhar, você também perdeu o dom da


fala. Só que é o seguinte: ou você começa a caminhar ou vou te pegar no colo, bem ogro
mesmo, e não quero nem saber se a sua saia vai subir e todo mundo vai ver a sua bunda
indiana. Eu só quero que você chegue na porra do meu carro, que a gente almoce no caralho do
lugar que você almoça sempre com a minha irmã e que eu te deixe no meu pai para poder viver
a minha vida em paz. E isso vai acontecer. Agora você escolhe: jeito fácil ou difícil?

Eu não respondi, apenas saí batendo o pé, andando o mais rápido que podia, me
controlando para não o xingar de volta. Apesar de ser um grosso, não esqueci que ele me
defendeu e evitou algo que pudesse me prejudicar e fazer com que eu perdesse a bolsa.

Rapidamente chegamos à famosa Ford F 150 Raptor vermelha e nos acomodamos. Já


mais calmo, lembro que não agradeci e antes que ele desse partida no carro, toquei em sua
mão.

— Espera!

— O que foi agora?

— Obrigada...

Percebi que meu agradecimento quebrou um pouco da sua grosseria, pois finalmente
ele me encarou e, não sabia se era a primeira vez que o via assim, mas enxerguei um pouco de
doçura no seu olhar.

— De verdade, obrigada... Eu estava a ponto de perder a cabeça e isso poderia custar a


minha bolsa. O que ela disse, as coisas que ela falou, ela... Espera. A casta, como você sabia que
não era aquela?

— Meu Deus, você não consegue ser fofa por mais de dois minutos, não sei como a
minha irmã te aguenta. “Obrigada, Ben, por ter sido um herói e salvado o meu dia” — ele fez
uma imitação ridícula da minha voz — Custava só dizer isso e fim?
— Como você sabia sobre a casta, Ben Sutton?

— Amithab Sengupta, você é a melhor e única amiga da minha irmã e ela fala de você o
tempo todo. Ano que vem viajaremos para a Índia graças a obsessão que ela desenvolveu
depois das suas aulas. Logo, eu tive que aprender sobre a cultura e a Chloe me explicou sobre
as castas, que elas teoricamente não existem mais, só que ainda existem. E que a sua casta é a
terceira, de comerciantes, V alguma coisa. E que a que a Emily mencionou é algo ruim, como
um bruxo ser chamado de sangue-ruim em Harry Potter.

— Ben Sutton gosta de Harry Potter e virou expert em cultura indiana? Eu nem sabia
que você conseguia reter alguma informação que não fosse aeroespacial, hóquei e a próxima
mulher que você quer transar.

Um suspiro de irritação escapou dos seus lábios e sua expressão mudou novamente.

— Eu tentei, viu, Amy, mas ser legal com você não funciona.

Então ele arrancou com o carro enquanto colocava Psychosocial do Slipknot em um


volume que chegava a doer os ouvidos. O Ben que eu conhecia estava de volta.

Depois de me despedir do Ben — despedir não é bem a palavra, pois ele apenas emitiu
alguns grunhidos durante o almoço e o caminho até o trabalho do pai — fiz uma chamada de
vídeo rápida para saber como Chloe estava antes de começar a trabalhar. Sua cadeira já estava
quase pronta e nos atualizamos rápido sobre nosso dia. Propositalmente deixei o incidente de
fora, para não a preocupar. Nos despedimos e me ocupei do trabalho para evitar que a tristeza
me pegasse. O aniversário da minha mãe estava chegando e esse seria o segundo ano que
passaria longe dela. Meu pai não me perdoava e não permitia que ela atendesse meus
telefonemas. Só sabia notícias pela minha tia ou quando ela ligava e eu estava por perto. Além
da dor da expulsão, a dor do exílio me rasgava por dentro. Era horrível me sentir assim, como se
eu fosse um corpo estranho que meu pai precisasse expulsar.

A saudade que eu sentia dela parecia uma dor física. Eu entendia o meio em que ela
estava inserida, entendia que era difícil mudar, eu mesma ainda lutava contra os resquícios que
uma educação voltada para a submissão deixava em mim, mas eu era filha dela!

Não recebia uma ligação, em nenhuma data, nem para saber se eu estava viva. Por mais
que ela obtivesse informações com a minha tia, ainda assim, esperava mais dela. Não precisava
enfrentar meu pai, mas ter um posicionamento que mostrasse o mínimo de interesse me faria
mais feliz.

Passei o restante do dia cabisbaixa e nem dançar aliviou. Inventei um trabalho do curso
para não ir até a Chloe. Nesses momentos, em que tudo parecia difícil demais eu só queria ficar
sozinha e me conectar comigo e com meus deuses. Minha percepção havia mudado para
muitas coisas, minha forma de me conectar e enxergar a vida e a religião também, mas não
perdi a fé. E era nela que eu me agarrava para conseguir encarar a vida. Eu só tinha 18 anos,
quase 19 e tinha perdido a virgindade de forma traumática, tomado uma surra na porta de
casa, expulsa de casa e renegada pelo meu pai, mudado de país, entrado em uma das maiores
universidades do mundo com uma bolsa integral, trabalhado de diversas coisas e todos os dias
precisava lutar para me manter de pé. Estava a quase seis horas de distância da pessoa que me
acolheu e que não andava bem de saúde, precisava proteger minha melhor amiga e manter
minhas notas boas.

Apesar disso, tinha um emprego razoável, era amada pela minha tia e pela Chloe e uma
das melhores alunas do meu curso. Nem tudo era derrota, existiam algumas vitórias, mas em
alguns dias como hoje, eu só queria ser uma adolescente normal, preocupada apenas em
estudar, com a próxima festa, com o crush do momento. Viver e não apenas sobreviver.

Sabia que a tristeza não podia durar muito e nem podia me deixar abater, afinal, era eu
por mim e mais ninguém, então me dei a noite de folga, coloquei Meninas Malvadas e fui
comer pipoca, chocolate e refrigerante. Amanhã era quarta, talvez eu devesse procurar uma
roupa rosa para usar.

Adormeci sem perceber, mas acordei assustada. Sonhei com meu pai, revivi todo o
momento daquele dia em que fui expulsa e renegada por ele. Uma angústia bateu forte e pela
primeira vez achei que não daria conta. Chorei como naquele dia e me vi tão sozinha como
estive enquanto caminhava por Nova Délhi.

Não consegui voltar a dormir e nesses momentos agradecia ninguém ter escolhido ficar
no meu alojamento — mais uma armação da Emily —, pois podia ter um pouco de paz. Fiz algo
que raramente fazia: faltei à aula. Hoje era véspera do aniversário da minha mãe e me permiti
viver o meu luto, aquele que eu sempre engolia.

Passei a manhã jogada na cama, hoje não tinha trabalho e minha tarde estava livre, logo
não precisei me preocupar com nada. Me assustei com as batidas à porta e fui ver quem era.

Chloe entrou quando a abri, usando a cadeira para terminar de abri-la.

— Eu sei que é uma data difícil e que você se faz de forte o tempo todo, mas você
também é humana, então tudo bem ficar mal. Só não se isola. Você não tá sozinha. Eu estou
aqui com você e quero te ajudar a passar por isso. Não posso imaginar a dor que você sente,
mas me deixa tentar aliviar, da mesma forma que você sempre faz por mim? Não tem problema
fraquejar, Amy. Você só não pode deixar que a sua fraqueza te vença. Chore hoje, lute amanhã
e vamos rumo à vitória. Um dia tudo isso vai passar e será apenas uma lembrança dolorida.
Espero que até lá você e sua mãe já tenham se acertado, mas enquanto isso, eu tô aqui. Para o
que você precisar.

Em lágrimas, não consegui responder nada, apenas me ajoelhei e a abracei, tentando me


jogar de forma desajeitada em seu colo. Ficamos assim, abraçadas e eu me permiti chorar,
esvaziando o meu peito e cedendo à dor que me rondava. Fiz um agradecimento mental por ter
encontrado a Chloe, pois não conseguiria passar por tudo isso sozinha, essa amizade tinha sido
um dos pilares para me manter de pé. Tudo não ficaria bem logo, mas eu tinha a força
necessária para lutar até que ficasse. E enquanto não ficava, eu contava com a Chloe para
dividir o peso.
Capítulo três

Amy Sengupta
Dias atuais — Universidade de Notre Dame

A saudade de casa apertou, mas logo viriam as férias de fim de ano e as mid-terms8, e eu
precisava me concentrar. Manter notas boas, não me meter em confusão e seguir à risca todas
as regras da Universidade eram fundamentais para me manter. Também pretendia me
inscrever em janeiro para o Summer Session9, pois queria adiantar matérias e sabia que ficar na
Universidade ajudaria minha tia a gastar menos. Queria ir e ajudá-la, mas também sabia que,
quanto antes me formasse e juntasse dinheiro, mais coisas poderia fazer. Lá seria mais um
gasto com que ela teria de se preocupar.

Estudar nunca foi um sacrifício, pelo contrário, presa dentro de casa, passava horas
viajando pelos livros. Quando consegui acesso ao computador, ganhei novos rumos e me
encantei pela programação. O que para muitos era algo complicado eu fazia em minutos.
Muitas coisas aprendi sozinha, depois, quando ganhei meu notebook — que minha tia juntou
muito para conseguir me mandar — um mundo novo começou mesmo estando
constantemente ameaçado por meu pai. Muitas vezes ia fazer entregas dos doces da minha
mãe e ficava mais tempo no hostel para usar a internet.

Enquanto eu estava sempre muito preocupada em estudar, a Universidade respirava


esportes. Eu nunca pude conviver com esportes, pois meu pai não deixava e com o tempo fui
me acostumando a não ligar. Os estudos, a dança e o trabalho ocupavam todo o meu tempo.
Porém, aqui era diferente. Os atletas eram muito famosos, a política para incentivar os esportes
também e os Sutton eram muito ligados ao esporte.

Ben era o destaque do time de hóquei, não apenas por ser o capitão, mas por ser uma
promessa do esporte. No ano anterior ele sofreu uma lesão logo no início do campeonato e o
time não chegou ao que eles chamavam de regionais, mas esse ano estavam muito
entusiasmados. Meu maior entusiasmo era que nesse período ele sumia mais, devido às
viagens e segundo Chloe me contou, caso chegassem a grande final, teria de outubro a abril
visitas esporádicas dele. Eu amava a minha amiga, mas conviver com o irmão dela era uma
tortura que nem toda a beleza e charme dele compensavam.
A Universidade ficava agitadíssima, principalmente quando tinha jogo na arena daqui. O
que para mim era ótimo, pois significava que Emily também estaria ocupada, já que era
responsável pela equipe de torcedoras e assim me deixava em paz. Eram raros os momentos
em que ela estava fazendo algo, então eu comemorava quando tinha jogo e Ben estava por
perto, pois assim ela se mantinha ocupada. Desde que comecei a andar com a Chloe, me tornei
um alvo direto dos seus ataques. Por muitas vezes eu quis revidar, mas o medo de me
prejudicar falava mais alto e eu só ouvia calada.

O que aqui chamavam de bullying no meu país era algo normal, quando se tratava de
pessoas de castas diferentes. Entretanto, entre os considerados iguais, tínhamos respeito e
empatia. Com o tempo, pelo que mamãe contava, as coisas melhoraram e hoje até vivíamos em
uma falsa harmonia, mesmo com o preconceito ainda presente. Aqui, não. Eles não
respeitavam nem os “iguais” — aqueles que possuíam o mesmo status social.

Chloe sofreu e sofria muito pela sua condição: aos nove anos, em um acidente na
casinha da árvore, um tombo tirou sua capacidade de andar. Muito já foi feito e apesar de ter
os melhores tratamentos e médicos à sua disposição, as chances de que ela voltasse a andar
eram quase nulas. E eu sabia que isso doía nela, pois via o seu olhar de esperança enquanto
pesquisava sobre pessoas que possuíam o mesmo problema, ou quando falava do futuro e o
quanto desejava ter uma vida normal. Ela não reclamava, mas o modo como seu rosto se
transformava e como sempre se colocava como alguém que não podia ter uma vida normal
entregavam o quanto isso a machucava.

Engraçado que ela poderia ter o que quisesse, materialmente falando, mas o que ela
realmente precisava, seu dinheiro não podia comprar. Queria poder contar isso para minha
mãe e meu pai, talvez assim eles entendessem que se casar com um marido rico não era
garantia de nada. Que existiam algumas coisas na vida que valiam mais que dinheiro e que
deveríamos ser gratos quando as conquistamos.

Talvez o sofrimento fosse o maior responsável por unir nós duas. Ambas éramos sempre
deixadas de lado, por motivos diferentes, mas sempre tratadas como a última opção. Mesmo a
Chloe sendo de uma família influente não diminuiu o que fizeram com ela. Na Universidade ela
ainda estava mais segura por conta do Ben. Detestava admitir, mas o fato de ele ser popular,
capitão do time, um dos melhores e mais desejados alunos promoviam um conforto que ela
não teria. Assim como foi na escola depois que o Ben foi para a faculdade. Sem ele, Chloe
tornou-se o alvo de todo tipo de bullying, o que fez com que ela ficasse ainda mais retraída.

Desde que nos tornamos amigas fazia o que podia para defendê-la, mas eu era um
peixinho sangrando em um tanque de tubarões. Não podia fazer muito, mas lutava até onde
fosse possível. Emily era a maior responsável pelo bullying, desde a época da escola. Ela culpava
Chloe pelo fim do suposto namoro com Ben, pois nunca admitira que o perdeu por não
respeitar a irmã do cara que ela dizia tanto amar. Forçou amizade, fingia gostar dela e era a
responsável pelos apelidos e situações constrangedoras que Chloe passou. Algo que nunca
engoli foi ela compartilhar as conversas em que Chloe assumia que estava apaixonada por
Adam, o jogador de futebol mais famoso do colégio, depois do Ben terminar com ela quando
descobriu o que ela fazia com sua irmã. Isso fez com que Chloe virasse chacota de todos,
inclusive do próprio Adam.

Na cabeça de Emily, ela e Ben ficariam juntos depois da escola, na faculdade e na vida.
Tanto que ela escolheu Notre Dame por isso. Até hoje ela tinha essa ideia de que eles seriam o
casal perfeito e modelo. E que isso ainda não havia acontecido, principalmente pela Chloe.

Hoje tinha tudo para ser um dia normal. Eu e Chloe tínhamos aula em salas próximas, a
tarde livre e de noite faríamos uma sessão de cinema. Ela nunca ia a festas, pois os pais não
permitiam. Morar no campus só deixaram depois de conseguirem algumas regalias, como uma
acompanhante e um alojamento privilegiado e adaptado para ela. No fundo, toda a família se
culpava pelo acidente e tentavam se redimir de alguma maneira, exagerando nos cuidados e
mimos com ela.

Estávamos sentadas em uma parte um pouco mais afastada e com mais verde,
conversando sobre nada especial, e Chloe contando que hoje o irmão viajaria para mais um
jogo e que eles estavam indo bem, quando um grupo se aproximou da gente. De início, não
ligamos muito, era normal alunos andarem em grupo e procurarem lugares mais vazios do
campus para passar o tempo entre uma aula e outra.

— Amy, a gente pode ir embora? Liga pro Paul, pede pra ele vir me buscar.

— O que houve, Chloe? A gente ainda ia tomar sorvete, lembra?

— Não, Amy, eu quero ir para casa. Agora.

Foi quando eu percebi que o grupo olhava, apontava, cochichava e ria. Eles estavam
debochando da cadeira da Chloe, que começou a tentar se encolher, como se pudesse se
proteger dos olhares e comentários alheios.

— Chloe...

— Não, Amy! Já mandei mensagem para o Paul com a nossa localização. Eu já vou
colocar a cadeira para andar, você vem comigo ou não?

— Ok, mas você não pode fugir pra sempre. Enquanto você mostra que se importa, eles
vão continuar te diminuindo.

— É mesmo? E cadê o seu sári?

Ela tinha um ponto. Eu falava dela, mas fazia o mesmo. Hipócrita, talvez, mas eu queria o
bem dela. Além disso, o meu traje não era uma condição que eu levaria para a vida, mas ela
teria de lidar com a sua condição para sempre, ou pelo menos até a medicina avançar o
suficiente para que ela pudesse andar. Em algum momento ela ia precisar se impor, mas só ela
podia decidir qual. Me levantei e, mesmo sem precisar, pois a cadeira da Chloe era uma das
mais modernas, comecei a empurrar. Para mim, era algo natural fazer isso quando estávamos
juntas, porque permitia que eu conversasse mais perto dela, e eu me sentia mais ligada a Chloe.
Quando passamos pelo grupinho nefasto que pareciam de estudantes novatos, um deles
resolveu aparecer e soltou a gracinha:

— Ser rico deve ser muito bom, mesmo sendo uma imprestável pode pagar pra ter uma
empregadinha estrangeira. Você faz outros tipos de serviços ou só sabe cuidar de aleijada.

Eu apertei a cadeira com mais força, enquanto Chloe já começava a dar os primeiros
sinais de choro. Nunca fui muito de brigar, mas por aqui já tinha entendido que em alguns
momentos eu precisava me posicionar, ou iam continuar pisando em mim. Muitos achavam
que não era digna de estar aqui. Outros, que eu roubava a vaga de algum estudante local. Não
se davam o trabalho de pesquisar e saber que havia um programa de bolsas para estudantes
estrangeiros e que a seleção era muito difícil. Que eu não tirei a vaga de ninguém e que tudo
que conquistei foi pelo meu esforço. Eu merecia estar aqui tanto quanto eles e, quando via
gente assim, algo no fundo me dizia que talvez eu merecesse até mais.

— A empregadinha tá surda? Meu amigo tá perguntando quanto você cobra pra dar um
banho nele. Mas ele quer um banho de língua. — O grupo explodiu em uma sonora gargalhada,
e eu não consegui me controlar. Sussurrei para que Chloe seguisse o caminho e dei alguns
passos para trás, falando em Hindi, pois sabiam que eles não iriam entender.

— Que porra de língua estranha é essa que você está falando?

Parei bem na frente do que parecia o líder deles e dei uma boa olhada no grupo. Quatro
meninos, bem parecidos um com o outro, estatura mediana, pele branca, olhos claros,
músculos sendo construídos, roupa de marca e quase nenhuma inteligência. Continue
xingando-os em Hindi e logo todas as risadinhas deram lugar ao silêncio. O mais alto chegou
bem perto do meu rosto e disse:

— Que merda você está dizendo aí?

— Que você é um grande babaca e que o máximo que eu vou fazer é isso.

E dei uma cusparada na sua cara. Me virei para começar a correr, mas vi que Chloe não
tinha seguido o que falei e estava parada, vermelha e assustada, me olhando. Xinguei baixo,
pois agora eu estava ferrada. Além de cair na mão dos quatro babacas, ainda estaria metida em
confusão, o que poderia prejudicar minha bolsa.

— Acelera, Chloe, só bota essa cadeira para funcionar ou a gente tá muito ferrada.

Quando ela entendeu o que eu disse já era tarde e senti quando alguém puxou minha
trança. O grito de dor saiu antes que eu pudesse controlar e quando eu me preparava para o
tapa, o que recebi foram sussurros de medo? Mas não eram meus, era do grupinho.

— Caralho, é o Ben Sutton?

— Por que ele parece que vai matar a gente?


— Puta que pariu, a aleijada é a irmã dele?

— A gente tá fodido!

— A gente não devia ter dado ouvidos àquela loira magrela!

Enquanto eles discutiam o seu futuro, meu cabelo permanecia na mão de sei lá quem e,
quando consegui me desvencilhar, vi que Ben aproximava-se pelo outro lado com uma cara que
daria medo até no mais corajoso do campus. Eles pensaram em correr, mas quando Ben avistou
Chloe e ela gritou por ele, em segundos ele chegou e socou um dos garotos.

Os outros, provavelmente já conhecendo a fama dele, foram bem espertos e deixaram o


amigo para apanhar e logo o local que antes estava deserto, começou a encher, pois todos
queriam ver o Ben em ação.

— Amy, por favor, faça ele parar, ele vai matar o garoto! — Chloe gritava e soluçava.

— Ben, a Chloe precisa de você! — eu gritava em vão, pois ele estava obstinado a
desmanchar a cara do garoto. Ele socava, o levantava pelo colarinho, jogava no chão, enquanto
o xingava e dizia que iria ensiná-lo a respeitar a irmã dele.

— Porra, ninguém vai me ajudar? Vão assistir ele matar o garoto? — desesperada com a
situação, apelei para os fofoqueiros que assistiam e filmavam, como se estivessem em um
espetáculo.

— Desculpa, forasteira, mas ninguém é doido de mexer com o Ben quando ele está com
raiva. Todo mundo sabe do que ele é capaz.

— Bando de covardes! Ben, a Chloe precisa de você, Ben, para! — Não conseguia chegar
nem perto dele, pois ele se mexia muito rápido. Somente quando Paul chegou e o imobilizou,
dando tempo para que o garoto se arrastasse e corresse, que ele parou.

— Me solta, caralho! Eu vou matar aquele filho da puta! Ele fez a Chloe chorar! Quem
ele pensa que é? Ninguém mexe com a minha irmã.

— Senhor Sutton, acho que a sua irmã precisa do senhor livre. Preso, você não poderá
defendê-la. Contenha-se! — Paul falava enquanto Ben debatia-se no seu aperto. — Eu não
quero ter que machucá-lo, mas não posso deixar que se exponha dessa forma. Sabe que mais
um incidente grave e você corre o risco de ser expulso do time.

— Eu tô pouco me fodendo pro time! — Ele se soltou. — Só quem me importa é a Chloe


e se eu tiver que amassar a cara de cada um que fale dela, mesmo que isso custe a minha vida,
eu vou fazer.

— Seu pai não vai gostar disso, Senhor Sutton.

Com essa frase, Paul conseguiu com que Ben parasse de andar como um lobo prestes a
atacar sua presa. Chloe estava me abraçando, ofegante, enquanto eu tentava controlar as
batidas do meu próprio coração enquanto fazia um cafuné no seu cabelo. Seu rosto estava
escondido na minha barriga, enquanto ela chorava silenciosamente.

— E que porra vocês estão olhando aqui? Perderam alguma coisa? Bando de
desocupado do caralho. Bora, circulando! Vão caçar o que fazer e que fique bem claro: quem
mexer com a minha irmã, vai ter que conversar comigo e vocês perceberam como sou bom no
diálogo.

Silenciosamente, um a um saiu, como se desobedecer ao Ben fosse uma sentença de


morte. Bom, dependendo do ponto de vista, talvez fosse.

— Chloe, você está bem? O que eles fizeram com você? Alguém te machucou? Porra,
Amy, você tem que tomar conta dela e...

— O quê? Não fala comigo como se eu fosse uma de suas empregadas ou de seus lambe
botas! Eu sou amiga da Chloe e a defendo, mas não porque você está mandando! E para o seu
governo, eu cuspi na cara de um deles, por isso eles estavam puxando o meu cabelo. Na sua
irmã, ninguém tocou! — Dei um beijo no topo da cabeça da Chloe. — Agora que o cão de briga
chegou, eu vou embora. Me avise quando chegar. Preciso de um tempo sozinha. Tchau, Paul!
— falei e comecei a caminhar, sem deixar que Chloe me contrapusesse.

Estava cansada de todos acharem que eu era empregada dos Sutton, que podiam falar
comigo do jeito que queria e que eu tinha de servi-los.

Eu sabia todas as diferenças entre nós, mas enxergava Chloe como igual, como minha
amiga, uma irmã que nunca tive. É tão difícil entenderem isso? Esperava que, mesmo sendo um
completo imbecil, o Ben percebesse isso. No entanto, ele era igual a todos os outros e na
cabeça dele eu era apenas isso: alguém inferior, que só prestava para servir.

Fiz o caminho em tempo recorde até o alojamento, me jogando na cama assim que
cheguei. Será que, em algum momento, eu me sentiria em paz?

Batidas descontroladas à porta me acordaram de um sono que eu não planejava ter. Do


jeito que estavam batendo, parecia que algo grave havia acontecido. Levantei-me em um pulo,
esperando encontrar qualquer pessoa menos ele.
— Ben!

— Até que enfim! Já estava cogitando derrubar essa porta, você não abria nunca. — E
simplesmente entrou no meu quarto, como se estivesse na própria casa, se jogou na minha
cama e tirou a camisa, como se fizesse isso todos os dias.

— O que você acha que está fazendo? — Fechei a porta com medo que alguém visse
esse louco desnudo no meu quarto — Quer me foder, é?

— Ah, Amy! Esse não é o tipo de pergunta que você faz para um cara como eu. —
Maldito sorriso safado que esse desgraçado tinha e que desarmava a gente por alguns
segundos. Foco, Amy, é o Ben, irmão da Chloe.

— Estou falando sério, Sutton! O que você pensa que está fazendo, invadindo meu
quarto, deitando-se na minha cama e tirando a sua roupa?

— Calma, pequena elefante! Eu não tirei a roupa, só a camisa. Seu quarto é muito
quente, e olha que estamos praticamente no inverno. Cadê o ar daqui?

— Não tenho, nem todo mundo é um Sutton. Você me chamou de quê?

— Pequena elefante. Os elefantes não representam a Índia? Então, você é uma pequena
elefante — soltou as palavras como se fossem a coisa mais verdadeira, engraçada e lógica do
mundo.

— O meu dia já foi uma merda para que agora eu tenha que te aturar, Ben. Então, fala
logo o que você quer ou eu começo a gritar.

— Gritar em um quarto comigo? Não seria a primeira e duvido que alguém viria ao seu
socorro. Pelo contrário, as meninas iam ficar com inveja. Mas acalme-se que eu não vim fazer
nada que você adoraria. Eu vim te agradecer e pedir desculpas.

Isso realmente me pegou de surpresa. Ben me pedindo desculpas? Isso é tão absurdo
quanto ele estar deitado sem camisa na minha cama.

— Amy! Amy! Você tá aí?

— Desculpa, eu ainda devo estar acordando, pois jurei ter ouvido você pedir desculpas.

— Mas eu pedi. Chloe me contou como tudo aconteceu e o que você fez. Você foi muito
corajosa e ela tem sorte de ter uma amiga como você. Obrigado por cuidar dela.

— Eu não fiz por você.

— Eu sei, você fez por ela. E isso torna tudo ainda melhor. Você gosta da Chloe, do que
ela é, não do que ela tem e isso significa muito. Já sofremos bastante por ter pessoas que
apenas queriam se aproveitar da carência e ingenuidade dela. Ou que queriam chegar em mim
e a usavam como escada. Você, não, Amy. Você está aqui pela Chloe. E apenas por ela. E a
partir de hoje eu vou cuidar de você como cuido dela. Já devia ter feito isso. Vejo como as
pessoas te desprezam e como você sempre fica quieta, mas hoje você reagiu. E eu sei o motivo.
E vou ficar te devendo para sempre. Por isso, eu tenho duas propostas.

— Primeiro, eu não preciso de babá, Ben, ainda mais se for você. Segundo, não preciso
de recompensa pelo que faço pela Chloe. Eu a amo e ela é o mais próximo de família que tenho,
tirando a minha tia. Sua irmã me acolheu quando ninguém mais o fez e isso não tem preço.
Nosso encontro é de almas, por isso, não posso aceitar nada em troca. Sua família já faz muito
por mim, é o bastante.

— Disse certo: minha família. Agora é a minha vez de fazer algo. Eu quero te ensinar a se
proteger. Hoje você se arriscou muito com aqueles caras. E se eu não estivesse por perto? O
que seria de você até Paul chegar? Quero te ensinar defesa pessoal. Não apenas para que você
defenda a Chloe, mas para sua própria defesa. Você é mulher, Amy, deve saber melhor do que
ninguém que o mundo não é um lugar seguro para vocês. Deixa eu te ensinar alguns golpes,
mas não é para sair usando em todo mundo, viu? Você vai aprender a se defender, não a ser
uma lutadora de MMA.

Analisei por um instante a sua proposta e pela primeira vez Ben parecia fazer sentido. Se
eu soubesse me defender, talvez pudesse evitar muita coisa.

— Eu topo! Mas as aulas não podem atrapalhar meu cronograma de estudos e trabalho,
você sabe que sou bolsista e estou fazendo o possível para terminar a faculdade em uma
posição de destaque e ainda tem o trabalho com seu pai e...

— Cala a boca, Amy, meu Deus! Você fala demais! Eu sei que você é toda chata e
sistemática, vamos encaixar de acordo com os seus horários e os meus. Estamos na temporada
de jogos e vou ter que sumir às vezes, mas quando estiver aqui, vamos treinar. Te mandei uma
mensagem, salva meu número.

— Por que você tem meu número?

— Você é a pessoa que passa mais tempo com a Chloe. Eu sei tudo sobre você, mini
elefante.

— Essa história de elefante está me irritando...

— Ah, sossega. Toma, um presente. — Ele jogou um objeto esquisito em mim que
parecia ser, ah, não...

— Uma arma de choque, Ben?

— A Chloe tem uma, sabia? Mas ela não gosta muito, então comprei uma igual para
você. É bom que você pode incentivá-la a usar a dela. Mas eu nunca te dei isso e não é pra usar
a qualquer momento, só quando necessário. Se for homem, se não conseguir dar no pescoço,
dá no pinto. Vai incapacitar ele por alguns minutos.

O riso escapou sem querer, mas era impossível ficar séria ao lado desse garoto. Esse lado
dele eu não conhecia, na realidade, nenhum. Sempre coloquei uma distância entre a gente e
criei uma imagem dele na minha cabeça, do garoto mimado, soberbo e insuportável. Não que
ele não fosse, mas ele ainda possuía um lado amoroso e humano, dedicado à sua irmã.

— Tá certo. E qual a segunda coisa?

— Bom, daqui alguns dias vai ter uma festa no campus e eu queria que você fosse
comigo. Quer dizer, a Chloe quer que você vá comigo. Ela acha que vai ser bom as pessoas nos
verem juntos, para te respeitarem mais. E acho que ela tem razão.

— Para me chamarem mais de chaveirinho e cachorrinho dos Sutton? Não, obrigada! Eu


não vou a festas.

— Algo relacionado à sua cultura?

— Não, questões pessoais.

Ben se aproximou com cautela, segurou a minha mão e, pela primeira vez, olhou fixo nos
meus olhos.

— Amy, eu sei que é difícil para você também. Você está aqui, sozinha, vulnerável, com
um monte de gente pegando no seu pé. Eu posso te oferecer proteção e respeito apenas por
estar do seu lado. Venha na festa comigo e você vai ver como as coisas vão mudar. Não precisa
fazer nada, só chegar comigo, dançar umas duas músicas, circular e te trago para casa depois.
Não vai atrapalhar nenhuma paquera sua, nem vão te atazanar, eu prometo.

— Não tenho paqueras, não confio nos homens.

— Ai, essa doeu! Mas eu vou te mostrar que nem todo homem...

— Mas sempre um homem! Vai me dizer que você, você, é diferente dos outros? Por
favor, Ben. Todos sabemos que você não presta.

— Assim você me magoa, viu? Ao contrário do que dizem, eu sou um cara muito sensível
e de coração enorme. Eu não tô te pedindo em casamento, nem para termos um encontro
romântico. Eu só quero que você desfile ao meu lado e sinta o poder que é estar com Ben
Sutton. Para o seu bem, eu juro.

— Vou pensar, Ben.

— Já é alguma coisa. Agora vai tomar banho e se trocar. Chloe tá te esperando e pediu
para que eu te levasse.

— Ela sabe que você tá aqui?


— Claro, não temos segredos. Amanhã você trabalha no meu pai, certo?

— Muitas perguntas, Ben. Muitas perguntas.

— Trabalha, sim. Vou precisar de uma cópia da sua chave. Vou instalar um ar-
condicionado amanhã aqui e um aquecedor também. E não fala nada. Eu disse que ia cuidar de
você como cuido da Chloe. E, querida Amy, eu sou um Sutton e nós não aceitamos não como
resposta — ele falou, se jogou na cama e ligou a TV. Vencida, apenas peguei minhas roupas e
fui para o banheiro. Talvez tivesse sido melhor continuar mantendo distância dele.
Capítulo quatro

Amy Sengupta
Dias atuais — Universidade de Notre Dame

O aniversário da minha mãe veio e passou e mais uma vez eu sobrevivi. Aprendi que se
eu não desse tanta importância para a dor, talvez ela parasse de incomodar. Se ela não sentia
falta de falar comigo no aniversário dela, então eu também não devia me importar.

— É uma ideia ótima, Amy. Se as pessoas entenderem que você é protegida pelo Ben,
sua vida vai ser mais fácil.

— Isso não funciona muito bem para você que é irmã, como vai funcionar pra mim?

— Acredite quando digo que funciona. Aqui é o paraíso comparado ao Ensino Médio.

— Certo, mas eu não vou em festas. Limite rígido.

— O que aconteceu que te deixou assim? Tudo bem se não quiser falar, mas sabe que
não tenho segredos com você e que os seus estão seguros comigo. Minha psicóloga diz que
falar ajuda a aliviar as dores emocionais e que dividir o peso faz com que a gente caminhe mais
rápido. Sei que nem sempre é fácil falar, mas você pode tentar. Do seu jeito, no seu tempo, só
não tranque a dor dentro de você o tempo todo, ou você vai acabar explodindo.

— É que... — O medo e a vergonha me invadiram, relembrando aquela noite que quase


me destruiu. Porém, pela primeira vez senti vontade de falar, compartilhar isso com alguém.
Era quase uma necessidade de falar, de ser ouvida e de ter alguém que dissesse: eu estou aqui
com você! Nem minha tia sabia os detalhes, apenas que a história não foi como o que
passaram. — Eu vou te contar uma coisa que me envergonha e machuca muito. Algo que quase
destruiu a minha vida, mas que me quebrou de tantas formas que eu não sei se serei inteira um
dia de novo. Sei que já passamos dessa fase, mas preciso falar: isso não pode sair daqui nunca.
Não é apenas um segredo, é a minha vida.

— Claro, Amy!
— Vou pedir que me deixe falar, só ouça e tente não me julgar. Não me interrompa, pois
posso não conseguir falar tudo, nem sei se conseguirei, mas prometo tentar. E vai ser um
esforço muito grande falar, então mesmo que eu pare em algum momento, só espere um
pouco eu me recuperar e voltar a falar.

Ela apenas acenou com a cabeça, já fazendo o que pedi, de não me interromper. Eu virei
de costas para ela, pois não conseguiria contar olhando nos seus olhos e também porque não
queria que me visse chorar, algo que já estava fazendo antes de começar a contar.

— Desde pequena meu pai fez questão de deixar claro qual era o meu lugar e o que eu
precisava fazer para me manter nele. Eu fui criada para ser uma excelente esposa, submissa ao
meu marido e para encontrar alguém de status melhor que o nosso. Parece absurdo falar algo
assim, mas a nossa cultura é muito diferente da de vocês. Eu sempre acatei todas as ordens dos
meus pais, sem pestanejar, apenas abaixando a cabeça e sendo o que esperavam de mim.
Menos com a dança, que foi paixão à primeira vista. Foi a primeira vez que enfrentei meu pai e,
com a ajuda de minha mãe, pude viver esse sonho, desde que fosse isso: um sonho, que não
atrapalhasse ou tirasse o meu valor.

“Além da dança, estudar era meu fascínio, tanto que concluí o Ensino Médio um ano
antes de todos os meus amigos. O que me ajudou a planejar minha vinda para cá, apoiada pela
minha tia. Na hora certa, eu contaria para os meus pais. Minha mãe sabia por alto, mas não
acreditava. Meu pai sonhava com os meus dezoito anos, para que eu me casasse. Ele já tinha
até o partido ideal: Ravi, filho de Dev, um dos seus melhores clientes e político em ascensão. Eu
nunca fui com a cara de nenhum dos dois, mas os tratava bem para agradar meu pai.

“Ravi sempre estava me cercando, bajulando e tentando se fazer presente, mas eu sabia
que ele também só queria agradar ao pai dele. Se formos comparar, Ravi é como esses atletas
que gostam de pegar todas, ter fama disso e aquilo, mas tem uma namorada troféu para
mostrar respeito para a família. Ele me queria como troféu, mas eu não nasci para ficar na
estante de ninguém. Para os meus pais isso era incrível, ter alguém como Ravi interessado em
mim era como ganhar na loteria. Minha mãe me dava conselhos, fazia com que eu me
arrumasse e mostrava todas as minhas qualidades quando eles vinham almoçar.

“Ela me ensinou a fazer Palak Paneer 10 pois era a comida favorita de Ravi e fazia
questão de falar quando era eu a cozinhar. A mim, cabia apenas fazer o papel que me era dado:
quieta, obediente e com breves sorrisos e acenos. Como disse, a esposa perfeita. Nunca
assumimos um compromisso, mas era nítido que as famílias desejavam assim. Eu terminei a
escola antes de Ravi, que, além de tudo, ainda estava atrasado. Estudar nunca foi seu forte,
sempre teve tudo muito fácil do pai e o papel de herdeiro lhe cabia muito bem. Eu não quis ir à
minha festa de formatura, também acho que meu pai não deixaria, mas tive de aceitar ir à de
Ravi. Era uma festa chique, bem diferente do que estava acostumada. Lembro que minha mãe
fez um dos mais belos sáris que já usei e era a primeira vez que eu realmente estava contente
por estar na presença de Ravi.

“Eu poderia ser uma adolescente comum, me divertir e dançar com meus amigos. Sim,
eu conhecia algumas daquelas pessoas que, mesmo sendo de realidades opostas, conviviam
comigo e tinham o mínimo da minha confiança.”

Uma sensação de enjoo me tomou enquanto flashes daquela noite começaram a


aparecer na minha mente. Senti meu corpo entorpecer e fraquejar e me sentei na cama, ainda
de costas para Chloe e sem olhar para ela. Respirei fundo para buscar forças e continuar o
relato. Minimamente mais calma, prossegui:

— Ravi estava diferente naquela noite. Mais solto, brincalhão e mais ousado. Tentava
me beijar e tocar o tempo todo e seus amigos riam enquanto eu me esquivava. Após a
cerimônia, houve uma festa apenas para os adolescentes e foi aí que tudo mudou. Eles não
eram as pessoas que achei que fossem e o clima ficou muito pesado e esquisito. Quis ir embora,
mas Ravi negou-se e me humilhou na frente dos amigos. Pedi ajuda, mas ninguém quis ajudar.
Sozinha e sem dinheiro, resolvi sair e ver se encontrava um telefone ou algum conhecido, pois
estava em um bairro longe de casa e não havia levado nada, uma imposição do meu pai para
garantir que eu ficasse totalmente à mercê de Ravi, mostrando o quanto confiava nele.

“Me pergunto se ele soubesse quais eram as intenções de Ravi se ele teria feito isso,
mas acho que ele nunca acreditaria que o grande e honrado Ravi era na verdade um monstro.
Caminhei alguns passos e ele veio atrás de mim, parecia um pouco alterado, mas não tão
bêbado. Pediu desculpas e colocou a culpa na bebida, disse que era a primeira vez que bebia
assim e que estava nervoso por finalmente poder estar um pouco a sós comigo. Que havia
criado algumas expectativas, mas me entendia. E que ia me levar para casa, só precisava passar
na casa de um amigo antes para ligar para o pai dele.

“Estranhei, pois ele estava com o celular, mas não questionei. E talvez esse tenha sido o
meu erro: apenas aceitar as coisas. Fui com ele até a casa e lá não tinha ninguém. Ele me
ofereceu um copo de água e eu aceitei. Depois disso, não lembro de muita coisa. Apenas de
sentir alguns toques, de ver o Ravi meio sem roupa, de sentir dor, de ser carregada, alguns
solavancos e apagar. Eu apagava e acordava, mas não parava. Ouvi alguns risos e vi alguns
outros garotos, mas não sei dizer o que aconteceu. Quando acordei, o dia estava claro, eu
estava sem roupa e havia sangue na cama. Não sabia onde estava, gritei por Ravi e ninguém
apareceu. Minha cabeça rodava e todo o meu corpo doía, então procurei o banheiro e tomei
banho. Estava debaixo do chuveiro quando ouvi a voz do meu pai e um grito de minha mãe. A
porta foi empurrada e ele me tirou, sem roupa, me xingando de diversas coisas, enquanto
minha mãe chorava em um canto, Ravi e seu pai estavam na porta. Dev me olhava com um
olhar de reprovação enquanto Ravi tinha um sorriso cínico no rosto.

“Ainda sem entender, fui arrastada, dando tempo apenas de minha mãe me jogar uma
toalha, meu pai me segurava pelos cabelos repetindo o quanto eu era uma decepção e havia
jogado o nome da família na lama. Quando chegamos em casa, ele me trancou no quarto,
enquanto eu tentava entender o que tinha acontecido. Gritei e chorei por horas, sem ninguém
me ouvir. Já estava de noite quando finalmente abriram a porta, mas era Ravi que estava ali. Só
que esse Ravi eu não conhecia. Ele estava frio, arrogante e me mostrou o vídeo que me
destruiu: eu, apagada e nua, enquanto ele me usava da forma que queria e seus amigos
filmavam.”

— Se você tentar contar outra história diferente da que eu contei, esse vídeo vai parar
nos celulares de todos os moradores daqui, do país, do mundo. Você deu sorte que eu gostava
de você e queria ser o primeiro, mas devia ter deixado meus amigos te usarem um pouco. Pena
você ter me batido e me marcado, ou teríamos uma história diferente. Agora você vai sair e vai
confirmar tudo o que disse e talvez eu ainda queira me casar com você, mas depois de ver o que
você tem para me oferecer, talvez você não valha tanto assim. O que tinha de melhor eu já
peguei e tenho esse vídeo para me lembrar.

— Eu fiquei em choque, sem saber o que falar. Eu não me lembrava de nada, mas sabia
que o vídeo era real, meu corpo dizia isso. Só que ninguém nunca acreditaria em mim. Eu não
era ninguém e o fato de Ravi estar sozinho comigo, no meu quarto, na minha casa, depois de
tudo, provava isso. Não demorou até que meu pai entrasse e nos levasse até a sala. Lá eu
descobri a história que Ravi contou: eu havia vendido a minha virgindade para ele, que não quis
aceitar, mas como eu disse que estávamos precisando de dinheiro e que nos casaríamos, ele
aceitou. Só que ele descobriu que não havia sido o primeiro e que eu já tinha dado esse golpe
antes, em um amigo dele, que confirmou toda a história.

“Pela manhã, ele e seu pai foram até a minha casa enquanto ele me deixou apagada e
drogada, contar a história, levar o dinheiro prometido e dizer que não poderíamos nos casar,
pois eu havia me entregado a outro. A história verdadeira é que a mãe do amigo, dona da casa,
chegou e flagrou o que estava acontecendo. Para evitar o escândalo, Dev comprou a todos e
inventou essa história, dizendo que eu bati em Ravi quando ele se negou a me pagar, mas na
verdade foi a minha última tentativa de me defender. Obviamente, meu pai acreditou nele.
Com medo do vídeo, eu não disse nada, nem quando Dev fez questão de entregar o cheque que
calaria a boca do meu pai e resolveria qualquer problema caso eu engravidasse, nem quando
fui arrastada até a porta de casa, tomei uma surra, tive minhas coisas jogadas em cima de mim
e fui renegada pelo meu pai.

“Caminhei sozinha e chorando, consegui abrigo em um dos hostel que entregava comida
para minha mãe e liguei para minha tia. Como já tinha tudo pronto para vir estudar, só faltava a
passagem, adiantei a viagem em seis meses e foi assim que fui parar em Kentucky. É por isso
que não posso voltar para a Índia, que meus pais não falam comigo e que eu me dedico tanto,
pois não tenho uma segunda chance. Essa é a única oportunidade que tenho e eu vou fazer
com que ela aconteça.”

Terminei de contar e, apesar da dor, senti um alívio por finalmente contar o que havia
acontecido. Tinha medo de que Chloe me julgasse, mas quando virei para ela, vi apenas dor e
ternura em seu olhar, ela se aproximou e me abraçou, o conforto que eu tanto precisei e só
recebi hoje.

— Não sei se você consegue entender, o que colocaram na sua cabeça ou fizeram sentir,
mas você é a vítima da história. Vítima do Ravi, do seu pai, de uma sociedade e mentalidade
machista e misógina. Nunca duvide que você é vítima nem o quanto você é forte. Não sei nem
mensurar o que você passou, mas você sobreviveu e está aqui, pois é maior e melhor que todos
eles. Eu tenho muito orgulho da mulher incrível que você é, e agora, sabendo de toda a sua
história, tenho muito mais. Eu preciso fazer uma pergunta meio desconfortável, tem problema?

— Pode fazer.

— Você chegou a ver se estava grávida?

— Eu tomava anticoncepcional escondido, minha tia que mandava, por conta das
cólicas. Assim que cheguei aos Estados Unidos, fiz todos os testes e estava limpa, sem doenças
ou gravidez. Enquanto ainda estava lá, ouvi boatos de que não fui a primeira. Ravi usa de seu
poder e influência para usar e abusar das meninas e, sempre que se sente ameaçado, arruma
algo para incriminar quem o acusa, normalmente esses vídeos. Ele grava tudo o que faz.

— Meu Deus, ele é um doente.

— Sim, e infelizmente eu não posso fazer nada contra ele, sem me expor, expor outras
meninas e minha família. O melhor foi vir embora e fingir que ele não existe. Aqui ele não pode
me fazer mal.

— Isso, eu não vou deixar! Se ele aparecer aqui, eu passo com a minha cadeira por cima
dele, indo e voltando!

— Só você para me fazer rir, Chloe. Obrigada por me ouvir, acolher e não julgar.

— Nossa primeira regra da tríade da amizade perfeita, certo? Sempre ouvir a outra antes
de tomar qualquer decisão, não deixar nenhum segredo entre a gente e nunca virar cunhada da
outra.

Peguei duas latas de Coca-Cola e propus um brinde:

— À nossa amizade e às nossas regras!

Chloe repetiu o gesto e brindamos, sorrindo e deixando o passado para trás, confiantes
de que nada nem ninguém poderia atrapalhar o que construímos. Sabia que essas regras que
ela criou foi um sistema de defesa para proteger-se de tudo o que aconteceu no passado e elas
nunca me incomodaram, afinal, todas eram facilmente possíveis de cumprir, principalmente a
que dizia que nunca devo me envolver com Ben. Era fácil ser amiga da Chloe e hoje, depois de
me abrir e contar o meu maior segredo, eu me sentia tranquila e mais leve, pois tinha ao meu
lado uma amiga que estaria sempre comigo, independentemente do que tivéssemos que
enfrentar.

Pela primeira vez me senti acolhida e não apontada. Chloe não disse que eu dei motivos,
que eu procurei por isso ou que não devia estar sozinha com ele, pelo contrário. Acreditou em
cada palavra que eu falei. Por que uma estranha que me conhecia há menos de dois anos
acreditava na minha palavra e meus pais que me criaram não conseguiam fazer o mesmo?
Capítulo cinco

Ben Sutton
Dias atuais — Universidade de Notre Dame

Eu mal tinha acordado e já recebi uma ligação do meu pai com sermão. Minutos
intermináveis dele falando ao telefone, questionando o que eu fazia, com quem eu andava e
porque o resultado do time estava assim. Eu tinha vinte anos, morava sozinho, mas ainda
assim, meu pai me tratava como um moleque. Se eu desse um passo fora da linha, no minuto
seguinte ele já estava me ligando. Eu não aguentava mais essa pressão que não aliviava nunca!

Eu estava cansado. Não da rotina de estudos, viagens, jogos e festas, mas de ser eu. De
ter que manter a minha imagem e ser tudo o que esperavam. Tudo bem que esperavam o pior
e isso ajudava, mas eu só queria um pouco de paz, aquela que eu só encontrava quando estava
com Chloe. Sem precisar fingir ou interagir mais que o necessário. Eu só queria me formar e me
mudar, ir para outro estado ou país, mas isso parecia distante quando me lembrava que
precisava cuidar de Chloe. E para cuidar dela eu precisava ser o grande Ben Sutton, capitão do
Notre Dame Fighting Irish, que levaria a equipe à final do campeonato e traria a glória de volta.
E isso era extremamente exaustivo. O tempo todo vigiado, apontado, idolatrado.

O hóquei era uma válvula de escape, mas nunca foi um caminho. Eu era jogador apenas
por imposição do meu pai, que realizava em mim o sonho interrompido por uma lesão, da
mesma forma que minha mãe teria realizado o seu sonho de modelo com Chloe. Às vezes eu
penso que nós fomos apenas maneiras dos meus pais continuarem os seus sonhos e apenas
isso. Não que eles fossem péssimos pais, que nos maltratavam, longe disso, mas é que às vezes
parecíamos mais um grande negócio do que filhos. Prova disso era como minha mãe tornou-se
ausente e distante depois do acidente da Chloe e o diagnóstico de que ela provavelmente
nunca voltaria a andar. Mais uma vez uma fatalidade impedia o seu grande sonho de modelo:
primeiro a minha gravidez, depois o acidente da Chloe. Sua vida de influencer diminuía esse
buraco, mas ela queria mais, só que nunca teria.

Meu pai pelo menos tinha a mim e sabia como usar isso a seu favor. Me deixava livre
para fazer o que eu quisesse, desde que o hóquei fosse minha prioridade. Eu fui o melhor na
escola, me candidatei, ganhei bolsa na faculdade que ele queria, era destaque na NCAA11 e
tinha grandes chances de vencer o Big Ten12 e levar o time para as regionais. Eu era capitão do
time, destaque nos jogos e super popular, mas nada disso importava.

Minha paixão era a engenharia aeroespacial e, se eu pudesse, me dedicaria


integralmente a ela. Mas o amor da minha vida era a minha irmã e eu faria qualquer coisa por
ela, até me manter no time de hóquei enquanto estivesse na faculdade. Isso me dava status e
segurança para ela. Ser atleta nesse nível me tornava popular. Ser filho de um Sutton me
tornava rico. Ser Ben Sutton me tornava temido, já que eu era famoso por não levar desaforo
para casa.

Eu perdi a capacidade de confiar nas pessoas quando percebi que elas eram capazes de
magoar Chloe só para chegar perto de mim. E perdi a capacidade de confiar em mim quando,
aos doze anos, fui responsável pelo acidente que fez com que minha irmã tivesse uma lesão
irrecuperável que a impedia de andar e viver a vida comum que ela tanto sonhava.

Do acidente, eu trouxe apenas uma cicatriz no braço esquerdo, que deixava como
lembrete do meu maior erro. Chloe não merecia o destino que teve e eu não merecia poder
escolher o destino que queria, não quando a impedi de viver como queria.

Por isso, fazia tudo o que ela me pedia, como levar a amiga doida dela para a festa hoje.
Amy. Uma garota esquisita, mas que aparentemente gostava de verdade da minha irmã e por
isso tinha meu respeito. Ela realmente parecia diferente das outras, não apenas pela sua
nacionalidade, mas pelo jeito que se impunha.

Não sabia o que houve com ela, mas sabia que algo aconteceu, pois somente uma alma
arruinada reconhecia a outra e, por experiência, sabia que Amy carregava algo em si que não
queria que ninguém visse. Algo sujo e dolorido, que a marcou para sempre.

Me comprometi a cuidar dela como cuidava da Chloe, pois ela se arriscou para defender
a minha irmã e o mínimo que eu podia fazer era devolver isso com tudo que tinha. Por muitas
vezes vi como esnobavam ela e ainda assim ela seguia em frente, sem responder, sem debater,
apenas seguindo o seu caminho.

Queria que Chloe fosse um pouco assim, mais segura, mais firme e menos medrosa.
Sabia que os traumas que ela carregava eram muitos, mas não iria poder protegê-la para
sempre e isso me enlouquecia.

E para aliviar minha mente, só uma mulher bem quente e disposta a uma noite de prazer
e diversão. Iria levar a Amy à festa, deixar que vissem que ela fazia parte da família e estava sob
a minha proteção, deixá-la em casa e sair para uma diversão de verdade. Josh devia arranjar
alguém para a gente, isso nunca foi problema. Outra vantagem de ser eu: sempre tem uma
mulher pronta para abrir as pernas e me satisfazer. Sempre ciente que é só uma vez e tchau.
Sem relacionamentos, sem expectativas e sem cobranças.

Me arrumei com o básico: camisa preta, calça jeans rasgada, calcei o meu Nike favorito e
estava pronto. Esperava que Amy não fosse daquelas que se atrasavam, pois não curtia esperar.
Fui de aplicativo, porque pretendia beber e não queria me preocupar com a volta depois. Em
menos de trinta minutos já estava na porta do alojamento dela, que me atendeu na primeira
batida e puta que pariu! Se ela não fosse a melhor amiga da minha irmã e isso não fosse dar um
grande problema, eu até arriscaria uma cantada nela hoje.

Amy tinha uma beleza incomum, que já havia chamado a minha atenção, mas hoje
estava impossível de não reparar. Ela colocou um vestido que remete a estampas inspiradas no
seu país, Índia, com cores vibrantes, bem justo ao corpo e que destacava o que precisava ser
destacado. E seus olhos estavam ainda mais lindos. Raramente a via de cabelo solto, estava
sempre trançado, mas hoje ela o deixou solto e que Deus me perdoe as coisas que eu pensei
em fazer enquanto segurava e puxava seu belo cabelo escuro, liso, cheio e comprido. Me
xinguei mentalmente por pensar tais coisas com a melhor amiga da minha irmã e tentei voltar
para a realidade, ordenando que algumas partes do meu corpo voltassem a dormir.

— A mini elefante está muito bonita hoje. E pensar que você nem queria ir à festa.

Com uma expressão zombeteira, ela me mostrou a língua e o dedo do meio.

— Espero que você não esteja ensinando essas coisas para a minha irmã, Amithab
Sengupta.

— Pode deixar que estou ensinando apenas as melhores coisas para a Chloe. E vamos
logo que eu não quero demorar muito. Isso pode te chocar, Ben Sutton, mas o fato de ser vista
com você não me agrada tanto. Tenho medo do impacto que isso pode causar na minha
reputação.

— Ah, Amy, tenha certeza de que vai ser o melhor possível. Hoje eu sou o seu troféu,
pode me exibir sem piedade.

Não sei o que houve, mas vi seu sorriso morrer quando terminei de falar, algo muito
rápido, que ela tentou contornar para que eu não percebesse, mas estava ali. Resolvi não me
aprofundar no assunto e perguntei como estava o curso dela, que acredito ser tecnologia da
informação e engatamos em uma animada conversa até o local da festa.

A festa era a mesma coisa de sempre: muita gente, bebida e pegação. Nada novo, os
mesmos assuntos, as mesmas pessoas e o tédio já começava a bater. Circulei um tempo com a
Amy, apresentei-a para alguns amigos, tentei enturmá-la e ela se esforçava, mas eu a senti todo
momento tensa. Lembrei-me de que ela gostava de dançar, Chloe havia me contado que ela até
dava aulas para crianças, então disse para que ela fosse dançar, mas ela não quis. Então,
quebrando o meu protocolo de festas, a convidei para dançar, mesmo detestando dançar.

O que eu não fazia pela minha irmã, já que ela me fez prometer que essa festa seria
especial para Amy. Demorou, mas ela se soltou e puta merda! Era melhor que ela não tivesse se
soltado. Ela não dançava, ela parecia conectada com a música e quando uma batida sexy
começou e ela permitiu que o corpo dela fosse guiado pela canção, eu precisei ir pegar algo
para beber e colocar a cabeça no lugar.

Enquanto ia até o bar improvisado, repassava na mente as memórias que tinha de Amy,
tentando colocá-la em um patamar mais infantilizado do que aquela mulher que estava
desabrochando bem na minha frente. Eu precisava parar de ter pensamentos impuros com a
melhor amiga da minha irmã ou isso me traria problemas. Demorei um pouco mais no bar e
quando me senti pronto e com a cabeça no lugar, voltei para a pista de dança, procurei por
Amy e não achei. Dei uma volta e uma sensação esquisita começou a tomar meu peito, como se
ela estivesse em perigo e um medo estranho começou a me tomar.

Subi as escadas e fui abrindo as portas e nada de achá-la. Desci até o estacionamento
improvisado, comecei a andar pelos carros e ouvi a voz de Amy, abafada.

— Por favor, me deixa ir, Aiden.

— Shiii, relaxa, vai ser só um beijinho e eu deixo você ir, eu sei que você quer, vi você
dançando pra mim.

— Eu não estava dançando para você, só estava dançando. E eu não quero te beijar,
agora, por favor, me deixe ir.

O sofrimento na voz dela me atingiu de forma que uma raiva enorme surgiu e, antes que
eu pudesse pensar em qualquer outra coisa, já estava socando o Aiden.

— Você está surdo? Não ouviu ela mandar parar?

Ele tentou se desvencilhar, já treinamos juntos e jogamos no mesmo time, mas eu


levava a melhor. Ele me acertou alguns socos, mas eu o derrubei e joguei o meu peso contra o
seu peito, pressionando meu joelho no seu tórax, enquanto levantava sua cabeça o suficiente
para poder socá-la, puxando-o pela jaqueta.

— Quando uma mulher fala para parar, é para parar. Principalmente se uma delas for
uma das garotas Sutton, entendeu? Amy é uma das garotas Sutton e você está proibido de
respirar perto dela ou eu vou fazer com que seja a última coisa que você faça, entendido?

Ele tentou murmurar algo, mas não entendi bem, então afrouxei um pouco o peso e o
sacodi bem. O sangue escorreu e já vi os cortes e hematomas em seu rosto. Isso iria me gerar
problemas com o time, mas não ligava.

— Entendeu, Aiden?

— Si.. Sim!

— Agora vaza daqui, anda.

Enquanto ele se levantava com dificuldade, fui procurar Amy e a encontrei encolhida,
escondida atrás de um dos carros, chorando muito, dizendo que não queria e só estava
dançando. Tentei encostar nela, mas ela gritou e se assustou, aumentando o choro. Falei que
era eu, disse o meu nome, mas só quando afirmei que era irmão da Chloe que ela pareceu sair
do transe, mas toda vez que tentava me aproximar, ela surtava de novo.

Sem saída, apelei para minha irmã.

— Chloe, não sei o que fazer.

— O que houve, Ben?

— Eu fui pegar uma bebida, deixei a Amy dançando e ela sumiu. Quando a encontrei o
Aiden estava encurralando-a tentando forçar um beijo. Eu dei uma surra nele, coloquei pra
correr, mas ela parece estar em um tipo de transe e eu não sei o que fazer.

— Droga, Ben! Pensamos tanto em proteção que esquecemos que ela poderia virar um
alvo para as pessoas que competem com você. O Aiden só foi perturbar ela porque ela chegou
com você.

— Tá, tá, mas o que eu faço com ela?

— Coloca em chamada de vídeo, deixa que eu falo com ela.

Fiz o que ela pediu e quando Chloe surgiu na tela e sua voz ficou em evidência, Amy
voltou para a realidade. Entreguei o celular na mão dela e me afastei um pouco, para lhe dar
espaço, observando de longe e vi quando ela limpou as lágrimas, balançou a cabeça e jogou um
beijo para a minha irmã. Segundos depois, ela se levantou e caminhou até mim, entregou o
meu celular e disse:

— Obrigada. Acho que agora eu quero ir para casa.

— Me desculpa. Amy. Eu não sabia, eu não pensei que...

— Não se culpe, Ben. E graças a você não aconteceu nada de mais.

— Mas podia e não vou me perdoar por isso. Precisamos começar logo aquelas aulas.
Fico imaginando a Chloe no seu lugar e... — Fui interrompido por um toque dela no meu braço.
— Eu não sou a Chloe, Ben. Não sou sua irmã e você não pode me defender de tudo.
Aceito as aulas e devia ter trazido a arma comigo hoje, mas agora chega desse assunto. Eu vou
pra casa, você pode ficar na festa.

— Desculpa, eu não quis dizer que você é a Chloe, mas... Deixa, vamos eu te
acompanho. Eu já ia te levar para casa mesmo, ainda mais agora. Nunca que vou deixar você ir
sozinha. Acho que vou contratar uns seguranças para andar com vocês duas, esse campus não é
seguro. Mas o Aiden vai se ver comigo.

— Ben, chega! Você já deu uma boa surra nele e acho que ele entendeu o recado. Eu só
quero fingir que essa parte da noite não aconteceu e que foi tudo bem até o momento em que
estávamos dançando. Vamos fingir que a noite acabou ali.

— Parece que alguém gostou de dançar comigo, hein?

— Deixa de ser convencido e vamos para casa. Estou exausta e já passou do meu
horário. Amanhã acordo cedo para dar aula particular de dança e já devia estar dormindo.

— Ok, vamos eu te acompanho.

O resto do caminho foi quase todo em silêncio. O clima bom foi substituído por uma
tensão, um medo. Fiquei o tempo todo observando se alguém não ia nos seguir. Aiden não
tinha muito escrúpulo e nossa briga era antiga. Ele sempre quis o meu lugar, mas nunca foi bom
o bastante para sequer chegar perto. Teve que se contentar em me ver ganhando a vaga de
capitão do time enquanto ele era só mais um. Bastava ele me ver com uma mulher em uma
festa para estar com ela na outra. Uma competição que só existia na cabeça dele, mas que não
pensei que se estenderia a Amy. Pelo visto, ele entendeu errado e agora me perguntava se mais
gente não pensou o mesmo que ele: que eu e Amy estávamos juntos? Só me faltava essa.

— Pronto, cavalheiro. Chegamos — Amy sorriu e falou assim que chegamos à porta do
seu dormitório. — Sã e salva e agora vou me deitar. Obrigada mais uma vez e até!

Amy tentou se despedir, mas eu não deixei, coloquei o pé na porta impedindo-a de


fechar.

— Espera, posso usar o banheiro?

— É sério?

— Muita cerveja, Amy, dá logo vontade de mijar.

— Vou fingir que acredito. Entra, mas não demora.

Fui até o banheiro, fingi usar para não ser desmascarado e demorei um pouquinho. Na
verdade, estava com medo de deixá-la sozinha sem ter certeza de que ela estava bem. E ainda
estou morrendo de vontade de dar um beijo nela, mesmo depois de tudo que ela passou.
Caralho, eu era muito filho da puta mesmo. Como poderia estar pensando nessas coisas com a
garota nesse estado? E a Chloe? Iria me matar se soubesse que eu pensei isso da amiga dela.
Pensa com a cabeça de cima, Ben! Joga um pouco de água no rosto e no pescoço, para fazer o
sangue circular e os pensamentos melhorarem. Quando me senti pronto, saí do banheiro, mas
nada me preparou para o que vi. Amy tinha trocado de roupa e colocado uma camisa larga, que
ia até suas coxas. Não sabia o que vestia por baixo ou se não vestia nada, não conseguia ver,
mas minha mente imaginava. Seu longo cabelo estava trançado e ela estava de pé, olhando
pela janela e essa cena, o reflexo da Lua tocando em sua pele enquanto ela apenas estava ali,
parada sendo ela, foi uma das coisas mais lindas e excitantes que eu já vi na vida.

— Puta que pariu, Amy! Porra, assim você não está facilitando para o meu lado também!
Caralho...

Ela se assustou e pulou para o lado, sem entender bem o que estava acontecendo.

— O que você disse?

— Eu disse que... Ah, foda-se! Tu tá muito linda nessa janela aí, toda natural, toda você e
eu sou homem! Desde que você abriu aquela porta hoje que eu senti vontade de te beijar e eu
posso estar maluco, mas teve um momento enquanto a gente dançava, que eu senti que você
desejou a mesma coisa, mesmo que por um momento. Eu não presto, Amy, mas eu jogo limpo.
Por isso tô deixando claro que, se você não me parar agora, eu vou jogar tudo pro alto e vou te
dar um beijo e só vou parar quando você estiver debaixo de mim sussurrando meu nome. E
foda-se o resto!

Ela arregalou os olhos e não falou nada, o que eu tomei como um sim, mas antes de
prosseguir eu perguntei:

— Amy, tudo bem se eu te der um beijo agora? Eu sei que esse pode não ser o melhor
momento e eu posso parar por aqui.

— Não, Ben. Esse é o momento perfeito. Quero que você me beije para apagar tudo de
ruim que essa noite possa ter trazido e para apagar qualquer outro beijo que não tenha sido
permitido. Pode me beijar agora, Sutton?

Sem que ela precisasse repetir, eu avancei até ela, a puxei delicadamente pela cintura,
afastei sua trança, jogando-a para suas costas, dedilhei cada detalhe do seu rosto, enquanto ela
fechava os olhos e se rendia. Como testemunha apenas a Lua e nossos pensamentos, que se
tornaram nada quando nossas bocas se tocaram. Foi uma explosão diferente a que senti, como
se esse beijo tivesse despertado mais do que o meu desejo. Meu coração acelerou e a vontade
de tê-la mais perto ficou incontrolável, logo meu corpo estava colado no dela, ansioso por mais,
querendo cada vez mais, só que precisava me controlar e parei o beijo, agradecendo por ela
ficar tão frustrada quanto eu.

— Fiz alguma coisa errada, Ben?

Sua voz arrastada modificada pelo desejo tinha um efeito alucinógeno no meu corpo,
fazendo com que eu me perdesse até no que ia falar. Balancei a cabeça enquanto tentava
organizar as palavras e com muito esforço que a soltei e disse:

— Amy, eu não sei o que tá acontecendo, só sei que quero muito você. Uma parada
muito estranha e abrupta, mas que tá implorando para explodir. Não vou mentir, eu não posso
te prometer nada e isso aqui provavelmente é só desejo porque hoje consegui te ver como
mulher, não apenas como a amiguinha da minha irmã. E você sabe como eu sou, então, se
estiver tudo bem para você a gente continua, mas se você achar que tá demais, eu paro. Com
dor, mas paro. Seu não sempre vai ser não pra mim, entende?

Ela não falou nada, apenas pulou no meu colo, entrelaçando as pernas e me beijando
com tanta fome quanto eu. Nosso beijo tornava-se cada vez mais afobado e urgente, como se
fosse impossível ficarmos distantes. Era impossível esconder a ereção, mesmo na calça jeans,
principalmente com ela tão bem-posicionada, pronta para me enlouquecer, mas tentei me
controlar para não a assustar, afinal, muito provavelmente essa era a sua primeira vez e eu não
poderia estragar e... Puta que pariu! E se essa fosse a primeira vez dela? O pensamento bateu
como um balde de gelo e fez com que eu perdesse o clima. Caminhei até a cama, ainda com ela
em meu colo, mas fui diminuindo o ritmo do beijo até que a gente parasse.

— Amy, eu acho melhor a gente parar por aqui, sabe...

— Aconteceu alguma coisa?

— Não, é que, é que... Ah, caralho! Eu não quero ser o seu primeiro. As mulheres
costumam ter fantasias sobre isso, expectativas e eu não quero fazer isso com você. Uma das
minhas regras é não transar com virgens.

Ela se colocou de pé, deixando uma boa distância entre a gente, tentei segurar sua mão,
mas ela a retirou.

— Parece que regras é uma mania dos irmãos Sutton.

— O que você quer dizer com isso?

— Nada. É melhor você ir embora, Ben. Foram emoções demais para uma noite e
preciso mesmo descansar.

— Espera, Amy! Vamos conversar.

— Não temos mais o que dizer, Ben. E, por favor, não comenta nada do que aconteceu
aqui com ninguém, principalmente com a Chloe.

— Com vergonha de mim? Não quer que saibam que você andou dando uns pegas no
Ben Sutton? — tentei brincar para amenizar a situação.

— Vergonha de mim por cair no seu papinho. Agora — ela abriu a porta — sai, por favor.
Passei por ela sem dizer tchau. Queria retrucar e dizer que não era isso, que eu fui um
cavalheiro, mas não adiantaria. Mulher quando estava com raiva era melhor não cutucar. Ia
ficar na minha e no momento certo conversaríamos. Até lá era rezar para a raiva dela baixar.

Fui direto para o meu apartamento, caminhando por mais de uma hora, sem nem
perceber, tentando colocar a cabeça no lugar, enquanto pensava na besteira que eu ia fazer
essa noite. O problema é que, mesmo sabendo tudo que estava em jogo e o risco que
estávamos correndo, eu não conseguia me arrepender e ainda queria mais. Eu era um belo de
um filho da puta mesmo!
Capítulo seis

Ben Sutton
Dias atuais — Universidade de Notre Dame

Os dias passaram voando e logo voltei aos treinos. Tentei falar com Amy, mas ela não
respondia minhas mensagens e, pelo pouco que consegui sondar com Chloe, sem levantar
suspeitas, ela teve de ir às pressas ajudar a tia que estava doente.

Preferia acreditar que tudo era verdade e que ela não estava correndo de mim, afinal,
eu tinha sido um cavalheiro parando tudo e evitando estragar a primeira vez dela. Não dormir
com virgens era algo que eu levava a sério, pois sabia o quanto isso podia significar para
algumas garotas e sabia que não merecia ser o primeiro de ninguém. Coloquei na cabeça que
minha preocupação com Amy era apenas por ela ser melhor amiga da Chloe e para evitar que
minha irmã se magoasse, como aconteceu quando tive um lance mais demorado com Emily na
escola.

E por falar em Emily, ela e seu bando já vinham se posicionar para assistir ao treino e
organizar a torcida. Esperava que um dia sua obsessão por mim passasse, pois já não aguentava
mais ter que me esquivar dela. Já tive raiva, quase ódio e agora eu tinha pena.

Mesmo depois de alguns dias da festa, Aiden ainda tinha algumas marcas da surra que
lhe dei. Ao vê-lo no treino, estranhei não ter sido suspenso, pois jurava que ele contaria para o
treinador Jackson na primeira oportunidade, mas ele optou pelo silêncio. Chamei Josh, o mais
próximo que tinha de um amigo e perguntei o que ele sabia.

— Cara, ele disse que foi assaltado, mas não entrou em detalhes. Também achei
estranho ele não te dedurar, tudo que ele pode fazer para te prejudicar ele faz. Você acha que
ele vai mexer com a esquisita?

— Amy, Josh. O nome dela é Amy! O que esse babaca está aprontando? Ele não é de
ficar calado... Melhor eu ficar atento. Espero que ele não resolva mexer com ela, ou as coisas
vão ficar muito mais feias do que a cara dela está agora.

— Eu avisaria para ela. Você sabe que ele não é confiável. Agora vamos para o treino e
depois você resolve a história com a sua namoradinha.

— Me respeita, Josh! Você sabe que não tenho namorada.

Dei um tapa na cabeça dele e fomos para o treino, que parecia mais tranquilo que o
normal. Teríamos que viajar em alguns dias e o que me deixava mais tranquilo era que Aiden e
Emily também iriam. Estávamos em uma boa sequência de jogos e subindo na tabela. Nosso
objetivo era sermos campeões para garantir a vaga nas Regionais. Fazia muito tempo que isso
não acontecia e, se eu não tivesse me contundido no ano passado, talvez tivéssemos
conseguido, mas agora não adiantava reclamar.

Quando o treino acabou, o treinador me chamou para discutir algumas estratégias e


repassar algumas orientações sobre o jogo, a viagem e toda a burocracia de sempre. Ele
reforçou o quanto isso era importante e que, desde que cheguei, há dois anos, essa era a
primeira vez que tínhamos chances reais de conquistar algo grande e nada podia atrapalhar.

Conversamos por tanto tempo que quando fui me trocar o vestiário já estava vazio. Não
liguei, pois preferia assim a ter que lidar com um bando de marmanjos suados e falando
besteira. Minha bateria social era baixa e só o treino já a consumia inteira.

Deixei a água quente cair, provocando uma sensação de relaxamento nos meus
músculos, quase como se estivesse massageando-os. Fechei os olhos e o rosto de Amy invadiu
meus pensamentos. De repente, voltei àquela noite e aos nossos beijos. O desejo que senti
voltou a me consumir e, quando percebi, estava me acariciando, fazendo algo que há anos não
fazia. Me deixei levar e quando estava quase lá, o som de palmas invadiu o lugar. Tomei um
susto e desliguei o chuveiro, procurando a toalha, mas não a encontrei.

— Procurando por isso aqui, Ben?

— Não sabia que gostava de espiar, Aiden. Se tivesse me pedido, eu podia fazer ao vivo
para você. Não te tocaria, nem te deixaria me tocar, mas ver, podia pedir, não precisava se
esconder.

— Sempre engraçadinho, né, Ben? O que houve, a caipira indiana te deixou na mão? Ela
gosta disso, provocar e depois sair. Me conta, ela é apertadinha, é?

Avancei para cima dele, mas como estava molhado, fui traído pelo piso e escorreguei,
caindo quase que de joelhos aos pés desse imbecil.

— Caindo assim vou achar que está querendo me agradar, Ben. Mas vim te dar um
aviso: encosta em mim de novo, que eu faço a puta da sua namorada voltar para o país dela.

— Você não é louco de mexer com a Amy.

— E você não é louco de me desafiar, querido. Você está acostumado a ter o mundo aos
seus pés, mas comigo é diferente. Você não merece estar onde está e eu vou pegar tudo o que
é meu por direito. Ainda não decidi se a indiana entra no pacote, então aproveita enquanto
você pode.

Comecei a me levantar, mas ele falou algo que me paralisou.

— Minha ausência não garante a segurança da sua irmã. Um passo em falso e eu acabo
com tudo, Ben. Você realmente não sabe com quem mexeu.

Jogou a toalha em mim e saiu, acendendo um cigarro e assobiando. Normalmente, eu


não tinha medo das pessoas, das ameaças e sempre sabia como agir. Mas algo na voz e no jeito
dele me despertou um alerta de que eu devia ser mais cauteloso, principalmente pelo jeito que
ele havia falado das meninas.

Terminei de me vestir na velocidade da luz e resolvi ligar para Josh. Precisava dar um
jeito de descobrir sobre a vida de Aiden, tudo que sabia era que ele veio de outro estado e que
a família dele tinha muito dinheiro e influência, pois da mesma forma que eu escapava de muita
encrenca por ser quem era, com ele acontecia o mesmo.

— Josh, me encontra no bar de sempre em uma hora. Preciso conversar sério contigo.

— Tá bem. Te vejo lá!

Resolvi passar na Chloe para ver como ela estava. Fiquei aliviado ao perceber que ela
estava bem e mais tranquila, pois conseguiu falar com a Amy e ela voltaria em dois dias, porque
a tia já havia melhorado. Ainda conversei um pouco com ela para saber como estavam as coisas
e tentar descobrir se aconteceu algo de diferente na rotina, mas ela me garantiu que estava
tudo bem. Antes de sair, conversei um pouco com Paul e avisei sobre Aiden. Ele disse que iria
ficar de olho e qualquer coisa me avisava.

Fui até o bar encontrar com Josh, que já estava me esperando. Narrei a ele o que
aconteceu e ele, assim como eu, ficou bastante assustado e desconfiado.

— Eu disse que ele não era confiável. Será que ele vai tentar prejudicar a Amy com algo
da estadia dela aqui ou a bolsa na faculdade?

— Ele pode fazer isso?

— Vocês têm muito dinheiro, cara. Quem tem dinheiro, pode quase tudo. E o Aiden
parece não ter limites morais, o que torna tudo mais perigoso.

— Eu preciso levantar a ficha dele.

— Eu conheço um cara que pode fazer isso, vai custar uma grana, mas acho que isso não
é problema.

— Só me dizer o valor. Resolve isso e fico te devendo uma.

— Mais uma, né? Daqui a pouco eu que vou ser o herdeiro do seu pai de tanto que você
tá me devendo.

— Deixa de ser idiota. Sei que você quer entrar para a família, mas de outra forma e a
resposta é NÃO!

— Eu não disse nada!

— Nem precisa, eu vejo como você olha para a Chloe e se você tocar nela eu te castro.

— Mas, cara...

— Mas nada. Minha irmã é zona de perigo, se avançar, lide com as consequências.

— Ok, ok! Vamos mudar de assunto. Vou entrar em contato com o meu amigo que é
hacker e vai levantar as informações do Aiden, mas e depois?

— Depois, vamos confrontar o que ele achar e ver o que esse cara esconde.
Dependendo do que for, a gente decide o que vai fazer. Primeiro, a gente conhece o inimigo,
depois, arruma uma estratégia para acabar com ele.

— E a Amy?

— O que tem ela?

— Como o que tem? Quando vocês vão conversar?

— Tem nada pra conversar não. Ela é pra mim, o que a minha irmã é pra você: zona de
perigo.

— E mesmo assim você a beijou.

— Olha aqui, cuzão, não é porque eu fiz uma idiotice que você tem que repetir, ouviu? E
ela não tem um irmão pra quebrar a minha cara, porque eu mereci.

— Você vai contar do Aiden para ela?

— Só depois que descobrir sobre ele. Não quero assustá-la, ela já tem problemas demais
e ficou muito nervosa com o que ele fez com ela no dia da festa. Melhor a gente coletar as
informações primeiro. Mas tô pensando em contratar uns seguranças para ela e a Chloe. As
viagens estão aumentando e eu não posso arriscar.

— Porra, a esquisita te fisgou mesmo, hein?!

— Que fisgou o que, deixa de ser maluco. Estou cuidando dela como uma irmã, do
mesmo jeito que estou cuidando da Chloe.

— Posso cuidar, como irmão, da sua irmã também?


— Vai pra casa do caralho, vai. Me dá mais uma cerveja e traz água pra esse otário aqui
que não merece que eu pague uma cerveja pra ele não.

Continuamos conversando e Josh envia mensagem para o amigo, que topou fazer o
trabalho e pediu alguns dias para levantar tudo o que precisamos sobre Aiden. Eu queria estar
errado, mas uma sensação de perigo estava me perseguindo desde quando ele me encurralou
no vestiário. Que eu estivesse errado e ele não resolvesse aprontar nada com as meninas, ou eu
ia mostrar para ele que eu também podia não ter limites morais quando se tratava de defender
os meus! Se eu tivesse que jogar baixo como ele, eu jogaria e ainda mostraria para ele como se
fazia. Ele ia se arrepender de mexer comigo.
Capítulo sete

Amy Sengupta
Dias atuais — Kentvcky

Já fazia alguns dias que eu estava na minha tia. Sua saúde havia piorado e eu não pensei
duas vezes em largar tudo e correr para cuidar dela. Ela era tudo o que eu tinha no mundo e
nada estava acima dela. Conversei com alguns professores e foram poucos os que implicaram, a
maioria, devido às minhas notas e comportamento, aceitaram me liberar desde que eu me
comprometesse a pegar a matéria. Seu quadro não era grave, mas necessitava de cuidado e
repouso, coisas que ela nunca tinha. Como cabeleireira, ela só ganhava quando trabalhava,
logo, os dias em casa significavam não ter dinheiro. E ela não tinha grandes reservas. Peguei
todas as economias que tinha e me comprometi a pagar as contas do mês para que ela
descansasse.

Por um lado, foi bom me afastar da Universidade. Eu precisava colocar a minha cabeça
no lugar e voltar a me concentrar no que realmente importava. Eu sabia que ir a uma festa não
era uma boa ideia. Primeiro, teve toda a confusão com o Aiden, que me despertou gatilhos que
eu nem sabia que tinha. Depois, todo aquele papelão com o Ben.

Meu Deus, eu o havia beijado e me deixado levar. Se ele não parasse, sabe-se lá o que
teria acontecido. Como um cara pode foder tanto o seu juízo com apenas um beijo? E como eu
olharia para a Chloe sabendo que eu havia quebrado duas das nossas três regras fundamentais
de amizade: nunca esconder nada e nunca se envolver com o irmão da outra?

Eu já tinha problemas demais na minha vida para adicionar o Ben neles. Então, resolvi
que faria o que ele fazia com as mulheres que saía: ignoraria. Fingiria que nada aconteceu.
Simples assim.

Mas só foi fácil falar, porque dia e noite aquele momento retornava. Não era possível
que quinze minutos podiam bagunçar tanto a cabeça de alguém. Qual é, era o Ben, eu conhecia
todas as histórias sobre ele, via como ele se achava, como não se apegava a ninguém e com
dois beijos de molhar calcinha eu já estava pronta para tirar a minha e dar para ele. Olha como
eu estava falando! De onde vinha esse linguajar? Pouco mais de um ano e meio nesse país e já
tinha perdido todo o jeito recatado de me portar.

Talvez meu pai tivesse razão e eu fosse um problema, uma vergonha. Esse meu
comportamento não era normal, nem aceitável. Eu estava agindo como uma, uma...

— Você é só uma adolescente, Amy. Precisa agir como uma. Você está sempre tão
preocupada, tão séria o tempo todo. Sempre procurando algo para fazer, como se fosse um
crime descansar ou se divertir um pouco.

— Eu sei, tia. Só que nem todo adolescente pode viver como um adolescente. Lá fora,
sou eu por eu e nada mais.

— Sempre vai ser assim, mere priy13. O que temos são pessoas para auxiliar nossa
jornada, mas ela é feita pela gente. Você precisa encontrar sua força e seu propósito, dentro de
você. E quando fraquejar, buscar abrigo nos que te amam de verdade. Precisa se acolher com
mais amor e parar de se punir um pouco. Você é muito dura com você.

— É tão difícil, tia! Às vezes sinto que estou andando em círculos, lutando contra algo
mais forte que eu, que não posso controlar e que sempre vai me achar. Eu me sinto tão
perdida, desajustada! Rejeitada, acho que essa é a palavra certa. Penso em como foi fácil para
os meus pais me descartarem e, se eles fizeram isso, o que impede que os outros façam o
mesmo?

Ela se aproximou, sentou-se no sofá e me puxou para o seu colo, igual costumava fazer
quando eu era pequena e ela ainda morava perto da gente. Eu passava horas na sua casa,
ouvindo suas histórias, admirada com a forma como ela via a vida — e que era condenada por
muita gente, mas que me inspirava e me dava direção para sonhar coisas novas.

— O mundo é cruel, raajakumaaree14 , e se você ficar se lamentando, nunca chegará a


lugar algum. Estamos aqui de passagem e voltaremos quantas vezes forem necessárias até
aprender a maior das lições. Você precisa aproveitar o tempo aqui e fazer o melhor possível
com ele, independente do que esteja acontecendo. Seus sonhos são seus e nenhuma outra
pessoa poderá realizá-los. Nada é mais triste do que uma pessoa que vive sem sonhos, sem
esperança, sem vontade. Ela é oca por dentro e sua vida é vazia, sem sentido, pois são os
sonhos que nos movem. Para quem sonha muito grande, a luta tem de ser da mesma
proporção. Nunca é nos dado um caminho que não somos capazes de percorrer. Lembre-se
disso, e nunca deixe que destruam quem você é, nem tenho medo de ser quem você nasceu
para ser. Se apagam quem você é, apagam os seus sonhos. Quanto a seus pais, não acho que
tenha sido fácil para eles, mas eles fizeram o que achavam que precisavam fazer. Não podemos
julgar a dor do outro, pois não a sentimos, mesmo que ela nos machuque. Há de chegar o
momento em que vocês vão poder conversar sobre isso, mas até lá, tudo o que você pode fazer
é aceitar. Enquanto você remoer essa dor, ela não vai parar de doer.

— Sempre muito sábia. Eu sempre adorei te ouvir falar, queria tanto que minha mãe
fosse mais parecida com você.
— Cada um é como precisa ser, filha. Por mais que doa, sua mãe não seria ela se não
fosse exatamente como ela é. É difícil viver afastada de quem amamos, mas até mesmo o mal
tem um propósito. Não deixe que a dor te impeça de ver o bem que te espera. Você não nasceu
para ser pequena, Amy. Permita-se crescer. Agora eu vou me deitar que sua tia está ficando
velha e cansada.

— Tomou o remédio da pressão?

— Sim, senhora! — Ela fez uma espécie de continência enquanto ria e ia para o seu
quarto. Eu ainda fiquei mais um tempo ali, pensando em tudo o que ela falou.

Eu tinha um sonho e um propósito. E não ia permitir que ninguém me tirasse do


caminho que tracei para mim. No dia seguinte eu voltaria para a faculdade e o beijo com o
Sutton seria página virada.

O retorno às aulas foi mais fácil do que imaginei, pois Ben precisou viajar para resolver
algumas questões do time e do jogo que seria na Compton File Ice Arena15 , o que transformou
o campus em uma loucura. Chloe não percebeu nada de diferente em mim e eu agradeci por
Ben não ter comentado sobre o beijo. Ela também não perguntou muito sobre aquela noite,
pois sabia que tudo que aconteceu com Aiden era um assunto muito delicado.

Aiden, inclusive, vivia me cercando, dizendo que precisava se redimir e pedir desculpas.
Mandou flores, chocolate, mensagens nas redes sociais e aparecia do nada onde eu estava,
tentando se fazer de amigo. Eu apenas ignorava e mandava devolver todos os presentes. A
desculpa de que estava bêbado não funcionava comigo. Caráter não se perdia com a ingestão
de álcool e se ele optou por fazer aquilo era porque sua índole já era assim.

Chloe estava animada, pois poderia ir ao jogo do irmão, coisa que nem sempre
acontecia, mas seus pais haviam liberado, desde que eu fosse junto. Ben também tinha
contratado um novo segurança para ela, não sabia o motivo, mas não liguei, porque todos
sempre foram muito paranoicos com a segurança de Chloe. Por muitas vezes ela me
confidenciou que se sentia sufocada e que, se pudesse, escaparia para viver alguma aventura,
mas a cadeira a impedia.

Foi só na sexta-feira que encontrei com Ben. O jogo seria no final de semana, contra o
Ohio State Buckeyes e era um jogo importante, como todos nesse período. Eles precisavam
vencer para ter alguma chance de ganhar o campeonato e conseguir avançar. Pelo que Chloe
me falou, os jogos seriam no sábado e domingo, sempre aconteciam dois jogos seguidos, para
facilitar a questão de viagem, estrutura do time. Como ele era o capitão e estrela do time, tudo
que precisava ser resolvido passava por ele, o tempo todo, então nesse período de outubro a
abril, caso o time fosse até a grande final, sua vida virava uma loucura. Chloe me contou que já
teve jogo no dia 31 de dezembro, deixando a vida de todos uma perfeita loucura.

Eu estava caminhando pelo campus quando o avistei, junto a uma rodinha de jogadores
do time. Tentei mudar de rota, mas vi quando o amigo dele, Josh, o cutucou, apontando com a
cabeça para mim. Quando ele me viu, não adiantava mais mudar de direção. Apenas continuei
andando pedindo aos deuses forças para aturar mais uma overdose de Ben Sutton em meu
sistema.

— A pequena elefante resolveu aparecer no meu caminho!

— Justo no dia em que a Chloe tem terapia e você sabia que eu estaria sozinha você está
no caminho para o meu dormitório, um lugar que você quase nunca frequenta. Nossa, que
coincidência absurda, não é mesmo, Ben?

— Você não acredita em destino, Amy? Talvez Brahma 16 ache que você deva esbarrar
hoje comigo e aceitar o meu convite.

— Isso não é legal. Tenha limites em suas brincadeiras.

— Desculpe, tá legal? Eu estava tentando quebrar o gelo e mostrar que conheço um


pouco das coisas que você gosta. Nossa última conversa não terminou bem e não quero que
fique um clima estranho entre a gente.

— Não tem clima nenhum. Aquela noite toda foi um erro e eu prefiro acreditar que ela
nunca existiu. Você devia fazer o mesmo. — Tentei continuar andando, mas ele me segurou
pelo braço. Quando olhei para sua mão me segurando, ele soltou e pediu desculpas.

— Um erro? A noite toda foi um erro?

— Você está dando importância demais para um beijo, Ben. Se continuar assim vou
começar a desconfiar que todas as histórias sobre você são mentira e que você foi embora por
medo da sua própria inexperiência.

— Você não devia brincar com fogo, Amy.

— Eu não tenho medo do fogo. Eu danço em volta dele enquanto o controlo — falei e saí
andando. “Eu danço em volta dele enquanto o controlo”. Que merda de frase idiota e sem
sentido foi essa?! Quando achei que havia me livrado dele, senti um toque no meu ombro.

— Calma, eu não terminei. Queria saber se você vai no jogo amanhã.

— Vou! Não por você, mas pela Chloe. Seu pai só a deixaria ir se eu fosse.
— Ótimo! Tem um presente para você no seu quarto. O ar e o aquecedor estão
funcionando bem?

— Estão sim. Nem te agradeci por isso.

— Eu disse que não precisava. Então até amanhã!

Ele saiu correndo de volta para o time e eu segui o meu caminho, me corroendo de
curiosidade. Quase saí correndo, mas mantive a compostura e segui caminhando a passos
largos e apressados. Precisava pegar essa chave reserva de volta do Ben, ele não podia
continuar achando que aqui era uma extensão da casa dele para que entrasse quando quisesse.

Vi o embrulho assim que entrei, colocado no meio da minha cama. Abri e nem sabia
como não imaginei: uma camisa do time, com o número e nome dele e um boné.

“Chloe me disse que é a primeira vez que você vai assistir um jogo na vida e que queria
que fosse especial. Por isso tomei a liberdade de te dar um uniforme, autografado pelo melhor
jogador do time. Vai ser muito bom poder contar com a sua torcida amanhã, pequena elefante.

B.S.”

Como ele era abusado. E fofo, muito fofo. Amy, foco! Você não pode cair no charme do
Ben. Experimentei a blusa e amei como ela ficou. Só tinha um problema: como eu contaria para
a Chloe sobre a camisa.

Como um passe de mágica, chegou uma mensagem do Ben no WhatsApp:

Gostou do presente?

Não é de todo mal.

Não vou perguntar se deu, pois Chloe me contou o tamanho.

Ela sabe?

Claro, foi ideia dela você ter uma camisa oficial para assistir ao seu primeiro jogo. Mas o
autógrafo, boné, bilhete e chocolate foram ideias minhas. E aí essa parte eu não contei para
ela.

Entendi! De qualquer forma, obrigada!


Agradeça torcendo por mim amanhã!

Vou torcer pela universidade!

Já é um começo. Até amanhã, pequena elefante.

Até amanhã, Ben Sutton.

Contemplei mais um pouco a minha imagem com a camisa do time, virando para olhar o
nome estampado. Eu parecia até uma garota comum, indo assistir ao jogo do time da
Universidade. Sem problemas, sem medos ou traumas, apenas vivendo. Ninguém precisava
saber que eu cheirei a camisa e acabei dormindo com ela quando percebi que o perfume do
Ben tinha ficado impregnado no tecido.
Capítulo oito

Amy Sengupta

A Universidade estava mais viva do que nunca esse fim de semana. Cantos, bolas,
gritarias, tudo espalhado pelos corredores. Era um grande evento receber os jogos na arena e,
nessa época do ano, em que nos aproximávamos do recesso de fim de ano e das provas de
meio de período, ter uma pausa para apenas se preocupar com um jogo parecia tudo o que
esse povo precisava.

Eu nunca fui muito fã de esportes e nem tinha assistido a um jogo antes e também não
fiz questão de pesquisar muito, apenas o básico para não parecer idiota. Não queria correr o
risco de acabar dando importância demais para algo que eu nem deveria estar pensando. Não
entendia nada de hóquei, só sabia que o Ben era capitão do time, que isso o tornava muito
popular e que, pela primeira vez em alguns anos, as chances da nossa equipe ganhar essa
primeira etapa era grande, por isso as pessoas estavam tão eufóricas.

Combinei com Chloe de nos encontrarmos próximo à Arena, para evitar que ela
precisasse circular muito com a sua cadeira. Mesmo com alguns pontos de acessibilidade, o
volume de pessoas não ajudava e sabia o quanto ela ficava nervosa quando algo acontecia de
errado em público. Ela se sentia culpada pela falta de noção dos outros.

Combinamos o mais cedo possível, pois ela já sabia como funcionava para entrar,
melhor posição para sua cadeira e, com menos gente, tudo ficava mais fácil. Ainda assim,
nossos lugares eram privilegiados e teríamos uma visão maravilhosa do jogo.

— Esse é o terceiro jogo do meu irmão que assisto. Obrigada! É muito importante para
mim poder participar desse momento com ele. Sei que ele não gosta de jogar, mas também sei
que ele precisa jogar, então o meu apoio faz diferença para ele, mesmo que ele não admita.

— Sempre achei que o hóquei fosse a vida do Ben.

— Em partes, sim. Só que não é a vida que ele escolheu para ele. Vamos deixar isso para
lá, e me conta: estudou um pouco para entender o jogo?

Entendi que esse era um assunto delicado e que ela não poderia me contar mais e não
insisti. Essa era uma história do Ben e eu não tinha que me meter nos assuntos dele.

— Estudei o básico. Entendi a divisão da arena, que precisa fazer gols, os tempos, o que
acontece se empatar, não decorei o nome das coisas. Basicamente é seguir o que vocês fazem e
torcer para que o nosso time acerte o puck dentro da baliza adversária mais vezes que o outro
time. Não é difícil.

Chloe começou a rir e eu a segui. Para quem cresceu inserida nesse mundo, realmente
deve ser divertido ouvir uma completa leiga resumir o esporte dessa forma.

— É um bom resumo. Com o tempo você aprende mais. Se ganharmos, vamos para a
primeira colocação da nossa Conferência17, a Big Ten. Se continuarmos assim até o final,
ganhamos a Conferência e nos classificamos para as regionais e, vencendo-as, vamos para o
Frozen Four18, a fase final do campeonato. Ou seja: nossa única opção é ganhar e somente
nessa fase das conferências é que temos a oportunidade de ver o nosso time jogar em casa.
Nesse período, sempre ocorrem dois jogos seguidos. Por exemplo: Jogaremos hoje e amanhã. O
campeonato começa em outubro e normalmente vai até meados de abril. É a fase mais
emocionante lá em casa, você precisa ver como meu pai fica. No ano passado você não viu de
perto, esse ano você já deve ter percebido que ele até some das empresas. Ele revive o sonho
dele por meio do Ben.

— Seu pai fez história aqui, né?

— Sim, ele era um dos melhores jogadores da época e provavelmente teria sido
draftado, ou seja, iria para a liga principal, o sonho de qualquer jogador universitário que deseja
seguir carreira. A temporada anterior já tinha sido ótima, mas o time estava desajustado. Meu
pai virou o capitão e aquela era a última oportunidade dele, pois se formaria no período
seguinte, então, eles precisavam vencer e ele precisava se destacar para manter a vaga na NHL.
Só que no segundo jogo ele se machucou em um lance bobo, sozinho. Rompeu os ligamentos
do joelho e, ao forçar a recuperação para voltar em tempo, prejudicou o joelho para sempre, o
que o obrigou a parar de jogar. Ele ficou frustrado, terminou a faculdade um período mais tarde
e, em uma viagem de negócios para Kentucky conheceu minha mãe, uma aspirante a modelo
que tinha tudo para fazer sucesso. Ela vinha de família simples e tinha deixado tudo para seguir
o sonho de modelo. Eles se apaixonaram e, com seis meses juntos, ela engravidou do Ben,
interrompendo a carreira dela. Ela até tentou voltar, mas esse meio é muito cruel,
principalmente com uma mãe. Então ela renunciou ao sonho dela para viver o sonho da nossa
família. Quase três anos depois eu nasci e ela viu a oportunidade de reviver tudo, até o meu
acidente, aos nove anos, que tirou o sonho dela e todos os meus.

— Nossa! Eu acredito que as coisas são como são e que há um motivo para que elas
aconteçam dessa forma. Se não fosse assim, eles não teriam formado essa família linda e vocês
não estariam aqui.

Nossa conversa foi interrompida por gritos. O estádio parecia que iria explodir quando
os times entraram. Nosso Duende veio na frente, brincou com a torcida, enquanto o time veio
logo atrás. Eles aqueceram por um tempo, conversaram e logo começou o jogo.
Eu tinha visto que esse era um esporte rápido, mas a sensação que tinha era de que os
jogadores voavam enquanto jogavam. A maneira como se movimentavam, como os tacos
batiam, era quase uma dança sincronizada.

Assustei-me com cada esbarrão que eles davam, cada entrada violenta que Ben levava.
Não sei como eles aguentam! O impacto parecia enorme e tinha a sensação de que um jogador
iria sair voando a qualquer momento. Ainda assim, era hipnotizante assistir ao jogo e a
desenvoltura com que Ben jogava. Ele passeava pelos jogadores e parecia uma muralha. Era
quase impossível pará-lo ou passar por ele.

O primeiro tempo terminou e o jogo seguia zero a zero.

— Para quem não tem interesse em esportes, você ficou muito concentrada.

— É quase uma dança, sabia? E a maneira como eles se movem rapidamente, como se
batem, é tudo simplesmente impressionante.

— Concordo, mas eu acho que tem mais coisas aí, pensa que não reparei?

— Mais coisa? Que coisa?

— Acho que um certo atacante pode estar envolvido no seu interesse. Sei que vocês não
começaram bem, mas você disse que ele estava tentando se desculpar.

Será que eu fiquei observando tanto o Ben assim? Eu só estava prestando atenção no
jogo, não tinha absolutamente nada a ver, eu estava aqui apenas para...

— Você vai desculpar o Aiden?

— O QUÊ? — falei mais alto do que esperava, mas essa pergunta realmente me pegou
de surpresa. Chloe vivia em um mundo muito cor-de-rosa às vezes, onde romance era a chave
de tudo e que alguns belos pedidos de desculpas apagavam qualquer problema.

— O Aiden. Ele não tirou os olhos de você desde que chegamos e, quando foi para o
intervalo, quase perdeu o equilíbrio de tanto te olhar. O Ben até brigou com ele, acredito que
para chamar a atenção.

— Chloe, eu não quero assunto com o Aiden.

— Mas ele está tentando, ele até me falou que...

— Espera, espera... Como assim ele falou com você? Desde quando vocês são amigos?
Ele não tem uma espécie de rivalidade com seu irmão por conta da liderança do time?

— Isso é coisa de homem, eles são sempre assim, mas no fim se dão bem. Eles precisam
se dar bem para jogarem juntos. E ele me procurou alguns dias depois da festa, pois queria se
retratar com você, mas não sabia como, então me pediu algumas informações...

— As flores e o chocolate... Claro, foram ideias suas. Alguém como ele não seria capaz
de pensar em algo assim.

— Você devia ouvi-lo, Amy. Ele realmente me parece arrependido e acho que quer uma
chance de ter algo a mais com você.

— Chloe, não! Eu...

O jogo recomeçou e não consegui terminar de falar, mas tudo o que aconteceu ficou na
minha cabeça. Chloe não tinha o direito de agir pelas minhas costas assim, principalmente com
um cara que me fez mal dessa forma. E o que ele pensa que está fazendo cercando-a? Eu não
gostava dele, o jeito, a forma como ele me olhava, me lembrava o Ravi, não o personagem, mas
o real.

Não consegui mais me concentrar no jogo e apenas vibrei quando o gol saiu. Vi quando
empataram e depois a virada do nosso time, mas minha cabeça não me deixava participar do
jogo. Fiquei revirando o assunto e tentando entender o motivo da cisma de Aiden comigo, até
que me lembrei do que Chloe falou sobre andar com o Ben te tornava um alvo para o bem e
para o mal. Será que o Aiden estava atrás de mim apenas por conta do Ben? Não é possível.

O segundo tempo terminou e eu aproveitei para ir buscar uma água. Não queria
conversar com a Chloe, não agora. Precisava tirar essa história a limpo com o Ben. Mandei uma
mensagem que sabia que ele não iria ler, mas que me aliviou, dizendo que precisava conversar
com ele. Completei que não era nada grave, mas era importante para mim e torcia para que ele
respondesse logo após o jogo, mesmo achando que seria impossível. Voltei apenas para me
despedir, dei uma desculpa qualquer para Chloe, que não acreditou, mas não tinha muito o que
fazer.

Ainda escutei os gritos enquanto caminhava, mas era a sensação de estar sendo
observada que me consumia. Repeti que isso era coisa da minha cabeça, mas saí correndo para
o dormitório, sem me importar com o que pudessem dizer. No meu quarto, tranquei a porta e
me joguei na cama, com o coração acelerado e a mente em um turbilhão. Não era possível que
mais uma vez um homem iria atrapalhar a minha história.

Só iria sossegar quando falasse com o Ben e tirasse esse assunto a limpo. Não queria
ficar no meio de uma briga que não era minha e não gostava da aproximação do Aiden com a
Chloe. Já não me sentia bem perto dele antes, depois do que ele fez comigo na festa, tinha
todos os motivos para não confiar nele e para não gostar dessa aproximação com a minha
amiga.

Resolvi tomar um banho e descansar um pouco. Os últimos acontecimentos minaram a


minha energia e precisava me recuperar para aguentar a rotina de estudos e provas que vinham
pela frente. Acabei me rendendo ao sono, mas despertei assustada com algumas batidas à
porta.
Desorientada, peguei o celular e vi que eram duas da manhã. Quem bateria à minha
porta a essa hora?

Conferi as mensagens e só tinha algumas da Chloe. Ben viu a mensagem que enviei
quase uma hora atrás e não respondeu. As batidas seguiram e de repente me apavorei,
pensando ser o Aiden.

— Vai embora, Aiden! Não quero falar com você — resolvi falar para deixar tudo bem
claro logo.

— Aiden? O Aiden anda batendo na sua porta de madrugada? Abre essa porra, Amy, e
me explica isso.

— Ben? O que você está fazendo aqui?

— Abre a porta que eu te explico.

— Você tá sozinho?

— Que raios de pergunta é essa, Amy? Claro que eu tô sozinho!

— Tá bem, mas para de fazer escândalo!

Abri a porta, ele entrou como um furacão e se jogou na minha cama. Vi que ainda estava
com algumas partes do uniforme.

— Por que você disse o nome do Aiden? Ele está te perturbando?

— Não, só acordei assustada e por um instante achei que pudesse ser ele.

— Por que você foi embora no meio do jogo?

— Dor de cabeça. Não lido bem com lugares com muita gente.

— Péssima mentirosa, Amy. O que realmente aconteceu?

— A Chloe me contou que o Aiden a procurou dias depois da festa e que os presentes
pedindo desculpas foram ideias dela. E não gostei dele me olhando ao longo do jogo.

— O que você disse?

— Não vou repetir, está bêbado?

— Não bebo em dias de jogo, não parece, mas sou responsável com o time. Agora quero
saber que história é essa do Aiden com a Chloe.

— É isso. Ele a procurou algumas vezes para falar sobre mim e a convenceu de que está
arrependido e que quer o meu perdão. Mas eu acho que ele só está atrás de mim por causa de
você.

— De mim?

— Sim. Ele me viu com você na festa e agora sou mais uma coisa que ele quer disputar
com você. Então, resolva isso, pois não quero ser troféu de ninguém. Sabia que eu não devia ter
ido aquela festa e...

Um beijo. Ben simplesmente me puxou e me beijou. Não um beijo qualquer, mas O


beijo, aquele que amoleceu minhas pernas e derreteu meus pensamentos. Com muita luta,
consegui me desvencilhar e o afastar.

— O que é isso, Ben?

— Desculpa, é que você ficou falando, sua boca mexendo, daí ela começou a mexer com
a minha cabeça e eu não resisti. Eu não queria ser um babaca, mas sua boca é muito gostosa
para ficar apenas falando.

— Você é inacreditável!

— Eu sou sincero. Podem me chamar de tudo, menos de mentiroso. Eu prezo muito pela
sinceridade, detesto mentiras e por isso sempre sou o mais verdadeiro possível.

— Isso não te dá o direito de sair beijando as pessoas por aí.

— As pessoas não. Você. Normalmente são as mulheres que caem em cima de mim,
nunca o contrário.

— Ok, senhor gostosão. Vamos focar no que importa. Eu não quero problemas. Preciso
que resolva essa situação com o Aiden, preferencialmente sem brigas e sem me envolver mais.

— Pode deixar! Vai no jogo amanhã?

— Eu já fui hoje.

— Mas não viu o gol que eu fiz para você.

— Você diz isso para todas.

— Sim, mas quando digo, é verdade. Vai amanhã?

— Vou tentar.

— Você pode fazer melhor que isso.

— E você pode sair do meu quarto.

— Sem um beijinho de despedida?


Era impressionante como um cara de quase 1,80m, ombros largos e toda aquela pose de
mau podia fazer uma carinha fofa dessa enquanto fazia um biquinho. Sério, era muito mais fácil
lidar apenas com a versão insuportável do Ben, pois a versão cafajeste me balançava demais e
eu descobri que tinha um fraco para esse tipo. Ou talvez para o Ben.

— Vai embora!

— Um selinho! Eu mereço, fiz os três gols da partida. Só um e eu te deixo em paz!

O que era um selinho para quem já tinha se afogado em um beijão, não é mesmo? Me
aproximei e me coloquei quase inteiramente na ponta dos pés para alcançar os lábios dele, que
fechou os olhos como um menino travesso prestes a receber sua recompensa por bom
comportamento.

— Pronto, agora vai!

— Caralho, você é muito má! Tô todo quebrado do jogo, larguei a festa para poder saber
o que você queria falar de tão importante comigo e é assim que sou tratado. Você fere meus
sentimentos, Amy. Pode não acreditar, mas eu tenho coração e você está pisoteando-o nesse
exato momento.

Sua encenação de dor, incluindo mão no peito e se curvar na minha porta não me
comoveu, apenas me arrancou risadas.

— O lobo solitário Ben Sutton tem sentimentos? Quase três horas da manhã e você quer
me acordar para contar piadas?

— Continue quebrando o meu coração e não reclame quando não sobrar nada dele.

— Tchau, Ben!

— Tchau, Amithab Sengupta! Você se comportou muito mal e só será desculpada se


estiver na primeira fila me aplaudindo amanhã.

— Vai sonhando, Ben!

— Amy?

— O que você queria falar?

— Sobre?

— A mensagem, você disse que precisava falar comigo.

— Ah! Era isso, sobre o Aiden.

— Tem certeza?
— Claro, o que mais seria?

— Tudo bem. Te vejo amanhã, pequena elefante!

— Vai dormir, Ben!

Ele saiu tão rápido quanto entrou, me deixando sozinha e com um sorriso bobo que não
tinha o menor sentido de existir. Eu precisava me afastar do Ben, para manter a minha saúde
mental e a minha amizade com a Chloe. Os meus deuses e o Deus dela eram testemunhas que
eu estava tentando manter a minha promessa, o irmão dela que não estava ajudando.

A culpa por mentir para ela começou a me consumir, por isso decidi que nunca mais
beijaria Ben Sutton, mas que iria ao jogo amanhã só para ver como era ter um gol dedicado a
mim.
Capítulo nove

Ben Sutton

Se havia um dia em que o inferno estava oficialmente na Terra, eram os dias de jogo. E
se o inferno estava na Terra, meu pai era o motoboy das notícias infernais, pronto para foder o
juízo e perturbar a mente de qualquer um. Dias de jogos sempre me deixavam estressado.
Costumavam começar com os sermões do meu pai, passar pelas estratégias do técnico e
terminar com o desempenho em campo. Depois ainda tinham as festas, cuja única coisa boa
era ter um delivery de mulher me esperando.

Hoje, além de tudo isso, ainda tinha adicionado a dose de preocupação que Amy me
jogou nessa madrugada. Na hora, brinquei com ela para disfarçar, mas sabia que toda essa
aproximação do Aiden era perigosa e que ela estava certa: tudo isso só estava acontecendo
pela disputa ridícula que ele tinha comigo. E era tão ridícula que eu nem conseguia me lembrar
de como isso tinha começado, apenas que sempre esteve ali e que piorou quando consegui a
vaga de capitão.

Nunca havia passado de brigas bobas e pequenos desentendimentos, mas os constantes


alertas das pessoas e o recente envolvimento da minha família me fizeram pensar que talvez eu
tenha sido ingênuo e relapso em manter isso sem me preparar.

Pior era ter que dividir o jogo com ele, fingindo que estava tudo bem, enquanto a minha
vontade era bater com o taco na cabeça dele, mas tinha que me controlar. Tínhamos vencido
ontem e hoje só precisávamos repetir o feito, então eu iria manter minha cabeça fria e focar no
jogo. Depois eu iria chamar aquele idiota para uma conversa e descobrir o motivo de ele estar
rodando a minha irmã e a Amy.

Amy... Estranho como de repente ela havia se tornado tão presente nos meus
pensamentos. Eu tentava evitar, sabia que devia me afastar, mas ela aparecia. Fiquei muito feliz
quando a vi no estádio hoje. Mas a minha felicidade tinha que ser interrompida por ela.

— O que você está fazendo no vestiário masculino, Emily?

— Vim te desejar boa sorte! — Passou a mão em meu tórax e começou a se aproximar
em mais uma tentativa de me beijar. Segurei a sua mão e a empurrei com cuidado.

— Veio me arrumar problema, isso sim. Me erra, garota, toda vez é isso, supera! Já falei
que não quero nada seu. Some, vai lá para a sua torcida antes que o treinador te veja aqui.

— Tão grosseiro, Ben! Isso que dá ficar andando com aquela empregadinha, está
pegando os péssimos modos dela.

— Ela não é nossa empregada. E é muito mais educada que você, por exemplo. Agora
vaza, anda.

O vestiário começou a ficar cheio e os caras começaram a assobiar e bater palma para
Emily, que fez um bico ridículo e saiu batendo os pés como uma criança mimada.

— Isso não é hora de pegar ninguém, Sutton! — alguém gritou, no barulho não consegui
identificar a voz.

— Não tava pegando ninguém, não, cara! Essa garota que é maluca e fica me
perseguindo.

— Ben, agora só reza para uma cartilha, e ela é internacional — Aiden disparou. —
Talvez ele tenha finalmente sossegado.

— O que você tá falando aí, Aiden? — Parei perto dele. — Devia parar de se ocupar da
minha vida e cuidar do teu jogo, que tá uma merda. Depois não adianta choramingar quando
outro pegar o seu lugar e você virar reserva. Das minhas mulheres, cuido eu!

Os gritos de zoação foram interrompidos pelo técnico, que já entrou dando alguns
berros para que a gente calasse a boca. Repassamos algumas jogadas e técnicas e fomos para o
jogo.

Assim que nos posicionamos, procurei por ela. Primeiro vi Chloe, acenei e joguei um
beijo. Em seguida vi Amy, que tentou disfarçar, mas também estava me olhando. Sorri
abertamente para ela e apontei para o meu coração, fazendo uma referência à conversa de
ontem. Aiden esbarrou em mim nesse momento e percebi que ele estava olhando para o
mesmo lugar que eu. Amy também percebeu, pois desviou o olhar e se sentou. Antes que eu
pensasse em revidar, o jogo começou. Esse cara não perde por esperar!
O jogo seguia sem grandes novidades. Já estávamos dois a zero e no segundo tempo.
Essa era a minha chance de fazer um gol e dedicar a Amy, por isso me concentrei e estava lá!

Na hora da comemoração, tentei imitar um elefante, usando o braço para recriar uma
tromba, enquanto dei uma volta junto com Josh. Passei próximo de onde estavam sentadas e
tentei fazer um barulho que lembrasse um elefante e sorri. Esperei que ela entendesse o
recado. Quando nossos olhos se encontraram, senti algo diferente, uma coisa que não sabia
explicar. Algo dentro de mim começou a formigar, como se estivesse despertando. O sorriso
que Amy me ofereceu era tão reconfortante que fiquei desconcertado e precisei que me
chamassem de volta para o jogo. O magnetismo desse momento foi tão forte que ele parecia
ter durado horas, mas não passou de poucos segundos.

O jogo recomeçou e acabou logo, agora só faltava o terceiro tempo e finalizamos por
aqui. O próximo jogo ainda tinha uma pequena distância de tempo e iria poder passar uns dias
na faculdade. Iria aproveitar para começar o treinamento da Amy e para resolver essas
questões com Aiden.

Logo o último tempo começou e minhas meninas seguiram assistindo. Era bom falar
minhas meninas e ver as duas juntas torcendo por mim. Era melhor ainda olhar para a Amy e
enxergá-la como ela era, não apenas uma extensão da Chloe. Seguimos com três gols de
vantagem e, no minuto final, recebi um lançamento que daria um gol na certa, mas fui
atravessado por Aiden que passou na minha frente e fez o gol no momento exato em que o
jogo acabou. Vi quando ele acenou para Emily e as meninas da torcida levantaram algumas
placas. Todos na arena se viraram para olhar, mas eu estava olhando para Amy, que se
incomodou com alguma coisa e saiu correndo.

Virei-me na direção em que ela estava olhando e a raiva me consumiu. Com as líderes,
alguns cartazes que formavam:

Amy, me perdoe! Eu fui um babaca, mas quero me redimir. Aceita sair comigo?

Toda a arena começou a gritar o nome de Amy, enquanto ela saía correndo
desesperada. Aiden sorriu satisfeito e eu não pensei duas vezes em ir até ele e acertar um belo
soco na sua cara. Josh percebeu e fez com que o time nos cercasse, impedindo que as
arquibancadas percebessem o que estava acontecendo. Eles nos rodearam, nos empurraram
até o vestiário e fecharam a porta, enquanto o técnico resolvia as questões burocráticas.

— Que palhaçada foi essa, Aiden? Deixe a Amy fora disso!

— Não se mete na minha vida, riquinho! A indiana é alguma coisa sua?

Travei no lugar. Essa pergunta não era apenas um questionamento, mas a motivação
para que essa perseguição com a Amy parasse ou continuasse.

— Tá maluco? Eu não me prendo à mulher nenhuma, minha preocupação é só com o


hóquei. E se fosse me prender, não seria com uma esquisita como ela.
Aiden ficou calado, me encarando. Como se medisse a veracidade das minhas palavras.
No mesmo momento em que falei, me arrependi. Sabia o quanto magoaria para Amy ser
chamada de esquisita, ainda bem que ela não estava aqui, mas precisava fazer algo para que ele
desencanasse dela logo.

— Perdeu a capacidade de falar, Aiden? Vai mandar fazer uns cartazes para mim
também?

Parte do time entrou e percebeu o clima tenso. Josh apareceu no meio deles e disse que
eu precisava sair para dar entrevista. Aiden e eu seguimos nos encarando, em um desafio mudo
de quem cedia primeiro. Ninguém desviou o olhar.

— Por que você fez isso, Ben?

— Você viu a palhaçada que ele fez? Isso é para me provocar, não podia deixar barato!

— Será que foi por isso ou por que ele mexeu com a Amy? Está com ciúme, Ben Sutton?

— Para! Vocês estão viajando com isso. A Amy é como a...

— Olha bem o que você vai dizer. Tem certeza de que a Amy é como a Chloe para você?

Não consegui responder, pois fui puxado pelo técnico para falarmos sobre o jogo,
conversar com os jornalistas universitários e conhecer algumas pessoas importantes que
estavam assistindo à partida.

Fiz tudo no automático, enquanto a pergunta do Josh seguia ecoando na minha cabeça.
Em que momento eu deixei de perceber a Amy como uma garotinha e ela se tornou a mulher
que confunde os meus pensamentos? E como isso se tornou algo tão sério que todos estão
começando a perceber?

Cheguei à conclusão de que tudo isso era porque não consegui finalizar a minha noite
com ela. Isso! Era a falta de sexo que estava perturbando a minha mente e me fazendo
imaginar coisas. Hoje na festa iria resolver isso e tudo voltaria ao normal. Amy não tinha poder
nenhum sobre mim.

Já tinha finalizado as tarefas e novamente fui o último a ir para o vestiário me trocar.


Estava pronto para ir para a festa quando meu telefone tocou. Ainda pensei em não atender
quando o nome de Amy apareceu, mas a curiosidade falou mais alto.

— Oi, Amy! O que houve?

— Ben, a Chloe está com febre e sua mãe pediu para que você viesse para casa.

Ela não precisou nem falar duas vezes.


Capítulo dez

Ben Sutton

Cheguei em casa em uma velocidade absurda e fui recebido pelos meus pais e o Dr.
James, médico da Chloe desde quando ela sofreu a lesão que a deixou na cadeira de rodas.

— O que está acontecendo?

— Boa noite para você também, Ben — meu pai me repreendeu.

— Deixe o menino, ele deve estar preocupado. — Minha mãe caminhou até mim e me
abraçou, me conduzindo até o sofá. — Chloe chegou febril do jogo, chamando por você e pela
Amy. Chamamos o médico e fomos buscar a menina, mas não é nada grave, apenas o princípio
de uma infecção de garganta, mas você sabe como a sua irmã gosta de ser bajulada. Amy está
com ela, que já foi medicada e deve dormir em breve. Seu pai e eu temos uma viagem amanhã
e como o caso não é grave, pedi para que Amy ficasse e cuidasse da Chloe. Muito especial essa
menina, um achado essa amizade! Se você não tiver que viajar e puder ficar...

— Acha que é uma boa ideia vocês viajarem com ela doente? E se tiver alguma
complicação?

— Ela está bem, rapaz — o médico finalmente abriu a boca para comentar. — Um bom
antibiótico, muito líquido e três dias de repouso resolvem tudo.

— E a lesão, doutor? Alguma novidade? — Mesmo sabendo que provavelmente a


resposta sempre seria a mesma, insisti em perguntar.

— Sua irmã sofreu uma lesão grave, que resultou em uma paraplegia espástica
irreversível. A menos que ocorra algum milagre revolucionário na ciência, as chances de sua
irmã voltar a andar são inexistentes. Podemos melhorar sua forma de vida, deixá-la mais
independente, mas retomar o movimento das pernas, não é possível. Por sorte, sua lesão não
atingiu o funcionamento e controle das questões fisiológicas, permitindo que ela seja ainda
mais independente. É importante continuar a terapia, a fisioterapia, mas ciente de até onde
podemos chegar.
— Em lugar nenhum — murmurei e me despedi, subindo as escadas para ver como ela
estava.

Parei na porta do quarto e segurei a maçaneta, mas antes que abrisse a porta, ouvi a voz
de Amy e resolvi ouvir a conversa.

— A primeira vez deve acontecer na hora certa para que não haja arrependimentos,
Chloe. Se eu pudesse, teria feito tudo diferente para que a minha não tivesse sido da forma que
aconteceu. Você não deve se preocupar com isso agora. Quando chegar alguém especial, vocês
vão conversar e decidirão juntos o que fazer. Não coloque abobrinhas na cabeça nem se
preocupe demais. As coisas quando tem de acontecer fluem naturalmente.

Elas estavam falando sobre sexo? Minha irmã estava conversando sobre sexo? Como
assim? Apertei a maçaneta com mais força, mas antes que concluísse a invasão, meu lado
safado despertou e percebeu uma coisa: Amy não é virgem. Ela acabou de dizer isso. Então por
que ela deixou que eu pensasse? Bom, eu também não perguntei, fui logo deduzindo... Quem
diria, hein? Isso significa que podemos continuar de onde paramos! Resolvi ouvir mais um
pouco, mesmo correndo o risco de ter um infarto por ouvir minha adorada irmãzinha falando
de sexo.

— Eu sei, amiga! Mas comigo é diferente. Ninguém me olha como mulher. Ninguém
enxerga além dessa cadeira e, mesmo que enxergasse, você acha que meus pais permitiriam?
Ou o Ben? A proteção deles me sufoca às vezes. Sinto que não estou vivendo nem crescendo,
mas tenho medo de reagir e desapontá-los. É como se eu precisasse mostrar o tempo inteiro
que mereço a atenção deles. Ninguém me nota, só me respeitam porque eu sou uma Sutton, a
irmã do grande Ben e porque meu irmão é maluco o suficiente para quebrar qualquer um que
se aproxime de mim. Eu só queria ser vista como eu sou, como a Chloe. Apenas isso.

— Eu imagino, querida! E acho que em algum momento você vai precisar tomar as
rédeas da sua vida. Essa superproteção é excesso de amor e medo de que algo ruim te aconteça
de novo. Você precisa começar a se permitir mais, a se enxergar para além da cadeira. Nunca
reparou o jeito que o Josh te olha?

— O amigo do Ben?

— Isso, o magrelinho de cabelo meio esquisito. Ele está sempre te procurando com o
olhar, emitindo sorrisinhos, arrumando jeitos de passar por perto da gente.

— Ele deve estar de olho em você, Amy.

— Ah, eu duvido. Esses dias passei pela biblioteca e ele estava pesquisando sobre
acessibilidade e restaurantes acessíveis para cadeirantes. Eu acho que ele está tomando
coragem para te convidar para sair.

Eu ia matar o Josh. E a Amy, por ser linguaruda. Agora ela colocou essa ideia na cabeça
da minha irmã e como eu iria fazer para tirar? E que história é essa do Josh estar fazendo
pesquisas nas minhas costas?

— Eu vou pegar uma água, amiga. Quer alguma coisa?

Corri para a minha porta e fingi que estava saindo do meu quarto.

— Amy.

Ela passou direto sem nem parar para falar comigo.

— Amy! — falei mais alto, mas não era possível que ela não me ouvisse. Ela parou, mas
não se virou para mim.

— Sua irmã está bem, está acordada, pode ir ao quarto falar com ela.

Fez menção de continuar andando, mas eu a impedi.

— O que houve, Amy? Por que está agindo assim comigo? Não gostou do gol que eu fiz
para você?

— A comemoração também era uma forma de me ridicularizar?

— Ridicularizar você, como assim? Do que você está falando?

— Deixa para lá, Ben. Talvez eu só esteja sendo esquisita. Preciso pegar água para sua
irmã. Com licença. — Ela não me olhou em momento algum nos olhos e a frieza em sua voz era
cortante. Tentei lembrar o que eu podia ter feito de errado até que a palavra esquisita surgiu
no meu cérebro.

Puta que pariu! Ele ouviu o que eu falei para o Aiden e entendeu tudo errado! Como eu
ia fazer para me livrar dessa?
Capítulo onze

Amy Sengupta

Esforcei-me para chegar à cozinha sem tropeçar em nada, pois estava trêmula. Todo
esse dia foi um erro e eu só queria me trancar no meu quarto e fingir que o mundo não existia.
Quando comecei a correr da palhaçada que o Aiden fez, com medo de que ele viesse até mim,
forçando um beijo em público e piorando a minha situação, até o momento em que Paul me
chamou e disse que Chloe não estava bem. Guardei meus receios e resolvi ir até o vestiário
chamar o Ben para nos ajudar, só que não consegui passar da porta, pois ouvi a pequena
conversa dele com Aiden:

— Não se mete na minha vida, riquinho! A indiana é alguma coisa sua?

— Tá maluco? Eu não me prendo à mulher nenhuma, minha preocupação é só com o


hóquei. E se fosse me prender, não seria com uma esquisita como ela.

Voltei na mesma velocidade em que fui, dei uma desculpa para Chloe e a trouxe para
casa. Ainda tive que ligar para o traste do irmão dela, pois todos estavam muito nervosos com
sua febre, inclusive eu. Por sorte, era apenas uma infecção de garganta, nada grave. Não pude
negar passar a semana na casa, já que os pais dela iriam viajar. Só torcia para que Ben tivesse
senso e nos deixasse sozinhas. Eu podia muito bem cuidar dela, sem ajuda dele.

Quando o encontrei no corredor, tremi na base. Eu não esperava que ele dissesse que
tínhamos algo, pois realmente não tínhamos, mas esperava que ele me respeitasse. Estava
acostumada com os outros me tratando assim, mas me deixei levar por meia dúzia de palavras
legais e esqueci quem era o Ben. Agora ele havia feito o favor de me lembrar e eu não ia mais
deixar que ele me enganasse.

Estava arrumando água e um chocolate quente para Chloe, já sabia onde ficavam as
coisas na cozinha e não queria incomodar. Além disso, era bom ter um tempo sozinha para
colocar os pensamentos no lugar. Mal tive tempo de respirar e o ambiente já foi infestado pela
presença do Ben.

— Você precisa me ouvir, Amy!


— Não tenho nada para falar com você, Sutton.

— Eu falei aquilo para fazer com que o Aiden te deixasse em paz!

— Falou o quê? Não sei do que você está falando.

— Olha pra mim! — Ele parou bem na minha frente, a centímetros do meu rosto, se
curvando um pouco para que nossos olhos ficassem no mesmo nível. — Eu não sei como ou o
motivo, mas sei que você me ouviu te chamando de esquisita para o Aiden — abri a boca para
responder, mas ele colocou o dedo nos meus lábios —, nem pense em me interromper.
Continuando, eu te chamei sim de esquisita, mas foi a forma que achei dele pensar que eu não
me importo com você. Percebi que você tinha razão no que falou, de ele estar atrás de você por
minha culpa e a cena hoje na Arena comprova isso, então pensei que, se eu mostrar que não
estou nem aí para ela, talvez ele mude de opinião.

— Isso é verdade? Ou você está apenas tentando me enrolar com o seu papo?

— Eu não minto, Amy. Sei que minha fama é de cafajeste, disso e daquilo, mas nenhuma
mulher que passou pela minha cama foi enganada. Todas sabiam que seria apenas uma vez,
que teriam a melhor noite de suas vidas, mas que tudo que eu podia oferecer era isso, sexo,
uma noite inesquecível e nada mais. Quando eu digo que fiz uma coisa, é porque eu fiz. Sempre
vou ser sincero, custe o que custar.

Fiquei parada absorvendo suas palavras. Não queria fraquejar, mas havia verdade no
que ele falava. Analisando bem, realmente, ele nunca mentiu para mim, nem nunca ouvi boatos
de que ele prometia algo para as mulheres. Ouvia que ele estava sempre com uma diferente,
nunca que ele enganou ninguém. Exceto a Emily.

— Você mentiu para a Emily.

— Não, não. Eu tinha um relacionamento com ela, na época da escola. Eu estava no


último ano, ela um ano antes de mim e a Chloe um ano antes dela. Ela virou amiga da minha
irmã, conquistou a família, virou projeto da minha mãe e vivia se jogando em cima de mim.
Ficamos algumas vezes e ela foi a única que eu repeti a ficada, o meu erro. Quando fui para a
faculdade, conversei com ela e prometi que ficaria apenas com ela. Nunca a pedi em namoro,
nunca prometi casamento e sempre fui sincero: eu não a amava, mas gostava da companhia e
ela fazia bem para minha irmã. Era o romance perfeito, até descobrir tudo o que ela fazia com a
Chloe. Ela que é maluca e acha que somos um casal desses filmes de comédia romântica que
vocês adoram. Se ela não fosse mulher, eu já teria dado uma surra nela, mas não posso.

— Eu não sei, Ben. No passado, tive muitos problemas com confiança, fofocas e não
quero trazer isso para a minha vida de novo. Eu só quero viver em paz, já basta a implicância da
Emily. Com ela eu posso lidar, mas o Aiden...

— Ele te fez algo?


— Além da festa, dos presentes e de hoje? Não, mas ele me passa algo estranho. Ele me
lembra alguém do passado, alguém que me machucou muito e eu quero esquecer.

— E eu vou fazer de tudo para que ele te deixe em paz, mesmo que para isso eu tenha
que te chamar de esquisita. — Ele abriu os braços. — Trégua?

— Trégua!

— Agora me conta, gostou do gol?

— Gostei — confessei, não havia nada de mais em ter gostado do gol e da dedicatória.

— E da minha dancinha especial? Viu que imitei um elefante em sua homenagem?


Ninguém entendeu nada, mas eu sabia que você ia entender que eu estava fazendo para você.

Caí na gargalhada. Incrível como Ben conseguiu ter forte influência no meu humor em
tão pouco tempo. Na realidade, acho que ele sempre teve, desde a vez em que o vi sem toalha
no quarto.

— A sua dancinha foi ridícula.

— Poxa, fiz com tanto carinho e é assim que você me agradece?

Peguei o celular e mostrei a gravação que fiz.

— Você acha que isso aqui é algo menos que ridículo?

— Ah, você gravou, pois quer ficar vendo repetidamente, né? Adorou e está com medo
de confessar!

— Gravei para ter provas desse momento. Agora deixa eu terminar o chocolate da
Chloe, que ela tem que dormir em breve para o remédio fazer efeito.

— Vamos aproveitar que você vai ficar essa semana aqui para começar suas aulas de
defesa pessoal?

— Você vai ficar aqui também?

— Essa semana sim, tenho um projeto importante para entregar e o próximo jogo é
daqui quinze dias. E não deixaria a Chloe sozinha.

— Eu vou ficar com ela.

— Mas eu sou o irmão mais velho, logo, essa é minha função.

— Tudo bem, aproveito para ir ao dormitório amanhã cedo e pegar algumas roupas. No
meio da semana quero ir ver minha tia, saber como ela está. Por telefone ela só diz estar bem,
quero ver pessoalmente para acreditar. Ela não é fácil.
— Fala quais roupas você quer que eu vá buscar daqui a pouco. E eu te levo na sua tia.

— Não, você não vai mexer nas minhas calcinhas!

— Não tem nada ali que eu nunca tenha visto, é só pano! Mas se preferir, pode ficar sem
enquanto estiver aqui em casa. Eu não ligo nem um pouco.

Taquei um pano na cabeça dele.

— Se controle, garoto! Será que existe algum pensamento que não seja depravado
sexualmente na sua cabeça?

— Com você? Tem sido bem difícil.

— Me deixa ir, Ben. Chloe já deve estar estranhando a minha demora, eu ia apenas fazer
um chocolate quente e estou presa aqui com o cara com o maior ego do mundo. Quase não
cabe nós três nessa cozinha.

— Nós três?

— Sim. Eu, você e o seu ego. O que te faz pensar que eu quero ficar sem calcinha perto
de você?

— Eu podia te dar muitas opções, mas esse seu coração disparado, essa boca
entreaberta e essa umidade que deve estar no meio das suas pernas agora são motivos o
suficiente. Vou te deixar ir, depois me diz quando quer ir à sua tia.

Ele saiu, me deixando sem palavras e completamente tonta, não apenas pelas suas
palavras, cruas e verdadeiras, mas pelo desejo que crescia vertiginosamente em mim. Ele era
um desgraçado e sabia disso.

Tentei regular a respiração e subi para ficar com Chloe, que já estava tão sonolenta que
nem percebeu a minha demora.

— Amy, obrigada por tudo!

— Não por isso.

— Sério, você é uma das melhores coisas que aconteceram em toda a minha vida. Eu
não tenho ideia do que seria de mim sem você.

— Eu te digo o mesmo, Chloe. Precisa de algo mais?

— Só mais uma coisa.

— Pode dizer.
— Promete que nunca vai me decepcionar?

Senti um nó na garganta com a pergunta dela, pois me sentia uma fraude por desejar
tanto o seu irmão, depois de prometer que nunca ficaria com ele. Tentei disfarçar o incômodo e
respondi um “claro” sem muito entusiasmo, mas ela não ouviu, pois já havia dormido. Depositei
um beijo em sua testa e fui para o quarto de hóspedes, que de tanto ser usado por mim já
considerava um pouco meu. Incrível como a gente acaba se acostumando rápido com o que é
bom.

Tomei um banho demorado e relaxante, para tentar tirar todo o estresse do dia. Tive
muito medo de ter algo errado com a Chloe. O espaço que ela ocupava no meu coração era de
uma verdadeira irmã e me doía pensar que qualquer coisa podia acontecer com ela.

Peguei o celular para selecionar alguma playlist aleatória que me fizesse relaxar, mas
antes que conseguisse escolher algo, uma chamada de vídeo do Ben apareceu, me deixando
assustada. Atendi atrapalhadamente, mas nada me preparou para vê-lo deitado na minha cama
do dormitório, com as minhas calcinhas todas jogadas em cima dele!

— Ben Sutton, o que você está fazendo com as minhas calcinhas? — Só quando terminei
percebi que falei alto demais. Ainda bem que o quarto de hóspedes ficava afastado dos demais.

— Ué, você não me disse qual queria, peguei todas e tô te ligando para você escolher.

— Você precisa devolver a chave do meu dormitório. Aí não é a sua casa para você ficar
passeando quando quiser. Isso ainda vai me dar problemas.

— O reitor é amigo do meu pai, fica tranquila.

— É amigo do seu pai, não meu.

— Amy, você tem duas opções: ou escolhe quais roupas você quer ou vai ficar pelada.
Qual vai ser?

— Eu posso ir buscar as roupas quando for para as aulas.

— O médico já fez o seu atestado de acompanhante e meu pai já encaminhou para o


reitor, que já deve ter encaminhado para os professores. Você não vai precisar vir à faculdade,
a menos que tenha algum trabalho importante. Mas como sei que você não tem, as matérias
serão enviadas para o seu e-mail e você poderá estudar em casa.

— Como vocês fizeram tudo isso em um domingo à noite?

— O reitor é amigo do meu pai. Dinheiro e contatos são capazes de fazer milagres, Amy.
Desfrute! Agora pare de me enrolar e diga o que você quer.

— Você é sempre insuportável assim?


— Essa versão é exclusivamente para você.

Vencida e envergonhada, enumerei uma por uma as roupas e objetos que precisava,
incluindo minhas roupas íntimas. Juro que um dia ainda iria fazer Ben pagar por essa vergonha
que ele estava me fazendo passar.

Ele terminou de arrumar tudo em uma mala, em momento nenhum desligou a chamada
ou parou de falar comigo. Foi humilhante, mas também foi divertido.

— Algo mais, madame?

— Sim, quero que você saia daí e me prometa que nunca mais vai mexer nas minhas
calcinhas.

— Isso é algo muito difícil de prometer, já que eu pretendo tirar algumas delas do seu
corpo. Boa noite, Amy.

Ela me jogou um beijo e desligou. Como eu ia conseguir resistir a esse evento que era
Ben Sutton?
Capítulo doze

Ben Sutton

Há muito tempo eu não dormia e acordava tão bem. Poderia dizer que era apenas o
efeito de tirar alguns dias de folga dos treinos e dos meus pais, mas essa calmaria tinha nome e
endereço: Amy.

A semana com a Amy em casa foi muito divertida. Me senti leve como há muito tempo
não me sentia e, mesmo com raiva por mais uma vez meus pais priorizarem as suas vidas e
carreiras em vez da gente, também agradeci por eles não estarem e podermos ser livres. Era
estranho, pois eu os queria por perto, sentia falta, mas quando estavam por perto, eu só os
queria longe. Acho que a pressão que eles faziam na minha vida acabou atingindo a minha
cabeça e por isso eu fiquei assim, desregulado.

Chloe respirou mais aliviada sem a superproteção deles e eu me senti mais livre sem a
pressão do meu pai. Pedi quatro dias de folga nos treinos, mesmo sabendo que estávamos no
auge da temporada: precisava terminar um projeto de cálculo para ter uma boa nota no
período e levar Amy para visitar sua tia. Ela não tinha gostado muito da ideia, mas eu não dei
escolha. Chamei Chloe para ir com a gente apenas para que ela não desconfiasse, torcendo
para que ela não aceitasse, e comemorei internamente quando ela disse não, mas incentivou
para que Amy fosse comigo. Na cabeça da minha irmã, éramos uma irmandade. Só esperava
que os pensamentos dela não influenciassem os de Amy.

No terceiro dia em que a pequena elefante estava aqui, preparei tudo para nossa rápida
viagem. Queria ir cedo para chegarmos ainda durante o dia, a deixaria na casa da tia, dormiria
na casa dos meus pais na cidade e voltaríamos de noite. Ainda queria levá-la em um lugar, mas
era surpresa.

Acordei cedo e preparei tudo, já tinha deixado as duas avisadas, mas Amy insistia em
dizer que não ia comigo. Por isso resolvi ir acordá-la de um jeito muito especial: colocando
Slipknot no último volume. A cara de susto dela foi impagável.

— Se não quiser que eu te dê banho, é melhor estar pronta em trinta minutos. O café já
está arrumado, Chloe já está avisada e a enfermeira que contratei para ajudar nos cuidados
dela já chegou. Só falta a princesa descer. Se em trinta minutos você não estiver no meu carro,
eu vou te pegar do jeito que você estiver e nós vamos assim.

Não dei chance para que ela falasse nada, apenas saí e fui colocar as malas no carro.
Vinte e sete minutos depois, uma Amy com cara de poucos amigos chegou, mal me
cumprimentou e se sentou no banco do carona.

— Bom dia para você também, mal-educada!

— Bom dia? Você tem a cara de pau de me desejar bom dia? Você colocou Slipknot para
gritar no meu ouvido seis horas da manhã, me deu meia hora para me arrumar e está me
obrigando a ir em uma viagem de quase seis horas com você. Não tem como ser um bom dia
assim, não quero papo, eu quero dormir. Fiquei acordada até as três estudando, depois de dar
mais de três horas de aula on-line e tudo que eu queria era ter pelo menos seis horas de sono.
Então, se você não quer que eu te enforque com o cinto de segurança enquanto você dirige, é
melhor me deixar quieta!

Ela falou tudo quase sem respirar, colocou o fone de ouvido, óculos escuros e puxou o
capuz do casaco. Aparentemente, faria a ida praticamente sozinho, pois com cinco minutos do
carro andando Amy já estava apagada.

Aproveitei para pensar no rumo que as coisas estavam tomando. Tinha medo de toda
essa empolgação com ela passar logo depois que ficarmos de verdade. Era engraçado esse
joguinho, mas não queria que ela se machucasse. Pela primeira vez minha irmã tinha uma
amiga que estava com ela porque queria, não porque desejava ter alguma vantagem sobre ela
ou se aproximar de mim. E justamente essa tinha que ser a que me despertava algum desejo.

Ao mesmo tempo, sentia que fosse lá o que fosse que estava acontecendo entre nós era
algo diferente do que estava acostumado. Me parecia mais real, porém também podia estar
confundindo pela convivência. De qualquer forma, Amy não seria uma das garotas que visitava
a minha cama e eram descartadas, pois ela iria continuar ali, amiga da Chloe, frequentando a
minha casa, praticamente um membro da família. Como eu iria transar com ela em um dia e no
outro agir como se nada tivesse acontecido? Nunca foi tão burocrático conseguir sair com
alguém, deve ser por isso que evitei qualquer relacionamento a vida inteira. Complicação
demais para apenas se permitir viver o que sentia.

Decidi ligar o som para que ele cobrisse os meus pensamentos, selecionei minha playlist
favorita e segui a viagem. Apesar do frio, não chovia e o tempo estava até bonito. Mesmo sem
Sol, ver o dia clareando aos poucos, a estrada mudando, o clima ficando mais agradável me
deixava mais disposto.

Um pouco antes de chegarmos em Frankfort, Amy despertou e resolvi parar em um


restaurante para que pudéssemos almoçar. Ela tentou retrucar, mas eu disse que estava com
fome e como dirigi mais de cinco horas sem interromper nem por um minuto o sono dela,
mesmo quando ela roncou, ela cedeu. Escolhi um local que tivesse opção vegetariana, pois
sabia que ela não consumia carne vermelha.
— Eu nunca tinha vindo nesse restaurante. Na realidade, não tive muito tempo para
conhecer nada. Desde que cheguei, só pensei em trabalhar e conseguir juntar o máximo de
dinheiro possível para a faculdade. Acho que o único lugar que eu conheci foi a lanchonete da
praça, pois parei lá um dia para comer entre um emprego e outro. — Para quem não estava
com fome, Amy comeu muito bem e parece que isso a relaxou, pois começou a falar sem que
eu precisasse me esforçar muito. — No fim, apesar de tudo, foi bom ter vindo uns meses antes,
me permitiu ter um alívio de grana que eu não teria se viesse muito em cima.

— A sua bolsa é integral? — perguntei na expectativa de que ela continuasse falando.


Sempre quis saber os detalhes da vinda dela para cá.

— Sim. Em relação aos estudos não preciso me preocupar, nem durante o período que é
obrigatório ficar no alojamento, só que isso não é o suficiente para me manter. Tem material,
comida, roupa, preciso ajudar minha tia. Por isso trabalho no seu pai, faço freelancer de criação
de sites, dou aulas particulares e presenciais de dança. Às vezes também pego alguns dias em
um bar perto da faculdade, para servir mesas, festas. Esse é mais raro, pois é cansativo, mas
faço pelo menos umas duas vezes no mês. É o extra que junto para mandar para minha tia.

— Vocês sempre foram muito próximas?

— Sim! Minha mãe até tinha ciúmes da gente. Até os meus dez anos minha tia morava
na casa ao lado da nossa e eu fugia para lá sempre que podia. Meu passatempo favorito era
ouvir ela falar, sobre o mundo, sobre suas vontades. Seus desejos. Minha tia me inspira, sempre
me inspirou. Foi ela que me mostrou que havia um outro mundo, além das nossas tradições e
da submissão de nossa família. Lá ela sofria muito por pensar diferente e querer ser diferente.
Ela colocou três pretendentes para correr, acredita nisso? Imagina o caos que não foi. Até que
ela conseguiu juntar o suficiente e veio para cá, viver o sonho dela.

— E foi por isso que você veio? Por causa dela?

Ela ficou em silêncio por alguns segundos e seu olhar ficou meio perdido, como se
lembrasse de algo e procurasse as palavras certas para contar.

— Não apenas por isso, mas foi ela quem me deu a possibilidade. Eu vim por mim, pelo
desejo de querer ser mais do que me ofereciam. Não tinham muitas opções para mim no meu
país. Estamos evoluindo, mas ainda é uma evolução difícil, principalmente quando você tem um
pai que vive no século passado. E eu sentia que podia e precisava de mais do que eu conseguiria
lá. Muito provavelmente meu pai nunca me deixaria cursar uma faculdade enquanto morasse
com ele. A outra opção seria casar e meu marido seria outra forma de me prender.

— Seu pai é muito difícil?

A pausa que ela fez antes de responder explicou tudo: seja o que foi que aconteceu, foi
com o pai dela e é algo não resolvido e que ainda dói.

— Você nem imagina o quanto.


Então ela perguntou como estava o projeto e como eu conseguia conciliar os jogos e a
universidade. Eu expliquei que, nesses períodos mais complicados, tínhamos algumas exceções
e diferenças de datas, mas que manter boas notas e assiduidade nas aulas era fundamental
para me manter no time. O fato de ser atleta nos permitia algumas regalias, mas o foco
principal sempre tinha de ser os estudos.

Conversamos sobre nossa vida acadêmica, planos e coisas comuns. Amy me contou
como o clima era diferente, como ela sentia falta das cores, sempre tão presentes no seu país e
da diferença de sabores e temperos das comidas. Sempre muito impessoal, sem nunca revelar
muito sobre ela. Percebi que ela evitava tocar em qualquer coisa muito pessoal e respeitava
isso. Não queria estragar o bom momento que estávamos vivendo.

Após a sobremesa, fomos para a tia dela, que insistiu para que eu ficasse. Neguei, pois
sabia que Amy queria ter um momento com a tia e ficaria incomodada com a minha presença.
Me despedi das duas, combinei de pegá-la logo depois do almoço no dia seguinte e fui para a
nossa casa na cidade.

Éramos daqui e essa era nossa residência oficial, mas desde quando Chloe conseguiu a
vaga na faculdade, meus pais compraram uma casa por lá, para deixá-la mais confortável.
Assim, eles podiam nos visitar com frequência. Eu tinha um pequeno apartamento próximo do
campus, mas vivia na casa em Indiana, para poder ficar perto da Chloe, igual fazia enquanto ela
ainda estava aqui e eu já estava na faculdade.

Aproveitei para rever algumas fotos da nossa infância e relembrar como éramos felizes.
Não que a gente não fosse agora, mas a vida era mais leve. Adorava ver Chloe correndo,
andando de bicicleta, descobrindo o mundo. Vi uma foto nossa na casinha da árvore e aquele
dia veio à minha memória, o dia em que tudo mudou. Olhei para a cicatriz no meu braço
esquerdo e mais uma vez lamentei que eu tenha apenas isso, enquanto Chloe perdeu todos os
sonhos que tinha. Essa culpa eu sempre iria levar comigo e nunca iria poder me perdoar.

Deixei os retratos de lado e fui me deitar. Sempre que via as fotos ficava assim, uma
mistura de alegria e tristeza, culpa e ódio. Cada vez que ouvia uma negativa do médico,
informando que ela não tinha chance de voltar a andar era como tomar uma facada no peito.
Eu devia ter protegido a minha garotinha, mas fui o responsável pela sua maior dor. Sozinho e
tomado pela culpa adormeci, esquecendo qualquer plano que podia ter feito para curtir essa
noite.

Acordei apenas no dia seguinte e vi o telefone cheio de mensagens e chamadas. Falei


com Chloe, tranquilizando-a e dizendo que estava bem. Avisei a Amy que passaria lá em duas
horas para buscá-la e fui correr um pouco, para ajudar a esfriar a cabeça.

Parei no primeiro lugar que vi aberto e fiz um lanche, aproveitei para passar no mercado
e comprar as coisas para a surpresa que estava preparando para a Amy. Precisei pesquisar no
Google o que comprar, mas acho que daria certo. Queria que a gente tivesse um tempo legal
juntos, sem preocupações, sem provocações ou interrupções externas e não sabia quando
poderíamos fazer isso de novo. Esperava que ela não interpretasse de maneira errada e nem
tentasse entender minhas intenções, já que nem eu mesmo sabia quais eram.

Em casa, tomei um banho e me arrumei, partindo em seguida para buscá-la. Falei


rapidamente com sua tia, que me encheu de conselhos e pediu para que eu tomasse conta
dela, o que eu prometi fazer.

Amy parecia estranha, calada, mas não forcei para saber o que houve. Aprendi que
sempre que algo a chateava, era importante deixar que ela tivesse uns minutos sozinha.

Ela estava tão absorta que não percebeu que fiz um caminho diferente do que deveria.

— Está tudo bem, Amy? Você voltou calada da sua tia.

— Não, não está.

— Eu posso ajudar?

— Minha tia tem pressão alta e diabetes, e não está se cuidando. Eu tinha razão, ela não
está bem, mesmo me dizendo que está. Eu quis largar a faculdade para cuidar dela, mas ela
disse que não posso. E no Natal e Ano Novo ela vai para a Índia. Ela não pisa lá há mais de sete
anos. Ela tá indo se despedir, Ben! E eu não posso fazer nada! — Amy caiu no choro e eu parei o
carro, tirei o meu cinto e o dela, e a puxei para o meu colo.

— Calma, Amy! Vamos pensar no que podemos fazer por ela, sem que você precise sair
da faculdade. Se é algo que pode ser controlado, vamos descobrir um meio de fazer. E talvez
ela não esteja indo se despedir, apenas está fazendo isso, pois tem medo que algo aconteça e
ela não tenha visto sua mãe pela última vez.

— Eu não quero que você se meta, sua família já me ajuda demais e eu não quero
abusar disso. Esse é um problema que eu tenho de resolver sozinha.

— Você é parte da nossa família! Quando vai entender isso? Ninguém te vê como um
peso, ou alguém que quer se aproveitar da gente, mas te vemos como alguém que participa da
nossa dinâmica familiar, com carinho e afeto. Você vai com a sua tia?

— Para a Índia?

— Sim, você não vê seus pais há quase dois anos, certo?

— Não vou. Eu não piso mais lá.

A dor com que ela disse isso só me fez ter mais certeza de que algo grave aconteceu.

— E tem algum motivo?

— Eu não sou digna — falou e desceu do meu colo, retomando o seu lugar enquanto
enxugava suas lágrimas — Obrigada, já estou melhor, podemos ir.
Apenas assenti e quando retomei a estrada, ela percebeu que estava fazendo um
caminho diferente.

— Acho que você pegou o desvio errado.

— Não peguei não.

— Então para onde estamos indo, Ben?

— Você confia em mim?

Silêncio. Percebi que ela começou a esfregar uma mão na outra e suas pernas ficaram
inquietas.

— Não ouvi sua resposta, Amy. Confia em mim?

— Depende.

— É uma surpresa. Mas estou te levando para um lugar público, se não quiser ficar, vou
ficar chateado, mas te trago de volta na hora. Logo estaremos lá e ficaremos apenas o tempo
que você desejar. Prometo pela vida da Chloe.

— Tudo bem, vou te dar um voto de confiança.

— Posso pedir uma coisa?

— Lá vem! O que foi agora?

— Preciso que fique de olhos fechados, para não estragar a surpresa. Eu até pensei em
te vendar, mas fiquei com medo da sua reação e, da mesma forma que você confiou em mim
para aceitar a surpresa, vou confiar em você se me disser que não vai olhar.

— Combinado, vou colocar os óculos, fechar os olhos e ouvir uma música. Pode colocar
a venda se quiser, me facilita a não abrir os olhos sem querer.

— Está me pedindo para vendá-la, Amy?

— Estou deixando que tape os meus olhos para que a sua surpresa seja completa,
Sutton. Nada além disso.

— Bom, já temos um começo. — Peguei o tapa-olho e entreguei para ela. — Só tire


quando eu avisar.

O resto da viagem seguiu tranquilo e chegamos ao Carol Ann's Carousel, em Cincinnati,


quase duas horas depois. Por ser meio de semana, o local estava relativamente vazio, mas
igualmente belo.

— Chegamos. Eu vou estacionar, te ajudar a sair do carro, vamos andar alguns passos e
só depois você vai tirar a venda, tá bem?

— Pra que tanto mistério, Ben?

— Juro que vai valer a pena, bom, pelo menos eu acho que vai. Agora vamos lá.

Fiz tudo o que comentei, retirei a cesta de piquenique e caminhei até a entrada do
Smale Riverfront Park19. Com cuidado, retirei a venda de Amy e falei:

— Bem-vinda ao Carol Ann's Carousel!20


Capítulo treze

Amy Sengupta

Assim que Ben tirou a venda, fiquei paralisada diante de tanta beleza.

Meus olhos não acreditavam no que estavam observando nesse momento! Esse lugar
era mágico e muito mais bonito de perto. Ver Ben com uma cesta de piquenique nas mãos,
dizendo bem-vinda parecia algo surreal demais para ser verdade nesse momento.

Quando ele me estendeu a mão, me convidando para ir com ele, decidi que, pelo menos
por hoje, iria deixar toda a preocupação para trás e viver cada segundo desse dia. Amanhã eu
lidaria com as consequências.

Ben conseguiu um guarda-volumes para deixar as coisas do piquenique enquanto íamos


ao Carrossel. A vista era maravilhosa e o entardecer deixava tudo mais bonito.

O frio do inverno pairava no ar, mas dentro do Carol Ann's Carousel, a atmosfera era
calorosa e aconchegante. O som suave da música do Carrossel enchia o espaço, enquanto as
luzes coloridas refletiam nas figuras esculpidas à mão que giravam suavemente. Decidimos dar
uma pausa nas voltas no Carrossel e encontramos um banco afastado, observando as luzes
cintilantes ao seu redor. Pegamos um algodão doce e por alguns minutos me senti criança de
novo.

— Esse lugar é mágico! Parece que estamos envolvidos em uma atmosfera de felicidade,
toda colorida! — Observei Ben sentar e colocar um pedaço enorme de algodão doce na boca.
Nesse momento, senti meu coração acelerar enquanto olhava para ele. Nossos olhos se
encontraram, refletindo a luz suave que preenchia o lugar. Ben, com aquele sorriso que
conseguia qualquer coisa, me ofereceu sua mão e juntos resolvemos explorar o local. Pegamos
as coisas do piquenique e resolvemos procurar um lugar para continuar o passeio.

Uma ponte iluminada sobre o rio Ohio se estendia diante de nós.. O reflexo das luzes
dançava na água, criando um cenário deslumbrante. Ben envolveu o braço ao meu redor,
compartilhando calor em meio à brisa fria. Caminhamos devagar pela ponte, trocando risos e
histórias, enquanto o brilho das luzes do Carrossel acompanhava cada passo.
Encontramos um espaço muito convidativo ao longo da margem do rio, estendemos a
toalha e colocamos as coisas que ele trouxe para o piquenique. Havia frutas, pães, doces e
refrigerantes. Nos sentamos lado a lado, contemplando a cidade iluminada à distância. O som
suave da água fluindo se mesclava à melodia distante do Carrossel. Quando nossas mãos se
tocaram de forma aleatória, senti uma conexão que nunca havia sentido antes e percebi que
Ben também foi afetado, pois me olhou de uma forma diferente.

A brisa fria do inverno se misturava com o calor do afeto, criando uma atmosfera íntima.

Ao nosso redor, as luzes coloridas do Carrossel lançavam sombras suaves, criando um


cenário etéreo. Estávamos envolvidos envoltos em um casulo de ternura, como se estivéssemos
imunes a qualquer contato do mundo exterior. Nossa risada ecoava pelo ar, como uma trilha
sonora espontânea para a noite romântica que se desenrolava.

À medida que o piquenique prosseguia, nos aproximávamos cada vez mais. Quando
percebi, já estávamos de frente um para o outro. Ben inclinou-se um pouco na minha direção,
nossos olhos se encontraram, transmitindo uma mensagem silenciosa de carinho e um pedido
mudo. Um sorriso cúmplice ganhou seus lábios antes que o beijo acontecesse, suave e cheio de
promessas. Foi um beijo que capturou a magia da noite e a doçura do momento compartilhado.
Diferente dos outros beijos, esse foi tranquilo, suave e sem pressa. Como se estivéssemos
descobrindo um ao outro pela primeira vez.

Com calma nos afastamos, mas mantivemos nossas testas juntas, aproveitando a
proximidade reconfortante. O som da música do Carrossel se misturava ao murmúrio do rio,
criando uma trilha sonora única para o nosso momento.

— O que nós estamos fazendo, Ben?

— Eu não sei, Amy. E também não sei se quero descobrir. Preparei tudo isso aqui hoje,
pois queria ter um momento tranquilo com você, longe de tudo e todos, sem as minhas piadas
ou a sua grosseria. Queria que fosse especial, mas não sei o motivo. Também não tinha
nenhuma outra intenção além de te fazer sorrir um pouco. Eu realmente não sei o que está
acontecendo e não posso te prometer nada, mas se eu puder te pedir uma coisa é: vamos viver
isso, agora, aqui, da melhor maneira possível? O depois a gente vê, mas vamos relaxar e
aproveitar o momento.

Não precisei pensar muito para responder e, em vez de falar, o beijei, dessa vez com
menos calma e mais desejo, para que ele entendesse que eu queria esse momento tanto
quanto ele.

— Amy, calma ou eu não respondo por mim. Quero que me beije, mas eu não sou de
ferro e estamos em um lugar público. Se você quiser, podemos ir para outro lugar, mas você
quem manda. Não te trouxe aqui esperando nada, mas vou receber tudo o que você quiser me
oferecer, mas quem decide é você, só você.

— Não vamos prometer nada, vamos apenas aproveitar e ver o que acontece.
— Tem certeza?

— Absoluta.

— Então vem aqui.

Ben me puxou para o seu colo, para mais um beijo intenso que trazia calor para aquela
noite de inverno. O beijo persistia, uma dança de emoções que acompanhava o crepúsculo. À
medida que o Sol se despediu no horizonte, a Lua assumiu seu reinado, lançando uma luz suave
sobre nossos corpos que pareciam querer tornar-se um só. A atmosfera ao redor tornou-se
íntima, como se o universo conspirasse para testemunhar aquele momento mágico.

Nossos lábios se moviam em sincronia, uma troca de carícias ardentes e ternas. Sob a luz
lunar, nossos corpos pareciam sincronizados, dançando ao ritmo de uma melodia invisível.
Nossas mãos exploravam o corpo um do outro, buscando tocar e sentir, cada toque um selo de
pertencimento, como se estivéssemos marcando aquele momento na eternidade.

Cada beijo era uma nova descoberta, que nos levava para um lugar de tranquilidade e
calma, uma dimensão onde apenas existia nós dois. O tempo parecia desacelerar, permitindo
que absorvêssemos cada detalhe um do outro. Nossas risadas se misturavam com suspiros
apaixonados, enquanto palavras sussurradas se perdiam no ar noturno.

Em meio a carícias delicadas, nossas conversas foram substituídas por


sussurros e suspiros, resultado do desejo que crescia cada vez mais forte entre nós dois.

Nos braços de Ben, descobri uma paz que nunca imaginei sequer existir. Ele acelerava o
meu coração ao mesmo tempo que trazia tranquilidade. Despertava lugares em meu corpo que
eu nem sabia que funcionavam assim e me fazia querer cada vez mais.

— Eu quero você, Ben!

— O que você disse, Amy?

— Que eu quero você. Não tenho dúvidas, não me faça pensar muito, só me tira daqui e
faz o que você sabe fazer de melhor.

Ele parou, se afastou, me olhou nos olhos e disse:

— Eu preciso que você tenha certeza do que está pedindo. Não vou ser romântico, até
porque, o máximo que vou conseguir aqui é um motel que não estará à sua altura. Também
não posso te prometer que serei um príncipe encantado ou que isso significa um compromisso,
mas prometo que vou te respeitar e cuidar, vou fazer apenas o que você quiser e que vamos
conversar para entender tudo que aconteceu. Não acho que apenas uma vez será o suficiente
para saciar o desejo que tenho de você, mas também não posso te prometer que isso vai virar
um romance.
— Ben, eu não estou cobrando nem esperando nada. Estou apenas vivendo o momento,
me permitindo. Hoje, apenas hoje. Eu e você. Pode ser em um quarto de motel, mas eu quero
ser sua e quero que você seja meu, pelo menos nas horas em que estivermos juntos e que for a
nossa vontade. A menos é claro que você não queira, aí podemos ir embora e fingir que nada
disso aconteceu.

— Tá maluca!? É claro que eu quero. Vamos guardar tudo, procurar um lugar excelente
ou o melhor que pudermos achar por aqui e vamos viver essa noite. Completa. Só nós dois.

Ele se levantou, recolheu tudo e me pegou no colo. Dei um grito com o carinho
inesperado, mas depois comecei a rir. Ele ainda me carregou por um tempo e qualquer pessoa
que visse de longe juraria que éramos um casal apaixonado. Mas só nós dois sabíamos a
verdade. Era só desejo. Entrega, tesão. Eu queria saber como era desejar e ser desejada de
verdade, estando consciente e com poder de escolha. Queria tomar a decisão por mim mesma,
deixar que meu corpo sentisse e demonstrasse o que gostava ou não. E acho que não teria
ninguém melhor para fazer isso do que ele.

Chegamos ao carro sem deixar de nos tocar um só minuto. Beijos, carícias que ficavam
cada vez mais ousadas, risadas, pequenos abraços. Uma cumplicidade cresceu e se instalou
como se tivéssemos sido assim sempre. Vi quando Ben pesquisou algo no celular,
provavelmente procurando onde passaríamos a noite.

Não me permiti pensar no que estávamos prestes a fazer para não me trair e começar a
me arrepender. Eu merecia uma noite assim. Também me prometi que essa seria a única. Entre
o Ben e a Chloe, eu sempre a escolheria. Sabia que isso aqui não tinha futuro e que a amizade
dela era para a vida toda. Infelizmente, teria de levar esse segredo comigo para não a magoar e
correr o risco de estragar tudo, mas também não podia perder a oportunidade de viver uma das
melhores noites da minha vida. Rodamos por alguns minutos e paramos em um motel melhor
do que eu esperava. Rapidamente fizemos a ficha e fomos para o melhor quarto, que
realmente era bonito, espaçoso e limpo.

Ben reforçou tudo que já havia dito e eu o calei com um beijo. Minha cabeça já pensava
demais e eu não precisava da voz dele me lembrando tudo que eu insistia em esquecer nesse
momento. Sugeri que cada um tomasse um banho separado e ele acatou, disse que seria bom
para abrandar um pouco o clima e para me fazer pensar. Que se eu quisesse desistir, ele
entenderia. Pedi que ele fosse tomar banho primeiro e, quando ele saiu, pedi que fosse buscar
um chocolate. Tinha um plano na minha cabeça que eu esperava que desse certo e o fizesse
calar a boca.

Enquanto ele saiu, me apressei para tomar banho, vesti a minha lingerie e o roupão.
Fiquei sentada na cama esperando-o chegar. Quando entrou e trancou a porta, esperei apenas
que ele tirasse a camisa, levantei-me, fui até ele e deixei o roupão cair.

— Eu sei o que que quero, Sutton. — Depositei um beijo no canto da sua boca e comecei
a distribuir beijos por todo o seu rosto, parando perto do seu ouvido e sussurrei: — E você, sabe
o que quer, Ben?
Sua resposta não veio em palavras, mas em atos. O beijo que veio em seguida tomou
meu fôlego e acendeu todo o meu corpo que mal percebi quando ele me colocou na cama e
começou a se despir, enquanto me beijava.

Finalmente ia acontecer: eu iria dormir com Ben Sutton!


Capítulo catorze

Ben Sutton

A recepção que tive ao voltar para o quarto foi algo realmente inesperado. Ver Amy
caminhando até mim, usando apenas um jogo de lingerie branca, com seus cabelos soltos e
completamente segura de si foi golpe baixo, diretamente nos meus países baixos.

Minha única reação foi beijá-la com todo o desejo que explodia dentro de mim naquele
momento. A tomei em meus braços e a coloquei na cama, tentando não parecer um
adolescente afobado, pois era assim que eu me sentia nesse momento. Tê-la diante dos meus
olhos, entregue e segura do que queria mexeu demais comigo.

Tirei a minha roupa, ficando apenas de cueca boxer. Comecei beijando os seus pés e fui
subindo, degustando cada pedaço do seu corpo e venerando-a como uma deusa.

Observar cada reação sua, a forma como se contorcia e emitia gemidos baixinhos,
entregue, sem ressalvas, fazia com que eu me sentisse no céu. Ou talvez no inferno, pois devia
ser pecado tudo que eu imaginava fazer com essa garota. Seu corpo era pequeno, todo
proporcional e feito sob medida para caber em minhas mãos. À medida que subia, sentia-a se
arrepiar por onde eu passava. O calor que emanava dos nossos corpos era quase palpável.
Parecia que uma corrente elétrica percorria todo o ambiente.

Quando cheguei aos seus seios, a levantei o suficiente apenas para abrir e retirar o sutiã.
Brinquei um pouco com cada mamilo, beliscando devagar, massageando e apertando. Quando
finalmente abocanhei o primeiro, Amy gemeu alto e depois me olhou envergonhada.

— Não quero que tenha vergonha de nada, Amy. Aqui é o nosso santuário, você pode
ser o que quiser, falar e fazer o que quiser. Somos livres e adultos, se algo incomodar, você fala.
Se doer, você fala. Se quiser parar, você me bate para que eu volte a mim e pare. Mas não se
contenha. Seus gemidos são como combustível, quanto mais você geme, mais que quero você!
— Mordisquei um mamilo. — E é uma forma de saber o que você gosta. Estamos nos
conhecendo, então fique à vontade para falar, apontar, resmungar e, principalmente, desfrutar.
Hoje é tudo sobre você, então me ajude a te dar prazer.
Ela apenas resmungou um sim e eu prossegui com a exploração do seu corpo. Deslizei
uma mão até o meio das suas pernas e senti pelo fundo da calcinha a quentura e umidade que
estavam vindo dela. Parei um pouco de dar atenção para os seus seios apenas para retirar sua
calcinha. Respirei entre suas coxas, soprando devagar bem no meio das suas pernas. Ela se
contorceu e sua lubrificação aumentou. Brinquei na sua entrada com um dedo, sem invadi-la,
apenas provocando e acariciando, observando sua excitação aumentar, absorvendo cada
sensação e expressão que ela me fornecia.

Depois de atiçar um pouco, deslizei um dedo para dentro dela, em movimentos suaves,
para explorar o seu corpo. Amy me recebeu de bom grado, me apertando e contorcendo as
pernas. Seus quadris começaram a se mexer, implorando por alívio e eu segui no estímulo, até
que ela se desmanchou em minhas mãos.

Observar seu rosto pós-orgasmo, seu corpo relaxando e ansiando por mim quase
fizeram com que eu perdesse o controle, mas corri para pegar a camisinha, retirei a cueca e fiz
um show à parte enquanto a colocava.

Amy permaneceu na cama, apoiada nos cotovelos, me olhando vestir a camisinha. A


expressão de mulher sensual lhe caía muito bem e me peguei pensando que seria bom ter isso
mais vezes. Sem perder mais tempo, fui até ela, me encaixando em suas pernas, espalhando
beijos pelo seu ventre e coxas.

— Eu queria muito sentir o teu sabor, mas preciso entrar em você agora ou meu pau vai
explodir. Se doer, me avise que eu paro. Eu vou encaixar de uma vez, rápido, mas vou me
mexer devagar, para que você se acostume aos poucos, mas não sei por quanto tempo vou me
controlar. Se eu sair do rumo, se forçar muito, me pare. E se eu não durar muito, a gente
repete, temos a noite toda para isso.

— Você fala demais, Ben! Assim vou começar a achar que tudo isso é propaganda
enganosa.

— Você não me desafie, mulher! Eu estou tentando ser um cavalheiro aqui, mas você
não está ajudando, depois a minha versão ogro aparece e você vai reclamar.

— Quantas versões você tem, garoto?

— Para você, quantas precisar.

Encaixei e entrei duro e fundo, de uma vez. Amy abafou um grito que me fez parar um
pouco. Me mexi devagar, para que ela se acostumasse com os movimentos e meu tamanho.
Aos poucos, comecei a me movimentar e fui aumentando o ritmo, enquanto a beijava, mordia e
apertava. Nossos corpos encontraram a própria sincronia e se perderam em uma dança repleta
de tesão, suor e luxúria.

Amy estava completamente entregue e era lindo observar como ela ficava a cada
estocada, como até o suor escorrendo no seu corpo era sexy. Não resisti e lambi uma gota que
escorria pelo vale dos seus seios e então explodi, gozando forte na camisinha e enterrando o
mais fundo que podia. Aperto sua cintura tão forte que meus dedos devem ficar marcados, mas
Amy não reclamou, apenas veio para mim em mais um orgasmo, se contorcendo em meu pau,
me dando uma das mais belas visões que já tive na vida.

Ainda mole, a carreguei para um banho, apenas para limpá-la. Acredito que, mesmo não
sendo virgem, Amy não devia ter uma vida sexual muito ativa, pois não a via com ninguém,
então não queria assustá-la ou machucá-la. A coloquei debaixo do chuveiro, lavei seus cabelos,
ensaboei seu corpo, brincando em algumas partes, mas sem forçar. Meu pau acordou, mas me
controlei.

Hoje não era sobre mim, era sobre a Amy, então tudo seria no tempo dela, mesmo que
isso me doesse um pouco. Ela não retrucou nada, parecia estar exausta, por isso, terminei o
banho, a enrolei na toalha e nos jogamos na cama. Sequei seu cabelo, peguei o roupão,
coloquei nela e fiquei nu. A puxei para uma conchinha e acariciei seus cabelos.

— Agora você vai descansar e, quando acordar, podemos repetir a dose ou irmos
embora, você que decide. Quero que saiba que o que aconteceu aqui foi muito importante e
especial para mim. E que eu gostaria que acontecesse mais vezes. Independentemente do que
aconteça daqui pra frente, fora do quarto, nada muda entre a gente. Lá fora seguimos sendo o
Ben e a Amy e aqui no quarto você é a rainha e eu sou o seu servo, pronto para te dar prazer,
enquanto você quiser. O controle é seu, Amy. Tudo está nas suas mãos.

Ela não me respondeu, apenas balançou a cabeça e se manteve em silêncio. Fiz carinho
nos seus cabelos até ouvi-la ressoar baixinho. Quando confirmei que ela dormiu, me ajeitei
mais encaixado nela e me permiti descansar. Essa, com certeza, entrou no ranking das melhores
noites da minha vida.
Capítulo quinze

Amy Sengupta

Acordei assustada, sem identificar onde estava. Uma mão masculina estava sobre meu
corpo e aos poucos eu fui me situando... Eu havia dormido com o Ben! Quer dizer, dormir não
era bem a palavra, mas eu havia transado com ele e gostado!

Levantei-me com cuidado para não o despertar e fui até o banheiro. Me olhei no
espelho e quase não reconheci a menina refletida nele. Meus olhos estavam mais brilhantes,
meu cabelo bagunçado e um sorriso bobo teimava em escapar dos meus lábios. Peguei o
celular para conferir as horas e vi algumas mensagens da Chloe. E nesse momento a ficha do
que eu tinha feito caiu: tinha quebrado minha promessa com a Chloe e colocado nossa amizade
em risco. E a troco de quê? De uma noite que seria só mais uma na lembrança do Ben.

Deixei-me levar e agora estava arrependida, podendo ter perdido a única pessoa que
realmente se importou comigo na vida, sem ter nenhum laço de sangue que nos ligasse.
Respondi às suas mensagens no automático, com medo de que ela percebesse por um segundo
o que fiz. Ela era tão boa que nem imaginava que, enquanto ela estava preocupada com a
saúde da minha tia, eu estava transando com o irmão dela em um motel de beira de estrada.

Não consegui voltar a dormir e quando o Sol surgiu, quase inexistente entre as nuvens
nessa fria manhã de novembro, eu ainda estava sentada na poltrona do quarto, observando
Ben dormir e pensando nos rumos que precisava tomar para a minha vida.

Não podia confiar nos meus sentimentos, pois eles sempre me colocavam em furadas.
Como agora, que meu coração insistia em bater descompensado pelo Ben, criando cenas
românticas e um cenário que jamais existiria. Já havíamos tido a noite tão esperada, agora eu
seria só mais uma para o Ben. Quantas vezes não ouvi isso acontecer? Chloe sempre dizia que
era mais fácil contar as estrelas do céu do que as mulheres que passavam pela cama do Ben,
que ninguém ficava, todas sempre estavam de passagem. E que uma regra dele era nunca se
prender a ninguém, pois tinha muita dificuldade em confiar nas pessoas e não aguentava mais a
pressão que recebia do pai, por isso queria ser o mais livre possível. Agora eu fazia parte dessa
lista, sem nenhum orgulho.
Só que o meu cérebro saber disso não fazia o meu coração parar de sonhar. Tinha
prometido que não seria mais ingênua e nem deixaria que os meus sentimentos me fizessem
ter escolhas ruins, mas aqui estava eu, de novo, fazendo uma má escolha movida apenas pelo
que sentia. Achei que poderia ter apenas algo casual com ele, que a partir do momento em que
saíssemos por aquela porta tudo voltaria ao normal e agora estava aqui, desejando algumas
migalhas de carinho e atenção de um cara que sempre soube que nunca seria meu.

Quando Ben começou a dar indícios que iria despertar, corri para o banheiro, tranquei a
porta e fui tomar banho. Queria evitá-lo um pouco e também queria fugir da tentação. Só
queria ir embora e voltar para a minha realidade, empurrar essa noite para o canto das
lembranças e viver como se nada disso tivesse acontecido.

— Amy! Tá tudo bem? — Ele bateu à porta, ainda com voz de sono.

— Tudo, só estou tomando banho, para adiantar e irmos embora o mais cedo possível.

— Tá tudo bem mesmo? Tem certeza?

— Sim, Ben! Só quis ter um tempo para mim.

— Ok, vou pegar algo para o café. Quer alguma coisa?

— Nada especial. Confio no seu bom gosto.

Ouvi o bater da porta quando ele saiu e caí no choro. Culpa, medo, raiva, tudo caiu sobre
mim como uma avalanche. Tentava ser madura, mas eu só tinha dezoito anos! Queria muito
saber como agir, o que fazer, mas às vezes ainda me sentia uma criança indefesa lutando contra
todos os seus maiores monstros sozinha. Não permiti que o choro durasse muito e busquei me
recompor. Saí do banheiro vestida e pronta no momento em que Ben entrou no quarto. Nos
falamos rápido e fui logo tomar o café, com a desculpa de estar faminta.

Ele tentou puxar papo por várias vezes, mas eu fugia ou respondia com monossílabas.

— Porra, Amy! O que foi que eu fiz?

— Nada!

— Então por que você está me tratando assim?

— Eu tô tentando manter distância para que as coisas fiquem normais entre a gente.
Desculpa se eu não sei lidar com isso, é novo para mim transar com um cara e depois ter que
tomar café com ele como se nada tivesse acontecido.

— Não precisa agir assim. Nada mudou entre a gente. Transamos, foi bom, foi muito
bom, mas isso não apaga o que tínhamos antes. Como eu te disse, o que acontece no quarto
fica no quarto, nossa vida lá fora continua e me irrita saber que você acha que eu te trataria
diferente. Você não é só mais uma garota que eu transei, Amy. Você é a melhor amiga da
minha irmã, parte da minha família e alguém que considero bastante. O fato de desejar você e
gostar de me saciar no seu corpo não muda quem você é para mim.

— Eu estou tentando, Sutton! Só que as coisas não são tão simples para mim. De onde
eu vim, esse tipo de coisa não costuma acontecer.

— Desculpa, eu esqueço que nem todo mundo é desapegado como eu ou enxerga o


sexo com tanta naturalidade. Posso fazer alguma coisa para melhorar essa situação? Temos
quase seis horas de viagem para enfrentar e todos os outros dias da semana, então não quero
que fique um clima ruim entre a gente.

— Não, é algo comigo, mas prometo que até chegarmos na sua casa já vai ter
melhorado. Agora me responde uma coisa.

— Até duas, minha linda!

— A primeira vez que você me beijou, lá no dormitório, você interrompeu tudo, pois
presumiu que eu era virgem e não queria ser o primeiro. Ontem você sequer tocou no assunto.
O que te fez mudar de ideia?

— Antes de tudo, o desejo desenfreado que sinto por você. Desde aquele dia que você
não sai da minha cabeça, a vontade de poder estar com você ficava me consumindo, mas eu
tinha optado por resistir, por achar que você era virgem. Até o dia do jogo, quando Chloe teve
febre. Eu ouvi vocês falando no quarto e o pouco que ouvi, em um momento você disse que
teria feito tudo diferente na sua primeira vez, então entendi que você não era mais virgem, mas
também não tinha gostado da sua primeira vez.

— Preciso falar o quão terrível é ouvir a conversa dos outros e o quanto esse seu
pensamento é machista, sobre primeira vez?

— Eu ouvi sem querer. — Cerrei os olhos para ele. — Tá bem, comecei ouvindo sem
querer e continuei ouvindo por querer. Aliás, foi tenebroso descobrir que Chloe pensa em sexo,
ela é só uma garotinha!

— Ela tem praticamente a minha idade, Ben!

— Mas para mim ela sempre vai ser uma garotinha!

— Para de enrolar e fala logo.

— Não acho o meu pensamento machista. Pelo contrário, minha preocupação é


genuína. Eu já senti a dor de ser traído por alguém que confiava e sei o quanto isso é ruim. Por
isso, não quero causar o mesmo nos outros. Se já é difícil as pessoas entenderem sexo causal
quando possuem uma vida sexual ativa, imagina quando é a primeira vez? Eu sou um puto,
Amy, mas um puto de respeito. Não é porque eu transo quando quero, que vou sair quebrando
o coração das mulheres que não resistem ao meu charme. E eu realmente acho que a primeira
vez de uma mulher tem que ser especial, pois é um momento único, de transição. Tem de ser
feito com carinho, respeito e muito mais que tesão. Não precisa rolar amor, mas um mínimo de
afeto. Não dá para tirar a virgindade da garota e ir embora logo depois. Precisa de mais.

Senti meus olhos marejarem, recordando de que até isso, a possibilidade de escolher
como seria a minha primeira vez, foi tirada de mim. Sacudi a cabeça tentando espantar tais
lembranças e flagrei Ben me encarando.

— Falei algo errado, Amy?

— Não, só estou surpresa que tanta coerência e romantismo tenha saído dessa cabeça.

— Esperava um puto sem noção e encontrou um Darcy, né?

— Você está citando Orgulho e Preconceito?

— Eu não sou só um rostinho bonito, querida.

— Sabe que ele tem um jeito estranho de demonstrar o que sente?

— Mas vocês adoram ele! Agora vamos! Quero chegar a tempo do almoço em casa.

— Estou pronta!

Ben encerrou a conta na recepção e partimos em um clima agradável. Em algum


momento da viagem eu peguei no sono e só acordei quando havíamos chegado. Antes de
descer do carro, ele colocou a mão no meu ombro e disse:

— Eu adorei a viagem, mas podemos deixar as partes importantes entre nós?


Principalmente a Chloe, não sei como ela lidaria com isso.

— Óbvio, Ben! Também não quero que ninguém saiba o que rolou.

— Ai, assim você me magoa, parece que só queria me usar e descartar.

— Doeu provar do próprio veneno, puto?

— Olha esse palavreado, dona Amy! Agora sério. Não estou pedindo isso por ter
vergonha, nem por ter te usado, nada disso. É que não quero criar problemas ou expectativas
para a Chloe. Já tivemos muitos problemas no passado com isso e nem sabemos o que temos
aqui para envolver mais gente.

— Nós não temos nada, Ben. Foi só uma noite, não precisa ficar emocionado. Acabou?

Chocado, ele me olhou tentando procurar diversão no meu rosto, mas a maneira fria e
impessoal com que falei surpreendeu até a mim.

— Como você não me respondeu, vou entender que está tudo certo. Obrigada pela
carona! — me despedi e saí do carro, andando o mais rápido que podia. Tudo que queria era
fugir do Ben, dos Sutton, de tudo. Infelizmente, não consegui escapar da Chloe, que queria
saber todos os detalhes da viagem, como estava minha tia, a cidade em que morava. Para ela,
passamos todo o tempo lá e sequer imaginava o que houve.

Dei respostas efusivas, sem grande entusiasmo e usei o cansaço como desculpa. Prometi
conversar com ela depois e dei graças a Deus quando sua mãe voltou antes do previsto,
permitindo que eu fugisse e me isolasse dos Sutton antes do esperado.

No alojamento, a primeira coisa que fiz foi trocar a fechadura, evitando assim que Ben
tivesse livre acesso ao meu quarto e, quem sabe, à minha vida. Fiquei aliviada quando Chloe me
contou que iria precisar ir com sua mãe a uma viagem até Minnesota, para ver um médico
novo.

Ganhei alguns dias a sós e me dediquei às aulas e aos estudos, evitando Ben sempre que
possível, mesmo que para isso tivesse que me trancar no banheiro da Universidade ou dar uma
volta muito maior pelo campus. Por algumas vezes, ouvi sua batida à porta e fingi que não
estava. Coloquei o telefone no silencioso para não responder suas ligações e chamadas,
coloquei Josh para correr e consegui me isolar dele por dias.

Chloe já havia voltado, estava recuperada e retomamos nossa rotina. Ben tinha viajado
para outro jogo e hoje era dia de trabalhar no bar para fazer um extra. Tudo corria bem, até a
hora de me trocar para ir embora. Parei para conversar um pouco com os caras da banda que já
era praticamente de casa e tomei um susto quando vi Ben entrar de maneira nada discreta no
bar, olhando para todos os lados como se estivesse procurando alguém, ou melhor, eu.

Quando ele finalmente me encontrou, tomei a primeira atitude que veio à minha
cabeça: puxei o baixista da banda para um beijo, que nem chegou até o final, pois no momento
em que nossos lábios se tocaram, ouvi uma voz familiar e muito irritada no meu ouvido:

— Que porra você pensa que está fazendo, Amithab Sengupta?


Capítulo dezesseis

Ben Sutton

Caralho! Era a quinta vez que eu tentava fazer um cálculo simples e errava. Amassei a
folha e joguei no lixo! Amy, você me paga! Eu estava puto, muito puto! Amy havia
deliberadamente me ignorado. E não era coisa pouca não. Ela fugia de mim como se eu tivesse
uma doença contagiosa. Não atendia telefone, mudou a rota, não falava sequer com o Josh! E
eu não podia colocar a Chloe no meio, o que dificultava tudo.

Pescava algumas informações com a minha irmã, mas não entendia o que estava
acontecendo. Eu fui muito mais cavalheiro que o normal, continuei agindo como sempre e tudo
que recebi foi um toco. Porra, isso não era justo!

Tive que deixar o assunto um pouco de lado, pois tinha jogo e precisava me concentrar.
Mas pedi para que Josh descobrisse onde ela trabalharia no outro final de semana, pois Chloe
tinha deixado escapar que não poderia fazer a noite das garotas porque Amy tinha um freela de
garçonete para fazer. Agradeci que isso tenha sido no final de semana que não tinha jogo e
preparei para resolver a situação. Voltei ainda mais puto, pois perdemos o jogo, não era fim de
linha, mas diminuía nossa vantagem. Eu precisava levar o time ao primeiro lugar e, mesmo
sabendo que a vitória ou derrota não dependiam apenas de mim, eu me sentia muito culpado
quando uma derrota acontecia.

Somado a isso, a dificuldade em levantar a ficha do Aiden me deixava ainda mais


intrigado e nervoso. Já estava demorando tempo demais para descobrir sobre ele e minha
paciência estava no fim. Por isso, naquela noite de sexta-feira eu tinha decidido que pelo menos
um dos meus problemas eu iria resolver.

Eu até comprei um pequeno elefante cinza, coloquei um lacinho para dizer que era
fêmea e ia levar de presente para ela, mas agora o bicho estava enfiado no carona do meu
carro, porque a Amy resolveu que ia ser legal me esnobar depois da gente transar.

Soquei o volante do carro tentando entender o que estava acontecendo: porra, em um


dia normal, eu ficaria feliz em uma mulher fingir não me conhecer depois de transarmos, mas
isso estava me levando ao limite.
Não era possível que, de todas as mulheres que eu tinha para me envolver, eu resolvi
ficar enfeitiçado justamente pela mais complicada e que eu teoricamente não podia me
envolver. Eu queria negar que estava sentindo algo, mas a verdade era que Amy mexia não
apenas com meu pau, mas bagunçava a minha cabeça e fez até o meu coração dar sinal de vida.
Foda que ela parecia não ligar para mim ou querer fingir que aquela noite nunca existiu. Devia
ser algum tipo de castigo por todas as mulheres que peguei na vida sem compromisso.

Depois de extravasar a raiva, ajustei o GPS para o bar que Josh me falou e fiquei
surpreso em como Amy se enfiava em lugares que pudessem colocá-la em perigo. Iria ter que
conversar com meu pai para aumentar o trabalho dela e assim poder aumentar o salário sem
que ela reclamasse. Nem queria imaginar quando ela soubesse que ajudei a tia dela a montar
um salão, com a desculpa de desenvolver um projeto social e assim ela poder descansar mais.
Sempre quis coordenar um projeto social e, abrir um salão para ensinar imigrantes a terem uma
profissão foi uma excelente ideia, que tive de pedir segredo ou Amy me mataria. Só meu pai
sabia, mas não conhecia os reais motivos.

Estacionei no bar, respirei fundo, ajeitei minha jaqueta preta, passei a mão mil vezes no
cabelo para me acalmar e me dirigi para a espelunca. Era um bar bem ralé, daqueles que
qualquer um frequentava e os caras costumavam não respeitar ninguém. Josh me disse que ela
trabalharia até por volta de uma da manhã e depois estava livre. Como ela pretendia voltar
para casa daqui? Ela estava acostumada a trabalhar nesse lugar? Quanta coisa eu ainda não
sabia sobre a Amy?

Empurrei a porta fazendo mais barulho do que o esperado, atraindo alguns olhares para
mim. Não me importei muito, pois isso poderia ajudar no que procurava. Vasculhei o lugar com
os olhos, tentando achar aquele pequeno ser que vinha tirando a minha paz. A encontrei perto
de uma banda, que parecia guardar os instrumentos. Ela conversava descontraída com uns três
caras, até que me viu. Seus olhos se arregalaram e o sorriso morreu no seu rosto, ao mesmo
tempo em que nasceu um no meu. Comecei a caminhar e então ela puxou o cara que estava
com o baixo e simplesmente o beijou. Na boca. Bem na minha frente.

Porra! A Amy estava testando demais os meus limites. Ela tá achando que isso é
bagunça? Cheguei rápido e bem perto dela, praticamente rosnei a frase:

— Que porra você pensa que está fazendo, Amithab Sengupta?

Ela encerrou a tentativa patética de beijo, se afastou do infeliz e me encarou, com o ar


mais inocente do mundo, como se não tivesse fugido de mim por dias e ainda teve a audácia de
beijar outro na minha frente.

— O que você está fazendo aqui, Sutton?

— O que você está fazendo aqui, Sutton? — recriei a frase dela com um tom debochado.
— Vim assistir ao seu show, já acabou de beijar o esquisito? — Ela não respondeu, então peguei
sua mão e continuei: — Então vamos embora que temos muita coisa para conversar.
Antes que eu me virasse, senti uma mão apertar meu ombro.

— Deixe a garota em paz. — O cara que Amy beijou resolveu dar uma de herói e tentou
me segurar.

— Acho que você devia me soltar. Eu só quero conversar com a Amy. Se ela não quiser
ir, é só falar.

Amy me olhou assustada, mas não respondeu.

— Viu, ela não disse nada, então eu vou com ela até o carro, nós vamos conversar e, se
ela quiser voltar para cá, ela volta.

— Prefiro que ela não saia daqui. — O cara insistia em segurar meu braço. Girei meu
corpo calmamente, parando ao ficar de frente para ele, que era mais baixo que eu, meio
franzino e ostentava um topete malfeito. Para completar, um visual estilo roqueiro anos 80 que
ele achava que estava fazendo sucesso.

— Eu estou pouco me fodendo para o que você prefere. — Tirei a mão dele do meu
braço. — Encosta em mim de novo e eu faço você tocar baixo com os seus dentes.

— Ben, por favor! — Amy segurou a minha mão. — Sem confusão.

— Agora você quer falar comigo?

— Por favor, vamos!

— Eu disse que ela viria comigo, baixista. — Me virei para sair, mas o cara resolveu
cometer o erro que iria estragar a cara dele e a minha noite. Ele tentou me puxar pelo ombro.
Pra quê? Não sei, pois já virei encaixando um lindo soco naquele queixo malformado dele. Com
o susto e o impacto ele caiu por cima do mini palco, fazendo um grande barulho e atraindo
atenção para gente. Amy ficou enfurecida e gritou comigo:

— Satisfeito, Sutton? Marcou território, está todo mundo olhando e eu vou perder o
emprego por causa de você. — Ela saiu andando e me deixou parado no meio do tumulto.
Antes que tudo piorasse, fui atrás dela.

— Espera, Amy!

— O que você quer? — Estávamos parados, frente a frente, no estacionamento


semivazio, falando mais alto do que uma conversa civilizada pedia.

— O que eu quero? Que tal ser tratado com respeito, Amy? Você transa comigo e depois
finge que eu não existo! Como você acha que eu me senti?

Ela me olhou por alguns instantes e depois começou a rir.


— Você está se ouvindo, Ben? Parece que os papéis estão invertidos aqui. Ah, e se bem
me lembro, você pediu para que tudo ficasse em segredo, só entre nós. Foi um golpe muito
forte para o seu ego não ter alguém correndo atrás de você?

— Por que caralhos você está me tratando assim, Amy? Sério, o que foi que eu te fiz? Eu
não estou entendendo nada. — Fui até o carro, peguei o elefante. — Eu até comprei um
elefante de presente para você, tem até lacinho. — Entreguei o bicho de pelúcia nas mãos dela.
— Pra no final sair como errado sem nem saber o que fiz? Porra, eu falei para ficar em segredo
porque era o melhor pra gente! Eu nem sei o que tá acontecendo aqui, que raio de ciúme é
esse que eu senti com aquele cara te tocando e ainda tem a Chloe, fora o Aiden. Mas quer
saber, foda-se! Foda-se todo mundo! Quer me tratar como um vagabundo, me trata! Eu pago o
preço por ser sincero, mas pelo menos não arrumo desculpas para fugir do que desejo. Eu disse
que não podia te prometer nada, mas que o controle estava na sua mão. Que você decidia
quando continuar ou quando parar. Você escolheu isso, Amy, não eu. Se você tivesse agido
como adulta, conversado comigo e exposto o que está passando nessa sua cabeça maluca e
descontrolada, eu poderia tentar te ajudar.

“Não é porque a gente transou uma vez que eu só te enxergo como um buraco para
enfiar meu pau. Você é mais do que isso, Amy. Sempre foi e sempre vai ser. E já repeti isso mil
vezes, mas se a minha palavra não vale, se as minhas atitudes não valem e se eu não mereço
nem um: seu puto, eu nunca mais quero que você encoste em mim, a gente para o que for aqui.
Você vai entrar no carro, porque eu não vou te deixar sozinha nesse lugar, vou te levar para o
seu dormitório sem dar uma palavra, vou te deixar lá e amanhã eu volto a ser o Ben que você
fugia, pois tinha me visto pelado e temia que eu me vingasse — abri a porta do carro — agora
entra, coloca o cinto, segura esse elefante e não fala nada. Você escolheu o silêncio, agora lide
com ele.”

Percebi a fúria escapando no seu olhar, mas ela manteve o silêncio e entrou no carro.
Fui para o banco do motorista e não falei nada, não coloquei música, nada. Se era silêncio que
ela queria, era silêncio que ela teria.

O caminho todo foi feito assim, estávamos tão silenciosos que era possível ouvir os
insetos na estrada e o clima estava tão pesado que eu poderia cortá-lo com meu taco. Percebi
que Amy estava tremendo de frio quando estacionamos, então tirei a jaqueta e coloquei em
seus braços.

— Não precisa.

— Apenas aceite, você está tremendo, eu tenho um casaco, não estou com frio e isso
não é um convite para nada.

— Ok.

Caminhamos lado a lado pelo campus, em silêncio e Amy cabisbaixa. Na porta do seu
dormitório, ela me devolveu a jaqueta. Prometi que ficaria em silêncio, mas não consegui.
— Você não vai mesmo me explicar o que houve?

— Eu não sei o que explicar, Ben. Eu só senti que precisava me afastar.

— Posso entrar?

— Acho melhor não.

— Eu não vou fazer nada, vamos conversar como adultos, sem risco de plateia e só. Dez
minutos e eu vou embora.

— Tudo bem. — Ela abriu a porta e deixou passagem para que eu entrasse, trancando
logo após.

— Trocou a fechadura.

— Eu precisava de espaço.

— Podia ter pedido.

— Como se você fosse acatar.

— Chega. Não vou ficar nesse assunto que não vai chegar a nada. A real é que eu estou
confuso, mas esperava resolver isso com você. É tudo muito novo para mim também, Amy! Eu
achei que o que tínhamos era só desejo, mas depois daquela noite, não, depois daquela
semana que você ficou lá em casa e nós rimos juntos, brincamos e vivemos uma harmonia tão
gostosa, eu comecei a perceber que tinha algo diferente. Depois que a gente transou, tudo
ficou pior, porque você fica aqui na minha cabeça, como uma porra de uma droga, mas
também me evita e eu não sei o que pensar. Eu sei que vou te magoar em algum momento, ou
já magoei, mas eu preciso saber que não estou ficando louco sozinho. Que essa vontade de te
ter também existe em você em relação a mim. Porra, o que tem de tão errado nisso?

— Tudo, Ben. Tem tudo errado nisso.

— Então me diz o motivo.

— Eu não sei lidar com tudo o que está acontecendo. Não sei lidar com você
normalmente na frente da Chloe, como se agora eu não conhecesse cada pedaço do seu corpo.
Não sei lidar com o que estou sentindo e com a confusão que a minha vida está nesse
momento. Não sei lidar com a ideia de magoar a Chloe quando ela descobrir tudo que
aconteceu com a gente ou quando ela descobrir tudo o que estou escondendo. Não sei lidar
com você, Ben. E, principalmente, eu não sei lidar com essa vontade de me jogar nos seus
braços cada vez que te vejo e de querer relembrar toda aquela noite. Desculpa não ser madura
ou bem resolvida, mas eu só queria estudar, juntar uma grana, ajudar minha tia e ser alguém.
Mas nada nunca sai como eu planejo e agora eu estou igual a uma idiota brigando com um cara
só porque a gente transou uma vez e eu fiquei emocionada.
Aproximei-me devagar, hipnotizado pelas suas palavras. Às vezes eu esquecia que Amy
era apenas poucos meses mais velha que a Chloe, que ela veio de outro país, que tinha uma
cultura diferente e como tudo devia parecer louco e assustador para ela.

— Você não está sozinha, Amy. Eu ficaria do seu lado mesmo que você decidisse que
nunca mais iria me tocar. Não é apenas sobre desejo, mas sobre tudo o que construímos para
além dele.

— Como eu vou lidar com isso? Como vou dormir com você e no dia seguinte tomar café
na sua casa como se nada tivesse acontecido? Vou continuar mentindo para a Chloe? E quando
isso acabar? Quando você descobrir um novo desafio ou ficar entediado? Como eu vou lidar
com isso tudo?

— Por que sempre eu que vou tomar a decisão errada? Sempre eu que vou desistir?
Você não pode cansar também? Por que a gente precisa se preocupar tanto com o futuro? A
gente mal começou a vida, nem tentamos e você já está colocando mil empecilhos.

— Para pessoas como eu não existem segundas chances, Ben. Por isso, tudo o que eu
faço precisa ser bem pensado. O que para você é um envolvimento sem pretensão, para mim,
pode me custar coisas que não tem como recuperar.

— Seria tão ruim assim ter alguma coisa, mesmo que indefinida comigo?

— Ter alguma coisa não seria ruim. Lidar com o fim dessa coisa que seria. E não venha
me dizer que eu estou sendo pessimista, pois nós dois sabemos que, seja lá o que fosse, teria
prazo de validade. Ou você pretende ter um relacionamento sério, assumido e duradouro?

— Eu não tinha pensado nisso.

— Pois eu sim. Eu não posso arriscar perder a mínima estabilidade que tenho, Ben. Nem
a amizade da Chloe. Você sabe que ela se sentiria traída se descobrisse tudo, como se
estivéssemos agindo pelas costas dela.

— Ela ia entender.

— E quando tudo isso tiver um fim, qual lado ela vai escolher? E se a gente se magoar,
como vão ficar as coisas depois? Eu tenho muito a perder.

— E eu não?

— Não tanto quanto eu. Por isso, eu prefiro que a gente mantenha o máximo de
distância possível, pois sei que não sou forte para resistir a você. Se você tem tanta
consideração como diz, faça isso por mim.

Eu fiquei em pé na frente dela, olhei em seu rosto, gravando cada detalhe dele. Entendi
tudo o que ela falou, mas ainda não achava certo. Porém, o controle sempre esteve na mão
dela.
— Se é isso que você quer, é assim que vai ser. O controle sempre esteve na sua mão e
sempre vai estar.

Deixei um beijo na sua testa.

— Se cuida, Amy!

Deixei o dormitório sem olhar para trás, sentindo pela primeira vez o incômodo de ser
rejeitado por alguém que eu realmente queria.
Capítulo dezessete

Ben Sutton

A rotina de treinos e jogos estava cada vez mais pesada e raros eram os períodos em que
conseguia folga. Quando não estava treinando ou jogando, tinha que estudar para recuperar a
matéria e tirar boas notas nas provas de meio do período. Resolvi que não faria nenhum curso
de verão, mas continuaria frequentando a faculdade para os treinos e para manter a rotina de
estudos. Essa rotina doida me ajudava a esquecer todo o desentendimento com Amy.

Fiz o que prometi a ela: voltei a ser o cara distante, que raramente aparecia e, quando o
fazia, era apenas para alfinetar ou passar em silêncio. E pela primeira vez, o afastamento de
uma mulher me incomodava. Eu não entendia o que estava acontecendo. Josh levantou que, o
fato dela me rejeitar, pode ter despertado a minha vontade, como se o desafio me estimulasse,
como nos jogos. A realidade é que eu não sabia. O Natal e Ano Novo estavam chegando e Amy
passaria com a minha família, já que sua tia viajaria para a Índia. Chloe ficou muito empolgada
com a viagem, disse que seria um bom momento para irmos juntos, mas eu disse que não podia
e meus pais deram graças a Deus, usando a desculpa que só iríamos se fossem todos juntos. A
verdade era que eu queria livrar a Amy de dizer que não podia voltar para o seu país, pelo
menos para os meus pais, pois sabia que Chloe deveria saber mais detalhes disso do que eu.

—Chloe, por que a Amy não quer ir para casa?

— Do que você está falando, ela acabou de ir para o dormitório.

— Falo da casa, do país dela. Vi hoje no jantar o quanto ela ficou incomodada e ela não
vai com a tia no fim de ano. O que tem de errado?

— Desde quando você se importa com a vida da Amy?

— Desde quando vocês não se desgrudam e tudo o que ela faz pode refletir em você. Se
for questão de dinheiro, a gente pode ajudar e você vai com ela. — Joguei a isca esperando que
Chloe a pescasse.

— Papai e mamãe jamais deixariam isso acontecer. E a Amy tem problemas com o pai
dela. Eles não se falam, nem por telefone e por isso ela não volta para casa. Agora preciso ir
deitar, mamãe está neurótica com especialistas novamente e amanhã vamos cedo para
Michigan conhecer outro especialista.

— Isso não te incomoda?

— Já incomodou mais, Ben. Sabe, não vou negar que tenho lá no fundo uma esperança
de voltar a andar, mas também sei que isso seria um milagre. A terapia tem ajudado bastante a
melhorar a minha cabeça, apesar de vocês acharem que eu continuo com dez anos. Não há
muito o que fazer pela minha parte física, mas pela psicológica estou cuidando bem.

— E o curso, como está?

— Cada dia tenho mais certeza de que escolhi o certo. Psicologia foi a melhor escolha da
minha vida.

— Ainda pensa em clinicar?

— Estou pensando na possibilidade de virar orientadora estudantil, para cuidar dos


alunos e ser um ponto de apoio para eles, principalmente os que possuem alguma deficiência.
Nem todos têm acesso ao que eu posso ter e saúde mental faz toda a diferença no processo.

Acariciei os cabelos da minha irmã, observando como ela parecia com nossa mãe: loira,
olhos claros, sempre sorridente. Chloe tinha um coração tão especial que tinha medo do que o
mundo podia fazer com ela, por isso, acabava sendo hipócrita e agindo como os meus pais,
superprotegendo-a, mesmo quando era completamente contra isso.

— Eu tenho muito orgulho de você, sabe disso, não é?

— Eu sei, eu também teria se fosse meu irmão. Vai estar livre amanhã?

— Milagrosamente sim.

— Tenho duas entradas para o Louisville Mega Carven21. Ia tentar ir com a Amy, mas
mamãe arrumou essa viagem de última hora. Vou pegar e você leva o Josh ou qualquer outra
pessoa.

Uma ideia passou pela minha cabeça, ou melhor, um plano.

— Tá bem, pode deixar que eu vou aproveitar por você.

— Vê se não leva nenhuma daquelas mulheres que você fica se esfregando por aí. Lá é
um passeio família, romântico, não é pra ficar de putaria.

— Olha essa boca, Chloe! Quem anda te ensinando essas coisas?

— Falei alguma mentira? Anda, vem buscar as entradas.


O que Chloe não sabia é que eu pretendia levar a sua melhor amiga para um passeio
inesquecível. Uma última vez não faria mal a ninguém, não é mesmo?

— Ben, você está usando drogas?

— O quê? Claro que não!

— Então de onde você tirou esse plano absurdo? Você realmente acredita que a Amy vai
cair no papo de que eu preciso de uma aula de dança presencial e urgente?

— Diz que é para impressionar uma garota. Se eu a convidar, ela não vem. Só preciso
que você a leve nesse endereço e o resto eu faço.

— E se ela me odiar?

— Não vai, ela vai agradecer.

Josh saiu resmungando, me fazendo prometer que estava devendo a ele. Meu plano era
o seguinte: ele marcaria uma aula particular de dança com a Amy, para logo depois do almoço,
mas quem estaria no local seria eu. De lá, eu a convenceria a ir à trilha e teríamos uma tarde
diferente e tranquila. Tinha tudo para dar errado? Tinha, mas confiava na capacidade de
argumentação do Josh.

No horário marcado eu estava na porta da lanchonete estabelecida como local de


encontro. Cinco minutos depois, Amy chegou.

— O que você quer, Ben?

— Como você sabia que era eu te esperando?

— Seu amigo Josh não é bom em guardar segredos.

— E o que ele te falou?

— Bom, nós fizemos um acordo. Eu viria me encontrar com você e em troca ele tomaria
coragem de falar com a Chloe.

— Você não usou a minha irmã como moeda de troca.


— Não, estou incentivando a sua irmã a ter uma vida normal. Josh é um cara super de
boa, seu amigo, mora com você, qual o problema de ele sair com a sua irmã. É só um encontro,
não é um pedido de casamento.

— A Chloe não sabe se defender.

— E nunca vai aprender se vocês não deixarem. Que seja um almoço na sua casa, mas
deixe os dois terem um tempo a sós e ela escolher se quer embarcar nessa ou não. O que você
quer falar comigo?

— Tenho duas entradas para um passeio incrível. Vamos?

— Jura, Ben? É claro que não.

— É só um encontro, não é um pedido de casamento.

Ela colocou a mão na cintura, piscando cautelosamente aqueles cílios enormes e que
deixavam o seu olhar ainda mais lindo. Jogou a longa trança para trás, respirou fundo e disse:

— Ok, Ben. Você venceu. Mas é só isso, um passeio de amigos. Não vai pensando em
nada além disso. Aonde vamos?

— Louisville Mega Cavern.

— Mas isso é uma viagem, Ben. Eu não trouxe nada, não vim preparada.

— Comprei algumas peças de roupa para você. Comer a gente come por lá. Saindo
agora, chegamos antes do fim da tarde e ainda conseguimos aproveitar o espaço.

— Você sabe ser mandão e irritante quando quer.

— Já falei que essas versões são exclusividades suas.

— E o que vamos fazer lá? Eu só conheço de nome, nunca fui.

— Primeiro, vamos passear de tram22. Durante o passeio, vamos ouvir sobre a história
da caverna, sua formação geológica e os usos passados e presentes. Depois, podemos fazer um
tour de bicicleta, tirolesa subterrânea ou uma trilha. Ainda não inauguraram as luzes de Natal,
mas é bonito do mesmo jeito.

— Falando assim, parece que você é um expert do local.

— Só fui lá duas vezes e quando era mais novo. Aprendi tudo ontem enquanto
pesquisava pelo local, para saber o que poderíamos fazer e te mostrar que minhas intenções
eram boas.
— De boas intenções, o inferno está cheio.

— Mas eu sou um anjo.

— Nem vou te responder da forma que você merece. Chloe já chegou no médico?

— Ainda não, a consulta é mais tarde. Sabemos que isso é só mais um capricho da minha
mãe. Acho que esse é o jeito que ela encontrou de amenizar a culpa. Pelo menos uma vez por
ano ela tem um surto desses e sai procurando especialistas para fazer Chloe passar por todo
esse processo de novo.

— Não quero me meter, mas acho que isso não faz bem para a Chloe, sabe. Pelo que ela
me explicou, as chances não são muito favoráveis para ela.

— A Chloe não vai voltar a andar, Amy. A fisioterapia ajuda a manter a rigidez dos
músculos, evita escaras, mas não faz milagres. A lesão dela é irreversível.

— E essa busca por médicos não pode acabar trazendo esperança para ela?

— Ela tem esperanças, mas mantém os pés no chão. Minha preocupação é a mesma que
a sua, mas conversei com a Chloe ontem e ela parece estar bem resolvida com o assunto. A
terapia tem feito um milagre com ela. Chloe desabrochou, está mais confiante e até mais
falante. Você chegou na época boa, Amy, nem sempre foi assim.

— Emily voltou a incomodá-la essa semana.

— Essa garota. Não basta eu ter que dar um fora nela a cada treino, agora voltou a
mexer com a Chloe. Preciso ter uma conversa com ela.

— Emily disse que a Chloe é amargurada porque nunca ninguém vai se interessar por ela
e por isso atrapalha os seus relacionamentos. Que ela não é feliz e fica te impedindo de ser. Eu
joguei meu almoço nela.

— Você fez o quê?

— Joguei meu almoço nela. Estávamos na praça de alimentação do shopping, ela


começou a falar, Chloe ficou nervosa e eu só reagi. Ela chamou o segurança e eu disse que ela
estava nos importunando pedindo dinheiro. Acabou que ela que foi expulsa.

— Ela podia ter ido para cima de vocês.

— Eu estava com a arma de choque. E já basta ter que ouvir as provocações dela calada
na universidade, pois não posso brigar lá dentro. Alguém precisa colocar aquela Regina George
da shoppe no lugar dela.

— Você gosta mesmo desse filme, né?


— Um pouco. Mas voltando ao assunto principal, esse foi o motivo de conversar com
Josh. Eu já te disse que percebi o olhar dele para a Chloe e só faltava um empurrãozinho. Na
realidade, acho que ele tem medo de você, então pare de atrapalhar a sua irmã e permita que
ela aproveite a adolescência como alguém normal.

— Mas ela...

— Não venha me dizer que ela não é normal. Ela tem uma deficiência que impõe alguns
limites para ela, nada além disso. Ela tem todo o direito de viver, se apaixonar, se machucar e
de tentar. Vocês precisam tirar a Chloe dessa torre!

Ouvi com atenção o que ela disse. Sabia que ela estava certa, mas só de pensar na minha
irmã, tão pequena e frágil nas mãos de qualquer um, à mercê dos desejos e vontades de um
cara qualquer.

— Você não entende!

— Eu não entendo? Eu sou mulher e sei exatamente os perigos que corremos. Também
sei as vontades que temos. Você acha que, se eu desconfiasse que Josh poderia fazer algo
desagradável com a Chloe, se houvesse uma mínima chance de isso acontecer, eu apoiaria isso?
Você é amigo dele, me diz, ele é um vagabundo imprestável?

— Não, Josh é o cara mais maneiro e responsável que eu conheço.

— Então, qual o problema de ele sair com sua irmã? Deixe o controle estar na mão dela
pelo menos uma vez.

— A Chloe tem sorte de ter uma amiga como você, sabia?

— Não tem, não, mas eu me esforço para ser o melhor que eu puder.

Seguimos viagem em uma paz silenciosa, que resolvi quebrar ao perguntar um pouco
mais sobre a origem de Amy.

— A Índia é bonita?

— Eu não conheço muito, apenas algumas partes de Nova Délhi e o meu bairro, mas
posso afirmar que meu país é lindo, vivo, colorido. Sinto falta da loucura que era o comércio
que meu pai trabalha.

— E quais os lugares que eu devo conhecer se for em Nova Délhi?

— Posso listar alguns, Qutub Minar, India Gate, Templo de Akshardham, Lotus Temple
(Templo Bahá'í), Templo de Lótus, Red Fort,

Jama Masjid, Tumba de Humayun, Templo de Birla (Lakshmi Narayan Mandir),


Gurudwara Bangla Sahib, Museu Nacional e Jantar Mantar.23
— Nossa, me perdi na metade!

— A Chloe vai saber montar um bom roteiro para vocês. Antes eu achei que as aulas
eram só uma forma de me ajudar, mas ela realmente tem interesse. E já está falando Hindi
superbem, além de conseguir ler. Quando essa viagem sair, vocês nem vão precisar de guia,
porque ela já vai ter decorado tudo que é importante.

— E se você fosse a nossa guia? — Eu sabia a resposta, mas queria saber mais sobre o
que estava acontecendo, para quem sabe ter uma chance de ajudar.

— Isso não vai acontecer, nem tão cedo. Ou talvez nunca. E não quero falar sobre esse
assunto. É algo que me deixa desconfortável e que prefiro ignorar a existência. Não ligo de falar
sobre meu país, da nossa cultura, da minha infância e de tudo que pode ser feito por lá, mas
falar dos meus pais é uma ferida aberta que quero evitar sangrar.

— Tudo bem! Desculpe, eu só estava querendo ajudar.

— Tudo certo. Como está o time? Fiquei sabendo que você tomou uma penalidade de
dez minutos na última partida, o que houve?

— Perdi a cabeça e acertei o jogador adversário mais forte do que devia. Eu preciso
aprender a lidar com as provocações, mas quando vejo, já estou enfiado na briga. Minha sorte é
que sou o capitão e jogo bem, do contrário, acho que já teria sido expulso do time.

— Ser filho do seu pai também deve ajudar.

— Ajuda, mas não seria o bastante para me manter no time. Meu desempenho é
fundamental para isso.

— Entendi. Temos chances de sermos campeões esse ano?

— Da Conferência? Com certeza. Saberemos em março.

— Ainda faltam três meses.

— Você vai ver como passa voando. Igual nossa viagem, mais alguns minutos e
chegamos.

— Confesso que estou ansiosa, não sei o que esperar.

— Hoje deve estar bem tranquilo, meio de semana, as pessoas ainda estão em aula. É
um lugar que te aproxima da natureza, permite relaxar um pouco da correria do dia a dia. Eu
gosto de lugares assim.

— Eu costumava tirar um tempo para me afastar de tudo, ir para um canto sossegado e


me conectar com a espiritualidade, a natureza e comigo, quando morava na Índia. Fora da
religiosidade e de qualquer regra, só um momento de paz, conectada comigo e com tudo em
que acredito.

— Acho importante que a gente não perca a conexão com o nosso eu. É muito fácil se
deixar levar e esquecer quem somos. Falando nisso, posso fazer uma pergunta meio idiota?

— Só meio?

— Sim, pois é uma curiosidade genuína.

— Diga.

— Por que você não usa sua roupa típica? Sempre que vejo fotos sobre a Índia, vejo as
roupas que são utilizadas lá, bem coloridas, diferentes. Tenho curiosidade de saber como ficaria
em você.

— Não acho apropriado usar aqui. Atrairia uma atenção desnecessária. Já sofro o
bastante tentando usar roupas comuns, imagina usando meu sári.

— Faz sentido. Acho que o povo ia pegar ainda mais pesado com você, mas não usar
devia ser uma opção sua, não uma imposição com medo do que isso poderia trazer para você.

— Se o mundo fosse um lugar justo, talvez. Mas você melhor do que ninguém sabe o
que o bullying pode fazer com uma pessoa. Some isso a xenofobia e adeus saúde mental. Eu
escolhi enfrentar, sem confrontar. Não vou desistir dos meus sonhos, nem renunciar a nada do
que quero fazer, mas também não vou entrar em mais batalhas do que o necessário. A roupa
não define quem eu sou, é apenas parte de mim.

— Às vezes você é tão sensata falando, que nem parece ter apenas dezoito anos.

— Quase dezenove!

— Nossa, muda muita coisa.

— O suficiente. Eu tive que amadurecer rápido. A mudança de país me fez bem, pois me
obrigou a crescer e tomar as rédeas da minha vida. Foi um choque muito grande, mas
fundamental para o meu crescimento.

— Você imaginava que seria assim?

— Estar aqui? Nunca. Na minha cabeça seria muito mais fácil. Eu convivia bastante com
turistas por conta do comércio e dos hostels, mas é diferente. Lá eles eram os visitantes e eu
estava no meu país. Aqui é o contrário. E ainda tem a questão financeira. Há muita divisão entre
as pessoas aqui pelo que elas possuem, uma divisão velada, mas que existe. E fazem questão de
expor isso das piores formas possíveis, mas eu estou aguentando bem.

— E como estão as coisas no curso?


— Podiam estar melhores, mas meu computador morreu de vez e estou me virando com
os do laboratório da Universidade, que precisam ser trocados, mas é o que temos. Fora isso,
tem um trote novo quase toda semana, sempre alguém me xingando, tentando me
menosprezar, mas sigo entre as melhores alunas da turma e isso que importa.

— A gente tem vários computadores sem usar em casa, pega um.

— Vocês já fazem demais por mim, Ben. Não quero dar mais trabalho.

— Não é trabalho, estão parados lá. Além disso, você precisa de um computador para
fazer os trabalhos para o meu pai. Encare como parte do seu trabalho, um empréstimo para
facilitar o que precisa ser feito.

— Não sei, tenho medo de que em algum momento vocês pensem que eu estou
tentando me aproveitar do que vocês têm.

— Jamais vamos pensar isso, Amy!

— Eu prefiro evitar.

— Como quiser. Mas é muita teimosia da sua parte não aceitar um computador que vai
facilitar a sua vida. E sua tia?

— Muito melhor. Desde que ela começou a trabalhar em um salão que, além de tudo,
oferece cursos e oportunidades para imigrantes, ela tem tido mais tempo para se cuidar e
descansar. Foi um verdadeiro achado esse salão ter sido inaugurado e aceitado ela para
trabalhar.

— Fico feliz, sua tia parece ser uma pessoa muito especial.

— Ela é. Eu realmente não sei o que seria de mim se não fosse ela, sabe. Minha tia
salvou minha vida e não estou usando uma figura de linguagem. Quem eu sou agora, tudo o
que eu conquistar e cada passo que eu der na minha vida é única e exclusivamente graças a ela,
que me acolheu, me deu um lar e o mais importante: me deu amor.

— É bonita a forma que você fala dela. Mas sabe o que mais é bonito? A Louisville Mega
Cavern. Pronta para mais um passeio inesquecível ao lado da melhor companhia que você
poderia ter no Kentucky?

— Você não é nem um pouco convencido, não é mesmo?

Saímos do carro e estendi o braço para que ela enlaçasse o dela ao meu. Entramos
assim, unidos, para um passeio que podia definir todo o rumo da nossa situação. Só esperava
que desse tudo certo.
Capítulo dezoito

Amy Sengupta

Eu sabia que era arriscado aceitar o passeio. Sabia que corria perigo de jogar para o alto
tudo que eu construí até aqui, mas optei por vir. Algumas vezes, temos que enfrentar nossos
medos de frente e arriscar o que temos, para poder ganhar mais.

Eu já havia me blindado contra o Ben. Esse tempo afastados serviu para colocar a cabeça
no lugar e reordenar minhas prioridades. Tudo que tinha acontecido entre a gente tinha ficado
no passado e sair com ele hoje era a prova final de que eu seria capaz de resistir e havia vencido
as minhas próprias vontades.

Quando Josh veio me procurar com aquela história sem pé nem cabeça de aula, eu sabia
que tinha o dedo do Ben ali. E se ele era capaz de inventar uma história ridícula dessas, podia
amolecer o coração dele para que ajudasse sua irmã a viver algo diferente.

Ben tinha razão, o lugar era lindo e enorme. Fiquei deslumbrada com a viagem de
carrinho, observando cada detalhe do lugar. Não quis andar de bicicleta, mas topei a tirolesa
subterrânea, mesmo morrendo de medo.

Rimos muito, conversamos e nos conhecemos mais. Era impressionante como a gente
convivia tanto, mas sabia tão pouco um do outro. Resolvemos fazer trilha, não nos juntamos a
nenhum grupo ou guia, pois queríamos apenas andar um pouco. Quando Ben tirou a camisa,
aproveitando que não estava tão frio, resolvi matar a minha curiosidade.

— Qual a história dessa cicatriz? — Eu sabia por cima, mas queria ouvir dele com todos
os detalhes.

— Ela é a marca do pior dia da minha vida.

— Se for difícil para você falar, não tem problema.

— Não, eu conto. O aniversário de dez anos da Chloe estava chegando e ela queria uma
casinha na árvore. Meu pai deixou que eu construísse uma, com supervisão, em uma árvore
que tínhamos nos fundos da nossa antiga casa. Eu não lembro bem qual era a árvore, mas era
enorme, alta. Devíamos estar a mais de seis metros do chão, no mínimo. Precisava de uma
escada para subir. Naquele dia, a casinha finalmente tinha ficado pronta e era linda, toda
completa. Eu projetei, desenhei, montei e pintei, raramente contando com a ajuda de algum
empregado para as coisas que não conseguia fazer. Era a primeira vez da Chloe na casinha e eu
preparei um super lanche para a gente. Tinha tudo o que ela gostava. Você precisava ver o
sorriso dela, o brilho no olho. — Ele parou em uma tentativa de conter a emoção que começou
a envolvê-lo. Me aproximei, acariciando suas costas e segurando a sua mão, em uma fraca
tentativa de confortá-lo, enquanto ele respirava fundo e retomava a narrativa: — Sentamo-nos
para comer e ela quis pegar uma das suas bonecas favoritas. Quando chegou perto da saída,
pisou em uma tábua que estava em falso e escorregou. Eu tentei segurá-la e rasguei o braço no
prego, mas não consegui e ela caiu com as costas no chão, chorando de dor e em seguida
desmaiou. Foram os piores minutos da minha vida. Eu queria pegar ela no colo, mas meu pai
não deixava, dizia que era perigoso. O tempo esperando a ambulância parecia eterno. Chloe
não acordava, não se mexia e eu só chorava, agarrado na perna da minha mãe. Quando os
médicos chegaram, não me deixaram ir para o hospital, só no dia seguinte e lá descobri que
minha irmã nunca mais ia andar. Se eu tivesse pregado aquela tábua direito, se tivesse sido
mais rápido, se tivesse agarrado a Chloe, hoje tudo seria diferente. Quebrei a casinha assim que
cheguei do hospital e taquei fogo no que sobrou. Naquele dia eu prometi que nunca mais
deixaria alguém machucar a minha irmã, pois eu já a havia machucado por uma vida inteira —
O choro que ele libertou depois de contar a história trouxe mais que lágrimas, mas uma mágoa
e dor profundas, que pareciam não ser liberadas há muito tempo.

— Você sabe que foi um acidente, certo? Não tinha como prever.

— Claro que tinha! Eu só precisava ter feito o trabalho direito.

— Você era apenas uma criança! Nem devia ter construído tudo sozinho. E podia ter
sido você a se machucar.

— Sempre me questiono isso. Eu era mais pesado, por que aquela tábua não caiu
comigo? Eu a percebi meio em falso assim que pisei, mas não achei que fosse algo grave. Eu
devia ter martelado quando percebi. Não é justo que eu leve apenas essa cicatriz, enquanto a
Chloe está presa na cadeira de rodas pelo resto da vida.

— Você precisa se perdoar, Ben. Para a sua vida seguir em frente.

— E a vida da Chloe, vai poder seguir em frente?

— Você tenta proteger a Chloe do preconceito das pessoas do lado de fora, mas não a
defende do seu. Percebe como você a coloca como incapaz, dependente e condenada a uma
vida infeliz pelo fato dela estar em uma cadeira de rodas? Sei que isso pode ser aterrorizante,
que a limita para muitas coisas, mas é possível que Chloe seja cadeirante e tenha uma vida com
autonomia. Já tentou pesquisar sobre? Já tentou olhar para a sua irmã sem esse olhar de pena
e de capacitismo?

— Eu não sou preconceituoso com a minha irmã.


— É, sim, Ben! O tempo todo você duvida da capacidade da sua irmã. Você não vai estar
aqui para sempre, se não deixar que ela aprenda a se defender agora, que você está por perto,
como ela vai fazer quando você não estiver?

— Eu vou estar sempre por perto.

— Sua irmã está em outro estado agora.

— Mas está com a minha mãe.

— Até quando vocês vão colocar a Chloe em uma bolha? Já parou para pensar como ela
se sente com isso?

— Ela te falou algo?

— Não, mas não precisa. Qualquer pessoa ia odiar ser tratada como uma incapaz.

— Mas ela não é incapaz.

— Então pare de tratá-la assim.

— E você pare de se meter em um assunto que não é do seu respeito. A Chloe é minha
irmã, não sua!

Se ele tivesse me dado um tapa talvez tivesse doído menos. Quando ele percebeu o que
falou, era tarde demais. Eu saí correndo e uma chuva começou a cortar o céu. O tempo piorou
muito rápido e eu mal conseguia ver para onde estava indo. Não conhecia o lugar e isso tornava
tudo mais difícil. Parei e tentei reconhecer alguma coisa, mas tudo parecia muito igual. A chuva
caía cada vez mais forte, me deixando encharcada e com medo. De repente, uma mão me
puxou e eu gritei, mas era o Ben.

— Desculpa, eu não queria te assustar e não queria falar aquilo.

— Queria sim, Ben. Cedo ou tarde alguém ia falar isso para mim. Eu sei exatamente qual
é o meu lugar e não preciso que ninguém me lembre, mas eu amo a Chloe e sempre vou lutar
pelo bem dela.

— Vem, comigo. Tem uma parte vazia ali, que está em obras, podemos nos abrigar lá
enquanto a chuva não passa. É perigoso tentarmos seguir agora, com o tempo horrível assim.

Segurei em sua mão e permiti que ele me guiasse, caminhamos alguns metros e
chegamos a uma espécie de barracão. Conseguimos nos abrigar, mas o frio cortava minha pele.

— Não tem nada para acender ou se aquecer aqui, vamos ter que nos bastar.

— Pena o passeio terminar assim, eu estava gostando bastante.


— Eu gosto mais da companhia. Dizem que é muito romântico beijar na chuva, sabia? —
Ele começou a se aproximar. — Beijar em um temporal desse deve quebrar todas as barreiras
do romantismo — mais perto — que tal a gente experimentar? — Perto demais.

— Ben, melhor você manter distância.

— Que mal um beijo pode fazer?

— Nenhum, o problema é que entre a gente nunca é só um beijo.

— Medo de cair em tentação, Amy?

— Medo não, consciência.

— Pois a minha consciência me diz que eu devo viver o que estou sentindo. Que é
besteira desperdiçar a chance de viver algo bom, gostoso e que faz bem para os dois apenas
por medo. Eu queria muito arriscar, Amy, para ver o que vai dar. Mas só posso fazer isso se
você vier comigo. Estamos em um face-off e você decide qual vai ser o ataque.

Ben ficou de frente para mim com aquele sorriso que ele sabia que desarmava qualquer
um. Ele era aquele tipo de cara que sabia que era bonito e não tinha problema algum em usar
isso. O cabelo todo bagunçado o deixava ainda mais bonito, parecendo que saiu do banho.
Estávamos congelando e ele foi lá e tirou a camisa. Tentação demais para uma pobre mortal,
presa em um temporal em um lugar quase deserto com ele.

— Ataque ou defesa, Amy. Você escolhe.

“O controle sempre estará nas suas mãos” — Lembrei-me da frase que ele me disse há
alguns dias. E se eu quisesse perder o controle?

Uma última vez. Só mais uma vez. Apenas uma vez.

— Ataque, Ben!

Nem precisei repetir, pois no segundo seguinte sua boca já estava grudada na minha,
trazendo o seu corpo para próximo do meu que o reconheceu de imediato. Não sei como, mas
meu corpo parecia moldar-se ao dele e nos agarramos em perfeita sincronia. A chuva
aumentou, os trovões cortavam o céu e nada era capaz de nos separar. Acho que se o mundo
acabasse agora nem perceberíamos, pois estávamos completamente perdidos e entregues um
ao outro. Como em um passe de mágica nossas roupas sumiram e nos jogamos no sofá meio
acabado que estava no lugar.

— Hoje eu quero você por cima, Amy. Quero você cavalgando em mim enquanto eu me
perco nesses seus peitos.

— Eu não sei se sou boa nisso.


— Tenho certeza de que é. Apenas deixe rolar, eu vou te guiando, mas deixe seu corpo
responder. Não vou conseguir fazer muitas preliminares hoje, desculpa, mas estou com muita
vontade de você, prometo te compensar depois. Agora eu só preciso que você sente aqui. —
Ele procurou algo, mas não encontrou. — Droga, eu não tenho camisinha aqui, ficou no carro.
— Ele ameaçou levantar-se, mas eu forcei para que continuasse sentado. Quando percebeu o
que propunha, ele se espantou. — Tem certeza? Não quero que se arrependa depois. Eu estou
limpo, faço exames regularmente por conta do time, posso até te mandar os últimos e não
transo com ninguém desde a última vez que saímos. E nunca transei sem camisinha com
ninguém.

— Eu sei que é arriscado e que eu não devia confiar na palavra de um homem cheio de
tesão, em um momento assim, mas eu confio em você. Tomo anticoncepcional e sei que é
arriscado, mas eu quero. Se estiver tudo bem para você, eu quero saber como é sentir você sem
nada.

— Porra, Amy, assim você me quebra! Puta que pariu eu nunca fui irresponsável, mas
quer saber? Foda-se! Que as deusas da fertilidade estejam bem longe daqui. Vem, senta aqui,
vai.

Ele me colocou no seu colo e pediu que eu o encaixasse na minha entrada.

— Desce e sobe, bem devagar e depois coloque o ritmo que quiser. Deixe que seu corpo
te guie e sempre se lembre: o controle é seu.

Fiz como ele disse, segurei seu membro e coloquei na minha entrada, que já estava
pronta para recebê-lo. Forcei para baixo e senti uma pequena ardência, que diminuiu conforme
me movimentava para cima e para baixo, bem devagar. A dor foi substituída por um prazer que
se espalhou por todo meu corpo.

Ben segurava minha cintura com força e percebi que ele estava se controlando para não
se mexer. Soltei a trança do meu cabelo enquanto dava leves reboladas em seu colo. Ele
pareceu gostar, pois senti-o crescer dentro de mim, como se fosse possível ele ficar maior e
mais inchado. Ele moveu sua cintura para cima, aumentando o ritmo e a força. Quando
percebeu meu cabelo solto, enrolou em uma das mãos e me deu um puxão, levando minha
cabeça para trás, enquanto me pressionava para baixo, apertando minha cintura e
arremetendo para dentro de mim, cada vez mais forte.

Um calor começou a subir pela minha barriga, misturado com uma sensação de
formigamento. Quando ele mordiscou um mamilo e puxou novamente o meu cabelo, não
resisti e dei um grito, sentando com mais força e mergulhando em um orgasmo que me fez ver
pequenos pontos pretos e brilhosos.

— Isso, Amy, goza pra mim, deixa meu pau molhado com seu prazer. — Ele não parava
de estocar nem de falar, seguia espalhando lambidas e mordidas por todo meu corpo e senti
um novo orgasmo começando a se formar.
— Nem acabou de me apertar e já está ficando pronta de novo? Agora eu quero gozar
junto com você! Temos um problema, Amy, agora que te experimentei assim, não sei se
consigo te comer de outra forma. Você é tão quente e macia, me aperta tanto que fica difícil
me controlar para durar.

À medida em que ele falava, meu corpo respondia e o orgasmo explodiu. Ben veio junto
comigo e senti quando seu líquido quente jorrou dentro de mim. Nos abraçamos suados,
exaustos e saciados. Acabamos de cometer uma loucura, mas foi a loucura mais gostosa de
toda a minha vida. Não sei quanto tempo passamos assim, unidos e abraçados, nos beijando
com cautela e acariciando o corpo um do outro, mas quando percebemos a chuva já havia
parado e era hora de ir, afinal, estávamos em um lugar público.

— Tem noção que a gente acabou de transar em um dos maiores pontos turísticos do
nosso estado? — Havia um tom de grandiosidade na sua voz.

— E pelo visto você está se gabando disso, ou estou errada?

— Tem noção do quanto isso é foda? Isso é história para contar para os meus netos.

— A gente não pode contar para ninguém, Ben.

— A gente precisa conversar. Eu não sei o que temos aqui, mas quero que a gente tenha
algo. Não posso prometer muita coisa, mas quero tentar. Se você não quiser que ninguém
saiba, tudo bem. Mas hoje eu tive certeza de que só mais uma vez não é o suficiente para
aplacar o desejo que eu sinto por você.

Desejo. Aí estava a palavra que permeava tudo. Ben não estava envolvido, estava apenas
obcecado pelo desafio, pelo impossível. Enquanto eu me envolvia a cada beijo, ele se afastava,
pois à medida que seu desejo fosse saciado, ele iria me trocar. Sabia que iria acabar destruída e
de coração partido, mas que pelo menos eu aproveitasse os bons momentos que isso poderia
me trazer.

— Eu aceito, mas ninguém pode saber.

— Nem a Chloe?

— Principalmente a Chloe.

— Qual o problema da minha irmã saber?

— Não acho que seja o momento. Se algum dia esse momento chegar, eu serei a
primeira a contar para ela. Nós nem sabemos o que temos, pra que colocá-la no meio de uma
situação que pode acabar machucando todo mundo.

— Eu não vou machucar você, Amy. E me incomoda o tempo todo você me colocar em
uma situação de desconfiança.
— Não vai me machucar conscientemente, mas todos podemos sair machucados,
mesmo que isso — apontei para nós dois — dê certo. A gente não pode prever nada. Tudo que
temos é esse momento e por hoje, eu decido aproveitar.

Escutamos vozes e alguns passos e corremos para colocar as roupas. Queria um banho
para me recuperar do que acabamos de fazer, mas isso não seria possível. Trancei rapidamente
o cabelo e quando abrimos a porta fomos surpreendidos por um guarda.

— Que bom te encontrar! Estávamos perdidos, encontramos abrigo aqui e agora


precisamos chegar no estacionamento. Pode nos ajudar?

O guarda olhou para nós dois e de repente era como se ele soubesse de tudo.

— Ajudo sim. Pena que a câmera da cabana está desligada, ou já teríamos visto vocês e
poderíamos ter vindo socorrê-los antes. — Eu juro que o vi sorrindo e piscando para o Ben. —
Mas acho que isso não foi um problema para o casal, ou foi?

Ben percebeu o duplo sentido na frase e começou a rir.

— Problema algum, seu guarda. De vez em quando é bom pegar uma chuvinha para sair
da rotina, não é mesmo?

— Ah, quando se é jovem temos disposição para tudo. Aproveitem. Consegue achar seu
carro daqui — Ele nos deixou na porta do estacionamento, após Ben confirmar que sim. — Boa
volta e juízo, não vão ficar perdidos pela chuva de novo.

Entramos no carro e Ben começou a rir.

— Caralho, quase que o guarda pega a gente pelado! Se bem que não adiantou muita
coisa, pois ele percebeu o que a gente fez. — Ele olhou o celular e resmungou. — Sem sinal,
queria saber da Chloe.

Conferi o meu celular e estava da mesma forma. Talvez a chuva tenha sido mais forte do
que a gente percebeu.

— Eu acho que choveu muito e o melhor é a gente ir para a casa dos meus pais aqui em
Kentucky, por segurança.

— Você pode me deixar na minha tia?

— Tem certeza que não quer passar a noite comigo?

— Acho que não me sentiria à vontade em fazer isso na casa dos seus pais, ainda mais
que eles não estão em casa.

— Justamente por eles não estarem em casa, que é o momento ideal para fazer isso.
— Eu prefiro ir para a minha tia.

— Ok, ok. Mas uns beijos eu posso ganhar pelo caminho, certo?

— Essa é a sua ideia de discrição, Ben? Desse jeito todo mundo vai ficar sabendo da
gente.

— Que caralhos, hein?! Puta que pariu, parece que é o fim do mundo se você for vista
comigo.

— Você tem uma boca muito suja, sabia?

— Mas não reclama dela quando está ocupada com os seus peitos.

— Ben!

— Amy!

— Anda, me deixa na minha tia e amanhã cedo vamos embora.

— É foda, viu!? Mulher nunca tá satisfeita com nada. Eu tinha que me amarrar logo na
mulher mais difícil de todas?

— Sem reclamar, Ben. Só dirige e vamos embora!

A pista realmente estava mais escorregadia, demandando mais atenção e tempo. Assim
que chegamos ao nosso bairro, conseguimos sinal. Chloe e sua mãe estavam bem, mas teriam
de ficar mais dois dias, pois o temporal pegou o médico no retorno de uma viagem, atrasando a
consulta. Ele me deixou na minha tia e foi para a sua casa.

Depois de tomar um bom banho e comer alguma coisa, fui até a sala para conversar com
Apsaras.

— Quando você viaja?

— Em três dias. Quer que eu leve algo para a sua mãe?

— Não, tia. Se ela não quer saber de mim, eu não vou mais insistir. Eu tenho você, isso
basta.

— E parece que agora tem o Sutton também.

— O quê? Não tem nada entre mim e o...

— Amy, eu não sou cega! E vocês não fazem muita questão de disfarçar, sabe, o jeito
que se olham, parece que vão pular no colo um do outro a qualquer momento. Por que você
está negando? Ele não quer te assumir?
— É complicado.

— Explique, tenho a noite toda.

— Ben está apenas empolgado pelo desafio, pelo proibido. Assim que a novidade passar,
ele me larga.

— E você está apaixonada, certo?

— É só uma paixão juvenil, logo passa.

— Todos os grandes amores já foram uma paixão juvenil.

— Pessoas como eu e o Ben não ficam juntas, tia. Sabemos que a vida não é um filme
romântico com final feliz. Além disso, tem a irmã dele. Ela não pode sonhar que estamos juntos.

— Vai me dizer que ela é apaixonada por você também?

— Não, tia! É que nós temos três regras para manter nossa amizade e uma é nunca se
envolver com um familiar da outra. E eu estou quebrando isso. Também estou quebrando a
regra de não esconder nada que possa magoar o outro. Ela nunca mais vai falar comigo.

— Vocês não são bem grandinhas para esse tipo de coisa?

— A Chloe já sofreu muito, tia, e isso é uma forma dela se proteger. Bom, não muito
eficaz, mas eu a entendo. Cada um luta com suas tristezas de uma forma. Além disso, quando
Ben souber do meu passado não vai querer continuar essa história.

— Ah, não pode parar com isso, Amy! Isso não é verdade e, se for, o Ben é um grande
babaca. Olha, eu não concordo com isso, de ficar às escondidas, mas meu papel é te apoiar.
Você está feliz assim?

— Como há muito tempo eu não ficava.

— Então isso é o bastante para mim. E o que você está fazendo aqui que não vai
aproveitar para passar a noite com o Sutton?

— Tia!

— Ah, Amy, pra cima de mim! Anda, vai aproveitar! Só não esquece de se cuidar, não
quero ser avó tão cedo.

— Tiaaaaaaaaaaaaa!

Saí envergonhada, mas decidida a fazer uma surpresa para o Ben. Procurei tudo o que
precisava no meu armário daqui, coloquei na mochila e pedi um Uber para a casa dele.
Esperava que os empregados já não estivessem mais lá e que ele tivesse ficado em casa.
Finalizei a maquiagem no carro mesmo e me vesti de uma confiança que nem sabia que tinha.
Ao descer, optei por ligar para o Ben em vez de tocar a campainha, para evitar que um
empregado pudesse me ver.

— Amy, aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu.

— Me fala, o que houve?

— Abre a porta, eu vim dançar para você.

O telefone ficou mudo e, pela demora, comecei a achar que ele não estava em casa ou
que a ligação havia caído, mas logo ele apareceu e abriu o portão.

— Você está falando sério?

— Muito!

— Hoje deve ser o meu dia de sorte. Vem, vamos entrar.

Agora não tinha mais volta.


Capítulo dezenove

Ben Sutton

Estava ansioso como criança na véspera de Natal. Amy disse que precisava trocar de
roupa para fazer a sua dança e eu estava alucinado pensando no que poderia vir. Na real, só o
fato dela estar aqui, por conta própria, já era o suficiente para me deixar feliz. Ela avisou que
estava pronta e pediu que eu diminuísse a luz da sala. Fiz o que ela pediu e me sentei no sofá,
pronto para apreciar o show.

Ela surgiu com uma de suas roupas típicas do seu país, linda, toda colorida e exuberante
em tons de vermelho, laranja e amarelo. Seu cabelo preto estava solto, livre e delicado, dando
um ar mais mulher para ela. Descalça, caminhava a passos firmes e delicados.

— O meu país possui muitas danças típicas. Hoje eu quero te apresentar a Odissi, que é
uma dança clássica oriunda do estado de Odisha, no leste da Índia, conhecido por seus
movimentos delicados, graciosos e fluidos, com uma ênfase particular nas expressões faciais e
nas poses esculturais. Ela divide-se em algumas partes: começamos com a entrada graciosa,
quando a dançarina entra no palco com uma entrada grácil, cumprimentando a audiência com
gestos tradicionais de saudação. Depois temos o batuque dos pés, uma série de movimentos
dos pés, conhecidos como "bhramaris", que criam uma batida rítmica no palco. Seguimos com
as posturas esculturais (Bhangis): Os dançarinos assumem posturas esculturais, conhecidas
como "bhangis" ou poses, que são características do Odissi. Essas poses são usadas para
expressar diferentes emoções e narrar histórias mitológicas. Agora passamos para as
expressões faciais (Abhinaya): parte fundamental do Odissi é a expressão facial intensa,
chamada "abhinaya", que permite que a contação de histórias e emoções por meio de
expressões faciais e olhares. Chegamos aos

movimentos fluidos: movimentos fluidos dos braços, tronco e pescoço, criando um


espetáculo visualmente envolvente. Nesse momento temos o

varnam (parte narrativa): uma parte narrativa mais longa, onde a dançarina expressa
uma variedade de emoções e retrata diferentes personagens. E para finalizar, temos moksha
(conclusão): a dançarina expressando liberação espiritual e elevação. — Ela pareceu procurar o
melhor lugar para se posicionar. — O Odissi é uma forma de dança clássica que combina
graciosidade, narrativa e expressões artísticas. Enquanto pode ser percebido como sensual em
sua abordagem artística e expressiva, é fundamental apreciar essa forma de arte por sua rica
herança cultural e suas raízes mitológicas. — Ela posicionou o celular. — Eu tenho a dança
como parte de mim. Nunca fiz uma apresentação assim, particular, pois sempre acreditei que
essa era uma forma de entrega e submissão. — Ela se afastou, provavelmente para fazer a
entrada que citou. — Eu estou entregando o meu tudo para você, Ben. Pelo tempo que você
quiser, para o que você quiser. Você colocou o controle nas minhas mãos e agora eu o devolvo
para você. Aprecie o espetáculo. — Ela se afastou um pouco mais e colocou a música para
tocar. Uma melodia que desconhecia, mas que acreditava ser do país dela começou.

Ela caminhou até o meio da sala de forma leve e confiante, enquanto me


cumprimentava com gestos suaves e expressivos. Seu rosto se transformou e muitas emoções
passaram por ele. Era incrível como ela parecia parte da música e como era possível ler cada
emoção que passava por ela. Ao começar a dança, seus pés deslizavam suavemente pelo chão,
criando um ritmo hipnotizante. Os movimentos rápidos e precisos dos pés, ecoavam pela sala,
acrescentando uma dimensão musical à sua performance. Nesse momento a música ficou mais
baixa, destacando o barulho dos seus pés. De repente, seu corpo começou a movimentar-se em
um ritmo próprio, criando poses que eram a mais pura expressão artística. Amy estava
completamente entregue e concentrada, cada pose era mantida com uma graça excepcional, e
suas mãos, rosto e olhos começaram a contar uma história, transmitindo emoções profundas e
diversas nuances.

Suas expressões faciais tornaram-se intensas, revelando uma gama de emoções —


alegria, tristeza, amor e devoção. Seus olhos pareciam se comunicar comigo, contando uma
história que ia além das palavras. Eu estava completamente hipnotizado por cada detalhe, cada
expressão e por Amy!

Seus movimentos eram fluidos, como se ela estivesse dançando com uma corrente de
ar. Seu corpo parecia flutuar e seus movimentos se tornavam cada vez mais hipnóticos. Era
possível ler cada movimento dela, como se realmente eles se unissem para contar uma história.
Os gestos dos braços e mãos criavam padrões graciosos no ar, adicionando uma dimensão
visualmente envolvente à sua apresentação. Algo aconteceu e ela mudou, como se estivesse se
transformando em diferentes personagens, talvez seres mitológicos, cada transição marcada
por uma mudança sutil em sua postura, expressão e movimento. Ela começou a narrar uma
história na sua língua e me arrependi de não ter estudado com Chloe quando ela começou com
isso. Queria muito entender qual história ela estava contando. Cada palavra cantada e cada
gesto pareciam narrar uma história única e incrível. À medida que a música e os movimentos
atingiam seu clímax, ela expressava uma sensação que eu não sabia definir, mas que parecia ser
algo transcendental, acima de nós, dessa sala. Uma espécie de libertação e conexão que só
quem estava dançando podia ser capaz de sentir.

Ela se abaixou no momento exato em que a música acabou. Ainda ficou algum tempo
assim, acredito que retomando o fôlego. Eu não conseguia me mexer. Essa provavelmente foi a
coisa mais linda e sexy que já vi na minha vida. Acho que se ela me pedisse em casamento
agora eu aceitava, depois de ver esse espetáculo era impossível dizer não para qualquer coisa
que essa mulher me pedisse. Se eu já não estivesse em suas mãos, me jogaria aos seus pés
agora. Amy era uma espécie de deusa da dança e com certeza isso que ela fez foi algo para me
hipnotizar.

Ela finalmente se levantou e caminhou até onde estava.

— Main aapakee bhakti mein apana nrty, apana shareer aur apana samay aapako deta
hoon. main khud ko aapake hisse ke roop mein rakhata hoon aur main yahaan hoon, aapake
saath vartamaan ko jeene ke lie jo bhee jokhim uthaana padega, vah jokhim uthaane ke lie
taiyaar hoon. vaade maayane nahin rakhate, bas itana hai ki ham jo kuchh bhee anubhav
karate hain vah gahan, adviteey aur sachcha hai, bilkul us nrty kee tarah jo mainne abhee kiya
tha. yadi aap mujhe sveekaar karate hain aur mujhe chaahate hain, to main yahaan hoon.

— Eu acho que você fica linda falando no seu idioma, mas eu gostaria de entender o que
você falou.

Ela jogou os cabelos para trás, em um movimento sexy e inocente, sorriu, olhou nos
meus olhos e disse:

— Te entrego a minha dança, o meu corpo e o meu tempo em sua devoção. Me coloco
como parte de você e estou aqui, pronta para arriscar o que for preciso para viver o presente
com você. Não importa as promessas, apenas que tudo que vivermos seja intenso, único e
verdadeiro, tal qual a dança que acabei de fazer. Se você me aceitar e me quiser, estou aqui.

O impacto de suas palavras me atingiu. Amy estava totalmente rendida, renunciando às


suas armaduras para me deixar entrar.

— Aceito tudo o que você me oferecer. Estou jogado aos seus pés, entregue em suas
mãos e quero viver o presente com você. Agora você pode falar isso no seu idioma também, só
para que eu veja como que fica?

— Aap mujhe jo bhee prastaav dete hain, main use sveekaar karata hoon. mujhe aapake
charanon mein phenk diya gaya hai, aapake haathon mein saump diya gaya hai aur main
aapake saath vartamaan mein jeena chaahata hoon.

— Você devia falar assim mais vezes, além de lindo, é sexy pra caramba!

Amy sorriu e a senti mais leve, mais solta.

— Quer conhecer meu quarto? Eu não sei preparar um espetáculo como esse, mas
tenho uma cama macia e nela eu te garanto que dou show.

Ela concordou com um menear de cabeça e eu a peguei no colo, arrancando um gritinho


de susto e excitação. Caminhei devagar, absorvendo o peso desse momento. A partir daqui, as
coisas não tinham volta. Não sabia se ela pensava da mesma forma, mas o que acabamos de
fazer foi assumir um compromisso de entrega e devoção. Um pouco mais cedo eu disse que não
sabia bem o que sentia ou o que queria, mas agora tudo me parecia muito claro: eu estava
apaixonado pela Amy e tudo que mais queria era que ela fosse minha, sem precisar ter medo
ou termos que nos esconder. Não iria entrar nesse assunto agora para não estragar o
momento, mas conversaríamos sobre isso o quanto antes. Amy seria minha, na mesma
proporção em que eu já era dela.

— Chegamos ao meu santuário.

— Até que para um quarto de homem ele está bem arrumado.

— É porque eu não moro aqui. Senta aqui comigo, quero ver de perto a sua roupa, cada
detalhe da sua produção. Foi tudo tão perfeito! Você é uma artista! Nasceu para dançar. Eu
nunca tinha visto nada igual!

— Obrigada! Dançar sempre foi minha válvula de escape, o meu meio de me expressar,
de falar o que sinto sem precisar colocar em palavras. Quando decidi vir para cá, sabia que
precisava dançar para te explicar como me sinto. Ah, minha tia sabe sobre a gente, mas não
contei para ela. Ela deduziu pela forma com que nos olhamos. E foi ela quem me incentivou a te
procurar.

— Eu não acho que vamos conseguir esconder por muito tempo, Amy. E precisamos
contar para a Chloe antes que ela descubra. Não gosto da ideia de esconder as coisas dela. Não
estamos fazendo nada de errado.

— Depois das festas de fim de ano, a gente conta para ela. Tenho medo de como ela vai
reagir, do que ela vai pensar de mim e de como nossa amizade vai ficar depois disso.

— Você mesma disse que tenho de tratar a Chloe como a mulher que ela é. Essa é uma
excelente maneira de começar.

— Para você é fácil mesmo que ela fique brava com você no começo, ela nunca vai
deixar de ser sua irmã. Agora eu posso perder a minha melhor amiga. Ou melhor, a minha única
amiga.

— Ela vai ficar feliz de ver que a melhor amiga dela entrou definitivamente para a família
como cunhada. E vai ficar feliz por você ter arrumado um bom partido.

— Bom partido, Ben? Você? Mais rodado do que as rodovias daqui.

— Nossa, você pega tão pesado comigo. Fique sabendo que agora só uma pessoa pode
aproveitar esse rodado aqui: você!

Joguei-a de costas na cama e comecei a fazer cosquinhas. Rimos bastante até que nossos
olhares se cruzaram e a vontade de beijá-la novamente se tornou irresistível.

— Eu adorei a surpresa, pode fazer mais vezes.

Aproximei-me de sua boca para enfim poder beijá-la, mas fui interrompido pelo barulho
da campainha. Maldita hora em que dispensei todos os empregados.

— Deixa tocar.

— Vai ver quem é, Ben. Pode ser algo importante.

— Se fosse importante teria me ligado. Eu, hein, uma chuva dessas, quase nove horas da
noite e aparecer na casa dos outros.

O barulho não parou e eu resolvi ver quem estava me perturbando a essa hora. Amy
ficou no alto da escada, de forma que não era possível vê-la, apenas um breve pedaço do seu
vestido e o seu pé.

Se eu já estava irritado antes de abrir a porta, quando vi quem era eu fiquei puto!

— O que você está fazendo na minha casa, Emily?

— Posso entrar?

— Óbvio que não.

— É rápido!

— Porra, garota! Quantas vezes eu vou ter que falar que eu não quero respirar o mesmo
ar que você?

— Por que você é tão grosseiro comigo, benzinho?

— Porque você é uma grande de uma filha da puta? Eu acho que você devia procurar
ajuda de algum médico, pois esse seu comportamento não é normal.

— Eu sei que um dia sua raiva vai passar, meu amor. Quando sua irmã parar de te
envenenar contra mim, você vai perceber que eu sou a única mulher certa para você.

Um barulho ecoou pela casa.

— Trouxe alguma vagabunda para a casa dos seus pais, Ben?

— O que eu faço ou deixo de fazer é problema meu. E não tem nenhuma vagabunda
aqui, a menos que a gente esteja falando de você.

— Me respeita! — Ela interrompeu a fala enquanto olhava para dentro da casa. Puxei
mais a porta para evitar que ela visse qualquer vestígio da Amy. Do jeito que essa praga era
doida, faria um escândalo desnecessário. — Eu vou descobrir quem está com você e ela vai
pagar muito caro por mexer no que é meu!

— Vaza. — Bati a porta sem esperar que ela respondesse algo. — Amy, tá tudo bem?
— Não grita meu nome, vai que ela ainda está na porta.

— Desculpa, mas acho difícil conseguir ouvir. Vamos ver na câmera se ela ainda está
aqui. — Fomos até o escritório do meu pai e vimos Emily parada no portão, enquanto falava
visivelmente irritada no telefone.

— Sério, Ben. Isso já está passando de todos os limites. Essa obsessão da Emily em você
não é normal.

— Fazer o que se eu sou um gostoso?

— Isso não é momento para brincadeiras. Tenho medo que ela resolva descontar na
Chloe as frustrações dela, porque na cabeça dela, a Chloe é a culpada por tudo.

— Eu não sei o que fazer. Meus pais não percebem a gravidade, minha mãe ainda
mantém contato com a família dela e meu pai e o dela são amigos desde a faculdade. É uma
erva daninha que não consigo podar.

— Só que precisa, antes que algo grave aconteça.

— Tudo bem, mas podemos pensar nisso uma outra hora? Não quero deixar a Emily
estragar nossa noite. Vem, vamos para o quarto. Tem coisa muito mais interessante para fazer
por lá.

— Você não tem jeito, não é mesmo?

— Os bons momentos da vida devem ser aproveitados.

Subimos para o meu quarto em um clima leve e descontraído, mas que mudou para uma
tensão sexual assim que entramos no quarto e fechamos a porta. Emily parou próximo à cama e
eu a observei por mais um tempo. Era lindo como a sua roupa parecia moldada no seu corpo e
como as cores contrastavam com seu tom de pele e cabelos, deixando-a mais viva, quase
brilhante.

— O que tanto olha, atleta?

— Eu não sei quais as representações são utilizadas para ilustrar as deusas da sua
religião, mas se eu tivesse que descrever uma deusa indiana, seria exatamente como você está
agora. Sério, chega a ser bizarro de tão linda a imagem que estou vendo. Fica parada. — Peguei
o meu telefone e tirei uma foto. — Como não sou nenhum Jack, tenho que me contentar com
uma foto, que não chega ao dedinho mindinho da sua beleza.

— Um Iphone deixa tudo mais bonito, não é mesmo?

— A câmera não faz milagres. A modelo é perfeita. — Mostrei a foto para ela. — Veja,
você parece brilhar, esse ângulo ficou perfeito, ainda pegou esse reflexo da lua que apareceu
apenas para te idolatrar.
— Você está inspirado hoje, hein?!

— Porra, depois daquela dança, o que você queria?

— Então o que acha de me pintar como uma francesa, Ben?

Ela começou a se despir, deixando com que suas roupas caíssem aos seus pés. Retirou
absolutamente tudo, deixando que seus cabelos cobrissem os seus seios. Assim, nua e quieta
na minha frente, Amy parecia uma escultura de arte. Sequer conseguia piscar diante da sua
beleza e de como estava rendido por ela. Quando ela se movia e seus cabelos balançavam,
espalhavam o seu perfume pelo meu quarto, algo adocicado, com cheiro de flores e algo mais
que não conseguia identificar, mas era algo bom, reconfortante e sexy pra caralho! Lembrei-me
de que tenho um presente para ela.

— Senta na cama que tenho algo para te mostrar. — Abri a porta e saí correndo para
pegar minha mochila que ficou na sala, mas ainda consegui ouvir quando ela falou:

— Esses seus rompantes me assustam.

Procurei a caixinha que peguei mais cedo. Na época, eu não sabia o motivo de ter
encomendado isso, já que Amy era só mais uma garota. Hoje eu sabia que fiz isso, pois já sabia
que ela era A garota. Voltei no mesmo ritmo para o quarto e, mesmo com fôlego de atleta,
ainda cheguei ofegante.

— Nossa, você parece cansado. Achava que atletas tinham um preparo físico melhor.

— Vou te mostrar todo o meu preparo em instantes, mas antes — mostrei a caixinha —,
quero te pintar enquanto você usa isso. Apenas isso.

— Essa fala não devia ser minha?

— Devia, mas eu tenho licença poética para mudar o roteiro. — Abri a caixinha e peguei
o colar de ouro branco, com corrente fina e um pequeno elefante como pingente. Ele possuía
uma pequena pedra de rubi na cabeça, para simbolizar que era fêmea.

— Um elefante pequeno?

— Uma pequena elefante. Olha o pontinho vermelho para marcar que é menina. E esse
é um colar único, fiz o desenho e mandei fazer a joia. Sei que talvez elefante não seja um
apelido muito utilizado para ser carinhoso, mas acho que combina com você e ainda representa
o seu país.

— E por que você não usa no feminino?

— É que eu acho que elefanta ou elefoa fica feio.

— Você pode usar isso.


— Mas aí perde a graça. Agora você pode colocar o cordão?

— Não quer ter a honra? — Ela segurou o cabelo e virou-se para mim. — Pode colocar.

— Essa é uma frase bem complicada de dizer em um momento como esse, não acha,
Amy?

Quando ela percebeu o duplo sentido começou a rir.

— Você é terrível, Ben.

Aproximei-me e coloquei o cordão no pescoço dela, enquanto distribuía beijos por suas
costas, senti seu corpo se arrepiar com o meu toque. Deitei-a na cama e continuei com a sessão
de beijos.

— Agora que você está vestida para a ocasião, vou te venerar como a deusa que você é
— enfiei um dedo nela — uma deusa, linda, perfeita e muito safada, que já está pronta para me
receber. — Fiz movimentos de vai e vem, enquanto ela começava a gemer baixinho. — Receba
minha adoração — aumentei força — minha devoção — enfiei mais um dedo — minha paixão.
— Retiro os dois dedos e chupei, para sentir o gosto dela e me afastei apenas o suficiente para
tirar a minha roupa. — Agora eu vou te adorar com a minha boca e com a minha língua. —
Afastei as suas pernas enquanto ela permanecia deitada na cama, os cabelos espalhados por
todo o travesseiro e o colar repousando no vale entre os seios. — Porra, essa imagem
realmente merecia um quadro. Dobra um pouco as pernas. — Ajudei-a na posição em que
queria que ela ficasse e me posicionei entre as suas pernas. — Espero que esteja sem sono,
Amy, pois eu estou pronto para te adorar a noite inteira. — Desci a minha boca até o seu ponto
mais sensível, dei um leve assopro, lambi bem devagar e depois a invadi com minha língua,
arrancando um suspiro alto e intenso. Alternei a velocidade, mordisquei suas coxas, seus
pequenos lábios e usei a minha língua sem parar. Queria que Amy gozasse na minha boca, para
que seu gosto ficasse em mim e que todos os seus melhores orgasmos fossem meus. Minhas
mãos passeavam pelo seu corpo enquanto minha boca não parava de trabalhar. Ela se remexia,
puxava meu cabelo, falava frases desconexas e me apertava, buscando o alívio que só eu podia
entregar no momento.

— Apenas relaxe e se entregue, Amy. Hoje já é uma noite inesquecível e ela está apenas
começando. — Fixei o meu olhar no dela em uma tentativa de conseguir transmitir tudo o que
sentia naquele momento. Nos conectamos com esse olhar que eu interrompi apenas para
retomar o meu processo de adoração. Voltei a chupá-la e não demorou até que ela se
desmanchasse na minha boca, em um orgasmo que poderia ter me custado alguns fios de
cabelo. Tracei uma trilha de beijos do seu ventre até a sua boca e nos beijamos
desesperadamente.

— Agora que eu já te venerei com a minha boca, vou te adorar com meu pau. —
Encaixei-me devagar na sua entrada. — Posso? — Meu pedido era para continuar sem
camisinha, que ela prontamente atendeu. — A gente precisa parar com isso, mas é viciante
poder sentir todo o calor que você tem para me oferecer.
— Que o anticoncepcional continue funcionando, pois estou tão viciada quanto você.

— Vou te comer bem devagar, Amy, mas vou tão fundo que quero que você ainda me
sinta amanhã ao andar. — Invadi seu corpo, arremetendo com força, mas diminuí o ritmo,
começando um vai e vem lento e torturante para ambos. — Quero que sinta cada centímetro
do meu pau dentro de você, ele entrando e saindo, inchando e crescendo unicamente para
você.

— Desculpa ficar calada, mas eu não sei bem o que responder.

— Seus gemidos e arranhões são respostas o suficiente para mim, Amy. Só quero que
você se entregue e faça o que tiver vontade, combinado?

Ela concordou e eu prossegui na nossa dança. Amy abriu mais as pernas para me
acomodar melhor. Levantei uma perna dela, apoiando no meu ombro e fiquei apoiado em um
joelho, para conseguir uma posição que me permitisse ir mais fundo.

— A sua abertura de pernas é boa?

— A dança faz com que eu seja bem flexível.

— Eu vou querer testar toda essa flexibilidade. — Aumentei a velocidade dos


movimentos. — Mas por agora, quero sentir você gozando junto comigo. — Continuei indo
mais rápido e ela começou a me apertar. — Isso, garota, vem comigo! — Mais dois movimentos
e gozamos juntos, caindo abraçados na cama, exaustos, suados, mas ainda insatisfeitos. A noite
estava apenas começando.
Capítulo vinte

Amy Sengupta

Depois de uma verdadeira maratona de sexo, apaguei. Ben era uma máquina na hora de
transar e eu não estava acostumada com isso. Estava exausta, um pouco dolorida, mas muito
feliz. A única coisa que atrapalhava minha felicidade era o medo de perder tudo que construí
com a Chloe quando revelasse a verdade para ela. Antes que o pensamento estragasse o dia, o
expulsei, enchendo a mente das memórias das noites de ontem. Quando tudo isso acabasse,
teria essas memórias para lembrar que valeu a pena enquanto durou.

— Minha deusa dormiu bem? — Ben entrou no quarto com uma bandeja nas mãos.

— Como um anjo!

— Ótimo! Preparei um café para recuperar as energias, mas não vamos poder ficar na
cama. Preciso voltar para o treino. Terei folga no Natal, mas jogarei dia trinta e um de
dezembro, vamos ter que passar o Ano Novo separados. Mas passaremos o Natal juntinhos.

— Como, Ben? Tem a festa na casa dos seus pais, não poderemos ficar juntos lá.

— Porque você não quer. Por mim, chegaríamos bem plenos com toda essa beleza. A
cara de choque que todos ficariam: a nerd e o atleta, parece até história de livro.

— Tudo é tão simples e divertido para você.

— É que grande parte das coisas são assim, as pessoas que complicam tudo.

— Vamos esperar passar as festas de fim de ano e antes de voltarmos do recesso


conversamos com a Chloe. Quero que ela saiba por mim, para não dar margem a nenhuma
outra interpretação. Já basta tudo o que os outros vão falar.

— Você se preocupa demais com a opinião dos outros.

— Não me preocupo, mas não tenho ninguém para me defender. Eu não sou rica ou
influente, Ben. A corda sempre vai arrebentar para o meu lado e eu tenho muita coisa a perder.
— Como você quiser, Amy! Mas esse assunto é muito pesado para o café da manhã e eu
quero ganhar beijinhos, não problemas.

Trocamos algumas carícias e beijos enquanto comíamos, mas não perdemos muito
tempo. Nos arrumamos rápido, fui até a minha tia para me despedir e voltamos para o campus.
Durante todo o trajeto fiquei com uma sensação de que tinha alguém nos observando, mas não
notei nada diferente e talvez fosse algo da minha cabeça. Assim que estacionamos e
começamos a andar pelo campus, encontramos com Aiden.

— Bonito casal!

— Nós não somos um casal — rebati e recebi um olhar de reprovação de Ben.

— Não? Então significa que eu ainda tenho chance? — Aiden respondeu, mas não me
olhou, ele direcionou a resposta e seu olhar para o Ben, em uma tentativa de provocação.
Infelizmente, Ben acabou caindo na armação.

— Chega perto dela e eu te arrebento, seu filho da puta!

— Ora, ora, para quem não é casal, você está bem enciumado.

— Aiden, não é hora para isso. Deixa a gente em paz, por favor.

— Eu vou só porque você está pedindo e porque o treino já vai começar. Nem todo
mundo tem a sorte de ser filho de um ex-atleta fracassado para garantir o seu lugar no time.

Ben ameaçou partir para cima dele, mas o contive, sussurrando apenas para que ele
ouvisse:

— É isso que ele quer, se controla!

— Até mais, Amy! Bonito cordão, uma pequena elefante.

E foi embora. O estrago já estava feito, Ben estava nervoso e uma coisa ecoou na minha
cabeça.

— O que ele falou do meu cordão?

— Eu sei lá o que esse filho da puta falou. Cada dia que passa tenho mais vontade de
socar a cara dele.

— Ele falou pequena elefante.

— E o que tem isso? Seu pingente é de um elefante pequeno.

— Não, ele enfatizou isso. As pessoas falam no masculino, ele falou exatamente da
forma como você fala. Ele sabe, Ben! Ele sabe sobre a gente! Ele veio aqui só para mostrar que
sabia! — Um nervosismo me invadiu. Não era apenas por ele saber, mas uma sensação ruim
não me deixava, como se algo fosse acontecer.

— Calma, Amy! Logo todo mundo vai saber e tudo vai ficar bem. O máximo que ele pode
fazer é contar.

— Você sabe que o Aiden não é confiável e que ele pode fazer algo pior que isso.

— Eu vou para o treino agora e você vai para o seu alojamento. Quando eu sair,
conversamos, tá bem? Eu te daria um beijo agora, mas acho que você não ia querer.

— Eu quero, mas não posso. Bom treino!

Ele beijou a minha testa e saiu, enquanto eu caminhava para o alojamento. Por todo o
caminho, a sensação de que estava sendo observada não passava, pelo contrário, só
aumentava. Apertei o passo e corri para chegar até o meu quarto, mas um pouco antes de
alcançar o meu objetivo fui interrompida.

— Olá, estranha! — Emily parou bem na minha frente, cruzou os braços e falou.
Estranho o fato dela estar sozinha, sempre estava cercada pelas suas puxa-sacos.

— O que você quer, Emily?

— Você é muito mal-educada, sabia?

— E você é insuportável. Você não me parou aqui para ficar trocando elogios, não é
mesmo? Diz logo o que você quer porque se você não tem o que fazer, eu tenho e muito.

— Onde você estava?

— O quê? — Comecei a rir. — Eu não devo satisfação da minha vida para você.

— Escuta aqui, sua vagabunda! Se eu confirmar que você é a piranha que tá se enfiando
na cama do Ben, eu vou acabar com você, entendeu? Você e aquela aleijadinha estão
merecendo uma lição e eu vou colocar um fim nessa história.

— Eu não tenho nada com o Ben, mas se tivesse, você não teria nada com isso.

— Eu vou falar uma vez e vou falar bem devagar para que você entenda: O Ben é meu!
Nem você, nem aquele encosto da irmã dele, nem ninguém pode mudar isso. É QUESTÃO DE
TEMPO ATÉ A GENTE FICAR JUNTO — ela começou a gritar — E SE EU TIVER QUE ACABAR COM
VOCÊ PARA ISSO, EU VOU ACABAR SEM PENSAR DUAS VEZES. — Virou as costas e saiu pisando
firme, fazendo com que os saltos do seu sapato fizessem um barulho insuportável pelo
corredor.

Finalmente consegui chegar ao meu quarto. Tranquei a porta e me joguei na cama. Um


dia que começou com Aiden e Emily só podia ser um aviso. Resolvi arrumar algumas coisas para
relaxar e esquecer um pouco dos problemas. Algum tempo depois, meu telefone tocou e era
uma chamada de vídeo da Chloe.

— Amiga, está tudo bem?

— Sim, Chloe. E por aí, como está tudo?

— O de sempre. Minha mãe segue achando que vai conseguir um médico que faça
algum milagre e me faça voltar a andar, eu estou entediada e muito irritada por perder os
últimos dias antes das provas.

— Já tentou falar com ela?

— Estamos falando da minha mãe, amiga! Ela não vai me ouvir.

— E você fica bem com essas consultas?

— Mal não vai fazer, não é mesmo? Se eu tenho esperança que resolva? Não vou
mentir, lá no fundo, eu tenho um mínimo de esperança, mas eu sei qual a minha situação.
Então eu apenas respiro e faço o que ela quer. Pelo menos eu conheço outros lugares e tenho
um pouco mais de liberdade. E você, alguma novidade?

— Não, nenhuma. Estava arrumando o quarto, aproveitando que só tenho aula amanhã.
Quando você volta?

— Em uns dois dias, eu acho. Que cordão bonito, Amy! Nunca tinha visto você com ele. É
um elefante?

— Ah, é sim! Minha tia me deu há um tempo, achei na arrumação e coloquei. — A


velocidade com que a mentira saiu da minha boca me impressionou. — Eu tenho que ir agora,
amiga, vou dar uma aula on-line em alguns minutos, preciso terminar de organizar aqui.

— Tudo bem! Te amo!

— Te amo!

Quando desliguei o aparelho, fiquei arrasada. Nunca gostei de mentir e agora a mentira
saiu com tanta facilidade que até me assustou. Precisava resolver logo essa situação, antes que
se tornasse algo pior. Chloe iria entender que tudo aconteceu de forma natural, não foi
planejado, mas se continuássemos escondendo e mentindo, ela podia não me desculpar.

Voltei a atenção para a arrumação, tentando ignorar os problemas e colocar um pouco


de normalidade para a minha vida. Organizei meu material de estudo, separei roupas para lavar
e deixei o quarto brilhando. Nem percebi que as horas passaram, então resolvi lavar o banheiro
e tomar um banho, mas fui interrompida por algumas batidas à porta. Não é possível que todo
mundo tirou o dia para me perturbar hoje. Verifiquei no celular e percebi que o treino já havia
acabado há muito tempo, mas não tinha nenhuma mensagem do Ben.
Talvez fosse ele na porta, então dei uma rápida ajeitada na roupa e cabelo e fui abrir,
mas meu sorriso morreu no instante em que percebi quem era.

— Aiden!

— Posso entrar?

— Não, o que você quer?

— Nossa, você não recebe o Ben assim.

— Você não é o Ben.

— Não mesmo, pois enquanto ele deixa você aqui escondida, está lá se divertindo no
pós-treino.

— O que o Ben faz não é problema meu, Aiden.

— Então isso aqui não te incomoda? — Ele virou o celular e me mostrou uma live, onde
uma mulher estava rebolando perto de Ben, sentou no colo dele e o beijou. Tentei não deixar
que a cena me incomodasse, mas senti um aperto no peito e não consegui conter o encharcar
dos meus olhos. — Ah, achei que não te incomodasse. Ele não é o que todos pensam. Enquanto
vocês o colocam em um pedestal, eu vejo quem ele é de verdade. Você merece alguém melhor,
Amy. Alguém que não te esconda como um segredinho sujo.

— Eu não sei do que você está falando. Você está louco!

— Não sabe? Então você não passou a noite com o Ben? Para qual passeio ele te levou:
carrossel, mina, motel?

Comecei a realmente prestar atenção nele. Como ele sabia tantos detalhes?

— Levou em algum desses, não foi? Ou será que foi em todos? Deve estar se
perguntando como eu sei, não é mesmo? É o que ele faz. Pega uma menina inocente, que vai
cair no seu papo e se deslumbrar pelo mundo romântico que ele mostra, usa e joga fora. Você
não é especial e nem é única, não para ele, Amy. Você é só mais um desafio que ele topou. Logo
depois das festas de final de ano, ele te descarta. O pai dele vai começar a carreira política, acha
que vai querer o filho envolvido com uma estrangeira sem futuro, na visão deles? O Ben sempre
foi da Emily. Por que você acha que ela vive atrás dele? Apenas por ela ser louca? Ben alimenta
isso, pois sabe que é o que o pai dele ia querer. E cedo ou tarde isso vai acontecer.

— Eu não entendo o que você quer vindo aqui falar disso comigo, Aiden. Como você
disse, eu sou apenas uma estrangeira sem futuro. Não tenho nada a ver com o Ben ou a família
dele. A única pessoa com que tenho algum vínculo é a Chloe. No mais, eles são apenas os
parentes dela.

— Também ganhou uma joia especial, é? — Ele apontou para o meu cordão, tentou
tocar, mas me esquivei. — Emily tem uma. O cordão, com o nome dela, foi o Ben que deu.

— Ok, ele é da Emily, eu já entendi. Mas isso não explica o que você está fazendo a essa
hora na porta do meu quarto.

— Eu só vim te mostrar a verdade e falar que eu sim saberia te dar o seu valor.

— Agradeço, mas eu sei o meu valor e não estou precisando que ninguém me lembre
disso. Se puder me dar licença. — Tentei fechar a porta, mas ele impediu com o braço. —
Aiden, a conversa encerra aqui.

— Você devia me dar ouvidos, Amy. Eu estou tentando te ajudar.

— Eu não preciso de ajuda!

— Depois não adianta vir me procurar, eu atentei te avisar.

— Já disse que agradeço, mas agora quero que vá embora.

Ele foi e eu novamente me tranquei. Liguei para o Ben, que não atendeu. O que eu
esperava? Que ele seria fiel e teria olhos apenas para mim? O que eu poderia exigir? As
palavras de meu pai voltaram com tudo:

“Nenhum homem vai te querer, você vai ser sempre a brincadeirinha deles. Uma puta,
isso que você é e vão te tratar como tal, aqui ou para qualquer lugar que você for...”

Quero ser forte e não chorar, mas não consegui. Queria desabafar com a Chloe, mas não
podia. Também não iria incomodar minha tia. Novamente, estava sozinha, ou melhor, sempre
estive. Não podia depender das pessoas para ter suporte. Desisti da faxina no banheiro e me
enfiei debaixo do chuveiro, deixando que a água levasse minhas lágrimas, em uma vã tentativa
de apagar tudo que me machucava. Relembrei minhas dores, algumas alegrias e me permiti
fraquejar, mas apenas enquanto esse banho durasse.

Eu já enfrentei coisa muito pior e não seria o Ben que iria me derrubar. Prometi que,
quando tudo acabasse, as memórias dos bons momentos ficariam e era isso que iria fazer.

Saí do banho, me arrumei e resolvi ir buscar algo para comer. Era tarde, mas como ainda
tinha aula, devia achar alguma coisa. Coloquei os fones e saí pelo campus, acabei andando
tanto que fui parar mais longe do que esperava.

Um barulho de festa chamou a minha atenção e quando fui desviar, vi Josh saindo com
Ben. Observei de longe e percebi que havia algo errado, como se Josh tivesse que apoiá-lo.
Quando os dois caíram no chão, resolvi intervir.

— Precisando de ajuda, Josh?

— Amy? Nossa, o Ben te chamou tanto que você realmente apareceu. Você sabe dirigir?
— Não.

— Então faça o seguinte, vou encostar ele na árvore e buscar o carro, você fica com o
Ben e não o deixa sair. O carro não está muito longe, eu volto logo.

— Tudo bem Josh, pode ir.

Andamos alguns passos até a árvore, onde ele encostou o Ben que mal se aguentava em
pé e escorregou pelo tronco, sentando no chão. Me acomodei ao lado dele.

— Amy? É um delírio ou você está aqui?

— Talvez, vou deixar você descobrir.

— Amy, uma mulher me agarrou. Eu disse que não queria, mas ela ficou dançando, me
beijou, mas eu a empurrei. Tem alguma coisa errada comigo, eu só bebi uma cerveja e estou
tonto, tudo tá girando e... — Ele virou para o lado e vomitou. Josh estacionou ao nosso lado
bem na hora.

— Ainda bem que não foi no meu carro. O que fizeram contigo, Ben?

— Como assim o que fizeram com ele?

— Ele quase não bebe, no máximo uma cerveja. Ele virou uma garrafinha hoje e ficou
assim. Tá bem claro que colocaram algo na bebida dele.

— E com qual propósito?

— Não sei, mas vou descobrir. O suspeito eu já tenho: Aiden

— Ele passou no meu dormitório há pouco tempo. Acho que não daria tempo de colocar
algo na bebida dele.

— Ele nem veio na festa, mas não precisa estar aqui para fazer algo. Ele está
praticamente em todas as coisas que realizamos pós-treino e, no único dia que acontece algo
com o Ben, ele não vem e ainda aparece no seu quarto? Ele queria um álibi.

— Ele foi me mostrar que Ben estava com uma mulher.

— Claro, para fazer com que você duvidasse dele. Ele coloca algo na bebida, arma a
situação, desmascara o Ben para você e sai como o bonzinho.

— E o que eu tenho a ver com isso?

— Por favor, né, Amy. Não precisa mentir para mim. Sei que tá rolando algo, ou você
acha que as ideias do Ben dariam certo sem mim?

— Isso já está saindo do controle.


— Relaxa, eu não vou falar para ninguém. O problema não é como eu sei, mas como o
Aiden sabe. E eu aposto que ele colocou alguma droga na bebida do Ben para aparecer no
antidoping. O técnico faz exame quase toda semana e avisou que, se pegasse alguém dessa vez,
ia ser suspensão até o final da Conferência, fosse quem fosse. Se o Ben for suspenso, Aiden
consegue ser capitão.

— Tudo isso só para ser capitão?

— Isso mancharia a carreira do Ben e poderia influenciar nos resultados futuros. Aiden é
um cara problemático, levantamos a ficha dele e descobrimos algumas coisas pesadas. Vamos
para o carro, conversamos mais no apartamento, aqui talvez não seja seguro.

Com dificuldade, colocamos Ben no banco de trás do carro de Josh. Ele estava apagado e
foi difícil conseguir ajeitá-lo. No caminho, Josh me contou o que descobriram sobre Aiden.

— Ele tem alguns familiares na Polícia e advogados, que encobrem as coisas que ele faz.
No ensino médio, foi acusado de agressão, venda de drogas e assédio. Na antiga faculdade,
quase foi expulso do time de hóquei, não sabemos o motivo, só que foi preciso mexer muitos
pauzinhos para que ele esteja aqui. Suspeitamos que ele tenha contatos para vender drogas e
que por isso consegue se movimentar tanto assim. Mas isso é apenas uma suspeita. Vamos
fazer o seguinte: vamos levar o Ben para o hospital. Um exame vai dizer se ele foi drogado ou
não. Não teremos prova contra Aiden, mas teremos prova de que ele não fez por vontade
própria.

— Tá bem, mas como faremos isso sem que se torne um escândalo? Aqui todo mundo
conhece o Ben e a família dele.

— Vou para outro hospital, mais longe. Se vazar, a gente dá um jeito.

A viagem demorou um pouco, mas chegamos ao hospital. Aguardei na recepção


enquanto Josh resolvia tudo e fiquei observando como ele era esperto, controlado e organizado
para resolver as coisas. Acho que não me enganei em relação a ele.

— Pronto, eles vão fazer alguns exames e ele vai precisar passar a noite aqui, em
observação.

— Mas ele tá bem?

— O médico acredita que sim, acha que pode ter sido um “boa noite, cinderela”, então
ele vai acordar melhor. Um pouco desorientado, mas sem nada grave. Problema que temos
treino amanhã.

— Eu fico aqui, você vai descansar e amanhã eu te mando o resultado dos exames.

— Tem certeza?
— Claro. Estamos seguros no hospital.

— Vou conversar com o médico e convencê-lo a deixar você ficar no quarto. O cartão do
Ben deve ajudar.

Fiquei esperando-o voltar, enquanto observava as pessoas. Minha cabeça ficava


tentando achar respostas para tudo que estava acontecendo. Ainda bem que só tinham mais
duas provas, ou minha cabeça não ia aguentar. Me acomodei no banco e logo Josh apareceu.

— Tudo resolvido. O médico disse que ele deve ter alta bem cedo, então eu venho
buscar vocês. Vou dormir umas horas, arrumar nossa roupa e passo para pegar vocês antes do
treino. Vem, vou te levar até o quarto em que Ben está.

Josh me deixou no quarto, falou algo com Ben, que continuava dormindo, se despediu e
foi embora. Eu me ajeitei na poltrona e o observei dormir.

E se tudo realmente for uma armação? Será que ele não fez nada? Assim que me viu, ele
já contou a história que ele nem sabia que eu já estava ciente. Josh era o melhor amigo dele,
claro que o acobertaria... Qual o sentido disso tudo? As pessoas perdiam tanto tempo assim se
ocupando da vida do outro em vez de viver a própria?

O cansaço me pegou e acabei cochilando na poltrona. Acordei com um aperto na minha


mão.

— Parece que a minha enfermeira cochilou em serviço.

— Ben! Você acordou! Como está se sentindo?

— Como se tivesse sido atropelado. O médico já esteve aqui. Usaram a droga do boa
noite, cinderela na minha bebida. Eu vou arrebentar quem fez isso.

Josh entrou no quarto na hora, antes que eu pudesse responder à sua fala.

— Finalmente a bela adormecida acordou. Como está?

— Pronto para ir para o treino.

— Tem certeza?

— Claro, quero ver a cara do Aiden quando me vir chegando. Com o atestado que o
médico me deu, tenho como provar que não consumi nada ilícito. Acho que o plano dele era
me fazer perder o treino e mostrar que sou irresponsável. Ele sabe que o técnico não anda
muito satisfeito com meu jeito explosivo e...

— Você ainda não contou para ele, Amy.

— Contar o quê?
— O Aiden foi no quarto da Amy ontem, mostrar a garota sentando no seu colo.

— O quê? Conta essa história direito, Amy.

— Vamos sair daqui e conto tudo no carro, pode ser? Assim fica mais fácil e vocês não
perdem a hora. Eu também estou com fome e acredito que Ben queira tomar um banho.

— Tudo bem. Vou até o banheiro e já volto. E vou querer saber cada detalhe disso e,
dependendo do que eu ouvir, quero ver quem vai me impedir de arrebentar a cara daquele
desgraçado.

— Relaxa, valentão. Vai tomar seu banho, eu vou finalizar as coisas na recepção e levar a
Amy para comer algo. Seu café deve chegar em alguns minutos e aí saímos. Trinta minutos deve
ser o bastante para fazer tudo, combinado?

Ele confirmou com um menear de cabeça e foi para o banheiro, enquanto eu e Josh
fomos resolver as coisas. Josh foi até a recepção e eu procurei a lanchonete do hospital. Pedi
um café forte e um sanduíche, comi bem rápido e voltei para o quarto. Ben já estava arrumado
e terminando seu café e Josh estava com todos os papéis em mãos.

— Pronto, agora podemos ir e eu quero que os dois me digam exatamente o que


aconteceu.

Entramos no carro e fomos para o treino, situando Ben de tudo o que aconteceu
enquanto ele estava dopado.
Capítulo vinte e um

Ben Sutton

Ainda meio zonzo, ouvi a história que Josh e Amy contavam sobre o Aiden. Esse cara era
um doente filho da puta, mas ele mexeu com a pessoa errada.

— Agora você precisa se controlar, Ben. Tudo o que ele precisa é que você arrume uma
cena no treino. Está claro que ele quer o seu lugar e se você agir no calor da emoção, vai dar a
ele exatamente o que ele quer.

— O Josh tem razão. Você precisa agir com cautela, até porque, não sabemos com o que
estamos lidando aqui. Hoje foi uma droga, mas e se fosse algo mais grave?

— Você acha que ele me faria mal?

— Bem que ele não tentou fazer colocando aquilo na sua bebida, certo? Precisamos
pensar antes de agir e tentar coletar provas.

— Viu, Ben? Eu disse que eu gostava dela. Inteligente e ainda coloca moral em você.
Tem meu voto.

— Fica quieto, Josh! Amy tem razão, mas precisamos pensar no que fazer. Ainda bem
que Chloe tá fora esses dias, ele pode tentar ir até ela.

— Eu posso defender a sua irmã.

— E quem defende ela de você, Josh?

— Eu voto no Josh para defender a Chloe.

— Amy, não se junte com o Josh. Agora vamos te deixar no campus e vamos para o
treino.

Josh esperou no carro enquanto levei Amy até o dormitório. Ainda estava um pouco
zonzo.
— Não vou subir, pois ainda não estou bem por completo e preciso guardar energia para
o treino. Obrigado por cuidar de mim.

— Não por isso.

— E obrigado por não confiar no que Aiden mostrou de mim. Eu não sabia o que estava
fazendo, mas empurrei a mulher porque ela não era você.

— Na realidade, eu meio que acreditei no Aiden e cheguei na festa por acaso, mas o
jeito que você me recebeu, já explicando a história, pesou a seu favor. Além disso, você não me
deve justificativa nenhuma e...

— Claro que eu devo! Ou você acha que eu vou sair ficando com outras garotas
enquanto estou com você? Esqueceu o que aconteceu naquela sala? As promessas que
fizemos? Eu não estava brincando, Amy. E eu estou nessa com você, apenas com você. Agora
eu preciso saber se estamos no mesmo pé?

— Como assim?

— Quero saber se você pensa da mesma forma que eu. Se estamos juntos, de forma
exclusiva, sem outras pessoas. Eu não quero ficar com nenhuma outra pessoa, Amy. E você?

— Bom, eu passei a noite ao seu lado no hospital mesmo correndo o risco de você ter
ficado com outra. Acho que isso diz bem como eu estou.

— Escuta, eu já te disse que não minto. Eu sempre vou ser sincero com você, basta me
perguntar o que quer saber. Mesmo que a verdade magoe, sempre prefiro lidar com ela do que
com a mentira. A única coisa que peço em troca é a mesma coisa. Não importa o que tenha
para me contar, apenas me conte e acharemos um jeito de lidar com isso juntos, combinado?

— Combinado.

— Agora eu tenho que ir. Não abra a porta para ninguém e espera eu voltar para te ver.
Se cuida, por favor!

— E você, nada de arrumar briga no treino. Josh está certo, tudo que o Aiden quer é um
jeito de ocupar o seu lugar. Não dê munição a ele.

— Pode deixar que o meu lugar no time ele não tem como conseguir. E o meu lugar no
seu coração, tem algum risco de ele tomar?

— É claro que não!

— Ótimo! — Deixei um beijo rápido em sua boca e parti para o treino.


A cara de surpresa de Aiden ao me ver chegar relativamente bem no treino foi
impagável. Se eu tivesse alguma dúvida sobre ele, cairia por terra agora. Me controlei o máximo
que pude e ele manteve distância, talvez tentando entender como o plano dele deu errado.

No final do treino, quando todos já haviam saído, chamei o treinador para conversar.
Não falei sobre Aiden, mas contei que fui drogado no dia anterior e ele entendeu. Pediu para
que eu tomasse cuidado e combinamos a próxima viagem.

Josh me esperava no carro e fomos embora. No caminho, seguimos conversando sobre o


que o hacker descobriu.

— O Aiden é perigoso, Ben. A ficha dele é grande, tem algumas coisas pesadas e eu
realmente estou assustado. Imagina ele junto com a Emily para perturbar sua vida.

— Sabe, Josh, às vezes eu acho que você não é meu amigo. Porque você fala umas coisas
que parece que não quer ver o meu bem.

— Alguém precisa pensar, Ben. Esse é o meu papel: prever os problemas futuros. A
Emily é louca o suficiente para se unir com qualquer pessoa para tentar te trazer para perto
dela. Isso justificaria muita coisa, como o Aiden sabe sobre você e a Amy? Acho que os dois
podem estar trabalhando nisso juntos.

— Você viaja muito, mas pode ter razão. Agora eu vou chegar, dormir um pouco e
depois vou na Amy. Também preciso falar com a Chloe, quero saber como está tudo e se minha
mãe já a enlouqueceu.

— Eu posso falar com a sua irmã também?

— Hoje não, mas que tal ir à festa de Natal que meus pais darão esse ano na casa daqui?
Uma oportunidade de você ter um tempo com a Chloe, sob supervisão.

— Você está falando sério?

— Agradeça a Amy, ela que intercedeu por você.

— Sabia que ela era a garota certa para você. Vê se não apronta, porque eu vou ficar do
lado dela, não do seu.
— Vai lá, puxa-saco, mas não esquece que o irmão da Chloe sou eu, não a Amy.

— Mas ela é a melhor amiga e as mulheres ouvem mais as amigas que os irmãos. Vou
deixar você descansar, qualquer coisa me chama.

Tomei um banho decente agora e fui para o meu quarto. Chequei os e-mails e
mensagens e fiz uma chamada de vídeo para Chloe.

— E aí, maninha!

— Fala, Ben!

— O que houve, Chloe?

— Nada, só a mamãe e essa mania de achar que vai conseguir me curar. Eu entendo que
ela quer o melhor para mim, mas estou perdendo aulas, podia estar fazendo qualquer outra
coisa, mas estou presa em um quarto de hotel enquanto ela procura encaixe na agenda de
outro médico.

— Uma hora ela desiste.

— Você sabe que ela não vai desistir. Pelo menos estaremos aí amanhã. Você viu a Amy?

— Esbarrei com ela pelo campus, aconteceu alguma coisa?

— Falei com ela e a achei estranha. Acho que é pela viagem da tia dela, é amanhã, né.
Ela deve sentir falta da família. Apesar de não comemorarem o Natal, agora ela está inserida
em uma cultura que comemora e estimula que a data seja com a família. Ver todos os
estudantes indo celebrar, a tia viajando e ela ficando, deve ser difícil. Eu posso te pedir um
favor?

— O que eu não faço por você, maninha?

— Eu encomendei um sári de presente para Amy, em uma loja no centro. Pode ir buscar
para mim. Acho que ter algo que lembre as suas origens pode deixar ela mais confortável.

— Tá bem, pode me passar o endereço por mensagem.

— Certo, obrigada! Você acha que a gente devia fazer algum tipo de decoração especial?

— Como assim?

— Amy não comemora o Natal, mas existem outras festividades na religião dela. E se
fizéssemos algo?

— Não seria meio esquisito? Sei lá, o Papai Noel e Ganesha juntos na árvore de Natal.
— Olhando por esse lado... Já sei! Podemos fazer um Raksha Bandhan24.

— E o que seria isso?

— É uma festividade para celebrar o amor entre irmãos, mas que pode ser feita para
celebrar laços não sanguíneos. Tudo bem que a data estaria errada, mas seria um jeito de
mostrar para Amy que ela é importante para a gente. Nesse festival as irmãs amarram uma
espécie de pulseira e os irmãos recitam votos de proteção, como uma troca de promessas.
Também há uma troca de presentes e ele é dividido em quatro etapas, mas podemos fazer uma
adaptação. O legal é que você também pode participar.

— Não sei, acho que eu não tenho intimidade para ser um irmão da Amy, mas posso te
ajudar no que precisar.

— Acho que você devia aceitar o fato de que vocês são irmãos também e vivermos uma
irmandade, ia ser perfeito. E esse seria o momento ideal para celebrarmos isso.

— Acho que esse deve ser um momento de vocês duas. Que tal fazer no Ano Novo? A
celebração da Amy também é diferente, certo? Eu não vou estar no Ano Novo por causa do
jogo, então vocês podem ter o momento menininha de vocês e trocar pulseirinhas, presentes e
promessas.

— Você é tão ridículo, Ben!

— E você me ama!

— Claro, você é o único irmão que eu tenho, o que eu posso fazer. Meu castigo é te
amar pra sempre.

— E o meu é te proteger e fazer tudo por você. Quer que eu vá te buscar?

— Não precisa, acho que a mãe vai sossegar um pouco, pelo menos nesse período de
fim de ano.

— Tudo bem, qualquer coisa me liga. Estou sempre a uma chamada de distância. Ah, o
que você acha do Josh?

— O seu amigo? Nada, por quê?

— Nada, nada? Convidei ele para a festa de Natal e acho que seria legal vocês
conversarem um pouco.

— E por que eu deveria fazer isso?

— Olha, não é fácil para mim admitir isso, mas o Josh tá meio que a fim de você e ele é
um cara legal. Não deixaria ele se aproximar se não fosse. Então pensei que a festa de Natal
seria um bom momento para isso. É um ambiente seguro, cheio de pessoas e você não vai
precisar sair da sua zona de conforto.

— E quem te deu poder para decidir a minha vida, Ben? Você acha que sou tão inútil que
tem que colocar o seu amiguinho para sair comigo?

— O que é isso, Chloe? Que maneira é essa de falar comigo?

— É a maneira de alguém que está cansada de não poder tomar as próprias decisões.
São as minhas pernas que não funcionam, mas todo o resto é normal. Não preciso de um
lembrete de que nenhum homem vai se interessar por mim. Eu sei disso, mas colocar o seu
amiguinho como prêmio de consolação é o ápice.

— Ei, ei, mocinha! Você está falando demais. Por mim, você não sairia com o Josh, não.
Foi sua amiga Amy que deu a ideia, pois percebeu que o Josh gosta de você.

— E desde quando a Amy é amiga do Josh?

Puta que pariu, acho que falei demais! Como vou sair dessa enrascada? A Amy vai me
matar se eu sobreviver à Chloe.

— Eles fizeram algum trabalho juntos, se encontraram na biblioteca, sei lá. Olha, o fato é
que eu não armei nada, o Josh já tem uma queda por você há algum tempo e eu resolvi ceder.
Mas se você não quiser, tudo bem, eu falo com ele.

— Isso é sério?

— Eu já menti alguma vez para você, Chloe?

— Não. Então tudo bem, mas não conta para os nossos pais. Eles vão transformar isso
em uma experiência traumática. Preciso falar com a Amy, para que ela me ajude a escolher o
que usar. Obrigada, Ben!

— Não faça eu me arrepender de ter chamado o Josh.

— Isso não vai acontecer.

— Te amo, minha pequena!

— Te amo, irmãozão!

Esperava que ela fosse tão compreensiva assim ao descobrir que precisei esconder meu
relacionamento com a Amy. Acho que já estava na hora de Chloe superar o trauma que Emily
causou. Com a Amy seria diferente, eu tinha certeza!
Capítulo vinte e dois

Amy Sengupta

Era o primeiro Natal que eu passaria celebrando de acordo com os costumes daqui. E
tinha de ser logo com uma superfesta fornecida pelos Sutton na véspera de Natal. Ben me
contou que seus pais tinham o hábito de fazer isso, era uma maneira de estreitar laços,
principalmente comerciais e, como agora seu pai estava pretendendo ingressar na carreira
política, essas aparições públicas eram o ambiente perfeito para que ele conseguisse aliados. Eu
estava muito nervosa, pois não sabia como me portar diante das pessoas que estariam lá.

Tinha medo de fazer algo errado, de ser inconveniente ou de virar chacota, como
costumava acontecer muito comigo. Chloe me acalmou, dizendo que seus pais não eram assim,
mas os pais de muitos alunos que eram assim e estariam no mesmo evento, provando que
nenhum lugar seria seguro para mim.

Finalmente as provas acabaram e eu passei com nota máxima. Me inscrevi para alguns
cursos de verão e não pretendia ir para a minha tia, que ainda ficaria um tempo na Índia. Ben
estava cada vez mais enrolado com o time e Chloe passaria parte de janeiro em outra viagem
com sua mãe para conhecer novos médicos. A mim restava estudar.

Aiden e Emily haviam me deixado em paz, mas sabia que pelo menos Emily estaria na
festa hoje e pedia aos deuses que ela não me provocasse. Esvaziei todo o guarda-roupa
procurando algo que estivesse à altura da festa, mas não achei. Foi quando olhei para uma
bolsa bem guardada no cantinho e achei o último sári que minha mãe me deu de presente. Ela
havia costurado ele especialmente para mim, era vermelho, amarelo e cheio de detalhes
dourados. Um dos mais lindos que ela já tinha feito. Experimentei e percebi que ele era a roupa
perfeita para a ocasião. Fiz uma maquiagem bem diferente das que estava acostumada a fazer
e bem próxima da que usamos no meu país. Fiz uma trança lateral e coloquei alguns pontos de
luz ao longo do cabelo. Peguei um bindi25 dourado e coloquei na testa. Hoje, para além de
sabedoria, ele representava o que eu era, de onde vim e como eu me orgulhava disso. Olhei no
espelho e gostei do que vi: uma mulher indiana, Hindu, morando em Indiana. Fazia muito
tempo que eu não me via assim, como a Amy que ficava feliz passeando pelo comércio de
tecidos, levando doces para turistas e que tinha orgulho de exibir os sáris feitos pela mãe. Hoje
eu suportaria os olhares e seria eu mesma, sem vergonha ou medo.
No horário combinado, Ben veio me buscar.

— Caralho, Amy! Você está absolutamente perfeita! E essa pedrinha na sua testa, devia
usar mais vezes, dá um ar misterioso e sensual.

— É um bindi e esse não é o objetivo dele, mas agradeço o elogio. Você também não
está nada mal. — Ele usava uma calça jeans escura, tênis preto e uma camisa verde que
marcava os pontos exatos dos seus músculos. Uma corrente grossa de prata e o cabelo sempre
impecável completavam a beleza que era Ben Sutton.

— Se a gente não tivesse que justificar o sumiço, eu ia te agarrar agora mesmo. Doido
para segurar essa trança com você de... — Dei um tapa no braço dele.

— Cala essa boca! Você só pensa em sexo, como é possível?

— Em minha defesa, eu estou muitos dias longe de você e isso afeta a minha cabeça.
Agora vem aqui, pelo menos um beijo eu posso ganhar, né?

— Desde que não borre o meu batom, pode sim!

Trocamos alguns beijos e partimos para a festa. Assim que chegamos à casa dos Sutton,
senti um calafrio tocar minha espinha e um aperto no coração me incomodou. Fiquei tonta por
alguns segundos e me apoiei em Ben para me manter de pé.

— Está tudo bem, Amy?

— Sim, só estou um pouco cansada, os últimos dias foram muito intensos.

— Agora teremos o recesso e você vai poder descansar. Pronta para o que vem pela
frente?

— Não, mas vamos assim mesmo.

Entramos na residência dos Sutton e me assustei com a quantidade de gente que já


estava por lá. Quando Ben disse que as pessoas mais importantes estariam aqui, não imaginei
que seriam todas.

— Você parece assustada, Amy. — Chloe chegou até mim, estava linda com um vestido
vermelho que destacava o tom da sua pele e seu cabelo com ondas, preso por uma fita da cor
do vestido. Reparei que hoje sua roupa estava menos infantil que o costume e sorri com a ideia
de que Josh poderia ser o responsável.

— Estou apavorada! Olha a quantidade de gente que está aqui.

— Calma, a maioria só veio bajular meu pai. Você está absurdamente linda com essa
roupa. Gosto tanto quando você se veste assim. Olha, colocou até um bindi.
— Eu vou deixar as duas meninas sozinhas. Volto logo, vou encontrar o Josh. — Ben saiu
e nos deixou a sós.

— Está nervosa, Chloe?

— Muito! Não sei o que fazer quando Josh chegar... Tenho medo de parecer idiota ou...

— Ei. — Me coloquei na altura dos olhos dela. — Você é incrível, maravilhosa e o Josh
tem muita sorte de poder viver essa noite com você. Coloque isso na sua cabeça. Ele vai chegar,
vocês vão conversar, descobrir os gostos, afinidades e você só vai fazer o que quiser. Aqui você
está segura, rodeada de gente que te ama e em um estalar de dedos estaremos ao seu lado
para o que você precisar.

— Você pode distrair o Ben um pouco quando eles voltarem?

— Como assim?

— Eu queria ter uns minutos a sós com o Josh, sem o Ben, sabe. É estranho ter um
primeiro encontro em um lugar com tanta gente, pelo menos quero poder conversar a sós.

— Vocês conversaram?

— Só algumas vezes pelo WhatsApp. Você sabe como está uma correria por conta dos
jogos, então não tivemos muito tempo.

— Tudo bem, quando eles chegarem eu invento uma desculpa qualquer e...

— Ora, ora! Não sabia que era festa a fantasia. — Emily se materializou na nossa frente
envolta em um vestido dourado tão apertado que, se ela respirasse mais fundo, explodiria. —
Ou as empregadas agora estão usando uniforme especial.

— Vem, Chloe, vamos sair daqui! — Girei a cadeira da Chloe, mas fui interrompida por
Ben.

— Se alguém tem que sair daqui, é a Emily.

— Eu sou convidada.

— Para a festa, não para interagir comigo. Agora sai daqui.

— Você ainda vai pagar por cada vez que me tratou mal, Ben. Pode esperar!

Ela saiu com uma taça de champanhe nas mãos, rebolando de um jeito excessivo, que
beirava o ridículo. Como uma mulher pode se humilhar tanto para um cara?

— Ela fez alguma coisa com você, Chloe?

— Não, ela mal falou com a gente. Tá tudo bem. Oi, Josh!
— Oi, Chloe!

Chloe me lançou um olhar de: por favor, me ajuda!

— Ben, você pode ir até o escritório comigo? Preciso ligar para a minha tia, mas o sinal
está ruim e a Chloe disse que eu poderia usar o telefone de lá.

— Para ligar para a Índia?

— Ben! — Fiz um sinal com a cabeça para ele. Não sei o que entendeu, mas se tocou e
saiu comigo. Olhei para trás e, como Josh estava de costas para mim e de frente para Chloe, fiz
um sinal de positivo para ela, que sorriu em resposta.

— Você é difícil de entender as coisas, hein?! Queria dar um pouco de espaço para sua
irmã e o Josh e você preocupado se eu ia usar o seu telefone para ligar para a Índia.

— É que ninguém usa telefone fixo hoje em dia, ainda mais para ligação internacional.
Ainda bem que eles estão em público, imagina se ele leva minha irmã para um lugar fechado. —
Ele me puxou para o escritório e bateu a porta. — E arranca um beijo assim dela. — Me beijou
com paixão e logo estávamos grudados. Quando ele me colocou na mesa e ficou entre as
minhas pernas, retomando o beijo de onde paramos, fomos surpreendidos com a porta se
abrindo.

— Olha, Sr. Sutton. Eu disse que ela estava apenas querendo enrolar vocês. Já está
agarrando o seu filho.

Reconheci a voz de Emily e apoiei a cabeça no ombro do Ben, com vergonha de olhar
para o pai dele. De todos os cenários que pudessem acontecer, esse com certeza era um dos
piores.

— Obrigado pela sua colaboração, Emily. Agora peço que saia e feche a porta enquanto
eu resolvo esse incidente.

— Mas, senhor Sutton, eu achei que...

— Por favor, Emily. Pode ter certeza de que não irei esquecer o favor que me fez hoje.
Agora, pode me fazer a gentileza de sair e fechar a porta o mais discretamente possível?

Acredito que ela obedeceu, pois ouvi a porta se fechar. Ainda não tive coragem de
encarar o pai de Ben.

— Deixa que eu resolvo isso, tá bem? Fica atrás de mim e não fala nada. — Ben me
desceu da mesa, me deu um beijo na testa e se virou, me mantendo alguns passos atrás dele.
— Eu posso explicar o que está acontecendo, pai.

— Amy, saia de trás do Ben e apareça.


— Ela não tem nada a ver com isso, pai.

— Bom, pela cena que eu acabei de presenciar, me parece que ela tem sim muito a ver
com isso.

Dei um passo à frente de modo que fiquei ao lado de Ben.

— Melhor assim, Amy. Me responda: Ben te obrigou ou coagiu de alguma forma?

— Que tipo de pergunta é essa, pai?

— Apenas fique na sua, Ben. Não falei com você ainda.

— Ele não me obrigou a nada. Estava aqui por vontade própria e Ben tem sido um
cavalheiro comigo, senhor.

— E é uma atitude muito nobre trazer a sua acompanhante para ficarem se agarrando
escondidos pela casa, não é mesmo, Ben? Amy, você não devia se prestar a esse papel. Você
não merece um tratamento como esse. Eu estou muito decepcionado com os dois!

— Pai, eu..

— Não me venha com pai. Não foi essa a criação que eu te dei. Amy é uma menina de
ouro, sozinha em nosso país, uma cultura nova, lutando pelos seus sonhos. O mínimo que ela
merece é alguém que a respeite e a trate como ela merece. Eu sempre fiz vista grossa para os
seus inúmeros casos, nunca quis saber quantas mulheres já passaram pela sua cama, mas agora
é diferente. Ela é a melhor amiga da sua irmã! E você sequer tem coragem de andar de mãos
dadas com ela em uma festa na nossa casa.

Cada palavra do Sr. Sutton era como um tapa. Eu achei que ele ficaria contra a gente,
mas o choque de realidade que ele estava nos fornecendo estava acabando comigo.

— Quando aquela menina louca da Emily foi me procurar, eu achei que era mais um
delírio dela. Já avisei para a sua mãe e para o pai dela que ela não está bem da cabeça, mas eles
insistem em fazer vista grossa para as coisas que ela faz. Mas quando abri a porta e presenciei a
cena, fiquei muito decepcionado com vocês dois! Agarrando-se escondidos pelos cantos, como
se estivessem fazendo algo de errado. É assim que você espera que aquele seu amigo trate a
Chloe, Ben?

— Claro que não.

— Então o que o faz pensar que esse é o jeito certo de tratar a Amy?

— Nós temos um plano.

— Um plano?
— Sim — eu interrompi. — Eu e Ben estamos nos conhecendo e eu não queria que a
Chloe soubesse, por enquanto. Não antes de termos certeza do que estamos sentindo e
vivendo, para que ela não se magoe. Nosso plano era contar depois das festas de fim de ano,
até lá, manteríamos em segredo para o nosso bem. Só que parece que não deu certo.

— A Chloe precisa viver a vida dela. Só agora percebo como tem falhas na educação de
vocês dois. O que adiantou eu ser tão duro com você, se você sequer sabe tratar a mulher que
ama?

— Você está me ofendendo, pai. E ofendendo a Amy também.

— Não é a minha intenção ofender a Amy.

— Mas é sua intenção me ofender?

— Sim. Minha vontade era te dar uma surra, mas esse é um escândalo que não posso ter
agora. Então, vocês dois vão resolver isso, como adultos, vão decidir o que querem da vida,
contar para a Chloe e conter a louca da Emily. Eu não quero problemas, não quero nenhum
escândalo e não quero mais ver vocês se agarrando pelos cantos como se fossem dois fugitivos.
Você pode ter vindo sozinha para o nosso país, Amy, mas aqui você tem uma família que vai te
proteger e cuidar. Mesmo que meu filho seja um cabeça oca e não saiba usar a educação que
eu dei. Agora, boa noite e, por favor, sejam discretos.

Com a mesma elegância que entrou, ele saiu, deixando um Ben perplexo e eu a ponto de
ter um treco.

— Meu pai parece gostar mais de você do que de mim.

— Não consigo responder nada, estou me recuperando da surra moral que ele deu na
gente.

— O pior de tudo é que ele tem razão.

— Eu sei, e estou me sentindo péssima.

— Vamos fazer o seguinte, depois de amanhã tem a festa de despedida na faculdade e


quase todos os alunos vão. Que tal conversarmos com a Chloe?

— Acho que é um caminho, agora é torcer para que a Emily não faça nada até lá.

O restante da festa passou como um borrão e eu não consegui me divertir ou relaxar.


Todas as vezes que esbarrava com o pai de Ben, com Chloe ou Emily, temia um escândalo. Era
como se a palavra mentirosa estivesse estampada na minha cara.

Chloe estava tão empolgada com Josh que nem reparou como eu estava. Pelo menos
isso tinha dado certo, eles não se desgrudaram a noite toda e tudo parecia bem.
Quando fui para o alojamento já era tarde e o dia seguinte foi solitário e arrastado.
Acordei me sentindo mal e acabei ficando o dia na cama. O dia seguinte seria decisivo e eu
queria estar bem para encarar o que quer que fosse. Chloe estava animada para me entregar
pessoalmente um presente e contar tudo que tinha acontecido entre ela e Josh.

Ben tirou o dia para ficar com a irmã, já que depois de amanhã ele e o time viajariam e
ficariam alguns dias fora. Estavam na reta final para as regionais e eles ainda estavam lutando
pelo primeiro lugar.

Um dia sozinha até que foi bom. Consegui colocar a cabeça no lugar e estava mais
tranquila em relação a Chloe. A gente podia lidar como adultos com isso. Quando eu contasse
como estava feliz com Ben, ela ia entender. Quem sabe até poderíamos ter um encontro
quádruplo? Mais tranquila, fui dormir com a expectativa do dia seguinte.
Capítulo vinte e três

Amy Sengupta

Alguns toques na porta me acordaram e, quando abri, fui recebida por um Ben alegre e
com uma linda cesta repleta de comidas.

— Será que temos tempo para um café da manhã?

— Bom, com você madrugando na minha porta, acho que temos sim.

— E será que você topa ser o meu prato principal?

— Eu acabei de acordar, Ben! Posso pelo menos tomar um banho?

— Quer companhia?

— Eu realmente preciso de um tempo.

— Tudo bem, te espero na cama!

Fui ao banheiro e tomei um banho rápido. Deixei os cabelos soltos e coloquei um vestido
mais solto enquanto estávamos no quarto. Quando voltei, Ben puxou a mesinha e organizou as
coisas, criando uma pequena, mas linda mesa de café da manhã.

— Assim eu vou ficar mal-acostumada, Ben!

— Pode me agradecer com beijos!

Ele me puxou para o seu colo e trocamos alguns beijos, enquanto beliscávamos algumas
frutas. Logo deixamos a comida de lado e nos concentramos em aproveitar o momento. Resolvi
colocar uma música para deixar o clima mais romântico e aproveitar antes de encarar o mundo
lá fora.

Ele ficou de pé e, lentamente, aproximou-se de mim, acariciando meu rosto, passando


as mãos pelo meu cabelo, contornando meus lábios, fazendo com que eu ficasse ansiosa pelo
que viria e desejando-o cada vez mais.

Seu toque queimava e acalmava ao mesmo tempo. Era quase ridículo pensar que meu
coração acelerava apenas com a proximidade e expectativa do que viria, mas talvez ser ridícula
fazia parte do pacote de estar apaixonada.

Apaixonada. Nesse momento a minha ficha caiu e, por mais que eu não quisesse admitir
pensar nessa possibilidade, ela era a única possível. Eu estava apaixonada pelo pega todas Ben
Sutton. O irmão da minha melhor amiga. O que era proibido. Aquele que eu havia prometido
nunca chegar perto. E agora tudo o que eu queria era tê-lo cada vez mais próximo.

Quando seus lábios finalmente tocaram os meus, todo e qualquer pensamento se


dissipou. Uma miríade de sentimentos e sensações tomaram meu corpo e mente, como se todo
meu organismo fosse reprogramado apenas para sentir Ben Sutton.

Enquanto seus dedos trilhavam um caminho pelo meu ombro, fazendo com que a alça
do meu vestido deslizasse, eu me derretia em suas mãos. Nesses pequenos momentos
fortuitos, em que éramos somente nós dois, tudo valia a pena. Ben me via como igual. Eu não
era a esquisita, a estrangeira ou a estranha. Eu era uma mulher que despertava nele as mesmas
sensações — ao menos físicas — que ele despertava em mim. Não esperava paixão dele, por
mais que estivesse entregue. Eu o conhecia bem demais e havia visto o seu lado cafajeste em
prática. Ele não me prometeu nada, mas estava me dando tudo nesse momento e isso que
importava.

Entrelaçados, perdidos em beijos intermináveis e mãos que queriam gravar cada pedaço
do corpo um do outro, caminhávamos para a minha cama quando fomos surpreendidos por um
empurrão na porta e um grito tão alto e dolorido que parecia quebrar algo em mim também.

— Você não fez isso! — Chloe gritava da porta enquanto lágrimas molhavam o seu rosto,
deixando-a vermelha e com um ar desesperado. Em suas mãos um lindo embrulho mostrava o
que ela tinha vindo fazer: me entregar o presente que tinha prometido.

Empurrei Ben e tentei chegar até ela, que já manobrava a cadeira para sair, mas o
nervosismo a fazia ter dificuldade em um percurso que era seu velho conhecido.

— Chloe, amiga, espera!

— Amiga? Amiga? Você me traiu! Há quanto tempo está saindo às escondidas com meu
irmão? Você é igual a todas as outras, apenas me usou! Eu sou mesmo uma tonta por confiar
em você. — Ela jogou o embrulho em mim. — Você não merece nem as minhas lágrimas!

— Você está nervosa e está me ofendendo, sabe que não é assim. — Senti um toque em
meu ombro e de soslaio percebi que Ben estava ao meu lado.

— Chloe — ele começou, mas ela o interrompeu:

— Você se acha tão esperto, mas caiu no papinho dessa aí. Ela só quer um cara rico para
ajudá-la a ficar aqui. Ela te contou que o dinheiro que ela tem guardado provavelmente não vai
durar para o próximo semestre? Que ela até tem a bolsa, mas não tem como se manter e a titia
não está podendo mais trabalhar como antes? Ela sempre me disse que queria um cara rico, só
não esperava que ela fosse dar o golpe no meu irmão. Mas ela merece o Oscar, afinal,
conquistou toda a família antes de chegar até você.

— Chloe, por favor, para! — Com a voz embargada, apelei para que ela cessasse as
ofensas. Entendia o seu sentimento de traição, eu deveria ter contado em nome de nossa
amizade, mas ela não podia continuar me ofendendo assim. — As pessoas, o corredor está
enchendo, estão todos olhando...

— Ah, mas é ótimo que estejam todos aqui — ela falou e fez um giro com a cadeira,
como se estivesse fazendo uma apresentação para o público. — Vejam, a pobre caipira hindu
dando um golpe no fodão Ben Sutton. É isso, gente! O lobo solitário caiu nas garras da
esquisita, que fingiu ser amiga da aleijada apenas para conquistar o irmão rico! Conta, Amy,
conta para o Ben o motivo dos seus pais terem brigado com você.

— Não, por favor, não... Chloe, não faça isso! Isso é baixo demais!

— Baixo? E fingir ser minha amiga para pegar o meu irmão é o quê? Você está
assustada, Amy? Ah, você está com medo de que todos descubram que você vendeu a sua
virgindade no seu país? Que seus pais têm VERGONHA de ter uma filha PUTA que usa da dança
e de todos os artifícios para seduzir homens idiotas, levá-los pra cama e pegar o dinheiro deles?
Vocês já transaram, Ben? E ele cobrou caro pelo serviço?

Aos prantos, não consegui direcionar uma resposta. Não acreditava que ela estava
revelando o meu maior segredo, e de uma forma tão suja e deturpada. Ela sabia o que houve,
eu contei todos os detalhes e ela sabia o quanto isso me machucava, mas essa que via na minha
frente não parecia minha amiga. Ela estava transtornada.

— Você contou para ele que tinha o sonho de se casar com um cara rico, que te desse a
vida de princesa que você jamais poderia ter no seu país? Que além de um diploma, você queria
uma oportunidade de ser rica? Contou seus planos mais sórdidos ou estava apenas o seduzindo
para poder tirar tudo que pudesse?

Murmúrios, risadas e assobios começaram a ressoar pelo corredor, agora lotado de


alunos. O olhar de julgamento, aquele velho conhecido, estava estampado em diversos rostos
conhecidos e desconhecidos. Do outro lado do corredor, avistei Emily e seu séquito, com um ar
de riso e vitória, como se minha vergonha fosse plenamente satisfatória para ela. Nunca
entendi o motivo de me odiar tanto e agora isso não importava. Aiden observava tudo de longe,
no mesmo espaço que Emily, com um olhar que claramente dizia “eu avisei” estampado no
rosto.

Importava minha melhor amiga estar arrastando minha vida na lama e Ben saindo do
meu lado e indo para perto da irmã. Nenhuma palavra, nada para me defender. Ele apenas
chegou perto dela e disse:
— Chega, Chloe! Seu show já rendeu bastante, agora nós vamos para casa!

— Eu ainda não acabei. — Contrariada, enquanto ele tomou a direção da sua cadeira,
ela sussurrou apenas para que nós pudéssemos ouvir: — Eu ainda tenho muito o que falar.

— Acabou sim! Você não vai dizer mais nada até chegarmos em casa.

Ela apenas anuiu, contrariada. Antes de se virar, ela me deu um olhar. Nesse não havia
raiva, apenas mágoa, decepção e tristeza. Eu só conseguia chorar. Em uma última atitude
impensada, me aproximei dele e toquei o seu ombro, mas o asco com o qual me repeliu
terminou de quebrar o que restou do meu coração.

— Nunca mais toque em mim, sua esquisita! Isso que dá querer fazer um favor de comer
uma encalhada, ela se acha a esperta e pensa que pode te dar um golpe. Não tem nada de
especial em você, se seu plano era me conquistar pelo sexo, sinto informar, mas você precisa
melhorar muito, pois do jeito que você transa, eu que deveria receber para poder te comer.

Suas palavras feriram como se tivesse levado uma surra e, por alguns segundos, fui
transportada ao dia em que meu pai, movido por uma fofoca, me deu uma surra na frente de
todo nosso vilarejo, por acreditar que eu havia vendido a minha virgindade.

— Acabou o show! Voltem para os seus dormitórios e o que diabos estavam fazendo. Se
eu ouvir o nome da minha irmã ou o meu em fofocas, vocês vão se ver comigo.

— E o nome da Amy? — uma das seguidoras de Emily perguntou.

— Putas não me interessam.

E assim ele se foi, a passos firmes, cabeça erguida e levando todo o meu coração e
dignidade com eles. Quando consegui levantar a cabeça, vi que ainda estavam todos ali, me
encarando, cochichando e rindo. Uma fúria me consumiu, pois prometi que ninguém mais me
humilharia ou me colocaria em um papel que não era meu. Essa era a minha história e eu seria
a porra da protagonista e não mais uma mera espectadora enquanto todo mundo fazia o que
quisesse comigo.

— O que vocês estão olhando? Não tem o que fazer? Acabou o show, sumam daqui!

— Quanto é o programa da putinha indiana? — uma voz masculina gritou, enquanto as


risadas ecoavam por todos os lugares.

— O que adianta pagar, se teu pinto não funciona? — respondi sem pensar ou olhar
quem era o desgraçado que estava tripudiando sobre a minha dor.

Limpei as lágrimas, ergui a cabeça e fiz o curto caminho de volta para o meu quarto com
uma força que eu nem imaginava que tinha. Bati a porta e a tranquei, desabando assim que ela
fechou, porém não me permiti cair.
Há um tempo, eu abandonei minha família, minha vida e meus sonhos por uma fofoca.
Isso não iria acontecer de novo. Os Sutton não eram donos do mundo e a Chloe não era uma
menina frágil e indefesa que não podia ser contrariada, pelo contrário, hoje ela mostrou que
sabia ser tão ruim quanto as pessoas foram com ela. A diferença é que ela sempre teve alguém
para defendê-la, inclusive eu. Só que isso acabou!

Se eles acharam que iam me derrubar, estavam enganados. Eu sou Amithab Sengupta e
ninguém, nunca mais, ia me humilhar ou parar. Já haviam me tirado tudo uma vez em Nova
Delhi e eu tinha construído uma segunda chance aqui em Notre Dame. Não ia deixar que me
tirasse isso.

E se para me manter de pé eu tivesse que derrubar os Sutton, eu faria, já que nenhum


dos irmãos teve a mínima consideração comigo, eu faria o mesmo com eles.

E Emily que não viesse me perturbar, ou ela iria se arrepender amargamente do dia em
que colocou os pés no mesmo lugar que eu.

Meu coração estava quebrado, mas eu estava de pé. E era assim que eu iria ficar,
custasse quem custasse.
Capítulo vinte e quatro

Ben Sutton

Se eu não socasse alguém nos próximos cinco minutos eu teria um treco. Chloe veio
como uma criança no carro, chorando e esperneando, dizendo o quanto eu a tinha traído e
decepcionado. Como eu era burro por me envolver com a Amy e como ela se sentia usada.

Não me importei com nada do que ela falou. Só conseguia pensar no escândalo que ela
fez e nas revelações citadas. Será que todo esse tempo Amy estava me enganando? Era tudo
apenas um golpe? Ela foi capaz de vender a própria virgindade?

Deixei Chloe na casa dos meus pais e voltei para a faculdade. Isso não podia ficar assim e
Amy teria que dizer toda a verdade na minha cara. Quem ela pensava que era? Eu só pedi
sinceridade e recebi isso?

Quando cheguei ao seu dormitório, vi Aiden saindo e, com um sorriso debochado, ele
passou por mim. Será que todo esse tempo eles estavam juntos, rindo nas minhas costas.

Bati sem parar na porta e uma Amy chorosa e descabelada apareceu no meu campo de
visão.

— Veio terminar o show dos Sutton?

— O que o Aiden estava fazendo aqui?

— O que todos os outros vieram fazer depois do show da sua irmã, perguntar quanto
era o programa. Agradece a ela, nunca fui tão popular na minha vida. Não sei como agradecer
tanta atenção.

— A gente precisa conversar.

— Ah, agora você quer conversar? Onde você estava enquanto a sua irmã me expunha
ao ridículo na frente de todos? Ah, sim, você ficou parado observando e depois completou o
show dela. Acho que isso elimina qualquer possibilidade de conversa que a gente poderia ter.
— Você precisa se colocar no meu lugar!

— Me colocar no seu lugar, Ben? E na porra do meu lugar, quem é que se coloca? Ah,
quem vai ligar para a puta indiana, não é mesmo?

— Amy, eu preciso saber se tudo que a Chloe falou é verdade?

— Precisa saber? Você precisa saber? Deixa eu te contar uma coisa: o mundo não gira
em torno de você. Eu estou pouco me fodendo para o que você precisa. Não importa se o que
ela falou foi verdade ou não, você escolheu um lado e não foi o meu.

— E você queria que eu ficasse contra a Chloe?

— Eu queria que você me ouvisse! Que me desse a chance de explicar! Só que você me
colocou como vilã da minha própria história, sem chance de defesa. Eu não vou perder o meu
tempo explicando nada para você, porque agora não faz diferença o que você acha. Eu quero
que você, Chloe, Emily, Aiden, vão todos para o inferno! Quero que vocês me deixem em paz ou
vocês irão ver do que eu sou capaz! Eu posso ser muito pior do que todos vocês juntos, sabe
por quê? Porque eu não tenho mais nada a perder. Então é melhor vocês deixarem o meu
caminho ou eu juro que eu vou fazer vocês chorarem o dobro que eu.

Ela bateu a porta e não me deu chance de falar nada. Quando me virei para sair, ela
reapareceu e me chamou.

— Pega essas porcarias e enfia bem no meio do seu cu, seu babaca! — Ela tacou o
cordão e o elefante de pelúcia. — E nunca mais aparece na minha casa, nunca mais me diga oi,
nada você morreu para mim, Sutton. Todos vocês.

Recolhi as coisas e segui para o treino. Encontrei com Josh e apenas falei que não queria
conversar. Guardei as coisas no meu armário e, antes que eu terminasse de vestir o uniforme,
Aiden apareceu segurando o seu taco.

— Belo show que você e a indiana deram hoje?! hein. Se eu soubesse antes que o
negócio dela era dinheiro, teria sido muito mais fácil do que ter que ficar mandando aquele
monte de presentes fingindo ter interesse nela.

— Eu acho bom você calar a boca e sair daqui!

— Tá defendendo a putinha, é? Aliás, tenho que te agradecer, você deixou ela do


jeitinho que eu gosto. Já passei por lá hoje e ela estava bem arregaçada.

Ele terminou de falar e já tomou um soco na boca. Ele tentou me acertar com o taco,
mas eu tomei dele e acertei na sua perna. Nesse momento o técnico chegou e flagrou toda a
situação.

— Você está fora do próximo jogo, Ben!


— Ele que me provocou.

— Mas era você quem estava batendo. Eu avisei que isso ia acontecer. Chega de passar a
mão na sua cabeça. Se você quiser ser o capitão do time, precisa agir como tal.

— Treinador Jackson.

— Sem mais, Sutton. Aqui ninguém é insubstituível, nem você! Os demais, todos para o
treino. Aiden, consegue treinar?

— Sim, senhor!

— Ótimo! Você será o capitão.

O filho da puta saiu rindo, enquanto eu explodia de ódio. Só não quebrei o armário
porque isso iria trazer mais problemas. Peguei minhas coisas, os presentes de Amy e fui para
casa.

Sozinho, refleti sobre tudo que aconteceu. Não conseguia entender como as coisas
chegaram nesse ponto. Amy parecia tão sincera, tão entregue! Como pôde me enganar dessa
forma? Como ela pôde fazer isso com a Chloe. Meu telefone não parava de tocar e quando vi,
era meu pai.

— O que você fez dessa vez, garoto?

— Eu não fiz nada. Quem resolveu dar show na frente de todo mundo da faculdade foi a
Chloe.

— E por que você foi expulso do treino?

— Por me defender! Por que eu sempre sou o culpado de tudo?

— Porque você sempre age como se ainda fosse um garoto de doze anos querendo ter
todas as suas vontades atendidas. Continua assim e pode dar adeus a faculdade de engenharia
aeroespacial. Quer viver do seu sonho? Vai ter que lutar por ele. E eu espero que seja lá o que
você e sua irmã aprontaram, isso não prejudique a Amy.

Ele bateu o telefone na minha cara. Não consegui ficar quieto. Precisava colocar essa
história a limpo. Já que Amy não quis conversar comigo, iria procurar outra pessoa que pudesse
me esclarecer tudo. Chloe.

Cheguei à casa dos meus pais e gritei por ela.

— Chloe! Chloe!

— O que é?
— Vem comigo. — A guiei até o escritório do meu pai e fechei as portas. — Agora nós
dois vamos conversar. Tudo aquilo que você falou da Amy é verdade?

— Sim. O nome do garoto que ela vendeu a virgindade é Ravi, filho de um cara
importante das redondezas de onde ela morava. O pai descobriu e a expulsou de casa. Por que
você acha que ela não pode voltar para casa? Ou que nem a mãe nem o pai ligam para ela?
Amy sempre quis fisgar um homem rico, foi criada para isso. Aqui era a oportunidade perfeita. E
você caiu como um patinho.

— Não faz sentido. Vocês são amigas há mais de um ano, por que só agora?

— Porque ela precisava ser certeira, sem correr nenhum risco de dar errado. Ela
conseguiu conquistar todo mundo, enrolar a todos nós com a história dela. É igual ao que a
Emily fez comigo na escola.

— Mas a Amy sempre te defendeu! Ela cuidava de você.

— As pessoas mentem, Ben.

— Eu não consigo acreditar.

— Você prefere acreditar em uma puta qualquer ou na sua irmã?

— Sempre vou escolher você.

— Então é melhor deixarmos esse assunto para lá. Por que está em casa?

— Fui expulso do treino e não vou poder jogar o próximo jogo.

— E o que você fez?

— Arrebentei o Aiden na porrada. Agora eu preciso ir.

— Ben, eu...

— Depois, Chloe.

Minha irmã não mentiria para mim. Eu realmente tinha sido enganado. Resolvi parar em
um bar e beber tudo o que não bebi no semestre. Porra, eu ia pedi-la em namoro. Assumir para
todos o que sentia. Ainda bem que não fiz. Era por isso que ela vinha com o papo de esperar.
Ela devia ter outros, que pagavam para estar com ela. Quanto mais eu bebia, mais eu queria
tirar Amy do meu corpo.

Não sei como nem quando Josh chegou, mas lembro de tentar bater nele quando tentou
tirar minha bebida. De alguma forma ele conseguiu e me levou para casa e eu caí na minha
cama derrotado e de coração partido. Essa foi a primeira e a última vez que uma mulher
brincava com os meus sentimentos.
Quase um mês havia se passado e finalmente minha suspensão tinha acabado. Jogaria
no dia seguinte e o jogo seria na arena da Universidade. Cumpri o que prometi e nunca mais
procurei a Amy. Ouvia alguns boatos, sabia que estavam perseguindo-a, meu pai mesmo teve
de ir falar com o reitor algumas vezes, mas eu nunca me meti.

Dediquei-me a treinar e a projetos do meu curso, passei mais tempo com a Chloe e
resolvi ter uma conversa com os pais da Emily, para que ela me deixasse em paz.

Chloe e Josh pareciam estar se dando bem, saíam com frequência e minha irmã parecia
ter superado o incidente com a Amy. Tive uma discussão com os meus pais, por isso, eles se
recusavam a acreditar em tudo, pois diziam que alguma coisa não estava certa na história e
Amy não conseguiria manter um personagem por tanto tempo. Eles insistiam que tinham
muitas pontas soltas, que Chloe podia ter feito alguma confusão por estar com raiva e que Amy
nunca esteve interessada em nosso dinheiro. Depois que ela pediu demissão do escritório do
meu pai, isso ficou ainda mais claro para eles.

A mim, não importava mais. Eu havia pedido uma única coisa em troca: Que ela fosse
sincera e ela não foi. Independentemente da história, ela tinha escolhido esconder algo.

Na véspera do jogo, fui dormir nos meus pais e ouvi Chloe e Josh discutindo. Fui ver o
que era, mas Chloe disse que era uma besteira. No mesmo instante, recebemos um e-mail de
convocação da Universidade, solicitando que todos os estudantes que recebessem o e-mail
estivessem no auditório uma hora antes do jogo. A ausência poderia implicar em sanções
disciplinares. Achei estranho receber um e-mail tão tarde, no período das férias, mas como
estava rolando alguns cursos de verão, podia ser algo relacionado a isso. Perguntei se Chloe iria
e ela confirmou. Mandei mensagem para Josh e ele não respondeu, mas no grupo do time
quase todos tinham recebido. Resolvi deixar isso para lá e fui dormir. Logo eu descobriria do
que se tratava.

No dia seguinte, o auditório estava lotado. Vi que, além de alunos, tinham pais
presentes, como o meu, o da Emily e alguns outros figurões conhecidos. Procurei por Josh, mas
não o encontrei. Não vi nenhuma autoridade da faculdade no palco e a curiosidade começou a
crescer. No horário marcado as luzes se apagaram. Antes que entrássemos em pânico, uma voz
conhecida ecoou pelo local.

— Peço que todos fiquem sentados em seus lugares. Isso não é um teste, nem um
ataque terrorista, mas um grito de socorro. Essa é a prova de que a Universidade de Notre
Dame compactua com o bullying e não defende os seus alunos. Essa é a minha história. Eu sou
Amithab Sengupta, bolsista integral por ser aluna estrangeira, melhor nota no processo de
seleção e melhor aluna do curso de Tecnologia da Informação. Essa é a minha história e como
estou sofrendo bullying de forma deliberada e permitida pela Universidade. Por favor, fiquem
sentados e assistam até o final.

Puta que pariu, o que a Amy estava fazendo?


Capítulo vinte e cinco

Amy Sengupta

O grande dia havia chegado. Eu planejei durante todo o último mês cada detalhe do dia
de hoje. Se as pessoas queriam que eu fosse a vilã, elas teriam a porra da vilã. Eu estava
cansada das ameaças, dos insultos, de ser humilhada. O cyberbullyin e o bullying praticados
contra mim tinham passado de todos os limites. Tive que trocar de alojamento três vezes, pois
era constantemente incomodada e abordada com homens procurando programa.

Eu sabia quem alimentava isso. Eu pedi ajuda, eu gritei, eu conversei com todos os
responsáveis, mas ninguém me ouviu. Eu não tinha a conta bancária necessária para ser ouvida.
Nem o sobrenome correto. Então eu resolvi agir.

O que ninguém sabia sobre mim é que eu era uma excelente hacker. Umas das
melhores. Eu poderia invadir uma conta de banco, deixar zerada e não iam nem conseguir me
rastrear. Então invadir o banco de dados da Universidade foi brincadeira de criança. Eu tinha
alvos muito certos e específicos, mas precisava agir no momento certo.

E ele havia chegado. O dia do jogo. Um momento em que todos aqueles que ajudaram a
me destruir estariam ali. Assim que cheguei, deixei tudo pronto. Não foi fácil, precisei fazer
algumas coisas que não gostava, mentir, invadir, mas consegui. O auditório estava lotado, sinal
que os e-mails tinham funcionado. Procurei quem eu queria que estivesse lá e avistei um por
um. A hora do show havia chegado.

Quando todas as luzes se apagaram, reconheci o medo que se espalhou. Eu já o havia


sentido muitas vezes, hoje ele era apenas um velho conhecido. Iniciei a transmissão ao vivo
com minha tia, peguei o microfone, fui para o palco e comecei:

Peço que todos fiquem sentados em seus lugares. Isso não é um teste, nem um ataque
terrorista, mas um grito de socorro. Essa é a prova de que a Universidade de Notre Dame
compactua com o bullying e não defende os seus alunos. Essa é a minha história. Eu sou
Amithab Sengupta, bolsista integral por ser aluna estrangeira, melhor nota no processo de
seleção e melhor aluna do curso de Tecnologia da Informação. Essa é a minha história e como
estou sofrendo bullying de forma deliberada e permitida pela Universidade. Por favor, fiquem
sentados e assistam até o final.

Um compilado dos ataques que recebi ao longo dos dias invadiu o telão. Os
xingamentos, as ameaças, as propostas. Alguns vídeos meus chorando, vídeos meus indo até a
reitoria, o deboche de alguns funcionários e o descaso com que fui tratada.

Isso é apenas um pedaço do que venho sofrendo nessa Universidade. A verdade é que
desde que cheguei aqui, sou constantemente humilhada. Debocham do meu país, da minha
roupa, do meu jeito de falar e até do que como. Só que tudo piorou quando Chloe Sutton
descobriu que eu estava saindo com o seu irmão, Ben Sutton, e fez um escândalo no corredor do
meu antigo dormitório — antigo porque eu já tive que mudar três vezes de alojamento para
poder ter paz — voltando, Chloe — uma foto dela apareceu no telão — contou para todos que
eu vendi a minha virgindade e fui expulsa de casa, por isso vim para cá. E que eu sempre quis
um cara rico para me sustentar. Chloe mentiu, distorceu um segredo que confidenciei para ela
em um momento de vulnerabilidade, mas ela não fez isso sozinha. Emily e Aiden — uma foto
dos dois juntos invadiu o telão — fizeram Chloe acreditar que eu a enganei e armei para o irmão
dela, Ben — um vídeo dele jogando apareceu na tela —. Diante do julgamento em que me
colocaram sem chance de defesa, eu fui julgada, exposta, condenada e estou pagando por
crimes que não são meus até hoje. Hoje eu resolvo pôr fim a isso tudo. Mas para que possamos
avançar, é necessário dar alguns passos para trás. Aviso que as cenas a seguir podem ser
perturbadoras, por isso as desfoquei, mas quero que vocês saibam o que realmente aconteceu
comigo.

Esse é Ravi e ele me dopou, abusou e inventou que eu vendi a minha virgindade para ele.
Para comprar o meu silêncio, ele me mostrou esse vídeo — coloquei para rodar o vídeo mais
doloroso da minha vida e consegui ouvir alguns lamentos, choros e eu mesma quando caí no
choro, mas eu prometi que ia em frente e ia acabar com isso hoje.

A menina no vídeo sou eu. Mesmo com o vídeo desfocado, conseguem perceber que eu
estou desmaiada? Mas a minha palavra não é o bastante, nunca foi, por isso, recentemente
entrei em contato com Ravi e consegui essa confissão dele.

Há uns dias eu consegui o contato do Ravi e resolvi conversar com ele, para manipular e
conseguir que ele confessasse. Demorou, mas eu consegui e a prova estava no vídeo que todos
assistiam. Primeiro, eles viram a minha vergonha, agora eles assistiam à minha redenção.

Mãe, pai, espero que vocês estejam assistindo. O dinheiro do Ravi falou mais alto que a
minha palavra, mas agora, com a palavra dele, talvez vocês acreditem em mim. Para quem não
sabe, meu pai acreditou na história que vendi a minha virgindade, me deu uma surra e me
expulsou de casa. Foi assim que eu vim parar aqui quase oito meses antes do que estava
programado. Ben, você está aí?

Fiz com que a luz mirasse nele.

Ah, achei você. Pronto, foi assim que eu perdi a virgindade. Parece especial o bastante
para você agora? Além da minha tia, a única pessoa que me recebeu bem foi a Chloe, e em
seguida a sua família. Nos tornamos amigas inseparáveis, mas ela tinha algumas regras para
nossa amizade dar certo. Uma delas era nunca ter nenhum envolvimento com seu irmão. Sabe
de quem é a culpa dessas regras? Emily. Sabiam que ela e Ben já namoraram? Sim, mas Emily
sempre praticou bullying contra Chloe e até armou para ela na sua antiga escola. As provas,
como podem ver, estão todas aqui. Só que não ficou nisso. Emily ficou obcecada pelo Ben e
sempre fez de tudo para reconquistá-lo. E quando digo de tudo, é tudo mesmo, o que inclui:
perseguir, caluniar, difamar, mentir, enganar e fazer com que outras meninas que chegassem
perto do Ben fossem prejudicadas. Lembram da menina que foi pega com drogas e expulsa por
tráfico? Emily e Aiden que armaram. Aqui, temos algumas conversas dos dois. — Postei alguns
prints. Aqui, temos vídeos e olha, o Aiden com as drogas. Drogas aliás que fazem parte da sua
vida há bastante tempo, pois além de outros delitos, Aiden trafica drogas desde o Ensino Médio.
Ah, o convidado especial chegou. Pode entrar delegado, Aiden está ali.

A polícia entrou, prendeu Aiden e levou Emily para prestar esclarecimento. Antes de
fazer tudo isso, eu procurei a polícia, um advogado, me planejei, me respaldei e estava ciente
que o maior risco que eu corria era o de ser expulsa. Podia levar alguns processos mais nada
além disso.

Todo o conteúdo da conversa dos dois foi disponibilizado em um drive pela própria Emily,
no QR code que vai aparecer na tela vocês podem ver tudo. Sei que vocês já estão ficando
entediados, mas já estou finalizando. Essa não é uma vingança, mas justiça. Eu quis morrer. Eu
quis ir embora. Eu desisti dos meus sonhos, enquanto muitos de vocês riam e compartilhavam
posts que ofendiam quem eu era. Me chamaram de puta, interesseira, vagabunda e me
tocavam sem que eu permitisse. O meu crime? Ter sido abusada, fugido e ter ousado sonhar ter
uma vida diferente. Eu errei em não ter lhe contado, Chloe, mas você errou muito mais quando
acreditou no veneno de uma pessoa que só te fez mal. Foi escolha sua contar o meu segredo
para toda a Universidade e foi escolha sua, Ben, escolher um lado sem nem me ouvir. E foi
escolha da Universidade fechar os olhos diante de tudo que fizeram comigo. Se não fosse a
polícia e alguns professores, eu nem estaria aqui. Mas eu prometi que ninguém mais contaria a
minha história por mim. Eu prometi que ninguém mais ia me humilhar ou me colocar em uma
posição que não me pertence. A Universidade fechou os olhos para o bullyng e eu espero que
vocês não façam o mesmo. Tenham um bom jogo. Obrigada!

Encerrei a transmissão que estava fazendo com minha tia, para que meus pais pudessem
ver tudo, acendi as luzes e procurei a polícia, como o combinado. Eu sabia que tinha mexido em
um local complicado, mas eu não ia mais apanhar calada. Depois de quase ser estrupada por
um grupo de veteranos que cismou que eu fazia sexo por dinheiro, eu decidi que ia agir. E
planejei cada detalhe desse dia. O que ninguém sabia era que o pai do Ben me ajudou com tudo
e era graças a ele que tudo foi possível. Ele pagou os melhores advogados, tomou meu
problema para si e foi mais pai do que o meu próprio pai.

Enquanto saía, via o resultado do que fiz: muitas pessoas chorando, outras comentando,
um verdadeiro caos dentro do auditório. Procurei pelos Sutton e vi Chloe chorando abraçada
com sua mãe, mas não achei Ben. Foi quando senti um toque no meu ombro, um toque que eu
reconheceria em qualquer lugar. Sem olhar para trás apenas disse:

— Nunca mais toque em mim, Sutton. Você fez a sua escolha, agora lide com ela.
Capítulo vinte e seis

Ben Sutton

Atônito, assisto ao show que Amy armou. Quando vi o que aquele desgraçado fez com
ela, tudo que a Universidade tinha feito e o que eu e minha irmã fizemos, me senti um lixo. No
final, tentei falar com ela, que me ignorou.

Voltei para perto da minha família, procurando por Chloe.

— Você mentiu? E sustentou essa mentira mesmo depois de ver o que ela fez com a
Amy?

— Eu estava magoada com vocês. E a Emily e o Aiden encheram a minha cabeça.

— Encheram a sua cabeça? Você vive dizendo que quer ser tratada como adulta e age
como uma criança! Olha o que aconteceu com a Amy! Como você sabia disso e deixou que ela
passasse por tudo que ela vem enfrentando? Quantas vezes ela não te defendeu?

— Você está brigando com a sua irmã, mas não agiu muito diferente dela. Os dois
erraram demais com a Amy e ela colocou o futuro dela em risco para expor isso aqui, mas acho
que agora o bullying com ela vai diminuir. Eu disse que você precisava colocar isso a limpo com
ela.

— Você sabia! Você estava junto com a Amy!

— Eu estava do lado da justiça. Amy vai ter todo o suporte necessário para passar por
isso, incluindo os melhores advogados e eu espero que ela não seja processada. Estou disposto
a fazer um acordo com a Universidade para manter a vaga dela.

— E por que não me contou nada, hein, pai? E você, Chloe, por que não me contou? Eu
prometi que ia proteger a Amy e fui o primeiro a machucar ela!

— Ben, me perdoa. — Chloe caiu em um choro compulsivo, minha mãe tentou acalmá-
la, mas ela insistia em vir para perto de mim.
— O Josh, foi por isso que você brigaram ontem?

— Sim, a Amy o procurou para contar o que ia fazer, pois não queria que ele fosse pego
de surpresa, já que ele foi um dos poucos que se preocupou com ela e manteve contato
durante esses dias. Ele foi me perguntar se era tudo verdade, eu confirmei e ele disse que não
queria mais falar comigo.

— Ele não está errado, não é mesmo?

— Eu sei, eu tentei procurar a Amy, mas ela não quis falar comigo. Disse que eu não
tinha deixado ela falar, agora ela também não queria ouvir. Eu queria te contar, mas fiquei com
medo de você reagir como ela e eu não suportaria perder você também.

— Esse é o problema, você acha que qualquer um vai me tirar de você. Só que ninguém
pode fazer isso, Chloe. O que nós temos é pra sempre. Você é minha irmã, nada vai mudar isso.
Eu sei que a situação com a Emily foi traumática, mas não é a regra, é a exceção. Olha o que
tudo isso causou!

— Eu sei, Ben! E eu tô pagando o preço por isso, muito caro, mas vou aceitar pagar pelo
tempo que for necessário. E eu vou lutar para recuperar a amizade da Amy. E acho que você
devia fazer o mesmo.

— Vou falar com o papai.

Fui atrás do meu pai, que tinha se afastado para falar com um policial.

— Qual a real situação da Amy, pai?

— Controlada. Entraremos em um acordo, já que ela conseguiu entregar um traficante e


pode processar a Universidade pelos ataques sofridos e a Universidade não irá processá-la. Ela
não deixou rastros, portanto, não podem comprovar que foi ela que invadiu os sistemas. Ela vai
prestar alguns serviços sociais, vai fazer algumas monitorias e tudo certo. Sabemos que isso só
é possível porque eu estou no meio. É como Amy disse, o dinheiro e o sobrenome corretos
podem comprar tudo.

— Eu estraguei tudo com ela, não é mesmo?

— Talvez, mas se eu puder te dar um conselho é: espere. Deixe a poeira baixar um


pouco, viva a sua vida e depois procure a Amy. Ela precisa de um tempo para se curar, agora
que conseguiu lidar com tudo que a estava sufocando. Serão novos tempos e talvez vocês
possam conversar.

— Cuida dela enquanto isso?

— Não precisava nem pedir, já tenho feito isso e vou continuar fazendo. Amy foi a
melhor amiga que Chloe já teve. Ela se aproximou da nossa família sem interesse, cuidou da sua
irmã e estava cuidando de você, filho. Só que você não percebeu. Eu avisei na festa do Natal,
mas vocês não me ouviram.

— A gente não tinha ideia. Você acha que a Chloe vai ficar bem com toda essa
exposição?

— Vai. Sua irmã precisava de um choque de realidade. Eu errei bastante em


superproteger vocês, principalmente a Chloe. Usava isso para tentar corrigir algo que não pode
ser corrigido e acabei impedindo-a de crescer. Não deixaria isso acontecer se achasse que
poderia fazer mal para ela.

— Obrigado, pai!

— Se a Amy te der uma segunda chance, nem que seja só para te ouvir, faça valer a
pena.
Capítulo vinte e sete

Amy Sengupta
Há sete dias eu tinha tomado a decisão de me expor para conseguir recuperar minha
vida. Foi uma decisão arriscada, mas eu precisava fazer alguma coisa não apenas por mim, mas
para evitar que outras pessoas passassem pela mesma coisa que eu.

Com a ajuda que Aaron Sutton me deu, eu me livrei de maiores punições e ainda garanti
a faculdade implementasse uma política anti bullying mais eficiente e punições mais rigorosas.
Em contrapartida, eu não os processaria e teria de cumprir um calendário de serviços
comunitários. Desisti do curso de verão em prol da minha saúde mental. Apesar de me sentir
aliviada, queria me manter um pouco fora de tudo. Minha tia resolveu ficar mais uns dias na
Índia e eu aproveitei para ficar na casa dela e me permitir um descanso.

Já era fim de tarde quando a campainha tocou e fiquei surpresa quando vi quem era.
Sabia que essa conversa um dia aconteceria, só não esperava que fosse tão cedo e que ela
viesse me procurar.

— Chloe. Devo confessar que estou surpresa com a sua visita.

— Posso entrar?

— Claro, deixa apenas eu arrastar um pouco o móvel para que você possa passar sem
dificuldades. Cadê o Paul?

— Ficou no carro. Estou buscando mais autonomia e em breve vou começar a aprender
a dirigir.

— Fico feliz por você.

— Eu não. Demorei muito para entender que eu não era o que os outros pensavam ou
diziam de mim e acabei perdendo uma irmã.

— Por que você fez aquilo, Chloe? Eu entendo você ter se sentido enganada, ter ficado
magoada, mas porque você escolheu me ferir com a coisa que mais me machucava, na frente
de todo mundo?
— Porque eu sou uma mimada infantil que só pensa no próprio umbigo. Eu poderia falar
qualquer coisa, mas a verdade é que ninguém tem culpa. Foi escolha minha. Na minha cabeça,
você tinha me traído com a minha pior dor e eu resolvi pagar na mesma moeda. Eu não pensei,
eu só não acreditei que a Emily estava falando a verdade e você mentindo. Precisei passar por
tudo isso para entender que eu sou responsável pelas minhas ações, que o Ben nunca vai me
trocar por ninguém e que você foi o melhor presente que a vida já me deu. Pedir desculpa é
muito pouco perto de tudo que eu te fiz, mas é o que eu posso fazer no momento. E eu
também fiz uma coisa que eu não sei se você vai gostar, mas que eu precisava fazer.

— O que você fez?

— Eu comprei duas passagens de ida e volta para a Índia, para você, só escolher a data.
Acho que da mesma forma que você colocou tudo a limpo com a gente, talvez você precise
fazer o mesmo com seus pais. Sei que eles assistiram a tudo, mas uma boa conversa cara a cara
pode mudar tudo. E acredito que você precise disso para seguir em frente.

— Eu realmente não esperava por isso e nem sei o que dizer.

— Eu sinto a sua falta. Senti todos os dias e continuo sentindo. Eu me arrependi muito
do que fiz, mas não tive coragem de ir falar com você, por medo, vergonha, infantilidade. E o
Ben também sente a sua falta.

— Seu irmão é bem grandinho para que você tenha que ficar servindo de garota de
recados dele.

— Ele não sabe que estou aqui, só o meu pai. Não contei, porque essa era uma coisa que
eu queria fazer por mim e por você. Sem interrupções, sem outras pessoas envolvidas, sem
nada. Aliás, tenho mais uma coisa para você. — Ela pegou uma caixinha no suporte da cadeira.
— Eu tinha preparado uma cerimônia de Raksha Bandhan para o Ano Novo, e acabou que tudo
aconteceu e nem sei como foi o seu Ano Novo, e eu trouxe tudo o que eu tinha preparado para
você. Mesmo que não tenha validade, eu gostaria de te entregar. — Ela abriu a caixa, vi alguns
rakhis26 e fiquei emocionada. Esse era um ritual muito importante e especial para a minha
religião e era a primeira vez que alguém fazia isso por mim. — Eu sei que eu devia estar com
uma roupa mais festiva, mas achei que podia ser demais arrumar um sári para mim. O que me
lembra que eu não te entreguei seu presente de Natal, eu taquei e você não pegou, mas
também está aqui. Abre depois, vamos continuar com o ritual. Eu escrevi os meus votos. O
presente são as passagens e esse embrulho. Você aceita ouvir?

Apenas assenti. Então ela começou:

— Eu prometo ser sua irmã por toda a vida, mesmo que o nosso sangue não seja o
mesmo, o amor que nos une está acima de qualquer obstáculo que a vida possa impor. Eu
prometo estar com você nos bons e maus momentos, ser seu apoio, te ouvir e ajudar no que
você precisar. Eu prometo estar com você, no riso para rimos juntas e na tristeza para te
lembrar do que você é capaz. Eu prometo não deixar que nada se coloque entre a gente e
amarro essa pulseira no seu braço direito para que você se lembre todos os dias da minha
promessa. — Quando ela terminou, estávamos as duas em lágrimas. Ela chegou mais perto do
meu braço. — Posso colocar?

Eu pensei por um segundo. Chloe me fez muito mal, mas eu também não fui
completamente sincera com ela. Erramos em proporções diferentes e cada uma teria que lidar
com isso. Poderia prolongar essa mágoa ou poderia escolher perdoar e tentar reconstruir o que
tínhamos, de uma forma diferente. Apesar de toda dor que ela me causou, Chloe também foi a
pessoa que mais me estendeu a mão e cuidou de mim em diversos momentos.

— Pode, mas antes quero conversar uma coisa.

— Pode falar.

— Nós duas erramos, em proporções diferentes. E o nosso maior erro foi o silêncio. Eu
optei por esconder o que tinha com o seu irmão e você optou por ouvir outras pessoas antes de
falar comigo. Qualquer relacionamento precisa de confiança para existir e de diálogo. Sem isso,
não vai para frente. Veja o que aconteceu entre a gente. Vamos tentar ser mais verdadeiras e
sempre ouvir a outra primeiro, antes de qualquer coisa?

— Você tem razão. Vou me esforçar para não ser egoísta e impulsiva.

— Uma vez que nos perdoamos, deixamos as mágoas e os erros passados para trás. É
um recomeço, onde não devemos revisitar o assunto para reviver mágoas ou incentivar a
desconfiança. O que passou, passou.

Estendi o braço para que ela colocasse a pulseira, peguei a minha na caixa e coloquei no
braço dela.

— Eu prometo ser a amiga que você precisa, por toda a minha vida.

Nós nos abraçamos e choramos mais um pouco. Senti meu coração leve por ter
resolvido minha situação com ela e por não ter mais mágoas do que aconteceu. Tudo acontece
como tem que acontecer e precisamos aceitar o que não pudermos lidar. O clima melhorou e
começamos a contar as novidades.

— E você e Josh?

— Bem complicado. Ele está muito magoado e perdeu a confiança em mim. Disse que se
eu fui capaz de trair a minha melhor amiga daquela forma, o que eu não seria capaz de fazer
com ele? Estou dando tempo ao tempo, permitindo que ele se cure. Está tudo muito recente.

— E o campeonato?

— Bom, no dia em que você promoveu o caos no campus, nós perdemos. Ontem teve
jogo e vencemos. Na próxima semana terá um jogo aqui, parece que precisaram trocar o lugar.
Esse será apenas um jogo, e não dois como normalmente costuma ser. Será no sábado. Quer ir
comigo?
— Não sei se estou pronta para lidar com as pessoas e com o seu irmão, Chloe. Não tem
sido fácil, não foi fácil te perdoar, me perdoar e não acho que será fácil um dia, mas a minha
situação com ele ainda me machuca muito.

— Ele também não está bem.

— Isso também me dói, saber que, por minha culpa, ele não está bem, mas cada um
precisa lidar com as consequências dos seus atos.

— E como ficou tudo com seus pais?

— Não falei com eles. Minha tia disse que eles choraram muito, meu pai quis ir até a
casa do Ravi para pedir vingança, mas elas não deixaram. Só que agora quem precisa de um
tempo sou eu. Precisou um vídeo do Ravi contando como foi para que eles acreditassem em
mim e eu sou a filha deles. Me ignoraram por dois anos praticamente, sem saber se eu estava
bem, se estava vivendo bem. E se minha tia não me acolhesse? Não é que eu não quero
perdoar eles, mas não sei se estou pronta para a conversa que eles desejam, então prefiro
manter distância.

— Não sei como posso ajudar, então apenas estarei aqui te apoiando para o que
precisar. Sei que um dia você terá que encarar essa parte do seu passado e eu vou estar com
você para te apoiar. Agora uma coisa que eu fiquei curiosa: como você conseguiu a confissão do
Ravi?

— Busquei o perfil dele na rede social, consegui o WhatsApp trocamos algumas


conversas e eu fui perguntando o que tinha acontecido. Inventei uma história que tinha uma
bolsa aqui e eu podia conseguir algo para ele, que agora poderíamos viver juntos, mas que eu
precisava entender o que tinha acontecido naquela noite para conseguir seguir em frente.
Umas perguntas aqui, outras promessas ali e ele acabou soltando. Depois, hackeei o e-mail dele
e peguei o vídeo no armazenamento. Também encaminhei os outros vídeos para a polícia local.
Minha tia disse que ele foi preso, mas não soube me passar detalhes. Espero que mais vítimas
dele possam entrar em contato, denunciar e continuar seguras. Infelizmente a família dele é
influente e possui muito dinheiro, isso pode pesar para favorecer a liberdade dele.

— Você foi muito corajosa, sabia? Expor aquele vídeo assim, a sua intimidade, para
tantas pessoas.

— Foi uma forma de me libertar. Por todo esse tempo Ravi usou o meu medo de ser
exposta contra mim. Eu perdi minha casa, minha família e até um pouco da minha liberdade
por causa disso. Quando eu decidi que ia lutar contra os ataques que estava sofrendo, eu sabia
que precisaria visitar essa ferida do passado e curá-la, mesmo que para isso fosse necessário
sangrar novamente. Eu também queria te pedir desculpas por te expor daquela forma.

— Eu mereci e foi necessário. Meu pai me contou que você usou o bullying que faziam
comigo como prova para montar o projeto anti bullying. Eu me inscrevi como voluntária.
— Fico tão feliz de te ver usar seus medos e dores para ajudar o próximo.

— Você parece tão mais madura agora. E ainda falta uma semana para o seu aniversário.
Quando foi que você amadureceu tanto assim?

— Com a vida, eu acho. Quando eu parei de me colocar como vítima da minha história e
assumi o protagonismo, passei a entender melhor as coisas e a minha mente e visão se
expandiram. Talvez tenha sido o uso do bindi..

— Já disse que adoro quando você usa as suas roupas, né? Ficam tão perfeitas em você!

— Eu resolvi que não vou mais me esconder e, quando quiser usá-las, farei. Se não
quiser usar, que seja por mim, não por medo dos outros.

— Eu tenho que ir agora, tenho fisioterapia. Minha casa está de portas abertas para
você, mas entendo se não quiser ir lá por enquanto.

— Aqui também está aberto para você.

— Agora que você voltou para a minha vida, nunca mais te deixo sair.

Nós nos despedimos e aguardei-a entrar no carro para fechar a porta. Tirei um peso do
meu coração ao fazer as pazes com ela. No fundo, eu sabia que isso aconteceria em algum
momento. Nossa amizade sempre foi muito forte e nosso encontro era de almas.

A vida finalmente parecia entrar nos eixos. No entanto, ainda tinha um assunto
pendente. Ben Sutton.
Capítulo vinte e oito

Ben Sutton

A última vez que vi Amy ela não quis falar comigo e eu não a culpava. Errei demais e
merecia cada minuto da sentença que ela me impôs, mas saber que eu merecia não impede
que doesse.

Chloe me disse que elas fizeram as pazes, então talvez tenha esperança para mim. Hoje
era aniversário dela e eu esperava que ela aceitasse as entradas que enviei para o jogo. Pensei
muito no que fazer e como fazer. Cheguei à conclusão de que precisava ser algo marcante e que
mostrasse para ela que eu não me importava com a opinião dos outros, pelo contrário, eu
queria que todos soubessem o quanto eu a amava.

Não sabia dizer quando tinha percebido que o eu sentia era amor, só sabia que era. Amy
tinha construído uma mansão na minha cabeça e no meu coração e todos os dias eu pensava
nela. E essa porra de saudade doía muito, castigava mesmo. Se eu não estivesse em uma
sequência tão insana de jogos, acho que teria enlouquecido.

Arrumei-me para o jogo na expectativa de que ela aparecesse. Chloe foi comigo. Ela e
Josh estavam começando a se entender novamente. Reconstruir a confiança era mais difícil do
que construir.

Aiden finalmente iria pagar pelos seus crimes. Foi transferido e eu nem fazia ideia de
quando sairia da cadeia. Emily foi internada em uma clínica para evitar ser presa. Seus pais
alegaram problemas psicológicos e ela devia ficar um tempo fora de circulação.

Eu decidi que só ficaria na equipe essa temporada. O hóquei nunca foi um sonho meu e
eu precisava me libertar disso. A conversa com meu pai não foi fácil, mas no fim ele entendeu.
Eu sempre achei que precisaria ir para longe para me libertar da pressão e proteção que ele me
colocava, mas tudo que eu precisava era me impor. Eu reclamava, mas aceitava as mordomias
que o castigo me permitia. Agora eu precisava aprender a caminhar com as minhas próprias
pernas.

Chegamos à Arena quase uma hora antes do jogo, precisava deixar tudo pronto, mesmo
que Amy não viesse.

O jogo começou e não encontrei Amy na arquibancada. Somente na volta do segundo


tempo que eu a achei. Ela estava mais distante, sozinha e usava uma de suas roupas típicas.
Sorri, mesmo sabendo que ela não podia ver. A partida ganhou um novo sentido para mim
naquele momento. Vencemos o jogo e, quando encerrou a partida, dei o sinal para que Josh e
as demais pessoas envolvidas ajustassem tudo.

O gelo da pista de hóquei não estava mais impecável, mas refletia a luz das lâmpadas
suspensas no teto da Arena. O público estava animado, empolgado com o que acabaram de
assistir e por estarmos em primeiro lugar. Mais dois jogos e estaríamos nas regionais. Caminhei
até o centro da pista, no sentido contrário que todos os jogadores estavam indo. Nas minhas
mãos um microfone e a vontade de reconquistar Amy.

Dei duas batidinhas no microfone, para tentar chamar atenção de quem ainda não tinha
percebido a movimentação.

— Oi, oi... Testando. Boa noite, pessoal! Eu sou Ben Sutton e preciso falar com vocês.
Um minuto de atenção, por favor.

Aos poucos, o silêncio foi tomando conta da Arena e todos começaram a prestar
atenção em mim.

— Bom, é a primeira vez que falo para tantas pessoas, então perdoem se eu não tiver
muito jeito. A verdade é que hoje eu estou aqui para pedir perdão para uma pessoa muito
especial: Amy. Você pode ficar de pé?

Vi quando ela ficou surpresa, abrindo e tampando a boca, mas ficou de pé, o que me
incentivou a continuar.

— Hoje é aniversário da Amy. E mais do que isso, hoje é o dia em que eu quero não
apenas pedir desculpas, mas dizer o quanto eu a amo. Sim, Amy, eu amo você, e talvez eu
tenha descoberto isso em meio ao caos que atravessamos nos últimos meses, mas a verdade é
que eu acho que te amo desde o primeiro beijo. Uma vez eu te disse que você parecia uma
deusa indiana e como tal devia ser adorada. Por isso, hoje me coloco de joelhos, diante de você
e de todos aqui, para mostrar o quanto eu estou arrependido por ter te magoado. Eu podia ter
falado isso apenas para você, mas uma vez te fizeram acreditar que eu tinha vergonha de te
mostrar para o mundo. Por isso, estou na quadra e em uma live no Instagram da Universidade.
Eu quero que o mundo saiba que é você. Que desde que eu te conheci, sempre foi você. E que
sempre vai ser você, nessa e em todas as vidas que os deuses permitirem que a gente esteja
junto. — Continuei ajoelhado no centro da pista, olhando para Amy. — Agora, se você puder,
gostaria que pedir que viesse aqui, Josh vai te buscar.

Enquanto Josh ia até ela, o restante da surpresa apareceu: um bolo em formato de


elefante com um lacinho, um buquê de flores vermelhas e a banda tocando uma música típica
do país dela.
Quando ela finalmente chegou à minha frente, me inclinei e beijei os seus pés.

— Como seu devoto, entrego toda a minha adoração a você e rogo pelo seu perdão. Eu
errei quando acreditei que estava fazendo o certo escondendo você do mundo. Eu errei quando
não te ouvi. Errei quando não segurei a sua mão para enfrentar o mundo, e errei muito mais
quando deixei que você fosse embora. Mujhe tumase pyaar hai27 — depositei mais um beijo
nos seus pés e me levantei —, pode olhar para a arquibancada?

Quando ela se virou, percebeu que as pessoas estavam montando um mosaico com a
frase “Quer namorar comigo?”

— Caso você não tenha entendido, eu vou repetir: Eu te amo. Quer namorar comigo?

Ela ficou em silêncio enquanto seu rosto começou a ficar banhado em lágrimas. Por um
segundo, temi ter tomado a decisão errada e achei que ela fosse dizer não, mas quando ela
abriu os braços e pulou no meu colo, me beijando em seguida, tive certeza de que tomei a
decisão certa.

Abracei-a com toda força possível e se pudesse ficaria ali, beijando-a para sempre, mas
precisava encerrar a surpresa, pois precisavam arrumar a Arena.

— Muito obrigado, senhores e senhores. Parece que Amy aceitou o meu pedido de
namoro. Agora vamos cantar parabéns para a aniversariante.

Quando ela ficou mais próxima, sussurrei:

— Sei que a gente precisa conversar, que temos que nos perdoar e falar muita coisa,
mas eu precisava que você soubesse que o meu mundo é você e que eu nunca tive vergonha de
assumir você para ninguém. Desculpa se exagerei, mas eu precisava que fosse algo que ficasse
marcado em você.

— Eu te amo, Ben!

— Repete.

— Eu disse que te amo!

— Parece que não é apenas a aniversariante que ganhou um presente hoje. Posso beijar
minha namorada?

— Claro que sim, namorado!

Com o som de milhares de aplausos cantando parabéns para você, nos beijamos e
dividimos com todas essas pessoas um pouco da nossa felicidade.
Capítulo vinte e nove

Amy Sengupta

Estar em paz com você mesmo é uma das maiores dádivas que podemos receber.
Quando aprendi a me aceitar e acolher, as coisas ficaram mais fáceis. Era estranho pensar que
eu só tinha dezenove anos e que a minha vida estava mudando na velocidade da luz. Algumas
vezes ainda me sentia como uma criança, mas que precisava agir como uma mulher. Ter vivido
tantas experiências em tão pouco tempo contribuiu para o meu amadurecimento, mas às vezes
me fazia sentir como se eu tivesse pulado etapas.

Minha vida foi uma tempestade por muito tempo e agora estava na calmaria. Às vezes
eu tinha até medo de tanta felicidade, o que só me estimulava a viver ainda mais intensamente.

— No que está pensando?

— Em como eu estou feliz.

— Achei que estava pensando em como seu namorado é gostoso.

— Você não toma jeito, não é mesmo?

— Se eu tomasse, você não estaria comigo.

Ben me puxou para um beijo daqueles. Desde o meu aniversário que não nos
desgrudávamos, nem quando ele precisava jogar, pois tinha acompanhado todos os jogos. Ele
disse que precisávamos recuperar o tempo perdido e eu que tínhamos de aproveitar o tempo
que tínhamos, pois logo as aulas voltavam e a mordomia acabava. Vínhamos vivendo tempos
de paz, experimentado os pequenos prazeres que a vida nos oferecia. Vivi por tanto tempo com
medo e me escondendo, que tinha esquecido que a vida podia ser leve e tranquila.

Já conheci diversos estados e pessoas. Mas já estava exausta, não sabia como Ben
aguentava. Hoje voltamos para casa, para um pequeno recesso. Finalmente nos consagramos
campeões da Conferência e iríamos poder disputar as Regionais. Há tempos o time não
conquistava isso e foi mágico poder ver isso de perto. Ben foi eleito o melhor jogador da
temporada e muitas pessoas estavam no seu pé para que ele desistisse de abandonar a
carreira. Eu apenas disse que o incentivaria no que fosse necessário.

— Como foi a conversa com seus pais?

— Estranha... Eu achei que estava pronta, mas talvez eles não estivessem. Minha mãe só
chorava e meu pai mal conseguia me olhar de tanta vergonha. — Ele me puxou para o seu colo
e começou a passear a mão pelo meu corpo. — Eu não sabia bem o que dizer, nem o que
esperar, mas foi alguma coisa.

— O importante é ter um começo, um ponto de partida. Eu não sei se eu conseguiria


perdoar meus pais um dia se estivesse no seu lugar, mas você é uma pessoa iluminada e vai
saber como lidar com isso melhor que eu. E sua tia?

— Volta mês que vem.

— Temos a manhã livre, certo?

— Sim, Ben. Marcamos com a Chloe e o Josh somente às seis no shopping.

— Primeiro dia em casa e vocês inventam de se enfiar em shopping.

— Sem reclamar. É nosso primeiro passeio oficial entre casais.

— Você não precisa me lembrar disso. Toda vez que penso no Josh vindo pedir para
namorar minha irmã, eu fico tenso. Espero que eles não fiquem de agarramento na minha
frente.

— Você prometeu que ia se comportar, Ben!

— Mas é foda quando eu lembro que tem um marmanjo se esfregando na minha


irmãzinha, né?!

— Ele é seu amigo.

— Pior ainda. Esqueceu que eu tive uma vida devassa antes de ser rendido pela minha
deusa? Quem você acha que me acompanhava na minha fase de puto?

— O Josh?

— Ele só tem cara de santo, por isso a minha preocupação. Só de falar desse assunto já
fico nervoso.

Desci do seu colo e fiquei de joelhos entre as suas pernas. Desci a sua bermuda e
comecei a estimular seu membro.

— Acho que eu sei um jeito de te acalmar.

— Eu acho que estou muito nervoso.


— Então deixa eu te fazer relaxar.

Comecei com pequenas lambidas na sua cabeça, intercalando com movimentos com a
mão e observei as respostas de Ben, que pela cara que me olhava, estava gostando bastante.
Em seguida, engoli e chupei, indo e voltando, forçando seu pau até a garganta, lambendo e
massageando suas bolas. Fiz o movimento repetidas vezes, então Ben enrolou meu cabelo nas
suas mãos, segurou meu pescoço e forçou seu quadril, como se transasse com a minha boca.
Logo em seguida ele gozou e eu engoli todo o seu líquido. Ele me puxou para me beijar, me
ajeitando em seu colo e começando um sexo lento e carinhoso. Não aumentamos o ritmo,
ficamos assim por algum tempo, apenas aproveitando a conexão e o momento.

Depois de saciados, nos jogamos na cama e ficamos abraçados, fazendo carinho um no


outro.

— Eu nunca pensei que fosse tão fácil dizer eu te amo para outra pessoa.

— Mas você diz eu te amo o tempo todo para a Chloe.

— Só que ela é da família. Eu sempre achei que ia ser difícil falar isso para alguém. Não
entendia como as pessoas podiam afirmar isso com tanta certeza e facilidade. Não até
encontrar você. Obrigado por ter entrado na minha vida.

— Eu acredito que nada acontece por acaso. E desde o dia em que invadi seu quarto
sem querer, nossos destinos já estavam traçados. Tinha de ser, Ben. Não tem outra explicação.

— Desde o primeiro dia já era louca no meu pau.

— Ben! Você é um puto mesmo! Só pensa em putaria.

— Nada disso, eu sou ex-puto. Agora toda a minha putaria é única e exclusivamente
para você.

— Você não consegue falar sério?

— Consigo sim. Você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida, Amy. Eu aprendo
todos os dias com você, com esse coração incrível que você tem e com a sua capacidade de ser
resiliente. Você aprendeu a lidar com a dor muito cedo e, mesmo quebrada por ela, a
transformou em um instrumento de luta para ajudar outras pessoas. Você é inteligente,
dedicada e a melhor dançarina que eu já vi. Quando você sorri é como se o ambiente ganhasse
vida, pois você é luz. Se existe a possibilidade de alguma divindade viver na Terra, ela mora bem
aqui ao meu lado, pois só sendo uma deusa para conseguir ser como você.

— Assim você me deixa sem palavras e com vontade de chorar.

— Se for choro de alegria pode. Eu prometi que só te faria chorar novamente de


felicidade.
— Se continuar com essas declarações vou acabar desidratando.

— Não se preocupe, seu servo está aqui para pegar água para você, nem que eu tenha
que carregar na própria boca para te satisfazer.

— Isso é nojento!

— Nossa como você é antirromântica. Eu aqui disposto a carregar água na minha própria
boca para matar sua sede e você me esnobando.

— Por favor, Ben! Chega de falar besteira! Eu quero dizer que estou muito feliz com
você. Que não me importa o que aconteceu no nosso passado, só o presente e o que viveremos
daqui pra frente importa. Eu sou muito grata por ter encontrado não só você, mas toda a sua
família. Vocês me receberam de braços abertos e me mostraram que é possível acreditar no ser
humano. Trouxeram de volta o meu senso de pertencimento e me ofereceram um ponto
seguro. E você, Ben, trouxe caos e paz na medida certa. Seu amor me curou de feridas antigas e
me mostrou que é possível ser amada da maneira que a gente é, sem medos, sem ressalvas,
sem precisar se moldar para caber no mundo do outro. Obrigada por não ter desistido da
gente.

— Eu nunca vou desistir de você, nessa e em outras vidas você vai ter que me aturar.

— Vai ser uma honra dividir a eternidade com você.

— Espera que eu preciso pegar uma coisa.

Ele foi até a sala e voltou com uma sacola e de lá tirou o meu elefante de pelúcia e o
meu cordão.

— Esse cordão nunca devia ter saído do seu pescoço e vou devolvê-lo para o lugar que
ele pertence. Toda vez que olhar para ele, quero que se lembre que você não está sozinha e
que tem uma pessoa te esperando em casa. Dizem que lar é onde o nosso coração está, se isso
for verdade, você é o meu lar. E estou aqui para ser o que você quiser.

— Eu te amo, Ben!

— Eu te amo, Amy!
Capítulo trinta

Amy Sengupta

Um ano depois

Estávamos nos preparando para nossa primeira viagem internacional de casal. Iríamos
para a Índia. Finalmente tomei coragem para ter aquela conversa cara a cara com meus pais e
Ben iria comigo. Optamos por vir sozinhos, pois é um momento que cabia somente a mim e à
minha família.

No ano que passou, consegui aos poucos reestabelecer um contato com meus pais, mas
sentia que faltava algo. Algo que as chamadas de vídeo e ligações não eram capazes de suprir.
Agora me sentia pronta para encarar isso de frente e virar mais essa página da minha história.

Ben não largou o hóquei, estendeu sua carreira até terminar a faculdade, depois ele
planejava se dedicar apenas à carreira de engenheiro aeroespacial. Chloe aprendeu a dirigir,
prestava serviços voluntários e cada dia que passava vinha conquistando mais autonomia. Ela e
Josh seguiam firme no relacionamento e até hoje Ben sentia ciúmes dos dois.

Eu acabei me tornando popular na Universidade, mesmo não querendo. Muitos alunos


estrangeiros que sofreram bullying começaram a enxergar em mim um ponto de referência
para saber como lidar com seus problemas. Atualmente, além de estudar, também fazia
palestras de conscientização nas escolas sobre os perigos do bullying e como combatê-lo. Criei
um site para que as pessoas pudessem contar suas histórias e ter sua identidade preservada,
também era um espaço para que as pessoas pudessem se sentir acolhidas.

Minha tia seguia com o salão que Ben finalmente me contou que ajudou a montar e sua
saúde vinha melhorando.

Os pais de Ben e Chloe vinham se esforçando para deixarem os filhos tomarem as


próprias decisões e para estarem mais presentes. Porém, pelo menos uma vez por ano Tara
ainda insistia que precisava procurar um especialista para avaliar a Chloe. A diferença é que
agora Chloe dizia que não.

Nunca pensei que a Amy que chegou aqui destruída pudesse construir tanta coisa. Que
eu precisaria sair das minhas raízes para aprender realmente sobre quem eu era. Que no
momento de maior solidão, eu encontraria as companhias mais verdadeiras.

Nunca mais soube do Aiden nem de Emily. As famílias acabaram se afastando depois da
mudança — a família dela foi para outra cidade e eu achava bem melhor assim.

Minha amizade com Chloe cada dia tornava-se mais forte e especial. Eu estava vivendo
minha melhor fase.

Enquanto arrumava as malas, Ben saiu do banho.

— Quando você me viu pela primeira vez, imaginou que algum dia estaria desfrutando
desse corpinho todo para você?

— Eu fiquei morrendo de vergonha!

— Mas deu uma olhada pro meu pau que você não é boba e eu bem reparei.

— Eu só queria sair correndo do seu quarto.

— Quem diria que estaríamos nesse mesmo quarto, quase três anos depois, arrumando
nossas malas para visitarmos seus pais?

— Se alguém me contasse eu diria que estava louco.

— Eu também. Vou dormir, precisa de ajuda?

— Não, está tudo pronto, só estou colocando algumas coisas minhas na mala.

— Tudo bem, então não demora. Amanhã saímos cedo e a viagem leva um pouco mais
de dezoito horas.

— Pode deixar.

No hinduísmo, acreditamos que cada pessoa tem uma alma (Atman) que passa por
várias vidas em corpos diferentes. Isso é o que chamamos de reencarnação. Tudo isso está
ligado ao conceito de karma, que é como a soma das nossas ações nesta vida e nas anteriores.
Se realizamos coisas boas, ajudamos os outros, nosso karma melhora, e na próxima vida
podemos renascer em uma situação melhor. Se agimos de maneira negativa, nosso karma
piora, e podemos renascer em uma situação mais desafiadora.

O objetivo final é atingir o moksha, que é como a libertação desse ciclo de


renascimentos. É como alcançar uma paz interior profunda e se unir ao universo. Quando
atingimos o moksha, não precisamos mais passar por esses nascimentos e mortes.

Além disso, temos o dharma, que é como o dever e as responsabilidades que devemos
cumprir nesta vida para manter um bom karma. É como seguir um caminho ético.

Era uma visão espiritual da vida, onde cada pessoa estava em uma jornada para
aprender, evoluir e, eventualmente, alcançar a paz espiritual total, se libertando desse ciclo de
reencarnações.

Para quem não vivia esses ensinamentos, podia parecer complicado, mas para mim, que
cresci com isso, fazia parte de quem eu era. Por isso, quando finalmente pousamos na Índia, eu
sabia que a solução do conflito com meus pais era algo mais que uma simples conversa. Era um
acerto de karma.

Caminhar por essas ruas novamente fazia meu coração disparar. Enquanto Ben olhava
tudo com entusiasmo, eu observava com nostalgia. As cores, os barulhos, o cheiro... Tudo
parecia pertencer a uma outra época da minha vida. Tudo parecia ter mudado, mesmo que as
coisas ainda estivessem no mesmo lugar. Quando chegamos ao meu bairro já era tarde, por isso
resolvemos ir direto para o hotel e visitaria meus pais no dia seguinte. Eu iria sozinha e,
dependendo de como a conversa se encaminharia, Ben os conheceria depois.

— Isso aqui é uma loucura.

— Até que hoje está calmo. Você vai ver amanhã durante o dia, com a feira
acontecendo, o comércio todo circulando.

— Está muito nervosa?

— Um pouco. Eu tenho a sensação de que nada mudou, mas que ao mesmo tempo tudo
está diferente.

— É porque você está diferente, Amy. Você não é mais a mesma que saiu daqui.

— Talvez você tenha razão.

— Eu sempre tenho razão. Agora vamos dormir que eu estou quebrado! A viagem foi
tranquila, mas é muito cansativa.

— Eu já vou.

Aproveitei o momento sozinha para recitar um mantra para buscar serenidade e


sabedoria, o "Mantra Gayatri":

Om Bhur Bhuvah Svah

Tat Savitur Varenyam

Bhargo Devasya Dhimahi

Dhiyo Yo Nah Prachodayat28

Repeti algumas vezes e fui me deitar, mas não consegui dormir direito. Estava agitada
com o que poderia acontecer no encontro com meus pais. Quando o Sol começou a brilhar
resolvi me arrumar e sair o mais cedo possível. Deixei um bilhete na cabeceira e fui rumo à casa
dos meus pais.

Fiquei um tempo parada na porta, sem saber se devia chamar, bater, gritar ou
simplesmente entrar. Diante de tantas lembranças que tinha desse lugar, a primeira que me
invadiu foi a da surra e da expulsão. Mesmo tendo enfrentado esse medo de frente, ainda era
uma memória que me machucava. Fiquei parada um tempo, absorvendo minhas próprias
emoções. Quando me acalmei, vi meu pai me olhando, minha mãe apareceu em seguida. Ela
estendeu os braços e eu prontamente aceitei o seu convite. Quando nos abraçamos, eu entendi
o algo que faltava: esse abraço. Era isso que as chamadas de vídeo não conseguiam entregar.
Faltava o aconchego do abraço de mãe. Choramos alto e abraçadas e, quando finalmente nos
desgrudamos, foi a vez do meu pai. Ele me abraçou e não para de pedir desculpas nem por um
minuto.

Ali, os três reunidos naquela sala, eu entendi: há momentos que palavras não valem de
nada. Tudo que precisa ser dito cabe dentro de um abraço.

Horas depois, voltei para o hotel e encontrei com Ben, recebendo outro abraço que dizia
tudo o que eu precisava escutar.

— Tudo bem?

— Tudo ótimo. Agora eu estou realmente pronta para viver a minha nova vida!

— Então eu vou poder conhecer seus pais?

— Sim, amanhã passaremos o dia com eles.

No dia seguinte, Ben foi comigo conhecer meus pais. Meu pai teve um pouco de
bloqueio em como agir, mas logo Ben já tinha conquistado ele também. Depois, fomos passear
pela cidade. Ben estava encantado com toda a diversidade que tinha no país, com as cores, as
comidas. Parecia uma criança em um parque de diversões.
— Eu estou achando tudo um máximo! A Chloe vai ficar louca quando vier para cá. Eu
devia ter aprendido um pouco do idioma com você. As pessoas ficam falando perto de mim e
eu não entendo.

— Mas falamos inglês aqui também.

— Sim, mas não é a mesma coisa. Eu quero saber tudo o que estão falando, por
exemplo, seus pais, queria saber o que tanto falavam. Eles gostaram de mim?

— Se não tivessem gostado, você não teria ficado na casa deles. Meu pai não é muito
sociável. Se ele não gosta de alguém, não disfarça.

— Fico mais aliviado. Hoje, em um dos locais que passamos, alguém estava falando
sobre uma lenda de Saviti.

— É a história de Savitri e Satyavan, encontrada no épico hindu Mahabharata, destaca o


amor inquebrável, a devoção e a coragem de uma esposa. Savitri era uma princesa devota e
virtuosa, filha do rei Aswapati. Ela escolheu Satyavan como seu marido, um príncipe nobre,
embora destinado a ter uma vida curta devido a uma maldição. Apesar de seu destino trágico,
Savitri insistiu em se casar com Satyavan. Em um dia específico, previsto como o último dia de
Satyavan, Savitri e ele foram para a floresta. Satyavan estava cortando madeira quando, de
repente, caiu desacordado devido à maldição que pairava sobre ele. O deus da morte, Yama,
apareceu para levar a alma de Satyavan. Savitri, no entanto, não desistiu. Ela seguiu Yama,
implorando para que seu marido fosse devolvido a ela. Impressionado com a devoção e
coragem de Savitri, Yama tentou dissuadi-la, oferecendo-lhe bênçãos e presentes em troca de
sua alma. Savitri recusou todos os presentes e persistiu em sua súplica. Savitri usou sua
sagacidade para continuar sua busca, fazendo perguntas perspicazes a Yama sobre o significado
do dharma, a natureza da verdade e a importância do casamento. Ao fazer isso, ela mostrou
não apenas amor, mas também sabedoria espiritual. Yama, impressionado com a devoção e
inteligência de Savitri, cedeu e devolveu Satyavan à vida. Savitri e Satyavan reuniram-se,
superando o destino aparentemente inevitável. Sua história é considerada um exemplo de
amor devocional que transcende até mesmo a morte. A lenda é frequentemente recordada e
celebrada durante o festival hindu de Vat Savitri Vrat, onde as mulheres observam um jejum
para buscar a bênção de uma vida longa e saudável para seus maridos.

— Aqui vocês possuem muitas histórias assim?

— Várias! Temos lendas para quase tudo, para os mais diversos deuses.

— E você não fica confusa? Eu já estou perdido.

— Nem um pouco. Quando você nasce e cresce em um determinado ambiente, fica mais
fácil entender como ele funciona. Não é algo que eu precise me esforçar muito para aprender, é
como se fizesse parte de mim.

— Sabe o que eu não estou gostando nessa viagem?


— Do quê?

— A gente tem transado pouco ou rapidinho.

— Logo a gente volta para casa e tudo volta ao normal.

— Queria ficar mais, mas voltaremos em breve com a Chloe e poderemos aproveitar
tudo. Nem quero pensar que amanhã é o último dia.

— Pois é. Pelo menos o que eu vim fazer está resolvido.

— Sim, e isso que importa. Agora vamos dormir bem agarradinhos para podermos ir ao
Taj Mahal amanhã.

— Tá bem!

Ben acordou estranhamente calado e, quando eu perguntava o que ele tinha, apenas
desconversava. Alugamos um carro para ir até o Taj Mahal e assim que Ben avistou a
imponente construção, ficou boquiaberto.

— É ainda mais lindo visto de perto. Você sabe a história daqui? — Assenti. — Pode me
contar?

— Há uns bons séculos, durante o auge do Império Mogol na Índia, um imperador


chamado Shah Jahan estava completamente apaixonado por sua esposa, Mumtaz Mahal. Eles
tinham um amor daqueles épicos, sabe? No entanto, em 1631, Mumtaz Mahal faleceu durante
o parto do 14º filho do casal. Shah Jahan ficou devastado. A lenda diz que, antes de partir,
Mumtaz fez um pedido ao imperador: que ele construísse algo extraordinário em sua memória,
algo que simbolizasse o amor deles para sempre. E é aí que entra o Taj Mahal. Shah Jahan
decidiu construir um mausoléu magnífico para Mumtaz, algo que fosse tão espetacular quanto
o amor deles. Ele escolheu um local em Agra, às margens do rio Yamuna, e começou a
construção do Taj Mahal em 1632. Foram precisos mais de 20 mil trabalhadores e quase 20
anos para completar essa obra-prima da arquitetura. O mármore branco foi trazido de
Rajasthan, e as pedras semipreciosas usadas para as intrincadas incrustações vieram de várias
partes da Índia e de lugares tão distantes quanto a Ásia Central. O Taj Mahal não é apenas um
mausoléu; é uma declaração de amor em pedra. As quatro cúpulas representam os quatro
lados do mundo, mostrando como o amor de Shah Jahan por Mumtaz transcendeu fronteiras.
Os minaretes, levemente inclinados para fora, foram construídos dessa forma estratégica para
proteger o mausoléu de eventuais danos em caso de terremotos. Depois que o Taj Mahal foi
concluído em 1653, Shah Jahan foi deposto por seu próprio filho, Aurangzeb, e passou seus
últimos anos olhando para o Taj Mahal de uma prisão do outro lado do rio Yamuna. Dizem que,
ao morrer, seu corpo foi colocado ao lado de Mumtaz no interior do mausoléu. A história do Taj
Mahal é uma mistura de amor, tragédia e uma expressão monumental da grandeza artística.
Cada detalhe desse monumento conta a história de um amor eterno e torna a visita uma
experiência única e emocionante. — Quando terminei de falar, me virei e vi que Ben estava
ajoelhado ao meu lado, segurando uma caixinha e algumas pessoas estavam olhando,
apontando os celulares para a gente.

— O que está acontecendo, Ben?

— Estou diante de um dos maiores monumentos de amor do mundo para reafirmar o


meu amor por você e fazer um pedido. Sei que ainda somos jovens e que ainda pode demorar
para que isso aconteça, mas para que adiar o inevitável? Cedo ou tarde isso vai acontecer e te
chamar de namorada não me parece o suficiente. Por isso, diante de uma das maiores
declarações de amor que o mundo já viu, eu te faço a minha. Shakespeare disse:

"Duvide que as estrelas sejam fogo;

Duvide que o sol se mova;

Duvide da verdade ser mentira;

Mas nunca duvide de que eu te amo."

— Nunca duvide do meu amor por você, Amy. Se preciso for, eu construo dois desses
para você. Um foguete para a lua, qualquer coisa. Quero ter o privilégio de dormir e acordar
todos os dias ao seu lado e de todas as noites te venerar como você merece. Quero te adorar
com tudo o que tenho e ser o seu porto seguro. Eu quero uma vida inteira com você, Amy. E
esse é só o começo. Aceita casar comigo daqui uns dez anos? — Quando ele abriu a caixinha,
tinha um lindo solitário em ouro branco, todo delicado. Estava tão emocionada que não
consegui fazer outra coisa que não chorar. — Amy, eu meio que estou ajoelhado há algum
tempo esperando uma resposta e meu joelho já está começando a doer, então se puder
responder.

— Sim, mil vezes sim!

Ele levantou, colocou o anel no meu dedo e me beijou, me rodando no ar enquanto as


pessoas aplaudiam e comemoravam.

Eu estava noiva de Ben Sutton!


Epílogo

Amy Sengupta

O local estava cheio e todos esperavam pela minha entrada. O nervosismo me consumia,
como se fosse a primeira vez que fizesse isso. Assim que me autorizaram, eu entrei e todos os
olhares se voltaram para mim. Fui até o lugar que me esperava, peguei o microfone e comecei
o meu discurso:

“Há alguns anos, quando eu cheguei aqui, eu era uma menina quebrada e com medo de
tudo. Encontrei afeto, mas encontrei muita dor também. Fui julgada, humilhada, ridicularizada
e até ameaçada. Tudo isso apenas por ser diferente. Eu quis desistir. Eu tive medo e me vi
sozinha, mas encontrei forças dentro de mim para continuar. Precisei tomar algumas atitudes
radicais, mas faria tudo de novo, pois minhas escolhas me trouxeram até aqui.

Hoje inauguramos a primeira ONG especializada em tratar e atender vítimas de bullying


em parceria com a Universidade de Notre Dame. Fico feliz e mais tranquila em saber que os
jovens que aqui chegarem terão um local de acolhimento e não terão que enfrentar nada
sozinhos. Há também um espaço para mulheres vítimas de abuso. Estamos trabalhando para
que, juntos, possamos transformar o mundo em um lugar mais justo e agradável para viver.
Quero agradecer a todos que possibilitaram que esse sonho virasse realidade. Em especial,
quero agradecer minha amiga e cunhada, Chloe Sutton.

Para quem não a conhece, Chloe ficou paraplégica em um acidente de infância. Desde
então, além de ter de lidar com as limitações físicas, teve de lidar com limitações humanas.
Chloe foi vítima de bullying por anos, mas nunca reagiu. Ela foi a primeira pessoa a me acolher e
me tratar com igualdade. Ela não me enxergava como diferente, mas como igual. Se a Chloe
não estivesse lá por mim, eu não conseguiria estar aqui por você hoje. Obrigada, Chloe!
Obrigada a todos e vamos colocar essa ONG para funcionar!”

Inaugurar um espaço de luta contra o bullying em um dos locais que mais sofri bullying
era muito significativo. Era como corrigir erros passados no presente. Ficava mais tranquila em
saber que os novos estudantes não precisaram passar pelo mesmo que passei e, caso tenham
algum problema, não estariam sozinhos.

Eu aprendi que o bem que você recebe, você deve devolver. E da mesma forma que eu
fui cuidada, espero poder cuidar dos outros. Caminhando por esses corredores, conseguindo
relembrar cada nuance da minha história, das partes alegres as tristes.

Se eu nunca tivesse saído do meu país, talvez esse espaço nunca existisse e milhares de
jovens continuariam sofrendo sozinhos. Eu usei a minha dor para transformar em algo maior e
melhor. No fim, todo o propósito não era apenas sobre mim, mas sobre o que eu poderia fazer
para os outros.

De longe, avistei Ben caminhando em minha direção. Não importava quanto tempo
passasse, ainda sentia a mesma emoção, aquele friozinho na barriga, quando ele veio até mim.
Não cansava de olhar como ele era bonito, como ele sabia que era bonito e usava isso a seu
favor. Quando percebeu que estava olhando, ele abriu um sorriso.

— Gosta do que vê?

— Bastante!

— Fico melhor sem roupa!

— Ben!

— Falei alguma mentira?

— Você precisa entender que não pode ficar falando essas coisas por aí.

— Você gosta, que eu sei. Agora vem aqui e me dá um beijo. — Ele nem deu tempo para
que eu questionasse, me puxou para um beijo e me manteve em seus braços. — Pronta para ir
embora?

— Sim, tudo organizado.

— Ótimo. Chloe e Josh vão jantar lá em casa hoje, mas eu pedi comida.

— Obrigada!

— Não agradeça, você vai ter que me pagar depois, na cama, a noite toda.

— Você nunca cansa?

— Sou um ex-puto, amor. Preciso da putaria para viver, mas só com você.

— Eu desisto!

Chegamos em casa e eu fui ajeitar as coisas para receber nossos amigos. Eu e Ben
praticamente morávamos juntos, mas nenhum dos dois gostava de admitir isso, pois seria
admitir que já estávamos casados e isso anularia o lindo pedido de casamento que ele fez no
Taj Mahl.

Nosso relacionamento tinha amadurecido com o tempo. Nem sempre era fácil,
principalmente quando você era noiva de Ben Sutton, mas as alegrias se sobrepunham às
dificuldades.

Chloe parecia outra pessoa. Completamente independente, estava organizando a sua


casa para morar sozinha. Todos sabíamos que Josh iria acabar morando com ela, mas fingíamos
que não era o que iria acontecer. De adolescentes que faziam promessas para manter a
amizade, nos transformamos em duas mulheres que lutavam pelos seus ideais.

O jantar transcorreu tranquilo e divertido como sempre. No final, fomos até a varanda e
resolvemos fazer um brinde:

“Que tudo que for bom dure por toda a vida!

A nossa amizade!

A nós!”

FIM
Notes

[←1]
(saree) é o traje nacional das mulheres indianas. É constituído por uma longa peça de pano, com mais de seis metros, que
envolve como uma saia e, depois, fica com pregas na frente e o restante tecido fica pousado no ombro. Por baixo, usa-se
um pequeno top, a choli, deixando a barriga à mostra.
[←2]
Sistema que divide os hindus em rígidos grupos hierárquicos baseados em seu karma (trabalho) e dharma (a palavra hindu
para religião, embora aqui signifique dever) tem mais de 3 mil anos e é muito complexo.
[←3]
Pai em Hindi, idioma oficial da Índia junto com o Inglês.
[←4]
Em um primeiro momento existiam somente quatro tipos de castas na Índia, que eram: os brâmanes (composta por
sacerdotes), xatrias (formada por militares), vaixias (constituída por fazendeiros e comerciantes) e a mais baixa, os sudras
(pessoas que deveriam servir as castas superiores).
[←5]
Os intocáveis, cidadãos mais marginalizados do país, condenados aos escalões mais baixos da sociedade
[←6]
Mãe em Hindi
[←7]
(Sarasvati) é considerada a deusa da sabedoria, do conhecimento e da aprendizagem. Sua figura também está relacionada
com as artes, a música e a oratória. Saraswati é a shákta (esposa) de Brahma.
[←8]
marcam o final do primeiro termo — a metade do ano letivo. Geralmente, os estudantes passam de uma a duas semanas
fazendo provas de todas as disciplinas cursadas ao longo do primeiro semestre para testar o que aprenderam. Ao concluí-
las, os estudantes entram em férias de inverno.
[←9]
o semestre de verão — é opcional, ele dura de seis a oito semanas. Nesse caso, os estudantes escolhem cursar alguma
disciplina acadêmica por dois motivos: acelerar o curso e concluí-lo antes do previsto ou tirar algum atraso, como, por
exemplo, a DP em alguma matéria já concluída.
[←10]
Um dos pratos mais saborosos e solicitados da culinária indiana. Seu nome vem da combinação de Palak (espinafre) e
paneer (um queijo parecido com o nosso queijo minas). O molho curry é feito à base de espinafre e molho de tomate.
Arroz cozido é o complemento ideal, embora algumas pessoas prefiram comer com pão.
[←11]
National Collegiate Athletic Association ou NCAA é uma associação composta de 1281 instituições, conferências,
organizações e indivíduos que organizam a maioria dos programas de esporte universitário nos Estados Unidos. A sua
sede está situada em Indianápolis, Indiana
[←12]
A Big Ten Conference (estilizada B1G, anteriormente Western Conference e Big Nine Conference) é a conferência
atlética universitária mais antiga da Divisão I dos Estados Unidos. Tem sede em Rosemont, Illinois.
[←13]
Minha querida em Hindi
[←14]
Princesa em Hindi
[←15]
Uma instalação de gelo com 5.022 lugares e duas pistas em Notre Dame, Indiana, no campus da Universidade de Notre
Dame.
[←16]
É um Deus da religião hindu, considerado o criador do universo, dos deuses e do conhecimento. Brahma é representado
com quatro cabeças e quatro braços e aparece sentado em um cisne. Brahma é o responsável pela criação do universo, da
natureza e também da consciência e do pensamento humano.
[←17]
O campeonato de hóquei universitário no gelo é coordenado pela NCAA, que o divide em três divisões. Na Division I, no
hóquei masculino, estão as principais universidades estadunidenses, divididas em seis conferências: Atlantic Hockey
Association (AHA), Big Ten Conference (Big Ten ou B1G), Central Collegiate Hockey Association (CCHA), ECAC
Hockey, Hockey East Association (HEA), National Collegiate Hockey Conference (NCHC), além de mais seis
universidades independentes.
[←18]
Fazendo referência ao Final Four, campeonato final do basquete universitário, o Frozen Four corresponde às semifinais e
finais da Division I do hóquei universitário. Antes de chegarem ao Frozen Four, 16 times se enfrentam nas semifinais e
finais regionais. Eles são divididos em quatro regiões previamente determinadas pelo comitê de hóquei no gelo, e além
dos dos seis campeões de cada conferência, os outros dez times são selecionados através do sistema de comparações da
NCAA.
[←19]
Parque temático localizado em Cincinnati, Ohio, nos Estados e que abriga o Carol Ann's Carousel
[←20]
Carol Ann's Carousel é uma atração localizada no parque temático chamado "Smale Riverfront Park", localizado em
Cincinnati, Ohio, nos Estados Unidos. A atração foi inaugurada em 2015 e é uma antiga carrossel restaurada, oferecendo
uma experiência nostálgica aos visitantes.
O carrossel foi nomeado em homenagem a Carol Ann Haile, uma filantropa local que fez doações significativas para o
projeto. O Carol Ann's Carousel apresenta uma variedade de figuras de animais esculpidos à mão, proporcionando um
ambiente encantador para crianças e adultos. Além disso, oferece vistas panorâmicas do rio Ohio e da paisagem
circundante.
[←21]
É uma atração única localizada em Louisville, Kentucky, nos Estados Unidos. Diferente de muitas cavernas
naturais, a Mega Cavern é uma antiga pedreira de calcário subterrânea convertida em um espaço multiuso.
[←22]
Carrinho elétrico.
[←23]
Qutub Minar: Uma torre de tijolos vermelhos e mármore, declarada Patrimônio Mundial pela UNESCO, que
representa a arquitetura indo-islâmica.
Porta da Índia (India Gate): Um arco do triunfo construído em memória dos soldados indianos que morreram na
Primeira Guerra Mundial.

Templo de Akshardham: Um complexo de templos hindus conhecido por sua arquitetura impressionante e
exibições culturais.
Lotus Temple (Templo Bahá'í): Um templo em forma de flor de lótus, que serve como casa de adoração para a
Fé Bahá'í.
Templo de Lótus: Um templo bahá'í em forma de flor de lótus, famoso por sua arquitetura única e como local de
oração para todas as religiões.
Fortaleza Vermelha (Red Fort): Uma imponente fortaleza de arenito que foi a residência principal dos
imperadores mogóis durante séculos.
Jama Masjid: Uma das maiores mesquitas da Índia, construída pelo imperador Shah Jahan, conhecido por
construir o Taj Mahal.
Tumba de Humayun: Um complexo de túmulos mogóis e jardins, também declarado Patrimônio Mundial pela
UNESCO.
Templo de Birla (Lakshmi Narayan Mandir): Um templo hindu dedicado a Lakshmi, a deusa da prosperidade, e
Vishnu, o preservador.
Gurudwara Bangla Sahib: Um dos templos mais importantes para a comunidade sikh, conhecido por sua
impressionante piscina sagrada.
Museu Nacional (National Museum): Um museu que abriga uma vasta coleção de artefatos que ilustram a
história, arte e cultura da Índia.
Jantar Mantar: Um observatório astronômico construído no século XVIII, com instrumentos impressionantes
para medir o tempo e os corpos celestes.
[←24]
Um festival hindu que celebra o amor e a união entre irmãos e irmãs. O termo "Raksha Bandhan" pode ser traduzido
literalmente como "laço de proteção". Durante o Raksha Bandhan, as irmãs amarram um "rakhi", que é um tipo de
pulseira sagrada, no pulso de seus irmãos. O ato de amarrar o rakhi simboliza o amor, cuidado e proteção que uma irmã
oferece ao irmão. Em troca, o irmão dá presentes à irmã e faz uma promessa de proteger e cuidar dela. Além dos laços
entre irmãos biológicos, o Raksha Bandhan também é observado por irmãos e irmãs espirituais, amigos íntimos e até
mesmo por pessoas que não são parentes de sangue, mas compartilham uma relação especial. O festival destaca a
importância dos laços familiares e fraternos na cultura hindu.
[←25]
A pedrinha que os hindus usam na testa é chamada de "bindi" (também grafado como "bindu" ou "tikka"). O bindi é uma
marca tradicionalmente colocada no centro da testa, entre as sobrancelhas, e é usada principalmente por mulheres, mas
também por alguns homens em certas ocasiões. O bindi tem significados culturais, religiosos e estéticos.
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Um tipo de pulseira sagrada, no pulso de seus irmãos. O ato de amarrar o rakhi simboliza o amor, cuidado e
proteção que uma irmã oferece ao irmão. Em troca, o irmão dá presentes à irmã e faz uma promessa de
proteger e cuidar dela.
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Eu te amo em Hindi
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Ó Senhor, que a Divindade que resplandece em todo o universo nos ilumine, nos guie e inspire nossa inteligência.
Este mantra é dedicado ao Deus do Sol, Savitar, e é considerado uma prece pela iluminação espiritual e pela orientação da
mente em direção à sabedoria. Ao recitar o Mantra Gayatri, muitos hindus buscam clareza mental, serenidade e
discernimento.

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