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Copyright © Flávia Padula 2023

1ª Edição Digital
Revisão: Julia Lollo
Capa/Diagramação: Flávia Padula
Imagem: Deposithphotos

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.


Todos os direitos reservados. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer
semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal. Proibida a reprodução, total ou parcial, desta
publicação, seja qual for o meio, eletrônico ou mecânico, inclusive por meio de processos
xerográficos, incluindo uso da internet sem a permissão expressa da autora Flávia Padula.
Não é autorizada a distribuição do E-book em PDF, EPUB, MOBI ou qualquer outro formato.
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Kindle Unlimited.

Esta é uma obra exclusiva comercializada através da Amazon.

Proibido para menores de 18 anos.


Quentin Hastings é um viúvo, rico e poderoso.
Sua vida sempre foi tranquila até que nasce seu primeiro neto, Joseph.
A felicidade se transforma em decepção quando os pais do bebê decidem que não o querem.
Quentin entra em ação e toma a frente de tudo, se tornando o responsável por Joseph.
Por causa disso, ele precisa transformar toda sua vida e recorre a ajuda de Glenda Scott Rhodes
para contratar uma pessoa discreta e responsável. Contudo há uma condição: diferente de seu
irmão Quinn, ele não quer uma esposa, apenas uma profissional.
Abby Lewis é uma professora com o coração e a alma feridos. Seu único objetivo é recomeçar
sua vida e deixar o passado para trás.
Eles não estão em busca de paixão ou aventura.
Mas o O Clube dos Pais Solteiros é um lugar onde tudo pode acontecer...
Será que Glenda vai acertar dessa vez?
O amor pode nascer em dois corações feridos?
Séries Interligadas
Nota
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
EPÍLOGO
Séries Interligadas
OS LIVROS PODEM SER LIDOS FORA DE ORDEM, EMBORA TENHAM
PERSONAGENS INTERLIGADOS, UMA HISTÓRIA NÃO DEPENDE DA OUTRA.

AMORES ETERNOS (1990)


Forever
Remember
Heaven
Always
SÉRIE AMIGAS PODEROSAS (Atual)
Grávida do CEO Arrogante
Grávida do Bombeiro Sedutor
O Desejo Secreto do Coronel
Grávida do Quarterback Irresistível
O Desejo Secreto do Sargento
SÉRIE O CLUBE DAS MÃES SOLTEIRAS (Atual)
Uma família para o Solteiro Arrogante
Uma família para o Solteiro Sedutor
Uma família para o Solteiro Irresistível
Uma família para o Solteiro Dominador
Uma família para o Solteiro Cretino
Uma família para o Advogado dos Scott Rhodes
SÉRIE TRIGÊMEOS ARMSTRONG (Atual)
Amor Eterno
Desejo Eterno
Paixão Eterna
O CLUBE DOS PAIS SOLTEIROS (Atual)
Um Homem Apaixonado
Um Homem Enfeitiçado
Um Homem Rendido
Um Homem Fascinado
SÉRIE HOMENS INDOMÁVEIS (Dez anos depois)
Indomável Atração
Indomável Paixão
Indomável Sedução
Indomável Obsessão
Indomável Amor
Nota
E esse é o último livro da série O Clube dos Pais Solteiros que se passa nos dias atuais. O
próximo será dez anos depois, contando a história de Ladon e Linda. Para quem está chegando
agora, é a continuação do livro Always, a história do personagem secundário.
Quero agradecer a oportunidade de escrever essa história linda e fofa. Abby e Quentin
vão muito além do que já escrevi um dia, eles são do jeito deles, tem suas peculiaridades e
descobrem o amor de forma única, espero agracia-los com uma boa história.
Agradeço a Deus pelo dom de escrever.
Espero que gostem desse livro, como eu amei escrever.
Com carinho,
Flávia Padula.
ESSE LIVRO CONTÉM GATILHOS PARA ABUSO PSICOLÓGICO, FÍSICO E
VIOLÊNCIA. TAMBÉM TRATA SOBRE SÍNDROME DO PÂNICO PODENDO
CAUSAR DESCONFORTO.
SE VOCÊ É SENSÍVEL A ESSE TIPO DE ASSUNTO, E TAMBÉM A LIVROS COM
TEMÁTICA HOT, POR FAVOR, NÃO LEIA.
CAPÍTULO 1

— Não acredito que isso está acontecendo! – esbravejo diante dos pais de Sydney, da
própria Sydney e do meu filho Robert. — Vocês fazem um filho e não querem assumi-lo!
Meu advogado, Benedict Spencer, está sentado no fundo da sala, observando tudo com
cuidado. Tive que fazer essa reunião absurda depois que Sydney deixou o pequeno Joseph
comigo, tendo ele apenas um mês de vida, e foi embora. Quando liguei para o meu filho, o pai da
criança, ele simplesmente me disse que não tinha nada que pudesse fazer.
— Sydney não está preparada! – Suellen defende a filha. — Ela teve uma gravidez
problemática e não está preparada para ser mãe!
— Não acha que ela deveria ter pensado sobre isso antes de engravidar? – pergunto
bravo.
— Qual é o problema? – Moses se levanta para apoiar a esposa e a filha. — Vocês são
ricos, podem muito bem lidar com essa situação sem fazer um estardalhaço.
— Essa situação? – indago incrédulo. — Estamos falando do seu neto!
— E do seu também, e você não o quer! – ele justifica.
Olho para Benedict que só encolhe os ombros. Nós discutimos muito antes que eu
marcasse esse encontro. Sabíamos que ninguém assumiria a responsabilidade sobre a criança,
mas estou espantado com o discurso dos pais de Sydney. Eles apoiam a filha a abandonar a
criança.
— Além disso, Sydney pode vir ver o bebê quando quiser – Moses prossegue.
— Não! – Eu faço que não com a cabeça. — Se eu assumir a responsabilidade sobre ele,
sua filha ou Robert nunca mais terão acesso à criança! Nunca mais! – Passo a mão no ar como
uma faca. — Nada de visitas, não vão se aproximar dele outra vez. Vou assumir a paternidade,
vou adotar Joseph como meu filho...
— Você não pode proibir a minha filha de ver a criança!
— Posso, se eu a adotar, eu posso, a justiça me garante isso – falo sem rodeios e eles se
entreolham —, o que acharam? Que iam deixar o bebê na minha porta e eu iria cuidar enquanto
vocês vivem a vida de vocês?
Pela primeira vez, Sydney olha para Robert. Meu filho está parado diante da janela,
mexendo na fivela do cinto de sua calça sem dizer uma palavra. Sim, o plano deles era deixar
Joseph comigo e, enquanto crio, eles vivem como querem.
— A vida adulta não é assim!
— Está sendo intransigente! – Moses me xinga.
— Claro... – ironizo —, então, por que não cria seu neto?
— Você tem a obrigação, você é bilionário! – Ele coloca o dedo em riste. — Além disso,
temos mais filhos, Sydney quer voltar para universidade, não podemos sustentar mais uma
criança...
— Certo, então, permitam que eu o adote. Porque se eu não fizer isso, ele será levado
para adoção e de qualquer forma não o verão nunca mais – digo e respiro fundo tomando o
controle da situação —, vou ser claro: eu vou ficar com a criança, mas vocês estarão fora da vida
dele para sempre!
— Mas ele é seu filho! – Moses ainda insiste em discutir como uma criança mimada,
agora sei de onde veio a ideia de abandonar Joseph comigo. — Ele vai poder ter acesso à criança.
— Não vai mais – olho para Robert que desencosta da parede e me encara —, a partir de
hoje, você não terá nada de mim, acabou a mesada, a ajuda financeira zerou. Você não precisa
voltar a essa casa também!
— O quê? – Robert se aproxima de mim, indignado. — Está me mandando embora por
causa daquele bebê?
— Seu filho! – Coloco o dedo na cara dele. — Ele é seu filho. E se não consegue
reconhecer isso, está fora desta casa! Eu lhe dei uma excelente educação, sua mãe também! E se
acha que vou apoiar que abandone um filho e vou te oferecer abrigo, esqueça! Você é um merda!
— Pai! – Ele fica chocado.
— Não apoio homens que abandonam filhos! Se os pais deles fizessem o que estou
fazendo, eles pensariam duas vezes antes de trepar por aí sem pensar nas consequências!
— Você não pode fazer isso comigo! – ele se indigna.
— Ah, eu posso – ergo o queixo em desafio —, se não pode cuidar do seu filho, vai sentir
na pele o que é ser abandonado. Embora, a minha comparação seja terrível, porque ele é um bebê
e você é um homem feito. Boa sorte!
Olho para os demais.
— Já que ficou claro que não querem nada com a criança, meu advogado entrará em
contato para darmos andamento à adoção...
Dou as costas e saio da sala, Benedict me segue e Robert também.
— Pai, vamos conversar! – ele exige como se fosse meu dono.
— Não! – respondo por cima do ombro.
— Você não pode fazer isso comigo, ficou louco? – ele grita atrás de mim.
Paro de andar, meus filhos nunca gritam comigo. Não admito esse tipo de
comportamento. Sempre fui um homem bom e justo. Talvez, não o melhor, mas não dou o
direito de ele fazer isso. Benedict passa direto e vai para o escritório. Espero que ele se afaste e
então me volto para Robert. Ele é tão parecido com Sara. Os mesmos cabelos castanhos lisos, os
olhos azuis. Ela amava os filhos e ficaria arrasada por ver seu caçula agir como um idiota.
— Eu não sei o que está acontecendo com você – aproximo dele e o encaro. Ele abaixa o
olhar —, olhe para mim, Robert.
Ele ergue o olhar e o queixo num gesto de orgulho.
— Eu e sua mãe jamais abandonaríamos você ou o Tym – falo sério —, seu tio é pai de
Zoya que não é filha legítima. Quinn descobriu um filho de sete anos e Aretuza está grávida, e eu
sou pai de dois. Então, não sei onde você teve esse exemplo de abandono, mas não foi nessa
família...
— Só não consigo me apegar a esse bebê! – ele fala com desprezo.
— Não é uma questão de apego. Você não precisa amar seu carro para cuidar dele, você
não precisa amar a porra dos seus amigos para tê-los por perto. É uma escolha! E eu não
compactuo com a sua!
— E vai me punir por isso?
— Não estou te punindo, estou tirando suas regalias. Se não pode agir como um homem e
cuidar do seu próprio filho, então vai aprender a cuidar de si mesmo, sem a minha ajuda!
— Está me castigando! – ele insiste.
— Não é um castigo, é uma decisão de deixar você ter sua própria vida. Se você tivesse
vindo até mim e pedido ajuda para criar o seu filho, eu teria feito tudo, mas abandoná-lo é
inadmissível! Você e Sidney são dois irresponsáveis!
— Sabe que não posso ficar sem o seu dinheiro! – ele me alerta como se eu tivesse que
ficar preocupado.
— Isso não é problema meu, existe uma coisa chamada trabalho, você vai se surpreender
com a mágica que acontece quando ele é utilizado – e lhe dou as costas caminhando pelo
corredor. Então me lembro de algo e me volto para ele —, e leve suas coisas com você, não é
mais bem-vindo nesta casa a partir do momento em que eu me tornar o pai de Joseph!
— Vai mesmo preferir aquele bebê a seu filho?
— Ele é seu filho, você não liga para ele, por que então se acha no direito de me cobrar
alguma coisa?
Eu o vejo comprimir os lábios e vou em direção ao escritório. Quando entro, fecho a
porta e Benedict se volta para mim.
— Conversa difícil – comenta.
— Insuportável, só fiz isso para garantir que não mudariam de ideia, foi uma esperança
tola de que meu filho e Sydney pensariam no filho deles – eu me jogo na cadeira atrás da mesa
—, não sei onde errei com esse menino...
— Não é uma questão de educação, vai da índole de cada um, Quentin – ele se aproxima
da minha mesa —, é a escolha do seu filho. E mesmo sob o risco de perder as regalias, ele
prefere desprezar o filho a assumir. Não é sobre educação, mas sobre caráter.
— Não é fácil ver um filho tomando uma péssima decisão, sei que ele vai se arrepender
lá na frente – falo com pesar —, mas não posso deixar que ele abandone um filho e acredite que
isso é normal, ele precisa entender que existem consequências.
— A maioria dos avós apoia os pais que não veem os filhos ou simplesmente os
abandonam.
— Não vou tecer qualquer comentário acerca disso, mas eu sei de mim, não apoio e
nunca vou apoiar. Se fez, tem que arcar com as consequências de um filho. Um homem que
abandona o próprio filho não é confiável!
Respiro fundo, cansado.
— Entrou em contato com Glenda Scott Rhodes e explicou a ela a situação?
— Sim, e ela tem uma candidata para ser a babá de Joseph, é uma pessoa discreta que não
vai comentar sobre o fato de estar adotando seu próprio neto.
— Não ligo para escândalos, mas Quincy é presidente, não quero nada que possa dar
assunto para prejudicá-lo e você conhece a mídia...
— Claro, fique tranquilo, Glenda me garantiu que ela é confiável...
— E a vida pessoal?
— Ela não me disse, mas é uma das funcionárias da ONG, não tem filhos, marido, pelo
que entendi.
— Certo. Preciso de alguém que não faça fofocas.
— Expliquei isso para Glenda e ela compreendeu.
— Quando ela chega?
— Nos próximos dias, estava apenas arranjando tudo para a mudança...
— Perfeito – consulto o relógio no pulso —, tenho uma reunião importante no banco
agora, quer uma carona?
— Não, estou de carro – responde enquanto me levanto.
Quando saio do escritório, Meredith me informa que Robert subiu até o quarto dele para
pegar suas coisas.
— Quando ele sair, me avise, por favor. Estou indo para o banco.
— Sim, senhor.
— E quando ao Joseph?
— Está com a funcionária no jardim, passeando agora.
— Se Robert se aproximar dele, me ligue na hora. E não o deixe pegá-lo, não confio no
meu filho – informo.
— Pode deixar, eu mesma ficarei com o bebê até seu filho sair – garante.
— Obrigado.
Deixo minha casa em Cook County e dirijo até o centro da cidade, onde fica localizado o
banco da família Hastings. Cada um dos meus irmãos herdou algo pontual em nossa família:
Quinn, o petróleo, e Quincy se enredou pela política, não é à toa que ele foi eleito o
quadragésimo sexto presidente dos Estados Unidos na última eleição. Meu irmão conseguiu o
que queria. E agora, nos tornamos uma das famílias mais poderosas do país, nossos tentáculos
estão presos nas maiores fontes da economia.
Fui casado com minha primeira namorada, Sara Thurman. Tínhamos vinte anos quando
subimos ao altar. Tym nasceu três anos depois, e Robert nasceu no ano seguinte. Tivemos uma
vida ótima até que minha esposa descobriu estar com um câncer agressivo e ela morreu meses
depois. Foi trágico e mesmo tendo passado seis anos, ainda não me recuperei da perda.
Já entendi que estou livre para me apaixonar de novo se quiser, mas não quero.
É uma escolha me manter viúvo e ter um caso ali e aqui, sem dores de cabeça. Não
apenas pela memória de Sara, mas por mim, quando vejo como os casais se relacionam hoje, sem
qualquer respeito e cumplicidade, acho uma perda de tempo começar algo com uma mulher que
não sabe o que quer.
Acredito que estou ficando velho. Enquanto meu irmão gêmeo, Quinn, acabou de se casar
ao completar quarenta e quatro anos, eu me sinto um velho de oitenta anos, com vontade de não
fazer nada além de trabalhar e satisfazer meus desejos sexuais com mulheres que não querem
compromisso.
Penso no que Sara diria se estivesse aqui.
Ela colocaria Robert debaixo de sua asa e o encontraria escondido de mim, mesmo não
me impedindo de tomar a decisão que tomei. Ela cuidaria de Joseph como se fosse seu filho e
ainda daria um jeito de no Natal me obrigar a aceitar Robert na ceia.
Mas ela não está e minha decisão com ou sem ela continuaria a mesma.
Desço do carro e como sempre faço, deixo meus problemas pessoais fora do banco. Aqui
sou o leão da selva e se eu me distrair, tem abutres e hienas loucos para ficar com a carcaça
depois que eu for abatido. O mundo corporativo não é um parque de diversões, aprendi muito
cedo que ser fraco não é uma opção. Por isso, nunca misturo vida pessoal e trabalho.
Meu celular toca, é a minha secretária, Victória, atendo e vou conversando enquanto
caminho em direção ao elevador. Entro e sinto uma dor alucinante no peito, levo a mão em cima
do coração e aperto, o ar está curto e fecho os olhos, ouço vozes ao redor e é como se meu corpo
perdesse totalmente o controle e desabo.
— Senhor Hastings! – alguém me chama.
Mas já não ouço e enxergo nada, e tudo se apaga.
CAPÍTULO 2

Olho pela janela do avião e vejo Chicago lá embaixo, pequena e frágil, dali eu a pegaria
na mão e esmagaria. Gosto de pensar assim desde que sou criança e estou no avião, que eu posso
pegar as nuvens e soprar, que também posso pegar uma cidade inteira e fechar na minha mão.
Daqui de cima, tenho a sensação que o mundo é tão pequeno.
O piloto avisa que vamos pousar e pede que coloquemos os cintos. Vejo a mulher sentada
ao meu lado colocar o cinto e esfregar as mãos. Eu também estaria assim se não estivesse
tomando meu remédio para ansiedade. Não fico sem ele, é como meu melhor amigo e me ajuda a
enfrentar o dia a dia.
— Está tudo bem? – tomo a liberdade de perguntar.
Ela me fita com surpresa.
— Está tão claro que estou nervosa?
— Eu já passei por isso – explico.
Ela sorri amistosa:
— E como consegue ficar tão calma, agora?
— Estou medicada – respondo.
Ela ri.
— Entendo, eu costumo estar, mas meu marido me convenceu a parar com os remédios
para ansiedade...
Fico surpresa com o comentário.
— O quê?
— É, ele acha que está na hora de parar com essas frescuras...
Minha mente apita como um alarme.
— Mas ansiedade não é frescura, ainda mais quando precisamos de remédio para
controlar o que sentimos. O que seu médico acha?
— Meu marido não gosta do meu médico, ele acha que o psiquiatra exagera – comenta e
ri.
Mas não tem graça.
— Seu marido é psiquiatra?
— Não, ele me ama e sabe o que é melhor para mim! – ela me responde decidida,
colocando um ponto final na conversa.
Eu já vi esse tipo de comentário. Sei o que ela quer dizer com isso. Sei o que é estar
dependente emocionalmente de um homem e o que ele diz se tornar lei. Aprendi com meses de
terapia que uma coisa é o casal ter diálogo e eu estar aberta a tomar a minha decisão, como num
caso desses. Outro é ele decidir por mim e eu achar que está tudo bem.
Porque não está.
Também um dia acreditei que quando meu marido tomava as decisões por mim e me
dizia o que fazer era amor. Mas não é. Dói quando descobrimos que deixamos nos manipular
porque fomos “adestrados” a aceitar tudo que nos dizem para fazer. Um marido decidir que
roupa a esposa vai usar, se ela vai trabalhar ou não, se ela pode sair de casa ou não, se ela pode
usar maquiagem ou não, não é saudável.
Quando o seu parceiro passa a decidir sobre seus amigos, seus horários, seu dinheiro e
tudo que lhe concerne, e você passa a aceitar tudo acreditando ser cuidado, isso é o caminho para
o engano. Foi assim comigo e será com essa querida aqui do lado que vai parar de tomar
remédios porque o marido acha melhor...
Gostaria de ajudá-la, de dizer para não fazer isso, mas ela não vai me ouvir. Eu também
não ouvia ninguém quando me diziam como Ivan me controlava e estava me afastando de todos
os meus amigos e da minha antiga vida. Quando ele me dizia para não ir àquele encontro das
amigas, eu pensava: ah, isso é amor. Quando ele me dizia para não ir àquele encontro do
trabalho, eu pensava: ah, mas ele também não vai...
O tempo passou e me provou que ninguém pode tomar as decisões por mim.
Lembro de uma ocasião quando Ivan se mudou para o meu apartamento e me disse que
não ia sair com alguns conhecidos porque queria ficar comigo. Ele repetiu esse mesmo
comportamento por alguns meses. Até que me pediu para ficar em casa com ele, como ele fazia.
Achei justo. Deixei de sair com as minhas amigas, as poucas que possuía, e passei a ficar com
ele em casa.
Quando ele se sentiu confortável com a situação, ele voltou a sair com os amigos, a
desculpa era que nosso relacionamento estava cansativo e ele precisava se distrair. Eu estava
chata e ele necessitava desestressar. Nessa época, eu já estava dependente emocionalmente dele e
me sentia culpada, então, por que não o deixar ir? Não haveria problema se quando eu fiz o
mesmo, e voltei a sair com as minhas amigas, ele não tivesse ido me buscar na casa de delas
fazendo um escândalo horrível.
O problema não foi nem o escândalo, foi eu ter perdoado depois quando ele se ajoelhou e
pediu desculpas, dizendo que estava arrependido e não sabia viver sem mim.
— Senhorita – a voz da comissária me acorda —, já pousamos.
Lembranças que queria esquecer, mas servem de combustível para seguir e tentar ser
feliz.
— Obrigada. – Tiro o cinto e me levanto.
Cheguei mais cedo em Chicago, para ter tempo de alugar um carro e ir até a escola
Leblanc me matricular para o curso de esculturas. Sempre amei, tinha um pai que era um exímio
escultor. Ele foi bancário uma vida toda até morrer de um ataque do coração no meio do
expediente. Com ele, aprendi a amar as artes e uma das metas é seguir fazendo algo que gosto
para ocupar meu tempo livre.
Alugo um carro e então me dirijo até a escola de artes. O prédio fica próximo ao Tribune
Tower, um dos prédios mais antigos de Chicago, construído em um estilo neogótico, na N
Michigan Avenue. Por um milagre, consigo uma vaga para estacionar e vou até o prédio que fica
entre os tantos modernos do centro de Chicago. Entro e um jovem de óculos de aros vermelhos
sorri:
— Boa tarde, em que posso ajudá-la? – pergunta simpático.
A simpatia dele é um combustível para a certeza de que vir para Chicago foi o plano
perfeito. Longe do que me atormenta, da cidade onde fui tão infeliz, recomeçando e podendo
respirar em paz.
— Eu liguei aqui há alguns dias, estou vindo de Los Angeles e quero fazer minha
matrícula para o curso de escultura...
— Qual é o seu nome?
— Abby Lewis – respondo e coloco minha bolsa sobre o balcão para poder pegar meus
documentos.
— Ah, claro, a garota da Califórnia – ele brinca e ri.
— Fico agradecida pela garota...
— Somos todos jovens – ele pisca para mim e pega meus documentos —, muito bem,
Abby, você já teve algum contato com a arte?
— Sim, eu faço esculturas desde criança, se tornou um passatempo muito prazeroso –
comento e desbloqueio o celular para mostrar as fotos das minhas esculturas.
— São lindas – ele fica impressionado —, você expõe?
— Ah, não, eu faço para mim...
— Sua casa deve ser linda com essas esculturas – ele elogia antes de voltar a atenção para
o computador.
Minha casa deveria ter lindas esculturas, se meu ex-marido não tivesse destruído todas.
Fecho as lembranças antes de ter uma crise de ansiedade e respiro fundo, forço um sorriso
enquanto ele faz perguntas sobre meu trabalho e onde vou morar em Chicago. Uma hora depois,
estou dirigindo para a casa de Quentin Hastings em Cook County. As mais belas mansões de
Chicago, eu também pesquisei sobre isso.
Aliás, não consigo fazer nada sem pesquisar sobre o assunto, não consigo evitar. Procurei
saber tudo sobre os Hastings e Chicago. Eles são de uma família tradicional norte-americana,
feita de políticos e banqueiros. Além disso, seu irmão gêmeo, Quinn, é dono de uma das maiores
refinarias de petróleo do país, ou seja, essa família fede a dinheiro, transpira luxo e riqueza.
Lembro de quando fui trabalhar para Clarck King e fiquei fascinada com aquele mundo,
tudo bonito, bem feito. Admito que estava carente de atenção, não estava à procura de um
relacionamento ou interessada em Clarck, eu queria ser apenas o centro das atenções de uma
forma que não tivesse tempo de mostrar às pessoas o quanto eu estava ferida e quebrada. E
acabei surtando por causa disso. Literalmente.
O segurança da guarita da casa confere meus documentos e me deixa entrar.
Meu coração dispara conforme me aproximo da casa e a porta é aberta quando paro o
carro. Uma mulher elegante, vestindo um uniforme preto e com o cabelo preso de forma austera,
me aguarda na entrada da casa. Fico tensa, mas seu sorriso simpático me ajuda a relaxar.
— Senhorita Lewis – ela estende a mão para me cumprimentar —, sou Meredith Daniels,
nós nos falamos por telefone.
— Como vai, Senhora Daniels?
— Nós a esperávamos mais cedo – ela comenta.
— Tive que resolver alguns assuntos pessoais antes de vir para cá – explico —, espero
não ter causado nenhum transtorno por causa disso...
— De forma alguma, vamos entrar, por favor...
Eu a sigo para dentro da casa luxuosa e cumprimento alguns funcionários que transitam
por ali. Passamos por uma porta aberta, noto o salão e o piano lá dentro.
— Essa porta nunca deve ficar aberta – ela avisa e a fecha —, alguns funcionários se
esquecem. É onde fica o piano da falecida senhora Hastings. Ninguém deve mexer aqui. A não
ser os filhos dele tem livre acesso.
Assinto e memorizo aquela porta: nunca deve ficar aberta.
— O Senhor Hastings teve um mal-estar e precisou ser hospitalizado – ela comenta.
— Ele está bem?
— Sim, ele sairá do hospital amanhã cedo – responde enquanto subimos as escadas —,
está apenas sob observação, foi uma estafa.
— Sinto muito por ele – digo sincera —, espero que fique bem.
— Nós todos. Por isso, a casa vai ficar mais movimentada nos próximos dias,
possivelmente o irmão dele, Quinn Hastings, virá visitá-lo, deve chegar a qualquer momento.
— Certo. – Eu a sigo pelo corredor longo e carpetado.
— Mas não se preocupe, isso não vai interferir no seu trabalho. Talvez, eu precise que dê
mais atenção ao pequeno Joseph nos primeiros dias, já que estarei atarefada, mas a senhorita será
muito bem remunerada pelas horas extras que terá que fazer.
— Por mim, tudo bem – concordo.
Não acho prudente falar das aulas de artes nas terças e quintas-feiras, pelo menos, até a
situação na casa estabilizar. Falar sobre folga então, está fora de questão.
— Espero que sua viagem tenha sido agradável – ela comenta.
— Foi tranquila – asseguro.
— Ótimo – ela me fita por cima do ombro —, vou lhe mostrar o quarto de Joseph, ele
está dormindo no momento. Temos uma funcionária que está cuidando dele nessas primeiras
semanas, seu nome é Vallery, ela está fazendo o horário de almoço e logo voltará para lhe passar
tudo.
Meredith abre a porta e o cheiro de perfume de bebê invade as minhas narinas. Por alguns
segundos, eu fecho os olhos e aquele sentimento bom invade meu peito. Sorrio enquanto ela se
aproxima do berço e afasta o mosquiteiro para me mostrá-lo. O quarto é todo decorado em verde
e branco, tudo delicado e organizado. Aproximo devagar e de forma inconsciente levo a mão à
minha barriga e observo o bebê de bochechas vermelhas e tão lindo que chega a me emocionar.
Eu amo bebês. Muito, sempre quis ser mãe. E ainda sonho com o dia de ser uma. Ter meu
bebê, não sei como isso vai acontecer, afinal, não tenho planos de ter um relacionamento sério
com ninguém o resto da minha vida. Talvez eu adote ou faça inseminação artificial, mas por
enquanto estou aqui para cuidar do pequeno Joseph.
— Ele é muito bonzinho – ela me avisa —, quase não chora. A sua experiência como
babá vai ajudar muito.
Não digo a ela que só fui babá por uma semana e que minha experiência com crianças
vem do fato de ser professora. Se Glenda não disse nada, também não vou dizer. Quero ficar aqui
e sei que posso cuidar muito bem de Joseph, como se ele fosse meu filho. Carinho e paciência,
eu tenho de sobra.
— Certo – ela prossegue —, vou pedir que tragam suas coisas. Venha, vou lhe mostrar o
seu quarto.
Ajeito o mosquiteiro e deixamos o quarto. O meu fica na porta ao lado, o espaço é
aconchegante, tem uma varanda com vista para a piscina e os fundos da propriedade que é
imensa.
— Fique à vontade, você começa oficialmente amanhã, logo Vallery virá conversar com
você – avisa.
— Obrigada.
Ela sai do quarto e eu olho ao redor, reparando na decoração em tons pastéis, tudo nesta
casa parece muito tranquilo, espero que o Senhor Hastings também seja, a maioria dos homens
com dinheiro que conheci eram arrogantes e inacessíveis. Ele também deve ser, é o esperado.
Sento na cama e agradeço em silêncio por tudo ter dado certo até aqui e eu estar bem e
segura. Uma vida nova começa e estou pronta para ela.
CAPÍTULO 3

— Você não precisava ter vindo, Quinn – digo enquanto saímos do hospital —, foi só um
mal-estar, estresse. – Movo a mão no ar sem dar importância.
— Sabe que eu viria mesmo que fosse um espirro...
Olho para o meu irmão gêmeo, somos muito ligados, e ficamos ainda mais depois da
morte do nosso irmão mais velho Quintus. Sabemos tudo um sobre o outro, o que é mais do que
normal. Não somos exatamente idênticos, e isso se torna nítido para quem convive conosco, mas
para quem mal nos conhece pode ser confuso. Afinal, conviver com duas pessoas iguais não é
algo que acontece com normalidade.
— Sei disso – sorrio para ele.
Quinn se aproxima e seguimos lado a lado até o carro alugado. Patrick abre a porta e
entramos no banco de trás do veículo.
— E como estão as coisas com Aretuza?
— Bem, ela está mais grávida do que nunca, tendo muitos enjoos, trabalhando e cuidando
de mim e de Leo – ele sorri daquela forma boba e apaixonada —, ela é incrível!
— Fico feliz que estejam bem, ela veio para realmente mudar sua vida...
— Você me disse que seria assim, eu não acreditei – ele admite com um sorriso flexível
—, algumas coisas temos que pagar para ver.
— Com certeza, a vida é cheia de surpresas. Quem diria que eu seria pai novamente aos
quarenta e quatro anos – digo sem conseguir evitar a amargura —, que meu filho Robert seria um
fraco e covarde e abandonaria o próprio filho...
— Você não tem culpa, Quentin, Robert escolheu. Ele teve bons exemplos, mas ele não
quer assumir as responsabilidades. Você fez bem tirando as regalias que ele tem, agora vai ter
que viver por conta própria...
— Não queria fazer isso, mas não posso ser conivente com a atitude dele. Se eu o deixar
sair dessa sem sentir na pele qualquer tipo de punição, ele vai acreditar que é normal um pai
abandonar um filho e não é.
— Concordo com você... sabemos que um homem que abandona o próprio filho não
merece respeito – ele é taxativo tanto quanto eu sou.
Temos um código de conduta do qual não abrimos mão. E se meu filho não percebeu
isso, que a vida o ensine.
— Talvez, ele volte com o rabo entre as pernas e queira ajuda de novo. Robert se
acostumou com regalias e vida boa...
— Se ele voltar, a conversa será outra. Espero que ele acorde antes que seja tarde. A vida
cobra todos os erros que cometemos. Todos...
Os anos me ensinaram que o plantar e colher é implacável, pode demorar o tempo que
for, um dia a dívida é cobrada e não é nada agradável. Espero que meu filho acorde antes que
seja tarde demais e Joseph o despreze ao invés de amá-lo e não tem nada mais poderoso no
mundo do que amar um filho e ser amado por ele. Ainda me lembro quando Tym nasceu, senti
uma felicidade tão grande e tão poderosa. Parecia que nada mais podia me vencer, eu tinha meu
pequeno filho nos braços, fruto do meu amor e de Sara. Depois veio Robert, e a sensação foi a
mesma. Por eles, eu venceria dias ruins, tempestades, pessoas más, eu os protegeria.
É frustrante perceber que Bob não aprendeu nada comigo.
Chegamos na minha casa e fico surpreso quando vejo um carro branco popular
estacionado na garagem. Observo sem imaginar de quem possa ser. Entramos na casa e Meredith
vem ao meu encontro.
— Como está, Senhor Hastings? – Ela se oferece para pegar meu casaco.
— Estou melhor, Meredith, obrigado – entrego o casaco a ela —, temos alguma visita?
Vi um carro diferente na garagem.
Quinn passa por mim, já falando ao celular e faz sinal que está indo para a sala me
esperar. Assinto enquanto espero a resposta.
— Pertence à Senhorita Lewis – ela responde.
— Quem é ela?
— É a babá de Joseph, ela chegou ontem à tarde.
— Veio no carro dela?
— Sim, ela alugou um, não quis que a buscássemos no aeroporto – comenta séria.
— E o que achou dela?
— Vallery está explicando tudo para ela e a está acompanhando no primeiro dia, mas
pelo que observei, ela pegou o jeito, Joseph não a estranhou e parece bastante confortável perto
dela...
O que não é nenhuma surpresa, afinal, meu neto é o bebê mais tranquilo que já conheci,
mesmo tendo sido abandonado pela própria mãe. Bebês sentem falta do cheiro, da voz, do
aconchego do corpo da mãe. Não gosto nem sequer de me recordar da frieza de Sydney quando o
deixou e ontem, quando a questionei junto da família.
— E Robert?
— Pegou as coisas dele e foi embora, senhor, não deu notícias...
— Ótimo. Já avisei a segurança que ele ou Sydney não podem entrar nessa casa sem a
minha autorização, fui claro?
— Sim, estamos cientes da situação, senhor – ela observa séria —, já informei aos
empregados e até mesmo a Vallery e a Senhorita Lewis.
— Ótimo – fico satisfeito —, vou subir ao meu quarto e tomar um banho, avise Quinn
que logo desço para almoçarmos.
— Sim, senhor.
Subo até o meu quarto, tomo um banho e visto algo mais informal. Apesar de estar me
sentindo bem, o médico me pediu para descansar por alguns dias e concordo com ele. Toda essa
situação me levou ao limite e preciso relaxar, meu neto precisa de mim e tenho que estar bem. Se
algo acontecer comigo, ele não terá a mais ninguém.
Saio do quarto e me dirijo até a sala onde Quinn está. Meu irmão desliga o celular diante
da porta da varanda e se volta para mim.
— Problemas no mundo real? – brinco e me jogo no sofá confortável, cruzando as
pernas.
— Quando não tem? Desde o acidente na refinaria em Baton Rouge, estamos em alerta
vinte e quatro horas – comenta e olha mais uma vez em direção ao jardim. — Contratou duas
babás para Joseph? Não acha que é um exagero?
— Não, eu trabalho fora e ele precisa de atenção, é humanamente impossível que uma
única pessoa cuide de um bebê vinte e quatro horas, Quinn. Ela precisa almoçar, tomar banho,
fazer coisas básicas da vida...
Ele se volta para mim com o cenho franzido:
— E como acredita que a maioria das mães faz, Quentin? – ironiza colocando as mãos no
bolso da calça do terno. — Elas cuidam de um ou dois filhos por vinte e quatro horas por dia,
sem remuneração. E ainda há quem diga que é fácil, que não é mais do que obrigação, tem noção
disso?
— Claro que tenho, Sara cuidou dos meninos, ela se dedicou a eles nos primeiros anos de
vida...
— Mas sua esposa, ainda assim, teve o privilégio de ter uma babá para auxiliá-la.
— Teve – admito.
— Ela foi uma mulher de sorte, a maioria das mulheres pelo mundo não têm essa sorte,
elas vivem sobrecarregadas...
— Não sabia que se importava com a vida das mães pelo mundo – falo com certo
deboche.
— E realmente eu não me importava, mas Aretuza tem falado sobre isso comigo e como
o trabalho da Glenda Scott Rhodes é importante.
— Tenho que concordar que o trabalho dela em ajudar todas essas mães é louvável –
comento.
— É surpreendente, tanto que minha sogra vai levar essa ideia para o Brasil – ele me
conta.
— Mesmo? – Fico surpreso.
— Sim, Carla decidiu fundar uma filial no Brasil, ela e Glenda ficaram amigas e estão
estudando o caso com cuidado. Pelo que Aretuza disse, Glenda vai ao Brasil nas próximas
semanas para discutirem o assunto e acertarem tudo.
— Interessante. – Fico surpreso.
— Estou pensando em fazer o mesmo...
Eu o fito com desconfiança.
— O quê?
— Abrir filiais dessa ONG por todo país – ele declara movendo a mão no ar como se
fosse um evento especial —, O Clube dos Pais Solteiros, O Clube das Mães Solteiras.
Encolho os ombros.
— Se você está disposto...
— Parece descrente da minha empolgação – ele reclama.
— Não, eu acredito que seja um empreendimento e tanto – comento enquanto nos
encaramos —, pelo que entendi, isso tem ajudado muitas mulheres a recomeçarem a vida. Mas...
— Mas?
— O Clube dos Pais Solteiros? – questiono sem conseguir evitar. — Não acha que é uma
grande hipocrisia. É um número irrisório perto do número de mães solteiras.
— Eles existem – afirma com veemência —, e precisam de ajuda. Eu precisei e você
precisa agora.
Respiro fundo quando aquele sorriso malicioso surge no rosto arrogante de Quinn.
— Não desse jeito – aviso com o dedo em riste —, eu preciso de uma babá para Joseph, e
não de uma esposa como você e Clarck dizem que é.
— Não seja bobo – ele vem até o sofá e se senta à minha frente —, e se for uma pessoa
especial? Glenda realmente tem o dom – afirma com convicção.
— Não duvido que ela tenha – garanto tranquilo —, só não é para mim.
— Você tem que aceitar que Sara se foi, Quentin. Até quando vai viver preso ao passado?
— Não estou preso à Sara, Quinn – fico irritado quando ele toca nesse assunto —, sei que
ela se foi, seis anos já foram mais do que suficientes para que eu aceite que ela não vai voltar e
meu amor por ela será eterno. Mas não estou aberto a me envolver com uma pessoa que mal
conheço, não acredito em anedotas...
— Não estou falando apenas da babá... estou falando da sua vida... desde que Sara se foi,
você não se permitiu conhecer outra pessoa...
— Conheci, mas nenhuma delas mexeu comigo a ponto de me fazer querer sair do estado
em que estou – eu me abro com ele —, não é uma mágica, Quinn, é sentimento e não
aconteceu...
Ele me fita de lado, com desconfiança.
— Conheço você e sei que é teimoso como uma mula, você pode fingir que não viu
apenas para não substituir Sara!
Dou uma risada alta e ele acaba rindo.
— Não fiz isso – ergo as mãos no ar como se fosse um inocente —, é verdade. Mas
pensar que vou olhar para essa babá e vou me apaixonar por ela como aconteceu com você e
Aretuza, é impossível. As coisas não acontecem dessa forma...
— Eu também duvidei – ele encosta no sofá de forma displicente —, e aqui estou eu,
casado e apaixonado pela minha esposa como nunca imaginei ser possível...
Balanço a cabeça em negativa, nossa conversa é interrompida pela entrada de Meredith
que traz a água com gás de Quinn. Meu irmão não bebe nada alcoólico há anos.
— Obrigado, Meredith – Quinn agradece e pega o copo com água —, o que achou da
nova babá?
Não acredito que ele está fazendo isso e balanço a cabeça, incrédulo. Meu irmão é um
louco. Como ele acha que vai acontecer? Que vou olhar para a mulher e pensar: eis aqui a mulher
da minha vida? Sem chance...
A vida não é um conto de fadas, paixão à primeira vista não existe. Atração física é algo
normal, mas se envolver com uma pessoa sob a perspectiva da escolha aleatória de Glenda é um
absurdo impossível de acontecer.
— Ela é agradável e gentil – Meredith responde com sinceridade —, é o primeiro dia de
trabalho dela, o tempo vai dizer se estou errada ou não.
— O tempo vai dizer – Quinn concorda e Meredith se retira em seguida —, está vendo?
A mulher é gentil e agradável! – ele me provoca.
— Vai para o inferno, Quinn! – xingo e ele ri se divertindo.
Não mantive um casamento por dezoito anos, ou o império financeiro da minha família,
acreditando em histórias absurdas como essa. Para mim, tudo isso é uma grande coincidência.
Mesmo que sejam tantas, porque segundo Quinn, Glenda fez o mesmo com os filhos e pessoas
próximas.
— Vamos fazer assim – ele diz e lhe dou atenção mesmo sem saber o motivo —, daqui
um ano, vamos nos encontrar nesta sala e você vai me dizer se a teoria de Glenda está errada ou
não.
— Está bem – encolho os ombros sem dar importância —, daqui um ano, vou olhar essa
sua cara arrogante e dizer que estava errado o tempo todo.
Ele dá um sorriso mau:
— É o que veremos, Quentin, é o que veremos...
CAPÍTULO 4

— Ele tem um irmão gêmeo – Vallery diz de repente.


Estou com Joseph no colo, lhe dando a mamadeira que ele suga com força. Minha
atenção e carinho se voltam para ele.
— O quê? – pergunto perdida e a encaro.
Vallery é ruiva, os cabelos estão presos num coque e ela usa o mesmo uniforme branco
que eu. Não tem mais que vinte anos e fala o tempo todo. A maior parte do tempo só concordo,
já que não sou tão eloquente e falar sobre mim ainda é um desafio. Prefiro o silêncio a falar da
minha vida para quem quer que seja.
— O Senhor Quinn – ela move o queixo na direção da casa —, ele é o irmão gêmeo do
Senhor Quentin.
Discretamente, eu giro o pescoço e observo por cima do ombro o homem que está ao
celular na varanda da sala principal da casa. Usando um terno cinza, ele fala com determinação, é
bonito e charmoso, mas não consigo vê-lo tão bem. Sem óculos, eu sou um belo desastre.
— Hum – resmungo —, não vi direito, estou sem óculos.
— Eles são bonitos. O Senhor Quinn se casou há pouco tempo com uma médica
brasileira – ela fofoca enquanto olha ao redor —, e o Senhor Quentin é viúvo há seis anos, ele
nunca mais se casou depois que a esposa morreu de câncer.
— Que triste! – limito a comentar e volto a minha atenção para Joseph que para de
mamar.
Levanto a mamadeira e vejo que ele mamou tudo. Bom menino. Deixo o objeto sobre o
carrinho e o levanto para que possa arrotar. Eu o coloco sobre o meu ombro e ele deita a
cabecinha ali. Gosto dessa sensação de aconchego que sinto quando estou com ele no colo.
Minha terapeuta me disse para tomar cuidado e ir devagar. Mas ele é o primeiro bebê que pego
no colo em muito tempo e é impossível não ter essa sensação de carinho e sentir uma grande
afeição por ele.
— Triste é um homem tão bonito ficar sozinho – ela retruca e dá uma risada baixa.
— É um direito dele – observo e me levanto para andar com Joseph —, ele ainda deve
amar a esposa.
— Com certeza, eles foram casados por dezoito anos – ela me conta e fico surpresa.
Casamentos duram tão pouco hoje em dia. E o Senhor Hastings não é velho, acho que ele
tem quarenta e poucos anos.
— Tiveram dois filhos. O mais velho, Timothy, é um rapaz muito educado, ele nos trata
muito bem, é o que mais se parece com a dona Sara, a falecida – ela continua e a encaro para
ouvir o resto da história —, agora o tal do Robert é um grosseiro. Ele que é pai do Joseph.
Sabia que o menino é neto do Senhor Hastings.
— Ele abandonou o filho com o Senhor Quentin – ela continua —, nem a mãe quer o
menino!
Num instinto de proteção, eu abraço Joseph. Como uma mãe pode não querer o filho?
Engulo em seco ao me lembrar do que passei e então sinto raiva dessa garota por abandonar um
bebê inocente que não pediu para nascer.
— Verdade? – pergunto chocada.
— Sim, eles tiveram uma conversa ontem, o Robert, a tal Sydney, os pais dela e o Senhor
Quentin – ela se aproxima para sussurrar —, eles deixaram bem claro que Joseph é um peso. O
Senhor Quentin colocou o filho para fora de casa e jurou que não vai ter mais um centavo dele! –
Ela mostra o dedo indicador.
— Fez bem – concordo.
Joseph regurgita e pego a fralda para limpar a boquinha que sujou.
— Claro que fez, por que abandonar o filho? – ela pergunta indignada. — Na hora de
fazer estava bom, não é? Agora joga no colo do avô rico e ele que se vire?
Fico surpresa com a atitude do Senhor Hastings, a maioria dos avós não toma uma atitude
quando o pai se recusa a aceitar o filho ou cuidar dele pagando uma pensão decente. Enfim,
Joseph agora está bem e sei que o Senhor Hastings vai cuidar dele.
— Vou levá-lo para dentro e fazê-lo dormir – eu aviso.
— Ótima ideia – Vallery concorda —, se importa de ir sozinha? Vou aproveitar e ir até a
cozinha saber das novidades.
Sorrio e concordo.
— Tudo bem, pode ir...
— Eu levo o carrinho depois – avisa.
— Obrigada – agradeço e vou com Joseph em direção à entrada da casa, enquanto
Vallery vai pela entrada dos fundos para chegar na cozinha mais rápido.
Assim que fecho a porta, vejo Meredith vir em minha direção.
— Onde está Vallery?
— Ela foi até a cozinha pegar água – respondo sendo solidária com minha colega de
trabalho —, precisa de alguma coisa?
— Quero apresentá-la ao Senhor Hastings – avisa —, venha comigo.
Sinto certa ansiedade, é sempre estranho conhecer os patrões. Eu a sigo com Joseph
deitado em meu colo mexendo as mãozinhas e tentando captar tudo ao seu redor, mas ele é muito
pequeno ainda. Precisa de tempo para entender o que está acontecendo, o quanto seus pais foram
cruéis e seu avô um homem decente ao tomar todas as responsabilidades para si.
— Com licença, Senhor Hastings – Meredith diz ao abrir a porta e fico parada do lado de
fora —, a nova babá está aqui, posso apresentá-la.
— Claro que pode! – ouço uma voz animada. — Estamos ansiosos para conhecê-la –
sinto até um pouco de diversão no tom.
— Pode, Meredith – autoriza uma voz mais austera e impaciente.
Meredith se volta para mim e move a cabeça para que eu entre.
Forço um sorriso e entro no recinto, segurando Joseph com firmeza contra mim, como se
ele fosse minha tábua de salvação contra qualquer coisa. Um homem de terno cinza está de pé no
meio da sala e sorri quando me vê, simpático e agradável. Agora de perto, posso vê-lo melhor,
ele deve ser o irmão gêmeo.
— Esse é o Senhor Quinn Hastings – Meredith nos apresenta —, essa é a Senhorita Abby
Lewis, a nova babá. E esse – ela aponta para o homem sentado usando um moletom preto —,
esse é o Senhor Quentin Hastings, o avô de Joseph.
— Como vai, Abby? – Quinn estica o braço para me cumprimentar e desvio o olhar para
ele rapidamente. — Posso chamá-la assim, não posso?
— Pode – mantenho Joseph equilibrado em um braço e aperto a mão dele —, como vai,
Senhor Hastings?
— Pode me chamar de Quinn. – Ele é tão receptivo e simpático que não contenho o
sorriso para ele.
— Como quiser. – E então olho para o outro gêmeo cuja barba contorna a linha do
maxilar, todo o queixo e bigode. É o que diferencia os irmãos, a de Quinn é mais rala e aparada.
Eles têm os mesmos olhos verdes. A diferença é que os de Quinn são encantadores, os de
Quentin são frios e indiferentes, como duas pedras de gelo. Ele me mede dos pés à cabeça de
uma forma tão desagradável que me faz engolir em seco, como se fosse um peso para ele eu estar
ali.
— Seja bem-vinda, Senhorita Lewis – ele diz seco.
— Obrigada, Senhor Hastings – agradeço com educação.
Mas sei que minha voz saiu um pouco tremida. Ainda tenho certo receio de estar perto de
homens que me fitam de forma austera. Porém é algo que tenho que enfrentar, não posso passar a
vida toda fugindo dos meus traumas e medos.
— Deixe-me ver o pequeno Joseph – Quinn se aproxima e estica as mãos —, se importa?
– Ele quer saber se pode pegá-lo.
— Claro que não. – E entrego a ele com cuidado.
— Oh, Deus! Ele é um Hastings – diz emocionado —, sou tio-avô, isso é horrível!
Ele diz e acabo rindo sem querer e ele também. Quando olho para o lado, vejo que
Quentin está sério, nos observando com atenção. Não é possível que ele está pensando que há um
flerte aqui, é só um homem educado e uma mulher educada. Eu ignoro o olhar dele e continuo
observando Quinn com Joseph.
— Minha esposa está grávida – ele conta emocionado —, deve nascer em seis ou cinco
meses, estamos ansiosos.
— Ter um filho é um milagre da vida – comento.
— Você tem filhos?
— Não tenho. – Não consigo conter a tristeza ao responder sua pergunta inocente.
Seu olhar é mais atencioso, mas Quinn não tece nenhum comentário ou pergunta e fico
aliviada.
— E tenho um filho de sete anos também – Quinn continua —, quero ter mais filhos.
Apenas assinto sabendo que estou sendo devorada pelo olhar perscrutador do meu mais
novo patrão. Será que ele é assim com todos ou só comigo?
— Acredito que Meredith lhe disse sobre todas as regras dessa casa, Senhorita Lewis? – a
voz de Quentin soa e me volto para ele.
— Sim, senhor. Ela me disse sobre todas as regras... – Uno as mãos na frente do corpo
tentando controlar minha ansiedade.
Ainda bem que tomo todos os meus remédios sem errar, é como tomar banho, escovar os
dentes, ou até mesmo respirar. E eles me ajudam a controlar meu humor que se tornou um pouco
alterado depois de tudo que vivi.
— Então, ela deve ter comentado que não toleramos relacionamento entre funcionários –
ele diz ácido e o encaro com perplexidade por estar falando disso agora —, ou até mesmo flerte
no trabalho, ou coisas desse tipo.
Meus olhos se arregalam e fico em choque por alguns segundos. Será que ele está
pensando que estou retribuindo a simpatia do irmão dele com um flerte? Fico ofendida de uma
forma tão inesperada que tenho que me segurar para não o mandar à merda. Solto minhas mãos e
cerro os punhos ao longo do corpo.
— Ela falou, Senhor Hastings – respondo.
— Espero que não tenha esquecido.
Sinto o ar pesado entre nós e o clima tenso. O que foi que eu fiz? Tento contar até dez
mentalmente, afinal, eu preciso do emprego. Mas a atitude dele desperta algo tão forte em mim,
como um gatilho, que não me contenho. Decido deixar bem claro que não tenho intenção alguma
de flertar com ninguém no trabalho, inclusive o irmão dele.
— É impossível pensar em flertar depois de ser espancada pelo próprio marido, grávida
aos nove meses e segurar seu filho morto nos braços depois de um parto às pressas, Senhor
Hastings – digo com vontade de chorar.
Uma bola se forma na minha garganta e sinto lágrimas queimarem nos meus olhos. É a
primeira vez que falo disso sem ser com a minha terapeuta, e dói. Ainda dói. Tão pouco tempo e
tudo vem à tona. Não gosto de perder o controle, mas foi inevitável diante do comentário
desnecessário que esse homem fez.
Eu o observo ficar lívido e murchar toda sua altivez. Pelo menos, minha dor serviu para
colocá-lo em seu lugar. Sinto que vou desabar ali na frente deles.
— Com licença. – Preciso sair dali e viro as costas e corro apressada para fora da sala.
Escuto um: O que deu em você? Mas sei que partiu do Senhor Quinn.
Saio da casa e vou até o jardim lateral para poder respirar fundo e enxugar as lágrimas
teimosas. Puxo o ar devagar e fecho os olhos, exatamente como Sage Scott Rhodes, minha
psicóloga, me ajudou. Ela foi vítima de estupro aos dezessete anos e passou anos lutando contra
a depressão e loucura, e me ensinou técnicas importantes para nos mantermos tranquilas.
E tem dado certo. Meu coração vai se acalmando.
— Sinto muito por sua perda, Abby – a voz de Quinn soa ao meu lado e levo um susto.
Eu me volto para ele e passo a mão no rosto secando as últimas lágrimas.
— Não se preocupe, eu estou bem – minto e forço um sorriso —, foi só um mal-estar por
falar de um assunto que me fere.
— Não se preocupe, meu irmão é um idiota! – ele diz charmoso e sorri. — Mas se ele
não pedir desculpas, eu peço em nome dele.
— Está desculpado – não contenho o sorriso diante de um homem tão educado —, não se
preocupe, eu só precisei...
— Chorar, não se culpe, eu também faria o mesmo em seu lugar – ele aquiesce —,
aceitaria tomar um café comigo?
— Eu não posso, Senhor Hastings, sua gentileza é um bálsamo, mas estou no meu horário
de trabalho...
— E seu patrão acaba de cometer assédio moral – ele diz sério —, é só um café e na
cozinha. Joseph está com ele e Meredith, e você não vai ser demitida hoje, Abby, pode apostar
que não...
— O senhor é uma pessoa muito gentil...
— Vou encarar o senhor como um ato de educação – ele brinca —, venha comigo.
Acato, o que mais posso fazer? Ir embora? De jeito nenhum. Preciso do emprego e, como
ele disse, hoje não vou ser demitida porque chorei no trabalho.
— Então, Glenda enviou você...
— Sim, eu estou na ONG há quase um ano.
— Interessante... – ele diz enquanto voltamos para dentro da casa.
O dia não parece perdido, enfim.
CAPÍTULO 5

— Tomara que ela não desculpe você! – Quinn me diz.


Eu me viro para ele. Quinn se aproxima devagar com as mãos no bolso da calça do terno
como ele costuma fazer sempre.
— Não estou à procura de desculpas – respondo.
— Então, você é um perfeito idiota – ele para diante de mim —, o que deu em você para
falar com ela daquele jeito?
Dou as costas para ele e bufo. Fui muito grosseiro, admito. Passei dos limites do respeito
entre um patrão e uma funcionária. E sempre sou educado. Mas quando Abby Lewis entrou
naquela sala, reconheço que fiquei fascinado com sua beleza tão serena. Mesmo com aquele
uniforme sem graça, os cabelos presos, o brilho daqueles olhos verdes chamou a minha atenção.
E não gostei disso. Foi nesse ponto que tudo desandou e entendi que não podia me
aproximar dela. Então, quando vi Quinn forçando a barra e ela sorrindo como um dia de sol
quente, soube que precisava colocar limites. E de uma forma impulsiva, eu falei aquela merda
toda sobre limites e flerte.
Concordo que agi sem pensar e fui um idiota.
— Só deixei claro os limites da minha casa – respondo sem encará-lo —, não vi
problema algum nisso.
— Você a ofendeu tanto que a fez resgatar a pior dor da vida dela, Quentin! – ele me
repreende.
Foi como um soco no estômago e admito que não esperava por uma resposta tão dura e
cruel. Não comigo, mas com ela mesma. Imaginar que ela apanhou do marido a ponto de perder
o filho foi devastador até mesmo para mim. Não fiquei com pena dela, fiquei estarrecido, porque
sempre ouvi sobre essas coisas, mas saber que aconteceu de verdade e com alguém do seu
âmbito social é estarrecedor. E tudo que é palpável, nos choca.
— Não foi minha intenção – respondo mastigando meu orgulho e o engolindo a seco.
— Claro que foi – ele não me ajuda —, você colocou limites porque a achou atraente,
aposto!
A merda de ter um irmão, e gêmeo, é que ele sabe tudo sobre mim. E realmente, eu não
esperava que Abby Lewis fosse tão bonita. Acho que isso me chocou, o fato de Glenda, mesmo
sem me conhecer, ter enviado uma mulher que me atrai fisicamente. Não gostei dessa derrota e
agi sem pensar, falei sem medir as consequências e a ofendi profundamente.
E estou arrependido. E muito. Mas não consigo ir até lá me desculpar, não agora. Preciso
encontrar uma forma de fazer isso sem parecer um garoto imaturo e patético, mesmo que eu
tenha agido como um.
— Não sabe do que está falando... – afasto pela varanda e ele vem atrás de mim como um
carrapato.
— Claro que sei, você a achou linda e ficou com receio de Glenda ter razão... – ele diz
meus pensamentos em voz alta.
— Isso é impossível! – insisto em negar. — Não teria como Glenda saber que tipo de
mulher me atrai!
Paro de andar e me volto para ele. Quinn me encara com olhar e sorriso maliciosos:
— Ela sabe, não sei como, mas ela sabe... – ele balança a cabeça —, já estou ouvindo os
sinos da igreja...
— Vai à merda...
— Peça desculpas a ela – ele me aconselha —, mesmo que não acredite no que vê, ela
merece seu respeito.
— Farei isso – aceito o conselho e ele sorri.
— E seja menos chato ou vai ficar sozinho o resto da sua vida...
— Não estou procurando um relacionamento e não penso nisso – garanto.
— Não estou falando só de mulheres, Quentin. Estou falando de família, amigos...
Só bufo e ele entra na casa, me deixando sozinho. Uma coisa sai de controle e todas as
outras caminham para a mesma merda. Meu filho abandona Joseph, eu o coloco para fora de
casa, me sinto mal a ponto de ir parar no hospital e agora destrato a babá recém contratada do
meu neto porque não quero me sentir atraído por ela.
Se eu não colocar um freio nessa confusão, vou levar um belo processo nas costas na
próxima vez que ofender alguém.
Não tento pedir desculpas no mesmo dia e na manhã seguinte, levo Quinn ao aeroporto,
ele me faz prometer que vou pedir desculpas. Vou pensar numa forma educada de fazer isso, sem
ser mais idiota do que fui. Deveria ficar em casa descansando, mas volto ao trabalho no dia
seguinte, sou viciado em trabalho, essa é a verdade.
Então, percebo que quando volto para casa no fim da tarde, e subo para ver meu neto, não
é a Senhorita Lewis que está no quarto com ele, e sim Vallery. E isso se repete nos dias
seguintes. Mesmo quando tento surpreendê-la pela manhã quando ouço meu neto chorar,
encontro Vallery no quarto. Não estaria impressionado se ela estivesse fugindo de ficar na minha
presença.
Não encontro com ela na primeira semana e também não faço perguntas. O carro popular
está na garagem, então sei que ela permanece no trabalho. Começo a me conformar que talvez
seja melhor assim. Mantenho distância e tudo vai ficar bem. Quem sabe quando tiver a
oportunidade de tocar no assunto, tudo já terá sido esquecido.
— Você anda bastante distraído – a voz feminina chama a minha atenção.
Olho para Rose Mountain, uma das acionistas do banco. Estamos reunidos na casa de
Samuel Andrews, o segundo maior detentor de ações do banco, com seis por cento. Eu tenho
cinquenta e três por cento. Sou sócio majoritário e prefiro que seja assim até que eu me aposente
e alguém tome o meu lugar. Sempre pensei que seria Robert, ele se mostrou bastante interessado
no meu trabalho, até mais do que Timothy, mas agora tudo é possível. Até mesmo que um dos
meus sobrinhos herde o meu lugar, ou todas as minhas ações sejam diluídas e os Hastings não
sejam donos de mais nada.
O que eu duvido. Com Quincy como presidente, nossas ações subiram e os investimentos
aumentaram. Sempre teremos crédito no mercado.
— Trabalho – digo antes de tomar um gole do uísque —, está tão desocupada assim para
prestar atenção no que estou fazendo?
Minha pergunta grosseira e faz sorrir.
— Você sabe que sim, eu ainda não estou preparada para desistir de você – ela joga
limpo —, só vou fazer isso quando se casar de novo.
Ela toma o Martini e me encara.
— E você ainda não substituiu Sara, não é? – Rose nunca escondeu seu interesse por
mim, ainda mais depois do romance que tivemos.
Mas acabou rápido e sempre deixei claro que não tenho interesse em me casar de novo.
Nem com Rose ou qualquer outra mulher.
— Sara é insubstituível – falo sério e olho para frente, para o mar de prédios em Chicago.
Samuel está dando a festa em um terraço, está repleto de convidados e eu só vim por
obrigação. Preferia estar em casa lendo contratos. É menos tedioso do que estar ali no meio
daquelas pessoas que querem apunhalar umas às outras pelas costas. Esse é o mundo corporativo,
ninguém se respeita, e todos querem se engolir. O mesmo acontece com Rose, duvido que se eu
fosse o caixa do banco ela teria o mesmo interesse em mim, embora ela tenha fama de gostar de
ir para cama com os estagiários.
Nada contra, ela pode transar com quem quiser. Só não faz meu tipo.
— Você tem que abrandar esse seu coração de pedra, Quentin. – Ela toca meu paletó e
desliza os dedos pela borda, dando um sorriso sexy quando sua mão para na altura do meu pau.
Não é sexy e não fico excitado. Ao contrário, tiro a mão dela com discrição antes que ela
faça algo que possa envergonhar a ambos e sei que ela é bem capaz disso para chocar e me
comprometer. Ela só não ficou grávida porque fiz vasectomia, do contrário, ela teria ficado se
pudesse. Rose não brinca quando quer alguma coisa, e ela me enxerga como um objeto a ser
conquistado tanto como status quanto por prazer. Mas seu interesse não me agrada.
— Não tem nada a ver com coração de pedra, mas sim com escolha – solto seu pulso
devagar —, eu não escolhi você, melhor se conformar.
— Como eu disse, a guerra só estará perdida quando outra mulher tiver seu nome e um
anel no dedo esquerdo, enquanto isso, não vou desistir. – Ela pisca para mim e se afasta para
falar com alguns conhecidos.
Rose é filha de um multimilionário, sempre teve tudo o que quis e ela me enxerga como
um desafio, se não fosse isso, ela estaria correndo atrás de outro pretendente. As ações do banco
foram um presente do papai e ela age como se fosse a dona, às vezes, ainda depois que
transamos. Além disso, temos vinte anos de diferença, é muito a meu ver. Ela é uma criança que
mal saiu das fraldas e eu já sou avô.
Olho ao redor e cumprimento o prefeito de Chicago, Dexter Saleviev. Ele me
cumprimenta de volta e ao seu lado está sua esposa grávida, Emma. Ele é de origem russa,
naturalizado norte-americano e devido à influência financeira da família e os contatos políticos
certos, se tornou o prefeito da cidade na última eleição. Sei que a família dele provém da máfia,
da Bratva. Mas é um detalhe que deixamos escondido por debaixo dos panos, enquanto ele servir
aos interesses dos poderosos, ele será aceito como um de nós.
Despeço de Samuel e deixo a festa, quando entro no elevador, vejo Rose vir na minha
direção, mas apresso em fechar a porta e ela perde a oportunidade de me infernizar mais um
pouco. Aliviado, encosto no espelho da parede e fico olhando para o chão. Quando Sara morreu,
minha vida se tornou solitária. E o tempo se incumbiu de tornar tudo mais vazio e sem sentido.
Quando ela descobriu que não havia mais chances para a cura, cansou de me dizer para
seguir meu caminho, encontrar um novo amor. Lembro de ficar bravo com ela. Tínhamos trinta e
oito anos e uma história, e a morte dela me devastou. Sempre tive o trabalho como uma segunda
casa, então quando os meninos foram para a faculdade o vazio foi camuflado.
Mesmo assim, sempre carrego a sensação que minha família se desfez. Meus filhos estão
seguindo seus caminhos, não precisam mais de mim para nada, e Sara não está mais aqui. Qual o
sentido de viver, então? Antes, eu tinha certeza que meu objetivo era ser um excelente banqueiro,
mas trabalhei tão bem nos últimos anos que tudo caminhou de forma que a cada dia, não
precisem mais da minha presença.
Tenho pessoas da minha confiança para fazerem tudo. E apesar de ser a minha palavra o
que define o curso das coisas, sei que há pessoas ali dentro que fariam tudo seguindo minha linha
de trabalho. Pessoas que trabalham há mais de vinte anos comigo e me viram usar métodos que
deram certo e replicariam a mesma coisa.
Então, quando chego em casa e escuto o chorinho de Joseph, eu me lembro que ainda
tenho mais um motivo para viver. A porta do quarto dele está entreaberta e entro de uma vez e,
em quinze dias, é o meu primeiro encontro com a Senhorita Lewis. Ela está usando pijamas
longos e tentando acalmar Joseph que chora sem parar. Quando me vê, ela fica tensa e desvia o
olhar de imediato.
Com medo. E isso me deixa chateado, nunca quis que ela sentisse medo de mim.
— Boa noite, Senhorita Lewis – eu a cumprimento.
— Boa noite, Senhor Hastings. – Ela continua agitando meu neto no colo, mas sem
sucesso, ele não para de chorar.
— Algum problema?
— Ele parece nervoso e não quer dormir... – ela lamenta com certa ansiedade.
— Deixe-me tentar. – Eu estico os braços para ela.
Ela hesita, o que me deixa surpreso, mas não posso condená-la, Abby não sabe nada
sobre mim além de que sou um patrão babaca. Pego meu neto quando ela o estende para mim e o
coloco entre os meus braços.
— Oi, Joseph – murmuro enquanto ele chora, o aninhando para que se sinta seguro. —
Aqui é o vovô... sim, é o vovô Quentin... o que foi, meu bem? Está doendo alguma coisa?
Então faço com ele o que fazia com meus filhos: começo a cantar uma canção de ninar e
em minutos ele vai se acalmando, e juro que até sorriu antes de adormecer nos meus braços. Fico
aliviado quando percebo que foi apenas uma agitação e não está doente.
Quando olho para o lado, noto que a babá está me observando com cuidado. Seus braços
estão cruzados e os lábios crispados, tensa.
— Dois filhos me deram certa experiência – justifico.
— Além disso, você é o avô, é normal que ele se sinta seguro – ela fala para minha
surpresa.
Imaginei que ela me ignoraria, mas está sendo educada.
Vou até o berço e, com cuidado, deposito meu neto sobre o colchão e ajeito o cobertor
sobre ele. Depois fecho o mosquiteiro e me volto para ela. Ela está séria, rígida e percebo a
insegurança em seu olhar.
— Quero pedir desculpas pelo que disse no dia em que nos conhecemos – sou direto,
antes que ela fuja por aquela porta e eu não tenha oportunidade de me desculpar.
— Eu já me esqueci daquilo...
Balanço a cabeça em negativa e sorrio:
— Não esqueceu, sei que a magoei, meu comentário foi infeliz e desnecessário, eu me
arrependi...
— O senhor só se arrependeu por causa do que eu revelei – ela me enfrenta corajosa.
E não me sinto desrespeitado por isso, ao contrário, o fato de ela não demonstrar medo
em me dizer o que sente, é um ponto a favor dela.
— Sim, e sinto muito pelo que passou – eu a encaro e dou um passo para ela —, não
consigo conceber o tamanho da perde que sofreu.
Ela relaxa os ombros e aquiesce.
— Obrigada por sua consideração, Senhor Hastings.
Abby precisava desse pedido de desculpas e eu também. Fico aliviado por ter conseguido
finalmente.
— Não vai acontecer de novo, fique tranquila...
— Espero que não – sua resposta deixa claro que não confia em mim.
O que é uma ofensa, mas não vou entrar em detalhes. Ela tem todo direito de estar
reticente com relação às minhas atitudes.
— Boa noite, Senhorita Lewis – é tudo que tenho a dizer.
Tentar convencê-la de que não vou magoá-la com meu preconceito ou impulsividades é
uma tolice. É o mesmo que dizer a uma pessoa que foi picada por um escorpião que não vai
acontecer de novo.
— Boa noite, Senhor Hastings. – Ela permanece de braços cruzados na defensiva.
Assinto e saio do quarto, fechando a porta.
Não deveria estar satisfeito por dar encerramento a esse assunto, mas estou. E para certos
tipos de emoção, não há explicação.
CAPÍTULO 6

— Alguém já lhe disse que seu talento é nato? – a voz da professora Annie Ferry me
desconcentra.
Estamos trabalhando com gesso e acabei de finalizar meu primeiro busto.
— Obrigada – olho para a foto presa no suporte e para o busto —, parece que consegui.
— Quem é?
— Meu pai – fico sem graça em responder —, nós éramos muito ligados, mas ele morreu.
— Ah, que pena, ele ficaria muito orgulhoso do seu trabalho. – Ela toca meu ombro e se
afasta para falar com outro aluno.
Termino meu trabalho e limpo minhas coisas, arrumo minhas ferramentas e guardo tudo
no meu armário.
— Abby, Abby – Steve, o rapaz da recepção, vem correndo atrás de mim.
— Oi, Steve, tudo bem?
— Não está nada bem – ele respira fundo —, será que você podia me ajudar?
Desde que comecei as aulas na escola, temos nos aproximado e estamos criando uma
amizade legal. Ele é casado com Seth, o professor de pintura, que também conheci e é um amor
de pessoa.
— E o que seria?
— A modelo do curso de pintura não veio e eles precisam de uma pessoa para posar para
eles – diz ansioso —, será que você poderia posar para eles esta noite?
— Eu? – me contraio totalmente. — De jeito nenhum...
— E por que não? Você só tem que ficar sentada e parada por uns quarenta minutos...
— Sou tímida. – Fecho meu armário e o encaro.
— Uma professora é tímida? – ele rebate.
Reviro os olhos:
— Dar aula para trinta crianças é diferente de ficar parada na frente de adultos... –
comento.
— Trinta minutos? – ele coloca as mãos na frente do corpo como se fizesse uma prece
—, o que são trinta minutinhos da sua vida?
O problema é que não consigo falar não para as pessoas. E não preciso voltar para casa
nas terças e quintas. A Vallery fica com o Joseph para que eu possa ir para a terapia e fazer as
aulas de arte. Não tenho que voltar para casa rápido.
— Está bem, mas só trinta minutos e você dá um jeito de me liberar, está bem?
— Claro, obrigada, Abby! – Ele me dá um beijo no rosto e segura o meu braço, me
levando pelo corredor e para o salão das aulas de pintura.
Sinto meu rosto queimar de vergonha quando vejo todas as telas ocupadas. Ainda bem
que não consigo ver o rosto de ninguém dali. Seth se aproxima de nós e sorri quando me vê.
— A Abby topou servir de modelo – Steve o avisa.
— Que maravilha! – Seth leva a mão ao peito, aliviado. — Pensei que eu mesmo teria
que ser... – brinca —, vou fazer um jantar especial para você, prometo.
— Preciso ir para a recepção – Steve pisca para nós dois e sai da sala fechando a porta.
— O que eu preciso fazer? – Olho ao redor colocando minha bolsa em cima da cadeira.
— Tira a roupa e senta em cima daquele cubo. – E aponta para a peça alta no centro do
salão.
— O quê? – Fico perplexa. — Como assim? Nua?
— Claro, como você acha que as pessoas posam? Sem roupa...
Entro em pânico.
— Meu corpo não é perfeito, Seth!
— Mas de ninguém é, querida! – ele diz tranquilo. — E os alunos não estão aqui para
julgar seu corpo, e sim para reproduzi-lo...
Olho para as telas e depois para ele:
— Não sei se consigo, imagina, ficar pelada na frente dos outros!
— É arte, Abby – ele me segura pelos ombros —, respira comigo, por favor...
Respiro fundo junto com ele.
— Ninguém aqui vai olhar sua celulite se tiver uma, elas vão pintar a sua alma, sabe
disso...
Eu sei. Compreendo que um verdadeiro artista vê além da carcaça e não posso discutir
isso. Eu sou artista, sei que quando olho uma imagem, não observo os defeitos, mas quero ver
mais além.
— Eu sei – admito.
— Então tira essa roupa, estão todos esperando.
— Tem uma toalha, ou qualquer coisa que possa esconder meu corpo até chegar naquele
cubo? – Aponto para o meio da sala.
— Tenho. – Ele pega a toalha em cima das costas da cadeira e me entrega.
— Obrigada – vou para trás do biombo e tiro a roupa. Sinto minha mão tremer quando
enrolo a toalha ao meu redor. — Deus me ajude...
Sei que ninguém ali vai me expor, mas fico insegura. Muito mais pela forma como meu
corpo mudou do que por qualquer outro motivo. Saio de trás do biombo e caminho até o cubo
sem olhar para ninguém. Subo a escadinha de madeira e fico em cima dele. Então me sento e
olho ao redor, tentando não ver ninguém ou reconhecer qualquer pessoa.
— Relaxe – a voz de Seth me assusta e me volto para ele —, é só ficar de uma forma
confortável e tentar ficar parada o máximo que puder, está bem?
— Sim – assinto.
— Você está linda – elogia e se afasta com um sorriso animado.
Respiro fundo e relaxo.
Tiro a toalha e a deixo cair no chão. Então deixo uma perna pendente para fora do cubo,
encolho a outra para apoiar meu queixo no joelho e abraço essa mesma perna. Tento ficar o
máximo que posso desse jeito, meus cabelos deslizam pela minha pele e tocam minhas costas,
até a altura da minha cintura.
Sei que deveria cortar, dizem que mulheres depois dos trinta não devem ter cabelos
compridos, mas eu amo os meus, castanhos e ondulados. Sempre gostei, embora a maior parte da
minha vida minha mãe tenha tentado alisá-lo. Fecho os olhos enquanto estou sentada ali e me
recordo dos meus pais. Eu era filha única.
Eles se foram quase que um em seguida do outro. E fiquei sozinha, já trabalhava como
professora, eu era muito solitária. Tive um namorado de seis anos, ficamos noivos e meses antes
do casamento, ele me deixou para se casar com outra mulher, sem explicação nenhuma, sem me
dar um motivo. Ele só disse: eu me apaixonei, sinto muito.
Jurei que nunca mais teria outra pessoa e fiquei sozinha por anos.
Até que as colegas do trabalho decidiram colocar meu nome em um aplicativo de
encontros. Foi um belo desastre. Era um encontro pior que o outro, e eu já estava desistindo até
que o Ivan Koslov surgiu em minha vida. Ainda lembro de como fiquei encantada quando vi
aquele ruivo de quase dois metros de altura e olhos azuis tão lindos que não resisti.
Meu coração bateu acelerado e senti a magia acontecer. Tínhamos tanta coisa em comum,
gostávamos das mesmas coisas e passamos uma noite toda só conversando. Não rolou nem beijo
ou sexo e fiquei ainda mais interessada, porque ele não queria só me comer. Ele queria algo
mais, também sonhava em formar família e ser pai. Era melodia para os meus ouvidos carentes,
Ivan passou a ser meu motivo para sorrir, para levantar da cama, pintar os cabelos e ouvir
músicas românticas.
Em um mês estávamos transando e em dois meses, ele já estava morando no meu
apartamento. Quando ele fez o primeiro escândalo porque eu havia saído com as minhas amigas,
eu o perdoei, então, decidi não sair mais para não o irritar. Daí, um dia, eu salguei demais o bife,
ele jogou o prato contra a parede. Pediu desculpas, e o desculpei. O outro dia foi o aperto no
braço quando ele achou que eu estava falando demais perto dos meus colegas de trabalho.
Ele não tinha família nos Estados Unidos, estavam todos na Rússia e não havia muito
contato. Nunca falava sobre eles e também não perguntava, sempre pensei que fosse um tabu e o
respeitava. Então, uma noite, quando eu perguntei como eram os pais dele, levei um tapa no
rosto e ele me fez sentir culpada porque eu estava perguntando demais.
E eu me senti responsável e, por fim, eu estava pedindo desculpas e não o contrário. Meu
rosto ainda estava com as marcas dos dedos dele e eu implorava para ele me perdoar por ser tão
indiscreta e fazer perguntas que ele não estava preparado para responder.
Ele falou dos traumas da infância, de como sofreu, chorou e chorei com ele.
Por ter uma infância sofrida, compreendi suas atitudes violentas e o perdoei mais uma
vez. O problema foi que depois, as agressões foram ficando cada vez mais intensas, a ponto de
não conseguir ir trabalhar. Até que uma colega de trabalho fez uma denúncia quando viu as
marcas roxas nos meus braços.
Fizeram exame de corpo delito contra a minha vontade e Ivan foi preso. Pedi demissão do
meu emprego e nunca mais falei com essa colega por me expor dessa maneira e prejudicar meu
marido. Eu estava cega demais para enxergar que ela tentou me salvar do inferno que havia
entrado.
Consegui pagar um advogado e tirei Ivan da cadeia. Ele disse que corria o risco de perder
o visto de permanência nos Estados Unidos e nos casamos. Sentia que se ele fosse expulso por
minha causa, eu morreria de tristeza. Estava totalmente dependente dele. Fui trabalhar em outra
escola, mas não consegui ficar muito tempo, ele não me deixava em paz.
Ligava para mim o dia todo, me pedindo para resolver seus problemas e eu não tinha
tempo para mim. Acabei perdendo o emprego e foi nessa época que descobri que estava grávida.
Ivan trabalhava com exportação em uma empresa norte-americana e tinha um cargo bom,
ganhava bem, mas sempre que precisei do dinheiro dele fui humilhada.
Até mesmo para fazer o quarto do bebê, tudo era motivo para ele me fazer sentir um lixo.
E conforme eu engordava por causa da gravidez, ele dizia que estava perdendo o tesão. Eu comia
o suficiente para não me desnutrir e apenas a barriga aumentava. Ele passou a me chamar de feia,
esquisita, criticar as minhas roupas, tudo era horrível para ele.
E eu tentava provar que eu era a mulher certa e fazia tudo o que ele queria. Até mesmo
deixar ele sair com os amigos para ficar feliz, qualquer coisa desde que ele ficasse.
Então, eu descobri a traição. Ele estava saindo com uma colega do trabalho, e eu os
flagrei no apartamento dela. Fiquei vigiando por semanas até conseguir o flagrante, com aquela
barriga enorme com nove meses, eu o enfrentei, a menina tinha dezoito anos e era estagiária. Ela
ficou tão sem graça, mas ele disse a ela para ficar de boa e veio para cima de mim.
Foi ela que chamou a polícia e a ambulância enquanto ele me batia.
Aquela garota salvou a minha vida e eu condenei meu bebê.
— Abby? – a voz de Seth me traz de volta à realidade.
Enxugo as lágrimas, não havia notado que estava chorando.
— Está tudo bem?
— Está.
Fiquei tão concentrada nas minhas lembranças que não notei que estava chorando.
— Foi intenso – ele diz emocionado também —, você ficou sentada aí por quase uma
hora e deixou todos os artistas emocionados.
— Não percebi – olho ao redor e vejo que estão arrumando as coisas para irem embora.
Ele pega a toalha no chão e me entrega.
— Obrigado por dar o melhor de você para esses artistas...
— Não foi nada...
Eu dei? Não percebi também. Ele me ajuda a descer do cubo e me enrolo na toalha. Forço
um sorriso e vou vestir a minha roupa.
— Quando as imagens ficarem prontas, vou poder ver? – pergunto para Seth quando
pego a minha bolsa na cadeira.
— Claro, se quiser...
— Eu quero ver o que os pintores enxergaram – aviso.
— Está bem, eu deixo você ver se eles quiserem. – Ele sorri e me abraça.
Eu o abraço de volta com carinho. É bom saber que nesse mundo existem pessoas boas e
maravilhosas. Seth e Steve são desse time de pessoas que valem a pena conhecer. Saio do salão e
ando pelos corredores. Cumprimento algumas pessoas e quando chego ao topo da escada para
descer os degraus, fico surpresa ao notar a figura elegante de terno e gravata conversando com a
diretora da escola, a Senhora Annais Leblanc, neta do fundador da escola de artes.
Fico tensa, e ele sente que é observado e se volta para mim.
Meu coração acelera quando noto seus olhos verdes sobre mim. Ele não parece surpreso
em me ver, e então desço os degraus para não denunciar o quanto estou desconfortável em vê-lo
fora da mansão.
Cogito em passar direto, mas a Senhora Leblanc me vê e sorri. Não a conheço, nunca nos
falamos, mas eu já a vi andando pelos corredores. O avô dela era Riquelme Leblanc, um
renomado pintor francês que se apaixonou por uma americana e ao mudar para Chicago, fundou
a escola.
— Senhorita Lewis – ela diz meu nome para minha surpresa e sou obrigada a olhar para
os dois e não passar direto —, não sabia que tínhamos uma ilustríssima aluna em nossa escola.
Ilustríssima? Fico surpresa.
— Está falando comigo? – Levo a mão ao peito.
— Sim – ela franze o cenho, confusa —, seu pai não é Charles Lewis?
— Sim, a senhora o conheceu?
— Sim, há muitos anos. Ele expôs uma vez em Nova Iorque e eu comprei um busto que
está na minha sala – ela conta me deixando boquiaberta.
— Não sabia...
Olho para ambos, sem graça. Não sabia que meu pai havia exposto suas obras em Nova
Iorque ou que a Senhora Leblanc teria uma peça em sua casa.
— Uma pena ele ter abandonado a arte – ela lamenta —, mas foi bom Quentin ter me
trazido à memória tal feito. Eu infelizmente não liguei o nome à pessoa, sinto muito.
— Não precisa se desculpar, eu também não sabia – afirmo e ela sorri aliviada.
Como eu também não sabia que o Senhor Hastings estava a par disso.
— Quentin é um dos nossos maiores patrocinadores – ela diz orgulhosa —, Sara foi
professora de piano da escola.
O que me deixa ainda mais surpresa.
— Eu vim fazer uma visita à escola, não imaginava que estava matriculada aqui – ele
comenta, sério.
Sinto um misto de emoções por aquele momento inusitado.
— Ainda bem que veio – Annais sorri para ele com cumplicidade —, deveria fazer isso
mais vezes. Logo teremos uma exposição para divulgar o trabalho de nossos alunos, espero que
participe.
— Claro que sim, Annais.
Alguém a chama e ela se despede e então ficamos só nós dois.
— Eu preciso ir – falo, precisando fugir desse momento constrangedor.
Não sei por que estou tão nervosa, eu mal consigo respirar na presença desse homem.
— Não quer uma carona para casa? – ele oferece.
— Não, obrigada – forço um sorriso —, estou de carro.
E sem esperar resposta, saio praticamente correndo dali, como se estivesse fugindo da
tentação. E, talvez, eu esteja, só não quero aceitar o fato.
CAPÍTULO 7

Quatro escolas de artes conceituadas em Chicago, e Abby Lewis tinha que cair
justamente na que Sara foi professora e a qual o banco é o principal patrocinador. Fazia tempo
que não a visitava e Victória colocou na minha agenda para essa semana. Só não imaginava que
em meio à visita veria a Senhorita Lewis sentada nua sobre um cubo na aula de pintura.
Não consegui ouvir uma palavra do que Annais dizia enquanto caminhávamos pelo salão,
observando os alunos. Meus olhos estavam presos nela, somente para ela. Fiquei fascinado pela
forma como ela estava sentada, abraçada à própria perna, chorando num silêncio tão perturbador
que tive que me segurar para não atravessar o salão e abraçá-la.
O instinto protetor me atingiu de forma avassaladora. Ela não gemeu, nem sequer parecia
estar ali enquanto era observada por aquelas pessoas, era como se estivesse com sua alma em
outro lugar.
— Quem é ela, Seth? – Annais sussurrou ao professor.
— Abby Lewis – ele respondeu com um sorriso —, ela é linda, não é? Nunca conheci
uma mulher tão ferida e bonita ao mesmo tempo.
— Ferida?
— Nunca vi alguém chorar por tanto tempo num silêncio tão perturbador, Senhora
Leblanc – ele comentou como se falasse de poesia.
E a nudez dela era poesia, a pele macia, os cabelos que se desprendiam compridos por
todo o corpo. A curva do seio macio escondido pelos braços, as pernas que não mostravam tudo,
mas exibiam sua feminilidade tão perfeita.
De todas as coisas que vivi, vê-la nua não estava na lista de objetivos. Mas aconteceu e
senti meu corpo vibrar de tesão como há muito tempo não acontecia. Saímos do salão e Annais
se volta para mim.
— Ela trabalha para mim, Annais – conto a ela.
— Trabalha? Então você a conhece...
— Sim. Ela é filha de uma artista, o pai, na verdade, era bancário, mas antes ele foi
escultor, seu nome era Charles Lewis – conto o que li no relatório que pedi que fizessem sobre
ela.
Claro que depois da história do marido violento eu quis saber tudo.
— Charles Lewis? – Annais leva a mão ao peito, chocada. — O pai dela foi um
prodigioso artista, largou tudo para se casar com a namorada que estava grávida, eu me lembro
disso. Tenho uma escultura dele na minha sala!
Então, fomos até a recepção e descobrimos que ela estava cursando as aulas de
esculturas. Annais ficou animadíssima e eu totalmente revoltado por ter me sentindo tão atraído
por ela quando não era isso que eu queria. E vê-la de roupa minutos depois não ajudou em nada,
ao contrário, senti meu sangue ferver quando a vi no alto daquela escada. Abby fica linda com
aqueles cabelos soltos, são bonitos, e sinto uma vontade insana de tocá-los. E quando ela me fita
com desprezo, dispensando a minha carona? Não fico revoltado, apenas mais excitado.
Isso não é normal.
Quando chego em casa, o carro dela já está na garagem. Fico decepcionado quando vou
para o quarto de Joseph e não a encontro, e sim Vallery. O que eu estava pensando? Que a
encontraria e falaríamos sobre a escola de artes? Não. Tenho que parar com isso agora! Fico com
meu neto por um tempo antes de Vallery voltar e vou para o meu quarto.
Como se estivesse em abstinência, rolo de um lado para o outro na cama e acabo não
conseguindo dormir. Escuto Joseph chorar à noite e me levanto, visto meu roupão e saio do
quarto. Quando abro a porta, me deparo com Abby, ao invés de Vallery. Ela se volta para mim,
aflita.
— Ele não está bem, está com febre – fala angustiada.
Aproximo deles e levo a mão à testa do menino. Não preciso discutir para concordar com
ela.
— Vou colocar uma roupa e vamos ao hospital – aviso.
Ela concorda.
— Vou arrumar a bolsa dele.
O choro dele é dolorido e fico com medo que esteja sentindo dor. Meia hora depois,
estamos entrando na emergência do hospital. Apresento os documentos do meu neto e a carteira
do plano médico enquanto Abby é levada para a sala de atendimento. Termino e vou para a sala
onde o médico está atendendo meu neto. Ele só me observa quando entro e me coloco ao lado
deles perto da maca.
— Ele está com a garganta irritada e o peito cheio, vamos fazer alguns exames – ele avisa
e faz algumas anotações e entrega para uma das enfermeiras. — Vamos tirar a chapa do pulmão
e exame de sangue...
— Venham comigo – ela avisa.
Nós a seguimos e Abby mantém Joseph contra o seu peito a todo o momento, o
acalmando, dizendo que está tudo bem. Os exames são feitos e somos levados para um leito, mas
é impossível porque Joseph fica irritado. Eles o medicam para baixar a febre e o médico volta
para dizer que o pulmão está limpo, e deve ser apenas uma infecção de garganta.
— Acredito que ele também tem bronquite – o médico meneia a cabeça —, é bom passar
no pediatra responsável por ele e fazer alguns exames. Vou explicar como deve evitar algumas
coisas para ter um ambiente mais propício para evitar problemas respiratórios...
Pego Joseph do colo dela e Abby ouve atentamente o que o médico tem a dizer. Depois
de passar a receita, vamos embora. Ela se senta no banco de trás com ele e vou dirigindo pelas
ruas vazias de Chicago àquela hora da madrugada.
— Ainda bem que não é nada grave – digo a observando através do retrovisor.
— Graças a Deus! – ela fala aliviada e olha para Joseph que está dormindo no colo dela.
— Não devia estar de folga?
Ela me fita sem graça e força um sorriso, mas não responde. Ela não entrega Vallery que
deveria estar no quarto com Joseph.
— Como sabia que meu pai era escultor? – ela muda de assunto completamente. — A
Senhora Leblanc disse que você confirmou que a escultura na casa dela era do meu pai.
Não vou mentir.
— Eu investiguei sobre sua vida – conto.
Ela franze o cenho.
— Faz isso com todos os funcionários ou só os que respondem mal?
— Com todos, Senhorita Lewis. Não sei se percebeu, mas os Hastings têm muito a perder
colocando pessoas perigosas debaixo dos seus tetos. Ainda mais com Quincy sendo presidente
agora – comento.
Ela desvia o olhar para fora da janela e balança a cabeça de um lado para o outro.
— Desculpe-me se passei uma impressão errada, mas não é nada pessoal...
Abby volta a me olhar pelo espelho retrovisor:
— E por que me disse aquelas coisas no primeiro dia? Pensou que estivesse flertando
com seu irmão?
Franzo o cenho e faço que não com a cabeça.
— Não, eu só coloquei um limite entre nós – conto a verdade e os olhos dela se
arregalam levemente —, deixei claro que, apesar de ser bonita, não estou aberto a envolvimento
com minhas funcionárias.
Ela abre a boca, chocada. Eu a encaro e ela desvia o olhar para Joseph novamente.
Talvez, eu tenha sido sincero ao extremo. Mas prefiro assim a tecer mentiras que não me levam a
lugar algum. Voltamos para a mansão e eu levo a bolsa de Joseph enquanto a acompanho até o
quarto. Não há sinal de Vallery e quando Abby tenta colocá-lo no berço, ele começa a chorar e
ela o pega de volta, o acalmando.
Deixo a bolsa sobre a cômoda e me aproximo dela.
— Dê ele para mim – peço e o pego do colo dela.
Dessa vez, sinto a forma como nos tocamos quando o pego, algo que não senti antes. As
mãos dela tocam o meu braço e nos encaramos de perto, a ponto de notar que os olhos dela são
verdes que parecem duas pedras d’água. Não me afasto e ela também não.
— É melhor se trocar, Abby, eu fico com ele enquanto isso – aconselho.
Não é necessário que ela troque de roupa, mas ela ainda está com o jeans e a camisa que
estava usando na escola. Fico perguntando se ela também padece de insônia como eu sofro.
— Está bem. – Ela engole em seco e dá um passo para trás, quebrando o nosso contato
físico.
Ela sai do quarto e me sento no sofá, mas Joseph chora e sou obrigado a ficar de pé. Eu o
balanço e ele dorme outra vez. Quando Abby volta, ela está usando o pijama e faz menção de
pegá-lo, mas ele choraminga e o mantenho no meu colo.
— Está tudo bem – sussurro para ela —, ele dormiu agora.
Ela assente e olha ao redor. Procura o que fazer e começa a arrumar as coisas dele que
estão dentro da bolsa.
— Então, sua falecida esposa era pianista – ela comenta quebrando o silêncio entre nós.
Geralmente não falo de Sara a não ser que seja com a minha família. Mas tenho que
concordar que o silêncio pode ser ensurdecedor entre nós.
— Era, a melhor. Ela amava o piano, estudou música, se formou e foi ser professora.
Abby sorri quando me observa por cima do ombro.
— Vocês devem ter lembranças lindas – ela diz romântica —, meu pai fez uma escultura
em homenagem à minha mãe.
— Imagino que seus pais se amavam.
— Ah, sim, muito.
— E você herdou o dom dele com esculturas? Por que não estudou arte?
— Porque cresci em um lar ouvindo que arte não dá dinheiro. – Força um sorriso e leva
as roupinhas de Joseph para a gaveta.
— Às vezes, não é de dinheiro que precisamos – filosofo.
— Não vou julgá-lo por pensar assim, mas meu pai abriu mão do seu sonho, suas
esculturas não vendiam tanto, ele estava começando a carreira quando minha mãe ficou grávida.
Ele tinha esposa e filha para cuidar... – lamenta —, nunca foi um peso para ele. Mas eu me sentia
culpada...
— Culpada?
— Por ter estragado o sonho de ser artista – ela tenta sorrir, mas não consegue —, minha
mãe foi professora e ela costumava dizer que se não tivesse uma filha, teria sido mais... –
encolhe os ombros e fecha a gaveta —, isso me machucava...
— Também tive uma mãe problemática – conto sem perceber que estou falando da minha
vida —, foi um alívio quando saí de casa e nosso contato foi praticamente zero.
— Minha mãe era boa, mas era amarga e dava um jeitinho de me cobrar porque ela não
realizou os sonhos dela.
— Podia ter feito isso quando você ficou mais velha.
— Ela não correu atrás dos sonhos – encolhe os ombros —, o reconhecimento como
artista do meu pai veio justamente na época que minha mãe engravidou. Lembro da minha avó
paterna dizer que foi de propósito, para o meu pai não a deixar...
— Então sua mãe não se realizou porque não quis... – deduzo o óbvio.
— Hoje eu sei disso, mas quando se é criança e ouve tantas bobagens, a gente acredita e
começa a fazer qualquer coisa para ser amado...
Deve ser um dos motivos que ela se submeteu a tantas humilhações por parte do ex-
marido. Falta de amor próprio. Eu tive sorte, encontrei Sara e só a morte nos separou, muitos
passam a vida sem saber o que é ter um companheiro leal e verdadeiro.
— Enfim, fico feliz em saber que sua esposa era uma mulher da arte, ela devia ser
incrível – retoma o assunto inicial.
— Sara era uma mulher única – admito.
Como você é, Abby, penso mas não falo. E não penso assim porque tenho tesão por ela
agora, mas porque uma mulher que passou tudo o que ela passou e consegue sorrir, é um
milagre, uma guerreira que merece meu respeito.
— Quer tentar me dá-lo agora? – Ela estica os braços.
— Por que não vai descansar? Eu vou ficar com ele, vou levá-lo para o meu quarto e nos
entendemos lá...
Ela fica surpresa com a minha atitude.
— Pode ficar tranquila, fui um pai presente, sei como trocar uma fralda e fazer uma
criança dormir... se eu precisar, eu a chamo – aviso.
— Como quiser – ela está sem graça, mas não tem coragem de me questionar, afinal, não
sou apenas o patrão dela, sou o avô da criança —, boa noite, Senhor Hastings.
— Boa noite, Abby... – eu a chamo pelo nome sem perceber, mas noto que hesita e, sem
me olhar mais uma vez, ela sai do quarto.
Vou para o meu quarto com Joseph e aos poucos, consigo me deitar com ele na minha
cama.
— Parece que o vovô arranjou um grande problema, Joseph – sussurro para ele quando
consigo acomodá-lo sobre o colchão —, eu quero mais do que posso ter, garoto...
Parece que meu neto sorri quando digo isso.
Até meu neto está rindo de mim.
CAPÍTULO 8

The Miracle of Love, do Eurythmics, toca nos meus fones de ouvido. É a música que
mais ouvi minha vida toda e me tornou uma romântica tola. Não tem nada a ver com o amor,
mas com a minha vida, por isso, ela não se perdeu quando Ivan me tratou como um lixo, eu não a
ouvia por ele, a ouvia por mim. É meu hino, a música para ouvir até quando estiver velhinha e
arrepiar dos pés à cabeça.
Entro correndo na propriedade e aceno para o segurança, Jhonas, que acena de volta. Ele
já está acostumado a me ver sair às cinco da manhã e chegar às seis depois de correr e suar,
tirando todos os resquícios de depressão e pensamentos negativos. Pelo menos, três vezes por
semana preciso praticar exercício físico para não dar espaço para as coisas ruins que sondam a
minha mente e insistem em ficar.
A vida não é uma guerra contra o mundo, mas contra si mesmo.
E eu estou vencendo uma batalha por dia.
Entro na cozinha, ofegante, àquela hora apenas alguns funcionários já estão andando pela
casa. A maioria chega mais tarde. É um exército de pessoas para manter essa casa enorme
impecável para apenas um homem morar, é um desperdício. Bebo água gelada e respiro fundo
antes de encher o copo novamente. São cinco copos antes de começar o dia.
Estou no terceiro copo quando ouço a voz atrás de mim:
— Bom dia, Abby – Quentin me chama pelo nome outra vez e engasgo.
Geralmente, ou ele já saiu de casa, ou sai mais tarde, então dificilmente nos encontramos.
Pelo menos, foi assim nesse primeiro mês e nas semanas seguintes. E eu estava feliz, o evitar me
fazia bem, agora parece um pesadelo sem fim.
— Bom dia, Senhor Hastings. – Recupero o ar e o fito com atenção.
O homem está impecável, o terno alinhado e os cabelos arrumados. Eu me pergunto se
quando ele faz sexo também usa terno. O que estou pensando? Tento controlar meus
pensamentos, mas ainda questiono se ele sabe o que é fazer sexo ou faz só amorzinho? Será que
ele fica com os cabelos em desalinho e soca forte ou fofo?
Pare com isso, Abby Elizabeth Lewis! Eu me repreendo. Há muito tempo eu não pensava
assim ao ver um homem. Mas, na verdade, não estou atraída por ele, só debochando. O homem é
bonito? Sim, muito, mas ele é muito mais velho do que eu e tenho certo preconceito. Ele é
atraente? Muitíssimo, mas é rico e gosta de mulheres tão ricas quanto ele. Ele é sedutor e tem um
olhar de parar o trânsito? Sim, mas igual a ele tem centenas pelo mundo.
Quentin Hastings é apenas comum entre tantos homens lindos, tento me convencer disso
da mesma forma que me convenço que a aproximação dele não me perturba, mesmo quando ele
tenta evitar olhar para o decote do meu top e não apenas uma vez. Ele se esforça tanto para isso,
que fica evidente sua tentativa inócua de não o fazer.
O problema não é apenas esse, ele tem um perfume tão gostoso, mas claro, qualquer
homem pode ter um cheiro tão bom quanto ele.
— Minha secretária, Victória, conseguiu um horário com a pediatra de Joseph, então
fique preparada, às oito horas, o motorista virá buscá-los...
— Se quiser, posso ir com o meu carro – ofereço.
— Não – ele responde depressa demais —, prefiro que o motorista os leve.
Franzo o cenho levemente, mas decido não discutir, ele é o avô da criança, sou só a babá
que adora não depender dele para nada. Ele me dá as costas, finalizando o assunto.
— Ah, eu ia me esquecendo – ele se volta —, Annais me enviou uma mensagem pedindo
para avisá-la que está convidada para ir ao jantar na casa dela este fim de semana.
Fico chocada.
— Eu?
— Sim, ela disse a filha de Charles Lewis – ele conta —, foi bastante clara.
— Agradeça a gentileza, mas não poderei ir...
— Por que não?
— É o meu turno, Vallery estará de folga – aviso, mas é mentira.
É a minha folga, eu só não quero ficar no mesmo ambiente fora dessa casa que Quentin
Hastings, mas o destino parece implacável em me transformar em uma maluca neurótica que está
vendo pelo em ovo.
— Pedirei à Meredith que mude as folgas – ele avisa se afastando de novo —, Annais não
aceita não como resposta.
E sai da cozinha. Tento falar, mas ele já se foi. Fico perdida, eu não tenho nem roupa para
a ocasião. Só uso minhas roupas que meu salário de professora poderia pagar. E mesmo sendo
um evento simples, um jantar para conhecidos, exige algo mais chique, Annais Leblanc é uma
das mulheres mais ricas do país, sua família é influente, ninguém vai à casa dela para um jantar
vestindo um uniforme de babá!
Respiro fundo e tento focar no fato de levar Joseph ao pediatra.
Mas a ansiedade diante do evento de sábado começa a me tomar e não paro de pensar
nisso, mesmo quando estou no consultório com a médica falando e Hastings sentado ao meu lado
como uma estátua de mármore. Começo a observar que ele é muito seguro de si, nada parece
abalá-lo. Então me recordo que no dia em que cheguei em Chicago, ele estava hospitalizado
depois de discutir com o filho e a nora que abandonaram Joseph.
Ele é um simples mortal, só finge que não, ele sabe interpretar bem. Na verdade, se
preocupa com o neto e se eu for justa, tenho que admitir que não é qualquer avô que faria por
Joseph o que Quentin está fazendo. Inclusive, cuidar dele uma noite toda e acordar na manhã
seguinte pronto para o trabalho sem reclamar do sumiço de Vallery.
A médica pediu alguns exames para investigar a suspeita de bronquite de Joseph e
deixamos o prédio conversando sobre isso. Vamos ter que tirar as cortinas e os tapetes, as
pelúcias e colocar algo mais antialérgico. Ele pega o telefone e liga para Victória, a secretária, e
envia a lista do que precisa ser providenciado.
Tudo resolvido de forma tão fácil que fico surpresa.
O celular dele toca em seguida e atende.
— O que houve? – ele pergunta preocupado. — Está bem, estou indo para aí.
Ele desliga e se volta para mim:
— Vou ter que desviar o caminho por alguns instantes, isso é problema para você?
— De forma alguma – garanto sem me importar de sair um pouco com Joseph e passear
—, não temos nada para fazer em casa, não é, bebê?
Joseph dá um sorriso da cadeirinha e sorrio para ele também.
— Depois vou ligar para a mãe de Sydney para pedir o histórico médico da garota, pode
ser que nos ajude a descobrir muitas coisas sobre Joseph – ele comenta.
— Seria bom – concordo.
Ele olha para o neto que pareceu sorrir quando ele falou.
— O que foi, bebê? – ele indaga e faz uma careta engraçada para Joseph. — Está rindo
do vovô, é?
É tão engraçado ver um homem tão jovem se chamar de vovô. Nos dias atuais, em que as
pessoas estão cada vez mais demorando para ter filhos, seria normal que ele fosse pai outra vez.
— Ele lembra tanto Robert quando era bebê, realmente, ele é um Hastings – diz
orgulhoso.
— E faria alguma diferença se não fosse? A essa altura? – pergunto e levo a mão à boca,
arrependida. — Me perdoe... eu não quis...
— Você quis – ele insiste com bom humor.
Acabo rindo.
— Sim, eu quis dizer, eu e minha boca grande – reclamo batendo sobre ela levemente.
— Não faria. E se alguém tentar tirá-lo de mim, sou capaz de mover céus para não
permitir...
Fico surpresa com a determinação em sua voz.
— Mesmo se seu filho ou sua nora se arrependerem no futuro?
Ele hesita e me encara antes de responder.
— Estou cuidando de tudo para adotá-lo, Abby, e se isso acontecer, meu filho perderá o
direito sobre Joseph – fala determinado —, vou fazer tudo dentro do âmbito da lei, mas não vou
permitir que brinquem com os sentimentos do meu neto. Se eles não querem, vou ficar com ele,
mas será meu filho...
Sinto meu coração disparar diante da determinação dele e engulo em seco.
— Lá no Clube das Mães Solteiras vi tantos homens abandonando seus filhos que sua
atitude chega a ser louvável – comento colocando para fora minha admiração, antes que vire
outra coisa.
— Um homem que abandona seu próprio filho, mesmo que não o ame, não é confiável.
— Se todo mundo pensasse como você, o mundo seria outro – ironizo.
— Eu sei, mas não pensam, porém, Robert sentiu na pele o quanto pesa para mim o que
ele fez com o próprio filho. Se você não respeita quem é sangue do seu sangue, vai respeitar
quem?
A pergunta dele me deixa atônita. O motorista para o veículo e então percebo que
estamos em um bairro tranquilo de Chicago e olho para a placa da entrada da propriedade: Casa
de Repouso Miracle. O segurança da guarita nos deixa passar e o motorista segue até parar diante
de um prédio altivo e bonito. Olho para lá confusa, e o motorista abre a porta para Quentin
descer e depois para mim e para Joseph. Eu o pego no colo e descemos.
— Não vamos demorar, é uma visita rápida... – Quentin me avisa.
Andamos um ao lado do outro e fico confusa.
— Quem vamos visitar? Não quer que eu espere no carro?
— Não precisa esperar e quero mostrar Joseph para ela – ele me avisa e fico curiosa,
porque não me diz o nome da pessoa que vamos visitar.
Entramos e uma enfermeira nos aguarda, sem fazer apresentações, ela nos leva até o
andar térreo, a porta é aberta e uma senhora está sentada em uma cadeira de rodas em frente à
janela. Ela se volta para nós e dá um sorriso largo.
— Menino Quentin. – Ela estica os braços.
— Michele – ele se aproxima dela e a abraça com imenso carinho, beija seu rosto e
cabelos e ela ri sem parar.
— Pare, menino! – ela o trata como se fosse uma criança. — Não seja atrevido.
Ele se afasta e ela me observa com curiosidade. Ajeita os cabelos brancos e os óculos
sobre o nariz.
— Essa é a Abby, eu trouxe o Joseph para você conhecer.
— O seu neto? – ela pergunta emocionada.
— Sim, querida, o meu neto. – E ele move a mão para que eu me aproxime.
— Abby, essa é Michele Martin, ela foi minha babá – conta.
Fico tão surpresa que o encaro perplexa.
— Eu vi os filhos dele crescerem – ela diz orgulhosa —, mas aí minhas pernas pararam
de funcionar – bate a mão sobre a coberta sobre as pernas —, e vim parar aqui. Como vai, Abby?
— Eu vou bem, e você?
— Feliz porque trouxeram o Joseph, deixe-me vê-lo...
Eu me abaixo para entregá-lo a ela.
— Ah, meu Deus! – ela fala emocionada enquanto o ajeita em seu colo.
A experiência é tão vasta, que Joseph não reclama de estar no colo de uma pessoa
diferente, ao contrário, ele se sente muito bem ali.
— Ele se parece com você quando era bebê, menino – ela diz para Quentin que sorri
orgulhoso —, um neto – ela suspira e olha para mim —, e uma esposa. Você é mesmo um
homem sortudo...
— Eu não sou... – começo a falar.
— Ela não é minha esposa, Michele – ele garante —, ela é a babá de Joseph.
— Que idiota! – ela xinga baixinho. — Você é um burro se não se casou com um
mulherão desses! – Me aponta e fico sem graça.
— Você vai constrangê-la – ele pede.
— Eu ficaria constrangida de ser olhada por você do jeito que olha para ela e não ser
pedida em casamento, isso sim! – ela joga na nossa cara.
Fico sem graça e Quentin também.
— Velha da língua afiada...
— Só trago verdades – ela sentencia e olha de novo para Joseph —, agora posso morrer
em paz. Conheci quatro gerações de Hastings, na verdade, cinco, porque também conheci o avô
de Quentin, claro que não fui babá dele – ela diz e todos rimos —, ah, meu Deus, a quinta
geração de Hastings sobre essa Terra que eu pude ver, obrigada por esse milagre.
Ficamos ali por mais meia hora e, então, Quentin avisa que precisamos ir e que ele
voltaria na semana seguinte com Joseph. Deixamos o local e eu não aguento e preciso perguntar.
— Por que ela mora em uma casa de repouso e não em sua casa? – questiono.
Ele me fita de lado e dá um sorriso.
— Você deveria ser demitida por ser tão impertinente – acusa e sorrio sabendo que ele
não vai me demitir, não por causa das minhas perguntas —, mas eu tentei deixá-la na mansão,
mas ela se sente mal, não consegue ficar lá, estar perto de nós e não poder ajudar a deixa
depressiva, na casa de repouso ela sente paz. – Encolhe os grandes ombros, resignado.
— Parece justo – admito.
— Você faz um péssimo juízo sobre mim, não é?
Eu o encaro. Se ele realmente soubesse o que penso sobre ele neste momento, me
demitiria: ele é um dos homens mais humanos que já conheci. Cuida de todos que o cercam e
não é tão arrogante quando pensei que fosse. Gosto de estar com ele.
— Faço mau juízo de todas as pessoas – minto e desvio o olhar —, acostume-se – e
brinco com Joseph para disfarçar meu súbito nervosismo.
— Espero que nosso tempo de convivência possa mudar sua opinião sobre mim...
Ergo o rosto e o encaro de repente. Ele está me observando com intensidade,
atentamente, a ponto de fazer meu coração tolo disparar. Isso não é bom, nem para mim, ou para
ele. Joseph faz um barulhinho e olho para ele.
Preciso de ajuda, Joseph – digo em pensamento – acho que estou querendo mais do que
posso ter, pequeno, e isso não é bom. Não mesmo.
CAPÍTULO 9

— O senhor me pediu para mudar a folga da Senhorita Lewis, mas ela já está de folga no
sábado à noite...
Encaro Meredith e franzo o cenho, pensativo. Não sei por que estou surpreso de ela fugir
de ir a uma festa. A mulher é um poço de problemas e mesmo assim, insisto em me sentir atraído
por ela. Sei que fazer a vontade de Annais e levá-la vai ser um erro. Minha experiência me diz
que vou me arrepender disso o resto da vida. Mas tem o outro lado que se pergunta se não vale a
pena ao menos descobrir por que Glenda Scott Rhodes pensou nessa mulher como minha esposa
e não outra.
Eu sou um idiota.
— Falarei com ela – aviso.
Meredith sai do quarto e eu tomo meu uísque bem devagar. Tive um dia agitado,
reuniões, Rose insistindo para sairmos de uma forma que chega a ser irritante. Agora, ela está
indo no banco todos os dias e me cercando, como se eu fosse um frango e ela a raposa com fome.
Respiro, cansado. Ela não vai desistir enquanto eu não me casar de novo, então vai envelhecer
me enchendo o saco.
Viro o restante do uísque e deixo o copo sobre o móvel, antes de ir em direção às escadas
e subir até o quarto de Joseph. Fico surpreso quando encontro Vallery. Entro e pego meu neto no
colo, depois de um dia cheio, senti-lo é uma forma de refazer minhas energias.
— Como ele passou o dia? – pergunto.
— Bem, senhor. As mudanças no quarto ajudaram bastante – ela diz mostrando ao redor.
Observo também, a cortina antialérgica, o tapete foi substituído por um tatame, coisas
simples para evitar que a bronquite piore. Nada de pelúcias, até porque ele não tem idade para
brincar com nada disso.
— É folga da Senhorita Lewis hoje?
— Hoje é quinta-feira, ela tem aula de artes – ela me faz lembrar.
Verdade. Havia me esquecido disso, ela vai às aulas nas terças e quintas. A lembrança
dela nua queima na minha mente e fico excitado. Respiro fundo tentando controlar meus
instintos, mas a cada dia isso parece mais difícil. Quando penso que estou livre, ela retorna com
um sorriso furtivo, um olhar perdido e hesitante sobre mim, em uma tortura tão intensa que tenho
que me controlar para não esticar meu braço e tocar sua pele macia.
Aquela mesma pele exposta para os artistas, onde os cabelos castanhos roçaram como se
fosse poesia enquanto ela chorava em um silêncio perturbador. Tomo um banho gelado, mas nem
isso aplaca minha necessidade de falar com ela mais uma vez. De vê-la. Parece um maldito
feitiço o qual não consigo controlar. Visto meu moletom e vou correr na esteira da sala de
ginástica, corro até me sentir exaurido.
Levo a garrafa de água à boca e percebo que bebi tudo. Vou até a cozinha para enchê-la e
fico surpreso quando encontro Abby sentada à mesa tomando um café. Ela fica surpresa quando
me vê.
— Boa noite, Abby – eu a cumprimento.
— Boa noite, Senhor Hastings – ela desvia o olhar para a xícara de café.
Vou até o purificador de água e encho minha garrafa enquanto meu sangue ferve por
saber que ela está perto. Tão perto que meu pau pulsa dentro da calça. Isso não é normal, não
quando parece que há uma maldição sobre as funcionárias escolhidas por Glenda Scott Rhodes.
Tento não pensar nisso, mas não consigo evitar. Há muito tempo eu não tinha ideia de como é
me sentir tão atraído por uma única pessoa e não poder tocá-la.
Um homem na minha posição social, com status do meu sobrenome, pode ter a mulher
que desejar. Se eu mandar um oi para Rose, ela estará na porta da minha casa em cinco minutos e
nunca mais sairá da minha vida. Ela é rica, bonita e diante dos olhos da sociedade, somos
compatíveis para sermos um casal. Mas não é ela que meus olhos cobiçam, eu quero uma mulher
que jurei não cobiçar.
Termino de encher a garrafa e tomo um gole.
O silêncio de Abby é incômodo. Ela não quer ficar perto de mim, e sempre que estamos
perto, mesmo que eu a encare com mais atenção, ela desvia o olhar, hesitante. Ela é uma
incógnita para mim. Todas as mulheres se jogariam aos meus pés, menos Abby Lewis. Por seu
passado ou por que me considera um babaca? Essa necessidade maluca de provar a ela que não
sou tão ruim quanto parece é doentia.
Então, depois de alguns minutos lutando contra meu bom senso que me diz para sair da
cozinha e esquecer essa mulher, minha língua entra em ação:
— Meredith me disse que está de folga no sábado – comento me voltando para ela.
Aproximo da mesa e a vejo ficar tensa.
Ela ergue o olhar quando fico diante dela e puxo a cadeira para me sentar, deixando claro
que sei que ela estava mentindo para mim.
— Estou de folga – ela admite sem graça.
— Posso saber por que mentiu?
— Porque não quero ir – ela suspira pesado —, não sei se vou ficar à vontade no meio de
pessoas que não conheço.
Ela ficou nua na frente de estranhos, mas tem vergonha de ficar vestida num jantar? Isso
é contraditório.
— Não acredito em você – eu a encaro e ela comprime os lábios —, está mentindo para
mim. E sei reconhecer um mentiroso, Abby.
Ela enruga a testa e respira fundo de novo. Olha para a xícara de café e depois para mim.
— Não tenho roupa para ir, Senhor Hastings – admite e vejo seu rosto corar —, não para
o ambiente como a casa de Annais Leblanc.
Sinto que está sendo sincera e tem razão. Somente a nata social frequenta a casa de
Annais. Pessoas importantes vão estar lá e vestir um uniforme de babá não vai ajudá-la a se
sentir à vontade ou ser aceita como um deles.
— Isso não é problema – retruco.
Ela me fita como se fosse um louco.
— Meu salário, mesmo sendo bastante generoso, não permite certas excentricidades – ela
ironiza.
— Não seja por isso, vou pedir à Victória que compre um e mande entregar aqui.
Ela arregala os olhos e posso notar que ficou ofendida.
— Não quero nada seu – ela é direta, cortante.
— Por que não?
— Porque não quero. O que os outros funcionários vão pensar? – ela se indigna e move
as mãos no ar. — Que sou algum tipo de... – mas não termina a frase.
— Tipo de quê? – eu provoco, sei o que ela ia falar, mas quero ouvir.
— De... – ela gagueja —, de amante do patrão, Senhor Hastings. Patrões não dão
presentes para suas funcionárias.
— Eu não devo satisfações a ninguém – aviso curto e grosso.
— O senhor não, mas eu sim e não quero que pensem que tenho privilégios!
— Tudo bem, vou resolver isso. Mas você vai à recepção. Annais faz questão, ela está
contando com a sua presença...
— Tenho certeza que ela tem amigos mais importantes do que eu – continua teimosa.
— Mas nenhum deles é a filha de Charles Lewis e Annais tem uma certa tara pela
escultura que comprou de seu pai, não tem curiosidade para vê-la? – provoco.
Tomo um gole de água e ela me encara como se eu fosse um homem perverso.
— Isso é golpe baixo, uma fotografia do seu celular resolveria tudo, mataria minha
curiosidade...
— Você vai, pode ficar tranquila. – E pisco para ela.
— Não quero que me dê vestido algum...
— Vou fazer melhor, fique tranquila. Não vou deixar que pensem mal de você nesta casa
– falo com cuidado.
Ela cruza os braços, encosta na cadeira e me fita com desconfiança.
— O que vai fazer?
— Fique tranquila, não tem com que se preocupar com nada...
— Não confio no senhor, sabe disso, não é?
— Sei, e estou disposto a provar que sou um bom homem e tirar a má impressão que
deixei com nosso primeiro encontro – falo determinado.
Não é assim que se conversa com uma funcionária, mas não me contenho, quanto mais
ela foge, mais quero caçá-la e trazê-la para perto de mim. Isso é insano, mas está acontecendo.
Posso ver Quinn parado no meio da cozinha rindo da minha cara por estar perdido de desejo por
essa mulher e quase dois meses se passaram, não foi necessário um ano como ele previu.
Fito os olhos verdes e minha atenção vai toda para os lábios bonitos e entreabertos, ela
morde o lábio inferior e fico com vontade de fazer a mesma coisa. Meu pau fica duro dentro da
calça ao fantasiar mordendo essa boca gostosa. Quando a encaro de novo, ela sabe o que está
passando pela minha cabeça e engole em seco.
Não consigo pensar em mais nada do que como seria perfeito beijar essa boca e me
perder enquanto ela corresponde e nos tocamos. Quero vê-la nua exatamente como estava em
cima daquele cubo, mas sem lágrimas, apenas gemidos de prazer, suas unhas arranhando minhas
costas enquanto a fodo com paixão.
— Preciso ir – ela fala nervosa e se levanta.
O movimento brusco vira a xícara que cai e quebra no chão. O líquido escorre da mesa
para o chão, fazendo uma bagunça.
— Olha o que eu fiz! – reclama.
Levanto depressa e ela olha ao redor em busca de algo para poder limpar aquela
confusão.
Ela vai pegar papel toalha e eu me ajoelho para pegar os cacos da porcelana branca.
— Espero que essa xícara não faça parte de um aparelho de jantar que estava na sua
família há séculos – comenta nervosa limpando a sujeira em cima da mesa.
Ela leva os papéis sujos ao lixo e volta para limpar o chão.
— Não são, nem faço ideia de onde foram comprados – comento de bom humor.
— Sinto muito – ela fica ajoelhada diante de mim e limpa o chão —, eu sou muito
desastrada, ai!
— O que foi?
Ela olha para a palma da mão.
— Acho que me cortei. – E faz uma careta.
Vejo que Abby empalidece. Coloco os cacos sobre a mesa e a seguro pelos braços para
sentá-la na cadeira.
— Você está bem?
— Não posso ver sangue – ela fecha os olhos, zonza.
— Espere – peço.
Vou até o outro lado da cozinha e pego um tanto de papel toalha e volto para perto dela.
Pego sua mão e pressiono de forma a não deixar que o sangue saia.
— Agora está melhor – aviso e me sento na frente dela mantendo minha mão
pressionando a ferida. Foi apenas um cortezinho, mas para quem tem fobia pode parecer um
abismo de sangue.
— Obrigada – ela respira fundo e devagar, fazendo a técnica da respiração para ataques
de ansiedade.
Sei disso, porque Sara ensinou nossos filhos desde pequenos a fazerem quando se
sentiam ansiosos. Abby vai voltando ao normal, a cor vai voltando ao seu rosto, mas a minha
mão em seu braço sente que sua pulsação acelerou. Ela abre os olhos muito verdes e nos
encaramos.
É neste momento que meu bom senso vai para o espaço. E acredito que o dela também.
Não conseguimos desviar o olhar e vamos nos aproximando devagar, excitados, perdidos nesse
momento maluco e sem sentido. Eu a puxo para frente e a observo semicerrar os olhos, enquanto
minha respiração fica sobre a dela. Levo a outra mão à sua nuca, a pele macia envolvida com os
fios dos cabelos me excitam e sinto que posso gozar na calça como um adolescente e que vou me
sentir o homem mais sortudo da face da Terra.
A respiração fresca atinge meus lábios e sinto o cheiro de café. Meu coração erra uma
batida e sei que não vou conseguir parar...
— Senhor Hastings? – a voz de Meredith me faz afastar depressa.
Abby também se afasta e nos levantamos depressa.
Ela olha para Meredith por cima do ombro.
— Eu... eu... preciso ir...
Ela sai da cozinha praticamente correndo e não vou atrás dela. O que vou fazer? Beijá-la
à força e levá-la para o meu quarto para uma foda deliciosa? É o que quero. Mas quando me
volto para Meredith e noto seu olhar de surpresa, sinto que passei dos limites.
— Abby quebrou a xícara e se machucou – explico.
Meredith apenas assente e vai até a geladeira pegar alguma coisa.
— Entendi – ela diz atrevida —, deve ser por isso que estava prestes a fazer respiração
boca a boca em Abby – ironiza.
Se ela não trabalhasse para mim há mais de vinte anos, seria um prazer demiti-la.
— Boa noite, Meredith – despeço.
— Boa noite, Senhor Hastings – há humor em sua voz.
Saio da cozinha me odiando por ter cedido tão facilmente. Mas essa coisa está fora de
controle, preciso tomar as rédeas da situação ou vou me tornar um fantoche do prazer e não sou
assim. Eu comando, eu decido, e não o meu pau.
CAPÍTULO 10

Entro na cozinha para pegar a mamadeira de Joseph e vejo os funcionários rindo e


falando ao mesmo tempo. O que será que está acontecendo? Vou até o armário pegar o leite em
pó para preparar tudo quando ouço Meredith dizer:
— Agora que todos estão animados, podemos continuar com o nosso trabalho? – ela
indaga e alguns assentem e riem ao mesmo tempo.
Pego água filtrada e vou para o balcão fazer o preparo.
— Já viu o seu presente? – Meredith pergunta para mim.
— Presente? – Franzo o cenho sem entender. — Do que está falando?
— Para surpresa de todos, o Senhor Hastings deu um presente para cada um dos
funcionários – ela conta me deixando surpresa —, parece que ele acordou de bom humor e
resolveu presentear todos.
Fico tensa quando ela diz isso e aperto a mamadeira que está na minha mão.
— Parece muito gentil da parte dele – digo tentando transparecer uma calma que estou
longe de sentir.
— Não é? – ela pergunta com certo tom de ironia.
Com certeza, ela está jogando para saber algo depois que nos viu juntos na cozinha. Não
tenho nada para dizer, não aconteceu nada. Foi apenas um momento inesperado entre dois
adultos, o que embora não seja normal, poderia acontecer com qualquer um naquela casa.
Embora, minha consciência jogue na minha cara que duvida que Quentin saia beijando suas
funcionárias. Ele não é esse tipo de homem.
— Não está curiosa para saber qual foi o seu presente? – ela insiste.
— Não recebi nada.
— Ele mandou colocar no quarto de cada um. E os que não moram aqui, receberam em
mãos – comenta e me encara —, não está curiosa para saber o que ele lhe deu?
Meu coração bate mais forte ao imaginar o que seria. E se for o que estou pensando, sei
quais foram suas intenções. Esse homem é mais maluco do que eu poderia supor.
— Não – mostro a mamadeira —, tenho que trabalhar, depois eu vejo.
Passo por ela e caminho a passos largos para a escada dos fundos que leva até o andar dos
quartos. A cada passo a minha curiosidade aumenta e sinto palpitações ao pensar que ele deu
presente para todos apenas para me dar o que estou pensando. Não! Ele não seria tão maluco,
seria?
Vou para o quarto de Joseph e o pego do berço para poder lhe dar mamá. Eu me sento na
poltrona quando Vallery entra no quarto, entusiasmada.
— Eu ganhei um presente do Senhor Hastings também – ela diz entusiasmada.
— O que você ganhou? – pergunto.
— Ele me deu uma corrente de prata – ela mostra puxando o uniforme —, deu o mesmo
para as meninas da cozinha. O que você ganhou?
— Eu ainda não vi – falo sem dar importância.
— Deve ter sido a mesma coisa – ela se senta na cadeira perto da cômoda e me encara —,
a que ganhou um presente melhor foi a Meredith.
— Mesmo?
— Ela é a funcionária mais velha – argumenta —, ela praticamente criou os filhos dele,
era uma grande amiga da dona Sara, ele deu a ela um colar de ouro, eu vi. É todo dourado, só
pode ser ouro puro, um homem como o Senhor Hastings não poderia dar algo de menor valor,
não acha?
— Não acho nada – respondo depressa —, acredito que ele quis ser gentil com todos.
— Para os homens, ele deu relógios. Gostaria de ter ganhado um relógio, mas estou feliz
com meu colar – ela leva a mão ao colo —, você achou bonito?
— É muito bonito. – Forço um sorriso.
— Você não parece muito animada. – Observa e ergue uma sobrancelha, desconfiada.
— Estou de TPM – me desculpo —, sabe, aqueles dias...
— Sei – ela revira os olhos me compreendendo —, sei bem como é, tem dias que fico
desanimada também. Depois que terminar com Joseph, eu fico com ele para você almoçar.
— Obrigada...
Não posso deixar de ficar curiosa para saber o que o maluco me deu. No fundo, espero
que seja um colar como dos outros, mas, ao mesmo tempo, gostaria que fosse algo que ele me
prometeu. Devo estar ficando louca. Não deveria esperar nada dele, mas não consigo me
controlar e vou sendo tomada pela ansiedade de uma forma excitante. Leva uma década até
Joseph terminar de mamar e o deixo com Vallery.
Eu me controlo até entrar no meu quarto e trancar a porta. Minhas mãos estão tremendo e
fico chocada quando vejo a caixa enorme em cima da minha cama. Sorrio e meu coração dispara.
Não tem o tamanho de um colar de prata e me sinto única neste momento. É inevitável. Mordo o
lábio inferior e aproximo da cama para tocar a caixa com cuidado. Um presente, e não um
comum. Ele fez isso por mim.
Com as mãos tremendo desfaço o laço vermelho da caixa e então tiro a tampa. Afasto o
papel de seda para ver o vestido e mal consigo respirar quando toco o tecido macio num tom
prata com pedrarias. Ele também comprou sandálias. Ele não, Victória. Ela tem muito bom
gosto. Eu me levanto e tiro o vestido da caixa.
Tem alças finas, um decote bonito e discreto, cintura fina e é longo. As sandálias são da
mesma cor. Não deixa de ser prata. Dou uma risada nervosa sem poder acreditar que ele fez o
que eu temia: presenteou todas aquelas pessoas para poder me dar o vestido sem que falassem de
mim. Vejo uma pequena caixa de veludo dentro e deixo o vestido de lado para pegá-la. Abro
para me deparar com a gargantilha prata igual as que ele presenteou as outras e também há
brincos tão delicados. Respiro fundo e toco a joia com carinho. É um presente único. Para ele
pode não significar nada, mas seu gesto significa muito para mim, mesmo que eu finja que não.
Quentin tocou no meu coração mesmo que sua intenção não seja essa.
Guardo tudo dentro da caixa e coloco no meu guarda-roupa, para o caso de alguém quiser
bisbilhotar. Embora eu desconfie que Meredith viu o tamanho da caixa. Ela é mais esperta do
que eu poderia imaginar, afinal, trabalha para Quentin há muitos anos, conhece tudo nessa casa.
Até mesmo quando seu patrão está passando dos limites com uma das funcionárias.
E todos sabemos que isso é errado. Mas eu não o teria impedido de me beijar se Meredith
não tivesse entrado na cozinha. Só de lembrar daquele momento, fico sem fôlego, aquela boca
quente respirando contra a minha, fiquei tão excitada, não me lembro de me sentir tão viva com
um homem, e ele mal me tocou.
Desço para almoçar e fico surpresa quando encontro com o Senhor Hastings no corredor.
Paro de andar quando o vejo e ele se aproxima com aquele olhar que me faz derreter por dentro.
Pigarreio e fico séria, não sou uma adolescente, sou uma mulher de trinta anos com experiência
suficiente para saber que as intenções dele comigo são apenas de me levar para a cama, nada
mais. Homens como Quentin Hastings não se apaixonam por funcionárias, isso aqui não é a
história da Cinderela.
Volto a andar e passo por ele.
— Boa tarde, senhor.
— Boa tarde, Abby – ele insiste em falar o meu nome e o som é excitante.
Ele segura o meu braço e me impede de prosseguir. Sinto o toque dos seus dedos
queimarem minha pele e minha boca seca. O coração disparado e uma vontade insana de sair
correndo. Sim, estou perdendo o controle.
— Gostou do presente? – ele murmura e sou obrigada a levantar o rosto e encará-lo.
Esses olhos verdes podem fazer uma mulher se perder com ilusões de um paraíso
perfeito.
— Não... quer dizer, não deveria ter feito isso – falo com dificuldade.
Estou nervosa, é nítido.
— Ninguém vai saber que fui eu – ele garante e seus dedos deslizam pelo meu braço me
provocando arrepios de prazer.
— Não importa, eu disse que não queria, que não vou...
— Você vai – ele me puxa para mais perto e novamente estamos tão próximos que ele
poderia me beijar que eu não o impediria.
É tão errado e tão bom ao mesmo tempo. Dois meses convivendo com esse homem e não
consigo evitar esse calor que se apodera do meu corpo quando me devora com o olhar.
— Não faça por mim, faça por Annais – ele diz.
— De qualquer forma seria por ela – retruco —, não tenho motivos para pensar em você
quando tomo minhas decisões.
Fria e cortante, embora por dentro eu seja um vulcão em erupção.
— Está mentindo de novo – ele se diverte com o meu nervosismo —, sei que é bem
diferente do que fala.
Estou perdendo o controle e não gosto disso.
— É melhor me soltar... – peço sem muita convicção.
Ele faz como pedi e me solta devagar, deslizando os dedos pelo caminho de volta até se
afastar. Por que estou frustrada se foi isso que pedi? Não faz o menor sentido. Sempre fui uma
mulher tão centrada, mas vejo que quando o assunto são os homens, eu não sou muito boa em
lidar com a situação. Talvez, eu só esteja confundindo tudo, ou não. Esse homem está acabando
com a minha promessa de não deixar ninguém se aproximar.
— Sei que não vai querer chegar comigo na festa, um carro virá buscá-la... – ele informa.
— Vou no meu carro...
— Você não vai chegar com um carro popular na casa de Annais – ele me aconselha —,
a não ser que queira ser o centro das atenções.
Fico tensa, as pessoas comentam, é inevitável.
— Não tenho vergonha de quem eu sou, Senhor Hastings, e se alguém me perguntar o
que faço da vida, vou responder que sou babá do seu neto – eu o enfrento com o olhar —, não
pense que eu me sentiria envergonhada por isso. Mas sei que lhe causaria certo desconforto,
afinal, babás não frequentam jantares... – debocho.
Tento passar por ele, mas Hastings me segura de novo.
Dessa vez, mais firme, e não fico histérica. Desde o que sofri com meu ex-marido, atos
mais intensos me assustam. Diferente de agora que estou tão excitada que sinto minha calcinha
úmida pela excitação que me causa.
— Eu já disse que não me importo com o que as pessoas pensam, diga o que quiser, isso
não vai mudar nada...
Mudar o quê? Tenho vontade de perguntar, mas a resposta me deixa tão assustada que me
calo. Só o observo e olho para a boca bonita que quase me beijou ontem à noite. Fico me
perguntando como seria se ele me beijasse agora, por exemplo. Seria doce ou selvagem? Ele me
levaria para o seu quarto ou apenas me deixaria ir?
— Não tem nada para mudar, Senhor Hastings. – Eu me solto dele.
E então, afasto apressada em direção às escadas e desço correndo. Só quando chego ao
fim é que paro por um segundo e respiro com mais calma. Olho para cima e agradeço por ele não
ter me seguido e ver o meu estado. Tenho que colocar um ponto final nesse jogo sem sentido.
Ele é meu patrão, preciso do emprego. Como tudo isso aconteceu? Um dia ele me ofende
e no outro estou excitada diante de um olhar? Isso soa tão infantil! E humana, sou apenas uma
mulher e não sou de ferro, infelizmente. E tenho o costume de atrair problemas e depois de Ivan,
nunca estarei preparada para mais nada. Nem mesmo um flerte.
Passo as mãos pelos cabelos e sigo para a cozinha.
— Ele realmente está interessado em você – a voz de Meredith me assusta.
Ela está no corredor, perto dos quartos dos empregados. Eu me viro para ela com o cenho
franzido. Não dou liberdade para que ninguém se meta na minha vida, mas, ao mesmo tempo,
estou constrangida. Nunca dei liberdade para patrões e não vou começar agora, mesmo que
quando eu esteja perto de Quentin meu corpo responda de outra forma, bem longe do que minha
razão grita.
— Não sei do que está falando – retruco e continuo andando.
— Abby – ela me chama e me volto para ela. Paro e a fito por cima do ombro. Meredith
se aproxima —, cuidado, menina. O mundo dos Hastings pode ser cruel com pessoas como nós.
Ela me encara séria, não me recrimina, parece estar apenas preocupada.
— Não tem com o que se preocupar, Meredith – aviso.
— Ele tem o coração bom, mas essas pessoas que o cercam são perigosas. Tome
cuidado... é um conselho de uma amiga...
Meu coração se enternece por sua empatia comigo. Sorrio e assinto:
— Fique tranquila, eu sei onde é o meu lugar...
Ela aquiesce.
— Sei que sabe, mas seu coração também sabe? – ela pergunta e dá um sorriso. — Só
tome cuidado!
Ela se afasta e volta para o lado dos quartos. Eu respiro fundo e acalmo minha ansiedade
antes de ir em direção à cozinha para almoçar. Essa agitação toda me deixou sem apetite. E pela
primeira vez, eu me pergunto o que estou fazendo? Por que estou permitindo que isso vá tão
longe?
— Você precisa se controlar, Abby – digo a mim mesma enquanto mexo o garfo no prato
com comida sem vontade de comer —, você precisa tomar as rédeas da situação.
Outros funcionários entram e me silencio.
Quentin Hastings só seria mais um erro.
CAPÍTULO 11

— Será que ela vem? – Annais se aproxima e me pergunta com discrição —, todos
querem conhecer a filha de Charles Lewis.
Olho para a porta do salão mais uma vez. Abby não vem. A teimosa decidiu não
aparecer, seria importante para ela e para o nome de seu pai no meio da arte. Não deveria estar
decepcionado, mas estou.
— Você deveria tê-la trazido – Annais me reprova —, ela é uma garota tímida, filha
única. É óbvio que ela se sentiria tímida em estar no nosso meio.
Sabia que Annais não me perdoaria por não a ter trazido.
— Onde está nossa ilustríssima convidada, Annais? – Jean Pierre, irmão de Annais,
pergunta e se volta para mim. — Ligue para ela, diga que todos os convidados estão esperando!
Não vou fazer isso, mas com os dois olhando para mim, esperando que eu faça algo, não
tenho escolha. Pego meu celular do bolso e então, me recordo que não tenho o número dela. O
que não é nenhuma novidade, eu não costumo pedir o número do telefone da maioria dos meus
funcionários.
— Acho que ela chegou... – Annais diz de repente, satisfeita e vai andando entre os
convidados.
Não são muitos, mas todos voltados para a área da arte e realmente ansiosos para
conhecer o artista preferido de Annais. Termino o uísque e deixo sobre a bandeja do garçom.
Ajeito a gravata do smoking e ergo a cabeça para fitar a mulher que entra no salão usando o
vestido que eu escolhi para ela. Não foi Victória. Eu mesmo fui até a loja e escolhi.
Não sei por que sinto orgulho, mas deve ser pelo resultado, Abby está linda, tão bonita
que me rouba o fôlego. E para completar, ela fez uma trança comprida que pende sobre o ombro
e o decote generoso. Annais a abraça e a apresenta ao irmão que também mostra grande
satisfação ao conhecê-la.
Annais se volta para os convidados e pede a atenção de todos.
— Nossa convidada chegou, Abby Lewis é filha do nosso estimado Charles Lewis, que
infelizmente não está mais entre nós! – ela diz e olha para Abby. — Obrigada por prestigiar esse
jantar que estamos dando em homenagem ao seu pai. Ele foi um artista sublime, o mais
fantástico que conheci.
Abby está completamente perdida, ela não fazia ideia que o jantar era para homenagear
seu pai. Annais segura a mão dela e a leva até o meio do salão para mostrar a peça que seu pai
criou. Observo cada detalhe com cuidado, registrando na minha mente as costas nuas e lindas
apenas cobertas pelas alças finas do vestido. Meu corpo é tomado de um tesão cru e respiro
fundo.
Pego a taça de champanhe quando o garçom passa e tomo para molhar a garganta que
ficou seca por causa da cobiça que sinto quando essa mulher está por perto. Pessoas se
aproximam dela e Annais as apresenta. Ela sorri para todos, aperta suas mãos, diz palavras
educadas, mas é nítido seu desconforto. Ela pega uma taça de champanhe e toma um gole, com
certeza se perguntando por que não foi avisada que seria o centro das atenções.
— A senhorita também é escultora? – uma mulher pergunta.
Abby abre a boca para responder, mas Annais se adianta.
— Ela é aluna em nossa escola, estamos pensando num futuro próximo em fazer uma
exposição das peças de Abby, ela é tão talentosa quanto o pai...
Não sabia disso e pelo visto, Abby também não. Resolvo salvá-la um pouco do meio
daquela confusão toda enquanto ela tenta respirar um pouco. Aproximo devagar e sem cerimônia
alguma, toco suas costas, a sensação é tão avassaladora que fico de pau duro.
— Com licença, senhores – minha mão desliza por sua cintura —, mas preciso falar com
Abby por alguns minutos, se importam?
Nossos olhares se encontram e o dela parece carregado de puro alívio. Sorrio para ela e
pisco rapidamente e de forma discreta.
— Desde que não demore muito, queremos saber tudo sobre ela e a relação com o pai! –
a mulher avisa.
— Não vamos demorar... – garanto.
Pressiono a mão em sua cintura e a puxo em direção à varanda, cumprimentamos alguns
convidados que estão encantados com ela, até que saímos no ar frio da noite. Ela segue na minha
frente, fugindo do meu contato, sem saber que meus olhos caem sobre aquela bunda gostosa
envolta pelo tecido do vestido e me pergunto se ela está usando alguma coisa por debaixo, ou
está nua. Minha cabeça altamente sexual tem mil fantasias neste momento.
Abby vira o restante do champanhe e bate a taça sobre o apoio da varanda. Ela se volta
para mim e respira fundo:
— Você não me contou que o jantar era em homenagem ao meu pai – ela me reprova.
Vestida desse jeito, tão bonita e sexy, ela pode fazer o que quiser que só consigo pensar
com a cabeça debaixo. Essa mulher está acabando comigo.
— Também não sabia que era exatamente para ele – eu me aproximo e paro diante dela
—, mas sabia que ela queria apresentá-la aos amigos.
— Tenso – ela ri nervosa —, é muita gente e todos adoram o trabalho do meu pai! – há
emoção na sua voz. — Não sabia que o adoravam e o achavam tão perfeito como escultor! Eu
me pergunto se ele sabia disso...
— Talvez ele não tivesse ideia do próprio talento – eu pondero, afinal, ninguém abandona
o sucesso no auge.
A não ser que tenha um forte motivo para isso. Seria o caso de Charles Lewis? Fiquei
curioso.
— Acho que não. Não sei, nunca falamos sobre isso, ele só deixou a vida para trás e
cuidou da família – encolhe os ombros —, e agora essas pessoas o adoram e querem que eu seja
como ele.
— Elas gostam de arte e novidades, não é todo dia que encontram alguém que gosta de
esculturas e se ouvi bem, Annais quer fazer uma exposição só sua...
— Ela falou isso, minha professora também comentou algo, mas não acho que sou tão
boa assim!
— Herdou a modéstia do seu pai. – Observo.
Ela fica sem graça.
— Não sei, nunca me vi como uma artista grande... além disso, não pratico, só voltei a
fazer esculturas para fugir da depressão.
— Se for como dizem, será uma honra. Tenho certeza que Joseph terá orgulho em dizer
que aquela artista plástica famosa foi sua babá! – brinco.
Ela dá uma risada tão gostosa que meu pau pulsa, se continuarmos assim, vou virar um
punheteiro, estou ficando louco por essa mulher, obcecado. Tudo nela me fascina, desde o
sorriso, a pele, a boca... o som da voz. Ela está linda, perfeita para mim. O pensamento
possessivo me assusta, mas não consigo evitar.
— Não exagere, por favor! – ela pede.
— Mas é verdade – insisto.
— Obrigada pelo incentivo. – Ela respira fundo mais uma vez.
— Está ficando ansiosa, não é?
— Está tão nítido assim?
— Está – dou um passo para ela e seguro sua mão, permitindo que meus dedos se
entrelacem aos dela com uma carícia gostosa —, respire comigo.
Ela assente e puxamos o ar devagar. Sua perna roça na minha e me aproximo mais,
queimo por dentro de uma forma tão gostosa e viciante, respiramos mais uma vez e eu presto
atenção aos lábios que se entreabrem e puxam o ar devagar. Eu me pergunto se é assim que ela
respira quando está excitada. Inclino para frente, o suficiente para que meu rosto fique sobre o
dela e então pergunto:
— Está se sentindo melhor?
— Sim... – ela sussurra olhando para os meus lábios.
— Você está linda, Abby... – não sou de elogiar, mas ela merece ouvir tal verdade.
Perfeita e linda. Gostosa e desejável.
— Sua secretária tem bom gosto – ela responde ferina.
Dou um sorriso malicioso.
— E quem disse que foi ela que escolheu? – Meus lábios estão sobre os dela, quero puxá-
la contra mim e esfregar seu corpo contra o meu até esquecer que estamos na varanda da casa de
Annais.
— Não foi? – Sua respiração roça a minha.
— Não... – levanto e toco a alça do vestido e ela estremece —, comprei pensando em
você, sabia que era perfeito para você... eu tenho pensado no quanto você é gostosa com ou sem
ele...
— Você... – ela gagueja —, nunca me viu nua...
— Sim, eu vi.
— Quando?
— Aquela noite na escola de artes – confesso.
Ela solta o ar mais depressa, num gemido inevitável. Ela também está excitada com tudo
isso, é impossível não estar.
— Você não me disse nada...
— Não é o tipo de coisa que se conta, não é?
Ela assente devagar.
— É melhor voltarmos para a festa...
Solto sua mão e espalmo em suas costas para puxá-la para mais perto, não posso deixá-la
ir. Não mais. Estou ficando louco com essa expectativa de tê-la comigo.
— Não é, eu não quero e você também não...
Ela hesita ao falar, passa a língua pelos lábios pintados de um tom de rosa, discreto, e fico
imaginando como seria se ela me chupasse de joelhos. A fantasia é tão forte que sei que ela sente
meu pau contra sua barriga.
— Quentin...
Ela diz meu nome pela primeira vez, com receio, hesitante. E não é de uma forma ruim,
como se tivesse desprezo de mim, seu medo está aliado ao desejo que também sente.
— Tem ideia de como eu quis te ver nesse vestido? – pergunto e ela não responde quando
a aperto contra mim. — De como tenho pensado em você?
Com um movimento e eu a coloco contra a pilastra a mantendo presa contra mim, sem
chance de fugir. Fecho os olhos e desço os lábios sobre o pescoço fino e delicado. Sinto sua mão
sobre o meu braço, apertando o tecido enquanto beijo sua pele e me perco nela, sentindo seu
perfume delicioso.
— Abby – sussurro seu nome e ela passa os braços ao redor dos meus ombros. — Você é
incrível...
Levanto a cabeça e a encaro tão excitado que acredito que é o que vejo em suas feições
quando capturo seus lábios com uma paixão avassaladora. É tão forte que eu me esfrego contra
ela, selvagem, apaixonado. Não foi assim que pensei que seria, tentei ser mais calmo, mas sentir
o gosto de sua pele acabou comigo, roubou minha razão.
Ela me beija de volta, sua língua toca a minha e estamos completamente abraçados.
Pressiono minha perna entre as dela e outro gemido escapa contra os meus lábios. Quero rasgar
seu vestido, eu a quero nua enquanto a fodo contra aquela pilastra. Ela se esfrega contra mim,
mostrando que também não está imune ao desejo que nos permeia.
Tocar Abby me faz sentir vivo, louco, excitado, fora de mim e isso é muito bom. Um
homem tão controlador e que está acostumado a ter tudo aos seus pés, de repente, se vê
subjugado pelo desejo, é inacreditável. Beijo sua bochecha, desço a língua com mordidas até
alcançar a linha do pescoço e tocá-la bem ali, aperto o seio macio sobre o tecido e volto a beijar
sua boca para silenciar outro gemido.
Roço meu pau entre suas pernas como um adolescente se masturbando e tenho que me
controlar, minhas mãos querem fazer coisas com aquele vestido.
O barulho de algo se quebrando lá dentro me faz recordar que não estamos sozinhos.
Então vêm as risadas, conversas e a realidade tão próxima.
Relutante, eu me afasto. Ainda beijo os lábios de Abby, passo a língua por eles e aparto o
suficiente para encará-la. Ela demora alguns segundos para abrir os olhos e me fitar, ainda
perdida nesse turbilhão de emoções que um único beijo nos deu de presente.
— Isso não faz sentido – ela sussurra e me empurra.
Não saio do lugar e a mantenho contra mim.
— Não faz, mas consegue explicar o que acabou de acontecer aqui?
— Não – ela olha nos meus olhos —, mas não quero isso para mim, Quentin. O que você
tem para me dar é muito pouco diante do que realmente preciso.
Ela me empurra de novo e eu dou um passo para trás. É como levar um soco no
estômago. Nós nos encaramos e não sei o que dizer. O que ela quer de mim? O que ela precisa
tanto que não posso dar?
— Abby! – a voz de Annais soa atrás de nós. — Espero não estar atrapalhando.
Abby se refaz primeiro e sorri para Annais.
— Não está – ela garante como se nada tivesse acontecido.
— Albert Jones, dono do maior vernissage de Nova Iorque acabou de chegar, ele quer
conhecê-la. – Ela espera por Abby.
Ela não me fita uma segunda vez e dá a mão para Annais e elas voltam para dentro do
salão. E eu estou ali, de pau duro e frustrado. Ela não me quer? Mesmo depois desse beijo ela
acha que o que eu tenho a oferecer é pouco?
Fico indignado, mas tenho que engolir meu ego e voltar para a festa, e observar Abby me
evitar a noite inteira e conversar com todo o tipo de pessoa, inclusive homens dando em cima
dela. Mas não sou o tipo de homem que desiste fácil.
CAPÍTULO 12

— Então Quentin mandou você ao invés de vir? – Michele pergunta ofendida enquanto
coloco Joseph em seu colo.
Dou um sorriso compreensivo.
— Ele está viajando e pediu que eu trouxesse Joseph – aviso e me sento na cadeira ao
lado dela —, espero que não se ofenda com a minha presença.
— Não estou ofendida, só achei que aquele garoto ia te colocar para as visitas e não viria
mais...
— Ele teve um compromisso em Nova Iorque – conto —, e então, eu me ofereci para vir
até aqui.
Ela sorri satisfeita:
— Você é uma boa menina – ela elogia —, Joseph tem sorte de ter uma babá como
você... eu também amava os meninos como se fossem meus.
Fico emocionada quando ela diz isso. Estou apegada a Joseph, é normal que isso
aconteça, afinal, passo mais tempo com ele do que com qualquer outra pessoa. Ele é calmo,
tranquilo e fofo. Não tem como não se apaixonar.
Quentin está viajando há mais de uma semana.
Não nos falamos depois da festa, e o pedido para visitar Michele veio através de
Meredith. Ele não se aproximou novamente durante a festa. Sabia que ele estava por perto,
assegurando que ninguém passasse dos limites comigo. Depois daquele tórrido beijo, não tentou
nada, mas se manteve tão presente que ninguém ousou flertar comigo. E não posso dizer que foi
ruim, ao contrário, eu fiquei tranquila e me sentindo segura e em paz. Como há muito tempo não
me sentia.
Na hora de ir embora, fui no meu carro, como disse que faria. Ele não teceu nenhum
comentário, mas o olhar divertido me provou que havia certa admiração na minha atitude. O
motorista dele foi atrás do meu carro até chegarmos em casa, quando corri para o meu quarto e
me tranquei. Claro, tentada a deixar que ele me beijasse, mas isso não me faria bem.
Pelo menos, estou tentando me convencer disso.
Toda vez que penso em me envolver novamente de forma romântica, eu me recordo do
meu bebê morto nos meus braços logo após o parto, o médico me deixou ficar com ele alguns
minutos antes de o levarem. A dor que senti foi tão grande, tão aterradora, que não consigo
discorrer sobre me envolver com um homem sem pensar que posso errar de novo.
— Você não é casada, não é? – Michele pergunta.
— Não – encolho os ombros —, mas já fui.
— Tem filhos?
— Não, mas já tive.
Seus olhos escuros se arregalam levemente e ela me fita com atenção.
— Sinto muito.
— Eu também. Meu bebê teria um ano...
E parece que foi ontem.
— E como veio parar em Chicago?
— Eu perdi tudo, fui acolhida pelo Clube das Mães Solteiras, em Los Angeles, e me
mandaram para cá...
— E o que você fazia antes?
— Eu era professora. Mas não consigo voltar para a sala de aula. Trabalhar como babá é
um refúgio. É uma forma de recomeçar e deixar meu passado para trás, entende?
Ela aquiesce e me fita com carinho.
— Compreendo...
— A maioria das pessoas não compreende, elas pensam que estou sendo fraca, que eu
estou pagando pelos meus erros...
— As pessoas não têm mais empatia, querida. Não é culpa sua se consegue dar um passo
de cada vez, é o seu limite e está tudo bem.
Sorrio emocionada.
— Obrigada.
— Quentin sabe sobre sua perda? – inquire com curiosidade enquanto brinca com a
mãozinha de Joseph que sorri para ela.
— Sabe, eu contei no primeiro dia de trabalho – forço um sorriso —, não teve outro jeito.
— Ele vai te compreender, ele também sofreu muito. A mãe deles era terrível, uma
mulher que todos tinham medo – ela conta fazendo uma careta. — Eu protegi os gêmeos como
podia das loucuras dela, mas eu não estava lá quando Quintus se foi.
— Quintus? – pergunto sem entender.
— O irmão mais velho – ela compreende —, ah, você não sabe da história?
— Não sei.
— Eles foram passar o fim de semana na casa de campo, a mãe deles dispensou todos os
profissionais, ficou apenas com três seguranças e uma babá, eu não estava lá. Depois do almoço,
os meninos estavam brincando em volta do lago, Quintus caiu na água e como não sabia nadar,
morreu afogado, ele tinha nove anos.
Levo as mãos aos lábios, chocada.
— Nenhum deles entra na água, nem sequer chegam perto – me conta para minha
surpresa —, foi uma perda irreparável. Mas os uniu de alguma forma e eles são muito ligados à
família.
— Por isso Quentin não perdoou o fato de Robert ter desprezado o filho – comento.
— Sim – ela concorda —, ele é muito apegado aos irmãos, sempre foi aos filhos. Ele
ficou devastado quando Sara se foi...
— Dizem que ela era uma mulher maravilhosa...
— Ela era. Você a adoraria, era uma pessoa de sorriso fácil, bem-humorada, paciente,
algo que Quentin não é – ela diz e ri —, mas ela se foi e ele ficou, ou parte dele ficou, não é?
— É difícil se recuperar da morte de quem amamos...
— Muito – ela admite —, dói na alma. Mas não há escolha, temos que seguir nosso
caminho.
— Ele tem seguido o dele, como eu tenho seguido o meu – exemplifico —, não tem outro
jeito.
Ela me encara de um jeito tão peculiar que me faz sorrir.
— Viver com medo, garota, não é seguir, pode apostar! – ela diz e Joseph começa a
chorar.
Pego a mamadeira dele dentro da bolsa e entrego para ela. Ele se cala no minuto que ela
coloca o bico em sua boquinha e ele suga com força.
— Menino forte! – elogia. — É como o avô!
Sorrio para ela e mudamos de assunto, mas a frase que ela disse não sai da minha cabeça:
viver com medo não é seguir o seu caminho.
Volto para casa no fim da tarde. Há um jipe e um carro importado na garagem, tanto que
tenho que estacionar do lado de fora. Saio com Joseph do carro e entro pela porta da frente. Sou
surpreendida por Meredith que vem pegar o bebê do meu colo.
— Onde você estava?
— Visitando Michele – respondo o óbvio.
— É verdade, eu acabei me esquecendo. O Senhor Hastings chegou e perguntou por
você. O filho dele, Timothy, está na casa e eles têm visitas – ela quase sussurra.
— E o que quer que eu faça?
— Vá colocar o seu uniforme e desça!
— É a noite da Vallery – eu a faço lembrar —, tenho aula da escola de arte! Lembra?
— Errei as escalas e coloquei Vallery de folga hoje, não tenho quem a cubra...
E sai andando pelo corredor, me deixando atônita. Subo até o meu quarto e coloco meu
uniforme, chateada por não poder ir até a minha aula. Envio mensagem para Steve para avisar
que não poderei ir à aula hoje por causa do trabalho.
Steve: tudo bem, não se preocupa.
Eu: preferia estar aí mil vezes a estar aqui.
Steve: eu sei. Todo artista se sente assim.
Sorrio para o celular e guardo no bolso da calça antes de descer para a sala onde estão
todos reunidos. Essa da Meredith acabou com a minha noite. Quando entro, peço licença e então
vejo um rapaz de cabelos castanhos claros e alto, parecido com Quentin. Ele está com Joseph no
colo e ao lado dele, uma jovem da sua idade. Sorrio ao vê-los, mas meu sorriso desaparece
quando vejo Quentin parado perto da varanda, segurando um copo de uísque e ao seu lado uma
mulher tão bonita que chega a doer meu ego e me corrói o ciúme.
Ela tem os cabelos pretos, muito bem cuidados, se veste como alguém da sua classe, tem
cara de rica e eu me sinto quem eu sou: a babá. Eles não estão juntos, de mãos dadas, mas o jeito
que ela o observa deixa claro que ela está com ele.
Desvio o olhar para o casal mais jovem e fico sem saber o que fazer.
— Você deve ser a Abby – o rapaz diz ao se aproximar —, Meredith e meu pai falaram
de você... eu sou o Timothy, como vai?
Ele estende a mão e o cumprimento.
— Você é tão despojado, Tym – a mocinha diz ao se aproximar —, sou Kayle Mountain,
amiga da família.
Ela também estende a mão e me cumprimenta.
Timothy me entrega Joseph que coça o nariz num sinal de sono.
— Ele está cansado, foi uma tarde agitada, eu peço licença, vou fazê-lo dormir...
— De boa – Timothy acena e saio da sala sem dar um segundo olhar para Quentin.
A verdade é que estou queimando de um ciúme inesperado por vê-lo ao lado de outra
mulher. Poderia ser uma amiga, uma prima e até a amante, não importa. O fato de ter me
incomodado me deixa surpresa. Não imaginava que estava me sentindo tão atraída por ele a
ponto de me incomodar com quem ele tem em sua vida.
Subo para o quarto e começo a ninar Joseph, andando de um lado para o outro até que ele
cede, depois de chorar e ficar incomodado por ter saído da sua rotina. Eu o coloco com cuidado
no berço, mas ele chora e volto para o meu colo. Cansada, eu me sento na poltrona e fico ali, o
balançando até que ele cede outra vez e dorme.
Porém não tento colocá-lo no berço outra vez. Fico ali, com ele aconchegado comigo, na
verdade, estou me confortando da decepção. Só o levo para o berço quando meu braço dói.
Consigo deixá-lo no berço e pego a babá eletrônica para poder descer até a cozinha e comer
alguma coisa.
A cozinha está funcionando a todo vapor, estão fazendo o jantar para o Senhor Hastings e
seus convidados. Faço meu prato e me sento num canto para comer. Meredith entra, olha de um
lado para o outro, verificando o andamento do jantar, e então me vê. Ela fica sem graça e se
aproxima:
— Quero pedir desculpas por hoje – ela lamenta —, eu me esqueci realmente.
— Fiquei chateada – sou sincera —, eu preciso fazer essas aulas, elas me ajudam a não
surtar, Meredith.
Ela aquiesce.
— O Senhor Hastings chegou mais cedo com o filho – ela explica tensa —, eu não me
lembrava para onde você tinha ido, e já tinha dispensado Vallery. Eu mesma teria ficado com o
Joseph se a Senhorita Mountain e a irmã dela não tivessem vindo jantar também.
Então são irmãs.
— A mais nova estuda com Tym em Oxford – ela comenta.
E antes que continue o assunto e me diga que a outra é um caso de Quentin, eu me
levanto.
— Tudo bem. – E vou até a pia deixar o meu prato.
Volto para o quarto e fico sentada na poltrona lendo um livro. Joseph acorda, eu o troco.
Ele está completando quatro meses e já pega os objetos e leva à boca. Tenho que ficar atenta o
tempo todo para ele não levar algo perigoso à boca.
— Você é tão fofo – eu brinco com ele e Joseph faz um barulho com a boca.
A porta é aberta e fico surpresa quando vejo Quentin entrar no quarto. Olho para Joseph,
tão tensa que tenho dificuldade em engolir. Não queria me sentir assim, pensei que mais de uma
semana sem vê-lo ajudaria, mas não aconteceu. Parece pior. Os sintomas são intensos.
— Olá, Abby – ele diz atrás de mim.
— Como vai, Senhor Hastings? – eu termino de vestir Joseph. — Veio ver seu neto?
Quer ficar com ele um pouco?
— Não vim aqui para ver Joseph – ele diz e fico parada de costas para ele.
O que ele está fazendo? Eu o sinto atrás de mim, ele não me toca, mas sei que ele está
bem atrás, posso sentir o calor do seu corpo. Como isso é possível?
— Ela não significa nada para mim, Abby – ele fala e meu coração dispara.
— Isso realmente não importa...
— Importa quando eu pensei em você a semana toda... – ele me corta.
Não tenho coragem de olhar para ele, se eu fizer isso, vou me guiar por aqueles olhos
verdes e me apaixonar. Ele dá um passo e fica ao meu lado, eu me afasto para ele poder ver
Joseph.
— Fomos visitar Michele – falo com a respiração mais alterada —, ela está ótima.
Acho que minha pressão subiu depois de ouvir a declaração dele. Está quente e minha
pulsação acelerou.
— Obrigado por ter ido... – ele diz e sei que está me observando —, sei que precisa de
tempo para se acostumar com a ideia de que há algo entre nós.
— Talvez eu nunca me acostume...
— Estou obcecado, Abby – ele diz e o encaro —, eu quero você...
Não respondo, ele toca a minha mão apoiada no berço. Joseph olha para nós e sorri. Sinto
o calor de sua mão e uma mistura de excitação e segurança me domina.
— Nós nos falamos depois... – ele avisa e sai do quarto em seguida.
Minha razão me manda parar de me iludir e imaginar que ele é um canalha que vai
destruir meu coração. Mas acabo sorrindo como uma boba, e meu coração bate feliz por ele ter
pensando em mim.
— Eu também pensei em você, Quentin, eu pensei...
CAPÍTULO 13

— Você deveria convencer o seu pai a ir ao almoço no clube amanhã – Rose diz para
Timothy enquanto jantamos.
— Eu não vou – corto logo de cara.
— Ah, meu Deus! O velho mau-humor – ela debocha —, deve ser o cansaço da viagem...
— Não tem nada a ver com cansaço – devolvo enquanto como —, não gosto de almoço
no clube.
— Nunca gostou, e se minha mãe não conseguiu arrastá-lo, pode apostar que você não
vai! – Timothy diz e pisca para mim.
Meu filho sabe o quanto Rose pode ser insuportável. Ele é o melhor amigo de Kayle
desde que são crianças, ela é a irmã mais nova de Rose. E se intrometeu em vir até aqui quando
descobriu que a irmã e Tym chegaram de viagem.
Kayle assovia e olha para a irmã.
— Se eu fosse você, desistia de querer levar o tio Quentin para o clube – ela diz com
malícia e deboche.
Rose não responde, ela deixa o garfo sobre a mesa como uma garota mimada que está
perdendo seu brinquedo. Assim que o jantar termina, elas partem. Eu e Timothy ficamos na sala
conversando. Meu filho mora na Inglaterra, então só nos vemos duas vezes no ano. Nós nos
falamos sempre, mas não é a mesma coisa.
Ele cresceu, Sara teria orgulho do homem que se tornou. Minha falecida era louca pelos
filhos.
— Então, você e Robert brigaram mesmo?
— Não briguei com seu irmão, só impus limites para a atitude dele, Tym – comento e tiro
o paletó o jogando sobre o sofá —, ele não pode abandonar um filho e achar que isso é normal,
porque não é.
Ele assente.
— É muito estranho que ele tenha feito isso, estou realmente surpreso, pai.
— Falou com ele?
— Falei, mas quando toquei no assunto do bebê, ele não quis mais conversar – encolhe os
ombros —, disse que não era problema meu e estava de boa quanto a isso.
— Eu entendo que talvez ele não estivesse preparado para ser pai, ou que estivesse
assustado, mas não querer ser pai, se negar a pegar o próprio filho no colo? Esse não é o Robert
que criei, o filho que ensinei a importância da família.
— Talvez seja uma fase, e ele vá se arrepender, pai, eu realmente não sei dizer o que
aconteceu.
— As pessoas mudam, até mesmo a nossa família...
— Está falando isso por causa da vovó?
Acho interessante mesmo depois de mais velho, Tym chamar a minha mãe de vovó.
— Claro, quem mais poderia ser?
Minha mãe sempre foi uma mulher tóxica e narcisista, capaz de tudo para conseguir seus
objetivos, e depois que meu pai a abandonou por causa de uma garota anos mais jovem, ela
piorou. Chegou a aprontar com Quincy da pior forma possível e meu irmão lhe deu duas
escolhas: hospital psiquiátrico ou a cadeia. Ela está internada em um hospital psiquiátrico em
Nova Orleans. Não temos contato com ela há um ano.
— Acha que um dia voltarão a falar com ela?
— Acho que não, quer dizer, não sei. A vida é uma caixa de surpresas – admito e me
sento no sofá.
— Como com o Robert, não é?
Vejo que ele está preocupado com a situação. Ele não quer que eu e o irmão fiquemos
brigados o resto da vida. Sem festas de Natal e ação de graças. E Tym é tão apegado à família
quanto eu. Não havia pensado no que significa não falar mais com Robert, só pensei na hora,
mas esqueci que o tirei do meu caminho para sempre. Depois de um tempo, parece tão radical.
Mas não consigo achar outra forma de mostrar a ele o quanto me decepcionou.
— Acredito que uma hora as coisas vão se acertar, pai – ele fala esperançoso —, está
tudo meio que à flor da pele, mas acredito que vão se acertar. O Robert vai sentir falta de você...
Não respondo, só tomo meu uísque e respiro fundo. Tem um bebê no andar de cima que
pode se transformar em meu filho a qualquer momento se Robert e Sydney concordarem com a
adoção.
— E como estão os estudos?
— Tudo bem. Mas estou cansado, nunca senti tanta falta de casa – ele diz e se ajeita no
sofá —, e qual é a da babá?
— Babá? – Eu franzo o cenho.
— Ela é bonita e notei a troca de olhares, agora sei por que falou o nome dela umas cinco
vezes nos últimos telefonemas – ele me diz e fico surpreso.
— Eu não disse...
— Claro que disse, a primeira vez disse que Joseph tinha uma babá, depois comentou que
ela era filha de um grande artista plástico e depois que ela havia conhecido Michele – ele me fita
surpreendido —, estou realmente chocado que tenha falado de uma mulher mais de uma vez.
— Não é nada disso – minto descaradamente.
Não porque sou covarde, mas porque não gosto de falar da minha vida pessoal com
ninguém, ainda mais com os meus filhos. Não notei que falei tantas vezes sobre Abby. Talvez,
meu interesse esteja mais evidente do que eu poderia supor.
— Sei..., mas ela é bonita e mais interessante que a chata da Rose, pode apostar – ele
avisa com o dedo em riste —, ela faria da sua vida um inferno.
— Sei disso melhor do que ninguém...
— Quando ela soube que estávamos chegando em Chicago, foi para o aeroporto mesmo
sabendo que eu pegaria meu jipe – fala cansado —, nem a Kayle suporta a irmã...
— Ela precisa amadurecer, é só uma mulher mimada, não está acostumada a perder...
— E segundo a Kayle, ela não vai desistir de você...
Só balanço a cabeça.
— Estou cansado da viagem, vou subir e tomar um banho, nos falamos amanhã, está
bem?
— Tudo bem, pai.
Pego meu paletó e saio da sala. Vou para o meu quarto, tomo meu banho e deito sobre a
cama. Foi uma viagem exaustiva, carregada de reuniões e problemas para resolver. Mas sempre
que havia uma brecha, Abby povoava meus pensamentos mais intensos. Olho para a porta como
se ela pudesse entrar a qualquer momento.
Ela é uma tentação. Não deveria, mas se tornou. É uma praga que Quinn jogou sobre
mim e estou me sentindo atormentado nos últimos dois meses. E depois do beijo, tudo piorou,
não consigo parar de pensar nela, de querê-la.
Apago a luz do abajur e desligo a TV, fico na escuridão e me viro na cama, ficando de
lado e olhando para a varanda. O cansaço me consome e acordo com o som do celular
despertando. Sento na cama e pego o aparelho e olho a hora, cinco da manhã. Ouço o som da
chuva lá fora. Não vou dormir mais, vou correr um pouco e gastar energia.
Quando entro na sala de ginástica, vejo Abby correndo em uma das esteiras. Ela fica
surpresa e para de imediato. Está usando um short e um top que explodem nas minhas fantasias.
Meu sangue ferve e a única coisa que consigo enxergar é ela toda.
Fecho a porta e me aproximo dela.
— Está chovendo e Meredith disse que eu poderia usar, eu não sabia que também estaria
aqui, eu...
Não a deixo terminar de falar, minha garrafa de água cai no chão quando a enlaço pela
cintura e a puxo para mim, para beijar sua boca gostosa. Ela tem a alternativa de me empurrar e
gritar por socorro, mas ela não faz nada disso. Ao contrário, ela me abraça e me beija de volta,
sua língua tocando a minha com paixão.
Com tantas mulheres no mundo, por que tinha que ser justo ela, a que Glenda Scott
Rhodes escolheu? Juro que tentei me manter afastado, mas tem se tornando uma obsessão,
espero que isso acabe agora.
— É um erro – ela sussurra contra a minha boca.
Agarro sua bunda com força.
— Um delicioso erro, talvez o melhor que já cometi – falo com convicção.
O beijo se torna algo íntimo, tão possessivo que sinto que estamos fazendo sexo com a
boca. Eu a levanto no ar e ela me abraça com as longas pernas. Caminho com ela pela sala até
encontrar o balcão e colocá-la sentada ali. De forma atrevida, aperto o seio macio sobre o top e
desço as mãos até alcançar a fina cintura e o cós do short.
Meus dedos deslizam pela borda e ela geme contra a minha boca quando esfrego meu pau
contra sua boceta. Estou tão faminto, tão louco por ela que agarro o tecido do short e puxo para
baixo, ela move os quadris para me ajudar a tirar a peça. Afasto o suficiente para puxar pelos pés
com o tênis e tudo que tem na frente.
Com os olhos tomados pela paixão, ela agarra minha camiseta regata e me puxa para
perto e nos beijamos de novo. Agarro o top e nos afastamos mais uma vez, tiro a peça e depois é
a minha camiseta que cai no chão. Beijo sua boca, mordo seu lábio e o chupo antes de descer a
boca pelo pescoço e apertar o seio que cabe exatamente na palma da minha mão.
O som da chuva lá fora é melodia aos meus ouvidos quando meus dedos roçam a entrada
melada da boceta e ela abre mais as pernas. As mãos femininas trabalham sobre o volume do
meu short e ofego contra sua pele. Desço os lábios sobre o seio intumescido e ela geme
agarrando meus cabelos. Belisco o outro seio e ela geme outra vez, apertando mais os meus
cabelos.
Sinto o líquido escorrer pelos meus dedos e deslizo por toda a extensão, passando pelo
clitóris, a fazendo estremecer, e descendo novamente até aquela entrada do paraíso.
— Quentin – ela geme meu nome e fico perdido.
Ergo a cabeça para beijar a boca macia e gostosa. Abby abaixa meu short e acaricia o
meu pau para cima e para baixo. Não quero gozar na mão dela, por isso, seguro sua mão com
cuidado e a tiro do caminho. Afasto e nos encaramos, agarro sua bunda outra vez e a trago para
perto, aninhando meu quadril entre suas pernas, então, sem apartar o olhar, eu a penetro de uma
vez.
— Ah! – ela praticamente morde meu ombro tentando abafar o gritinho de prazer.
Ela coloca as pernas ao redor de mim e eu a abraço, estocando de novo, até o fundo,
como preciso fazer. Os seios macios se arrastam contra o meu peito enquanto entro e saio dela
com força, o cheiro de sexo tomando o ambiente, os gemidos abafados de alguma forma.
Sinto a boceta quente e apertada me engolir e não tem como não me perder. Aperto mais
sua bunda quando aumento o ritmo e ela me abraça mais, a ponta dos dedos pressionando minhas
costas de um jeito gostoso.
Aqui estou eu, fodendo essa mulher gostosa e preocupado se ela vai gozar também. Passo
a língua pelo polegar e coloco entre nós dois, tocando seu clitóris e girando em círculos para
estimulá-la ainda mais.
— Caralho... – ela solta um palavrão que quase me faz sorrir, mas o tesão que me
atravessa é tão intenso que bato fundo em sua boceta e ela se contrai.
Não quero que pare, poderia ficar o dia todo fazendo isso, mas meu corpo cede ainda
mais quando a sinto comprimir meu pau com sua boceta quente e os gemidos se tornam um
choramingo gostoso de quem está gozando.
— Estou gozando – ela avisa num sussurro e a sinto ficar tensa e jogar a cabeça para trás,
a observo revirar os olhos do jeito gostoso.
Penetro com força e me mantenho ali gozando também, levo a boca ao ombro de Abby e
solto gemidos sufocados até que meu corpo se entrega. Ficamos abraçados, sem dizer nada,
apenas o som das respirações sobressai ao barulho da chuva lá fora.
Acabei de foder minha funcionária, a mulher que jurei nunca desejar, que tentei manter
afastada, mas não consegui. Beijo seu queixo, sua bochecha, o canto da boca até que nossos
lábios se encontram em um beijo mais calmo dessa vez, mas não menos carregado de desejo.
Tenho certeza de uma coisa: uma vez não foi suficiente para me sentir saciado.
Preciso de Abby de novo. E quando me afasto e nos encaramos, tenho certeza que ela
sente a mesma coisa.
CAPÍTULO 14

Quando Quentin se casou pela primeira vez, eu tinha seis anos de idade. Temos quatorze
anos de diferença, nunca tive tesão por homens mais velhos. Até agora. Jurei não me aventurar
com qualquer homem por anos, e aqui estou eu, um ano depois, me jogando nos braços de
Quentin Hastings, ninguém menos do que o meu patrão.
Olho para o busto que estou dando vida, é nítido que aquele queixo é dele, a face ainda
não está pronta, mas eu não poderia trabalhar em outra imagem que não fosse a dele. Desde a
manhã na academia, eu sigo atormentada e sei que ele também. Não falamos sobre o assunto e
não houve oportunidade para isso.
O filho dele está em casa, ele tem o trabalho e os compromissos. Fico por conta de
Joseph o dia todo, e amanhã é minha primeira folga desde então. Tenho planos de passar o dia
todo fora, para evitar um novo encontro. Nós dois sabemos que queremos mais e isso não pode
acontecer.
Mesmo que o olhar dele me persiga onde quer que eu vá, ele não tem misericórdia,
sempre que o observo, seu olhar intenso está sobre mim, me fazendo lembrar da nossa manhã
deliciosa e de como amei cada segundo ao lado dele. Pela primeira vez, fiz sexo de verdade.
Gostoso, firme, quente. Quando ele tocou o meu clitóris, não me aguentei e gozei tão gostoso.
Sem conseguir me concentrar, eu deixo a escultura ali e pego o pano para limpar as mãos.
Faço sinal para a Senhora Ferry de que encerrei minha aula e ela assente, acenando. Vou até a
pia lavar as mãos e depois me dirijo para a recepção.
— O que é esse olhar de quem está com vontade de fugir do mundo? – a voz de Steve me
faz sorrir.
— Não quero fugir, só preciso de férias da minha própria companhia – comento.
— Sei bem como é isso, a nossa cabeça nos cobra tanto que começamos a enlouquecer.
— Exato. – Aponto para ele que sorri.
— O que vai fazer hoje? Podia sair comigo e com o Seth, vamos num PUB aqui perto...
— Não sei se estou animada, do jeito que estou hoje é bem capaz de que eu atrapalhe a
noite de vocês...
— Você precisa sair e achar alguém que possa te animar, às vezes, ajuda...
Se ele soubesse a minha história, daria risada.
— Acho que não, vou deixar para uma próxima vez, eu vou para casa descansar...
E pensar numa forma de tirar esse homem da minha mente e do meu corpo. Talvez o
tempo ajude, ou até mesmo tentar me apaixonar por outra pessoa. O que é bem improvável,
então, prefiro ler um livro a gastar minha energia conhecendo alguém.
Levo um susto quando vejo o homem encostado no meu carro. Naquela escuridão do
estacionamento, eu quase tive um ataque do coração. Quentin se move e desencosta. Não posso
ver seu rosto, está na sombra, mas sei que faz meu coração disparar de uma forma deliciosa.
Engulo em seco e tiro a chave do carro da bolsa, fazendo barulho para ele saber que quero ir
embora.
— Oi – digo ao me aproximar.
— Oi, Abby – ele devolve de uma forma tão carinhosa.
— O que está fazendo aqui?
— Não temos conseguido um tempo para nós, então pensei se não quer jantar comigo –
ele responde.
Eu quero e muito, mais até do que pensei que pudesse querer. Dizer sim seria uma tolice.
Mas dizer não também é uma bobagem. Não sou mais uma adolescente impulsiva, mas também
sou uma adulta livre para fazer o que quero. A vida é pura contradição. Respiro fundo, soltando o
ar devagar e tomando minha decisão.
— Está bem, eu estou com fome e quero jantar com você...
— Deixe seu carro aí, vamos no meu – ele propõe.
— Não...
— Não? – Ele fica surpreso.
Acredito que é melhor me explicar.
— Eu criei códigos de segurança depois do que aconteceu comigo e um deles é sempre
ter como fugir se precisar – exponho.
Ele move a cabeça de um lado para o outro, compreendendo.
— Tudo bem, se você se sente melhor assim.
— Ótimo, eu sigo o seu carro – aviso.
Já que mesmo que ele dissesse o endereço, eu não conheço Chicago o suficiente para
saber onde ir. E sou péssima com GPS, já me perdi usando o serviço, sim, eu sou uma lástima
quando o assunto é à direita, esquerda, para cima e para baixo no trânsito. Ainda mais se estiver
ansiosa, e estou.
Ele assente e vai para o importado parado do outro lado do estacionamento. Entro no meu
carro e eu o sigo até um hotel de luxo de Chicago. Estaciono meu carro ao lado do dele e quando
desço, ele está me esperando.
— Não sei se estou vestida para a ocasião. – Olho para a minha calça suja de gesso.
— Não se preocupe, não vamos ficar com os hóspedes, tenho um lugar privativo –
informa.
Não estranho e me sinto confortável quando a mão masculina toca a base das minhas
costas e ele me conduz para a entrada do hotel. Um funcionário vem ao nosso encontro e informa
que tudo está pronto. Sorrio quando percebo que ele planejou tudo isso, não foi por acaso, não
foi uma decisão de última hora. E me sinto lisonjeada por ele ter pensado numa forma de ficar a
sós comigo.
Eu também queria isso, mesmo que a minha razão grite que estou tomando uma péssima
decisão e o fim é um coração quebrado. Já passei tantas situações ruins que um coração quebrado
é o menor dos males. Subimos de elevador até o quinto andar e então o funcionário no leva para
a suíte preparada para nós.
Ele sabia que era minha folga à noite, então nada melhor do que sairmos da mansão, onde
podemos ser observados. E sei que somos, Meredith não tira os olhos de nós quando estamos
próximos e eu tenho feito de tudo para ser a mais discreta possível. Entro no quarto e avanço
pela sala requintada onde a mesa está posta com velas e uma bela garrafa de vinho.
Sendo Quentin quem é, eu aposto que essa garrafa vale mais que o carro popular que
estou usando. Deixo minha bolsa em cima do sofá e olho ao redor, tentando me distrair enquanto
ele dá a gorjeta para o funcionário do hotel e tranca a porta. O som da fechadura me faz lembrar
que estou sozinha com o homem que é proibido para mim porque nossa única ligação é a
química que sentimos.
Tirando isso, não há mais nada. Nem somos compatíveis. Quentin tira o paletó e joga no
sofá ao lado da minha bolsa. Desabotoa o punho da camisa e dobra até os cotovelos, um depois o
outro, exibindo o antebraço definido. Para um homem da sua idade, ele se cuida muito. Sempre
corre todas as manhãs, levanta cedo, sua alimentação é excelente, não o vejo com vícios, vai
viver muito tempo.
Ele então passa por mim, puxa a cadeira e me encara.
— Sente-se, por favor...
Dou um sorriso pelo cavalheirismo e me sento, agradecendo.
Ele dá a volta na mesa e se senta na minha frente. Sou do tipo romântica e sei admirar a
atitude de agradar.
— Mandei preparar risoto, sua comida preferida. – Ele observa e finalmente olho para os
pratos feitos.
— Como sabe que amo risoto?
— Veio no relatório sobre você – ele conta e começo a rir.
Com uma facilidade incrível, ele abre a garrafa de vinho e serve para nós dois. Até o
barulho do líquido caindo na taça me excita. É como se ao lado de Quentin, eu estivesse no modo
mulher excitada o tempo todo. Tomo o vinho que é delicioso, não estou surpresa, ele quer me
impressionar.
— Se eu soubesse que jantaríamos, eu teria me arrumado. – Observo.
— Teria mesmo?
Enrugo o nariz e assinto.
— Ah, sim, eu também gosto de impressionar, às vezes...
Seus olhos brilham quando digo isso:
— Você não precisa me impressionar, Abby, já conseguiu fazer isso. – E leva a taça aos
lábios.
Fico sem graça e pego o garfo e a faca para começar a comer. Realmente estou com fome
e a comida está uma delícia. Noto que ele está me observando e não come.
— Não vai comer?
— Daqui a pouco, gosto de beber o vinho antes, sentir o sabor sem a interferência dos
temperos da comida – ele explica.
— Um apreciador?
— Sim, eu gosto muito de vinho, e se quiser, posso lhe mostrar minha adega em
Rockford. – Ele observa.
— Eu adoraria conhecer – admito.
Eu me sinto como um esfomeado que está diante de um banquete e tudo que lhe é servido
ele aceita. Estou carente de atenção e carinho. E Quentin é extremamente gentil e atencioso, e me
sinto na obrigação de aceitar o que ele me oferece, nunca fui tratada com tanto zelo.
— Amanhã? – ele propõe.
— Mas você pode?
— Claro que sim, sou dono do banco, esqueceu? Eu faço meu horário. – Ele sorri
charmoso.
— É minha folga, então acredito que não vai ter problema.
— Não vai – ele fala seguro de si antes de terminar o vinho. — Como está indo com as
esculturas? Annais está animada para a exposição...
Isso...
— Antes estava divertido, agora parece que estou me sentindo pressionada – admito e
gesticulo com uma das mãos —, eu não sou essa artista que ela quer que eu seja. O talento do
meu pai era nato, eu não...
— Não se subestime – ele me corta —, você vai se surpreender se parar de achar que não
é boa o suficiente.
— Mas é verdade...
— Abby – ele fala sério —, Annais é uma mulher da arte, ela respira isso, nasceu em
meio aos artistas, está em seu sangue. Acredita que ela diria algo assim se não tivesse certeza do
que está falando?
— Eu... não... – gaguejo como faço quando estou nervosa.
— Não deveria se depreciar tanto. Ela não faria uma exposição para pessoas importantes
do meio artístico se não confiasse no seu trabalho e talento – ele me adverte.
— A responsabilidade se torna ainda maior. – Encolho os ombros.
— Claro que sim, mas não deve se cobrar, é sua primeira exposição, vai ter outros artistas
juntos, relaxe – ele pede como se fosse assim para um ansioso, estale os dedos e relaxe, vai ficar
tudo bem.
Ele me observa enquanto come.
— Está ansiosa...
Começo a rir e assinto.
— Ansiedade é meu nome, achei que fosse Abby, mas acho que o A é de ansiedade
mesmo...
Ele se levanta e vem para o meu lado, se ajoelha e segura a minha mão.
— Quer respirar comigo?
Sorrio.
— A última vez que fez isso, acabamos nos beijando – eu o faço lembrar e sei de suas
intenções.
— Mas a intenção é essa – ele rebate com aquele charme irresistível.
Com uma coragem que desconheço, ergo a mão e toco a barba que ele mantém aparada e
cheirosa.
— Você não precisa de desculpa para me beijar, Quentin...
— Ah, Abby, não deveria ter dito isso – ele me avisa, agarra a minha nuca e me puxa
para frente, beijando minha boca em seguida.
O beijo é firme, me consome de uma forma tão prazerosa que meu gemido soa
involuntário contra sua boca. Sinto seus dedos enredarem nos meus cabelos e ele aprofunda o
beijo, virando o rosto de lado e tocando a minha língua, me acariciando.
— Adoro essa sua boca – ele rosna as palavras contra os meus lábios e então se levanta.
Para minha surpresa, ele me pega no colo e sem qualquer cerimônia, me leva em direção
ao quarto. Eu seguro seu rosto e voltamos a nos beijar, não quero pensar nas consequências da
última noite ou do que faremos, eu quero viver. Quentin não é o Ivan, ele não me faria mal,
tenho certeza disso. Só eu mesma posso me prejudicar se deixar de viver os melhores momentos
da minha vida com esse homem.
E isso não tem a menor chance de acontecer, penso quando ele me joga sobre a cama e
seus olhos prometem o paraíso.
CAPÍTULO 15

Voltou a chover, estou deitado de costas olhando para o teto quando as primeiras gotas
batem contra o vidro da varanda. O ar condicionado aquece o quarto, mesmo assim, Abby está
debaixo do edredom deitada de bruços, os cabelos longos espalhados pelo travesseiro. Deveria
acordá-la e irmos para a mansão.
Mas pela primeira vez em anos, eu não quero voltar para casa. Quero ficar aqui e com
ela. Sento na cama e levo a mão aos cabelos e me levanto para ir ao banheiro e tomar um banho
quente. Quando saio, para o meu alívio, ela continua dormindo, não fugiu. Tenho a impressão
que Abby pode desaparecer a qualquer momento, é uma sensação estranha, mas está comigo.
Talvez, pela distância que ela faz questão de manter entre nós. Ela pode gozar gostoso,
mas isso não significa que estou tendo acesso a ela. As feridas a fecharam para o mundo, suas
dores silenciaram sua necessidade de fazer parte da vida de alguém. Ela só está comigo agora
porque sabe que não temos futuro juntos.
E isso é assustador.
Aproximo da cama e puxo o edredom, ela reclama e se vira de costas, os seis se espalham
lindos e posso admirar toda sua nudez. Até mesmo o corte da cesárea que ela tem, a prova viva
de que já foi mãe. Não gosto de pensar no que ela passou, se eu perdesse um dos meus filhos, ou
até mesmo Joseph, ficaria devastado. Sofri muito com a perda de Sara, mas perder os meninos
acabaria comigo. Eu me ajoelho aos pés da cama e seguro os tornozelos dela.
Abby dá um sorriso sonolento e fala sem abrir os olhos:
— O que pensa que está fazendo?
— Você vai ver... – abro suas pernas de forma indecente e me inclino para beijar a pele
macia.
— Hum... isso parece bom...
Sorrio com malícia, enquanto deslizo minha boca por suas pernas e vejo suas coxas
tremerem. Abro suas pernas até o limite e desço os lábios sobre a entrada da boceta gostosa,
passando a língua para cima e para baixo para acordá-la definitivamente.
— Quentin...
Adoro ouvir meu nome saindo da sua boca quando está excitada. Ela sabe como me
deixar louco com tão pouco. Eu a torturo, lambendo, e me excita a forma como suas coxas
tremem outra vez. Olho para cima e vejo os seios lindos, a forma como ela os belisca enquanto
continuo acariciando.
Deixo minha boca pairar sobre seu clitóris. Puxo o casulo até que o ponto inchado surge e
passo a ponta da língua nele.
— Ah... Ah... – Ela tenta fechar as pernas, mas a mantenho aberta.
Eu o tomo entre os lábios e chupo, molhando com a língua e sugando outra vez. Ela geme
alto, estica os braços ao longo do colchão e agarra os lençóis. Alterno a chupada com o roçar da
língua e ela diz meu nome. O líquido escorre de sua boceta e tomo com a boca antes de acariciar
com a ponta dos dedos e retomar o clitóris, sugando. Ela choraminga e tenta se desvencilhar, mas
a mantenho presa e seus gemidos ficam altos. Abby morde a mão para se controlar, mas sei que
está a ponto de gozar gostoso. Ela move os quadris contra o meu rosto e todo seu corpo
estremece quando o orgasmo a toma e chupo até que ela implora para que eu pare.
— Por favor... – ela pede.
Fico de joelhos, agarro seu braço e a puxo. Abby monta minhas coxas e desce aquela
boceta encharcada sobre o meu pau. Fecho os olhos sentindo a carne quente me envolver, beijo
sua boca e me movo debaixo dela. Ela sente o próprio gosto enquanto a tomo, nada pode me
separar dessa mulher nesse momento, estou louco por ela.
Eu me movo forte, depressa e ela morde minha boca, beija meu queixo, meu pescoço e
me dá uma chupada bem ali, mordendo e me comprimindo com sua boceta. Isso é delicioso, é a
perdição de um homem. Sinto o cheiro da sua pele, o seu gosto na minha boca, o seu beijo que
me consome. Abby é um conjunto de delícias, meu mais novo paraíso particular.
— Abby, você é gostosa pra caralho...
— Quentin...
— Adoro te foder...
— Sim... desse jeito... – ela diz lânguida, perdida no prazer.
Ela geme contra a minha boca e agarro seus cabelos enquanto vou socando cada vez mais
forte. Caio com ela sobre a cama e continuo me movendo fundo, batendo em seu ponto G até que
não aguentamos mais e gozamos juntos.
Ofegante, eu saio de cima dela e me deito ao seu lado, sabendo que precisava disso mais
do que ela.
— Quentin... – sua voz soa receosa.
— O que foi? – Eu me viro de lado e a observo.
Seus olhos verdes me fitam hesitantes.
— Não usamos preservativo e eu não tomo remédio – ela conta preocupada.
Seu cenho está franzido e seus lábios crispados. Não vou mentir para ela, não há motivo
para isso. Sei que fui irresponsável, uso sempre camisinha, mas com ela nem me lembrei disso,
ainda mais na primeira vez, na academia da mansão. Não fui preparado para o momento e não
podia parar.
— E não queremos um filho, não é? – Ela respira pesadamente.
— Não se preocupe, eu fiz vasectomia há alguns anos – saliento.
Ela fica surpresa.
— Vasectomia?
— Depois da morte de Sara, não tinha planos de ter filhos, então achei melhor fazer –
conto e ela arregala os olhos com surpresa.
— Está certo – ela se limita a concordar.
— Já tenho dois, não preciso de mais filhos, não é? E a vida trouxe Joseph para mim...
— Sim, com certeza – ela concorda se vira para mim —, fico aliviada em saber disso.
Ela sorri meiga e sai da cama, indo em direção ao banheiro. Quando retorna, está com os
cabelos molhados e envolta num roupão do hotel.
— Estou com fome, será que ainda tem risoto? – Ela ri e vai em direção à sala.
Eu me levanto e vou atrás dela.
— Deve ter esfriado – digo preocupado em atender as necessidades dela —, podemos
pedir alguma coisa na recepção.
— Não precisa, ela se senta na cadeira e volta a comer, eu não ligo de comer comida fria
– justifica —, além disso, os funcionários devem estar cochilando a essa hora.
Ela realmente come a comida fria sem se importar. Sirvo mais vinho para nós dois e pego
minha taça e vou me sentar no sofá para observá-la.
— Pelo visto, você não gosta de comida fria. – Ela observa com um sorriso de deboche.
— Não...
— Nem mesmo pizza fria?
— Não – garanto.
Ela dá uma risada alta.
— E o que o Senhor Hastings faz de excêntrico quando ninguém está olhando?
— Não sei dizer. Depende do que você chama de excêntrico.
— Não sei – ela termina de comer e limpa os lábios com o guardanapo. Coloca sobre a
mesa e vem se sentar ao meu lado segurando a sua taça —, o que você faz e que teria vergonha
se as pessoas soubessem?
— Acredito que não tenho muito tempo para fazer coisas estranhas – respondo e ela ri
outra vez.
— Mentiroso! Deve ter alguma coisa que você faz quando não tem ninguém olhando...
Encolho os ombros:
— Eu me masturbo pensando na babá do meu neto – confesso.
Ela fica sem fala, abre a boca e a voz não sai.
— Você perguntou... – Bato minha taça na dela e tomo um gole.
— Não estou ofendida – ela diz de repente e a encaro.
— Não?
— Não, e nem chocada. Fico até lisonjeada por saber que sou o motivo das suas
fantasias. – Meneia a cabeça e toma vinho.
— Você é uma safada presa na pele de uma professora singela. – Eu tomo o resto do
vinho e coloco a taça sobre o móvel ao lado do sofá.
— Professora singela? – Ela ri quando digo isso. — É assim que pensa em mim quando
está se masturbando?
Então, ela leva a mão ao meu pau e acaricia devagar me deixando excitado outra vez.
Meus olhos estão presos aos dela, e sou todo seu. Pode fazer o que quiser comigo que não vou
reclamar.
— Sim, eu a imagino dando aula para mim e sendo muito safada...
Ela sorri e intensifica a carícia, subindo e descendo aquela mão no meu pau.
— Safada quanto? – ela me desafia. — A ponto de fazer isso?
E se inclina para capturar o meu pau com a boca. Fecho os olhos e recosto a cabeça no
sofá enquanto sinto sua boca quente me tomar, chupar gostoso. Agarro seus cabelos e tiro da
frente do rosto, quero assistir a forma safada com a qual ela me chupa. Eu sabia que debaixo
daquele ar de moça boa, havia uma mulher ávida que só precisava de um empurrão para mostrar
seu desejo.
Sinto o prazer me consumir, o calor dominar todo o meu corpo. Movo meu quadril contra
sua boca e ouço seus ofegos enquanto a cabeça do meu pau bate no fundo da sua garganta. Ela
lambe e suga tão gostoso que sei que vou gozar e então agarro seu cabelo e ergo para beijar sua
boca enquanto o orgasmo me consome. Mordo sua boca e a beijo com mais ímpeto enquanto
meu corpo vai voltando ao normal.
Ela se ergue e vai até a mesa, limpar a mão no guardanapo.
Então se volta para mim e abre o roupão, deixando que caia no chão e se aproxima de
mim, exibindo o corpo que admiro tanto. Sem tirar os olhos dos meus, ela monta sobre as minhas
pernas e nos beijamos. Sei que ela quer gozar também, por isso, afasto sua boca para levar meus
dedos e fazê-la chupar.
Deslizo os dedos por sua boca e ela chupa gostoso, antes de levá-lo até a entrada da sua
bocetinha. Desço os lábios em seus seios e a penetro, deixando que monte e os comprima. Ela
geme alto quando mordo o bico do seio e o sugo em seguida. Ela se move para frente e para trás,
esfregando o clitóris na palma da minha mão.
— Nunca me senti assim, Quentin – ela murmura passando os dedos por entre os meus
cabelos.
— E como se sente? – pergunto dando atenção ao outro seio.
— Livre – ela responde e ofega quando esfrego o polegar no clitóris e ela monta meus
dedos cada vez mais rápido em busca de alívio.
Fico surpreso com essa pequena palavra. Abby se sente livre comigo, e isso não tem
preço. Há muito tempo queria que ela se entregasse para mim e acredito que consegui. Ergo a
cabeça e a encaro. Assisto a forma como ela se perde enquanto cavalga meus dedos, os olhos
semicerrados, a boca entreaberta, puxando o ar cada vez mais depressa. O sobe e desce do corpo
é sexy, os seios se movendo juntos. Belisco o mamilo e ela dá um gritinho de prazer. É tentador
vê-la se entregar dessa forma.
— Eu amo o cheiro de sexo – ela sussurra perdida —, e como você faz gostoso...
Abby me faz sentir o rei do mundo. Não sou de me vangloriar com elogios, a maioria das
pessoas faz isso só para me agradar, mas não a Abby. Ela jamais diria se realmente não estivesse
sentindo e isso é incrível. Acredito nela.
Ela goza pressionando os meus dedos e deixa seu corpo cair sobre o meu, eu a sustento
enquanto descansa a cabeça no meu ombro. Ela está satisfeita e eu também e isso é o suficiente
para nós dois. Acaricio suas costas e seus cabelos e ficamos assim por um longo tempo. Não sei
dizer quanto tempo. Sabia que nunca seria o suficiente, eu quero mais dessa mulher e mal
começamos.
— Você me faz sentir segura – ela confessa sem me encarar.
Sei o quanto é importante para ela a questão da segurança e o quanto deve ser difícil dizer
isso para mim.
Eu a obrigo se afastar e a encaro:
— Não vou te decepcionar... – prometo.
E nunca faço promessas que não posso cumprir.
— Eu sei – ela sussurra.
Sorrio para ela e ela para mim.
Não quero pensar exatamente sobre o que aconteceu aqui, ou no que está por vir. Eu
preciso estar com ela e é só isso que importa. E pela primeira vez, eu a beijo de forma lenta e
apaixonada, sem pressa.
CAPÍTULO 16

Quando Quentin disse que tinha uma adega não imaginei que isso comportasse um
vinhedo e toda a produção do vinho. Um galpão com tonéis cinco vezes maiores do que eu e
pessoas trabalhando nisso dia e noite. É uma verdadeira vinícola.
— Prove – ele oferece uma taça para mim —, é o melhor vinho que vai experimentar –
ele se gaba.
Sorrio e experimento, o sabor realmente é diferente, forte e dá vontade de beber mais.
— Delicioso – admito.
— Sabia que ia gostar – ele fala e devolve a garrafa para o empregado.
— Venha, andamos a manhã toda e ainda não lhe mostrei a casa – ele diz e entrelaça sua
mão à minha para irmos em direção à pequena mansão no estilo arquitetônico italiano.
— Nunca fui para a Itália, mas tenho certeza que estou em algum lugar da Toscana –
brinco.
— Minha família adquiriu essa propriedade há algumas décadas e eu fiquei com essa
parte. Chicago é a minha casa...
— Por que ficou com o banco?
Ele encolhe os ombros enquanto caminhamos pela estrada de pedra, o vento frio bate
contra nós e eu fecho ainda mais o meu casaco.
— Foi o curso natural das coisas – observa sério —, Quincy sempre adorou a política, e
Quinn vivia seguindo meu avô paterno até as refinarias, ele adorava tudo que dizia respeito à
Nova Orleans e eu acabei ficando em Chicago, eu me apaixonei por Sara quando ainda
estávamos estudando na Louisiana. O pai dela foi transferido para Chicago e como eu precisava
tomar a frente dos negócios e fazer uma faculdade, tudo casou muito bem para nós dois...
— Todos falam muito bem dela – comento —, sinto muito que a tenha perdido de forma
tão trágica.
— Eu também – olha para mim —, a vida tem estranhas formas de nos conduzir a
caminhos inesperados.
— Concordo.
Chegamos diante da casa e subimos as escadas. Um empregado nos recebe e Quincy faz
um tour pela casa, não é tão grande quanto a de Chicago, mas é luxuosa e elegante tal como tudo
o que cerca esse homem. Alguns quadros chamam a minha atenção. Estão expostos em uma sala
e paro para admirá-los.
— Não conheço esse artista – eu comento quando ele para ao meu lado.
— É normal que não o conheça – ele garante.
— Pinta muito bem, onde é isso? – falo da paisagem do quadro.
— É aqui. – Ele aponta para a varanda.
Aproximo da varanda e fico surpresa com a fidelidade da imagem. É muito bem
retratada.
— É realmente lindo, a pessoa estava inspirada quando pintou, tem um talento nato...
Ele começa a rir e balança a cabeça em negativa.
— O que foi? Falei alguma coisa errada? – Fico confusa.
— Eu pintei o quadro, Abby – ele confessa.
E me dá as costas sem me dizer mais nada.
— Ah, não – eu o sigo para fora do salão —, você não pode me dizer algo assim e não
me explicar como pintou um quadro tão lindo. Os outros também são seus?
— São – ele responde sem graça e saímos para a varanda da sala principal.
Há uma mesa posta com vinho, uvas, queijo e pão. Ele puxa a cadeira para que eu me
sente, e fico esperando que ele me explique como pintou aquele quadro. Mas Quentin permanece
em silêncio.
— Você pode me contar ou eu posso perguntar para Meredith – eu chantageio.
— Isso é uma ameaça? – ele se diverte.
— Sim, quero saber – começo a rir de nervoso e aponto para dentro —, como existe um
artista nato dentro de você e eu não sabia?
— É uma longa história... – ele tenta se esquivar.
— Se não tiver pressa e quiser me levar embora agora, posso ouvir, não tenho
compromisso – garanto.
Ele para de sorrir e me encara de uma forma engraçada.
— Pois bem – respira fundo —, quando eu tinha sete anos, meu irmão mais velho,
Quintus, então com nove anos, morreu afogado.
Não digo que sei a história, mas também não finjo uma surpresa absurda.
— Sinto muito...
— Foi um trauma tão grande e nossa mãe não nos deixou frequentar a terapia... – Ele
franze o cenho.
— O quê? Mas por quê? Vocês tinham condições financeiras...
— Meu irmão não morreu afogado, Abby. Descobrimos há pouco tempo que minha mãe
tinha intenção de envenenar meu pai através do bombom que ele costumava comer sempre antes
de fumar o cachimbo, mas foi o Quintus quem comeu.
Levo a mão à boca e fico chocada. Sinto lágrimas nos meus olhos ao notar a emoção na
voz de Quentin, isso ainda o machuca.
— Ela usou o poder da família, apressou o enterro, cremou o corpo do meu irmão e o
médico legista foi subornado – fala amargo e fecha os punhos em cima da mesa —, Quintus
morreu pelo envenenamento e ela temia que se frequentássemos algum psicólogo ou terapeuta
alguém viesse a descobrir.
— Foi por isso que Quincy a internou num hospital psiquiátrico – deduzo.
— Também – ele concorda.
Levanto e me sento ao lado dele. Seguro sua mão em cima da mesa, a minha tão pequena
perto da dele. Ele me encara e prossegue:
— Sempre fui muito calado e, por isso, sofria mais que Quinn e Quincy. Então Michele
começou a comprar telas e trouxe tinta. Ela sempre dizia que eu desenhava bem, e pintar se
tornou uma válvula de escape.
Fico enternecida com a história.
— Por que parou? Foi por causa da morte da Sara?
— Não, foi mais a vida agitada, as responsabilidades, eu fui me afastando da pintura de
forma natural e gradativa...
Acaricio seu braço sobre a camisa e sorrio para ele.
— Devia voltar a pintar, é um desperdício de talento – elogio.
Aliás, eu o tenho elogiado muito nos últimos dias e não quero soar a puxa-saco que só
quer agradar, mas é verdade. A pintura que ele fez da paisagem da vinícola é simplesmente
perfeita.
— Algum dos seus filhos herdou seu dom? – pergunto e estico o braço para pegar uma
uva verde e comer.
O sabor derrete na boca.
— Não, Robert toca piano, mas Tym sempre foi o garoto dos livros. O máximo que
fazemos juntos é jogar xadrez...
— Nunca joguei xadrez – admito e pego mais uma uva.
— Isso é uma vergonha nacional! – ele debocha. — Uma professora que não sabe jogar
xadrez.
Pego uma uva e jogo na boca dele, o impedindo de falar mais e ele ri.
Passamos o dia passeando por ali, andando de mãos dadas pelos vinhedos e ele me leva
até o alto da colina de onde podemos ver toda a propriedade e o rio que se estende na parte baixa
da propriedade. Ouço com atenção sobre a fabricação dos vinhos e como as garrafas são únicas e
não fazem em larga escala.
— Não fazemos para o grande mercado consumidor – ele explica —, são garrafas únicas,
para serem apreciadas.
— Deve valer uma nota – comento enquanto voltamos para casa.
— Sim, são caras – ele garante, mas não me diz o valor.
Seu celular toca e sei que é trabalho. Eu me sento na varanda da casa, enquanto ele se
afasta para atender. Está falando com o advogado, ou alguém desse tipo. Sob o silêncio do fim da
tarde, fico assistindo ao pôr do sol. Meu pai sempre dizia que temos dois espetáculos dados por
Deus todos os dias: o nascer do dia e o entardecer. E perdê-los é uma forma de ingratidão.
Ele acordava todas as manhãs e agradecia por estar vivo e poder estar com sua família.
Nunca vou entender por que ele abandonou a arte quando estava ascendendo na carreira. A
verdade morreu com ele e a minha mãe, infelizmente.
Fecho os olhos e agradeço por estar viva. Eu poderia ter me tornado estatística e tive uma
segunda chance. Mesmo que uma parte minha tenha se despedaçado naquele dia, estou juntando
os cacos e tentando descobrir quem eu sou de verdade. E viver momentos bons, como esse, são
importantes. Posso ser feliz de novo, eu posso. Essa sensação me abraça tão gostoso.
— Oi – a voz feminina me assusta e abro os olhos depressa.
A mulher do outro dia está diante de mim com seu terninho branco e impecável, os
cabelos parecem que acabaram de sair do cabeleireiro e ela abaixa os óculos escuros para me
encarar.
— Posso saber o que está fazendo aqui?
Possessiva? Lembro de Quentin dizer que não tinha nada com ela, o problema é que ele
esqueceu de dizer isso a ela.
— O Quentin está lá dentro. – Aponto para a porta aberta.
— Você não é a babá do Joseph? – em sua voz há um deboche sem igual, como se ela
estivesse ganhando uma guerra contra mim.
— Sou... – respondo.
— E onde ele está? – Ela olha ao redor como se procurasse o menino.
— Não está aqui – asseguro.
Seus olhos se estreitam quando ela constata que estou sozinha com Quentin. Agora quem
está sorrindo? Sou eu... a chata possessiva acaba cair do pedestal de segurança e orgulho quando
descobre que o patrão está com a babá, e não com ela. Foda... ela vai sobreviver, ironizo.
— Rose? – a voz de Quentin soa quando ele sai da casa. — O que está fazendo aqui?
— Tem papéis importantes para assinar – ela diz se voltando para ele.
— Não podia assinar amanhã? – Consulta o relógio. — São cinco da tarde.
— Não podia esperar, é um contrato importante – ela se desculpa e estende os
documentos para ele. — Assine e me devolva! – praticamente manda nele. — Vou levar de volta
hoje mesmo.
— Pode deixar comigo, vou ler, não assino nada sem revisar primeiro – avisa observando
os papéis —, pode ir.
Ela arregala os olhos, ofendida. Olha para mim e abaixo a cabeça, fingindo não ter
percebido que ele a mandou embora. Porém muito feliz por ele ter feito isso e a colocado em seu
devido lugar. Oh, mulher chata! Deve ser dessas pegajosas que não soltam de jeito nenhum.
— Quentin... – ela tenta argumentar.
— Se der algum problema, eu sou o dono da porra toda, Rose, sei como agir nesses casos
– articula friamente —, e da próxima vez, avise antes de vir.
Ela ergue o queixo num gesto de desafio. Sei que ela quer explodir, gritar e xingar, mas
por algum motivo se segura. Apenas assente e me fita com desprezo, antes de girar sobre os
saltos e sair dali a passadas largas.
Ele espera que ela vá embora e então se volta para mim.
— Não sabia que ela viria aqui – comenta.
— Não tem problema, quer dizer, se ela não contar para o mundo todo que me viu aqui
sozinha com você. – Encolho os ombros.
Vão dizer que sou a puta do chefe, e sobre ele: que é um garanhão.
— Ela não vai dizer – garante.
Pelo visto, ele a conhece muito bem e novamente fico enciumada. Quentin joga o
contrato em cima da mesa e se aproxima de mim. Fico olhando para o outro lado para não
demonstrar o quanto estou decepcionada, mas é inevitável.
— Sinto muito se isso a ofendeu – ele sussurra ao meu lado.
Tento fingir que não, mas meu suspiro cansado denuncia que fiquei chateada.
— Ela não vai te deixar em paz mesmo – ironizo e meu tom sai um tanto amargo —,
certos tipos não sabem o seu lugar.
— Não mesmo – ele segura meu queixo —, não vamos deixar isso estragar o resto do
nosso dia.
— Precisamos voltar para casa – forço um sorriso —, devem estar pensando que fugi.
— Não estão – ele garante.
Eu me levanto.
— Ainda não fizemos uma coisa. – Mostro o dedo indicador.
— O quê?
— Não dançamos sob a música do pôr do sol. – Estendo a mão e ele aceita.
Quentin me puxa para perto e meu corpo se choca ao dele.
— Não estou ouvindo música nenhuma... – ele diz excitado.
— Dizem que os anjos cantam ao fim do dia – poetizo.
— Não estou ouvindo nada. – Ele desce os lábios no meu pescoço e dá uma mordida
gostosa e solto um gemido.
Deixo para trás todo aquele mal-estar que a maluca causou ao chegar de repente.
— Agora estou ouvindo os anjos cantarem – ele sussurra contra a minha pele.
Quentin me beija e por um segundo eu não quero que esse dia acabe.
CAPÍTULO 17

— Vamos fazer um jantar este fim de semana – Samuel me avisa —, contamos com a sua
presença e aquela bela jovem que estava com você na festa na casa de Annais – salienta quando a
reunião acaba.
Eu me esqueci que ele estava presente na casa de Annais. Mas não tem problema, tenho
certeza que Abby vai ficar sem graça em ir, mas vou convencê-la a me acompanhar.
— Está bem, vou falar com Abby...
Escuto um resmungo vindo atrás de mim e olho por cima do ombro para ver Rose. Ela de
novo. Já está se tornando inconveniente. Despeço de Samuel e dos outros acionistas e saio da
sala de reuniões. Entro no elevador e, infelizmente, ela entra comigo. Só nós dois.
— É isso mesmo que vai fazer?
Não respondo, não devo satisfações a ela. Rose se vira para mim, os braços cruzados e
batendo o pé no chão.
— Pelo amor de Deus, Quentin! Ela é a babá do seu neto, pelo amor de Deus! –repete
nervosa. — Ela não está à sua altura.
Não vou brigar por causa disso ou discutir.
— E você está?
— Claro que estou! – Ela gesticula e se aproxima mais. — Olhe para mim!
Eu a encaro como ela pede:
— Sou uma mulher que foi criada para ser esposa de um homem como você, sou
ambiciosa, queremos as mesmas coisas, enriquecer... – ela justifica sua atitude possessiva e
maluca —, não preciso de filhos e sei que não quer ter mais nenhum! Sou o que você precisa...
O desespero dela é desprezível. Não suporto pessoas que se rebaixam tanto e para nada.
Não há a menor possibilidade de eu achar esse teatro atraente. Não sei como meu pau um dia
subiu por causa dessa mulher. Rose é tudo que eu mais abomino na vida. E a forma como ela se
sente superior à Abby só a torna ainda mais baixa.
— Ela quer o seu dinheiro! – acusa e se vira para apertar o botão de emergência parando
o elevador.
— Pare com isso...
— Aquela mulher está louca para ser mãe, ela tem cara de quem quer um filho e sei que
você fez vasectomia! – conta.
— Como sabe?
— Ouvi Tym contando para Kayle – confessa.
Meu filho não tem culpa de Rose ser uma bisbilhoteira.
— O que não muda nada – garanto e aperto o botão para que o elevador volte a funcionar
—, eu não tenho nenhum interesse em você, Rose. Nem como amiga!
A porta do elevador é aberta e saio. Ela se controla porque funcionários entram. Ouço o
salto dela batendo atrás de mim e sei que essa discussão ridícula não acabou. Não enquanto eu
não for grosseiro o suficiente para colocá-la para fora da minha vida. Certas pessoas,
infelizmente, não conseguem entender que tudo tem limite.
Olho para Victória com impaciência e ela vê Rose, devolvendo o olhar compreensivo.
Ela não se levanta para vir me dar os recados, e entro em minha sala, seguido da maluca que acha
que nasceu para ser minha esposa.
— Ainda não terminamos a conversa! – Rose bate a porta e se altera um pouco.
Fico atrás da minha mesa e me volto para ela. Deixo os documentos sobre o tampo e a
encaro.
— O que você quer, Rose?
— Você – ela se aproxima angustiada —, nós tivemos uma química, foi legal. Por que
não podemos tentar algo mais sério?
— Porque eu não quero – deixo claro —, não foi o suficiente para mim. Quando ficamos
juntos, deixei claro que não estava à procura de relacionamento, eu só queria uma aventura e
você disse que estava tudo bem.
— Eu menti! – Ela aponta para si mesma. — Eu quero mais!
— Já se passaram mais de dois anos, talvez três... foi um erro, ainda mais se eu soubesse
que desencadearia em você essa obsessão ridícula!
— Como não consegue enxergar que sou perfeita para você? – Ela quase chora.
Nunca a vi tão desesperada. Franzo o cenho, preocupado. Não com ela, mas com essa
situação toda.
— Não é – garanto —, eu sei que não.
— Sei que não sou como Sara...
— Não tem nada a ver com Sara – eu a corto.
— Então, essa sua babá é melhor do que eu? – Aponta para si mesma. — O que ela tem
que eu não tenho? Ela é pobre, malvestida, sem graça!
— Chega! – eu a corto. — Não vou aceitar que diga essas barbaridades para justificar sua
loucura!
— Ela só quer o seu dinheiro! – repete desesperada.
— E você quer o que, Rose? Se eu fosse o caixa desse banco – aponto para a porta —,
você aceitaria se casar comigo?
— Claro que não, sou uma herdeira! Preciso de alguém à minha altura!
— É dinheiro, sempre foi, entendeu? E eu não quero você, nunca quis! E se continuar
insistindo com essa sua loucura em me perseguir a ponto de aparecer na vinícola... – bufo —,
como sabia que eu estava lá?
— Não interessa – ela se recusa a responder.
O que não faz a mínima diferença.
— Tudo bem, mas se continuar com isso, vou prestar queixa e impedi-la de entrar no
banco ou se aproximar de mim!
Seus olhos brilham perigosos:
— Você não faria isso! Seria uma humilhação que eu não posso suportar!
— Então passe a se comportar daqui para frente! – Coloco o dedo em riste. — Se voltar a
me perseguir, ou a ofender qualquer mulher que esteja na minha companhia, vou cuidar para que
nunca mais se aproxime de mim!
Ela engole em seco, me conhece, sabe que não estou brincando.
— Você vai se arrepender tanto, Quentin – seu tom é de mágoa.
— Não vou, agora saia e não volte a me perturbar. Não seremos um casal hoje ou amanhã
e não vou mudar de ideia – sou taxativo —, é melhor se conformar...
Ela ergue o queixo num gesto de desafio, comprime os lábios e retém as lágrimas que
ameaçam cair. Rose realmente acredita no que diz, ela pensa que podemos ser um casal. Não sei
como ou por quê. Nunca lhe dei esperanças ou fiz promessas. É tudo crença de sua cabeça
maluca.
— Você ainda vai me implorar perdão! – ela avisa antes de sair da minha sala e bater a
porta com força.
Bufo e sento na minha cadeira. Victória entra em seguida, com a expressão preocupada.
— Aconteceu algo desagradável pelo visto – ela comenta.
— O de sempre. – Ela já sabe.
Victória balança a cabeça.
— Ela precisa encontrar outro brinquedo para se divertir – diz com sarcasmo e se
aproxima da mesa —, podemos falar sobre trabalho ou quer deixar para depois?
Preciso ocupar minha cabeça com algo mais sério que não sejam as ameaças dessa
maluca.
— Pode falar...
E foco minha atenção no trabalho pelo resto da tarde. Quando chego em casa, Tym está
saindo para jogar tênis com os amigos no clube. Ele mal tem ficado em casa desde que chegou, é
a vida. Os filhos crescem e têm seus próprios compromissos e ficamos cada vez mais sozinhos.
Ainda bem que tenho Joseph, eu me sentiria um velho abandonado, penso com ironia.
Subo ao meu quarto e tomo meu banho. Entro no quarto de Joseph pronto para ver Abby,
mas encontro Vallery.
— Pensei que estivesse de folga – comento quando pego meu neto no colo.
— Estava, quer dizer, eu troquei com a Abby, ela teve um jantar essa noite – responde me
deixando intrigado.
— Jantar?
— Sim, com a dona da escola de artes e um outro homem, acho que é um crítico de arte
ou coisa assim – ela não sabe explicar.
Abby não me disse nada sobre o jantar.
— Pode tirar o resto da noite de folga, vou ficar com Joseph – aviso.
— Sim, senhor.
Ela me deixa sozinho com o menino e vou para o meu quarto.
— O que vamos assistir, Joseph? – pergunto e ele faz uma careta para mim, enrugando o
nariz.
Agarra os pés e vira na cama e eu o puxo de volta.
— Vou colocar algum desenho para você, o que acha? Você parece gostar de girafas,
vamos ver se encontramos alguma coisa sobre isso...
Procuro nos canais até encontrar algo para bebês, mas ele não presta atenção, às vezes
olha para a tela, mas não foca muito tempo, quer olhar tudo ao redor e fica mordendo o
brinquedo que lhe dou, levando na boca e sugando a maior parte do tempo. Quando ele chora, eu
o troco, dou a mamadeira e o faço dormir.
Acabo adormecendo junto com ele e acordo com o som da porta do meu quarto sendo
aberta. Levo alguns segundos para notar que é Abby. Ela entra e se aproxima na ponta dos pés.
Sorri para mim quando percebe que estou acordado. Para minha surpresa, ela tira o tênis e se
senta na beirada da cama para acariciar os cabelos de Joseph.
— Ele deu muito trabalho? – ela sussurra.
— Nenhum – respondo satisfeito por vê-la —, como foi o jantar?
— Como sabe do jantar?
— Vallery me contou – respondo.
— Claro – ela respira fundo —, foi interessante...
— Vamos para a varanda conversar... – proponho e ela assente.
Abby arruma os travesseiros ao redor de Joseph e eu a espero na varanda. Quando ela sai,
sorri um tanto ansiosa.
— Qual o motivo da ansiedade?
Encolhe os ombros devagar:
— Annais quer que eu exponha em Nova Iorque – ela revela e sinto que está emocionada
—, lembra daquele homem, Albert Jones?
— Lembro – digo mal-humorado —, ele não saiu de cima de você em nenhum momento.
Ela toca o meu braço e se aproxima mais, fazendo meu mal humor se dissolver e se
transformar em desejo só por sentir seu perfume gostoso.
— Não sabia que podia ser ciumento. – Observa com certo brilho no olhar.
— Não se gabe – acabo sorrindo também —, só você tem esse privilégio...
— Então – prossegue —, Annais o levou para ver as peças que fiz e ele adorou, quer
expor em Nova Iorque o quanto antes.
— Isso é incrível, Abby! Pode ser o início de uma nova carreira, já pensou?
— Você acha?
— Tenho certeza. Se um crítico como Albert Jones quer expor suas esculturas, é porque
realmente ele viu seu talento – asseguro.
Ela morde o lábio inferior e dá uma risada nervosa.
— Isso parece tão surreal – ela respira fundo e me encara —, é como realizar o sonho do
meu pai.
Seguro sua mão:
— É o seu sonho também – garanto —, vai me dizer que não seria um sonho viver disso?
— Seria perfeito – ela fala emocionada.
— Então vamos torcer para tudo dar certo e os colecionadores amarem suas obras a ponto
de você ser requisitada por todas as casas de artes do mundo – profetizo e a animo.
— Acho que vou chorar...
Eu a puxo para mim e a abraço com carinho.
— Você merece ter seu talento reconhecido, querida...
— Ah, Quentin... – ela me abraça mais forte e sei que está chorando emocionada.
Nunca pensei que abraçá-la me traria tanto conforto e uma sensação que nada pode me
abalar. Posso protegê-la e ser para ela o que nenhum outro homem foi. Tal pensamento me deixa
surpreso, porém, é tão forte que não cabe apenas em mim, se torna real. Beijo seus cabelos, seu
rosto e logo sua boca está contra a minha, me beijando com paixão.
— Obrigada por me apoiar – ela diz ao se afastar.
— Sempre terá o meu apoio...
— Então poderá ir comigo para Nova Iorque – ela me convida.
— Quer mesmo que eu vá com você? – indago surpreso.
— E quem mais eu convidaria? – pergunta me deixando ainda mais atônito.
Ela pensou em mim. Só em mim.
Eu a beijo de novo e sem hesitar agarro sua bunda gostosa e a arrasto até seu corpo bater
contra a parede.
— Não podemos – ela hesita excitada me empurrando —, não aqui...
Não a deixo terminar e beijo sua boca, seu pescoço, sentindo o gosto da sua pele, ficando
louco de tesão.
— Com você, eu posso qualquer coisa, Abby... – digo e começo a desabotoar sua calça.
Ela ofega, excitada, e então escutamos um choro vindo do quarto. Paramos e começamos
a rir. Volto o botão no lugar, frustrado.
— Talvez mais tarde – ela sorri com ironia —, tem um outro homem que precisa de
atenção.
E entra no quarto correndo para socorrer Joseph.
Só então percebo o quanto estou envolvido com essa mulher, de verdade, a ponto de não
querer que ela se afaste de mim. Não mais.
CAPÍTULO 18

— Se importa se eu a levar para ver a Michele hoje? – Tym oferece. — Meu pai disse
que não vai poder ir, ele tem uma reunião importante.
— Claro que não me importo – sorriso para ele que sempre é educado comigo —, tenho
certeza que ela vai gostar de vê-lo. Ela sempre pergunta sobre você e Bob.
— Quer ir agora? A Kayle vai conosco – ele avisa.
— Sem problemas...
Concordo e pego a bolsa de Joseph. Tym pega o sobrinho nos braços e agradeço pela
gentileza em me ajudar. Tem momentos em que eu penso que ele e Kayle têm algo a mais que
não seja apenas uma amizade, eles não se desgrudam um minuto, estão sempre juntos. Mas Tym
não parece tão interessado como ela é. Talvez seja uma herança genética das irmãs Mountain,
gostar de quem não as quer.
Tym ajeita Joseph no banco de trás e me sento ao lado da cadeirinha. Cumprimento
Kayle e partimos em seguida. Michele fica tão feliz ao ver Tym que até se emociona. A visita é
mais longa dessa vez e só vamos embora porque a enfermeira praticamente nos coloca para fora.
Além disso, Joseph está cansado depois de uma tarde inteira fora de casa.
— Só preciso passar na casa de uma amiga e pegar algumas coisas – Kayle avisa e eu
assinto.
Também estou cansada, mas como estou de carona, não posso reclamar, tenho que ir
aonde eles vão. Penso em mandar uma mensagem para Meredith e avisar, mas como Kayle disse
que é rápido, não me importo de esperar um pouco. Paramos diante de uma mansão, não muito
longe da casa dos Hastings.
Eles descem e Tym abre a porta de trás do carro.
— Preciso levar Joseph comigo – ele avisa e pega o sobrinho no colo.
Meu coração se encolhe quando ele diz isso, tem alguma coisa errada. Ele me fita
hesitante e então engulo em seco. Ele bate a porta do carro e saio pelo outro lado.
— Timothy – eu vou atrás dele enquanto entram apressados no jardim da casa —, o que
está acontecendo?
— Não é nada demais, vai ser rápido, Abby, volte para o carro – ele manda autoritário.
— Não vou voltar até me dizer onde estão levando o Joseph! – exijo saber.
Kayle se volta para mim, enquanto Tym continua andando.
— Você é só uma babá, não se meta! – E coloca o dedo em riste.
O que eles vão fazer? Não posso deixar acontecer nada ao menino, ele está sob a minha
responsabilidade. Vejo que deixei o celular na bolsa e no carro. Eu os sigo e a porta da casa é
aberta. Meu coração quase para quando vejo a jovem e o casal mais velho atrás dela. Não é
preciso apresentações, aquela é Sydney, a mãe de Joseph.
A jovem parece emocionada e estica os braços para pegá-lo.
— Não! – Eu corro e entro na frente de Tym. — Não pode fazer isso sem o
consentimento do seu pai!
Tym faz que não com a cabeça.
— Ele não vai deixar, Abby, você sabe disso...
— Eu só quero ver o meu filho. – Sydney tenta se aproximar, mas eu não deixo.
— Filho que você abandonou sem pestanejar há alguns meses... – acuso com o dedo em
riste.
— Estou arrependida, Abby – ela se aproxima com lágrimas nos olhos —, sei que tem
cuidado bem do meu filho, mas eu preciso vê-lo. Sei que quer defendê-lo, mas não vou fazer mal
a ele. Eu juro, só quero pegá-lo no colo...
Meu coração de mãe grita, mas ainda assim sou dura.
— Então por que não pediu para o Senhor Hastings? – questiono.
— Ele não deixou – ela me conta —, liguei para ele essa semana, implorando para deixar
ver meu filho e ele não deixou.
Ela começa a chorar e fico com o coração quebrado ao meio. Joseph começa a chorar e
de forma instintiva, eu o tiro do colo de Tym para acalmá-lo.
— Por favor, Abby, deixe-me pegá-lo...
Sinto vontade de chorar. É o pedido de uma mãe. Recordo de quando meu bebê nasceu e
o médico me informou que ele estava morto. Implorei para me deixar pegá-lo e ele deixou.
Foram os momentos mais felizes da minha vida. E se esses forem os únicos momentos felizes da
vida de Sydney? E se ela se arrependeu de dar o filho? E se ela o ama como eu amava meu bebê?
Não quero ficar emocionada, mas sinto um nó na garganta.
— Por favor, eu imploro...
Algo me diz que devo deixá-la pegar seu bebê. Respiro fundo e estico os braços para
entregá-lo a ela. Sydney já está chorando quando ouvimos o som da sirene da polícia. Todos nós
voltamos para a entrada da casa e um furioso Quentin marcha em nossa direção. Recolho o meu
braço e Sydney corre para junto dos pais, com medo. Os policiais descem do carro e eu fico sem
ação.
Pelo olhar de Quentin, sei que ele está se sentindo traído. O pior é ver a chata da Rose
atrás dele, sorrindo em triunfo pelo que acabou de acontecer. Ele me viu entregando o bebê para
Sydney.
— O que você fez, Rose? – Kayle pergunta à irmã, revoltada e se aproxima dela.
— Ouvi que você e Tym iam fazer e o alertei – ela encolhe os ombros e sorri para mim
—, só não imaginava que a babá estaria junto com vocês.
E não estou. Quer dizer, em partes, eu não estava.
Quentin tira Joseph do meu colo sem qualquer cerimônia. Encolho quando ele faz isso,
com medo que faça mais alguma coisa. Ele percebe meu receio, mas me fita apenas com
desprezo.
— Se quiser ver Joseph – ele se volta para Sydney e os pais dela —, terão que acionar a
justiça. Sabem disso...
Sydney tenta falar, mas a mãe segura seu braço. Ela começa a chorar quando Quentin dá
as costas e se afasta a passos largos, com aquela cobra no encalço dele, saltitando de felicidade
por ter conseguido nos prejudicar. Olho para Tym que se aproxima de Sydney.
— Sinto muito, Sid, não sabia que Rose faria isso – ele lamenta —, devíamos ter vindo
mais cedo.
Olho para ele, revoltada.
— Devia ter me contado o que iam fazer! – falo brava e me afasto a passos largos.
O carro de Quentin se afasta, mas a polícia ainda está lá.
— A senhorita e os outros vão ter que nos acompanhar até a delegacia.
Tym está bem atrás de mim.
— Sob qual alegação? – Ele quer saber.
— Sequestro.
— O quê? – pergunto chocada. — Isso não faz o menor sentido!
— Vão explicar isso para o delegado – o policial me avisa —, vire-se, por favor.
— Vão me algemar?
— Sim – ele diz irredutível.
Lágrimas de humilhação ardem nos meus olhos quando me viro e sinto as algemas nos
pulsos. Olho para Tym que não é algemado. Por que só eu?
— Vocês podem seguir no carro atrás de nós.
Sou levada para o carro da polícia. E choro por todo o trajeto. Quando chegamos à
delegacia, sou fichada. Não posso acreditar que isso está acontecendo comigo. Conto tudo
exatamente como aconteceu ao delegado e me levam para uma cela. Sempre vi isso nos filmes,
mas nunca pensei que aconteceria comigo. Mais de uma hora depois, um policial me chama.
— Você está livre, as queixas foram retiradas – ele avisa.
Mesmo assim, estou me sentindo um lixo, acabou com o meu dia. Tym e Kayle estão
esperando por mim do lado de fora da delegacia.
— Não sei como me desculpar por todo esse mal-entendido, Abby – ele diz sério.
— Eu preciso do meu celular – peço e ele entrega a minha bolsa.
Ligo para Steve e ele atende, é o único amigo que tenho e sei que vai me ajudar. Peço
para ele me pegar na delegacia.
— Estarei aí o mais depressa que puder...
— Obrigada.
— Não precisa ser assim, Abby – Tym fala realmente chateado —, vou conversar com o
meu pai, explicar que a ideia foi minha e você não tinha nada a ver com o plano.
Não me interessa. Não quero saber, estou magoada demais para pensar.
— Ele viu o pior, Tym – eu garanto —, ele me viu entregando Joseph para Sydney, ele
não vai acreditar em você.
E não posso culpá-lo por isso. Eu também pensaria o pior. Mesmo assim, me magoa e
sinto uma vontade imensa de chorar.
— Não quer ao menos me dar o endereço de onde vai ficar? Para eu enviar as suas
coisas?
— Não precisa, eu mesma vou pegar depois ou peço para alguém fazer isso – falo com o
peito doendo —, podem ir, um amigo vem me buscar.
— Desculpa de novo – ele insiste —, não imaginamos que a Rose estava de olho em nós
e contaria para o meu pai.
Apenas assinto não querendo chorar na frente dele.
— Da próxima vez que for envolver alguém nos seus planos, pergunte se a pessoa quer
participar – aconselho e não consigo sorrir, enxugo a lágrima e me afasto deles para o outro lado.
Sento nas escadas e enxugo as lágrimas que não param de cair. Quando Steve para o
carro diante de mim, Seth desce e vem me ajudar a levantar.
— O que aconteceu, querida? – Steve pergunta preocupado.
— Eu não fiz meu movimento de segurança – digo magoada comigo —, deveria ter ido
no meu carro, teria me poupado muita dor de cabeça.
Eles se entreolham, sabem o quanto é importante o ato de segurança.
— Eu peguei carona com o filho do Senhor Hastings e ele fez algo que me prejudicou.
Não posso contar que Sydney abandonou o próprio filho, é uma das coisas que sou
proibida de falar, é um assunto pessoal da família.
— A ponto de parar na delegacia? – Steve fica chocado enquanto me encara pelo
retrovisor. — E o que o pai dele disse?
Essa é a pior parte.
— O pai dele mandou me prender – confesso e fico tão magoada que levo a mão ao rosto
e volto a chorar.
Eu e meu coração de manteiga, penso irritada comigo. E não deveria ter deixado minha
margem de segurança de lado. Se estivesse no meu carro, com uma rota de fuga, eu não teria
passado por isso.
Seth toca o meu joelho tentando me consolar. Quando chegamos ao apartamento deles,
agradeço por estarem me ajudando.
— Não será por muito tempo – prometo —, vou pegar minhas coisas na casa dos
Hastings e vou embora.
— Não acha que está sendo muito radical? Você tem uma vida em Chicago agora. Vai
expor as suas obras – Steve me consola —, não tem por que ir embora assim, ainda mais que
ficou claro que você não fez nada de errado.
— E pode ficar o tempo que quiser, Abby. Eu e o Steve adoramos você...
Sorrio entre as lágrimas.
— Obrigada, eu não tenho mais a quem recorrer. – E choro mais um pouco.
E é essa dor da solidão que me consome. Já me senti assim antes e é horrível. Não dói
apenas pelo que aconteceu, mas pela indiferença de Quentin, por ele pensar que agi nas suas
costas. Não que eu esperasse que ele me desse um prêmio ao me ver entregando o neto dele para
Sydney, mas ele ao menos podia ter me perguntado o que estava acontecendo.
Ele não fez.
Meu celular começa a tocar e meu coração dispara. Penso que pode ser ele, mas é
Meredith e dispenso a ligação. Depois é a Vallery e faço o mesmo. Irritada, tiro o chip do celular
e o deixo de lado. Posso mudar o número e nunca mais ter contato com essas pessoas, é meu
jeito de me sentir segura de novo.
Preciso me sentir segura ou vou surtar. Steve traz um copo de água com açúcar e eu tomo
devagar, mas não me acalma. Fico deitada no sofá chorando até adormecer. Dormir faz a dor
passar por um tempo. Só preciso de uma noite para descansar e pensar com clareza antes de
tomar qualquer decisão. As coisas estão muito à flor da pele. Talvez, se eu não tivesse me
apaixonado por ele, não estaria doendo tanto. Se eu não tivesse me afeiçoado a Joseph seria
menos doloroso.
CAPÍTULO 19

Escuto os passos se aproximarem rapidamente e Tym entra na sala.


— Por que fez aquilo? – ele explode.
— Pegue suas coisas e saia da minha casa! – eu mando.
Ele me enfrenta.
— Vai me expulsar também? É tão fácil agora se desfazer dos seus filhos? Onde está seu
discurso de família unida até a morte!
— Você traiu minha confiança! – acuso com o dedo em riste.
— Não traí ninguém, Sydney só queria ver o filho dela, entendeu?
— O filho que ela abandonou há quase três meses!
— E que se arrependeu, pai! – ele rebate, bravo comigo. — As pessoas se arrependem,
sabia? Ela fez terapia e descobriu que estava assustada e foi uma má decisão, ela ama Joseph e
você não pode impedi-la de se sentir assim só porque ela não agiu segundo o seu protocolo. – Ele
bate uma mão na outra.
— Ela devia ter feito isso da maneira certa! E não nas minhas costas!
— Ela tentou, mas você disse não!
Eu me calo, é verdade. Os pais dela entraram em contato comigo e eu disse que não seria
possível. Pensei estar fazendo a coisa certa.
— Quem planejou isso? – pergunto esperando que Abby surja a qualquer momento
pronta para brigar comigo e provar que não me traiu.
Quando eu a vi entregando Joseph para Sydney, sem o meu consentimento, meu mundo
ruiu. Eu me senti tão traído. Qualquer um poderia fazer isso, menos ela.
— Kayle – ele responde sério —, ela é amiga de Sydney, nos colocou em contato e
pediram a minha ajuda. Ela pareceu muito sincera, pai, não consegui dizer não.
— Você tinha que ter falado comigo...
— Você não aceitaria – ele garante me conhecendo bem —, e eu fiz com a maior das
boas intenções. Não foi para te magoar, foi para ajudar uma mãe que está arrependida, eu
acredito na Syd e sei que ela está sofrendo... eu sei...
— Você não pode saber se isso é um jogo...
— Quando falei com ela, pai, eu me lembrei da minha mãe – ele fica emocionado —, em
como ela amava eu e o Bob e como seria louca pelo Joseph. E ela deixaria a Sydney ver o filho.
Joseph não é propriedade sua só porque o Robert foi um babaca idiota. Ele é seu neto e se hoje a
mãe dele o quiser de volta e até mesmo o pai, você não pode impedi-los.
Fico sem palavras diante do argumento e até me emociono.
— Você não pode impedir as pessoas de amarem, pai, e não pode puni-las por terem
cometido erros. – Ele enxuga a lágrima teimosa.
Respira fundo e se afasta de mim, pensativo.
— E ainda tem mais...
— O quê?
— Liguei para o Robert, contei o que aconteceu e ele está vindo para casa, então se
prepare, porque o jogo pode virar...
Estreito o olhar, desconfiado.
— Do que está falando?
— Que talvez essa atitude da Sydney tenha despertado a vontade no meu irmão de te
enfrentar e eles vão pegar o Joseph de volta – conta.
Fico aturdido. Tirar meu neto de mim?
— Não vou deixar que isso aconteça, meu neto não é brinquedo, eles não podem desfazer
dele e depois quererem de volta como se fosse um objeto, e não uma pessoa! – sou taxativo.
— Então se prepare para uma boa briga e faça com que eles provem que merecem a sua
confiança de novo – ele me aconselha —, é melhor do que passar a vida toda numa batalha
judicial e odiando seu filho e mal podendo ver seu neto...
Fico perdido diante da ideia de perder Joseph. Isso não estava nos meus planos.
— Onde está o Joseph? – Ele quer saber.
— Com a babá – respondo.
— Com a Vallery – ele dá um sorriso amargo —, porque tenho certeza que a Abby nunca
mais vai voltar nessa casa!
Outro golpe. Não esperava ouvir isso.
— Por que está dizendo isso?
— Eu também não voltaria à casa do patrão que mandou me prender sem ouvir o meu
lado primeiro – ele joga na minha cara —, e quer saber, pai? Ela não sabia de nada...
— Mas eu a vi prestes a entregar o Joseph para Sydney! – justifico.
— Eu sei, e imagino o quanto ficou puto, mas se tivesse chegado segundos antes, teria
visto a Abby lutar como uma leoa para defender o menino – ele sorri com ironia —, ela o tirou
do meu colo quando a Sydney implorou e chorou para pegar o menino. A Abby chorou e estava
cedendo quando você chegou...
Fico surpreso com aquela revelação.
— Ela realmente não sabia, pensou que eu estava dando uma carona para ver a Michele.
Fomos vê-la e depois, eu levei Joseph para a Sydney...
— E por que ela não veio com você? – Finjo indiferença.
— Porque ela foi presa, eles a algemaram, a colocaram numa cela por uma hora até que o
delegado resolveu soltá-la...
— Não era necessário...
— Mas você estava com raiva e mandou prender todo mundo, pai. A Abby foi fichada,
tem ideia do quanto ela ficou magoada?
Fico sem reação.
— Eles não deveriam ter feito isso com ela – digo chocado.
— Você chamou a polícia, o que achou que iam fazer? Fomos acusados de sequestro,
mas ainda bem que o seu advogado cuidou de tudo – ele bate no meu ombro —, deveria dar um
aumento a ele. E procurar outra babá...
A ideia de que Abby está magoada comigo a ponto de não querer voltar a esta casa me
deixa sem chão. Ao chamar a polícia, eu não fiz para a prejudicar, nem sequer imaginava que ela
estaria com eles. Foi uma decepção vê-la ali, mas não podia imaginar que eles a levariam presa e
a algemariam. Eu me sinto mal de uma forma absurda, sem explicação. O lixo do lixo por ter
causado nela tamanha vergonha.
Tym me encara:
— E encontraria uma forma de fazer a Abby te perdoar, pai. Ela gosta de você, dá para
ver...
Não sei o que falar.
— Todo mundo nessa casa sabe sobre vocês dois, acharam que ninguém perceberia? Que
vocês passariam a noite fora sem levantar suspeitas? Ou você a levaria para jantar sem que
ninguém desconfiasse?
Continuo em silêncio.
— Não o culpo por se apaixonar por ela, Abby é uma pessoa incrível, sabia? E a forma
como ela defendeu o Joseph me fez ficar ainda mais fã dela... – ele dá um sorriso amargo —, não
vou pedir desculpas pelo que fiz – ele me avisa.
Respira fundo e se afasta.
— Boa noite.
Fico parado observando meu filho se afastar. Vou até o bar e me sirvo de uma dose de
uísque. Não o culpo por se apaixonar por ela, Abby é uma pessoa incrível, sabia? E a forma
como ela defendeu o Joseph me fez ficar ainda mais fã dela...
Tiro meu celular do bolso e, me despindo de todo o meu orgulho, eu ligo para ela, mas o
celular está desligado. Bufo, sabendo que sou a última pessoa que ela quer encontrar. Mas não
posso passar a noite em claro sem saber se ela está bem. Deixo a bebida de lado e penso nos
amigos possíveis que ela tem. Procuro por Meredith que diz que não conseguiu falar com ela e
depois a Vallery.
— Ela não me atendeu – a jovem comenta —, recusou a minha ligação, mas ela tem um
amigo que sempre conversam.
— Amigo? – Não consigo evitar o ciúme.
Ela procurou outra pessoa para confiar, não passo de um idiota que a magoou.
— Ele trabalha na escola de artes, seu nome é Steve, ele é o recepcionista. O namorado
dele, o Seth, também é muito amigo da Abby...
— Obrigado.
Ligo para Annais que consegue o telefone desse tal de Steve e já é tarde da noite quando
consigo finalmente falar com ele.
— Steve? – pergunto. — Aqui quem fala é Quentin Hastings.
— Como vai, Senhor Hastings?
— Bem, será que posso falar com a Abby?
— Ela está dormindo, Senhor Hastings. Ela tomou um calmante e apagou e acredito que
mesmo que estivesse acordada, duvido que ela gostaria de falar com você...
Mereço ouvir isso depois do que aconteceu. Mas as circunstâncias nos levaram a esse
momento desagradável. Quando Rose me contou o que estava acontecendo, eu fiquei fora de
mim, cego. Agora percebo que era o que a maluca queria e conseguiu. Perdi a cabeça e a Abby
também.
— Ao menos ela está bem?
— Fisicamente sim, mas o coração... – Ele deixa no ar.
Com certeza, ela se abriu com os amigos.
— Tudo bem, eu ligo amanhã para saber como ela está e qualquer coisa me avise, não a
deixe sozinha... – peço.
— Não vou deixar, ela é minha amiga, Senhor Hastings. – Sinto que foi uma alfinetada.
— Obrigado.
Desligo e olho para o celular, frustrado. Não há nada que eu possa fazer agora, e trazê-la
à força para a minha casa seria tirá-la da sua margem de segurança, que ela preza tanto. Imagino
o quanto ela se sentiu vulnerável quando foi presa e algemada, levada para aquela maldita cadeia.
E a culpa é minha. Demorei para conquistar sua confiança e quando faço isso, jogo pela janela
como se fosse lixo.
Sento no sofá e vejo um copo de uísque ao meu lado.
Olho para Meredith com surpresa:
— Beba, vai ajudar a melhorar o humor – aconselha.
Pego o copo e tomo um gole longo. Ela se senta ao meu lado, no braço do outro sofá.
— Pisou na bola feio, não é?
— Pisei, eu magoei a Abby de uma forma imperdoável – digo sério.
— Tudo é perdoável, quer dizer, algumas coisas não são, mas não vamos entrar nesse
mérito – ela sorri —, nós sabíamos que isso aconteceria.
— Sabia? – Não consigo evitar o sarcasmo.
— Claro, é necessário um homem bem amargo para destruir o coração de uma mulher...
— Você me acha amargo? – indago surpreso.
— Claro que sim, desde que a Sara morreu, você tem vivido preso a esta casa – ela
mostra tudo ao redor —, às memórias, como se pudesse fazer algo que é impossível, salvá-la da
morte.
Não respondo.
— Sei que doeu quando descobriu que seu dinheiro não podia comprar a saúde dela, e
que perdê-la era inevitável, vocês se amavam..., mas fazer as pessoas ao redor pagarem um
pouco por isso parece injusto...
— Não estou fazendo ninguém pagar...
— Claro que está, de forma indireta, mas está... e sinto pena da Abby, ela é uma mulher
extraordinária...
— Eu sei que é...
— Não sabe, ou não teria pensado que ela estava traindo a sua confiança...
— Agi no impulso – admito.
— Da mesma forma como agiu desde o dia em que ela colocou os pés aqui. Ficou com
tanto medo de se apaixonar por ela, que não percebeu que já estava apaixonado quando ela
cruzou o batente daquela porta – ela diz sabiamente.
Olho para a porta e depois para ela.
— Estava tão relutante em aceitar a teoria maluca de Quinn, que não percebeu que a
paixão aconteceu e lutou contra isso até agora...
— Ela não vai me perdoar...
— Talvez não, mas se ela tem um coração enorme, exista uma esperança – ela se ergue e
pega a garrafa para encher o meu copo —, mas quer saber, Quentin? Eu espero do fundo do meu
coração que ela o faça sangrar...
Eu a fito, atônito.
— Por que tanto ódio em seu coração? – brinco.
— Não é ódio, é para que você nunca mais duvide do que ela sente, pessoas como Abby
têm o coração puro, acreditam no amor, elas querem e precisam amar.
Bebo mais uísque e fico pensativo.
— Amor parece algo tão mais profundo – comento.
— E é, a convivência traz isso – admite e sorri —, mas amar é muito fácil, permanecer no
amor que é difícil.
Sorrimos um para o outro.
— Devia dar aulas de relacionamento...
— Eu sei, sou boa nisso – e pisca para mim —, já sabe o que vai fazer?
— Não faço ideia, mas pode apostar que não vou desistir dela...
Ela sorri de lado.
— Tenho orgulho de você, Quentin, você é um bom homem.
— Obrigado. – Fico sem graça.
— Boa noite. – Ela enche meu copo, deixa a garrafa sobre o móvel e se retira.
Viro a dose de uma vez. Espero que Abby me perdoe, ou vou ser o homem mais infeliz
que já conheci. De repente, sinto que preciso dela. Como há muitos anos não precisava de
ninguém.
Quinn vai rir de mim, aquele idiota tinha razão.
Glenda Scott Rhodes é uma maldita bruxa do amor.
CAPÍTULO 20

— Bom dia – cumprimento Steve que está na cozinha preparando o café da manhã.
Ele se aproxima e me dá um beijo na bochecha.
— Como está, querida?
— Estou bem – respiro fundo e me sento à mesa —, quer dizer, estou melhor depois de
dormir por doze horas – sorrio —, e como o mundo está depois disso?
Ele coloca a xícara de café na minha frente e me dá um terno sorriso.
— O gostosão ligou ontem no meu celular para saber de você...
Eu o fito de lado, ele chama Quentin de gostosão. Seth também. É um apelido carinhoso.
— Na verdade, não me interessa – digo séria.
— Ele pareceu preocupado com você... – Meneia a cabeça.
Reviro os olhos.
— Meu ex-marido também me amava e morria de medo de me perder – ironizo —, e
quase me matou.
Ele faz que não com a cabeça.
— São duas situações completamente diferentes, Abby – ele me reprova —, senhor
gostosão pisou na bola, mas não acho que seja o tipo de história que termina aqui.
Não ouço o que ele está dizendo. Nossa história terminou ao som da algema se fechando
ao redor do meu pulso. Ele não teve dó de mim, me deixou ir para a cadeia e ser presa por uma
hora. Por que eu ficaria feliz? Só porque ele procurou saber como estou? É apenas peso na
consciência de um homem sem coração.
— Terminou – determino e respiro fundo —, bem, preciso pensar numa forma de
procurar outro emprego para ficar em Chicago ou voltar para Los Angeles.
— E o que você quer? – ele me pergunta com carinho.
— Quero ficar, voltar para Los Angeles parece tão covarde da minha parte, eu sofri tanto
naquele lugar – faço uma careta e depois tomo um gole de café —, eu vou ligar na ONG,
explicar o que houve e encerrar esse ciclo.
Minha voz soa tão firme que parece que estou certa disso. Mas quando penso que não
vou ver mais Joseph, que não vou encontrar o senhor gostosão outra vez, um nó se forma na
garganta e tenho vontade de chorar.
— De qualquer forma, preciso ir até a mansão dos Hastings pegar as minhas coisas e o
meu carro – afirmo pensando em como vou fazer isso.
— Quer que eu vá com você? – ele se oferece.
— Mas você não tem que trabalhar?
— Annais me deu folga hoje. – Ele encolhe os ombros.
— Folga? No meio da semana?
— Sim, ela me ligou e disse para ficar em casa – explica como se fosse a resposta mais
óbvia do mundo.
Ergo uma sobrancelha em desconfiança.
— Está bem, não vou mentir para você. Quentin ligou para ela e disse que brigaram, que
você estava comigo. Então, ela me ligou e pediu que ficasse em casa cuidando da sua artista
preferida...
Bato a mão no rosto e arrasto até o queixo.
— Não acredito que ele fez isso – reclamo.
— Ele está cuidando de você, eu disse que ele não é tão mau e deve estar arrependido –
argumenta —, você mesma disse que tudo aconteceu no calor da emoção.
Não contei tudo para ele, mas é isso mesmo. Se eu não estivesse entregando Joseph para
Sydney, talvez, ele não tivesse agido daquela forma estúpida demonstrando o desprezo e a raiva
que sentiu por mim. Só de lembrar do olhar dele, sinto arrepios de medo pelo corpo.
— Você pode ir comigo buscar minhas coisas e o carro – aceito —, é melhor não ir
sozinha. Mas antes, preciso comprar um novo número para o meu celular – aviso —, destruí meu
chip ontem à noite.
Ele só me reprova com o olhar por eu ser tão radical.
Não ligo, aprendi a ficar com uma margem de segurança, assim as crises de ansiedade
vêm em menor escala e consigo controlar meus pensamentos. Preciso sempre de apoio e de ter
certeza que não estou correndo nenhum risco. Tomo um banho e saímos. Compro o chip novo
para o celular e vamos de táxi até a mansão de Quentin Hastings. Para minha surpresa, o
segurança me deixa entrar, pensei que ele proibiria a minha entrada.
— Vou te esperar aqui – Steve me avisa no jardim e aponta para o banco.
Pego a chave do meu carro e entrego para ele:
— Pode tirar o carro da garagem e esperar lá fora se quiser, eu não tenho muita coisa para
levar.
— Pode ser – ele concorda e vai em direção à garagem.
Respiro fundo e vou em direção à casa, fico surpresa quando Meredith abre a porta com
um sorriso largo e me abraça. Pensei que ela também me reprovaria e faria um sermão pela
minha atitude, mas ao contrário disso, ela me recebe com tanto carinho que fico desconfiada.
— Que bom que veio – ela se afasta e me encara —, como está, Abby?
— Estou bem – forço um sorriso —, só vou pegar minhas coisas.
Ela franze o cenho ao me encarar.
— Está se demitindo?
— Estou – mantenho firme.
— Por quê? Só por causa daquele mal-entendido de ontem? Não seja boba, aquilo já foi
esquecido...
Ela me dá as costas e segue pelo corredor.
— Eu não esqueci, Meredith – digo e ela para de andar e se volta para mim —, se eu
puder subir e pegar minha mala e minhas roupas.
— Claro – ela assente séria.
— Não vou demorar, meu amigo está me esperando com o carro lá fora.
— Como quiser – ela concorda e volta a andar, indo em direção às escadas que dão para
o segundo andar.
Eu a sigo e chegamos ao meu quarto. Meredith abre a porta e se volta para mim:
— É uma pena que tenha chegado a esse ponto – ela lamenta —, você é praticamente
parte da família.
— Não sou – respondo seca —, você sabe disso, eu sei disso.
Entro no quarto e coloco minha bolsa em cima da cama.
— Quando me aconselhou a tomar cuidado com as pessoas que cercavam Quentin, você
tinha razão. São pessoas ruins e más – ela sabe a quem estou me referindo.
— Sinto pesar por ela ter conseguido o que queria e tão facilmente – Meredith lamenta
—, parece que o destino conspirou a favor dela, não é?
— Geralmente são os pobres aqui embaixo que se ferram – sussurro e pisco para ela.
Sorrimos uma para a outra e vou até o guarda-roupa tirar a minha mala e colocar sobre a
cama.
— Você já falou com Quentin?
— Não, e também não quero falar – respondo enquanto pego minhas poucas peças de
roupa e coloco dentro da mala.
— Seria bom se conversassem – ela me aconselha —, não estou falando sobre o que
houve de íntimo entre vocês, mas para que não fique nenhuma mágoa.
Eu a fito com ironia.
— Não ficar nenhuma mágoa é como fazer chover para cima! – a tranquilizo e pego mais
peças colocando dentro da mala.
Ela não diz nada, só ouvimos batidas à porta e meu coração acelera de repente, como se
eu temesse que Quentin estivesse do outro lado, querendo falar comigo. Mas eu o conheço, ele é
mais orgulhoso do que eu e não vai me procurar.
A porta é aberta e Tym surge segurando Joseph no colo.
— Olha quem veio te ver, Joseph – ele sussurra para o sobrinho e se aproxima de mim
—, olá, Abby.
— Oi, Tym – respiro fundo controlando as batidas do meu coração que temeu ser
Quentin —, oi, meu príncipe...
Seguro a mãozinha dele e brinco. Quando me reconhece, ele ri e balança os braços e as
pernas, agitado.
— Acredito que ele quer você – Tym adivinha e o coloca nos meus braços.
Golpe baixo. Engulo em seco, sentindo o nó se formar na minha garganta. Sabia que de
todas as despedidas a mais difícil seria essa. Tenho vontade de chorar e não consigo conter as
lágrimas, abraço Joseph e sinto seu cheiro de bebê, ele faz um barulho com a boca quando o
deixo bem próximo a mim. É horrível ser como eu e ter facilidade para amar as pessoas.
Principalmente bebês fofos e inocentes. Enxugo as lágrimas quando o afasto para fitá-lo com
enorme carinho.
— Vou sentir muita falta dele – soluço e sei que meu nariz deve estar vermelho, sempre
fica assim.
E o devolvo para Meredith sentindo minhas mãos tremerem.
— Pode ficar se quiser – Tym me diz sério —, não vou deixar que meu pai apronte de
novo.
— Não – respondo segura —, eu preciso ir. Não tem clima mais para ficar aqui.
Com as mãos tremendo, eu tento fechar a minha bagagem, mas não consigo. Tym se
aproxima e fecha a mala para mim.
— Obrigada – agradeço.
— Eu levo até o seu carro – ele avisa, cavalheiro.
Puxou ao idiota do pai dele.
— E aquela caixa de presente? – Meredith pergunta apontando para a caixa que deixei
dentro do guarda-roupa.
— Não me cabe mais – minto e saio do quarto.
Se eu olhar para Joseph de novo vou chorar e pedirei para ficar. Não quero isso. Penso na
minha margem de segurança e desço as escadas, seguida por Tym. Estanco no último degrau
quando encontro Quentin vindo pelo corredor, apressado. Ele também me vê e diminui os
passos, mas não para de andar.
— Vou deixar sua mala aqui – Tym avisa às minhas costas e sobe as escadas de novo.
Traidor. Tenho a impressão de que avisaram que eu estava aqui e deram um jeito de me
enrolar até ele chegar. Eu olho para a mala e quando me volto, ele está diante de mim, lindo e
elegante como sempre.
— Temos que conversar – ele exige.
— Não temos – faço que não com a cabeça —, eu estou indo embora e ponto final.
Pego minha mala e sinto sua mão sobre a minha. Um calor invade meu corpo, feliz por
senti-lo de novo.
— Abby...
— Não faz isso, não me toca! – peço e me afasto, quase caindo sentada.
Equilibro e me encosto na parede, bem longe dele.
— Sei que está chateada...
— Chateada é uma palavra muito leve para o que estou sentindo – eu o corto.
— Eu lhe devo desculpas, errei ontem quando...
— Vamos cortar a conversa, Quentin? – Não tenho paciência. — Ficou claro que você
ouviu aquela ordinária de terno – ele sabe que estou falando da Rose —, e movido por suas
desconfianças, agiu sem pensar, tem ideia do que passei ontem?
— Não faço ideia, mas eu queria encontrar um meio de reparar...
— Não tem como reparar, sabe? – Eu coloco o dedo no peito dele ao me aproximar. —
Eu confiei em você e o que fez? Na primeira oportunidade pisou com força no meu coração...
Foi um pouco dramático agora, mas é a verdade.
— Sinto muito, de verdade... se eu pudesse voltar e consertar as coisas...
— Mas não pode, e se tentar colar o que se quebrou vai ficar feio – falo brava —, a
verdade é que no momento estou muito brava com você, decepcionada é a palavra certa.
Meus olhos se enchem de lágrimas.
— E nada do que diga vai mudar o que sinto agora... então, vamos nos poupar de
qualquer estresse e esquecer que cruzamos o caminho um do outro?
Ele dá um passo para mim e dou outro para trás.
— É assim? – Ele estala os dedos. — Tão simples para você?
— É, da mesma forma que foi para você ontem quando me humilhou daquele jeito. E não
vou te perdoar...
Ele respira fundo controlando seu péssimo humor que é uma segunda pele.
— Só não deixe Chicago enquanto não conseguir conversar comigo sobre isso...
— Não posso envelhecer aqui! – aviso e pego minha mala.
— Não quero ficar sem você, Abby – ele confessa, me deixando atônita.
— Não acredito em nada do que diz, é contraditório...
— Eu só queria proteger meu neto... – ele justifica.
Eu sei, entendo o lado dele. Porém não é apenas isso, tem mais.
— Mas uma coisa não justifica a outra. Você podia estar bravo comigo, mas eu fui presa
– paro de falar antes que volte a chorar —, vamos deixar algo claro aqui, Quentin, preciso de
uma margem de segurança para viver em paz e não tenho isso com você, se perdeu.
— Pensei que me conhecesse, que tivéssemos algo forte – ele argumenta.
— Eu também pensei, mas acho que esqueci com a mesma facilidade que você se
esqueceu ontem...
Passo por ele, puxando a minha mala. Tenho que parar no meio do corredor, estou tendo
uma crise de ansiedade. Respiro fundo e apoio a mão livre na parede. Quentin tira a mala da
minha mão e a segura.
— Respire comigo – ele pede.
— Eu não quero... – digo brava.
— Só respire...
Faço o que ele diz ou vou ter uma crise histérica e não é nada bonito de se ver. Começo a
respirar no mesmo ritmo lento que ele e aos poucos ele vai se aproximando até que sua testa se
encosta na minha cabeça e sinto a aproximação perturbadora.
— Respire – ele repete e vou me acalmando.
Quando estou mais tranquila, Quentin me segura pelos braços e me vira para ele.
— Pode ficar brava comigo o tempo que quiser – sussurra em meu ouvido e fecho os
olhos, excitada —, vou estar aqui quando sua raiva passar.
Não quero saber.
Dou um passo para o lado e me afasto. Abro os olhos e, magoada, pego a minha mala e
praticamente corro para fora da casa. O problema todo é a vontade que me deu de perdoá-lo e
ficar, mas isso não seria bom para ninguém.
CAPÍTULO 21

— Ela está em Chicago, senhor – o segurança me avisa —, está morando com o casal
Steve e Seth, mas tem procurado um apartamento para alugar.
O que significa que ela não tem planos de ir embora. Fico aliviado ao saber disso.
— E trabalho?
— Ela está só na escola de artes, não tem feito outra coisa por enquanto...
— Obrigado.
Ele sai e Victória entra.
— Não me diga que tem péssimas notícias...
— Ela devolveu todos os presentes e os que não conseguiu devolver, jogou pela janela! –
diz com um tom de diversão.
Abby não está facilitando para mim. Mudou o número do celular e embora Annais tenha
me passado, ela já me bloqueou. Reconquistá-la vai ser mais difícil do que imaginei.
Consulto o relógio e me levanto, guardando o celular no paletó.
— Mais alguma surpresa?
— A Senhorita Mountain ligou o dia todo, ela quer falar com você – avisa.
— Não estou para ela e se insistir, mande os seguranças retirá-la – peço.
Devia ter feito isso antes, teria me poupado todo esse transtorno. Não que a culpa seja
dela, eu agi de forma impulsiva, mas deixei me levar e isso é imperdoável para um homem da
minha idade. Saio da minha sala e vou até o andar térreo do prédio, onde o motorista me espera
com carro. Vamos para casa e assim que entro, Meredith me dá a notícia:
— Robert chegou...
Não estou surpreso, Tym avisou que ele viria.
— Sydney também está aqui?
— Não, apenas ele. – Eu entrego meu paletó para ela e tiro o celular.
— Tudo bem, vou falar com ele – aviso.
Ela assente, sabendo que não quero ser interrompido. Até porque não sei quais são as
reais intenções dele: reaver o filho ou só fazer uma média para reconquistar o padrão de vida que
possuía há alguns meses e tirei completamente. Entro na sala e os dois param de conversar. Tym
está sentado em um sofá e Robert no outro. Os dois ficam tensos com a minha chegada.
Ainda lembro da época que eles faziam festa quando me viam, agora temos um problema,
não somos mais a família perfeita.
— Boa noite – eu os cumprimento.
— Oi, pai – Tym responde.
Robert fica em silêncio. É muita petulância dele em vir até minha casa depois de tudo que
dissemos um ao outro e me ignorar. Vou até o bar e me sirvo de uma dose de uísque. Viro de
uma vez e me volto para eles:
— Então – começo a dobrar a manga da camisa —, qual o motivo da reunião familiar?
— Você sabe o motivo – Robert diz sério, impaciente com a minha ironia.
— Sei, mas gostaria de ouvir o que o fez quebrar seu orgulho e aparecer aqui. – Cruzo os
braços e espero.
Ele encolhe os ombros sob a jaqueta de couro.
— Vim falar sobre o Joseph e a Sydney. – Ele se levanta.
Uma conversa de igual para igual.
— E? – espero que ele prossiga.
— Eu e ela conversamos muito – ele me encara —, ela fez tratamento com um psicólogo
e descobriu que estava sofrendo de depressão pós-parto, está se tratando e quer o Joseph de volta.
Conversei com os advogados e ela tem direito. Não foi oficializada nenhuma adoção, ela
não assinou nenhum documento abrindo mão da guarda do filho, portanto, não posso obrigar que
o menino fique comigo. Além disso, existe o fator de que ela estava sofrendo de depressão e isso
possa ter causado o abandono em um momento de pânico e desespero. Embora meu coração de
avô relute em aceitar, é a lei, e a lei está do lado da mãe.
— E quanto a você? – eu o questiono.
— O que tem eu? – Ele ergue o queixo me enfrentando.
— Você também quer o seu filho ou só veio aqui interceder pela mãe arrependida? – não
consigo conter o deboche.
— É complicado – ele admite —, não sei se estou preparado para ser pai.
— Não sabe?
Ele faz que não.
— Na verdade, eu não imaginei que a Sydney ficaria grávida, ela disse que estava usando
contraceptivo...
— Não faz diferença agora – digo impaciente —, quero saber daqui para frente, como vai
ser? Vai deixar que seu filho seja criado por outro pai? Por que a Sydney é jovem, ela vai se
apaixonar de novo e se casar... e o seu filho nessa história? Vai ter só avô e tio?
Eu o coloco contra a parede. Ele passa as mãos pelos cabelos.
— Assim você me faz parecer um monstro!
— Não estar preparado para ser pai é algo normal, acho que ninguém nasceu pronto –
retruco —, mas se recusar a fazer parte da vida dele, lhe dar afeto, apoio, suporte, ensiná-lo a ser
um bom homem, isso é responsabilidade sua! – Coloco o dedo em riste. — Já tentou se colocar
no lugar dele?
— Oi? – Ele fica sem entender.
— O que sentiria hoje se eu te contasse que quando você nasceu eu não te quis? Devolvi
você para os seus avós e virei as costas, como você se sentiria, Bob? Como você se sentiria se a
mãe que te amava tanto te desse as costas?
As palavras mexem com ele e move o maxilar tenso.
— É ruim, não é? Dá um vazio no peito que chega a doer – eu me aproximo dele —, eu
me senti rejeitado pelos meus pais mesmo estando dentro de casa, e foi horrível, jurei que jamais
seria como eles... meu pai se casou de novo, teve um filho que é um pouco mais velho que
Joseph e ele tem mais amor pela criança do que pelos outros quatro que vieram antes. E sabe
como eu me sinto? Um lixo...
Ele arregala os olhos, surpreso.
— Não tenho inveja da criança, eu o acho um sortudo por ter um pai amoroso. Mas
mesmo aos quarenta e quatro anos, eu me pergunto por que ele nunca pôde ser esse pai para
mim, para Quincy e Quinn? Dói... você não tem ideia do que a rejeição de um pai ou de uma mãe
pode fazer na alma de uma criança...
— Pai...
— Deixa eu terminar... – peço e Bob se cala —, não é o seu pai com quarenta e quatro
anos que se sente rejeitado, mas a criança que vive aqui dentro – aponto para o meu coração —,
e queria o carinho do pai que nunca teve. Talvez, raras vezes, mas tão escassas que não me
lembro de como eram...
Faço uma pausa e levo as mãos ao bolso da calça quando paro diante dele.
— E isso me tornou um homem amargo em muitos aspectos... não quero o mesmo para o
meu neto como não quis para vocês dois...
Nós nos encaramos.
— Ainda estou com raiva pelo que você e Sydney fizeram com o meu neto. Não vou
impedir que a lei se cumpra se ela realmente quer o menino, mas com uma condição – mostro o
dedo indicador.
— Qual?
— Você também tem que fazer parte da vida dele e se esforçar para isso, ou juro por
Deus, Bob, eu irei até a última instância nos tribunais para me tornar o tutor de Joseph e não
deixar que se aproximem. Para mim, é tudo ou nada.
Ele engole em seco.
— Você o ama, não é?
— Garoto idiota – eu o seguro pelo rosto e encosto minha testa na sua —, eu amo você,
meu filho, e estou lutando para que não cometa o maior erro da sua vida. E não vou desistir de
você, mesmo que não acredite em mim... esse é o seu pai...
Eu me afasto, emocionado e ele me fita entre lágrimas. Família é isso, apoio nas horas
difíceis, brigar e fazer as pazes, se alguém disser que é diferente, que só há paz, está errado. Ele
errou, mas eu também fui radical demais. Quero o melhor para o meu neto e se ficar comprovado
que Sydney realmente o ama e o quer bem, não vou ser eu a separar mãe e filho. Farei qualquer
coisa para ver o meu neto feliz.
— Conheci uma pessoa especial e ela me ensinou algo muito forte que não sabia... –
admito sem sentir vergonha alguma.
— Alguém especial? – Bob indaga impressionado e encara o irmão que está enxugando
as lágrimas. Tym só encolhe os ombros, como quem não sabe de nada —, quem é ela? –
questiona ao me encarar novamente.
— Não implica. O importante é que ela me ensinou a não desistir e ela tinha todos os
motivos para fazer isso quando o que ela mais amava foi tirado dela de forma brutal – fico
emocionado quando digo isso.
Abby me transformou num homem sentimental, algo que nunca fui. Mas ao pensar no
que ela passou, sozinha, sem nenhum apoio e sobreviveu, mesmo com suas margens de
segurança, ainda assim, ela é uma guerreira da qual me orgulho muito de ter conhecido. Perdê-la
seria um erro irreparável.
— Não desistir – repito.
Ele fica parado me olhando.
— Vou me aproximar do Joseph – Bob diz para minha surpresa, pensei que ele iria brigar
e dizer que não queria. — Conversei muito com a Sydney e com o Tym. Acredito que se não
fizer isso vou passar o resto da vida lamentando...
Fico tão orgulhoso, que volto para perto dele e o abraço com enorme carinho. Bob cede e
me abraça de volta, um carinho tão intenso que chega a sufocar. Esse é o amor que existe entre
os Hastings.
— Isso – eu me afasto —, vamos marcar um jantar com a família de Sydney e conversar,
vamos fazer com cuidado e direito – coloco o dedo em riste novamente —, estamos falando de
um membro da família, e não um boneco de pano.
— Está bem, pai.
Fico aliviado. Toda essa confusão serviu para alguma coisa.
Pela primeira vez, desde que foram para a faculdade, jantamos juntos e ficamos
conversando. Por fim, vamos para o videogame e eles me dão uma surra, como sempre fizeram,
mesmo quando eram menores e eu os deixava ganhar apenas para vê-los felizes.
Mas o ápice da noite é quando Vallery traz Joseph até a sala e meu filho fica tenso. Ele
não sabe como pegá-lo.
— Tenho medo de machucar... – ele se desculpa.
— Bebês não quebram – Timothy debocha —, a não ser que o deixe cair no chão!
Robert o fita, contrariado, e então, com cuidado, e com a ajuda de Vallery, consegue
pegar o filho no colo pela primeira vez.
— Ele cresceu muito nos últimos meses – comenta sem tirar os olhos do filho e estica o
braço e toca seu queixo.
Robert sorri para ele.
— Oi, bebê – ele diz e meu coração se enche de prazer.
Não sei o que aconteceu antes, mas o que importa é o agora. Apesar do meu orgulho, sei
que perdoaria meu filho mil vezes, eu só estava chateado com ele. Tym bate no meu ombro e o
encaro, sorrimos.
— Eu disse que ia dar tudo certo – ele me faz lembrar.
Assinto e faço sinal para sairmos da sala e deixarmos Robert no seu primeiro momento
com Joseph.
— Acha que ele vai dar conta? – Tym me pergunta enquanto subimos as escadas.
— Não sei, mas acredito que não há muita escolha, não é?
— Fico feliz que tudo saiu bem, pai. É bom ter todo mundo em casa de novo – ele diz
feliz.
— Eu sei...
Vou para o meu quarto e estou tirando a roupa quando olho o porta-retratos na entrada:
eu, Sara e os meninos, numa foto quando ela já usava peruca, pouco tempo antes de partir dessa
vida. Pego o porta-retratos e sorrio diante da vida maravilhosa que levei ao lado dessa mulher.
Ela sempre vai ser meu grande e primeiro amor. Uma das melhores partes da minha vida. Porém
quis o destino que ela não estivesse aqui.
— Deu tudo certo, Sara...
Toco seu rosto bonito e me recordo que prometi que não lamentaria sua morte e seria
feliz de novo. E a chance chegou. Sento na beirada da cama e em silêncio me despeço dela de
verdade, do fundo do meu coração. Eu preciso deixá-la ir. Abro a gaveta do móvel ao lado da
cama e coloco o porta-retratos ali. E então fecho.
É hora de pintar novos quadros, novas histórias.
CAPÍTULO 22

Estou saindo do carro com as mãos repletas de sacolas quando eu o vejo parado à porta
do prédio onde Steve mora. Alto, forte, ele abre o paletó e leva as mãos aos quadris quando me
vê e se aproxima rapidamente.
— Deixe-me ajudá-la – ele oferece e tenta pegar as sacolas.
No primeiro momento, penso que não. Meu orgulho não quer aceitar nenhuma ajuda dele,
mas depois deixo que ele pegue todas as sacolas. Não quer ser cavalheiro? Então que seja.
— Obrigada – agradeço e lhe entrego aquele peso.
Ao menos eu sei ser educada. Procuro a chave na bolsa e encontro para abrir a porta.
— Posso saber o que está fazendo aqui?
— Vim vê-la – ele responde como se fosse bastante óbvio.
— Hum – eu subo as escadas com ele atrás de mim —, não sei se é uma boa ideia, ainda
não estou preparada para ter aquela conversa.
— Não quero conversar – ele profere quando abro a porta.
Permito que ele entre e fecho a porta. Sinto o perfume masculino e marcante invadir o
ambiente e tenho a sensação que ele usou de propósito. Colocou o perfume que eu adoro. Tem
cheiro de homem.
— Não quer? – Fico surpresa.
Ele se volta para mim e mostra as sacolas:
— Onde devo colocar?
— Por aqui. – E o levo até a cozinha.
Ele põe as sacolas sobre o balcão e começo a guardar o que comprei. Ainda não consegui
um outro emprego, então não posso alugar um apartamento só para mim. Steve e Seth estão
sendo legais, mas sei que uma hora vou ter que partir, não posso aproveitar da boa vontade deles
por muito tempo.
— Então se não quer conversar, o que está fazendo aqui?
Fico na ponta do pé para guardar o enlatado, mas não alcanço. A mão forte tira a lata da
minha mão e coloca na prateleira. Ele está perto de novo, daquele jeito gostoso que me faz
arrepiar dos pés à cabeça. Afasto e pego outra lata para dar para ele. Trabalhamos em sincronia
quando ele diz:
— Vim convidá-la para o jantar na minha casa – responde e eu deixo a lata cair no chão.
Ele se abaixa para pegar e quando se ergue, gira a lata entre os dedos como se fosse uma
bola de basquete, exibido. Então a coloca na prateleira.
— Jantar na sua casa?
— Por que está repetindo tudo que falo? – pergunta confuso.
— Por que eu jantaria na sua casa?
Ele apoia a mão na pia e fica de frente para mim e me encara:
— Vai ser um jantar em família, Michele vai estar presente, meus filhos, Sydney com a
família dela, e talvez Quinn venha, mas não é certeza – ele fala como se eu estivesse acostumada
a fazer parte dos eventos sociais dos Hastings.
— O presidente não vem? – debocho.
Ele sorri charmoso:
— Ele não pode vir, talvez no Natal, quem sabe. – Pisca para mim e pega a lata da sacola
para colocar também na prateleira.
— Você sabe que não faz o menor sentido me convidar para jantar na sua casa com a sua
família – eu digo sincera.
— E por que não?
— Não sou ninguém, eles nem me conhecem...
— Só Bob não a conhece, mas ele já ouviu falar de você – garante e sorri de novo.
Não quero sorrir para ele.
— Eu não sei se isso tem algum sentido.
— Faz todo o sentido para mim. – Ele me encara e ficamos em silêncio.
Balanço a cabeça em negativa.
— Quentin...
— Só estou tentando consertar as coisas entre nós – ele se defende como se nada tivesse
acontecido.
— Sei disso e acho interessante...
— Mas?
Levo as mãos aos quadris e o encaro:
— Realmente não sei o que pensar sobre você... estou confusa e apavorada – digo sincera
—, uma hora você é o cara mais babaca que conheci, e na outra o mais incrível. Então...
— Eu só quero provar que vou errar mil vezes com você, mas vou tentar consertar na
mesma intensidade...
— Por favor, não mande me prender de novo! – Ergo as mãos no ar e respiro fundo.
— Foi o maior erro que cometi – ele fala sincero —, e não sei como me redimir.
— Com certeza me levando para um jantar constrangedor com sua família não é o tipo de
coisa que eu esperava. – Balanço a cabeça e faço uma careta.
— E o que você esperava? – Ele quer saber.
— Não faço ideia. Meus relacionamentos anteriores foram bem tóxicos e destrutivos,
então sempre espero o pior, nunca o melhor.
— Isso é frustrante...
— Esperar o pior?
— Não, que eu seja o causador disso. Não sei o que fazer. Você me deixou sem chão,
Abby. Nada do que faço parece o suficiente para te provar que sou mais que um homem
impulsivo...
Sei que ele não é, sei que as circunstâncias nos levaram a esse momento, mas eu preciso
da minha margem de segurança. É a única forma.
— Quando Ivan me bateu na casa da sua amante, eu estava grávida de nove meses e o
confrontei. Ele ficou louco, me derrubou e me chutou e teria me matado se a garota que estava
com ele não tivesse chamado a polícia...
Ele não me interrompe, me deixa falar e colocar aquela merda para fora.
— O médico fez uma cesárea de emergência, ele não conseguia ouvir o coração do bebê.
Quando nasceu – as lágrimas escorrem pelo meu rosto de forma inevitável —, estava morto. Mas
deixaram que ficasse com o meu pequeno Noah nos braços. Foram os momentos mais incríveis e
mais tristes da minha vida. Depois disso, eu nunca mais fui a mesma. Tive que enterrar meu
bebê, passar por um divórcio conturbado e continuar vivendo...
Faço que não com a cabeça e enxugo meu nariz.
— Tentei me reerguer uma vez, mas Ivan me encontrou e eu tive um surto, fui internada
e desde então estou aprendendo a viver comigo do jeito que consigo – explico com cuidado
levando a mão ao peito, nervosa —, e me sentir segura é muito importante. Você não tem ideia,
isso me mantém tranquila e lúcida. Sou uma mulher quebrada por dentro – faço uma pausa para
não desabar na frente dele —, Ivan foi enviado para a Rússia sem a possibilidade de voltar ao
país. Essa é minha margem de segurança para estar em paz.
Ele aquiesce se atentando ao que digo.
— Muitas pessoas não vão entender como eu me sinto, e isso não me importa. Mas eu
preciso encontrar uma margem de segurança para estar com você outra vez, Quentin, e eu não sei
se é possível...
Ele estica a mão e toca o meu rosto, enxuga as minhas lágrimas.
— Você é uma mulher incrível e eu a machuquei – ele se aproxima e sussurra contra os
meus lábios —, uma vida toda não vai ser suficiente para provar a você que posso ser melhor
sempre por sua causa, então, me deixa mostrar quem eu sou de verdade...
Quero tanto isso, tenho sentido tanta a falta dele, das nossas conversas e de vê-lo com
Joseph. Eu quero que ele prove que estou errada, que ele é tudo que eu preciso para acreditar de
novo no amor. Por que não? Somos de mundos tão diferentes, ele é irmão do presidente e eu sou
só a professora de Los Angeles que se tornou babá para fugir dos seus traumas. Porém, ao
mesmo tempo, somos tão parecidos, ele sofreu e eu também, conhecemos tanto o coração um do
outro.
Ele me beija, penso em não corresponder, mas quando a língua quente entreabre os meus
lábios, sinto um arrepio pelo corpo e um calor gostoso se apodera não apenas da minha pele, mas
da minha mente. Eu o beijo de volta, passo os braços ao redor dos ombros largos, sentindo a
textura do terno enquanto ele passa as mãos pela minha cintura até que eu possa sentir o pau duro
contra o meu corpo.
Gosto dessa química que temos, a forma como ele me segura contra ele, que mostra que
me quer. Sei que não é o suficiente para perdoá-lo, mas no momento não quero interromper o
beijo. Senti saudade dessa boca firme contra a minha, da mão que agarra a minha bunda
enquanto a outra aperta o meu seio com força.
— Abby, cheguei...
A voz de Steve me assusta e empurro Quentin. É impossível que Steve não perceba o que
estávamos fazendo antes de ele entrar.
— Oi, Senhor Hastings – Steve o cumprimenta.
— Pode me chamar de Quentin – ele pede.
Steve força um sorriso.
— Não se preocupem comigo, eu só vim pegar uns livros e voltar para a escola de artes.
— Não, eu... a gente... – não consigo falar algo coerente.
Steve sai da cozinha e nos deixa a sós. Aproveito para fugir de perto dele e pegar o resto
da compra para guardar. Ele me ajuda em silêncio e quando Steve retorna está com aquele
sorriso malicioso nos lábios.
— Bom te ver, Quentin – Steve se despede dele e me fita —, juízo.
— Pode deixar – digo por entre os dentes e ele sai rindo.
Quando estou com Quentin, sou um misto de emoções, uma hora eu amo, depois eu o
odeio e em seguida amo de novo. Choro e fico excitada. Para minha surpresa, ele me abraça
pelas costas e diz no meu ouvido:
— Não vou te pressionar a nada – sussurra —, mas gostaria muito que fosse ao jantar na
minha casa.
— Vou pensar, prometo – ele me solta e me volto para ele —, eu te envio mensagem?
— Você me bloqueou – ele me faz recordar.
— É verdade – sorrio sem graça —, vou desbloquear e te envio mensagem.
Ele sorri satisfeito.
— Está bem...
— Eu também preciso ir, vou para a escola de artes...
— E como estão as coisas para a sua exposição?
— Acredito que nas próximas semanas... – conto.
Ainda não conto que fui convidada para estrear em Nova Iorque e depois em Chicago.
Não é certeza e não quero criar mais expectativas do que já procriei na minha mente ansiosa.
— Eu estarei lá – ele promete.
— Vai mesmo? – Mordo o lábio inferior em expectativa. — Sou tão idiota que tenho
medo que ninguém apareça e seja um verdadeiro fiasco.
— O nome do seu pai é conhecido, muitos vão querer ir, mesmo que seja para comparar
– ele pontua.
— Isso não me ajuda a ficar mais tranquila – brinco.
— Vai dar tudo certo – ele fala de um jeito que me deixa animada e mais segura.
Parece que com Quentin nada pode dar errado, a não ser quando ele resolve perder a
cabeça. E eu não tenho estômago para isso.
— Quer uma carona até a escola?
— Não, eu vou andando, é aqui perto e depois volto com o Steve e o Seth – explico.
— Está bem – ele concorda.
Eu o acompanho até a porta, ele está prestes a sair quando se volta para mim.
— Na semana seguinte, vamos lançar um novo vinho, gostaria que estivesse lá comigo –
ele me convida também.
— Está tentando montar a minha agenda junto com a sua? – pergunto com bom humor.
— Só tentando trazer você para a minha vida de novo – ele diz sincero.
O que eu mais quero é que esse homem me beije, me empurre contra a parede e faça o
melhor sexo da minha vida. O celular dele toca, franze o cenho e atende.
— Oi, Bob – ele diz. — O quê? Estou indo...
— Aconteceu alguma coisa?
— Ele está achando o Joseph estranho e o está levando para o hospital – fala sério.
— Joseph? Eu vou com você... – Corro até a cozinha e pego a minha bolsa.
— Abby...
— Nada de Abby – aviso o empurrando para fora e trancando a porta —, faz tempo que
não vejo Joseph e se algo acontecer com ele, eu não me perdoaria por não estar por perto.
Ele assente e descemos as escadas depressa. Praticamente corremos para o seu carro e ele
sai cantando pneus. Em vinte minutos estamos no hospital e para o nosso alívio, Joseph está
sendo atendido. Entramos na sala e o médico se volta para nós:
— São os pais da criança? – Ele quer saber.
Bob se volta para nós e me fita sem entender nada, afinal, ele não me conhece.
— Eu sou o pai – Robert se apresenta —, ele é o avô e ela é a...
— Babá – falo nervosa.
— Então esperem lá fora, só os pais podem ficar aqui dentro.
Relutantes, nós assentimos e saímos da sala. Quando a porta é fechada pela enfermeira,
eu preciso perguntar.
— Ele decidiu ser o pai de Joseph, então?
— Decidiu, ele e Sydney vão tomar o lugar que lhes é direito – ele conta.
— E você vai deixar?
Ele me encara de forma impassível:
— Você separaria uma criança de meses dos próprios pais?
Eu o encaro e minha empáfia se dissolve no ar.
— Não – admito.
— Sei que não. – Ele sorri para mim e Tym se aproxima para nos contar o que aconteceu.
E mais uma vez, estou envolvida na vida de Quentin sem perceber.
CAPÍTULO 23

Com cuidado, eu coloco Joseph no berço outra vez. Não tinha ideia do quanto eu senti
saudade dele nesses vários dias que ficamos separados. Ele não teve nenhum problema sério de
saúde, foi apenas a bronquite que se alterou um pouco, mas agora ele está bem. Robert permitiu
que ele voltasse no carro comigo e pude matar a saudade com ele no meu colo.
— Você gosta dele, não é? – a voz masculina soa ao meu lado.
Fecho o mosquiteiro e me volto para Robert Hastings. Ele lembra muito Sara, sua mãe,
mas o jeito de olhar e falar é de Quentin. Determinado, frio e intenso. Esse menino vai dar
problema para as mulheres quando ficar mais velho e charmoso como o pai dele.
— Seu filho é um amor – eu olho para Joseph —, quase não chora. Cuidar dele é muito
fácil.
— Não estou falando de Joseph, estou falando do meu pai.
Fico tensa, não esperava que ele fosse tão direto.
— Na verdade – pigarreio me sentindo contra a parede —, não sei exatamente do que
está falando.
Ele sorri diante da minha covardia, ou melhor, discrição. Não vou discutir meus
sentimentos com ele, eu mal o conheço.
— Ele gosta de você e realmente estou surpreso – fala me deixando atônita. Aonde ele
quer chegar?
— Surpreso? – sou obrigada a perguntar.
— Sim, não pensei que meu pai voltaria a se apaixonar depois da morte da minha mãe.
Ele se fechou de verdade para isso...
Fico sem graça e olho para as minhas mãos sem saber o que dizer. Todos garantem que
Quentin está apaixonado por mim. Sei que isso é bem possível, afinal, temos uma química louca,
mas não é apenas isso. Por sentir a mesma coisa, me sinto vulnerável.
— Ele me disse que a convidou para o jantar da família – prossegue sem esperar qualquer
resposta da minha parte para os seus comentários —, espero que venha.
Abro os lábios para falar, mas não sei exatamente o que dizer. Uma pessoa solitária não
sabe muito bem como reagir quando é convidada para fazer parte de algo maior. É bom, mas, ao
mesmo tempo, é assustador.
— Estou pensando – respondo e forço um sorriso.
— Assim conheceria a todos melhor – ele insiste.
— E qual é o seu real interesse nisso? – questiono desconfiada.
Ele encolhe os ombros largos envoltos na camiseta preta com o nome de uma banda de
rock.
— Convenci Tym a colocá-la no plano para levar Joseph para ver Sydney naquele dia –
ele admite —, se você fosse junto, meu pai não desconfiaria de nada. Estava bem claro para nós
dois que ele confiava em você e muito.
Quentin confiava em mim? E eu nele. E naquela tarde tudo foi quebrado de ambas as
partes. Algo que está sendo difícil reconstruir, sentimos tesão um pelo outro, mas confiança é
outro nível.
— Tym me contou tudo o que aconteceu com você e me senti culpado, de verdade. Não
pensei nas consequências e que a reação do meu pai seria tão severa, sinto muito.
— Eu...
— Fui o culpado – ele não me deixa falar —, se eu não tivesse convencido meu irmão a
ajudar Sydney, se eu não tivesse insistido para que Kayle também os ajudasse, você e meu pai
não teriam se desentendido...
Não sei o quanto ele sabe sobre nós, mas pelo visto tem conhecimento que eu e Quentin
estivemos juntos num curto período. Algumas transas não significam nada, pode ser apenas sexo
mesmo. A quem estou querendo enganar? Estou apaixonada por esse homem, acredito que sou
capaz de perdoá-lo se encontrar um bom motivo para isso. Na verdade, eu sinto que estou
procurando um na memória neste momento.
— Tudo não passou de um grande mal-entendido – asseguro —, mas não se preocupe,
está tudo bem agora.
— Não está. Você foi embora e meu pai está chateado com isso – ele continua me
torturando com aquela verdade que teimo em não aceitar.
— Robert, eu não sei o que está pensando...
— Meredith me contou tudo e Michele também. Na verdade, as duas puxaram a minha
orelha por causa da confusão que causei e estou tentando consertar as coisas.
Apenas assinto. A porta do quarto é aberta e Quentin surge, olhando de um para o outro,
desconfiado.
— Está tudo bem?
— Está – respondo depressa —, estamos apenas falando sobre Joseph.
Robert se volta para o pai.
— Estou pedindo desculpas pela confusão que causei entre vocês – ele conta me
deixando atordoada. Gostaria que o chão se abrisse para eu me esconder.
— Verdade mesmo? – Quentin olha para mim e assinto devagar antes de ele encarar o
filho. — Estou surpreso.
— Eu também – Robert sorri charmoso e olha para mim —, Abby me disse que vai vir ao
jantar...
Estreito o olhar:
— Eu não disse que viria – deixo claro.
— Ela vai vir – ele garante ao pai se divertindo com o meu constrangimento —, ela gosta
de você também.
Ele bate no ombro do pai e meu rosto queima de vergonha como se eu fosse uma
adolescente.
Robert sai do quarto, nos deixando a sós e eu só penso numa rota de fuga.
— Seu filho é muito parecido com você – comento.
— Sempre o achei mais parecido com a mãe. – Ele se aproxima de mim.
— Mas ele tem o seu jeitinho arrogante – garanto.
Quentin sorri de lado, acho que uma mistura de orgulho e por se sentir elogiado.
— Certos costumes não mudam – ele ironiza.
Não. Como, por exemplo, meu coração bater forte a ponto de parecer que está em todos
os pontos do meu corpo.
— Acredito que está na hora de ir para casa – aviso me sentindo sufocada por estar só nós
dois aqui.
— Quero lhe mostrar uma coisa antes – ele pontua.
— Uma coisa?
— Sim, tem algo que quero compartilhar com você.
— E o que seria?
— Vem, não vai arrancar pedaço – ele me provoca.
Apenas assinto e o sigo para fora do quarto. Atravessamos o corredor silêncio e ao invés
de subirmos as escadas, Quentin tira uma chave do bolso e abre a porta no fim do corredor.
Sempre fiquei curiosa para saber o que tinha ali atrás, mas vivia trancada. Uma escada surge e
ele deixa a porta aberta e a sobe. Subo logo atrás e então saímos numa espécie de sótão. Ou
melhor, estúdio.
Um belo estúdio de pintura surge diante de mim. Quentin acende todas as luzes e eu
posso ver dois cavaletes com telas, uma delas tem um lençol branco por cima. Há quadros por
toda parte, no chão, pendurados nas paredes, alguns finalizados, como a mão da mulher que toca
piano. Outras pinturas estão pela metade.
— Aqui é meu refúgio – ele compartilha comigo, fazendo meu coração disparar.
Ando pelo cômodo admirando cada obra sua.
Sorrio quando vejo uma que representa os meninos brincando no jardim, ainda crianças.
— Você pinta sem modelo?
Ele sorri colocando as mãos no bolso da calça:
— Tenho uma boa memória...
— Parece que tem mesmo – concordo e sorrio para ele.
Paro diante de um casal austero e vestidos de preto, como se estivessem de luto.
— Meus pais – ele explica parando ao meu lado.
Olho para ele com surpresa.
— No dia do enterro de Quintus.
— Isso o marcou tanto a ponto de pintar?
— Precisava colocar para fora minha dor e pintar algo que a representasse – aponta para
tela apoiada na parede —, eles são a representação de muita coisa com a qual não sabia lidar.
Não houve abraços, consolo. Eu, Quinn e Quentin tínhamos sete e oito anos, tivemos que lidar
com a nossa dor, sozinhos, consolando um ao outro. Nossos pais não tinham tempo para isso.
Tem ideia do quanto é desagradável?
— Sim – respondo e ele então se lembra que conheço essa dor tão solitária do luto.
Claro, não estou comparando, mas eu sei o que é se sentir sozinha num momento tão
frágil da nossa vida. Neste momento, eu me sinto conectada a Quentin, pela primeira vez desde
que ficamos juntos, consigo senti-lo como uma pessoa de verdade, de carne e osso.
Sigo olhando as outras pinturas. Há uma de Sara, ela realmente era linda, uma pessoa
especial.
— Você disse que conheceu Sara quando eram jovens – comento querendo saber a
história deles.
— Sim, eu tinha dezesseis anos quando a vi pela primeira vez. Ela estava tocando piano
na escola, tinha acabado de se mudar para Nova Orleans – ele sorri saudoso —, não imaginei que
nossa vida se cruzaria tanto depois disso.
— Vocês se apaixonaram.
— Não, nós nos tornamos amigos primeiro. A paixão veio mesmo depois que vim para
Chicago – conta.
— Tem contato com a família dela?
— Tenho, os pais dela moram no Canadá atualmente, o pai dela é representante
comercial de uma marca de roupas, ele não ficava muito tempo em um lugar – conta para a
minha surpresa.
— Pensei que ela fosse de uma família rica como a sua...
— Não – ele franze o cenho sem entender por que pensei desse modo —, a família de
Sara é de origem simples. Minha mãe foi contra o casamento, ela até tentou subornar Sara para
que não se casasse comigo.
Meu queixo cai. Então, ele não se importa com o fato de existir diferença social e
financeira? Eu o considerei tão arrogante que nunca pensei nessa possibilidade.
— Isso é uma grande surpresa...
— Por quê? – ele não entende.
— Pensei que só se casasse com mulheres como Rose Mountain...
Ele faz que não:
— Rose Mountain não me interessa, tivemos um caso há anos, foi algo rápido, não durou
mais que algumas noites e ela não superou. – Ele fica sério.
— Pelo menos, ela conseguiu afastá-lo de mim – encolho um ombro e lhe dou as costas
—, deve estar comemorando com champanhe caro e suas amigas tão chatas quanto ela.
Ele me segura pelo braço e me puxa de volta.
— Está com ciúme?
— Eu? – pergunto arrogante, mas depois me questiono o que adianta esconder quando
meus sentimentos são tão claros. — E se estiver?
Ele dá aquele sorriso que me faz ficar excitada.
— Não tem motivos, eu não quero outra mulher que não seja você...
Quentin desce o olhar para a minha boca de um jeito tão atrevido que faz meu coração
disparar. Minha boca seca e preciso passar a língua para umedecê-la. Ele acompanha o
movimento e então me puxa em direção aos cavaletes.
— Veja isso – ele manda e puxa o lençol, relevando a pintura na tela.
Meu coração para de bater um instante quando vejo a minha imagem na tela. E não é
qualquer uma. Sou eu sentada sobre o cubo, nua, abraçada a uma perna, de cabeça baixa. Dou
um passo à frente para enxergar melhor e percebo que está perfeita, cada detalhe, até mesmo a
curva do seio que se revela por baixo dos cabelos. Ou as rugas que tenho na testa. A imagem é
tão nítida e apaixonada que fico sem palavras.
— Nunca pintei Rose Mountain, Abby – ele diz atrás de mim.
Não, ele pintou a mim. E mesmo tendo me visto daquele jeito uma única vez.
— Não pintou – afirmo e me volto para ele —, ficou lindo... – digo emocionada.
— Você é linda, Abby, de todas as formas...
Que mulher pode resistir a isso? Aproximo dele e levo a mão à sua nuca para ficar na
ponta dos pés e beijar sua boca. Não preciso de muita coisa, só de senti-lo um pouco, mesmo que
isso não dure para sempre e todas as incertezas pairem sobre nós. Ele me beija de volta, suas
mãos descansam na lateral da minha cintura e ele me pressiona, seu beijo me consome. Se ele
queria mexer comigo, conseguiu, estou completamente rendida depois do que vi naquela tela.
— Sabe o que isso significa? – ele pergunta contra os meus lábios.
— Não...
— Não vou deixá-la ir... – Ele me beija de novo e de novo.
Minha cabeça se entrega àquele redemoinho de emoções e não consigo pensar direito.
— Sou sua prisioneira?
Ele sorri contra os meus lábios.
— Acho que eu sou cativo do que sinto por você...
Abro os olhos e o encaro. Aqueles olhos verdes brilham tão intensos por mim que não
tenho coragem de dizer não. Seria o maior erro da minha vida. Ainda não falamos sobre o que
houve naquele dia, mas não importa. Eu quero ficar.
— Preciso de você, agora, Quentin...
Minha declaração o faz ofegar. Ele me encara de uma forma tão intensa que meu clitóris
pulsa e então, ele agarra meu cabelo para me beijar outra vez.
CAPÍTULO 24

Estou apaixonado por uma mulher quase quinze anos mais nova do que eu. Antes seria
um problema, eu veria apenas como um passatempo, não como um futuro relacionamento. Mas
com Abby nada é normal e, ao mesmo tempo, não me importo com nada, eu só quero ficar com
ela. Vou mandar flores para Glenda Scott Rhodes agradecendo.
— O que está fazendo, Abby? – eu investigo deitado na cama.
Escuto o barulho vindo do closet, mas não tenho ideia do que ela está aprontando.
— Isso aqui está uma bagunça – ela reclama —, não consegui passar e não organizar.
Ela sai finalmente e vem em direção à cama. Os cabelos soltos e compridos ao longo do
corpo, usando minha camisa branca que ficou enorme para ela. Linda e sexy.
— Qual sua obsessão agora? – eu debocho quando ela se senta na ponta da cama ao meu
lado.
— Você tem uma gaveta de relógios! – ela fala como se fosse algo absurdo. — Estava
aberta e vi tudo fora do lugar. Tive que arrumar...
Dou um sorriso.
— Não tenho TOC[1], fique tranquilo, mas tem algumas coisas que é impossível não me
incomodar. Igual prateleira de supermercado desorganizada...
— Você arruma?
— Às vezes, quando tenho tempo – ergue as mãos no ar como se fosse normal —, você
consegue passar por isso sem ao menos ajeitar algo torto na prateleira?
— Admito que já coloquei em linha reta alguns produtos tortos...
Ela aponta o dedo para mim e ri:
— Está vendo, você é pior do que eu...
Sorrio para ela e seguro sua mão.
— Vem aqui – eu a puxo para mim —, está me dando nervoso vê-la com tanta roupa.
Ela sorri e se inclina sobre mim, seus cabelos caem pelos ombros e roçam meu peito.
— Deveria tratar isso, Senhor Hastings...
Faço que não com a cabeça:
— Espero que seja uma doença incurável. – Sorrio malicioso e agarro sua nuca para
puxá-la para um beijo.
Desabotoo os primeiros botões da camisa e enfio a mão por baixo do tecido para alcançar
o seio macio. Ela geme leve contra a minha boca e sua língua se enrosca na minha. Abby sobe
em mim e descansa as pernas ao redor das minhas, esfregando a entrada de sua boceta quente
sobre o meu pau. Isso é muito bom.
Passo meus braços ao redor dela e a mantenho contra mim. Abby move os quadris
devagar, arrastando seu clitóris pelo meu pau, umedecendo com sua excitação. Ela ergue o corpo
e termina de desabotoar a blusa, enquanto se masturba em mim. Ela fecha os olhos perdida na
luxúria e isso me deixa mais excitado. Assim que Abby deixa a blusa cair no chão, eu a viro
sobre a cama.
Ela solta um gritinho de susto e então estou sobre ela, entre suas pernas que se arrastam
ao redor das minhas. Seguro seus braços e coloco para cima da cabeça. Inclino para capturar o
mamilo durinho e sugá-lo. Abby se esfrega em mim mais depressa, a fricção úmida me deixa
excitado de uma forma selvagem. Seguro seus pulsos com uma das mãos e me ergo para apoiar a
outra mão em sua bunda e acomodá-la.
Meus olhos estão sobre os seus quando deslizei para dentro dela.
— Ah... – ela geme e revira os olhos —, amo isso...
Eu também.
Movo os quadris com força e ela geme alto. Gosto de observar a forma como seus seios
se movem quando eu me afundo em seu corpo e sua boceta quente aperta o meu pau.
— Quero tocar você – ela pede.
Solto seus pulsos e ela toca meu ombro, enquanto a outra mão desliza pelo meu peito.
Agarro sua coxa e penetro mais fundo e ela move os quadris, girando em busca de alívio para o
prazer que sente. Eu me inclino mais sobre ela e a beijo enquanto me movo cada vez mais
rápido, é isso que ela faz comigo, me faz perder o controle e não consigo parar até me sentir
saciado.
Abby joga a cabeça para trás quando o orgasmo a toma e mordo a linha do pescoço,
sugando com força em seguida. Eu a abraço e então me perco, deixando o orgasmo me tomar.
— Abby... – é tudo que consigo dizer quando finalmente sinto que a tenho comigo.
Gozamos e saio de dentro dela, caindo ao seu lado na cama, ofegante.
Ela deita a cabeça no meu peito e passo o braço por suas costas, a aninhando contra o
meu corpo. Sua perna enrosca na minha e ficamos por um tempo em silêncio. Então percebo que
ela dormiu. Acabo dormindo também e acordo na manhã seguinte com um celular tocando uma
música dos anos oitenta.
Meu braço dói quando me movo, Abby dormiu em cima dele a noite toda. Olho ao redor
à procura daquela coisa barulhenta que não para de tocar. Desço da cama mal-humorado e
procuro por entre as roupas e encontro o celular de Abby e desligo aquele despertador que pode
acordar uma manada de elefantes.
Mas não Abby, ela continua dormindo. Sorrio e ouço o som da mensagem chegando para
ela.
Jones: está tudo certo.
Eu não deveria ler, mas não consigo me conter. E continua aparecendo na tela.
Jones: esperamos você em Nova Iorque na próxima semana.
Jones: serão os seis meses mais intensos da sua vida.
Jones: minha escultora preferida.
Ela vai para Nova Iorque? Por seis meses? E na semana que vem?
Seis meses? Estou feliz por ela, claro, é a chance que ela sempre quis de ter um
reconhecimento por seu trabalho, mas, ao mesmo tempo, é a certeza de que vamos nos separar. E
ela não me contou.
Deixo o aparelho ao lado do móvel da cama e vou para o banheiro tomar uma ducha. Saio
enrolado na toalha quando a vejo sentada na cama, acordando como se tivesse sido atropelada
pelos elefantes daquele celular que continuou tocando. O aparelho toca mais uma vez, ela geme e
o desliga.
Tiro a toalha e visto uma cueca.
— Já pensou em mudar a música?
— Amo Eurythmics, principalmente Sweet Dreams – ela avisa e respira fundo antes de se
espreguiçar.
Pega o celular de novo e arregala os olhos ao ler as mensagens. Estou vestindo a calça
quando ela me observa.
— Preciso de um carona até em casa – ela avisa e se levanta nua vindo na minha direção.
Ela não diz nada sobre Nova Iorque e isso me frustra porque sinto que não confia em
mim.
— Eu a levo – aviso e vou procurar por uma camisa branca.
— Está tudo bem? – ela pergunta desconfiada.
Ela não pode me conhecer tão bem, pode? Claro que sim. Mas não posso ser babaca de
novo, só queria que ela me contasse. Eu jamais a impediria de realizar seu sonho ou pediria para
ficar.
— Está. – Abro a porta de vidro e tiro uma camisa, vestindo em seguida.
— Certo. – Ela encolhe os ombros, vai para o banheiro e fecha a porta.
Respiro fundo, controlando meu humor. Quando ela sai, minutos depois, com os cabelos
molhados e enrolada em uma toalha, estou pronto, fechando o relógio ao redor do pulso.
— Vou descer para tomar o café com os meninos. Te espero lá embaixo? – pergunto
tentando parecer indiferente.
— Claro. – Ela sorri.
Saio do quarto mastigando vespas venenosas por estar tão frustrado. Se ela confiasse em
mim e me contasse, seria mais fácil. Mas o silêncio permanece. Ela aparece na sala de jantar e
tomamos café juntos. Robert é o único acordado, Tym ainda está dormindo.
Eu vou dirigindo para o banco, sem motorista, e durante todo o trajeto ela fica ao celular,
mas não me diz uma palavra. Isso é tão frustrante. Paro diante do prédio onde Steve mora e
desligo o carro.
— Você ficou o tempo todo calado. – Ela observa atenta.
Não sou muito de falar, mas quando o assunto é a Abby, dificilmente consigo esconder
meus sentimentos e controlar minhas emoções e isso é tão irritante. Eu me sinto como um garoto
bobo apaixonado, e não um homem vivido e experiente. Com ela nada é normal. Ou falo agora
ou me calo para sempre.
— Quando ia me contar sobre Nova Iorque?
Ela arregala os olhos, surpresa.
— Como sabe? Foi a Annais? – Ela se sente traída.
— Não, eu vi hoje cedo, as mensagens chegaram quando eu estava com o seu celular na
mão. Pode ver pelo horário...
Ela não precisa olhar, ela sabe quando as mensagens chegaram. Abby morde a parte
interna da boca antes de dizer:
— Semana que vem, vou para Nova Iorque – confessa finalmente.
— E você não ia me contar? – Fico decepcionado.
— Ainda não tinha certeza, estava aguardando a mensagem de confirmação de Jones. Ele
quer que eu vá para Nova Iorque trabalhar com ele e montar uma apresentação dos meus
trabalhos – ela ergue o olhar para mim —, ele e Annais acreditam que seria mais interessante
começar a vender minhas esculturas por lá.
Aperto o volante com força. Quando penso que as coisas estão andando entre nós, parece
que estamos a ponto de dizer adeus.
— Jones quer que eu faça alguns cursos, que me dedique mais ao meu trabalho como
artista e faça novas peças... – ela explica.
Respiro fundo. Ela é jovem, é o sonho da vida dela. Não posso ser egoísta e pedir para
que fique aqui comigo. Não sou esse tipo de homem. Talvez não tenha me contado com medo
que eu a impedisse, que fizesse da vida dela um inferno.
— Fico feliz que tenha conseguido, tenho certeza que Jones sabe exatamente o que está
fazendo. Ele não desperdiçaria um talento como o seu! – eu me sinto obrigado a dizer, mesmo
que por dentro esteja frustrado.
Não posso dizer isso a ela. Não posso jogar um balde de água fria em suas expectativas
profissionais porque a quero comigo. Isso soa mais egoísta do que qualquer outra coisa.
— Não se importa que eu vá?
— Não – minto.
Não estou fazendo isso para machucá-la, mas para que ela não pare a vida por minha
causa. Abby é uma pessoa frágil e sei que se eu insistir muito, posso convencê-la. E não seria
justo. Eu a encaro e vejo a decepção em seu olhar. Infelizmente, não tem outro jeito.
— Se não se importa, porque ficou bravo por eu não contar nada?
— Porque quero sua confiança, Abby, e é frustrante não a ter...
Ela só respira fundo e olha para frente.
— Não tenho culpa se você a perdeu – ela sussurra chateada.
— Não estou culpando você – garanto —, só fiquei chateado por ser o último a saber.
Independentemente de qualquer coisa, eu torço por você e quero que seja feliz.
— Tudo bem – ela se recompõe —, eu preciso ir e você também...
Seguro seu braço e a puxo de volta.
— Vai ao jantar de família? Será antes da sua partida – eu a faço lembrar.
Ela me fita por um instante e hesita. Depois da noite que tivemos, começar o dia assim é
deprimente.
— Disse ao Bob que iria – ela fala séria e então se solta do meu braço.
Ela bate a porta do carro com tanta força que tenho impressão que queria me esmagar.
Desapontado do mesmo modo, saio cantando pneus e quando chego ao banco, me deparo com
Rose esperando por mim na minha sala. Não é uma boa hora.
— Oi, querido...
— Nada de querido, fora da minha sala – eu ordeno apontando para a porta.
— O que é isso? – Ela fica sem graça. — Você não pode estar bravo comigo...
Ela tenta se aproximar e me afasto.
— Vou deixar uma coisa bem clara, você já passou dos limites e o fato de ter me ajudado
não quer dizer nada para mim, então, a partir de agora, está proibida de entrar nesta sala sem
permissão da minha secretária.
— O quê?
— E se insistir, eu a proibirei de entrar no prédio!
— Você não pode fazer isso!
— Pague para ver. Eu não a quero perto de mim, nem agora ou depois, fui claro?
— Estou surpresa... pensei que tivéssemos feito as pazes depois do que fiz...
— Você traiu a confiança da sua irmã – jogo na cara dela —, por que eu confiaria em
você?
Ela abre a boca, mas não tem argumento.
— Desaparece da minha frente e fale comigo assuntos estritamente profissionais! – aviso
e vou até a mesa pegar o telefone —, preciso de um segurança na minha sala, agora!
— Você é maluco! – ela diz e sai a passos largos, batendo a porta com força.
Bufo. Pelo visto meu dia começou péssimo e a tendência é piorar. E tudo por causa de
uma mulher complicada que apareceu e virou minha vida de cabeça para baixo. Eu devia matar
Quinn por isso.
CAPÍTULO 25

— Já está pronta para ir para Nova Iorque? – a voz de Annais soa ao meu lado.
Estou parada diante das esculturas dos alunos, perdida nos meus piores pensamentos que
me deixam mais ansiosa: e se não der certo? E se eu não gostar? E se eu me arrepender? A mente
pode ser uma oficina perversa para ficar maluco.
— Sim, está tudo pronto – sorrio.
Eu parto na segunda-feira. Daqui a três dias.
Deveria estar feliz, saltitando de alegria, mas não estou tão assim como pensei que
ficaria.
— Ótimo. – Ela sorri para mim.
— Annais – eu a chamo quando ela faz menção de se afastar.
— Sim, querida?
— Alguma vez ouviu falar sobre o fato de o meu pai ter largado a arte para se casar com
a minha mãe?
Ela move a cabeça como quem tenta se recordar.
— Houve muita especulação na época. Seu pai já era artista e estava em ascensão – ela
observa séria —, lembro de Jones dizer que ele tinha tudo para entrar para a história como um
dos melhores escultores americanos.
Sorrio diante da colocação, meu pai era um exemplo a ser seguido.
— Também recordo de falarem que ele largou tudo pela família – ela contrapõe —, mas
isso não faz o menor sentido.
— Por quê?
— Ele estava ganhando muito bem como escultor, por que não podia unir as duas coisas?
Não havia pensado por esse lado.
— Talvez insegurança, o medo de não dar certo, talvez, meu pai precisasse de
estabilidade.
— Nesse mundo capitalista em que somos números? Segurança é uma grande bobagem,
querida, nós não temos o controle de nada no fim das contas. Se seu pai tivesse ficado e seguido
com a sua carreira, poderia ser um artista internacional, mas nunca saberemos, ele não se
arriscou porque queria segurança...
Ela sorri e se afasta para falar com um outro professor.
Fico parada ali, ainda observando as esculturas e pensando no que disse: segurança é
uma grande bobagem, não temos o controle de nada no fim das contas.
Eu que preciso tanto me sentir segura em todas as situações, essa frase pode ser um
gatilho para o desespero. Vou até a recepção onde Steve sorri ao me ver.
— Você saiu muito cedo de casa, não tomamos café da manhã, juntos – ele comenta
quando apoio os cotovelos no balcão.
— Fui caminhar e depois vim para cá – comento.
— Caminhar? – Ele ergue uma sobrancelha. — Não me diga que precisa repensar na
grande decisão da sua vida?
— Não, eu vou para Nova Iorque – falo decidida.
— Então...
Suspiro, é tão difícil externar o que sinto.
— Preciso de ajuda para comprar uma roupa. Não pode ser muito chique e também não
pode ser simples – mudo de assunto e finjo estar preocupada com outra coisa.
— Ocasião?
— É um jantar de família na casa do Quentin – conto.
— Hummm – ele sorri com malícia —, vão ter uma despedida?
— Nada disso – franzo o cenho —, ele já tinha me convidado antes de saber da minha
partida para Nova Iorque.
— E como ele reagiu quando soube?
— Normal – finjo não me importar.
— Não ficou decepcionado?
Hesito antes de responder.
— Ele ficou decepcionado por não ser o primeiro a saber – conto —, mas está feliz por
mim. Disse que não se importa que eu vá.
— Claro que não se importa! É o seu sonho, ele é um homem de verdade, e não um
garoto mimado que quer que você fique ao lado dele vinte e quatro horas!
Steve não pode entender. Quentin não é o tipo de homem que se apega fácil e o fato de
nos darmos bem entre quatro paredes não significa muito para ele.
— Você precisa de um vestido bonito para impressioná-lo e fazê-lo enlouquecer ao
pensar que está te dando de mão beijada para os homens de Nova Iorque... – ele brinca.
Fico sem graça e um tempo depois, vamos às compras. Ele me convence a comprar um
vestido que eu jamais compraria. É discreto, preto, mas é justo no meu corpo, o decote é alto,
não mostra nada. Ele também me faz comprar sandálias de salto e as coloco quando estaciono o
carro na frente da garagem dos Hastings.
Desço e me pergunto se não exagerei. É só um jantar de família, mas pode ser o último
em que vou estar perto de Quentin pelos próximos seis meses. Ir para Nova Iorque é tudo que
quero, mas deixar esse homem para trás está quebrando o meu coração, por mais que eu finja que
não me importo.
Meredith abre a porta e eu entro. Entrego o casaco para ela e fico sem graça quando ela
observa o vestido.
— Está elegante – ela elogia e sorri.
— Obrigada – fico sem graça.
— Estão todos na sala.
— Já chegaram? – pergunto com certa ansiedade
— Sim, você está atrasada. Quentin achou que não viria mais... – ela fala num tom que
me faz sorrir.
Então, ele estava ansioso para a minha chegada? Isso é bom... ajeito a saia do vestido que
vai até os joelhos e caminho até a sala. Ajeito a postura e entro como se estivesse pronta para dar
uma aula para os meus alunos, um dos poucos lugares que me sinto cem por cento segura e não
gaguejo ou fico ansiosa. A sala de aula é a minha segunda casa. Contudo, quando vejo Quentin
parado do outro lado, usando apenas uma camisa preta e a calça escura, os olhos verdes
brilhando ao me ver, toda essa segurança foge.
— Ela chegou – Tym se aproxima —, pensamos que não viria mais.
— Eu me atrasei – comento sem graça.
— Vem conhecer os pais da Sydney – Robert move as mãos, parado ao lado da sua ex-
namorada.
Para minha surpresa, Joseph está no colo da mãe e ela sorri para mim, feliz. Depois de ser
apresentada a eles, abraço Michele e me sento ao lado dela. Aqui estou segura e sei que na frente
de todos, Quentin não vai se aproximar e me provocar. Sydney me entrega Joseph e vai
conversar com Kayle que também está presente.
Evito olhar para Quentin, mas sei que ele está com os olhos grudados em mim.
— O jantar está servido – Meredith avisa logo em seguida.
Levanto e faço menção de empurrar a cadeira de Michele.
— Pode deixar – a voz de Quentin soa ao meu lado —, eu faço isso.
Olho das mãos que apoiam o encosto da cadeira para o rosto dele. Senti tanta falta dele
nesses dias que chega a doer. Não tem explicação. Como posso gostar de uma pessoa desse jeito?
— Oi, Abby – ele sussurra enquanto os outros se dirigem para a sala de jantar.
— Oi... – respondo nervosa.
Não sei por que estou assim, mas é a sensação de que vamos nos ver pela última vez.
Talvez seja isso.
— Como você está? – ele pergunta quando seguimos lado a lado.
— Estou bem...
— Quentin disse que você vai para Nova Iorque – Michele comenta.
— Vou, na segunda – respondo apertando as mãos.
— Parabéns! – Michele diz com carinho. — Espero que se torne uma grande artista!
— Obrigada...
Quentin segura as minhas mãos e o encaro:
— Respire – ele pede ao perceber que estou agitada.
Assinto e respiro devagar. Ele sorri satisfeito e solta a minha mão. Sinto falta do contato e
forço um sorriso quando entramos na sala de jantar. Sento ao lado de Michele e Meredith fica
com Joseph para poderem comer.
Eu fico em silêncio a maior parte do tempo, apenas notando a interação entre a família.
Robert e Sydney são amigos apesar de não estarem juntos e ela conta que vai voltar a estudar à
noite e ficará o dia todo com Joseph.
Olho para Quentin e observo sua tristeza, o neto vai partir naquela noite? Todos parecem
saber disso, menos eu. Joseph vai voltar a viver com a mãe. E como vai ficar o avô? De coração
partido..., mas todos sabem que é o melhor para o bebê... Sydney está tratando a depressão, ela
merece uma segunda chance, mas, ao mesmo tempo, é tão injusto depois de tudo que Quentin fez
por ele.
Eles não tocam no assunto do abandono ou sobre o que aconteceu, apenas focam no
futuro, no quanto vai ser bom para todos. Robert virá a cada quinze dias ver o filho e farão
almoços aos domingos na casa de Quentin. Eu o vejo sorrir, concordando, mas sei que ele não
está feliz, como estaria?
A noite avança, Tym e Kayle vão levar Michele para a casa de repouso, ela está exausta e
prometo visitá-la quando eu estiver em Chicago. A verdade é que não há um motivo para que eu
volte a essa cidade. A não ser visitar Steve e Seth. Tenho a impressão de que quando eu sair por
aquela porta, tudo estará terminado.
O que eu vim fazer aqui? Eu me pergunto quando vejo todos se despedirem prontos para
partir. Também aproveito para dizer que vou embora.
O olhar de Quentin cai sobre mim enquanto vai levar Sydney e os pais até a porta. Joseph
está indo com eles e Quentin vai ficar sozinho outra vez. Sinto um aperto no peito. Ele vai ficar
solitário aqui e eu em Nova Iorque. Parece tão injusto. A tristeza no olhar de Quentin acaba
comigo, ele se despede do neto e entrega à mãe.
Acho que isso desperta um gatilho de perda muito forte em mim.
Eles estão indo para o carro e sei que é hora de partir. Mas preciso de um segundo. Não
posso ir sem falar antes tudo o que penso e sinto. Ou não?
— Preciso ir ao banheiro – falo e atravesso o corredor em direção ao banheiro e me
tranco dentro dele. — O que estou fazendo?
O plano era só jantar e ir embora, mas não consigo ir embora desse jeito. Lavo o meu
rosto e respiro fundo, me controlando.
Saio do banheiro e atravesso o corredor em direção à saída, então algo chama a minha
atenção. A porta do salão de festas está aberta. Ela nunca fica aberta. Como sempre fazia quando
trabalhava aqui, eu aproximo para fechá-la, mas fico paralisada por algo lá dentro que chama a
minha atenção. O piano solitário continua lá, e vou entrando devagar enquanto as paredes
repletas de quadros se abrem diante dos meus olhos.
Vou até o piano e giro ao redor para olhar aquilo tudo.
Então vejo que Quentin está parado à porta, me observando com tanto desejo que mal
consigo respirar.
— O que significa isso? – pergunto sem fôlego.
Ele entra e se aproxima de mim. Olha ao redor, para os quadros que tem a minha imagem
sentada sobre o cubo, nua.
— Eu comprei a coleção inteira dos artistas que te pintaram naquela noite...
— Quentin... – fico chocada.
— Você pode ir para Nova Iorque, ou até para o outro lado do mundo, Abby. Mas pode
ter certeza que o único que vai ter tudo de você, sou eu...
Ele dá mais um passo e meu corpo se encosta ao piano.
— Se pensa que vai se livrar de mim só porque está a duas horas e meia de viagem, está
muito enganada...
— Ah, Quentin, eu pensei que não se importasse...
— E realmente não me importo que corra atrás dos seus sonhos, mas eu estarei, pode
apostar... sou seu maior fã, meu amor.
Sorrio, emocionada, e ele me beija. Eu o beijo de volta e ele agarra a minha bunda,
puxando meu vestido para cima sem qualquer cerimônia. Ofego quando sinto sua mão tocar a
minha coxa e levantar o tecido até os meus quadris.
— Estive ansioso por isso a noite toda...
Solto um gemido quando sinto seu pau duro contra mim e o acaricio. Ele encosta sua
testa na minha.
— Não vai sair da minha cama até segunda-feira, Abby, e você vai para Nova Iorque
assada – ele diz e dou uma risada baixa.
Ele me segura pela parte debaixo das minhas coxas e me ergue no ar, eu o abraço com as
pernas e Quentin anda comigo até que meu corpo bate contra a parede.
— A porta... – sussurro com medo de sermos flagrados.
— Estamos sozinhos e meus filhos não vão voltar para casa hoje...
Ele me silencia com um beijo e aperta meu seio sobre o vestido. Acaricio seu pau
mostrando a ele o quanto o quero. Abro o cinto como posso enquanto sua boca permanece
explorando a minha.
— Pensei que tivesse te perdido – confesso angustiada pelo tesão.
— Nunca, Abby, sou seu, todo seu.
Seus dedos afastam minha calcinha e ele me penetra sem qualquer cerimônia, a seco.
Sinto a dor aguda, mas quando ele se afunda e toca naquele ponto gostoso, me derreto. Quentin
morde meu pescoço, entrando e saindo cada vez mais forte. Seu gemido se perde com o meu,
movendo meus quadris de forma alucinada.
— Você ficou muito gostosa com essa sandália – ele murmura e aperta as minhas coxas
com força —, quero que use a noite toda...
— Sim...
Sou capaz de fazer qualquer coisa que ele pedir nesse momento.
— Quentin. – Eu o aperto quando sinto meu corpo ceder e o calor se apoderar de mim.
É tão gostoso que não consigo parar de me mover e ele também. Sinto todo meu corpo
tremer, dos pés à cabeça, e sou lançada para um mundo de prazer tão gostoso que não quero que
acabe. Ele goza também e me abraça forte, depois beija a minha boca enquanto sai de dentro de
mim.
Aos poucos, ele me solta, meus pés tocam o chão e ele se afasta para me encarar:
— Vou te levar para cima e nem ouse dizer que não quer...
— Eu não ousaria – confesso e ele sorri satisfeito.
Ele se afasta e fecha a calça. Eu abaixo o vestido e então, mais uma vez ele me puxa
contra o seu corpo gostoso.
— Eu amo você, Abby – ele se declara e fico atônita —, cansei de lutar contra o que sinto
e fingir que não é real. Eu amo você...
Não consigo conter a lágrima boba.
— Também amo você, Quentin.
Ele me beija devagar antes de me pegar no colo e me levar para o andar de cima.
Para a sua cama.
Para a sua vida.
Para sempre.
CAPÍTULO 26

6 meses depois...

Não gosto de beber, mas preciso de uma dose de uísque quando vejo todas as minhas
esculturas expostas. Minhas mãos tremem quando Annais me entrega o copo com uísque e viro
de uma vez. A bebida queima na minha garganta e respiro fundo. O som das vozes, as risadas
chegam até mim e respiro fundo tentando controlar minha ansiedade.
— Está tudo perfeito, Abby – ela me diz com carinho —, não tem com o que se
preocupar.
— Eu sei – odeio com as pessoas me consolam desse jeito.
É como sentir uma dor e a pessoa diga: pare de sentir, apenas, é fácil. Não é. A ansiedade
é algo que enraíza na sua pele e você passa a lutar contra ela toda a sua vida.
— Vou falar com Jones – ela me avisa e me deixa sozinha.
Olho ao redor e cumprimento algumas pessoas enquanto caminho pelas paredes brancas
enquanto observo as pessoas pararem diante das esculturas para analisá-las. Isso é aterrador, não
quero saber o que acham do meu trabalho, eu fiz com tanto amor que qualquer crítica, por menor
que seja, pode destruir todo o meu esforço.
— Abby – a voz masculina soa atrás de mim.
Eu me viro e me deparo com Robert, é um alívio ver um rosto amigo.
— Bob – eu me aproximo dele e nos abraçamos —, que bom que veio!
— Meu pai não chegou? – ele olha ao redor.
Não. Para minha decepção, Quentin estava atrasado. Liguei no celular dele e está na caixa
postal. Talvez, ele ainda esteja no avião, eu não sei, ele prometeu que estaria aqui hoje, ele sabe o
quanto esse momento é importante para mim. Depois de seis meses trabalhando muito e
estudando, merecia comemorar minha vitória. Sei que meu pai estaria orgulhoso de mim.
— Ainda não, e não consegui falar com ele o dia todo...
— Sei – ele limita a dizer —, não se preocupe, ele vai chegar...
Assinto.
— Abby – Jones me chama.
Eu me viro e ele move a mão para que eu me aproxime.
— Com licença, Bob, eu já volto. Fique à vontade, os canapés estão uma delícia... – aviso
e ele assente.
Vou para perto de Jones e ele me apresenta à algumas pessoas.
— Amei aquela sua escultura – o homem inglês comenta com seu sotaque forte. Ele
segura no meu braço e me conduz até o cubo onde a peça está exposta —, como a chama?
Não dei nome às minhas esculturas, com exceção de uma. Mas não é essa que representa
o braço de uma mãe que segura seu bebê.
— Vida e morte – invento na hora.
— Há uma energia clássica na sua obra, é incrível! – ele continua. — Em quem se
inspira?
Começamos a conversar e então outras pessoas querem falar comigo. A todo o momento,
procuro por Quentin, mas não o vejo em lugar algum, começo a fica preocupada.
Annais se aproxima de mim, eufórica.
— A primeira dama acabou de chegar.
— O que?
Olho em direção a porta e um enxame de seguranças ficam apostos. Os jornalistas se
acumulam ao redor deles e começam a tirar fotos da mulher elegante, tão bem vestida que faz o
trânsito parar. Savana Hastings. Atrás dela, vem Quentin. Ela move a cabeça, como se
cumprimentasse as pessoas e acena para alguns enquanto caminha em nossa direção.
Se tem uma mulher que nasceu para ser a primeira dama dos Estados Unidos, é Savana.
Usando um vestido azul muito elegante, ela realça a cor dos olhos e abre um sorriso tão
charmoso que qualquer um se curvaria a ela.
— Abby, querida – ela me abraça —, desculpe-me pelo atraso, mas os seguranças não me
deixaram aproximar até ter certeza que o recinto estava seguro.
— Fico feliz que tenha vindo...
— Eu não perderia por nada... – ela garante e se vira para falar com Annais e Jones.
Olho para Quentin e ele pisca para mim. A presença de Savana vai fazer com que minhas
peças subam de preço. Ele sabia disso, por isso, a trouxe.
— Sinto muito pelo atraso – ele diz e segura a minha mão.
Estou tremendo e ele sente.
— Respire comigo – murmura discretamente.
— Isso é muito para mim, Quentin, estou com o coração disparado e...
— Estou aqui – ele se aproxima mais me deixando segura —, está tudo bem... vai dar
tudo certo...
Respiro com ele e vou me acalmando.
— Abby, podemos mostrar as peças para a Primeira Dama?
— Claro – sorrio para Quentin e me uno aos demais.
Savana parte quase uma hora depois, só então tudo volta ao normal. Eu a conheci há
alguns meses, em uma viagem a Nova Orleans para o almoço em família que Quentin conseguiu
participar por algumas breves horas. Para esses irmãos, a união deles é extremamente importante.
— O evento foi perfeito, Abby! – Jones me diz mais tarde quando todos já se foram —,
vendemos todas suas esculturas, já temos que pensar em sua próxima exposição.
Olho para Quentin que sorri com cumplicidade. Eu amo a forma como temos nos
comunicado apenas com o olhar. Pensei que não daria certo morando em cidades diferentes, nos
vendo a cada fim de semana, mas tudo deu certo. Quentin veio todos as sextas-feiras ficar
comigo e quando tinha mais tempo, chegava na quarta e só ia embora no domingo.
Ficar aquele tempo morando sozinha, me deu espaço para descobrir quem eu sou, o que
realmente gosto de fazer e o que quero para o meu futuro. E ter certeza que Quentin é o homem
com quero dividir o restante dos meus dias.
Já é madrugada quando finalmente conseguimos chegar no meu apartamento.
Sento no balcão, enquanto ele tira o paletó e vai preparar uma pasta para nós dois. Ele
adora cozinha, tanto quanto eu odeio. Só faço por obrigação, com a bolsa de estudos que ganhei
para me manter aqui em Nova Iorque, levo uma vida modesta e aproveito para comer no
restaurante da escola de artes.
— Estou pensando em cursar uma universidade – comento com ele enquanto ele coloca
os pratos sobre a mesa e nos acomodamos.
Ele abre o vinho que trouxe. Nas nossas refeições sempre têm vinho.
— Qual curso?
— Não é bem uma universidade, mas fui indicada para a Escola de Artes de Chicago –
conto.
Ele sorri satisfeito, sabe o que isso significa.
— Vai voltar a morar em Chicago – ele fala o que quer ouvir.
— Sim, eu vou voltar...
Seu sorriso se amplia e ele serve mais vinho para nós dois.
— Eu também tenho uma boa notícia.
— Qual?
— Fui ao urologista e há como reverter minha vasectomia...
Eu quase derrubo o vinho quando ele diz isso.
— O que? – pergunto sem acreditar.
Nunca falamos sobre nós termos filhos, mas Quentin sabe que é meu sonho ser mãe.
— Bem, eu pensei, por que não? Eu ainda sinto falta de Joseph em casa, ele só vai de vez
em quando, não o vejo com a frequência que gostaria – ele reclama, nunca se recuperou da
partida do neto —, a casa está vazia. Então, se quiser voltar a morar em Chicago na minha casa,
seria ótimo...
Ele bebe um gole do vinho.
— Assim, teria a sua companhia – ele se inclina para frente e sorri para mim, aquecendo
todo o meu corpo —, e poderíamos começar a treinar a possibilidade de ter um bebê em casa...
Dou um grito de felicidade e me levanto correndo para ele e montando em seu colo. Ele ri
da situação ao me ver feliz.
— Não acredito que faria isso por mim – digo feliz e lhe dou um beijo na boca, rápido.
— Faço por nós – ele acaricia meu rosto —, sei que é seu sonho ser mãe e não vou privá-
la disso.
— Ah, Quentin... – lembro de outra coisa —, encontrou com Robert na exposição?
— Encontrei, ele vai voltar comigo para Chicago amanhã – conto —, para ver Joseph...
— Estou orgulhosa dele, está se tornando um belo pai – elogio.
— Ele teve a quem puxar...
Dou uma risada alta.
— Há pouco mais de seis meses, você estava pronto para comer o rim dele. – brinco.
— E eu também queria sua cabeça – ele recorda —, então, digamos que eu não estava
numa boa fase.
— Na verdade, você estava relutante...
— Relutante?
— Sim, em aceitar o meu amor... – eu me esfrego em sua calça e ele respira pesado por
entre os dentes.
— Sua provocadora – sua mão grande aperta a minha cintura.
Eu rebolo mais uma vez e vejo a cor dos olhos dele mudarem do verde para o escuro de
uma tempestade de prazer.
— E agora? – roço meus lábios nos seus —, o que você sente quando está comigo?
— Além de amor?
— Sim – ofego quando sinto o pau duro debaixo de mim.
— Um desejo tão intenso que me faz querer gozar nessa sua boquinha mágica – ele se
move também e ergue os quadris, acariciando meu clitóris que esfrego contra o tecido da sua
calça.
A mão atrevida invade as minhas saias e ele aperta com força.
— Sabe que vou te comer de quatro sobre essa mesa, não é? – ele ameaça de um jeito tão
sexy e gostoso que beijo sua boca e mordo seu lábio inferior.
— Você sabe como fazer uma mulher se sentir desejada, não é? – a boca dele desce até o
meu pescoço.
Adoro quando ele faz isso.
— Uma mulher não, querida, você, eu só sei fazer isso com você...
Dou uma risada antes dele agarrar meu cabelo e me silenciar com um beijo erótico que
me faz perder qualquer raciocínio lógico.
EPÍLOGO

6 anos depois

Estamos reunidos na casa de campo em Nova Orleans. É a primeira vez que a família
toda se reúne em anos. Quincy não é mais presidente, ele apoiou o candidato do seu partido e
decidiu não se reeleger, embora ele tivesse chance de ganhar, sua popularidade é enorme. Ele
veio com Zoya, sua filha de doze anos que já está com Leonard, o filho de Quinn, agora com
treze anos. Eles estão na sala jogando vídeo game e gritando um com o outro.
Tym e Kayle assumiram o relacionamento depois de tanto brigarem. Descobriram que
podiam ser mais que amigos e moram e trabalham em Londres. Robert voltou para Chicago, está
trabalhando comigo no banco e na semana passada, ele e Sydney reataram. Meu neto, Joseph
está com seis anos, e no momento brincando com meu filho, Thomas de cinco anos e o pequeno
Stephan, de seis anos, filho de Savana e Quincy. Eles jogam bola no jardim e correm de um lado
para o outro gastando energia.
Reverti a vasectomia assim que Abby e eu assumimos o relacionamento. E quando ela
terminou o curso em Nova Iorque e retornou para Chicago, decidimos que ficaria grávida e
Thomas veio. E em seguida, Prudence, que está com dois anos.
— Mas você está linda, Savana – escuto a voz de Aretuza vindo da varanda onde as
mulheres estão reunidas conversando.
— Deve ser porque estou grávida de novo.
— De novo? – ouço as vozes entusiasmadas e elas riem a parabenizando.
Quincy já havia me contado. Eles vão ter mais um bebê.
Caminho pelo gramado e subo no deque. Não vínhamos aqui há quarenta e três anos,
desde a morte de Quintus. Essa casa ficou fechada por muito tempo, até que Aretuza convenceu
Quinn a reabri-la e fazer os encontros da família. E tem dado certo nos últimos anos.
Organizamos nossas agendas, só para curtir uma semana de família Hastings.
A madeira range e olho para trás, tanto Quinn quanto Quincy se aproximam. Cada um
para de um lado e olhamos para aquele lago que durante muito tempo representou nossa
maldição. A perda de Quintus foi irreparável. Sempre será.
— O que acha que ele teria sido se estivesse vivo? – Quinn questiona.
— Ele teria sido o presidente – Quincy sorri.
— Talvez, não tivesse sido nada – eu digo —, ele fosse o rebelde.
Sorrimos um para o outro.
— Ele faz falta – Quinn garante.
— Sempre vai fazer, ele é parte de nós...
Nós nos abraçamos e olhamos para o lago mais uma vez. Nada o traria de volta, mas ele
sempre estaria conosco. Nosso Quintus.
— Quentin! – a voz de Abby soa atrás de mim.
Eu me afasto dos meus irmãos e me volto para a minha amada esposa.
— Você prometeu que faria a casa na árvore, é melhor começar – ela me avisa e aponta
para três meninos esperando.
— Acredito que temos muito trabalho pela frente...
— Eu vou ajudar – Tym avisa e vem para perto de nós, nos encontrando no fim do deque.
— Robert também vai – Sydney o obriga e ele faz uma careta de desgosto.
Então, em pouco tempo, arregaçamos as mangas e os homens da família Hastings
começam a trabalhar na casa da árvore.
No meio do trabalho, quando estou cerrando a lenha, Abby se aproxima e me dá um copo
com suco. Agradeço e tomo. Ela sorri de volta e me sinto em paz de novo. É isso que ela faz
comigo, me traz paz.
— Amo você – não canso de dizer.
— Também amo você...
Ela é uma escultora renomada. Já vendeu peças na Europa e Ásia. Chegou onde o pai não
conseguiu chegar. Tenho orgulho dela e de quem é. Thomas corre para nos abraçar e ele acaba
sendo agarrado por Robert e grita de felicidade.
— Solte o menino antes que o derrube, Bob! – Abby o repreende.
Se tem algo que a morte de Quintus nos ensinou foi que família é tudo e eu amo a minha
família sempre. Somos os Hastings e nada pode nos separar.
Flávia Padula é mineira e formada em jornalismo, paixão que deixou de lado por muito tempo
para cuidar dos filhos e da família. Escreveu o primeiro livro aos 12 anos, e continuou sua
trajetória com publicações acadêmicas, artigos de filosofia e relacionamentos em blogs
especializados. O primeiro romance publicado em e-book veio apenas em 2015, com o livro O
Duque que foi abraçado pelos leitores e tornou-se Best Seller pela Amazon Brasil. Hoje, Flávia
tem mais de 140 trabalhos publicados, entre romances, novelas e contos. É uma leitora ávida, e
não tem preferências, lê de tudo e acredita na diversidade da literatura.

[1]
TOC Transtorno Obsessivo Compulsivo, é uma doença e não uma simples mania.

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