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livro 3
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eletrônicos, ou mecânicos, sem a prévia autorização por escrito do autor, exceto nos casos
de breves citações incluídas em revisões, críticas e alguns outros usos não comerciais
permitidos pela lei de direitos autorais. Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens,
lugares, eventos e incidentes são, ou produtos da imaginação do autor, ou usados de forma
fictícia.
Adquirir esse livro, mesmo que de forma gratuita, fora dos meios oficiais de venda é crime.
Todos os direitos estão protegidos conforme a Lei Nº 9.610/98, art. 184 do Código Penal.
Para quem já sentiu aquele ódio inexplicável por um gostoso irritante e descobriu
depois que era tesão: A Nora também.
Índice
Página do título
Direitos autorais
Dedicatória
Atenção!
Gatilhos!
Folha de rosto
Spotify
Nota da autora
Anteriormente em stidda
1 - Daniele
2 - Eleonora
3 - Dani
4 -Nora
5 - Dani
6 - Nora
7 - Nora
8 - Dani
9 - Dani
10 - Nora
11 - Dani
12 - Dani
13 - Nora
14 - Dani
15 - Nora
16 - Dani
17 - Nora
18 - Nora
19 - Dani
20 - Dani
21 - Nora
22 - Nora
23 - Dani
24 - Nora
25 - Nora
26 - Dani
27 - Nora
28 - Nora
29 - Dani
30 - Nora
Arte da cena
31 - Dani
32 - Nora
33 - Dani
34 - Dani
35 - Nora
Epílogo - Nora
Agradecimentos
Sobre a autora
Stidda
Livros deste autor
Atenção!
Livro 1: O Capo
Livro 1.5: O Capo e a Rainha (um conto)
Livro 2: O Executor
Livro 3: O Consigliere
Livro 4: O Subchefe (2024)
Gatilhos!
Mais um livro da Stidda pronto para vocês e nem preciso falar sobre os
gatilhos, né?
Esse é um livro de máfia, então tem alguns gatilhos: tem morte,
violência, tem sangue… Tem sexo explícito… não é recomendado para
menores de 18 anos.
Eu tentei fazer a Nora e o Dani um enemies to lovers, mas eles se
amavam demais… então vamos de antipatia para amor? Tudo bem?
Bom, sobre o sexo… como em todos os meus livros, esse é um livro
HOT, mas é ficção, então sempre, SEMPRE, procure um médico da sua
confiança, sempre estudo, sempre use camisinha mesmo com parceiros
conhecidos e se cuide! Sua saúde é muito importante. (O SUS da camisinha
de graça! Se cuide!). Uma outra coisa… Dani gosta de um sexo mais
pesado. Não chega a ser BDSM porque ele não é parte da cultura ou da
comunidade, ele só gosta de umas coisas mais fortes mesmo. Se você se
interessar, pesquise sobre o assunto (indico muito o livro da Fernanda
Santana - Contrato Indecente que é mais sobre os praticantes) e saiba que
você tem todos os direitos e opções. O BDSM depende muito da
cumplicidade entre os parceiros e confiança extrema, não se esqueça disso!
E lembre-se mais uma vez: esse é um livro de ficção.
Na máfia não existe terapia. Eu sei que quem assistiu “Os Sopranos”
deve estar rindo de mim agora, mas você consegue mesmo imaginar os
Ricci sentados e falando sobre o que sentem e o que fizeram? Por isso,
tenham paciência com os traumas deles, com o trauma da Nora mesmo ela
sendo médica. O que parece fácil para nós pode ser extremamente difícil
para eles, então não julgue. Nem eles, nem ninguém.
Tento pesquisar ao máximo, porque um bom autor sempre faz
pesquisa, mas algumas coisas não funcionam na ficção. Usem a
imaginação, por favor (marialovers da área da saúde, tô falando com
vocês!)
Espero que gostem de Nora e Dani tanto quanto eu gostei!
Até a próxima,
Maria
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Anteriormente em stidda
Vamos recapitular?
Em Stidda - O Capo (livro 1) começamos nossa história da máfia
Stidda e conhecemos também a sua rival, Catania. Teo é o futuro Capo da
Stidda e é apaixonado por Cate, a princesa da Catania. Depois que o pai
dela é morto e Teo é afastado, os nossos pombinhos são separados por 10
anos. Teo fica determinado em encontrar Cate, e quando isso finalmente
acontece, ele descobre que ela foi muito maltratada. Só que Teo esconde um
segredo, e Cate está correndo perigo porque existe um traidor na Stidda e
um na Catania.
Em Stidda - O Capo e a Rainha (livro 1.5) temos um pequeno conto
de dez capítulos em que voltamos a mergulhar na história de Teo e Cate, em
sua dificuldade para engravidar e todas as consequências do traidor da
Stidda e do traidor da Catania, além de todo o plano de Teo para dominar a
La Santa e a Catania, eliminando-as de vez.
Em Stidda - O Executor (livro 2) acompanhamos Mau, o Executor e
irmão mais novo do Capo quando ele ajuda Maddalena, a filha perfeita do
Capo da La Santa prometida em casamento para um cara nojento de um
cartel mexicano. Lena foge e Mau está no lugar certo, na hora certa, mas a
única maneira de protegê-la é um casamento de conveniência que nenhum
dos dois quer…
E é aí que começa nossa história, porque a família de Lena arma um
sequestro para recuperá-la, mas quem sofre a consequência é outra
pessoa…
É extremamente recomendado que se leia os livros anteriores,
porque começamos esse livro no capítulo 29 do livro dois, e até a
metade dele é simultânea.
Espero que gostem.
1 - Daniele
(Dia do ataque da La Santa, cena logo antes da emboscada, no fim do capítulo 29 do Livro 2 - O
Executor)
— Acho que isso significa que Lena vai ficar — Teo brincou,
observando ela correr até a Cate.
Não conseguimos ver direito Cate, Gigi e Nora daqui, mesmo com
Lena correndo até elas. Dava para diferenciar elas entre os turistas
animados em direção ao Central Park, principalmente por conta do cabelo
vermelho de Gigi, brilhando à distância.
— Vamos, deixe-as — Mau pediu, dando as costas para a vista e
fechando a porta de entrada.
— Você está melhor? — perguntei, segurando o seu ombro enquanto
caminhávamos para o escritório de Teo.
Meu priminho parecia cansado e destruído. Ele estava definitivamente
com olheiras e com os olhos avermelhados. Os cabelos completamente
bagunçados e as roupas amassadas. Eu sabia que ele ficou aqui embaixo, no
escritório, quando voltamos do armazém. Descontar a sua raiva e frustração
nos homens que tentaram tocar e drogar Cate e Lena não ajudou a remendar
o coração partido do meu primo. Ou o medo que ele tinha de perder a Lena.
Eu conseguia ver esse medo nos seus olhos, brilhando, e era muito
estranho. Quando éramos adolescentes, e Mau era criança, ele tinha um
constante olhar de terror quando algo acontecia. Quando ele começou a
treinar com o Gaspare, Mau perdeu esse olhar. Essa inocência. Isso sumia
mesmo, com os treinamentos, com a primeira morte. Principalmente
quando ele começou a aprender a ser o Executor. Métodos de tortura,
maneiras de fazer as pessoas falarem, de trazer medo, de criar uma
atmosfera de medo. E eu sabia porque meu tio me treinou para ser seu
Executor.
Eu não deveria ser o Consigliere, eu não servia para isso.
Mas o medo no olhar do meu primo era completamente diferente de
tudo o que já vi: Mau estava com medo de perder Lena, logo agora que ele
estava aprendendo a amá-la, que estava descobrindo que ele conseguia ser
feliz e ainda fazer o que fazia. Que ele merecia.
Ela teve um surto de ciúmes porque estava descobrindo as mesmas
coisas. Os dois eram jovens, e eu estava bem confiante de que se
resolveriam logo. Lena não parecia ser o tipo de garota que desistia fácil,
sua fuga do noivo que o pai arrumou para ela, o fato dela ter abandonado a
La Santa e feito de tudo para sobreviver, além de querer cada dia mais
participar dessa família, me dizia isso. E Mau definitivamente não desistia:
ele fez de tudo para proteger sua esposa, mesmo quando esse casamento era
falso.
— Estou mais calmo… Menos desesperado. Eu só não quero… —
Mau suspirou esfregando o rosto com as mãos e segurando lá por um
momento, apertando os seus olhos. — Eu não quero que ela me odeie. Que
odeie essa vida… Eu sei que você disse que eu posso ir embora com ela, e
eu considerei, Teo, porque eu faria de tudo para ver Lena feliz, mas… Eu
amo vocês também. Essa família. Nosso legado.
— Eu sei, fratello. — Teo apertou o ombro de Mau e me lançou um
olhar tranquilo. — Dani também sabe. Cate sabe… E Lena vai descobrir.
Vocês só precisam esclarecer tudo e…
— Tiros nas redondezas — Luca anunciou, entrando no escritório sem
cerimônia. Normalmente ele batia, mas… — A Sra. Maddalena entrou na
garagem e saiu com o seu carro. — Ele olhou para o Maurizio e
imediatamente seguimos para o porão, passando por ele. — Os soldados
estão saindo aos montes da academia Stidda.
Do momento em que disse a palavra tiros, Luca nos colocou em um
estado quase instintivo. Nossos corpos estavam tensos e se moviam no
automático. Não precisávamos nos comunicar para entender exatamente o
que fazer, então não foi surpresa nenhuma quando nós três acabamos indo
em direção ao quarto do pânico.
— Cazzo! — Teo xingou, enquanto pegávamos munições. — Para
onde eles estão indo? Por que Lena pegou o carro?
— Eu não sei, senhor — Luca respondeu e Teo balançou a cabeça.
— Cate está lá fora, mas comece o protocolo assim que sairmos.
— Sim, Capo — Luca deu as costas e subiu correndo as escadas.
— Lena, o que foi? — A voz de Mau ecoou e percebemos que ele
estava no telefone, seus olhos arregalados e o peito subindo e descendo,
provavelmente pela ansiedade.
— “Eles pegaram Gigi, os homens do meu pai e Livio. Foi uma
emboscada! Angelo foi atingido!” — A voz de Lena tremeu e eu conseguia
sentir o ódio pulsando do meu primo, quase como uma coisa física e real.
Teo e eu agarramos toda e qualquer arma que estava na nossa frente,
sem prestar atenção no que era, apenas colocando nas malas de transporte e
correndo para a garagem, com Mau. A sincronia entre nós era invejável,
mas necessária. Nossa concentração agora estava completamente focada em
recuperar Gigi. Eu não conseguia nem descrever todo o meu ódio por
Marchetti e seus capangas de merda, e tudo o que eu faria com eles assim
que colocasse minhas mãos naqueles mafankuli.
— “Eles estão em casa.” — A voz de Cate soou, provavelmente
explicando para Lena e Teo soltou um suspiro aliviado, parando por um
momento e fechando os olhos.
— Você está bem, Regina mia? — Mau e Teo seguiram para um dos
carros de Mau, o que estava mais próximo da entrada para o corredor e meu
Capo me lançou um olhar cheio de autoridade. — Vá à frente, Dani, já
encontrei a localização delas.
Tirei meu celular, abrindo a localização compartilhada que Teo me
enviou e vi um pontinho se movendo pela tela, em direção ao oeste. Subi
correndo na minha moto, batendo a mão no coldre do meu peito, por baixo
do terno. Dei a partida, ligando para o celular de Lena e cerrando os dentes
quando alguém me conectou com a ligação. Eu precisava chegar até elas e...
— “Nora está na frente, Dani, de moto.” — A declaração de Cate fez
o meu cérebro parar por um momento, tentando assimilar o que ela acabou
de me dizer.
Que Nora estava sozinha.
Seguindo os homens da La Santa que falharam em uma porra de um
sequestro e que provavelmente estavam desesperados e irritados.
Que cometeriam erros.
— Porca puttana! — xinguei, incapaz de me controlar e acelerei a
moto ao máximo, sem me importar com mais nada.
Meu coração batia descontrolado no peito, desesperado, porque ela não
sabia o que estava fazendo e onde estava se metendo, cazzo. Teimosa
inconsequente do caralho. Nora nunca participou de um ataque, de uma
missão, ela poderia ser uma lutadora incrível, mas isso era diferente. Isso
era perigoso e eu não deixaria ela correr perigo. Cortei na contramão,
pegando a 79th Street e acelerei o máximo que pude, desviando de carros,
desviando de outras motos, meu olhar se movendo do pontinho correndo do
mapa no meu celular para os carros no caminho.
— “Estou seguindo eles, sempre a dois carros de distância. Como
você me ensinou” — Lena explicou para o marido, com a voz baixa e um
pouco amedrontada.
— “Brava, diavolina” — Mau respondeu, com delicadeza e escutei
um pequeno suspiro que imaginei ser de Lena. — “Estamos a caminho,
Dani já saiu e logo deve alcançar vocês”.
Localizei o DBS Superleggera de Mau, mas passei por elas,
acelerando, meus olhos completamente focados em Nora e na sua moto
vermelha. Eu estava com a minha favorita Ducati Panigale V4 R vermelha,
que era muito melhor do que a sua usada 2017 Kawasaki Z650, portanto, eu
a alcancei com uma facilidade incrível. Ela estava com o seu capacete
escuro e eu não conseguia ver nada do seu rosto, assim como ela não
conseguia ver o meu devido ao capacete. Gesticulei com as mãos para ela
parar e se afastar, apontando com o dedão pelo meu ombro em um claro
sinal para ela sair dali. Tudo o que aquela teimosa irritante fez foi balançar a
cabeça e se inclinar mais sobre a moto, como se estivesse preparada para
acelerar ao máximo.
Lancei um olhar para a van escura à nossa frente. Nora deixou um
carro de distância, mas tudo bem, porque ela estava com capacete e
ninguém a reconheceria. Lancei mais um olhar para ela e ela me ignorou,
mantendo a cabeça virada para a van, focada. Determinada. Destemida. Eu
não sabia o que me consumia mais: a vontade de fodê-la pela sua
determinação, ou a vontade de dar umas palmadas na sua bunda pela sua
audácia.
— Leonessa testarda — murmurei, emparelhando ao seu lado,
deixando minha moto ficar com a mesma velocidade que a dela,
acompanhando seu ritmo.
— “Lena, pode parar agora. Vamos seguir, Dani e...”
— “É a minha prima que está ali, Maurizio e eu vou salvá-la. Mesmo
que você me odeie, ciccino, eu vou defender a nossa família.”
Uma onda de orgulho me atingiu quando ouvi Lena declarar que ia
defender nossa família. Quando ela chegou, estávamos céticos. Se o pai
dela não tivesse armado uma emboscada logo no primeiro dia, se ela não
parecesse derrotada e arrasada quando percebeu que não ia fugir, eu teria
considerado ser um plano para infiltrá-la na nossa casa. Na nossa famiglia.
Mas eu vi no seu olhar o seu medo, seu desespero para fugir. E vi os olhares
que ela lançava para o Mau e ele para ela. Vi eles se aproximando, vi ela se
soltando, parando de agir de maneira tão rígida. Se transformando em uma
jovem determinada e segura. E que estava pronta para defender nossa
família. Eu sabia que um pouco do medo de Mau, de perdê-la, acabou de
diminuir significativamente.
— “Eu não te odeio, cara mia, longe disso.” — A voz de Mau saiu
suave, delicada.
— “Só vou dizer o que sinto quando Giorgia estiver segura.”
— “Fechado, vamos resgatar ela”.
Em sincronia com Nora, naveguei pelo caminho, sempre mantendo
uma distância segura da van que levava Gigi. Os cagacazzi não teriam
coragem de atravessar para o território da La Santa, principalmente porque
o plano deles não deu certo. Eu sabia que Teo mandou alguns soldados nas
fronteiras ficarem alerta e interceptarem qualquer veículo suspeito.
Provavelmente alertou alguns dos nossos infiltrados na polícia para
procurarem pelas câmeras.
Como suspeitei, a van parou quase no fim do nosso território, próximo
da Baía de Newark. Obviamente a estratégia será sugerir uma troca: Lena
pela Gigi.
Nora me seguiu, estacionando a alguns galpões de distância, mas com
uma visão boa do lugar. Era um armazém vazio, como os que usávamos
várias vezes para guardar nossas mercadorias ou… resolver problemas. E se
eles tinham um aqui, é porque usavam sempre. Eles não invadiriam um
lugar sem ter a certeza de que estava vazio e desocupado, não em um
momento assim, durante uma tentativa de sequestro.
Ela tirou o capacete e me acompanhou, se escondendo atrás de alguns
contêineres de metal. Olhei feio para ela, mas ela me ignorou, os olhos no
prédio à frente. Alguns carros chegaram na direção oposta da qual viemos,
alguns homens descendo rapidamente. Provavelmente reforços alertados de
que o plano original de pegar Lena não deu certo. Contei uma boa
quantidade de homens descendo, largando os carros sem a menor
preocupação.
— Isso é bom, não é? — Nora sussurrou, ainda observando os carros e
os homens da La Santa chegando e entrando no armazém.
— Sim — concordei, meus olhos nela, quando deveriam estar no
galpão. — Eles não perceberam que você os seguiu.
Ela me lançou um olhar desafiador, querendo dizer que estava certa em
fazê-lo. Em ser irresponsável e subir em uma porcaria de uma moto para
seguir homens da La Santa. Uma raiva que só ela conseguia despertar
começou a crescer em mim e ela percebeu o meu olhar mudando, porque
empinou o queixo e estreitou os olhos. Me provocando, me desafiando a
dizer algo.
Um carro parou ao lado de nossas motos e Cate e Lena desceram,
correndo rapidamente em nossa direção. Lena estava com a blusa rasgada e
os braços com alguns hematomas e Cate estava com a boca sangrando. Abri
a boca, mas elas me ignoraram, dizendo ao mesmo tempo:
— Estou bem.
Resmunguei um xingamento e ganhei um olhar feio de Cate, mas ela
não disse mais nada porque outros carros chegaram, dos nossos soldados
que vieram da academia da Stidda e não demorou muito para Mau
estacionar de qualquer jeito ali. Teo nem esperou o irmão parar quando
pulou do carro e veio correndo na direção de Cate. E Lena também não
pareceu esperar o marido descer quando foi até ele.
— Dio mio, Cate, eu juro, você vai me matar do coração. — Ele tomou
o rosto da esposa nas mãos e uma fúria implacável consumiu o seu rosto
quando ele viu o seu lábio machucado. Nora ficou tensa ao meu lado
quando eu entrei na frente do meu primo e empurrei ele pelo peito, sem
cerimônia.
— Calmati — ordenei, e encarei aquela raiva sem comedimentos em
seus olhos. Teo parecia prestes a passar por cima de mim, pronto para
destruir o mundo pela sua rainha.
— Teo, calma! — Cate pediu, enquanto eu segurava ele pela camisa,
meu corpo sendo uma barreira física e impedindo ele de entrar por aquelas
portas de correr e massacrar todo mundo lá dentro, sozinho.
— Calma? Você está sangrando — ele praticamente urrou de ódio e eu
balancei a cabeça.
— Vamos cuidar deles, mas com calma, coglione. — Mantive a voz
baixa porque nossos soldados estavam começando a se reunir à nossa volta.
Meu primo não era um típico Capo, que não respeitava a opinião do
seu Consigliere. Eu era um conselheiro, uma pessoa que ajudava, o cérebro,
mas a decisão era do Teo. Só que ele me respeitava demais. Ele levava a
sério minha opinião. Da Cate. Até da Lena agora que ela era parte da nossa
famiglia. Meu primo não deixava o seu ego ou a sensação de poder
atrapalhar suas decisões. Se nossas ideias eram melhores do que as dele, ele
ouvia. Contudo, contrariá-lo em público não parecia ser uma boa ideia e
poderia ser um tiro pela culatra se alguém pensasse que Teo não tinha tanto
poder. Então eu mantive minha voz baixa e calma, e meu olhar colado no
do meu primo.
Teo respirou fundo algumas vezes, tentando controlar o seu
temperamento e finalmente se acalmou. Soltei sua camisa, deixando ele
abraçar Cate pela cintura e puxá-la para si. Nora, que estava tensa ao meu
lado, respirou fundo e voltou seu olhar para o galpão. Gaspare e a equipe de
Mau se aproximaram, enquanto ele ainda conversava com Lena, os dois
provavelmente tentando se entender.
— Um soldado levou seu irmão para a clínica nova que estamos
abrindo no Harlem — Gaspare disse, com uma voz mais calma e menos
seca do que normalmente era, olhando diretamente para Nora.
Ela observou o Executor-chefe por um momento e deu um sorriso
agradecido de lábios fechados, provavelmente preocupada demais para
qualquer outra coisa. Mau e Lena se juntaram a nós e nossos soldados, que
esperavam as ordens.
— Outros homens chegaram logo depois que a van entrou, então tenho
certeza que tem mais gente lá dentro do que imaginamos — Nora relatou
para o meu primo, olhando para o prédio à nossa frente.
— Eles podem fazer algo com Gigi assim que avançarmos pela porta
da frente... — Meus olhos também foram para o galpão. Eu não precisei
dizer para ninguém ali que eles esperavam usar Gigi como moeda de troca,
porque todos os soldados ali sabiam. E sabiam que assim que anunciarmos
nossa presença, Gigi morreria.
— O elemento surpresa é bom, então temos essa vantagem — Mau
falou, pensativo.
— O que está pensando? — Cate perguntou e voltamos nosso olhar
para ele. Mau era bom no que fazia, era bom em pensar em saídas, em
pensar em ataques, calcular rapidamente rotas.
— Geralmente esses prédios têm uma saída lateral. Uma porta menor,
por onde é possível entrar sem levantar toda essa porta da frente. E pela
posição... eu diria que existe outra saída por trás, para as águas.
— Eles fingiram uma emboscada na frente e depois nos atacaram por
trás — Lena falou, baixinho, e Mau deu um sorriso orgulhoso para ela, seu
rosto se iluminando com a ideia que se formava em sua mente.
— Bem pensado, cara mia. Vamos usar a tática deles. Vamos atacar
pela frente, como se fosse o plano original, mas, na verdade, estaremos
divididos. Um grupo ataca por trás, logo após começarmos pela frente... E
alguns poucos entram escondidos pela lateral para resgatar Gigi.
— Eu vou — Nora falou, olhando com raiva para o local. — Sou
pequena, sou rápida e sei me defender.
Raiva e incredulidade tomaram conta do meu corpo. Será que ela tinha
perdido a porra da cabeça? Que cazzo ela estava pensando? Que eu a
deixaria se aventurar em uma porcaria de um galpão cheio de Santos
sozinha?
— Então eu vou com você. Não perca seu tempo discutindo comigo.
— Meu olhar para ela era duro e sem margens para protestos.
Nora virou os olhos para mim e sua boca se abriu um pouco, surpresa.
Cruzei os meus braços e a ignorei completamente, voltando os olhos para
Teo, esperando a ordem dele. Eu conseguia sentir sua fúria e choque
queimando minha pele. Seu olhar me deixava em chamas, mesmo que eu
não a encarasse. Teo observou Cate ao lado dele, e depois olhou para Lena.
— Elas vão junto — ele declarou e eu não contive o meu choque.
Será que todo mundo estava completamente maluco hoje? Eu era a
única pessoa sensata aqui?
— O quê? — Mau e eu falamos ao mesmo tempo, indignados.
— Você enlouqueceu? — Mau completou e alguns soldados
resmungaram em choque pela audácia dele de não acatar uma ordem direta
do seu Capo. — Lena só tem dois meses de treinamento e Cate, apesar de
ter quase sete meses de treino e atirar muito bem, ainda não tem experiência
para uma operação assim.
— Lena e Cate vão armadas, com Dani e você. Christian e Vincenzo
podem acompanhar. Giorgia vai estar com medo, acuada, não vai confiar
em nossos homens, mesmo que eles tentem ajudar. Elas não vão estar no
foco do ataque, não vão precisar de muita experiência. Cate pode dar
cobertura atirando, e Lena só precisa assegurar Gigi de que tudo está bem
— Teo explicou e Christian concordou com a cabeça, assim como
Vincenzo.
— Vou ficar do lado de fora da porta. Esperando caso precisem de
apoio — Gaspare assegurou a Cate e Lena e elas sorriram para ele, que
correspondeu com um dos seus raros sorrisos. Ele se virou para dois
soldados ao seu lado e a máscara fria voltou ao seu rosto. — Vocês vêm
comigo.
— Sim, senhor.
— Assim que ouvirem os tiros pela parte de trás, entrem e peguem
Giorgia. Saiam o mais rápido possível. Nora e Dani vão guiar — Teo falou
para Cate e ergueu a mão, segurando o rosto da esposa.
— Você sabe o que fazer, diavolina. Vamos defender nossa famiglia.
— Mau sorriu para Lena enquanto entregava a arma do seu coldre para ela,
mas eu ainda estava completamente indignado. Com Nora. Com Teo. Com
a falta de organização deste plano.
Empurrei Nora para frente com um toque da minha mão na base da sua
coluna. Pelo menos ela não empurrou minha mão ou tentou fugir. Apenas
caminhou até um dos carros em que nossos soldados se armavam. Nossos
homens se dividiam em grupos como Teo ordenou, enquanto eu tirava meu
terno e começava a abrir a minha camisa, enrolando as mangas para
conseguir me movimentar melhor. Não era a roupa ideal para lutar ou ter
uma boa mobilidade, mas paciência.
Coloquei um coldre melhor no peito e peguei uma arma com mais
calibre, porque não precisava de tanta precisão. Nora parou ao meu lado e
respirou fundo, atraindo meu olhar. Não existia um traço de medo em suas
feições, mas um pouco de resignação. Um toque de tristeza, como se isso
trouxesse à tona alguma memória dolorida para ela. Teo e Mau prenderam
os coldres no corpo de Cate e Lena, ajustando apertado em suas formas,
facilitando o acesso delas às armas.
— Você pode me ajudar? — A voz de Nora normalmente prática e
delicada parecia um pouco fria e sem emoção agora.
Concordei com a cabeça e comecei a prender o coldre em seu torso,
puxando com força as tiras de couro, amarrando ao máximo contra o seu
corpo malhado e perfeito. Evitei as imagens e desejos que amarrar ela assim
trazia, suprimindo toda a vontade que eu sempre tinha de beijá-la até ela
perder a porra dos sentidos e se submeter a mim, sem lutar, sem brigar
comigo.
Entreguei a ela algumas armas como a minha, mais poderosas, menos
precisas. Nora também não parecia ser o tipo de pessoa que dependia
somente da sua arma. Ela me disse que sabia atirar, que seu maldito noivo a
ensinou, porém, eu não sabia a extensão da sua habilidade. Já tinha visto
alguns vídeos antigos dela lutando, além de ver como ela ensinava Cate e
atacava, e ela era uma boa lutadora. Incrível. E tinha uma agilidade que me
dizia que ela preferia contatos diretos, usando seu peso e altura como
vantagem.
— Dani e Nora na frente — Mau ordenou, enquanto terminávamos de
colocar as armas e munições em nossos coldres. — Eles são mais
agressivos e melhores em combate corpo a corpo. Cate e eu ficamos no
meio, dando cobertura para eles, somos os melhores atiradores, então
podemos ficar em posições estratégicas e apenas atirar. Lena com Vincenzo
e Christian fecham a procissão. Os dois vão garantir a sua segurança, Lena,
então você vai estar livre para pegar Giorgia, certo?
— Pode deixar — Lena concordou.
Ela tinha evoluído muito em nossos treinos, mas ainda não tinha os
meses de prática como Cate, ou todos os anos de experiência nos ringues de
luta como Nora. A médica não lutava oficialmente há alguns anos, mas eu
sabia da sua dedicação, eu via em cada treino que ela pegava pesado, ou
quando Cate não se juntava a nós e Nora aceitava meus toques, minhas
correções.
Ela era boa. Muito. Lena era dedicada, Cate tinha determinação, mas
Nora era naturalmente habilidosa na luta. Seu corpo fluía nos golpes, nos
movimentos. Ela tinha o olhar e a perspicácia de desviar, tinha o talento de
antecipar os golpes, descobrir as artimanhas. Ela era verdadeiramente boa.
E as três ali ajudariam Gigi, caso ela estivesse completamente aterrorizada.
Cate e Lena se arriscariam por Gigi porque ela era parte de sua família.
Por mais que Lena tenha tido um surto de ciúmes ontem à noite, e feito uma
merda, eu sabia o que Gigi, o que Cate, Mau e Teo significavam para ela.
Ela estava aqui, afinal. E Cate era parte dessa máfia, com orgulho, com uma
tatuagem que ela usava sem vergonha, empunhando a representação de que
ela era a verdadeira metade de Teo em nosso mundo.
Mas Nora estava fazendo isso pelo seu coração. Pelo seu senso de
justiça. O mesmo senso de justiça e empatia que fez ela encarar o seu Capo
nos olhos naquele consultório e dizer que não se importava com quem ele
era, ela acabaria com ele se as marcas em Cate tivessem vindo das suas
mãos.
Teo deu um beijo profundo em Cate e sussurrou algumas coisas para
ela antes de se afastar e começar a dar novas ordens para os soldados. Nora
e Cate seguiram ao meu lado, enquanto Mau puxava Lena pela mão. Eu
nem precisava olhar para trás para saber que Gaspare, Christian, Vincenzo e
os dois soldados que ele escolheu estavam nos seguindo.
Demos a volta por fora do pátio que levava ao galpão, pegando um
caminho mais escondido e longo, até localizarmos a porta lateral. Contive
um sorriso orgulhoso para Mau. Ele tinha razão e ele era muito bom no que
fazia. Sua sacada foi genial, principalmente porque era ao lado de outro
prédio e ninguém fugiria ali. Era a pior rota de saída, mesmo com as duas
equipes avançando e cercando as saídas principais. Puxei Nora pelo
cotovelo, abaixando atrás de um caixote enorme de madeira, para
esperarmos o sinal do Teo.
— Não pense. Não hesite. Você sabe exatamente o que fazer e como
atacar. — Eu esperava a reprovação no seu olhar, ou ela falando que sabia o
que estava fazendo, mas primeiro Nora me olhou com surpresa, como se
não esperasse essas palavras de mim. Ela me encarou por um momento e
finalmente concordou com a cabeça, uma pequena preocupação brilhando
no seu olhar. — Deixe seu instinto dominar, Nora.
— Fique ao meu lado — ela sussurrou, tão baixo que eu quase pensei
ter imaginado.
— Sempre — prometi, não só porque queria deixá-la segura e calma.
Teo começou, atirando pela frente com o seu grupo. Começou a ecoar
o barulho de gritos surpresos, de tiros batendo no metal, na madeira; o caos
dos Santos gritando ordens e tentando sair do estupor da surpresa e revidar.
O corpo de Nora ficou tenso ao meu lado e me inclinei em sua direção,
deixando o meu ombro encostar no seu levemente. Ela respirou fundo e eu
a imitei, nossos corpos entrando lentamente em sincronia, nossas
respirações se tornando uma só. Foi bom termos passado todos esses meses
treinando juntos, lutando juntos, porque nossos corpos estavam em
conexão. Pelo menos nessa parte.
Novos tiros soaram e gritos mais próximos ao fundo começaram a
complementar a sinfonia do caos quando o outro grupo invadiu o galpão
pela saída traseira. Mais alguns segundos tensos se passaram, em que o som
do lado de dentro do armazém nos deixava mais ansiosos, mais nervosos.
— Agora — Mau ordenou.
E então Nora e eu começamos. Como se fôssemos um corpo só.
Nossos movimentos fluídos, sincronizados. Mais uma vez a lembrança de
que treinamos juntos por meses ecoou na minha mente. Próximos o
suficiente para nossos toques serem um indicativo sobre ir para à direita ou
para à esquerda. Eu sabia os pontos fracos do seu corpo, ela sabia os meus.
Ela sabia todas as minhas falhas e meus acertos. E eu sabia o mesmo sobre
ela. Nós dois tínhamos uma familiaridade de quem treinava junto de
verdade, confiando no parceiro, confiando nas suas fraquezas e nos seus
pontos fortes. Ela podia contar comigo e eu podia contar com ela, confiança
plena.
Eu não precisava olhar para trás também para saber que Mau e Cate
estavam no nosso enlaço, portanto, não me preocupei com isso. Eu também
confiava neles para manter nossa segurança. Gostaria muito de sair
atirando, sair destruindo todo e qualquer Santo ali, mas sabia que não podia,
não ainda, portanto mantive minha paciência enquanto desbravávamos o
interior do galpão. Ele era do mesmo modelo dos que usávamos também.
Aberto, sem muitas paredes, caixotes enormes de madeira e metal,
provavelmente porque era utilizado para guardar mercadorias. Bem
próximo do nosso território, e isso era preocupante. Mas era uma
preocupação futura. No momento, toda minha atenção era para recuperar
Gigi.
— Ali! — Nora avisou, mudando de rota rapidamente.
Gigi estava aos fundos, pelo menos longe de toda ação e da porta
traseira, ainda bem. Mas nada disso aplacou o ódio que voltou a me
consumir. Ela estava amarrada nas paredes, assim como fazíamos com os
inimigos que capturávamos. Sua cabeça pendia, desmaiada. Eu conseguia
ver suas roupas rasgadas, os cortes e hematomas na sua pele de porcelana,
um pouco de sangue escorrendo em seu rosto...
E a cena me distraiu o suficiente para tirar minha atenção do que
acontecia à minha volta. Cate atirou, finalmente revelando nossa posição,
mas foi necessário. Um homem surgiu de surpresa, quase atingindo Nora,
quase a derrubando e se não fosse por Cate e seu tiro fatal, ele teria
conseguido. Isso aumentou ainda mais a minha raiva, e quando nos
escondemos por um momento atrás de um maquinário velho, eu já estava
com um humor sanguinário.
— Você…
— Estou bem — Nora respondeu, me cortando, enquanto ajudava Mau
e Cate a repelir alguns homens que atiravam a esmo, tentando descobrir
precisamente a nossa localização. Até Lena estava atirando, com menos
precisão do que Cate e Mau, mas ainda assim ela acertou um homem,
provavelmente de forma fatal. Se ela percebeu que essa era uma de suas
primeiras mortes, não demonstrou. Seu rosto estava concentrado e feroz.
Estávamos perdendo tempo, percebi, quando eles começaram a se
reagrupar e cercar Gigi, em uma nova proteção. Ficou claro para eles que
essa era uma missão de resgate, e eles não a deixariam ir embora
facilmente. Pelo menos, não pensaram em eliminá-la primeiro.
— Mau, me dê cobertura! — pedi, saindo do meu esconderijo.
Notei Nora em meu enlaço, me seguindo, se movimentando no mesmo
ritmo que eu, ao meu lado, como uma unidade. Atiramos, com nossas armas
de maior calibre causando estragos onde as balas penetravam os corpos,
derrubando os homens com gritos e gemidos de dor. Com Mau e Cate sendo
nossa proteção, repelindo e impedindo que fôssemos atingidos.
Com um acordo tácito, sem qualquer palavra, devolvemos nossas
armas para os coldres e partimos para a luta corpo a corpo. Estávamos
próximos o suficiente para atingir Gigi caso errássemos, e eu
definitivamente não queria correr esse risco. Nora aparentemente
concordava comigo.
Nossa sincronia era incrível. Ela não hesitava, assim como eu. Então
nos movíamos com uma conexão absurda. Ela desviava de um golpe bem
na minha frente e eu já estava ali, meu punho se conectando com a cara do
atacante. Nossos corpos se tocavam constantemente, um roçar de dedos, de
braços, apenas avisando o outro da posição em que estávamos, deixando
nossos cérebros cientes dos nossos arredores para ninguém ser atingido sem
querer. Às vezes, tirávamos as armas dos nossos coldres, quando o atacante
estava longe o suficiente para nos acertar, mas Cate e Mau ainda nos davam
cobertura. E as coisas deveriam estar sob controle, porque Christian surgiu,
com Lena e Vincenzo, indo diretamente para a Gigi.
Nora e eu nos posicionamos como uma verdadeira barreira na frente de
Gigi e da equipe de resgate. Eu sabia que eles estavam tentando soltá-la o
mais rápido possível, mas nosso tempo estava acabando. Os Santos se
reagruparam, se escondendo atrás dos maquinários, tentando nos acertar.
Estávamos agora em desvantagem e basicamente expostos. Eu tentei não
me jogar na frente de Nora quando um tiro passou próximo demais para o
meu gosto. Ela me lançou um olhar preocupado e eu concordei com a
cabeça.
— Vamos, adesso! — ordenei, com firmeza, e segurei o braço de Nora,
puxando-a para mim.
Ela se deixou levar, apesar da tensão do seu corpo. Christian ergueu
Gigi nos braços, e Lena e Vincenzo o seguiram. Com o segurança da Cate,
formamos uma barreira, andando meio de lado, tentando usar a parede do
galpão como um escudo para nossas costas vulneráveis. Cate surgiu,
pequena e determinada, a arma em punho, se juntando a nós e fechando
nossa retaguarda. Minha arma estava firme na minha mão, mas minha
atenção estava dividida entre Cate e Nora, preocupado com elas, com as
balas que ainda tentavam nos atingir. Mau foi o último, aparecendo na
nossa frente e sendo a última barreira contra os Santos.
Os tiros inimigos estavam diminuindo, mas eu não tinha certeza se era
porque estávamos vencendo, ou se eles estavam nos enganando. Quando
atingimos a porta, eu me virei, dando as costas e fui até Christian,
praticamente arrancando Gigi dos seus braços. Ela ainda estava
desacordada, sua cabeça pendendo precariamente, seu corpo todo mole e
parecendo assustadoramente sem vida. Ela era tão pequena…
De perto, com ela contra o meu peito, eu conseguia ver todos os
machucados em seus braços, os cortes, o sangue escorrendo pela sua
têmpora direita. Um machucado feio aparecendo pela sua barriga quando a
sua blusa se ergueu levemente. Corri como pude, com ela no meu colo,
seguindo Lena, Cate e Nora. Eu nem prestei atenção se alguém ficou para
trás para cuidar daquela saída.
Nora abriu o porta-malas de um dos carros dos nossos homens,
entrando rapidamente e se ajoelhando ali. Eu coloquei Gigi com cuidado,
minha raiva voltando com toda força ao vê-la ali, desacordada, com as
mãos de Nora correndo pelo seu corpo, apertando levemente os dedos em
seu pescoço, sentindo seus batimentos. Ela ergueu aqueles lindos olhos
azuis para mim, cheios de preocupação, mas fez um pequeno aceno com a
cabeça. Viva, ainda bem.
— Vamos, precisamos levá-la para a clínica — Nora pediu, e Cate
subiu com ela, na parte de trás.
Mau olhou para mim, um pouco confuso e dividido, pensando qual
decisão tomar, mas não foi preciso.
— Eu dirijo, vão ajudar o Teo — Lena pediu.
Batemos o porta-malas e ela não perdeu um segundo, disparando com
rapidez pelo pátio, o motor rugindo com a força.
— Vamos — chamei, quando o carro sumiu de vista, com medo do que
encontraríamos na parte da frente.
Corremos até o galpão novamente, dando a volta e indo para a enorme
porta de correr pesada, agora escancarada. Sangue e armas, munições
vazias, tudo isso espalhado pelo chão. Alguns corpos caídos ali, os grupos
diminuindo cada vez mais, assim como os ecos das balas. Me separei de
Mau, quando ele foi para a direita, localizando Eddo e ficando ao seu lado.
Me aventurei um pouco mais para dentro do galpão, pulando alguns corpos,
meus sapatos espalhando mais do sangue que escorria pelo chão de
concreto.
Avistei uma cabeça de cabelos enrolados e corri, atirando
esporadicamente até me abaixar ao lado do meu primo. Ele estava sujo,
assim como eu, e a camisa rasgada. Mas seus olhos estavam furiosos e
destemidos. Ele atirava com precisão, levantando na hora certa. Um único
tiro foi próximo o suficiente para quase passar raspando em seu ombro e eu
me levantei, eliminando o atirador com um disparo certeiro no meio do seu
pescoço. O sangue explodindo por todos os lados não aplacou a minha
fúria. Os disparos diminuíram ainda mais, o silêncio começando a reinar,
mesmo com as respirações pesadas e alguns gemidos de dor.
— Elas levaram Gigi para a clínica — avisei, quando meu primo me
lançou um olhar questionador.
Ele concordou com a cabeça, a mandíbula completamente tensa e
apertada. Depois de alguns momentos, sem qualquer tiro, nos arriscamos
um pouco e nos levantamos, deixando os Santos terem uma oportunidade
de nos atingir.
Nada aconteceu.
— É nosso — Teo declarou e nossos homens comemoraram, saindo de
seus esconderijos.
— Dani, peça para Gaspare reunir os sobreviventes, quero todas as
informações possíveis deles. — Concordei com a cabeça e meu primo me
olhou preocupado novamente.
— Ela está viva — garanti, com a voz firme, mas a preocupação não
sumiu do olhar dele, e nem do meu coração.
Viva. Mas bem?
Não. Gigi nunca mais estaria bem. E pelo olhar sombrio do meu
primo, ele sabia.
2 - Eleonora
Eu era um imbecil.
Como eu era o Consigliere do Capo da maior máfia da Costa Leste, eu
não fazia ideia, porque um Consigliere é o cérebro, o conselheiro, o que tem
a cabeça no lugar.
Definitivamente não é o babaca que fode por impulso a mulher que é o
fruto da sua obsessão. E Nora era a minha obsessão.
Do momento em que eu a vi, naquele consultório, ela tinha minha
atenção. Eu sabia exatamente sua posição em uma sala. Eu sabia o seu
humor. Eu sabia o seu cheiro. E agora eu cometi o erro de saber o seu gosto.
Agora eu sabia como era estar dentro dela.
E era a melhor coisa da minha vida.
Algo que eu nunca teria, que não poderia ter. Não de verdade. Eu me
mantive longe de propósito porque se eu me entregasse a esse tesão, teria
que fazê-lo com o tempo contado. Quando ela revelou ter um maldito
noivo, eu senti mais uma vez a inveja que me assolou quando Teo
encontrou a Cate depois de dez anos.
Ele pensou que eu a amava, e eu amava. Mas não romanticamente.
Quando éramos adolescentes, eu tive, sim, uma paixão por ela. Cate sempre
foi linda, e sempre teve um fogo e uma vontade de viver que cativava. Mas
agora? Eu amava Cate porque ela era parte de mim, de nós, da nossa
família. E eu a protegeria como protegeria o meu primo. Porque minha vida
era feita para servir. Servir a eles. Servir a Stidda.
E eu não poderia oferecer nada à Nora, porque eu não fui feito para ter
alguém. Meu compromisso era com a nossa famiglia, com o meu Capo,
com o meu primo. Meu único amor e lealdade era para a Stidda. Meu tio
deixou isso bem claro enquanto me moldava aos seus desejos e vontades.
Ele deixou isso bem claro quando me fez…
Minhas mãos se fecharam em punhos, incontrolavelmente. Sempre que
eu pensava em todo o treinamento do meu tio, eu tinha vontade de destruir
alguma coisa. Ele me convenceu de tudo que eu era capaz de fazer. Ele me
mostrou quem eu era de verdade e o que eu merecia. Eu tinha vergonha de
tudo o que fiz para obedecê-lo e de como isso me tornava alguém
detestável. Alguém que merecia o pior.
E isso não era Nora. Principalmente não era o seu gosto, o seu corpo,
os seus gemidos…
Mas era isso o que estava na minha mente agora, quando eu deveria
estar concentrado no trabalho.
Não era comum, mas estávamos usando uma garagem de carros da
Stidda. Não tínhamos tempo e nem pessoal aqui nesse momento para
transportar todos esses corpos. Pelo menos não inteiros. Eddo e Christian
estavam esperando quando cheguei com Gaspare, e pelo olhar que o
Executor-chefe me deu lá na clínica, ele sabia do meu humor.
— Como a Gigi está? — Eddo perguntou e eu balancei a cabeça,
dando os ombros.
— Ela está bem. — Não poderíamos contar para ninguém que ela
estava marcada, e por mais que Mau confiasse nos seus amigos, era muito
perigoso contar esse segredo para outras pessoas em público. — Mas eles a
maltrataram bastante.
— Eles…? — Christian perguntou, com raiva, olhando para alguns
corpos jogados em uma pilha. Os mortos.
— Não — respondi o mais calmamente que pude, mas ainda estava
com raiva. Muita raiva. Christian suspirou aliviado.
Ele tinha irmãs mais novas, se meu conhecimento sobre sua família
não estivesse errado. Então sua raiva não era apenas por Gigi. Contudo, a
equipe, junto de Mau e Lena, levavam Gigi para sair, então todos se
aproximaram. Gigi era querida. Ela era amorosa e carinhosa e era
impossível não criar um laço com ela. E Christian e Giorgia pareciam ter
uma conexão especial, para o desgosto de Mau e para a felicidade de Eddo
e Masì que ficavam provocando os dois amigos sempre que podiam. Gigi
era especial e sempre trazia alegria. E era por isso a nossa revolta. A revolta
dos amigos de Mau.
Nossos soldados que saíram diretamente da academia podem ter feito
isso porque Lena gritou que Cate estava sendo atacada também, mas
quando falou que a prima do Capo foi levada, eles agiram. Eles eram leais e
conquistamos isso porque, ao contrário do coglione do meu tio e seus
amigos, nós nos importamos com eles. Tratamos eles com dignidade. Eles
estavam em rankings mais baixos, mas não eram tratados como lixo.
Teo e eu nos infiltramos no território da Stidda assim que ele voltou da
Itália. Passamos os dez anos em que Cate ficou longe conquistando cada
parte da nossa máfia. Fizemos contatos, cativamos soldados, criamos
amizades profundas. E espalhamos esses homens pelo território depois,
incentivando-os a fazer o mesmo. Criamos uma rede, uma conexão, uma
aliança. Nossos soldados eram unidos, nossa máfia era uma unidade só.
Lealdade era a base da nova cara da Stidda e Cate continuou a cultivar
isso quando voltou. Quando se aproximou dos soldados que treinavam na
academia, quando era gentil com eles e suas famílias. Quando se enfiou na
nossa comunidade tão profundamente que era realmente vista como uma
Rainha. E instigou Lena a fazer o mesmo nesses meses em que ela estava
aqui. Por isso os nossos soldados estavam com raiva.
— Escutem. — Foi a única ordem que Gaspare precisou dar para obter
a atenção total dos nossos soldados.
Os que estavam terminando de amarrar os sobreviventes, obrigaram
eles a ficarem em silêncio. O resto também se virou para o Executor-chefe.
Tivemos algumas perdas também, e isso causava ainda mais revolta em
nossos soldados. As mortes não foram em vão, e se garantirmos isso, e que
eles seriam vingados, teríamos mais um pouco de lealdade.
— Esses mafankuli entraram em nosso território e tentaram levar a
esposa do Capo, a esposa do Executor e a prima deles, além de uma filha de
um soldado leal.
Pensar em Nora fez minha raiva borbulhar.
Se ela não fosse tão teimosa, eu teria me controlado. Ela e Cate
derrubaram os homens da La Santa até Vincenzo conseguir alcançá-las e os
matar. E depois ainda foram com Lena sem pensar nas consequências. Se
eles tivessem percebido a moto dela, ela teria sido capturada também.
— Todos nós sabemos o que os Santos fazem com mulheres, e o que
queriam fazer com as nossas. E se deixarmos isso passar, eles vão invadir
de novo e se sentir no direito de destruir nossas famílias.
Mentira.
Mais ou menos.
Esse ataque era direcionado para recuperar Lena e levaram Gigi como
uma segurança, uma garantia, mas nossos homens valorizavam a família.
Nossos homens, apesar de todo o progresso que os soldados mais jovens
estavam trazendo, ainda eram criados sob as regras tradicionalistas.
Escutaram muito enquanto cresciam que nossas mulheres eram sagradas,
que nossas famílias eram nossa base. Que deveríamos protegê-las.
Por mais que Teo gostasse de pensar que a Stidda era a mais
progressista entre nossos rivais, alguns pensamentos continuavam o mesmo.
E se instigássemos o senso protetor deles…
— Então vamos responder — um soldado falou, e eu agradeci os anos
de treinamento já que não deixei o meu sorriso escapar.
— Marchetti e seus homens pensaram que poderiam nos afastar, eles
caçaram nossos espiões, os devolveram em pedaços e ainda entraram no
nosso território com a intenção de destruir nossas famílias e mulheres.
Portanto, vamos devolver o favor.
A ordem não dita de Gaspare causou uma onda de animação em nossos
homens. Deixaríamos eles participarem dessa tortura. Selecionamos alguns
homens para que Gaspare e a Equipe de Mau, menos Masì que também
estava na clínica, interrogarem.
E o resto poderia se esbaldar com sangue Santo.
Como eu.
Nossos soldados se dividiram em pequenos grupos e escolheram
alguns homens para irem revezando. E eu escolhi um apenas para mim.
Ninguém ousou me impedir ou falou alguma coisa. Eu estava mais
frustrado do que estava antes de ceder aos meus impulsos.
Nora tinha gosto de pecado e paraíso. De redenção. De minha.
E eu não conseguia tirar do fundo da minha mente a sensação que era
ter sua boceta deliciosa apertada ao redor do meu pau em espasmos de
prazer. Da sua língua na minha, como se ela nunca quisesse se esquecer do
sabor ou intensidade do meu beijo. Como se ela quisesse aquilo tanto
quanto eu.
E eu precisava senti-la de novo, mas não poderia.
Porque Nora era uma filha da máfia.
E ela tinha um noivo misterioso. Um noivo misterioso que
provavelmente era o responsável pela sua virgindade. Pelo seu coração e
atenção.
Eu me recusei a procurar qualquer informação sobre ela e esse
relacionamento porque assim que soubesse quem ele era, eu teria de matá-
lo. Eu sabia que não resistiria. Eu acabaria com o único obstáculo físico que
me impedia de ter ela.
Os outros obstáculos…
— Pronto para implorar por misericórdia? — sorri para o homem
ajoelhado na minha frente, amarrado em uma coluna de sustentação.
Ele não esboçou medo, não ainda. Seus olhos se estreitaram e ele
cuspiu no chão, próximo ao meu sapato e isso só fez meu sorriso aumentar
mais.
— Faça o seu pior, você nem imagina o que espera vocês — ele
murmurou, com um olhar superior e um sorriso orgulhoso.
Inclinei a cabeça, estreitando os olhos. Alguns homens não queriam
partir quebrados e humilhados, então eles se recusavam a mostrar derrota.
— Gaspare — chamei, segurando o homem pelos cabelos claros,
inclinando a cabeça dele para trás. Ele deu uma risada, como se soubesse
que sua frase levantou uma pequena desconfiança em mim.
O Executor-chefe se aproximou, parando na nossa frente. Eu ergui os
olhos para ele e sacudi o homem pelos cabelos, erguendo uma pequena faca
que tirei do coldre que amarrei ao peito, ao sair da clínica. Pressionei a
lâmina na lateral do seu corpo, em um lugar dolorido que o mataria
lentamente.
— Repita.
Minha ordem foi recebida com mais uma risada livre e solta. Gaspare
apertou os olhos, completamente sério e assustador com a cicatriz na lateral
do seu rosto. O homem nem ao menos tremeu e isso acendeu um alerta no
meu cérebro.
— Repita! — ordenei mais uma vez, puxando os seus cabelos com
força e enfiando mais a ponta da faca na sua pele. Sangue escorreu, mas não
era para matá-lo.
Eu não precisava torturá-lo para que ele falasse, porque ele queria que
eu soubesse isso. Ele queria que todos soubessem sobre essa mensagem que
ele queria transmitir
— Vocês não perdem por esperar. Logo vocês estarão encurralados.
— Por que estaremos encurralados? — Gaspare se aproximou,
colocando as mãos nos bolsos da sua calça bem cortada e se agachou,
ficando na altura do soldado capturado.
— Porque eles estão vindo atrás de vocês. Eles se unirão e esmagarão
vocês como as baratas que são. — O soldado deu aquele sorriso convencido
de novo e dessa vez eu me arrepiei. Dessa vez percebi que ele estava
falando a verdade.
— E me deixa adivinhar, você não vai me dizer quem são eles até eu
fazer você gritar?
— Você vai me matar de qualquer maneira. Não preciso esconder
nada.
— Molto furbo para um soldado capturado. — Gaspare inclinou a
cabeça, seus olhos pensativos. — Marchetti é um deles, óbvio.
— Também — ele concordou e eu empurrei mais a faca, fazendo ele
cerrar os dentes para conter o gemido de dor. — Mas tudo é organizado
pelo filho dele.
De repente, meu cérebro começou a fazer conexões, a buscar todas as
informações que eu tinha sobre os filhos de Marchetti, Dario e Livio. O
mais velho estava há anos ao lado do pai, mas o mais novo… Livio seria o
Consigliere do irmão no futuro, e se dedicava bastante em conhecer o
território do pai. E tentar se infiltrar no nosso. Marchetti queria expandir
para o norte em algum momento.
Livio já encurralou alguns homens da minha confiança perto de
Albany, no estado de Nova York. Ele entrou no nordeste da Pensilvânia que
era nosso, passou pelo sul do estado de Nova York que era da Catania e…
— Os Sana.
Antes eles ficavam ao sul, mas agora estavam no norte do território da
Catania, bem próximo a nossa divisa, bem próximos a Albany. Se os
Marchetti tinham contatos lá e se os Sana estavam desesperados a ponto de
se unirem com os Santos, eles definitivamente estavam planejando algo
grande.
Conseguimos parar e atrasar os irmãos de Manfredi interrompendo o
fluxo de dinheiro que ele desviou do tio de Cate e seu irmão desviou do pai
de Teo, mas ele e Matteo ainda tinham soldados fiéis. Tanto na Catania
como na Stidda. Nossos homens que permaneceram ao lado do nosso
traidor fugiram ao encontro do restante dos irmãos de Matteo e Manfredi,
com medo da fúria de Teo. Contudo, porque não avisamos Stefano Conti,
ele não saberia nos dizer quais dos seus homens fugiram, se é que fugiram.
Fedez, como nosso informante e filho do Capo, conseguiu descobrir
detalhes importantes de alguns aliados dos Sana e estava se infiltrando em
seu próprio território para poder observar de perto.
Mas se eles estavam em conluio com a La Santa, precisávamos agir
mais rapidamente. Precisávamos encontrar a localização correta deles.
Precisávamos eliminá-los agora.
— O que mais você vai nos contar hoje? — Gaspare perguntou e eu
sacudi a faca, causando mais um gemido de dor.
— A gloriosa era da Stidda está chegando ao fim. O reinado de Teo
Ricci vai ser curto. — O homem deu mais uma risada e Gaspare ergueu os
olhos para mim. Esse coglione não falaria mais nada.
Enfiei a lâmina até a guarda, a última barreira antes do cabo. O
soldado gritou dessa vez, incapaz de conter a dor quando eu girei
lentamente e voltei à posição inicial. Fiz a mesma coisa três vezes,
lentamente. Vagarosamente. Coloquei a mão no seu pescoço e apertei, não
para matá-lo assim, mas para sentir sua pulsação diminuindo e diminuindo
a cada giro do meu punho. Encostei a minha boca na orelha dele, sentindo o
meu próprio sorriso.
— Eu vou morrer antes disso acontecer, coglione. Uma pena que você
não vai estar aqui para assistir à queda da La Santa e da Catania.
Seus batimentos diminuíram até deixarem de existir. Até ele deixar de
existir. Soltei ele, puxando minha faca com força da sua lateral e vendo todo
o sangue jorrar.
Meu olhar foi diretamente para Gaspare e apesar do que eu disse para
o Santo, ele estava tão preocupado quanto eu.
— Você acha que ele estava falando a verdade?
Gaspare concordou com a cabeça, ainda encarando o cadáver como se
pudesse ver além do corpo vazio. Como se pudesse ver as mentiras e
verdades que ele disse por toda a sua vida.
— Ele estava muito confiante para estar mentindo. E sabia bastante…
— Então precisamos fazer uma ligação para o nosso amigo
informante. — Não quis falar o nome de Fedez, mesmo que a garagem
estivesse repleta de gritos de dor e lamentos chorosos.
— Precisamos mais do que isso, bambino. Se La Santa e Catania se
unirem, vamos perder toda a nossa vantagem.
— Nossa vantagem? Catania não oferece nenhuma vantagem com
seus soldados de merda, os poucos que obedecem a Silvio.
— Oferece a imagem de uma união. Oferece a estabilidade do
território, oferece passagem direta sem preocupação. Temos duas opções…
— Eu sei. Repelir a La Santa abrindo o jogo para Stefano Conti, ou…
— Ou destruir a Catania de vez e incorporar seus soldados e
territórios.
— Então, guerra?
— E presto, più presto che pense.
Sim, ela chegaria bem mais rápido do que eu pensava, eu conseguia
sentir.
4 -Nora
— Como ela está? — Nem tive tempo de perguntar, porque Teo fez
isso primeiro.
Cate fechou a porta do escritório com cuidado depois que Lena passou
e caminhou até o marido, sentado em sua mesa. Elas foram liberadas nas
primeiras horas da manhã e trouxemos Gigi para casa. Lena e Cate ficaram
com ela até agora, tentando se certificar de que ela estava bem. Dentro do
possível.
Mentimos para Aura e apenas notificamos que Gigi passaria uns dias
aqui, com Lena, e honestamente eu não sabia como esconderíamos da sua
mãe algo tão grave quanto isso. Gigi teria que ser cuidadosa para o resto da
vida. Os médicos da clínica explicaram que a pele estava muito destruída
para um enxerto, e daqui a alguns anos, quando tudo estiver bem
cicatrizado, ela poderá fazer algum procedimento para tentar melhorar a
cicatriz, mas…
Mas até lá Aura já terá perdido a paciência. Ela está decidida em casar
a filha, porque acha que isso é a única maneira de controlá-la. Gigi foi pega
fugindo de casa alguns meses atrás, e isso levou a um atentado, o que nos
levou a ir para os Hamptons esconder Lena e Mau. Sua mãe e minha tia
ficaram enlouquecidas com a rebeldia da caçula, mas Gigi era jovem. Ela só
queria agir como uma. Eu entendia o seu lado. Mesmo que fosse
inconsequente, tinha um pouco de motivo e razão. Mas agora… Agora ela
estava marcada, e sua vida estava arruinada de uma maneira que ela nunca
imaginou.
Enquanto Cate se empoleirava no braço da cadeira de Teo, Lena se
jogou no sofá embaixo da janela e cobriu o rosto com as mãos, soltando um
soluço baixo.
— Tão ruim assim? — Mau se levantou imediatamente após perguntar
e foi sentar ao lado da esposa, no sofá, acariciando suas costas e puxando-a
para o seu peito.
— Ela não quer conversar, ela não quer comer. Ela só olha para o nada.
— Cate suspirou, balançando a cabeça. — Estou preocupada.
— Ela vai ficar bem, Regina mia. — Meu primo puxou a esposa para o
seu colo, com cuidado porque ainda estava preocupado com o desmaio da
Cate. Seus olhos em mim diziam que ele não estava tranquilo. E ficaria
mais ainda preocupado.
— Eu tenho uma notícia. É uma informação, na verdade.
— De um dos homens do meu pai? — Lena fungou, enxugando o
rosto e tentando se concentrar em outra coisa que não nossa prima sofrendo
nos andares superiores.
— Sim e não é boa. — Teo, Mau e Cate automaticamente ficaram
tensos e eu respirei fundo, me preparando. — Ele deu a entender que os
irmãos Sana e seu irmão, Livio, estão se unindo.
— Cazatta — Mau xingou, balançando a cabeça. Lena franziu a testa,
pensando.
— Meu irmão ficou um pouco no norte do nosso território, tentando
achar alguma brecha, mas os irmãos Sana não estão perto da fronteira com
o Canadá?
— Eles foram vistos lá, porém voltaram para os perímetros da
Catania, mas o que mais me preocupou foi o uso de palavras do Santo.
— Quais palavras? — Cate perguntou com uma cara preocupada, mas
meus olhos estavam fixos em meu Capo.
— Ele disse que a guerra está chegando, não é? — Teo concluiu e
concordei com a cabeça. — Va bene, se é isso que eles querem…
— Teo, Dio Santo, até eu sei que isso significa que devemos ter
cautela — Mau resmungou e eu dei uma pequena risada.
— Vamos parar por um momento e recapitular — pedi, antes que Teo
abrisse a boca e mandasse Mau à merda. — Manfredi e Matteo estavam se
infiltrando nas duas máfias. Matteo, aqui, conseguiu reunir uma boa
quantidade de soldados e eliminamos alguns que ficaram para trás quando o
matamos. Mas a extensão da influência de Manfredi e seus irmãos na
Catania é imensa. O tio de Cate praticamente nem é o Capo de verdade, na
hora do vamos ver.
— Como Silvio não percebeu isso ainda? — Mau questionou e Cate
bufou.
— Porque ele é um porco stupido — ela xingou e não resistimos à
risada. — Para o Silvio perceber alguma coisa ele precisa desconfiar que
algo está errado. E ele nunca nem vai admitir a hipótese de que seu pai é um
péssimo Capo e que não tem controle.
— Então os irmãos Sana só sumiram porque sabem que vocês estão
atrás deles?
— Exato, Lena, mas cada segundo que não agimos, eles se sentem
confiantes para recomeçar a movimentação de seu plano. São dois homens
com um poder grande, dois homens no topo da hierarquia em uma máfia
que preza muito isso. Dois homens em uma máfia completamente
abandonada e sem um líder de verdade. Eles podem ter formado um
exército.
— Precisamos continuar interceptando o dinheiro que eles esperavam
receber. Fedez precisa intervir nas rotas antigas que Manfredi
provavelmente desviava.
— Isso pelo menos eu acho que Silvio percebeu, bambolina — apontei
para Cate e ela concordou com a cabeça. — Ele é burro, mas como você
observou, ele é leal ao pai e não vai prejudicá-lo. Se Silvio assumiu as rotas
que Manfredi era responsável, então, pelo menos, esse desvio acabou.
— Então eles não têm recursos.
— Ou não tem recursos o suficiente para financiar uma guerra contra
nós. E contra a Catania de verdade, que não é leal a eles.
— Se meu tio perceber que temos esse tipo de informação e que
escondemos dele, ele não vai nos ajudar.
— Ele vai ser obrigado a ajudar, ou vai ser o próximo. Principalmente
se a informação que o Dani trouxe é certa, Regina mia.
— Então precisamos agir, antes que eles arrumem outros recursos.
Com o meu irmão, por exemplo… — Lena mordeu os lábios, preocupada,
mas Mau abriu um sorriso tranquilo.
— Temos um casamento para organizar primeiro, diavolina.
— O quê? — Cate se colocou de pé rapidamente, o que fez Teo
levantar também, cercando a esposa.
Ela deu um tapa em suas mãos que tentavam sustentar a sua cintura
com medo da sua reação abrupta e correu até Lena, tomando-a nos braços
quando ela também ficou em pé.
— Eu fiquei de joelhos, saibam vocês! — Mau provocou, e eu dei
risada, indo abraçá-lo também, assim como Teo.
— É o mínimo, mommo — Teo ralhou e Mau bufou.
— Você nem isso fez.
— Mas ele enche Cate de joias para compensar — provoquei e meu
primo olhou feio para mim.
— Encho ela de joias porque ela merece, vocês deveriam aprender
comigo. — Teo tirou Lena dos braços da esposa e a abraçou também, o que
fez Mau e Cate sorrirem com carinho para a cena.
— Minha vez, coglione — resmunguei e empurrei meu primo do
caminho, abraçando-a com força contra o meu peito. — Bem-vinda a
família mais uma vez, Lena.
— Para sempre dessa vez — Mau prometeu e Lena sorriu quando a
soltei do meu aperto.
— Deixe a mamma ficar sabendo que Dani é o último solteiro de
verdade — Cate me provocou e eu revirei os olhos.
— Ela continua na missão de arrumar uma esposa para ele — Lena
brincou, dando risada. — A última vez que almocei com ela, ela só falava
nisso.
— É, não vai acontecer.
Principalmente porque eu queria alguém que estava comprometida.
Alguém que eu definitivamente não merecia. Alguém que eu não era digno
de ter ao meu lado. E provavelmente me odiava, ou odiaria se soubesse a
extensão de tudo o que fiz pela minha máfia, pela minha famiglia.
Eu não era idiota ou inexperiente de pensar que transar cheio de raiva
de forma violenta no armário da clínica resolveria os problemas que eu
aparentemente tinha com Nora. Ela era teimosa demais para mim,
completamente fora do meu controle, completamente desobediente.
Cabeça-dura. Me enlouqueceria fácil. Já fazia isso quando não me escutava
durante os treinos, de propósito.
No começo, nos demos bem porque dividimos alguns interesses em
comum, como motos, luta, corridas… Mas logo Nora se mostrou
completamente irritante e rebelde. Ela se recusava a obedecer, como se
fosse uma ofensa pessoal receber uma ordem, por mais que eu estivesse
certo! Ela não colocava a perna na posição que eu mandava, e era derrubada
por Cate, que tinha bem menos experiência do que ela.
Eu avisava de uma rota comprometida, e ela ia diretamente para lá
quando ia embora daqui. Eu sabia porque coloquei um rastreador no seu
celular. Sabe, só para manter um olho nela e ter certeza de que ela estava
segura.
Quase parecia que ela queria me enfrentar de propósito, só para me
tirar do sério. E com isso, a pequena camaradagem foi se tornando pura
irritação. Passávamos todo o treino trocando farpas e ordens, com ela
discordando de tudo que eu falava e eu, por consequência, perdendo a
minha paciência, o que era algo bem raro.
Geralmente eu era calmo e contido, bem mais calmo do que Teo e seu
temperamento frágil e explosivo. Eu conseguia me controlar, eu não me
abalava facilmente. Até Nora aparecer com sua teimosia, sua recusa em me
obedecer, com aquelas roupas coladas em seu corpo definido, com aqueles
olhos azuis cheios de desafio, com aquele cabelo sedoso que eu só queria
enrolar meu punho ali e obrigar ela a calar a boca com o meu pau.
Agora eu sabia o gosto do seu beijo, como era o seu corpo contra o
meu, como era estar enterrado nela. E posso ter passado dos limites
marcando-a tão publicamente como fiz quando coloquei aquela estrela na
sua placa, mas que se fodesse. Nora agora tem um veículo que oficialmente
é da Stidda, como todos os nossos, como os de pessoas do alto-escalão.
Como os de carros dos comboios e transportes. Ela poderia não ser minha,
não de verdade, e talvez pertencesse a outro, mas essa foi a única maneira
que encontrei para deixar a minha marca nela. Para ela não se esquecer do
que aconteceu.
Porque eu sabia que ela gostaria muito de esquecer.
— Quando vai ser a festa? — Cate perguntou, quando nos sentamos
novamente.
— No dia que oficialmente encerra o período de três meses — Mau
respondeu e a esposa sorriu, concordando.
— É perfeito. Eu realmente quero algo simples… — Lena avisou e
deu um sorriso tímido. — Só nossa família. Sabe, a família de verdade. Não
quero um grande evento, quero algo real, com sentimentos.
— Podemos fazer na casa dos Hamptons, sinto que vocês se
conectaram melhor lá! — Cate piscou e Lena ficou com as bochechas
vermelhas. Nas semanas que passamos nos Hamptons eles realmente se
aproximaram mais. Ficaram juntos de verdade, viraram realmente um casal.
Não dava para negar.
— Tudo o que Lena quiser. — Mau olhou para a esposa e Teo deu uma
risada que atraiu o olhar feio do irmão.
— Só lembrando quando você me falou que isso — ele gesticulou para
os dois — não ia acontecer com você.
— Vaffanculo — Mau xingou e Lena deu uma risada feliz.
— Vamos focar — Lena pediu, dando uma cotovelada em Mau. — Em
três semanas mais ou menos, teremos nossa nova cerimônia, mas podemos
usar esse tempo para preparar a ofensiva contra os irmãos Sana.
— Hum, ela é uma verdadeira Ricci — Cate elogiou Lena, que ficou
novamente envergonhada. — Vamos ter que enviar alguém para a
localização deles. Fedez está estacionado ao norte, tentando obter o maior
número de informações que consegue, mas precisamos de alguém no nosso
lado do território.
— E eles estão longe o suficiente para conseguir alguém da Stidda que
está insatisfeito como aliado — apontei, pensando. — Boston nos mostrou
isso quando atacaram Cate. Os caras que conseguimos pegar de Providence
também. Rhode Island tem uma invasão um pouco menor do que
Massachusetts, mas ainda assim, muitos homens insatisfeitos, muitos ex-
catanios sobreviventes tentando se movimentar na área.
— Ainda tem essa merda. — Teo jogou a cabeça no encosto da sua
cadeira, cansado. — Certo, o que eu quero: duvido que a La Santa vá tentar
alguma coisa oficial ou direta por um tempo, não depois do fracasso que foi
ontem. Então teremos uma trégua. Vamos nos dividir. Deixe Boston e
Rhode Island para lá, já enviamos nossos soldados, Sartori e Volpe são as
porras dos meus subchefes por um motivo, eles que controlem as merdas
dos territórios deles por um momento.
— Ok, vamos focar na Catania e nos Sana. Mau e a Equipe, que tal?
— Cate sugeriu e Mau concordou com a cabeça, enquanto Lena mordia os
lábios, preocupada. — Vocês vão para o norte do estado de Nova York, na
nossa divisa com a Catania.
— Fedez está em Albany, mas uma das informações que ele tem é que
eles foram para Syracuse, mas já é nosso território ali, não sei se subiram
mais… A segunda informação é que eles voltaram para cá, por isso, vai ser
bom ter vocês lá. Enquanto isso, vamos investigar a possível conexão com
Livio, onde eles se encontraram… Como… — Parei por um momento,
pensando um pouco mais nas possibilidades.
— Desembucha — Teo ordenou e eu mostrei o dedo do meio para ele.
— É só que é muito estranho… Eu entendo porque Marchetti está
procurando uma nova boa rota agora que os cubanos dominaram a Flórida,
mas ir até ao norte? Por armas? Não me parece ser muito esperto.
Teoricamente ele tem a Catania e a Stidda em seu caminho, por mais que os
irmãos Sana tenham oferecido algo.
— O que sabemos sobre eles? — Lena perguntou, também pensativa.
— Pouco, mesmo com as informações do meu primo, Romeu.
Manfredi fez questão de esconder dos registros tudo sobre seus irmãos,
provavelmente em uma tentativa de ocultar a existência de Matteo, que se
infiltrou bem profundamente aqui, não só porque virou um dos Executores
— Cate explicou e ficamos tensos e irritados. Permitir Matteo tão perto de
Cate a ponto de quase levá-la era algo que consumia Teo, Mau e eu. — Ele
se infiltrou na comunidade, sabe? Ele cresceu aqui, fez amigos, fez
contatos. Quando foi revelado que ele era um traidor, muitas pessoas não
acreditaram a princípio.
— O pouco que sabemos: Venanzio e Basilio, eles são os irmãos do
meio, dois anos de diferença entre os dois, quase quatro anos de diferença
entre Venanzio e Manfredi, e mais de dez entre eles e Matteo. Não são
casados, não têm filhos, se dedicaram a máfia a vida inteira — Mau listou,
erguendo os dedos para contar e não esquecer de nenhum detalhe. — Eles
tinham cargos bem altos, eram capitães do Stefano e cuidavam
pessoalmente de territórios e rotas. Venanzio cuidava de New Haven…
— Bom, podemos descartar ele como contato do meu irmão — Lena
analisou e Cate deu um sorriso orgulhoso.
— Connecticut é bem longe da Filadélfia. Mas Basilio, ele também era
capitão, porém sempre estava em rota, principalmente tentando atravessar o
norte da Pensilvânia e de Nova Jersey.
— Meus territórios, mas perto o suficiente para encontrar a La Santa
se eles atravessarem.
— Se meu irmão subiu para o norte da Pensilvânia, com certeza foi
para tentar ganhar mais uma rota. E o sul do estado de Nova York é da
Catania, certo? Nova Jersey é muito arriscado para ele tentar invadir,
próximo demais do Teo, mas ali? Acho que ele arriscaria — Lena analisou e
eu troquei um olhar com Teo.
— Lena, você está dando informações que podem levar a queda da La
Santa, mas também… a queda dos seus irmãos. — Meu primo não quis
falar “a morte dos seus irmãos”, só que ela entendeu. Um pouco de dor
cruzou os olhos esverdeados de Lena, mas logo foram engolidos pela raiva.
— Eu poderia estar agora no lugar de Gigi, com uma marca em mim.
— Ela suspirou e Mau endureceu o corpo, sua mão se fechando em raiva.
— Eu morreria antes disso acontecer, diavolina.
— Você entendeu. Ele não hesitou em mandar seus homens atrás de
mim. Pensei que Livio pelo menos gostasse de mim, mas…
— Somos homens orgulhosos demais para o nosso bem, Lena. Não se
preocupe com isso. Você está a salvo, sempre vai estar. E se nos permitir
usar essa informação… — Teo sugeriu, sem querer pressioná-la.
Lena concordou com a cabeça, engolindo em seco e endireitando os
ombros.
— Acabe com eles — ela declarou e Cate deu um pequeno sorriso.
— Eu disse a mesma coisa sobre minha família.
— Agora vocês são parte dessa família, Regina mia, e não vamos
decepcioná-las. Vocês querem vingança, vingança terão.
— Feito, então. Organizar um casamento e caçar os sporchi mafankuli
dos Sana. Meu humor está adorável — Mau brincou e Lena revirou os
olhos.
— Isso pode ser uma boa desculpa para Gigi passar bastante tempo
aqui — Cate ponderou. — Ela pode estar ajudando Lena na organização.
— Pensei que você… Cate, eu quero sua ajuda também. Não ajuda,
mas quero que você esteja ao meu lado no planejamento — Lena pediu e
minha bambolina sorriu para ela.
— Vou te ajudar. E tenho certeza que Alessia vai te enlouquecer como
fez comigo — Cate avisou e Lena franziu o nariz, olhando feio para a risada
estrondosa de Mau.
— Não se preocupe, ciccino, você está envolvido também.
— Você diz isso como uma ameaça, mas eu adoro planejar festas.
— Tenho certeza que você gosta. — Teo revirou os olhos e Mau riu
ainda mais.
— A despedida de solteiro, por exemplo…
— Faça uma despedida de solteiro, Maurizio Ricci, e podemos fazer
um funeral para o seu pau — Lena ameaçou e Mau deu um sorriso que me
fez balançar a cabeça.
— Ok, já deu para mim.
Levantei, incapaz de assistir o flerte de Mau e Lena, ou a felicidade de
Teo e Cate observando a cena enquanto ela estava no colo dele.
Eu não teria nada disso.
Não tinha antes de ceder aos meus impulsos.
E não teria depois.
Era o preço por ter me tornado um monstro aos onze anos. Era o preço
por deixar o meu tio me moldar da maneira que quis. Era o preço que eu
pagava pelos erros dos outros. Erros dos meus pais.
Era o preço que eu pagava por poder fazer parte dessa família. Para ser
digno dela.
Para pertencer.
E cazzo, esse preço nunca pareceu tão caro quanto agora que eu sabia
como era estar com Nora.
6 - Nora
Saímos cedo da mansão, porque Mau e Lena passariam alguns dias ali,
como um presente de casamento. Meu irmão ficou para trás, para ajudar na
segurança, porque era o seu trabalho. Eu admirava a ética trabalhista dele e
sabia que ele estava feliz porque os Ricci confiavam nele, não apenas
porque ele era o meu irmão. O motorista de Cate, Riccardo, levou Alessia e
Gigi para Hewlett e Dani deveria acompanhá-las, como um segurança extra,
enquanto Vincenzo fazia as vezes de motorista e acompanhava o Capo e a
Rainha até a Igreja, antes de seguirmos para a minha casa.
Eu sabia que Cate era religiosa, não tanto quanto eu, mas participava
às vezes das missas aos domingos. Essa igreja obviamente não era a que eu
frequentava, e nem Cate, já que ela passou a frequentar a minha igreja, mas
bastaria, porque eu queria agradecer pela sorte que tive ontem. E pedir
perdão por tudo que andei fazendo nessas últimas semanas. E isso incluía
Daniele Ricci…
Que aparentemente estava me perseguindo.
O Capo ergueu uma sobrancelha, olhando por cima da minha cabeça.
Eu não precisava me virar para saber que Dani estava ali, no topo das
escadas da igreja. Eu sentia seu corpo enorme e quente atrás de mim. Eu
sentia sua presença, todos os pelos do meu corpo se arrepiando, minha
respiração pesando… uma porra de uma reação física e impossível, mas que
acontecia todas às vezes em que ele estava perto de mim. Não me virei,
continuei olhando para Cate e Teo.
— O que você está fazendo aqui? Você não gosta de Igrejas — Teo
falou, olhando para Dani. Cate estava confusa.
— Nem você. — O Consigliere parou ao nosso lado e fui obrigada a
encará-lo. Ele estava de terno como o primo, como sempre. Ele só usava
isso e roupas leves para treinar. Mas eu sabia o que aquele terno escondia,
sabia como seu corpo era malhado e marcado, como ele era lindo em todas
as partes, e grande e…
Senti minhas bochechas esquentarem e lancei um olhar para as portas
abertas de madeira antiga, fazendo o sinal da cruz ao observar o altar da
pequena igreja.
— Eu gosto de Cate e Cate gosta de igrejas. — Era realmente o único
motivo do Capo acompanhar a esposa, ela não vinha todo o domingo como
eu, mas vinha com uma certa frequência, pelo menos 2 vezes no mês. — E
sua desculpa?
— Hum… — Rápido como um foguete, os olhos azuis-celestes de
Dani passaram por mim. E então se voltaram para Cate. Como se não
tivesse acontecido. — Eu gosto da Cate também.
— Cazzata — o Capo respondeu, com uma risada rouca.
— Bambolina, ele está me negando a minha salvação — Dani
provocou e Cate deu uma risadinha, acertando o marido no estômago.
— Deixe Dani se arrepender de comer a última fatia de bolo e não ter
deixado nada para mim. — Ela suspirou, triste, e colocou a mão na barriga
que ainda não mostrava sua gravidez. Mas a intenção era…
— Você vai ter pelo menos uns 15 bolos esperando por você em casa
hoje, Regina mia.
Um pouco de ciúme correu sobre mim. Porque ele era bondoso e
simpático com todo mundo, menos comigo. Comigo ele era mandão, e
bruto. Inclusive quando…
Ah, Dio mio, fiz um novo sinal da cruz e Cate me lançou um olhar
confuso.
— Eu estou pensando em ontem e como deixei o ódio e a vingança
tomarem conta de mim — menti, e Dani fez um barulho que parecia uma
risada sarcástica.
— Vamos entrar e depois te deixamos em casa. Mas no fim da semana,
quando você estiver melhor, podemos conversar? — Cate pediu, daquele
jeitinho dela que arrancava tudo o que queria de todos nós. Ela não precisou
me dizer qual era o assunto, eu já sabia. Eles queriam todas as informações
possíveis sobre a clínica na Catania e as mulheres.
— Sim, vamos conversar. — Os olhos de Dani se demoraram mais em
mim, dessa vez, e a memória do beijo e das suas carícias pareciam ainda
presente nos meus lábios.
— Pela Cate — esclareci, e aquela boca pecaminosa deu um pequeno
sorriso de canto; insolente e provocante.
Cretino.
Ficamos nos fundos, próximos à saída, com o pobre do Vincenzo
sentando em um banco na fileira ao lado, de olhos focados em Cate e no
Capo. Ela contou para ele que estava grávida nessa manhã, e depois de
pedir permissão para abraçá-la, o jovem segurança pareceu ficar ainda mais
sério em seu trabalho.
Dani sentou ao meu lado e Teo ao lado de Cate, basicamente nos
apertando contra eles, entre seus corpos. Como uma barreira caso algo
acontecesse. Seu corpo enorme tão perto de mim, com nossas coxas se
tocando, não ajudava em nada a evitar os pensamentos completamente
inadequados para uma igreja.
Tentei me concentrar na minha oração, tentei me concentrar em cada
palavra do padre, nas leituras, na conexão que eu tanto gostava com Deus.
Mas tudo o que eu conseguia fazer era sentir o corpo dele contra o meu e
me lembrar de tudo o que fizemos naquele quarto.
Rezei com mais fervor, tentei desviar meus pensamentos do homem ao
meu lado. Tentei pedir perdão por fazer isso quando não deveria, pedir
perdão para o Ignazio, pedir perdão aos meus pais por não ser forte e não
resistir aos meus desejos. Mas não pedi perdão por salvar aquelas mulheres.
Agradeci, agradeci por fazer o que fiz, porque assim ajudei a Stidda, e eu
apesar de querer que o tio de Cate e o seu primo pagassem pelo que fizeram
com ela, assim como a família de Lena, eu queria que a Catania e a La
Santa caíssem, para que nenhuma mulher sofresse mais.
E eu sabia que não deveria me envolver com a Stidda de novo, porque
foi difícil para mim enfrentar o que aconteceu da última vez, mas eu não
conseguia mais fechar os olhos para o fato de que estavam usando nossas
rotas e fronteiras para traficar mulheres. Levá-las à força. Como gado para
o abate. Rotas e caminhos que Michele provavelmente usava quando
participava do transporte de armas e drogas. Rotas e caminhos que, sei lá,
nós civis usávamos.
E era muito hipócrita da minha parte me importar com isso, mas fechar
os olhos quando se falava de drogas e armas, e todo o resto de coisas
criminosas que os Stiddari faziam, porém, eram realmente pessoas
inocentes.
Aquela arma poderia destruir alguém, e eu, como médica, estava na
parte final desse caminho. Eu peguei casos de overdoses e tratei feridas,
mas aquelas pessoas escolheram aquele risco. Os soldados sabiam dos
riscos quando entravam na Stidda, quando participavam. O vício em drogas
era uma coisa, mas ser soldado era uma escolha.
Uma escolha que aquelas mulheres não tiveram. E não parava em
mulheres. A La Santa traficava órgãos e crianças também. Filhos para quem
pagasse e quisesse burlar o sistema. E eu não conseguiria dormir tranquila
jamais se não ajudasse acabar com isso.
Eu não era boba de pensar que destruir esses acessos acabaria com o
tráfico internacional de pessoas. Mas ajudar a destruir a Catania e a La
Santa daria ao Teo mais poder e controle desse lado do país, e isso já era
bom o bastante para começar.
E eu poderia engolir as coisas erradas que os Stiddari faziam, se isso
protegesse os inocentes. O mundo não era A ou B. Bom ou mau. Eu
pertencia à Stidda, eu pertencia ao mundo do crime. Meus irmãos eram
criminosos, meu pai… E isso não transformava eles em más pessoas. Mas
aceitar isso, aceitar as coisas que eles faziam, não queria dizer que eu
aceitaria qualquer coisa que acontecesse na frente dos meus olhos.
Eu tomei a decisão certa quando ajudei aquelas mulheres. Posso ter
feito de uma maneira impulsiva e impensada, mas nunca me arrependeria.
Nunca voltaria atrás. E nunca pediria desculpas por fazer aquilo.
Mas eu precisava pedir perdão por ceder ao desejo e ao Dani. Duas
vezes. E isso não poderia acontecer novamente. Não mais. Eu não poderia
perder o controle na presença dele, porque a única pessoa que sairia
machucada seria eu. Se eu tivesse sorte. Se não tivesse, de novo, algo tão
ruim quanto a última vez. E eu não suportaria passar por isso de novo. Não
suportaria me envolver e ver Dani escolher a Stidda e…
— Nora? — Dani perguntou, um pouco preocupado e eu virei a cabeça
para ele. As pessoas estavam em pé, indo embora, esvaziando a Igreja.
— Desculpe, eu… — Virei, mas Cate não estava mais do meu outro
lado.
— Eles foram embora — Dani explicou e eu franzi as sobrancelhas. —
Cate estava enjoada e eu falei que te levaria.
— Você não… — comecei, mas ele me deu um pequeno sorriso,
levantando e estendendo a mão.
— Você está bem? — perguntou, quando segurei sua mão após hesitar.
A facilidade com que ele me levantou sempre me impressionaria.
— Eu estava em uma conversa muito profunda com Deus.
— Ah, é? — Dani me guiou entre os bancos da igreja, com cuidado.
Eu sabia que nem ele, nem o Capo acreditavam em Deus e na Igreja. É
claro que os Ricci sempre apareciam às vezes, e eu sabia que Alessia era
presença constante na Igreja, mesmo antes de Cate aparecer. Mas ela
parecia ser a única ali, além da mamma deles, que era fiel e devota. Meus
irmãos também não acreditavam, meu pai era mais crente do que eles, mas
minha mãe era uma carola. E eu acreditava também.
Na medicina, por mais que a lógica fosse necessária, algumas coisas
sempre me pareciam um pequeno milagre. E eu gostava da ideia de ter algo
em que me apoiar nos momentos de desespero e escuridão. Eu não era uma
católica conservadora da máfia, como a maioria das mulheres e das
famílias, mas era crente. Eu acreditava de verdade em tudo o que fazíamos
e falávamos aos domingos nas Igrejas, e acreditava de verdade nas minhas
orações. E eu sabia que os homens da máfia só fingiam acreditar porque era
o esperado deles, principalmente porque eles lidavam e faziam coisas que
não seria possível fazer se acreditassem em Deus.
E eu sempre me sentia boba e diminuída quando ia para a Igreja e
escutava as provocações dos meus irmãos – longe dos ouvidos dos nossos
pais – porque eu sabia que eles não acreditavam e me achavam inocente e
idiota por acreditar, mas Dani nunca tiraria sarro de mim.
— Eu estava agradecendo. Pela chance de ter ajudado aquelas
mulheres. Não pedindo perdão — avisei, antes que ele pudesse responder
ou me provocar. Eu sabia que minha voz tinha um tom de desafio, mas…
— Ninguém te julgou por salvá-las, Nora. Especialmente Cate e Lena.
Você só poderia ter nos contado. Me ligado… — Ele me ajudou a descer as
escadas, mesmo eu conseguindo sozinha, mas não me importei. Era bom
sentir seu toque, a mão dele na minha, firme e quente, de uma maneira nada
sexual ou casual como nos momentos em que lutávamos juntos.
— Eu não queria te ligar, porque…
— Estava me evitando.
— Fizemos uma merda — relembrei e seu rosto ficou mais fechado e
sério por um momento, enquanto nos aproximávamos da moto dele. — E
você marcou a minha moto!
Soltei minha mão da sua, lembrando que deveria manter distância
daquele homem, porque toda vez que eu estava na sua presença eu pegava o
meu bom-senso e enfiava no…
— Eu admito que não deveria ter marcado sua moto, porque você
tem… — Ele mudou de ideia, parando de falar no meio do caminho. Mas
eu sabia o que ele queria dizer.
Porque você tem um noivo.
— Dani — chamei, parando enquanto ele vestia sua jaqueta em mim,
sem enfiar nos meus braços por conta da tipoia, mas fechando ela no meu
peito, como se fosse um poncho. — Eu quero ajudar, com todas as
informações e os planos que vocês querem montar, mas não podemos mais
perder o controle. Ou deixar o tesão falar mais alto.
Ele me olhou por um momento, mas não abaixei os olhos.
Eu pensei muito nisso ontem, enquanto estava tentando descansar e
não deixar a dor em todo o meu corpo me consumir. Não era justo. Não era
justo usar o corpo dele só porque eu não conseguia me controlar. Não era
justo ele me usar como válvula de escape quando estava nervoso, já que nas
duas vezes em que nos envolvemos ele estava puto da vida e eu também.
Isso não era e nem nunca seria um relacionamento de verdade, porque
não combinamos. Não damos certo. Muito tesão explosivo e pouca
conexão. Conexão de verdade. Sem falar que nunca daria em nada, porque
eu tinha o Ignazio e ele tinha a Stidda. A Stidda era importante para Dani, e
eu nunca me colocaria entre a famiglia e os sentimentos de um homem
novamente.
Nunca.
— Eu quero… quero conversar com você sem acabar em briga ou…
— Não completei, apenas olhando para o lado por um momento. — Só
fazemos isso.
— Conversamos também — disse, baixinho, e eu seguirei a vontade de
erguer a mão livre e acariciar o seu rosto.
— Sim, às vezes, quando conseguimos não brigar. Eu sei que você me
odeia e eu também.
Ou pelo menos deveria odiar ele e tudo o que ele representa e o poder
que tem sobre mim… Eu queria tanto odiar ele, eu tentei tanto.
Dani franziu a testa, aqueles olhos azuis tão gélidos estavam cheios de
fogo, mas dessa vez não era tesão. Eu não conseguia identificar aquela
emoção, e não queria. Não queria me dar uma esperança falsa e inútil.
— Cate é minha melhor amiga, e eu quero ajudar a derrubar quem fez
mal a ela. Quero ajudar a derrubar a Catania, a La Santa. E quero conviver
com ela sem ter receio de aparecer porque você vai estar lá. E eu sei que
estou me infiltrando na sua família, mas…
— Ok. Podemos ser cordiais — ele me interrompeu, sério e frio.
Não amigos.
É claro. A sensação de decepção preencheu meu coração. Por que ele
não disse que queria ser meu amigo, ou por que ele não brigou comigo?
Não recusou meus termos?
Não era exatamente o que eu queria? Então, por que parecia que meu
coração estava sendo esmagado no peito?
— Eleonora! — Minha mãe abriu a porta com tudo, enquanto Dani me
ajudava a subir as pequenas escadas.
Eu avisei que não tinha necessidade, mas ele me ignorou e começou a
me ajudar. Inclusive ele me ignorou o caminho todo. Mesmo com o
capacete com microfone. E foram duas horas de viagem. Ele foi com
cuidado, desviando dos carros no caminho, acelerando o suficiente para ser
rápido, mas sem causar qualquer desconforto em mim.
E eu fui uma cretina que se aproveitou do meu ombro machucado para
me encostar nele o máximo que pude. Dani não reclamou. Ele seguiu com
calma, parando algumas vezes para esticarmos o corpo, porque minhas
pernas ainda estavam doloridas pelo impacto com o chão. Só que ele me
ignorou sempre que parávamos. Em uma das paradas, ele entrou em uma
conveniência de um posto, pegou uma água e um sanduíche frio e me
entregou sem dizer uma palavra. Ele me ajudou a comer e segurar as coisas,
mas não conseguiu manter uma conversa casual. Minha pobre moto e
minha mochila foram enviadas para casa hoje cedo, e eu sabia que minha
mãe estaria em surto, mas o jeito que ela estava agindo, parecia que eu tinha
ido para a guerra e voltado depois de cinco anos.
— Oh, patatina! — Os olhos dela estavam cheios de lágrimas e eu
fiquei horrorizada.
— Mamma! — Fiz uma cara feia e lancei um olhar para Dani, que
tentava segurar a risada.
— Desculpe, Sr. Ricci — ela começou, mas ele balançou a cabeça.
— Pode me chamar de Dani — ele corrigiu, com um sorriso arrasador.
Ele sorria livremente para todo mundo, menos para mim?
— E você me chame de Irene! Você trouxe Nora?
— Dani me trouxe, porque, bem…
— Porque você detonou sua moto — meu pai completou, saindo da
garagem aberta, sua oficina. — Consigliere.
Dani não tentou fazer o meu pai chamá-lo pelo nome, provavelmente
porque sabia que ele era orgulhoso, e eu agradeci mentalmente por isso.
— Está muito ruim? — gemi, com medo da resposta.
— Um pouco… Acho que chegou a hora…
— Não! — praticamente choraminguei, balançando a cabeça, e meu
pai deu uma risada.
— Já estava velha, pat… filha. — Ele mudou porque eu olhei feio para
ele.
— Venha, figlia, vamos, eu acabei de fazer uma torta. — Minha mãe
ergueu a mão para colocar no meu braço com tipoia, mas me inclinei para
longe do seu alcance… para dentro do abraço de Dani, que me sustentava
pela cintura.
Meu ombro encostou no seu peito e seu cheiro delicioso e sedutor me
invadiu. Eu nunca me esqueceria das notas cítricas do seu perfume, de
como o cheiro ficava em mim por horas, depois que ele encostava seu corpo
no meu…
— Cuidado, Irene, ela continua com dor, porque é uma testarda que
não toma analgésicos — ele entregou, ralhando comigo, mas ainda
mantendo o sorriso arrasador para a minha mãe.
— É a Nora? — Michele desceu as escadas e parou abruptamente ao
me ver encostada no seu Consigliere. Tentei me afastar, mas Dani apenas
me empurrou para dentro de casa, o braço firme na minha cintura.
— Michele — ele cumprimentou, e meu irmão estreitou os olhos antes
de dar um aceno com a cabeça. E pegar o celular.
Olhei feio para ele, tentando discretamente mexer a cabeça, mas sabia
o que ele estava fazendo, e gemi com o que aconteceria em alguns minutos
se Dani não fosse embora…
— Eu estou ótima, obrigada pela ajuda — agradeci, enquanto ele me
guiava para o sofá, seguindo minha mãe.
— O que aconteceu, Nora? — meu pai perguntou, com os olhos
cerrados, porque ele com certeza não acreditaria na história do pneu, já que
os buracos de bala na minha moto contavam a verdade.
— Eu coloquei a marca da Stidda na moto dela para ela estacionar na
frente de casa e na clínica sem problemas, a pedido de Cate, e como ela
estava indo em direção à nossa casa nos Hamptons e sempre está em casa,
eles imaginaram que ela seria um bom alvo.
Dani falou com tanta facilidade, que eu comecei a questionar todas as
palavras que ele já me disse. Mas é claro que ele era bom mentir. Os boatos
eram que o próprio Mauro Ricci o treinou. Ele cresceu ao lado do tio,
aprendendo com ele. Isso com certeza mostrava que ele aprendeu algumas
coisas…
— Tudo bem, eu consegui escapar e deu tudo certo. Obrigada, Dani
e…
— Eu acabei de fazer uma torta! — minha mãe me interrompeu,
sorridente, e eu a fuzilei com os olhos. — Que tal um pedaço?
— Ele não quer um — falei, firme, mas minha mãe me ignorou.
— Sente-se, por favor, senhor… Dani — ela se corrigiu, quando ele
lhe lançou um olhar severo. — Vou fazer um prato para você.
— Mamma — ralhei, em voz baixa, mas Dani me lançou um olhar
divertido e provocante.
— Minha zia me mataria se eu recusasse — ele disse, simplesmente, e
se sentou ao meu lado no sofá.
Meu pai deu um sorriso para a esposa e sentou na sua poltrona
favorita. Talvez Dani tenha percebido isso, porque escolheu o lugar no sofá,
e eu estava um pouco confusa… Um homem com o poder dele, com o seu
ranking na organização, poderia pedir a melhor cadeira da casa. Deveria
exigir isso. Meu pai estava esperando isso e parecia bem satisfeito que ele
não exigiu. Que ele não foi um babaca, mas sim respeitoso com meu pai.
Seu subordinado, seu inferior.
Michele, ao contrário, estava puto da vida, encostado no corrimão da
escada e tentando não fuzilar o seu Consigliere com os olhos. Eu conseguia
ver o seu corpo dividido entre o respeito que ele devia ao Dani, e o senso de
proteção comigo.
— Então, o seu ombro…
— Nora? — Samuele invadiu a casa, com Perla ao seu lado, os dois
segurando os filhos pelas mãos, praticamente arrastando-os. Minha cunhada
parecia bem irritada e revirou os olhos quando entrou e encontrou os meus.
Ela estava com calças de abrigo e um moletom velho e meu irmão
estava sem camisa, apesar de também usar o mesmo tipo de calça. Como se
eles tivessem saído correndo de casa, no fim do quarteirão.
— Estou bem! — falei, irritada e olhando feio para Mick, que enviou
as mensagens.
— Eu disse isso a ele. — Minha cunhada soltou a filha no chão e ela
deu passos hesitantes até o meu pai, os olhos focados em Dani, cautelosos e
um pouco confusos.
— Nonno — ela pediu, esticando os braços para o avô e meu pai a
pegou no colo.
É claro que quando viu Anna no colo da sua pessoa favorita, Mattia II
se debateu até o pai o soltar e andou com firmeza, subindo na outra perna
do meu pai e olhando com superioridade para irmã, como se subir sem
ajuda fosse a maior conquista.
— O que aconteceu? — Samu ignorou a esposa e foi até Michele,
parando ao seu lado e cruzando os braços. Ele foi um pouco mais discreto
na sua desaprovação direcionada ao seu Consigliere, mas ainda assim…
— Não diga nada — alertei, quando Dani abriu a boca para responder.
— Espere. Três, dois, um… — contei, descendo os dedos e a porta da frente
se abriu de novo.
Dani tentou esconder um sorriso quando Damiano surgiu, com a filha
recém-nascida amarrada ao peito em um canguru de tecido. Balancei a
cabeça quando Gemma entrou também, os cabelos escuros, bagunçados e
balançando em seus cachos finos.
— Eu disse que eu não posso correr! — Ela acertou o braço do meu
irmão com força, e ele resmungou de dor, antes de pedir desculpas para ela.
Gemma me lançou um sorriso espertinho e cheio de duplo sentido,
antes de ir saltitando até o outro sofá, como se estivesse pronta para assistir
ao filme mais interessante da sua vida. Olhei feio para ela e suspirei.
— Agora pode contar — falei para Dani, que deu uma pequena risada,
completamente inabalado com os meus três irmãos o encarando.
Tudo bem que, entre os três, Mick era o mais assustador no momento.
Ele estava com uma camiseta básica e shorts leves, mas pelo menos não
parecia desgrenhado como Dami, ou cansado como Samu. E mesmo com
meus dois irmãos mais velhos sem camisa, Mick parecia mais forte… É
claro que nenhum deles se comparava em tamanho com o Consigliere,
portanto, admirei a audácia deles de se posicionarem juntos, ao pé da
escada e encararem o seu superior assim, com tanta hostilidade.
Dani repetiu a mentira, encarando meus irmãos nos olhos
tranquilamente. Angelo sabia a verdade, agora, tendo participado da tortura
dos Catanios, mas ele nunca contaria nada para os irmãos mais velhos. Não
que ele não confiasse, mas ele levava o seu trabalho a sério. E queria se
mostrar para os chefes. Queria crescer na organização. Estar tão perto de
Mau e sua equipe, cuidar da esposa dele, era uma grande honra para o meu
irmão. Mesmo que isso o colocasse em perigo constante.
— Ótimo, tudo esclarecido? Eu tenho certeza que você precisa
voltar…
— Pronto, eu trouxe… — Minha mãe parou com uma bandeja na mão,
com uma fatia enorme de torta e um copo de leite. Ela fuzilou os meus
irmãos com os olhos e depois o meu pai, que perdeu o sorrisinho satisfeito.
— Sinto muito por isso, Dani — minha mãe pediu, indo em direção a ele e
meus irmãos ficaram bem mais irritados por ela tratar ele pelo primeiro
nome, com a intimidade que ele estabeleceu.
Percebi que não foi só educação. Dani entrou nessa casa conquistando
como aliada a peça mais importante para todos eles e meu pai.
Che due palla.
Segurei a vontade de balançar a cabeça, mas ele deu uma piscadinha
para mim quando percebeu o meu olhar e recebeu a bandeja das mãos da
minha mãe com um sorriso arrasador.
— Não precisava se preocupar, Irene. — Ele gesticulou para a bandeja
que colocou em seu colo, agradecendo minha mãe.
— Espero que goste de torta de maçã! — Minha mãe foi se sentar do
lado da Gemma, no sofá menor, e segurou a mão de sua nora enquanto Dani
dava uma garfada generosa.
Eu sabia que estava boa não só porque a torta era especialidade da
minha mamma, mas porque Dani deu um leve suspiro satisfeito.
— Você precisa dar a receita para a Cate, ela vai adorar essa
combinação de sabores — ele falou, com carinho, e minha mãe abriu um
sorriso radiante, endireitando os ombros de orgulho. E eu sorri também,
porque Cate realmente adoraria esse sabor.
— Vou separar um pedaço para ela.
— Ela vai adorar, obrigado — ele agradeceu e deu outra garfada,
totalmente espontânea e sem falsidade.
— Vocês querem torta, ragazzine? — minha mãe perguntou, olhando
para Gemma e Perla, e Samuele bufou da escada.
— E seus filhos?
— Minhas filhas, primeiro, e vocês estão sendo mal-educados na
frente das visitas — ela ralhou, olhando feio, e imediatamente meus irmãos
relaxaram as posições, apesar dos olhares desconfiados e severos
continuarem em seus rostos.
— Eu quero torta — Mattia falou, espiando o prato de Dani e criando
mais coragem para interagir do que a irmã.
— Vamos, bambino mio — Perla falou, com delicadeza e se levantou,
esperando o filho a seguir. — Quer também, Annita?
— Sim, mamma — ela respondeu, baixinho, com aquela voz ainda
falha e as palavras todas erradas e moles.
— Vi que você está usando a sua Kawasaki, ficou tudo bem? — meu
pai perguntou para Dani, um pouco nervoso.
Eu sabia que ele tinha ficado honrado quando o Consigliere o procurou
para consertar a sua moto. Ele ouviu indicações de vários soldados sobre a
oficina do Romano e veio direto até aqui. Mas meu pai também ficou
preocupado, porque era uma responsabilidade enorme. E o antigo
Consigliere não tolerava erros. Era tão diferente o jeito de Teo, Dani e Mau
lidarem com seus soldados e negócios. Eu via, por trás dos panos, como
eles ficavam um pouco confusos quando eram tratados com respeito.
Quando eram tratados como colegas e não subordinados.
É claro que Teo tinha uma reputação assustadora, assim como Dani e
Mau, e sua equipe. Todo mundo sabia dos boatos, de como eles eliminaram
todos os apoiadores do falecido Capo e colocaram soldados mais jovens,
mais leais, em seus lugares. Teo e Dani eram conhecidos entre os soldados
porque participaram de várias operações com eles, como se fossem
soldados comuns. Eu sabia que Samu participou de uma dessas operações
antes de começar a ajudar mais o babbo na oficina.
Ele tinha um respeito enorme pelo Teo e falava sempre muito bem
dele. Os Ricci mais novos começaram mudando a Stidda de uma maneira
que o pai deles nunca imaginou fazer: eles se entrosaram com os soldados,
com suas famílias. Eles ganharam a confiança dos seus homens de uma
maneira praticamente inquebrável, lutando ao seu lado, trabalhando ao seu
lado. Impossível não dividir momentos tensos e pesados sem confiar
plenamente em alguém. E eles confiavam no novo rosto da Stidda.
Enquanto Mauro Ricci e sua trupe elitista se cercaram dos velhos
tradicionalistas que sempre estiveram na elite da máfia, Teo, Dani e Mau
conquistaram a base. Os soldados. E Lena e Cate faziam a mesma coisa
com a ajuda de Alessia.
Elas navegavam entre as esposas dos homens importantes das famílias
tradicionais que Teo não eliminou, mas também participavam de festas
familiares dos soldados mais baixos. E por isso a ideia das academias de
treinamento da Stidda era genial. Misturar os homens de vários rankings,
obrigá-los a conviver, fazer contatos, obrigá-los a treinar junto de uma
maneira que não parecesse tão dominante e de servidão. Os soldados de
todos os tipos, os Stiddari que nem eram soldados ativos, que só eram os
homens de negócios, a força bruta… tudo isso se misturava nas academias
que Teo estava espalhando por todo o território.
Ele estava transformando a Stidda em uma enorme famiglia. De
verdade. Onde todo mundo confiava no outro. Tudo isso enquanto ainda
mantinha o ranking e o respeito. Teo era impiedoso, garantiu isso
eliminando os homens que não estavam de acordo com suas leis e regras,
mas também era justo. Era brilhante como os Ricci cativavam o apoio
incondicional de todas as faixas de hierarquia da Stidda. De homens como
Gaspare, no topo, ao meu pai, na base.
— Melhor do que era antes. Preciso trazer a minha Ferrari, na
verdade. Eu não uso muito e está meio estranha. Me disseram que seu filho
Damiano é ótimo com elas. — O elogio teve o efeito esperado.
Meu irmão se empertigou, o efeito prejudicado um pouco por conta do
canguru amarrado no peito e da pequena Beatricce pendurada nele. Mick
revirou os olhos, mas Samu pareceu amolecer também, porque ele que
ensinou tudo para o Dami, como meu pai fez com ele.
— Quando quiser — Damiano falou, e eu respirei fundo, resignada.
— Está cedo, mas e se você ficar para o jantar? — meu pai ofereceu, e
foi aí que percebi que Dani conquistou rapidamente toda a minha família.
Cazzo.
16 - Dani
Nora estava revoltada comigo, mas foi ela que pediu para sermos
cordiais. Eu imaginei que isso incluía a sua família. E eu gostei bastante da
sua família. Nem me importei com os irmãos dela tentando me intimidar.
Era claramente uma tentativa de defender a irmã e a honra dela, mas
ninguém mencionou um noivo. Ninguém disse nada sobre um possível
casamento. Ou citou o nome de alguém, ou disse que alguém estava
faltando. Os pais de Nora eram bem tranquilos, pelo que percebi, mesmo
com a filha chegando machucada em casa e na companhia de um homem. A
maioria dos pais da máfia italiana tinham um puritanismo absurdo. Gigi,
por exemplo, não ficava sozinha com homens que não eram seus familiares.
E isso era ridículo.
Porém, Mattia e Irene Romano não pareciam se incomodar com a filha
ter passado o final de semana longe. Certo, Angelo estava lá, mas ela foi
sozinha. Voltou com um homem, sozinha. Ninguém deu uma bronca nela e
nem parecia recriminá-la por isso. Eles eram rigorosos de outras maneiras,
percebi. Mas não como meu tio… Era… normal.
Seus filhos obedeciam às ordens de colocar mesa, ajudar a mãe, retirar
e lavar os pratos. Mas eles brincavam juntos. Eles davam risada junto. Eles
ficavam juntos sem se esforçar. Era bem diferente da maneira como fomos
criados. Teo e eu fizemos de tudo para ajudar a minha tia a proteger Mau,
mas quando meu tio insistia em jantares em família, era tudo mecânico. O
respeito que ele conquistou das pessoas naquela mesa em Hewlett era
devido ao medo e pancadas. O respeito que Mattia e Irene Romano
conquistaram era por conta do amor, da criação cuidadosa.
Mais observei do que participei, curioso, tentando imaginar se, no
futuro, seria assim, com os filhos de Teo e Mau, sentados à mesa em nossa
companhia. Tentei imaginar se Nora criaria os seus filhos assim, com o seu
noivo. E não pela primeira vez na vida, invejei uma família. Um futuro.
— Desculpe — Nora pediu, me entregando outro prato.
Mesmo não podendo lavar as louças por conta do seu ombro, ela ficou
comigo na cozinha quando insisti em lavar tudo. Era o mínimo que eu
poderia fazer pela sua mãe, depois do jantar.
— Pelo quê?
— Meus irmãos — respondeu ela, com um sorriso, se encostando no
balcão ao lado da pia. — Eles são um pouco superprotetores.
— Normal em uma família italiana — brinquei, e ela balançou a
cabeça.
— Não somos uma família comum. E eu definitivamente não sou a
típica garota italiana — murmurou, parecendo perdida em pensamentos.
— Você parece uma para mim.
Nora virou aqueles olhos azuis penetrantes em minha direção, os
cabelos escuros caindo lisos pelo seu rosto incrível. Ela deu um sorrisinho,
como se não acreditasse no que falei.
— Sou totalmente o oposto, mas não me impressiona você não saber o
que é uma filha da máfia apropriada.
— Você está tentando ofender minhas companhias? — brinquei,
fingindo indignação e jogando água da pia nela. Ela me bateu no ombro
com uma risada livre e leve, que aqueceu meu coração.
— Não, estou tentando ofender você — ela respondeu, ainda sorrindo.
— Não fico ofendido, porque não ligo para garotas italianas certinhas
— respondi e ela mordeu o canto dos lábios, pensando.
— Eu não sou… virgem. Como você reparou… — Ela abaixou a voz,
e olhou para a porta. Mas não parecia ter vergonha de falar sobre isso, ou
sobre sexo. — Eu tenho permissão para sair sozinha, eu vou para festas e
baladas, eu trabalho. Eu não sou boa na cozinha, eu luto e gosto muito
disso. Minhas mãos não são delicadas e perfeitas porque eu passei a
infância aprendendo a consertar carros e socando meus irmãos…
— Você tem um objetivo? Listando tudo isso? — Ergui as
sobrancelhas enquanto terminava de enxaguar o último prato e desligava a
torneira.
— Estou tentando te alertar de que eu não sou ideal. De que… — Ela
suspirou, desviando o olhar. — De que não sou o que você procura.
Minha risada escapou e ela fechou a cara. Mas eu tive que rir, porque
eu não buscava nada disso. Nunca busquei. Eu já sabia que não me casaria
com uma filha da máfia perfeita, porque não queria. Se meu tio ainda
estivesse vivo, e me ordenasse, eu faria. Ele me torturou o suficiente para
ser difícil desobedecer a suas ordens. Mas Teo não me obrigaria a casar para
manter relações ou agradar algum segone que queria ter influência e poder
na famiglia. Mesmo se obrigasse… não seria algo que escolhi. Não seria
algo que eu gostaria. Mas Nora…
— É isso que você quer, Nora? Ser a filha perfeita da máfia e se casar
com alguém ideal? — Mantive minha voz baixa, me aproximando um
pouco dela, mas não o suficiente para parecer indecoroso. Agora que ela
tocou no assunto, eu queria saber se ela imaginava isso, se sonhava com
isso. Em ter alguém digno. Alguém que não tenha feito as coisas que fiz.
— Eu quis isso, uma vez… — confessou ela, depois de um momento
de silêncio, e ergueu os olhos para mim. Confusos, cheios de dor e mistério.
— E agora?
Ela abriu a boca, mas não saiu nada. Ela tornou a fechar, e abriu mais
uma vez. E então finalmente balançou a cabeça em negativa.
— Eu quero ser eu. Lutar, trabalhar, andar com a minha moto porque,
apesar de mentir sobre eficiência e rapidez, eu realmente gosto de andar por
aí assim.
— E isso não vai acontecer se você se casar?
— Não com quem era para ser… — confessou ela novamente, os
olhos um pouco arregalados pelos segredos que estava soltando. — Mas
isso não importa mais.
— O que você quer sempre importa, Nora.
— Não, eu quis dizer…
— Sobre o que estamos falando? — O pai dela invadiu a cozinha, com
Michele e Damiano atrás, e ainda bem que eu estava segurando um pano de
prato nas mãos, porque pude fingir que acabei agora de lavar a louça e
estava secando as mãos.
— Estamos falando que não sou a filha da máfia apropriada — ela
brincou, com um sorriso, e apontou para o ombro apoiado na tipoia.
— Não, você definitivamente não é.
— É teimosa, é cabeça-dura. Se mete em assuntos que não são seus…
— Michele começou a listar e Nora ergueu o dedo do meio para ele. —
Mais uma prova.
— A culpa é minha, com tantos filhos, eu não soube criar uma filha —
Mattia explicou, sorrindo, mas isso me incomodou.
— Você a criou muito bem. Nora é uma ótima médica, e uma lutadora
muito boa. E, na verdade, eu acho que, por ser teimosa e cabeça-dura, ela é
excelente com seus pacientes.
Não consegui me controlar, porque tudo o que eles falavam sobre Nora
e seus aparentes defeitos eram suas melhores qualidades para mim. Ela era
uma lutadora incrível porque era dedicada, porque tinha paciência, porque
pensava antes de agir. Ela era uma médica excelente porque lutava pelos
seus pacientes, porque não desistia.
— Viu? — Nora sorriu, e tentou esticar as costas, soltando um gemido
de dor.
— Talvez ser teimosa é mesmo um defeito — brinquei, e ela me
xingou baixinho.
Deixei o pano de prato em cima do balcão e virei as costas, escutando
os passos leves dela me seguindo. Parei na frente do seu pai, esticando a
mão e segurando com firmeza.
— Obrigado por me receber, Romano — agradeci, e ele me deu um
sorriso leve.
— Foi o nosso prazer, Consigliere.
— Posso trazer meu carro? — Virei para Damiano e ele concordou
com a cabeça, aceitando a mão que estiquei.
— Obrigado por trazer Nora.
Saí da cozinha e agradeci a mãe de Nora, pegando a embalagem com o
pedaço de torta para Cate e dizendo adeus para o seu outro irmão e suas
cunhadas. O pequeno sobrinho de Nora me deu um tchau com a mão, e eu
sorri. Mas Nora continuou me seguindo até minha moto e eu virei a cabeça
para ela, erguendo as sobrancelhas e esperando uma explicação. A porta da
sua casa estava aberta, mas não havia ninguém ali. Mesmo assim, Nora
manteve a voz baixa quando falou:
— Obrigada.
— Não fiz nada.
— Me buscou ontem. Ajudou a colocar meu ombro no lugar. Me
alimentou. E me defendeu.
— Não fiz nada — repeti, e ela suspirou, mordendo novamente o lábio
como se estivesse nervosa.
Nora me olhou por um momento, com seus olhos confusos e um pouco
tristes, porém firmes nos meus. Ela raramente desviava o olhar e isso era
uma das coisas que eu mais gostava nela. Então ela ficou na ponta dos pés e
me deu um beijo na bochecha, antes de se afastar, quase correndo, com os
cabelos escuros balançando pelas suas costas.
Porca puttana, um único toque dessa mulher, por mais leve que fosse,
dominava todos os meus sentidos e atenção.
E isso quase me distraiu… quase.
Notei o carro estacionado no fim da rua, destoando um pouco dos
carros comuns da vizinhança familiar. Não que fosse chamativo, mas era…
simples, apagado. Escondido. E os dois homens sentados no banco da frente
esperando em uma tocaia também era uma confirmação. Desci da moto e
me abaixei, tirando a arma que prendi no tornozelo. Não era exatamente a
S&W que eu carregava no coldre no peito, mas bastaria. Segurei ela
discretamente, me virando de costas para o carro e voltei para a casa,
subindo as escadas com calma.
— Teo — falei, quando disquei e meu primo atendeu no primeiro
toque. — Estão vigiando a casa de Nora.
Bati na porta, olhando por cima do ombro e quem abriu foi Samuele. O
irmão mais velho de Nora ficou tenso quando viu a arma na minha mão e se
afastou para que eu entrasse.
— “Estou enviando alguns homens” — meu primo respondeu e
desligou, provavelmente para dar as ordens.
Imediatamente, Michele e Damiano começaram a procurar armas.
Perla pegou os filhos, assim como Gemma pegou a filha e subiram, levando
Irene. Nora desceu as escadas correndo quando elas subiram.
— O que está acontecendo? — Nora perguntou, observando o pai e
Samuele pegarem algumas munições.
— Estão te vigiando — expliquei e ela pareceu desolada e
arrependida.
— Nora, o que está acontecendo? — Mattia perguntou à filha e ela
olhou para mim, pedindo permissão.
— Isso é extremamente confidencial, certo? — falei, e eles
concordaram com a cabeça. — Soldados da Catania atacaram a Nora
porque, trabalhando na clínica, ela conseguiu uma informação importante
para nos ajudar — menti, porque mesmo com a permissão de Nora, não
queria contar para eles como ela foi inconsequente e entrou no território da
Catania sozinha e libertou aquelas mulheres. Não a culpava por fazer, mas
não gostava do fato mesmo assim.
— Qual informação? — Michele perguntou, olhando feio para a irmã,
mas Samuele acertou ele no braço.
— Não é da nossa conta. O que importa é que Nora está em perigo.
— Não vou deixar nada acontecer com ela, mas acho que ela vai estar
mais segura em casa.
— Nem pensar! — Nora gritou, revoltada e me olhou feio.
— Eles querem você, Nora, mesmo que tentem pegar os seus irmãos,
eles sabem que são soldados da Stidda, e vou colocar homens vigiando as
casas de todos, mas se você estiver longe daqui, eles vão manter os olhos
em você.
— E me seguir até a casa de vocês não tem problema? — ela
resmungou, irritada.
— Você já viu o sistema de segurança? — Estreitei os olhos e ela fez o
mesmo, me encarando com ódio.
— Não impediu várias coisas.
Foi um golpe baixo e ela sabia. O dia que tentaram levar Lena e
pegaram Gigi foi fora de casa, e Matteo também precisou atrair Cate para
fora, para conseguir levá-la, mesmo sendo teoricamente um homem de
confiança. Nora perdeu um pouco da irritabilidade, suas feições suavizando
delicadamente, seus olhos ainda focados nos meus.
— Tudo que aconteceu não foi dentro de casa. E não vamos cometer
os mesmos erros.
— Vai me arrumar um segurança também? Eu preciso ir trabalhar!
— Eu vou ser seu segurança, e a clínica nova é mais perto de casa.
Ela pareceu chocada com a minha declaração, sua boca se abrindo
levemente. Seu pai e seus irmãos ficaram um pouco chocados e confusos
com a nossa briga. Não entendia o porquê, já que isso era um padrão bem
mais normal do que a cordialidade que ela queria.
— Você não vai ficar me seguindo por aí — ela resmungou, se
aproximando de mim e encostando o dedo no meu peito. O efeito da sua
braveza foi quebrado pela tipoia no seu braço dominante e sua pouca altura.
— E você vai me impedir como? Para começar, você não pode
trabalhar direito com esse braço. E depois, se continuar aqui, seus sobrinhos
correm perigo, Nora.
Eu estava jogando baixo, mas nem tanto… Se Nora ficasse aqui, eles
poderiam desistir de atacar ela, e atacar sua família. Ou tentar fazer algum
mal a eles como forma de calar ela. Eu já usei essas mesmas táticas. Os seus
irmãos já fizeram isso… Já encontramos casas dos soldados rivais e
atacamos o lugar só para passar uma mensagem. Evitamos matar civis,
porque não era culpa deles, mas nem sempre era possível.
— Nora… Ele tem razão — Damiano falou, respirando fundo. A irmã
se virou para ele e balançou a cabeça. — Se eles acreditarem que você não
contou nada para ninguém, podem usar as crianças para te calar. Eles não
tem como saber porque você sempre está na companhia da esposa do Capo,
então isso não é estranho, mas eles podem cansar de esperar. E também
podem tentar te atacar de novo.
Nora parecia contrariada, e eu ia falar alguma coisa, quando meu
telefone tocou.
— Teo?
— “Enviei alguns soldados aí. O que você quer fazer?”
— Vou levar Nora para casa.
— “Ótimo, vamos manter a escolta na casa dela até essa merda
acabar, diga para ela não se preocupar” — Nora me encarou,
provavelmente escutando o que Teo falou.
Ela parecia bem preocupada. Desliguei o telefone e olhei para ela,
determinado a colocá-la no ombro e carregá-la daqui. Nora balançou a
cabeça uma vez, e então pareceu derrotada.
— Vou arrumar minhas coisas.
— Separe o que vai usar hoje e o resto mando buscar — avisei e ela
concordou com a cabeça, subindo as escadas novamente. Virei para o seu
pai, olhando com firmeza para ele. — Meu primo enviou alguns soldados e
vamos manter a proteção por tempo indeterminado.
— Podemos cuidar disso — Michele falou e Samuele balançou a
cabeça, com Damiano xingando o irmão baixinho.
— Podem, mas vamos ajudar. Sua família é mais importante do que
demonstrações de poder — avisei, e ele travou a mandíbula, segurando uma
resposta. Bem mais parecido com Nora do que Angelo.
— Obrigado por enviar alguém — Romano agradeceu, mas parecia
preocupado.
— Vou proteger Nora, todos nós vamos… só que essa informação é
vital para nós. — Cogitei contar, mas antes que eu pudesse tomar uma
decisão, ele balançou a cabeça.
— Não precisa dizer mais nada. Confiamos em vocês e nas decisões
que tomam. Estamos ao seu serviço.
Ele ergueu a mão esquerda, colocando-a espalmada no meio do peito e
seus filhos fizeram o mesmo, mostrando a estrela da Stidda. Mattia Romano
se aposentou das ruas e das emboscadas, mas ainda era um soldado valioso.
Ele ajudava no desmanche, ajudava a arrumar nossos carros, era um bom
mecânico, participava da comunidade ativamente, era querido e conhecido.
Seus filhos também, os dois mais velhos Samuele e Damiano se
aposentaram das tarefas mais pesadas e passaram a ajudar o pai na oficina e
no desmanche. Mas Michele ainda era bem ativo. Ele participava da escolta
de transporte de armas, uma das nossas rotas mais perigosas e necessárias.
E era bom no que fazia.
Assim como Angelo, que se entrosou bem com a equipe de Mau e
estava determinado a se provar como segurança de Lena. Não protegeremos
a família deles só por Nora, mas também porque eles eram soldados leais e
parte da nossa famiglia, da Stidda.
— Pronta — Nora disse, descendo as escadas com a mãe ao lado,
chorando.
— Irene, você deveria ficar lá em cima — Mattia ralhou com a esposa,
mas ela balançou a cabeça.
— Cuide dela — ela me pediu, chorando, e eu concordei com a
cabeça.
— Talvez podemos pensar em alguma distração… aproveitar que sua
mãe está chorando e fingir que vocês brigaram? Quão boa é sua atuação? —
perguntei e Nora me olhou incrédula.
— Tipo a Bella em Crepúsculo? Sério?
Eu estava confuso com o que ela quis dizer, mas Michele bufou, uma
risada sarcástica saindo logo em seguida.
— Aquele plano do Edward foi ótimo e teria dado certo se a Bella não
pensasse que poderia defender um vampiro de outro vampiro!
— Ela fez o que podia para proteger o amor dela!
— Ela foi burra. Era um vampiro caçando ela! E o namorado dela era
o quê? Outro vampiro. Assim como a família dele. Custava ela ficar no
hotel comportada?
— Ela…
— Basta! — Mattia gritou, acabando com a discussão dos irmãos.
Samuele e Damiano tentavam esconder a risada e Irene parecia resignada,
como se já tivesse escutado essa discussão mil vezes.
— Nora obrigou Mick a ir ao cinema com ela, quando os filmes
saíram. Eles não concordaram com nada durante a saga inteira.
— Percebi — brinquei, e olhei para Nora. — Imagino que seja igual à
Bella, mas vai dar certo dessa vez. Só diga algo, tipo… você vai embora por
um tempo, nada muito cruel e desnecessário.
— E se não der certo? — ela perguntou, e eu fui até ela, tirando a
mochila pesada da sua mão esquerda.
— Os soldados vão continuar aqui, cuidando da sua família,
independente de dar certo ou não. É apenas uma precaução a mais. Eles
imaginarem que somos amigos e que você brigou com os seus pais, e
continua de boca fechada, é a melhor das hipóteses.
Nora concordou com a cabeça e lançou um olhar para os pais, cheio de
arrependimento.
— Desculpa colocar vocês nessa situação. — Seu olhar foi para
Michele, e ele balançou a cabeça. — Você me avisou…
— Sorellina, não é sua culpa. É a vida na máfia. Vá e fique segura,
vamos ficar bem — ele prometeu e ela concordou, voltando seus olhos para
mim.
— Ok, vamos lá.
Nora abraçou sua família com força, como se ainda não tivesse certeza
de que estava fazendo a coisa certa. Puxei a mochila dela, andando mais
rápido, como se estivéssemos fugindo. Na verdade, seria o cenário perfeito
se eles estivessem mesmo observando. Eu saí depois de jantar, peguei meu
celular, entrei na casa novamente e agora estava saindo com ela, brigando
com os pais. Nora me seguiu rapidamente e então virou para trás quando eu
já estava na base da escada.
— Não aguento mais isso, não vou mais ficar aqui! — ela gritou e a
voz estava dolorida. Foi alto o suficiente para o quarteirão inteiro escutar, e
como Irene estava chorando na porta, pareceu convincente se estivéssemos
sendo observados. Mattia bateu a porta na cara da filha, dando um efeito um
pouco melhor para a atuação.
Nora terminou de descer as escadas quase correndo. Ajudei ela a
colocar o capacete e quando eu coloquei a mochila dela no meu peito, ao
contrário, ela rapidamente subiu na moto atrás de mim, me abraçando pela
cintura com um braço.
— Vá — ela pediu, com a voz firme.
Era difícil pilotar com a mochila no meu peito, principalmente porque
a moto me obrigava a inclinar um pouco o corpo, mas fiz o que pude
quando acelerei pelas ruas. Não fui rápido no começo, esperando ser
seguido e fiquei satisfeito quando percebi que estava.
— Você não vai acelerar? — ela perguntou, confusa. Com o capacete,
conseguíamos nos comunicar graças a tecnologia. Não fizemos muito de
Hamptons para cá, mas agora ela parecia querer falar comigo.
— Eu quero que eles tenham a ilusão de que não sei sobre eles. Quero
que fiquem confortáveis.
— Por quanto tempo você vai deixá-los nos seguirem?
— Pelo tempo que eles aguentarem. Se eles ficarem focados em nos
seguir, não vão perceber que estamos seguindo-os também.
— Onde você colocou a sua arma?
A pergunta dela me pegou de surpresa, mas bati na lateral da minha
coxa esquerda. Deixei uma faca na direita, se precisasse de mais ajuda hoje,
já que não estava usando o meu coldre de sempre. Nora se inclinou na
moto, sua mão correndo pela minha perna. Ela puxou rapidamente a barra
da minha calça para cima e pegou a arma, mesmo com a mão esquerda.
— Você está machucada, será que dá para ficar quieta? — ralhei,
irritado com ela e escutei ela bufando.
— Eu consigo me equilibrar na moto! — Nora pareceu indignada e eu
não consegui evitar o meu sorriso. Era divertido ver ela irritada, escutar
suas respostas, escutar ela tentando negar e se provar. — O que vamos
fazer? Levá-los direto para a casa de vocês, sem mais nem menos?
— Sim. E torcer para eles nos levarem para um dos armazéns, ou pelo
menos um lugar onde os irmãos Sana estejam.
— E enquanto isso?
— Enquanto isso, você é minha responsabilidade.
E minha.
Muito minha.
17 - Nora
Andei na ponta dos pés até a porta de Dani, não que alguém fosse
escutar, mas eu não queria parecer afoita. Eu não conseguia dormir e
esgotei todo o entretenimento que o meu celular me dava. Eu estava
inquieta, irritadiça, nervosa… Era uma inquietação estranha, como se eu
não soubesse a causa, como se fosse uma ansiedade sem raiz, sem motivos.
Mas é claro que tinha motivos, já que meus pais estavam com a casa
vigiada, assim como meus irmãos e sobrinhos. Eu os coloquei nessa
situação, e estava nervosa com isso. Mesmo que a sensação não fosse
exatamente essa.
Bati na porta duas vezes, sem me sentir culpada por acordá-lo, já que
ele me trouxe para cá. Então eu era a sua visita, e sua responsabilidade,
como ele falou. Portanto, problema dele se ele queria dormir. Eu também
queria.
Dani abriu a porta, parecendo um pouco amassado e cansado, mas
ficou em alerta assim que me viu. Ele dormia de cueca, uma boxer preta
que definitivamente não escondia o seu tamanho. Mantive meus olhos na
altura do seu peito, empurrando-o para o lado e invadindo o seu quarto sem
cerimônia. Ele ergueu uma sobrancelha, fechando a porta quando passei.
— É sério? — Apontei para a sua antessala, incrédula.
A de Mau e Lena era um lounge com poltronas e um minibar,
incontáveis revistas de moda e um vídeo-game super moderno. Eles
claramente passavam tempo lá, depois que ela redecorou antes do novo
casamento. A de Teo e Cate era uma antessala menor, com uma mesa e um
computador, e duas poltronas básicas. Eles não passavam tempo lá,
aparentemente. A de Dani…
Uma barra de flexões ficava presa na entrada para o seu closet, e um
saco de pancadas pendia por um gancho do teto, assim como um suporte
para halteres, no canto da antessala, e um espelho enorme.
— Me ajuda quando estou com insônia — ele respondeu, antes de me
olhar feio. — O que não era o caso hoje, já que você me acordou.
— Desculpe — pedi, mas não estava nem um pouco arrependida. E
pela forma como ele balançou a cabeça, ele sabia.
Dei as costas e entrei no seu quarto de fato, me impressionando com a
cor azul. Sua colcha era de um azul-escuro, assim como as cortinas, mas o
resto era banco ou cinza. Parei por um momento e voltei para a antessala,
espiando o seu closet completamente organizado de uma maneira que faria
a Monica de Friends ter um orgasmo. Entrei novamente no quarto,
observando como, mesmo dormindo, ele conseguiu deixar um lado da cama
intacto e arrumado. Como suas coisas estavam de uma maneira ordenada,
tipo o notebook na mesa em um canto, com o celular e o relógio alinhados
perfeitamente na sua mesa da cabeceira.
— Se eu trouxer uma trena… — provoquei e ele me xingou, dando
uma risada. — E se eu bagunçar tudo?
— Se você quer ser punida, Nora, só precisa pedir — ele ameaçou, e
eu tive que me controlar muito para não apertar minhas pernas e morder a
boca, me lembrando da sensação e do ardor que ele deixou na minha bunda.
— Não tem graça te provocar.
Ignorei sua ameaça e fui sentar na sua cama, no lado arrumado, só para
irritá-lo. Dani estreitou os olhos, encostando no batente, me observando
com curiosidade. Eu também não sabia o que estava fazendo aqui, mas algo
borbulhando dentro de mim, me deixando inquieta e maluca, me trouxe até
aqui. A realização me atingiu quando observei o corpo dele todo malhado e
musculoso, encostado tranquilamente contra a moldura da porta, me
olhando com curiosidade.
Tesão.
Eu acordei com tesão e estava desesperada tipo uma cadela no cio. Só
podia ser indício da minha TPM. Mas não parei de observar o seu corpo,
cada depressão dos músculos, cada marca, cada pedaço daquele peitoral
enorme, daquela barriga definida, daquela tatuagem incrível que era a
representação de todas as lições cruéis que seu tio provavelmente o obrigou
a aprender.
Os seus cabelos loiros estavam bagunçados e os olhos azuis não
estavam mais tão sonolentos e apagados. Ele me olhava com intensidade,
como se tivesse percebido a mudança no meu olhar, como se tivesse
entendido o sentimento inquietante que me trouxe até aqui.
— Me conte algo sobre você que você nunca contou para ninguém.
Não foi um pedido, foi um desafio.
Dani hesitou por um momento, porém, se desencostou da porta e
caminhou lentamente até mim, sentando-se ao meu lado na cama. Ele não
me encarou, seus olhos estavam na colcha, os dedos correndo pelo tecido.
— Azul só é minha cor favorita porque era a cor favorita da minha
mãe.
Imitei-o, correndo a mão pelo tecido macio, observando o tom de azul-
escuro que provavelmente ele escolheu com carinho, pensando na mãe.
— Como ela era? — Não me dei o trabalho de explicar que sabia que
ela morreu e Dani não perguntou.
— Jovem. Alegre. Um pouco descontrolada e sem preocupação.
Definitivamente não queria ser mãe, ou ser esposa. — Ele parecia perdido
em pensamento, nem percebeu que nossos dedos se encostaram e que não
me movi, esperando-o se afastar.
— O total oposto da minha mãe, então — brinquei e ele deu uma
pequena risada.
— Minha mãe era jovem. Ela se casou porque engravidou, e como
meu pai era irmão do Capo, eles foram obrigados a se casar. Meu tio era
bem mais velho, mas mesmo assim nunca foi próximo do irmão. Minha tia
também era jovem quando se casou com meu tio, e isso foi bom para a
minha mãe, mas não era a vida que ela queria. Ou que meu pai queria.
— Cate me contou como eles morreram — confessei e vi ele ficar
tenso, seus braços se retesando, sua mandíbula apertando. — Eu vi muita
gente morrer assim na clínica. Não é fácil para os que conseguem se livrar
do vício.
— Imagino que não — ele respondeu, e virou para mim, seus olhos
azuis indecifráveis. — Mas não existe a opção de sobreviver se você é
irmão do Capo e faz merdas.
— Seu primo não parece pensar assim.
— Teo é mil vezes melhor do que o testa de cazzo do meu tio. —
Tinha tanto ódio na voz de Dani, que eu me senti mal pelo garotinho que ele
foi nas mãos daquele homem.
— Minha vez — falei, e ele me olhou confuso. — Michele acha que o
Angelo estragou as Playboys dele, mas fui eu. Eu estava com raiva porque
ele não queria me acompanhar no passeio da escola e Dami e Samu estavam
ocupados.
— E por que Angelo não te acompanhou?
— Porque ele é o mais novo e meu pai só o deixou tomar conta de
mim quando ele aprendeu a atirar. — Revirei os olhos, irritada. — Meu pai
me deu bastante liberdade, mas uma das poucas coisas que ele concordava
com a minha mãe, era que eu não deveria andar sozinha por aí. Eles tinham
medo do que os garotos poderiam aprontar.
— E por que eu tenho a sensação de que você é quem aprontava? —
perguntou, com um sorriso mais tranquilo e eu dei risada.
— Porque eu aprontava. Meu primeiro beijo foi no cinema e meu
irmão estava na mesma sala. Ele nem se tocou que eu não fui ao banheiro
de verdade, e sim algumas fileiras para trás.
— Escandaloso da sua parte — provocou, com um sorriso que me fez
querer imitar como puxei Finn Anderson pela camiseta e colidi meus lábios
sem experiência com os dele.
— Ele nem era italiano. — Dani soltou um ruído de falso choque e eu
o empurrei com o braço esquerdo. — Eu disse que não era uma filha da
máfia apropriada.
— Eu já descobri isso quando trepamos no almoxarifado da clínica. —
Mostrei o dedo do meio para ele, e sua risada encheu o quarto, me fazendo
sorrir também. — Não vai me perguntar como foi meu primeiro beijo?
— Não, eu tenho quatro irmãos na máfia, eu definitivamente não quero
saber — resmunguei e ele riu novamente.
— Me conte outra coisa então, que ninguém sabe.
Hesitei, como ele fez. Porque eu ainda não me sentia pronta para falar
sobre isso. Mas não queria mais guardar toda essa culpa, toda essa dor em
mim.
— Quando você disse que eu não sabia o que eu estava fazendo
entrando naquele armazém, e eu disse que sabia? — Ele concordou com a
cabeça, mas desviei os olhos, como a covarde que era. — Eu sabia porque
eu já tinha participado de uma emboscada.
O tremor na minha voz não foi em vão. Eu ainda me lembrava dos
barulhos, dos cheiros, dos gritos… Eu me lembrava mais do que lembrava
das outras vezes em que atiraram perto de mim. Meus irmãos já foram
encurralados comigo, já passaram atirando na oficina do meu pai, ou em
festas em que estávamos, mas naquela vez, naquele momento… Eu senti
que nada poderia me livrar da morte certa. Eu sentia o gosto de desespero
na minha língua, fechando a minha garganta, me deixando sem ar. O cheiro
de sangue estava tão profundamente no meu nariz, no meu cérebro, que eu
temia nunca mais sentir o cheiro das tortas da minha mãe, ou do perfume
favorito do Ignazio.
Eu pensei que nunca mais conseguiria ver sangue sem vomitar ou
entrar em pânico, e teria que desistir de ser médica.
E os gritos… os gritos de dor, os pedidos de socorro.
Às vezes eu escutava, sozinha, no meio do dia. Só por um momento,
mas o suficiente para me fazer respirar fundo e quase chorar.
— Eu não deveria estar lá, mas estava. Estava e tudo saiu de controle e
deu errado. Sabe, quando você planeja todas as variáveis, como sei que
você faz? — perguntei e ele concordou. — Imagine tudo dando errado. E eu
achei que soubesse, Dani… Achei que lutar no ringue e aprender a atirar
com meus irmãos me transformava em experiente, mas não fez. Não
naquela primeira vez.
— Na minha primeira emboscada de verdade eu vomitei três vezes.
Meu tio me torturou por três dias, porque achou que isso era fraqueza — ele
confessou e eu voltei rapidamente meu olhar para ele, triste por ele passar
por isso. — E não apagou as memórias. Mas eu não me tornei mais fraco
por causa do meu medo. Da minha reação. Me ajudou a aprender a
controlar meus sentimentos, a controlar a minha calma.
— Seu tio te treinou para ser o oposto de Teo? — perguntei e
novamente ele hesitou, a mandíbula tensa e apertada.
— Sim. Ele achou que Teo precisava de uma âncora. Que seu
temperamento explosivo não era bom para um Capo. O erro do meu tio foi
afastar a única pessoa que sempre controlou as emoções de Teo.
— Cate — concluí, e Dani concordou com a cabeça, com um sorriso.
— Não me leve a mal, Cate quando criança era uma pestinha
impulsiva e determinada. Ela não tinha medo de nada e estava sempre
fazendo planos mirabolantes que nos deixava de castigo. E eu ajudava, é
claro. Mas Teo estava sempre muito focado nela para ter explosões de raiva
ou essas coisas. Quando ele afastou os dois, meu tio criou um problema.
Um que ele percebeu rapidamente. Meu primo agia e depois pensava,
porque Cate sempre ajudou ele a pensar. Então…
— Então ele transformou você na calma e frieza para o fogo e
impulsividade do seu primo. — Entrelacei meus dedos com os dele, triste
pelo Dani criança que teve toda a sua personalidade moldada para se
adequar aos desejos e ambições do tio. — Cate me disse que você não
deveria ser o Consigliere.
Ele levou um minuto para responder, seus olhos focados em nossas
mãos unidas em cima da sua colcha. A emoção em seu rosto parecia dizer
que aquele simples toque era a coisa mais importante da sua vida e eu senti
meu coração se descontrolar um pouco.
— Eu deveria ser o Executor. Eu sempre gostei de lutar e era bom
nisso, e depois comecei a usar isso para canalizar minhas emoções e me
tornei brutal, com uma precisão boa. — Ele não falou com ego elevado ou
nada assim. Dani estava constatando um fato. Ele era bom mesmo. — Meu
tio tinha nas mãos a massinha de modelar de um futuro assassino cruel e
habilidoso, que não agiria por impulso. O melhor guarda-costas para o seu
filho, o que imporia a lei. Ele só precisava da minha lealdade.
Eu queria perguntar como ele conseguiu, mas a dor na voz de Dani
quando ele disse lealdade, e o fato de ter tatuado tudo isso no peito, me
dizia que não era algo que ele queria dividir com qualquer um. E eu ainda
não estava pronta para dividir a minha dor completamente, então como
poderia explorar os traumas dele?
— E quem deveria ser o Consigliere? Mau? — A ideia me pareceu um
tanto absurda, não que Mau fosse burro, mas ele era leve, selvagem,
descomedido. Coisas que um Consigliere não deveria ser.
— O filho do antigo Consigliere do meu tio, quando o velho morresse.
Meu tio pensou que Teo era o cachorrinho perfeito e bem treinado, e que
assumiria o seu lugar sem mudar uma vírgula. Teo conseguiu enganá-lo
bem. Nós o matamos. Eu matei o velho bastardo com as minhas mãos. Ele
sugeriu todas as formas que meu tio usava para me controlar. Meu tio era
cruel, mas não fazia nada sozinho.
— Eu ouvi os boatos. Sobre a reunião que vocês eliminaram quase
todos os apoiadores do seu tio — completei, quando ele me olhou confuso e
Dani deu um sorrisinho.
— Você fala essas coisas sem qualquer medo ou repulsa. Eu acabei de
dizer que matei alguém com as minhas mãos.
— Eu sei como as coisas funcionam na máfia.
Ergui nossas mãos observando nossos dedos entrelaçados e beijei o
dorso da sua mão, sem encarar os seus olhos. Eu queria demonstrar que não
tinha nojo dele por ser quem é. Era hipócrita da minha parte odiá-lo por isso
e amar minha família, meu pai, meus irmãos. Meus amigos na máfia…
Eu odiava a sede de poder que os homens na máfia tinham. Eu odiava
como ela controlava e moldava a vida deles, como eles sempre colocavam a
Stidda como a coisa mais importante da sua vida… Mas também era injusto
dizer isso sobre Dani, sobre os Ricci. Quanto mais eu os conhecia, mais eu
entendia que não era apenas sobre a Stidda. Era sobre tudo, sobre eles,
sobre família. O poder não os consumia e os deixava cegos e sedentos por
mais. Eles queriam destruir a La Santa e a Catania, sim, mas além de
querer dominar essa costa do país, parecia existir um senso de justiça. Por
tudo o que fizeram com Cate, com a Lena. Pelo que custaram a eles… Dani
e Teo eliminaram os homens velhos e idiotas que estavam no poder, os
tradicionalistas com ideias enferrujadas e antiquadas. E tratavam seus
soldados com respeito. Não eram pessoas ruins, apesar de terem atitudes
ruins.
Eu sabia de tudo o que eles faziam e do que eram capazes, mas eles
pareciam entender a gravidade disso, pareciam entender o que ter aquele
poder custava e o que cobrava deles. Era tão diferente de Ignazio e seus
amigos que simplesmente buscavam mais poder, mais voz, que queriam
crescer na organização e eram inconsequentes, como se as vidas que
tirassem no caminho não importassem, como se os erros que cometessem
fossem apenas isso, erros, sem aprender qualquer lição. Sem pensar em
ninguém além deles e a posição deles na Stidda.
Eu estava começando a perceber que não odiava Dani porque ele
representava a Stidda. Eu o odiava no começo porque ele não agia como
Ignazio. E seria bem mais fácil odiá-lo por ser um homem cruel e sem
escrúpulos que me arrastasse para o meio de uma emboscada se isso
significasse uma chance de ter mais poder e controle.
Era fácil presumir algo sobre alguém e odiá-lo instantaneamente
baseado em achismos. Era difícil tentar odiar alguém que aparentemente
tinha os mesmos princípios que os seus, e que sentia as consequências de
cada passo nessa vida.
— Você parece perdida em pensamentos — sussurrou ele, seu polegar
correndo pela pele da minha mão, já que nossos dedos ainda estavam
entrelaçados.
— Percebendo que fui uma cretina e fiz prejulgamentos sobre você. E
sua vida.
— Você odeia a Stidda, minha vida é a Stidda.
— Não. Sua vida é sua família — concluí e ele fez uma careta. — Se
Teo falasse para você abandonar tudo e ir embora com ele e com a Cate,
com Mau e Lena, o que você faria?
Ele abriu a boca para responder, mas fechou, com força. Como se
segurasse a língua. Como se aquele pensamento fosse proibido.
— Seu tio não dobrou sua lealdade para a Stidda, como ele planejava
— continuei, e Dani respirou fundo. — Você é leal ao Teo.
— Sim. Eu iria — ele respondeu, depois de um momento tenso de
silêncio, seus ombros relaxando um pouco. — Mas eu gosto do que estamos
fazendo com a Stidda. De como estamos eliminando o elitismo, honrando
os nossos soldados que dão a vida para nós. Oferecemos segurança para
famílias como a sua. E temos dinheiro para mudar as coisas…
— Como minha faculdade. — Minha voz não saiu amarga como achei
que fosse. Eu estava grata, no fim das contas, porque sabia que nunca
conseguiria pagar a faculdade sozinha. Passaria o resto da vida em dívidas,
trabalhando para tentar cobrir todos os gastos. — Vocês realmente estão
mudando as coisas…
— Fico impressionado por você tratar isso como natural, Nora, porque
eu sei que, fora da máfia, as coisas que eu faço são crimes. Cazzo, eu faço
coisas em nome da Stidda que me colocariam na cadeia por umas vinte
vidas.
— Mas é exatamente isso… meus irmãos também, Dani. E eu não
posso julgá-lo por isso e achar que meu irmão, que está criando os filhos
com tanto amor e cuidado, é uma boa pessoa. Sendo que ele fez as mesmas
coisas que você.
— Ele não fez. Ninguém fez o que fiz — confessou, com a voz tão
angustiada e rouca, que eu quis reviver Mauro Ricci só para matar o Capo
novamente.
— Chega disso, eu não vim aqui para filosofar sobre as moralidades e
hipocrisias da máfia.
Dani balançou a cabeça, respirando fundo e apertou levemente a minha
mão que seguia na sua.
— O que veio fazer aqui, Nora?
— Eu vim… — Parei de falar, soltando nossas mãos e me levantando.
Dani me olhou com confusão quando parei em pé na sua frente, entre suas
pernas. — Não sei o que vim fazer aqui, mas estava com insônia. E com um
sentimento estranho dentro de mim.
Apoiando meu braço livre no seu ombro, eu me sentei no seu colo,
com minhas pernas em volta do seu quadril, meu corpo colado no seu. Dani
pareceu perplexo por um momento, antes das suas mãos enormes segurarem
a minha cintura, me puxando para si, encaixando meu corpo contra o seu.
Meu pijama era uma camiseta velha que roubei de Damiano e um short de
outro pijama que eu não conseguia me desfazer porque era confortável. Eu
estava com o cazzo de uma tipoia, e meus cabelos estavam bagunçados da
tentativa inquieta de sono. Mas Dani me olhou com tanto tesão e desejo que
eu poderia estar vestindo uma lingerie de renda francesa. Aqueles olhos
azuis brilharam na penumbra, quando ergui a mão e passei pela sua testa,
afastando os fios loiros de lá.
— É bom que azul é a minha cor favorita, porque também é a cor dos
seus olhos. E eu adoro olhar para eles quando você para de ficar irritada e
basicamente me implora para ser fodida — ele provocou, passando os
lábios na minha mandíbula, suas mãos nas minhas costas empurrando o
meu peito contra o seu, me mantendo presa no lugar, no seu colo. — O que
me lembra: Implore, Nora.
Calor e tesão cobriram todo o meu corpo, vontade e desejo expandindo
pelas minhas veias, me deixando molhada e ansiosa.
— Nem pensar — resmunguei, sentindo a boca dele correndo pela
minha pele, mordiscando meu pescoço.
Eu disse que não iria implorar, mas inclinei a cabeça para dar mais
acesso a ele, quase afoita. Ele deu uma risada grave contra minha garganta,
correndo a língua ali. Uma mão sua subiu até meus cabelos e ele segurou
com força na minha nuca, me mantendo no lugar. Segurei o gemido quando
sua outra mão desceu até minha bunda e ele apertou firme, empurrando o
meu corpo contra o seu, em uma fraca imitação de um rebolar, mas que teve
o efeito desejado: eu senti a sua ereção contra a sua cueca, tão duro por
mim. Meu corpo respondeu ficando em chamas, meu peito subindo e
descendo contra o seu, minha mão livre se entrelaçando os seus fios na sua
nuca também, empurrando sua cabeça mais contra a minha pele.
— Que pena — sussurrou, seus lábios marcando minha pele com seu
toque leve, até que ele mordeu de repente, me tirando um gritinho e mais
uma rebolada, bem descontrolada dessa vez. Eu conseguia sentir o seu
sorriso contra meu pescoço, bem acima da sua mordida. — Pena porque eu
podia jurar que você adorou ser fodida como minha puta particular.
Choraminguei quando ele mordeu no mesmo lugar, meu corpo agora
sem controle, se esfregando contra ele com vontade, sem pudor. Sua mão
soltou meus cabelos e foi para frente do meu corpo e eu estava esperando
senti-la em meus seios, mas senti o peso e tensão da tipoia sumir, quando
ele soltou a fivela.
— Não vai dizer que estou machucada e ter cuidado? — perguntei e
ele deu outra risada, tirando a tipoia. Com cuidado, sentindo meus músculos
doloridos, ergui o braço e entrelacei seu pescoço, puxando-o para mim.
— Você é médica, mas mais do que isso: você é uma lutadora. Você
sabe seus limites, Nora, e eu sei que não vai se colocar em risco ou se
machucar desnecessariamente. — As mãos dele voltaram para as minhas
costas, erguendo levemente a minha blusa e assim suas pontas dos dedos
correram levemente pela minha coluna, me fazendo suspirar.
Inclinei a cabeça para frente, correndo a boca contra a sua, sem
encostar direito, e então mordisquei seu lábio com força, puxando a pele
sensível entre meus dentes. Dani sorriu contra a minha boca, suas mãos me
apertando levemente e colando nossos corpos, mas ele não fez mais do que
isso. Ele não me beijou, mesmo com nossos lábios colados. Ele não tirou
minha roupa. Ele não me tocou mais do que já tinha feito.
O filho da puta ia mesmo me obrigar a implorar.
— O quê? Você me quer de joelhos? — grunhi, irritada e ele ainda
continuou com aquele sorrisinho, suas mãos correndo tão levemente pelas
minhas costas que era enlouquecedor.
— Só se você quiser meu pau no fundo da sua garganta, leonessa —
provocou e eu revirei os olhos, tentando disfarçar que a imagem me deixou
bem excitada.
— Tá. — Encostei a boca na sua, engolindo a porcaria do meu ego,
porque eu queria muito sentir ele dentro de mim mais uma vez. Não, não
queria… eu precisava. Eu precisava disso. Era isso que me acordou, que me
fez atravessar o corredor, que estava me deixando inquieta. — Dani…
— Sim, Nora? — respondeu, tranquilo e eu mordi o seu lábio de novo,
em retaliação. A porcaria do pau dele estava tão duro que eu conseguia
sentir cada parte dele contra meu short, e ele estava agindo com controle.
Tranquilo.
Nada tirava aquele homem do sério?
— Por favor, me foda. Com força. Tão fundo que eu vou passar dias
lembrando do seu pau em mim. Por favor — pedi, minha boca na sua, sem
aprofundar os pequenos beijos que eu agora depositava levemente.
— Você vai ser uma boa garota, Nora? — sussurrou, puxando meu
lábio inferior para a sua boca e sugando levemente, suas mãos agora
subindo mais, erguendo minha camiseta. — Vai me obedecer enquanto
recebe meu pau?
Eu odiava que o tom que ele usava, como se eu fosse realmente uma
garota mal-comportada, me deixava ainda mais molhada. Qual era o meu
problema em ouvir agrados desse homem?
— Sim — prometi, cedendo e beijando levemente seus lábios,
praticamente implorando por um beijo seu.
Dani me deu um sorriso dominante, cheio de tesão e segurou com
força meus cabelos, me deixando parada no lugar. Então ele atacou a minha
boca, sua língua quase forçando passagem, me conquistando, tirando meu
controle, meus sentidos, meu bom-senso. Me entreguei rapidamente a ele,
segurando com força em seus ombros, enfiando as unhas na sua pele nua,
puxando-o para mim e me derretendo contra ele, contra o seu corpo.
Imediatamente todas as sensações que me dominaram quando parei de
lutar contra ele naquele quarto dias atrás correram por mim. Quando eu
cedi, quando deixei ele fazer o que queria comigo, quando me entreguei
completamente, abrindo mão do meu controle e deixando ele me dominar
completamente.
Seu beijo era feroz, sua mão me mantendo no lugar, mas seu outro
braço estava parado, apenas encostado na base da minha coluna, ainda me
provocando. Comecei a me mexer contra ele, inquieta, excitada, ansiosa.
Ele continuou apenas me beijando, sem me tocar de verdade.
Era sua tática, e estava dando certo, porque eu rebolava em seu colo,
querendo mais. Eu respondia o seu beijo com voracidade, profundamente;
eu arranhava suas costas, seu ombro. Minha respiração estava pesada, eu
estava tão molhada com esse beijo quase sem toques, que provavelmente
estava passando pelo meu short de pijama e molhando-o.
— Dani, por favor — implorei, sem conseguir me controlar e me
afastei, chocada.
A primeira vez que pedi por favor essa noite foi obrigada. Porque ele
disse que eu precisava implorar para conseguir o que eu queria. E ele sabia,
pelo sorrisinho satisfeito do figlio di puttana ele sabia que falei por falar,
para conseguir o que eu queria.
Por isso ele me obrigou a falar novamente. Me provocou e torturou o
suficiente até eu enlouquecer, o bastardo.
— Levante, Nora — ordenou, ainda com aquele sorrisinho irritante.
Eu hesitei apenas por um momento, recebendo um tapa ardente na
minha bunda. Com um olhar irritado, desci do colo dele e fiquei em pé na
sua frente, esperando e odiando como eu estava ávida pela sua ordem.
— Tire a roupa.
Obedeci, tirando com cuidado a camiseta, ignorando a dor no meu
braço e depois desci o short rapidamente. O olhar de Dani sobre o meu
corpo fazia eu me sentir a mulher mais linda e gostosa do mundo e eu não
consegui evitar um pequeno sorriso.
— Agora vamos à sua punição.
19 - Dani
Quase duas semanas com Nora aqui, mas não falávamos sobre o que
fazíamos noite, sim, noite não (quando ela estava de plantão não fazíamos
na minha cama pelo menos). Ela não disse nada sobre todas as vezes em
que a fiz gozar, até o sol nascer. Como na primeira noite em que ela dormiu
aqui. Ou quando eu a acompanhava na clínica e escapávamos nos seus
intervalos.
Ela estava com olheiras e eu provavelmente também, mas não
dissemos nada sobre isso. Fingimos que não aconteceu, como das primeiras
vezes, mas também não. Não era exatamente ignorar. Era como se fosse um
segredo. Algo entre nós que ninguém pudesse estragar ou tocar. E por
enquanto, por mim, não tinha problema.
Ficou claro que Nora exercia poderes sobre mim que eu nem mesmo
entendia. E ficou claro que eu definitivamente não conseguia resistir a ela.
E se ela estava disposta a dividir seu corpo comigo, eu não iria desperdiçar
essa honra.
Nora me procurava, porque eu não queria aparecer no seu quarto e
atravessar algum limite invisível, afastando-a. Transávamos loucamente e
conversávamos. Brigávamos a maioria do tempo, nos alfinetando mais do
que tudo. Não era como as discussões cheias de irritação do começo. Era
mais uma provocação. Ela gostava de me irritar, e eu gostava de irritá-la. E
estávamos conversando sobre coisas banais e profundas, mas isso não
mudava nada.
No fim das contas, ela ainda tinha um noivo, um que ela não citava. E
eu ainda tinha flutuando na minha cabeça toda a merda que o meu tio
empurrou pela minha garganta. E eu quase disse tudo para ela, quase contei
todas as coisas que ele me obrigou a fazer, mas não queria que ela saísse
correndo enojada.
E… e eu tinha a sensação de que ela não deveria ser a primeira pessoa
a escutar minhas confissões e segredos. Ela me apontou uma coisa que
estava me incomodando: eu não era leal à Stidda como achei que fosse. Eu
era leal ao meu primo. E se isso era verdade, se eu era leal a ele a ponto de
destruir a famiglia por ele, ele merecia saber tudo o que fiz. Ele merecia
saber as piores coisas da minha vida, e porque eu era uma péssima escolha
para ajudá-lo. E por isso eu estava aqui…
— Algum problema?
Teo ergueu a cabeça de um papel que estava lendo, estreitando os
olhos quando percebeu que eu estava parado na porta do seu escritório.
Hoje Nora tinha o dia livre, para descansar, depois de 36 horas de plantão.
Eu não sabia como ela aguentava e não tive vergonha em trocar com
Angelo, que voltou com Mau e Lena logo depois do primeiro dia de Nora
aqui. Mau acompanhava Lena em suas aulas enquanto Angelo ficava com
Nora, para que eu pudesse descansar.
Ela não parecia mais cansada do que o habitual, e ela até me chupou na
porcaria do banheiro da clínica. Agora ela estava com Cate, as duas estavam
planejando como pedir exatamente autorização para o tio de Cate, sem
levantar mais suspeitas de que estávamos procurando algo. Nora já usou a
desculpa de plantões avulsos, mas se ela continuasse, daria margem para
médicos da Catania atravessarem o território sempre, inclusive os que eram
apoiadores dos irmãos Sana, e não queríamos espalhá-los mais pelo
território ou dar a eles outro ponto de acesso, ou esconderijo. Resolvemos
esperar umas duas semanas, aguardando os homens da Catania se
acostumarem com a nossa rotina, acreditarem de verdade que não
desconfiávamos deles. Nora estava com saudades da sua família, mas ela
sabia que, mesmo que os soldados não tenham relatado a presença de
Catanios lá, eles estavam mais seguros com ela longe.
Gaspare e a equipe de Mau voltariam nos próximos dias, agindo como
se tivesse sido uma missão falha, assim como a mensagem que recebi de
Fedez. Estávamos fingindo que não tínhamos ideia de que a perseguição
dos irmãos Sana era, na verdade, uma estratégia para nos afastar das
redondezas do Bronx.
— Fedez está voltando, ele não consegue mais enrolar o pai, e prefiro
que ele esteja aqui do que despertar qualquer dúvida no segone do Stefano.
— Precisamos alertar ele desse suposto plano que você e Cate estão
pensando — Teo me avisou e eu concordei com a cabeça.
Ele estava tenso, algo com Cate logo nos primeiros dias em que Nora
estava aqui. Ela teve um pequeno sangramento, normal de acordo com a
médica, e Teo a levou correndo para a clínica. Nora estava de plantão e
ficou ao lado da amiga, assegurando-a de que estava tudo bem com o bebê.
Eles fizeram as pazes ontem, aparentemente, já que encontrei os dois aos
beijos na cozinha quando chegamos pela manhã.
Cate não parecia mais tão preocupada, mas eu tinha quase certeza de
que ela estava pensando a mesma coisa que eu, o que era… uma merda, na
verdade. Não era um plano fácil, ou uma decisão fácil, e eu não queria que
ela sofresse por isso. Por tomar essa decisão.
— É isso que está te preocupando? Acha que Stefano desconfia de
algo?
— Não — respondi, com certeza, e fechei a porta, passando a tranca
antes de caminhar até o bar, pegando uma dose de uma bebida. Porque não
conseguia falar isso sem enrolar. Sem desviar o assunto. E eu precisava
falar isso.
— O que está acontecendo, Dani? — Teo desistiu de olhar os papéis e
se sentou mais ereto.
Preocupação brilhava em seus olhos, mas não consegui encarar por
muito tempo, desviando e indo me sentar na sua frente. Enquanto eu não
estava perdido em Nora, com meu pau enterrado nela, ou conversando e
brigando como sempre, eu estava pensando. E eu deveria estar pensando em
como vamos derrubar a Catania, nas desculpas para começar a investigar
aquele lugar, como infiltrar Nora na clínica, se isso for possível. Onde
realmente estavam os irmãos Sana, qual porto e rota eles usavam para
transportar as mulheres traficadas. Em que lugar as escondiam. Tudo isso
deveria ocupar a minha mente.
Mas nada disso afastava a sensação de que eu estava me afogando.
Como se eu tivesse guardado todas as minhas emoções e memórias atrás de
uma porta durante todos esses anos e Nora tivesse derrubado ela aos chutes.
Era bem a cara dela mesmo, invadir minha mente e arrombar minhas
barreiras e proteções, me obrigando a enfrentar tudo o que eu
definitivamente tinha medo de enfrentar. Mas quanto mais eu pensava em
tudo o que meu tio fez comigo, mais eu acreditava que não valia a pena
ficar preso aos seus ensinamentos. Ao Dani que ele construiu.
— Você e Mau andam conversando bastante.
— Com ciúmes? — meu primo provocou, tentando quebrar o clima
tenso, tentando me relaxar.
— Não, segone. Sobre o que vocês falam? Não precisa me dizer o
conteúdo, só…
— O tema? Bem, falamos sobre o meu pai. E tudo o que ele fez com
Mau. Tudo o que fez comigo. Mesmo que não tenha sido tão físico quanto
com Mau. Ele sabia onde a Cate estava, e eu não tinha escolha. Se eu não
cedesse…
— Eu sei — falei, tentando confortá-lo.
Porque eu conhecia tudo o que meu tio fez para controlar Teo. Meu tio
o manipulou certinho porque queria ele fora do país…
— Você sabe porque ele queria você fora daqui? — Teo balançou a
cabeça, me encarando com curiosidade. — Porque meu pai tentou fazer
uma emboscada para te sequestrar.
Teo parou.
Simplesmente parou.
Ele nem parecia respirar, ou piscar.
Mas eu conseguia ver seu cérebro funcionando, seus pensamentos
correndo, a conclusão que chegaria logo.
— Como ele morreu, Dani? — A voz do meu primo saiu pesada, dura.
Sofrida.
Não respondi. Não consegui.
— Você se lembra da Ronnie? — Ele concordou com a cabeça, e eu
dei um gole na bebida.
— Meu pai obrigou você a matá-la porque pensou que você estava se
apaixonando por uma puta — ele lembrou, mas suas palavras não foram
cruéis, ele só estava constatando um fato, repetindo o que contei para ele.
Mas ele estava errado.
— Ele me obrigou a matá-la porque eu passava mais tempo com ela do
que atrás de você.
— E? — Teo ergueu a sobrancelha, confuso por um momento, e então
ele balançou a cabeça, seu rosto se enchendo de pesar. — Dani…
— Eu não deveria ser o Consigliere — murmurei, a voz tão baixa que
não sabia se meu primo tinha escutado, mas ele ouviu.
— Você é a pessoa que mais confio no mundo.
— Cate…
— É o amor da minha vida, Dani, mas você é a pessoa que eu mais
confio no mundo — ele afirmou, como se soubesse que eu precisava ouvir
isso. — Você esteve ao meu lado no meu pior. Esteve ao meu lado nos
piores momentos da minha vida e nunca me olhou diferente. Nunca me
julgou por nada do que fiz. Nunca duvidou de mim, nunca duvidou das
minhas decisões. Dos meus planos. Você é a pessoa que eu mais confio.
Você.
Balancei a cabeça, tomando mais um gole, deixando a bebida queimar
minha garganta, que estava tão seca e embargada, que eu não sabia se seria
capaz de engolir. Mas o líquido desceu queimando, caindo como um peso
mórbido na boca do meu estômago.
— Eu o matei.
Teo ficou em silêncio.
Chocado.
Paralisado.
E eu não consegui mais olhar para ele sem sentir toda a vergonha me
consumir.
— Você tinha 12 anos — ele falou, a voz em um tom de assombro
incrível.
— 11 anos e 5 meses — corrigi.
— Ele morreu de overdose.
Ergui uma sobrancelha para o meu primo, tentando dizer que nós dois
sabíamos como as coisas funcionavam na máfia. Que uma morte poderia
ser escondida facilmente. Manipulada.
Já fizemos antes. Faremos no futuro.
— Por quê?
— Ele estava vendendo informações para os albaneses e para a La
Santa. Se te sequestrassem, tentariam manipular o seu pai.
— Claramente não conheciam ele. — Teo bufou e eu tive que
concordar.
Meu tio não resgataria o Teo. Mas quando ele descobriu sobre o plano,
se sentiu insultado. Principalmente porque quem estava vendendo
informações era o seu próprio irmão. A coisa que meu tio mais valorizava
era a sua imagem de Capo e ela não poderia ser manchada com um irmão
traidor. Um irmão que estava ao seu lado sempre, em várias transações.
— Por que ele estava vendendo informações?
— Essa parte é verdade: drogas. E quando seu pai proibiu nossos
fornecedores e traficantes de vender para ele, ele precisou arrumar outra
maneira. E ninguém queria dinheiro do irmão do Capo. Queriam segredos.
Informações.
“Seu pai me levou junto, ele me contou tudo. Como você seria
sequestrado, como você seria torturado. Como eu falhei com você, assim
como o irmão falhou com ele, porque eu era o seu braço direito, que era
para isso que ele estava me treinando, que era para isso que ele estava me
moldando. E depois disse que era uma vergonha ser filho de um traidor, que
ninguém nunca poderia saber sobre aquilo e que eu tinha que fazer uma
escolha. Ele ou a máfia. Ele ou você.”
— Dani… — Teo balançou a cabeça, mas ele já sabia qual escolha fiz.
— Por que você nunca me contou?
— Ainda não terminei.
— Porca puttana — Teo xingou e se levantou, passando as mãos pelos
cabelos e bagunçando os seus cachos. Ele foi até o bar e serviu uma dose
bem maior do que a minha, virando de uma vez e fechando os olhos. —
Continue.
Mas eu não sabia se podia. Se conseguia confessar isso. Se conseguia
confessar tudo o que fiz por ele.
— Dani, continue — Teo ordenou, mas dessa vez sua voz não estava
com o tom sem paciência de Capo. Estava desesperado.
Meu primo estava implorando para eu me abrir com ele. Para confiar
nele como ele disse que confiava em mim. Só que, se eu contasse isso, eu
não sabia se teria volta. Ele nunca mais olharia para mim da mesma
maneira que olhou por todos esses anos. Ele nunca mais teria orgulho de
dizer que eu era parte da sua família. Que eu era seu irmão, mesmo não
sendo. Mesmo sem nunca poder ser seu irmão de verdade. Teo nunca mais
confiaria em mim, porque veria que eu não tinha limites. Escrúpulos.
— Seu pai o torturou e me deu a faca para dar o último golpe. Mas
ninguém poderia saber, porque ele não queria que as pessoas desconfiassem
que meu pai era o traidor. Então ninguém soube. E todo mundo comprou
fácil a história da overdose. Só que depois disso, seu pai ficou um pouco
paranoico comigo. E foi assim que começaram os treinamentos. Quando
você fez o acordo com ele para salvar a Cate… Eu deveria matá-la.
O copo na mão de Teo quebrou, vidro e sangue espalhando para todos
os lados, mas ele não se moveu para limpar, ou enfaixar a mão. E nem eu.
Porque eu sentia toda a raiva emanando dele. Toda a desconfiança. Todo o
ódio.
Eu conseguia enxergar nosso laço se quebrando, nossa amizade
morrendo. Nossa parceria indo para o ralo. Meu primo nunca mais olharia
para mim da mesma maneira, eu sabia, mas confessei, confessei e não
conseguia parar, não agora, na metade do caminho.
— Aquela arma… — ele murmurou e eu concordei com a cabeça.
Não precisávamos de armas para levar ela até a floresta, mas eu estava
com uma na mão mesmo assim. Porque deveria matá-la. Dar um jeito de
distrair Teo, ou me oferecer para ficar para trás e matá-la assim que ele
saísse de vista, quando meu tio nos buscasse. Teo lutaria um pouco contra o
meu tio, mas não poderia fazer mais nada. E meu tio estava certo de que ele
se esqueceria dela.
Mas eu estive com eles naquele verão.
Eu estive com eles em todos os momentos. E os dois eram ligados de
uma maneira que eu não seria com ninguém. Teo e Cate se amaram antes
mesmo de saber o que era amor, e se eu a matasse, não só perderia meu
primo, mas tiraria dele a coisa mais importante da sua vida. E eu não
poderia fazer isso. Não poderia fazer isso com ele, porque meu tio começou
a me moldar para ser a sombra dele.
Os olhos de Teo se mexiam de um lado para o outro, como se ele
estivesse repassando as suas memórias, pensando naquela noite, tentando
descobrir algo, qualquer coisa que desse uma pista. Porque ele sabia do
temperamento do seu pai.
— Eu não consegui, Teo. Eu não consegui fazer isso com você. Ou
com ela, mia bambolina, que foi sempre amorosa e gentil comigo. Que me
tratava como alguém da família.
— Dani… — Teo começou, com cautela, seus olhos se iluminando de
uma maneira sombria e triste. — Como sua mãe morreu?
“Assim como a sua mãe, Dani”, foi o que o meu tio falou quando Teo
perguntou se minha tia Alessia estava viva.
Não foi um conforto. Foi um aviso.
E eu comecei a andar puxando Mau, fazendo a minha escolha.
E só depois, quando estava mais velho, percebi que meu tio pouco se
importava com Cate e não a mataria naquele momento porque queria ter
uma vantagem sobre Teo, saber sobre seu paradeiro e ameaçá-lo sempre que
podia. Sem Cate, Teo era incontrolável. Com ela ainda viva, meu tio tinha
um poder sobre ele. Porém…
Não era sobre Cate ou Teo.
Era sobre mim.
Sobre minha lealdade.
Ele nunca quis que eu matasse Cate. Ele queria ver o que eu faria pelo
meu primo, se eu ficaria ao seu lado, mesmo que isso significasse contrariar
o atual Capo. E eu fiquei.
Eu fiquei com o meu primo. Não puxei o gatilho para Cate.
Mas…
— Foi um plano. Um teste. E eu… passei — sussurrei, erguendo os
olhos para Teo. Meu primo estava impassível agora, a mão ainda sangrando
no tapete. — Logo depois, quando você estava a caminho da Itália, meu tio
me levou para interceptar uma emboscada contra você. Era falsa. Era tudo
uma desculpa para prender a minha mãe. Eu sei disso agora. Mas não sabia
na época.
“Eu não sabia que ele inventou sobre ela também ser traidora, porque
era viciada igual o meu pai, apenas para ter uma nova forma de me
controlar. Se ele simplesmente tivesse me levado para aquele galpão e me
obrigado a fazer o que fiz, eu não teria feito. Então ele aproveitou que você
estava mais irritadiço, mais inconsequente sem a Cate, e armou uma
emboscada para me enganar. Quando eu cheguei naquele galpão, ela e mais
cinco homens que eram amigos do meu pai estavam esperando.”
— Pare — Teo pediu, mas eu balancei a cabeça.
— Ele disse que eu tinha uma nova escolha: você, ou eles. Porque eles
venderiam informações sobre o seu paradeiro na Itália.
— Dani…
— Ele torturou um dos caras e ele realmente sabia onde você estava,
mas eu não me toquei na época que foi um truque também. Que ele obrigou
o cara a dizer aquilo.
— Dani, chega! — Teo deu dois passos para frente, mas eu me
levantei da cadeira, me afastando, porque eu precisava terminar de falar.
— Eu fui o responsável por torturar e matar ela. E enquanto estava
chorando, antes de cortar a sua garganta, eu conseguia ver o olhar resignado
nos olhos dela. Ela passou o tempo todo em que não estava gritando
dizendo para mim que estava tudo bem. Porque ela sabia! — Minha voz
perdeu a calma controlada e se elevou. — Ela sabia que se eu não a matasse
eu seria o próximo, e ela não queria me ver em perigo.
— Dani, por favor.
— E eu a matei! Minha primeira morte não foi uns merdas albaneses
que interceptamos, foi ela e meu pai! — Eu estava chorando, eu sentia as
lágrimas escorrerem, porque depois de todos esses anos, depois de tudo o
que fiz, ainda me machucava. O monstro que me tornei com menos de 14
anos. — E então… e então ele me prendeu nas mesmas correntes que antes
prendiam ela.
— Santa Madre — Teo sussurrou, caindo sentado no sofá, o sangue
escorrendo pelo seu punho ainda, mas seu olhar assombrado e cheio de
angústia focado em mim.
— Por três dias, para saber se você planejava retaliar a morte de
Enrico Conti e a perda de Cate. Três dias me torturando com o corpo da
minha mãe aos meus pés, e eu não quebrei. Eu não cedi. Por você. “Você é
a única coisa que mantém seu primo, você, você é o único que pode segurá-
lo”, ele disse. Se alguém te atingisse, seria minha culpa, porque eu deveria
te proteger, Teo. Ele me ensinou tudo isso enquanto o corpo da minha mãe
apodrecia ali. Ele me disse o quanto meu sangue era ruim, o quanto eu era
um merda porque era filho de dois traidores, que eu não era digno do
sobrenome dele, que eu seria responsável pelo fim da Stidda, porque
causaria a sua morte.
— Foi assim que ele te moldou — Teo sussurrou, engolindo em seco.
Enquanto o sangue pingava no tapete, no chão.
Ping.
Ping.
Ping.
Igual o meu sangue escorrendo naquele galpão, enquanto eu estava
pendurado pelos braços. Caindo no chão de concreto e se misturando com o
da minha mãe, morta, aos meus pés. Definhando e apodrecendo. Às vezes
eu me lembrava do cheiro que exalava dela, conforme seu corpo ia
deixando de existir.
— Você era um fogo temperamental e inconsequente. E eu precisava
ser o seu oposto. Então enquanto você não voltava, ele me moldou. Me
colocou para treinar e apanhar no Ringue, assim eu controlava minhas
emoções. Me trancava por dias, longe da sua mãe, principalmente quando
ela tentava me dar carinho… Mas quando você voltou, eu estava perfeito
para ficar ao seu lado.
Teo balançou a cabeça, enojado e incrédulo. Como eu sabia que ele
ficaria se algum dia descobrisse a verdade. Ele parecia prestes a vomitar
agora que descobriu que a pessoa que ele mais confiava era um monstro.
Desviei os olhos, incapaz de observar o nojo e o ódio nas feições dele. Ele
não confiava mais em mim. Ele me mataria ou me mandaria embora,
porque sabia que conviver com esse fardo era punição o suficiente. Ele…
— Sinto muito.
Minha cabeça se virou tão rápido na direção dele que escutei o meu
pescoço estralar.
— Sinto muito por tudo o que ele fez com você em meu nome, Dani.
Silêncio.
Silêncio na minha mente. Dentro de mim. Um silêncio oco e vazio.
Com a incredulidade banhando todos os meus sentidos.
— Você… você não me odeia? — Minha voz saiu estrangulada. —
Não acha que eu sou um monstro? Não pensa que eu não deveria ser o seu
Consigliere?
Meu primo me encarava nos olhos e todas aquelas emoções ainda
estavam ali, mas também tinha… determinação. Lealdade.
Amor…
— Não, Dani. Você é meu irmão.
Meus joelhos cederam, me levando ao chão com um impacto doloroso,
mas que mal senti com a dor excruciante dilacerando o meu peito.
Alívio.
Alívio puro e restaurador. Teo se ajoelhou na minha frente e me puxou
para o seu peito e eu percebi que ainda estava chorando, lágrimas grossas e
pesadas embaçando a minha visão, me sufocando contra o peito do meu
primo que me apertava forte enquanto eu liberava tudo isso que guardei por
tanto tempo. Eu nunca contei para ninguém. Eu fiz de tudo para não chorar
durante aqueles dias de tortura.
Para nunca mais deixar as emoções me sufocarem. Eu sentia raiva,
mas me controlava o suficiente para não prejudicar o meu primo e bloqueei
todos os outros sentimentos, todas as outras coisas. Eu não sentia nada há
anos. Exceto quando estava com eles, minha família. E nem era tanto, eu
ainda me reprimia, ainda tinha medo de perder tudo. De estragar tudo.
Até Nora.
Porque ela me desestabilizava, me enlouquecia, me tirava do sério e
quebrava o meu controle de aço sobre as minhas emoções. E ela me fez
sentir. Sentir qualquer coisa que não fosse medo de perder tudo isso, ou
raiva pelo meu tio, ou medo de decepcionar meu primo.
De estragar tudo para ele. De deixá-lo na mão.
Tanto medo…
Eu me agarrei a ele como se não fôssemos dois assassinos adultos
cheios de crimes nas costas, segurando sua camisa incapaz de parar o choro.
E Teo me segurou com firmeza, como se fosse a porra da sua
responsabilidade.
— Eu nunca vou deixar você na mão, Teo. Eu sempre vou ser leal a
você.
— Eu sempre soube disso, Dani, antes mesmo do meu pai acabar com
você. Eu não te odeio. Eu odeio ele.
O ódio na voz dele era palpável e eu me afastei. Meu primo tinha os
olhos vermelhos, mas o ódio estampava o seu rosto. Não por mim. Pelo
meu tio.
— Eu deveria ter matado ele. É um dos meus maiores arrependimentos
na vida, não ter estrangulado aquele pezzo di merda. Eu sinto muito, muito.
— Eu matei meus pais…
— Por mim, Dani. E eu nunca vou me esquecer disso, eu nunca vou
me perdoar por ser a razão disso.
— E eu não sei se me arrependo — confessei e Teo respirou fundo, me
puxando para levantar.
— Eu sei, porque a habilidade dele era mexer com as nossas cabeças,
principalmente quando ele não sabia se podia nos controlar. Ele não é o
motivo da minha confiança em você, Dani. Eu confiava em você antes de
decidirmos conquistar essa merda. Eu confiaria em você sempre.
— E se eu tivesse que matar a Cate? — A mandíbula do meu primo se
contraiu.
— Mas você não matou. E ela confia em você. Mesmo se algum dia
você contar isso a ela, ela vai continuar confiando em você.
— Você não vai contar?
— Isso é seu fardo para carregar, Dani. Se você quiser contar para se
livrar daquele mafankulo, pode contar. Se não quiser, não precisa. Mas é seu
fardo. Seu segredo.
— Você realmente não tem nojo de mim.
— Por que teria?
— Eu…
— Já sei o que você fez, Dani. Você me contou, mas eu continuo sendo
seu irmão. Eu também já fiz muita merda na vida, mas o mais importante,
eu já fui manipulado pelo meu pai.
— Eu realmente tento deixar tudo o que ele me ensinou para trás.
— E por que agora? Nora? — Teo perguntou, um pequeno sorriso
brincando no canto dos seus lábios.
— Ela me apontou que eu não sou leal a Stidda.
— Você é — Teo respondeu na hora, franzindo as sobrancelhas, com
um pouco de irritação.
— Não. Eu sou leal a você. E se você me pedir para explodir essa
merda, eu vou. Eu vou fazer tudo o que você quiser, ao seu lado.
Teo me encarou por um momento, e então ergueu a mão e segurou
minha nuca encostando nossas testas.
— Nós vamos destruir a Catania por tudo o que fizeram com a Cate. E
depois vamos destruir a La Santa por tudo o que fizeram com a Lena, Gigi
e com aquelas mulheres. E então vamos conquistar essa merda inteira,
juntos. Como uma famiglia. Per sempre, fratello.
O alívio foi substituído por determinação, por orgulho. Eu fazia parte
dessa família. Não porque meu tio me obrigou, ou porque me treinou. Mas
porque era o meu lugar. Porque era a minha família, que conquistamos, que
construímos, que moldamos. E eu faria tudo por eles.
— Per sempre, fratello.
21 - Nora
Convencer Teo de que eu precisava ir para casa foi mais fácil do que
convencer Cate de que eu estava bem. Eu prometi que faria Mick ou
qualquer um dos meus irmãos me levar à noite. Teo acreditava que ninguém
nos seguiu para fora de casa, mas mesmo assim enviou soldados para me
seguir, com seu motorista Riccardo me levando e esperando.
O que era uma merda, mas ele foi gentil o suficiente para não fazer
comentários quando pedi para ele mudar o endereço. E agora eu estava
parada na porta de uma casa que, vergonhosamente, fazia mais de um ano
que eu não visitava.
— Nora? — Maria abriu a porta, me olhando com surpresa e um
sorrisinho carinhoso que só uma mãezona como ela teria.
— Desculpe aparecer sem avisar, mas eu precisava… Desculpe ter
sumido, tudo…
— Bambina mia, você não precisa se explicar por viver sua vida. —
Ela me puxou para um abraço apertado.
Seu corpo cheio e forte era perfeito para tirar todas as angústias,
porque ela sabia dar um abraço carinhoso como ninguém. Seus cabelos
castanhos estavam mais grisalhos do que marrons, mas seus olhos escuros
ainda brilhavam em bondade e carinho.
Como se não fosse minha culpa…
— Eu… posso subir? — perguntei e ela concordou com a cabeça, me
puxando para dentro da casa.
Lancei um olhar para Riccardo, parado ilegalmente na frente da casa
dos Ianelli. Ele continuaria ali, me esperando. A casa continuava igual, do
mesmo jeito que eu me lembrava, com as imagens da Santa Maria
espalhadas por todos os lugares, os bordados, os crochês. Tudo que Maria
fez com carinho para o seu enxoval quando ela se casou com o pai do
Ignazio.
— Onde está o Leo?
— Você conhece meu caçula, sempre no meio de alguma coisa. Ele
está trabalhando na distribuição. Algo assim. Eu tento não me meter muito.
Dio sabe como eu me preocupo demais quando sei mais do que deveria.
Meu estômago se apertou com isso e tentei não desabar ali. Minhas
emoções estavam um caos desde o começo da tarde. Eu estava cansada dos
plantões, eu estava desesperada pela notícia que recebi. Eu estava com
medo…
Maria me levou para cima, subindo as escadas com cuidado, como se
soubesse que eu precisava de um tempo para me preparar. E então ela abriu
a porta do quarto que passei vários dias anos atrás fazendo coisas que não
eram nada apropriadas para uma filha da máfia. O quarto do primeiro
homem que me conquistou, com uma lábia que suprimia todos os
comentários superiores e machistas.
O cheiro de limpeza e hospital me atingiu e apesar de estar
acostumada, era difícil associar com o ambiente doméstico. O barulho das
máquinas e do suporte de vida também contrastava com o quarto decorado
do jeito que sempre esteve.
Ignazio seguia da mesma maneira que estava desde aquele dia na
emboscada: deitado imóvel, respirando com ajuda dos aparelhos. Não mais
ali, mas de alguma maneira ainda o meu noivo. Peguei o anel que sua mãe
mantinha na cômoda ao lado da porta, o anel que era dela e que ele me deu
quando foi até em casa pedir a minha mão em casamento, assim que soube
que eu entraria na faculdade. Achei que era porque ele me amava de
verdade, mas, além disso, era por possessão. Ele queria me manter. Me
preservar ao seu lado.
Seus cabelos escuros estavam cortados e lavados, sua barba estava
feita, e seus olhos castanhos como os da mãe estavam fechados para
sempre. Sem vida. Vazios. Seu corpo parecia magro, mas eu não conseguia
ver direito porque Maria vestia o filho impecavelmente, como se ele só
estivesse descansando, com uma coberta de crochê que ela provavelmente
fez também.
— Oi, Ignazio — falei, mesmo sabendo que ele nunca mais me
responderia.
Um estado vegetativo por causa daquela noite. Um coma irreversível
devido ao tanto que foi espancado pelo Santo que o pegou de surpresa
porque ele estava muito ocupado focado em mim.
Como médica, eu sabia que ele estava morto. Que não existia mais.
Que deixou de existir enquanto eu o segurava e tentava estancar o sangue.
Mas…
Mas eu sentia tanta culpa, que ouvindo os monitores eu quase sentia
que ele estava vivo.
Uma parte de mim queria muito que ele estivesse, não porque eu
queria estar com ele, mas porque eu não queria me sentir culpada. Não
queria carregar o fardo de ser a razão por ele estar aqui.
— Eu vou dar um pouco de privacidade para vocês… — Maria me
lançou um sorriso reconfortante, e eu tentei responder, mas…
Mas era tanta coisa dentro de mim. Tanta coisa me afogando e
borbulhando até explodir, que comecei a chorar.
Maria automaticamente me abraçou, dando tapinhas nas minhas
costas, tentando me reconfortar e acalmar. Eu me agarrei a ela porque eu
precisava de alguém me centrando naquele momento. Eu estava me
sentindo tão perdida quanto naquela noite. Quando meu irmão me
encontrou e me levou de lá, quando Ignazio foi levado para o hospital, e o
médico disse que ele não acordaria mais e Maria decidiu que não desligaria
os aparelhos, porque era contra o que ela acreditava.
E eu estava lá porque… Porque ele queria provar que eu não pertencia
à máfia. Ele queria provar que eu não deveria agir como um soldado, que eu
deveria ser uma esposa, uma dona de casa perfeita, como a maioria das
mulheres na máfia. Tudo o que eu não queria, tudo o que brigávamos,
principalmente porque, depois do noivado, eu não larguei a faculdade.
Era minha culpa porque comigo lá, ele não prestou atenção o
suficiente e fomos pegos de surpresa. E mesmo assim ele tentou me
proteger, mesmo sabendo que eu era capaz. Ele não confiou em mim, nas
minhas habilidades. Ele me empurrou do caminho, e quando o Santo o
derrubou, Ignazio perdeu segundos preciosos para se defender, ao me
subjugar.
Ele foi arrastado e espancado até o seu cérebro provavelmente virar
uma massa inútil e destruída. Eu lutei… E derrubei o Santo, atingindo-o na
cintura, como se fosse uma jogadora de futebol americano. Ele já estava
cansado, machucado do tiro que levou antes de fugir do centro da
emboscada e nos alcançar na retaguarda. E eu tinha uma única faca porque
roubei do carro do meu noivo. Meu noivo que me levou para uma
emboscada e não me deu uma arma porque acreditava que eu não era boa
ou precisa o suficiente para atirar e iria me machucar.
Então eu o esfaqueei. Esfaqueei o Santo em todas as partes sensíveis.
Onde ele morreria mais rápido, provavelmente se afogando no sangue,
sofrendo, perdendo a sua vida lentamente enquanto o líquido quente e
precioso escapava de cada corte da minha faca.
E quando eu me levantei, roubei a arma de Ignazio e protegi o seu
corpo, desvairada, mergulhada na adrenalina, atirando nos homens que
sobraram, antes deles se retirarem e fugirem com o maldito carregamento
que custou a vida de 15 Stiddari. Amigos de Ignazio, amigos do Michele…
Eu me abaixei e segurei o corpo quebrado do meu noivo, coberta de
sangue do Santo que matei tão cruelmente. Esperando. Esperando o que
viesse primeiro: A morte ou a equipe que ficou na retaguarda. Em algum
momento, eu comecei a fazer RCP, tentando manter ele vivo, tentando não
deixar ele morrer em meus braços.
Meu irmão me encontrou assim, agarrada ao que antes era uma pessoa
que tentei amar incondicionalmente, mas que não me permitia viver. Que
me diminuía e tentava me mudar e moldar. Eu me lembro da voz de
Michele me chamando, me agarrando, me lembro de outros homens
tentando recolher os possíveis sobreviventes. Me lembro de alguém dizendo
que Ignazio ainda respirava, me lembro deles correndo para o hospital com
ele e outros homens, enquanto Mick me levou até a casa de Samu.
Me lembro de Perla me lavando, preocupada, tentando me chamar. Me
lembro de cada detalhe daquela noite, mesmo que em alguns momentos eu
agisse puramente no automático. Me lembro de encontrar Maria e o irmão
de Ignazio, Leo, de escutar o médico dizendo que a situação era
irreversível. De esperar alguns dias e segurar a mão de Maria enquanto ela
tomava uma decisão.
Com o dinheiro que ganhou de Mauro Ricci, uma indenização que a
Stidda oferecia às famílias de soldados caídos, Maria conseguiu trazer seu
filho mais velho para casa, e cuidava dele com carinho todos os dias. Eu
visitei no começo, sempre. Mas depois a culpava me partia ao meio, me
destruía de tal forma, que eu não conseguia olhar para o rosto dele sem ficar
com vontade de vomitar e chorar. Ignazio perdeu os hematomas e voltou a
ser o charmoso soldado que conheci, quando Michele o levou para casa,
quando eu tinha 17 anos.
Ele sempre foi charmoso, sorridente, com um ego fenomenal.
Diferente de Dani. Dani tinha noção do seu poder, da sua beleza, do que
tinha para oferecer, mas não eram motivos para se gabar. Ignazio sempre se
gabou de como era paquerado, de como era bom, de como era o melhor
lutador e atirador, mesmo sempre perdendo para os meus irmãos no Ringue.
Quando convenci ele a lutar comigo de verdade pela primeira vez, ele
ficou irado que eu o desarmei e o derrubei. Passou semanas sem falar
comigo, até pedir desculpas e dizer que estava ocupado e que da próxima
vez lutaria de verdade comigo, que estava pegando leve porque eu era
mulher. E a partir daí, ele tinha duas personalidades. O meu noivo divertido
e amoroso, mas que quando o assunto era minhas habilidades, não aceitava
a possibilidade de ser inferior.
Era bizarro ver como, quando citávamos lutas e outras coisas, Ignazio
fechava a cara e fazia de tudo para me diminuir, para me constranger.
Principalmente na frente dos seus amigos. Só que, quando nenhum desses
assuntos surgiam, ele era perfeito. A gente se encaixava de algumas
maneiras, na nossa determinação, no nosso amor pela família. Na nossa
vontade de querer prover aos nossos pais e irmãos tudo o que eles
mereciam.
Só que eu odiava quando ele dava risada de mim, quando ele dizia que
eu precisava ficar em casa, que eu precisava aprender a cozinhar mais e
melhor, para o nosso casamento. A gota d’água foi quando eu relatei meus
planos de fazer uma residência em medicina familiar, para poder atender as
famílias da Stidda e como isso significava ligações de madrugada, horários
horríveis durante meus estudos, plantões intermináveis obrigatórios para a
conclusão do termo… Ignazio simplesmente me pediu para escolher.
Ele disse que eu não poderia ser parte da Stidda daquela maneira e
quando eu rebati, na raiva, que eu seria um soldado melhor do que ele, meu
noivo me levou em uma emboscada, me fez sair do carro e ficar ao seu lado
escondido, esperando a transação para descobrir quem era um dos
informantes da Stidda e que estava entregando metade dos nossos
carregamentos que chegavam nas docas para os Santos.
Ele me levou para o perigo diretamente, sem confiar em mim, em
minhas habilidades e meus treinos, simplesmente porque queria provar que
eu não pertencia a Stidda como ele pertencia. E eu odiei a Stidda desde
então. Porque talvez, se não fôssemos parte dela, Ignazio ainda estaria aqui.
Vivo de verdade, e não apenas um corpo vazio em uma cama.
— Qual o problema, minha querida? — Maria acariciou os meus
cabelos e eu funguei, tentando me livrar das memórias arrasadoras que me
destruíam. Da raiva, da sensação de impotência.
— Eu só… eu estou me envolvendo com alguém — confessei, me
sentindo estranha por dizer isso para a minha sogra. Ex-sogra.
Eu precisava começar a encarar as coisas pela realidade.
— Isso é ótimo, Nora! Você está apaixonada?
Eu estava?
“Sim” soou na minha cabeça instantaneamente. O tesão avassalador
que surgiu da atração à primeira vista se transformou lentamente em paixão,
quanto mais eu conhecia e conversava com Dani. Eu o julguei baseado nas
coisas que Ignazio dizia e fazia comigo. Principalmente porque todas as
vezes que eu ficava com um homem da máfia, em uma noite de prazer, eles
me olhavam com condescendência quando eu anunciava que lutava, que
treinava.
Dani não fez isso quando nos conhecemos, mas corrigiu alguns
movimentos na primeira vez que treinamos com Cate. E eu, com meu ego
ferido e desconfiança afiada, levei isso para o pessoal. Presumi que ele me
subestimava também. Não acreditava que eu era capaz. E passei a
responder. Nunca fui de levar desaforos para casa, e era por isso que eu
sempre respondia quando Ignazio dizia algo ruim, mas com Dani… eu
queria muito atingi-lo porque, no fundo, eu me importava com o que ele
pensava de mim. Eu não queria que ele acreditasse que eu era incapaz.
Inferior.
E depois… depois começamos a conversar casualmente. E ele se
mostrou frio e distante, como se não suportasse a minha presença. E isso
machucou mais o meu ego. Mas tudo mudou quando quebramos a barreira e
cedemos ao tesão e à atração que estavam lá desde o primeiro dia. Dani era
o homem mais lindo que eu já tinha visto. Tão grande e musculoso,
claramente se dedicando tanto quanto eu para manter o corpo no estado
perfeito para qualquer desafio. E ele sempre me olhou com luxúria, mesmo
quando acreditou que eu não percebia. Mas ele sempre manteve a distância
dele, como se não suportasse a ideia de ser atraído por mim.
E quando explodimos, eu tive que fugir. Porque ainda acreditava que
todos os homens da Stidda eram como Ignazio, e que Dani, sempre leal e
prestativo, sempre obedecendo ao primo Capo, em uma posição de poder e
responsabilidade bem além da do meu noivo, seria exatamente como o
homem que me levou diretamente para uma emboscada mortal para provar
o ponto de que eu era inferior.
Mas Dani não era nada do que julguei que fosse…
Ele não preteria ninguém pela máfia. Inclusive, percebi que ele
sacrificaria a máfia por quem importava para ele. Eu presumi que as
palavras tatuadas no seu peito eram para a Stidda, mas eram para seus
primos. Para Cate. Eram para seus familiares que ele amava. Dani destruiria
a Stidda inteira se isso fosse o preço a pagar para manter os Ricci a salvo.
E como eu poderia julgar isso se eu faria o mesmo pela minha família?
Cada pedaço que comecei a coletar dele, quando ele baixava aquela
barreira e permitia a minha entrada, encurtando a distância invisível entre
nós, encantava o meu coração. Eu guardava cada informação em uma
caixinha cheia de afeto no meu cérebro. No meu coração. E cada toque dele
passou a ser ansiado por mim.
Até nossas brigas eram algo que eu gostava. Eu gostava que ele não
me desaprovava quando eu respondia. Que parecia contar com isso. Que
não se importava com minhas respostas rápidas e minhas opiniões. Que
confiava nas minhas habilidades como médica. Que confiava em mim para
ser sua parceira de luta. Que me mostrava cada parte vulnerável sua quando
lutávamos, me confiando suas fraquezas. Dani me elogiava quando eu
merecia, e me corrigia quando eu precisava de correção, mas não de um
jeito condescendente.
Ele era prático, sim, e um pouco sem tato com as palavras quando
lutávamos, mas não me diminuía como eu esperava. Como eu erroneamente
imaginei que fizesse. E cada parte que ele me dava dele, cada informação
banal, eu guardava e exaltava. Assim como ele fazia comigo.
Ele nunca me julgou por continuar estudando e trabalhando. Ele nunca
me julgou por ser independente e andar por aí sozinha, apesar de se
preocupar com a minha segurança quando descobriu que eu estava sendo
seguida. Era a mesma preocupação que ele despendia a Cate e Lena, e ele
também não achava que elas eram inferiores ou frágeis.
Dani não me julgou por não estar casada aos 24 anos, quando a
maioria das mulheres na máfia se casavam aos 18. Ele não me julgava
porque eu sabia atirar e lutar, e arrumar motos. Ele pediu minha opinião
sobre a nova moto que queria comprar, e escutou atentamente cada coisa
que listei dos modelos que me mostrou.
Dani era tão diferente de Ignazio e tão parecido… comigo.
E eu odiei perceber isso, porque sabia que esse momento era
inevitável.
Eu amava Daniele Ricci enquanto estava noiva de alguém que não
vivia mais por minha culpa.
E eu amava alguém do alto-escalão de uma máfia que jurei odiar
porque me custou alguém que, mesmo não acreditando no meu potencial e
tentando provar que eu não era boa, era alguém que amei em algum
momento. Alguma parte de Ignazio eu amei de verdade.
Mas agora eu percebia que isso nunca seria o suficiente. Não agora que
eu amava Dani inteiro. Cada parte dele, até as coisas que eu deveria odiar.
E isso me inundava de culpa. Porque se eu tivesse amado Ignazio
incondicionalmente, e tivesse aceitado mudar um pouco quem eu era, ele
estaria vivo.
— Eu sinto muito, eu tentei não…
— Nora — Maria me interrompeu, me afastando e colocando as mãos
nos meus ombros. — Não é sua culpa. Não, não fale nada. Você já me disse
exatamente o que aconteceu naquela noite e nem assim eu te culpei. Você é
a única que se culpa por ser exatamente quem é. Você não levou meu filho
até lá. E ele é um soldado. Assim como seus irmãos, assim como meu Leo.
Isso pode acontecer com qualquer um deles.
— Mas minha presença foi um fator crucial.
— Nunca saberemos, Nora, porque não dá para voltar atrás. Eu queria
muito meu filho aqui, mas nós duas sabemos que ele não está mais entre
nós. Eu não abro mão do seu corpo e do seu coração batendo, porque vai
contra o que eu acredito e Dio Santissimo nunca me perdoaria. Mas eu sou
mãe, Nora. E eu sinto dentro de mim que Ignazio não vive mais. E não é
justo você deixar de viver também.
— Eu me sinto tão culpada por poder seguir em frente, principalmente
porque eu estava lá.
— Isso é culpa de sobrevivente. O médico que você me indicou me
contou.
— Você fala sobre mim na sua terapia? — Estreitei os olhos e Maria
deu uma risada leve.
— É claro que falo… Eu não vou dizer que não senti raiva de você em
alguns momentos, porque você viveu e ele está ali, naquela cama, Nora. Eu
sou humana. Eu sou uma mãe com o coração dilacerado para sempre. Mas,
não é justo com você. E não é justo com a minha fé. Como eu posso confiar
que tudo tem um propósito de Deus, se eu não aceito os desafios que ele
mandou?
— É um jeito estúpido de se viver? — sussurrei, lançando um olhar
para Ignazio. — Evitando seguir em frente porque eu deveria ter morrido
também?
— Sim, bambina mia, porque, a meu ver, Deus te deu uma chance de
continuar fazendo coisas incríveis nesse mundo. E eu sei que você acredita
Nele, como eu. Mas também é stupido porque você é jovem, Nora, e o mais
importante, você é uma boa médica, que sabe que a vida continua, que
enquanto alguém morre, alguém nasce, e tudo continua e não para. Você
precisa abrir mão da sua culpa, porque a sua vida está passando. E eu não
quero que meu filho seja o responsável por você desperdiçar os seus
melhores anos.
Lancei um olhar para o Ignazio na cama e me desvencilhei de Maria,
andando até ele. Eternamente pacifico, tranquilo. Como se estivesse em um
sono restaurador e calmo. Corri os dedos pelo seu rosto, acariciando com
cuidado, sentindo meus olhos arderem pelas memórias do seu toque, do seu
gosto. Ignazio pode não ter sido o que eu precisava, e por mais que me
doesse, eu sabia que não éramos uma boa combinação, mas o que doía
era…
Eu terminaria com ele naquela noite.
Eu estava pronta para cancelar o noivado, para me afastar e seguir em
frente. E essa era a maior culpa que eu carregava. Porque eu fui lá com a
intenção de terminar com ele, e acabei coberta de sangue, tentando manter
seu coração batendo, implorando para Deus para não o levar, implorando
por perdão por não o amar mais como amei um dia.
Escutei a porta se fechar levemente e sabia que Maria tinha me dado
privacidade. Provavelmente porque sentia que isso era o ponto final que
deveria ter vindo antes daquela noite. Se eu tivesse terminado antes, se não
tivesse empurrado com a barriga, talvez ele não estaria aqui. Talvez se não
estivéssemos juntos, e eu não estivesse lá, ele teria prestado atenção nos
arredores, percebido que tinha algo estranho ou errado com aquela
transação. Que tudo parecia meio mecânico e falso. Eles nos esperavam,
eles sabiam que estaríamos ali, interceptando-os e tentando descobrir para
onde levavam o carregamento.
— Se você estivesse aqui, Ignazio, eu não sei se estaríamos juntos
ainda — murmurei, afastando os seus cabelos da sua testa. — E essa
realização dói, porque parece que estou sendo desrespeitosa com a sua
memória. E não parece justo, já que me sinto responsável pelo que
aconteceu. E eu sei, na parte lógica do meu cérebro, que não foi minha
culpa de verdade, mas talvez seja. E meu coração sempre vai ter uma
pequena parte reservada a você. Pelo que vivemos, pelo que pensamos em
criar juntos. Mas não éramos compatíveis. Eu sabia disso antes daquele dia.
Eu já estava pensando nisso semanas antes, quando brigamos por causa da
minha residência. Eu sinto muito por ser uma covarde com você e não ter
terminado tudo antes. E talvez se você tivesse encontrado alguém mais
perfeito para você, não estaria nessa cama, mas você está. E eu não. E por
mais que isso me machuque, não posso mais deixar de amar os outros ou
me privar de viver por você. Minha vida é mais do que desapego e trabalho
agora. E apesar de não saber o que fazer, e de não saber como vai ser o
futuro, eu sei que preciso deixar de viver a vida daquela Nora, a sua noiva.
Abaixei a cabeça e beijei com cuidado seus lábios uma última vez,
porque sentia que precisava disso. Precisava encerrar isso de uma forma
amorosa e amigável. Ele nunca me responderia, e provavelmente, se eu
tivesse tido coragem e terminado quando sentia que não o amava mais, ele
não teria reagido bem. Mas nunca saberei. E isso era o que tínhamos agora.
Seu corpo vazio, mas meu coração cheio de memórias. E eu me
apegaria às memórias boas, porque agora eu não vivia só por mim. Eu não
sabia como Dani reagiria à notícia, mas eu cuidaria desse bebê como ele
merecia. Como o pai dele não foi cuidado. Dani não teve uma boa infância,
bons pais, boas lembranças, mas o seu filho teria.
Arranquei o anel e coloquei em cima do peito de Ignazio, em vez de
deixá-lo na cômoda como sempre, apenas para simbolizar que eu estava
devolvendo de verdade a peça. Maria entenderia. Ela estava me esperando
na base da escada e não disse nada quando eu a abracei em tom de
despedida. Respirei fundo antes de abrir a porta da casa, finalmente
liberando tudo o que me deixava presa.
Meus joelhos quase cederam quando vi Angelo parado ali, encostado
no carro que Riccardo usava, me encarando com suavidade. Desci as
escadas correndo, com pressa e meu irmão já estava com os braços abertos
me esperando. Atingi seu peito com tudo, mas ele me amparou, me puxando
contra si e me abraçando apertado.
Desabei de vez, chorando todo o meu medo. Medo do meu passado, do
meu presente, do meu futuro. Toda a culpa que carreguei durante esses
anos. Tudo saiu de mim como se isso fosse preciso para começar a próxima
parte da minha vida, da minha história.
23 - Dani
Meu coração estava bem mais leve depois da minha conversa com
Dani, e era ótimo sentir ele mais confortável comigo, sua mão na minha
enquanto andávamos até o escritório de Teo. O sexo fenomenal no flat foi
outra coisa incrível. Sempre foi perfeito e arrebatador, mas dessa vez
parecia algo novo. Uma conexão ainda maior. Talvez porque admitimos
algumas coisas, porque abri meu coração para ele e porque agora realmente
nomeamos nosso relacionamento. Tentei segurar o meu sorriso enquanto
invadíamos o escritório. Uma olhada dentro e eu percebi que Cate e Lena
não estavam à vista.
— No ateliê — Mau explicou, erguendo rapidamente os olhos.
Dani fez um sinal para mim e eu sorri, apertando a sua mão com força.
Eu estava com medo ainda, de tudo o que poderia dar errado em nossos
planos, de como o futuro poderia ser. De ter esse filho. De como minha vida
seria…
Me libertar do peso de sofrer por Ignazio e pelo que poderia ser minha
culpa começou a mudar a forma que eu pensava no futuro. Que eu pensava
no que queria… Parecia que uma barreira invisível foi levantada, tirando do
meu coração o medo de querer Daniele Ricci, o receio de me entregar para
ele, de querer me entregar, medo de desejar viver ao seu lado. E agora esse
desejo invadia tudo.
Eu o protegeria, a família que ele era tão leal. A família que ele sempre
colocava em primeiro lugar. Uma família que, mesmo tendo a minha, eu
desejava agora fazer parte. E eu a protegeria porque agora eu estava
carregando mais uma parte dessa família.
Dani perguntou se poderia contar para os primos, porque ele estava
tentando não esconder mais as coisas deles. Eu não entendi o que ele quis
dizer, mas ele explicou que me contaria tudo depois, que tinha a ver com o
seu tio e as coisas que ele fez Dani fazer… Então eu esperaria. Porque eu
sabia o quanto machucava memórias e amarras do passado. Ele poderia
levar o tempo que precisasse para me contar.
Fedez avisou que em uma semana ou mais seria o meu primeiro
plantão na clínica, então eu queria treinar um pouco. Eu não gostava de
fazer isso, mas pedi para o Teo mexer seus pauzinhos de Capo e me
conseguir uma pequena licença sem prejudicar meu programa.
É claro que ele não precisou nem explicar para o Dr. Parruci, então eu
sabia que ele apenas citou assuntos da Stidda. A verdade é que ele me
respeitava como médica, respeitava minha residência, mas porque eu
pertencia a Stidda, Teo poderia ter ordenado que eu me afastasse a qualquer
momento para resolver qualquer assunto da Stidda, só que ele só fez porque
eu pedi esse tempo.
Eu queria me preparar. Meu ombro estava bom, mas minha constância
nos treinos não estava tão boa… Depois que descobrimos o nosso vício um
no outro, Dani e eu preferimos outro tipo de treino. Então eu pedi para ele
para lutarmos durante essa semana, acordando meus músculos, preparando
o meu cérebro.
Começaríamos hoje, mas antes contaríamos para sua família.
Pediríamos segredo, porque eu queria contar pessoalmente para a minha
família, e não queria voltar lá até eliminarmos de vez a ameaça que eram os
Catanios traidores.
— Precisamos falar com vocês — Dani anunciou, e os seus primos
ergueram a cabeça. Os olhos do Executor focaram em nossas mãos unidas.
— Ah, não — Mau resmungou, gemendo. — Eu perdi a aposta, cazzo.
— Você também estava nessa aposta? — Tentei não soar puta da vida,
mas foi difícil.
— Maurizio…
— Cate apostou que vocês ficariam juntos e eu apostei que vocês
foderiam enquanto brigavam e nunca mais conversariam — Mau
interrompeu o primo e eu dei um pequeno sorriso.
— Você quase ganhou.
— Cazzo.
— Era isso que vocês queriam falar? O óbvio? — Teo provocou e
Dani soltou uma profusão de xingamentos em italiano que faria minha mãe
corar.
— Não. Eu… Nós… — Dani murmurou, tentando encontrar palavras
e eu apertei sua mão. Ele parecia bem preocupado com a reação da sua
família. Ele tinha medo do que eles falariam e que o rejeitariam, porque ele
confiava neles. Ele queria os primos felizes. — Nora está grávida.
Teve um momento de silêncio em que os dois Ricci à nossa frente
ficaram parados, quase nem respirando direito. Mau arregalou levemente os
olhos, perdendo o ar provocativo e divertido. E Teo parecia bem incrédulo,
olhando de Dani para mim. E por um segundo eu pensei que eles brigariam
com a gente, ou rejeitariam essa criança, mas aí os dois soltaram gritos de
comemoração, se levantando da cadeira rapidamente. Mau me envolveu
pela cintura e me ergueu, me girando em seus braços e me fazendo dar
risada. Quando ele me colocou no chão, Teo ainda abraçava Dani,
sussurrando algumas coisas em seu ouvido que fizeram os olhos do
Consigliere marejarem.
— Bem-vinda à família, Nora — Teo murmurou, soltando Dani e
vindo me abraçar também, e eu senti minha garganta fechar com emoção.
— Não vamos nos casar…
— Ainda — Dani corrigiu, recebendo meu olhar reprovador, mas Teo
balançou a cabeça.
— Não é isso que vai te unir a essa família.
— Obrigada. — A sinceridade na minha voz era tão verdadeira quanto
nos olhos dele. O Capo olhava para mim com carinho, suas feições
geralmente afiadas e duras estavam suaves. Ele estava falando sério quando
me disse isso e me recebeu em sua família.
— Vocês ficaram sabendo primeiro, mas é segredo. Não contamos para
a família da Nora ainda, vamos esperar o ataque passar. Então mantenha
essa sua língua grande dentro da sua boca, mommo.
— Não se preocupe, eu tenho outro lugar para ela agora — Mau
brincou, piscando para o primo mais velho e Teo fez um barulho irritado.
— Puzzone. Cate está lá em cima com Lena, Nora.
Com um sorriso, lancei um último olhar para Dani, que estava
parecendo feliz e relaxado, e dei as costas indo procurar minha amiga. Subi
rapidamente até o andar de Mau e Lena, hesitando por um momento antes
de bater.
— Posso entrar? — Esperei e quando Lena confirmou eu afastei a
porta.
Cate estava sentada no chão, em cima do tapete felpudo que Lena
escolheu. Suas costas estavam encostadas nos pés da poltrona de veludo
vinho, e Lena estava deitada no chão, com a cabeça no colo da concunhada.
Ela segurava um bloquinho de notas, provavelmente anotando alguma ideia.
As mãos de Cate estavam nas mechas loiras de Lena, no meio de um
carinho reconfortante.
— Oi, Nora! Estamos dando uma pausa porque Cate está com dor de
cabeça. — Lena sorriu para mim, quando eu me aproximei e me sentei ao
lado de Cate. — Estou fazendo uma lista de roupinhas. Vou aprender a fazer
tudo para os meus sobrinhos.
— Serão as crianças mais bem vestidas de Nova York — Cate brincou,
seu sorriso bondoso se esticando em felicidade. — Ainda não sabemos o
sexo, mas isso não importa para Lena.
— Vou fazer uma lista completa, assim já guardamos para os futuros
Ricci — ela provocou e eu não consegui conter o meu sorriso.
— Você pode fazer algo para mim e Dani? — perguntei, descontraída.
Lena se ergueu rapidamente, sua boca aberta em choque. Achei que ela
fosse dar um escândalo, mas foi Cate que soltou um grito e se jogou em
cima de mim, em um abraço apertado.
— Eu sabia! — Lena comemorou, se levantando e dando pulinhos
animados. — Quer dizer, ele quebrou o braço de um cara que estava
conversando com você e depois vocês sumiram…
— Ah, Dio — resmunguei, soltando Cate e tentando não morrer de
vergonha porque toda a família dele sabia sobre nós. — Só tentem manter
segredo. Eu quero contar para os meus pais, mas quero que tudo isso passe
primeiro.
— Vocês estão juntos? — Lena se ajoelhou na minha frente, animada.
— Vocês vão casar? Você vai morar aqui? Eu nem acredito que vamos ter
bebês fofos para apertar o tempo todo! Três! Ou talvez quatro?
— Três. Definitivamente três — garanti e olhei para baixo, como se
falasse com a minha barriga. — Três!
Cate deu uma risadinha feliz e suspirou, um sorriso lindo em seus
lábios.
— Você está feliz, Nora? — ela perguntou, e eu confirmei com a
cabeça, porque eu estava. Eu posso ter lutado contra a minha atração por
Dani no começo, mas agora eu estava satisfeita com o resultado das coisas.
É verdade que eu poderia ter me cuidado e não ter cedido ao tesão sem
garantir nossa proteção, mas agora eu estava feliz. — Ótimo… será que
agora você pode nos contar sobre seu noivo? Ou vou presumir que Dani vai
surtar e sair em uma chacina até eliminar todas as pessoas que olharam para
você?
— Sinto muito por esconder tudo de você, Cate. E de você também,
Lena, mas é que…
— Tem certas coisas que não conseguimos dividir. Às vezes, nunca. —
Lena suspirou, introspectiva. — Eu realmente gostaria que a máfia fizesse
uso da terapia.
Dei uma risada sincera, com Cate.
— Você consegue imaginar Teo sentado por uma hora em uma
poltrona conversando com alguém sobre suas preocupações? — Cate
zombou do marido e demos mais risada, com Lena se juntando a nós.
— É, duvido que qualquer um deles tenha paciência. Por isso pedi para
Mau se abrir com o irmão, pelo menos.
— Está tudo bem, Nora… Você não precisa me contar e…
— Ele está em um coma irreversível. Depois de uma emboscada que
deu errado. — Não dividi que era minha culpa, porque eu sabia que Dani
ficaria chateado se me escutasse falando assim. E eu também não queria
mais me prender a isso. — E eu não queria contar porque precisava
trabalhar algumas coisas. É difícil abrir mão de algumas coisas…
Eu sempre carregaria dentro de mim as questões e divagações sobre o
que poderia ter acontecido de diferente, sobre o que eu poderia ter feito de
diferente. Sobre como tudo poderia ter sido diferente. Mas aconteceu
daquele jeito. Aconteceu e não tem como voltar. Contudo, eu tenho como
continuar a viver, e seguir em frente. Eu tinha minha carreira para pensar.
Eu tinha um filho crescendo em mim. E eu tinha a chance de estar com
alguém que eu queria ao meu lado, que, por mais possessivo e ciumento que
fosse, não duvidava de mim. Do que eu era capaz de fazer. E era muito bom
ter mais alguém no time Nora. Alguém que não me arrasaria e sim exaltaria.
Sem palavras, andei até ele e toquei o desenho ainda sensível com a
ponta dos dedos. A respiração de Dani ficou pesada, seus lábios se partindo
levemente. Encarei seus olhos por um segundo, incapaz de me expressar, de
falar algo, de tentar descrever o que eu sentia. Vi ali a cautela, mas também
vi devoção. Vi todas as emoções e o que ele quis dizer com aquela
tatuagem, com aquele ato. Tudo o que queria mostrar não só para o mundo,
mas para mim também. E eu quase chorei com a intensidade daqueles olhos
azuis que passei a amar. Mas eu não sabia o que dizer, eu não conseguia
superar a emoção que transbordava de mim, explodindo em meu peito e
queimando os meus olhos com lágrimas não derramadas.
Eu não sabia o que falar, mas poderia demonstrar. Demonstrar o
quanto eu o desejava, o quanto ele representava para mim também. O pai do
meu filho, o homem que me conquistou, que me venerava, que gostava dos
meus defeitos. Que realmente apreciava eles, que me aceitava por completo,
cada parte de mim. O homem que me enlouquecia de todas as maneiras, que
invadiu meu coração, meu cérebro, minha vida. O homem que era tudo para
mim.
Então caí de joelhos aos seus pés, enfiando a mão em seu short e
pescando seu pau que começou a crescer com o meu toque. Ele não me
impediu, nem quando lutei com a sua roupa, tentando expô-lo. Com ajuda
da minha mão e da minha boca, Dani ficou duro em poucos segundos. Seu
pau grosso me obrigava a abrir cada vez mais a boca conforme ele ficava
mais excitado, tão grosso e grande, com veias grossas, uma cabeça irregular
e grande.
Lutei para engoli-lo até meus olhos lacrimejarem e os barulhos de
engasgo preencherem o ambiente. Dani enrolou meu rabo de cavalo em seu
punho e começou a controlar meus movimentos, fodendo minha boca sem
cerimônia, sem pudor. Minhas mãos trabalhavam de forma habilidosa, uma
em sua base, e a outra manipulando as bolas pesadas e grandes. Minha
língua tocava e provava a sua pele enquanto ele deslizava por mim,
atingindo minha garganta e voltando até os meus lábios. Manipulei a cabeça
com a ponta da língua, sugando um pouco antes de abrir novamente a boca,
de deixá-lo se afundar em mim com força. Suguei até as bochechas ficarem
côncavas, até minha mandíbula doer, e então soltava e o lambia por inteiro,
da base até a cabeça, passando pelas veias, por cada pedaço do seu pau cada
vez mais duro.
— Você vai engolir tudo — ele ordenou e eu concordei com a cabeça
avidamente, relaxando mais a garganta para tentar aprofundá-lo mais. —
Vai engolir toda a minha porra e pedir mais.
Suguei mais forte, minhas mãos massageando seus testículos e batendo
uma para ele, ao mesmo tempo. Levei a mão até encontrar o seu períneo e
massageei com a ponta do dedo. Ele soltou um gemido estrangulado, seu
aperto em meus cabelos aumentando ainda mais, seu quadril se mexeu para
frente e para trás, se movimentando contra a minha língua, fodendo minha
boca com a mesma intensidade que fazia com a minha boceta. De maneira
incansável, feroz. Me possuindo, me tornando sua, cada parte minha.
Eu suguei sem parar, trabalhando a boca e a língua em um ritmo
constante, em uma maneira de levá-lo ao limite até que ele explodisse. Eu
não ligava para câmeras, para o fato de estarmos em um local público,
apesar dele ter trancado a porta, eu só queria fazer Dani gozar.
Minha língua correu pela sua base, subindo por toda sua extensão,
massageando em um ponto sensível que ele gostava, e depois circundei da
maneira que o fazia perder o controle, na cabeça. Seu pau atingiu bem
fundo da minha garganta, e quando suguei mais forte, meu dedo o
acariciando incansavelmente, o pau de Dani inchou na minha boca e ele
segurou meus cabelos com força, gozando com jatos grossos e espessos.
Engoli tudo, apesar dos jatos atingirem o fundo da minha garganta com
tanta força que machucou.
Ele restringiu meus movimentos me segurando no lugar pelos cabelos
e se tirou da minha boca. Dani segurou seu pau ainda semiduro e esfregou
ele em meus lábios, minha bochecha. Ele ergueu uma sobrancelha loira,
esperando.
— Quero mais — pedi, como ele ordenou. Ele me deu um sorriso
predatório, e atingiu meu rosto com seu pau, antes de enfiar a cabeça
novamente entre meus lábios.
— Lamba. Só a ponta. — Ele me puxou de volta com força quando
tentei engoli-lo profundamente de novo. Choraminguei com a sensação
dolorosa em meu couro cabeludo, mas obedeci, sedenta. Querendo mais…
Eu sempre queria me sentir como sua puta particular e isso era
excitante.
— Boa garota. Me deixe duro novamente porque vou te comer até
você me implorar para parar.
Se eu já não estivesse extremamente encharcada, teria ficado.
Lambi a cabeça grande com avidez, sua glande toda, como se fosse um
maldito picolé. Ele me restringiu novamente, me acertando mais uma vez
com o seu membro e eu soltei um gemidinho desesperado. Eu nunca
imaginei que um som assim fosse sair de mim, mas eu estava aqui, de
joelhos e implorando por mais.
— Eu sabia que você ia gostar da dor com o prazer, Nora. — Ele fez
de novo, e enfiou o seu pau na minha boca com tudo, me fazendo engasgar,
lágrimas aparecendo em meus olhos e escorrendo pelo meu rosto. Controlei
a sensação, relaxando e recebendo ele de novo. — Você conhece a dor, você
sabe que ela é passageira, que está lado a lado com prazer. Não vou te
machucar. Você sabe disso, não sabe?
Ele deu um puxão no meu cabelo, me obrigando a olhá-lo. Eu confiava
nele. Então deixei isso transparecer enquanto engolia o seu pau até o limite
e tentava empurrar além. Dani me deu um sorriso que prometia o melhor
sexo da minha vida. Como sempre era quando ele me tocava.
— Se quiser, vamos voltar naquele quarto, um lugar onde posso te
ensinar mais sobre dor e prazer, mas agora você vai tirar a sua calça e deitar
de barriga para baixo no chão.
Ele me soltou, esperando por um momento. E eu rapidamente obedeci,
tirando minha calça com rapidez. Fiquei posicionada da forma que ele
falou, ignorando a vontade de conferir se as câmeras estavam viradas para
mim. Dani pareceu sentir a minha hesitação, então sussurrou no meu ouvido
quando se deitou por cima de mim.
— Ninguém vai te ver, Nora. Você pertence a mim e ninguém vai me
desafiar, mesmo que você seja gostosa demais.
Tentei virar a cabeça, mas Dani segurou meu queixo, empurrando meu
rosto para frente, os olhos longe do que ele poderia estar fazendo. Eu sentia
sua ereção na minha entrada, e a posição, com minhas pernas fechadas, só
deixava a sua penetração mais difícil.
Eu estava tão molhada, que não precisou de mais nada para ele deslizar
em mim. Nessa posição, ele me alargava ainda mais do que já fazia
naturalmente, minhas paredes se esticando para recebê-lo. Era tão bom
sentir ele se enfiando em mim devagar. Dani se sustentava com os braços ao
lado do meu corpo, seu quadril indo ao encontro do meu, minhas pernas
entre as suas, me mantendo no lugar. Seu peito estava longe das minhas
costas, e eu gemi com desejo, querendo sentir ele sobre mim.
Dani manteve o ritmo lento e torturante até eu começar a me remexer,
incapaz de controlar o meu tesão. Os meus gemidos se transformaram em
choramingo, implorando por mais velocidade e mais profundidade. Ele nem
estava na metade, e eu queria sentir ele mais fundo.
— Mais forte — ordenei e ele diminuiu ainda mais a velocidade. —
Dani! Por favor!
Ele deu uma risada satisfeita quando comecei a implorar entre meus
gemidos. Com poucos movimentos, suas mãos foram para a minha cintura e
ele me puxou com força, me colocando de quatro. Seus movimentos se
tornaram ferozes, e ele gemeu em aprovação quando eu voltei a encostar
meu peito no chão, deixando minha bunda no ar e pronta para ele.
Dani não hesitou, me comendo com força, seu pau entrando e saindo
de mim em um vaivém rápido e duro. Os meus gemidos se tornaram gritos,
que cobriam o barulho do seu pau deslizando pela minha boceta
encharcada, do seu quadril batendo contra a minha bunda, dos gemidos
dele, incapaz de se controlar. Minha boceta começou a se contrair ao redor
dele, em espasmos de prazer até que o orgasmo com força para fazer
minhas pernas tremerem me atingiu. Dani me sustentou, me puxando ao
encontro do seu pau, até gozar comigo, enquanto minha boceta o apertava.
Eu conseguia sentir os líquidos do nosso prazer escorrendo pelas minhas
pernas, nossos gozos misturados.
Dani me segurou pela cintura ao sair de mim e me puxou para cima,
contra o seu peito. Seus braços envolveram minha cintura, nossas
respirações totalmente descontroladas e em sinfonia, nós dois tentando
acalmar nossos corações. Deixei a cabeça cair contra o seu ombro, exausta,
mas satisfeita. Dani traçou pequenos beijos na minha clavícula, no meu
pescoço, na minha mandíbula.
— Então a tatuagem está aprovada?
Minha risada ecoou pelo centro de lutas e eu me afundei mais nos
braços do homem que se enfiou no meu coração, batendo de frente comigo
e me irritando.
Dani apertou o volante mais uma vez, suas mãos tensas e os nós dos
dedos brancos de tanto que ele segurava com força a peça. Era um carro
mais discreto, nada esportivo e chique como os Ricci usavam. Obviamente
ele queria se mesclar com o trânsito.
Ele e Gaspare ficariam de olho nas coisas até a hora que eu saísse. E
iríamos direto para Hewlett. Meus primeiros plantões na clínica tiveram o
efeito esperado: perceberam a minha presença.
Anotei cada pessoa que me olhava com desconfiança, cada pessoa que
parecia agir com cautela perto de mim, ou que ficava me encarando. Anotei
tudo que achei estranho, repassando para Mau e Cate, que estavam
verificando os nomes na enorme lista que o primo de Cate, Romeu,
conseguiu compilar antes de morrer. A maioria dos funcionários da clínica
da Catania no Bronx não pareciam fazer parte do plano paralelo dos Sana.
Fui bem recebida, fui aceita de certo modo, com eles não ligando muito
para a minha presença.
Mas alguns funcionários me chamaram atenção. Um médico que tinha
mais ou menos uns 60 anos me encarou por várias horas durante o plantão,
sempre mantendo um olho em mim, e eu tinha quase certeza de que ele
trabalhava na outra clínica também. Quando eu me afastava, ele ficava me
seguindo, nada discreto, e isso impediu que eu investigasse o hospital de
fato. Eu esperava mudar isso hoje, tentando escapar por um momento para
ver a área em reforma. Dessa vez, meu plantão começaria à noite, e
terminaria perto da hora do almoço. Não era o melhor momento para se
atacar, mas era bom o suficiente para distrair os homens da Catania. Mais
uma estratégia de Mau. Ele definiu que um ataque no meio do dia seria uma
ótima maneira de pegar aqueles homens de surpresa. Eles provavelmente
contavam com a noite e as vantagens da sua calma e escuridão para
transportar aquelas mulheres. O trânsito até Hewlett e em qualquer lugar
provavelmente daria mais uma vantagem, já que um auxílio demoraria a
chegar.
— Dani… — Coloquei a mão em seu braço, apertando levemente. —
Pare de se preocupar.
— É claro que vou me preocupar, Nora. Cazzo, você está sozinha lá
dentro. — Ele respirou fundo, correndo as mãos pelos cabelos loiros e me
lançando um olhar angustiado.
— O homem que Fedez colocou está lá, como segurança falso, e ele
está sempre de olho em mim, não importa o andar que eu vá. E eu sei me
defender — brinquei, tentando soar irritada como no começo, quando
achava que ele estava duvidando da minha capacidade.
— Eu sei disso, isso não me impede de me preocupar. — Ele se virou e
segurou o meu rosto entre suas mãos, seus olhos azuis sérios e penetrantes.
Eu adorava como ele nunca os mantinha frios e distantes agora que
estávamos juntos. Como ele não lutava mais contra as emoções ali, a forma
como ele me olhava com carinho, com desejo. Com cuidado.
— Tenha cuidado, va bene? Faça o que for preciso, mas não se
arrisque mais do que necessário. Temos a igreja cercada, homens
espalhados pelo perímetro, fechamos as ruas ao redor fingindo que somos
trabalhadores da prefeitura, e eu e Gaspare…
— Eu sei — interrompi ele, me inclinando para frente e encostando
nossas testas. Quem olhasse de fora só veria um casal se despedindo em
mais um dia de trabalho. — Não se preocupe, eu não vou colocar nosso
filho em risco.
— Estou preocupado com você também, não só com o nosso bebê.
Mau e Teo vão levar Cate e Lena para almoçar no fim do seu plantão. Vai
ser a distração perfeita e vamos levá-la até Hewlett. Com sorte, vão nos
seguir e ficarão de olho lá.
— Nosso plano vai dar certo — garanti, beijando levemente os seus
lábios.
— Fare attenzione, vita mia — ele sussurrou contra os meus lábios e
aprofundou o beijo, antes de me soltar, relutante.
Desci do carro, ignorando a sensação de nervosismo no meu estômago.
Eu não precisava me concentrar nisso. Entrei normalmente, com um sorriso
leve no rosto, tentando ignorar a tensão nas minhas costas. Evitei olhar na
direção do soldado do Fedez, para não chamar atenção para ele. Ele se
infiltrou ali no momento em que desenhamos o plano, para não chamar
atenção para o fato de começarmos ao mesmo tempo.
Ninguém olhou duas vezes na minha direção, exceto o chefe da
emergência e um residente. Eles pareciam observar todos os meus passos
como no outro dia, sempre de olho em mim. Ignorei completamente os dois,
trabalhando com toda a concentração, como se não tivesse culpa no
cartório, como se não estivesse ali para espiar. Tentei agir tranquilamente
durante todo o meu plantão, atendendo os pacientes que chegavam com
atenção, cuidando deles como faria em qualquer momento, em qualquer
clínica.
A oportunidade de investigar tudo aconteceu perto do final do meu
plantão, quando uma emergência de grandes proporções atingiu a clínica.
Um acidente entre dois carros colocou todo mundo em alerta, e todos os
esforços dos médicos da emergência. E com isso, eu estava livre para
circular pela clínica. Doía o meu coração virar as costas para pacientes que
precisavam de cuidados, mas eu sabia que eles estavam estáveis e minha
presença não era verdadeiramente necessária.
Me afastei com cuidado, pegando meu celular e fingindo estar
digitando algumas mensagens, olhando de vez em quando para cima, como
se estivesse perdida. A clínica não era necessariamente enorme, mas era
grande o suficiente para ser crível essa minha atuação. Eu poderia fingir que
me perdi porque estava distraída, e se tivesse qualquer câmera no corredor,
eu estava com um álibi. Caminhei por entre os setores da clínica, andando
lentamente para a parte que estava lacrada e marcada como “em reforma”.
Atravessei as pesadas cortinas de plástico, que serviam para tapar a visão e
evitar que a poeira caísse para fora da área designada. Empurrei as portas,
entrando com cuidado no local. Com o celular na mão, comecei a filmar,
observando tudo à minha volta.
Algumas peças de roupas estavam abandonadas ali, as macas
parecendo usadas, materiais médicos usados também jogados no chão.
Como se alguém tivesse sido atendido na pressa e movido daqui com
rapidez. Filmei tudo que pude, tentando as portas que pareciam trancadas,
abrindo devagar as que não estavam. Filmei as manchas de sangue no chão
em alguns lugares, principalmente os que levavam para a saída de
emergência.
Não tinha ninguém aqui como tinha na última clínica em que encontrei
aquelas mulheres, mas claramente esse espaço estava sendo usado. E era a
prova que precisávamos para invadir aquela igreja.
Enviei os vídeos para Mau, e ele respondeu imediatamente,
agradecendo. Mesmo que não tivesse encontrado mulheres aqui, como na
outra clínica, essas evidências confirmavam que eles usavam essa parte que
deveria estar interditada. Finalmente consegui respirar aliviada e saí de
fininho, voltando a andar, mexendo no celular e parecendo perdida. Dani
me mandou mensagem dizendo que já estava me esperando, e eu não
poderia me atrasar, porque a invasão da igreja e de outros armazéns ao
redor que Mau localizou com a ajuda de Fedez dependeria da nossa fuga
para Hewlett.
Andei até a parte com os armários designados aos funcionários e
peguei rapidamente a minha mochila, pronta para fugir. Ela estava mais
vazia do que normalmente ficava, mas como eu sempre a usava em
plantões, decidimos que era bom mantê-la como disfarce. Eu estava prestes
a sair quando o médico e o residente entraram na sala.
Eu tentei olhar seus nomes bordados na roupa do hospital ou no jaleco,
mas não consegui… Eles pareciam ter escondido eles com canetas
penduradas nos bolsos, ou um óculos estrategicamente posicionado ali.
Evitando que eu reparasse no nome deles, que eu definitivamente não
lembrava. O médico mais velho, com seus cabelos grisalhos e finos, me deu
um sorriso assustador. E o residente parecia animado para acabar comigo.
Dei um sorriso caloroso, parecendo calma e tranquila. Meu corpo
permaneceu relaxado, por mais que eu quisesse entrar em posição de luta.
— Indo embora cedo hoje — o médico falou, me olhando com uma
curiosidade malvada que quase me arrancou uma careta.
— É, hoje eu preciso sair na hora. Vou até Hewlett com meu namorado
— menti, mantendo o sorriso no rosto. Era bom deixar claro para onde
iríamos, já que queríamos que eles nos seguissem.
O residente encostou no batente da porta, parecendo tranquilo, mas, na
verdade, estava impedindo a minha passagem. O médico mais velho se
aproximou e custou tudo em mim para não dar um passo para trás.
— Seu namorado… o Consigliere da Stidda?
— Esse mesmo — respondi, com uma voz doce e maleável. Tudo bem,
eles sabiam sobre o Dani, devem ter percebido ele me buscando, ou
observado bem que ele estava em casa aquele dia que fui embora…
Mas não tinha problema, na verdade, era até melhor. Uma desculpa a
mais, um motivo a mais para ele estar aqui comigo, me buscando e me
levando para Hewlett.
— Vamos visitar a tia dele.
— Hum… e eu pensando que tinha a ver com as mulheres que você
sequestrou. — Ele sorriu, um esgar macabro. O residente me olhou
animado, preparado para me encurralar ainda mais.
Meu primeiro instinto foi refutar e dizer que eu não sequestrei
ninguém, que eu as salvei. Mas engoli a vontade de responder e forcei meu
rosto a fazer uma careta confusa.
— Perdão? — Tentei soar o mais inocente possível, mas pelo olhar que
eles rapidamente trocaram, nenhum dos dois acreditou em mim.
— Se você namora o Consigliere, deveria saber que não acaba bem
quando você se mete nos assuntos alheios. E se ele te mandou investigar,
ele vai aprender uma lição também.
— Que lição? — retruquei, porque dessa vez não consegui controlar. E
quando eles perceberam que meu tom de voz mudou do agradável e calmo
para o irritado e duro, eles sorriram ainda mais.
— Não enviar uma mulher para fazer o trabalho dos homens.
Não resisti a vontade de revirar os olhos e o médico veio para cima de
mim, assim como o residente. Só que eu já estava esperando. Então eu o
segurei pela nuca e acertei o calcanhar da minha mão em seu nariz com
força, girando e empurrando ele de encontro aos armários que antes
estavam às minhas costas. Ele foi de cara no metal da porta, caindo no chão
com um estrondo, o nariz sangrando por conta da fratura que fez um craque
sinistro ecoar pelo lugar.
O residente aproveitou que eu estava ocupada com o médico e me
segurou, tentando torcer o meu braço para trás. Segurei o gemido de dor
pelo meu ombro recém-curado forçado assim e me concentrei em me livrar
do seu aperto. Ele não tinha a técnica e o cuidado de Dani, portanto, eu
consegui me soltar bem facilmente. Acertei dois socos em seu rosto, vendo-
o cambalear um pouco com o contato. Aproveitei para dar um chute no
meio do seu peito, empurrando-o para trás. Ele caiu no chão com um baque,
batendo a cabeça no piso duro. Por mais que eu quisesse acabar com ele,
sabia que precisava que ele me seguisse, ou que avisasse alguém.
Então eu o deixei ali, lutando para ficar consciente e se levantar.
Peguei minha mochila que caiu no chão e saí correndo, incapaz de me
importar se todo mundo prestava atenção. Depois de hoje eu nunca mais
voltaria aqui. O segurança que Fedez colocou infiltrado ergueu as
sobrancelhas, mas eu evitei olhar muito em sua direção enquanto corria
pelos corredores até sair porta afora.
Dani estava lá, parado em um lugar proibido, bem na frente da entrada
da clínica, como se não houvesse qualquer preocupação no mundo. Ele
estava com sua Triumph Rocket 3 vermelha e aquela moto chamava atenção
com seus três cilindros e seu tamanho. Provavelmente era a intenção: Dani
queria ser visto, queria ser acompanhado, queria se destacar. Ele não sorria,
principalmente quando percebeu que eu estava correndo. Ele me esticou o
casaco assim que cheguei perto.
— Me encurralaram, o médico e o residente que avisei, deixei um
deles acordado, então vamos. Avise todo mundo — falei rápido, colocando
a mochila nas costas da forma certa depois de vestir o casaco e peguei o
capacete que ele me esticou depois. Dani colocou o capacete também,
respirando fundo.
— O casaco é a prova de balas, então não tire, Nora. — Ele me avisou,
enquanto digitava rapidamente no celular, provavelmente enviando a
mensagem para os homens da Stidda.
Eu percebi que o casaco era bem mais pesado do que as jaquetas com
amortecedores especiais de motos. Eu estava acostumada com o peso a
mais, já que as jaquetas eram projetadas para nos proteger em caso de
quedas, mas o colete embutido com certeza a deixava mais grossa e pesada.
— Desculpe, eu tentei ser discreta, mas…
— Tudo bem, já esperávamos, e é bom que eles nos sigam. — Dani
subiu na moto e eu o segui rapidamente, apertando meu corpo contra o seu.
Ele não esperou e disparou, acelerando bem mais do que deveria.
Mas assim que entrou na Cross Bronx Expwy ele diminuiu, mantendo
um ritmo tranquilo. A distância até Hewlett era de quase uma hora e eu
mantive meus braços ao redor dele, prestando atenção nos arredores o
máximo que conseguia.
— Estão nos seguindo — ele avisou, depois de um momento, e minha
barriga se apertou e agitou em nervosismo e emoção.
Nosso plano estava dando certo.
29 - Dani
— Che cazzo você pensa que está fazendo aqui, coglione? — Teo me
censurou assim que pisei na cozinha.
Com a porra de uma tipoia no braço e com Nora me olhando feio. Ela
se comprometeu com a tipoia, já que me recusei a ficar internado. Assim
que sua família saiu, eu me levantei, contra a vontade dela, e comecei a me
preparar para sair. Ela discutiu comigo, o médico que me operou discutiu
comigo. Todo mundo discutiu comigo, e apesar de ter sentido tontura e
fraqueza, de estar meio cansado, eu não conseguia mais ficar ali. Eu
precisava sair, eu precisava ir embora. Precisava voltar para casa e ajudar
meu primo na segunda parte do plano.
Ele estava sentado no balcão da cozinha, observando Cate cozinhar.
Lena estava ao seu lado, com olheiras embaixo dos olhos esverdeados e os
cabelos bagunçados. Cansada, triste. Cate estava com a aparência igual,
mas me deu um sorriso feliz quando me viu.
— Ele se recusou a ficar lá! E depois me chama de testarda. — Nora
me olhou feio e praticamente me largou sozinho para ir até o balcão e me
ignorar, brava comigo.
— Você não tem absolutamente nada para fazer aqui, segone. — Teo
estreitou os olhos e eu fiquei irritado.
— Não me deixe de fora, também sonhei com isso.
Teo respirou fundo e soltou o ar com exasperação, cansado de todos
nós. Ele olhou para o teto e depois para a esposa.
— É tarde para começar a rezar para os nossos filhos me obedecerem,
já que ninguém mais nessa casa faz isso?
— Um pouco. — Cate deu uma risada e depois me olhou um pouco
mais criticamente. — Não se esforce, certo?
— Sim, bambolina — prometi e finalmente me sentei ao lado do meu
primo, engolindo o gemido de dor.
Nora olhou feio para mim, provavelmente porque sabia que eu estava
me segurando para não reclamar. Resolvi mudar o assunto para algo mais
importante do que minhas dores idiotas.
— E o Mau? — Minha pergunta foi recebida com um suspiro de Lena.
— Está desmaiado no quarto… Ele bebe até desmaiar. — Lena correu
as mãos pelos cabelos loiros, tentando se ajeitar como se o controle sobre
sua aparência fosse ajudar a dor. — Espero que focar nessa vingança ajude.
Eu também esperava. Eu esperava que essa vingança fosse resolver
todos os nossos problemas, todos os nossos desejos sanguinários por tudo
que Cate passou, pelo que os Sana fizeram com a minha tia, com Gaspare,
com Christian…
— Você vai contar algo para os subchefes? Para os chefes dos
territórios?
— Não vou contar cazzo para ninguém. Eles ficarão felizes com a
surpresa. Meu plano é convencer Stefano e seus homens de confiança a
aparecerem em uma reunião para definir novos limites de controle contra a
La Santa. Stefano é ganancioso o suficiente para aparecer, principalmente
se eu convencer todo mundo de que estamos caçando-os. No fim, o que
aconteceu em Hewlett vai ajudar nessa mentira. Eles pensam que estou atrás
de vingança contra os Santos. Não vou desmentir.
— Vamos manipular a verdade, mostrar aos homens da Catania e dizer
que meu zio querido sabia de tudo. Mas antes disso, vamos armar o falso
sequestro em nome da La Santa.
— Eu posso…
— Você não pode nada — Cate ralhou, me olhando feio. — Masì e
Eddo já estão organizando tudo, Fedez nos contou de um chá de cozinha
que vai acontecer e vai ser o evento perfeito, porque a maioria das
convidadas são parte do alto-escalão da Catania. Se você quer ser útil,
comece a entrar em contato com Egidio para organizar a reunião. Diga que
acredita que eles serão alvos também.
Estreitei os olhos para ela e ela sorriu com doçura. Nora parecia bem
satisfeita por ter Cate me ordenando por aí, principalmente se isso envolvia
ficar em casa parado.
— Eu não vou ficar aqui no dia da reunião.
— Ninguém está falando que vai. Só estamos dizendo para você passar
seus dias com cuidado, coglione. Quase perdemos você, será que dá para
tomar cuidado?
A confissão do meu primo me deixou menos irritado por ficar de lado
e ser obrigado a pegar leve por um tempo. Ele disse que dormi por quase
dois dias e Nora também ficou preocupada. Eu sabia que isso era sério. Eu
me sentia bem, em partes, mas conseguia entender a preocupação deles. Se
qualquer um deles tivesse passado dois dias apagado depois de tomar um
tiro e perder muito sangue, eu também estaria cauteloso. E só por isso
resolvi ficar quieto.
— E Gigi? — perguntei, resolvendo mudar de assunto, para a
satisfação e sorrisinho do meu primo.
— Ela está… estranha. Ela não reagiu de um jeito esperado, mas
suponho que o luto não tenha uma regra… — Lena pareceu pensativa. —
Não sei, talvez se mudar para a casa da irmã seja bom. Ela mora em uma
casa aqui perto, também no Upper East Side, quem sabe Gigi consiga mais
liberdade assim…
— Aura ficou um pouco surtada com… — Cate pausou, como se não
conseguisse terminar a frase. — Com tudo que aconteceu. Giovanna disse
que ela quer se mudar para o interior de Connecticut, com uns parentes e
deixar Giorgia aqui com ela. O que é bem estranho.
— É compreensível, ela perdeu o marido em uma emboscada, e agora
a irmã. — Teo deu os ombros. — Por mim, ela pode ir para o inferno se
deixar Gigi em paz. Ela quer ir embora, mas ainda insiste no noivado de
Gigi com o nojento do Platone Riva. Eu queria que ele me desafiasse e
assim eu o mataria sem problemas.
— E por que você não pode fazer isso? — Nora perguntou, curiosa e
meu primo sorriu. Ela não perguntou de um jeito crítico ou nada, e pelo tom
que meu primo usou, ela deve ter feito as contas e entendeu que Platone
Riva não era uma boa opção para Gigi.
— Mais problemas para mim. Eu teria que designar um novo chefe
para o sudoeste de Long Island. E o Condado de Nassau é bem importante.
Não só porque Hewlett fica lá, mas vários homens importantes da famiglia
moram na área. Infelizmente o sporco mantém um punho de ferro na região
e me evita várias dores de cabeça coordenando as rotas e os capitães da
área.
— E ele é bom em negócios, ele conseguiu vários acordos para o Teo,
para provar a lealdade dele, quando meu tio morreu — expliquei e Nora
concordou com a cabeça. — Seria melhor resolver isso sem matá-lo, mas
não me importo em fazer isso se for proteger Gigi.
— Nem eu, mas vamos ver como tudo vai se desenrolar. Teremos dias
bem difíceis. — Meu primo deu um sorriso brilhante e que prometia
violência para Cate. — Você vai ter sua vingança, Regina mia, finalmente.
Mau não queria conversar sobre o assunto, mas pelo menos não estava
mais bebendo até desmaiar. Ele ainda estava irritadiço e cabisbaixo, e
passava a maior parte do tempo no quarto com Lena, quando não estava nos
ajudando a planejar. Masì e Eddo orquestraram perfeitamente o sequestro
falso e Egidio me ligou antes do prazo que dei para ele me retornar. Os
homens do alto-escalão da Catania estavam completamente revoltados com
a suposta tentativa de sequestro de algumas de suas filhas e esposas. Cate
escolheu a dedo as famílias de forma brilhante: soldados que Romeu
marcou na sua lista como os que tinham problemas com os Conti e o
reinado de Stefano abertamente, e que tínhamos certeza que não fizeram um
acordo com os Sana por históricos de rixas.
Fedez interceptou os homens, mercenários que contratamos fingindo
ser Catanios e Santos. Ninguém desconfiou do suposto interrogatório que
ele realizou e das informações que ele conseguiu. E Fedez foi contra o pai e
contatou diretamente os soldados das famílias atingidas, com as notícias e
informações. Foi genial. E estávamos todos ansiosos para amanhã,
principalmente Cate. Ela encheu a cozinha de biscoitos, para a consternação
de Teo, mas nada do que ele falava ou fazia tirava a mente dela do estado
ansioso. Ela esperou por isso por muito tempo. Ela perdeu as esperanças de
que a salvaríamos. Perdeu as esperanças de fazer o tio e o primo pagarem
por tudo o que fizeram com ela, mas o dia finalmente chegou.
E eu faria tudo para fazê-los sofrer.
Eu não estava na minha melhor forma física, mas isso não me
impediria. E era exatamente por isso que eu estava no porão, afiando e
limpando os nossos instrumentos e facas favoritos para tortura.
— Você está parecendo um maníaco afiando essa faca e sorrindo desse
jeito.
Mau me pegou de surpresa e pareceu achar isso divertidíssimo.
Observei seu estado descaradamente. Ele estava com os cabelos mais
bagunçados do que o normal, a roupa um pouco amassada e suja, e as
olheiras sob seus olhos eram profundas e escuras. O brilho divertido em seu
olhar tentava sobressair o luto, mas não estava dando muito certo.
— Não posso evitar, esperei por esse momento desde quando vimos
Cate naquela Igreja.
— Magra para um caralho — ele murmurou, a irritação cobrindo o seu
tom de voz. — Eu nunca vou me esquecer da imagem dela. Ou das porras
das marcas em seu corpo quando finalmente trouxemos ela para casa.
— E é por isso que eu estou sorrindo como um maníaco, porque eu
vou usar isso daqui em Silvio e vou gostar muito.
— Acredito que vamos ter que tirar na sorte para ver quem vai ter a
honra.
— Não se preocupe, vai ter para todo mundo.
Mau deu um pequeno sorriso e se aproximou, sentando-se ao meu lado
no chão. Ele simplesmente se jogou na pedra e encostou a cabeça na parede,
fechando os olhos por um momento.
— Eu preciso te dizer uma coisa, mas não quero te abalar mais.
Pensei que ele fosse ficar ofendido com meu comentário, porque,
assim como eu, Mau foi criado por Mauro Ricci. E um dos ensinamentos do
meu tio era sobre não deixar suas emoções dominarem, não se abalar com
nada. Mas eu deveria saber que Mau prezava mais o que aprendeu com
Gaspare do que o aprendeu com o pai. E para Gaspare não existia vergonha
em sentir, desde que você fosse competente o suficiente para não deixar isso
afetar o seu trabalho. Porque poderia ser uma distração que causaria a morte
de alguém.
— É sobre aquele dia? — A voz do meu priminho parecia amargurada
e desolada e eu me senti mal por tocar no assunto, mas eu precisava dizer as
últimas palavras da minha tia para ele.
Eu precisava contar como tudo aconteceu, precisava dizer que ela e
Gaspare estavam felizes nos últimos momentos juntos, que Christian estava
focado no trabalho, mas que não deixou o bom-humor morrer. Que eles
fizeram tudo o que era possível. Que fiz o que era possível.
Desde que acordei no hospital, repassei cada momento daquele dia na
minha mente. E deveríamos, sim, ter levado em consideração a sebe e a
pequena floresta, mas eles nos enganaram. Ficamos de olho nos carros e
eles saíram pelos porta-malas, escondidos, pelos relatórios dos soldados
sobreviventes. Nada do que fizemos poderia ter previsto isso, e eu sempre
viverei parcialmente com essa culpa, assim como Mau e Teo viveram com a
culpa de terem ido para um restaurante no momento dos ataques, desviando
as atenções para eles. Contudo, no fundo, não era nossa culpa. Porque
fizemos tudo o que fomos ensinados. Gaspare fez tudo. E se ele não
desconfiou da sebe e dos carros, se ele não esperou esse movimento, por
que esperaríamos?
Ele era mais experiente, ele era mais visionário, ele era bom no que
fazia. E ele deixou passar. Christian deixou passar. Eu deixei passar. Custou
a vida de três pessoas importantes para todos nós, mas não era por nossa
culpa. Era culpa dos Sana. Dos Catanios. E agora eles estavam prestes a
serem eliminados. Eu não tinha ilusões de que tudo se resolveria amanhã,
porque não era assim que funcionava, mas tudo melhoraria. Talvez levasse
um ano ou mais para eliminar todos os Catanios que não se submeterem ao
Teo e a Stidda, mas manipulando a verdade e fazendo eles acreditarem que
o seu Capo e os soldados de Silvio estavam por trás do sequestro das
mulheres das suas famílias, partes da Catania, seria um golpe de mestre.
Ninguém ficou muito feliz ou confortável por criar esse trauma nelas,
mas Cate fez Eddo e Masì pessoalmente verificarem tudo o que aconteceu.
Os 30 minutos em que elas foram colocadas em uma van foram eternos para
elas, mas nenhuma teve um arranhão, então pelo menos fisicamente elas
estavam bem. E esperaríamos que elas se recuperassem.
Era um mal necessário, porque destruir a Catania era preciso. Era
preciso fazer eles pagarem, era preciso eliminar possíveis aliados dos Sana
que não descobrimos, tirar o poder deles. Era necessário expulsar quem não
quisesse se submeter ao Teo. Era necessário espalhar nossos homens e
conquistar todo aquele território que foi diminuindo durante anos.
A Catania nas mãos de Stefano Conti caiu aos pedaços, e, no fim, era
apenas uma pedra no nosso sapato. Os Sana com ajuda da La Santa fizeram
mais estragos por fora do que a verdadeira Catania, e o pouco território
dela, no meio do nosso, só atrapalhava nossas rotas. Ao conquistarmos
aquelas terras e incorporarmos aos nossos territórios, venceríamos.
Seríamos a maior máfia.
E Federico Conti era instrumental para isso. Ele seria o elo com a
falecida Catania, sendo o último Capo, extinguindo a sua máfia e deixando
Teo e a Stidda incorporá-la. Não é incomum uma máfia perder poder e
território, e acabar sendo engolida por outra. Às vezes, elas viravam um
braço da organização, o nome sendo mantido apenas por orgulho, até os
novos soldados nascerem na máfia nova, e aos poucos elas sumiam com a
lembrança dos membros antigos. Esse era o objetivo de Teo, mas para isso,
precisávamos eliminar quem realmente seria um problema.
Todos os nossos soldados receberiam os vídeos da reunião ao mesmo
tempo, transmitiríamos tudo ao vivo, como uma espécie de notícia. A morte
de milhares de homens da Catania que não se apresentarem para o subchefe
ou capitão da Stidda mais próximo da sua região era esperada, mas
estávamos confiantes. Nossas informações, mesmo dos homens dos Sana,
era de que ninguém estava satisfeito com Stefano Conti e sua liderança, a
falta de dinheiro, de segurança… e por mais que a maioria fosse leal à
Catania, outros eram leais ao dinheiro. À glória. E esses ficariam do nosso
lado. A gota d’água será descobrir que Stefano Conti sabia do sequestro de
mulheres e planejava até vender mulheres da Catania. Manipulamos alguns
homens capturados na Igreja para falar isso também. Dando a entender que
essas mulheres seriam vendidas mesmo, que mais entrariam no esquema,
porque Stefano fez um acordo com o Marchetti para ter mais poder. Que ele
quase vendeu a própria sobrinha.
E finalmente, a Catania cairia. E tudo o que nos custou para chegar até
esse momento valeria a pena.
Pelo nosso futuro, pelo futuro dos nossos filhos. Por nós. Por Cate.
— Aquele dia… — Comecei a falar, deixando a faca de lado e olhando
para Mau. Ele evitou meu olhar, a cabeça encostada na parede, os olhos
fechados.
— Eu sinto muito por sobreviver, Mau.
— Não diga isso! — Ele arregalou os olhos, e depois balançou a
cabeça, mas coloquei a mão em seu ombro, impedindo sua fala.
— Eu sinto e me sinto culpado quando penso que é bom que sobrevivi.
Que é bom porque posso ver Cate e Teo sendo felizes como merecem. E
você e Lena descobrindo a vida juntos. E Nora, com o nosso filho, que vou
ver crescer. Vou ver ele brincar com os filhos de Teo. E depois, no futuro,
vou ensinar ele a proteger os seus filhos. Como eu deveria ter feito com
você. Como sua mãe queria que eu fizesse. Como ela me ensinou. Ela me
chamou de filho várias vezes, mas antes de morrer ela disse que me amava
como um filho, que sempre me amou. E me pediu para dizer que amava
você. Teo. As filhas dela. Era a maior característica dela, mommo. Amar
todos nós, com defeitos e tudo. E é isso que quero ensinar para o meu filho.
Em algum momento ele começou a chorar, então coloquei a mão em
sua nuca e puxei ele para mim. Mau encostou a cabeça contra meu peito,
deixando o luto e o pesar dominar o seu corpo, deixando o choro sair
livremente. Minha mão se manteve firme no pescoço dele, enquanto ele
desabafava. Mantendo-o perto de mim. Meu priminho. Meu irmãozinho.
— Vamos destruir todos aqueles bastardos que machucaram nossa
bambolina e pavimentar o legado da Stidda. Por Gaspare. Por Christian.
Pela sua mãe.
— Pela nossa mãe, fratello. Pela nossa famiglia — ele murmurou, com
a voz embargada.
Mas eu senti toda a promessa e devoção ali.
Não seria em vão. Nenhum dos nossos sacrifícios.
34 - Dani
um tempo depois
— Cheguei!
Entrei na cozinha um pouco desesperada, porque estava atrasada. Era o
primeiro dia de trabalho depois do meu parto, e eu estava morrendo de
saudades do meu anjinho.
— Acabamos de chegar também. — Meu noivo foi em direção a Sara,
a nova babá que Cate estava testando e pegou o bebê de seus braços.
A coitada estava aterrorizada, principalmente por causa dos boatos do
que aconteceu com a última babá que teve a audácia de dar em cima de Teo.
Eles eram verdadeiros, mas eu não me importava. Se o medo fizesse ela
cuidar bem das crianças, a Cate poderia fazer o que quisesse. Assim que
entregou o bebê para Dani, Sara disparou para fora da cozinha,
desaparecendo. Dani sorriu para mim, observando a nossa filha em seu colo
enquanto eu me aproximava. Para a consternação dele, Allegra só tinha sua
aparência, com cabelos loiros e olhos azuis, mas a personalidade era
completamente de Mau. Ela dava chiliques como ninguém, o que era um
feito fenomenal, já que ela nem tinha quatro meses.
Porém, ela tinha o seu preferido. Ela esticava o seu corpinho no colo
de todos, menos no do pai. O que me deixava com um pouquinho de
ciúmes, porque ela poderia se derreter por mim também. Mas eu
definitivamente não tinha lugar de fala. Era só ele virar aqueles olhos azuis
para mim que eu me desmanchava inteira. E nem era pelo enorme anel de
safiras no meu dedo. Ou pela beleza dele.
Era porque eu o amava cada dia mais. Dani me surpreendia, me
encantava, me conquistava. Era uma vida que eu nunca imaginei: eu
participava da Stidda, eu ganhei o direito de fazer minha tatuagem por todos
os meus serviços, por como ajudei ele, por como ajudei Giorgia, mas o mais
importante era que eu participava da sua vida como sua parceira. Juntos,
iguais. E isso era tudo o que eu sempre quis e nunca me dei conta.
— O que eu perdi? — perguntei para Cate e Gigi. Eu fui direto para o
banho, então meus cabelos estavam molhados, mas não me importei, com
pressa para arrancar a minha pequena dos braços enormes de Dani.
— De acordo com Giorgia, mais uma birra da nossa patatina — ele
respondeu e sorriu para a prima com carinho, antes de voltar os olhos para
nossa filha. Ele usava o mesmo apelido que meu pai me deu, e eu achava
isso perfeito. Quase fazia o meu útero coçar com a vontade de dar um novo
filho para ele.
Giorgia continuava rebelde, fugindo e enganando qualquer segurança
que Teo colocava em sua cola, mas nas últimas semanas ela parecia ter se
acalmado. Algo com certeza aconteceu, porque a ruiva estava com olheiras
enormes, evidenciadas pela maquiagem pesada que agora ela usava em seus
olhos verdes. Ela ainda procurava Dani sempre que tinha algum problema
ou quando só precisava conversar, mas não falou sobre o que aconteceu, o
que a deixou assim.
Gigi estava sentada na mesa da cozinha, observando a pequena Elena
em sua cadeirinha. Alessio, é claro, estava encaixado no quadril da mãe
enquanto ela observava algo no fogão, se recusando a ir para os braços do
pai ou soltá-la por tempo o suficiente para que o Capo beijasse ou abraçasse
a esposa. Teo sempre sorria para a cena, mesmo fingindo ficar irritado.
— Você vai me deixar beijá-la algum dia, amore mio? — ele
perguntou ao filho, quando Alessio tentou empurrar o rosto do pai com suas
pequenas mãozinhas.
Teo arrancou o menino dos braços de Cate, erguendo-o sobre a cabeça
e fazendo o pequeno herdeiro da Stidda dar uma gargalhada feliz. O menino
colocou as mãos no rosto do pai e esfregou a sua barba, ou tentou, com Teo
fazendo o trabalho por ele, mexendo o rosto de um lado para o outro e
fingindo morder as mãozinhas gordas.
Os gêmeos eram quatro meses mais velhos que Allegra, nascendo
prematuros para a consternação do Capo. Teo não saiu do lado da esposa, e
quase matou alguém naquele dia, de tão nervoso que estava. Mas Alessio
veio ao mundo com um grito ensurdecedor, seguido rapidamente por Elena.
Enquanto ele era uma cópia do pai, com olhos verdes curiosos e afiados e
os cachinhos pretos, Elena era como Cate. Ela tinha um sorriso adorável,
uma pequena covinha linda em suas bochechas rechonchudas. Seus olhos
eram verdes, mas seus cabelos pareciam mais claros do que os do irmão, e
ela parecia ter a personalidade de Dani, ou Cate, menos explosiva do que o
gêmeo. Ela com certeza era o cérebro, e eu conseguia imaginar ela
ordenando o irmão a fazer as peripécias que ele com certeza já começava a
aprontar com sua pouca idade.
Arranquei Allegra das mãos de Dani e a puxei contra o meu peito,
enterrando o nariz nos seus cabelos loirinhos. Teo segurou o filho na lateral
do corpo e se aproximou da pequena Elena, que sorriu radiante para o pai.
Se Alessio tinha Cate como favorita, Elena com certeza venerava Teo.
— Como está minha principessa? — Ele se abaixou e pegou a menina
facilmente com um braço só, puxando-a para o seu peito. Eu não sabia
como ele fazia, mas desde que nasceram, Teo os pegava ao mesmo tempo,
com facilidade. Quando o Capo foi beijá-la no topo da cabeça, Alessio
empurrou o rosto dele com um olhar bravo, arrancando uma risada de Dani.
— Figlio, vamos ter que conversar sobre isso. Elas são minhas
também — ele ralhou, tentando parecer bravo.
— Você não está com ciúmes do seu próprio filho, está? — perguntei,
dando risada e Dani sorriu para o primo.
— É claro que ele está, já reduziu o plano de cinco filhos para três.
— Nunca fui bom em dividir — o Capo respondeu sem qualquer
vergonha, fingindo derrubar os dois bebês e arrancando gargalhadas deles.
— Quem poderia imaginar que seu filho seria tão possessivo quanto
você?
— Qualquer um, porque claramente é genético — Cate respondeu
Dani e ele bufou.
— Eu não sou possessivo.
— Então tá bom — resmunguei, dando risada e ele me olhou feio. —
Você tem ciúmes quando Allegra sorri mais para o Mau do que para você.
— É porque ele sabe que sou o favorito dela — Mau anunciou,
entrando na cozinha e dito e feito, Allegra abriu um sorriso enorme ao ouvir
a voz dele.
Elena e Alessio até se debateram no colo do pai, tentando ir em direção
ao tio. Ele se aproximou rapidamente, arrancando os gêmeos do braço de
Teo, ignorando a cara feia do irmão. Lena entrou logo atrás, carregando um
vestidinho branco cheio de babados.
— Terminei, Nora, o que você acha? — Ela me mostrou e Allegra
esticou os dedinhos, tentando pegar o tecido do vestido.
— Ficou tão lindo, Lena, obrigada!
Lena era a estilista oficial dos sobrinhos e nenhuma roupa era colocada
nos três bebês sem que ela autorizasse. Ela nem fazia diferença entre eles,
mesmo com Elena sendo sua afilhada. Ela amava todos eles igualmente, e
os mimava da mesma maneira.
— Vai ser um ótimo batizado, não se preocupe — a loira me assegurou
e foi se sentar ao lado de Giorgia na mesa. — Oi! Não sabia que você vinha
hoje.
— Eu não vinha. Mas eu não conseguia mais ficar em casa — Gigi
respondeu, um pouco desesperada e cansada.
— Por que não foi até o meu ateliê quando chegou? Você está bem,
Gigi?
— Não.
O não dela foi tão firme que todos nós paramos, até os bebês. Teo
franziu as sobrancelhas e Dani foi em direção à priminha, pronto para
destruir o mundo por ela, como qualquer um de nós faríamos.
— O que foi? O que aconteceu?
Giorgia respirou fundo e ergueu os olhos verdes, cheios de lágrimas.
Ela lambeu os lábios criando coragem, mas hesitou, quando o elevador fez
um barulho, indicando que alguém chegou.
— Desculpe o atraso — Fedez anunciou entrando na cozinha e
olhando para a prima primeiro, mas percebeu que estávamos todos parados.
— O que vocês…
Ele parou, encarando Giorgia como se tivesse visto um fantasma, seus
olhos cor de chocolate arregalados. Eles não se conheciam, mesmo o
noivado tendo sido oficializado. Gigi se recusou e Fedez não fez questão, já
que era tudo falso mesmo. Aura ficou furiosa, mas entendeu o motivo
quando uma emboscada perigosa aconteceu com Fedez logo após o anúncio
do noivado. Era melhor que ninguém soubesse quem era a noiva dele.
O primo de Cate estava ocupado, finalmente tendo um pouco de paz,
reorganizando as rotas e a estrutura da falecida Catania no seu território.
Como subchefe do Bronx, Fedez tinha bastante autonomia e até tinha
nomeado Egidio como seu falso “consigliere”. Essa posição só existia de
verdade para Dani, mas cada chefe das regiões de Teo tinha um conselheiro
para ajudá-lo. Fedez sofreu algumas tentativas de assassinato, uma delas
deixando uma cicatriz na sua sobrancelha direita até o meio da bochecha.
Ele não perdeu o olho por pouco.
Fedez não pareceu se importar, provocando Mau e dizendo que agora
era bem mais sexy e bonito do que ele. O primo de Cate tinha uma
personalidade fácil e divertida, apesar de ser bem calado. Ele não parecia
ser o tipo de pessoa que levava as coisas a sério, fumando na frente do
Capo mesmo quando ele o proibiu de fazê-lo na presença de Cate. Ele
frequentava a casa às vezes, principalmente agora que podia ver a prima
sem restrições, para a felicidade de Cate.
Mas nunca ocasionou da sua noiva estar presente, principalmente
porque Giorgia parecia mais preocupada em aproveitar a sua vida do que
passar tempo aqui. Ela ia para festas, baladas, começou um curso de pintura
em um instituto de artes e passou a andar com uma turma super descolada e
que sempre arrumava problemas. Ela costumava ligar para Mau, para que
ele a livrasse dos perrengues mais sérios e jovens, e ele não se importava,
desde que ela estivesse feliz, mas Teo e Dani estavam bem preocupados
com os novos hábitos de Giorgia. Principalmente quando ela driblava o seu
segurança e aparecia bêbada em casa. Ela começou a usar maquiagem
pesada, suas roupas voltaram a ser curtas e descoladas, mas bem mais
pesadas e escuras. Seus cabelos vermelhos estavam repicados e com
algumas mechas pretas no meio. Ela parecia bem mais madura e velha do
que seus 19 anos. E eu peguei ela fumando no jardim de inverno, mas fiz
ela prometer que pararia ou eu contaria ao Teo.
— Hum… vocês se conhecem? — Mau perguntou, trocando um olhar
com Teo e Dani. Os Ricci mais velhos balançaram a cabeça, sem saber o
que dizer.
— Não — Fedez respondeu.
— Sim — Gigi disse e o primo de Cate estreitou os olhos.
Eu olhei para Cate e ela franziu as sobrancelhas, indo até o primo e o
segurando pelo braço.
— Fedez, essa é a Giorgia. Tecnicamente sua noiva…
— Ah, Santo cazzo — ele xingou, se soltando do aperto da prima e
correndo as mãos pelos cabelos marrons quase raspados. Eu tinha certeza
que esse momento acrescentaria pequenos fios brancos aos que já
apareciam por ali. — Não é a porra do nome que você me deu naquela
balada.
— O quê? — Teo praticamente gritou, o que fez Elena fazer um
biquinho e começar a choramingar no colo de Mau. O Capo suspirou,
pegando a filha e tentando acalmá-la, mas olhando feio para Gigi. — Gigi.
Explique-se. Agora. Vocês se conhecem?
A voz pausada do Capo não dava margem para erro, ele queria saber
tudo. Dani olhou tão feio para Fedez, como se ele estivesse escondendo
algo, que perdeu Gigi engolindo em seco.
Ela manteve os olhos no primo de Cate, ignorando a ordem de se
explicar, mas concordou com a cabeça. Seus lábios tremeram, seus olhos se
encheram de lágrimas.
— Acho que estou grávida — ela anunciou.
E Dani explodiu, avançando para cima de Fedez com um soco na boca
enquanto as crianças começavam a chorar com o grito assustado de Giorgia.
Teo tinha razão.
A paz não era uma opção para a família Ricci.
Fim
Leia o final da série e a história de Fedez e Gigi em Stidda – O
Subchefe, em breve.
Quer ver o nascimento dos gêmeos de Teo e Cate? Quer uma cena extra
do Dani e da Nora? Uma de Alessia e Gaspare? Ou matar a saudades de
Lena e Mau? É só entrar nesse link ou apontar sua câmera para esse
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Agradecimentos
* Esse é o livro Um de uma série de romance hot dark, com temáticas que
podem ser consideradas gatilhos. Não é recomendado para menores de 18
anos. Pode conter: violência, sangue, abusos físicos e psicológicos *
Eles se encontraram depois de dez anos, e agora têm a vida inteira para
correr atrás do tempo perdido e eliminar as máfias rivais. Juntos, sempre
juntos.
Teo e Cate Ricci passaram por muito, mas ainda têm coisas a enfrentar. Sem
saber o que esperar do futuro, o Capo da Stidda e a sua Rainha precisam
lidar com os resquícios do traidor, o eventual ataque contra a La Santa e
tentar manter a paz com a Catania antes de finalmente destruírem os
parentes horríveis da Cate.
Situado um mês antes do Epílogo de O Capo, esse pequeno conto traz mais
do primeiro casal abordado nesta série, explorando um pouco mais do
relacionamento deles, o amor que sentem um pelo outro, algumas
dificuldades e muito, muito hot.
Este conto é inteiramente dependentedo livro 1 e contém spoilers do
mesmo. Além disso, alguns fatos ocorridos nele poderão ser mencionados
em livros futuros.
**Este é o livro 1.5 da série de romance hot dark Stidda, com temáticas que
podem ser consideradas gatilho e não é recomendado para menores de 18
anos. Contém: violência, sangue, menção de abusos físicos e psicológicos, e
cenas de sexo explícito.
* Esse é o livro DOIS de uma série de romance hot dark, e para entendê-lo
é necessário a leitura dos volumes 1 e 1.5. Por ser um romance de máfia,
existem temáticas que podem ser consideradas gatilhos. Não é
recomendado para menores de 18 anos. Contém :violência, sangue, abusos
físicos e psicológicos e cenas exp *
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Rosie Odell:
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Mas escutar a vida inteira como você era inferior, como você era gorda e
como ninguém iria te querer, te marcava de uma maneira imutável.
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oportunidade para elevar minha confiança.
Mas como alguém como Cam, tão lindo, inteligente e incrível, ficaria
comigo?
Esse Baterista Enigmático era meu namorado falso e eu adoraria
transformar isso em algo verdadeiro, mas alguém como Cam?
Ele nunca ficaria com alguém como eu. Não de verdade, pelo menos
*Esse livro não é recomendado para menores. Pode existir gatilhos sobre
relacionamento abusivo, vício em jogos, suicídio, dismorfia corporal, saúde
mental, TDAH, ataques de ansiedade e pânico, pais narcisistas,
preconceitos variados, uso de substâncias ilícitas, uso de álcool e descrição
de atividades sexuais.