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Stidda - O Consigliere

livro 3

Maria Flávia Calil


Direitos autorais © 2023 Maria Flávia Calil

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Nenhuma parte desta publicação pode ser utilizada, reproduzida, distribuída ou transmitida
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eletrônicos, ou mecânicos, sem a prévia autorização por escrito do autor, exceto nos casos
de breves citações incluídas em revisões, críticas e alguns outros usos não comerciais
permitidos pela lei de direitos autorais. Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens,
lugares, eventos e incidentes são, ou produtos da imaginação do autor, ou usados de forma
fictícia.

Adquirir esse livro, mesmo que de forma gratuita, fora dos meios oficiais de venda é crime.
Todos os direitos estão protegidos conforme a Lei Nº 9.610/98, art. 184 do Código Penal.

Título: Stidda – O Consigliere, livro 3


Autora: Maria Flávia Calil 1ª Edição, 2023

Revisão e Preparação de Texto: SOS Escrita (@sos.escrita)


Ilustração e edição da capa: Luana Berle | LB Design Editorial (@lbdesigneditorial)
Arte das personagens: Reider Pereira (@rdreider)

STIDDA – O CONSIGLIERE [recurso digital] / Maria Flávia Calil — 1ª Edição, 2023.


Para minhas marilovers carrasquinhas: Vocês erraram todas as teorias, mas tenho
certeza que vão amar! (Principalmente porque a Natália pediu um HOT em uma moto
e veio aí).

Para quem já sentiu aquele ódio inexplicável por um gostoso irritante e descobriu
depois que era tesão: A Nora também.
Índice

Página do título
Direitos autorais
Dedicatória
Atenção!
Gatilhos!
Folha de rosto
Spotify
Nota da autora
Anteriormente em stidda
1 - Daniele
2 - Eleonora
3 - Dani
4 -Nora
5 - Dani
6 - Nora
7 - Nora
8 - Dani
9 - Dani
10 - Nora
11 - Dani
12 - Dani
13 - Nora
14 - Dani
15 - Nora
16 - Dani
17 - Nora
18 - Nora
19 - Dani
20 - Dani
21 - Nora
22 - Nora
23 - Dani
24 - Nora
25 - Nora
26 - Dani
27 - Nora
28 - Nora
29 - Dani
30 - Nora
Arte da cena
31 - Dani
32 - Nora
33 - Dani
34 - Dani
35 - Nora
Epílogo - Nora
Agradecimentos
Sobre a autora
Stidda
Livros deste autor
Atenção!

Esse livro é o livro 3 de uma série. Apesar de cada livro abordar um


membro diferente da elite da máfia Stidda, os eventos de pano de fundo e a
linha do tempo segue uma sequência cronológica e nesse livro
especificamente o capítulo um aconteceu no mesmo momento em que o
capítulo 29 do livro 2!

É extremamente recomendado ao leitor que se leia os outros volumes


antes de começar a leitura deste!

Sequência da Série Stidda:

Livro 1: O Capo
Livro 1.5: O Capo e a Rainha (um conto)
Livro 2: O Executor
Livro 3: O Consigliere
Livro 4: O Subchefe (2024)
Gatilhos!

Atenção, esse é um livro de máfia, portanto, abordamos


assuntos como: tráficos de drogas, pessoas, armamentos.,
outros tipos de crimes e formas ilícitas de se fazer dinheiro,
prostituição e outros tipos de negócios criminosos e típicos de
máfia. Ele contém cenas com descrição de violência física e
psicológica de forma explícita, cenas com tortura, uso de facas
e armas, morte, abusos físicos e psicológicos, bem como cenas
de sexo e palavras de baixo calão.

Esse livro não é recomendado para menores de 18 anos e


pessoas que são sensíveis a esses assuntos. Leia com cuidado
Folha de rosto
Spotify
Nota da autora

É necessária a leitura dos livros anteriores

Mais um livro da Stidda pronto para vocês e nem preciso falar sobre os
gatilhos, né?
Esse é um livro de máfia, então tem alguns gatilhos: tem morte,
violência, tem sangue… Tem sexo explícito… não é recomendado para
menores de 18 anos.
Eu tentei fazer a Nora e o Dani um enemies to lovers, mas eles se
amavam demais… então vamos de antipatia para amor? Tudo bem?
Bom, sobre o sexo… como em todos os meus livros, esse é um livro
HOT, mas é ficção, então sempre, SEMPRE, procure um médico da sua
confiança, sempre estudo, sempre use camisinha mesmo com parceiros
conhecidos e se cuide! Sua saúde é muito importante. (O SUS da camisinha
de graça! Se cuide!). Uma outra coisa… Dani gosta de um sexo mais
pesado. Não chega a ser BDSM porque ele não é parte da cultura ou da
comunidade, ele só gosta de umas coisas mais fortes mesmo. Se você se
interessar, pesquise sobre o assunto (indico muito o livro da Fernanda
Santana - Contrato Indecente que é mais sobre os praticantes) e saiba que
você tem todos os direitos e opções. O BDSM depende muito da
cumplicidade entre os parceiros e confiança extrema, não se esqueça disso!
E lembre-se mais uma vez: esse é um livro de ficção.
Na máfia não existe terapia. Eu sei que quem assistiu “Os Sopranos”
deve estar rindo de mim agora, mas você consegue mesmo imaginar os
Ricci sentados e falando sobre o que sentem e o que fizeram? Por isso,
tenham paciência com os traumas deles, com o trauma da Nora mesmo ela
sendo médica. O que parece fácil para nós pode ser extremamente difícil
para eles, então não julgue. Nem eles, nem ninguém.
Tento pesquisar ao máximo, porque um bom autor sempre faz
pesquisa, mas algumas coisas não funcionam na ficção. Usem a
imaginação, por favor (marialovers da área da saúde, tô falando com
vocês!)
Espero que gostem de Nora e Dani tanto quanto eu gostei!

Até a próxima,
Maria
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Anteriormente em stidda

Vamos recapitular?
Em Stidda - O Capo (livro 1) começamos nossa história da máfia
Stidda e conhecemos também a sua rival, Catania. Teo é o futuro Capo da
Stidda e é apaixonado por Cate, a princesa da Catania. Depois que o pai
dela é morto e Teo é afastado, os nossos pombinhos são separados por 10
anos. Teo fica determinado em encontrar Cate, e quando isso finalmente
acontece, ele descobre que ela foi muito maltratada. Só que Teo esconde um
segredo, e Cate está correndo perigo porque existe um traidor na Stidda e
um na Catania.
Em Stidda - O Capo e a Rainha (livro 1.5) temos um pequeno conto
de dez capítulos em que voltamos a mergulhar na história de Teo e Cate, em
sua dificuldade para engravidar e todas as consequências do traidor da
Stidda e do traidor da Catania, além de todo o plano de Teo para dominar a
La Santa e a Catania, eliminando-as de vez.
Em Stidda - O Executor (livro 2) acompanhamos Mau, o Executor e
irmão mais novo do Capo quando ele ajuda Maddalena, a filha perfeita do
Capo da La Santa prometida em casamento para um cara nojento de um
cartel mexicano. Lena foge e Mau está no lugar certo, na hora certa, mas a
única maneira de protegê-la é um casamento de conveniência que nenhum
dos dois quer…
E é aí que começa nossa história, porque a família de Lena arma um
sequestro para recuperá-la, mas quem sofre a consequência é outra
pessoa…
É extremamente recomendado que se leia os livros anteriores,
porque começamos esse livro no capítulo 29 do livro dois, e até a
metade dele é simultânea.
Espero que gostem.
1 - Daniele

(Dia do ataque da La Santa, cena logo antes da emboscada, no fim do capítulo 29 do Livro 2 - O
Executor)

— Acho que isso significa que Lena vai ficar — Teo brincou,
observando ela correr até a Cate.
Não conseguimos ver direito Cate, Gigi e Nora daqui, mesmo com
Lena correndo até elas. Dava para diferenciar elas entre os turistas
animados em direção ao Central Park, principalmente por conta do cabelo
vermelho de Gigi, brilhando à distância.
— Vamos, deixe-as — Mau pediu, dando as costas para a vista e
fechando a porta de entrada.
— Você está melhor? — perguntei, segurando o seu ombro enquanto
caminhávamos para o escritório de Teo.
Meu priminho parecia cansado e destruído. Ele estava definitivamente
com olheiras e com os olhos avermelhados. Os cabelos completamente
bagunçados e as roupas amassadas. Eu sabia que ele ficou aqui embaixo, no
escritório, quando voltamos do armazém. Descontar a sua raiva e frustração
nos homens que tentaram tocar e drogar Cate e Lena não ajudou a remendar
o coração partido do meu primo. Ou o medo que ele tinha de perder a Lena.
Eu conseguia ver esse medo nos seus olhos, brilhando, e era muito
estranho. Quando éramos adolescentes, e Mau era criança, ele tinha um
constante olhar de terror quando algo acontecia. Quando ele começou a
treinar com o Gaspare, Mau perdeu esse olhar. Essa inocência. Isso sumia
mesmo, com os treinamentos, com a primeira morte. Principalmente
quando ele começou a aprender a ser o Executor. Métodos de tortura,
maneiras de fazer as pessoas falarem, de trazer medo, de criar uma
atmosfera de medo. E eu sabia porque meu tio me treinou para ser seu
Executor.
Eu não deveria ser o Consigliere, eu não servia para isso.
Mas o medo no olhar do meu primo era completamente diferente de
tudo o que já vi: Mau estava com medo de perder Lena, logo agora que ele
estava aprendendo a amá-la, que estava descobrindo que ele conseguia ser
feliz e ainda fazer o que fazia. Que ele merecia.
Ela teve um surto de ciúmes porque estava descobrindo as mesmas
coisas. Os dois eram jovens, e eu estava bem confiante de que se
resolveriam logo. Lena não parecia ser o tipo de garota que desistia fácil,
sua fuga do noivo que o pai arrumou para ela, o fato dela ter abandonado a
La Santa e feito de tudo para sobreviver, além de querer cada dia mais
participar dessa família, me dizia isso. E Mau definitivamente não desistia:
ele fez de tudo para proteger sua esposa, mesmo quando esse casamento era
falso.
— Estou mais calmo… Menos desesperado. Eu só não quero… —
Mau suspirou esfregando o rosto com as mãos e segurando lá por um
momento, apertando os seus olhos. — Eu não quero que ela me odeie. Que
odeie essa vida… Eu sei que você disse que eu posso ir embora com ela, e
eu considerei, Teo, porque eu faria de tudo para ver Lena feliz, mas… Eu
amo vocês também. Essa família. Nosso legado.
— Eu sei, fratello. — Teo apertou o ombro de Mau e me lançou um
olhar tranquilo. — Dani também sabe. Cate sabe… E Lena vai descobrir.
Vocês só precisam esclarecer tudo e…
— Tiros nas redondezas — Luca anunciou, entrando no escritório sem
cerimônia. Normalmente ele batia, mas… — A Sra. Maddalena entrou na
garagem e saiu com o seu carro. — Ele olhou para o Maurizio e
imediatamente seguimos para o porão, passando por ele. — Os soldados
estão saindo aos montes da academia Stidda.
Do momento em que disse a palavra tiros, Luca nos colocou em um
estado quase instintivo. Nossos corpos estavam tensos e se moviam no
automático. Não precisávamos nos comunicar para entender exatamente o
que fazer, então não foi surpresa nenhuma quando nós três acabamos indo
em direção ao quarto do pânico.
— Cazzo! — Teo xingou, enquanto pegávamos munições. — Para
onde eles estão indo? Por que Lena pegou o carro?
— Eu não sei, senhor — Luca respondeu e Teo balançou a cabeça.
— Cate está lá fora, mas comece o protocolo assim que sairmos.
— Sim, Capo — Luca deu as costas e subiu correndo as escadas.
— Lena, o que foi? — A voz de Mau ecoou e percebemos que ele
estava no telefone, seus olhos arregalados e o peito subindo e descendo,
provavelmente pela ansiedade.
— “Eles pegaram Gigi, os homens do meu pai e Livio. Foi uma
emboscada! Angelo foi atingido!” — A voz de Lena tremeu e eu conseguia
sentir o ódio pulsando do meu primo, quase como uma coisa física e real.
Teo e eu agarramos toda e qualquer arma que estava na nossa frente,
sem prestar atenção no que era, apenas colocando nas malas de transporte e
correndo para a garagem, com Mau. A sincronia entre nós era invejável,
mas necessária. Nossa concentração agora estava completamente focada em
recuperar Gigi. Eu não conseguia nem descrever todo o meu ódio por
Marchetti e seus capangas de merda, e tudo o que eu faria com eles assim
que colocasse minhas mãos naqueles mafankuli.
— “Eles estão em casa.” — A voz de Cate soou, provavelmente
explicando para Lena e Teo soltou um suspiro aliviado, parando por um
momento e fechando os olhos.
— Você está bem, Regina mia? — Mau e Teo seguiram para um dos
carros de Mau, o que estava mais próximo da entrada para o corredor e meu
Capo me lançou um olhar cheio de autoridade. — Vá à frente, Dani, já
encontrei a localização delas.
Tirei meu celular, abrindo a localização compartilhada que Teo me
enviou e vi um pontinho se movendo pela tela, em direção ao oeste. Subi
correndo na minha moto, batendo a mão no coldre do meu peito, por baixo
do terno. Dei a partida, ligando para o celular de Lena e cerrando os dentes
quando alguém me conectou com a ligação. Eu precisava chegar até elas e...
— “Nora está na frente, Dani, de moto.” — A declaração de Cate fez
o meu cérebro parar por um momento, tentando assimilar o que ela acabou
de me dizer.
Que Nora estava sozinha.
Seguindo os homens da La Santa que falharam em uma porra de um
sequestro e que provavelmente estavam desesperados e irritados.
Que cometeriam erros.
— Porca puttana! — xinguei, incapaz de me controlar e acelerei a
moto ao máximo, sem me importar com mais nada.
Meu coração batia descontrolado no peito, desesperado, porque ela não
sabia o que estava fazendo e onde estava se metendo, cazzo. Teimosa
inconsequente do caralho. Nora nunca participou de um ataque, de uma
missão, ela poderia ser uma lutadora incrível, mas isso era diferente. Isso
era perigoso e eu não deixaria ela correr perigo. Cortei na contramão,
pegando a 79th Street e acelerei o máximo que pude, desviando de carros,
desviando de outras motos, meu olhar se movendo do pontinho correndo do
mapa no meu celular para os carros no caminho.
— “Estou seguindo eles, sempre a dois carros de distância. Como
você me ensinou” — Lena explicou para o marido, com a voz baixa e um
pouco amedrontada.
— “Brava, diavolina” — Mau respondeu, com delicadeza e escutei
um pequeno suspiro que imaginei ser de Lena. — “Estamos a caminho,
Dani já saiu e logo deve alcançar vocês”.
Localizei o DBS Superleggera de Mau, mas passei por elas,
acelerando, meus olhos completamente focados em Nora e na sua moto
vermelha. Eu estava com a minha favorita Ducati Panigale V4 R vermelha,
que era muito melhor do que a sua usada 2017 Kawasaki Z650, portanto, eu
a alcancei com uma facilidade incrível. Ela estava com o seu capacete
escuro e eu não conseguia ver nada do seu rosto, assim como ela não
conseguia ver o meu devido ao capacete. Gesticulei com as mãos para ela
parar e se afastar, apontando com o dedão pelo meu ombro em um claro
sinal para ela sair dali. Tudo o que aquela teimosa irritante fez foi balançar a
cabeça e se inclinar mais sobre a moto, como se estivesse preparada para
acelerar ao máximo.
Lancei um olhar para a van escura à nossa frente. Nora deixou um
carro de distância, mas tudo bem, porque ela estava com capacete e
ninguém a reconheceria. Lancei mais um olhar para ela e ela me ignorou,
mantendo a cabeça virada para a van, focada. Determinada. Destemida. Eu
não sabia o que me consumia mais: a vontade de fodê-la pela sua
determinação, ou a vontade de dar umas palmadas na sua bunda pela sua
audácia.
— Leonessa testarda — murmurei, emparelhando ao seu lado,
deixando minha moto ficar com a mesma velocidade que a dela,
acompanhando seu ritmo.
— “Lena, pode parar agora. Vamos seguir, Dani e...”
— “É a minha prima que está ali, Maurizio e eu vou salvá-la. Mesmo
que você me odeie, ciccino, eu vou defender a nossa família.”
Uma onda de orgulho me atingiu quando ouvi Lena declarar que ia
defender nossa família. Quando ela chegou, estávamos céticos. Se o pai
dela não tivesse armado uma emboscada logo no primeiro dia, se ela não
parecesse derrotada e arrasada quando percebeu que não ia fugir, eu teria
considerado ser um plano para infiltrá-la na nossa casa. Na nossa famiglia.
Mas eu vi no seu olhar o seu medo, seu desespero para fugir. E vi os olhares
que ela lançava para o Mau e ele para ela. Vi eles se aproximando, vi ela se
soltando, parando de agir de maneira tão rígida. Se transformando em uma
jovem determinada e segura. E que estava pronta para defender nossa
família. Eu sabia que um pouco do medo de Mau, de perdê-la, acabou de
diminuir significativamente.
— “Eu não te odeio, cara mia, longe disso.” — A voz de Mau saiu
suave, delicada.
— “Só vou dizer o que sinto quando Giorgia estiver segura.”
— “Fechado, vamos resgatar ela”.
Em sincronia com Nora, naveguei pelo caminho, sempre mantendo
uma distância segura da van que levava Gigi. Os cagacazzi não teriam
coragem de atravessar para o território da La Santa, principalmente porque
o plano deles não deu certo. Eu sabia que Teo mandou alguns soldados nas
fronteiras ficarem alerta e interceptarem qualquer veículo suspeito.
Provavelmente alertou alguns dos nossos infiltrados na polícia para
procurarem pelas câmeras.
Como suspeitei, a van parou quase no fim do nosso território, próximo
da Baía de Newark. Obviamente a estratégia será sugerir uma troca: Lena
pela Gigi.
Nora me seguiu, estacionando a alguns galpões de distância, mas com
uma visão boa do lugar. Era um armazém vazio, como os que usávamos
várias vezes para guardar nossas mercadorias ou… resolver problemas. E se
eles tinham um aqui, é porque usavam sempre. Eles não invadiriam um
lugar sem ter a certeza de que estava vazio e desocupado, não em um
momento assim, durante uma tentativa de sequestro.
Ela tirou o capacete e me acompanhou, se escondendo atrás de alguns
contêineres de metal. Olhei feio para ela, mas ela me ignorou, os olhos no
prédio à frente. Alguns carros chegaram na direção oposta da qual viemos,
alguns homens descendo rapidamente. Provavelmente reforços alertados de
que o plano original de pegar Lena não deu certo. Contei uma boa
quantidade de homens descendo, largando os carros sem a menor
preocupação.
— Isso é bom, não é? — Nora sussurrou, ainda observando os carros e
os homens da La Santa chegando e entrando no armazém.
— Sim — concordei, meus olhos nela, quando deveriam estar no
galpão. — Eles não perceberam que você os seguiu.
Ela me lançou um olhar desafiador, querendo dizer que estava certa em
fazê-lo. Em ser irresponsável e subir em uma porcaria de uma moto para
seguir homens da La Santa. Uma raiva que só ela conseguia despertar
começou a crescer em mim e ela percebeu o meu olhar mudando, porque
empinou o queixo e estreitou os olhos. Me provocando, me desafiando a
dizer algo.
Um carro parou ao lado de nossas motos e Cate e Lena desceram,
correndo rapidamente em nossa direção. Lena estava com a blusa rasgada e
os braços com alguns hematomas e Cate estava com a boca sangrando. Abri
a boca, mas elas me ignoraram, dizendo ao mesmo tempo:
— Estou bem.
Resmunguei um xingamento e ganhei um olhar feio de Cate, mas ela
não disse mais nada porque outros carros chegaram, dos nossos soldados
que vieram da academia da Stidda e não demorou muito para Mau
estacionar de qualquer jeito ali. Teo nem esperou o irmão parar quando
pulou do carro e veio correndo na direção de Cate. E Lena também não
pareceu esperar o marido descer quando foi até ele.
— Dio mio, Cate, eu juro, você vai me matar do coração. — Ele tomou
o rosto da esposa nas mãos e uma fúria implacável consumiu o seu rosto
quando ele viu o seu lábio machucado. Nora ficou tensa ao meu lado
quando eu entrei na frente do meu primo e empurrei ele pelo peito, sem
cerimônia.
— Calmati — ordenei, e encarei aquela raiva sem comedimentos em
seus olhos. Teo parecia prestes a passar por cima de mim, pronto para
destruir o mundo pela sua rainha.
— Teo, calma! — Cate pediu, enquanto eu segurava ele pela camisa,
meu corpo sendo uma barreira física e impedindo ele de entrar por aquelas
portas de correr e massacrar todo mundo lá dentro, sozinho.
— Calma? Você está sangrando — ele praticamente urrou de ódio e eu
balancei a cabeça.
— Vamos cuidar deles, mas com calma, coglione. — Mantive a voz
baixa porque nossos soldados estavam começando a se reunir à nossa volta.
Meu primo não era um típico Capo, que não respeitava a opinião do
seu Consigliere. Eu era um conselheiro, uma pessoa que ajudava, o cérebro,
mas a decisão era do Teo. Só que ele me respeitava demais. Ele levava a
sério minha opinião. Da Cate. Até da Lena agora que ela era parte da nossa
famiglia. Meu primo não deixava o seu ego ou a sensação de poder
atrapalhar suas decisões. Se nossas ideias eram melhores do que as dele, ele
ouvia. Contudo, contrariá-lo em público não parecia ser uma boa ideia e
poderia ser um tiro pela culatra se alguém pensasse que Teo não tinha tanto
poder. Então eu mantive minha voz baixa e calma, e meu olhar colado no
do meu primo.
Teo respirou fundo algumas vezes, tentando controlar o seu
temperamento e finalmente se acalmou. Soltei sua camisa, deixando ele
abraçar Cate pela cintura e puxá-la para si. Nora, que estava tensa ao meu
lado, respirou fundo e voltou seu olhar para o galpão. Gaspare e a equipe de
Mau se aproximaram, enquanto ele ainda conversava com Lena, os dois
provavelmente tentando se entender.
— Um soldado levou seu irmão para a clínica nova que estamos
abrindo no Harlem — Gaspare disse, com uma voz mais calma e menos
seca do que normalmente era, olhando diretamente para Nora.
Ela observou o Executor-chefe por um momento e deu um sorriso
agradecido de lábios fechados, provavelmente preocupada demais para
qualquer outra coisa. Mau e Lena se juntaram a nós e nossos soldados, que
esperavam as ordens.
— Outros homens chegaram logo depois que a van entrou, então tenho
certeza que tem mais gente lá dentro do que imaginamos — Nora relatou
para o meu primo, olhando para o prédio à nossa frente.
— Eles podem fazer algo com Gigi assim que avançarmos pela porta
da frente... — Meus olhos também foram para o galpão. Eu não precisei
dizer para ninguém ali que eles esperavam usar Gigi como moeda de troca,
porque todos os soldados ali sabiam. E sabiam que assim que anunciarmos
nossa presença, Gigi morreria.
— O elemento surpresa é bom, então temos essa vantagem — Mau
falou, pensativo.
— O que está pensando? — Cate perguntou e voltamos nosso olhar
para ele. Mau era bom no que fazia, era bom em pensar em saídas, em
pensar em ataques, calcular rapidamente rotas.
— Geralmente esses prédios têm uma saída lateral. Uma porta menor,
por onde é possível entrar sem levantar toda essa porta da frente. E pela
posição... eu diria que existe outra saída por trás, para as águas.
— Eles fingiram uma emboscada na frente e depois nos atacaram por
trás — Lena falou, baixinho, e Mau deu um sorriso orgulhoso para ela, seu
rosto se iluminando com a ideia que se formava em sua mente.
— Bem pensado, cara mia. Vamos usar a tática deles. Vamos atacar
pela frente, como se fosse o plano original, mas, na verdade, estaremos
divididos. Um grupo ataca por trás, logo após começarmos pela frente... E
alguns poucos entram escondidos pela lateral para resgatar Gigi.
— Eu vou — Nora falou, olhando com raiva para o local. — Sou
pequena, sou rápida e sei me defender.
Raiva e incredulidade tomaram conta do meu corpo. Será que ela tinha
perdido a porra da cabeça? Que cazzo ela estava pensando? Que eu a
deixaria se aventurar em uma porcaria de um galpão cheio de Santos
sozinha?
— Então eu vou com você. Não perca seu tempo discutindo comigo.
— Meu olhar para ela era duro e sem margens para protestos.
Nora virou os olhos para mim e sua boca se abriu um pouco, surpresa.
Cruzei os meus braços e a ignorei completamente, voltando os olhos para
Teo, esperando a ordem dele. Eu conseguia sentir sua fúria e choque
queimando minha pele. Seu olhar me deixava em chamas, mesmo que eu
não a encarasse. Teo observou Cate ao lado dele, e depois olhou para Lena.
— Elas vão junto — ele declarou e eu não contive o meu choque.
Será que todo mundo estava completamente maluco hoje? Eu era a
única pessoa sensata aqui?
— O quê? — Mau e eu falamos ao mesmo tempo, indignados.
— Você enlouqueceu? — Mau completou e alguns soldados
resmungaram em choque pela audácia dele de não acatar uma ordem direta
do seu Capo. — Lena só tem dois meses de treinamento e Cate, apesar de
ter quase sete meses de treino e atirar muito bem, ainda não tem experiência
para uma operação assim.
— Lena e Cate vão armadas, com Dani e você. Christian e Vincenzo
podem acompanhar. Giorgia vai estar com medo, acuada, não vai confiar
em nossos homens, mesmo que eles tentem ajudar. Elas não vão estar no
foco do ataque, não vão precisar de muita experiência. Cate pode dar
cobertura atirando, e Lena só precisa assegurar Gigi de que tudo está bem
— Teo explicou e Christian concordou com a cabeça, assim como
Vincenzo.
— Vou ficar do lado de fora da porta. Esperando caso precisem de
apoio — Gaspare assegurou a Cate e Lena e elas sorriram para ele, que
correspondeu com um dos seus raros sorrisos. Ele se virou para dois
soldados ao seu lado e a máscara fria voltou ao seu rosto. — Vocês vêm
comigo.
— Sim, senhor.
— Assim que ouvirem os tiros pela parte de trás, entrem e peguem
Giorgia. Saiam o mais rápido possível. Nora e Dani vão guiar — Teo falou
para Cate e ergueu a mão, segurando o rosto da esposa.
— Você sabe o que fazer, diavolina. Vamos defender nossa famiglia.
— Mau sorriu para Lena enquanto entregava a arma do seu coldre para ela,
mas eu ainda estava completamente indignado. Com Nora. Com Teo. Com
a falta de organização deste plano.
Empurrei Nora para frente com um toque da minha mão na base da sua
coluna. Pelo menos ela não empurrou minha mão ou tentou fugir. Apenas
caminhou até um dos carros em que nossos soldados se armavam. Nossos
homens se dividiam em grupos como Teo ordenou, enquanto eu tirava meu
terno e começava a abrir a minha camisa, enrolando as mangas para
conseguir me movimentar melhor. Não era a roupa ideal para lutar ou ter
uma boa mobilidade, mas paciência.
Coloquei um coldre melhor no peito e peguei uma arma com mais
calibre, porque não precisava de tanta precisão. Nora parou ao meu lado e
respirou fundo, atraindo meu olhar. Não existia um traço de medo em suas
feições, mas um pouco de resignação. Um toque de tristeza, como se isso
trouxesse à tona alguma memória dolorida para ela. Teo e Mau prenderam
os coldres no corpo de Cate e Lena, ajustando apertado em suas formas,
facilitando o acesso delas às armas.
— Você pode me ajudar? — A voz de Nora normalmente prática e
delicada parecia um pouco fria e sem emoção agora.
Concordei com a cabeça e comecei a prender o coldre em seu torso,
puxando com força as tiras de couro, amarrando ao máximo contra o seu
corpo malhado e perfeito. Evitei as imagens e desejos que amarrar ela assim
trazia, suprimindo toda a vontade que eu sempre tinha de beijá-la até ela
perder a porra dos sentidos e se submeter a mim, sem lutar, sem brigar
comigo.
Entreguei a ela algumas armas como a minha, mais poderosas, menos
precisas. Nora também não parecia ser o tipo de pessoa que dependia
somente da sua arma. Ela me disse que sabia atirar, que seu maldito noivo a
ensinou, porém, eu não sabia a extensão da sua habilidade. Já tinha visto
alguns vídeos antigos dela lutando, além de ver como ela ensinava Cate e
atacava, e ela era uma boa lutadora. Incrível. E tinha uma agilidade que me
dizia que ela preferia contatos diretos, usando seu peso e altura como
vantagem.
— Dani e Nora na frente — Mau ordenou, enquanto terminávamos de
colocar as armas e munições em nossos coldres. — Eles são mais
agressivos e melhores em combate corpo a corpo. Cate e eu ficamos no
meio, dando cobertura para eles, somos os melhores atiradores, então
podemos ficar em posições estratégicas e apenas atirar. Lena com Vincenzo
e Christian fecham a procissão. Os dois vão garantir a sua segurança, Lena,
então você vai estar livre para pegar Giorgia, certo?
— Pode deixar — Lena concordou.
Ela tinha evoluído muito em nossos treinos, mas ainda não tinha os
meses de prática como Cate, ou todos os anos de experiência nos ringues de
luta como Nora. A médica não lutava oficialmente há alguns anos, mas eu
sabia da sua dedicação, eu via em cada treino que ela pegava pesado, ou
quando Cate não se juntava a nós e Nora aceitava meus toques, minhas
correções.
Ela era boa. Muito. Lena era dedicada, Cate tinha determinação, mas
Nora era naturalmente habilidosa na luta. Seu corpo fluía nos golpes, nos
movimentos. Ela tinha o olhar e a perspicácia de desviar, tinha o talento de
antecipar os golpes, descobrir as artimanhas. Ela era verdadeiramente boa.
E as três ali ajudariam Gigi, caso ela estivesse completamente aterrorizada.
Cate e Lena se arriscariam por Gigi porque ela era parte de sua família.
Por mais que Lena tenha tido um surto de ciúmes ontem à noite, e feito uma
merda, eu sabia o que Gigi, o que Cate, Mau e Teo significavam para ela.
Ela estava aqui, afinal. E Cate era parte dessa máfia, com orgulho, com uma
tatuagem que ela usava sem vergonha, empunhando a representação de que
ela era a verdadeira metade de Teo em nosso mundo.
Mas Nora estava fazendo isso pelo seu coração. Pelo seu senso de
justiça. O mesmo senso de justiça e empatia que fez ela encarar o seu Capo
nos olhos naquele consultório e dizer que não se importava com quem ele
era, ela acabaria com ele se as marcas em Cate tivessem vindo das suas
mãos.
Teo deu um beijo profundo em Cate e sussurrou algumas coisas para
ela antes de se afastar e começar a dar novas ordens para os soldados. Nora
e Cate seguiram ao meu lado, enquanto Mau puxava Lena pela mão. Eu
nem precisava olhar para trás para saber que Gaspare, Christian, Vincenzo e
os dois soldados que ele escolheu estavam nos seguindo.
Demos a volta por fora do pátio que levava ao galpão, pegando um
caminho mais escondido e longo, até localizarmos a porta lateral. Contive
um sorriso orgulhoso para Mau. Ele tinha razão e ele era muito bom no que
fazia. Sua sacada foi genial, principalmente porque era ao lado de outro
prédio e ninguém fugiria ali. Era a pior rota de saída, mesmo com as duas
equipes avançando e cercando as saídas principais. Puxei Nora pelo
cotovelo, abaixando atrás de um caixote enorme de madeira, para
esperarmos o sinal do Teo.
— Não pense. Não hesite. Você sabe exatamente o que fazer e como
atacar. — Eu esperava a reprovação no seu olhar, ou ela falando que sabia o
que estava fazendo, mas primeiro Nora me olhou com surpresa, como se
não esperasse essas palavras de mim. Ela me encarou por um momento e
finalmente concordou com a cabeça, uma pequena preocupação brilhando
no seu olhar. — Deixe seu instinto dominar, Nora.
— Fique ao meu lado — ela sussurrou, tão baixo que eu quase pensei
ter imaginado.
— Sempre — prometi, não só porque queria deixá-la segura e calma.
Teo começou, atirando pela frente com o seu grupo. Começou a ecoar
o barulho de gritos surpresos, de tiros batendo no metal, na madeira; o caos
dos Santos gritando ordens e tentando sair do estupor da surpresa e revidar.
O corpo de Nora ficou tenso ao meu lado e me inclinei em sua direção,
deixando o meu ombro encostar no seu levemente. Ela respirou fundo e eu
a imitei, nossos corpos entrando lentamente em sincronia, nossas
respirações se tornando uma só. Foi bom termos passado todos esses meses
treinando juntos, lutando juntos, porque nossos corpos estavam em
conexão. Pelo menos nessa parte.
Novos tiros soaram e gritos mais próximos ao fundo começaram a
complementar a sinfonia do caos quando o outro grupo invadiu o galpão
pela saída traseira. Mais alguns segundos tensos se passaram, em que o som
do lado de dentro do armazém nos deixava mais ansiosos, mais nervosos.
— Agora — Mau ordenou.
E então Nora e eu começamos. Como se fôssemos um corpo só.
Nossos movimentos fluídos, sincronizados. Mais uma vez a lembrança de
que treinamos juntos por meses ecoou na minha mente. Próximos o
suficiente para nossos toques serem um indicativo sobre ir para à direita ou
para à esquerda. Eu sabia os pontos fracos do seu corpo, ela sabia os meus.
Ela sabia todas as minhas falhas e meus acertos. E eu sabia o mesmo sobre
ela. Nós dois tínhamos uma familiaridade de quem treinava junto de
verdade, confiando no parceiro, confiando nas suas fraquezas e nos seus
pontos fortes. Ela podia contar comigo e eu podia contar com ela, confiança
plena.
Eu não precisava olhar para trás também para saber que Mau e Cate
estavam no nosso enlaço, portanto, não me preocupei com isso. Eu também
confiava neles para manter nossa segurança. Gostaria muito de sair
atirando, sair destruindo todo e qualquer Santo ali, mas sabia que não podia,
não ainda, portanto mantive minha paciência enquanto desbravávamos o
interior do galpão. Ele era do mesmo modelo dos que usávamos também.
Aberto, sem muitas paredes, caixotes enormes de madeira e metal,
provavelmente porque era utilizado para guardar mercadorias. Bem
próximo do nosso território, e isso era preocupante. Mas era uma
preocupação futura. No momento, toda minha atenção era para recuperar
Gigi.
— Ali! — Nora avisou, mudando de rota rapidamente.
Gigi estava aos fundos, pelo menos longe de toda ação e da porta
traseira, ainda bem. Mas nada disso aplacou o ódio que voltou a me
consumir. Ela estava amarrada nas paredes, assim como fazíamos com os
inimigos que capturávamos. Sua cabeça pendia, desmaiada. Eu conseguia
ver suas roupas rasgadas, os cortes e hematomas na sua pele de porcelana,
um pouco de sangue escorrendo em seu rosto...
E a cena me distraiu o suficiente para tirar minha atenção do que
acontecia à minha volta. Cate atirou, finalmente revelando nossa posição,
mas foi necessário. Um homem surgiu de surpresa, quase atingindo Nora,
quase a derrubando e se não fosse por Cate e seu tiro fatal, ele teria
conseguido. Isso aumentou ainda mais a minha raiva, e quando nos
escondemos por um momento atrás de um maquinário velho, eu já estava
com um humor sanguinário.
— Você…
— Estou bem — Nora respondeu, me cortando, enquanto ajudava Mau
e Cate a repelir alguns homens que atiravam a esmo, tentando descobrir
precisamente a nossa localização. Até Lena estava atirando, com menos
precisão do que Cate e Mau, mas ainda assim ela acertou um homem,
provavelmente de forma fatal. Se ela percebeu que essa era uma de suas
primeiras mortes, não demonstrou. Seu rosto estava concentrado e feroz.
Estávamos perdendo tempo, percebi, quando eles começaram a se
reagrupar e cercar Gigi, em uma nova proteção. Ficou claro para eles que
essa era uma missão de resgate, e eles não a deixariam ir embora
facilmente. Pelo menos, não pensaram em eliminá-la primeiro.
— Mau, me dê cobertura! — pedi, saindo do meu esconderijo.
Notei Nora em meu enlaço, me seguindo, se movimentando no mesmo
ritmo que eu, ao meu lado, como uma unidade. Atiramos, com nossas armas
de maior calibre causando estragos onde as balas penetravam os corpos,
derrubando os homens com gritos e gemidos de dor. Com Mau e Cate sendo
nossa proteção, repelindo e impedindo que fôssemos atingidos.
Com um acordo tácito, sem qualquer palavra, devolvemos nossas
armas para os coldres e partimos para a luta corpo a corpo. Estávamos
próximos o suficiente para atingir Gigi caso errássemos, e eu
definitivamente não queria correr esse risco. Nora aparentemente
concordava comigo.
Nossa sincronia era incrível. Ela não hesitava, assim como eu. Então
nos movíamos com uma conexão absurda. Ela desviava de um golpe bem
na minha frente e eu já estava ali, meu punho se conectando com a cara do
atacante. Nossos corpos se tocavam constantemente, um roçar de dedos, de
braços, apenas avisando o outro da posição em que estávamos, deixando
nossos cérebros cientes dos nossos arredores para ninguém ser atingido sem
querer. Às vezes, tirávamos as armas dos nossos coldres, quando o atacante
estava longe o suficiente para nos acertar, mas Cate e Mau ainda nos davam
cobertura. E as coisas deveriam estar sob controle, porque Christian surgiu,
com Lena e Vincenzo, indo diretamente para a Gigi.
Nora e eu nos posicionamos como uma verdadeira barreira na frente de
Gigi e da equipe de resgate. Eu sabia que eles estavam tentando soltá-la o
mais rápido possível, mas nosso tempo estava acabando. Os Santos se
reagruparam, se escondendo atrás dos maquinários, tentando nos acertar.
Estávamos agora em desvantagem e basicamente expostos. Eu tentei não
me jogar na frente de Nora quando um tiro passou próximo demais para o
meu gosto. Ela me lançou um olhar preocupado e eu concordei com a
cabeça.
— Vamos, adesso! — ordenei, com firmeza, e segurei o braço de Nora,
puxando-a para mim.
Ela se deixou levar, apesar da tensão do seu corpo. Christian ergueu
Gigi nos braços, e Lena e Vincenzo o seguiram. Com o segurança da Cate,
formamos uma barreira, andando meio de lado, tentando usar a parede do
galpão como um escudo para nossas costas vulneráveis. Cate surgiu,
pequena e determinada, a arma em punho, se juntando a nós e fechando
nossa retaguarda. Minha arma estava firme na minha mão, mas minha
atenção estava dividida entre Cate e Nora, preocupado com elas, com as
balas que ainda tentavam nos atingir. Mau foi o último, aparecendo na
nossa frente e sendo a última barreira contra os Santos.
Os tiros inimigos estavam diminuindo, mas eu não tinha certeza se era
porque estávamos vencendo, ou se eles estavam nos enganando. Quando
atingimos a porta, eu me virei, dando as costas e fui até Christian,
praticamente arrancando Gigi dos seus braços. Ela ainda estava
desacordada, sua cabeça pendendo precariamente, seu corpo todo mole e
parecendo assustadoramente sem vida. Ela era tão pequena…
De perto, com ela contra o meu peito, eu conseguia ver todos os
machucados em seus braços, os cortes, o sangue escorrendo pela sua
têmpora direita. Um machucado feio aparecendo pela sua barriga quando a
sua blusa se ergueu levemente. Corri como pude, com ela no meu colo,
seguindo Lena, Cate e Nora. Eu nem prestei atenção se alguém ficou para
trás para cuidar daquela saída.
Nora abriu o porta-malas de um dos carros dos nossos homens,
entrando rapidamente e se ajoelhando ali. Eu coloquei Gigi com cuidado,
minha raiva voltando com toda força ao vê-la ali, desacordada, com as
mãos de Nora correndo pelo seu corpo, apertando levemente os dedos em
seu pescoço, sentindo seus batimentos. Ela ergueu aqueles lindos olhos
azuis para mim, cheios de preocupação, mas fez um pequeno aceno com a
cabeça. Viva, ainda bem.
— Vamos, precisamos levá-la para a clínica — Nora pediu, e Cate
subiu com ela, na parte de trás.
Mau olhou para mim, um pouco confuso e dividido, pensando qual
decisão tomar, mas não foi preciso.
— Eu dirijo, vão ajudar o Teo — Lena pediu.
Batemos o porta-malas e ela não perdeu um segundo, disparando com
rapidez pelo pátio, o motor rugindo com a força.
— Vamos — chamei, quando o carro sumiu de vista, com medo do que
encontraríamos na parte da frente.
Corremos até o galpão novamente, dando a volta e indo para a enorme
porta de correr pesada, agora escancarada. Sangue e armas, munições
vazias, tudo isso espalhado pelo chão. Alguns corpos caídos ali, os grupos
diminuindo cada vez mais, assim como os ecos das balas. Me separei de
Mau, quando ele foi para a direita, localizando Eddo e ficando ao seu lado.
Me aventurei um pouco mais para dentro do galpão, pulando alguns corpos,
meus sapatos espalhando mais do sangue que escorria pelo chão de
concreto.
Avistei uma cabeça de cabelos enrolados e corri, atirando
esporadicamente até me abaixar ao lado do meu primo. Ele estava sujo,
assim como eu, e a camisa rasgada. Mas seus olhos estavam furiosos e
destemidos. Ele atirava com precisão, levantando na hora certa. Um único
tiro foi próximo o suficiente para quase passar raspando em seu ombro e eu
me levantei, eliminando o atirador com um disparo certeiro no meio do seu
pescoço. O sangue explodindo por todos os lados não aplacou a minha
fúria. Os disparos diminuíram ainda mais, o silêncio começando a reinar,
mesmo com as respirações pesadas e alguns gemidos de dor.
— Elas levaram Gigi para a clínica — avisei, quando meu primo me
lançou um olhar questionador.
Ele concordou com a cabeça, a mandíbula completamente tensa e
apertada. Depois de alguns momentos, sem qualquer tiro, nos arriscamos
um pouco e nos levantamos, deixando os Santos terem uma oportunidade
de nos atingir.
Nada aconteceu.
— É nosso — Teo declarou e nossos homens comemoraram, saindo de
seus esconderijos.
— Dani, peça para Gaspare reunir os sobreviventes, quero todas as
informações possíveis deles. — Concordei com a cabeça e meu primo me
olhou preocupado novamente.
— Ela está viva — garanti, com a voz firme, mas a preocupação não
sumiu do olhar dele, e nem do meu coração.
Viva. Mas bem?
Não. Gigi nunca mais estaria bem. E pelo olhar sombrio do meu
primo, ele sabia.
2 - Eleonora

Eu estava tentando me manter ocupada, e estava agradecida porque


Teo mandou os seus soldados trazerem os feridos para cá. A clínica ao norte
de Manhattan, no Harlem, era recém-inaugurada. Um teste, porque a
clínica no Brooklyn deu muito certo. Era mantida com gestores da Stidda,
investidores que faziam parte da famiglia. Não era tão equipada quanto o
hospital que eu também sabia ser controlado por Teo e a Stidda, mas era
mais discreto.
Aqui? Só membros da nossa comunidade. Então casos de tiros, casos
de agressão… comuns. E era por isso que, mesmo ainda não estando tão
pronta e equipada, eu não estava preocupada com o estado do meu irmão.
Certo, não estava tão preocupada. Angelo estava em boas mãos. Ele
precisava estar bem, porque eu não sabia como viveria se algo acontecesse
com ele. O dia começou normal, eu almoçaria com Cate e Gigi no parque,
posando para Gigi para ajudá-la em um projeto que ela queria desenvolver
para o seu portfólio, e depois iria para a clínica para uma consulta com
minha médica. Tinha até pensando em chamar Donna e Milena para jantar,
mas um único tiro na direção do meu irmão mudou tudo.
Vê-lo jogado no chão, cheio de sangue, foi duro para mim. Tantas
coisas passaram pela minha cabeça, tantas lembranças, tantos avisos. E,
além disso, minha mãe me mataria, porque eu estava presente e não cuidei
dele. Não o remendei. Eu obedeci e saí correndo, para ajudar Cate, Lena e
Gigi.
Não que eu me arrependesse. Eu gostava de Lena e Gigi, é claro, mas
Cate… Cate se tornou a minha melhor amiga. Mesmo fazendo parte dessa
máfia, que eu tentava abominar, ela era minha melhor amiga. Essa
realização me pegou de surpresa quando percebi. Em pouco tempo, ela se
tornou uma confidente, alguém que me entendia, que me apoiava. Que
entendia o que era participar dessa vida ativamente, entendia o que era essa
vida. Suas consequências.
Mesmo trabalhando na clínica, minhas colegas de trabalho não
entendiam plenamente o que era ser parte da Stidda. Elas eram filhas,
sobrinhas, irmãs de soldados, mas eles não dividiam as coisas com elas
como meus irmãos e meu pai faziam comigo. Meu pai nunca me tratou
como uma filha da máfia. Não como minhas amigas eram tratadas. Não
como Lena foi tratada, ou Gigi. Como alguém inocente, submissa, deixada
no escuro de propósito para não ser manchada com as crueldades e crimes
que os homens cometiam.
Eu sabia de tudo, eu via tudo, eu escutava tudo. Eu aprendi a lutar e
entrei no ringue cedo, frequentando lutas ilegais com os meus irmãos,
assistindo ou até participando; eu sabia consertar os carros e motos dos
soldados que usavam a oficina do meu pai; eu aprendi a escutar e conversar
com eles. E tudo isso foi bem importante quando assumi meu lugar na
clínica.
Eu pertencia à Stidda de várias maneiras. Eu realmente pertencia a ela,
porque meu pai fez um acordo com o pai de Teo. Ele não ia conseguir pagar
minha faculdade e ofereceu o meu futuro para a Stidda. Até eu pagar a
dívida com o trabalho. Como uma médica da Stidda. Costurando homens
sem fazer perguntas quando era convocada.
Minhas colegas de trabalho não eram todas dependentes da Stidda
dessa maneira. Mesmo sendo de famílias em que os homens eram soldados
de Teo, elas não tinham essa dívida. Algumas, como Milene, que agora
namorava Vincenzo, só estava lá porque eles consideravam que era melhor
para qualquer vaga, inclusive administrativas, pessoas que tinham conexões
na máfia. Menos perguntas, menos explicações, a verdade velada e
escondida, como os crimes. Ninguém se importava com a verdadeira
natureza dos machucados ou trabalhos, quando se sabia o que aquela
enorme estrela negra no dorso da mão esquerda significava.
Outras, como Donna, também estavam pagando as mensalidades
caríssimas da faculdade através do seu trabalho, mas elas só aceitavam isso
e pronto. Elas não sabiam. Elas não participavam. Elas não tinham noção de
que, enquanto estavam atendendo lá no Brooklyn, carregamentos de drogas
e armas estavam cruzando as fronteiras com seus primos, tios, irmãos e
pais. Que eles eram homens da máfia de verdade e por isso participavam e
ajudavam, de uma forma, ou de outra, nas atividades criminosas. Que eles
tiveram que matar alguém para receber aquela tatuagem, que
definitivamente foi a primeira vez, mas certamente não a última que eles
fizeram isso.
Meu pai não era um soldado ativo nas ruas há muito tempo. Ele
trabalhava no desmanche e adulteração de carros para as corridas ilegais, de
carros que participavam de coisas ilegais, como o transporte de drogas. Ou
desmanche de carros roubados, ou apropriados, dos nossos inimigos, de
pessoas que magicamente sumiram. E fazia isso com orgulho, assim como
meus dois irmãos mais velhos, Samuele e Damiano, que saíram das ruas
para ajudar o babbo na oficina. Já Michele e Angelo eram soldados de
verdade, trabalhando para o Teo. Para Dani. Angelo agora em uma posição
de honra, porque era o segurança da esposa do Executor e atual herdeiro da
Stidda.
Posição que ele conseguiu porque, sendo meu irmão, acabou se
aproximando da família Ricci, e Teo e Mau gostaram dele. Gostaram de
como ele trabalhava, da sua dedicação. Meu irmão era mesmo dedicado. E
apesar de Mattia e Irene Romano terem colocado nomes de anjo e santos
em todos os filhos homens, eles não eram nada disso. Meus irmãos mais
velhos, Samuele e Damiano, eram até que bem calmos e tranquilos, mas
Michele, que era um ano mais velho do que eu, e Angelo, que era um ano
mais novo, não eram nada calmos. Não eram nada angelicais.
Eles lutavam no ringue e aceitavam qualquer ordem. Eles eram
destemidos. Eles eram cruéis. Eles eram mafiosos. Por mais que eu tentasse
odiar essa vida, eles amavam. Eles amavam fazer parte da Stidda, treinar
nas academias que Teo construiu, fazer parte da famiglia. Teo tinha
pequenos chefes, os seus capitães, que cuidavam de várias áreas de
negócios, e um deles selecionou Michele para participar da sua equipe. Ele
se arriscava indo ao norte escoltar os carregamentos de armas e eu ficava
desesperada com isso.
E achei que Angelo estaria mais seguro ao meu lado, até que ele
aceitou ser o segurança de Lena. Sempre com a porcaria de um alvo nas
costas. E o que fizeram hoje…
Eu fui atrás de Gigi sem pensar, porque ela era tão doce. Eu entrei
naquele galpão sem pensar. E sabia que, quando Angelo acordasse da
cirurgia e descobrisse, estaria furioso, mas, olhando agora para a prima do
Capo, deitada fragilizada nessa cama de hospital, toda machucada e
marcada… Eu não me arrependia. O destino dela seria pior nas mãos da La
Santa.
— Ela está bem? — A voz grave que sempre me causava um turbilhão
de sentimentos me assustou.
Irritação. Raiva. Exasperação. Tesão.
Ergui os olhos para encontrar Dani parado na porta, os olhos azuis
gélidos focados na prima na cama. Gigi não era prima de sangue de Dani,
porque a mãe dela era irmã da mãe de Teo, enquanto ele era parente dos
Ricci pelo pai do Capo, mas ela o considerava primo e ele também. Eu já vi
o cuidado e os sorrisos que ele dava para ela. Sorrisos raros e secretos que
nunca eram para mim.
— Acertaram ela na cabeça, mas agora ela acordou. — Ele se
aproximou quando percebeu isso. Ela olhou para ele, desolada. — Eu
estava conferindo os exames que fizeram. Está tudo bem.
Exceto por…
— Eu senti muita dor, eles me cortaram? — Ergui os olhos para o
Consigliere, e ele parecia furioso, muito furioso. Meu instinto de proteção
me dizia para correr, correr muito, mesmo sabendo que aquela raiva não era
direcionada a mim. Eu tinha um pouco de dó dos Santos que cruzassem o
caminho de Dani no futuro. Ele com certeza os deixaria em pedaços.
— Você se lembra de alguma coisa? — perguntei, com doçura, mas
assumindo o tom que sempre usava com meus pacientes. Assertiva e
prática. — Eles te levaram para a van e…
— Nada. Eles me vendaram e amarraram. E aí senti uma pancada na
cabeça. Eu acordei em um momento, estava sentindo muita dor aqui… —
Ela levou a mão até o quadril, mas só encontrou bandagens.
Sua ferida, a cruz da La Santa marcada eternamente na sua pele com
fogo, estava completamente besuntada de remédios para queimaduras. A
maldita marca que eles usavam para identificar as mulheres que traficavam
ou colocavam forçadamente em um bordel, que pertenciam a La Santa. Pelo
menos a Stidda não era cruel a esse ponto. Eu sabia bem que todas as
mulheres que trabalhavam na noite para pagar suas dívidas escolhiam ficar
nessas posições. Atendemos várias dessas mulheres nas clínicas, e várias já
me contaram as gorjetas e os bônus que sempre ganhavam, e como ser da
Stidda era muito melhor do que ter que lidar com um cafetão nojento que só
lhe roubava.
Giorgia estava eternamente marcada assim. Era uma ferida bem feia,
levaria tempo para cicatrizar, e mesmo com intervenções cirúrgicas, nunca
voltaria a pele lisa e perfeita que ela tinha antes. Sempre seria uma
lembrança. Sempre existiria ali.
— Tudo bem, Gigi. Você está a salvo agora — garanti e Dani
concordou com a cabeça, sem querer ter essa conversa com ela, sem querer
assustá-la mais.
— Lena está bem? Ela conseguiu fugir?
— Sim, ela conseguiu. Você foi muito corajosa. — Ele se abaixou e
deu um beijo na testa dela, mas Gigi se encolheu, com medo. Dani não
pareceu se importar com isso, ou escondeu muito bem sua reação. Ele era
bom nisso, em esconder suas emoções, menos o desgosto e irritação que
sentia por mim. — Posso chamar Lena para te ver? Ela está preocupada.
— Pode, eu quero vê-la também.
Sem olhar para mim, o que sempre me irritava, Daniele Ricci saiu do
quarto da clínica. Não importava quantas vezes eu o visse, eu sempre me
impressionava com seus dois metros e seus cento e cinquenta quilos ou
mais. Ele era enorme, seus músculos eram enormes. Seus músculos tinham
músculos. E eu era honesta o bastante para admitir que ele era o homem
mais lindo e gostoso que eu já tinha visto.
Realmente, quem olhasse de primeira teria certeza de que ele era o
Executor, e não Maurizio Ricci. Não que ele fosse pequeno, os Ricci tinham
altura e tamanho, todos grandes, altos, imponentes e musculosos, mas Dani
era o maior deles, seguido do Capo.
Ele conseguia ser tão lindo, com aqueles olhos azuis e cabelos loiros, e
tão… irritante. Frio. Distante. Quando não estava ganindo ordens para mim,
como se eu também fosse sua soldada, ele estava me ignorando. Era
enervante. Eu não conseguia entender porque, depois da camaradagem
inicial, ele começou a me ignorar, a ser frio, a me olhar com irritação, como
se minha mera presença o incomodasse. Como se algo em mim o tirasse do
sério. Então eu passei a ser ainda mais teimosa do que já era. Passei a irritá-
lo de propósito, a contrariá-lo só para tirá-lo do sério.
Lena e Mau entraram logo, observando a cama ocupada por Gigi. Dei
um sorriso tenso, mais irritada por ser novamente ignorada do que qualquer
coisa.
— Fiquei sabendo que os feridos estão sendo trazidos para cá também
— falei, para tentar ignorar a presença do Consigliere que perdurava pelo
ar. — Vou ficar para ajudar a equipe médica desfalcada.
— Como está Angelo? — Lena perguntou, e eu tive que me segurar
para não xingar porque Dani me irritou o suficiente para me distrair da
preocupação que sentia pelo meu irmãozinho.
— Perdeu muito sangue, teve que entrar em cirurgia. — Meus olhos
foram para o teto, sem que eu conseguisse evitar, como se eu pudesse
enxergar o meu irmão lá, sendo operado.
— Vá ver ele, Nora — Mau ordenou, mas não de um jeito rude.
Concordei, porque não queria ficar aqui atrapalhando, já que sabia que eles
contariam para Gigi que a marcaram. Pelo olhar no rosto deles, eles
contariam e eu não queria participar desse momento.
— Nora! — Lena me chamou e parei na porta, voltando o olhar para
ela. — Primeiro, obrigada, por tudo. — Segurei seu ombro, apertando de
forma reconfortante porque eu não deixaria Gigi sofrer. E nem Lena, se eles
tivessem pegado ela. — Segundo, Cate passou mal e...
— Eu dou uma olhada nela. — garanti, preocupada. Ela estava bem
quando chegamos. Um pouco pálida, mas nada alarmante.
— Você é a melhor amiga dela, estou te avisando porque sei que se
preocupa. — Não evitei o meu sorriso, porque eu estava preocupada, e ela
realmente era a minha melhor amiga.
— Obrigada, Lena.
Saí, fechando as portas as minhas costas e os deixando sozinhos com
Gigi. Olhei ao redor, tentando me adaptar com o ambiente da nova clínica.
A disposição era bem parecida com a unidade do Brooklyn, então imaginei
que Cate estava em um desses quartos de pacientes, como Gigi. Eu só
precisava encontrar o quadro em que marcaram o seu nome e quarto, e ir
verificar.
Mas quando eu estava passando por um corredor pequeno, em direção
ao centro do andar, uma porta se abriu e uma mão enorme me puxou para
dentro.
Minhas costas se chocaram com a porta fechada com violência, e a
tranca soou no silêncio. Era um almoxarifado, com suprimentos dos
quartos: lençóis, cobertas, roupas de cama e banho em geral, além de roupas
para procedimentos e camisolas. E Daniele estava me pressionando contra a
porta, com seu corpo enorme.
Parei o meu movimento, porque eu estava pronta para me livrar do seu
aperto. Ele percebeu a mudança no meu corpo, percebeu que meus
músculos relaxaram, mas não fez nenhuma menção de me soltar. Suas mãos
enormes me seguravam pelos braços com força, seu peito pressionado
contra o meu, me empurrando contra a madeira fria. Seus olhos azuis
estavam em chamas, furiosos.
Comigo?
Estreitei os meus olhos, pronta para rebater qualquer bronca que viesse
dele.
— Você. Seguiu. Eles. — Ele estava realmente furioso, porque sua voz
saiu pausada e um pouco trêmula. Aquela fúria me fez tremer e
definitivamente não por autopreservação.
— Gigi estava em perigo.
— Eu estava a caminho. Você me viu ao seu lado na moto, você me
ignorou quando mandei você voltar — ele rebateu, me apertando mais
contra a porta. — E depois você se voluntariou para entrar lá!
— Eu sabia o que estava fazendo. — Sua incredulidade sobre a minha
competência me irritou, como sempre. Era o que eu mais odiava, sempre
odiei: que duvidassem da minha capacidade e me subestimassem.
— Não, você não sabia. Você pode ser uma boa lutadora e atirar bem,
mas você nunca esteve…
— Não me diga o que fazer e nem assuma coisas sobre mim que você
não sabe. — Dessa vez, eu me soltei do seu aperto, empurrando-o pelo
peito. Ele não se mexeu, ainda pairando sobre mim, roubando minha
sanidade e o meu ar.
— Você não vai se arriscar assim novamente! — Era uma ordem e
meu sangue ferveu.
— Você não manda em mim!
— Santo cazzo, você é impossível, é simplesmente teimosa por ser!
— Você não vai me tratar assim e depois ficar me olhando como se
quisesse me foder!
Essa era a outra interação que ele fazia comigo: quando pensava que
eu não estava olhando, Daniele Ricci praticamente me devorava com os
seus olhos. E eu passei a ansiar isso. Passei a desejar isso, cada dia que
treinávamos juntos. Cada dia em que ficávamos juntos. Ele era frio e
distante quando estávamos sozinhos, conversando apenas o básico comigo,
sempre parecendo irritado, sempre prestes a brigar comigo quando eu era
teimosa, sempre me dando ordens, mas seus olhos? Em chamas.
Aqueles olhos azuis que sempre pareciam gélidos deixavam um rastro
de fogo pelo meu corpo. Seu toque também fazia isso. Porque ele sempre
me tocava o mínimo possível. Como se não suportasse a ideia da minha
pele na sua. E eu passei a ansiar os momentos em que tocar era
absolutamente necessário, em que ele não conseguia evitar.
Seus olhos escureceram, inflamados em raiva.
— Você traz caos para a minha vida!
— Eu? Você mata pessoas para viver! Quer mais caos do que isso? —
Empurrei ele pelo peito mais uma vez, tentando ganhar espaço, mas ele
voltou a me cercar, me apertando contra a madeira, me prendendo.
Eu poderia fugir, mas daria trabalho. Sempre lutamos de igual para
igual. Dani nunca pegou leve comigo porque eu era mulher, ele sempre me
tratou como um oponente digno, então eu poderia dignamente dizer: ele era
melhor do que eu. Ele lutava bem melhor. Treinava mais. Eu poderia vencê-
lo? Dependia, mas me cansaria bastante.
— Eu dou ordens, as pessoas obedecem. Eu recebo ordens do Teo e da
Cate, eu obedeço. Alguém me irrita, eu meto uma porra de uma bala na
cabeça deles. Que cazzo eu devo fazer com você e essa sua língua atrevida?
A pergunta pairou no ar entre nós. Caindo lentamente sobre o tesão e
raiva que estava latente ali. Como sempre esteve, desde o primeiro dia.
Dani representava tudo o que eu odiava em um homem. Ele tinha
honra, ele não viraria as costas para a sua famiglia. Ele se colocaria em
perigo, antes de pensar em mim. Ele me trocaria por aquilo, por mais um
trabalho, sem me dar atenção. Ele me rebaixaria porque eu não me
encaixava na sua preciosa máfia. Eu poderia lidar com o equilíbrio, mas eu
não poderia lidar com ser preterida pela máfia. De novo. Eu não poderia
lidar com ser rebaixada porque a máfia era mais importante, porque eu não
entendia, porque eu não sabia como era ser boa em algo.
Sua lealdade era para conseguir crescer na organização, sua ambição
era essa. Não era lealdade ao Teo, ou aos Ricci. Era à Stidda. A coisa mais
importante na vida dele, a coisa que era essencial, algo pelo qual ele
arriscaria tudo, inclusive a mim.
E eu odiava estar atraída por outro homem assim.
Um músculo na sua mandíbula se mexeu quando ele fez esforço para
manter a boca fechada. Assim como aconteceu com as minhas mãos,
coçando e tremendo para tocá-lo.
Segundos, meses, anos… parecia ter corrido todo esse tempo enquanto
ele me encarava com aqueles olhos azuis de uma cor tão fria
completamente em chamas.
E então explodimos.
Ele me agarrou pela nuca no mesmo momento em que pulei em seu
colo, enrolando as pernas em sua cintura, afundando meus dedos em suas
costas, na sua camisa rasgada e suja. Dani me apertou contra a porta, um
braço sustentando minha bunda, a outra mão segurando com tanta força os
cabelos da minha nuca que lágrimas invadiram meus olhos.
Nossos lábios se chocaram de uma forma violenta, dolorida. Era um
beijo completamente selvagem e desesperado, com dentes, línguas e tanta
raiva. Com o tesão acumulado de meses, é claro, mas com a raiva também.
A frustração que ele sentia por mim e eu sentia por ele.
Ele queria me dominar e eu queria deixar, mas só para irritar, eu lutei
contra ele. Eu não o deixei assumir a frente, não o deixei assumir as rédeas
do beijo. Busquei o controle que ele tanto queria, que ele lutava para ter. Se
ele forçava a língua para um lado, em um ritmo, eu fazia o oposto.
Dani puxou mais meu cabelo, com força, inclinando minha cabeça
para trás e atacando minha boca de uma forma ainda mais feroz e faminta.
Ele mordeu meu lábio e puxou a pele, me fazendo gemer. Eu me esfreguei
contra ele, dando um jeito de arrancar a sua camisa de dentro da sua calça e
enfiar as mãos por baixo dela. Minhas unhas fincaram em sua pele,
provavelmente arrancando sangue e dor, mas ele só empurrou mais a sua
ereção contra mim. As pequenas cicatrizes e músculos firmes nas pontas
dos meus dedos.
Meu Deus, ele estava muito excitado, tão duro contra a braguilha da
sua calça. Eu não consegui resistir e esfreguei mais uma vez meu corpo
contra o seu. Ele parecia enorme, monstruoso, tão próximo da minha
boceta, mas tão longe, separados por camadas de tecidos. Eu quase
choraminguei contra o seu toque, quase comecei a implorar por mais. Dani
me pressionou contra a porta, seu corpo me apertando, arrancando o ar de
mim, me cercando. Me cobrindo, tão dominante e avassalador. Eu queria
mais, eu precisava de mais, eu…
O barulho do tecido se rompendo me paralisou. Ele rasgou a minha
calça com a sua mão. Sua mão que me sustentava pelas coxas. Como se não
fosse nada, como se fosse um pedaço de papel fino e frágil.
Ele afastou a boca da minha por um momento, soltando meus cabelos.
Eu senti a sua outra mão abrindo o botão e o seu zíper, o dorso dela
raspando contra a minha, agora arruinada, calça. Ele fez isso bem
lentamente, sua mão praticamente sem relar na minha calcinha.
Um aviso. Um aviso de que ele estava me dando uma chance para
dizer não. E eu deveria dizer não, eu deveria parar isso e sair do seu colo, e
parar de agarrar ele como uma vagabunda sedenta que parecia estar há anos
na seca. Eu deveria muito falar não. Mas não falei.
— Você é…? — Ele nem terminou de perguntar e eu já estava negando
com a cabeça. Não, eu não era virgem.
Alguma emoção possessiva e raivosa passou pelos seus olhos, antes da
sua mão colocar a minha calcinha de lado, mais uma vez lentamente.
— Não transo sem camisinha, mas eu vou me enterrar em você sem
qualquer barreira, Nora, então se você quer parar…
Eu voltei a atacar sua boca, porque não queria negar seu toque. Eu não
poderia negar. Eu precisava dele dentro de mim sem barreiras também.
Dani arremeteu de uma vez, fazendo meu corpo desencostar e voltar a
bater contra a porta com a força do seu impulso. O meu grito de surpresa e
dor foi escondido pela falta de ar nos meus pulmões e pela sua boca voraz.
Meus olhos se arregalaram quando ele nos moveu, indo me encostar na
parede. Para não fazer barulho, percebi, quando ele voltou a arremeter.
Sem me dar qualquer tempo para me acostumar, ele saiu
completamente e se afundou em mim. Ele era muito grosso, grosso demais,
comprido demais e me esticava inteira. Eu com certeza ficaria dolorida
depois, porque estava sentindo minha pele se expandir para recebê-lo
melhor. Um cavalheiro daria um momento para uma dama se acostumar,
mas Daniele Ricci não era um.
Ele movimentava o quadril de forma selvagem, nossas roupas ainda
intactas, só o rasgo que ele fez no meio das minhas pernas e a sua braguilha
aberta. Minhas unhas pressionadas com tanta força em suas costas que senti
a pele se romper, eu senti o sangue escorrer pelos meus dedos. Mas ele só
gemeu mais contra a minha boca, arremetendo sem pausa, sem trégua.
Minhas costas batiam contra a parede, minha boca não abandonava a sua,
meus gemidos eram engolidos por ele. Ele sustentava meu peso com um
braço, e o outro foi para um seio, apertando por cima da blusa que eu usava,
com força o suficiente para me marcar mesmo com a peça no caminho.
Meu corpo estava consumido por desejo, por um fogo que parecia
correr e me devorar meu interior, até um ponto delicioso onde o seu pau se
esfregava dentro de mim. Eu me agarrava a ele com força, porque não
queria me afastar, não queria que ele parasse. Meus calcanhares estavam
cruzados na base da sua coluna, puxando-o para mim, puxando seu quadril
ao encontro do meu, como se ele precisasse de impulso. Como se ele já não
estivesse indo o mais forte e rápido possível.
Sua mão subiu do meu seio e ele segurou o meu queixo com força,
seus dedos se afundando na minha pele. Seus olhos focados em mim em
uma possessividade incrível e poderosa. Ele queria a minha atenção
enquanto ele metia em mim com tanta selvageria que o barulho do nosso
sexo poderia ser escutado por quem passasse do lado de fora. Ele não
parecia estar cansado, não parecia estar sem ar, não parecia nem um pouco
desalinhado como eu estava me sentindo. Ele continuou saindo inteiro e
entrando em mim, tentando me preencher totalmente, como se aquele seu
pau enorme coubesse sem me arruinar para qualquer outro homem. Eu
nunca mais me sentiria completa, não após experimentar ele dentro de mim.
Era tão bom sentir sua pegada firme, sentir ele se movimentando sem
nenhuma barreira, deslizando por mim. Sentir todo o seu corpo enorme e
musculoso me apertar contra a parede com tanta força que eu não conseguia
respirar direito. Sentir seus músculos se contraindo contra os meus dedos.
Ele me beijou novamente, sua língua exigente e dominadora. Dessa vez,
não lutei. Cedi ao seu beijo, a sua dominância, e ele se aproveitou disso.
Sua língua embalou a minha em um beijo desesperado, tomando tudo, me
marcando. Ele não parou de me beijar e de se mover contra mim.
Meu orgasmo veio de repente, com a movimentação de vaivém
incansável do seu quadril, com a sua grossura se esfregando contra mim,
me acertando no ponto certo. Minha boceta se contraiu e explodi, gemendo
profundamente contra a boca dele. Dani aproveitou para percorrer o próprio
orgasmo, e quando eu achei que ele não conseguiria ir mais fundo, ele
finalmente se enterrou inteiro dentro de mim. Era deliciosamente dolorido e
prolongou o meu orgasmo, sentir ele inchando mais e se derramando dentro
de mim com tanta força que eu sentia cada gota.
Quando nossos espasmos pararam, ele encerrou o beijo, encostando a
testa na minha. Meu peito subia e descia sem ar, e eu estava começando a
sentir indignação por ele ainda estar composto, quando percebi que ele
também estava tentando controlar a respiração. Tentando se recuperar. Seus
olhos azuis estavam mais calmos, mais tranquilos. Quase carinhosos.
— Una leonessa testarda e deliziosa.
Deus, a voz desse homem falando italiano para mim, me chamando de
leoa teimosa e deliciosa, como se fosse um elogio…
Se eu não tivesse sido bem comida segundos atrás, estaria implorando
para ele fazer de novo.
Sua boca passou sobre a minha, o toque delicado e leve, uma
provocação. Estiquei a língua e lambi seus lábios, sugando o inferior para
dentro da minha boca, mordiscando-o lentamente. Dani gemeu e voltou a
me beijar. Dessa vez, um pouco mais controlado e tranquilo. Sua língua
instigava a minha a manter o ritmo calmo dele. Sem pressa, como se
tivéssemos todo o tempo do mundo para conhecer o toque do outro, para
conhecer o corpo do outro.
O telefone dele tocou, me assustando. Me trazendo de volta para o
quarto de suprimentos. No meio da clínica. Depois de um ataque da La
Santa. Como meu irmão sendo operado. Cazzo. Eu estava transando no
armário enquanto meu irmão estava na sala de operação.
Dani sentiu a mudança no meu comportamento, parando
imediatamente de me beijar. Sua máscara fria e distante voltou e ele se
retirou de mim, me fazendo gemer de desconforto.
Definitivamente dolorida. Definitivamente pensando nele depois.
Me senti incompleta sem ele. Vazia.
Ele me colocou no chão com cuidado e eu me apoiei na parede, porque
minhas pernas estavam tremendo e bambas. Seus olhos foram para elas,
provavelmente no rasgo da minha calça e na sua porra escorrendo pelas
minhas coxas, como eu estava sentindo. Ele olhou ao redor e me entregou
uma das toalhas limpas das prateleiras. Peguei, ainda tentando controlar a
respiração. Seu telefone ainda soava desesperado e ele suspirou com raiva,
antes de atender.
— Sono qui. — Ele parecia irritado, e lançou um olhar para mim. —
Va bene, eu vou para o galpão interrogá-los e ajudar a preparar o pacote
para o Marchetti.
Ele desligou e eu ainda estava contra a parede, exausta e tremendo.
Com seu gozo escorrendo pela minha perna. Dani me olhou, seus olhos
profundos e um pouco suaves.
— Teo quer que eu entregue os soldados de Marchetti como eles
entregaram os nossos — explicou e eu concordei com a cabeça, porque
sabia muito bem como eles fizeram isso.
Um dos amigos de Michele foi um dos soldados esquartejados pela La
Santa. Ele estava infiltrado nas fileiras de base da máfia na Filadélfia, e foi
morto cruelmente. Nem teve um enterro decente.
— Nora… — ele começou, mas eu finalmente reagi, porque não
queria ouvir o arrependimento e o pedido de desculpa. Não queria me sentir
usada, apesar de ter sido. Mas foi de uma forma deliciosa e consensual.
Uma forma que definitivamente não aplacou o tesão e desejo que eu sentia
por esse homem.
— Não se preocupe, eu tomo injeção — garanti, mas ele bufou.
— Não é o que eu ia falar…
Eu também estava arrependida. Metade de mim, pelo menos. Eu era
burra e inconsequente e completamente descuidada.
— Dani, vá — ordenei, interrompendo-o e virando as costas,
começando a me limpar. Eu fiz muita força para não me virar.
Mesmo quando ouvi o suspiro derrotado dele. Mesmo quando ouvi seu
zíper se fechando novamente. Mesmo quando ouvi a porta batendo depois
dos seus passos leves soando pelo chão.
Burra. Burra demais.
Porque agora que senti o seu corpo no meu, eu queria mais. Porque
agora que senti ele dentro de mim, eu era sua. E era por isso que eu tinha
evitado cair nos seus encantos até agora.
Porque eu não queria ser novamente de um homem que sempre amaria
mais a Stidda do que eu.
E Daniele Ricci era a epítome da fidelidade. Com a sua máfia e sua
famiglia.
3 - Dani

Eu era um imbecil.
Como eu era o Consigliere do Capo da maior máfia da Costa Leste, eu
não fazia ideia, porque um Consigliere é o cérebro, o conselheiro, o que tem
a cabeça no lugar.
Definitivamente não é o babaca que fode por impulso a mulher que é o
fruto da sua obsessão. E Nora era a minha obsessão.
Do momento em que eu a vi, naquele consultório, ela tinha minha
atenção. Eu sabia exatamente sua posição em uma sala. Eu sabia o seu
humor. Eu sabia o seu cheiro. E agora eu cometi o erro de saber o seu gosto.
Agora eu sabia como era estar dentro dela.
E era a melhor coisa da minha vida.
Algo que eu nunca teria, que não poderia ter. Não de verdade. Eu me
mantive longe de propósito porque se eu me entregasse a esse tesão, teria
que fazê-lo com o tempo contado. Quando ela revelou ter um maldito
noivo, eu senti mais uma vez a inveja que me assolou quando Teo
encontrou a Cate depois de dez anos.
Ele pensou que eu a amava, e eu amava. Mas não romanticamente.
Quando éramos adolescentes, eu tive, sim, uma paixão por ela. Cate sempre
foi linda, e sempre teve um fogo e uma vontade de viver que cativava. Mas
agora? Eu amava Cate porque ela era parte de mim, de nós, da nossa
família. E eu a protegeria como protegeria o meu primo. Porque minha vida
era feita para servir. Servir a eles. Servir a Stidda.
E eu não poderia oferecer nada à Nora, porque eu não fui feito para ter
alguém. Meu compromisso era com a nossa famiglia, com o meu Capo,
com o meu primo. Meu único amor e lealdade era para a Stidda. Meu tio
deixou isso bem claro enquanto me moldava aos seus desejos e vontades.
Ele deixou isso bem claro quando me fez…
Minhas mãos se fecharam em punhos, incontrolavelmente. Sempre que
eu pensava em todo o treinamento do meu tio, eu tinha vontade de destruir
alguma coisa. Ele me convenceu de tudo que eu era capaz de fazer. Ele me
mostrou quem eu era de verdade e o que eu merecia. Eu tinha vergonha de
tudo o que fiz para obedecê-lo e de como isso me tornava alguém
detestável. Alguém que merecia o pior.
E isso não era Nora. Principalmente não era o seu gosto, o seu corpo,
os seus gemidos…
Mas era isso o que estava na minha mente agora, quando eu deveria
estar concentrado no trabalho.
Não era comum, mas estávamos usando uma garagem de carros da
Stidda. Não tínhamos tempo e nem pessoal aqui nesse momento para
transportar todos esses corpos. Pelo menos não inteiros. Eddo e Christian
estavam esperando quando cheguei com Gaspare, e pelo olhar que o
Executor-chefe me deu lá na clínica, ele sabia do meu humor.
— Como a Gigi está? — Eddo perguntou e eu balancei a cabeça,
dando os ombros.
— Ela está bem. — Não poderíamos contar para ninguém que ela
estava marcada, e por mais que Mau confiasse nos seus amigos, era muito
perigoso contar esse segredo para outras pessoas em público. — Mas eles a
maltrataram bastante.
— Eles…? — Christian perguntou, com raiva, olhando para alguns
corpos jogados em uma pilha. Os mortos.
— Não — respondi o mais calmamente que pude, mas ainda estava
com raiva. Muita raiva. Christian suspirou aliviado.
Ele tinha irmãs mais novas, se meu conhecimento sobre sua família
não estivesse errado. Então sua raiva não era apenas por Gigi. Contudo, a
equipe, junto de Mau e Lena, levavam Gigi para sair, então todos se
aproximaram. Gigi era querida. Ela era amorosa e carinhosa e era
impossível não criar um laço com ela. E Christian e Giorgia pareciam ter
uma conexão especial, para o desgosto de Mau e para a felicidade de Eddo
e Masì que ficavam provocando os dois amigos sempre que podiam. Gigi
era especial e sempre trazia alegria. E era por isso a nossa revolta. A revolta
dos amigos de Mau.
Nossos soldados que saíram diretamente da academia podem ter feito
isso porque Lena gritou que Cate estava sendo atacada também, mas
quando falou que a prima do Capo foi levada, eles agiram. Eles eram leais e
conquistamos isso porque, ao contrário do coglione do meu tio e seus
amigos, nós nos importamos com eles. Tratamos eles com dignidade. Eles
estavam em rankings mais baixos, mas não eram tratados como lixo.
Teo e eu nos infiltramos no território da Stidda assim que ele voltou da
Itália. Passamos os dez anos em que Cate ficou longe conquistando cada
parte da nossa máfia. Fizemos contatos, cativamos soldados, criamos
amizades profundas. E espalhamos esses homens pelo território depois,
incentivando-os a fazer o mesmo. Criamos uma rede, uma conexão, uma
aliança. Nossos soldados eram unidos, nossa máfia era uma unidade só.
Lealdade era a base da nova cara da Stidda e Cate continuou a cultivar
isso quando voltou. Quando se aproximou dos soldados que treinavam na
academia, quando era gentil com eles e suas famílias. Quando se enfiou na
nossa comunidade tão profundamente que era realmente vista como uma
Rainha. E instigou Lena a fazer o mesmo nesses meses em que ela estava
aqui. Por isso os nossos soldados estavam com raiva.
— Escutem. — Foi a única ordem que Gaspare precisou dar para obter
a atenção total dos nossos soldados.
Os que estavam terminando de amarrar os sobreviventes, obrigaram
eles a ficarem em silêncio. O resto também se virou para o Executor-chefe.
Tivemos algumas perdas também, e isso causava ainda mais revolta em
nossos soldados. As mortes não foram em vão, e se garantirmos isso, e que
eles seriam vingados, teríamos mais um pouco de lealdade.
— Esses mafankuli entraram em nosso território e tentaram levar a
esposa do Capo, a esposa do Executor e a prima deles, além de uma filha de
um soldado leal.
Pensar em Nora fez minha raiva borbulhar.
Se ela não fosse tão teimosa, eu teria me controlado. Ela e Cate
derrubaram os homens da La Santa até Vincenzo conseguir alcançá-las e os
matar. E depois ainda foram com Lena sem pensar nas consequências. Se
eles tivessem percebido a moto dela, ela teria sido capturada também.
— Todos nós sabemos o que os Santos fazem com mulheres, e o que
queriam fazer com as nossas. E se deixarmos isso passar, eles vão invadir
de novo e se sentir no direito de destruir nossas famílias.
Mentira.
Mais ou menos.
Esse ataque era direcionado para recuperar Lena e levaram Gigi como
uma segurança, uma garantia, mas nossos homens valorizavam a família.
Nossos homens, apesar de todo o progresso que os soldados mais jovens
estavam trazendo, ainda eram criados sob as regras tradicionalistas.
Escutaram muito enquanto cresciam que nossas mulheres eram sagradas,
que nossas famílias eram nossa base. Que deveríamos protegê-las.
Por mais que Teo gostasse de pensar que a Stidda era a mais
progressista entre nossos rivais, alguns pensamentos continuavam o mesmo.
E se instigássemos o senso protetor deles…
— Então vamos responder — um soldado falou, e eu agradeci os anos
de treinamento já que não deixei o meu sorriso escapar.
— Marchetti e seus homens pensaram que poderiam nos afastar, eles
caçaram nossos espiões, os devolveram em pedaços e ainda entraram no
nosso território com a intenção de destruir nossas famílias e mulheres.
Portanto, vamos devolver o favor.
A ordem não dita de Gaspare causou uma onda de animação em nossos
homens. Deixaríamos eles participarem dessa tortura. Selecionamos alguns
homens para que Gaspare e a Equipe de Mau, menos Masì que também
estava na clínica, interrogarem.
E o resto poderia se esbaldar com sangue Santo.
Como eu.
Nossos soldados se dividiram em pequenos grupos e escolheram
alguns homens para irem revezando. E eu escolhi um apenas para mim.
Ninguém ousou me impedir ou falou alguma coisa. Eu estava mais
frustrado do que estava antes de ceder aos meus impulsos.
Nora tinha gosto de pecado e paraíso. De redenção. De minha.
E eu não conseguia tirar do fundo da minha mente a sensação que era
ter sua boceta deliciosa apertada ao redor do meu pau em espasmos de
prazer. Da sua língua na minha, como se ela nunca quisesse se esquecer do
sabor ou intensidade do meu beijo. Como se ela quisesse aquilo tanto
quanto eu.
E eu precisava senti-la de novo, mas não poderia.
Porque Nora era uma filha da máfia.
E ela tinha um noivo misterioso. Um noivo misterioso que
provavelmente era o responsável pela sua virgindade. Pelo seu coração e
atenção.
Eu me recusei a procurar qualquer informação sobre ela e esse
relacionamento porque assim que soubesse quem ele era, eu teria de matá-
lo. Eu sabia que não resistiria. Eu acabaria com o único obstáculo físico que
me impedia de ter ela.
Os outros obstáculos…
— Pronto para implorar por misericórdia? — sorri para o homem
ajoelhado na minha frente, amarrado em uma coluna de sustentação.
Ele não esboçou medo, não ainda. Seus olhos se estreitaram e ele
cuspiu no chão, próximo ao meu sapato e isso só fez meu sorriso aumentar
mais.
— Faça o seu pior, você nem imagina o que espera vocês — ele
murmurou, com um olhar superior e um sorriso orgulhoso.
Inclinei a cabeça, estreitando os olhos. Alguns homens não queriam
partir quebrados e humilhados, então eles se recusavam a mostrar derrota.
— Gaspare — chamei, segurando o homem pelos cabelos claros,
inclinando a cabeça dele para trás. Ele deu uma risada, como se soubesse
que sua frase levantou uma pequena desconfiança em mim.
O Executor-chefe se aproximou, parando na nossa frente. Eu ergui os
olhos para ele e sacudi o homem pelos cabelos, erguendo uma pequena faca
que tirei do coldre que amarrei ao peito, ao sair da clínica. Pressionei a
lâmina na lateral do seu corpo, em um lugar dolorido que o mataria
lentamente.
— Repita.
Minha ordem foi recebida com mais uma risada livre e solta. Gaspare
apertou os olhos, completamente sério e assustador com a cicatriz na lateral
do seu rosto. O homem nem ao menos tremeu e isso acendeu um alerta no
meu cérebro.
— Repita! — ordenei mais uma vez, puxando os seus cabelos com
força e enfiando mais a ponta da faca na sua pele. Sangue escorreu, mas não
era para matá-lo.
Eu não precisava torturá-lo para que ele falasse, porque ele queria que
eu soubesse isso. Ele queria que todos soubessem sobre essa mensagem que
ele queria transmitir
— Vocês não perdem por esperar. Logo vocês estarão encurralados.
— Por que estaremos encurralados? — Gaspare se aproximou,
colocando as mãos nos bolsos da sua calça bem cortada e se agachou,
ficando na altura do soldado capturado.
— Porque eles estão vindo atrás de vocês. Eles se unirão e esmagarão
vocês como as baratas que são. — O soldado deu aquele sorriso convencido
de novo e dessa vez eu me arrepiei. Dessa vez percebi que ele estava
falando a verdade.
— E me deixa adivinhar, você não vai me dizer quem são eles até eu
fazer você gritar?
— Você vai me matar de qualquer maneira. Não preciso esconder
nada.
— Molto furbo para um soldado capturado. — Gaspare inclinou a
cabeça, seus olhos pensativos. — Marchetti é um deles, óbvio.
— Também — ele concordou e eu empurrei mais a faca, fazendo ele
cerrar os dentes para conter o gemido de dor. — Mas tudo é organizado
pelo filho dele.
De repente, meu cérebro começou a fazer conexões, a buscar todas as
informações que eu tinha sobre os filhos de Marchetti, Dario e Livio. O
mais velho estava há anos ao lado do pai, mas o mais novo… Livio seria o
Consigliere do irmão no futuro, e se dedicava bastante em conhecer o
território do pai. E tentar se infiltrar no nosso. Marchetti queria expandir
para o norte em algum momento.
Livio já encurralou alguns homens da minha confiança perto de
Albany, no estado de Nova York. Ele entrou no nordeste da Pensilvânia que
era nosso, passou pelo sul do estado de Nova York que era da Catania e…
— Os Sana.
Antes eles ficavam ao sul, mas agora estavam no norte do território da
Catania, bem próximo a nossa divisa, bem próximos a Albany. Se os
Marchetti tinham contatos lá e se os Sana estavam desesperados a ponto de
se unirem com os Santos, eles definitivamente estavam planejando algo
grande.
Conseguimos parar e atrasar os irmãos de Manfredi interrompendo o
fluxo de dinheiro que ele desviou do tio de Cate e seu irmão desviou do pai
de Teo, mas ele e Matteo ainda tinham soldados fiéis. Tanto na Catania
como na Stidda. Nossos homens que permaneceram ao lado do nosso
traidor fugiram ao encontro do restante dos irmãos de Matteo e Manfredi,
com medo da fúria de Teo. Contudo, porque não avisamos Stefano Conti,
ele não saberia nos dizer quais dos seus homens fugiram, se é que fugiram.
Fedez, como nosso informante e filho do Capo, conseguiu descobrir
detalhes importantes de alguns aliados dos Sana e estava se infiltrando em
seu próprio território para poder observar de perto.
Mas se eles estavam em conluio com a La Santa, precisávamos agir
mais rapidamente. Precisávamos encontrar a localização correta deles.
Precisávamos eliminá-los agora.
— O que mais você vai nos contar hoje? — Gaspare perguntou e eu
sacudi a faca, causando mais um gemido de dor.
— A gloriosa era da Stidda está chegando ao fim. O reinado de Teo
Ricci vai ser curto. — O homem deu mais uma risada e Gaspare ergueu os
olhos para mim. Esse coglione não falaria mais nada.
Enfiei a lâmina até a guarda, a última barreira antes do cabo. O
soldado gritou dessa vez, incapaz de conter a dor quando eu girei
lentamente e voltei à posição inicial. Fiz a mesma coisa três vezes,
lentamente. Vagarosamente. Coloquei a mão no seu pescoço e apertei, não
para matá-lo assim, mas para sentir sua pulsação diminuindo e diminuindo
a cada giro do meu punho. Encostei a minha boca na orelha dele, sentindo o
meu próprio sorriso.
— Eu vou morrer antes disso acontecer, coglione. Uma pena que você
não vai estar aqui para assistir à queda da La Santa e da Catania.
Seus batimentos diminuíram até deixarem de existir. Até ele deixar de
existir. Soltei ele, puxando minha faca com força da sua lateral e vendo todo
o sangue jorrar.
Meu olhar foi diretamente para Gaspare e apesar do que eu disse para
o Santo, ele estava tão preocupado quanto eu.
— Você acha que ele estava falando a verdade?
Gaspare concordou com a cabeça, ainda encarando o cadáver como se
pudesse ver além do corpo vazio. Como se pudesse ver as mentiras e
verdades que ele disse por toda a sua vida.
— Ele estava muito confiante para estar mentindo. E sabia bastante…
— Então precisamos fazer uma ligação para o nosso amigo
informante. — Não quis falar o nome de Fedez, mesmo que a garagem
estivesse repleta de gritos de dor e lamentos chorosos.
— Precisamos mais do que isso, bambino. Se La Santa e Catania se
unirem, vamos perder toda a nossa vantagem.
— Nossa vantagem? Catania não oferece nenhuma vantagem com
seus soldados de merda, os poucos que obedecem a Silvio.
— Oferece a imagem de uma união. Oferece a estabilidade do
território, oferece passagem direta sem preocupação. Temos duas opções…
— Eu sei. Repelir a La Santa abrindo o jogo para Stefano Conti, ou…
— Ou destruir a Catania de vez e incorporar seus soldados e
territórios.
— Então, guerra?
— E presto, più presto che pense.
Sim, ela chegaria bem mais rápido do que eu pensava, eu conseguia
sentir.
4 -Nora

— Oi! Fiquei sabendo que você passou mal. — Invadi o quarto de


Cate com um sorriso.
Eu tive que tomar um banho no pequeno dormitório usado por quem
fazia plantões, com a desculpa de estar suja, o que eu estava. E tive que
colocar roupas que normalmente usava quando trabalhava, porque Dani
rasgou minha única calça.
Mas não queria pensar nele, não agora. Não depois que ele me invadiu
com tanta força que eu sentia em cada movimento que fazia.
Eu estava dolorida, machucada e nada satisfeita.
Um erro idiota.
Me entregar ao tesão foi um erro muito idiota.
E agora eu me manteria longe o suficiente dele para que isso nunca
mais acontecesse Porque eu sabia que se cedesse novamente, nunca mais
conseguiria ficar sem ele. Dani tinha tudo para ser viciante. Tudo para
atravessar as barreiras que levantei para não me machucar e me decepcionar
com ninguém.
— Oi, Nora. — A voz de Cate saiu suave, mas fraca. Ela realmente
estava pálida, e eu me adiantei até ela na cama.
Segurei as suas mãos ossudas e pequenas, sentindo o quanto ela estava
gelada. Cate me deu um breve sorriso, mas eu via a preocupação em seus
olhos. Fiz um exame visual rápido, mas além da palidez, nada muito
preocupante.
— O que o médico falou? — perguntei, procurando por sua ficha. —
Quem te atendeu? Que exames fizeram? O que eles…
— Você é pior do que o Teo. — Ela deu risada e eu não resisti ao meu
sorriso.
— Eu me preocupo com você.
— Obrigada — ela pareceu bem sincera quando disse, e eu apertei
levemente suas mãos.
— Falando em Teo… — Eu sabia que ele tinha dado uma ordem cruel
para o Dani. E honestamente, eu não me importava. Queria que eles
pagassem. Por atirarem no meu irmão, por tentarem capturar Cate e Lena.
Por levarem Giorgia e a marcado como gado.
— Ele foi até a mansão buscar algumas coisas e levou Lena e Mau
com ele. Lena vai ligar para o pai.
— Uau. — Minha exclamação foi recebida com um aceno de cabeça.
— Eu sei. Ela está lívida. Enquanto ela fala com ele, Dani e os nossos
soldados vão retaliar.
— Hum… — Fingi que não sabia como e que não queria saber, e Cate
não me deu mais explicações, apesar daqueles enormes olhos cor de
chocolate derretido me encararem com firmeza.
— Sra. Ricci? — Um jovem bateu na porta e entrou, me lançando um
sorriso e reparando nas minhas roupas.
— Eu sou Nora Romano, eu…
— Sim, agora eu reconheci. Sou o Francesco Colleti. O meu superior
falou que você nos ajudaria hoje. — Ele se aproximou da cama e voltou os
olhos para Cate. — Está melhor?
— Sim, o soro ajudou. Eu estava muito tonta e enjoada — Cate me
explicou e eu concordei com a cabeça. Era plausível, tendo em vista que
invadimos um armazém cheio de soldados inimigos e matamos algumas
pessoas hoje.
Eu sabia que Cate já tinha matado alguém. Sua mão com a estrela da
Stidda era prova. Seu primo, na manhã após seu casamento e depois disso
participou de algumas coisas com Teo e Dani.
E minha primeira morte definitivamente não foi hoje…
Mesmo assim, tirar a vida de alguém era uma coisa cruel e pesada. Era
algo que nos marcava. Nos moldava.
— Eu tenho o resultado do seu exame, você gostaria de esperar seu
marido? — Eu percebi que o Dr. Colleti conheceu Teo, pelo pequeno tremor
da sua voz. O Capo realmente causava uma impressão.
Por mais que eu tivesse mantido a calma e o foco em Cate quando nos
conhecemos, eu me tremi de medo ao entrar naquela sala. E ao desafiar o
Capo quando vi as marcas roxas no pescoço da sua esposa. Eu poderia
morrer de medo dele, mas nunca aceitaria aquilo. E quando fiquei sozinha
com Cate, ela foi gentil e calma, e eu gostei dela imediatamente. Ainda
tinha medo de Teo, mas o respeitava bem mais do que a imagem que tinha
dele antes.
— Não, pode falar. — Ela pareceu um pouco aflita e apertei a sua mão,
tentando transmitir forças.
— Você está grávida — ele falou, sem rodeios e Cate apertou minha
mão com força. Seu monitor cardíaco soou loucamente, disparando
conforme seu coração batia descompassado no peito.
Os olhos de Cate estavam cheios de lágrimas enquanto ela me
encarava e meu sorriso surgiu imediatamente, assim como o dela. Nós duas
começamos a chorar, porque eu sabia o quanto ela queria isso. O quanto ela
sofreu com isso. Eu estive ao seu lado em alguns momentos que ela não
conseguia segurar a sua angústia. Eu revisei seus exames, eu fui com ela em
consultas, eu fiz perguntas para minhas colegas, conversei com a minha
médica, que apresentei para ela. Eu fui um ombro amigo.
E eu estava incrivelmente feliz por ela.
Cate seria uma mãe incrível, e depois de tudo o que ela passou na vida,
essa mulher sensacional e extremamente bondosa merecia ser feliz.
— Ela deve estar com quase quatro semanas, mais ou menos, será que
podemos fazer um ultrassom mesmo assim? — perguntei, porque Cate não
parecia ser capaz de falar. Lágrimas grossas escorriam pelos seus olhos.
— Claro, vou buscar o aparelho e fazemos aqui. — Privilégios da
Rainha da Stidda, é claro.
— Teo não pode saber ainda. Eu quero contar de outra maneira — ela
pediu e concordei com a cabeça, com o médico. — Você tem certeza?
A maneira como a voz dela saiu baixa e quebrada me fez apertar
novamente a sua mão. Todo o sofrimento para conceber esse bebê, Cate não
merecia isso.
— Sim, eu tenho certeza. — Ele deu um sorriso reconfortante para ela.
— Vou buscar o aparelho e fazemos o ultrassom antes do seu marido voltar,
que tal?
Ele se afastou e eu me virei para Cate, que parecia incrédula. E
assustada.
— E se ele estiver errado? — ela perguntou, baixinho e eu balancei a
cabeça.
— Ele conheceu o Teo, deve ter analisado o seu exame
extensivamente. Mas não se preocupe, vou ligar para a sua médica e vamos
pedir novos exames. Vamos mudar suas vitaminas, vamos cuidar de tudo.
— Apertei a sua mão e ela ergueu os olhos para mim. — Provavelmente é
muito cedo, não vai dar para ver nada além do saco gestacional, ok?
— Estou grávida. — Ela parecia chocada e eu não resisti o meu
sorriso, apertando novamente sua mão.
— Você está grávida.
Cate deu uma risada, balançando a cabeça e chorando de felicidade,
enquanto eu acompanhava. Eu estava tão feliz por ela. Tão feliz.
— Eu estou tão feliz. — Ela limpou o rosto com a mão livre, ainda
apertando a minha, como se precisasse de mim ao seu lado.
E eu ficava honrada por participar disso. Cate era incrível. Ela parecia
ser frágil e delicada, mesmo agora que ganhou peso o suficiente para
parecer saudável. Mas, na verdade, ela era resiliente. Ela era forte. Ela era
uma guerreira. E eu gostava muito de chamá-la de amiga
— Eu estou feliz por você, Cate, você merece.
— Obrigada, Nora. Você é uma amiga incrível. E eu sei que você
provavelmente tem coisas melhores para fazer, então prometo não te
atazanar pelos próximos meses.
— Nada vai me manter afastada dessa gravidez. Você é minha melhor
amiga. — O sorriso agradecido que ela me deu já valeu a pena.
Mesmo que estar ao seu lado durante esse momento signifique encarar
Daniele Ricci e resistir a ele.
Eu conseguiria.
Eu teria que conseguir.
— Eleonora Romano! — A bronca veio acompanhada de passos
apressados e braços curtos me apertando pela cintura. O abraço durou
pouco e virou um beliscão no meu braço.
Virei do balcão em que estava analisando alguns exames de soldados
que chegaram do armazém para encontrar minha mãe e meu pai.
Ela estava com os olhos vermelhos, e meu pai estava com o olhar
resignado de sempre. Ele mesmo já esteve na posição de Angelo e tentava
equilibrar a emoção de saber que seu filho foi ferido com a determinação de
ser um soldado e saber como tudo isso funcionava.
Meu pai perdeu amigos, primos, um irmão… meu pai já levou tiros, já
deu tiros. Meu pai já foi um soldado, então ele sabia, e por consequência
Irene Romano sabia de tudo isso também, mas ela era mãe, e ela nos amava
muito mais do que meus irmãos amavam a Stidda.
— Você deixou seu irmão levar um tiro! Ele é o mais novo! Você é
mais velha!
— Eu não deixei nada, mãe, eu estava junto, só que aconteceu muito
rápido. Ele caiu e eu fui socorrê-lo, mas estavam atirando ainda, e a esposa
do Capo e a do Executor estavam lá também. Eu simplesmente agi e protegi
elas.
— Ficamos sabemos… Michele ouviu que tentaram sequestrar a
esposa do Maurizio, mas acabaram levando a prima. — Era, apesar de tudo,
uma pergunta por parte do meu pai.
— Levaram Giorgia, e Cate e Lena foram de carro e eu de moto atrás
deles.
— Dio mio! — minha mãe sussurrou, mas meu pai disse:
— Essa é minha menina.
Balancei a cabeça e fiz um sinal para eles me seguirem.
— Eu juro que me machucou deixar o Angelo para trás, mas acho que
ele odiaria mais se eu tivesse ficado e não lutado para proteger a sua patroa.
— Você fez certo, patatina. — Olhei feio para o meu pai, pelo uso do
apelido no meio da clínica e ele sorriu, a barba grossa perdendo o efeito de
seriedade quando seus dentes apareceram.
Batatinha porque eu só comia isso quando era criança. Não queria
mais nada.
— Ela não fez certo! Ela é uma médica, não uma soldada…
— Ela é o que ela quiser ser. E ela vai defender suas amigas. A esposa
do Capo conta com a nossa filha, isso é uma honra, Irene. — Meu pai
estreitou os olhos, porque o fato dele ter me educado como educou meus
irmãos sempre causava atritos com a minha mãe.
Ela não gostou muito da liberdade que ele me dava, e só aceitou o
adiamento do meu casamento porque falei que queria ser médica e ela
achava a profissão nobre. Mas para Irene Romano, uma das melhores coisas
que uma mulher poderia fazer na vida era se casar e parir.
Eu não culpava a minha mãe, ela foi criada na máfia de uma maneira
diferente da minha. E apesar de ter se casado de forma arranjada com o meu
pai, eles se amavam. Ela o amava, mesmo ele sendo mais progressista do
que ela.
— Eu sei. Eu nunca ficaria brava com ela por defender suas amigas.
O olhar da minha mãe suavizou e eu dei um pequeno sorriso.
— Venha, você parece estar pronta para dar uma bronca em Angelo
por receber um tiro.
Continuei andando com meus pais me seguindo, em direção ao quarto
que meu irmão estava agora se recuperando. Não precisou ficar na UTI e
acordou logo no pós-operatório. Porque ele é um teimoso cabeça-dura.
Invadi o quarto sem me preocupar com cerimônias ou cuidado, porque
me lembrei que ele levou um tiro e me mandou correr. Angelo abriu um
sorriso fraco, os olhos brilhando ao me ver, mas o sorriso morreu logo em
seguida quando nossos pais entraram. E sua carranca de raiva cresceu.
— Mamma, babbo… Não precisavam ter vindo.
— Não precisávamos? Angelo, lo giuro, você é um cabeça-dura!
Minha mãe se aproximou e deu um pequeno tapa na cabeça do meu
irmão e ele gemeu de dor – falsamente –, mas foi o necessário para ela
pedir desculpas e acariciar seus cabelos curtos. Revirei os olhos e mexi a
boca, chamando-o de fingido, o que fez ele segurar um sorriso.
— Nora nos disse que você a mandou correr. — Meu pai parecia meio
bravo, meio orgulhoso.
— É claro que mandei, não queria ela no meio do fogo cruzado e,
também, eu sabia que ela protegeria Cate e todo mundo…
— Bem… — Minha expressão ficou séria e Angelo tentou se sentar na
cama, dessa vez gemendo de dor de verdade quando meu pai o empurrou
pelo ombro, obrigando-o a continuar deitado.
— O que aconteceu? — Ele parecia bem mais preocupado com o
estado das mulheres Ricci do que seu próprio estado.
— Eles conseguiram capturar Gigi…
— Porca puttana. — Angelo tentou se levantar novamente e dessa vez
meu pai o xingou de verdade, empurrando novamente o seu ombro bom
para baixo.
— Será que você pode ficar quieto? — Aproximei-me da sua cama e
comecei a verificar o seu braço esquerdo, que estava preso em uma tipoia, o
ombro completamente enfaixado aparecendo pela roupa de hospital. —
Você perdeu sangue o suficiente para ficar tonto se levantar. E precisou de
cirurgia.
— Eu sei, quero saber o que aconteceu com elas.
— Elas estão bem. Mais ou menos…
— Você é péssima para dar notícias, como faz com seus pacientes? —
Estreitei os olhos e minha mãe bateu palmas para chamar nossa atenção
quando abri a boca para responder o cretino do meu irmão.
— Nora, apenas conte para ele que tudo ficou bem.
— Tudo ficou bem — repeti, concordando com a cabeça. —
Resgatamos Gigi…
— Resgatamos? Você está se incluindo nisso? — Angelo parecia lívido
e eu sabia que ele contaria para Michele, que contaria para Damiano, que
contaria para Samuele. E aí meus quatro irmãos não me deixariam em paz.
E isso me irritava tanto quanto as broncas do Consigliere. Eu sabia o
que estava fazendo, cazzo.
— Sim, estou. Com Cate, Lena, o Consigliere e o Executor. Nós
ajudamos o Capo no resgate.
— Madre Santa, Eleonora! Você não deveria ter feito isso — minha
mãe ralhou e dessa vez o meu pai concordou com a cabeça.
— Eu sei o que estou fazendo, caramba!
— Nora, da última vez que você se envolveu tanto com a Stidda…
— Não! — interrompi, fuzilando o meu pai com os olhos. — Não
vamos falar disso agora. Não vamos falar sobre isso. É passado.
— Não é passado se você está participando de resgates e…
— Eu só ajudei uma amiga. Eu não poderia deixar Gigi nas mãos
deles. Eles são… — Balancei a cabeça, como se tentasse afastar a náusea.
O que os Santos faziam com mulheres e crianças… como vendiam pessoas,
como usavam corpos… Eu não conseguia aceitar. — Olha só, eu fiz o que
tinha que fazer e é isso, deu certo, acabou, Gigi está a salvo.
Não bem, não ainda, mas a salvo e isso era importante.
— Va bene, chega desse assunto — meu pai declarou e se voltou para
o meu irmão, observando o ombro machucado. — Imagino que não vá lutar
por um tempo e vai ficar de repouso.
— Eu tenho um trabalho — ele protestou e eu revirei os olhos.
— E eu tenho certeza de que o Capo está orgulhoso do que você fez
até agora, mas para manter seu trabalho, você precisa se cuidar. Obedeça às
ordens da sua irmã.
Como toda irmã mais velha, mesmo que apenas um ano mais velha, eu
olhei com toda arrogância para Angelo, e ele tentou me mostrar
discretamente o dedo do meio. Isso me fez sorrir e respirar aliviada. Meu
irmãozinho estava aqui, estava bem.
— Agora que você tem a mamma e o babbo aqui para te dar broncas,
vou para casa. Eu preciso tomar um banho bem quente e deitar, antes de
começar tudo de novo… Eu… — Dei um pequeno sorriso para os meus
pais, incapaz de me conter. — Bem, eu passei o dia ajudando os médicos
com os soldados que chegaram e o Dr. Parruci vai assumir essa nova clínica
e me quer aqui na equipe dele e como a clínica é teoricamente da mesma
associação, posso me transferir sem burocracia. Eles precisam de médicos e
se eu conseguir garantir uma posição aqui, talvez receba uma proposta para
integrar o corpo médico quando a residência terminar.
— Ah, patatina, isso é ótimo! — Meu pai me abraçou e minha mãe me
deu um sorriso orgulhoso, por mais que detestasse minha solteirice.
— Ela é tão inteligente. Dê os parabéns para a sua irmã, Angelo! —
Ela cutucou meu irmão e ele fingiu estar irritado, tentando esconder o seu
sorriso.
— Parabéns, sorellina.
— Comporte-se, obedeça às enfermeiras, não flerte com elas — avisei,
estreitando os olhos. — Eu volto amanhã cedo, prometo.
Dei um beijo na cabeça do meu irmão, o que me rendeu uma
reclamação, e abraços nos meus pais, antes de finalmente sair.
Após recolher as minhas roupas sujas e rasgadas, minha mochila que
felizmente ficou na mansão do Capo e que ele gentilmente trouxe para mim
quando voltou para ficar ao lado da esposa, eu rumei para a saída, dando
tchau para alguns rostos que se tornaram familiar durante a correria dos
atendimentos do dia. Eu estava quase passando pelas portas automáticas,
tentando pensar como iria embora ao me lembrar que minha moto ficou
para trás, quando fui interrompida.
— Nora? — uma voz me chamou e eu me virei para uma das
recepcionistas, bem na entrada da clínica. — Você é a Nora, certo?
— Eu sou… — Me aproximei, desconfiada.
— Imaginei pela sua descrição, isso é para você. — Ela se abaixou e
tirou o meu capacete debaixo do seu balcão enorme da recepção. Estranhei,
encarando o objeto como se fosse um alienígena.
— Hum… quem deixou isso aqui?
— Ele não deu nome, só disse para te entregar. Loiro. Incrivelmente
bonito. Enorme. — As bochechas dela coraram quando ela descreveu Dani
e balancei a cabeça, concordando.
Senti as mãos duras e fortes pelo meu corpo novamente e tremi. Eu
queria ter sentido minha pele completamente nua contra a sua, mas só o
pouco que encostou em mim já me deixava em chamas, então eu sabia não
ser prudente. Eu sabia que pensaria em Dani arremetendo em mim com
tanta força por muito tempo, talvez para sempre. Portanto, eu precisava
evitar pensar nele de qualquer maneira. Esquecê-lo completamente.
E ele de alguma maneira indo buscar minha moto e trazendo ela aqui
para mim não ajudava na nova distância que eu queria manter entre nós.
— Obrigada. — Minha voz saiu apertada e estranha, e retirei
rapidamente o capacete e a chave das mãos dela, dando as costas porque
não sabia se queria encarar qualquer outra pessoa, com meu coração
batendo rápido contra o meu peito.
Andei para fora da clínica e dei apenas alguns passos antes de avistar
minha moto vermelha ali, parada em um lugar que era provavelmente
proibido, mas que ninguém falaria nada porque quem a deixou ali era o
próprio Consigliere da Stidda.
E eu estava ligeiramente tocada e emocionada por esse gesto, porque
aparentemente ele não queria que eu voltasse para casa de metrô ou algo
assim, até avistar o que estava na minha placa.
Ali, no canto direito inferior, embaixo do último número, uma estrela
marcada no metal. Essa marca era feita em veículos oficiais, é claro, mas
também em veículos usados para o transporte, assim ficava fácil de
identificar durante os comboios, durante as missões. Eu sabia porque meu
pai era mecânico da Stidda. Porque ele marcava placas dessa maneira,
quando era pedido para ele fazer.
Com essa maldita estrela decalcada na minha placa, Daniele Ricci
acabou de me marcar como propriedade da Stidda.
Filho da puta.
5 - Dani

— Como ela está? — Nem tive tempo de perguntar, porque Teo fez
isso primeiro.
Cate fechou a porta do escritório com cuidado depois que Lena passou
e caminhou até o marido, sentado em sua mesa. Elas foram liberadas nas
primeiras horas da manhã e trouxemos Gigi para casa. Lena e Cate ficaram
com ela até agora, tentando se certificar de que ela estava bem. Dentro do
possível.
Mentimos para Aura e apenas notificamos que Gigi passaria uns dias
aqui, com Lena, e honestamente eu não sabia como esconderíamos da sua
mãe algo tão grave quanto isso. Gigi teria que ser cuidadosa para o resto da
vida. Os médicos da clínica explicaram que a pele estava muito destruída
para um enxerto, e daqui a alguns anos, quando tudo estiver bem
cicatrizado, ela poderá fazer algum procedimento para tentar melhorar a
cicatriz, mas…
Mas até lá Aura já terá perdido a paciência. Ela está decidida em casar
a filha, porque acha que isso é a única maneira de controlá-la. Gigi foi pega
fugindo de casa alguns meses atrás, e isso levou a um atentado, o que nos
levou a ir para os Hamptons esconder Lena e Mau. Sua mãe e minha tia
ficaram enlouquecidas com a rebeldia da caçula, mas Gigi era jovem. Ela só
queria agir como uma. Eu entendia o seu lado. Mesmo que fosse
inconsequente, tinha um pouco de motivo e razão. Mas agora… Agora ela
estava marcada, e sua vida estava arruinada de uma maneira que ela nunca
imaginou.
Enquanto Cate se empoleirava no braço da cadeira de Teo, Lena se
jogou no sofá embaixo da janela e cobriu o rosto com as mãos, soltando um
soluço baixo.
— Tão ruim assim? — Mau se levantou imediatamente após perguntar
e foi sentar ao lado da esposa, no sofá, acariciando suas costas e puxando-a
para o seu peito.
— Ela não quer conversar, ela não quer comer. Ela só olha para o nada.
— Cate suspirou, balançando a cabeça. — Estou preocupada.
— Ela vai ficar bem, Regina mia. — Meu primo puxou a esposa para o
seu colo, com cuidado porque ainda estava preocupado com o desmaio da
Cate. Seus olhos em mim diziam que ele não estava tranquilo. E ficaria
mais ainda preocupado.
— Eu tenho uma notícia. É uma informação, na verdade.
— De um dos homens do meu pai? — Lena fungou, enxugando o
rosto e tentando se concentrar em outra coisa que não nossa prima sofrendo
nos andares superiores.
— Sim e não é boa. — Teo, Mau e Cate automaticamente ficaram
tensos e eu respirei fundo, me preparando. — Ele deu a entender que os
irmãos Sana e seu irmão, Livio, estão se unindo.
— Cazatta — Mau xingou, balançando a cabeça. Lena franziu a testa,
pensando.
— Meu irmão ficou um pouco no norte do nosso território, tentando
achar alguma brecha, mas os irmãos Sana não estão perto da fronteira com
o Canadá?
— Eles foram vistos lá, porém voltaram para os perímetros da
Catania, mas o que mais me preocupou foi o uso de palavras do Santo.
— Quais palavras? — Cate perguntou com uma cara preocupada, mas
meus olhos estavam fixos em meu Capo.
— Ele disse que a guerra está chegando, não é? — Teo concluiu e
concordei com a cabeça. — Va bene, se é isso que eles querem…
— Teo, Dio Santo, até eu sei que isso significa que devemos ter
cautela — Mau resmungou e eu dei uma pequena risada.
— Vamos parar por um momento e recapitular — pedi, antes que Teo
abrisse a boca e mandasse Mau à merda. — Manfredi e Matteo estavam se
infiltrando nas duas máfias. Matteo, aqui, conseguiu reunir uma boa
quantidade de soldados e eliminamos alguns que ficaram para trás quando o
matamos. Mas a extensão da influência de Manfredi e seus irmãos na
Catania é imensa. O tio de Cate praticamente nem é o Capo de verdade, na
hora do vamos ver.
— Como Silvio não percebeu isso ainda? — Mau questionou e Cate
bufou.
— Porque ele é um porco stupido — ela xingou e não resistimos à
risada. — Para o Silvio perceber alguma coisa ele precisa desconfiar que
algo está errado. E ele nunca nem vai admitir a hipótese de que seu pai é um
péssimo Capo e que não tem controle.
— Então os irmãos Sana só sumiram porque sabem que vocês estão
atrás deles?
— Exato, Lena, mas cada segundo que não agimos, eles se sentem
confiantes para recomeçar a movimentação de seu plano. São dois homens
com um poder grande, dois homens no topo da hierarquia em uma máfia
que preza muito isso. Dois homens em uma máfia completamente
abandonada e sem um líder de verdade. Eles podem ter formado um
exército.
— Precisamos continuar interceptando o dinheiro que eles esperavam
receber. Fedez precisa intervir nas rotas antigas que Manfredi
provavelmente desviava.
— Isso pelo menos eu acho que Silvio percebeu, bambolina — apontei
para Cate e ela concordou com a cabeça. — Ele é burro, mas como você
observou, ele é leal ao pai e não vai prejudicá-lo. Se Silvio assumiu as rotas
que Manfredi era responsável, então, pelo menos, esse desvio acabou.
— Então eles não têm recursos.
— Ou não tem recursos o suficiente para financiar uma guerra contra
nós. E contra a Catania de verdade, que não é leal a eles.
— Se meu tio perceber que temos esse tipo de informação e que
escondemos dele, ele não vai nos ajudar.
— Ele vai ser obrigado a ajudar, ou vai ser o próximo. Principalmente
se a informação que o Dani trouxe é certa, Regina mia.
— Então precisamos agir, antes que eles arrumem outros recursos.
Com o meu irmão, por exemplo… — Lena mordeu os lábios, preocupada,
mas Mau abriu um sorriso tranquilo.
— Temos um casamento para organizar primeiro, diavolina.
— O quê? — Cate se colocou de pé rapidamente, o que fez Teo
levantar também, cercando a esposa.
Ela deu um tapa em suas mãos que tentavam sustentar a sua cintura
com medo da sua reação abrupta e correu até Lena, tomando-a nos braços
quando ela também ficou em pé.
— Eu fiquei de joelhos, saibam vocês! — Mau provocou, e eu dei
risada, indo abraçá-lo também, assim como Teo.
— É o mínimo, mommo — Teo ralhou e Mau bufou.
— Você nem isso fez.
— Mas ele enche Cate de joias para compensar — provoquei e meu
primo olhou feio para mim.
— Encho ela de joias porque ela merece, vocês deveriam aprender
comigo. — Teo tirou Lena dos braços da esposa e a abraçou também, o que
fez Mau e Cate sorrirem com carinho para a cena.
— Minha vez, coglione — resmunguei e empurrei meu primo do
caminho, abraçando-a com força contra o meu peito. — Bem-vinda a
família mais uma vez, Lena.
— Para sempre dessa vez — Mau prometeu e Lena sorriu quando a
soltei do meu aperto.
— Deixe a mamma ficar sabendo que Dani é o último solteiro de
verdade — Cate me provocou e eu revirei os olhos.
— Ela continua na missão de arrumar uma esposa para ele — Lena
brincou, dando risada. — A última vez que almocei com ela, ela só falava
nisso.
— É, não vai acontecer.
Principalmente porque eu queria alguém que estava comprometida.
Alguém que eu definitivamente não merecia. Alguém que eu não era digno
de ter ao meu lado. E provavelmente me odiava, ou odiaria se soubesse a
extensão de tudo o que fiz pela minha máfia, pela minha famiglia.
Eu não era idiota ou inexperiente de pensar que transar cheio de raiva
de forma violenta no armário da clínica resolveria os problemas que eu
aparentemente tinha com Nora. Ela era teimosa demais para mim,
completamente fora do meu controle, completamente desobediente.
Cabeça-dura. Me enlouqueceria fácil. Já fazia isso quando não me escutava
durante os treinos, de propósito.
No começo, nos demos bem porque dividimos alguns interesses em
comum, como motos, luta, corridas… Mas logo Nora se mostrou
completamente irritante e rebelde. Ela se recusava a obedecer, como se
fosse uma ofensa pessoal receber uma ordem, por mais que eu estivesse
certo! Ela não colocava a perna na posição que eu mandava, e era derrubada
por Cate, que tinha bem menos experiência do que ela.
Eu avisava de uma rota comprometida, e ela ia diretamente para lá
quando ia embora daqui. Eu sabia porque coloquei um rastreador no seu
celular. Sabe, só para manter um olho nela e ter certeza de que ela estava
segura.
Quase parecia que ela queria me enfrentar de propósito, só para me
tirar do sério. E com isso, a pequena camaradagem foi se tornando pura
irritação. Passávamos todo o treino trocando farpas e ordens, com ela
discordando de tudo que eu falava e eu, por consequência, perdendo a
minha paciência, o que era algo bem raro.
Geralmente eu era calmo e contido, bem mais calmo do que Teo e seu
temperamento frágil e explosivo. Eu conseguia me controlar, eu não me
abalava facilmente. Até Nora aparecer com sua teimosia, sua recusa em me
obedecer, com aquelas roupas coladas em seu corpo definido, com aqueles
olhos azuis cheios de desafio, com aquele cabelo sedoso que eu só queria
enrolar meu punho ali e obrigar ela a calar a boca com o meu pau.
Agora eu sabia o gosto do seu beijo, como era o seu corpo contra o
meu, como era estar enterrado nela. E posso ter passado dos limites
marcando-a tão publicamente como fiz quando coloquei aquela estrela na
sua placa, mas que se fodesse. Nora agora tem um veículo que oficialmente
é da Stidda, como todos os nossos, como os de pessoas do alto-escalão.
Como os de carros dos comboios e transportes. Ela poderia não ser minha,
não de verdade, e talvez pertencesse a outro, mas essa foi a única maneira
que encontrei para deixar a minha marca nela. Para ela não se esquecer do
que aconteceu.
Porque eu sabia que ela gostaria muito de esquecer.
— Quando vai ser a festa? — Cate perguntou, quando nos sentamos
novamente.
— No dia que oficialmente encerra o período de três meses — Mau
respondeu e a esposa sorriu, concordando.
— É perfeito. Eu realmente quero algo simples… — Lena avisou e
deu um sorriso tímido. — Só nossa família. Sabe, a família de verdade. Não
quero um grande evento, quero algo real, com sentimentos.
— Podemos fazer na casa dos Hamptons, sinto que vocês se
conectaram melhor lá! — Cate piscou e Lena ficou com as bochechas
vermelhas. Nas semanas que passamos nos Hamptons eles realmente se
aproximaram mais. Ficaram juntos de verdade, viraram realmente um casal.
Não dava para negar.
— Tudo o que Lena quiser. — Mau olhou para a esposa e Teo deu uma
risada que atraiu o olhar feio do irmão.
— Só lembrando quando você me falou que isso — ele gesticulou para
os dois — não ia acontecer com você.
— Vaffanculo — Mau xingou e Lena deu uma risada feliz.
— Vamos focar — Lena pediu, dando uma cotovelada em Mau. — Em
três semanas mais ou menos, teremos nossa nova cerimônia, mas podemos
usar esse tempo para preparar a ofensiva contra os irmãos Sana.
— Hum, ela é uma verdadeira Ricci — Cate elogiou Lena, que ficou
novamente envergonhada. — Vamos ter que enviar alguém para a
localização deles. Fedez está estacionado ao norte, tentando obter o maior
número de informações que consegue, mas precisamos de alguém no nosso
lado do território.
— E eles estão longe o suficiente para conseguir alguém da Stidda que
está insatisfeito como aliado — apontei, pensando. — Boston nos mostrou
isso quando atacaram Cate. Os caras que conseguimos pegar de Providence
também. Rhode Island tem uma invasão um pouco menor do que
Massachusetts, mas ainda assim, muitos homens insatisfeitos, muitos ex-
catanios sobreviventes tentando se movimentar na área.
— Ainda tem essa merda. — Teo jogou a cabeça no encosto da sua
cadeira, cansado. — Certo, o que eu quero: duvido que a La Santa vá tentar
alguma coisa oficial ou direta por um tempo, não depois do fracasso que foi
ontem. Então teremos uma trégua. Vamos nos dividir. Deixe Boston e
Rhode Island para lá, já enviamos nossos soldados, Sartori e Volpe são as
porras dos meus subchefes por um motivo, eles que controlem as merdas
dos territórios deles por um momento.
— Ok, vamos focar na Catania e nos Sana. Mau e a Equipe, que tal?
— Cate sugeriu e Mau concordou com a cabeça, enquanto Lena mordia os
lábios, preocupada. — Vocês vão para o norte do estado de Nova York, na
nossa divisa com a Catania.
— Fedez está em Albany, mas uma das informações que ele tem é que
eles foram para Syracuse, mas já é nosso território ali, não sei se subiram
mais… A segunda informação é que eles voltaram para cá, por isso, vai ser
bom ter vocês lá. Enquanto isso, vamos investigar a possível conexão com
Livio, onde eles se encontraram… Como… — Parei por um momento,
pensando um pouco mais nas possibilidades.
— Desembucha — Teo ordenou e eu mostrei o dedo do meio para ele.
— É só que é muito estranho… Eu entendo porque Marchetti está
procurando uma nova boa rota agora que os cubanos dominaram a Flórida,
mas ir até ao norte? Por armas? Não me parece ser muito esperto.
Teoricamente ele tem a Catania e a Stidda em seu caminho, por mais que os
irmãos Sana tenham oferecido algo.
— O que sabemos sobre eles? — Lena perguntou, também pensativa.
— Pouco, mesmo com as informações do meu primo, Romeu.
Manfredi fez questão de esconder dos registros tudo sobre seus irmãos,
provavelmente em uma tentativa de ocultar a existência de Matteo, que se
infiltrou bem profundamente aqui, não só porque virou um dos Executores
— Cate explicou e ficamos tensos e irritados. Permitir Matteo tão perto de
Cate a ponto de quase levá-la era algo que consumia Teo, Mau e eu. — Ele
se infiltrou na comunidade, sabe? Ele cresceu aqui, fez amigos, fez
contatos. Quando foi revelado que ele era um traidor, muitas pessoas não
acreditaram a princípio.
— O pouco que sabemos: Venanzio e Basilio, eles são os irmãos do
meio, dois anos de diferença entre os dois, quase quatro anos de diferença
entre Venanzio e Manfredi, e mais de dez entre eles e Matteo. Não são
casados, não têm filhos, se dedicaram a máfia a vida inteira — Mau listou,
erguendo os dedos para contar e não esquecer de nenhum detalhe. — Eles
tinham cargos bem altos, eram capitães do Stefano e cuidavam
pessoalmente de territórios e rotas. Venanzio cuidava de New Haven…
— Bom, podemos descartar ele como contato do meu irmão — Lena
analisou e Cate deu um sorriso orgulhoso.
— Connecticut é bem longe da Filadélfia. Mas Basilio, ele também era
capitão, porém sempre estava em rota, principalmente tentando atravessar o
norte da Pensilvânia e de Nova Jersey.
— Meus territórios, mas perto o suficiente para encontrar a La Santa
se eles atravessarem.
— Se meu irmão subiu para o norte da Pensilvânia, com certeza foi
para tentar ganhar mais uma rota. E o sul do estado de Nova York é da
Catania, certo? Nova Jersey é muito arriscado para ele tentar invadir,
próximo demais do Teo, mas ali? Acho que ele arriscaria — Lena analisou e
eu troquei um olhar com Teo.
— Lena, você está dando informações que podem levar a queda da La
Santa, mas também… a queda dos seus irmãos. — Meu primo não quis
falar “a morte dos seus irmãos”, só que ela entendeu. Um pouco de dor
cruzou os olhos esverdeados de Lena, mas logo foram engolidos pela raiva.
— Eu poderia estar agora no lugar de Gigi, com uma marca em mim.
— Ela suspirou e Mau endureceu o corpo, sua mão se fechando em raiva.
— Eu morreria antes disso acontecer, diavolina.
— Você entendeu. Ele não hesitou em mandar seus homens atrás de
mim. Pensei que Livio pelo menos gostasse de mim, mas…
— Somos homens orgulhosos demais para o nosso bem, Lena. Não se
preocupe com isso. Você está a salvo, sempre vai estar. E se nos permitir
usar essa informação… — Teo sugeriu, sem querer pressioná-la.
Lena concordou com a cabeça, engolindo em seco e endireitando os
ombros.
— Acabe com eles — ela declarou e Cate deu um pequeno sorriso.
— Eu disse a mesma coisa sobre minha família.
— Agora vocês são parte dessa família, Regina mia, e não vamos
decepcioná-las. Vocês querem vingança, vingança terão.
— Feito, então. Organizar um casamento e caçar os sporchi mafankuli
dos Sana. Meu humor está adorável — Mau brincou e Lena revirou os
olhos.
— Isso pode ser uma boa desculpa para Gigi passar bastante tempo
aqui — Cate ponderou. — Ela pode estar ajudando Lena na organização.
— Pensei que você… Cate, eu quero sua ajuda também. Não ajuda,
mas quero que você esteja ao meu lado no planejamento — Lena pediu e
minha bambolina sorriu para ela.
— Vou te ajudar. E tenho certeza que Alessia vai te enlouquecer como
fez comigo — Cate avisou e Lena franziu o nariz, olhando feio para a risada
estrondosa de Mau.
— Não se preocupe, ciccino, você está envolvido também.
— Você diz isso como uma ameaça, mas eu adoro planejar festas.
— Tenho certeza que você gosta. — Teo revirou os olhos e Mau riu
ainda mais.
— A despedida de solteiro, por exemplo…
— Faça uma despedida de solteiro, Maurizio Ricci, e podemos fazer
um funeral para o seu pau — Lena ameaçou e Mau deu um sorriso que me
fez balançar a cabeça.
— Ok, já deu para mim.
Levantei, incapaz de assistir o flerte de Mau e Lena, ou a felicidade de
Teo e Cate observando a cena enquanto ela estava no colo dele.
Eu não teria nada disso.
Não tinha antes de ceder aos meus impulsos.
E não teria depois.
Era o preço por ter me tornado um monstro aos onze anos. Era o preço
por deixar o meu tio me moldar da maneira que quis. Era o preço que eu
pagava pelos erros dos outros. Erros dos meus pais.
Era o preço que eu pagava por poder fazer parte dessa família. Para ser
digno dela.
Para pertencer.
E cazzo, esse preço nunca pareceu tão caro quanto agora que eu sabia
como era estar com Nora.
6 - Nora

Eu estava cumprindo minha meta de ignorar Daniele Ricci muito bem.


Em duas semanas e meia, eu só tive o infortúnio de encontrá-lo três vezes.
E eu considerava isso um sucesso, tendo em vista que agora eu ficava
praticamente morando no Harlem na clínica nova.
Meu novo emprego era um pouco mais tranquilo que o que eu tinha na
clínica no Brooklyn porque esse novo local ainda não era tão conhecido pela
nossa comunidade, mas aos poucos as coisas estavam ficando mais
movimentadas. Novos pacientes, novos desafios… E novas emergências no
meio da madrugada.
Eu estava até considerando alugar algum lugar com Angelo, porque ele
também queria se mudar para mais perto da sua protegida. Lena tinha aulas
em seu curso de fashion designer e meu pobre irmão acordava bem cedo
para acompanhá-la. Não que ele estivesse fazendo nada além de reclamar
porque ainda estava em um repouso forçado. Que eu sabia que não duraria
muito. Ele já avisou que amanhã é o último dia que a mamma consegue
mantê-lo em casa. E honestamente eu não poderia culpá-lo. Ela era bem
intensa quando queria.
Mas grande parte do meu plano em ignorar Dani não me transformava
em uma covarde enorme. Uma coisa estranha estava acontecendo.
Uma colega, que tinha um serviço de ambulância com o pai, foi
atender um chamado no Bronx, território da Catania. Ela teve que transferir
uma paciente de uma clínica menor para um hospital mais equipado, porque
a garota estava em condições péssimas. Má nutrição, sinais de abuso físico
e psicológico, evitava olhar no olho da minha amiga ou de qualquer outro
ali. Nenhuma documentação…
Mas o mais estranho de tudo é que ela sumiu. Desapareceu.
Ela recebeu algumas medicações e tratamentos no hospital, e quando
estava visivelmente melhor, dentro do possível, a equipe começou a
questionar ela, se alguém a buscaria, se ela tinha para onde ir. E então ela
simplesmente sumiu. Evaporou.
E tudo não me pareceria tão estranho, se Jenny não estivesse no
hospital naquele mesmo dia, transportando outro paciente e não tivesse
visto dois homens estranhos e discretos andando em direção ao andar em
que a garota estava internada.
Nenhuma imagem nas câmeras de segurança. Nenhuma testemunha.
Nenhum registro.
Era como se a garota nunca tivesse existido.
E uma pessoa normal poderia ter deixado passar, atribuindo aos fatos
como coincidência… mas…
Mas eu não era uma pessoa normal. Eu sabia o que provavelmente
aqueles homens eram, que participavam da Catania. E eu sabia que se essa
garota sumiu por causa deles, ela nunca mais estaria a salvo.
E isso estava me mantendo acordada e preocupada. Estava me
preocupando muito não saber o destino dessa garota. Não foi nem na nossa
clínica, mas algo estranho estava acontecendo.
Então eu fiz o que toda pessoa sensata faria: eu peguei o endereço com
a Jenny e comecei a investigar.
A clínica não só ficava no território da Catania, ela era da Catania.
Alguns médicos, pelo menos, atendiam na famiglia. Essa informação eu
consegui por associação: nomes italianos? Provavelmente médicos da
Catania. Então uma mulher sumiu da clínica da Catania e ninguém mais
parecia saber sobre.
Liguei, do telefone da clínica, fingindo procurar informações sobre um
paciente que não existia, mas toda vez que eu descrevia a mulher que
sumiu, a linha caía. Eu não consegui falar com nenhum médico, eu não
consegui conversar com ninguém que poderia me dar uma informação
concreta. Como isso não me levou a nada, eu fiz a segunda coisa mais
sensata: eu peguei um plantão extra de 12 horas na tal clínica. Eles estavam
precisando de médicos durante o período noturno, e honestamente, eu não
reclamaria do dinheiro extra.
Como residente, eu ganhava um salário, mas ele não era alto. Eu não
precisava pagar os débitos estudantis, porque a Stidda fez isso por mim. Eu
teria que trabalhar na clínica da Stidda ou, se fosse seguir o meu plano de
ser uma médica de família, meu consultório particular seria
majoritariamente da Stidda, por muitos anos. Fora as ligações sobre ir até
algum lugar e remendar alguém. Meu superior, Dr. Parruci, já me levou em
várias dessas ligações misteriosas. Simplesmente abandonávamos todas as
nossas responsabilidades e corríamos para atender os Stiddari em perigo.
A vantagem de não precisar trabalhar o tempo todo para pagar uma
dívida enorme foi poder me dedicar à faculdade. Consegui terminar tudo
mais cedo, consegui me matar de estudar e me dedicar mais do que
qualquer um. E estava adiantada. Em anos, até. Então era estranho não
aceitar um plantão na minha clínica de sempre, mas não tão incomum para
médicos normais.
E eu nem precisava me preocupar, esse era um lugar estranho. As
pessoas que trabalhavam aqui eram estranhas. Silenciosas. Sim, eu era uma
“intrusa” de certa maneira, mas geralmente uma equipe de hospital era
unida. Muitas horas trabalhando junto causava muita intimidade. Era
impossível impedir essa conexão, mínima que fosse. Porém, aqui, ninguém
parecia conversar. Fofocar. Comentar sobre o dia, sobre novidades. Tudo
era muito calmo. Muito tranquilo. Hospitais e clínicas eram silenciosos no
período noturno na maioria dos dias, mas não tanto. Sempre tinha algum
drama. Sempre tinha algo acontecendo.
E toda vez que eu me encontrava sozinha, e começava a procurar algo,
eu era interceptada por alguém que subitamente estava conversando comigo
e pedindo a minha ajuda. Eu não estava orgulhosa, mas roubei um cartão de
acesso para uma ala que me disseram estar em reforma. Esperei até o
momento mais bagunçado do plantão, lá pelas cinco da manhã, e invadi o
lugar.
A parte da reforma parecia ser verdade, de alguma maneira. Plásticos e
lonas cobriam tudo, e tinha a falta de móveis, que pareciam estar
empilhados no centro dos cômodos. Era uma ala nova, que seria como um
braço do primeiro andar, aparentemente com novos consultórios e uma área
de descanso, escritório para os médicos…
A energia estava desligada e as portas trancadas. Um cheiro estranho
que só quem conviveu com quatro irmãos poderia reconhecer. Continuei
caminhando com cuidado, meu tênis fazendo barulho no chão sujo, minha
lanterna do celular completamente ineficiente pelo tamanho do lugar. As
poucas janelas estavam seladas e escondidas por lonas escuras. Caminhei
até o final da ala, tentando abrir as portas. Uma saída de emergência era a
única coisa que parecia funcionar e quando a abri, percebi que ela dava para
uma rua lateral, um beco infeliz e sujo, sem saída, apenas com acesso à rua.
A ala parecia ficar nos fundos do prédio de três andares em que era a
clínica, então essa saída específica não fazia sentido.
E o primeiro andar poderia ser bem mais equipado. Como essa ala
estava fechada, os pacientes se dirigiam diretamente para o segundo andar,
causando um pequeno congestionamento na recepção nos horários de pico.
Não fazia sentido.
Tirei algumas fotos com o flash ligado, porque nada disso parecia certo
para mim e voltei pelo caminho que tracei, até escutar um pequeno barulho
em uma das salas trancadas.
Bem baixinho, bem pequeno.
Um choro.
Apressei meus passos, encostando a orelha nas portas para tentar
identificar de onde vinha o barulho, tentando encontrar. Rezando para não
ser minha imaginação só porque eu queria escutar algo. Finalmente
encontrei, uma porta pequena e estreita, provavelmente indicando um
armário de suprimentos para remédios, ou algo assim. Ela ficava no meio
do corredor entre dois possíveis consultórios. Encostei o ouvido contra a
porta e esperei, tentando manter minha respiração controlada e baixa.
Estava quase desistindo quando ouvi de novo.
Sacudi a maçaneta, tentando abrir e um arquejo desesperado e cheio de
medo veio do outro lado. A porta estava trancada, e apesar de Michele ter
me ensinado a arrombar trancas, eu não tinha os instrumentos necessários.
Então eu preferia o modo Angelo.
Segurando e puxando a maçaneta para mim, eu bati meu ombro na
porta. Torci para que o barulho não fosse tão alto, apesar de ecoar de forma
sinistra pelo silêncio. Era mais fácil chutar a porta até ela ceder, mas assim,
puxando a maçaneta para mim, tentando quebrar o trinco, eu fazia menos
barulho. Eu precisei acertar o ombro várias vezes, e ele já estava dolorido,
até que a porta finalmente cedeu, a tranca quebrando. Parei, minha mão
ainda apertando a maçaneta, completamente estática e pasma.
Três mulheres, sujas, magras, machucadas. Enroladas em um canto,
com olhares aterrorizados. Tão magras e machucadas que me lembrei da
imagem da Cate quando ela apareceu no meu consultório.
Uma delas, a que estava no meio, chorava e segurava as outras duas,
embalando-as contra si. Uma loira estava com a cabeça encostada,
pendendo perto do ombro esquerdo dessa que estava no meio. A outra,
tremia.
Fui em direção à loira, e a mulher do meio a puxou contra o peito, o
choro saindo dela, me identificando o barulho que chamou minha atenção.
Ergui as mãos, mostrando que não tinha nada em mim, que não machucaria
ninguém e me aproximei com cuidado. Ela observou minhas roupas
médicas, meu jaleco, meu estetoscópio no pescoço e relaxou levemente,
bem leve. A outra mulher, que estava em seu outro ombro, ainda tremia,
ainda se agarrava a ela. Levei a mão até a loira, empurrando seus cabelos e
pressionando meus dedos na lateral do seu pescoço e confirmei minhas
suspeitas.
Ela estava morta.
Quando abaixei a mão sem fazer qualquer menção de ajudá-la, a
mulher morena do meio começou a chorar mais alto.
— Shiu! — tentei pedir, com delicadeza, enquanto colocava o dedo na
boca, indicando silêncio. — Eu sinto muito. Você me entende?
— Sim. — Ela tinha um pouco de sotaque, entre os seus soluços, mas
pelo menos me entendia.
— O que você está fazendo aqui? Como vocês chegaram até aqui?
— De avião, para trabalho. Promessas. — Sua voz quebrou na palavra
promessas e eu suspirei, começando a entender.
— Eles prometeram empregos? — Ela concordou com a cabeça. — De
onde vocês são?
— Venezuela.
— Quanto tempo vocês estão aqui? — Olhei ao redor e ela deu os
ombros.
— Há semanas? Não sei quanto tempo. Mas passamos muito tempo
viajando. E no avião, eles vieram com a gente. Fingiram ser nossos
maridos, para ninguém perguntar nada.
Tráfico humano. Elas eram vítimas de tráfico humano.
— O que aconteceu com ela? — perguntei, lançando um olhar para a
loira que ela ainda abraçava com força contra o peito.
— Cuspiu em um dos homens que tentou tocar nela.
Eles bateram nela até a morte. Por isso ela estava tão machucada. Meu
coração se afundou no peito, apertado e completamente quebrado.
— Por que vocês estão aqui? Por que não levaram vocês daqui?
— Não sei, algo aconteceu, ouvi eles reclamando de algo como
“trappola”.
— Emboscada — expliquei, traduzindo do italiano.
Provavelmente deixaram elas aqui porque sofreram uma emboscada no
lugar em que as levariam. Estávamos no território da Catania, eles estavam
em guerra com a La Santa devido à união com a Stidda e como Mau casou
com Lena. Os Santos atacariam a Catania por associação, e a Catania
atacaria os Santos por pura inimizade. Uma rota comprometida ou um
armazém atingido era de se esperar.
— Qual seu nome?
— Adriana — ela sussurrou. — E essa é a Crystal. — A mulher de
cabelos escuros finalmente ergueu o rosto do ombro de Adriana. Ela era tão
jovem. Não deveria ter nem 18 anos ainda.
— Oi, Crystal — falei com a voz calma e tranquila.
— ¿Puedes ayudarnos?
— Ela perguntou se você poderia nos ajudar — Adriana traduziu, mas
não era preciso, os olhos escuros de Crystal brilhavam em desespero, em
esperança.
— Sim — confirmei, sem saber como, mas com a certeza de que daria
um jeito.
Como eu tiraria essas mulheres daqui?
Eu não poderia ligar para os meus irmãos, eles me matariam por estar
aqui. Eu definitivamente não poderia ligar para o Dani, ele também me
mataria e eu também não queria pedir ajuda a ele. E Cate estava grávida, se
eu contasse isso para ela, ela viria pessoalmente até aqui ajudar essas
mulheres.
Então… Jenny.
Ela tinha um serviço de ambulâncias, ela não se destacaria se viesse
buscá-las. Ela fazia transporte de pessoas teoricamente estáveis de clínicas
para hospitais. E definitivamente não faria perguntas se eu pedisse segredo
e silêncio. Jenny era discreta. Ela era uma amiga que fiz acompanhando sua
ambulância algumas vezes para a faculdade. E era mulher.
Mulheres sempre ajudavam mulheres em momentos de desespero. Ou
pelo menos deveriam.
Peguei o meu celular e enviei uma mensagem para Jenny, implorando
por ajuda. E então enviei uma mensagem para Milena, minha amiga que era
enfermeira e namorada do segurança da Cate. Ela era da Stidda, e agora que
estava namorando Vincenzo, entendia melhor como a máfia funcionava. E
também estava fazendo a transição para a nova clínica. Só que ainda fazia
plantões no Brooklyn. E eu precisava de alguém lá. Alguém discreto,
alguém que me ajudasse, porque eu transportaria essas mulheres para a
clínica da Stidda no Brooklyn. E eu tinha a sensação de que estava fazendo
uma merda perigosa, mas cazzo, eu vou ajudar essas mulheres.
Depois de ligar para Jenny e implorar por meio de sussurros, e ligar
para Milena e implorar por segredo porque a vida dessas mulheres corriam
perigo, eu organizei tudo. Tive que voltar para o segundo andar por um
momento, fingindo que estava muito cansada e que tirei uma pequena
soneca. Perguntei como estavam as coisas e ninguém pareceu precisar de
mim. Então perguntei se poderia fazer uma pausa para comer algo.
Felizmente, ninguém se importou e eu segui novamente para a área de
descanso dos médicos e fugi pela escada de emergência.
— Venham… — murmurei, abrindo a porta novamente e esticando a
mão para Adriana.
Ela suspirou aliviada quando me viu, como se tivesse medo de ser
abandonada novamente naquele armário vazio. A loira estava deitada agora,
Crystal e Adriana conseguiram colocá-la, meio torta, apertada, mas
descansando. Quando avisei que teríamos que deixá-la para trás, elas
começaram a chorar, mas eu expliquei que era a única chance. Ela
atrapalharia mais do que tudo, e eu queria fazer isso rápido.
Elas mancaram, tentando correr até a saída de emergência. Tive que
empurrar a porta pesada para elas, porque elas não tinham mais forças. Elas
estavam tão magras e aparentemente passaram muito tempo apertadas
naquele armário. Cada vez que eu pensava nisso, eu ficava mais puta.
Peguei a minha pistola na minha bolsa e ela estava enfiada no cós da minha
calça cirúrgica, escondida pelo jaleco. Eu sempre andava com uma na
mochila, porque Angelo e Michele me obrigavam, depois do que participei
e como… Não. Sem pensar nisso agora.
Jenny piscou os faróis no beco do outro lado da rua, uma vez, e eu
enlacei meus braços nos braços de Crystal e Adriana, guiando-as para
atravessar a rua da forma mais rápida e discreta possível. Quando atingimos
a calçada, eu as puxei para correr e Adriana quase caiu, mas sustentei o seu
peso, erguendo-a enquanto empurrava Crystal em direção à porta lateral da
ambulância que Jenny abriu.
— Puta merda, Nora! — ela xingou, seus olhos sobre a minha cabeça,
prestando atenção nos arredores e vendo se alguém estava observando.
Ajudei Crystal a subir e praticamente arremessei Adriana dentro da
ambulância particular, fechando a porta logo que entrei. Jenny olhava
chocada para as duas, os olhos correndo pelos machucados, pela magreza,
pela sujeira.
— Igual à mulher que você transportou? — perguntei, tentando
descobrir mais. Jenny concordou com a cabeça. — Leve-as para a clínica
do Brooklyn, Jenny, e vá até a entrada dos funcionários. Milena está te
esperando. — Virei para Adriana e Crystal, falando mais pausadamente. —
Milena é minha amiga e é enfermeira. Ela tem cabelos castanhos-claros e
vai estar com uma roupa igual à minha, só que azul-claro no lugar de azul-
escuro. Ela vai ajudar vocês. Não abra a porta antes dela bater na lateral da
ambulância duas vezes, ok? Combinamos esse código — avisei e Jenny
concordou, colocando Crystal sentada em uma cadeira lateral e Adriana
deitada na maca.
— Pode deixar.
— Não pare para ninguém, apague as luzes internas e se você ficar lá
na clínica parada por mais de dez minutos, vá embora e me ligue. — Jenny
arregalou os olhos claros, me olhando confusa.
— O que está acontecendo, Nora? Quem são elas? — ela perguntou,
baixinho, preocupada e um pouco receosa.
— Elas precisam da nossa ajuda. Elas não são daqui e estão em perigo.
Jenny lançou um olhar para as duas, que choravam baixinho e
voltaram a tremer e então ela voltou seus olhos para mim, determinação
brilhando ali.
— Vamos ajudá-las — ela prometeu e eu concordei com a cabeça.
— Adriana, vou te encontrar depois. Vocês serão internadas em uma
clínica com outro nome, e depois vamos procurar uma casa de acolhimento,
certo?
Eu tinha contato com alguns assistentes sociais por conta do meu
trabalho no hospital maior, que descobri depois também ser metade do Teo.
Mas lá, por ser bem maior que a clínica, alguns casos fora da Stidda sempre
aconteciam, e precisávamos ter contatos com eles, principalmente para
casos de violência doméstica ou com crianças. E eu conhecia uma assistente
social que tinha um refúgio para mulheres. Pelo menos ninguém pensaria
em procurá-las lá. Eu esperava.
— Gracias! Obrigada. — Adriana apertou a minha mão com força,
gratidão brilhando em seus olhos. Dei um pequeno sorriso e acenei com a
cabeça para Jenny.
Pulei da ambulância e bati a porta, correndo de volta para a saída de
emergência da clínica. Fechei a porta de emergência com força, para tentar
não deixar qualquer rastro. Eu sabia que a porta que arrombei seria uma
dica rápida do que fiz, mas mesmo assim a fechei novamente, lançando um
último olhar para a loira que não consegui salvar. Rezei rapidamente pela
sua vida, antes de fechar a porta com cuidado, puxando a maçaneta com
força até escutar a porta travar e prender, com a tranca quebrada emperrada
ali.
Voltei pelo caminho tranquilamente, olhando para os lados, até atingir
a escada de incêndio e subi como se nada estivesse errado. Saí no segundo
andar, tentando passar despercebida e tive a sensação que consegui, mas
quando entrei novamente na sala de descanso dos médicos, percebi que não
estava vazia.
Um médico mais velho estava ali, sentado no sofá de couro, tomando
um copo de café enorme e me olhando com curiosidade. Seus cabelos
brancos estavam um pouco bagunçados, mas ele tinha um olhar um pouco
severo, uma pose de imposição que me fazia querer desviar os olhos. Ele
era o supervisor do setor de clínica geral e teoricamente no momento o meu
chefe, mas não pareceu ter prestado atenção em mim, não até agora.
— Pensei que estava comendo — ele observou, com um discreto
sorriso e olhos escuros curiosos.
Concordei com a cabeça e depois neguei.
— Eu tentei, mas estou um pouco enjoada. — A imagem de Cate
passou pela minha cabeça. — Eu estou grávida.
— Ah — ele falou, simplesmente e se levantou, jogando o copo
descartável no lixo e andando até mim, parada na porta. Ele se inclinou um
pouco porque era mais alto do que eu, é claro. — Então você deveria tomar
cuidado com atividades… perigosas.
E saiu.
Saiu e me deixou com o coração batendo desesperado no peito e uma
sensação horrível de que eu tinha feito uma merda fenomenal.
E pagaria por isso.
Quando fui embora após acabar o meu plantão, eu tinha certeza de que
isso aconteceria. Porque um sedã escuro me seguiu tranquilamente até o
Brooklyn.
Dentro do maldito território da Stidda.
Dio santissimo, onde eu me meti?
7 - Nora

Acelerei a moto bem mais do que deveria, tirando um pouco de


vantagem da porcaria da marca na minha placa. Já que Daniele colocou isso
na minha moto, eu não seria parada, e se fosse pega em alguma câmera,
ninguém poderia fazer nada. Eu conhecia a influência dos Ricci e da Stidda
na polícia. Meu irmão mais velho tinha alguns amigos que eram policiais
infiltrados, e eles inclusive fingiam estar dentro da máfia para “recolher”
informações, enganando policiais e trazendo informações de verdade
porque a Stidda tinha a sua lealdade.
A Stidda tinha a merda da lealdade cega de todo mundo.
Desviei rapidamente, dei voltas desnecessárias, corri e ultrapassei
semáforos. Basicamente pilotei como se estivesse no novo Velozes e
Furiosos, versão moto. Mas eu tinha um motivo: eu precisava despistar o
carro que começou a me seguir do momento em que saí da clínica.
Eu fiz isso com cuidado. Deixei-os me seguirem por boa parte do
caminho, mas aproveitei uma oportunidade quando vi um ônibus vindo. Me
enfiei na frente dele, furei um sinal, utilizei o tamanho do ônibus para virar
em uma rua e estacionei a moto rapidamente, descendo enquanto me
escondia atrás de um carro. Eu sabia que era arriscado porque se eles
parassem e vissem minha moto com certeza investigariam, mas rezei
bastante para dar certo.
E fui agraciada com sucesso.
Esperei alguns minutos, fiz uma manobra na contramão e voltei para a
rua que estava antes, seguindo o trajeto para casa.
Mesmo sabendo que ninguém mais me seguia, continuei dando voltas
desnecessárias e pegando atalhos ou caminhos mais longos. Quando
cheguei em casa, bem mais tarde do que deveria, minha família já estava
tomando café da manhã.
Meus irmãos mais velhos moravam na vizinhança de Bushwick assim
como nós, Samuele, sortudo, conseguiu uma casa no fim da rua. Minha casa
era bonita e simples. Todas as casas da rua eram geminadas, antigas, de
tijolos escuros e uma escada que levava à porta de entrada. As grades de
metal escuro davam uma segurança ínfima, mas não precisávamos nos
preocupar com isso: a maioria das pessoas da nossa rua e arredores eram da
Stidda. Entre nossa casa e a casa do vizinho da esquerda estava a oficina do
meu pai. Originalmente era parte da casa geminada, mas meu pai
transformou o térreo em uma oficina. O andar superior ele conectou com a
nossa casa e transformou em quartos para os seus filhos, assim não tivemos
que dividir. Ainda bem, porque meus irmãos eram espaçosos e bagunceiros.
Estacionei a minha moto na garagem descoberta após abrir os portões
de metal e subi os pequenos degraus até a porta de entrada. Quando abri, o
barulho e o caos me atingiram. Meus sobrinhos gritavam e choravam
porque ainda estava cedo e minha mãe e cunhada tentavam acalmá-los
enquanto meus irmãos brigavam em voz alta. Deixei minha mochila no
armário de casacos da entrada e segui a sinfonia de gritos.
A cozinha amarela e apertada da minha mãe estava lotada. Quando
estávamos juntos, era fácil ver nossa semelhança. Meus irmãos eram
praticamente iguais, cópias xerocadas do meu pai em vários estágios da
vida. Meu pai tinha uma barba cheia e ficando grisalha, mas Samuele usava
um bigode grosso que o deixava mais velho e sério do que ele realmente
era. Damiano tinha os cabelos mais curtos como Angelo, quase raspados,
mas seu rosto era limpo.
Michele era o que usava os cabelos mais compridos, quase caindo pela
testa em seu estado liso escorrido como os meus. E Angelo, apesar de ser o
caçula, era o mais forte. O que ele não deixava ninguém esquecer, e o que
fazia Michele e Damiano o provocarem porque eles eram os mais altos. E
por consequência, Samuele tentava apaziguar tudo, porque era sua
responsabilidade como irmão mais velho. Ou assim ele acreditava.
Samu casou cedo com Perla, sua namorada da escola, e eles já tinham
dois filhos: O pequeno Mattia II de 5 anos e a doce Anna, que era uma
bonequinha de cabelos castanhos como a mãe. E que me deu um sorriso
desdentado quando me viu encostada na porta.
— Lola — ela chamou, dando risadinhas da sua cadeirinha alta e
batendo a colher no tampo, espalhando seu café da manhã por todos os
lados. Provavelmente era o mingau que minha mãe adorava fazer para os
netos.
Quando Mattia aprendeu a falar, ele não conseguia dizer Nora, então
disse Lola e Anna apenas acompanhou.
— Zia Lola! — Mattia correu da mesa para mim, me abraçando pelas
pernas. Abaixei e o envolvi em um abraço, enfiando a cara em seu pequeno
pescoço e fazendo barulho de porco, o que sempre fazia ele gargalhar.
Meu primeiro sobrinho não tinha apenas o nome em homenagem ao
meu pai, ele era basicamente sua cópia e sombra. Ele adorava sentar no colo
do meu pai, tinha a mesma risada e, mesmo com quase cinco anos, tinha os
olhos sérios e escuros. Meus irmãos e eu tínhamos os olhos da nossa mãe,
mas aparentemente Mattia herdou tudo do avô. Perla ficou bem feliz
quando Anna saiu mais parecida com ela.
— Oi, pulcino.
— Não chame meu filho de pulga — meu irmão me censurou e
mostrei a língua para ele sobre a cabeça do seu filho.
— Isso é assunto nosso, não é? — Cutuquei a cintura do meu sobrinho
e ele gargalhou de novo.
— Venha comer, patatina — minha mãe ordenou e colocou um prato
para mim na mesa, enxotando Michele, que olhou indignado.
— Eu estava comendo também — ele protestou enquanto se levantava,
levando seu copo de suco e seu prato.
— Você estava brigando com o seu irmãozinho — minha mãe ralhou e
lançou um sorriso para mim. — Venha, filha.
Dei um sorriso cheio de superioridade para o meu irmão e ele revirou
os olhos enquanto se apoiava na pia ao lado de Samu.
— Dami, cadê nossa princesinha? — perguntei, me sentando e
começando a me servir da enorme quantidade de ovos e bacon no meio da
mesa. Minha mãe cozinhava para um exército de esfomeados.
— Está com cólicas e não dormiu nada. Gemma está com ela — ele
explicou, parecendo cansado.
Beatricce acabou de nascer e estava deixando os pais de primeira
viagem de cabelos em pé. Foi um casamento meio que de emergência, já
que os pombinhos não conseguiram esperar e engravidaram logo após o
noivado, para o escândalo e desespero da minha mãe. Por sorte, Damiano
era completamente enlouquecido por Gemma, e a levou para o altar
rapidamente. Ou meu pai o teria arrastado para lá.
— Ela está fazendo as coisas que ensinei? As massagens e tudo?
— Sim, mas parece que você é a única que tem sucesso com a
massagem.
— É porque você tem medo de machucá-la, coglione. — Samu
resmungou e Angelo deu risada quando minha mãe o acertou com um pano
de prato, antes de se virar e colocar mais comida na mesa.
— Ela é tão delicada e pequena — Dami se defendeu e então se
aproximou de Anna, agarrando a sobrinha pelas axilas e erguendo ela da sua
cadeirinha. — Igual esse monstrinho aqui. — Ele balançou nossa sobrinha e
ela gargalhou.
— Pare com isso, ela acabou de comer — Perla ralhou com ele e
lançou seu olhar autoritário, com seus olhos castanhos brilhando em
reprovação. Dami deu uma risada e colocou a sobrinha de volta na
cadeirinha.
— Vou passar na sua casa jajá, Dami — prometi e ele me deu um
sorriso agradecido.
— Grazie, patatina.
— O que estávamos discutindo? — perguntei, já sabendo a resposta
pelo olhar mal-humorado de Angelo.
— Diga a eles que estou ótimo.
— De novo? — Ignorei o olhar feio que ele me deu e me servi de uma
boa quantidade de café.
— Eles não acreditam em mim, mas acreditam na principessa deles.
Por favor, Nora, você sabe que estou bem. — Angelo me cutucou na lateral
do corpo e eu rapidamente acertei um tapa na sua mão.
Se ele estivesse bem de verdade, teria segurado meu pulso antes do
contato, mas seus reflexos estavam lentos e ele segurou uma careta
dolorida. Meu pai, do outro lado da mesa, me deu um sorrisinho orgulhoso
e ergueu a sobrancelha grossa para o filho mais novo.
— Isso é estar bem? Você parece um boi velho tentando levantar.
— Como você sabe como um boi velho se comporta? — Angelo
bufou, revirando os olhos.
— Eu cresci em uma fazenda — meu pai respondeu e gememos, dando
uma risada abafada.
— Você passou duas semanas em uma fazenda quando era criança,
Mattia, não minta — minha mãe corrigiu e meu pai balançou a cabeça.
— Vi o suficiente para fazer a comparação. Michele, derrube seu
irmão e se ele conseguir se levantar… — Meu pai nem tinha terminado de
falar quando Mick começou a se aproximar.
Angelo fez um esforço para levantar sem gemer, mas minha mãe
entrou no meio e empurrou ele de volta para a cadeira, olhando feio para o
Mick e meu pai.
— Não ousem encostar no meu bebê!
E é claro que meus irmãos mais velhos começaram a provocar o
Angelo, chamando-o de bebê da mamãe.
— Mamma — Angelo gemeu, emburrado e dei um sorrisinho.
— Brincadeiras à parte… Angelo se recuperou bem. Ele ainda vai ter
que tomar cuidado ao treinar e com alguns movimentos, mas não vejo
porque ele não possa voltar ao trabalho. — Dei minha verdadeira opinião
médica e meu irmão me olhou agradecido. — Mas muita cautela. Sem
correr para o perigo.
— Essa é você — ele provocou e nossos irmãos mais velhos fecharam
a cara.
— Não me lembre disso, ainda quero estrangular essa merdinha por
fazer algo tão burro assim — Mick resmungou, me olhando feio.
— Quero ver você tentar — provoquei e ele balançou a cabeça.
— Se você parasse de fugir dos seus treinos…
— É que Nora agora é muito importante para perder tempo treinando
com você. Ela treina com o próprio Consigliere — Angelo brincou, mas a
menção de Dani fez algo queimar na boca do meu estômago.
Não chegava a ser arrependimento, mas parecia muito com culpa.
Culpa pelo que aconteceu no armário quando cedemos ao tesão. Culpa por
ser fraca e não ter resistido. Culpa por ignorar ele depois como uma grande
covarde e medrosa. Culpa porque eu não sabia se resistiria novamente.
Culpa porque eu jurei que não ia me envolver com mais ninguém que fosse
da Stidda…
— Eu não gosto disso. De como você fica próxima dele. Deles. —
Mick estreitou os olhos, mas Samu me olhou com pena.
— Nora…
— Não. — Eu mal consegui segurar o choro, meus olhos se enchendo
d’água. — Não vamos falar sobre isso.
— A última vez que você se envolveu tanto assim na Stidda… —
Dami repetiu as palavras do Angelo naquele dia no hospital e eu balancei a
cabeça, deixando o garfo cair e perdendo totalmente o apetite.
— Estou cansada. — Levantei, arrastando a cadeira, enquanto meus
irmãos pediam desculpas.
— Termine de comer, patatina — meu pai pediu, mas eu balancei a
cabeça. Perla me lançou um olhar apologético, como se fosse culpa dela
que esse assunto veio à tona.
Balancei a cabeça novamente, dessa vez para ela, tentando reconfortá-
la e tranquilizá-la de que eu sabia que não era sua culpa. Meus irmãos
simplesmente eram superprotetores comigo. Principalmente depois do que
aconteceu quando eu me envolvi demais com a Stidda. Eu sabia que a
preocupação deles tinha fundamentos.
Michele foi quem me encontrou coberta de sangue no meio daquele
estacionamento deserto e abandonado. Ele era a retaguarda na emboscada e
chegou rapidamente no local quando ninguém entrou em contato com a
palavra-chave para tranquilizá-lo.
Eu só me lembro de algumas poucas coisas, mas uma delas era o olhar
aterrorizado do meu irmão quando ele me viu lá no meio, ajoelhada no
chão, com tanto sangue nos meus braços que eu nem sabia ser possível
existir tanto assim.
Lembro também dele me levar direto para o Samuele e Perla, e dela
me ajudar a tomar um banho, enquanto eu chorava desesperada, em choque.
Lembro deles me colocando no sofá e sentando um de cada lado meu, e
quando Angelo e Damiano invadiram a casa de Samu, eles se juntaram a
nós, sentando aos meus pés. Em silêncio, enquanto eu tentava compreender
e tentava me acalmar.
Tanta morte e sangue que parecia que meu peito tinha sido esmagado
com o peso do desespero. Eu estava no começo da faculdade, ainda não
tinha experimentado sangue e morte. Ainda não tinha visto de perto alguém
respirar pela última vez. Não tinha visto a vida abandonar os olhos de
alguém.
Não tinha visto como era vazio e triste quando você era responsável
por puxar o gatilho. Eu entrei na medicina para ajudar, era contra o meu
instinto e ainda assim o fiz. Puxei o gatilho várias vezes naquela noite. Sem
pensar, sem me afastar. Fiz de novo e de novo, usando tudo o que meus
irmãos me ensinaram pelo simples instinto de me manter viva.
Eu já tinha visto sangue, é claro, eu era uma lutadora. E eu já tinha
visto algumas lutas que acabaram mal. Mas era diferente. Era diferente estar
naquela emboscada e ver as coisas acontecerem como se fossem uma
batalha em uma guerra. Os estampidos, o barulho das balas acertando
corpos. O barulho das pessoas caindo no chão, os gritos. O cheiro de
pólvora e sangue.
E eu odiava que dessa vez eu não entrei na mesma espiral porque Dani
trepou comigo no armário de suprimentos, capturando minha atenção, meus
pensamentos todos para ele, mesmo depois de algumas semanas.
— Nora! — Michele me chamou, segurando o meu braço quando eu já
estava no topo da escada.
Por reflexo, e porque eu estava distraída mergulhada em lembranças,
virei rapidamente, me livrando do seu aperto e atingindo o seu ombro. Ele,
é claro, estava pronto para receber esse golpe e me parou rapidamente,
erguendo as sobrancelhas escuras.
— Desculpa, eu…
— Tudo bem — Mick me acalmou, me puxando para si em um abraço
reconfortante. — Eu que peço desculpas, por trazer tocar nesse assunto. Eu
me preocupo com você, sorellina.
Abracei ele de volta, puxando seu corpo para o meu com força,
apertando os braços em seu pescoço. Ele suspirou, fazendo carinhos leves e
delicados nas minhas costas. Eu deixei todas as minhas emoções surgirem
naquele abraço.
A adrenalina pelo que fiz nessa madrugada. O arrependimento por não
resistir ao Dani. Culpa, uma culpa profunda e dolorida que carrego há anos
em mim. Porque eu estava lá, naquela emboscada, e poderia ter salvado
alguém, eu poderia ter…
— Não pense nisso, Nora — meu irmão sussurrou, sentindo meu corpo
tenso e duro. — Não pense no passado.
— O passado não parece tão distante assim quando todo mundo fica
me lembrando — acusei, mas sabia que era injusto.
Eu estava com vergonha. Vergonha por não pensar em nada além de
Daniele Ricci e o que ele fez comigo nessas últimas semanas. Ele consumiu
o meu tempo livre, meu cérebro, meus desejos. E tentei me distrair com a
investigação que estava fazendo sozinha, mas sempre que parava de pensar
naquilo meu cérebro voltava para aquele armário.
E como eu queria de novo.
Como eu odiava ele e tudo o que ele representava, mas eu queria muito
sentir ele em mim novo. Queria muito sentir bem mais do que os poucos
toques que trocamos. Eu queria sentir ele inteiro, sem barreiras, sem limites.
E eu odiava tanto isso que acabava me odiando também.
Prometi nunca me envolver com alguém da Stidda. Prometi honrar o
que era esperado de mim. Prometi honrar os votos e promessas que fiz anos
atrás. E tudo foi à merda quando ele me empurrou contra a parede e me
beijou como se fosse a única coisa importante para ele no mundo inteiro.
— Você precisa se encontrar com o Ignazio, Nora — ele sussurrou, ao
meu ouvido. — Desabafar, dizer o que sente. Colocar um ponto final e…
— Não posso fazer isso. — Me livrei do aperto do meu irmão. — Eu
nunca vou colocar um ponto final na nossa história.
— Nora, você está sofrendo, você precisa seguir em frente… —
Balancei a cabeça, mas ele não parou. — Você trabalha até cansar, treina até
cansar, sai com seus amigos para tentar se distrair e volta para casa, apenas
para dormir algumas horas e começar tudo de novo. Isso não é viver. É
fugir.
— Cazzo, Mick, chega disso. Eu não sou uma criança. Vocês precisam
parar de tocar nesse assunto na minha frente, como se tivessem medo de
que eu fosse fazer merda novamente. Eu sei o que eu estou fazendo. Eu não
sou mais aquela Nora. Eu melhorei, treinei, cresci. Eu sou uma médica, eu
sou uma lutadora. Sou dona da minha vida. Não me diga o que fazer e não
me censure sobre o passado.
Mick pareceu um pouco chocado por conta da minha explosão, mas eu
não estava preocupada com seus sentimentos. Meus irmãos ficavam
voltando nesse assunto o tempo todo. Arrependidos porque me envolvi.
Arrependidos por não terem me ensinado o suficiente, ou sei lá. E depois
que me treinaram mais, me ensinaram mais, voltavam nesse assunto como
forma de me controlar e podar. Como forma de opressão ou justificativa
para a superproteção deles.
Eu já me martirizava o suficiente sobre isso, não precisava deles
citando a emboscada em todas as oportunidades que não gostavam de algo
que eu fazia. Não gostava deles citando o Ignazio e me dizendo o que fazer
e como lidar com uma coisa que era problema meu.
— Michele, eu te amo, você é meu irmão, mas eu sei exatamente o que
fazer com a minha vida. Eu sei como viver ela. Eu como agir e pensar.
E eu sei o que eu mereço.
Eu sei o que está guardado para mim.
— Tudo bem. — Ele ergueu as mãos, em rendição, e me deu um
sorriso triste, mas orgulhoso. — Eu te amo, sorellina, só isso.
— Eu te amo também, mas não seja um pé no saco.
Dei as costas para ele e fui até o meu quarto, pronta para tomar um
banho e finalmente ligar para a Milena, tentando parecer discreta enquanto
perguntava se Crystal e Adriana estavam bem.
E ignorando que, pela primeira vez em anos, eu não senti nada quando
meu irmão mencionou meu noivo.
Contudo, apenas um pensamento sobre Daniele Ricci me deixava à
beira de uma combustão.
Cazzo.
8 - Dani

Eu estava com dificuldades em me concentrar no meu trabalho pela


primeira vez na vida e Mau estava achando tudo isso muito hilário.
— Acho que está na hora de substituirmos você — ele brincou e eu
mostrei o dedo do meio, analisando o mapa no computador.
— Você é bem substituível também, principalmente se eu arrebentar
sua cara.
— Tem a ver com Nora te ignorando mais ainda? — ele provocou e eu
lancei um olhar que faria a maioria dos homens correr, mas Mau só deu
uma risada estrondosa e feliz
— Você não tem medo de morrer mesmo, mommo — resmunguei,
irritado.
Irritado porque ele tinha razão.
Nora era o motivo da minha falta de concentração.
Eu sabia que depois do nosso pequeno deslize no armário ela ficaria
distante e fria, mas ela estava fazendo de tudo para não ter interações
comigo.
Nas três vezes em que nos vimos, ela fazia questão não só de me
ignorar, mas de não me tocar. Agora que Cate estava treinando melhor, ela
não precisava assistir os meus movimentos com Nora, então a médica
simplesmente lutava com Cate, ensinando-a assim. Longe de mim. Longe
do meu corpo.
Os pequenos momentos em que eu poderia tocá-la quando treinávamos
tinham se tornado prazeres secretos. E agora eu estava em abstinência.
Essa semana eu a veria. Cate finalmente convenceu Nora a aparecer
para mais um treino e para a despedida de solteiro da Lena, um evento que
Mau organizou em uma de nossas baladas. Ele também encontraria um
informante ali, pegando mais informações sobre a Catania e os aliados dos
irmãos Sana.
Eu neguei a minha presença até que Cate e Lena disseram que Nora
confirmou e como um maldito viciado eu não resisti. Eu precisava vê-la
sempre que possível. Era só o que eu poderia ter dela e deveria bastar.
Mas não bastava.
Eu queria mais.
Queria seu corpo no meu. Queria ela gemendo para mim. Queria até os
seus malditos sorrisos que nunca eram para mim, nunca em minha direção.
Nora me odiava, era óbvio. Ou pelo menos desgostava muito, mas
sentia atração por mim. E isso bastava para inflar o meu ego como um
maldito adolescente tentando chamar a atenção de uma mulher
completamente fora do seu alcance.
Mas Nora não estava simplesmente fora do meu alcance. Ela era
proibida.
Ela era uma filha da máfia que esperava casamento. Estava noiva.
Queria alguém que a honrasse. Que a deixasse orgulhosa.
— Tenho notícias. — Teo invadiu o escritório e parecia tenso.
— Mais problemas?
— Não exatamente. Fedez conseguiu identificar alguns aliados dos
irmãos Sana na Catania, e encurralou eles. Mas…
— Os irmãos Sana sumiram novamente — concluí e Teo suspirou,
sentando-se em uma cadeira na frente da sua mesa.
Eu ocupava a sua cadeira e Mau estava ao meu lado, encostado na
mesa de madeira antiga, observando a tela do computador.
— Em qual lugar Fedez os encontrou?
— Albany.
— Não era na porra de Syracuse?
— Fomos enganados.
— De novo?
— Acredite em mim, Maurizio, estou mais puto do que você. — Teo
correu as mãos pelo rosto, cansado. — Eles provavelmente guiaram Fedez
para Syracuse, nos fizeram acreditar que eles teriam coragem de invadir
nosso território, quando, na verdade, ainda estavam no cazzo do território
da Catania.
— E com isso conseguiram sumir. Todas as vezes que foram avistados
foi de forma cuidadosa, porque queriam que os encontrássemos. Ou melhor,
queriam nos desviar.
— Eles podem estar em qualquer lugar.
— Provavelmente aproveitaram a distração com a La Santa.
— Mas se estão dispostos a fazerem um acordo com Livio Marchetti,
não podem estar tão longe, Mau.
— Isso foi uma oportunidade que apareceu, com certeza — ponderei.
— Não acho que tenha sido Livio o executor dessa ideia. Acredito que os
irmãos Sana procuraram ele.
— Estou pronta — Cate anunciou, invadindo o escritório com suas
roupas de treino, mas parou quando observou nossos rostos. — O que
aconteceu?
— Fomos enganados como verdadeiros idiotas — respondi e Cate
ergueu as sobrancelhas, confusa. — Os Sana nos enganaram, nos guiaram
para o lugar errado e sumiram.
— Fedez encurralou alguns aliados deles, mas precisamos agir.
— O casamento é em dois dias! E Lena está animada para hoje à noite
— Cate ralhou e concordamos com a cabeça.
— Vamos enviar a equipe depois do casamento. Vai ser de manhã, no
fim da tarde eles chegam em Albany com Gaspare.
— Vou arrumar minhas coisas. — Mau nem esperou Teo terminar de
falar, mas meu primo balançou a cabeça.
— Você não vai, aproveite sua esposa, é seu casamento.
— Mas…
— Você quer começar seu casamento deixando sua esposa sozinha na
noite de núpcias? — Teo aconselhou e Mau deu uma risada.
— Não, mas isso é importante também.
— Gaspare vai lidar com isso e vamos procurar os Sana por aqui,
analisando nossas rotas que podem ser interceptadas pela La Santa. Eles
têm preferências, já fizeram isso algumas vezes. É uma ordem. — Teo
semicerrou os olhos quando seu irmão caçula começou a protestar.
— Ótimo, vamos treinar Dani? Ainda temos que nos arrumar para hoje
à noite. Pelo menos você é mais legal do que seu primo — Cate provocou
Teo, e ele balançou a cabeça.
— Se você quer a presença dele, é só contar que tentaram passar a mão
na sua bunda na última vez que saímos — Mau declarou e meu Capo
automaticamente fechou a cara, seu corpo ficando tenso.
— O quê?
— Cazzo, Maurizio, vaffanculo — Cate xingou e se aproximou do
marido, colocando as mãos em seus ombros tensos, dando um sorriso
meigo. — Nada aconteceu, Vincenzo o interceptou antes que ele me tocasse
e Christian cuidou do cara para que ele fosse expulso.
— Aparentemente não é o bastante. Eu vou me juntar a vocês. Não
apenas hoje — Teo avisou e Cate revirou os olhos, mas tinha um sorrisinho
cheio de expectativas.
— Não parece uma punição para mim, eu vou adorar ter você comigo
— ela provocou e Mau revirou os olhos.
— Sua punição vem depois. — Meu primo puxou a esposa para seu
colo e ela deu risada.
— Che schifo — Mau resmungou, fazendo uma cara de nojo e eu dei
risada.
— Vamos, antes que Teo cancele todos os planos da sua agenda.
Levantei e Cate se inclinou dando um beijo profundo no marido. Ela
enlaçou o braço no meu, enquanto fazíamos o caminho até a academia.
— Obrigada por vir hoje, mesmo que eu saiba que não é por mim, ou
por Lena.
— Dai, Cate! Você fala como se eu não fizesse tudo o que vocês
querem — provoquei e ela deu sua risada musical.
— Você nos mimas, é verdade, mas eu sei que você tem outros
motivos para aparecer hoje.
— Não tenho motivo algum.
— Cazatta. — Cate pegou minha mentira e não resisti um pequeno
sorriso.
— Zitta, bambolina, ou vou pegar pesado com você.
— Sim, claro que vai. Oi, Nora!
Ela estava nos esperando logo na saída do armário secreto, com suas
roupas de ginástica coladas em seu corpo torneado. Aquela porra daquela
bunda redonda sempre em evidência e os seios pequenos apertados contra
um top que deixava toda sua barriga definida à mostra, com os cabelos lisos
e pretos escorrendo até sua cintura, cobrindo seus seios… e eu nem ergui os
olhos para o seu rosto de deusa, com as linhas retas e delicadas, os olhos
azuis brilhantes, a boca fina, o nariz ligeiramente torto por conta de uma
luta – uma das poucas que ela perdeu.
Mas não era apenas uma beleza física.
Nora era feroz, era indomável.
Una leonessa testarda.
Leoa teimosa, cheia de garras e dentes afiados, que não dava o braço a
torcer. Que não desistia.
Determinada, batalhadora.
Cazzo, ela era perfeita. Incrível. Uma deusa.
E não era minha.
— Oi, Cate! — Nora sorriu e abraçou Cate, e quando a soltou olhou
para mim. Seu sorriso morreu, porque ela ainda seguia furiosa comigo. Não
que eu fosse pedir desculpas por marcar a sua moto. — Daniele.
— Nora. — Ergui a sobrancelha e como ela rapidamente desviou o
olhar, eu sabia que ela entendeu.
Ela não foi tão formal assim quando meu pau estava dentro dela.
Cate suspirou e balançou a cabeça, seguindo o caminho para o
segundo andar do centro de treinamento, onde treinávamos luta.
— Você está bem? Não te vejo mais. — Cate fez um biquinho que
pareceu quebrar todas as barreiras de Nora e relaxá-la.
— Não é de propósito, eu juro! Estou ocupada, tentando me adaptar à
nova clínica, tentando não morrer de cansaço com a nova rota que tenho
que fazer todos os dias para chegar até aqui…
— Angelo ainda não encontrou um apartamento?
— Ele encontrou alguns, mas não posso bancar.
— Ele vai fazer você pagar? — Cate parecia indignada, mas eu tentei
segurar o meu sorriso, porque eu sabia que…
— Eu não vou aceitar ele pagando tudo! — Nora balançou a cabeça e
eu escondi minha diversão enquanto ia até um dos sacos de pancadas, ao
lado de um dos tatames de treino livre.
Nora era perfeitamente capaz de treinar luta com Cate sem minha
ajuda agora, mas eu gostava muito de ficar perto. Não só pela Cate, mas
porque era uma oportunidade de observar Nora sem controle, sem amarras.
Elas começaram a se aquecer, alongando o corpo, fazendo alguns pequenos
movimentos para acelerar o coração, ativando o cardio… E eu tirei a
camiseta e comecei a socar.
O meu campo de visão era completamente desimpedido, então eu pude
observar Nora sem pudor. Observar como seu corpo se esticava, como seus
músculos tensionavam e relaxavam, como seu peito subia e descia
conforme ela se esforçava mais. Como sua pele brilhava com suor, como
ela franzia a testa em frustração quando errava algum movimento ou como
seus olhos azuis brilhavam em orgulho quando Cate conseguia desarmar
sua posição e contra-atacar.
Eu queria ver ela por completo. Eu queria perder o meu tempo
experimentando cada centímetro da sua pele com a minha boca. Eu queria
saber se seu gosto era tão bom quando eu imaginava, eu queria me afundar
em sua boceta novamente. Eu queria beijar a sua boca até ela esquecer que
já foi beijada e fodida por outros homens. Queria mostrar para ela que estar
na minha cama não se comparava a mais ninguém porque eu a arruinaria
para qualquer um. Por puro egoísmo. Eu poderia não merecer Nora e nem a
ter para mim, mas ficaria marcado em seu corpo, em sua mente, pelo resto
da sua vida.
Eu estava tão encantado com Nora, com a fluidez de seus movimentos,
com seu corpo incrível, que nem percebi Cate hesitando por um momento.
Elas pararam, Cate erguendo uma mão e a outra foi direto para a sua boca.
Seus olhos castanhos se arregalaram por um momento e então ela saiu
correndo em direção ao banheiro.
Imediatamente Nora e eu seguimos, Nora me olhando feio e tentando
impedir minha entrada no banheiro. Minha mão já estava no bolso do short
e eu só digitei uma palavra no meu celular antes de devolvê-lo.
Só não empurrei Nora do caminho quando entramos no banheiro
porque ela era médica. Ela andou até Cate, empurrando a porta da única
cabine que estava fechada. Minha bambolina estava ajoelhada na frente da
privada, vomitando violentamente todo o seu almoço.
— Saia! — Nora ordenou, se ajoelhando ao lado de Cate e fazendo
carinhos em suas costas, enquanto ela tentava lutar contra as ondas de ânsia.
— Nos seus sonhos. — Olhei feio para Nora, mas ela nem ergueu a
cabeça para mim.
— Ela não pode nem passar mal com privacidade? — Nora me fuzilou
rapidamente e voltou o olhar preocupado para Cate.
— Não.
— Testa di cazzo — ela me xingou e só não dei risada porque Cate
começou a esvaziar o seu estômago novamente.
Ela ficou assim por alguns momentos, vomitando e parando, tentando
controlar a vontade e falhando miseravelmente. Um ciclo preocupante,
considerando o quanto ela tinha colocado para fora e como era magra e
pequena. A porta do banheiro se abriu com violência e Teo entrou correndo,
com a respiração pesada. Ele provavelmente correu o caminho todo até
aqui. Meu primo me empurrou da frente e relutantemente Nora se levantou,
abrindo espaço para o seu Capo.
Puxei ela pelo cotovelo quando fez menção de se aproximar
novamente da cabine e ela me olhou feio. Balancei a cabeça, indicando Teo,
e ela observou o marido da sua amiga, o seu corpo tenso e como ele
emanava violência. Nora tinha instintos de lutadora, e sabia analisar seus
oponentes. Essa não era uma briga que ela queria comprar.
E ela demonstrou isso dando um passo para o meu lado, seu ombro se
encostando no meu. Instintivamente pedindo proteção. Isso me encheu com
um pequeno orgulho masculino e meu ego quase explodiu. Um sentimento
primitivo e feroz subiu pelo meu peito e eu estava pronto para me colocar
entre ela e Teo, se o temperamento do meu primo explodisse.
— Nora, ligue para a clínica e…
— Não preciso ir para a clínica — Cate resmungou, a voz fraca tirando
um pouco da força da sua irritação.
— Você não para de vomitar — Teo censurou e a esposa fez um
esforço para segurar a nova onda de enjoo. E falhou mais uma vez.
— Ela almoçou há pouco? — Nora tentou ajudar, mas estreitei os
olhos, porque Cate olhou agradecida e aliviada para a amiga. Teo perdeu a
troca porque estava olhando para a médica também.
— Sim. — Meu primo provavelmente conseguia nomear a quantidade
de gramas de cada garfada que Cate deu. Levávamos a alimentação dela
bem a sério.
— Então é isso. Eu acho que foi o esforço, e também eu fiz um
movimento que acabou acertando o estômago dela, posso ter usado um
pouco mais de força.
Isso era uma mentira, porque eu estava completamente hipnotizado por
Nora enquanto elas treinavam e esse movimento não aconteceu. Encarei
Nora, mas ela evitava deliberadamente o meu olhar. Cate ergueu a cabeça e
respirou fundo algumas vezes, com os olhos fechados.
— Você pode me levar para a cama? — ela pediu, com a voz baixa e
frágil. Teo pegou imediatamente a esposa no colo e saiu, lançando um único
olhar pelo ombro.
Nora não sairia da mansão até Teo estar satisfeito com o estado de
saúde da esposa.
— Venha. — Segurei ela pelo braço e a puxei para andar.
Teo estava praticamente voando para o quarto, nos deixando para trás
enquanto facilmente carregava a Cate no colo. Ficamos sozinhos no
caminho, porque eu diminuí a velocidade dos meus passos, observando Teo
quase correr com Cate.
— Eu sei que você mentiu — avisei, apertando minha mão no braço
dela de leve.
Nora tentou debilmente se livrar do meu aperto. Ela poderia se livrar
dele, caso se esforçasse mais, mas pareceu não lutar com afinco. Seu olhar
estava no caminho por onde Teo desapareceu com Cate. Coloquei
calmamente as minhas senhas, esperando ela responder ou me dar qualquer
atenção.
— Não acertei Cate, mas não acho que é algo para se preocupar. Ela
vomitou o almoço dela após treinar. Ela é saudável. Ela tem um histórico de
subnutrição. Fatores que me dizem que pode ser apenas um desconforto
estomacal normal. Se ela continuar vomitando por mais um tempo, aí sim…
— Hum… — respondi, enquanto entrávamos no porão.
— Eu sou uma boa médica — Nora falou, na defensiva, e eu franzi as
sobrancelhas, confuso.
— Você acha que seria médica da Cate se não fosse?
— Eu sei que todo mundo pensa que a Stidda comprou meu diploma,
porque eu pertenço a vocês.
Ignorei a sensação de possessividade que passou por mim quando ela
disse que pertencia a nós. A mim. Eu sabia que o pai de Nora negociou com
o meu tio o valor caríssimo da faculdade da filha. Ela poderia ter feito um
empréstimo estudantil, como a maioria dos alunos fazia, mas seu pai optou
por fazer outro tipo de empréstimo. Tanto ele quanto ela eram parte da
Stidda. Eram, como ela apontou, propriedade da Stidda. Se Teo ordenasse,
Nora, como médica, teria que cumprir. A hora que ele ligasse, a hora que ele
a chamasse.
É claro que ela já fazia isso porque gostava de Cate, e agora de Lena,
mas teoricamente Nora não tinha escolha. Ela recebia um salário porque
não éramos sem honra, mas, por exemplo, cuidar dos soldados que
participaram do ataque poderia ter sido uma ordem de Teo. Nora era, sim,
uma boa médica. E era prestativa. Era proativa. Era caridosa com o seu
tempo, se importava com seus pacientes.
— Quem falou isso?
O meu tom prometia violência e Nora sabia. Por conta dos seus quatro
irmãos que aparentemente também eram superprotetores com ela, ou por
conta do noivo misterioso que eu me recusava a descobrir mais sobre, eu
não fazia ideia.
— Alguns boatos na clínica antiga, agora que estou na nova. Meu
supervisor me trouxe com ele, mas o Dr. Parruci não é um mentiroso. E se
ele disse que gosta do meu trabalho, é verdade. — Ela ainda estava na
defensiva e eu segurei seu braço quando o elevador chegou no andar de Teo
e Cate.
— Você é uma boa médica, Nora. Nem me deixou com uma cicatriz
horrível — brinquei e ela deu um pequeno sorriso, seus olhos indo para o
corte que ela costurou meses atrás, quando Teo e eu brigamos.
— Deveria ter deixado. Seria mais suportável olhar para você com
uma aparência mais humana.
Eu sei que ela estava se referindo a frieza que eu usava de máscara
para tentar esconder que eu queimava por ela, mas não consegui resistir a
piada.
— Você acha que minha beleza é divina? — provoquei e ela revirou os
olhos, soltando-se de vez do meu aperto e indo em direção ao quarto
principal.
— Sim, como de um anjo. — E então ela parou à porta e olhou por
cima do ombro antes de entrar. — Lúcifer, o nome.
Minha risada foi calorosa, e o pequeno sorriso que ela me deu antes de
voltar a me ignorar quase me fez perder a cabeça mais uma vez.

— Cate está bem — Nora me garantiu, ao entrar na cozinha. Eu nem


tinha perguntado nada, mas estava na ponta da minha língua. — Ela parou
de vomitar e está descansando. Teo está lá.
— Que bom. — Observei ela parar na entrada, olhando com um pouco
de vergonha para o balcão onde eu estava encostado, comendo diretamente
de um refratário a lasanha que Cate fez ontem.
E aproveitando que Mau não encontrou as sobras primeiro.
— Quer algo? — Eu não coloquei em um prato justamente para não
dividir com o meu priminho, mas se Nora quisesse…
— Eu vim buscar um café. Cate insiste em ir hoje e não acho que Teo
vai me deixar voltar para casa.
Ela se aproximou com calma, arrancando o garfo da minha mão e
mergulhando ele no refratário. Ela praticamente gemeu quando levou uma
garfada na boca, seus olhos se fechando em prazer. Eu observei com um
pequeno sorriso irresistível. Seus cabelos caindo soltos, o que era raro em
casa, seu quadril apoiado no balcão, suas feições de Deusa relaxadas e
cheias de prazer.
Meu bom senso implorava para que eu virasse o rosto, porque meu pau
não aguentaria ficar quieto por muito tempo, mas Nora era hipnotizante.
— Como é possível vocês comerem fora, quando Cate cozinha assim?
— ela murmurou, com um suspiro satisfeito e enfiou o garfo na comida
novamente.
— Eu sei, mas não queremos forçá-la. Como o tio dela fazia. Mas eu
juro, é a melhor comida do mundo.
— Ei! — Nora protestou quando interceptei seu garfo e roubei a
comida dela.
— Você roubou primeiro — provoquei, e ela revirou os olhos, com um
pequeno sorriso.
— Ok, é justo. — Ela cutucou o refratário um pouco, antes de se servir
novamente. — Sobre mais cedo… Não é todo mundo da clínica que diz
isso, mas depois que eu me aproximei de Cate, os rumores começaram. Que
eu estava tentando subir na carreira, porque eu já pertencia a Stidda. É mais
sobre minha amizade com vocês, do que realmente ter feito um acordo com
seu tio.
— Espero que isso não atrapalhe a sua amizade com Cate. Ela gosta
muito de ter você por perto.
E eu também.
Nora suspirou e encheu o garfo novamente, me surpreendendo ao levar
até a minha boca. Ela estava pensando antes de responder, e eu aceitei o seu
gesto, dando espaço para ela.
— É estranho que ela invadiu a minha vida sem pretensão e se tornou
minha melhor amiga? Eu tenho amigas, mas parece diferente ter alguém
que realmente entende a máfia, não só o aspecto ou uma ideia. Alguém que
sabe o que significa quando meu irmão vai para uma missão e porque eu
estou aflita o tempo todo.
Minha mão agiu por contra própria e quando dei por mim, estava
afastando alguns fios do seu lindo rosto, colocando seu cabelo atrás da sua
orelha. Nora suspirou, se inclinando na direção do meu toque
inconscientemente.
— Não. Cate é assim. Quando éramos crianças, sempre nos
encontrávamos em eventos especiais, quando o pai dela e o meu tio estavam
em uma trégua. Teo já era obcecado por ela, então ele ficava basicamente
seguindo ela por onde ela ia, mas não passávamos muito tempo juntos,
todos nós. Porém, passamos vários meses em uma casa de campo.
Chegamos em novembro e só fomos embora no fim do verão. E ela
simplesmente decidiu que seríamos amigos. Mau foi conquistado
facilmente, quase encantado com ela e como ela incluía ele. Não que o
excluíssemos, mas ele era bem mais novo, e queríamos protegê-lo de toda a
conversa ruim que meu tio nos julgava aptos para escutar. Então ele se
deliciava com o fato dela sempre incluir ele quando ele seguia Teo, que por
sua vez seguia ela.
— E você? — Ela mastigou lentamente, seu corpo ligeiramente mais
próximo do meu, seu peito quase encostando contra o meu.
Meu corpo se moveu também, basicamente cercando-a, prendendo-a
contra o balcão, mas Nora não se mexeu ou tentou fugir e me afastar. Seus
olhos estavam tranquilos, divertidos. Ela estava envolvida na história, no
momento.
— Eu estava tentando não apanhar. Mesmo naquela época, Teo já era
um pouco possessivo e queria a atenção dela exclusivamente para ele. Ele
poderia tolerar Mau porque ele era uma criança, mas definitivamente não
gostava da minha presença perto dela, só que Cate decidiu que eu faria
parte da sua pequena equipe. Ela sempre foi esperta, afiada. Por alguma
razão, sempre perguntava para mim o que eu achava, sempre me deixava
ajudá-la com os planos mirabolantes para enganarmos os seguranças e
explorarmos a propriedade, fugindo do perímetro estabelecido. Quando eu
vi, ela já tinha me capturado também. Então, não, não acho estranho você
ter caído nas graças de Cate.
— Bem, eu fico feliz por ela ter se enfiado na minha vida.
— Mesmo que isso signifique me aturar? — Inclinei a cabeça para o
lado e Nora deu um sorriso tão sensual que meu pau se remexeu.
Ela abriu a boca para responder, mas passos, com um salto batendo na
pedra da escada, ecoaram e eu me afastei quando um pequeno pânico
brilhou em seus olhos pela nossa proximidade.
— Ah, cazzo, eu disse que precisávamos nos apressar, diavolina —
Mau reclamou e quando ele invadiu a cozinha com Lena a reboque, eu já
estava ao lado de Nora, apoiado no balcão e em uma posição perfeitamente
casual e comportada.
— Pare de insinuar que você estava comigo enquanto pensava na
lasanha — Lena ralhou, empurrando o marido de uma forma brincalhona.
Ela sorriu para Nora, radiante. Os seus cabelos curtos estavam
bagunçados, o loiro brilhando na luz da cozinha e pela forma como seus
olhos esverdeados estavam satisfeitos, ela e Mau estavam aprontando. O
vestido curto que Lena usava provavelmente tinha algo a ver com isso.
Principalmente porque ela saiu na frente, vindo abraçar Nora e Mau não se
conteve, seus olhos correndo pelas pernas longas e expostas da esposa.
— Aposto que ele está batalhando internamente agora sobre o que ele
deseja mais — provoquei, tirando o garfo da mão de Nora e pegando mais
um pedaço de lasanha, só para irritá-lo.
— Não tenho nojo da sua saliva, coglione. — Mau se aproximou e
arrancou o garfo da minha mão, puxando o refratário para si.
— Deixa Cate ver vocês sendo uns animais e não usando pratos! —
Lena ralhou, mas aceitou a garfada que Mau ofereceu para ela, levando com
cuidado até a sua boca.
— Se ela não está aqui, e nem Teo…
— Na verdade, ela passou mal — Nora explicou e eu aproveitei a
preocupação distraindo Mau para roubar o garfo novamente. — Não se
preocupe, ela está bem, foi só um mal-estar na academia. Mas Teo
basicamente me colocou em prisão domiciliar, então, Lena, será que você
poderia me emprestar alguma coisa para hoje? Não sei se as roupas de Cate
vão ficar boas em mim, mesmo você sendo mais alta do que nós duas, ela é
bem mais magra.
— Claro! — Lena praticamente deu pulinhos de alegria, e Mau sorriu
satisfeito com a felicidade dela.
A sua paixão por moda estava em processo de descoberta, e Lena
estava se divertindo bastante com a possibilidade de poder, pela primeira
vez na vida, explorar o que gostava e ser quem era. Ela me contou que
estava se divertindo muito nas aulas que começou, mesmo admitindo que
estava um pouco atrasada no desenvolvimento das suas habilidades. Não
que ela precisasse se preocupar. Teo ensinou Mau direitinho, e meu
priminho já estava procurando os melhores professores de desenho e toda a
merda que ela disse que precisava dominar mais aqueles assuntos. Tudo o
que ela quisesse ou precisasse.
— Não precisa ser nada muito…
— Vai ser perfeito e sensual. Um corpo como o seu, precisamos deixar
todo mundo babando.
E ainda bem que Nora estava de costas para mim, porque ela não viu
meu olhar descer para a sua bunda redonda e perfeita. Mas Mau viu e o
sorrisinho provocador que ele deu me fez revirar os olhos.
— Tenho certeza que você vai conseguir o que deseja, cara mia, e
Nora vai deixar alguém de joelhos.
Coglione.
9 - Dani

A camaradagem morreu rapidamente.


Principalmente porque voltei na academia e peguei os pertences que
Nora guardou em um dos armários no vestiário e escondi dela. Ela já sabia
que Teo não permitiria que ela fosse embora, é claro, mas ela ficou
revoltada quando eu deliberadamente escondi suas coisas. Sem nem
imaginar que ele não precisou me dar ordem nenhuma para mantê-la aqui.
Nora voltou para o lado de Cate assim que acabamos a lasanha e eu fui
junto, dar uma olhada na minha bambolina. Teo e Cate entraram em uma
discussão feia, para o desconforto de Nora, sobre manter a despedida de
solteiro de Lena e Mau.
Lena ficou preocupada com Cate quando ficou sabendo, indo com a
gente, mas ela garantiu a concunhada de que estava ótima, que foi apenas
um desconforto, um esforço após exercícios. Com isso, Lena ficou feliz em
ajudar Nora e Cate a se arrumarem e as duas pareciam contentes em serem
as bonecas da loira. Principalmente porque Lena irradiava felicidade.
Eu compraria tudo o que ela quisesse só pelo vestido que ela colocou
em Nora. E eu tinha certeza que Teo também, mesmo ele não saindo de
perto da esposa, não só porque Mau falou que tentaram passar a mão na
bunda dela, mas, com certeza, pelo minúsculo e transparente vestido branco
que Lena emprestou para Cate.
A médica estava com um vestido preto tomara-que-caia curto, que
parecia inteiro de couro. Eu queria substituir a faixa do mesmo tecido em
seu pescoço, como uma gargantilha, com a minha mão, enquanto a puxava
para mim e beijava os lábios que ela pintou de vinho.
Lena ainda conseguiu fazer Nora usar um salto que a deixava
ligeiramente mais alta, para o descontentamento da médica. Ela não parecia
nada feliz, mas sabia do efeito do seu corpo, sabia do alcance da sua beleza,
então sempre estava confiante, sempre estava irresistível.
E eu tive que fugir.
Fui com uma das minhas motos, já que Teo e Mau foram com os
próprios carros, um deles carregando Nora, que ainda tentou insistir em ir
na Range Rover com o irmão e Vincenzo, o segurança de Cate.
Angelo ainda estava com um pouco de dor no local do seu tiro, mas se
recusava a continuar fora do trabalho, e Lena gostava dele como seu
segurança. Ele ainda brigou com a irmã, lembrando-a de que aqui ele não
era Angelo Romano, e sim o segurança da esposa do Executor da Stidda.
Uma característica que os irmãos compartilhavam era a determinação
em suas profissões. Angelo era um soldado promissor e estava se mostrando
ainda melhor na posição elevada de segurança. Principalmente depois que
levou um tiro, ele parecia querer se mostrar mais.
E isso, por algum motivo, irritava Nora. Mas eu observava isso de
longe.
Como os olhos dela iam rapidamente para o irmão encostado na
entrada do nosso camarote, antes de se voltar para Lena e Cate. Como ela
ficava tensa toda vez que ele se movimentava, quando Lena queria ir ao
banheiro ou buscar uma bebida no bar, mesmo com o garçom exclusivo que
Teo colocou aqui, ou quando ela ia com a equipe de Mau para a pista de
dança lá embaixo.
Gigi se recusou a vir, apesar de ter garantido que compareceria ao
casamento em dois dias. Ela estava sofrendo ainda, e a mãe não entendendo
a sua mudança de comportamento não estava ajudando. Gigi ficava presa
em casa, pintando e destruindo tudo, segundo Aura contava para minha tia,
que contava para Cate. Estávamos preocupados, mas ela precisava liberar
suas emoções, e se era assim que ela conseguia, que fosse.
Eu estava tentando não ficar tenso ou completamente obcecado com a
visão que era Nora dançando com aquele vestido indecente, mas sabia que
estava falhando miseravelmente.
A equipe de Mau, presente em peso, pelo menos aliviava o clima
sempre, com brincadeiras, piadas e muito caos. Eles chamavam atenção,
eles se divertiam como se não tivessem nenhuma preocupação. De uma
maneira que Teo e eu nunca tivemos a oportunidade de fazer.
Teoricamente, meu tio me iniciou com 13 anos, mesmo me levando
para acompanhá-lo a partir dos onze. Bem antes do que jovens normais da
Stidda. A maioria dos nossos homens começavam a treinar com doze
anos… e então eram iniciados entre os quatorze e os quinze.
Teo e eu não tivemos esse luxo. Meu tio começou a nos treinar quando
começamos a andar sem tropeçar e a falar sem enrolação de criança. A
nossa primeira morte com certeza foi antes de termos noção do que
realmente significava tirar uma vida. De como isso automaticamente pesava
a sua alma e escurecia o seu coração.
Mau foi iniciado com quinze, e apesar de ter sido treinado por
Gaspare, a partir dos 13 anos, ele teve mais ou menos uma infância normal.
Uma infância.
Eu não acho que Teo e eu algum dia fomos crianças, exceto naquele
ano em que ficamos do inverno até o fim do verão na casa de campo do
Capo da Catania. Aquele período, com Cate, agimos como crianças.
Brincamos. Corremos. Vivemos.
Mas tudo acabou rapidamente. Assim que o plano do pai do Teo entrou
em ação, nossa vida voltou ao normal: soldados exemplares. Mauro Ricci
nos manipulou do começo. E com a minha primeira morte, me tornei
oficialmente o seu peão.
Eu vivia ao seu lado, até Teo voltar da Itália e me dizer que
conquistaríamos a Stidda embaixo do nariz do meu tio. E então nos
infiltramos no nosso território, construímos amizades com os soldados.
Vivemos como eles, ao lado deles, fazendo missões baixas, perigosas.
Nunca ficamos aqui, ao lado do meu tio, ou até ao lado de Gaspare.
Nunca fomos em festas e baladas como Mau fazia. Não para nos
divertirmos. Sempre em uma missão. Ou sempre procurando rapidamente
alguma puta para nos satisfazer por alguns momentos antes de voltarmos ao
trabalho.
Nossa vida era a Stidda.
Até meu tio morrer e Cate voltar.
E mesmo assim…
Por mais que Teo esteja tentando encontrar o equilíbrio, por mais que
Mau mostre que é possível viver, eu sabia que para mim não era uma opção.
Minha vida era a Stidda. E nada mais.
Nunca achei que algo fosse ameaçar meu foco… até entrar naquele
consultório e encontrar olhos azuis e cabelos pretos como piche.
Um fogo e teimosia que parecia acender todos os alarmes na minha
mente.
E de nada adiantava a minha cautela, porque era só olhar para
Eleonora Romano que eu estava disposto a destruir tudo o que me moldou
como Consigliere do meu primo.
Eu precisava manter distância dela, que me chamava como um canto
hipnotizante de sereia, seu corpo se mexendo no ritmo da música, seus
cabelos compridos e lisos balançando quando ela rebolava. Sua cabeça
jogada para trás, dando risada com Lena e Cate…
Quando Mau começou a se movimentar para encontrar o informante,
eu sabia que tinha encontrado a minha saída.
— Eu vou — falei, recebendo um olhar curioso de Mau e Teo. Um
olhar estranhamente igual, no mesmo tom de verde.
— Tem certeza? — Teo perguntou com cautela, um pouco da sua
atenção ainda na esposa.
— Sim. É a noite do Mau. E Lena parece estar se divertindo bastante.
Aproveite, irmão. — Segurei no ombro do nosso caçula, apertando quando
ele me deu um sorriso feliz e agradecido.
— Obrigado, fratello.
Toda vez que eles me chamavam de irmão também, assim como eu
fazia, me provando e mostrando que eles também me consideravam irmão
deles, eu sentia uma vergonha me consumir. Uma vontade de me provar.
De ser digno da confiança deles.
De ser digno dessa posição. Desse sobrenome.
Nossa boate era uma boate moderna e famosa da Stidda. Uma boate
com quartos e cantos secretos para quem gosta de se aventurar no prazer.
No porão completamente reformado, mulheres desfilavam os seus corpos e
dançavam em postes de strip, mas não era seu clube de strip-tease normal:
nada abaixo de notas de cem dólares, para começar. Ali também existiam os
quartos, com alguns temas especiais e diferentes para que fetiches e
prazeres fossem explorados.
Estávamos no mezanino do andar comum, onde algumas áreas VIPs
ficavam espalhadas. O porão era exclusivo para membros, homens
poderosos com contatos, que pagavam uma taxa altíssima para
frequentarem. E ainda fazíamos questão de investigar cada sócio,
principalmente para a segurança das nossas putas, e, porque não queríamos
golpes e surpresas. A vida noturna era uma parte importante do dinheiro da
Stidda. Nossos bordéis, nossas baladas comuns, nossos cassinos. Tudo isso
era dinheiro fácil, administrado diretamente por Teo ou por homens da
famiglia que entendiam de negócios.
O informante que Mau contatou estava tomando uma bebida em um
canto do bar, então eu desci as escadas do mezanino e fui até ele, parando
ao seu lado. Seu corpo ficou tenso quando me reconheceu, mas ele não
esboçou nenhuma reação além dessa. Pedi uma dose de uísque apenas para
fingir que não era programado. Então virei a dose, bati dois dedos no balcão
duas vezes e comecei a andar, sabendo que ele logo me seguiria. Ao lado do
bar havia uma pequena porta que levava à área dos funcionários e ao
pequeno escritório do gerente.
Caminhei lentamente com passos discretos, ignorando olhares,
ignorando as risadas de mulheres que gostariam de flertar e queriam minha
atenção. Me enfiei na ala dos funcionários da balada e logo em seguida a
porta se abriu novamente, com o informante de Mau entrando. Ele era
jovem, bem jovem, cabelos castanhos e olhos escuros. Ele parecia um
pouco nervoso ao me ver, e eu dei um pequeno sorriso de lábios fechados,
fazendo um sinal com a cabeça para ele me seguir.
Atingimos o pequeno escritório da gerência e o homem corpulento que
estava ali rapidamente se levantou e saiu, ao me ver. Esperei alguns
momentos, fechando a porta quando o informante se acomodou na cadeira
de frente para a mesa precária e cheia de papéis do gerente da balada.
Me sentei na ponta da mesa, bem perto do garoto. Podendo esticar um
braço e segurar em seu pescoço, caso ele mentisse para mim. Cruzei os
braços, propositalmente, e ele engoliu em seco quando olhou para os meus
músculos. Todo mundo pensava que eu era o Executor, quando me viam, e
eu não me importava nem um pouco.
A verdade é que meu tio me treinou para isso. E talvez estava se
revirando em seu túmulo ao saber que eu era o Consigliere. A primeira
coisa que Teo fez quando recebeu a notícia foi me levar, com Mau e sua
ainda não oficial equipe, para uma sala com os maiores apoiadores do meu
tio em uma suposta reunião. Caras tipo Adone Vitale, o segone que queria
casar com Gigi. A maioria eliminamos assim que entramos no lugar. O
resto… demos uma escolha porque eles eram valiosos. Adone, por exemplo,
só foi poupado por isso. E Gaspare foi o primeiro a se levantar, assim que
entramos, e se postou ao nosso lado, o que avisou os velhos bastardi o que
viria. Sempre leal ao Teo.
E o Consigliere do meu tio, esse foi eliminado por mim. O coglione
sempre me olhou com desprezo e teve um grande papel nas ideias do meu
tio para me moldar e criar. Eu o estrangulei com as mãos que ele ajudou a
sujar, observei a vida escapar dos seus olhos, implorando misericórdia para
mim.
— Então? — perguntei, sem rodeios.
— A melhor rota de Manfredi com certeza era interceptar tudo o que
vinha do Canadá. Se ele tinha aliados, eles estão mesmo em Albany.
— Algum outro lugar que ele visitava com frequência?
— O Bronx… alguns armazéns ali.
— É muito próximo do nosso território para ser seguro para ele.
— Acho que é por isso que ele usava — o garoto me interrompeu e
arregalou os olhos quando ergui uma sobrancelha. — Senhor. E um irmão
dele tinha uma casa em New Haven, mas a maioria do tempo Manfredi
ficava em Tarrytown, com o Capo.
— Só isso? — Ele concordou rapidamente com a cabeça, já se
preparando para levantar. Estreitei os olhos e ele se sentou novamente. —
Quero que você me consiga informações sobre essa casa em New Haven e
onde exatamente ficam esses armazéns no Bronx.
— Sim, senhor. — Ele concordou novamente e me olhou com
expectativa.
— Você pode ir. — Eu nem tinha terminado de falar e ele já estava
basicamente correndo até a porta, o que me fez balançar a cabeça, sorrindo.
Caminhei de volta para a balada e assim que saí, meus olhos foram
para a nossa área reservada. Eu consegui ver Lena e Cate dando risada, a
loira bebendo um shot que Mau entregou para ela e Teo interceptando o
copo que ele tentou dar para Cate. Os amigos de Mau não pareciam estar à
vista… e nem Nora.
Meus olhos vasculharam rapidamente o camarote e depois foram para
a pista de dança à minha frente. Quando virei para o bar, ela estava ali,
encostada contra o balcão, com aquele vestido curto e praticamente
costurado em seu corpo incrível. E um homem ao seu lado, olhando para a
bunda que ela empinava enquanto tentava chamar a atenção do barman.
Como se eu estivesse em uma porra de um trabalho, como se eu fosse
interrogar alguém, como se eu estivesse prestes a entrar no ringue para uma
luta até a morte, com sangue e carnificina, meu corpo ficou tenso, sedento
por sangue, desesperado para infligir violência.
Naquele homem que estava agora sussurrando no ouvido dela…
Eu era controlado.
Eu amava controle.
Controle me ajudava a ser melhor.
Melhor em pensar, melhor em lutar.
Melhor em ter compostura e calma.
Controle era a chave para o meu sucesso, para a minha reputação.
Perder a cabeça não era uma opção.
Principalmente porque Teo era o meu oposto. Ele era fogo e eu gelo.
Ele era impulsivo e eu calculista. Se fôssemos iguais, teríamos morrido há
muito tempo, completamente descontrolados e violentos.
Então eu não era uma pessoa que agia com impulsividade.
Em nada.
Exceto…
Meus passos foram rápidos e precisos. Eu não precisei abrir caminho,
as pessoas sentiam minha raiva, elas olhavam para a minha cara, elas
conseguiam pressentir o perigo. E o homem que colocou a mão na base da
coluna da Nora não percebeu que morreria logo.
Ela travou por um momento, parando de tentar pedir sua bebida e
virando lentamente a cabeça para o lado, para mão dele que agora enlaçava
a sua cintura. Seu rosto não estava na direção dele, então ele não a viu
franzindo as sobrancelhas e seus olhos se estreitando. Mas ele sentiu o
corpo dela ficando tenso.
E eu sabia, eu sabia que ela era perfeitamente capaz de arrebentar a
cara dele, de nocauteá-lo com um único soco, até de matá-lo com suas
mãos, mas isso não significava nada para mim e a possessividade absurda
que alimentava minhas veias e movimentava o meu corpo.
Minha mão estava no punho dele antes que ela pudesse se virar e soltar
o braço que já tinha preparado o soco. Ela ergueu os olhos para mim. Eu
estava tão perto dela que seu queixo raspou no meu peito quando ela
levantou a cabeça. Seu corpo se tensionou por outro motivo agora:
autopreservação pela violência que eu emanava. Pelo olhar assassino que
deveria estampar meu rosto.
O homem tentou soltar a mão, seus olhos claros arregalados e
inundados de medo quando viu a tatuagem na minha mão que envolvia o
seu pulso. Ele tentou desesperadamente soltar, mas eu era mais forte. Maior.
E ela era minha.
Mesmo não sendo de verdade.
Só que nesse momento, a semântica não importava. Meu corpo e
minha mente gritavam que Nora pertencia a mim. E ele estava tocando o
que era meu.
— Tudo bem, eu posso lidar — ela gritou por cima da música alta,
colocando a mão no meu peito. Sua voz não estava indignada ou revoltada
porque eu estava sendo um neandertal possessivo. Estava calma e
controlada, argumentando comigo. Tentando me acalmar. Ela não queria
que eu perdesse a cabeça aqui.
— Não toque nela sem sua permissão — rosnei, incapaz de esconder o
meu ódio.
Ela se virou para mim, dando totalmente as costas para ele, tentando
afastar o corpo do dele, se aproximando mais de mim, da segurança que eu
poderia oferecer, mesmo que ela não precisasse de proteção. Apertei com
mais força o punho dele, sentindo seus ossos quase rangendo com a minha
força. Eu quebraria seu braço inteiro. Arrancaria sua mão e enfiaria goela
abaixo…
— Eu não sabia…
— Não tem que saber. Não toque em ninguém sem permissão.
Especialmente nela. — Meus olhos se estreitaram e Nora bateu levemente a
mão no meu peito, correndo os dedos pela minha camisa, tentando chamar
minha atenção.
— Tudo bem, Dani. Solte-o — ela pediu e eu tirei lentamente os olhos
dele, abaixando a cabeça para ela. — Ele aprendeu a lição.
— Não, ele não aprendeu. — E então eu quebrei o seu pulso.
Ele gritou e caiu de joelhos no chão. As pessoas à nossa volta se
afastaram rapidamente, abrindo uma pequena roda ao nosso redor. Ficando
longe do homem que agora chorava como uma criança, enquanto eu ainda
apertava o punho quebrado.
— Por favor! — ele pediu, implorando com os olhos.
— Dani, pare! — Nora colocou a mão por cima do meu braço,
enfiando as unhas na minha pele exposta pelas mangas dobradas. — Por
favor.
Abaixei os olhos novamente para ela. Seu olhar estava suplicante, o
azul tão brilhante nas luzes da balada. Alguns seguranças se aproximaram e
pararam ao nosso lado, esperando minha decisão. Com meus olhos em
Nora, com a mandíbula cerrada para tentar controlar a raiva que ainda
pulsava por mim, eu cedi ao pedido dela.
— Expulso — ordenei, lançando um olhar rápido para os seguranças,
soltando o homem e voltando a encarar Nora.
Ele foi carregado para fora, gemendo e gritando de dor, segurando o
pulso contra o peito. Nora ainda estava perto o suficiente para o seu peito
raspar contra o meu quando ela respirou devagar, enchendo o pulmão de ar,
tentando se acalmar também.
Agora que não precisava tentar me controlar, o fogo e revolta voltaram
para aqueles lindos olhos. Meu pequeno sorriso de canto de boca foi
incontrolável e ela pareceu ainda mais puta.
Ergui os olhos rapidamente para o mezanino e peguei Teo me
observando, com um segurança falando em seu ouvido, provavelmente
relatando tudo. Meu primo balançou a cabeça, sorrindo abertamente e se
virou, voltando a dar atenção para Cate.
Lancei um último olhar para Nora, que abriu a boca para
provavelmente me repreender e dei as costas.
Porque se ficasse, cederia aos meus impulsos de novo.
E atacaria a sua boca, a foderia em cima dessa merda desse balcão até
a minha raiva sumir e passar.
Mas eu deveria saber que minha leonessa testarda não desistia de uma
briga.
Então eu daria exatamente o que ela queria.
10 - Nora

Eu estava seguindo Daniele Ricci como uma garota imbecil em um


filme de terror. Aquela tonta que morre primeiro, porque não tem nenhum
senso de preservação.
E eu tinha. Eu tinha muito senso de preservação.
Mas Daniele Ricci me deixava completamente irritada, revoltada,
zangada, aborrecida, irada.
Ele acabou de quebrar o pulso de um cara que simplesmente encostou
a mão em mim como se eu fosse a sua maldita propriedade e esse fosse o
seu dever. Como se eu não soubesse me defender. Como se eu fosse frágil e
inocente.
E como eu tinha senso de preservação, eu não briguei com ele naquele
momento em que a fúria estava tão presente nos seus olhos que minhas
pernas tremeram. E ainda tremeram pelo motivo errado.
Talvez eu não tivesse tanto senso de preservação assim.
E talvez por isso eu estava seguindo-o, de maneira completamente
espontânea, para o caminho que levava ao porão exclusivo para sócios. Cate
me explicou como funcionava a balada, mas isso não me preparou para a
visão que me atingiu quando segui Dani escada abaixo, depois que o
segurança abriu a porta.
— Pare de fugir. — Tentei me distrair da visão e não mostrar para ele
que estava abismada e… curiosa.
A escada escura e apertada que levava até embaixo se abriu em um
lugar diferente e sensual. Luzes néon, vermelhas e roxas, fortes, escuras
eram a única fonte de iluminação. A música eletrônica e animada do andar
de cima morreu e foi substituída por uma música envolvente. O ambiente
era composto por várias seções, mas que de alguma maneira funcionavam
em harmonia: sofás de veludo vermelho redondos, em um semicírculo, com
pequenos palcos no seu centro, estavam espalhados pelo local e strippers
seminuas dançavam para os seus clientes de olhos focados, em alguns
pontos em que deixaram as cortinas de veludo escuro e pesadas abertas.
Essas cortinas se fechavam completamente em um círculo, escondendo os
sofás e o palco individual, dando privacidade para os espectadores e para as
dançarinas. Casais se beijavam e se misturavam, conversando com outros
casais, com outras pessoas solteiras...
O bar era escuro e comprido, com duas mulheres em lingeries sensuais
em cima do tampo, uma em cada ponta. O palco principal ficava no meio
do salão, com sofás e cadeiras menores, mais espaçadas para os shows. E
finalizando o ambiente: dois corredores, levando para os quartos. Entre eles,
uma enorme caixa de vidro, com um casal performando com movimentos
sensuais, toques provocantes, deixando tudo mais sensual, mais erótico.
Dani continuou andando até o bar escuro e fez um sinal para um dos
barmans ali, ignorando completamente a presença das duas mulheres que
dançavam, ou das pessoas que o observavam com interesse.
— Que cazzo foi aquele? — perguntei, tentando contar um grito de
raiva.
Dani continuava me ignorando, apoiado totalmente no bar. O barman
colocou um copo em sua frente, com dois dedos de uma bebida bem escura.
O Consigliere da Stidda flexionou o braço e os dedos, segurando o copo
com esforço, como que para impedir que sua força partisse o vidro. Aqueles
braços musculosos, com veias aparentes e distendidas. As mãos grossas e
grandes, que eu sabia serem capazes de me sustentar facilmente. Que eu
definitivamente lembrava no meu corpo, mesmo que sem realmente tocar
minha pele ou me aproveitar. Mãos quentes e ásperas.
Ergui os olhos para o seu rosto e percebi que ele me observava, ainda
com aquele sorrisinho maníaco e irritante. Ele levou o copo lentamente até
a boca, bebendo apenas um único gole profundo, antes de devolver a bebida
ao balcão.
— Daniele…
— Você sabe exatamente o que foi, Nora. Você não é stupida. Agora,
vá embora.
— Não. — A recusa da sua ordem veio imediatamente, como a
teimosa que eu era. — Vamos conversar como…
— Como o quê? Agora você quer conversar? — Ele deu uma risada
fria que me fez tremer.
Eu não tinha direito de pedir uma comunicação livre e aberta, porque
fugi como o diabo foge da cruz por um mês. Porém, meu motivo era
especial. Toda vez que eu lembrava do nosso encontro no armário de
suprimentos do hospital, eu perdia o prumo.
Se eu lembrava disso durante o banho, ou na cama… Eu me tocava.
Sem pudor. Sem medo.
Eu me lembrava de cada detalhe. De cada sensação.
E nem tiramos a roupa! Ele nem me tocou direito!
Não como eu queria. Não como eu desejava quando usava meu fiel
vibrador, que honestamente agora que eu conhecia o pau de Daniele Ricci
parecia completamente inútil e insatisfatório.
— Você quebrou o punho de alguém, Daniele.
— Eu já fiz pior — murmurou e era um desafio.
— Estou bem ciente — avisei, desgostosa, e algo cruel e raivoso
passou pelo seu olhar.
— Vá. Embora. Eleonora — ele falou tão pausadamente, mas não
consegui prestar atenção no aviso, porque fiquei muito fixada na forma
como ele pronunciou o meu nome.
Em como eu ainda estava excitada e acesa, como uma idiota. A maldita
demonstração de possessividade dele, que deveria ser um grandíssimo
alerta cheio de sirenes na minha cabeça, só serviu para me deixar molhada.
Apenas segui olhando para ele, a respiração pesando, o tesão tomando
conta.
— Você tem um noivo — ele falou com tanto ódio que cerrei os
dentes.
Eu tinha um motivo para me afastar, mas esse definitivamente não
estava em primeiro lugar na minha mente. Eu nem pensei nele direito desde
que Dani me comeu com força contra a parede. E se eu fosse uma pessoa
honesta e direita, poderia admitir que não pensava nele de verdade desde
que encontrei aqueles olhos azuis me encarando com intensidade quando
entrei naquele consultório.
Eu poderia culpar o fato, nessas últimas semanas pelo menos, de que
estive tensa. Continuei pesquisando a clínica da Catania no Bronx.
Continuei usando minhas folgas para aparecer por lá. Prestando atenção no
carro que sempre me seguia no caminho para casa. Tentando despistá-los.
Eu tinha quase certeza de que me seguiram até a mansão dos Ricci,
hoje. Que provavelmente estavam lá na frente.
Pensei em contar para Cate o que fiz, mas hoje ela passou mal e eu
fiquei com medo de piorar a sua situação. Ela não deveria se estressar, não
com isso. Não com a burrice da sua amiga por agir na impulsividade.
E eu sabia que estava fodida. Que em algum momento aqueles homens
que me seguiam tomariam providências pelas mulheres que escondi.
Eu fiz questão de não voltar para a clínica da Stidda no Brooklyn, para
não me comunicar com Milena e Jenny fora de mensagens que se apagavam
rapidamente depois de abertas, com medo de alguém mais me observar e
descobrir sobre as mulheres. Eu poderia envolver a Stidda através de Cate,
mas os Ricci tinham mais preocupações e eu já tinha resolvido.
Mais ou menos.
Só que tudo me deixava mais tensa, na expectativa.
E quando Dani me tocou naquele armário, parecia ter criado uma
viciada. Eu sentia falta do seu gosto, da sua boca, do seu corpo enorme
sobre o meu. Evitei ficar perto dele porque tudo o que eu queria fazer
quando via aqueles olhos azuis gélidos era tirar a roupa e implorar pelo seu
pau, como uma desesperada.
Eu estava tensa porque possivelmente estava em perigo, já que fiz uma
merda sem pensar nas consequências, sem planejar como uma verdadeira
soldada e porque queria sentir de novo o orgasmo que ele me proporcionou.
Tensa, emotiva, com tesão…
— Você quer que eu vá embora? Me carregue para fora.
Encostei meu corpo no balcão e cruzei os braços, erguendo uma
sobrancelha em desafio. Dani ergueu o corpo, seus olhos descendo por
mim, pelo vestido minúsculo e apertado que Lena me emprestou. Só aquele
olhar quase me fez gemer e controlei a vontade de me remexer.
— Se eu te tocar, não vai ser para te carregar para fora — ele avisou e
meus olhos foram direto para as duas portas enormes que levavam aos
corredores dos quartos particulares.
Ele me deu um pequeno sorriso, como se dissesse: é exatamente para
lá que vou te carregar.
— Vá, Nora. Nos poupe de mais um mês de silêncio e tensão — Dani
provocou e foi pegar o seu copo novamente.
Mas fui mais rápida, e virei o resto do conteúdo de uma vez, antes de
bater o copo com firmeza no balcão e sair marchando em direção a um dos
corredores.
Ele me provocou, me desafiou.
E eu queria muito ter ele sem roupa em cima de mim para negar um
desafio.
Era possível que eu fosse morta pela Catania logo mais por invadir o
seu território e roubar algo deles, então pelo menos eu morreria satisfeita e
dolorida por um pau grande e habilidoso.
Eu conseguia sentir ele me seguindo, os passos seguros e poderosos. O
olhar fixo em mim. Com sorte na minha bunda, porque fiz questão de
rebolar e provocá-lo. Os corredores tinham as luzes baixas, diminuídas ao
máximo, deixando o suficiente para apenas enxergar os avisos em cima das
portas. Verde significava um quarto livre, então eu escolhi um no meio do
corredor e quando coloquei a mão na maçaneta, o corpo de Dani cobriu o
meu, sua mão segurando a minha com firmeza, impedindo a abertura da
porta.
Ele estava tão duro contra a base da minha coluna, tão deliciosamente
tenso, com seus músculos firmes pressionados contra mim, me empurrando
contra a porta pesada. Sua boca estava contra o meu ouvido e mesmo assim
tremi quando ele sussurrou.
— Você vai fazer o que eu mandar aqui dentro e eu vou te foder como
a puta safada que eu sei que você é. D’accordo?
— Sim! — Praticamente gemi e nunca concordei tão rápido na minha
vida com algo.
Por algum motivo, apesar de querer brigar com ele por tudo, eu não
queria discordar disso.
Ele girou nossas mãos, abrindo a porta e se ele não estivesse atrás de
mim, eu teria dado um passo para trás. As paredes eram de tecido, de tons
escuros e quando ele me empurrou um passo para dentro e a porta se fechou
às nossas costas, apenas uma música ambiente bem sensual soava. A tranca
ecoando pelo lugar quando ele a fechou me arrepiou, me encheu de
expectativa.
O quarto era grande, com uma cama com quatro postes reforçados, que
iam até o teto e se completavam ali em cima, preparadas para um dossel,
mas provavelmente feita com outra intenção. Meus olhos correram para
duas portas ocultas em um canto, provavelmente um banheiro e a entrada
para a equipe de limpeza.
Mas o que me fez tremer e Dani dar uma risada baixa e grave foi uma
enorme peça de metal no canto esquerdo do quarto, com alguns brinquedos
e aparelhos sexuais pendurados ali. Uma coleção enorme de algemas feitas
de tecido ou de metal, chicotes de variados tamanhos e tipos, vendas para os
olhos, coleiras e sufocadores, barras separadoras…
Um divã tantra de couro escuro, que parecia duas ondas, uma menor e
uma maior, e um gaveteiro com gavetas transparentes terminavam de
mobiliar o local. Dani me guiou, apenas o seu peito colado nas minhas
costas, até o divã e só parou quando minha barriga atingiu a parte mais
elevada. Se ele me empurrasse, eu ficaria com a bunda completamente
empinada para ele. Entregue.
Meus olhos foram para os objetos no gaveteiro. Vibradores. Dildos.
Grandes, pequenos, coloridos, discretos.
— Eu gostaria de ter tempo para testar cada coisa com você. Saber o
que te faz tremer, o que te faz gozar mais rápido — ele confessou,
finalmente me tocando mais do que seu peito contra meu corpo.
Suas mãos subiram pelas minhas coxas, erguendo o meu vestido até
ele se enrolar no meu quadril. Senti a sua mão pela minha pele, calosa,
áspera, deliciosa. Ele as subiu pela minha barriga, até meus seios e apertou
com força, me puxando para si. Gemi, sem conseguir me conter, e ergui
meus braços, colocando as mãos para trás e encontrando a sua nuca. Puxei
sua cabeça para baixo e ele deu mais uma risada deliciosa antes de começar
a beijar o meu pescoço, mesmo com a gargantilha de couro que Lena
prendeu ali.
Me derreti contra ele, rebolando contra a sua ereção, sentindo suas
mãos descerem o vestido, expondo os meus seios. Dani tinha um poder
sobre mim que nenhum outro homem tinha. Ele não precisava me beijar
para me seduzir. Ele não precisava fazer nada além de me tocar levemente
com a palma da mão e a ponta dos dedos.
— Escolha uma coisa que você quer que eu faça com você, mia
leonessa — ele ordenou com um sussurro profundo, sua língua fazendo
círculos na lateral do meu pescoço, bem abaixo da minha orelha. Joguei
mais a cabeça para o lado, dando ainda mais acesso e enfiei as unhas na sua
nuca, mantendo-o no lugar. — Estou generoso hoje.
— Só uma? — Tentei não parecer desapontada, mas agora a sua risada
foi verdadeira e livre.
E isso me deixou ainda mais excitada. Dani não era o tipo de pessoa
que ria facilmente. Ele fazia isso com a sua família, mas só. E ele tinha uma
risada calorosa e profunda, verdadeira.
— O resto eu vou escolher, Nora. Eu disse, você vai fazer o que eu
mandar e eu vou te fazer gozar.
— Não tenho que te chamar de senhor e essas merdas, tenho? —
Franzi o nariz e ele riu de novo, seu peito balançando contra as minhas
costas.
Mas suas mãos eram vorazes e duras. Ele apertou com força os meus
seios, torcendo os meus mamilos e me fazendo gemer tão profundamente,
um som estrangulado e desesperado no fundo da minha garganta. Eu sentia
o seu sorriso contra a pele do meu pescoço, satisfeito com a minha reação e,
porque, passei a me esfregar mais contra o seu corpo, sedenta.
— Não, eu não preciso te humilhar. É sobre você e seu prazer, não eu e
meu ego. Eu sei que tenho poder.
— Cretino — xinguei e ele torceu novamente, com mais força. Dei um
gritinho nada reprovador, praticamente me derretendo contra ele.
Qual era o caralho do meu problema?
— Você sente também, vita mia — ele sussurrou e nem tive tempo
para reagir ao que ele disse em italiano. Suas mãos apertaram com força os
meus seios e uma desceu até a frente da minha calcinha, se enfiando ali. Ele
não perdeu tempo e correu um dedo por mim, provando o seu ponto. — Eu
quero te venerar, como você merece. Eu quero sentir você se desfazendo
por mim. Pedindo mais. Não aguentando mais. Quero te marcar. Sua pele.
Seu pensamento.
Seu dedo me penetrou de uma vez e eu rebolei contra ele. A mão que
estava no meu seio subiu até o meu queixo e ele virou minha cabeça. Sua
boca dominou a minha, sua língua me marcando como ele disse que faria,
em um beijo feroz e sem controle, desesperado. Eu choramingava e
rebolava contra aquele único dedo enquanto ele me beijava de uma maneira
que mostrava idolatria. Que mostrava veneração.
Segurando meu queixo com força, ele afastou a minha cabeça e me
olhou nos olhos. O azul sempre gélido estava pegando fogo, cheio de
desejo, mas cheio de controle. Poder. Eu queria ajoelhar e pedir para ele
fazer o que quiser comigo, em qualquer momento. Usar qualquer coisa ali.
E eu queria me entregar, queria deixá-lo assumir toda e qualquer rédea,
mas também sentia uma necessidade brutal de bater de frente com ele. De
provocá-lo de volta, de levá-lo ao limite e ver o que ele faria comigo.
— Escolha, Nora.
— Um vibrador — murmurei e ele correu a língua pelo meu pescoço,
até chegar na minha orelha. Ele mordiscou o lóbulo ali, me fazendo tremer.
Seu dedo em mim diminuiu a velocidade, saindo até a ponta e entrando tão
lentamente que parecia uma tortura.
— Codarda.
Covarde.
Eu era, sim, muito.
Ele tirou o dedo de mim de uma vez e eu soltei um protesto quando ele
se afastou. Dani me olhou com uma fome incontrolável que me deixou
ainda mais excitada.
— Nua, agora — ele ordenou e eu lutei contra a vontade de contrariá-
lo.
Meu vestido estava enrolado na minha cintura e eu rapidamente o
desci pelo meu quadril, com a calcinha. Seus olhos correram pelo meu
corpo, deixando marcas invisíveis. Eu nunca mais seria olhada com tanto
desejo como era por Dani.
Ele abriu lentamente a camisa, andando até o expositor. Estiquei os
ombros, ficando tensa conforme observava ele se aproximar da peça
enquanto se livrava da camisa. Eu não cansava de olhar cada músculo
daquele corpo incrível. Dani compartilhava comigo a determinação de
treinar sempre. De lutar e se aperfeiçoar. De ser o melhor. De se moldar
melhor.
E eu queria explorar cada parte dele. Aqueles braços enormes, o
peitoral definido, os incontáveis músculos…
Ele me deu um pequeno sorriso quando notou o meu olhar e pegou
uma das barras separadoras penduradas no expositor. E algemas.
Minha respiração mudou, se tornando profunda, com expectativa,
enquanto ele andava até mim. Ele colocou as coisas no divã, seu peito nu se
encostando novamente no meu. Aproveitei a oportunidade e comecei a tocá-
lo. Eu o via constantemente sem camisa quando treinávamos, quando ele
estava a vontade na casa dele e eu invadia o local. Mas eu nunca tive tanta
liberdade para sentir sua pele na ponta dos meus dedos. Para tocar aquela
tatuagem fenomenal. A rosa-dos-ventos era enorme no meio do seu peitoral
e as palavras saindo dela como se surgissem de rasgos em sua pele eram
incríveis. E ressoavam em mim
Olhei para cima por um breve momento antes de me inclinar para
frente.
Beijei cada palavra.
Famiglia. Dedizione. Lealtà.
Promessas dele que eu também levava como máxima na minha vida.
Dani respirou fundo e ergueu meu rosto com um dedo embaixo do meu
queixo. E então sua boca colidiu com a minha, o tesão voltando a tomar
conta. Afundei com força as unhas nos seus braços, correndo elas pelos seus
ombros, pelas suas costas, colando os nossos corpos.
Dani me beijava como alguém que passou anos completamente
privado de contato físico. Como se tivesse medo de ser a última vez. Com
tanto desejo que quase derreti. Suas mãos grandes foram para a minha
bunda e ele me ergueu, me obrigando a passar as pernas em sua cintura, a
colar meu corpo no seu.
Ele me sentou na parte mais alta do divã, ainda atacando minha boca,
ainda me dominando. Uma mão foi para os meus cabelos e ele enrolou a
mão nas minhas mechas algumas vezes, inclinando minha cabeça para trás.
Mordi o seu lábio com força, sentindo a pele se partir. Ele gemeu com isso,
ainda posicionado entre minhas pernas, e esfregou a sua ereção contra mim,
a fricção da sua calça contra a minha boceta sensível me fazendo rebolar,
pedindo alívio, pedindo mais.
Segurando meus cabelos, ele me puxou para trás, me obrigando a
deitar. Apertei as pernas na sua cintura, com medo de soltar. O divã tinha a
forma de um S deitado, e como eu estava sentada na parte mais alta, minhas
costas ficaram completamente curvadas, encaixando na onda que fazia.
— Confie em mim, Nora — ele pediu antes de se soltar do aperto das
minhas pernas em sua cintura, mas segurando com firmeza a minha, antes
de cair no chão aos meus pés. — Não tente levantar — ele ordenou e sem
qualquer aviso, atacou minha boceta.
Joguei os braços para trás, tentando procurar algum apoio e empurrei
com força no vale entre os dois montes que formavam a cadeira. A língua
de Dani era feroz contra a minha carne, me separando, me provando, me
penetrando. Ele gemeu profundamente contra minha pele, puxando o ar
enquanto corria o nariz pela dobra da minha virilha antes de voltar a me
lamber.
Ele sugou e lambeu com força, os barulhos de sucção da sua boca
ecoando pelo quarto em sinfonia com os meus gemidos. Eu não tentei me
levantar, mas rebolava como louca contra a sua cara, montando o seu rosto
sem qualquer pudor, me esfregando contra aquela língua quente que me
torturava, que golpeava o meu clitóris sem trégua.
Gozei com força quando ele mordiscou o montinho de nervos, mas não
parei de rebolar contra o seu rosto, completamente descontrolada, uma
reação à sua língua habilidosa, à posição que me deixava entregue, e ao
tesão que foi se construindo durante todos esses meses e definitivamente
não foi resolvido com a trepada no armário.
Enquanto eu estava me recuperando, sem ar, tentando acalmar as
batidas erráticas do meu coração, senti suas mãos em meus tornozelos,
soltando minhas sandálias. E só percebi que ele me prendeu na barra
separadora quando tentei mexer as pernas.
Com facilidade, ele me puxou pelo divã, completamente molhado pelo
meu orgasmo e minha excitação, e me colocou de pé novamente.
— Mãos para frente, Nora — ele ordenou, com uma voz grossa e
satisfeita, e eu obedeci rapidamente.
Me odiando pela avidez. Ele não deu risada de mim, seus olhos
brilharam com orgulho, com satisfação.
— Boa garota.
Cazzo, por que isso era sexy vindo da boca dele?
Era por que ele estava com os lábios brilhando com o meu prazer? Ou
por que sua voz grossa acariciava partes íntimas minhas?
Sua mão enorme segurou meus punhos, em uma única pegada. A
mesma mão que tinha força para quebrar rapidamente os ossos de alguém.
A mão com a tatuagem da Stidda. Olhei para ele facilmente me prendendo
entre sua palma e seus dedos grossos, enquanto a outra mão aproximava as
algemas que ele separou.
Ele não perdeu nenhum segundo, me prendendo com o estalo da trava
ecoando como uma promessa pelo quarto. E eu não tive tempo de reparar
no olhar predador e possessivo dele, porque Dani me virou de costas para si
e me obrigou a deitar. Com a bunda completamente empinada para ele.
Ele me ajeitou de uma maneira que meus pés não tocavam o chão, com
meus seios apertados contra o tecido de couro. Dando a ele todo acesso ao
meu corpo. Minhas mãos estavam abaixo de mim, tão perto da minha
boceta, mas incapacitada de me dar prazer sozinha, porque as algemas eram
duras e fortes.
Escutei ele se livrar das suas calças, escutei ele caminhar, escutei ele
tirar algo do expositor, algum tecido raspando. Escutei uma gaveta se abrir,
mas estava completamente à sua disposição, à sua mercê.
Senti seu corpo novamente atrás do meu, pronto para me cobrir. Senti
algo correndo pela minha bunda, mas só consegui identificar o que era
quando o ardido me fez soltar um gritinho estrangulado.
Ele me bateu com um dos chicotes ou algo que pegou no expositor.
— Dani… — Minha voz não deveria ter saído com um gemido
desesperado, mas aconteceu. E eu gemi de verdade quando ele bateu
novamente, com força.
— Você me enlouquece. Você é tão teimosa. — Golpe, golpe, golpe.
Cada palavra um golpe dolorido que deixava a minha pele ardendo.
Mas eu estava acostumada com a dor. Dor de golpes nos meus treinos de
luta, dor nos músculos depois de um treino pesado. Dor no meu coração.
— Eu quero te punir, te fazer obedecer, eu quero fazer você gritar o
meu nome.
E eu gritei, a cada golpe mais feroz e preciso eu gritava…
E ficava cada vez mais molhada.
— Sua boceta pingando é a prova de que você gosta de ser punida por
essa sua língua atrevida, Nora?
— Sim — confessei, me remexendo, esticando os meus dedos e
tentando me tocar, tentando aliviar o crescente tesão. Meus tornozelos e
pulsos presos causavam uma sensação estranha de desespero e prazer. Saber
que eu estava completamente à mercê dele, entregue, completamente sua,
quase me fez gozar sozinha.
— Mais? — ele perguntou, a voz calma, dominante. Como sempre era.
— Por favor — choraminguei, deixando todo o pudor de lado e seus
golpes continuaram, o couro do material que ele usava atingindo com força
a minha bunda, a pele já dolorida, deliciosamente ardente.
— Ele te tocou e eu o puni por isso, você sabia que teria sua punição
também, porque agora você é minha, Nora. E você quer ser minha.
Mordi a boca para não responder, porque eu queria muito ser dele.
Queria muito ele me possuindo novamente, como eu sabia que ele faria
logo, com aquele pau delicioso e enorme.
Dani deve ter visto os meus dedos se remexendo embaixo de mim,
tentando atingir o ponto certo da minha boceta, tentando aliviar a vontade
incontrolável de gozar que eu estava. Escutei o vibrador antes de sentir
Dani enfiá-lo embaixo do meu corpo. Meus dedos se fecharam no cabo do
vibrador-varinha e eu posicionei no lugar exato que me faria gozar
rapidamente.
E foi assim que ele arremeteu em mim, sem cerimônia, sem qualquer
barreira. Me arrancando um grito surpreso, do fundo da minha garganta.
De uma vez, Dani se enfiou até o talo, me alargando totalmente, de
uma forma dolorosa e prazerosa. Mais uma vez eu ficaria dolorida por dias,
mais uma vez eu pensaria nele.
Como se eu pudesse esquecer.
Com as mãos enormes me segurando com força pela cintura, ele
arremetia em mim sem parar, suas bolas grandes e pesadas me atingindo,
seu pau grosso me alargando completamente, me arruinando para qualquer
outro. Meus gemidos eram descontrolados, profundos. Sons de desespero,
sons de alguém que estava implorando por mais sem verbalizar qualquer
palavra, apenas com aquele choramingo esganiçado.
Meu novo orgasmo veio rápido, e eu tremia quando ele terminou. Mas
não precisei me preocupar porque logo fui embalada por outro, todo o meu
corpo relaxando, minha boceta se contraindo em espasmos, apertando o seu
pau.
— Dani! — eu gritei o seu nome enquanto essa nova liberação me
atingia com ainda mais força e isso pareceu enlouquecer ele.
Dani passou a meter em mim mais rápido, com tanta força que o meu
corpo e o divã iam para frente, com força o suficiente para me deixar com
dificuldades para andar depois. Com força o suficiente para me fazer gritar
ainda mais alto.
Ele saiu de mim de repente, me puxando pelos cabelos e me colocou
de joelhos na sua frente, o vibrador caindo no chão com a mudança de
posição. Meus olhos estavam na altura da sua virilha e eu finalmente pude
observar o seu pau sem qualquer barreira.
Grosso, enorme, com veias aparentes. Tão dominante e grande quanto
o próprio Dani. Ele movimentou a mão algumas vezes, o rosto
completamente tomado de prazer, os cabelos loiros molhados com suor, seu
corpo brilhando também. A cabeça vazando com o gozo que ele não
conseguia mais segurar, o seu pau inteiro brilhando com o meu prazer.
— Abre — ele ordenou, mas não precisou. Eu já estava com a boca
aberta.
Ele se enfiou na minha boca, com força, terminando de gozar no fundo
da minha garganta e eu engoli tudo como se fosse a porcaria de um prêmio
por bom comportamento.
Sua mão terminou de bombear o seu pau enquanto a outra foi para o
topo da minha cabeça, dos meus cabelos. Ele tirou o pau da minha boca,
raspando a cabeça nos meus lábios e me deu um sorriso que me deixou com
tesão como se eu não tivesse acabado de gozar até quase perder a cabeça.
— Uma garota tão boa e comportada na minha cama. Você gostou de
ser fodida como uma puta safada? — ele perguntou, a voz mansa e
sedutora.
Concordei com a cabeça, lambendo os lábios e engolindo os vestígios
dele ali. Dani abriu um sorriso sensual e se abaixou, me pegando no colo de
surpresa. Choraminguei quando uma mão se encaixou na minha bunda,
percebendo que a pele estava dolorida.
Um pequeno brilho de culpa apareceu em seus olhos, mas eu abri um
sorriso satisfeito, me encostando em seu peitoral, relaxando contra o seu
corpo.
Não queria que ele pensasse que eu não aguentava, porque eu queria
de novo.
Eu detestava admitir, mas era impossível resistir a ele agora.
E isso me deixava com um grande problema.
11 - Dani

A bunda redonda e firme de Nora estava marcada e vermelha, e era


uma delícia ver aquilo. Coloquei ela na cama e soltei as algemas e o
separador. Ela gemeu de forma dolorida quando sua bunda encostou nas
cobertas e eu segurei a vontade de cerrar os dentes.
Nunca me senti preocupado e arrependido depois de um sexo pesado.
Mas, mesmo sentindo satisfação por observar sua bunda assim, eu sentia
culpa por não ter me controlado.
Contudo, Nora era forte. Era um dos motivos por que eu era atraído
por ela. Ela era forte e determinada, destemida. Ela não fugiu dos meus
desafios, ela aceitou tudo o que fiz com ela hoje. Ela embarcou no tesão, se
entregou. Sem medo.
Chamei ela de covarde quando ela escolheu o vibrador, mas Nora
nunca seria isso.
Mia leonessa testarda e coraggiosa.
Caminhei até o banheiro em uma das duas portas e entrei no lugar,
pegando a toalha e molhando ela na pia. Quando voltei, Nora ainda estava
tentando se recuperar, tentando sentar.
— Deite-se — ordenei e vi seu corpo tensionar quando ela pensou em
me desobedecer.
Estreitei os olhos e com um suspiro resignado ela fez o que mandei, se
deitando com um gemido. Me aproximei dela e cutuquei levemente seus
joelhos, abrindo as suas pernas e limpando a sua boceta.
Nora gemeu de uma forma dolorida quando fiz isso, me mostrando
como ela estava sensível. Seus cabelos escuros estavam bagunçados e
espalhados pelo travesseiro. Seu rosto incrível estava deliciado e exausto,
os olhos leves e tranquilos. Deixei a toalha de lado e comecei a acariciar sua
boceta deliciosa.
Ela suspirou com a mudança de toque, seus olhos fechando e seu corpo
arqueando. Gemendo, Nora fechou os olhos e mordeu os lábios quando eu
introduzi um dedo.
— Você nem está dolorida. Você aguenta mais? — provoquei, girando
o dedo dentro dela, dobrando e fazendo ela gemer quando atingi um ponto
sensível e delicioso.
— Sim — ela confirmou, empurrando o quadril na direção da minha
mão, rebolando contra o meu dedo. Mas seu gemido dolorido me mostrava
que ela estava mentindo. Ou tentando muito ficar tranquila.
— Bugiarda — provoquei e empurrei o dedo com mais força dentro
dela, fazendo ela choramingar de verdade.
— Tá, sou uma mentirosa, mas não quero perder a oportunidade — ela
explicou e eu tirei o dedo de dentro dela, estreitando os olhos.
— Oportunidade?
— Isso não vai acontecer de novo, Dani. Você… Eu… Eu te odeio e
você me odeia.
As palavras dela causaram um desconforto em mim. Eu não a odiava.
A pessoa Nora. Odiava que ela era uma filha da máfia, com expectativas de
qualquer mulher da máfia, como ter uma família, um noivo – que ela já
tinha –, um futuro normal. Odiava que eu não poderia dar isso para ela.
Porque minha vida era a Stidda, era ajudar o meu primo a conquistar
tudo. Garantir que ele fosse o melhor, garantir que ele estivesse seguro. Que
Mau estivesse seguro. E Cate e minha tia. E agora Lena.
E Nora… Eu a queria segura. E ela não estaria segura comigo, com o
que já fiz, com o que posso fazer.
O olhar de desgosto dela, quando ela falou que sabia que eu já fiz pior,
nunca sairia da minha mente. E ela não sabia.
Ela não fazia ideia do que eu já fiz. Nem imaginava.
E eu não queria contar. Ninguém nunca saberia.
Eu odiava não poder contar porque ela realmente me odiaria. Eu
odiava que ela me respondia, que quebrava todo meu autocontrole. Que me
provocava só por existir. Que me enlouquecia completamente com aquele
olhar feroz e corajoso.
Mas odiar ela? Ela não.
— O jeito que você gritou meu nome não parecia ser com ódio —
provoquei e me levantei da cama.
O olhar dela correu pelo meu corpo, cheio de desejo e seu peito subiu e
desceu com a respiração profunda.
Ela me odiava, mas ainda queria foder comigo.
E isso era bem mais do que eu esperava. E exatamente o que eu
deveria querer e sabia lidar.
Se Nora estava disposta a transar comigo quando o desejo batesse, sem
qualquer expectativa que eu esperava que ela tivesse como uma filha da
máfia, então poderíamos lidar com o tesão que me consumia a ponto de ser
a única coisa que ficava no meu cérebro. Esse tesão era a única explicação
do porquê ela vivia na minha mente desde que a conheci, e provavelmente
só precisávamos foder até cansarmos de olhar um para o outro.
Ela tinha um maldito noivo, então claramente não esperava casamento
de mim. Um noivo que deveria ser o responsável por sua virgindade e
talvez por isso o motivo do noivado.
Eu sabia que Nora foi criada com mais liberdade do que as mulheres
nascidas na máfia, mas seus pais eram membros da nossa comunidade, e
por mais progressista que fôssemos, eles não pareciam ser. Eu sabia que um
dos irmãos mais velhos de Nora se casou porque engravidou a namorada,
então se ele não escapou dessa parte do tradicionalismo da máfia, ela com
certeza não escaparia.
E isso deveria ser um alívio para mim, saber que ela estava prometida
a alguém. Saber que não tinha chances de nos casarmos. Saber que ela não
seria minha.
Mas só deixava um gosto amargo na minha boca e uma queimação no
meu estômago.
— Sexo raivoso, nunca ouviu falar? — ela resmungou, e se apoiou nos
cotovelos.
Ela era tão linda. Perfeita. Incrível.
O seu corpo era definido pelas horas que ela passava treinando. Suas
coxas eram grossas e seus seios tão pequenos e deliciosos. Ela me olhava
com aqueles olhos azuis cheios de desejo, de expectativa, então eu me
aproximei lentamente.
Nora correu novamente os olhos pelo meu corpo, a língua umedecendo
os seus lábios. Quando estava ao seu lado na cama, corri um dedo pela sua
perna torneada, da lateral da sua panturrilha até a lateral do seu quadril,
circulando o ossinho exposto ali, subindo pelo seu abdômen definido, pela
sua cintura fina, entre seus seios.
A respiração de Nora ficou pesada quando fechei os dedos em seu
pescoço, apertando o suficiente para sentir a pulsação ali, sentir seu coração
acelerando. Não pelo medo, mas de tesão. Porque eu via em seus olhos, via
as pupilas dilatadas, a sua boca se abrindo levemente, esperando.
Me inclinei para baixo, correndo a ponta da língua no seu lábio
inferior, levemente. Parei assim, tão perto dela, sentindo sua respiração, seu
hálito. Tudo que eu precisava fazer era me mover um centímetro e eu
beijaria seus lábios novamente.
— O olhar no seu rosto agora não é de ódio — provoquei, meus lábios
raspando nos seus quando falei.
Sua pulsação aumentou contra os meus dedos quando eu apertei mais.
Deixei minha outra mão em cima da sua barriga, parada, pressionando-a
contra o colchão, pressionando e torturando ela. Porque Nora começou a se
remexer levemente, como se desejasse que eu descesse a mão mais para
baixo.
— Posso te odiar e querer transar com você. A vagina e o coração são
duas partes diferentes do corpo.
Minha risada foi genuína e inevitável, e ela abriu um pequeno sorriso
também, incapaz de se conter.
Comecei a correr as pontas dos dedos em sua barriga, circulando o seu
umbigo, sentindo seus músculos duros e esticados. Sentindo sua pele macia.
— Não me importo em te foder com raiva, com força. Acho que você
já percebeu isso… — sussurrei contra seus lábios enquanto meus dedos
caminhavam lentamente pelo seu corpo. Até encontrar o meio das suas
pernas, separando seus lábios, sentindo sua excitação. Nora estava molhada
pra caralho. Mergulhei a língua na sua boca ao mesmo tempo em que enfiei
os dedos nela. Engolindo o seu gemido. Segurei seu pescoço com força e a
mantive no lugar quando ela quis aprofundar o beijo. — Mas se você quiser
que eu te foda de novo vai ter que implorar.
Nora gemeu, frustrada e tentou se mexer para longe do meu toque.
Soltei ela com um sorriso, enquanto ela me fuzilava com os olhos.
Sem nem saber que isso era um combustível para mim.
E por mais que eu tivesse falado antes que dominá-la tinha a ver com
seu prazer e não meu ego, ela acabou me atingindo. Eu era paciente o
suficiente para esperar a próxima vez. Porque por mais que ela declarasse
aos quatro ventos que me odiava, seu corpo não parecia concordar. E eu a
provocaria o suficiente para quebrar a sua determinação.
Essa noite ela tomou a iniciativa, a decisão. Eu disse para ela sair e ela
veio até aqui, me dando livre acesso ao seu corpo, mas não disse nenhuma
palavra sobre isso. Agora eu só foderia ela quando ela implorasse por isso.
De preferência de joelhos.
— Viu? Eu te odeio — Ela praticamente rosnou e eu dei risada,
virando as costas e indo pegar nossas roupas no chão.
Com mais um gemido irritado, Nora se levantou e veio até o meu lado,
arrancando o vestido da minha mão e colocando rapidamente. Eu já estava
com as minhas calças no lugar, olhando para ela enquanto ela subia o
vestido e escondia aqueles seios deliciosos. Ela mordeu os lábios ao
arrumar a barra do vestido sobre a sua bunda dolorida, mas quando abaixou
para pegar a calcinha, eu fui mais rápido. Peguei a peça e coloquei no bolso,
tranquilo, e voltei a abotoar minha camisa.
— Devolva.
— Não — respondi, simplesmente e ela resmungou.
— Daniele.
— Eleonora. — Peguei tudo o que usamos, colocando em cima do
divã para indicar que eles precisavam ser limpos e higienizados.
Voltei o olhar para ela, observando como seus olhos estavam fixos em
tudo o que usamos. Abri um sorriso completamente predatório e ela engoliu
em seco quando olhou para mim novamente.
— Se você quiser de novo, eu farei com prazer. — Aproximei-me dela
e segurei novamente seu pescoço, inclinando sua cabeça para trás e
encostando meus lábios nos seus. — Você só precisa ser uma boa garota e
implorar.
— Nunca — ela sussurrou, mas colocou a língua para fora, correndo
ela pelos meus lábios.
— Você vai implorar, Nora, porque você gostou de ser fodida com
força como a puta safada que você é. Você sabe que vai. Que vai pensar nas
minhas mãos, no meu pau. Que vai ficar com a bunda e a boceta dolorida e
lembrar de como eu te comi gostoso — sussurrei contra a sua boca,
mordendo seu lábio inferior e puxando a pele antes de mergulhar para um
beijo.
Ela correspondeu com intensidade e empolgação, sem poder se mover
direito devido ao meu aperto no seu pescoço. Afobada, desesperada,
sedenta. Ela gemeu quando estreitei os dedos, apertando com força seu
pescoço, sua língua batendo contra a minha, tentando não ser dominada,
tentando tomar as rédeas. Mas não permiti.
Continuei ditando o ritmo, sem me abalar, meus dedos pressionando
com força o seu pescoço, mantendo-a perto de mim, com seu corpo colado
ao meu. Até ela ceder. Até ela ficar menos tensa, se derretendo contra mim,
segurando os meus braços, se entregando.
— Viu como você é uma boa puta? — Afastei a boca da sua,
encarando os seus olhos. Ela ainda estava excitada, com a respiração
pesada.
— Não vou implorar — ela retrucou, com um toque de teimosia e birra
em sua voz. E eu sorri.
— Isso não é um problema para mim.
Soltei o seu pescoço e me afastei dela, escutando o seu gemido
frustrado e sorrindo com os seus passos pesados soando pelo quarto atrás de
mim. Irritada, frustrada.
Abri a porta e saí, com as mãos nos bolsos só para irritá-la. E pelo
xingamento baixo que ela soltou, eu estava tendo sucesso. Então ela parou
na porta do corredor, dando dois passos para trás com os olhos arregalados.
Eu ia perguntar o que era, até avistar Angelo e Vincenzo postados bem de
frente para os dois corredores que levavam aos quartos. Eles observavam a
área reservada da boate com olhos treinados, demonstrando que ainda
estavam trabalhando. E que provavelmente Teo e Cate estavam utilizando
os quartos, assim como Mau e Lena.
— Dani… — Ela começou, mas o barulho de uma porta se abrindo no
final do corredor fez ela parar.
Imediatamente segurei ela pela cintura e a joguei contra a parede do
corredor, abusando do meu tamanho e altura para escondê-la. Coloquei os
dois braços ao lado da sua cabeça, apoiando o meu peso nos cotovelos
contra a parede, pressionando meu corpo no seu. Abaixei a cabeça e ela
ergueu a sua, o medo de ser pega pelo seu irmão em seus olhos.
Tentei não ficar irritado com isso, me lembrando de que ela tinha um
noivo. Uma reputação, mas isso só piorou as coisas para mim.
Comigo sempre seria nas sombras, escondido. Comigo sempre seria
um segredo, não algo para se anunciar ou se orgulhar.
— Como eu vou embora? — Nora sussurrou quando os passos
acabaram. Ela respirou fundo e então, em um momento de vulnerabilidade,
encostou a cabeça contra o meu peito. Meu coração bateu um pouco mais
rápido por sentir ela me procurar em um momento assim, então envolvi
suas costas com as minhas mãos, puxando-a para mim. — Angelo não pode
me ver, ele vai contar para meus outros irmãos e meu pai e…
— Calma, eu sei. — Eu sabia. Eu estava tentando focar nisso, tentando
entender o motivo do seu medo e desespero.
— Não, você não sabe, meus pais são tranquilos no geral, mas…
— Nora, eu sei — assegurei e ela ergueu a cabeça, encarando meus
olhos como podia.
Ela começou a se remexer contra o meu corpo, ansiosa e eu ergui a
cabeça brevemente, apenas para olhar para fora. Angelo e Vincenzo
continuavam no mesmo lugar e conhecendo meus primos, eles não sairiam
dali tão cedo.
— Vem comigo.
Puxei ela pela mão, voltando para o quarto que usamos. Uma luz
amarela estava piscando acima da porta, mas abri mesmo assim. Tínhamos
um sistema eletrônico que mostrava quando as portas foram trancadas e
quando foram abertas, e sensores que indicavam pessoas ali dentro ou não,
então não me surpreendi por encontrar dois funcionários da equipe de
limpeza já começando a higienizar tudo e trocar todas as coisas. Eles
pararam, prontos para dizer que a luz amarela significava que o quarto não
poderia ser usado ainda, mas pararam quando me viram. A porta que levava
para a área dos funcionários, por onde eles andavam com os carrinhos de
limpeza, estava aberta.
Eles desviaram os olhos quando puxei Nora pela mão, atravessando o
quarto e indo direto para o corredor apertado de passagem dos funcionários.
Ela me seguiu sem reclamar, andando pelos corredores dos fundos, até
subirmos uma escada, ignorando o elevador de serviços. Saímos na
verdadeira área de funcionários, onde algumas strippers e bartenders
descansavam, em bancos e sofás confortáveis. Eles pararam para nos olhar,
mas assim que perceberam quem era, voltaram aos seus afazeres na sala de
descanso.
Parei antes de um corredor ao lado da porta de saída. Se seguíssemos,
subiríamos de volta para a área VIP, fingindo que estávamos esperando eles
voltarem, como se nada tivesse acontecido.
— Você quer ficar? Ou ir? — perguntei, considerando que desculpa
dar para sairmos por cima, caso algum amigo do Mau estivesse novamente
no nosso camarote.
— Quero ir embora, mas minhas coisas estão no carro do Teo — Nora
sussurrou, enquanto eu a puxava para a saída.
Abri a porta para os fundos do estacionamento VIP, indo em direção a
um dos manobristas que ficava aqui, de guarda nos carros. Quando
chegávamos, deixávamos os carros na frente e os manobristas
estacionavam, já que essa era uma balada mais refinada. Portanto, ele teria a
chave do Porsche 911 GT3 do Teo.
O manobrista se levantou do banco e saiu da pequena guarita que
dividia com um segurança, sorrindo para mim de forma educada.
— A chave do carro do Capo — ordenei e ele pensou em contestar ou
dizer algo, mas estreitei os olhos, erguendo a mão esquerda.
— Tudo bem, ele é o Consigliere — o segurança murmurou para o
manobrista e ele relaxou, observando minha tatuagem.
Depois que ele me entregou a chave, puxei Nora pela mão e fomos até
o carro cinza-escuro esportivo. Abri a porta e Nora se inclinou, pegando sua
mochila pesada do banco traseiro apertado. Ela apoiou a mochila no chão
ao fechar a porta e procurou seu celular. Encarei ela, confuso, e ela ergueu
os olhos para mim, sem entender.
— Vou pedir um Uber…
— Você quer que eu deixe a sua bunda mais vermelha do que já está?
— rosnei, puxando o celular das suas mãos e me abaixando para pegar a sua
mochila.
— Dani! — ela resmungou, me seguindo apressadamente quando
comecei a caminhar de volta para a guarita.
Entreguei a chave para o manobrista, que respirou aliviado por não ter
que dar explicações para o Teo e comecei a andar para a minha moto.
Agradeci minha intuição por vir com a Kawasaki Ninja H2 SX SE+ verde.
Eu não a usava tanto depois que Mau quase a destruiu ao tentar pilotar, mas
ela suportava um passageiro, ao contrário da minha Ducati favorita.
Entreguei o meu capacete para Nora, e percebi ela olhando encantada para a
minha moto.
Um olhar admirado e brilhante, enquanto ela examinava tudo. Ela
correu os dedos pela pintura verde-esmeralda cromada, observando o
design moderno e robusto na frente e afinando atrás. As rodas cromadas. O
painel eletrônico.
— Seu pai fez milagre, nem parece que o Mau colocou as mãos nela.
— Eu vi quando ela chegou lá. — Nora tirou os olhos da moto e me
olhou com um sorriso. — Você quase fez meu pai chorar.
— Isso me lembra que não perdoei o coglione do meu primo —
brinquei e estiquei o capacete para ela. — Você não se importa de estar de
vestido? — provoquei e ela revirou os olhos.
— Cale a boca antes que eu mude de ideia. — Ela arrancou o capacete
da minha mão e o colocou rapidamente.
Ajudei ela a colocar a sua mochila nas costas, um pouco preocupado
com o peso que ela carregava todos os dias. Subi na moto, oferecendo a
mão para ela se apoiar. Nora aceitou, colocando o peso ali enquanto passava
a perna por cima do banco, o pé firme no apoio de passageiros. O banco dos
passageiros era mais alto do que o do piloto, e com isso, as pernas dela
ficavam basicamente me abraçando pela cintura. Nora se acomodou, sem
me segurar ou encostar em mim e eu dei um sorriso antes de ligar a moto.
Eu poderia ser um cavalheiro e ir devagar, mesmo com a experiência
dela com motos. Nora pilotava todos os dias, conseguia se equilibrar, não
tinha medo, não precisava me segurar.
Mas eu não era um cavalheiro.
Então acelerei de uma vez e soltei, forçando o seu corpo a ir para
frente, suas mãos atravessarem o meu peito e me seguraram com força pela
camisa, suas pernas me abraçando pela cintura. Só quando o seu peito
estava colado contra as minhas costas foi que soltei o acelerador, mantendo
uma velocidade comum e tranquila.
— Vaffanculo — ela xingou e dei risada, apoiando tranquilamente o
cotovelo em seu joelho, correndo a mão pela sua panturrilha descoberta.
As mãos dela apertaram a minha camisa, os braços e pernas tensas por
um momento, enquanto minha mão corria pela sua pele exposta, mas depois
de um momento, Nora relaxou, ainda apertando seu corpo contra o meu.
— Eu moro… — ela começou, mas apertei sua perna, balançando a
cabeça.
— Eu sei onde você mora.
— E isso não é nem um pouco perturbador — ela resmungou, me
arrancando outra risada.
Eu ri mais essa noite do que normalmente faço com pessoas que não
são da minha família. E isso era bem estranho para mim.
— De todas as coisas que eu faço ou sei, essa é a mais perturbadora?
— brinquei e ela me cutucou na barriga, como se tentasse fazer cócegas.
— Zitto. Ou não vou te dar cinco estrelas.
Só por isso acelerei de novo, arrancando um gritinho irritado dela
quando ela teve que se segurar com mais firmeza em mim, seus dedos
afundando tanto no tecido da minha camisa que eu conseguia sentir na
minha pele.
Tentei não fuçar muito na vida dela, quando ela se aproximou de Cate.
E depois quando ela anunciou sobre seu noivo. Eu poderia ter pesquisado,
mas preferi não fazer. Para não me irritar, mas também porque, no fundo, eu
queria que ela confiasse em mim. Me contasse as coisas.
Quando treinávamos, criamos uma camaradagem, e ela falava
pequenos aspectos da sua vida. Nada profundo, nenhum segredo, mas
pequenos pedaços dela que eu ia moldando em minha mente. Encaixando
no mistério que ela era para mim. Nora era médica porque claramente
gostava de cuidar das pessoas, porque se importava, mas não parecia ter
paciência para fazer o mesmo por si. Ela era bem mais prática e relaxada
quando o assunto era ela. Ela era determinada, ela não perdia tempo. Ela
parecia se esforçar mais, como se tivesse medo de não merecer estar
aprendendo ou estar ali.
E eu queria saber mais.
Era horrível da minha parte, mas eu escutava a conversa dela com a
Cate quando fingia estar treinando separado delas. Eu sabia das pequenas
coisas que ela gostava, tipo o ponto da carne que ela comia, ou como ela
adorava assistir filmes de terror. Eu escutava porque não sabia se Nora
confiaria em mim o suficiente para um dia me contar.
E eu queria que ela confiasse.
Eu era uma constante na vida de todo mundo. Eu me transformei em
alguém confiável. Alguém com quem você pudesse contar. Ligar quando
estava com problemas. Pedir ajuda. Lena confiava em mim. Cate sempre
confiou em mim e quase me destruiu quebrar a confiança dela para acatar às
ordens do meu tio. Mesmo que ele tenha me ameaçado, mesmo que tenha
me obrigado a destruir tudo depois para me manipular ainda mais, eu
detestei enganar ela. Nunca mais faria isso.
Mau e Teo confiavam em mim plenamente, confiavam suas vidas nas
minhas mãos. Confiavam suas esposas, agora. A confiança que eles tinham
em mim me atingia e penetrava mais do que as palavras asseguradoras de
que eu fazia parte dessa família.
E eu esperava que Nora confiasse em mim pelo menos um pouco, por
mais que ela me odiasse. Queria transmitir algum sentimento nela que não
fosse ódio. Que não fosse tesão.
Algo real. Algo… nosso.
Mas isso era impossível.
Porque ela me odiava, e estava certa em odiar.
12 - Dani

— Você parece nervoso. Você sabe que já é casado, não é? — Teo


provocou Mau e dei uma risada sem humor, porque não estava com
paciência.
Deixei Nora na casa dela na noite retrasada e foi a última vez que a vi.
Ela simplesmente voltou a me ignorar. Cate casualmente mencionou que ela
pegou um plantão duplo ontem, para poder tirar folga para o casamento,
mas eu não sabia se realmente acreditava nessa história. Principalmente
porque chegamos aos Hamptons ontem à noite e nenhum sinal dela. O
casamento de Mau e Lena seria agora de manhã, e estávamos na sala de
estar da casa, tomando conhaque enquanto esperávamos Lena ficar pronta.
Eles decidiram se casar aqui porque foi quando realmente se tornaram um
casal e apesar do tempo já começar a esfriar, o dia estava lindo.
Lena insistiu que usássemos roupas leves e claras, e só cedemos
porque ela pediu piscando aqueles olhos esverdeados. Cazzo, entre ela e
Cate estávamos fodidos. Pelo menos eu não era o único desconfortável. Os
amigos de Mau aceitaram rapidamente as ordens de Lena sobre as
vestimentas, mas Gaspare não parecia nada feliz, principalmente porque ele
seria o oficiante, também a pedido dos noivos.
— Eu fiquei nervoso no primeiro também, não se preocupe. — Mau
virou a bebida de uma vez e ergueu a mão para bagunçar os cabelos, mas
Teo segurou o seu punho com firmeza antes que ele alcançasse.
— Cate e Lena nos matam se você bagunçar esse cabelo, mommo.
Você ouviu as ordens delas: tudo perfeito.
— Porca miseria, por que escolhi casar duas vezes mesmo? — Mau
brincou, mas seus olhos estavam leves e felizes.
Eu estava feliz por ele, de verdade, mas estava irritado demais para
demonstrar mais do que já tinha feito.
Ela me ignorou.
De novo.
E por mais que eu merecesse, já que fui o imbecil a dizer que só
voltaria a fodê-la se ela implorasse, eu tinha certeza de que ela não fugiria
mais. Nora não era geralmente covarde e apesar de ter me ignorado por três
semanas da primeira vez, eu realmente acreditei que ela não fugiria dessa
vez. Imaginei que fosse fingir que nada aconteceu, que agiria com
cordialidade de novo, mas ela simplesmente… sumiu. Não que eu pudesse
mandar uma mensagem, já que fui o imbecil que colocou limites
desnecessários na nossa foda, mas ela não apareceu até agora.
E ela considerava Lena uma amiga, então claramente estava fugindo.
— Não se preocupe, Lena já provou que é pazza, já que ficou com
você — Masì provocou o amigo e Mau lhe mostrou o dedo do meio,
irritado.
— Ela sabe da sorte que tem, segone.
— Sim, muita sorte. — Christian respondeu e também recebeu um
dedo do meio.
— Nem ouse — Mau olhou feio para Eddo, mas ele sorriu
maliciosamente, o que fez o olhar de Mau ficar mais severo e menos
brincalhão. — Não. Ouse.
— Não falei nada — ele se defendeu, mas Mau encarou seus olhos por
um momento. Uma comunicação secreta entre eles aconteceu, e eu balancei
a cabeça.
— Algo que eu deva saber? — Teo perguntou e imediatamente Eddo
perdeu o ar engraçadinho, balançando a cabeça. Mau encarou o amigo por
mais um momento, arrancando uma risada de Christian.
— Teo, de verdade? Acho melhor você retirar a pergunta — brinquei e
meu primo deu uma risada grave.
— Verdade, o que quer que seja, eu não quero saber.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Minha tia surgiu pela escada,
com os olhos severos. — Para fora, todos vocês!
Ela começou a enxotar os meninos, com eles todos segurando em sua
cintura e plantando beijos molhados em suas bochechas antes de saírem,
fazendo ela ficar vermelha e dar risadinhas. Gaspare lançou um olhar
aprovador para o vestido dela e eu estreitei os olhos, trocando um olhar com
Teo.
— Não quero saber sobre isso também — meu primo sussurrou e
dessa vez minha risada foi verdadeira. — Estou com uma nova abordagem
na minha vida: tudo que me estressa eu não quero saber.
— E como essa abordagem está funcionando para você? — perguntei,
ajudando-o a fechar as cortinas quando minha tia saiu.
— Não está, porque eu não tenho um minuto de paz.
— Você provavelmente está na profissão errada.
— E minha maldita família não me ajuda. Nem minha esposa.
— Você escolheu sua esposa — provoquei, bem na hora que Cate
surgiu nas escadas, ajudando Lena a descer.
— Disso eu não me arrependo. — Ela sorriu para ele quando o viu, e
meu primo sorriu de volta, completamente rendido por ela.
— Tcharan! — Cate anunciou, ajudando Lena a chegar no fim da
escada.
O vestido dela era bem ousado, muito sensual, feito de um tecido
transparente, com algumas aplicações de flores em locais estratégicos para
esconder suas partes íntimas. As duas fendas enormes em suas pernas
deixavam ela mais alta, com o tecido do vestido centralizado ali. E seus
cabelos estavam soltos, na altura dos ombros, em seu corte jovem e
moderno.
A Lena na minha frente era o completo oposto da Lena que chegou
naquela madrugada, com aquele vestido horrível e sem corte e os cabelos
compridos. Ela parecia brilhar agora, cheia de vida, com uma alegria e
determinação nos olhos. Seu buquê era composto por flores vermelhas, e
isso também parecia ser uma afronta, um choque.
— Sua família vai adorar as fotos — Teo comentou, observando-a com
aprovação.
— Ela não está linda? — Cate sorriu, ajeitando a saia fluida de Lena.
— Obrigada, Cate — Lena agradeceu, limpando a garganta. —
Gostaram mesmo? Não estou desrespeitando vocês, ou… — Uma emoção
surgiu em seu rosto, mas antes que ela pudesse falar algo, Cate segurou seu
ombro, acariciando com carinho.
— Você está incrível, Lena.
— Maravilhosa — completei, e ela me deu um sorriso brilhante.
— Você gostou, Lena? — Teo perguntou, com uma delicadeza que não
combinava muito com ele, mas que só surgia quando ele falava com Cate,
Lena e Gigi.
— Sim, é o vestido dos meus sonhos — ela confessou e meu primo
sorriu.
— Então você está perfeita, sorellina. Vamos enviar muitas fotos para
os jornais.
— Muito bem, quando a música começar, esperem alguns acordes e
abram as portas, ok? — Cate aconselhou e sorriu para Lena mais uma vez,
ajeitando alguns detalhes do seu vestido como uma irmã orgulhosa. Com
um beijo leve nos lábios de Teo, ela saiu pela porta que levava ao caminho
até a areia, com cuidado para não mexer nas cortinas.
— Pronta? — Teo perguntou e esticou o braço para ela, e eu fiz o
mesmo do outro lado.
E quando a música começou e Lena deu um aceno com a cabeça após
respirar fundo, não consegui segurar o meu sorriso.
Eu tentei me divertir. Dancei com Lena e com a minha tia, dancei por
alguns momentos com Cate, antes de Teo me empurrar do caminho antes
mesmo da música passar do seu começo. Tentei de verdade me divertir,
mesmo lançando olhares preocupados para Gigi, antes dela se retirar. Cate e
Lena trocaram um olhar preocupado quando ela anunciou com a voz baixa
que iria descansar. Ela nem tocou na comida direito. Eu sabia que as coisas
estavam difíceis para ela, que ela vivia escondida pintando, que não usava
mais suas roupas ousadas e escandalosas, mas ver o olhar morto em seu
rosto quase quebrou meu coração. Gigi parecia ter perdido a vontade de
viver. E não deixava ninguém tocar nela além de Cate e Lena. Nem minha
tia conseguia colocar a mão nela sem fazer a nossa prima pular.
Ninguém sabia o que fazer e como ajudá-la, mas pintar parecia fazer
bem para ela, portanto comprávamos todos os materiais possíveis, mesmo
que ela não pedisse mais. Mas não foi Gigi que tirou minha habilidade de
diversão. Foi Nora desaparecida.
Nem mesmo a viagem da equipe de Mau, com Gaspare, para Albany
agora depois do almoço estava me deixando tão nervoso quanto a falta de
sinal de vida da médica. Não era característico da Nora deixar alguém na
mão e eu sabia que ela gostava muito de Lena e que tinha prometido
comparecer. Cazzo, Cate até mesmo confirmou que ela estava fazendo um
plantão duplo ontem para conseguir folga e ficar dois dias aqui,
aproveitando com Lena o dia dela.
Então eu estava achando tudo muito estranho e estava realmente
preocupado. Não só com ego ferido.
Porca puttana, essa mulher mexia comigo de uma maneira que
nenhuma mulher fez. Ninguém nunca me deixou tão irritado e com tanto
desejo ao mesmo tempo. Ninguém nunca invadiu meus pensamentos, minha
determinação. Ou atrapalhou minha concentração no trabalho. Teo e Mau
contavam comigo, com o meu planejamento, e ainda bem que Cate era
praticamente um gênio porque eu simplesmente não conseguia pensar em
nada que não fosse a Nora.
Ou seu gosto.
Ou seu corpo.
Ou o que fazer para ela me odiar menos. Para ela se entregar para
mim. Eu não podia prometer nada do que o coglione do noivo dela
provavelmente prometeu, mas eu queria… queria algo. Me irritava não
saber o que eu queria com ela, se era apenas o seu corpo, se era apenas
alimentar o meu ego, meu vício.
Eu pensava em pequenas coisas para fazer para agradá-la, ou pequenas
informações sobre ela que eu queria coletar, mas sempre afastava isso
rapidamente. Se eu não fosse leal e focado na Stidda, então nada do que
passei teria valido a pena. Eu precisava colocar a famiglia em primeiro
lugar.
Mais do que nunca as lições e a voz do meu tio ecoavam na minha
mente…
“Sem você, Teo vai desmoronar. Tudo o que ele ama vai acabar. Sem
você, Mau vai cometer algum erro e vai ser o fim para ele. Sem você,
Daniele, isso vai ter sido em vão…”
— Dani? — minha tia chamou, colocando a mão no meu braço e
cortando a memória bem na hora que a faca do meu tio arrancou sangue da
garganta do traidor da Stidda.
Eu tinha onze anos quando ele me mostrou o que acontecia com
traidores. Eu tinha onze anos quando ele me mostrou as vidas perdidas por
causa da informação que o traidor repassou. Como Teo e Mau quase
morreram em uma emboscada.
Eu tinha onze anos quando ele me deu a minha primeira escolha e
tinha 13 quando ele me deu a primeira chance para me provar. Para mostrar
que eu era digno da Stidda. Mas eu nunca fiz nada pela Stidda, não de
verdade. Eu fiz por eles.
Que estavam reunidos no balcão da cozinha, enquanto Teo fazia um
café para ficar acordado recebendo as informações de Gaspare durante a
noite. Fiz para ver isso: Cate servindo o bolo que ela e Santina fizeram,
porque Lena insistiu que queria a comida de Cate em seu casamento, já que
tinha gosto de família. E tenho certeza que foi o melhor elogio que minha
bambolina recebeu. Fiz para ver Mau sorrir, se livrando dos ensinamentos
do meu tio de uma maneira que nunca pude fazer. Com Lena em seus
braços, finalmente podendo viver a vida dela, sem medos. Sem amarras.
— Sim, zia? — Sorri para a mulher que me acolheu sempre, que
cuidou de mim com carinho, mesmo contra a vontade do marido.
— Você está encarando esse celular com tanta intensidade — ela falou,
com doçura e eu suspirei.
Estava cogitando se abria ou não o rastreador que coloquei no celular
de Nora, quebrando alguma confiança que eu não sabia se tinha. Ela me
odiaria ainda mais se descobrisse sobre isso, mas não pareceu falar nada
sobre a estrela que coloquei na sua placa. Eu esperava uma boa briga, mas
recebi três semanas de silêncio. Se ela descobrisse sobre o rastreador, se eu
abrisse isso e visse ela em sua casa, me evitando, as coisas não
melhorariam. E talvez, ela nunca mais aceitaria os meus toques.
— Preocupado com o trabalho — respondi e travei o celular, sem
guardá-lo.
Os olhos verdes da minha tia brilharam com uma intensidade e uma
sabedoria irritante. Ela era linda e jovem. Eu ficava feliz ao ver que todo o
péssimo tratamento e violência que meu tio infligiu nela não afetou sua
beleza ou sua vivacidade.
— Não se preocupe muito, bambino mio, ou vai deixar de aproveitar a
vida.
— Minha vida é isso — respondi, quase que automaticamente, mas ela
franziu o nariz, uma expressão de desgosto em seu rosto.
— Quando você fala assim, eu só escuto ele — ela resmungou,
balançando a cabeça e eu senti um pequeno pânico gelado correndo pelo
meu corpo. Devo ter transparecido, porque ela ergueu a mão e acariciou o
meu rosto, com cuidado. — Não estou comparando vocês. Estou dizendo
que ele conseguiu martelar as mesmas besteiras em vocês, todos vocês.
Ela olhou com carinho para Teo, que observava Cate completamente
hipnotizado, mesmo que ela estivesse apoiada no balcão com os olhos
focados em Mau e Lena. E provavelmente estava olhando com carinho para
o caçula, porque seu sorriso aumentou.
— Eu não pude me meter, mas tentei fazer vocês perceberem que a
vida não era apenas dureza, sangue e mortes. Eles descobriram — ela
comentou, com uma falsa casualidade que me fez sorrir e balançar a cabeça.
— Você vai também.
— Igual você? — provoquei, lançando um olhar para Gaspare, que
observava minha tia discretamente sobre a borda da xícara de café.
— Não sei do que você está falando. — Ela alisou o vestido impecável
e se virou, me ignorando porque percebeu que notei.
Voltei a encarar o celular, tentando não ceder à tentação e procurar por
Nora. Talvez fosse melhor ela se afastar e me ignorar. Eu ficaria com peso
na consciência por estragar a amizade dela com a Cate, mas pelo menos não
precisaria me sentir completamente inadequado e indigno do futuro que ela
merecia.
— Estou tão feliz! — minha tia declarou, sorrindo plenamente e
observando com carinho Mau e Lena. — Agora eu tenho duas filhas! — Ela
bateu as mãos, alegre. — Não que eu não a considerasse antes, Lena,
carina, mas é emocionante participar do casamento de vocês.
— Agora a Cate vai perder o trono — Mau provocou a cunhada, o que
foi um grande erro da parte dele, porque ela estava bem irritada por ele
deixar um chupão no pescoço de Lena bem no dia do casamento.
Dei uma risada mesmo assim, com a provocação dele, mas ainda
encarei o celular e a dúvida sobre invadir a privacidade de Nora.
— Agora que a bambolina tem uma competição, ela vai entender o que
é disputar a atenção da zia. — Escutei meu primo bufando com a minha
brincadeira e já sabia o que ele falaria.
— Como se você disputasse alguma atenção. Mau e eu somos os
únicos que precisam lutar. — Meu Capo recebeu uma bronca da mãe em
italiano, completamente indignada com a sua brincadeira.
— Eu tenho uma vantagem. — A voz doce e suave de Cate parecia
animada, feliz.
— Por que ela te conhece há mais tempo?
— Não, porque estou grávida — Cate anunciou e tudo pareceu
congelar por um longo momento.
Em conjunto, viramos o olhar para o meu primo, esperando a reação
dele. Teo derrubou a xícara que estava segurando, o café espalhando pelo
mármore do balcão, a porcelana quebrando com um barulho alto que ecoou
pela cozinha silenciosa.
Com passos leves e calmos, o meu Capo andou até a sua Rainha,
caindo de joelhos na sua frente e abraçando a sua cintura com força. Ele
encostou a testa na barriga dela e Cate começou a chorar silenciosamente,
um lindo sorriso em seu rosto enquanto ela acariciava os cachos do marido.
— Você não vai sofrer um dia sequer da sua vida. Vai ser muito
amado. Vai ser feliz — Teo prometeu, sussurrando contra a barriga da
esposa.
Minha bambolina se inclinou para frente, depositando um beijo na
cabeça dele. Teo apertou ela com um pouco mais de força por um breve
momento, antes de soltá-la e ficar de pé. Com um olhar feliz, ele passou os
braços na cintura dela e a ergueu, girando-a em seus braços. Cate gargalhou,
feliz, se agarrando ao marido sem nenhuma preocupação.
— Pare! — minha tia gritou, o que fez Teo largar Cate com um olhar
assustado e arrependido.
— Scusami — ele pediu, mas minha tia já estava empurrando-o do
caminho e abraçando Cate com força.
E isso fez o choque passar, nos fazendo gritar e comemorar, indo
abraçar os dois. Apertei meu irmão em meus braços, sentindo o alívio dele,
quando ele correspondeu. Depois de alguns meses de tortura, vendo Cate
chorar, preocupado com a felicidade dela, preocupado com ela, meu primo
finalmente estava feliz. É claro que ele queria esse filho, mas sua prioridade
sempre seria a felicidade de Cate.
— Cazzo, vamos ter um bebê — Mau provocou, puxando Cate em
seus braços e apertando ela com força.
— Você vai embora para o Canadá, hoje — Teo ameaçou. — Não,
perto demais. Você vai para a Austrália.
Mau deu risada, soltando Cate, completamente inabalado pelas
ameaças do irmão. Empurrei ele do caminho e abracei Cate com firmeza.
Seus olhos cor de chocolate estavam brilhando com lágrimas.
— É por isso que você estava passando mal? — perguntei, entendendo
porque Nora mentiu para mim.
— Descobri no dia… Aquele dia do piquenique que não deu certo. —
Ela lançou um olhar para a minha sogra e sorriu. O dia do ataque da La
Santa.
— Espere, você está guardando esse segredo por quase três semanas?
— Teo censurou, estreitando os olhos para a esposa. Ele me empurrou do
caminho, abraçando-a e depositando a mão em sua barriga ainda lisa.
— Eu queria contar de uma maneira especial. Desculpa por tirar a
atenção do seu casamento, Lena, mas todo mundo estava reunido…
— Não me importo. Vou ser zia! — Um pequeno olhar triste passou
pelos olhos de Lena, porque ela tinha uma sobrinha e sua irmã estava
grávida novamente quando ela foi embora, mas depois do que aconteceu,
Lena não parecia querer um laço com a sua família de sangue.
— Você vai — Cate assegurou ela e sorriu, colocando a mão por cima
da mão de Teo, em sua barriga. Ela ergueu a cabeça para o marido e ele
sorriu para ela. — Finalmente aconteceu.
— Eu te disse, Regina mia, você vai ter tudo o que quiser — Teo
prometeu e se abaixou, beijando-a com cuidado.
E estávamos sorrindo ainda quando passos soando pelo piso de
madeira ecoaram pela casa. Imediatamente ficamos tensos quando Angelo
surgiu pela passagem que levava para o escritório.
— Eu preciso ir! — ele anunciou, agitado.
Teo estreitou os braços no corpo da esposa e Mau e Gaspare já
estavam prontos para sair correndo.
— Nora foi atacada no caminho para cá. — Sua voz saiu com uma
angústia, e um desespero latente e viscoso corria pelo meu corpo, pelas
minhas veias.
Nem registrei o que estava fazendo e só percebi que estava na frente
dele quando encarei de perto aqueles olhos azuis que eram parecidos com
os de Nora.
— La Santa? — perguntei, afogando o medo na minha raiva, na minha
sede de vingança e de ódio. Angelo balançou a cabeça, franzindo a testa,
confuso.
— Não... Nossos soldados de prontidão interceptaram eles tentando
fugir daqui. Catania.
— Ma che cazzo! — Mau xingou e eu comecei a andar, escutando
passos atrás de mim. — Mãe, fique aqui.
— Como você sabe que ela foi atacada? — perguntei, já preparado
para desmembrar cada um desses homens que foram interceptados.
— Ela me ligou pedindo ajuda e a ligação sobre eles veio logo em
seguida.
A minha raiva aumentou. Ela ligou para ele, mas não ligou para mim.
Ele era seu irmão, eu não tinha porque ter ciúmes dele, mas eu tinha inveja.
Inveja porque ele era o porto-seguro dela. Porque ela estava em perigo e
não pensou que eu era capaz de protegê-la, de ajudá-la.
— Ela disse que não se machucou, está escondida, estou indo buscar
ela — Angelo explicou e olhou para Teo, sua boca se abrindo em uma
pergunta.
— Vá, é claro. — Teo concordou com a cabeça, e Angelo agradeceu
com um aceno.
— Eu chego mais rápido com a minha moto — falei, esperando não
soar tão desesperado.
Angelo me encarou por um minuto, estreitando os olhos quando
saímos para o pátio exterior, indo em direção aos nossos carros.
— Eu gostaria de punir esses homens — ele pediu, olhando de mim
para o Teo. Meu primo concordou com a cabeça.
— Venha comigo, então, garoto — Gaspare falou, mas Teo segurou ele
pelo ombro.
— Não, precisamos de você e dos ragazzi em Albany. — Ele manteve
a voz baixa. Angelo sabia que a equipe iria para lá, apesar de não saber
exatamente porque eles iriam. — Mau, você e Angelo vêm comigo até o
local onde os Catanios estão. Dani vá buscar Nora e traga ela aqui. Leve
alguns soldados da segurança com você.
— Eu… — Cate começou, mas Teo lançou um olhar mortal para ela.
— Você vai ficar aqui — ele ordenou, mas ela colocou as mãos na
cintura, irritada.
— Posso ajudar Dani e…
— Não pode ajudar coisa nenhuma. Você está grávida. — Algo passou
pelo olhar dele, e meu primo pareceu horrorizado. — Cazzo madre de Dio,
Caterina, você entrou naquele galpão grávida!
Ela pareceu querer discutir por um momento, mas preocupação passou
pelos seus olhos e ela colocou a mão de forma protetora na barriga.
— Eu posso ajudar — ela falou, tentando soar determinada.
— Ajude sem se colocar em risco — Lena argumentou, sorrindo para
ela. — Vamos preparar um quarto para Nora, ela provavelmente precisa
descansar e comer algo.
— Va bene — Cate concordou, mas encarei Teo, praticamente
rosnando, irritado e impaciente.
— Vá, Dani.
Ele nem precisou falar duas vezes. Teo nem tinha terminado a frase e
eu já estava correndo, pulando em minha moto e ignorando as ordens dele
de levar alguém comigo. Abri meu celular e me concentrei no pontinho que
era Nora, no rastreador que eu deveria ter observado bem mais cedo.
Se algo acontecesse…
13 - Nora

Tudo doía e eu estava bem preocupada com o meu ombro.


O impacto dele quando caí no chão, no momento em que tentei desviar
de um tiro, me indicava que eu não poderia lutar e treinar por um tempo.
Pelo menos não estava quebrado, eu acreditava.
Eu saí da rodovia principal, tentando pegar um caminho alternativo
para despistá-los, quando fui encurralada. E acho que a única coisa que
impediu um desastre foi a movimentação da pequena cidade. Torci para que
eles tivessem ido embora e simplesmente segui rapidamente para a cidade
que via à distância, apenas correndo sem olhar para trás, largando minha
moto destruída no meio do acostamento.
A última coisa que eu queria era atrapalhar o casamento de Lena. Eu
estava atrasada e por isso acelerei mais do que deveria. Nem percebi o carro
me seguindo quando saí da clínica. Só notei quando peguei a Sunrise
Highway e ficamos quase sozinhos na estrada. Eu acelerava, o sedã escuro
acelerava também. Eu ameaçava virar, eles também.
Então eu tentei desviar deles, entrando em uma rota alternativa, uma
estrada menor. Quando eles começaram a atirar, meu instinto tomou conta,
e eu consegui manobrar e fugir por um tempo, até uma bala pegar no meu
pneu. Ele estourou e perdi o controle da moto por causa da velocidade. Caí
no chão, com força, mas nem tive tempo de me recuperar. Levantei como
pude e saí correndo, recebendo alguns tiros novamente.
Eles tentaram me acertar, pegando alguns prédios no meio do caminho,
mas foi basicamente sorte que nenhum tiro me atingiu. A dor estava ficando
insuportável, provavelmente porque a adrenalina estava diminuindo.
Aproveitei a minúscula Eastport e invadi o primeiro prédio que vi: uma
lanchonete.
Imaginei que fosse uma missão para me eliminar, então eles não
arriscariam eliminar civis. Era uma bagunça ainda maior para limpar,
principalmente porque estavam no território da Stidda. E como eu
desconfiava que eram da Catania e que isso tinha a ver com o que fiz na
clínica deles, eu resolvi arriscar e entrar no restaurante. As pessoas da
lanchonete pararam o que estavam fazendo, e imediatamente alguns se
levantaram dos bancos em que estavam, provavelmente alarmados com
meu estado. Alguém pegou o celular e eu sabia que estavam ligando para a
emergência.
E mesmo com meus pedidos para não se incomodarem, eles insistiram.
Então eu tive que agir. E ligar para o meu irmão foi a decisão correta. Ele
estava mais perto do que Michele, e Angelo sabia ser discreto. Ele viria ao
meu resgate sem alarmar ninguém.
No fundo, meu desejo era ter ligado para Daniele Ricci, mas me
controlei. Ele estava ocupado, levando Lena ao altar. Curtindo o casamento
com a sua família. Me odiando porque eu era uma covarde que fugiu dele.
Um policial mal-humorado já estava na lanchonete, enquanto um
paramédico me examinava contra a minha vontade.
— Então seu pneu simplesmente explodiu? — Ele parecia descrente,
mas eu concordei com a cabeça.
— Devo ter passado por cima de um prego — respondi, tentando soar
casual. Eu estava suja, com as roupas rasgadas, com um rasgo enorme na
minha coxa que mostrava a pele ralada e machucada por cair no chão. Essa
mesma perna estava doendo, assim como meus braços todos ralados. Mas o
pior era o ombro. — Desloquei o ombro, não é? — perguntei para o
paramédico e ele concordou com a cabeça.
— Eu não acredito em você — o policial falou, chamando minha
atenção novamente.
— Não sei o que dizer, então. — Gemi de dor quando tentei dar o
ombro e o paramédico me censurou. Ele estava tentando limpar o máximo
que podia dos meus ferimentos e cortes, tirando pedrinhas e impurezas do
asfalto.
— Houve relatos de tiros. — O policial era jovem, e seu distintivo
mostrava que seu sobrenome era Carton.
— Não sei o que isso tem a ver comigo.
Minha família era da máfia, meu bisavô foi o primeiro, portanto
crescemos sempre aprendendo a mentir para a polícia. Nunca diga nada,
sempre negue. Sempre aja com calma. Sempre finja que não sabe de nada.
Me fingir de burra era a melhor saída, até Angelo chegar.
— Você está mentindo para mim. — Ele esticou a mão e apertou meu
ombro machucado e eu cerrei os dentes, segurando a dor.
Se estivesse em um bom estado, teria arrebentado ele, mas a dor no
meu ombro era praticamente insuportável e quando ele apertou os dedos ali,
tudo o que fiz foi tentar não gritar e engolir o choro que subiu pela minha
garganta.
O paramédico estava prestes a dar uma bronca nele quando a porta da
lanchonete se abriu com violência.
E o silêncio reinou na presença da fúria estampada nos olhos do
Consigliere da Stidda.
Talvez o aperto de Carton no meu ombro tenha despertado minhas
lágrimas, porque quando eu o vi, enorme, cheio de ódio e preocupação
naqueles olhos azuis, comecei a chorar. Dani deu três passos largos em
minha direção e segurou o punho do policial, torcendo de uma vez e
empurrando ele de cima de mim. O gemido de alívio quando o toque cruel
acabou foi inevitável e mais fúria cobriu as feições belíssimas de Dani. Ele
parecia um anjo vingador, pronto para trazer o inferno para a terra.
— Nora — ele sussurrou, segurando delicadamente meu rosto entre
suas mãos enormes e limpando minhas lágrimas com os polegares.
— Estou bem — tentei falar, engolindo a dor que ainda latejava pelo
aperto feroz no meu ombro. E cometi o erro de esticar as costas, para
parecer mais forte, mais determinada. Dani não me soltou, apenas estreitou
os olhos azuis, quando gemi de dor novamente.
— Estou interrogando-a — Carton resmungou, mas Dani ignorou, seus
olhos focados em mim.
— Por que ele estava apertando o seu ombro? — Dani perguntou,
baixinho, focado em mim, ignorando o resto. Eu pensei em mentir, mas
meu braço latejava tanto… Mesmo assim, ele deve ter sentido minha
hesitação. — Não seja teimosa — ele alertou, e eu suspirei, cansada.
— Está deslocado, ele acha que estou mentindo — gemi, fungando e
tentando parar de chorar. Lutar contra ele e suas perguntas quando eu estava
tão mergulhada na dor era inútil. Eu queria matar o meu irmão porque ele
não veio e mandou Dani no seu lugar, mas agora ele estava aqui. E, no
fundo… no fundo, eu estava mais confortável com ele e sua preocupação.
Mais ódio passou pelo rosto dele e ele se virou lentamente para o policial.
— Vá embora, antes que eu te mate — ele ameaçou e eu abri a boca,
pronta para ralhar com ele.
— Você está falando com um representante da lei! — Carton avançou
em Dani, e ele me soltou, segurando o homem pelo pescoço.
Carton era alto e acima do peso, mas Dani seguia sendo maior. Mais
alto, mais largo. E seus olhos estavam mergulhados em uma fúria que
prometia queimar esse estabelecimento com todo mundo dentro, se o
irritassem.
— Dani! — censurei, mas ele me ignorou, completamente mergulhado
na raiva.
— Estou pouco me fodendo. — Dani deu um sorriso cruel e o parceiro
de Carton invadiu o local, provavelmente vendo tudo pela janela da
lanchonete. Ele estava com a arma em punho e Dani virou a cabeça
levemente, observando-o com um sorriso.
Eu estava pronta para levantar e dizer que estávamos indo embora, que
não queríamos causar problemas, mas Dani se colocou na minha frente,
virando Carton com ele. E então ele ergueu a mão esquerda, lentamente,
mostrando o dorso para o policial que acabou de entrar para defender seu
colega.
— Ligue para o seu supervisor e diga apenas uma palavra — Dani
ordenou e o homem abaixou a arma, os olhos fixos na estrela negra que
cobria todo o punho de Dani. — Stidda.
Carton parecia ter ficado bem mais preocupado com isso do que com a
mão de Dani apertando o seu pescoço. O seu parceiro chamou alguém no
rádio, obedecendo Dani sem desviar os olhos do Consigliere. A ordem
ecoou pelos rádios dos policiais e também do paramédico que tratava de
mim: sair dali e nos deixar para trás.
As pessoas que ainda estavam na lanchonete olhavam confusas, mas
quando Dani soltou Carton e olhou em volta, eles rapidamente desviaram os
olhos. Eles poderiam não saber o que Stidda significava, mas tinham senso
de preservação e agora, estavam com medo de Dani e de como ele domou
facilmente a lei e seus homens.
— O que aconteceu, vita mia? — Dani murmurou, segurando
novamente o meu rosto com uma delicadeza que contrastava com a fúria
presente em seus músculos tensos. Ignorando completamente minha cara
feia e cheia de reprovação. — O que está doendo?
Ele ergueu as sobrancelhas, me desafiando a contestar, a brigar com
ele. E eu queria dizer que tudo aquilo foi um exagero, que ele não precisava
invadir o local e sair dando ordens como um ditador maluco, mas eu estava
com tanta dor e tão cansada… Seus lábios se ergueram em um leve sorriso
quando ele percebeu que eu estava cedendo, desistindo de brigar.
— Meu ombro é o pior. Vou precisar colocá-lo no lugar. Minha perna
está doendo pelo tombo. Eles… — abaixei a voz quando murmurei —
atiraram na minha roda, o pneu explodiu e eu caí.
— Vou mandar buscar a sua moto, mas vamos tirar você daqui. Um
dos médicos da Stidda da região está esperando na casa. — Dani soltou
meu rosto com relutância e me ajudou a levantar.
Seus lábios estavam pressionados em uma fina linha de desgosto,
quando ele observou meus machucados e meu estado. Ele me ajudou a
caminhar lentamente e xingou quando saímos, olhando para a sua moto.
— Eu não pensei, no desespero de vir até você — ele explicou,
balançando a cabeça.
Estaquei por um momento, porque a última coisa que eu queria era
ficar agarrada a ele, mas isso era apenas teimosia… Eu precisava da ajuda
dele. Eu precisava segurar nele porque com a moto, teria menos
estabilidade.
— Tudo bem, você só precisa pilotar devagar — pedi, um pouco
desesperada. — Eu quero ir embora.
Minha confissão estava misturada com toda a dor que eu estava
sentindo e o cansaço pela adrenalina ter passado de vez. Dani concordou
com a cabeça, preocupado e tirou a sua camisa. Era bege, de linho, diferente
de tudo o que ele usava normalmente. Provavelmente a roupa que Lena
escolheu para o casamento, assim como pediu para usarmos cores claras.
— O que você está fazendo? — perguntei, alarmada e ele me olhou
feio.
— Tentando deixar você mais confortável. Seria melhor se eu tivesse
um terno, porque poderia fazer duas, mas Lena queria roupas leves.
— Sinto muito por perder o casamento — sussurrei, enquanto ele dava
alguns nós na própria camisa… Uma tipoia.
Dani estava fazendo uma tipoia para me deixar mais confortável e
tentar deixar meu braço imóvel na moto.
— Lena não se importa, ela está preocupada com você — ele falou,
com delicadeza e me ajudou a colocar a tipoia.
Cada gemido de dor que eu soltava, ele rangia ainda mais os dentes,
seus braços ficando mais tensos, como se quisesse sair quebrando a cidade
inteira com as próprias mãos. A essa altura, eu já havia desistido de tentar
brigar com ele por tudo, porque eu só sentia a dor absurda em meu ombro e
cada pedaço do meu corpo latejando e doendo.
— Venha. — Ele subiu na moto e me esticou a mão.
Segurei com a mão esquerda, livre, e fiz força para subir,
choramingando com os movimentos mais bruscos. Dessa vez, ao contrário
de dois dias atrás, passei o meu braço livre pela sua cintura, encostando
meu corpo no seu com força. Senti o seu suspiro, suas costas se mexendo
contra o meu peito e ele segurou o meu braço livre com força em seu
peitoral, antes de ligar a moto.
O motor rugindo embaixo de nós me fez choramingar e gemer mais
um pouco, e Dani entrelaçou minha mão na sua, descansando-a no seu colo.
Meu braço direito estava seguro em sua tipoia, e eu estava apoiando ele
contra Dani e suas costas musculosas, buscando mais estabilidade do que
teria se tentasse segurar o meu corpo sozinha.
— Aguente firme, mia leonessa. Você consegue — ele murmurou, com
uma voz baixa e firme. Determinada.
E então acelerou com cuidado, mas não adiantou. A dor era
insuportável e eu chorei o caminho todo até a mansão de praia dos Ricci no
South Hamptons.
— Nora! — Meu irmão estava esperando no fim de um caminho de
um pátio de uma mansão enorme.
Ela era cercada por água, da baía ao seu fundo e do mar à sua frente. E
era enorme, com um estilo praiano, lindo e refinado. Mas eu não consegui
prestar muita atenção nisso, porque além do meu irmão, todos os outros
Ricci estavam parados ali. E eu estava tentando não chorar mais enquanto
Dani pilotava delicadamente pelo cascalho. Ele parou bem na frente do meu
irmão e Angelo me pegou tranquilamente no colo, com cuidado para não
pressionar meu ombro na tipoia em seu peito.
— Está deslocado — expliquei, quando ele começou a andar. Angelo
lançou um olhar para Cate e ela abriu um sorriso reconfortante.
— Escolhi um quarto aqui embaixo, porque não sabia se Nora
conseguiria subir escadas — ela explicou, enquanto guiava o meu irmão.
Teo e Mau nos seguiram e Dani estava atrás. Quando entramos no
quarto de cores claras e calmas, Lena estava arrumando uma cama enorme,
colocando mais travesseiros na cabeceira. Ela ainda estava com seu lindo e
escandaloso vestido de noiva e a culpa me corroeu ainda mais.
— Desculpe por estragar…
— Nem termine essa frase! — ela ralhou, mas me deu um sorriso
tranquilo. — Estou feliz que você está bem.
Angelo me depositou com cuidado na cama e um senhor de idade
entrou logo atrás de Dani, sendo guiado pelo Consigliere. O médico,
imaginei, porque ele rapidamente veio em minha direção.
— Eu me atrasei — expliquei, tentando ignorar a dor enquanto o
doutor tirava meu braço da tipoia improvisada de Dani. — Uma emergência
na clínica.
Cate sentou do meu lado na cama e segurou a minha mão livre. Dani
estava encostado na porta, me olhando com uma determinação absurda e
uma raiva que não era direcionada a mim.
— Preciso colocar o seu ombro no lugar, mas… — o médico explicou,
com um sorriso apologético.
— Mas você não tem força — concluí, e olhei para Dani, porque
Angelo não teria coragem e apesar de saber que o Capo e o Executor eram
capazes de me ajudar, eu não queria eles me tocando quando eu estava com
tanta dor.
O Consigliere se aproximou, a mandíbula tão tensa que me perguntei
se ele não a deslocaria também. Ele se ajoelhou ao meu lado, no chão, e
respirou fundo. Ergui os olhos para ele, dando um leve aceno de cabeça e
ele ergueu as mãos.
— Muito bem, isso vai doer um pouco — o médico explicou, mas eu
já sabia que não era pouco. Doeria para caralho.
Eu já coloquei vários ombros no lugar, inclusive o de Angelo. Ergui os
olhos para o meu irmão e ele começou a andar de um lado para o outro no
quarto, preocupado. Mau colocou a mão no ombro dele, mas não era para
censurá-lo, era para apoiá-lo. O médico apalpou o meu ombro, tentando
sentir o que estava exatamente fora do lugar e eu rangi os dentes, segurando
os gemidos de dor. Os dedos dele foram para as minhas escápulas e ele
começou a mover a extremidade.
— Rotacione e puxe o braço dela, cuidado, apenas uma pressão suave
— ele alertou Dani, mas o Consigliere mantinha os olhos em mim.
— Eu sei. Sinto muito — ele pediu, antes de obedecer ao médico.
E o grito que saiu dos meus lábios foi inevitável, mas com algumas
rotações um pop soou, quando o meu ombro voltou para o lugar. O alívio
foi imediato e eu respirei fundo, tentando recuperar o fôlego. O médico
começou a mexer meu braço para verificar se estava tudo certo e deu um
sorriso reconfortante para mim.
— Perfeito, acredito que não vai precisar de cirurgia, mas você vai
precisar…
— Uma tala melhor, imobilização por um tempo, tipo uma semana,
anti-inflamatórios, gelo no local e fisioterapia.
— Eu diria três semanas… — Ele estreitou os olhos e eu balancei a
cabeça.
— Uma está ótimo.
— Testarda — Dani resmungou, se erguendo, mas um pequeno sorriso
brincava em seus lábios.
— Os seus outros ferimentos são superficiais, é só você limpar
direitinho, aplicar antissépticos e pomadas para cicatrização. Mas você sabe
o que fazer. — A voz do médico não estava acusatória, e sim divertida.
— Eu sou médica — expliquei.
— Ah, excelente. Os piores pacientes — ele brincou e começou a
recolher as suas coisas. — Se você não bateu a cabeça e não tem mais nada
doendo no momento, não vejo porque ir até um hospital. Mas se
continuar…
— Eu sei. Obrigada. — Observei Teo guiá-lo para fora, e suspirei, me
encostando nos travesseiros que Lena colocou para mim. — Eu sinto
muito…
— Não peça desculpas, não foi sua culpa… — Cate sorriu, apertando
minha mão e eu balancei a cabeça.
— Eu acho que foi minha, eu marquei a sua moto com a estrela da
Stidda — Dani murmurou e meu irmão ficou tenso.
— Por quê? — Angelo deixou escapar e olhou para o Consigliere,
estreitando os olhos.
— Porque ela é amiga de Cate e eu queria que ela não precisasse se
preocupar com problemas de trânsito.
Mentiroso.
Mas saiu tão facilmente que meu irmão ficou apenas mais alguns
momentos observando Dani, antes de desistir. Teo retornou para o quarto,
me dando um pequeno sorriso sem dentes, mas que ainda assim era
assegurador.
— Angelo, você pode ligar para a mamma? — pedi, e meu irmão
concordou com a cabeça, antes de correr as mãos pelos cabelos curtos. —
Mas só diga que não vou conseguir voltar hoje, ou ela vai aparecer aqui.
— Lo sò, cazzo — ele respondeu, provavelmente porque usei o tom de
voz de irmã mais velha. — Você está bem mesmo, sorellina?
— Sim, não se preocupe. — Agora que a pior dor havia passado,
comecei a perceber como meu corpo estava todo dolorido e ardendo pelos
cortes, mas meu irmão acreditou em mim mesmo assim, e com mais um
olhar preocupado saiu do quarto, puxando o celular do bolso.
— Eles estão no porão da casa de segurança — Teo explicou para Dani
e eles começaram a se afastar.
— Espere! — chamei, criando coragem para confessar algo que eu
deveria ter confessado há dias. Semanas. — É realmente minha culpa.
— Nora… — Cate começou, mas apertei sua mão.
— Eu fiz uma coisa — confessei, em voz baixa, e o Capo trocou um
olhar confuso com seu irmão e seu primo.
Um silêncio tenso tomou conta do quarto enquanto eu respirava fundo
e começava a contar a maior burrice que já fiz.
— Logo depois do ataque da La Santa, uma amiga que tem um serviço
de ambulâncias transportou uma mulher de uma das clínicas da Catania. Eu
sei que era lá porque, além de ser no território deles, ela está na lista de
proibida por nós, médicos da Stidda.
— E o que essa mulher tinha? — Teo perguntou, confuso e eu balancei
a cabeça.
— Ela estava pior do que a Cate, quando ela apareceu no meu
consultório.
Não precisei explicar mais nada, porque o Capo me entendeu e tanto
ele como os outros Ricci homens ficaram tensos, irritados com a menção do
estado da Cate quando ela chegou.
— E o que isso tem a ver com te atacarem hoje? — Cate estreitou os
olhos, mas Dani xingou.
— Porca puttana, você foi até lá?
— Cazzo, Nora — Mau censurou, balançando a cabeça.
— Eu usei a trégua com a Catania para ir até à tal clínica, porque a
mulher simplesmente sumiu do mapa. Ela desapareceu, nenhum dado sobre
ela, nada. E toda vez que eu entrava em contato com eles, eles fingiam que
ela nunca existiu. Então eu fui até lá e… — hesitei, mas Cate apertou minha
mão. — Bom, eu peguei um plantão e enquanto estava lá investiguei e…
Encontrei a mulher.
— Ah, não — Lena sussurrou, colocando a mão na boca. Algo no meu
tom de voz deve ter denunciado que ela estava morta.
— Encontrei ela com mais duas mulheres em uma parte da clínica que
estava estranhamente fechada e abandonada. Presas em um armário. Elas
não eram daqui, elas eram da Venezuela. Prometeram empregos e uma vida
melhor e sequestraram elas. Elas estavam péssimas e…
— Você as tirou de lá — Teo concluiu, quando eu hesitei novamente.
— Eu pedi ajuda para Milena…
— Dio mio, Vincenzo vai te matar — Cate murmurou e eu concordei
com a cabeça.
— Pedi para a minha amiga, Jenny, a da ambulância, transportar elas
para a clínica da Stidda no Brooklyn. E depois colocamos elas em contato
com um serviço de proteção para mulheres com histórico de violência
doméstica. Mas… Quando saí da clínica, o chefe do departamento me
avisou sobre o perigo de certas atividades… E um sedã começou a me
seguir todos os dias.
— E por que você não me disse nada? — Cate soltou minha mão,
magoada e revoltada.
— Porque… — Olhei discretamente para o marido dela, mas ela
balançou a cabeça.
— Acabei de contar para todos eles, mas, Nora, você deveria ter me
contado!
— Precisamos encontrar essas mulheres. E protegê-las de verdade —
Teo avisou e eu senti o medo por elas me consumir.
— Espere, tem mais — interrompi, e eles me olharam chocados. —
Elas estavam na clínica porque alguma emboscada aconteceu. Algo em um
armazém ou algo assim, foi o que conseguiram escutar. Eu voltei lá
algumas vezes e…
— Você o quê? — Dani parecia prestes a ter um ataque cardíaco e
lançou um olhar compreensivo para o Teo que fez o primo dar uma
risadinha. — Nora, eles estavam te seguindo esse tempo todo?
— Eu pensei que, se não voltasse lá, seria estranho, então estava
pegando plantões lá na minha folga. Eles sempre tentavam me seguir para
casa, mas despistei. Também despistei dois dias atrás… quando fui para a
casa de vocês.
— Eles estavam te seguindo aquele dia? — Mau perguntou e eu
concordei com a cabeça. Ele tirou o celular do bolso e digitou alguma coisa
rapidamente. — Pedi para o Luca, o segurança lá de casa, me enviar as
filmagens dos arredores, vamos ver se comparamos com o carro que tentou
te atacar.
— É o mesmo. Eu estava apressada e não percebi eles me seguindo.
— Em qual clínica você estava hoje?
— No Harlem — respondi para Teo e ele pareceu pensativo.
— Então a Catania está envolvida com tráfico de pessoas, como a La
Santa? — Lena perguntou, franzindo o nariz. Eu sabia dos negócios da La
Santa, é claro, mas parecia estranho alguém falar em voz alta o que eles
faziam. Principalmente a ex-princesa da La Santa. Lena falou com tanto
rancor que nem parecia ter nascido lá.
— Santo cazzo — Cate exclamou, seu rosto se iluminando em
compreensão. — Acho que descobri a conexão entre a La Santa e os irmãos
Sana.
— Você não acha que foi seu tio? — Teo perguntou para ela e Cate
balançou a cabeça.
— Cazzata, se isso for verdade… Teo, eles estão usando nossas rotas.
Nosso acesso ilimitado que conseguimos com nossa trégua com a Catania?
Eles estão se aproveitando disso também — Mau comentou e o irmão
balançou a cabeça, concordando.
— Talvez cometemos um erro não contando para Stefano sobre
Manfredi e seus irmãos traidores.
Eu estava confusa, mas não interrompi, porque eles pareciam estar
mergulhados em pensamentos. Dani, por exemplo, parecia estar com o
cérebro a mil. Seu rosto estava sério, sua testa franzida, seus olhos azuis
penetrantes e distantes.
— Acesso às nossas rotas sem qualquer desconfiança seria perfeito
para os Marchetti. Eles poderiam usar nossos portos e aeroportos, se os
Catanios fiéis ao Manfredi utilizarem nossa união como desculpa para
navegar tranquilamente. E nem podemos falar nada, porque estamos
fazendo o mesmo no território deles. Não podemos simplesmente impedir
as passagens sem uma explicação, ou sem terminar a trégua.
— Você parece ter uma ideia se formando — Lena comentou,
observando Dani depois que ele terminou de falar.
— Preciso de mais informações sobre esses caras que atacaram Nora,
mas sim… E ela é um ponto crucial nesse plano. — Os olhos azuis
profundos e penetrantes se viraram para mim, com um pouco de receio, mas
brilhando em qualquer que tenha sido a revelação que ele teve enquanto
pensava. — Se tudo der certo…
— Acabamos de descobrir como derrubar a Catania sem precisar
entrar em guerra — Cate completou, com um suspiro incrédulo.
— Bom trabalho, Nora — Mau provocou, mas eu balancei a cabeça.
— Não fiz nada… — Eu estava confusa, porque estava me sentindo
mal por mentir para eles, por fazer uma besteira sem tamanho na
impulsividade, por ter me colocado em perigo. Mas, aparentemente, tudo
isso foi a escolha certa.
— Sua teimosia e lealdade acabou de nos dar uma informação crucial
— Dani provocou e eu segurei o xingamento na ponta da minha língua.
— Me deixa reformular: eu não sei o que fiz de tão importante.
— Eu vou explicar porque seremos eternamente gratos a você — Cate
prometeu, voltando a segurar minha mão. — Mas agora vamos tirar você
dessas roupas e colocar você para descansar, enquanto eles trabalham.
Ela lançou um olhar para os três Ricci homens, estreitando os olhos e
erguendo a cabeça como a Rainha que sempre era quando dava ordens.
— Consigam o máximo de informações que puderem, sem deixar a
raiva consumir vocês — ela avisou, cerrando os olhos e os três
concordaram como crianças recebendo uma ordem da mãe severa.
— Prometo tentar, Regina mia — Teo respondeu, antes de beijá-la nos
lábios.
Ele saiu no quarto, seguido de Mau, que deu um beijo bem menos
comportado em Lena e Dani, que varreu seus olhos sobre mim,
preocupados. Dei um pequeno sorriso agradecido.
— Obrigada por ir até mim, hoje — murmurei e ele deu os ombros.
— Sempre, leonessa.
E assim ele saiu, me deixando com as duas mulheres Ricci, um milhão
de perguntas e um alívio por finalmente ter falado a verdade sobre a
besteira que cometi.
14 - Dani

Cumprir as ordens de Cate seria difícil, porque assim que vi um deles


ali, amarrado em uma cadeira, me aproximei e desferi um soco.
Alertamos Angelo para ele não comentar nada do que escutar aqui com
ninguém. Já estávamos arriscando demais, porque a equipe de Mau sabia a
verdade e agora ele, mas ele tinha o direito de participar da tortura de quem
atacou Nora, assim como todo nós participamos da tortura dos homens que
já tentaram atingir Cate, Lena e Gigi.
Se a hipótese de Cate estiver certa, Nora acabou de nos entregar a
Catania de bandeja. Se fizermos tudo direito, sem dar qualquer passo em
falso, poderíamos destruir Stefano Conti.
E tudo porque ela era uma teimosa, destemida e leal. Protetora. Nora
nasceu para ser médica, seu instinto era proteger e cuidar e se ela não
tivesse feito isso, não estaríamos aqui agora, prestes a recolher mais uma
peça do quebra-cabeça que era os irmãos Sana.
Teo ergueu as sobrancelhas para mim, quando me afastei, mas não
disse nada.
— Eu achei isso um ótimo presente de casamento para mim — Mau
brincou, enrolando as mangas da sua camisa e se aproximando com um
sorriso brincalhão. Ele escolheu uma das armas que Vincenzo espalhou ali.
O segurança ficou um pouco furioso ao descobrir que Milena, sua
namorada e amiga de Nora, mentiu para ele, mas entendeu o porquê elas
fizeram isso. E pareceu bem orgulhoso dela, por ajudar duas estranhas
indefesas. Vincenzo era um bom homem, um bom soldado.
— Então você gosta de perseguir mulheres e atacá-las no meio da
rodovia? — meu primo perguntou, sorrindo sombriamente, enquanto se
aproximava. Mau começou a amolar uma faca de escalpe, que não
precisava ser amolada.
Mas o barulho da lâmina na pedra de amolação, os movimentos
tranquilos e precisos dele, isso era a própria tortura. Um dos homens
tremeu, os olhos fixos nas mãos de Mau. Eles eram mais velhos do que eu
imaginava, mas se fossem soldados dos Sana, isso explicava. Fedez parecia
ter a aliança da maioria dos soldados mais novos, os que não seguiam
Silvio, pelo menos. Então os mais velhos obviamente reportavam ao
Manfredi, Venanzio e Basilio Sana.
Eu sabia que Teo se arrependia de ter matado Manfredi naquela luta,
mas era a escolha ideal. Se ele soubesse que descobrimos Matteo e que o
matamos, o ex-Executor da Catania teria sumido do mapa. Não
conseguimos nenhuma informação dele, mas garantimos que, pelo menos,
ele não continuasse guiando e chefiando os irmãos mais novos.
— Estávamos cumprindo ordens.
— É sempre essa resposta — Mau brincou e Teo deu uma risada falsa,
se aproximando do irmão.
— Vamos mudá-la então. Que tal começando por quem é seu chefe?
— Somos Catanios — um deles respondeu.
Eles não pareciam ser soldados normais, de base. A força bruta ou o
cérebro. Eles eram cautelosos e tirando os olhos fixos do que tinha cabelos
pretos nas mãos de Mau afiando a faca, nenhum deles parecia nervoso.
— Que tal… — Mau se aproximou e colocou a ponta da faca embaixo
do queixo do homem careca, o que não estava olhando para a faca com
medo. — Venanzio ou Basilio?
O moreno arregalou os olhos e essa era a intenção de Mau ao fixar sua
atenção em seu parceiro. Deixar a sua reação livre e exposta para nós.
Lancei um olhar para Teo e meu primo concordou com a cabeça. Dei passos
tranquilos até o homem e parei às suas costas, começando a arrastar a sua
cadeira ao segurar no encosto. Ele gritou de susto quando comecei a movê-
lo, mas se debateu quando percebeu a tina de água. Não era nem de longe o
material ideal, mas bastaria.
Empurrei sua cadeira para trás, e ele se debateu mais, tentando se
equilibrar, seus cabelos e a parte de trás da sua cabeça ficando encharcados.
Dei um sorriso cruel e empurrei a cadeira para trás, segurando o peso dele
com o meu pé. Imediatamente ele se desesperou, engolindo água, tentando
se levantar. Puxei ele para cima, ainda sorrindo e ele tentou respirar,
recuperar o ar. O joguei para trás de novo antes que ele conseguisse se
recuperar.
Lancei um breve olhar para Mau, que estava estrategicamente de
costas. Eu sabia que torturas com água o lembravam do que meu tio fazia
com ele quando ele era uma criança, mas não tínhamos meios ou
instrumentos aqui para prolongar a tortura ou tirar informações por dias.
Teria que ser rápido e eficaz. Subi a cadeira do homem de novo, dessa vez
puxando seu cabelo para trás enquanto abaixava o meu rosto na altura do
seu.
— E então?
— Somos da Catania — o moreno respondeu e eu balancei a cabeça,
soltando-o com tudo e fazendo sua cabeça afundar de novo na água.
Logo, os gritos do homem careca se misturou com os sons do homem
de cabelos pretos tentando respirar e se debater contra o afogamento
iminente. Ergui ele depois de um tempo e coloquei sua cadeira da forma
correta no chão, fazendo um sinal de cabeça para Angelo. O irmão de Nora
se aproximou, as mãos já enfaixadas e protegidas. Enquanto eu segurava o
cara pelos ombros, Angelo começou golpes precisos de um lado do corpo
dele, acertando-o bem nas costelas, repetidas vezes. Até elas se partirem.
E quando o homem gritou de dor e sua respiração ficou difícil e
dolorida, ele partiu para o outro lado, repetindo o processo. Quando
conseguiu novamente, Angelo se afastou, um sorriso satisfeito no seu rosto.
Comecei a inclinar a cadeira novamente, mas o homem gritou, balançando a
cabeça em negativa.
— Sim, são eles os nossos chefes — ele confessou, com dificuldades,
como se qualquer respiração doesse, o que provavelmente era verdade.
— O que tem naquela clínica? — perguntei, escutando os passos de
Teo se aproximarem.
Ele segurava o seu celular, provavelmente gravando a confissão para
escutar e dissecar diversas vezes mais tarde.
— Eu… — Empurrei a cadeira e ele tentou se segurar, inutilmente. —
Levamos as mulheres em pior estado para lá.
— E como conseguem essas mulheres?
— Não sei… É verdade! — ele gritou, quando fiz menção de empurrá-
lo. — Eu não sei de onde elas vêm! Eu só sei que buscamos elas nos
portos… Dentro dos contêineres, ou no aeroporto e… Usamos a passagem
livre pelo seu território. Colocamos elas em armazéns, no Bronx, e depois…
— E depois? — Teo pressionou, quando ele hesitou novamente.
— Depois levamos elas até a fronteira com a La Santa, perto da
Pensilvânia — ele confessou. — Eu juro, não sei para que elas servem.
— É claro que sabe… — Teo balançou a cabeça. — E o que vocês
ganham sendo mulas?
— Não somos…
— Vocês são o transporte delas das águas internacionais até a fronteira
com a La Santa, vocês são mulas. Agora, eu não vou repetir uma terceira
vez, o que vocês ganham?
— Dinheiro. Vocês mataram o Manfredi, e o dinheiro da Catania é
pouco… Já era antes dele descobrir essa saída…
— Isso está acontecendo há quanto tempo? — perguntei e o homem
deu uma risada que era para ser sarcástica, mas saiu dolorida.
— Alguns anos atrás, quando Stefano afundou a Catania. Odiamos
eles. Odiamos ele e manipulamos Silvio. Ele sabia que Manfredi tinha
meios paralelos de conseguir dinheiro. Silvio sabia disso — ele falou
rápido, parando para tomar ar com um gemido de dor —, mas não sabia o
que era. Manfredi e vários homens do alto-escalão da Catania entraram em
contato com os filhos de Marchetti que estavam tentando explorar os nossos
territórios. Eles usavam as rotas de vocês em Boston…
— É por isso que ele ficou puto com a nossa união com a Catania —
falei, entendendo e Teo concordou com a cabeça.
Marchetti imaginou que isso terminaria, porque pelo menos
controlaríamos nossas rotas quando Catanios entrassem, ou
desconfiaríamos da quantidade de vezes que eles usassem nossos territórios
e portos. Mas isso não aconteceu, porque estávamos com medo de Stefano
Conti descobrir todas as informações que tínhamos, graças ao seu sobrinho,
Romeu e Cate.
Deixamos todos os Catanios andarem tranquilamente pelo nosso
território, como uma desculpa para eles não ficarem em cima de nossas
investigações do seu lado da fronteira. Marchetti marcou o casamento de
Lena com Cristiano Perro Loco não apenas para conquistar a Flórida, mas
para mostrar as rotas que conquistariam aqui. Por isso ele os trouxe tão
perto do nosso território.
E quando Teo matou Manfredi, seus irmãos tomaram frente das rotas,
mesmo sumindo do mapa. Eles estavam usando nossos territórios para
reunir dinheiro, e desviando nossa atenção em uma caçada inútil. Enquanto
perseguíamos eles em uma vingança idiota, os homens da Catania usavam
tranquilamente nossas docas para traficar mulheres para a La Santa.
A guerra que o soldado da La Santa me alertou fez sentido. Se nos
derrubassem, e derrubassem Stefano Conti no processo, Marchetti
assumiria tudo. E com a ajuda de Gutierrez e o Jalisco, a La Santa
dominaria essa costa inteira.
— E Stefano nem percebeu o dinheiro extra? — Teo perguntou e o
homem deu uma risada.
— Ele sabia… sabia que algo estava acontecendo, mas confiava em
Manfredi. Pensou que era porque estavam interceptando suas rotas, ao
norte. Manfredi estava quase convencendo o Capo a vender a sobrinha
como essas zoccole…
Teo avançou para cima do homem, acertando vários socos em seu
rosto até que eu o puxei para trás, censurando-o com um olhar. Eu também
estava puto, mas ele estava contando tudo, então precisávamos dele por
mais uns minutos.
— Stefano venderia Cate para quem? — perguntei, empurrando Teo
para trás e me colocando em sua frente.
— Sei lá, qualquer bordel que pagasse mais, ou para os próprios
Marchetti. Manfredi sabia que ela valia bastante. Mas você veio com uma
proposta melhor. — Ele lançou um olhar para Teo, pelo meu ombro.
— E você sabe por que Manfredi e Matteo tentaram sequestrar Cate
depois que casamos? — Teo perguntou, estreitando os olhos. Eu sabia que a
cabeça dele estava a milhão, como a minha.
— Vencer você. Eles a entregariam ao Marchetti, e com isso, você
faria tudo para conseguir salvar ela. Vender tudo seu? Dar suas rotas?
Morrer por ela? Tanto faz, seria um trunfo.
Teo me lançou um olhar incrédulo e eu concordei com a cabeça.
Matteo nos entregou as respostas e acreditamos em tudo o que ele disse
porque éramos idiotas. Ele disse aquelas coisas para desviar nossa atenção.
Acreditamos que ele estava fazendo isso para esconder os seus aliados e as
contas em que eles guardavam dinheiro, mas não… Ele estava escondendo
muito mais. Uma operação inteira, que envolvia a La Santa. Matteo e
Manfredi nos enganaram direitinho e seus irmãos, Venancio e Basilio
continuavam enganando até agora. E só descobrimos tudo por causa de
Nora.
— Aquele ataque no Bronx, antes do casamento do Teo, vocês têm
algo a ver com isso?
— Era para esconder um armazém que ficou muito visado. Mas
achamos que eles só iam atacar lá, e não vocês também! Mas aí acabaram
acertando vocês e… — Ele tossiu de novo, mais forte dessa vez, mais
dolorido. — Vocês estragaram os planos de Manfredi. Contudo, você pagou
bem mais do que ela com certeza valeria se fosse vendida como prostituta.
Stefano achou mais vantajoso e, no fundo, Venanzio convenceu Manfredi
que o acesso direto às suas docas seria bem melhor para o negócio. Eles
estavam reerguendo a Catania à sua glória anterior.
— É… e assim como quebrei o pescoço daquele sporco maffankulo,
vou quebrar a Catania inteira — meu primo prometeu e deu as costas para
o homem, desligando a gravação. — Pode acabar com eles.
Sorri quando Angelo começou a arrastar a cadeira do homem de
cabelos escuros de volta para o meio do porão, ao lado do careca que
parecia um pouco desfigurado, sangrando.
— Espere — pedi, e tirei o celular do bolso. Angelo e Mau me
olharam com confusão, mas Teo bufou quando o barulho da chamada ecoou
pelo lugar.
— Dani? — A voz de Nora estava confusa, mas seu rosto parecia mais
tranquilo e sem dor. Eu conseguia ver os travesseiros em suas costas, em
contraste com seus cabelos escuros.
— Qual deles? — perguntei, virando a câmera para os dois homens
amarrados na cadeira. Eu esperava que, mesmo desfigurado, o careca
estivesse reconhecível. — Quem fez isso com você, Nora? Qual deles
atirava?
— Não vou dizer — ela respondeu, apertando os lábios e fechando a
cara, mas seus olhos se desviaram para a esquerda por um momento, se
demorando um segundo a mais no careca.
— Entendi.
— Dani, não!
Cortei a ligação, sorrindo e me aproximei do homem já sangrando. Ele
começou a respirar mais rápido, assustado, seus olhos se arregalando
quando viram toda a fúria e ódio no meu rosto.
— Não se preocupe, não é nem de perto o que você merece.
E então comecei a trabalhar nele, ensinando a dura e mortal lição do
que acontecia quando se tentava machucar o que era meu.

— Tudo se encaixa — Cate murmurou, enquanto servia mais um


pouco de uma sopa para Nora, que balançava a cabeça, encostada na
cadeira no pátio de frente para o mar.
Estava esfriando bem durante à noite, mas ainda era suportável ficar ao
ar livre, e o barulho do mar parecia acalmar tanto Cate quanto Nora.
— Orazio Marchetti precisava dessa aliança com a Catania, antes de
derrubá-la. Ele teria acesso aos melhores portos internacionais e aeroportos
— Teo ponderou, correndo a mão pela barba rala. — Ele só recalculou um
pouco a rota quando matei Manfredi. Foi diretamente atrás dos irmãos
Sana. Imaginamos que eles entraram em contato agora, pela primeira vez,
pelo que o soldado da La Santa falou, mas não foi isso o que aconteceu.
Eles estavam em contato antes. Os Sana estavam nos enrolando, nos
levando para longe daqui.
— Mesmo assim você não cancelou a ida de Gaspare e da Equipe? —
Lena perguntou, mas pareceu um pouco envergonhada, como se tivesse
feito uma pergunta boba.
— Não, eu acho que vai ser bom se eles continuarem acreditando que
não desconfiamos de nada.
— E os homens que vocês mataram hoje? — Nora perguntou. Ela
falava a palavra “matar” com muita mais facilidade do que Lena.
— Mau confiscou os celulares, e está tentando se familiarizar com as
mensagens que ele conseguiu recuperar ao hackeá-los — expliquei e meu
priminho piscou para Nora, enquanto puxava mais a esposa para o seu colo.
— Eu vou imitar o jeito deles se comunicarem, e, com sorte, descobrir
um pouco mais sobre a localização desses armazéns.
Lena olhou de forma orgulhosa para ele e meu primo deu um sorriso
convencido e feliz para ela. Eu observei Nora levar a colher com a mão
esquerda até a boca, com cuidado para não derrubar, e quase errando,
derrubando tudo. Revirei os olhos e arranquei a colher da sua mão, sob o
protesto dela.
— Nem ouse! — ela rosnou, irritada, e estreitou os olhos quando
mergulhei o talher no prato fundo.
— Você derrubou quase tudo, é por isso que a Cate trouxe outro prato.
— Eu… — ela começou a reclamar e lançou um olhar para Cate, que
deu uma risada, acomodada no colo de Teo. — Desculpe!
— Não se preocupe, tem mais. Só que eu sabia que se tentasse te
alimentar, você cortaria a minha mão fora, a dentadas.
— E você não tem esse medo? — Nora me fuzilou quando ergui a
colher até sua boca. Dei um sorriso tranquilo, meus olhos brilhando.
— Eu posso te forçar — falei, delicadamente, e vi seus olhos azuis
brilharem em reconhecimento. Eu não teria problema nenhum em amarrá-la
e forçar a comida na sua boca, se ela não a abrisse.
Com a cara mais irritada do mundo, Nora deu um suspiro e abriu a
boca. Tentei esconder o meu sorriso e levei a colher até a sua boca,
alimentando-a com cuidado. Falei “boa garota” sem emitir nenhum som e
ela revirou os olhos, mas abriu a boca sem tanta resistência quando movi a
colher novamente.
— Então Manfredi queria convencer o meu tio a me vender para a La
Santa? — Cate retomou o assunto e a mão do seu marido ficou tensa em
sua cintura fina.
— Sim, foi o que ele disse, Regina mia.
— Hum… — Ela parecia pensativa e lançou um olhar para Lena.
— Posso ver a fumaça saindo da sua cabeça, sorellina — Mau brincou
e Cate mostrou o dedo do meio para ele. — Desembucha.
— Precisamos descobrir exatamente onde esse armazém fica,
primeiro. E aí, eu posso começar a desenrolar o plano que está se formando
aqui. Mas, por enquanto, vamos apenas recolher mais informações sobre
essas rotas. Vou pedir para o Fedez ficar de olho, mas seria ideal se…
— Se essas rotas fossem do Silvio — respondi, por ela, enquanto ainda
alimentava Nora. Minha bambolina me lançou um olhar astuto e eu sorri.
— Acho que nosso plano é o mesmo.
— Amanhã vou rezar bastante para dar certo — ela murmurou e
colocou a mão por cima da de Teo, em sua barriga ainda lisa. — E
agradecer.
— Pela primeira vez concordo com você, agradecer me parece uma
boa coisa a se fazer — Teo brincou, dando um pequeno beijo no ombro
dela.
— Nora, você quer ir à Igreja comigo? E depois podemos seguir direto
para casa, te deixamos na sua.
— Obrigada, eu vou adorar — Nora respondeu, lançando um sorriso
para Cate e depois suspirou, olhando o braço na tipoia certa que Teo
mandou entregarem aqui. — Acho que não vou conseguir trabalhar por um
tempo…
— O que aconteceu? — A voz delicada de Gigi parecia assustada e nos
viramos para as portas de vidro que levavam para dentro de casa.
Ela ainda estava com o vestido largo e sem cor que usou no casamento
e seus cabelos estavam bagunçados, como se ela tivesse se remexido na
cama durante a tarde inteira. Minha tia saiu de trás dela, seus olhos um
pouco desesperados.
— Eu convenci Gigi a descer para comer algo — ela explicou, com
um sorriso tenso, olhando para Nora.
— Nora…
— Eu caí de moto — ela interrompeu Teo, com um sorriso doce e
tranquilo. — Não é a primeira vez que acontece. Meu pneu furou e eu me
desequilibrei. Mas não conte para o meu pai, mesmo sendo mecânico, ele
odeia motos — ela brincou e Gigi pareceu relaxar levemente, sua respiração
se acalmando.
— Oh, Nora, posso te ajudar com algo? — Minha tia ainda tentava
disfarçar, mas era um pouco péssima nisso.
— Não se preocupe, Lena e Cate já me ajudaram a lavar todos os
ralados e agora Dani — ela resmungou meu nome, me lançando um olhar
acusador. — Está socando comida em mim como uma verdadeira mamma
italiana.
Isso quebrou o clima tenso e vi Gigi dar um pequeno sorriso quando
demos risada.
— Minha zia que me criou, então reclame com ela — respondi,
lançando um olhar para minha tia, que sorriu de forma deslumbrante.
— Bom saber que um de vocês aprendeu algo — ela brincou e Teo e
Mau começaram a reclamar, ao mesmo tempo.
— Vamos, Gigi, vou arrumar algo para você comer. — Cate se
levantou, sorrindo e andou até Gigi, evitando segurar nela, já que nossa
prima parecia ficar incomodada com alguns toques. Não era uma coisa
certa, às vezes ela aceitava alguns, às vezes parecia não querer. Acho que
nesses momentos o trauma estava mais presente em sua mente, então
evitávamos. Principalmente os homens.
— Ah, não, eu ajudo, você não pode se esforçar — minha tia ralhou e
Cate balançou a cabeça.
— Desde quando você cozinha, mamma?
— Posso esquentar muito bem.
— Por que você não pode se esforçar? — Gigi perguntou,
interrompendo Cate, enquanto elas entravam de volta na casa. Mas não
escutei a resposta ou a possível comemoração de Gigi. Eu esperava que ela
ficasse feliz, que pelo menos sorrisse um pouco ao saber que Cate
finalmente estava realizando o seu desejo de ser mãe.
— Ela vai ficar bem — Nora me garantiu e percebi que éramos os
únicos ainda ali. Com Teo, Lena e Mau seguindo para dentro de casa, os
recém-casados bem atrevidos, com mãos e beijos já quase perdendo o
controle.
— Vai mesmo? — perguntei, amargo, mas era mais por conta da
minha irritação pela falta de proteção que ela teve.
— Um dia, sim. — Nora deu os ombros e gemeu de dor quando o fez,
recebendo um olhar bem feio meu. — Esqueci.
Ergui novamente a colher em sua direção, já que estávamos acabando
e ela aceitou sem reclamar, seus olhos se desviando para o mar.
— Eu fiquei bem — ela murmurou, baixinho, e eu tentei com toda
força não perguntar o que ela queria dizer.
Nora era sempre um enigma e era extremamente difícil conversar com
ela, porque eu sempre acabava dizendo a coisa errada que a irritava e a
afastava. Portanto, aproveitei que eu era treinado para calar a boca e ter
paciência, e deixei ela se preparar para dizer o que estava pronta para dizer.
Continuei servindo os restos da sopa para ela, até a última colherada, e só
depois que terminou foi que ela começou a falar de novo.
— Uma vez eu vi algumas coisas da máfia que preferia não ter visto,
se eu pudesse escolher. Hoje, sabendo o que sei e sendo quem sou, eu não
teria sido tão curiosa e teimosa — ela confessou, mordendo os lábios,
mantendo os seus olhos nas ondas escuras do mar. — Mas eu vi, e não era
tão nova quanto a Gigi, mas era nova, 20 anos.
— É nova. É sempre cedo demais — murmurei, tentando não deixar
minha voz com tanta raiva e mágoa.
— É, imagino que seja mesmo… Mas a questão é que, por um tempo,
também pensei que não fosse superar. E tem dias que acho que não vou
mesmo, mas agora… agora eu não me lembro direito… — Ela parecia
chateada com isso, com se esquecer do evento traumático, seguir em frente.
E eu não era a melhor pessoa para aconselhá-la, porque eu era
dominado pelos ensinamentos do meu tio. Minha família morreria se eu
fizesse algo errado, se eu fosse incompetente. Eu sabia. Não era a mesma
coisa do que a Nora, inocente, vendo a violência que nossa vida fornecia,
mas eu conhecia alguém que superou tudo isso…
— Cate superou. De alguma maneira, ela é feliz. Muito. E ela enfrenta
tudo de queixo erguido. E não, não é que ela se esqueceu do passado, Nora,
é que ela escolheu olhar para frente.
— É mais fácil falar do que fazer.
— E eu não sei? — confessei e ela finalmente voltou a me olhar, uma
curiosidade brilhando em seus olhos.
Tentei esconder as dores do passado, os meus medos, medo de falhar e
perder todos eles, de errar e acabar com tudo que meu primo lutou tanto
para conquistar, mas não consegui. Não conseguia mentir para ela sobre
isso. Mesmo que desejasse que ela nunca conhecesse meus segredos e meus
pecados.
— Algo assombra seus sonhos, Consigliere? — ela provocou, um
pouco brincalhona, tentando quebrar o clima.
— Não, meus sonhos são bem prazerosos — sussurrei, com a voz mais
calma. — Envolvem você implorando por mim.
— Mai — ela retrucou, mas tinha um pequeno sorriso.
Nunca, Nora?
Veremos.
Seus olhos azuis brilharam em desejo, mas também determinação,
principalmente porque leu no meu rosto todo o desafio. Toda a vontade de
fazê-la implorar por mim. Nora me deu um sorriso depois de um momento
me encarando e balançou a cabeça, desviando os olhos novamente para o
horizonte.
— Eu gosto do mar — ela confessou, respirando fundo. — Mas eu
sinto falta dos barulhos da cidade. Eu sei que é maluquice, mas juro que
andar de moto e escutar o trânsito e o motor me acalma.
— Por que motos? Seu pai é mecânico, você conheceu carros também.
Aposto que dirige muito bem.
— Verdade, não conte para ninguém, mas meu pai sempre nos levou
para dar uma volta com os carrões que consertou. Era para testar, é claro.
— É claro — provoquei e ela deu um sorriso feliz, os olhos brilhando
com a memória. Sempre que falava dos pais ou dos irmãos, Nora parecia
transpirar amor e orgulho.
Senti uma pequena inveja porque eu definitivamente não pensava nos
meus pais assim, com orgulho e carinho. Pensava assim da minha tia,
mas… só. Quando eu pensava nos meus pais, o que eu fazia de tudo para
evitar, sempre envolvia vergonha.
— Não foi ele que me ensinou, na verdade. Samu me pegou mexendo
em uma moto um dia. Ele sempre se achou o mais responsável pela família.
Tipo você.
— Eu? — perguntei, surpreso e devo ter transparecido no meu rosto,
porque Nora me deu um sorrisinho sabichão.
— Você acha que eu não vejo você sempre tentando resolver e
cuidando de tudo? Sempre querendo ser o responsável? — Pela primeira
vez fiquei um pouco envergonhado e desviei os olhos. Nora deu uma
risadinha feliz, mas sua mão livre envolveu a minha em cima da mesa e eu
voltei a olhar para ela. — Ele também, ele cuidava dos mais novos, queria
ser um exemplo. Meu pai nem precisou martelar isso na cabeça dele,
Samuele sempre pensou que fosse sua responsabilidade. E quando ele me
viu ali, não me deu uma bronca. Ele me colocou na moto e começou a me
ensinar o que cada parte era. Ele já passava tempo o suficiente ali com meu
pai, então ele já sabia tudo. Temos uma diferença boa de idade.
— Qual é a ordem? — Eu queria saber cada detalhe de Nora, mesmo
as coisas que já sabia. Queria que ela me contasse, não ver um relatório de
algum soldado.
— Samuele é o mais velho, depois veio o Damiano, e aí veio o
Michele. Meus pais finalmente tiveram a melhor filha, que sou eu — ela
brincou e dei risada, balançando a cabeça. — Por último, o Angelo, o bebê
da família.
— Tenho certeza que ele adora escutar isso.
— Ele odeia, e é por isso que o chamamos. — Nora suspirou, feliz, me
dando um sorriso radiante. — Eu amo minha família.
— Então seu irmão te ensinou…
— Ele me ensinou o básico, me levava para dar algumas voltas, mas
eu queria mais, então entrei na oficina no meio da noite e roubei a moto.
— É claro que você fez isso — provoquei, dando uma risada
estrondosa, incapaz de me conter. — Deixa eu adivinhar, ele disse para você
esperar e ter paciência?
— Eu odeio você — ela murmurou, mas segurava um sorrisinho que
diminuiu o impacto da sua declaração.
— Você sempre foi tão teimosa?
— Sim. É minha maior qualidade.
— Tem razão, isso e essa sua bunda perfeita — provoquei e ela abriu a
boca em choque por um momento.
Só por um momento porque depois ela jogou a cabeça para trás e
gargalhou e eu posso jurar, até por um Deus que eu não acredito existir, que
esse é o som dos anjos e do paraíso. E eu queria muito passar o resto da
vida ouvindo Nora dar risada. Vendo ela ser feliz.
15 - Nora

Saímos cedo da mansão, porque Mau e Lena passariam alguns dias ali,
como um presente de casamento. Meu irmão ficou para trás, para ajudar na
segurança, porque era o seu trabalho. Eu admirava a ética trabalhista dele e
sabia que ele estava feliz porque os Ricci confiavam nele, não apenas
porque ele era o meu irmão. O motorista de Cate, Riccardo, levou Alessia e
Gigi para Hewlett e Dani deveria acompanhá-las, como um segurança extra,
enquanto Vincenzo fazia as vezes de motorista e acompanhava o Capo e a
Rainha até a Igreja, antes de seguirmos para a minha casa.
Eu sabia que Cate era religiosa, não tanto quanto eu, mas participava
às vezes das missas aos domingos. Essa igreja obviamente não era a que eu
frequentava, e nem Cate, já que ela passou a frequentar a minha igreja, mas
bastaria, porque eu queria agradecer pela sorte que tive ontem. E pedir
perdão por tudo que andei fazendo nessas últimas semanas. E isso incluía
Daniele Ricci…
Que aparentemente estava me perseguindo.
O Capo ergueu uma sobrancelha, olhando por cima da minha cabeça.
Eu não precisava me virar para saber que Dani estava ali, no topo das
escadas da igreja. Eu sentia seu corpo enorme e quente atrás de mim. Eu
sentia sua presença, todos os pelos do meu corpo se arrepiando, minha
respiração pesando… uma porra de uma reação física e impossível, mas que
acontecia todas às vezes em que ele estava perto de mim. Não me virei,
continuei olhando para Cate e Teo.
— O que você está fazendo aqui? Você não gosta de Igrejas — Teo
falou, olhando para Dani. Cate estava confusa.
— Nem você. — O Consigliere parou ao nosso lado e fui obrigada a
encará-lo. Ele estava de terno como o primo, como sempre. Ele só usava
isso e roupas leves para treinar. Mas eu sabia o que aquele terno escondia,
sabia como seu corpo era malhado e marcado, como ele era lindo em todas
as partes, e grande e…
Senti minhas bochechas esquentarem e lancei um olhar para as portas
abertas de madeira antiga, fazendo o sinal da cruz ao observar o altar da
pequena igreja.
— Eu gosto de Cate e Cate gosta de igrejas. — Era realmente o único
motivo do Capo acompanhar a esposa, ela não vinha todo o domingo como
eu, mas vinha com uma certa frequência, pelo menos 2 vezes no mês. — E
sua desculpa?
— Hum… — Rápido como um foguete, os olhos azuis-celestes de
Dani passaram por mim. E então se voltaram para Cate. Como se não
tivesse acontecido. — Eu gosto da Cate também.
— Cazzata — o Capo respondeu, com uma risada rouca.
— Bambolina, ele está me negando a minha salvação — Dani
provocou e Cate deu uma risadinha, acertando o marido no estômago.
— Deixe Dani se arrepender de comer a última fatia de bolo e não ter
deixado nada para mim. — Ela suspirou, triste, e colocou a mão na barriga
que ainda não mostrava sua gravidez. Mas a intenção era…
— Você vai ter pelo menos uns 15 bolos esperando por você em casa
hoje, Regina mia.
Um pouco de ciúme correu sobre mim. Porque ele era bondoso e
simpático com todo mundo, menos comigo. Comigo ele era mandão, e
bruto. Inclusive quando…
Ah, Dio mio, fiz um novo sinal da cruz e Cate me lançou um olhar
confuso.
— Eu estou pensando em ontem e como deixei o ódio e a vingança
tomarem conta de mim — menti, e Dani fez um barulho que parecia uma
risada sarcástica.
— Vamos entrar e depois te deixamos em casa. Mas no fim da semana,
quando você estiver melhor, podemos conversar? — Cate pediu, daquele
jeitinho dela que arrancava tudo o que queria de todos nós. Ela não precisou
me dizer qual era o assunto, eu já sabia. Eles queriam todas as informações
possíveis sobre a clínica na Catania e as mulheres.
— Sim, vamos conversar. — Os olhos de Dani se demoraram mais em
mim, dessa vez, e a memória do beijo e das suas carícias pareciam ainda
presente nos meus lábios.
— Pela Cate — esclareci, e aquela boca pecaminosa deu um pequeno
sorriso de canto; insolente e provocante.
Cretino.
Ficamos nos fundos, próximos à saída, com o pobre do Vincenzo
sentando em um banco na fileira ao lado, de olhos focados em Cate e no
Capo. Ela contou para ele que estava grávida nessa manhã, e depois de
pedir permissão para abraçá-la, o jovem segurança pareceu ficar ainda mais
sério em seu trabalho.
Dani sentou ao meu lado e Teo ao lado de Cate, basicamente nos
apertando contra eles, entre seus corpos. Como uma barreira caso algo
acontecesse. Seu corpo enorme tão perto de mim, com nossas coxas se
tocando, não ajudava em nada a evitar os pensamentos completamente
inadequados para uma igreja.
Tentei me concentrar na minha oração, tentei me concentrar em cada
palavra do padre, nas leituras, na conexão que eu tanto gostava com Deus.
Mas tudo o que eu conseguia fazer era sentir o corpo dele contra o meu e
me lembrar de tudo o que fizemos naquele quarto.
Rezei com mais fervor, tentei desviar meus pensamentos do homem ao
meu lado. Tentei pedir perdão por fazer isso quando não deveria, pedir
perdão para o Ignazio, pedir perdão aos meus pais por não ser forte e não
resistir aos meus desejos. Mas não pedi perdão por salvar aquelas mulheres.
Agradeci, agradeci por fazer o que fiz, porque assim ajudei a Stidda, e eu
apesar de querer que o tio de Cate e o seu primo pagassem pelo que fizeram
com ela, assim como a família de Lena, eu queria que a Catania e a La
Santa caíssem, para que nenhuma mulher sofresse mais.
E eu sabia que não deveria me envolver com a Stidda de novo, porque
foi difícil para mim enfrentar o que aconteceu da última vez, mas eu não
conseguia mais fechar os olhos para o fato de que estavam usando nossas
rotas e fronteiras para traficar mulheres. Levá-las à força. Como gado para
o abate. Rotas e caminhos que Michele provavelmente usava quando
participava do transporte de armas e drogas. Rotas e caminhos que, sei lá,
nós civis usávamos.
E era muito hipócrita da minha parte me importar com isso, mas fechar
os olhos quando se falava de drogas e armas, e todo o resto de coisas
criminosas que os Stiddari faziam, porém, eram realmente pessoas
inocentes.
Aquela arma poderia destruir alguém, e eu, como médica, estava na
parte final desse caminho. Eu peguei casos de overdoses e tratei feridas,
mas aquelas pessoas escolheram aquele risco. Os soldados sabiam dos
riscos quando entravam na Stidda, quando participavam. O vício em drogas
era uma coisa, mas ser soldado era uma escolha.
Uma escolha que aquelas mulheres não tiveram. E não parava em
mulheres. A La Santa traficava órgãos e crianças também. Filhos para quem
pagasse e quisesse burlar o sistema. E eu não conseguiria dormir tranquila
jamais se não ajudasse acabar com isso.
Eu não era boba de pensar que destruir esses acessos acabaria com o
tráfico internacional de pessoas. Mas ajudar a destruir a Catania e a La
Santa daria ao Teo mais poder e controle desse lado do país, e isso já era
bom o bastante para começar.
E eu poderia engolir as coisas erradas que os Stiddari faziam, se isso
protegesse os inocentes. O mundo não era A ou B. Bom ou mau. Eu
pertencia à Stidda, eu pertencia ao mundo do crime. Meus irmãos eram
criminosos, meu pai… E isso não transformava eles em más pessoas. Mas
aceitar isso, aceitar as coisas que eles faziam, não queria dizer que eu
aceitaria qualquer coisa que acontecesse na frente dos meus olhos.
Eu tomei a decisão certa quando ajudei aquelas mulheres. Posso ter
feito de uma maneira impulsiva e impensada, mas nunca me arrependeria.
Nunca voltaria atrás. E nunca pediria desculpas por fazer aquilo.
Mas eu precisava pedir perdão por ceder ao desejo e ao Dani. Duas
vezes. E isso não poderia acontecer novamente. Não mais. Eu não poderia
perder o controle na presença dele, porque a única pessoa que sairia
machucada seria eu. Se eu tivesse sorte. Se não tivesse, de novo, algo tão
ruim quanto a última vez. E eu não suportaria passar por isso de novo. Não
suportaria me envolver e ver Dani escolher a Stidda e…
— Nora? — Dani perguntou, um pouco preocupado e eu virei a cabeça
para ele. As pessoas estavam em pé, indo embora, esvaziando a Igreja.
— Desculpe, eu… — Virei, mas Cate não estava mais do meu outro
lado.
— Eles foram embora — Dani explicou e eu franzi as sobrancelhas. —
Cate estava enjoada e eu falei que te levaria.
— Você não… — comecei, mas ele me deu um pequeno sorriso,
levantando e estendendo a mão.
— Você está bem? — perguntou, quando segurei sua mão após hesitar.
A facilidade com que ele me levantou sempre me impressionaria.
— Eu estava em uma conversa muito profunda com Deus.
— Ah, é? — Dani me guiou entre os bancos da igreja, com cuidado.
Eu sabia que nem ele, nem o Capo acreditavam em Deus e na Igreja. É
claro que os Ricci sempre apareciam às vezes, e eu sabia que Alessia era
presença constante na Igreja, mesmo antes de Cate aparecer. Mas ela
parecia ser a única ali, além da mamma deles, que era fiel e devota. Meus
irmãos também não acreditavam, meu pai era mais crente do que eles, mas
minha mãe era uma carola. E eu acreditava também.
Na medicina, por mais que a lógica fosse necessária, algumas coisas
sempre me pareciam um pequeno milagre. E eu gostava da ideia de ter algo
em que me apoiar nos momentos de desespero e escuridão. Eu não era uma
católica conservadora da máfia, como a maioria das mulheres e das
famílias, mas era crente. Eu acreditava de verdade em tudo o que fazíamos
e falávamos aos domingos nas Igrejas, e acreditava de verdade nas minhas
orações. E eu sabia que os homens da máfia só fingiam acreditar porque era
o esperado deles, principalmente porque eles lidavam e faziam coisas que
não seria possível fazer se acreditassem em Deus.
E eu sempre me sentia boba e diminuída quando ia para a Igreja e
escutava as provocações dos meus irmãos – longe dos ouvidos dos nossos
pais – porque eu sabia que eles não acreditavam e me achavam inocente e
idiota por acreditar, mas Dani nunca tiraria sarro de mim.
— Eu estava agradecendo. Pela chance de ter ajudado aquelas
mulheres. Não pedindo perdão — avisei, antes que ele pudesse responder
ou me provocar. Eu sabia que minha voz tinha um tom de desafio, mas…
— Ninguém te julgou por salvá-las, Nora. Especialmente Cate e Lena.
Você só poderia ter nos contado. Me ligado… — Ele me ajudou a descer as
escadas, mesmo eu conseguindo sozinha, mas não me importei. Era bom
sentir seu toque, a mão dele na minha, firme e quente, de uma maneira nada
sexual ou casual como nos momentos em que lutávamos juntos.
— Eu não queria te ligar, porque…
— Estava me evitando.
— Fizemos uma merda — relembrei e seu rosto ficou mais fechado e
sério por um momento, enquanto nos aproximávamos da moto dele. — E
você marcou a minha moto!
Soltei minha mão da sua, lembrando que deveria manter distância
daquele homem, porque toda vez que eu estava na sua presença eu pegava o
meu bom-senso e enfiava no…
— Eu admito que não deveria ter marcado sua moto, porque você
tem… — Ele mudou de ideia, parando de falar no meio do caminho. Mas
eu sabia o que ele queria dizer.
Porque você tem um noivo.
— Dani — chamei, parando enquanto ele vestia sua jaqueta em mim,
sem enfiar nos meus braços por conta da tipoia, mas fechando ela no meu
peito, como se fosse um poncho. — Eu quero ajudar, com todas as
informações e os planos que vocês querem montar, mas não podemos mais
perder o controle. Ou deixar o tesão falar mais alto.
Ele me olhou por um momento, mas não abaixei os olhos.
Eu pensei muito nisso ontem, enquanto estava tentando descansar e
não deixar a dor em todo o meu corpo me consumir. Não era justo. Não era
justo usar o corpo dele só porque eu não conseguia me controlar. Não era
justo ele me usar como válvula de escape quando estava nervoso, já que nas
duas vezes em que nos envolvemos ele estava puto da vida e eu também.
Isso não era e nem nunca seria um relacionamento de verdade, porque
não combinamos. Não damos certo. Muito tesão explosivo e pouca
conexão. Conexão de verdade. Sem falar que nunca daria em nada, porque
eu tinha o Ignazio e ele tinha a Stidda. A Stidda era importante para Dani, e
eu nunca me colocaria entre a famiglia e os sentimentos de um homem
novamente.
Nunca.
— Eu quero… quero conversar com você sem acabar em briga ou…
— Não completei, apenas olhando para o lado por um momento. — Só
fazemos isso.
— Conversamos também — disse, baixinho, e eu seguirei a vontade de
erguer a mão livre e acariciar o seu rosto.
— Sim, às vezes, quando conseguimos não brigar. Eu sei que você me
odeia e eu também.
Ou pelo menos deveria odiar ele e tudo o que ele representa e o poder
que tem sobre mim… Eu queria tanto odiar ele, eu tentei tanto.
Dani franziu a testa, aqueles olhos azuis tão gélidos estavam cheios de
fogo, mas dessa vez não era tesão. Eu não conseguia identificar aquela
emoção, e não queria. Não queria me dar uma esperança falsa e inútil.
— Cate é minha melhor amiga, e eu quero ajudar a derrubar quem fez
mal a ela. Quero ajudar a derrubar a Catania, a La Santa. E quero conviver
com ela sem ter receio de aparecer porque você vai estar lá. E eu sei que
estou me infiltrando na sua família, mas…
— Ok. Podemos ser cordiais — ele me interrompeu, sério e frio.
Não amigos.
É claro. A sensação de decepção preencheu meu coração. Por que ele
não disse que queria ser meu amigo, ou por que ele não brigou comigo?
Não recusou meus termos?
Não era exatamente o que eu queria? Então, por que parecia que meu
coração estava sendo esmagado no peito?
— Eleonora! — Minha mãe abriu a porta com tudo, enquanto Dani me
ajudava a subir as pequenas escadas.
Eu avisei que não tinha necessidade, mas ele me ignorou e começou a
me ajudar. Inclusive ele me ignorou o caminho todo. Mesmo com o
capacete com microfone. E foram duas horas de viagem. Ele foi com
cuidado, desviando dos carros no caminho, acelerando o suficiente para ser
rápido, mas sem causar qualquer desconforto em mim.
E eu fui uma cretina que se aproveitou do meu ombro machucado para
me encostar nele o máximo que pude. Dani não reclamou. Ele seguiu com
calma, parando algumas vezes para esticarmos o corpo, porque minhas
pernas ainda estavam doloridas pelo impacto com o chão. Só que ele me
ignorou sempre que parávamos. Em uma das paradas, ele entrou em uma
conveniência de um posto, pegou uma água e um sanduíche frio e me
entregou sem dizer uma palavra. Ele me ajudou a comer e segurar as coisas,
mas não conseguiu manter uma conversa casual. Minha pobre moto e
minha mochila foram enviadas para casa hoje cedo, e eu sabia que minha
mãe estaria em surto, mas o jeito que ela estava agindo, parecia que eu tinha
ido para a guerra e voltado depois de cinco anos.
— Oh, patatina! — Os olhos dela estavam cheios de lágrimas e eu
fiquei horrorizada.
— Mamma! — Fiz uma cara feia e lancei um olhar para Dani, que
tentava segurar a risada.
— Desculpe, Sr. Ricci — ela começou, mas ele balançou a cabeça.
— Pode me chamar de Dani — ele corrigiu, com um sorriso arrasador.
Ele sorria livremente para todo mundo, menos para mim?
— E você me chame de Irene! Você trouxe Nora?
— Dani me trouxe, porque, bem…
— Porque você detonou sua moto — meu pai completou, saindo da
garagem aberta, sua oficina. — Consigliere.
Dani não tentou fazer o meu pai chamá-lo pelo nome, provavelmente
porque sabia que ele era orgulhoso, e eu agradeci mentalmente por isso.
— Está muito ruim? — gemi, com medo da resposta.
— Um pouco… Acho que chegou a hora…
— Não! — praticamente choraminguei, balançando a cabeça, e meu
pai deu uma risada.
— Já estava velha, pat… filha. — Ele mudou porque eu olhei feio para
ele.
— Venha, figlia, vamos, eu acabei de fazer uma torta. — Minha mãe
ergueu a mão para colocar no meu braço com tipoia, mas me inclinei para
longe do seu alcance… para dentro do abraço de Dani, que me sustentava
pela cintura.
Meu ombro encostou no seu peito e seu cheiro delicioso e sedutor me
invadiu. Eu nunca me esqueceria das notas cítricas do seu perfume, de
como o cheiro ficava em mim por horas, depois que ele encostava seu corpo
no meu…
— Cuidado, Irene, ela continua com dor, porque é uma testarda que
não toma analgésicos — ele entregou, ralhando comigo, mas ainda
mantendo o sorriso arrasador para a minha mãe.
— É a Nora? — Michele desceu as escadas e parou abruptamente ao
me ver encostada no seu Consigliere. Tentei me afastar, mas Dani apenas
me empurrou para dentro de casa, o braço firme na minha cintura.
— Michele — ele cumprimentou, e meu irmão estreitou os olhos antes
de dar um aceno com a cabeça. E pegar o celular.
Olhei feio para ele, tentando discretamente mexer a cabeça, mas sabia
o que ele estava fazendo, e gemi com o que aconteceria em alguns minutos
se Dani não fosse embora…
— Eu estou ótima, obrigada pela ajuda — agradeci, enquanto ele me
guiava para o sofá, seguindo minha mãe.
— O que aconteceu, Nora? — meu pai perguntou, com os olhos
cerrados, porque ele com certeza não acreditaria na história do pneu, já que
os buracos de bala na minha moto contavam a verdade.
— Eu coloquei a marca da Stidda na moto dela para ela estacionar na
frente de casa e na clínica sem problemas, a pedido de Cate, e como ela
estava indo em direção à nossa casa nos Hamptons e sempre está em casa,
eles imaginaram que ela seria um bom alvo.
Dani falou com tanta facilidade, que eu comecei a questionar todas as
palavras que ele já me disse. Mas é claro que ele era bom mentir. Os boatos
eram que o próprio Mauro Ricci o treinou. Ele cresceu ao lado do tio,
aprendendo com ele. Isso com certeza mostrava que ele aprendeu algumas
coisas…
— Tudo bem, eu consegui escapar e deu tudo certo. Obrigada, Dani
e…
— Eu acabei de fazer uma torta! — minha mãe me interrompeu,
sorridente, e eu a fuzilei com os olhos. — Que tal um pedaço?
— Ele não quer um — falei, firme, mas minha mãe me ignorou.
— Sente-se, por favor, senhor… Dani — ela se corrigiu, quando ele
lhe lançou um olhar severo. — Vou fazer um prato para você.
— Mamma — ralhei, em voz baixa, mas Dani me lançou um olhar
divertido e provocante.
— Minha zia me mataria se eu recusasse — ele disse, simplesmente, e
se sentou ao meu lado no sofá.
Meu pai deu um sorriso para a esposa e sentou na sua poltrona
favorita. Talvez Dani tenha percebido isso, porque escolheu o lugar no sofá,
e eu estava um pouco confusa… Um homem com o poder dele, com o seu
ranking na organização, poderia pedir a melhor cadeira da casa. Deveria
exigir isso. Meu pai estava esperando isso e parecia bem satisfeito que ele
não exigiu. Que ele não foi um babaca, mas sim respeitoso com meu pai.
Seu subordinado, seu inferior.
Michele, ao contrário, estava puto da vida, encostado no corrimão da
escada e tentando não fuzilar o seu Consigliere com os olhos. Eu conseguia
ver o seu corpo dividido entre o respeito que ele devia ao Dani, e o senso de
proteção comigo.
— Então, o seu ombro…
— Nora? — Samuele invadiu a casa, com Perla ao seu lado, os dois
segurando os filhos pelas mãos, praticamente arrastando-os. Minha cunhada
parecia bem irritada e revirou os olhos quando entrou e encontrou os meus.
Ela estava com calças de abrigo e um moletom velho e meu irmão
estava sem camisa, apesar de também usar o mesmo tipo de calça. Como se
eles tivessem saído correndo de casa, no fim do quarteirão.
— Estou bem! — falei, irritada e olhando feio para Mick, que enviou
as mensagens.
— Eu disse isso a ele. — Minha cunhada soltou a filha no chão e ela
deu passos hesitantes até o meu pai, os olhos focados em Dani, cautelosos e
um pouco confusos.
— Nonno — ela pediu, esticando os braços para o avô e meu pai a
pegou no colo.
É claro que quando viu Anna no colo da sua pessoa favorita, Mattia II
se debateu até o pai o soltar e andou com firmeza, subindo na outra perna
do meu pai e olhando com superioridade para irmã, como se subir sem
ajuda fosse a maior conquista.
— O que aconteceu? — Samu ignorou a esposa e foi até Michele,
parando ao seu lado e cruzando os braços. Ele foi um pouco mais discreto
na sua desaprovação direcionada ao seu Consigliere, mas ainda assim…
— Não diga nada — alertei, quando Dani abriu a boca para responder.
— Espere. Três, dois, um… — contei, descendo os dedos e a porta da frente
se abriu de novo.
Dani tentou esconder um sorriso quando Damiano surgiu, com a filha
recém-nascida amarrada ao peito em um canguru de tecido. Balancei a
cabeça quando Gemma entrou também, os cabelos escuros, bagunçados e
balançando em seus cachos finos.
— Eu disse que eu não posso correr! — Ela acertou o braço do meu
irmão com força, e ele resmungou de dor, antes de pedir desculpas para ela.
Gemma me lançou um sorriso espertinho e cheio de duplo sentido,
antes de ir saltitando até o outro sofá, como se estivesse pronta para assistir
ao filme mais interessante da sua vida. Olhei feio para ela e suspirei.
— Agora pode contar — falei para Dani, que deu uma pequena risada,
completamente inabalado com os meus três irmãos o encarando.
Tudo bem que, entre os três, Mick era o mais assustador no momento.
Ele estava com uma camiseta básica e shorts leves, mas pelo menos não
parecia desgrenhado como Dami, ou cansado como Samu. E mesmo com
meus dois irmãos mais velhos sem camisa, Mick parecia mais forte… É
claro que nenhum deles se comparava em tamanho com o Consigliere,
portanto, admirei a audácia deles de se posicionarem juntos, ao pé da
escada e encararem o seu superior assim, com tanta hostilidade.
Dani repetiu a mentira, encarando meus irmãos nos olhos
tranquilamente. Angelo sabia a verdade, agora, tendo participado da tortura
dos Catanios, mas ele nunca contaria nada para os irmãos mais velhos. Não
que ele não confiasse, mas ele levava o seu trabalho a sério. E queria se
mostrar para os chefes. Queria crescer na organização. Estar tão perto de
Mau e sua equipe, cuidar da esposa dele, era uma grande honra para o meu
irmão. Mesmo que isso o colocasse em perigo constante.
— Ótimo, tudo esclarecido? Eu tenho certeza que você precisa
voltar…
— Pronto, eu trouxe… — Minha mãe parou com uma bandeja na mão,
com uma fatia enorme de torta e um copo de leite. Ela fuzilou os meus
irmãos com os olhos e depois o meu pai, que perdeu o sorrisinho satisfeito.
— Sinto muito por isso, Dani — minha mãe pediu, indo em direção a ele e
meus irmãos ficaram bem mais irritados por ela tratar ele pelo primeiro
nome, com a intimidade que ele estabeleceu.
Percebi que não foi só educação. Dani entrou nessa casa conquistando
como aliada a peça mais importante para todos eles e meu pai.
Che due palla.
Segurei a vontade de balançar a cabeça, mas ele deu uma piscadinha
para mim quando percebeu o meu olhar e recebeu a bandeja das mãos da
minha mãe com um sorriso arrasador.
— Não precisava se preocupar, Irene. — Ele gesticulou para a bandeja
que colocou em seu colo, agradecendo minha mãe.
— Espero que goste de torta de maçã! — Minha mãe foi se sentar do
lado da Gemma, no sofá menor, e segurou a mão de sua nora enquanto Dani
dava uma garfada generosa.
Eu sabia que estava boa não só porque a torta era especialidade da
minha mamma, mas porque Dani deu um leve suspiro satisfeito.
— Você precisa dar a receita para a Cate, ela vai adorar essa
combinação de sabores — ele falou, com carinho, e minha mãe abriu um
sorriso radiante, endireitando os ombros de orgulho. E eu sorri também,
porque Cate realmente adoraria esse sabor.
— Vou separar um pedaço para ela.
— Ela vai adorar, obrigado — ele agradeceu e deu outra garfada,
totalmente espontânea e sem falsidade.
— Vocês querem torta, ragazzine? — minha mãe perguntou, olhando
para Gemma e Perla, e Samuele bufou da escada.
— E seus filhos?
— Minhas filhas, primeiro, e vocês estão sendo mal-educados na
frente das visitas — ela ralhou, olhando feio, e imediatamente meus irmãos
relaxaram as posições, apesar dos olhares desconfiados e severos
continuarem em seus rostos.
— Eu quero torta — Mattia falou, espiando o prato de Dani e criando
mais coragem para interagir do que a irmã.
— Vamos, bambino mio — Perla falou, com delicadeza e se levantou,
esperando o filho a seguir. — Quer também, Annita?
— Sim, mamma — ela respondeu, baixinho, com aquela voz ainda
falha e as palavras todas erradas e moles.
— Vi que você está usando a sua Kawasaki, ficou tudo bem? — meu
pai perguntou para Dani, um pouco nervoso.
Eu sabia que ele tinha ficado honrado quando o Consigliere o procurou
para consertar a sua moto. Ele ouviu indicações de vários soldados sobre a
oficina do Romano e veio direto até aqui. Mas meu pai também ficou
preocupado, porque era uma responsabilidade enorme. E o antigo
Consigliere não tolerava erros. Era tão diferente o jeito de Teo, Dani e Mau
lidarem com seus soldados e negócios. Eu via, por trás dos panos, como
eles ficavam um pouco confusos quando eram tratados com respeito.
Quando eram tratados como colegas e não subordinados.
É claro que Teo tinha uma reputação assustadora, assim como Dani e
Mau, e sua equipe. Todo mundo sabia dos boatos, de como eles eliminaram
todos os apoiadores do falecido Capo e colocaram soldados mais jovens,
mais leais, em seus lugares. Teo e Dani eram conhecidos entre os soldados
porque participaram de várias operações com eles, como se fossem
soldados comuns. Eu sabia que Samu participou de uma dessas operações
antes de começar a ajudar mais o babbo na oficina.
Ele tinha um respeito enorme pelo Teo e falava sempre muito bem
dele. Os Ricci mais novos começaram mudando a Stidda de uma maneira
que o pai deles nunca imaginou fazer: eles se entrosaram com os soldados,
com suas famílias. Eles ganharam a confiança dos seus homens de uma
maneira praticamente inquebrável, lutando ao seu lado, trabalhando ao seu
lado. Impossível não dividir momentos tensos e pesados sem confiar
plenamente em alguém. E eles confiavam no novo rosto da Stidda.
Enquanto Mauro Ricci e sua trupe elitista se cercaram dos velhos
tradicionalistas que sempre estiveram na elite da máfia, Teo, Dani e Mau
conquistaram a base. Os soldados. E Lena e Cate faziam a mesma coisa
com a ajuda de Alessia.
Elas navegavam entre as esposas dos homens importantes das famílias
tradicionais que Teo não eliminou, mas também participavam de festas
familiares dos soldados mais baixos. E por isso a ideia das academias de
treinamento da Stidda era genial. Misturar os homens de vários rankings,
obrigá-los a conviver, fazer contatos, obrigá-los a treinar junto de uma
maneira que não parecesse tão dominante e de servidão. Os soldados de
todos os tipos, os Stiddari que nem eram soldados ativos, que só eram os
homens de negócios, a força bruta… tudo isso se misturava nas academias
que Teo estava espalhando por todo o território.
Ele estava transformando a Stidda em uma enorme famiglia. De
verdade. Onde todo mundo confiava no outro. Tudo isso enquanto ainda
mantinha o ranking e o respeito. Teo era impiedoso, garantiu isso
eliminando os homens que não estavam de acordo com suas leis e regras,
mas também era justo. Era brilhante como os Ricci cativavam o apoio
incondicional de todas as faixas de hierarquia da Stidda. De homens como
Gaspare, no topo, ao meu pai, na base.
— Melhor do que era antes. Preciso trazer a minha Ferrari, na
verdade. Eu não uso muito e está meio estranha. Me disseram que seu filho
Damiano é ótimo com elas. — O elogio teve o efeito esperado.
Meu irmão se empertigou, o efeito prejudicado um pouco por conta do
canguru amarrado no peito e da pequena Beatricce pendurada nele. Mick
revirou os olhos, mas Samu pareceu amolecer também, porque ele que
ensinou tudo para o Dami, como meu pai fez com ele.
— Quando quiser — Damiano falou, e eu respirei fundo, resignada.
— Está cedo, mas e se você ficar para o jantar? — meu pai ofereceu, e
foi aí que percebi que Dani conquistou rapidamente toda a minha família.
Cazzo.
16 - Dani

Nora estava revoltada comigo, mas foi ela que pediu para sermos
cordiais. Eu imaginei que isso incluía a sua família. E eu gostei bastante da
sua família. Nem me importei com os irmãos dela tentando me intimidar.
Era claramente uma tentativa de defender a irmã e a honra dela, mas
ninguém mencionou um noivo. Ninguém disse nada sobre um possível
casamento. Ou citou o nome de alguém, ou disse que alguém estava
faltando. Os pais de Nora eram bem tranquilos, pelo que percebi, mesmo
com a filha chegando machucada em casa e na companhia de um homem. A
maioria dos pais da máfia italiana tinham um puritanismo absurdo. Gigi,
por exemplo, não ficava sozinha com homens que não eram seus familiares.
E isso era ridículo.
Porém, Mattia e Irene Romano não pareciam se incomodar com a filha
ter passado o final de semana longe. Certo, Angelo estava lá, mas ela foi
sozinha. Voltou com um homem, sozinha. Ninguém deu uma bronca nela e
nem parecia recriminá-la por isso. Eles eram rigorosos de outras maneiras,
percebi. Mas não como meu tio… Era… normal.
Seus filhos obedeciam às ordens de colocar mesa, ajudar a mãe, retirar
e lavar os pratos. Mas eles brincavam juntos. Eles davam risada junto. Eles
ficavam juntos sem se esforçar. Era bem diferente da maneira como fomos
criados. Teo e eu fizemos de tudo para ajudar a minha tia a proteger Mau,
mas quando meu tio insistia em jantares em família, era tudo mecânico. O
respeito que ele conquistou das pessoas naquela mesa em Hewlett era
devido ao medo e pancadas. O respeito que Mattia e Irene Romano
conquistaram era por conta do amor, da criação cuidadosa.
Mais observei do que participei, curioso, tentando imaginar se, no
futuro, seria assim, com os filhos de Teo e Mau, sentados à mesa em nossa
companhia. Tentei imaginar se Nora criaria os seus filhos assim, com o seu
noivo. E não pela primeira vez na vida, invejei uma família. Um futuro.
— Desculpe — Nora pediu, me entregando outro prato.
Mesmo não podendo lavar as louças por conta do seu ombro, ela ficou
comigo na cozinha quando insisti em lavar tudo. Era o mínimo que eu
poderia fazer pela sua mãe, depois do jantar.
— Pelo quê?
— Meus irmãos — respondeu ela, com um sorriso, se encostando no
balcão ao lado da pia. — Eles são um pouco superprotetores.
— Normal em uma família italiana — brinquei, e ela balançou a
cabeça.
— Não somos uma família comum. E eu definitivamente não sou a
típica garota italiana — murmurou, parecendo perdida em pensamentos.
— Você parece uma para mim.
Nora virou aqueles olhos azuis penetrantes em minha direção, os
cabelos escuros caindo lisos pelo seu rosto incrível. Ela deu um sorrisinho,
como se não acreditasse no que falei.
— Sou totalmente o oposto, mas não me impressiona você não saber o
que é uma filha da máfia apropriada.
— Você está tentando ofender minhas companhias? — brinquei,
fingindo indignação e jogando água da pia nela. Ela me bateu no ombro
com uma risada livre e leve, que aqueceu meu coração.
— Não, estou tentando ofender você — ela respondeu, ainda sorrindo.
— Não fico ofendido, porque não ligo para garotas italianas certinhas
— respondi e ela mordeu o canto dos lábios, pensando.
— Eu não sou… virgem. Como você reparou… — Ela abaixou a voz,
e olhou para a porta. Mas não parecia ter vergonha de falar sobre isso, ou
sobre sexo. — Eu tenho permissão para sair sozinha, eu vou para festas e
baladas, eu trabalho. Eu não sou boa na cozinha, eu luto e gosto muito
disso. Minhas mãos não são delicadas e perfeitas porque eu passei a
infância aprendendo a consertar carros e socando meus irmãos…
— Você tem um objetivo? Listando tudo isso? — Ergui as
sobrancelhas enquanto terminava de enxaguar o último prato e desligava a
torneira.
— Estou tentando te alertar de que eu não sou ideal. De que… — Ela
suspirou, desviando o olhar. — De que não sou o que você procura.
Minha risada escapou e ela fechou a cara. Mas eu tive que rir, porque
eu não buscava nada disso. Nunca busquei. Eu já sabia que não me casaria
com uma filha da máfia perfeita, porque não queria. Se meu tio ainda
estivesse vivo, e me ordenasse, eu faria. Ele me torturou o suficiente para
ser difícil desobedecer a suas ordens. Mas Teo não me obrigaria a casar para
manter relações ou agradar algum segone que queria ter influência e poder
na famiglia. Mesmo se obrigasse… não seria algo que escolhi. Não seria
algo que eu gostaria. Mas Nora…
— É isso que você quer, Nora? Ser a filha perfeita da máfia e se casar
com alguém ideal? — Mantive minha voz baixa, me aproximando um
pouco dela, mas não o suficiente para parecer indecoroso. Agora que ela
tocou no assunto, eu queria saber se ela imaginava isso, se sonhava com
isso. Em ter alguém digno. Alguém que não tenha feito as coisas que fiz.
— Eu quis isso, uma vez… — confessou ela, depois de um momento
de silêncio, e ergueu os olhos para mim. Confusos, cheios de dor e mistério.
— E agora?
Ela abriu a boca, mas não saiu nada. Ela tornou a fechar, e abriu mais
uma vez. E então finalmente balançou a cabeça em negativa.
— Eu quero ser eu. Lutar, trabalhar, andar com a minha moto porque,
apesar de mentir sobre eficiência e rapidez, eu realmente gosto de andar por
aí assim.
— E isso não vai acontecer se você se casar?
— Não com quem era para ser… — confessou ela novamente, os
olhos um pouco arregalados pelos segredos que estava soltando. — Mas
isso não importa mais.
— O que você quer sempre importa, Nora.
— Não, eu quis dizer…
— Sobre o que estamos falando? — O pai dela invadiu a cozinha, com
Michele e Damiano atrás, e ainda bem que eu estava segurando um pano de
prato nas mãos, porque pude fingir que acabei agora de lavar a louça e
estava secando as mãos.
— Estamos falando que não sou a filha da máfia apropriada — ela
brincou, com um sorriso, e apontou para o ombro apoiado na tipoia.
— Não, você definitivamente não é.
— É teimosa, é cabeça-dura. Se mete em assuntos que não são seus…
— Michele começou a listar e Nora ergueu o dedo do meio para ele. —
Mais uma prova.
— A culpa é minha, com tantos filhos, eu não soube criar uma filha —
Mattia explicou, sorrindo, mas isso me incomodou.
— Você a criou muito bem. Nora é uma ótima médica, e uma lutadora
muito boa. E, na verdade, eu acho que, por ser teimosa e cabeça-dura, ela é
excelente com seus pacientes.
Não consegui me controlar, porque tudo o que eles falavam sobre Nora
e seus aparentes defeitos eram suas melhores qualidades para mim. Ela era
uma lutadora incrível porque era dedicada, porque tinha paciência, porque
pensava antes de agir. Ela era uma médica excelente porque lutava pelos
seus pacientes, porque não desistia.
— Viu? — Nora sorriu, e tentou esticar as costas, soltando um gemido
de dor.
— Talvez ser teimosa é mesmo um defeito — brinquei, e ela me
xingou baixinho.
Deixei o pano de prato em cima do balcão e virei as costas, escutando
os passos leves dela me seguindo. Parei na frente do seu pai, esticando a
mão e segurando com firmeza.
— Obrigado por me receber, Romano — agradeci, e ele me deu um
sorriso leve.
— Foi o nosso prazer, Consigliere.
— Posso trazer meu carro? — Virei para Damiano e ele concordou
com a cabeça, aceitando a mão que estiquei.
— Obrigado por trazer Nora.
Saí da cozinha e agradeci a mãe de Nora, pegando a embalagem com o
pedaço de torta para Cate e dizendo adeus para o seu outro irmão e suas
cunhadas. O pequeno sobrinho de Nora me deu um tchau com a mão, e eu
sorri. Mas Nora continuou me seguindo até minha moto e eu virei a cabeça
para ela, erguendo as sobrancelhas e esperando uma explicação. A porta da
sua casa estava aberta, mas não havia ninguém ali. Mesmo assim, Nora
manteve a voz baixa quando falou:
— Obrigada.
— Não fiz nada.
— Me buscou ontem. Ajudou a colocar meu ombro no lugar. Me
alimentou. E me defendeu.
— Não fiz nada — repeti, e ela suspirou, mordendo novamente o lábio
como se estivesse nervosa.
Nora me olhou por um momento, com seus olhos confusos e um pouco
tristes, porém firmes nos meus. Ela raramente desviava o olhar e isso era
uma das coisas que eu mais gostava nela. Então ela ficou na ponta dos pés e
me deu um beijo na bochecha, antes de se afastar, quase correndo, com os
cabelos escuros balançando pelas suas costas.
Porca puttana, um único toque dessa mulher, por mais leve que fosse,
dominava todos os meus sentidos e atenção.
E isso quase me distraiu… quase.
Notei o carro estacionado no fim da rua, destoando um pouco dos
carros comuns da vizinhança familiar. Não que fosse chamativo, mas era…
simples, apagado. Escondido. E os dois homens sentados no banco da frente
esperando em uma tocaia também era uma confirmação. Desci da moto e
me abaixei, tirando a arma que prendi no tornozelo. Não era exatamente a
S&W que eu carregava no coldre no peito, mas bastaria. Segurei ela
discretamente, me virando de costas para o carro e voltei para a casa,
subindo as escadas com calma.
— Teo — falei, quando disquei e meu primo atendeu no primeiro
toque. — Estão vigiando a casa de Nora.
Bati na porta, olhando por cima do ombro e quem abriu foi Samuele. O
irmão mais velho de Nora ficou tenso quando viu a arma na minha mão e se
afastou para que eu entrasse.
— “Estou enviando alguns homens” — meu primo respondeu e
desligou, provavelmente para dar as ordens.
Imediatamente, Michele e Damiano começaram a procurar armas.
Perla pegou os filhos, assim como Gemma pegou a filha e subiram, levando
Irene. Nora desceu as escadas correndo quando elas subiram.
— O que está acontecendo? — Nora perguntou, observando o pai e
Samuele pegarem algumas munições.
— Estão te vigiando — expliquei e ela pareceu desolada e
arrependida.
— Nora, o que está acontecendo? — Mattia perguntou à filha e ela
olhou para mim, pedindo permissão.
— Isso é extremamente confidencial, certo? — falei, e eles
concordaram com a cabeça. — Soldados da Catania atacaram a Nora
porque, trabalhando na clínica, ela conseguiu uma informação importante
para nos ajudar — menti, porque mesmo com a permissão de Nora, não
queria contar para eles como ela foi inconsequente e entrou no território da
Catania sozinha e libertou aquelas mulheres. Não a culpava por fazer, mas
não gostava do fato mesmo assim.
— Qual informação? — Michele perguntou, olhando feio para a irmã,
mas Samuele acertou ele no braço.
— Não é da nossa conta. O que importa é que Nora está em perigo.
— Não vou deixar nada acontecer com ela, mas acho que ela vai estar
mais segura em casa.
— Nem pensar! — Nora gritou, revoltada e me olhou feio.
— Eles querem você, Nora, mesmo que tentem pegar os seus irmãos,
eles sabem que são soldados da Stidda, e vou colocar homens vigiando as
casas de todos, mas se você estiver longe daqui, eles vão manter os olhos
em você.
— E me seguir até a casa de vocês não tem problema? — ela
resmungou, irritada.
— Você já viu o sistema de segurança? — Estreitei os olhos e ela fez o
mesmo, me encarando com ódio.
— Não impediu várias coisas.
Foi um golpe baixo e ela sabia. O dia que tentaram levar Lena e
pegaram Gigi foi fora de casa, e Matteo também precisou atrair Cate para
fora, para conseguir levá-la, mesmo sendo teoricamente um homem de
confiança. Nora perdeu um pouco da irritabilidade, suas feições suavizando
delicadamente, seus olhos ainda focados nos meus.
— Tudo que aconteceu não foi dentro de casa. E não vamos cometer
os mesmos erros.
— Vai me arrumar um segurança também? Eu preciso ir trabalhar!
— Eu vou ser seu segurança, e a clínica nova é mais perto de casa.
Ela pareceu chocada com a minha declaração, sua boca se abrindo
levemente. Seu pai e seus irmãos ficaram um pouco chocados e confusos
com a nossa briga. Não entendia o porquê, já que isso era um padrão bem
mais normal do que a cordialidade que ela queria.
— Você não vai ficar me seguindo por aí — ela resmungou, se
aproximando de mim e encostando o dedo no meu peito. O efeito da sua
braveza foi quebrado pela tipoia no seu braço dominante e sua pouca altura.
— E você vai me impedir como? Para começar, você não pode
trabalhar direito com esse braço. E depois, se continuar aqui, seus sobrinhos
correm perigo, Nora.
Eu estava jogando baixo, mas nem tanto… Se Nora ficasse aqui, eles
poderiam desistir de atacar ela, e atacar sua família. Ou tentar fazer algum
mal a eles como forma de calar ela. Eu já usei essas mesmas táticas. Os seus
irmãos já fizeram isso… Já encontramos casas dos soldados rivais e
atacamos o lugar só para passar uma mensagem. Evitamos matar civis,
porque não era culpa deles, mas nem sempre era possível.
— Nora… Ele tem razão — Damiano falou, respirando fundo. A irmã
se virou para ele e balançou a cabeça. — Se eles acreditarem que você não
contou nada para ninguém, podem usar as crianças para te calar. Eles não
tem como saber porque você sempre está na companhia da esposa do Capo,
então isso não é estranho, mas eles podem cansar de esperar. E também
podem tentar te atacar de novo.
Nora parecia contrariada, e eu ia falar alguma coisa, quando meu
telefone tocou.
— Teo?
— “Enviei alguns soldados aí. O que você quer fazer?”
— Vou levar Nora para casa.
— “Ótimo, vamos manter a escolta na casa dela até essa merda
acabar, diga para ela não se preocupar” — Nora me encarou,
provavelmente escutando o que Teo falou.
Ela parecia bem preocupada. Desliguei o telefone e olhei para ela,
determinado a colocá-la no ombro e carregá-la daqui. Nora balançou a
cabeça uma vez, e então pareceu derrotada.
— Vou arrumar minhas coisas.
— Separe o que vai usar hoje e o resto mando buscar — avisei e ela
concordou com a cabeça, subindo as escadas novamente. Virei para o seu
pai, olhando com firmeza para ele. — Meu primo enviou alguns soldados e
vamos manter a proteção por tempo indeterminado.
— Podemos cuidar disso — Michele falou e Samuele balançou a
cabeça, com Damiano xingando o irmão baixinho.
— Podem, mas vamos ajudar. Sua família é mais importante do que
demonstrações de poder — avisei, e ele travou a mandíbula, segurando uma
resposta. Bem mais parecido com Nora do que Angelo.
— Obrigado por enviar alguém — Romano agradeceu, mas parecia
preocupado.
— Vou proteger Nora, todos nós vamos… só que essa informação é
vital para nós. — Cogitei contar, mas antes que eu pudesse tomar uma
decisão, ele balançou a cabeça.
— Não precisa dizer mais nada. Confiamos em vocês e nas decisões
que tomam. Estamos ao seu serviço.
Ele ergueu a mão esquerda, colocando-a espalmada no meio do peito e
seus filhos fizeram o mesmo, mostrando a estrela da Stidda. Mattia Romano
se aposentou das ruas e das emboscadas, mas ainda era um soldado valioso.
Ele ajudava no desmanche, ajudava a arrumar nossos carros, era um bom
mecânico, participava da comunidade ativamente, era querido e conhecido.
Seus filhos também, os dois mais velhos Samuele e Damiano se
aposentaram das tarefas mais pesadas e passaram a ajudar o pai na oficina e
no desmanche. Mas Michele ainda era bem ativo. Ele participava da escolta
de transporte de armas, uma das nossas rotas mais perigosas e necessárias.
E era bom no que fazia.
Assim como Angelo, que se entrosou bem com a equipe de Mau e
estava determinado a se provar como segurança de Lena. Não protegeremos
a família deles só por Nora, mas também porque eles eram soldados leais e
parte da nossa famiglia, da Stidda.
— Pronta — Nora disse, descendo as escadas com a mãe ao lado,
chorando.
— Irene, você deveria ficar lá em cima — Mattia ralhou com a esposa,
mas ela balançou a cabeça.
— Cuide dela — ela me pediu, chorando, e eu concordei com a
cabeça.
— Talvez podemos pensar em alguma distração… aproveitar que sua
mãe está chorando e fingir que vocês brigaram? Quão boa é sua atuação? —
perguntei e Nora me olhou incrédula.
— Tipo a Bella em Crepúsculo? Sério?
Eu estava confuso com o que ela quis dizer, mas Michele bufou, uma
risada sarcástica saindo logo em seguida.
— Aquele plano do Edward foi ótimo e teria dado certo se a Bella não
pensasse que poderia defender um vampiro de outro vampiro!
— Ela fez o que podia para proteger o amor dela!
— Ela foi burra. Era um vampiro caçando ela! E o namorado dela era
o quê? Outro vampiro. Assim como a família dele. Custava ela ficar no
hotel comportada?
— Ela…
— Basta! — Mattia gritou, acabando com a discussão dos irmãos.
Samuele e Damiano tentavam esconder a risada e Irene parecia resignada,
como se já tivesse escutado essa discussão mil vezes.
— Nora obrigou Mick a ir ao cinema com ela, quando os filmes
saíram. Eles não concordaram com nada durante a saga inteira.
— Percebi — brinquei, e olhei para Nora. — Imagino que seja igual à
Bella, mas vai dar certo dessa vez. Só diga algo, tipo… você vai embora por
um tempo, nada muito cruel e desnecessário.
— E se não der certo? — ela perguntou, e eu fui até ela, tirando a
mochila pesada da sua mão esquerda.
— Os soldados vão continuar aqui, cuidando da sua família,
independente de dar certo ou não. É apenas uma precaução a mais. Eles
imaginarem que somos amigos e que você brigou com os seus pais, e
continua de boca fechada, é a melhor das hipóteses.
Nora concordou com a cabeça e lançou um olhar para os pais, cheio de
arrependimento.
— Desculpa colocar vocês nessa situação. — Seu olhar foi para
Michele, e ele balançou a cabeça. — Você me avisou…
— Sorellina, não é sua culpa. É a vida na máfia. Vá e fique segura,
vamos ficar bem — ele prometeu e ela concordou, voltando seus olhos para
mim.
— Ok, vamos lá.
Nora abraçou sua família com força, como se ainda não tivesse certeza
de que estava fazendo a coisa certa. Puxei a mochila dela, andando mais
rápido, como se estivéssemos fugindo. Na verdade, seria o cenário perfeito
se eles estivessem mesmo observando. Eu saí depois de jantar, peguei meu
celular, entrei na casa novamente e agora estava saindo com ela, brigando
com os pais. Nora me seguiu rapidamente e então virou para trás quando eu
já estava na base da escada.
— Não aguento mais isso, não vou mais ficar aqui! — ela gritou e a
voz estava dolorida. Foi alto o suficiente para o quarteirão inteiro escutar, e
como Irene estava chorando na porta, pareceu convincente se estivéssemos
sendo observados. Mattia bateu a porta na cara da filha, dando um efeito um
pouco melhor para a atuação.
Nora terminou de descer as escadas quase correndo. Ajudei ela a
colocar o capacete e quando eu coloquei a mochila dela no meu peito, ao
contrário, ela rapidamente subiu na moto atrás de mim, me abraçando pela
cintura com um braço.
— Vá — ela pediu, com a voz firme.
Era difícil pilotar com a mochila no meu peito, principalmente porque
a moto me obrigava a inclinar um pouco o corpo, mas fiz o que pude
quando acelerei pelas ruas. Não fui rápido no começo, esperando ser
seguido e fiquei satisfeito quando percebi que estava.
— Você não vai acelerar? — ela perguntou, confusa. Com o capacete,
conseguíamos nos comunicar graças a tecnologia. Não fizemos muito de
Hamptons para cá, mas agora ela parecia querer falar comigo.
— Eu quero que eles tenham a ilusão de que não sei sobre eles. Quero
que fiquem confortáveis.
— Por quanto tempo você vai deixá-los nos seguirem?
— Pelo tempo que eles aguentarem. Se eles ficarem focados em nos
seguir, não vão perceber que estamos seguindo-os também.
— Onde você colocou a sua arma?
A pergunta dela me pegou de surpresa, mas bati na lateral da minha
coxa esquerda. Deixei uma faca na direita, se precisasse de mais ajuda hoje,
já que não estava usando o meu coldre de sempre. Nora se inclinou na
moto, sua mão correndo pela minha perna. Ela puxou rapidamente a barra
da minha calça para cima e pegou a arma, mesmo com a mão esquerda.
— Você está machucada, será que dá para ficar quieta? — ralhei,
irritado com ela e escutei ela bufando.
— Eu consigo me equilibrar na moto! — Nora pareceu indignada e eu
não consegui evitar o meu sorriso. Era divertido ver ela irritada, escutar
suas respostas, escutar ela tentando negar e se provar. — O que vamos
fazer? Levá-los direto para a casa de vocês, sem mais nem menos?
— Sim. E torcer para eles nos levarem para um dos armazéns, ou pelo
menos um lugar onde os irmãos Sana estejam.
— E enquanto isso?
— Enquanto isso, você é minha responsabilidade.
E minha.
Muito minha.
17 - Nora

Meu braço estava doendo, mas eu estava alerta e prestando atenção. Eu


tentava não virar a cabeça e denunciar que estávamos cientes do carro nos
seguindo. Dani pilotava a moto com segurança, e de alguma maneira,
consegui disfarçar a arma e minha tensão. Ele andava rápido, mas não
rápido o suficiente para parecer uma fuga. E acabou parando em um dos
semáforos tranquilamente, só para fazer uma cena, apoiando o cotovelo no
meu joelho e correndo os dedos de leve pela minha panturrilha. Mesmo
com a calça que eu usava, senti o seu toque queimar a minha pele.
Ele encantou meus pais, conquistou meus irmãos e ainda me elogiou
quando meu pai tentou dizer que não sabia criar uma filha da máfia perfeita.
Algo que aparentemente ele não estava buscando. Às vezes eu me
perguntava se ele se casaria logo, se o primo mandasse, e isso me deixava
irritada. Porque, para um Consigliere, eu definitivamente não era a escolha
certa.
E depois eu ficava irritada por pensar isso, porque eu não deveria, de
maneira alguma, ficar com ciúmes da noiva hipotética dele, quando eu não
estava disponível. Quando eu deveria odiar a possibilidade de me entregar
totalmente para alguém que nunca me colocaria em primeiro lugar e me
colocaria em perigo constante.
Mas isso não era verdade, era? Porque Dani estava aqui, agora, me
protegendo. Me levando para a casa dele, dizendo que me seguiria por aí
como meu segurança, como se ele não tivesse nada para fazer. Como se não
fosse ocupado. Como se fosse largar tudo o que tinha para fazer na Stidda
para a minha segurança.
E eram pensamentos traiçoeiros que faziam o meu coração bater mais
rápido e meu corpo ficar tenso e excitado. Eu deveria ter cuidado com
homens da máfia, principalmente por conta de tudo o que aconteceu e como
sempre foi o meu relacionamento com Ignazio, mas Dani era diferente do
que eu imaginava.
Ele era leal… mas… Não parecia priorizar a Stidda. E sim… seus
membros. Ele não queria poder, ele queria ajudar o primo. Queria proteger
sua família. As pessoas. Ele não ficou bravo comigo porque eu agi, ele
ficou bravo comigo porque eu agi sem pensar, me colocando em perigo. Ele
não brigou comigo, ou tentou me controlar…
Era estranho.
E eu sabia que não deveria comparar Ignazio com Dani porque eles
eram completamente diferentes, mas… mas eu comparava. Porque eu me
sentia culpada. Muito culpada. Culpada por ficar mais teimosa, mais
bocuda, mais cabeça-dura. Por ser mais impulsiva, por continuar lutando,
por aprender mais. Por me envolver na máfia quando jurei que não faria
mais depois da última vez. Por tentar me provar mesmo sabendo que não
deveria.
Ignazio era um bom homem, mas era tradicional de várias maneiras. E
nossas brigas sempre foram explosivas, mas de um jeito diferente de Dani.
Ignazio queria me atacar quando eu parecia ser melhor do que ele em algo.
Dani queria ser obedecido porque gostava de controle, porque com o
controle ele conseguia prever tudo e se ajustar às situações.
Eu percebi que o Consigliere não gostava de ficar surpreso com as
coisas, que ele gostava de saber todas as alternativas, que não gostava de
agir com impulsividade. E era bom, porque os outros dois Ricci pareciam
bem mais impulsivos. Quase como se… como se ele tivesse sido criado
para ser o oposto do primo. Sua âncora.
E eu definitivamente não queria obedecer e ser controlada, por mais
que devesse. Sempre fui assim, tão turrona, e era isso que praticamente
destruiu meu relacionamento com Ignazio. Eu tentei… tentei ser o que ele
precisava. Tentei ser a futura esposa ideal da máfia, como minha mãe era.
Mas detestava deixar de lado tudo o que eu gostava de fazer para agradar
alguém. Detestava ouvir um: “eu sei o que é o melhor para você”, ou um
“você não sabe nada sobre isso”.
Todas as vezes que Dani questionava minhas habilidades e minhas
experiências, por mais que estivesse na razão de fazer quando começamos a
nos conhecer e lutar juntos, ele me transportava de volta para a Nora de 18
anos que ouvia que aquele não era o seu lugar e que ela deveria aprender
isso rápido.
Eu deveria ter aprendido a minha lição naquele dia, naquela
emboscada, com todo aquele sangue e morte, com toda aquela
demonstração de que a Stidda era a única coisa que importava e que aquele
não era o meu lugar, mas…
Mas aqui estava eu, de novo enfiada no meio de um problema da
Stidda, de novo no possível fogo cruzado. E me sentindo extremamente
culpada por sentir que estava no lugar certo. Fazendo a coisa certa.
Lutei tanto contra fazer parte da máfia por todos esses anos depois que
Ignazio provou que eu não pertencia de verdade ali, que agora sentia culpa
por estar ajudando mulheres. Por estar ajudando a Cate. Por estar ajudando
a destruir a Catania que tratou minha amiga como lixo por toda a sua vida.
Por estar ajudando a impedir o avanço da La Santa que machucou Lena,
Gigi e tantas outras mulheres.
Eu me sentia culpada por pensar que talvez aqui fosse o meu lugar.
E por me envolver com alguém da máfia novamente, mesmo com todo
meu relacionamento com o Ignazio pairando de forma sombria.
— Nora? — Dani chamou e percebi que estávamos na sua garagem,
parados.
— Desculpe, eu…
— Tudo bem. — Dani me cortou, e segurou novamente meu tornozelo,
dando um aperto leve. Como se dissesse que não tinha problema, que era
normal, que era compreensível.
Desci da moto, esperando-o. Dani tirou minha mochila do peito ao
descer, pegou sua arma da minha mão, guardou ela de volta no lugar e tirou
meu capacete. Fiquei lá parada, observando seu corpo se esticar enquanto
ele removia o próprio capacete e corria a mão pelo cabelo loiro, tão claro
que parecia branco na luz artificial da garagem.
— Você está bem? — ele perguntou, com delicadeza, enquanto
colocava o capacete ao lado do meu, em cima do banco da sua moto.
— Eu não acredito que causei tudo isso — admiti, sentindo o peso das
minhas ações caírem sobre mim. — Eu só queria ajudá-las. Elas estavam
tão… Dani, pense na Cate quando ela chegou, só que pior. Muito pior…
— Eu sei. E não te culpo ou vou te recriminar por fazer aquilo, Nora.
— Ele se aproximou de mim, erguendo a mão e a derrubando logo em
seguida. Como se pensasse melhor e resolvesse não tocar o meu rosto. E
isso doeu…
— Você ficou bravo.
— Fiquei bravo porque você não me ligou, porque… Porque afastei
você. Eu quero que você confie em mim… somos parceiros de luta,
treinamos juntos, achei que confiasse em mim.
— Eu confio, Dani, eu juro. Eu só não queria enfrentar você depois
daquele dia — confessei e um olhar de dor passou pelo seu rosto.
— Um erro não deveria impedir você de confiar em mim para as
coisas sérias. Eu sou o Consigliere, gostaria de pensar que eu sou seu
amigo. Mesmo a gente discutindo sobre tudo sempre.
— Não foi porque achei que foi um erro — sussurrei, incapaz de
deixá-lo pensar por mais um segundo que era uma vergonha o que fizemos.
Que ele era algo que eu queria fingir que nunca aconteceu. Por mais que eu
devesse, por mais que tentei fingir, que lutei contra isso, eu não queria que
ele pensasse o mesmo que eu. — Te evitei porque sabia que nunca mais ia
conseguir deixar de te tocar.
Dani engoliu em seco, sua garganta subindo e descendo com
dificuldade. Sua mandíbula apertada, tensa. Seus olhos estavam penetrantes
nos meus, mascarados de qualquer emoção, impossíveis de se ler. Eu dei
um passo para frente, encostando os nossos corpos, meu peito contra o seu.
Ergui lentamente a mão, correndo os dedos pelos fios compridos que
caiam pela testa dele, descendo a mão pela sua bochecha, passando a ponta
do dedo na pequena cicatriz que Teo deixou quando eles brigaram e uma
outra acima do seu lábio. Ele beijou as pontas dos meus dedos quando corri
eles pela sua boca, e quando ergui a cabeça, Dani não hesitou em se dobrar
para aceitar o meu beijo. Primeiro, um leve e delicado tocar de lábios. Tão
diferente dos outros beijos que demos, cheios de tesão, raiva, no meio do
sexo…
Um beijo tranquilo, com meus lábios pressionados nos seus por um
momento, puxando delicadamente seu lábio inferior para a minha boca,
soltando e voltando a pressionar a boca na sua. Até finalmente beijá-lo de
verdade, com minha língua pedindo passagem. Ele abriu a boca, me
aceitando, me deixando dominar. Seguindo meu ritmo, sua língua encontrou
a minha, calma, exploratória. Delicada. Como se ele quisesse que esse beijo
durasse para sempre, assim como eu.
Suas mãos enormes me envolveram pela cintura e ele me puxou mais
para si, correndo-as delicadamente pelas minhas costas, descendo e
voltando pela minha coluna em um carinho que transmitia a ternura do
beijo. Era um beijo que eu nunca esperei dar em Dani, não depois dos
nossos primeiros encontros explosivos e descontrolados. Mas era um que eu
precisava. Precisava mesmo sem saber.
Terminei o beijo com relutância, sem querer me afastar, mas sabendo
que deveria. Que deveria manter uma distância dele, porque claramente não
tinha controle, porque claramente sempre me envolvia com ele. Porque não
deveria e não poderia. Não sem antes resolver a culpa que me corroía, ou
sem enfrentar Ignazio. Ou sem entender o que sentia…
Dani encostou a testa na minha, seus lábios passando pelos meus
levemente, delicadamente. Ficamos assim por um momento, próximos,
enquanto sua boca estava na minha, encostando quase em uma provocação.
Até que o som de alguém limpando a garganta ecoou pela garagem,
me assustando nos braços de Dani. Ele suspirou e se afastou, seus braços
caindo. Nos viramos para encontrar o Capo parado na entrada para o
corredor que levava até a casa, nos olhando com graça e um sorrisinho nos
lábios. Teo passou a mão em seu rosto, pela barba por fazer, tentando
esconder o sorriso, mas seus olhos brilhavam em diversão.
— Atrapalho? — ele provocou e Dani soltou uma profusão de
xingamentos em italiano.
Meu rosto com certeza estava pegando fogo e eu gostaria muito que o
arrebatamento começasse e me levasse daqui. Ou que, pelo menos, o chão
se abrisse e me levasse de tobogã para o inferno. Dei um passo para trás,
tentando abrir mais distância de Dani e ele balançou a cabeça, pegando
minha mochila do chão e fazendo um sinal para mim, antes de começar a
andar até o primo.
— Você não tem um cazzo melhor para fazer do que ficar me
espionando? — ele disse para o Capo, e Teo deu uma pequena risada
divertida.
— Pedi para Raimondo me avisar quando vocês entrassem na
garagem, mas vocês demoraram para subir, coglione, pensei que algo
estivesse errado.
— Vaffanculo — Dani murmurou, e tentei fingir que não estava nem
um pouco envergonhada por estar nos braços do Consigliere na garagem do
Capo.
— Nora, Angelo vai ficar na casa de Vincenzo, que é aqui perto,
enquanto ele não encontra um lugar para ficar — Teo explicou e eu
concordei com a cabeça, um pouco aliviada pelo meu irmão não ficar indo e
voltando sozinho todos os dias para o Brooklyn, enquanto estávamos sendo
vigiados. — Ele continua nos Hamptons com Mau e Lena, mas disse que
vai te ligar mais tarde. Você está bem?
— Estou, sim. Obrigada, Teo. Eu sinto muito por toda essa confusão
— confessei e o Capo me olhou com um pouco de diversão, mas diferente
da diversão provocativa que lançou para o primo.
— Achei que não se arrependia de salvar aquelas mulheres, já que teve
coragem o suficiente para me ameaçar quando nos conhecemos.
— Não estou arrependida disso, definitivamente não, mas estou
arrependida por não confiar em vocês. Em Cate. Mas…
— Mas você sabia sobre a gravidez. — Teo nos guiou pelo porão e
pela escada apertada que levava até à sua casa, andando com calma.
— Cate quis tanto esse bebê, eu nunca colocaria a vida dela em risco.
— Você vai colocar sua vida em risco se esconder algo importante dela
de novo — Teo alertou e demos de cara com Cate parada na porta do
escritório, com as mãos na cintura.
— Ele sabe do que está falando. — Ela olhou feio para o marido, mas
seus olhos cor de chocolate suavizaram quando me viram.
Cate estava com um cardigã de lã e uma calça leve, os cabelos
enrolados até a sua cintura estavam bagunçados, cheios, mas seu rosto
bondoso estava suave, apesar de uma pequena ruga de preocupação ali. Ela
veio até minha direção e entrelaçou o braço no meu livre, me puxando para
o elevador. Dani e Teo nos seguiram, o que foi um feito impressionante já
que o elevador não era grande o suficiente para isso.
— Você está com fome? Eu fiz um chá agora, pensei que poderia te
ajudar a dormir um pouco — ela ofereceu e eu sorri, apertando o braço dela
no meu.
— Obrigada. E desculpe invadir a sua casa.
— Não se preocupe, mas eu sinto muito por estarem na casa dos seus
pais. Eu sei o quanto você se importa com a sua família.
Cate sorriu para mim e me puxou para fora quando o elevador se abriu
na cozinha. Ela só me soltou quando atingimos o balcão, onde um pote
cheio de biscotti frescos e um bule de água fervente esperava.
— Posso preparar para você? — Cate perguntou, com delicadeza, e eu
sorri, porque ela sabia o quanto eu odiava me sentir impotente e inútil. Mas,
com o meu braço dominante imobilizado por uns dias, eu não tinha escolha.
Inclusive…
— Você se importaria em me ajudar a tomar banho depois? —
perguntei, sem qualquer vergonha.
Como médica, o corpo humano não era nenhuma novidade para mim,
e eu também não me importava em mostrá-lo para ninguém. Eu precisava
de ajuda e Cate e Lena já haviam me ajudado nos Hamptons.
— É claro, Nora. — Cate me serviu e preparou o chá, enquanto Dani
se sentava ao meu lado.
Teo se apoiou na quina do balcão, olhando para o primo com uma
intensidade dominante, mas Dani não parecia nada abalado ou incomodado
com a atenção do primo.
— Eles nos seguiram, os soldados conseguiram manter a discrição?
— Sim, os cagacazzi desceram do carro e estão parados na porra do
parque, completamente à vontade. Eles não têm a mínima noção de que
você percebeu a presença deles.
— Isso é bom, não é? — perguntei, tomando um gole do chá. Como
lutadora, eu usava as duas mãos para os golpes, mas era extremamente
frustrante perceber o quanto eu dependia da minha mão dominante nas
tarefas mais simples. Era irritante.
— Isso é ótimo, quer dizer que eles não vão ficar vigiando seus pais
por um tempo, mas vamos manter a proteção.
— Eu estive pensando… — Cate começou, olhando para Dani. Ele
suspirou, ficando um pouco tenso, mas concordou com a cabeça.
— Eu também…
— O quê? — perguntei, sentindo um arrepio me percorrer.
— Eu acho que devemos infiltrar você em uma das clínicas da Catania
perto da ex-divisa com a Stidda. Onde eles supostamente queimaram um
armazém para encobrir seus passos — Cate explicou e concordei, porque
me lembrava de tudo que ela contou.
Cate me contou tudo sobre os irmãos Sana, principalmente Manfredi e
Matteo, sobre seu primo e os segredos que ele conseguiu descobrir. E como
o ataque da La Santa que deu uma brecha para Teo conseguir resgatá-la era,
na verdade, uma maneira de esconder o negócio paralelo deles, fazia
sentido investigar os arredores.
— Tudo bem, posso dizer que quero mais experiência, ou inventamos
que preciso de algumas horas extras para algo…
— Seu braço também é a desculpa certa para Dani te acompanhar, mas
podemos mentir e dizer que você foi vítima da La Santa porque é amiga de
Lena e frequenta nossa casa. Assim, temos uma desculpa a mais — Teo
explicou e eu concordei com a cabeça.
— Com as informações que vocês conseguiram, eu estava revendo
tudo o que já descobrimos com o pendrive de Romeu. Eu acho que
consegui localizar alguns lugares que podem ser usados para guardar essas
mulheres. Dois desses lugares tem um hospital e uma clínica da Catania
perto. Se conseguirmos descobrir algo… talvez eles levem as mulheres para
lá… Enquanto isso…
— Enquanto isso, vamos fingir que estamos perseguindo os Sana e
mordendo a isca deles, assim eles continuam tendo a certeza de que não
desconfiamos de nada e que você não nos contou nada. Depois que
reunirmos informações o suficiente, podemos pensar em um plano para
derrubar a Catania.
Cate ficou tensa, sua mão que segurava a xícara em sua boca tremeu
levemente. Teo passou o braço pela sua cintura e a puxou para si, fazendo
com que a esposa encostasse o corpo contra o seu.
— Você está bem, bambolina? — Dani perguntou, com um carinho
incrível que me aqueceu internamente.
— Sim, é que… cazzo, não acredito que estamos perto de acabar com
eles… Que Romeu não morreu em vão… Que eles vão pagar… — A voz
dela saiu baixa e seus olhos se encheram de lágrimas. Cate depositou a
xícara no pires com um pouco de força, erguendo rapidamente as mãos para
enxugar as lágrimas. — Desculpe, eu não consigo mais controlar nenhuma
emoção.
— Farei eles pagaram por tudo o que eles fizeram com você, Regina
mia — Teo prometeu e vi Dani concordando pelo canto do meu olho.
Cazzo, até eu queria chutar as bolas dos parentes dela. Eu nunca vi os
Conti pessoalmente, mas nunca vou me esquecer das marcas de mãos no
pescoço da Cate, os dedos marcados em sua pele, nos seus braços…
hematomas em todo seu corpo e como ela estava magra.
— Uma coisa de cada vez — Dani apaziguou, tentando conter a fúria
crescente que exalava do primo, mesmo quando ele também parecia pronto
para invadir a casa dos parentes de Cate e esfolá-los vivos. — Primeiro,
vamos recolher mais informações, e então, vamos destruir a Catania.
— Venha, Nora, você deve estar cansada. — Cate sorriu para mim,
terminando de limpar as lágrimas, e eu me ergui do banco. Imediatamente
Dani levantou também, pegando minha mochila quando Cate fez menção de
fazê-lo.
Ele olhou feio para ela e começou a andar até o elevador. Fomos atrás
dele, com a Rainha da Stidda trocando um olhar irritado com o Capo, que
sorria satisfeito pelo primo não permitir qualquer esforço por parte dela.
Dani não entrou no elevador, ele subiu de escadas até o seu andar. Cate
deve ter sentido o meu pânico quando percebi ele indo em direção aos
quartos de hóspedes do seu andar.
— Desculpe, Teo disse que amanhã vai começar a trocar tudo dos
quartos do nosso andar e arrumar tudo o que não é seguro para o bebê —
Cate censurou, olhando feio para o marido. — Mesmo que ainda não
escolhemos qual quarto ele vai ficar.
— Já estou preparando para os próximos, já que vamos fazer, faremos
tudo de uma vez. — Ele sorriu para a esposa, enquanto o primo abria a
porta do primeiro quarto de hóspedes. De cores claras, com uma cama
confortável e bem maior do que o meu próprio quarto na casa dos meus
pais.
— E você definitivamente não quer ficar no andar de Mau e Lena.
— Olha só quem fala — Dani provocou Cate e ela arregalou os olhos,
envergonhada, o que fez ele e o primo darem risada. Ela mostrou o dedo do
meio para ele, antes de começar a enxotá-los. — Está bem, está bem!
Estamos saindo. Boa noite, Nora.
Ele sorriu para mim, os olhos azuis penetrantes, mas completamente
mascarados de qualquer emoção, apesar da sua postura divertida. Teo disse
a mesma coisa e fechou a porta ao sair, me deixando sozinha com Cate.
— Ok, vamos tirar você dessa tipoia e…
— Eu transei com o Dani — falei, sem conseguir me segurar mais,
precisando compartilhar isso com alguém.
— Agora? — Cate pareceu um pouco confusa e… feliz? Ela estava
feliz? Cretina.
— Não, no dia do ataque da Gigi — confessei, e depois mordi o lábio.
— E dois dias atrás na despedida de solteira da Lena.
— Ah… — Cate falou, tentando se conter, mas respirei fundo.
— Pode reagir apropriadamente.
— Dio Santissimo, Nora! — ela praticamente gritou, e que me fez
segurar uma risada, mas depois voltar para a seriedade do assunto.
— Eu sei, mas… não consegui me controlar. Eu… Nós…
— Entendo. Na verdade, todo mundo entende. E acho que ganhei uma
aposta, porque aconteceu duas vezes.
— Você apostou às minhas custas? — Eu estava indignada, mas ela
apenas sorriu, me ajudando a soltar a tipoia.
— É um hábito da família, não se preocupe. Agora me conte tudo.
Não, não tudo. — Ela balançou a cabeça, se afastando e colocando a tala
em uma pequena escrivaninha de madeira antiga. — Nora… toda vez que
eu pergunto, você foge do assunto, mas…
Eu sabia o que ela ia perguntar mesmo antes da sua pausa e dos seus
olhos bondosos focarem em mim novamente.
— Você disse que tem um noivo.
— Eu disse que meu noivo me ensinou a atirar — respondi, o que era
verdade. Mesmo assim, Cate me censurou com os olhos.
Soltei um suspiro cansado e me sentei na beira da cama, esticando
levemente o ombro e tentando movimentar o braço. Ainda sentia ele latejar
e doer, mas bem menos do que ontem.
— É complicado, mas não é importante.
— É bem importante você ter um noivo e transar com outro homem —
ela ralhou, mas não de uma forma julgadora, e sim preocupada. — Como
você se sente?
— Confusa. — Não havia porque mentir, não para a mulher que
comecei a considerar a minha melhor amiga nesses meses todos. Cate não
estava na minha vida há anos, mas, de alguma maneira, ela me entendia, ela
conversava comigo de uma maneira que ninguém conversava. E eu gostava
muito dela. Da sua bondade, da sua determinação. — Dani é… irritante. Ele
quer sempre ter a razão, quer sempre me controlar.
— Não acho que seja só você. E não acho que seja exatamente
controlar — ela explicou, sentando-se ao meu lado na cama. — Meu…
sogro, o pai de Teo, ele era uma pessoa muito cruel. Não por conta da
máfia, mas por ser. E a forma como ele criou os meninos… todos eles
carregam uma marca. O Teo tinha um objetivo, e aprendeu a se dobrar ao
pai rapidamente, ou pelo menos fingir, enquanto não conquistava o que
queria. Mau sempre foi livre demais, selvagem demais. Mauro Ricci
precisava controlar ele de alguma maneira.
— E Dani? — perguntei, curiosa. Eu não conheci o antigo Capo
pessoalmente, mas meu pai o conheceu. A reputação dele era temida, mas
ele não era querido e respeitado como o Teo. Era diferente. Ele tinha o tipo
de poder que assustava os outros. Seu respeito era por terror e não por
conquista, como Teo fez. Não que Teo não fosse capaz de coisas horríveis.
Todo mundo sabia o que ele fez com os homens do seu pai e o traidor que
tentou levar Cate, mas… era diferente.
— O pai de Dani era o irmão mais novo do Mauro, e bem, ele era
inconsequente. Ele teve Dani bem cedo… E a mãe de Dani, apesar de ser
uma boa mulher, era inferior aos olhos do meu sogro. Ele não gostava nem
um pouco disso. E detestou mais ainda quando eles se envolveram com as
drogas que Marco era responsável. Mauro não confiava nem um pouco no
irmão e o colocou para fazer escoltas em uma rota perigosa, na esperança
de se livrar dele. Boatos que ele desconfiava que o irmão era traidor
corriam solto por aí, mas Marco morreu de overdose antes que qualquer
coisa fosse provado. E a mãe de Dani seguiu viciada, até morrer pelo
mesmo motivo. Alessia passou a criar Dani, e tentou, como pôde, evitar que
o sobrinho caísse nas garras do marido, mas…
— Mas os homens na máfia pertencem aos pais — concluí por ela,
sentindo pena de tudo o que Dani possivelmente passou nas mãos do tio.
— Mauro Ricci era extremamente cruel, e eu nem imagino como ele
torturou e moldou Dani do menino leve e impulsivo que aceitava meus
desafios para o cuidadoso e controlado Consigliere. A verdade é que Dani
nem deveria ter esse título.
— Por quê? Ele é um ótimo Consigliere. — Como era cuidadoso e
pensava bem antes de fazer as coisas, Dani conseguia analisar tudo,
conseguia pensar em saídas, conseguia se manter calmo durante situações
estressantes.
— Não sei, mas Dani deveria ser o Executor. Mauro o treinou para
isso. Na verdade, para ser basicamente o guarda-costas de Teo. Eu nem
imagino o tanto de merda que ele colocou na cabeça de Dani para proteger
Teo acima de tudo. Imagino que seja por isso que ele é obcecado com a
lealdade em relação ao primo. Acho também que ele gosta de lutar porque
pode descontar ali todas as emoções que reprime. Mauro era cruel,
manipulador, um bastardo horrível que morreu tarde — ela falou com tanto
ódio que fiquei assustada. — Desculpe… Você ouviu aquele dia no ringue.
Sobre a morte do meu pai.
Que Teo e Dani eram os responsáveis, mas agora que ela me contou
tudo isso sobre o falecido Capo, eu comecei a entender que, na verdade, era
obra dele. Se tudo o que Cate me contou é verdade, o que Mauro Ricci fez
com Dani para moldar sua vida inteira para se dedicar apenas ao primo?
18 - Nora

Andei na ponta dos pés até a porta de Dani, não que alguém fosse
escutar, mas eu não queria parecer afoita. Eu não conseguia dormir e
esgotei todo o entretenimento que o meu celular me dava. Eu estava
inquieta, irritadiça, nervosa… Era uma inquietação estranha, como se eu
não soubesse a causa, como se fosse uma ansiedade sem raiz, sem motivos.
Mas é claro que tinha motivos, já que meus pais estavam com a casa
vigiada, assim como meus irmãos e sobrinhos. Eu os coloquei nessa
situação, e estava nervosa com isso. Mesmo que a sensação não fosse
exatamente essa.
Bati na porta duas vezes, sem me sentir culpada por acordá-lo, já que
ele me trouxe para cá. Então eu era a sua visita, e sua responsabilidade,
como ele falou. Portanto, problema dele se ele queria dormir. Eu também
queria.
Dani abriu a porta, parecendo um pouco amassado e cansado, mas
ficou em alerta assim que me viu. Ele dormia de cueca, uma boxer preta
que definitivamente não escondia o seu tamanho. Mantive meus olhos na
altura do seu peito, empurrando-o para o lado e invadindo o seu quarto sem
cerimônia. Ele ergueu uma sobrancelha, fechando a porta quando passei.
— É sério? — Apontei para a sua antessala, incrédula.
A de Mau e Lena era um lounge com poltronas e um minibar,
incontáveis revistas de moda e um vídeo-game super moderno. Eles
claramente passavam tempo lá, depois que ela redecorou antes do novo
casamento. A de Teo e Cate era uma antessala menor, com uma mesa e um
computador, e duas poltronas básicas. Eles não passavam tempo lá,
aparentemente. A de Dani…
Uma barra de flexões ficava presa na entrada para o seu closet, e um
saco de pancadas pendia por um gancho do teto, assim como um suporte
para halteres, no canto da antessala, e um espelho enorme.
— Me ajuda quando estou com insônia — ele respondeu, antes de me
olhar feio. — O que não era o caso hoje, já que você me acordou.
— Desculpe — pedi, mas não estava nem um pouco arrependida. E
pela forma como ele balançou a cabeça, ele sabia.
Dei as costas e entrei no seu quarto de fato, me impressionando com a
cor azul. Sua colcha era de um azul-escuro, assim como as cortinas, mas o
resto era banco ou cinza. Parei por um momento e voltei para a antessala,
espiando o seu closet completamente organizado de uma maneira que faria
a Monica de Friends ter um orgasmo. Entrei novamente no quarto,
observando como, mesmo dormindo, ele conseguiu deixar um lado da cama
intacto e arrumado. Como suas coisas estavam de uma maneira ordenada,
tipo o notebook na mesa em um canto, com o celular e o relógio alinhados
perfeitamente na sua mesa da cabeceira.
— Se eu trouxer uma trena… — provoquei e ele me xingou, dando
uma risada. — E se eu bagunçar tudo?
— Se você quer ser punida, Nora, só precisa pedir — ele ameaçou, e
eu tive que me controlar muito para não apertar minhas pernas e morder a
boca, me lembrando da sensação e do ardor que ele deixou na minha bunda.
— Não tem graça te provocar.
Ignorei sua ameaça e fui sentar na sua cama, no lado arrumado, só para
irritá-lo. Dani estreitou os olhos, encostando no batente, me observando
com curiosidade. Eu também não sabia o que estava fazendo aqui, mas algo
borbulhando dentro de mim, me deixando inquieta e maluca, me trouxe até
aqui. A realização me atingiu quando observei o corpo dele todo malhado e
musculoso, encostado tranquilamente contra a moldura da porta, me
olhando com curiosidade.
Tesão.
Eu acordei com tesão e estava desesperada tipo uma cadela no cio. Só
podia ser indício da minha TPM. Mas não parei de observar o seu corpo,
cada depressão dos músculos, cada marca, cada pedaço daquele peitoral
enorme, daquela barriga definida, daquela tatuagem incrível que era a
representação de todas as lições cruéis que seu tio provavelmente o obrigou
a aprender.
Os seus cabelos loiros estavam bagunçados e os olhos azuis não
estavam mais tão sonolentos e apagados. Ele me olhava com intensidade,
como se tivesse percebido a mudança no meu olhar, como se tivesse
entendido o sentimento inquietante que me trouxe até aqui.
— Me conte algo sobre você que você nunca contou para ninguém.
Não foi um pedido, foi um desafio.
Dani hesitou por um momento, porém, se desencostou da porta e
caminhou lentamente até mim, sentando-se ao meu lado na cama. Ele não
me encarou, seus olhos estavam na colcha, os dedos correndo pelo tecido.
— Azul só é minha cor favorita porque era a cor favorita da minha
mãe.
Imitei-o, correndo a mão pelo tecido macio, observando o tom de azul-
escuro que provavelmente ele escolheu com carinho, pensando na mãe.
— Como ela era? — Não me dei o trabalho de explicar que sabia que
ela morreu e Dani não perguntou.
— Jovem. Alegre. Um pouco descontrolada e sem preocupação.
Definitivamente não queria ser mãe, ou ser esposa. — Ele parecia perdido
em pensamento, nem percebeu que nossos dedos se encostaram e que não
me movi, esperando-o se afastar.
— O total oposto da minha mãe, então — brinquei e ele deu uma
pequena risada.
— Minha mãe era jovem. Ela se casou porque engravidou, e como
meu pai era irmão do Capo, eles foram obrigados a se casar. Meu tio era
bem mais velho, mas mesmo assim nunca foi próximo do irmão. Minha tia
também era jovem quando se casou com meu tio, e isso foi bom para a
minha mãe, mas não era a vida que ela queria. Ou que meu pai queria.
— Cate me contou como eles morreram — confessei e vi ele ficar
tenso, seus braços se retesando, sua mandíbula apertando. — Eu vi muita
gente morrer assim na clínica. Não é fácil para os que conseguem se livrar
do vício.
— Imagino que não — ele respondeu, e virou para mim, seus olhos
azuis indecifráveis. — Mas não existe a opção de sobreviver se você é
irmão do Capo e faz merdas.
— Seu primo não parece pensar assim.
— Teo é mil vezes melhor do que o testa de cazzo do meu tio. —
Tinha tanto ódio na voz de Dani, que eu me senti mal pelo garotinho que ele
foi nas mãos daquele homem.
— Minha vez — falei, e ele me olhou confuso. — Michele acha que o
Angelo estragou as Playboys dele, mas fui eu. Eu estava com raiva porque
ele não queria me acompanhar no passeio da escola e Dami e Samu estavam
ocupados.
— E por que Angelo não te acompanhou?
— Porque ele é o mais novo e meu pai só o deixou tomar conta de
mim quando ele aprendeu a atirar. — Revirei os olhos, irritada. — Meu pai
me deu bastante liberdade, mas uma das poucas coisas que ele concordava
com a minha mãe, era que eu não deveria andar sozinha por aí. Eles tinham
medo do que os garotos poderiam aprontar.
— E por que eu tenho a sensação de que você é quem aprontava? —
perguntou, com um sorriso mais tranquilo e eu dei risada.
— Porque eu aprontava. Meu primeiro beijo foi no cinema e meu
irmão estava na mesma sala. Ele nem se tocou que eu não fui ao banheiro
de verdade, e sim algumas fileiras para trás.
— Escandaloso da sua parte — provocou, com um sorriso que me fez
querer imitar como puxei Finn Anderson pela camiseta e colidi meus lábios
sem experiência com os dele.
— Ele nem era italiano. — Dani soltou um ruído de falso choque e eu
o empurrei com o braço esquerdo. — Eu disse que não era uma filha da
máfia apropriada.
— Eu já descobri isso quando trepamos no almoxarifado da clínica. —
Mostrei o dedo do meio para ele, e sua risada encheu o quarto, me fazendo
sorrir também. — Não vai me perguntar como foi meu primeiro beijo?
— Não, eu tenho quatro irmãos na máfia, eu definitivamente não quero
saber — resmunguei e ele riu novamente.
— Me conte outra coisa então, que ninguém sabe.
Hesitei, como ele fez. Porque eu ainda não me sentia pronta para falar
sobre isso. Mas não queria mais guardar toda essa culpa, toda essa dor em
mim.
— Quando você disse que eu não sabia o que eu estava fazendo
entrando naquele armazém, e eu disse que sabia? — Ele concordou com a
cabeça, mas desviei os olhos, como a covarde que era. — Eu sabia porque
eu já tinha participado de uma emboscada.
O tremor na minha voz não foi em vão. Eu ainda me lembrava dos
barulhos, dos cheiros, dos gritos… Eu me lembrava mais do que lembrava
das outras vezes em que atiraram perto de mim. Meus irmãos já foram
encurralados comigo, já passaram atirando na oficina do meu pai, ou em
festas em que estávamos, mas naquela vez, naquele momento… Eu senti
que nada poderia me livrar da morte certa. Eu sentia o gosto de desespero
na minha língua, fechando a minha garganta, me deixando sem ar. O cheiro
de sangue estava tão profundamente no meu nariz, no meu cérebro, que eu
temia nunca mais sentir o cheiro das tortas da minha mãe, ou do perfume
favorito do Ignazio.
Eu pensei que nunca mais conseguiria ver sangue sem vomitar ou
entrar em pânico, e teria que desistir de ser médica.
E os gritos… os gritos de dor, os pedidos de socorro.
Às vezes eu escutava, sozinha, no meio do dia. Só por um momento,
mas o suficiente para me fazer respirar fundo e quase chorar.
— Eu não deveria estar lá, mas estava. Estava e tudo saiu de controle e
deu errado. Sabe, quando você planeja todas as variáveis, como sei que
você faz? — perguntei e ele concordou. — Imagine tudo dando errado. E eu
achei que soubesse, Dani… Achei que lutar no ringue e aprender a atirar
com meus irmãos me transformava em experiente, mas não fez. Não
naquela primeira vez.
— Na minha primeira emboscada de verdade eu vomitei três vezes.
Meu tio me torturou por três dias, porque achou que isso era fraqueza — ele
confessou e eu voltei rapidamente meu olhar para ele, triste por ele passar
por isso. — E não apagou as memórias. Mas eu não me tornei mais fraco
por causa do meu medo. Da minha reação. Me ajudou a aprender a
controlar meus sentimentos, a controlar a minha calma.
— Seu tio te treinou para ser o oposto de Teo? — perguntei e
novamente ele hesitou, a mandíbula tensa e apertada.
— Sim. Ele achou que Teo precisava de uma âncora. Que seu
temperamento explosivo não era bom para um Capo. O erro do meu tio foi
afastar a única pessoa que sempre controlou as emoções de Teo.
— Cate — concluí, e Dani concordou com a cabeça, com um sorriso.
— Não me leve a mal, Cate quando criança era uma pestinha
impulsiva e determinada. Ela não tinha medo de nada e estava sempre
fazendo planos mirabolantes que nos deixava de castigo. E eu ajudava, é
claro. Mas Teo estava sempre muito focado nela para ter explosões de raiva
ou essas coisas. Quando ele afastou os dois, meu tio criou um problema.
Um que ele percebeu rapidamente. Meu primo agia e depois pensava,
porque Cate sempre ajudou ele a pensar. Então…
— Então ele transformou você na calma e frieza para o fogo e
impulsividade do seu primo. — Entrelacei meus dedos com os dele, triste
pelo Dani criança que teve toda a sua personalidade moldada para se
adequar aos desejos e ambições do tio. — Cate me disse que você não
deveria ser o Consigliere.
Ele levou um minuto para responder, seus olhos focados em nossas
mãos unidas em cima da sua colcha. A emoção em seu rosto parecia dizer
que aquele simples toque era a coisa mais importante da sua vida e eu senti
meu coração se descontrolar um pouco.
— Eu deveria ser o Executor. Eu sempre gostei de lutar e era bom
nisso, e depois comecei a usar isso para canalizar minhas emoções e me
tornei brutal, com uma precisão boa. — Ele não falou com ego elevado ou
nada assim. Dani estava constatando um fato. Ele era bom mesmo. — Meu
tio tinha nas mãos a massinha de modelar de um futuro assassino cruel e
habilidoso, que não agiria por impulso. O melhor guarda-costas para o seu
filho, o que imporia a lei. Ele só precisava da minha lealdade.
Eu queria perguntar como ele conseguiu, mas a dor na voz de Dani
quando ele disse lealdade, e o fato de ter tatuado tudo isso no peito, me
dizia que não era algo que ele queria dividir com qualquer um. E eu ainda
não estava pronta para dividir a minha dor completamente, então como
poderia explorar os traumas dele?
— E quem deveria ser o Consigliere? Mau? — A ideia me pareceu um
tanto absurda, não que Mau fosse burro, mas ele era leve, selvagem,
descomedido. Coisas que um Consigliere não deveria ser.
— O filho do antigo Consigliere do meu tio, quando o velho morresse.
Meu tio pensou que Teo era o cachorrinho perfeito e bem treinado, e que
assumiria o seu lugar sem mudar uma vírgula. Teo conseguiu enganá-lo
bem. Nós o matamos. Eu matei o velho bastardo com as minhas mãos. Ele
sugeriu todas as formas que meu tio usava para me controlar. Meu tio era
cruel, mas não fazia nada sozinho.
— Eu ouvi os boatos. Sobre a reunião que vocês eliminaram quase
todos os apoiadores do seu tio — completei, quando ele me olhou confuso e
Dani deu um sorrisinho.
— Você fala essas coisas sem qualquer medo ou repulsa. Eu acabei de
dizer que matei alguém com as minhas mãos.
— Eu sei como as coisas funcionam na máfia.
Ergui nossas mãos observando nossos dedos entrelaçados e beijei o
dorso da sua mão, sem encarar os seus olhos. Eu queria demonstrar que não
tinha nojo dele por ser quem é. Era hipócrita da minha parte odiá-lo por isso
e amar minha família, meu pai, meus irmãos. Meus amigos na máfia…
Eu odiava a sede de poder que os homens na máfia tinham. Eu odiava
como ela controlava e moldava a vida deles, como eles sempre colocavam a
Stidda como a coisa mais importante da sua vida… Mas também era injusto
dizer isso sobre Dani, sobre os Ricci. Quanto mais eu os conhecia, mais eu
entendia que não era apenas sobre a Stidda. Era sobre tudo, sobre eles,
sobre família. O poder não os consumia e os deixava cegos e sedentos por
mais. Eles queriam destruir a La Santa e a Catania, sim, mas além de
querer dominar essa costa do país, parecia existir um senso de justiça. Por
tudo o que fizeram com Cate, com a Lena. Pelo que custaram a eles… Dani
e Teo eliminaram os homens velhos e idiotas que estavam no poder, os
tradicionalistas com ideias enferrujadas e antiquadas. E tratavam seus
soldados com respeito. Não eram pessoas ruins, apesar de terem atitudes
ruins.
Eu sabia de tudo o que eles faziam e do que eram capazes, mas eles
pareciam entender a gravidade disso, pareciam entender o que ter aquele
poder custava e o que cobrava deles. Era tão diferente de Ignazio e seus
amigos que simplesmente buscavam mais poder, mais voz, que queriam
crescer na organização e eram inconsequentes, como se as vidas que
tirassem no caminho não importassem, como se os erros que cometessem
fossem apenas isso, erros, sem aprender qualquer lição. Sem pensar em
ninguém além deles e a posição deles na Stidda.
Eu estava começando a perceber que não odiava Dani porque ele
representava a Stidda. Eu o odiava no começo porque ele não agia como
Ignazio. E seria bem mais fácil odiá-lo por ser um homem cruel e sem
escrúpulos que me arrastasse para o meio de uma emboscada se isso
significasse uma chance de ter mais poder e controle.
Era fácil presumir algo sobre alguém e odiá-lo instantaneamente
baseado em achismos. Era difícil tentar odiar alguém que aparentemente
tinha os mesmos princípios que os seus, e que sentia as consequências de
cada passo nessa vida.
— Você parece perdida em pensamentos — sussurrou ele, seu polegar
correndo pela pele da minha mão, já que nossos dedos ainda estavam
entrelaçados.
— Percebendo que fui uma cretina e fiz prejulgamentos sobre você. E
sua vida.
— Você odeia a Stidda, minha vida é a Stidda.
— Não. Sua vida é sua família — concluí e ele fez uma careta. — Se
Teo falasse para você abandonar tudo e ir embora com ele e com a Cate,
com Mau e Lena, o que você faria?
Ele abriu a boca para responder, mas fechou, com força. Como se
segurasse a língua. Como se aquele pensamento fosse proibido.
— Seu tio não dobrou sua lealdade para a Stidda, como ele planejava
— continuei, e Dani respirou fundo. — Você é leal ao Teo.
— Sim. Eu iria — ele respondeu, depois de um momento tenso de
silêncio, seus ombros relaxando um pouco. — Mas eu gosto do que estamos
fazendo com a Stidda. De como estamos eliminando o elitismo, honrando
os nossos soldados que dão a vida para nós. Oferecemos segurança para
famílias como a sua. E temos dinheiro para mudar as coisas…
— Como minha faculdade. — Minha voz não saiu amarga como achei
que fosse. Eu estava grata, no fim das contas, porque sabia que nunca
conseguiria pagar a faculdade sozinha. Passaria o resto da vida em dívidas,
trabalhando para tentar cobrir todos os gastos. — Vocês realmente estão
mudando as coisas…
— Fico impressionado por você tratar isso como natural, Nora, porque
eu sei que, fora da máfia, as coisas que eu faço são crimes. Cazzo, eu faço
coisas em nome da Stidda que me colocariam na cadeia por umas vinte
vidas.
— Mas é exatamente isso… meus irmãos também, Dani. E eu não
posso julgá-lo por isso e achar que meu irmão, que está criando os filhos
com tanto amor e cuidado, é uma boa pessoa. Sendo que ele fez as mesmas
coisas que você.
— Ele não fez. Ninguém fez o que fiz — confessou, com a voz tão
angustiada e rouca, que eu quis reviver Mauro Ricci só para matar o Capo
novamente.
— Chega disso, eu não vim aqui para filosofar sobre as moralidades e
hipocrisias da máfia.
Dani balançou a cabeça, respirando fundo e apertou levemente a minha
mão que seguia na sua.
— O que veio fazer aqui, Nora?
— Eu vim… — Parei de falar, soltando nossas mãos e me levantando.
Dani me olhou com confusão quando parei em pé na sua frente, entre suas
pernas. — Não sei o que vim fazer aqui, mas estava com insônia. E com um
sentimento estranho dentro de mim.
Apoiando meu braço livre no seu ombro, eu me sentei no seu colo,
com minhas pernas em volta do seu quadril, meu corpo colado no seu. Dani
pareceu perplexo por um momento, antes das suas mãos enormes segurarem
a minha cintura, me puxando para si, encaixando meu corpo contra o seu.
Meu pijama era uma camiseta velha que roubei de Damiano e um short de
outro pijama que eu não conseguia me desfazer porque era confortável. Eu
estava com o cazzo de uma tipoia, e meus cabelos estavam bagunçados da
tentativa inquieta de sono. Mas Dani me olhou com tanto tesão e desejo que
eu poderia estar vestindo uma lingerie de renda francesa. Aqueles olhos
azuis brilharam na penumbra, quando ergui a mão e passei pela sua testa,
afastando os fios loiros de lá.
— É bom que azul é a minha cor favorita, porque também é a cor dos
seus olhos. E eu adoro olhar para eles quando você para de ficar irritada e
basicamente me implora para ser fodida — ele provocou, passando os
lábios na minha mandíbula, suas mãos nas minhas costas empurrando o
meu peito contra o seu, me mantendo presa no lugar, no seu colo. — O que
me lembra: Implore, Nora.
Calor e tesão cobriram todo o meu corpo, vontade e desejo expandindo
pelas minhas veias, me deixando molhada e ansiosa.
— Nem pensar — resmunguei, sentindo a boca dele correndo pela
minha pele, mordiscando meu pescoço.
Eu disse que não iria implorar, mas inclinei a cabeça para dar mais
acesso a ele, quase afoita. Ele deu uma risada grave contra minha garganta,
correndo a língua ali. Uma mão sua subiu até meus cabelos e ele segurou
com força na minha nuca, me mantendo no lugar. Segurei o gemido quando
sua outra mão desceu até minha bunda e ele apertou firme, empurrando o
meu corpo contra o seu, em uma fraca imitação de um rebolar, mas que teve
o efeito desejado: eu senti a sua ereção contra a sua cueca, tão duro por
mim. Meu corpo respondeu ficando em chamas, meu peito subindo e
descendo contra o seu, minha mão livre se entrelaçando os seus fios na sua
nuca também, empurrando sua cabeça mais contra a minha pele.
— Que pena — sussurrou, seus lábios marcando minha pele com seu
toque leve, até que ele mordeu de repente, me tirando um gritinho e mais
uma rebolada, bem descontrolada dessa vez. Eu conseguia sentir o seu
sorriso contra meu pescoço, bem acima da sua mordida. — Pena porque eu
podia jurar que você adorou ser fodida como minha puta particular.
Choraminguei quando ele mordeu no mesmo lugar, meu corpo agora
sem controle, se esfregando contra ele com vontade, sem pudor. Sua mão
soltou meus cabelos e foi para frente do meu corpo e eu estava esperando
senti-la em meus seios, mas senti o peso e tensão da tipoia sumir, quando
ele soltou a fivela.
— Não vai dizer que estou machucada e ter cuidado? — perguntei e
ele deu outra risada, tirando a tipoia. Com cuidado, sentindo meus músculos
doloridos, ergui o braço e entrelacei seu pescoço, puxando-o para mim.
— Você é médica, mas mais do que isso: você é uma lutadora. Você
sabe seus limites, Nora, e eu sei que não vai se colocar em risco ou se
machucar desnecessariamente. — As mãos dele voltaram para as minhas
costas, erguendo levemente a minha blusa e assim suas pontas dos dedos
correram levemente pela minha coluna, me fazendo suspirar.
Inclinei a cabeça para frente, correndo a boca contra a sua, sem
encostar direito, e então mordisquei seu lábio com força, puxando a pele
sensível entre meus dentes. Dani sorriu contra a minha boca, suas mãos me
apertando levemente e colando nossos corpos, mas ele não fez mais do que
isso. Ele não me beijou, mesmo com nossos lábios colados. Ele não tirou
minha roupa. Ele não me tocou mais do que já tinha feito.
O filho da puta ia mesmo me obrigar a implorar.
— O quê? Você me quer de joelhos? — grunhi, irritada e ele ainda
continuou com aquele sorrisinho, suas mãos correndo tão levemente pelas
minhas costas que era enlouquecedor.
— Só se você quiser meu pau no fundo da sua garganta, leonessa —
provocou e eu revirei os olhos, tentando disfarçar que a imagem me deixou
bem excitada.
— Tá. — Encostei a boca na sua, engolindo a porcaria do meu ego,
porque eu queria muito sentir ele dentro de mim mais uma vez. Não, não
queria… eu precisava. Eu precisava disso. Era isso que me acordou, que me
fez atravessar o corredor, que estava me deixando inquieta. — Dani…
— Sim, Nora? — respondeu, tranquilo e eu mordi o seu lábio de novo,
em retaliação. A porcaria do pau dele estava tão duro que eu conseguia
sentir cada parte dele contra meu short, e ele estava agindo com controle.
Tranquilo.
Nada tirava aquele homem do sério?
— Por favor, me foda. Com força. Tão fundo que eu vou passar dias
lembrando do seu pau em mim. Por favor — pedi, minha boca na sua, sem
aprofundar os pequenos beijos que eu agora depositava levemente.
— Você vai ser uma boa garota, Nora? — sussurrou, puxando meu
lábio inferior para a sua boca e sugando levemente, suas mãos agora
subindo mais, erguendo minha camiseta. — Vai me obedecer enquanto
recebe meu pau?
Eu odiava que o tom que ele usava, como se eu fosse realmente uma
garota mal-comportada, me deixava ainda mais molhada. Qual era o meu
problema em ouvir agrados desse homem?
— Sim — prometi, cedendo e beijando levemente seus lábios,
praticamente implorando por um beijo seu.
Dani me deu um sorriso dominante, cheio de tesão e segurou com
força meus cabelos, me deixando parada no lugar. Então ele atacou a minha
boca, sua língua quase forçando passagem, me conquistando, tirando meu
controle, meus sentidos, meu bom-senso. Me entreguei rapidamente a ele,
segurando com força em seus ombros, enfiando as unhas na sua pele nua,
puxando-o para mim e me derretendo contra ele, contra o seu corpo.
Imediatamente todas as sensações que me dominaram quando parei de
lutar contra ele naquele quarto dias atrás correram por mim. Quando eu
cedi, quando deixei ele fazer o que queria comigo, quando me entreguei
completamente, abrindo mão do meu controle e deixando ele me dominar
completamente.
Seu beijo era feroz, sua mão me mantendo no lugar, mas seu outro
braço estava parado, apenas encostado na base da minha coluna, ainda me
provocando. Comecei a me mexer contra ele, inquieta, excitada, ansiosa.
Ele continuou apenas me beijando, sem me tocar de verdade.
Era sua tática, e estava dando certo, porque eu rebolava em seu colo,
querendo mais. Eu respondia o seu beijo com voracidade, profundamente;
eu arranhava suas costas, seu ombro. Minha respiração estava pesada, eu
estava tão molhada com esse beijo quase sem toques, que provavelmente
estava passando pelo meu short de pijama e molhando-o.
— Dani, por favor — implorei, sem conseguir me controlar e me
afastei, chocada.
A primeira vez que pedi por favor essa noite foi obrigada. Porque ele
disse que eu precisava implorar para conseguir o que eu queria. E ele sabia,
pelo sorrisinho satisfeito do figlio di puttana ele sabia que falei por falar,
para conseguir o que eu queria.
Por isso ele me obrigou a falar novamente. Me provocou e torturou o
suficiente até eu enlouquecer, o bastardo.
— Levante, Nora — ordenou, ainda com aquele sorrisinho irritante.
Eu hesitei apenas por um momento, recebendo um tapa ardente na
minha bunda. Com um olhar irritado, desci do colo dele e fiquei em pé na
sua frente, esperando e odiando como eu estava ávida pela sua ordem.
— Tire a roupa.
Obedeci, tirando com cuidado a camiseta, ignorando a dor no meu
braço e depois desci o short rapidamente. O olhar de Dani sobre o meu
corpo fazia eu me sentir a mulher mais linda e gostosa do mundo e eu não
consegui evitar um pequeno sorriso.
— Agora vamos à sua punição.
19 - Dani

— Pelo quê? — Nora parecia indignada, seus olhos azuis se


aquecendo de uma maneira diferente, com irritação agora.
— Por mentir para mim, por tentar me enganar… — listei e ela
estreitou os olhos. — Você vai implorar de verdade, Nora, agora venha
aqui.
Ela hesitou novamente, só por um breve momento, antes de dar um
passo para frente. Não a deixei reclamar ou dizer nada. Ela me procurou
essa noite, seja lá o motivo que a manteve acordada além do tesão. E eu não
desperdiçaria uma chance de tê-la, não quando ela estava no meu quarto de
bom grado.
Corri as mãos pela lateral do seu corpo, seu quadril, sua cintura, seus
seios. Subindo a ponta dos dedos e descendo. Nora respirou fundo, sugando
o ar e olhando para mim com luxúria. Segurei no seu quadril e puxei ela
para mais perto, entre as minhas pernas. Beijei sua barriga malhada,
sentindo sua pele lisa, até atingir os seus seios. Lambi lentamente um
mamilo duro, circulando o montinho, antes de sugá-lo para a minha boca.
Nora gemeu e suas mãos foram para meus cabelos, como se ela precisasse
de apoio. Minhas mãos foram para suas costas enquanto eu lambia e beijava
seu seio, sugando com força antes de passar para o outro.
Desci uma mão pela sua bunda, até o meio das suas pernas, sentindo
sua boceta e como ela estava molhada por mim. Ela gemeu novamente
quando circulei a sua entrada com um dedo, abrindo levemente as pernas.
Meu dedo a penetrou de uma vez no mesmo momento em que mordi seu
mamilo, com força. Nora gritou, puxando meus fios entre seus dedos,
empurrando os seios contra o meu rosto. Ela estava tão excitada, que meu
dedo deslizava com facilidade por ela. Antes que ela pudesse reagir, me
afastei e, segurando-a pela cintura, coloquei ela de barriga para baixo no
meu colo, arrancando dela um gritinho surpresa.
— Não force seu braço — avisei, sustentando o peso dela facilmente
em minhas pernas.
Ela apoiou o seu braço bom na beira da cama, suas pernas esticadas
por conta da sua altura, mas também sustentando o seu peso. Ela não teve
chance de responder ou reclamar, porque voltei a penetrá-la com o dedo da
minha mão direita, enquanto acertava com força a sua bunda com a mão
esquerda.
— Com vergonha de me querer, Nora? — perguntei, depois de alguns
tapas e ela mexeu a cabeça. — Então por que tentou me enganar?
— Porque… — Ela hesitou e eu acertei sua bunda redonda de novo,
colocando um novo dedo com o primeiro.
Girei os dedos dentro dela, dobrando-os, enquanto minha palma
acertava a banda da sua bunda, que já estava vermelha. Nora gemeu
profundamente quando retirei os dedos e coloquei novamente, com força.
Ela estava tão molhada que o barulho dos meus dedos deslizando por sua
boceta deliciosa ecoava pelo quarto.
— Por quê? — Parei novamente, esperando sua resposta, e ela se
remexeu, tentando empurrar o quadril contra a minha mão.
— Dani, por favor — ela choramingou, desesperada, e eu sorri.
— É exatamente assim que eu queria você pedindo, vita mia. Por que
tentou me enganar?
— Odeio como fico desesperada para ser usada por você — ela
confessou, em uma só respiração e eu me inclinei, perto o suficiente para
falar baixinho no seu ouvido.
— Isso parece vergonha, Nora. Você tem vergonha de como sua boceta
fica pingando por mim? Ou de como você adora sentir meus tapas? Ou por
que você quer mais do que isso, como a vagabunda safada que você é?
— Tudo! — gritou, quando voltei a movimentar as minhas mãos, as
investidas dos meus dedos no mesmo ritmo dos meus tapas.
— O que eu posso fazer com você? Entregue seu controle para mim,
Nora, e você vai ver como vou te venerar. Você confia em mim, não confia?
Ela mexeu a cabeça, gemendo quando tirei os dedos de dentro dela e
corri pela sua boceta, por seus lábios, até encontrar o seu clítoris e começar
a massagear lentamente.
— Me diga o que eu não posso fazer, Nora. — Coloquei a minha outra
mão por baixo dela, encontrando o seu seio e segurando um mamilo duro
entre meus dedos. — Posso fazer isso? — Torci levemente o montinho, e
ela gemeu, concordando com a cabeça. — Posso te bater aqui? — Corri os
dedos pelo seu seio, apertando-o em minha mão, sempre feliz ao sentir ela
se encaixando perfeitamente contra mim. Fiz o movimento uma vez, de
leve, apenas para ela sentir como é.
— Não. — Nora balançou a cabeça, mas hesitou por um momento. Ela
não conseguia ver meu sorriso, mas parei de manipular seu clítoris para dar
um tapa na sua boceta, também de leve. — Sim.
— No seu rosto? — perguntei, voltando a correr meus dedos pelo
montinho de nervos que faz ela se derreter contra mim.
— Só quando você estiver dentro de mim — sussurrou, e intensifiquei
os movimentos dos meus dedos, tirando a mão debaixo dela e voltando a
acertar sua bunda.
— Não é para ficar com vergonha, Nora. Eu te disse, não é sobre mim,
é sobre você e seu prazer. Se você me entregar o seu controle, você vai
apenas sentir. Não lembra quando te prendi? — Ela concordou com a
cabeça. — Quer de novo? — Mais um aceno, e continuei a penetrá-la com
os dedos, agora três, conquistando um gemido profundo do fundo da
garganta dela. — Não hoje, porque você está machucada, mas vou te
amarrar de novo, leonessa. Com cordas da próxima vez, ver sua pele
vermelha e apertada, sem poder fugir de mim.
— Dani! — O gemido dela se tornou mais profundo, sem ar,
descontrolada, enquanto eu enfiava meus dedos com força nela.
— Posso foder você aqui? — Afastei a sua bunda com as mãos,
circulando o seu cu com o indicador da outra mão e Nora estremeceu em
meu colo, antes de concordar com a cabeça. — Não hoje também…
— O que faremos hoje, então? — Dei risada da frustração que banhava
a sua voz quando parei a mão, meus dedos lentamente girando e dobrando
dentro dela, sem pressa nenhuma.
— Hoje quero você montando em mim, subindo e descendo no meu
pau. Mas primeiro…
Aumentei a velocidade da minha mão, meus dedos entrando nela com
tanta força que precisei segurar seu corpo com a outra mão. Nora começou
a gemer descontroladamente, abrindo as pernas para receber mais, seu peito
subindo e descendo contra a minha coxa, sua mão boa apertando com força
a colcha da cama. Ela jogou a cabeça para trás, os olhos fechados, a boca
aberta em um gemido descontrolado.
— Dani, por favor! — ela implorou, desesperada, choramingando e
gemendo, quando diminuí apenas um pouco a velocidade da minha mão.
— Aí está — elogiei, e fiz o que ela pediu, arrancando um orgasmo
dela que fez todo o seu corpo tremer, seus músculos se retesarem, o ar
escapar dos seus pulmões e um líquido quente escorrer por entre meus
dedos.
Ela terminou de gozar com um gemido baixo, sem forças, enquanto
seu corpo tremia e o ar parecia voltar lentamente para seus pulmões.
— Nunca fiz isso com alguém.
— Mas já fez sozinha? — retirei os dedos com poucos movimentos e
coloquei ela sentada no meu colo, puxando-a para mim enquanto me
arrastava pelo lençol, deitando.
— Sim, algumas vezes. — Nora sorriu para mim, os olhos satisfeitos
pelo orgasmo, mas ainda brilhando de tesão.
Ela era a mulher mais linda que já vi, e isso era dizer muito, porque
Lena e Cate eram muito bonitas. Mas Nora…
Eu não sabia se era a forma como seus cabelos negros caiam lisos até
sua cintura, ou se era por causa dos seus olhos azuis tão brilhantes e
profundos que fui arrebatado quando a vi… Ou o formato do seu rosto. Ou
seu corpo incrível. Eu só sabia que ela era uma obra-prima. Uma porra de
uma Dea. Una divinità.
— Achei que fosse ficar envergonhada — provoquei, brincando,
porque Nora não se envergonhava sobre o seu corpo. Só sobre seus
sentimentos, aparentemente.
— Eu sou médica e a ejaculação feminina é bem normal, se você quer
saber — ela respondeu, e percebeu meu sorriso, revirando os olhos.
Segurei na sua cintura, obrigando-a a rebolar contra o meu pau,
sentindo os resquícios do seu orgasmo contra o tecido da minha cueca. Nora
mordeu os lábios, me olhando, espalmando as mãos sobre o meu peito.
Ergui ela rapidamente e ela sustentou o seu peso, permitindo que eu me
livrasse da única peça que nos separava.
— Sabe, não que você tenha perguntado antes de se afundar em mim
como um animal descontrolado…
— Você não pareceu reclamar — provoquei, puxando-a para baixo
novamente. Nora se afundou em mim sem um segundo de hesitação, com
tanta vontade, que nós dois gememos quando sua boceta deslizou pelo meu
pau, me engolindo inteiro.
Ela fechou os olhos por um segundo, se ajustando ao meu tamanho, e
começou a se movimentar levemente, mas segurei sua cintura com força,
impedindo seus movimentos. Nora abriu os olhos, irritada, e eu sorri.
— Você estava dizendo…
— Você disse aquele dia que não transava sem camisinha, mas… —
Como se eu precisasse de um lembrete de que estava enterrado dentro dela
sem qualquer barreira, Nora rebolou vagarosamente, me arrancando um
gemido profundo.
— Não fodo sem camisinha, Nora.
— Você fez comigo duas vezes.
Levantei, passando o braço pela cintura dela, colando os nossos corpos
e facilmente ergui ela pelo meu cacete, descendo-a devagar, usando minha
força para ditar seus movimentos lentos e tranquilos.
— Você é minha. — Minha voz saiu como um rosnado, e passei a
movimentá-la com mais rapidez.
Nora me empurrou com força pelos ombros, fazendo uma careta
quando usou força no braço machucado, mas rapidamente me distraiu,
quando passou a subir e descer no meu pau com vontade, praticamente
pulando, seus seios balançando, seus cabelos caindo pelo seu corpo, sua
bunda atingindo minhas coxas com força.
— Mais rápido — ordenei e ela obedeceu.
Puxei as suas mãos para frente, com cuidado por conta do seu ombro,
segurando seus punhos com uma mão, lançando um olhar para ela.
— Me diga se isso te machuca — avisei, puxando-a levemente para
frente, e Nora obedeceu, inclinando o seu corpo para mim.
Continuo segurando os seus punhos, impedindo qualquer movimento
além do que ela faz com o quadril e as pernas, forçando seu corpo a subir e
descer rapidamente pelo meu pau, e Nora está entregue.
Ela gemeu alto, indo cada vez mais rápido, principalmente quando
comecei a atingir sua bunda novamente. Subi a mão pelo seu corpo,
apertando seus seios, enrolando os dedos contra o seu pescoço e apertando
com força por um momento, a obrigando a focar seu olhar em mim. Atingi
seu rosto de leve, voltando a segurar sua garganta. Seus olhos se
arregalaram por um momento, então ela acelerou mais seus movimentos,
buscando o seu novo orgasmo.
Com um movimento fácil, que já fiz várias vezes contra ela quando
lutamos no tatame, eu nos virei, derrubando-a no colchão. Parei apenas por
um segundo para verificar se ela caiu com seu ombro, e voltei a arremeter
nela, minha mão segurando-a contra o colchão pelo pescoço, enquanto a
outra apertava o seu punho.
— Segure — ordenei, e Nora balançou a cabeça, choramingando. —
Você consegue.
— Dani, por favor, por favor! — ela pediu, desesperada, seu quadril
indo ao encontro do meu, suas pernas me abraçando pela cintura, me
puxando contra ela como se eu já não estivesse indo fundo o suficiente para
machucá-la.
Não parei, usando meus joelhos como alavanca para os meus
movimentos, minha mão soltando seu pescoço apenas para acertar outro
tapa no seu rosto, dessa vez mais forte. Nora soltou um gemido
estrangulado e prazeroso, se movimentando com rapidez contra minhas
estocadas, pedindo mais, querendo mais.
— Segure, Nora. — Soltei seus braços para poder segurar sua perna e
erguê-la.
— Eu não consigo, Dani, por favor — ela choramingou mais uma vez,
tão desesperada, implorando agora sem nenhum pudor. — Por favor, por
favor.
Nora era flexível o suficiente por causa da luta para sua panturrilha
descansar no meu ombro, seu joelho dobrado permitindo que eu empurrasse
sua perna para trás para arremeter nela tão fundo que ela gritou, suas unhas
afundando nos meus braços, seus olhos se fechando, sua boca se abrindo
quando ela ficou sem ar porque eu apertei novamente o seu pescoço, o
bastante para sentir todos os seus batimentos descontrolados.
— Agora — ordenei e ela gozou com um grito silencioso, as unhas tão
profundamente enfiadas em mim, rasgando a minha pele e me fazendo
sangrar.
Ataquei a sua boca, beijando-a com tanta força que seus lábios
provavelmente ficarão inchados e marcados, assim como os meus, mas
precisava de uma distração porque sua boceta deliciosa estava apertando
meu pau com seus espasmos, arrancando de mim meu próprio orgasmo.
Cedo, mais rápido do que eu gostaria, gozei fundo nela, com todo meu
corpo ficando tenso, com minha mão apertando mais sua garganta, com a
outra em sua coxa, os dedos afundados na sua pele até marcá-la como
minha.
Quando terminei, Nora ainda estava se recuperando, seu corpo ainda
tremendo, sua boceta ainda me apertando em espasmos menores, mais
fracos. Soltei seu pescoço e ela puxou o ar com força, me abraçando pela
cintura novamente com os calcanhares na base da minha coluna, quando
liberei sua perna também, caindo por cima dela. Ela me puxou para um
novo beijo, descontrolado, sua língua se enfiando na minha boca com
vontade, buscando a minha.
Sem hesitar, respondi o seu beijo, beijando-a de volta com a mesma
intensidade, diminuindo aos poucos, deixando nossas respirações se
acalmarem antes de sair de dentro dela e cair ao seu lado na cama. Nora
resmungou de forma dolorida quando deslizei para fora dela, mas me olhou
satisfeita antes de fechar os olhos, respirando devagar, tentando acalmar o
coração.
Apesar de sentir meu coração pulsando contra as orelhas, eu me sentei,
procurando na cama a tipoia de Nora. Minha cama estava bagunçada e a
roupa dela estava jogada pelo chão e respirei fundo, tentando muito não
surtar com isso.
— Venha aqui — falei, com a maior delicadeza que consegui reunir,
antes de erguê-la pelo braço bom e colocar a tipoia em seu ombro,
prendendo rapidamente, com ela me olhando confusa.
— Faltou minha blusa — Nora falou, sem ar, me fuzilando com os
olhos.
— Se você pensa que vai colocar a sua roupa de novo esta noite, está
bem enganada.
Não hesitei em empurrá-la de volta para a cama, vendo-a cair no
travesseiro resignada, antes de me levantar e recolher as suas roupas,
dobrando-as e colocando na minha cômoda em frente a cama, com os olhos
dela em mim. Depois de fazer o mesmo com a minha cueca, voltei para
cama, puxando a colcha e o lençol. Nora aproveitou para erguer o quadril,
me ajudando de certa maneira.
Deitei ao seu lado, com cuidado para não encostar no seu braço
machucado. Ela me olhou feio antes de balançar a cabeça e voltar o olhar
para o teto, sonolenta, satisfeita.
— E por um acaso você acha que vou dormir aqui?
— Caso você tenha insônia de novo — garanti, brincando, e ela deu
uma risada que me fez encarar o seu rosto por mais tempo do que deveria.
— Cretino — ela resmungou, mas não pareceu nada irritada.
Continuei observando-a enquanto ela puxava o ar com força,
suspirando satisfeita. Seu lindo corpo se esticando na cama, conforme ela se
espreguiçava. Suada, com a pele vermelha e marcada, com os olhos
satisfeitos e o cabelo todo bagunçado espalhados pelo meu travesseiro.
Ergui a mão sem pensar, correndo os dedos pelo seu estômago duro,
sentindo seus músculos, sua dedicação na academia.
— Por que você gosta de lutar? — perguntei, incapaz de me controlar.
— Hum… — Ela pensou por um momento. — No começo, eu queria
provar para o meu pai que eu não era diferente dos meus irmãos, que eu
poderia ser boa como eles. Não que meu pai não me desse atenção, é que
ele precisava ensinar aos meus irmãos algumas coisas que, teoricamente,
não precisava ensinar para mim. Eu amo meus pais, mas no fim das contas,
eles têm um pouco de tradicionalismo neles. Nunca ocorreu a ele que eu
poderia ser e aprender a mesma coisa que meus irmãos.
— E então você começou a lutar?
— Lutar e ficar com ele na oficina. Aprendendo as coisas, tentando me
provar para ele sem ele nem perceber que eu queria me misturar. Ele só
achava que eu gostava de passar tempo com ele. O que era verdade
também… Mas depois de um tempo, eu realmente gostei de lutar. Do poder
que isso me dava. Mas no sentido de controle — ela se corrigiu e eu
concordei com a cabeça.
— Eu entendo. Quando lutamos, precisamos manter o controle, e nos
concentrar nisso. Ignorar o resto, ignorar nossos sentimentos. Lutar para
mim é isso.
— Acho que para mim também. E depois virou uma maneira para não
pensar em nada, para descontar as frustrações do dia a dia. E, bem, começar
a ganhar lutas foi bom — ela brincou e dei um sorriso.
— Você não luta mais no Ringue e disse que é pela faculdade… Por
que tenho a sensação de que isso não é verdade?
— Porque você é um curioso de merda — resmungou, revirando os
olhos. Nora se ajeitou na cama, virando a cabeça para me olhar. — Eu…
— Você não precisa me contar — interrompi, mas ela balançou a
cabeça.
— Você foi sincero comigo. E… e você disse que somos amigos.
Amigos conversam. Não é?
— Brigamos mais do que tudo, também.
— Não disse que somos bons em sermos amigos — ela provocou e eu
dei uma risada. Ela era impossível. Sempre parecia discordar de mim, só
por discordar.
— Vaffanculo — xinguei e ela deu um sorrisinho satisfeito.
— Shiu, me deixe falar, coglione. Eu parei de lutar depois da
emboscada que te falei… Eu tentei. Tentei me perder na luta. Treinar é uma
coisa, porque teoricamente posso socar as coisas sem consequências, mas
no Ringue, minha vida está em risco também. E eu ficava distraída demais,
perdida demais nas lembranças. Eu não queria me machucar só para tentar
esquecer ou forçar algo.
Fiquei em silêncio por um momento, pensando.
— Bem diferente de mim… Eu quero estar no Ringue para sentir as
coisas. Agora que sou o Consigliere, Teo não quer que eu me arrisque, então
já faz um ano que não luto de verdade lá, mas… Eu fazia para sentir. Eu
reprimo um pouco minhas emoções — confessei, esperando a reação dela.
Esperando ela me olhar com desconfiança, ou nojo, ou sei lá…
Mas Nora fez um barulho de choque falso, me arrancando um sorriso.
— Você? Reprimindo suas emoções? Nunca percebi que você tenta
parecer um robô.
— Engraçadinha — respondi, mas senti um pouco de incomodo me
dominar.
Eu tinha motivos para não sentir. Para evitar. Mas será que estava
certo? Eu falei para Mau que tentava me livrar dos ensinamentos do meu
tio, mas menti, não menti? Um dos maiores ensinamentos dele foi reprimir
minhas emoções para, como Nora bem apontou, ser o oposto do Teo.
Controlá-lo. Ser sua âncora.
Mas eu era assim? Eu não me lembrava direito do que era ser… livre.
Livre das responsabilidades que meu tio colocou sobre mim. E eu nem
sabia se eram necessárias mais… Não porque Teo tinha Cate agora, mas
porque ele sabia o que estava fazendo. Ele não era o fracasso que o meu tio
sempre esperou ele ser.
Eu não sabia se conseguiria deixar de ser o que me tornei desde
quando fui iniciado, mas poderia ser menos… fechado. Frio. Sentir mais,
sem medo do que minhas reações podem causar. Sem medo de me
concentrar em mim e parar de me concentrar no meu primo…
— Por que medicina? — mudei de assunto, deixando aquele incomodo
no fundo da minha mente, a sensação de que eu precisava quebrar as
barreiras que construí com toda a tortura e treinamento do meu tio.
— Quando éramos crianças, Angelo se machucou. Ficamos um tempo
levando ele para um hospital pediátrico, e enquanto meus pais estavam com
ele, Samu e Dami cuidavam de mim e do Mick… ficamos andando pelo
hospital, e eu adorei o ambiente. Adorei ver aquelas pessoas se esforçando
para cuidar de alguém, um desconhecido. Para fazer a diferença na vida
daquela pessoa. Então decidi que queria aquilo também. Queria ajudar
alguém como ajudaram Angelo.
— Isso é bom. Você é uma boa médica, Nora. Não importa o que
digam. E daí que você precisou de uma ajuda em dinheiro para pagar sua
educação? Isso não muda o seu conhecimento, sua experiência. Como você
trata seus pacientes.
— Escolhi medicina familiar porque queria ajudar o máximo de
pessoas possíveis na famiglia — ela confessou, a voz baixa e um pouco
envergonhada. — Eu queria ser algo constante no meio de todo aquele caos,
já que teria que trabalhar para a Stidda. Não queria só ficar presa às
emergências e aos soldados, apesar de adorar a adrenalina quando tudo está
ocupado e maluco. Eu queria cuidar das pessoas por trás dos soldados, das
famílias, da comunidade.
— Você é uma parte importante da clínica. É por isso que o Parruci te
trouxe para o Harlem.
— Você sempre sabe de tudo? — ela bufou, mas tinha um sorrisinho.
— Tudo que envolve você, sim — falei e ela me encarou curiosa, e só
porque eu adorava ver ela irritada e respondona, completei: — afinal,
alguém tem que ficar de olho em você.
— Stronzo. — Ela acertou um tapa no meu estômago e eu dei risada,
me virando na cama e ficando por cima dela.
— Continue me xingando e eu vou te torturar, te negando orgasmos
enquanto te chupo — prometi e seus olhos brilharam com tesão
instantaneamente, me arrancando um sorriso. — Você quer isso, leonessa?
Você gostou de gozar só quando permiti?
Abaixei a cabeça, passando a língua na lateral do seu pescoço,
descendo lentamente, sentindo sua pele macia contra minha boca. A
respiração de Nora mudou, quando ela puxou o ar com força. Eu apostava
que se colocasse a mão entre suas pernas, encontraria sua boceta novamente
molhada e pronta para mim.
Ela não disse nada, mordendo o lábio, o que me arrancou um sorriso
predador cheio de promessas. Desci a ponta da língua até um seio,
circundando o mamilo lentamente, de leve. Nora gemeu quando suguei o
montinho duro para a boca, chupando com força, mordiscando a pele
sensível do seu seio, brincando com ele com a minha língua, entre meus
dentes, meus lábios.
Continuei descendo pelo seu corpo, beijando e lambendo cada parte
dela, até me colocar entre suas pernas. Ergui os olhos para o seu rosto e
sorri, tão perto da sua boceta, mas sem tocá-la de verdade. Nora me olhou
com frustração quando percebeu meu sorriso. Assoprei primeiro, só para
provocá-la, e depois estiquei a língua, lambendo de leve sua pele macia.
— Diga, Nora — ordenei e ela bufou, irritada e frustrada.
Mas abriu mais as pernas, com expectativa.
— Sim, eu gostei.
— E você quer de novo? — sussurrei, descendo mais a cabeça, minha
boca raspando no seu monte de Vênus, mas sem começar a lambê-la como
nós dois queríamos.
— Sim.
— Sim, o quê?
— Sim, por favor — ela pediu, tentando erguer o quadril. Empurrei
ela, espalmando minha mão contra o seu abdômen, mantendo-a no lugar
com facilidade.
— Continue implorando e só goze quando eu deixar — avisei, e
ataquei a sua boceta, pronto para fazê-la gritar a noite toda.
20 - Dani

Quase duas semanas com Nora aqui, mas não falávamos sobre o que
fazíamos noite, sim, noite não (quando ela estava de plantão não fazíamos
na minha cama pelo menos). Ela não disse nada sobre todas as vezes em
que a fiz gozar, até o sol nascer. Como na primeira noite em que ela dormiu
aqui. Ou quando eu a acompanhava na clínica e escapávamos nos seus
intervalos.
Ela estava com olheiras e eu provavelmente também, mas não
dissemos nada sobre isso. Fingimos que não aconteceu, como das primeiras
vezes, mas também não. Não era exatamente ignorar. Era como se fosse um
segredo. Algo entre nós que ninguém pudesse estragar ou tocar. E por
enquanto, por mim, não tinha problema.
Ficou claro que Nora exercia poderes sobre mim que eu nem mesmo
entendia. E ficou claro que eu definitivamente não conseguia resistir a ela.
E se ela estava disposta a dividir seu corpo comigo, eu não iria desperdiçar
essa honra.
Nora me procurava, porque eu não queria aparecer no seu quarto e
atravessar algum limite invisível, afastando-a. Transávamos loucamente e
conversávamos. Brigávamos a maioria do tempo, nos alfinetando mais do
que tudo. Não era como as discussões cheias de irritação do começo. Era
mais uma provocação. Ela gostava de me irritar, e eu gostava de irritá-la. E
estávamos conversando sobre coisas banais e profundas, mas isso não
mudava nada.
No fim das contas, ela ainda tinha um noivo, um que ela não citava. E
eu ainda tinha flutuando na minha cabeça toda a merda que o meu tio
empurrou pela minha garganta. E eu quase disse tudo para ela, quase contei
todas as coisas que ele me obrigou a fazer, mas não queria que ela saísse
correndo enojada.
E… e eu tinha a sensação de que ela não deveria ser a primeira pessoa
a escutar minhas confissões e segredos. Ela me apontou uma coisa que
estava me incomodando: eu não era leal à Stidda como achei que fosse. Eu
era leal ao meu primo. E se isso era verdade, se eu era leal a ele a ponto de
destruir a famiglia por ele, ele merecia saber tudo o que fiz. Ele merecia
saber as piores coisas da minha vida, e porque eu era uma péssima escolha
para ajudá-lo. E por isso eu estava aqui…
— Algum problema?
Teo ergueu a cabeça de um papel que estava lendo, estreitando os
olhos quando percebeu que eu estava parado na porta do seu escritório.
Hoje Nora tinha o dia livre, para descansar, depois de 36 horas de plantão.
Eu não sabia como ela aguentava e não tive vergonha em trocar com
Angelo, que voltou com Mau e Lena logo depois do primeiro dia de Nora
aqui. Mau acompanhava Lena em suas aulas enquanto Angelo ficava com
Nora, para que eu pudesse descansar.
Ela não parecia mais cansada do que o habitual, e ela até me chupou na
porcaria do banheiro da clínica. Agora ela estava com Cate, as duas estavam
planejando como pedir exatamente autorização para o tio de Cate, sem
levantar mais suspeitas de que estávamos procurando algo. Nora já usou a
desculpa de plantões avulsos, mas se ela continuasse, daria margem para
médicos da Catania atravessarem o território sempre, inclusive os que eram
apoiadores dos irmãos Sana, e não queríamos espalhá-los mais pelo
território ou dar a eles outro ponto de acesso, ou esconderijo. Resolvemos
esperar umas duas semanas, aguardando os homens da Catania se
acostumarem com a nossa rotina, acreditarem de verdade que não
desconfiávamos deles. Nora estava com saudades da sua família, mas ela
sabia que, mesmo que os soldados não tenham relatado a presença de
Catanios lá, eles estavam mais seguros com ela longe.
Gaspare e a equipe de Mau voltariam nos próximos dias, agindo como
se tivesse sido uma missão falha, assim como a mensagem que recebi de
Fedez. Estávamos fingindo que não tínhamos ideia de que a perseguição
dos irmãos Sana era, na verdade, uma estratégia para nos afastar das
redondezas do Bronx.
— Fedez está voltando, ele não consegue mais enrolar o pai, e prefiro
que ele esteja aqui do que despertar qualquer dúvida no segone do Stefano.
— Precisamos alertar ele desse suposto plano que você e Cate estão
pensando — Teo me avisou e eu concordei com a cabeça.
Ele estava tenso, algo com Cate logo nos primeiros dias em que Nora
estava aqui. Ela teve um pequeno sangramento, normal de acordo com a
médica, e Teo a levou correndo para a clínica. Nora estava de plantão e
ficou ao lado da amiga, assegurando-a de que estava tudo bem com o bebê.
Eles fizeram as pazes ontem, aparentemente, já que encontrei os dois aos
beijos na cozinha quando chegamos pela manhã.
Cate não parecia mais tão preocupada, mas eu tinha quase certeza de
que ela estava pensando a mesma coisa que eu, o que era… uma merda, na
verdade. Não era um plano fácil, ou uma decisão fácil, e eu não queria que
ela sofresse por isso. Por tomar essa decisão.
— É isso que está te preocupando? Acha que Stefano desconfia de
algo?
— Não — respondi, com certeza, e fechei a porta, passando a tranca
antes de caminhar até o bar, pegando uma dose de uma bebida. Porque não
conseguia falar isso sem enrolar. Sem desviar o assunto. E eu precisava
falar isso.
— O que está acontecendo, Dani? — Teo desistiu de olhar os papéis e
se sentou mais ereto.
Preocupação brilhava em seus olhos, mas não consegui encarar por
muito tempo, desviando e indo me sentar na sua frente. Enquanto eu não
estava perdido em Nora, com meu pau enterrado nela, ou conversando e
brigando como sempre, eu estava pensando. E eu deveria estar pensando em
como vamos derrubar a Catania, nas desculpas para começar a investigar
aquele lugar, como infiltrar Nora na clínica, se isso for possível. Onde
realmente estavam os irmãos Sana, qual porto e rota eles usavam para
transportar as mulheres traficadas. Em que lugar as escondiam. Tudo isso
deveria ocupar a minha mente.
Mas nada disso afastava a sensação de que eu estava me afogando.
Como se eu tivesse guardado todas as minhas emoções e memórias atrás de
uma porta durante todos esses anos e Nora tivesse derrubado ela aos chutes.
Era bem a cara dela mesmo, invadir minha mente e arrombar minhas
barreiras e proteções, me obrigando a enfrentar tudo o que eu
definitivamente tinha medo de enfrentar. Mas quanto mais eu pensava em
tudo o que meu tio fez comigo, mais eu acreditava que não valia a pena
ficar preso aos seus ensinamentos. Ao Dani que ele construiu.
— Você e Mau andam conversando bastante.
— Com ciúmes? — meu primo provocou, tentando quebrar o clima
tenso, tentando me relaxar.
— Não, segone. Sobre o que vocês falam? Não precisa me dizer o
conteúdo, só…
— O tema? Bem, falamos sobre o meu pai. E tudo o que ele fez com
Mau. Tudo o que fez comigo. Mesmo que não tenha sido tão físico quanto
com Mau. Ele sabia onde a Cate estava, e eu não tinha escolha. Se eu não
cedesse…
— Eu sei — falei, tentando confortá-lo.
Porque eu conhecia tudo o que meu tio fez para controlar Teo. Meu tio
o manipulou certinho porque queria ele fora do país…
— Você sabe porque ele queria você fora daqui? — Teo balançou a
cabeça, me encarando com curiosidade. — Porque meu pai tentou fazer
uma emboscada para te sequestrar.
Teo parou.
Simplesmente parou.
Ele nem parecia respirar, ou piscar.
Mas eu conseguia ver seu cérebro funcionando, seus pensamentos
correndo, a conclusão que chegaria logo.
— Como ele morreu, Dani? — A voz do meu primo saiu pesada, dura.
Sofrida.
Não respondi. Não consegui.
— Você se lembra da Ronnie? — Ele concordou com a cabeça, e eu
dei um gole na bebida.
— Meu pai obrigou você a matá-la porque pensou que você estava se
apaixonando por uma puta — ele lembrou, mas suas palavras não foram
cruéis, ele só estava constatando um fato, repetindo o que contei para ele.
Mas ele estava errado.
— Ele me obrigou a matá-la porque eu passava mais tempo com ela do
que atrás de você.
— E? — Teo ergueu a sobrancelha, confuso por um momento, e então
ele balançou a cabeça, seu rosto se enchendo de pesar. — Dani…
— Eu não deveria ser o Consigliere — murmurei, a voz tão baixa que
não sabia se meu primo tinha escutado, mas ele ouviu.
— Você é a pessoa que mais confio no mundo.
— Cate…
— É o amor da minha vida, Dani, mas você é a pessoa que eu mais
confio no mundo — ele afirmou, como se soubesse que eu precisava ouvir
isso. — Você esteve ao meu lado no meu pior. Esteve ao meu lado nos
piores momentos da minha vida e nunca me olhou diferente. Nunca me
julgou por nada do que fiz. Nunca duvidou de mim, nunca duvidou das
minhas decisões. Dos meus planos. Você é a pessoa que eu mais confio.
Você.
Balancei a cabeça, tomando mais um gole, deixando a bebida queimar
minha garganta, que estava tão seca e embargada, que eu não sabia se seria
capaz de engolir. Mas o líquido desceu queimando, caindo como um peso
mórbido na boca do meu estômago.
— Eu o matei.
Teo ficou em silêncio.
Chocado.
Paralisado.
E eu não consegui mais olhar para ele sem sentir toda a vergonha me
consumir.
— Você tinha 12 anos — ele falou, a voz em um tom de assombro
incrível.
— 11 anos e 5 meses — corrigi.
— Ele morreu de overdose.
Ergui uma sobrancelha para o meu primo, tentando dizer que nós dois
sabíamos como as coisas funcionavam na máfia. Que uma morte poderia
ser escondida facilmente. Manipulada.
Já fizemos antes. Faremos no futuro.
— Por quê?
— Ele estava vendendo informações para os albaneses e para a La
Santa. Se te sequestrassem, tentariam manipular o seu pai.
— Claramente não conheciam ele. — Teo bufou e eu tive que
concordar.
Meu tio não resgataria o Teo. Mas quando ele descobriu sobre o plano,
se sentiu insultado. Principalmente porque quem estava vendendo
informações era o seu próprio irmão. A coisa que meu tio mais valorizava
era a sua imagem de Capo e ela não poderia ser manchada com um irmão
traidor. Um irmão que estava ao seu lado sempre, em várias transações.
— Por que ele estava vendendo informações?
— Essa parte é verdade: drogas. E quando seu pai proibiu nossos
fornecedores e traficantes de vender para ele, ele precisou arrumar outra
maneira. E ninguém queria dinheiro do irmão do Capo. Queriam segredos.
Informações.
“Seu pai me levou junto, ele me contou tudo. Como você seria
sequestrado, como você seria torturado. Como eu falhei com você, assim
como o irmão falhou com ele, porque eu era o seu braço direito, que era
para isso que ele estava me treinando, que era para isso que ele estava me
moldando. E depois disse que era uma vergonha ser filho de um traidor, que
ninguém nunca poderia saber sobre aquilo e que eu tinha que fazer uma
escolha. Ele ou a máfia. Ele ou você.”
— Dani… — Teo balançou a cabeça, mas ele já sabia qual escolha fiz.
— Por que você nunca me contou?
— Ainda não terminei.
— Porca puttana — Teo xingou e se levantou, passando as mãos pelos
cabelos e bagunçando os seus cachos. Ele foi até o bar e serviu uma dose
bem maior do que a minha, virando de uma vez e fechando os olhos. —
Continue.
Mas eu não sabia se podia. Se conseguia confessar isso. Se conseguia
confessar tudo o que fiz por ele.
— Dani, continue — Teo ordenou, mas dessa vez sua voz não estava
com o tom sem paciência de Capo. Estava desesperado.
Meu primo estava implorando para eu me abrir com ele. Para confiar
nele como ele disse que confiava em mim. Só que, se eu contasse isso, eu
não sabia se teria volta. Ele nunca mais olharia para mim da mesma
maneira que olhou por todos esses anos. Ele nunca mais teria orgulho de
dizer que eu era parte da sua família. Que eu era seu irmão, mesmo não
sendo. Mesmo sem nunca poder ser seu irmão de verdade. Teo nunca mais
confiaria em mim, porque veria que eu não tinha limites. Escrúpulos.
— Seu pai o torturou e me deu a faca para dar o último golpe. Mas
ninguém poderia saber, porque ele não queria que as pessoas desconfiassem
que meu pai era o traidor. Então ninguém soube. E todo mundo comprou
fácil a história da overdose. Só que depois disso, seu pai ficou um pouco
paranoico comigo. E foi assim que começaram os treinamentos. Quando
você fez o acordo com ele para salvar a Cate… Eu deveria matá-la.
O copo na mão de Teo quebrou, vidro e sangue espalhando para todos
os lados, mas ele não se moveu para limpar, ou enfaixar a mão. E nem eu.
Porque eu sentia toda a raiva emanando dele. Toda a desconfiança. Todo o
ódio.
Eu conseguia enxergar nosso laço se quebrando, nossa amizade
morrendo. Nossa parceria indo para o ralo. Meu primo nunca mais olharia
para mim da mesma maneira, eu sabia, mas confessei, confessei e não
conseguia parar, não agora, na metade do caminho.
— Aquela arma… — ele murmurou e eu concordei com a cabeça.
Não precisávamos de armas para levar ela até a floresta, mas eu estava
com uma na mão mesmo assim. Porque deveria matá-la. Dar um jeito de
distrair Teo, ou me oferecer para ficar para trás e matá-la assim que ele
saísse de vista, quando meu tio nos buscasse. Teo lutaria um pouco contra o
meu tio, mas não poderia fazer mais nada. E meu tio estava certo de que ele
se esqueceria dela.
Mas eu estive com eles naquele verão.
Eu estive com eles em todos os momentos. E os dois eram ligados de
uma maneira que eu não seria com ninguém. Teo e Cate se amaram antes
mesmo de saber o que era amor, e se eu a matasse, não só perderia meu
primo, mas tiraria dele a coisa mais importante da sua vida. E eu não
poderia fazer isso. Não poderia fazer isso com ele, porque meu tio começou
a me moldar para ser a sombra dele.
Os olhos de Teo se mexiam de um lado para o outro, como se ele
estivesse repassando as suas memórias, pensando naquela noite, tentando
descobrir algo, qualquer coisa que desse uma pista. Porque ele sabia do
temperamento do seu pai.
— Eu não consegui, Teo. Eu não consegui fazer isso com você. Ou
com ela, mia bambolina, que foi sempre amorosa e gentil comigo. Que me
tratava como alguém da família.
— Dani… — Teo começou, com cautela, seus olhos se iluminando de
uma maneira sombria e triste. — Como sua mãe morreu?
“Assim como a sua mãe, Dani”, foi o que o meu tio falou quando Teo
perguntou se minha tia Alessia estava viva.
Não foi um conforto. Foi um aviso.
E eu comecei a andar puxando Mau, fazendo a minha escolha.
E só depois, quando estava mais velho, percebi que meu tio pouco se
importava com Cate e não a mataria naquele momento porque queria ter
uma vantagem sobre Teo, saber sobre seu paradeiro e ameaçá-lo sempre que
podia. Sem Cate, Teo era incontrolável. Com ela ainda viva, meu tio tinha
um poder sobre ele. Porém…
Não era sobre Cate ou Teo.
Era sobre mim.
Sobre minha lealdade.
Ele nunca quis que eu matasse Cate. Ele queria ver o que eu faria pelo
meu primo, se eu ficaria ao seu lado, mesmo que isso significasse contrariar
o atual Capo. E eu fiquei.
Eu fiquei com o meu primo. Não puxei o gatilho para Cate.
Mas…
— Foi um plano. Um teste. E eu… passei — sussurrei, erguendo os
olhos para Teo. Meu primo estava impassível agora, a mão ainda sangrando
no tapete. — Logo depois, quando você estava a caminho da Itália, meu tio
me levou para interceptar uma emboscada contra você. Era falsa. Era tudo
uma desculpa para prender a minha mãe. Eu sei disso agora. Mas não sabia
na época.
“Eu não sabia que ele inventou sobre ela também ser traidora, porque
era viciada igual o meu pai, apenas para ter uma nova forma de me
controlar. Se ele simplesmente tivesse me levado para aquele galpão e me
obrigado a fazer o que fiz, eu não teria feito. Então ele aproveitou que você
estava mais irritadiço, mais inconsequente sem a Cate, e armou uma
emboscada para me enganar. Quando eu cheguei naquele galpão, ela e mais
cinco homens que eram amigos do meu pai estavam esperando.”
— Pare — Teo pediu, mas eu balancei a cabeça.
— Ele disse que eu tinha uma nova escolha: você, ou eles. Porque eles
venderiam informações sobre o seu paradeiro na Itália.
— Dani…
— Ele torturou um dos caras e ele realmente sabia onde você estava,
mas eu não me toquei na época que foi um truque também. Que ele obrigou
o cara a dizer aquilo.
— Dani, chega! — Teo deu dois passos para frente, mas eu me
levantei da cadeira, me afastando, porque eu precisava terminar de falar.
— Eu fui o responsável por torturar e matar ela. E enquanto estava
chorando, antes de cortar a sua garganta, eu conseguia ver o olhar resignado
nos olhos dela. Ela passou o tempo todo em que não estava gritando
dizendo para mim que estava tudo bem. Porque ela sabia! — Minha voz
perdeu a calma controlada e se elevou. — Ela sabia que se eu não a matasse
eu seria o próximo, e ela não queria me ver em perigo.
— Dani, por favor.
— E eu a matei! Minha primeira morte não foi uns merdas albaneses
que interceptamos, foi ela e meu pai! — Eu estava chorando, eu sentia as
lágrimas escorrerem, porque depois de todos esses anos, depois de tudo o
que fiz, ainda me machucava. O monstro que me tornei com menos de 14
anos. — E então… e então ele me prendeu nas mesmas correntes que antes
prendiam ela.
— Santa Madre — Teo sussurrou, caindo sentado no sofá, o sangue
escorrendo pelo seu punho ainda, mas seu olhar assombrado e cheio de
angústia focado em mim.
— Por três dias, para saber se você planejava retaliar a morte de
Enrico Conti e a perda de Cate. Três dias me torturando com o corpo da
minha mãe aos meus pés, e eu não quebrei. Eu não cedi. Por você. “Você é
a única coisa que mantém seu primo, você, você é o único que pode segurá-
lo”, ele disse. Se alguém te atingisse, seria minha culpa, porque eu deveria
te proteger, Teo. Ele me ensinou tudo isso enquanto o corpo da minha mãe
apodrecia ali. Ele me disse o quanto meu sangue era ruim, o quanto eu era
um merda porque era filho de dois traidores, que eu não era digno do
sobrenome dele, que eu seria responsável pelo fim da Stidda, porque
causaria a sua morte.
— Foi assim que ele te moldou — Teo sussurrou, engolindo em seco.
Enquanto o sangue pingava no tapete, no chão.
Ping.
Ping.
Ping.
Igual o meu sangue escorrendo naquele galpão, enquanto eu estava
pendurado pelos braços. Caindo no chão de concreto e se misturando com o
da minha mãe, morta, aos meus pés. Definhando e apodrecendo. Às vezes
eu me lembrava do cheiro que exalava dela, conforme seu corpo ia
deixando de existir.
— Você era um fogo temperamental e inconsequente. E eu precisava
ser o seu oposto. Então enquanto você não voltava, ele me moldou. Me
colocou para treinar e apanhar no Ringue, assim eu controlava minhas
emoções. Me trancava por dias, longe da sua mãe, principalmente quando
ela tentava me dar carinho… Mas quando você voltou, eu estava perfeito
para ficar ao seu lado.
Teo balançou a cabeça, enojado e incrédulo. Como eu sabia que ele
ficaria se algum dia descobrisse a verdade. Ele parecia prestes a vomitar
agora que descobriu que a pessoa que ele mais confiava era um monstro.
Desviei os olhos, incapaz de observar o nojo e o ódio nas feições dele. Ele
não confiava mais em mim. Ele me mataria ou me mandaria embora,
porque sabia que conviver com esse fardo era punição o suficiente. Ele…
— Sinto muito.
Minha cabeça se virou tão rápido na direção dele que escutei o meu
pescoço estralar.
— Sinto muito por tudo o que ele fez com você em meu nome, Dani.
Silêncio.
Silêncio na minha mente. Dentro de mim. Um silêncio oco e vazio.
Com a incredulidade banhando todos os meus sentidos.
— Você… você não me odeia? — Minha voz saiu estrangulada. —
Não acha que eu sou um monstro? Não pensa que eu não deveria ser o seu
Consigliere?
Meu primo me encarava nos olhos e todas aquelas emoções ainda
estavam ali, mas também tinha… determinação. Lealdade.
Amor…
— Não, Dani. Você é meu irmão.
Meus joelhos cederam, me levando ao chão com um impacto doloroso,
mas que mal senti com a dor excruciante dilacerando o meu peito.
Alívio.
Alívio puro e restaurador. Teo se ajoelhou na minha frente e me puxou
para o seu peito e eu percebi que ainda estava chorando, lágrimas grossas e
pesadas embaçando a minha visão, me sufocando contra o peito do meu
primo que me apertava forte enquanto eu liberava tudo isso que guardei por
tanto tempo. Eu nunca contei para ninguém. Eu fiz de tudo para não chorar
durante aqueles dias de tortura.
Para nunca mais deixar as emoções me sufocarem. Eu sentia raiva,
mas me controlava o suficiente para não prejudicar o meu primo e bloqueei
todos os outros sentimentos, todas as outras coisas. Eu não sentia nada há
anos. Exceto quando estava com eles, minha família. E nem era tanto, eu
ainda me reprimia, ainda tinha medo de perder tudo. De estragar tudo.
Até Nora.
Porque ela me desestabilizava, me enlouquecia, me tirava do sério e
quebrava o meu controle de aço sobre as minhas emoções. E ela me fez
sentir. Sentir qualquer coisa que não fosse medo de perder tudo isso, ou
raiva pelo meu tio, ou medo de decepcionar meu primo.
De estragar tudo para ele. De deixá-lo na mão.
Tanto medo…
Eu me agarrei a ele como se não fôssemos dois assassinos adultos
cheios de crimes nas costas, segurando sua camisa incapaz de parar o choro.
E Teo me segurou com firmeza, como se fosse a porra da sua
responsabilidade.
— Eu nunca vou deixar você na mão, Teo. Eu sempre vou ser leal a
você.
— Eu sempre soube disso, Dani, antes mesmo do meu pai acabar com
você. Eu não te odeio. Eu odeio ele.
O ódio na voz dele era palpável e eu me afastei. Meu primo tinha os
olhos vermelhos, mas o ódio estampava o seu rosto. Não por mim. Pelo
meu tio.
— Eu deveria ter matado ele. É um dos meus maiores arrependimentos
na vida, não ter estrangulado aquele pezzo di merda. Eu sinto muito, muito.
— Eu matei meus pais…
— Por mim, Dani. E eu nunca vou me esquecer disso, eu nunca vou
me perdoar por ser a razão disso.
— E eu não sei se me arrependo — confessei e Teo respirou fundo, me
puxando para levantar.
— Eu sei, porque a habilidade dele era mexer com as nossas cabeças,
principalmente quando ele não sabia se podia nos controlar. Ele não é o
motivo da minha confiança em você, Dani. Eu confiava em você antes de
decidirmos conquistar essa merda. Eu confiaria em você sempre.
— E se eu tivesse que matar a Cate? — A mandíbula do meu primo se
contraiu.
— Mas você não matou. E ela confia em você. Mesmo se algum dia
você contar isso a ela, ela vai continuar confiando em você.
— Você não vai contar?
— Isso é seu fardo para carregar, Dani. Se você quiser contar para se
livrar daquele mafankulo, pode contar. Se não quiser, não precisa. Mas é seu
fardo. Seu segredo.
— Você realmente não tem nojo de mim.
— Por que teria?
— Eu…
— Já sei o que você fez, Dani. Você me contou, mas eu continuo sendo
seu irmão. Eu também já fiz muita merda na vida, mas o mais importante,
eu já fui manipulado pelo meu pai.
— Eu realmente tento deixar tudo o que ele me ensinou para trás.
— E por que agora? Nora? — Teo perguntou, um pequeno sorriso
brincando no canto dos seus lábios.
— Ela me apontou que eu não sou leal a Stidda.
— Você é — Teo respondeu na hora, franzindo as sobrancelhas, com
um pouco de irritação.
— Não. Eu sou leal a você. E se você me pedir para explodir essa
merda, eu vou. Eu vou fazer tudo o que você quiser, ao seu lado.
Teo me encarou por um momento, e então ergueu a mão e segurou
minha nuca encostando nossas testas.
— Nós vamos destruir a Catania por tudo o que fizeram com a Cate. E
depois vamos destruir a La Santa por tudo o que fizeram com a Lena, Gigi
e com aquelas mulheres. E então vamos conquistar essa merda inteira,
juntos. Como uma famiglia. Per sempre, fratello.
O alívio foi substituído por determinação, por orgulho. Eu fazia parte
dessa família. Não porque meu tio me obrigou, ou porque me treinou. Mas
porque era o meu lugar. Porque era a minha família, que conquistamos, que
construímos, que moldamos. E eu faria tudo por eles.
— Per sempre, fratello.
21 - Nora

— Dio mio! — O grito de Cate me desestabilizou e eu ergui a cabeça


rapidamente para encontrar sangue.
Dani e Teo sujos de sangue, que parecia sair da mão do Capo. Ele
manchou a própria camisa, a camisa de Dani, o rosto e a nuca do primo.
Cate se levantou rápido do sofá da sua sala de TV moderna, mas pareceu
ficar tonta, porque sentou novamente. E isso fez o Capo andar até ela, mas
ela o fuzilou com o olhar.
— O que aconteceu? Se vocês brigaram de novo, lo giuro, Teodoro
Ricci…
— Não brigamos, regina mia — ele explicou, dando um pequeno
sorriso para a raiva dela. — Acha que preciso de pontos?
Ele se virou para mim, mostrando a mão cortada e eu segurei,
observando sua palma. Puxei ele em direção ao pequeno lavabo, e enfiei a
mão dele embaixo da torneira. Teo cerrou a mandíbula, mas foi bom limpar
para enxergar. Empurrei um pouco a pele, cutucando com os dedos.
— Infelizmente. Você pode flexionar os dedos para mim? — perguntei
e ele fez, o movimento tirando um pouco mais de sangue. — Ótimo, pode
parar. O corte foi um pouco profundo… Mas eu não tenho nada aqui.
Podemos ir até a clínica?
— Não…
— Sim! — Cate ordenou, cortando o marido e olhou feio para ele.
— Não tem necessidade…
— Tem, sim, e se você não for, eu não vou falar com você por muito
tempo. Não me teste, Teo, eu estou grávida e não posso me estressar.
Eu escondi o meu sorriso, mas o Capo e o Consigliere deram uma
risada estrondosa, que fez Cate apertar mais os olhos, irritada.
— Ela vai usar isso para tudo, não vai? — Teo perguntou para o primo
e ele sorriu, concordando com a cabeça. — Va bene, reginetta, vou com
Nora até à clínica no Harlem e vocês ficam aqui, e liguem para o coglione
do seu primo.
— Por quê? — Cate perguntou, alarmada, mas Teo balançou a cabeça.
— Vamos, Nora, preciso trocar de roupa e você se arrumar — Dani
falou, suspirando e me puxando para fora do pequeno banheiro, enquanto
Teo começava a explicar para Cate sobre o primo estar voltando.
— O que aconteceu? — perguntei, sem conseguir me controlar, meus
olhos correndo por ele e procurando qualquer corte, mesmo quando
claramente era o sangue do Capo, já que tudo estava com as marcas da sua
mão.
— Ele quebrou um copo — ele disse, simplesmente, e eu olhei feio
para ele.
— Você só pode estar de sacanagem.
— É verdade. — Dani deu um sorrisinho, me seguindo pelas escadas,
como se a casa fosse minha, e não sua.
— Tá, e por que ele quebrou um copo?
— Já viu o temperamento dele? — O filho da puta estava tentando me
provocar, não é? E estava dando certo.
— Daniele Ricci — rosnei, olhando para ele sobre o ombro.
Seu olhar estava colado na minha bunda, já que eu subia na sua frente,
e eu me virei quando cheguei no topo da escada. Eu ficava do tamanho dele
assim, com dois degraus de diferença.
— Não me obrigue a te socar — resmunguei e ele deu risada.
E então com um movimento rápido, que eu não previ, ele me pegou
pela cintura e me jogou no seu ombro, como um saco de batatas, me
colocando de uma maneira que não machucava ou pressionava o meu
ombro já não tão dolorido e fora da tala.
— Cretino! — gritei, me debatendo e ele deu um tapa na minha bunda,
me fazendo reprimir um gemido quando senti a ardência da minha pele
dolorida mesmo através da roupa. Ele me deixou vermelha e marcada várias
vezes e eu adorei. Por mais que odiasse adorar. — Assim que eu ficar
100%, eu quero te enfrentar no Ringue — resmunguei, enquanto ele me
levava até o quarto em que eu estava ficando, me depositando com força no
colchão.
Xinguei, arrancando outra risada dele, e observei o seu corpo. Ele
estava mais relaxado, mais… solto.
— Você está diferente.
— Eu… Ele quebrou o copo porque estávamos conversando.
— Ah… — Não consegui dizer mais nada, porque parecia que estava
invadindo a sua intimidade.
Ele estava conversando mais comigo, durante nossas pausas cansadas
e exaustas no sexo, durante os momentos livres na clínica, quando eu fazia
uma pausa para comer ou descansar, mas parecia pessoal…
O seu pau estava tão profundamente enterrado em mim ontem mesmo
e eu ficava em pânico ao perceber que ele poderia se abrir comigo.
Mas ele não o fez, ele só se virou e olhou ao redor e quando encontrou
o meu tênis, jogado de qualquer maneira ao lado da porta do closet, ele os
pegou e começou a calçá-los em mim.
Em silêncio, porém mais tranquilo.
Mais leve. Menos intenso.
Eu não queria que ele dividisse comigo as coisas antes que eu fosse
capaz de parar de me sentir culpada. Antes que eu fosse capaz de resolver
minhas próprias questões. E eu precisava fazer isso urgente. Eu estava
enrolando, porque sabia que precisava resolver isso. Não por Dani, mas
porque passei muito tempo ignorando Ignazio e nossa situação. E eu não
queria me envolver mais com Dani antes de colocar um ponto final em
outra história. Não era justo com ele, com ninguém. Eu faria isso amanhã,
estava resolvido.
— E o primo da Cate?
— Ele está voltando — Dani respondeu, olhando para mim, com um
joelho no chão, amarrando meu tênis. — Precisamos avisar ele sobre tudo, e
é melhor fazer isso cara a cara, principalmente se nosso plano começar a
dar certo.
— Hum… — suspirei, observando-o assim, me olhando de baixo, aos
meus pés. — Gosto de você nessa posição.
Ele deu mais uma risada com a brincadeira e terminou de amarrar os
cadarços. Seus dedos subiram pelos meus tornozelos, correndo pelas
minhas pernas, apertando minhas panturrilhas, a parte interna das minhas
coxas, até a minha virilha e eu senti tudo pela calça de ginástica que usava.
Dei um sorriso sensual quando seus polegares correram por cima da minha
boceta, mesmo com a calça no caminho, e o resto dos seus dedos afundando
nas minhas coxas.
— Se você for boa… — ele falou, se inclinando para frente até que sua
boca estivesse correndo por cima do tecido da minha calça. — Vou te
chupar até você perder a noção do tempo.
O sorriso que ele me deu foi quase a motivação perfeita para obedecê-
lo cegamente.
Quase.
— Pare de ser tão pervertido. — Aproveitei que a camisa branca dele
já estava suja e o empurrei com o pé, obrigando-o a cair no chão. Dani me
olhou com diversão e eu sorri, me levantando. — E você realmente fica
bonito aos meus pés.
Saí antes que ele pudesse dizer algo, escutando sua risada ecoar
enquanto eu descia as escadas correndo, até voltar para a sala, encontrando
Teo.
— Pronto?
Teo concordou com a cabeça, dando um beijo em Cate e saímos, antes
dele suspirar.
— Sabe dirigir carros ou só motos? — ele perguntou e eu segurei a
vontade de olhar feio para o meu Capo. De novo.
— Sou filha de um mecânico, eu aposto que dirijo melhor do que o
Mau.
— Por favor, por favor, finja que não sabe e desafie ele para uma
corrida — Teo pediu, e eu dei risada com ele.
A realidade de que eu estaria sozinha com o Capo, andando com ele
até a clínica, me deixou um pouco nervosa.
— Não trouxe minha arma — avisei, me sentindo idiota, porque estava
sendo seguida. — Eu sempre deixo na mochila, no hospital, e acabei
esquecendo lá em cima.
— Tudo bem, tenho uma no carro, você pode usar. E eu sei que você é
cuidadosa, Nora. Não deixaria Cate sair com você, se você não fosse.
— Não sei se você realmente deixa Cate fazer ou não alguma coisa —
provoquei, sem conseguir me conter e ele deu mais uma risada.
— Bom ponto. Mas não diga isso a ela, ela tem muito poder.
— Me dizer o quê? — Cate cantarolou, surgindo pela passagem que
levava à garagem.
— O que você está fazendo aqui? — Teo estreitou os olhos para a
esposa e eu conseguia ver ele já amolecendo pelo biquinho que ela fez.
— Eu liguei para a minha médica e ela está disponível e por um acaso
no Harlem. Pensei que poderíamos aproveitar para ver o bebê. Eu ainda
estou meio preocupada… — Ela nem precisava dizer isso, o Capo já estava
estendendo a mão para ela e a puxando para andar.
— O que você estava dizendo? — provoquei, olhando para ele e ele
balançou a cabeça.
— Nem uma palavra, Nora.
Minha risada ecoou pela garagem.

Teo me obrigou a remendá-lo na mesma sala em que Cate estava


pronta para o seu exame, porque ele não queria sair de perto dela, ou ficar
longe dela. E como ele era o Capo, não tive opção a não ser obedecer. Eu
terminei há pouco os pontos em sua mão, apenas três, e agora estava do
outro lado de Cate, os meus olhos colados na médica, já que a tela do
aparelho de ultrassom não ficava virada para mim.
Teo segurava com força a mão da esposa, com sua mão não enfaixada,
e eu também estava um pouco aflita. O sangramento de Cate foi muito
normal para o início da gravidez, apesar do pânico do seu marido. E dela
também, por mais que não quisesse admitir.
— Prontos? — A Dra. Rossini sorriu do jeito simpático que fazia antes
de nos cutucar profundamente. Mas Cate já estava nervosa o suficiente para
não sorrir de volta. Amara era minha amiga, mas também era minha
médica, e eu confiava plenamente nela, por isso indiquei ela para Cate, na
primeira vez em que nos conhecemos.
Amara começou o exame, ainda sorrindo para Cate e Teo de forma
tranquila. Segurei a outra mão de Cate e seu sorriso ficou um pouco mais
calmo, quando percebeu que eu estava ao seu lado também.
Por favor, Dio Santissimo, que esse bebê esteja bem.
Eu rezei, sem vergonha nenhuma em admitir, porque queria que Cate
tivesse seu filho. Ela queria tanto ser mãe. Ela merecia tanto ser feliz. Ela
lutou tanto por isso.
— Bom, tudo parece bem, o… — Ela parou de falar e Cate apertou
com força a minha mão, e aparentemente a de Teo também. — Hum…
— O que foi? — A voz de Teo saiu ríspida e… nervosa.
O Capo estava nervoso, é claro.
— Algo errado, Amara? — perguntei, com mais calma, e lançando um
sorriso tranquilizador para Cate.
— Não. — Amara sorriu, e então virou a tela para nós e eu soltei um
arquejo alto que fez Cate me puxar um pouco.
— O quê?
— Gêmeos — eu falei, sorrindo para a minha amiga e voltando meu
olhar para ela.
A mão de Cate caiu da minha, com ela parecendo em choque. Sua
cabeça se virou para o marido, lentamente. Teo ainda estava olhando para a
tela, a boca um pouco aberta, os olhos arregalados. E quando ele se voltou
para a esposa, os olhos dele estavam marejados. Cate começou a chorar e
rir, explodindo de felicidade. Teo se abaixou e segurou o rosto dela,
sussurrando algumas promessas contra o seu lábio antes de beijá-la
profundamente.
— Eu não tinha percebido antes, mas é difícil mesmo reparar no
começo. E duas semanas atrás estávamos com outro objetivo no nosso
exame. Mas agora consigo me concentrar nisso e ver claramente. Parabéns
— Amara sorriu para os dois quando eles se viraram, com Teo enxugando
as lágrimas da esposa.
— E está tudo bem? — Cate perguntou, um pouco aflita.
— Sim. Eles estão onde deveriam estar e parece que os corações batem
forte. Finalmente consigo escutar. Gostaria de ouvir?
Cate concordou com a cabeça e a Dra. Rossini colocou os corações
batendo rapidamente, ecoando pelo quarto. Cate estava com um sorriso
enorme no rosto e olhava novamente para o Teo. Eu nunca vi o Capo tão
feliz assim, exceto nas fotos de casamento dos dois. E isso me emocionou,
meus olhos se enchendo de lágrimas. Ela merecia, ela merecia muito isso.
— Eu gostaria que você ainda fosse devagar em seus exercícios, e
conversasse com o seu nutricionista. Ficou claro que você não vai ganhar
muito mais peso do que já ganhou, mas eu quero garantir toda a nutrição
possível para vocês. Seu histórico de desnutrição não é algo leviano —
Amara explicou e Cate concordou com a cabeça. — Normalmente, uma
consulta por mês é bom, mas eu gostaria de te ver a cada duas semanas,
mais ou menos, por enquanto. E qualquer coisa, me ligue. Ou para Nora. —
Ela sorriu para mim, e eu concordei com a cabeça. — Sra. Ricci, a gravidez
de gêmeos é mais delicada, mas vamos acompanhar certinho, ok?
— Ela tem que ficar de repouso? — Teo perguntou, já pronto para
trancar Cate.
— Eu aconselharia um pouco de cuidado, não repouso total. Você teve
um pequeno sangramento, mas era completamente normal e os bebês estão
bem. Não se arrisque, não faça nada de extremo.
— Ouviu? — Teo ralhou, olhando feio para Cate e ela bufou.
— Sim, amore — Cate respondeu, com uma doçura falsa.
Amara deu um sorriso, e falou que ia buscar algumas novas vitaminas
para Cate. Eu a segui para fora do quarto, dando um pouco de privacidade
para minha amiga e seu marido.
— Amara! — chamei, fazendo-a parar no meio do corredor.
— Sim? Não tem nada de errado com os bebês, Nora — ela me
assegurou e dei uma risada.
— Não é isso, eu queria saber se você poderia me dar uma injeção. Eu
sei que é em dois dias, mas…
— Você continua tomando? — Amara perguntou, com as sobrancelhas
franzidas.
— É claro que estou — respondi. Principalmente agora, com Dani e
nossa total falta de paciência para colocar uma maldita camisinha.
— Você… Nora, você já está três meses sem a injeção.
A declaração dela desacelerou o mundo. Um medo gelado e
desesperador correu por mim, me paralisando.
Não…
Não.
— Não, não estou.
— Está, sim. — Amara se aproximou, olhando para os lados, apesar de
ninguém estar no corredor. — Você furou a primeira vez e ficou sem, e
marcou comigo no dia 12 do mês passado para retomarmos, mas… Você
não apareceu e não me ligou, imaginei que você tivesse pensando na minha
oferta sobre o DIU.
— Eu tomei…
— Não tomou, Nora — ela me garantiu. — Você marcou comigo, no
fim da tarde, e não apareceu.
No fim da tarde… dia 12.
O dia do ataque que levou Gigi.
Quase dois meses atrás.
Não…
Não.
Não!
Estava quente? Estava frio? As sensações tomando conta de mim
pareciam me atingir no peito, arrancando o meu ar. Desespero puro e
cristalino tomou conta da minha mente.
— Nora… — Amara começou, me olhando um pouco chocada. —
Você fez sexo sem camisinha durante esse tempo?
— Dio santo — murmurei e Amara me puxou pela mão, me arrastando
até um quarto livre.
Ela me sentou em uma maca de exames, mas não percebi mais nada,
enquanto ela mesma tirava o meu sangue, falava comigo, tentava me
acalmar. Eu não conseguia prestar atenção em nada além do grito constante
na minha cabeça. Um grito de desespero. Uma vergonha que me assolava.
Eu era um cazzo de uma médica! Eu cometi um erro tão estúpido, transando
sem camisinha como se não soubesse exatamente o que acontecia,
principalmente porque não tinha problemas aparentes de fertilidade, de
acordo com meus exames.
Que caralhos eu ia fazer?
Eu não deveria me envolver com outra pessoa, não sem resolver todos
os problemas e questões que eu tinha com o Ignazio. Eu não poderia
engravidar agora, antes de terminar a residência, antes de conseguir me
estabilizar. Eu definitivamente não deveria engravidar de alguém que me
odiava. E que eu deveria odiar.
Eu deveria odiar um homem como Dani. Eu tentei odiá-lo tanto.
Sua maldita lealdade, sua disponibilidade para a Stidda. Ele deveria
representar tudo que passei a detestar quando o Ignazio me levou naquela
maldita emboscada só para me provar que eu não pertencia ao seu lado. Só
na sua casa, na sua cama, na sua maldita vida como esposa.
E Dani deveria ser igual.
Ele não deveria ser gentil.
Ele não deveria me escutar.
Ele não deveria olhar para mim com carinho.
Ele definitivamente não deveria aprender rapidamente tudo sobre mim,
como eu gostava do café, como eu gostava de separar minha comida, como
eu precisava de um copo d’água ao lado da minha cama…
Pequenos detalhes que ele percebeu agora que eu dormia em sua cama
quase sempre, ou durante nossos treinos desde que nos conhecemos.
Enquanto eu achei que ele estava me julgando e me diminuindo, Dani
estava prestando atenção em mim.
Ele deveria ser horrível. Um assassino sem escrúpulos, um homem da
máfia com um único objetivo em mente: ser da máfia.
Não ser o pai do meu filho.
Dio santissimo, minha mãe vai me matar.
Meus pais me matariam. Primeiro porque eu não resolvi nada com
Ignazio, enrolando e empurrando o assunto para o fundo da minha mente,
escondendo tudo o que eu sentia, me recusando a resolver, a colocar para
fora. Depois porque eu engravidei de um homem sem estar casada com ele.
Eles obrigaram Damiano e Gemma a se casarem quando eles
engravidaram. E as pessoas falaram, porque isso era a hipocrisia da máfia
italiana com pessoas mergulhadas no catolicismo tradicional. Elas fingiam
que se importavam com as morais e as leis de Deus, mas, ao mesmo tempo,
matavam, roubavam, traficavam. Mas a família seguia sendo sagrada para
eles.
Especialmente meus pais.
E Dani?
Ele não queria isso.
Ele não me queria além do sexo para desestressar. Cedemos ao tesão,
mas claramente não combinávamos. Éramos teimosos demais, orgulhosos
demais. Parecidos demais para ficarmos juntos sem arrancarmos a cabeça
um do outro.
Ele tinha um objetivo: ajudar Teo a conquistar tudo, a crescer a Stidda.
Mesmo percebendo que ele não era quem eu imaginei ser, que ele não
priorizava a Stidda e sim o seu primo, Dani não queria uma família.
Definitivamente não queria uma família com alguém que ele parecia apenas
tolerar. O que eu diria para ele? Que eu era uma médica, mas que esqueci de
tomar minha injeção anticoncepcional mensal? Que eu era cuidadosa
comigo, em tudo da minha vida, mas simplesmente esqueci tudo o que me
protegia?
Eu fui irresponsável quando transei com ele sem camisinha da
primeira vez.
Na segunda eu fui burra, burra demais por cair nos encantos dele e me
deixar levar. Não poderia descrever de outra maneira. E agora eu estava
grávida! Eu! Que como médica, sabia exatamente o que acontecia, como
funcionava e porque era importante não transar sem proteção.
E mesmo assim, eu simplesmente fiz.
Esqueci.
Esqueci de tomar.
Não apareci naquela consulta. Eu não tinha nenhum problema que
impedisse ou dificultasse minha gravidez, como ovários policísticos nem
nada. Eu era aparentemente fértil, então que caralhos eu imaginava que
aconteceria transando com ele sem camisinha? Como médica, qual
resultado eu esperava com ele gozando dentro de mim várias e várias
vezes? E o que falariam de mim, como médica, quando nem percebi meu
ciclo parando? Quando estava muito focada em todo o resto, e nem percebi
que minha menstruação não desceu? Coisa que comecei a reparar agora.
Todo mundo falaria que fiz de propósito para engravidar dele, sendo que
apenas esqueci, como qualquer pessoa poderia fazer. Como acontece
diariamente com várias mulheres.
E o que ele falaria?
Que minha desculpa pelo ataque da Gigi era idiota? Que eu deveria ter
me preocupado, principalmente porque transamos muito? Que eu deveria
ter lembrado?
Santo Cazzo, e se ele me acusasse de um golpe da barriga porque ele
era o Consigliere?
Porque eu conseguia imaginar que era isso o que falariam de mim.
A médica com dívida na Stidda, que precisava trabalhar para eles para
o resto da vida, grávida do Consigliere, sem casamento. O que falariam do
meu pai? O mecânico? A elite da Stidda me olharia como uma vagabunda
aproveitadora, que seduziu o braço direito do Capo para tentar subir na
vida. Ou pior, para tentar quitar minhas dívidas.
Falariam que eu estava usando Dani para me livrar do acordo que meu
pai fez com Mauro Ricci. Falariam desse filho. Falariam de mim, dos meus
pais, da minha família.
Eu…
— Nora? — Amara entrou na sala novamente.
Eu estava agarrada à maca, segurando com força a estrutura, me
mantendo firme, centrada. Ergui os olhos para a minha amiga, minha
médica. Seu rosto estava contraído em pesar, porque ela percebeu o meu
pânico e meu desespero e pressentindo que para mim, ao contrário da Cate,
não era uma notícia feliz. Não nesse momento.
— Não… — murmurei, mesmo assim, e ela concordou com a cabeça,
me estendendo o pedaço de papel que mudaria a minha vida
completamente.
Eu peguei, minhas mãos tremendo, minha vista custando focar e
entender as palavras que eu estava vendo naquele resultado de exame que já
li tantas vezes.
Grávida.
Grávida de Daniele Ricci.
Grávida de Daniele Ricci, o Consigliere da Stidda, sem me casar com
ele.
22 - Nora

Convencer Teo de que eu precisava ir para casa foi mais fácil do que
convencer Cate de que eu estava bem. Eu prometi que faria Mick ou
qualquer um dos meus irmãos me levar à noite. Teo acreditava que ninguém
nos seguiu para fora de casa, mas mesmo assim enviou soldados para me
seguir, com seu motorista Riccardo me levando e esperando.
O que era uma merda, mas ele foi gentil o suficiente para não fazer
comentários quando pedi para ele mudar o endereço. E agora eu estava
parada na porta de uma casa que, vergonhosamente, fazia mais de um ano
que eu não visitava.
— Nora? — Maria abriu a porta, me olhando com surpresa e um
sorrisinho carinhoso que só uma mãezona como ela teria.
— Desculpe aparecer sem avisar, mas eu precisava… Desculpe ter
sumido, tudo…
— Bambina mia, você não precisa se explicar por viver sua vida. —
Ela me puxou para um abraço apertado.
Seu corpo cheio e forte era perfeito para tirar todas as angústias,
porque ela sabia dar um abraço carinhoso como ninguém. Seus cabelos
castanhos estavam mais grisalhos do que marrons, mas seus olhos escuros
ainda brilhavam em bondade e carinho.
Como se não fosse minha culpa…
— Eu… posso subir? — perguntei e ela concordou com a cabeça, me
puxando para dentro da casa.
Lancei um olhar para Riccardo, parado ilegalmente na frente da casa
dos Ianelli. Ele continuaria ali, me esperando. A casa continuava igual, do
mesmo jeito que eu me lembrava, com as imagens da Santa Maria
espalhadas por todos os lugares, os bordados, os crochês. Tudo que Maria
fez com carinho para o seu enxoval quando ela se casou com o pai do
Ignazio.
— Onde está o Leo?
— Você conhece meu caçula, sempre no meio de alguma coisa. Ele
está trabalhando na distribuição. Algo assim. Eu tento não me meter muito.
Dio sabe como eu me preocupo demais quando sei mais do que deveria.
Meu estômago se apertou com isso e tentei não desabar ali. Minhas
emoções estavam um caos desde o começo da tarde. Eu estava cansada dos
plantões, eu estava desesperada pela notícia que recebi. Eu estava com
medo…
Maria me levou para cima, subindo as escadas com cuidado, como se
soubesse que eu precisava de um tempo para me preparar. E então ela abriu
a porta do quarto que passei vários dias anos atrás fazendo coisas que não
eram nada apropriadas para uma filha da máfia. O quarto do primeiro
homem que me conquistou, com uma lábia que suprimia todos os
comentários superiores e machistas.
O cheiro de limpeza e hospital me atingiu e apesar de estar
acostumada, era difícil associar com o ambiente doméstico. O barulho das
máquinas e do suporte de vida também contrastava com o quarto decorado
do jeito que sempre esteve.
Ignazio seguia da mesma maneira que estava desde aquele dia na
emboscada: deitado imóvel, respirando com ajuda dos aparelhos. Não mais
ali, mas de alguma maneira ainda o meu noivo. Peguei o anel que sua mãe
mantinha na cômoda ao lado da porta, o anel que era dela e que ele me deu
quando foi até em casa pedir a minha mão em casamento, assim que soube
que eu entraria na faculdade. Achei que era porque ele me amava de
verdade, mas, além disso, era por possessão. Ele queria me manter. Me
preservar ao seu lado.
Seus cabelos escuros estavam cortados e lavados, sua barba estava
feita, e seus olhos castanhos como os da mãe estavam fechados para
sempre. Sem vida. Vazios. Seu corpo parecia magro, mas eu não conseguia
ver direito porque Maria vestia o filho impecavelmente, como se ele só
estivesse descansando, com uma coberta de crochê que ela provavelmente
fez também.
— Oi, Ignazio — falei, mesmo sabendo que ele nunca mais me
responderia.
Um estado vegetativo por causa daquela noite. Um coma irreversível
devido ao tanto que foi espancado pelo Santo que o pegou de surpresa
porque ele estava muito ocupado focado em mim.
Como médica, eu sabia que ele estava morto. Que não existia mais.
Que deixou de existir enquanto eu o segurava e tentava estancar o sangue.
Mas…
Mas eu sentia tanta culpa, que ouvindo os monitores eu quase sentia
que ele estava vivo.
Uma parte de mim queria muito que ele estivesse, não porque eu
queria estar com ele, mas porque eu não queria me sentir culpada. Não
queria carregar o fardo de ser a razão por ele estar aqui.
— Eu vou dar um pouco de privacidade para vocês… — Maria me
lançou um sorriso reconfortante, e eu tentei responder, mas…
Mas era tanta coisa dentro de mim. Tanta coisa me afogando e
borbulhando até explodir, que comecei a chorar.
Maria automaticamente me abraçou, dando tapinhas nas minhas
costas, tentando me reconfortar e acalmar. Eu me agarrei a ela porque eu
precisava de alguém me centrando naquele momento. Eu estava me
sentindo tão perdida quanto naquela noite. Quando meu irmão me
encontrou e me levou de lá, quando Ignazio foi levado para o hospital, e o
médico disse que ele não acordaria mais e Maria decidiu que não desligaria
os aparelhos, porque era contra o que ela acreditava.
E eu estava lá porque… Porque ele queria provar que eu não pertencia
à máfia. Ele queria provar que eu não deveria agir como um soldado, que eu
deveria ser uma esposa, uma dona de casa perfeita, como a maioria das
mulheres na máfia. Tudo o que eu não queria, tudo o que brigávamos,
principalmente porque, depois do noivado, eu não larguei a faculdade.
Era minha culpa porque comigo lá, ele não prestou atenção o
suficiente e fomos pegos de surpresa. E mesmo assim ele tentou me
proteger, mesmo sabendo que eu era capaz. Ele não confiou em mim, nas
minhas habilidades. Ele me empurrou do caminho, e quando o Santo o
derrubou, Ignazio perdeu segundos preciosos para se defender, ao me
subjugar.
Ele foi arrastado e espancado até o seu cérebro provavelmente virar
uma massa inútil e destruída. Eu lutei… E derrubei o Santo, atingindo-o na
cintura, como se fosse uma jogadora de futebol americano. Ele já estava
cansado, machucado do tiro que levou antes de fugir do centro da
emboscada e nos alcançar na retaguarda. E eu tinha uma única faca porque
roubei do carro do meu noivo. Meu noivo que me levou para uma
emboscada e não me deu uma arma porque acreditava que eu não era boa
ou precisa o suficiente para atirar e iria me machucar.
Então eu o esfaqueei. Esfaqueei o Santo em todas as partes sensíveis.
Onde ele morreria mais rápido, provavelmente se afogando no sangue,
sofrendo, perdendo a sua vida lentamente enquanto o líquido quente e
precioso escapava de cada corte da minha faca.
E quando eu me levantei, roubei a arma de Ignazio e protegi o seu
corpo, desvairada, mergulhada na adrenalina, atirando nos homens que
sobraram, antes deles se retirarem e fugirem com o maldito carregamento
que custou a vida de 15 Stiddari. Amigos de Ignazio, amigos do Michele…
Eu me abaixei e segurei o corpo quebrado do meu noivo, coberta de
sangue do Santo que matei tão cruelmente. Esperando. Esperando o que
viesse primeiro: A morte ou a equipe que ficou na retaguarda. Em algum
momento, eu comecei a fazer RCP, tentando manter ele vivo, tentando não
deixar ele morrer em meus braços.
Meu irmão me encontrou assim, agarrada ao que antes era uma pessoa
que tentei amar incondicionalmente, mas que não me permitia viver. Que
me diminuía e tentava me mudar e moldar. Eu me lembro da voz de
Michele me chamando, me agarrando, me lembro de outros homens
tentando recolher os possíveis sobreviventes. Me lembro de alguém dizendo
que Ignazio ainda respirava, me lembro deles correndo para o hospital com
ele e outros homens, enquanto Mick me levou até a casa de Samu.
Me lembro de Perla me lavando, preocupada, tentando me chamar. Me
lembro de cada detalhe daquela noite, mesmo que em alguns momentos eu
agisse puramente no automático. Me lembro de encontrar Maria e o irmão
de Ignazio, Leo, de escutar o médico dizendo que a situação era
irreversível. De esperar alguns dias e segurar a mão de Maria enquanto ela
tomava uma decisão.
Com o dinheiro que ganhou de Mauro Ricci, uma indenização que a
Stidda oferecia às famílias de soldados caídos, Maria conseguiu trazer seu
filho mais velho para casa, e cuidava dele com carinho todos os dias. Eu
visitei no começo, sempre. Mas depois a culpava me partia ao meio, me
destruía de tal forma, que eu não conseguia olhar para o rosto dele sem ficar
com vontade de vomitar e chorar. Ignazio perdeu os hematomas e voltou a
ser o charmoso soldado que conheci, quando Michele o levou para casa,
quando eu tinha 17 anos.
Ele sempre foi charmoso, sorridente, com um ego fenomenal.
Diferente de Dani. Dani tinha noção do seu poder, da sua beleza, do que
tinha para oferecer, mas não eram motivos para se gabar. Ignazio sempre se
gabou de como era paquerado, de como era bom, de como era o melhor
lutador e atirador, mesmo sempre perdendo para os meus irmãos no Ringue.
Quando convenci ele a lutar comigo de verdade pela primeira vez, ele
ficou irado que eu o desarmei e o derrubei. Passou semanas sem falar
comigo, até pedir desculpas e dizer que estava ocupado e que da próxima
vez lutaria de verdade comigo, que estava pegando leve porque eu era
mulher. E a partir daí, ele tinha duas personalidades. O meu noivo divertido
e amoroso, mas que quando o assunto era minhas habilidades, não aceitava
a possibilidade de ser inferior.
Era bizarro ver como, quando citávamos lutas e outras coisas, Ignazio
fechava a cara e fazia de tudo para me diminuir, para me constranger.
Principalmente na frente dos seus amigos. Só que, quando nenhum desses
assuntos surgiam, ele era perfeito. A gente se encaixava de algumas
maneiras, na nossa determinação, no nosso amor pela família. Na nossa
vontade de querer prover aos nossos pais e irmãos tudo o que eles
mereciam.
Só que eu odiava quando ele dava risada de mim, quando ele dizia que
eu precisava ficar em casa, que eu precisava aprender a cozinhar mais e
melhor, para o nosso casamento. A gota d’água foi quando eu relatei meus
planos de fazer uma residência em medicina familiar, para poder atender as
famílias da Stidda e como isso significava ligações de madrugada, horários
horríveis durante meus estudos, plantões intermináveis obrigatórios para a
conclusão do termo… Ignazio simplesmente me pediu para escolher.
Ele disse que eu não poderia ser parte da Stidda daquela maneira e
quando eu rebati, na raiva, que eu seria um soldado melhor do que ele, meu
noivo me levou em uma emboscada, me fez sair do carro e ficar ao seu lado
escondido, esperando a transação para descobrir quem era um dos
informantes da Stidda e que estava entregando metade dos nossos
carregamentos que chegavam nas docas para os Santos.
Ele me levou para o perigo diretamente, sem confiar em mim, em
minhas habilidades e meus treinos, simplesmente porque queria provar que
eu não pertencia a Stidda como ele pertencia. E eu odiei a Stidda desde
então. Porque talvez, se não fôssemos parte dela, Ignazio ainda estaria aqui.
Vivo de verdade, e não apenas um corpo vazio em uma cama.
— Qual o problema, minha querida? — Maria acariciou os meus
cabelos e eu funguei, tentando me livrar das memórias arrasadoras que me
destruíam. Da raiva, da sensação de impotência.
— Eu só… eu estou me envolvendo com alguém — confessei, me
sentindo estranha por dizer isso para a minha sogra. Ex-sogra.
Eu precisava começar a encarar as coisas pela realidade.
— Isso é ótimo, Nora! Você está apaixonada?
Eu estava?
“Sim” soou na minha cabeça instantaneamente. O tesão avassalador
que surgiu da atração à primeira vista se transformou lentamente em paixão,
quanto mais eu conhecia e conversava com Dani. Eu o julguei baseado nas
coisas que Ignazio dizia e fazia comigo. Principalmente porque todas as
vezes que eu ficava com um homem da máfia, em uma noite de prazer, eles
me olhavam com condescendência quando eu anunciava que lutava, que
treinava.
Dani não fez isso quando nos conhecemos, mas corrigiu alguns
movimentos na primeira vez que treinamos com Cate. E eu, com meu ego
ferido e desconfiança afiada, levei isso para o pessoal. Presumi que ele me
subestimava também. Não acreditava que eu era capaz. E passei a
responder. Nunca fui de levar desaforos para casa, e era por isso que eu
sempre respondia quando Ignazio dizia algo ruim, mas com Dani… eu
queria muito atingi-lo porque, no fundo, eu me importava com o que ele
pensava de mim. Eu não queria que ele acreditasse que eu era incapaz.
Inferior.
E depois… depois começamos a conversar casualmente. E ele se
mostrou frio e distante, como se não suportasse a minha presença. E isso
machucou mais o meu ego. Mas tudo mudou quando quebramos a barreira e
cedemos ao tesão e à atração que estavam lá desde o primeiro dia. Dani era
o homem mais lindo que eu já tinha visto. Tão grande e musculoso,
claramente se dedicando tanto quanto eu para manter o corpo no estado
perfeito para qualquer desafio. E ele sempre me olhou com luxúria, mesmo
quando acreditou que eu não percebia. Mas ele sempre manteve a distância
dele, como se não suportasse a ideia de ser atraído por mim.
E quando explodimos, eu tive que fugir. Porque ainda acreditava que
todos os homens da Stidda eram como Ignazio, e que Dani, sempre leal e
prestativo, sempre obedecendo ao primo Capo, em uma posição de poder e
responsabilidade bem além da do meu noivo, seria exatamente como o
homem que me levou diretamente para uma emboscada mortal para provar
o ponto de que eu era inferior.
Mas Dani não era nada do que julguei que fosse…
Ele não preteria ninguém pela máfia. Inclusive, percebi que ele
sacrificaria a máfia por quem importava para ele. Eu presumi que as
palavras tatuadas no seu peito eram para a Stidda, mas eram para seus
primos. Para Cate. Eram para seus familiares que ele amava. Dani destruiria
a Stidda inteira se isso fosse o preço a pagar para manter os Ricci a salvo.
E como eu poderia julgar isso se eu faria o mesmo pela minha família?
Cada pedaço que comecei a coletar dele, quando ele baixava aquela
barreira e permitia a minha entrada, encurtando a distância invisível entre
nós, encantava o meu coração. Eu guardava cada informação em uma
caixinha cheia de afeto no meu cérebro. No meu coração. E cada toque dele
passou a ser ansiado por mim.
Até nossas brigas eram algo que eu gostava. Eu gostava que ele não
me desaprovava quando eu respondia. Que parecia contar com isso. Que
não se importava com minhas respostas rápidas e minhas opiniões. Que
confiava nas minhas habilidades como médica. Que confiava em mim para
ser sua parceira de luta. Que me mostrava cada parte vulnerável sua quando
lutávamos, me confiando suas fraquezas. Dani me elogiava quando eu
merecia, e me corrigia quando eu precisava de correção, mas não de um
jeito condescendente.
Ele era prático, sim, e um pouco sem tato com as palavras quando
lutávamos, mas não me diminuía como eu esperava. Como eu erroneamente
imaginei que fizesse. E cada parte que ele me dava dele, cada informação
banal, eu guardava e exaltava. Assim como ele fazia comigo.
Ele nunca me julgou por continuar estudando e trabalhando. Ele nunca
me julgou por ser independente e andar por aí sozinha, apesar de se
preocupar com a minha segurança quando descobriu que eu estava sendo
seguida. Era a mesma preocupação que ele despendia a Cate e Lena, e ele
também não achava que elas eram inferiores ou frágeis.
Dani não me julgou por não estar casada aos 24 anos, quando a
maioria das mulheres na máfia se casavam aos 18. Ele não me julgava
porque eu sabia atirar e lutar, e arrumar motos. Ele pediu minha opinião
sobre a nova moto que queria comprar, e escutou atentamente cada coisa
que listei dos modelos que me mostrou.
Dani era tão diferente de Ignazio e tão parecido… comigo.
E eu odiei perceber isso, porque sabia que esse momento era
inevitável.
Eu amava Daniele Ricci enquanto estava noiva de alguém que não
vivia mais por minha culpa.
E eu amava alguém do alto-escalão de uma máfia que jurei odiar
porque me custou alguém que, mesmo não acreditando no meu potencial e
tentando provar que eu não era boa, era alguém que amei em algum
momento. Alguma parte de Ignazio eu amei de verdade.
Mas agora eu percebia que isso nunca seria o suficiente. Não agora que
eu amava Dani inteiro. Cada parte dele, até as coisas que eu deveria odiar.
E isso me inundava de culpa. Porque se eu tivesse amado Ignazio
incondicionalmente, e tivesse aceitado mudar um pouco quem eu era, ele
estaria vivo.
— Eu sinto muito, eu tentei não…
— Nora — Maria me interrompeu, me afastando e colocando as mãos
nos meus ombros. — Não é sua culpa. Não, não fale nada. Você já me disse
exatamente o que aconteceu naquela noite e nem assim eu te culpei. Você é
a única que se culpa por ser exatamente quem é. Você não levou meu filho
até lá. E ele é um soldado. Assim como seus irmãos, assim como meu Leo.
Isso pode acontecer com qualquer um deles.
— Mas minha presença foi um fator crucial.
— Nunca saberemos, Nora, porque não dá para voltar atrás. Eu queria
muito meu filho aqui, mas nós duas sabemos que ele não está mais entre
nós. Eu não abro mão do seu corpo e do seu coração batendo, porque vai
contra o que eu acredito e Dio Santissimo nunca me perdoaria. Mas eu sou
mãe, Nora. E eu sinto dentro de mim que Ignazio não vive mais. E não é
justo você deixar de viver também.
— Eu me sinto tão culpada por poder seguir em frente, principalmente
porque eu estava lá.
— Isso é culpa de sobrevivente. O médico que você me indicou me
contou.
— Você fala sobre mim na sua terapia? — Estreitei os olhos e Maria
deu uma risada leve.
— É claro que falo… Eu não vou dizer que não senti raiva de você em
alguns momentos, porque você viveu e ele está ali, naquela cama, Nora. Eu
sou humana. Eu sou uma mãe com o coração dilacerado para sempre. Mas,
não é justo com você. E não é justo com a minha fé. Como eu posso confiar
que tudo tem um propósito de Deus, se eu não aceito os desafios que ele
mandou?
— É um jeito estúpido de se viver? — sussurrei, lançando um olhar
para Ignazio. — Evitando seguir em frente porque eu deveria ter morrido
também?
— Sim, bambina mia, porque, a meu ver, Deus te deu uma chance de
continuar fazendo coisas incríveis nesse mundo. E eu sei que você acredita
Nele, como eu. Mas também é stupido porque você é jovem, Nora, e o mais
importante, você é uma boa médica, que sabe que a vida continua, que
enquanto alguém morre, alguém nasce, e tudo continua e não para. Você
precisa abrir mão da sua culpa, porque a sua vida está passando. E eu não
quero que meu filho seja o responsável por você desperdiçar os seus
melhores anos.
Lancei um olhar para o Ignazio na cama e me desvencilhei de Maria,
andando até ele. Eternamente pacifico, tranquilo. Como se estivesse em um
sono restaurador e calmo. Corri os dedos pelo seu rosto, acariciando com
cuidado, sentindo meus olhos arderem pelas memórias do seu toque, do seu
gosto. Ignazio pode não ter sido o que eu precisava, e por mais que me
doesse, eu sabia que não éramos uma boa combinação, mas o que doía
era…
Eu terminaria com ele naquela noite.
Eu estava pronta para cancelar o noivado, para me afastar e seguir em
frente. E essa era a maior culpa que eu carregava. Porque eu fui lá com a
intenção de terminar com ele, e acabei coberta de sangue, tentando manter
seu coração batendo, implorando para Deus para não o levar, implorando
por perdão por não o amar mais como amei um dia.
Escutei a porta se fechar levemente e sabia que Maria tinha me dado
privacidade. Provavelmente porque sentia que isso era o ponto final que
deveria ter vindo antes daquela noite. Se eu tivesse terminado antes, se não
tivesse empurrado com a barriga, talvez ele não estaria aqui. Talvez se não
estivéssemos juntos, e eu não estivesse lá, ele teria prestado atenção nos
arredores, percebido que tinha algo estranho ou errado com aquela
transação. Que tudo parecia meio mecânico e falso. Eles nos esperavam,
eles sabiam que estaríamos ali, interceptando-os e tentando descobrir para
onde levavam o carregamento.
— Se você estivesse aqui, Ignazio, eu não sei se estaríamos juntos
ainda — murmurei, afastando os seus cabelos da sua testa. — E essa
realização dói, porque parece que estou sendo desrespeitosa com a sua
memória. E não parece justo, já que me sinto responsável pelo que
aconteceu. E eu sei, na parte lógica do meu cérebro, que não foi minha
culpa de verdade, mas talvez seja. E meu coração sempre vai ter uma
pequena parte reservada a você. Pelo que vivemos, pelo que pensamos em
criar juntos. Mas não éramos compatíveis. Eu sabia disso antes daquele dia.
Eu já estava pensando nisso semanas antes, quando brigamos por causa da
minha residência. Eu sinto muito por ser uma covarde com você e não ter
terminado tudo antes. E talvez se você tivesse encontrado alguém mais
perfeito para você, não estaria nessa cama, mas você está. E eu não. E por
mais que isso me machuque, não posso mais deixar de amar os outros ou
me privar de viver por você. Minha vida é mais do que desapego e trabalho
agora. E apesar de não saber o que fazer, e de não saber como vai ser o
futuro, eu sei que preciso deixar de viver a vida daquela Nora, a sua noiva.
Abaixei a cabeça e beijei com cuidado seus lábios uma última vez,
porque sentia que precisava disso. Precisava encerrar isso de uma forma
amorosa e amigável. Ele nunca me responderia, e provavelmente, se eu
tivesse tido coragem e terminado quando sentia que não o amava mais, ele
não teria reagido bem. Mas nunca saberei. E isso era o que tínhamos agora.
Seu corpo vazio, mas meu coração cheio de memórias. E eu me
apegaria às memórias boas, porque agora eu não vivia só por mim. Eu não
sabia como Dani reagiria à notícia, mas eu cuidaria desse bebê como ele
merecia. Como o pai dele não foi cuidado. Dani não teve uma boa infância,
bons pais, boas lembranças, mas o seu filho teria.
Arranquei o anel e coloquei em cima do peito de Ignazio, em vez de
deixá-lo na cômoda como sempre, apenas para simbolizar que eu estava
devolvendo de verdade a peça. Maria entenderia. Ela estava me esperando
na base da escada e não disse nada quando eu a abracei em tom de
despedida. Respirei fundo antes de abrir a porta da casa, finalmente
liberando tudo o que me deixava presa.
Meus joelhos quase cederam quando vi Angelo parado ali, encostado
no carro que Riccardo usava, me encarando com suavidade. Desci as
escadas correndo, com pressa e meu irmão já estava com os braços abertos
me esperando. Atingi seu peito com tudo, mas ele me amparou, me puxando
contra si e me abraçando apertado.
Desabei de vez, chorando todo o meu medo. Medo do meu passado, do
meu presente, do meu futuro. Toda a culpa que carreguei durante esses
anos. Tudo saiu de mim como se isso fosse preciso para começar a próxima
parte da minha vida, da minha história.
23 - Dani

Eu precisava contar para Nora também, e seria bom se ela estivesse


aqui na sala de TV com o resto da minha família, porém ela pediu para
dormir na casa dos pais hoje, alegando saudades. Angelo ficaria lá também,
e a traria de volta amanhã cedo, com tempo o suficiente para ela se arrumar
para o seu plantão.
Lena buscou Gigi em Hewlett para ela passar a semana aqui, tentando
se distrair, e eu preferiria que ela não escutasse essas coisas, mas… Mas eu
queria minha cuginetta. Gigi parecia apenas sobreviver, sem viver. Ela não
usava mais suas roupas floridas e jovens. Ela não parecia se importar com
sua aparência. Ela ficava quieta quando conversávamos, olhando para o
nada às vezes. E estava tendo pesadelos pelo que minha tia me disse. Ela
tentava fazer a sobrinha voltar a vida, mesmo sem saber exatamente o que
aconteceu, mas ela sentia. No coração dela, e na experiência dela vivendo
na máfia, minha zia sabia que algo estava errado. E eu esperava que, me
abrindo com eles, eu conseguisse convencer Gigi a fazer o mesmo.
Eu não queria falar sobre isso, mas conversar com Teo hoje de manhã
foi necessário. Eu me sentia livre. Não totalmente, mas parecia que um peso
invisível que me prendia no lugar tinha sido levantado e eu estava com uma
energia renovada. Eu precisava contar para Nora, eu precisava me abrir com
ela, e confessar que, apesar de não ser o ideal para ela e seu futuro, eu
estava começando a entender que queria isso.
Ser para ela o que ela passou a representar para mim. Nora invadiu
minhas barreiras aos chutes e socos, me arrancando de um estado de pena e
degradação própria. Me convenceu de que eu também merecia ter algo. E
eu tinha muito medo de que ela não me olhasse mais como olhava agora,
depois que eu confessasse os meus pecados, mas eu precisava tentar. Porque
eu estava morrendo de medo de perder ela quando acabássemos com a
Catania e ela não estivesse mais em perigo.
Contudo, eu não queria fazer isso só por ela. Pelo que queria ter com
ela. Por querer deixá-la orgulhosa de falar que estava comigo. Pela honra de
ter ela ao meu lado.
Eu queria fazer isso porque meu tio não merecia comandar minha vida
e meus pensamentos. Ele fez isso por anos, e não faria mais. O controle da
minha vida era meu, e não mais dele. Eu não viveria pelos seus
ensinamentos e expectativas. Eu viveria pela minha família. Essas pessoas
que estavam sentadas aqui, na minha frente. Principalmente minha tia que
parecia curiosa e um pouco receosa.
Contar para Teo me deu esperanças de que minha família não me veria
como um monstro criado pelo meu tio. Eu esperava o pior do meu primo,
esperava que ele se afastasse de mim. Tivesse nojo, me mandasse embora.
Ele matou ao meu lado várias vezes, mas nunca fez nada tão cruel quanto
eu fiz com meus próprios pais em nome dele. E se ele não me culpava, se
ele não me odiava, eu esperava que o resto não o fizesse também.
Especialmente Cate…
— Alguma coisa aconteceu? É isso? — Mau tentou adivinhar, quando
não falei nada, apenas continuei parado ali, criando coragem.
— Fique quieto e deixa ele falar — Lena repreendeu, acertando um
tapa no braço dele, que deu risada e a puxou mais contra o peito.
Ele obrigou Lena a sentar em seu colo, para a consternação dela, que
olhou para a sogra com um pedido de desculpas nos olhos. Minha tia, é
claro, era só sorrisos para a cena, principalmente porque ao seu outro lado,
Cate estava encostada em Teo, os dois com as mãos na barriga dela.
— Eu conversei com o Teo hoje e decidi que vocês também
precisavam saber de uma coisa. Porque eu não quero mais que ele dite
nossas vidas. Ou que o medo dite nossas vidas — expliquei, olhando
diretamente para Gigi.
Ela desviou os olhos verdes de mim, seus cabelos vermelhos caindo
como uma cortina em seu rosto quando ela o abaixou.
— Ele, você quer… — Mau ficou tenso e lançou um olhar para a mão
enfaixada de Teo. — O que aconteceu exatamente? Vocês brigaram de
novo?
— De novo? — minha tia perguntou, consternada e olhou feio para
mim e Teo, franzindo os lábios. Ela sempre estava impecável e elegante, e
hoje não era diferente, em um vestido verde que realçava os seus olhos.
— Foi uma bobeira… — Teo resmungou, fazendo um sinal de
dispensa com a mão.
— Que não vai se repetir — Cate ralhou, estreitando os olhos para
mim e beliscando a mão boa do marido que estava em sua barriga. Ele deu
uma pequena risada e depositou um beijo nos cabelos dela.
Mas seus olhos ficaram em mim, tensos, porém encorajadores. Ele deu
um pequeno aceno com a cabeça, para me mostrar que estava ao meu lado e
eu respirei fundo, me sentando na beira do sofá em L, virado para toda a
minha família.
— Eu preciso confessar uma coisa, uma coisa que fiz e que eu sempre
vou me arrepender de ter feito, mas não vou me arrepender do porquê fiz —
falei, olhando nos olhos do meu primo, porque eu ainda queria que ele
entendesse tudo o que eu faria por ele. — Eu vou contar tudo, e peço que
não me interrompam, por mais horrível que seja.
— Ok… — Cate franziu a testa, mas concordou com a cabeça. —
Vamos escutar sem te atrapalhar.
Então eu contei, contei como meu tio me enganou, como me obrigou a
matar meu pai e minha mãe, a torturá-la. Como ele me prendeu por dias lá,
tentando me fazer revelar os segredos de Teo. Como ele queria que eu
matasse Cate e eu fui lá com aquela arma para fazer isso, mas que não
consegui, não só porque tinha uma paixonite nela, mas porque ela era
minha amiga, parte de mim, parte do nosso quarteto. Eu contei tudo, cada
pedaço ruim do meu passado, cada detalhe das minhas primeiras mortes, a
iniciação horrível que tive e da qual eu me envergonhava profundamente.
Contei como fiz tudo isso por Teo, porque ele era meu irmão. Contei como
meu tio me provocou naqueles dias, ora dizendo que meu sangue era ruim
porque vinha de dois traidores, ora dizendo que ele, na verdade, era o meu
pai e eu era fraco. Contei cada coisa que ele falou para mim que ainda
ecoava na minha mente, como eu não era nada, como eu só estava vivo para
proteger Teo, que se eu falhasse a Stidda acabaria.
Contei tudo o que guardei dentro de mim por anos, até hoje de manhã,
quando liberei todas as minhas angústias em cima do meu primo. Mau teve
uma reação parecida com a de Teo, o ódio pelo seu pai estampava a sua
cara. Lena chorava, assim como minha tia, com soluços pesados, as
lágrimas escorrendo dos seus olhos esverdeados e pelo seu rosto de anjo.
Minha tia me olhava com tanta dó, a mão acima do coração como se isso
estivesse impedindo ele de se quebrar.
Gigi estava estática, com a boca meio aberta, completamente
paralisada pelas crueldades que fui obrigado a cometer. E eu evitei olhar
para Cate durante toda minha confissão, porque eu não queria ver a traição
naqueles lindos olhos chocolates que sempre me olharam com carinho e
bondade. Não de novo.
Naquele dia no Ringue, que Teo matou o Manfredi, eu vi a mágoa nos
olhos dela. Por mais que ela tivesse adivinhado e juntado as peças anos
atrás, a mágoa e traição ainda brilharam em seus olhos. E eu não queria ver
isso de novo. Eu não suportaria se minha bambolina me odiasse,
principalmente porque ela achava que sabia tudo sobre a morte do seu pai.
Eu via pelo canto do olho ela cada vez mais tensa, via como ela mexia a
cabeça em negação, seus cachos compridos balançando quando ela o fazia.
Eu só não via o seu rosto direito.
— Você foi lá com a intenção de me matar? — ela murmurou, a voz
rouca e um pouco quebrada. Um toque de acusação ali. — E você não sabia
disso? — Ela se virou para o Teo e eu tive que olhar em sua direção. Meu
primo balançou a cabeça, e abriu a boca para se explicar, mas Cate levantou
e saiu correndo, uma mão na barriga e a outra na boca, incrédula,
chocada… arrasada.
Minha tia fez que não com a cabeça quando Teo se levantou, e correu
atrás de Cate até o lavado. Ela deixou a porta aberta e escutamos ela liberar
o conteúdo do seu estômago.
— Desculpe — implorei para o Teo, me levantando, preocupado com
ela e o bebê, mas ele suspirou, balançando a cabeça como se dissesse que
não era a minha culpa.
Mas era. Era a minha culpa e agora ela me odiava, ela nunca mais
confiaria em mim. Ela não ficaria perto de mim. Ela provavelmente nunca
deixaria o bebê ficar perto de mim também, me negando acesso a ele e…
Mãos pequenas me abraçaram pela cintura, com força, me apertando
contra um corpo magro e baixo. O cheiro do perfume de Cate me invadiu
enquanto seus braços me puxavam para si, firmes. Hesitei por um
momento, o mesmo alívio que senti quando percebi que Teo não me odiava,
me atingindo com força. Abracei ela de volta, com mais força que deveria,
esquecendo por um momento que deveria ter cuidado com ela e o bebê. Eu
sentia as suas lágrimas molhando minha camisa, com a cabeça dela
enterrada em meu peito, seus dedos segurando com força o tecido.
Então mais braços me envolveram. Um cabelo loiro surgindo no canto
do meu olho, e alguém também me abraçava por trás. E como minha tia
estava parada na porta do banheiro, com as mãos no coração e os olhos
arrasados, eu imaginava que eram Gigi e Lena.
E elas me abraçaram com força, me segurando no lugar, quebrando
todas as minhas barreiras, meus receios, meus medos. Me fazendo chorar
como uma criança novamente, igual eu fiz nos braços do meu primo mais
cedo.
— Você devia ter me contado — Cate choramingou, me apertando
com força.
— Eu não queria que você… que vocês me odiassem.
— Nunca te odiaríamos, Dani, você é parte de nós. De mim. — Ela
ergueu a cabeça, me encarando com desolação. Mas não porque eu menti
para ela. Pelo que fui obrigado a passar e fazer.
— Mesmo eu tendo feito tudo aquilo?
— Mesmo assim. Porque eu conheço você de verdade, seu coração. E
sei que você ama cada pessoa nessa sala. Não me importa o que você fez,
faz ou ainda vai fazer. Eu sempre confiaria minha vida em suas mãos. E sei
que todo mundo aqui faz o mesmo.
— Você me deu a máquina de costura da sua mãe — Lena murmurou,
me soltando e entrando no meu campo de visão. — Eu não sabia…
— É sua. Era uma das poucas coisas que ela gostava de fazer antes do
vício a consumir. Essa parte é verdade, eu acho.
— Infelizmente — minha tia confirmou, se aproximando. Elas abriram
espaço para ela, Gigi sendo a última a me soltar e indo abraçar Lena,
chorando silenciosamente, com seus olhos vermelhos e cheios de dor agora.
— Não sei se Mauro os viciou ou foi algo que aconteceu, mas essa parte
infelizmente é verdade. Eles usavam drogas.
Alessia Ricci era incrível mesmo chorando pelo sobrinho que ela não
tinha nenhum dever de criar e amar. Ela me deu um sorriso triste, erguendo
a mão fina e colocando na minha bochecha, em um carinho leve e delicado.
— Bambino mio, você é tão especial. E eu te amo como meu filho,
você sabe disso, não sabe?
Balancei a cabeça, tentando concordar, mas o alívio em meu coração
me dizia que eu não sabia. Não de verdade.
Uma risada ecoou e nos viramos para Mau, ainda sentado no sofá,
pasmo e chocado. Ele riu de novo, um som, ao mesmo tempo, agudo e
estrangulado. De deboche, de triunfo.
— Ele fez o pior com todos nós — Mau explicou, ainda rindo,
apontando para Teo e para mim, e depois se incluindo. — Ele nos destruiu e
tentou nos afastar e tudo o que conseguiu foi nos unir ainda mais. Espero
que ele esteja se revirando no inferno.
— Maurizio Alfredo! — minha tia ralhou, mas escondeu um pequeno
sorriso. E então ela se virou para mim e murmurou: — Nem o inferno quis
aquele stronzo.
Cate deu uma risadinha, enquanto Teo se levantava e a abraçava por
trás. Mau veio até mim e segurou em meu ombro, me olhando nos olhos por
um momento.
— Você me disse que não deveríamos viver a vida pelos ensinamentos
dele, pelo que ele colocou na nossa cabeça. Então siga seu próprio
conselho, e pense que essa família te ama. E você é parte dela.
— Sim, e vocês têm uma chance de fazer tudo diferente — Gigi
murmurou, a voz baixa, e lançou um sorriso hesitante para Cate. —
Começar uma nova tradição familiar com a nova geração.
— Tipo não foder com a criação do meu sobrinho? — Mau provocou e
Cate revirou os olhos, mas Teo abriu um sorriso orgulhoso.
— Então vamos precisar mesmo mandar você para o Canadá. Não
quero os bebês perto da sua má-influência.
— Você acabou de dizer bebês? — Mau parou, incrédulo e Teo
concordou com a cabeça. — Tipo, dois? Dois, né? Ou mais?
— Dois — Cate respondeu e sorriu para mim. — O que é bom, porque
assim não magoamos os sentimentos de Mau quando chamarmos você para
ser padrinho como planejamos quando era apenas um.
O convite me atingiu com tudo, invadindo o meu coração com um
calor e uma esperança que eu nunca senti antes. Eles confiavam em mim
para me oferecer um cargo de honra. Eu poderia não acreditar em Deus,
mas na nossa famiglia, na máfia italiana, ser padrinho de alguém era algo
incrível. Era a maior confiança. Você entregava a segurança do seu filho
para alguém, confiando de que, caso algo acontecesse com você, ele estaria
seguro, protegido, cuidado.
— Você quer que eu seja padrinho de um deles? — perguntei, minha
voz baixa e um pouco insegura.
— Decidimos antes mesmo de você nos contar isso, fratello. Mau só
teve sorte de que são dois bebês — Teo me explicou e eu engoli em seco,
levando a mão para o meu coração em uma promessa.
— Será a maior honra da minha vida.
— Que bom! Um dos bebês vai ser bem cuidado, com Nora e Dani
como padrinhos, já o outro, nas mãos de Mau e Lena… — Cate provocou e
Lena soltou um gritinho, indo abraçar Cate com força.
— Eu prometo que não vou deixar Mau estragar essa criança.
— Ei! Só um pouco, vai? — ele reclamou, mas estava sorrindo de
orelha a orelha. Assim como minha tia.
— E, mamma, ainda não sabemos, mas gostaríamos muito de usar o
seu nome se um dos bebês for menino — Teo revelou e minha tia começou
a chorar.
— Ah! Alessio! É um nome lindo — ela murmurou, tentando conter as
lágrimas e se jogou nos braços do filho mais velho.
— Dani? — Gigi murmurou, cutucando o meu braço e se afastou um
pouco, indo até à entrada para o lavabo. Segui ela, franzindo a testa.
Ela lançou um olhar para a família, às minhas costas, abraçando Cate e
Teo e comemorando os dois novos Ricci entrando no mundo.
— Eu me sinto suja — ela confessou, sussurrando, e eu senti uma
raiva imensa me atingir. — Como você faz para não deixar tudo dominar
todos os seus pensamentos? Eu sinto que estou… afogando.
Hesitei, erguendo as mãos e parando próximo dos seus ombros. Ela me
deu um pequeno sinal com a cabeça e eu a segurei, olhando bem em seus
olhos, abaixando minha voz.
— Lutando contra. Foi o meu jeito pelo menos. Me recusando a deixar
todos aqueles sentimentos me dominarem. Mas meu objetivo sempre foi
esse, o objetivo que nosso tio deixou gravado em mim: aquietar os
sentimentos e tudo o que causava em mim. Ache algo que te centre quando
tudo ficar muito sufocante.
— O que te centra?
— Lutar. Trabalhar. Pensar na família. — Nora, definitivamente Nora.
— Toda vez eu tento pegar no pincel, eu pinto… uma cruz — ela
sussurrou, destruída.
Dessa vez eu a puxei para um abraço, incapaz de me controlar e
precisando me distrair porque eu tinha vontade de invadir a La Santa toda
vez que eu me lembrava do que eles fizeram com Gigi. Do que queriam
fazer com ela.
— Você precisa dar um tempo, Gigi. Você é mais forte do que imagina,
mas dois meses é muito pouco para superar algo que provavelmente sempre
vai viver na sua mente. Só não desista. E me chame quando precisar.
— Promete? — ela perguntou, erguendo a cabeça para me olhar e eu
franzi a testa, confuso. — Promete que sempre vai estar ao meu lado?
— Somos famiglia — prometi, assim como Teo prometeu para mim.
E Giorgia me deu um sorriso brilhante e mais confiante. Mais leve do
que qualquer sorriso que ela deu nesses últimos dois meses.
— Aí está você! — Minha tia surgiu atrás da minha Ferrari branca,
seus saltos estalando no piso de concreto.
Eu estava em uma parte quase escondida, em um canto que
mantínhamos algumas coisas, como pneus, peças sobressalentes, dois
enormes armários vazados de metal, com alguns capacetes extras, casacos
específicos de motos, baús para colocar nas minhas motos e outras coisas
para cuidar e manter os carros. Riccardo usava a maioria dos materiais,
deixando os carros no andar de cima sempre de maneira primorosa. As
câmeras não alcançavam direito aqui, e provavelmente ela me procurou por
um tempo, mesmo perguntando para os seguranças onde eu estava.
— Oi, zia. — Eu limpei as mãos em um pano já sujo.
Estava verificando se a nova moto que comprei estava perfeita, se as
correntes estavam lubrificadas, encerando e deixando seu azul brilhando.
Era nova em folha, mas eu a queria perfeita. A Triumph Bonneville T120 era
azul e branca, um azul quase da cor dos olhos de Nora. O seu modelo retrô,
com o banco reto do piloto ao passageiro, dava um design diferente dos
modelos mais esportivos que eu tinha preferência. Mas era linda, e tinha
potência e segurança.
— Estou indo embora, meu motorista está me esperando, mas eu
queria falar com você antes de ir.
Meu estômago afundou e eu senti um pouco de medo me apossar. Será
que ela fingiu que estava tudo bem quando contei? Será que não queria falar
nada na frente dos filhos? Será que minha tia, que era basicamente a minha
mãe, que sempre me criou como um filho, me odiava? Eu não suportaria
essa possibilidade, assim como não suportei imaginar Teo e Cate me
odiando.
— Você está com aquele olhar de novo — ela murmurou, suspirando
cansada.
— Que olhar? — Engoli em seco e tentei manter meu rosto neutro,
como fui treinado. Era uma segunda natureza para mim, um dos primeiros
ensinamentos do meu tio.
— De que espera o pior da sua família. De que não acredita que pode
ser amado. Você ficou surpreso quando Cate te abraçou.
— Bem, ela saiu para vomitar… — brinquei e minha tia me deu um
pequeno sorriso, se aproximando e olhando para a moto.
— Ela está grávida, isso acontece. Mas eu fico chateada por você ficar
surpreso com o amor que merece, figlio. Achei que tivesse demonstrado
meu amor o suficiente para você não duvidar.
Suspirei, com um pouco de vergonha me consumindo. Sim, meus
primeiros pensamentos foram que eles me odiariam. Eu me odiava…
A realização me atingiu como um tiro, queimando o meu peito e
deixando minha mente se afundar na claridade que esse pensamento parecia
causar no meu cérebro. Como se antes tivesse uma névoa de pensamentos e
agora eu conseguia ver claro e certo: eu me odiava por tudo o que fiz, por
ter me tornado quem era.
— Eu não… eu sinto vergonha por tudo o que fiz. Se eu não tivesse
feito…
— Seus pais estariam mortos mesmo assim. Nunca foi sobre você,
Dani… Mauro foi um homem cruel e sem escrúpulos, e também era um
homem muito orgulhoso. Ele não aceitaria seus pais o humilhando daquela
maneira. Eles eram, na visão do seu tio, uma fraqueza. E ele nunca
permitiria que essa fraqueza vivesse o suficiente para manchar sua preciosa
reputação. Ele só aproveitou para atingir dois coelhos com uma cajadada.
Controlar você e eliminar o que ameaçava a honra dele. O vício dos seus
pais era uma falha que ele consertaria mais cedo ou mais tarde. Eu sinto
muito que ele usou você para isso… Não é um fardo que uma criança
deveria carregar.
— Eu já deveria ser um homem — falei, e minha tia me deu um
sorriso triste.
— Você deveria ser uma criança. E eu deveria ter me intrometido.
— Ele te puniria, e isso eu não aceitaria.
— Você já entrou na frente de várias punições dirigidas para mim
enquanto Teo estava na Itália e Mau ainda era pequeno. E nunca reclamou.
— E não me arrependo — afirmei, me aproximando da minha tia. Era
verdade. Toda vez que meu tio erguia a mão para ela quando eu estava
presente, eu me enfiava na frente e recebia o tapa. E depois meu tio me
arrastava e me punia no lugar dela.
— Eu sou sua mamma, já era antes mesmo de tudo acontecer. Ou pelo
menos eu sentia isso no meu coração desde sempre. E era meu dever
proteger os meus filhos. Todos vocês. E sinto muito não ter protegido você,
Dani, bambino mio.
Ela ergueu a mão e alcançou o meu rosto, acariciando com cuidado. O
sorriso triste que inundava as suas feições quebrava o meu coração, mas não
mais do que o olhar de culpa em seus olhos.
— Você pode sempre contar comigo para te amar, Dani. Enquanto
você duvida do amor dos outros, saiba que eu sempre vou te amar como um
filho. E que nunca vou abrir mão disso. Você nunca mais vai sofrer quando
não deve. Eu vou te proteger como deveria ter feito.
Pensei em dizer que eu era um homem feito, um Stiddari desde os
meus onze anos, basicamente, mas era tão bom sentir o amor incondicional
irradiando da minha tia. Seus olhos verdes repletos de amor, de dedicação.
Era bom saber que, mesmo sendo o monstro que eu era e tendo feito o que
fiz, minha tia me amava.
Ela não me odiava, nenhum deles me odiava.
E eu esperava que a Nora não me odiasse também quando descobrisse
como eu me tornei o que ela mais abomina: um Stiddari.
24 - Nora

Angelo me deixou na garagem dos Ricci, com Riccardo estacionando e


saindo com o meu irmão pela entrada que levava a acadêmia. Eu respirei
fundo por alguns momentos. Meu irmão conseguiu me acalmar o suficiente,
me levando para casa. Ninguém falou nada quando anunciei que tinha
acabado de voltar da casa dos Ianelli. Minha mãe me fez deitar com a
cabeça no seu colo, enquanto meus irmãos ficavam em volta da sala como
abutres, sem saber como agir e o que fazer ao me ver chorando.
Meu pai sentou na outra ponta do sofá, segurando meus pés,
massageando-os e tentando me acalmar. Mas nenhum deles me julgou, me
recriminou, repreendeu ou olhou feio. Eles pareciam tranquilos sobre isso,
como se tivessem esperado por isso por muito tempo.
Provavelmente porque esperaram mesmo. Eu fui a única covarde
adiando o inadiável. Eu deveria ter feito isso muito tempo atrás, em vez de
me sentir culpada toda vez que ficava com alguém para tentar sentir algo,
viver de uma maneira que deveria como uma jovem normal, com máfia ou
não. Eu fui uma covarde, arrependida, me sentindo culpada por querer
terminar tudo com alguém que nem estava mais ali, me sentindo culpada
por ser parte do motivo que ele estava naquela cama. Eu me sentia culpada
por tudo aquilo e por tentar ignorar ele, ignorar nosso laço sem encerrá-lo e
nos dar paz.
Ignazio não merecia, mesmo sabendo, como médica, que seu corpo
não existia mais aqui, que sua vida não existia mais, ele não merecia ficar
preso a mim, sua alma não merecia isso, principalmente pelo motivo ser
minha covardice.
E minha família pareceu aceitar isso muito bem, pareceu esperar essa
reação algum dia desses. Ou simplesmente estavam cansados de me ver
vivendo no limbo, evitando o assunto e fingindo que vivia normalmente.
Contudo, mesmo com o apoio deles, eu não contei para ninguém a
minha descoberta de ontem.
Eu estava cansada, mas estava mais tranquila, menos presa, mais livre.
— Ei! — A voz de Dani me assustou e eu coloquei a mão no coração.
Assim que saí do elevador ele me chamou, sua voz parecia ter saído do
canto escuro escondido por prateleiras lotadas que impediam a minha visão.
— Atrás das prateleiras.
Sua voz saiu brincalhona e eu segui o som, dando a volta e o
encontrando um canto escondido, com uma moto linda ali no meio. A
Triumph Bonneville T120 era incrível, de um azul brilhante e claro, com
branco. As rodas brilhavam, novinhas, e ela parecia reluzir na luz artificial
da garagem.
— Uau — murmurei, impressionada e me aproximei.
— Tudo bem? — Os olhos de Dani estavam correndo pelo meu rosto.
Ele me observou com preocupação, notando provavelmente os olhos
fundos e vermelhos, por causa do choro que derramei a tarde inteira ontem
até dormir, enrolada nos meus irmãos como fazíamos quando crianças, no
chão da sala. Dani franziu a testa e hesitou por apenas um momento, antes
de esticar a mão para mim. Peguei, sentindo sua palma calosa e áspera me
trazer um pouco mais de calma e segurança. Eu estava prestes a mudar a
vida desse homem. Ele poderia me odiar a qualquer momento. Me mandar
embora. Me acusar de um golpe.
— Está tudo bem — garanti, porque, em parte, estava mesmo.
O sentimento de encerramento, de portas fechadas e evolução me
consumia, além do desespero e do medo. Então eu foquei naquilo, deixando
de lado o receio do que aconteceria em alguns minutos.
— Gostou? — Dani apontou com a cabeça para a moto e eu concordei
com a cabeça, voltando o olhar para a máquina.
— É linda.
Estiquei a mão livre e corri os dedos pelo banco de couro, absorvendo
a potência da moto, seu tamanho. Era uma moto robusta, com um design
que dava a sensação de ser retrô. Tão linda e imponente. E as cores eram
perfeitas.
— É sua. — Minha cabeça virou na direção de Dani, minha boca
provavelmente aberta, em choque.
Balancei a cabeça, chocada, olhando em seus olhos e esperando
perceber a brincadeira por trás dos seus olhos sérios. Mas não tinha nada
ali, só expectativas. Carinho.
— Dani… Não posso aceitar.
— Pode e vai. Você teve que aposentar sua amada moto, estou te
dando uma nova, vita mia.
— Mas… — Virei para a moto novamente, ainda chocada e sem saber
como reagir. — Por quê?
— Porque eu quero te dar um presente. Quero te fazer um agrado.
Porque eu posso. Eu tenho dinheiro, se esse é o problema, e não me importo
em usar.
— Eu sei que você tem dinheiro — rebati, olhando feio para ele. —
Nunca me preocupei com isso e definitivamente não foi isso que me atraiu
em você.
— Ah, é? — Ele sorriu e então me puxou, colando nossos corpos. — E
por que você se interessou por mim?
— Não comece se achando. Você é bonito, só isso — menti e ele deu
risada, abaixando a cabeça e correndo os lábios pelos meus. — Eu sou
capaz de apreciar um rosto bonito, principalmente em certas posições.
Ele deu mais uma risada, mordiscando meus lábios, puxando a pele
sensível. Seus olhos brilharam pela provocação, provavelmente se
lembrando do que eu disse na manhã passada, que ele ficava bonito de
joelhos.
A manhã de ontem parecia outro mundo, tão distante e diferente.
— Dani, eu preciso…
— Não, agora você me lembrou de algo importante — ele me
interrompeu, e suas mãos foram para a minha bunda, onde ele apertou com
força e colou ainda mais nossos corpos. — Fique quietinha por um
momento, você consegue, não consegue?
— Creti…
Não terminei de xingá-lo, porque sua língua invadiu minha boca em
um beijo dominante. Ele subiu uma das mãos pelas minhas costas,
segurando com firmeza meus cabelos, puxando alguns fios e me mantendo
no lugar com a outra mão apertando com força a minha bunda.
Sua língua era exigente, apressada, tomando tudo de mim como
sempre fez em todos os beijos. Dani me possuiu desde o primeiro momento
em que nossos olhos se encontraram naquela sala do hospital, e selou os
nossos destinos quando minha boca encontrou a sua naquele almoxarifado.
Sua mão na minha bunda foi para a frente da minha calça e ele empurrou-a
para baixo.
— Dani, as câmeras! — alertei, mas ele me deu um sorriso sensual.
— Elas não pegam nesse canto. Eu nunca deixaria alguém ver você
gozar, mas tente ficar quietinha, não quero dividir seus gemidos também.
Dani me empurrou até minha bunda bater na moto, e então ele me
ergueu, me sentando nela com aquela sua força absurda. Se posicionando
no meio das minhas pernas, ele aprofundou o beijo, sua mão descendo da
minha nuca para o meu pescoço, segurando meu rosto no lugar. Ele se
afastou um pouco, bem pouco, o suficiente para eu encarar aqueles olhos
azuis tão lindos e brilhantes.
— Pela primeira vez eu posso admitir que você estava certa — ele
brincou e eu dei um sorriso, entrando na brincadeira.
— Ah, é?
— Meu lugar é te venerando, aos seus pés — ele afirmou, antes de cair
de joelhos na minha frente.
Ele deu um jeito de tirar minha calça, mas não perdeu tempo descendo
minha calcinha, apenas rasgou a peça com uma mão, o elástico se
rompendo contra a minha pele de uma forma dolorida, mas deliciosa. Eu
me apoiei na moto como pude, com a certeza de que ela aguentaria meu
peso já que tinha descansos duplos. E esperando que ele me segurasse caso
ela caísse comigo.
Dani avançou contra a minha boceta sem perder tempo, sua língua
separando meus lábios, mordiscando a pele sensível, me lambendo onde ele
alcançava, como se meu gosto fosse a coisa mais gostosa do mundo. Ele
enfiou a ponta da língua na minha entrada, girando-a de um jeito torturante.
Agarrei seus cabelos com uma mão, tentando rebolar contra a sua cara, mas
ele me segurou no lugar, me puxando levemente para frente.
Com uma perna minha em seu ombro, ele me abriu o suficiente para
poder me lamber em todos os lugares, sua língua não perdendo um
centímetro meu. Do meu ânus ao meu clitóris, girando na minha entrada,
lambendo com força o montinho de nervos inchado e sensível, pincelando o
meu cu. Ele sugou o clítoris na boca, puxando entre seus lábios, chupando
com vontade. Eu gemi alto, suprimindo o som com a minha mão. Dani
ergueu os olhos para mim, um brilho maquiavélico ali, como se ele
percebesse que adoraria me testar e me fazer gritar.
— Não faça nenhum som, Nora, ou não vou deixar você gozar — ele
ordenou, e eu arregalei os olhos, porque era impossível. — Seja uma boa
garota.
Ele voltou a me chupar, incansavelmente, mordiscando, beijando,
lambendo, sugando cada pedaço de pele da minha boceta e do meu cu. Ele
enfiou dois dedos na minha entrada, com força, os movimentos bruscos e
fortes, e então ele tirou, e enquanto sugava novamente o meu clítoris com
força, ele provocou o meu ânus, empurrando a ponta do dedo ali.
Dani esperou por um momento, não só eu me acostumar com a nova
sensação, mas esperou a minha negação. Eu não disse nada, apenas
empurrei o quadril em sua direção, mordendo a minha mão quando ele
começou um vaivém lento demais, tão lento que me fez choramingar. O
contraste tão diferente da velocidade e força do seu dedo e da sua boca me
levou ao limite e eu não consegui controlar o gemido baixo que escapou de
mim. Dani parou, sua língua pincelando lentamente o meu clítoris em
movimentos leves. Me punindo pelo meu barulho.
— Não, por favor! — pedi, frustrada por ficar tão perto do orgasmo e
perdê-lo.
— Eu te avisei — ele murmurou contra a minha pele, aumentando
lentamente o ritmo.
Ele fez exatamente o mesmo processo, até me levar ao limite
novamente e por mais que eu tentasse, o gemido baixo, quando ele
aprofundava mais um pouco seu dedo, sempre escapava de mim. Ele já
estava com o dedo quase enfiado profundamente no meu cu, e eu já quase
gozei umas três vezes, sendo negada cada vez que ficava perto do clímax.
— Dani, por favor, me deixe gozar — implorei e ele ergueu os olhos
para mim, um sorriso satisfeito em seus lábios.
— Você pode gozar agora — ele ordenou e aparentemente era isso que
o meu corpo precisava ouvir para perder o controle e explodir em sua boca.
Eu gozei com força, agarrando os fios loiros entre os meus dedos,
empurrando e esfregando o quadril na sua cara, rebolando contra o seu dedo
enfiado inteiro em mim. Gozei tão forte que vi estrelas, e definitivamente
não percebi ele se levantando e arremetendo em mim de uma vez,
prolongando o meu prazer.
Seu pau grande e grosso atingiu pontos sensíveis dentro de mim,
fazendo meu orgasmo durar para sempre. Eu me agarrei a ele enquanto
Dani movimentava com força o quadril contra mim, suas bolas pesadas
atingindo a minha bunda, quase pendurada para fora do banco da moto. Eu
quase me preocupei com a moto, com o fato dela não aguentar os
movimentos selvagens dele, quase.
Se ele não estivesse metendo em mim tão profundamente, puxando
meus cabelos com força para inclinar minha cabeça para trás, tão longe da
sua boca, mas presa permanentemente em seu olhar poderoso e cheio de
tesão, eu teria me preocupado.
Dani colocou a mão entre nossos corpos e começou a circundar o meu
clítoris com seu dedão, com força. Ele metia em mim com vontade,
perseguindo o seu orgasmo enquanto se preocupava em me dar mais um.
Seus olhos não abandonaram o meu rosto nenhum minuto, mesmo quando
eu tentava abafar os gemidos incontroláveis que saíam de mim.
Eu gozei novamente, apertando minha boceta ao redor do seu pau
enquanto me despedaçava em uma explosão de prazer. Minha boceta se
contraiu várias e várias vezes, arrancando um orgasmo dele também. Dani
gozou com força, seus braços musculosos se contorcendo, sua bunda se
apertando entre meus dedos fincados na sua carne, empurrando-o para
dentro de mim ainda mais, como se ele já não tivesse me possuído
inteiramente.
Ele diminuiu lentamente os movimentos, enquanto terminava de
esporrar em mim. Sua mão se fechou no meu pescoço e ele me puxou para
si, se abaixando o suficiente para me beijar de uma maneira mais calma
agora, tranquila. Sua língua passeou sobre a minha sem pressa,
memorizando e apreciando o meu gosto, com movimentos suaves e calmos.
Respirei fundo, me afastando dele e sorrindo para o sorriso dele. Um sorriso
tranquilo e satisfeito.
Dani saiu de dentro de mim e fechou as calças, me segurando pela
cintura e me descendo da moto. Eu rapidamente subi minha calça, olhando
feio para ele quando ele recolheu minha calcinha destruída do chão e
guardou em seu bolso. Ele parecia diferente, ainda mais diferente do que
ontem depois da conversa com o Teo.
Seu sorriso estava mais fácil, menos mecânico. Fácil de se espalhar
pelo seu rosto, e eu não queria destruir isso, mas eu não podia esconder algo
tão sério dele. Apesar de não precisar dele para tomar uma decisão, que eu
já tinha tomado, Dani merecia saber. E eu não deveria ter cedido e transado
com ele em cima da moto que ele acabou de me dar de presente.
— Dani, eu preciso falar com você. E não é a hora nem o lugar, mas…
— Qual o problema? — Um pouco da tranquilidade e calma sumiu e
eu olhei ao redor. Eu queria mesmo dar essa notícia para ele no meio da sua
garagem?
Por um lado, era bom porque se ele me expulsasse, a porta estava logo
ali. Por outro… não parecia certo. Não parecia certo dividir algo tão grande
e pessoal em um lugar assim.
— Podemos ir para o seu quarto? — perguntei e ele concordou com a
cabeça, pegando minha mão e me puxando para andar.
Dani não soltou a minha mão durante todo o caminho. A casa estava
silenciosa e imaginei que todo mundo estava em seus quartos, apesar do
horário.
— Lena e Mau estão assistindo um filme com Gigi, tentando divertir e
distrair ela, já que ela não quer sair. Teo e Cate foram para o escritório
analisar algumas informações que não terminei ontem. E provavelmente
vão comemorar a notícia mais um pouco em algum momento — ele
explicou e eu sorri de verdade, apesar do nervosismo em mim.
Ele também comemoraria outra notícia parecida?
Dani nos guiou para o elevador e subimos em silêncio, mas ele não
parecia desconfortável ou estressado. Só eu.
Entrei no seu quarto como se fosse a dona do lugar, incapaz de me
controlar, e caminhei até sua cama sem parar, me sentando. Dani me
acompanhou sem soltar a minha mão e se sentou também. Então eu me
levantei, me livrando do seu aperto. Comecei a andar de um lado para o
outro, nervosa. Eu tinha tanta coisa para falar para ele, mas não queria ficar
mais um segundo sem dar essa notícia.
Devia ter falado a verdade sobre Ignazio do começo. Devia ter
confiado nele, mas também não poderia começar por isso. A questão mais
importante aqui era que agora nossos futuros estavam entrelaçados para
sempre. Ele aceitando ou não.
A perspectiva dele me afastar, me odiar, quase partiu meu coração. Eu
lutei tanto contra a atração e o tesão que sentia por Dani, certa de que ele
seria outra decepção, que me colocaria abaixo da Stidda na sua vida, que
me sacrificaria e me deixaria de lado como Ignazio fez, que nem percebi
que estava lutando porque sabia que inevitavelmente iria me apaixonar por
ele. Iria estar na mesma posição de me entregar para alguém que tinha
responsabilidades maiores do que nosso relacionamento, mesmo com Dani
me mostrando que a sua prioridade era sua família, não a Stidda.
E agora a perspectiva de perder ele, de perder esse pequeno conforto
que eu encontrava em seus braços depois de nosso sexo incrível e nossas
delicadas conversas, que descascavam camada por camada das nossas
armaduras e barreiras, me deixava devastada.
Eu sabia, naquele dia em que nossos lábios se encontraram pela
primeira vez, que Daniele Ricci me arruinaria. Eu só não sabia que meu
coração iria junto.
— Por favor, não me odeie. Ou me julgue. Por favor, não ache que fiz
de propósito e estou tentando te dar um golpe porque você é o Consigliere e
eu sou a filha de um mecânico, um soldado inferior.
— Leonessa, o que aconteceu? — Dani pareceu preocupado comigo e
isso me deixou ainda mais nervosa.
Ele me odiaria.
Santo cazzo, eu conseguia ver o futuro se estendendo à minha frente, o
seu olhar frio e duro, toda a distância que ele colocaria entre nós.
— Não foi de propósito. Eu juro. A primeira vez, realmente, foi de
propósito, eu desmarquei e deixei para outro mês a injeção, mas quando
passou um mês eu marquei novamente e eu esqueci de verdade, e aí, tudo
ficou um caos. Primeiro porque marquei bem no dia do ataque da Gigi,
então esqueci, naturalmente. Depois aconteceu tudo aquilo com a Catania,
e eu fui investigar. E então… O ataque. E eu deveria tomar em alguns dias,
mas… — Parei de falar e de andar, virando o olhar para ele.
— Do que você está falando? — A voz de Dani estava confusa e
desconfiada. Um pouco fria.
Ah, Dio mio, ele me odiaria mesmo.
— Estou grávida.
O choque em seu rosto era genuíno, mas não afastava nem um pouco
da ansiedade que corroía o meu coração. Torci as mãos na frente do meu
corpo, me segurando para não tocar a minha barriga, mesmo que
involuntariamente. Agora que falei em voz alta, pela primeira vez desde que
peguei aquele exame na mão, eu sentia que era real.
Eu tinha uma vida crescendo e se criando dentro de mim.
Metades de nós, misturadas em um pequeno grãozinho de vida.
Crescendo, germinando, se tornando forte e nosso. E era estranho demais,
principalmente com a minha reação cheia de pânico e medo de mais cedo,
mas um senso de proteção se apoderou de mim enquanto a ficha de Dani
caía lentamente. Eu vi seus olhos azuis se arregalarem, eu vi a preocupação
brilhar aí, no meio da incredulidade. E vi exatamente quando ele começou a
se afastar de mim. Não fisicamente.
— Você tem certeza? — A voz grossa e sempre segura dele tremeu um
pouco.
De medo? De arrependimento? De ódio? Eu não sabia dizer.
— Sim. Eu tenho certeza — respondi, tentando não ficar ofendida com
sua pergunta, porque era uma pergunta válida. Mesmo assim, acrescentei:
— E você foi o único que…
— Pare — ele me cortou, me lançando um olhar irritado, como se
fosse uma ofensa eu sugerir que dividi a cama com outro homem enquanto
estava com ele. Mesmo que não discutimos nada sobre monogamia.
O pensamento de imaginar ele com outra surgiu na minha mente e eu
tive que afogá-lo de forma rápida e precisa, porque o ódio que atravessou
meu coração quando isso aconteceu não ajudaria em nada nesse momento.
— São coisas que precisam ser ditas. Eu tenho certeza que você tem
dúvidas, então estou esclarecendo. Você foi o único durante esse tempo. —
Tentei ser prática, sem dizer que todos os homens do mundo perderam a
graça para mim depois que nossas bocas e corpos se tocaram naquele
armário.
Ele soltou um grunhido baixo, quase um rosnado, como se a ideia de
me ver com outra pessoa também fosse incômoda para ele.
— Eu fiz o exame ontem… Eu não percebi, só que fui pedir para a
minha médica para adiantar a injeção mensal e…
— Porca puttana, Nora, você não percebeu?
— Não, porque com meus dias corridos às vezes eu nem lembro do dia
que menstruei e… — Balancei a cabeça, porque não adiantava explicar a
cagada que fiz. — Olha, eu fiz merda, eu sei. Eu sou médica e deveria ter
sido mais cuidadosa.
— É, deveria — ele falou, mas não foi em um tom de reprovação, foi
em desespero.
— Você também não pareceu cuidadoso o suficiente antes de meter em
mim sem a porra de uma camisinha.
— Eu estou bem ciente da porra da minha culpa nesse erro.
Erro.
Eu sabia que ele estava em pânico, que não era uma notícia fácil ou
planejada, mas doeu mesmo assim ouvir essas palavras saindo da boca dele.
Principalmente porque Dani sempre conseguia controlar as palavras. Quase
sempre na minha presença, mas nunca disse algo tão… devastador e sério.
Eu provavelmente não consegui controlar a minha cara, porque ele pareceu
arrependido no mesmo segundo, mas eu não deixei ele falar.
— Olha, eu só estou te contando porque você merece ficar sabendo…
— Só por isso? Cazzo, Nora, você está carregando um filho meu. Eu
vou dar o que você precisa.
Aquilo quebrou o pouco controle que eu estava tentando manter, uma
ira absurda e errada consumindo o meu peito.
— Eu não preciso de você! Eu não quero nada seu! — Elevei a voz e
ele pareceu genuinamente magoado.
Percebi como soou, como se ele não fosse nada. Descartável,
desnecessário. Como se eu não o quisesse perto de mim ou do nosso filho.
Me arrependi imediatamente e dei um passo à frente, tentando explicar.
— Eu não…
— Dani? Nora? — A voz de Cate parecia urgente, e ela não esperou
resposta. — Preciso muito de vocês!
Dani me olhou por um segundo e foi assustador ver ele enfiando todas
as emoções cruas e conflitantes dentro de si, escondendo-as por trás da
máscara fria que fazia um tempo que não era direcionada a mim. Ele se
levantou e deu dois passos para frente, seu peito encostando no meu e sua
mão subindo pelo meu pescoço, me segurando no lugar. Pela primeira vez
parecia mais uma reprimenda do que algo sexual e eu tremi.
— Nós vamos continuar essa conversa, Nora. Você pode não querer
nada de mim, mas eu quero tudo de você.
Eu fiquei em choque por um momento, provavelmente com a boca
aberta e os olhos arregalados. Mas por trás da frieza estampada em face do
possível alerta que era a voz de Cate, os olhos de Dani também brilhavam
em determinação.
Não fugiríamos disso, nem ele, nem eu.
Ele me deu as costas, marchando para fora do quarto e não me dando
outra opção a não ser segui-lo.
25 - Nora

Dani escancarou a porta do quarto, assustando Cate, mas ela se


recuperou rápido, os olhos apologéticos quando confirmou que eu estava
mesmo aqui.
— Desculpe interromper…
— Diga logo — Dani explodiu, provavelmente puto da vida comigo e
com a situação, mas imediatamente se arrependeu com o olhar magoado
que passou no rosto dela. — Desculpe, bambolina, é que você me
preocupou.
Era metade mentira e Cate sabia, mas mesmo assim seu rosto relaxou
um pouco. Bem pouco porque a preocupação ainda brilhava ali. Cate
segurava alguns papéis e sacudiu eles, fazendo um sinal para seguirmos ela.
— Eu acho que consegui localizar a rota e quem Basilio direcionou
para cuidar dela. E é melhor do que imaginávamos, Dani. É um dos
soldados de confiança do Silvio. — Cate abriu um sorriso satisfeito e Dani
pareceu relaxar um pouco, como se a notícia melhorasse levemente o seu
humor.
Algo no plano que os dois pensaram ao mesmo tempo, que seria de
alguma maneira difícil de colocar em prática, tinha acabado de se encaixar.
— Ok, e o que precisamos fazer? — perguntei, seguindo Cate
diretamente até o escritório.
Teo estava sentado na sua cadeira, mapas e papéis esticados ali, com
Mau e Gaspare debruçados sobre a mesa, estudando tudo. O Executor-chefe
me deu um sorriso de boca fechada antes de voltar sua atenção para o que
estava traçando nos mapas. Lena estava provavelmente com Giorgia, a
distraindo.
— Você realmente vai se infiltrar na clínica, eu tenho 90% de certeza
de que é essa daqui. — Ela se aproximou de Gaspare e olhou para o mapa
por um segundo, até localizar o que procurava e apontar com o dedo. — Ela
é perfeita. Fica exatamente perto da Cross Bronx Expressway. Eles
conseguem andar por ali, pegar as mulheres dos nossos portos ao sul, no
Brooklyn, atravessar toda Manhattan e retirá-las facilmente por ali, para o
território da La Santa, depois de avaliá-las.
— Staten Island sempre foi uma zona de guerra — Teo apontou para o
sul do mapa que mostrava os arredores da cidade de Nova York, parte de
Newark, New Jersey e outros pontos importantes do território da Stidda. —
Sempre estamos interceptando e invadindo armazéns lá, tentando conquistar
mais. Isso explica porque Marchetti nunca quis abrir mão desse pedaço de
terra. É um acesso próximo às docas. Mas ao norte…
— Ao norte, mesmo nos dez anos com as relações estremecidas, a
Catania nunca foi uma verdadeira ameaça ao pai de Teo — Gaspare
explicou, olhando para Dani e depois para mim. — Nossos esforços contra
a Catania sempre se centraram em manter New Haven e Massachusetts. O
fato do Capo ficar em Tarrytown nunca nos incomodou, porque Stefano
estava mesmo encurralado e sofrendo. Ele estava perdendo, então Mauro
decidiu focar os esforços em manter os territórios conquistados e afugentar
a La Santa o máximo que conseguiu.
— Fomos pessoalmente para Long Island e depois Staten Island para
repelir os avanços dos Marchetti, Teo e eu — Dani comentou, seus olhos
brevemente passando por mim e eu concordei.
— Faz sentido… O aeroporto JFK com certeza é um ponto importante
para eles, e eles precisam do acesso ao sul. É difícil transportar muita gente
de uma vez em um avião e aeroporto sem chamar atenção? Sim, mas as
chances das mulheres ficarem vivas é maior. E Adriana e Crystal me
disseram que elas vieram de avião. Eles não as seguraram à força, eles as
convenceram de que elas teriam coisas aqui que não teriam em seus países.
A parte da força provavelmente veio assim que o avião pousou.
— Exato, e eles escolheram atravessar Nova York porque é menos
provável que investiguemos a Catania usando nossas rotas até o seu
território do que eles pedindo licença para sair por Newark ou Long Island.
Então encontrar uma clínica no meio do caminho é essencial para eles —
Mau explicou e eu concordei com a cabeça. Fazia mesmo sentido.
Observei o lugar onde Cate apontou, pensando.
— Posso ver o nome da clínica? Tem algum mapa digital?
— Aqui. — Mau me entregou um tablet, já aberto nas imagens de
satélite do mapa.
Observei a fachada do lugar, usando meu dedo para andar nos
arredores, primeiro por cima, depois como se estivesse de pé em frente ao
local. Observei as fotos que as pessoas mesmo colocavam sobre os locais,
como forma de avaliação. Uma delas dizia sobre a reforma que nunca
parecia terminar em uma ala da emergência no primeiro andar. Outra
reclamou da presença constante de “estrangeiros”, em um pequeno ataque
xenofóbico, citando até as roupas mais simples e rasgadas. E uma mulher
disse que nunca mais voltaria por causa dos choros e gritos de pessoas, nas
palavras dela “desequilibradas que precisavam de uma vaga na ala
psiquiátrica.”
— Olhe — pedi para Dani, uma presença forte e constante ao meu
lado, mesmo se recusando a me olhar por mais do que alguns segundos. Ele
ergueu os olhos do mapa na mesa e segurou o tablet que passei para ele.
Apontei os comentários que me chamaram atenção, e ele concordou com a
cabeça.
— Você disse que a clínica que você achou também estava em
reforma.
— Só que não parecia estar de verdade, estava tudo fechado e
embalado. Esvaziado. Como se aquela fosse uma ala reservada e nova.
Provavelmente estão mantendo as mulheres ali, as mais machucadas. Então
isso quer dizer que o armazém com o resto não pode ser longe.
— Deixa eu ver — Mau falou, pegando o tablet de volta e observando,
seus dedos dando zoom na tela. — Hum… um monte de creche e… aqui.
Acho que aqui é um bom lugar.
— É uma igreja — comentei, um pouco incrédula, mas a cabeça de
Teo se ergueu dos mapas.
— O nome?
— Santuário Ordem Sagrada do Querubim e… — Mau franziu a testa,
estranhando. — Santo Cazzo tem um monte de nome e com meu pouco
conhecimento católico eu não sei, mas não parece fazer sentido.
Cate pegou o tablet da mão dele e levou até o marido, mostrando o
lugar enquanto Teo conferia o nome em seu computador. O sorriso
triunfante do Capo fez o meu coração acelerar.
— Vocês não vão acreditar quem está listado como dono do prédio. —
O Capo ergueu os olhos para Mau e Dani. — Adone Vitale.
— Porca puttana, tudo se encaixa.
— Quem é esse?
— Ele é um dos caras que organizou o ataque contra Cate, antes do
casamento. Eles queriam sequestrá-la, Manfredi e Matteo, para usar ela
como moeda de troca. Eles queriam dar Cate para Marchetti, conseguindo
assim a confiança dele, e ainda destruir Teo no processo — Dani explicou e
eu concordei, me lembrando das informações que eles tiraram dos homens
que tentaram me atacar.
— Ótimo, tudo se encaixa — Gaspare comentou, mas não parecia nada
feliz e relaxado. — Eu só não gosto de não saber exatamente onde os
irmãos Sana estão.
— E quem gosta disso? Mas vamos ter que ignorar eles
completamente por um momento. Precisamos torcer para que eles tenham
mordido a isca e acreditado que ainda estamos caçando-os ao norte.
— Pegamos todo o dinheiro extra deles, eles precisam que isso dê
certo, então eles não devem estar longe. Ou se estão, alguém de confiança
está na frente. Adone Vitale e o soldado de Silvio, Elano.
— E por que me quer na clínica? — perguntei, sentindo Dani ficar
tenso ao meu lado.
— Quero confirmar que é lá mesmo, quero que você repare se tem um
padrão com a outra clínica. Se reconhece algum médico. Qualquer coisa. E
depois…
— Depois você vai usar ela de isca — Dani esbravejou, olhando feio
para o seu Capo.
— É, vou… Se eles perceberem Nora lá, xeretando novamente, vão
atrás dela de novo. Só que dessa vez, vamos estar preparados. Assim que
eles atacarem, vamos invadir esse lugar.
A ideia me pareceu boa. Distrair a força bruta que provavelmente vai
estar me caçando, e atacar de surpresa o armazém enquanto eles tentam
mover essas mulheres. Assim como eles fizeram com a outra clínica e
armazém. Qualquer ameaça de que estamos chegando perto, eles retiram os
homens…
— Ok, posso fazer isso — confirmei e lancei um olhar desafiador para
Dani, esperando ele negar, me impedir, me trancar no quarto assim como
Teo provavelmente faria com a Cate, agora que ela estava grávida. Porém,
Dani suspirou, revirando os olhos e observou o mapa por mais um minuto.
— Vamos até Hewlett. É mais seguro ali, temos uma boa segurança,
Gaspare fica com a gente. Saímos da clínica e vamos direto para lá…
— Você não vai — Teo ordenou e isso pareceu deixar Dani irado.
— O cazzo que eu não vou — o Consigliere retrucou, apoiando as
mãos na mesa, parecendo pronto para brigar com o primo sobre isso, mas
Teo deu um sorrisinho.
— Calma, coglione, você pode esperar em Hewlett ou até buscar Nora,
mas acho melhor outra pessoa ser o segurança dela.
— Por quê? — Dani parecia indignado, como se o primo tivesse
ofendido sua honra e sua capacidade de me defender.
— Porque é meio estranho e suspeito a porra do Consigliere da Stidda
estar na porra da clínica da Catania com a médica que eles já desconfiam
ser uma espiã.
— Nora está morando aqui — Dani rebateu e eu tentei controlar o meu
sorriso ao ver ele todo irritado e sendo contrariado.
— Sim, e isso já é um risco, ela vai entrar lá com um alvo nas costas,
mas podemos tentar desviar um pouco a atenção. Vamos colocar alguém
como segurança dela no meio do hospital, infiltrado na própria equipe de
segurança.
— Essa porra é difícil de esconder. — Dani ergueu a mão, mostrando a
estrela da Stidda.
— Não disse que ia ser alguém da Stidda — Teo suspirou e Dani
pareceu ficar puto de verdade.
— Ah, as mulheres da Stidda são sempre mais bonitas que as da
Catania — o primo de Cate flertou comigo, assim que entrou no local,
ignorando completamente a presença do Consigliere e dos dois Executores.
Teo deu uma risada barulhenta, enquanto empurrava o segundo
herdeiro de Stefano Conti para dentro do pequeno escritório. Estávamos
novamente na mesma balada que foi a despedida de solteiro de Mau, e as
lembranças do que aconteceu naquele quarto abaixo dos meus pés
invadiram a minha mente e quase me faziam corar.
Dani percebeu minha inquietação e quando eu corri a língua pelos
lábios, tentando umedecê-los, ele deu um pequeno sorriso.
— Adorei o lugar — Federico Conti provocou e Cate revirou os olhos
ao seu lado.
Ele era jovem, quase da idade de Cate, um sorriso provocativo bem
diferente do da prima, mas eles tinham os mesmos olhos cor de chocolate.
Que apesar de mais duros e afiados, brilharam com carinho quando olharam
para ela. Ele usava os cabelos marrons em um corte curto, e era mais alto do
que a prima, mais ou menos do tamanho do Mau, mas bem mais esguio.
Eu não duvidava dos músculos escondidos por baixo da roupa bem
casual que ele usava, e nem da letalidade do seu corpo. Fedez tirou um
cigarro do bolso e acendeu, para a consternação do Capo. Teo arrancou o
cigarro da boca dele e apagou ao jogá-lo no chão, com um olhar assassino
para o parente através do casamento. Federico revirou os olhos, mas Cate
abriu um lindo sorriso.
— Ele está um pouco superprotetor conosco. — Ela esperou as
palavras assentarem no cérebro do primo e quando ele fez a conexão, ele a
puxou pela cintura, esmagando-a contra o seu peito.
Teo revirou os olhos para a cena, mas um pequeno sorriso brincava no
canto da sua boca e pela primeira vez eu não consegui ficar feliz pela minha
melhor amiga. Um sentimento horrível e conflitante se apoderou de mim,
uma dor lancinante no meu peito, porque Dani parecia me odiar agora e eu
ainda não tive tempo para processar isso.
Desviei o olhar de Cate, o que foi um erro, porque Dani estava me
observando e pareceu um pouco triste com o que encontrou nos meus olhos.
Deixei de olhar para ele, encarando a parede, ignorando completamente o
que estava acontecendo até Mau interromper.
— Basta, tire suas mãos sujas da minha sorellina e dos meus nipoti.
— Plural? — Fedez pareceu um pouco incrédulo e até Gaspare
arregalou os olhos.
— Essa parte era segredo, mommo — Teo ralhou e Mau deu um
sorriso cheio de doçura para o irmão. Completamente falso.
— Desculpa, como ia adivinhar?
— Porque você está na presença de um Catanio, bambino. — Gaspare
suspirou, olhando feio para Mau, que deu uma risada.
— Sim, Fedez pode contar para muita gente mesmo o que descobrir
aqui.
Federico deu um sorriso para o jovem Executor, concordando com a
cabeça, mas mesmo assim se virou para a prima com um sorriso amoroso.
— Parabéns, cuginetta — Fedez murmurou e deu um beijo no topo da
cabeça da Cate.
— Agora que isso já está discutido, vamos para um assunto um pouco
mais sombrio.
Fedez fez uma careta ao ouvir a voz de Gaspare e se encostou na
parede, procurando um cigarro no bolso e pensando melhor depois de
receber um olhar feio do Teo e do Dani. Eu quase acreditei que ele estava
fazendo por mim. Quase.
— Não consegui encontrar nada sobre os Sana, é como se eles fossem
a porra de um fantasma. Mas não me impressiona, eles estão tão intrínsecos
na porra da Catania que é difícil saber quem não está associado a eles.
— Você confia nos seus homens? Neles todos? — Mau perguntou e
Fedez suspirou, correndo as mãos pelos cabelos.
O barulho de uma cadeira sendo arrastada me assustou e Dani
posicionou a peça ao meu lado, com um olhar severo e uma ordem
silenciosa. Quando eu sentei, ele fez o mesmo para Cate, suas feições
suavizando um pouco. Um pequeno e incontrolável sentimento me assolou
por um momento: ciúmes.
— 100% de confiança? Em pelo menos 50…
— Cinquenta homens? — Cate pareceu um pouco chocada e Teo
concordou com a cabeça.
— Isso é muito bom para a próxima fase do plano, mas vamos com
calma — Dani murmurou e fez um gesto para Fedez. — Acreditamos que
eles estão nos fazendo de otários porque descobrimos uma coisa.
— E o que é?
— Os Sana estão transportando como mulas, mulheres para o tráfico
de pessoas da La Santa.
Fedez me pareceu, à primeira vista, um playboy, mas não como Mau,
de uma forma descontraída e divertida, e sim de uma forma mais
presunçosa, perigosa. Daquele tipo de jovem que com certeza vai destruir a
vida de alguém, arrasando algum coração. E foi impressionante ver ele
perder esse ar e ficar… furioso. Eu temi um pouco pelo meu bem-estar
quando o rosto dele ficou duro, o sorrisinho insolente sumindo totalmente,
seu corpo ficando tenso e ele se afastando da parede.
Um corpo enorme e largo entrou na minha frente, e eu não precisava
desviar os olhos da bunda dura e malhada para saber que era Dani. Não
consegui me segurar e ergui a mão, beliscando a sua bunda. Ele bateu na
minha mão, mas deu um passo para o lado, saindo da frente da cadeira,
permitindo que eu voltasse a enxergar o primo de Cate e a fúria naqueles
olhos marrons.
— Che cazzo?
— É, também ficamos um pouco chocados.
— Não, vocês estão errados — Federico murmurou, balançando a
cabeça e olhou para Cate, que abaixou a cabeça, desviando os olhos por um
momento. — Quando isso aconteceu? Quem? Meu irmão?
O fato dele ter desconfiado do irmão primeiro mostrava que ele
realmente não gostava de Silvio Conti. Tudo o que eu sabia sobre o herdeiro
da Catania, através dos relatos de Cate e de outras pessoas, também me
davam uma enorme antipatia. Eu o odiava sem conhecê-lo.
— Nora juntou as peças… — Cate explicou tudo para o primo, todas
as peças do jogo que começou com o ataque nas fronteiras da Catania com
a Stidda. Que começou quando o pai de Teo morreu e ele foi atrás de Cate.
Quando ela mencionou que quase foi vendida também, e que os irmãos
Sana orquestraram todos os seus sequestros, Fedez pareceu ainda mais
furioso.
Eu sabia que ele era o informante da Catania por Cate, ela mesmo me
contou isso a caminho daqui, mas percebi nesse momento que ele também
desprezava a máfia em que nasceu. Dani poderia estar preocupado com a
segunda parte misteriosa do plano deles, mas Federico Conti parecia mais
do que pronto para cortar a garganta do próprio pai, mesmo ele não sendo
exatamente o culpado, não nessa situação.
— E o que vocês precisam?
— Que você coloque um dos seus homens infiltrados no hospital para
ficar de olho em Nora.
— Ela é uma ótima lutadora e atira muito bem, mas vai estar focada
mais em seus pacientes e em procurar qualquer sinal das mulheres ou de
quem estava na outra clínica — Dani explicou, mas seu elogio fez meu
coração bater um pouquinho mais rápido.
Eu culparia essa reação nos hormônios que daqui para frente ficariam
mais confusos do que nunca.
— E você, já agindo como cão de guarda dela, vai ficar feliz em se
manter longe? — Fedez provocou, bufando. — Vocês Ricci são territoriais
como animais no cio.
— É, bem, quando você se importar com alguém além do seu próprio
pau a gente conversa — Mau rebateu, brincalhão e Fedez deu uma risada,
bufando com a provocação.
— Nunca, prefiro me entregar ao Marchetti. Tá, foco, já sei — ele
murmurou, interrompendo a bronca que Gaspare começou a dar.
Eu quase admirei a audácia, se eu não estivesse ocupada pensando no
que Mau falou e como Dani não negou.
— Alguns médicos e pessoas da equipe da clínica em que encontrei as
mulheres ficaram me olhando estranho, principalmente se eu fazia alguma
pergunta mais… curiosa. Eu acho que consigo me lembrar bem da cara
deles, e se não lembrar, vou ficar prestando atenção na situação.
— Quanto mais tempo você conseguir para Nora naquela clínica, mais
respostas teremos. Precisamos que você convença o zio a deixar ela entrar
lá. Que é exatamente para isso que te chamamos aqui, em um lugar tão
público. E aí…
— E aí? — Fedez perguntou, estreitando os olhos para a prima.
— E aí vamos manipular a verdade — Cate respondeu, tranquila.
Fedez franziu as sobrancelhas, um pouco bravo e confuso, mas então
entendeu o plano da prima. Seu rosto ficou pálido, apenas por um momento,
e um sorriso que me arrepiou surgiu em seu rosto. Um sorriso que fazia
todo o instinto que adquiri aprendendo a lutar gritar dentro de mim.
— Vocês vão incriminar o meu pai — Fedez concluiu e eu fiquei um
pouco chocada com a audácia do plano de Dani e Cate.
— Não só isso… Vamos armar um sequestro falso com mulheres do
alto-escalão da Catania.
Santo Cazzo.
— Você de todas as pessoas deveria ter cuidado com inocentes,
Caterina — ele repreendeu a prima e ela olhou feio para ele, perdendo um
pouco o ar carinhoso e assumindo a pose de Rainha que sempre usava
quando lidava com assuntos da Stidda.
— Eu sei muito bem disso, não precisa me lembrar. Inclusive, eu tanto
sei, que estou fazendo isso justamente para me vingar do que foi feito
comigo. — Todos nós reparamos em como ela enfatizou a palavra.
— Cate, você está arriscando as vidas delas…
— Vamos ter todo o cuidado do mundo, Fedez. Eu ainda não sei
direito como, mas você não precisa se preocupar, não vai ser um sequestro
de verdade e não vai ser nada relacionado a La Santa. Só que precisamos
pegar a maioria de membros dos aliados do Sana para isso dar certo.
— O que queremos é saber exatamente quem dentro da Catania apoia
eles, e aí…
— E aí vocês vão sequestrar as famílias de quem não está envolvido. E
deixar claro que existe traição dentro da Catania — Fedez terminou de falar
por Dani, com uma careta.
— Não só isso, Fedez, mas também vamos manipular tudo para deixar
claro que seu pai e seu irmão sabiam de tudo isso.
— E como vocês farão isso? — Fedez perguntou, estreitando os olhos,
mas Teo balançou a cabeça.
— Você vai ter que confiar na gente.
— E depois disso tudo? Quando a Catania estiver no chão? — O
primo de Cate lançou um olhar para o Capo da Stidda.
— Vou engolir a Catania e eliminar todo mundo que se opor.
— E meus homens? Eu?
Cate bufou, como se ele tivesse insultado ela por perguntar sobre a sua
segurança e seu papel no futuro, mas eu não poderia culpá-lo. Por mais que
ele estivesse fazendo isso pela prima, a Catania foi sua família por muitos
anos. Foi sua máfia. É difícil lidar com isso, ainda mais quando se sabe que
provavelmente toda a sua família vai ter que morrer para isso acontecer.
— Você vai ter seu papel, e vamos levar os seus homens de confiança
também. Mas eles nunca podem saber, Fedez, sobre você, sobre nós. Nunca
podem saber que você participou disso. Você vai ser visto como traidor se
isso acontecer.
— E no dia que eu me ajoelhar na sua frente isso não vai acontecer? —
Ele bufou e bateu nos bolsos, provavelmente procurando um cigarro e
desistindo, passando as mãos no cabelo em vez disso.
— Quando isso acontecer, você vai ficar surpreso com a oferta. E é por
isso que eu não vou te alertar. Quando tudo acontecer, quero sua reação
genuína. A única coisa que você vai saber é que precisa pedir misericórdia.
Pensar nos seus homens.
— Um passo de cada vez. Primeiro precisamos que Nora avalie o
local, reconheça alguém e aí pensamos no resto — Mau assegurou o
Catanio e lançou um sorriso confiante para mim que só revirou o meu
estômago.
26 - Dani

Nora estava com medo de me encarar.


Eu conseguia ver cada vez que ela evitava o meu olhar no carro que
nos levou até a boate e depois na volta. Não tinha porque irmos separados,
apesar de ser um risco que evitávamos. Juntos no mesmo lugar éramos um
alvo mais fácil, mas hoje estávamos com pressa demais, ansiosos demais
para nos preocuparmos.
E eu estava tentando muito focar no trabalho, a porra de um dos
momentos mais esperados. Desde que Cate voltou para as nossas vidas,
com aquelas marcas de dedos em seu pescoço, com o corpo pequeno e
magro demais, todo espancado, eu pensava nisso.
Em derrubar a Catania, em destruir os Conti. Matar Stefano e Silvio
com todos os truques que meu tio me ensinou.
Então não, não era o momento ideal. Mas era o presente mais perfeito
e incrível que alguém já havia me dado.
E ela odiava isso. Ela odiava a situação.
Ela não precisava de mim, não me queria ao seu lado nesse momento.
E só de pensar que ela poderia considerar criar o meu filho com o
maldito noivo…
Eu deveria ter quebrado a sua confiança e pesquisado sobre ele. Eu
deveria ter descoberto onde ele estava e matado ele. E pela primeira vez eu
tive dificuldades em exercer a minha maior habilidade: cobrir e engolir
todas as emoções. Geralmente, principalmente em momentos cruciais, eu
conseguia me desligar e me concentrar. Eu precisava ser a razão do meu
primo, o cérebro. E agora mais do que nunca ele precisava de mim. E eu
estava me afogando em emoções e desespero.
Fomos direto para o escritório de Teo, mergulhando em mais planos,
tentando desenvolver tudo. Eu queria conversar com ela, queria parar e
conversar sobre esse momento importante de nossas vidas, mas nós dois
estávamos determinados em resolver isso. Nora escutava tudo com cuidado,
ela se preparava com Mau e Gaspare, com os dois dando dicas do que ela
poderia observar, como ser discreta, como perceber as coisas. Cate e Lena
estavam mergulhadas nos mapas, anotando as projeções de trânsito nos
arredores, o quanto ficava lotado, qual horário. Enquanto isso, Teo e eu
listávamos soldados, pensando em tudo o que poderíamos encontrar.
Gostaríamos que Nora fizesse dois plantões para estabelecermos
quantos funcionários eram suspeitos e monitorarmos se a tal igreja era
mesmo o local que estavam usando para guardar as mulheres. Teo enviou
Masì e Eddo para investigar, não confiando em mais ninguém e Christian
estava organizando a segurança em Hewlett. E Angelo e Vincenzo estavam
se preparando para serem a única proteção dos Ricci mais importantes: Cate
e Lena, que para a consternação de Teo, concordaram em serem iscas
também. O meu primo iria com elas, porque precisávamos distrair os
homens de que o Capo que sempre fazia tudo ele mesmo não estava
preocupado ou mesmo sabendo. Era a distração perfeita. Ele e Mau levando
as esposas para um encontro duplo, despreocupados. Gaspare se
comprometeu em ajudar com a proteção de Hewlett e era mais um trunfo,
porque se o Executor-chefe também não estava perto do Bronx era mais um
indício de que tudo estava bem e não desconfiávamos de nada. E Fedez
seguiria caçando os Sana, outro sinal de que não desconfiávamos de nada.
Era uma demonstração de confiança deixar tudo nas mãos da equipe de
Mau, e por mais que eu estivesse preocupado com todas as variáveis, eu
sabia que eles eram capazes de dominar tudo. Listei Michele como um dos
soldados importantes, mesmo sabendo que Nora ficaria puta, mas eu
precisava de alguém de confiança e, querendo ou não, ele era um soldado
incrível.
Passamos a madrugada e o dia inteiro debruçados nos planos, tirando
cochilos e vivendo de café. Teo obrigou Cate a deitar no sofá já que ela se
recusou a ir dormir, e eu quase fiz o mesmo com Nora, mas ela me lançou
um olhar feroz, me desafiando a colocá-la na cama. Eu sabia que ela estava
acostumada a ficar acordada por bastante tempo, com seus horários malucos
e com o quanto seu trabalho exigia dela.
Finalmente o cansaço venceu e fomos dormir, Nora indo para o quarto
que ela ficou tão pouco durante essas semanas que passou aqui. E eu só a vi
quando acordamos, sentada na mesa do café da manhã com toda a minha
família. Eles já estavam mergulhados nos projetos, no planejamento, papéis
e tablets espalhados entre todas as coisas deliciosas que Santina servia. Ela
sorriu para mim, me oferecendo uma cesta de brioschia fresquinhas, e eu
peguei uma, colocando um monte de café na xícara.
Só quando já estávamos terminando, foi que Nora finalmente olhou em
minha direção. Dois dias depois da notícia que mudou nossas vidas,
finalmente estávamos deixando de ser covardes e encarando nossos
verdadeiros sentimentos.
— Dani? — ela me chamou, com receio, com medo de algo. Sua voz
estava baixa e controlada, mas eu parei no mesmo segundo, me virando
para ela. — Podemos dar uma volta?
— Claro — respondi, porque nunca conseguiria negar nada para ela.
Olhei para Teo e ele me dispensou com a mão, sem nem levantar os
olhos do tablet na sua frente. Mas Lena e Cate trocaram um olhar, com
sorrisinhos felizes e cheios de segredos entre elas que quase me fizeram
revirar os olhos. Nora andou ao meu lado até a garagem em um silêncio
tenso e estranho, que me desesperou um pouco. Pensei em pegar dois
capacetes, mas eu queria conversar com Nora, queria escutar a sua voz e
olhar para as suas reações, portanto peguei as chaves da minha Ferrari. A
minha 296 GTB era branca com os detalhes em preto e apesar de chamar
atenção não me parecia tão espalhafatosa quanto os carros coloridos de
Mau. Nora andou atrás de mim sem comentar, ignorando a visão da sua
moto nova ali, ainda estacionada aonde a deixamos depois do sexo. Foi a
última vez que eu senti o seu gosto? Foi uma despedida?
Ela não disse nada enquanto subia no carro e me esperava. Dei a volta
depois de fechar a sua porta, ligando-o, escutando o rugido do motor ecoar
pela garagem silenciosa.
— Tem um lugar em mente? — perguntei, ficando ainda mais
incomodado com esse silêncio estranho. Nem quando eu engolia todo o
meu tesão por ela, com o medo irracional de que acabaria afastando-a de
mim, ficamos nesse silêncio estranho.
Nora se inclinou sobre mim, encostando no painel eletrônico que
ficava atrás do volante. Ela clicou em navegação e digitou rapidamente um
endereço, seu cheiro delicioso e leve me atingindo. Eu nunca consegui
exatamente descobrir o que era. Um pouco de baunilha, chocolate? Algo
doce e viciante, perfeito para ela porque me dava vontade de lamber sua
pele inteira. Eu tinha essa vontade ao olhar para o seu lindo e perfeito
corpo.
Assim que terminou, Nora voltou a se sentar, colocando o cinto e
olhando para a frente, me ignorando. Eu não consegui controlar o meu
suspiro antes de sair da garagem. Ela não disse nada enquanto eu seguia
para o endereço que ela forneceu, meus olhos atentos, minhas mãos
apertando o volante com a vontade de tocá-la, de segurar sua mão. Eu
sempre fui bom em engolir meus sentimentos depois que meu tio acabou
comigo, mas nesse momento eu estava fisicamente lutando contra todas as
coisas que eu queria falar e fazer.
Só que sempre foi assim com Nora. Ela quebrava o meu controle, e foi
por isso que passei a ressenti-la. Porque sabia que logo, se continuasse em
sua presença, quebraria. Quebraria e acabaria com todos os ensinamentos
do meu tio, com tudo que passei a vida inteira me dedicando. É claro que eu
estava errado, pelas reações da minha família eu sabia que estava errado e
que fui um idiota.
Mas não consegui me abrir antes. E só fiz agora porque eu queria
vencer todas as palavras cruéis do meu tio e ser alguém digno de ficar com
Nora. Meu tio colocou na minha cabeça, durante as sessões de tortura ou
quando me soltava no ringue com homens mais velhos e que me destruíam
até eu aprender a lutar direito, que eu não era um Ricci de verdade, ou que
eu era um Ricci, mas um bastardo quando ele me provocava dizendo que
era meu pai de verdade. Eu duvidava disso porque meu tio era apaixonado
demais pela glória da Stidda para arriscar tudo com um filho bastardo.
Depois que Mau nasceu, ele fez uma porra de uma vasectomia só para não
ter herdeiros perdidos por aí, paranoico para cacete que alguém desafiaria
Teo e acabaria com o seu legado.
Sem nem se tocar de que seu maior inimigo era o seu filho verdadeiro.
Da mesma maneira que meu tio conseguiu convencer e destruir Mau
enquanto o torturava, ele também fez comigo. E eu sabia que não deveria
ficar preso às palavras dele, mas eu era uma criança quando ele começou.
Sozinho e assustado. Abandonado no mundo porque meus pais, por mais
que tentassem, só ligavam para as drogas. A única pessoa que me deu amor
e carinho foi a minha tia. E depois Cate naquela temporada.
E isso ajudou a me fazer acreditar que eu era o indigno e bastardo
Ricci, que não deveria casar e procriar, porque sujaria a Stidda. Porque estar
com alguém, qualquer um, como meu tio me ensinou quando me fez matar
a puta que eu mais visitava, era atrapalhar o meu objetivo de proteger e me
dedicar de corpo e alma ao meu primo, a Stidda.
E eu tinha vergonha e me sentia um idiota por lembrar que acreditei
nisso. Mas ele me torturou fisicamente quando me convenceu disso. Com o
corpo morto da minha mãe apodrecendo aos meus pés. Eu tinha o direito de
duvidar do que eu merecia, de duvidar do que eu era digno, de duvidar da
minha capacidade e do que aconteceria se eu me apaixonasse ou dividisse
minha atenção.
Mas eu me recusava a deixar meu tio guiar a minha vida. Assim como
Teo se recusou. Assim como Mau estava tentando fazer. No fundo, nós
estávamos aqui e meu tio não estava mais. E eu não perderia Nora por causa
disso.
— Chegamos, é aquela casa ali — Nora avisou, apontando para uma
casa geminada, de tijolos claros e um telhado cinza.
Estacionei na frente, em um lugar que teoricamente era proibido, mas
era só verificar a minha placa que ninguém me multaria. Ela não fez
nenhum movimento para sair, apenas respirou fundo. A casa parecia já
acordada, seguindo seu dia, mas eu entendi que ela não queria visitar. Só
estava me mostrando algo, querendo se abrir comigo. Mas ela não falou
nada, então eu comecei a ficar irritado, com medo…
— Precisamos falar sobre isso. — Fiz um gesto na direção dela e
automaticamente Nora ficou na defensiva, estreitando os olhos para mim.
— Eu já disse que não preciso de nada seu.
— Nora, seja razoável. Se eu precisar te prender na porra daquela casa,
eu vou! Você não vai se afastar de mim ou afastar essa criança.
— O quê? — Ela pareceu confusa, mas balançou a cabeça, resolvendo
ignorar. — Dani, morar com você é temporário, até esse perigo passar, eu…
— Se você acha que eu vou deixar meu filho e a mãe dele longe de
mim, você está bem enganada.
— Você… você quer isso? — Ela pareceu confusa e eu me senti um
merda por não dar a ela qualquer segurança sobre isso quando ela soltou a
notícia e depois o planejamento nos afogou.
— É claro, vita mia — confessei e me virei para ela, segurando o seu
rosto. Nora soltou o ar aliviada, seus olhos suavizando. — Não é o
momento ideal, mas…
— Eu sei bem, eu já me sinto culpada o suficiente por não ter mais
cuidado. Eu sou uma médica, Dani. Incompetente, mas uma médica — ela
resmungou e eu dei uma risada.
— Você vai brigar comigo até quando eu estou concordando com
você? — Ela fechou a boca, apertando os lábios irritada. — Não é o
momento certo porque você tem um maldito noivo, e também está lutando
para terminar logo a residência. Porque você está começando a sua vida,
sua independência, e eu não quero tirar nada disso de você — admiti,
mesmo o gosto amargo na minha boca ao dizer isso sobre o noivo dela. —
Sem falar que você se recusa a admitir que ficamos juntos.
Seu noivo seria um problema e…
— Não tem noivo, Dani — ela confessou, a voz baixa e quebrada e eu
devo ter parecido surpreso, porque ela apontou para a casa. — Quer dizer,
ele existe. Ele está ali. Mas… Mas ele não existe de verdade.
— Eu estou um pouco confuso, leonessa…
Nora suspirou, então soltou o cinto e veio o mais perto de mim
possível, encostando seu corpo no meu. Passei os braços pelos seus ombros,
puxando-a para mim enquanto ela enterrava o rosto no meu pescoço, se
escondendo do que quer que fosse confessar. Eu queria deixar a euforia por
saber que ela não tinha noivo de verdade me dominar, mas a maneira como
ela tremia levemente e puxava o ar, tentando se acalmar, me dizia que não
era o momento de comemorar.
— Aquela emboscada que te falei? Você sabe os boatos sobre a
emboscada que eliminou uma grande parte da equipe de transporte que o
capitão do Michele comandava, há uns anos?
Eu me lembrava… Teo e eu caçamos pessoalmente o traidor, porque
foi um ataque pesado contra os nossos homens, diretamente em um dos
nossos portos. Tivemos que remanejar todas as mercadorias que chegavam
por lá e isso custou dinheiro e tempo. Perdemos alguns acordos por causa
disso. Meu tio ficou puto da vida por precisar reorganizar um dos nossos
melhores pontos de recebimento.
Só uma pessoa sobreviveu e…
— Você sobreviveu — falei, assombrado e ela concordou com a
cabeça.
— E Ignazio.
— Ignazio… — murmurei, tentando puxar o meu conhecimento sobre
aqueles homens que estavam lá. Eu me lembrava de alguns soldados. Teo e
eu já estávamos nos infiltrando na base, criando conexões… — Ignazio
Ianelli? Ele não sobreviveu, Nora.
— Ele sobreviveu… mas também não. — Ela suspirou quando não
reagi, esperando ela elaborar. — Foi horrível, Dani… Ele me levou lá
porque brigamos feio. Mais do mesmo, ele queria me controlar, me podar.
Ele estava puto porque eu disse que queria trabalhar para as famílias dos
soldados, para os soldados. Ele disse que eu não sabia o que era ser da
máfia e eu disse que sabia lutar e atirar melhor do que ele. Então ele queria
me mostrar que eu não pertencia a Stidda. Ele me levou…
Ela parou, respirando fundo e eu a puxei mais para mim, minhas mãos
correndo lentamente pelas suas costas, tentando acalmá-la. Tentando
confortá-la sem deixar a raiva me dominar, porque era de uma
inconsequência sem tamanho. Não que Nora não fosse capaz. Mesmo antes,
no passado, eu tinha certeza de que ela era bem capaz de ir em uma missão,
por mais que meu coração entrasse em curto quando ela corria diretamente
para o perigo. Isso nunca foi uma dúvida para mim. Nora era incrível. Mas
era inconsequente levar alguém apenas para provar um ponto, em uma
missão planejada de uma maneira. Querendo ou não, Ignazio agiu com
raiva e isso era uma distração. Ele queria provar para Nora que ela não
pertencia, então faria de tudo para assustá-la, para provar o seu ponto,
inclusive tomar decisões idiotas.
— Ele odiava que eu não queria ficar em casa e ser uma esposa
perfeita. Que eu não queria parar de trabalhar. Ele não acreditava em mim,
no que eu era capaz. E mesmo que eu insistisse que conseguia, que poderia
me defender, ele me tratou como uma criança boba e inocente. Ele tentou
me proteger mesmo quando eu insisti para que ele prestasse atenção nos
arredores. E quando fomos encurralados, ele estava muito ocupado lutando
comigo e tentando me proteger sem necessidade. Ele foi espancado até
perder a consciência, então eu ataquei. Eu derrubei o Santo pela cintura e o
esfaqueei até a morte. E depois roubei a arma do Ignazio e do Santo, e
atirei, atirei em todo mundo que tentava, todo mundo que se aproximava.
Os Stiddari amigos do Ignazio já estavam mortos, e eu terminei de eliminar
os Santos.
— Dio santo, Nora — sussurrei contra os seus cabelos, dando em um
beijo no topo da sua cabeça, apertando-a contra o meu peito.
— Michele me encontrou e levaram Ignazio para o hospital, porque eu
fiquei tentando ressuscitá-lo, mantendo seu corpo vivo… mas já era tarde
demais. Ele não estava mais ali, por mais que seu coração batesse. Ele
nunca acordou.
Eu conseguia escutar a culpa na sua voz, como se tudo aquilo tivesse
sido seu feito. Por causa dela e não da inconsequência do seu noivo.
— Nora… — Me afastei um pouco, segurando os seus ombros e
forçando seu olhar em mim. Ela estava chorando, os olhos azuis agora
vermelhos e pequenos e eu nunca senti tanta raiva por ver alguém chorar.
Eu queria queimar o mundo inteiro e destruir cada pessoa que já fez ela
chorar. — Não é sua culpa.
— Então por que eu me sinto culpada?
Pelo mesmo motivo que eu me sentia culpado por matar meus pais.
Porque, por mais que tenha sido por influência de outras pessoas, nós
estávamos lá e tomamos decisões que mudaram tudo.
— Porque você sobreviveu. Porque você sabia que estava certa desde
o começo. Porque você tentou avisá-lo sobre seu potencial, sobre ficar de
olhos abertos e perceber tudo. Você se sente culpada porque você fez tudo
certo e ele não.
— Eu ia terminar com ele… Naquela noite… Mas eu não queria
distraí-lo antes de uma grande missão. Eu sabia que não daríamos certo,
mas empurrei o máximo essa situação porque… porque era o que todo
mundo esperava. Que eu me casasse com o cara que trouxe para casa, que
namorei, que tinha os valores ideais para minha mãe: uma boa família. E os
valores ideais para o meu pai: A Stidda. Então eu adiei, foquei nos meus
estudos, na minha carreira… até tudo ficar insustentável. Brigamos feio e
ele disse que ia me provar que eu estava errada, que deveria confiar nele,
que ele sabia o melhor.
— E mesmo assim não é sua culpa, vita mia — murmurei, os lábios
colados em seus cabelos, dando pequenos beijos reconfortantes.
— Por isso que odiei você à primeira vista. Você me lembrava dessa
ética impossível e dedicação à Stidda. Eu achei que você era o tipo de
pessoa que me colocaria em segundo lugar, abaixo da famiglia. E depois…
Eu deveria saber que não quando você me perguntou sobre luta e pareceu
interessado de verdade, e não desconfiado. Mas aí você me corrigiu em um
dos nossos primeiros treinos… E eu não conseguia afastar a sensação,
mesmo que você tenha feito para me ajudar e não para me diminuir. Eu
comparei vocês porque não queria… não queria me envolver e me doar de
novo para um homem da Stidda que só me rebaixaria…
— Você não precisa se explicar, Nora… — Eu certamente também tive
meus motivos idiotas e irracionais sobre ela. O medo dela tirar de mim a
única calma e segurança que eu tinha.
— Preciso, preciso porque… — Ela segurou a minha camisa e ergueu
a cabeça, seus olhos presos nos meus. — Porque eu lutei para ficar longe de
você e claramente não deu certo. E agora eu não quero ficar longe de você.
— Por causa do bebê… — comecei, com cuidado, mas ela balançou a
cabeça.
— Por você. — Sua voz não era mais que um sussurro, seus lábios
passando nos meus, assegurando-me.
E meu coração pareceu acordar de um sono desconfortável. Batendo
loucamente no peito, se enchendo de amor e confiança, sonhos. Esperança.
Pela primeira vez desde que fui obrigado a tirar a vida do meu pai eu senti
calma. Paz. Segurança. Segurei o seu rosto, incapaz de me conter, e colei os
meus lábios nos seus. Eu tinha tanta coisa para revelar a ela. Coisas que
provavelmente mudariam o que ela pensava de mim e nosso futuro, mas eu
não conseguia nesse momento. Eu não conseguia porque isso era sobre
Nora.
Era o momento dela dividir comigo seus maiores medos, suas
angústias. E eu não atrapalharia ou mancharia nada disso. Eu queria me
entregar por inteiro a ela, mas esse momento era sobre curar o coração dela,
sobre deixar ela entender que eu estava aqui também. Eu precisava me
concentrar nela e no seu coração, e não a afogar nos meus problemas. Esse
momento era sobre Nora e ela merecia livrar-se dos seus medos, das suas
mágoas.
— O que vamos fazer, Dani? — ela sussurrou, cansada e assustada,
contra os meus lábios. — Não quero que pense que odeio essa criança
porque estou com medo do que vai acontecer. Eu não odeio…
— Está tudo bem ficar assustada, Nora. Eu também estou… Porque
agora eu só consigo pensar em você, em proteger você, em proteger nosso
filho. E eu preciso pensar na minha família também. Você tinha razão
quando disse que eu era leal ao Teo. E eles precisam de nós agora.
— Eu sei, eu quero defendê-los também. Eu quero acabar com eles por
tudo o que fizeram com Cate e como estão ajudando a La Santa, e depois eu
quero fazer o mesmo com os Santos pelas mulheres que maltrataram.
Incluindo Lena e Gigi. Sua família… minha… — Ela parou, não
completando a frase, mas um pequeno sorriso surgiu nos meus lábios.
— Nossa família. Nostra famiglia, vita mia — garanti, meus lábios
voltando a passar pelos seus.
Nora deu um pequeno sorriso, uma risadinha logo em seguida e então
colocou os braços ao redor do meu pescoço. Puxei ela para o meu corpo,
também sorrindo, apesar do nervosismo. Pelo nosso futuro, é claro, mas
pelos próximos dias e as missões que faríamos.
— Pensei que você fosse me impedir — ela sussurrou, erguendo os
olhos para mim. — Participar de tudo.
— Quero te proteger? Sempre, Nora. Mas nunca vou duvidar da sua
capacidade. Eu vou me jogar na frente de uma bala por você, mas não
porque você não é capaz de se defender.
— Assim como eu faria por você — ela garantiu e eu dei um pequeno
sorriso.
— Espero que não. Não mereço sua vida pela minha, e definitivamente
não mereço a vida do nosso filho em risco para me proteger. E sobre o que
vamos fazer… — continuei, quando ela abriu a boca para me contrariar,
como sempre fez. — Vamos cuidar dessa criança. Juntos. Se você quiser.
Eu não a culparia se ela decidisse outra coisa. Por mais que soubesse
da sua crença em Deus, Nora era médica, ela sabia de todas as suas opções.
E eu nunca a culparia por ser livre para ter suas escolhas.
— Eu quero esse filho. Você mesmo disse, não é o momento ideal. Eu
quero terminar minha residência, continuar com a minha carreira. Mas eu
não vou abrir mão desse filho. Ou… ou de você — ela confessou, baixinho.
— Então vamos ter esse filho.
— E destruir nossos inimigos.
— Não há nada mais que eu queira no mundo, vita mia — prometi.
— Então… — Ela deu uma risadinha, se afastando de mim de
verdade. Seus olhos azuis brilharam em provocação, toda a preocupação se
dissolvendo do seu rosto incrível. — Estou namorando o Consigliere da
Stidda? Tipo, agora somos namorados exclusivos?
— Como assim exclusivos só agora? — Cerrei os olhos, irritado. —
Eu quebrei o punho de um cara que tocou em você superficialmente, Nora.
Não tenho problema nenhum em dizer que vou matar o cara que você fodeu
enquanto estava comigo. — Segurei a sua nuca, puxando seu corpo de volta
para o meu. Seus olhos estavam arregalados, as pupilas grandes. Ela estava
excitada, mia leonessa testarda gostava da minha possessividade. — Do
momento em que eu te vi naquele consultório você se tornou minha, Nora.
Aquele beijo e trepada no armário só selou isso.
— Então você não tocou ninguém desde que nos conhecemos? — ela
provocou, um pequeno sorriso satisfeito se abrindo em seus lábios.
— Como, se eu passo cada segundo do dia obcecado por você? Até
dormindo você está na minha mente, nos meus sonhos — prometi, e o
sorriso dela foi se alargando, enorme.
— É muito errado isso me excitar, então não conte para ninguém —
ela pediu, sua boca se encostando na minha, dessa vez em um beijo
exigente e sem pudor.
— Não diga que está excitada ou eu vou te levar para o lugar mais
próximo e te foder até você gritar que é minha — avisei, porque realmente
não me conteria.
Nora me deu um sorriso sensual e se afastou, voltando a se sentar
corretamente no carro e afivelou o cinto. Me lançando um olhar de lado, ela
colocou as mãos no colo e esperou. Obediente.
Fechei os olhos por um momento, respirando fundo, e liguei o carro
novamente. A maneira como eu dirigia denunciava bem o estado do meu
pau, completamente duro e sedento por ela. Nora estampava um sorrisinho
satisfeito no rosto enquanto eu desviava de carros, atravessando as ruas o
mais rápido que pude até chegar um pequeno imóvel que eu tinha ali.
Eu era dono da porra do prédio inteiro e sabia que um dos andares do
flat para aluguel estava vazio. Nora me olhou surpresa quando entrei no
estacionamento subterrâneo e desci do carro, praticamente correndo para
abrir a sua porta. Ela queria me perguntar alguma coisa, mas assim que
soltou o cinto e aceitou a minha mão, eu puxei seu corpo para o meu, meu
braço enlaçando sua cintura. Nora arregalou os olhos quando minha mão foi
para a sua bunda e apertei com firmeza, direcionando-a para o elevador.
— Que lugar é esse?
— Um flat que eu tenho — respondi, apertando o botão do andar.
Enfiei a mão no bolso e arranquei meu celular, digitando uma mensagem
para o gerente de propriedades que contratei. Ele tinha uma equipe enorme
e era da Stidda, é claro, e gerenciava várias propriedades minhas e de Teo e
Mau.
Gostávamos de investir, de comprar imóveis, hotéis, baladas, cassinos,
casas noturnas variadas… E a maioria dos imóveis reformamos e alugamos.
Era uma cortina de fumaça para ninguém desconfiar da quantidade de
dinheiro que tínhamos, mesmo que os maiorais dos negócios soubessem. Os
homens que colocávamos nos conselhos, que colocávamos como
administradores eram membros da Stidda. Nem todo mundo tinha aptidão
para ser soldado, e Teo era ótimo em perceber quem tinha talento para os
negócios. Ele me respondeu rapidamente me dando o código de acesso e
disse que avisaria a recepção de que o apartamento estava ocupado. Sem
perguntas, sem questionamentos. Era por isso que ele durava tanto em
nossas vidas, desde que começamos a triplicar o dinheiro da Stidda.
Nora pareceu um pouco chocada quando saí do elevador e puxei ela,
ainda com seu corpo colado no meu. Ela olhou para o corredor refinado,
mas pequeno, e franziu a testa quando digitei o código de acesso na
fechadura eletrônica.
— Por que você tem um apartamento aqui?
— Não um apartamento, Nora. Eu sou dono do prédio.
Ela abriu a boca em choque e depois balançou a cabeça, revirando os
olhos. Nora abriu a porta e entrou, desfilando aquela bunda deliciosa na
minha frente, rebolando de propósito.
— É claro que você é o dono. Exibido. — Ela olhou ao redor por um
momento, observando a janela grande de vidro, a pequena vista. Não era
nada muito extravagante, um pequeno flat para alugar durante a temporada
ou como moradia para algumas pessoas, mas eu não me importava com isso
no momento.
Bati a porta às minhas costas e Nora sorriu para mim, inclinando a
cabeça para o lado com os olhos brilhando em expectativa. Abri a boca para
dar uma ordem, mas ela me superou. Nora começou a arrancar lentamente a
roupa, primeiro a camiseta e o top que usava por baixo. Depois ela chutou
os tênis e arrancou a calça e a calcinha rapidamente, em movimentos curtos
e apressados. Suas mãos foram para os seus cabelos e ela bagunçou os fios,
como se soubesse como aquele cabelo preto e comprido me deixava
enlouquecido.
Ela baixou os braços e ficou ali, parada no meio da sala,
completamente inabalada pelo meu olhar voraz e faminto. Meus olhos
correram pelo seu corpo, apreciando cada curva, cada músculo, cada pedaço
de pele macia. Ela se remexeu um pouco, as pernas se apertando levemente,
como se precisasse aliviar o tesão que estava sentindo.
— Dani — ela choramingou depois de um momento, com um olhar
desesperado, sua respiração fazendo seu peito subir e descer. Eu não me
mexi, meus olhos ainda devorando-a. — Por favor.
— O quê? — perguntei, casualmente, colocando as mãos no bolso e
me encostando na porta, cruzando uma perna na outra. Como se isso fosse
um momento tranquilo.
Os olhos de Nora brilharam em revolta e desejo, sua respiração
pesando ainda mais. Ela pensou em dar um passo para frente, mas parou,
provavelmente sabendo que isso custaria algo para ela que ela queria muito:
meu toque.
— O que você quer, vita mia?
— Você — ela resmungou, um pouco contrariada por admitir e eu sorri
sem me conter.
— Eu fazendo o quê?
— Eu ainda tenho que implorar? — reclamou e meu sorriso aumentou
quando concordei com a cabeça. — Eu te odeio.
— Você não está me olhando como se me odiasse — brinquei, sabendo
que ela não estava falando sério. Que talvez nunca falou.
Levei as mãos para a minha camisa e comecei abrir cada botão com
uma lentidão desnecessária, mas que fez Nora se remexer ainda mais, em
expectativa.
— Você pode se tocar — permiti e ela enfiou a mão entre as pernas,
soltando um gemido aliviado quando atingiu sua boceta e começou a
remexer os dedos ali. — Você está molhada para mim, Nora? Pronta?
— Sim — ela gemeu, seus dedos abrindo sua carne, um se enfiando
profundamente em sua boceta. Eu conseguia ver o quanto ela estava
excitada, mas mesmo assim balancei a cabeça, fazendo um som de
desaprovação.
— Não acho que esteja. Vamos mudar isso.
— O que… — A pergunta dela morreu quando avancei, com passos
largos e a segurei pela cintura. Dei mais alguns passos até as costas dela
bater na parede, prendendo-a ali.
Com facilidade ergui Nora, sustentando o seu peso e colocando ela
sobre meus ombros. Ela soltou um grito surpresa que virou um gemido
profundo quando enroscou as pernas ao redor da minha cabeça, seus dedos
afundando em meus cabelos, buscando se sustentar.
— Porra, eu adoro como você é forte — ela murmurou, esfregando o
quadril na minha cara.
Minhas mãos seguravam a sua bunda, sustentando facilmente o seu
peso, adorando a sensação das coxas dela apertando a minha cabeça. Minha
língua trabalhava sem parar, mergulhada com firmeza entre suas dobras,
lambendo o gosto delicioso e doce da sua boceta molhada. Eu sugava,
lambia, mordiscava, enfiava a língua na sua entrada e girava, voltava toda a
minha atenção para o seu clítoris sensível e começava tudo de novo. Até
Nora parar de gemer e começar a gritar, até suas costas pressionarem contra
a parede, com seu quadril empurrando o meu rosto e suas mãos em meus
cabelos me mantendo no lugar. Ela montava o meu rosto sem pudor, se
esfregando, buscando alívio. Seus gritos incoerentes viraram um gemido
longo e profundo quando ela explodiu em um orgasmo alucinante que fez
sua bunda se contrair contra os meus dedos, suas coxas apertarem tanto a
minha cabeça que minhas orelhas estariam vermelhas.
Desci ela com cuidado, suas costas escorregando pela parede, sua
boceta molhada passando pelo meu peitoral até se encaixar contra a minha
braguilha. Nora enlaçou minha cintura com as pernas e segurou em meus
ombros enquanto eu andava com ela até o quarto, sem perder mais tempo.
Joguei ela na cama e ela deu uma risada com o movimento impaciente e
brusco, seus olhos cheios de desejo pelo meu corpo quando arranquei
minha roupa. Ajoelhei sobre a cama e engatinhei até ela, me posicionando
entre suas pernas.
Ela abriu voluntariamente, sorrindo satisfeita quando encaixei meu
cacete na sua entrada e arremeti de uma vez. Suas costas arquearam, seus
olhos se fechando. Não resisti e abaixei a cabeça, capturando um mamilo na
boca, entre meus dentes e mordi com força. Nora gritou de dor, mas seu
quadril começou a se movimentar sozinho, com ela indo ao encontro das
minhas estocadas, pedindo mais.
Mordi mais uma vez, soltando o mamilo e mordendo a pele ao redor
dele, mordendo a dobra do seu seio, as marcas dos meus dentes ali,
deixando sua pele vermelha. Nora gemia sem parar, suas pernas na minha
cintura, seus joelhos dobrados ao máximo, implorando para que eu fosse
mais fundo. Segurei com força suas coxas, meus dedos se afundando na
pele com possessividade, puxando, apertando.
— Mais, Dani, por favor — ela gemeu, os olhos ensandecidos, seus
gemidos descontrolados enquanto eu marcava todo o seu corpo com meus
dentes e meus dedos.
Subi a mão pelo seu pescoço e apertei, puxando seu rosto até minha
boca acertar a sua. Eu arremetia o mais forte e rápido possível, a cama
batendo com força contra a parede, se arrastando pelo chão. Os olhos de
Nora se encheram de lágrimas, o ar se perdendo entre meus dedos enquanto
eu apertava com firmeza. Minha língua tomou a sua, dominante e feroz,
engolindo cada gemido que ela soltava. Nora enfiou com força as unhas nas
minhas costas, descendo-as até minha bunda, usando sua força para me
puxar mais contra si.
— Goze comigo, leonessa — ordenei, segurando seu pescoço com
tanta força que eu sentia o ar parando ali. Isso fez os olhos de Nora
brilharem em prazer e ela se desfez no meu pau, gozando com força, um
squirt poderoso que escorreu pelo meu pau e minhas bolas, molhando a
cama embaixo dela. Seu orgasmo foi tão poderoso que me fez gozar
rapidamente, minha porra saindo com jatos incansáveis, minha bunda se
contraindo em seus dedos.
Soltei seu pescoço e ela puxou o ar, desesperada, mas começou a
gemer meu nome cada vez mais alto em um mantra enlouquecido, enquanto
eu ainda arremetia nela sem parar, com força, até sentir nosso orgasmo
diminuir, acabar.
O peito de Nora subia e descia, mostrando o quanto ela estava cansada,
assim como eu. Mas ela me puxou para um novo beijo, as mãos indo para
os meus cabelos suados e bagunçados, os dedos puxando os fios e
direcionando minha boca para a sua. Buscando mais, querendo mais. Me
querendo.
— Você é minha, Nora — murmurei contra seus lábios, beijando-a
loucamente, minha língua travando uma batalha de dominância com a sua,
como sempre fazia.
— E você é meu — ela respondeu, determinada e satisfeita.
27 - Nora

Meu coração estava bem mais leve depois da minha conversa com
Dani, e era ótimo sentir ele mais confortável comigo, sua mão na minha
enquanto andávamos até o escritório de Teo. O sexo fenomenal no flat foi
outra coisa incrível. Sempre foi perfeito e arrebatador, mas dessa vez
parecia algo novo. Uma conexão ainda maior. Talvez porque admitimos
algumas coisas, porque abri meu coração para ele e porque agora realmente
nomeamos nosso relacionamento. Tentei segurar o meu sorriso enquanto
invadíamos o escritório. Uma olhada dentro e eu percebi que Cate e Lena
não estavam à vista.
— No ateliê — Mau explicou, erguendo rapidamente os olhos.
Dani fez um sinal para mim e eu sorri, apertando a sua mão com força.
Eu estava com medo ainda, de tudo o que poderia dar errado em nossos
planos, de como o futuro poderia ser. De ter esse filho. De como minha vida
seria…
Me libertar do peso de sofrer por Ignazio e pelo que poderia ser minha
culpa começou a mudar a forma que eu pensava no futuro. Que eu pensava
no que queria… Parecia que uma barreira invisível foi levantada, tirando do
meu coração o medo de querer Daniele Ricci, o receio de me entregar para
ele, de querer me entregar, medo de desejar viver ao seu lado. E agora esse
desejo invadia tudo.
Eu o protegeria, a família que ele era tão leal. A família que ele sempre
colocava em primeiro lugar. Uma família que, mesmo tendo a minha, eu
desejava agora fazer parte. E eu a protegeria porque agora eu estava
carregando mais uma parte dessa família.
Dani perguntou se poderia contar para os primos, porque ele estava
tentando não esconder mais as coisas deles. Eu não entendi o que ele quis
dizer, mas ele explicou que me contaria tudo depois, que tinha a ver com o
seu tio e as coisas que ele fez Dani fazer… Então eu esperaria. Porque eu
sabia o quanto machucava memórias e amarras do passado. Ele poderia
levar o tempo que precisasse para me contar.
Fedez avisou que em uma semana ou mais seria o meu primeiro
plantão na clínica, então eu queria treinar um pouco. Eu não gostava de
fazer isso, mas pedi para o Teo mexer seus pauzinhos de Capo e me
conseguir uma pequena licença sem prejudicar meu programa.
É claro que ele não precisou nem explicar para o Dr. Parruci, então eu
sabia que ele apenas citou assuntos da Stidda. A verdade é que ele me
respeitava como médica, respeitava minha residência, mas porque eu
pertencia a Stidda, Teo poderia ter ordenado que eu me afastasse a qualquer
momento para resolver qualquer assunto da Stidda, só que ele só fez porque
eu pedi esse tempo.
Eu queria me preparar. Meu ombro estava bom, mas minha constância
nos treinos não estava tão boa… Depois que descobrimos o nosso vício um
no outro, Dani e eu preferimos outro tipo de treino. Então eu pedi para ele
para lutarmos durante essa semana, acordando meus músculos, preparando
o meu cérebro.
Começaríamos hoje, mas antes contaríamos para sua família.
Pediríamos segredo, porque eu queria contar pessoalmente para a minha
família, e não queria voltar lá até eliminarmos de vez a ameaça que eram os
Catanios traidores.
— Precisamos falar com vocês — Dani anunciou, e os seus primos
ergueram a cabeça. Os olhos do Executor focaram em nossas mãos unidas.
— Ah, não — Mau resmungou, gemendo. — Eu perdi a aposta, cazzo.
— Você também estava nessa aposta? — Tentei não soar puta da vida,
mas foi difícil.
— Maurizio…
— Cate apostou que vocês ficariam juntos e eu apostei que vocês
foderiam enquanto brigavam e nunca mais conversariam — Mau
interrompeu o primo e eu dei um pequeno sorriso.
— Você quase ganhou.
— Cazzo.
— Era isso que vocês queriam falar? O óbvio? — Teo provocou e
Dani soltou uma profusão de xingamentos em italiano que faria minha mãe
corar.
— Não. Eu… Nós… — Dani murmurou, tentando encontrar palavras
e eu apertei sua mão. Ele parecia bem preocupado com a reação da sua
família. Ele tinha medo do que eles falariam e que o rejeitariam, porque ele
confiava neles. Ele queria os primos felizes. — Nora está grávida.
Teve um momento de silêncio em que os dois Ricci à nossa frente
ficaram parados, quase nem respirando direito. Mau arregalou levemente os
olhos, perdendo o ar provocativo e divertido. E Teo parecia bem incrédulo,
olhando de Dani para mim. E por um segundo eu pensei que eles brigariam
com a gente, ou rejeitariam essa criança, mas aí os dois soltaram gritos de
comemoração, se levantando da cadeira rapidamente. Mau me envolveu
pela cintura e me ergueu, me girando em seus braços e me fazendo dar
risada. Quando ele me colocou no chão, Teo ainda abraçava Dani,
sussurrando algumas coisas em seu ouvido que fizeram os olhos do
Consigliere marejarem.
— Bem-vinda à família, Nora — Teo murmurou, soltando Dani e
vindo me abraçar também, e eu senti minha garganta fechar com emoção.
— Não vamos nos casar…
— Ainda — Dani corrigiu, recebendo meu olhar reprovador, mas Teo
balançou a cabeça.
— Não é isso que vai te unir a essa família.
— Obrigada. — A sinceridade na minha voz era tão verdadeira quanto
nos olhos dele. O Capo olhava para mim com carinho, suas feições
geralmente afiadas e duras estavam suaves. Ele estava falando sério quando
me disse isso e me recebeu em sua família.
— Vocês ficaram sabendo primeiro, mas é segredo. Não contamos para
a família da Nora ainda, vamos esperar o ataque passar. Então mantenha
essa sua língua grande dentro da sua boca, mommo.
— Não se preocupe, eu tenho outro lugar para ela agora — Mau
brincou, piscando para o primo mais velho e Teo fez um barulho irritado.
— Puzzone. Cate está lá em cima com Lena, Nora.
Com um sorriso, lancei um último olhar para Dani, que estava
parecendo feliz e relaxado, e dei as costas indo procurar minha amiga. Subi
rapidamente até o andar de Mau e Lena, hesitando por um momento antes
de bater.
— Posso entrar? — Esperei e quando Lena confirmou eu afastei a
porta.
Cate estava sentada no chão, em cima do tapete felpudo que Lena
escolheu. Suas costas estavam encostadas nos pés da poltrona de veludo
vinho, e Lena estava deitada no chão, com a cabeça no colo da concunhada.
Ela segurava um bloquinho de notas, provavelmente anotando alguma ideia.
As mãos de Cate estavam nas mechas loiras de Lena, no meio de um
carinho reconfortante.
— Oi, Nora! Estamos dando uma pausa porque Cate está com dor de
cabeça. — Lena sorriu para mim, quando eu me aproximei e me sentei ao
lado de Cate. — Estou fazendo uma lista de roupinhas. Vou aprender a fazer
tudo para os meus sobrinhos.
— Serão as crianças mais bem vestidas de Nova York — Cate brincou,
seu sorriso bondoso se esticando em felicidade. — Ainda não sabemos o
sexo, mas isso não importa para Lena.
— Vou fazer uma lista completa, assim já guardamos para os futuros
Ricci — ela provocou e eu não consegui conter o meu sorriso.
— Você pode fazer algo para mim e Dani? — perguntei, descontraída.
Lena se ergueu rapidamente, sua boca aberta em choque. Achei que ela
fosse dar um escândalo, mas foi Cate que soltou um grito e se jogou em
cima de mim, em um abraço apertado.
— Eu sabia! — Lena comemorou, se levantando e dando pulinhos
animados. — Quer dizer, ele quebrou o braço de um cara que estava
conversando com você e depois vocês sumiram…
— Ah, Dio — resmunguei, soltando Cate e tentando não morrer de
vergonha porque toda a família dele sabia sobre nós. — Só tentem manter
segredo. Eu quero contar para os meus pais, mas quero que tudo isso passe
primeiro.
— Vocês estão juntos? — Lena se ajoelhou na minha frente, animada.
— Vocês vão casar? Você vai morar aqui? Eu nem acredito que vamos ter
bebês fofos para apertar o tempo todo! Três! Ou talvez quatro?
— Três. Definitivamente três — garanti e olhei para baixo, como se
falasse com a minha barriga. — Três!
Cate deu uma risadinha feliz e suspirou, um sorriso lindo em seus
lábios.
— Você está feliz, Nora? — ela perguntou, e eu confirmei com a
cabeça, porque eu estava. Eu posso ter lutado contra a minha atração por
Dani no começo, mas agora eu estava satisfeita com o resultado das coisas.
É verdade que eu poderia ter me cuidado e não ter cedido ao tesão sem
garantir nossa proteção, mas agora eu estava feliz. — Ótimo… será que
agora você pode nos contar sobre seu noivo? Ou vou presumir que Dani vai
surtar e sair em uma chacina até eliminar todas as pessoas que olharam para
você?
— Sinto muito por esconder tudo de você, Cate. E de você também,
Lena, mas é que…
— Tem certas coisas que não conseguimos dividir. Às vezes, nunca. —
Lena suspirou, introspectiva. — Eu realmente gostaria que a máfia fizesse
uso da terapia.
Dei uma risada sincera, com Cate.
— Você consegue imaginar Teo sentado por uma hora em uma
poltrona conversando com alguém sobre suas preocupações? — Cate
zombou do marido e demos mais risada, com Lena se juntando a nós.
— É, duvido que qualquer um deles tenha paciência. Por isso pedi para
Mau se abrir com o irmão, pelo menos.
— Está tudo bem, Nora… Você não precisa me contar e…
— Ele está em um coma irreversível. Depois de uma emboscada que
deu errado. — Não dividi que era minha culpa, porque eu sabia que Dani
ficaria chateado se me escutasse falando assim. E eu também não queria
mais me prender a isso. — E eu não queria contar porque precisava
trabalhar algumas coisas. É difícil abrir mão de algumas coisas…
Eu sempre carregaria dentro de mim as questões e divagações sobre o
que poderia ter acontecido de diferente, sobre o que eu poderia ter feito de
diferente. Sobre como tudo poderia ter sido diferente. Mas aconteceu
daquele jeito. Aconteceu e não tem como voltar. Contudo, eu tenho como
continuar a viver, e seguir em frente. Eu tinha minha carreira para pensar.
Eu tinha um filho crescendo em mim. E eu tinha a chance de estar com
alguém que eu queria ao meu lado, que, por mais possessivo e ciumento que
fosse, não duvidava de mim. Do que eu era capaz de fazer. E era muito bom
ter mais alguém no time Nora. Alguém que não me arrasaria e sim exaltaria.

— Não te vejo há dois dias — resmunguei, incapaz de me conter,


enquanto entrava no andar de lutas da academia da Stidda.
Dani fez um sinal para mim, apontando para o meio de um dos tatames
de luta e trancou a porta às minhas costas. Eu ainda estava na lista de
“mortes iminentes” dos Sana e seus aliados, e Dani estava um pouquinho
mais paranoico agora que sabíamos sobre o bebê.
Ele também estava um fofo, e me xingou quando apontei isso. E
depois pediu desculpas, me lambendo até eu gritar no chuveiro. Eu estava
dormindo na sua cama oficialmente, com ele se recusando a me soltar no
começo, e depois quando ele chegava e eu já estava dormindo, me puxando
para o seu corpo quente e enorme.
Dani era mais discreto e maleável do que Teo. O Capo faltava trancar
Cate em uma torre e conjurar a porra de um dragão de verdade só para
protegê-la. A única coisa que os dois eram exatamente iguais, era com a
preocupação sobre nossa alimentação e descanso. E como eu também ficava
enchendo Cate por causa disso, o Capo da Stidda basicamente virou meu
melhor amigo.
Eu me postava ao lado dela, observando tudo que Mau colocava em
seu prato quando ele estava presente, ou fazendo isso eu mesma, me
certificando de que ela estava comendo todos os nutrientes necessários. Eu
não gostaria de vê-la daquele jeito de novo. Eu não gostaria de ver nenhuma
mulher daquele jeito. E aproveitava para cuidar de mim também.
Cate estava extasiada por dividir a gravidez comigo, os sintomas – ela
enjoava mais do que eu, infelizmente para ela, mas eu me cansava mais,
infelizmente para mim – e as mudanças de humor. Essas, principalmente,
estavam nos deixando louca e Teo e Dani temendo pela vida.
Estávamos analisando as possibilidades de todos os ângulos dos
ataques, os Ricci e a equipe de Mau, com Gaspare, verificando todas as
rotas, ficando de olho na igreja, na clínica. Eles até colocaram soldados de
confiança para seguir os funcionários de todos os departamentos, tentando
descobrir alguma atividade suspeita. Era um trabalho lento, mas
precisávamos atacar logo antes que os Sana percebessem que falei algo.
Como não voltei na clínica do Brooklyn, e nem na da Catania, esperávamos
que eles tivessem acreditado. Fedez e Gaspare também mobilizaram alguns
homens para continuar em uma caçada inútil e falsa aos irmãos, tentando ao
máximo desviar a atenção do nosso planejamento.
Dani e Gaspare traçaram várias e várias vezes o caminho até Hewlett,
além de verificar o perímetro das mansões ali, para ter noção de tudo o que
poderia acontecer, todas as variáveis e ainda checar a equipe de segurança
que ficava estacionada na casa da mãe do Capo. E com isso, ele não voltava
para casa há dois dias. E eu estava com saudades.
Achei que ele fosse me ignorar e seguir para o modo treino, já que ele
estava tão empenhado quanto eu para deixar o meu corpo afiado e sem
dores caso eu precisasse lutar, mas Dani me puxou pelo rabo de cavalo,
fazendo minhas costas colar na sua frente, com força.
Seu braço musculoso passou pela minha cintura, me colando contra
ele, minha bunda encaixada no seu pau, que, sem surpresa alguma, estava
semi-duro. Dani sempre parecia assim quando me via… ficando duro em
poucos segundos quando percebia que o meu tesão por ele continuava forte.
— Eu senti sua falta também, leonessa.
— Eu não disse isso — retruquei, mas meu corpo traidor se remexeu
contra ele e Dani deu uma risada, seus lábios beijando levemente meu
ombro descoberto.
— Não precisa dizer o que seu corpo está gritando.
— Ah, pronto! Quem disse? — Tentei me livrar do seu aperto, mas ele
me manteve no lugar, sua mão espalmada contra minha barriga nua, os
dedos roçando o cós da minha calça, na parte da frente. Minha bunda
encaixada contra o seu pau, ficando cada vez mais duro.
— Se eu escorregar minha mão…
— Vai me encontrar perfeitamente comportada e seca. — Uma mentira
do caralho e ele sabia. Seus dedos empurram a barra do cós, se enfiando por
entre minhas pernas e mergulhando ali, correndo-os pela minha boceta
completamente encharcada.
— Do jeito que eu gosto — ele murmurou, mordiscando o meu ombro
e eu gemi.
E então reagi, me livrando do seu aperto e acertando ele na lateral do
corpo. Dani deu uma risada, os braços entrando em posição de luta, pronto
para me ajudar no treino.
— Pegue os aparadores — ele pediu, e eu andei de costas, sem me
virar, estreitando os olhos para ele. — O que está fazendo?
— Evitando um tapa na bunda.
— Você adora quando eu espanco a sua bunda — Dani provocou, com
um sorriso lascivo tomando suas feições.
Tive que segurar o meu próprio sorriso, porque eu realmente adorava.
Achei que ele fosse transar comigo de forma meia-boca depois do meu
anúncio, mas ele continuou me fodendo com força o suficiente para me
deixar toda roxa e dolorida. E eu amava. Eu amava acordar em seus braços
pela manhã e gemer de dor, aquela dor gostosa, quase como a dor de pegar
pesado nos treinos.
— Agora é minha vez de bater em você.
Minha provocação não teve efeito nenhum nele, a não ser mais uma
risada alegre. Joguei os aparadores para ele e Dani os vestiu em suas mãos,
erguendo-as novamente em uma posição de defesa.
Primeiro, ele gostava de me aquecer assim, sequências bem treinadas,
certinhas, para avaliar meus golpes e a melhor posição. Depois, lutávamos
de verdade. Foi bom lutar com Mau e Teo ontem, enquanto eles assumiram
o meu treino e das meninas, mas não era a mesma coisa que o olhar
brilhando em orgulho e aprovação de Dani.
— Relaxe a postura — ele corrigiu e eu estreitei os olhos.
— Sei o que estou fazendo. — Atualmente, minha atitude de contrariá-
lo só acontecia por um motivo: provocá-lo o suficiente para ele ficar
exasperado e me punir com orgasmos alucinantes.
Ele sabia. Eu sabia. E eu tinha certeza de que a família dele sabia.
O pequeno sorriso que surgiu no canto do seu lábio, tão predador e
sexy, me indicava que ele tinha certeza de que sabia meus motivos para
implicar e retrucar todas as suas ordens. Mas era um hábito que eu amava.
Eu não conseguia deixar de bater de frente com esse homem, de ver o seu
controle perfeito se esvair. Dani parecia mais relaxado e feliz comigo e sua
família, mas fora disso, ele ainda mantinha a imagem do Consigliere frio e
distante. E eu adorava ser aquela que penetrava suas defesas e desarmava
sua paciência infinita.
Ajeitei minha postura mesmo assim, porque não queria me machucar
tão perto de um momento importante. Dani ergueu as sobrancelhas,
divertido, e eu mostrei o dedo do meio antes de fechar as mãos novamente,
começando uma sequência de socos sem suas ordens, esperando que fosse o
suficiente para pegá-lo desprevenido. Não foi, e ele rapidamente se
defendeu. O objetivo era me aquecer e não lutar de verdade. Os aparadores
serviam apenas de alvos e proteção para as mãos dele, e as minhas, que
estavam enroladas em faixas, sem luvas.
— A sequência certa, Nora — ele ordenou, com reprovação na voz, e
eu decidi levar o treino a sério.
Eu adorava poder treinar com ele sem a tensão do tesão enrustido no
ar. Poder tocar nele, poder escutá-lo sem querer brigar, ou ficar
questionando o que ele estava pensando e porque era tão sério comigo. Dani
e eu lutamos contra o tesão, contra a atração, tentando agir de maneira
superficial e educada quando nos encontrávamos.
Quando ele demonstrava algum golpe para Cate, e eu era a cobaia, nos
tocávamos pouco, com ele rapidamente me soltando e eu fazendo o mesmo.
Com medo do contato de nossas peles ser uma faísca explosiva e
incontrolável. Isso só nos levou ao limite, assim como as pequenas brigas
por sermos teimosos. Foi assim que explodimos: evitando a atração.
Saber que no fim do dia eu estaria na cama dele, que eu podia tocá-lo
sem restrições, que ele não pensava mal de mim, ou que duvidava de mim e
do meu potencial, transformou nossos treinos. Fluíamos de uma maneira
que só quem conhece profundamente o corpo do outro consegue. Ele sabia
minhas falhas, meus pontos fracos, e eu sabia os dele, sabia exatamente
qual parte do seu corpo era mais fácil de se atingir, suas aberturas, suas
sensibilidades.
Seguimos com uma sequência de socos até ele ficar satisfeito, depois
ele queria que eu o desarmasse, o derrubando no chão. Não era uma tarefa
fácil, mas não por falta de habilidade, e sim por peso. Um bom lutador sabe
reconhecer o seu tamanho e como usar isso em sua vantagem. Dani era
enorme, bem mais alto do que eu, e bem mais musculoso do que a maioria
dos homens. Eu dificilmente encontraria outro homem desse tamanho, mas
era bom aprender a desarmar alguém com esse peso e altura.
Não consegui em nenhuma das minhas três tentativas diretas e isso me
deixou frustrada. E com a frustração veio a inconsequência. Eu comecei a
fazer movimentos incompletos, baseados na raiva, colocando mais força do
que precisão. Não demorou muito para Dani conseguir me imobilizar,
prendendo meu corpo contra o seu. E mesmo com as pernas vulneráveis,
não tinha força para subjugar o seu peso e derrubá-lo dessa posição.
— Tá, já entendi! — gritei, frustrada, e tentei me soltar novamente.
— Você está deixando a irritação tomar conta, leonessa, acalme-se —
ele pediu, os braços firmes impedindo meus movimentos, suas pernas fora
do meu alcance, abertas e plantadas no chão como se fossem parte do
concreto abaixo do tatame.
Fiz o que ele pediu, respirando fundo e engolindo a minha raiva e
frustração por falhar. Era algo que eu precisava de verdade trabalhar. Eu
odiava perder, eu odiava falhar, eu odiava não ter forças o suficiente. Eu
odiava abrir mão e dar o braço a torcer. Odiava tudo isso, mas precisava
superar, porque Dani queria me ensinar, queria me centrar. E não era só
mais a minha vida em jogo. Respirei mais uma vez e acalmei meus
músculos, relaxando em seus braços. Dani não diminuiu a força da sua
pegada, me mantendo junto ao seu corpo.
— Isso, você conhece meu corpo, você sabe meus pontos fracos. Pode
não saber o do seu inimigo assim, mas vai ser bom saber que é capaz de
derrubar alguém do meu tamanho se for preciso. Então, vita mia, como
você pode me atingir assim?
Tentei deixar minha frustração no fundo do meu cérebro, minha
atenção se desviando para o corpo de Dani preso em mim. Eu conhecia
mesmo o seu corpo, e não apenas no sentido sexual. Eu sabia que ele
protegia mais o lado esquerdo do peitoral, por causa da costela quebrada
meses atrás, com medo de acontecer de novo. Eu sabia que ele favorecia a
mão direita na hora de socar, e eu sabia que…
Agi, erguendo o meu pé e atingindo o seu joelho direito, com força.
Ele gemeu de dor e involuntariamente seu aperto em mim diminuiu por
apenas um momento. Mas era tudo o que eu precisava para girar em seus
braços e virar novamente para a sua frente, segurando com força o seu
braço. Aproveitei e enganchei o meu pé no seu tornozelo direito, e puxei
com força, empurrando todo o meu peso para cima dele. Dani tentou me
segurar, mas eu mantinha o seu braço firme em minha pegada, e só soltei
quando ele já estava caindo ao chão. Seu corpo atingiu o tatame com força e
eu pulei para fora do seu alcance quando ele tentou me derrubar também.
Meu sorriso triunfante só perdia para o dele, enquanto ele se levantava.
— Devia ter escutado você quando você me disse para cuidar da lesão
no joelho.
— Desculpe, doeu muito? — Um pouco de arrependimento me
atingiu, e eu entrei no modo médica, mas rapidamente ele me assegurou de
que estava bem.
— Você se lembrou da primeira vez que nos conhecemos — ele falou,
um sorriso orgulhoso em seus lábios.
— É claro, eu sabia que você é teimoso o suficiente para não ter
cuidado desse joelho até agora. Falando nisso, você realmente deveria
fortalecê-lo. Essa lesão já tem mais de um ano e…
Parei de falar porque Dani ergueu a camisa para limpar o rosto suado.
E mesmo que seu corpo perfeito e definido ainda me fizesse queimar de
desejo e tesão, não foi isso que chamou minha atenção.
— Essa tatuagem é nova — acusei, observando a pantera na sua
cintura, na lateral do seu quadril definido. Deve ter doído para caralho. Era
um desenho enorme, que começava logo abaixo das suas costelas e ia até o
cós do short que ele usava.
— Ela é. — Os olhos de Dani estavam focados em mim, cautelosos.
Receosos?
— É uma pan… — Parei, entendendo finalmente o desenho. — É uma
leoa.
Ele concordou com a cabeça, lentamente. O lindo e detalhado desenho
era uma leoa rugindo, os olhos eram azuis… como os meus. Ela era
magnífica, feroz e intimidadora. Uma predadora nata, no controle. Cada
detalhe, cada pedaço dela foi desenhado para mostrar a sua força, para
mostrar sua imponência e sua beleza.
— Você me chama de leonessa… — Suspirei, erguendo os olhos para
o seu rosto.
Ele estava com aquele brilho cauteloso ainda, um medo da minha
reação, do que eu fosse pensar. Ele não me mostrou antes, mas com certeza
isso não dava para esconder. E ele sabia que cedo ou tarde eu veria, mas não
parecia ter se preparado para isso agora.
— Eu chamo. — Até sua voz estava receosa, calma. Esperando minha
reação.
Seu tom confirmou minhas suspeitas. Essa tatuagem era para mim. Me
representando. Me marcando em sua pele. Dani desenhou no seu corpo o
apelido que ele me deu, que significava tudo que ele admirava em mim.
Como ele achava que eu era uma lutadora, e não uma teimosa
inconsequente. Como ele achava que eu era corajosa, e não uma covarde
cheia de arrependimentos e culpas.
Ele marcou na sua pele o que eu representava para ele. A sua visão
minha. Ele teria para sempre estampado em si essa parte de mim, que ele
acreditava ser a melhor parte. A Nora que ele conquistou. Essa era a
declaração de que nossas vidas não só se entrelaçaram, como nunca mais se
separariam. Era a forma que ele encontrou para mostrar para mim e para o
mundo como eu pertencia a ele, e ele pertencia a mim.
E eu nunca vi nada tão lindo quanto essa afirmação.
28 - Nora

Sem palavras, andei até ele e toquei o desenho ainda sensível com a
ponta dos dedos. A respiração de Dani ficou pesada, seus lábios se partindo
levemente. Encarei seus olhos por um segundo, incapaz de me expressar, de
falar algo, de tentar descrever o que eu sentia. Vi ali a cautela, mas também
vi devoção. Vi todas as emoções e o que ele quis dizer com aquela
tatuagem, com aquele ato. Tudo o que queria mostrar não só para o mundo,
mas para mim também. E eu quase chorei com a intensidade daqueles olhos
azuis que passei a amar. Mas eu não sabia o que dizer, eu não conseguia
superar a emoção que transbordava de mim, explodindo em meu peito e
queimando os meus olhos com lágrimas não derramadas.
Eu não sabia o que falar, mas poderia demonstrar. Demonstrar o
quanto eu o desejava, o quanto ele representava para mim também. O pai do
meu filho, o homem que me conquistou, que me venerava, que gostava dos
meus defeitos. Que realmente apreciava eles, que me aceitava por completo,
cada parte de mim. O homem que me enlouquecia de todas as maneiras, que
invadiu meu coração, meu cérebro, minha vida. O homem que era tudo para
mim.
Então caí de joelhos aos seus pés, enfiando a mão em seu short e
pescando seu pau que começou a crescer com o meu toque. Ele não me
impediu, nem quando lutei com a sua roupa, tentando expô-lo. Com ajuda
da minha mão e da minha boca, Dani ficou duro em poucos segundos. Seu
pau grosso me obrigava a abrir cada vez mais a boca conforme ele ficava
mais excitado, tão grosso e grande, com veias grossas, uma cabeça irregular
e grande.
Lutei para engoli-lo até meus olhos lacrimejarem e os barulhos de
engasgo preencherem o ambiente. Dani enrolou meu rabo de cavalo em seu
punho e começou a controlar meus movimentos, fodendo minha boca sem
cerimônia, sem pudor. Minhas mãos trabalhavam de forma habilidosa, uma
em sua base, e a outra manipulando as bolas pesadas e grandes. Minha
língua tocava e provava a sua pele enquanto ele deslizava por mim,
atingindo minha garganta e voltando até os meus lábios. Manipulei a cabeça
com a ponta da língua, sugando um pouco antes de abrir novamente a boca,
de deixá-lo se afundar em mim com força. Suguei até as bochechas ficarem
côncavas, até minha mandíbula doer, e então soltava e o lambia por inteiro,
da base até a cabeça, passando pelas veias, por cada pedaço do seu pau cada
vez mais duro.
— Você vai engolir tudo — ele ordenou e eu concordei com a cabeça
avidamente, relaxando mais a garganta para tentar aprofundá-lo mais. —
Vai engolir toda a minha porra e pedir mais.
Suguei mais forte, minhas mãos massageando seus testículos e batendo
uma para ele, ao mesmo tempo. Levei a mão até encontrar o seu períneo e
massageei com a ponta do dedo. Ele soltou um gemido estrangulado, seu
aperto em meus cabelos aumentando ainda mais, seu quadril se mexeu para
frente e para trás, se movimentando contra a minha língua, fodendo minha
boca com a mesma intensidade que fazia com a minha boceta. De maneira
incansável, feroz. Me possuindo, me tornando sua, cada parte minha.
Eu suguei sem parar, trabalhando a boca e a língua em um ritmo
constante, em uma maneira de levá-lo ao limite até que ele explodisse. Eu
não ligava para câmeras, para o fato de estarmos em um local público,
apesar dele ter trancado a porta, eu só queria fazer Dani gozar.
Minha língua correu pela sua base, subindo por toda sua extensão,
massageando em um ponto sensível que ele gostava, e depois circundei da
maneira que o fazia perder o controle, na cabeça. Seu pau atingiu bem
fundo da minha garganta, e quando suguei mais forte, meu dedo o
acariciando incansavelmente, o pau de Dani inchou na minha boca e ele
segurou meus cabelos com força, gozando com jatos grossos e espessos.
Engoli tudo, apesar dos jatos atingirem o fundo da minha garganta com
tanta força que machucou.
Ele restringiu meus movimentos me segurando no lugar pelos cabelos
e se tirou da minha boca. Dani segurou seu pau ainda semiduro e esfregou
ele em meus lábios, minha bochecha. Ele ergueu uma sobrancelha loira,
esperando.
— Quero mais — pedi, como ele ordenou. Ele me deu um sorriso
predatório, e atingiu meu rosto com seu pau, antes de enfiar a cabeça
novamente entre meus lábios.
— Lamba. Só a ponta. — Ele me puxou de volta com força quando
tentei engoli-lo profundamente de novo. Choraminguei com a sensação
dolorosa em meu couro cabeludo, mas obedeci, sedenta. Querendo mais…
Eu sempre queria me sentir como sua puta particular e isso era
excitante.
— Boa garota. Me deixe duro novamente porque vou te comer até
você me implorar para parar.
Se eu já não estivesse extremamente encharcada, teria ficado.
Lambi a cabeça grande com avidez, sua glande toda, como se fosse um
maldito picolé. Ele me restringiu novamente, me acertando mais uma vez
com o seu membro e eu soltei um gemidinho desesperado. Eu nunca
imaginei que um som assim fosse sair de mim, mas eu estava aqui, de
joelhos e implorando por mais.
— Eu sabia que você ia gostar da dor com o prazer, Nora. — Ele fez
de novo, e enfiou o seu pau na minha boca com tudo, me fazendo engasgar,
lágrimas aparecendo em meus olhos e escorrendo pelo meu rosto. Controlei
a sensação, relaxando e recebendo ele de novo. — Você conhece a dor, você
sabe que ela é passageira, que está lado a lado com prazer. Não vou te
machucar. Você sabe disso, não sabe?
Ele deu um puxão no meu cabelo, me obrigando a olhá-lo. Eu confiava
nele. Então deixei isso transparecer enquanto engolia o seu pau até o limite
e tentava empurrar além. Dani me deu um sorriso que prometia o melhor
sexo da minha vida. Como sempre era quando ele me tocava.
— Se quiser, vamos voltar naquele quarto, um lugar onde posso te
ensinar mais sobre dor e prazer, mas agora você vai tirar a sua calça e deitar
de barriga para baixo no chão.
Ele me soltou, esperando por um momento. E eu rapidamente obedeci,
tirando minha calça com rapidez. Fiquei posicionada da forma que ele
falou, ignorando a vontade de conferir se as câmeras estavam viradas para
mim. Dani pareceu sentir a minha hesitação, então sussurrou no meu ouvido
quando se deitou por cima de mim.
— Ninguém vai te ver, Nora. Você pertence a mim e ninguém vai me
desafiar, mesmo que você seja gostosa demais.
Tentei virar a cabeça, mas Dani segurou meu queixo, empurrando meu
rosto para frente, os olhos longe do que ele poderia estar fazendo. Eu sentia
sua ereção na minha entrada, e a posição, com minhas pernas fechadas, só
deixava a sua penetração mais difícil.
Eu estava tão molhada, que não precisou de mais nada para ele deslizar
em mim. Nessa posição, ele me alargava ainda mais do que já fazia
naturalmente, minhas paredes se esticando para recebê-lo. Era tão bom
sentir ele se enfiando em mim devagar. Dani se sustentava com os braços ao
lado do meu corpo, seu quadril indo ao encontro do meu, minhas pernas
entre as suas, me mantendo no lugar. Seu peito estava longe das minhas
costas, e eu gemi com desejo, querendo sentir ele sobre mim.
Dani manteve o ritmo lento e torturante até eu começar a me remexer,
incapaz de controlar o meu tesão. Os meus gemidos se transformaram em
choramingo, implorando por mais velocidade e mais profundidade. Ele nem
estava na metade, e eu queria sentir ele mais fundo.
— Mais forte — ordenei e ele diminuiu ainda mais a velocidade. —
Dani! Por favor!
Ele deu uma risada satisfeita quando comecei a implorar entre meus
gemidos. Com poucos movimentos, suas mãos foram para a minha cintura e
ele me puxou com força, me colocando de quatro. Seus movimentos se
tornaram ferozes, e ele gemeu em aprovação quando eu voltei a encostar
meu peito no chão, deixando minha bunda no ar e pronta para ele.
Dani não hesitou, me comendo com força, seu pau entrando e saindo
de mim em um vaivém rápido e duro. Os meus gemidos se tornaram gritos,
que cobriam o barulho do seu pau deslizando pela minha boceta
encharcada, do seu quadril batendo contra a minha bunda, dos gemidos
dele, incapaz de se controlar. Minha boceta começou a se contrair ao redor
dele, em espasmos de prazer até que o orgasmo com força para fazer
minhas pernas tremerem me atingiu. Dani me sustentou, me puxando ao
encontro do seu pau, até gozar comigo, enquanto minha boceta o apertava.
Eu conseguia sentir os líquidos do nosso prazer escorrendo pelas minhas
pernas, nossos gozos misturados.
Dani me segurou pela cintura ao sair de mim e me puxou para cima,
contra o seu peito. Seus braços envolveram minha cintura, nossas
respirações totalmente descontroladas e em sinfonia, nós dois tentando
acalmar nossos corações. Deixei a cabeça cair contra o seu ombro, exausta,
mas satisfeita. Dani traçou pequenos beijos na minha clavícula, no meu
pescoço, na minha mandíbula.
— Então a tatuagem está aprovada?
Minha risada ecoou pelo centro de lutas e eu me afundei mais nos
braços do homem que se enfiou no meu coração, batendo de frente comigo
e me irritando.

Dani apertou o volante mais uma vez, suas mãos tensas e os nós dos
dedos brancos de tanto que ele segurava com força a peça. Era um carro
mais discreto, nada esportivo e chique como os Ricci usavam. Obviamente
ele queria se mesclar com o trânsito.
Ele e Gaspare ficariam de olho nas coisas até a hora que eu saísse. E
iríamos direto para Hewlett. Meus primeiros plantões na clínica tiveram o
efeito esperado: perceberam a minha presença.
Anotei cada pessoa que me olhava com desconfiança, cada pessoa que
parecia agir com cautela perto de mim, ou que ficava me encarando. Anotei
tudo que achei estranho, repassando para Mau e Cate, que estavam
verificando os nomes na enorme lista que o primo de Cate, Romeu,
conseguiu compilar antes de morrer. A maioria dos funcionários da clínica
da Catania no Bronx não pareciam fazer parte do plano paralelo dos Sana.
Fui bem recebida, fui aceita de certo modo, com eles não ligando muito
para a minha presença.
Mas alguns funcionários me chamaram atenção. Um médico que tinha
mais ou menos uns 60 anos me encarou por várias horas durante o plantão,
sempre mantendo um olho em mim, e eu tinha quase certeza de que ele
trabalhava na outra clínica também. Quando eu me afastava, ele ficava me
seguindo, nada discreto, e isso impediu que eu investigasse o hospital de
fato. Eu esperava mudar isso hoje, tentando escapar por um momento para
ver a área em reforma. Dessa vez, meu plantão começaria à noite, e
terminaria perto da hora do almoço. Não era o melhor momento para se
atacar, mas era bom o suficiente para distrair os homens da Catania. Mais
uma estratégia de Mau. Ele definiu que um ataque no meio do dia seria uma
ótima maneira de pegar aqueles homens de surpresa. Eles provavelmente
contavam com a noite e as vantagens da sua calma e escuridão para
transportar aquelas mulheres. O trânsito até Hewlett e em qualquer lugar
provavelmente daria mais uma vantagem, já que um auxílio demoraria a
chegar.
— Dani… — Coloquei a mão em seu braço, apertando levemente. —
Pare de se preocupar.
— É claro que vou me preocupar, Nora. Cazzo, você está sozinha lá
dentro. — Ele respirou fundo, correndo as mãos pelos cabelos loiros e me
lançando um olhar angustiado.
— O homem que Fedez colocou está lá, como segurança falso, e ele
está sempre de olho em mim, não importa o andar que eu vá. E eu sei me
defender — brinquei, tentando soar irritada como no começo, quando
achava que ele estava duvidando da minha capacidade.
— Eu sei disso, isso não me impede de me preocupar. — Ele se virou e
segurou o meu rosto entre suas mãos, seus olhos azuis sérios e penetrantes.
Eu adorava como ele nunca os mantinha frios e distantes agora que
estávamos juntos. Como ele não lutava mais contra as emoções ali, a forma
como ele me olhava com carinho, com desejo. Com cuidado.
— Tenha cuidado, va bene? Faça o que for preciso, mas não se
arrisque mais do que necessário. Temos a igreja cercada, homens
espalhados pelo perímetro, fechamos as ruas ao redor fingindo que somos
trabalhadores da prefeitura, e eu e Gaspare…
— Eu sei — interrompi ele, me inclinando para frente e encostando
nossas testas. Quem olhasse de fora só veria um casal se despedindo em
mais um dia de trabalho. — Não se preocupe, eu não vou colocar nosso
filho em risco.
— Estou preocupado com você também, não só com o nosso bebê.
Mau e Teo vão levar Cate e Lena para almoçar no fim do seu plantão. Vai
ser a distração perfeita e vamos levá-la até Hewlett. Com sorte, vão nos
seguir e ficarão de olho lá.
— Nosso plano vai dar certo — garanti, beijando levemente os seus
lábios.
— Fare attenzione, vita mia — ele sussurrou contra os meus lábios e
aprofundou o beijo, antes de me soltar, relutante.
Desci do carro, ignorando a sensação de nervosismo no meu estômago.
Eu não precisava me concentrar nisso. Entrei normalmente, com um sorriso
leve no rosto, tentando ignorar a tensão nas minhas costas. Evitei olhar na
direção do soldado do Fedez, para não chamar atenção para ele. Ele se
infiltrou ali no momento em que desenhamos o plano, para não chamar
atenção para o fato de começarmos ao mesmo tempo.
Ninguém olhou duas vezes na minha direção, exceto o chefe da
emergência e um residente. Eles pareciam observar todos os meus passos
como no outro dia, sempre de olho em mim. Ignorei completamente os dois,
trabalhando com toda a concentração, como se não tivesse culpa no
cartório, como se não estivesse ali para espiar. Tentei agir tranquilamente
durante todo o meu plantão, atendendo os pacientes que chegavam com
atenção, cuidando deles como faria em qualquer momento, em qualquer
clínica.
A oportunidade de investigar tudo aconteceu perto do final do meu
plantão, quando uma emergência de grandes proporções atingiu a clínica.
Um acidente entre dois carros colocou todo mundo em alerta, e todos os
esforços dos médicos da emergência. E com isso, eu estava livre para
circular pela clínica. Doía o meu coração virar as costas para pacientes que
precisavam de cuidados, mas eu sabia que eles estavam estáveis e minha
presença não era verdadeiramente necessária.
Me afastei com cuidado, pegando meu celular e fingindo estar
digitando algumas mensagens, olhando de vez em quando para cima, como
se estivesse perdida. A clínica não era necessariamente enorme, mas era
grande o suficiente para ser crível essa minha atuação. Eu poderia fingir que
me perdi porque estava distraída, e se tivesse qualquer câmera no corredor,
eu estava com um álibi. Caminhei por entre os setores da clínica, andando
lentamente para a parte que estava lacrada e marcada como “em reforma”.
Atravessei as pesadas cortinas de plástico, que serviam para tapar a visão e
evitar que a poeira caísse para fora da área designada. Empurrei as portas,
entrando com cuidado no local. Com o celular na mão, comecei a filmar,
observando tudo à minha volta.
Algumas peças de roupas estavam abandonadas ali, as macas
parecendo usadas, materiais médicos usados também jogados no chão.
Como se alguém tivesse sido atendido na pressa e movido daqui com
rapidez. Filmei tudo que pude, tentando as portas que pareciam trancadas,
abrindo devagar as que não estavam. Filmei as manchas de sangue no chão
em alguns lugares, principalmente os que levavam para a saída de
emergência.
Não tinha ninguém aqui como tinha na última clínica em que encontrei
aquelas mulheres, mas claramente esse espaço estava sendo usado. E era a
prova que precisávamos para invadir aquela igreja.
Enviei os vídeos para Mau, e ele respondeu imediatamente,
agradecendo. Mesmo que não tivesse encontrado mulheres aqui, como na
outra clínica, essas evidências confirmavam que eles usavam essa parte que
deveria estar interditada. Finalmente consegui respirar aliviada e saí de
fininho, voltando a andar, mexendo no celular e parecendo perdida. Dani
me mandou mensagem dizendo que já estava me esperando, e eu não
poderia me atrasar, porque a invasão da igreja e de outros armazéns ao
redor que Mau localizou com a ajuda de Fedez dependeria da nossa fuga
para Hewlett.
Andei até a parte com os armários designados aos funcionários e
peguei rapidamente a minha mochila, pronta para fugir. Ela estava mais
vazia do que normalmente ficava, mas como eu sempre a usava em
plantões, decidimos que era bom mantê-la como disfarce. Eu estava prestes
a sair quando o médico e o residente entraram na sala.
Eu tentei olhar seus nomes bordados na roupa do hospital ou no jaleco,
mas não consegui… Eles pareciam ter escondido eles com canetas
penduradas nos bolsos, ou um óculos estrategicamente posicionado ali.
Evitando que eu reparasse no nome deles, que eu definitivamente não
lembrava. O médico mais velho, com seus cabelos grisalhos e finos, me deu
um sorriso assustador. E o residente parecia animado para acabar comigo.
Dei um sorriso caloroso, parecendo calma e tranquila. Meu corpo
permaneceu relaxado, por mais que eu quisesse entrar em posição de luta.
— Indo embora cedo hoje — o médico falou, me olhando com uma
curiosidade malvada que quase me arrancou uma careta.
— É, hoje eu preciso sair na hora. Vou até Hewlett com meu namorado
— menti, mantendo o sorriso no rosto. Era bom deixar claro para onde
iríamos, já que queríamos que eles nos seguissem.
O residente encostou no batente da porta, parecendo tranquilo, mas, na
verdade, estava impedindo a minha passagem. O médico mais velho se
aproximou e custou tudo em mim para não dar um passo para trás.
— Seu namorado… o Consigliere da Stidda?
— Esse mesmo — respondi, com uma voz doce e maleável. Tudo bem,
eles sabiam sobre o Dani, devem ter percebido ele me buscando, ou
observado bem que ele estava em casa aquele dia que fui embora…
Mas não tinha problema, na verdade, era até melhor. Uma desculpa a
mais, um motivo a mais para ele estar aqui comigo, me buscando e me
levando para Hewlett.
— Vamos visitar a tia dele.
— Hum… e eu pensando que tinha a ver com as mulheres que você
sequestrou. — Ele sorriu, um esgar macabro. O residente me olhou
animado, preparado para me encurralar ainda mais.
Meu primeiro instinto foi refutar e dizer que eu não sequestrei
ninguém, que eu as salvei. Mas engoli a vontade de responder e forcei meu
rosto a fazer uma careta confusa.
— Perdão? — Tentei soar o mais inocente possível, mas pelo olhar que
eles rapidamente trocaram, nenhum dos dois acreditou em mim.
— Se você namora o Consigliere, deveria saber que não acaba bem
quando você se mete nos assuntos alheios. E se ele te mandou investigar,
ele vai aprender uma lição também.
— Que lição? — retruquei, porque dessa vez não consegui controlar. E
quando eles perceberam que meu tom de voz mudou do agradável e calmo
para o irritado e duro, eles sorriram ainda mais.
— Não enviar uma mulher para fazer o trabalho dos homens.
Não resisti a vontade de revirar os olhos e o médico veio para cima de
mim, assim como o residente. Só que eu já estava esperando. Então eu o
segurei pela nuca e acertei o calcanhar da minha mão em seu nariz com
força, girando e empurrando ele de encontro aos armários que antes
estavam às minhas costas. Ele foi de cara no metal da porta, caindo no chão
com um estrondo, o nariz sangrando por conta da fratura que fez um craque
sinistro ecoar pelo lugar.
O residente aproveitou que eu estava ocupada com o médico e me
segurou, tentando torcer o meu braço para trás. Segurei o gemido de dor
pelo meu ombro recém-curado forçado assim e me concentrei em me livrar
do seu aperto. Ele não tinha a técnica e o cuidado de Dani, portanto, eu
consegui me soltar bem facilmente. Acertei dois socos em seu rosto, vendo-
o cambalear um pouco com o contato. Aproveitei para dar um chute no
meio do seu peito, empurrando-o para trás. Ele caiu no chão com um baque,
batendo a cabeça no piso duro. Por mais que eu quisesse acabar com ele,
sabia que precisava que ele me seguisse, ou que avisasse alguém.
Então eu o deixei ali, lutando para ficar consciente e se levantar.
Peguei minha mochila que caiu no chão e saí correndo, incapaz de me
importar se todo mundo prestava atenção. Depois de hoje eu nunca mais
voltaria aqui. O segurança que Fedez colocou infiltrado ergueu as
sobrancelhas, mas eu evitei olhar muito em sua direção enquanto corria
pelos corredores até sair porta afora.
Dani estava lá, parado em um lugar proibido, bem na frente da entrada
da clínica, como se não houvesse qualquer preocupação no mundo. Ele
estava com sua Triumph Rocket 3 vermelha e aquela moto chamava atenção
com seus três cilindros e seu tamanho. Provavelmente era a intenção: Dani
queria ser visto, queria ser acompanhado, queria se destacar. Ele não sorria,
principalmente quando percebeu que eu estava correndo. Ele me esticou o
casaco assim que cheguei perto.
— Me encurralaram, o médico e o residente que avisei, deixei um
deles acordado, então vamos. Avise todo mundo — falei rápido, colocando
a mochila nas costas da forma certa depois de vestir o casaco e peguei o
capacete que ele me esticou depois. Dani colocou o capacete também,
respirando fundo.
— O casaco é a prova de balas, então não tire, Nora. — Ele me avisou,
enquanto digitava rapidamente no celular, provavelmente enviando a
mensagem para os homens da Stidda.
Eu percebi que o casaco era bem mais pesado do que as jaquetas com
amortecedores especiais de motos. Eu estava acostumada com o peso a
mais, já que as jaquetas eram projetadas para nos proteger em caso de
quedas, mas o colete embutido com certeza a deixava mais grossa e pesada.
— Desculpe, eu tentei ser discreta, mas…
— Tudo bem, já esperávamos, e é bom que eles nos sigam. — Dani
subiu na moto e eu o segui rapidamente, apertando meu corpo contra o seu.
Ele não esperou e disparou, acelerando bem mais do que deveria.
Mas assim que entrou na Cross Bronx Expwy ele diminuiu, mantendo
um ritmo tranquilo. A distância até Hewlett era de quase uma hora e eu
mantive meus braços ao redor dele, prestando atenção nos arredores o
máximo que conseguia.
— Estão nos seguindo — ele avisou, depois de um momento, e minha
barriga se apertou e agitou em nervosismo e emoção.
Nosso plano estava dando certo.
29 - Dani

A mansão de Teo em Hewlett Bay Park sempre pareceu para mim um


templo grego. Apesar de ter sido criado ali, meu primo parecia preferir a
casa que ele comprou imaginando Cate, com o gosto dela. Honestamente,
eu também não gostava da minha casa ali, ao lado da casa da minha zia.
A mansão que herdei dos meus pais era mais no estilo moderno, mas
ainda assim era enorme. E Gigi morava lá com sua mãe, uma gentileza que
fiz a pedido da minha tia, quando sua irmã perdeu o marido em uma
emboscada. Eu não queria a casa mesmo, não tinha porque morar lá
sozinho, em uma casa com mais de oito quartos.
Mas minha zia ainda parecia gostar de Hewlett, ou pelo menos não
queria desapegar. E era bom, porque o local era bem seguro.
Atravessei os portões, que de certa forma eram ilegais, que meu tio
colocou para fechar a entrada. As nossas mansões, contando com a do
Gaspare e a do antigo Consigliere que Mau “herdou”, ficavam em uma rua
oval sem saída. Isso era bom porque significava que, se alguém tentasse nos
invadir, seriam encurralados. As casas eram divididas por sebes de enormes
arbustos, garantindo a privacidade, mesmo que as propriedades fossem
enormes e distantes umas das outras. As casas tinham fundo para o canal
Macy, mas eu duvidava que fossem tentar invadir pelas águas.
Atravessei o pátio de cascalhos e estacionei a moto ao lado do carro de
Gaspare, que já estava lá. Nora desceu rapidamente e me esperou,
arrancando o capacete e balançando seus cabelos negros para todos os
lados. Dei um pequeno sorriso ao observar novamente o quanto ela era
linda, ignorando a tensão do momento. Os seguranças da propriedade
fecharam o portão com um estrondo, um pouco mais lentos do que eu
gostaria. Nora colocou o capacete em cima da moto e me esperou, sorrindo
quando segurei a sua mão e caminhei lentamente até entrar na casa pela
enorme porta de metal preta.
— Sempre esqueço o quanto essa casa é enorme — ela falou,
impressionada, e eu dei um sorriso. — Vocês são muito ricos, é vergonhoso.
— Somos ricos porque Teo é um gênio e triplicou o dinheiro da Stidda
com investimentos por fora.
— E você não tem nada a ver com isso? — Ela levantou a sobrancelha,
um pequeno sorriso.
— É claro que ele tem tudo a ver com isso, meu sobrinho é genial
também — minha tia falou, surgindo do topo das escadas e descendo
correndo. Tentei ignorar que Gaspare estava logo atrás dela. Eu
definitivamente não queria saber o que o nosso Executor-chefe estava
fazendo no andar em que ficavam os quartos com a minha tia. Teo teria uma
síncope.
— Ela exagera — corrigi, mas Nora me deu um sorriso.
— Me diga agora que você não analisou e avaliou cada investimento e
indicou os melhores para o seu primo.
— Ele tem o faro para isso… eu só fiz as contas e explorei os riscos.
— Eu estava com vergonha? Sim, e pelo olhar no rosto de Nora, ela sabia.
Mas ela me deu um sorriso orgulhoso e feliz, como se meus feitos fossem
algo de que ela tivesse orgulho.
— Nora, bem-vinda! — Minha tia atingiu finalmente o último degrau
e abriu os braços para Nora, puxando-a para si.
— Sua casa continua linda, Alessia. — A zia insistiu que Nora a
chamasse assim, quando a conheceu.
— Obrigada, é grande demais para mim, mas eu prefiro morar aqui do
que na loucura de Manhattan. Venham, eu pedi para servirem o almoço na
varanda lá fora, virados para o canal.
— Zia…
— Eu já perdi essa batalha — Gaspare resmungou e minha tia fez um
sinal com a mão, dispensando nossas preocupações.
— Bobagem, vocês verificaram tudo. — Ela sorriu, nos empurrando
para fora em direção à mesa posta na varanda.
Mesmo confiando na equipe de segurança, chequei a minha arma no
coldre na minha camisa. Gaspare parece ter feito o mesmo no seu corpo,
erguendo as sobrancelhas para mim. As portas de entrada se abriram e eu
me virei automaticamente, segurando a minha arma. Christian, o amigo de
Mau e parte da sua equipe, entrou na casa com um sorriso, completamente
inabalado com as armas apontadas para ele. Olhei para Nora e dei um
pequeno sorriso quando percebi que ela também tirou a arma dela de dentro
da sua mochila.
— Coglione, não entre assim, estamos em alerta — ralhei, mas ele
ainda sorria, se aproximando e puxando minha tia para seus braços,
depositando dois beijos nas bochechas dela.
— Certo, como se você fosse me acertar. Oi, zia, não se preocupe,
cheguei para te proteger.
— Eles seguiram? — Gaspare perguntou e Christian concordou com a
cabeça, pelo menos um pouco de respeito em direção ao seu mentor.
— Três carros, um deles saiu do caminho, imaginei que estava
voltando para a clínica, avisei Masì sobre ele. Os outros pararam logo no
começo da estrada, nada discretos.
— Dois carros é mais do que esperávamos. Avisou os seguranças do
portão?
— Claro, eu não sou um stupido.
Gaspare bufou, claramente discordando e minha tia sorriu, puxando
Christian pelo braço. Como todos os amigos de Mau, ele era jovem,
divertido e despreocupado. Ele é o mais baixo dos 4, mas com certeza o
com mais lábia porque era sempre completamente despreocupado. Mais do
que Masì.
— Venha, vamos almoçar! Como você está, bambino mio?
— Bem melhor agora, zia — ele flertou com ela, na cara de pau e sua
sorte é que não notou o olhar feio de Gaspare.
Seguimos minha tia para fora e ela realmente mandou preparar uma
mesa. Nora e eu ainda segurávamos as nossas pistolas e eu lancei um olhar
para ela.
— Não sei se me sinto confortável de ficar ao ar livre — ela
murmurou, seus olhos correndo pelo quintal enorme da minha tia.
Eu fiz o mesmo, observei a quadra à direita, o canal à frente. Ignorei a
piscina e foquei nos arredores. Não tinha como ninguém chegar pelo canal
porque era muito aberto, mas tinha uma pequena floresta que separava o
vizinho da direita da minha tia. A sebe de arbustos não seria fácil pular,
mas… mas era a melhor chance caso eles quisessem nos atacar.
Eu sabia que Gaspare ordenou que os seguranças patrulhassem o
perímetro por um tempo, até o ataque acabar pelo menos. Nossa aposta é
que eles sumiriam assim que recebessem a notícia, provavelmente voltando
para tentar salvar os colegas ou algum outro armazém.
— E sua lancha? — Christian perguntou quando se sentou na mesa
posta. Minha tia deu um sorriso para Gaspare que quase me fez revirar os
olhos.
— Gaspare mandou ela para o Yatch Club aqui perto. Ele não queria
nada prejudicando a visão.
— Às vezes ele é esperto.
— Ainda posso te bater, ragazzino — Gaspare alertou, sentando-se do
lado da minha tia.
Puxei a cadeira para Nora e ela sorriu, colocando a mochila no chão ao
seu lado. Sua arma ficou no seu colo, e eu quase me abaixei para beijá-la.
— Nora, o que você quer? Fique à vontade! — Minha tia apontou para
todas as travessas que mandou servir, cheias de comida, bem mais do que
precisávamos.
O telefone de Christian soou alto, e ele se levantou, se afastando um
pouco. Ele fez um sinal e entrou de volta na casa, provavelmente indo falar
com os seguranças na guarita na frente. Com certeza era sobre os dois
carros que nos seguiram até lá, e eu comecei a me levantar também quando
minha tia balançou a cabeça.
— Nem pensar, eu quero conversar com você, Daniele Ricci.
Como uma criança levando bronca, voltei a sentar rapidamente na
cadeira, as costas retas e os olhos fixos na minha tia. Ela nunca me deixou
de castigo, nunca me bateu, nunca fez nada disso. A disciplina vinha do
meu tio. Ela sempre me deu carinho, amor, sempre cuidou de mim. E eu a
respeitava mais do que tudo.
— Quando é que você vai me fazer feliz e parar de viver no pecado?
Nora engasgou com a água que bebia e eu bati em suas costas
lentamente. Gaspare segurava um sorriso, aquele velho traiçoeiro. Aposto
que ele fofocou com a minha tia. Ele não sabia exatamente, mas era
extremamente observador. Nora me encarou por um momento e então deu
um aceno com a cabeça. Uma permissão para eu revelar a verdade.
— Acho que pequei ainda mais, zia, porque Nora está grávida.
Alessia Ricci nunca perdia a compostura, exceto quando estava
extremamente feliz. E assim como fez quando Cate anunciou, ela deu um
grito repleto de felicidade, se levantando e indo abraçar Nora. Depois, ela
me abraçou também, me puxando contra si com o máximo de força que
tinha. Suas mãos acariciaram meus cabelos, seu sorriso brilhando e os olhos
verdes chorosos.
— Você vai ser um pai incrível, bambino mio — ela me garantiu, e
isso aliviou um pouco do medo no meu coração.
— Agora só falta o seu Maurizio.
— Dio ci bendica — Gaspare murmurou e fez o sinal da cruz,
arrancando uma risada leve e livre da minha tia.
— Bem-vinda à família, Nora, você vai ser uma ótima aquisição para
esse nosso bando de malucos.
— Obrigada, Alessia. Eu estou muito feliz de fazer parte dessa família
com Dani. — Nora voltou os olhos para mim, um sorriso satisfeito e
brilhante em seus lábios.
— Vocês não acham isso tudo estranho? — Christian comentou, na
base da escada de entrada.
Estávamos nos preparando para ir embora, já no fim da tarde. Masì e
Eddo entraram em contato e eles conseguiram fazer tudo o que planejamos.
Nosso ataque resultou no resgate de 72 mulheres em condições horríveis,
pelo que a equipe de Mau comentou e 48 homens da Catania. Eles já
estavam sendo preparados para o nosso interrogatório. Teo e Mau deixariam
Lena e Cate em casa e seguiriam para um dos armazéns que escolhemos.
Tudo tinha dado certo, exatamente como esperávamos. Perdemos
alguns homens no fogo cruzado, mas nada fora do comum. A única coisa
que estava nos incomodando é que os carros ainda estavam parados no
começo da estrada que levava até os portões. Gaspare observava os
arredores com olhos atentos, a mão próxima do coldre que ele carregava.
Christian tinha um vinco de preocupação na testa, seus olhos focados no
celular como se esperasse qualquer outra mensagem.
Nosso dia foi tranquilo, nenhum sinal de alguém da Catania nos
arredores, além dos carros que nos seguiram até aqui. Era quieto demais,
estranho demais. Eles seguiam parados nos observando como se não
tivéssemos atacado seus aliados no Bronx. Como se eles não soubessem que
suas operações foram encerradas. Existia a possibilidade de não terem
conseguido avisá-los, se nossos homens foram eficientes o suficiente para
surpreender os Catanios e ocupá-los o bastante.
Era uma possibilidade boa demais para não se desejar, porque se isso
fosse verdade, e os torturássemos para conseguir informações sobre a
operação de tráfico de pessoas, poderíamos pegar outros armazéns e
clínicas de surpresa. Se conseguirmos direcionar esses homens que ficaram
aqui de tocaia diretamente para o armazém que Mau e Teo escolheram,
seria outro trunfo.
— Sim, um pouco, mas acho que eu e Nora podemos sair de moto, e
você espera eles nos seguirem e…
Um único tiro cortou o ar, o estampido alto o suficiente para assustar
todo mundo e Christian arregalou os olhos por um momento antes de cair
aos meus pés, de bruços com um barulho seco. Suas costas estavam
ensopadas com sangue, muito sangue. Ele não se mexia mais, a poça de
sangue se abrindo ao redor dele, se espalhando pelo chão de pedras da
entrada da casa.
Minha tia gritou e Gaspare tentou protegê-la, entrando na sua frente e a
empurrando um pouco, mas um tiro acertou o seu peito, finalmente
derrubando o temido Executor da Stidda. Nora arregalou os olhos e virou a
cabeça, tentando procurar de onde vinha os tiros e eu entrei na sua frente,
meu corpo protegendo o seu.
— Zia, segure na mão de Nora e vá para casa! Nora vai te proteger —
ordenei, tirando minha pistola do coldre e me virando para a sebe de
arbustos à direita.
Os seguranças que ficavam na pequena guarita ao lado dos portões
vieram correndo, e mais tiros foram disparados, vindos mais próximos do
portão. Eles estavam escondidos pela sebe, penetrados na pequena floresta
que separava a casa do vizinho da nossa. Os filhos da puta desceram dos
carros sem percebermos e conseguiram se infiltrar no lugar.
Nossos seguranças começaram a cair, sem conseguir enxergar de onde
eles vinham, ficando extremamente vulneráveis e sem saber para onde
correr ou o que fazer. Eu dei um passo para frente, a pistola no ar e comecei
a dar ordens, tentando organizá-los novamente. Alguns se esconderam atrás
do carro de Gaspare, outros atrás da enorme fonte que ficava no meio do
pátio.
Mais um estampido soou e meu ombro explodiu de dor, um rugido
dolorido escapando de mim. Cerrei os dentes e ergui a mão, pronto para
revidar de qualquer maneira, mas um grito perfurante soou pelo fim da
tarde.
— Não! — Minha tia jogou o seu corpo contra o meu quando mais um
disparo foi efetuado, sangue explodindo do seu peito, suas costas batendo
contra meu corpo conforme ela se chocava ali, com os braços abertos na
minha frente, recebendo bem no coração o outro tiro que também era para
mim.
Eu aparei o seu corpo, cambaleando não pelo peso ou impacto, mas
pelo choque, caindo de bunda no chão com ela contra mim, minha arma
voando da minha mão um pouco. Nora gritou também, de raiva, e com a
arma em punho começou a atirar em direção à sebe, a esmo, assim como os
nossos homens. Alguns gritos de dor ecoaram do outro lado quando os
homens da Catania foram atingidos.
Meu ombro latejava, a dor tornando meus pensamentos difíceis e
embaralhados, porém, mantive os braços apertados ao redor da minha tia. A
cabeça dela estava encostada contra o meu peito, seu pequeno corpo jogado
no chão por cima de mim, suas pernas finas entres as minhas. Tão pequena
e vulnerável.
— Zia! — Minha voz saiu estrangulada, e ergui a mão esquerda em
seu peito, tentando estancar o sangue.
Tanto sangue, sangue demais encharcava a frente do seu fino vestido
rosa, a ponta dos seus cabelos pretos ensopados com o líquido. Minha mão
direita segurou seu rosto, dando pequenos tapinhas, tentando mantê-la
acordada. Seus olhos verdes estavam vidrados. Um barulho e um gemido de
dor me assustaram e eu tateei o chão pela minha arma que soltei, mas era
apenas Gaspare. Sua mão esticada na direção da minha tia enquanto ele
usava as suas últimas forças para se arrastar até ela.
— Nora! — implorei, completamente desesperado, pela minha tia, por
ela, por Gaspare. Pela primeira vez eu estava completamente abalado, o
desespero assumindo o meu controle. O medo tomando conta de mim.
Eu não me sentia assim desde quando meu tio me obrigou a dar o
último golpe em meu pai. Desde quando ele me obrigou a matar a minha
mãe, aqueles momentos, aqueles três dias em que ela esteve aos meus pés,
os olhos abertos e sem vida. E eu estava sentindo tudo de novo, com a vida
se esvaindo da minha tia e do nosso Executor. Duas pessoas que respeitei.
Que cuidaram de mim como puderam, da maneira deles.
Comigo assim, praticamente jogado no chão, o carro de Christian nos
cobria, e nossos homens que restavam estavam se mobilizando para dar a
volta na propriedade, enquanto outros ainda atiravam a esmo na sebe. As
balas de Nora acabaram e ela jogou a pistola no chão, se virando e se
ajoelhando. Os tiros agora pegavam no carro, o barulho dos pneus
estourando, das balas penetrando finalmente a lataria.
Ela olhou desesperada para o sangue. Para Gaspare que finalmente
conseguiu se arrastar até a minha tia, para as mãos dos dois entrelaçadas,
para o peito da minha tia. Por último, seus olhos focaram em meu ombro. E
eu sabia que a decisão que ela tomou não era apenas por mim, por amor.
Era uma decisão da Nora médica, da Nora capaz, que estava avaliando a
situação e percebendo que só tinha uma saída possível. Ela levou os olhos
aos meus, com pesar. O único que ela poderia salvar era eu. Balancei a
cabeça em negativa, lágrimas ameaçando cair dos meus olhos enquanto eu
puxava mais minha tia ao peito.
— Dani — ela sussurrou, erguendo a mão esquerda para o meu rosto.
Abaixei a cabeça para poder encarar melhor os seus olhos verdes,
sempre bondosos e cheios de vida, mesmo quando ela sofria nas mãos
cruéis do meu tio. Ela não parecia com dor, não agora que sua mão direita
estava firme na mão de Gaspare. Minha tia me olhou com amor, como
sempre fez.
— Zia, por que você fez isso? — Eu tentei desesperadamente estancar
o sangue que jorrava dela em quantidades alarmantes.
— Você é e sempre foi meu. Meu bambino, meu filho querido. Ensine
para o seu filho tudo o que ensinei para você. Não se esqueça do quanto eu
te amo e diga… — Ela parou, uma tosse seca, com um pouco de sangue
vazando da sua boca. — E diga para os meus meninos e minhas filhas que
eu os amei muito também.
— Zia, não fale isso, nós… Nora… — Eu não conseguia mentir para
ela, mas eu não poderia deixar ela morrer, não assim…
— Está tudo bem, bambino mio — ela sussurrou, a voz cada vez mais
fraca. Seus olhos foram para Gaspare e um sorriso amoroso partiu seu rosto
já pálido. Um sorriso cheio de arrependimentos, mas cheio de carinho,
cheio de vontade. Sorriso de alguém que não teve muito tempo, mas que
aproveitou o que lhe foi dado. Um sorriso que partiu o meu coração. — Na
próxima vida, amore mio.
— Na próxima vida — ele prometeu, antes da sua cabeça pender e seu
peito parar de se mexer.
Minha tia soltou um último suspiro dolorido e seu corpo ficou todo
mole em meus braços, a vida se esvaindo dela em um segundo.
— Dani — Nora me chamou, mas eu ainda estava encarando o rosto
sem vida e pálido da minha tia. O desespero me consumindo.
A única que não tinha obrigação nenhuma de me amar, porque não era
minha parente de sangue. A única que nunca precisou ser gentil comigo,
mas foi. A única que nunca precisou me tratar como filho, mas que fez tudo
isso. Me deu carinho, presentes de Natal, sabia tudo o que eu gostava, sabia
tudo o que eu não gostava. Separava minhas frutas favoritas enquanto eu
crescia, porque sabia que eu ficava com pouco apetite depois de sair com
meu tio e ela queria que eu me alimentasse direito. Me deu uma casa, um
lar, quando eu não tinha nada. Brigou com meu tio para me manter aqui,
mesmo sem nenhuma obrigação. A mulher que sempre foi mais mãe para
mim do que qualquer outra pessoa estava morta.
Ela estava morta. Gaspare estava morto. Christian também.
E eu estava sangrando em uma velocidade alarmante.
— Nora, vá embora! — ordenei, erguendo os olhos para ela.
Ela parecia em pânico, a respiração acelerada, os olhos arregalados.
Também ficava balançando a cabeça, como se estivesse lutando contra algo,
algum pensamento… A emboscada que tirou Ignazio dela. Ela estava se
lembrando? Estava se culpando por me deixar? Ele não a mandou ir
embora, mas eu faria de tudo para protegê-la e proteger o nosso bebê.
— Nora, você precisa ir embora, pelo nosso filho. Não entre na casa,
porque se eles eliminarem os seguranças, vão invadir. Suba na porra da
moto e vá. Vá, vita mia. Pelo nosso filho.
Ela me encarou por um momento, indecisa, uma expressão de dor
cobrindo suas feições, como se fosse fisicamente doloroso me abandonar.
Depois de um momento tenso, ela concordou com a cabeça, se levantando e
correndo até a minha moto.
Pelo menos eles sobreviveriam. O alívio me inundou conforme minha
cabeça ficava cada vez mais leve e aérea. O sangue se esvaindo de mim,
mas a dor tomando conta, dor de tudo, do ferimento e de perder a minha tia,
de mandar Nora embora… Eu deveria ter dito que a amava…
Deveria ter lutado mais contra meus traumas, meus medos. Deveria ter
me entregado a ela mais cedo. Deveria ter beijado seus lábios antes. Levado
ela em encontros de verdade. Cortejado ela como ela merecia. Insistido para
que ela se casasse comigo, sim, e não porque teríamos um filho, mas porque
eu a amava.
Deveria ter tomado mais cuidado para poder passar o resto da vida
com ela, para ver nosso filho nascer, ver ele crescer. Ou ela… uma bambina
com a cara da Nora, sua determinação.
A vida que eu secretamente sempre desejei quando olhei para a forma
que Teo sempre amou a Cate. A vida que secretamente desejei quando
percebi que não queria ficar sozinho, mas que achava que merecia ficar.
A vida que eu quis assim que coloquei os olhos naquela médica
teimosa e cabeça-dura.
Talvez, como minha tia disse, na próxima vida…
30 - Nora

“Nora, fique ao meu lado, pare de lutar!”


— Nora, vá embora!
A voz de Dani entrava em conflito com a voz de Ignazio na minha
mente.
Em um momento, eu estava no pátio de entrada da mansão do Capo
em Hewlett, e no outro eu estava naquele estacionamento nas docas, lutando
contra Ignazio. O cheiro do sangue, o barulho dos estampidos. As mortes
acontecendo na frente dos meus olhos, de pessoas conhecidas. De pessoas
que eu gostava…
“Ignazio segurava o meu braço, impedindo os meus movimentos, me
puxando para longe do lugar que ele deveria ficar, que deveria proteger os
seus amigos, os Stiddari que caiam facilmente.
Uma emboscada. Uma emboscada tão bem planejada que eles sabiam
cada passo que demos, cada movimento que fizemos. Meu noivo quis me
trazer porque brigamos e agora estávamos presos em uma emboscada que
terminaria com os dois mortos.
— Ignazio, me solta, eu consigo…
— Você não consegue cazzo nenhum! Fique quieta e vamos fugir —
ele ordenou, grosso, me puxando pelo braço com força.
Irritada, me livrei do seu aperto, empurrando o seu peito com força.
Meu corpo estava tenso, e ele tentava me arrastar de volta para o carro
que viemos, quando eu disse muito bem que sabia me defender. Eu poderia
ter dado cobertura para ele, poderia ter ajudado, poderia ter ficado na
retaguarda e mesmo assim ele ficou focado em mim, dizendo tudo o que eu
não era capaz de fazer, na visão dele.
— Me solta e preste atenção ao redor! Estamos encurralados, você
sabe o que é isso? Vamos morrer se você não parar de ser um idiota!
— Você não tem noção do que é isso, Nora, você não é experiente, não
é uma lutadora de verdade. — Ele me empurrou em direção ao carro, com
raiva e eu me segurei muito para não ir para cima dele. Dei alguns passos
para trás quando ele ameaçou fazer de novo. — Você…
Ele parou de falar quando foi derrubado por um homem enorme. Os
dois caíram no chão com um estrondo, membros enrolados. Ignazio ficou
por baixo, o homem da La Santa socando repetidamente o seu rosto. Com
tanta força, com tanta violência…
O som dos ossos se partindo, dos gemidos de dor… Ignazio tentou se
defender por alguns momentos, mas o tempo que ele ficou brigando comigo
sobre minha incapacidade custou sua atenção, custou segundos preciosos
em sua defesa. O homem tinha a vantagem e ele estava usando, socando a
cara do meu noivo com tanta força que eu não sabia mais se ele
sobreviveria. Ele socava a lateral da cabeça, repetidamente.
E eu tive que agir.
Peguei a faca que roubei do carro de Ignazio, já que ele se recusou a
me armar mesmo sabendo que minha mira era bem melhor do que a sua.
Me preparei e disparei na direção do atacante, acertando-o no meio do
corpo e jogando meu peso em cima dele, com toda a força que eu tinha. Ele
caiu no chão, um pouco desconcertado pelo ataque surpresa. Não dei
tempo para ele se recuperar, golpeando seu abdômen com a faca,
repetidamente. Acertei e acertei, sentindo sua pele se partir, atingindo os
lugares que eu sabia serem vitais, sensíveis. Golpe atrás de golpe,
descontrolada, até ele engasgar com o seu sangue, até ele parar de se
mexer e de lutar contra mim.
O barulho da luta ainda soava em meus ouvidos, tiros esporádicos,
gritos de dor. Saí de cima do Santo e voltei para Ignazio, tateando em sua
cintura a procura da arma que ele nunca sacou porque não estava
prestando atenção.
Minha culpa.
Eu deveria ter ficado para trás. Ou eu deveria ter insistido mais.
Deveria ter brigado com ele e roubado uma arma de alguém, insistido que
eu poderia protegê-lo.
No fim, ele estava certo. Eu não fui capaz de defendê-lo. De protegê-
lo. Uma raiva cega me consumiu, uma culpa cortante ao olhar para o seu
rosto destruído, o sangue escorrendo por todos os lados, até pelas orelhas.
Ele ainda respirava, pelo movimento em seu peito, uma respiração rala e
fraca.
Ergui a arma e comecei a atirar, loucamente, acertando qualquer
pessoa que se aproximava. Até o silêncio reinar. Um silêncio diferente,
cheio de morte. Um silêncio macabro que me deixou paralisada por um
momento.
Larguei a arma no chão e obriguei minhas pernas a se movimentarem
até o corpo de Ignazio. Comecei a fazer de tudo em meu poder para não o
deixar morrer. Eu não carregaria a culpa de tirar a sua vida. Eu não
poderia ficar parada depois de ser o motivo para a sua distração. Ignazio
viveria. Ele tinha que viver. Caso contrário, tudo o que ele disse sobre mim
seria verdade. Eu não era boa. Eu não era capaz de protegê-lo, de ajudá-
lo.”
— Nora — Dani chamou, sua voz penetrando as memórias que
ameaçavam me paralisar. — Você precisa ir embora, pelo nosso filho. Não
entre na casa, porque se eles eliminarem os seguranças, vão invadir. Suba
na porra da moto e vá. Vá, vita mia. Pelo nosso filho.
Meus olhos focaram nele por um momento. Ele estava sujo de sangue,
sangue da sua tia que ele ainda segurava contra o peito. Sangue do tiro que
foi em seu ombro. Seu rosto estava contraído de dor e eu tinha certeza que
não era pelo ferimento. Ele estava sofrendo pela tia que não parecia respirar
mais, contra o seu corpo.
Eu entendia o que ele estava falando.
Ir embora.
Proteger nosso bebê.
Fugir e deixar ele para trás, porque a coisa mais importante é essa
criança crescendo em mim.
Então eu levantei, automaticamente, e corri até a moto. Joguei os
capacetes no chão, incapaz de me importar em parar e colocá-los, e subi na
moto de Dani. O motor rugiu com a partida e eu a virei no cascalho
rapidamente, dando a volta no carro de Christian. Desviei do corpo dele,
desviei do corpo de Gaspare que ainda estava segurando a mão de Alessia e
parei na frente de Dani. Ele abriu os olhos que já tinha começado a fechar,
suas forças se esvaindo por toda dor que ele sentia e todo o sangue que ele
estava perdendo. Seus olhos brilharam em confusão e depois incredulidade.
Estiquei a mão, sem descer da moto e olhei para ele com firmeza.
— Eu não vou conseguir te colocar aqui, então você vai ter que me
ajudar. Faça por mim, Daniele Ricci, e levante-se.
Ele hesitou por um momento, o caos a nossa volta ainda acontecendo.
Os tiros pararam, e os homens restantes da Stidda estavam avançando e
dando a volta, pulando a sebe e tentando capturar qualquer homem da
Catania que tenha sobrado. Os olhos dele estavam colados nos meus e eu vi
lentamente a mudança. A resignação dando lugar a determinação. Ele
colocou a tia delicadamente no chão, cerrando os dentes pela dor de
movimentar seu ombro e deu um beijo em sua testa, com carinho.
Então ele pegou a sua arma e se levantou, fazendo força para se manter
de pé. Dani cambaleou um pouco, bem pálido e parou na minha frente. Fiz
ele tirar o seu terno, mesmo coberto de sangue, e arranquei com força a
manga da sua camisa, rasgando o tecido com um puxão duro. Abri sua
camisa para conseguir observar se o ferimento era no seu peito, mas não
era, ainda bem. Ele soltou um gemido de dor, mas tomei todo o cuidado
com o braço machucado e pressionei a ferida em seu ombro, com força por
um momento. Dei um jeito de amarrar o terno em seu ombro e braço,
estancando o sangue como pude. O certo seria fazer pressão até realmente
parar e chamar uma ambulância, mas não tínhamos tempo, e se eles
voltassem, Dani estaria em perigo, portanto, teria que ser o suficiente.
Verifiquei se a ferida ainda sangrava, e fiquei satisfeita ao ver que não, não
como antes. Dani segurou a minha mão, com firmeza. Eu o puxei para mim
e ele levou um momento para conseguir subir na moto, gemendo de dor.
— Me dê a arma — pedi, mas ele negou. — Eu consigo…
— Eu sei, vita mia, mas eu preciso de algo para me manter acordado.
E proteger você é o que eu sempre vou fazer.
— Segure-se em mim e não solte, Dani. Lute por nós e nosso futuro.
Não deixe o nosso filho.
— Eu prometo — ele sussurrou, sua mão passando pela minha cintura
e seu corpo colando no meu.
Não perdi mais tempo. Acelerei, passando pelo portão ligeiramente
aberto com os soldados da Stidda tentando resolver os problemas ali. Eu
nunca andei tão rápido assim na minha vida, correndo bem acima de
qualquer limite. Bem acima do que era seguro para nós. Era um risco, e eu
deveria levar Dani para um lugar mais próximo, mas a clínica no Brooklyn
era a melhor opção. Ele só precisava não sangrar até a morte. Rezei para ser
a decisão certa, concentrada nisso, concentrada no caminho à frente,
pilotando tão rápido, que com certeza a polícia nos pararia.
Mas não me importei, continuei acelerando o máximo que pude,
passando por carros em manobras perigosas, desviando de todo mundo que
ousava entrar na frente, passando pelo acostamento quando tinha, tentando
chegar o mais rápido possível.
— Nora, desacelere — Dani ordenou e eu bati os olhos no retrovisor.
Um carro vinha com toda velocidade, cortando os carros que
ultrapassei com menos eficiência do que a moto. Claramente nos
perseguindo.
— Vou deixar o carro emparelhar comigo — gritei, por cima do
ombro. — Você sabe o que fazer.
Eu esperava que Dani tivesse a mesma ideia que eu, porque ele só teria
uma chance. Uma única chance de acertar o motorista. Com a velocidade
que eles estavam, o carro com certeza perderia o controle e capotaria. Era a
minha esperança. Dani se preparou, seu corpo ainda colado no meu, sua
mão segurando com firmeza a minha cintura, mantendo-o no lugar, firme.
Sua outra mão estava na sua coxa, colada contra a minha, a arma ali,
esperando.
Mantive a velocidade rápida, mas de um jeito que eles rapidamente
nos alcançaram. Por um segundo tenso, emparelhamos. Eu consegui ver os
ocupantes: dois homens mais velhos do que nós. O passageiro tinha cabelos
marrons ralos e ergueu a arma, mirando em mim. Mas Dani foi mais rápido.
Quando o braço dele começou a se mexer, se erguendo pelo vidro aberto,
Dani puxou o gatilho, uma, duas vezes. Dois tiros na cabeça do motorista.
Sangue explodiu para todos os lados e o carro começou a girar na pista
quando ele caiu de cara no volante. Eu não perdi mais tempo, acelerei ao
máximo, a moto rugindo abaixo de nós ao ser levada ao seu limite. O carro
perdeu o controle, outro acertou ele em cheio no meio quando ele invadiu a
outra pista, finalmente fazendo ele capotar. Eu acompanhei tudo pelo
retrovisor, o barulho horrendo do carro se arrastando no asfalto, de outros
carros freando em cima, o cheiro dos pneus cobrindo o ar. Os carros à nossa
volta começaram a desacelerar, ficando para trás, provavelmente esperando
dar socorro para as possíveis vítimas. Aproveitei a situação para disparar
ainda mais, minhas mãos duras e doloridas de tanto que eu pressionava o
acelerador, de tanto que eu forçava a moto.
Deixei todo o caos para trás, acelerando ao máximo, sentindo o aperto
de Dani na minha cintura diminuir cada vez mais.
Por favor, Deus, por favor.
— Só mais um pouco — menti, e ele resmungou alguma coisa que não
entendi, sua mão se soltando em um breve momento de pânico. — Dani?!
Eu precisava ouvir o que ele falou, precisava da confirmação de que
ele aguentaria, de que ele se seguraria um pouco mais.
— Não vou te deixar, leonessa, eu prometo.
A firmeza da sua voz entrava em contraste com o aperto leve na minha
cintura, com o seu corpo praticamente jogado por cima do meu, sem forças.
Seu peito estava grudado em minhas costas e eu sentia algo molhado contra
mim, contra a minha blusa. Minhas pernas estavam duras e firmes, como se
eu pudesse empurrar a moto só com a força das minhas coxas, forçando o
motor assim.
A pegada da mão de Dani ficava cada vez mais leve, mas
ocasionalmente voltava a me apertar, segurando o tecido da minha blusa.
Cada vez que esse ciclo acontecia, meu coração perdia a força e quando sua
mão voltava a me segurar, eu voltava a respirar normalmente, toda a
adrenalina correndo por mim. Meus olhos queimavam pela velocidade,
meus cabelos provavelmente voando no rosto de Dani, mas eu não me
importava, eu só tinha um objetivo: fazer ele viver.
Eu quebrei todas as leis de trânsito, mas consegui chegar na clínica,
derrapando na entrada e gritando desesperadamente por ajuda. A equipe da
emergência mal tinha chegado até nós quando Dani perdeu a consciência.
Ele caiu com força no chão, a equipe aparando a sua cabeça de bater no
asfalto. Eles começaram a tratar ele, rasgando as roupas e uma maca surgiu
do nada, movendo Dani e desaparecendo pelas portas. Eu deixei a moto ali,
incapaz de me importar se ela estava em um lugar proibido ou se eu estava
atrapalhando alguém. Tudo o que eu queria era entrar e ir atrás de Dani.
Disparei pelas portas, meus olhos procurando para onde encaminharam
ele. Vi várias pessoas cercando alguém em uma das salas de emergência,
mas quando comecei a andar até lá, eles saíram arrastando a maca. Dani
ainda estava desacordado, sangue cobrindo todo o seu peito, mãos tocando
o seu corpo, tentando mantê-lo vivo de qualquer maneira que fosse, com
massagens cardíacas e instrumentos. Eles passaram por mim sem se
importarem comigo ali, parada, desesperada. Comecei a seguir, sabendo
exatamente para onde o estavam levando, para onde ele iria.
Eles entraram nos elevadores, mas não cheguei a tempo, ficando de
fora ali, parada. Eles me deixaram para trás e eu fiquei paralisada por algum
motivo, chocada demais para me mover. Com medo demais.
Era tudo tão parecido e, ao mesmo tempo, tão diferente daquela noite.
Eu não fui atrás de Ignazio no hospital, mas tentei salvar a sua vida. Eu não
queria que ele morresse porque gostava dele, sim, mas também por culpa.
Por peso na consciência.
Eu não queria que Dani morresse porque, se isso acontecesse, parte de
mim morreria junto. Eu tinha certeza. Eu tinha certeza que meu coração se
quebraria de verdade, fisicamente, mesmo que fosse impossível. Eu não
tinha dúvidas de que, se Daniele Ricci morresse, eu nunca mais me
recuperaria, e eu não poderia lidar com a possibilidade de perdê-lo assim,
sem nem ao menos tê-lo de verdade.
— Nora! — Milena, minha amiga, saiu correndo quando me viu
parada na frente do elevador. — Você está pingando sangue!
Eu olhei ao redor e percebi as gotas escorrendo de mim. Das minhas
costas. As pessoas me encaravam, cochichando, provavelmente estranhando
que eu trouxe o Consigliere da Stidda e estava coberta com o seu sangue.
Eu estava pouco me fodendo, tudo o que me importava era Dani.
— Não é meu. Dani… — consegui falar, escutando a minha voz
tremendo e ela estendeu a mão, aparando meu peso.
— O que aconteceu? Deu algo errado? — ela sussurrou, me puxando
para andar, com o braço na minha cintura. Ela sabia da emboscada hoje,
mesmo não devendo, porque seu namorado, Vincenzo, era o segurança da
Cate. Mas também porque Milena me ajudou a resgatar e esconder aquelas
mulheres. Vincenzo ficou furioso que ela não confiou nele, e ela disse que
ele também não contava muitas coisas para ela. Com isso, o segurança da
minha amiga começou a compartilhar mais com a namorada, e ela com ele.
Cate e eu fizemos questão de juntá-los quando percebemos a química. E eu
estava feliz porque a minha amiga tinha alguém que a amava e valorizava
ela.
Um choro dolorido escapou de mim sem o meu controle. Dani não
poderia morrer. Não agora que parei de lutar contra ele, contra o que eu
sentia por ele. Não agora que a atração se transformou em… amor. Eu não
poderia perdê-lo logo agora. Não agora que estava carregando um filho
dele. Ele merecia tanto ser feliz, ver essa criança crescer. Eu queria
conhecer cada parte dele. Eu queria saber o que ele ensaiava para me contar,
o que travava sua garganta, que enchia os seus olhos de medo e o fazia
mudar de assunto. Eu queria dormir sempre na sua cama, poder contar para
os outros que estávamos juntos, poder anunciar para o mundo que eu
carregava o seu filho e estava orgulhosa disso.
Que eu tinha orgulho de pertencer a ele, assim como ele pertencia a
mim.
Ele não podia morrer.
— Preciso que você ligue para o Vincenzo e chame Teo e Mau até
aqui. Agora, Milena, por favor — pedi, implorei, enquanto ela me levava
até o vestiário para me ajudar.
Donna, minha outra amiga, invadiu o local enquanto Milena ligava
para Vincenzo. Ele atendeu porque ela nunca ligava enquanto ele estava
trabalhando, mas não prestei atenção na conversa. Donna ouviu os boatos
de que eu trouxe o Consigliere ferido mesmo ficando na ala da pediatria e
veio ao meu encontro. Ela e Milena me ajudaram a limpar minhas costas e
meus cabelos encharcados de sangue. Elas me trocaram e me levaram até a
área de espera da ala cirúrgica, me colocando sentada em uma cadeira. Eu
percebi uma delas me dando água, me obrigando a tomar. Percebi outra
fazendo carinho nas minhas costas, falando palavras que considerou
consoladoras e calmantes. Não ouvi nada.
Minha mente apenas repetia o mesmo mantra:
Por favor, Deus, por favor.
Milena era a única ao meu lado quando invadiram a sala de espera,
todos os Ricci com Vincenzo e Angelo. Cate segurava o braço do marido
com força e Lena parecia um pouco pálida seguindo Mau. Meu irmão
estava um pouco desesperado, os olhos arregalados varrendo sobre mim.
Quando percebeu que eu estava bem, ele respirou um pouco mais tranquilo.
— O que aconteceu? — Teo exigiu, aproximando-se rapidamente de
mim.
— Eles nos seguiram, três carros… — Minha voz saiu rouca e um
pouco cansada. — Pararam no começo da estrada para a mansão. Ficamos
de olho, os seguranças ficaram… E quando estávamos indo embora… tiros.
Eles deram um jeito de sair do carro e se esconderam atrás da sebe.
Atiramos de volta, aleatoriamente, mas conseguimos contê-los. Dani
recebeu um tiro no ombro e… — Erguei os olhos para Teo, para Mau. — E
eu tive que tomar uma decisão… Eu o trouxe para cá. Fomos interceptados
de novo, mas Dani ainda estava acordado e conseguiu atirar. Eliminamos
eles.
— E como ele está? — Mau perguntou e eu balancei a cabeça.
— Está em cirurgia, eu não sei nada. Não dizem nada.
— Eu vou descobrir — Milena afirmou e se levantou, apertando minha
mão mais uma vez. Vincenzo e Angelo se afastaram, se posicionando nas
portas de entrada da sala de espera, provavelmente em alerta depois do meu
discurso.
— Você tomou a decisão certa, Nora — Cate me garantiu e eu balancei
a cabeça, porque ainda não tinha contado a pior parte.
— Christian, Gaspare e Alessia foram atingidos — falei de uma vez,
minha voz tão baixa e quebrada que duvidei que eles tivessem escutado.
Mas Mau começou a balançar a cabeça, desesperado.
— Não — ele me interrompeu, irritado.
— Eu… eu não consegui salvá-los.
— Você está mentindo! — Ele passou a mão pelos cabelos, suas
feições contorcidas em dor, em raiva. Teo tentou segurar o seu ombro, mas
ele empurrou o irmão com força.
— Sinto muito. Eu não pude fazer nada por eles…
— Pare de falar!
— O ferimento de Dani era o mais fácil…
— Não! — ele gritou, e então mais um grito se seguiu, um grito de
absoluto desespero enquanto o mais novo dos Ricci caía de joelhos na
minha frente, o seu corpo inteiro tremendo em pesar e choro.
Os soluços e os gritos que escapavam da sua garganta eram
desoladores. Lena se ajoelhou na frente do marido e o abraçou com força,
puxando-o para si. Mau envolveu ela em um abraço apertado, quase
desesperado, enquanto ainda chorava, gritando, xingando, amaldiçoando
todos.
Cate cambaleou e se sentou ao meu lado, lágrimas silenciosas
escorrendo pelo seu rosto, a mão no coração como se pudesse impedir ele
de quebrar em pequenos pedaços com a notícia da morte da sua sogra e dos
outros. Eu sabia que ela sofreria por todos, era da sua natureza, do seu
coração.
Teo não se mexeu.
Ele não parecia nem respirar.
Ele não parecia reagir, como se tudo o que eu disse não tivesse sido
registrado em seu cérebro.
O Capo ficou ali parado, os olhos um pouco arregalados, o corpo tenso
e duro. Incapaz de processar a notícia de que sua mãe morreu, seu
Executor-chefe morreu, um dos melhores amigos do seu irmão também.
— Eu sinto muito — pedi, engolindo o choro que ameaçava me
sufocar. — Eu não pude fazer mais nada por eles…
— Como? — ele perguntou, a voz ríspida e seca. Tentei não levar para
o pessoal, ele estava sofrendo.
— Christian primeiro. Nos pegaram de surpresa, ele estava de costas.
Depois… Gaspare tentou proteger a sua mãe e caiu E aí Dani foi atingido. E
por último… por último, Alessia entrou na frente da bala que era destinada
ao coração de Dani.
Isso fez Cate chorar mais, o choro silencioso mudando para um choro
desesperado também, profundo. Mau ainda amaldiçoava e gritava no chão.
Uma enfermeira surgiu na porta, provavelmente para pedir silêncio, mas
saiu rapidamente quando viu quem estava ali.
Teo me encarou por um momento, concordando com a cabeça. E então
caiu de joelhos ao lado do irmão, puxando-o para si e começando a chorar
também.
Lena se levantou e deixou Teo amparando o seu irmãozinho. Ela se
sentou do outro lado de Cate e por um momento nos entreolhamos. Seus
olhos estavam cheios de lágrimas, de pesar. Mas éramos as últimas dessa
família, as últimas que chegaram, e parecia errado atrapalhar o luto deles
com o nosso.
A Rainha da Stidda estava chorando de uma forma que partia o
coração e me deixava com raiva do mundo, e aparentemente Lena também.
Nós duas envolvemos Cate em um abraço, de alguma maneira concordando
de forma silenciosa como faríamos isso. Cate chorou ainda mais quando
nossos braços a envolveram, e suas mãos seguraram nossos joelhos, como
se ela tentasse agradecer pelo pouco conforto que estávamos dando a ela.
Minhas lágrimas caíam livremente.
Também de luto por Alessia, por Gaspare, por Christian, tão jovem e
com tanta coisa para fazer. Por essa família. Alessia sempre foi carinhosa
comigo, uma desconhecida, eu só conseguia imaginar como foi crescer com
uma mulher daquelas cuidando desses homens que precisaram logo cedo
amadurecer. Como foi ter o contraste dela, bondosa e carinhosa, com Mauro
Ricci e os boatos de sua crueldade.
Meu luto era por Dani, que perdeu em seus braços a mulher que foi sua
mãe, que o criou, que cuidou dele como cuidou dos dois filhos biológicos.
A mulher que parecia brilhar de felicidade quando Cate a chamava de
mamma e parecia secretamente desejar que Lena fizesse isso logo também.
E eu esperava, do fundo do meu coração, que eu fosse pelo menos metade
da mãe que ela foi. Que eu amasse meus filhos como ela amou, que eu os
protegesse como ela os protegeu, a ponto de entrar na frente de uma bala
por um deles.
Sem pensar. Sem pestanejar.
Alessia Ricci foi uma mãe incrível, e eu não poderia ter mais orgulho
de amar o filho que ela criou e entregar meu coração para ele.
Ele só precisava sobreviver para que eu dissesse isso a ele.
Sem mais fugir.
Sem mais lutar.
Eu era dele e ele seria meu para sempre.
Por favor, Dio mio.
Milena entrou novamente na sala, os olhos com um pesar que só quem
trabalhava na área da saúde e lidava com notícias ruins o tempo todo estava
acostumado. Balancei a cabeça quando ela veio em minha direção,
delicadamente ignorando o Executor ainda abraçado ao Capo.
— As coisas não estão boas... Ele morreu já duas vezes na mesa de
operação.
Incapaz de me conter, vomitei e logo em seguida senti o mundo se
apagar quando desmaiei.
Arte da cena
31 - Dani

Eu tive um sonho estranho, perturbado. Fazia tempo que eu não


sonhava assim. Cheiro de sangue que impregnava tudo. Gritos de dor. Medo
e desespero que gelavam a minha espinha. A certeza de que era isso, que era
o fim…
Foi um sonho confuso, eu me sentia um pouco desesperado e
desnorteado, como se meu subconsciente estivesse me implorando para
acordar. Era algo que eu não conseguia controlar, mas que me deixava irado
mesmo assim. Eu não me lembrava muito bem do que aconteceu no sonho,
mas me lembrava da dor. Não só física, mas na alma. No meu coração
desesperado que parecia ter sido rasgado ao meio.
Algo parecia faltar em mim, um pedaço vital, uma força que me
mantinha são, unido. Era como se eu tivesse perdido uma parte minha de
uma maneira dolorosa e brutal, mas eu não conseguia me lembrar
exatamente do que era. Eu odiava sonhar com coisas assim, mas não era
algo que eu conseguia controlar, ao contrário de tudo à minha volta. E eu
detestava a sensação de coisas fora do meu controle. Eu detestava ser pego
de surpresa. Detestava não poder calcular todos os erros, rotas e
direcionamentos. E esse sonho estranho tinha essa exata sensação.
Minha cabeça estava pesada, uma enxaqueca martelando meu cérebro
e me fazendo gemer de dor. Quase como uma ressaca pesada. Minha boca
estava seca, meu corpo dolorido como se eu tivesse dormido em uma
posição horrível por muito tempo.
Um barulho estranho, pequenos bipes, vozes baixas através de uma
porta fechada. Um cheiro de estéril, de hospital…
Abri os olhos, cerrando-os logo em seguida, porque a luz de um
aparelho bem na minha cara me cegou por um momento. Pisquei algumas
vezes, tentando me centrar. Eu estava em uma cama, com vários tubos e
fios saindo do meu braço. Meu ombro estava latejando pra caralho, só
perdendo para a minha cabeça. A luz estava apagada, mas mesmo assim o
quarto estava visível na penumbra, por causa das duas janelas enormes:
uma para a rua, com o sol penetrando ali, e uma para o corredor do hospital.
As cortinas de persiana não faziam muito para tapar a luz saindo dos dois
lugares.
Teo estava jogado em uma poltrona, a barba um pouco maior do que
ele normalmente deixava, por fazer. Seus cabelos estavam bagunçados, sem
forma, e seu terno estava completamente amassado, a camisa suja e aberta
no peito. Ele dormia em um sono pesado, completamente cansado. As
olheiras embaixo dos seus olhos demonstravam isso. Mesmo assim, sua
mão estava por dentro do terno, provavelmente no coldre e na arma que ele
carregava ali. Sua poltrona estava meio virada em direção à porta de
entrada, de guarda. Ele não deveria estar dormindo, mas o cansaço deve ter
vencido sua determinação em ser meu segurança.
E em um sofá do outro lado, estava Nora, encolhida ali, os joelhos
quase no peito, a cabeça encostada em um travesseiro fino e pequeno. Uma
pequena manta cobria a metade do seu corpo e ela segurava com firmeza
uma corrente que parecia de madeira… um terço. Seu rosto estava tenso,
como se ela estivesse no meio de um pesadelo, e ela também tinha olheiras.
Lágrimas manchavam o seu rosto e isso me causou um aperto no coração.
Tentei me levantar, um gemido de dor escapando de mim e Nora se
levantou rapidamente, os olhos já focados e prontos.
Ela veio em minha direção, preocupada. Quando percebeu meus olhos
abertos, ela soltou um suspiro aliviado, mais lágrimas escapando dos seus
olhos que estavam vermelhos.
— Oi, como você está se sentindo? — ela perguntou em voz baixa, se
aproximando de mim.
Nora fez uma análise rápida, seus olhos correndo pelo meu corpo e
parando em meu ombro. Virei a cabeça e percebi que estava com a parte de
cima nua, meu ombro com curativo enorme. A visão dele me trouxe
lembranças.
Meu ombro explodindo de dor quando o tiro me atingiu ali, o
desespero de todos nós tentando acertar aleatoriamente a sebe em que os
Santos se escondiam.
Christian caindo.
Gaspare protegendo minha tia e recebendo um tiro.
Minha tia entrando na minha frente…
Eu pedindo para Nora ir embora, pedindo para ela se salvar e salvar
nosso filho, para ela colocar a vida deles acima da minha porque, naquele
momento, eu tinha certeza de que morreria e já tinha aceitado o meu
destino.
Nora me salvando, me obrigando a continuar, me desafiando a
sobreviver por ela. Pelo nosso filho. Ela dando um jeito de conter o
sangramento descontrolado do meu ombro, pilotando de forma exemplar,
mais rápida do que nunca, sem se preocupar com nada no seu caminho. Ela
sabendo exatamente o que fazer e como agir, emparelhando com o carro dos
atacantes restantes e me deixando eliminá-los…
Depois disso, tudo era um borrão de dor e tontura, minha cabeça aérea,
meus pensamentos embaçados, lentos. Eu não me lembrava de mais nada,
mas também não me lembrava de perder a consciência. De qualquer
maneira, agora que as memórias voltaram para mim, a dor do luto se
infiltrou novamente em meu coração.
Minha tia entrou na frente de um tiro para me proteger. Ela recebeu a
bala feita para mim, direcionada para mim. Que ia me levar desse mundo
cedo demais, principalmente agora que eu tinha finalmente encontrado
Nora. Minha tia não hesitou em me dar um futuro, assim como não hesitou
no passado.
Ela me deu um futuro naquela época também, me assumindo como
seu, me criando, se certificando de que eu tinha tudo o que precisava. Eu
nunca mais poderia confessar para ela que ela era a melhor mãe que eu já
tive. Eu nunca mais poderia dizer para ela que eu só estava vivo, que eu só
segui em frente, porque ela me mostrou carinho, porque ela e meus primos
eram a minha família, tudo pelo que lutei.
Minha tia, que não tinha obrigação nenhuma de criar o sobrinho
agregado, mas que fez de tudo para que eu fosse tão amado e cuidado como
Teo e Mau, não existia mais. Ela não estava mais no mundo e tudo porque
foi me proteger, tudo porque queria que eu tivesse uma vida como ela
achava que eu merecia.
Com Nora. Com nosso filho. Com nossa família.
Nora deve ter visto o pesar nas minhas feições, porque se aproximou
ainda mais e segurou meu rosto entre suas mãos, beijando meus lábios
várias vezes, com cuidado. Como se não quisesse me machucar mais.
Estiquei o braço bom e enlacei a sua cintura, puxando-a para mim.
Ela soltou um soluço baixo, sua testa se encostando na minha, sua
respiração um pouco acelerada pelo desespero, mas seu corpo relaxando
lentamente contra mim, enquanto meu coração batia contra o seu e nossas
respirações sincronizavam. Ela sentia nessas ações que eu estava vivo, que
eu ainda estava ao seu lado e que não a deixaria tão cedo.
Eu não desperdiçaria a chance que minha tia me deu. A continuação
dessa vida. O futuro que ela queria para mim, que ela garantiu para mim ao
entrar na minha frente e receber a bala no meu lugar. Nada seria em vão, a
começar por Nora e como eu a queria ao meu lado para sempre.
— Estou bem — garanti, respirando fundo e sentindo o seu cheiro,
deixando ele me acalmar. — Estou bem, graças a você.
— Eu tive tanto medo de você não acordar. Você perdeu muito sangue,
Dani, você morreu clinicamente duas vezes na cirurgia. Nunca mais faça
isso comigo, ou eu juro que vou te enfrentar no Ringue e descer o cacete em
você.
A exigência de Nora veio com um beliscão no meu braço bom e eu
abri um sorriso, beijando os seus lábios com delicadeza.
— Não posso prometer isso, vita mia, porque se for preciso entrarei na
frente de uma bala por você.
— Não precisa ser dramático, coglione — Teo resmungou, com a voz
grossa ecoando cansada pelo quarto.
Nora se afastou de mim, segurando minha mão quando olhei feio para
ela. Ela limpou as lágrimas e virou o rosto quando meu primo se
aproximou, como se quisesse dar privacidade para nós.
— Como você está se sentindo?
— Como merda — admiti, porque ele sabia sobre o que eu estava
falando. Pela dor em seus olhos ele sabia. — Sinto…
— Nem termine essa porra dessa frase, fratello. Estou feliz que você
esteja vivo. E não, não é culpa sua.
— Se eu…
— Muitos “se” para pouco tempo. Não vamos nos prender às
variáveis, ao que poderíamos ter feito diferente. — Meu primo parecia
determinado em deixar isso para trás. Eu sabia que ele não queria sofrer,
não queria deixar a tristeza e o luto dominar suas ações.
— Por quanto tempo apaguei? O que aconteceu? — Olhei de Nora
para Teo e meu Capo suspirou.
— Você ficou quase dois dias dormindo, coglione, obrigado por isso
— ele resmungou e Nora deu uma risadinha. — Masì e Eddo assumiram os
interrogatórios… Mau não conseguiu ajudar, ele estava um pouco
descontrolado.
O pesar na voz do meu primo dizia que o estado do caçula não era
nada bom.
— Como ele está agora? — perguntei mesmo assim, preocupado.
Teo suspirou, passando as mãos pelos cabelos bagunçados.
— Bêbado em algum lugar. Lena está com ele, tomando conta dele.
Ele não está fazendo nada, só bebendo até desmaiar. Não é saudável, mas…
só se passou dois dias. Eu vou permitir esse comportamento por mais
alguns.
— E Cate?
— Ela está em casa, Gigi está ao seu lado, ela veio assim que ficou
sabendo… Aura se recusa a ficar na sua casa agora e quer se mudar para a
casa da Giovanna, mas não sei se vai fazer isso.
Deixei o silêncio fluir um pouco, para não deixar a emoção tomar
conta de mim.
— Ela morreu na minha frente — sussurrei, e meu primo respirou
fundo, cansado. — Ela tentou me proteger, Teo. Eu sinto muito…
— Não peça desculpas por algo que eu faria também, Dani. Que
qualquer um faria. Minha mãe… — Ele pausou, limpando a garganta por
um momento. — Minha mãe te amou como um filho, e ela faria isso por
qualquer um de nós. E nós faríamos por ela. É isso que as famílias fazem,
se protegem. Eu não culpo você, Mau não culpa você. Ninguém culpa você.
— Gaspare e Christian…
— Liguei para a mãe de Christian pessoalmente… Ela entendeu tudo,
e disse estar orgulhosa do filho. E Gaspare… Gaspare vai ser enterrado ao
lado da minha mãe.
Minha surpresa deve ter ficado evidente em meu rosto, porque Teo deu
um sorrisinho.
— Eles estavam juntos há anos, sabia? Os dois cretinos, escondidos do
meu pai enquanto ele definhava. Bem feito. — O sorriso de Teo aumentou,
e eu não evitei o meu. — Não os enterramos ainda, estávamos esperando
você.
— E os Catanios? — perguntei e Nora bufou, olhando para o Teo.
— Pague a aposta — ela provocou e meu primo balançou a cabeça. —
Eu disse que ele perguntaria sobre isso logo que acordasse.
— É um coglione viciado em trabalho.
— Olha quem fala — provoquei e meu primo deu uma risada aliviada.
— O interrogamento continua acontecendo, eu deveria ir para lá e…
— Eu já estou bem o suficiente.
— Se você levantar dessa cama, Daniele Ricci, eu vou acabar com
você — Nora ameaçou e Teo me deu um olhar presunçoso. Cretino.
— Escute a Dra. Romano, fratello — ele provocou, e eu revirei os
olhos.
— Vaffanculo.
— Eu vou recolher todas as informações possíveis e você se concentre
em se recuperar. Vamos precisar de você na reunião que marcaremos com
Stefano. — O olhar do meu primo se tornou animado, cheio de esperanças
para o plano dar certo. — As notícias foram de um ataque dos albaneses
com os Santos, e não tem ninguém para confirmar. E sobre minha mãe e
Gaspare… Uma emboscada para nos atingir. Como você estava na casa…
falamos que você e Gaspare eram os alvos.
— Assim eles não desconfiam de nada.
— Quer uma boa notícia? — Teo deu um sorriso sombrio e eu
concordei com a cabeça. — Os caras que vocês eliminaram, que seguiram
vocês? Um deles era Venanzio Sana. O Basilio estava na igreja. Capturamos
ele. — Dei um pequeno sorriso aliviado. — Descanse, Dani, e vamos
terminar de eliminar aqueles figli di puttani e vingar a Cate e nossa mãe.
Meu coração se apertou quando ele disse “nossa mãe” e meu primo se
afastou com um olhar rápido sobre mim, como se precisasse verificar ele
mesmo que eu estava bem. Quando ele saiu do quarto, Nora se sentou na
cama ao meu lado, os olhos preocupados em mim mais uma vez. Ela levou
minha mão até sua boca e beijou o dorso, respirando aliviada.
— Eu realmente achei que você não fosse sobreviver, Dani — ela
sussurrou, cansada e angustiada.
Soltei nossas mãos e passei o braço pelo ombro dela, engolindo um
gemido de dor com o movimento. Nora reparou que senti desconforto com
isso, mas se deixou levar. Ela se ajeitou, deitando na cama comigo, a cabeça
encostada contra o meu peito, um braço jogado por cima do meu abdômen.
— Eu fiquei pensando em todas as coisas que eu queria dividir com
você, que não fizemos ainda porque eu sou uma testarda. Todo o tempo que
perdemos porque eu lutei contra o que sinto por você.
— O que você sente? — Precisei perguntar, porque eu também pensei
em todas essas coisas, quando a mandei embora. Quando mandei ela se
salvar e salvar nosso filho.
— Eu vejo como você olha para a Cate. — Nora me surpreendeu com
a sua declaração e eu franzi a testa.
— Não é o que você pensa… Eu não amo a Cate desse jeito. Eu sinto
inveja, Nora. Não é ela que eu amo. É… Eu sinto inveja porque ninguém…
— Eu te amo — ela me interrompeu e eu tenho certeza que arregalei
os olhos.
Nora se ergueu para poder me encarar, um pequeno sorriso brotando
em seus lábios. Ela segurou o meu rosto entre as suas mãos, se
aproximando de mim o máximo que conseguia. Seus lábios se encostaram
nos meus, leves e delicados.
— Eu — falou, dando ênfase na palavra — te amo.
Por um momento não fiz nada além de olhar em seus olhos, um pouco
embasbacado pela sua declaração. Chocado por ser o objeto do seu afeto.
Honrado por ser eu a pessoa que ela escolheu para amar, para ficar ao seu
lado. Extremamente feliz, mesmo com todo o pesar que cercava o meu
coração, porque eu queria pertencer a ela, em todos os sentidos. Porque eu
já era dela, sempre fui.
— E eu não sou a única. Toda a sua família te ama, Dani. Loucamente.
Sem limites. Eles fariam tudo por você, assim como eu.
— Tem coisas que você não sabe sobre mim, Nora… — Ela abriu a
boca para retrucar, mas eu a apertei contra mim, fechando os olhos porque
eu não conseguia encarar ela. Eu precisava contar o que fiz, assim como
contei para a minha família. Nora merecia saber. Merecia saber antes dessa
declaração. Merecia saber antes de ter engravidado, antes de termos
transado.
Eu sabia que Nora não mudaria a sua opinião sobre mim. Eu não tinha
mais esse medo ou essa dúvida. Não porque ela me amava, ou porque
minhas ações eram passíveis de perdão, mas porque Nora era justa. Ela era
honesta. Ela era íntegra. Não seria uma ação minha quando eu era criança
que mudaria o que ela pensava de mim. Eu sabia disso agora. Eu sabia que
o medo irracional que senti de afastar ela com meus segredos era uma
resposta do meu trauma. De tudo que meu tio me fez fazer.
Quando ele me fez matar meus pais, e depois a puta que eu mais
favorecia, em nome do Teo, ele me condicionou a pensar que tudo
ameaçava meu lugar naquela família. Que tudo ameaçava minha lealdade e
minha capacidade de dedicação ao meu primo. Ele fez questão de me fazer
acreditar que eu não merecia ter ninguém, que eu não era digno, que nada
daria certo para mim além do meu papel na Stidda. E eu acreditei.
Eu passei anos acreditando nisso, mesmo depois de adulto, mesmo
depois do controle que tinha na minha vida, porque eu realmente achava as
minhas ações horríveis. Elas não eram boas ou perdoáveis, mas as
circunstâncias delas eram. Eu fui obrigado. Eu fiz uma escolha, sim, mas
não foi por mim. Foi pelo meu primo, foi pelo meu desejo de pertencer, de
ter um lugar. Nora me dava isso, assim como meu primo e nossa família.
Eu não precisava ter medo de perdê-los dessa maneira, porque eles
conheciam quem eu era de verdade. E eu me recusava a deixar meu tio e as
memórias e consequências do que ele me obrigou a fazer dominarem a
minha vida e minhas ações. Eu me recusava a deixar isso afetar nosso filho,
meu relacionamento com Nora, o futuro que eu tanto desejei e busquei, que
encontrei nela e naqueles olhos azuis firmes e determinados.
Eu era um monstro por todas as minhas ações, talvez, e continuaria
sendo porque ainda fazia coisas horríveis em nome da máfia. Mas faria tudo
isso por meu primo e pela nossa família, para nos proteger e vingar todos.
Eu também era dela, eu também era do nosso filho, e eram duas coisas que
me honravam, que me deixavam orgulhoso, que me davam paz.
— Eu deveria ter te contado antes, mas confesso que estava com
medo. Com medo do que você fosse pensar, com medo de você ir embora…
E não vou fingir que não acharia certo isso, mas mesmo assim, eu não
queria te perder. Só que você ficou, Nora. Você não foi embora quando
mandei, você lutou por mim, por nós. Tenha em mente que fiz o que achei
que deveria fazer, que fui manipulado e enganado.
Ela esperou e abri os olhos para encará-la. Seus olhos estavam
confusos, suas sobrancelhas franzidas em curiosidade e dúvida. Ergui a mão
livre e corri as costas dos dedos em seu rosto, de leve, enrolando e criando
coragem para confessar meu maior segredo. Era difícil fazer isso, mesmo
depois de ter contado para a minha família.
— Minha primeira morte para a Stidda… foi o meu pai. E depois
minha mãe.
32 - Nora

Eu conseguia ver a incredulidade nos olhos de Dani. Ele esperava que


eu saísse correndo no momento em que sua confissão terminou, mas eu não
tinha motivos para isso. Tudo o que ele me contou era horrível, é claro, mas
definitivamente não era a culpa dele. Era culpa do tio dele, aquele homem
cruel e nojento. Eu nunca odiei tanto alguém como odiava ele. O que ele
obrigou Dani a fazer, quando ele era apenas uma criança…
O fato de Alessia ter assumido a criação de Dani era uma benção. Ele
merecia receber amor e carinho. E sua lealdade ao Teo era admirável. Ele
tinha tudo para ser leal à Stidda, pela forma como o tio o criou e o obrigou a
fazer em nome da máfia, mas no fim, o tiro saiu pela culatra. Dani só se
tornou mais leal ao primo, só se dedicou mais a ele, e o legado de Mauro
Ricci desapareceu assim que ele morreu. Eu sabia que os Ricci mais novos
não mataram o antigo Capo apenas para ainda conseguir o apoio dos velhos
que eles não eliminaram. Tudo o que Dani me contou sobre como o tio foi
cruel, como ele o castigava… Tudo isso só me mostrava o quanto ele era
especial. Digno de ser amado.
Ele tinha tudo para se tornar uma pessoa ruim, e apesar de cometer
atos horríveis em nome de Teo e da Stidda, ele ainda era leal, ainda era
carinhoso, ainda se importava com quem amava. Era conflitante ele ser uma
pessoa boa com uma profissão de merda, mas eu o amava de qualquer
maneira.
E eu tinha orgulho de estar carregando o seu filho.
Alguém para criarmos com todo o amor que quase faltou para Dani se
não fosse por Alessia. Alguém para ensinarmos os valores que ele tanto
cultivava: lealdade, fraternidade, dedicação. Família que ele tanto amava
acima de tudo.
Encostei minha mão no rosto de Dani, com carinho, um pequeno
sorriso brilhando em meus lábios. Ele soltou o ar com força, cheio de alívio
quando viu minha reação. Seu corpo encostado no meu relaxou levemente e
seus olhos se fecharam por um momento, o suficiente para seu rosto se
contorcer com o alívio. Era como se ele precisasse fechar os olhos para se
manter inteiro, para não deixar as lágrimas ou o pesar tomarem conta.
— Nada disso muda o que eu sinto por você, Dani.
Eu precisava dizer, porque parecia ser o que ele precisava ouvir. Então
eu disse em voz alta o que meu coração gritava. O que meu cérebro gritava.
Nada no mundo mudaria o que eu sentia por esse homem, porque eu sabia
quem ele era de verdade. Porque ele me mostrou cada vez que perdeu o
controle comigo, que me deixou entrar, que abaixou suas defesas e barreiras
e dividiu um pedaço de si comigo. Cada momento que conversamos, cada
dia que passamos juntos, cada noite em que ficamos conversando depois de
conhecermos mais o corpo um do outro, cada pedaço do nosso
relacionamento, todo confuso e fora de ordem, me mostrou isso.
Que ele era incrível. E ele era meu.
— Nora, você tem certeza? Porque…
— Sabe, gosto mais quando você é todo caladão — brinquei, só para
irritá-lo e ele deu uma risada bufada.
Encostei a minha boca na sua, beijando lentamente os seus lábios e o
pegando de surpresa. Dani correspondeu, primeiro com cautela, e depois
como sempre fazia, como se me beijar fosse a coisa mais importante da sua
vida, como se fosse tudo o que ele precisava para viver. Sua língua invadiu
minha boca como sempre fazia, dominante, exigente. Sua mão livre subiu
das minhas costas para a minha nuca, me mantendo no lugar, impedindo
meu afastamento. Com medo que eu desaparecesse entre seus dedos.
Aprofundei o beijo, incapaz de parar, mesmo sabendo que deveria porque
ele estava se recuperando. Mas minha necessidade e vontade dele falavam
mais alto. Eu precisava de Dani como precisava de ar.
Eu sabia porque tentei lutar contra isso por tanto tempo. Tentei ficar
longe dele, tentei me manter distante. Tentei ficar sem ele, ou separar meu
coração do desejo incontrolável, mas era impossível. Com Dani sempre foi
tudo ou nada, intenso, forte, dominante. Assim como ele.
Mesmo assim, usei toda a minha força para me afastar, porque
precisávamos tomar cuidado. Ele resmungou quando me afastei, me
lançando um olhar feio, mas eu também estreitei os olhos em sua direção,
assumindo um tom mais duro e nada compassivo.
— Você precisa descansar e pegar leve.
— Estou ótimo, preciso sair daqui.
— Você precisa ficar quietinho e se recuperar. Eu já sei que você é um
paciente difícil, mas se você ficar se colocando em risco…
— Case comigo.
Parei, em choque, e ele abriu um pequeno sorriso, provando para mim
que as palavras não escaparam de sua boca. É claro que não. Dani nunca
fazia nada sem pensar antes. Exceto, talvez, na nossa primeira vez.
— Não — respondi, mas ele viu o sorriso que eu tentava esconder.
— Não foi um pedido, Eleonora.
— Você não é o meu dono, Daniele.
O sorriso dele era brilhante, cheio de vida, cheio de certezas e eu não
consegui mais lutar contra o meu próprio sorriso.
— Eu te odeio.
— Não odeia, não. — Ele me puxou e eu fui, é claro, aparando o meu
peso e deixando meus lábios encostarem nos dele novamente.
— Não, não odeio — confessei. Era mais uma afirmação agora. Eu
nunca mais mentiria para ele sobre isso.
— Você vai se casar comigo.
— Não vou. Eu tenho coisas para fazer — brinquei e ele deu uma
risada divertida.
— Tipo o quê?
— Tipo terminar meus estudos, me consolidar na minha carreira,
decidir se quero abrir uma clínica. Sei lá, parir essa criança?
Dani deu mais uma risada feliz e sua mão livre subiu até minha
bochecha. Poderia ser apenas um gesto de carinho, mas com ele nada era
assim. Ele segurou com firmeza, me mantendo no lugar, colada nele.
Aquela mão enorme e quente no meu rosto, com seus calos e pele áspera,
me centrava de uma maneira inexplicável. Eu me sentia completa. Me
sentia inteira. Amparada.
Era como se ele fosse a minha gravidade. A força mais potente do
universo que me mantinha no lugar, me mantinha inteira, sem pedaços
quebrados, sem medos, sem falhas, sem erros. Estar com ele, estar nas mãos
dele, representava o equilíbrio, a plenitude. E eu não sabia mesmo como
vivi todo esse tempo sem estar assim, sem me sentir assim.
Dele. Inteira. Feliz.
— Você pode fazer todas essas coisas, Nora, e depois se casar comigo.
Não quero te impedir de viver, só quero viver ao seu lado.
Gemi, encostando a testa na sua, irritada.
— Como você diz uma coisa dessas e espera que eu me mantenha
firme? — Dani deu uma risada sincera e segurou meu queixo, me obrigando
a encará-lo novamente.
— Não estou mentindo, vita mia, você vai ser minha esposa porque eu
quero dividir tudo com você. Meu nome, minha vida, quem sou. Tudo é
seu, se você quiser.
Limpei a garganta, tentando liberar o peso que estava ali pela emoção
que suas palavras criaram em mim.
Eu o amava. Loucamente, descontroladamente, profundamente.
Era um sentimento arrebatador poder admitir isso para mim, poder
admitir isso para ele, poder contar ao mundo que eu me sentia assim. Que a
atração se transformou em amor. Pode ter começado com um tesão
descontrolado, dois corpos chamando um ao outro como o canto encantado
de uma sereia, mas não era só isso há um tempo.
Meus lábios se mexeram contra os dele, amorosamente, lentamente.
Ele respondeu com o mesmo carinho que eu estava depositando. Era a coisa
mais deliciosa e perfeita da minha vida. Eu jurei que não me entregaria para
outro homem da Stidda porque não queria ser colocada em segundo lugar.
Porque não queria não ser importante para alguém. Não queria ser preterida
e rebaixada porque não era boa o suficiente para participar da sua vida. Eu
não queria competir com os seus objetivos, eu queria me encaixar. E o
objetivo de Dani era muito claro: sua família.
E eu amava isso nele, eu admirava isso nele porque era uma coisa que
eu também gostaria de fazer. Ganhar bastante dinheiro para o meu pai se
aposentar bem, assim como meus irmãos queriam fazer. Poder mimar meus
sobrinhos, meus filhos… Ver minha mãe feliz. Minha família era minha
prioridade, assim como era a dele. E eu não poderia estar mais errada sobre
Daniele Ricci.
— Ah! — Um suspiro chocado me fez pular e me afastei correndo de
Dani para encontrar… quase toda minha família ali na porta.
Meus pais, com Mick, Angelo, Samuele e Damiano. Eu segurei a
vontade de revirar os olhos para os meus dois irmãos mais velhos ali,
olhando bravos para Dani e para mim.
— O que vocês estão fazendo aqui?
— Eu disse que deveríamos bater — Mick provocou, erguendo as
sobrancelhas de modo sugestivo.
— Não faça piadas. Sua irmãzinha estava beijando alguém —
Damiano repreendeu e deu um tapa na cabeça do irmão mais novo.
— Eu tenho 24 anos — rebati e Samu bufou.
— Basta! Estamos aqui porque Angelo nos contou sobre Daniele e
como você o salvou, patatina. — Meu pai nem ficou abalado pelo olhar
horrível que lancei pelo uso do apelido. — Viemos ver se ele precisa de
alguma coisa.
— Ah… — Olhei para Dani, me sentindo um pouco envergonha pela
intromissão da minha família. Porque se eles vieram até aqui…
— Se vocês estão juntos, ele é praticamente da família! — Minha mãe
invadiu o quarto e veio em direção ao Dani na cama. — Sinto muito por
tudo que aconteceu, os boatos chegaram no meu grupo da Igreja. Sua tia era
incrível, eu a conheci apenas duas vezes e ela foi extremamente gentil. —
Ela me empurrou do caminho e segurou a mão boa de Dani.
— Mãe…
— Então, vocês estão namorando? — Ela me ignorou, ainda olhando
para Dani, que me deu um sorriso, olhando por cima da cabeça da minha
mãe.
— Mamma! — chamei, com mais ênfase. — Vamos deixar o
Consigliere descansar. — Usei o título para ela se lembrar de ter um pouco
de tato e respeito, mas ela só me dispensou com a mão.
— Bobagem…
— Irene. — A voz do meu pai era definitiva e eu poderia estar de
costas para ela, mas conseguia imaginar ela fechando a boca em uma linha
fina de frustração. — Vamos com calma… primeiro de tudo, responda à
pergunta da sua mãe, Nora. — A ordem veio para mim e eu me senti uma
criança recebendo uma bronca.
Olhei para Dani e ele ainda estava com o sorrisinho no canto da boca,
porque sabia o que eu precisava falar e sabia exatamente o que meus pais
diriam…
— Estamos namorando, mas… — Respirei fundo, fechando os olhos
por um momento, porque sabia que teria que brigar com a minha família.
Eles insistiriam no casamento, assim como fizeram com Damiano.
Dami se casou porque amava Gemma e não queria decepcionar o
babbo. Eu não queria me casar agora, mas se falasse que estava grávida e
eles insistissem, ficariam chateados e um pouco magoados comigo se eu
recusasse. Meu pai com certeza faria um drama maior do que o da minha
mãe, e olha que ela usaria sem culpa a nossa devoção a Deus.
— Estou grávida.
Minha família assimilou a notícia em diferentes estados de choque:
meu pai e Samu ficaram em um choque paralisado, com a boca aberta;
Damiano arregalou os olhos por um momento e depois estreitou eles na
direção de Dani; Mick e Angelo fecharam a cara e ficaram tensos, os
punhos fechados ao lado do corpo, prontos para defender minha honra. E eu
achei que minha mãe estivesse com uma cara de brava, mas quando ela
soltou um gemido choroso eu fiquei um pouco preocupada. Só por um
segundo, antes do braço dela envolver minha cintura e ela me puxar para si,
enquanto jogava um braço pelo ombro de Dani. Nos abraçando.
— Ah, que lindo!
— O que você quer dizer com “que lindo”, mamma? — Michele
praticamente berrou e eu olhei feio para ele.
— Silêncio, estamos em um hospital.
— Due pezzi di merda para isso. Você engravidou sem casar, Nora —
ele resmungou, me olhando feio. — Cazzo, você sabe o que vão falar de
você? O que isso diz de…
— Nada. Isso não diz nada sobre ela. E se alguém tem uma opinião
sobre isso, pode trazer eles diretamente para mim. — A voz de Dani estava
com aquele tom frio e direto que ele usava comigo no começo, a voz que
ele usava como Consigliere. Michele fechou a boca, mas ainda olhava feio.
Angelo estava quase tendo um derrame, de tanto que fazia força para
manter a mandíbula fechada. — Nora quer terminar os seus estudos antes
de casar, então ela vai ter o que quer. Mas não se enganem, ela vai ser
minha esposa assim que terminar.
— Isso ainda será discutido — rebati e ele me lançou um olhar de
desafio. Cretino.
— Não tem nada para se discutir. É um fato. Você quer terminar os
estudos, vai terminar, mas assim que acabar vai ser minha esposa.
A intensidade da minha cara feia só perdia para a intensidade da cara
de satisfação do meu pai e dos meus irmãos. Angelo parecia até aliviado por
não ter que brigar com o seu Consigliere por minha causa. Eu tenho certeza
que ele faria, ficaria bravo comigo por fazer, mas defenderia a minha honra.
— Eu nunca quis desrespeitar a sua filha, Romano, mas pode acreditar
em mim quando digo que com ou sem filho, eu me casaria com Nora, se é
isso que ela precisa, ou o que vocês precisam. Casamento não muda o que
ela significa para mim.
— E isso é? — meu pai perguntou, erguendo a sobrancelha.
— Tudo. Ela significa tudo para mim.
Mattia Romano encarou o Consigliere da Stidda com o mesmo olhar
severo e cheio de autoridade que usava com seus filhos quando queria que
confessássemos alguma coisa errada que fizemos ou alguma mentira que
inventamos. Mas Dani não cedeu. Ele continuou olhando o meu pai nos
olhos, completamente inabalado e não só porque era o Consigliere da
Stidda e estava acostumado a lidar com pressões e jogos de poder. Dani
encarou o meu pai de volta porque ele tinha certeza e convicção de suas
palavras. Porque ele não mentiu nem por um segundo. Cada parte da sua
declaração foi verdadeira.
Dani não era o tipo de pessoa que mentia. Ele era honesto, sincero,
verdadeiro. Ele falava fatos e constatava as coisas com facilidade. Ele não
queria enganar meu pai. Não que ele não tivesse vontade de casar comigo,
afinal ele acabou de pedir – não, de exigir – que nos casemos. É que para
ele, isso ficava abaixo do que ele sentia por mim, do que ele queria comigo.
Dani deixou claro que me queria ao seu lado sem se importar com
título e posição. E eu senti meu peito se aquecer ao constatar que, mesmo se
essa criança não existisse, Dani não abriria mão de mim. A pequena
explosão de tesão naquele armário, depois de meses e meses de trocas de
farpas e provocações em um jogo das cadeiras para escondermos a atração,
se transformou em paixão. E a paixão, quente e explosiva, sem limites ou
controles, virou amor.
E, no fundo, eu também ficaria com ele independente desse filho. Eu
criaria coragem para resolver meu assunto pendente com Ignazio de
qualquer maneira. Já tinha decidido isso… Já tinha decido me entregar por
completo ao Consigliere da Stidda, assumindo que minha ideia do que ele
era e representava estava errada.
Ainda bem que eu estava errada. Eu não costumava estar, e muito
menos costumava admitir isso, mas ainda bem que eu estava errada sobre
Daniele Ricci.
Porque agora ele era meu e eu era dele.
E nossa família estava completa, feliz.
Do jeitinho que era para ser.
— Nesse caso, bem-vindo à família — meu pai declarou, para a
infelicidade dos meus irmãos.
— É sério? Você praticamente me arrastou para a Igreja! — Dami
protestou e meu pai olhou feio para ele.
— Você não é confiável, mia patatina é. — Meu pai sorriu para mim e
eu não evitei meu sorriso superior, o que fez os meus irmãos bufarem.
— É claro que ela é, você favorece ela!
— Não é justo, babbo, ela estava se encontrando com ele escondido!
— Como se você e Perla não tivessem feito isso! Eu via você
escapando pela janela, Samuele — entreguei e meu irmão me olhou feio.
— É diferente.
— E o Angelo? — Michele perguntou, empurrando o irmão mais
novo. — Você estava convivendo com os dois e não percebeu?
— Meu trabalho não é cuidar da Nora, é cuidar da esposa do Executor.
— E daí? Sua irmã estava morando na casa do Consigliere.
— Tecnicamente é a casa do Capo — corrigi, mesmo sabendo que Teo
nunca falaria isso para o irmão e o primo.
— Continua estando sozinha na casa de um homem. E olha só o
resultado.
— Ah, pelo amor de Dio, você nem sabe de quanto tempo estou.
E foi a coisa errada de se dizer, porque todos os meus irmãos
começaram a falar ao mesmo tempo, com meu pai tentando acalmar eles e
olhando feio para mim, por provocar e por revelar esse tipo de informação.
Minha mãe balançou a cabeça, soltando um suspiro cansado e deu um
tapinha na mão de Dani, com um sorriso apologético no rosto.
— Agora, sim, bem-vindo à família, Daniele.
— Obrigado, Irene, eu me sinto em casa.
33 - Dani

— Che cazzo você pensa que está fazendo aqui, coglione? — Teo me
censurou assim que pisei na cozinha.
Com a porra de uma tipoia no braço e com Nora me olhando feio. Ela
se comprometeu com a tipoia, já que me recusei a ficar internado. Assim
que sua família saiu, eu me levantei, contra a vontade dela, e comecei a me
preparar para sair. Ela discutiu comigo, o médico que me operou discutiu
comigo. Todo mundo discutiu comigo, e apesar de ter sentido tontura e
fraqueza, de estar meio cansado, eu não conseguia mais ficar ali. Eu
precisava sair, eu precisava ir embora. Precisava voltar para casa e ajudar
meu primo na segunda parte do plano.
Ele estava sentado no balcão da cozinha, observando Cate cozinhar.
Lena estava ao seu lado, com olheiras embaixo dos olhos esverdeados e os
cabelos bagunçados. Cansada, triste. Cate estava com a aparência igual,
mas me deu um sorriso feliz quando me viu.
— Ele se recusou a ficar lá! E depois me chama de testarda. — Nora
me olhou feio e praticamente me largou sozinho para ir até o balcão e me
ignorar, brava comigo.
— Você não tem absolutamente nada para fazer aqui, segone. — Teo
estreitou os olhos e eu fiquei irritado.
— Não me deixe de fora, também sonhei com isso.
Teo respirou fundo e soltou o ar com exasperação, cansado de todos
nós. Ele olhou para o teto e depois para a esposa.
— É tarde para começar a rezar para os nossos filhos me obedecerem,
já que ninguém mais nessa casa faz isso?
— Um pouco. — Cate deu uma risada e depois me olhou um pouco
mais criticamente. — Não se esforce, certo?
— Sim, bambolina — prometi e finalmente me sentei ao lado do meu
primo, engolindo o gemido de dor.
Nora olhou feio para mim, provavelmente porque sabia que eu estava
me segurando para não reclamar. Resolvi mudar o assunto para algo mais
importante do que minhas dores idiotas.
— E o Mau? — Minha pergunta foi recebida com um suspiro de Lena.
— Está desmaiado no quarto… Ele bebe até desmaiar. — Lena correu
as mãos pelos cabelos loiros, tentando se ajeitar como se o controle sobre
sua aparência fosse ajudar a dor. — Espero que focar nessa vingança ajude.
Eu também esperava. Eu esperava que essa vingança fosse resolver
todos os nossos problemas, todos os nossos desejos sanguinários por tudo
que Cate passou, pelo que os Sana fizeram com a minha tia, com Gaspare,
com Christian…
— Você vai contar algo para os subchefes? Para os chefes dos
territórios?
— Não vou contar cazzo para ninguém. Eles ficarão felizes com a
surpresa. Meu plano é convencer Stefano e seus homens de confiança a
aparecerem em uma reunião para definir novos limites de controle contra a
La Santa. Stefano é ganancioso o suficiente para aparecer, principalmente
se eu convencer todo mundo de que estamos caçando-os. No fim, o que
aconteceu em Hewlett vai ajudar nessa mentira. Eles pensam que estou atrás
de vingança contra os Santos. Não vou desmentir.
— Vamos manipular a verdade, mostrar aos homens da Catania e dizer
que meu zio querido sabia de tudo. Mas antes disso, vamos armar o falso
sequestro em nome da La Santa.
— Eu posso…
— Você não pode nada — Cate ralhou, me olhando feio. — Masì e
Eddo já estão organizando tudo, Fedez nos contou de um chá de cozinha
que vai acontecer e vai ser o evento perfeito, porque a maioria das
convidadas são parte do alto-escalão da Catania. Se você quer ser útil,
comece a entrar em contato com Egidio para organizar a reunião. Diga que
acredita que eles serão alvos também.
Estreitei os olhos para ela e ela sorriu com doçura. Nora parecia bem
satisfeita por ter Cate me ordenando por aí, principalmente se isso envolvia
ficar em casa parado.
— Eu não vou ficar aqui no dia da reunião.
— Ninguém está falando que vai. Só estamos dizendo para você passar
seus dias com cuidado, coglione. Quase perdemos você, será que dá para
tomar cuidado?
A confissão do meu primo me deixou menos irritado por ficar de lado
e ser obrigado a pegar leve por um tempo. Ele disse que dormi por quase
dois dias e Nora também ficou preocupada. Eu sabia que isso era sério. Eu
me sentia bem, em partes, mas conseguia entender a preocupação deles. Se
qualquer um deles tivesse passado dois dias apagado depois de tomar um
tiro e perder muito sangue, eu também estaria cauteloso. E só por isso
resolvi ficar quieto.
— E Gigi? — perguntei, resolvendo mudar de assunto, para a
satisfação e sorrisinho do meu primo.
— Ela está… estranha. Ela não reagiu de um jeito esperado, mas
suponho que o luto não tenha uma regra… — Lena pareceu pensativa. —
Não sei, talvez se mudar para a casa da irmã seja bom. Ela mora em uma
casa aqui perto, também no Upper East Side, quem sabe Gigi consiga mais
liberdade assim…
— Aura ficou um pouco surtada com… — Cate pausou, como se não
conseguisse terminar a frase. — Com tudo que aconteceu. Giovanna disse
que ela quer se mudar para o interior de Connecticut, com uns parentes e
deixar Giorgia aqui com ela. O que é bem estranho.
— É compreensível, ela perdeu o marido em uma emboscada, e agora
a irmã. — Teo deu os ombros. — Por mim, ela pode ir para o inferno se
deixar Gigi em paz. Ela quer ir embora, mas ainda insiste no noivado de
Gigi com o nojento do Platone Riva. Eu queria que ele me desafiasse e
assim eu o mataria sem problemas.
— E por que você não pode fazer isso? — Nora perguntou, curiosa e
meu primo sorriu. Ela não perguntou de um jeito crítico ou nada, e pelo tom
que meu primo usou, ela deve ter feito as contas e entendeu que Platone
Riva não era uma boa opção para Gigi.
— Mais problemas para mim. Eu teria que designar um novo chefe
para o sudoeste de Long Island. E o Condado de Nassau é bem importante.
Não só porque Hewlett fica lá, mas vários homens importantes da famiglia
moram na área. Infelizmente o sporco mantém um punho de ferro na região
e me evita várias dores de cabeça coordenando as rotas e os capitães da
área.
— E ele é bom em negócios, ele conseguiu vários acordos para o Teo,
para provar a lealdade dele, quando meu tio morreu — expliquei e Nora
concordou com a cabeça. — Seria melhor resolver isso sem matá-lo, mas
não me importo em fazer isso se for proteger Gigi.
— Nem eu, mas vamos ver como tudo vai se desenrolar. Teremos dias
bem difíceis. — Meu primo deu um sorriso brilhante e que prometia
violência para Cate. — Você vai ter sua vingança, Regina mia, finalmente.

Mau não queria conversar sobre o assunto, mas pelo menos não estava
mais bebendo até desmaiar. Ele ainda estava irritadiço e cabisbaixo, e
passava a maior parte do tempo no quarto com Lena, quando não estava nos
ajudando a planejar. Masì e Eddo orquestraram perfeitamente o sequestro
falso e Egidio me ligou antes do prazo que dei para ele me retornar. Os
homens do alto-escalão da Catania estavam completamente revoltados com
a suposta tentativa de sequestro de algumas de suas filhas e esposas. Cate
escolheu a dedo as famílias de forma brilhante: soldados que Romeu
marcou na sua lista como os que tinham problemas com os Conti e o
reinado de Stefano abertamente, e que tínhamos certeza que não fizeram um
acordo com os Sana por históricos de rixas.
Fedez interceptou os homens, mercenários que contratamos fingindo
ser Catanios e Santos. Ninguém desconfiou do suposto interrogatório que
ele realizou e das informações que ele conseguiu. E Fedez foi contra o pai e
contatou diretamente os soldados das famílias atingidas, com as notícias e
informações. Foi genial. E estávamos todos ansiosos para amanhã,
principalmente Cate. Ela encheu a cozinha de biscoitos, para a consternação
de Teo, mas nada do que ele falava ou fazia tirava a mente dela do estado
ansioso. Ela esperou por isso por muito tempo. Ela perdeu as esperanças de
que a salvaríamos. Perdeu as esperanças de fazer o tio e o primo pagarem
por tudo o que fizeram com ela, mas o dia finalmente chegou.
E eu faria tudo para fazê-los sofrer.
Eu não estava na minha melhor forma física, mas isso não me
impediria. E era exatamente por isso que eu estava no porão, afiando e
limpando os nossos instrumentos e facas favoritos para tortura.
— Você está parecendo um maníaco afiando essa faca e sorrindo desse
jeito.
Mau me pegou de surpresa e pareceu achar isso divertidíssimo.
Observei seu estado descaradamente. Ele estava com os cabelos mais
bagunçados do que o normal, a roupa um pouco amassada e suja, e as
olheiras sob seus olhos eram profundas e escuras. O brilho divertido em seu
olhar tentava sobressair o luto, mas não estava dando muito certo.
— Não posso evitar, esperei por esse momento desde quando vimos
Cate naquela Igreja.
— Magra para um caralho — ele murmurou, a irritação cobrindo o seu
tom de voz. — Eu nunca vou me esquecer da imagem dela. Ou das porras
das marcas em seu corpo quando finalmente trouxemos ela para casa.
— E é por isso que eu estou sorrindo como um maníaco, porque eu
vou usar isso daqui em Silvio e vou gostar muito.
— Acredito que vamos ter que tirar na sorte para ver quem vai ter a
honra.
— Não se preocupe, vai ter para todo mundo.
Mau deu um pequeno sorriso e se aproximou, sentando-se ao meu lado
no chão. Ele simplesmente se jogou na pedra e encostou a cabeça na parede,
fechando os olhos por um momento.
— Eu preciso te dizer uma coisa, mas não quero te abalar mais.
Pensei que ele fosse ficar ofendido com meu comentário, porque,
assim como eu, Mau foi criado por Mauro Ricci. E um dos ensinamentos do
meu tio era sobre não deixar suas emoções dominarem, não se abalar com
nada. Mas eu deveria saber que Mau prezava mais o que aprendeu com
Gaspare do que o aprendeu com o pai. E para Gaspare não existia vergonha
em sentir, desde que você fosse competente o suficiente para não deixar isso
afetar o seu trabalho. Porque poderia ser uma distração que causaria a morte
de alguém.
— É sobre aquele dia? — A voz do meu priminho parecia amargurada
e desolada e eu me senti mal por tocar no assunto, mas eu precisava dizer as
últimas palavras da minha tia para ele.
Eu precisava contar como tudo aconteceu, precisava dizer que ela e
Gaspare estavam felizes nos últimos momentos juntos, que Christian estava
focado no trabalho, mas que não deixou o bom-humor morrer. Que eles
fizeram tudo o que era possível. Que fiz o que era possível.
Desde que acordei no hospital, repassei cada momento daquele dia na
minha mente. E deveríamos, sim, ter levado em consideração a sebe e a
pequena floresta, mas eles nos enganaram. Ficamos de olho nos carros e
eles saíram pelos porta-malas, escondidos, pelos relatórios dos soldados
sobreviventes. Nada do que fizemos poderia ter previsto isso, e eu sempre
viverei parcialmente com essa culpa, assim como Mau e Teo viveram com a
culpa de terem ido para um restaurante no momento dos ataques, desviando
as atenções para eles. Contudo, no fundo, não era nossa culpa. Porque
fizemos tudo o que fomos ensinados. Gaspare fez tudo. E se ele não
desconfiou da sebe e dos carros, se ele não esperou esse movimento, por
que esperaríamos?
Ele era mais experiente, ele era mais visionário, ele era bom no que
fazia. E ele deixou passar. Christian deixou passar. Eu deixei passar. Custou
a vida de três pessoas importantes para todos nós, mas não era por nossa
culpa. Era culpa dos Sana. Dos Catanios. E agora eles estavam prestes a
serem eliminados. Eu não tinha ilusões de que tudo se resolveria amanhã,
porque não era assim que funcionava, mas tudo melhoraria. Talvez levasse
um ano ou mais para eliminar todos os Catanios que não se submeterem ao
Teo e a Stidda, mas manipulando a verdade e fazendo eles acreditarem que
o seu Capo e os soldados de Silvio estavam por trás do sequestro das
mulheres das suas famílias, partes da Catania, seria um golpe de mestre.
Ninguém ficou muito feliz ou confortável por criar esse trauma nelas,
mas Cate fez Eddo e Masì pessoalmente verificarem tudo o que aconteceu.
Os 30 minutos em que elas foram colocadas em uma van foram eternos para
elas, mas nenhuma teve um arranhão, então pelo menos fisicamente elas
estavam bem. E esperaríamos que elas se recuperassem.
Era um mal necessário, porque destruir a Catania era preciso. Era
preciso fazer eles pagarem, era preciso eliminar possíveis aliados dos Sana
que não descobrimos, tirar o poder deles. Era necessário expulsar quem não
quisesse se submeter ao Teo. Era necessário espalhar nossos homens e
conquistar todo aquele território que foi diminuindo durante anos.
A Catania nas mãos de Stefano Conti caiu aos pedaços, e, no fim, era
apenas uma pedra no nosso sapato. Os Sana com ajuda da La Santa fizeram
mais estragos por fora do que a verdadeira Catania, e o pouco território
dela, no meio do nosso, só atrapalhava nossas rotas. Ao conquistarmos
aquelas terras e incorporarmos aos nossos territórios, venceríamos.
Seríamos a maior máfia.
E Federico Conti era instrumental para isso. Ele seria o elo com a
falecida Catania, sendo o último Capo, extinguindo a sua máfia e deixando
Teo e a Stidda incorporá-la. Não é incomum uma máfia perder poder e
território, e acabar sendo engolida por outra. Às vezes, elas viravam um
braço da organização, o nome sendo mantido apenas por orgulho, até os
novos soldados nascerem na máfia nova, e aos poucos elas sumiam com a
lembrança dos membros antigos. Esse era o objetivo de Teo, mas para isso,
precisávamos eliminar quem realmente seria um problema.
Todos os nossos soldados receberiam os vídeos da reunião ao mesmo
tempo, transmitiríamos tudo ao vivo, como uma espécie de notícia. A morte
de milhares de homens da Catania que não se apresentarem para o subchefe
ou capitão da Stidda mais próximo da sua região era esperada, mas
estávamos confiantes. Nossas informações, mesmo dos homens dos Sana,
era de que ninguém estava satisfeito com Stefano Conti e sua liderança, a
falta de dinheiro, de segurança… e por mais que a maioria fosse leal à
Catania, outros eram leais ao dinheiro. À glória. E esses ficariam do nosso
lado. A gota d’água será descobrir que Stefano Conti sabia do sequestro de
mulheres e planejava até vender mulheres da Catania. Manipulamos alguns
homens capturados na Igreja para falar isso também. Dando a entender que
essas mulheres seriam vendidas mesmo, que mais entrariam no esquema,
porque Stefano fez um acordo com o Marchetti para ter mais poder. Que ele
quase vendeu a própria sobrinha.
E finalmente, a Catania cairia. E tudo o que nos custou para chegar até
esse momento valeria a pena.
Pelo nosso futuro, pelo futuro dos nossos filhos. Por nós. Por Cate.
— Aquele dia… — Comecei a falar, deixando a faca de lado e olhando
para Mau. Ele evitou meu olhar, a cabeça encostada na parede, os olhos
fechados.
— Eu sinto muito por sobreviver, Mau.
— Não diga isso! — Ele arregalou os olhos, e depois balançou a
cabeça, mas coloquei a mão em seu ombro, impedindo sua fala.
— Eu sinto e me sinto culpado quando penso que é bom que sobrevivi.
Que é bom porque posso ver Cate e Teo sendo felizes como merecem. E
você e Lena descobrindo a vida juntos. E Nora, com o nosso filho, que vou
ver crescer. Vou ver ele brincar com os filhos de Teo. E depois, no futuro,
vou ensinar ele a proteger os seus filhos. Como eu deveria ter feito com
você. Como sua mãe queria que eu fizesse. Como ela me ensinou. Ela me
chamou de filho várias vezes, mas antes de morrer ela disse que me amava
como um filho, que sempre me amou. E me pediu para dizer que amava
você. Teo. As filhas dela. Era a maior característica dela, mommo. Amar
todos nós, com defeitos e tudo. E é isso que quero ensinar para o meu filho.
Em algum momento ele começou a chorar, então coloquei a mão em
sua nuca e puxei ele para mim. Mau encostou a cabeça contra meu peito,
deixando o luto e o pesar dominar o seu corpo, deixando o choro sair
livremente. Minha mão se manteve firme no pescoço dele, enquanto ele
desabafava. Mantendo-o perto de mim. Meu priminho. Meu irmãozinho.
— Vamos destruir todos aqueles bastardos que machucaram nossa
bambolina e pavimentar o legado da Stidda. Por Gaspare. Por Christian.
Pela sua mãe.
— Pela nossa mãe, fratello. Pela nossa famiglia — ele murmurou, com
a voz embargada.
Mas eu senti toda a promessa e devoção ali.
Não seria em vão. Nenhum dos nossos sacrifícios.
34 - Dani

Um centro de convenções era o lugar com o tamanho ideal para


colocar Stiddari e Catani juntos. Foi fácil trazer os homens poderosos da
Catania aqui, mesmo tendo a maioria homens da Stidda. E temos que
agradecer ao Fedez.
O filho mais novo de Stefano Conti fez o seu papel e espalhou as
notícias do sequestro. Espalhou todas as notícias, inclusive que o ataque era
coisa da La Santa. Assim como nós, o primo de Cate se infiltrou nas bases
da sua famiglia. Ele fez amizades, ele conquistou a confiança dos soldados
mais baixos. Ele fez o seu próprio exército. E esses homens estavam ao seu
lado, alguns presentes aqui. Quase metade dos homens da Catania que
estavam do outro lado do centro de convenções eram soldados do Fedez.
Enquanto isso, Stefano e Silvio estavam isolados. Dos homens do alto-
escalão, dos seus soldados… Apenas Egidio estava ao lado deles. Sempre o
leal Consigliere. Ele era leal ao pai de Cate, e pelo que ela contou, Stefano
não escutava muito os conselhos dele. Isso provavelmente era verdade, já
que a Catania estava em um buraco sem fundo. E faríamos o favor de tirá-
la de lá. E eliminá-la de vez.
Nora ficou em casa, protegendo Lena e Gigi, com ajuda dos
seguranças da noite e Angelo. Vincenzo estava aqui, parecendo uma sombra
de Cate. Ela se mexia e ele se mexia junto, imediatamente. Mais um
aumento para ele, principalmente porque ele sugeriu ao Teo para
aumentarem a segurança dela agora que ela estava grávida e já pensar na
segurança dos bebês. Teo compraria a porra de um palácio para ele, a
qualquer momento.
Stefano não gostou nem um pouco de ver a sobrinha, e para o crédito
dos bastardi velhos que tentam menosprezar ela nas nossas reuniões com
nossos chefes e capitães, eles fingiram que a respeitavam. Pelo menos na
frente dos nossos inimigos. Então caras como Platone Riva, que sempre
tentou olhar de cima para ela, a tratou como a porra da Rainha que ela era.
Ele até sorriu, o porco bastardo. Provavelmente a ameaça dela sobre as
chances dele entrar na família a tratando mal serem nulas surtiu efeito. De
qualquer maneira, Teo estava satisfeito. É claro que ele não se enganava
com essa encenação, mas manter uma frente unida era ótimo. E irritava para
um cazzo Stefano e Silvio.
Os dois estavam com cara de poucos amigos para ela, o que me fez
cerrar os dentes, mas mantive minha expressão calma e fria. Mau, que
nunca dominou essa habilidade, estava puto da vida com os olhares em
direção à cunhada. Pelo menos ele tinha uma desculpa para esse
comportamento explosivo: até sua aparência dizia que ele estava com raiva,
que estava de luto. Ele teve uma boa noite de sono depois que Teo o
obrigou a parar de beber, quase dez dias após a morte da minha tia, mas
ainda dava para ver a raiva e o cansaço em suas feições.
— Então aqui estamos — Stefano comentou e as conversas paralelas
começaram a morrer.
A tensão no ar era completamente palpável e eu estaria preocupado
com a nossa segurança, se Teo não tivesse selecionado os nossos melhores
soldados para ficar de tocaia, com atiradores de elite e o caralho a quatro.
Nenhum Catanio faria qualquer movimento que resultasse na morte de um
Stiddari. Tudo o que Teo precisava fazer era erguer a mão esquerda
fechada, e nossos atiradores escondidos eliminariam toda a Catania. Não
era o ideal, mas era uma possibilidade se a segurança de Cate estivesse em
jogo.
— É hora de enterrar os nossos problemas de vez — Teo respondeu,
encarando Stefano com um olhar cruel e cheio de promessas macabras.
— E esse problema é você, zio — Cate declarou, a voz bem clara e
poderosa.
Stefano ficou furioso pela audácia dela, quase nem prestando atenção
nas palavras. Foi Silvio que percebeu tudo, sua cabeça se movendo para os
lados. Percebendo não só a hostilidade e sede de sangue dos Stiddari, mas
dos seus próprios soldados. A revolta e incredulidade no seu rosto cruel era
uma visão que eu guardaria para sempre na minha memória. O momento
em que Silvio Conti percebeu que a prima que ele sempre menosprezou e
maltratou seria a sua ruína.
E o sorriso brilhante de Cate me dizia que ela percebeu tudo isso.
— Sua puta…
— Você deveria ficar agradecido que convocamos essa reunião para
pedir explicações. Poderíamos muito bem ter invadido o seu território e
acabado com você — Teo alertou Silvio, cortando o xingamento do primo
da sua esposa.
— Explicações do quê? O que significa isso?
— Não se faça de rogado, zio. Sabemos que você é o responsável pelo
sequestro das mulheres da Catania. Porque interrompemos o seu fluxo de
tráfico de mulheres em nossas rotas quando descobrimos todo o seu plano e
você precisava sustentar o seu acordo com Orazio Marchetti.
O silêncio incrédulo não só dos homens da Catania, mas dos nossos
homens, foi sufocante. Os homens da máfia rival pareciam revoltados com
a informação, e os nossos homens pareciam completamente deliciados por
verem a Catania na berlinda
— Do que você está falando, zoccola? — Silvio parecia prestes a
explodir. Seu rosto cruel estava quase roxo de tanta raiva. Seus olhos
pequenos estavam arregalados e ele parecia segurar a vontade de se mover.
Sabíamos por Cate e Fedez que paciência e cuidado não eram
características do herdeiro da Catania.
A ofensa à Cate nem foi tão irritante, porque estávamos nos divertindo
muito observando toda a interação. Até Egidio olhava horrorizado para o
seu Capo. E isso era bom. Esperávamos que ele não soubesse dos planos de
Manfredi e suas atividades paralelas, porque matar ele significava perder
informações importantes que Romeu não conseguiu coletar em seu
relatório. O Consigliere deu um passo para o lado, isolando ainda mais
Stefano e Silvio. Deixando claro que eles estavam sozinhos nessa situação.
Eu quase deixei um sorriso transparecer em meu rosto.
— Minha Regina está falando sobre isso — Teo respondeu
calmamente e tirou o celular do bolso.
Os alto-falantes espalhados pelo lugar começaram a ecoar a gravação
dos homens dos Sana. A gravação era quase perfeita, quase original. Apenas
pequenos cortes na hora certa, mas teve o efeito desejado.
“— E então?” — A voz de Teo ecoou primeiro.
“— Somos da Catania. São eles os nossos chefes” — Foi a resposta
levemente editada, dando a parecer que ele estava confessando que Stefano
e Silvio eram seus chefes e não os irmãos Sana sobreviventes.
“— O que tem naquela clínica?” — Minha pergunta.
“— Levamos as mulheres em pior estado para lá.
— E como conseguem essas mulheres?
— Não sei… É verdade! Eu não sei de onde elas vêm! Eu só sei que
buscamos elas nos portos… Dentro dos contêineres e… Usamos a
passagem livre pelo seu território. Colocamos elas em armazéns, no Bronx,
e depois…
— E depois?
— Depois levamos elas até a fronteira com a La Santa, perto da
Pensilvânia. Eu juro, não sei para que elas servem.
— É claro que sabe… E o que vocês ganham sendo mulas?
— Não somos…
— Vocês são o transporte delas das águas internacionais até a
fronteira com a La Santa, vocês são mulas. Agora, eu não vou repetir uma
terceira vez, o que vocês ganham?
— Dinheiro. Vocês mataram o Manfredi, e o dinheiro da Catania é
pouco… Já era antes dele descobrir essa saída…
— Isso está acontecendo há quanto tempo?
— Alguns anos atrás, quando Stefano afundou a Catania.” — E aqui
veio um corte estratégico que fez Stefano arregalar os olhos, cheio de raiva.
“— Ele sabia. Silvio sabia disso. Manfredi e vários homens do alto-escalão
da Catania entraram em contato com os filhos de Marchetti que estavam
tentando explorar os nossos territórios. Eles usavam as rotas de vocês em
Boston…
— E Stefano?” — Outro corte perfeito que fez Egidio dar mais uns
passos para trás, bem longe do seu Capo. A essa altura, Stefano e Silvio
estavam isolados e abandonados. Todos os homens da Catania olhavam
com raiva para eles, quase prontos para matá-los.
“— Ele sabia. Manfredi estava quase convencendo o Capo a vender a
sobrinha como essas zoccole…
— Stefano venderia a Cate para quem?
— Sei lá, qualquer bordel que pagasse mais, ou para os próprios
Marchetti. Manfredi sabia que ela valia bastante. Mas você veio com uma
proposta melhor.
— E você sabe por que Manfredi e Matteo tentaram sequestrar Cate
depois que casamos?” — A menção do nosso antigo Executor trouxe alguns
sons incrédulos de nossos homens. Eles sabiam que Matteo era um traidor,
mas não sabiam exatamente a extensão da sua traição.
“— Vencer você. Eles a entregariam ao Marchetti, e com isso, você
faria tudo para conseguir salvar ela. Vender tudo seu? Dar suas rotas?
Morrer por ela? Tanto faz, seria um trunfo.
— Aquele ataque no Bronx, antes do casamento do Teo, vocês têm algo
a ver com isso?
— Era para esconder um armazém que ficou muito visado. Mas
achamos que eles só iam atacar lá, e não vocês também! Mas aí acabaram
acertando vocês e… Vocês estragaram os planos de Manfredi, contudo,
você pagou bem mais do que ela com certeza valeria se fosse vendida como
prostituta. Stefano achou mais vantajoso e, no fundo, Venanzio convenceu
Manfredi que o acesso direto às suas docas seria bem melhor para o
negócio. Eles estavam reerguendo a Catania à sua glória anterior.
— É… e assim como quebrei o pescoço daquele sporco mafankulo, vou
quebrar a Catania inteira.”
A declaração de Teo foi a última coisa que ecoou pelos altos-falantes
antes da gravação morrer e do silêncio raivoso tomar conta dos homens.
Um momento de choque perdurou pelo ar, um momento em que ninguém se
mexeu.
Stefano avançou, mais rápido do que tudo e desferiu um tapa no rosto
de Cate. O barulho do golpe soou por um mísero segundo, sendo engolido
rapidamente pelo som de armas sendo engatilhadas ao mesmo tempo.
Várias armas. De todos os Stiddari presentes, e muitos Catanios. Mesmo
com tantas armas ao redor dela, Cate manteve a cabeça alta e a postura de
rainha. Ela olhou para o tio com triunfo.
— Você perdeu, zio. — A voz dela ecoou com firmeza pelo lugar, mas
aí ela a abaixou apenas para o tio ouvir. — E quero que você saiba que eu e
Romeu somos os responsáveis por isso.
Ela não mencionou Fedez, mas Stefano faria a conexão em sua mente.
Já estava fazendo quando Teo fez um sinal com a mão e Masì e Eddo o
seguraram pelos braços, o arrastando para trás e o obrigando a ajoelhar. Eu
tinha que admitir que o orgulho do Capo da Catania era inabalável. Ele não
abaixou a cabeça, ele não se debateu. A revolta estava desenhada em seus
olhos, em seu rosto, mas fora isso? Nada. Ele não tentou se defender. Ele
sabia que Cate havia dado o xeque-mate. Que ele perdeu. Que ele
subestimou a sobrinha.
Silvio, ao contrário do pai, tentou lutar. Ele derrubou alguns soldados,
e foi Fedez que fez o irmão parar, colocando a arma em sua nuca, por trás.
O rosto de Silvio ficou lívido, vermelho e cheio de desgosto.
— Ajoelhe-se, fratello. — Era estranho ouvir a palavra que Teo, Mau e
eu usávamos sempre com tanto carinho, sair com tanto ódio e desprezo,
mas Fedez não parecia sentir nenhum apego pelo irmão. — Vocês
desgraçaram a Catania.
Silvio parou de lutar e se ajoelhou, os braços restringidos por Michele,
o irmão de Nora, e Vincenzo.
— Minha esposa tem orgulho de ter nascido na Catania. — Mentira do
caralho, mas ninguém precisava saber disso. — E ela sempre olhou com
pesar a decadência do legado do seu pai. E você é o responsável, Stefano.
— Eu nunca fiz mal à mulher nenhuma da minha famiglia — ele
rosnou, e Teo deu uma risada amarga.
E com um toque do celular, uma imagem preencheu o telão no palco
do centro de convenções. Uma imagem de Cate, do pescoço dela com
marcas de dedos, dos braços dela cheios de roxo. Da sua magreza. Nora
tirou essas fotos em seu exame inicial, porque, segundo ela, ela não
acreditava totalmente que Teo não era responsável. Graças à minha
leonessa testarda, tínhamos prova de como Cate foi entregue a nós.
— Essa é minha esposa quando eu a resgatei de você.
— Você a comprou.
— E faria de novo! Para tirar ela das suas garras, mafankulo. Minha
esposa passou fome, foi espancada. Sua sobrinha! E agora você sequestra
mulheres da famiglia!
— Eu não…
— É verdade! Minha sobrinha foi sequestrada! Se não fosse por
Fedez…
A conexão finalmente foi feita na mente de Silvio e ele começou a se
debater, xingando o irmão mais novo em um ataque de raiva.
— Você tentou me destruir, zio, mas não conseguiu. Assim como não
conseguiu quebrar nenhuma mulher da Catania.
— A minha misericórdia vai se estender a vocês — Teo anunciou,
dando as costas aos dois Conti ajoelhados na nossa frente. — Vocês terão a
opção de se juntar a Stidda se assim desejarem, mas todos os homens
envolvidos com os Conti e os Sana serão eliminados. Não aceitaremos
homens com conexões aos planos macabros de Orazio Marchetti. A
famiglia é a coisa que mais honramos na Stidda e nossas mulheres não vão
correr perigo.
Murmúrios de acordo e apoio ecoaram pelos nossos homens. Caras
como Platone Riva estavam concordando com a porra da cabeça,
absolutamente de acordo com Teo e sua declaração.
— Você não pode fazer isso! — Stefano tentou se soltar, mas Masì
apertou o seu ombro, com força.
— Posso e vou. Você é uma ameaça para minha esposa e para as
nossas mulheres. Para as mulheres da Catania. E eu não vou fazer um
acordo com alguém que venderia a própria sobrinha e outras senhoras. —
Teo se voltou e olhou para Fedez, virando a cabeça como se analisasse o
mais novo dos Conti. — Você faz parte disso?
— Não — Fedez respondeu na hora, com firmeza e deu alguns passos
à frente, parando perto de Cate. — Eu nunca levantei uma mão para Cate. E
eu encontrei as nossas mulheres. Pensei que fosse um comboio da La Santa
e era, em parte. Alguns homens eram da Catania.
— É verdade. Foi ele quem cuidou de mim. Me deu comida escondido,
me levou em médicos. O único Conti que verdadeiramente honra à família.
Mais murmúrios incrédulos dos homens da Catania. Eles estavam
revoltados, a maioria olhando com raiva para Stefano. Alguns estavam
tentando se movimentar, chegando o mais perto possível das saídas. Entre
eles, alguns que já marcamos como possíveis aliados dos Sana, alguns
primos de Cate, filhos de suas tias.
Mau fez um sinal para alguns soldados e eles foram em direção a esses
que estavam tentando fugir. Um deles teve a audácia de sair correndo,
apenas para ser derrubado por um tiro na nuca, por um de nossos atiradores
escondidos. Sabiamente, os homens da Catania que analisaram os riscos
começaram a soltar as armas no chão, erguendo as mãos em rendição. Os
fujões e os que se recusaram a erguer as mãos foram arrastados para o
centro do palco. Fedez fechou a cara, e para quem olhasse de fora, talvez
acreditasse que era porque a situação era desgostosa, porque ele teria que
tomar uma decisão difícil. Mas nós sabíamos que ele odiava cada um dos
homens que foi colocado no palco.
— Você tem um segundo para se decidir, Federico — meu primo
avisou. — Tenha em mente que você vai precisar de uma morte e aguentar
uma surra para provar sua nova lealdade.
Fedez olhou para o pai com um nojo estampado na cara. Silvio estava
praticamente soltando fogo pelas ventas, com tanto ódio que fiquei
impressionado de não ver o irmão cair morto ali, só com o poder daquele
olhar.
— Tudo o que eu sempre fiz foi pela minha família verdadeira. Você
deveria ter honrado isso.
E com um tiro preciso no meio da cara do pai, ele selou o seu destino.
— Seu traidor de merda! — Silvio gritou, coberto de sangue do pai,
que explodiu para todos os lados. Fedez não se abalou, encarando o irmão
com nojo.
— As rotas eram suas e de Manfredi. Você assumiu o papel dele. Você
fez tudo isso. Você é responsável, você machucou Cate e essas mulheres.
Nossa famiglia. Você merece.
Silvio se debateu mais, cuspindo no irmão, tentando atingi-lo de
qualquer jeito. Ele poderia implorar, mas eu sabia que ele não se rebaixaria,
principalmente sabendo que seu destino não mudaria. Silvio sabia que
mataríamos ele da forma mais dolorosa. Ele se virou para Teo, encarando-o
nos olhos.
— Quando Silvio morrer — meu primo continuou, encarando o
parente por casamento nos olhos. — Você vai ser o herdeiro da Catania. E
pela sua lealdade com minha esposa, eu não só vou poupar a sua vida, vou
poupar os homens leais a você. Vou incorporar todos os que você jurar que
são confiáveis, mas cuidado, porque você será responsável por eles e cada
uma de suas ações. E se você escolher jurar lealdade à Stidda, Federico
Conti, eu vou te fazer subchefe do Bronx. Você manterá sua área, terá o
máximo de liberdade que permito aos meus subchefes. Será o meu homem
de confiança nessa transição. Eu ainda te ofereço a mão de uma das minhas
primas, a minha mais querida prima.
Cate olhou para Teo, assim como eu e Mau. Chocados. E depois os
olhos dela se voltaram para mim, confusos. Eu tentei discretamente
balançar a cabeça, porque não sabia do que ele estava falando. Discutimos
tentar encontrar um marido para Giorgia se minha tia insistisse muito, para
livrá-la de Platone Riva, e um noivado falso com Fedez talvez fosse a
solução. Ele definitivamente fingiria e aceitaria o término do falso noivado
assim que isso aplacasse Aura. E se por um acaso eles fossem obrigados a
casar, Fedez seria exatamente o tipo de homem que não se importaria com a
marca de Gigi. Mas eu sabia que não era o plano de Teo, que ele só queria
tirar Platone Riva do futuro de Giorgia, livrando-a de um destino horrível.
— Ajoelhe-se e declare sua lealdade. E juntos, finalmente unindo
Stidda e Catania, derrotaremos a La Santa e dominaremos o mundo.
Fedez encarou Teo por um segundo a mais, antes de se virar para Cate,
uma emoção confusa e arrebatadora preenchendo os seus olhos. Ele se
ajoelhou na frente da prima sem perder mais nenhum minuto e segurou a
mão dela, encarando a tatuagem no dorso ali.
E com um beijo na tatuagem da prima, Federico Conti não pertencia
mais a Catania.
Os homens da Catania começaram a se ajoelhar também, quase todos.
Até Egidio. E os que se recusaram foram arrastados para o palco com o
resto dos homens.
— Levem Silvio, eu quero ter o prazer de destruí-lo pessoalmente por
tudo o que ele fez com a minha esposa — Teo ordenou e o destituído
herdeiro da Catania foi arrastado, gritando ofensas para a prima e o irmão.
Mau e eu nos aproximamos dos homens ajoelhados no palco, a maioria
nos encarando nos olhos, sem medo de morrer pela Catania, alguns com
ódio por serem pegos, por estarem prestes a morrer nas mãos de Stidarri.
Com tiros limpos e precisos, eliminamos todos, sem qualquer remorso.
Não precisávamos mais das informações deles, principalmente
desmontando a Catania e assumindo suas rotas.
— Cate, amore mio, vá embora. Você não vai querer ver seu primo
assim — Teo pediu, em voz baixa, e ela concordou com a cabeça, lançando
um olhar pesaroso para Fedez.
Ele não piscou, completamente de acordo com o que aconteceria
agora.
— Escolha quatro dos seus homens para representar a Catania — Teo
pediu, mas ele nem precisou terminar de falar, todos os 50 homens que
estavam com Fedez deram um passo para frente, se voluntariando para
receber a surra ao lado do seu novo chefe.
Fedez deu um sorriso orgulhoso para Teo, com a cabeça ainda erguida
e foi até os seus homens.
— Todos eles aceitam — ele falou com convicção.
Eu consegui ver na cara de vários Stiddari o valor que eles davam a
isso, mesmo odiando os Catanios, eles apreciavam a coragem e o orgulho.
E os homens de Fedez tinham isso. Teo sorriu satisfeito e passou os olhos
pelos novos membros da nossa máfia, pelos membros da agora falecida
Catania. Seria um processo lento, difícil, mas teríamos sucesso. E era mais
um passo nos planos que fizemos quando éramos dois adolescentes com
ambições e sonhos. E a realidade do que conquistamos, com nossa família,
com nossos filhos que nasceriam em breve, era bem mais prazerosa.
— Bem-vindos à Stidda.
35 - Nora

As coisas estavam cansativas para os Ricci, mas melhores. Bem


melhores.
A caça aos Catanios que não se apresentaram para os seus novos
chefes em cada região de Teo estava pesada, mantendo Mau, Masì e Eddo
bem ocupados. Eles chamaram Angelo e Michele para ajudar, para o
orgulho dos meus irmãos. A segurança de Lena ficou por conta de um
amigo de Vincenzo, e o segurança de Cate supervisionava tudo. Eu tinha
certeza que Teo transformaria o jovem no chefe da segurança da esposa,
coordenando novos homens. Ele e Dani tiveram a audácia de discutir um
segurança para mim, recebendo o meu melhor olhar feio. O que foi
desmontado com os argumentos de Cate de que, assumindo um
relacionamento com Dani e carregando o seu filho, eu me tornava um
belíssimo alvo. E só por isso me comprometi.
Gigi não estava muito feliz com a notícia de que Teo arrumou um
noivo para ela, mesmo que isso significasse fugir do velho decrépito que a
mãe dela queria. E isso significava que ela estava dando trabalho para o
novo segurança que o primo colocou em sua cola. Ela conseguia driblar ele,
sair escondida da casa da irmã, ir para baladas e voltando só no dia
seguinte, como se nada tivesse acontecido. Teo já estava procurando um
novo homem para colocar como segurança dela, já que esse claramente não
era bom.
Mau estava superando o luto com a sede de sangue. Ele eliminava os
homens da Catania e se interceptava algum Santo no caminho, pior para
eles e melhor para o Executor. Ele se recusava a usar o título de Executor-
chefe, mesmo todo mundo sabendo que agora era ele quem dava as ordens
para a sua equipe. E os meninos estavam tentando se ajustar sem Christian.
Os amigos de infância pareciam sofrer com a morte dele mais do que
queriam admitir.
Eu tentava me desligar de tudo isso me dedicando ao meu trabalho, na
clínica no Harlem e visitando meus pais no Brooklyn, mas mesmo assim as
preocupações de Dani e Teo me atingiam. E eu sabia que eles estavam bem
ocupados e preocupados com Fedez e como ele manteria os seus homens na
linha, sem que nenhum deles planejassem um golpe contra a Stidda.
Honestamente, Teo pensou na desculpa perfeita para Fedez e Gigi. O
noivado falso era ótimo para os dois. O primo de Cate estava ocupado
demais com um alvo nas costas dos antigos apoiadores dos Sana e do seu
pai, os homens que não aceitavam o domínio da Stidda, e isso deixava Gigi
livre por um tempo. Ninguém obrigaria ela a casar com alguém que ainda
estava tentando pavimentar o seu lugar como subchefe do Bronx e
arredores. Fedez já sofreu duas tentativas de assassinato em um mês, o que
deixava Cate enlouquecida de preocupação. Gigi sempre procurava Dani
quando algo dava errado, e ele abandonava tudo para ajudar ela, mas sua
rebeldia parecia crescer cada dia mais. E com tudo isso acontecendo, eu
estava bem surpresa quando Dani me pegou pela mão e me puxou até sua
moto, me guiando pela noite até aqui.
— Você tem alguma intenção secreta? — provoquei, olhando a boate.
Parecia outra vida atrás quando viemos aqui na despedida de solteiro de
Lena e Mau.
Dani deu uma risada e me puxou para entrar, diretamente pelos fundos
da balada. Eu poderia ficar com vergonha se já não estivesse
completamente molhada pela expectativa. A gravidez me deixava com um
tesão absurdo. Para a sorte de Dani, que não reclamava nem um pouco
quando eu o atacava no meio do dia.
— Tenho todas as intenções com você, vita mia, e elas não são
secretas. — O sorriso que ele me deu quase me fez dar uma risadinha de
ansiedade, cheia de antecipação.
Dani me puxou por entre os corredores, descendo uma escada ampla, e
parou em um corredor, contando as portas. Ele encontrou a que queria,
soltou a minha mão brevemente, enfiando a sua no bolso da calça e puxou
uma chave. Ele abriu a porta com um sorriso secreto para mim e me puxou
para dentro, a porta batendo às minhas costas. O quarto era um pouco
diferente do que o que usamos da última vez. Tinha mais coisas… Mais
objetos que me fizeram respirar fundo pela antecipação.
— Agora esse quarto é nosso. Ninguém pode entrar pela frente e só eu
tenho a chave. Além da equipe de limpeza, é claro.
Dani me segurou pela nuca, empurrando o meu corpo contra a porta
que ele acabou de trancar, seus lábios batendo nos meus em um beijo
desesperado e exigente, como se ele não tivesse passado horas me beijando
hoje de manhã quando acordamos. Sua língua encontrou a minha
rapidamente, tomando para si o que ele conquistou com determinação. Era
um beijo molhado, selvagem, cheio do tesão que não parecia diminuir
mesmo com todas as horas que passávamos explorando os corpos um do
outro. Seus dedos se enrolaram nos meus cabelos e ele puxou os fios com
firmeza, me fazendo gemer.
Corri as mãos pelo seu corpo enorme e musculoso, puxando-o para
mim, me derretendo contra ele, sentindo sua ereção crescer contra a minha
barriga. Eu adorava como ele me dominava, como ele me fazia ceder e
aceitar os seus toques, pedindo mais, querendo mais. Antes do que eu
desejava, o beijo acabou e Dani se afastou, me deixando sem ar e sedenta, a
porta sendo a única coisa que mantinha minhas pernas bambas em pé. Eu
nunca superaria o evento que era beijar Daniele Ricci. Ele começou a andar
pelo quarto e eu aproveitei o momento para me recuperar, olhando ao redor
e observando tudo.
As paredes de tecido eram de um azul-escuro, dando ao ambiente uma
vibe sensual e secreta. A cama tinha quatro postes reforçados, com suportes
para passar cordas, prender coisas… Me deixar exposta e sem movimentos
para ele. O divã era como no outro quarto, assim como a parede com uma
estrutura em que todos os objetos que Dani poderia experimentar em mim
ficavam expostos. Fora isso, os outros aparelhos eram novos. Como uma
espécie de banco que me deixaria presa para ele e um balanço no meio do
quarto.
Meus olhos foram direto para a estrutura, porque Dani caminhou até
lá, me olhando com um sorriso sedutor, provocativo, cheio de desafios. Ele
passou as mãos pelas faixas de couro. O balanço era composto por poucas
partes: quatro algemas que provavelmente me manteriam parada na posição
que ele quisesse, duas faixas de couro para sustentar minha bunda e minhas
costas, se eu sentasse da maneira tradicional. Tudo isso preso por grossas
faixas no teto, sustentadas por uma estrutura de metal que parecia muito
segura.
Minha boca ficou seca e eu estreitei os olhos para ele. Dani começou a
abrir a camisa lentamente, sem parar de me encarar, o mesmo sorriso cheio
de promessas no rosto que me fazia querer dar um passo para trás ou me
ajoelhar no chão e esperar suas ordens. Eu amava esse homem e como ele
conseguiu me domar e conquistar.
— Tire a roupa, vita mia — ele ordenou, a voz dura e firme, mesmo
com o apelido carinhoso. Se eu já não estivesse molhada, teria ficado ainda
mais.
— E o que você pensa que vai fazer comigo? — Encarei o balanço
mais uma vez e Dani deu uma risada, indo colocar a camisa em cima da
cama, com cuidado.
— Você é minha, Nora, eu posso fazer o que quiser com você. E hoje,
eu vou te prender aqui e puxar você na direção do meu pau, enquanto ele se
enterra no seu cu. — Eu devo ter soltado um gemido sem perceber, porque
Dani deu mais uma risada, dessa vez uma satisfeita, sua mão abrindo
lentamente o botão da sua calça. — E enquanto isso acontece, vamos
escolher alguma coisa para preencher sua boceta gostosa.
O movimento da minha língua molhando os meus lábios foi fielmente
acompanhado por seus olhos azuis. O tesão presente neles quase fez minhas
pernas tremerem. Meus olhos foram rapidamente para o suporte na parede e
quando voltaram para Dani, ele concordou com a cabeça, me dando
permissão para escolher algo. Quase reclamei que não precisava da
permissão dele, mas estava excitada demais para isso. Fiz menção de dar
um passo, mas ele me impediu com uma nova ordem.
— A roupa, Nora. Não vou pedir novamente.
Enquanto eu começava a tirar minha roupa lentamente, Dani ajustava o
balanço na altura ideal do seu quadril. Mantive meus olhos em seus
movimentos. Suas mãos enormes e grossas ajustando as faixas, puxando o
couro. Cada movimento que fazia os seus braços musculosos se
movimentarem, flexionarem. Eu amava observar a dedicação dele com o
seu corpo, como ele o cultivou, como ele era forte, como ele fazia questão
de continuar treinando, mesmo ainda se recuperando. A cicatriz do seu
ferimento em seu ombro só o deixou mais bonito. Para mim, Dani era o
homem mais bonito do mundo. E era meu.
Terminei de me despir e caminhei lentamente até o expositor, soltando
os meus cabelos do rabo de cavalo. Dani soltou um suspiro pesado e eu
sorri, mesmo sabendo que ele não conseguia ver. Ele adorava meus cabelos,
adorava enrolar os fios na sua mão e puxar minha cabeça para trás,
enquanto me comia de quatro, com força. Observei cada vibrador, cada
dildo separado ali e escolhi um. Bem menor do que o pau de Dani, mas o
suficiente para me deixar louca com a vibração certa, já que uma parte dele
entrava em mim, enquanto a outra ficava posicionada no meu clítoris.
Os braços fortes de Dani me abraçaram por trás, me arrancando um
gemido quando sua ereção dura encontrou a base da minha coluna. As mãos
passearam pelo meu estômago, pela pequena barriga que estava lentamente
crescendo, com carinho. Suas palmas ásperas subiram pela minha pele, até
atingirem meus seios. Ele esfregou os meus mamilos, puxando-os entre os
dedos, torcendo-os com força e me fazendo gemer profundamente. Meu
corpo começou a se esfregar contra ele, inquieto, pedindo por mais. Dani
tirou o vibrador da minha mão e o ligou, correndo a peça pelo meu corpo,
me deixando arrepiada e excitada. Ele me tocou em todos os lugares, menos
na minha boceta. Sua boca beijava e mordia meu pescoço, sua língua
fazendo movimentos circulares na pele sensível, me marcando, me
deixando mais excitada.
Finalmente, ele colocou o aparelho contra minha boceta. Eu estava tão
molhada que, conforme ele esfregava a peça, ele espalhava a minha
excitação por mim. Com um movimento duro, Dani afastou minha perna,
erguendo minha coxa, me penetrando com a parte maior do vibrador. A
menor se encaixou perfeitamente contra os meus lábios, em cima do meu
clítoris. Gemi alto, meu corpo tremendo em seus braços. Dani me soltou,
me arrancando um protesto que foi recebido com uma risada.
— Vá. Deite de barriga para baixo.
Obedeci, tentando ignorar os sons quando ele tirou algo de uma das
gavetas suspensas do expositor. Eu andei até o balanço, tentando não vacilar
os passos com o vibrador em mim, me deixando mais excitada. A menor
velocidade só servia para atrasar o meu orgasmo. Cheguei até o balanço e
encarei as tiras de couro reforçadas com pequenas almofadas, para não me
machucar, o espelho posicionado na parede inteira à minha frente, sempre
dando uma visão perfeita do que faríamos em qualquer parte do quarto, da
cama ao divã, do balanço ao banco. Fiz o que Dani mandou, deixando uma
faixa no meu baixo-ventre e o outro acima do meu peito, me sustentando
perfeitamente. Não era desconfortável, e depois de um momento de
hesitação, soltei meu peso. Escutei ele se aproximando, suas mãos pegando
meus punhos e os prendendo nas algemas do balanço. Ele não fez o mesmo
com os meus pés, mas eu não os alcançava no chão além da ponta dos
dedos.
— Tão perfeita e deliciosa — ele murmurou, correndo um dedo pela
curvatura da minha coluna, até a minha bunda.
Um tapa firme e ardido ecoou pelo quarto e o gemido desesperado que
escapou da minha boca só fez ele repetir o gesto.
— Toda minha. Não é? — Sua mão acariciou a minha carne ardida, me
arrancando um suspiro profundo de expectativa.
— Sim — respondi, incapaz de batalhar com ele sobre isso. Porque eu
era sua. Completamente, inteiramente, toda sua.
— Boa garota.
Mais um tapa e ele se afastou, mas por pouco tempo. Dani se ajoelhou
entre as minhas pernas e não perdeu nenhum momento. Ele removeu o
vibrador, sua língua substituindo o objeto, me provando inteira, me
lambendo sem cerimônia, como se eu fosse sua refeição favorita, a coisa
que ele mais amava provar. Sua língua se enfiava na minha entrada, girava,
saia para circular o meu clítoris, para subir até meu ânus e me provar ali,
antes de voltar a se enfiar na minha boceta. Dani provou cada pedaço de
mim, mordiscando meu clítoris, sugando-o para a sua boca, me fazendo
gozar com um grito abafado, meu corpo todo tremendo, minhas mãos se
segurando com firmeza nas faixas que sustentavam as algemas. Ainda bem
que eu estava no balanço, porque minhas pernas perderam a força, meu
corpo ficou mole e eu me entreguei para o orgasmo arrebatador.
Dani não deu tempo para eu me recuperar. Ele enfiou novamente o
vibrador em mim, incapaz de sentir simpatia pela minha carne sensível. O
orgasmo foi embalado e aumentado pela vibração leve, durando mais e
mais, tanto que eu nem senti o líquido gelado que ele espalhou por mim.
Mas senti os dois dedos que ele enfiou de uma vez, me preparando para ele.
Dani fazia movimentos de vaivém que empurravam o meu corpo para frente
e faziam o suporte balançar. Antes de se levantar, ele mordeu o interior da
minha coxa, bem perto da dobra da minha bunda, com muita força, me
arrancando um grito alto. Entendi porque ele me queria aqui no momento
em que ele tirou os dedos de dentro de mim e posicionou seu pau na entrada
apertada do meu cu.
Dani colocou mais lubrificante, o líquido escorrendo por mim, sendo
espalhado pelo seu pau. Ele se enfiou aos poucos, inteiro, bem lentamente,
apenas para eu me acostumar, e aí quando sentiu que eu estava pronta, saiu
até a ponta. E quando ele arremeteu novamente sem hesitação, meu corpo
foi para frente, mas ele estava preparado. Pelo espelho, vi Dani enrolando
os braços no suporte de couro, usando as faixas como alavanca, me
puxando em direção ao seu quadril, me puxando em direção ao seu pau.
Dani metia em mim com força, com velocidade, sem parar. Ele se
enfiou todo em poucas estocadas e eu me sentia perfeitamente preenchida.
Meus gemidos eram altos e descontrolados, minhas mãos ficando doloridas
de tanto segurar nas faixas, tentando empurrar mais meu corpo em direção
ao dele. Ele gemia tanto quanto eu, seu corpo perfeito tenso, seus músculos
aparentes, flexionados com a força que ele usava para arremeter em mim.
Meu orgasmo me pegou desprevenida, tão forte, amplificado pela
sensação de estar preenchida plenamente por ele, pelo vibrador e sua
velocidade perfeita contra o meu clítoris, atingindo um ponto delicioso
dentro de mim. Eu gritei, gritei o nome dele, gritei coisas incoerentes, mas
ele não parou. Uma mão se soltou da pegada, apenas para atingir minha
bunda com força, várias e várias vezes, me marcando, deixando minha pele
ferida e ardida.
Dani perseguiu o seu próprio orgasmo sem trégua, sem parar, e me fez
gozar mais uma vez, com lágrimas nos olhos e a garganta rouca, antes do
seu pau se inchar dentro de mim, explodindo com sua porra, seus dedos se
afundando na minha bunda quando ele soltou as faixas e usou minha pele
como alavanca.
Meu corpo inteiro estava tremendo, mole, suado. Eu estava sem ar,
meus pulmões lutando para buscar alívio, minhas pernas incapazes de
ficarem no chão, mesmo na ponta do pé. Dani se retirou de mim, sua porra
escorrendo pelas minhas pernas com meu próprio orgasmo quando ele tirou
o vibrador também. Ele me soltou das algemas e com um movimento rápido
me pegou no colo, me colocando contra o seu peito e me levando até a
cama.
Ele caiu por cima de mim, tentando aparar o peso quando minhas
costas bateram no colchão com força, mas o puxei para mim, enrolando as
pernas na sua cintura. Nossas bocas se encontraram em um beijo faminto e
cansado, nossas respirações aceleradas não permitindo que ficássemos
muito tempo sem recuperar o ar. O sorriso satisfeito que ele me deu quando
se afastou bastou para me acender novamente, me deixando pronta para ser
usada por ele, para ser o receptáculo do seu prazer, para ser tudo o que ele
precisava para ficar satisfeito, para gozar novamente e fazer ele gozar como
nunca. Até a próxima vez.
— Eu te amo, Daniele Ricci — murmurei, correndo a boca contra os
lábios dele, afastando os cabelos loiros suados da sua testa para poder
encarar sem pudor aqueles olhos azuis que me capturaram desde o começo.
— Também amo você, vita mia. Para sempre.
Epílogo - Nora

um tempo depois

— Cheguei!
Entrei na cozinha um pouco desesperada, porque estava atrasada. Era o
primeiro dia de trabalho depois do meu parto, e eu estava morrendo de
saudades do meu anjinho.
— Acabamos de chegar também. — Meu noivo foi em direção a Sara,
a nova babá que Cate estava testando e pegou o bebê de seus braços.
A coitada estava aterrorizada, principalmente por causa dos boatos do
que aconteceu com a última babá que teve a audácia de dar em cima de Teo.
Eles eram verdadeiros, mas eu não me importava. Se o medo fizesse ela
cuidar bem das crianças, a Cate poderia fazer o que quisesse. Assim que
entregou o bebê para Dani, Sara disparou para fora da cozinha,
desaparecendo. Dani sorriu para mim, observando a nossa filha em seu colo
enquanto eu me aproximava. Para a consternação dele, Allegra só tinha sua
aparência, com cabelos loiros e olhos azuis, mas a personalidade era
completamente de Mau. Ela dava chiliques como ninguém, o que era um
feito fenomenal, já que ela nem tinha quatro meses.
Porém, ela tinha o seu preferido. Ela esticava o seu corpinho no colo
de todos, menos no do pai. O que me deixava com um pouquinho de
ciúmes, porque ela poderia se derreter por mim também. Mas eu
definitivamente não tinha lugar de fala. Era só ele virar aqueles olhos azuis
para mim que eu me desmanchava inteira. E nem era pelo enorme anel de
safiras no meu dedo. Ou pela beleza dele.
Era porque eu o amava cada dia mais. Dani me surpreendia, me
encantava, me conquistava. Era uma vida que eu nunca imaginei: eu
participava da Stidda, eu ganhei o direito de fazer minha tatuagem por todos
os meus serviços, por como ajudei ele, por como ajudei Giorgia, mas o mais
importante era que eu participava da sua vida como sua parceira. Juntos,
iguais. E isso era tudo o que eu sempre quis e nunca me dei conta.
— O que eu perdi? — perguntei para Cate e Gigi. Eu fui direto para o
banho, então meus cabelos estavam molhados, mas não me importei, com
pressa para arrancar a minha pequena dos braços enormes de Dani.
— De acordo com Giorgia, mais uma birra da nossa patatina — ele
respondeu e sorriu para a prima com carinho, antes de voltar os olhos para
nossa filha. Ele usava o mesmo apelido que meu pai me deu, e eu achava
isso perfeito. Quase fazia o meu útero coçar com a vontade de dar um novo
filho para ele.
Giorgia continuava rebelde, fugindo e enganando qualquer segurança
que Teo colocava em sua cola, mas nas últimas semanas ela parecia ter se
acalmado. Algo com certeza aconteceu, porque a ruiva estava com olheiras
enormes, evidenciadas pela maquiagem pesada que agora ela usava em seus
olhos verdes. Ela ainda procurava Dani sempre que tinha algum problema
ou quando só precisava conversar, mas não falou sobre o que aconteceu, o
que a deixou assim.
Gigi estava sentada na mesa da cozinha, observando a pequena Elena
em sua cadeirinha. Alessio, é claro, estava encaixado no quadril da mãe
enquanto ela observava algo no fogão, se recusando a ir para os braços do
pai ou soltá-la por tempo o suficiente para que o Capo beijasse ou abraçasse
a esposa. Teo sempre sorria para a cena, mesmo fingindo ficar irritado.
— Você vai me deixar beijá-la algum dia, amore mio? — ele
perguntou ao filho, quando Alessio tentou empurrar o rosto do pai com suas
pequenas mãozinhas.
Teo arrancou o menino dos braços de Cate, erguendo-o sobre a cabeça
e fazendo o pequeno herdeiro da Stidda dar uma gargalhada feliz. O menino
colocou as mãos no rosto do pai e esfregou a sua barba, ou tentou, com Teo
fazendo o trabalho por ele, mexendo o rosto de um lado para o outro e
fingindo morder as mãozinhas gordas.
Os gêmeos eram quatro meses mais velhos que Allegra, nascendo
prematuros para a consternação do Capo. Teo não saiu do lado da esposa, e
quase matou alguém naquele dia, de tão nervoso que estava. Mas Alessio
veio ao mundo com um grito ensurdecedor, seguido rapidamente por Elena.
Enquanto ele era uma cópia do pai, com olhos verdes curiosos e afiados e
os cachinhos pretos, Elena era como Cate. Ela tinha um sorriso adorável,
uma pequena covinha linda em suas bochechas rechonchudas. Seus olhos
eram verdes, mas seus cabelos pareciam mais claros do que os do irmão, e
ela parecia ter a personalidade de Dani, ou Cate, menos explosiva do que o
gêmeo. Ela com certeza era o cérebro, e eu conseguia imaginar ela
ordenando o irmão a fazer as peripécias que ele com certeza já começava a
aprontar com sua pouca idade.
Arranquei Allegra das mãos de Dani e a puxei contra o meu peito,
enterrando o nariz nos seus cabelos loirinhos. Teo segurou o filho na lateral
do corpo e se aproximou da pequena Elena, que sorriu radiante para o pai.
Se Alessio tinha Cate como favorita, Elena com certeza venerava Teo.
— Como está minha principessa? — Ele se abaixou e pegou a menina
facilmente com um braço só, puxando-a para o seu peito. Eu não sabia
como ele fazia, mas desde que nasceram, Teo os pegava ao mesmo tempo,
com facilidade. Quando o Capo foi beijá-la no topo da cabeça, Alessio
empurrou o rosto dele com um olhar bravo, arrancando uma risada de Dani.
— Figlio, vamos ter que conversar sobre isso. Elas são minhas
também — ele ralhou, tentando parecer bravo.
— Você não está com ciúmes do seu próprio filho, está? — perguntei,
dando risada e Dani sorriu para o primo.
— É claro que ele está, já reduziu o plano de cinco filhos para três.
— Nunca fui bom em dividir — o Capo respondeu sem qualquer
vergonha, fingindo derrubar os dois bebês e arrancando gargalhadas deles.
— Quem poderia imaginar que seu filho seria tão possessivo quanto
você?
— Qualquer um, porque claramente é genético — Cate respondeu
Dani e ele bufou.
— Eu não sou possessivo.
— Então tá bom — resmunguei, dando risada e ele me olhou feio. —
Você tem ciúmes quando Allegra sorri mais para o Mau do que para você.
— É porque ele sabe que sou o favorito dela — Mau anunciou,
entrando na cozinha e dito e feito, Allegra abriu um sorriso enorme ao ouvir
a voz dele.
Elena e Alessio até se debateram no colo do pai, tentando ir em direção
ao tio. Ele se aproximou rapidamente, arrancando os gêmeos do braço de
Teo, ignorando a cara feia do irmão. Lena entrou logo atrás, carregando um
vestidinho branco cheio de babados.
— Terminei, Nora, o que você acha? — Ela me mostrou e Allegra
esticou os dedinhos, tentando pegar o tecido do vestido.
— Ficou tão lindo, Lena, obrigada!
Lena era a estilista oficial dos sobrinhos e nenhuma roupa era colocada
nos três bebês sem que ela autorizasse. Ela nem fazia diferença entre eles,
mesmo com Elena sendo sua afilhada. Ela amava todos eles igualmente, e
os mimava da mesma maneira.
— Vai ser um ótimo batizado, não se preocupe — a loira me assegurou
e foi se sentar ao lado de Giorgia na mesa. — Oi! Não sabia que você vinha
hoje.
— Eu não vinha. Mas eu não conseguia mais ficar em casa — Gigi
respondeu, um pouco desesperada e cansada.
— Por que não foi até o meu ateliê quando chegou? Você está bem,
Gigi?
— Não.
O não dela foi tão firme que todos nós paramos, até os bebês. Teo
franziu as sobrancelhas e Dani foi em direção à priminha, pronto para
destruir o mundo por ela, como qualquer um de nós faríamos.
— O que foi? O que aconteceu?
Giorgia respirou fundo e ergueu os olhos verdes, cheios de lágrimas.
Ela lambeu os lábios criando coragem, mas hesitou, quando o elevador fez
um barulho, indicando que alguém chegou.
— Desculpe o atraso — Fedez anunciou entrando na cozinha e
olhando para a prima primeiro, mas percebeu que estávamos todos parados.
— O que vocês…
Ele parou, encarando Giorgia como se tivesse visto um fantasma, seus
olhos cor de chocolate arregalados. Eles não se conheciam, mesmo o
noivado tendo sido oficializado. Gigi se recusou e Fedez não fez questão, já
que era tudo falso mesmo. Aura ficou furiosa, mas entendeu o motivo
quando uma emboscada perigosa aconteceu com Fedez logo após o anúncio
do noivado. Era melhor que ninguém soubesse quem era a noiva dele.
O primo de Cate estava ocupado, finalmente tendo um pouco de paz,
reorganizando as rotas e a estrutura da falecida Catania no seu território.
Como subchefe do Bronx, Fedez tinha bastante autonomia e até tinha
nomeado Egidio como seu falso “consigliere”. Essa posição só existia de
verdade para Dani, mas cada chefe das regiões de Teo tinha um conselheiro
para ajudá-lo. Fedez sofreu algumas tentativas de assassinato, uma delas
deixando uma cicatriz na sua sobrancelha direita até o meio da bochecha.
Ele não perdeu o olho por pouco.
Fedez não pareceu se importar, provocando Mau e dizendo que agora
era bem mais sexy e bonito do que ele. O primo de Cate tinha uma
personalidade fácil e divertida, apesar de ser bem calado. Ele não parecia
ser o tipo de pessoa que levava as coisas a sério, fumando na frente do
Capo mesmo quando ele o proibiu de fazê-lo na presença de Cate. Ele
frequentava a casa às vezes, principalmente agora que podia ver a prima
sem restrições, para a felicidade de Cate.
Mas nunca ocasionou da sua noiva estar presente, principalmente
porque Giorgia parecia mais preocupada em aproveitar a sua vida do que
passar tempo aqui. Ela ia para festas, baladas, começou um curso de pintura
em um instituto de artes e passou a andar com uma turma super descolada e
que sempre arrumava problemas. Ela costumava ligar para Mau, para que
ele a livrasse dos perrengues mais sérios e jovens, e ele não se importava,
desde que ela estivesse feliz, mas Teo e Dani estavam bem preocupados
com os novos hábitos de Giorgia. Principalmente quando ela driblava o seu
segurança e aparecia bêbada em casa. Ela começou a usar maquiagem
pesada, suas roupas voltaram a ser curtas e descoladas, mas bem mais
pesadas e escuras. Seus cabelos vermelhos estavam repicados e com
algumas mechas pretas no meio. Ela parecia bem mais madura e velha do
que seus 19 anos. E eu peguei ela fumando no jardim de inverno, mas fiz
ela prometer que pararia ou eu contaria ao Teo.
— Hum… vocês se conhecem? — Mau perguntou, trocando um olhar
com Teo e Dani. Os Ricci mais velhos balançaram a cabeça, sem saber o
que dizer.
— Não — Fedez respondeu.
— Sim — Gigi disse e o primo de Cate estreitou os olhos.
Eu olhei para Cate e ela franziu as sobrancelhas, indo até o primo e o
segurando pelo braço.
— Fedez, essa é a Giorgia. Tecnicamente sua noiva…
— Ah, Santo cazzo — ele xingou, se soltando do aperto da prima e
correndo as mãos pelos cabelos marrons quase raspados. Eu tinha certeza
que esse momento acrescentaria pequenos fios brancos aos que já
apareciam por ali. — Não é a porra do nome que você me deu naquela
balada.
— O quê? — Teo praticamente gritou, o que fez Elena fazer um
biquinho e começar a choramingar no colo de Mau. O Capo suspirou,
pegando a filha e tentando acalmá-la, mas olhando feio para Gigi. — Gigi.
Explique-se. Agora. Vocês se conhecem?
A voz pausada do Capo não dava margem para erro, ele queria saber
tudo. Dani olhou tão feio para Fedez, como se ele estivesse escondendo
algo, que perdeu Gigi engolindo em seco.
Ela manteve os olhos no primo de Cate, ignorando a ordem de se
explicar, mas concordou com a cabeça. Seus lábios tremeram, seus olhos se
encheram de lágrimas.
— Acho que estou grávida — ela anunciou.
E Dani explodiu, avançando para cima de Fedez com um soco na boca
enquanto as crianças começavam a chorar com o grito assustado de Giorgia.
Teo tinha razão.
A paz não era uma opção para a família Ricci.

Fim
Leia o final da série e a história de Fedez e Gigi em Stidda – O
Subchefe, em breve.

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Agradecimentos

Laila, dessa vez quase surtamos, hein? Obrigada por tudo!


Para as meninas do MariaVerso, minhas marilovers carrasquinhas
lindas:
Vocês querem bebês? Então toma, vou socar bebê em todo mundo
agora também!
Brincadeiras à parte, vocês erraram TODAS as teorias, mas foi muito
bom surtar com vocês. Muito obrigada por lerem meus livros, embarcarem
nas minhas loucuras, surtarem no grupo comigo e criarem teorias.
2023 foi um ano difícil, que quase me fez desistir da carreira, mas
vocês meio que me obrigam a continuar (afinal, como vou viver sem
estressar vocês com ameaças das mortes dos personagens?)
Obrigada por tudo!
Todo mundo que colaborou com a minha carreira esse ano: as
influencers, a Aurora D'Amicco que me ajudou a ampliar minha visão, a
Luana do LB Design, ao Reider: OBRIGADA!
E para a minha família: favor não ler isso, já não basta meu pai
contando para todo mundo que sou escritora e mudando de assunto quando
perguntam qual gênero.
PS: para o meu pai, que acabou de ler em voz alta a lista de quem era o
POV de cada capítulo para me ajudar na conferência: Tá chato.
Até a próxima,
Maria.

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Sobre a autora

Maria Flávia Calil é uma escritora de romances contemporâneos do


interior de São Paulo e só cria homens cadelinhas.
Apaixonada por histórias de amor com uma pitada de Hot, começou a
escrever em 2018 e agora tem duas séries em andamento: Stidda, um
romance de máfia; e Heart Tornado, a série sobre uma banda de rock
Em seus livros, todas as suas mocinhas são fortes à sua maneira e seus
parceiros são completamente rendidos por elas. Como acredita em finais
felizes, um pouco de drama pode até acontecer, mas tudo dá certo no final.
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Stidda
Acompanhe a vida dos membros de elite da máfia mais perigosa de Nova
York, a Stidda, e as mulheres das suas vidas.

Livro 1: O Capo. (29/7/2022)


Livro 1.5: O Capo e a Rainha (4/11/2022)
Livro 2: O Executor (19/05/2023)
Livro 3: O Consigliere (15/12/2023)
Livro 4: O Subchefe (em breve)

Stidda - O Capo (livro 1)


romance de máfia + grumpy-sunshine + "quem fez isso com você? + amor
antigo + famílias inimigas

Ele nunca se esqueceu dela, sua paixão da infância, a princesa da máfia


rival.
Ela nunca parou de pensar nele, mas já perdeu as esperanças de ser
resgatada pelo futuro Capo rival.

A Stidda e a Catania sempre estiveram em guerra. Máfias rivais na Costa


Leste dos EUA, os Capos Enrico Conti e Mauro Ricci finalmente chegaram
à um acordo de paz.
E para celebrar, decidiram que no futuro, seus filhos se casariam.
Teodoro Ricci e Caterina Conti cresceram juntos e se tornaram melhores
amigos, aproveitando os dias na casa de campo do Capo da Catania.
Até que um ataque da La Santa, a terceira máfia da região, transforma os
dias felizes em sombras.
Caterina perdeu o pai e foi levada para ser criada pelo tio, Stefano Conti, o
novo Capo e sumiu do mapa. Teo nunca mais a viu, e ela perdeu as
esperanças de reencontra-lo.
Dez anos depois, Teo nunca se esqueceu da sua Rainha, e agora que é o
novo Capo da Stidda, vai lutar por ela e destruir a Catania e a La Santa de
uma vez.
E torcer para que Cate o perdoe pelos erros cometidos no caminho.

* Esse é o livro Um de uma série de romance hot dark, com temáticas que
podem ser consideradas gatilhos. Não é recomendado para menores de 18
anos. Pode conter: violência, sangue, abusos físicos e psicológicos *

Stidda - O Capo e a Rainha (livro 1.5)


romance de máfia + grumpy-sunshine + bad guy vs good girl + amor antigo

Eles se encontraram depois de dez anos, e agora têm a vida inteira para
correr atrás do tempo perdido e eliminar as máfias rivais. Juntos, sempre
juntos.

Teo e Cate Ricci passaram por muito, mas ainda têm coisas a enfrentar. Sem
saber o que esperar do futuro, o Capo da Stidda e a sua Rainha precisam
lidar com os resquícios do traidor, o eventual ataque contra a La Santa e
tentar manter a paz com a Catania antes de finalmente destruírem os
parentes horríveis da Cate.
Situado um mês antes do Epílogo de O Capo, esse pequeno conto traz mais
do primeiro casal abordado nesta série, explorando um pouco mais do
relacionamento deles, o amor que sentem um pelo outro, algumas
dificuldades e muito, muito hot.
Este conto é inteiramente dependentedo livro 1 e contém spoilers do
mesmo. Além disso, alguns fatos ocorridos nele poderão ser mencionados
em livros futuros.

**Este é o livro 1.5 da série de romance hot dark Stidda, com temáticas que
podem ser consideradas gatilho e não é recomendado para menores de 18
anos. Contém: violência, sangue, menção de abusos físicos e psicológicos, e
cenas de sexo explícito.

Stidda - O Executor (livro 2)


romance de máfia + fast love + casamento de conveniência + famílias
inimigas

Ele é o irmão mais jovem do Capo e o Executor com uma assustadora


reputação.
Ela é a princesa da máfia rival que representa a imagem perfeita e
tradicional, mesmo sendo tudo fingimento.

Maddalena Marchetti vai se casar, contra a sua vontade, com o herdeiro do


cartel Jalisco. Seu pai, o Capo da horrível La Santa decidiu isso e ponto
final. Contudo, ela definitivamente não quer abrir mão da sua vida e sua
possível liberdade por conta de um casamento.
Maurizio Ricci é o irmão mais novo do Capo da Stidda e seu confiável
executor. Ele tem uma reputação enorme: galinha, inconsequente, cruel...
Todos os rótulos que colocam nele não importam, porque ninguém sabe a
verdade: Ele nasceu para ser sozinho e sofrer.
Mau planejou com cuidado o ataque da Stidda e da Catania contra a La
Santa no dia do noivado de Lena, aproveitando essa união para humilhar os
Marchetti e mostrar para o Jalisco que eles não crescerão ali. Porém, uma
pequena falha do plano pode destruir tudo: Ele trouxe para casa, para o seu
território a princesa da máfia rival, a noiva.
Agora, um casamento de conveniência é a única maneira da Stidda proteger
Lena contra sua própria família. Só que Mau já tem problemas o suficiente
entre tentar derrubar a Catania e destruir a La Santa e definitivamente não
quer se casar agora. E Lena não está pronta para abrir mão da sua tão
sonhada liberdade, não agora que está tão perto de conquistá-la.
Mesmo que a atração entre os dois seja explosiva e eles sejam muito mais
parecidos do que imaginam...

* Esse é o livro DOIS de uma série de romance hot dark, e para entendê-lo
é necessário a leitura dos volumes 1 e 1.5. Por ser um romance de máfia,
existem temáticas que podem ser consideradas gatilhos. Não é
recomendado para menores de 18 anos. Contém :violência, sangue, abusos
físicos e psicológicos e cenas exp *
Livros deste autor

O Vocalista Reservado (livro 1)


found family + romance proibido +Grumpy-Sunshine + chefe-funcionária +
segredos

Um amor proibido, o vocalista mais famoso do momento, sua assistente e


um segredo.

Acompanhe a vida dos integrantes da banda de rock mais famosa do


momento: Heart Tornado.
Começando pelo... Vocalista Reservado.

Jay Ackerman:
Estávamos subindo rápido até o topo, milhares de discos vendidos, número
um das paradas musicais, fama além do que eu imaginava.
Então, porque me sinto tão sozinho?
Tudo o que eu queria era aproveitar o momento de me reconectar com meus
irmãos, meus melhores amigos, companheiros de banda, na Villa exclusiva
da nossa gravadora. Escrever novas canções para o nosso próximo álbum.
Continuar vivendo nosso sonho.
Mas essa garota certinha e maravilhosa vai me fazer cometer uma loucura...
Preciso resistir a nossa assistente se quero escrever canções novas, mas me
parece impossível esquecer aquela boca, aquele corpo, aqueles olhos
verdes...

Jo Celine:
Um emprego antes de assumir o cargo no administrativo da empresa do
meu pai. É tudo que isso é. Provar que sou capaz, que não vou ser para o
resto da vida a filhinha mimada e que só vai conquistar as coisas porque o
pai a ajudou.
É meu momento de fazer algo, sem conhecer ninguém, sendo apenas a Jo.
Mas esse maldito vocalista com aqueles olhos azuis severos e incríveis vai
me enlouquecer.
Estou pronta para jogar tudo para o alto apenas para prová-lo uma vez.
Porém, não posso. Não devo.
Um, porque aquele Deus do rock todo tatuado e gostoso é meu chefe.
E dois, porque...

*Esse livro não é recomendado para menores de 18 anos. Pode existir


gatilhos sobre relacionamento abusivo, uso de substâncias ilícitas, uso de
álcool e descrição gráfica de atividades sexuais.

O Guitarrista Aventureiro (livro 2)


Segunda chance + found family + chefe e funcionária + banda de rock
famosa + segredos

Acompanhe a vida dos integrantes da banda de rock mais famosa do


momento: Heart Tornado.
O segundo volume é sobre o...Guitarrista Aventureiro.
Um guitarrista aventureiro, a garota que quebrou seu coração ao sumir sem
se despedir. Agora que ela voltou, ele pode perdoá-la?

Max Fleming:
Eu sabia que faríamos sucesso. Eu sempre cuidei das minhas irmãs e do
meu primo, e meu único sonho era tocar com a minha banda, fazer sucesso,
conquistar o mundo.
Era uma questão de tempo até eu alcançar meus objetivos.
Eu amava ser famoso.
Mas faltava ela.
A garota que desapareceu sem dizer nada, depois de um relacionamento
explosivo e marcante.
Foi pouco, mas foi tudo para mim.
Eu amei ela como nunca amei ninguém.
Ninguém imagina que a minha fama de galinha é para me blindar de ter
meu coração partido mais uma vez. E porque no fundo, não a esqueci.
Mesmo depois de todos esses anos, eu não a esqueci.
E agora que ela está de volta, eu deveria odiá-la, mas não conseguia.

Rosie Odell:
Desde cedo eu aprendi que deveria cuidar de mim, que deveria contar
apenas comigo, que não poderia depender de ninguém, especialmente
minha família.
Então quando o conheci, quando entendi o que era amor, tive que protegê-
lo.
Ele me odeia, eu sei.
Quem não odiaria alguém que sumiu sem dizer adeus? Que passou todos
esses anos sem fazer contato e que agora voltou?
Eu não deveria ter voltado, eu poderia estragar tudo que ele conquistou.
Mas é impossível ficar longe do Guitarrista Aventureiro que ainda tinha
todo meu coração.
Ele estava ainda mais lindo, ainda mais irresistível. Porém, eu tenho que
resistir.
Ele não sabe porque fui embora, mas se soubesse...

*Esse livro não é recomendado para menores de 18 anos. Pode existir


gatilhos sobre relacionamento abusivo, vício em jogos, suicídio, uso de
substâncias ilícitas, uso de álcool e descrição gráfica de atividades sexuais.

O Baterista Enigmático (livro 3)


Namoro falso + found family + ele se apaixona primeiro + banda de rock
famosa + protagonista gorda + friends to lovers

Acompanhe a vida dos integrantes da banda de rock mais famosa do


momento: Heart Tornado.
O terceiro volume é sobre o... Baterista Enigmático.
Um baterista enigmático tentando reconstruir sua vida, sua melhor amiga
tentando se livrar das amarras da sua mente. Dois corações machucados e
confusos prontos para uma aventura. Só aventura, certo?

Cam Delaney:
Eu não tinha vergonha do que tentei fazer. Eu tinha vergonha por ser um
fardo para a minha família. Por quase destruir tudo o que lutamos para
conquistar. Eu tinha vergonha de quem era de verdade.
E eu era alguém estragado. Eu era um desgosto.
E ninguém nunca me amaria. Ninguém nunca me escolheria.
Principalmente minha melhor amiga.
Minha linda, inteligente, bem-sucedida e incrível melhor amiga.
Eu adoraria que ela se visse como eu a vejo. E eu adoraria ter uma chance
de provar seus lábios.
Mas eu era estragado, e alguém como ela nunca ficaria com alguém como
eu. Não de verdade, pelo menos.

Marjan Ahmad:
Eu tentava não deixar o meu ódio por mim ser maior do que todas as coisas
boas da vida. Como minha amizade com Cam.
Mas escutar a vida inteira como você era inferior, como você era gorda e
como ninguém iria te querer, te marcava de uma maneira imutável.
Eu estava lutando, lutando contra meus pais horríveis e contra minha
própria mente.
E esse namoro falso para ajudar o meu melhor amigo deveria ser uma boa
oportunidade para elevar minha confiança.
Mas como alguém como Cam, tão lindo, inteligente e incrível, ficaria
comigo?
Esse Baterista Enigmático era meu namorado falso e eu adoraria
transformar isso em algo verdadeiro, mas alguém como Cam?
Ele nunca ficaria com alguém como eu. Não de verdade, pelo menos

*Esse livro não é recomendado para menores. Pode existir gatilhos sobre
relacionamento abusivo, vício em jogos, suicídio, dismorfia corporal, saúde
mental, TDAH, ataques de ansiedade e pânico, pais narcisistas,
preconceitos variados, uso de substâncias ilícitas, uso de álcool e descrição
de atividades sexuais.

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