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Copyright 2019 © Aline Pádua

1° edição – maio 2019

Todo o enredo é de total domínio da autora, sendo todos os direitos


reservados. Proibida qualquer forma de reprodução total ou parcial da obra,
sem autorização prévia e expressa da autora.

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Ilustradora: L.A. Designer


Revisão: Gabriela Ferraz
sumário
sumário
nota da autora
sinopse
playlist
prefácio
parte 1
prólogo
um
dois
três
quatro
cinco
seis
sete
oito
nove
dez
onze
parte 2
doze
treze
quatorze
quinze
dezesseis
dezessete
dezoito
dezenove
vinte
vinte e um
vinte e dois
vinte e três
epílogo: único amor
importante
contatos da autora
nota da autora
Esse é o segundo livro da Duologia Pecado & Perdão, sendo uma
continuação direta do primeiro livro. Para conseguir entendê-lo, é
necessário ter lido o livro 1 – O Pecado de Ally.
sinopse
O primeiro amor deixa marcas para vida toda, foi o que Ally disse a
Ian quando ainda eram apenas adolescentes apaixonados. Essas marcas
perduraram após dez anos de uma separação nada honrosa. Porém, o que
Ian não esperava, era que o destino interferisse, e assim, ele tivesse a
mulher amada a sua frente mais uma vez. E daquele momento em diante,
ela seria sua. Ele lutaria para que ela permanecesse em sua vida.
Entretanto, nem tudo é o que parece. O destino tem nome e
sobrenome, e está mais perto do que ele poderia imaginar. Ian descobre toda
a verdade, e o que há por trás dela. Um homem que sempre pregou a
sinceridade como o melhor caminho, mas naquele momento, descobriu que
se tornou escravo de mentiras e omissões. O pecado de Ally os levou até
ali. E agora, é o momento de descobrir se o primeiro amor, além de deixar
marcas, pode perdoar.
Em o Perdão de Ian, acompanhe o desfecho de O Pecado de Ally.
playlist
2002 – Anne-Marie
Don’t You Remember – Adele
Fire On Fire – Sam Smith
Him & I – G-Eazy feat. Halsey
I Hate This Part – The Pussycat Dolls
i love u – Billie Eilish
idontwannabeyouanymore – Billie Eilish
Just a Kiss – Lady Antebellum
Locked Away – Rock City feat. Adam Levine
Love The Way You Lie – Eminem feat. Rihanna
Mad At You – Noah Cyrus feat. Gallant
Make Me (Cry) – Noah Cyrus feat. Labrinth
Me Espera – Sandy part. Tiago Iorc
Need You Now – Lady Antebellum
November Rain – Guns N’ Roses
One And Only – Adele
Picture Perfect – Charity Vance
Ronan – Taylor Swift
Safe and Sound – Taylor Swift feat. The Civil Wars
Six Feet Under – Billie Eilish
Someone Like You – Adele
Take Me Home – Jess Glynne
The One That Got Away – Katy Perry
Thinking Of You – Katy Perry
What A Time – Julia Michaels feat. Niall Horan
When The Party’s Over – Billie Eilish
You Are The Reason – Callum Scott
prefácio
“Será que todo primeiro amor era assim? Por algum motivo, ela
duvidava. Mesmo depois de tanto tempo, aquele amor lhe parecia mais real
do que qualquer outra coisa que tivesse vivido. Às vezes ficava triste ao
pensar que nunca mais experimentaria uma sensação como aquela, mas, por
outro lado, a vida tinha o hábito de extinguir paixões intensas. Ela
aprendera muito bem que o amor nem sempre era suficiente.”
Nicholas Sparks
prólogo
“I will always remember
The day you kissed my lips
Light as a feather
And it went just like this
No, it's never been better.”[1]

No passado

— Dezessete, em? — indaguei, e ele sorriu de lado.


Segurei um suspiro, tentando fingir que ele não me desestabilizada.
Porém, era impossível não o comparar com os mocinhos que encontrava em
livros, filmes e séries. Ele parecia tanto com eles, e além daquilo, era
completamente único.
Ian Hayes era meu melhor amigo.
Ali, a cerca de alguns meses, quando olhar para com ele ganhou um
novo teor, comecei a me indagar sobre o que sentia. A resposta era óbvia:
sentia-me atraída por ele.
Ian Hayes tornou-se meu primeiro amor.
Ele era diferente da maioria dos garotos que conhecia na escola.
Não apenas por ser mais velho. Ele me entendia, sabia de meus gostos,
conversávamos sobre tudo e absolutamente sobre nada. Mas,
principalmente, entendia meu silêncio. Ele gostava de falar, e eu de ouvir.
Era como a sintonia perfeita.
O que me deixava ainda mais encantada, era saber que ele parecia
me olhar com um certo brilho. Algo que me prendia. Todos os dias, saía da
escola com apenas uma vontade – voltar para a casa e poder estar ao seu
lado. Ajudava minha mãe, e quando, estava livre, esperava-o em nosso
lugar em seu jardim. Debaixo de uma grande árvore com balanço.
Sabia que ele ainda me via apenas como sua amiga. Não consegui
segurar o suspiro daquela vez. Sentia-me acuada por diversos motivos. Um
dos principais, que logo, estaríamos longe um do outro. O primeiro beijo
que trocamos, a cerca de um ano, não fora mais mencionado. Simplesmente
deixamos com que caísse no esquecimento. Ao menos, para mim, pareceu
mais fácil fingir que não aconteceu, do que realmente entender o que sentia.
Naquele momento, sabia bem.
Eu estava completamente apaixonada pelo meu melhor amigo.
— Qual? Azul ou vermelha? — levantou as gravatas, e as encarei
sem muita vontade. Não conseguia vê-lo as usando de qualquer forma. —
Sem gravata? — indagou, abaixando-as, e neguei com a cabeça.
Dei um passo à frente e me ajoelhei, mexendo na gaveta aberta de
sua cômoda. Ali, ele guardava os itens de festas, que em sua maioria,
detestava. Existia um, em especial, que usara em meu aniversário de quinze
anos, que o deixava ainda mais belo. Ao menos, completava o visual de
príncipe encantado em um cavalo branco que sempre imaginei.
— Aqui. — dei-lhe a grava borboleta de cor cinza chumbo e ele
franziu o cenho.
— Não fico horrível com isso? — notei que era uma pergunta séria,
e sorri, levantando-me.
— Eu te disse para usar o smoking azul marinho, mas você decidiu
usar o terno esquisito de cor preta. — provoquei-o e ele revirou os olhos. —
Não pode ir contra, smokings são mais charmosos e bonitos.
— Ok, sabe tudo. — levantou as mãos em um sinal claro. —
Rendo-me a sua vontade.
— Como assim? — perguntei, e ele apenas sorriu de lado.
De repente, apenas se desfez do terno, assim como, da camisa cinza
claro. Prendi a respiração, com a visão de seu torso nu. Aquela era uma das
vezes que começava a me sentir incômoda com tal intimidade, ao mesmo
tempo, que pronta para dar um passo além.
— O que foi, raio de sol? — indagou, dando um passo à frente, e
notei sua preocupação. Seus olhos castanhos varreram meu rosto, como se
me inspecionando. — Tá tudo bem? É o resfriado ainda e...
Não saberia dizer o porquê de me achar doente. Talvez, o parecesse.
Porém, não era algo físico. Ok, poderia ser. Meu coração estava a ponto de
saltar pela boca. Meus lábios implorando para serem beijados. Meu corpo
queria estar mais perto do seu. Além daquilo, meu psicológico também se
abalara. Antes por sua presença, agora, por aquela intimidade. Seu cheiro
me invadiu, e entendi que não conseguia mais disfarçar. Talvez, nem
quisesse.
Levei as mãos a seu peito, e o toquei, subindo para seu pescoço. Sua
altura não me intimidava, pelo contrário, fazia-me sentir ainda mais
protegida. Então era aquilo: Ian Hayes era meu melhor amigo e meu amor.
— Me desculpe.
— Pelo que? — indagou, tocando meu rosto e abaixando um pouco
do seu.
Não pensei mais, apenas uni nossos lábios. O primeiro toque, fez-
me lembrar por completo do beijo que trocamos meses atrás. Fora
desajeitado e inocente, ao menos era para ser. Foi mais como uma
descoberta para ambos. Ali, já tinha as certezas a mesa, apenas precisava
que Ian as compreendesse. Quem sabe, as esperasse.
Sem demorar um segundo, ele me correspondeu. Logo senti meu
corpo mais próximo do seu, e nossas línguas se encontraram. Aquele era o
beijo pelo qual ansiava. Apenas provava, mais uma vez, de que Ian Hayes
era crucial para mim. O que sentia poderia ser novo e ter se transformado
com o passar do tempo, mas era verdadeiro. Completamente e
honestamente verdadeiro. Levei minhas mãos a seus cabelos, puxando-o
ainda mais a meu encontro. Seu toque me causava arrepios, assim como,
fazia-me querer permanecer naquele exato momento para sempre.
Não podia evitar a imaginação sobre o depois. Porém, permiti-me,
sonhar ali. Em seus braços. Que de alguma forma, estaríamos juntos para
sempre.
Como amigos.
Como amantes.
parte 1
“Mesmo sabendo que um dia a vida acaba, a gente nunca está
preparado para perder alguém”
Nicholas Sparks
um
“I remember the drive home
When the blind hope
Turned to crying and screaming why”[2]

No presente

— Está tudo bem, abelhinha. — falei baixo, e Hill sorriu


fracamente.
Ela parecia tão leve quando a olhava daquela forma. Sequer parecia
que estávamos dentro de um hospital. Cortinas cinzas e paredes brancas.
Fechei os olhos por um instante, e me lembrei da música que nunca pensara
que poderia cantar para ela. Muito menos, que me remeteria a nós.
— Patrick disse que logo vou sair e vamos poder brincar o tempo
que quiser. — a voz de Hill soou fraca, e apertei levemente sua mão.
Minhas lágrimas estavam presas como metal a meus olhos. Não me
permitiria deixar quebrar ali. Hill merecia a minha força, ao menos, daquela
vez.
— Tenho certeza que vão se divertir muito. — falei, agarrando-me a
último fio de esperança que ainda existia em minha alma. — E mais,
preciso te contar algo.
— Por isso parece nervosa? — indagou, e sua esperteza, mesmo
sendo tão nova, mais uma vez, me surpreendia. Hill parecia me ler, apenas
ao me olhar. — Tem a ver com o Guns? Quando ele vem me ver?
Suspirei pesadamente. Não queria lembrar de Ian ali. Na realidade,
não queria pensar sobre ele em nenhum momento em que estivesse próxima
a Hill. Lembrar dele, me remeti a nós. Nós me remetia a verdade. A única e
exclusiva – não deveria ter me deixado levar pelos sentimentos que
renasceram ao nos aproximarmos. Ian merecia alguém que compartilhasse
com ele toda a verdade. A qual, não lhe dei.
Queria poder ligar e pedir para que viesse me ver. Ele se tornara
parte de minha força, mesmo que não tivesse noção. Muitas vezes, nos dias
que passamos juntos, em seus braços que encontrei abrigo. Suas palavras de
amor que me davam esperança. Assim como, sabia que seriam minha
destruição. Ian me incitava a ser perseverante, porém, sentia que a perdia
cada dia.
A cada dia que passava omitindo. A cada dia em que minha mãe
ligava e tentava disfarçar que o quadro de Hill era bom. A cada dia em que
acessava as reais informações passadas por Condessa sobre minha irmã, e
descobria que ela já não respondia o tratamento. Não existia mais nenhum
recurso médico para recorrermos. E ali estava eu, imersa em mentiras. A
frente da razão da minha vida – Hill. Longe do homem que amava – Ian.
Naquele momento, sentia-me falhar com ambos. Assim como, o filho que
carregava em meu ventre.
Doía imaginar que em meio ao caos, ali crescia, uma vida.
— De certa forma, tem sim. — falei, e levei minha mão direita a
barriga, enquanto tocava seu rosto com a outra.
Hill piscou algumas vezes e um sorriso enorme se abriu em seus
lábios.
— Sobrinha! — sua voz saiu mais alta que o normal, e arregalei os
olhos.
— Como? — indaguei. — Você nem me deixou falar nada.
— Eu já vi essa cena em vários filmes e você me contou em muitas
noites. — sorri para ela, e me aproximei, levando sua mão até meu ventre.
— Nem acredito que sou tia.
Uma lágrima desceu e não pude impedir. Não era apenas a dor, era a
emoção de poder compartilhar aquele momento com ela.
— Quando ele ou ela nascerem, você vai ter que cuidar deles, assim
como...
— Você faz comigo. — complementou, lendo-me novamente. Sorri,
em meio a mais lágrimas que desciam. — Eu prometo cuidar dela com a
minha vida.
Em seus olhos vi a determinação que nunca encontrei em meu
reflexo. Hill era minha inspiração. Ao lado dela, tudo se resumia a nós.
Sabia que aquela conexão era impagável e irrefreável. Lembrava-me a cada
momento que a olhava, de quando meus pais me contaram que a
esperavam. Hill fora o meu presente. A companheira que sempre pedi a
eles. Sabia, mais do que nunca, que não podia perdê-la.
— Parece bem certa de que é uma menina. — falei, limpando
rapidamente as lágrimas.
Hill estava focada em minha barriga, olhando-a atentamente, como
se a espera de algo.
— O que foi? — perguntei curiosa. — Com o olhar e toque
consegue me dizer se é uma menina?
— Vai ser uma. — piscou algumas vezes, e seu olhar pareceu ainda
mais sereno. — Ainda é só um pedacinho seu e do Guns... Cadê ele? —
perguntou, mais uma vez, insistindo naquele assunto.
Era como se Hill tivesse que o fazer sempre. Contava a ela, o que
fazia fora nos dias em que não podia estar ali. Mentia, na realidade. Ela
sabia a parte da história em que estava com ele, e teoricamente,
trabalhávamos juntos. Enquanto o enganava dizendo que trabalhava com
moda fora do país, e estava na realidade, com Hill. Apenas uma verdade
permanecia intacta em meu peito – o amor por ambos.
— Minhas histórias te fazem querer o conhecer, não é? — ela
assentiu devagar, e notei que mesmo que tentasse, estava muito fraca, até
mesmo, para me enganar com seu “tudo bem”. — Acho que precisa
descansar, abelhinha.
— Eu vou. — falou decidida, e assenti, dando-lhe um leve beijo na
testa. — Ally?
— O que? — perguntei, assim que me afastei de seu corpo, apenas o
necessário para tocar suas mãos.
— Sei que estou morrendo.
— Hill! — adverti-a no mesmo instante.
Mama tinha falado sobre. Há dias, Hill queria adentrar tal assunto, e
a refreávamos. Não queria ouvir de sua boca tão jovem, o que realmente
acontecia. Ela merecia mais. Mais do que aquilo. Mais do que pude fazer.
Mais do que a vida lhe dava.
— Sei que mama fica brava quando digo isso... — respirou fundo, e
notei o quanto se esforçava para falar. — Disse isso para ela quando
chegamos aqui.
— O que? — perguntei perplexa.
— Às vezes acho que sou doida, mas comecei a entender meu
propósito.
— Que é ficar com a sua família, que agora está aumentando. —
apressei-me a dizer, e ela sorriu, assentindo em seguida.
— Vou fazer isso. — olhei-a profundamente, e finalmente, comecei
a entender a intenção de suas palavras. — Pode parecer loucura, mas
mesmo quando estamos longe, sei que está comigo.
— É porque eu te amo, abelhinha. Assim como você me ama. —
afirmei, e uma lágrima desceu por seu rosto. Limpei-a com carinho e Hill
suspirou.
— Daqui até a lua e a volta. — complementou e assenti. — Mama
sempre disse que papa era assim, como eu.
Sabia bem do que ela falava e o quanto era verdade. Meu pai era
exatamente como ela, só que preso a um corpo mais velho em minha
percepção de filha. O que fazia com que tudo fizesse sentido, até mesmo, as
sensações que ele demonstrava perto de algumas pessoas e ambientes.
Lembrava-me de seu abraço na noite anterior a sua morte. A forma como
ele disse que me amava e o sorriso estupendo em seu rosto, ficaram
gravados em minha memória.
Quando nos ligaram dizendo que ele havia falecido devido a um mal
súbito no trabalho, mama e eu entendemos – aquela noite, fora sua
despedida. Ele sempre pareceu sério sobre tudo que sentia, e quando ele
faleceu, nós sabíamos, que estava em paz. O que não diminuía a nossa dor,
mas ajudou a lidar com a mesma.
Hill não teve a felicidade de dividir com ele mais tempo, já que ele
faleceu quando ela ainda tinha três anos. Porém, a ligação entre eles sempre
me mostrou o quanto tempo não significava nada. A relação de amor
construída era única e intacta. Mesmo tão nova, ela pareceu entender o que
acontecia naquela época, e anos mais tarde, contou-me que papai se
despediu dela também.
— Você é especial, assim como ele foi. — falei, e sorri para ela.
— Ele ainda é. — corrigiu-me, e levou uma mão ao peito, indicando
seu coração. — Aqui, irmã.
— Eu sei. — segurei-me bravamente para não desmoronar. — Só
não consigo me imaginar em uma vida sem você. Não vamos parar de lutar,
Hill.
— Sei que não. — sorriu, e parecia entender muito além do que era
dito. — Mas sei que mama não vai me ouvir. Ela não me deixa falar
abertamente sobre o que sinto.
— Temos fé, e uma a outra. — falei séria e apertei sua mão. — Não
quero ter que pensar que toda vez que venho aqui, pode ser a última. Não
quero te ver falando assim, abelhinha.
— Vou sair daqui, eu sei.
Sua determinação me tocou, e sorri, sabendo que Hill tinha certeza
do que falava. Se ela acreditava em sua recuperação, ninguém mais podia
lhe dizer o contrário. Ou até mesmo, provar.
— Apenas gosto de falar o que sinto. — seus olhos verdes, como os
meus, praticamente imploraram para que a deixasse prosseguir. — Sei que
acham que é uma despedida, mas até hoje não foi.
— Não quero que fale sobre morte. Estamos vivas, Hill. — ela
deixou outra lágrima descer, mas ainda sorria. — Todas nós.
Indiquei com a mão minha barriga.
— Por isso quero falar. — apressou-se a dizer. — Quero te ouvir
contar uma história e cantar sempre. Nunca vou dizer adeus, Ally. Nem a
você, nem a mamãe.
— Fico feliz que entenda. — beijei sua testa novamente.
— Pode me fazer um favor? — indagou de repente, e notei que sua
fala parecia melhorar, em um tom normal.
— O que quiser. — sorri, tocando seu rosto.
— Não sei em que quarto Patrick está e... Bom, ele saiu daqui, pelo
que ouvi. Mas vem algumas vezes porque ainda tem algo para fazer. Pode
procurar para mim, na recepção? Se ele está em algum quarto?
— Posso sim. Se quiser posso levar um recado para ele. — sugeri e
ela negou com a cabeça.
— Não, ele vem me buscar. — sorriu levemente. — Aí, vamos
brincar fora daqui.
— Isso mesmo.
Toquei minha testa com a sua e suspirei, guardando aquele
momento.
— Eu te amo daqui até a lua. — falei mais uma vez, e vi um sorriso
gigante se abrir em seu rosto.
— E a volta. — complementou, como se fosse nosso elo.
— Vou ver o que consigo sobre Patrick, ok? — ela assentiu. — Qual
o sobrenome dele?
— É Willians. — suspirou profundamente, e notei seu semblante
mudar. —Obrigada, irmã.
— Eu já volto. — avisei, e me afastei um pouco, para sair.
Dei-lhe mais um beijo, mas me surpreendendo, senti as mãos de Hill
ao meu redor, dando-me um abraço que não precisava de força para ter
significado maior. Éramos nós.
— Até daqui a pouco.
— Até, irmã.
Saí, com o seu sorriso guardado em minha mente.
Segui pelo corredor, e assim que cheguei à recepção notei que
minha mãe não esperava ali, nem mesmo voltara. Ela disse que ia a algum
lugar comprar algo que Hill pediu e que era urgente. Parei a frente do
recepcionista daquela ala, e sorri, tentando parecer em um bom dia.
— Oi, gostaria de uma informação, por favor. — falei, e o homem à
frente da grande tela de computador me encarou.
— O que deseja, senhorita?
— Bom, minha irmã fez um amigo aqui. Parece que ele foi liberado,
mas volta de vez em quando... Na realidade, não sei o quadro dele. — o
homem franziu o cenho, e só aí comecei a me tocar o quanto aquilo poderia
parecer estranho.
— Tudo bem. As crianças fazem amigos o tempo todo por aqui.
Qual o nome?
— Patrick Willians. — falei, e sorri.
Notei o semblante do homem mudar, e ele pareceu um tanto quanto
confuso.
— Você é a irmã de Hill Johnson, certo? — indagou e assenti
rapidamente. — Ela está aqui a apenas alguns meses... Sinto informar, mas
Patrick faleceu pouco tempo antes de sua irmã começar o tratamento nesse
hospital.
— O que?
Minha voz quase não saiu, e então minha cabeça girou. Respirei
fundo uma, duas, três... de repente, dezenas de vezes. Virei-me para sair
dali, e corri pelos corredores, com as frases de Hill em minha mente.
Patrick disse que logo vou sair e vamos poder brincar o tempo que
quiser.
Não, ele vem me buscar. Aí, vamos brincar fora daqui.
Ouvi um alvoroço de médicos, e notei o quarto de Hill ser lotado
por uma equipe em alguns segundos. Tentei passar por um enfermeiro,
porém, ele me impediu de chegar mais perto. Dali, não conseguia ouvir
nada, a não ser, a certeza de que Hill acabara de se despedir de mim.
— Não! — gritei, parando de lutar contra o enfermeiro.
Dei passos para trás e gritei novamente, caindo de joelhos.
Conseguia sentir os olhos de muitos sobre mim, e de repente, quebrei.
Sentia os olhos de alguém me queimando profundamente. Meu rosto estava
coberto de lágrimas, e minha voz, pareceu sumir. A dor me consumiu, assim
como, ouvi o som da falta de batimento cardíaco.
— Ally.
A voz profunda preencheu o ambiente, e me virei por um segundo,
para encontrar seus olhos castanhos profundos. Ele não conseguia me ler.
Sequer conseguiria entender minha dor. Pois, pela primeira vez, não teria
forças para omitir algo.
Naquela troca de olhares, percebi que não tinha mais volta.
Virei-me, e levei as mãos ao rosto, desesperada. Senti braços me
envolverem no segundo seguinte, e assim que o médico saiu do quarto a
minha frente, apenas o seu semblante entregara o que aconteceu.
Tive mais uma vez a certeza, Hill estava se despedindo.
Eu a tinha perdido.
Para sempre
dois
“And what if I really thought
some miracle would see us through?
What if the miracle was even getting
one moment with you?.”[3]

— Ally. — a voz de minha mãe pareceu mais forte, como um


trovão. — Olha para mim!
Virei-me, e seus braços ao meu redor se afrouxaram um pouco, para
que pudesse ficar a sua frente por completo.
— Ela... Ela disse que não estava dizendo adeus. — deixei as
lágrimas correrem livremente. — Por que? Por que? Por que, mama?
De repente, vi em minha mãe, apenas um reflexo. Ali, nossa dor se
moldava e parecia dilaceradora. Ali, tudo começou a fazer sentido em
minha mente. Ali, entendi porque ela pedira um favor repentino. Ali, soube
que Hill estava tentando nos preparar para aquele momento.
— Não pode ser real. — falei, cedendo a toda a dor. — Eu ainda
tenho esperança, tenho fé... Não posso acreditar que...
— Ally! — minha mãe também estava de joelhos e uniu nossas
testas. Suas mãos subiram para meu rosto e ela limpou as lágrimas em vão.
Não conseguia sair daquele estado. — Pequena, me escuta! — insistiu e
fechei os olhos, não querendo parecer ainda mais fraca.
— Ela não pode... Ela...
— Ela está bem agora. — a fala de minha mãe me pegou
completamente desprevenida.
Abri os olhos no mesmo instante, e percebi que não era um reflexo.
meu Minha mãe sofria e sua dor era clara, porém, ela parecia entender.
Como ela podia? Como ela conseguia?
— Hill não se despediu de mim pessoalmente, porque nunca
permitiria isso. — falou e notei as lágrimas não derramadas em seus olhos.
— Mas ela deixou algo para mim, assim como para você.
— Mama...
— Hill escreveu cartas. — engoli em seco, diante de sua fala. — Há
meses, ela o fez.
— Não... Ela não se foi. Essas cartas não são nada. — neguei
rapidamente, e me levantei.
Olhei ao redor e notei o olhar do médico, assim como do enfermeiro
sobre nós. Eles estavam ali, a frente da porta de Hill, apenas parados, como
se estivessem acostumados com tal cena. Respirei profundamente, e levei as
mãos aos cabelos, sentindo que uma parte minha acabara de ir junto a ela.
— Ela... — comecei a dizer, e dei um passo à frente, parando perto
do médico. — Ela está bem, não é? — indaguei, engolindo em seco.
Ali, começara a acreditar em milagres.
— Eu sinto muito, senhorita Johnson. — a voz calma do homem,
trouxe novamente a dor para meu corpo. — Fizemos todo o possível, mas
Hill acabou falecendo.
— Não. — insisti, e o encarei incrédula. — Isso é um pesadelo! Só
mais um deles...
Olhei novamente ao redor, e com o olhar perdido, encontrei Ian
Hayes. Ele assistia a cena, como se não entendesse nada. Não tinha como o
fazer. Ele não tinha ideia do que aquilo significava. Ele não sabia o que Hill
era para mim. Além de tudo, não tinha como ele estar ali.
— Ian... Um pesadelo... Como todos os outros. — constatei, e levei
as mãos à cabeça, fechando os olhos. — Eu quero acordar! Eu imploro! —
pedi baixo, e as lágrimas ainda desciam, como se para me dizer que era
mais do que real. Porém, não tinha como ser.
Meus pesadelos se baseavam naquilo. Em uma cena parecida como
aquela. Ia acordar, e estaria em meu quarto. Visitaria Hill e ela estaria bem.
Ela... Ela estaria viva.
— Ally, por favor.
Senti a mão de minha mãe em meu ombro, e me esquivei, ainda
implorando para acordar. Sabia que aquilo ia se dissipar, assim como, todos
meus outros sonhos e principalmente, pesadelos.
— Abra os olhos, pequena. — ela me virou, e finalmente o fiz, sem
acreditar que ainda permanecia presa aquilo. — Apenas pegue isso. —
entregou-me um envelope na cor rosa, e neguei no mesmo instante, dando-
lhe de volta.
— Hill está viva! — meu tom de voz aumentou, e minha dor
pareceu triplicar. — Ela prometeu que ficaria conosco. Ela...
Assim, minha mãe me puxou para seus braços, e mais uma vez,
desmoronei. Não sabia como reagir, e apenas amaldiçoei aquele momento.
Minha mente vagou para longe, e nem tão distante dali. No abraço de Hill.
Na forma como conversamos. Em como parecemos nos unir ainda mais
naqueles últimos dias.
Pela primeira vez, eram de fato, os últimos dias.
Não sabia mais o que fazer, e senti meu corpo ceder, assim como,
minha mente. Não aguentava a dor e me entreguei. A escuridão chegou e a
abracei de imediato, desligando-me do pior dia de minha vida.

Fiquei paralisado.
Nunca vira tamanha dor em seus olhos. De repente, vi que ela estava
a ponto de realmente desabar, e sequer entendia o que acontecia. E
realmente, desabou, nos braços de sua mãe. Perrie parecia se segurar tanto
quanto ela. A dor estava exposta entre as duas.
— Vamos levá-la. — o enfermeiro se prontificou, e em menos de
um minuto, voltou com uma maca, colocando Ally com cuidado sobre a
mesma.
Dei um passo à frente, parecendo finalmente acordar. Meu corpo
parecia um tanto quanto anestesiado. Esperava qualquer coisa assim que
Charles me passou o endereço do hospital. Até mesmo, que Ally estivera
com algum problema sério de saúde. Entretanto, nunca imaginei, presenciar
aquela cena. Suspirei profundamente, vendo-a ser levada em outra direção,
que deveria ser um quarto.
Perrie permaneceu ali, e notei a forma como encarou o médico. Ela
parecia não saber o que perguntar, e o homem de cabelos grisalhos deu um
passo à frente, tocando seu ombro.
— Eu sinto muito, senhora Johnson.
— Como? — ela indagou de repente, e algumas lágrimas desceram
por seu rosto. — Como ela se foi?
— Parada cardíaca. — a vi fechar os olhos, e mesmo assim, ainda
me indagava o que realmente acontecia. — Fizemos o possível.
— Sei disso. Obrigada, doutor. — falou, e encarou o quarto a sua
frente, o qual vi Ally tentar entrar de toda forma, e desistir em meio ao
choro e gritos minutos depois.
O homem se afastou, e notei que Perrie permaneceu olhando para o
quarto, como se em busca de alguma resposta. Respirei fundo e tomei
coragem de fazer algo. Dei passos à frente, até parar ao seu lado.
— Perrie. — chamei-a, e os olhos verdes como os de Ally me
encararam. Ela parecia carregar toda sua dor apenas neles. Limpei a
garganta e tentei dizer algo que soasse condizente. Na realidade, estava
perdido.
Ela me encarou, e piscou algumas vezes, enquanto varria todo meu
rosto com o olhar.
— Ian. — falou, como se finalmente reconhecesse. — Ally falou
muito sobre você ultimamente. — olhei-a ainda mais perdido, porque nada
fazia sentido. Entretanto, não existia a possibilidade de tentar pressioná-la.
Muito menos naquele momento. — Preciso... Preciso cuidar de tudo que
está acontecendo. Olhar mais uma vez para minha filha e depois decidir o
que fazer. Mas ela... ela te deixou uma coisa.
O que Ally me deixaria? E por que Perrie a olharia pela última
vez?
— Hill Lavine Johnson. — falou de repente, como se notando
minha clara confusão. Só não conseguia entender tal resposta. — Ela é... —
suspirou profundamente e abraçou o próprio corpo. — Ela era a irmã caçula
de Ally. E você, é a razão de estarmos aqui.
— O que? — indaguei, completamente incrédulo.
Ally tinha uma irmã? E mais, ela tinha falecido?
— Sei que não posso te pedir nada, não nos vemos a muito tempo...
Mas apenas não a machuque. — sua voz soou como uma súplica. — Aqui
está o que Hill deixou para você.
De repente, a vi tirar outro envelope, na cor verde, de dentro de sua
bolsa. Aceitei o papel, e o virei de imediato, notando que o remetente era
Hill Johnson. O destinatário, de fato, era eu. Na realidade, não tinha meu
nome, apenas Guns.
— Ally sempre falou de você para ela. — Perrie se adiantou, mas
notei que a prendia ali. — Apenas leia e depois, dê uma chance para que ela
te explique tudo.
— Obrigado. — falei, olhando-a. — Eu... Eu realmente sinto muito
por sua perda, Perrie.
Ela assentiu e forçou um sorriso. Logo, se afastou, e a vi falar algo
com o médico que ainda aguardava ali, e em seguida, adentrou o quarto que
Ally parecia querer derrubar a porta minutos atrás.
Encarei o envelope, e olhei ao fim do corredor, para o qual vi o
enfermeiro levar Ally. Algo me chamava para lá, porém, ainda não sabia o
que fazer. Imaginei que poderia encarar de tudo quando cheguei aqui. Não
era verdade. Não esperava presenciar tal cena, muito menos, receber uma
carta. Suspirei, e fui até algumas das cadeiras localizadas na parte direita do
corredor principal. Parecia mais fácil encarar aquele papel, do que qualquer
outra coisa. Por ora.
três
“Just close your eyes
The sun is going down
You'll be alright
No one can hurt you now.”[4]

“Querido Guns,
Meu nome é Hill Lavine Johnson, mas talvez, isso você já saiba. Sei
que sempre quis te conhecer. Desde a primeira vez que Ally me contou a
história de vocês. Ela sempre me conta histórias para dormir, todos os dias,
mesmo quando estou no hospital. Ela é minha irmã, amiga, companheira
fiel e principalmente, a força da nossa casa. Não conte isso a ela, ok? Mas
a verdade é que ela sempre foi forte por todas nós. Sei que ela chora
escondida, que ela sofre... Queria que não fosse real. Mas sei que ela faz
isso porque me ama, porque não quer me perder. Bom, também não quero
perdê-la. Enfim, estou fazendo isso, porque ela mesma me ensinou. Sempre
me disse que cartas tem seu lado especial, e por isso, resolvi te escrever.
Quero muito ter te conhecido antes que ela seja entregue, mas se
não for possível, tudo bem. Temos outras vidas por vir. Talvez me ache
doida, algumas pessoas na escola pensavam assim, mas, a verdade é que
me sinto um pouco diferente da maioria das pessoas. É como se sentisse a
energia fluir e pudesse ter contato com o que a maioria pode temer. Mas
esse não é objetivo da carta. Desculpe, as vezes acabo falando muito. Ou
nesse caso, escrevendo. Sou o oposto de Ally. E na verdade, é sobre ela que
quero falar.
Minha irmã sempre falou com muito carinho sobre você. E sempre
soube que ela sente sua falta. Uma vez, tentei descobrir seu número e ligar,
mas não fui bem-sucedida. Acho que por isso, optei por escrever essa carta
e pedir para mama te entregar. Sei que estará em suas mãos em algum
momento. E sei que não vou estar aí para te ver, mas saiba, que gosto de
você apenas por saber o quanto Ally foi feliz sendo sua amiga e quase
namorada.
Bom, ela me contou, que agora está em Nova Iorque e por isso não
pode ficar conosco em Baltimore. Que ela está trabalhando com você. Mas
sei que minha irmã é a pessoa mais cuidadosa do mundo e sinto que ela
mente, mesmo que odeie fazer isso. Então, seja o que for que ela esteja
fazendo, apenas quero pedir para que cuide dela por mim. Pode ser um
pedido maluco de uma menina de oito anos, mas... Sinto que posso confiar
em você. Senti isso desde que ela citou seu nome. Espero de coração que
sejam amigos novamente, e quem sabe, você faça parte da nossa família.
Tem minha benção, saiba disso. Ally com certeza levará isso em conta.
Enfim, obrigada por ter lido até aqui.
Mesmo que o seu caminho com Ally não se cruze mais, quero que
ambos sejam felizes.
Seja feliz, Guns!
Com amor,
Hill”

Levei as mãos à cabeça, completamente chocado. Olhei mais uma


vez para a letra infantil e tentei entender o que levaria aquela menina a me
escrever. Oito anos... Ela tinha apenas oito anos. Sequer me conhecia, e eu
sequer sabia de sua existência. Porém, deixara uma carta para mim. Para
um completo desconhecido. Entretanto, suas palavras ganharam um peso
enorme, porque claramente, eram sinceras.
Suspirei, dobrando o papel e colocando-o dentro do envelope de cor
verde. Sorri, mais uma vez, ao olhar para o Guns no verso, como
destinatário. Ela usara caneta de glitter para desenhar alguns pássaros, e até
mesmo, tentou desenhar os símbolos da banda Guns N’ Roses. Levei as
mãos à cabeça e continuei a sorrir. Era um momento de tristeza, sentia-a no
ar, entretanto, a carta de Hill parecia um ponto de felicidade nítido.
Levantei-me, e andei até o final do corredor, onde vi o enfermeiro
entrar com Ally. Bati duas vezes na porta, e logo ela foi aberta. Perrie
estava ali, e notei seus olhos inchados e vermelhos devido ao choro, e a
forma como parecia se segurar para não desabar por completo.
— Ela era uma menina incrível. — falei, e se possível, seus olhos se
encheram ainda mais de lágrimas.
Sem conseguir me conter, puxei-a para um abraço, o qual aceitara
prontamente. Nunca tive motivos para chorar por um ente querido. A
realidade, era que chorei por completo ódio no momento em que meu pai
veio a falecer. Porém, lembrava-me bem da forma amorosa com que Ally
fora criada por Perrie e George. Os dois eram pais presentes e batalhadores.
E sabia, que se Ally teve todo o amor do mundo, Hill também o tivera. Não
conseguia imaginar sua dor, porém, poderia dar-lhe meu suporte.
— Sinto muito, Perrie. — fui sincero, e ela sorriu, afastando-se um
pouco.
— Obrigada, querido. — passou a mão por meu rosto, em um gesto
de carinho, que poucas pessoas já o tiveram comigo. — Você cresceu, mas
ainda consigo ver o mesmo menino em seus olhos.
— Isso é bom? — indaguei, abrindo um sorriso.
De alguma forma, tentava amenizar aquele momento para com ela.
— Sim, nunca perca isso. — falou e suspirou profundamente. —
Ainda está desacordada, claramente, foi demais para ela.
Apenas assenti, sem saber o que lhe dizer.
— Mas se quiser entrar, para ficar com ela, você pode. Sei que
precisam conversar. — seu olhar mudou e ela pareceu querer me dizer algo.
— De toda forma, apenas saiba que sinto muito por... Por tudo!
Ela então se afastou, claramente abalada, sem me dar tempo para
questionar. Segurei a porta aberta, e suspirei, pensando se deveria ou não
dar aquele passo. Entretanto, não tinha como não o fazer. Amava a mulher
ali dentro. Apesar do medo que me assombrava, sobre o que partilharmos
nas últimas semanas, possa ser reduzido a mentiras, meu sentimento por ela
não o era. E por isso, adentrei o quarto.
Andei a passos lentos até sua cama, e ela parecia um anjo dormindo.
A realidade poderia ser cruel, e naquele instante, Ally parecia se refugiar da
mesma. Não resisti, e levei as mãos até seu belo rosto. Toquei sua bochecha
com cuidado e carinho. Por dentro, implorava para que ela não tivesse
cedido a um jogo de Condessa. Suspirei, unindo nossas testas, e sentindo
sua leve respiração. Ela fora meu primeiro amor e nunca realmente saiu de
meu coração.
Os dias juntos, na nossa casa, apenas me mostraram que o que tinha
com Claire, não passou de um momento de paixão. Ela era uma pessoa fácil
de se apaixonar, e me agarrei aquilo. Acreditei fielmente que poderia seguir
em frente, como Ally fez. Que poderia esquecer meus reais sentimentos.
Porém, ela aparecera em minha porta, e de repente, todo o casamento
pareceu uma completa loucura.
— Eu te amo. — sussurrei, e me afastei no segundo seguinte.
Ela permanecera dormindo, e então, resolvi que ficaria ali. Andei
até a poltrona do lado esquerdo de sua cama, e me sentei. Mandei uma
mensagem para Charles, para que me atualizasse sobre o quadro de minha
mãe. Felizmente, o médico me dissera que o quadro de Condessa era
estável, ao menos, até o momento que fiquei em Nova Iorque. E ali estava
eu, vendo a mulher que amava em uma cama de hospital, descobrindo que
ela tinha uma irmã, e com minha mãe em coma. Tudo parecia desmoronar
sobre nossas cabeças.
Não perguntei a Charles toda a verdade, sequer o indaguei sobre.
Não peguei o celular de minha mãe e reli as mensagens. Porque não queria
saber daquela forma. Minha mãe não podia falar, e era o que menos poderia
me preocupar naquele momento. Apenas queria que ela se recuperasse.
Portanto, apenas uma pessoa poderia me dizer o que acontecia de fato. Na
realidade, o que e o porquê aconteceu. E sentia que queria a verdade através
dela. O que fosse. Contudo, ao olhá-la dali, completamente frágil, sabia que
era um assunto a ser adiado.
Os problemas poderiam esperar, assim como, a verdade. Pela
primeira vez em minha vida, senti que conversar não era necessário. Na
realidade, temia perdê-la no momento em que a verdade viesse a tona.
Suspirei perdido. Com apenas uma certeza em mente – ficaria ao seu lado,
até quando fosse possível. No fundo de meu ser, acreditava fielmente, que o
que vivemos não podia ter sido armado por alguém. Ao menos, era o que
sentia.
O que Ally tinha em seu coração, apenas ela poderia me dizer.
quatro
“If I showed you my flaws
If I couldn't be strong
Tell me honestly
Would you still love me the same”[5]

Era como se meu corpo pesasse uma tonelada. Em minha mente e


sonhos apenas encontrei um grande vazio. O nada. Suspirei, forçando meus
olhos a se abrirem um pouco mais, e ao encarar as paredes brancas, a
realidade me bateu. Sentia-me sufocar apenas por ter aberto os olhos mais
uma vez. Fechei-os, não querendo encarar o que acontecia, mas sabendo
que era inevitável. A esperança acabara ali.
Lembrava-me de seu rosto com um sorriso. Da sua voz com amor.
Do seu olhar de carinho. Não conseguia imaginar, e nem mesmo encarar,
que o corpo de Hill estava sem vida em algum lugar por ali. Sentei-me na
cama, abraçando meus joelhos, e senti que não conseguiria encarar aquilo.
Viver em um mundo em que ela não existia, era como viver sem minha
própria alma. Sentia-me oca por dentro. Sentia-me morta.
— Por que? — indaguei para o nada, em alto e bom som.
A resposta não viria, assim como, nunca veio. Buscava em qualquer
coisa, algo que explicasse o fato de Hill ter que lutar tão nova pela própria
viva. Levei as mãos aos cabelos, e deixei as lágrimas descerem.
— Eu te amo daqui até a lua. — falei, como se ela ainda pudesse me
ouvir. Imaginava que em algum momento, tais palavras não doeriam tanto
para sair. Sempre sairiam livremente, agora, pareciam apenas a constatação
de que nunca mais seriam complementadas. — E a volta. — complementei,
e limpei as lágrimas que desciam.
Respirei fundo, e me apoiei na cama, pronta pra descer. Olhei
rapidamente para o relógio e notei que já haviam se passado cerca de uma
hora desde o momento em que falei com Hill e... Suspirei, ainda não
conseguia sequer admitir aquilo em pensamento. Doía imaginar que não
voltaria para ela. Doía imaginar que ela não voltaria para nossa casa. Doía
imaginar que a vida parecia sem sentido algum.
Entretanto, precisava me levantar. Hill merecia que fizesse aquilo, e
nossa mãe, precisava de mim, mais do que nunca. Alcancei o chão com os
pés, e me escorei na cama por alguns segundos. Precisava mostrar uma
versão mais forte para minha mãe, ela merecia, ao menos, que pudesse estar
ao seu lado. Já havia quebrado. Já havia gritado. Já havia chorado. O luto
apenas começara, entretanto, tinha que ficar em pé.
Nunca estaremos preparados para perder alguém, era a única
verdade. Fora com meu pai, e naquele momento, era com Hill. E o pior, era
ter a verdade jogada em seu rosto minutos depois de a vida da pessoa
amada se esvair – a sua vida continua. Sem cor, sem vontade, sem
felicidade... mas continua. Lembrei-me de meu pai, e apenas fechei os
olhos, pedindo baixinho para que onde estivesse, cuidasse de Hill. Que ela
tivesse uma passagem em paz, e que encontrasse a paz.
Ela merecia, depois de tudo que passara nos últimos meses. Exames,
procedimentos, tratamentos...
— Pai, sei que não consigo sentir como o senhor, ou Hill, mas...
Sinto que pode me ouvir, então... Cuida dela, tá? Diga a ela que a amo
daqui até a lua. Nada muda isso. — fechei os olhos, controlando as
lágrimas.
Seja forte, Ally!
— Eu também te amo, pai. Eu e mama vamos... Vamos...
Não consegui continuar, pois não sabia mais o que dizer. O que
poderia? Que seguiríamos em frente? Que encontraríamos um jeito de
sorrir? Não conseguia sequer pensar no que fazer. Suspirei mais uma vez, e
decidi que precisava sair daquele quarto. Ficar ali, isolando-me do mundo,
não resolvia nada. Não mudava absolutamente nada, por mais que quisesse.
A porta do quarto foi aberta, e levei uma mão ao rosto, rapidamente
limpando uma lágrima que descia. Só poderia ser minha mãe. Éramos nós
duas dali por diante.
— Mama...
Virei-me, e as palavras ficaram presas em minha garganta. O olhar
de Ian me varreu, e notei sua preocupação. Ele estava claramente perdido
ali, e apenas assim, comecei a me lembrar dos últimos segundos antes de
apagar. Eu o vi. Imaginei que fosse algum delírio. Porém, não. Ele
realmente estava lá. E naquele momento, a minha frente.
— Ian. — falei, e engoli em seco. — O que... O que faz aqui? —
indaguei, sem conseguir esconder minha surpresa.
Tê-lo ali, naquele momento, e ainda mais, tendo a certeza de que
vira tudo... Vira meu desespero. Vira meu sofrimento. Vira minha dor. Vira
uma parte de mim que sequer conhecia. Apena conseguia pensar em uma
coisa: a verdade veio à tona.
— Não quero falar sobre isso hoje, Ally.
A falta do apelido nunca me fizera tanta falta. Acabei deduzindo o
óbvio – ele sabia de algo. Ao menos, descobrira sobre Hill. De todo modo,
Ian agia de forma contida, mas a preocupação em seus olhos era nítida. Ele
se preocupava comigo. Ele estava ali por mim. Ele não queria falar sobre a
verdade porque sabia que era o pior dia de minha vida.
E eu o amava ainda mais por ser de tal forma.
— Não tenho mais nada a perder. — soltei, sem ter a mínima noção
do que aquelas palavras poderiam causar. Era como se aceitasse, que o
perdera. Mesmo que ele me amasse. Mesmo que chegasse a entender meus
motivos. Ele jamais me perdoaria.
— Ally...
— Preciso ficar com minha mãe agora, mas... Sei que descobriu
algo. Se não, não teria como estar aqui. — levei a mão a cabeça, que
começara a despontar uma dor sem igual. — São detalhes, muitos, na
verdade. Quero te contar quando realmente conseguir articular algo sem
chorar.
— Eu entendo. — assenti, vendo que ele guardava seus sentimentos,
ao mesmo tempo que, era claro que ambos sofríamos.
Ali, começara a sofrer porque o perderia. Porque de repente, era
como se me sentisse apenas a casca da mulher que dias atrás era ao seu
lado. Nunca mais seria a mesma. Não depois de tudo o que vivemos. Não
da forma pela qual agi. E ainda mais, por não ter Hill comigo.
— Sei que entende. É o que faz... Você é um entendedor, Ian. —
sorri sem vontade. Duvidava do momento em que voltaria a fazê-lo de fato.
— Obrigada por se preocupar comigo, mesmo que...
— Não importa o que acho agora, ok? — deu um passo à frente, e
senti seus dedos tocarem minhas mãos.
Levantei o olhar, surpresa. Em seu rosto, encontrei o amigo que
jamais perdera. Mesmo após dez anos de distância. Mesmo após aquela
separação. Não podia negar seu toque, era como se o necessitasse. Por mais
que me sentisse traidora por não abrir a boca e despejar tudo. Não
conseguia, ainda. Doía demais. Porque queria me agarrar aos últimos
instantes em que ele não me encararia com mágoa, com raiva e ainda mais,
com dor.
— Estou aqui.
Aquelas duas palavras me pegaram por inteira. Do toque de nossas
mãos, simplesmente, vi-me sendo puxada para seus braços, assim como, os
recebi de prontidão. Eu o amava, completamente. E aquele momento,
provava ainda mais o valor daquele homem. Ele não era perfeito. Na
realidade, não acreditava que alguém no mundo o era. Porém, era em sua
imperfeição que me reencontrava.
— Uma vez, me disse que era sua paz perdida. — falei, ainda
encostada em seu peito, agarrada a seu corpo. — Só quero que saiba que,
nesse momento, é a minha.
Inalei seu cheiro, e o guardei para mim. Aquele momento, seria
eternizado em minha mente. Em meu coração.
— Eu não a conheci, mas quero que saiba que... Eu sinto muito por
estar passando por isso, Ally.
Assenti, sem ter como descrever em palavras o que realmente me
causava naquele momento. Ian também não precisava delas, porém, ele
adorava usá-las. Era sua maneira de deixar claro como se sentia. Eu não.
Ele mal sabia, que aquele abraço, em meio a todas as desconfianças que
poderia estar tendo, valia mais do que qualquer coisa que saísse de sua
boca. Sabia que ele realmente sentia muito.
Afastei-me de seu corpo, e não me contive, toquei levemente em seu
rosto. Ele desceu sua testa para minha, e ficamos ali, naquele momento.
Presos a algo que não queríamos nos soltar. Entretanto, quando seus olhos
recaíram nos meus, sabia que ele tinha muitas perguntas. E eu, continha
várias das respostas. Me perdoe, era o que minha mente queria dizer. Eu te
amo, era o que meu coração queria gritar. Não posso te perder, era o que
minha alma sangrava.
cinco
“Eu ainda estou aqui
Perdido em mil versões
Irreais de mim
Estou aqui por trás de todo o caos
Em que a vida se fez.”[6]

— Mama. — chamei-a, e ela virou o rosto.


Ela sustentava um sorriso fraco, enquanto assinava alguns papéis.
— Desculpe ter...
— Shh. — falou, afastando-se do homem que segurava uma
prancheta. — Como você está? — indagou, e não conseguia dizer de fato.
Muito menos, olhando para a mulher, que com toda certeza,
entendia-me por completo.
— Acho que foi uma pergunta estúpida. — tocou meu rosto com
carinho. — Estou agilizando tudo para que possamos levá-la para Geórgia,
e que ela seja enterrada ao lado de seu pai.
— Imaginei. — falei, sentindo as palavras cortarem minha garganta.
— Então é isso, mama? Acabou? — perguntei, sentindo-me sufocar.
— Ela está bem. — sua fala, poderia parecer apenas para me
confortar, entretanto, vi que era uma verdade em seu olhar. — Hill com
certeza encontrou seu caminho, pequena.
— Pode soar tão egoísta, mas... E nós? O que sobrou para nós,
mama? Vivemos os últimos anos apenas... — fechei os olhos, contendo-me.
— Só queria que ela estivesse aqui, e que isso não passasse de um pesadelo.
— Ela está... — mama levou sua mão até meu peito e colocou-a
sobre meu coração. — Bem aqui. Pode parecer piegas, mas, acredite é nisso
que me apeguei para ainda estar de pé, Ally. E mais, no que Hill nos deixou.
— Como assim? — indaguei, tocando minha mão sobre a sua.
Mama se afastou, e mexeu em sua bolsa, tirando de dentro dela, dois
envelopes na cor rosa. Aquela era cor favorita de Hill. Estendeu-me um, e
franzi o cenho, não entendendo nada. Porém, aceitei o envelope em mãos.
— Assim que chegamos aqui, Hill pareceu ter encontrado um bom
lugar... Isso me assustou, mas não te contei sobre. Porque ela parecia saber
que aqui seria o lugar que ela encontraria a paz. Ela confirmou em palavras
para mim, dias atrás. Hill sempre foi o nosso pequeno mistério cósmico,
sabemos disso. Assim como, seu pai o era. Então, quando ela pediu para
comprar os materiais para escrever três cartas, assim que chegamos, eu não
pude negar. E assim, ela o fez. Escreveu as cartas e me entregou. Pediu para
que as entregasse apenas após sua morte... Quis brigar com ela, e até
mesmo, dizer para parar com aquilo. Mas... Ela sorria ao dizer. Percebi o
quanto somos egoístas nesse momento. Hill sempre esteve em paz, e aqui,
ela pareceu ter ainda mais certeza. Sei que um dia vai entender também,
pequena. Porque a ligação entre vocês é inquebrável. Nem a morte separa.
Olhei para o envelope e minhas mãos tremiam. Era como se o papel
fosse pular dali a qualquer instante. Suspirei profundamente e tentei me
concentrar em algo. Até mesmo, apegar-me as palavras de minha mãe.
Ainda era difícil, porque mesmo no momento que aceitasse que foi o
melhor para ela, continuaria doendo. Hill era meu mundo, e de repente,
ruía.
— Precisa da minha ajuda para resolver algo? — indaguei, e mama
negou com a cabeça.
— Condessa deixou tudo encaminhado caso isso acontecesse. —
sequer me surpreendera tal informação. — Logo resolveremos tudo.
— Ok. — falei, e em seguida, senti seus braços me cercarem.
— Vi Ian aqui, e sei que precisam conversar, mas... Tenha calma,
pequena. Existe muito além de vocês dois agora.
Assenti, afastando-me de seu abraço. Estávamos perto da recepção
daquela ala, e sequer consegui passar à frente do quarto que horas antes
estava com Hill. Carregava o envelope encostado em meu peito, e resolvi
sair para fora daquele hospital. Estar ali dentro, apenas me fazia questionar
o que realmente acontecera. Por que Hill simplesmente se foi?
Antes de falar com minha mãe, fui atrás do médico responsável por
Hill, e suas palavras deixaram-me perdida. Ela teve uma parada cardíaca, e
não existia uma explicação clara até aquele momento do porquê. Era como
se, mais uma vez, a ciência não pudesse nos deixar a par do que acontecia.
Era como se simplesmente, tivesse chegado sua hora.
Suspirei, e deixei uma lágrima descer.
Coloquei meus pés para fora do enorme prédio, e olhei ao redor,
buscando algum lugar para poder me sentar. Ainda me sentia fraca, e
mesmo sendo liberada pelo enfermeiro e médico que me socorreram, sabia
que precisava me cuidar. Naquele momento, minha mente finalmente
parecia se abrir e lembrar – estava grávida. Nunca imaginei que não
conseguiria me sentir imensamente feliz por aquilo. Entretanto, tentaria, dar
tempo ao tempo, e me acostumar com o fato de que seria mãe. Mesmo que
me culpasse por não conseguir estar feliz por meu filho.
Levei a mão esquerda até minha barriga e a alisei.
— Eu sinto muito. — falei baixinho, enquanto caminhava até alguns
bancos espalhados próximos a área ainda pertencente ao hospital.
Acomodei-me em um, e encarei o envelope rosa por alguns
instantes. Levei até meu peito e o apertei, como se em busca de sentir que
Hill ainda estava ali. Em algum lugar, dentro de meu ser, sabia que ela não
me abandonaria. Mesmo que fisicamente, não estivesse mais presente.
— Eu sei, Charles! — a voz conhecida chegou a meus ouvidos e
paralisei o que estava fazendo. — Não posso assumir a empresa, tem o
vice-presidente por esse motivo.
Arregalei os olhos, diante de seu tom. Virei-me para olhá-lo, e Ian
estava a cerca de cinco passos, claramente, perdido na conversa por
telefone. Ele havia me deixado há alguns minutos, dizendo que precisava
resolver algumas coisas. Ali, começara a entender do que se tratava.
— Condessa não faria isso, ela... — o vi passar as mãos pelos
cabelos, como se incrédulo, e ainda mais nervoso. Ele mudou de posição e
seus olhos recaíram nos meus. Ele pareceu pensar em algo, que sequer
compreendia, mas ao mesmo tempo, era como se me lesse. — Ok, verei os
papéis e passarei no hospital.
Ele desfez a ligação e pela primeira vez, desde que nos
reencontramos, senti que não conseguia mais entendê-lo, nem mesmo se
tentasse. Existia uma barreira invisível levantada entre nós, a qual, sabia,
que não poderia ultrapassar. Não naquele momento. Não tinha o direito de
sequer tentar.
Suspirei, sabendo que precisava abrir o jogo com ele, e que quando
mais adiasse, pior poderia ser e até mesmo parecer. Na realidade, não
conseguia imaginar o quão pior se tornaria. Levantei-me e fui até ele,
parando a cerca de um passo.
— Mama está preparando tudo, e em breve, vamos para Geórgia. —
falei, e Ian apenas me encarou. — Preciso dizer adeus a minha irmã, e sinto
que estou quebrada para tudo. Mas quero... Quero que saiba que vou te
contar tudo o que quiser saber.
— Ally, talvez não seja o momento.
— Talvez agora não seja. Acho que sequer consigo colocar minha
mente em ordem. — apressei-me a dizer. — Hoje é o pior dia de minha
vida, Ian. Não vou mentir que estou bem, mesmo assim, sei o que tenho que
fazer. Sei que não posso mais te esconder nada.
— Tem certeza disso? — indagou e assenti.
— Apenas peço que me dê um pouco de tempo, e que... Não me
julgue pelo que trouxe até aqui.
— Nunca o fiz, Ally.
Eu sabia, ele não o fazia. Mesmo assim, temia pelo momento que
aquilo pudesse ocorrer.
— Eu volto para te contar tudo, o mais rápido possível. — engoli
em seco, e senti o olhar de Ian mudar.
Dei um passo à frente e sem conseguir resistir, toquei sua mão com
a minha. Aquele simples gesto, fez-me entender o quanto ele era
importante. O quanto o amava. O quanto precisava dele, não só naquele
momento, mas desde que voltamos a nos ver.
— Não quer que vá com você? — perguntou e neguei com a cabeça,
rapidamente.
Não queria trazê-lo para aquilo, por mais que o quisesse ao meu
lado. Jurei ali, antes mesmo de abrir a boca, que seria a última vez que
estaríamos frente a frente sem que ele soubesse de toda a verdade.
— Vou ficar bem. — forcei um sorriso, ainda tocando sua mão. —
Eu volto para te contar tudo, é uma promessa.
Ian não me disse nada, apenas me puxou para seus braços. Suspirei,
guardando mais aquele momento, sabendo que era único. Todos os quais já
partilhei com ele, tornaram-se de tal forma. Assim que nos afastamos, notei
o quanto parecia receoso, mas ao mesmo tempo, sabia que respeitaria
minha decisão.
Eu volto para você, era o que realmente queria dizer. Eu volto
para nós, as memórias de dias não tão distantes gritaram, mas que de
repente, tornaram-se apenas parte de um sonho.
seis
“I can't tell you what it really is
I can only tell you what it feels like
And right now it's a steel knife in my windpipe
I can't breathe but I still fight while I can fight?”[7]

Dias depois...

Miserável.
Sentia-me a beira do abismo, e um passo mais, era como deixar-me
cair, sem volta. Girei a maçaneta e adentrei o seu quarto. Respirei
profundamente, ao notar que tudo permanecera da forma que ela deixara. A
cama como sempre bagunçada, os bichos de pelúcia amontoados no canto
direito, e a porta do closet entreaberta, pois segundo ela, ali poderia ser a
passagem para Nárnia.
Lágrimas corriam livremente por meu rosto, e minha dor parecia a
mesma de poucos dias. Porém, era a primeira vez que conseguia adentrar
aquele cômodo. A casa em si, tornou-se um martírio, entretanto, ali, era o
espaço de Hill, e saber que não a teria, era como ter a faca enfiada em meu
peito novamente. Não me lembrava ao certo do enterro, apenas de que me
prostrei ao lado de minha mãe e segurei-me para não cair de joelhos até o
último segundo.
Não conseguira encarar seu corpo sem vida, e estando ali, perto de
suas coisas, era como se tivesse feito o correto. Não queria lembrar-me de
Hill dentro de um caixão. Guardaria aquele momento no hospital. Com seu
sorriso em minha mente, assim como, sua paz. Sentia-a em meu coração, e
por alguns segundos, aquilo bastava.
Sentei-me com cuidado em sua cama, e encarei o envelope rosa que
trazia. O carregara desde Baltimore, e até o momento, não conseguira abri-
lo. Era como se me preparasse de fato para dizer adeus, e sabia, que não
fora em seu enterro. E sim, seria naquela carta. Sabia, que ela escrevera
para Ian também, o que me fazia pensar, o quanto queria que ambos
tivessem se conhecido. Eles eram parte da minha pequena paz particular.
Tê-los juntos, seria um grande sonho.
Suspirei, e ouvi alguns barulhos vindos da escada. Minha mãe se
dedicava a andar por todo canto, como se em busca de Hill, em alguns
momentos. Sabia que ela entendia mais a sua ida, do que eu. Ainda assim,
estava na fase de tentar sobreviver aquele momento. Nenhuma de nós
parecia preparada para o mundo ainda. Mesmo que em breve, tudo voltaria
ao normal. Ao menos, em parte.
Antes de falar com Ian, aquela era a última coisa que faria. Tinha
uma bolsa pronta para uma viagem até Nova Iorque, e assim, contaria cada
detalhe para ele. Não estava preparada para aquele momento, na realidade,
acho que nunca estaria. Era como simplesmente mandar o homem que
amava para longe, sem chance de resgaste. Entretanto, mesmo com todo
meu erro, não desistiria sem lutar. Sem ao menos, contar-lhe quem
realmente sou.
Abri o envelope e tirei o papel na cor rosa de dentro. Sorri,
limpando uma lágrima que descia. Hill e eu adorávamos vangloriar tal cor,
e as quartas-feiras, sempre usávamos, em homenagem a um de nossos
filmes favoritos – Meninas Malvadas. Desdobrei o papel e sorri. Percebi
que eram as primeiras vezes, em dias, que voltava a sorrir verdadeiramente.
Como sempre, era por Hill.
Sua letra infantil era linda, e me lembrava de como foi lhe ensinar as
primeiras palavras. Ela adorava escrever, assim como ler. Sabia, que se
pudesse realizar seus sonhos, com toda certeza, seria em algo relacionado.
“Querida, irmã
Sei que quando receber essa carta você vai ficar brava, e até
imagino que brigaria comigo se pudesse. Mas sei também, que deve estar
sendo muito difícil para você. Aliás, com certeza, mais difícil do que para
mim. Sou nova, e sei disso. Mas também sei, que uma hora, teria que ir. A
morte é algo inevitável, e nós sabemos. Muitas vezes chamou minha
atenção para o fato de ser a sua força. Uma coisa que nunca percebeu, é
que sempre foi a minha. Minha e de mama. Você nunca reclamava, falava
ou demonstrava o que de fato sentia. Mas via em seus olhos, o cansaço, a
tristeza e principalmente, a saudade. Muito trabalho, e entendi que o fazia
por mim. Fazia para que pudéssemos ficar mais tempo juntas.
Você fez tudo que foi possível, e é por isso que estou te escrevendo.
Tenha certeza sobre isso, irmã. Em nenhum momento, duvide de si, se
poderia ter feito mais. Você fez o todo. Você fez com que minha vida,
mesmo que curta e com essa doença, se tornasse simples e feliz. Sempre fui
feliz ao estar com você. Sempre fui feliz por gargalharmos diante de um
filme de comédia, ou chorarmos em um romance desses que você adora.
Sempre fui feliz quando ouvia a porta se abrir e sabia que era você do
outro lado. Sempre fui feliz por ser sua irmã. Então, meus oito anos não
poderiam ser melhores, porque tinha mama e você. Porque eu tenho a
melhor irmã do mundo.
Pode não acreditar em energia como eu, mas eu te sinto. Sei que
nunca vou estar sozinha, mesmo que não possa mais sentir o seu abraço.
Você é a melhor e sempre será, Ally. Sei que pensa que a vida foi injusta
comigo, já a ouvi falando sozinha no meio do quarto a noite. Na realidade,
acho que tenho sorte. Sorte por ter uma família que me ama. Sorte por ter
pessoas que nunca pensaram duas vezes em serem meu mundo. Sorte por
poder ter passado esses oito anos ao lado de vocês. Sei que minha hora
está chegando, senti quando cheguei nesse hospital. Loucura, talvez?
Apenas queria que soubesse, que estou em paz. Por mais que pareça difícil
acreditar, quero que tenha essa certeza.
Escrevi em carta, porque sei o quanto gosta disso e porque sempre
me disse que não existe mais sincero do que colocarmos nossos sentimentos
no papel. O faço agora. Para que saiba que essa doença não me tirou de
vocês, e nada nunca será capaz de o fazer. Sempre estaremos juntas, mesmo
que fisicamente longe. Não posso mentir e dizer que não queria estar ao
seu lado pelo resto de meus dias, porém, as vezes, os milagres são assim –
parecem curtos aos nossos olhos. Agradeço hoje, por ter o milagre de ser
sua irmã. Por dentre tantas pessoas, ser aquela que pode compartilhar os
melhores momentos com a melhor irmã mais velha de todo o mundo.
Nosso amor vai daqui até a lua e a volta, irmã. Pode até parecer
finito, mas não é. A realidade por trás dessa frase sempre foi maior, e você
me explicou. Por isso, peço agora, para que pela primeira vez, se cuide.
Passou anos cuidando de mim. Apenas foque em você, em mama. Vocês
merecem. Sei que tem o Guns agora, e imagino, que seja o destino lhe
mostrando, novamente, o caminho para o príncipe que sempre me contou.
Você merece esse momento de conto de fadas. E espero, que tudo dê certo.
Nunca vou esquecer dos nossos momentos, assim como, sei que não
o fará. Levo em mente, e principalmente, em alma, o quanto sou grata por
ser sua irmã. A morte não muda nada disso. Sempre serei sua irmã.
Quando tocar sobre seu peito, sobre seu coração... Saiba que estou
aí. E mais, que nossas almas sempre serão unidas. Eu te amo daqui até a
lua... e a volta.
Com amor,
Hill”

Levei a carta até meu peito e sorri novamente. Hill tinha tal poder, e
me vi, agarrando-me a cada uma de suas palavras. Ali, percebi que talvez
ela tivesse toda razão. Como sempre, era Hill que me ensinava lições. O
milagre não era esperar que ela se curasse. Talvez o milagre fosse ter
passado aqueles oito anos ao seu lado. Lágrimas desceram, e toquei o
pingente de coração de meu colar, abrindo-o. A foto de família estava ali.
Nós quatro, sorrindo. Entendi, que não havia sobrado apenas duas pessoas
daquela foto. Permanecíamos quatro, assim como, papai disse há muitos
anos. Nada era capaz de modificar o amor que nos unia. Nem mesmo, a
morte.
Levantei-me, deixando a carta sobre a cama. Caminhei até o closet,
e me sentei, em meio a bagunça de roupas que Hill sempre deixara. Nunca
acreditei muito em signos, mas nada me fazia entender como uma
virginiana poderia ser tão bagunceira. Sorri, sabendo que era efeito daquela
carta. De começar a entender, aos poucos, que tudo ia ficar bem. Em algum
momento, a dor daria lugar a saudade. Por enquanto, elas ainda dividiam o
vazio de meu peito.
Fechei os olhos, e sorri em meio as lágrimas, lembrando-me de
nossos momentos. Era como ser embalada por sua presença, como se ela
pudesse me ouvir. Abri a boca e comecei a cantar, a música que sempre
evitei, mas que não existia chance de ser trocada por outro. Não naquele
momento.

“What if I'm standing in your closet trying to talk to you?


And what if I kept the hand-me-downs you won't grow into?
And what if I really thought some miracle would see us through?
What if the miracle was even getting one moment with you?
Come on, baby, with me
We're gonna fly away from here” [8]

Abri os olhos, e suspirei profundamente. A cada dia era um passo,


tentando entender como nossas vidas seriam. Antes, tudo em minha vida
girava em torno de manter a dela. Naquele momento, sabia que gerir a mim
mesma, era ainda mais difícil. Há tempos, não sabia o que era realmente
focar no que queria.
— Obrigada, abelhinha. — falei, levantando-me.
De alguma forma, sentia que ela podia me ouvir. Em algum
momento, sabia que chegaria até ela. Caminhei até a cama, e dobrei o papel
novamente, colocando-o dentro do envelope. Guardaria aquilo para sempre,
como lembrete de que era forte o bastante para continuar. Forte o bastante
para me lembrar que Hill ainda permanecia em mim, mesmo não podendo
vê-la.
Limpei as lágrimas, e me virei para sair do cômodo. No momento
que atravessei a porta, ouvi o barulho da campainha. Minha mãe já saía de
seu quarto, mas notei o quanto parecia cansada. Não teria como ser
diferente daquilo, ela basicamente, cuidou de tudo. Cuidou de mim, que
mal conseguia falar sem chorar nos últimos dias. Ela precisava dormir e de
fato descansar.
— Eu vou. — falei, e ela assentiu, sem me contrariar.
Vi-a voltar para o quarto e desci as escadas. Haviam flores ao lado
da porta principal, todas trazidas por vizinhos. Eles sempre adoraram Hill, e
era a forma de dizerem que sentiam muito. Sabia que o fariam. Muitos
deles, nos ajudaram naquele caminho. Destranquei a porta e a abri, já
esperando algum rosto conhecido. E era de fato.
Noah....
— Ei. — falou, e sorriu levemente. — Cheguei à cidade hoje, e
soube sobre Hill.
Assenti, e não soube sequer o que dizer. O homem a minha frente
fora o único a quase chegar a meu coração. Entretanto, nunca fora além de
um grande amigo. Mesmo quando namorávamos, sabia que não daria certo.
Era como se não fossemos para ir além.
— Sinto muito, Ally. — sua voz soou com pesar.
Logo, ele deu um passo à frente, e seus braços me cercaram. Aceitei
seu toque, sabendo o quão verdadeiro era. Na realidade, necessitava de algo
assim. Mesmo querendo evitar, pensei em Ian. Em como queria que ele
estivesse ao meu lado em cada um daqueles momentos. Entretanto, tê-lo
por perto apenas fazia com que minha culpa aumentasse. Por ainda ser
covarde e não ter conseguido colocar todas as palavras para fora.
Afastei-me de Noah com cuidado e o encarei. Seus olhos azuis me
passavam calma e paz, entretanto, não eram os quais realmente precisava.
Poderia parecer uma canalha por compará-lo com Ian, mas era inevitável.
Ian me vira com ele antes, e pensou que o tinha esquecido. Sabia que nunca
o fiz. E precisava, de alguma forma, mostrar a ele que realmente não o
fizera.
— Entra, por favor. — pedi, e ele negou rapidamente com a cabeça.
— Só quis vir te dar um abraço. Sei que prefere ficar sozinha
quando não está bem. — aquela era uma realidade, porém, ainda pensava
em quanto queria Ian ao meu lado. — Posso passar mais tarde?
— Sempre é bem-vindo, Noah. — falei, ele sorriu.
Deu um passo à frente e beijou minha testa.
— Obrigada por vir.
— Até mais, linda. — afastou-se, e assim como chegou, de repente,
o vi sair.
Noah caminhou até seu carro, e dei um leve aceno, sabendo que em
breve, ele estaria ali novamente. Soltei meus ombros, perdendo a postura.
Encarei a rua, e o vento me embalou, como se me dizendo que precisava
dar um passo adiante. Precisava ver Ian. Meu coração, mente e alma eram
uma grande confusão.
Tirei o celular do bolso da calça, e mais uma vez, notei que não
existia mensagem alguma de Condessa. Nenhuma notícia a respeito dela, e
começava a indagar o que de fato acontecera. Não tinha cabeça para pensar
sobre nos últimos dias, entretanto, com o aparelho que ela me dera em
mãos, comecei a me indagar sobre diversas coisas.
Passei o dedo sobre seu contato, e logo abaixo, encontrei o de
Ian. Sabia que poderia ser um passo difícil, mas era necessário. Ele merecia
que fosse sincera, e eu, merecia um pouco de paz. Mesmo que essa fosse,
longe de seus braços. Assim, toquei em chamar.
sete
“Don't you know I'm no good for you?
I've learned to lose you, can't afford to
Tore my shirt to stop you bleedin'
But nothin' ever stops you leavin”[9]

O toque alto me despertou.


Balancei a cabeça, completamente perdido e tentei focar meus
olhos, e colocar minha percepção para trabalhar. Um pouco perdido,
consegui alcançar o celular caído no chão, próximo a cama. Encarei o visor,
temendo ser Charles, entretanto, ao ler o nome, meu coração falhou uma
batida.
Foi como despertar no mesmo instante.
Engoli em seco a princípio, e me sentei, encostando-me contra a
cabeceira. Passei a mão esquerda sobre o rosto, como se sem saber como
simplesmente atender uma ligação. Entretanto, não era qualquer uma – era
Ally. Sem querer mais pensar, levei o aparelho a orelha, e esperei a doce
voz surgir do outro lado.
— Oi, Ian!
O tom receoso em sua voz apenas me mostrara que começamos a
nos perder. E talvez, ela sequer tenha realmente se encontrado comigo.
— Oi. — falei, sentindo uma bola se formar em minha garganta.
— Eu... Bom, queria avisar que estou indo até você. — ouvi seu
suspiro profundo. — Sei que demorei alguns dias, mas...
— Não precisa se desculpar por isso. — cortei-a rapidamente. —
Aliás, tem certeza que quer me ver agora?
Por mais que todo aquele mistério e dúvida me matassem um pouco
a cada dia. Por mais que estivesse me remoendo por dentro e até chegado a
ter pesadelos com ela simplesmente dizendo que não me amava... eu
esperaria. Ally estava de luto, e sequer conseguia imaginar o tamanho de
sua dor. Preocupava-me com ela, ainda mais, depois de tudo aquilo. Mesmo
que não entendesse absolutamente nada do que acontecia, e me segurasse
para não obrigar Charles a me contar. Queria saber através dela.
— Sim, não posso mais adiar. — sua voz soou determinada, e
entendi que ela falava sério. — Você está em Nova Iorque ou no Canadá?
Só quero saber onde posso...
— Estou na Geórgia, mais especificamente, na sua cidade. — soltei
de uma vez, sentindo-me ainda mais entregue a ela. Eu estava ali, todo
aquele tempo, mesmo que ela não tivesse noção. — Desculpe não ter dito,
mas não consegui ficar longe.
— Ian...
Ela simplesmente parou de falar, e entendi que não conseguia
continuar. Era como se a estivesse sufocando. Porém, meus sentimentos me
mandaram ir para ali. Assim que me certifiquei que Condessa estava bem, e
que seria informado ao menos três vezes ao dia sobre ela, e mais, qualquer
mudança no quadro, Charles me ligaria.
Ali estava eu, na cidade que senti Ally ser arrancada de mim. No
mesmo lugar que antes, imaginava que ela simplesmente seguira em frente.
Fechei os olhos, embalado pelo som de sua respiração. Não era bom em
fingir sentimentos, nunca consegui fazer tal coisa. Ally deixara um buraco
em meu peito, que aos poucos, passara a preencher. O problema, era que
usara Claire para tal coisa, e pensei que seria possível em algum momento,
sentir a mesma conexão. Não ocorreu.
— Onde está hospedado? — indagou de repente. — Ou melhor, não
quer vir até aqui pra...
— O que preferir, Ally. — respondi, já me levantando.
Precisava de um banho e principalmente, parar de passar noites em
claro. A forma como dormi na última noite, apenas provou que estava em
meu limite.
— Eu... Acho melhor que você escolha. — sua voz soou mais baixa,
e percebi que não parecia tão decidida quanto antes.
— Tudo bem. Gostaria de conhecer sua casa. — soltei, mesmo
sabendo que aquela fala poderia soar apenas estúpida. Ao menos, Ally
estaria em casa de toda forma. Não queria parecer mais louco do que já
aparentava.
— Ok, eu te espero aqui. Te mando o endereço por mensagem.
— Até logo, Ally.
— Até.
Desfiz a ligação e segurei as palavras que arranharam minha
garganta: eu te amo. Por que de repente era tão difícil admitir tal coisa?
Dias atrás, perdidos em nós mesmos, longe de tudo, parecia simples.
Talvez, a realidade fosse aquela. Funcionávamos, quando presos em nosso
mundinho particular. Expostos, parecíamos completamente deslocados.
Apenas uma pergunta ainda perdurava em minha mente, e sabia que
era crucial: qual a verdadeira relação de Ally e Condessa?
Deixei o celular sobre a cama de hotel, e fui até o banheiro. Parei a
frente de meu reflexo, e fiquei ali, alguns segundos, perdido em mim
mesmo. Aparentava ser um homem sério e frio, era muito do que sabia que
falavam sobre mim nos corredores da empresa. Se me vissem agora, teriam
certeza. A barba crescera ainda mais, e cortei o cabelo, de forma que não
parecesse desleixado, entretanto, minha face demonstrava dureza. Aquele
era o complemento. Contudo, não passava de um menino assustado.
— Achou mesmo que ia te deixar ser feliz? — a pergunta quase não
saiu de sua boca, e ele parecia ainda mais fraco. — Achou mesmo que ia
ser feliz comigo aqui para te impedir? Nem você, nem Condessa serão...
Nunca! Me certifiquei disso.
Ele tossiu, puxando o ar com força em seguida. Parecia acabado.
Sabia que ele, na realidade, estava.
— Pai, calma... Não pode forçar.
— Faço o que quiser, moleque. Assim como, te maltratei a vida
toda. E tirei de você, tudo que me foi tirado. — dei um passo atrás,
assustado com o que dissera.
Há muito tempo que não sentia medo ou pavor de meu pai –
Edmund Hayes. Mas ali, parecia que tudo voltava à tona.
— O que quer dizer?
— Você, seu bastardo de merda. Por que não morreu no útero podre
de sua mãe? — virei o rosto, não querendo encará-lo. Nunca entenderia
seu ódio por mim. Ele deveria me amar. Era o que pais faziam, não? —
Tirei a menina dos Johnson de você, qual a sensação?
Paralisei, e o encarei no segundo seguinte. Ali, percebia que vivera
a sombra de um homem que apenas mentia.
Liguei a torneira e joguei água em meu rosto, tentando espantar
aquelas lembranças. Porque no fundo, sentia que a perderia mais uma vez,
mesmo que meu coração implorasse para que tudo fosse um simples
engano. Sabia que Condessa Hayes não se relacionava com ninguém por
engano. Balancei a cabeça, desliguei a torneira, e já me despi.
Virei o registro do chuveiro, e me coloquei debaixo da ducha.
Sentia-me encurralado, e não conseguia dormir diante de todas as perguntas
sem respostas. Do medo de que Ally fosse apenas alguém usado por
Condessa para me atingir. Temia que ela tivesse sido colocada em minha
vida novamente sem ao menos querer. Temia ter sido enganado por ela.
Temia que tivesse mentido sobre nós, e mais, sobre o que sentia.
A água quente caía sobre meu corpo, e logo se ia pelo ralo. Receava
que aquele fosse o destino de todo o sonho que vivera naquele um mês e
meio que se passara. Cada dia ao seu lado, soara como a recuperação de ano
perdido pela intensidade, e até mesmo, apenas um segundo devido ao
momento que ela saía de casa. Nossa casa. Aquele lugar que construí
imaginando seu sorriso. O mesmo lugar que abrigou a primeira vez que ela
fora completamente minha.
Soquei a parede, tentando impedir meus pensamentos do pior. Não
poderia simplesmente julgar sem saber a verdade. Porém, mesmo
aparentando ser um homem forte e frio, não passava de um apaixonado
perdido. Não passava de alguém que sempre esperou aquele amor. Dela,
que me conhecia melhor do que ninguém, e que fora meu raio de sol. Dela,
que fora o sorriso inevitável mesmo após horas sendo surrado. Dela, que
sentira minha alma implorar. Dela, que meu coração simplesmente se
entregara. Dela, que me fazia perder a mente.
Ainda não sabia porque já doía tanto. Porém, tinha um pouco de
noção. Porque já a perdera uma vez, e aquilo me destruíra. Sabendo de tudo
que vivemos, e pela primeira vez, ter me aberto por completo, temia ainda
mais. Fora em um buraco que me enfiei após descobrir que a perdi por
anos. Temia voltar para o mesmo caso acontecesse novamente. E mais, se
na realidade, ela não me amasse.
Não era nem de longe a pessoa que mais sofria naquele mundo,
e sabia daquilo. Entretanto, não me poupava da dor. Muitas vezes, acredita-
se que o sexo masculino não sente tanto. Talvez, então, fosse uma exceção.
Porque estava bem perto de simplesmente pirar por imaginar que fora
enganado. Eram apenas teorias, de um homem com medo. Medo de ter
sido enganado por quem mais amava. Medo de perder aquilo que sequer
chegou a realmente ter. Medo de que não fosse o suficiente.
oito
“The world slows down
But my heart beats fast right now
I know this is the part
Where the end starts”[10]

— Vai ficar tudo bem, mama. — falei, tentando acalmá-la.


Ela tocou minha mão, como se para me passar forças.
— Ele te ama, e sei que vai entender.
Sorri para sua fala, e de repente, mais uma verdade caía em meu
colo. Ele também amou Claire, e mesmo arrasado, sequer lhe deu chance
para explicações. Ele a deixou, e sabia que não teria volta. Nosso amor
poderia ter nascido há muitos anos, e só então recomeçamos, ainda assim,
sabia que cada ato meu, desde concordar com sua mãe, fora uma traição.
Doía imaginar que ele simplesmente me esqueceria como fez com ela.
Pareceu simples para ele agir de tal forma. E me atormentava
imaginar que nosso amor seria esquecido. Mesmo que soubesse que tudo
entre nós sempre fora diferente. Ele mesmo fizera questão de deixar claro
aquilo. Contudo, naquele momento, deixaria claro porque reapareci em sua
vida.
A campainha soou, e mama apertou minha mão mais uma vez, antes
de subir as escadas, em direção ao seu quarto. Mesmo com tudo que
acontecera, ela continuava ali, como minha força. Respirei fundo, e andei
até a porta.
Sentia a culpa pesar sobre minhas costas, ainda mais, estando
prestes a falar sobre a mesma. Abri a porta devagar, aproveitando aquele
momento, para olhá-lo por completo. Parei em seu rosto, e notei que
mudara um pouco. Os cabelos antes cumpridos, agora estavam em um corte
quase militar. Em contraste, a barba estava ainda mais espessa. Ian Hayes
trazia consigo um ar de mau, mas sabia, que nem longe, ele o era. Saber que
ele viera ali por mim, fazia meu coração doer ainda mais. De saudade. De
culpa. De completo amor.
— Oi. — falei, e não soube como o cumprimentar. De repente, era
como se fôssemos estranhos.
— Ei, Ally. — ele deu um passo à frente, e lhe dei espaço para
entrar no segundo seguinte.
Nossos corpos se esbarraram no processo, e senti meu coração
falhar uma batida. Sua simples proximidade me intoxicava. Queria lhe
perguntar o que fazia ali, para ouvir de sua boca, entretanto, não era
necessário. Sabia que ele viera para ficar ao redor, caso precisasse dele.
Fechei a porta, com aquilo em mente. Mal sabia ele, o quanto precisava
dele naquele momento, e obviamente, em todos os outros que viriam.
— Pode ficar à vontade. — falei, como uma estúpida. De repente,
voltei a meses atrás, quando Condessa aparecera em minha porta. Ali, no
sofá em que ele se sentou, ela também o fizera. Justamente onde tudo
começara, sabia, que de fato, acabaria.
— Como você está? — indagou, enquanto me observava. Sentei-me
no outro sofá, a sua frente.
Sorri, lembrando-me da carta de Hill. Era como se começasse a
entender mais sobre ela, do que mim mesma. E começava a aceitar o fato de
que ela fora meu milagre.
— Estou bem. — suspirei fundo. — Obrigada por estar aqui. Eu...
Tinha feito uma mochila, ia até você. Mas como sempre, fui surpreendida.
Ele sorriu sem vontade, e notei que ficou sem palavras. Aquele era o
meu momento de tê-las.
— Só quero começar dizendo que eu te amo, mais do que nunca. —
não me contive, e seu olhar parecia compenetrado no meu. — E que espero
que me perdoe. — desviei o olhar, e suspirei profundamente. Era hora de
começar. Era já tarde para o fazê-lo.
— Há cerca de uns três meses, sua mãe apareceu aqui. — comecei a
falar, e reconectei nossos olhares. Passei as mãos nervosamente pela calça
de moletom, e de repente, senti-me exposta. — Ela tinha uma proposta, e
consistia na minha ajuda para terminar com seu noivado.
Surpreendendo-me, Ian se levantou de repente, passando as mãos
pelos cabelos.
— Vou contar todos os detalhes. Não quero que... Que saia daqui
com alguma dúvida sobre. — tentei amenizar aquele princípio nada
aclamado.
— Isso é impossível, Ally. — revidou e engoli em seco, vendo que
aquela conversa seria mais difícil do que imaginava.
— Bom, ela sabia tudo sobre mim e minha família. Sabia
principalmente, que não tínhamos mais dinheiro e os empréstimos apenas
se acumularam. — levei as mãos à cabeça, sentindo-me perdida. Querendo
ou não, se Condessa batesse em minha porta novamente, e me desse a
chance de tratamento para Hill, não pensaria duas vezes em lhe dar uma
resposta positiva. — Ela então me ofereceu o seguinte: ia a Nova Iorque e
ajudava a arruinar seu noivado.
— O que ganhou em troca? — sua voz soou baixa, mas pude notar o
tom frio. Ele se sentou novamente, como se não conseguisse ficar parado.
— O tratamento de Hill no melhor hospital especializado em seu
tipo de câncer. — senti que ele me olhava, mas não consegui fazer o
mesmo. Não queria ver pena em seu olhar. — Nós não pagávamos o
hospital daqui há um bom tempo, e Hill estava vindo pra casa por esse
motivo. Não pude pensar sobre as consequências, mesmo que já as
considerasse, então, aceitei.
— E por isso estava a minha porta naquele dia? — indagou, e
assenti, sem coragem de o olhar.
— Condessa me colocou naquele apartamento que me buscou, e me
deu roupas novas que mostrariam que era alguém da moda, assim como, um
celular e notebook de última geração. Nunca te contei, mas minha vida
mudou desde a morte de meu pai, e ainda mais, quando Hill foi
diagnosticada com leucemia. Então, sua mãe me moldou para que fizesse
parte do seu mundo, e assim, você me aceitasse. — engoli o bolo que se
formara em minha garganta. Precisava continuar a falar. Se parasse, não
conseguiria retomar. — A princípio, o plano era simples: eu tinha que
transar com você, e isso o separaria de Claire. — continuei apenas
encarando minhas mãos, nervosa. — Mas Condessa percebeu que não seria
fácil para mim, então, um tal de Travis, apareceu. Condessa queria que eu e
Travis trabalhássemos juntos para que Claire te traísse. Seriam cerca de dois
meses em Nova Iorque para ficar próxima a você, e... Bom, teria um dia da
semana em Baltimore com Hill. — aquilo parecia ainda mais ilógico
quando dito em voz alta. — Porém, dias antes de sairmos com vocês,
naquele encontro duplo, Condessa apareceu no apartamento em que ficava.
Ela e Travis, pra ser mais exata. Ele contou que Claire e você iam se casar
no fim de semana, e sua mãe pediu para que te ligasse e convencesse de
sairmos naquela noite.
— Na noite em que comemos cachorro-quente? — indagou, e
assenti, sentindo o ar parecer ainda mais pesado.
— Tinha a função de te levar até o apartamento dela, e te fazer
flagrá-la com ele. Não faço ideia de quem seja Travis e qual o acerto dele
com sua mãe, mas... Era basicamente isso.
— Mas você não me levou lá. — finalmente tomei coragem para
encará-lo, e era possível ver a dor em seus olhos. — Fui até lá porque o
porteiro me ligou, avisando que Claire deixou um cara subir. Eu o pedi para
fazer isso, já que ela estava com problemas sérios com o primo que a
ameaçava em troca de dinheiro. — olhei-o sem entender nada, mas não
insisti no assunto. Não era algo que me pertencia. — Então, você ficou na
portaria, apenas esperando. — não fora uma pergunta, mas sim, uma
constatação. — Esperando me ver quebrado quando descesse.
— Eu não sabia o que acontecia no apartamento, Condessa sempre
me deu partes da verdade. E uma das regras que tinha era nunca fazer
perguntas.
— Qual a outra? — indagou, e levou as mãos aos cabelos.
— Não te contar ou deixar que desconfiasse de absolutamente nada.
— confessei e senti o quanto aquilo pesava entre nós.
— E depois? Por que simplesmente apareceu no Canadá? —
indagou, mas parecia querer dizer mais, então o esperei. — Condessa te
mandou pra lá? Para me seduzir e tentar me trazer para Nova Iorque?
Doeu seu julgamento, mas o entendia. Como ele poderia não o
fazer? Tudo o que realmente queria era me jogar em seus braços e nunca
mais sair dali. Fingir por um instante que tudo era perfeito entre nós. Que
fora o reencontro forjado pelo destino. Entretanto, não era real.
— Fui pra Baltimore no dia seguinte de você ver Claire e... Enfim,
depois disso, nunca mais teria contato com você. — doeu admitir tal coisa,
porém, era a realidade. — Pelo menos foi o que achei. Fiquei lá até sua mãe
me ligar de novo. Ela exigiu que fosse até o Canadá e te trouxesse para
Nova Iorque. Se não o fizesse, ela pararia de pagar o tratamento. Então, fiz
minha escolha.
— Você foi até mim porque seu combinado com Condessa ainda
continuava. — pareceu perdurar as palavras. — Por que ficou, Ally? Todos
aqueles dias? Por que me ouviu falar sobre o meu passado, o nosso passado
e simplesmente não me contou o que de fato te trouxe para mim? — suas
perguntas me atingiram como flechas, e o encarei com toda minha
confusão.
— Não sabia o que ia sentir quando te visse de novo. Pensei que
tinha superado o que se passou, após dez anos. — fui sincera. — Nova
Iorque foi como uma bomba em meu colo, mostrando que estava errada.
Mas no Canadá... Naquela casa que construiu para gente. Não consegui
mais me manter distante. Tudo mudou lá, Ian.
— Nada mudou. — falou pontualmente, e o encarei, com o pesar
exposto. — Deixa que eu adivinhe! Ficou lá porque Condessa estipulou um
prazo para me convencer a voltar? E suas viagens nunca foram a trabalho e
sim, para ver sua irmã? — abri a boca para lhe dar a resposta, mas me calei
em seguida. Ele já entendera. — Condessa agir dessa forma não me
surpreende, é algo que sempre fez. Mas você, Ally... Eu te dei tudo de mim.
Me abri por completo. Enquanto você sequer me contou que tinha uma
irmã, e muito menos, tentou me explicar o que acontecia antes de
simplesmente me fazer acreditar que ainda era apaixonada por mim.
— Eu sou. — falei, e me levantei, levando as mãos ao peito. — Ian,
eu te amo.
— Não, você não ama! — acusou-me, e se levantou também. — Ou
seu amor é tão fraco a ponto de sequer ser verdadeira? Sequer ter a coragem
de pedir minha ajuda, me dizer o que acontecia... Eu estava ao seu lado. —
a forma como o verbo fora conjugado, nunca pesara tanto. — Eu te mostrei
que não desistiria da gente. Não ganho como um homem rico, mas tenho
dinheiro no banco, Ally. Um dinheiro que nunca me serviu de nada, porque
foi deixado por Edmund. Mas te daria tudo para que pudesse ajudar sua
irmã. Por que simplesmente não desistiu dessa insanidade e me contou? —
ali, em seus olhos castanhos, encontrava toda a mágoa que temia um dia ser
em minha direcionada. — A resposta é clara: porque você gostou de brincar
comigo. O idiota iludido, que construiu a porra de uma casa sonhada há dez
anos.
Ele não gritava e sequer demonstrava algum sentimento na voz, a
não ser, sua própria dor. Aquilo, devastara-me por dentro. Lembrei-me de
todas as vezes que cogitei lhe dizer a verdade, e o que de fato me impediu.
— Eu tive medo. — admiti, deixando algumas lágrimas descerem.
— Medo de que me rechaçasse. Sabia que esse momento chegaria, Ian. Em
algum momento, você ia me odiar. E eu... Eu...
— Eu queria, juro que queria te odiar nesse exato momento. — sua
fala me fez querer desabar. — Entendo completamente que lutava por sua
irmã, pela vida dela. Mas isso não justifica não me dizer a verdade. Se
tivesse o feito...
— Você ia me deixar. — complementei com o óbvio, e ele me
encarou com pesar.
Sabia daquilo antes. Naquele momento, tinha a completa certeza.
— Isso que te preocupou? Por que daí, Condessa pararia de pagar o
tratamento e...
— Não! — apressei-me a dizer. — Até imaginei que você podia me
ajudar, mas tudo já tinha acontecido, Ian. Finalmente, estava vivendo o
amor que sonhei, com o homem que amo. Não podia simplesmente jogar
isso fora.
— Viveu uma mentira, Ally. Uma simples mentira. — deu um passo
à frente, parando bem próximo. — Agora eu consigo entender cada frase
perdida sua, a forma como parecia ter medo... Agora não sei mais no que
acreditar.
— Ian...
— Quando Claire apareceu na frente da minha casa junto a Travis, e
ele me contou a parte dele nessa sandice, apenas imaginei que fossem
loucos. — arregalei os olhos, perplexa porque ainda não imaginava o que o
levou ao hospital naquele dia. — Fui até o hospital que minha mãe estava
internada, achando que ela me daria respostas, mas foi no celular dela que
encontrei conversas... Mensagens suas. Ela não me disse nada, e até agora
não pode, pois está em coma.
— O que? — indaguei, perdida.
— Aposto que Condessa lhe deu apenas várias mentiras e poucas
verdades sobre ela. Foi assim que ela construiu um império, e dessa forma,
leva a vida. — falou com pesar, e notei o sofrimento em seu olhar.
— Ela parou de me contatar a algum tempo, pensei que tivesse lhe
dito o que aconteceu, ou descoberto, e assim, você foi a Baltimore.
— Não... Foi Claire e o tal Travis, junto a mensagens no celular, e o
braço direito de minha mãe que me entregaram a desconfiança, que me
levou ao hospital. E agora me trouxeram aqui. Minha mãe está em coma, e
não se sabe quando voltará. Não sei sequer porque ela não me queria com
Claire, e muito menos, porque me manipulou, assim como o homem que
odiamos fez. Mas temo que nunca terei tal resposta.
— Ela nunca me disse nada, muito menos os motivos. — falei,
tentando transparecer a verdade.
— Não imaginei o contrário. — engoli em seco, vendo-o desviar o
olhar. — Não sei como te olhar, e muito menos, acreditar no que diz.
— Ian, eu te amo. — falei, e em um ato de coragem, toquei sua mão
com a minha. — Eu nunca menti sobre isso. Nunca precisei fingir meus
sentimentos para você. Por mais que tenha recomeçado tudo errado, e não
tivesse parado a tempo, eu...
Ele então se afastou de meu toque, como se o queimasse. Senti a dor
me invadir, porque ali, vi o quanto o machuquei. Ele me deixaria, era um
fato. Levei a mão até minha barriga, e pensei em como seria lhe contar
aquilo. Não sabia qual era o momento certo. Muito menos se ele chegaria.
Porém, não podia mais mentir ou omitir algo dele.
— Eu nem sei quem você é. — fechei os olhos, sentindo a dor me
atingir. — Como posso acreditar que me ama, Ally?
Calei-me, sem saber o que dizer ou como o fazer. Tudo parecia uma
espiral, e no final, encontrava-me longe dele. Sem nós.
— Não sei o que dizer para te convencer disso, e acho que nada o
fará. — admiti, finalmente encontrando minha voz. Seus olhos castanhos
me encaravam, sem brilho algum. — Sei que me ama e por isso está aqui.
Por isso esperou meu tempo para ouvir, e ainda mais, está na cidade.
— Talvez só seja iludido. — suas palavras soaram cortantes. — Por
um amor que nunca esqueci, e que achei ser real. — engoli em seco,
sabendo que seu ataque, era sua pura defesa. — Ao menos, da minha parte
foi real. No fim, conseguiu tudo o que Condessa lhe pediu. Então, acaba
aqui. Toda essa mentira.
Ele então me dera as costas e rumou em direção a saída. Sem pensar
duas vezes, segurei em seu braço, e o puxei levemente. Ele parou e também
o fiz. Estava a suas costas, sentindo-me quebrada. Perdê-lo para sempre, era
admitir que meu pecado valia minha própria vida. Não o deixaria ir. Não
sem ao menos, lhe dar toda a verdade.
— Preciso ir, Ally.
— Eu sei. — passei a sua frente, e soltei-me de seu braço. — E sei
que não quer mais me ver, e que, ninguém nunca te magoou da forma como
fiz, mas espero que um dia possa me perdoar. — ele apenas continuou a me
olhar, sem demonstrar absolutamente nada. — Porque eu realmente te amo,
Ian. E por isso... — engoli em seco, e tentei encontrar uma forma certa de
lhe dizer o que nos uniria para sempre, além, do nosso passado. Além da
mentira. — Preciso te dizer tudo.
— O que mais, Ally? — parecia cansado e praticamente, esperando
outro bombardeio.
O que ele ainda não sabia, era que dentre todos os passos dados, até
mesmo os calculados, nem um deles, me fizeram imaginar que estaria
esperando um filho. Muito menos, que de repente, seria o que restara de
nós. O que levaria de bom após ter aceitado tal proposta.
Meses atrás, naquele mesmo lugar, findava meu destino com
Condessa. O qual sabia, poderia magoar Ian, mas nunca imaginei, o quanto.
Sequer imaginava que ele ainda me amava, e mais, que nunca quisera me
deixar. Nosso filho, era mais uma surpresa do destino. Talvez um presente,
para que cada um pudesse recomeçar de algum lugar. Sabia que não juntos,
porém... Sabia que seria inevitável ter Ian Hayes em minha vida.
— Estou grávida.
Seu olhar mudou de repente, e o vi abrir a boca, como se para dizer
algo, mas nada saiu. Ele passou a olhar minha barriga, claramente
incrédulo. Tentei sorrir, mas não consegui. Sentia-me presa a dor no
momento. Nunca imaginei que contar ao homem que amava que estava
grávida dele, seria algo tão difícil. Até mesmo, um divisor de águas.
— Sabe o que mais dói? — indagou, e nossos olhos se encontraram.
— É que realmente não acredito em mais nada do que fala.
Dito aquilo, ele simplesmente passou por mim, e ouvi a porta
ser aberta e fechada. Sem escândalo, gritos ou maldições. Ele se fora,
deixando-me para trás com o silêncio doloroso que tanto odiava. Ali,
percebi, que perdera Ian da forma mais cruel.
nove
“Maybe we should just try
To tell ourselves a good lie
Didn't mean to make you cry, I”[11]

Tinham se passado muitas coisas em minha mente.


Dentre elas, sempre evitei imaginar de fato que Ally concordara em
algum plano de Condessa. Porém, assim que saí de sua casa, percebi que
sequer a conhecia. Fiquei tão encantado com o fato de estar próximo a ela,
que não me indaguei em momento algum a respeito de seu passado.
Não perguntei a fundo sobre nada, e com certeza, tornara tudo ainda
mais fácil para ela. Não sabia a respeito de como foram seus últimos anos,
sua profissão, sua família... Nas poucas vezes que falamos sobre si, Ally
sempre foi evasiva. Imaginei que fora seu jeito de sempre. Na realidade,
aceitei o que ela me dava. Tê-la já era o suficiente. Vê-la dando uma chance
para nós, era mais do que imaginei merecer. Não depois de ter desistido.
Levei as mãos ao rosto, enquanto caminhava sem direção pela
cidade. Meu coração batia freneticamente, e minha mente girava em torno
de todos os momentos juntos. Buscava em cada um deles, alguma mentira.
O choro ficara guardado em meu peito, junto a mágoa, que começara a
sentir. Pela primeira vez, a mágoa por Ally era real.
Sentia-me vazio ao mesmo tempo.
Lembranças de nós, me acometiam, como balas sendo atiradas
diretamente em meu peito. A ponto de apenas machucarem em cada
encontro. A ponto de me querer deixar de joelhos. A dor sempre foi uma
companheira quando mais novo, e com o tempo, aprendi a lidar com os
fantasmas de meu passado. Entretanto, com Ally, tudo parecia diferente.
Ser traído por Claire me deixara uma marca clara: de não confiar em
ninguém, ainda mais, em meu pior momento. Mesmo que tudo fosse
armado, ela me traiu de espontânea vontade, aquilo não mudaria meu
pensamento sobre o que aconteceu. Entretanto, saber que Ally, a cada passo
dado, sabia que ia me machucar, e mais, me deixar... Fazia-me indagar: o
que diabos ela realmente fazia? O que realmente queria?
Ainda tinha perguntas, as quais, não tive coragem de colocar para
fora. Sentia-me fraco a sua frente, porque via meu amor cegando o que
acontecera. Ela aceitou por desespero, e eu a entendia por completo. Porém,
por que não me contar depois? Apenas conseguia me imaginar como
alguém que ela usaria o tempo necessário e depois, seria deixado para trás.
Não conseguia acreditar em seu amor, muito menos, que os dias juntos
foram reais. Tudo parecia uma grande mentira, desde o momento em que a
revi na porta de casa.
— Onde você estaria nesse exato minuto, se pudesse escolher
qualquer lugar no mundo? — ela indagou de repente, envolta de meus
braços.
Toquei seu belo rosto, e admirei cada pequeno detalhe. As sardas
aparentes, o nariz pequeno, a boca inchada de nossos beijos, os olhos
verdes com um brilho que sempre sonhei ter de volta para mim...
principalmente, os cabelos ruivos sobre meu travesseiro, bagunçados por
minhas mãos. O quanto já havia sonhado com aquilo? Talvez milhares de
vezes.
Olhando-a dali, sabia que não existia lugar melhor que ao seu lado.
Muitas vezes me indaguei se o que sentira por ela era real. Se não foi
apenas uma ilusão criada pelos anos separados, pela forma como me senti
ligado quando mais novo. Porém, ali, com ela, após fazermos amor, sabia
que tudo fora. A minha felicidade com sua presença. A risada em meio ao
caos de minha infância. O amor nascido em meio a amizade leal. A paz
encontrada mesmo após uma década. Ela foi meu primeiro amor, e notei,
que permanecia o único.
Poderia ter estado com outras mulheres, considerado me casar com
uma que me apaixonei. Finalmente entendera que fora apenas aquilo –
paixão. Uma paixão fundada na dor de perder Ally para sempre, de desistir
de nós. Suspirei, e baixei meus lábios para os seus, trazendo seu gosto para
mim. Ela retribuiu de imediato, e senti suas pequenas mãos adentrando
meus cabelos. Tudo em nós parecia funcionar perfeitamente. Uma sincronia
que nunca encontrara com ninguém.
Depois de tantos anos, ainda era ela. Sabia que sempre seria.
— Aqui. — respondi, e sorri, com nossos rostos quase colados. —
Não existe outro lugar para querer estar.
— Um romântico, senhor Hayes? — provocou, e ali estava a versão
que apenas eu teria daquela mulher. O mundo se contentaria apenas com o
seu silêncio, enquanto, tinha o privilégio de encontrar uma mulher
sedutora e sexy quando lhe covinha.
— Sempre por você, raio de sol.
Sentei-me no banco ao meu lado, praticamente desabando. Tentava
colocar minha mente em ordem, entretanto, ali estavam, as malditas
lembranças. Confundindo-me. Todas elas, colocando-me em perspectiva.
Procurando nos olhos verdes que sempre pareceram tão honestos, as
mentiras ocultas. Como Ally poderia atuar daquela forma? Por que ela não
confiava em mim para dizer o que realmente nos colocou frente a frente?
— Eu tive medo. — admiti, deixando algumas lágrimas descerem.
— Medo de que me rechaçasse. Sabia que esse momento chegaria, Ian. Em
algum momento, você ia me odiar.
Como poderia me agarrar aquelas palavras? Acreditar que ela
simplesmente não me disse por medo... Era o mesmo que admitir que
existia uma razão para se enganar e mentir para o outro, sem ver as
consequências. Talvez, Ally sequer se importasse com o que me acometeria.
Minha dor não era algo em pauta, com toda certeza. Porque foi apenas um
meio para o fim.
Ainda assim, sabia que ela fizera por sua irmã. O desespero nos
levava a aceitar, agir e responder da mesma forma. Porém, não explicava
porque no meio do caminho, fora deixado para trás. Transformado no que
ela queria. Sentia-me preso a algo que nem Ally sabia explicar. E a única
pessoa que podia, era minha mãe. Suspirei, sabendo que as respostas
poderiam não vir tão cedo. No entanto, minha dor apenas permanecia viva.
Senti algo bater em meu pé, e abaixei o olhar, notando ser uma bola.
Assim que tentei pegá-la, pequenas mãos foram mais rápidas. O menino
sorriu, claramente ofegante, com as roupas sujas. Então, da mesma forma
que apareceu do nada, ele voltara correndo para o que só então percebi ser
um imenso gramado, repleto de crianças, famílias, e pessoas espalhadas.
— Obrigado por segurar a bola, cara.
Levantei o olhar, e um homem, que deveria ter minha idade, sorriu,
com uma menina em seu colo.
— Tudo bem. — assenti, mesmo sabendo que não tinha feito nada
demais. Na realidade, a bola encontrara meu pé.
— Amo minhas crianças, mas as vezes, em dias que Lucca quer
jogar, fico doido para quem dar atenção.
— Sorvete. — a menina em seu colo falou, e ele me encarou como
quem constatava: não disse?
— Já vamos, pequena. — ela sorriu, animada. — Tem filhos? —
indagou do nada, acho que percebendo a forma como encarava sua
interação.
Suspirei, lembrando-me de Ally no mesmo instante. Estou grávida.
Passei as mãos pelos cabelos, e soube que fora duro com ela. Entretanto, se
ela estivesse de fato grávida, agira como um tirano contra um ser inocente,
e mais, que era meu filho. Precisava tirar aquilo a limpo.
— Ainda vamos fazer o teste, mas ao que tudo indica sim. —
comentei, e um sorriso enorme se abriu em seu rosto.
— Parabéns! — bateu em minhas costas, cordialmente. — Sua vida
nunca mais vai ser a mesma, mas se tem algo que vale a pena, é ficar louco
por essas figurinhas.
— Obrigado...
— Hugh. — estendeu-me a mão livre. — Espero que dê tudo certo,
cara.
— Sou Ian, a propósito. — ele assentiu, e ouvi sua pequena
reclamar.
— Ok, lá vamos nós. — afastou-se. — Até mais, Ian.
— Até.
Ele se foi, e notei a forma como encarava a filha com amor.
Suspirei, imaginando-me naquele momento. Encarei minhas mãos, e sabia
que nunca fora um sonho ser pai. Era algo que sonhava junto a Ally quando
éramos jovens, mas nada que meu coração pedia. Entretanto, existia muito
do que não precisávamos, e nos era dado.
Talvez, um filho, fosse a resposta para a dor que sentia. A forma de
poder seguir em frente. De ter um amor verdadeiro.
dez
“We found each other
I helped you out of a broken place
You gave me comfort
But falling for you was my mistake”[12]

Não consegui sair do lugar.


Fiquei por alguns minutos apenas parada, encarando a porta pelo
qual ele saiu. Não consegui reagir. Pensei em deixar o choro continuar.
Pensei em simplesmente abrir a porta e correr atrás dele. Pensei em gritar
seu nome. Pensei em implorar seu amor. Entretanto, apenas permaneci ali,
como se não soubesse como proceder.
Toquei a madeira, e senti que tudo ruía. Era uma das verdades
gritantes entre nós – ele mal me conhecia. Eu o conhecia além, porque ele
se entregara por completo. O que representei em nossa relação? A parte
que mentia. A parte que infelizmente, omitia. Entretanto, olhando para trás,
o arrependimento me cercava. Não de ter aceito a proposta de Condessa,
mas sim, de nunca ter lhe contado. Ian merecia saber o que de fato me
levou até ele.
Contudo, o que faria com o medo de perdê-lo? De toda forma,
acabara de acontecer. E o passado, não era passível de mudança. Toquei a
maçaneta da porta, como se pronta para sair e correr atrás de meu amor.
Porém, sabia que meu rosto, era com toda certeza, o último que gostaria de
ver.
Entendia sua raiva recolhida. Entendia sua mágoa por meus atos. E
o pior de tudo, entendia que sua fala antes de ir não fora para me machucar,
mas sim, a mais pura verdade. Deixei os dedos escorregarem do metal, e fui
até as escadas, sentando-me no primeiro degrau. Levei as mãos até meu
ventre e engoli em seco. Tinha uma vida. Uma vida formada por nós. Por
minha culpa, ele poderia duvidar até daquilo.
Fechei os olhos e me concentrei em simplesmente absorver aquele
momento. Tinham sido dias de dor e choro. Dias mais cinzas que os
comuns, em busca de orientação sobre nossa vida agora. Minha mãe e eu
estávamos reconstruindo nossa realidade, com o pouco dinheiro que sobrara
de antes de sairmos dali. Não tínhamos tocado no assunto de seguir em
frente, mas via minha mãe olhando os classificados, e principalmente,
quando a dor não parecia a ponto de nos massacrar, conseguíamos
conversar.
— Ally.
Seu chamado chegou a meus ouvidos como um sopro de paz.
Levantei o olhar, e notei-a no final da escada, olhando-me esperançosa.
Neguei com a cabeça, tentando resumir como tudo se sucedera. Ela descera
as escadas e parou ao meu lado, sentando-se. Logo senti seus braços me
envolverem, e era como estar de fato em casa novamente.
— Ele vai voltar, pequena. — suspirei, tentando me agarrar as suas
palavras. — Ian é um bom homem, sei disso. — encarei-a, e sorri, vendo
que era a primeira vez em dias, que parecíamos um pouco mais inteiras.
— Condessa está em coma. — contei, e seus olhos se arregalaram,
claramente perplexa. — Por isso não tive qualquer notícia ou cobrança a
respeito de meu sumiço. Ian não entrou em detalhes, mas acho que o caso
deve ser estável, para ele estar aqui.
— Também acho. — passou as mãos por meus cabelos, em um
carinho único. — E também acho que é hora de começar a se livrar disso
tudo.
— Como assim, mama? — indaguei.
— O que te prende a ela, Ally? O dinheiro, dispositivos e o que
mais for... Já coloquei tudo que fora dado por ela em uma caixa, e pretendo
fazer algo. Não sei, doar, quem sabe? — assenti, pensando a respeito.
— É como começar a virar uma página. — confessei e ela assentiu,
claramente me entendendo. — Acabei trazendo tudo, sem ao menos
perceber. Estão dentro de uma mala, no canto do quarto. Sequer consegui
pensar a respeito esses dias.
— Perder Hill tirou nossas mentes de órbita. — olhei-a com pesar, e
vi que ela sorria. Mama sempre pareceu uma pessoa como Ian – uma
entendedora nata. — Mas a vida continua, por mais difícil que pareça. E
tenho certeza que ela não nos queria assim, a carta foi bem clara sobre. —
sorriu mais, e não pude evitar fazer o mesmo. — Ela disse que com certeza
brigaria conosco se chorássemos mais do que se deve.
— Hill sendo Hill. — constatei, e lembrei-me da pequena correndo
por aquela mesma escada. — Sinto falta dela a cada momento.
— Eu também, pequena. — ouvi seu suspirar, e notei que mama
queria dizer mais. — Mas tem que começar a pensar não só em você, Ally.
Existe mais alguém agora.
Tocou minha barriga, onde minha mão permanecera.
— Me sinto culpada por não ter pensado nele ou nela... — confessei
com pesar. — Mas após ler a carta de Hill, e ver Ian, é como se... Como se
finalmente percebesse que tenho que fazer algo.
— Cada mãe reage de uma forma, e em seu momento. — olhei-a
com atenção. — Eu entrei em pânico quando descobri que estava grávida
de você.
Sorri.
— Papai sempre amou contar essa história. — provoquei, e minha
mãe assentiu, claramente perdida em lembranças como eu.
— Imagine, descobrir a gravidez de um cara que sequer sabia o
nome... Por sorte, seu pai sempre frequentava aquela boate e disse que era a
mulher da vida dele na segunda vez que nos vimos.
— Sempre acreditei no que ele dizia.
— Que éramos destinados? — indagou, e revirou os olhos em
seguida.
— Mama! — reclamei.
— Seu pai era romântico demais, e louco ao extremo... Mas um
louco que tem meu coração. — suspirou apaixonada, e sabia que até
mesmo, depois de tantos anos de sua morte, ele era o único capaz de mexer
com ela. Ela poderia zombar, mas também concordava, que eram
destinados um ao outro.
— Sempre sonhei com um amor assim. — confessei, lembrando-me
de como imaginava que tudo ocorreria com Ian. — No fim, caí em uma
novela mexicana, longe das comédias românticas.
— Cada um tem sua história de amor. — tocou meu rosto com
carinho, como se chamando minha atenção. — Sei o quanto sofreu quando
Ian simplesmente sumiu... E sei o quanto o brilho em seus olhos apareceu
quando ele voltou.
— Eu o amo. Achei que tinha superado, em algum momento desses
anos todos... Pensei que Noah poderia ser um cara legal, mas...
— Noah continua um cara legal, pequena. O acho incrível como
amigo, mas o odeio como genro.
— Mama! — olhei-a incrédula.
— Sempre imaginei que ia ficar com Ian, sabe por que? — indagou,
e neguei com a cabeça. — Porque seu pai maluco, sempre me disse isso.
Com aquela certeza que apenas ele tinha.
— Bom, eu o tive. — engoli em seco, com a realidade batendo em
minha mente. — E o perdi agora.
Batidas na porta chamaram nossa atenção, e franzi o cenho. Talvez
essa seja a realidade batendo a porta, e quem sabe, a felicidade.
— Você é uma lutadora, Ally. Nunca pense o contrário. O que te
impede de lutar pelo homem que ama?
Pensei a respeito e existia apenas uma pessoa capaz de me colocar
longe de Ian: ele mesmo. Pessoalmente, não desistiria.
— Obrigada, mama.
Abracei-a rapidamente, e me levantei em seguida. Andei a passos
rápidos até a porta, e logo ouvi um sussurro de meu nome. Virei-me e vi
mamãe já no fim da escada, com os polegares para cima, dizendo baixinho:
Boa sorte!
Aquela era Perrie Levine – a melhor mãe que poderia ter. Era
naquela mulher, que me espelharia pelo resto da vida. Ainda mais, naquele
momento. Com as mãos em minha barriga, dei mais dois passos, parando a
frente da porta. Suspirei, e pela primeira vez, falei com meu filho.
— Vamos lá, pinguinho.
Abri a porta, e mantive meu olhar altivo. Precisava que Ian me
enxergasse além da dor, além do sofrimento... Que ele me visse de fato. Era
minha chance de lhe dar não o meu melhor, mas sim, quem realmente era.
Pisquei algumas vezes, e me apoiei na porta, quando meu olhar
bateu no azul do de Noah.
— Ei, Al. — tentei sorrir, completamente surpresa por sua presença.
— Sei que disse que vinha mais tarde, mas resolvi aparecer por agora.
Algum problema? Estou atrapalhando? — indagou, e neguei com a cabeça,
sentindo meu coração murchar, assim como, minha altivez.
— Desculpe. — falei rapidamente. — Estou... Enfim, por que não
entra? — indaguei, e ele negou com a cabeça. Encarei-o ainda mais
perdida.
— Queria te levar para andarmos pela vizinhança, que tal? —
indagou, e fiquei sem saber o que responder. — Como nos velhos tempos,
Al.
Abri a boca para responder, porém, meus olhos bateram na calçada
da frente. Era como se meus olhos fossem puxados para ele. Noah seguiu
meu olhar, e notei no segundo seguinte, a forma como a situação pareceu
ainda mais fora de contexto. Ian estava ali, parado, com as mãos no bolso,
claramente, esperando alguma atitude minha.
Ele conhecia Noah.
Sabia, pois, fora com ele que Ian meu viu nas últimas vezes que me
procurou, ali mesmo, no passado. Suspirei, com o medo me tocando
profundamente. Ian poderia duvidar de muitas coisas – principalmente – se
não estava envolvida com outro, ainda mais, com Noah a sua frente naquele
momento.
Merda!
— Estou atrapalhando, não é? — a voz de Noah chegou até mim, e
o encarei com pesar. Ele era um ótimo amigo, fora um ótimo namorado...
Mas ainda assim, parecia que sempre que tentava ser uma boa pessoa com
ele, acabava o machucando.
— Você nunca atrapalha, Noah. — aquela era uma verdade. — Mas
lembra quando lhe contei sobre um cara do meu passado? — indaguei, e ele
pareceu buscar na memória. Logo, assentiu, parecendo se lembrar.
— É ele ali na frente? Claramente com vontade de socar a minha
cara?
Sorri de seu comentário e neguei com a cabeça. Não consegui ver
Ian como um potencial arrumador de confusões. Sabia que nunca cedera a
brigas físicas, era algo que evitava ao extremo – palavras dele. Depois do
que Edmund lhe custou, ele jamais tocava em alguém daquela forma.
— Ele só tem cara de mau. — falei, e mudei meus olhos para os de
Ian novamente, notando que ele dera as costas e começara a atravessar a
rua. — Eu...
— Vai lá! — falou, e sorriu para mim, e sabia que não o fazia de
bom grado. — Sou seu amigo, Ally. Sempre soube meu lugar.
— Sinto muito, Noah.
Realmente, existiu um tempo em que sentia de fato. Por não
conseguir sentir nada além de amizade por ele. Porém, assim, que me pus a
andar atrás de Ian, tive a certeza – que o meu real lugar, era nos braços do
homem que amava. E ele era, Ian Hayes.
onze
“You still look like a movie
You still sound like a song
My God, this reminds me
Of when we were young”[13]

— Ian! — gritei, assim que faltava alguns passos para alcançá-lo.


Ele se virou, e notei seu olhar confuso. No entanto, não encontrava
julgamento ali. Porém, sabia que muitas coisas poderiam passar por sua
mente. Coisas além da realidade. Surpreendendo-me, ele andou até mim, e
parou, a cerca de um passo. Ainda estávamos em minha rua, só que do
outro lado.
— Olha, Noah é apenas um amigo. — expliquei-me rapidamente,
como se precisasse o fazer. Talvez aquela fosse a forma de agir a partir dali.
Até o momento, em que finalmente, Ian me olhasse além das mentiras.
Quando ele pudesse me dar sua confiança novamente. Seria possível? —
Ele veio me ver mais cedo, pois soube sobre Hill e...
— Não tem que se justificar para mim, Ally. — sua voz soou em um
tom mais baixo que o costumeiro, e notei que ele parecia completamente
alheio aquilo. Como se realmente, não lhe importasse.
— Preciso. — apressei-me a dizer. — Preciso porque não quero que
duvide nem por um segundo que é o pai do filho que espero. — soltei de
uma vez, e ele me encarou estupefato.
— Eu não... — passou as mãos pelos cabelos, e apenas o analisei,
enquanto aguardava alguma resposta.
Ele era tão lindo, que me sentia completamente inadequada a sua
frente. Vestida de dor e choro, era como me encontrava. Queria que ele
pudesse me ver além, entretanto, não me portava de tal maneira.
— Não imaginei que ele fosse o pai do seu filho ou que estivessem
envolvidos... — balançou a cabeça, como se ainda pensando sobre o que
esclareci. Ali, percebi, que talvez estivesse esclarecendo além do
necessário. — Bom, eu voltei para me desculpar. — arregalei os olhos,
completamente surpresa.
— Ian...
— Não quis dizer o que disse... Na realidade, eu quis, mas... Ainda
estou confuso com tudo, Ally. Mas não consigo acreditar que a mesma
mulher que me jurou amor há alguns dias, está mentindo sobre algo tão
sério. Sei que não é a vilã dessa história e não vou tratá-la de tal forma...
Apenas preciso de um tempo para conseguir entender como chegamos aqui.
— Tem todo o tempo que precisar. — falei, e o encarei com meu
amor praticamente explodindo por cada poro. — Pensei que estava indo
embora quando se virou, desculpe se...
— Só ia caminhar um pouco e espairecer a cabeça, você tinha visita,
então... — deu de ombros, como se fosse completamente simples.
Por que tudo deixara de ser simples?
— Não sei mais como agir com você. — confessei, agarrando-me
aquele momento em que me dava sua total atenção. — Tem o direito de me
julgar por tudo daqui em diante, mesmo assim, não o faz.
— Não consigo acreditar que a mulher que amo simplesmente foi
forjada por Condessa. Não consigo aceitar. — sua fala demonstrou o quanto
aquilo o machucava. Era recente demais. A ferida aberta de forma que
sequer começara a ser estancada. — Posso parecer um homem tolo, mas
ainda assim, se vamos ter um filho, quero ser tudo o que não tive.
Assenti, sentindo que aquilo significava mais para ele, do que para a
maioria das pessoas. Talvez, muito mais do que para mim. Tinha uma
referência em casa, que poderia tentar me basear pelo resto de meus dias.
Tive uma família que ensinou tudo que era necessário para alcançar a
felicidade. Ian não teve nada daquilo. Sabia o quanto poderia estar sendo
difícil para ele processar tal fato.
— Não posso dizer que entendo, mas posso afirmar que podemos
aprender juntos. — tomei coragem, e seus olhos castanhos me encararam
em claro conflito. Tudo o que queria, era poder lhe beijar. Poder ser
embalada por seus braços, e neles, permanecer. — E não precisa me pedir
desculpas pelo que disse.
— Acho que precisamos conversar, Ally. — sua voz soou um pouco
menos receosa.
— Concordo. Quer ir até minha casa ou...
— Pode ser aqui mesmo. — senti que ele parecia escolher um local
neutro, mesmo que fosse apenas alguns metros de onde conversamos antes.
— Você já fez o exame de sangue ou foi ao médico? — indagou, e entendi
do que realmente se tratava.
Não era sobre nós. No entanto, ainda era algo. Poderia me contentar,
por enquanto, em falarmos apenas sobre nosso pinguinho.
— Não, fiz três testes de farmácia, na realidade. — contei, e ele
assentiu, colocando as mãos nos bolsos. Parecia nervoso. — Mas posso
marcar a consulta para amanhã e vamos juntos. O que acha? — indaguei, e
ele assentiu, parecendo querer dizer mais do que o seu silêncio.
Na realidade, a sua quietude era como uma tortura. Ian sempre foi a
parte falante de nós. A parte que animava e dava vida. Porém, as coisas
pareciam ter mudado, como em um estalar de dedos. Sabia que não era
realmente daquela forma, muito menos, que fora simples. Foram meses em
sua vida, sendo ordenada a agir. Foram dias querendo acreditar que existia
um final feliz. No entanto, via que teria que lutar pelo mesmo. Não o final,
mas sim, uma vida ao seu lado.
— Ian? — insisti, e ele pareceu sair de seu próprio mundo.
Nunca o vira de tal forma.
— Você me manda mensagem avisando? — indagou, e assenti. —
Vou voltar para o hotel, mas, nos vemos amanhã então.
A noite já se levantava, e com ela, via que era hora de ele ir. Na
realidade, a hora que ele queria me deixar para trás. Suspirei, sabendo que
queria mais tempo com ele, e encontrar uma forma de falar sobre mim.
Queria poder começar a lhe contar a realidade por trás de como os últimos
dez anos foram. Quem eu era, e o que fui com ele. Era a mesma, no entanto,
ele só saberia, se me conhecesse antes. Suspirei frustrada, assim que me deu
um leve aceno com a cabeça, e um passo para trás.
Ele me dava mais do que merecia, no entanto. Ao mesmo tempo que
me julgava, parecia tomar cuidado para não o fazer. Suspirei, sentindo-me
cansada. Levei as mãos a minha barriga e me apeguei ali, a meu pinguinho.
Na realidade, nosso. O que poderia fazer para conquistar o homem a minha
frente? Para conquistar, na realidade, a sua confiança?
Sabia que ele me amava. Sua dor explícita deixava aquilo claro.
Entretanto, temia estar me apegando aos momentos vividos longe de tudo e
de todos. Como Ian estava lidando de fato com Claire ter aparecido a sua
frente? Ele cogitara voltar para ela?
No fim, sentia-me uma grande bagunça de sentimentos. Perguntas
sem resposta, e um coração jurando que estava no caminho certo.
— Boa noite, Ally.
Sua voz soou baixa, e então, ele simplesmente me deu as costas.
Sem abraço. Sem beijo. Sem carinho. Sem amor. Queria que não doesse
tanto, mas doía. Não vá, era o pedido que ficara preso em minha garganta.
Não me deixe, era o que meu coração sangrava por dizer. Acredite no meu
amor, era o que minha alma necessitava.
Assisti-o ir, dentre a rua, e fiquei algum tempo apenas ali, contando
a quantidade de passos que nos separavam. Era como uma terapia, pois se
desse um para frente, a distância diminuía. Dei-o, e sabia que era um passo
a menos para chegar até o meu amor. No entanto, no segundo seguinte,
quando ele saiu de meu campo de visão, virei-me, e segui de volta para
casa. A cada passo dado, era um a mais para não chegar até seus braços.
Talvez fosse espaço que Ian necessitava, além do próprio tempo.
Sempre imaginei nós dois em um quadro, a imagem perfeita. Ele fora meu
primeiro amor, e acreditava fielmente, que em algum momento, daríamos
certo. Aquilo, no passado. Hoje, olhando para a imensidão que
simplesmente se formava entre nós, sabia que era mais complexo.
Existia amor.
Não existia confiança.
Levei as mãos ao rosto, massageando minhas têmporas. Era como se
minha cabeça quisesse explodir. Sabia que na realidade, amor e confiança
andavam lado a lado. Sem os dois não existia um relacionamento saudável.
Sem os dois, não existiria mais, eu e Ian, em um quadro.
Na realidade, eu, ele e nosso pinguinho, com uma vida, era algo
inalcançável naquele momento. Entretanto, era o primeiro dia após ele
saber sobre o que de fato me levou até sua porta. Minha esperança, perdida
no momento em que Hill se fora, parecia voltar, aos poucos. Com uma
única crença: conseguir provar quem era. E assim, ter o lindo sorriso de Ian
de encontro ao meu, mais uma vez.
Parei a frente do jardim, e passei a mãos pelas flores amarelas, que
abriram recentemente. Não sabia a espécie, no entanto, eram parecidas com
as quais brincávamos em sua casa quando mais novos. Sorri, lembrando-me
de nós. Sorri, sabendo que era real. Sorri, sabendo que aquela era minha
segunda chance com ele. Sorri, ao me lembrar de como me recebera em sua
porta. Ele ainda era o mesmo. Eu ainda era a mesma. O tempo passara, mas
entre nós, era como se nada tivesse mudado. Como se o tempo congelasse
com nossos sentimentos no peito.
Girei no jardim, e comecei a cantar baixinho, tentando acalmar meu
peito. Era como uma terapia. Era como conseguir dizer tudo aquilo que
minhas próprias palavras se negavam. Não era boa ao falar. Preferia que as
canções me resumissem.

“Let me photograph you in this light


In case it is the last time
That we might be exactly like we were
Before we realized
We were sad of getting old
It made us restless
It was just like a movie
It was just like a song”
[14]
parte 2
“Na noite passada, ele tinha certeza de que ela estava sentindo a
mesma coisa que ele. Mas, agora… Ele gostaria que eles estivessem podido
passar a tarde juntos. Ele queria saber quais eram suas preocupações e
tranquilizá-la; queria abraçá-la e beijá-la, e convencê-la de que encontraria
uma maneira de fazer sua relação dar certo, não importava o quanto isso
pudesse ser difícil. Ele queria fazer com que ela ouvisse suas palavras: que
ele não conseguia imaginar uma vida sem ela, que seus sentimentos eram
verdadeiros. Mas, o mais importante, queria voltar a ter certeza de que ela
estava sentindo a mesma coisa que ele.”
Nicholas Sparks
doze
“We need to talk, you should sit, I don’t wanna start a fight
But the minute it gets to my lips, I can feel my tongue is tied
And my eyes start to water, but I can’t stop you when you lie”[15]

Não consegui sequer pregar o olho.


Suspirei, sentando-me na cama, e encarando o relógio que ainda
marcava sete da manhã. Geralmente, era o horário que acordava.
Entretanto, sequer o sono me presenteou. Meus pensamentos ficaram
ligados em tudo que acontecera, e mais, perguntava-me por que Condessa
fizera tal coisa. Por que colocou justamente Ally em minha vida?
Levantei-me, e fui até o celular jogado sobre uma cadeira. Peguei-o
e chequei minhas mensagens. Charles como sempre, estava me informando
o que acontecia em Nova Iorque.

Remetente: Charles
Bom dia, senhor Hayes
Espero que esteja tendo uma ótima estadia na Geórgia
A respeito de sua mãe, o quadro permanece o mesmo. Qualquer mudança,
o aviso imediatamente.

Respondi-lhe um simples “Obrigado” e voltei minha atenção para o


contato de Ally. Sabia que ainda era muito cedo, entretanto, era como se
esperasse sua mensagem como minha tábua de salvação. Queria tanto
simplesmente apagá-la de minha vida e memória. Porém, tentara por anos, e
nunca conseguira. Naquele momento, sabia que existiam motivos para a
arrancar de meu peito – Ally mentira e compactuara com Condessa.
Passei a mão pelo rosto, sabendo que me sentia ainda mais perdido.
Não sabia mais como me portar a frente dela, ou simplesmente, ter uma
conversa. Era como se tudo fosse parte de algo maior que nós dois. Como
se o que vivemos realmente não fora algo significativo. Entretanto,
significara para mim.
Estava ali pelo filho que ela esperava. Mas não era tudo. Poderia ter
lhe dado as costas e sequer os ouvidos, porém, depois de tanto,
simplesmente deixá-la ir, doía mais do que ir contra meus próprios
princípios. Por mais que ainda duvidasse que ela pudesse de fato me amar.
Porém, depois de tanto tempo, e de ter o gosto da felicidade ao seu
lado, sabia que poderia se tornar o começo do meu fim, caso fosse apenas
uma parte de todas as mentiras. Não sabia mais o que enxergava em seus
olhos. Talvez confusão. Talvez pressão. Talvez pena.
Ally poderia sentir tantas coisas, dentre as quais, não tinha poder
algum de entender. E nem conseguiria. Havia tomado uma decisão após
aquela noite insone. Amá-la sempre foi fácil. Ally sempre despertou meus
sentimentos mais escondidos – desejo, paixão, cumplicidade, carinho.
Porém, não sabia que caminho seguiríamos. Mal sabia o que queria, muito
menos, o que ela queria.
Contudo, existia mais do que nós naquele momento. Sem planos.
Sem mentiras. Sem fingimentos. Sabia que ela não mentiria sobre um filho,
e que era meu. Sentia em meu âmago. Por mais que não esperasse ser pai
tão cedo, com toda certeza, parecia o momento certo. Como se uma
salvação em meio aos muros caindo. Era uma decisão simples e clara: seria
o pai que nunca tive, e daria ao meu filho todo o amor que me foi negado
desde criança. Não cometeria os erros de meus pais. Nem compactuaria
com nada deles. Não mais.

Parei a frente da clínica e esperei a chegada de Ian. Sentia-me mais


nervosa que de costume, e existiam muitos fatores responsáveis por aquilo.
Principalmente, o fato de que pela primeira vez, estaria em uma consulta
para ver meu pinguinho. Era insano pensar que crescia uma vida em mim.
Uma vida feita por nós.
Mexi em minha bolsa e encarei o dinheiro dentro de um envelope.
Sabia que era o que me restara no banco, desde que saí da Geórgia. Não era
muito, mas o suficiente, para pagar a consulta. Assim que saquei o dinheiro,
percebi que estava mais do que na hora de voltar a trabalhar. Precisava dar
um futuro para ele ou ela. Sorri, imaginando o quanto Hill amaria estar
presente naquele momento.
Comuniquei-me com Ian através de meu antigo celular, que na
realidade, era o único que de fato me pertencia. Fechei a bolsa e cruzei os
braços, esperando poder tê-lo em meu campo de visão. De repente, tornara-
me uma amante de passos. Começara a contar a quantidade que nos
afastava e até mesmo, que nos colocava frente a frente. Segundo mama,
deveria ser a forma que minha mente encontrou de lidar com tudo. Para
tratar a distância, parecia ser o caminho mais simples.
A consulta era um passo que o trazia para, entretanto, queria dar um
além, mesmo que parecesse impossível naquele momento. Queria conversar
com ele sobre mim, sobre nós, e principalmente, sobre nosso pinguinho.
Esperaria, dando tempo ao tempo, mas, deixando claro que estava lutando
por aquele amor. Pelo meu único amor.
— Ally?
A voz soou baixa, e pisquei algumas vezes, até virar meu olhar.
Sorri em direção a Rachel Cordwell, que trazia consigo, o filho mais velho
– Liam. Ela era uma de minhas patroas fiéis para faxina. Ela sempre fora
muito exigente, e felizmente, meu trabalho a agradava. Ainda mais, porque
eram duas casas no fim, a de seu filho e a dela, das quais cuidava aos
sábados.
— Olá, senhora Cordwell. — falei, e a cumprimentei. — Liam. —
ele apenas acenou com a cabeça, o semblante sério e ao mesmo tempo
desinteressado de alguém com apenas dezoito anos.
— Desculpe abordá-la dessa forma, mas estávamos fora da cidade
esses dias... Soube sobre a nossa pequena princesa. — admitiu com pesar, e
tocou meu ombro com carinho. — Sentimos muito por ela, querida. Ela era
uma menina incrível.
Aquilo vinha se tornando costumeiro. Ser abordada por pessoas na
rua, ou até mesmo, em minha própria casa. A maioria com uma palavra de
carinho para entregar. Não os julgava por não saber dizer nada além do
“sinto muito” e as vezes, trazer consigo flores ou guloseimas. Na realidade,
ninguém tinha ideia do que fazer quando alguém falecia. Ainda mais, uma
criança. Ela era a princesa da maioria deles, e todos, de sua maneira,
sempre me desejavam o melhor para ela,. Vizinhos doando dinheiro,
patrões com adiantamentos, conversas sobre como aquilo era difícil, um
momento de distração da realidade... Eles foram bons comigo. Foram bons
com ela. E era grata por existirem pessoas que nos apoiaram durante aquele
caminho difícil.
— Sim, ela era. — doía usar aquele verbo, mas passava a se tornar
automático. A dor vinha e ia, em uma constante até então improvável.
Aquilo era perder quem se amava. — Agradeço muito, senhora Cordwell.
— Qualquer coisa que precisar, saiba que estou aqui, ok? —
indagou, e assenti, sentindo-me grata. E ainda mais, com uma ideia em
mente.
— Bom, estou voltando a me estabilizar na cidade, e já gostaria de
deixar claro que meus horários estão disponíveis. Se a senhora precisar da
faxina de sempre, estou livre. — ela assentiu, e apertou meu ombro mais
uma vez.
— Te ligo para marcarmos até o fim do dia, ok? — perguntou e
assenti, com um sorriso de alívio. — Agora tenho que ir. Estou resolvendo
coisas do cabeça dura aqui. — apontou para o filho, que sequer desviou o
olhar para nós.
— Tudo bem, senhora. Até mais!
Ela me deu um beijo no rosto e passou, acenando com a cabeça.
Liam vinha atrás dela, e assim, que iria dizer um simples “tchau” ele se
adiantou, surpreendendo-me.
— Fica bem, Ally. — sua voz soou baixa, mas entendi que era o
máximo que ele conseguia. — Até mais!
— Até, Liam! Obrigada.
Ele abriu um leve sorriso e passou por mim. Às vezes, pequenos
gestos nos faziam bem. Nos primeiros dias era mais difícil, entretanto, aos
poucos, percebi que as palavras alheias poderiam ajudar a sempre lembrar
do que realmente importava: Hill era especial. E ainda era, para mim.
Ao menos, dava um passo para voltar a trabalhar, e o segundo, seria
convencer minha antiga patroa na lanchonete que já estava bem. Morgan
Simons era uma senhora cuidadosa, e principalmente, preocupada com o
bem-estar dos funcionários. O lado bom, era que dissera que a vaga apenas
ficou a espera de meu retorno. Faria com que me aceitasse amanhã mesmo
lá. Já estava pronta para voltar. Precisava daquilo, na verdade.
Virei meu olhar, e foi aí, que notei o quanto passos ainda rondavam
minha mente. Porém, eram os que mais me importavam – os passos de Ian
Hayes. Contidos e certeiros, como se os tivesse calculado antes de
simplesmente dar o primeiro. Sentia-me dentro de uma tragédia, entretanto,
aceitava que existia romance ali. Talvez, o apego por uma de minhas
personagens favoritas de livros contemporâneos, fez com que adorasse tal
termo.
Ele também via romance entre nós?
— Bom dia. — falou, e abri um sorriso, tentando transpassar o
semblante cansado e fechado que me oferecia. — Estamos no horário, não
é?
— É. — respondi, perdida diante de seu tratamento frio.
É apenas o começo, dizia a mim mesma. Ele vai me perdoar,
passara a noite toda tentando me convencer, assim como, desde o momento
em que aceitei a proposta de Condessa. Adentramos a clínica, e me vi
perguntando internamente sobre ela. Eles poderiam não ter uma relação tão
próxima, mas com toda certeza, aquilo também o afetara. Ela era sua mãe,
de qualquer forma.
— E sua mãe? — indaguei baixo, deixando meus pensamentos
livres. Minha voz soou baixa demais, e limpei a garganta em seguida. —
Alguma novidade?
— O mesmo. — respondeu simplesmente, como se evitando de
todas as formas tal assunto.
Suspirei frustrada, e fiquei sem ter o que dizer. Não sabia forçar as
coisas. Na realidade, era péssima quando tentava.
— Vou só resolver algo na recepção. — falei, e o deixei para trás.
Ao menos, pensei que o fizera. — Ei, Jessie! — cumprimentei minha antiga
amiga de escola, que logo abriu um sorriso do tamanho do mundo. Típico
dela. — Quero pagar a consulta das dez horas.
— Ei, Ally. — falou, e me encarou claramente duvidosa. Logo notei
seu olhar mudar para algo atrás. Ou melhor, alguém. — E quem é o
bonitão? — indagou, com um sorriso de lado.
Jessie era uma conquistadora nata, e sabia usar sua beleza e
inteligência de forma certeira quando queria. Minha insegurança bateu com
força, como se começasse a enxergar de fato, que Ian tinha muitas mais
opções por aí – na realidade, bilhões. Uma delas, estava a nossa frente.
Resolvi não responder sua pergunta, e apenas lhe entreguei o
dinheiro e peguei o recibo em seguida. Ela se escorou no balcão, e notei que
Ian apenas nos analisava.
— Ele fala? — indagou baixo, claramente, achando que ele não
ouviria.
— Costumava fazer mais. — comentei, sem conseguir deixar de
lado o que de fato sentia. — Jessie esse é Ian, um... — engoli em seco, e
troquei um breve olhar com ele, que parecia alheio a situação. Sua
indiferença doía. — Um velho amigo. — complementei, e notei que Jessie
pareceu maquinar algo em sua mente enquanto nos encarava.
Assim que abriu a boca para dizer algo, e Ian se adiantou para lhe
estender a mão, uma voz feminina tomou conta do local.
— Pare de atormentar Ally e dar em cima do respectivo pai do filho
dela. — Monica Carter sorriu, e piscou em seguida, vindo até mim.
— Doutora Carter... — Jessie pareceu incrédula e olhou direto para
minha barriga. — Mas... Eu pensei...
— Melhor ficar quieta, Jessie. — Monica revirou os olhos para a
filha, que acabou sorrindo de lado, e então encarou Ian.
— Ele é sortudo, tenho que admitir. — sorri de sua fala, e Ian
pareceu um pouco mais relaxado.
— Vamos? — Monica perguntou e assenti, seguindo-a. — Como
estão as coisas, querida? — indagou, no momento em que abriu a porta de
seu escritório. — Digo, parece um pouco melhor agora.
— Acho que tenho uma força extra. — comentei, e passei a mão por
minha barriga.
— Ah, o instinto maternal. — suspirou, e sabia que ela era a melhor
escolha para cuidar de minha gestação. Além de ótima profissional, ela era
apaixonada pelo que fazia. — Sentem-se, e vamos conversar um pouco,
antes de tudo.
— Certo. — a voz de Ian soou no ambiente, e ele lhe esticou a mão.
— Ian Hayes, é um prazer doutora Carter.
Ela sorriu para ele, e trocou um breve olhar comigo.
— Nada de doutora, e muito menos o sobrenome... — apertou sua
mão. — É um prazer, querido.
Todos nos sentamos, e Monica tinha uma ficha em mãos, que
claramente passaria a preencher. Tinha falado com ela brevemente durante
o telefone, e felizmente, entendera que tudo ainda era muito novo para
mim. Não tinha feito nada além dos testes de farmácia.
— Certo, vamos lá. Qual foi a data da sua última menstruação?

Os minutos passaram rapidamente, assim como as perguntas. Agora,


vestida com apenas a roupa que me fora indicada, sabia que poderia ser um
momento simples, mas ainda assim, crucial. Ian estava de pé ao meu lado, e
notei sua ansiedade. Não podia negar, estava da mesma forma. O positivo
nos três testes foram um marco, mas não em um momento bonito. Queria
poder lembrar de minha gravidez longe de dor e mentira. Ali, era um
recomeço.
— Bom... Aqui está. — Monica falou, e encarei a tela, onde
indicava um pontinho. — Pelo que me disse, mas ainda precisamos
confirmar, é bem recente. Cerca de seis semanas.
Olhei para a tela, e mesmo sem entender nada, senti meu coração
disparar. Era como se ali, tudo fizesse apenas um sentido – eu seria mãe.
— Precisamos fazer vários exames ainda, mas ele ou ela me parece
muito bem. — o sorriso que encontrei no rosto de Monica, fez com que
cedesse as lágrimas que já começavam a teimar em meus olhos. —
Podemos tentar algo... — falou, e de repente, e todo meu mundo parou no
segundo seguinte.
Um som alto de batidas ocupou todo o silêncio, e senti-me amar
ainda mais o pinguinho que carregava. Fiquei incrédula, magnificada e até
mesmo, paralisada. Era uma sensação diferente de tudo que já passara.
Diferente da dor que me entregara há alguns dias. Era algo que parecia me
trazer de volta a vida.
— É um coração forte, mamãe e papai.
Foi aí, que virei meu olhar, e encontrei o de Ian. Ele parecia perdido,
encarando a tela, que ainda mostrava apenas um borrão pequeno. Nada que
pudéssemos distinguir com clareza. Sorri, assim que notei uma lágrima
descer por seu rosto, e ele levar a mão a boca. Ele parecia completamente
emocionado.
Em um segundo, seus olhos pareceram me notar, e ali, o reencontrei.
Ele me encarou, e pude ver amor. Sabia que poderia ser apenas o momento,
deixando sua armadura baixa, entretanto, dava-me mais força para lutar.
Porque sabia, que de alguma forma, existia mais entre nós. Mais que apenas
o fato de sermos pais.
Era uma nova fase em nossas vidas.
Era um recomeço para ambos.
Eu o queria, além do pai do nosso pinguinho. O queria como meu.
Suspirei, presa em seu olhar. Desviei no segundo seguinte, ainda
embalada por aquele coração que falava mais alto que qualquer sentimento.
Soube ali, que faria qualquer coisa para ser uma boa mãe. E mais, para que
meu pinguinho, tivesse todo amor. Ele acabara de se tornar meu mundo.
treze
“Gave you up 'bout 21 times
Felt those lips tell me 21 lies
You'll be the death of me
Sage advice
Loving you could make Jesus cry”[16]

Aquele momento com toda certeza ficaria marcado em minha


memória.
Era o momento em que me tornava pai. Suspirei, com um sorriso, e
sem saber como me manter afastado de Ally. Na realidade, queria
simplesmente esquecer tudo que se passou e colocá-la em meus braços.
Beijar seus lábios e sua barriga, assim como, nunca mais ter que ficar a um
passo de distância dela. Entretanto, a vida não era tão simples. Mesmo que
a partir daquele momento, começasse a parecer mais bela.
— Monica, eu não posso...
— Eu que não posso. — ouvi a voz de sua médica, e fiquei apenas
parado próximo a porta. Pela forma que conversaram durante toda a
consulta, sabia que eram velhas conhecidas. Assim, dei-lhes o espaço que
claramente queriam para conversar quando a mesma acabou. — Jessie não
devia nem ter aceito o dinheiro.
— Mas isso não está certo. — a voz de Ally soou mais baixa. —
Sabe que não posso aceitar. Sua família já fez muito pela minha.
— Sei o quanto trabalha e ainda mais, o quanto é orgulhosa. Apenas
aceite como um presente para o bebê. — de relance, consegui ver a mulher
mais velha a abraçar.
— Ainda não concordo com isso. — notei que Monica praticamente
jogava dentro da bolsa de Ally um envelope. — Monica!
— Eu não concordo em ter dado um fora no meu filho, e não estar
acompanhando a gestação do meu primeiro neto. — afastei-me, ficando
inerte diante de sua fala, mas logo, a mulher gargalhou alto.
— Monica, eu e Noah... Nunca quis magoá-lo ou a sua família.
— Querida, você deu foi juízo para aquele desavisado. Estou apenas
brincando, mas adoraria que tivesse se tornado parte da família Carter.
Ali, percebi o quanto aquela cidade era pequena. Aquela era mãe de
Noah, o ex namorado de Ally, e mais, o qual parecia estar de volta a sua
vida, ou até mesmo, sempre sendo uma pauta quando estava por perto. Não
poderia negar que aquilo mexia comigo, e ainda mais, a forma como Ally
parecia ter algum carinho por ele. Ela já fora sua namorada, então, com toda
certeza, sentira algo. Sequer sabia a quanto aquilo chegou. Ou melhor, não
conseguia, aceitar o que ela me contara sobre o passado.
Foco no presente, Ian!
Balancei a cabeça e segui pelo corredor, logo, saindo da clínica.
Pensava sobre muitas coisas, e principalmente, no que realmente deveria
focar – eu ia ser pai. Levei as mãos ao rosto, tanto assustado quanto
emocionado. Era além do que poderia imaginar sentir. Era além do medo
que sentia por não conseguir ser um bom exemplo. De repente, coisas que
nunca fizeram diferença, pareciam de suma importância.
Senti meu corpo ser puxado, como se uma leve brisa me tocasse, e
assim, olhei em direção a entrada da clínica. Segurei um suspiro, ao vê-la
sair lá de dentro. Ela era linda, tinha que admitir. Uma calça jeans, blusa
preta e tênis na cor branca. Simples, mas ainda assim, completamente ela.
Os cabelos ruivos presos em um rabo de cavalo, e as sardas aparentes,
mostrando que ela nãos se maquiara. Amava cada pequeno detalhe a
mostra.
Será que entendia o quanto me matava por dentro não conseguir
confiar?
Será que via em meu olhar o quanto queria simplesmente deixar de
lado?
Será que conseguia compreender que era difícil olhá-la?
Guardei meus questionamentos, e esperei que se aproximasse.
Sabia, que mesmo precisando de um tempo para repassar tudo que
acontecera, existia muito além de nós. Condessa estava em um hospital há
quilômetros dali, e agora, teríamos um filho. Mesmo querendo evitar as
feridas abertas, sabia que precisávamos conversar. E principalmente,
entender como tudo seria dali pela frente.
Minha vida era no Canadá, porém, Condessa estava em um hospital
na cidade que tentava evitar – Nova Iorque, além de começar a ser
contatado pela empresa, e agora, Ally do outro lado do país. Suspirei, sem
saber por onde poderíamos começar.
— Temos que conversar, Ian. — sua voz soou doce e baixa.
— Sei disso, e não posso evitar. — tentei sorrir, mas foi em vão.
Não sabia ao certo como agir. — Podemos ir a algum lugar?
— Sim, claro. — adiantou-se. — Tem um café a uma quadra daqui.
— Ótimo.
Seguimos lado a lado, e nunca o silêncio entre nós pareceu pesar
tanto. Talvez porque nunca existira daquela maneira. Sempre tive algo para
falar, era um fato. Gostava de lhe contar sobre mim. Gostava de lhe tirar
sorrisos. Gostava do que tínhamos. E não daquilo que nos tornávamos.
Entretanto, o que vivemos fora uma mentira para ela. Então, talvez
tudo tenha sido meus sentimentos brincando, como se vivendo aquilo que
apenas eu imaginei. Que apenas eu achei ter se tornado um sonho realizado.
Adentramos o café, e logo, alguém gritou o nome de Ally. Ela
parecia ser muito bem conhecida por ali.
— Ei, Jeff. — ela falou, e se encostou no balcão. Permaneci parado,
sem saber se deveríamos nos sentar ali, ou se ir para alguma mesa. — As
panquecas de sempre, um chocolate quente e um café preto.
— Para ontem, minha linda.
O homem mais novo piscou, e logo se virou, adentrando o que
imaginei ser a cozinha.
— As pessoas são comunicativas por aqui. — Ally se explicou e
logo seguiu até o fundo do café, que continha algumas pessoas espalhadas
em diferentes lugares.
Ela pareceu escolher estrategicamente onde sentar, e percebi que era
afastado da maioria. Sentamo-nos, e apenas escorei os cotovelos na mesa,
sem saber como ou por onde começar a falar. Pela primeira vez na vida,
diante de Ally, não conseguia encontrar as palavras certas. Surpreendendo-
me ela o fizera.

— Por onde devo começar? — tentei focar em tudo que deveria


dizer, e deixar claro que Ian não sairia dali sem ao menos saber quem eu
realmente era. Quem me tornei depois de todos aqueles anos. — Vejo como
me olha, Ian.
— Como sempre fiz. — sua fala soou baixa, e notei que era
cauteloso.
— Não. — neguei veemente. — É como se analisasse cada
expressão e fala, como se me estudasse. Sempre gostei que olhasse para
mim, mas nunca o fez dessa forma.
— Não tente me ler, Ally. — rebateu, e engoli em seco. — Não sabe
o que penso ou o que sinto.
— Não mesmo. — encarei-o com pesar. — Mas sei quem eu sou, ou
melhor, quem me tornei nesses anos longe. Então, vou começar por aí.
— Precisamos falar primeiro sobre o bebê. — suspirei frustrada,
sabendo que ele não facilitaria. — O que aconteceu entre nós não importa
agora. Quero ser um bom pai e acompanhar a gravidez, Ally. E mais, estar
próximo ao meu filho.
Era como se sentisse punhais sendo cravados em meu coração. Cada
um deles, marcando a forma como Ian parecia querer fugir, e até mesmo,
não falar sobre nós.
— Sempre admirei você por gostar de falar, e ainda mais, quando
me contou sobre sua vida. Por que não posso fazer o mesmo, Ian?
— Porque teve o seu momento de o fazer. — desviou o olhar, e
sabia que meu coração não sairia inteiro dali. — Porque esse momento não
é mais nosso, é do nosso filho.
— Então vamos fingir que o nosso filho não foi concebido em meio
a tudo o que aconteceu? Simplesmente apagar da memória e agir feito
estranhos? — indaguei, e depois de muito tempo na vida, sentia-me pronta
para discutir. Não por qualquer coisa, era sobre o que sentia pelo homem
que amava. E ainda mais, pelo que eu era.
— Vamos agir como adultos responsáveis. — sua fala soou fria, e o
encarei incrédula. — Vamos ser pais, Ally! Será que não percebe que isso
importa mais do que tudo?
Assim, entendi por completo o que fazia a minha frente. Sorri sem
vontade, sabendo que de alguma forma, merecia aquele desfecho. Por
alguns momentos, imaginei que ele também estivesse ali por mim. Por nós.
Talvez ainda estivesse presa a um sonho sem fundamento. Ao sonho de
menina, que imaginou que ele aparecia na porta de casa mesmo após não
responder as cartas e me levaria dali.
“Oh, won't you walk through
And bust in the door and take me away?
Oh, no more mistakes
'Cause in your eyes I'd like to stay
Stay”[17]

A música que tocava ao fundo não poderia ser mais perfeita.


Suspirei, olhando-o com todo amor que tinha. Ao mesmo tempo que queria
simplesmente me jogar em seus braços, queria correr dali. Não sabia como
fazê-lo me ouvir. Não era de gritar, ou forçar as pessoas a me ouvirem...
Nunca fui daquela forma. Como lidaria com aquela versão impessoal de
Ian?
— Certo. — falei, e seus olhos voltaram para os meus, atentos. —
Vou voltar a trabalhar amanhã, e bom, voltar para minha vida aqui. Então...
Não sei como as coisas serão.
— Tenho assuntos pendentes em Nova Iorque. — sua fala me pegou
desprevenida, pois o nome de Claire simplesmente apareceu em minha
mente. Não conseguia evitar. — Com toda certeza, terei que ficar um tempo
por lá, mas... Posso vir sempre.
— Entendo. — não, eu não entendia. Não esperava que ele
simplesmente dissesse que ficaria ali, não faria muito sentido. Porém,
parecíamos negociar, e não, falar de nosso filho. — Acho que podemos
marcar as consultas em dias específicos, e bom, posso te informar sobre
qualquer coisa por telefone.
Ele apenas assentiu, e assistia todo o seu amor, simplesmente, ser
jogado para o canto escuro. Assim como aquele livro velho de química que
odiava durante a escola, e que nunca mais encontrei na bagunça de meu
quarto. Era o que Ian fazia com o que dizia sentir.
— Então é isso.
— Não apenas. — cortou-me, e o encarei sem entender. —
Precisamos conversar sobre o dinheiro, Ally. Não tem plano de saúde, não
é?
Encarei-o, e apenas assenti. Ele não queria me conhecer, então, por
que me aprofundaria naquele assunto?
— Vou ficar mais uns dias na cidade e podemos resolver isso.
Preciso que tenha tudo aqui, o que for necessário. Quero ajudar com tudo
que o bebê precisa e...
— Metade de tudo. — corrigi-o rapidamente. — É nosso filho,
então, são duas pessoas para sustentá-lo.
— Eu tenho dinheiro suficiente, Ally.
Encarei-o incrédula e levei as mãos ao rosto, simplesmente sem
conseguir entender o homem a minha frente. Estava bem longe do Ian que
eu amava.
— Nunca quis o seu dinheiro. — frisei cada palavra e o encarei com
pesar. — Já precisei de dinheiro dos Hayes uma vez, e isso, me custou você.
Não quero nada além da metade necessária, Ian. Sem discussão sobre isso.
Ele se calou, e mais uma vez, seu silêncio se tornou uma tortura.
— Os pedidos, minha linda.
Olhei para cima, e sorri para Jeff, mesmo me sentindo
completamente perdida. Um turbilhão de sentimentos se passava por dentro
de meu peito. Queria poder gritá-los. Queria ser o tipo de pessoa que
insiste, que grita, que luta... Porém, estava mais para uma menina assustada.
Precisava inverter aquilo.
— Agradeço pelo café. — Ian se adiantou e pegou o copo térmico.
Em seguida, tirou a carteira do bolso, claramente, para pegar dinheiro.
Adiantei-me e toquei sua mão, impedindo-o. O simples toque, fez
meu coração dar um salto no peito, e praticamente ficar de bandeja sua
frente.
— Não tente fazer com que não te queira mais. — falei, ainda
aproveitando aquele breve contato. — Não vou desistir de nós, mesmo que
não acredite no meu amor. Teve sua chance de provar o que sentia, e um
dia, vou ter a minha. — ele tentou se afastar, mas não permiti. — Vou
conseguir seu perdão, Ian. Porque eu te amo, e sei que não é esse tipo de
pessoa.
Olhei para sua carteira, e assim, me desfiz do toque.
— Guarde seu dinheiro, ele não é... — segurei-me para não desabar.
Passara pelo inferno em tantos momentos, que sentia que tinha me
fortalecido, ao mesmo tempo que, cada soco que levava da vida, estava a
ponto de ceder. Não cederia. — Se tem algo que queira, é você.
Ele respirou fundo, e se levantou.
— Não posso, Ally.
Deu-me as costas, e ali, os passos de Ian Hayes me deixavam.
Perdida em meu próprio inferno pessoal. Porém, de alguma forma, mesmo
que torta, conseguira passar algo. Não era a conversa que almejava, e tinha
sido mais atormentadora do que esperava, porém, ainda era alguma coisa.
— Vai ficar tudo bem, pinguinho.
Passei a mão por minha barriga, e olhei pela vidraçaria do café.
Ian passou, andando lentamente em direção oposta. Analisei-o ir, mais uma
vez. Porém, meu coração gritava que um dia, aqueles passos seriam apenas
meus. Mais uma vez.
quatorze
“You clinged my body like you wanted it forever
What a lie, what a lie, what a lie
For you and I
What a lie, what a lie”[18]

Dias depois...

Olhei para o meu celular incrédula. O valor depositado era


praticamente o dobro do que de fato lhe passei, e com toda certeza, Ian
deveria ter escutado minhas palavras e as jogado ao vento. A quantia de
dinheiro em minha conta era a prova daquilo.
Nunca imaginei que minha relação com ele se resumiria àquilo.
Uma transação bancária e troca de mensagens a respeito. Olhei para o valor
exorbitante e simplesmente aproveitei que era meu horário de almoço, para
colocar as coisas às claras. Saí da pequena cozinha e lugar onde
deixávamos as coisas. Encarei o pequeno corredor de trás da lanchonete, e
notei que ainda era cedo para alguém estar andando por ali.
Peguei meu celular e disquei seu número. Coloquei o aparelho na
orelha e aguardei que atendesse. Entretanto, apenas tocou até cair. Suspirei
frustrada e encarei o aparelho por alguns segundos. Não me dando por
vencida, liguei mais uma vez. Não poderia aceitar tal situação. Sabia que
ele queria ajudar financeiramente para com nosso filho, e era um de seus
direitos e deveres, entretanto, aquilo ia além.
— Hayes. — sua voz soou sombria do outro lado da linha, e
duvidava que tivesse olhado para o visor. Mesmo com toda sua indiferença,
Ian não me tratara daquela forma.
— É a Ally. — resolvi me adiantar. — Estou ligando para dizer que
não vou usar o dinheiro que transferiu.
O outro lado da linha simplesmente pareceu mudo, e encarei o visor,
notando que a ligação não fora desfeita.
— Ian! — insisti, após alguns segundos de silêncio.
— Faça como quiser, Ally. — sua voz soou fria, e ali estava o
homem que saíra da cidade a alguns dias. — Não vou entrar em uma briga
sem fim por isso.
— Em que momento vai perceber que não quero o seu dinheiro? —
indaguei, sentindo-me nervosa.
— Não é um bom dia, Ally. — sua voz soou um pouco menos fria, e
sabia que se controlava. — Podemos nos falar amanhã?
— Todo mundo tem dias ruins, Ian. Acredite, não estou nos meus
melhores, mas mesmo assim, estou tentando colocar na cabeça dura do
homem que amo, que eu o amo. Será que isso pode chegar até ele? E
melhor, que dinheiro a mais na conta apenas mostra que ele pensa que é por
isso que insisto em nós? Será que pode dizer isso ao senhor Hayes quando
ele estiver em um bom dia? — indaguei, e no fim, suspirei profundamente.
Sentia-me completamente irritada. Talvez aqueles fossem os hormônios
começando a agir. Segundo Monica, era comum. Pensei, no entanto, que
não aconteceria comigo. Porém, sentia-me fora de controle. — Te ligo
depois.
Sequer lhe dei algum tempo para responder, e desfiz a ligação.
Sentei-me em um dos degraus que dava para fora da lanchonete, e levei as
mãos à cabeça. Era como se fosse uma completa tola. Não sabia como agir.
Sequer conseguia ter uma conversa com ele. Sua indiferença e frieza me
atormentavam, e além de doer em meu interior, pareciam começar a me
enfurecer. Era um misto de emoções, e infelizmente, a maioria delas, era
negativa.
— É, pinguinho. Talvez eu enlouqueça até seu pai realmente me
ouvir. — falei baixo e passei a mão por minha barriga. — Mas tudo bem,
sinto que vai dar tudo certo.
No fundo, queria realmente acreditar naquilo.

— Merda! — joguei o celular longe e levei as mãos aos cabelos.


Odiava estar naquele lugar, e pior, continuar o dia com uma briga
sem fundamento com Ally. Nunca a vira de tal forma. Como se preparada
para jogar algo em minha cabeça. Suspirei profundamente, e me levantei da
cadeira. Andei até a imensa parede de vidro, e encarei a vista repleta de
prédios. Odiava aquela panorâmica, assim como, o quanto meu sobrenome
ainda me prendia ali. Nova Iorque não era mais meu lar, e decidira aquilo,
quando parti decidido a permanecer no Canadá. Entretanto, o mundo
girava, e ali estava novamente – a frente da mesa de presidente da Hayes.
Olhei para os papéis a minha frente e sabia que não existia a
possibilidade de lidar com eles. Não era minha especialidade, muito menos,
algo que almejei entender. Era apenas um administrador no setor de
recursos humanos, nada mais. Sempre abominei lidar com toda carga que
Condessa escolhera para sua vida. E ali, ela caía em meu colo.
Batidas na porta chamaram minha atenção e logo me virei. A pessoa
adentrou a sala, e assim, reconheci Elliot, o vice-presidente.
— Apenas me diga que pode colocar isso em ordem com os
acionistas. — falei, e ele me encarou com pesar, como se a resposta
estivesse em seu rosto. — Não sei e não quero lidar com isso, Elliot.
— São ordens expressas de Condessa, ninguém mais pode assinar
ou não, esses papéis, senão você. Ela deixou claro, assim que me avisou
sobre como ia sua saúde.
— Não sei como ela consegue se preparar para tudo. — segurei no
encosto da cadeira e o olhei frustrado.
— Essa é Condessa Hayes – sempre um passo adiante.
Paralisei diante de suas palavras, e assim, percebi que com toda
certeza, Condessa deixara muito mais que apenas a competência de assumir
seu lugar honorariamente na empresa caso fosse impossibilitada por sua
saúde. Além daquelas cláusulas e contratos sem sentido, ela com certeza
deixara mais. E tinha certeza, que respostas a respeito do porquê levara Ally
até mim.
Porém, por que aquilo importaria tanto? No fundo, sabia que era
em Ally que deveria ouvir ou buscar respostas. Na realidade, o que me
mantinha de fato com o pé atrás, não era apenas minha mágoa e
desconfiança, e sim, o medo da verdade. Medo do que vivemos ter sido
uma mentira. Mesmo que Ally pareça insistir naquele sentimento que diz
sentir, sabia que ela poderia apenas estar confusa.
Viveu dias apenas comigo, e agora, espera um filho meu. Tudo
parecia pressioná-la para me amar novamente, mesmo que não o fizesse de
fato. No nosso mundo particular, tudo fluiu. Entretanto, no mundo real,
parecíamos não ser mais tão compatíveis. Sempre valorizei a sinceridade,
mas nunca senti tanto medo de que ela fosse uma mera confusão da mulher
que amava.
— Parece longe daqui, Ian.
Encarei o homem a minha frente, que mantinha um sorriso contido
no rosto.
— Pensamentos na bela morena que o vi há alguns meses?
Olhei-o e neguei rapidamente. Claire sequer passara por minha
mente, a não ser, quando me lembrava do fato que ela também fora
envolvida em todo aquele jogo. Nada além. Meus pensamentos
permaneciam em uma ruiva que parecia começar a ter a cabeça quente, e no
filho que esperávamos. Na realidade, sequer sabia se Ally era de fato
daquela maneira. Talvez ela o fosse, e existia apenas uma forma de
conseguir descobrir – convivendo mais uma vez.
Longe de mentiras.
Perto de toda nossa realidade.
— Preciso de um favor, Elliot. — falei, lembrando-me da cláusula
que encontrei no que Condessa deixara como um contrato sob minha
supervisão. — Sei de alguém que pode assumir meu lugar.
— Ian, sua mãe deixa claro nos papéis... Apenas você pode fechar
esse negócio. — neguei veemente. — O que tem em mente?
— Charles. — falei e Elliot me encarou intrigado. — Ele é mais do
que apenas seu braço direito, ele é seu amigo mais fiel. Esse contrato foi
assinado por ele também, porque tem grande partes das ações da empresa...
— Onde quer chegar?
— Ele pode romper o contrato.
— Ele jamais faria isso. Sabe que ele sempre concordou em tudo
com sua mãe. — assenti, sabendo que era a realidade. — Como poderá
fazê-lo romper?
— Bom, tenho meus meios.
Na realidade, sabia mais de Charles do que ele imaginava. Sabia
ainda, que ele era mais do que apenas o braço direito de minha mãe – ele
era praticamente seu marido, mesmo que nunca tivessem assinados os
papéis. Sabia que ele fora amante de Condessa por muitos anos.
Ele fazia de tudo por ela, e com toda certeza, iria fazer com que seu
nome permanecesse intocado pela imprensa. Ou ele me tirava daquela
posição, ou simplesmente viria à tona a história sobre ele e Condessa
Hayes. O velho empregado da Hayes que ascendeu na vida, já até poderia
ver a manchete. Com toda certeza, ele não a atrelaria a aquilo. Era o meu
passo para me livrar daquela empresa.
quinze
“There goes my heart beating
Cause you are the reason
I'm losing my sleep
Please come back now”[19]

Os dias se arrastavam ainda mais. Poucas mensagens trocadas não


eram nem de longe o que esperava de uma chance para poder me expressar,
e muito menos, demonstrar meu amor. Suspirei, encarando mais uma vez
meu telefone. Era como uma grande perda de tempo. Não sabia como
provar amor daquela forma.
— Ainda pensando? — a indagação de minha mãe fez com que
virasse para olhá-la. — Anda pensando a maior parte do seu tempo aqui,
em vez de descansar de fato. Tem trabalhado muito, Ally.
Sabia que era uma acusação, e que não fazia por mal. Aquele era o
jeito Perrie Lavine de jogar nossas próprias ações em perspectiva.
Instigando-as.
— Estou bem, mama. Assim como, a própria Monica pode te
assegurar que estou em condições de trabalhar. — pisquei em sua direção, e
notei que vinha com um cobertor em mãos.
Sorri, ao sentir o tecido macio sobre meus ombros. Não era uma
noite fria naquele nível, entretanto, desde que realmente começamos a
discutir sobre a gravidez, mama tem dado uma leve pirada a respeito. Como
se a qualquer momento pudesse pegar uma gripe ou resfriado. Até mesmo,
quebrar. Sabia que ela se importava, além do normal. Entendia-a
perfeitamente. Eu e meu pinguinho éramos o seu mundo agora.
— Obrigada. — sorri, e ela se sentou ao meu lado.
A lua cheia emoldurava o céu, como uma bela guia. As estrelas a
acompanhavam, e ali estava eu, no jardim. Olhava para o céu, em busca de
respostas para o que deveria fazer ou como agir. Sentia-me a cada dia mais
irritadiça e ansiosa. Talvez fosse a gravidez. Talvez fosse meu próprio
coração exigindo atenção. Sabia que de alguma forma, precisava agir.
— Sei que fica aqui porque lembra dele. — a voz de minha mãe
soou bem baixa, e a encarei. — Ian e você amam jardins, céus e o universo,
afinal. Por que não compartilha isso com ele?
— Ele tem me evitado. Sempre que tento entrar em algum assunto
além do bebê, ele inventa algum compromisso ou simplesmente, piro e
acabo desligando.
— Nervos à flor da pele. Vivi para ver você dessa forma. — sorriu
provocativa, e empurrei seu ombro, ela gargalhou. — Hill com certeza se
aproveitaria, para te deixar bem maluca.
— Ela sempre sonhou em tirar meu sério. — confessei, lembrando-
me de suas traquinagens quando mais nova. Olhando para aquela
imensidão, era impossível não sentir que ela estava ali, em meio as estrelas.
Poderia ser algo infantil, porém, de repente, se tornara algo provável para
mim. Como se uma forma de que ela pudesse conhecer o mundo, como
sempre sonhara. — Acho que falhei miseravelmente em realizar isso. —
mama passou a mão sobre meu ombro e sabia que sorria.
Com o passar dos dias, a dor fora dando lugar a boas lembranças e
saudade. Ainda doía encarar o silêncio da casa, entrar em seu quarto, olhar
para suas coisas... Porém, sabíamos que a vida continuava, e as vezes, o
melhor era optar por seguir da melhor maneira possível.
— Anda pensando muito, pequena. — insistiu, e a encarei. —
Pensar não vai te levar a lugar algum.
— O que faria se estivesse em meu lugar? Ele não me escuta, ele
parece fugir... Só consigo pensar que, talvez, em Nova Iorque as coisas
tenham mudado. Os sentimentos dele por Claire simplesmente se foram
depois da traição e ele... Ele disse que me amava. Talvez, tudo tenha se
invertido.
— Às vezes prefiro que apenas escute. — fez um sinal de negativo
com a cabeça, claramente, repreendendo o que dissera. — Ian parece ter
deixado muito as claras. Ele achou que você tinha seguido em frente, voltou
para Nova Iorque e estava no fundo do poço por aceitar que não era mais
dele... Não é esse, o resumo? — indagou, e assenti. Tínhamos conversado
longamente sobre aquilo. — Bom, como se esquece um amor enraizado
pela vida toda simplesmente com alguém que te tirou da dor?
— Amando novamente? — indaguei como resposta, e mama negou.
— A gente se apega ao que dá, Ally. Se apega a ponto de acreditar
que pode amar, que pode ser o que a pessoa precisa e ela ser o que se
precisa. Ian mesmo te disse que casaria com ela não por amor, mas sim...
— Porque ela precisava, para a ajudar como ela o fez. —
complementei e suspirei profundamente. — É como se estivesse
procurando algum motivo para simplesmente lhe cobrar algo. —
confidenciei. — Às vezes, penso que seria mais fácil.
— Ou pode simplesmente ser você e agir como as histórias
românticas que sempre contou a todos nós. — encarei-a sem entender. —
Ian esperou aquelas cartas por muito tempo, pequena. Ele nunca teve a
chance de lê-las.
— Acha que... — paralisei, e pensei sobre o que ela falava. — Que
se fazê-lo reviver o que fomos, possa ter a chance de mostrar quem sou?
— Que você vai mostrar quem é, e principalmente seu amor. —
tocou meu cabelo com carinho. — Ian é o tipo de pessoa que não se
encontra em qualquer esquina. É do tipo que abre mão da própria felicidade
por quem ama, mas não sabe agir quando se é magoado.
— Ele pode estar apenas com... com medo. — falei, como se tudo
que minha mãe dissera, fizesse-me enxergar o que simplesmente não queria
ver. — Talvez ele tenha medo de passar por cima de tudo que acredita. Por
isso me evita e...
— O medo da rejeição e mais, de ser enganado novamente, nos
afasta até mesmo do que mais amamos. — complementou, e pela primeira
vez, em dias, era como se uma luz se acendesse em minha mente.
Encarei o céu, e sorri, sabendo qual seria o próximo passo. Abracei
minha mãe, e fiquei ali, aconchegada em seus braços. Sabia que em algum
momento, algo me viria em mente, mas como sempre, a vida me
surpreendia. Da melhor maneira. Esperava, que estivesse certa, e assim,
poderia trazer Ian de volta para mim. Ou simplesmente, iria até ele.
— Acho que preciso comprar papel, caneta preta e envelopes... — o
aperto de minha mãe aumentou e sorri.
— Essa é a minha garota! — beijou minha testa rapidamente. — E
esse é o nosso pinguinho de chuva. — desceu uma mão até minha barriga, e
a encarei perplexa.
— Como sabe que quando digo pinguinho, quer dizer pinguinho de
chuva? — indaguei.
— Esqueceu que fui casada com um romântico incurável, que assim
como você, fazia analogia a tudo? — piscou um olho. — Se é o raio de sol
de Ian, não demorou muito para perceber o que o filho de vocês
representava para você... Tenho certeza que ele vai amar. E mais, está mais
do que na hora de saber o que Ian é em todo esse contexto. A lua? Um
planeta?
Sorri, sem ainda ter uma resposta. Apenas permanecia uma certeza,
que voltaria a ser o seu raio de sol, e nosso pinguinho de chuva, era um
sonho impensado se tornando realidade.

Sentei-me a frente de minha velha escrivaninha e encarei algumas


folhas que ainda tínhamos em casa. Mesmo sabendo que deveria estar
dormindo, ficar de frente com o papel em branco, tornara-se uma vontade.
Peguei a caneta preta, e acabei recordando com clareza de quando o fizera
pela última vez. Fazia tanto tempo, e lembrava-me de jurar que nunca mais
escreveria para alguém. Muito menos, para Ian Hayes.
Entretanto, os anos se passaram, e com eles, as verdades vieram à
tona. Respirei fundo, e acabei sorrindo, sabendo que depois de dias perdida,
sem a mínima ideia de como conquistá-lo, finalmente, dava um passo em
frente para aquilo. Era a vez de reviver o que nunca mais poderia ter, e que
ele foi privado. Suspirei profundamente, e escrevi no canto superior direito
da folha branca sem pauta – o primeiro ano sem você.
Era diferente do que um dia fiz. As cartas na adolescência se
baseavam em como fora meu dia, minha nova rotina e sobre a nova cidade.
Assemelhava-se a um diário sobre minha vida, o qual, ele poderia ler
sempre que quisesse. No hoje, era como explorar meus sentimentos a
respeito dos anos que passamos longe, com ênfase, em quem era e o me
tornei a cada passagem de tempo. Torcia, no fundo de minha alma, para que
pudesse tocar a sua daquela forma.
Confiança não vem do nada, ainda mais, quebrada.
Confiança se conquista.
Assim que risquei o papel, tive a certeza, que era daquela forma que
tentaria mostrar que meu amor era de fato sincero, e mais, que poderia ser,
mais uma vez, seu raio de sol.

Um ano sem você


“Querido Ian,
O tempo parece relativo em vários momentos. Na realidade, passei
esse exato um ano sem respostas, apegada a momentos e não ao próprio
tempo. Portanto, aprendi a valorizar o que me foi dado enquanto ainda
erámos próximos, e não ao que simplesmente me foi tirado. Tudo bem, que
se fosse naquela época, com toda certeza, não escreveria de forma tão
sensata. Mas cá estou eu, dez anos à frente do tempo, colocada de volta, a
nove anos atrás. Sempre acreditei em recomeços, principalmente, do amor.
Sempre imaginei que um dia teríamos o nosso, por mais impossível que
parecesse. O tivemos, de forma torta, mas longe de ser errada. Nunca me
senti mais correta do que quando estive novamente ao seu lado. Sei que é o
meu lugar. Por isso, pretendo recomeçar por aqui, pelo papel. Para ter a
oportunidade de entregar o que não pude antes. Dar voz a quem realmente
sou. Prazer, Ally Johnson – mas com toda certeza, prefiro ser chamada de
raio de sol. O seu raio de sol...”
dezesseis
“Gave you the space so you could breathe
I kept my distance so you would be free
And hope that you find the missing piece
To bring you back to me”[20]

— Tem certeza que quer mesmo isso? — a voz de Charles soou


temerosa, e assenti, decidido. — Sabe que isso o corta de vez da Hayes, não
é? No caso, até sua mãe acordar.
— A Hayes nunca foi de importância para mim, Charles. Você sabe
muito bem, duvido que Condessa não tenha falado sobre isso com você
durante todos esses anos. — encarei-o. — Apenas preciso que assine os
documentos e tudo resolvido. Vou vir para Nova Iorque apenas para vê-la.
Espero que ela saia logo dessa.
— Eu também. — sua voz soou baixa, mas podia notar a dor que
emanava.
Charles era apaixonado por Condessa, sempre vira aquilo. Em
algum momento, o sentimento se tornara respectivo, e ali estavam. Sentia-
me grato por mesmo com tantos percalços ela ter alguém que de fato nunca
a abandonaria. Aquilo era amor, em sua essência.
— Vou assiná-los. — falou, e finalmente, senti que as coisas
entravam nos eixos. — Sua mãe sempre me pediu para fazer o que fosse
melhor para você, mesmo quando... Quando não pudesse o fazer.
— Agradeço por isso. — falei, e fui até ele, apertando seu ombro.
— E ainda mais, pelo que tem feito por ela ao longo dos anos. Condessa
sempre foi intransigente e controladora, e achava que não via o que
acontecia... Mas sempre vi como se tratavam longe de todos. Não o admiro
por compactuar com todas as ideias dela, mas sim, pela forma como nunca
o vi interessado em dinheiro algum. Sempre foi apenas por ela. E agora,
agradeço por fazê-lo por mim.
— Sei que não colocaria o nome dela em vão em jornais e tudo
mais, senhor Hayes. — aquela forma de me tratar ele não mudaria, parecia
claro. Mesmo depois da longa conversa que tivemos. Charles optava por
aquele tratamento, e não conseguia me opor. Era sua escolha. — Mas sei
que sua mãe daria todo apoio para que seguisse seu caminho com Ally.
Paralisei diante de suas palavras, e franzi o cenho. Charles sabia
mais do que contava, porém, parecia soltar partes do que aquela
aproximação com Ally realmente significava.
— O que quer dizer, Charles? — indaguei. — Que Condessa
gostaria de me ver feliz com Ally?
— Sua mãe apenas desejou uma coisa após descobrir o que Edmund
fazia. — encarou-me de forma profunda. — Que você fosse feliz. —
complementou, de forma evasiva, e sabia que não diria mais nada. A não
ser, que o perguntasse de fato.
— Espero que ela acorde logo, para que possamos ter uma conversa
sobre isso. — falei, e ele assentiu, como se com a mesma esperança. — Vou
me despedir dela agora, e depois entregar os papéis que trouxe para Elliot.
Ele vai se certificar de tudo. Preciso ainda resolver algumas coisas na
empresa, e em breve, ir para Geórgia. Então...
— Eu fico de olho nela, pode ir tranquilo.
— Sei disso, Charles. — sorri, e me afastei do homem que parecia
apenas uma sombra de si mesmo.
Sabia que ele tinha esperança de que ela acordaria em breve, assim
como, os próprios médicos pareciam ter resultados positivos sobre o caso.
Entretanto, era algo delicado demais, e não existia algum procedimento a
seguir. Condessa nunca falou abertamente sobre sua saúde, a não ser,
quando se tornou algo realmente sério – ela fora diagnosticada com câncer
de mama a cerca de um ano e meio, e fora a primeira vez que de fato a vi
com medo de algo. Ela temia a morte.
Ela lutou bravamente contra a doença, e em meio a todo tratamento,
acabou retirando as duas mamas. Nunca conseguiria compreender de fato,
como era para uma mulher passar por tal procedimento tão invasivo.
Entretanto sabia, que não fora nenhum um pouco fácil para ela. Seus
problemas psicológicos apenas pioraram, mesmo após conseguir se curar.
Condessa parecia temer ainda mais a morte, e saber que ela estava em uma
cama de hospital novamente, fazia-me querer arrancá-la dali. Ela odiava
aquele lugar.
Não sabíamos ao certo como ela se desequilibrou e acabou causando
um trauma tão forte no córtex, a ponto, de seu corpo se desligar por
completo. Segundo os médicos, fora encontrada uma alta taxa de calmantes
em seu organismo, o que não me surpreendia, e poderia ter sido a causa de
ela ter caído daquela forma. Condessa ainda vivia com seu medo e tentava,
com medicações, fugir de cada um deles.
Adentrei o quarto em que ela estava, e notei o quanto parecia serena.
Poderia jurar que era uma das poucas vezes que a via de tal forma.
Aproximei-me e senti-me ainda pior por não estar em casa no momento que
tudo acontecera. Sentia muito por não ter conseguido dar meu melhor,
como filho, por conta da mágoa a respeito do passado.
— Ei! — falei baixo, e toquei uma de suas mãos com cuidado. —
Sei que nos afastamos ao decorrer dos anos, mas sei também que não quero
vê-la nessa cama de hospital. Quero minha mãe mandona de volta,
explodindo ordens pela casa, para quem quisesse ouvir. — suspirei
profundamente, e continuei a olhá-la. — Tenho vindo sempre que posso.
Daqui por diante, me dividirei entre a Geórgia e aqui. Ally espera um filho
nosso, e bom, quero ficar por perto sempre que puder. Acompanhar as
consultas, na realidade. Ainda é difícil ficar perto dela. Não sei ao certo o
que pensou quando quis colocá-la em minha vida novamente, mas agora,
acredito que queria justamente isso. Não posso te culpar por tentar sanar
algo que fora deixado no passado, mesmo assim, precisamos conversar.
Então... Acorda logo... mãe. — soltei, e era como deixar parte do meu
passado com dor para trás. Deixar a culpa que depositava sobre ela em seu
devido lugar. Às vezes, demorávamos demais para perdoar. E ali estava eu,
o fazendo, com Condessa. Com minha mãe. — Precisa saber que será avó,
e que, eu te perdoo por tudo. Sei que sempre me pediu isso, e nunca fui
capaz... Mas agora, tenho pensado muito sobre. Sobre o que vale a pena
guardar ou não. E esse rancor, não é algo que quero levar em frente, muito
menos para meu filho. — beijei sua testa, com carinho. — Eu te amo, mãe.
Volto logo!
Dei-lhe as costas, e segui para encontrar Charles. Sentia-me mais
leve, e era como virar uma página. Sabia que Condessa não mudaria,
entretanto, não me impedia de simplesmente deixar com que a vida seguisse
seu curso sem aquele peso. O peso de culpá-la por todas as atrocidades que
me aconteceram quando mais novo. Ela o era, em partes. Porém, sabia que
nada de bom me fora dado por guardar rancor. Ainda mais, se o aumentasse
por ter colocado Ally em minha vida daquela forma. De algum jeito torto,
Condessa acertara, e a consequência dos seus atos, trouxera algo pelo qual
poderia lutar, e mais, amar infinitamente – um filho.
Ally e eu éramos outro quadro da história.
Meu coração indicava que ela me amava. Minha alma implorava
para que ficasse por perto mais uma vez. Minha mente, no entanto, parecia
frear meus anseios. Era um homem racional, ao mesmo tempo que, caía de
cabeça pelo amor. O fizera por Ally, e sabia que aqueles dias ficariam
marcados para sempre em meu ser.
— Se um dia... — ela engoliu em seco, ainda com as mãos em meu
rosto. — Se um dia me odiar, promete que vai se lembrar de hoje? —
indagou e não entendi o porquê de sua pergunta.
— Por que isso agora, raio de sol? Nunca te odiei, não o farei
agora.
— Apenas, promete para mim. — pediu, e sorriu lindamente, como
se implorando para que o fizesse. — Não sabemos o dia de amanhã, Ian.
Sempre vivi esperando, imaginando, até mesmo, sobrevivendo. Mas a vida
acaba tão rápido, assim como, se perde. — entendia suas palavras, pois ela
me contara sobre a perda repentina do pai a alguns anos. Assim como, o
fato de termos nos perdido um do outro no passado. — Só quero viver o
hoje. Uma pessoa me ensinou isso, e acho que devo seguir.
— Eu prometo que sempre vou me lembrar de hoje, raio de sol. —
levei uma de suas mãos até minha boca, dando um leve beijo, e depois
depositando sobre meu peito, logo acima de meu coração. — Sempre vou
me lembrar de nós da melhor forma possível.
Guardara aquela conversa, assim como cada memória. Era diferente
com ela, e sabia daquilo, o tanto quanto, temia. Contudo, tinha completa
noção de que nossas vidas seguiam, e em algum momento, esperava poder
encontrá-la no caminho. Por nossa própria escolha, longe de qualquer
obrigação.
Entendera o que realmente queria dela. Bastava conseguir lhe
mostrar.
Queria que nosso amor fosse livre, e não preso a tantas dúvidas e
mentiras. Queria que de fato, tivéssemos um recomeço. Apenas precisava,
ter a coragem de colocar aquilo em prato limpos. Ainda mais, porque
existia mais de Ally para conhecer. Se o pouco que conhecia já me tinha de
joelhos, temia por saber do restante. Assim como, de ela não ser quem
demonstrou, o que era meu maio temor.
Amar alguém que de fato não existia.
Nunca pensei que uma simples reunião pudesse ser tão demorada.
Na realidade, deveria ter lembrado do que tanto Condessa praguejava pela
casa – reuniões são a melhor ou pior parte do dia de um empresário.
Suspirei profundamente, assim que estacionei o carro, e finalmente estava
de frente para casa. Saí e estralei meu pescoço, encostando-me no veículo e
me sentindo cansado o bastante para simplesmente cair sobre as flores do
canteiro e por ali ficar.
Sorri de minha divagação, e encarei meu celular rapidamente. Tinha
trocado algumas mensagens com Ally durante o dia, e falamos sobre a
próxima consulta. Já seria na próxima semana, e começara a perceber o
quanto os dias longe dela, pareciam ser mais demorados. Notei que não
respondera minha última mensagem, a respeito do horário da consulta, e
fiquei intrigado. Geralmente, respondia logo após sair do trabalho. Já eram
cerca de dez da noite, e nenhuma resposta. Temia que Ally estivesse
trabalhando demais, de modo que, arriscando sua saúde, assim como, do
nosso filho.
Busquei em meus contatos e logo disquei o número de sua mãe.
Perrie se tornara minha fiel escudeira para saber como Ally realmente
estava. Além de tentar me ajudar para que Ally diminuísse o ritmo do
trabalho. Apenas queria que tivesse uma gravidez tranquila, e me
certificaria daquilo, assim que colocasse meus pés na Geórgia novamente.
Perrie atendeu em apenas dois toques.
— Boa noite, Perrie! Desculpe o horário, é que... Ally não me
respondeu, e acabei pensando que ela está no trabalho ainda. Certo ou
errado?
— Boa noite, querido. E se acalme, parece que está a ponto de
surtar. — ela me fez sorrir, e me desencostei do carro, caminhando pela
entrada da casa, e em direção a porta principal, ainda encarando meus
próprios pés. — Felizmente, está errado dessa vez.
Suspirei aliviado e senti-me um pouco melhor.
— Preciso conversar com ela sobre isso, assim que chegar aí em
alguns dias. — falei, e parei a frente de algumas flores, encarando o belo
canteiro a frente da casa. — Desculpe o incômodo, Perrie. E obrigado por
me ajudar.
— Ficou até tarde no trabalho? — sua pergunta me pegou de
surpresa.
Endireitei meu corpo e só assim, levantei meu olhar. Senti-me
surpreso, e paralisei por alguns segundos, assim que encontrei a mulher
com a qual me preocupava segundos atrás, sentada a frente da porta de
minha casa.
— Ela está aqui. — falei, e ouvi a gargalhada de Perrie do outro
lado da linha.
Sem sequer dizer algo, ela desfez a ligação e encarei o celular por
alguns segundos, sem entender absolutamente nada.
— Ally... O que faz aqui? — perguntei, completamente perdido.
Ela passou a mão pela calça jeans, e notei uma leve protuberância
em sua barriga, assim que se levantou. Senti-me ainda mais preso à sua
imagem. Ela estava mais linda do que me lembrava.
— Eu...
— Espera... Quanto tempo está aqui? — indaguei, quando minha
ficha caiu. — Quando chegou a cidade e por que não me ligou? — estava a
ponto de surtar de preocupação. — Por Deus, Ally! Não pode ter ficado por
horas a frente da casa. Com fome ou com frio e...
Notei que o sorriso em seu rosto se desfez e ela me encarou
incrédula.
— Vamos entrar! Eu não posso sequer pensar sobre o fato de estar
aqui por horas, praticamente, na rua. — falei, sentindo a ponto de querer
colocá-la sobre meu colo, cercada de meus braços e nunca mais deixá-la
sair. — Nunca pensei que ficaria inconsequente, justo agora.
Abri a porta da mansão, e acendi as luzes. O olhar de Ally se tornara
frio, e não conseguia entender suas razões. Ela simplesmente empurrou uma
caixa em minha direção, a qual sequer notei que trazia junto a si.
— Talvez essa seja uma parte minha que desconheça, afinal, sequer
faz questão de saber.
dezessete
“When you walk away
I count the steps that you take
Do you see how much I need you right now?”[21]

— Ally, desculpe. — falou, mas sabia, que no fundo, ele não sentia.
Ian parecia preocupado, entretanto, aquilo não justificava a forma como me
tratava.
A realidade era a justificativa,
Dê tempo a ele, minha mente exigia. Dê-lhe a verdade, meu coração
parecia implorar. Pare de simplesmente aceitar, lute... Era o que o conjunto
todo queria.
— Estou aqui a algumas horas sim, e até mesmo, pensei em ir a
empresa. — comentei. — Desculpe chegar sem avisar, mas... Era para ser
uma surpresa. Então, surpresa! — abri os braços e notei que ele ainda
segurava a caixa que praticamente joguei sobre seu colo.
Sentia-me um pouco incontrolável. Segundo o que conversara
brevemente com Monica, era mais comum do que imaginava. Suspirei,
fazendo algo que nunca de fato precisei – contar até dez. Olhei-o mais uma
vez, e de repente, me perguntei por que realmente estava brava. Sua beleza
me desestruturava por completo, e senti que poderia simplesmente me jogar
em seus braços.
— Entra, Ally. Por favor. — pediu, e me deu espaço na porta, ainda
me encarando um tanto quanto desconfiado.
Assenti, mesmo que não fosse parte do que faria ali. Porém, já era
tarde da noite, e sequer ficar horas esperando na porta era uma parte. Nem
tudo saía como imaginei, e muito menos, como preparei. Contudo, ali
estava eu, a sua frente, mais uma vez. Parei na porta, e o encarei. Era como
voltar para o mesmo momento de meses atrás. Nós dois, encaramo-nos
como se fosse um reencontro.
O era.
Uma década passada e agora, alguns dias... Nunca sentira tanta falta
dele como naquele meio tempo. Talvez porque tivera um pedaço do paraíso,
e de repente, fora-me arrancado. Vivera meu sonho de amor com ele, e de
repente, desmoronara. Ian continuou a me encarar profundamente, e soltei
um suspiro. Não precisava fingir que ele não mexia comigo. Não mais. Não
precisava fingir mais nada. Ele o fazia. E eu, era livre para demonstrar cada
sentimento despertado apenas por sua proximidade.
— Senti sua falta. — admiti, mesmo que aquela não fosse a fala que
ensaiei para lhe mostrar que vinha ali, reivindicá-lo como meu.
Ele engoliu em seco, e dei um passo à frente, parando a um fio de
cabelo de distância. Suspirei mais uma vez, a ponto de que em um passo
poderia ter seus lábios nos meus. Um passo que, com toda certeza, era
crucial. Porém, naquele momento, senti que poderia estragar tudo.
Balancei a cabeça e sorri, tentando controlar meus instintos. Ian
poderia parecer como uma armadura, entretanto, sabia o quanto era frágil.
Conhecia-o, a minha vida toda, e ali, soube que de fato ainda era o mesmo
menino pelo qual me apaixonei e o homem que amava. Além de o pai do
meu pinguinho.
Virei meu rosto, e encostei meus lábios em sua bochecha,
depositando um leve beijo. Senti seu braço tocar o meu, e o simples fato de
que me afastaria, era algo que começara a minar, mais uma vez, toda minha
quase inexistente paciência. Ele teria todo o tempo do mundo, porém,
depois de lhe entregar as cartas e convencê-lo a lê-las.
— Por que faz isso comigo? — indagou, e o encarei sem entender.
— Tem noção do quanto tem sido uma confusão? O quanto fico me
indagando sobre o que fazer e em que confiar?
Assenti, sabendo que ele começara a se abrir.
— Vim porque te amo, Ian. Não posso simplesmente deixar que
tenha seu tempo, sem ao menos, tentar dar tudo de mim. — falei, e dei um
passo atrás. Aquela simples distância era cruel. Sentia todos meus nervos a
ponto de explodir, apenas por querer tocá-lo. Sentia sua falta. Imensa e
intensamente. — Não vim aqui para exigir nada, apenas te entregar isso. —
apontei para a caixa de cor cinza, e seu olhar castanho analisou o objeto. —
E também, para dizer que eu te amo.
Ele fechou os olhos, como se o ferisse, e o encarei sem conseguir
compreender.
— Por que não conversamos? — sugeri, e ele negou veemente. —
Sei que tem medo de algo, está na sua cara, Ian. — acusei-o, e logo seus
olhos castanhos encontraram o verde dos meus.
— Por que eu não teria? — revidou. — Porque me apeguei ao amor
que sequer pode existir... Só imagino que está fazendo tudo isso por estar
confusa, Ally. Será que pensou mesmo ao vir aqui? Ao simplesmente
atravessar estados para chegar a mim? Pode ser apenas pela ideia do que
poderíamos ter sido e ainda mais, pelo bebê. Não quero que confunda o que
sente. Não apenas eu preciso de tempo para isso, você também.
Respirei fundo, e começara a entender de fato o que ele pensava
sobre toda situação. Ian recuava dez passos para longe das expectativas que
tinha para quando lhe desse as cartas.
— Tive até os quinze para me apaixonar. — falei, encarando-o
profundamente. — Tive uma década para sonhar com o seu toque, mesmo
quando era tocado por outro. Não me orgulho disso, mas é a verdade. —
sorri sem vontade. — A minha verdade pode soar como uma mentira para
você agora, e isso, eu posso entender. O que não admito é que julgue meus
sentimentos achando que os estou confundindo com o fato de estar grávida
de um filho seu. — olhei-o, sentindo-me ferida. — Já parou para se
perguntar do por que segui em frente? Do por que fui para cama com você?
— perguntei, e ele, com toda certeza, não esperava aquilo.
— Ally, entra, vamos...
— Não quis tentar me envolver com você para te separar de Claire...
Então, por que, simplesmente fui para cama semanas depois? — perguntei
alto, e Ian parecia me encarar como se enxergasse mais. — Acha que por
que queria me apegar a algo? Ou simplesmente, arrastá-lo da cama do
Canadá para sua cama de Nova Iorque? — perguntei com raiva. — Sua mãe
não me mandou para isso. Era para te convencer a voltar, e não sexo. Nunca
foi apenas sexo. — falei, remoendo meus sentimentos. — Porque sempre
quis isso e não consegui resistir... Não queria me envolver, porque sabia que
quando você me tocasse, não teria volta. Porque sabia mesmo com todo o
tempo que se passou, que ainda te amava... Que ainda te amo. E pela
primeira vez, em meio a essa proposta, permiti que meus sentimentos
falassem mais alto.
Dei alguns passos para trás, e abaixei a cabeça, tentando evitar as
lágrimas. Era como uma erupção de emoções. De repente, a raiva se
tornava tristeza, e vice-versa.
— Não duvidei quando simplesmente disse que me amava, em meio
ao fato de que estava noivo de outra. Nem mesmo, quando me contou que
ia se casar além do amor. Sei que errei, e aceito que me julgue por não ter te
contado. Mas já se colocou em meu lugar? Eu tinha você, depois de tanto
tempo... Depois de sonhar tanto com esse momento. O que faria?
Simplesmente acabar com a única chance que tínhamos? Essa a verdade,
Ian! — meu tom se alterou, e parei de me importar. Apenas quis falar. — Se
não tivesse aceito essa proposta, nunca mais nos veríamos! Você desistiu de
mim antes, assim como o fiz. Então não me julgue pelos seus achismos. Me
julgue pelo que errei, não pelo meu amor. O amor que me traz aqui, e que
me faz lutar por você. Da forma como não fiz antes. Da forma como não
fizemos.
Senti minha cabeça pesar, e sabia que tinha me excedido. Logo senti
seus braços me cercarem, e meu corpo ser levantado. Optei por não falar
mais nada, nem mesmo, continuar a brigar sozinha. Parecia em meio a uma
batalha perdida.
Em poucos minutos, fui depositada em seu sofá, e apenas permaneci
com os olhos fechados, sentindo aquela tontura. Respirei fundo uma, duas e
até três vezes, da forma como Monica ensinara na consulta. Era algo que
poderia acontecer, e que deveria evitar – estresse. Ali estava eu, armando
barraco na frente do homem que amava. Que grande reviravolta de mulher
romântica que traz cartas, para simplesmente, uma descontrolada.
Meus defeitos e imperfeições, ele poderia ver todos. Escancarados.
— Ei. — sua voz soou baixa, e abri os olhos.
Ele trazia consigo um copo d´água e o aceitei, bebendo o líquido
devagar. Não conseguia mais olhá-lo, era como se toda minha força para
pegar um avião e aparecer ali, de repente, se esvaísse. Suspirei, e terminei
de beber a água, entregando-lhe o copo.
— Obrigada. — falei, e desviei de seu olhar observador.
— Tudo bem? — indagou, e sorri sem a mínima vontade.
— Não vai querer a resposta dessa pergunta. Ou ao menos, não vai
acreditar nela. — fui honesta, e levei minha mão esquerda a barriga. Era
como se buscasse força em nosso pinguinho.
Naquele mundo apenas de dois, era fácil. A frente de Ian, tudo
parecia quadriplicar em dificuldade, porque ele parecia impenetrável.
Nunca imaginei que sua versão mostrada para Claire a frente do prédio
seria de fato minha. Ali estava, perfeitamente. Um homem quebrado, só que
por mim. Evitando cada pequeno gesto de tentativa minha. E pior, não
conseguia julgá-lo por aquilo. Ele tinha razões para me evitar ou
simplesmente, me afastar.
— Às vezes eu penso, que se não esperasse esse filho... Seria como
Claire. — olhei-o, e busquei alguma resposta em sua armadura. Alguma
rachadura que fosse. — Que seria esquecida e deixada para lá... Dando
lugar para outro amor tão fácil quanto fizera com ela.
Assim que a última palavra saiu de minha boca, fora impedida da
próxima se formar. Os lábios de Ian encontraram os meus, e pela primeira
vez, em todos aqueles anos, ele me calara. Não poderia ser em um momento
menos perfeito. Agarrei-me a seu rosto, enquanto, sentia sua língua pedir
passagem para minha boca. Agarrei-me aquele beijo como se fosse o
primeiro de todos, e como se pudesse ser o último. Agarrei-me a seu corpo
como se pudesse ficar para sempre. Agarrei-me aquele curto momento,
acreditando que era a rachadura.
Que ele me deixava entrar novamente.
dezoito
“Anger, love, confusion
Roads that go nowhere
I know that somewhere better
Cause you always take me there”[22]

Seu toque me deixou sem ar, e meu corpo ferveu. Não queria pensar
em mais nada, apenas me entregar. Todas as palavras e confusões deixadas
de lado, e apenas levei minhas mãos até o terno que usava, e o afastei, sem
sequer descolar nossos lábios. Senti suas mãos encontrarem as alças de
minha regata, e sem que esperasse, ele as arrebentou. Arfei, sentindo que
aquele era o homem que precisava. O meu homem.
Senti suas mãos descerem para meus seios, assim como, para minha
bunda. Logo, meu corpo foi emaranhado pelo seu, e me senti ser levantada.
Não nos separávamos, nossas bocas ainda unidas. Era saudade. Era desejo.
Era puro êxtase. Era amor. Tudo que parecera reprimido por aqueles dias
que se arrastaram. Ali, expostos. Paramos por um segundo, assim que me
encostara contra a parede das escadas. Olhou-me profundamente, e não
temi que se afastaria. Sabia que não o faria.
Em seu olhar, enxerguei tudo o que precisava naquele momento –
necessidade.
Eu o necessitava.
E ele fazia o mesmo.
— Nunca mais pense ou repita isso. — sua voz soou autoritária, e o
toque leve em meu rosto, mostrou-me o quanto ele sabia me seduzir.
Diretamente para onde me tiraria total racionalidade. — Nunca foi como
ela, nem como nenhuma outra... A porra do meu desejo e meu amor sempre
foram você. — seus dedos chegaram até meus lábios, e os desenhou
perfeitamente. — Apenas com você, me sinto completamente vivo. E esse é
o meu maior medo... Mas só consigo pensa em nós e uma cama, a noite
toda.
— Por favor. — praticamente implorei, e seus dedos se afastaram, e
seus lábios devoraram os meus no segundo seguinte.
Sequer percebi quantos passos se sucederam até seu quarto, mas
logo, senti meu corpo nu de encontro com a maciez de sua cama. Sentia-me
completamente exposta, enquanto Ian me encarava, como se gravando cada
pequeno detalhe.
— O que eu faço com você? — sua pergunta soou baixa e rouca, e
logo seu corpo cobriu o meu.
Surpreendendo-me, me virou, deixando-me de quatro para ele. Senti
que ele se soltara ainda mais, da forma como necessitávamos naquele exato
momento. Sexy como o inferno por trás de toda a armadura fria que usava
para com o mundo. Antes de qualquer coisa, ele colocou um travesseiro
com cuidado sob minha barriga, e em seguida, senti seus beijos em meu
pescoço.
— Ian. — reclamei, porque sabia que me torturava.
— Ainda não me respondeu. — sua voz soou mais alta, e suas mãos
encontraram meus seios, praticamente, os amassando com força.
Choraminguei e soltei um gemido alto, sem conseguir me conter. Nunca
estivera tão sensível. — O que eu faço com você, Ally?
Seus lábios desceram, assim como suas mãos. Tentei responder, mas
me perdi completamente, no momento em que começou a distribuir beijos
por minhas coxas, e seus dedos, chegaram ao ponto que mais necessitava.
— Não tem ideia do quanto tem sido um inferno ficar longe de
você... — aquele era o homem que esperava. Meu Ian, que sempre falava
abertamente, ainda mais, imerso pelo desejo e saudade. — Lembrar do seu
toque, do seu gosto... — seus lábios se uniram aos dedos, deixando-me
quase sem ar. — Ainda mais, vê-la descontrolada dessa forma. — afastou-
se, e logo senti seu corpo cobrir o meu. Uma de suas mãos se enrolou em
meus cabelos, e fui puxada para ele. Nossos olhos se encontraram, e notei
os castanhos dos seus praticamente negros. Duvido que estaria muito
diferente dele. — Olha pra mim e diz que acredita mesmo que já senti isso
por alguma outra mulher. — ali, entendera o quanto minha acusação o
descontrolara. No entanto, confiava em seus olhos, em sua fala, em sua
verdade... Ele fazia o mesmo? Poderia ser muito cedo para saber, mas não
desperdiçaria nem um segundo com ele. Nem mesmo, a ponto de implorar
para que me tomasse de vez.
— Olha pra mim e diz que acredita que algum outro já me tocou
dessa forma? — indaguei, e senti o aperto em meu cabelo aumentar, assim
como, sua outra mão apertou meu seio com força. Arfei alto e tentei voltar a
linha de raciocínio. — Acredita mesmo que já me entreguei a alguém dessa
forma?
— Não. — sua resposta soou baixa e perigosa, e um sorriso surgiu
em seus lábios. — Porque estava esperando por mim, assim como esperei
por você. — senti sua mão deixar meu seio, ao mesmo tempo que, nossas
bocas se encontraram em um beijo lento e sensual. Sentia todo o misto de
sentimentos que apenas ele me causara. — Não consigo ficar sem seu
toque, seu cheiro... — deixou nossos lábios quase colados. — Sem te sentir.
— assim, senti-o me invadir, e gemi em sua boca, tomada pela luxúria e
prazer.
— Eu te amo. — falei, sem medo algum de me jogar de cabeça por
ele. Ian soltou o grunhido e sabia, que era o que faltava para ele, ouvir
exatamente naquele momento o que realmente sentia. Não o fizera antes.
— Responda. — insistiu, no tom autoritário que me deixava ainda
mais perto de simplesmente não saber discernir o certo do errado. Não
naquele momento. — Responda o que devo fazer.
Agarrei-me a suas costas, e logo senti meus joelhos de encontro ao
colchão, e seu toque por cada pequena parte de meu corpo, explorando-me.
— Me ama. — praticamente exigi, sem saber mais pelo que
implorar. — E não me deixe nunca mais. — falei, e senti sua mão de
encontro com minha bunda.
— Eu vou. — beijou meu pescoço, e senti sua boca em minha
orelha. — Vou te fazer entender que é única para mim.
Nossos corpos pareciam em sincronia, e sentia-me cada vez mais
perto de me entregar ao prazer. Seus toques, suas palavras, sua
possessividade naquele momento... Tudo era perfeito. Porém, não era ele
quem precisava provar algo ali, era eu. Suspirei profundamente, e me
concentrei em agir como lhe mostraria quem era.
Puxei-o para um beijo, ao me virar, e em meio ao momento, ele
sequer entendeu. Afastei-me de seu corpo, fazendo com que se retirasse de
mim. Meu corpo parecia a ponto de explodir após evitar o contato, e então,
agi rapidamente.
— Ally, o que...
— Shhh. — coloquei um dedo sobre seus lábios, e o empurrei sobre
a cama.
Permaneci de joelhos, encarando-o por alguns instantes. Notava a
forma como parecia querer apenas me pegar e colocar sobre seu colo de
uma vez, mas não era do seu jeito que tudo andaria. Não naquela noite.
— Você conheceu uma parte submissa minha... — falei, e abri um
leve sorriso, ao passar as mãos por suas pernas, e subir lentamente sobre
seu corpo. Parei com nossos rostos quase colados, e puxei seu lábio inferior
com os dentes. — Acontece que nunca tive a vontade de assumir nada, a
não ser, com você.
Desci meus lábios até seu pescoço e o mordi com vontade,
deixando-lhe minha marca. Em seguida, lambi cada pequeno pedaço da
região e puxei sua orelha com os dentes.
— Acho que é hora de lhe mostrar a quem pertence. — falei, e senti
uma de suas mãos encontrarem meus seios, como se ele não conseguisse
ficar parado. — O que tem a dizer sobre isso?
Não o encarei, e desci por seu corpo, deixando um rastro de beijos
por cada centímetro de seu corpo. Desde o tórax, passando pelos gominhos
em sua barriga, e chegando as suas coxas... Porém, sabia onde ele realmente
me queria. Onde eu o queria.
— Sem resposta, Ian? — indaguei, e nunca me sentira tão sedutora
quanto naquele instante.
Ele se apoiou nos cotovelos, e assim que abriu a boca para dizer
algo, o abocanhei da forma como desejara.
— Porra, Ally!
Seus gemidos e grunhidos eram os estímulos que precisava para
continuar. Senti-o cada vez mais perto do prazer, e seus dedos estavam em
meus cabelos, quase sem controle. Surpreendendo-o, mais uma vez,
simplesmente parei, e subi sobre seu corpo.
— Mas o que...
— Ainda não me respondeu. — ousei repeti-lo, como uma leve
provocação. Ergui meu corpo, a ponto de que em um movimento o faria
estar dentro de mim. — Então... O que tem a dizer sobre isso?
Ele me puxou para seus lábios, devorando-me com sua língua.
Como se fizesse sexo com minha boca.
— Sou seu. — sua voz soou rouca e baixa, e sorri, vitoriosa,
descendo por completo sobre ele. — Você é o meu paraíso.
— E você é o meu. — segurei-me contra seus ombros e o beijei,
sentindo-o ir ainda mais profundamente em meu corpo. — Completamente
meu. — soltei, em meio a um gemido, e sabia a forma como Ian aprovou
que tomasse as rédeas daquele momento.
Mal sabia ele, que a partir dali, não teria volta. Eu o estava tomando
para mim, sem qualquer chance de afastamento.
Ele era meu, por completo.
E em breve, seu perdão também.
dezenove
“'Cause when you unfold me and tell me you love me
And look in my eyes
You are perfection, my only direction
It's fire on fire”[23]

Ela dormia serenamente.


Mais uma vez, vi-me apenas apegado a sua bela imagem. Porém, era
mais do que aquilo, e sabia – sua entrega. Ally viera para mim, porque
realmente queria. O que dizia muito sobre ela, ainda mais, sobre nós.
Levantei-me com cuidado do pé da cama, e puxei o edredom sobre seu
corpo. Notava que sequer parecia notar a movimentação ao redor. Ela
parecia exausta, e felizmente, satisfeita. Não pude evitar um sorriso ao olhá-
la ali.
Passei a mão de leve em seu rosto, e me agachei, depositando um
leve beijo em sua testa. Ela parecia simplesmente em paz, e parecia,
finalmente, voltar a encontrar a minha. Com ela. Afastei-me a contragosto,
e saí do quarto, deixando apenas uma luz fraca acesa, caso ela despertasse.
Desci as escadas com o objetivo de tomar um longo gole de água, mas
assim que alcancei a sala, encarei a caixa deixada ali. Algo me chamou
diretamente para ela.
Nunca fora um homem de agir por impulso, geralmente, pensava e
considerava todas as razões para algo. Mas com Ally nada parecia ter
controle, nem mesmo, meus próprios sentimentos. Era completamente dela,
e deixara ainda mais claro, após nos entregarmos por completo. Fui até a
porta, e peguei a caixa que deixara ali, logo após depositar Ally no sofá.
Encarei-a, sem saber ao certo o que esperar. Ally a trouxera para mim,
então, deveria ser algo importante.
Sentei-me no chão e desfiz o laço na cor branca, retirando a tampa
cinza. Arregalei os olhos, no momento em que me deparei com cartas
emaranhadas por um barbante na cor bege. Todas elas, viradas na posição
do destinatário, que era justamente eu.

Para Ian Hayes, meu primeiro e único amor.

Engoli em seco e me desfiz do barbante, pegando a primeira carta


em mãos, que tinha uma marcação do número 1, no canto superior
esquerdo. Passei a mão pelo envelope, sem conseguir acreditar. O que ela
queria dizer com aquilo? Encarei o papel, encontrando-me afoito, assim
como, fizera anos atrás, quando fomos separados, sem qualquer resposta.
Sabia que ali não estaria o conteúdo das cartas que foram tiradas de nós,
porém, existia o que Ally queria me mostrar. Ao menos, o que deveria ser
importante.
Abri o envelope com cuidado, e retirei a folha de dentro. De cara,
notara sua letra que passara para outra página, e tinha certeza, Ally não
economizara em palavras. Justamente ela, que sempre se calava, parecia ter
colocado muito além. Abri o papel e notei que minhas mãos tremiam.
Suspirei fundo e tentei me controlar, era como se retornasse à anos atrás, e
finalmente, recebesse a carta que tanto esperei.

Um ano sem você


“Querido Ian,
O tempo parece relativo em vários momentos. Na realidade, passei
esse exato um ano sem respostas, apegada a momentos e não ao próprio
tempo. Portanto, aprendi a valorizar o que me foi dado enquanto ainda
erámos próximos, e não o que simplesmente me foi tirado. Tudo bem, que
se fosse naquela época, com toda certeza, não escreveria de forma tão
sensata. Mas cá estou eu, dez anos à frente do tempo, colocada de volta, há
nove anos atrás. Sempre acreditei em recomeços, principalmente, no amor.
Sempre imaginei que um dia teríamos o nosso, por mais impossível que
fosse. O tivemos, de forma torta, porém, nunca direi que foi da forma
incorreta. Nunca me senti mais certa do que ao seu lado. E sei que é o meu
lugar. Por isso, pretendo recomeçar por aqui, pelo papel. Para ter a
oportunidade de entregar o que não pude antes. Dar voz a quem realmente
sou. Prazer, Ally Johnson – mas com toda certeza, prefiro ser chamada de
raio de sol. O seu raio de sol.
Esse primeiro ano foi mais complicado e catastrófico do que
imaginei que seria. Ainda mais, por não ter qualquer resposta sua. Vi-me
perdida em meio de conhecer novas pessoas, assim como, fechar-me em
meu próprio mundo por horas, ouvindo nossas músicas. Tinha a mania de
sair para o jardim e me deitar lá, ouvindo November Rain. Fechava os
olhos, e em algum momento, a voz de Axl Rose parecia ser substituída pela
sua. Não que seja melhor cantor que ele, vamos deixar claro que isso não
está em discussão, porém, era a sua voz que queria ouvir.
Muitas vezes, ouvi e li sobre se dar valor ao outro apenas quando se
perde. Naquela época, encontrei-me nessa realidade. Indaguei-me por um
longo tempo, sobre onde tinha errado e o que não tinha demonstrado para
que fosse deixasse para trás. Assim, não desistia de lhe mandar mais e mais
cartas, todas elas, contudo, permaneceram resposta. Em algum momento,
eu desisti. Talvez porque o silêncio me convencera de que não me queria
mais. Que a nossa amizade funcionava apenas dentro do nosso pequeno
mundo. Porém, o nosso mundo se ampliou de forma que nem mesmo assim,
conseguimos nos reencontrar. Ou não fizemos o esforço necessário. Mesmo
assim, guardei cada momento ao seu lado, como uma história bonita para
ser contada. Como se pudesse documentar ou ser vendido em prateleiras de
livrarias. Sentia que nosso amor podia se tornar algo mais.
O que não fazia ideia na época, é que estava completamente certa.
Existiam momentos de raiva e fúria, de tentar te odiar ao máximo, por
nunca mais me dar atenção. Assim como, os momentos de comodismo e
aceitação, nos quais, simplesmente dizia a mim mesma, com quinze anos,
que não era o fim do mundo. Que o meu primeiro amor, no fim, seria
apenas isso – o primeiro.
Tentei me convencer a cada dia sobre isso, ao mesmo tempo que,
continuava indo ao jardim, e ouvindo nossas músicas. Era uma forma de
permanecer ligada a você, e mesmo que tentasse evitar, logo me pegava
ouvindo sua voz e não dos cantores. Pode parecer um tanto quanto bizarro.
Mas acho que o primeiro ano não passou de emoções a flor da pele. Uma
mistura de decepção, saudade e espera, e aquela pitada de fúria que
guardava internamente. Ensaiei vários discursos sobre como olharia em
seus olhos e diria que era meu passado. Apenas isso. Imagine eu, de frente
para o espelho, aos quinze anos, testando meu olhar mortífero em sua
direção. O qual, usaria ao te reencontrar.
Naquele tempo, sentia que o faria. Como disse, era uma mistura de
emoções, e todas elas, atreladas simplesmente ao que fomos, e
principalmente, ao que poderíamos ter sido. Contudo, quando ensaiava
minha fala de megera, encarando-o como se significasse nada, minutos
depois, sorria, e de repente, se tornava uma expressão de tristeza. Porque
não queria ser a megera na história em que você estivesse. Queria
simplesmente, ser a garota salva, por mais clichê que possa parecer.
Perdi as contas de quantas vezes encarei a porta de casa, no
começo, e assim ela era aberta, imaginava que seria você. Não era. Nem
nunca foi. Uma sucessão de decepções me imprimiu a imagem de um
menino e homem que sequer conhecia. Mas continuei apegada ao Guns que
amava, ao Ian que era meu Guns. Apelidos horríveis nunca morrem, é um
fato. Sempre fui péssima com todos. Mesmo quando me imaginava te
xingando, nada além de chamá-lo pelo nome e sobrenome em tom alto,
vinha-me em mente. Deu para ver que era uma megera temível, e muito,
mais muito, mal interpretada.
Um ano sem você, foi como se meu coração fosse cortado, aos
poucos, a cada semana e mês sem reposta. A ferida ficou aberta por todo
esse tempo. Foi uma das formas, inconscientes, de ainda me sentir apegada
a você. Porque se não me apegasse a dor de ter te perdido, teria que deixá-
lo no passado como apenas uma lembrança. Por mais que amasse lembrar
de você, de nós... Nunca quis que se tornasse apenas parte de minha
memória. Então, o mantive vivo. Alimentando minha dor pela sua ausência
e descaso. Não deixando com que cicatrizasse, para que pudesse te prender
e fazê-lo permanecer no presente.
Nunca quis que fosse meu passado.
Mal sabia eu, que seriam mais longos nove anos, para poder olhar
para seu belo rosto mais uma vez.
Hoje eu sei, e posso dizer com verdade – não agi como megera ao te
reencontrar. Minhas razões poderiam não ser as que queria para o
momento, mas ao te ver, apenas tive uma única certeza de volta: a ferida
que fechei ao longo dos anos, acabava de ser reaberta.
Meu amor adormecido começava a despertar....

Com verdade,
Seu raio de sol”

Fiquei alguns segundos apenas encarando a folha, completamente


incrédulo. Era como se Ally tivesse colocado ali todas as suas certezas, e
me deixado, completamente sem estrutura. Sem sequer soltar o papel,
comecei a mexer com a outra mão nas cartas ainda lacradas. Coloquei-as
lado a lado, e contei um total de onze.
Aquilo me intrigara ainda mais.
— Uma para cada ano. — sua voz doce surgiu no ambiente, e foi
como ser embalado por sua presença mais uma vez. Virei meu olhar, e a
encontrei ao pé da escada, vestida com a camisa azul que viera da empresa.
Ela era linda, e me tinha completamente aos seus pés. Ainda mais, agindo
como aquela mulher determinada. — E uma, dos dias que passamos juntos
desde que nos reencontramos. — complementou, e andou em minha
direção.
Ao mesmo tempo, ela parecia me analisar, assim como o fazia.
Dobrei o papel em minhas mãos e o coloquei dentro do envelope. Peguei as
cartas espalhadas e as organizei novamente dentro da caixa, guardando
aquilo como o tesouro que de fato era.
— Não vai lê-las? — indagou, e notei que por mais forte que se
portasse, sua fragilidade era nítida.
Poderia ver que pensava muito antes de falar. Com certeza, ela não
esperava que iríamos para cama daquela forma. Nem eu mesmo esperava.
Quando vi, já estava entregue. Nunca consegui sequer pensar no salto
quando Ally se aproximava. De repente, já estava em queda livre.
Ela parou ao lado do sofá, claramente, com perguntas.
— Acho que existe uma forma bem mais simples, ou até mesmo,
demorada para entender você. — falei, e me levantei, indo em sua direção.
Parei a sua frente, e aquela velha intensidade nos rondara. A
intimidade que nunca perdemos mesmo após tantos anos. Toquei sua
cintura e a trouxe para mim, absorvendo seu cheiro, sua presença... Sabia
que ainda doía tudo o que acontecera, e ainda mais, pela forma como se
sucedeu. Porém, aquilo a trouxe para mim. E agora, ela me escolhia
livremente. Não tinha porque fugir. Não mais.
— Temos aqui, a chance de sermos o que quisermos. Eu quero ser
com você. — uni nossas testas, e notei que uma lágrima desceu por sua
face. Limpei-a rapidamente com o dedo. — Doeu saber de tudo, e ainda
mais, que era obrigada a vir até mim... Mas o meu pior medo foi imaginar
que não me amava.
— Eu te amo, Ian. — sua voz soou baixa, e notei a insegurança em
seus olhos, assim como, a sua verdade.
Voltava a acreditar, e sabia, que aos poucos, poderia dar-lhe cem por
cento de minha confiança.
— Eu acredito, raio de sol. — toquei seu rosto com ambas as mãos.
O apelido soou livremente, como se tirando todo aquele peso de meu corpo.
O peso de fingir que não me importava. Na realidade, importava-me para
caralho. Perdê-la novamente, era meu maior temor. — Assim como, sei que
eu te amo.
— Não sabe como sonhei com esse momento de novo... De estar
nos seus braços, de ter o meu Ian de volta.
Sorri para ela, e me afastei um pouco, apenas para observá-la. Uma
pequena bagunça de lágrimas e um sorriso que fazia tudo valer a pena.
Desci minha mão até seu ventre e o acariciei, da forma que tanto sonhara
após descobrir sobre a gravidez.
— Você me tem. — olhei-a profundamente. — Vocês dois me tem a
partir de agora.
— Juntos? — indagou, fazendo-me sorrir diante daquele momento.
Era como se finalmente, tudo voltasse a seu devido lugar.
— Juntos. — olhei-a profundamente, e desci meus lábios para os
seus.
Encontrava novamente minha paz.
— Sei que nunca te deram o amor que merece. — sua voz soou
baixa e cautelosa. Ela tocou meu rosto e beijei o dorso de sua mão, e sorri,
assentindo. — Sei que ainda é difícil de acreditar e vamos trabalhar nisso.
Todos os dias. Eu e você, Ian – todos os dias.
— Nós três, raio de sol. — sorri verdadeiramente, apegando-me por
completo a ela. Entregando-me da forma que jurei que não conseguiria
novamente. Por ela e com ela, conseguia. Porque ela era meu primeiro e
único amor. Sabia que era real, e nenhuma insegurança ou o medo me
fariam ficar longe. Não mais.
Ally teve suas razões para vir.
Eu tinha as minhas para não a deixar ir. Não mais.
Juntos, encontraríamos uma solução. Era o que realmente importava
– fazermos aquilo juntos.
Era o nosso recomeço. O qual realmente merecíamos.
vinte
“I don't know why I'm scared
'Cause I've been here before
With every feeling, every word
I've imagined it all”[24]

— Como decidiu que deveria vir? — sua voz soou baixa, em meu
pescoço.
Ele estava a minhas costas, abraçado. Suspirei, sentindo-me
finalmente em casa. Acima de nós, o céu, ao redor, o velho jardim. Era
como retornar há dez anos, ao mesmo tempo que, preferia completamente o
presente. Pela primeira vez.
— Pensei muito de como poderia te conquistar, e começar a tentar...
— suas mãos desceram por meu corpo, pairando sobre minha barriga. — E
no fim, achei que o certo era vir com as cartas, era minha chance de fazer
isso. — confessei. — Além de que queria ver a sua expressão ao entregá-
las.
— Querendo me desestabilizar. — acusou, e senti seu sorriso.
— Talvez. — provoquei, também sorrindo. — Acho que no fim das
contas, sou eu quem anda instável. Se não me beijasse, tinha certeza, que ia
voar em seu pescoço. — confidenciei e senti meu rosto queimar.
Felizmente, ele estava a minhas costas, e não poderia ver minha reação.
Estiquei-me para pegar a vasilha com morangos, e trouxe um a boca. —
Pareço no limite em muitos momentos. Mama tem adorado me ver assim.
Além de ter me tornado mais falante.
— Percebi. — senti uma de suas mãos afastar meu cabelo, e ser
puxada mais para trás, praticamente deitada sob seu peito. — Amo que
esteja falante, mas não consigo deixar que fale besteiras sem nexo.
Virei-me rapidamente, e o encarei.
— Acho que deixou claro isso em seu quarto. — falei, tocando
levemente seu peito. Puxou minha mão, e a levou aos lábios, depositando
um leve beijo. Ele me seduzia em simples atos. Será que percebia que
queimava por ele? — Sempre que falar besteiras... — desci meus dedos até
seu peito, e rumei mais ao sul de seu corpo. — Vou ser calada com um beijo
e depois ser feita de sua escrava sexual? — indaguei, e de alguma forma,
não senti que meu rosto pegava fogo. Era a primeira vez que começava a
me soltar daquela maneira.
O olhar de Ian se tornou um misto de surpresa e aprovação. O
castanho logo pareceu ficar ainda mais nublado, e ele se ajeitou,
observando-me.
— E se for? — indagou, em uma voz rouca e autoritária. Ele mal
sabia, mas aquele lado mau que demonstrava quando éramos apenas nós e o
nosso desejo, deixava-me ainda mais pronta para ficar horas sob ou sobre
seu corpo. — Vai me provocar a ponto de não te deixar sair do quarto?
— É uma ótima ideia. — sorri, mantendo a pose, sem ao menos
saber como entrei na mesma. — Não acha?
Ele sorriu, de um jeito misterioso, e me puxou para perto. Nossos
peitos se colaram, e notei o quanto me atraía. Ter aquele momento com ele
era um sonho completamente distante na noite passada. Saber que ele me
aceitava e me dava a chance de recomeçarmos, fazia-me o amar ainda mais.
Ian Hayes era o verdadeiro par perfeito saído de um livro de romance.
— Acho que gosto do seu atrevimento. — sua boca estava bem
próxima a minha, e pensei que seria beijada, porém, ele mudou seu
percurso. Logo senti seus lábios em meu pescoço.
— Ian...
— A cada vez que beijo sua pele, deixo a minha marca em cada
pequeno pedaço... — sua voz rouca começava e me tirar qualquer razão. —
Sofri o inferno imaginando que não ia te ter assim novamente.
— Eu também. — foi tudo o que consegui dizer, inebriada por seu
toque.
— Então... Temos um pequeno problema. — seu olhar pairou no
meu, e seus dentes buscaram meu lábio inferior, puxando-o lentamente. —
Não acho que consiga chegar até o quarto para te ter como quero.
Sem mais querer esperar, apenas uni nossos lábios. Um beijo
faminto, delicioso, saudoso... Era tudo que precisava. Senti meu corpo ser
virado, e logo minhas costas encontraram a toalha que trouxemos para nos
sentar ali. O corpo de Ian pairou sobre o meu, e as poucas peças que
vestíamos não foram obstáculo.
Éramos nós, entregues.
O céu como testemunha do nosso amor e paixão. Finalmente soube,
Ian Hayes era o meu céu estrelado e todo o clichê de amor que sonhei.

O toque alto do celular me fez dar um pulo da cama, e quase cair da


mesma. Ally se mexeu ao meu lado, e abriu os belos olhos verdes.
Surpreendendo-me com seu discernimento ao acordar daquela maneira, ela
pegou o celular sobre o criado mudo e me entregou.
— Obrigado. — falei, e encarei o visor. O nome de Charles, fez-me
engolir em seco, e atender rapidamente. — Oi, Charles!
Saí debaixo do lençol, e senti os olhos de Ally me seguirem. Ela
parecia genuinamente preocupada. Levantei-me da cama, preparado para
que a vida destruísse aquele bom momento. Geralmente, quando parecia
que tudo começava a se encaixar, algo caía em meu colo feito uma bomba.
Apenas conseguia pensar em minha mãe e seu estado.
— Ela... Ela está bem? — indaguei, sentindo minha voz falhar.
Esperava apenas pelo pior. Não sabia explicar o que acontecia.
— A ligação está ruim. — a voz de Charles soou entrecortada. —
Desculpe ligar a essa hora, mas acho que ficará feliz em saber. Dei boa
noite a sua mãe, e quando apertei sua mão de leve, ela respondeu... Ela
apertou meus dedos de volta. — arregalei os olhos, e levei a mão a boca,
sem conseguir acreditar. — Passei isso para o médico de imediato, e logo,
farão exames... Mas enfim, mesmo sem nenhuma conclusão médica no
momento, acredito que ela vai voltar logo.
— Isso é... Meu Deus, Charles! — sorri abertamente, e notei Ally já
estava de pé, a alguns passos de mim. Fiz um sinal com a mão, chamando-
a. Ela veio, de bom grado, ajeitando-se em meu corpo. — Amanhã cedo
estarei aí, para falar com ela, se for possível. Talvez, a estimule a voltar
mais rápido. Li isso em alguns livros.
— Sim, acho que andamos lendo as mesmas coisas. — sua voz soou
complacente, e sorri. Ele era um bom homem, e ficava feliz por ser tão bom
para Condessa. O que ela não tivera nem de perto com meu pai. —
Qualquer notícia, te aviso. Boa noite, senhor Hayes.
— Ian. — corrijo-o, mais uma vez, mesmo sabendo que era em vão.
— Obrigado mesmo, Charles. Boa noite!
Desfiz a ligação, e então joguei o celular em direção a cama,
puxando Ally para mais perto de meu corpo. Seus braços me cercaram, e
sorri abertamente, sentindo-me em meio a felicidade que sequer esperava.
— Está tudo bem? — sua voz soou um pouco cautelosa, e a encarei.
— Minha mãe apertou os dedos de Charles. — falei, e Ally
arregalou os olhos, e um belo sorriso emoldurou seu rosto.
— Isso é incrível, certo? — indagou, claramente não entendendo
nada a respeito de coma. Também era completamente leigo, até acontecer
com minha mãe, e me jogar de cabeça em alguns livros a respeito. Mesmo
que fosse superficial, começava a entender porque o corpo respondia
daquela forma a algum trauma físico. — E você a chamou de mãe.
Sorri, assentindo para os questionamentos.
— Eu a perdoei. — falei e a levei até a sacada de meu quarto.
Paramos ali, encarando a bela vista para o jardim onde tudo entre nós
começara. Sentei-me no poof e a puxei para meu colo, colocando as mãos
sobre sua barriga. Sentia-me completo ali. — Não foi pelo fato de ela estar
dessa forma, mas acho que ao descobrir que seria pai, tudo em mim,
começou a mudar. Comecei a questionar meu próprio rancor.
Ally me encarou surpresa, e tocou meu rosto com carinho.
— Disse a ela? — perguntou, e assenti, com um sorriso. — Talvez
isso tenha ajudado para que ela quisesse despertar logo. Não sei ao certo o
quadro dela, e pode ser apenas ficção, mas... Não acredito que nada na vida
aconteça por acaso.
— Não te contei a respeito do que a levou ao coma, não é? —
indaguei, e Ally negou com a cabeça. — Nunca falei a respeito, porque
sempre foi um assunto que prometi a ela, não comentar com ninguém. Acho
que ela sempre pensou que seria vulnerável, caso alguém de fora soubesse.
Mas sei, que melhor do que ninguém, vai conseguir entender. Ela foi
diagnosticada com câncer de mama a cerca de um ano e meio. — Ally
arregalou os olhos, claramente surpresa. — O tratamento lhe custou muito,
e não digo financeiramente... Acho que foi uma das poucas vezes que vi
minha mãe tão mal. Mas felizmente, ela conseguiu a cura, pois descobriu
em um exame de rotina, então, o câncer estava em um estágio inicial.
Mesmo assim, ela não perdeu o medo da morte. — comentei e passei as
mãos por seus cabelos. — Ela não conseguia dormir, nem mesmo, sair do
estado de medo. Os únicos momentos que parecia inteira era no trabalho,
onde não mudou nada. Mas... Em casa, ela desabava. Nunca a minha frente,
mas sempre a ouvia e ou via chorar nos braços de Charles. Um dia, não me
aguentei e fui até ela... Pedi para que ela se tratasse, ela precisava aceitar
que estava doente psicologicamente. E ela o fez, e entendi, que foi mais por
mim. Porém, em vez da terapia, ela buscou a salvação apenas nos
calmantes... E faz um bom tempo desde então. Charles contou que a
encontrou caída perto da escada. Pensou que talvez tivesse trocado os pés,
algo assim... Até agora não sabemos ao certo o que aconteceu, mas ela
sofreu um traumatismo craniano. Os médicos acreditam, que para ela entrar
em coma, foi uma queda feia na escada.
Doía falar abertamente sobre aquilo, ainda mais, porque Condessa
ainda permanecia em uma cama de hospital, porém, ter Ally por perto, fazia
com que quisesse me abrir. Finalmente, podendo falar abertamente com
alguém sobre. Ainda mais, com a mulher que amava. Era o primeiro passo
para voltar a confiar fielmente.
vinte e um
“I know that if we give this a little time
It'll only bring us closer to the love we wanna find
It's never felt so real
No, it's never felt so right?”[25]

— Eu sequer desconfiava disso. — Ally falou, como se não


conseguisse acreditar. — Sua mãe sempre me pareceu tão bem, que...
Quando me falou sobre o coma, imaginei algum acidente de carro ou... Não
sei.
— Pois é, acho que... Não sei ainda o que pensar sobre como ela
caiu e ainda mais, entender o coma. Os médicos encontraram uma alta taxa
de calmantes no organismo dela, então... Pode ter ajudado para que
perdesse o controle e caísse de uma forma tão terrível. — comentei, e por
dentro, apenas pensava em como queria poder obter respostas com ela
sobre. — Acho que o melhor momento vai ser quando ela acordar e poder
nos dizer o que aconteceu de fato.
— Ela pode ter sequelas? — Ally indagou, e dei de ombros, sem a
mínima ideia.
— Os médicos nos pedem para considerar tudo, mas dizem que
fisicamente e fisiologicamente ela está estável. Talvez, o corpo esteja
apenas voltando aos poucos. Um deles, comentou que ela tinha tudo para já
ter despertado, mas não soube explicar o porquê ela não o fez.
— Não entendo nada de medicina. — passou as mãos por meu
rosto, e me encarou profundamente. — Mas tive um pai e irmã que
ensinaram muito sobre energia. Pode parecer um pouco de loucura para
quem não acredita, mas talvez, o problema da sua mãe não seja mais físico.
Ela pode, simplesmente, estar recuperando sua alma. — baixou a mão até
meu peito e tocou sobre meu coração. — Nunca a imaginei passando por
tudo isso, mas imagino que seja um turbilhão de sentimentos e momentos...
Talvez ela só precise descansar, e encontrou um meio agora. Por ela estar
respondendo, deve estar na hora de voltar.
Sorri, apegando-me a suas palavras. Nunca fui um homem de
crenças, mas encontrava em sua fala, tudo o que realmente precisava ouvir.
Como se ela definisse aquele momento perfeitamente.
— Nunca fui de acreditar nisso, mas a carta que sua irmã me
deixou, provou que, com toda certeza, não é loucura. — os olhos de Ally
brilharam e um pequeno sorriso se abriu. — Ainda é difícil falar sobre ela?
— indaguei, vendo que sua postura mudou. Ally negou com a cabeça e
desviou o olhar.
— É difícil imaginar a vida sem ela. — suspirou profundamente. —
Ela era meu mundo, sabe? — indagou, e levei minhas mãos a seus cabelos,
massageando-os. — Mas aos poucos, sinto a dor ser substituída pela
saudade, e não só misturada. Hill sempre sorria, mesmo nos piores
momentos. Tento me espelhar nisso, e apenas me lembrar de seu sorriso
quando a saudade aperta.
— Não pude conhecê-la, mas senti através daquela carta, o quanto
especial ela era. E ainda mais, agora, ao te ver falando sobre.
— Era a minha parceira de vidas, como meu pai nos nomeou. —
sorriu e voltou seu olhar para o meu. — Espera aqui.
Saiu de meu colo abruptamente, e a vi adentrar o quarto. Pensei em
levantar, mas acabei acatando seu pedido. Em menos de um minuto, Ally
voltou, com o colar que sempre via em seu pescoço, em mãos.
— Não sei se lembra, mas foi meu presente de quinze anos. —
comentou, e tentei forçar minha memória a respeito. — Tudo bem, na
época, sequer dei muita importância. — corou lindamente, e se ajoelhou a
minha frente, colocando o pingente em minhas mãos, abrindo-o em
seguida. Dentro do coração prata, tinha uma foto de sua família – George,
Perrie, ela e Hill. — Quando meu pai faleceu, senti que perdi meu coração,
e foi aí, que me apeguei a esse pingente. Coloquei essa foto, e era como
estar perto não só dele mais uma vez, mas de todos. É como o coração que
ele me deu, e finalmente, fez sentido para mim.
— Ela era igual a você. — comentei, ao notar o bebê ruivo e
sorridente na pequena foto. — Olhos verdes? — indaguei, e Ally assentiu,
deixando uma lágrima descer. — Eu realmente sinto muito por não ter
estado lá em nenhum desses momentos, quando mais precisou de mim. —
confessei, e Ally tocou minha mão, fortemente.
— Você estava. — pegou minha mão e levou até seu coração, que
batia acelerado. — Sempre que ficava triste, me lembrava de você. Mesmo
que estivesse longe e poderia não significar mais nada, sempre sonhei com
você. Com a gente.
— Jura? — indaguei, sem conseguir crer naquilo.
Ela assentiu, fervorosamente.
— Tive um sonho, na noite anterior à sua mãe aparecer em minha
casa. — começou e veio para meu colo, pegando o colar em mãos. Ally
vestia apenas um robe meu, e eu estava apenas de cueca. Não estávamos
despidos por completo de roupas, mas nossas almas, com toda certeza, o
estavam. — Sonhei que te ligava e contava sobre Hill, pedindo ajuda. Era
como se ainda fôssemos amigos e que apenas o tempo tivesse passado, mas
tínhamos algum contato. — sorriu amplamente, e logo, seu olhar mudou.
— Seria a minha mais bela realidade, se não fosse pelo fato de que te
parabenizava pelo noivado. — sua voz soou mais baixa, e arregalei os
olhos.
— Sabia que estava noivo antes de Condessa aparecer? — indaguei,
e ela assentiu, e notei suas bochechas apresentarem um tom avermelhado.
— Nunca pude evitar olhar suas fotos em rede sociais. — comentou
e deu de ombros, sorrindo levemente.
— Nunca a encontrei quando procurava, até pensei que odiasse a
internet.
— Na verdade, usava um nome falso, apenas para poder ver fotos de
famosos que curto e algo do tipo, nunca gostei de me expor. É mais como
ver a vida dos outros, mas nunca, ousar mostrar a minha.
— Sempre cautelosa, raio de sol. — constatei, e ela me encarou. —
E por que não seguiu a carreira da moda? — indaguei, e sua feição se
transformou um pouco, como se cansada. — Não gosta de falar sobre isso?
— Na verdade, é difícil admitir que perdi meu rumo e nunca me
reencontrei... Depois de perder meu pai, não tive vontade de mais nada.
Passei a odiar o luxo que tínhamos, e a moda da mesma forma. Com o
tempo, fui aprendendo que isso não tinha relação, mas tudo mudou quando
Hill foi diagnosticada com leucemia. O dinheiro que meu pai deixou fora o
bastante por um tempo e minha mãe tinha um bom emprego em uma
empresa no centro. A empresa faliu, o dinheiro estava para acabar... E
comecei a trabalhar no que podia e como sabia – como faxineira e
atendente em uma lanchonete. Mama também se desdobrou em vários
empregos, e no final da semana, apenas queríamos ter o dinheiro suficiente
para pagar as contas necessárias, principalmente, o hospital.
— Nunca vou me perdoar por não estar lá por você. — minha voz
soou carregada pela culpa, porque nunca imaginei o que fato ela passara. —
Se eu não tivesse desistido de nós...
— Já foi. — comentou e sorriu. — Posso não ser formada em nada,
Ian. Mas aprendi muito com a vida, e em cada momento que passei. Esse
conhecimento, nada me tira e sou muito grata pelas boas pessoas que
conheci. — sorriu, e notei que ela realmente falava sério. Ally não era o
tipo de pessoa que parecia falar com pesar do passado. Ela parecia,
realmente, grata. — Isso me fez ser quem sou hoje, e agora estou aqui... —
sorriu lindamente, e levei uma mão até seu rosto, limpando uma lágrima
que descia. — Acho que as coisas poderiam ser mais simples e fáceis,
mas... O que importa é o agora.
— No agora tenho certeza que não posso viver sem você, nunca
mais. — ela uniu nossas testas, e sorriu, dando-me de presente, o olhar
amoroso que tanto temi ser apenas uma confusão. — Nunca mais quero te
perder.
— Não vai. — sussurrou, e tocou meu rosto com ambas as mãos. —
Juntos, lembra? — indagou, e assenti.
— Obrigado por ser quem é. — fui sincero, entregando-me por
completo.
— Obrigada por me aceitar.
— Não. — fiz com que me encarasse, e gravei, mais uma vez, os
detalhes que lhe transformavam na personificação da minha pessoa favorita
no mundo. — Eu não te aceito, raio de sol. Eu te amo.
Lágrimas desceram por seu rosto, e sabia que não eram de tristeza, e
sim, de emoção. Puxei-a para mim, e selamos aquele momento com um
beijo. Um beijo que palavra alguma poderia substituir. Porém,
surpreendendo-me, ela se afastou, apenas o suficiente para dizer o que
queria.
— E eu te amo por ser exatamente assim, o meu Guns... O meu céu.
vinte e dois
“Cross my heart, hope to die
To my lover, I’d never lie
He said: Be true —, I swear: I’ll try
In the end, it’s him and I?”[26]

Era estranho estar em uma recepção de hospital novamente.


Olhar para aquelas paredes brancas, apenas me remetia ao fato de
que semanas atrás, as dividia com Hill. Suspirei, levando as mãos até meu
pingente, e foquei em não pensar muito a respeito. Ian estava ao meu lado,
claramente aguardando o tal Charles, que me explicou brevemente ser o
braço direito de sua mãe e companheiro há muitos anos. Em alguns
minutos, o homem grisalho surgiu no corredor, e caminhou em nossa
direção. Encarei-o, reconhecendo-o no mesmo instante. Era ele quem
geralmente aparecia na porta do apartamento com ordens de Condessa e
objetos destinados a mim. Fora ele, quem levou o tal contrato de sigilo para
assinar. Engoli em seco, sem saber mais o que pensar. Em minha cabeça,
ainda o chamava apenas de Alfred 1.
— Tudo bem? — Ian indagou, como se percebendo minha mudança
de olhar. Ele então olhou na direção que me desviei rapidamente, e pareceu
pensar por alguns segundos sobre. — Charles esteve a sua volta, não é?
Durante toda a proposta de Condessa?
Assenti levemente, e logo, o homem se aproximou. Não era medo o
que sentia, muito menos, a pressão de antes. Parecia mais, como a
lembrança clara de que aceitara fazer parte daquilo. Suspirei profundamente
e tentei focar no presente. Ian estava comigo e sabia, nos dava uma segunda
chance. E eu, estava em busca de seu perdão e confiança.
— Só estou pensando demais. — comentei, e subi meu olhar, para o
homem que abriu um leve sorriso, como se de fato feliz por minha
presença. Não soube o que pensar a respeito.
Na realidade, sequer estava conseguindo raciocinar. Ian e eu
conversamos tanto durante a madrugada, que senti que os dez anos
separados finalmente foram colocados a mesa. Nossas dores, felicidades, e
até mesmo, maiores medos. Começávamos a falar sobre tudo, e de repente,
estávamos apenas abraçados, falando sobre nada. Amava cada momento.
— Acho que já se conhecem. — Ian se levantou, e cumprimentou-o
com um aperto de mãos.
— Sou Charles Clint. — o homem grisalho se adiantou, e esticou a
mão em minha direção. Aceitei-a, levantando-me. — Desculpe por não ter
me apresentado antes.
— Ordens? — indaguei, e ele assentiu, claramente, envergonhado
pela situação. — Está tudo bem — sorri, e tentei ficar mais confortável.
— Como ela está? — a pergunta de Ian quebrou aquele momento e
Charles o encarou, sorrindo abertamente.
— Ela está passando por exames, mas os médicos acreditam que
deva acordar logo. — olhei para ambos, e notei o sorriso em seus rostos. —
Mas acabaram de me informar que as visitas poderão ser feitas apenas a
tarde.
— Certo. — a voz de Ian soou um tanto quanto desapontada, e me
apressei a tocar sua mão, dando-lhe apoio. Como quem diz: vai dar tudo
certo. Seus olhos castanhos encontraram o verde dos meus, e logo, fora
puxada para seu corpo. — Volto mais tarde então. Deveria ir pra casa e
descansar, Charles.
— Vou fazer isso agora. — o homem assentiu, e tocou em seu
ombro. — Até mais tarde, então.
Charles saiu, deixando-nos para trás na recepção. Encarei Ian, que
mesmo contente, parecia um tanto decepcionado.
— Eles devem estar se certificando que está tudo bem com ela. —
falei, e ele assentiu, andando junto a mim, para sairmos do hospital. —
Parece incomodado. — comentei, assim que chegamos a calçada. Ian parou
a minha frente e tocou meu rosto.
— Fiquei cego pela minha dor e medo quando me contou a verdade,
e agora, ao ver seu olhar para Charles... Só consigo imaginar o quanto foi
doloroso e difícil para você. — balancei a cabeça, aproximando-me.
— Já passou. — falei, e sorri levemente. — Não tem porque se
culpar por algo que Condessa e eu fizemos, muito menos, outras pessoas
que compactuaram com isso. Eu estava de acordo, Ian.
— Mesmo assim, ficou longe de Hill e...
Levei minhas mãos a sua boca, fazendo-o calar. Ele me encarou,
como se sem entender minhas ações.
— Sei que é difícil, e que ainda é muito recente, mas... Tente não
pensar tanto nisso. Temos tempo para falar sobre tudo, e logo, sua mãe
poderá falar. Não vou negar que tenho medo disso, de que ela me queira
fora da sua vida, mas... Acredito em nós e que vamos encontrar uma saída
boa para o que vier. Tudo foi uma loucura, talvez até uma novela
mexicana... — Ian sorriu, e notei que finalmente, seu semblante parecia
menos pesado. — Mas ainda assim, tento pensar positivamente. — lembrei-
me de Hill e foi impossível não sentir sua falta. — Nem tudo teve um final
feliz, mas... Estamos esperando um filho. Tento focar apenas no que temos
de bom.
— Temos nosso amor. — tocou meu rosto com uma mão, e a outra,
desceu para meu ventre. — Sinto muito por parecer perdido, é que... Ainda
é difícil digerir o que teve que passar.
— Eu entendo. Sei que um dia vai me perdoar por tudo isso e espero
ter sua confiança de volta... Na realidade, vou lutar por isso.
— Raio de sol. — sua voz soou mais branda, e notei que seus olhos
pareciam marejados. — Já tem meu perdão, desde o momento em que
simplesmente me abri pra você mais uma vez. O meu perdão é seu.
Fiquei estática, sem conseguir acreditar.
— Parece surpresa. — puxou-me para si, dando-me um leve beijo.
— Sou um bom entendedor, como já me disse uma vez... Mas não sou bom
em perdoar. Guardei rancor por anos de minha mãe, e nunca vou conseguir
o fazer com Edmund... Mas, com você, tudo é diferente.
— Eu pensei que... Que estava apenas me dando uma chance para
conseguir seu perdão. — fui sincera, imersa e perdida naquele momento.
Nunca imaginei que ele o faria de uma forma tão fácil. Imaginei que
demoraríamos anos para chegar naquilo.
— Lembra que te disse, que tentei te odiar todos os dias dos ano
separados, até saber da verdade? — indagou e assenti, tentando interligar os
pontos. — Dessa vez, quando soube que fui enganado, quando me contou o
que de fato te fez aparecer na minha porta, eu sequer tentei... Porque sabia
que era impossível. Foi difícil entender que fez o que fez por medo... Medo
de me perder. Estou trabalhando nisso, porque quero acreditar fielmente em
tudo. Porque quero lhe dar minha confiança. Vamos trabalhar nisso, como
você disse. Mas não existe motivo para sentir mágoa pelo que se passou,
não mais.
— Então... Você me perdoou? Assim, como se...
— Como se fosse o homem que te ama, e que não vai permitir que
nenhuma mágoa supere esse amor. — suas mãos estavam em meu rosto, e
ele sorriu. — A vida é mais do que guardar rancor e desistir do que se
ama... Aprendi isso, quando coloquei meus olhos em você novamente.
Posso quebrar a cara e até mesmo o meu coração. Sei que me destruiria
caso isso tudo fosse uma brincadeira ou confusão para você.
— Eu te amo. — adiantei-me, e toquei seu rosto, tentando fazê-lo
não duvidar daquilo. — Vou provar isso, vou fazer com que...
Ele baixou seus lábios sobre os meus, apenas para me calar
momentaneamente.
— Eu acredito no seu amor. — uniu nossas testas. — Se não, não
teria nos dado essa chance. Porque por você, eu faço tudo. Deixo meu
coração exposto mais uma vez, e... Que se foda, raio de sol! — sorri, diante
de sua expressão, e ele fez o mesmo. — Só quero a gente, e nada mais. Sei
que temos muito a aprender sobre relacionamento e claro, como ser pais.
Mas... sobre o nosso amor, não tem mais o que se dizer. Vamos vivê-lo
como sempre quisemos, sendo sinceros um com o outro, e isso, me basta.
Paralisei, e agradeci internamente por ter a sorte daquele homem ser
meu. Por ele ter me escolhido, da forma como o fiz.
— Não acredito mesmo em acasos. — falei, e o encarei, perdida no
castanho de seus olhos. — Mas acredito em destino, e... Algo dentro de
mim, diz que se não batesse a sua porta meses atrás, algum dia, te
encontraria, e seríamos felizes.
— Com certeza você sempre esteve certa, o primeiro amor deixa
marcas para toda vida. — sorriu, e concordei com a cabeça, sendo
embalada por seus braços. — E não se esqueça, raio de sol, esse mesmo
amor é capaz de perdoar.
Afastei-me um pouco de seu corpo, e o encarei. Estávamos na
cidade onde tudo começara. Onde meu olhar para com ele se transformou,
assim como, nos transformamos. Nossas vidas eram longe uma da outra,
mas ali, entendi que nos encontraríamos em cada passo dado.
Ian Hayes não estava nem a um passo de distância, e nossos
corações conectados.
Senti um pingo de chuva cair sobre o tecido fino de minha blusa,
justamente, em minha barriga. Sorri, e Ian me encarou sem entender,
tirando o sobretudo que vestia, e colocando em torno de meu corpo. Sabia
que ele estava sendo cuidadoso, como sempre.
— Esses pingos vão se tornar uma chuva terrível. — comentou, e
não pude evitar, gargalhei alto. — Por que parece tão feliz com uma chuva?
— Por que sempre me chamou de raio de sol? — indaguei, sem
respondê-lo de imediato.
Ian franziu o cenho, enquanto caminhávamos em direção a seu
carro. Abriu a porta para mim, e assim que estava dentro, praticamente
correu para a do motorista, e assim que fechou a porta, o mundo desabou.
Ele me encarou como quem argumentava: não disse?
— Respondendo uma pergunta com outra, raio de sol? — encostou-
se no banco e sorriu lindamente. — Como sou um bom pai, e sei que
grávidas não podem ficar ansiosas, lhe darei minha humilde resposta. —
sorriu provocativo. — Seus cabelos foram a primeira coisa que chamaram
minha atenção, e poderia até mesmo ser por eles o apelido.
— Mas não é. — instiguei-o e ele deu de ombros, assentindo.
— Lembro no dia em que chegou a minha casa, chovia muito e de
repente, o sol abriu, assim que sua mãe adentrou com você ao lado. —
comentou e o encarei incrédula. — O raios solares bateram diretamente na
menina ruiva que sequer conhecia, e foi como se você brilhasse. — sorri,
diante de sua imaginação infantil. — Desde aquele dia, foi assim que te
chamei. Depois de um tempo, fez ainda mais sentido, porque era o brilho na
minha vida e me fazia enxergar que mesmo com as dificuldades, uma hora,
algo bom ia acontecer. Meu algo bom, sempre foi você.
Emocionei-me com suas palavras, e de repente, o céu começou a
abrir, e a chuva se tornara apenas alguns pingos fracos. Ian me encarou,
como se o próprio tempo de Nova Iorque pudesse nos contar a respeito.
Fiquei de joelhos no banco do carona, e dei um leve beijo em seus lábios,
sentindo-me emotiva, além do normal diante de sua declaração. Nunca
esperei algo tão profundo. Nunca imaginei que o fosse de fato.
— Me seduzindo para fugir da pergunta? — provocou, e sorri,
afastando-me.
— Talvez um pouco, mas não tenho porque fugir. — pisquei, e levei
sua mão esquerda até minha barriga. — É ainda só um pequeno pedaço
nosso, e comecei a chamá-lo de pinguinho, de repente. — comentei, e Ian
arregalou os olhos, em seguida, sorriu largamente.
— Um pinguinho de chuva? — indagou, e assenti, sentindo meu
rosto queimar. — Combina perfeitamente com você... Com a gente, raio de
sol. — tocou meu rosto com a outra mão, e suspirou profundamente.
— O que foi?
— Só queria poder guardar esse momento para sempre. — falou e
assenti, entendendo-o por completo.
Adiantei-me e peguei seu celular dentro do porta-luvas.
— Aqui. — entreguei-lhe e Ian me encarou sem entender. — Fotos
podem se perder, mas essa, pode ser a primeira da nossa família. Para que
lembremos desse momento sempre, até mesmo...
— Na escada da nossa casa dos sonhos. — complementou e sorriu
abertamente, ajeitando o celular. Ian virou a câmera e conseguia nos ver
pela frontal, e sorri abertamente, com nossas mãos sobre meu ventre. Ele
tirou três fotos, e em seguida, deu-me o celular. — Agora, pode escolher
qual quiser.
Sorri, e passei as fotos, emocionada ao nos ver tão felizes ali.
Realmente, cabíamos perfeitamente em um quadro. Eu, ele e o nosso
pinguinho de chuva. Uma mistura cafona de amor. Porém, comecei a me
indagar se de fato existia algum amor que não o fosse. Escolhi a foto
favorita, na qual nos encarávamos, não a câmera. Unidos pelos nossos
olhares, da forma como começamos.
Nunca imaginei, que ao reencontrá-lo, o meu mundo voltaria dez
anos e que ainda seria aquela mesma garota apaixonada. Hoje, sou uma
mulher, entregue a ele. Entregue a nós. O perdão de Ian me foi dado e
nunca lhe daria a chance de sequer pensar em se arrepender por isso.
Eu fora seu pecado.
Ele, o meu perdão.
vinte e três
“My mother said I'm too romantic
She said ‘You're dancing in the movies'
I only started to believe her?”[27]

Alguns meses depois...

— Tudo bem? — indaguei, assim que ajeitei o travesseiro as costas


de minha mãe. Ela assentiu, e movimentou os braços, como o médico
indicara. Felizmente, ela vinha se recuperando bem. Segundo os médicos,
era possível que revertesse todas as sequelas, como a dificuldade para se
movimentar, e principalmente, a fala.
Sempre que tentava falar, acabava se esforçando ao limite, mas nada
muito compreensível saía. Infelizmente, era o que o coma lhe cobrara. Ela
então fez um sinal com a cabeça, em direção a seu criado mudo e indicou
com o dedo esquerdo a primeira gaveta.
— Ok. — falei, e me agachei, abrindo a gaveta. Franzi o cenho, ao
encontrar apenas um pen drive lá dentro. — Isso? — indaguei, e ela
assentiu.
Levei até suas mãos, e ela negou com a cabeça, apertando-o contra
minha mão, claramente, querendo que ficasse com ele.
— Quer que fique com ele? — indaguei, e ela abriu a boca, e sabia
que tentaria falar algo.
— Você e Ally. — sua voz saiu um pouco embaralhada, como
sempre, mas conseguira ler seus lábios. — Para vocês. — assenti, e
permaneci com o pen drive em mãos.
— Está quase na hora de buscá-la. — comentei, e entreguei o
caderno de desenho que ela utilizava para escrever sobre o que queria,
quando era algo mais complexo. Coloquei a caneta sobre o caderno, e logo,
ela começou a riscá-lo. — Quer que assistamos juntos, não é?
Ela assentiu, e continuou escrevendo. Era difícil vê-la daquela
forma, mesmo sabendo que poderia ser apenas temporário. Os médicos
diziam que ela era praticamente um milagre, por não ter sido comprometida
em outras partes cruciais de seu organismo. Mesmo assim, temia que estar
daquela forma, apenas a levasse para mais fundo do buraco. Que isso a
levasse a querer se afundar ainda mais em remédios.
— Charles está lá embaixo e vou conversar com ele de novo, para
que pare com isso de querer dormir no quarto de hóspedes. Sei que a
relação de vocês não é apenas de amizade ou trabalho. — um sorriso se
abriu em seu rosto, e ela desviou o olhar do papel. — Esse homem te ama
muito, mãe.
Ela então virou a folha e me mostrou o que tinha escrito. Sua letra
ainda não era como antes, mas ela já conseguia escrever de forma legível.
Eram muitos acompanhamentos médicos após ter sido liberada do hospital,
tanto Charles quanto eu, tentávamos estar presentes em suas consultas, e
festejávamos suas evoluções. De pouco em pouco, ela se recuperava.

Gravei antes de tudo isso. Quero que assista com Ally, e acho que será
mais fácil para entenderem porque fiz o que fiz.

Arregalei os olhos e encarei o pen drive em mãos.


— Um vídeo? — indaguei, e ela assentiu. — Como pode sempre
pensar tão além? — perguntei, completamente incrédulo. Nunca entenderia
como Condessa Hayes era tão à frente de seu próprio presente.
Ela pegou o caderno de volta e escreveu mais um pouco, logo o
virando para mim.

Eu te amo, meu filho

Sorri diante de sua mensagem, e fui até ela, deixando um leve beijo
em sua testa.
— Também te amo, mãe. — falei, e notei seus olhos ficarem
marejados. — Agora descansa! Ally chega daqui a pouco e com certeza, o
pinguinho não vai querer te sentir assim.
Ela sorriu amplamente, e notei o quanto falar a respeito de seu neto
ou neta, fazia-lhe bem. Condessa Hayes parecia outra pessoa após acordar,
e era um fato que parecia surpreender a todos. Apenas Charles não
pareceria. Entretanto, mesmo tendo estado a vida inteira sob o mesmo teto
que ela, nunca a vi daquela maneira. Temia que fosse uma casca, para fingir
que estava tudo bem. Contudo, parecia genuinamente bem, em alguns
momentos. Ainda mais, quando lhe falava sobre o nosso pinguinho.
Saí do quarto, e desci as escadas, com aquele pen drive em mãos. Já
tinha desconfiado que ela deixara algo sobre suas razões para trazer Ally a
minha vida novamente. Era o modus operandi de Condessa Hayes. Porém,
não me ative a tentar descobrir aquilo. Respeitei o fato de que ela acordaria
e me diria a verdade, assim como, a verdade que pudera ter com Ally.
Nunca fora fã de buscar respostas, além da pessoa que poderia me dar
livremente.
Fui até a cozinha e encontrei Charles, sentado a frente da grande
ilha, comendo um sanduíche.
— Ela está te esperando lá em cima. — falei, e ele praticamente
engasgou, tossindo de imediato. Sorri de seu embaraço, e ele bebeu
rapidamente o copo d’água ao seu lado. — É sério, Charles! Não precisa
agir como se fosse um empregado meu ou de minha mãe. Claro que
trabalha com ela, mas são um casal.
— Senhor Hayes...
— Ian, por favor. — insisti, pela milésima vez. — Sei que me olha
como se fosse te julgar por amar minha mãe e até mesmo, ter estado com
ela quando ainda era casada. Não tenho direito de te julgar por isso e jamais
o farei. Você a faz feliz, e ela te faz feliz. E eu, apenas quero que possam
superar essa fase difícil, e que tudo se encaminhe.
Os olhos do homem de quase cinquenta anos brilharam, e notei que
ele parecia completamente surpreso com minha abordagem. Na realidade,
esperei um longo tempo para lhe falar de fato sobre. Ele merecia saber que
nunca o julguei por amar alguém. Como poderia?
— Obrigado, senhor... Quer dizer, Ian. — limpou a garganta
rapidamente, e assenti, finalmente conseguindo tirar meu nome de sua boca.
— Obrigado por entender.
— Já te disse isso antes, e sempre vou repetir: é um bom homem. —
fui até ele e apertei seu ombro. — A casa também é sua. — ele assentiu e
deu um sorriso sem dentes, ainda um pouco desconfortável. — Vou buscar
Ally e Perrie no aeroporto, e logo volto.
Saí da cozinha, e andei até a garagem. Coloquei o pen drive em meu
bolso e resolvi espantar meus questionamentos a respeito daquilo por
alguns instantes. Precisava focar em buscar a minha mulher e trazê-la para
perto. Foram apenas cinco dias longe, mas sentia-me a ponto de surtar de
saudades. Não queria mais que fôssemos divididos daquela maneira.
Ambos sabíamos onde era nosso lugar, e muito em breve, estaríamos lá.
Saí com o carro e liguei o som, deixando na playlist que Ally dizia
nos resumir. A primeira música, não me surpreendera, por ser All Of Me do
John Legend, era o jeito clichê e romântico do meu raio de sol, de me
deixar ainda mais apaixonado por si. Enquanto dirigia, apenas conseguia
pensar em como as coisas entre nós fluíram nos últimos meses. Nem tudo
foram flores, infelizmente, devido ao fato de tentar convencê-la a parar de
trabalhar. Aquele era um assunto delicado a tratar com Ally, e sabia, que
seria muito difícil convencê-la do contrário.
Na realidade, queria poder deixá-la sob meus olhos todo tempo.
Ainda mais, com sua barriga crescendo mais e mais a cada dia. Mal sabia
ela, que em breve, aquela divisão criada pela distância, ainda mais, por estar
acompanhando a recuperação de Condessa, e Ally também não querer
deixar Perrie sozinha por um longo tempo, acabaria. O nosso lugar nos
esperava, e as mudanças que fizera em nossa casa também, assim como,
planejava a levar para lá o mais rápido possível. Porém, dar-lhe-ia um
gostinho ainda hoje, de como tudo se encaminhava.
Era nosso futuro lar, e já tínhamos discutido sobre. Sabíamos que
não queríamos viver em outra cidade, e aos poucos, começávamos a pensar
de fato em como tudo ia funcionar. Ally não queria deixar sua mãe sozinha
na Geórgia, e nada pareceu mais simples, do que Perrie se mudar conosco
para lá, assim que conseguisse ter a certeza de que Condessa estava bem.
Conversei brevemente com minha mãe, e entendia que ela não deixaria
Nova Iorque tão cedo, era de fato o seu lar. Porém, ela tinha Charles ao seu
lado, o que me dava uma grande tranquilidade.
Estacionei o carro, e segui direto para área de desembarque. Olhei
em meu celular e já era basicamente a hora de Ally estar em solo nova-
iorquino. Aguardei de pé, encarando as pessoas que já saíam pelo portão.
Minutos se passaram, e olhei para meu celular, buscando alguma
mensagem. Nada ainda. Mal sabia ela que estava morrendo de saudades e a
ponto de querer buscá-la diretamente com o avião de Condessa. Mas sabia
que Ally não aceitaria, assim como Perrie. Era um limite rígido para com
elas. E as entendia perfeitamente.
Desviei o olhar do celular e sorri abertamente, no momento em que
meus olhos bateram nos verdes dos seus. Sua barriga se destacava dentro do
vestido longo, na cor preta, e ela sorriu de volta. Senti-me entrar em uma
espiral de sentimentos e dei alguns passos a frente, pronto para tê-la nos
meus braços novamente. Em menos de cinco segundos, senti seu pequeno
corpo contra o meu, e a abracei com toda saudade que sentia.
Agora sim, estava completo.

— Então, alguma novidade assustadora nesses cinco dias? — Ian


indagou, provocando-me e lhe lancei um olhar mortal, sentada no banco do
carona.
— Além de falante, ela está reclamona agora. — minha mãe falou e
arregalei os olhos, encarando-a incrédula.
— Mama! — reclamei, e bufei em seguida. — Estou ótima, só não
sei como passei da fase de querer comer tudo, para a fase de não conseguir
sentir cheiros. — não pude evitar tal reclamação, e ambos gargalharam.
Revirei os olhos, e dei aquela batalha como perdida.
— E sua mãe, Ian? — mama indagou, e encarei Ian no mesmo
instante. Ele dirigia e parecia bem mais leve desde a última vez que o vi
pessoalmente.
— Está conseguindo se locomover melhor e tem passado a escrever
para se comunicar. — abriu um belo sorriso, e sabia o quanto aquilo era
importante para ele, assim como, para ela. Condessa Hayes parara de me
causar medo, e aos poucos, sentia-me um pouco mais a vontade em sua
presença. — Acho que em um futuro próximo, ela já estará falando
corretamente.
— Isso é ótimo. — falei, e encarei minha mãe que parecia tão
surpresa quanto eu. — E como vai o trabalho? — perguntei, e Ian deu de
ombros, assim que adentramos o condomínio de sua mansão. — Ian. —
insisti.
— Bom, Charles assumiu toda a parte de decisões da Hayes e até
mesmo, lê algumas para minha mãe. Continuo muito bem, administrando o
que meus vizinhos canadenses precisam daqui. — piscou em minha direção
e sabia que logo mais, entraríamos naquele assunto.
Temia por ele se sentir pressionado para já voltarmos a nossa vida,
ou reassumirmos de onde paramos. Na realidade, via a cada dia que
Condessa se recuperava, e ele parecia ainda mais pronto para nos
mudarmos. Porém, minha mente ainda vagava a respeito. Sabia que mama
iria comigo, mesmo assim, não sabia o que poderia fazer por lá.
Era uma cidade pequena, onde todos se conheciam. Como
conseguiria um emprego? Ainda mais, estando grávida. Ali seria o lugar
onde nossa família começaria de fato a viver. Talvez fossem os hormônios,
mas sentia-me completamente fora de minha zona de conforto, e temia
aquela mudança. Passei a mão por minha barriga e tentei pensar positivo. Já
passara por muita coisa na vida, que a virou de cabeça para baixo. Tentava
mentalizar que aquele seria apenas mais um passo importante.

— Eu vou dar uma volta no condomínio, tudo bem? — mama


perguntou e assenti, enquanto me sentava no sofá da grande sala de estar. —
Já volto, pequena.
Deu-me um leve beijo na testa, e a vi sair pela porta. Ela parecia um
tanto quanto renovada. A forma como o tempo passou, trouxe-nos novas
perspectivas, ainda mais, com o pinguinho crescendo mais e mais. Aquele
pequeno ser nos trouxe um novo propósito, e entendia perfeitamente que
nada realmente acontecia por acaso. Estar grávida, salvara-me de tantas
maneiras, que sequer conseguia explicar.
— Confortável? — senti as mãos de Ian em meu ombro e ele
massageou levemente. Soltei um suspiro, assentindo, e logo um beijo fora
depositado em meu pescoço. — Trabalhou muito, raio de sol? — indagou, e
o vi passar a minha frente, e ir até a televisão, colocando algo atrás dela.
Parecia ser um pen drive.
Ele então pegou o controle remoto e veio até mim, sentando-se ao
meu lado. Puxou-me para perto, e beijou levemente meus lábios, dando-me
apenas um gosto do que tanto queria – ele.
— Apenas na lanchonete, como Monica mesmo sugeriu. —
argumentei, e ele me encarou com um sorriso de vitória. — Tira esse
sorrisinho do rosto, porque apenas parei com a faxina devido à preocupação
médica de que poderia me acidentar trabalhando na imensa casa de meus
patrões.
— Fico feliz por estar se cuidando de fato. Não pode me culpar por
me preocupar. — passou a mão por meu rosto e acabei assentindo. — Mas,
tenho algo para te falar ou melhor, mostrar.
— O que? — indaguei, assim que notei a mudança em seu
semblante.
— Minha mãe me deu algo um pouco antes de ir ao aeroporto. Um
pen drive que estava em seu criado-mudo. Ela pediu para que assistamos
juntos, e é sobre antes de tudo... Segundo ela. — falou e franzi o cenho,
completamente surpresa.
— O que você colocou na tv agora? — indaguei, e Ian assentiu. —
Não sei o que pensar sobre isso.
— Podemos só assistir, que tal? — dei de ombros e concordei com a
cabeça.
Ian ligou a televisão e logo clicou no vídeo disponível no
dispositivo externo. A imagem de Condessa Hayes surgiu na grande tela de
setenta e cinco polegadas. Ela estava sentada nesse mesmo sofá e notei que
parecia um pouco perdida.
— Está tudo pronto, pode começar.
Reconheci a voz de Charles, e logo, o olhar de Condessa passou
para a câmera, e era como se fosse diretamente para nós.
— Ian, Ally... — ela suspirou e notei que mexia nervosamente com
as mãos. Fiquei perplexa por ouvi-la dizer meu nome. — Se estão
assistindo isso agora, então, pela primeira vez na vida, consegui fazer algo
pelo meu filho.
Encarei Ian, e notei que ele permanecia preso a tela.
— Demorei um bom tempo para conseguir pensar no que fazer para
mudar toda a dor que meu menino sofreu pela minha falta de cuidado e
atenção. Edmund quebrou o meu filho, de formas que nunca imaginei que
um pai o faria. Mas sempre vi em Ian a minha força, e mesmo depois que
descobrimos como Edmund agiu, ele tentou recomeçar. Construiu uma casa
fora do país, para morar com a mulher que ele amava. O que me
surpreendeu por completo, foi quando Ian simplesmente desistiu da ideia, e
um tempo depois, apareceu com uma namorada e que logo se tornaria
noiva. Fiquei em choque, porque via nos olhos dele que não estava feliz.
Ian parecia quebrado, como um reflexo meu. E... Não pude aceitar tal
coisa. Não pude aceitar que Edmund tinha vencido e de fato tirado a
felicidade de meu filho. Foi aí que investiguei a vida de Ally, e acabei
pensando sobre como fazer com que se aproximassem. Poderia
simplesmente os por frente a frente, fazer isso acontecer, mas... Não seria o
choque de realidade que Ian precisava. Sabia que ele casaria com outra
mulher apenas para ajudá-la financeiramente e para que ela ficasse
segura, como uma forma de agradecimento por ela estar com ele. Ian se
contentou com uma vida sem amor, e isso, era tudo o que Edmund queria.
Então, resolvi agir. Amanhã, vou até a casa de Ally Johnson, que sinto,
ainda ser a mulher que ele realmente ama. Sei que essa menina, um dia, foi
tudo para ele, e acredito que ela possa trazê-lo de volta para vida. Que ela
possa fazê-lo feliz de novo. Que ele assim, tenha a vida de amor, que lhe foi
tirada. Então... Não sou a melhor pessoa do mundo, muito longe disso,
mas... Mesmo que os fins não justifiquem os meios, quero poder ajudar a
irmã de Ally, que é apenas uma criança e merece a chance de lutar pela
vida, assim como, trazer o meu filho a vida. Longe da condenação de ficar
com alguém por gratidão. Ian, meu filho, você merece mais que isso. E se
está vendo isso agora, sei que finalmente entendeu. Você é querido. Você é
amado. Não sei ao certo quanto tempo me resta, as vezes, mesmo com a
cura, sinto que vou morrer... Que minha vida pode acabar em um segundo.
Realmente, se for pra ser, será. Então, apenas queria lhe trazer algo bom
dentre todos os anos que apenas foquei no trabalho e não lhe dei o que
precisava. Sinto que estou fazendo, pela primeira vez, mesmo que do meu
jeito torto, algo certo. Então... — uma lágrima desceu pelo rosto de
Condessa, e fiquei paralisada, assistindo aquele vídeo. — Quero apenas a
felicidade de ambos, e que eu tenha acertado dessa vez. Que de algum jeito,
me perdoem por agir como o destino em suas vidas.
A tela então ficou congelada, e o vídeo chegara ao fim. Olhei de
relance para Ian, e seu olhar encontrou o meu. Ambos, sem saber o que
dizer. Sempre imaginei que Condessa tinha motivos fortes para me trazer
até Ian, mas nunca imaginei, que fosse justamente, para nos juntar. Era
insano imaginar aquilo, e ainda mais, porque tinha funcionado.
— Ela sempre está um passo a frente. — a voz de Ian soou
carregada, e sabia que ele estava absorto no momento. — Considerei que
seria isso, mas nunca... Nunca imaginei que ela confirmaria.
— Ela queria que fosse feliz. — comentei e ele assentiu, levando a
mão a boca. — Ela conseguiu? — indaguei, e o olhar de Ian mudou de
perdido para apaixonado. — Você está feliz?
— Sim, raio de sol. — suspirou pesadamente e tocou meu rosto. —
Apesar dos pesares, nós conseguimos! — enfatizou o nós e tive que
concordar. Era além do que Condessa planejara. — Eu tenho você e o nosso
pinguinho. Tenho tudo agora.
Nunca imaginei que a mesma proposta, jogada em meu colo como
uma bomba e soando como uma salvação, seria de fato, o motivo de estar
nos braços do homem que amava. A vida dava mais uma reviravolta, e
sabia que mesmo tentando, Condessa não conseguira controlar tudo. Ao
fim, nós forjamos nosso destino e futuro.
Eu escolhera Ian Hayes, e ele também o fez.
O que realmente importava, em meio a tudo que acontecera – o
nosso amor.
epílogo: único amor
“You've got the face to fit the frame
I cannot look away
Like can't you see I'm hypnotized?”[28]

Anos depois...

O jardim estava completamente diferente de todas as vezes que já


haviam perdido, ou até mesmo, ganhado noites ali. Naquela pequena cidade
do Canadá, na casa dos sonhos de Ally e Ian, mais um deles, se realizaria.
Perrie recebia os poucos convidados com um sorriso no rosto. Ajeitando-os
na melhor maneira, nas cadeiras dispostas pelo jardim com pétalas brancas
espalhadas por todos os lados. Olhou em direção a janela, do quarto em que
Ally já estava pronta e sorriu, vendo que a filha encarava lá de cima, a
movimentação do lado de fora.
Ally tremia, e não sabia mais o que fazer para se acalmar. Pediu
para que a mãe lhe deixasse sozinha por alguns instantes, tentando
encontrar alguma forma de se estabilizar e de fato, conseguir sair daquele
quarto para caminhar até o homem que amava. Respirou profundamente
uma, duas e até chegou a perder a conta, enquanto seu cérebro parecia dar
voltas. Ela parecia imersa no momento, principalmente, quando parava para
pensar em tudo que acontecera nos últimos anos. Sua vida mudara por
completo.
Passou a mão por seu ventre já liso e relembrara os momentos em
que estivera a ponto de simplesmente surtar de ansiedade por querer ver o
rostinho de sua bebê. Hill estava certa, como sempre. Ela esperava uma
menina. Suspirou ao lembrar de Prim, no exato momento em que a porta do
quarto se abriu, e a pequena entrou correndo, quase derrubando tudo por
seu caminho. O pinguinho de chuva se tornou em uma pequena tempestade.
Prim Hill Johnson Hayes era a mistura perfeita dos pais. Cabelos ruivos e
sardas espalhadas pelo corpo com olhos castanhos intensos e dominantes. A
pequena de apenas quatro anos, se tornara o mundo de todos ao seu redor.
— O que faz aqui, pequena tempestade? — Ally indagou, e encarou
a filha, que parecia boquiaberta diante da mãe. Também não poderia ser
diferente. Ally usava um vestido branco, em um modelo de renda, que
emoldurava seu corpo perfeitamente.
— Parece uma princesa, mama. — a filha falou, fazendo com que a
maquiagem de Ally quase fosse perdida novamente.
Ela se agachou como pode e deu um leve beijo nos cabelos da filha.
No mesmo instante a porta se abriu e Condessa Hayes entrou. Ela andava
devagar, com auxílio da bengala que se tornara sua fiel companheira.
Condessa tivera uma ótima recuperação, entretanto, alguns danos não foram
completamente remediados.
— Aqui está você. — aquela era a versão de Condessa que todos
aprenderam a se acostumar – uma avó amorosa. Ally não se sentia mais
acuada a frente dela, e ao decorrer dos anos, desenvolveram uma boa
relação. — Depois de fazer seu pai chorar, agora veio aqui? — Condessa
provocou a menina ruiva, que gargalhou alto.
As mãos de Ally tremeram ainda mais.
— Ian chorou? — indagara, enquanto a filha abraçava sua cintura, e
tinha um sorriso sapeca no rosto.
— Quando ele viu Prim vestida assim, ele parou de se conter... —
Condessa começou a falar e era possível notar a emoção em sua voz. — Ele
tinha seu sim há muito tempo, mas esperou esse momento tanto quanto
você.
Ally sorriu e tentou engolir o choro que vinha com força. O dia não
poderia ser menos perfeito, e ela sentira, que esperaram o tempo certo. Ian a
pediu em casamento, no momento em que chegaram no Canadá, e ele lhe
mostrou a grande surpresa, que era o quarto de seu pinguinho pronto. Ally
lembrava claramente daquele dia, assim que começou a chorar diante do
quarto perfeito para seu bebê, e quando se virou, para agradecer e se
declarar para o homem que amava, ele estava de joelhos, com um uma
caixinha de veludo aberta em mãos. Um solitário emoldurava a aliança,
com uma pedra na cor amarela, que a deixou praticamente sem ar. Ela
dissera sim, e o daria a mesma resposta em outras dezenas de vida.
Entretanto, eles demoraram a conseguir encontrar a data perfeita.
Ally não queria se casar ainda grávida, até porque, ambos concordaram que
queriam que seu pinguinho levasse as alianças. Então, fora um acordo de
tempo, até que ambos se estabilizassem na nova vida e se acostumassem a
estar em outro país. No dia a dia, eles foram aprendendo o que de fato era o
casamento, mesmo sem os papéis assinados. Porém, a vontade de eternizar
aquele momento de união, os fizera optar pela cerimônia no jardim de casa.
Simples e aconchegante – da forma como construíram sua família.
Ally olhava para Prim, e sempre se lembrava de como queria compartilhar
aqueles momentos com Hill. Até por aquilo, deram-lhe seu nome. Todos ao
redor sabiam a respeito da forma como seria ainda mais completo se Hill
estivesse ali, porém, apenas Ally e Perrie realmente entendiam – ela estava.
Ally suspirou profundamente e sorriu para Condessa. Levou a mão até o
pingente em seu colar, que faria parte daquele momento. Ela sabia que Hill
e seu pai estavam ali, sentia a presença de ambos em seu coração. Portanto,
sentia-se completa.
— Ele já desceu? — Ally indagou e Condessa assentiu.
— Acho que deve estar quase arrancando a camisa branca. —
ambas sorriram, pois sabiam o quanto aquele homem era ansioso. — Logo
mais, sua mãe vai subir para buscá-la. E você, mocinha, vem comigo! —
Condessa olhou para a neta com carinho. — Precisamos te aprontar para
levar as alianças.
— Isso! — Prim comemorou, e puxou a saia da mãe, claramente,
pedindo seu beijo habitual de despedida. Ally se abaixou como pode e deu
um beijo na testa da filha, que sorriu. — Eu te amo daqui até a lua.
Ally deixou que uma lágrima descesse e tocou o rosto jovem, que
era seu maior presente.
— E a volta. — a filha sorriu e logo fora deixada sozinha.
Ela sabia que aqueles momentos com Prim eram eternos. Assim
como, a ensinara sempre, a demonstrar seus sentimentos. Abriu seu
pingente e encarou a foto dela, Hill, seu pai e sua mãe do lado esquerdo do
coração prata, e no outro, a foto no carro de Ian, que tiraram anos atrás,
quando finalmente, tudo parecia se ajeitar – ela, Ian e seu pinguinho ainda
na barriga. Sorriu, sabendo que chegara o momento, de serem eternizados
mais uma vez. Ela e o homem que amava.
Ian suava frio.
Esperar por Ally nunca pareceu tão árduo como naquele momento.
Ele estava imerso em lembranças e momentos. Olhou ao redor, as pessoas
que lhes eram importantes estavam ali. Sorriu em direção a algumas, que se
tornaram grandes amigas ao longo dos anos. Ele e Ally construíram uma
família e principalmente, uma nova vida naquela cidade. Na casa que um
dia pareceu apenas um sonho adolescente, mas que se tornara, todo seu
universo. O universo deles.
Pensava em como sua mulher era incrível e a cada dia, via-se mais
perdido de amor. Ally lhe conquistara de tantas maneiras, que nunca mais
conseguiu imaginar como poderia ficar longe dela. Não poderia, simples
assim. Ela era forte, e sempre lhe mostrara o lado bom da vida. Ela
conquistava todos ao seu redor, como se fosse um imã. Daquela forma,
cresceram juntos. Ele investira um bom dinheiro, em um café no centro da
pequena cidade. Ambos, reergueram o lugar que fora fechado devido a
mudança do antigo dono. Ian era o administrador, e Ally, a mulher que fazia
tudo acontecer. O negócio fora um sucesso, e sempre que ele parava para
pensar, entendia que era aquilo que passaria para sua filha. Diferente do que
os pais lhe deram de bagagem, ele mostraria a Prim que era possível ter
algo construído com verdade, e principalmente, união e dedicação.
Uma música soou no ambiente, e ele paralisou, ficando sem saber o
que fazer ali, a frente de todos. Engoliu em seco, sendo embalado pelo
momento. De repente, ficara difícil respirar. Os seus olhos, permaneceram
presos ao fim do caminho de pétalas, onde ela entraria. Ele soube, assim
que Ally apareceu, de braços dados com Perrie, que nunca se arrependeria
de ter lhe dado seu coração, quando ainda sequer entendiam o que era amor.
O amor deles era único.
Ally desistiu de se segurar, no instante em que encarou o homem
que amava, a cerca de vinte passos contados pela cerimonialista. Lágrimas
desciam pelo rosto de Ian, e ela não pode mais fugir, sorriu abertamente,
enquanto que simplesmente acontecesse. A música era perfeita, e
finalmente, sentia-se leve por poder ir até o seu amor, com aquela canção
que sempre lhe embalou quando estavam longe – november rain.
Um passo, e faltavam apena dezenove para se entregar mais uma
vez.
Contar passos nunca fora tão gratificante para ela. Um dia foi a
forma menos dolorosa de estar longe dele. Naquele, era a felicidade de
saber que em passos contados, se pertenceriam. Para sempre.

Não há regras para amar. Portanto, o primeiro amor também pode


ser o único. Assim como, ensinar que dentre os momentos diversos, da dor
a felicidade, esse mesmo amor pode voltar e te salvar. E o que parecia o
fim, e até mesmo, apenas o começo do fim, se torna, o recomeço de uma
linda história. Uma história de amor única.
importante
Devem completar mais de dois anos desde que essa ideia explodiu
em minha mente. Hoje, coloco um ponto final em Ally e Ian, com sensação
de dever cumprido. No entanto, a história de um amor como esses, sinto
que apenas continuou. Sou grata a você que leu até aqui, e que tenha se
apaixonado, o tanto quanto, se emocionado. Ian e Ally foram além de uma
história de amor, quis trazer algo real. Perdas e Ganhos. Amor e Ódio.
Pecado e Perdão.
Não se esqueça de avaliar o livro, para que possa saber o que
pensou, sentiu e o que Ally e Ian estão passando para cada um. Isso
ajuda com que outros leitores também conheçam a história.
Claro, que existiram casais secundários nessa história, e caso se
interessem em entender mais sobre eles, não esqueçam de me contar. Ideias
para essas histórias borbulham em minha mente. Travis e Claire pode ser
um ponto alto de dúvidas, mas apenas eles, podem sanar o que houve. Além
de outros personagens complexos, como Condessa e Charles, e até mesmo,
Perrie e George. No meio do caminho até mesmo, um amor para Noah me
veio em mente. Então, caso se interessem em ler algo sobre algum desses
casais, me contem na avaliação, ou até mesmo, nas redes sociais.
E caso queira conhecer algum outro romance meu, eles estão todos
disponíveis aqui: ebooks.

E a você, leitor, que me deu essa oportunidade, meu muito obrigada.


Espero que até a próxima!
contatos da autora
E-mail - Site - Spotify
Wattpad: @AlinePadua
Instagram: @alineapadua
Facebook: Autora Aline Pádua
Meus outros livros: aqui.
Até a próxima!
[1]
“Eu sempre lembrarei
O dia que você beijou meus lábios
Leve como uma pena
E foi assim
Não, nunca foi melhor?”
2002 – Anne-Marie
[2]
“Lembro da volta para casa
Quando a fé cega
Se transformou em choro e gritos de "por que?”
Ronan – Taylor Swift
[3]
“E se eu realmente pensei
que algum milagre poderia nos ajudar?
E se o milagre foi pelo menos ter
um momento com você?.”
Ronan – Taylor Swift
[4]
“Apenas feche seus olhos
O sol está se pondo
Você ficará bem
Ninguém pode machucá-lo agora.”
Safe & Sound – Taylor Swift feat. The Civil Wars
[5]
“Se eu te mostrasse meus defeitos
Se não pudesse ser forte
Diga me honestamente
Você ainda me amaria do mesmo jeito?.”
Locked Away – R. City feat. Adam Levine
[6]
Trecho da canção brasileira intitulada Me Espera, Sandy part. Tiago Iorc.
[7]
“Eu não posso te dizer o que realmente é
Eu só posso dizer qual é a sensação
E agora é uma faca de aço no meu tubo
Não posso respirar, mas lutarei enquanto puder lutar?”
Love The Way You Lie – Eminem feat. Rihanna
[8]
“E se eu estiver de pé em seu armário tentando falar com você?
E se eu guardei as roupas usadas que você não vai mais precisar?
E se eu realmente pensei que algum milagre poderia nos ajudar?
E se o milagre foi pelo menos ter um momento com você?
Venha comigo, querido
Vamos voar para longe daqui”
Ronan – Taylor Swift
[9]
“Você não sabe que não sou boa pra você?
Eu aprendi a perder você, não posso me dar o luxo de
Rasgar minha blusa para estancar seu sangramento
Mas nada te impede de ir embora.”
When The Party’s Over – Billie Eilish
[10]
“O mundo desacelera
Mas meu coração bate rápido agora
Eu sei que esta é a parte
Em que o fim começa”
I Hate This Part – The Pussycat Dolls
[11]
“Talvez devêssemos apenas tentar
Contar uma boa mentira pra nós mesmos
Eu não queria fazer você chorar, eu.”
i love u – Billie Eilish
[12]
“Nós nos achamos
Eu te ajudei a sair de um lugar destruído
Você me deu conforto
Mas me apaixonar por você foi meu erro.”
Call Out My Name – The Weeknd
[13]
“Você ainda se parece com um filme
Você ainda soa como uma canção
Meu Deus, isso me lembra
De quando nós éramos jovens”
When We Were Young – Adele
[14]
“Deixe-me te fotografar nessa luz
No caso dessa ser a última vez
Que possamos ser exatamente do jeito que éramos
Antes de percebemos
Nós estávamos tristes por envelhecer
Isso nos deixou paranoicos
Era exatamente como um filme
Era exatamente como uma canção”
When We Were Young – Adele
[15]
“Nós precisamos conversar, você deveria sentar, eu não quero começar uma briga
Mas no minuto em que você chega aos meus lábios, eu posso sentir minha língua amarrada
E meus olhos começam a chorar, mas eu não posso te parar quando você mente”
Mad At You – Noah Cyrus feat. Gallant
[16]
“Desisti de você umas 21 vezes
Senti aqueles lábios me contarem 21 mentiras
Você vai ser a minha morte
Sábio conselho
Amar você poderia fazer Jesus chorar”
Make Me (Cry) – Noah Cyrus feat. The Labrinth
[17]
“Oh, você não vai vir
E arrombar a porta, e me levar embora?
Oh! Sem mais erros
Porque nos seus olhos eu gostaria de ficar
Ficar”
Thinking Of You – Katy Perry
[18]
“Você agarrou meu corpo como se você o quisesse para sempre
Que mentira, que mentira, que mentira
Para você e eu
Que mentira, que mentira”
What A Time – Julia Michaels feat. Niall Horan
[19]
“Lá vai o meu coração batendo
Porque você é o motivo
De eu perder o meu sono
Por favor, volte agora”
You Are The Reason – Calum Scott

[20]
“Eu te dei espaço para que você pudesse respirarsus
Eu me afastei para que você pudesse ser livre
E espero que você encontre a peça que falta
Para trazer você de volta para mim”
Don’t You Remember – Adele
[21]
“Quando você vai embora
Eu conto os passos que você dá
Você percebe o quanto eu preciso de você agora?”
When You're Gone – Avril Lavigne
[22]
“Raiva, amor, confusão
Não me levaram a nada
Eu sei que existe um lugar melhor
Por que você sempre me leva lá”
Take Me Home – Jess Glynne
[23]
“Porque quando você me desdobra e diz que me ama
E olha nos meus olhos
Você é a perfeição, minha única direção
É fogo em chamas”
Fire On Fire – Sam Smith
[24]
“Não sei porque estou assustada
Pois já estive aqui antes
Cada sentimento, cada palavra
Já imaginei tudo”
One And Only – Adele
[25]
“Eu sei que se dermos tempo ao tempo
Isso só vai nos aproximar do amor que queremos encontrar
Nunca foi tão real
Não, nunca me senti tão bem”
Just A Kiss – Lady Antebellum
[26]
“ Juro de coração
Ao meu amado, eu nunca mentiria
Ele disse: Seja verdadeira — eu jurei: Vou tentar
No final, é ele e eu”
Him & I – G-Eazy feat. Halsey

[27]
“ Minha mãe diz que sou muito romântico
Ela disse: "Você está dançando nos filmes"
Comecei a acreditar nela?
Fire On Fire – Sam Smith
[28]
“Você tem o rosto para caber o quadro
Eu não posso olhar para longe
Como você não pode ver que estou hipnotizada?
Picture Perfect – Charity Vance
Table of Contents
sumário
nota da autora
sinopse
playlist
prefácio
parte 1
prólogo
um
dois
três
quatro
cinco
seis
sete
oito
nove
dez
onze
parte 2
doze
treze
quatorze
quinze
dezesseis
dezessete
dezoito
dezenove
vinte
vinte e um
vinte e dois
vinte e três
epílogo: único amor
importante
contatos da autora

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