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Copyright © 2021 – BIBI SANTOS

Capa: Thais Oliveira


Revisão: Lidiane Mastello
Diagramação: Denilia Carneiro

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

__________________________________
NOSSAS MENTIRAS

1ª Edição
__________________________________

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de


qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios ─ tangível ou
intangível ─ sem o consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº.


9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Wenceslau Guimarães - BA
Bibi Santos
2021
SUMÁRIO
SINOPSE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 52
CAPÍTULO 53
CAPÍTULO 54
CAPÍTULO 55
CAPÍTULO 56
CAPÍTULO 57
CAPÍTULO 58
CAPÍTULO 59
CAPÍTULO 60
CAPÍTULO 61
CAPÍTULO 62
CAPÍTULO 63
CAPÍTULO 64
CAPÍTULO 65
EPÍLOGO
Contém cenas de sexo, violência física e psicológica.

Não é uma leitura recomendada para leitores sensíveis

e menores de 18 anos.

Pode acionar gatilhos emocionais.


Júlio Barros era um jovem policial com a vida organizada, uma
família maravilhosa, e apaixonado pela sua namorada de infância.

Mas tudo isso muda, no dia em que encontra Isadora Campos,


mulher do Deputado Carlos Campos, um homem visto como
salvador do povo, com índole impecável. Ele se vê envolvido numa

paixão proibida e em um jogo perigoso.

Depois de uma mentira contada por sua namorada de infância,


seu castelo desabou e ele precisava fazer escolhas, que mudaria a

vida de muitas pessoas, inclusive a sua.

Isadora Rezende Campos precisou fazer escolhas para salvar

seu pai e principalmente sua irmã mais nova, um casamento

violento, um homem sem escrúpulos, vestido de bom moço, a vida


dela estava marcada para sempre.
Marina Rezende viu seu pai perder tudo para o jogo, sua mãe

cometer suicídio e sua irmã ser vendida para o Deputado Carlos


Campos para salvar a vida de todos. Em uma noite fatídica e de

tempestades climáticas e emocionais, sua vida tem uma reviravolta,

precisava se esconder em uma nova identidade.

Mas ela prometia vingança, e a hora havia chegado, Marina

estava de volta, mais velha e decidida!

Júlio Barros hoje fazia parte de uma Organização misteriosa,

tentava esquecer o passado, afundar suas mágoas, vivia sobre uma

máscara de felicidade, mas sua alma era quebrada e depois de


descobrir a verdade sobre Isadora, buscava vingança!

O difícil ia ser convencer Marina que ele podia ser um bom


aliado em sua vingança e não o inimigo!

Duas almas quebradas por perdas e escolhas errôneas;

Um jogo eletrizante;

Uma busca por culpados e a verdade;

No meio da atração abrasadora de duas pessoas que não

deveriam se amar, porém, não conseguiam combater o desejo que

sentiam.
Vocês pediram e a autora atendeu, o misterioso Júlio Barros
vai contar sua história!
Esse livro faz parte da série Segredos e mentiras,

composta até o momento por cinco livros com


personagens distintos.

1- Páginas da vida / Arthur e Iris


2- Arion/ Entre segredos e mentiras / Arion e
Fernanda

3- Davi / Davi e Hellen


4- Ceo: Entre o amor e o poder / Henry e Raquel
5- Nossas Mentiras / Júlio e Marina
DEDICO ESSE LIVRO A VALQUIRIA MACHADO E STEFANY

CARVALHO, MELHORES BETAS.


Uma mulher decidida e focada em um
objetivo é uma força que não há como parar.
DEZ ANOS ANTES

JÚLIO

Mais um dia como outro qualquer, quando pensei em entrar

para polícia não imaginei como seria pesado em alguns momentos.

Tinha dias que eram duros como hoje.

Parei o carro e olhei a fita de isolamento ao redor, o grito de

dor e o cheiro forte de sangue, o meu celular começou a tocar e


ignorei, deveria ser a Drica, as coisas entre a gente não iam bem.
Eu realmente gostava dela, mas o seus ciúmes da minha

profissão estava distanciando a gente, sou novo na polícia e


precisava dar o meu melhor. E, infelizmente ela não conseguia

entender que não tinha mais tanto tempo como antes.

Atravessei as cordas de isolamento e fui recebido por meu

colega Euclides.

— E aí? — cumprimentei.

— Acidente grave, tem três crianças mortas e o pai ferido —

explicou acendendo o cigarro. — A mãe ficou muito ferida, pelo jeito


ele provocou o acidente, queria matar a todos para não terminar o

casamento.

— Desgraçado!

— Tomara que sobreviva para sofrer um pouco na cadeia. —

Bateu no meu ombro e seguimos para onde a ambulância socorria

os corpos. — A cena é feia.

Realmente a cena era feia, o carro ficou destruído e os gritos

da mulher ferida cortavam o coração.

Os meus pelos da nuca se arrepiaram em ver a cena, homens

assim nem deveriam pisar nesta terra, desgraçados, miseráveis e


covardes. Queria que sobrevivesse que eu mesmo daria uma sova
neste filho dos infernos.

Não aceitava esse tipo de possessividade, no dia que a Drica

disser que não me ama mais e for embora, vou respeitar isso.

Euclides jogou o cigarro no chão apagando com a sola da bota

em seguida.

— Odeio dias assim! — reclamou. — Vamos falar com a

médica.

Médica?

A avenida se encontrava interditada, o desgraçado jogou o


carro com sua família embaixo de uma carreta.

— Doutora Isadora Campos? — chamou como se a

conhecesse e uma mulher morena de cabelos negros iguais à noite

e olhos verdes intensos, se virou para nós.

Era linda, apesar de parecer cansada, suja de sangue, mas


linda como nunca havia visto outra antes em minha vida.

— Olá, Euclides. — Então eles se conheciam pela intimidade

do cumprimento. — O que posso ajudar?

— Esse é meu companheiro Júlio. — Ela me deu a mão e

percebi a aliança de casamento.


Era uma mulher comprometida.

— Tudo bem? — Ela assentiu e logo soltou minha mão sem

olhar em meus olhos. — Tem chances de sobrevivência?

— Só o pai pelo jeito, a mãe se encontra em um estado muito


grave, os bombeiros estão tentando retirar — comentou ainda sem
focar em meus olhos. — Tenho que ir, minha equipe vai estar

preparada no hospital para receber.

— Obrigada por ajudar doutora — agradeci tentando que ela


olhasse para mim.

— Não precisa, passava pelo local e acabei vendo o acidente


e não poderia deixar de tentar socorrer. — Dispensou meu

agradecimento — Preciso ir.

Deixou-nos e me senti vazio com sua ida. Senti-me estranho


com sua presença.

— Tira o olho jovem, a mulher é casada e o marido acaba


contigo — Euclides brincou batendo em minhas costas. — Sabe

quem é o marido dela? — Fiz que não com a cabeça, ainda estava
concentrado nela, que entrou em um belíssimo carro e deu partida.

— Deputado Carlos Campos, o homem é o demônio.


Sabia quem era o Carlos Campos pelas empresas que tinha

na região e sua vida política, tido como um homem distinto, limpo e


que lutava pelas minorias, o que para mim era pura balela. Ele era

uma marca para conseguir enganar e se eleger.

— Vamos, temos que trabalhar — chamei o Euclides mudando


de assunto.

Não queria criar ideias na cabeça dele, o meu colega era muito
fofoqueiro e gostava de resenhas entre a turma do trabalho. Às

vezes confiava pouco nele, mas como o cara estava há anos na


corporação tinha muito a me ensinar.

— Você dirige. — Jogou as chaves para mim sorrindo e


pegando mais um cigarro para acender.

— Fumando você não entra no carro — reclamei, detestava

fumantes.

— Inferno! Sou mais velho que você por aqui, me respeita


moleque! — Não me importei.

— Fumando no carro você não entra, e sou maior que você.

Com um grunhido ele guardou o cigarro e entrou no carro


batendo a porta.
— Meus pulmões agradecem — resmunguei indo para o lado
do motorista.

ISADORA

Já passava da meia-noite quando cheguei em casa, o dia foi

muito cansativo e isso podia parecer doente, mas eu preferia que


fosse assim, deste jeito não tinha tempo nenhum para pensar na

vida, ocupava minha cabeça, o hospital era minha válvula de


escape.

O vento frio arrepiou os pelos do meu corpo assim que o


portão da minha casa se abriu, odiava aquele lugar, e tudo que ali

representava. Odiava ser mulher de um político, odiava toda


fachada da minha vida.

— Você demorou. — Sua voz fria chegou até mim.

— Houve um acidente...

— Tínhamos uma jantar com dois correligionários e precisei


inventar uma desculpa para sua ausência — me cortou calmamente
e o medo apertou minhas entranhas — Não sei por que você insiste
em brincar de médica, Isadora.

Afastou-se da janela onde se encontrava e caminhou pela


grande sala.

Fiquei parada esperando o que viria, não tinha para onde

correr, não tinha para onde ir, esse homem me comprou e não me
libertaria com facilidade.

Engoli o medo e tentei parecer calma, aprendi a duras penas

que lutar ou gritar o deixaria mais furioso.

— Sei que para mim é bom ter a boa samaritana esposa


médica, às pessoas gostam disto, posso abrir uma clínica para

você, se quiser — continuou com seu discurso: — Mas quero você

em casa sempre que eu precisar.

— Carlos...

— CALA A BOCA, SUA VOZ ME IRRITA ÀS VEZES. — Veio


até mim como uma cobra, segurou meu rosto com força. — Você

não é nada, encontrei você no lixo, com seus pais lixo, família lixo, o

que ganhei? Descaso, desinteresse, você nos destrói Isadora, uma


vergonha tudo que faz com essa família, com minha carreira em

busca deste ideal ridículo de salvar vidas.


Sua mão apertava com força minha mandíbula, uma lágrima

silenciosa desceu por meu rosto.

Sentia-me imunda, fraca, indesejada.

— Ainda não perdoei você tentar fugir de mim — me lembrou.

— Não gosto deste seu descaso com nosso casamento.

A vergonha me vestia como uma segunda pele.

Tentei me soltar, pois não aguentava mais a dor.

— NÃO SE MEXE SUA PUTA!

O soco em minha barriga veio em seguida, me dobrei, mais um

soco e eu caí no tapete a seus pés.

— Vê o que me faz fazer? Como me tira do sério? Olha o que

preciso fazer para você entender que tem responsabilidades neste


casamento. — A dor tomava meu corpo, dilacerava não só meu

corpo, como minha alma.

Puxou meus cabelos me arrastando até o sofá com suas mãos


fortes, ele nunca bateria em locais onde podiam deixar marcas

visíveis, todo o comportamento em Carlos era estudado.

Mas a culpa era minha, era fraca, deveria ter dito não ao meu

pai quando me vendeu para esse homem imundo, mas acreditei em


sonhos, acreditei que sairia da sarjeta e poderia ajudar minha irmã a

ter um futuro melhor.

Enganei-me por minha idiotice feminina. Tentei fugir uma vez e


fui capturada como um animal, engaiolada, humilhada, nua,

totalmente sem nenhuma dignidade. Não podia ser salva por

ninguém.

O Carlos era meu dono e senhor. Só podia desejar uma morte

rápida.

E mais um soco no estômago me fez cair sobre o sofá.

Fechei os olhos e orei para que a fúria dele passasse logo.

E que nunca olhasse para Marina, morreria mais ela teria uma

vida melhor.
ISADORA

Os meus pés pareciam ter asas, precisava correr antes que o

segurança do Carlos me descobrisse ali, e notasse que não estava


mais no hospital. Virei uma prisioneira de minhas escolhas.

Dois anos casada com o Carlos e descobri o pior pesadelo de

uma mulher. Na noite de núpcias apanhei, ele não conseguia ter

uma ereção e a culpa foi minha.

Meu pai pouco se importava com tudo que vinha acontecendo


comigo, fui vendida de forma cruel para pagar dívidas de um homem

que não gostava de trabalhar, mas amava a vida regada a coisas

boas.
Hoje pensava que tinha escolhas, mas a Marina não tinha

nenhuma escolha quando foi usada contra mim.

— Oi — comentei baixo e ela levantou o capuz que escondia

seu rosto.

Seu sorriso fazia tudo valer a pena, era linda, uma mulher de

26 anos, cheia de sonhos, conseguiu entrar na faculdade de

medicina e teve que parar depois que perdemos tudo, passou a


trabalhar, largando seu sonho e eu não poderia permitir isso e faria

tudo que fosse possível para que seu sorriso não fosse tirado como

foi o meu.

— Oi mana, saudades. — Me abraçou e me retraí com a dor

que ainda ardia dos socos do Carlos. — Ele te bateu de novo?

— Não, claro que não, só acabei batendo no armário hoje cedo

e me machuquei.

— Não mente pra mim Isadora, sei que ele te maltrata, você

não é mais a mulher feliz de antes. — Seus olhos se encheram de


lágrimas e eu fiquei com vergonha. — Vamos fugir, eu largo tudo e

vamos para bem longe — pediu em desespero.

— Não posso, tem sua faculdade, meu emprego e o papai —

lembrei a ela sem querer assustá-la, pois não tinha lugar para nos
esconder do Carlos, já tentei uma vez e foi horrível. — Estou bem,
tem visto o papai?

— Boa pergunta, tem uma semana que não vejo.

Meu pai veio de uma família rica, conservadora, mas

desenvolveu o vício por bebidas, mulheres e jogos, perdeu toda sua

herança, dignidade, esposa e vendeu a filha para quem pagou mais


caro.

Meu pai era um monstro sem sentimentos, temia por Marina.

— Não vá ao apartamento sozinha, não quero você visitando o

papai — pedi nervosa. — Promete Marina!

— Tudo bem esqueci alguns livros lá, fui buscar e não o achei

nenhuma vez que tentei pegar eles. — Me encarou ansiosa. — Juro

que não vou deixar fazer comigo o que ele fez com você.

— Eu fui porque quis — argumentei tocando seu rosto lindo,

era ingênua ainda e não entendia nada da vida, de homens como o

papai e como o Carlos.

— Só quero que se mantenha protegida. — Abracei seu corpo

magro. — Se alimente bem, e seja uma mulher maravilhosa,

lutadora, forte, uma médica das melhores.


— Eu prometo, Isa. — Apesar da dor no corpo apertei seu

corpo contra o meu, ela era tudo que tinha, muito importante para
mim. — Te amo.

— Também te amo minha pequena, você é meu maior tesouro.

Uma lágrima grossa cortou meu rosto e não consegui conter o


soluço.

— Foge comigo! — ela pediu já chorando junto.

— Não é tão fácil!

Despedir-me dela era sempre difícil, Marina foi a melhor coisa


que aconteceu para minha vida. Mamãe se matou quando soube

que estávamos pobres, que o papai tinha perdido tudo, e acabou


sobrando eu e ela para segurar as pontas.

Quase não tínhamos dinheiro para nada, foi meu emprego no

hospital que pagou algumas contas por meses, fiz turnão, trabalhei
como louca para não deixar minha irmã passar dificuldades.

Meu pai estava vendendo tudo para manter o vício, sem se


importar com mais nada.

E foi aí que conheci o charmoso Carlos Campos, Deputado e

muito rico, ele cortou o dedo e parou na clínica que eu atendia.


E virei sua nova obsessão, descobriu minhas dívidas, meu

endereço, meu pai e me perseguiu, chantageou e no fim me


comprou. Nosso casamento foi discreto, segundo ele não desejava

que a mídia soubesse sobre minha família.

Virei seu brinquedo e seu saco de pancadas, tinha planos para


nossa vida, para Marina e agora vivia um dia de cada vez.

Olhei o céu me sentindo cansada.

— Preciso ir. — Afastei-me dela.

— Quando vou poder te ver de novo? — perguntou nervosa


olhando para os lados. — Estou com saudades, tenho tantas coisas
para te contar, conheci alguém na faculdade.

— Marina, cuidado, não perca seu foco nos estudos, preciso

que faça isso.

Tinha medo de não conseguir salvá-la de algum cara estilo o


meu marido, não queria vê-la sofrendo.

— Não, prometo, estou estudando.

— Isso, homens não merecem seu tempo agora.

— Mas às vezes fico tão só.

Tinha coisas que eram tão difíceis.


— Eu sei, faça amigas, seja livre Marina, homens não é
remédio para solidão.

Ela abaixou a cabeça.

Meu celular apitou deixando claro que precisava voltar


depressa, estava atrasada e poderia ser descoberta.

— Realmente preciso ir.

Despedi-me dela com rapidez e corri pelas vielas do hospital


para não ser vista. Carlos não queria que eu tivesse contato com

minha família, deixou claro que acabaria com todos eles se


teimasse em descumprir suas ordens.

Entrei pelo lado da porta da cantina quase esbarrei em alguém


que pediu desculpas e reconheci a voz do outro dia. Levantei os

olhos para encontrar o policial do dia do acidente.

— Ah, desculpa — pedi passando por ele com rapidez.

O mesmo continuou me olhando, mas virei apressada,


precisava estar no estacionamento na hora marcada.

Já longe olhei por cima do ombro e ele continuava no mesmo


lugar de óculos escuros e pose altiva.

Era um homem intrigante.


Saí na porta para o estacionamento e os dois seguranças já
me aguardavam. O Carlos viajou a negócios, mas seus cães de
guarda não descolavam de mim.

Não disse nada quando entrei no carro e os dois pegaram a

estrada. Muitas pessoas me invejavam, achava que dei sorte por ter
um marido rico, filantrópico, uma casa maravilhosa, roupas caras,

nenhuma delas faziam ideia do horror que é minha vida.

Pensei encostando a cabeça no vidro do carro olhando dois


passarinhos voando livres do lado de fora.
UM MÊS DEPOIS

JÚLIO

Virou obsessão, não conseguia ficar longe da Isadora,

arrumava todas as desculpas possíveis para ficar perto dela, para

saber mais dela, para vê-la.

Em nenhum momento recebi um sorriso ou encorajamento,

parecia alheia a meu charme ou conversa e sempre se esquivava,


mas isso me deixava mais nervoso e interessado.
Era uma mulher triste, parecia totalmente infeliz, como uma

estrela que teve seu brilho roubado. Cheguei ao cúmulo de me


oferecer para fazer a segurança do Deputado para saber mais sobre

ela.

Era obsessão, só podia ser.

— Júlio? — Drica chamou e eu voltei ao momento, seus olhos

estavam em lágrimas e não entendi.

— O que foi? O que aconteceu? — Acabamos de fazer amor e

ela parecia arrasada.

— Quem é Isadora?

Senti o corpo esfriar e a vergonha dominar todas minhas


partículas, não fiz isso, droga, não fiz isso.

— Não sei do que você está falando. — Fiz o que mais

abomino mentir, mas como diria a verdade. — Ou qual a paranoia

desta vez?

Levantei da cama procurando minhas roupas, sabia que ela

tinha razão, mas não sabia como contar que não estava mais no

relacionamento, que estava obcecado por uma mulher que não

podia ser minha.


— Não se faça de louco, você me chamou pelo nome dela na
cama, isso é horrível!

— Delirou?

Inferno, eu fiz isso, droga.

— Você não está mais comigo, sinto a distância — gemeu


chorando e levantou ainda nua batendo no meu peito — Como pode

me trair assim?

Senti a culpa me dominar.

— Para de loucura Drica, deixa de maluquice!

Afastei já vestido com minha calça, peguei os restos das


coisas e a deixei chorando. Tinha que fazer algo, precisava tomar

posições, minha namorada não merecia nada daquilo, não tinha o

direito de magoá-la assim.

Mas não conseguia esquecer os olhos tristes da Isadora.

Inferno de vida!

Montei em minha moto e segui para o hospital, iria ver se ela

estava bem, só isso, menti para mim mesmo.

Percebi sua presença do lado de fora falando com alguém da

ambulância.
— Boa noite. — Com o som da minha voz ela se virou junto

com o rapaz que ouvia o que ela falava atentamente.

— Olá, policial. — Foi o que recebi de volta e isso me deixou

muito nervoso, estava vivendo de migalhas.

— Boa noite, policial Júlio — o rapaz disse com um pequeno


sorriso. — Bom que o senhor chegou, preciso de uma ajuda.

— Pode dizer. — Assenti sem tirar os olhos dela, que olhava

para todos os lados, menos para mim.

— Tenho um senhor que preciso levar para casa, mas estou


sem ajudante para pôr na ambulância.

— Ah sim, posso ajudar, será um prazer.

Isso me daria mais tempo com ela.

Busquei o senhor na cadeira de rodas sob a supervisão dela.

Coloquei o velhote na ambulância, junto com o enfermeiro e o

motorista da ambulância.

— Obrigada policial — agradeceu o rapaz ligando o veículo e


saindo do estacionamento do hospital.

— Como ele vai tirar o senhor em casa? — perguntei mais


para ter um assunto com ela.
— Ele vai de volta para o abrigo, tem pessoas lá para ajudar, o

senhor Manuel é conhecido por aqui — explicou sem sorrir. —


Obrigada pela ajuda, hoje à noite estamos com pouco pessoal.

Analisei seu semblante, e senti um forte sentimento por ela,

não sabia explicar o motivo que me levava sempre àquela mulher.

— Por que não olha em meus olhos? — indaguei e ela tremeu

com o tom da minha voz. — Sempre que me aproximo você se


afasta.

— Está sendo inconveniente, senhor Júlio. — Virou as costas

para sair, mas segurei em sua mão. — Por gentileza me solte.

— Não, até você me dizer o que fiz de errado?

— Cortejar uma mulher casada é errado aos meus olhos. —

Foi sua resposta e eu a soltei. — Se mantenha longe, não quero


que meu marido saiba de sua perseguição, não preciso disso e nem

o senhor também.

Virou o corpo e andou para dentro do hospital com passadas

ligeiras e corpo tenso.

Inferno, inferno, fiz merda.

Fiquei analisando seu perfil, até dobrar o corredor, já distante.


Era loucura, eu sabia que era, mas aqui estava eu, para fazer
a segurança do Deputado Carlos Campos em um evento. Ele

sempre solicitava policiais, e pagava bem por fora. Não era


permitido e eu não gostava de fazer isso, mas, no momento, queria

muito saber mais sobre eles.

Drica me ligou e mais uma vez rejeitei a ligação.

Sentia-me uma canalha.

— Esqueci minha agenda em casa — o Deputado falou. —

Mande alguém buscar.

O primeiro homem dele virou para nós e antes que escolhesse


outro levantei a mão.

— Posso fazer isso. — Ele assentiu e eu segui para casa dele.

O fato da Isadora não estar no evento me incomodou, fui ali


para vê-la e saber mais sobre eles. A chance de ir à casa deles era

muito boa, assim poderia descobrir por que ela não foi.

A casa era enorme e bonita, um palácio, cheio de seguranças,

me identifiquei a um deles que me encaminhou para dentro da casa.


— Vou buscar um café enquanto você pega agenda — falou e
seguiu para cozinha. — O escritório é lá no fim do corredor.

Achei-o displicente, mas não me importei segui para o local e


tomei um susto ao ir de encontro a um corpo que saía de outra sala.

— Ahh! — a pessoa gemeu.

— Desculpa, eu...

E ela levantou o rosto e foi como um soco no meu estômago.

Um lado dele estava totalmente vermelho, e tinha em sua mão

um hematoma roxo, me reconhecendo, ela se encolheu virando o


rosto para o outro lado.

— Isadora, oh Isadora. — Levantei a mão para tocá-la, mas


ela se encolheu. — Vou matá-lo.

— Por favor, vá embora, finja que não me viu, que não falou

comigo — pediu. — Vá embora, depressa!

— Preciso pegar a agenda daquele monstro.

— No sofá, ele deixou no sofá, por favor, Júlio, não diga nada

a ninguém.

Sua voz era de medo e olhava para todos os lados.


— Fica calma, fica calma — pedi tocando seu rosto. — Mas

precisa arrumar um jeito de falar comigo.

— Eu prometo, mas vá embora.

— Aqui, pegue meu telefone. — Dei meu cartão e ela

escondeu nas dobras da roupa.

— Eu te procuro ainda essa semana, mas vá embora se


deseja o meu bem. — Lágrimas caíram dos seus olhos, partindo

meu coração.

— Tudo bem.

Não sabia como consegui terminar aquele dia, a vontade de

dar um tiro na cabeça do Deputado era enorme, a ânsia de matá-lo


vinha como uma raiz negra e nebulosa no meio peito.

O rosto ferido da Isadora, me assombrava e nem fazia ideia do

que o destino tinha para nós dois. E como a crueldade daquele


homem acabaria com tudo.
ISADORA

Meu corpo ainda tinha os sinais da surra que levei há dois

dias, as pernas onde tomei mais cintadas ainda estavam roxas, por
isso a calça comprida, o rosto ainda conseguia esconder com
maquiagem.

Isso ele nunca me deixava sem, fazia questão dos melhores

produtos para poder esconder o monstro que ele era, e continuar


minando minhas forças.

— Vai sair? — perguntou sem levantar os olhos do jornal.

— Tenho um chá com as mulheres do grupo de apoio às

crianças da África — menti.


— Sim, seria um bom marketing para campanha, vou jantar às

dezenove, pois amanhã viajo para Brasília, e quero você em casa


nesse horário — disse com a voz alegre, o que me causou arrepios.

— O segurança vai dirigir para você.

— Não precisa.

— Faço questão! — Tornou a repetir perdendo o bom humor.

O que faria agora? Precisava sair sem os seguranças.

— Então tudo bem — falei com a voz baixa.

Antes que pudesse dizer algo, o seu telefone tocou e ele

levantou para pegar, atendendo à chamada.

Ficou nervoso assim que alguém falou do outro lado da linha.

— Pedi para você resolver isso, não pedi? — falou tenso. —

Se descobrirem vão acabar conosco.

Fiquei parada ouvindo, isso poderia servir para algo.

— Não, escondi os papéis, estão seguros no cofre do banco.

— Ele se deu conta da minha presença. — SAIA, VAI LOGO AO

SEU CHÁ!

Deixou a sala e seguiu para o escritório.


Corri para fora e entrei no carro, tinha pressa, mas a conversa
dele me levantou uma ideia, precisava descobrir que papéis eram

esses.

Marina já me aguardava no restaurante bem discreto que

escolhi, ela estava há dias aflita por esse encontro.

Mandou várias mensagens preocupadas, não tinha como ir até


ela sem o meu marido desconfiar.

— Isa, o que aconteceu que sumiu? — Foi logo dizendo assim

que me avistou.

Baixei o olhar para não chamar atenção.

Apontei com a cabeça para o banheiro.

E ela me seguiu até lá.

Assim que trancamos a porta, a acolhi em meus braços, sentia

saudades dela demais.

E não contive minhas lágrimas. O cansaço, a dor, a sensação

de ter errado me consumia.

Me perdi no processo, era um nada, uma mentira, um

fantoche.
— Ele bateu em você de novo, Isa, vou a polícia , vou acabar

com esse monstro.

— Não tenho como fugir, irmã.

Sentei no vaso e pus a cabeça entre as pernas.

— Temos e vamos, chega de você passar por isso, vamos

sumir no mundo — ela disse destemida, admirava isso na Marina.


— Hoje mesmo deixamos essa cidade maldita.

Como explicar a ela que não tínhamos saída.

— Você pode me achar fraca, sei que sou.

— Não! Você não é! — Ela ajoelhou à minha frente. — Você é


a mais forte de nós duas, sempre foi, aguentava tudo calada,

sustentou praticamente nós duas, eu sempre fui um estorvo na sua


vida.

— Não irmã, você que me mantém em pé. — Toquei seu rosto.


— Uma vez fugi, não pensei direito, aluguei um carro, e comprei

documentos falsos. — Tirei da bolsa e mostrei. — Mas ele me achou


e trouxe de volta, e posso dizer que foram dez dias de torturas

psicológicas, fiquei com fome e nua numa jaula.

Marina sentou no chão e gritou chorando em desespero.

— Não tenho saída, não tenho!


— Vou dar um jeito, preciso fazer algo.

Ela levantou e me trouxe para seus braços.

— Eu te amo, e vamos sair dessa.

— Hoje ouvi algo sobre uns documentos que estão no cofre e


pode comprometê-lo, então preciso descobrir, se achar esses

documentos, pode ser nossa saída deste inferno.

Senti-me animada com essa nova fagulha e esperança.

— Eu posso ajudar, diga o que precisa? — Marina pediu


animada.

— Nada, você não vai fazer nada, deixa tudo comigo. — Não
iria colocá-la em risco. — Agora preciso ir.

Alguém bateu à porta do banheiro, minha irmã entrou em uma

cabine e eu abri a porta sorrindo para a última pessoa que pensei


que estaria ali.

— O que faz aqui? — indaguei ao Júlio.

— Precisamos conversar — ele falou frio, sem desviar o olhar.

Tinha algo nele que me atraía, mas não levaria mais ninguém
para o inferno comigo.
Senti seu olhar desviar para trás das minhas costas e sabia
quem ele via.

— Quem é ela?

— Quem é ele?

As perguntas vieram ao mesmo tempo e fiquei desnorteada


com mais esse problema.

— Marina, esse é o Júlio, um amigo. — Ela nada disse. —


Pode ir, preciso falar com ele.

Uma senhora apareceu pedindo para entrar no banheiro e me

afastei junto com a Marina que não arredou o pé de perto de mim, e


seu olhar não desviava para o Júlio que parecia desconcertado com
a situação.

— Mary, estou bem — disse com voz calma para ela. — Você

precisa ir.

Ela suspendeu o capuz e saiu andando com calma.

— Sua irmã? — indagou e eu não respondi.

— Encontro você no meu consultório do hospital em dez

minutos.
Passei por ele e segui para fora do local. Tinha que resolver
logo isso, antes que o meu marido descobrisse.

Avisei que precisava receber um paciente e que logo ele

chegaria, ninguém comentou o fato que não era meu dia de plantão.
O sigilo em nossa profissão era essencial.

Aguardei com as mãos trêmulas, sentia desejo por aquele


rapaz que com certeza era um homem livre e feliz.

A porta abriu e ele entrou tomando o ambiente com toda sua


presença.

— Preciso que me conte tudo, Isadora — exigiu como se

tivesse direito a isso.

— Não devo nada a você, só o trouxe aqui para deixar claro

que pare de me perseguir — pedi nervosa e torcendo os dedos. —


Só pare!

Ele se aproximou mais e tocou meu rosto onde estava

machucado.

— Eu não consigo — disse com voz falha e apaixonada, me

fazendo desejar ser outra pessoa. — Só penso em você, todos os


dias.

— Não pode, não deve — gemi.

E sua cabeça desceu sobre minha boca, chupando meus


lábios, e me fazendo desejar coisas impossíveis.

— Eu quero você...

— Não, não podemos! — O empurrei. — Fica longe de mim,

por favor, fica longe de mim.

— Não pode me pedir isso.

— Posso, e devo, sou casada, respeite isso!

Virei para mesa tentando acalmar minha respiração.

— Posso ajudar a sair deste relacionamento, ele não é


saudável...

— Pare Júlio, você não sabe de nada sobre minha vida, só

peço que se mantenha afastado de mim.

Abri a porta e mostrei a saída.

— Não vou desistir — disse se encaminhando para ela.

— Você vai se arrepender de não ter me ouvido.

Fechei a porta e sentei na cadeira com a mão no rosto em

desespero por mais esse problema.


MARINA

Sabia que estava sendo seguida.

Senti isso, assim que saí do dormitório que vivia.

Morar com adolescentes cheias de hormônios não era meu

ideal de vida, nem foi isso que imaginei para mim. Já deveria ter

terminado o curso, mas a vida tinha planos para nós e perdi essa
chance.

Mas faria tudo que pudesse para terminar esse curso, mesmo
tendo que tolerar meninas idiotas e garotos imbecis na flor da

adolescência e se achando os melhores do mundo.


Eles não entendiam nada da vida, que a qualquer momento

tudo poderia virar pó, e sumir ao vento.

Quem seria o imbecil que achava que podia me pregar uma

peça dessa vez? Aguentava tudo isso pela Isadora. Ela merecia que
eu desse meu melhor.

— Ei!

Meu braço foi segurado assim que virei à esquina da

lanchonete onde fazia um bico para ajudar nas contas e não deixar

tudo para Isa.

Gritei de susto e comecei a socar a criatura.

— Calma.

Soltei-me respirando fundo e virei para o meu algoz, reconheci

o cara que estava no banheiro no outro dia e minha irmã disse que

era amigo. O que eu duvido, policiais não eram amigos de ninguém.

Fiz minhas pesquisas e descobri quem era ele, não deixaria mais
ninguém magoar a Isadora. Daria um jeito de livrá-la do marido,

estava trabalhando nisso.

— Ficou maluco? — reclamei me afastando.

— Preciso falar com você — disse bruscamente, o típico cara

que acha que manda em alguém. — Vou te pagar um café.


Era um homem bonito, grande, forte, com cara de quem não
brincava em serviço, diria que era até sexy. Mas sabia o que

homens assim podiam fazer com mulheres como eu, preferia manter

distância.

— Não obrigada. — Virei às costas para partir.

— Não dei opção — falou com a voz nebulosa.

— Vai me prender? Não fiz nada, então fica longe de mim —

debochei, mas já ficando com medo da insistência dele.

— Marrentinha você, hein? É sobre a sua irmã.

Isso me chamou atenção e voltei para perto dele, que estava


de braços cruzados, braços fortes cobertos por uma camiseta preta

justa neles.

— Tem um café aqui perto. — Dito isso se virou caminhando.

Tive que correr para acompanhá-lo.

O local era próximo ao prédio da faculdade, conhecido por ali,


também pelo barulho e o péssimo café.

Sentou em uma mesa distante, fazendo cara feia para todos

ao redor.

— O que uma mulher faz morando numa república?


Sua voz trazia descrença, e senti vergonha por seu comentário

depreciativo, mas não me deixei atingir, não tinha mais sentimentos


dentro de mim para isso.

Tudo morreu quando papai nos colocou na miséria e vendeu a


Isa para aquele filho de uma mãe ricaço. Odeio meu pai, sabia que

era pecado, mas desejava todos os dias que seu corpo fosse
encontrado numa vala, que fosse torturado por ser um doente

inescrupuloso.

Achar minha mãe morta por não suportar ser pobre, em nada
me ajudou. Enfim, chorar não fazia parte de mim mais, agora era
aceitar e vencer as batalhas.

— Creio que minha vida de princesa não seja da sua conta —

debochei. — O que deseja comigo?

— Quero ajudar a sua irmã.

Será que poderia confiar nele? Tirei a mochila das costas

pondo no banco do lado. E virei para olhar eu seus olhos.

— Por quê? — indaguei sincera.

— Gosto dela e acho que não deveria passar por isso.

Senti os sentimentos dele por Isa, e isso me deixou triste, mas


não era para ter esse sentimento, se fosse para salvar ela faria o
que fosse preciso.

— Diga como posso confiar em você?

Ele abriu um sorriso pela primeira vez, mostrando seus dentes

bonitos.

— Você é difícil, hein?

Dei de ombros sem me importar e, também sem me importar

com o frio que seu sorriso me deu na barriga.


JÚLIO

A irmã da Isadora era uma figura pequena e marrenta, bem

estranha. Descobri pouca coisa sobre elas, só que tinham muita


grana e o pai perdeu tudo.

Isadora segurou as pontas até casar com o Deputado, a

Marina voltou para faculdade para concluir, depois de ter

abandonado por um tempo.

Ela parecia uma mulher sensata, e tinha a irmã como seu anjo
da guarda, acreditava que a Marina faria tudo por ela. Respirei

fundo deitado na cama olhando o teto. Duas mulheres totalmente

diferentes, porém unidas.


Parecia até meus irmãos e eu. Amava minha família, era tudo

para mim.

Alguém bateu à porta, levantei para abrir e dei de cara com a

Drica. Havia semanas que não falava com ela. Estava a evitando de
propósito e isso fazia de mim um babaca.

— Por que não atende minhas ligações? — Passou por mim

antes que pudesse dizer algo.

— Estava com muito serviço — menti, uma prática que estava

bem comum para mim ultimamente.

— Ainda é mentiroso. — Riu sem humor. — Você pediu folga

por uns dias, o que está acontecendo Júlio? Está com essa Isadora,

é isso?

Jogou a bolsa na cama e me encarou trêmula de raiva. Bateu-

me uma dor no peito, inferno, o que estava fazendo? A Drica não

merecia tudo isso.

Sempre foi uma mulher incrível comigo, cheia de planos,

pensávamos em casar, assim que me estabelecesse na polícia.

Estava errado, muito errado, porque já não a amava há muito

tempo, já não a via como sendo a pessoa certa há anos. Vinha

protelando tudo isso por conveniência, era bom ter alguém quando
se voltava para casa cansado, era bom ter uma mulher quente na
cama quando necessitava, comida boa, carinho.

Mas era muito babaca da minha parte fazer isso com ela.

— FALA JÚLIO? — pediu berrando.

— Na realidade, Drica, não quero magoar você. — Tentei tocá-


la, mas ela se esquivou de mim. — Por favor, entenda.

— É assim que termina? É isso? Anos juntos jogados fora, por

que apareceu uma boceta mais interessante? — gritou com raiva,

entre lágrimas que banhavam seu rosto. — Eu odeio você Júlio.

— Por favor, não precisa ser assim.

Odiava magoar a Drica, talvez por isso protelasse tanto o

nosso término.

— Como pode me trair? Como pôde?

Eu não a traí ou fiz isso? Porque minha obsessão pela Isadora

me levava para esse caminho a qualquer momento. Se ela me


desejasse eu ficaria com ela, largaria tudo se fosse possível.

E esse pensamento meu deu a certeza de que buscava.

Passou da hora de pôr um fim no meu relacionamento, nenhuma

mulher merecia um homem que não estivesse mais na relação.


Nunca perdoaria um cara que fizesse isso com minha irmã,

Fernanda. Então não faria isso com a Drica.

— Realmente, Drica, não dá mais para mim.

Ela me chutou, esperneou, gritou, mas a segurei forte em


meus braços, a trazendo para meu peito, onde ela chorou.

Terminar com a Drica não foi uma tarefa fácil, e ainda sentia

uma dor no peito, por isso, meus familiares vieram com tudo para
cima de mim. Mas não ia explicar nada a ninguém, era uma coisa

minha e dela, seria desleal continuar em um relacionamento falido


como o nosso estava.

Meu pai respeitou minha decisão, mas meus irmãos não


conseguiam entender, a Fernanda não reclamou, acho que o

relacionamento dela também não ia lá muito bem.

Todos tinham que respeitar minha decisão, no momento.

Minha mente andava pesada, cheia de ideias, pesquisei, fiz

perguntas, investiguei um monte de coisa.

Tinha que achar uma forma de livrar a Isadora daquele doente.


Encostei-me à parede com um copo com café, precisava ficar

sozinho para pôr as ideias no lugar. Tinha um encontro com a


Marina hoje à noite e precisava ter alguma coisa para mostrar a ela.

A menina era tinhosa — sorri ao pensar nela e sua sagacidade —,


diferente da beleza exótica da irmã, a moça era simples, sem medo

no olhar, o dela tinha raiva, rancor e escondia tudo no sarcasmo.

Marina nunca deixaria um homem tocar nela e sair vivo depois

disso.

— Rindo sozinho? — Euclides perguntou se aproximando com


o seu cigarro.

— Lembrei-me de alguém — falei levando o copo à boca, era


horrível o café da delegacia. — Esse café ainda vai matar uma

pessoa.

— Verdade, isso é uma bomba — comentou e jogou o cigarro


no chão amassando com a bota. — Você anda fazendo perguntas

sobre o Deputado.

Não demonstrei emoção alguma. Euclides era astuto, vivaz e

poderia pôr meus planos na lama.

— Rodando a mulher do cara — continuou: — Cuidado


moleque, o homem está ligado nisso e não gostou nada de saber.
— Não sei do que você está falando. — Mas senti medo pela
Isadora. — Desde quando virou amigo do Deputado? — Mudei o
assunto para ele, que fixou o olhar no horizonte.

— Tipos como ele, sabem de tudo, têm pessoas em toda

parte, não brincam em serviço, por isso está onde está e com a
mulher troféu desejada — continuou ignorando minha pergunta. —
Ele pode esmagar você como um inseto.

Olhei para frente para as árvores à nossa frente, não iria dar

munição ao Euclides que com certeza foi ali para me amedrontar.


Tinha que ser mais discreto e avisar a Isadora sobre o que acabei

de ouvir.

— Estou sendo seu amigo em avisar. — Bateu em meu ombro.

— Não mexe com aquele homem.

Virou as costas e entrou na delegacia pegando outro cigarro


no bolso.

Inferno, inferno!

— Como ele sabe disto? — Marina reclamou ao me olhar.


— Não faço ideia. — Dei de ombros segurando a parede do
beco onde estávamos. — Por que sua irmã casou com ele?

Ela jogou a trança estilo boxeadora para trás deixando seus


lindos olhos em evidência. E neles via terror, raiva e rancor.

— Meu pai perdeu tudo para seus vícios e acabou nos

deixando na pior, precisei sair da faculdade e trabalhar, e


praticamente, Isa assumiu tudo. — Achava bonito o carinho que ela

tinha ao falar da irmã. — Ela sempre elegante, altiva, bonita, de


coração grande. — Sorriu com a lembrança. — Passei em medicina

porque queria ser como ela. — Seu sorriso morreu. — O Deputado

descobriu as dívidas do papai, pagou todas elas e depois cobrou,

tudo seria esquecido se Isa casa-se com ele.

Ela respirou fundo e uma lágrima silenciosa desceu por seu

rosto, limpou com rapidez e virou para mim.

— Não sei por que ela aceitou, nunca me disse o que

aconteceu a portas fechadas, entre ela, meu pai e o imbecil. —

Senti pena delas pela forma traiçoeira que a vida trouxe os


problemas para as duas. — Em pouco tempo estava casada e não

pôde mais ter contato conosco, não foi permitido por ele, era o

acordo, esquecer os familiares. — Riu sem humor nenhum. — E


vieram a perda do sorriso, hematomas estranhos, não atendia

telefonemas, passou a ter seguranças, não podia falar com as


pessoas sozinha.

Daí já podia deduzir tudo, imaginar o que estava acontecendo


naquela mansão. A vontade era matar aquele homem, atirar em sua

cabeça, acabar com tudo de uma vez.

— Vamos salvá-la! — prometi olhando dentro dos seus olhos.

— Se fizer isso, farei o que me pedir. — ela respondeu com

convicção. — Será minha dívida eterna com você.

Um som rouco que não sabemos de onde saiu arrepiou nós

dois, parecia um aviso, mas nenhum dos dois percebeu, porque

tínhamos um plano.

Mas o Deputado também tinha os dele e a Isadora também.

E isso tudo seria no fundo a derrocada de todos nós. O destino

fazia suas regras e nem sempre condizia com nossos desejos.


UM MÊS DEPOIS

ISADORA

A noite parecia estranha, há semanas meu marido estava

calado, quase nem me olhando ou tocando. O que era perfeito por

sinal. Mas também presságio de coisas ruins.

Quando o Carlos ficava assim coisas ruins aconteciam, a

última vez tive uma arma enfiada na minha garganta, porque ele não
conseguia transar comigo novamente.
Tudo era culpa minha. Uma vez foi para Brasília e ele me

obrigou a tirar folga para acompanhá-lo, foi um inferno, uma noite de


nojo, asco pelas coisas que presenciei. Amarrada a uma cadeira, o

assisti espancar mulheres, e no fim ele mais uma vez me culpou.

Que tudo era culpa minha, que por não conseguir sentir ereção

comigo a culpa sempre era minha. Sabia que era não sou boba, era

uma médica e cuidei de colocar no seu café um remédio para ajudá-


lo ficar longe da minha cama. Primeiro apanhar, mas não daria um

herdeiro a ele, nunca daria esse gosto ao Carlos, e o fato de achar

que era impotente foi minha vingança. Nojo de imaginar ele em cima

de mim como antes. Meu estômago embrulhava com o pensamento


de algo assim. Uma noite chorou aos meus pés me chamando de
anjo lindo, depois de me bater por horas com uma cinta.

Coloquei uma gota de um remédio para ele dormir no uísque

que ele bebia todas as noites quando estava em casa. Foi difícil

conseguir essa proeza, depois que casamos ele parou de comer ou

beber qualquer coisa que era dada por mim. E se mantinha alerta,

fazia exames periódicos, temendo que o estivesse envenenando,


como dizia: — Tinha suas vantagens de casar com uma médica,

mas também tinha suas desvantagens que poderiam valer sua vida.

Já pensei em uma forma de envenená-lo, mas o homem vivia


rodeado por uma horda de bajuladoras. Mas hoje consegui fazê-lo
dormir mais cedo, tinha que conseguir entrar no escritório, e achar

algo para sair desta vida que levava.

Senti os passos deles na escada, estava vindo para o quarto,

pelo tempo o remédio devia estar fazendo efeito. Entrei no banheiro

rápido.

— Isadora? — chamou com a voz meio enrolada.

Saí do banheiro de camisola, não daria na pinta que tinha

planos diferentes para essa noite.

— Sim. — Não o olhei nos olhos, fitei o chão imaculado de tão

limpo.

Dava para ser usado como um espelho, tudo ali refletia a

riqueza daquele homem. Carlos gostava de dinheiro e poder,

gostava da capa de bom moço, de homem de família. Homem

salvador, pretendia ser presidente, ajudava várias instituições de

caridade, gerava vários empregos. Índole impecável perante o

público, já saiu em revistas como HOMEM DO ANO.

Ninguém sabia o monstro que rastejava por suas veias. Era

bonito, com seu porte de 1,80 de altura, cabelo com fios já grisalhos,
mantinha a forma na academia. Sorriso cativante quando queria, e

eu o odiava.

Tinha um nojo enorme daquele homem que me olhava da

cama.

— Tire minhas calças, quero me chupe. — Riu com sadismo e


me deu um nó nas estranhas. — Ajoelha e faça sua mágica em

mim.

Era a sua posição preferida, me pôr de joelhos. Humilhar seu


objeto, ele comprou e usava como desejasse.

Antes que me aproximasse, seu corpo se projetou para trás e


apagou em um sono profundo. Salva por enquanto.

Puxei o corpo para cima da cama e me deu vontade de apertar

seu rosto com o travesseiro até ver a vida se esvair do seu corpo.

Mas jurei salvar vidas, não as tirar. — Pensei. — E talvez


devesse ter feito, naquele momento, assim mudaria o rumo de tudo.
Podia dizer que minha ingenuidade me fez pagar caro.

Olhei para todos os lados e consegui entrar na biblioteca, o


local passava o dia com um segurança na porta, era zona proibida
para mim. Aquela casa era minha prisão.

Virei à fechadura de leve olhando para o corredor, ouvi os dois

seguranças conversando em outra sala, entrei rápido antes que


fosse encontrada pelos cães do Carlos.

O local escuro não me dava quase visão nenhuma das coisas.


Totalmente em tons marrons, classe era o nome para tudo ali.

Abri várias gavetas e nada achei, olhei em cima dos armários

atenta a porta, com medo. Olhei atrás do quadro, nenhum cofre,


nem sabia direito o que procurava.

Mas sabia que tinha algo aqui.

Vasculhei atrás das almofadas, embaixo das poltronas,


cadeiras. Tudo e não achei nada suspeito.

O notebook dele estava em cima da poltrona largada, liguei e

tentei acessar, era protegido por senha, virei, olhando para todos os
lados e meu olhar caiu na agenda preta perto do porta-retrato, era
velha, puída, como se tivesse sido manipulada várias vezes. Folheei

suas páginas e tinha diversos nomes, com números ao lado, não


parecia ser telefônico, parecia senhas.

Algo me dizia que era importante, abri mais umas páginas e

uma chave caiu de dentro, era pequena como a de um cofre.


Lembrei-me do telefonema que ele recebeu. Aqui estava a chave de
onde os tais papéis se encontravam escondidos.

A chave estava presa a uma fita no espiral da agenda,


coloquei as duas dentro do meu penhoar. Precisava descobrir o que

eram todos aqueles nomes e o que aquela chave abria.

Precisava ser inteligente, mais do que o Carlos, estava na hora


de conseguir minha liberdade deste inferno.

Sorri com esperança. Correndo escada acima.


JÚLIO

Sentia-me impaciente, olhei todos reunidos em casa para o

costumeiro churrasco de domingo. Ainda era estranho não ter a


Drica participando, meu pai fazia questão disso. Amava ter os filhos
por perto. Apesar de achar o Ícaro meu cunhado um idiota, tolerava

sua presença por minha irmã ser muito apaixonada por ele.

Mas não confiava no filho da puta e estava de olho nele.

— Júlio a Drica não vem? — o imbecil perguntou com um


sorriso presunçoso. — Então é o fim mesmo?

— Ícaro! — Nanda reclamou.


— O quê? Só perguntei. — Sorriu levando o copo com cerveja

à boca.

— Ainda arranco esse seu deboche no soco — falei perto dele,

que se encolheu como um bom covarde. — Não gosto de você.

— Júlio para de intimidar o Ícaro e vem me ajudar na grelha —

meu pai gritou da churrasqueira, olhei com asco para meu cunhado

e segui para perto do meu pai. — Esquece esse idiota e me passa a


carne.

— O que a Nanda viu nele? — indaguei.

Ninguém da família gostava do almofadinha.

— Quando descobrir me conte. — Meu pai revirou os olhos e


nós dois sorrimos. — Você está bem?

Assenti, meu pai era muito esperto, ligado quando o assunto

era seus filhos. O velho vivia para a família.

— Se precisar conversar, estou aqui. — Bateu em meu ombro

e eu assenti balançando a cabeça.

Amava minha família, mas minha cabeça estava confusa, não

queria colocar todos eles nas minhas confusões.

Entreguei a vasilha de carne e tentei me concentrar no


churrasco.
Meu celular apitou com uma.

“ Preciso falar com você”

Era o número da Marina.

Respondi:

“Onde e que horas?”

“A noite no mesmo local, tenho novidades”

“Estarei de plantão, mas te ligo”

Não poderia ser como ela desejava, tinha plantão na

delegacia.

Mas a curiosidade me consumia, precisava saber o que

aconteceu.

— Aconteceu algo? — Nanda perguntou me olhando de lado.

— Não! — respondi e saí de perto dela.

Marina já me aguardava perto da república onde morava,

escondida sobre o capuz da blusa de frio. Ela sempre usava esse

tipo de roupa, tênis básico, calça jeans e blusa largas. Parecia

alguém triste, ansiosa e mais velha do que realmente era.


— Oi — falou e sua voz tinha um tom alegre.

— O que aconteceu?

Saí às escondidas do meu plantão para encontrá-la. Tudo

naquela história me deixava ansioso.

— A Isa conseguiu provas contra o Deputado.

Alegria dominou nós dois.

— Sério? — Toquei sua mão e ela retirou, me deixando sem

graça. Sem saber o que fazer coloquei as minhas no bolso da calça.


— Conte.

— Ainda não sei, mas ela está radiante e vamos fugir da


cidade, vou precisar de sua ajuda.

Fugir da cidade? Isso quer dizer que não iria mais vê-las?

— O que foi? — ela perguntou me encarando.

— Nada, nada, diga o que precisa.

— Vou falar com a Isa amanhã e mando mensagem para você


depois, avisando com tudo que vai acontecer.

A euforia a dominava alheia ao meu coração partido,

despedaçado.
Mas precisava fazer o certo para salvar as duas, e antes disso

tinha que ver a Isadora.

— Vou indo.

Caminhou para longe e depois olhou para trás e eu fingi sorrir,


mas por dentro a culpa me consumia, pois achava que o desfecho
seria diferente.

Olhei a Isadora entrar no hospital e coloquei o óculos dando o


tempo de dez minutos para fazer o que precisava. Caminhei pelos

fundos, me sentindo louco, mas determinado.

Hoje essa obsessão teria que acabar, buscaria meu prêmio.

O segurança dela conversava ao celular junto ao carro.

Entrei pela lateral dos fundos do hospital cumprimentando

todos que conhecia naturalmente. Observei de longe a porta do


consultório dela e não tinha ninguém.

Com passadas rápidas e decididas, entrei e aguardei.

Fiquei perto da janela, ouvi seus passos e logo seu rosto lindo
estava à minha frente.
— O que faz aqui? — perguntou aflita e trancou a porta. —
Ficou maluco?

Percebi suas mãos nervosas, seu olhar desviava de mim para


a porta.

— Precisava te ver.

E com passadas largas segurei seu corpo ao meu e tomei


seus lábios de forma possessiva, ela ficou tensa, mas seu corpo

relaxou junto ao meu.

Sua boca se abriu e senti sua língua na minha, suas mãos


buscaram meu rosto.

Foi perfeito, do jeito que sonhei esse tempo todo.

— Foge comigo — pedi desesperado por mais.

— Não, não posso!

Afastou-se.

— Você é jovem, vai arrumar alguém com menos problemas

que eu.

— Posso te ajudar, faço o que for necessário — mendiguei. —


Por favor, não me afaste.
— Não vai ser possível! — Não resisti e tomei seus lábios nos
meus.

Sua boca era perfeita na minha, senti uma conexão com


aquela mulher inexplicável. Não era sensual ou selvagem, era algo

além disso.

Soltando minha boca e tocando meus lábios, se afastou para o


canto da sala.

— Sai, por favor, Policial Júlio, não volte. — Seus olhos

suplicavam.

— Isadora!

— Não, por favor, quero que saia da minha vida.

Abriu a porta com olhar de súplica. E eu atendi, fui até ela

perto da porta.

— Se precisar de mim, Isadora sempre estarei lá para você —


comentei tocando sua mão. — Sempre!

— Creio que não nos vejamos mais.

Dito isso, fechou a porta deixando meu coração apertado com

sua afirmação. Não falei para ela que conhecia seus planos. Que

conheci sua irmã.


Deveria ter dito, deveria ter aberto tudo para ela, nunca

imaginei que isso me assombraria mais tarde na minha vida.

Saí de lá absorto nos meus dilemas e não percebi o segurança

da Isadora me observando do outro lado do corredor.

Minha obsessão me cegou para muita coisa, fiquei descuidado

e pagaria caro por isso.

Vi a Drica sair do bar com um cara, não deu para ver o rosto

dele.

Pior era o fato que não me importei com essa visão, não senti
nada ao vê-la com outro.

— Sua ex? — meu colega perguntou, jogando a bituca de


cigarro no chão.

— Sim, fico feliz que esteja bem. — Dei de ombros, entrando

no carro e ele me seguiu fazendo o mesmo pelo lado do passageiro.


— Tomara que seja um cara legal, vou até ficar de olho.

Apesar de não estar mais com ela, me sentia na obrigação de


cuidar da Drica, a conhecia desde o colegial. Tinha carinho demais

por aquela mulher.


— Você não reconheceu nosso colega? — Riu debochado. —

O Erico da parte de tráficos e entorpecentes. Ele anda comendo sua

garota pelo que soube.

Não gostei do tom de suas palavras.

— Ela não é minha garota, e não é nada legal falar assim dela
— resmunguei pondo o carro em movimento. — Confere o

endereço.

Ele riu com deboche, depois falou o endereço onde tinha


acabado de acontecer um assassinato e precisávamos chegar até lá

para averiguação.

— O cara é muito enrolado e barra pesada, ela deveria

escolher melhor para quem abre as pernas. — Soquei o volante e

virei para ele. — Desculpa, mas é verdade, o Erico é furada.

— Vou averiguar isso.

— Ciúmes?

Não dei ousadia de responder, não estava com ciúmes, mas

sentia necessidade de cuidar da Drica, foram anos de namoro e me


sentia meio que responsável por ela.
TRÊS SEMANAS DEPOIS

MARINA

Me encontrava curiosa, muito curiosa por sinal, minhas

passadas eram totalmente rápidas com a mochila nas costas. As

mensagens da Isadora deixava claro que fugiríamos hoje à noite. No


nosso último encontro ela me deu uma caixa com objetos para

guardar. Que ela tinha provas suficientes contra o Deputado para


que ele pudesse ir preso.

Insisti para que me contasse, mas ela disse que era algo muito

grave, que não poderia falar por telefone. Que jogasse pouca coisa
na mochila, que ficaríamos longe por um tempo, até a poeira baixar

para voltarmos.

Nem acreditava que íamos sumir deste lugar, que vamos

começar de novo, não me importava em parar a faculdade


novamente se isso salvasse a vida da Isa.

Pela primeira vez em anos estava sorrindo genuinamente,

sentindo um peso sair das minhas costas. Acompanhar a


infelicidade da Isadora foi como um fardo, tudo aquilo foi culpa

nossa.

Se papai tivesse escrúpulos e eu coragem, nada disso teria

acontecido, poderia ter feito algo para impedir a minha irmã de casar

com aquele monstro.

Mas hoje seríamos livres, levou uma semana para conseguir

tudo que ela pediu, roupas, suplementos e vender uma joia dela

para levantar dinheiro.

Júlio ficou de conseguir um carro para nós, e dar fim no carro


da Isadora, entregaríamos as provas para ele usar contra o

Deputado e mandar para os jornais.

Plano perfeito. Um escândalo e nós duas longe dele.

Sentia o cheiro de liberdade, felicidade.


Atravessei a rua e mandei mensagem para o Júlio, estava na
hora.

O dia parecia que não queria mais passar, acreditava que a Isa

deveria sentir o mesmo no plantão de hoje.

Um pingo de chuva bateu em meu rosto, e um relâmpago

atravessou o céu. Droga! Entrei embaixo da marquise. E esperei, a


chuva aumentando a todo o momento, olhei o relógio e estava em

cima da hora.

Não tinha jeito, precisava me molhar se quisesse chegar ao

local combinado.

Odiava trovões, na realidade, não via graça neles, parecia que


ia acabar o mundo.

Encolhi-me dentro do casaco e corri pela chuva embaixo de

raios e trovões. Não avistei o carro do Júlio e nem a Isadora.

Aproveitei uma parte coberta do beco e encostei para

aguardar, olhei novamente para o relógio e o Júlio se encontrava


atrasado. Mandei mais uma mensagem e não teve visualização.

Tinha algo errado acontecendo. Pensei olhando o céu.

Um frio na espinha, e senti a mão em meu ombro e uma arma

apertando minhas costelas.


— Melhor não se mexer muito — uma voz grotesca falou perto

do meu ouvido. — Estava esperando por você.

— Me solta! — gemi em desespero.

Um soco do lado do corpo me fez dobrar ao meio.

— Cala boca sua puta inútil.

Um carro grande parou.

— Meu amigo policial está chegando e vai acabar com você.

— Orei para que minhas palavras se concretizassem. — Você vai


para cadeia.

Minha voz chorosa me deixava pau da vida, não era para


sentir medo. Podia ser mais forte. Precisava ser mais forte pela Isa.

— Aquele idiota quem contou onde encontrava você. — Sorriu

sardônico. Menina boba. — Um tapa na minha face e virei o olho em


lágrimas. — Vamos logo sua puta!

Empurrou-me para frente, para perto do carro onde outro cara


já me aguardava.

— O que você fez com o Júlio? — Tentei mais uma vez sem

sorte me soltar. — Desgraçado!


— Não fiz nada, ele se encontra bem. — Riu deixando um

rastro podre. — Achou que um policial corrupto seria seu amigo,


menina boba.

Senti o corpo tremer e ceder, estava perdida, como vou avisar

a Isa?

— Quem é vocês? — perguntei já dentro do carro.

— Você logo vai saber — o motorista disse sem virar o rosto.

— Socorro! — gritei e recebi um soco no rosto e apaguei pela

força do impacto.
MARINA

O local era escuro e parecia fora da cidade, foi o que percebi

assim que fui arrastada pelos cabelos de dentro do carro. Com


certeza minha vida estava perdida, aqueles caras não estavam para
brincadeira, eram homens ruins, maus, preparados por algum

motivo para acabar comigo.

O trovão abalou o local com sua voz gritante que parecia até
confortante aos meus ouvidos, apesar de todo medo de

tempestades, era a única certeza de que ainda estava viva e


aqueles homens eram pior que os raios que caíam sem parar.
As dores estavam tomando meu corpo, parecia que tudo em

mim se encontrava quebrado. Arrastada como uma coisa qualquer,


meu couro cabeludo ardia pela força dos dedos daquele ser

desprezível, pois aquilo não deveria ser chamado de homem.

Era um animal, talvez eu estivesse diminuindo os animais ao

fazer essa comparação.

Uma porta se abriu e fui jogada como um saco no meio de


uma sala, todas as luzes se acenderam fazendo com que meus

olhos ardessem.

— Pegamos, como combinado. — Um sapato preto lustroso

ficou à minha frente. — Precisei aplicar algumas lições. — Riu da

própria piada sem graça.

Levantei a cabeça com dificuldades e encontrei o meu maior

medo, pois ele representava o fim de um recomeço, o fim de duas

vidas. E o pior de tudo, que nada fizemos para merecer tudo isso, só

nascemos em uma família sem escrúpulos e sem amor. Lágrimas

começaram a verter dos meus olhos sem controle e um grito de dor


queimou minha garganta.

— Sabe o que mais me irrita nelas? — A voz do Deputado

Carlos queimava meus ouvidos. — Essa beleza teimosa, são


mulheres belas, mas não têm um pingo de gratidão.

Sua calma era assustadora.

— Isa? — perguntei com medo da resposta, mas minha voz

quase sucumbiu pela força do choro.

Desceu a mão rasgando a minha roupa, minha roupa íntima


ficou visível a seus olhos imundo, me debati e fui socada, apalpada,

dominada, invadida.

Minha alma foi violada essa noite.

— Sua irmã traidora? Que ia fugir mais uma vez? Minha

esposa?

Falava como se estivesse numa mesa de reunião, mas suas

palavras apesar de calmas eram sentidas como ameaças, não tinha

como ser diferente na situação que me encontrava.

Carlos era um homem frio e perigoso.

— TRAGA! — Dito isso fui suspensa e levada para uma


cadeira, jogada nela e pude olhar melhor para o homem frio e cruel

à minha frente. — VOCÊ É UM PÉSSIMO EXEMPLO PARA

ISADORA, PAGUEI TODAS AS DÍVIDAS, EU FIZ TUDO POR ELA,

A COBRI DE JOIAS, DEI MEU NOME ÀQUELA PUTA E O QUE

VOCÊS DUAS IAM FAZER? — O tapa que recebi de suas mãos


devia ter marcado meu rosto, e o gosto do sangue dominou minha

boca. — DUAS VAGABUNDAS!

Perdeu o controle ao desferir vários tapas em mim, queria

gritar, mas não me deram essa opção, minha mente já entorpecida


pela dor procurava pela Isadora, se ele estava fazendo isso comigo,

não queria imaginar o que fez com ela.

— Vou acabar com as duas! — Enxugou o rosto com a toalha


depois de terminar de me socar, estapear, e eu só conseguia gemer

baixinho. — Vou me livrar das duas. — Olhou para mim com asco.
— Hoje acaba minha vergonha e meu tormento por ter que conviver
com aquela vagabunda traidora.

Devia estar uma obra de arte pensei, sem humor.

— Isa! — gemi seu nome. — Isa. — Como se assim ela

aparecesse para mim.

Chamei baixo, será que estava viva, precisava fazer algo,

precisava sair daqui e salvá-la.

Mas a Isa foi trazida por seus capangas, e amarrada, nua,


humilhada, com o corpo todo marcado pelas pancadas, mas seu

rosto estava perfeito.


— ISA! — gritei desesperada, senti uma força vindo de mim,

precisava ser forte por nós duas, precisava fazer algo.

— EU VOU MATAR VOCÊ, DESGRAÇADO!

Meu corpo automaticamente se debateu na cadeira, queria ir


até a minha irmã, e queria arrancar o coração dele com minhas
mãos. Juro que faria.

— Não, sua puta, eu vou matar as duas, aquela meretrizes que

teve a audácia de dar meus lábios, que paguei caro, para outro
homem beijar — falou com voz débil como se fosse um louco. —

Sua irmã teve um caso com seu namoradinho policial, essa cadela
abriu as pernas para ele.

Olhei dele para Isadora que só gemia sem poder se mexer,


estava muito ferida.

Júlio e Isa? Tudo fazia sentido, o interesse dele nela, a

vontade de ajudar, será que estavam apaixonados?

Não poderia perder meu tempo pensando nisso agora,

precisava arrumar um jeito de nos salvar.

— Amarrem as duas dentro do carro, façam parecer um


acidente — sentenciou e eu estremeci com sua ordem.
— NÃO, NÃO, NOS DEIXE IR, POR FAVOR, NOS DEIXE IR
— pedi.

— ISADORA, ISADORA.

— Cala a boca dessa vadia! — pediu me olhando com nojo.

Caminhou sem pressa até a esposa e abaixou tocando seu


rosto em reverência, alisou sua boca e os olhos dela abriram
nervosos, amedrontados, um trovão ressoou do lado de fora.

— Adeus Isadora, poderia ter sido diferente, mas não tolero

traição! — Seu olhar era apaixonado, lunático, levantou calmo e


virou para um dos homens. — Acabe com as duas!

— EU VOU MATAR VOCÊ CARLOS! — gritei em desespero.

Sua risada insolente e fria me seguiria a vida toda depois


daquela noite, teria pesadelos com ela, mas o ódio seria meu

combustível para toda eternidade.

Ia matar o Deputado Carlos Campos, mas antes ia fazer ele


pagar por tudo que fez a nós duas. Ele nunca iria viver em paz
enquanto eu estivesse viva.

Minha missão na terra vai ser acabar com este homem

miserável!

Todos vão pagar caro por isso.


Como uma sentença um raio riscou o céu!
DIAS ATUAIS

JÚLIO

O helicóptero pairou sobre nós levantando poeira no ar,

enchendo nossos pulmões com a sujeira do local. Estava cansado e

faminto. Dois dias na mata esperando aqueles imbecis vir nos


resgatar.

Ah, mas o encarregado ia tomar uns dois socos quando


colocasse a mão naquela idiota.

Desgraçado. Filho da puta!


A escada desceu e subi, meu primeiro homem que estava

praticamente desnutrido, o Marco foi em seguida.

Um barulho no meio da mata chamou minha atenção, pisadas

calmas aguçaram meus ouvidos. Tinha alguém vindo e não queria


ser visto. Meus instintos não me enganavam, há anos treinava ele,

para não cair em armadilhas.

— Tem alguém vindo — falei para uns dos homens que iria
subir na escada, estávamos em quatro. — Sobe logo!

— Vamos juntos — ele disse. — Te dou cobertura.

Sabia que poderia ser tarde para nós dois, um passo em falso

sairíamos da droga daquela mata mortos.

Assenti com a cabeça, mas foquei meus pensamentos que

poderia ter sido meu último dia vivo, na minha família, na minha

filha, uma fagulha de esperança trouxe Marina aos meus

pensamentos.

Ela tinha sumido do meu radar de novo, mas ainda ia

encontrá-la e depois saber tudo sobre a Isadora. Elas não podiam

ter morrido.

Foco Júlio, foco rapaz.


Retirei do coldre a arma carregada e segurei na corda para
subir, sacudi e o helicóptero alçou voo. E o inferno desceu sobre o

local com vários tiros.

— INFERNO! — gritei com raiva, apontando a arma com a

mão solta.

Os meninos de dentro da aeronave começaram a revidar nos


dando suporte. Acho que um a droga de bala passou zunindo perto

do meu ouvido. Se eu não morrer, juro que mato o encarregado

quando colocar a mão nele.

Filho da puta! Mirei e atirei mesmo com uma mão.

Ahhh, desgraçado quando pôr a mão em você, vou te matar!

Meu corpo tremia de raiva quando desci do helicóptero,

minhas botas trovejavam ao bater no chão a cada passo dado por

mim. Esqueci os óculos escuros por entre os meus dedos, meu

instinto era de assassino, e todos que passavam por mim percebiam

e iam se afastando. Devia parecer um monstro, barba por fazer, sujo


de terra, com fome, mas a raiva era maior.

— Júlio, cara, para! — Marco tentou me deter, mas foi em vão.


Entrei na central.

— Meninos!

O imbecil ficou pálido quando me viu.

— Desculpa...

Soquei sua cara lavada, desgraçado, o espirro do sangue


bateu na mesa dele, soquei mais, mais, mais, queria matá-lo.

— PARA!

A voz trevosa do Arion chegou até nós, o imbecil do meu


cunhado amava estragar a diversão. Mas até ele tinha que convir

que minha raiva era justificável. Esse idiota tentou nos matar,
colocou toda a equipe em perigo, culpa de suas coordenadas nossa

missão falhou miseravelmente além de colocar todas as nossas


vidas em perigo.

— O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? — gritou socando a


mesa. — Vamos! Quero explicações.

Ainda estava segurando o corpo do idiota e o soco armado,

como não pretendia perder outro soco, desci no rosto dele e o joguei
no chão.

Ele gemeu de dor e Arion me olhou irritado pela


insubordinação, Marco gemeu de raiva das minhas maneiras e
porque tinha certeza de que estávamos ferrados.

— Marco? — Arion indagou sem tirar os olhos de mim, que

não fiz questão de desviar e nem tirar o sorriso debochado do rosto


que ele tanto odiava.

Desagradar meu cunhado era meu objetivo de vida.

— Chegamos agora da missão, senhor, foi um fiasco, alguém


passou as informações erradas e quase todos os homens foram

mortos — explicou como um soldado disciplinado. — O operador


deu as informações erradas, além de dados e mantimentos

faltantes.

Seus olhos pela primeira vez desviou para o idiota que nos

olhava com olhos esbugalhados e rosto sangrando pelo meus


socos. Depois de ouvir tudo que Marco disse, a vontade de socar o

cara de novo veio e fui para cima dele que se encolheu ao canto.

— Eu, eu, senhor...

— Calado! — Arion nem olhou para ele. — Vão se lavar, quero

todos em minha sala em vinte minutos.

Bufei com raiva e passei por ele.

— Júlio ligue para casa, seu pai precisa falar com você.
Senti o corpo perder o foco, meu pai não era de ligar e Arion
não se dignava a passar recados. Não era garoto de recado e toda
sua arrogância não permitia isso.

Algo estava errado.

— O que aconteceu? — Virei para ele que não me

encarou.

— Não foi nada muito grave, mas ligue para casa.

Deu as costas se afastando para longe.

Caminhei com passadas largas pelos corredores do local, era

tipo quartel general, só que com tecnologia. Não sei se um dia


minha irmã entrou ali. O local era uma fortaleza, todos tinham seu
quarto, e todos faziam refeições conjuntas para estreitar laços de

amizade e irmandade. Assim era nosso treinamento.

Fora dali, éramos pessoas comuns, que iam a festas, alguns


tinham famílias, até filhos, mas acreditava que nenhum deles
contava o que faziam para sobreviver. Todos com passado ou

fugindo dele. O que era meu caso.

Passei meu cartão de comando e a porta do meu quarto abriu,


procurei no meu local espartano o meu celular.
Não tinha nenhum luxo ao redor, só uma cama, guarda-roupa,
e uma TV. Mas foi escolha minha não ter nada pessoal ali, se fosse
pego, minha família estaria protegida.

Já fui um babaca uma vez, não seria novamente, não colocaria

nenhum deles em perigo de novo. Liguei o aparelho e olhei a tela


com a foto da minha pequena Michele sorrindo.

Disquei o número de casa.

— Oi pai.

— Júlio, preciso que venha para casa.

Sua voz era firme e incisiva, como um comando, ele nunca

usou esse tom antes comigo.

Um frio ultrapassou minha coluna, um frio de apreensão e

medo.
JÚLIO

Arion que fosse para o inferno com sua reunião para resolver

um problema de invasão, alguém fez aquilo, com certeza para matar


a equipe, agora ele que descobrisse o motivo.

Parei a moto em frente à casa do meu pai, acho que bati todos

os recordes de velocidade ou quebrei todos os protocolos de

trânsito.

Minha família era meu ponto fraco, meus irmãos, meu pai,
eram tudo que eu tinha, pois não tinha mais nada de valioso. Nem

dignidade tinha mais. Deixei tudo anos atrás quando matei um

inocente — mesmo que corrupto —, por um crime que ele não


cometeu. Desde que destruí tudo que acreditava, quando abandonei

Isadora e Marina a própria sorte, por conta da minha fúria


desmedida.

Respirei fundo e tentei esquecer, não tinha lugar para lamúrias,


não mais, mas precisava achá-las e descobrir a verdade, não sabia

o que diria as duas. Mas eu iria conseguir me vingar daquele

desgraçado.

Agora o Senador, posando de viúvo sofrido.

Respirei fundo e abri a porta levando comigo uma lufada de


vento.

— Apareceu a margarida! — Luciano saiu da cozinha com sua

fala brincalhona, mas seu olhar contava outra história. — Lembrou


que tem família, que tem pai?

Pensei que poderia quebrar todos os dentes dele, ficaria bem

com uma boa plástica, mas sua raiva era plausível.

— Vai se foder! — Mostrei meu dedo do meio e fui para a sala.

— Pai? — chamei e foi assustador encontrar meu velho sentado na

poltrona abatido, coberto por uma manta.

— Oi, filho.
Abriu os olhos e sorriu quando me viu, nada daquela voz forte
no telefone. Meu coração se apertou, eu não estava lá para ajudar.

Aproximei-me e ajoelhei ao seu lado.

— Como está?

— Estou bem, foi só um pequeno acidente. — Tocou minha


mão com alegria. — Feliz em ter você em casa de novo.

— Pequeno acidente nada pai — Luciano resmungou entrando

na sala. — Quase morreu, o carro capotou.

— Mas estou vivo, isso que importa.

— Como foi isso?

Tentei parecer calmo, mas a raiva borbulhava por dentro.

— Uma louca bateu no carro dele e o tirou da via — Luciano

explicou calmo entregando um copo com suco ao velho.

Motoristas imprudentes, que raiva dessa galera que acha que


sabe dirigir.

— Mas estou bem, e estão todos em casa — disse feliz. —

Isso que importa.

— Oiiii, irmão sumido! — Márcio passou por mim com um

balde de roupa suja. — Vou à lavanderia, a Nanda está chegando


daqui a pouco — gritou e saiu.

Tinha só a porra de um mês fora e todos me tratavam como se

fosse um proscrito. Que esqueceu a família.

— Pai não seria melhor ficar com a Nanda? Ela tem estrutura
para ajudar o senhor — comentei

— Ela já fez até oração para que ele aceite, mas o cabeça
dura não quer — Luciano explicou sentando no sofá.

— Me respeite que sou seu pai, e estou bem, só um pouco

quebrado.

Ele poderia ter morrido nesse acidente e só iria saber dias

depois.

A vontade de quebrar quem fez isso como minha operação só


aumentava. Vou torcer o pescoço do desgraçado.

Meu celular escolheu esse momento para tocar.

— Oi — atendi já sabendo que era.

— Cara estamos ferrados — Marco falou do outro lado da


linha.

— Solta! — falei, caminhando para fora da sala.


Todos achavam que eu era um policial de um esquadrão

especial do governo, um trabalho sigiloso, o que, na realidade, nem


era mentira, só o fato que o governo era a porra do meu cunhado

cuzão.

— O cara que você bateu não é culpado, nem sabia de nada,


foi alguém nosso que foi conosco, só pode, alguém invadiu os
nossos dados e converteu às coordenadas.

— Como é? Isso é perigoso.

— Sim, Arion está pau da vida, e nem quero estar na pele de

quem fez isso.

— Inferno!

— Cara, seus dados foram roubados, o lacre foi retirado.

Encostei-me à parede do corredor para não cair, que porra era

essa?

— Já foi tudo lacrado novamente, mas estou com um

pressentimento ruim.

— Sim, também estou — comentei. — Mais algum lacre


rompido?

— Só o seu e da sua família.


Sua voz era calma, mas soturna, Marco era o falso bonzinho,
em combate era um soldado sem piedade.

— Então eu sou o alvo?

— É o que estamos achando, o chefe pediu para você voltar.

Antes precisava ver outra pessoa e saber se tudo estava bem.

Despedi-me do papai, prometendo voltar para dormir com ele à


noite, uma desculpa esfarrapada. Mas tinha que falar com a Drica.

Apesar de nossa amizade de merda hoje em dia, nossa filha

era o elo que nos ligava. Ela nunca me perdoou.

— Você já vai e nem bem chegou? — Luciano me

acompanhou para a saída da casa.

— Qual a porra do seu problema? — Odiava piadas e voltas


para dizer o que ele pensava.

— A porra do meu problema? Nosso pai quase morreu, e você


não estava aqui, e ninguém sabe onde você anda.

— Eu trabalho sabia, preciso pagar minhas contas e não tenho

tempo de ficar rodando nos meio de ricos e famosos. — Joguei na


cara dele.
— Pelo menos minha família pode contar comigo quando
precisar.

Golpe baixo de nós dois, e o pior de tudo é que nem sabia o


porquê do estresse, esses anos foi o que eu fiz, sumir a trabalho por

meses e voltava depois.

Mantive-me o mais longe possível de todos os problemas com


a família, não ia por eles em perigo. O sequestro da Nanda e da

Michele me assombrava até hoje.

— Fala logo que você está pensando?

— Precisamos falar em particular, hoje à noite. — Virou e


entrou em casa. — Vou trazer uma amiga para jantar.

Como é?

— Você está namorando? — Mentira? Luciano não namora.

— Não, é só uma amiga e colega — disse sem graça. — O


assunto é outro, ok?

— Tudo bem, mas nunca imaginei que uma boceta ia te pegar


um dia.

— Vai se foder!

Entrou em casa e bateu à porta com raiva.


Aí tinha, com certeza o Luciano estava gamado na garota para

trazê-la em casa para jantar.

Sorri colocando o capacete, montei na minha moto presente da

Hellen, esposa do Davi. Eu amava aquela máquina.

Parece que fomos feitos um para o outro. Só ela me entendia e

nunca fazia perguntas.


TEMPOS ATUAIS

MARINA

Olhei para o monte de pedras à minha frente e ajoelhei, as

lágrimas que a muito disse que não derramaria mais veio com força,
molhando minha blusa branca de renda. Não conseguia contê-las

quando ia até ali — era difícil, mas só neste lugar conseguia me


despir da mulher que transformei.

A dor me atravessava como flecha em brasa, nada aplacava.


— Eu vou acabar com todos, mas antes irei tirar o que eles

mais amam, seus pomposos nomes, seu dinheiro, sua família, suas
casas — prometi com raiva queimando minhas entranhas. A dor

cortando minha alma. — Vou destruir tudo, não vai ficar nada, eu

prometo.

Vou matar todos eles!

Cada um deles!

Eu juro, Isa!

Toda vez que ia prometia e a cada ida, mais próxima ficava da


minha vingança. Não tinha mais nada, tudo que me era caro foi

tirado de mim.

Agora eles precisavam pagar!

Não perdi muito tempo olhando meus olhos sem brilho no

espelho, sei que envelheci, amadureci antes do tempo, ou tarde

demais, a imbecil morreu há muitos anos.

Deixei o banheiro seguindo para a sala do hotel, me joguei no

sofá e acendi um cigarro. Isso me acalmava, mas não por muito

tempo, precisava parar de fumar, nem era viciada.


Mas ter um cigarro aceso entre os dedos me passava a
sensação de equilíbrio. A campainha tocou e já sabia quem era.

Joguei o cigarro fora, sabia que ele odiava meus vícios em coisas

que poderia destruir — segundo ele —, minha saúde.

Levantei e abri a porta.

— Sua pele está péssima.

Passou por mim sem cerimônias.

— O que tem para mim? — perguntei voltando para o sofá, me

jogando nele. Fingindo não ver a reprimenda velada em sua voz

sobre minha pele. Não tinha tempo para creminhos. Ou coisa de

mulher com tempo disponível. Parecer desleixada me deixava


passar despercebida pelas pessoas.

— Não eduquei você para me tratar assim, mocinha!

Ele odiava ser ignorado.

— Desculpa, dia ruim — pedi desculpas a contragosto. —


Tudo certo?

— Você sempre tem dias ruins. — Fez careta. — Sempre com

essa cara hostil. — Tudo como você pediu, consegui o vestido leve,

lindo, mas creio que sua pele não esteja boa o suficiente.

— Meu Deus, que fixação com a porra da minha pele.


— Ai, ai, mocinha! Boca suja, não foi essa educação que te dei

todos esses anos. — Sentou com a mão no coração em sua pose


dramática preferida. — O que fiz para merecer isso?

Revirei os olhos e levantei andando pela sala roendo as unhas.

— Vou precisar de uma tarde no salão, não posso ir ao jantar


como uma desleixada!

— Ele vai te reconhecer, desde a época do hospital que ele

anda caçando você — me lembrou, mas eu já estava esperando por


isso. — E já descobriram que você invadiu o sistema.

— Eu sei, por isso mudei de local, aqueles caras são barra


pesada, mas não pretendo me meter com nada deles de novo,

queria informações e um bom susto naquela imbecil e já consegui.


— Continuei caminhando nervosa. — Agora vou dar outro susto e

pagar de coitada.

— Ele não vai cair como da vez do hospital que você marcou

aquele encontro, com certeza já sabe que você não é nenhum


docinho choroso.

Sabia disso, vinha mexendo anos com a cabeça daquele

policial filho da puta, uma aparecida aqui outra ali, como se tivesse
com medo, me escondendo. Até a irmã dele achou que era uma
pobre médica sofrida, a cena dos olhos dela com pena de mim foi

de dar dó.

Tadinha! Odiava que ele ainda tivesse uma irmã.

Segui para a janela. E uma dor nas costas me lembrou do


pequeno acidente do pai do Júlio. Agora precisava do próximo
passo, precisava dele para acabar com o Carlos. Estava cansada

dessa vida, de me esconder, precisava partir, mas antes precisava


cumprir minha promessa. E já brinquei de gato e rato demais.

Carlos precisava morrer e pela mão do seu cúmplice policial. E

depois acabaria com o Júlio.

BUF!

Todos mortos.

E minha medíocre vida acabava ali.

Pensei dando de ombros, não me importava em morrer, mas


ainda tinha muito a ser feito.

— Carlos?

— Brasília com sua nova esposa — contou levantando. —

Pelo jeito ele não se espantou com o fato que sua verdadeira
esposa esteja viva.
— Ele se espantou sim, mandou procurar por ela, com vários
detetives e policiais amigos dele na busca. — Ri sem humor. — Vai
acabar ficando louco.

— Isso está ficando perigoso! — Apontou o dedo para mim.

— Você pode pular fora, eu não tenho saída.

Ele veio, senti seu corpo atrás de mim perto da janela, sua
mão levantou para tocar meu ombro, mas desistiu, sabia que odiava

ser tocada.

A espécie masculina me causava asco.

— Você sabe Marina que é valiosa em minha vida. — Sorriu


para mim e eu retribuí. — Farei o que for preciso para ajudar você,
pequena.

— Sabe que sou mais alta que você, né? — brinquei

quebrando o clima sentimental que não desejava para mim no


momento.

— GAROTA INGRATA!

Bateu os pés nervosos e foi para o quarto.

Bento era um dos humanos que mexia comigo, se estava viva


devia tudo isso a ele.
Apesar de não conseguir dizer, mas eu amava aquele bode
velho. Totalmente metido a besta. Bento era tudo que me restava.
Precisava protegê-lo.

Afastei-me da janela e bati na porta do quarto dele.

— Bento.

— Vai embora!

— Para de frescura, preciso do salão urgente.

— Peça a alguém mais alto que você.

Balancei a cabeça sorrindo, meu amigo amava um bom drama.

Abri a porta e me joguei na cama ao seu lado.

— Temo por você minha menina, quando tudo isso acabar não

haverá mais alma.

— Eu não tenho há muitos anos — lembrei a ele. — Perdi tudo


naquela noite amigo.

— Não, você renasceu naquela noite, ela não está feliz com
seu comportamento.

Estremeci com suas palavras.

— Não quero falar dela!


— Devia buscar ajuda pequena, não é normal viver como

fantasma, entendo sua dor, sua raiva, todas as suas mágoas. —


Virou apoiando o corpo no seu braço. — Mas ela não queria isso

para você.

Sua voz tinha pena e eu odiava esse sentimento.

— Você é uma guerreira, mas a família daquele homem não

tem culpa dos pecados.

— Minha irmã era a minha família e ele ajudou a tirá-la de

mim, por isso ele vai pagar e sua bela família também.

Levantei impulsionada pelo ódio, lembrava-me dos sorrisos e

das piadas sem graça do Júlio, daquele imbecil que dormiu com

minha irmã e depois a vendeu para seu marido inescrupuloso.

Ele não pode viver feliz, não pode, não aceito!


JÚLIO

A Drica quando queria era uma verdadeira pau no cu. A

desgraçada viajou de férias e não me avisou. Ainda se sentiu


ofendida quando disse que ela não tinha o direito de viajar com
minha filha sem meu consentimento.

Às vezes a vontade de torcer seu pescoço era grande. Aí

lembrava como fui um babaca com ela e depois me lembrava de


como ela foi uma víbora comigo. Michele era nosso elo, e mais

nada.

Suspirei com ódio. Um dia minha paciência iria pelo ralo com a

Drica.
Joguei o telefone na cama do apartamento e saí em busca de

uma bebida.

— Ei! — resmunguei ao encontrar o Donny na geladeira.

— Oi, cara! — falou com naturalidade. — Não tem comida.

— Posso saber o que você faz na minha casa? — perguntei

com raiva, já vi caras folgados, mas o Donny atravessava todas as


fronteiras.

— Ah, vim ver como meu amigo estava depois de sair de uma

missão suicida.

Nem acreditava que fui eu quem treinei esse miserável, um

homem grande cheio de tatuagens e orelhas com alargadores.


Apesar da aparência exótica era um amigo do bem, do tipo que

suas costas estavam protegidas se ele tivesse por perto. Donny era

um cara leal.

— Vou visitar o Davi por esses dias — explicou jogando as


caixas de comida do armário na mesa. — Meu Deus, não tem nada

para comer nesta casa.

— Mande lembranças a todos por lá. — Passei por ele e

peguei uma cerveja na geladeira, sentando na cadeira da cozinha.

— Novidades?
— A moça que me pediu para rastrear sumiu, nada, nenhum
movimento. — Pegou uma cerveja e sentou na outra cadeira. — A

irmã também não tem nada, mas o marido está buscando por ela.

— Soube disso, fazendo tudo por baixo dos panos, será um

escândalo se ela estiver viva , ele a deu como morta apesar de não

ter um corpo.

Levei a garrafa aos lábios, sentindo o amargo da cerveja, que

desceu rasgando tudo, me sentia inútil, sem saber onde elas

estavam.

— Mas ela não falou com você para onde iam?

— Não, quando me ligou pedindo ajuda, fui até o hospital, sei


lá cara, parecia carente, infeliz, disse que Isa precisava de mim, que

estava com medo. — Sabia que ela me enganou, sentia isso, mas

não era o perfil da Marina, mas aquele beijo deveria ter me alertado.

— E sumiu, o hospital nunca a viu por lá.

— Sinistro, como se ela fosse um fantasma. — Se sacudiu

todo como se tivesse medo.

— Era bem humana de carne e osso. — Ainda sentia o gosto

do beijo dela. — Minha irmã também a viu, anos atrás.


Será que o Carlos a achou e a matou? O pai dela foi morto por

dívida de jogo, mas eu duvido muito disso.

— Se você falar com Arion...

— Não! Não vou meter ele nisso.

Não queria dever nenhum favor a ele, e nem que minha família

soubesse de nada.

— Você quem sabe.

Deu de ombros.

— Vou jantar na casa do meu pai — contei. — Bem que você

poderia me acompanhar e me livrar do Luciano, meu irmão que


anda estranhamente pegando no meu pé.

— Comida grátis? — Ele jamais perderia essa boca, mas seria

uma distração no jantar além de deixar o Luciano pau da vida com a


nova amiga. — Arion? Se ele for, prefiro ficar aqui.

Revirei os olhos e levantei para trocar de roupa.

Nanda não estava à vista, precisou sair, pois seu pequeno

estava com febre, segundo meu pai, mas voltaria no dia seguinte.
Ela era uma mãezona e protetora com o papai.
Donny tabulou uma conversa com o meu pai sobre carros

antigos. Minha família curtia a visita dele, como disse o cara era
sedutor e boa praça com todos.

Márcio parecia alheio a tudo, calado. Cada dia que passava

mais eu sentia que tinha algo o incomodando, mas não tinha


oportunidade para perguntar.

— E aí cara, como vai as modelos gostosas?

Márcio era um modelo já famoso no ramo, vivia viajando, mas


sempre voltava para casa, temia deixar o papai sozinho.

Revirou os olhos e ficou com as bochechas vermelhas.

Achava incrível esse ar de inocente dele.

— Oi, família!

Os gritos da porta do Lu nos fez rir, ele sempre fazia esse tipo
de entrada triunfal aos berros.

— É um babaca! — Márcio gemeu ainda rindo.

Virei para olhar a sua entrada e quase caí da poltrona ao ver


quem estava com ele. Ela me encarou cinicamente e depois virou

para meu pai com um sorriso feliz. Apesar do susto, veio o alívio,
Marina estava viva e com certeza sua irmã também.
Com cabelos curtos, mais velha, mas os olhos, esses nunca
iria esquecer. Era a mesma Marina que me lembrava de antes.

Só não existia mais o seu ar debochado, inocente.

— Marina! — falei sem perceber e Donny virou para mim ao


ouvir minha voz.

— Marina? Quem é Marina? — Luciano perguntou sorrindo. —


Gente, essa é minha nova colega de trabalho, a Rebeca.

Todo sorridente e levou a mão dela aos lábios com carinho que

sorriu para ele de volta.

Senti um embrulho no estômago, uma dor na alma.

Que brincadeira de mau gosto era essa?

Era Marina à minha frente e por que ela fingia ser outra

pessoa?

— Prazer Rebeca, seja bem-vinda! — Márcio levantou feliz e


beijou seu rosto. — Venha conhecer nosso pai, ele se acidentou
como te falei — brincou e ela aceitou sua mão ignorando minha

presença.

Foi apresentada a ele que aceitou seu carinho, depois Donny


que analisou com calma sem muita aproximação.
— O que faz da vida, Rebeca? — perguntei friamente.

Seus olhos pousaram nos meus, e um brilho de raiva passou

por eles, mas logo foi dissipado e ela voltou a sorrir com ar feliz e
dissimulado.

Inferno, ela atuava bem.

— Sou arquiteta, assim como seu irmão.

Ao inferno que era.

— Qual faculdade?

— Ei, pode parar seu interrogatório, que coisa mais chata —

Luciano reclamou. — Dá um tempo!

Ela continuou com seu sorriso plantado na cara, mas tocou a

mão dele como se desejasse acalmá-lo, o mesmo tocou a mão dela

de volta e sorriu como se os dois tivessem um segredo íntimo.

Preferia a morte a descobrir que o Luciano andava dormindo

com ela.

Não tinha nada para sentir ciúmes, queria saber da Isa, mas

não era dela no momento que estava com raiva.

Era dessa pequena dissimulada à minha frente, essa


desgraçada.
Seduzindo meu irmão sem piedade, ia acabar com ela, mas

antes descobriria o que a filha da mãe desejava com aquela porra


de teatro.

Levantei nervoso e fui para cozinha.

— Cara, você parece que vai matar alguém.

Donny me acompanhou e levantou a tampa da panela no


fogão, bem típico dele.

— Aquela desgraçada lá na sala é a Marina.

— Imaginei, por que ela finge ser outra pessoa?

— Não sei, mas não estou gostando disso.

— Disso ou o fato do seu irmão estar comendo ela?

Queria socar algo ao imaginar isso.

— Para quem ela abre a porra daquelas pernas não interessa,

contanto que não seja o meu irmão. — Saiu mentiroso até para
mim. Que ódio! — Preciso de respostas, tenho que descobrir onde

se esconde.

— Ela é bonita, tem algo frio nela, mas é uma mulher

espetacular.

— Cala a boca!
Ele riu e voltou para sala com uma cerveja que pegou na

geladeira.

Marina veio até aqui para me desestabilizar, ela veio com um


propósito e eu vou descobrir qual foi, por enquanto vou seguir seu

jogo e depois vou torcer aquele pescoço bonito e tirar as

informações que preciso.

Saí da cozinha para sala.


MARINA

O semblante do Júlio me fez ganhar a noite, ele continuava

como lembrava, bonito, felino, frio e inescrupuloso. Seu irmão e sua


vaidade, sua forma de ver as mulheres como objeto ajudou bastante
no meu plano.

Sua mão cheia de dedos me deixava com vontade de quebrar

ele, mas segurava e sorria, devia estar com a boca congelada de


tanto sorrir para aquele bando de idiotas. Tirando o velho que

parecia simpático e feliz em me ter em sua casa. Um pouco de


culpa pelo que fiz a ele me assolou, mas joguei para baixo da

superfície, não tinha tempo para sentimentalismos.


O Márcio também era um menino legal, pelo que sabia dele,

gostava de garotos. E tinha medo da família descobrir, talvez o


ajudasse sair do armário, faria um favor a ele. E aquele amigo do

Júlio, quem era, desconhecia sua existência. Uma falha no meu

plano.

Pelo seu olhar não o estava convencendo, ele me analisava

como se tivesse numa lente microscópica. Tinha que ter cautela


com ele.

— O jantar estava uma delícia — agradeci, a primeira verdade

saindo dos meus lábios naquele jantar. — Parabéns quem foi para a
cozinha.

— Meu irmão Márcio ama cozinhar quando papai deixa —


Luciano explicou rindo e Márcio piscou para mim. Um garoto doce.

— Como se conheceram? Estou intrigado — o mequetrefe

perguntou, mas estava preparada para ele. — Luciano nunca trás

suas amigas para casa.

Seu tom era depreciativo e senti seu irmão se retesar ao meu

lado. Isso era bom, que briguem e se matem.

— Bati na sua porta com meu currículo e ele me aceitou e daí

ficamos amigos — expliquei com simplicidade. — Seu irmão é muito


talentoso.

— Ah, querida, você é maravilhosa.

Ele era um pato charmoso e, até agradável quando não estava

fodendo metade das mulheres que achava. Foi fácil fingir ser

arquiteta, Bento era arquiteto, famoso, rico e aposentado.

Estava seguindo à risca seus ensinamentos e aquele imbecil

não percebia isso, pois, sou mulher e minha beleza contava mais

que meu cérebro para ele. Sua mania de achar que mulher merecia

ser fodida que colocou ele nessa, não eu.

Só estava fazendo meu papel de amiga, sexy, inteligente e que

curtia sua companhia.

O fato de não ter aberto as pernas para ele o estava deixando

maluco. Tudo era um jogo.

Olhei a casa, bem aconchegante, família, fotos para todos os

lados, queria ter a oportunidade de conhecer a irmã deles, mas era

bom que ela não tivesse me visto, podia lembrar-se de mim do


hospital.

Apesar de ter mudado a aparência, nunca se sabe, Júlio se

lembrou de mim quando entrei no quarto dela aquele dia. Pensei,

não podia deixar furos e ser pega antes da hora.


Hoje ele me reconheceu rápido demais, meu disfarce foi

pensando para que o mesmo me reconhecesse.

— Rebeca vem me ajudando bastante com o escritório —

disse Luciano orgulhoso.

Levantei um pouco o olhar e percebi o do Júlio em mim,


queimando de raiva, fiz o que detestava, o enganei, brinquei com

suas emoções. Ele nunca imaginou isso, ainda fui parar no seu
santuário particular. Família.

Era o seu bem mais precioso.

Não cabia sentir simpatia por aquelas pessoas, nenhum tipo


de sentimento bom — tinha uma missão e pretendia cumprir. Eram

meios para atingir o fim.

A noite foi tensa, não para todos, só para o Júlio, e isso me


deu uma alegria genuína.

Perguntei propositalmente onde ficava o banheiro e logo foi


encaminhada para o primeiro andar. Onde poderia ir à vontade sem

ser perturbada, palavras do pai deles.

Tranquei-me lá e aguardei.

Realmente minha pele ficou melhor depois do tratamento de


hoje, meu cabelo antes desgrenhados ganhou um belíssimo corte,
Luciano disse que adorou, como se eu me importasse com sua

opinião vazia.

O vestido florido de verão dava um toque feminino, depois de


tantas calças, de vestido não dava para atirar ou sair de buracos de

forma rápida.

Senti sua respiração antes mesmo dele se encostar à porta do

banheiro e abri fingindo que ia sair.

Meu braço foi segurado e fui empurrada para dentro, seu corpo
ficou entre mim e a porta.

— Que palhaçada é essa?

Seu perfume invadiu minhas narinas, seu corpo sólido ficou


evidente perto de mim. Camiseta preta, calça jeans e coturno, pouca

coisa mudou em seu visual.

Agora ele tinha uma barba cerrada e um olhar mais frio.

— Não sei do que você está falando, pode sair da minha

frente. — Tentei passar, mas fui impedida.

— Não brinca comigo Marina, o que está acontecendo, cadê a


Isa?

Era um dissimulado, como se atrevia a falar o nome dela?


— Se não sair da minha frente vou gritar!

Ameacei fingindo uma voz trêmula, mas minha vontade era

descer o soco nele.

— Só depois de me dizer o que pretende vindo a minha casa


depois de anos desaparecida! Fala!

— Você é louco!

— Você não me engana!

Saiu da minha frente e cruzou os braços, abri a porta do


banheiro e saí o deixando lá dentro pensativo. Ri, chegando ao

corredor.

Entrei no prédio e dispensei o Luciano antes que o imbecil


insistisse mais para entrar. Sua mão estava particularmente nervosa

hoje à noite, toda hora me tocando, sondando.

Um animal fazendo xixi no poste.

Estava cansada, dormia pouco, comia pouco, acendi um

cigarro e andei pelo local, parecia que tudo estava correndo como
deveria.
Tinha alguns buracos no meu plano, mas não aguentaria
esperar mais um ano vivendo nas sombras como um rato, como se
tivesse cometido um crime.

E eles vivendo com suas famílias, levando suas vidas

perfeitas.

O Carlos continuava por aí, fingindo ser um homem bom, um


exemplo de homem, olhei a fumaça subindo em espiral. Ele não

merecia nada daquilo, tinha marcas no corpo e na alma que


comprovavam isso.

Vou acabar com aquele pilantra, e ele vai morrer sabendo que

fui eu fiz isso. Joguei o cigarro ao chão e pisei nele imaginando a


cabeça do Senador Carlos.

— Nervosa garota?

Tomei um susto, achei que estivesse só nas escadas daquele

prédio que fingia viver para enganar o Luciano.

Virei-me encostando-se à parede pronta para atacá-lo se fosse

necessário.

— Recolha as garras.

Um homem careca saiu das sombras e me encarou friamente.


— Não gostamos de intrusos, senhorita, você não deveria ter

invadido nosso sistema.

Inferno, a droga da Organização para quem o Júlio trabalhava,

me achou, nunca pensei que fosse se importar com o pouco que


mexi. Foi superficial só para assustar o Júlio.

Fui ingênua.

— Espere, não sei...

— Não perca seu tempo bancando a frágil comigo Marina


Rezende. — Riu sem humor e um frio do medo apertou minhas

entranhas.

— Venha comigo!

— Não vou a lugar nenhum com você.

Tentei subir as escadas, mas uma mulher tatuada estava no

caminho. Era uma armadilha.

— Então vamos levá-la contra sua vontade.

Ele riu e a mulher chutou meu rosto, tentei revidar, mas fui

segurada por ele e imobilizada.


O capuz foi retirado da minha cabeça e a luz forte machucou

meus olhos, parecia uma sala de cirurgia, tudo branco, e uma

cadeira onde eu estava sentada.

Nenhum zumbido no local, silêncio total, olhei para todos os

lados e não conseguia ver nada além da forte luz.

Uma passada silenciosa, mas me deixou alerta e a moça que

chutou meu rosto estava à minha frente. Parecia um soldado,

cabelos curtos estilo exército, tatuagens, botas, calça jeans e


camiseta.

Estilo: não estou para brincadeira ou posso quebrar seu

pescoço com minhas mãos.

Estremeci e me calei, precisava ganhar tempo e saber quem

eram essas pessoas, tinha que achar uma rota de fuga.

Ela continuava me analisando de braços cruzados.

Um clique na porta e mais alguém entrou na sala e a luz


diminuiu.

— Laila?

Não, inferno, era a voz do Júlio.

— Sim?
— Me deixe sozinho com ela.

— Mas...

— Não discuta! — Sua voz era de comando e ela bufou e saiu


da sala batendo a porta com raiva.

Ele puxou uma cadeira e colocou à minha frente e sentou

cruzando os dedos. Seus olhos azuis focaram em mim como duas


lagoas. E eu estremeci. Não tinha para onde correr, não foi assim

que imaginei terminar.

Mais uma vez me tiraram o controle.


JÚLIO

A noite foi uma droga de tormento, parecia um pesadelo, o

passado batendo à minha porta, apertando o cerco. Minha cabeça


parecia que ia estourar.

O Luciano não escondia o encantamento por ela e talvez isso

estivesse mexendo demais comigo, nunca vi meu irmão assim por

mulher nenhuma.

Que inferno de mandinga ela fez? O que ela queria com ele?
Cadê a Isa?

Droga! Droga!
Chutei o pneu da minha moto com vontade de socar a cara do

Luciano, tentei me convencer que não tinha nada com isso, mas,
tinha sim, inferno que tinha. Aquela víbora desejava algo, aquela

dissimulada.

Ela voltou dos mortos para infernizar minha vida, só pode.

Meus instintos diziam ser uma armadilha, assim como foi no

hospital, toda chorosa pedindo ajuda, me abraçando, e me beijando.

Miserável! Ela fez tudo de caso pensado.

Ai que raiva, aquela praga me enganou, mandei mensagem no


outro dia e no outro e no outro, e acabei descobrindo que aquele

número não mais existia, que ela nunca trabalhou naquele hospital

que fez tudo de caso pensado. Mas, por quê? Sabia que tinha dado
mancada naquela noite, sabia que fodi com tudo. Mas procurei por

elas, nunca acreditei que haviam morrido naquele acidente.

Ou ela estava mancomunada com o idiota do Senador Carlos?

Será? Minha mente girava e parecia um labirinto sem saída.


Precisava achar a Marina, só ela para me dar as respostas que

buscava.

— Você está fodido com aquela louca lá — Donny comentou,

comendo pipoca de um saquinho que não sabia onde ele conseguiu.


— Ela está manipulando o seu irmão, olha que ele se acha, mas vai
tomar uma rasteira bonita com ela.

Sorriu jogando a pipoca na boca, e realmente tinha razão, e

algo me dizia que ela esperava por isso, acabar com ele, com

certeza para se vingar de mim. A culpa me mataria qualquer dia

desses.

— Você não jantou?

— Sim, mas eu gosto de pipoca doce.

Deu de ombros e jogou mais pipoca na boca.

— Cara...

Antes de terminar de falar, o celular dele tocou e fechou o

semblante atendendo. Ver o Donny sério era bem difícil, estávamos

todos na ação, perto de morrer e ele sorrindo, fazendo piada.

A única pessoa que tirava o sorriso daquela homem, era o...

— Rômulo, pediu que fosse a base imediatamente — cortou


meu pensamento desligando o aparelho.

— Boa sorte! — resmunguei perdido no meio de toda minha

raiva.

— Não, cuzão, você também foi convocado.


— Inferno, mil vezes inferno! — Chutei uma pedra com raiva.

— Não posso sair em missão agora com toda essa merda


acontecendo.

Ele deu de ombros e foi para sua pick-up preta. O que poderia
ser urgente? Acabei de chegar da droga de uma missão, já iria

embarcar em outra? Sabia que manter minha mente ocupada foi o


motivo de entrar na Organização, além de conseguir os contatos

necessários para acabar com aquele Deputado — hoje Senador —


filho da puta, porém, no momento, a Marina era um grande

problema, e precisava resolver logo.

A vida nunca me dava uma porra de trégua. — Pensei ao

montar na moto e colocar o capacete. Ainda tinha, o que o Luciano


gostaria de falar comigo, que acabou não rolando, já que ele passou

a droga da noite babando na Marina.

A base ficava no meio da cidade, bem prático, parecia um


escritório como outro qualquer, só com a senha que entrávamos no
verdadeiro local, o túnel abria para um local que nunca passou pela

minha mente, nada igual. Era equipada, tecnologia pura, aqui não
era igual ao escritório do Arion, era à base do Rômulo, de onde ele

reinava e treinava todos os soldados e comandava a vida de cada


um de nós, querendo a gente ou não. Respeitava muito aquele
homem, era um cuzão frio, sem piedade, sempre fazendo o que era

necessário para atingir o fim. O verdadeiro cão de guarda do Arion.


Não desejaria Rômulo como inimigo.

Esse lugar era o coração da Organização, tinha pessoas do

mundo todo trabalhando aqui, sempre chegando e saindo, tipo uma


base militar. A cidade não fazia a menor ideia do que acontecia
embaixo dela.

— Rômulo está te aguardando na sala quatro — Kelly a

assistente informou passando por mim com suas belas pernas e


piscou. — Esqueceu meu número?

— Como ele pode esquecer seu número? Que absurdo Júlio


— Donny brincou batendo na bunda dela que sorriu. — Posso

passar no seu quarto mais tarde?

— Vai se foder! — cuspiu para ele e saiu rebolando chateada.

— Você é um babaca! — resmunguei para ele e caminhei para


a sala quatro, onde ela tinha informado que Rômulo aguardava.

— Ela adora minha babaquice no meio das pernas.

Riu e acabei rindo, todos ali já foram no quarto da Kelly,


inclusive Marco, nós já brincamos junto com ela, mas acho

desnecessário falar isso em voz alta. Tinha meu código de conduta


para mulheres que fodo, mesmo aquelas que eram só sexo e mais
nada.

Abri a porta sem cerimônia e descobri que minha noite poderia


ficar bem mais fodida, Arion sentado como um imperador à grande

mesa conversando baixo com o Rômulo.

— Sabia que meu filho está com febre? — Ele foi dizendo sem
me olhar e já percebi que o problema era grave. — Mas eu tive que
vir aqui limpar mais uma vez suas merdas! — Levantou e caminhou

como um felino.

— Sua sorte que é irmão da Nanda e eu amo aquela mulher,


mas minha vontade é de dar um tiro no meio dessa sua testa. —
Não abaixei o olhar para ele o encarei de igual para igual. — Não

sei por que você não morre.

Sua voz era fria, realmente ele estava pau da vida, na


realidade, ele sempre vivia pau da vida comigo, mas hoje estava

bem pior.

— Não sei o que você está falando.

Deixei claro que não aceitaria insultos daquele metido a Deus.

— Meninos, meninos — Rômulo resmungou abrindo um

chiclete e jogando na boca. — Se acalmem! — A luz acendeu na


outra sala e a Laila tirou o capuz da moça sentada na cadeira.

Droga, droga!

— Marina!

— Seu passado de novo em nossa porta, quase deixando

nossa operação visível ao mundo.

Então foi ela que invadiu o sistema para pegar meus dados e
me levar à morte, e quase levou meus homens junto. O que

aconteceu com você Mary? O que fizeram com a mulher doce que

conheci?

Um aperto no peito, uma dor na alma, meu passado nunca iria

parar de tentar me destruir.

— Deixe-a em paz, eu vou cuidar de tudo — pedi olhando para

ela no espelho.

— Como fez até agora? — desdenhou o Rômulo. — Essa


belezinha vem fazendo você de bobo há anos, essa coisa miúda,

astuta. — Sua voz tinha admiração por ela. — Sempre tem uma

boceta na vida de vocês para atrapalhar, inferno de bando de idiota!


— disse indignado. — O que ela quer Júlio? Por que saiu da toca?

O problema dela é pessoal e pelo jeito é com você.


Continuei vidrado olhando para ela pelo vidro. Sabia que não

me via de onde se encontrava. Olhando para os lados, com certeza


buscando uma saída, parecia frágil e amedrontada.

— Me deixe falar com ela sozinho? — pedi olhando o Rômulo.

— NÃO! — Arion negou.

— Você não sabe de nada, você não entende.

Bati na mesa com raiva de mim, por ter me colocado naquela

posição, a culpa era minha, tinha que saber que a Organização


descobriria uma hora ou outra.

— Então nos conte o que sabe? — pediu calmo. — Porque ela

invadiu nosso sistema, porque ela tentou atropelar seu pai, por que
ela anda seguindo você e vasculhando sua vida? Sem contar que

está trabalhando para seu irmão.

— Meu pai? Sério?

— Sim, meu sogro foi atropelado por ela — disse ainda calmo,

mas sabia que fervia por dentro. — Aquela mulher ali é uma bomba,
e algo me diz que a culpa é sua. — Me calei, pois tinha razão em

suas palavras. — O que ela deseja minando o Senador Carlos?

Muitas perguntas, muitas coisas para um dia só.

— Preciso falar com ela, por favor?


Odiava me humilhar para eles, mas faria qualquer coisa para

falar com Marina e pegar aquela história para resolver e montar o

quebra-cabeça.

— Vá! — Rômulo soltou.

Os olhos dela estavam assustados, mesmo tentando esconder,

não acreditava que Marina sabia onde havia se metido e qual era a
punição para o que fez à Organização.

Seu corpo tentava passar implicância, força, mas conhecia


pessoas, e podia farejar o cheiro do seu medo.

Ainda usava a roupa do jantar, então foi pega em casa ou no

esconderijo.

— Onde está a Isa?

Ela riu com desdém, mas a fagulha da raiva estava ali, bem

embaixo da sua pele, como um lobo faminto, o sonho dela era

arrancar a minha cabeça.

— Eu preciso saber o que aconteceu com você e onde ela está

— tornei a falar, sabia que meu tom era incisivo e nada amigável. —

Fala Marina! — Levantei e ela continuou me olhando com desdém.


— O que aconteceu naquela noite?

— A noite que você nos vendeu, nos abandonou? É disso que

está falando Júlio?

Desdenhosa, fria, não era mais a mesma mulher.

— Tive problemas naquela noite...

— Vendendo a sua amante para o marido dela, policial

corrupto? — cortou-me e cuspiu na minha cara, e sem que eu

esperasse se jogou da cadeira em cima de mim chocando seu corpo


no meu, bati na parede com o choque e o impacto.

Sua perna fez um arco e bateu no meio da minha cara.

Ela pelo jeito andou treinando, queria machucá-la, mas

precisava de respostas e não ia deixar que ela me batesse.

Voltando ao solo veio para cima de mim e consegui escapar

com facilidade do seu soco.

— Andou treinando? Que ensinou a você? — perguntei ainda


me esquivando de suas tentativas de soco. — O que aconteceu com

você?

Com uma risada sarcástica ela girou o corpo e soltou o braço

no meu abdome e levando o ar do meu pulmão. Agora ela foi longe

demais, quem deixou essa miserável desamarrada?


— Desgraça!

Arremessei-me para frente, derrubando seu corpo no chão e

subindo em cima dele com todo meu corpo, e foi meu erro. O
vestido subiu e sua bunda nua, presa por um pequeno fio dental

ficou bem no centro do meu pau. E como se tivesse vida própria, ele

se alegrou no momento menos oportuno. E que bunda inferno de


mulher da bunda perfeita.

Um esgar de nojo saiu de sua garganta, me fazendo afastar

mais meu corpo dela que tremeu embaixo de mim. Com o corpo
imobilizado por mim e a noção que se mexesse o corpo ralaria mais

a bunda no meu pau, ela parou de se debater.

— Agora vamos conversar — falei em seu ouvido.

— Vá para o inferno! — cuspiu de volta.


MARINA

Minha raiva me deu uma zero de novo, não resisti a bater no

Júlio, era muita audácia dele falar o nome da minha irmã, ou ainda
insinuar que não teve nada com o que aconteceu.

Aquele infeliz ainda me derrubou e ralou a porra do pau duro

na minha bunda. Desgraçado!

Pervertido do caralho!

— Não disse que ela era belezinha? — A voz do homem de


mais cedo nos tirou do transe. — Levante-a Júlio, seja um

cavalheiro.
Contra a vontade ele saiu de cima de mim e eu mesma me

levantei deixando ajuda dele de lado. Não queria mais as suas mãos
em mim.

Afastei-me de todos indo para o fundo da sala, não fazia ideia


de que eram, o que faziam. Bem que Bento me avisou que meu

plano continha furos que poderiam me pôr em apuros.

Pelo olhar deles, com certeza não eram amigos ou aqui um


parque de diversão, e a forma que Júlio lutou comigo dizia que ele

era treinado, mas não quis me machucar.

Estava na boca do lobo pronta para ser abatida como uma

idiota, que sempre fui. Anos de treinamento, traçando planos, para

nada.

Desculpa, Isadora! Não ia chorar na frente deles, não ia gritar,

morreria com dignidade. Como uma guerreira!

— Ela chutou legal sua bunda — a moça tatuada que pelo jeito

se chamava Laila falou. — Vivi para ver o Júlio tomar uma sova de
uma mulher.

— Engraçadinha! Rômulo ainda não acabei com ela.

Estremeci com suas palavras.


— Acabou por hoje. — Dispensou sem emoção. — Vamos
mocinha, mas antes preciso cobrir sua cabeça, realmente é

necessário, peço desculpas.

Tentei me afastar, mas percebi que não tinha muita saída no

momento, e a Laila colocou o capuz em mim.

Segui para fora da sala e depois fui colocada em um carro que


passou a se movimentar com rapidez.

Com certeza iam me matar no caminho. Pensa Marina, pensa,

por favor, pensa rápido.

O medo assolava meu corpo como água congelada, deixando

meu corpo em alerta.

— Você é incrível, gostei de conhecer você Marina. — A voz

do senhor dito Rômulo, continuou calmamente falando. — Então

vamos ter uma conversa particular, e vou lembrar que não sou o

Júlio, então quero respostas.

Riu sem humor e as ameaças das suas palavras me


dominaram. Estava ferrada.
Fui novamente retirada do carro e apesar da má vontade

alguém me empurrou para frente, me fazendo andar com uma mão


segurando em meu braço. Debatia-me com raiva.

— Fica quieta sua vadia ou vou descer o soco nessa sua cara
bonitinha! — Laila soltou. — Apesar da admiração por você quebrar

o cuzão do Júlio, ainda acho que você é uma rata sem escrúpulos,
não curto pessoas que tentam matar velhinhos.

Com certeza falava do pai do Júlio foi o único velhinho que

tentei matar.

Na realidade, nem tentei matar, só dar um susto e fazer o Júlio

sofrer.

— Sentimental — comentei com a voz abafada pelo capuz.

Ela bufou e apertou meu braço com força.

— LAILA!

— Ela está provocando — resmungou para o Rômulo que

chamou atenção dela.

Fui empurrada para frente e jogada em algo que parecia ser


um sofá. O capuz foi puxado da cabeça, não reconheci o local. Todo

marrom do teto ao chão, e do outro lado da sala estava Bento


sentado e amarrado com um durex na boca.
— Solta ele! — Tentei levantar, mas fui impedida por duas

mãos fortes.

— Ele está bem, relaxa, só que conversa demais e é muito


digamos, mole para meu gosto. — Um homem moreno saiu das

sombras e riu batendo nas costas do Bento que gemeu com olhos
enormes de medo. — Prazer, Marco, quase morri na missão que
você boicotou, então digamos que não sou seu fã.

Encolhi-me com suas palavras cínicas, duras, era um homem

bonito, grande, de olhos felinos. Um soldado!

— Pelo menos ela ia fazer um bem à humanidade — Laila


disse baixo, mas eu ouvi.

— O que falou, Maria João? — Ele caminhou até ela que ficou
empertigada e os dois se encararam com raiva velada.

— Cala a boca os dois! — Um soco estremeceu a mesa. —

Sumam da porra da minha frente.

E foi o que aconteceu, todos saíram da sala, inclusive o

Rômulo que riu e piscou para mim antes disto.

E de trás da mesa saiu o homem mais lindo que já vi na vida,


mas sua aura era do demônio. E seus olhos despiu os meus, ali não

existia piedade nenhuma.


— Agora sem delongas e papo furado quero saber quem é
você? O que deseja com minha família?

Família?

Inferno!

— Não tenho nada a dizer e nem sei quem é sua família! —


Tentei ser forte, mas estava com medo dele.

Ele sorriu e mirou uma arma bonita, que nunca tinha visto o
modelo antes, bem no meio da minha testa.

— Para meu desgosto Júlio é meu cunhado, a partir do

momento que tentou matar meu sogro o problema se tornou meu. —


Quase fiz xixi nas minhas calças de tanto medo, mas não iria dizer
nada, morta eu já estava e não tinha mais nada a perder. — Sei que

sua vida medíocre não vale nada a seus olhos, mas creio que a dele
sim, não é?

Andou até o Bento e socou seu rosto sem piedade e depois


sacou um canivete segurando seu pescoço para cortar. Não!

— Não, não, por favor, não!

Não ia perder mais ninguém, parecia que vivia tudo de novo, a

tortura, a dor, a apreensão.


— Eu faço o que você quiser, mas deixe-o ir — pedi ficando
em pé.

— NÃO MANDEI VOCÊ LEVANTAR! — trovejou. — Senta


agora e conte tudo que vou perguntar ou vou derramar o sangue

deste idiota no meu tapete caro e isso vai me deixar mais pau da
vida ainda.

E foi o que fiz. Ele parecia um Deus, mas se fosse para

mitologia, seria o Deus da Guerra. Áries.

Impiedoso, imoral, sem escrúpulos. E pelo olhar, não tinha

nenhum problema em nos matar ali mesmo.

— Tudo bem — disse abaixando a cabeça. — Podemos fazer

um acordo.

— Não faço acordo com assassina barata e agora diga quem é

você?

Talvez conseguisse uma barganha com ele, precisava tentar.

— Eu sou Marina Rezende...

Estava exausta depois de tudo, de cada palavra que soltei, não


consegui mentir, era como se ele sugasse tudo para fora do meu
corpo.

Segurei o choro diversas vezes, Bento olhava para mim com

pena, sabia que ele estava vendo toda minha fragilidade, tudo que

tentei esconder quando ele salvou nossas vidas naquele dia.

O tal Arion ouvia tudo impassível, mas não menos interessado.

— Então você deseja vingança? — disse caminhando pela


sala calmo, ainda com a faca na mão.

Poderia tentar desarmá-lo, mas algo me dizia que seria morta


em segundos. Ele era o chefe de todos os outros.

— Acho que posso ajudar você Marina. — Sentou e cruzou as

pernas. — Tenho uma proposta para você.

— Vou sair com vida? E o Bento? — perguntei.

— Claro, todos os dois, perdão pelos meus modos. — Tirou o

durex da boca do Bento que respirou fundo. — Hospitalidade não é

meu forte — debochou.

— Inclusive já usei o serviços da empresa do senhor Bento, e

particularmente gostei bastante.

— Obrigada, senhor Arion, não sabia que sua família estava

no meio disso tudo, se não, teria avisado a pequena Marina — disse

com reverência.
Então os dois se conheciam, e pelo jeito meu amigo o

admirava e temia.

— Entendo, mas voltando ao assunto.

— O que preciso fazer para que me ajude acabar com o

Senador Carlos? — indaguei sentindo a adrenalina tomar conta de


mim.

— Vamos chegar lá! — Riu demoníaco.

Por um momento acabei achando que o universo estava

conspirando a meu favor.

— Você vai trabalhar com Júlio e com a Laila.

— Como é? Ele é culpado...

— Calma, esse será o castigo dele, as duas o odeia e nada

mais divertido nessa vida do que ver meu cunhado sofrer —

Comentou casual, como se discutisse o tempo. — E no mais, ele


vem investigando o Senador há anos, não creio que eles sejam

cúmplices ou amigo, mas isso ele vai ter que explicar a você, são

coisas pessoal dos dois, e apesar de um idiota, é um soldado


treinado, e de excelente índole.

Tinha minhas dúvidas, mas não estava em posição de

questionar nada, no momento, na hora certa acabaria com Júlio, me


vingaria dele.
JÚLIO

Para onde eles a levaram? Estava com raiva, muita raiva,

detestava ter as mãos atadas nesse momento. Ainda sentia a dor no


corpo pelo confronto com a Marina, mas sentia ainda o contorno
daquela bunda.

O que aconteceu com ela? Entendia até certo ponto sua raiva,

mas era comigo, o que minha família tinha a ver com isso?

Onde estava a Isadora, ainda me lembrava dela como se fosse


ontem, seus olhos tristes, seu corpo perfeito, uma mulher belíssima,

há anos vinha tentando descobrir o que havia acontecido naquela

noite.
Andei até o quarto que ocupava no lugar, todos me olhando,

risinhos de canto de boca, mas não me importava, só precisava


saber para onde a levaram.

O que iam fazer com ela?

— Oi — Kelly gemeu como uma gata na minha porta.

— Hoje não, Kelly!

— O que aconteceu, a surra que tomou te deixou impotente?

— brincou lambendo os lábios, não se enganem, apesar do apetite

voraz, Kelly era treinada, leal e importante para o todo dentro


daquele lugar. Só não conseguia manter as pernas fechadas, mas a

boca era um túmulo.

Talvez tirasse algo dela, empurrei seu corpo para parede do

quarto e bati a porta para ficarmos longe dos olhos dos curiosos.

— Quero de costas e com força — gemeu sem vergonha

nenhuma.

Virou para parede e empinou a bunda, era uma sem-vergonha

e não se importava muito com quem desse o sexo que necessitava,

para ela o importante era curtir.

— Você quer meu pau? — perguntei o apertando na bunda

dela. — Quer ele todo enfiando nesse cuzinho?


— Ah, sim, quero. — Parecia uma gata no cio.

Tirei o pau duro para fora, e suspendi sua saia comprida, e

apalpei sua bunda com vontade, a imagem da bunda da Marina veio

à minha mente. Aquela bunda morena dura, e aquela merda de

calcinha. Não deveria pensar nela, não nela. Droga.

Mas fiquei mais duro ao pensar na deliciosa da Marina,


imaginar me enfiando naquela bunda perfeita. Em qual parte do

caminho tudo se perdeu e ela se transformou naquela máquina

assassina?

Abri o traseiro da Kelly e coloquei apenas a cabeça e ela

rebolou pedindo mais.

— Onde eles a levaram? — perguntei pondo mais um pouco

do meu pênis e ela empinou para receber. E dei um pouco mais,

segurando firme nos seus cabelos loiros.

— Põe tudo, por favor — pediu e eu segurei firmes os cabelos,

com a outra mão apertei seu seio direito e ela gemeu desesperada

para brincar.

— Você ama dar esse cuzinho, né Kelly? Diz para mim onde

ela foi?
E com um giro ela se soltou e me jogou na cama montando em

mim.

— Primeiro me coma como se deve. — Tocou meus lábios

com a unha pintada de vermelho sangue.

E o meu pau estava uma rocha apontando para o alto e ela


lambeu os lábios com a visão, era uma gulosa. Sua boceta

molhando minha calça de tanto tesão.

Abri sua bunda e ela veio por cima descendo sobre meu pau.
O seu buraco recebeu, e sua cabeça tombou para trás.

Fechei os olhos e Marina veio à minha mente. E foi ela que


fodi sem piedade, foi nela que bati dentro e fora, foi na porra da

bunda dela que imaginei derramando minha porra. Foi para ela meu
orgasmo.

Saindo de cima de mim com um sorriso travesso mirou meus


olhos, me trazendo ao presente, ainda bem que tranquei a boca e

não chamei o nome errado.

— Ela está viva! — Foram suas palavras depois de gozar


como uma boa sem-vergonha.

Abaixou a saia e soltou um beijo para mim da porta.


Informação muito mínima para uma foda tão gostosa. Joguei a

cabeça na cama e me arrependi mil vezes por pensar na Marina


sexualmente. Não era nada para mim, só precisava saber o que

aconteceu com a Isa.

Tentei todos os números que tinha do Arion e o desgraçado me


ignorou de forma deliberada. Não que fôssemos amigos, não

éramos mesmo.

Mas faria qualquer coisa para saber onde levaram a Marina.


Ameacei todos e ninguém abriu o bico. Bando de filhos dos infernos.

Caminhei pelo complexo parecendo um louco, saí para tomar


uma fresca, não suportava mais esperar. Se demorasse mais um

pouco usaria minha arma letal contra meu cunhado, a Fernanda.

Iria ligar para ela sem medo de errar, como a minha última
tentativa, tinha certeza de que ele não negaria informações a ela.

Mas para isso teria que explicar quem era a Marina.

Inferno de tantas complicações!

Percebi a presença do Marco antes mesmo dele se aproximar,

o cara era sutil, mas meu ouvido era bom para essas coisas.
— Você parece que vai matar alguém! — Encostou-se à
parede ao lado e levou um copo de café estilo Starbucks — Escrito
SOU O MAIS GOSTOSO — Aos lábios.

— Estou sempre desejando matar alguém! — Apontei para o

copo. — Quem foi o idiota que te deu esse troço?

— Minha mãe!

Riu e eu revirei os olhos, só podia ser a mãe dele para achar

que um imbecil daquele era gostoso, se bem que tinha um jeito


vistoso, alto, moreno, e algumas mulheres babava por onde ele

passava, sem contar que ele era descrito como um cavalheiro por
elas.

— Mães são seres estranhos — resmunguei com tédio. —


Sabe se o Rômulo voltou?

— Se deseja saber sobre a Marina ela está bem guardada!

Fiquei alerta e virei para ele com olhos mortais.

— Nem adianta me ameaçar, não tenho autorização para dizer


nada.

Deu de ombros e se afastou.

— Preciso saber — falei por entre os dentes.


Soquei a parede com raiva.

— Se acalma, ela está bem.

Meu medo era esse, o que a Organização vai querer com ela,

nada ali era feito sem um motivo.

— Ela não sabe se defender, preciso saber da irmã dela...

— Cara o que bem ela sabe é se defender, a moça é uma


máquina. — Riu — E uma máquina bem bonita.

Calou-me com deboche lembrando-se da surra que ela me

deu.

— Fica bem longe dela — avisei e ele continuou com seu

sorriso sacana. — Não sei como isso aconteceu, e não saber de


nada está acabando comigo.

O meu celular tocou e olhei o visor da mensagem.

#sala três.

Sem dizer nada entrei no prédio com rapidez indo para sala
onde designaram.

— Como é?
Não estava acreditando no que esses dois estavam dizendo.

— Ficaram loucos? Malucos!

Sinceramente todos enlouqueceram, isso era um absurdo.


Alisei a minha barba com os nervos no limite. Levantei batendo na

mesa e a cadeira caiu.

— Não vou aceitar isso! — Joguei para eles, que me olhavam


como se eu fosse um inseto.

— Então você está fora!

— Como é?

Arion deu de ombros.

— Isso que você ouviu, então você está fora do assunto, vou

designar outro para ajudar a Marina com o Senador. — Cruzou os


dedos com calma sobre a mesa. — Acho que Donny daria conta do

recado.

Creio que minha boca desceu quase até o chão.

— Não acho que ela deva se meter com aquele homem, posso

resolver isso sem ela. — Apontei o dedo para ele. — Deixa a Marina
longe disso.
— Ah, me poupe Júlio, você acha que vai conseguir conter

aquela mulher? Que ela vai aceitar ficar longe? Que vai jogar anos

de busca por vingança em suas mãos, só porque você pediu? Ela te


odeia!

Engoli em seco com sua última frase. Odiava saber que ele

tinha razão.

— Ela é o motivo de tudo isso. — Bateu o dedo na mesa. —

Há anos você deseja desembaraçar o Carlos, pensa que não sei?


— Não respondi. — Tenho tentado achar uma brecha com ele e

nunca fui bem-sucedido o cara é bonzinho demais, filantrópico, um

anjo para o mundo, o queridinho de São Paulo — anunciou. — Mas

algo nele fede, e agora sei o que é, e quero mais, quero saber tudo,
preciso de todas as informações, provas, quero o Carlos em nossas

mãos — pontuou friamente.

— Mas isso não é sobre a Organização, isso é pessoal —

lembrei a ele. — Tem a ver comigo e com a Marina.

— Agora é sobre a Organização e agora a Marina está sob


seus cuidados. — Levantou-se. — Preciso voltar para casa. —

Caminhou passando por mim. — Controle seus impulsos e raiva, ela


não é sua fã e não vou negar que saber disso me faz feliz. Deixou a

sala com um sorriso de deboche no rosto.

Sentei na cadeira que levantei e cobri o rosto com as mãos,

estava desnorteado com essa reviravolta em minha vida. Nunca


imaginei que Arion soubesse de tudo, ou imaginasse algo sobre o

Senador.

— Vai ficar tudo bem cara! — Rômulo bateu nas minhas


costas. — Ele pega no seu pé porque teme que a Nanda arranque

suas bolas se algo te acontecer.

— Sei!

Rômulo riu e me deixou sozinho com meus pensamentos

turbulentos.
MARINA

Apesar de tentar parecer bem, eu não estava bem, não estava

feliz, não me sentia preparada para nada. Como se deslizasse tudo


por meus dedos.

Como se minha vida mais uma vez estivesse sendo decidida

por um homem. Estava perdendo o controle de tudo, desci do carro

e caminhei, só tinha um lugar onde eu podia pensar.

O único lugar que trazia paz e renovava minhas convicções.

Olhei as pedras e ajoelhei tocando uma delas com carinho.

— Oi.
Uma lágrima silenciosa desceu pelo meu rosto.

— Não sei por qual caminho estou indo, não sei se estou

fazendo a coisa certa. — Minha voz era embaçada por minhas

próprias lágrimas. — Mas não consigo mais parar.

Levando a mão ao coração bati no meu peito com raiva, medo,

rancor, por essa humanidade medíocre que não se importavam, que

nos odiavam e achavam que éramos meras máquinas de


reprodução, que não devíamos ter voz. Homens como Carlos eram

ovacionados e mulheres como Isadora eram mortas todos os dias.

Abaixei a cabeça e gemi de dor por tudo que perdi.

— Marina?

Pulei e puxando minha arma em modo defesa. Não iria ser

pega desprevenida de novo.

Apontei para a última pessoa que desejava encontrar ali.

— Ei! — Júlio levantou a mão para o alto.

— Como me achou? — perguntei olhando para ele e para as

pedras do meu lado. — Não quero você aqui.

— Ei, calma, só vim a pedido do Arion, já que vamos trabalhar

juntos temos que acertar alguns detalhes — falou ainda com as


mãos para cima.
Não confiava nele, não gostava dele, nada em Júlio me trazia
boas lembranças. Esse seu olhar frio, sem humor, essa mania de

olhar como se estivesse despindo nossa alma.

Tudo era culpa dele!

— Ia procurar você mais tarde.

Coloquei a arma de novo no coldre que carregava do lado da

camisa por dentro da jaqueta marrom que estava usando.

— Onde aprendeu a atirar e a lutar? Como isso tudo

aconteceu?

Parecia genuinamente interessado.

— Por aí, mas diga o que precisa.

Não queria falar sobre o passado, não com ele e não agora.

E não ali, naquele lugar, virei para o grande lago.

E suspirei sufocando as lembranças.

— Eu preciso saber, sei que você me odeia, sei que fui traidor

a seus olhos, mas eu preciso saber da Isa.

Fechei os olhos sentindo todo impacto de sua pergunta, e eu


queria que ele sofresse mais, que doesse nele.
— Para quê? Para nos entregar de novo? Para seduzi-la de

novo?

— Ficou louca, nunca seduzi ninguém, como pode achar isso

da sua irmã? — falou indignado.

E eu ri da tremenda cara de pau dele.

— Como dorme a noite sabendo que você abandonou a


mulher que dizia amar? Que dizia que ia ajudar? Como teve

coragem de vender nossa fuga para o Carlos?

Saber que ele teve um caso com a minha irmã doía até hoje,
não porque condenava a Isa, mas porque sabia que ela só faria isso
se tivesse recebido dele atenção, carinho e amor, se ela tivesse

realmente confiado nele.

E o miserável à minha frente usou isso contra ela.

— Eu não dormi! — Foram suas palavras tristes. — Mas eu


não vendi nada ao Carlos, o que você me acusa é um insulto,
jamais faria isso.

— ELE FALOU!

— ELE MENTIU! — gritou de volta. — Você prefere acreditar

em um inescrupuloso? Nunca tive contato com ele sobre esse


assunto.
— Ele a machucou por sua causa, porque vocês tiveram um

caso — contei tentando conter a raiva, e as lágrimas de ódio por ele.

O choque ao saber disso ficou evidente em seu semblante, e


com um passo para trás alisou o cabelo e depois a barba.

— Eu não sabia...

— Ela apanhou, teve suas pernas quebradas, seus braços...

— Não! Não!

— Sim, sim, e a culpa é sua!

Joguei na sua cara e saí andando com raiva, queria manter

distância, não queria acreditar que o semblante de dor que vi nele


era real, que de certa forma ele sofria por Isa.

E que isso queria dizer que a amava. Que o que os dois

viveram foi um amor, não queria. O meu estômago embrulhava ao


imaginar os dois juntos, sorrindo, se beijando, se amando.

Não devia pensar nisso, não devia sentir raiva disso, não!

Não queria!

Odiava esse sentimento estranho que se apossava do meu


peito quando imaginava os dois.

Tinha uma missão e vou cumprir, depois irei matar o Júlio.


Fim!

Virei para olhar e ele estava parado no mesmo lugar com a

cabeça para o alto.

E um grito de dor saiu dos seus lábios.

Um urro de um animal ferido.

Deveria me sentir contente por ter o magoado, o ter feito

sofrer.

Mas não me sentia assim!

Infelizmente!

Sabia que uma hora dessas ia precisar falar da Isa para o


Júlio, mas queria magoar ele mais um pouquinho.

Encostei-me no carro e acendi um cigarro precisava me

acalmar, meus dedos trêmulos levaram o cigarro aos lábios, traguei


e soltei a fumaça.

Deixando a nicotina fazer seu trabalho de acalmar meus


nervos. As últimas 24 horas foram muito loucas, cheia de

reviravoltas e parecia que estava presa numa teia.


— Eu não imaginava, falou, eu não sabia! — A voz dele ainda
continha um toque de desespero ao se juntar a mim. — Você
passou a fumar? Isso não é bom para saúde.

— Vai se foder! — Joguei o cigarro no chão e pisei em cima. —

Diga o que Arion passou para você.

— Você não deveria ter metido ele nisso.

Suspirei chateada com seu tom e o fato de que tinha razão.

— Não sabia quem era ele, não pensei nisso — confessei.

— Meu pai também não tem nada com essa história.

Lembrou-me e eu dei de ombros olhando as árvores ao redor,

o perfume dele era forte e marcante, amadeirado. Combinava com


Júlio o cheiro e não entendia por que estava pensando na porra do

perfume dele.

Afastei-me para longe, estávamos próximos demais.

— Foi só um susto — respondi cínica.

— Eu não pude aparecer naquela noite.

Não queria ouvir suas mentiras, tentei sair de perto, mas ele

me segurou.
— Eu matei um homem naquela noite, o cara que eu achava

que estuprou a mãe da minha filha.

Ele soltou e eu virei.

— Como?

— Não quero falar disso, tanto quanto você não quer ouvir,

mas aquela noite eu não apareci como combinado, pois descobrir


que a minha ex tinha sido estuprada. — Fiquei parada esperando

mais. — Mas agora eu não consigo falar disso — resmungou e

olhou para longe. — Vamos nos reunir para falar do plano, o foco
agora é acabar com o Senador Carlos.

Saiu caminhando de cabeça baixa até sua moto.

Precisava saber se o que ele disse era verdade. Sabia quem

era a mãe da filha dele.

Fiz meu dever de casa sobre o Júlio, mas sentia que deixei

passar algo, inclusive que ele tinha um cunhado poderoso e bem

filho da puta.
JÚLIO

Foi o Rômulo quem me informou onde encontrar a Marina,

nunca tinha ido para esse lado da cidade, tinha anos que não
passava próximo à casa da Isa.

O lago onde segundo o marido ela jogou o carro, até hoje

nunca acreditei nesta versão dada por ele. O corpo nunca foi

encontrado, o que era muito estranho, já que o carro foi encontrado.


Meu instinto de policial me dizia que tudo foi forjado.

Ela ficou sumida por meses, acharam que foi sequestrada, o

marido chorando e pedindo para devolver sua esposa. Todos com

pena do pobre Deputado.


O miserável tinha batido nela, tinha machucado.

Ouvir isso da boca da Marina foi doloroso de diversas formas,

primeiro porque pela mágoa de suas palavras e segundo porque

realmente eu queria a Isa, eu a coloquei nessa situação quando


insisti em ficar atrás dela.

Era culpado pelo que tinha acontecido com a Isadora. Eu a

queria e fiquei obcecado, a desejava de qualquer forma e não


pensei o que isso acarretaria em sua vida.

Agora entendia o rancor da Marina, ela tinha toda razão.

Antes de subir na moto um pensamento nebuloso passou por

minha mente e virei voltando com passadas largas.

— Ela morreu, não foi? A Isadora foi morta naquela noite?

E como se ouvisse minhas palavras um raio rasgou o ar vindo

o céu abaixo com uma chuva forte e inesperada.

Ela soltou os braços ao longo do seu corpo e virou para onde

se encontrava as pedras, onde a encontrei.

— Ah não, Ah não... — gemi e corri para perto do local

embaixo de chuva.

O resto da minha alma foi despedaçada naquele momento,


culpa minha.
— ISADORA, ME PERDOA!

Caí de joelhos na lama, e sem conter a dor e as lágrimas que

escorriam com a chuva.

— NÃO! Perdão, Isa!

Toquei aquele montante de pedra rústica e bem alinhadas,


ninguém devia ter percebido um túmulo perto de casa. Bem

embaixo dos olhos do seu algoz.

— ELA PRECISA DE JUSTIÇA, ELA PRECISA SER

VINGADA! — Marina falou atrás de mim. Encharcada pela chuva

com as pernas abertas e os braços soltos ao longo do corpo em

posição de batalha. Assenti e um raio rasgou o céu.

— Vou matar o Carlos — prometi olhando de lado para ela.

E ela balançou a cabeça aceitando minha promessa.

Precisava ficar um pouco sozinho, colocar os pensamentos em

ordem.

E foi o que fiz, rodei a cidade de moto, não queria aceitar que

ela se foi. Que morreu na mão daquele homem cruel, a chuva

encharcava minha roupa, mas não me importei.


O meu coração estava doendo, me sentia morto por dentro,

pensei que já estivesse, mas hoje foi a última pá de terra sobre meu
corpo.

Mataria o Carlos, iria acabar com aquele filho da puta.

Segui para casa dele, parei afastado do portão e o vi


conversando com uma moça bonita que estava de cabeça baixa,

que só ouvia suas palavras.

Tirei a arma seria um tiro certeiro, ninguém iria imaginar.

— Acha que isso vai funcionar? — Ela estava próxima me


olhando também encharcada pela chuva.

— Ele merece...

— Ele merece sofrer como ela sofreu, ele merece urrar de dor
como ela fez, ele merece ter seu corpo violado, uma bala é muito

pouco.

Não queria aceitar que tudo isso foi feito com a Isadora, não

conseguia imaginar.

— Você estava lá?

Ela abaixou o semblante e olhou para o Carlos que se


encontrava alheio à nossa presença, por entre seus cílios.
— Vivi tudo isso com ela.

— Vou acabar com esse miserável!

Mirei novamente.

— Não, eu quero ele morto, mas quero que todos saibam o


que ele fez. — Se aproximou e tocou a minha mão. — Pense, se

morrer assim vai ser em vão, vai ser enterrado com honras, com
direito a medalhas.

Ela tinha razão, mas minha mente estava lutando para acabar

com tudo logo.

— Júlio, me ouça! — Tocou meu rosto e focou dentro dos

meus olhos. — Olhe para mim, eu estive lá, eu fui espancada,


humilhada, estuprada, eu mereço pedir isso. — Sua voz embargou e

não me contive tomei seu corpo e abracei. — Ele precisa pagar,


mas uma bala é pouco.

— Sim, Mari, ele vai pagar, juro por minha vida.

Ficamos não sei quanto tempo embaixo daquela chuva com


nossas promessas, trégua, abraçados.

Logo à frente o Senador continuava seu papo, sem saber o

que o aguardava.
— Quero você acabando com essa farsa com meu irmão —
soltei ainda no elevador a caminho do meu apartamento.

— Ok, ele é um babaca que se acha — ela falou saindo do

elevador com tédio. — Preciso trocar essas roupas.

— Ele é meu irmão e não tem nada a ver com meus erros.

Apontei meu dedo para ela abrindo a porta do local, a mesma

entrou e ficou observando tudo.

— Gostaria de lembrar que não sou babá! — Laila saiu da


cozinha e apontou para as roupas que pedi para ela providenciar.

Jogou-se no sofá com uma cerveja na mão e a cara de


desgosto do Marco ao olhar para ela poderia ser definida com asco.

Os dois se odiavam, viviam tentando se matar. Laila era tudo que


Marco odiava, mal-educada, nada doce, e se comportava como

qualquer macho padrão.

Para mim ela só era estranha, gostava do seu tino para ação,
atirava como ninguém, conhecia várias técnicas de luta, e não
chorava como uma donzela indefesa.

Então para mim estava ótimo.


— Você pode usar o quarto. — Apontei para o local e Marina
só pegou as roupas e seguiu para lá. — O que vocês trouxeram?

— DONNY! — os dois responderam ao mesmo tempo e eu


revirei os olhos.

— Meu Deus! Pensei que eu fosse um cara amado nesta

equipe.

O idiota saiu da cozinha com um saco de amendoim e duas


cervejas na mão e passou uma para mim.

— Relaxa, você parece um pinto molhado.

Ia responder e parei perdendo a voz vendo a Marina voltar à

sala com um micro short e uma camiseta branca. As pernas dela

eram incríveis, torneadas, morenas e a bunda, meu Deus, aquela


bunda.

— Obrigada pela roupa de puta — resmungou para Laila.

— De nada, achei que combinava com você. — Piscou com

deboche e Mari fechou a cara. — Trouxe comida, está na cozinha e

trouxe umas pesquisas também.

Ainda estava vidrado naquele corpo e minha mente não

conseguia se conectar.

Uau!
Lembrava-me dela numa porra de calça folgada e camisa larga

de frio com capuz. Tudo aquilo estava por baixo?

— Menina com respeito, tu é muito gostosa! — Donny soltou

me fazendo virar para olhar a audácia dele.

Em troca recebeu o dedo do meio dela.

— Gostei de você! — O babaca riu e ela retribuiu. — Venha


tomar uma cerveja, enquanto a gente passa as ideias.

Para mim era só pancada, com Donny ela atendia e até sentou
do lado dele aceitando beber da sua cerveja.

— Vou trocar de roupa.

Ninguém deu a mínima para minha conversa, saboreando as

cervejas da minha geladeira na maior cara de pau.

Rebanho de filhos da mãe.

Almoçamos na sala mesmo repassando tudo que todos

trouxeram sobre o Senador.

— A mulher dele é filha única de uma família tradicional

Paulista, não são ricos, mas têm contatos — explicou Laila. — Ela é

típica garota propaganda para o Senador, participa de vários


movimentos para ajudar os pobres — continuou: — Ele a leva para

todos os lados como uma boneca. — Ela revirou os olhos para dizer

isso. — Tudo nela cheira a dinheiro e submissão.

— Com certeza ela vive na sua coleira, dessa vez ele escolheu

uma padrão, sem profissão que ficasse colada a ele — Marina

endossou. — Ele não deixa marcas no rosto, gosta de crueldades,


mas o rosto é o local onde não mexe. — Sua voz quase sumiu. —

Ele deixou o rosto da Isa intacto, foi o único local onde se

reconhecia quem era ela.

O silêncio mortificou a sala. E minhas entranhas se reviraram

ao imaginar a cena.

— Vamos acabar com esse escroto — Laila prometeu olhando

para Mari friamente. — Vamos fazê-lo engolir o próprio pau.

— Vivo para isso — Marina respondeu.

— Temos que achar o ponto fraco dele. — Marco as trouxe de

volta à conversa. — O que ele teme.

— Homens como ele que criam personagens e gostam de

bater em mulheres, teme ficar impotente — comentou Donny


causalmente. — Ou esconde sua impotência sexual.

— E? — Marco indagou.
— Precisamos descobrir um ou outro, assim deixar uma

repórter descobrir, vamos abalar a imagem de bom moço dele,


deixar o seu personagem perfeito ruir.

— Como? — Marina perguntou.

— Tenho uma ideia.

Carlos teria uma surpresa logo, logo. Ri só em imaginar.


MARINA

Passei tanto anos sozinha, que estava meio perdida em meio a

tantas pessoas. Eles se ouviam, analisavam, riam juntos, se


alfinetavam. Era mais que trabalho, era um laço de amizade.

Como se fossem uma família.

Júlio era o capitão do barco, o cara que todos respeitavam.

Donny o engraçadinho, amigo, fofo.

Marco o cara simpático, boa praça que tentava amenizar, diria

que era ele que todos procuravam para desabafar.


Laila a marrenta, sem piedade, sanguinária, realmente não

conseguia encaixá-la naquela equação familiar.

Nunca tive família, sempre foi Isa e eu, meu pai o babaca

nunca se importou muito. Então pouco sei sobre ser família.

Mas via neles respeito.

O que era a Organização e por que agora Júlio fazia parte de


tudo isso?

Minha cabeça dava voltas para entender tudo. Odiava saber

que fui pega nos meus próprios planos, mas era uma formiga meio a
essa turma equipada.

Além de estar confusa com o Júlio, eu vi no olhar dele que iria


matar o Carlos, que queria beber seu sangue. Sua sede de

vingança, isso meio que me deixou confusa.

Será que vivi esses anos todos em cima de uma mentira? Com

raiva de um cara errado. Os dados dele dizia que matou um colega


de trabalho, cavei fundo para achar essa informação, sua filha foi

sequestrada por isso, sabia que tinha um rolo grande atrás dessa

história.

Precisava juntar as peças para entender o papel do Júlio na

noite que tudo aconteceu.


— Que roupa é essa? — Bento perguntou entrando na sala
com uma xícara na mão. — Você parece exausta.

— E estou, desculpa por ontem.

Ele não deveria ter passado por toda aquela tensão com Arion,

Bento era um homem doce, frágil, com o coração enorme.

— Tudo bem, foi excitante, só tiraria a parte da faca no meu

pescoço. — Estremeceu. — Que homem aquele Arion, não é? —

Não acredito que ele se apaixonou por seu sequestrador? — Forte

bonito, ainda mauzão.

— Não acredito nisso!

— O que foi? Já tinha o visto antes, mas nunca tive a

oportunidade de falar perto com ele — lembrou levando à xícara aos

lábios. — Mas me conte como foi hoje, estou curioso.

Sentou na poltrona e cruzou as pernas.

— Tenso!

Expliquei todos os detalhes e onde o Júlio me achou,

acrescentei que ele quase atirou no Senador.

— Meu Deus! Esse rapaz amava sua irmã então.


Estremeci com essa ideia, mais uma vez a relação dos dois

vinha para mim e eu me sentia péssima por sentir raiva disso.

— Não sei, ele não me contou os detalhes e eu também não

contei tudo. — Dei de ombros. — Sei que precisamos conversar,


mas falar sobre isso, não sei se estou preparada para reviver aquela

noite.

Fui sincera com o Bento, a ferida era grande, os traumas


também. Meu corpo e minha alma foram tomados naquele fatídico

dia. Ali perdi toda inocência e a fé que tinha nas pessoas.

— Mas sei que preciso fazer isso se vamos trabalhar juntos.

— Achei você muito perspicaz quando barganhou com o Arion

ontem — elogiou me encarando com carinho. — Não sei o que ele


vai ganhar com isso, mas ficou interessado e ainda vai ter muitas

pessoas para ajudar você.

Sorriu com carinho para mim. Bento me amava como se fosse

sua filha. Era grata por ter me resgatado e cuidado de mim.

— Não faço ideia dos motivos dele, mas sou grata pela ajuda.

— Isso, gratidão, você é uma Guerreira, minha pequena, lutou


sozinha esses anos todos, agora é hora de juntar forças e acabar de
vez com tudo.
Levantei e sentei ao seu lado abraçando seu corpo. Eu amava

o Bento e toda ajuda que recebi dele durante esses anos. Se não
fosse seu amor e paciência eu teria sucumbido à dor e a raiva.

— Vai ficar tudo bem agora, Marina.

Sua voz feliz me trouxe um pouco de alívio.

— Vou tomar banho, pede comida para nós?

— Sim, claro.

Piscou feliz e soltei um beijo para ele indo para meu quarto.

Voltei à sala e encontrei o Júlio conversando tranquilamente


com o Bento. Como ele me achou de novo? Escolhemos esse hotel

por ser discreto, além de poder sair e entrar nos misturando sem
chamar atenção.

— O que faz aqui?

Ele olhou para minhas pernas e virou o rosto.

— Preciso conversar com você. — Levantou com toda sua


imponência e jeito policial.
— Vou para o quarto, foi um prazer Júlio — Bento disse e
passou por ele, fazendo UAU com a boca silenciosa.

Ele assentiu, mas continuou me olhando com as duas mãos na


cintura. Seu modo de me olhar era desconcertante, tinha uma

eletricidade rolando.

— Sim, para que veio? — Cruzei os braços mais como defesa


contra seu olhar. — Qual o motivo?

— Conseguimos a pessoa que vai se infiltrar em uma festa que


rola em Brasília, típica festa para Deputados, com prostitutas caras,

bebida, muita comida e orgias — explicou com calma. — O Senador


não vai estar presente, mas nosso contato soube que ele vai fazer a
sua própria festa, precisamos que ela seja convidada para a dele,

mas já estou agilizando isso.

— Sim, espero que dê certo, agora precisamos de uma


jornalista para falar sobre isso. — Andei pela sala roendo as unhas.

— Alguém que compre a informação.

— Você mudou bastante. — Mudou de assunto bruscamente

parei para encará-lo. — Sei lá, está mais forte, mais bonita.

— Talvez ser estuprada por dois homens, espancada, ter


minha alma arrancada do corpo tenha feito isso. — Joguei para ele
com rancor. — Ou você morre ou você luta para imergir.

— Sinto muito, Marina. — Sentou no sofá e puxou os cabelos.

— Se tivesse ido até você naquele dia nada disso teria acontecido.

Talvez ele também estivesse morto agora.

— Como foi? — perguntei mesmo sabendo que ele não queria


falar sobre o assunto.

Ficou parado, em silêncio depois levantou o olhar para mim.

— Precisei passar na casa da minha ex para pegar um

material que achava que seria importante para fuga de vocês e a


encontrei espancada e segundo ela, sofreu abuso — contou

olhando nos meus olhos e eu estremeci. — Achava que ela estava

saindo com um policial da mesma corporação que eu, acabei


perdendo a cabeça, embosquei o cara e atirei nele, estava furioso, a

Drica estava muito machucada.

— Você matou um colega da corporação? Uau! Isso deve ter


dado muita confusão. — Matar um policial poderia ser passível de

morte ou exoneração.

— Ninguém soube na época, o policial era tido como corrupto,

o meu chefe abafou o caso — respirou fundo. — Mas ele não era o

cara da Drica, eu matei o homem errado.


Puta merda, que loucura!

— Eu perdi a cabeça na noite da fuga e fiz tudo errado, mas

nunca falei com o Carlos, não tive contato com ele, juro a você.

— Estranho, pois ele sabia do seu envolvimento com a Isa, e

os capangas dele falaram naquela noite a mesma coisa. — Tinha

uma peça faltando. — Alguém sabia sobre vocês?

Ficou em silêncio, creio que analisando a situação. Levantou

passando a mão nos cabelos que teimava em cair em seus olhos.

— Tinha alguém, mas vou descobrir a verdade — prometeu. —

Mas eu vim aqui para conversar outra coisa.

— Hum?

— Você vai precisar morar comigo por um tempo, não é seguro

mais ficar neste hotel ou com o Bento.

— Como é que é? Ficou louco?

— MARINA ME OUÇA! — gritou com raiva e perdendo a


paciência. — Ele acha que você morreu, mas logo pode começar a

desconfiar.

Também não estava muito paciente com essa ideia.

— NÃO VOU MORAR COM VOCÊ!


— Você não está analisando com frieza as coisas, Marina,

agora vamos para cima do Carlos e ele vai querer saber quem está

mexendo com ele — argumentou. — Foi fácil eu te achar aqui, para


ele vai ser moleza descobrir que você não morreu.

— Mas isso não quer dizer que tenho que morar contigo.

— Meu apartamento é seguro e monitorado pela Organização,

tem um quarto sobrando lá que você pode usar — lembrou convicto.

— Bento corre perigo e não acho que você deseje que ele seja
usado, contra você de novo.

— Não põe o Bento nessa história.

— Aí, está vendo? Ele é importante para você. — Sacudiu a

mão. — Está decidido, você vai morar comigo por um tempo.

— Não! Posso arrumar outro lugar.

— Acha que não consegue resistir a mim? É isso? Tem medo

de pular na minha cama?

— Só se for para cortar sua garganta — debochei, ele sorriu

cínico.

— Então não existe motivo para você não vir morar comigo. —

Deu de ombros. — Quase não fico em casa, Donny e os meninos

andam mais por lá, creio que esteja a salvo da minha sexualidade.
— Era um imbecil convencido. — Não tem motivos para temer a

mim, pois não tenho interesse nenhum em você, prefiro mulheres


mais doces.

Ah, mas era um tremendo idiota.

— Eu sei o seu gosto, prefere as mulheres comprometidas! —

Dei o golpe e seu semblante caiu primeiro de vergonha, depois veio

à raiva. — Vou pensar na sua oferta, quando sair fecha a porta.

Dei as costas e saí de sua frente, não suportaria nem mais um

minuto sem socar sua cara.

Idiota!
JÚLIO

A Marina me enervava, como alguém podia se tornar tão

irritante? Inferno de mulher miserável. Cabeça dura, desgraçada!

— Sua cara está péssima, bonitão.

Tomei todo o drinque e mirei a Kelly sem emoção.

Tinha ido ali para esfriar a cabeça, creio que todos os rapazes

conheciam esse lugar, já que pertencia ao poderoso chefão, aqui

era o melhor lugar da cidade para conseguir informação e uma


transa sem compromisso.
As meninas eram excelentes informantes. Acho que Kelly

trabalhou por aqui por um tempo, depois foi transferida para a


central. Mas não perdia a oportunidade de aparecer para visitar

seus antigos clientes. Mas também não tinha certeza, nunca me

preocupei em perguntar, no máximo ela passava as informações


que precisava ou estávamos metido em alguma transa só ela e eu

ou em conjuntos com outras pessoas.

Sem perguntas pessoais.

— O que tem para mim? — perguntei pedindo uma bebida

para ela.

Sentou no banco ao lado e sorriu para o garçom quando

recebeu o drinque.

— Obrigada Ramon, você é um docinho. — Ele ficou vermelho

com seu elogio. — Tudo pronto como você solicitou, uma amiga já

conseguiu ser convidada, mas Júlio algo me intriga nesta história. —

Kelly era muito eficiente em tudo que se propunha a fazer. —


Algumas conhecidas minhas já participou das festinhas do homem,

e ele nunca tocou nelas, o cara curte olhar, mas não se envolve no

ato.

Cada maluco com suas manias.


— Porém, uma delas saiu bem machucada da última vez.

Mirei de lado seu perfil tenso ao falar disso.

— Ele a machucou, por isso quero proteção para essa amiga

que vai à festa — pediu com firmeza. — Promete? Não quero mais

uma amiga machucada.

— Prometo e prometo justiça para sua amiga também.

Cada hora que passava tinha mais vontade de ceifar a vida do

Carlos , aquele monstro doente.

— Poucos acreditam em palavra de prostituta, a Organização

faz isso, mas nem todas nos procuram ou sabem da nossa


existência — continuou falando com a coluna ereta. — Muitas de

nossas amigas morrem nas mãos de homens como o Senador.

— Ele precisa pagar Kelly!

— E vamos fazer isso. — Tocou minha mão. — Vamos

brincar? Convidei o Marco.

Sorriu, perdendo o ar sério e passando novamente a coquete

como sempre.

O telefone tocou e ela mirou o visor.


— Droga! Vou ter que abortar o plano de brincar, tenho

trabalho a fazer. — Levantou do banco e piscou para mim. —


Mantenho contato.

Kelly era uma figura única e livre, simplesmente espetacular.

O jeito coquete escondia uma mente brilhante e sagaz. Por


isso foi escolhida para trabalhar diretamente com os agentes.

— Ei, a Kelly vai para onde?

Marco se aproximou chateado vendo Kelly partir.

— O trabalho chamou — contei suspendendo o copo para


mais um drinque.

O local estava movimentando, as luzes escuras e cabines

dava privacidade, sem contar as partes fechadas que poucos tinham


acesso, a menos que pagasse muito caro.

— Ah, tá! — Virou para o garçom. — Uma cerveja.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, cada um perdido em


seus próprios pensamentos. Voltei a pensar na infernal Marina, por

que ela tinha que ser tão dura? Se bem que tudo que disse ter
passado, mudava uma pessoa de forma catastrófica. Tinha vontade

de torcer o pescoço, mas tinha vontade de descobrir tudo que tinha


por baixo daquele véu de durona.
Precisava deixá-la afastada do Luciano, não gostava nadinha

da amizade dos dois. E o olhar apaixonado dele, deixava claro que


a Marina mexeu com seus sentimentos.

O que poderia ser um problema em longo prazo.

— Oi, rapazes!

Marco mirou a moça e o decote ia até a cintura, os peitos


siliconados, e as pernas gloriosas. Balancei a cabeça levando o

copo à boca.

— Segundo a Kelly vocês vão precisar de mim.

Era loira de olhos azuis e cabelos longos cacheados.

Diria belíssima.

Se não fosse tudo plástica.

Mas não tirava o mérito de ser gostosa.

Marco segurou sua bunda por cima do microvestido e falou


algo em seu ouvido, a moça gargalhou tocando seu pau por cima da

calça.

— Vai participar da festa garotão? — Tocou minha perna com


sexualidade.

— Divide? — Marco perguntou piscando.


Já tínhamos feito isso diversas vezes, nunca tive problemas
em dividir uma mulher com ele. Não sabia se estava no clima para
isso.

A moça se aproximou soltando o meu amigo e tocando meu

peito.

— Não vai dispensar um presente da Kelly e sempre ouvi falar


de vocês dois. — Piscou para o Marco e lambeu os lábios de forma
sedutora. — Quero experimentar.

— Jamais deixaria uma dama na mão. — Apertei sua boceta

por cima da calcinha e a desgraçada já estava molhada. — Perfeita!

Lambi o dedo e ela gemeu.

— Vamos? — Marco chamou e nós dois os seguimos pelas

escadas que dava para os quartos e anexos.

Empurrou a porta com o ombro e a moça, que não fazia ideia e


nem me interessava, o nome passou a sua frente.

Ele a imprensou na porta, passou a beijar sua boca e chupar


seu pescoço. Agarrei por trás e suspendi o vestido. Ela tinha uma

bunda linda, mas não era igual a bunda da Marina.

Lambi a toda, e suspendi o fio dental bem dentro do seu ânus,


friccionando seu ponto na vagina. Ela gemia com os peitos na mão
e na boca do meu amigo.

Chupei sua bunda, corri o dedo em todos os buracos

possíveis.

Louca de desejo caiu de joelhos desabotoando nossas calças


e levando a sua boca nos dois paus.

— Gulosa pra caralho! — Marco puxou sua cabeça para trás

pelos cabelos, encheu sua boca com seu pau e tirou e colocou
novamente seguro por seus longos cachos. — Mama, assim que

você gosta?

Alisei minha haste pondo a camisinha e segurei seu corpo para


mais perto invadindo sua vagina por trás, enquanto ela brincava

com o pau do Marco na boca.

Os gemidos preenchiam o quarto, ela estava curtindo tudo

isso, mas minha mente estava fodendo outra pessoa. Precisava

exorcizar a Marina da minha vida.

Segurei seu seio, puxei e ela gritou de prazer.

— Quero os dois, por favor? — pediu trêmula olhei o Marco


que assentiu.

Suspendendo seu corpo pequeno e abrindo sua vagina sobre

seu pênis duro, ajudei segurando pela bunda e invadi seu ânus por
trás.

E foi como o apocalipse de prazer, ela gritou e gemeu

enquanto batíamos em conjunto dentro dela.

Montei na minha moto já de banho tomado, mas a cabeça sem


nenhum equilíbrio, tudo aquilo estava mexendo além dos limites

comigo. Gostava de sexo puro, sacana, sem limites, já dividi

diversas vezes.

Nunca me importei em curtir esses momentos.

Mas o pensamento ia para Marina, e imaginar que poderia


fazer o mesmo com ela me deixou com raiva. Perdi o foco diversas

vezes, trocando os rostos no momento que estava dentro da moça,

me vinha o rosto de Mari em minha mente.

Inferno, ela chutaria minhas bolas só de imaginar isso. E

jamais dividiria a Marina com outro cara.

Caralho, nem era para pôr ela e sexo no mesmo pensamento.

Primeiro seu jeito marrento me deixava puto, e sua forma de


me desafiar, pau da vida. Aquela mulher era uma insuportável, e

tínhamos uma missão, já causei problemas a irmã dela, com certeza


nunca me perdoaria por tudo. Então por que diabos estava

pensando em foder aquela bunda perfeita?

Que desgraça de vida!

— Você hoje estava distante — Marco comentou se

aproximando antes que saísse do local na minha moto. — O que


está pegando? — Não respondi nada pegando o capacete. — Sabe

que pode conversar comigo.

— Não tá pegando nada, só preciso resolver umas coisas.

Coloquei o capacete guiando minha moto para fora do

estacionamento, iria bater em alguém, só assim para exorcizar


aquela peste de mulher da minha cabeça.

Eu já não tinha uma cabeça boa e depois que ela entrou de

paraquedas na minha vida de novo, parece que piorou tudo.

Esperei a sua passagem, ouvi o barulho dos seus passos

antes mesmo de ver seu rosto.

Estava sem paciência essa noite, com pouca vontade de

conversar.
Assim que ele entrou no meu campo de visão soquei seu rosto

e seu corpo tombou para trás.

Puxou a arma, mas eu era mais rápido e soquei de novo sua

cara mentirosa. O revólver caiu de suas mãos e seu corpo de


joelhos à minha frente.

— Como vai Euclides?

Ele gemeu ao me reconhecer e se encolheu.

— Quanto tempo, não é?

— O que você quer? — perguntou encolhido como um bom

covarde que era. — Não tenho nada a falar com traidores.

— Traidores? Eu? — Abaixei ficando em seu nível e olhando

seu nariz sangrando. — Fui eu que convenceu um colega de

trabalho a matar o seu desafeto?

Ele engoliu em seco.

— Muitas coisas ficaram claras para mim Euclides, e não estou


gostando nada disto — rugi de ódio daquele filho de uma puta

traidor. — Quanto ele te pagou? Fala desgraçado!

— Não sei do que você está falando...


Levantei e atirei com sua própria arma no seu pé. O grito de

dor que saiu da garganta dele varou a noite. Mas ali ninguém o

ouviria, ele estava totalmente à minha mercê.

— Você atirou em mim.

— Da próxima vez vou atirar no seu saco. — Joguei o revólver


no chão longe, enquanto ele gemia. — Quero respostas e você vai

me dar. — Ri sardônico e com sede de sangue. — Vou acabar com

você se não me contar tudo que sabe sobre aquela noite que você

me ferrou, seu desgraçado!

Apertei o lugar onde a bala entrou e ele urrou de dor.

Sabia muito bem como torturar e matar sem deixar rastros,

mas antes queria que ele sofresse, que não gritasse, que pedisse

misericórdia, e depois soltasse tudo que sabia.


MARINA

A casa do meu cliente ficava praticamente no meio do nada,

odiava quando precisava fazer essa parte de apresentar o sistema.


Preferia mexer remotamente, sem contato com ninguém.

Mas o mercado vinha mudando e precisava de uma nova

saída.

Isso incluía funcionários para mostrar o rosto, já que o meu

para sociedade não existia mais. Ia pensar nisso depois.

Suspirei parando o carro e atravessando o local com minha

mochila.
O dia estava quente para moletom, mas era o que eu tinha no

momento.

Optei por calças largas, tênis e um moletom do Garfield. Cortei

os cabelos mais curtos, e usava lentes de contato de cor azul


piscina.

A empresa era pequena e só precisava montar o sistema e cair

fora. Aprendi a mexer em computadores assim que saí da


depressão que entrei com o fim de tudo. Não podia ficar

dependendo da grana do Bento para sempre. Medicina, talvez um

dia eu voltasse, fiquei no último ano da faculdade, mas tudo me


lembrava a Isa, tudo que ela amava.

Era o sonho dela e meu lema era fazer a Isa feliz.

Foquei no agora e entrei no prédio, que não entendia por que

era tão longe da cidade. Mas pagava bem e era isso que importava.

De cabeça baixa cumprimentei a atendente e fui enviada para sala

de TI.

— Chegou, estamos ansiosos.

Achei o gordo chato e expansivo, conversava demais e

gostava de me tocar, o que já estava me dando nos nervos.

A empresa era de lã, eles forneciam para o mercado têxtil.


Talvez por isso, no meio do nada, também não fui ali para fazer
perguntas.

Fiz o meu trabalho, no meio do dia já estava livre e voltaria

para controlar o sistema de forma remota.

O meu celular descartável começou a tocar e era o Luciano

que vinha insistindo nas mensagens e ligações, segundo ele não


entendia meu sumiço e pedido de demissão por e-mail.

Seu primeiro fora, supere querido!

Pensei ligando o carro e deixando o local. Realmente brincar

com o irmão do Júlio não estava nos meus planos. Era um cara

legal, mas tinha as mulheres como adereço, no meu caso apesar de


baixinha não era chaveiro, além de não ter tempo para isso.

E o foco agora era outro, desisti do plano de acabar com a

família dele, realmente Arion não era um cara que gostaria de ter no

meu pé, sem contar o Júlio e seus olhos frios debochados.

Calculei mal as coisas e não voltaria a fazer isso.

Falando nele? Tinha três dias que não insistia na minha

mudança para sua casa, hoje à tarde vou fazer isso, ele tinha razão.

O seu sumiço era estranho, mantinha contato com o Marco e Donny,

e até mesmo a louca da Laila.


Mas ele andava silencioso. Bento ia voltar para sua casa hoje

ainda, contra sua vontade, pois estava adorando morar no hotel.


Segundo ele, amava ser mimado.

Mas o convenci que sua casa cheia de empregados poderia ter


o mesmo efeito. Ele e suas loucuras!

Pela grana que tinha poderia viajar o mundo, ficar a vida toda

sem fazer nada.

Hoje quase nem ia à sua empresa, tinha milhões de pessoas


trabalhando para ele. Mas segundo suas loucuras, sou sua aventura
antes de morrer. Devia tudo a ele, fui salva, tirada das minhas dores

e devolvida a minha vontade de viver por aquele homem elegante e


feliz.

Foi ele que chorou e me abraçou, mesmo contra minha

vontade, foi ele que me embalou noite após noite de crise de choro,
que cuidou dos meus ferimentos. Foi ele que pagou meus novos
documentos, meu curso de computação, foi ele que me entendeu

quando levantei um dia dizendo que mataria o Carlos e todos que


tiraram a Isa de mim.

Ele disse conte comigo!

Foi ele que me salvou.


A casa do Júlio ficava em cima de uma oficina de carros e
motos importadas, era no último andar, tinha elevador de carga, o

local durante o dia era uma barulheira de tantos homens


conversando.

Donny que abriu a porta para mim, sem fazer perguntas sobre
o motivo de ter muitas sacolas e caixas comigo, e o porquê fiquei

com o quarto de hóspedes.

O local era pequeno, mas tinha uma cama de solteiro,


televisão, guarda-roupa.

Na geladeira comida, o que foi um susto bom, mesmo porque


ele tinha cara que não se importava com esses detalhes.

— Fui às compras! — Donny explicou sentando no sofá

assistindo jogo e levando uma cerveja à boca concentrado no lance


do jogo.

Imaginei que foi ele, nunca que o Júlio iria se importar em


comprar comida para mim.

Falando nele!

— Onde está seu amigo?


— Sendo disciplinado!

Hum?

— O que seria isso? — Essa turma era toda estranha.

— Corpo no gelo, dedos quebrados, essas coisas.

Deu de ombros e xingou alguém da TV que fez uma jogada


errada.

— Esse time ainda acaba comigo.

— Mas por que alguém ia fazer isso com ele?

Com certeza essas pessoas eram loucas.

— Ele fez merda e precisava de disciplina, fica tranquila que


ele está vivo e vai voltar — explicou calmo. — Desgraça de time.

Olhei a TV e como não era fã ou entendia de futebol, não fazia

a mínima ideia de que time era. Mas o pensamento estava em Júlio.

Que merda ele fez para ser disciplinado?

— Posso ajudar ele em algo? — Tentei descobrir.

— Não!

— Qual é, fiz medicina...

— Não terminou o curso pelo que sei, e temos médicos na

Organização para isso. — Continuou focado na TV. — Fica


tranquila, ele não vai morrer.

Andei pelo local me sentindo sufocada, precisava fazer algo.

Alguém bateu à porta e como não sabia o que fazer, fui para

cozinha e Donny foi abrir, mas antes olhou pelo olho mágico. O local
era enorme, com uma TV de 60 polegadas, vídeo games, e um sofá,

uma mesa no canto, mesa de sinuca e mais nada.

A cozinha também não tinha muita coisa, típica casa


masculina, tinha até um charme. Diria que era um grande galpão

que foi adaptado.

Ouvi uma voz de mulher e resolvi verificar quem era. Uma


moça bonita de cabelos curtos, em seus lábios o batom vermelho

brilhava. Era bonita.

E seu instinto a fez virar para mim e seu olhar se estreitou.

— Júlio agora deixa vocês trazerem namoradas para cá? —

Opa! — Não vou deixar minha filha ficar vindo em um local como
esse.

Ixi, a mãe da filha dele, a moça do problema com o tal policial


que foi morto por engano.

Acho que a recíproca era verdadeira, não gostei dela.


— Ela não é minha namorada — Donny explicou coçando a

cabeça e ela continuou me mirando com os braços cruzados.

— Esqueci que vocês fodem e não namoram. — Riu com

deboche. — Diga a ele que voltei de viagem e precisamos conversar


sobre a Michele.

Virou para sair, mas algo a segurou e a fez virar.

— E que a minha filha não vai vir aqui até essa vadiagem

acabar — disse olhando para mim.

— Para uma ex você é bem possessiva — comentei sem

conseguir me conter.

Ela fechou o semblante e saiu do local sem dizer nada.

— Cara, essa Drica é uma cuzona — Donny resmungou

fechando a porta. — Júlio vai surtar ao saber que ela esteve aqui. —
Queria saber mais e sentei ao lado dele no sofá. — Isso vai render

mais confusão entre os dois.

— Muito ruim a relação deles? — indaguei curiosa e aceitando


a cerveja que me ofereceu.

— Horrível, não sei muito da história, mas posso dizer que o


Júlio odeia a Drica.
Podia entender o motivo. Imaginava como devia ser terrível

matar alguém e depois descobrir que era a pessoa errada, mas

sabia que ela fez mais, para tudo isso desandar assim.

— Sinto pela Michele que é uma gracinha — ele voltou a falar.

— Pega mais cerveja para mim?

Revirei os olhos e fui atender seu pedido.

— Você sabe que não preciso de babá? — comentei

entregando a garrafa a ele.

— Eu sei, mas vivo mais aqui do que na minha casa.

— Como Júlio tolera isso?

— Nunca perguntei.

Acabei rindo e ele me acompanhou.

Donny era uma figura.


JÚLIO

Meu corpo parecia um amontoado de marcas roxas, estava

doendo tudo. Mas não me arrependia de nada, quebraria aquele


filho da puta novamente se fosse necessário.

Levantei da cama com dificuldades, já estava com a jaqueta

nas mãos, precisava voltar para o apartamento e ver o meu pai. Na

realidade, me sentia insano, oco, vazio, mas a Marina não saía da


minha cabeça. O que poderia estar acontecendo com ela? Sabia

que mudou para o apartamento como solicitei, não saiu de lá desde


que entrou, todo esse relatório era trazido por Donny, e o fato dele

estar com ela me incomodava bastante.


Porra era o fim dos tempos sentir ciúmes da Marina e pior com

o imbecil do Donny. Apesar de que as mulheres curtiam seu jeito


desligado, tatuado, ele se aproveitava bastante disso. Aquele seu

jeito amiguinho, todo fofo e cuidadoso com elas.

Marina não parecia ser o tipo que se encantava com ele. Será?

Inferno de pensamentos idiotas.

— Vai sair? — Rômulo perguntou entrando sem bater como

era característico dele. — Se sente bem para isso?

— Depois que me deu uma surra, está se sentindo culpado?

— Você mereceu! — Apontou o dedo e puxou uma cadeira

para sentar. — Estou afastando você do programa.

Senti o ar falta do pulmão como um belo soco.

— Por um tempo, só até resolver toda essa situação da sua

vida.

Ele tinha razão, mas não deixava de ser menos fodido para

mim. O programa era tudo que eu tinha, o que me equilibrava, o que

me fazia útil. Eu gostava de estar na Organização, era como sentir

que fazia algo legal pela sociedade.

— O Euclides mereceu — argumentei.


— Você iria matar outro policial. — Tentei falar mais ele me
calou. — Ia ter mais confusão na sua porta, para sua família e agora

o cara está no hospital em coma e não vai poder resolver nada —

lembrou o que fiz. — Sei que ele fodeu com sua vida, mas tem

outras maneiras de resolver isso sem se expor.

Bufei com raiva e de dor ao colocar a jaqueta. Sabia que fui

inconsequente, mas era minha caraterística mais charmosa.

— Temos um trabalho aqui e seus problemas estão

atrapalhando você agir, por isso até que resolva está fora da

Organização. — Levantou e olhou para mim. — Sinto muito.

— Sei que não sente!

Parecia uma avalanche tudo que estava acontecendo, um

inferno tudo isso, tudo culpa daquele Senador dos infernos.

— Agora posso terminar de matar o Euclides.

— Júlio, vê se aprende!

— VAI SE FODER!

Ele abriu e fechou as mãos com vontade de socar minha cara,

eu sentia sua raiva de onde me encontrava.

— Você vai acabar fodendo com tudo qualquer dia desses e

não vai ter ninguém lá para te salvar.


Não me importei com suas palavras, estava muito puto comigo

e com tudo para me importar com algo mais.

— Por que me disciplinou se ia me tirar? Você é sádico!

— VOCÊ É UM CUZÃO! SÓ ESTOU DANDO TEMPO PARA


RESOLVER SUAS COISAS E PÔR A PORRA DESTA CABEÇA NO
LUGAR, AJUDE A MARINA, FAÇA O QUE TIVER QUE FAZER

PARA PÔR O CARLOS NA CADEIA, MAS FAÇA COM ATENÇÃO


SEM DEIXAR RASTROS, SEU IDIOTA — gritou. — Você é um

soldado valente, e fez muito por tudo isso aqui, agora é hora de
resolver as suas coisas e depois voltar de cabeça fria, veja isso
como umas férias.

Sentei na cama exausto de tudo.

— Vou acabar fodendo tudo com a Mari, igual fiz com a Drica

— comentei cansado.

— Provavelmente, pois essa é sua especialidade.

Rômulo era um excelente conselheiro, pensei com deboche.

— Arion fez um trato com ela, e por isso nossos meios estão à

disposição, faça o que tiver que fazer. — Foi até a porta. — E


pensei que a surra ajudaria a pôr o seu cérebro no lugar, mas pelo
jeito nada resolvido.
— Sádico do caralho!

Ele sorriu e virou para sair, mas soltou antes.

— Também gostei de bater em você, ainda não engoli a aposta

que perdi sobre o jogo.

Filho de uma puta, déspota do caralho. Rômulo e Arion eram

dois babacas!

Que raiva!

Agora estava com tempo livre demais pelo jeito.

E uma mulher baixinha, morena, gostosa, linda, dentro da

minha casa e pior de tudo isso, que me odiava, e eu estava doido


para foder com ela.

Acho que o sádico daqui sou eu!

O que poderia piorar na minha existência?

Para que indaguei isso mais cedo? Tem coisa pior para lascar

com tudo. Suspirei olhando para Drica. Se tiver alguém com a


capacidade de foder com tudo, esse alguém é ela. O universo

resolveu com certeza foder toda minha vida.


Respirei fundo e estacionei a moto no local de sempre. Meu
apartamento ficava em cima da oficina de um conhecido, na real o
local era meu e aluguei o térreo para o cara. Saía como um bom

disfarce, além do local ser todo monitorado por ele, por mim e pela
Organização.

Os fundos eram a passagem para minha casa que ficava no


terceiro e último andar, discreto mesmo sendo quase no centro da

cidade.

A garagem dos fundos era usada por mim e os meninos, todo


mundo praticamente tinha a chave do local, era tipo uma base. Eu

odiava, mas não tive muita voz neste assunto, depois de minha
chave ser roubada e cópias espalhadas como forma de retaliação
da Kelly por ter levado bolo.

Sinceramente as mulheres me deixavam muito puto da vida.

Oh, raça miserável, para trazer dor de cabeça. Preferia bocetas


sem cérebro, ou sem cabeça , sei lá!

Estava ficando louco!

— Qual é o motivo da visita? — questionei antes de sair de


cima da moto.

— Tem uma mulher na sua casa.


Hum?

O que ela tinha a ver com isso? Disse que ela veio aqui foder

com minha vida.

— Drica seja direta, não tenho tempo a perder.

Detestava suas visitas e sua cara de sonsa.

E a culpa que me assolava toda vez que olhava na cara dela.

Usando calça jeans, camiseta branca com a foto da Michele na

frente e tênis. Ainda conservava a beleza da adolescência e de uma

época que achei que fosse a mulher da minha vida.

— Você sumiu e a Michele vem perguntando pelo pai.

Pai? Michele foi sua arma contra mim, e pelo jeito ia continuar

sendo.

— Sim, por que não me ligou ou pediu que passasse na sua


casa para falar com ela? — interpelei pondo o capacete na moto. —

Não quero você na minha casa, nosso acordo é com a Michele e

morre tudo por aí.

— Júlio, eu...

— Eu nada, não me interessa sua vida, só o que diz respeito a


nossa filha. — Sei que estava sendo duro, mas realmente tinha
raiva da Drica e tudo que vivemos e a queria longe de mim. —

Agora seja direta.

Com um semblante triste por minhas palavras e respirou

fundo.

— Meu marido recebeu outra proposta para se mudar do país

e está pensando em aceitar. — Já rolou esse papo antes e no fundo

sabia o que ela desejava ouvir. — Michele vai conosco.

Ela sempre tentava me desestabilizar, usava a menina para

me tirar o tempo, presença. Amava a Mi como minha filha de


sangue, era meu pingo de gente, a coisa mais doce que conhecia.

Foi escolha da Drica casar, seguir em frente, na época não gostei,

fiquei chateado por ter outro homem na vida da menina. Mas sabia

que foi o melhor, não era presente como deveria ser, não tinha
tempo e minha vida era arriscada, a verdadeira família da Michele

podia desejar se vingar ou tomar a menina da Drica.

Eram tantos motivos que me mantinha distante.

— Talvez deva fazer isso, Drica.

Ela tomou o impacto ficando pálida, não esperava essa

resposta.
— É por conta da mulher lá de cima? — perguntou com voz

enciumada, como se tivesse algum direito a isso.

— Olha, tudo isso é pela Michele, tenho um emprego


complexo, perigoso, estou sempre viajando, e acho que para ela é

mais seguro viver em outro país. — Não iria falar da Marina para

ela, mesmo porque não era da sua conta. — Vou passar o fim de
semana com a Michele.

— Não com uma puta em sua casa. — Gesticulou nervosa


indo para seu carro.

— Não tente me afastar dela com suas manias de achar que é

algo mais em minha vida. — Deixei claro. — Não se atreva, Michele


é minha filha e não vou abrir mão de passar o tempo que tenho

como ela.

— Vai para o inferno!

— Já vivo em um há anos Drica, não sei se lembra de que foi

você que me colocou lá — proferi com raiva.

Entrou no carro, bateu à porta e arrancou do local, sem olhar

para mim.

Foda-se!

Caminhei para o elevador de carga e entrei.


E para acabar de jogar com minha sanidade mental encontrei

na minha sala a Marina sentada de camisa de bichinho e pelo jeito

só usava isso jogando videogame com Donny sem camisa.

Os dois estavam concentrados e rindo com cumplicidade.

Vou arrancar as bolas dele, se colocou os dedos nela.

Desgraça de vida, não tenho a porra de um minuto de paz!

— QUE PORRA ESTA ACONTECENDO NA MINHA CASA?

— gritei da porta com minha Glock 9mm nas mãos, iria matar os

dois.

Nem queria saber o motivo da minha raiva, mas se ela transou

com esse idiota, vou matar todo mundo. Mesmo não tendo motivo

para me sentir assim, estava putaço!

— Oi Júlio, a Mari está me dando uma surra no jogo.

Ela nem se importou com minha presença e nem se importou

com o fato da sua calcinha branca estar aparecendo, e nem que eu

estava espumando de raiva com uma arma na mão.

— MATEI! — Levantou dançando, apontou para o Donny que

fechou a cara ao descobrir que perdeu o jogo.


— BANG! — Fez um gesto de arma com a mão e apontou

para ele.

— Você roubou! — ele gemeu jogando a cabeça no encosto do


sofá e rindo.

Estava todo dolorido, com uma puta raiva e tinha quer ver
esses dois na maior cumplicidade na minha sala. Segui para o

quarto para não sair atirando, porque a vontade era grande.

Dia miserável esse!

Na realidade, todos os meus dias andavam miseráveis.


MARINA

Júlio apareceu depois de dias sumido, e parecia todo

quebrado. Tomei um verdadeiro susto ao vê-lo na porta com aquela


barba quase ruiva enorme e cara de quem pretendia matar alguém.

Como era boa em disfarçar, fingi que não estava impactada

com sua cara de raiva, era um homem viril e muito amedrontador,

mas isso dava um charme, um ar sexy a ele.

Que merda estava pensando ao imaginar ele desse jeito? Só


podia ter batido a cabeça em algum lugar. Bufei e tentei me

concentrar no sistema que estava dando manutenção on-line.


Assim que Donny percebeu a cara de raiva de Júlio caiu fora, e

até o momento ele se encontrava trancado no quarto. A fome


apertou, acho que vou pedir pizza.

Era uma tremenda falta de educação voltar para casa e nem


falar com a pessoa que morava com ele no momento. Mas o que

esperava de um mal-educado, egocêntrico como ele? Melhor

esquecer aquele idiota.

Liguei para o número da pizzaria e pedi à pizza que o rapaz

prometeu entregar em trinta minutos. Voltei para o computador,

precisava me concentrar e não pensar no Júlio.

Meia hora a campainha tocou e fui abrir, com certeza era o

rapaz da pizza. Ainda vestida como estava mais cedo, me sentia à


vontade com Donny, ele não me olhava com jeito sexual, na

realidade, até pintou minhas unhas dos pés. Gostava do cara de

verdade.

Júlio já tinha feito isso e já fechava a porta.

— Ei, essa pizza é minha — lembrei chateada.

— Minha casa, minha pizza!

E foi para a cozinha, era muita cara de pau.


Voltei ao quarto pondo uma calça de moletom, não era legal
ficar de camisetão e calcinha na frente do Júlio, realmente não me

encontrava em minha casa.

Mas ele não ia comer minha pizza, pensei indo para cozinha.

Ele já estava na mesa de short e camiseta com o nome:

FODA-SE escrito, bem a cara dele esse estilo. A cara cansada,


mas ver a minha pizza já em sua mão me deixou chateada de

verdade.

— Você pediu pizza? — reclamei puxando uma cadeira para

sentar e puxando a caixa para perto de mim.

— Vai comer tudo sozinha?

Com certeza iria.

Revirei os olhos e peguei um pedaço de pepperoni o

saboreando. Amava pizza, lembrava os tempos que ia com a

Isadora no fim do mês comer algo, antes daquele doente entrar na

vida dela.

— Prefiro napolitana — falou olhando para minha boca que

mastigava com vontade a pizza e engoliu seu pedaço em seguida

virando o rosto para o outro lado da cozinha.


— Não pedi pizza para você. — Peguei uma cerveja na

geladeira e voltei para mesa. — Como se sente depois de ser


disciplinado?

Olhou-me feio e nada disse, acabei sorrindo da sua cara


emburrada.

— Parece adolescente apanhando por aprontar na escola.

— Engraçadinha!

Pisquei para encher o saco dele e bebi a minha cerveja. Não

era minha marca preferida, aprendi junto com Bento apreciar as


melhores, já que ele não conseguiu me fazer curtir os bons vinhos,
me ensinou a escolher cerveja.

Continuamos a comer em silêncio, mas queria conversar, o

que era estranho, sempre preferi o silêncio.

— Notícias do Carlos? — indaguei.

— Ainda essa semana teremos, a Kelly já organizou tudo.

Quem era Kelly? Fiquei com vontade de perguntar.

— Sua ex esteve aqui — falei incomodada por ter poucas

palavras vindo dele.


— Eu sei, já mandei ela parar de fazer isso — resmungou

levantando. — Drica é meio sem noção.

— Foi por ela que matou o policial?

— Podemos falar de outra coisa ou não falar de nada?

Realmente ele estava bem azedo, um gemido me fez virar

para olhá-lo.

— Muita dor?

— As costelas estão me matando — respondeu.

— Deixa eu dar uma olhada.

E para meu espanto ele suspendeu a blusa e o roxo estava em

toda parte, assoviei, realmente foi uma senhora surra.

— A coisa foi intensa, temos que enfaixar.

— Terminou a faculdade?

— Não, morta não estuda.

Ele balançou a cabeça como se entendesse o que falei.

— Vou pegar ataduras, espera aí.

Ele continuou onde deixei, olhando para parede da cozinha,

coloquei o material em cima da mesa e toquei sua pele quente, um


fio de eletricidade passou por nós. Senti seu corpo se retrair a isso.
E foquei em resolver o problema e não na forma que meu corpo
reagia ao meu toque em sua pele.

Precisava transar, era isso, precisava fazer algo para esquecer


qualquer coisa que tenha sexo, orgasmos e Júlio na mesma frase.

Enfaixei suas costelas em silêncio, o que não foi difícil já que ele
também fez o mesmo.

— Acho que isso vai ajudar — falei com o rosto vermelho, a


cozinha ficou quente de repente.

— Aquele beijo foi real?

Humm?

Do que ele estava falando, minha mente estava meio


gelatinosa, sem concentração.

— Do hospital?

Droga, para que se lembrar disso?

— Não, foi um plano para desestabilizar você. — O que não


contei era que acabei eu desestabilizada e pensando nele por

muitos dias. — Só isso.

Não olhei para ele ao dizer, não queria que visse a mentira
estampada no meu rosto.
— Procurei vocês por semanas, meses. — Sentei na cadeira e
ficou olhando para a garrafa de cerveja. — Achei que tinham
conseguido fugir e nunca imaginei que ela estivesse morta.

Droga! Esqueci a Isa e da conexão com ele. Não era bom,

Júlio não me fazia bem.

— Até o dia que me ligou pedindo para encontrar com você —


continuou e eu fiquei calada.

— Queria que fosse diferente.

— Sente falta dela? — perguntei como forma de martirizar, de

lembrar quem sou, e quem era ele no processo.

— Sim, apesar de como tudo aconteceu.

Levantou pondo a garrafa no lixo e meu coração ficou

apertado, pois sentia falta da Isa, mas, no momento, sentia inveja

dela, ninguém sentia a minha falta.

— Donny não é cara para namorar.

Humm? Do que ele estava falando.

— E o que tenho com isso?

— Você pode sair machucada, o cara vive por aí com


mulheres...
— Sei me cuidar e minha vida sexual não é da sua conta.

Não ia contar que não tinha nada entre mim e o Donny, ele que

descobrisse sozinho. Homem mais idiota.

— NÃO QUERO PUTARIA NA MINHA CASA — falou grosso.

— CONVIDEI VOCÊ PARA FICAR AQUI, NÃO PARA FAZER

FESTA...

Soquei seu nariz e saí da cozinha.

— Sou louca!

Mostrei o dedo do meio para ele e fui para o quarto ou socaria

de novo sua cara barbuda.

Acordei com um som alto , parecia música. Era só cinco horas


da manhã. Botei o travesseiro no ouvido e nada. Levantei pronta

para matar alguém.

Odiava que me acordassem!

E com música alta era falta de respeito.

Pior, rock pesado.

Inferno!
Cheguei à sala e perdi o fio do pensamento, Júlio só de short

fazendo abdominal. Seu corpo todo suado, flexionado, com o

abdome perfeito, de gominhos, engoli em seco as palavras que


pretendia dizer.

— Acordei você? — E ele sorriu.

E seus olhos foram para minhas pernas nuas, cobertas por

uma simples camiseta e minha cueca de dormir.

— Isso é uma cueca boxer?

Parou de fazer exercício e me encarou chocado.

— Gosto de conforto para dormir — expliquei e não sabia o

motivo de fazer isso, devia estar com muito sono.

— Qualquer dia desses irei descobrir que você trocou de sexo.

— Engraçadinho chupa meu pau! — falei. — Palhaço!

Fiz um gesto obsceno com o dedo e esmurrei a droga do som.

— Preciso dormir, cacete!

— Essa é minha casa, minhas regras — debochou de cara

amarrada e me olhando atravessado ainda deitado no chão.

Seu peito subia e descia pelo esforço do exercício, o abdome


era perfeito, nada fora do lugar. Estava ficando maluca por observar
algo assim nesse imbecil.

— VAI SE FUDER! — gritei furiosa por não conseguir dormir e

ainda ficar babado no abdome do idiota do Júlio. — Desgraçado!

Chutei o som e fui para cozinha, já que acordei, precisava de

um café para me recuperar da visão do Júlio suado, realmente

precisava transar.

CARLOS

Sorri, mas a vontade era de quebrar o pescoço dele, todos

imbecis, incompetentes, como puderam não achar um simples corpo


de duas mulheres.

Duas imbecis que morreram há anos, precisava ter certeza de


que estavam mortas e que nunca iriam surgir do túmulo. A

desgraçada escondeu minha agenda de anotações importantes e

nem depois de quase morta contou onde estava.

Mais de dez anos estava procurando, se aquilo cair em mãos

erradas tudo se arruinará. Sou um homem metódico demais,


organizado, sempre pensei antes de agir. Isadora foi um lapso, foi

um erro, aquele rosto perfeito, aqueles olhos, aquela boca.

Linda, eu a quis e fui a todos os meus limites para tê-la e


quase arruinei minha vida, minha carreira. Mesmo depois de morta

ainda assombrava minha vida.

Um dia pensei que tinha a visto na rua, perto da garagem e saí

como louco para pegá-la, explicar meu surto depois foi complexo.

Mas era muito parecida com ela.

— Como não acham um corpo em um lago daquele tamanho?

— perguntei me virando.

— Nada senhor, creio que jogaram o carro ali, mas não os

corpos — comentou o agente que contratei. — Tenho uma teoria

que ela foi assassinada.

Não falei da irmã dela, até hoje ninguém fez questão de

procurar por ela, preferia que fosse assim. Era uma miniatura da Isa,
uma moça boba, sem nenhum atrativo, não tinha o glamour da

minha esposa, sua sexualidade e beleza. Isadora foi única.

— Não pago para ter teorias, pago para achar o corpo da


minha mulher. — Ele ficou vermelho. — Tenho assuntos para

resolver, pode sair.


Ele pediu desculpas e saiu do gabinete.

O ruivo sumiu depois que paguei pelo serviço, dei um jeito

nele, mas me arrependia, agora levou para o túmulo o que

realmente fez com elas e onde podia estar os corpos.

O miserável mentiu para mim.

Respirei fundo, estava perdendo a calma, e tudo por conta de


um fantasma.

Precisava exorcizar a Isadora da minha cabeça e do meu

sangue.

Vesti o blazer que tinha deixado na cadeira e olhei no espelho,

arrumando meus cabelos, aparência era tudo. As pessoas


compravam a imagem que vendíamos, acreditavam no que

falávamos como se fosse a verdade. Meu pai disse que eu tinha o

dom, que todos me seguiriam por minha postura, nasci para isso.

Não que ele tenha dito isso como elogio, ele me odiava,

detestava meu nascimento, o amor que minha mãe me deu. Fiz o

sinal da cruz em oração a ela.

A mulher mais manipuladora que conheci.

E deixei a sala.
Aquela loira sem graça, não queria aquela, muitos drinques
foram suspensos em alegria a mim. Agradeci a todos e olhei as

prostitutas contratadas.

Os homens gostavam disso da perversão, da ousadia, do


sabor do poder que os cargos traziam, muitos eram bajuladores,

outros bajulados. Precisava deles para estar onde estava e onde

pretendia chegar.

E orgias era uma coisa adorável para eles, onde soltavam os

demônios, abriam a comporta da perversão.

Perdi o rumo dos pensamentos e o sorriso que carregava

quando a vi passar, era morena de cabelos longos, de vestido curto.

E segui para lá com a loira do lado.

— No meu quarto.

Ela assentiu de cabeça baixa.

E a loira soltou meu braço, mas segurei sua mão.

— Você também.

As duas seguiram minhas ordens, aquela morena nunca tinha


visto por ali, mas era linda, assim que o vestido caiu aos seus pés,
percebi toda sua pele morena. Perfeita.

A loira aguardou, fiz um drinque e sentei na poltrona.

— Se chupem, brinquem!

As duas fizeram o que pedi, era lírico, perfeito, uma cena que

daria um quadro, e todos pagariam milhões.

As duas se fodendo, se chupando, os peitos perfeitos, e a loira


mamava nela, que parecia em êxtase pela atenção recebida. Seus
olhos fecharam e sentiu toda a extensão do prazer pelas chupadas.

Era uma vadia, uma puta sem pudores.

Como todas elas, todas as mulheres, todas miseráveis e


vagabundas.

Levantei calmamente e peguei o chicote.

Seus olhos ficaram enormes e dominados pelo medo, gostava


assim, quando elas entendiam o seu lugar.

— Ajoelha!

Ela tremeu, mas fez e a loira continuou se tocando.

O rosto era tão lindo, perfeito, dava vontade de emoldurar.

Andei ao redor daquele belo corpo, ela sentiu o poder do

chicote nas costas, e gemeu de dor e era som para meus ouvidos.
— Deita e abre as pernas, vagabunda!

Trêmulas, mas obediente, sempre gostei das frágeis, essas


eram as melhores para trabalhar.

Ela deitou e fez o que pedi e eu sorri. Gostava disso. Gemi ao


enfiar o chicote nela, na sua vagina, na sua bunda, em seu peito,
vinquei todo seu corpo.

E era uma canção boa, meus ouvidos se encheram com seus


gritos de dor e gemidos.

Isso! Era isso que elas eram, vadias, sádicas, vagabundas e


meros objetos, todas eram pagas com meu dinheiro, então me

pertenciam para fazer o que eu quisesse.

Nem percebi a loira em pé amedrontada, enquanto trabalhava


naquele corpo perfeito, agora não tão perfeito assim.

— Vai matá-la! — ela gemeu e eu sorri virando e percebendo


sua nudez.

E ela correu, mas não tinha para onde fugir, todos ali sabiam e

ninguém a salvaria. Por isso a festa era particular e todas elas


descartáveis e escolhidas a dedo.

Tudo vagabunda!
JÚLIO

Assim que me ligaram fui para o hospital, evitava aquele local

a todo custo, tinha lembranças dali que preferia enterrar.

Mas a Isa parecia continuar viva em todos os espaços da


minha vida, inclusive com a irmã que dormia de cueca boxer e

praguejava pior que um taberneiro. A mulher tinha um vocabulário

bem peculiar para alguém tão pequena.

Derretia-se pelo Donny e me amaldiçoava só em olhar, fora as


palavras de conforto que era dirigida a mim. Satanás, filho do cão,

encosto do capeta.
Onde eu estava com a cabeça quando imaginei que ela

poderia ficar na minha casa por um tempo? Tinha vontade de torcer


aquele pescoço perfeito e esguio, e bater naquela bunda dura e

gostosa.

Vivia entre matá-la e fodê-la!

Estava lascado!

Minha vida era um inferno!

Empurrei a porta e tentei focar na minha missão.

A atendente nem levantou a cabeça digitando algo no

computador.

— Preciso saber sobre a moça que deu entrada aqui. — Sorri

tentando parecer legal, porém, sabia que forçava, porque não tinha

nada de legal em mim. — Ela foi encontrada com índice de

espancamento.

— Creio que deva procurar no necrotério. — Levantou o olhar

e me mirou de cima a baixo. — Ela faleceu.

Inferno, aquele infeliz do Carlos mais uma vez fazia outra

vítima e agora perdi a testemunha. Marina vai surtar e Kelly arrancar

minhas bolas. Ou juntar as duas e me matar depois de saber disso.

Saí do local e respirei fundo do lado de fora.


Dei a volta no local, o necrotério ficava colado ao hospital o
que facilitava bastante para mim no momento. O rapaz me

reconheceu de outros momentos e balançou a cabeça entrando na

sala e fui atrás.

— É sua? — disse mostrando o corpo em cima da mesa, já

tinha visto muita coisa na vida, muitas atrocidades, mortes

horrendas.

Porém, a imagem daquela moça toda roxa de pancadas com o

rosto irreconhecível ficaria gravado em mim para toda vida. Ele a

maltratou bastante, era monstruoso o seu estado, será que fez isso

com a Isadora? Foi assim que tratou a Marina? Será que por isso

ela não conseguia falar sobre o assunto? Fechei as mãos e soquei a


mesa.

— Acabaram com a garota — falou o rapaz olhando para o

corpo com pesar. — Ela foi sodomizada.

Suas partes íntimas se encontravam vermelhas, inchadas.

Introduziram algo nela ou vários homens a usaram.

— Não tem esperma, parece que foram objetos, o corpo dela

está limpo, como se tivessem dado banho, limpado a garota antes

de descartá-la.
Virou o corpo para me mostrar os detalhes e meu estômago

embrulhou imaginando o que ela passou.

— Sem documentos, sem roupas, nada — disse, mas eu sabia

quem era ela. — A não ser você, ninguém veio.

— Alguém virá, preciso que segure até meia-noite e não deixei


ninguém entrar ou tocar esse corpo antes disso, quero que o laudo

tenha tudo que você me disse. — Tirei do bolso um maço de notas e


entreguei a ele. — Seu nome não será vinculado, mas quero todos

os detalhes no laudo, entendeu?

Sabia que ela não poderia mais contar a história, mas sua

morte não iria sair impune.

Ele assentiu e escondeu as notas no casaco.

— Eles a mataram, eles acabaram com a moça. — Kelly

chorava copiosamente — Enfiaram objetos em todos os buracos do


seu corpo.

Marco deu água a ela e abraçou seu corpo que soluçava alto.

Marina olhava tudo encostada na parede em silêncio, mas seu


rosto dizia que estava muito comovida, será que se lembrou do que
passou, daria um bom dinheiro por seus pensamentos. A Laila

olhava para o Marco e Kelly com um olhar pensativo e frio.

Ali estava a intimidade dos dois revelada.

Esse era o Marco, não podia ver uma mulher indefesa que ele
apoiava, dando seu ombro, sua força. Já era parte dele ser protetor.
Creio que por isso detestava a Laila, ela nunca iria chorar no ombro

dele como a Kelly. Preferia perder o dedo a fazer isso.

— Sua amiga? — perguntou Donny.

— Já coloquei no serviço de proteção, mas se encontra muito


abalada, nunca viu nada igual — comentou. — Ela sofre por não
poder ter ajudado a moça.

— Diga que vamos resolver que ela ajudou muito ligando para

você. — Marco segurou suas mãos com carinho. — E você ajudou


bastante indo lá reconhecer o corpo e dando a ela um enterro

merecido.

Ela agradeceu pondo a cabeça no ombro dele, Laila grunhiu e

foi para cozinha.

— Sim, os pais dela são do interior e não quiseram nem saber.


— Ela enxugou os olhos. — Ter uma filha prostituta não estava no
topo da lista deles, eles receberam a notícia com alívio, Deus, que
coisa triste.

Começou a chorar de novo.

Andei até a Marina que continuava encostada à parede de


braços cruzados.

— Foi o Carlos — ela disse com a voz sumida.

— Sim, segundo a amiga da Laila ele entrou no quarto com a


garota e ela ficou de olho como combinado, mas não saiu, mesmo

depois de todos terem ido embora — expliquei. — Resolveu


aguardar do lado de fora rodando para ver se acontecia algo, seu

instinto a mandava ficar.

A moça foi providencial para achar a outra, ou a pobre seria

descartada como indigente.

— Ela viu dois seguranças pôr o que parecia um corpo no


fundo do carro e o Senador entrou em outro e partiu, mas o pacote
mexeu e um deles bateu com raiva. — Era grotesco, mas comum no

meio da prostituição. Muitas eram mortas e ninguém se importava


— E ela os seguiu de táxi, e viu a desova, chamou uns mendigos e

deu dinheiro para eles fazerem barulho e partir para cima dos
homens, que jogaram o pacote na lixeira e entraram no carro
tentando passar por cima dos mendigos.

Marina ouvia tudo de cabeça baixa.

— Ela resolveu chamar uma ambulância e ligou para Kelly.

— Foi nossa culpa, ele fez o mesmo com a Isa e comigo.

Ohh, meu Deus!

— Não, não é culpa sua, para com isso.

— Sim, quantas pessoas vão morrer até pegá-lo?

— Mari, não...

— Não quero mais morte nas minhas costas.

Afastou-se para o quarto de cabeça baixa, pensei, e não ia

deixá-la carregar mais essa culpa, o Carlos não ia bagunçar a


cabeça dela. Dessa vez íamos pegar aquele crápula sádico.

Segui a Marina para o quarto. Íamos ter uma conversa séria.

Ela já se encontrava arrumando uma mochila, na realidade,

socando as roupas dentro com raiva e as lágrimas eram

abundantes.

Instintivamente segurei seu corpo perto do meu em um abraço,

queria tirar todas suas dores, queria poder voltar no tempo e


consertar tudo. Mari segurou minha camisa e desabou a chorar

molhando o tecido e eu continuei a segurando. Gostaria que ela me


visse com um amigo, será que poderia ser amigo dela? Realmente

gostaria que confiasse em mim.

Sua fragilidade acabava comigo, pois a via com uma mulher

forte, sem medo, mas estava exposta naquele momento de uma

forma que nunca imaginei.

Marina estava sofrendo e seu sofrimento me destruía.

Segurei seu rosto molhado e ela passou a língua por entre os


lábios, e não resisti, abaixei a cabeça e toquei sua boca com a

minha.

E como fogos de artifícios soltos no céu, senti o sabor dos


seus lábios, e a agarrei com mais força e ela a mim, o desejo varreu

meu corpo, a força do ato me tomou como se caísse de um avião

em pleno ar.

Já sabia seu gosto, foi tão rápido a última vez anos atrás, mas

nada me preparou para o beijo de agora. Nada me preparou para a

ânsia de tê-la que me acometeu nesse momento. Rasgaria sua


roupa e a tomaria para mim.
A queria como a mesma força de um furacão varrendo

lugares, Marina e seu beijo me jogaram em um novo limbo, um

lugar que com certeza ela não me tiraria.

— NÃO!

Ela se afastou me olhando com raiva, com certeza ia sofrer a


partir de agora, porque sabia que a desejava, mas ela preferia

arrancar minha cabeça a ceder.


MARINA

Não era para acontecer aquele beijo, Júlio me pegou em um

momento de fragilidade, em um momento que me sentia péssima.


Em todos os sentidos. Uma mulher morreu, e a culpa era minha.
Culpa dos meus medos, culpa por não ter coragem de pôr a cara a

tapa e descarregar um pente de uma arma na cara do Senador.

Eu sabia do que ele era capaz, eu sabia o que ela passou, de


como ele se alimentava dos gritos de dor, de como era frio, insano.

Pior de tudo que eu sabia. Como isso me consumia, me destruía e


me fazia temer.
Porém o beijo do Júlio me levou a um patamar maior, e acabei

me segurando como em um barco à deriva, como se ele fosse


minha âncora. E pior de tudo, foi que me senti protegida.

Não era substituta de ninguém, nem da minha irmã que foi a


mulher mais incrível que conheci.

— Não!

Afastei-me e ele passou as mãos no cabelo como se não

soubesse o que fazer com elas.

— Desculpa, não deveria ter feito isso.

Pedir desculpa foi pior do que me beijar.

— Você é um tolo se acha que pode me enganar, se acha que

vou tapar o buraco que a Isa deixou em sua vida.

E como se tivesse levado um soco se afastou com a boca

aberta em choque. Sabia que minhas palavras soavam como se eu


estivesse magoada, melindrosa pelo fato dele ter tido um caso com

minha irmã e até a amado pelo jeito.

Mas precisava falar, não queria substituir ninguém.

— Estou partindo.

Voltei a pôr as roupas na mochila.


— É isso que você faz quando não pode resolver as coisas?

Fiquei em pé com uma blusa na mão tentando entender o que

ele dizia.

— FUGIR, COVARDE!

Virou as costas e me deixou, e a raiva foi plantada, como ele


se atrevia a achar que eu era covarde? Corri atrás do estúpido e

segurei seu braço antes que chegasse a sala.

— COVARDE? COMO SE ATREVE A ACHAR QUE SOU

COVARDE POR NÃO QUERER MAIS SANGUE EM MINHAS

MÃOS? — Já estava no nível gritaria e muita raiva. — O QUE

VOCÊ SABE SOBRE MIM? NADA! — Ele olhou para minha mão
em seu braço e depois para meus rosto. — Fui eu que tive que

enterrar uma irmã sozinha com meus próprio punhos, fui eu que

andei quilômetros com ela nos braços procurando ajuda, mesmo

sabendo que ela não sobreviveria.

Não consegui conter minhas lágrimas, soltei seu braço e

enxuguei meus olhos na manga da minha blusa, e percebi como


estava trêmula.

— Fui eu que estava lá naquela noite, e sou a única aqui que

sabe o que o Senador é capaz. — Terminei já com voz sumida e


olhei para o chão sentindo vergonha de tudo que vivi naquela noite.

— Eu não quero que mais ninguém morra.

— Marina, eu...

Ele me tocou, mas me afastei.

— E você acha que ele vai parar nela? — A voz da Laila nos

tirou do transe do momento e foi assim que percebi que todos


ouviram nossa discussão. — Que o fato de você fugir resolve algo?

Sua voz escorria deboche, e pena.

— Não senhora, ele não vai parar, se não fizermos algo ele vai
continuar, é da alma escura dele, se alimenta disto. — Jogou na

minha cara. — Aí você escolhe: continua gritando, chorando ou vai


para guerra.

— Olha aqui sua...

— Ahhh me poupe, senhora reclamona, vou tomar uma


cerveja.

Abriu a porta do apartamento e saiu sem me deixar responder.

Que ódio, mais uma vez a raiva que sentia do Júlio me fez

descontrolar e abrir coisas que eram só minhas, não tinha que ter
dito em voz alta. E essa puta tatuada que pensasse o que quisesse,
inferno!
— Marco me leva para casa? — pediu Kelly que caminhou até

mim e tocou meu ombro. — Sinto muito por tudo que viveu, mas
vamos por esse idiota para comer poeira.

Beijou meu rosto com carinho e saiu seguida do Marco que

deu um sorriso amarelo para mim.

— Bem lindona, creio que uma partida de videogame pode te

animar. — Donny como sempre um empático. — Nada de dizer não


pra mim, tenho que renovar minha dignidade, você pisou nela da

última vez que me derrotou.

Júlio bufou e revirou os olhos e quase arrancou a cabeça do


Donny com um olhar, mas meu amigo deu de ombros e segurou
minha mão com carinho.

— Vamos resolver tudo docinho. — Tocou meu nariz. — Juro

que vamos acabar com esse vilão e você não é covarde, é uma
guerreira.

— Obrigada! — agradeci aceitando seu abraço.

— INFERNO DE VIDA! — Júlio tacou a cadeira na parede e


saiu do apartamento.

— Liga não, só está com ciúmes — Donny debochou.

— De quem? — indaguei olhando por onde Júlio saiu.


— Ah docinho, vou deixar você descobrir sozinha.

Piscou e eu não entendi nada, mas o acompanhei para o sofá,

Donny tinha razão precisava me acalmar e colocar a cabeça no


lugar, e partir para a próxima fase.

— Você paga a pizza! — Me joguei no sofá.

— Por que eu?

— Estou carente, chorosa, e você é um cavalheiro.

— Ah, garota cara de pau!

Caímos na risada, melhor assim, nada de lembrar o beijo que


troquei com Júlio, nada de lembrar da intensidade e dos
sentimentos adormecidos que afloraram.

E de como o beijo foi perfeito, nunca senti a emoção e nem

nada parecido antes daquele beijo.

Tinha certeza de que precisava disso? Era o que meu cérebro


idiota indagava a todo o momento. E sabia que parecia idiotice. Não

sei se era o certo, mas que merda, estava cansada de ficar


trancada, nunca foi um problema para mim isso. Mas o fato do Júlio
rodar sem camisa em casa e ficar de cueca, ouvir aquele rock
grotesco que curtia, estava acabando com minha sanidade mental.

Então fiz a coisa mais imbecil, liguei para um amigo para sair.
Tinha meses que vinha me esquivando do amigo do Bento, o Caio,

era um babaca metido a besta, não conseguia enxergar um palmo


na frente do nariz.

Até hoje ele acreditava que era loira de verdade, não

conseguia identificar uma peruca. Revirei os olhos me escondendo


atrás da taça. Ele me convidou para jantar, já contou sobre seus

problemas de saúde, do pai, da mãe e toda família, não me

lembrava da metade das doenças.

Era um tosco!

— Vou ao banheiro.

Levantei o mais rápido possível me amaldiçoando no caminho

até o banheiro. Que vontade de cortar os pulsos com a faca da

mesa. Estava me tornando o que mais temia, uma mulher que


tomava decisões no rompante, sem pensar, por emoção.

Cadê a frieza Marina? Perguntei a minha imagem no espelho.


Como foi que se meteu nessa bosta de situação? Agora vai ter que

suportar o imbecil falando da dor de coluna dele a noite inteira.


Joguei água no rosto, usei o vaso sanitário, dei umas voltas no

banheiro para matar o tempo, lavei as mãos três vezes e respirei


fundo. Não dava mais para continuar ali.

Voltei para mesa e um gemido saiu por meus lábios, na mesa


estava sentado o Júlio com os dedos cruzados e bem calmo.

E o Caio tinha sumido.

— Que inferno faz aqui?

Não acreditava nesse meu carma astral.

Odiava signos, na realidade, mas pelo caminho que as coisas

iam, ia acabar tendo que ler o meu todas as manhãs antes de sair

de casa. Não era possível um inferno desse.

— Quem é esse idiota?

Como é? Só podia ser um sonho ruim.

— Ficou maluco? O que deu em você para vir estragar meu

encontro?

— Então é um encontro? Por isso se produziu assim? —

Levantou a mão e apontou para mim com desdém. — Estamos


numa missão e você não deveria estar namorando.

Ah, eu vou socar a cara dele.


Segurei a faca e levantei pondo entre os dedos dele.

— Não devo satisfação da minha vida amorosa a você.

Tirando a mão do meu alcance deu um sorriso debochado o

que deixou seu rosto bem bonito. Ah, estou ficando maluca mesmo.

— Ainda com um babaca! — debochou sem piedade,

realmente meu acompanhante era um idiota.

Antes que conseguisse responder, Caio voltou para mesa e


consertou os óculos.

— Seu amigo?

Ah, eu não merecia nada disso, joguei pedra na cruz.

— Amante, estou pensando seriamente em ir até o banheiro


para transarmos. — Soltou um beijo e piscou para mim virando para

o Caio de novo — Você toma conta da mesa para nós?

O Caio abriu e fechou a boca ficando vermelho e segurei a

faca com muita raiva.

Vou matar o Júlio! Com certeza vou derramar seu sangue hoje.
JÚLIO

Passei o dia com a minha filha e com meu pai, o velho amava

a pequena. O Márcio tinha fotos e acabou precisando passar o dia


fora, fiz churrasco para nós, mas a imagem da Marina invadia meus
pensamentos o tempo todo.

Sozinha no apartamento monitorei seus passos pelas câmeras

que tinha espalhadas na casa, a Marina nem sabia disso, com


certeza iria detestar.

— Pai, a mamãe disse que você conheceu outra vadia!

— Ei, que palavra feia — meu pai reclamou. — Você precisa

conversar com a Drica sobre essa mania de falar essas coisas na


frente da menina.

Meu pai tinha razão, Drica sempre dava um jeito de me

diminuir na frente da minha filha. Mulher infernal.

— Sua mãe não pode falar essas coisas, é feio — falei virando
Michele. — E não quero você repetindo essas coisas.

— Ok, mas o que é vadia?

Ah, não, Drica desgraçada!

— O tio mais gato chegou! — Salvo por Luciano.

— Oi tio, tem doce?

Dessa vez nem reclamei quando o saco foi passado


discretamente para as mãos dela. Até agradeci mentalmente.

Gostava desses momentos família, meu pai sempre fez questão de

ter esses momentos conosco.

Desde a morte da mamãe e a doença da Fernanda que os


laços ficaram mais fortes.

Olhei para o Luciano que jogava a pequena para o alto que

sorria feliz, meu pai estava sentado com as pernas para cima

olhando a interação dos dois.


— Michele? — gritou meu sobrinho Hiroshi, entrando na área
de churrasco correndo, ele amava a prima, mas, amava mais ainda,

para desespero do pai dele o tio Júlio. — Tio Júlio! — Correu se

jogando nos meus braços — Me ensina uma luta nova?

— Nada de ensinar essas coisas a meu filho! — Nanda

reclamou entrando com a pequena Dodji nos braços, mas foi salva

por Luciano que pegou a pequena e começou a fazer cócegas.

Ele não escondia que amava as meninas da família, sempre se

dava bem no meio delas. Tanto minha filha como Dodjia eram

apaixonadas por ele.

Nanda beijou o papai e sentou ao seu lado fazendo carinho no

velho, estava cada dia mais bonita, mais segura de si, admirava isso
nela.

Admirava essa força que vinha da Nanda e não podia negar

que o paspalho do meu cunhado tinha tudo a ver com isso.

— Ángelos deixou a bolsa da Dodji onde? — Chegou o grego

e minha irmã se derretia quando ele falava em sua língua nativa. —


Não achei.

— Amor, você nunca acha nada — brincou passando por ele,

indo para fora os dois, logo voltaram com a bolsa e conversando


baixo como se tivessem um segredo.

Uma moça que parecia enfermeira veio com eles e tomou

conta das crianças, e passou a me olhar com interesse, mas fingi

demência.

— Irmão, anda sumido — Nanda comentou pegando a carne


para pôr no prato dos filhos.

— Muito trabalho. — Dei de ombros. — Você continua linda.

— Eu sei, e nem me enrole com elogios, quero que vá jantar

essa semana lá em casa — intimou e eu a abracei, realmente


amava minha irmã. — Seu sobrinho sente sua falta. — Piscou
aceitando meu abraço e beijando meu rosto em seguida.

Meu pai estava conversando com Luciano e o Arion sobre algo

que nem fazia ideia, pois não tirava os olhos da porra do celular de
olho da minha inquilina.

Que no momento desfilava de short curto procurando algo na


geladeira.

— O que tanto olha no celular? — Nanda indagou tentando

tomar o aparelho. — Que mistério, hein?

Fechei a cara e ela deu o dedo do meio e depois olhou para


ver se alguma das crianças tinha visto seu ato. Caí na gargalhada e
ela também.

— Bobo!

— Você me ama!

— Gente, como esse velho se acidenta e não sou comunicada.

Hilda adentrou à casa parecendo uma rainha, pelo que sabia,


ela estava em uma viagem e meu pai não quis preocupá-la.

Foi impagável ver meu pai vermelho pelo sabão que tomou da

namorada.

— Preciso falar com você. — Luciano que até então estava me

evitando se aproximou, enquanto Hilda dominava a conversa com


Arion e meu pai. — Sobre o Márcio.

Aquilo me chamou atenção, Márcio era o mais calmo de nós

três. Parecia mais com a Nanda.

— O que está acontecendo com ele?

— É particular, e precisamos falar longe daqui. — Olhou para o

papai e eu entendi.

— Vamos marcar amanhã então?

— Ok!
— E tudo bem com você? — Queria perguntar sobre a Mari, o
que sentia, mas aí teria que falar coisas que não estava preparado.

— Tudo tranquilo. — Não acreditei em uma palavra do que ele


falou.

Levantou a cerveja em um brinde silencioso e se afastou, tinha

algo mais, amanhã ia tentar descobrir. É isso que irmãos mais


velhos fazem.

O dia em família foi bom, tirando o cuzão do Arion que me

evitou e eu fiz o mesmo com ele. Nunca fomos amigos e acreditava


que nunca seríamos.

Brinquei de lutar com as crianças que amaram, e fiquei mais


tranquilo em saber que Hilda estava de novo no Brasil, assim

alegraria a vida do papai, além de cuidar dele com carinho.

Já era quase noite e a pedido da Michele iria dormir na casa


do vovô, ela amava a vó Hilda como chamava e a recíproca era

verdadeira. No dia seguinte a Drica a pegaria lá.

E fiz a besteira de olhar as câmeras de casa, e a bendita

Marina estava vestida para matar, com uma porra de vestido azul
colado, mostrando a curvatura de sua cintura.

Salto alto, e peruca loira. Logo imaginei que fosse aprontar

algo. E perdi o senso quando olhei o tamanho daquele microvestido.

— Preciso sair — falei já indo para a porta e deixando todos de


boca aberta. Nunca fui de dar satisfações e não seria agora que

começaria a fazer isso.

Beijei minha filha no caminho e montei na moto acelerando. Ia


matar uma falsa loira metida a besta.

Já perto de casa avistei a caminhonete que ela dirigia

seguindo para o centro da cidade e aproveitei para segui-la. Quase


tive um colapso ao observar ela entrando em um restaurante caro

com a companhia de um cara todo arrumadinho de óculos.

Quem era aquele? Ela me beijou, foi bom e depois Marina saía

com outro cara? Que mulher infernal era essa?

Ah, mas ia acabar com esse encontro ou o que fosse.

Ela foi para o banheiro e cansei de esperar, entrei no local.

A Marina entrou em casa e jogou a bolsa no sofá , sei que


teríamos uma briga, não me importava, melhor que o silêncio, ou
saber que ela foi para a cama com aquele idiota.

Sabia que era egoísmo meu, transava sempre que aparecia

oportunidade, sem compromisso, e não deveria me meter na vida da

Marina. Contudo, era um cara sem escrúpulos e não me importava


em ser fodidamente egoísta, e não ia deixá-la transar com aquela

babaca, que provavelmente chamava boceta de vagina. Meu Deus o

homem era um nerd imbecil, uma conversa tosca, tinha certeza de

que ela não iria conseguir gozar com ele.

— Eu vou matar você!

Em segundos ela estava em cima de mim, abaixei para não

tomar o golpe das suas pernas gloriosas bem no meio da minha

cara. Se ela tirou os sapatos a briga seria boa. Mas perdi o foco ao

avistar sua calcinha branca.

Gostosa do caralho!

Segurei todos os seus golpes com o braço, ela estava furiosa,

sabia que tinha razão, porém recusava a assumir que fui uma

babaca.

Com uma virada de pernas subiu no pescoço e sua boceta

ficou bem na minha cara, inferno ela estava querendo arrancar meu

pescoço e eu querendo chupar sua boceta.


Joguei meu corpo no sofá e ela ficou escancarada na minha

cara.

— Ia mostrar essa calcinha para ele? — A pergunta saiu


assim, com meu dedo brincando com as bordas dela.

— Eu vou arrancar sua cabeça seu idiota.

Sua voz saiu tensa, e percebi o momento que sua calcinha

molhou, seu cheiro de excitação subiu e meu pau ficou maluco.

Não resisti e segurei sua calcinha dentro das suas dobras,

Marina jogou a cabeça para trás sentindo. Soprei sua vagina, e ela

se aproximou mais da minha boca, e foi aí que me perdi.

Afastei a calcinha e soprei de novo, e botei a língua dentro

dela.

Mari derreteu molhando minha cara com seu prazer. E como

um bom animal no cio bebi tudo, e ela cavalgou minha língua com

uma boa safada. Gostosa.

Jamais o senhor engomadinho iria fazer ela se sentir assim.

Creio que fiz o bem essa noite. Sua bunda perfeita, abri, segurei, e
estapeei, deixando meus dedos naquela pele morena perfeita. Meu

sonho era fazer isso e estava realizando.

— Meu Deus!
Ela jogou a cabeça para trás e senti sua boceta se contrair.

Sim, venha, goze.

— Ai, Meu Deus....

E seu corpo convulsionou gozando e encharcando minha cara.

Com a rapidez que me era inerente arranquei sua calcinha e a

virei no sofá, iria comer aquela gostosa, ia matar minha fome.

Abri suas pernas e tomei sua boca com a minha, meu pau

estava desesperado. Nossas línguas duelavam, enquanto esfregava


meu pau coberto pela calça na entrada da sua vulva.

— Preciso entrar, caralho... Gostosa.

Abri o zíper ainda com minha boca na dela, e não resisti ao

seu cheiro e chamado, selvagemente invadi seu buraco, e foi

perfeito. Senti a conexão, meu corpo entrou em erupção.

Rosnei e bati desesperado, rasguei o vestido e seu seio duro

se projetou bem no meu rosto, sua pele perfeita. Marina era toda

linda, apesar do gênio do cão.

— Gostosa!

E ela me virou se encaixando e agora era ela que me

cavalgava, como uma boa amazona. Olhos fechados e cabeça


jogada para trás, subia e descia no meu mastro. Guardaria aquela

imagem para sempre.

— Ai mais rápido...

Segurei seu bumbum e ajudei, e logo o seu orgasmo veio junto

com o meu, e como se caísse do penhasco, me parti em milhões de


pedaços dentro dela.

— O QUE ESTÁ ROLANDO AQUI?

A voz do Luciano retumbou dentro do apartamento e droga,

lembrei que ele também, tinha a chave. Inferno, o que ele tinha que

aparecer logo nesse momento?

Droga! Joguei a manta por cima da Marina que se encolheu

correndo para trás de mim e escondendo a nudez. Melhor orgasmo

da minha vida e o fodido do meu irmão estraga tudo.

— Rebeca? Foi por isso que sumiu? Que droga, Júlio.

Ah, droga, droga, esqueci-me dessa história, como poderia sair

de um orgasmo perfeito para dentro de uma confusão família?

Coisas fodidas que só aconteciam comigo.


MARINA

Ainda sentia as marcas deixadas pelo Júlio, já fiz sexo outras

vezes e sempre para atender o chamado natural do meu corpo,


nunca foi uma coisa com sentimentos ou fenomenal, era só para
lembrar que era humana. E sempre me sentia suja e arrasada

depois.

Precisava desligar a mente e esquecer tudo, os gritos, a


invasão, o rasgo do corpo e da alma. Mas com Júlio foi diferente e

isso era amedrontador. Irreal, e como se tivesse saído do meu corpo


e voltado caindo como em um precipício de sentimentos, me sentia

anestesiada.
Mas o corpo estava em paz, e foi bom, muito bom esse

sentimento de entrega. Com tudo não era isso que eu buscava e


nem podia me deixar levar, Júlio não me queria, não era eu que ele

desejava.

Divaguei mesmo vendo os dois irmãos discutindo, e por uma

situação que eu causei, deveria me sentir feliz por isso. Por ver a

vida do Júlio um caos, mas não me sentia.

Enrolei-me na manta, pois ainda me encontrava nua.

— UM DESGRAÇADO É O QUE VOCÊ É — Luciano gritou


indignado.

— NÃO É NADA DISSO...

— NÃO É O QUÊ? QUE PALHAÇADA É ESSA? VOCÊ

TRANSOU COM A REBECA, CARA.

Realmente precisava acabar com essa idiotice dos dois.

Respirei fundo e me aproximei.

— Mari vai vestir a roupa e depois nos falamos — Júlio falou

me olhando de cima a baixo e depois para o irmão que fazia o

mesmo.

Sabia que os dois estavam olhando minhas pernas e algumas

partes nuas e estava me lixando para isso no momento. Minha


mente estava meio fodida pelo melhor sexo que fiz em anos, e que
foi estragado por um idiota que achava que podia cobrar algo, por

mais que tinha dado a entender que poderia ser. E preferia brigar, a

analisar todas as emoções que estava sentindo no momento.

— Como pode dormir com meu irmão? — Luciano perguntou

chateado, quase arrancando o piso de tanto andar, seu olhar trazia

mágoa e muita dor. Sentia-me mal por isso. Mas não tinha muito a
fazer no momento.

— Não existia nenhuma regra onde dizia que eu não poderia

transar com quem eu quisesse — disse grosseira, sabia que estava

o magoando, mas era isso que desejava. — Você não tem por que

me cobrar.

Seus olhos apesar de tristes também traduziu vergonha, acho

que a ficha caiu.

— Peço desculpa se dei a impressão de outra coisa ou que

você poderia ter direito a cobrar algo.

— Marina... — Júlio tentou me interromper.

— Que droga de Marina?

— Meu nome é Marina, não Rebeca, eu menti para você —

expliquei. — Ok, a única culpa que tenho nisso tudo foi fazer você
de trouxa, achando que sou outra pessoa.

Dei de ombros me encolhendo dentro da manta.

— Como? Eu! Mas por quê?

Olhou de mim para Júlio perdido, era um homem bonito, bem-


vestido, elegante, mas não tinha o olhar frio do Júlio, sou bem fodida

como ser humano para achar isso sexy.

— A culpa é minha, a coisa foi comigo — Júlio falou


levantando e pondo a camisa dentro da calça e lembrei-me de suas

mãos no meu corpo e fiquei vermelha. — Conheço a Mari há anos e


tínhamos assuntos inacabados.

E agora foi a minha ficha que caiu, transei com o cara que não
escondia ser apaixonado por minha irmã, um dos motivos de estar

ali era acabar com ele.

— A Mari não tem culpa de nada...

— Eu posso falar por mim. — Olhei feio para ele. — Queria me

vingar do Júlio e me aproximei de você.

— Que porra fodida é essa? Que loucura... — Seus olhos


ficaram arrasados e enraivados e temi por Júlio. — Suas merdas

sempre batem nas nossas portas.


O semblante do Júlio caiu de decepção, tristeza e vergonha,

mas se recuperou rápido escondendo a dor por trás da dureza de


sua alma. O dedo na ferida foi colocado e eu sou a culpada por

rachar aquela família.

— Júlio não tem culpa. — Não sei por que o defendi, mas me
vi fazendo isso. — Você não tem direito de cobrar nada dele.

— Escute aqui sua puta...

— Não fale assim da Marina seu cuzão! — E foi para cima do


irmão.

Fiquei entre os dois tentando apaziguar a situação.

— Você não passa de um imbecil egoísta, e você uma


vagabunda.

Agora a paciência acabou, chutei seu saco sem piedade e

soquei seu estômago. Ele se dobrou caindo no sofá com olhar de


dor.

— E você não passa de um mimado que acha que pode ter


todos os brinquedos que tenha xereca, e agora está puto porque

comeram a boceta que você queria brincar. — Dei meu dedo do


meio para ele que olhou feio. — Dá próxima vez que achar que

pode me ridicularizar por fazer aquilo que vocês homens fazem a


vida toda, sendo que não é da minha conta onde você põe esse seu
pau, vou arrancar seu dentes. — Júlio continuava calado nos
olhando com um sorriso de deboche. — Até estava me sentindo

culpada, mas agora vejo que você mereceu seu imbecil cuzão
mimado.

— Maluca!

— Com certeza, bem maluca, seu babaca!

E segui para o quarto com vontade de tomar um banho e


esquecer tudo.

— A louca me bateu! — Ouvi resmungar.

— Sorte sua, comigo eu tomei foi uma surra completa — Júlio


disse, abri um sorriso disfarçado. — Ela é muito foda.

E foi dito com tom de elogio.

Tomei um banho e deitei ainda sentindo o gosto do Júlio, e


deveria estar vermelha por sua barba que passou no meu corpo,
mas não me importava. Foi um relapso, foi um erro. Eu sabia, mas

algo dentro da minha mente me dizia que eu merecia, e foi um erro


gostoso demais.
Naquela noite não tive pesadelos, dormi como uma pedra.

Acordei disposta mesmo com o som horrível de rock, vesti uma

malha e fui correr, andava relaxada com meu treinamento.


Precisava voltar para o foco.

Passei pela sala, olhei o Júlio fazendo abdominal molhado de

suor, delicioso, agora eu sabia do que ele era capaz, tinha que parar
de ter esse tipo de pensamentos com ele.

Suspirei indo para cozinha e fugindo do seu olhar insistente

quando passei.

Peguei água e voltei para a porta. Saí em silêncio com ele


ainda me observando. Nós dois estávamos querendo algo que não

nos levaria a lugar nenhum. Poderia ser um precipício para nós dois.

Corri por uma hora de relógio, até meu corpo pedir para parar,

e tentei exorcizar tudo que aconteceu inclusive a briga com o irmão

dele, devia um pedido de desculpas ao Luciano.

Voltei para o apartamento pensativa e molhada de suor. Um

banho frio seria bom. Assim que entrei duas mãos me seguraram

junto à parede, reconheci o dono da casa antes de reagir.

— Ei... — resmunguei, mas ele estava só de short com o peito

de fora e o pau duro pelo tamanho do pacote na frente, me deixou


maluca.

— Passei a noite dos infernos querendo invadir a droga

daquele quarto e terminar o que começamos.

A sua voz era raivosa e sexual.

— Eu passei a noite ótima — debochei olhando seus lábios.

— Quero foder você de novo.

— Vai sonhando...

— Agora, essa malha está me matando, não consegui me

concentrar no exercício desde que saiu com ela.

— Precisa de ajuda, você é bem fodido.

— Eu sei, mas, no momento, a única coisa que preciso é


dessa boceta cavalgando meu pau.

Filho da mãe, não era nada romântico, era cru, mas sexy pra

caralho, e estava molhada demais.

Sua boca veio e não fiz nada para impedir, logo estava

enganchada na sua cintura, e ele arrancando minhas roupas.


Fomos para o chuveiro nos beijando como dois esfomeados.

Abri a torneira e Júlio me empurrou contra a parede embaixo

da água. Seu corpo era tonificado, forte.


— Você é muito gostosa — falou enquanto me lambia.

— Não podemos continuar...

— Xi, não estraga, deixa rolar.

Abriu minha vagina e amassou seu pau por ela, perfeito, meu
corpo tremeu de antecipação. Suspendeu minha bunda e olhou

dentro dos meus olhos.

— Vou foder você, até não existir outro nome nessa sua boca
perfeita.

E invadiu minha vulva, enganchei minhas pernas em sua


cintura e senti toda sua extensão dentro de mim.

— Me fode com força... — pedi segurando nele e levei minha

boca a sua, que selvagemente a recebeu chupando com força.

Nossos gemidos foram abafados pela água que caía, e ele fez

o que prometeu, metendo com força, fora e dentro.

Gritei seu nome e ele gemeu guturalmente quando gozamos.

Parecia mentira, mas pela segunda vez tivemos orgasmos no

mesmo momento.
JÚLIO

Sexo perfeito toquei minha testa na dela e suas pernas

desceram para o chão e tentamos fazer a respiração voltar ao


normal. Excelente maratona.

— Não usamos camisinha. — Toquei seu rosto, mas ela se

afastou.

Pela segunda vez.

— Estou limpa e tomo pílula.

— Também estou limpo, mas pode acontecer uma criança...


— Não tem bebê nenhum e nem sexo de novo — cortou

minhas palavras com dureza, era isso que ela fazia quando se
sentia chateada, já tinha me ligado neste lado protetivo da Marina.

No fundo a mulher frágil era uma menina com medo.

E eu era um imbecil egoísta por não me afastar dela, mesmo

sabendo que podia magoá-la mais ainda. E no fundo não

precisamos de envolvimento emocional. Eu nem tinha mais essa


coisa de coração pelo jeito. Como disse ontem meu irmão: — Sou

um verdadeiro cuzão que põe a vida das pessoas que ama em

risco. — Ele tinha toda razão, pois não queria me afastar da Mari,

mesmo sabendo que devia.

— Mari pode negar, mas nós dois sabemos que vamos fazer
sexo de novo. — Peguei o sabonete para passar nela que

continuava de braços cruzados com seus olhos lindos e ferozes me

encarando.

— TEM ALGUÉM NESTA CASA? — Donny gritou da sala e a

Mari se enrolou na toalha saindo em disparada do banheiro.

Que droga! Por que ela se importava que Donny soubesse que

transamos? Não gostei do rumo do meu pensamento e saí pelado

do banheiro indo para o quarto dela tomar satisfação.


Mas encontrei o Donny e o Marco no corredor, e a Laila.

— Uau! Gostei. — Laila riu olhando meu pau ainda meio duro.

— Você está ficando com a Marina? — Não me importava que

estivessem todos me vendo pelado só estava querendo respostas.

Ela não podia transar comigo e depois ficar com ele ou


qualquer outro, era insano, mas ideia da Marina com qualquer outro

cara me fazia desejar quebrar alguns pescoços por aí.

— Fala seu desgraçado! — Indaguei feroz ao Donny.

— Me recuso a falar minha intimidade com a Mari com você. E

além do mais você tem dois metros de altura e está pelado com
essa coisa pendurada. — Fez cara de nojo. — Realmente não tem

papo com machos pelados.

Teve a audácia de falar intimidade e Mari na mesma frase, ia

matá-lo!

— E posso dizer: que coisa boa pendurada, viu? — brincou a


Laila.

— PALHAÇA! — Marco rugiu voltando para sala com a cara

amarrada. Ela deu de ombros e virou para mim.

— Então seu pauzudo, veste a roupa e vem para sala, chama

a chorona que temos novidades.


Fez a volta e seguiu por onde o Marco foi e Donny piscou

descarado.

— Pauzudo ciumento! — debochou e apontei o dedo para ele

em aviso.

— Não quero você com as mãos na calcinha da Marina...

— JÚLIO, VAI SE FODER!

Não deu a mínima e me deixou pelado e virado no cão de


tanto ciúmes no meio do corredor. Minha casa, e ninguém me

respeitava. Nem a atrevida que passou por mim já vestida de calça


de moletom e camiseta.

Nem se dignou parar seu olhar na minha figura nua.

Inferno!

Fui para o quarto, porém a ideia de jogar uma bomba ali


estava bem atrativa no momento.

A conversa morreu quando voltei à sala, minha cara feia devia

ter os assustado. Pensei.

Estava de mau humor, transei com a mulher mais gostosa do


mundo, o melhor orgasmo e a miserável não dava a mínima para
isso. E ainda inventava que não ia mais rolar. Meu pau que não ia.

— O que está rolando? — indaguei sem falar com ninguém em

especial.

Laila passou o celular para mim e sorriu como um gato que


bebeu leite da tigela.

Ela era estranha e pelo jeito bem sem vergonha, agora vai ficar
jogando esses olhares para mim, tipo: Vi seu pau e gostei.

Em outra época poderia até encorajar, era uma mulher bonita,

meio estranha, mas gostosa, já a vi de biquíni e Laila era um


espetáculo. Mas não me envolvia com meus soldados e nem estava
a fim de mais ninguém que não fosse à pequena marrenta de

cabeça baixa sentada na cadeira, tomando café com leite.

Uma matéria trazia o nome do Senador e outros


correligionários, além de assessores envolvidos em festas escusas.

E do lado a foto da moça morta.

— Saiu? — perguntei me sentindo mais calmo.

— Saiu, agora ele vai ter que explicar o que fazia dando festa

com dinheiro público e como a moça deixou o local morta ou viva —


Marco comentou. — Pode não dar em nada, mas vai deixar ele

alerta e bem mais reservado no seu modo sádico.


— A máscara do bom moço ruindo.

Laila fez um jeito de plof com a mão.

— Isso vai fazer ele se retrair e não queremos isso — Marina

falou. — A polícia é comprada por ele, pode sumir com provas.

Ela me olhou e senti alfinetada, e não poderia dizer que estava


errada. Euclides era prova ainda viva disso. De como existiam
homens da lei corruptos e inescrupulosos.

— Com certeza ele vai fazer isso e aí que entramos —

comentei calmo. — Estamos rastreando os detalhes desse


processo, se ele sumir mexemos para que alguém seja punido.

— Está um rebuliço na mídia, vários jornais e blog, site de


notícias, tudo falando do assunto — Donny comentou. — Ele vai

ficar puto, nervoso, e alguém vai aparecer e soltar o bico.

— E nesse momento nossa carta na manga entra.

Marina me olhou com indagação no olhar.

— Arion. — Dei o nome. — O Carlos é poderoso, mas tenho

um homem bem mais poderoso e com certeza a turma da festinha


vai querer cobrir sua passagem por ela.

E é aí que ele entra, e faz sua mágica de conseguir

informações privilegiadas, pegaríamos o Carlos em sua própria


arrogância. E ele seria meu e nada o salvaria disso.

— Será que ele vai querer participar? — Mari não parecia certa

ou entendia como as coisas funcionavam ali.

— Não tenha dúvidas, ele te deu a palavra que ajudaria e vai


— Donny explanou como funcionava e ela sorriu com esperança e

seus olhos brilhavam de emoção. — Ele gosta do jogo.

— Ele ama esse jogo — Marco completou.

Todos riram, tinha vontade de quebrar o Arion, mas uma coisa

não poderia negar, ele sabia fazer o jogo do poder e conseguir o

que desejava.

O homem era incrível na arte de manipulação.

— Fiz umas pesquisas sobre o Carlos — Mari comentou

passando uma pasta para cima da mesa. — Sobre sua família, e

como chegou ao poder — continuou a falar enquanto olhávamos o

que conseguiu. — Tem muita coisa e muita lacuna também. — A


forma que a mãe morreu não existia nada, o pai teve um infarto, e

daí vira uma lacuna, depois ele já apareceu casado com a primeira

esposa que morreu em um acidente de barco.

— Conveniente para ele! — Laila exclamou olhando as fotos.

— O cara é rodeado com mortes trágicas, muito sinistro.


Donny olhou para ela que sorriu e piscou.

— Vamos botar pra quebrar. — Ele bateu na mão dela como

se tivessem um plano.

— Sim, vou agilizar que esses dados cheguem à mídia

imaginem o alvoroço, o passado misterioso do Senador metido com

a morte de uma prostituta que foi sodomizada e sumiu na festa que

ele promoveu? — Laila parecia ler a manchete e seu rosto tinha um


prazer genuíno. — O Homem por trás da pose de bom moço vai cair

e vão cavar e cavar.

— A mídia vai fazer da vida dele um inferno. — Marina riu feliz

— Sim, vamos dar a ele um pouco de trabalho e corda para se

enforcar — falei sorrindo, a hora daquela crápula estava chegando e


ele nem saberia o que o atingiu, acho que saberia no final, pois iria

ficar frente a frente comigo e meu chicote. No fim uma boa bala

resolveria.

— Vamos espalhar as meninas, queremos informações de

onde vier — dei ordens. — Vamos conseguir tudo que pudermos.

Marco assentiu levando o copo que a mãe deu à boca, ele

agora andava com aquela coisa para todos os lugares. Era o filhinho

da mamãe e nem escondia isso.


— Vou tentar achar tudo que seja possível, no momento —

Marina falou e esqueci Marco para focar nela.

— Tenho mais material na casa do Bento.

— Andou ocupada, hein? — Laila debochou e foi ignorada.

— Vou precisar sair para buscar e resolver umas coisas.

Que coisas? Aonde ela ia?

— Vai para onde? — Até eu achei que estava sendo rabugento

e chato, mas tudo que tinha a ver com Marina me tirava do eixo.

— Não é da sua conta!

Sem me dar escolha, saiu da cozinha e minha vontade era ir

atrás para saber, mas todos os outros três estavam olhando para
nós com curiosidade e eu não queria dar margem para fofoca.

— Não tem nada para fazer os três não?

— Tem alguém chateado — debochou Laila com seu humor

peculiar e sem medo, tinha vontade de afogar aquela moça na

maioria das vezes.

— VÃO TRABALHAR, LOTE DE DESOCUPADO! — Soltei

com raiva.
E fui fazer o que eu disse que não faria, saber aonde Marina

iria e não percebi o dinheiro saindo dos bolsos do Marco e do Donny


para o bolso da Laila. Que parecia bem contente por ter ganhado a

aposta.

SENADOR CARLOS

Engoli a raiva, fingir calma era o mais difícil na minha posição,

porém necessário. Tinha que ser assim se quisesse ser ouvido e

temido, além de admirado.

As pessoas olhavam e percebiam o que queríamos, era fácil

nos tempos atuais manipular as coisas a seu favor. Na era da

internet tudo que era plantado virava verdade, bastava criar uma
fagulha. Mas isso também se tornava perigoso quando se desejava

manter a imagem. Precisava ser mais sutil. Há anos não perdia o

controle como perdi com aquela prostituta, mas tudo isso era culpa
da vadia da minha falecida, desde que passou a aparecer para mim,

fiquei desnorteado. E ninguém achava esse corpo, precisava ter


certeza de que estava morta, precisava de tranquilidade, mas ela

me perseguia.

— Não pode dar entrevista Senador, se mantenha calado e


recluso — meu assessor me alertou depois de toda a merda que

saiu na mídia.

— Dê um jeito nisso, preciso que jogue água nessa fogueira —

pedi tentando ficar calmo, mas queria torcer o pescoço dele açoitá-

lo por sua incompetência, mandei que se livrassem da moça e os

idiotas jogaram em um lixo, simples, um lixo, a droga de um lixo. —


Quero que os dois sumam também.

— Mas, Senador...

— Sem deixar rastro desta vez George, sua incompetência

quase está me causando a perda do meu mandato — lembrei

virando para ele que teve a decência de ficar vermelho e calado. —


Quero que chame o Euclides.

— Não será possível, se encontra em coma.

— Como?

Não fiquei sabendo desse detalhe, como algo assim passou


sem meu consentimento. George estava ficando relapso pelo jeito.

Não gostava de estorvo.


— Não sabemos direito como aconteceu, mas ele se encontra

bem mal pela surra que levou de alguém.

Não gostei disso, por que motivo alguém faria isso com o

Euclides e na mesma época que acontecia esse deslize da minha

equipe? Tinha algo errado, podia sentir o cheiro.

E a ira parecia que ia me dominar.

— Resolva, suma da minha frente! — Joguei o jarro da mesa e

George ficou em pé com medo. — Sai!

Ele correu e a vontade de quebrar tudo veio como um raio.

Nuvens negras dominavam minha alma, não, não ia perder a

calma. Respirei fundo várias vezes e saí do escritório.

E vi a minha esposa, a idiota da minha esposa, a voz dela me

incomodava, realmente depois que casei com ela minha vida virou

uma merda, um saco, um inferno.

— É tudo culpa sua!

Encolheu-se e subiu as escadas, não ia se safar, ela precisava

pagar por tudo que vinha passando. Antes que entrasse no quarto

peguei seus cabelos.

Sentir seu cheiro doce, de perfume caro, senti o cheiro do seu

medo junto com ele.


— Você é um incômodo para mim — falei em seu ouvido e ela
se debateu de medo. — Odeio tudo em você, sua vadia.

— Carlos...

Tremeu e me senti em casa quando ouvi o terror em sua voz.

— Tira a roupa.

— Não, Carlos, por favor.

— Implore!

E ela ajoelhou chorando e pedindo clemência.

— Por favor...

— Não tem clemência para vagabunda Isadora, não tem.

Seus olhos ficaram maiores.

— VÊ O QUE FAZ COMIGO LAURA? VÊ COMO MEXE COM


MINHA CABEÇA, ATÉ TROCANDO SEU NOME ESTOU, SUA
PUTA!

Levantei a mão e estapeei seu rosto que virou com a força do

impacto, mas precisava de mais, precisava discipliná-la.

— Tira a roupa!

Ela levantou e fez o que eu pedi chorando baixinho.

Nua com a pele branca parecendo leite.


— Por favor, não...

Peguei o chicote e a fiz deitar, abri sua bunda, e ela gritou em


desespero. Era uma mulher vadia, precisava ser disciplinada.
Precisava entender que era minha, e faria o que eu quisesse com

ela.
MARINA

Ainda me encontrava em embate comigo mesma, por ter

transado novamente com o Júlio, e pior de tudo isso é que foi bom,
não foi só bom, foi ótimo.

O encaixe era perfeito, uma adrenalina.

Caminhei com passadas largas até o local onde precisava


chegar, olhei para os lados antes de atravessar a rua. Ignorei todas

as perguntas do Júlio antes de sair de casa. Conhecia aquele bairro


como a palma da minha mão, passei muito tempo indo ali, toda vez

que a cabeça não estava boa, era aqui nesse lugar que me
encontrava. E foi um dos motivos de não ter surtado ou deixado a

depressão me dominar.

Olhei a fachada pintada de rabiscos dos próprios meninos do

bairro, parecia uma espelunca. Ainda assim, para mim o melhor


lugar do mundo.

— Apareceu a sumida! — Isaac riu ao me ver entrar.

Um homem de quase dois metros de altura, olhos negros e

cabelos loiros, diria que Isaac era exótico. Totalmente musculoso,

dava para ver que cresceu mais músculos pelo peitoral sem camisa.

— Olá, amigo. — Abracei seu corpo e beijei seu rosto. —

Estou precisando daquela caixa. — Fui direto ao assunto, não

tínhamos muito isso de ficar enrolando.

— Certo, continua onde guardou.

Bagunçou minha cabeça.

— Mas antes quero revanche — brinquei.

Com um sorriso de troça segurou minha mão e entramos no

local, onde tinha várias crianças treinando, o tatame ao lado. A

academia era o local que muitas crianças se encontravam,

principalmente aquelas que não tinham para onde ir.


Acho que por isso me encontrei tanto neste lugar e foi o Isaac
que me ensinou todas as lutas que sabia, a me defender, a usar

uma arma, não baixar a guarda.

Ele foi um presente na minha vida, além de ser um bom estepe

sexual por uns tempos.

— Tem visto meu pai? — perguntou enquanto eu tirava o


casaco que cobria minha malha vermelha.

— Sim, deveria ligar para ele.

A briga do Isaac com Bento era antiga, os dois eram cabeça

dura e se amavam. Isaac amava o que fazia de melhor, ajudar as

pessoas e Bento nunca entendeu a ideia de seu único filho não


gostar das coisas que o dinheiro dele poderia pagar e nem tomar

conta das empresas da família.

— Liguei semana passada e você já sabe como termina.

Sorri me alongando e ele continuou em pé me analisando.

— Tão iguais — analisei troçando dele, que veio para cima.

Assim foi por quase 40 minutos de treino pesado, precisava

disso, precisava suar, tinha que voltar a frequentar a academia e

treinar com mais afinco, mais uma vez Isaac me derrubou.

— Droga!
— Olha a boca mocinha, as crianças não precisam desse

exemplo.

Dei língua e o dedo do meio para ele e os meninos que

assistiam começaram a rir. E ele as seguiu rindo também.

Depois, de banho tomado, peguei o material que se

encontrava escondido com o Isaac. Despedi da galera prometendo


voltar.

— Se cuida Marrenta e não some.

Beijou meu rosto com carinho e agradeci indo para o carro.

Teve um tempo que achei que poderia me apaixonar por ele,


pena que não aconteceu, Isaac tinha todo um problema com sua

sexualidade e a do pai, que era gay assumido, mas meu amigo


ainda não se achou. Os demônios dele eram profundos.

Assim como os meus, dois quebrados não se consertam.

Bati na porta e aguardei, sabia que não seria fácil, mas

precisava fazer isso. Luciano abriu e fechou o semblante ao me


encarar.

— Cai fora! — Foram suas palavras.

De short e camiseta, e cabelos despenteados.

Unhas pintadas de rosa rodearam sua cintura e uma loira com


o maior silicone que vi na vida saiu detrás dele. Só de calcinha.

— Amor?

Eita, hora errada.

— Estou ocupado agora.

Nem olhou para moça que quase me arrancava a cabeça só


com o olhar, mas não fez escândalo, foi para o quarto.

— O que deseja? — perguntou com voz tensa.

— Conversar, creio que devo uma explicação.

Não gostava de fazer isso e, também nem sabia o porquê


estava fazendo.

— Olha sei lá como se chama, não tenho nada para dizer a


você e creio que nem você a mim. — Essa doeu. — Minhas bolas
ainda tremem do chute que levei, então seja feliz transando com

meu irmão.

— O Júlio não tem culpa do que eu fiz.


Em partes, mas não ia dizer em voz alta.

— Só queria deixar isso claro.

— O Júlio é problema com P maiúsculo, sejam felizes.

Belo irmão, ou era a mágoa falando?

— Creio que também eu seja um problema com P maiúsculo,


não tenho nada com seu irmão, apesar de achar que não devo

satisfação de com quem eu esteja transando. — Ele olhou para o


lado. — Mas fiz tudo para chatear o Júlio, e ele é seu irmão e gosta

de você. — Dei de ombros. — Não entendo o motivo já que você


acha que ele é um bacaba problemático.

Senti seu corpo ficar tenso.

— Bem, vim só pedir desculpas, e já estou indo.

— Marina, eu...

Coçou a cabeça querendo dizer algo.

— Olha, fica tranquila, vou me resolver com o Júlio, é coisa de

irmão. — Deu um pequeno sorriso.

— Entendo.

Sentia falta da minha irmã, para pelo menos brigar, reclamar,


queria ter a Isa comigo. Luciano não sabia o presente que era ter os
seus do seu lado, mesmo que fosse para encher o saco, ser sozinha
não era bom.

— Vou indo, a sua siliconada está aguardando.

Dei de ombros e ele riu.

— Tchau!

— Tchau, e pelo amor, para de chutar as pessoas? — pediu


com um sorriso alegre que conheci antes dessa merda toda.

— Só chuto os que estiverem sendo babacas.

— Essa eu mereci.

Pisquei para ele e dei a mão indo para o elevador.

No fundo o Luciano era um cara legal, só acabei pisando no

ego dele, e alguns homens não toleravam muito bem isso.

Infelizmente me importava muito pouco com egos masculino.

Ri ao chegar ao carro. Tinha trabalho a fazer e estava na cola do

Senador, creio que agora a casa dele caí. Não tinha por que me
importar com relacionamentos.

Tentei me enganar, já me enganei por tantos anos, mais um

tempo e Júlio sumiria da minha vida. Assim poderia voltar a minha


solidão.
Suspirei ligando o carro e saindo do local.
JÚLIO

Minha vontade era seguir a Mari e descobrir aonde ela ia,

contudo era muita loucura, ficaria parecendo um lunático


perseguidor, um cara sem controle das próprias emoções. Já passei
dentro da Organização situações tensas que o autocontrole era

indispensável.

Então poderia fazer o mesmo com a Marina, dar espaço para


ela.

Não que isso fosse fácil, aquela mulher mexia comigo de uma

forma louca, nada comparado com o que sentia pela Isadora, não
sabia explicar. Realmente era loucura demais para minha cabeça já

lascada de doida.

Então resolvi fazer uma visita.

Precisava de informações e saber o estado Euclides, ele ainda


não morreu, mas faria sofrer a cada segundo.

Entrei no hospital junto com Marco que jogou charme para


atendente enquanto olhava a ficha no computador. E para meu

espanto o imbecil já se encontrava no quarto privado.

Dei o sinal para meu colega que brincou com a moça e me


seguiu para a ala particular.

— Ala particular? — Marco indagou.

— Alguém pagou em dinheiro vivo pelo que vi na ficha dele.

— Então ele tem amigos.

— Com certeza ou sabe muito sobre alguém.

Marco tocou a mão no meu ombro antes de entrar no quarto

me parando.

— Não viemos para matar o homem. — Ele sabia que odiava,

poderia perder a paciência e quebrar o Euclides.


Uma enfermeira vinha em nossa direção e não dava muito
tempo para nos esconder, acabamos optando por entrar no quarto

rápido.

O cara estava nos aparelhos, dormindo.

— Fez um bom trabalho com ele — elogiou Marco, caçoando

do estado que deixei o Euclides.

— Se você não tivesse me seguido e fofocado, agora ele

estaria morto — lembrei com sarcasmo.

— E você não teria tomado a surra que tomou. — Ele ainda riu

ao dizer isso.

Só tinha pessoas sádicas ao meu redor, não era possível.

Revirei os olhos e procurei a ficha deixada pelas enfermeiras para

dosagem de remédio, informações para a próxima que assumisse o

posto.

E não estava à vista, procurei as coisas dele no armário e,

também não tinha nada.

— Não tem nada.

O Euclides gemeu.

Cheguei próximo a seu ouvido e falei:


— Eu vou caçar e matar você. — Ele tentou abrir os olhos,

mas estavam inchados de tanta pancada, ficou agitado e lágrimas


começaram a sair dos seus olhos. — Vou acabar com tudo que mais

ama , assim como fez comigo.

Gemidos fortes vinham dos lábios deles, estava agoniado sem

poder fazer nada, e era isso que eu queria, que sofresse. Apertei
suas feridas, seu braço quebrado, mexi no balão até ele ficar sem ar

se debatendo, até o Marco tomar o aparelho e pôr no local


novamente.

— Você é um estraga festa!

Fechei a cara para ele e saí do quarto.

— Você já se divertiu, entendo que odeia o cara...

— Não foi você que caiu na armadilha de matar um homem


errado porque o seu colega de trabalho queria dar fim em provas de
sua corrupção. — Toquei o peito dele com o dedo. — Eu perdi tudo

naquela noite, perdi minha dignidade a vontade de exercer a


profissão que mais amava, virei um indigno frente a tudo, botei

minha família em perigo. — Continue tocando seu peito com o dedo,


estava com raiva, queria voltar na droga daquele quarto e desligar
todos os aparelhos e ver o Euclides morrer aos poucos. — Aquele

cara lá é um filho da puta traidor e não merece viver.

— Ele é o capitão da polícia agora — lembrou Marco.

— Porque acabou com minha vida, foi condecorado —


recordei. — Ele não merece o cargo que exerce, é corrupto e filho
da puta.

Virei as costas e saí dali, estava sentindo as paredes me

oprimir, odiava hospitais, odiava as lembranças que vinham com


esse lugar.

Agradeci mentalmente a Nanda por me convidar para almoçar,

na realidade, nem foi um convite, foi uma intimação. Conhecia o


restaurante indicado por ela na mensagem.

Cheguei atrasado, esse era meu charme como dizia a Márcio

— meu irmão — que gostava de chegar depois de todos para


aparecer. Avistei a Nanda e o Luciano, porra, agora sabia que o
negócio seria bem complicado.

Meu irmão estava puto comigo por conta da Mari, e preferia

deixar sem falar sobre o assunto. Já comi tantas namoradas dele e


não entendia a chateação porque transei com a Marina. Na verdade,
não queria analisar o motivo, melhor deixar o tempo lamber as
feridas do cara, pois com ela não ficaria, sem chances, não ia abrir

mão da marrenta para o Luciano. Sem chances, só de imaginar isso


já me dava urticária e vontade de socar algo.

Aproximei-me e tirei os óculos escuros me jogando na cadeira


do lado do Luciano e em frente a Fernanda.

— Olá, para você também — comentou Nanda olhando para

nós dois, que não nos cumprimentamos.

E nem encaramos a cara do outro. Não me via como culpado


por nada, ele que pedisse desculpas por ser um cuzão.

— O que está rolando entre vocês?

Ela sempre foi curiosa e enxerida.

— NADA! — falamos ao mesmo tempo.

— Sei...

O garçom se aproximou entregando o cardápio e anotando as

bebidas, ainda bem, assim deu uma trégua nas indagações da


Fernanda.

— O Luciano conversou comigo sobre o Márcio e achei que

deveríamos partilhar com você Júlio — voltou a falar assim que o


garçom se retirou. — Como é um assunto delicado resolvi que um
local neutro seria melhor.

— Bem delicado — debochou Luciano e não entendia bem por


qual motivo.

Nanda não gostou porque fechou a cara para ele, que se

consertou na cadeira se calando.

— Não vou aceitar seu deboche sobre isso, sobre seu irmão.

— Mas foi só uma brincadeira.

— Brincadeira que mata todos os dias — rebateu ela.

— O que está rolando? Estou perdido. — Entrei no papo.

— Se respeitasse a família não estaria tão perdido. — Virou

para mim Luciano com cara feia.

— Família ou seu ego?

Mas ele não ia encher meu saco mais por isso.

— Para os dois, Luciano conta — Fernanda pediu batendo na

mesa com raiva e o garçom voltou com nossas bebidas dando

tempo para respirar. — Mês passado fui a São Paulo para terminar

um trabalho, e acabei indo a uma balada e encontrei o Márcio por lá


— retomou a conversa meu irmão. — E ele estava beijando outro
rapaz — contou me deixando chocado, não esperava por isso. —

Acabou que discutimos e ele assumiu que é BI, nem sei o que isso
quer dizer.

— Mas ninguém nunca percebeu, eu...

— Sim, Júlio, temos um irmão gay e daí? — Nanda indagou

nos olhando com uma onça feroz. — Não vou abandonar meu irmão

por isso, tenho duas amigas que são casadas, tem seu filhinho
lindo, e isso é normal.

— Eu nem sei o que dizer.

Realmente não tinha nada contra, mas era o Márcio, meu

irmão, sei lá, era estranho.

— E não vou aceitar nenhum dos dois fazendo gracinhas ou

deixando ele de lado.

Nanda era muito apegada ao Márcio, era como um filho para

ela, o caçula sempre foi seu amor, desde que mamãe morreu ela

assumiu ele como sendo seu, cuidava como uma mãe.

Entendia sua ferocidade, era seu coração de mãe falando,

defendendo sua cria, admirava muito a Nanda.

— Nunca abandonaria meu irmão — lembrei a ela.

— Sei, só pega as mulheres deles — Luciano disse venenoso.


— A gente não pega aquilo que nunca o outro teve. — Virei

para ele já muito pau da vida. — Já comi metade das suas

namoradas, ficantes e sei lá o quê, qual o seu problema agora?

— Ei, o foco aqui é o Márcio. — Nanda bateu na minha mão.

— Não quem urina mais longe, cresçam!

— Ele não é um problema, temos que deixar contar ao papai

— Luciano disse olhando nossa irmã. — Só dividi a situação com

vocês, porque achei que era necessário, mas amo o moleque.

— Tudo bem, só estou dando um aviso, nada de gracinha, ou

homofobia com ele, não vou tolerar. — Parecia um general falando.

— Que isso fique bem claro.

A comida chegou, mas perdi a fome, estava puto com as

piadas do Luciano, a sexualidade do Márcio era problema dele,


onde ele enfiava o pau era problema dele também. Ainda estava

sobre a raiva do Euclides.

— Era isso? Tudo resolvido? Vou conversar com o Márcio e


saber como se sente.

— Seria bom Júlio, ele se sentiria acolhido.

— Vou fazer isso, Nanda.

— O bom samaritano — debochou o outro.


— VÁ SE FODER! Perdeu, supere babaca!

Levantei da mesa, joguei o guardanapo e fui embora sem olhar

para trás.
MARINA

Foquei no sistema quando voltei para o apartamento do Júlio,

o cliente pagou adiantado, então precisava terminar e instalar.


Precisava de ajuda para dar conta de tudo. Investigação e minha
empresa. Na realidade, precisava de um funcionário habilidoso. Que

entendesse de sistema para focar na parte de instalação.

Minhas costas estavam me matando por ficar tanto tempo


sentada e ainda pelo treino com Isaac. Porra, por que não pensei

nisso antes? Peguei o celular e liguei para ele.

— Duas vezes no mesmo dia, estou com sorte — brincou

assim que atendeu.


— Engraçadinho! Preciso de sua ajuda.

— As ordens princesa.

— Estou mais para o cavalo da princesa.

Ele gargalhou do outro lado me fazendo rir também.

— Os cavalos têm seu charme.

— Não era esse momento que você diria que sou linda e tal, e

ajudava meu ego?

— Acho que sim, mas estou sem vontade no momento —

troçou ainda rindo. — O que manda?

Tudo com Isaac era tão simples, ele tinha o dom de deixar as
coisas mais leves, nos fazer sentir especiais, acolhidos.

— Preciso de alguém para minha empresa de sistema.

— Alguém como?

— Isaac, estou com muita demanda e pouco tempo, além de

odiar essa coisa de socializar, contato com pessoas...

— Sei sua ogrinha, já entendi você precisa de um funcionário


que manja dos paranauês de sistema?

— Isso, alguém de confiança que esteja precisando trabalhar.


— Acho que sei de alguém, mas vou conversar com a pessoa
e retorno.

— Obrigada, amigo.

— Pode contar sempre comigo minha ogra preferida, e põe

gelo nos dodói que passa.

Desligou e eu ri da cara de pau dele, olha que audácia achar

que me deu uma surra no treino.

— Rindo? Falando com quem?

Nem vi o Júlio entrar no apartamento. Pela cara estava bem

chateado, se bem que ele só andava de cara amarrada. Desde


sempre.

Preferi usar o silêncio e fingir que ele não estava por ali. Voltei

para o trabalho, mas lógico que ele tinha outros planos. E neles

continuava a encher meu saco.

— O que são todos esses números?

Revirei os olhos.

— Um sistema de compra e venda.

— Vai vender o quê? — perguntou sentando ao meu lado.

— O meu cliente que vai vender pelo site laticínios.


— Não sabia que trabalha com sistema.

— Preciso pagar as contas.

Ele levantou e foi para cozinha e voltou com duas cervejas me

entregando uma que aceitei. Parecia cansado e triste, uma mistura


de puta da vida.

— Mudança drástica de profissão.

— Medicina sempre foi pela Isa, depois que ela se foi não tinha
por que continuar, além de que não poderia voltar para faculdade

sem deixar rastros para o Carlos. — Gostava de mexer com


sistemas e era boa nisso, só não curtia a parte social. — Abri minha
empresa de sistemas.

— Isso é bom, a Isa deve sentir orgulho de você — disse com

a voz baixa. — Como ela morreu? Conte para mim?

Ele parecia frágil naquele momento, como se algo o


machucasse.

— Não aguentou os ferimentos, estava muito ferida, ela


sangrava muito, pela boca, e partes íntimas, teve órgãos perfurados.

Não gostava de voltar naquela noite, era doloroso.

— Ele a machucou demais — comentei e ele continuou de


cabeça baixa. — Bateu muito, mas se tivesse conseguido fugir tinha
dado tempo de salvá-la.

— Os jornais diziam que ela sofreu um acidente e não

sobreviveu e só acharam o carro. — Sua voz era triste, embargada.


— Sempre achei que fosse uma mentira que estava viva em algum

lugar, não queria acreditar que tinha morrido.

— Os capangas deles tinham planos para nós duas, jogaram o

carro no lago, mas nós duas não estávamos lá dentro. — Foi tanto
terror naquela noite e no dia seguinte. — Passei uma noite e um dia

trancada com eles.

Não consegui segurar a dor, não queria lembrar.

— Marina...

— Não diz que sente muito ou me olhe com pena, já faço isso

todos os dias durante esses anos, e machuca.

Nem percebi que soluçava, nem percebi que chorava. Até


minhas lágrimas se misturarem com as dele no acolhimento dos
seus braços.

— Eu me culpo todos esses anos, eu sofro a cada minuto por

não poder ajudar ou saber o que aconteceu — disse beijando minha


cabeça. — Eu falhei com vocês duas.

Um grito de dor saiu da minha garganta.


— Perdão, Mari, perdão!

— Foi terrível, vi minha irmã agonizando do lado e não podia

fazer nada, eles me machucaram, me bateram , usaram meu corpo


— contei em voz alta aquilo que nem no escuro do meu quarto

falava a mim mesma. — Só consegui fugir no final do segundo dia,


quando eles saíram para comprar comida achando que eu estava
machucada demais para sair dali.

— Vou matar cada um deles, juro que vou matar todos eles.

Senti sua fúria e a certeza de que faria isso. Tocou meu rosto

nivelando com o seu.

— Eu juro por minha alma.

— Já os matei! — disse séria. — Cacei os dois e arranquei

suas cabeças.

Um sorriso sardônico se abriu em seus lábios.

— Garanto a você que os dois sofreram bastante antes disto.

— Mulher você é perfeita.

Sua boca desceu sobre a minha, mas a porta se abriu e nos

afastamos.
— Atrapalhamos? — Donny e Marco perguntaram, nos
olhando com safadeza.

Homens!

Levantei pegando minhas coisas e fui para o quarto, precisava


agradecer aos dois, se não estaria neste momento debaixo do corpo

do Júlio transando.

E precisava de um tempo, entender todos os sentimentos que


ele me fazia sentir, além de assimilar sua dor com a morte da minha

irmã. Assumir que gostava do cara que ainda amava ou sofria por

ela de certa forma acabava comigo.

— Vou ficar com sua cerveja, Mari.

Donny e a sua falta de semancol.

Entrei no quarto e tranquei a porta. Melhor assim, pensei ao

me jogar na cama e chorar.


JÚLIO

O mundo era uma roda-gigante, e eu estava rodando o tempo

todo nela, as coisas iam e vinham socando minha cara. Meus erros
não me davam trégua.

Tomei mais um drink queria me embebedar aquela noite,

queria ficar entorpecido, queria morrer, mas a vida não me daria

essa folga. Jamais! Ela nunca foi muito boa comigo.

Larguei a Marina em casa, Marco e Donny e saí sem dar


explicação, os olhos dela sofridos, contando por toda dor que

passou e não pude fazer nada me assombraria junto com todos os


outros fantasmas. No dia estava matando um inocente por conta de

uma vadia traidora. Nunca vou perdoar a Drica, nunca.

Aquela miserável sem escrúpulos, mentirosa do caralho.

Pedi outra bebida batendo o copo no balcão, e o garçom me


olhou feio e os dois caras do lado também. Com certeza me

acharam mal-educado.

Foda-se, uma boa briga me ajudaria a melhorar o humor. Ri

com sarcasmo e dei o dedo do meio para eles que bufaram com

raiva. Os dois caras se aproximaram com ar de quem gostaria de


arrumar uma boa confusão. Medi os dois, gordinhos, com cara de

brigões, dois minutos os massacrariam.

Pus o copo no balcão e o garçom se afastou para o fundo do


bar olhando para mim e para os dois caras.

— Oh imbecil deseja arrumar confusão? — reclamou um dos

caras.

Paciência zero para qualquer um deles, sem um deles esperar

bati o seu rosto no balcão o nariz sangrou na mesma hora. Chutei a

cadeira na perna do outro.

Pronto, confusão formada deixei alguns socos pegarem em

mim, precisava disso. Tomara que essa briga me ajude a relaxar as


ideias.

Nem a água fria acalmou meu rosto e corpo dolorido depois da

briga. Duraram tão pouco, homens moles, correram rápido demais

para meu gosto.

Não existem mais caras durões ou aqueles que se metem em

brigas por se meter. Ficaram todos de fora olhando enquanto


massacrei os dois cuzões frouxos.

Busquei a toalha enrolando na cintura e ouvi um grito de dor.

Instintivamente saí do quarto para saber de onde vinham os

gritos, já no corredor outro grito.

— Marina!

Invadi seu quarto sem pensar muito, na realidade, temia por

sua vida, os gritos eram tão doloridos, de quem sofria muito.

— Não, não, por favor, parem, parem...

Meu coração se partiu em milhões de pedaços ao encontrar a

Mari segurando as cobertas, ajoelhada na cama, tremendo de

medo. Seus olhos vidrados de medo, terror.


Meu Deus, ela sofreu tanto e agora os sonhos a derrubavam, e

eu sabia o que pesadelos podiam fazer conosco.

Sentei na cama e sacodi de leve seu corpo, para não a

assustar, ainda mais.

— Mari, Mari?

Ela berrou como um animal ferido, acuado, enlouquecido.

— NÃOOOOOOOOOOOOO!

Seu corpo virou um arco se debatendo, mas a segurei firme,


não pude fazer isso no passado, mas agora estava aqui para ela. E
não ia a lugar nenhum. Salvaria a Mari , custe o que custasse, não

consegui fazer com Isadora, mas faria pela Marina tudo que
estivesse ao meu alcance.

— Vou matar todos eles Mari, eu juro, você não vai sofrer

mais, nunca mais.

Seu corpo se acalmou no meu, e suas lágrimas molharam meu

peito, soluços baixos e dolorosos.

Olhei aquela mulher tão bela e frágil, quebrada de diversas


formas e prometi colar seus pedaços, e que Deus me ajudasse a

conseguir.
Beijei sua testa e senti uma fagulha de sentimento há muito

adormecido em meu peito.

Percebi sua presença antes mesmo dela entrar na cozinha.

Cabelo bagunçado, camiseta do Mickey e calça de moletom larga.


Bagunçada, mas linda.

Seu rosto trazia a fadiga da noite mal dormida. Sentou-se à


mesa em silêncio e continuei fritando os ovos para o café. Éramos

dois estranhos naquele ambiente, mas no fundo dois iguais.

— Não teve música hoje?

Preferi não fazer barulho para que ela pudesse dormir mais um

pouco.

— Não. — Foi a minha resposta.

— Parece que foi atropelado por um caminhão.

— Você precisa ver os outros caras — falei pondo os ovos em


sua frente. Também fiz suco, tinha leite, pão e frutas.

E ela deu um pequeno sorriso fazendo meu coração disparar.

— Hum, café da manhã? Vai me pedir dinheiro emprestado?


— Dei de ombros, a fazendo rir de novo.
Marina era dura, mas um fresco para uma manhã. Odiava
mulheres cheias de frescuras ou papo furado. Analisei-a comendo
sem cerimônias.

— Vai fazer o que hoje? — perguntei e ela levantou o rosto

como se estivesse tentando entender onde ia minha pergunta.

— Vou fazer umas pesquisas com algumas coisas que a


Isadora me entregou dias antes de acontecer tudo — explicou
voltando a beber mais do suco que fiz para ela. — Tinha uns papéis,

tentei descobrir o motivo de eles estarem ali, mas até hoje não
obtive resposta.

— Então vai ficar em casa, posso ajudar nisso?

Realmente não tinha muita coisa para fazer hoje, tentei me


convencer que esse era o motivo. Porém, no fundo sabia que

desejava passar um tempo a mais com ela.

Uma batida na porta chamou nossa atenção e levantei para


ver quem era, com certeza não era a turma do trabalho, eles nunca
bateriam.

— Oi, pai.

Michele entrou correndo com toda sua alegria e a mãe dela

veio em seguida ficando a porta como se estivesse desconcertada.


— Ela não dormiu bem à noite chamando por você — contou
passando por mim.

— Pai, posso ficar aqui com você hoje? — pediu toda fofa em
seu vestido laranja com sapatilhas rosa. De tranças, Michele tinha

crescido bastante. Já era uma mocinha.

Antes que respondesse correu para cozinha fiquei em silêncio


esperando a Drica dar o fora da minha casa.

— Ela anda agitada, você anda sumido...

— Drica, acho que já deixou a menina e pode ter certeza de

que ela vai ficar bem.

— Júlio não pode continuar com esse tratamento pelo bem da

Michele, deveríamos tentar nos entender.

Aproximei-me dela e falei baixo para que a minha filha não

ouvisse.

— Eu quero que você se foda. — Ela ficou pálida. — Sua

mentirosa do caralho, falsa dos infernos, sei que fui um cuzão com

você, mas não merecia sua vingança infantil que destruiu minha
vida.

Sentindo o impacto da minha raiva ela seguiu para porta de

cabeça baixa e depois voltou o olhar para mim.


— Sinto muito, sinto mesmo Júlio, todos os dias.

— Foda-se!

— Pai tem uma moça na cozinha. — Michele voltou cortando


nossa conversa, a menção da Mari fez a Drica ficar pálida e depois

vermelha. — Ela é bonita.

E nesse momento a Marina entrou na sala com a mão cruzada


na frente do corpo e encostou-se perto da pilastra.

— Bom dia.

Foi ignorada pela Drica que olhou para mim com raiva e

rancor.

— Eu não acho que a Michele deva ficar.

Sua arrogância me enervava.

— Não mãe, eu quero ficar com o papai.

— Michele!

— DRICA, CAI FORA!

Vermelha de raiva seguiu praticamente correndo até a porta


que bati segundos depois que ela saiu. Mulher desgraçada.

— Pai, vou comer pão e tomar suco.

— Antes quero beijo.


Ela correu até mim cruzando os braços no meu pescoço, beijei

seu rosto e ela fez carinho no meu.

— Saudades desse cheiro gostoso de filha linda.

— Ahh, é meu xampu.

Gargalhei e ela também, o olhar da Mari estava suave em nós

dois. E realmente a paz reinou em mim, todo barulho que minha

mente tinha ficou silencioso.


MARINA

Acordei e o Júlio não estava mais na cama, mas sabia que

dormiu ali comigo, ainda tinha o cheiro dele no travesseiro. E


lembrava os seus braços e palavras. Ainda assim, não tive coragem
de tocar no assunto no café da manhã que sabia que fez para mim e

nem sobre não ter música logo cedo. Tudo isso foi para que

descansasse depois da noite ruim, da noite de pesadelos que me


acompanhavam há muitos anos.

E continuei sem coragem de falar algo sobre a noite, depois de


ver sua ex que não escondia que o queria de volta e sua filha fofa e
apaixonada pelo pai. E ver o durão Júlio como pai fofo e carinhoso

derrubou um pouco mais das minhas paredes emocionais.

Não tive um pai assim, nunca soube o que era colo do pai,

senti medo a noite e ele esteve ali do lado. Meu pai sempre foi um
imbecil egoísta.

Tentei me concentrar no trabalho, mas os risos e interação do

Júlio com Michele me tiravam o foco. Queria participar da


brincadeira, porém não sabia como fazer isso, essa aproximação.

— Tia Mari você quer pizza? — perguntou a menina como se


alguém ouvisse meus pensamentos e a empurrasse para mim.

— Aceito sim. — Sorri para ela que sorriu de volta.

Era uma mocinha linda, mas não parecia com o Júlio.

— O que você está fazendo?

Sua curiosidade não me afetou, gostava de crianças, nas aulas


de defesa pessoal ajudei muitas delas.

— Tentando decifrar códigos.

Ela franziu o cenho concentrada em minhas palavras.

— Parece bem difícil.

— Verdade, na maioria das vezes é bem difícil.


— Vou pegar sua pizza e já voltou para te ajudar.

Achei engraçada sua mão na cintura concentrada, como se

realmente pretendesse fazer isso.

— Fico aguardando.

— Essa chave se parece com a do tio Arthur, marido da


mamãe.

Um estalo na mente e olhei para Michele com curiosidade.

— O que ele faz com a chave dele?

— Hum, ele me disse que é para abrir o cofre do banco. —

Deu de ombros e saiu correndo de volta para sala.

Cofre de banco era isso. Bingo!

Michele merecia um prêmio.

Ela trouxe a pizza e passou a me encher de perguntas que

respondi todas atentamente. A menina era muito inteligente.

— Michele, a tia Mari está trabalhando — Júlio reclamou.

— Tudo bem, ela está ajudando — defendi a pequena que

olhou para o pai bem debochada.

— Estou decifrando códigos.

— Hum, que inteligente.


Aproximou-se da mesa e me deu um comichão no corpo sua

presença, só de camiseta e calça jeans, pés descalços e cabelo


bagunçado.

— Onde conseguiu isso? — perguntou segurando uma agenda


preta bem velha.

— Isa me deu para guardar.

— Inferno!

— Pai?

— Júlio olha a menina.

Reclamamos da boca suja dele.

— Desculpa, mas deveria ter nos mostrado isso antes.

Pegou o celular e ligou para o Marco e para Laila.

— São códigos... — argumentei assim que ele desligou o

telefone.

— Não, são contas.

Como?

— Contas?

— Sim, contas fictícias, só precisamos descobrir em quais


países e para quem. — Sorriu feliz. — Isso aqui é a derrocada do
nosso querido Senador.

— Pai, tio Donny vem pra cá?

Júlio revirou os olhos.

— Por que você tem que gostar dele?

— Ele é o máximo — a menina defendeu o amigo.

— Concordo com ela — confirmei.

Com olhar de raiva ligou para o Donny.

— Aquele folgado já estava a caminho.

— Eba!

Estava com a esperança renovada em mim, era isso que

Isadora estava falando quando pediu para que guardasse como


minha própria vida. Ela sabia, era o trunfo dela.

Pegamos você Carlos.

Parecia uma confusão generalizada, todos falando e comendo

ao mesmo tempo.

Donny trouxe lanche e doces para Michele, e a briga com Júlio


começou por isso. Pelo jeito era proibido dar doce a menina, mesmo
assim, o tráfico de doces correu solto, todos os outros deram doces
a ela.

Que parecia uma drogada viciada na frente da TV, assistindo


Barbie junto com Donny que parecia gostar e, também comia os

doces. Grande e estranho esse cara. Nunca diria que um cara cheio
de piercings e tatuagens gostava de desenhos de princesas e fosse
tão paciente com crianças.

— Vocês vão pagar o dentista dela. — reclamou o pai

aborrecido. Não consegui me conter e caí na risada.

— Você parece um pai rabugento.

— Você ainda acha graça?

A risada foi ficando mais alta, descontrolada, Júlio levantou da

cadeira e veio fazendo cócegas em mim que tentei fugir.

— Engraçadinha!

— Cócegas não.

Meu rosto parou perto dos seus lábios e nossos olhos se

encontraram em reconhecimento de um desejo escondido entre nós


dois.

Uma tosse discreta chamou nossa atenção e nos afastamos

sem graça.
— Estamos aqui ainda — Laila brincou sorrindo
despudoradamente como se soubesse de todos os segredos do
mundo.

Uma insuportável.

Deu a mão para o Marco que de cara feia colocou uma nota de

cem na mão dela.

— Falta a parte do Donny. — Soltou um beijo para ele.

— Hum? — perguntei virando para o Júlio que deu de ombros

fingindo não saber do que se tratava, mas algo me dizia que sabia.

— Bem, vou voltar ao rastreio das contas. — Marco saiu de

fininho.

— Amanhã vai sair a reportagem no jornal de grande peso. —

Laila mudou de assunto. — E o Senador vai dar uma coletiva.

— Podemos brincar com o emocional dele?

Tive uma ideia e Júlio olhou para mim.

— Sempre que tenho oportunidade apareço para ele como se

fosse a Isadora.

— Mulher demoníaca — Laila falou, porém soou como um


elogio.
— Ele pode perder a linha na coletiva — argumentei tentando

fazer com que eles concordassem comigo.

— Acho perigoso — Júlio disse.

— Eu posso fazer isso, já fiz antes — resmunguei.

— Creio que possa dar certo. — Tomei um susto ao ver a Laila

me defender. — Precisamos organizar a forma dela entrar e sair


sem ser vista.

— Não gosto disto — o chatão continuou resmungando.

— Então vamos organizar o plano de uma forma que fique

bom.

Insisti, era importante fazer a máscara do Carlos cair em frente

às pessoas.

Não queria só ele morto, queria ele louco, desvairado,

sofrendo com sua mente doentia. Morrer era bom demais para o

Senador, queria seu sofrimento psicológico.

Queria que perdesse tudo, assim como eu perdi.

— Tudo bem — Júlio concordou, mas sabia que não estava


gostando de nada disso.

— PAI, TIO DONNY ROUBOU MINHA PIPOCA.


Laila balançou a cabeça como se achasse graça. E eu prendi o

riso vendo a cara de tédio do Júlio.

— Não sei o que você vê nesse folgado!

Dito isso foi resolver o problema da pipoca com a filha.

SENADOR CARLOS

Senti as coisas voltando ao controle, apesar da especulação

da mídia, consegui neutralizar muitas reportagens cobrando favores.

O delegado que apurava o caso ia almoçar comigo ainda essa


semana, vou tentar trazê-lo para meu lado. Todos tinham seu preço,

logo iria descobrir qual o dele.

E esse descuido seria enterrado como deveria ter sido no

começo. Já consegui um álibi, agora era encontrar um culpado.

Sorri para minha imagem no espelho.

— Tudo pronto, senhor — o meu assessor falou da porta.

— Vamos.
Daria uma coletiva no hotel da cidade, lugar neutro e com

público para mostrar ao povo, isso era desagradável e mentiroso.

Gostava dessa parte. Sabia fazer bem. As pessoas me

amavam, dava a elas o que precisavam, comungava dos ideais


delas.

Minha esposa já aguardava no carro, impecavelmente

arrumada, seríamos uma família feliz. Olhou pela janela quando


entrei no carro, ela sabia que odiava que me encarasse.

O local estava repleto de repórteres como pedi que fosse.

Tudo organizado sentei na cadeira respondendo todas as

perguntas com simpatia. Muitas fotos e risos em dados momentos.

Estava tudo indo bem, como previ que seria.

— Realmente estive na festa, mas não me lembro de ter

encontrado essa moça — falei ultrajado. — E está sendo difícil ver

minha família no centro de um escândalo como esse, quer manchar


o meu nome? — Olhei para todos sem recuar. — Sou um homem

público, mas, ainda assim um homem, com erros, acertos, e minha

esposa que está aqui não me deixa mentir. — Ela continuou olhando
a frente como foi instruída. — Desejo que peguem o assassino

dessa moça, que tragam a justiça, mas peço aos meu inimigos que

não façam isso, é triste ver sua família desmoronar por conta de

uma política suja. — Meus olhos marejaram, acreditei nas minhas


palavras que acabei me emocionando. — Não pude ser pai, mas

sinto a dor do pai dessa pobre garota.

E antes de terminar de falar a vi entrando na sala, de óculos

escuros e vestido branco, cabelos compridos, bolsa e seu andar, era

ela... sim era Isadora.

Levantei automaticamente perdendo o rumo dos pensamentos.

Desgraçada, ela estava viva.

E nem olhou para mim, saiu andando por outra porta

calmamente.

— Senador? — chamou meu assessor. — Senador?

O burburinho na sala fazia barulho demais na minha cabeça.

Era Isadora, precisava acabar com ela, precisava saber como


sobreviveu.

Sentia falta dela, inferno, vou prendê-la e nunca mais ia fugir

ou olhar para outro.


Saí da sala em seu encalço, o suor molhava minha camisa,

senti um frio nas minhas entranhas, e o barulho do salto dela no


piso mexia com meus pensamentos os deixando confusos.

— Senador?

O assessor segurou meu braço antes que eu conseguisse

alcançá-la.

— Me larga, preciso falar com ela.

— Estão todos olhando.

Sentia-me desnorteado, perdido e com raiva.

Virei e tomei noção do que tinha feito, todos estavam me


observando com pena.

Saí do local sem olhar para ninguém. Precisava ficar sozinho.

Entrei no carro e pedi para o motorista dirigir pela cidade.

— Desgraçada!

Ela voltou para acabar comigo, miserável, quando iria me

deixar em paz? Ela morreu, era coisa da minha cabeça. Desgrenhei

meus cabelos com ódio.

— VOU MATAR VOCÊ ISADORA! — gritei dentro do carro

perdido na minha raiva.


A escuridão estava me engolindo. Tinha que pensar friamente,
precisava tomar posse da minha vida de novo. Ninguém podia saber

o que eu fiz, ninguém!

Desgraçada, mulheres eram seres ruins.


JÚLIO

Não estava curtindo nenhum pouco aquela ideia da Mari de se


meter na missão. No fundo eu sabia que ela podia se cuidar, vinha

fazendo isso há mais de dez anos.

Mesmo assim, me sentia protetor em relação a ela.

Vê-la caracterizada de Isadora foi como um baque em mim,


parecia que ela estava à minha frente, sorrindo, não consegui dizer

nada. Fiquei literalmente mudo.

E a Mari percebeu, ficou pálida e se afastou. Merda, não

consegui disfarçar o impacto que vê-la assim causou em mim.


Agora com certeza se afastaria de mim. Joguei todo meu progresso

com ela fora, por ser bem otário e deixar o fato da irmã dela mexer
comigo.

Inferno, inferno.

— Calma, ela vai ficar bem — Laila falou se aproximando,

pondo um ponto de acesso para comunicação. — Marina é forte.

— Não sabia que gostava dela, parece que se detestam —

expressei aceitando o meu ponto que ela me passou. — Pega leve

com ela, a Mari já teve muita coisa ruim na vida.

— Eu sei, mas ela não precisa de pena e sim que a veja como

é, uma mulher resiliente — disse me encarando com olhos firmes.

— A moça já sente autopiedade demais por ela mesma e não


precisa que alimentemos isso. — Caminhou para longe e eu entendi

seu ponto, na realidade, tinha razão, mas como fazer minhas

emoções entender isso?

Suspirei e observei toda a organização, Laila levaria a Mari até


o banheiro do hall do hotel fugindo das câmeras de segurança e

onde ela sairia caminhando até o salão da entrevista. E seguiria

para os fundos sem levantar a cabeça para olhar o Senador, Donny


já aguardava ela do outro lado do corredor e a encaminharia para
onde o carro se localizava.

Tudo teria que ser segundos, para não dar tempo de sermos

pegos ou Carlos chegar até ela.

E foi assim que aconteceu, não levava fé que daria tão certo.

De óculos escuros observei tudo de onde me encontrava no

fundo da sala como se fosse segurança do local.

Laila era excelente para esse tipo de ação, a mente dela

trabalhava muito bem para montar planos que necessitava mais do

cérebro, de verdade somos melhores com arma e uma boa luta e

ela era boa em todas as coisas — Inteligência, arma e luta —


menos lidar com pessoas. O seu sarcasmo atrapalhava bastante,

mas entendia que isso era mais forma de defesa que encontrou

para se proteger.

— Tudo bem por aí? — Marco falou no ponto.

— Donny esteja a postos, Mari seguiu para o corredor leste


como combinado.

— Já estou aqui — ele respondeu.

Todos no local só falavam de como o Senador estava

perturbado, que estava perdendo a razão, ou querendo saber o que


aconteceu para ele sair assim.

E meus olhos pousaram em uma pessoa que até então

ninguém tomou ciência em nosso plano.

A esposa.

Calada, de cabeça baixa e submissa, infeliz.

Igual a Isadora.

Precisamos chegar até ela.

A moça foi retirada do local com vários repórteres fazendo


perguntas e ignorou todas como se estivesse anestesiada. Será que

ninguém percebeu que ela precisava de ajuda? De fato só


enxergamos o que desejamos.

Rodei pelo local para obter mais informações, ouvindo aqui e

ali discretamente.

— O leve para casa, hospital nem pensar, vou providenciar um

médico. — Ouvi o assessor falando ao telefone com alguém. — Não


precisamos de mais mídia em cima disso, vou levar alguém para vê-

lo.

Desligou e encostou-se à parede tentando respirar e soltando


o nó da gravata. A oportunidade era boa demais para jogar fora.
— Precisa de um médico, senhor? — perguntei solícito, ele me

olhou como se fosse uma ratazana.

— Não, estou bem. — Fechou os olhos alisando a cabeça


como se estivesse no limite.

— Ouvi o senhor falar de médico ao telefone e temos um


excelente médico aqui.

Seus olhos brilharam de interesse virando para mim.

— De confiança?

— Creio que sim.

Fiz de desentendido.

— Preciso do número dele.

— Um momento.

Liguei para o Marco.

— O assessor do Senador precisa de um médico — falei com

a voz neutra, pelo barulho ele estava no trânsito.

— Marque na casa dele, precisamos entrar no covil do lobo.

Foi a voz da Laila que saiu no meu ponto de acesso no ouvido.

— Ele vai ligar para seu número, qual é? Está dirigindo perto
dos Jardins — falei dando a localização da casa do Senador.
— Não precisa dar meu número só o mande para esse
endereço, estarei lá aguardando — falou com arrogância e passou
um cartão com endereço. — Não quero nenhum comentário sobre

isso, ou o Senador não vai gostar e seus chefes também não —


ameaçou. Idiota!

Saiu rápido do local e eu andei para o outro lado.

— Laila, precisamos que seja assistente do Marco — falei no


ponto.

— Por que tenho que ir com aquela imbecil? — resmungou.

— Porque você é mais detalhista e temos que achar tudo que

podemos sobre o assunto, foco na esposa dele, acho que ela é


nosso ponto principal.

— Ok, Ok, se ele disser uma gracinha vou chutar o saco dele.

Ela e Marco se amavam, só que não.

Porém, estava feliz demais para me importar com a briga dos


dois.

O meu celular tocou e era o número da última pessoa que


precisava falar no momento.

— Diga!
— Preciso falar com você.

— Por quê?

— Não brinque comigo Júlio, estou no café do outro lado da

rua.

Inferno dos infernos, não estava dizendo que a vida não


facilitava as coisas para mim? Pensei chateado ao desligar o

aparelho e o ponto de acesso e segui para fora do hotel.

Parecia um boneco de cera de tão arrumadinho, e não daria

para não perceber que não tinha nada a ver com aquele ambiente.

Tomando café calmamente.

Sentei na cadeira à sua frente.

— Diga cunhado?

Não olhou para mim e levou a xícara de forma elegante ao

pires.

— Achei esse hotel de mau gosto para uma entrevista. —

Foram suas palavras enigmáticas.

Ninguém ao redor poderia imaginar quem era aquele homem

tão elegante, e como poderia quebrar o pescoço de alguém sem


desarrumar os cabelos.

— Vai falar do tempo agora? — caçoei sem paciência.

— Quando iria me contar que teve um caso com a falecida


mulher do Senador e que o capitão da polícia armou para você

matar um homem?

Não sabia como descobria as coisas, odiava essa sua rede de


informações.

E o fato de estar cavando minha vida.

— Anda fazendo fofoca agora? — Usei meu sarcasmo como

arma, não queria abrir meus problemas com ele.

— Acha que fiz tudo que fiz na minha vida tomando chá? Com

certeza não foi. — Deu de ombros calmo me analisando.

— Isadora não foi minha amante, peça para seu informante

fazer melhor o trabalho dele. — Cruzei os braços na defensiva.

— Imaginei que não fosse, mas o Euclides, por que não contou
antes sobre ele? Teria explicado melhor as coisas e o motivo dele

estar no cargo.

— Não tinha noção disso, achei que fosse minha cabeça

quente e falta de investigação da minha parte, mas uma coisa que a

Marina falou me alertou sobre isso — expliquei. — Ele me fez crer


que a Drica dormia com o seu desafeto, e ela para se vingar de mim

participou do plano.

No fundo fui um otário em acreditar naquela peste.

— Nunca acreditei que ela foi estuprada ou violentada, sempre

achei falso.

— Obrigada por me contar agora — resmunguei.

— Nanda gosta dela, foi em seu casamento, tem a menina que


não tem culpa de nada, mas não sabia que ela participou do plano

— disse pensativo. — Ganhou dinheiro nisso?

— Sim, e comprou um carro novo. — Suspirei me sentindo um

imbecil. — Passei esse tempo todo sendo bode expiatório de um

policial sem escrúpulos.

— Não veja como uma ofensa, mas você precisa pensar mais

antes de agir, essa agressão nata sua, faz as pessoas se

aproveitarem.

Não disse nada, pois ele tinha total razão.

E detestava ter que concordar com esse palhaço.

— Vou a Brasília essa semana, vou ver o que posso fazer. —

Levantou deixando umas notas na mesa. — O Euclides está


protegendo alguém maior, mas sei que você sabe disso — disse —
Pegue-o e você pegará seu peixe. Júlio brigas de bar é só brigas de

bar, não ajuda em nada pensar, e sexo é bem melhor para isso.

— Minha irmã adoraria essa conversa.

— Lógico! Você acha que faço sexo com quem? E por sinal

faço muito sexo.

Que nojo!

Riu e deixou o local com jeito de rei e dono do local.


MARINA

Apesar de parecer calma, estava destruída, sempre que me


vestia de Isa me sentia assim. Como se roubasse algo. E ver a cara

do Júlio foi a gota d’água.

Em algum momento ia transbordar, eu sabia, estava sentindo,

estava por um fio.

Tirei a peruca já no carro e arrebentei os botões da minha

roupa.

— Preciso ir a um lugar.

Donny me olhou de lado e assentiu.


Passei o endereço e afundei no banco segurando as lágrimas.

Chegamos ao local e ele não desceu só ficou lá no carro me

olhando de longe, agradeci essa sensibilidade de perceber que

precisava desse tempo, que precisava ficar sozinha.

Avistei as pedras, ajoelhei e transbordei.

— Saudades Isa, saudades.

Toquei uma pedra que estava quente pela temperatura do dia.

Sabia que um dia a tiraria dali e daria um enterro digno. Mas


estava demorando demais, e as coisas pareciam mudar, o vento

levava tudo para um novo rumo.

— Perdão amor, perdão pela minha fragilidade.

O soluço era inevitável, as lágrimas que o acompanhavam

também.

— Imaginei que estivesse aqui.

Virei para o Isaac com as mãos no bolso em pé me olhando.

Não invadiu meu espaço, abri os braços e levantei e fui de encontro

a ele.

Suas mãos me seguravam e o sentimento de proteção

dominou meu corpo. Chorei, e ele não me soltou.


— Senti que precisava vir aqui. — Foram suas palavras e eu
assenti.

Nunca me explicou essa mania de me achar quando

precisava, e nunca perguntei.

— Ela chora, ela está chorando.

Algo em sua voz me alertou.

— Quem?

— Ela diz que você está livre.

— QUEM? — Segurei sua blusa de forma grosseira e

desesperada.

— Não sei, só ouço.

Agora ele também chorava.

— Só ouço sua voz — disse e me abraçou.

— Sinto sua dor Marina, mas você não tem culpa, chega disso,

você se magoa e a ela também — pediu com pesar na voz. — Por

favor, pare!

Afastei-me, sentindo-me horrível, péssima.

— Eu não consigo!
— Sim, você consegue. — Tocou meu rosto com carinho. —

Venha para casa comigo.

— Não tenho mais lar.

— Seu lar é seu coração, mas hoje vou levar você para minha
casa.

Isaac era o único junto com Bento que conhecia a extensão da


minha dor, meus surtos, aguentaram todos por anos, até o dia que

levantei e resolvi lutar. Mas tudo em mim foi quebrado, poucas


coisas sobraram da antiga Marina e, mesmo assim, eles me
amavam e protegiam.

Por isso os amava, mesmo sem querer amar ninguém.

— Sim, vou avisar ao meu amigo.

Sorri sem alegria e ele assentiu enxugando uma lágrima

minha.

Falei com Donny que pareceu não gostar nada da história.

— Júlio não vai gostar disso — falou olhando o Isaac de cara

feia.

— Ninguém liga! — Dei de ombros. — Ligo para você mais


tarde.
Continuou de cara feia me observando montar na moto do meu

amigo e partir.

Tomei um banho e apaguei na cama do Isaac, seu chá era

poderoso, me derrubou. E foi um sono sem sonhos ou pesadelos.

A minha barriga roncou de fome.

E o cheiro de comida me dominou, caminhei de calcinha e

camiseta até a pequena cozinha.

— Olá, dorminhoca — brincou quando o abracei por trás. —


Melhor?

— Sim, bem melhor.

— Fiz uma sopa deliciosa e revigorante.

Adorava suas sopas, na verdade, a comida do Isaac era


maravilhosa.

Sentei à mesa e aguardei meu prato.

— Seu celular parece uma bomba de tanta ligação —


comentou pondo a sopeira na mesa.

Droga apaguei e esqueci o celular.


Levantei e fui buscar o aparelho em cima do sofá.

Tinha umas vinte ligações do Júlio, e áudios, além do Donny.

Fui pelo caminho mais fácil e liguei para o Donny.

— O Júlio está descontrolado. — Foi logo dizendo. — Manda

seu amigo abrir a porta.

— Como? — perguntei sem entender.

— Marina, abre a droga dessa porta!

Foi Júlio que respondeu à minha pergunta aos gritos.

— Melhor você abrir — meu amigo respondeu calmo. — Creio


que tem sopa para todos eles.

— Como ele se atreve?

Já ia descer e fazer um escândalo.

— Mari, veste a calça primeiro, não quero bater e nem apanhar


se alguém entender errado nossa relação — comentou calmo,

pondo mais pratos à mesa.

Nunca vou entender essa calmaria que vinha do Isaac.

Seu jeito acolhedor e misterioso, mas com dores pela vida, seu
olhar às vezes tinha tristeza. Mas ele nunca falou delas, porém

conhecia todas as minhas dores.


Voltei ao quarto e vesti um moletom dele e desci as escadas
abrindo a porta.

Júlio passou por mim como furacão, seguido do Marco e Laila.

— Não sei o motivo disso tudo. — Laila piscou. — Cheiro bom


esse.

— É sopa — respondeu Isaac do alto da escada.

— Mulher tu tem bom gosto. — Ela voltou seu olhar para mim

e depois para meu amigo. — Tem prato para mais um?

Seu olhar sagaz e sexy fez o Isaac rir.

— Oferecida! — Marco resmungou.

— ENTÃO É ISSO, VEIO ATRÁS DO AMIGUINHO E TODOS

NÓS PREOCUPADO COM VOCÊ? COMO TEM CORAGEM? —

Júlio explodiu.

— Ei, eu avisei a você — Donny reclamou.

— Eu não estou procurando ninguém — Marco seu defendeu


subindo as escadas atrás da Laila.

— CALEM A BOCA! — Soltou o dono do mundo.

— Ficou maluco? — perguntei assim que todos subiram e


Isaac também. — Que escândalo é esse?
— Mari, mostra o local a ele — Isaac pediu saindo na porta.

— Quem é ele? — foi sua pergunta.

— Não é da sua conta. — Caminhei para dentro da academia.


— Júlio você não pode sair por aí me caçando.

Sua mão segurou meu braço e me trouxe para seu peito. Seus

olhos continham mágoa.

— Veio para ele mesmo sabendo que poderia contar comigo?

Não sabia o que dizer sobre isso, então fiz silêncio.

— Temos uma história, Mari...

Realmente ele estava magoado com meu comportamento,

mas como explicar que Isaac era como irmão e meu porto seguro

emocional? Que já transamos antes, mas não era o que eu queria e


nem o refúgio que ele buscava.

— Sei que fiz merda, mas juro Mari que estou nessa com você

de corpo e alma.

— Eu sei, a Isa merece isso.

A menção a minha irmã não foi proposital, no entanto, ele

sentiu que sim e soltou meu braço.


— Nunca tive um caso com sua irmã, me encantei por ela, mas

nunca fui correspondido — explicou distante de mim. — Eu fiquei

louco por ela, a queria de qualquer jeito, mas nunca pensei que ela
traiu o marido.

O ciúme me corroeu, era errado isso, contudo, era o que eu

sentia no momento. Sempre ia amar a Isadora, porém saber que o


amor do Júlio sempre foi dela me magoava como mulher e era

horrível me sentir assim.

— Tudo bem, Júlio.

Virei para voltar pelo mesmo caminho, não queira saber do

amor dos dois.

— Mas nada se compara ao que senti hoje ao saber que você

partiu com outro homem.

Sua respiração estava na minha nuca e meu corpo ficou

paralisado por essa revelação.

— Senti ciúmes, insano, voraz, o mataria agora se soubesse

que o ama, pois não suportarei que seu amor seja de outro. —

Continha dor e verdade em suas palavras.

Tinha muito medo de acreditar em suas palavras, tinha um

medo insano de sofrer por conta dele. Algo me puxava para o Júlio
como um ímã, temia aquilo, temia tudo que tinha a ver com ele, a

morte da Isa me detonou como humano, mas o Júlio tinha o poder


de acabar comigo de uma vez, para sempre.

— Júlio...

— Estou ficando alucinado, Marina!

Segurou meus braços e virou tocando sua boca na minha.

E como se agarrava a sua única tábua de salvação, me

agarrarei a ele me deixando devorar por sua boca.


JÚLIO

Assim que toquei em Marina meu corpo entrou em calmaria,


mesmo porque passei o dia em grande tormento sentimental.

Receber o aviso do Donny que um homem apareceu e ela foi com


ele, não foi de grande ajuda. Quando o assunto era Marina, me

sentia possessivo, descontrolado.

O seu corpo perto do meu tinha o encaixe perfeito, era como

achar o porto depois de tantos anos. Nenhuma mulher teve esse

poder sobre mim. Teve uma época que achei que amava a irmã
dela, e o fato disso afastar Marina de mim, só fazia a situação e
meus sentimentos piorarem. Sentia-me péssimo, mas não a ponto

de desistir dela. Isso não ia fazer.

Aprofundei mais o beijo e a encostei nos tatames encostados

na parede, pelo que descobri o amigo dela era dono e professor no


local. Uma rua situada no subúrbio. Tinhas aulas de artes marciais

para jovens e adultos e tudo isso sem-fins lucrativos. O cara era

visto como um bom samaritano por todos que o conheciam.

Além de ser filho do Bento, o amigo da Mari. Nunca imaginei

essa conexão, o que trazia novas perguntas: Onde Marina se

escondeu esses anos todos? E como Carlos não a rastreou


morando praticamente perto da casa dele, com Bento e seu filho?

— Eu tenho tantas coisas aqui na cabeça — ela disse se


afastando dos meus beijos. — Sou uma pessoa difícil, Júlio.

Eu a entendia, porque era assim que me sentia também.

— Acho que isso que nos faz perfeitos, porque somos

praticamente iguais. — Seus lábios ainda vermelhos pelos meus


beijos se abriram em um pequeno sorriso e não resisti tocando-o

com meu dedo calejado. — Eu sinto coisas com você, que nunca

senti antes — disse baixo.


— Eu também, mas também sinto que não é o momento para
isso.

— Quando seria? Quando terminar o que estamos fazendo e

você sumir? — Não entendia a resistência dela. — Não vou perder

você de novo.

Seus olhos focaram em mim com confusão e amedrontado.

— Só a Isa me quis um dia, só ela lutava por mim.

O X do problema sempre seria sua gratidão a Isa e o que ela

achava que senti ou sinto pela irmã dela. Inferno! Não era

romântico, e nem bom com as palavras, não sabia falar coisas

bonitas, sou mais sútil que o rinoceronte.

— Vocês dois estão perdendo a sopa — Donny gritou e ela se

afastou de mim, indo para as escadas.

Segurei seu braço e a trouxe de volta.

— Eu gostei da Isa, ou fui obcecado, nem sei mais, mas uma


coisa eu tenho certeza Mari, ninguém mexe comigo como você.

Sua boca se abriu e fechou em choque e sua mão veio no

automático para meu rosto, acariciando minha barba.

— Eu nunca quis tanto acreditar em algo.


Não suportei e a beijei de novo, queria arrancar sua roupa ali

mesmo, queria provar de todas as formas o quanto minhas palavras


eram reais.

Afastamo-nos com um riso sem graça.

— Vamos tomar sopa?

— Vamos, preciso conhecer seu amigo.

Ela revirou os olhos e seguiu à minha frente.

— Essa calça é dele? — Não resisti e perguntei, o homem da


caverna em mim queria matar o cara.

— Sim, o Isaac me emprestou.

Inferno, inferno.

— Por quê? Ficou nua para quê?

— Júlio!

Droga! Estraguei tudo de novo, mas estava me roendo de

ciúmes, no momento, para me importar.

Entrei no espaço do rapaz que parecia bem calmo,


descansado, mas tinha frieza em seu olhar, tormento, não era o cara

comum como imaginei.


— Júlio sabia que o Isaac serviu no exército? E, também

conhece os montes tibetanos? — Marco estava empolgado. — O


cara tem técnica em mais cinco tipos de luta.

— Digamos que viajei bastante por esse mundo. — O bom

samaritano riu com calma. — Sentem, vou pegar mais pratos.

Mari se jogou em uma cadeira e fiz o mesmo ao lado dela em

outra, observei todo o local espartano. O pai do Isaac era um


homem rico, por que o filho vivia naquele local?

— Esse homem é uma máquina em todos os sentidos — Laila

falou e todos nós reviramos os olhos.

— Você acha tudo que tem pênis interessante — Marco

debochou

— Você tem pênis e eu não te acho interessante — rebateu o


fazendo se calar. — Marina onde conheceu o Isaac?

Gostei dessa pergunta.

— Foi ele que me achou na noite que fugi do meu cativeiro


com Isa, e foi ele que ensinou a lutar, a usar uma arma — contou

cortando um pedaço de pão com calma. — Devo minha vida a ele e


ao Bento — falou baixo e todos se entreolharam e fizemos silêncio.

O rapaz voltou colocando os pratos de sopa à nossa frente.


— Donny? — perguntou e o guloso assentiu.

— Vou querer mais.

Quem tinha dúvidas disso?

Tomei a sopa que se encontrava muito boa, a conversa

paralela voltou, mas Mari e eu não participamos, comemos em


silêncio e presos em nossos próprios dilemas pessoais.

Já era tarde da noite quando voltamos para casa. Queria dizer

que não gostei do amigo dela, mas mentiria, o Isaac era intrigante e
inteligente. Se o Arion ou Rômulo o descobrirem com certeza iam

querer recrutá-lo.

Ele tinha uma aura angelical perturbadora. Tinha o poder de

fazer todos se sentirem bem e aconchegados, nunca vi meu grupo


tão à vontade conversando sobre tudo e sobre nada ao mesmo

tempo.

Mari entrou no apartamento, mas a detive antes que fosse


para o quarto. Hoje não dormiria sozinha, talvez outro dia, mas hoje
não.
Abracei e fiz carinho em seu rosto, beijando seus lábios
maravilhosos, eram lábios que pediam beijos. Que pediam meus
beijos.

Marina não reclamou ou se afastou, colou em mim e levantei

seu corpo.

— Hoje você dorme na minha cama.

Deitando a cabeça no meu ombro assentiu e antes que


mudasse de ideia a levei para o quarto, empurrando a porta com

meu ombro para abrir e depois fechei quando passamos.

— Eu vou mostrar o quanto quero você.

Um suspiro de aceitação subiu por sua garganta, coloquei seu

corpo na cama, e tentei convencer a minha cabeça a ir devagar.


Queria amar e curtir cada pedacinho dela. Puxei sua camiseta e

seus seios pularam para minha mão, duros firmes, e pedindo minha

mão. Beijei sua barriga plana, lambi seu umbigo enquanto apertava

seus seios e os gemidos flutuavam no quarto.

Automaticamente suas pernas abriram. Levantei tirando a

roupa com pressa, não queria deixá-la por nenhum segundo. Mas
tomei um susto quando ela levantou e abriu o zíper da calça e ficou
só de calcinha branca, um fio dental de tão fina. Quase não cobria a

sua boceta depilada.

Gemi, caralho, minha concentração estava indo por água

abaixo.

O corpo dela era perfeito, firme, como o de uma guerreira, Mari

era linda.

Sua mão veio para meu pênis por cima da cueca preta, duro

como rocha, pronto para brincar.

— Vou chupar você — disse sem vergonha nenhuma. —

Nunca fiz isso antes.

— Meu Deus, como você diz isso assim, agora vou gozar
rápido.

Sorriu e ajoelhou à minha frente como uma rainha descendo


minha cueca e levando meu pau a sua boca. Já fiz isso diversas

vezes, mas nada me preparou para o impacto da boca da Marina no

meu pau.

Segurei sua cabeça a guiei, mas de leve, estava me matando,

nunca fiz amor antes, sempre fodi sem pensar muito. Para satisfazer

meu corpo e mais nada.

Mas hoje queria mais e dar mais para Mari.


— Se continuar vou gozar.

Tirei meu pau de sua boca, suspendi seu corpo e a coloquei na

cama abrindo suas pernas. Ela gemeu meu nome e cheirei sua
calcinha, sua boceta molhada, estava prontinha para mim.

— Perfeita!

— Júlio...

— Calma, quero saborear cada parte deste corpo.

Passei o dedo pelo fino fio e rasguei, abri sua vulva na minha

cara, chupei, corri o dedo, e ela segurou no meu cabelo.

— Parece mel, viciante.

Seu corpo cavalgava minha língua, sua mão segurando meus


cabelos, seus gemidos eram como música dentro daquele quarto.

— Por favor, Júlio, por favor...

Levantei pondo a camisinha e invadi sua boceta que me

recebeu me agarrando como duas garras sedentas.

— Caralho!

Foi louco, selvagem, bati com força e ela pedindo mais,

agarrando minhas costas.

— Aiii Gostosa, Mari, gostosa, porra, caralho...


— Júlio...

Gozou e eu segui junto.

E foi incrível, trouxe seu corpo suado para perto do meu,


cobrindo nossa nudez com o lençol e beijei sua testa.

— Você acabou comigo — brinquei

— Jogando a toalha? — rebateu e eu sorri.

— Só me dê mais um tempinho.

Ela riu e se aconchegou mais a mim.

Era muito bom tê-la ali, na minha cama. Estava ficando piegas
e otário igual o Davi e o cuzão do Arion. Mas quem se importava

com isso? Pensei sorrindo. E acho que pegamos no sono.


MARINA

Quase não dormi a noite, mas não foi por conta de pesadelos
e sim de muito sexo. E dessa vez sexo por prazer, por vontade, por

desejo, nada sujo ou cruel.

Um gemido deixou meus lábios ao descobrir o pênis do Júlio

duro na minha bunda e sua mão passeando por minha coluna. Um


beijo gostoso na minha nuca.

— Quero meu café.

Sua voz brincalhona me divertiu e dei o que ele queria,

empinei a bunda e o Júlio entrou me agarrando por trás. Bateu


dentro e fora segurando meu corpo bem apertando e invadindo

minha vulva.

Delicioso, perfeito, segurei o travesseiro e o lençol, e gozei.

— Ahhh caralho, caralho...

Sua boca suja deixava tudo mais gostoso por sinal.

Foi mais fundo e mais forte, mais intenso e seus grunhidos se

misturavam aos meus gemidos.

Tomei banho e voltei para o quarto, Júlio continuava deitado


com as mãos atrás da cabeça me olhando enquanto vestia a roupa.

— Ontem conseguimos entrar na casa dele — falou e eu

paralisei a mão no ar.

— Como?

— Com o surto ele precisava de um médico e o Marco e Laila

foram lá.

Entendi, eles foram disfarçados, perdi tudo isso com meu

surto, precisava pôr a cabeça no plano.


— O cara ficou louco, e não queria que ninguém tocasse nele.
— Sorriu. — Mas entramos e Laila conseguiu contato com a sua

esposa.

Isso era muito importante, tentei diversas vezes, mas não fui

bem-sucedida.

— Aquela mulher está passando por algo ali dentro e vamos


descobrir.

— Como vamos fazer isso? Tentei de diversas formas me

aproximar, mas não tive êxito. — Também temi ser reconhecida.

— Ela marcou um almoço com algumas amigas e Laila vai dar

um jeito de falar com ela sozinha.

— Será que ela vai falar? — Era uma testemunha perfeita.

— Não tenha dúvidas, Laila é boa nisso e vai ter minha irmã

por perto.

— Sua irmã?

— Sim, Nanda vai dar uma força. — Levantou pelado. — Arion

nem pode sonhar se não nos mata.

— Ele é protetor demais com ela. — Lembrei do que ele me

disse quando me encontrou e quase me torturou. — Acho


interessante um homem como ele ter esse amor todo por uma

mulher.

Júlio fez cara de azedo, seu cunhado não era a melhor pessoa

a seus olhos. Perdi o rumo dos pensamentos percebendo seu pênis


ereto e ele vindo em minha direção. O homem era lindo, grande,

forte, com aqueles olhos mortais.

Nunca deixava de notar o quanto era gostoso.

— Júliooo? Dormindo ainda? — Marco bateu na porta do


quarto com força nos assustando.

— Desgraça de vida, irei trocar a porra de todas as


fechaduras.

Tapei a boca para não rir.

— JÁ VOU, INFERNO! — gritou impaciente.

— Tenho novidades.

Os passos dele se afastaram da porta do quarto.

— Hoje mesmo vou trocar as fechaduras, não tenho um minuto


de paz — prometeu e eu assenti. Vestindo o resto das minhas

roupas.

— Mari?
Virei para aquele homem totalmente despido.

— Será que daria tempo de uma rapidinha?

Dei o dedo do meio e saí do quarto com sua risada alta atrás

de mim.

Montei alguns sistemas, dei manutenção em outros, e fui ao


mercado, Júlio saiu com o Marco ia resolver algo. Aproveitei para

faxinar a casa e lembrar as coisas que fizemos na noite anterior. O


que me trouxe vários risos bobos aos lábios.

Bento me ligou no meio do dia dizendo que estava radiante


que ia almoçar com Isaac. No fundo os dois eram cabeçudos, mas

se amavam.

Tomara que se acertassem.

Analisei algumas latas de mantimentos no mercado.

A dispensa do Júlio estava vazia, e todos os meninos volta e


meia se encontravam por lá. Precisava levar mais cervejas também.

Uma mão tocou meu ombro e instintivamente me afastei.

— Medo?
Drica a ex do Júlio de mil oitocentos e bolinha, mas que
continuava achando que tinha direito, ela sorria sem humor.

— O que deseja? — perguntei sem muito papo.

— Brincando de casinha com o pai da minha filha? Sabe que


também já fiz isso antes?

Pegou uma garrafa de azeite e sorriu amarga e não respondi


sua provocação, tinha mais o que fazer.

— Mas aí ele se apaixonou por alguém e me deu um pé na

bunda.

— Já tentou um psicólogo? — analisei com a cabeça de lado.

— Quero ver esse deboche todo quando outra entrar na cama

dele, sempre vai ser assim, Júlio só amou uma mulher e foi a
Isadora.

Um soco no estômago, como ela sabia da Isa? Foi por conta

dela que os dois terminaram?

Como Júlio disse que foi obcecado por minha irmã, com

certeza isso mexeu no relacionamento deles. E a Drica nem


imaginava quem era eu, e era melhor assim.

— O seu problema é com o Júlio, resolva.


Tentei me acalmar andando entre as prateleiras do mercado,
mas a idiota tinha seus próprios planos.

— Não quero uma vagabunda perto da minha filha. —


Continuou me perseguindo. — Vou proibir a Michele de ir naquela

casa se continuar por lá.

Contei até dez, e foi o máximo que minha paciência permitiu.

Virei e estapeei sua cara sem pena. Ela me encarou em


choque.

— Você é doida, desiludida, nada que fizer vai mudar o que o

Júlio pensa ou quer de você. — Ela segurou o rosto e lágrimas


molhavam sua mão. — Larga de usar sua filha para isso, que tipo

de mãe é você? Fazendo alienação parental com a criança, isso é

crime.

Sem mais uma palavra me encaminhei para longe da

prateleira, com certeza a louca ia chamar a polícia para dizer que a

agredi e podia ser reconhecida.

Larguei as compras e fugi do mercado.

Estava tudo bem mais cedo, me sentia humana de novo, até

mesmo feliz. Aí vem essa desiludida para estragar meu dia. Devia

ter batido mais nela.


Desgraçada!

Ia ter que ir em outro mercado fazer tudo de novo. Porque ia

fazer o jantar e nem a Drica vai me impedir. Entrei no carro e dei

partida.

Voltei para casa mais tarde do que previa, precisei ir a outro

mercado, mais longe.

Isso contou mais pontos no meu ódio por aquela mulher. Júlio

merecia coisa melhor, ainda bem que Isa os atrapalhou.

Ajeitei as compras na geladeira, mandei mensagem para o


Bento, queria saber sobre o almoço e coloquei o avental.

Ia fazer minha especialidade, macarrão.

A música dominou o espaço estava bem à vontade de

camiseta e short, pés no chão. Sentia-me alta pelo vinho.

Tirando a imbecil da ex o dia foi tranquilo e produtivo.

— O que está rolando por aqui? — Júlio perguntou da porta

jogando a chave na mesa. Totalmente sexy, sujo de algo mucoso e


vermelho, parecia sangue.

— Dia produtivo? — inquiri pondo a taça na mesa ao lado das

chaves.

— Digamos que sim, mas não quero falar dist=so, quero saber

o que está rolando aqui. — Chegou mais perto e mordeu os lábios


levando uma fagulha para o centro das minhas pernas. — Vinho,

música, uma mulher gostosa.

Era um safado.

— Creio que vamos jantar juntos hoje, e um banho cairia bem

em você.

— Vai ter sobremesa? — perguntou pegando minha taça a

levando aos lábios com sexualidade.

— Vai depender do seu comportamento.

Antes que terminasse de falar já me encontrava em seus


braços com sua boca cobrindo a minha. Não resisti, aquele homem

era gostoso demais e meu novo vício.

Perderia nele fácil, fácil, isso era um perigo, mas, no momento,


não estava me importando.

— Vou precisar de uma ajudante de banho — disse me


jogando nas costas e caminhando para o quarto. — Acho que vou
comer logo a sobremesa.

Gritei sorrindo, nunca me senti tão leve e tão de alguém ou de

algum local como agora.


JÚLIO

Precisava trocar a droga das fechaduras da minha casa, agora

tinha a Mari por lá, não queria ninguém entrando e saindo. Tirando
nossa privacidade.

— Kelly?

Liguei assim que a Mari saiu do quarto.

— Olá delicia, nunca mais apareceu para uma boa brincadeira

— falou com voz safada. — Estou com saudades.

— Já que foi você que deu cópias da minha chave para todos,

mande trocar minha fechadura, hoje ainda — cortei o papo. — E


não estou brincando Kelly, a brincadeira foi longe demais.

Ela fez silêncio do outro lado da linha e depois bufou com

tédio.

— Ok, vou organizar, mas não vou pedir desculpas —


comentou calma. — Mas você mereceu.

Desligou na minha cara, mas sabia que ela iria fazer isso.

Uma coisa resolvida, pensei entrando no chuveiro.

A casa do Euclides ficava no subúrbio da cidade, mas era uma


fachada, porque sabia que ele tinha vários imóveis. Carro do ano,
casa de praia. Vivia como um homem rico.

Percebemos as câmeras de segurança logo quando entramos,

por isso boné e roupas de entregas.

A campainha nem precisou ser tocada, logo uma moça bonita,

e jovem atendeu a porta, sua esposa. O cara era um idiota, trocou a


esposa por uma versão da Betty Boop, só que sem a cinta liga no

momento.

Sorriu feliz em nos ver, porém mudou de feliz a amedrontando

ao me reconhecer. Já encontrei com a Betty antes.


— Olá! — Ri e ela tentou fechar a porta.

Só que mudou de ideia quando percebeu a arma do Marco e o

olhar sardônico da Laila.

— O que você deseja? Meu marido está internado.

Correu para o centro da sala grande e bem bonita. Dois


homens vieram correndo e foram desarmados por mim e por Laila.

— Amarra! — pedi e foi o que a Laila fez, preferia não tocar em

mulheres, mesmo que fosse igual essa serpente à nossa frente.

— Como vai docinho? — perguntei ajoelhado à frente dela. Os

homens que faziam sua segurança, também foram desarmados e


amarrados.

Acreditava que Euclides não imaginava que fôssemos atrás do

seu prêmio de 24 anos e pura cabeça de vento.

— Eu não sei o que você deseja comigo — disse trêmula. —

Nunca contei nada a ele, eu juro.

— Por que contaria? Você transou com o inimigo dele.

Ela ficou vermelha de vergonha, porque ela gostou, foi bom, do

jeito que ela gosta, dois machos com fogo para uma mulher que

tinha que se satisfazer com um homem brocha.


— Você gostou na época — brinquei passando a mão no seu

joelho.

— Eu não sabia quem era você — reclamou com a voz

trêmula. — Fui enganada.

— Não, não, você transou comigo, porque queria uma


aventura quente, só não imaginava que seu marido poderia

descobrir.

Laila riu.

— Então a piranha curte casos extraconjugais? Uau, bem


gostosa, curti mulheres, baby?

— Não me toca — pediu se encolhendo ao toque da Laila. —


O que deseja?

— Não vim aqui lembrar vocês dos seus pecados. — Sentei no

sofá. — Vasculhem tudo!

As câmeras foram desligadas e logo uma equipe de vasculhar

invadiu a casa.

Vinte minutos depois saíram com tudo que acharam, e logo


teríamos algo, a equipe era meticulosa e não deixava rastros. Bem

treinada.
— O que buscam, por favor, não me matem! — pediu com

medo. — Juro que não sei de nada.

Com o celular dela na mão, desbloqueei a tela e a foto do


fundo era ela e o escroto do Euclides. Que mau gosto, o velho

babão sorria como um idiota e ela exibia seus belos peitos.

Rasguei sua blusa e seu peito saiu para fora e ela estremeceu

de medo, duros pelo silicone.

— Vai me estuprar? — perguntou com voz mais para manhosa


que amedrontada. — Eu faço sem precisar fazer isso comigo.

Sabia, ela gostou da putaria, era uma piranha com fogo no


rabo.

Não disse nada, mas toquei a sua boca com meus dedos e ela

gemeu, passei a língua em seu pescoço arrepiando sua pele, sem


mostrar meu rosto para o vídeo que gravava chupei o bico do seu

seio arrepiado.

Um ar de satisfação saiu dos lábios da moça.

Abri suas pernas e rasguei sua calcinha deixando a vista da

câmera.

Enviei o vídeo no número do marido dela.

Teria um ataque cardíaco, será?


Afastei seu corpo do meu, não tinha excitação por mulheres
assim, que entravam em relacionamento por dinheiro, levando vida
dupla, para satisfação própria. Interesseiras, mesmo que o corno do

marido merecesse isso.

— Não, faz isso, eu quero — pediu manhosa tentando me


segurar. — Eu me lembro daquela noite.

O telefone dela começou a tocar insistentemente. Atendi.

— QUE PORRA É ESSA, MINA?

Euclides que ligava, nem parecia o morto-vivo que diziam que


estava.

— Oi, amigo.

Silêncio do outro lado da linha.

— Então você está vivo e bem. — Ri sardônico. — Gostei da


sua casa e da sua esposa.

— EU VOU ACABAR COM VOCÊ SE TOCOU NELA — gritou


do outro lado. — EU MATO VOCÊ.

Gargalhei da raiva dele, odiava aquele imbecil.

— Não, você é um homem morto Euclides, eu vou caçar você

e arrancar seu coração, vou comer ele no jantar, e sua puta esposa
curtiu, foi bom para os dois.

— Filho da mãe, desgraçado, deixa falar com a Mina.

Desliguei, e olhei para ela que estava de olhos arregalados de

choque.

— Você mandou o vídeo para ele? Como pôde fazer isso?

— Foi seu número que enviou. — Não ri. — Agora acabou a


graça, quero as contas do banco, tudo.

Laila já estava na porta junto com Marco.

— Você não vai bater em mim, não tem coragem.

Parecia uma boneca tentando ser forte e debochada.

— Claro que não. — Neguei e olhei para Laila. — Por isso a

trouxe.

— Não! — pediu e ajoelhou.

— As contas?

Vi ficar vermelha de pavor e engolir em seco. Sempre

funcionava esse jogo de gato e rato.


Depois de um dia produtivo chegar em casa, encontrar o jantar

e uma mulher linda, era bom demais. Há muito tempo que não sabia
o que era essa sensação de se sentir de alguém, de desejar

alguém. Queria tudo da Mari, tudo nela me deixava maluco.

Sem contar que ela nem se importou por me encontrar sujo de

sangue, creio que ainda achou sexy. Pela forma que me agarrou.

Gemi entrando e saindo de sua boceta prefeita, quente e


apertada.

Caralho, ela era muito gostosa, chupei seus peitos, amava


aqueles peitos dela. Queria embalar e guardar para sempre cada

um deles.

Meu pau babava louco para gozar, seu recanto era como o
paraíso.

Queria beber seus gritos, emoldurar seu rosto quando gozava


ou gemia. Só para ficar olhando e bater uma sempre que desejasse.

— Apertada do caralho — gemi entrando e saindo.

A cabeceira da cama batia na parede com força. Enquanto

fodia a Mari com todo prazer do mundo.

A campainha começou a tocar, mas fingimos não ouvir, não

agora, precisávamos gozar primeiro. Bati dentro e fora com mais


força.

— Júlio... Júlio...

Suas unhas afundavam em minha bunda empurrando mais

para dentro, como se precisasse fundir nossos corpos.

E ela gritou apertando meu pau com sua parede vaginal e fui

ao delírio liberando meu gozo.

— Ahh, caralho, gostosa dos infernos.

A porra da campainha nos tirou da nuvem de gozo.

Levantei com raiva e vesti a cueca boxer.

— Vou ver quem é o cuzão — brinquei indo para a porta e

tomei um susto ao reconhecer dois policiais.

Abri a porta com rapidez e eles ficaram sem graça ao ver meu

estado. Com certeza estava com cara pós-sexo. Não me importava.

— O que desejam? — Cruzei os braços.

— Ah, Júlio, desculpa, é que a Drica deu uma queixa.

Conhecia os dois à minha frente. O que a louca da Drica fez

desta vez?

O outro coçou a barba e passou para mim um papel de

mandado de prisão para moça que estava na minha casa.


— Ela nem sabe o nome da mulher?

Ri sem humor daquela palhaçada.

— Vimos a imagem do mercado e realmente a moça bateu


nela — argumentou um deles. Queria saber por que motivo a Mari

não me contou, se bateu na Drica, minha ex aprontou para merecer.

— Cara, eu não vou me meter na briga de duas mulheres. —


Ri e eles me seguiram rindo também. — Não sei de nada sobre

essas duas, a minha ex faz isso com todas as meninas que

aparecem por aqui.

Eles fizeram um gesto de entendimento.

— E sem o nome da moça como vou saber qual é a da vez?

Eles me olharam admirado, por me achar o máximo, o cara

come muitas mulheres, meu ídolo.

Babacas!

— Vou à delegacia saber melhor sobre essa moça.

— Ah, sim claro, aí pegamos o endereço dela. — Pareciam

dois paspalhos. — Desculpa por atrapalhar sua noite.

— Tudo bem, vou cedo à delegacia e vou conversar com a

Drica.
Fechei a porta e arranquei o riso dos lábios, queria torcer o

pescoço das duas. Briga no mercado? Mari não podia aparecer e

nem ir a droga da delegacia.

A vida estava boa demais para ser verdade.

— A vaca deu queixa? — Mari reclamou vindo pelo corredor.

— Por que bateu nela? Tem filmagem.

Tentei impor um tom neutro, não queria uma Mari puta da vida
hoje.

— Ela me seguiu o mercado todo, falando coisas de você, da


filha, da Isa.

— Como?

— Isso mesmo.

Ela foi até a bolsa e pegou um cigarro, não tinha visto fumando
depois que foi para minha casa. Aquilo queria dizer que estava

muito nervosa.

— Mari, vou resolver tudo, não entre na pilha da Drica.

Caminhei até ela que vestia minha camisa e estava com os

pés no chão e toquei seu rosto.

— Estamos juntos nessa, vai ficar tudo bem.


— Eu perdi a paciência e bati nela.

Abraçou meu corpo, prometi que Drica ia pagar por mais essa,

mulher infernal.

— Tudo bem, amor, vou resolver.

E ela assentiu esquecendo-se de acender o cigarro que

segurava.

SENADOR CARLOS

Minha vontade era matar todos eles, minha cabeça estava

doendo, não conseguia me concentrar.

Todos falando ao mesmo tempo, todo mundo me julgando.

Inferno, as vozes pareciam não me deixar em paz.

Minha aparência parecia impassível, mas por dentro estava

borbulhando, a raiva só crescia.

— Não vou me afastar — disse com voz calma e todos viraram

para mim. — Pretendo me candidatar à presidência e não vou abrir

mão disso. — Bati na mesa e levantei todos me olharam


desconcertados e o presidente do meu partido em São Paulo tossiu
de leve e virou para mim.

— Seu nome já foi vetado.

O nível da minha raiva beirou ao desespero, segurei a mesa

para não socar ninguém. Precisava ter diplomacia e calma.

— Como é? Botei dinheiro, minha imagem...

— Carlos, você assistiu a reportagem? Se nome está


vinculado ao assassinato de uma prostituta, agora estão cavando

seu passado — argumentou e a vontade de matar a repórter que

estava falando de mim só aumentou, tinha que ser uma vagabunda.


— E ainda teve o surto...

— EU NÃO SURTEI! — Esmurrei a mesa e levantei. —

TRAIÇÃO, VOCÊS ESTÃO ME TRAINDO!

Ele também levantou, avantajando-se sobre mim.

— Tem gente grande querendo sua cabeça. — Apontou o dedo

para mim e todos se calaram me olhando com pena.

— Quem?

Silêncio.

— QUEM? SEUS ABUTRES!


— Estão fazendo perguntas, cavando, procurando — um
Deputado falou. — Não queremos a mídia sobre nós.

— Vão me abandonar?

Sentei de novo tentando conter minha respiração.

— Se mantenha longe dos holofotes, Carlos, viaje, diga que


está doente, que tem problemas com a família, que sua esposa tem
câncer. — Bateu na mesa. — Minta, você sempre foi bom em teatro,

agora tem que conseguir limpar sua imagem, ou o partido está fora
— disse categórico, saindo e levando seus puxa-sacos.

Inferno! Precisava me acalmar, precisava pensar, precisava de

um plano.

Tudo culpa da Isa, tudo culpa dela, da minha mãe também,


duas vagabundas.

— Descubra onde está aquela policial — pedi a meu assessor

que continuava em silêncio. — Júlio Barros.

— Senhor?

— Descubra o que eu pedi, agora, vá!

Algo me dizia que o que aconteceu a Isa estava mexendo com

minha vida atual, e há muitos anos não via falar daquele homem.
Armei para ele e esperei ser preso, mas não aconteceu como pedi.
Nada aconteceu como eu queria!

Que raiva! O vaso vermelho sobre a mesa tomou o caminho da


parede e se espatifou, mas não aplacou minha raiva.

Tudo culpa da Isadora, aquela miserável, tudo passou a


desandar quando resolvi casar com ela.

O meu celular tocou na linha particular, poucos tinham esse

número.

— Não quero você me ligando — reclamei.

— Invadiram minha casa e levaram tudo sobre as transações


— Euclides soltou a bomba e minha espinha esfriou.

— Inferno, quem?

— O Júlio Barros, ele está me caçando.

— Sabe sobre mim?

— Não. — Senti que escondia algo.

— Mande matá-lo.

— Não é tão fácil.

— Faça, antes que a mídia ou polícia ponham a mão na droga

dessas contas.

Desliguei tudo desmoronando, minha vida estava um inferno.


Tinha que dar um jeito em Euclides antes que ele abrisse o
bico para se salvar.

Gritei por minha esposa e não veio, onde se encontrava aquela


vadia?

Inferno!
JÚLIO

A sorte era que o rosto da Mari não ficou visível na imagem.


Acho que ela criou o hábito de sempre usar boné ou peruca quando

saía de casa. Disse aos policiais que iria conversar com a Drica e
era isso que ia fazer, já passou da hora de acabar com tudo isso.

Ela abriu a porta e me pediu para entrar, com os cabelos


molhados, pés no chão, parecia leve, mas sabia que era mentira,

Drica era uma fingida.

— Michele?
— Com Fernanda — respondeu, mas eu já sabia disso,

conversei com a Nanda mais cedo sobre o comportamento da Drica


e ela achou que seria boa essa conversa séria entre nós dois, sem a

presença da minha filha, ela não precisava saber a víbora que a

mãe era.

— Veio defender aquela vadia, mas ela me bateu — falou com

birra.

— O que aconteceu?

O esposo dela entrou pela porta e a mesma ficou pálida


quando o viu, com certeza Drica não contava com isso.

— Sua esposa perseguiu minha namorada no mercado, achou

pouco ainda deu queixa da moça na delegacia.

— Ela me bateu! — gemeu com raiva, mas tinha perdido a

pose de antes.

— Chamei seu marido para que saiba a mulher que ele tem
em casa.

Ela suplicou com o olhar que me calasse.

— Chega, Drica, você acabou com minha vida uma vez, não

vou permitir de novo. — Apontei o dedo para ela que virou para o

outro lado sem querer me encarar. — Quero que retire a queixa.


— O que está acontecendo, Drica?

Ela sentou no sofá colocando a mão no rosto e chorou.

— Pelo bem da Michele quero que você pare, ou você terá um

inimigo em mim. — Olhei sua sala, uma casa organizada, uma vida

legal , o cara a tratava bem a e amava, se dava bem com nossa

filha, o que ela queria?

— VOCÊ! — disse gemendo me fazendo me encolher e me

arrepiar. — Você não me respeitou.

Sua resposta parecia casar com o que imaginei, Drica parecia

ter obsessão em mim.

— Por isso você fodeu com minha vida? É isso? Que vil de sua

parte, queria um homem que não te amava mais? — Joguei de volta

as palavras amargas dela.

— Você me traiu com aquela vagabunda!

Levantou irada e seu marido a segurou, senti que ele estava


magoado com ela.

— Esqueça ela, a mulher morreu, e nunca traí você.

Drica olhou para o marido e entendeu que falou demais, e

voltou a sentar e chorar baixinho.


— Tem mais de dez anos isso Drica. Supere, você tem uma

vida aqui.

— Não sei do que vocês estão falando, mas sei que não vou

participar desta nostalgia. — Saiu da sala chateado e subiu as


escadas.

— Viu o que você fez? Agora ele vai me deixar — me acusou.

— A culpa é sua, foram suas escolhas em me perseguir, foi

sua escolha mentir para mim, ajudar o Euclides me foder, você foi
vil, vingativa, não pensou no bebê que carregava. — Joguei na cara
dela e virei para ir embora. — Sua sorte que temos a Michele e

amo, se não fosse isso, já tinha acabado com você.

Bati a porta e saí, mas ouvi seus gritos dentro da casa, ela que
consertasse a merda com o marido.

Passei para ver meu pai, precisava de conselhos, e uma


conversa familiar depois de falar com a Drica.

De quebra, teria que falar com o Márcio, tudo que aconteceu


com a Mari e Drica tirou o foco do deveria fazer.
Desci da moto e percebi uma movimentação estranha, como

se o vento estivesse denso, meus instintos nunca me enganavam.


Tinha algo acontecendo aqui, a porta semiaberta, deveria imaginar

depois do que fiz na casa do Euclides que teria retorno.

Só que ele mexeu com a família errada e logo ia descobrir.

Olhei pela janela, as cortinas tremulavam pelo vento, nenhum

barulho.

As mãos do Marcos e Laila tocaram minhas costas e pulei com


a arma em punho.

Laila fez um gesto pedindo silêncio. Realmente eles invadiram


a casa do meu pai, se eles estavam ali, Arion os enviou. Euclides

não imaginou que a casa fosse monitorada.

Com um gesto em direção à casa e com o dedo, Marco avisou


que iria para o fundo e Laila seguiu para o lado. E eu entrei pela

porta da frente como eles esperavam.

— Pai? — chamei aparentando naturalidade e tremendo por

dentro, com medo do que encontraria, se tivesse feito algo com meu
velho mataria o Euclides.

— Oi amigo, você me visitou e agora vim fazer uma visita a

você.
Euclides estava sentado no sofá com uma arma apontada para
o papai e para o Márcio, agradeci mentalmente por Hilda não estar
em casa.

— Pensei que estivesse no hospital morrendo, em coma. —

Ele riu e eu também. — Continua um bom mentiroso.

Os olhos do meu pai estavam aterrorizados, mas seguia firme,


Márcio olhava para arma e olhava para mim com medo evidente.

— O que você quer com meu filho? — disse com voz firme o
velho.

— Somos amigos, lembra quando almoçava aqui? —

respondeu cínico. — Tem dois homens vigiando a casa e vão entrar


se você tentar me agredir ou me matar, você sabe o que eu quero,
Júlio.

— Não sei, confesso que estou sem saber. — Dei de ombros.

— NÃO BRINCA COMIGO SEU MERDA, QUERO AS


CONTAS, QUERO O QUE PEGOU NA MINHA CASA — gritou

colérico. — Ou vou matar e caçar toda sua família.

Márcio se encolheu com medo.

— Acho que não vai ser possível, a polícia federal já recebeu.


Sentei no sofá e ele me olhou com olhos raivosos, mas o medo
estava ali em algum lugar, queimando.

— É o seguinte, amigo, você não vai caçar ninguém, porque


aqui você é a caça. — Ri e ele engoliu em seco e mais fria ficava

minha voz. — E eu sou o caçador.

“Eu que digo quando a presa morre, quando ela caí sagrando.
— Apontei o dedo para ele. — Matei um homem que era seu

desafeto por ingenuidade, achando que ele estuprou a garota que


namorei e conheci minha juventude inteira, era um rapaz imaturo, e

você se aproveitou disso, fez seu jogo de poder e lascou com minha

vida. — Ele engoliu em seco e arma tremeu em suas mãos. — Só

que eu descobri, juntei as peças, mas amigo, só tem uma diferença


de antes, agora eu não sou mais ingênuo, não sou mais jovem e

não tenho mais nenhuma piedade.”

Meu pai me analisou, mas não falou nada.

— Perdi a Isadora por sua causa e do marido dela, sua irmã,

todas elas sofreram com o poder da sua ganância — contei nos


dedos. — Agora sua ganância volta para te punir e eu sou seu

algoz.
— Ficou louco, só que eu tenho uma arma, tenho seu pai e

seu irmão e toda polícia desta cidade do meu lado.

Tentou me intimidar. Pegou o telefone ainda me olhando, não

fiz gesto de me mexer.

— Não ligue para eles, devem estar mortos uma hora dessa —

comentei calmo.

— Você não me mete medo, vou sair daqui com minhas coisas

e ninguém vai me impedir.

Contei até três e me joguei, Euclides olhou assustado quando

o desarmei em dois segundos.

— Eu disse que sou seu algoz! — Apontei a arma para ele.

E tirei a minha arma da cintura entregando a dele ao Marco

que veio pelos fundos.

— Tudo limpo.

Meu pai segurava o peito tentando se acalmar. E Márcio


parecia em transe me encarando. Nenhum dos dois me viu

trabalhando antes, saber das minhas habilidades deve ter mexido

com eles.

— Você não vai se safar dessa Júlio — Euclides me lembrou.

— Tem gente grande querendo sua cabeça.


— Senador Carlos?

Ele ficou pálido.

— Sei, e estou contando com isso — falei sério e ele ficou

pálido. — Você mexeu com a família do homem errado, amigo.

Laila entrou com toda sua imponência, camisa rasgada

mostrando a regata que tinha embaixo preta, calça rasgada, bota, e

todas as tatuagens do braço à vista.

— Todos os dois fora de combate e a equipe de limpeza a

postos — disse e piscou para o Márcio que deu um sorriso amarelo

de volta.

— Seu irmão?

Revirei os olhos e Marco bufou revirando os dele, se não


tivesse um deboche não seria a Leila, e sem dizer mais nada socou

o Euclides que caiu desmaiado.

— Leve-o e me aguardem! — pedi.

— O chefe quer estar presente — ela me alertou e assenti,

Arion não admitiria o atrevimento de ter a casa do seu sogro


invadida.

Nesse quesito ele tinha toda razão. O departamento de polícia


pagaria caro por isso. Infelizmente tinha muita corrupção por lá, e
um limpa faria bem.

Carlos ganhou mais um inimigo.

Suspirei.

— Pai?

— Estou bem filho, mas quero saber essa história que falou
para ele.

Imaginei que teria que explicar.

— Contarei tudo, mas agora preciso trabalhar.

— Acaba com ele irmão — Márcio pediu ficando em pé.

Assenti e deixei a casa.


MARINA

— Calma, já deve estar tudo resolvido uma hora desta —


Donny tentou me acalmar com palavras. — O Júlio resolve as

coisas rapidamente, o cara é treinado e bom no que faz — tornou a


falar levando uma cerveja aos lábios e saboreando calmante. — Já

vi aquele cara em situações extremas e ele resolveu, o homem é

uma máquina.

Continue andando e roendo as unhas, e olhando para os

lados.

Temia pelo pior, o Júlio nunca ia me perdoar, primeiro

provoquei o acidente do seu pai. Agora o velho passava por mais


esse terror. Sem contar o cunhado dele, com certeza iriam acabar

comigo.

Tudo por minha culpa, se não tivesse começado essa loucura

de mexer com a família do Júlio, o pai dele não estaria nessa


situação.

O interfone tocou e ele nunca tocava.

Donny atendeu como se fosse um código para algo.

— Se esconda no quarto, tem alguém invadido a casa — disse

assim que desligou e caminhou para o sofá puxou uma gaveta de


dentro dele que nunca tinha percebido que existia. Dentro tinha

várias armas.

— Sabe usar? — Jogou uma metralhadora e peguei no ar. —

Aperta o botão verde perto da parede.

Fiz o que ele mandou e telas de aço como se fosse gaiola

desceram sobre a sala. Armadilhas.

— Uau! — falei encantada com todo o equipamento. — Isso

aqui é o máximo.

Donny riu.

— Pode se proteger no quarto se quiser. — Olhou para mim e


em segundos ouvimos passos saindo do elevador. — Aperta o botão
do lado da cama que tem uma...

— Não, eu vou ficar aqui. — O calei, não era uma donzela

frágil e logo ele iria descobrir isso.

Posicionei-me do lado da porta e ele do outro. O tiro foi dado

na fechadura ela balançou, mas não caiu, aço. Projetei para frente e

abri voltando para o lado. Balancei a cabeça para o Donny que


assentiu.

E dois caras de capuz e roupas pretas invadiram o local

olhando para os lados com metralhadoras nas mãos.

— Não tem ninguém — um comentou pelo rádio.

— Vasculhe tudo! — responderam e voltaram a caminhar. Meu

coração batia como um tambor, suava frio, mas tinha em mente que

entre mim e eles com certeza minha vida e a do Donny seria a

escolhida.

Não tinha medo de morrer, mas tinha muito ainda a ser feito

aqui na terra antes de partir e não seriam esses dois idiotas que me
parariam.

Dali eles não sairiam vivos se fosse necessário.

Barulhos de viatura da polícia deixaram os dois tensos, que se

entreolharam. Donny me olhou e fez gesto com a cabeça para


seguir para o outro lado da porta.

— Abortar, abortar, estamos cercados.

A voz do rádio falou e os dois sem se virar seguiram para a

porta, mas encontrou nós dois no caminho.

— Porra! — um deles gemeu apontando a arma para mim,

mas não foi bem-sucedido, saltei e plantei meus pés no seu peito e
ele desabou batendo a cabeça no chão.

— Amador! — falei vendo o Donny desarmar o segundo.

— Assim não tem graça! — resmungou Donny.

— Também acho, mandaram os mais incompetentes e fracos


— ressaltei a fala do Donny. — Vamos fazer o que com eles? Cortar

o pinto.

Os dois nos olharam amedrontados.

— É, uma boa ideia! — Donny deu de ombros.

Lógico que não faríamos isso, com certeza o Júlio ia querer os

dois para interrogatório, mas vê-los com medo deu um sabor


especial.

Duas horas depois me encontrava em uma van com Donny


para não sei onde, porque me encontrava vendada para não saber
qual local era. Os dois homens foram tirados da casa do Júlio na

velocidade da luz. Se alguém me contasse um dia que era possível


isso, diria que era mentira. Mas era totalmente verdade.

A Organização fazia jus ao nome na rapidez de resolução das

coisas, queria saber o que era, precisava perguntar ao Júlio.


Conhecer esse projeto e suas regras e o motivo de existir. A casa do
Júlio era uma fortaleza, agora entendia por que ele vivia sozinho ali.

Ainda estava sob a adrenalina dos últimos acontecimentos quando


Donny me comunicou que iríamos precisar sair.

Confiava nele, há muito tempo não confiava tanto em alguém.

Não tive muitas coisas para me segurar durante essa vida, mas
esses caras eu sabia que daria a vida para me proteger. Uma
sensação aqui dentro do peito me alertava sobre isso.

— Chegamos! — alguém disse.

Fui retirada com delicadeza, lembrei quando aconteceu o

mesmo meses atrás e não fui tratada com tanta consideração.


Pensei que morreria naquela noite ao encontrar o Arion.

Parecia outra vida aquele dia. Assim como parecia outra vida a
noite que o Carlos me violou a alma e me tirou a vida que conhecia.
Seguimos caminhando e a venda foi tirada dos meus olhos.
Não era o mesmo local, e sim um galpão.

Júlio estava aguardando na porta.

— Tudo bem com você? — Segurou meu rosto analisou como


se desejasse ter certeza do meu estado.

— Tudo bem. — Não queria me derreter, porém o fato dele


cuidar de mim me deixava encantada. — Estamos bem e você?

— Não é fácil ver seu pai na mira de uma arma. — Sorriu

triste.

— Imagino.

— Os dois vão continuar namorando ou vieram trabalhar? —

Arion falou passando por nós com toda sua imponência.

— Trabalhar? — perguntei olhando para o Júlio que deu de


ombros e me levou para dentro segurando minha mão.

Tinha um homem sentado numa cadeira e uma mesa próxima


cheia de material de tortura pelo que percebi, já tinha visto isso

antes no local que fiquei confinada.

Arrepios de frio e lembranças me fizeram afastar a mão do


Júlio e caminhar para a porta.
— Calma amor, vai ficar tudo bem — ele disse segurando
minha mão novamente. — Estamos juntos nessa.

Ele me chamava de amor e eu virava gelatina, não sabia o que


seria se tudo aquilo desabasse e eu descobrisse que era mentira.

— Júlio achou que você deveria estar aqui nesse momento —

Arion falou com sua voz fria. — Esse é o policial que entregou sua
irmã e você.

Tirou o capuz do homem, era um senhor de meia idade, nunca

o tinha visto antes.

— Meu ex-companheiro da polícia — Júlio explicou. —


Saudações novamente Euclides.

O olhar de terror dele fez a galera rir.

— Eu te avisei que a caça era você.

Tentou de todas as formas se soltar, se debatendo como louco


na cadeira. Um ódio dominava meu corpo, foi ele o culpado do

Carlos destruir tudo.

— Júlio, sei que você deseja as honras, mas Marina tem

direito.

Júlio assentiu às palavras do Arion.


— Mas a bala é minha — alertou Arion.

O outro nada disse.

— Não gosto de policiais corruptos Euclides, bem, não contra


mim ou minha causa, e pior contra minha família.

Todos riram e eu me arrepiei com a declaração do chefe como

eles chamavam.

Socou o rosto dele.

— Os seus amigos da corporação que te apoiam estão nesse

momento recebendo a visita da polícia federal, sua esposa também

por cumplicidade e lavagem de dinheiro — explicou sentando na

cadeira à frente do homem. — Resumindo se sair daqui vivo vai


para cadeia, acho que o pessoal da cadeia não gosta muito de

policiais.

Queria bater naquele homem, naquele miserável, arrancar sua

vida como arrancaram a da Isa. Minha pele pinicava de antecipação.

— Esse é um recado para todos da polícia que acham que


podem atravessar meu caminho ou da minha Organização. —

Levantou com calma e foi até mim. — O brinquedo é todo seu. —

Saiu como um rei.

— Ele ama saídas triunfais — Júlio resmungou.


— O que vai ser primeiro? Bastão, soco? — Donny indagou

me olhando. E eu sorri sardônica para o Euclides que me olhava

apavorado.

— Não é tão fodão agora não, né?

Ele se balançou.

— Tira o durex da boca, quero ouvir seus gritos — pedi e fui

atendida.

— Você está morta — ele gemeu.

— Acho que sim, mortos não deixam pista? — ele gritou. —


Isso, foi assim que eu fiz quando fui pega e entregue por você, e

ninguém me salvou.

Soquei sua cara com raiva!


JÚLIO

Já apanhei da Marina, já a vi com raiva, sabia que era


treinada, mas nada me preparou para vê-la em ação. Uma máquina,

sexy pra caralho, inferno estava duro igual rocha olhando ela
trabalhar no Euclides.

— Perfeita! — Marco babou.

Olhei feio para ele que nem ligou.

— Vai dividir algum dia desses?

Virei ficando na frente dele e cruzei os braços o encarando.

— Faz a proposta e eu ponho você no lugar do Euclides.


Com um riso sem graça e amarelo, virou e foi para perto do

Donny que analisava a cena com orgulho.

Na verdade, todos estavam olhando a Mari com orgulho

transparente.

— Sua mulher é incrível, se fosse você dormiria com uma faca

debaixo do travesseiro no dia que saísse da linha — Laila brincou

rindo. — Olha como ele grita, percebe que ela quebrou os dedos no
lugar certo.

Realmente a Mari sabia onde fazer e o terror psicológico


correto.

— Foi assim que eu gritei e foi assim que quebraram as pernas

dela!

A cada palavra dela sua raiva ficava evidente, a Mari estava

exorcizando seus fantasmas e deixando transparecer o terror a que

foi submetida.

— Socorro, não, socorro...

Ele pedia clemência, mas ali não tinha clemência. Era isso que

fazíamos, exterminávamos a escória da sociedade. Mas o Euclides

para mim e Mari era algo pessoal.


Suja de sangue e vômito do policial, parou e olhou para mim
enxugando o rosto.

— O final é meu! — lembrei.

— Todo seu! — Fez uma reverência.

— ME MATE! — ele pediu cuspindo sangue.

— Não, morrer é muito fácil para você. — Ri apertando o dedo

quebrado e ele urrou de dor. — Não vou te dar clemência.

Ele gritou, mas ninguém deu importância.

Fodi a Mari antes mesmo de chegar à sala, assim que abrimos


a porta e passamos por ela, arranquei sua calça suja e as minhas

roupas. Sua boca estava na minha, enfurecida. Estava louco por

ela, apaixonado, derramado, era meu par perfeito, como não percebi

isso antes?

Afundei meu pau em sua boceta, a segurando no encosto do

sofá. Se abriu como uma flor para receber meu pênis. Entrei duro,
sem pena ou floreios, era isso que no momento precisávamos.

Depois de uma batalha, nada como sexo duro para relaxar.

— Inferno Mari, gostosa...


— Júlio...

Como um animal no cio mordi sua garganta, e rasguei sua

blusa, queria me fundir nela, reivindicar, gritar para todos que era

minha.

— Vou gozar...

E apertou meu pau com sua vulva, me fazendo gemer a


seguindo no orgasmo.

— Prefeita, perfeita, minha, perfeita, Mari, você é minha.

Ela tremeu inteira em meus braços, mas não abandonou o


meu olhar.

Ainda estava no efeito do gozo e do banho que tomamos.

— Devo um pedido desculpa — ela disse roçando a unha em


meu peito.

— Humm?

— Achei que foi você que nos entregou.

Entendi, Marina passou esse tempo todo me odiando por isso,


achando que as traí. Mas tinha sido o Euclides que fez isso, vendeu
minha cabeça para virar capitão da polícia local e assim poder

continuar recebendo dinheiro sujo, corrupto.

No fundo fui uma presa fácil, minha imaturidade e excesso de


confiança acabou comigo, o orgulho também foi meu vilão.

— Fomos vítimas de pessoas sem escrúpulos, Marina.

— Eu sei, mas...

Barulho na porta e alguém bem chateado quem batia na porta,


e não tocava a campainha.

— Que inferno é isso?

Busquei a arma embaixo do travesseiro e liguei a TV para ver


pela câmera. Nanda e Arion que estava distante dela! E pelo jeito

bem zangada.

— Minha irmã, vou lá ver o que foi.

Vesti um short e segui para sala abrindo a porta.

— Nanda!

— Como tem coragem de colocar o papai em perigo e ainda

abrigar a culpada pelo acidente dele? — Passou por mim como um


raio entrando no apartamento. — Diz Júlio? Que tipo de filho é
você?
Temia isso, no fundo sabia que minha família não ia gostar de
saber o papel da Mari nas nossas vidas.

Arion entrou calado.

— Esse que se diz meu marido apoiando essa merda toda.

Se ferrou para o Arion, ferrou para todos, Nanda era o ponto


fraco dele e seu olhar apaixonado e triste deixava claro que as
palavras dela o magoou.

— Cadê ela? Quero fora das nossas vidas!

Fernanda era a típica galinha com os pintos, protegia a família,

éramos tudo para ela, quem entrasse no caminho era inimigo. E isso
que Mari era no momento.

— FERNANDA NÃO FALE ISSO, E VOCÊ ESTÁ NA MINHA


CASA E QUERO QUE PARE AGORA — gritei chateado.

— Vai ficar contra todos agora? — Cruzou os braços

esperando minha resposta.

— Nanda? — Arion tentou falar.

— Não vou te perdoar por deixar o Júlio meter essa mulher em

nosso meio, perto do meu pai, pôr o Márcio em perigo, Júlio, por
isso o nosso irmão estava chateado com você, nunca vi os dois

brigarem por mulher, bastou essa, essa...


— Essa mulher se chama Marina — Mari disse entrando na
sala vestida de calça jeans, camisa e tênis.

Inferno, não tinha direito a um dia de paz nesta minha vida.


Droga.

— Então é você? Lembro-me de ter te encontrado anos atrás

no hospital.

— Sim, não precisa brigar com seu irmão ou com sua família.

Suspendeu o rosto para o Arion que foi até a janela me

deixando sozinho no meio daquela confusão, nunca que ele ficaria

contra Nanda, eu também não queria nada daquilo. Mas não ia


perder a Marina agora que achei.

— Júlio, depois mando buscar minhas coisas. — Se


encaminhou para porta com a sua bolsa de lona do lado.

O quê?

— Não vai sair antes que resolvemos isso. — Segurei seu

braço e ela olhou para minha mão e eu soltei. — Inferno Marina!

— Ela tem razão, fingi no hospital para ela, fingi para você,

fingi para seu irmão, joguei meu carro no carro do seu pai, tudo isso

foi culpa minha — disse com pesar. — Só tem uma culpada aqui na

sala, e sou eu.


— Não, não, por favor — pedi em desespero.

— Ainda temos uma missão para terminar.

— Vou explicar a Nanda e ...

— Quero mesmo explicações — Nanda resmungou

estragando o momento.

Olhei feio para ela que revidou o olhar.

— A gente se vê por aí, Arion, obrigada por hoje.

Nanda virou para encarar o marido que desviou o olhar.

Banana!

— Nanda foi um prazer encontrar você de novo. — Dito isso

saiu pela porta e eu corri atrás dela segurando seu corpo antes que

entrasse no elevador.

— Não, temos uma missão e é mais fácil você ficando aqui.

— Júlio, você sabe que preciso me afastar agora, não protela


isso.

— Mas eu não quero que você vá!

Toquei sua testa.

E uma lágrima silenciosa caiu dos seus olhos e a segurei com


carinho.
— Eu te amo — falei sem medo.

— Também te amo, mas tem amores que nunca deveriam ter

acontecido. — Entrou no elevador de carga e fechou indo embora e


me deixando destruído.

Meu coração parecia ter sido arrancado do peito por uma mão
invisível.

— Júlio?

Nanda saiu na porta e ficou com cara de quem não sabia o

que fazer comigo.

— SUMA DA MINHA FRENTE, VOCÊ, SEU MARIDO, CAI

FORA FERNANDA!

— Irmão, nosso pai...

— Você não é modelo de cobrança para ninguém, sei tudo que

já aconteceu no seu passado, e nem por isso te proibi ou invadi sua


vida aos gritos exigindo nada. — Estava com raiva e rancor para

pesar minhas palavras. — Acho que não tenho mais irmã.

— Não fale assim com minha mulher — Arion a defendeu


segurando no ombro da esposa que chorava baixo.

— VÁ VOCÊ E ELA PARA OS QUINTOS DOS INFERNOS! —


gritei. — SUMAM DA MINHA CASA, DA MINHA VIDA.
Entrei no apartamento e bati a porta caminhando para o

quarto.

Que droga de vida, que droga, de povo enxerido, estragaram

tudo, me joguei da cama com raiva.

ARION

No fundo já imaginava esse embate com Fernanda e seu

irmão, previa isso, mas como um bom covarde quando o assunto


era ela, me fiz de idiota e joguei para baixo do tapete. O que foi um

erro, poderia ter evitado isso se a preparasse.

Marina era uma mulher sofrida em busca de vingança, mas no


fundo só queria um lugar para chamar de seu depois de perder tudo.

Entendia sua causa, seus medos, e ainda achava que o idiota do

meu cunhado merecia menos que ela.

Admirava a força daquela garota, a sua sagacidade, coragem,

força, se não fosse à organização creio que ela teria acabado com o
Júlio. Lógico que me daria satisfação ver isso. Como me deu

satisfação vê-lo destroçado por sua partida.

Meu cunhado era um cara sem limites e indisciplinado,


merecia um pouco de sofrimento. Olhei para Nanda de lado já

dentro do carro e ela chorava, não tentei consolar.

Ela mereceu ouvir tudo que o Júlio disse, não queria concordar

com ele, mas minha esposa foi terrível hoje. Desde que descobriu

tudo, ficou nesse estágio louco, ainda precisava descobrir por que o

Rômulo contou. Aquele bode velho nunca fazia nada sem motivos.

Ele tinha planos para Marina, isso era certeza, ou para alguém

dela, e não contaria antes de chegar a hora. Esse era meu amigo,
Rômulo e sua mente cheia de labirintos, ele gostava de jogos.

Respirei fundo e olhei a cidade pela janela.

Há muitos anos comecei esse jogo, não imaginava que a teia

tomaria essa proporção. A Organização cresceu e dominou vários

países.

Sentia saudade às vezes da quietude da minha ilha grega,

acho que vou levar a Nanda para lá de novo esse ano e fazer amor

sobre o sol da Grécia, sem nada apertando nossas mentes.


Às vezes era difícil ser Arion, mas uma vida comum nunca

combinaria comigo.

Deixei a Nanda chorar e continuei calado com meus

pensamentos, sabia que logo ela cairia na real. Não demorou seus

dedos tocaram minha mão e eu cedi segurando a sua e levando os


lábios.

— Fui cruel, não fui? — Sua voz chorosa partiu meu coração.

Odiava ver minha Kárdia sofrendo, era como arrancar minha

alma. Era protetor quando o assunto era Nanda e meus filhos, era

meu mundo inteiro eles.

— Sim ti zoí mou — afirmei.

Ouvir-me falando grego a fazia sorrir e o brilho voltou às suas

bochechas. Era tão linda e tão minha.

— Como posso consertar? — perguntou me olhando com


aqueles olhos que me eram tão apaixonantes.

Daria o mundo se ela pedisse.

— Dê um tempo para seu irmão, o sofrimento vai fazê-lo tomar

decisões. — Beijei seus lábios com carinho. — Ajude do seu jeito,

sabe o que fazer.


Nanda iria ajudar a mulher do Carlos, e isso ajudaria o Júlio e
Marina diretamente.

— Nunca vi o Júlio tão apaixonado — disse com voz frágil.

— Sim, nunca imaginei que tivesse um coração — comentei e

ela riu.

— Não fala assim, ele sofre por alguém e isso o mudou muito,

mas sempre foi assim — defendeu.

— Já se perguntou quem é esse alguém e quem é Marina?

Ela me olhou com seus olhos enormes e uma luz parecia

brilhar sobre sua cabeça.

— A mulher do passado?

— Pode ser. — Dei de ombros.

— Preciso consertar a bagunça que fiz — choramingou triste.

— Calma, deixa o Júlio resolver as coisas com ela, você tem


uma missão agora — argumentei e ela virou o rosto para a janela.

— Preciso pedir desculpas a Marina.

Quando ela colocava algo na cabeça nada tirava, suspirei


exasperado. Queria minha esposa longe de tudo, protegê-la, logo a

casa do Senador desabaria, um processo de impeachment seria


instaurado, uma hora dessas ele devia estar recebendo a
notificação disso e não devia estar feliz. Isso faria o Carlos desabar
e mostrar sua face.

Suas empresas também ficariam vulneráveis, fiz nota mental

para comprar partes dela, com certeza as ações iriam cair.

Seria um bom investimento.

— Tudo bem meu amor, vou providenciar seu encontro com

ela.

Ela sorriu de volta e apertou minha mão com carinho e seus


olhos diziam o quanto me amava.

Pronto, o mundo voltou ao lugar, se ela estava feliz então eu

também estava.
MARINA

De alguma forma sabia que esse momento chegaria. Nunca


que a família do Júlio depois de tudo, aceitaria nós dois. Sabia que

ele faria o que desse na telha, porém meu senso me alertava que
não seria bom para nenhum de nós. Família era vital. Uma hora

Júlio me culparia.

Também era bom para esquecer o que fiz ontem com aquele

homem, sabia que merecia, mas trouxe gatilhos de tudo que vivi no

passado, das horas de terror e tortura. Transar com o Júlio na volta


tirou as imagens da minha cabeça e o rancor, a raiva, acabei

esquecendo o mundo em seus braços.


Toquei a campainha e a porta se abriu.

— Minha menina! — Seus braços se abriram e me joguei

neles. — Venha, vamos tomar um chá.

Para Bento tudo se resolvia com chás e biscoitos, parecia um


lorde inglês. Sorri mesmo querendo desabar.

Nada na minha vida foi fácil, não seria agora que começaria a
ser.

Aceitei seu abraço sem reclamar pela primeira vez. Perdi

tantos deles por minha ignorância, por viver perdida dentro do meu
mundo, me oprimindo de tudo e todos, achando que não merecia,

temendo que todos fossem embora como Isa foi.

Graças aos amigos do Júlio e a ele percebi que tinha perdido

muito e isso fez o Carlos vencer mais uma vez.

— Conte tudo para mim? — pediu quando me joguei no sofá

caro e burguês, e chorei.

— Oh céus, você está chorando.

Ele nunca me viu chorar, gritar, quebrar coisas, me sentir oca,

mas nunca derramei uma lágrima na frente dele.

Meu corpo tremeu, e não consegui conter as lágrimas.


— Eu me apaixonei! — contei soluçando e ele fez cara de dó e
me segurou com carinho, minhas mãos foi para sua camisa a usei

como se segurasse em um bote salva-vidas. Bento era o pai que

nunca tive, sempre lá, mesmo quando fui grosseira, raivosa e

mesquinha.

Ele sempre esteve lá.

Mesmo quando cheguei à sua porta com o Isaac, suja,

quebrada, com minha irmã morta nos braços, mesmo quando me

neguei a ser ajudada, amada, mesmo quando disse que me vingaria

do Carlos e levantei para traçar planos ele estava lá.

Ele sempre esteve lá com seus braços esticados esperando

para me amar como eu merecia.

Fui burra, joguei tudo fora.

— Ah, meu amor, fico feliz que esse coração quebrou as

barreiras, já estava na hora — disse beijando minha testa. — Você

merece ser feliz, minha querida.

— Está doendo.

— Eu sei, eu sei, você passou a sentir, e isso faz doer.

Gemi por entre as lágrimas e derramei todos os sentimentos

de anos para ele. E o Bento como sempre me acolheu. E me amou


como se amava uma filha. Porque era isso que os pais de verdade

faziam.

Sentei na banqueta da cozinha horas depois para ver o Bento

cozinhar, expulsou todos os empregados do local para fazer uma


comida especial para mim.

Fiquei observando, ele parecia uma asa de borboleta pra lá e


pra cá.

— Estão falando em processo de impeachment — comentou

casual. — Li hoje nos jornais, Brasília está pavorosa.

Imaginei que estivesse, ninguém ficaria como aliado de um

assassino como ele.

— Tem dedo de vocês nisso?

— Digamos que empurramos.

— Além de o cara ser investigado por duas mortes agora.

— Sim, ele matou a primeira mulher com certeza, não sei

provaremos isso, mas com certeza o bom nome dele é manchado


no processo, e seus ideais de virar presidente também.

Ele revirou os olhos.


— Sempre tem alguém que cai no papo dele.

Isso era verdade, sempre sobrava alguém para duvidar e ainda

apoiar um escroto como aquele.

— Dessa vez vamos pegar ele, Bento.

— Estou sentindo isso, dessa vez os muros vão cair.

Sorriu para mim feliz e voltou ao fogão.

— O que vai fazer depois? — Jogou a pergunta sem

pretensão.

Não pensei muito ao responder.

— Pensarei quando a hora chegar.

Não pensava no futuro, não sabia o que achar dele, de não ter

nada porque lutar.

Ser uma casca oca e mais nada.

Sozinha.

— Podemos viajar o mundo se quiser — disse piscando para


mim e colocando tempero na panela.

— Vamos ver quando chegar a hora — respondi suspirando


com o cheiro da comida.
— Seu príncipe não vai abrir mão de você assim — continuou
a falar. — Logo vai bater nessa porta para levar você.

Sorri com suas palavras sonhadoras.

— Júlio, é tudo, menos um príncipe, está mais para ogro.

— E gostoso! — Suspirou.

— Meu Deus! — Gargalhei e ele também.

Sim, fiz a coisa certa em voltar para casa, Bento sempre foi

meu lar.

Agora era aguardar os próximos acontecimentos e resistir ao


encontrar o Júlio, ele não precisava de mim bagunçando mais nada.
Fiz minhas escolhas e preciso arcar com as consequências delas.

Pensei ao levar o garfo de comida a boca, e estava divino,

maravilhosos, aquecendo meu coração.

— Perfeito! — gemi me deliciando e levantei o olhar, o Bento


me olhava feliz.

— Estou orgulhoso de você pequena. — Tocou minha mão. —


Muito feliz em ter você de volta, pena que o Isaac não veio.

Seus olhos ficaram saudosos.

— Uma hora ele volta — disse sem muita certeza.


— Sim, espero que sim — respondeu sem sorrir.

Isaac era uma ferida aberta para o Bento, sua partida magoou

os dois.

SENADOR CARLOS

A escuridão me dominava, meu corpo tremeu, minhas mãos


suaram, estava sendo engolido por elas.

Vi minha mãe sorrir, aquela vagabunda, a Isadora estava com

ela rindo de mim, do meu fracasso.

Ordinárias, desgraçadas, mulheres eram escórias do mundo,

não mereciam nem falar conosco.

Miseráveis! Só serviam para nos destruir.

Joguei o celular na parede com a raiva subindo pela minha


garganta, não suportava mais as paredes daquela casa.

Impeachment! Impeachment!

Zunia no meu ouvido, como eles se atreviam? Sou o Senador

Carlos e ninguém iria me tirar isso.


— Descubra quem vai fazer parte da comissão — pedi já com

a voz calma, precisava guardar a raiva para as pessoas certas e


momentos oportunos.

— Irei descobrir, senhor — falou meu assessor consternado.


— Também marquei uma reunião com seus aliados.

Bom, isso era bom, tinha que contornar tudo isso, nem que

desse minha fortuna em troca de favores.

— Descubra o preço que tudo vai me custar.

— O problema são as reportagens, descobriram que o senhor

estava no quarto com a garota morta e estão abrindo inquéritos

sobre a morte de sua primeira esposa.

Respirei fundo e olhei o jardim da minha casa onde minha

esposa tomava sol.

— Não tema isso, não vão descobrir nada.

A idiota caiu da escada, só isso, era uma desobediente como

todas as outras mulheres, não conhecia seu lugar.

Eles não podiam me acusar de nada, o problema era a

prostituta, esse era um cadáver que me trazia dor de cabeça no


momento.
— Tem uma testemunha — ele disse se afastando para a

porta.

Virei para ele.

— Como? — Que porra era essa? Não tinha testemunhas,

paguei bem a todas elas. — Euclides?

— Tem uma testemunha que afirma que o Senhor espancava

sua primeira esposa, e a empurrou das escadas. — Sua voz saiu

assustada. — Euclides sumiu, e toda a corporação e seus aliados


estão sendo investigados, teve até a prisão da esposa dele.

— Inferno, quem é a testemunha?

Que diabo estava acontecendo ao meu redor. Aquele Euclides

incompetente sumiu, com certeza fugiu.

— Ainda não sabemos.

— DESCUBRA!

Joguei a cadeira longe, eles querem me destruir, querem

minha derrocada, desgraçados!

— Seus advogados precisam falar com o senhor para ver a

melhor abordagem.

Vai ser mais um escândalo para manchar meu nome.


— Faça tudo que deve fazer, me mantenha informado.

Olhei para janela e minha esposa parecia feliz olhando o sol

enquanto eu sofria com minha vida desabando.

— Peça a minha esposa para vir aqui.

Ele assentiu saindo e fechando a porta devagar.

Ouvi seus passos rápidos e a porta abriu, seu rosto sem graça

se projetou para dentro.

— Chamou? — perguntou com a voz baixa e o rosto virado

para o chão, como deveria ser. Nunca olhar para mim diretamente, a

não ser que eu pedisse.

— Parece feliz hoje.

Ela se encolheu ao meu tom e ficou calada.

Senti o cheiro do seu medo me alimentando.

— Tira a roupa e ajoelha.

— Carlos, não, por favor...

— Faça o que mandei sua vagabunda!

E assim ela fez. Como devia ser.

Precisava me acalmar, precisava pensar numa saída, quem


seria a testemunha? Segurei a arma que tirei da minha gaveta e ela
tremeu olhando para baixo.

— Abra as pernas.

Seu choro baixo me deixava excitado.

Fodi seu corpo com minha arma enquanto ela pedia


clemência, isso me acalmava um pouco, só um pouco.
JÚLIO

A minha pessoa se sentiu um trapo por algumas horas, no


entanto, não poderia me dar o luxo de ficar ali esperando a Marina

voltar, dessa maneira nada aconteceria. Ela não ia ficar comigo com
facilidade, tínhamos arestas a ajustar. Problemas a resolver, um

passado conturbado, segredos, e tudo isso poderia vir a ser um

empecilho.

Não que eu fosse me importar de remover cada um deles. E

com certeza faria, mas abrir mão da Marina não iria. Lutaria como
sempre fiz, com todas minhas armas. Jogaria baixo se fosse
necessário, mas ela voltaria para mim ou não me chamava Júlio

Barros Alves.

Vesti uma roupa e peguei a chave da moto.

Iria buscar o que era meu.

O portão se abriu assim que me aproximei, acho que já era

aguardado.

Com certeza ela deveria estar ali.

— Imaginei que viria — disse Isaac descendo as escadas com


sua calma enervante.

— Cadê ela?

Não tinha tempo para papo com o cara que dormiu com minha

mulher, mesmo que em um tempo que eu não tinha feito isso, além

dele ser o cara que ela procurava quando precisava. Isso era difícil

de engolir.

— Com meu pai.

Sabia que Isaac era filho do Bento, fiz pesquisas sobre ele no

dia que a levou do túmulo da Isa. Um homem novo, viajado,


estudante de artes marciais, era um patrono da rua, ajudava as
pessoas necessitadas.

Mas tinha algo rastejando sobre sua pele, uma fúria contida

naquela parte calma que aparentava.

— Obrigado pela informação. — Virei para sair.

— Júlio, ela precisa desse tempo — falou assim que cheguei

ao portão.

— Já teve tempo demais — respondi de volta.

— Fui eu que a encontrei na noite que fugiu dos seus algozes

— disse já no último degrau das escadas. — Estava suja de sangue,


vômito, e outras coisas, roupas rasgadas, hematomas na pele, mas

nunca vi uma mulher tão forte na minha frente, nunca vi uma

energia tão voraz.

Continuou a falar e meu coração sangrou outro a salvou, não

fui eu a estar com ela, a salvá-la, isso era doloroso para um homem

como eu.

— Segurava a irmã mesmo com os dedos das mãos

quebrados, ela protegia aquele corpo como se o universo

dependesse disso. — Parecia em transe. — Pronta para lutar se

fosse necessário.
— Como a encontrou? Onde? — Precisava saber, mesmo que

tudo isso me torturasse.

— Não sei como explicar, mas uma voz me chamou naquela

noite, nunca aconteceu antes, estava no meu quarto lendo e


segundo depois seguia mata adentro procurando o que eu nem

sabia o que era.

Parecia em transe olhando para frente.

— E a vi andando. — Olhou para mim vidrado. — Prometi


protegê-la e algo nos ligou, sempre sinto quando ela vai ao túmulo,
não sei como te explicar essa conexão, a voz chora, e sofre junto

com a Mari.

Isadora, será? Já vi tantas coisas nessa vida que não duvidava


de nada.

Um arrepio subiu pela minha pele.

— Ela anda calada ultimamente — disse por fim.

— Depois que ela encontrou você, a voz se calou e parece


calma.

— Ela está com quem deveria estar — respondi me corroendo

de ciúmes dele. — Não vou abrir mão dela.

— Eu sei.
— Preciso que ela entenda isso.

— Ela precisa se perdoar por deixar Isadora morrer, quando

tudo isso acabar, ainda vai sobrar a culpa, e talvez tenha medo de
ser feliz — disse com calma. — Afinal você amou a sua irmã.

Apunhalou meu peito com suas palavras propositais para me


lembrar onde estava o cerne do problema. E que não seria fácil

mudar a situação. Isaac tinha razão, tinha que limpar tudo para que
Mari se sentisse segura com meu amor. E não uma imagem opaca

da Isadora como se imaginava ser.

— Eu a amo.

— Prove!

O portão se abriu e passei por ele.

Com as palavras do cara da minha cabeça como mantra.

Prove! Prove, prove.

Sentei na banqueta do bar e o garçom colocou uma cerveja à

minha frente.

Prove, Prove. A minha mente ainda estava ligada nas palavras


do Isaac.
Donny sentou ao meu lado e pediu o mesmo, virando para
olhar as moças do palco dançando.

— Tudo bem? — perguntou sem pretensão, esse era ele, fiel,


presente, mesmo quando estava em silêncio, não se enganem com

o jeito irresponsável do rapaz, ali morava um cara feliz, mas frio


quando necessário. No campo de batalha daria minhas costas para
ele proteger sem nenhum medo.

— Quem contou? — indaguei olhando para o garçom.

— Que está sofrendo por amor? Todo mundo já sabe, Rômulo

não é bom em segredos quando é do interesse dele.

Imaginei que Arion daria com a língua nos dentes só para me


ver como motivo de chacota. Foda-se, estava me lixando para o que
os outros pensavam.

— Marco? — perguntei.

Ele mostrou para cima, e segui para lá com minha cerveja não
mão.

Queria falar com ele sobre o que faríamos no dia seguinte.

Olhei os corredores e imaginei que ele estivesse com alguma das


meninas. Ou duas delas. Dividir mulher com homens ele só fez isso

comigo ou com Donny, nunca vi fazendo com outros caras.


Gemidos no quarto que sempre usávamos, retardei minhas
passadas, não ia atrapalhar. Mas uma voz me fez parar, era a Laila?
Não, estava ficando louco.

A curiosidade venceu e olhei pela faixa da porta aberta.

Ela montava o MARCO? Que chupava a boceta de outra

menina que já dividimos antes. E a Laila levava o pênis de um


terceiro cara que nunca vi, à boca lambendo, enquanto cavalgava o

pau do meu amigo.

Uau! Nunca imaginei uma merda dessas.

Laila e Marco? Como isso aconteceu?

Voltei pelos corredores e desci as escadas, precisava apagar a

imagem da minha mente. Não era da minha conta como eles se


divertiam nas horas vagas.

— Parece que viu um fantasma — Donny comentou me

olhando.

— Sabia que o Marco e Laila ficam?

Ele ficou vermelho e coçou a cabeça como se tivesse culpa do

cartório.

— Já ficamos os três.
— Como isso?

Como não percebi?

— Sei lá, bebemos e acabou rolando a três. — Deu de


ombros.

— Ela é muito gostosa, já tentei de novo, só nós dois, mas

recebi um soco na cara.

Gargalhei imaginando.

— Marco não gosta de comentar sobre isso, acho que ele

gosta dela.

Estou ficando louco, só pode.

— Como não percebi, e ele aceita dividir a mulher que gosta?

É loucura, nunca dividiria a Mari.

— Talvez seja a única forma de conseguir ficar com ela —

explicou dando de ombros e indo até o bar.

Realmente fazia sentido, mas também não era da minha conta.

Tinha meus fantasmas para exorcizar e não deveria me meter com

os dos outros.
MARINA

Apesar de toda a agitação da minha mente, dormi bem à noite,


o meu antigo quarto foi decorado com cores mais alegres. E o sono

ajudou a relaxar meu corpo, sem pesadelos nesta noite. Tinha


reunião com a Laila para daqui uma hora.

Tomei um banho gelado, lavei os cabelos, sequei com o


secador enquanto olhava meu rosto no espelho. Estava com o rosto

mais cheio, sem as olheiras de antes, até minha pele estava melhor.

Realmente parar de fumar ajudou nisso, não que eu fosse

fumante, era mais um bálsamo para passar o tempo e acalmar

minhas agitações.
Pensei no Júlio e sorri enquanto vestia minha roupa casual,

tênis, bermuda e camiseta. Desci as escadas correndo e tomei um


susto ao encontrar a Fernanda na sala vestida elegantemente, e

tomando chá com o Bento em uma conversa descontraída.

— Ohh — falei querendo me enfiar em um buraco, não queria

ter essa conversa com ela, não mesmo.

Meu celular vibrou e olhei a mensagem da Laila.

“Decodificamos os números da agenda, contas fantasmas em

paraísos fiscais, estamos com a faca e o queijo na mão” e no final


ela colocou uma carinha de diabinho.

Sorri para a tela do celular e coloquei no bolso de novo.

Bento quem me viu primeiro e deu um sorriso luminoso

levantando.

— Olha quem veio nos visitar.

— Bom dia, como vai Fernanda?

Tentei ser educada, ela colocou a xícara na mesa e levantou

com um gesto elegante, seus olhos continham uma tristeza, mas

força e determinação.

— Bom dia, Marina, acho que precisamos conversar.


De fato ela combinava com Arion.

— Não creio que seja necessário — disse com a voz dura, não

via motivo algum para termos contato, já sabia o que pensava de

mim e isso bastava. Na realidade, sentia vergonha pelo que fiz, mas

não diria.

— Marina! — Bento reclamou.

— Tudo bem, sei que não tem motivos para querer minha

presença, temo ter sido dura com você ontem e vim me desculpar

— falou com a voz doce e contida.

Nem ia perguntar como me encontrou, sabia que tinha dedo do

todo poderoso marido dela.

— Marina, converse com a Fernanda, é hora de abrir o

coração, e dizer as verdades necessárias — disse Bento passando

por mim e subindo as escadas.

— Olha, eu que devo desculpas, fui eu que fiz essa bagunça

— falei coçando a cabeça, pois não sabia o que fazer com as mãos.

Ela voltou a sentar e eu acompanhei sentando na poltrona à

sua frente.

— Acho que nós duas devemos um pedido de desculpas. —

Sorriu com doçura. — Sou uma leoa por minha família , e o Júlio,
passou por muitas coisas esses anos todos, tanta coisa aconteceu...

— Tudo bem, eu alimentei rancor dele e isso me cegou a

ponto de querer destruir tudo que lhe era mais caro.

Família, amigos, vida.

— Arion me explicou por alto sua história, ele não leva

trabalhos para casa. — Sorriu. — Protetor demais, e Laila que


conversou comigo sobre o Carlos e vou ajudar Mari, pode confiar

que ajudarei aquele homem pagar.

— Agradeço, ela merece um fim melhor que minha irmã, pelo


menos vamos salvá-la — disse por fim, olhando meus dedos.

— Sinto muito, sinto mesmo.

Tinha compreensão nela, seu olhar dizia que entendia minha


dor.

— Peço perdão pelo que fiz à sua família, seus irmãos, seu
pai, e não vou dizer que não foi minha intenção, porque foi.

Fui sincera com ela, chega de jogos com a família do Júlio.

— Você o ama? — perguntou tocando minhas mãos inquietas.

Levantei meu olhar para ela.

— Sim.
— É o que importa.

— Mas isso não vai funcionar, infelizmente.

Eu sabia que não ia, tinha coisas demais em jogo para que

desse certo.

— Quando conheci o meu marido achei o mesmo, e você não

tem noção como foi complicado, mas estamos aqui juntos, firmes,
onde tem amor, tem resiliência — disse me fazendo estremecer. —

Juntos tudo funciona, o medo é pequeno para o tamanho de um


amor verdadeiro.

“Vai ter que abrir mão do orgulho às vezes, vai ter que abrir
mão de si mesma um pouco, para entender o outro, se pôr no lugar

de homens como meu irmão, como Arion é complexo, eles não são
comuns, calmos. São como vendavais levando tudo à frente, tem

instinto protetor, possessivos, lobos em pele de cordeiros, mas


temos uma coisa importante, o coração deles, e isso poucas

pessoas têm.”

Falou com certeza de suas palavras, ser casada com um

homem como Arion não deveria ser fácil. Eu vi como ele olhava para
ela, como seus olhos brilhavam, e o que ele era capaz de fazer para

protegê-la.
— De todas as pessoas sou a única que não deveria te julgar,
porque conheço sua dor. — Levantou com um sorriso. — Espero
que um dia possa chamar você de amiga.

Deu a mão a mim e eu apertei, fui tomada por seus braços em

um abraço forte.

— Seja feliz, Marina, ninguém merece sua infelicidade, e


homens como Carlos se alimentam da sua tristeza, não dê esse
poder a ele.

Fiquei sem saber como agir, mas tocada por tudo que ouvi. Ela

tinha razão sobre o Carlos.

— Agora vou limpar a bagunça com Júlio, ele está me odiando.

Soltou meu corpo e caminhou para porta saindo em seguida

por ela como um vento fresco.

Fiquei olhando para a porta, pensativa, cheia de pensamentos


conflitantes.

Cheguei à casa do Júlio no horário combinado, tentei focar na

missão e não nos momentos que vivi ali.

— Ei baby — brincou Marco quando entrei.


— Como vai?

Ele piscou e voltou a focar no aparelho que tinha nas mãos.

Júlio veio caminhando da cozinha e parou quando me viu. Sondou


meu rosto com olhar analítico e se aproximou.

— Como passou a noite?

Senti a força dele, no fundo ele rugia, queria respostas, queria

estar sozinha, queria exigir, me tomar. Estava se controlando para


não invadir meu espaço.

— Estou bem.

— Mari...

— Oi turma. — Laila entrou como um furacão. — Novidades


bombásticas sobre o Senador.

Foquei na Laila me afastando do Júlio que pareceu derrotado

por isso.

— O homem tem várias contas espalhadas em paraísos

fiscais, eram os números da agenda que sua irmã te deu, a chave


no banco guardava muitos títulos de capitalização, previdências,

muito ouro e pedras preciosas e mais uma agenda com números

telefônicos.
— Pera aí, como vocês conseguiram abrir? — Marco

gargalhou e Laila riu com ele.

— Simples, alugamos um cofre junto do dele e foram

obrigados a nos deixar sozinhos no local e usamos o nosso poder


— Marco brincou mostrando a chave da Isa que estava comigo. —

Deixamos tudo no lugar, a polícia federal precisa encontrar. — Deu

de ombros.

— O homem usava tudo isso para burlar o fisco e lavar

dinheiro sujo — explicou. — Era uma forma de ocultação da origem

do dinheiro, assim quebrava a cadeia de evidências para quem


rastreasse os recursos ilícitos. “Usava laranjas, contas falsas e fazia

várias transferências eletrônicas, na realidade, ele vem fazendo isso

há anos, depois investia o dinheiro sujo comprando empresas,

resumindo, fazendo coisas lícitas com ele, para desassociar o


dinheiro das coisas ilícitas. O que é comum para muitos picaretas

que enriquecem ilicitamente, Carlos fez o mesmo e seu amigo

Euclides também. Tem várias transações para contas em nome


dele, o Senador o mantinha de boca fechada e pagava bem por

seus serviços — explicou Laila com calma, minha mente deu um nó,

não era boa para essa coisa de economia, sobre lavagem de


dinheiro. Mas entendi que o Carlos estava ferrado.
— Resumindo, só isso já coloca a corda no pescoço, preso ele

não deve ir por conta do foro privilegiado — comentou Marco com

calma, Júlio continuava calado.

— Mas a bagunça vai ser grande com todas as acusações

além dos assassinatos.

— O quero sofrendo, quero que saiba que paga pelo que fez a

minha irmã.

— Podemos melhorar tudo isso, mas isso vai depender de


você — disse Marco olhando Júlio de lado e depois para mim.

— Não! — Júlio falou pela primeira vez.

— O que foi?

Olhei de um para o outro sem entender.

— É uma ideia excelente e você sabe disso.

— Isso a põe com a droga de um alvo nas costas. — Ele bateu

na parede com raiva.

— Fala, quero saber o plano — pedi me encaminhando para


ele.

— Você voltar dos mortos — Laila que respondeu.


O silêncio era opressor naquela sala. Pensei, pensei, o que

teria a perder, mais do que já tinha perdido, uma hora ou outra ele ia
saber que era eu por trás de tudo.

— Como isso pode funcionar? — questionei encarando o


Marco.

— Marina, não — Júlio falou firme.

— Eu decido isso — mandei de volta para ele, que socou e

jogou a cadeira longe, deixando a sala.


JÚLIO

Tentava me controlar, mas saber que a Marina ia se pôr em


perigo acabava com minhas reservas, queria sair e dar três tiros da

testa do Carlos e acabar de vez com tudo.

Eu ainda me encontraria com ele por algumas horas e ia tirar

sua alma na unha. Aquele miserável ia descobrir o que era dor e


sofrimento.

Inferno, derrubei a TV com ódio.

Não ia voltar para sala, não ia ver aquele plano idiota.


Sentei na cama tentando me acalmar, a porta abriu, mas não

levantei o rosto, sabia pelo perfume que era Marina.

— Ei.

Sentou ao meu lado e ficou em silêncio, não resisti e virei para


ela tocando seu rosto.

— Diga não — pedi ansioso.

— Não posso! — falou com voz frágil, procurei por medo em

seu olhar e não tinha, só certeza do que faria. Toquei sua boca com

a minha e ela não se afastou, aprofundei o beijo, queria me perder


nela, no seu corpo, trancar o mundo para fora daquele quarto.

— Temo por você — disse por entre os beijos. — Não vou


suportar te perder de novo.

— Você vai estar lá.

Sim estaria lá, não a deixaria sozinha, Mari tinha a mim agora
e daria minha vida pela dela.

— Sim, estarei lá desta vez.

Ela se soltou e sorriu de leve.

— Eu confio em você.
Um raio abriu meu peito com aquele sorriso, como se o mar
revolto tivesse sido parado com as palavras dela. Minha calmaria,

isso, Mari era minha calmaria.

— Preciso falar com Márcio e meu pai.

— Eu sei. — Levantou e eu também, segurei sua cintura e a

trouxe para mim.

— Eu amo você, Marina.

Suas bochechas ficaram rubras, achei bem fofo, uma mulher

tão forte ruborizar assim.

Ela era incrível.

— Vou fechar alguns detalhes com a Laila — disse se

afastando.

Saiu do quarto me deixando com um sorriso nos lábios, pela

primeira vez em anos me sentia parte de alguém.

Vamos acabar logo com essa situação. Pensei ao entrar na

casa do velho, mas foi Márcio que encontrei primeiro na pia da

cozinha lavando a louça.

Tossi e ele virou e me encarou.


— Pensei que nunca ia voltar — falou com desdém.

— Papai? — perguntei pegando água na geladeira.

— Tirando uma soneca, Nanda esteve aqui e depois ele

dormiu.

Não comentei nada sobre nossa irmã, ainda estava muito

zangado com ela.

— Márcio...

— Sei que o Luciano foi fazer fofoca para vocês, já estou


ciente, acho que vou contar ao papai tudo.

Entalei com água e quase morri de tanto tossir.

— Tudo bem? — perguntou batendo em minhas costas. —


Quero parar de me esconder, de fingir, isso anda acabando comigo

— continuou a falar. — Estou me sentindo doente, eu não sou uma


aberração, não tenho nenhum problema por ser homossexual.

Márcio parecia entalado, que necessitava falar, senti pena dele


por viver esses anos todos fingindo ser o que não era, ouvindo

nossas piadas sem graça sobre mulheres, se sentindo fora do


contexto.

Fui um babaca com ele, não percebi o que meu irmão caçula
passava.
— Por mim nada muda, você continua sendo o meu irmão

caçula.

Ele respirou fundo e me encarou com um pequeno sorriso. E


me abraçou.

— E meu filho.

Nós dois viramos para a porta onde meu pai estava em pé com
sua muleta, com lágrimas nos olhos e um belo sorriso pregado nos

lábios.

— Pai...

— Eu já sabia, só estava esperando você me contar.

Márcio caminhou para ele e o abraçou chorando.

Meu pai sempre foi um homem incrível.

Aproveitei o momento e os dois juntos e contei mais ou menos


toda a confusão, floreei as coisas, ninguém precisava saber tudo
que fazia para a Organização. Meu pai não fazia ideia de nada e por

mim continuaria assim.

— Policial corrupto é a escória do mundo — meu pai falou


zangado. — Odeio esse tipo.
— E aí, o prenderam? — Márcio indagou.

— Estão com ele em custódia, tem mais pessoas envolvidas

— menti, Euclides estava bem quebrado e bem guardado, para ser


usado na hora certa.

— Gente, que loucura tudo isso.

— Não posso dizer mais coisas, por ser uma missão.

— Entendo filho, lógico que a gente entende. — Meu pai bateu


no meu joelho.

Precisava falar da Marina, mas isso era assunto para outro dia.

— Tenho que ir, só queria deixar você ciente e seguro


sobretudo — falei levantando.

— Churrasco domingo?

— Sim, vou pegar a Michele, tem alguns dias que não consigo

vê-la, será bom para nós dois.

Falava com minha filha, mas estava evitando topar com Drica

depois de tudo, fiquei longe para que ela se resolvesse com o


marido, mas sentia saudades da minha ruivinha.

— Ela dormiu aqui essa semana, conversando pelos cotovelos

— Márcio falou revirando os olhos.


Caímos na risada.

Pelo menos isso estava resolvido e meu irmão caçula estava

acolhido e amado.

Era isso que a família fazia.

Acho que vou convidar a Mari para o churrasco, assim ela se


sentiria em casa.

— Posso trazer mais alguém?

Meu pai enrugou o cenho desconfiado.

— Claro que pode.

— Certo.

Seria uma loucura por conta do Luciano, mas tinha que pular

essa fase e a fazer entender que poderia fazer parte de minha vida

como um todo. Porque já era dela por inteiro.


DOIS DIAS DEPOIS

MARINA

Todos sorriam, mas sabia que toda a equipe se encontrava

apreensiva com o desenrolar que se aproximava. Júlio parecia um

tigre enjaulado, louco para dilacerar alguém, parecia uma bomba


louca para explodir.

Laila e Marco pareciam se evitar, como se temessem algo.

Muito estranho, era amor e ódio que fervilhava ali. Donny era o
único que fazia piadas, comia tudo que achava, malhava e me

treinava nas horas vagas.

Diria que tinha nele um grande amigo.

E eu me preparava para o grande momento, aquele que passei


mais de dez anos aguardando acontecer. Sonhei muitas noites com

isso, sonhei diversas vezes com isso. E quanto mais se aproximava,

mais ficava tensa e com lavas de fogo nas veias.

Ajoelhei em frente às pedras e toquei-as.

— Está chegando a hora irmã!

E como se ela falasse comigo, um vento passou arrepiando os

pelos do meu corpo. Longe um falcão sobrevoava com seu som


característico.

— Vou acabar com ele, como prometi!

Abaixei a cabeça e deixei uma lágrima molhar o solo.

— Vou matar o Carlos como jurei naquela noite.

Levantei o olhar para o céu e o falcão planava pronto para

buscar sua presa.


Marquei com Laila e no local aguardado ela estava encostada
na parede, acima na parede um grande letreiro, Fundação de

Acolhimento KATSAROS.

— Bem na hora! — falou assim que me avistou e toquei na sua

mão fechada em soco, como forma de cumprimento. Não éramos

grande amigas, mas respeitava-a, assim como sabia que era

respeitada por ela. — Daqui uns dias, não vai mais precisar dessa
peruca ridícula! — soltou e eu sorri, estava usando uma peruca

ruiva, e calça jeans e camiseta floral, e tênis.

— Verdade, não vejo a hora — respondi de volta e entramos

no local.

Nanda já aguardava como combinado, não me sentia tranquila


na sua frente, mas tentei parecer calma e passiva.

— Olá, meninas, Laila, você parece reluzente. — Laila corou

com elogio. — Tudo bem, Mari?

— Querendo ficar! — respondi vagamente e ela deu um

pequeno sorriso.

— Que lugar é esse? — perguntei para mudar de assunto.

— Aqui é onde acolhemos pessoas que precisam de ajuda, um

local para recomeçar — explicou orgulhosa.


— Venham!

O local era bonito, confortável e gigante.

Não vi ninguém à vista, parecia silencioso demais.

— Todos têm afazeres por aqui, e tudo é a prova de som, tem


monitoramento da Organização 24 horas, não se engane, você só

vai ver o que ela deseja que você veja — Laila falou baixo. — Aqui
estão seguros e longe da vista de gente ruim.

Assenti entendendo, seria um local que eu e Isa precisávamos

na nossa época, seria onde poderíamos recomeçar.

— Aqui damos a chance das pessoas refazerem suas vidas,

mas a decisão vai ser sempre delas — Fernanda comentou como se


tivesse ouvido a minha conversa com Laila.

Abriu uma porta no fim do corredor e a mulher do Carlos

estava sentada numa poltrona olhando para a janela. Calma,


impassível, submissa. O tipo que homens como o miserável
gostava, eram fáceis de subjugar, humilhar, manter cativa.

— Olá. — A voz da Nanda baixa a fez virar o rosto e lágrimas

e desespero eram visíveis ali.

— Você está segura aqui, fica tranquila.

Ela assentiu torcendo as mãos no colo.


— Essa é Laila, uma amiga que vai cuidar de tudo.

Mais uma vez assentiu sem falar, me deu uma pena, ali na

nossa frente tinha uma mulher de alma quebrada, que não esperava
mais nada em troca.

Meu coração se partiu.

— E essa é a Marina — falou meu nome e ela olhou para mim


com olhos amedrontados, creio que já viu falar de mim.

— Irmã da Isadora? — perguntou com a voz falha.

Nanda me olhou, fez silêncio saindo e fechando a porta.

Laila sentou numa cadeira e eu fiquei perto da porta, não


queria amedrontá-la.

— Já foi atendida por um médico? — perguntou Laila.

Ela fez que sim com a cabeça.

— Preciso da sua ajuda — falei me aproximando e ela olhou


para janela.

— Ele vai matar nós duas — disse com temor, sem me

encarar.

— Não, ele já me matou, perdi tudo por conta dele, agora vou
retribuir, vou fazer pagar por tudo que nos fez, por toda dor que
causou.

Levantou o olhar para mim e o rancor saiu de sua capa de

medo.

— Quero ver tudo de perto — pediu com raiva.

— Prometo! — Selei meu acordo com ela.

Mais um golpe para o Carlos, perder a esposa que fugiu com

ajuda de Nanda. Segundo Laila ela foi para casa de sua família para
uma visita, a mãe já desconfiava dos abusos sofridos pela filha, que

só podia visitá-los uma vez ao mês. Como a Isadora, a primeira


coisa que ele fez depois de casar foi afastar os familiares da moça.

Mantinha a família longe, distribuiu cargos públicos para eles,


dinheiro, e uma sensação de poder, para calar todos. Resumindo:
Comprou a todos para usar a esposa como bem queria.

Mas sua mãe sentiu que tinha algo errado, e foi aí que a

Fernanda entrou, levando ela da casa da família no dia de sua visita


com ajuda de sua mãe. Os seguranças não perceberam até ser
tarde demais.

Uma hora dessa Carlos devia estar pondo o mundo abaixo.

Sorri de satisfação. Contudo, agora minha vingança não seria só por


mim ou por Isa e sim por aquela mulher que teve sua vivacidade
roubada, saqueada, sua alma dilacerada para sustentar a maldade
de um homem.

— Como foi? — perguntou Júlio assim que voltamos.

— Ela parece oca — Laila falou com pesar na voz. — Ela

roubou seu espírito — continuou: — cara, quero arrancar o pau

daquele doente.

— Ela vai nos ajudar, mas não sei se um dia voltará a sorrir —

expliquei sentindo um aperto no peito, se tudo que ela contou foi o


que Isa viveu também, não sabia como havia suportado por tanto

tempo. Senti vontade de vomitar a cada relato.

Meu coração se oprimia e a vontade de arrancar a cabeça do


Carlos aumentava.

— Bem, pelo menos vai nos ajudar — Marco comentou.

— Mari, posso falar com você? — Júlio pediu e eu assenti o

acompanhando para a cozinha.

— Sim. — Ainda estava pensando em tudo que ouvi.

— Domingo vai rolar um churrasco na casa do meu e queria


que você fosse.
Como? Saltei quando adentrou meu cérebro o que ele dizia o

problema que isso era?

— Ficou louco?

— Qual o problema? — indagou nervoso.

— O problema que causei o acidente do seu pai, que seduzi

seu irmão de propósito e que arquitetei que o Luciano descobrisse


que o Márcio era gay. — Soltei nervosa andando pela cozinha como

uma onça encurralada. — Então você só pode estar maluco.

— Eles vão entender, eu sei que vão — falou com um sorriso

simples. — Eu prometo que vai ser bom.

Revirei os olhos e deixei a cozinha.

— Vou pensar — soltei sem olhar para trás. E ouvi um

pequeno agito vindo dele como se tivesse ganhado um prêmio, por


isso.

SENADOR CARLOS
O ódio fervilhava em mim, assim que o jatinho desceu em São

Paulo, praticamente saltei para fora, com vontade de tocar fogo em

tudo e todos.

Como eles se atreviam? O desgraçado do presidente da

Câmara dos Deputados aceitou o pedido de impeachment contra

mim. O inferno da comissão especial já estava se formando. Agora


precisava me pronunciar, me defender.

Como se eles tivessem o direito a me julgar, abutres, bando de


abutres. Sabia que tinha alguém por trás de tudo isso, mas não fazia

ideia de quem era meu inimigo.

Estava me afogando, me consumindo, era humilhante.

Tentei pagar o preço, porém ninguém quis contato, como se

temesse ter o nome vinculado ao meu.

Precisava de uma saída urgente, uma carta na manga ou ia

perder tudo.

Cheguei à casa e todos se afastaram da minha frente como se

soubessem meu estado. Fervia, o ódio alimentava minhas veias.

— Minha esposa? — perguntei já sabendo que acabaria toda

minha raiva naquela vadia desgraçada, era culpa dela, culpa da


Isadora, depois que ela morreu tudo desandou e acabei casado com

aquela sem graça.

Um dia desses ainda daria fim nela, com aquele rosto sem

graça.

Jeito sem graça, não tinha um pingo da beleza, da força da

Isadora, não, Isa foi única para mim.

Pena que foi uma desgraçada traidora.

Ninguém respondeu minha pergunta, meus seguranças se


olharam nervosos.

— Cadê?

Mais silêncio e isso fez minha espinha tremer.

— CADÊ MINHA ESPOSA? — Soquei a mesa.

— Senhor, ela foi visitar a família e acabou sumindo — disse

um deles tremendo.

Que porra era essa? Que inferno era esse?

— COMO É? VOCÊS A PERDERAM? BANDO DE FILHOS


DE UMA PUTA!

— Ela desapareceu, procuramos em todos os locais, a mãe

disse que ela não entrou na casa, ninguém a viu, desapareceu —


continuou tentando explicar e uma dor de cabeça já se mostrava

atrás das minhas têmporas. — Simplesmente desapareceu.

— A quero de volta, a traga para mim ou vou matar os dois —


falei por entre os dentes.

Como aquela vaca conseguiu sumir? Mulheres eram um


inferno na terra, bando de vagabundas!

— Agora!

Os dois saíram porta afora.

Nem pedir ajuda da polícia eu podia, sentia que estavam me


grampeando. E se alguém sonhar que ela sumiu, a especulação

sobre outra esposa desaparecida poderia acabar comigo de vez.

— Miseráveis!

Na hora que botasse a mão no miserável que fez isso, mataria

com minhas próprias mãos. Pensei socando a parede.

— Abutres, desgraçados.

Minha vida estava sendo arruinada, alguém descobriu meu


cofre e agora a polícia queria uma ordem para abrir e isso me

destruiria, tinha alguém que disse que matei minha esposa a

jogando da escada, apesar de no processo estar que ela sofreu um


acidente de barco. Como tudo isso veio à tona depois de anos?

Quem eram essas pessoas, vou acabar maluco de vez.

Vou acabar com todos, com todos! Puxei meus cabelos

sentindo a escuridão da raiva me dominar.

Odiava perder o controle sobre ela, mas estava perdendo a

batalha com tudo que vinha acontecendo.


JÚLIO

Donny me encarou assim que a Marina saiu para voltar à casa


do Bento, queria pedir que ficasse, era assim todos os dias,

tentando me controlar.

Dar espaço, deixá-la com o controle, mas isso me consumia,

pois desejava reivindicá-la como minha, segurá-la para que nunca


mais atravessasse a porta da minha casa me deixando sozinho.

A cada partida no final do dia era como se minha alma fosse


levada por ela. Como me envolvi tanto assim, a ponto de deixar

essa mulher dominar todos os meus sentidos?


Pior de tudo que não queria acabar com tudo e voltar para

minha vida anterior, queria que ela continuasse na minha vida para
sempre.

— Você parece um soldado quebrado — Donny brincou


comendo chips.

— Engraçadinho — resmunguei azedo.

— Sabe que Davi vai ser pai de novo?

— Sério? A criança nem fez dois anos e já vão fazer outro?

Rimos, Davi era um grande amigo e aliado, gostei de lutar ao

seu lado, era um soldado frio e concentrando que nunca deixava

ninguém para trás.

— Ele não tem a mão, mas o pau parece que funciona —

Donny soltou e gargalhamos.

— Deve estar se achando o último pau da terra, porque vai ser


pai.

Revirei os olhos me jogando no sofá, precisava ligar para o

cara e dar parabéns.

— Com certeza — Donny disse fazendo silêncio pensativo em

seguida. — Ele e Hellen são perfeitos um para o outro.


Tinha algo mexendo com o Donny, ele nunca falava sobre sua
família ou passado, brincalhão, sempre alegre, mas acreditava que

tinha algo mais.

— Quando tudo isso acabar vou passar um tempo em casa.

Olhei de lado para ele.

— Onde?

— Vou ver minha mãe e espantar uns fantasmas, já passou da

hora — disse pensativo.

— Se precisar de ajuda... — Deixei em aberto para ele

entender que poderia contar comigo.

— Tudo bem, é bem pessoal, não vai ser fácil.

— Nunca é! — respondi de volta.

— Sim, pior quando você descobre que sua noiva casou com

seu irmão.

Olhei de lado para ele sem ter o que dizer com essa revelação,

Donny nunca foi de falar de si mesmo.

— Sinto muito.

— Não sinta, ela está melhor com ele. — Levantou e foi para

cozinha me deixando sozinho.


Cada um com seus fantasmas, realmente todos nós tínhamos

feridas abertas.

Não perguntaria, sei que só falaria quando se sentisse

preparado para isso.

A ansiedade era grande, parecia um adolescente pulando de

um pé para outro, esperando a garota dos seus sonhos aparecer. E


assim que avistei o carro dela o coração ficou louco desvairado no

peito.

Coloquei os óculos escuros e continuei encostado na minha


moto aguardando ela se aproximar.

O carro foi estacionado e ela desceu desta vez sem disfarce,


vestia um short branco, deixando suas belas pernas de fora,

camiseta branca, e sua silhueta definida ficaram bem visíveis, e


tênis nos pés. Simples e prática

E junto com ela veio o Isaac, o que me fez trincar os dentes.


Ela não confiava tanto em mim assim, pois trouxe sua muleta como

proteção. Sentia ciúmes da confiança nele, da forma que os dois


sorriram um para o outro em cumplicidade e o fato dele ter dormido

com ela numa época não ajudava muito.

— Ei! — cumprimentou se aproximando.

Sorriu, mas sentia que estava tensa e sorri de volta, toquei seu
rosto e o trouxe para mim, beijando seus lábios. Queria que ele
soubesse que ela veio com ele, mas era minha.

Meio idiota, mas quem se importa?

— Trouxe meu amigo Isaac — Disse assim que soltei seus

lábios.

— Tudo bem, Isaac, seja bem-vindo — disse com educação

forçada e o mesmo sorriu percebendo o esforço que eu fazia para


não socar a cara dele.

— Vamos entrar.

Segurei sua mão, ela olhou e não se afastou, estava tensa, eu


senti.

— Relaxa! — falei baixo.

— Michele? — perguntou.

— A cuzona da mãe negou que ela viesse hoje.


A Drica estava passando dos limites, mas iria resolver isso
logo, assim que a caçada ao Carlos terminasse iria ter uma
conversa com ela e resolver toda essa situação.

— Sinto muito.

— Não sinta, a Drica é um problema para se resolver outro dia.

Ela assentiu, mas não sorriu.

Entramos na casa do papai e a conversa corria solta por ali,


Nanda já estava lá com Arion que conversava concentrado com o

Luciano, e o Donny conversava com meu pai e Hilda, que


praticamente se mudou para cá com acidente dele.

Os dois mereciam ser felizes, meu velho tinha todo direito de


recomeçar.

Chamei Marco, Donny, e Laila, para poder deixar a Mari à

vontade, Laila declinou tinha compromissos e foi seguida pelo


Marco.

Dois traidores! Sabia que não queriam ir pelo fato do chefe


estar por lá. Os dois tremiam de medo do Arion.

— Olá, família! — disse olhando todos que pararam de falar ao

mesmo tempo, fazendo um silêncio sepulcral.


— Oi. — Foi Nanda que quebrou o silêncio e veio até nós. —
Marina, seja bem-vinda. — Foi doce e abraçou minha amiga, mas
eu não dei bola, ainda sentia tudo que ela fez.

— Júlio.

— Nanda.

Seus olhos ficaram tristes, mas não disse mais nada.

— Oi Nanda, esse é o Isaac meu amigo — Mari falou olhando

de mim para minha irmã tensa.

— Olá, Isaac, sinta-se à vontade.

O cara sorriu aceitando a mão dela e levando os lábios, um

grunhido se ouviu de Arion que logo estava ao nosso lado


analisando o Isaac. Realmente o amigo da Mari era um tipo

simpático.

Fiquei feliz em ter ele por ali para poder ver meu cunhado com
ciúmes.

Gratificante.

— Rebeca? — Luciano se aproximou com deboche.

— Luciano... — disse em aviso, mas ele fez cara de inocente.

— Esqueço que seu nome é Marina.


— Você só não esquece que foi feito de tolo por uma xereca, é

isso que você não perdoa — soltou Donny abraçando a Marina. —


Tudo bem? Uma cerveja?

— Aceito.

Ela soltou minha mão e foi com Donny para o outro lado da

área e Isaac acompanhou, senti o olhar do Márcio seguindo o amigo

da minha namorada. Isso, namorada, gostei do sabor disso.

— Se você fizer uma gracinha com ela, quebro todos seus

dentes — comentei encarando meu irmão que suspendeu a cerveja


em uma oferta de paz.

— Luciano, você parece um adolescente que perdeu o

primeiro amor — Arion comentou. — Patético!

Levou um drink aos lábios com calma.

— Precisa superar isso, Lu — reclamou Nanda.

— Ela quase matou nosso pai, e depois me fez de trouxa e sou

eu que sou o idiota? — resmungou. — Estou chocado que até você


Nanda está a protegendo.

— Já perguntou os motivos dela? No dia Luciano que você


aprender a ouvir vai se menos idiota — soltei me afastando para

falar com o papai.


— Depois da Drica você nunca mais trouxe mulheres para

casa. — Nanda me parou segurando meu braço. — Sinto muito se

feri você, me perdoa.

O sentimento estava ali, Nanda era protetora, minha irmã e

sabia que tudo que fez foi para proteger os que ama.

— Você passou dos limites — soltei.

— Eu sei.

— Mas é minha irmã preferida.

— Sou sua única irmã — brincou e eu abracei cheirando seu


pescoço e fazendo cócegas nela. Assim que paramos de rir olhei

para Marina que nos observava com atenção e o semblante calmo.

— Vai ficar tudo bem — eu disse mais para me convencer.

— Você a ama?

— Muito.

— Então lute.

— Estou tentando.

Nanda sorriu e Arion a abraçou por trás.

— As crianças ? — indaguei ainda olhando a Mari que também

me encarava de longe.
— Hoje é o dia dos pais se divertirem. — Arion piscou safado

para minha irmã.

— Me poupe dos detalhes — resmunguei indo direto para meu

ímã, para a mulher mais linda daquele lugar, aquela que dominava
todos os meus sentidos.

Tinha dias demais sem ter o seu corpo embaixo do meu, me

sentia ansioso.
MARINA

Ainda achava que ter ido até ali foi uma péssima ideia, mas
segundo Bento seria bom para me redimir, só que não contava com

a vontade de bater no Luciano. Um idiota rancoroso.

— Família peculiar — Isaac comentou olhando o irmão mais

novo do Júlio de lado. — Acho interessante.

— Nunca soube que poderia existir — brinquei, realmente

nunca soube o que era família unida, que se abraça, se beija, ri um


com os outros, era estranho tudo aquilo para mim.
Sempre foi Isadora e eu, meu pai nunca fez questão, e minha

mãe era egoísta demais para perceber as filhas.

— Bento tentou ser assim com minha mãe, mas falhou

miseravelmente, egocêntrico demais.

Analisei com calma seu comentário, não conhecia a mãe do

Isaac.

— Minha mãe oportunista engravidou para ter pensão para o

resto da vida.

Suspirou olhando para a garrafa de cerveja nas mãos.

— Somos dois fodidos! — disse com graça e ele acabou rindo.

— Mas você tem a mim.

— Não deixe seu namorado ouvir isso — soltou me fazendo

gargalhar. Realmente Júlio era ciumento, mas não sabia se éramos

algo como namorado. Ou se tinha como ser isso em nossas vidas

tão diferentes.

Ir ali trouxe mais noção disso para mim. Donny ouvia nossa

conversa calado.

— Todos servidos? — Júlio falou se aproximando, mas seu

olhar estava em mim o tempo todo, acho que temia que eu


enlouquecesse e saísse correndo ou batesse em alguém. Acho que
Luciano não merecia que eu estragasse a festa.

— Quero te apresentar ao meu pai — disse com as mãos nos

bolsos, e percebi algo ali, era importante para o Júlio também o que

aconteceria ali, também era grandioso e definitivo para ele.

Assenti pegando sua mão e ele parecia mais calmo depois


disso.

Fomos até seu pai que foi simpático e não comentou nada

sobre o meu nome não ser Rebeca, sua namorada era uma senhora

chique, bem-vestida, mas bem alegre e acolhedora.

— Estou feliz que esteja aqui Marina — seu pai comentou com
felicidade genuína.

— Obrigada.

A culpa me consumia, como tive coragem de fazer mal a

alguém que parecia tão gentil?

— Sei que tem problemas com meu filho que começou tudo

errado, que essa perna é culpa sua... — falou assim que Márcio

chamou o Júlio para ajudar na grelha e eu gelei. — Não conheço

seus gatilhos, mas quero que saiba que há muitos anos meu filho

não traz ninguém para casa e há muito tempo não vejo o brilho e
sorriso que ela carrega hoje — disse me olhando com sinceridade.

— Por isso seja bem-vinda, para mim a felicidade deles são tudo.

— Peço perdão!

— Perdoada, agora vai se divertir, que os velhos não são tão


interessantes assim — brincou e acabei sorrindo, uma vontade
enorme me acometeu e eu o abracei e fui recebida por seu abraço

recíproco.

Todos nos olhavam, Nanda emocionada, Arion concentrado,


Márcio sem entender nada, Luciano com expressão vazia e Júlio
orgulhoso. Seu olhar era voraz, apaixonado. E me deixei consumir

por ele.

Aquecendo minha alma, como se um peso fosse retirado e


uma mão colocasse amor por cima de toda escuridão e dor que

antes existia. Como um curativo que tocava e curava toda ferida que
ali habitava.

O churrasco estava bem divertido, todos falando, conversas e

assuntos do passado dos meninos eram revelados pelo pai que


todos riam muito, até o todo poderoso Arion estava relaxado. Quem

diria que ele tinha esse lado?

Isaac resolveu ajudar o Márcio que era o churrasqueiro do dia,


e os dois conversavam calmante e riam de algo que só eles sabiam.

Entrosados e cúmplices.

Nunca vi o Isaac tão parte de algo, relaxado, e tão ele.

Fiquei feliz por isso, tomara que role algo legal para os dois.

Eram tão lindos, que chegava a doer os olhos.

— Quero te mostrar uma coisa — Júlio falou com a mão na


minha cintura, desde que cheguei ele transbordava possessividade.
Não me importei, estava mais empolgada em ver como uma família

de verdade se comportava. — Vem. — Empurrou-me para dentro da


casa com calma e um sorriso cúmplice.

— O que é? — perguntei subindo as escadas com ele.

Nada disse, e continuou me levando por um corredor cheio de


quadros e fotos.

Abriu uma porta para cima e puxou uma escada.

— Sobe!

Subi com rapidez seguida por ele, o local bem empoeirado,


cheio de caixas e coisas empilhadas, era tipo um sótão onde se
jogava coisas velhas.

Sua mão segurou minha cintura e sua boca desceu sobre meu

pescoço.

Com saudades, desejo acumulado.

— Sua família — gemi na sua boca assim que fui invadida pela
sua língua.

Minhas mãos seguravam aquele corpo perfeito, do homem que


era como uma bússola para mim.

Temia me afogar no meu próprio desejo por ele.

— Estava ficando louco de saudades — gemeu na minha


boca.

Lembrei de algo.

— Nem sonhe fazer isso aqui, minha roupa vai me denunciar.

Ele me soltou rindo alto.

Tínhamos esquecido que estava de branco, todos iam saber o


que fizemos.

— Ok — brincou e foi até um quadro e trouxe uma mulher linda


com os olhos da cor do deles, só Nanda não tinha olhos claros, era
parecida com o pai.
— Minha mãe, ela morreu quando éramos jovens e deixou o
Márcio muito pequeno — contou.

— Muito linda.

— Verdade, ainda me lembro do seu sorriso, do cheiro de sua


comida, de como amava abraçar a gente e os beijos que trocava

com meu pai — disse saudoso olhando o retrato na minha mão.

— Ela era incrível! — falou para completar.

— Queria ter a conhecido — respondi com sinceridade.

— Com certeza ela ia te adorar. — Tocou meu nariz com


carinho e levou a foto para o local dela.

— Júlio, o que é a Organização? — Aproveitei o momento para


perguntar.

Ele analisou meu rosto com calma, sem saber se poderia

confiar e fiquei chateada por deixá-lo nessa posição.

— Na realidade, antes de Arion assumir era um grupo estilo

máfia, mercenários que matavam e dominavam por dinheiro, geriam


drogas, prostituição e tráfico humano — falou de braços cruzados.

— O avô do Arion comandava tudo isso, herdado do pai dele, mas o

pai do meu cunhado não queria o legado e fugiu para Grécia, casou
e teve ele, não sei muito sobre essa fase, só ele para contar, mas o

velho descobriu e trouxe o neto para assumir.

História punk, sinistra.

— Pelo que sei o velho foi morto e Arion assumiu, e acabou

usando a grana e redes de informações para proteger pessoas,

locais, tem muita gente metida na rede, e países, somos soldados

com a missão de proteger e fazer o que for necessário para manter


a ordem neste mundão.

— Matar também? — perguntei já sabendo a resposta.

Ele assentiu com um balançar de cabeça.

— Não somos mocinhos, às vezes para ganhar precisamos


fazer coisas estranhas e complexas.

Deixou claro e eu entendi, não existiam limites para que eles


conseguissem chegar à solução.

— Arion com sua irmã nem parece a pessoa que é?

Ele sorriu com os dentes trincando em tédio.

— Ele fez tudo por ela, abriu mão de tudo, quase foi morto,
quase perdeu a Organização para pessoas corruptas e ruins, mas

venceu por amor a ela e depois disso só vai a campo se necessário

— disse coçando a barba. — Virou um cão adestrado.


Sorri com o comentário, achava mais parecido com um lobo.

— Acho que deve ter sido difícil ele abrir mão de tudo por ela.

Analisei com calma. Minha curiosidade era grande.

— Não creio, ele não hesitou, não tremeu ou correu disso,


praticamente obrigou minha irmã a ficar com ele.

— Ela não parece querer fugir.

Pisquei e ele fechou a cara, não entendia esse ranço deles

dois. Sem querer dizer mais nada, entendi, ele falou até mais do que

imaginei que diria. Tocou meu rosto e puxou para mais perto.

— Estou louco para invadir sua boceta gostosa.

Acho que molhei a calcinha só de ouvir sua voz gostosa no


meu ouvido dizendo isso.

— Júlio.

— Estou ficando louco sem poder foder você — continuou. —

Saudades do barulho do seu orgasmo, do som que sai dessa boca

gostosa quando me chupa.

Jesus, iria gozar só ouvindo isso, estava já a ponto de enrolar

minhas pernas em sua cintura e deixar ele me invadir ali mesmo.


— Júlio, o papai está chamando — Luciano gritou no corredor,

estragando o clima.

Afastei-me com um sorriso de gato que lambeu a tigela.

— Inferno, ele fez de propósito!

— Posso chutar o saco dele de novo?

Ele sorriu e beijou minha cabeça com o pau duro me

cutucando.

— Por favor, faça isso!


JÚLIO

Tudo saiu bem no churrasco, mas a hora de nos separar


estava chegando e eu não queria isso. Nanda foi embora com o

marido, tinham algum jantar em algum lugar do planeta para ir.

Provavelmente meu cunhado vai gastar uma fortuna para

impressionar a amada. Admirava a imaginação de Arion, queria


saber fazer o mesmo pela Marina.

Mas não sabia se ela, assim como Nanda, era de se


impressionar fácil.
Luciano que manteve distância se despediu depois que

recebeu um telefonema e saiu.

Márcio parecia sentir o mesmo que eu ao olhar para o Isaac

que o tempo pudesse parar e ficássemos dentro da bolha, sem sair


para a sujeira do mundo.

— Preciso levar o Isaac em casa — Mari falou olhando o

amigo.

— Não precisa Mari, o Márcio me convidou para uma festa —

disse calmo.

Olhei meu irmão que ficou ruborizado.

— Ah, ok, tudo bem então.

Com normalidade se aproximou do meu pai e se despediu

rindo de algo que ele disse. Falou com a Hilda com carinho.

— Nunca vi a Mari assim — falou Isaac e o indaguei com o


olhar.

— Feliz, leve, solta — respondeu e concordei com ele.

Realmente ela parecia mais leve.

Saiu e fui até o carro com ela querendo uma desculpa para

que ficasse.
— Obrigada por me convidar Júlio — agradeceu com os olhos
brilhando.

Beijei seus lábios.

— Hum, podemos jantar se quiser — soltei rápido antes que

ela se fosse. Parecia um adolescente idiota perante a primeira

namorada.

Parecia indecisa, pronta para dizer não.

— Pode ser lá em casa, sei que não é seguro ficar por aí com

tudo que vai acontecer — falei. — Posso pedir pizza para gente se

quiser.

— Não precisa de rodeios para me convidar para transar —

debochou com humor.

— Não quero só sexo Mari, quero você perto de mim.

Com os olhos esbugalhados como se tivesse visto um ET ela

assentiu.

— Eu sigo você na moto.

Estava virando um tolo apaixonado igual a Arion e Davi, olha

que achei que nunca ficaria assim. Mas hoje entendia os caras,

quando se encontrava a mulher certa, nada podia nos impedir de

ficar juntos.
Pedi pizza e o silêncio do meu apartamento foi acolhedor
depois do barulho da minha família. Mari buscou uma cerveja na

geladeira e sentou no sofá ao meu lado, levantou os pés, tirei os


sapatos dela e os massageei.

Gemendo igual uma gata, mandou o som ao meio das minhas


pernas, estava doido para chupar aquele corpo inteiro.

— Sua família é muito legal — comentou de olhos fechados. —

Gostei do seu pai, ele sabe sobre o que fiz.

— Como?

Nunca falei nada para ele.

— Não sei, mas ele me perdoou.

Beijei sua perna e Mari ficou arrepiada.

Subi mais minhas mãos pelas pernas torneadas, chegando


perto do botão do seu short. Suspendeu o corpo e me deu

passagem, abri a peça e uma mini calcinha preta apareceu, meu


pau ficou mais duro com a imagem.

— Abre as pernas — pedi e ela fez, passei o short por elas e

abri sua vulva ainda com a calcinha. — Você é perfeita!


Colocando a pequena peça para o lado, coloquei o dedo

dentro dela que segurou no sofá e impactou o corpo para mais perto
de minha mão.

— Molhada!

Minha boca encheu de água e não resisti descendo a boca ao


seu centro e chupei com desespero. Saudades do caralho dessa

boceta gostosa.

Abri mais suas pernas, e arranhou minha cabeça, puxou meus


cabelos em grande loucura, desespero. Entre meu dedo e minha

língua ela gemia.

Seu grito de gozo estremeceu as paredes e levantei tirando

minha calça com rapidez e ela olhava languida e mais linda do que
nunca.

— Traz ele para mim? — pediu e eu dei o meu pau a ela, que

lambeu e chupou, cavalguei sua boca e sua língua chupava e


lambia, brincou com minhas bolas. Estava a ponto de explodir.

Segura parceiro, segura, pedi a mim mesmo, queria curtir o


momento e aquela boca perfeita, Mari realmente me tinha amarrado

pelas bolas.

— Vou gozar.
Soltei sua boca do meu pênis e a trouxe, mas ela me afastou e
me derrubou sentado no sofá e subiu em mim.

Seus olhos como duas lagoas incandescentes não saíram dos


meus enquanto me montava. Como uma amazona me montou e me

dominou.

Sua vulva se agarrou ao meu mastro me fazendo gemer louco


para gozar.

— Gostosa, caralho, boceta deliciosa dos infernos.

Ela segurou meu rosto e levantei sua bunda para dar mais
impacto à cavalgada. E cada vez que ela me engolia sentia que ia

explodir.

— Ahhhh caralho....

Tomei seus lábios com desespero de quem sentia sede no

deserto e encontrou água. E gozei enlouquecido enquanto ela me


apertava e seguia em seu segundo orgasmo.

O dia estava ensolarado, mas não no meu peito, meus

sentimentos no momento eram nebulosos.


Queria arrancá-la dali, esconder a Marina do mundo e de tudo
que virá. Uma escolta nos levou até a polícia federal, onde ela deu o
depoimento, revelando que se encontrava viva. A esposa do Carlos

fez o mesmo em seguida, mas veio com outra escolta, para não
chamar atenção.

Uma repórter já estava ciente sobretudo e aguardava para

soltar a entrevista que foi feita logo cedo com a esposa do Senador.
A mulher parecia uma loba, era a melhor segundo a Laila, já tinha

ouvido falar dela e já assisti algumas entrevista também, mas saiu


com olhos tristes depois do contato com a moça. Ela sentiu toda dor

que aquela mulher viveu naqueles anos.

Tínhamos que nos calçar para o caso de alguém ali na polícia


ser aliado do Senador e tentar algo. A entrevista antecipada foi mais

por isso, para garantir a hombridade da situação e o cumprimento

do que planejamos.

Olhei a Mari calma à frente do oficial que perguntava e ela

respondia, segurei sua mão o tempo todo e olhei feio para o homem

que não se importou. Algumas tentativas de que ela poderia estar


querendo mídia, extorquir o Senador foram sutis, mas entendidas,

me fazendo ranger os dentes, mas a Marina respondeu tudo pondo

o homem em seu lugar. O cara ficou vermelho, porém aceitou.


— Tudo bem? — perguntei assim que deixamos o local.

— Sim, não tinha outro jeito — comentou calma, porém

retorcia as mãos em sinal de nervoso.

— Uma hora dessa ele já sabe.

Com certeza ele já estava ciente, e o meu medo era nesse

momento, como reagiria e que peça no tabuleiro seria movida da


sua parte. Torcia para que perdesse as estribeiras e eu pudesse o

estripar com minhas mãos.

— Ainda tem essa repórter. — Suspirou.

Isaac nos olhou de lado e não disse nada. Fiz questão de

acompanhar a Mari junto com Bento, mas só dois poderiam entrar e


foi eu quem entrou Os dois ficaram nos aguardando do lado de fora.

— Vai ficar tudo bem. — Apertei a sua mão.

A repórter já aguardava no hotel que marcamos, não

queríamos endereços fixos por ali e foi esse o acordo de exclusiva

para a moça. Depois Marina sumiria da área por um tempo até a


poeira baixar.

A moça nos recebeu com carinho e calma, esperou a Marina


se acalmar, tomar água.
Sentada em frente a moça na poltrona parecia o retrato da

calmaria. Arion chegou junto com Nanda, não esperávamos por

eles. A repórter ficou de boca aberta quando viu o todo poderoso,


que sentou ao lado da Mari em apoio deixando claro que ela estava

sob sua proteção.

Isso falava muito sobre tudo, e era um recado para o Carlos e


todos que desejassem fazer algo a ela. Marina estava sob a

proteção da Organização e se algo acontecesse seria uma afronta e

sentença de morte.

Agradeci mentalmente e fiquei no fundo emocionado, sabia

que tudo era por mim, que minha irmã pediu isso, e como amava,

seu marido atendeu.

Fernanda se aproximou enquanto a entrevista rolava e eu não

conseguia tirar os olhos da Mari como se assim conseguisse


protegê-la.

Tudo seria levado à rede nacional em minutos.

Nanda bateu em meu ombro em apoio e agradeci beijando sua

testa.

Temia por Mari se colocar como isca, meu coração se partia a

cada relato dado por ela e mais admiração eu tinha.


Minha Marina sofreu muito.

— O faça pagar — pediu Fernanda olhando para frente.

— Ela fará ele pagar, essa vingança é mais dela que minha —
respondi e um sorriso maléfico se abriu em minha irmã.

— Que ela o faça sofrer por muitos dias.

— Disso eu posso cuidar.

— Que assim seja. — Piscou e voltou a ficar em silêncio


concentrada à entrevista.

As mãos da Mari tremeram e meu coração se afundou, ela

sofria por ter que contar tudo, relembrar tudo. Isso me deixava
imponente, me sentindo um nada por não ter estado lá para salvá-la

e só aumentava minha mágoa pela Drica.

SENADOR CARLOS

O escuro parecia diminuir as minhas dores de cabeça, até o

momento não consegui achar a desgraçada da minha esposa. Sua

mãe, aquela víbora mentirosa, se esquivou de todas minhas


aproximações e ameaças. O pai dela teve a audácia de bater o

telefone na minha cara. Ia acabar com todos eles, tirar o emprego,

recursos, tudo que eu dei, paguei por aquela cadela e paguei caro.

Tudo desmoronava, o meu prazo de defesa na Câmera se

aproximava, e meus advogados passaram a manhã comigo

organizando os termos, mas deixando claro que poderia não surtir


efeito nenhum se os abutres tivessem determinados a me tirar do

jogo.

Estava trancado em minha própria casa, se saísse teria um


monte de repórteres no meu pé.

Inferno!

— Senhor?

— Não quero falar com ninguém — falei baixo para não


aumentar a dor de cabeça.

— Acho que deveria assistir isso — disse o enxerido do


assessor entrando na sala e ligando a TV.

Devia ser algo importante para ele fazer isso. O rosto que há

muito tempo tinha esquecido se projetou na tela.

Marina?
Olhei para ele que deu de ombros e se encolheu, voltei o olhar

para TV sem acreditar que aquela maldita saiu do túmulo para me


infernizar.

— Marina como foi passar por isso? — perguntou àquela

maldita repórter, deveria ter acabado com as duas. Mulheres,


desgraça da humanidade.

Estava mais velha, de cabelo cortado bem curto, e elegante,


sem joias ou adereços. Calma muito calma.

— Isadora? — falei para mim mesmo, será que ela estava viva

também, pela primeira vez em meses me sentir vivo. A queria de


volta, precisava da Isa de volta.

— Descubra mais sobre isso...

Não terminei de falar quando ouvi a voz da Marina sair da TV.

— Ela morreu em meus braços...

Morta? Simplesmente morta.

Isadora estava morta, morta.

— Quero saber tudo sobre e quero que a traga para mim.

— Senhor, acho que isso não vai ser possível.


— Como não vai ser possível? Eu a quero com vida, mas a
quero.

Iria acabar com aquela vadia.

— Está sob a proteção do Arion Katsaros — disse e eu mirei a

tela o vendo sentado calmo ao lado da Mari. — Um recado que as


coisas não vão ficar bem.

Engoliu em seco com medo, todos temiam aquele imbecil,

nunca o deixei se aproximar, me mantive longe de seus olhos e


garras até o momento.

— Saia!

Não esperando uma segunda ordem correu para fora como um

rato medroso.

Não me interessava quem a protegia, não tinha mais nada a

perder depois de tudo isso, então ia buscar a minha vingança.

Ia matar a Marina, e dessa vez me certificaria que o último

suspiro deixasse seu peito.

Desgraçada, manipuladora, miserável!

Joguei tudo para alto dentro da sala, inclusive a televisão.


Não ia ficar assim, poderia cair, mas levaria os ossos dessa
maldita comigo.
MARINA

A sensação de entorpecimento era melhor que o terror, pavor


de lembrar-se de tudo, de reviver cada momento daquela noite e

tudo que seguiu depois dela. Mandei minha mente para longe, meus
sentimentos ocultos e vesti a máscara que usava há séculos de não

me importar, me enfiei no casulo da autopreservação novamente.

A cada palavra saída da minha boca mais me enfiava no

casulo.

Percebia o Júlio pareando ao meu redor, me observando,

analisando, sabia que ele entendia. Só ele entendia como era


doloroso estar ali com eles falando sobre meu passado e tudo que

foi tirado de mim.

Queria fugir para longe, no entanto, esperei anos para ter

minha vida de volta, poder deixar de ser um fantasma e não vou


fugir agora que estou tão perto.

Continuei fazendo tudo no automático, depoimento, entrevista,

exames de corpo de delito. E de pior de tudo foi levar todos ao


corpo da Isadora.

Ver seu túmulo violado e as manchas da sua vida aberta ao


mundo, mas que isso tudo servisse de lição a outros poderosos,

outros homens que acreditavam que mulher não merecia respeito

ou que era um mero objeto descartável.

— Vamos dar um enterro decente a ela — Júlio prometeu,

tocando meu ombro.

E eu acreditava que ele faria.

— Ele não se mexeu até agora, nada, nem um dedo. — Marco

parecia com tédio. — Isso é estranho.


— Não tem mais aliados, os repórteres estão acampados em
sua porta, nem nós podemos entrar para pegá-lo — Donny

comentou. — Não tem como manter a pose de Senador, vai cair e

ele sabe.

Ninguém ajudaria o Carlos depois do Arion deixar claro sua

posição ao meu lado. Estou há dois dias aguardando os restos

mortais de Isadora serem liberados para enterrar.

Escondida dos repórteres e aguardando o Carlos se

movimentar.

Entretanto, me encontrava ansiosa para acabar tudo, e sentia

que o Júlio também. Encerrar aquela fase e recomeçar, não sabia

de que forma, mas precisava recomeçar.

Aproveitei para treinar, Donny era um excelente treinador sob a

mira do Marco e Júlio, que detestava toda vez que meu amigo me

tocava. Sentia seus ciúmes, o cara era bem possessivo. A noite

dormia em sua cama, e transávamos iguais dois coelhos.

Laila entrava e saía com notícias e articulações, a mente dela


era brilhante, e bem afiada como um punhal.

— Pronto, consegui a brecha — falou entrando com as caixas

de cervejas na mão e uma sacola de supermercado.


— Quando? — Júlio levantou o olhar para ela, mortal e pronto

para a guerra. Ele queria, assim como eu, acabar com o Carlos
logo.

— Olá, meninos. — Rômulo passou pela porta seguindo a


Laila e todos murcharam. Bem estranho o comportamento deles. —

Donny estou ligando para você — comentou sentando no sofá preto


com calma.

— Desculpe, não vi o celular tocar — pediu olhando para

janela e perdendo o ar brincalhão.

— Tenho uma missão.

— Mas...

— Assim que terminar essa, lógico — falou com um sorriso de

deboche. — Sei que deseja ver como tudo vai se desenrolar.

— Cerveja? — perguntou Júlio sem simpatia nenhuma.

— Prefiro vinho, mas vou aceitar — comentou alheio a tensão

que causava. — Laila qual o plano?

Ela assentiu e entregou a cerveja e a sacola a Donny que


marchou para cozinha para guardar. Como se estivesse fugindo de

um cão feroz.
— Vai participar? — perguntou Júlio sentando no PUF também

negro.

— Veremos se precisam de mim. — Deu de ombros. —


Vamos, querida Laila, confio nessa mente perversa.

Ela piscou com carinho para ele e relaxou.

O Rômulo saiu e todos pareceram que tiraram um peso das

costas. Eu gostava dele, parecia ser uma pessoa leal, e muito


inteligente. Um senhor bem simpático. Olhei por onde ele passou e

virei para os outros.

— Por que vocês o temem? — indaguei com minha

curiosidade.

— Temos respeito por ele — Laila explicou, mas eu achei que


era mais medo.

— Esse senhor tem uma mente perversa, você não ia querer


ser inimiga dele — Donny comentou. — Uma vez ele quase me

afogou no tanque de ácido por ter errado numa ação.

Parecia apavorado ao lembrar daquilo.


— Dois dias amarrado na porra daquele guindaste esperando,
esperando, só olhando a piscina abaixo cheia de ácido. — Todos
estremeceram com seu relato. — Foi um dos piores dias da minha

vida, e o louco ria como se estivesse tomando sol no Havaí.

— Ele é uma cobra bem rasteira, uma aranha que tece a teia e
logo você cai sem perceber — Marco completou. — Já vi
arrancando o coração de um cara sorrindo.

Meu Deus, não conseguia crer que aquele senhor fosse capaz

disto.

— Se você for sua caça pode ter certeza de que vai ser pega,
ele nunca erra o alvo — completou Donny pensativo.

— Rômulo sempre foi ótimo comigo. — Laila deu de ombros.

— Você é a queridinha do chefe! — debochou Marco e


recebeu o dedo do meio de volta.

— Todos sabiam o que aguardavam ao entrarem. A iniciação


não é fácil — Júlio falou pela primeira vez. — Então não tem por que

ficar reclamando. — Levantou e me deu a mão. — Vamos assistir a


um filme?

Sério que ele queria assistir ao filme? Depois de tudo que

arquitetamos não imaginava conseguir relaxar à frente da TV.


— Qual vai ser? — Donny perguntou e Laila revirou os olhos e
chutou sua canela. — O que foi?

— Fora todos vocês!

Marco não reclamou seguindo Laila para a porta.

— Marco apronte os detalhes — pediu Júlio com autoridade e


recebeu assentimento do outro. — Amanhã sairemos cedo, Laila

obrigada.

Ela piscou e saiu junto com o colega.

— Donny se toca e cai fora?

Bufando o meu amigo pegou o casaco e foi embora.

— O que vai ser? — perguntou virando para mim depois que

todos saíram. — Filme e sexo? Ou sexo e filme?

Seu corpo dizia que ele precisava daquela normalidade antes


de tudo acontecer.

— Banho, sexo e filme — disse me soltando e correndo para o


quarto, ele me pegou no caminho e jogou nas costas.

Bateu na minha bunda brincando.

— Sexo, banho, e filme, se for boazinha, sexo de novo.


Gargalhei e entrei com ele no quarto que me colocou no chão

e lambeu minha boca de leve focando nos meus olhos.

— Vou estar lá dessa vez.

— Eu sei!

E devorei sua boca em seguida arrancando nossas roupas

com pressa.
CARLOS

Odiava essa parte de fingir ser simpático com correligionários,


fazer defesa como se fosse qualquer um na frente de abutres piores

do que eu.

Desgraçados! Todos iam pagar.

Não tinha para onde correr, o Impeachment era certeza, eles


me abandonaram aos lobos.

Olhei a documentação que foi enviada como o pedido de

divórcio da minha esposa, aquela vadia se atreveu a querer ditar

regras. Depois de me acusar publicamente de abuso, violência.


Uma hora nós dois íamos nos encontrar e ia acabar com essa

confiança toda que ela adquiriu.

Queria ver a vida esvaindo do seu corpo.

Ainda tinha o segurança que alegava que me ajudou a


esconder o corpo da Elisa no barco depois dela ser empurrada por

mim da escada.

Todas mereciam, eram uma escória imunda.

Ainda tinha os malditos repórteres me aguardando do lado de

fora daquele inferno.

— Senador.

Arion passou por mim e falou como se tivesse direito a isso,

depois de tudo, ainda vinha me afrontar em Brasília.

Não respondi e segui pelos corredores como se nunca tivesse

ouvido sua voz ou presença, o que era dele também estava


guardado.

Entrei no carro e pedi ao motorista sem levantar o rosto ou

focar nele.

— Passe pelos repórteres com discrição, troquei de carro para

isso, meu assessor vai ficar aqui para disfarçar minha saída. — Dei
a ordem a afundei no banco para que ninguém percebesse minha
presença no carro.

O esquema foi montado para evitar aglomeração e perguntas

indesejadas daqueles sanguessugas da imprensa.

Respirei assim que saí de lá ganhando as ruas de Brasília.

— Aeroporto?

— Creio que já tenha o roteiro, achamos uma rota para meu

jatinho decolar sem chamar atenção. — Estranhei a pergunta o

assessor disse que estava tudo traçado e todos eram de confiança.

— Sabe o que fazer? — indaguei.

— Sim, senhor.

E fomos até uma pista clandestina pelo jeito, sairia de Brasília

e voltaria para casa sem ninguém perceber e manteria silêncio até

toda situação esfriar.

Precisava me apresentar para falar sobre as acusações que


pesavam sobre mim, ainda sem data definida. Dor de cabeça, tudo

isso era uma tremenda dor de cabeça. Deixaria todos acharem que

estava derrotado, depois acabaria com todos e deixaria esse inferno

de país.
O carro parou, não esperei o motorista abrir a porta, desci e fui

ao encontro do jatinho que já aguardava.

Duas aeromoças me receberam, mas não observei direito,

mulheres só traziam dores de cabeça. Entrei e sentei na poltrona


respirando fundo.

— Quero partir imediatamente — exigi para elas que não se

mexeram. — Estão me ouvindo?

— Calma, Senador.

Olhei para o lado e estremeci, era uma armadilha.

O policial que foi amante da Isadora se encontrava sentado

sorrindo com uma arma na mão.

— O que é isso? Sequestro? — indaguei com raiva.

— Digamos que será um acerto de contas.

Seus dentes brancos me deram arrepios.

— Vocês estão loucos, não vão sair ilesos por isso.

O jatinho começou a se mover, precisava sair, precisava de

uma saída rápido, pensei assustado e levantei.

— Acho melhor você sentar — brincou ele do lado com calma.


— Minha amiga ali não é sua fã, odeia homens que bate em

mulher, mata. — Apontou para a aeromoça que as tatuagens


apareciam por baixo da manga da blusa.

Cabelo curto e cara de brava.

— Vão pagar caro...

— Cala a boca!

E ela veio em minha direção e socou meu rosto e não me


lembrei de mais nada.

Acordei atordoado e com os braços presos. Parecia zonzo,


tentei me soltar, mas estava preso a uma cadeira em um local que

não era estranho.

O depósito que achei que tinha matado a Isadora e sua irmã.


Droga.

Meus olhos entraram em alerta e aterrorizados observei a


Marina se aproximar. Vestida de calça de couro, camiseta branca e

um chicote na mão. Meu corpo convulsionou de tanto medo, terror,


pavor.

— Olá, Carlos, quanto tempo, hein?

Riu e eu tentei gritar, mas minha boca estava com um durex e


só saiu gemidos, me encolhi quando ela se aproximou e arrancou o
tampão da minha boca.

— Grita, pode gritar, quero ouvir o som do seu medo.

E gargalhou e eu fiz o que ela pediu, porque era o que me

restava, eu gritei por socorro e pedi clemência mesmo sabendo que


não teria nenhuma.
JÚLIO

A vontade era estraçalhar o Senador, acabar com ele, mas


entendia que esse direito cabia a Marina, por ela, pela irmã e por

todas as mulheres que esse doente destruiu o espírito.

Foi tudo tão fácil, ele mesmo forneceu e facilitou a situação

para nós quando arquitetou o esquema para não encontrar os


repórteres. Daí foi tranquilo para trocar os seguranças, o motorista e

ainda pegá-lo sozinho.

Plantamos o Arion em Brasília onde pudesse ser visto e não

levantar suspeitas que tivesse algo por trás do sumiço do Senador.

Marco assumiu como motorista novo e inexperiente. E o jatinho já


nos aguardava, uma hora dessas a imprensa nem sonhava que o

Carlos não se encontrava mais na cidade.

Marina passou o tempo ansiosa, aguardando em silêncio, e

olhar para ela nessa calça de couro tirou minha concentração. A


vontade de fodê-la veio, porque a porra da mulher estava muito

gostosa naquela roupa.

Contudo, precisava me concentrar, um passo em falso tudo


poderia cair por terra, sabia que a teia do Rômulo já aguardava para

enterrar o caso e plantar a ideia de que tudo não passou de um

suicídio de um homem atormentando por seus fantasmas e


maldade, que não aguentou a pressão de saber que todos

descobriram o quanto era terrível.

— Você fica muito gostosa nessa calça e com esse chicote —

brinquei me aproximando, mas não mentia, ela estava deliciosa e

aterrorizante. Beijei seus lábios para descontrair. Pois, na realidade,

sabia que Mari estava tensa, pensou nisso a vida toda e agora o

grande momento havia chegado, não queria que sua mente se


perdesse, não era fácil fazer algo assim, dilacerar alguém do

cérebro ao corpo. Você poderia se perder no processo e não queria

que ela sentisse isso no fim.


Marina recebeu meu beijo com um sorriso de obrigada e o
Senador nos olhou com nojo e asco.

— Vocês dois juntos? Gosta dos restos de sua irmã? Sempre

desejou tudo que era da Isadora.

Teve a desfaçatez de dizer.

E foi socado até o nariz sangrar por ela.

Ela era uau!

Sem pestanejar bateu nele e sorriu de volta para mim me

beijando de novo.

— Ele que estraga o momento — disse.

— Carlos sempre foi recalcado! — Gargalhamos com nossa

piada.

Grunhindo de medo e raiva o idiota percebeu que não iria nos

desestabilizar.

Puxei uma cadeira e sentei.

— Isso não vai ficar assim, quanto vocês querem? Diz o preço.

Balancei a cabeça chocado com a carteirada do cara.

— Você continua o mesmo, achando que dinheiro compra

tudo, que pessoas são objetos — soltei cruzando as pernas


calmamente. — Tudo isso para quê? Compensar o seu pau mole?

Os olhos do Senador ficaram ferozes.

— Você matou sua mãe, matou sua primeira mulher, matou a

Isadora segunda mulher e ainda queria levar a irmã dela junto. —


Dei de ombros. — Digamos que seu problema seja com vaginas? E
pelo jeito de modo geral.

Mari tossiu para esconder a risada.

— QUANTO VOCÊ QUER, DIGA SEU PREÇO? — vociferou

suando de nervoso.

— Não queremos seu dinheiro, vai morrer com ele, e não pode

fazer nada — Mari falou. — Eu disse que ia matar você, Carlos.

Com uma rapidez bateu o martelo no dedo dele.

O grito verberou por todo local.

— Não vou machucar seu rosto, nada de machucar seu

rostinho lindo.

— NÃO, EU PAGO, O QUE FOR EU PAGO. — Chorou


nervoso.

Mari foi até a mesa e trouxe um pedaço de madeira.


— Soube que você curte uns sadismos, colocar objetos em

mulheres. — Passou a unha na madeira e os olhos dele


arregalaram. — O deixe nu para mim.

E assim foi feito.

Ela bateu, quebrou seus dedos, torturou por horas no tanque


de água fria, e isso tudo na frente da esposa que chegou horas

depois, seus olhos eram vítreos e não mexeu um músculo.

A cada grito dele e pedido de socorro ela fechava os olhos


como se absorvesse. Marina não sabia, mas não estava salvando

só a si naquele momento, ela salvava aquela mulher que viveu


torturas semelhantes com ele. Ela dava justiça, e um prazer de ver
seu algoz pagar.

A justiça brasileira não faria isso, soltaria o Carlos e iria passar

a vida bem, pois tinha dinheiro e poder para isso. Mulheres eram
mortas, humilhadas e massacradas todos os dias e a justiça

continuava vendados, calados. Nem todas tinham a chance que


Marina teve de voltar e acabar com seu pior pesadelo.

Carlos cuspiu sangue e gemeu seu corpo já estava por um fio.

— Cara, eu sou pirado nessa mulher — Donny gemeu


orgástico do meu lado.
— Espero que não seja sobre a Marina que esteja falando. —
Não gostava desse olhar de admiração para minha mulher.

— Larga de ciúmes, sou fã dela, de sua concentração, vê


como ela faz, igual o Arion, fria, sem emoção, tem um trabalho e

não desvia dele. — Apontou quando o grito do Carlos voltou com


tudo por ter suas bolas amarradas e esticadas. — Ela daria uma
guerreira e tanto na Organização.

Olhei para ele em choque.

— Não quero essa ideia plantada na cabeça dela.

Ele colocou os braços para cima.

— Você acha que depois de tudo, Marina vai conseguir viver


normalmente, sair por aí como uma mulher normal? Nós sabemos

que não é possível, ela foi quebrada para o mundo. — Sabia o que
ele dizia, Marina não conseguiria se encaixar depois que sua

vingança acabasse, seria complicado para ela. — Melhor que seja a


Organização a tê-la a outro conseguir isso, ela sentiu o gosto da
coisa e com certeza vai querer mais.

O grito do Carlos ficou fraco, ele não tinha mais força. Mas

minha mente não estava mais nele e sim nas palavras do Donny.
— Pelo que sei do Rômulo, isso já deve estar em pauta, ela é
uma guerreira treinada, uma máquina de matar, assim como Laila,
com certeza ele não vai a deixar soltar por aí — explicou ainda

olhando a Marina torturar o Carlos. — Melhor que você a proteja, e


seja você a recrutá-la, porque a Organização se ela recusar, não vai

deixar alguém como a Marina solta por aí.

Deu de ombro, e foi para perto dela como um bom amigo


ofereceu água, a mesma aceitou.

Droga, droga, como não pensei nisso antes? Estava tão

metido com toda situação que não pensei como seriam as coisas

depois que tudo acabasse.

Inferno precisava me adiantar, precisava achar uma saída e

protegê-la.

Nada vinha de graça da Organização, devia ter tido isso em

mente. Essa ajuda a Marina ia ter um preço. Precisava mexer as

peças do tabuleiro para que nada de ruim acontecesse a ela.

Respirei fundo e voltei meu olhar para aquela mulher que

revirou meu mundo, suja de sangue, cabelo grudado pelo suor,

vermelha pela ação e nenhum remorso em seus olhos, só


determinação. Uma máquina treinada para matar.
Donny tinha razão, precisava resolver isso e logo.
MARINA

O corpo zunia com energia da vingança, trabalhei nele e via a


Isa quebrada como uma boneca, como se fosse um nada. Uma

ninguém, um ser inanimado.

Meu corpo invadido por aqueles porcos, os risos, suas mãos

sebosas, oleosa, me tocando, me tomando, acabando comigo.

Tudo que tinha, esse louco tirou de mim, minha irmã, minha

alma, tudo que eu acreditava foi retirado de mim.

Tudo que era mais caro me foi roubado por esse canalha.
O rancor, a raiva alimentava cada golpe que dava nele. O

queria agonizando.

Perdi a noção do espaço ao meu redor até Júlio pôr a mão na

minha parando o golpe da marreta que esfarelaria as pernas dele.

— Ele não vai suportar — disse e eu olhei para o homem já

quase morto aos meus pés.

Tentei soltar a mão para dar o golpe, porque era isso que meu

instinto pedia.

— Não! — Júlio falou como uma ordem. — Não foi esse o


combinado — completou sério.

Eu sei, eu sei, queria gritar, mas precisava ver os olhos dele


sem vida, saber que foi eu quem o matou. Queria tirar sua vida,

queria acabar com ele.

Miserável, era igual a ele, meu coração dizia para mim, mas

minha cabeça pedia sangue.

Soltei a marreta e saí pisando duro com raiva de mim, dele e

de todos. Precisávamos simular um suicídio, com ele todo quebrado

poderia levantar suspeita, mesmo que o legista atestasse que foi

suicídio, e os médicos também. Não dava para saber quem

desejava atrapalhar, sabia que a Organização tinha tudo preparado.


Mas o sentimento que tinha que ser eu a acabar com tudo me
movimentava. E a escuridão me tomava como um cobertor.

Sangue, vingança, ódio, rancor, morte, tudo isso me engolia e

um mantra que oprimia meu coração e minha mente.

Saí do local e encostei do lado de fora tomando fôlego e

tentando dissipar todos os sentimentos.

— Toma!

Um vaso de água apareceu à minha frente e recebi deixando a

água molhar minha garganta quando levei aos lábios. Laila ficou em

silêncio ao meu lado.

Uma van cinza parou na frente do local e dois homens que

nunca tinha visto antes saíram de lá sem dizer nada e entraram no

local.

— Eles vão levar o cara para deixar tudo organizado, são

conhecidos como limpadores — explicou Laila mesmo sem que eu

perguntasse. — São eles que vão criar o cenário para que o mundo
acredite que o Senador tirou a própria vida.

— Ninguém vai questionar? — indaguei, ela entendeu, pois o

deixei bem quebrado.


— Acredite, as pessoas não se importam, só vão ver o que

desejam ver — Deu de ombros pensativa. — Já fizemos isso antes


e nunca ninguém questionou e confesso que não olho para trás

perguntando sobre isso.

— Dorme a noite?

— Nunca perdi uma noite de sono por nenhum, eles são a

escória, ninguém vai puni-los, são poderosos, ricos, sem escrúpulos


e se ninguém faz nada, outras mulheres iam morrer, iria virar um

ciclo de necessidade para ele — disse com sinceridade me fazendo


arrepiar. — Se você não faz justiça, com certeza a justiça que devia
te proteger não fará, ela foi corrompida desde que foi criada. Não

somos anjos Marina, somos guerreiros forjados para fazer o que for
necessário para manter a ordem e proteger quem não pode fazer

isso.

Ela parecia tão certa de tudo isso.

— Como entrou? — queria saber, a curiosidade me consumia.

— Uma longa história, foi o Rômulo que me achou, eu não

tinha mais nada para me agarrar, sozinha no mundo, vivendo por


mim mesma, ele me deu uma casa, um teto, uma família. — Os

meninos eram a família dela. — Ele me deu pelo que lutar, por isso
durmo todas as noites sabendo que homens como Carlos merecem

a morte.

— Queria matá-lo — confessei.

— Também.

Rimos uma para outra e ela levantou a mão em forma de soco

e eu soquei com minha como cumprimento. No fundo, Laila me


entendia e sabia como era ser mulher numa terra sem proteção ou

respeito por nós.

— Tudo bem? — Júlio perguntou se aproximando, não parecia


mais com raiva de mim. Seu semblante era questionador me
encarando e depois a Laila.

— Papo de meninas — Laila comentou e se afastou.

— Laila, vá com eles e já sabe o que fazer. — Deu a ordem e

ela assentiu em entendimento. — Tudo bem, amor?

Respirei fundo.

— Desculpa, perdi o trilho — falei olhando para o vaso de água

em minha mão.

— Tudo bem, tudo bem.

Abraçou-me e eu permiti, pois precisava daquilo no momento.


— Vou precisar ir junto, tenho os detalhes para acertar, a
esposa dele está nervosa e preciso deixar tudo acertado, para que
ela diga o que tem que ser dito — comentou e eu entendi. — Vai

ficar bem com Donny e Marco?

— Não sou uma donzela indefesa — brinquei para quebrar a


tensão.

— Você é tudo, menos indefesa, todos os meninos estão de


boca aberta e meio apaixonados por você — falou por entre os

dentes. — Acho que vou ter que matar um deles para servir de
exemplo.

Gargalhei e ele beijou minha boca.

— Te amo, Marina, você é muito especial.

— Mesmo com uma marreta e suja de sangue?

— Mesmo assim.

O beijei e aprofundei minha língua para dentro da sua boca e


ele se agarrou a mim excitado.

— Quero foder você agora — falou chupando minha língua e


apertando minha bunda sobre seu pau duro.

— Também quero.
— Inferno, aqui não tem como.

Esfregou em mim com desejo e eu já estava pronta para ele.

— Caralho, gostosa, meu Deus, que vontade de afundar nessa

boceta.

Puxou meu corpo para trás do galpão longe dos olhos de


quem saísse pela porta e abriu o meu zíper, precipitando suas mãos

para dentro da minha calcinha. Gemeu assim que percebeu que


estava molhada, seus dedos abriram minhas dobras, mas eu queria

seu pau.

Afastei abrindo seu zíper, nós dois cheirávamos a sangue, suor


e medo. E seu pau caiu na minha mão e sua boca soprava

obscenidades em meu ouvido, enganchei em sua cintura e fui

segurada por suas mãos fortes e encostada na parede, ele se enfiou


em mim com gula e poder.

Batia louco de tesão e eu o recebia com gemidos.

Foi rápido, louco e perfeito, assim como nós dois éramos

juntos.

Gemi em sua boca quando gozei apertei seu pau com minhas

paredes vaginais e ele cedeu grunhindo meu nome e gozando.


— Perfeito, isso, perfeito — falei assim que meus pés tocaram

o chão.

— AGORA QUE LIBERARAM A ENERGIA, PODEM VOLTAR

AO TRABALHO PRECISAMOS DE VOCÊS AQUI — Marco gritou


de algum lugar e eu quase desmaiei de vergonha.

— FILHO DA PUTA! — Júlio gritou e uma risada de deboche

veio do outro lado do galpão.— Não vimos nada, mas os gemidos,


ui — completou Marco.

— Vou matar vocês!

Mais gargalhadas vieram de diversos lados.

— Desgraçados! — Júlio falou com um sorriso na voz e


ruborizei sem saber como ia olhar para todos, já que sabiam o que

estávamos fazendo.
JÚLIO

A noite foi de muita correria para ficar tudo como deveria ser, a
Mari teve pesadelos e soube pelo Donny que velou seu sono

naquela noite como segurança dela na casa do Bento.

Isaac também dormiu na casa o que deixou o pai dele feliz,

todos estavam cuidadosos com Marina, mesmo eles sem saber o


que tínhamos feito, na realidade, a tensão estava no ar.

Não acreditava que Mari desejasse que Bento soubesse com


detalhes ou a visse da forma que os meninos e eu a vimos com

Carlos. Mas no fundo o homem sabia que tinha algo no ar e o Isaac,

bem esse nem sabia como ele ficava sabendo das coisas.
Assim que pedi o relatório ao Donny e ele relatou que ela teve

pesadelos e acordou gritando fiquei preocupado, porém ele disse


que ficou com ela e Isaac também, os três passaram a noite

jogando cartas e tomando cerveja.

Bem a cara dele, por isso o mandei, sabia que ele teria

sensibilidade com a situação. Por algum tempo ainda iria doer na

Marina tudo que fez com Carlos, porque por mais que ele tenha
merecido, ela era humana.

Sobre o comando do Arion assistimos a reportagem no outro

dia, estava impedido de me aproximar da Marina até resolver a


situação por completo, e ela de sair de casa ou falar com repórteres.

Isso era o pior, tinha saudades, tinha vontade de ficar próximo


a ela, beijar, abraçar e dizer que ficaria tudo bem. De ser eu a

pessoa que a consolaria.

Respirei fundo e olhei para a TV ligada.

— Vai demorar? — Marco resmungou.

— Babaca! — Laila rebateu.

E ele sorriu para ela com deboche e recebeu o dedo do meio

em resposta.

O jornal voltou ao ar e todos se calaram.


“Foi encontrado hoje dentro de um lago o carro com o corpo do
Senador Carlos Campos que estava sobre processo de

Impeachment, além de vários processos por assassinatos e

lavagem de dinheiro.”

Disse a âncora do telejornal e passou para a repórter

responsável pela situação que estava na frente da casa do Senador.

“O corpo foi encontrado há uma hora por um senhor que faz

corridas matinais todos os dias por aqui, ele não quis gravar

entrevista, não temos detalhes como aconteceu, mas segundo

algumas pessoas pode ter sido suicídio, mas não foi ainda

confirmado pelos órgãos legais que estão investigando, a viúva do

Senador foi a primeira a chegar à casa quando soube do ocorrido e


depois saiu para reconhecer o corpo, parecia muito abalada, não

podemos esquecer que ela acusa o marido de violência e cárcere

privado. E o Senador estava passando por vários processos. Logo

mais traremos mais detalhes.”

Respirei fundo, sempre passamos por isso em ações como

essa e para nós era comum plantar provas, usar dados e pessoas
para encobrir a verdade, tudo impessoal, mas desta vez era pessoal

e tinha alguém que eu amava envolvida, por isso estava

acompanhando de perto o desenrolar.


Sei que tínhamos uma equipe preparada e teias tecidas e

sólidas, mas, mesmo assim, temia que algo pudesse acontecer a


Mari. Sabia que não ia, mas meu coração apaixonado era protetor

demais.

— Bem tudo resolvido por aqui. — Rômulo levantou e olhou

para o Donny. — Na minha sala.

E saiu.

— Inferno, logo agora que estou querendo uns dias de folga —


resmungou e foi atrás do Rômulo.

— E você? Voltará? — perguntou Marco me encarando.

— Até o momento estou fora segundo eles.

Dei de ombros sem saber o que fazer depois de tudo.

— Eu e Laila vamos para Cabul semana que vem — disse


olhando a moça de lado. — Entrar e sair sem ser visto.

— Vocês são bons nisso.

Laila sorriu convencida.

— Pena que não vai conosco. — Ela bateu no meu ombro. —


Mas Marina precisa de você aqui.
— Ah Laila, obrigado pelo apoio que você deu a ela —

agradeci.

— Mulheres ajudam mulheres — explicou olhando as unhas.


— Menos mulheres cuzonas!

Acabei rindo dela e Marco ficou em silêncio a olhando de lado.

— Bem meninos, irei descansar um pouco, a noite foi tensa e o


lago estava gelado — explicou tremendo e saiu andando.

— Por que não conta que gosta dela? — perguntei olhando

para o Marco que continuava olhando para ela de lado.

— É complicado. — Deu de ombros e levantou. — Muito

complicado.

— Sua mãe não ia gostar da nora? — debochei para chateá-lo.

— Mais ou menos isso.

Riu e saiu pelo mesmo lugar que a Laila, mas resolveu e

voltou.

— Quando vai ser o enterro da Isadora?

— Tenho que saber da Mari, já foi liberado os restos mortais e


seria bom se fosse logo, assim ficava bem mais nítido o monstro
que era o Carlos corroborando para nossa versão de suicídio.
Ele balançou a cabeça em afirmação.

— Me avise, quero estar lá.

Confirmei e Marco saiu me deixando sozinho com meus

pensamentos.

“Saudades”

Mandei para Mari e recebi um coração de volta.

Sorri para o pequeno desenho e encostei a cabeça da cadeira,

o que faria agora?

DOIS DIAS DEPOIS

Com um cerimônia simples, só com os íntimos os restos


mortais da Isadora foi devidamente enterrado.

Só com os íntimos.

Aqueles que no fundo se importavam.

Sem mídia, sem alvoroço, e muita emoção poderia ser sentido.

Marina, vestida de branco, e óculos escuros, chegou ao local com


Bento e Isaac, ainda não tinha me encontrado com ela
pessoalmente.

Parecia que estava forte, decidida, uma guerreira, mas sabia


que sofria, eu sentia sua dor em mim.

Olhei para o local e foquei na Isa, era linda, fez tantos por

doentes, por pessoas e foi esquecida, retirada a força dessa vida,


quantas mulheres encontrei ao longo dessa vida que morreu pelas

mãos dos parceiros, que sofriam caladas em sua dor.

“Perdão, Isadora, por não estar lá, por ter no fundo feito isso

com você, se não tivesse ficado obcecado...”

Laila também estava, Marco também e minha irmã chegou

logo depois com Rômulo.

Donny não veio já tinha saído numa missão misteriosa.

Mas sabia que gostaria de estar ali conosco, com ela, para ela,

sua amiga. Aproximei-me da Marina e segurei sua mão e ela


apertou me dizendo com um gesto que também estava comigo.

Poucas palavras do clérigo e o caixão desceu, um soluço baixo


veio da mulher que eu amava.

— Amo você irmã, desculpa por não conseguir te salvar.


Com essas palavras soltou uma rosa sobre o caixão, virei seu

corpo para mim e abracei.

— Acabou você conseguiu — Falei baixo para só nós dois

ouvirmos. — Queria poder salvá-la.

— Eu também!

Isaac se aproximou com os olhos calmos e olhou para a rosa


que Mari soltou.

— Ela se foi, ela está tranquila agora.

Arrepiei-me com suas palavras.

— Sua missão foi cumprida — terminou de falar, beijou a testa


da Marina e foi embora de cabeça baixa.

Ficamos até tudo terminar e dessa vez levei a Marina comigo,


fiquei tempo demais longe dela.
MARINA

Deixei o Júlio dormindo, acreditava que ele ia querer dormir


por dias, essas semanas foram intensas demais para todos nós.

Mas ele organizou e geriu o processo, cuidou para que tudo ficasse
bem.

A mídia já anunciou o suicídio do Senador, segundo eles o


cara jogou o carro no lago para fugir que todos os problemas. Será

lembrado por ser bandido e covarde.

A sua viúva ficou rica, herdou todos os bens do homem, nada

mais justo depois de tudo que viveu. Mas não acreditava que as

cicatrizes sumiriam com facilidade. Nunca sumiam, as minhas ainda


estavam comigo, menos evidente, mas comigo. Ainda tinha

pesadelos com o Carlos rindo ou gritando, ainda sentia o cheiro do


seu sangue em mim.

Mas via que não tinha outro caminho a ser trilhado, e agora
precisava saber o que ia fazer com minha vida. Não fazia a mínima

ideia por sinal.

Cheguei ao prédio como combinado, o local cheirava a poder e


dinheiro, vidros escuros, atendente sorridente, e já estavam me

aguardando como imaginei.

Segui para sua sala que ficava no último andar, o patrão

sempre ficava acima, na ponta da hierarquia, pensei.

Não contei a Júlio que fui convidada para uma reunião como
ninguém menos que Arion.

— Olá, Marina.

Ele me recebeu na porta do elevador com seu sorriso frio,


daqueles que comeu um rato no almoço, mas antes brincou com

eles por entre suas patas.

— Por aqui. — Me guiou e eu continuei em silêncio.

Sabia que voltaria para cobrar o favor, entendia que vendi a

alma ao demônio quando negociei com ele.


— Gostou do local? — perguntou caminhando com calma ao
meu lado.

— Sim, bem elegante — respondi por educação.

Contudo, achei o local realmente elegante e muito bonito.

— Desenvolvemos tecnologia de ponta aqui, temos os


melhores programadores trabalhando conosco — explicou me

deixando pensativa. — Facilita muito, vendemos essa tecnologia

para quem pagar mais caro.

— Hum, armas?

— Também. — Deu de ombros. — Digamos que somos


ecléticos.

Nunca imaginei.

— Lógico que tudo é sigiloso, nada que o Governo Brasileiro

tenha a temer, tudo é feito em comum acordo com eles e

completamente sigiloso. — Entramos em uma sala onde Rômulo


estava sentado, o fiel escudeiro. — Não coma meus chocolates —

reclamou Arion e o outro só riu jogando mais um na boca. — São

noruegueses, ganhei de presente de um amigo — resmungou

chateado e Rômulo não ligou.

— Como vai Marina? — perguntou com calma.


— Tudo bem, mas por que me chamaram aqui?

— Direta como sempre — brincou Rômulo e eu sentei na

poltrona à sua frente e o Arion foi até a janela.

A sala era simples, com apenas cadeiras e almofadas ao


canto, como se fosse um local para conversar, bater papo, pensar.
Gostei da sala.

— O que pretende fazer da vida agora menina? — perguntou

sem se virar para mim.

— Tocar minha empresa, sair do país, viajar o mundo, é muitas


possibilidades... — E não pensei em nada ainda, tudo era cinza na
minha mente.

Parecia um futuro insípido, sem graça, morno.

— Entendo — Rômulo disse sem estar convencido percebia a

dó em sua voz.

— Pesquisei sua empresa, é sólida, interessante — falou Arion

me fazendo retesar. — Tem uma dívida conosco Marina.

Preferi fazer silêncio, porque realmente fiz uma dívida com


eles e sabia que ia ser cobrado.

— Queremos um favor, vai ser vantajoso para nós dois.


Sorriu ao se virar para mim e eu me encolhi, lembrei-me do

rato, e nesse momento com certeza eu era um, e o Arion brincava


comigo entre suas patas.

— Dei minha palavra a você — resmunguei tentando parecer

forte. — Cumprirei.

— Você é uma mulher incrível. — Rômulo me olhou

encantado.

— Obrigada.

— Bem, vamos ao novo acordo.

Arion como um felino caminhou até mim e sentou na poltrona

perto do Rômulo.

— Gosto da forma que você mantém meu cunhado na coleira


— brincou. — Nada me dá mais prazer do que ver o Júlio de

joelhos.

Não sorri, não achei graça, não entendia essa fixação dele em

ferrar o Júlio, ou se só era uma birra entre os dois. Mas não ia


perguntar, acreditava que não fosse da minha conta.

— Bem menina, vamos aos detalhes.

Aguardei ele terminar, e fazer o que tinha que ser feito, era
uma mulher de palavra.
JÚLIO

Senti falta dela na cama, sabia para onde tinha ido.

Levantei, tomei café e olhei o relógio, uma hora dessas estava


feito, não tinha remorso pela decisão que tomei, por ela faria tudo de

novo.

O interfone tocou e atendi, há dias que não pensava na Drica,


pensei ao abrir a porta e ela passar com seu perfume lavanda e

cabelos curtos. Um dia amei a Drica, e agora tentava encontrar


aquela garota de um dia e não via mais nada ali.

— Estou de saída — deixei claro.


— Vai ser rápido — disse olhando para os lados. — Sua

amiga?

— Minha mulher saiu, o que deseja, Drica?

Ela recuou com minha dureza, não tinha nada a temer sobre
mim e sobre a Marina, Drica não tinha direito nenhum de cobrar

coisa alguma de mim.

— Então é oficial? Ou está enganando a moça por ela ser

parecida com irmã? — Uma víbora era o que essa mulher era. —

Vim falar sobre a minha viagem.

— Vai mesmo sair do país?

— Sim, preciso reerguer meu casamento depois de tudo —


continuou —, a Michele vai comigo, mas prometo que nas férias ela

vem ou você pode buscá-la, não pretendo de forma nenhuma

separar você dela Júlio.

— E se fosse você não tentaria. — Cruzei os braços e ela ficou


vermelha. — Eu amo a Michele como se fosse do meu sangue, e

não deixaria poeira em sua vida se tentar me separar dela.

— Nunca faria isso, sou grata por tudo que fez por mim e por

ela, pela sua família que ama minha filha. — Parecia indignada com
minha ameaça. — Entendo que seu trabalho é perigoso, nossa filha
ficará melhor comigo.

Nisso concordava com ela, a menina já foi usada uma vez para

me atingir, não queria que acontecesse de novo.

— Espero que esteja mesmo pensando no bem-estar da

Michele e não em se vingar de mim de novo. — Estava sendo duro


com a Drica, na verdade, eu não a suportava. — Tenho como achar

você, e seu marido ficará sabendo como você mentiu para se vingar

de mim, como enganou, e era amante de um traficante.

— Foi um erro, estava com raiva, queria que você sofresse...

— EU MATEI A PORRA DE UM HOMEM INOCENTE POR


SUA CULPA, CARALHO! — gritei e ela estremeceu. — NADA TE

DAVA ESSE DIREITO, VOCÊ ME QUERIA NA CADEIA, SUA FILHA

DA PUTA!

— Foi um lapso, você me traiu e eu...

— Cacete, eu não traía você, só não te amava mais.

Ela fez gesto de quem iria chorar.

— Quero saber tudo sobre seu novo endereço e quero me

despedir como se deve da minha filha. — Fui até a porta, abri e

esperei ela passar.


— Perdão, Júlio.

— Nunca!

Seu soluço alto não me comoveu, bati a porta em sua cara.

O carro parou e entrei nele, o motorista arrancou e eu suspirei

entediado olhando o cara do meu lado.

— Você está cheirando a chocolate — comentei.

— Norueguês delicioso — Rômulo contou rindo. — Preferia ela


na ação com vocês.

Tinha certeza disso, Marina era uma máquina treinada e


mortal.

— Ela precisa se sentir útil para a humanidade, não ser

assassina bem paga.

— Diminuindo seu trabalho? Não vai receber décimo terceiro

— chicotou da minha cara. — Olhei por seu lado, e entendo você,


realmente foi uma ideia excelente.

Eu sabia que foi, com certeza foi o melhor para ela mesmo que

isso nos mantenha distantes.


— Arion nem imagina que a ideia foi sua — brincou. — Com

certeza se negaria só pelo prazer de te chatear.

Imaginei isso, por isso fui ao Rômulo, que era duro, mas tinha
um coração enorme.

— Ela passou a vida toda sozinha, achando que não merecia


nada, agora vai poder fazer coisas incríveis para salvar o mundo.

Dei de ombros, sabia que fiz a coisa certa, me adiantei a

Organização.

— Verdade, aquela garota merece.

Nós dois concordávamos nisso.

— E você? Continua de férias?

— Queria mais um tempo fora, preciso organizar a viagem de

minha filha e ter um tempo com Marina.

— Ok, tenha seu tempo.

O carro parou e eu desci na calçada e saí caminhando calmo,

com as mãos no bolso. Há muitos anos que não me permitia essa


caminhada ou parava para perceber as coisas ao redor.

O café que marquei com a Marina era próximo e a vi pelo


vidro, leve de calça jeans, camiseta e tênis, sorria para o atendente
que entregou uma xícara de café.

Parecia leve, diria que sua rigidez tinha sumido, ela nem

percebeu, mas não fumava mais. Não necessitava da fuga que o


cigarro trazia.

Entrei e um sorriso genuíno se abriu em seus lábios, fazendo

meu coração palpitar forte.

— Ei.

— Oi. — Beijei seus lábios com gosto de café. — Saiu cedo.

— Tenho novidades para você, na realidade, duas novidades.

— Mostrou os dedos irradiando felicidade. — Primeiro já tenho um


emprego e não é qualquer emprego.

Fiz uma cara de espanto bem ensaiada, mesmo porque estava


bem feliz com a conquista dela.

— Sou a mais nova programadora do grupo de tecnologia de

ponta do grupo KATSAROS, a convite do todo poderoso Deus Arion.


— Senti que ela queria pular de alegria. — Cara, você entende
como isso é incrível, vou poder participar de grandes projetos que

podem salvar a humanidade.

Sentia a alegria dela em meu peito, como se fosse minha.

— Você merece, além de ser excelente programadora.


— Sim, medicina era o sonho da Isa, agora vou realizar o meu
sonho em algo grandioso. — Levou o café aos lábios.

— Arion de bobo não tem nada — brinquei e o atendente se


aproximou perguntando o que iria beber e escolhi suco de laranja e

ele saiu. — Qual a segunda novidade?

— Vou ter um apartamento só meu próximo ao trabalho. —


Abriu um sorriso imenso. — Você precisa ver que espaço incrível,

além de carro e motorista à minha disposição.

Arion monitoraria toda vida dela, pena que a Mari nem

percebeu, mas isso era um tipo de proteção para quem tinha um

papel fundamental em suas empresas.

Fazia parte por trabalhar para o grupo KATSAROS, fosse nas

empresas ou nos bastidores escusos da vida dele. Assim ela estaria


protegida.

— Estou tão feliz, Bento vai surtar quando contar a ele —

continuou alheia aos meus pensamentos. — Isaac vai ficar bem


feliz.

— Ele e meu irmão, você sabe, né?

— Já imaginava que rolou um clima entre eles, seu irmão é

legal, vai fazer bem para cabeça confusa e nômade do Isaac —


comentou. — Eu fico feliz pelos dois.

— Também fico, mas se ele magoar o Márcio quebro ele.

— Se o Márcio magoar ele bato nele.

Rimos um para o outro.

— Vai começar quando?

— Ainda não sei.

— Poderíamos fazer algo juntos, tipo jantar, andar na roda-

gigante, coisa que namorados fazem.

Ela me olhou com a cabeça inclinada.

— Combina com a gente?

— Não!

Gargalhamos.

— Rapel ou saltar de paraquedas?

— Trilha, podemos fazer um roteiro.

Isso, era isso que éramos, perfeitos um para o outro , agora

era fazer com que o trabalho não nos atrapalhasse. Minha vida na

Organização vivia correndo riscos. Temia ficar longe da Mari. Mas


sabia que éramos adultos e podíamos atravessar essa montanha

juntos.
DOIS MESES DEPOIS

MARINA

Percebi que toda vez que visitava o túmulo da Isa tinha flores

fresca, achei que fosse o Júlio, mas acabei descobrindo que a viúva

do Carlos que mandava todos os dias uma floricultura entregar


rosas em seu túmulo, já tinha visto a mulher lá em pé, com as mãos

soltas ao longo do corpo.

Chorando, acho que assim como era meu refúgio ir ali chorar

ou desabafar, virou o local dela também. Nunca me aproximei ou


perguntei algo.

Imaginava que ela desejasse ficar sozinha com seus

fantasmas, sabia pelos meninos que hoje ela prestava serviço para

Nanda na fundação, ajudava outras mulheres que sofreram como


ela.

Virou uma doadora como eles chamavam. Isso era bom, ia

ajudá-la a curar as feridas. Toquei a rosa fresca que estava no


túmulo da Isadora aquela manhã.

— Oi.

Sempre falava com ela como se ainda estivesse ali, Isa

sempre estaria viva em meus pensamentos e em meu coração.

“Como está você? Tudo bem? Estou gostando do novo

emprego, está sendo uma loucura, na realidade, estou aprendendo,

o pessoal lá é fera, tem adolescentes que dão show, todo dia

descubro coisas novas”

Realmente amava o que estava fazendo, me sentia realizada,

a mente ocupada, o corpo sem tensão, como se minha outra vida

estivesse ficando em outro tempo.

“Júlio está fora em ação, salvando a humanidade, nem sei

dizer onde, porque a missão é sigilosa, a gente está se dando bem,


ele respeita meu espaço, minha manias, tem dias que desejamos
arrancar a cabeça um do outro, somos muitos iguais, mas isso me

faz o amar mais ainda. Parece uma loucura, mas sinto falta dele a

noite, das suas picuinhas e ciúmes bobos. Ele sente ciúmes dos

caras da empresa, olha feio para todos eles e os pobres só faltam

se borrar de medo dele.”

Sorri com essa lembrança, de como ele era tosco às vezes,


mas isso que amava em meu homem.

“Combinamos em tudo, amamos fazer coisas radicais quando

estamos juntos, ou comer pizza e jogar cartas com o pai dele, que é

um amor, você ia amá-lo, pense numa família maluca? O irmão dele

ainda me evita e fala pouco com o Júlio, mas creio que um dia ele
vai superar, espero que sim, pois não pretendo sair da vida do

Júlio.”

Levantei limpando a roupa, e toquei a pedra fria.

— Te amo irmã, continua me protegendo aí de cima? — pedi

com lágrimas nos olhos. — Perdão por não ter conseguido te salvar.

— Ela já te perdoou , você precisa passar essa fase. — Isaac

riu saindo de um corredor.


— Força do hábito. — Ri para ele e aceitei seu abraço. —

Sempre me encontrando.

— Sim, você é muito previsível — brincou. — Quero um

conselho.

Sempre foi ele me dando conselhos, estranho.

— Diga o que precisa.

Tocou minha mão e saímos caminhando, ele parecia tenso,


apreensivo.

— Nunca vi você sem palavras — brinquei.

— Estou pensando em pedir o Márcio em noivado. — Soltou e


achei fofo ele pensar isso. — Acha que está muito recente para algo

assim?

— Não acho, se você entende que ele é o cara certo, por que
não?

— Eu gosto dele, nossas almas já estiveram juntas em outras


vidas. — Me arrepiei. — Mas o Márcio é novo e...

— Bobagem Isaac, para de procurar desculpa para não ser

feliz?

Ele riu e alisou os cabelos.


— Eu que sou boa nisso, você não precisa seguir meu

exemplo.

Ele riu de novo deixando a tensão sumir.

— Mas você vem se saindo melhor que eu — comentou


tocando meu ombro com o seu. — Apaixonada, namoro sério,
emprego certinho, salário em dia — brincou e eu gargalhei. — Uma

típica menina boazinha.

— Meu Deus, que tédio!

Gargalhamos e assim que saímos do cemitério virei para ele.

— Você merece ser feliz e nunca acredite no contrário meu

amigo. — Beijei sua testa. — Quero ser a madrinha.

— Já tinha pensado nisso — falou. — Obrigado por me aceitar


sempre.

— É recíproco, não fui alguém fácil e você me viu, me


entendeu, me salvou e ainda me emprestou seu pai.

— Meu pai te ama, e eu acho isso o máximo, assim ele para

de pegar no meu pé.

— Ahh ele te ama também, só é egocêntrico.

Rimos até as lágrimas cair dos olhos.


— Nós dois amamos aquele rabugento cheio de glitter —
comentei enxugando as lágrimas. — Ele está encantado com o
genro modelo.

— O Márcio é um doce e tolera tudo, sem contar que ama

fazer compras, tudo que o papai precisava na vida dele. — Revirou


os olhos. — Estou com uns projetos junto com o Rômulo, seu
amigo, para ajudar mais crianças.

— Eu soube, isso vai ser bom.

— Jantar lá na casa do senhor Bento hoje?

Abriu a caixinha me mostrando as alianças de noivado.

— Não perco isso por nada.

E o abracei, meu coração vibrando de felicidade por eles. Meu


amigo merecia tudo isso.

— Espero você lá. — Piscou e foi embora. Olhei o céu azul e

fiz uma prece para Isadora em agradecimento, tinha certeza de que


ela virou meu anjo da guarda.
JÚLIO

O prédio era velho demais, a poeira varria a rua com a força do


vento. Parecia uma cidade fantasma naquele inferno de lugar.

Estávamos na província Oriental do Reino da Arábia Saudita.

Na cidade de Al-Mubarraz a cidade era bem equipada, grande,

mas essa parte parecia morta, era para entrar e sair com as
crianças que estavam lá dentro.

Meus instintos diziam que tinha algo errado, que tinha alguma
coisa acontecendo. Que podia ser uma armadilha.

Olhei para o homem ao meu lado e o achei calmo demais.


— Ouvindo isso? — perguntei.

— Com medo, cara? — Riu com desprezo e deboche.

Não gostava da sua postura desrespeitosa. Não sabia o

porquê Rômulo o mandou comigo. Sabia que não tolerava essa


postura na ação, esse tipo de atitudes podia custar vidas. E nosso

pescoço nesse país não era muito amado, a Organização era vista

como enxerida por seus governantes.

Olhei o relógio e nada do informante.

— Atrasado — resmunguei.

Senti algo cutucar minhas costas e virei, uma arma estava na

mão do imbecil, armadilha, meus instintos nunca me enganaram.

— Acho que é o fim da linha. — Sorriu com desprezo.

— Tem certeza? Mas antes queria saber o motivo. — Analisei

os ângulos com calma. — O motivo de nos trair.

— Eles pagam mais caro. — Riu com deboche.

— Você é um homem morto, não vai ter tempo de gastar o

dinheiro.

Ele gargalhou alto e olhou para os lados, tinha mais três

homens sujos, com dentes podres e malcheirosos.


— Quem vai contar, sem testemunha sem crime — debochou
mais uma vez. — Sua arrogância acaba com você, Euclides manda

lembranças.

Ahhh, aquele rato me encurralou aqui, dessa vez vou matá-lo.

Virou o corpo e o desarmei, não prestei atenção na sua

reação, já tinha outro em cima de mim me encurralando. Retirei a


arma da sua cintura e atirei na cabeça de um deles, que caiu.

Segurei o desarmado que buscava uma faca e mirei a cabeça do

meu colega de trabalho.

— Sabe o que faço com traidores? — Ele parecia ansioso e

com medo.

— MATE ELE! — gritou com raiva e medo.

Explodi os miolos do que segurava pelo pescoço e atirei sua

faca no último, fiquei eu e meu ex-colega, esse eu mataria e

arrastaria o corpo pelas ruas só pela ousadia dele me emboscar.

— Agora sou eu e você.

— Não, sabia que você era bom, já te vi em ação várias vezes,

por isso trouxe reforços. — Riu sardônico e a dor dominou meu

corpo, parecia que perfurava meu pulmão.


Alguém atirou de cima de uma das casas velhas, tentei andar,

mas a dor me paralisou.

— Adeus Júlio.

Inferno, Marina, precisava sobreviver por ela.

Os olhos dele se arregalaram quando percebeu minha mão no

relógio e eu sorri.

— Diga oi, Arion. — Apertei o alarme e a escuridão dominou


meu corpo.

Esperava que me encontrasse naquele inferno de lugar,


precisava sobreviver para matar dois ratos. Marina, Marina.

Foram meus últimos pensamentos.


MARINA

Nunca imaginei que poderia sentir uma dor maior dentro da


minha alma, o dia que carreguei a Isadora por quilômetros foi uma

dor terrível, mas a raiva me movia, o temor me movia.

Hoje estava em pé aguardando a chegada de alguém que

amava, que apesar de estar junto não tinha tanta ideia do tanto de
amor e dor que poderia me causar.

Quem diria que algo assim poderia acontecer depois de tudo?


Que nossos inimigos iriam voltar para acabar com nossa bolha.

Minhas mãos estavam geladas, meu corpo trêmulo.


Matarei o Euclides, maldita hora que não fizemos isso no dia

que o espanquei. Cadeia era pouco para ele, no momento serviu ao


propósito de acusar o Senador, mas hoje via que ele deveria ter

morrido.

E juro que farei sua morte bem dolorosa.

O avião pousou e a movimentação começou, queria correr,

queria fazer algo, mas meus pés trancaram no chão, tinha medo,
muito medo.

Marco segurou a maca que descia pela rampa, e o Donny sujo


de sangue e poeira vinha do lado, Laila segurava a mão do Júlio

também coberta de poeira e suor.

Pareciam guerreiros em suas roupas sujas e caras cansadas,


mas determinados e prontos para matar quem se interpusesse na

frente.

Armados até os dentes.

Como contarei ao pai dele, aos irmãos.

— Ele é rocha, vai sobreviver — Rômulo soltou do meu lado,

mas sabia que também estava tenso.

Dois médicos e dois enfermeiros se aproximaram da maca do

Júlio, ouvi os rosnados da Laila. Mas ela soltou e mirou os caras.


— Salve ele! — foi uma ordem.

Era uma equipe e um dos seus foi ferido. E pela primeira vez

desde que cheguei ao alto daquele hospital corri e segurei a mão do

meu homem.

— Júlio... Júlio... — Minha voz saiu trêmula, amedrontada, não

queria perder mais ninguém. Não era justo!

— Vamos fazer o possível senhora — um dos homens que

sabia que era o médico disse e a maca foi levada com rapidez para

dentro.

— FAÇA O IMPOSSÍVEL! — gritei e ele assentiu partindo junto

com os outros. — Ele vai sobreviver. Ele tem que sobreviver —


resmunguei como um mantra.

E Laila tocou meu ombro com empatia.

— Ele é durão — disse olhando para onde o levaram. Não

tinha lágrimas, tinha raiva me dominando.

— Obrigada por salvá-lo — agradeci virando para os três que

pareciam acabados vindo de uma guerra, mas determinados. — Ele

é um dos nossos, e a gente nunca deixa os nossos para trás —

alguém falou e eu não conhecia aquele homem que desceu do


avião, só tinha uma mão, barbudo, e olhos negros iguais à noite. —

Prazer Marina, Davi.

Ahh, Davi, já ouvi falar dele. Foi um soldado da Organização

até casar com sua paixão de infância.

Um homem bonito e frio.

— Vamos discutir tudo depois — Rômulo comentou. —


Vamos? — chamou e todos seguiram para o avião.

— Eu vou ficar.

— Imaginei — ele disse. — Cuide dele e nos mantenha


informados.

— Vamos resolver algo e voltamos — Donny comentou. —

Fica de olho nele.

— Sempre — agradeci beijando seu rosto com carinho.

Marco não comentou nada, ficou calado e com os olhos

selvagens de raiva. Com certeza a situação foi complexa.

Todos partiram e eu entrei no hospital, um dos melhores.

Assim que o alarme de perigos e localização do Júlio foi


acionado, se movimentou uma força tarefa, os meninos fizeram
questão de ir buscá-lo.
Tudo aconteceu em menos de 12 horas. Arion estava

possesso e caçando o traidor.

No momento só queria o Júlio vivo.

Sentei na poltrona e esperei.

— Como ele está? — Luciano foi o primeiro da família a

chegar.

— Sem notícias ainda.

Parecia arrasado, temeroso, mas quem não estava? Minhas


mãos tremiam muito. Sentia que entraria em colapso a qualquer
momento.

— Ele é forte, sempre foi forte, sempre foi vencedor —

comentou como se para si mesmo.

— Ele é um guerreiro — disse olhando meus dedos das mãos.

— Notícias? — Isaac e Márcio junto com o pai se

aproximaram, o pai do Júlio me abraçou, eu recebi todo seu carinho


e caí no choro.

Precisava disso.

— Ele está passando por uma cirurgia de emergência, mas


segundo os médicos responde bem — Arion comentou entrando
junto com a Nanda com os olhos vermelhos de chorar. — O médico
é meu amigo — ele explicou sem delongas. — Ele vai ficar bem —
Nanda falou sem convicção e me abraçou e abraçou seu pai, Márcio

veio e nos abraçou também, Luciano fez o mesmo, criamos uma


unidade ali.

— Família! — soprou Isaac.

E era isso, família e agora eu fazia parte dela e o Júlio ia


sobreviver.

— Com certeza ele vai sobreviver — disse Arion. — Ele não

me daria o gostinho de morrer.

— Arion! — Nanda reclamou e ele beijou a cabeça dela.

— Tenho assuntos a resolver, me mantenha informado.

Seus olhos ficaram nebulosos.

— Acaba com eles — pedi e ele assentiu saindo.

ARION
Meu humor não era dos melhores, senti a raiva dominando
cada veia do meu corpo.

Tombaram um dos meus, tiveram audácia de detonar um


homem da minha equipe.

— Quero a cabeça dele numa bandeja — disse para ninguém

em especial ao entrar na sala. — Melhor, eu mesmo vou retirar a


cabeça dele.

Traidores não se criavam, o último morreu com uma bala no

meio da testa e foi o Senador que tentou roubar minha organização

e furar meu poder sobre ela, sem contar me matar.

Odeio traidores!

Soquei a mesa e Davi foi o primeiro a me olhar de frente.

— Largaram o corpo dele numa viela sangrando — disse com

raiva. — O largaram para morrer sozinho depois que ele acionou o

alarme.

— Filho da puta! — Marco coçou a cabeça. — Quero matá-lo.

— Me deixa matá-lo? — pediu Laila, o sentimento de todos era

recíproco ali, um dos nossos foi traído por dinheiro, eram treinados

para se proteger, para serem como fantasmas, entrar e sair sem

serem vistos.
Um era o escudo do outro, éramos uma irmandade aqui dentro

e foi quebrado. Alguém precisava pagar.

— Quem é ele? — perguntei virando para Rômulo que ainda

não tinha dito nada.

— Enviado do posto seis — explicou.

Quer dizer que ele tinha vindo de Brasília.

— Conveniente, tem mais alguém. — Marco ia falar mais

levantei a mão. — O assessor do Carlos?

Todos se olharam.

— Deixaram esse furo?

— Ele foi remanejado para outro gabinete...

— INFERNO, ESSE TIPO DE COISA SE DÁ FIM, SE APAGA,

SE TIRA DO MAPA. — Soquei a mesa. — PARECE TRABALHO DE

AMADORES.

Todos se calaram, sabiam que fizeram um trabalho com furos.

— Tragam o traidor — Rômulo falou no interfone e ele entrou,


alto, moreno, e tinha cara de debochado, pelo jeito nem suspeitava

que sabíamos.

— Senhor...
— Me conte como se salvou e o Júlio não? — pedi sentando e

cruzando os braços com calma disfarçada.

Mostrei a cadeira e ele sentou pondo a mão na mesa a sua


frente.

— A história real. — Enfiei o canivete no meio da mão dele,


que urrou. — A parte que você ganha dinheiro traindo meus

homens.

Seus olhos amedrontados me analisaram com medo. Bom,


isso era muito bom.

— Eu não...

— Não mente! — Torci o canivete e mais um grito encheu a

sala.

— Perdão, estava precisando da grana...

— Laila, acha que vai conseguir sua chance — comentei com


tédio, todos eles temiam a Laila, ela não tinha muito escrúpulos na

hora de retalhar homens.

— Não, não, eu juro o cara disse que ia ficar tudo bem.

— Você matava um colega e isso ia ficar tudo bem? Entendi

direito? — debochei e Laila rosnou.


Davi parecia a ponto de socar o homem, e Marco olhava pela

janela com as mãos no bolso.

— Sabe o que acontece com traidores? — perguntou Rômulo

levantando.

— Senhor, eu... — choramingou.

— Laila? — chamou Rômulo.

— Sim.

— Prepara tudo, vamos fazer um passarinho cantar.

— Por favor, por favor...

— Pode ensaiar até o fim do dia, você vai falar muito isso. —

Laila riu e eu puxei o canivete da mão dele e o mesmo levantou

tentando fugir e foi socado por Rômulo no caminho.

— Quero o assessor em duas horas no depósito — disse e

todos assentiram.

— Davi, obrigada por vir — agradeci.

— Ele é meu amigo — disse deixando a sala.

Bem, há muito tempo que não brincava com meus

instrumentos, hoje parecia um bom dia para treinar.

— Levem esse verme e me tragam nomes.


JÚLIO

Estava com a sensação de que mil pregos dominavam meu


corpo, doía tudo, em todos os locais possíveis, pior que a última vez

que tomei um tiro na perna.

Que porra aconteceu?

Droga, não conseguia me mexer!

Que inferno era isso?

Minha cabeça, nem a cabeça conseguia mexer.

Precisava levantar e matar o desgraçado que fez isso comigo.

Porra, cadê a Marina?


A vida só me fode!

Tossi e ardeu até a porta do meu ânus. Que porra!

— Calma, fica calmo.

Como alguém ficaria calmo sentindo tanta dor e sem conseguir

se mexer?

— Onde? — soltei com a voz zonza e falha.

— Hospital, o senhor passou por uma cirurgia para tirar o

projétil que o atingiu, já se encontra fora de perigo. — A voz era


calma, mas não enxerguei o rosto. — Vou chamar seus familiares,

não sei qual deles parece mais ansioso para entrar — brincou, eu

sorri e tudo explodiu em dor.

Inferno!

— Calma.

Se ela falasse isso de novo eu ia surtar, que ódio que não tinha
nem como mandar se lascar do jeito que me encontrava.

Calma é o caralho!

A porta abriu e depois fechou.

— Filho...

Meu pai.
— Glória Deus, você está vivo.

— Pai.

Acho que uma lágrima caiu do canto do meu olho.

— Mari...

— Ela vai entrar depois de mim, aquela moça não saiu daqui
desde que você chegou, vê se toma juízo e a peça em casamento.

Queria gargalhar com a reprimenda, mas se fizesse isso

morreria de tanta dor.

— Te amo, pai.

— Ah, também te amo, mas pelo amor de Deus parem de me

levar a hospitais dessa forma, sou um idoso.

Aproximou-se da cama e pude ver seu rosto e agradecer por

estar vivo e poder vê-lo de novo.

— Seus irmãos estão aí fora, mas vou pedir a Marina para


entrar primeiro.

Beijou minha testa e saiu.

Há quanto tempo estou aqui?

A porta abriu novamente.

— Desgraçado!
Marina? O mundo entrou no eixo assim que ouvi sua voz,

mesmo que estivesse me xingando.

— Como faz isso Júlio? Quase morro ao saber que estava

ferido e não poderia fazer nada...

Suas lágrimas caíam sem cessar.

— Ver seu corpo naquela maca... acabou comigo, não posso


perder você, não posso perder mais ninguém...

— Amor!

— Vou matar o Euclides.

Então já descobriram.

— Não tente me impedir.

— Amor..

— Vou acabar com ele.

— Marina! — chamei com força e quase morri de dor.

Ela me olhou em lágrimas, senti seu medo, sua raiva, ela me


amava.

— Eu te amo.

Ela se aproximou e começou a me beijar e molhar meu rosto


com suas lágrimas.
— Foram as piores 48 horas da minha vida — disse e eu

queria poder ter forças para abraçá-la.

— Te amo seu cabeçudo.

— Estou vivo.

Ela gargalhou e beijou minha boca. Eu amava aquela menina

guerreira. Meu pai tinha razão, chegou a hora de me assentar na


vida.

— Casa comigo?

— Já passou o tempo... — Luciano falou da porta. — A


enfermeira que disse, posso ver meu irmão?

Marina o mirou e depois olhou para mim.

— Sim — falou e beijou minha boca.

Saindo do quarto em seguida, não sabia se o seu sim, foi ao


meu pedido ou ao papo do Luciano empata foda.

Meu irmão saiu do caminho da Marina, depois olhou o piso de

cabeça baixa e se aproximou com calma.

— Então você está vivo.

— Para seu desgosto não vai poder ficar com a viúva — disse
com voz sumida. E ele sorriu.
— Deus me livre, aquela louca chutou meu saco, eu hein?!

Meu corpo doeu com o sorriso que soltei.

— Nanda está lá fora parecendo uma louca, tentando derrubar

tudo para saber notícias suas — comentou. — Marina olhava para


todos como se fosse matar a metade — continuou. —

Sinceramente, essas mulheres são terríveis, prefiro as calmas e


solícitas, que não reclamam no outro dia.

Era forma de ele dizer que estava tudo bem entre nós.

— Estou feliz por você estar bem, cara.

— Eu te amo apesar de ser cuzão.

— Eu que sou o cuzão? — Riu e eu realmente falei a verdade,

amava meus irmãos, família era tudo para mim. — Você vive sendo
baleado nesse emprego perigoso para chamar atenção e eu que

sou cuzão?

Sorri e gemi em seguida com a dor.

— Se lascou, vai ficar de castigo por um tempo — brincou. —

Acho que o diabo não te quer do outro lado não.

— Vai se foder!
Ele caiu na risada e eu estava feliz por poder ver esse sorriso
de novo.
UMA SEMANA DEPOIS

MARINA

Júlio dormia e eu trabalhava em um novo projeto do trabalho,

sentada na poltrona ao lado de sua cama. Não conseguia sair do

seu lado, temia outro ataque. Ele apresentava consideráveis


melhoras, era um homem forte e determinado a sobreviver, poderia

ter morrido se o atirador fosse bom no que se propôs a fazer, ou


segundo ele, o idiota do comparsa não tivesse contado que tinha

outra pessoa no local e assim ele conseguir projetar seu corpo para
frente e tirando a mira do atirador. A bala quase pegou no coração,

foi sorte para mim, para eles treinamento.

Estremecia só de imaginar que o cara que ganhou uma grana

para entregar o Júlio para morte recebeu do Arion, segundo soube


virou uma massa de modelar na mão da Laila.

Mereceu, traidor dos infernos!

Agora queria o Euclides, mas já foi deixado claro para mim que

a Organização estava cuidando bem dele.

Nem queria imaginar o que seria esse bem. Mas eu gostaria


de meia hora com ele de novo, mas sabia que pelo fato dele ter

mexido dentro da Organização a ponto de conseguir alguém de

dentro para matar o Júlio, virou algo pessoal para a equipe. Não
acreditava que tinha tido noção de onde se meteu. Assim como eu

na época não tive essa visão. Olhei por cima, vi o que eles queriam

que eu visse na superfície, não consegui tirar as capas que tinha por

trás de tudo e quase perdi minha vida, se não tivesse feito um trato
com o Arion uma hora dessa estaria com boca cheia de formiga em

alguma cova.

Suspirei jogando a imagem para longe.

— Olá.
Virei para a porta e Donny estava em pé nela.

— Como vai o paciente?

Beijou minha testa e olhou a cama onde o Júlio dormia.

— Infernizando para ir embora — comentei e ele sorriu.

— Imagino, ele odeia hospitais.

Ele falou algo sobre isso, mas como deu febre esses dias e

delirou, acabou falando um monte de coisas. Inclusive sobre

casamento, achei que fosse a situação, mas pelo jeito o Júlio

realmente pensava sobre o assunto. E eu o que pensava? Diria sim

de novo se perguntada? Como seria isso? Daria certo com toda


nossa personalidade? Tantas coisas, e mais uma vez joguei para

frente.

— E você como está?

Achei o Donny meio estranho esses dias. Calado, pensativo,

analítico como se alguma coisa estivesse mexendo com ele.

— Organizando umas coisas aí — falou sem me olhar. — Só

passei para ver como vocês estavam, vou sair em missão, e não sei

quando voltarei — continuou, mas senti que tinha algo mais. — Vou

passar em casa para ver a família e depois sigo para cidade do

Davi.
— Ver sua família é tão ruim? — indaguei com calma.

— Quando se tem anos sem voltar para casa, talvez sim.

— Entendo, mas sua mãe vai ficar feliz.

— Verdade, ela vive reclamando que vai morrer e não vai me


ver de novo. — Sorriu saudoso e eu o acompanhei.

— Então aproveita o momento.

— Vou tentar, não é tão fácil, mas já passou da hora de fazer

isso.

Levantei o abracei, era um urso fofo, cheio de tatuagem, eu

aprendi amar e admirar aquele cara.

— Se precisar de mim estarei aqui. — Beijei seu rosto. — Ei,


nem posso dormir que você agarra minha mulher — Júlio falou

sonolento.

— Sua mulher não me resisti — brincou de volta, eu gargalhei

e Júlio fechou o semblante, mas também estava brincando.

Nunca vi uma família mais unida e louca que a do Júlio, a briga

foi generalizada para saber onde o Júlio ficaria depois da alta do


hospital. O mesmo queria voltar para seu apartamento, Nanda
queria que fosse para sua casa, Arion não curtiu, o pai dele bateu o

martelo e todos se calaram quando ele disse em alto e bom som


que o filho iria para casa. Ou seja, a casa do velho e quem iria dizer

que o senhor estava errado? Eu que não disse nada, me calei e


deixei-os discutirem.

No fim foi para casa do pai mesmo, o mais interessante era


que todos sabiam que o Júlio sofreu um atentado em combate, mas

a família não tocava no assunto ou exigia que ele parasse, era como
se eles entendessem que para ele aquilo era importante, mesmo

que viesse a perder a vida nisso. Admirava esse respeito familiar,


nunca soube o que era, e agora invejava um pouco todos eles.

— Pensativa? — Júlio indagou e me virei olhando para ele


deitado em seu quarto de solteiro.

— Imaginando onde vou dormir com essa cama pequena —

desconversei e ele sorriu batendo do lado da cama.

— Meu pai é muito teimoso.

— Acho que foi a ele que você puxou. — Ele assentiu e eu

sentei na cama ao seu lado.

Toquei seu rosto memorizando todas as partes, Júlio era um


homem grande, bonito, espetacular. Gostava de tocá-lo e ele não
reclamava disso, pois também curtia me tocar e fazer carinho.

E por ironia do destino, esse homem era todo meu.

— Fale! — pediu sabendo que algo me incomodava.

— Passei quase três anos em depressão, horas deitada

chorando, horas agredindo o Bento, Isaac, sendo um ser humano


horrível, horas fazendo merda, bebendo, gritando, usando
pessoas...

Não sentia muito orgulho dessa fase.

— Culpava o mundo, um dia eu percebi que estava perdendo a

chance de vingar a Isa e foi ai que levantei, foi aí que parti para a
guerra de verdade que assumi quem sou hoje.

— Você não é mais a mesma pessoa que iniciou a jornada, no


caminho você aceitou evoluir — ele completou, e realmente não era

a mesma mulher que encontrou com ele no hospital, fingindo


precisar de ajuda, não era mesma que entrou na casa dele fingindo
ser outra pessoa. Nem a mesma que desejava acabar com ele.

Tudo mudou e parecia que foi o certo da forma que foi.

— Encontrei você e aprendi a te admirar, depois te amar, e


senti tanto medo quando soube que estava ferido, desejei matar a
todos que te fizeram isso. — Ele sorriu. — Mas nunca pensei em
casar, ter filhos, família, nunca foi meu projeto.

Seu rosto ficou triste e o silêncio reinou.

Júlio tossiu e olhou para a parede.

— Não precisamos casar. — disse, cedendo como sempre


fazia comigo. E eu nunca cedi nada para ele, nunca fui conivente,

nessa relação ele sempre foi o que mais se doou.

— Não quis dizer que não desejo casar, eu quero, mas não

imagino como vamos fazer isso dar certo. — Será que ele me

entendia? — Somos duas pessoas da batalha, manejamos armas,


sabemos lutar, mas e o casamento, a vivência diária, filhos?

O sorriso voltou aos seus lábios e ele tocou meu rosto e sorriu.

— Também tenho medo, também não sei como podemos fazer

isso dar certo, mas eu sei que desejo viver ao seu lado para

sempre. — Meus olhos se encheram de lágrimas. — Você é meu


começo e fim Marina, meu último suspiro quero dar ao seu lado.

— Estou apavorada!

— Eu também.

— Eu te amo.
— Eu sei.

Ficamos abraçados e com a certeza de que nos amávamos, e

que poderíamos tentar, apesar de todo medo que sentíamos.

— Pai!

Michele entrou correndo do quarto e eu levantei da cama para

dar passagem a ela que se jogou sobre o pai chorando.

— Estou bem filha, calma meu amor.

— Desculpa, a Michele ficou muito nervosa quando soube, tive

que trazê-la — Drica disse da porta com cara amarrada e braços

cruzados.

— Olá Michele, vou deixar vocês sozinhos.

Odiava ficar no mesmo ambiente que essa imbecil, depois que


soube todos os detalhes sobre o que aconteceu entre os dois, tinha

verdadeiro nojo dessa criatura. Como se dizia amar e entregava o

cara que se amava para um corrupto como Euclides como forma de

vingança? Amor-próprio passou longe dessa mulher, mais de dez


anos e ainda não esqueceu o cara que não esconde o asco que tem

dela. Eu teria acabado com ela se descobrisse que armou para eu

me ferrar e ainda me fez acreditar que a filha era fruto de um


estupro.
Mulher doente.

Passei por ela sem nem olhar na sua cara e empurrei seu

corpo de propósito e ela se encolheu.

Nojenta do caralho.
JÚLIO

Senti o corpinho da Michele contra o meu e agradeci por poder


ver minha filha de novo. Amava aquela ruiva sapeca.

Sabia que assim que ela soubesse faria a mãe atravessar o

país para me ver, mas não queria que a Drica tivesse contado a

pequena, me encontrava bem e não era necessário preocupar a


minha filha.

— Michele não conseguia dormir e começou a ter pesadelos


— falou.

— Eu fiquei com medo de perder você.


Continha tanto carinho naquelas palavras que me emocionei e

beijei sua cabeça. Faria tudo por ela.

— Sou difícil de morrer — brinquei bagunçando seus cabelos.

— Você precisa ter cuidado Júlio, tem uma filha...

— Drica, por favor, me deixe com minha filha? — cortei, não

sei por que ela não entendia que não era bem-vinda. Um dia
Michele ia conhecer toda a história e temia por esse dia. Por

enquanto tolerava a mãe dela por amor à minha pequena ruiva.

— Hum, vamos voltar amanhã à noite, acho que não tem


problema dormir aqui, né?

— Acho que você não vai ter problema em arrumar um hotel,


Michele dorme aqui comigo e amanhã peço a Marina para levá-la no

aeroporto para encontrar você.

Ela não disse nada e saiu do quarto.

— Como foi? Me conta?

A curiosidade infantil era interessante.

Ainda sentia dores, porém estava bem e logo estaria na ativa

de novo e faria uma visita ao meu ex-colega. Agora ia fazer bastante

carinho nessa ruiva linda.


UM MÊS DEPOIS

Olhei para os lados, o guarda assentiu e deixou o recinto.


Entrei caminhando com calma, ainda sentia um pouco de dor, mas

estava muito bem e era chegada a hora de conversar com um

antigo amigo.

Sentado na sua cela, seus olhos tremularam quando meu viu,

o terror arranhou com garras enormes transparecendo sem que ele


percebesse.

— Olá, Euclides.

— Não quero sua visita, guardas, guardas... — chamou se

afastando para o canto da parede.

— Pensou que eu estaria morto, que nunca mais veria minha


cara bonita de novo?

— Não sei o que você está falando.

— Você nunca sabe e é melhor assim, o seu amigo se

encontra calado para sempre. — Ele sabia de quem estava falando,


o assessor já era. — Soube que se urinou todo antes.

— Fica longe de mim!

O pavor em sua voz era alimentador.

— Só vim dizer olá, sabe, ainda estou me recuperando do tiro


e de ser deixado para morrer em uma viela sangrando por meu

colega. — Ri sem humor. — Então de mim não precisa ter medo, só


vim dizer olá mesmo.

Ele parecia descansar com meu comentário.

Virei as costas, mas depois voltei.

— Agora é com você e minha amiga.

Laila saiu das sombras e abriu a cela dele.

— NÃO, NÃO! — gemeu apavorado, sabia que ele já tinha


recebido outras visitas e teve alguns ossos quebrados.

— Boa viagem ao inferno!

Virei as costas e segui para fora da ala das celas e os gritos


dele me acompanharam.

Seria por pouco tempo, Laila faria tudo com rapidez e sem

deixar rastros.
Devia estar com a cara de idiota ao olhar para Mari entrando
no restaurante naquele vestido colado.

Uau!

Muito gostosa, deliciosa, perfeita.

Que mulher!

Estava na seca, doido para transar, dias sem ela já estava me


deixando nervoso, tentei algumas vezes, mas ela foi categórica por

ordens médicas nada de esforço.

Inferno, estava subindo pelas paredes.

Nós dois estávamos apavorados com a história de casamento,

mesmo porque somos totalmente anormais em nossas vidas.

Mas a queria muito comigo.

— Você está linda! — disse assim que ela chegou à mesa. —


Magnífica e gostosa pra cacete.

Beijou minha boca com um sorriso leve.

— Desculpa, acabei ficando presa no trânsito e tive duas


reuniões importantes. — comentou sentando na cadeira que puxei
para ela, sabia que ela poderia fazer isso sozinha, mas gostava de
mimar minha garota. Toquei seus cabelos e beijei seus lábios antes
de voltar para minha cadeira.

— Tudo bem, valeu a pena, que pernas gloriosas.

— Tarado!

— Abstinência faz isso.

Ela riu e eu achei a mulher mais linda do mundo.

— Passei o dia sentindo sua falta — comentei tocando sua


mão por cima da mesa. — Acostumei ter você comigo o dia todo.

Marina ruborizou como uma adolescente e levou a taça aos


lábios olhando o garçom que se aproximou anotando nossos

pedidos. Assim que ele saiu se voltou para mim.

— Você fica fofo todo romântico — caçoou. — Uma fofura,


mas também senti sua falta.

Depois de dias ela fazendo vigília e pagando de enfermeira,


hoje voltou definitivamente ao trabalho.

Me sentia órfão.

Estava definitivamente dependente desta mulher.

— Fez o que hoje?


— Visitei o finado Euclides, acredita que ele teve um ataque
cardíaco e morreu?

Balançou a cabeça e sorriu para mim com prazer.

— Que falta de sorte a dele, né?

— Pois é! Terrível! Mas hoje quero jantar com minha mulher,


desfrutar de sua companhia e depois fazer muito sexo...

— Então tudo isso é para me levar para cama?

— Não culpe um homem em abstinência, querida Marina.

Ela gargalhou e essa leveza dela me encantava. Saber que as

nuvens negras que pairavam sobre sua vida sumiram, me deixava

muito feliz.

Marina me fazia bem e queria fazer bem a ela também.

Tirei uma caixa do bolso e pus na mesa.

Seus olhos ficaram enormes, revoltos em tempestades, sabia

que o medo tentou oprimi-la e a fazer recuar, mas essa Marina não
existia mais e em segundos ela suspirou e abriu a caixa.

Só aguardei.

— Podemos fazer isso, não podemos? — perguntou.

— Podemos! — respondi.
Deu o dedo para mim que coloquei meu anel de compromisso

nele e ela olhou para ele com carinho e depois levou a mão ao peito
com forma de carinho.

Essa era minha Marina, nunca recuava quando o assunto era


uma boa briga.

— Te amo.

— Também te amo Júlio, sei que às vezes seremos complexos

um para o outro, somos dois cabeça dura de personalidade difícil. —

Ela tinha razão. — Temos todos os contras para isso não dar certo,
mas somos teimosos demais para recuar.

Ela realmente tinha razão.

— Mas eu te amo, e eu quero que isso dê certo — continuou

me deixando mais apaixonado. — Somos dois idiotas por prosseguir

com essa loucura, mas quero que saiba que estarei no dia e hora
marcada, talvez atrase um pouco — direito da noiva — como uma

boa teimosa, tentando por nós, por você e por nosso amor.

— GARÇOM? A CONTA — falei para o rapaz.

— Ei nem jantei — ela reclamou.

— Preciso comer você logo, e só usando meu anel.

— Você não tem jeito.


— Não quando minha namorada toda gostosa fala essas

coisas bonitas, fico no tesão da porra.

Tinha urgência de entrar naquela mulher, porque ela era minha


e gostosa pra caralho.
MARINA

Procurei o medo e a aflição, e nada veio, quando pensei em

aceitar casar com o Júlio pensei que teria crises de ansiedade, mas
até o momento me sentia bem com a decisão.

Sua mão passeou pela minha bunda nua, o homem era

insaciável, já estávamos na segunda rodada.

E ele querendo muito mais, era sortuda.

Aquela boca perfeita desceu nas minhas costas fazendo trilhas


de beijos e me arrepiando.

— Não me canso disso.


— Espero que não. — Virei meu corpo para receber seu pau

em minha abertura, acho que gemi alto ao ter sua extensão toda
dentro de mim. — Adoro todo esse vigor.

Júlio bateu dentro e fora com força e focou dentro dos meus
olhos segurando minha bunda com uma mão e segurando minha

cintura com a outra.

— Para sempre minha Marina.

— Sim, desse jeito.

Selamos e os gemidos foram a única coisa que foi ouvida


dentro daquele quarto.

Queria rir da cara da Laila, mas não achei prudente fazer isso.

A criatura olhou todas as araras de vestidos como se estivesse

vendo cobras venenosas.

— Tem certeza disso? — perguntou enrugando o rosto.

— Absoluta, você é minha madrinha de casamento então

precisa me ajudar achar o melhor vestido de noiva — respondi tão

perdida quanto ela.


— Deveria ter chamado seu cunhado ou seu amigo Bento,
logo eu que não sei nem onde vai essas coisas femininas? —

resmungou e eu ri da cara dela e recebi o dedo do meio de volta.

— Bento vai querer pagar o vestido e escolher rendas e

paetês, e iria dizer sim, porque não gosto de magoá-lo e o Márcio

está focado no próprio casamento — expliquei rodando o local com

uma vendedora sem graça atrás de mim. Com certeza ela achava
que nós duas não combinávamos com o ambiente, talvez tivesse

razão, não me importava de aparecer nada feminina com minhas

botas de exército aos olhos dela. — Então sobrou minha madrinha

de casamento para essa missão.

— Inferno, maldita hora que aceitei isso — reclamou. — Faz


igual ao Davi e casa em Las Vegas.

— O pai do Júlio mata ele e o Bento arranca minha cabeça.

— Esse aqui é bem legal. — Tentou a vendedora.

— NÃO! — disse eu e Laila ao mesmo tempo e a moça se

encolheu. — Tem algo com menos babado? — pedi e ela assentiu


nervosa.

Coitada!
Fiquei até com pena, imagine atender uma noiva e sua

madrinha nada animada? Fazer compras não era meu forte e com
certeza o da Laila também não.

— Não acredito que vou casar vocês dois!

Bento parecia uma gazela feliz.

— Que coisa mais linda vocês dois. — Enxugou as lágrimas

invisíveis dele. — Sou um homem com muitas bênçãos — disse


emocionado e foi acolhido por Márcio que era um amor de pessoa.

Muito doce, meu amigo teve sorte em encontrar um cara legal


como ele.

Isaac me olhou e balançou a cabeça para mim sem emoção,

levando em seguida o copo de suco de laranja à boca. Os chiliques


emocionais do pai nunca foram suas partes preferidas.

— Júlio seu pai deve estar radiante — incluiu o meu noivo, o


mesmo que até o momento estava com cara de paisagem. — Casar

dois filhos, que emoção.

Júlio deu de ombros.

— Na realidade, ele deseja passar os dois pacotes à frente.


Eu ri e o Isaac me acompanhou.

— Já passou da hora do Márcio sair de casa — continuou

falando e o irmão revirou os olhos.

Toquei seu ombro e ele beijou minha testa com carinho.

— Marina temos que comprar o vestido e ver a lista de

convidados...

Engasguei com o suco na hora, Júlio bateu nas minhas costas


de leve, Isaac escondeu o sorriso e o Márcio fingiu demência.

Viemos almoçar com o Bento para acertar sobre o casamento


do Márcio e Isaac que seria antes do meu, e pelo que me disseram

seria uma cerimônia no quintal do pai do Márcio só para a família. O


que daria outra confusão com Bento, não sabia para que o meu

casamento estava na roda.

Um chilique de cada vez, mas pelo jeito não seria possível.

— Já comprei — falei sem olhar para o Bento.

— Como?

— Eu já comprei. — Minha voz quase não saiu, vi o Júlio me

olhar sem entender.


— Como é? Você comprou seu vestido assim do nada, saiu
um dia e resolveu comprar um vestido de casamento, sozinha? —
Tudo foi dito com voz calma, sacudiu o corpo mexeu no cabelo e eu

aguardei. — Sozinha?

— Comprei com uma amiga — tornei a responder, senti o


Isaac prendendo o riso e fiz cara feia para ele.

— Uma amiga? Que amiga? Não me lembro de ver você com


nenhuma amiga.

— Pai? — Isaac reclamou.

— Tudo bem, quem sou eu para reclamar sobre o seu vestido

de casamento? Um mero senhor idoso com a ousadia de querer


entender de moda, casamento dos filhos, porque você é como uma
filha para mim. — Sentou na poltrona e começou a chorar.

Sabia que ia dar merda quando eu contasse.

— Não precisa se preocupar, estou bem.

Todo mundo se calou na sala, mas ainda sentia que o Isaac


queria explodir em uma gargalhada e se fizesse o Bento iria explodir

em mais lágrimas e lamúrias.

— Mas está longe o meu casamento Bento, tenho tantas


coisas para decidir — falei e ele assentiu choroso. — O casamento
do Isaac e Márcio está mais próximo.

Márcio olhou feio para mim e Isaac me beliscou sentindo que

passei a bola para os dois. Fingi não sentir dor com o beliscão e
continuei olhando para o senhor de olhos lacrimejantes.

— Verdade, temos que ver o local da cerimônia — falou

enxugando os olhos em seu lenço de seda.

— Não será lá no quintal de casa? — Júlio soltou e todos nós


o olhamos, querendo arrancar sua cabeça.

— COMO É? — Bento levantou indignado.

— Júlio tenho uma coisa para falar com você. — Levantei e

levei meu noivo boca solta junto, largando o casal para enfrentar a

ira do Bento.

— O que foi? — Júlio indagou na cozinha enquanto ouvíamos

os gritos do Bento na sala.

O abracei e beijei sua boca, ele riu com gosto e aceitou meus

lábios.

— Vamos ficar longe daquela sala — comentei soltando sua

boca.

— Prefiro enfrentar uma missão no Vietnã, mas não quero


enfrentar o Bento. — Revirou os olhos. — Que dramático! Deus me
livre.

— Família!

— Verdade, mesmo assim, quero casar com você.

— Acho bom, depois da saga de comprar um vestido de noiva,

nem pense em fugir — brinquei e ele sorriu me suspendendo e

pondo no balcão da cozinha saqueando minha boca em seguida.


JÚLIO

Já tínhamos decidido onde iríamos morar, de cara no meu

apartamento, pois o local era seguro, principalmente quando saía


em missão.

A Marina entendeu que meu trabalho era esse, e aceitou isso e

no dia que falamos sobre, ela deixou isso claro, o que me fez mais

apaixonado por ela.

Realmente ela era minha metade, a mulher que me


completava.

Amava essa marrenta.


— Joga o corpo para o lado, agora — falei e ela fez isso

fugindo do ataque da Laila. Tinha meia hora treinando com ela na


laje do meu pequeno prédio. O dia estava bom para treinar e bem

fresco.

— Fecha a guarda Laila!

E ela saltou para trás abaixando para não ser socada pela

Marina.

As duas eram boas, diria que estavam no mesmo nível.

Marco ficou observando.

— Vou buscar água — disse já descendo as escadas.

— Cerveja? — lembrei.

— Beleza.

— Mari, seu soco parece de criança, vamos melhorar isso —

falei girando entre as duas.

— Atrapalho?

O que Drica estava fazendo ali? Aquela mulher não se tocava.

— Quem deixou você subir? — perguntei com raiva.

Casaria em três dias e não ia querer encrenca no meu

casamento, muito menos por essa dissimulada.


— O Marco ele...

— Ela insistiu! — Marco falou passando por ela com um cooler

na mão e olhou feio para seu lado.— Júlio, precisamos falar em

particular.

Percebi que Laila e Marina não estavam mais treinando e sim

olhando para minha interação com a Drica.

— Diga — pedi perdendo a paciência.

Sabia que o assunto não tinha a ver com a Michele, a menina

já se encontrava com a Nanda e os primos. Veio para o casamento.

Passei o dia anterior com ela e o primo entrando e saindo dos

parques. Fiquei cansado, mas o dia foi muito bom, e senti que
precisava de mais momentos como esses com os dois. Marina que

amou, foi em todos os brinquedos acompanhando a dupla dinâmica

e sapeca.

A todo o momento olhava para eles para ter certeza de que

vivia aquilo, que tive uma segunda chance de poder viver e entender

como a vida e eles eram importantes para mim.

— Posso ajudar Drica? — Marina se aproximou olhando a mãe

da minha filha com cara nada alegre, temia isso, Mari estava com a

paciência por um fio com a Drica. E não poderia tirar sua razão.
— Não, o assunto é com o pai da minha filha — disse com

ranço na voz e virou para mim.

— Não tenho segredos com a Marina, acho que você pode

falar na frente dela — falei sem emoção.

— Insisto em ser em particular — teimou e quase bateu os


pés.

— Eu já tinha quebrado a cara dessa sonsa — Laila soltou, foi

arrastada pelo Marco para longe e desceram as escadas.

— Se não é sobre minha filha, não vejo que temos a falar.

Marina não arredou os pés do meu lado e Drica percebeu que

não teria como falar sozinha comigo.

— Esse casamento é errado, você vai prejudicar a sua filha, eu


não acho que...

Tomou um soco no meio da boca e caiu sentada aos meus


pés. Virei e a Marina ainda estava com a mão fechada.

— Sua puta sem noção se continuar essa perseguição com

meu noivo vou arrancar seu coração e comer no jantar. — Drica se


encolheu olhando a mão com sangue. — Você não aprontou

demais, ainda acha que ele vai voltar, tem um casamento, um


marido que ama a sua filha, deixa o Júlio em paz, sua louca.
— Marina...

Olhou-me com cara zangada e me calei.

— Vou só dar um aviso sua puta dissimulada se voltar a

encher o saco vou quebrar você toda, a vontade está bem aqui.

Chutou a perna dela com raiva e eu a segurei.

— Drica, por favor, vai embora — pedi e Marco já se

encontrava próximo levantando ela do chão. — Marco deixa a Drica


no hotel.

— EU VOU A DELEGACIA! — Chorou.

— Vai, pode ir, e vou até seu marido contar o que veio fazer no
Brasil — Marina ameaçou — E ainda te dou uma surra.

— Por favor, Marco — pedi e ele a levou. — Veja um médico

ou dentista.

Apesar de ser uma víbora, era mãe da Michele.

— Marina...

— Nem se atreva a defender essa criatura. — Fez um soco

com a mão. — Ou quebro você também.

— Eu ajudo! — Laila emendou.

— Um complô? Só ia elogiar o soco.


Nunca que vou arrumar uma briga por Drica depois de tudo e
menos ainda com minha futura esposa.

— Calma rapaz — meu pai falou tocando meu ombro.

— Ela está demorando, se resolveu que não era o cara ou a

hora certa...

— Júlio toda noiva demora — Donny resmungou ao meu lado.

— Tinha mesmo que usar essa roupa quente?

Ele era padrinho da Marina e Marco o meu, até o Davi veio


para o casamento junto com Hellen. Fiquei feliz em vê-los, apesar

de saber que os dois estavam com problemas na empresa. Donny


foi tentar ajudar, mas não tive como tirar mais sobre o assunto de
nenhum deles. Era assunto para outro momento.

— Roupa de padrinho — resmungou Marco olhando a sua com

cara feia.

Nenhum de nós gostávamos de roupas formais, nem tinha


onde esconder uma arma nelas. Pior era Laila que parecia um peixe
fora da água naquele vestido amarelo.

Seu olhar mortal para todos era no mínimo engraçado.


— Laila vai matar alguém.

Donny riu e nós três caímos na risada.

— Essa merda de roupa nem dá para roubar docinhos.

Donny e sua fome eterna.

— Lá vem a noiva. — Nanda veio com passadas rápidas para


perto de mim e arrumou minha roupa como se tivesse algo fora do
lugar. — Todos em seus lugares.

Arion parecia entediado com a filha no colo e olhando para

lugar nenhum já que a pequena dormia.

Ele devia estar odiando meu casamento, não me importava.

Fiquei mais alegre com essa imagem.

A música começou a tocar e ela apareceu no tapete branco de

pétalas de flores brancas.

Vestida de marfim em um vestido curto de saia rodada e só

uma pequena coroa fina na cabeça, segurava um buquê de flores

brancas e tênis da mesma cor.

Estava linda.

Perfeita para mim.

Vinha sozinha, caminhando como uma guerreira.


Minha Guerreira.

Já matei homens ruins, já fui quase morto, já vivi momentos

complexos em batalhas, mas nada me preparou para o impacto da

mulher que eu amava andando até o altar, era para sempre.

Apesar das regras, dividi o caminho com ela, peguei sua mão

e ela gargalhou.

— Podemos fazer isso? Não podemos?

— Com certeza podemos fazer tudo — respondi com


convicção.

— Te amo, meu começo, meio e fim.

Suas palavras eram como canções dos anjos para os ouvidos

desse soldado apaixonado.


Aprendi a conviver com a águia que me acompanhava de vez
em quando, sempre que visitava o túmulo da Isadora ela estava por
lá, sobrevoado ou às vezes aparecia quando saía de casa, voando

por perto.

Olhei para o céu, ela planou e sorri com a cena.

Sentei perto do túmulo e rosas frescas estavam lá, anos após


anos, elas eram colocadas diariamente.

Sorri, ah, sorrir virou uma coisa tão comum para mim
ultimamente.

Cinco anos depois que tantas coisas mudaram.

Na vida de todos, Laila e Marco... Ah mais isso eles mesmo

vão contar.
Donny, essa é uma longa história de amadurecimento, ganho

de maturidade e fé. Logo ele deve querer se abrir para contar sua
história ao mundo.

— Oi, Isa.

Toquei o frio da sua lápide.

Nela mandei escrever “A MULHER MAIS INCRÍVEL QUE


CONHECI, A MELHOR IRMÔ.

— Nem acredito que estou concorrendo ao prêmio Nobel da

computação, você consegue entender o tamanho disso, talvez eu


não leve o prêmio, mas talvez sim... Sei lá, ainda estou em êxtase.

Estava concorrendo com outras celebridades ao prêmio


Turing, pelo sistema de abastecimento de água que desenvolvi para

ajudar na escassez de água potável.

— Foram meses de pesquisas, queria fazer algo pelas

pessoas, a Organização me forneceu os meios, e eu canalizei e


agora é real. — Ia acabar chorando. — Não vou chorar, estou feliz,

e vim aqui contar a você.

Senti a presença deles assim que virei, acho que isso se

chamava instinto, amor, algo assim. Olhei sobre o ombro e Júlio


brincava com nossa Isadora Helena do lado de fora. Ele sabia que
precisava desse momento com Isa.

— Foi assim que tudo começou, com raiva mágoa e dor, hoje

termina com amor, alegria, realização. — Toquei de novo o

mármore. — Obrigada por sempre me proteger, seja sempre o anjo

da guarda da sua sobrinha.

Minha filha de dois anos levava o nome da mulher mais incrível

que conheci, aquela que morreu por mim, aquela que fez tudo para

me proteger, a minha eterna Isadora.

— Minha felicidade é para você.

Levantei e olhei para minha família e Júlio acenou para mim e


Helena riu de algo. Nunca imaginei nada daquilo, mas era grata por

cada momento.

Pena que perdi a Isadora.

Que ela não iria ver o quão linda minha filha era, o quão louca

nos deixava, pois tinha a personalidade do pai, apesar de parecer a


mãe. Virou a favorita dos tios Isaac e Márcio, e fazia do vô Bento o

que bem desejava.

Até o tio Luciano babava o chão que ela pisava, sem contar o

tio Arion que ela cortou a gravata, e ele sorriu achando a maior
graça do mundo.

Resumindo: Isadora Helena era um furacão e dominava todos

à sua volta.

O fruto do meu amor pelo Júlio, e nós achávamos que não


conseguíamos.

Caminhei para ele.

— Oh mãe o pussarinho.

Mostrou para águia que planava acima de nós.

Júlio beijou meus lábios e fez carinho no meu rosto. Estava

mais velho, e como vinho ficou melhor com os anos. Um homem


espetacular, tínhamos brigas, rusgas, gritos, mas sempre nos

acertávamos.

E a nossa filha era o grande amor dele.

— Vamos, vou pegar Michele no aeroporto. — A adolescente

ruiva passaria as férias conosco esse ano.

Glória que a mãe dela aprendeu o lugar dela e nos deixou em


paz.

Segurei sua mão e seguimos andando para o carro com


Helena no cangote dele pulando.
Minha família.

— Eu te amo — disse, assim que ele colocou nossa filha na

cadeirinha.

— E eu amo ouvir isso da mulher mais gostosa do mundo.

Era um safado.

— Nada de viagem esse mês? — perguntei, com ele me

abraçando e eu o beijei — Nada, em casa para curtir as meninas —


falou e eu agradeci, sempre que ele saía em missão meu coração

temia, mas sabia que amava o que fazia e nunca ficaria contra a
isso.

— Te amo minha marrenta.

Toquei meus lábios com os seus.

— Helena com fominha — nossa filha falou e nós caímos na


risada.

— Essa menina parece mais filha do Donny — ele resmungou


indo para o lado do motorista e eu sentei do lado da Isadora Helena

no fundo.

Dia lindo, olhei o sol quente e brilhante. E agradeci a Isadora


mentalmente.
OBRIGADA POR CHEGAR ATÉ AQUI...

A Organização não é real, tudo criado na cabeça dessa autora


maluca. Uma fantasia criada por ela, um desejo que em algum lugar

tenha uma turma para salvar os que não têm voz e nem direitos
dentro dessa sociedade...

Em breve estamos de volta com o livro do Donny.

DONNY: ENTRE SEGREDOS E MENTIRAS.

ATÉ BREVE!

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